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totalitarismo neoliberal
Não é preciso ser um especialista para ver que nos últimos meses, e de maneira cada vez mais
acelerada, o imperialismo estadunidense e seus aliados da OTAN estão tratando de criar todas
as condições para transformar as relações internacionais em um novo teatro de confrontos
para manter o já questionado sistema internacional unipolar e a hegemonia neoliberal.
A firme posição russa no caso da Síria, que contou com o apoio da China e da maioria dos
países do mundo, mostrou pela primeira vez que existiam forças capazes, na cena
internacional, de por limite ou término ao sistema unipolar criado pelos EUA desde o colapso
da União Soviética, e começar o restabelecimento de uma ordem multipolar, algo que para o
imperialismo significaria o começo do fim de seu projeto de hegemonia neoliberal total.
Não em vão, desde 2013 e, em particular, durante a primeira metade de 2014, quando a
CELAC se formou, e na perspectiva da reunião de cúpula no Brasil, o grupo dos BRICS
esboça suas intenções de criar instrumentos financeiros para se libertar do dólar, que
diretamente, ou através de seus lacaios locais dos EUA e seus aliados, agravaram suas
tentativas subversivas na Venezuela e incrementaram a desestabilização política, financeira
e econômica em outros países latino-americanos.
E, desde janeiro passado, o imperialismo neoliberal pôs em ação as forças que há anos vem
financiando, entre elas os ultranacionalistas e neonazistas, para criar um perigoso foco de
tensão permanente na Ucrânia, na “porta de entrada” da Rússia.
O rechaço do presidente constitucional Victor Yanukovich a uma integração com a União
Europeia, que significava a desindustrialização do país, disparou a operação para derrotá-lo
e substituí-lo por um que aceitaria, como foi o caso e muito rapidamente, o ditado de
Washington, do FMI e da OTAN, destruindo com armas e bombardeios a oposição interna
neste país, com a clara tentativa genocida de eliminar a população de língua russa, como disse
na televisão um “jornalista” ucraniano (1), e assim recuperar essas terras. Não disse, mas se
pode assumir, que uma vez “limpos” de “gente inútil”, esses territórios serviriam para instalar
armamentos ofensivos da OTAN e criar uma constante ameaça direta à segurança da Rússia.
Para iniciar a recente cruzada contra a Rússia, como disse o ministro das Relações Exteriores
de Moscou, Sergei Lavrov, “se não fosse a Ucrânia, asseguro, qualquer outro aspecto da
política interior ou exterior da Rússia teria servido de razão”. Lavrov lamentou que as boas
intenções expressadas pelos “sócios ocidentais na Europa” não resistem à inércia da Guerra
Fria que buscam “levar todos os europeus para baixo do teto da OTAN e fazê-los com que se
dirijam à Rússia com um tom severo”. Esta miopia política, acrescentou, está baseada na
intenção de impor sua vontade a todo custo, de adotar sanções contra quem discordar e
represálias contra quem está pela “independência e não aceita obedecer à ordem mundial
unipolar” (2).
Esta ordem unipolar permite aos EUA e seus aliados a impunidade criminal que se manifestou
pela enésima vez na agressão, com bombardeios e forças terrestres que mataram cerca de
duas mil pessoas, na Faixa de Gaza. Israel atua impunemente graças ao apoio político,
diplomático e às armas e dados de inteligência estadunidenses, como confirmam os
documentos revelados recentemente pelo informante Edward Snowden e publicados pelo
jornalista Gleen Greenwald (3).
Os Estados Unidos, cuja existência jamais foi ameaçada por guerra alguma, fora a guerra de
Secessão, não tem mais do que uma definição ideológica de seus inimigos: “são aqueles que
não amam o modo de vida estadunidense, onde quer que estejam”, como afirmava em 2005
o historiador Eric Hobsbawm, durante uma conferência na Universidade de Harvard,
dedicada a destacar as diferenças entre a hegemonia estadunidense e a antiga hegemonia
britânica.
Este historiador argumentou que a Grã Bretanha, como sua hegemonia não dependia da
potência imperial, mas de seu comércio, se adaptou mais facilmente às derrotas políticas,
como já havia feito quando teve sua maior derrota política, com a perda das colônias na
América. E recordou que durante a Guerra Fria o crescimento das empresas estadunidenses
no mundo foi feito sob patrocínio do projeto político dos EUA, com o qual se identificaram
muitos dos grandes patrões, assim como a maioria dos estadunidenses. Em troca, dada sua
hegemonia mundial, a convicção de Washington de que a lei estadunidense deve prevalecer
nas relações dos estadunidenses com o mundo adquiriu uma força política considerável.
E Hobsbawm concluiu a conferência com uma pergunta cuja resposta é, agora, evidente:
Manterão os EUA esta lição ou cederão à tentação de manter uma posição que se corrói,
apoiando-se na força político-militar, engendrando assim não a ordem mundial, mas a
desordem, não a paz mundial, mas a guerra, não o avanço da civilização, mas a barbárie? (4).
Tal sistema não admite alternativas socioeconômicas, sejam nacionais ou regionais, estejam
ou não baseadas no capitalismo, que impliquem a intervenção ativa dos Estados, graus de
planejamento socioeconômico e que os povos, através dos organismos políticos e sociais,
atuando democraticamente, tomem decisões soberanas para defender legítimos interesses
populares e nacionais.
Exatamente porque não pode tolerar competição alguma proveniente de outras alternativas
socioeconômicas, já que não tem absolutamente nada de positivo a oferecer aos povos, é que
o neoliberalismo pôde se desdobrar em toda sua dimensão a partir do colapso da União
Soviética, quando também desabou a ordem mundial multilateral, e foi aplicado com especial
brutalidade na Rússia e demais ex-países socialistas.
Uma das razões pelas quais o imperialismo neoliberal se jogou no que parece uma tresloucada
corrida para impor seu ditado em nível mundial é que, em duas regiões muito importantes,
América Latina e Eurásia, foram lançados movimentos de integração econômica, comercial,
financeira e até monetária. E que estas iniciativas – que incluem os BRICS como mecanismo
de comunicação entre várias regiões – receberam novos impulsos políticos e estão dando
passos até a criação de mecanismos para funcionar sem uma subordinação ao sistema
neoliberal. Para o projeto imperial estadunidense, que busca submeter todos os povos, tais
iniciativas regionais devem ser destruídas.
Mais adiante, e ao ser perguntado por que nos encontramos hoje em tal situação, o ministro
Zaffaroni responde que “essa é a segunda parte da questão a respeito da qual temos de pensar
no futuro. Nossos próprios governos cederam a soberania nacional, sujeitando-nos a um
tribunal provincial estrangeiro (no caso do juiz de Nova York, Thomas Griesa) e a uma Corte
Suprema que declara não lhe interessar nada, em favor de uns especuladores com capacidade
de pagar advogados e fazer lobbies (…) Creio que o primeiro que devemos fazer ao olhar
para o futuro é reformar a lei e declarar imprescritível a administração fraudulenta em
prejuízo dos interesses nacionais em toda negociação internacional que comprometa
substancialmente a economia nacional. Sei que me pendurarão qualquer rótulo para
desclassificar esta opinião, mas o mundo do crime internacional vem pensando nessas coisas
há algum tempo” (6).
Também em 3 de agosto no Página 12, e talvez como prova de que está se formando essa
“inteligência social” de que falava Karl Marx, o filósofo José Pablo Feinmann começa seu
artigo enfatizando que “o capitalismo das últimas décadas tem se impulsionado no modo da
vertigem”, descrição com que muitos analistas e jornalistas estão de acordo, e acrescenta que
“o Império é o Império e não fala dialetos, não respeita a autonomia dos ‘polos’, arrasa as
identidades nacionais, os Estados nacionais, o orgulho europeu, as vidas iraquianas ou as
vidas de quem se opõe. Não há política multipolar, o capitalismo é um sistema totalizador. O
foi desde 1492, quando nasce, e o é hoje, mais do que nunca, por meio da grande revolução
deste tempo, que não é do proletariado marxista, mas, novamente, a do burguês conquistador:
a comunicacional” (7).
Tudo isso parece salientar que o combate contra o imperialismo neoliberal é a tarefa principal,
e é uma tarefa urgente porque em sua tentativa totalizadora chegou a uma fase demente e
mortal para nossas sociedades e para o planeta. E justo quando terminava este artigo, li a
esclarecedora análise do filósofo Fernando Buen Abad Dominguez, “Multipolaridade” sim,
mas anticapitalista”, do qual reproduzo uma pequena parte:
“Mas o perigo da confusão (até não ter claro de que “multipolaridade” falamos ou fala cada
um) não anula a necessidade de quebrar o domínio do império ianque. Tampouco implica
cancelar – ou satanizar – qualquer iniciativa, mesmo parcial, que permita dar passos adiantes
na soberania concreta dos povos. Só precisamos assegurar que tais passos se dirijam até onde
os povos mandem, e não apareçam os piratas reformistas que sempre torcem caminhos e
veredas até seus reinos burocráticos, atormentados com gestores servis ao capitalismo. A
graça está em não cair nas armadilhas semânticas da burguesia. A graça está em não se iludir
com falácias nem se tornar escravo delas. Esse erro nos custou muito” (8).
Notas:
1) "É muito simples. Você precisa matar 1,5 milhão de pessoas na Donbass"
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=S9SOVarOFJk
2) Sergei Lavrov em entrevista com Itar-Tass. URL http://en.itar-tass.com/russia/743470
3) Dinheiro, Armas e Vigilância: Os U.S. são a Chave para Todo Ataque Israelense, Glenn
Greenwald URL https://firstlook.org/theintercept/2014/08/04/cash-weapons-surveillance/
4) Eric J. Hobsbawm cita as páginas 72 e 78 (terceiro capítulo) do livro “O Império, a
democracia, o terrorismo”. André Versaille Editeur/Monde Diplomatique, 2009.
5) Karl Polanyi, Capitalismo Universal ou Planejamento Regional?, página 486 do livro
Essais de Karl Polanyi, Éditions du Seuil, 2008.
6) “Isso é um escândalo jurídico”, entrevista ao ministro da Corte Raúl Zaffaroni, Página/12
del 3 de agosto de 2014. URL http://www.pagina12.com.ar/diario/economia/2-252153-2014-
08-03.html
7) José Pablo Feinmann, “A Sociedade dos
Lobos”, http://www.pagina12.com.ar/diario/contratapa/13-252149-2014-08-03.html
8.- Fernando Buen Abad Domínguez, Rebelión, 5 de agosto 2014,
URL http://www.rebelion.org/noticia.php?id=188114
9) Fernando Buen Abad Domínguez, Rebelião, 5 de agosto 2014, URL
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=188114