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Original: https://brooklynrail.org/2015/12/field-notes/editors-note-dec15
Tradução R. d’Arêde
Os ataques em Paris não refletem um choque de civilizações, mas sim o fato de que
vivemos efetivamente em um só mundo, ainda que desigual, onde os flagelos em
uma região inevitavelmente transbordam sobre outra, onde tudo se conecta, às
vezes com consequências letais. Com toda sua atmosfera medieval, o califado
ergue um espelho para o mundo que fabricamos, não apenas em Raqqa e Mosul,
mas em Paris, Moscou e Washington3.
3
A. Schatz, “Magical Thinking About ISIS”, London Review of Books 37:23 (3/12/2015).
O apocalipse que [nos] ameaça não é, portanto, aquele prometido pelos vários deuses
invocados pelos cultos do mundo, mas aquele produzido pela incapacidade do
capitalismo de administrar as forças que ele próprio desencadeou. A título de exemplo,
os líderes mundiais parecem finalmente ter compreendido que as mudanças climáticas
são um problema real, no entanto, e de modo geral, supõe-se que a próxima rodada de
negociações sobre o clima em Paris [COP-21] realizará muito pouco das mudanças
necessárias para que o agravamento da catástrofe em curso seja evitado. Os interesses
econômicos (logo, políticos) que precisariam ser deixados de lado são simplesmente
muito poderosos por serem elementares demais para a forma como o mundo funciona.
Do mesmo modo, enquanto as limitações da economia capitalista tornam impossível a
resolução dos problemas sociais que causam a miséria por detrás da jihad mundial, as
nações líderes se veem estruturalmente inibidas de abordar a situação por quaisquer
outros meios que não o militar. Os meios militares tornaram-se fundamentais para o
próprio funcionamento da principal potência econômica: como Gabriel Kolko assinalou
em seu valoroso livro, Century of War, após a 2ª Guerra Mundial o orçamento militar
dos EUA “tornou-se um substituto muito bruto para obras públicas ou ações sociais e,
por si só, possibilitou déficits governamentais [...], sustentando assim o conjunto da
economia [...] A própria existência de preparativos militares carregava consigo uma
predisposição intrínseca ao ativismo, com todos os riscos que isso implicava 4". Mas
mesmo os Estados que não dependem tanto do keynesianismo militar quanto os EUA
têm investimentos econômicos e políticos no militarismo. Enfim, o que mais eles devem
fazer?
Como resultado, os principais Estados estão tentando se portar como “grandes
potências” num momento em que já não existem grandes potências no sentido do século
XIX; um momento em que as forças que estrangulam o sistema mundial excedem a
capacidade de resistência até mesmo de seus mais resistentes elos. O resultado é a
barbárie, que Rosa Luxemburgo alertou ser a alternativa ao socialismo. A 3ª Guerra
Mundial pode muito bem revelar-se a mais terrível de todas se a população mundial não
lhe der fim, rompendo, de uma vez por todas, com as condições que a estão produzindo.
4
G. Kolko, Century of War: Politics, Conflicts, and Society Since 1914 (New York: The New Press,
1994), 475.