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Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um
tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do
Estado.
Batalhão SS 201 Schutzmannschaft, constituído por nazis ucranianos e alemães. Roman Shukhevych é o segundo à esquerda, na primeira fila. A unidade
distinguiu-se pela repressão de judeus e partisans bielorussos
Antes de ascender ao comando da UPA, em certa medida porque Bandera foi preso
e enviado para a Alemanha (embora em condições principescas), porque nem
sempre o Estado ucraniano foi considerado «útil» e «oportuno» pelos chefes
militares do Reich, Shukhevych esteve integrado no exército alemão, a
Wehrmacht; contribuiu então para a formação de dois batalhões ucranianos,
Nachtigall5 e Roland, que entraram em território soviético com as tropas nazis.
Dois soldados SS colaboracionistas ao serviço dos alemães, diante de judeus assassinados, no ghetto de Varsóvia. Nacionalistas ucranianos participaram
na liquidação do ghetto de Varsóvia, em 1943.
O único «pluralismo» tolerado hoje por Kiev é o da nuvem de grupos nazis que
controlam as rédeas do Estado.
Roman Shukhevych, entretanto, continua a ser alvo de homenagens e festivais de
vários dias em sua honra. Às celebrações de 2017, por exemplo, seguiu-se um
ataque a uma sinagoga12. Apesar de o anti-semitismo estar oficialmente extinto na
Ucrânia e o chefe de Estado ser «um judeu».
Dois dos 18 trabalhos do artista Roman Bonchuk, «Judeu com um porco» (na foto) e outro quadro representando um monstro a fatiar uma Torah
como shawarma foram retirados após um protesto da comunidade judaica local. Ivano-Frankivsk, Fevereiro de 2022 / Twitter
Nazismo à solta
No dia 30 de Março deste ano, mais de um mês depois do início da invasão militar
russa da Ucrânia, a insuspeita CNN admitiu que o Batalhão Azov, cujos membros
são olhados no Ocidente como «mártires» e «resistentes», tem um «histórico de
tendências nazis que não foram totalmente extintas com a sua integração na
Guarda Nacional» – corpo das Forças Armadas ucranianas13.
Meios de comunicação como The Economist, The Guardian e mesmo a Rádio
Europa Livre/Rádio Liberdade, um organismo de propaganda subordinado à CIA,
admitiram mais de uma vez que grupos nacionalistas e «patrióticos» têm
comportamentos ao nível das práticas, da simbologia usada e do culto da «pureza
da raça» que remetem para a inspiração hitleriana.
Josh Cohen, ex-membro da USAID – instituição golpista conspirativa ao serviço do
Departamento de Estado norte-americano – escreveu na revista Atlantic Council,
subordinada oficiosamente à NATO, que «A Ucrânia tem um problema real com a
violência de extrema-direita e não, não foi a RT (Russia Today, censurada no
Ocidente) que fez esta manchete». Revelou que «o grupo neonazi C-14» é
financiado pelo governo de Kiev para desenvolver «projectos de educação
patriótica»14, que outras organizações nazis têm elementos desempenhando altos
cargos, principalmente no Ministério do Interior, na polícia e nas Forças Armadas;
e deduziu que «a impunidade da extrema-direita também representa uma ameaça
perigosa ao Estado da Ucrânia». Ainda segundo Cohen, «não são as perspectivas
eleitorais dos extremistas que devem preocupar os amigos da Ucrânia, mas sim a
falta de vontade ou a incapacidade do Estado para confrontar os grupos violentos e
acabar com a sua impunidade».
Militantes do movimento neo-nazi C-14 desfilam para assinalar o 76.º aniversário da fundação da UPA, em Kyiv, a 14 de Outubro de 2018
Oleg Petrasiuk / Kyiv Post
A realidade da situação ucraniana não escapou até ao FBI, como se deduz num
relatório elaborado a propósito dos supremacistas brancos norte-americanos
formados nas hostes do Azov. No documento pode ler-se que este grupo «é
conhecido pela sua associação com a ideologia nazi e acredita-se que tenha
participado no treino e radicalização de organizações de supremacia branca nos
Estados Unidos»15.
O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos "mainstream media" ocidentais como «nacionalistas
ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi "Wolfsangel" na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo
de Kiev, no Leste como no resto do país.
A verdade da ditadura
A acumulação na Ucrânia de elementos comprometedores para a «democracia
liberal», conceito que domina a propaganda atlantista, é tão evidente que forçou a
Rádio Europa Livre a reconhecer que a «polícia ucraniana declara admiração por
colaboradores nazis». Parafraseando o atrás citado Josh Cohen, «não, não foi a RT
que disse isto».
Pelo contrário, a História real revela que Yevgeny Konovalets, fundador da OUN em
1929, a par de Stepan Bandera, e durante alguns anos presidente da organização, se
avistou duas vezes com o próprio Hitler, na segunda metade dos anos trinta do
século passado, para preparar a criação de um Estado ucraniano, o que viria
realmente a acontecer pouco depois sob protecção germânica.
Quase todos eles são oriundos do Partido Nacional-Social (a designação não deixa
dúvidas sobre as suas fontes ideológicas) e a partir dessa organização, depois
denominada Svoboda (Liberdade), acabaram por fundar os diversos grupos que
actuam no terreno, principalmente na sequência do golpe da Praça Maidan.
Partilham o conceito de supremacia étnica ucraniana, a ideia de «Estado puro e
homogéneo» (espelhando a herança de Dmytro Dontsov), o culto da violência e de
Stepan Bandera, o nacionalismo integral, simbologias e práticas de inspiração nazi.
A maioria dos grupos nazis que se foram formando receberam grande parte dos
apoios financeiros do corruptíssimo oligarca Ihor Kolomoysky, um judeu com
dupla nacionalidade ucraniana e israelita proprietário da estação de televisão onde
o humorista Volodymir Zelensky ganhou fama desempenhando, numa série de
ficção, o papel que exerce agora na chefia do Estado. A sua campanha política foi
financiada efectivamente por Kolomoysky – e agora partilham a fama devida a
quem pertence à elite das grandes fortunas escondidas em paraísos fiscais, como
demonstra, sem espaço para equívocos, a investigação jornalística Panama Papers.
Hoje a actuação de Biletsky processa-se mais na sombra, mas nem por isso é menos
eficaz. Muito recentemente foi o organizador da marcha nacionalista sobre Kiev
para «dissuadir» Zelensky de chegar a qualquer acordo com a Rússia. A iniciativa
integrou-se no conjunto de acções para intimidar o presidente no caso de este se
desviar da agenda nazi que, por exemplo, impediu a aplicação dos Acordos de
Minsk, neste caso com as conivências dos governos da Alemanha e da França. A ex-
chanceler alemã Angela Merkel e o ex-presidente francês François Hollande
confessaram recentemente que os Acordos de Minsk, entretanto transformados em
resolução das Nações Unidas, não eram para cumprir e não passaram de meros
instrumentos para a Ucrânia ganhar tempo e adquirir poder militar que lhe
permitisse travar uma guerra contra a Rússia.
Também nas palavras de Yarosh, «sinto que Zelensky é muito perigoso para nós,
ucranianos»; ele «não conhece os perigos deste mundo e as suas declarações de paz
a qualquer custo são perigosas para nós».
Para já, a sua tarefa cumpre-se visivelmente no activo. Em 2021, Zelensky nomeou
Yarosh como conselheiro do chefe do Estado Maior das Forças Armadas
ucranianas, general Valerii Zaluzhny. O presidente achou mais seguro «entender»
as mensagens do chefe do Sector de Direita.
A falta de pudor é extensiva aos governos dos Estados Unidos e de países da União
Europeia que receberam oficialmente Parubiy, com muita cordialidade, apesar de
este nunca se ter preocupado em esconder as fotos de manifestações onde
participou ostentando simbologia nazi.
É certo que, ao tornar-se deputado pelo partido de Porochenko, Andriy Parubiy
teve de desligar-se formalmente do Movimento Azov. Porém, numa entrevista
concedida em 2016, em pleno exercício do cargo de presidente do Parlamento,
assegurou que não abdicou dos seus «valores».
O então vice-presidente Joe Biden cumprimenta Oleh Tyahnybok durante um encontro no parlamento, em Kiev, a 22 de Abril de 2014
Anastasia Sirotkina / REUTERS
1. Rudling, Per Anders. «The Cult of Roman Shukhevych in Ukraine: Myth Making with Complications», in Fascism, vol. 5, n.º 1,
May 2016, p. 26-65 (Leiden, Netherlands: Brill 2020). Ler aqui ou aqui.
2. Em Março de 2021, quando o conselho municipal de Ternopil decidiu atribuir o nome de Roman Shukhevych ao estádio
Vanguarda, construído em 1983, no tempo da União Soviética, o embaixador de Israel «condenou fortemente a decisão» de
homenagear o «infame capitão do Batalhão SS 201» e exigiu o seu «imediato cancelamento». O embaixador Joel Simon já
deixou a Ucrânia. O estádio municipal de Ternopil continua a perpetuar a memória do nazi Roman Shukhevych.
3. Sobre Slava Stetsko e o seu marido, o nazi Yaroslav Stetsko, ver «O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)».
4. Rudling, Per Anders. «Rehearsal for Volhynia: Schutzmannschaft Battalion 201 and Hauptmann Roman Shukhevych in
Occupied Belorussia, 1942», in East European Politics and Societies, vol. 34, n.º 1, February 2020, p. 158-193 (Newbury Park,
CA: Sage Publications 2020).
5. Foi o primeiro comandante do Nachtigall. Os batalhões Nachtigall e Roland foram formados a 25 de Fevereiro de 1941 com
400 combatentes cada, após conversações directas entre Stepan Bandera e as chefias nazis. Ver «O nazismo ucraniano,
ontem e hoje – uma trilogia (I)».
6. Rudling, Per Anders. «The Return of the Ukrainian Far Right: The Case of VO Svoboda», in Ruth Wodak and John E.
Richardson (eds.) Analyzing Fascist Discourse: European Fascism in Talk and Text (London and New York: Routledge 2013), p.
228-255.
7. A recuperação do nazismo na Ucrânia actual, através da celebração da memória de criminosos de guerra responsáveis pelo
extermínio de resistentes e civis judeus, polacos e soviéticos, é acompanhada por manifestações de anti-semitismo em locais
públicos, escolas, igrejas e até em galerias de arte. A memorialização do banderismo nazi tem sido criticada por diversas
organizações e personalidades judaicas da Ucrânia, da Rússia, de Israel ou dos Estados Unidos, mas encontra-se dispersa.
Uma tentativa de sistematização dessa denúncia encontra-se na página «Nazi collaborator monuments in Ukraine», o mais
antigo jornal judaico independente nos EUA. A denúncia de casos de anti-semitismo que não encontram eco nos meios de
informação ocidentais tem sido feita por Eduard Dolinsky, que vive em Kiev e se mantém à frente do Comité Judaico da
Ucrânia, apesar das ameaças de morte que recebe.
8. Rudling, Per Anders. «WARFARE OR WAR CRIMINALITY? Volodymyr V’iatrovych, Druha pol’s’ko-ukains’ka viina, 1942–
1947 (Kyiv: Vydavnychyi dim “Kyevo-Mohylians’ka akademiia,” 2011)», 228 p., in Ab Imperio, n.º 1/2012 (Amherst, MA). Desde
2017 a Ab Imperio é publicada pela Universidade de Miami, FL, EUA.
9. Rudling, Per Anders. «The OUN, the UPA and the Holocaust: A Study in the Manufacturing of Historical Myths», in The Carl
Beck Papers in Russian & East European Studies, n.º 2107/November 2011 (University of Pittsburgh, PA).
10. O branqueamento dos crimes e do passado nazi dos nacionalistas ucranianos por Volodymyr Vyatrovich, que durante anos foi
director do Instituto da Memória Nacional da Ucrânia, tem sido severamente criticado, como, por exemplo, na americana
Foreign Policy. . Na Wikipédia polaca há mesmo uma página sobre a sua «falsificação da história genocida da OUN e da UPA».
Vale a pena comparar as versões inglesa, polaca, russa e ucraniana da sua entrada na Wikipédia, onde a dimensão dessa
crítica assume formas muito diferentes.
11. Ver caixa acima.
12. Um relatório do insuspeito Departamento de Estado norte-americano sobre a liberdade religiosa na Ucrânia no ano de 2017,
é conclusivo sobre os frequentes ataques anti-semitas – e não só – dos neonazis ucranianos: «Nacionalistas organizaram uma
marcha, para honrar um dirigente nacionalista do tempo da Segunda Guerra Mundial, durante a qual os participantes
entoaram cânticos anti-semitas. Houve relatos de vandalização de monumentos cristãos, memoriais do Holocausto,
sinagogas, cemitérios judaicos e templos das Testemunhas de Jeová». Homenagens a Shukhevych, dois anos depois,
suscitaram um raro protesto conjunto israelo-polaco, apesar de a Polónia e Israel raramente falarem da glorificação rampante
dos colaboracionistas dos nazis na Ucrânia, país visto por muitos no Ocidente como uma almofada contra o expansionismo
russo», como observou na altura o Times of Israel.
13. Em reportagem de Agosto de 2022, a CNN já reconhecia que, «no seu auge como uma milícia autónoma, o Batalhão Azov
estava associado a supremacistas brancos e a uma ideologia e insígnias neo-nazis», e que já em 2014 e 2015, em Mariupol,
equipas da estação tinham documentado essa ligação.
14. Yehven Karas, chefe do grupo C-14, afirmou sobre o golpe de Maidan que não teria passado «de uma parada gay» se não fosse
o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua (ver «O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)». O
grupo a quem Kiev atribuiu fundos para «projectos de educação patriótica» é um bando de arruaceiros nazis cujo historial de
violência – ataques a minorias étnicas, à comunidade LGBT, a jornalistas, sindicalistas e partidos de esquerda, indignou até o
parlamento britânico, ao qual foi submetida uma moção censurando a BBC por reportagens que branqueavam a organização.
Menos conhecido é que, durante o golpe de Estado de Maidan, foi o C-14 que, entre outras violências e crimes, assaltou e
vandalizou, à boa maneira fascista, a sede do Partido Comunista da Ucrânia em Kiev.
15. Uma denúncia desta situação e dos perigos que representa para a esquerda americana pode ler-se no site antiracista Black
Agenda Report.
16. As informações recolhidas pelo autor foram utilizadas num documento sobre segurança interna dos EUA do Centro de
Combate ao Terrorismo de West Point, intitulado «The Nexus Between Far-Right Extremists in the United States and
Ukraine» e publicado no CTC Sentinel, vol. 13, n.º 4, de Abril de 2020.
17. Uma reportagem da Harper’s Magazine, «The Armies of the Right», revela a força dos neo-nazis nas ruas e a noção que têm do
seu poder sobre o Estado: «Se os movimentos de extrema-direita [na Europa] têm pouca margem de manobra por serem
quase considerados organizações terroristas, aqui todos percebem que os movimentos de extrema-direita não são uma
ameaça ao Estado. Em vez disso, passa-se o contrário. Eles são o motor que impulsiona o Estado.». Mikhail Didych,
organizador do Azov em Uzhgorod.
18. A execução do atentado contra Konovalets foi reivindicada por Pavel Sudoplatov (1907-1996) num livro que chegou a ser
publicado em português mas se encontra há muito esgotado: Operações especiais. Memórias de uma testemunha indesejada,
Europa-América (Lisboa, 1994). Pode ser encontrado em inglês. Sudoplatov, um nativo de Melitopol que falava fluentemente
ucraniano, foi um dos mais temíveis adversários do nacionalismo extremista ucraniano. Chegou a conseguir, em meados dos
anos 30, infiltrar-se na escola do partido Nazi em Leipzig, onde os militantes da OUN eram os únicos estrangeiros aceites –
um testemunho da precoce e estreita colaboração entre nazis alemães e nacionalistas ucranianos (ver capítulo «Duelo mortal
com a OUN», na edição russa do livro, aqui). Em Junho de 2022 as novas autoridades de Melitopol descerraram-lhe uma
estátua e atribuíram o seu nome à antiga rua Dmitro Dontsov – o pai do nacionalismo integral ucraniano [ver «O nazismo
ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)». Um Batalhão Sudoplatov, constituído por voluntários antifascistas russos,
ucranianos e de outras nacionalidades, foi recentemente constituído na região da Zaporíjia.
19. Também aparece grafado como Oleg Tyagnybok
TÓPICO
Ucrânia
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