Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fotos AP
UM CENÁRIO DIFERENTE
Na foto à esquerda, o avião seqüestrado se aproxima da Torre Sul.
A visão atual de Manhattan, sem as torres características do
World Trade Center (à dir.)
A supremacia também é visível na produção científica e na cultura. Por meio
da música e dos filmes de Hollywood, a língua, o modo de vida e até a
culinária dos americanos tornaram-se a expressão da globalização no
cotidiano dos outros povos. Nos anos 90, metade do planeta convenceu-se
de que os Estados Unidos tinham a receita da felicidade material. A lapidação
do modelo de crescimento chegou a um ponto que, quando o receituário não
funcionava em outro país, os dirigentes locais eram acusados de não tê-lo
seguido estritamente ou, então, de demonstrarem excessiva subserviência ao
padrão de Washington. Não é mais assim. Os ataques de 11 de setembro não
foram a causa, mas eles serviram para dramatizar um fenômeno já
existente, o do desencanto em relação ao modelo americano como a solução
de todos os problemas ligados ao desenvolvimento das nações.
A GUERRA SEM FIM
Destroços do carro-bomba que matou trinta pessoas
em Cabul, na semana passada: prioridade
americana é depor Saddam Hussein, ditador do
Iraque
Quando a principal economia adoece, o contágio é inevitável. A Europa não
consegue repetir a boa performance da década passada. O Japão encontra-se
em recessão há dez anos. Na América Latina, o que se vê é um clima
generalizado de desesperança em relação ao desenvolvimento. Uma das
novidades é a maior relativização da receita americana de abertura
econômica, privatizações e redução do Estado, o conjunto batizado de
Consenso de Washington. Outros modelos de desenvolvimento, antes
considerados de segunda linha, voltaram à ordem do dia. O europeu, por
exemplo. Apresenta índices de desemprego altos, mas não existe miséria e a
rede de proteção social é espetacular. Essa percepção ocorre sobretudo nos
países pobres ou em desenvolvimento, que não viram a recompensa a seus
esforços na perseguição das metas econômicas preconizadas pelos
defensores de um estrito modelo liberal. O processo de globalização não se
reverteu, mas as novas medidas de segurança jogaram areia nas
engrenagens, cuja lógica depende de fronteiras abertas e da livre
movimentação de bens e pessoas.
Um ano antes de pilotar um dos Boeing usados para colocar abaixo o World
Trade Center, o egípcio Mohamed Atta, que se supõe tenha sido o chefe da
conspiração terrorista, procurou uma agência de crédito do governo
americano e pediu dinheiro emprestado para abrir o próprio negócio. Não
recebeu ajuda, mas o episódio ilustra uma qualidade inigualável dos EUA, o
do país de fronteiras abertas, amigável com estrangeiros e terra de
oportunidades. Devido à agressão terrorista, o ambiente está um pouco
mudado. Hoje, um árabe é visto com alguma suspeição quando se
movimenta pelas calçadas americanas. As autoridades dos Estados Unidos se
aproveitaram de leis criadas para ser usadas em período de guerra para
manter incomunicáveis atrás das grades mais de 1.000 suspeitos de
terrorismo, entre eles grande quantidade de estrangeiros. Numa base militar
em Cuba, os militares guardam seis centenas de prisioneiros da campanha
no Afeganistão. Em um país cujos fundamentos repousam no direito
individual à defesa, tais medidas de exceção causam preocupação. Está claro
que a virulência dos ataques provocou não só respostas militares, mas
também um reexame de muitos aspectos do estilo de vida e das atitudes dos
americanos. Qualquer um que entre num aeroporto americano sentirá na
pele a obsessão das novas medidas de segurança. Ainda assim, não ocorreu
o surto de xenofobia que se chegou a temer. O multiculturalismo – como são
chamados a tolerância e o convívio com as diferenças culturais – fincou
raízes tão sólidas nos Estados Unidos que não se deixou abater pela retórica
patrioteira pós-atentado. A preservação desse espírito aberto é a maior
homenagem que se poderia fazer ao povo americano no aniversário da
grande tragédia.