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“ós libertámo-los… Eles nunca nos perdoarão por isso”
Até então, devido à prioridade dada por Hitler à frente leste, as elites dos aliados
ocidentais foram moldando as suas estratégias em função dos acontecimentos na
Operação Barbarossa contra a União Soviética; como hoje se percebe, no círculo
dos poderes ocidentais havia quem desejasse que os hitlerianos concretizassem
aquilo que eles próprios muito ambicionavam (e ambicionam) – a desagregação da
União Soviética, da Rússia. Um objectivo replicado através da História,
acumulando insucessos desde o séc. XIII, quando suecos e alemães esbarraram
contra Alexandre Nevsky; ou em 1812, quando Napoleão bebeu champanhe em
Moscovo e depois “foi a pé para Paris”, recorrendo à imagem preciosa do major-
general Agostinho Costa; e também na primeira metade dos anos quarenta do
século passado, quando os nazis acabaram derrotados e perseguidos até Berlim.
Por isso, passados que são quase 80 anos, os russos e alguns outros povos que
estiveram integrados na União celebram a vitória como nenhuns outros. Para eles
não foi a “Segunda Guerra Mundial” mas a Grande Guerra Pátria ou Patriótica. A
derrota imposta ao nazismo permitiu a sobrevivência das suas nações: não foi
apenas uma guerra, foi um combate existencial. Tal como hoje.
A consciência vívida dessa memória torna compreensível que os russos se sintam
acossados porque nos últimos 25 anos têm vindo a ser cercados pelo maior
aparelho militar mundial e também, mais recentemente, pelo recrudescimento do
nazi-fascismo nas suas vizinhanças; ao mesmo tempo que, na Europa e na América
do Norte, se manifestam ainda com maior intensidade os sentimentos de
russofobia, uma degeneração xenófoba que nada tem de rigorosamente justificável
à luz da nunca comprovada ameaça militar ou económica por parte da Rússia.
Constituiu-se para o efeito uma trupe plural, como seria desde logo aconselhável
para compensar um hipotético défice democrático resultante do facto de no outro
lado não haver qualquer pluralismo. Seguiram viagem além do presidente, do PS,
os deputados Eurico Brilhante Dias (PS), João Paulo de Oliveira (PSD), Cotrim de
Figueiredo (Iniciativa Liberal) e Isabel Pires (Bloco de Esquerda). Em princípio,
nada a opor. O PS é o PS, expoente da democracia logo grande inimigo da Rússia e
amigo incondicional da Ucrânia, ainda que governada por banderistas. Que dizer
do PSD? Os namoricos de outrora com os retintos salazaristas e os de hoje com os
neo-salazaristas facultam-lhe a possibilidade de estar no mesmo comprimento de
onda dos nazis de Kiev. Quanto a Cotrim e respectiva IL, quem melhor do que um
admirador de Pinochet, Thatcher e dos sociopatas dos Chicago Boys para
confraternizar com os ucranianos afins? Há, porém, quem manifeste estranheza
pela presença do Bloco de Esquerda neste grupo excursionista solidário com o
regime institucionalmente racista e xenófobo que há nove anos lançou uma limpeza
étnica noutra região do país, o Donbass, para erradicar cidadãos “impuros”, “de
segunda”; uma região onde, no dizer do ex-presidente Porochenko, as crianças de
origem russa “devem estudar em subterrâneos” enquanto os filhos dos verdadeiros
ucranianos aprendem “em escolas alegres e com as melhores condições”. Uma
réplica da criativa parábola do inatacável democrata Borrel sobre o nosso “jardim”
e a “selva” do resto do mundo.
É certo que a trupe de prestidigitadores poderia ter sido enriquecida com algumas
outras presenças que, sem dúvida, lhe garantiriam valor acrescentado.
Talvez por ser pensada à pressa, a delegação não incluiu o caceteiro Mário
Machado. Nestas operações, é sempre uma ajuda recorrer a facilitadores que são
profundos conhecedores do ambiente de Kiev comandado por entidades como os
batalhões Azov, Aidar, Sector de Direita, C-14 e alguns outros. Um tradutor
familiarizado com as práticas nazis em nove anos de acção no terreno seria muito
útil. Uma falha de SS.
Faltou também Juan Guaidó, esse fascista protegido político de Santos Silva,
reconhecido temporariamente como presidente da Venezuela sem ter sequer
concorrido a eleições, apenas porque assim o determinou a Casa Branca. Dizer que
o actual presidente da Assembleia da República e o governo de que então fazia
parte foram coniventes com uma tentativa de golpe em Caracas é um disparate,
porque se tratou apenas de tentar repor a ordem democrática para corrigir a
decisão equivocada do povo venezuelano ao eleger de maneira legítima e
transparente alguém que, segundo as regras do Ocidente global, nunca poderia ser
presidente.
Não era de esperar uma atitude diferente nos círculos maioritários do Parlamento
português onde, a exemplo dos outros órgãos de poder actuando globalmente como
simples correias de transmissão de Washington/NATO e da União Europeia, a paz
só pode ser encontrada quando a guerra terminar com a derrota e a extinção da
Rússia. Assim o determinam o tartamudo Biden, Van der Leyen, Borrel e a ministra
alemã dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, uma espécie de dona disto
tudo, uma dirigente “verde” que tem com a ecologia uma relação similar à do Bloco
de Esquerda com a esquerda. O fenómeno ecológico-militarista existe, aliás, há
mais de 20 anos, pois já o chefe verde alemão da época, Joschka Fischer, foi um dos
principais estrategos da agressão terrorista da NATO contra a Sérvia e da invenção
provocatória do Kosovo.
Embora o tempo fosse pouco, deveria a delegação portuguesa, apesar das suas
arreigadas convicções, ter procurado possíveis fontes independentes para se
inteirar com maior profundidade da realidade ucraniana. O relatório final da
missão, se chegar a ser elaborado, dir-nos-á – ou não – se os deputados
portugueses fizeram algum esforço para respeitar essa obrigação.
Não deliremos, porém, esperando por informações que exponham, nem que seja ao
de leve, a crueza da ditadura: para SS, tendo em conta os seus comportamentos
políticos, a realidade dos factos é coisa que não conta. A ordem internacional
baseada em regras assenta numa virtualidade paralela onde se conjecturam os
grandes e pequenos artifícios como esta delegação de prestidigitadores para
mascarar e mistificar uma situação que, no limite e tendo em conta os objectivos
telúricos confessados pela NATO, põe toda a humanidade em perigo.