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O orvalho vem caindo – SAPIENTIAM AUTEM NON VINCIT MALITIA 03/11/2023, 19:38

O orvalho vem caindo


Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 05 de novembro 2007

Segundo o Asia Times do dia 26, “o ponto alto da visita do presidente


russo Vladimir Putin a Teerã na semana passada foi o encontro com o
supremo líder iraniano, aiatolá Ali Khamenei. Uma alta fonte diplomática
em Teerã informou que no essencial Putin e Khamenei concordaram num
plano destinado a esvaziar o incansável impulso da administração George
Bush para um ataque preventivo, talvez mesmo tático-nuclear, contra o
Irã. Um ataque ao Irã será visto por Moscou como um ataque à Rússia “.

Provavelmente o jornal tem razão. A ligação da Rússia com os


radicais islâmicos é muito mais antiga e sólida do que a amizade fingida
com os americanos. No mínimo, as principais lideranças revolucionárias
muçulmanas não nasceram de nenhum espontaneísmo “fundamentalista”,
mas de um longo esforço de preparação conduzido pela KGB através dos
serviços de inteligência dos países satélites da União Soviética.

A KGB, hoje FSB, que desde o tempo de Lênin já mudou de nome


uma dúzia de vezes mas jamais parou de crescer, é a maior, mais rica e
mais poderosa organização de qualquer tipo que já existiu no mundo, e
está capacitada para criar e implementar planos de longo prazo que
ultrapassam o horizonte de visão da maioria dos analistas ocidentais, pelo
menos os que escrevem na grande mídia. Estes tendem a explicar tudo
em função de causas histórico-sociais anônimas, ignorando muitas vezes
a ação de grupos e indivíduos de carne e osso por trás de tudo. A
profusão desses diagnósticos pseudo-eruditos no que diz respeito ao
terrorismo islâmico tem obscurecido por completo o único fator agente
que tem importância efetiva: os planos de longo prazo da KGB para atacar
os EUA com mão islâmica e ao mesmo tempo destruir a odiada

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“civilização ocidental” através de uma guerra cultural empreendida


habilissimamente, na qual o próprio horror causado pelas iniciativas
bárbaras dos terroristas islâmicos treinados pela KGB é usado como
pretexto para um ataque brutal às tradições religiosas em geral,
sobretudo aquelas mesmas que são as maiores vítimas da violência
“islâmica”, isto é, o cristianismo e o judaísmo.

Entre os maiores ex-oficiais de inteligência soviéticos que


desertaram para o Ocidente, é unânime a afirmação de que todo o
radicalismo islâmico nada tem de islâmico e é, de alto a baixo, uma
criação da KGB. Um desses oficiais, Ion Mihai Pacepa ( Red Horizons.
Chronicles of a Communist Spy Chief , Washington, Regnery, 1987), relata
ter sido um dos orientadores de Yasser Arafat, formado pela KGB para
servir de testa-de-ferro num ataque indireto a Israel e EUA. O general Jan
Sejna, membro do Comitê Central do Partido Comunista da
Tchecoslováquia, testemunhou a articulação de terrorismo e narcotráfico
que, preparada pelos soviéticos desde os anos 50, veio a criar todo o
cenário de caos e terror em que o mundo vive hoje (v. seu depoimento em
Joseph D. Douglas , Red Cocaine. The Drugging of America and the West
, London, Harle, 2nd. ed., 1999). Anatoliy Golitsyn, ex-chefe da contra-
espionagem anti-americana da KGB, antecipou, com base em
informações de primeira mão, todos os passos estratégicos da Rússia nas
últimas duas décadas, acertando, segundo aferições recentes, em 96 por
cento de suas previsões, que incluíam o desmantelamento aparente do
Estado soviético e ao mesmo tempo a expansão ilimitada das ações da
KGB no mundo através do terrorismo islâmico, do narcotráfico, da
ocupação de espaços nos organismos internacionais e da penetração
maciça na mídia européia de modo a torná-la um poderoso instrumento
para campanhas anti-americanas (v. New Lies for Old , New York, Dodd,
Mead & Co, 1980). Suas análises são convergentes com algumas de
Ladislav Bittman, ex-chefe do Departamento de Desinformação do
serviço de inteligência tcheco (com missões inclusive no Brasil, onde foi
um dos criadores da lenda da participação americana no planejamento do
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golpe de 1964: v. The KGB and Soviet Disinformation , Washington,


Pergamon-Brassey’s, 1985), e também são coerentes com os fatos
colhidos por Vassili Mitrokhin, alto funcionário que durante dez anos
copiou em segredo arquivos da KGB e depois os transportou ao Ocidente,
onde foram divulgados com a ajuda do historiador britânico Christopher
Andrew em dois livros monumentais ( The Sword and the Shield. The
Mitrokhin Archive and the Secret History of the KGB , New York, Basic
Books, 1999, e sobretudo The World Was Going Our Way. The KGB and
the Battle for the Third World , id., ibid., 2005). No mesmo sentido vêm os
depoimentos e análises do coronel Stanislav Lunev, ex-membro do
Diretório de Inteligência do Estado-Maior russo: “Não tenho dúvidas de
que a Rússia esteve por trás de muitos desses grupos terroristas,
financiando-os e equipando-os” (v. Through the Eyes of the Enemy: The
Autobiography of Stanislav Lunev , Washington, Regnery, 1998). Que a
Rússia, em tudo isso, opera em estreita colaboração com a China, é algo
de que não se pode duvidar desde as análises do prof. Alexandr Nemets,
ex-membro da Academia de Ciências da URSS (v. “Chinese-Russian
Alliance”) e sobretudo desde o projeto russo de uma nova estrutura de
poder militar mundial a ter como centro de comando a Organização de
Cooperação de Shangai, que reúne Rússia, China, Cazaquistão,
Quirziguistão, Tajiquistão e Uzbequistão (v.”Sugestão aos bem-
pensantes”). Outro refugiado russo, o filósofo Lev Navrozov, decerto uma
das mentes mais brilhantes do universo, vem advertindo repetidamente
quanto à acumulação chinesa de armas nanotecnológicas, instrumentos
por excelência da guerra pós-nuclear, capazes de destruir em poucas
horas as principais cidades americanas sem qualquer estado de guerra
explícito (v. The Education of Lev Navrozov , New York, Harper’s, 1975,
assim como a infinidade de artigos publicados em
http://www.newsmax.com/Navrozov e em www.levnavrozov.com). Mas
talvez o documento mais eloqüente de todos seja o livro em que dois
oficiais chineses, com antecedência de dois anos, traçam planos
meticulosos para a destruição do World Trade Center por meio do choque

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de dois aviões e ainda sugerem, como executor preferencial do plano, o


nome de Osama Bin Laden (v. Qiao Liang and Wang Xiangsui,
Unrestricted Warfare , Beijing, PLA Literature and Arts Publishing House,
1999).

É absolutamente impossível que os tagarelas pomposos da mídia


ocidental, com suas especulações sobre “fanatismo religioso”,
“populismo” e outras desconversas, entendam melhor o fenômeno do
terrorismo internacional do que essas testemunhas diretas que o viram
nascer na própria fonte.

Infelizmente, no Brasil, como já tenho assinalado repetidas vezes, a


mídia popular tornou-se a fornecedora predominante ou única de
informações para as classes cultas, ditas “dominantes”, que outrora
tinham pelo menos a sabedoria de rir da opinião dos jornais (com exceção
talvez dos consistentes editoriais do velho Estadão , que tinha a seu
serviço estudiosos do porte de um Nicolas Boer) e buscar alimento em
fontes mais sérias. Graças a esse fenômeno deprimente, a simples
sugestão de que os bons e velhos comunistas soviéticos e chineses estão
por trás do terrorismo islâmico soará naturalmente como pura fantasia
direitista, talvez até “macartista”. Na mente nacional, mesmo “de direita”,
chavões esquerdistas idiotas, incorporados à linguagem usual da mídia,
são mais convincentes do que qualquer quantidade de conhecimentos e
provas. Comparando a total ignorância aí vigente com a pletora de
material bibliográfico existente nos EUA sobre o assunto deste artigo,
torna-se claro que o Brasil, de uma vez por todas, desistiu de entender o
mundo real e consentiu em deixar-se guiar por um grupo de
revolucionários cegos e loucos, nos quais confia como se fossem
enviados do Senhor ou no mínimo idealistas inofensivos.

O fato é que Putin, ao visitar a Inglaterra em 2000, advertiu que o


Ocidente dificilmente escaparia de uma guerra com o Islam. Só não
informou de que lado a Rússia estaria nesta guerra. Todo mundo, então,

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entendeu suas palavras como se viessem da boca de um aliado dos EUA.


Mas o sentido invertido da declaração torna-se retroativamente patente
quando lembramos que, na mesma entrevista, o ditador então em germe
associou a tragédia do 11 de setembro aos atentados chechenos em
Moscou, como se dissesse: “O terrorismo ameaça a todos nós.” Hoje
sabemos, acima de qualquer possibilidade de dúvida, que os atentados
em Moscou foram uma operação da própria KGB, destinada a aumentar
formidavelmente o poder do governo central russo, que enquanto isso
fornecia todo tipo de armas aos terroristas islâmicos contra os quais ele
mesmo advertia. Com uma mesma frase, Putin diz uma coisa para a
platéia, outra para os iniciados. É típico da linguagem comunista.

Para quem estuda o assunto, não há mais como duvidar de que o


terrorismo internacional, com seu irmão siamês, o narcotráfico, não é
senão a realização tardia da opção feita em 1967 pela KGB, quando um
dos seus comandantes, o general Aleksandr Sakharovski, definiu o novo
rumo a ser seguido pelo comunismo internacional: “No mundo de hoje,
quando as armas nucleares tornaram obsoleta a força militar, a nossa
principal arma deve ser o terrorismo.”

Se há indícios eloqüentes de que os EUA já estão preparando o


bombardeio do Irã (v. “Bush Budget Plans for Iran Attack”) , há provas
ainda mais abundantes e convincentes de que algo de muito maior e mais
letal vem sendo preparado contra os EUA pela Rússia e pela China. Se os
americanos continuam tratando essas duas ditaduras como se fossem
suas aliadas confiáveis, isso só se explica pela tirada inesquecível do
falecido Nikita Kruschev: “Nós cuspimos na cara deles, e eles acham que
é orvalho caindo.”

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