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A Rússia na lista de Washington para ‘mudança de regime’?

fevereiro 28, 2014 14:04

Os paramilitares neonazistas de hoje fazem parte de uma velha agenda ocidental. Nada há de anômalo
na associação entre a classe capitalista dominante e a bandidagem fascista

por Finian Cunningham, no Strategic Culture


(traduzido pelo Coletivo Vila Vudu); reproduzido pelo Escrevinhador

Dias antes de o presidente ucraniano Viktor Yanukovych ser expulso do governo, ele foi informado pelo
vice-presidente dos EUA, Joe Biden, de que era “fim de jogo”. Segundo o “Guardian” britânico, que cita
funcionários não identificados dos EUA, Biden recriminou o presidente ucraniano, durante telefonema
que durou uma hora, pelo fracasso de seus esforços para encontrar solução negociada para a crise
ucraniana, os quais teriam chegado com “um dia de atraso, e incompletos”. Não se pode dizer que tenha
sido comentário amigável de observador neutro.

Desde o fim de semana passado, Yanukovych desapareceu de circulação, com notícias de que estaria em
algum ponto da Península da Crimeia, no sudeste da Ucrânia. Um ex-chefe de gabinete, Andriy Kluyev,
foi ferido em ataque a tiros, por ‘manifestantes’ antigoverno. Outros membros do Partido das Regiões de
Yanukovych também fugiram dos gabinetes no Parlamento, temendo ataques similares; o que deixou a
Câmara legislativa entregue a bandos da oposição. Esse parlamento ilegítimo rapidamente aprovou
acusações formais contra o ex-presidente e altos funcionários do governo, como responsáveis pelas
dúzias de mortos durante os três meses de tumultos e protestos.

O clima de terra sem lei governado por gangues que já se implantou em Kiev espalhou-se para outras
partes do país, com as comunidades pró-Rússia, sobretudo, já temendo guerra civil[1] em toda essa ex-
República Soviética. Esse clima de medo é reflexo do golpe de estado construído e lançado contra
presidente eleito e seu governo. A chegada essa semana do vice-secretário de Estado dos EUA Williams
Burns à capital da Ucrânia,[2] “para discutir com figuras políticas e empresariais” o futuro do país é
mais uma evidência de que todo o golpe de estado foi evento patrocinado e promovido por Washington.
Por que mais o vice-presidente dos EUA Joe Biden tanto se interessaria pelos assuntos internos da
Ucrânia a ponto de telefonar várias vezes da Casa Branca ao infeliz Yanukovych, nas últimas semanas?

Essa interferência criminosa nada “encoberta” dos EUA, em estado soberano, já não surpreende
ninguém.

O secretário de Estado dos EUA John Kerry e outros líderes ocidentais a repetirem que a Ucrânia não
seria “batalha entre o Leste e o Oeste”[3] é, no mínimo absurdo risível, sempre devidamente regurgitado
servilmente pela chamada imprensa de notícias ocidental, para consumo popular.

A Ucrânia já estava na lista de ‘mudança de regime’ desde o início dos anos 1990s, quando o país foi
atacado pela primeira vez por Zbigniew Brzezinski e outros ‘estrategistas’ do império norte-americano,
como área desprotegida, um baixo ventre vulnerável, para desestabilizar a Rússia. A ‘revolução laranja’
patrocinada pelo ocidente, de meados dos anos 2000s, e que abriu a Ucrânia para ser saqueada pelo
capital ocidental, já se deixa ver hoje, bem claramente, como um ensaio geral para a operação de golpe
para ‘mudança de regime’ que hoje se vê em curso.

De fato, a Ucrânia já pode ser acrescentada ao conhecido inventário de países alvos de golpes para
‘mudança de regime’ que foi revelado em 2007 por Wesley Clark, general norte-americano de quatro
estrelas. Há quase sete anos, Wesley Clark foi a público e contou como Washington tinha um plano em
andamento, no mínimo desde o final de 2001, quando o país invadiu o Afeganistão, e que incluía a
ambição de ‘mudar o regime’ em outros seis países – Iraque, Síria, Líbano, Somália, Sudão e Irã. Todos
esses países sofreram, em maior ou menor grau, a agressão por operação militar clandestina liderada por
Washington, a mais intensa das quais se vê hoje na Síria, onde EUA e aliados financiam e armam uma
insurgência estrangeira infiltrada ali.

Além dos conhecidos já sete alvos (incluindo o Afeganistão), eventos recentemente orquestrados na
Ucrânia e provas de evidente intervenção ocidental também fazem desse país mais um item na agenda de
governos a derrubar, de Washington. Além do mais, é cada dia mais visível que não só a Ucrânia é alvo
dos intentos criminosos.

A violência das manifestações de rua na Venezuela para desestabilizar o governo do presidente socialista
Nicolás Maduro são, sem dúvida possível, também maquinações da interferência de Washington na
Venezuela. E a subversão de hoje faz lembrar a tentativa de golpe, também apoiada pelos EUA, contra o
ex-presidente Hugo Chávez em 2002.

Em anos recentes, Washington também esteve ativa em golpes para mudança de regime ou tentativa de
golpe em Honduras e no Uruguai [Nota do Escrevinhador: o autor, provavelmente, confundiu Uruguai
com Paraguai - onde de fato houve um "golpe institucional, com apoio dos EUA, contra o então
presidente Lugo] e foi cúmplice da intervenção militar ilegal da França em vários pontos da África,
incluindo Costa do Marfim, Mali e atualmente na República Centro-Africana.

Golpes para ‘mudança de regime’ são procedimento operacional padrão para Washington e seus
procuradores. Não é alguma aberração irracional: é movimento estrutural. Na longa perspectiva histórica
que vai até o surgimento dos EUA como potência imperial entre meados e o final dos anos 1800s,
Washington já esteve envolvida em mais golpes, contragolpes, guerras de subterfúgio e agressões por
todo o planeta, que qualquer outro estado.

Apesar das aparentemente sinceras declarações de que não há intervenção do ocidente na Ucrânia, o
único modo de compreender o torvelinho que tomou conta daquele país é analisá-lo no contexto das
ambições imperialistas de Washington, em nome do capitalismo ocidental. Essa agenda é, infelizmente,
seguida por sucessivos governos europeus, que demonstram suas prioridades políticas subscrevendo o
diktat do capitalismo liderado pelos EUA na direção de ‘austeridade’ econômica contra seus próprios
cidadãos, e garantindo carta branca a Washington para que viole o quanto queira a lei internacional.

A verdade sistêmica é que o capitalismo não pode ser sustentado sem a conquista imperialista. É
especialmente verdade em tempos de crise do capitalismo, e a atual conjuntura é, provavelmente, a mais
profunda crise histórica surgida ante a viabilidade do capitalismo liderado pelos EUA. O imperialismo,
com sua proclividade para a intervenção em países estrangeiros, a subversão e a indução a sempre mais
guerras está, portanto, hoje no seu ponto mais agudo de necessidade de manifestar-se, para aliviar a
estagnada ordem econômica liderada pelos EUA. E é isso que torna a atual situação global tão
perturbadoramente perigosa.

Essa conexão estrutural entre o capitalismo e o imperialismo foi exposta, em toda a sua conexão lógica,
em 1916, por um líder russo bolchevique, Vladimir Lênin, em seu estudo O Imperialismo, Fase Superior
do Capitalismo.[4]

As intuições de Lênin relacionadas às causas econômicas e sistêmicas da 1ª Guerra Mundial resistiram


ao teste do tempo, por mais que tenham sido censuradas e excluídas da consciência ocidental ‘oficial’.
Aquelas intuições de como as crises do capitalismo alimentam a predação imperialista aplicam-se,
igualmente precisas e cogentes também para explicar as origens da 2ª Guerra Mundial e de muitos outros
conflitos internacionais subsequentes, inclusive o surto atual de golpes para mudança de regime
patrocinado pelos EUA em diferentes continentes.

A análise de Lênin dá conta do motivo pelo qual Washington escalou no seu vício de provocar golpes de
mudança de regime por todo o planeta ao longo da última década, a partir do momento em que a ordem
capitalista comandada pelos EUA viu-se encurralada numa depressão que já parece insuperável. Como
em outras vezes, a guerra e o assalto imperialista são o único modo que o sistema conhece para aliviar
sua própria tendência destrutiva, gerando impasses. Não surpreende, portanto, ironicamente, que um dos
primeiros atos dos manifestantes fascistas patrocinados pelo ocidente em Kiev, ainda no final do ano
passado, tenha sido destruir monumentos que homenageavam Lênin.

O que se passa hoje na Ucrânia está afinado com a dinâmica histórica maior que os EUA e seus
fantoches ocidentais aprofundaram, em seu ímpeto imperialista – por todo o planeta.

Em última instância, os alvos dos capitalistas ocidentais são os dois principais rivais geopolíticos, como
os capitalistas ocidentais os vêem: Rússia e China. Esses países são obstáculos no caminho do
expansionismo doentio dos capitais ocidentais na Eurásia e no Pacífico.

Nesse sentido, desgraçadamente, a Ucrânia deve ser vista como mera cabeça-de-ponte para os planos de
golpe e mudança de regime, dos EUA, contra a própria Rússia. Com a ascensão do presidente Vladimir
Putin da Rússia como líder global, que se tem oposto à agressão nua e crua pelo ocidente a outros países
(hoje, declaradamente, no caso da Síria), aquela “obstrução” elevou a Rússia à posição de objetivo
prioritário, para Washington. É o que se vê nas repetidas ameaças de escalada militarista dos EUA
contra a Rússia (e a China), sob a forma de implantação de mísseis balísticos junto às fronteiras,
expansão do armamento nuclear (eufemisticamente chamado “upgrade” e a velada doutrina da
capacidade para “o primeiro ataque”.

A Ucrânia ilustra um desdobramento aterrorizante de uma tendência que se vem desenvolvendo no


imperialismo norte-americano ao longo da última década. A cada dia que passa, mais se vê claramente
qual o trunfo a que visam as várias operações clandestinas conduzidas pelos EUA, para mudança de
regime no mundo: Moscou.

Mas, na verdade, não é simples caso de os EUA retomarem a velha Guerra Fria pós-1945 contra a
Rússia. A guerra capitalista global comandada pelos EUA contra a Rússia tem passado mais longo: vai
até à Revolução de Outubro de 1917. O massacre da Rússia Soviética pela Alemanha Nazista foi plano
ocidental para subjugar um vasto território que se posicionara fora do controle do capitalismo ocidental.
(O que é assunto para outra coluna.)

Os paramilitares neonazistas[5] que o ocidente mobilizou para desestabilizar a Ucrânia (e a Rússia) hoje
trazem ecos de uma agenda velha, sistemática, de golpes para mudança de regime, do ocidente
imperialista contra o oriente, e por toda a parte. Nada há de anômalo na associação entre a classe
capitalista dominante e a bandidagem fascista, hoje. Essa é uma associação histórica.****
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[1] http://www.strategic-culture.org/news/2014/02/21/war-in-ukraine-what-is-its-hidden-purpose.html

[2] http://www.strategic-culture.org/news/2014/02/25/ukraine-coup-staged-new-order-established-first-
steps-taken-tendencies-taking-shape.html

[3] http://www.strategic-culture.org/news/2014/02/21/west-woos-maidan-fascists-of-convenience.html

[4] LÊNIN, Vladimir Ilitch [jan.-jun. de 1916], O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, in
LÊNIN, Obras Escolhidas, tomo 2, Lisboa-Moscou: Editorial Avante!/Edições Progresso, 1984,
emhttp://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/ [NTs].

[5] http://www.strategic-culture.org/news/2014/02/20/cia-use-nazi-strategy-ukrainian-right-wing-
nationalists-unabated-since-cold-war.html

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