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Introdução de Fredo Corvo (8 de Dezembro 2021)

O nacionalismo é a ideologia burguesa por excelência. Apenas no estado nacional os capitalistas


podem superar sua concorrência mútua para competir com outros grupos capitalistas como capital
nacional. Ao fazer isso, é vital para a classe capitalista fazer os trabalhadores esquecerem seu
próprio interesse como classe e arrastá-los para a guerra imperialista sob slogans nacionalistas.

A penetração do nacionalismo no movimento operário ajudou a classe capitalista a fazer isso. Mas
não só a social-democracia reformista era nacionalista. O mesmo se aplicava à social-democracia
radical na Rússia, o bolchevismo. Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, o Grupo de Comunistas
Internacionalistas lembrou a luta de Rosa Luxemburg contra o nacionalismo bolchevique. Este
nacionalismo continua até hoje tanto no stalinismo quanto no trotskismo, no maoísmo e no pós-
maoísmo, por exemplo, do SP [Partido Socialista, um partido pós-maoísta na Holanda].

A IDEOLOGIA DO NACIONALISMO
(Artigo do Grupo de Comunistas Internacionalistas, 1939)
[traduzido do holandês por Jan Freitas]

O capitalismo do período burguês, que em sua estrutura era puro capitalismo privado, criou a
ideologia do nacionalismo. Pois em seu desenvolvimento, precisava de maior espaço para a
produção de suas mercadorias, maiores mercados para a venda de suas mercadorias, perspectivas
mais amplas para sua tendência de expansão. E não menos importante, precisava de proteção
através de direitos de importação, a salvaguarda de suas relações legais, proteção de crédito, poder
policial e militar. Tudo isso os pequenos Estados de antigamente não podiam assegurar. Assim, a
multidão de pequenos Estados, que se tornaram freios ao desenvolvimento, fundiu-se na unidade
das nações maiores.

A cozinha ideológica misturou no conceito de nação tudo aquilo que, como língua, sentimento pelo
solo nativo, lembranças da infância, hábitos de vida, etc., une a alma da pessoa desde a infância a
certos distritos geográficos. Da mesma forma, diferentes camadas da população foram capturadas
pelo nacionalismo e acorrentadas a ele. Devido a sua influência estupidificante, a classe
trabalhadora em particular, facilmente enganada pela falta de visão de classe, foi a principal vítima.
Até que o socialismo se libertou de seus preconceitos e grilhões nacionalistas e se declarou a favor
do internacionalismo.

Certamente, por enquanto, este internacionalismo foi apenas uma conquista da mente. Pois consistia
em uma simples adição dos vários nacionalismos, ou era um esboço da república mundial utópica
da época dos grandes mestres da Revolução Francesa. Este internacionalismo era, portanto, uma
questão da cabeça. O coração permaneceu mais ou menos aprisionado no nacionalismo. E nos casos
em que era preciso tomar uma decisão, a irracionalidade do coração era geralmente mais forte do
que a racionalidade da cabeça.

Mesmo uma doutrina tão abstrata como o bolchevismo, que trabalhou até sua máxima sofisticação
com conceitos insensíveis e lógica glacial, ofereceu em seu primeiro teste sério na realidade política
o espetáculo surpreendentemente doloroso de ainda não ter perdido o resto do seu espírito de
burguesia nacionalista. Isto ficou especialmente evidente na promoção e aplicação prática do direito
das pequenas nações de determinar seu próprio destino político, "incluindo a desintegração política
da Rússia", pelo governo bolchevique. Este foi um reconhecimento inequívoco do princípio
nacionalista.
Rosa Luxemburg contestou ferozmente este nacionalismo bolchevique, denunciou com veemência
seu caráter utópico e pequeno burguês e expôs seus efeitos perniciosos no desenvolvimento futuro
da luta de classe proletária.

Não podemos nos referir às reflexões de Luxemburg com frequência suficiente ou com demasiada
ênfase, tendo em vista que não apenas o fascismo está enviando uma nova onda de nacionalismo
pelo mundo, mas que a própria Rússia está passando por um desenvolvimento semelhante.

Esboçamos aqui o argumento de Rosa Luxemburg, citando seu folheto:


Die Russische Revolution, editado por Paul Levy (Verlag Gesellschaft und Erziehung, Berlim
1922)1.
Diz:

"O fato de que a questão das correntes nacionais e das tendências secessionistas foi lançada em
plena luta revolucionária, sim, pela paz de Brest[-Litovsk]2, e foi até carimbada como uma palavra
de ordem da política socialista e revolucionária, trouxe a maior confusão nas fileiras do socialismo
e minou a posição do proletariado justamente nos países periféricos. (pág. 93) [...] Enquanto Lenin
e seus colegas de partido evidentemente esperavam fazer da Ucrânia, Finlândia, Polônia, Lituânia,
países dos Balcãs, do Cáucaso, etc., como defensores da liberdade nacional, aliados leais da
revolução russa, vimos exatamente o oposto: uma após outra destas nações usaram a liberdade
recém obtida para se aliar ao imperialismo alemão como inimigo mortal da revolução e, sob sua
proteção, para levar a bandeira da contrarrevolução à Rússia (p. 90) [...] Os verdadeiros conflitos
de classe levaram à intervenção da Alemanha na Ucrânia e na Finlândia. Mas os bolcheviques
forneceram a ideologia que mascara este avanço da contrarrevolução, eles fortaleceram a posição
da burguesia e enfraqueceram a do proletariado (p. 95) [...] Em vez de advertir os proletários dos
países periféricos contra qualquer secessão como uma armadilha puramente burguesa, eles
confundiram as massas e as entregaram à demagogia da classe burguesa. Por esta exigência de
nacionalismo, eles mesmos provocaram a desintegração da Rússia e empurraram para as mãos de
seus próprios inimigos a faca que atingiria o coração da revolução russa. (p. 94-95) [...] Em vez de
buscar, no espírito da nova política de classe nacional, à qual de outra forma aderiram, o resumo
mais compacto de todas as forças revolucionárias em todo o território do império, para defender
com unhas e dentes a inviolabilidade do império russo, como o território da revolução, para
colocar a solidariedade e a inseparabilidade dos proletários de todas as nações no âmbito da
revolução russa como o mandamento supremo da política contra todas as aspirações nacionalistas,
os bolcheviques, através das frases nacionalistas pomposas do direito de autodeterminação à
secessão política, forneceram à burguesia de todos os estados periféricos precisamente o mais
desejado, o pretexto mais brilhante, a própria bandeira de suas aspirações contrarrevolucionárias.
(p. 94) [...]"

Rosa Luxemburg continua:

"Os bolcheviques tinham o privilégio de usar a frase do direito dos povos à autodeterminação para
trazer proveito à contrarrevolução e assim fornecer a ideologia não apenas para a supressão da
revolução russa, mas também para a liquidação contrarrevolucionária de toda a guerra mundial.
(p. 96) [...] É evidente que a frase do direito de autodeterminação dos povos e de todo o movimento
nacional constitui o maior perigo para o socialismo internacional (p. 97) [...]"

Estas palavras de Rosa Luxemburg tinham um valor profético. Pois, a liquidação


contrarrevolucionária da guerra fazia uma parte primária do Tratado de Versalhes com suas
1
Die russische Revolution [A Revolução Russa]. Publicado pela primeira vez em 1922 por Paul Levi, a partir do
manuscrito na sua herança. [Nota do Editor]
2
Veja: Brest-Litovsk. [Nota do Editor]
exigências de indenizações e disposições de desarmamento, que mais tarde se tornou o trampolim
da vingança nacionalista e hoje representa o maior perigo para o socialismo.

O fascismo alemão tinha um interesse particular em fortalecer o nacionalismo. No entanto, o


capitalismo monopolista, a força motriz do fascismo, há muito tempo já tinha crescido além das
fronteiras nacionais de seu desenvolvimento. Seu caráter internacional havia se desenvolvido
plenamente na interpenetração e entrelaçamento, cartelização e fusão com monopólios estrangeiros.
E em sua política imperialista, estava plenamente consciente de sua transgressão ativa e agressiva
das tendências e interesses nacionais.

Mas o capitalismo monopolista precisava do nacionalismo da pátria para avançar com seus novos
objetivos imperialistas. Pois requer armamento e os fundos necessários do Estado, precisa do
exército nacional, da disposição chauvinista do povo e da prontidão para a guerra de toda a nação -
tudo por sua política de conquista, suas pilhagens e aventuras de guerra. Criar estas condições
ideológicas e prontidão prática, desenvolvê-las através de uma campanha de propaganda gritante
em aclamação exuberante e loucura de guerra, e esmagar brutalmente qualquer ação contrária - esta
é a missão nacional do fascismo.

Deve-se admitir que o fascismo cumpriu brilhantemente esta missão. Ele transformou a ideologia
do nacionalismo na ideologia da força e, ao apelar para o medo humano, não só encontrou
compreensão para isso, mas até mesmo conquistou apoio entusiasta. Na prática, a ideia de força,
como necessidade do Estado, tem se firmado em todas as áreas da vida social: negócios,
administração, opinião pública, tecnologia, ciência, educação, arte e assim por diante. Todas as
forças, recursos, simpatias, impulsos e instintos da vida nacional foram colocados a serviço dos
interesses nacionais. Estes são os interesses do capitalismo monopolista, da política de conquista
mundial, do imperialismo. Em nome desses interesses, a Alemanha está determinada a desencadear
o inferno de uma Segunda Guerra Mundial.

Por mais terrível que esta perspectiva possa ser, há algo de evidente nela. Quem aceita a
necessidade capitalista deve também aceitar a guerra imperialista e quem a aceita deve aceitar o
nacionalismo com todas as suas consequências. É por isso que os estados democráticos não são
menos nacionalistas que os estados fascistas, não menos dispostos a colocar o nacionalismo a
serviço da guerra pelos interesses capitalistas. Se eles querem lutar contra o fascismo, é apenas
porque veem nele um concorrente que os domina e que ameaça sua posição econômica no mundo.
Quando seu desenvolvimento também tiver atingido o estágio de fascismo, eles o colocarão à
disposição de um nacionalismo cuidadosamente cultivado, sem qualquer dúvida.

O nacionalismo significa o direito à assistência estatal. Em situações críticas, difíceis e perigosas na


luta pela existência, o homem nacionalista, sozinho ou em grupos e classes ligadas a outros, procura
ajuda do Estado, da nação.

O homem socialista ou a classe proletária despertada para a consciência de classe é diferente. Eles
buscam ajuda de si mesmos, em associação com outros, no trabalho solidário, na luta da classe. Eles
não esperam salvação de uma instituição burguesa ou modo de luta, nenhuma ajuda de um estado
burguês ou da nação. Eles suprimem a causa do perigo que ameaça sua existência, suprimindo a
sociedade burguesa. E eles formam uma sociedade na qual o perigo não existe mais para eles.

Portanto, o burguês tem o direito de ser nacionalista. Como nacionalista, ele age corretamente em
um sentido formal, mesmo que na prática possa ser mal sucedido. O homem socialista, por outro
lado, comete uma injustiça contra sua classe se ele segue o caminho do nacionalismo. Ou ele ainda
não entendeu o mandamento de sua convicção política, ou ele comete traição. De uma forma ou de
outra, ele está errado. Pois por sua atitude, os interesses da burguesia são promovidos e os do
proletariado são prejudicados.

Neste sentido, Rosa Luxemburg já podia apontar o dedo aos bolcheviques há vinte anos quando fez
a acusação de que os bolcheviques, através de seu nacionalismo, tinham criado o maior perigo para
o proletariado mundial. Ela não proferiu a palavra "traidor", mas ela está lá não escrita entre as
linhas de sua polêmica amarga.

Neste momento, podemos confirmar a exatidão de sua acusação. Pois sua previsão se tornou
realidade. O bolchevismo não só corrompeu a revolução russa, como também ajudou a esmagar as
revoluções na Alemanha e na Hungria, a trair as revoluções na China e na Espanha. Entregou o
proletariado mundial inteiro para a contrarrevolução.

E isto no curso do mesmo desenvolvimento, no qual os antigos revolucionários chegaram à


glorificação de Pedro o Grande como herói nacional e à proclamação do "socialismo em um só
país". Quando seu nacionalismo encontrará seu auge em um pacto entre Stalin e Hitler3

* Publicação original de Dezembro 1939: o artigo acima foi escrito em maio de 1939.

Fonte:
Radencommunisme [Comunismo dos Conselhos]: Revista mensal marxista para o movimento de
classe independente, 2ª ed., no. 1, 1939 / Grupo de Comunistas Internacionalistas: De ideologie van
het nationalisme - Archivo: I.I.S.G., Amsterdam, Coleção Henk Canne Meijer. - Transcrevido e
editado para Rätekommunismus, com a ajuda dos Arquivos da Associação Antonie Pannekoek.

3
Isto veio muito rapidamente na forma do Pacto Molotov-Ribbentrop de 23 de agosto de 1939. [Nota do Editor]

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