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ROSA LUXEMBURGO

A vida e a obra de Rosa Luxemburgo, uma das principais teóricas e grande ativista
comunista, despertaram polémicas apaixonadas na virada do século, durante os anos de
turbulência do socialismo internacional ascendente, da Primeira Guerra Mundial e da Revolução
Russa.
No entanto, poucas pessoas poderiam parecer menos capazes para agitar e influir fisicamente
nos acontecimentos daqueles dias tumultuosos: sendo mulher, judia, aleijada e comunista não
seria certamente fácil conseguir oportunidades para se destacar num mundo predominantemente
masculino e anti-semita, no qual a beleza física e "bom comportamento" eram considerados os
atributos fundamentais da feminilidade.
Relegadas por Stalin a um ostracismo que poderia ter resultado em total esquecimento, sua
vida e suas ideias hoje voltam a despertar o interesse apaixonado com que eram recebidas no
final do século passado e no início do século 20. Esse fato bastaria, por si só, para fazer de Rosa
uma heroína dos tempos modernos, mas a sua vida dramática teve desfecho igualmente trágico:
foi sumariamente executada na Alemanha, em 1919, por um grupo de militares reacionários,
agindo por conta própria.,
É fácil imaginar o pasmo que ela deve ter causado quando, no início do século, opôs-se com
tenacidade - entre tantas personalidades e pensadores marxistas -justamente a Lenin. Garantia a
todos que a quisessem ouvir que a "revolução do proletariado" não seria nem temporária nem
"do" proletariado: tenderia a se perpetuar no poder e se exerceria "sobre" o proletariado. Estava
tragicamente certa, e Stalin fez o que pôde para apagar seu nome dos anais do comunismo. Mas
não o conseguiu, pois Rosa idealizou uma sociedade comunista democrática, ou seja, sem lugar
para nacionalismos fanáticos e imperialismos de qualquer natureza, onde o poder seria
efetivamente exercido em nome de todos e pelo bem de todos. Num mundo dilacerado entre
duas superpotências, onde nenhuma delas atendeu aos anseios de justiça social da humanidade,
Rosa Luxemburgo tornou-se, para muitos, o símbolo do sonho ainda não atingido.
Este livro, que um crítico nos EUA classificou de "intimista", é uma biografia mais
preocupada com a personagem do que com a obra. Além da revolucionária famosa, existe uma
outra Rosa Luxemburgo basicamente desconhecida até agora: o ser humano, a mulher. À
medida que conhecemos seus sonhos e suas batalhas, ela se torna nossa contemporânea - uma
mulher com a firme crença de que a felicidade pessoal pode ser conquistada sem sacrificar a vida
pública, e que, para isso, lutou contra tudo e todos: acreditava que qualquer mulher podia e devia
ter as duas coisas, e quis dar o exemplo. Deram-lhe um tiro na cara.
Esta biografia comovente revela uma revolucionária que foi também uma mulher de paixão
torrencial, que nunca perdeu a esperança e conduziu, solitária, a sua luta, determinada a viver à
sua maneira e a realizar seus sonhos.

ELZBIETA ETTINGER, nascida e educada na Polônia, emigrou para os Estados Unidos no


final da década de 1960. Ocupa hoje a cátedra Thomas Maloy de Retórica no Instituto de
Tecnologia de Massachusetts. É autora do romance Kindergarten, além de organizadora e
tradutora de Comrade and Lover, uma coletânea de cartas de Rosa Luxemburgo a seu
companheiro, o comunista Leo Jogiches.
Elzbieta Ettinger

Rosa Luxemburgo
UMA VIDA

Tradução:
Vera Ribeiro

A Polónia dividida em 1795, depois da terceira partilha (áreas aproximadas)

Jorge Zahar Editor


Rio de Janeiro
Sumário

Lista de Ilustrações 7
Prefácio 11

POLÔNIA ____________________
1 Zamosc: A Cidade Natal 18
1870-1873
2 Varsóvia: A Mudança Drástica 22
1874-1882
3 Varsóvia: A Busca Adolescente 31
1882-1889
4 Vilna: Leojogiches,
Título original: o Jovem Conspirador 46
Rosa Luxemburg-A Life 1867-1890
Tradução autorizada da primeira edição norte-americana publicada em 1986 por Beacon Press, de
Massachusetts, EUA SUÍÇA _______________________
Copyright © 1986, Elzbieta Ettinger 5 Rosa Luxemburgo e Leo Jogiches 56
Ali rights reserved. 1889-1894
Copyright © 1989 da edição em língua portuguesa:
Jorge Zahar Editor Ltda. 6 A Luta pela Ascensão 70
Rua México 31 sobreloja 20031 Rio de Janeiro, RJ 1895-1898
Todos os direitos reservados
A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ALEMANHA ____________________
ou em parte, constitui violação do copyright. (Lei 5.988)
7 As Conquistas Alemãs 90
Capa: João da França (arte-final) Impressão: Tavares e Tristão Ltda. 1898-1900
ISBN:0-8070-7006-8 (ed. orig.) ISBN: 85-7110-071-3 QZE, RJ) 8 "Amar e Trabalhar Juntos" 112
1900-1904
9 O Presídio: a Verdadeira Iniciação 129
1902-1904
10 De Volta a Varsóvia 139
1905-1906
11 Costia Zetkin 157
1907-1912
12 Outras Fogueiras, Outras Lutas 178
1908-1913
13 Guerra à Guerra 202
Ilustrações
1914
14 Dentro e Fora da Prisão 214
1915-1918
15 O Fim e o Começo 247
1919

Epílogo 265 [Página 2]


Mapa da Polônia dividida
CORRESPONDÊNCIA: _____________________
[Entre as páginas 96 e 97] Lina
(A) Cartas do pai, Elias Luksenburg 272 Luksenburg
(B) Cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 284 Elias Luksenburg
A casa dos Luksenburgs em Zamosc
Agradecimentos 313 Rosa Luxemburgo aos doze anos
Rosa Luxemburgo como estudante ginasiana
Notas sobre a transliteração e a tradução
Leo Jogiches em Vilna antes de 1890
314
Rosa Luxemburgo quando jovem exilada
Abreviaturas 315 Leo Jogiches quando jovem exilado
Notas bibliográficas 316 Fontes de A última carta de Elias Luksenburg para Rosa Luxemburgo, 1900 A
última carta de Rosa Luxemburgo para Leo Jogiches,
consulta 332 Créditos 334
6 de março de 1899 Luise
Índice de nomes 335 Kautsky
Índice de assuntos 342 Berlim, Cranachstrasse no. 28
Fotografia policial de Rosa Luxemburgo, Varsóvia, 1906
Leo Jogiches em Berlim
Rosa Luxemburgo no Congresso da Segunda Internacional,
Amsterdã, 1904

[Entre as páginas 176 e 177]


Rosa Luxemburgo e Costia Zetkin Clara
Zetkin
Costia Zetkin e a mãe, Berlim, 1930
Rosa Luxemburgo em 1907
Leo Jogiches, provavelmente em 1908
Rosa Luxemburgo no Congresso da Segunda Internacional,
Stuttgart, 1907
Rosa Luxemburgo e Karl Kautsky Jr., 1907 Rosa
Luxemburgo em 1909
Auto-retrato de Rosa Luxemburgo, 1911

[Entre as páginas 256 e 257]


Paul Levi
Rosa Luxemburgo e Paul Levi, Berlim, 1914
Paul Levi e Lenin, Bukharin e Zinoviev, Moscou, 1920
Caricatura do julgamento de Luxemburgo de julho de 1914
A cela de presídio de Rosa Luxemburgo em Wronki, 1916-1917
Leo Jogiches durante a I Guerra Mundial
O Canal de Landwehr A meus pais,
Recibo do corpo de Rosa Luxemburgo Regina e Emmanuel Ettinger
O soldado Runge após o assassinato de Rosa Luxemburgo,
janeiro de 1919
O funeral de Rosa Luxemburgo, junho de 1919
Prefácio

Os ÚLTIMOS VINTE ANOS trouxeram um curioso renas-


cimento do interesse por Rosa Luxemburgo e, com ele, a
emergência de velhas e novas controvérsias. Em abril de 1983, a
revista Der Spiegel, da Alemanha Ocidental, publicou algumas das
cartas recém-descobertas que Luxemburgo escrevera para seu
último amante, Paul Levi, um dos co-fundadores do Partido
Comunista da Alemanha; no início da década de 1970, uma briga
foi deflagrada na Alemanha Ocidental em torno da questão de um
selo postal com a efígie de Luxemburgo — algumas pessoas,
aviltadas com a honraria concedida à "estrangeira", queimaram os
selos; nos anos sessenta, os estudantes de Colônia deram à
universidade local o nome dela, enquanto o governo da
República Federal Alemã declarava que seu assassinato, em 1919,
estivera de acordo com a lei marcial, embora não tivesse havido
acusação nem julgamento. A biografia de Rosa Luxemburgo da
autoria de J.P. Nettl, em dois volumes, publicada na Grã-Bretanha
em 1966, foi o primeiro relato abrangente de sua vida a ser
escrito desde 1940, e as cartas de Rosa a seus amigos e
colaboradores foram editadas na França, Polônia, Japão e outros
países. Algumas coletâneas de seus artigos, panfletos e discursos
foram publicadas em países tão diversos quanto os Estados
Unidos e o Sri Lanka, e suas teorias vêm sendo reestudadas tanto
por marxistas quanto por não-marxistas.
Em seu país natal, a Polônia, apenas uma fábrica de
lâmpadas leva o nome dela. O punhado de estudantes que
demonstra interesse nela encontra dificuldades em fazer triagem
das informações contraditórias. Alguns estudiosos poloneses
afirmam que, como judia, faltava a Luxemburgo a sensibilidade
para as necessidades e a cultura

11
12 Rosa Luxemburgo prefácio 13

da Polónia, e outros, que sua origem não a tornava menos polonesa. em mãos de particulares), contribuíram para o retrato da mulher
Como uma das mais destacadas pensadoras socialistas, Luxemburgo unidimensional que o mundo conhece.
ainda está à espera de um biógrafo em seu próprio país. Em muitos aspectos, Luxemburgo foi representativa de sua ge-
É sintomático que, na Polónia, Rosa seja uma judia, e que, na ração, e em outros foi excepcional. Seu desejo apaixonado de ter um
Alemanha, seu país de adoção, seja uma estrangeira. Ò fato de muitas filho, um homem amoroso e uma família, e ao mesmo tempo, de ser
publicações se referirem a ela como uma "revolucionária alemã" — a líder do movimento socialista internacional, não era comum. Os
despeito de seu papel proeminente no socialismo polonês — talvez homens tinham mulheres para cuidar deles, de seus filhos, sua casa e
não seja apenas um sinal de ignorância, mas da confusão que a suas finanças, e para ajudá-los em seu trabalho. As mulheres frequen-
cerca. temente sacrificavam sua vida pessoal à causa. Mas não Luxemburgo.
Durante sua vida, Rosa Luxemburgo, apesar de mundialmente Ela não acreditava que as mulheres tivessem, necessariamente, de
famosa no movimento socialista, não pôde exibir a fama de que go- fazer tais escolhas; acreditava que podiam e deviam ter as duas
zavam muitos de seus contemporâneos. Sua reputação ficou muito coisas.
aquém da de teóricos como August Bebei, Karl Kautsky e Eduard A noção de uma vida que "valesse a pena", como dizia Rosa,
Bernstein, na Alemanha, Jean Jaurès, na França, e Georgij Plekhanov, determinou seu destino. Estava com quarenta e sete anos, devastada
na Rússia. No entanto, esses nomes são hoje basicamente conhecidos pela doença e pelo aprisionamento, quando escreveu a um amigo:
pelos estudiosos, ao passo que o dela atrai cada vez mais interesse. "Também para mim, o amor sempre foi (ou é?...) mais significativo e
Porquê? Num mundo dilacerado entre duas superpotências, nenhuma mais sagrado do que o objeto que o desperta. Porque o amor trans-
das quais atendeu aos anseios de justiça social da humanidade, Rosa forma o mundo a nosso redor num reluzente conto de fadas, e o
Luxemburgo tornou-se, para muitos, o símbolo do sonho ainda não amor libera em nós o que há de mais nobre e mais belo, eleva e
atingido. emoldura em diamantes o que é mais trivial e mesquinho, e nos
Ademais, há uma razão estritamente política para a saída de permite viver em êxtase e arrebatamento."1 Seu trabalho consistiu na
cena de Luxemburgo desde a década de 1930 e para seu recente luta pela justiça social. A opressão estimulou essa luta, e ela lhe deu
retorno. Em 1931, Stalin acusou Luxemburgo de transformar o con- continuidade segundo a melhor tradição de seus antepassados,
ceito de revolução de Marx numa "caricatura". Esse veredicto equi- sempre mantendo sua independência intelectual, respeitando as
valeu à exclusão de Luxemburgo dos cânones da ideologia marxista aspirações espirituais e questionando qualquer autoridade mortal.
no Oriente e no Ocidente. A morte de Stalin e a subsequente rea- Rosa viveu e amou, foi exuberantemente feliz e infinitamente
valiação do conceito de socialismo de Luxemburgo trouxeram seus infeliz, mas sempre esteve viva. Foi dilacerada por sentimentos con-
trabalhos de volta à atenção pública. flitantes, ora decidida a se livrar do fardo de sua origem judaica, ora
Além da revolucionária renomada, porém, há uma outra Rosa repleta de dúvidas e de culpa. Queria ser bondosa com os pais, mas
Luxemburgo, uma pessoa basicamente desconhecida e triplamente o amor e admiração patéticos que eles lhe devotavam a emba-
estigmatizada: como mulher, como judia e como aleijada. Esta bio- raçavam e irritavam. Queria ser bondosa com seus amantes, mas era
grafia é primordialmente dedicada a retratar essa pessoa. À medida possessiva e ciumenta. Queria uma revolução, mas tinha horror ao
que passamos a conhecer seus sonhos e suas batalhas, ela se torna derramamento de sangue. Contudo, suportava galantemente as con-
nossa contemporânea — uma mulher que acreditava firmemente que tradições de sua natureza e suas crenças. Sua mente se alçou muito
a felicidade pessoal pode ser conquistada sem sacrificar a vida pú- além do presente, enquanto suas próprias necessidades e preferên-
blica, e cuja luta por uma vida pessoal e pública foi árdua, obstinada cias permaneceram tradicionais. Foi uma mulher de paixão torrencial,
e nem sempre recompensadora. o que tornou difícil sua vida pessoal e pública. Mas nunca perdeu a
A vida pessoal de Luxemburgo tem sido negligenciada por uma esperança em qualquer desses campos. Conduziu sua luta solitária,
multiplicidade de razões. Os amigos respeitavam sua necessidade determinada a viver à sua maneira e a realizar seus sonhos e suas
intensa de privacidade; os camaradas estavam interessados exclusi- ideias.
vamente em suas atividades públicas; os tabus vitorianos ainda rema- Nascida em 1870 numa família de classe média, Rosa Luxem-
nescentes, a conveniência política e a censura imposta ou auto- burgo foi criada e educada em Varsóvia. É um truísmo dizer que os
imposta, bem como a inacessibilidade dos documentos (alguns deles judeus poloneses sentiam-se particularmente atraídos pelo sócia-
14 Rosa Luxemburgo prefácio 15

lismo, mas o que se ignora amplamente é que o socialismo polonês Embora seja possível analisar os textos económicos e políticos
era um socialismo com um toque romântico. Os poetas românticos, de Rosa Luxemburgo independentemente de sua vida pessoal, não é
sobretudo Adão Mickiewicz, prometiam a libertação para todos os possível apresentar sua vida pessoal e, ao mesmo tempo, ignorar seu
povos oprimidos, entre eles os judeus, a mais desprezada das trabalho. Aqui, porém, não se fez nenhuma tentativa de oferecer uma
minorias. Para escapar à opressão e inspirada por Mickiewicz, Rosa análise abrangente de seus textos; tais análises são de fácil acesso.
foi para a Suíça aos dezenove anos. Ali conheceu um revolucionário Tampouco se fez uma tentativa de escrever uma biografia definitiva.
russo, Leo Jogiches, o grande amor de sua vida, com quem viveu Não existem "biografias definitivas". A biografia é sempre uma sele-
maritalmente por quinze anos. Juntos, eles formaram o primeiro ção e, portanto, o biógrafo é sempre "tendencioso". Este é, portanto,
partido marxista polonês dos trabalhadores, a Sociaí-Democracia do um retraio sem vidro e sem moldura.
Reino da Polónia e da Lituânia. Em 1897, Rosa obteve o doutorado
em direito e ciência política na Universidade de Zurique e, no ano
seguinte, mudou-se para a Alemanha. Tornou-ss uma das principais
figuras do Partido Social-Democrata Alemão e da Segunda Interna-
cional. Foi assassinada em Berlim em 1919.

A perda da soberania — a Polónia foi dividida entre a Rússia, a


Prússia e a Áustria nas partilhas de 1772, 1793 e 1795 — deixou os
poloneses com sonhos desfeitos de poder e glória e com um senti-
mento de impotência que inflamava facilmente um nacionalismo
fanático. Rosa, a judia relutante e a discípula embevecida de Adão
Mickiewicz, viria a encarar o nacionalismo como o maior dos males.
Mickiewicz também inspirou sua confiança na sabedoria e na inte-
gridade instintiva da gente simples, dos trabalhadores. Posteriormente
aperfeiçoada na teoria da revolução espontânea, essa confiança re-
velou-se acertada através dos movimentos revolucionários da Polónia
e da Hungria ern 1956, da Tcheco-Eslováquia em 1968, e outra vez da
Polónia em 1980. Nenhum volume de armamentos, em qualquer
parte do mundo, acreditava Rosa, poderia impedir as pessoas se-
dentas de justiça e famintas de pão de se erguerem contra aqueles
que as corrompiam moralmente e as exploravam economicamente.
A imagem de Rosa Luxemburgo, a revolucionária intransigente
que viveu e morreu pela "causa", é não apenas unilateral, mas
também distorcida. A mulher que emerge das cartas escritas por sua
família em Varsóvia e por ela mesma para os homens a quem amou
— Leo Jogiches, Konsíantin Zetkin e Paul Levi — é uma pessoa de
carne e osso, com pontos fortes e fracos, triunfos e pesadelos. Bri-
lhante e corajosa, ainda assim foi atormentada peias dúvidas, pela
insegurança e pelas decepções inevitáveis da vida de uma mulher
que transcendeu sua época.
Polônia

17
a cidade natal 19

em 1784, marcou o fim do esplendor da cidade. Depois de criado o


Reino da Polônia, governado pelos russos, em 1815, Zamosc, já então
em poder dos russos, converteu-se num posto militar avançado.*
Poucos dos graciosos prédios da Renascença escaparam da redeco-
ração. A prefeitura e a igreja franciscana foram transformadas em
quartéis, e o castelo, num hospital militar. Mesmo assim, a herança da
cidade não desapareceu completamente. Zamosc continuou a ser um
centro cultural para poloneses e judeus (um terço dos 6.222 habi-
l Zamosc: tantes em meados da década de 1800 era de judeus), e o comércio e
as profissões artesanais floresciam.
A Cidade Natal Á evolução de Zamosc para a categoria de importante centro
cultural e comercial, dos judeus deveu-se a um direito especial de
1870-1873 assentamento concedido aos judeus sefaradim em 1588 por Jan
Zamoyski, Chanceler-Mor da Coroa. A cidade atraiu médicos, farma-
cêuticos, mercadores internacionais e artesãos altamente qualificados,
que não representavam qualquer ameaça econômica para os habi-
tantes locais. Passada a invasão sueca, entretanto, os judeus sefara-
dirn fugiram, enquanto os judeus ahskenazim, inexperientes e sem
maiores habilidades, inundaram a cidade. A estrutura econômica se
É POSSÍVEL IMAGINAR que certas características de Za- alterou, o mesmo acontecendo com as atitudes sociais — os polone-
mosc, onde nasceu Rosa Luxemburgo, tenham-se entremeado em sua ses e os judeus competiam pela sobrevivência. Os Zamoyskis
vida. Como cidade de encanto perturbador, frustrada por sua posição aprovaram decretos que visavam a "apoiar os cidadãos e artesãos
geográfica, ambiciosa desde o nascimento, mas minada por ventos cristãos" e a restringir os direitos dos judeus no comércio, na habi-
políticos mutáveis, empenhou-se em ligar o Leste ao Oeste, mas fra- tação e na posse de propriedades.1 Cerceados na ocupação, excluídos
cassou. Era uma cidade orgulhosa e animada. E, confrontada com a das guildas e imprensados pelas leis discriminatórias, os judeus se
adversidade, audaz e corajosa. transformaram em corretores, mascates, agiotas, intermediários e esta-
Situada a meio caminho entre duas grandes áreas comerciais, lajadeiros, ocupações estas que lhes renderam a animosidade dos
Lublin e Lvov, Zamosc transformou-se, no século XVI, num impor- não-judeus e a reputação de escroques. A introdução do governo
tante centro de comércio internacional, encravado numa rota de czarista no começo do século XIX não melhorou sua situação.
tráfego e na encruzilhada de diferentes culturas. Os armênios, turcos, O interesse dos russos pelos armamentos só era igualado por
gregos, persas e judeus, os alemães, escoceses e ingleses, todos pro- sua preocupação com a aparência dos judeus. A indumentária, os
vidos de um tratamento preferencial, consideravam a cidade agra- adereços de cabeça e os penteados judaicos geraram ordens meticu-
dável. A aristocracia local desenvolveu o gosto pela erudição e pelo losas, que mantinham ocupados os russos que as emitiam e os polo-
luxo. A Academia Zamoyski, fundada em 1595, promovia ainda mais neses que tinham de aplicá-las. As perucas e as cabeças raspadas das
a vida cultural da cidade. mulheres foram consideradas fora da lei, tal corno as barbas e os
A sangrenta Invasão sueca que varreu a Polônia no século XVII cachos de cabelo pendentes das têmporas dos homens. Estabelece-
deixou inabalada a cidade solidamente fortificada, mas sua prospe- ram-se distinções complexas entre cortar, aparar e raspar o cabelo, o
ridade chegou ao fim. Já não sendo um lugar seguro, atormentada comprimento e o corte dos casacos, e a forma dos chapéus. Tudo
por epidemias e incêndios e apinhada de refugiados, ela foi gradati-
vamente abandonada pelos estrangeiros.
No século XVIII, a Polônia soberana deixou de existir; foi
dividida em três partilhas consecutivas — em 1772, 1793 e 1795 — * O Czar usava o título de Rei da Polônia, donde o termo "Reino". Varsóvia era a
entre a Rússia, a Prússia e a Áustria. A primeira partilha colocou capital do Reino da Polônia.
Zamosc em mãos austríacas, e o fechamento da famosa Academia,

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20 Polônia a cidade natal 21

isso exasperou o prefeito polonês de Zamosc. "Levá-los todos aos tri- É possível que tenha havido outras razões para a mudança da
bunais significa não menos do que prender a cidade inteira, e isso é família para Varsóvia. Os Luksenburgs, ao que parece, não estabele-
simplesmente impossível", informou ele às autoridades na década de ceram amizades duradouras entre os judeus de Zamosc, muitos deles
1850.2 A resistência passiva dos judeus acarretou a abolição de um ortodoxos e hasidim que evitavam os assimilacionistas. É provável
imposto que incidia sobre seu vestuário, mas não pôs termo às im- que a família tenha-se mudado para escapar ao sentimento anti-judai-
portunações — embora nem as autoridades austríacas nem as russas co permanentemente presente. A cidade grande oferecia uma certa
jamais elaborassem uma receita precisa do que seria um judeu de dose de anonimato e melhou proteção contra os burocratas hiper-
aparência correta. zelosos. Embora isentos da perseguição sofrida pelos judeus pobres
Segundo uma lenda familiar, o ancestral dos Luksenburgs polo- e ortodoxos, os judeus assimilados não estavam isentos do estigma
neses era um jovem arquiteto paisagista que o Conde Andrzej da associação. A insurreição polonesa de 1863 contra a Rússia, que
Zamoyski conhecera em Bruxelas no século XVIII e, tendo dele uma incendiou a região de Zamosc, trouxe uma repressão draconiana dos
impressão favorável, levara para suas terras em Zamosc. Todavia, os rebeldes e daqueles que os apoiavam, entre eles os judeus que forne-
arquivos bem conservados dos Zamoyski não contêm nenhum docu- ciam soldados, guias, uniformes e armas. Nessa ocasião, os Luksen-
mento que ateste essa afirmação. O avô paterno de Rosa era um burgs tinham dois filhos e, muito embora ainda se passassem dez
próspero madeireiro cujos negócios se estendiam a Oeste e a Leste. anos até eles saírem de Zamosc, é possível que a mudança já tivesse
Bem cedo, ele fugiu das restrições da vida ortodoxa judaica e seu sido considerada. Nessa época, o Iluminismo (Haskalah), movimento
filho, Elias, herdou seu negócio e seu ímpeto de assimilação. A mãe intelectual voltado para a educação e a cultura leigas, fez sérias
de Rosa, Lina Loewenstein, filha do rabino Itzakh Oser Loewenstein, incursões no mundo judaico. Em Zamosc, porém, encontrou uma
era descendente de dezessete gerações de rabinos e estudiosos judai- feroz oposição dos hasidim e do vigoroso centro rabínico ortodoxo.
cos que remontavam a um famoso comentador do Talmude, o rabino O interesse de Lina Luksenburg na literatura alemã e polonesa, bem
Zerachya Halevi, na Espanha do século XII.3 O irmão de Lina, rabino como seus intensos esforços de transmitir seus interesses para os
Bernard Loewenstein, tornou-se doutor em filosofia e teologia; na filhos, iam de encontro aos valores judaicos tradicionais. Em Zamosc,
idade adulta, irmão e irmã não mantiveram nenhum contato, talvez os judeus confrontavam-se com uma multiplicidade de conflitos que
numa indicação de que a família de Lina desaprovara seu casamento eram desconhecidos por seus correligionários emancipados da Eu-
fora da religião ortodoxa. Lina e Elias conheceram-se em Zamosc, ropa Ocidental. Assim, o isolamento, o anti-semitismo e a necessi-
onde se estabeleceram por causa dos negócios de Elias. dade econômica levaram os Luksenburgs para Varsóvia em 1873.
Rozalia (Róza) nasceu em Zamosc em 5 de março de 1870, Rosa tinha três anos de idade.
sendo a mais nova dos cinco filhos do casal. A mais velha, Chana
(Anna), nascera em 1858, Natan (Mikolai) em 1860, Maksymilian em
1866 e Józef em 1868. A família morava numa espaçosa casa de
tijolos de dois andares na praça principal. A língua falada em casa era
o polonês, mas Elias Luksenburg usava o iídiche nas transações
comerciais, freqüentemente feitas em casa. Lina Luksenburg obser-
vava fielmente os dias santos judaicos — as festas que reuniam a fa-
mília —, mesmo depois de seus filhos crescerem e deixarem o lar.
Rosa passou os primeiros três anos de sua vida num ambiente
tranqüilo e confortável. Sendo a favorita dos pais e dos irmãos mais
velhos, era uma menina confiante e alegre. Mas sua infância ensola-
rada encerrou-se abruptamente em 1873. Faltava a Elias Luksenburg
o tino comercial do pai. Suas posses foram declinando à medida que
aumentavam as necessidades da família — particularmente com
respeito à educação dos filhos, com a qual ambos os pais sentiam-se
intensamente comprometidos. Elias resolveu tentar a sorte na capital.
a mudança drástica 23

profissionais liberais poloneses, situava-se a uma distância parta,


porém segura, do setor ocupado pelos judeus pobres e ortodoxos. O
bairro judeu — com sua atmosfera exótica, com homens de cachos e
solidéus a gesticular, seus kaftans esvoaçando como enormes pássa-
ros negros, mulheres usando perucas, mendigos e vendedores ambu-
lantes — mais parecia o teatro medieval do que uma capital do Oci-
dente. Era uma fonte de embaraço e ressentimento para os judeus
2 Varsóvia: assimilados, que se envergonhavam do atraso de seu povo e ansia-
vam por não ser associados com ele. Esses judeus reformaram sua
A Mudança Drástica religião; já não falavam o iídiche "na frente das crianças" e suaviza-
vam seus traços semíticos usando trajes ocidentais. Não obstante, a
1874-1882 poucas ruas de distância lá estava aquele outro mundo, o principal
obstáculo à aceitação: gente ruidosa em roupas bizarras; trabalha-
dores que se recusavam a trabalhar aos sábados; tzaddiks* que
faziam milagres e rabinos que formulavam leis. Ordenados por
decretos czaristas a se desfazerem de suas barbas e sua indumentária,
encontravam meios de conservar ambas; expulsos de uma parte da
O BAIRRO JUDEU de Varsóvia foi criado em 1809. A de- cidade, emergiam em outra; instados a aprender polonês, elevavam o
sonestidade, a perfídia e a corrupção dos judeus foram citadas como iídiche à condição de língua literária.
justificativas da segregação. Na verdade, os comerciantes poloneses e Varsóvia representou para os Luksenburgs um passo rumo à
russos haviam pressionado as autoridades russas para que eliminas- assimilação. Tal como em Zamosc, porém, cada avanço nesse sentido
sem a competição indesejada no centro da cidade. Ofereceu-se aos exigia uma decisão, e cada decisão representava um novo problema.
comerciantes judeus a oportunidade de investirem seu capital no de- Os Luksenburgs não podiam seguir um padrão estabelecido — não
senvolvimento dos arredores da cidade; o centro ficou fora dos seus havia nenhum; tampouco podiam considerar-se comodamente judeus
limites. Apenas 140 famílias judias obtiveram permissão para morar ou poloneses. Optaram por afrouxar os laços tradicionais e assumir
fora do bairro judeu nos anos de 1809-1862. Os pré-requisitos dessa uma identidade alterada, mas não inteiramente nova. Ganhar acesso
permissão incluíam posses avantajadas — 60.000 zlotes poloneses (na ao mundo polonês sem renunciar à tradição judaica era mais difícil
época, o equivalente aproximado de 6.900 dólares) — e ainda do que uma conversão clara ao cristianismo, e nem esta era bem-
fluência em polonês, alemão ou francês, freqüência dos filhos à es- vinda pela maioria dos poloneses. Para um polonês, o judeu judeu
cola pública e trajes ocidentais. Sempre que as conveniências econô- era facilmente identificável e, por conseguinte, menos ameaçador do
micas ou políticas requeriam maior flexibilidade, as regras discrimi- que o judeu assimilado. Além disso, depois que a Rússia, a Prússia e
natórias eram relaxadas. Essa política aumentou a desconfiança entre a Áustria dividiram a Polônia, o judeu já não era simplesmente um
poloneses e judeus. A Igreja Católica advertiu contra a corrupção da judeu polonês, mas também um súdito russo, prussiano ou austríaco.
moral, caso cristãos e judeus vivessem juntos, e a municipalidade po- Isso tornava ainda mais escorregadio o caminho da emancipação.
lonesa insistiu em que apenas os judeus que se distinguiam nas artes O número 16 da Rua Zlota ficava no meio de um pequeno
e nas ciências obtivessem permissão para morar em Varsóvia. A des- quarteirão que ligava duas ruas, Bracka e a via principal, Marszal-
peito da ferrenha oposição, a determinação do Czar de 1862 final- kowska. A Rua Zlota cortava a Marszalkowska e se ia afinando à me-
mente aboliu as restrições residenciais e o bairro judeu deixou for-
malmente de existir.
Os Luksenburgs escolheram criteriosamente a vizinhança para a
qual se mudaram. Era uma área recém-aberta aos judeus e ficava a • Literalmente, o termo significa "homem de justiça", mas se aplica aos homens
meio caminho da aceitação pelos poloneses. Também habitada por considerados santos, sobretudo os chasidim, ou seja, membros de uma seita ortodoxa
fundada pelo rabino Israel Ben Eliezer, falecido em 1760. (N.T.)

22
a mudança drástica 25
24 Polônia

mentos de frente e os quartos dos fundos, foram a primeira introdu-


dida que prosseguia no rumo Oeste, mas o pequeno trecho em que ção de Rosa às diferenças de posição social.
os Luksenburgs moravam era uma boa vizinhança. Décadas antes, a A mudança para Varsóvia desarvorou-lhe a vida. O apartamento
Rua Bracka fora a rota diária do Grão-Duque Constantino da Rússia, de três quartos, abrigando seus pais e quatro irmãos, privou-a de
comandante-chefe do exército polonês. De sua residência no Palácio espaço e restringiu seus movimentos. Fora-se o conforto da vizinhan-
Belvedere ele seguia a cavalo para a Praça Saski para as inspeções ça familiar e da gente conhecida, da coerência e da previsibilidade.
notoriamente humilhantes de seus subordinados poloneses. Um be- Rosa era levada a passear por sua irmã mais velha, Arma, cujo coxear
nefício incontestável das excursões do Duque pela Rua Bracka con- lhe desagradava, ou então pela mãe. A cada vez que saía, tinha que
sistiu em que a superfície dela foi pavimentada com pedras sólidas. A se vestir por completo. Anna a levava ao Jardim Saski, ali nas ime-
Rua Marszalkowska fervilhava de vida. As mulheres, vestidas de diações, repleto de crianças, árvores antigas e canteiros de flores. Mas
acordo com a última moda de Paris, as lojas que ofereciam artigos as crianças do Jardim Saski eram diferentes de seus coleguinhas de
finos importados, os cafés, restaurantes e livraria,s conferiam à metró- Zamosc. Vestidas com aprumo, eram acompanhadas por adultos e
pole um toque de elegância européia. Ela era multinacional, multi- falavam de um modo grave e refletido. A perda dos antigos compa-
língüe, animada e colorida. Vistosos coches puxados a cavalo trans- nheiros, que falavam alto, riam alto e gostavam de brincar com ela,
portavam senhoras elegantes para seus compromissos de caridade e causava perplexidade. Por pirraça e raiva, ela própria falava alto, ape-
cavalheiros para jantares íntimos; os uniformes russos reluzentes nas para ser admoestada a baixar a voz, a se comportar. Era-lhe difícil
misturavam-se com as batinas dos padres e as batas das colegiais; compreender porque seu comportamento, antes aceitável, era agora
dândis e freiras, hasidim de chapéus de feltro de aba larga e mensa- criticado. Mas, no exato momento em que começava a se adaptar a
geiros de bonés vermelho vivo, governantas de pelerines negras e sua nova vida, ela sofreu outro golpe ainda mais dilacerante.
músicos ambulantes, tudo sob o olhar vigilante dos policiais russos As circunstâncias exatas que impeliram os pais de Rosa a fazer
com seus bigodes, traziam para a rua uma aura de encantamento. com que um médico lhe examinasse as pernas permanecem desco-
Esse quadro se modificava drasticamente tão logo se deixava o nhecidas. Ela própria afirmou que seu andar era normal até que, aos
centro da cidade. Carruagens decrépitas, puxadas por éguas ossudas, cinco anos, puseram-lhe um aparelho de gesso e a mantiveram na
sacolejavam por sobre as pedras do calçamento; vendedores atrela- cama por um ano. Rosa cresceu com uma perna mais curta que a
dos a carroças ofereciam areia, água, frutas e legumes; trapeiros, outra. O longo confinamento indica que ela foi tratada de uma tuber-
compradores de ferro velho, carregadores de água e carregadores em culose no quadril, mas, com toda a probabilidade, ela sofria de uma
geral entoavam monotonamente louvores a seus produtos e serviços. luxação congênita do quadril, comum nas meninas daquela época. Já
Um tocador de realejo com seu macaco, acrobatas, bufões e mendi- adulta, ela culpou os pais por seu estado, que achava que poderia ter
gos vinham juntar-se ao coro. Ainda mais afastadas do centro da sido evitado, se fosse identificado mais cedo e adequadamente tra-
cidade ficavam as fábricas que atraíam camponeses, judeus e gente tado. É duvidoso que seus pais tenham sido negligentes, como Rosa
jovem das províncias. afirmou; uma vez que a filha mais velha era manca, eles certamente
Tal como a cidade, a Rua Zlota também tinha uma fachada estariam atentos para problemas potenciais.1 Os efeitos de uma lu-
elegante e um quintal menos elegante. Os apartamentos mais dispen- xação no quadril poderiam ter passado despercebidos por muito
diosos, como o dos Luksenburgs, ficavam de frente para a rua e eram tempo, e isso provavelmente desorientou os pais e os médicos.
ocupados por uma classe de pessoas diferentes da dos imóveis vol- Depois de removido o gesso, Rosa parecia coxear, mas não fi-
tados para os fundos. Com pouca ou nenhuma luz do dia, despropor- cou claro se seu estado era curável. Ela foi levada de um médico para
cionalmente caros e coalhados de gente, esses cortiços eram ocupa- outro e submetida a diferentes tratamentos, freqüentemente doloro-
dos por alfaiates, costureiras, chapeleiros e sapateiros. Como todos os sos e, no final das contas, inúteis. Receitaram-se banhos, compressas
moradores de cortiços, essas pessoas tinham uma história de penúria, e trações, e ela suportou a dor com paciência. Durante muito tempo,
doença e desespero. Muitas vezes, uma família de seis membros, não lhe ocorreu que os tratamentos poderiam não ajudar. Ela não
mais a oficina e os aprendizes, ocupavam um único aposento, equi- conseguia imaginar-se arrastando a perna como sua irmã mais velha,
pado com uma lareira improvisada, colchões de palha, algumas ca- ou sendo incapaz de andar como as outras crianças. Mesmo assim,
deiras e uma mesa. A tuberculose, o escorbuto e o raquitismo eram coxeava muito. O sofrimento físico lhe era mais fácil de suportar do
comuns. A rua límpida e alegre e o pátio escuro e imundo, os aparta-
26 Polônia a mudança drástica 27

que a obviedade da deficiência. A garotada apontava para ela e nesa. A Polônia, sua pátria, não existia como Estado independente.
entoava em uníssono: "Aleijada, a-lei-jaaa-da!" As crianças do parque Ser polonesa, tal como ser judia, não proporcionava nenhum ponto
a observavam com curiosidade, seguiam-na ou saíam correndo. Os de apoio, nenhuma segurança.
olhares piedosos e os sussurros dos adultos não eram menos enlou- A segregação na escola era apenas um dos aspectos do sistema
quecedores. Rosa abominava a rua, os estranhos e a compaixão. de quotas. A religião, cadeira obrigatória, dividia ainda mais os
Toda a sua energia se concentrava em minimizar a claudicação; era estudantes em católicos romanos, ortodoxos russos e judeus. Ao lon-
um triunfo passar pelas ruas despercebida. go de todo o seu curso escolar, os alunos assistiam a aulas separadas
Talvez seus pais acreditassem que o dano não seria perma- de educação religiosa, de acordo com seu credo. Diversamente dos
nente; talvez Rosa tenha esperado que sua perna mais curta cres- judeus, os estudantes russos e poloneses, mais numerosos e tendo,
cesse. Era injusto. Rosa tinha três irmãos extremamente bonitos, e seu habitualmente, fortes vínculos religiosos, não buscavam na escola a
próprio corpo era deformado. Quaisquer recompensas sob a forma saída para uma condição enraizada na raça e na religião, e, por con-
de indulgência familiar eram suspeitas em face da* calamidade. Com o seguinte, não sofriam nenhuma das tensões emocionais dos judeus.
tempo, ela aprendeu a aceitar seu corpo desfigurado e criou a ima- Não que faltassem aos poloneses suas próprias provações; proibidos
gem de uma criança feliz e sadia. Nos anos subseqüentes, aperfeiçoa- de falar sua língua pátria, eles eram vigiados de perto pelos profes-
ria essa imagem a tal ponto que até seus amigos mais íntimos acredi- sores, predominantemente russos, e punidos quando infringiam a
tavam que fosse real. norma. Mas, se o aluno polonês tinha de estar atento, o judeu,
culpado por definição, tinha que estar duplamente alerta; era mais
suspeito, mais severamente punido e alvo fácil de chacota. Poucos
meses antes de Rosa ingressar no Ginásio, um grupo de estudantes
ginasianos foi expulso pelo que se denominou de uma demonstração
política — haviam presenteado com flores a famosa atriz polonesa
No dia 5 de março de 1880 Rosa completou dez anos. No outono Helena Modrzeiewska (Modjeska). Entre os implicados achava-se
desse ano, depois de ter tido preceptoras em casa, ingressou na Ignacy Neufeld, um judeu de dezessete anos. Ele ameaçou suicidar-se
primeira série da escola estadual, o Segundo Ginásio Russo para se fosse expulso. A reação do diretor da escola foi típica: "Um judeu!
Meninas. Sem dúvida, queria muito freqüentar a escola e escapar do Matar-se! Jamais acreditarei nisso!" Neufeld foi expulso e, como pro-
tédio, do isolamento e do apartamento apertado. Mas, ao mesmo metera, estourou os miolos.2
tempo, estava cheia de apreensões. Como outras candidatas de ori- A experiência na escola confirmou os piores temores de Rosa.
gem judaica, estava obrigada a tirar notas mais altas no exame de ad- Ela era diferente. Não podia fazer o que as outras meninas faziam.
missão do que uma não-judia; havia uma quota estipulada para as Elas podiam entrar correndo no prédio da escola e subir dois ou três
judias. Rosa foi aceita, mas não era esse o tipo de aceitação que degraus de cada vez para se antecipar ao som da sineta que anun-
queria. ciava o início das aulas. Ela não podia. Tinha de acordar mais cedo,
Ser aceita num sistema de quotas foi seu primeiro confronto sair de casa mais cedo e subir os degraus um a um. Todos os dias, fa-
com sua condição inferior. Sendo uma criança sensível, sentiu-se de- zia a longa jornada da Rua Zlota até a Rua Wilcza, onde se localizava
gradada. Foi nesse ponto que ela iniciou sua longa luta pela remoção a escola, totalmente concentrada em manter seu corpinho ereto e a
do estigma, e as escolhas que fez em épocas posteriores da vida, claudicação tão imperceptível quanto pudesse conseguir. Na sala de
tanto pessoal quanto pública, foram uma reação direta ou indireta à aula, sentia-se à vontade, embora andar até o quadro negro fosse
humilhação da criança. uma provação. Os esportes e a dança causavam-lhe extrema angústia.
A experiência aprofundou sua confusão. Sem ter recebido for- Os esportes femininos eram uma novidade; além das aulas de dança,
mação religiosa, estivera exposta, apesar disso, a algumas tradições, as escolas introduziram exercícios de ginástica, patinação no gelo e
como a celebração do Rosh Hashana ou do Pesach [Páscoa]. O apego jogos ao ar livre. Rosa gostava de exercícios, de dança e de esportes.
de sua mãe ao judaísmo, a ocupação tipicamente judaica de seu pai Não tinha nenhuma dificuldade em se locomover, mas mover-se com
como pequeno comerciante e sua deficiência física contribuíram graça era algo que não conseguia. Numa época em que o andar gra-
ainda mais para aturdi-la. Sua escola era russa, e sua língua, polo- cioso era um dos principais atributos femininos, seu desajeitamento
28 Polônia a mudança drástica 29

físico doía ainda mais. Mesmo assim, ela treinou obstinadamente para todo o mundo — estava fora de seu alcance. Isso ela teve de aceitar;
os exames físicos mais difíceis e foi aprovada. aceitou, e se concentrou em desviar a atenção de seus traços semí-
O ambiente que Rosa encontrou na escola era-lhe basicamente ticos e sua perna mais curta para sua mente. E foi assim que Rozalia
estranho. Suas colegas de classe eram filhas da baixa aristocracia po- Luksenburg tornou-se Rosa Luxemburgo. Foi uma empreitada árdua,
lonesa empobrecida, da intelectualidade, de oficiais de média pa- e ela nunca parou de pagar. A força de vontade não bastava; nem
tente, de funcionários russos sediados em Varsóvia e de judeus de tampouco o ímpeto, a ambição e o intelecto. Rosa incorporou um
poucos recursos. Havia pouco convívio social entre as descendentes papel de força — vontade forte, mente forte, caráter forte —, um
dos governantes e as dos vencidos; e estas, as estudantes polonesas e papel que veio a desempenhar de maneira tão convincente que se
russas, não formavam um grupo coeso. Rosa não era nada excep- tornou como que natural. A arrogância e a agressividade encobriram
cional em seu desejo de se identificar com os poloneses; era nisso, sua insegurança; a exibição de autoconfiança ocultou seus medos.
afinal, que consistia a assimilação — superar barreiras e mesclar-se à Nos anos de escola, tornou-se conhecida como "forte", um epíteto
cultura polonesa, tendo na escola a primeira ponte. Mas nem todos que lhe agradava mais do que "manca" ou "judiazinha suja".
os poloneses se dispunham a permitir que os judeus cruzassem essa Rosa nem bem chegara aos doze anos quando vivenciou a
ponte. maior brutalidade de sua curta vida. Mal havia começado a segunda
Na vida acadêmica, Rosa logo se firmou; trabalhando duro, dili- série do ginásio e conquistara e desfrutava do reconhecimento dos
gente, bem dotada e ávida, era uma aluna modelo. Mas a aceitação professores e colegas. Estava descobrindo que os atributos de sua
social não foi concomitante. Ela podia afirmar a posse de um inte- mente podiam suplantar quaisquer desconfianças que os outros pu-
lecto, mas não de uma ascendência nobre; podia impressionar as co- dessem ter a seu respeito. Lentamente, estava superando suas an-
legas de turma com sua individualidade, mas a volumosa cabeleira gústias.
castanho-escura, os grandes olhos intensos de um marrom profundo
e o nariz protuberante eram visíveis demais. A situação empobrecida No Natal de 1881, um pânico cuja origem permanece desconhe-
das meninas polonesas pouco importava. Elas eram louras, de olhos cida apossou-se da multidão que saía da Igreja da Santa Cruz. O pâ-
azuis e tez leitosa; seus pais e avós eram mártires da causa nacional, nico terminou num pogrom. No império czarista, os pogroms manti-
e suas mães e avós as levavam, todas vestidas de branco, à missa de nham os judeus sob controle, tornando manifesta a temporaneidade
domingo e às quermesses da Igreja. Elas freqüentavam saraus, dan- de sua segurança. Os pogroms encontraram um solo fértil na Polônia,
çavam mazurcas e polonesas e celebravam os feriados religiosos cris- onde as antiqüíssimas tensões eram agravadas pela grande concen-
tãos, rituais estes que Rosa adotou depois de sair de casa. tração de judeus ortodoxos e pelo atraso econômico e a independên-
Fora da escola, ela pouco tinha em comum com suas novas cia perdida do país. A ocupação estrangeira instigou alguns polone-
amigas. O feroz orgulho nacional destas a intimidava. Acaso ela com- ses a adotarem um nacionalismo fanático. Com sua nacionalidade
partilhava da herança delas, feita de reis poloneses que haviam trans- ameaçada e sua dignidade ferida, as vítimas precisavam de vítimas.
formado o país num esteio do cristianismo, e de rainhas polonesas O pogrom de Varsóvia foi menos chocante para os moradores
que eram modelos de virtudes cristãs? É possível que o fanático anti- empobrecidos do bairro judeu do que para os judeus da Rua Zlota. A
nacionalismo posterior de Rosa tenha brotado da ambivalência diante precariedade de seu status recém-adquirido não apenas ficou ex-
dessa herança. posta, mas foi legitimada pelas autoridades. A polícia czarista não
A inquietação nervosa que iria estabelecer o compasso da vida interferiu contra os agressores. Por causa da aquiescência da polícia,
adulta de Rosa originou-se na corrida de obstáculos que a escola o pogrom campeou por três dias e três noites no bairro judeu. Os
representou para ela. Tivesse ela sido colocada numa categoria es- operários, os mascates, os sapateiros e os comerciantes uniram forças
pecial, mas não inferior, pudesse ela ter sido a filha orgulhosa de um para se defender e impediram que o desastre se espalhasse. Duas mil
pai eminente, talvez tivesse ansiado menos pelo reconhecimento fora famílias sofreram perdas; muitas foram feridas e mortas. Embora as
da família. Não fosse ela aleijada, talvez tivesse sido mais confiante. E áreas mais abastadas costumassem gozar da proteção da polícia,
houvesse ela experimentado um vivo sentimento de pertencer à dessa vez nem mesmo a Rua Zlota se mostrou segura. Uma multidão
tradição judaica, talvez lutasse menos desesperadamente por ser arruaceira tomou a região de assalto, saqueando, quebrando janelas e
aceita corno polonesa. A realização de seu desejo natural — ser como atirando pedras. Alguns judeus correram para seus vizinhos polone-
30 Polônia

sés em busca de segurança, enquanto outros ergueram barricadas nas


portas e janelas.
Não é difícil imaginar o que se passava na cabeça de Rosa. As
vociferações e os berros, o tilintar de vidros partidos sob botas pesa-
das, as gargalhadas obscenas e estrondosas, os palavrões em polonês
e iídiche e o som de mulheres gemendo e crianças chorando deixa-
ram-na aterrorizada. Os pais não podiam defendê-la. Não tinham
como impedir a turba, que berrava "Arrebenta o judeu!", de irromper
casa adentro, espancá-la e assassiná-la. Rosa não podia fugir. Arras-
3 Varsóvia:
tando sua perna curta, certamente cairia nas mãos da horda. Em ne-
nhuma época anterior sua claudicação lhe parecera um perigo, uma
A Busca Adolescente
ameaça a sua vida; nunca o medo fora tão real.*
É possível que os pais de Rosa a tenham escondido, talvez por 1882-1889
horas, talvez por dias. Pode ser que a tenham levado para a casa de
vizinhos poloneses ou mantido no apartamento atrás de portas tran-
cadas. No entanto, o que quer que tenham feito para garantir-lhe a
segurança física, nada puderam fazer a respeito de sua angústia
mental.
O pogrom deixou em Rosa uma cicatriz permanente. Anos O POGROM TROUXE à tona todos os temores latentes de
depois, quando ela própria tornou-se capaz de controlar multidões, Rosa. Desesperada para escapar à realidade assustadora, ela encon-
de mantê-las hipnotizadas, Rosa vingou a menina transida de horror. trou refúgio na poesia.
As multidões entoavam "Viva Rosa!". Mas ela continuou a ter medo Adão Mickiewicz, um romântico mundialmente famoso que até
da turba. "Sabe qual é a idéia que me obceca e apavora?, escreveu ela hoje cativa a mente dos jovens idealistas,* tornou-se a fonte de inspi-
a sua amiga Luise Kautsky em 1917. "Fico imaginando ter de entrar ração de Rosa. Seu apelo para unir "corações e mentes" no amor e na
mais uma vez num salão gigantesco e apinhado, com as luzes ofus- rebelião, bem como seus sonhos com o "bem para todos", enleva-
cantes, o barulho ensurdecedor, a massa de gente me empurrando... ram-na, porque ela estava magoada, só e ameaçada. Todas as pes-
e sinto uma ânsia repentina de sair correndo! (...). Tenho horror às soas oprimidas, ensinava Mickiewicz — trabalhadores, judeus ou
multidões."3 camponeses —, onde quer que estejam, tornar-se-ão iguais, uma vez
Rosa enterrou bem no fundo a experiência infantil. Meticulosa- destruída a antiga ordem do mundo.
mente escrupulosa que era, na única vez em que mencionou o Nada podia ser mais cativante para a adolescente Rosa do que o
pogrom — de passagem, de maneira impessoal, num artigo sem sentimento de pertencer a uma comunidade ligada por uma meta
assinatura — trocou sua data.4 nobre. "Ombro a ombro", dizia o poeta, os jovens arrasariam o uni-
verso decadente e construiriam um mundo melhor. A idéia de aliviar
o sofrimento da humanidade minorava a dor de Rosa. Num mundo
em que todos amassem todos os demais, também ela seria amada, a
despeito de sua origem e a despeito de sua deformidade.
Em cômodos mal iluminados, por trás de portas atentamente
vigiadas, moças e rapazes se congregavam em reuniões clandestinas

* Por exemplo, a suspensão em Varsóvia de uma peça de Mickiewicz, Os Ante-


passados, no ano de 1968, em decorrência de suas implicações supostamente anti-
russas, levou a uma vasta inquietação estudantil.

31
32 Polônia
a busca adolescente 33

e ouviam vorazmente os versos prescritos de Mickiewicz. O mistério mento da insurreição anti-russa de 1830 na Polônia, e em todas
da poesia, da conspiração e do sigilo servia de combustível para a as insurreições polonesas desde então.
excitação febril das jovens platéias. Eróticos e espirituais, os poemas Durante os anos do exílio de Mickiewicz na França, onde ele
lhes falavam do amor ideal, do encontro de duas almas que se con- se estabeleceu na década de 1830, suas crenças levaram-no ao
vertem numa só. socialismo — um socialismo messiânico e místico, mas também
Ainda hoje, os próprios dados da biografia de Mickiewicz con- racional "O socialismo", escreveu ele em 1849, "é um mundo
servam sua magia para os poloneses. Representam a experiência po- inteiramente novo. Quem o criou? Ninguém sabe. As palavras não
lonesa em sua mais pura forma. Mickiewicz começou como conspi- criadas por ninguém, mas repetidas por todos, são sumamente
rador e terminou como peregrino. Nascido em 1798 na região de assustadoras. Cinqüenta anos atrás, as palavras revolução e
Vilna, viveu exilado na Rússia e, mais tarde, na França, e morreu revolucionário eram também neologismos bárbaros. (...) O velho
misteriosamente na Turquia em 1855. Personificou o drama de seu mundo e todos os seus representantes, apesar de incapazes de
país — dividido entre o Oriente e o Ocidente, entre a emoção e a apreender-lhes o sentido, leram nelas sua sentença de morte. (...)
razão. O velho mundo (...) não tem fundamentação moral."2 O poeta
Quando aluno da Universidade de Vilna, foi preso por fundar guerreiro foi o fundador da Tribuna do Povo, um jornal
uma sociedade estudantil polonesa secreta, sendo deportado para a internacional que reuniu revolucionários, anarquistas e utopistas.
Rússia em 1824. Na Rússia, 1824 foi um ano de esperanças e sonhos, Mickiewicz tornou-se socialista porque era cristão, e um cristão
que ruíram no malogrado levante dos Dezembristas, em 1825, contra cada vez mais cético em relação à Santa Sé. "Tenha a certeza",
o czar Nicolau I. Próximo dos intelectuais russos, dos Dezembristas e, desafiou ele o Papa Pio IX, "de que o espírito de Deus vive hoje
acima de tudo, de Alexandre Pushkin, Mickiewicz descobriu um sob as camisas de trabalho dos operários de Paris."3
mundo espiritual e intelectual mais amplo. O polonês rebelde tornou- Dado o prestígio que conferiu ao espírito do peregrino que
se um europeu rebelde. A liberdade converteu-se então, não apenas sai em busca de liberdade e justiça para todos, o poeta talvez tenha
na liberdade da Polônia, mas na liberdade para todas as nações opri- enobrecido o vago desejo de Rosa de deixar sua casa e seu país.
midas. Os russos, percebeu ele, não sofriam menos do que os polo- "Os peregrinos poloneses são a alma da nação polonesa", escreveu
neses com a autocracia, e os inimigos deles eram idênticos aos seus. ele.4 Ao longo de todo o cativeiro da Polônia, a peregrinação
Pushkin, exilado em seu próprio país, e Mickiewicz traduziram a poe- transformou-se numa idéia, num modo de vida trágico e místico, e
sia um do outro para suas línguas pátrias e choraram juntos o assas- de profunda significação moral. Em sua Bíblia da Nação Polonesa e
sinato dos Dezembristas aprisionados. Num poema intitulado "A
meus amigos russos", Mickiewicz lamentou: aos Peregrinos Poloneses, Mickiewicz ordenou aos poloneses que
sobrevivessem, tal como o Velho Testamento o ordenara aos judeus
Onde estão vocês agora? que viviam na Diáspora. O peregrino polonês, escreveu o poeta,
A nobre cabeça de Ryleev, que apertei em fraterno abraço, não é um vadio ou um exilado, pois o vadio perambula sem meta
pende no cadafalso por decreto do Czar... e o exilado é banido por decreto. O peregrino viaja por terras
A mão de Bestuzhev, que ele, bardo e cavaleiro, estranhas, mas sua pátria está dentro dele, e o elo indissolúvel,
estendeu para mim, separada pelo Czar da pena e da espada, etéreo como um facho de luz e pesado como os grilhões do
arranca pedras na pedreira, atada ao braço escravo, eleva seu espírito e norteia seu intelecto.
do polonês...
A peregrinação de Mickiewicz finalmente o levou à Turquia.
Malditos sejam os povos que assassinam seus profetas.1
O último episódio da vida do poeta não é amplamente divulgado
por seus compatriotas embaraçados. Inspirando-se no místico
A tragédia dos Dezembristas não o desanimou. A rigor, sua polonês Andrzej Towianski, Mickiewicz passou a crer que,
poesia passou a pregar a batalha com vigor ainda maior. O encanto numa guerra popular pela liberdade de todos os povos, os "judeus
insidioso das idéias de Mickiewicz, sua presteza de Sansão para des- (...), que consideram sagradas a onipotência do povo, a igualdade
truir e perecer sob o entulho, e sua disposição de Cristo para o sacri- e a liberdade", derrotariam toda a opressão.5 Ele resolveu
fício desempenharam um papel nada insignificante no desencadea- organizar um destacamento de hussardos judeus (judeus russos
capturados como prisioneiros de guerra pelos turcos) que
deveriam lutar pela liberdade do
a busca adolescente 35
34 Polônia

banqueiro. Poucos poloneses sonhavam fazer fortuna ou construir


povo de Israel e da Polônia. Em meio aos preparativos, Mickiewicz fábricas; muitos encaravam com apreensão, se não com asco, as filei-
morreu. ras crescentes de industriais alemães, russos e judeus. O sucesso ma-
O que havia começado, para Rosa, como uma necessidade de terial continuava a ocupar uma posição muito inferior na escala de
escapar da realidade evoluiu gradualmente para uma decisão de valores tradicionais. Cem anos de dominação estrangeira, impotência
modificar a realidade, muito antes que ela ouvisse falar em Marx. Sua política e isolamento intensificaram, em vez de enfraquecer, os traços
crença na obrigação moral de lutar por um sistema mais humano, na que se haviam desenvolvido ao longo dos oito séculos anteriores de
dimensão ética da mudança social — essência da filosofia de Luxem- soberania da Polônia. Os descendentes da "tribo real" nutriam pelos
burgo —, derivou da visão do poeta. A confiança dele nos instintos modernos hunos do Oeste um desprezo equiparável apenas ao que
sadios da gente comum está subjacente à famosa teoria de Luxem- sentiam pelos asiáticos do Leste.
burgo sobre a espontaneidade da revolução. Muitos anos depois, A mudança econômica exigia, acima de tudo, a cooperação
convencida do poder do espírito criativo e da sabedoria intuitiva das com os três invasores dos territórios anexados: os russos, os prussia-
massas, que, como dissera o poeta, "sabem" porque "sentem", ela nos e os austríacos. Para muitos poloneses da década de 1880, e em
rejeitou o conceito de Lenin sobre a revolução profissionalmente particular para a geração mais jovem, para a qual a insurreição de
organizada. 1863 era mais uma página gloriosa do evangelho patriótico, isso eqüi-
valia a um reconhecimento explícito do statu quo, a uma admissão
de derrota e ao conformismo em nome do lucro material. Mas alguns
jovens poloneses encontraram um modo de ligar a tradição à moder-
nidade, embora não exatamente à que os positivistas pregavam. Os
Na década de 1880, quando a literatura lutava pelos "corações e filhos dos intelectuais e da nova burguesia inflamaram-se com um tipo
mentes" e provia a juventude de visões poéticas, a realidade con- diferente de rebelião — o socialismo.
frontou a sociedade polonesa com novos fatos e novos desafios. A Paralelamente ao positivismo econômico, surgiu uma tendência
insurreição malograda de 1863 esgotara a nação, deixando os inva- literária também conhecida como positivismo. O negociante de
sores russos invictos e mais determinados do que nunca a pacificar o sucesso — racional, sensato e cético — substituiu o malsinado rebel-
país. A inutilidade da resistência armada e a rápida industrialização de romântico. Mas esse novo herói estava basicamente confinado à
da Europa abriram as portas para uma nova tendência ocidental na ficção. Pouco havia nele que atraísse aqueles que sustentavam uma
cultura e na economia polonesas, conhecida como positivismo. Em visão idealizada do destino da Polônia; era-lhe menos possível incen-
vez de olhar para trás, chorar a glória perdida e condenar o país à diar a imaginação ou inflamar o espírito do que inspirar resistência.
extinção, os positivistas poloneses declararam que a nação tinha de Ele era desprovido de drama, para o qual sua mente racional e sua
se tornar realista, esquecer o passado e voltar os olhos para o futuro; habilidade para ganhar dinheiro eram um substituto precário. A
o trabalho produtivo devia substituir os sabres, e as fábricas deviam Polônia não se transformaria numa nação de empresários. A estrada
substituir as barricadas. A independência nacional não era indispen- para a glória não era pavimentada com cédulas.
sável à sobrevivência da nação, afirmavam os positivistas, mas uma A resistência à modernidade não fez mais do que lentificar seu
economia sólida o era. Embora positivismo, em certo sentido, fosse progresso ou garantir que ele se desviasse dos poloneses, em benefí-
apenas uma palavra diferente para designar uma economia liberal, cio dos não-poloneses. A Polônia, na encruzilhada do Leste com o
que chegava à Polônia com três décadas de atraso, ela não foi bem Oeste, era importante demais, como rota comercial e fonte de mão-
recebida por um grande segmento da sociedade. de-obra barata, para ser deixada de fora nos projetos russos e prus-
Se o choque da rebelião esmagada de 1863 contra os russos sianos de expansão econômica. A suspensão das restrições que inci-
havia alterado algumas atitudes, não modificara o espírito nacional. A diam sobre os judeus poloneses, em 1862, foi uma hábil manobra por
rebeldia, a incapacidade de se conformarem ã realidade, a aversão ao parte do governo czarista; o operário judeu era o mais barato, e o
pragmatismo e a adoração do heroísmo faziam dos poloneses sócios empresário judeu era o mais ávido. Nos anos de 1874-1897, a popu-
precários das empreitadas capitalistas. Embora fosse fácil para um se- lação judaica de Varsóvia cresceu de aproximadamente 90.000 para
nhor de terras ceder sua propriedade a causas patrióticas, ou perdê-la 220.000 habitantes, enquanto, na Rússia, as grandes cidades estavam
numa aposta, era-lhe difícil transformar-se num comerciante ou num
36 Polônia
a busca adolescente 37

predominantemente fora dos limites dos judeus. Por volta de 1870,


um terço das fábricas de Varsóvia era de propriedade dos judeus e, fesa da cultura polonesa e da língua polonesa. A perda da indepen-
em torno de 1895, dificilmente restava alguma rua que não tivesse dência poderia facilmente ter destruído ambas, pois os invasores
uma propriedade judaica ("Nós somos donos das ruas", diziam os estavam perfeitamente cônscios de que a maneira mais conveniente
poloneses meio jocosamente, "e os judeus são donos das casas"). Um de aniquilar a Polônia era aniquilar sua cultura. Como os poloneses
cronista escreveu em 1885: "O papel dos judeus na indústria não é também sabiam disso, iniciou-se uma guerrilha cujo término ainda
tão amplo quanto no comércio; a indústria é dominada pelos ale- hoje não pode ser vislumbrado. A educação tornou-se um dever
mães. Recentemente, também os poloneses começaram a ingressar patriótico, um desafio à política de russifícação ou germanização dos
nos negócios, mas estes constituem exceções, ao passo que os ju- invasores, mas era uma educação alicerçada na fé cristã e na
deus, desde que obtiveram permissão para comprar e possuir terras, literatura. O padre e o escritor tinham jurisdições diferentes, embora
(...) embarcaram na construção de fábricas, e suas empresas cres- com algumas superposições: os camponeses e operários pertenciam
cem constantemente."6 O apelo em prol da "ação positiva" e da me- ao domínio do primeiro, enquanto a aristocracia e a intelectualidade
lhoria econômica não se perdeu nos judeus' Era sua única chance de eram do campo do segundo. O proletariado urbano, apesar de anal-
educação e emancipação. fabeto, tornou-se cada vez menos propenso a aceitar o sofrimento na
O positivismo deu aos jovens a oportunidade de voltar seu pen- terra em troca da promessa do paraíso na vida eterna.*
samento para os fatos e afastá-lo das ilusões perigosas. As gerações O escritor converteu-se numa figura sagrada após a perda da
que tinham sido criadas na crença de que o melhor que podiam fazer independência nacional. Em particular, o profeta romântico, personi-
pela Polônia era morrer por seu país estavam sendo dizimadas, mas, ficação dos sonhos de liberdade da nação, foi elevado à categoria de
mesmo assim, a primeira oração ensinada às crianças era pela liber- líder espiritual da consciência coletiva de seu povo. Ele contrapunha
dade da Polônia, os primeiros fatos aprendidos por elas diziam res- a humilhação e a derrota a valores universais mais elevados, libertos
peito a seus ancestrais martirizados, e os primeiros poemas que elas de qualquer credo religioso; clamava pela justiça na terra e pregava a
liam exortavam-nas a seguir o exemplo dos antepassados. A educa- resistência e a rebeldia, e não a humildade e a obediência. Tal como
ção pragmática era a saída do círculo vicioso da condenação e da o padre, porém, desconfiava do intelecto: "Os sentimentos e a f é me
destruição. falam mais alto", diz um poema de Adão Mickiewicz, "do que o olhar
A liderança espiritual è política da Igreja Católica Romana fora do sábio e seu prisma."
fortalecida pelo envolvimento militar da Polônia em defesa da fé Em resposta a um programa mais rigoroso de russifícação, a
cristã contra os muçulmanos da Turquia, no século XVII. A educação, partir de 1867, surgiu um número maior de internatos particulares
desde as escolas paroquiais até as universidades, fora um domínio com professores e administradores poloneses. Mas havia um senão:
exclusivo da Igreja até o Renascimento, que trouxe reformas religio- somente os ginásios estatais russos liberavam os alunos de sexo mas-
sas e uma sofisticação crescente da aristocracia. Após um breve culino do serviço militar e lhes abriam as portas das universidades. As
ressurgimento do classicismo em meados do século XVII, os philoso- dispendiosas escolas particulares femininas, fechadas aos judeus,
phes franceses e, depois deles, os metafísicos e idealistas alemães eram freqüentadas por filhas da aristocracia, de ricos proprietários de
opuseram-se, embora sem muito sucesso, à influência da Igreja Cató- terras e da intelectualidade abastada. E então, em 1879, o ensino em
lica, que ainda podia pleitear o "domínio das almas" da vasta maioria polonês foi prescrito. O polonês era lecionado como língua estran-
dos poloneses. geira, e o ensino da literatura e da história polonesas tornaram-se
Era com o controle da educação pela Igreja, portanto, que os totalmente clandestinos. A repressão derrubou seu próprio objetivo.
positivistas tinham de se defrontar. Sua tarefa era controvertida e Os alunos, com dez a dezoito anos e particularmente receptivos ao
complexa, por causa da influência inegável (se bem que intelectual- fervor patriótico, cedo amadureceram como conspiradores e, com a
mente limitada) da Igreja na educação, e por causa de seu papel uni-
ficador no país dividido, de sua imensa autoridade entre as massas e
de sua aliança com as classes dominantes, tanto nacionais quanto es- * Um exemplo característico da mentalidade dos trabalhadores é a seguinte canção
trangeiras. Muito embora seus pontos de partida e suas metas revolucionária: "Ninguém morrerá pela idéia em vão. / No fim, Cristo reinará sobre
diferissem, a Igreja e os positivistas tinham uma causa comum.- a de- Judas." Leon Baumgarten, Dzieje Wielkiego Proletariatu (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza
1966), p. 579.
38 Polônia a busca adolescente 39

cooperação e bênção de seus professores e pais, como defensores do ondas de correligionários apinhando a cidade e com a concorrência
credo polonês. crescente de negociantes mais moços e mais vigorosos, Luksenburg,
A divisão das disciplinas em humanidades e ciências seguia que nunca fora agressivo, era agora facilmente derrotado. Sobrecar-
uma orientação distinta e peculiarmente polonesa. As humanidades, à regado de trabalho e esgotado, ele não era para Rosa um pai que
parte os assuntos neutros, eram ensinadas às ocultas e adquiriram um inspirasse admiração ou respeito. Personificava o mundo do qual ela
sentido espiritual que está vivo até hoje; as ciências, sem nenhuma estava tentando escapar; aos olhos dela, faltavam-lhe idealismo, po-
carga emocional, salvo quando empregadas para produzir bombas der e dignidade. Lina Luksenburg tampouco despertava na filha o de-
terroristas, ficaram fora do campo de batalha. O ensino da literatura sejo de imitá-la. Rosa era jovem demais para reconhecer a força que
polonesa continuou a gravitar em torno da tradição romântica; os havia por trás da doçura habitual de sua mãe ou a determinação ne-
românticos desencadeavam "os sentimentos e a fé" e aplacavam o cessária para preencher o papel de uma boa esposa. Em anos pos-
desespero, mantendo vivas a grandeza passada da nação e as mira- teriores, ocorreu-lhe que a força talvez não fosse imediatamente per-
gens de sua glória futura. A tendência positivista veio chocar-se com ceptível e que não precisava expressar-se como uma dominação
uma força abstrata, que era hipnótica, apesar de enganadora. flagrante. Apesar das aparências, contudo, Lina Luksenburg con-
quistou algo que Rosa jamais conseguiu: apoderou-se de duas cultu-
ras, a judaica e a polonesa, e se sentia tão à vontade em ambas quan-
to Rosa sentia-se mal. Talvez tenha sido precisamente a facilidade
com que sua mãe tornou-se bicultural que tornou Rosa invejosa e
Uma fotografia de Rosa aos dezesseis anos, datada de 1886, revela enraivecida.
um rosto severo, carrancudo e obstinado. A expressão de determi- Rosa não era apegada a nenhum dos pais. As preocupações
nação mal chega a esconder a tristeza dos grandes olhos escuros. Os deles — os filhos, a casa, a vida cotidiana —, bem como suas prefe-
lábios carnudos estão comprimidos e há neles um toque mal percep- rências pequeno-burguesas e seu judaísmo transparente, embaraça-
tível de ironia ou, quem sabe, presunção. É um rosto incomum: ne- vam-na. Os árduos esforços de ambos para encontrar um marido
nhum traço de timidez, mas apenas arrogância, nenhuma suavidade, para sua irmã Anna, que se aproximava dos trinta anos, irritavam-na,
mas uma impaciência contida. pois Rosa confundia essa preocupação com a intolerância. Se, quan-
Rosa amadurecera depressa, tinha aprendido a controlar sua do adulta Rosa Luxemburgo desdenhou de seu meio, foi porque, já
claudicação, que se acentuava quando ela estava cansada, e aprendera como adolescente, tivera dificuldades com ele. Cresceu acostumada
a controlar a fadiga. A mãe cuidava de suas roupas, que eram cortadas com as implicações do anti-semitismo, mas não com a noção de que
de modo a ocultar-lhe o defeito. Seu peito farto erguia-se acima da este lhe dizia respeito; ela se acreditava polonesa, ainda que ninguém
estrutura inferior franzina, mas uma prega ou uma dobra minoravam a mais o fizesse. Como os poloneses, torcia o nariz para os homens
desproporção. Pouco havia, no entanto, que Lina Luksenburg pudesse com mechas de cabelo pendendo das laterais do rosto, barbas com-
fazer para minorar o conflito interno de sua filha. É duvidoso que ela pridas e kaftans longos, falando iídiche "com as mãos"; e , como os
tivesse conhecimento de sua extensão; ao contrário, estava poloneses, queria que eles fossem embora. Quando os outros a asso-
convencida de que o amor familiar e o sucesso acadêmico deixavam ciavam a esses judeus, isso se devia, na opinião dela, à ignorância ou
Rosa contente ou até feliz. Rosa não dava à mãe nenhuma razão para à maldade, e embora muitas vezes isso a aborrecesse, na maioria
duvidar disso. A afeição que recebia em casa era aceita como algo delas Rosa simplesmente o ignorava.
que lhe era devido; gentil, mas não efusiva, ela retribuía o amor e os A época em que ela ansiara tão desesperadamente pela acei-
cuidados dos pais com obediência filial e com um belo desempenho tação de suas colegas de classe estava encerrada. Aos dezesseis anos,
acadêmico. A família se acostumou com a introspecção de Rosa, ela havia encontrado suas almas gêmeas nos estudantes de orienta-
atribuindo sua necessidade de privacidade à preocupação com os tra- ção socialista dos círculos clandestinos. Já não era ela a pedinte. A
balhos escolares. Na realidade, Rosa estava se distanciando deles. amizade, que com Mickiewicz ela aprendera ser a identidade da
Elias Luksenburg não se saiu bem em Varsóvia. Desde as pri- consciência social, mudou o universo de Rosa. Deu-lhe o sentimento
meiras horas da manhã até tarde da noite, rodava pela cidade, fe- de pertencer a um grupo escolhido por ela e que a aceitava como a
chando um negócio aqui, obtendo uma pechincha ali. Com as novas um igual.
40 Polônia a busca adolescente 41

É um tributo à juventude polonesa que o sistema russo de Alvoroçadas e excitadas, teciam fantasias sobre romance e fuga,
educação pública — uma religião de obediência cega, como o cha- amantes e maridos. A consciência de Rosa de estar-se tornando mu-
mou Alexander Herzen, um pensador russo do século XIX — não lher — uma réplica da irmã mais velha, por acaso? — aumentava a
tenha matado a alma dos jovens. Na Rússia, escreveu Herzen, "os tensão, o que prejudicava seu comportamento, sua postura e sua apa-
sentimentos naturalmente expansivos dos jovens foram brutalmente rência. No círculo clandestino, entretanto, sua situação era dramatica-
empurrados para dentro; em lugar deles, a ambição e a rivalidade mente diversa, e também ela o era.
ciumenta e rancorosa foram incentivadas. Quem não era destruído A escola, contudo, não perdeu nada de sua importância para
crescia doente, enlouquecido. (...) Antes de chegar aos vinte anos, as Rosa. Aprender transformara-se numa paixão comparável apenas à
pessoas se tornavam hipocondríacas, desconfiadas e desgastadas. intensidade posterior dela no amor. Agora que suas ansiedades ha-
Infestadas por uma paixão pela auto-observação, pelo auto-exame e viam diminuído, as atividades intelectuais tornaram-se um fim, e não
pela auto-acusação, elas estudavam cuidadosamente seus próprios um meio. Com o terreno mais firme embaixo dos pés, ela descobriu
sintomas psicológicos e adoravam as confissões e discussões intermi- o prazer de aprender por aprender, e os dois últimos anos na escola
náveis sobre suas próprias neuroses."7 Herzen — que, como Mickie- transformaram-se numa experiência muito diferente da dos anos ini-
wicz, chorou a "Europa decadente" —- teria descoberto nos círculos ciais. A essa altura, ela sabia que o ginásio não era o último, e sim o
estudantis poloneses que nem todos os ideais estavam mortos. primeiro passo em sua educação. A triste existência de sua irmã mais
Em algumas das aulas clandestinas para estudar a literatura e a velha, se ainda era perturbadora, já não constituía um fardo esmaga-
história polonesas, os estudantes, motivados pelos professores ou dor; ao contrário, Rosa via a si mesma seguindo os passos de Józef, o
pela vivência da injustiça, como era o caso de Rosa, iam além das mais novo dentre os irmãos, estudante universitário. Se seus inte-
sensibilidades estéticas e das revelações artísticas. Para eles, o apelo resses acadêmicos ainda não se haviam cristalizado, seu desejo de
de Mickiewicz em prol do estabelecimento de uma ordem moral su- aprender já estava firmado.
perior tinha um vínculo direto com a realidade, com as iniqüidades É difícil dizer com precisão quando foi que Rosa passou a se
de seu próprio mundo. O poeta não era a única fonte de conheci- interessar seriamente pela política. Que seu sonho, aos dezesseis
mento político. A literatura ilegal, social e econômica, contraban- anos, era o de "um sistema social que permita amar todo o mundo
deada para a Polônia — paradoxalmente, vindo da Rússia e também com a consciência tranqüila", está documentado por uma inscrição
do Ocidente —, era avidamente estudada. A própria realidade susci- de próprio punho numa foto sua, oferecida por Rosa a uma amiga.
tava indagações. Nas ruas, os trabalhadores em greve eram brutal- Antes ainda, aos quatorze anos, ela havia composto um poema,
mente espancados pela polícia russa e, ao lado de uma nova e visível evidentemente influenciado pelas idéias de Mickiewicz e por suas
riqueza, crescia a penúria do novo proletariado. E mais: uma vez ini- maneiras de se expressar. Escrito por ocasião da visita do imperador
ciado o questionamento, tudo era questionado: Mickiewicz e o positi- alemão Guilherme I a Varsóvia, o poema descrevia sua autora como
vismo, a Igreja e Darwin, o materialismo e o anti-materialisrno. A uma "pateta" politicamente ingênua. O desmentido sarcástico recobre
fantasia e o entusiasmo irrompiam em discussões acaloradas; a "revo- sua mensagem crucial: "Pelo bem da Europa,/Dize, não, ordena a teu
lução" e o "socialismo" conotavam um mundo novo e justo que es- patife vulpino, Bismarck/que nunca conspurque a paz.)>CA) O poema,
tava por vir. Mas, embora fossem românticos, os estudantes não eram apesar de canhestro, mostra um senso bastante bom das realidades
visionários. Alguns provinham de famílias de operários, muitos eram políticas — a precariedade da aliança entre os monarcas orientais e
judeus e muitos eram mulheres. Sua experiência, não menos do que ocidentais, a disparidade de seus interesses e a conseqüente ameaça
seu idealismo, fazia com que se identificassem com os desprivile- para a paz na Europa.* A alfinetada satírica, sua futura arma inspi-
giados.
Em sua nova situação, apoiando uma causa, e não a si mesma,
Rosa baixou as defesas. Nesse ambiente, suas qualidades "tipicamente
* Rosa continuou a escrever poesia, mas, na idade adulta, percebeu que esta era
judaicas" — a ambição, o ímpeto, a assertividade e a curiosidade medíocre. Numa carta em que descrevia seu impulso de escrever, consolou a desti-
intelectual — não eram automaticamente descartadas como estranhas. natária: "Não se preocupe, não é poesia nem ficção de novo." Róza Luksenburg, Listy
Na escola, as mocinhas que agora desabrochavam como mulhe- do Leona Jogichesa-Tyszki, org. de Feliks Tych, 3 vols. (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza,
res convidavam às inevitáveis comparações pouco envaidecedoras. 1968-1971), 1:421.
42 Polônia a busca adolescente 43

radora de assombro, embora um tanto pesada, cria uma aura comi- governanta perto de Varsóvia — um emprego tipicamente aceito
camente sinistra. Quer Rosa tenha ou não "transferido [precocemente] pelas formandas no ginásio a fim de ganhar algum dinheiro para
sua rebeldia adolescente da família para toda a sociedade burguesa",8 estudar no exterior. Parece certo que o desejo de estudar de Rosa
ela de fato questionou a autoridade, exibiu sua superioridade e fez (não havia instituições de ensino superior abertas às mulheres na
troça do sistema. Polônia) e de sair de casa teve precedência sobre suas atividades
Em 14 de junho de 1887, Rosa formou-se no ginásio. O certifi- políticas. Ademais, a Suíça, fervilhando de estudantes poloneses ra-
cado escolar atesta que Rosalie Luxenburg,* de dezessete anos, de dicais, trazia uma promessa de liberdade política, enquanto Varsóvia
religião mosaica, concluíra o curso exigido de sete anos de instrução. representava para ela uma promessa de forca.
As disciplinas listadas no certificado incluem religião, línguas (russo,
polonês, alemão e francês), pedagogia, matemática, álgebra e geome-
tria, geografia mundial, história mundial, história da Rússia, biologia,
física, cosmografia, caligrafia, desenho e trabalhos manuais. Em qua-
torze disciplinas Rosa recebeu grau A, e em cinco — russo, alemão,
francês, geografia e história da Rússia —, grau B. Seu desempenho
global foi "muito bom". Quem era a jovem que saiu de Varsóvia em fevereiro de 1889? Até
Depois da formatura, Rosa ligou-se a um grupo socialista ilegal, que ponto ela era uma exceção em sua sociedade? Seriam suas am-
comprometido com o programa de uma organização extinta que se bições incomuns?
chamava Proletariat. Diferia dos grupos estudantis que ela havia fre- A imagem da rebelde era parte integrante do mundo de Rosa.
qüentado por sua meta claramente estabelecida — a formação de um Ela estava com onze anos quando Sofia Perovskaja e Alexander Zhel-
partido dos trabalhadores. Não se conhece a extensão do envolvi- jabov, ligados pela política e pela afeição, foram enforcados lado a
mento de Rosa. Já adulta, porém, ela se gabou diante de Zofia, a filha lado por assassinarem o czar em 1881; tinha treze anos quando Alek-
de dez anos de Julian Marchlewski, seu estreito colaborador político: sandra Jentys foi presa junto com seu amante, Ludwik Warynski,
"Na sua idade, eu não brincava com bonecas, fazia revolução."9 fundador do primeiro partido polonês dos trabalhadores, o Proleta-
Curiosamente, um dos membros de seu grupo lembrou que Rosa não riat. Com Jentys e Warynski, encarcerados no famoso Pavilhão 10 da
tinha o menor interesse pela economia, mas interessava-se, antes, por Fortaleza de Varsóvia, o drama do amor e da revolução estivera ao
escrever ficção, como o levou a crer um conto escrito por ela. Qual- alcance da mão. Durante dois anos, de 1883 a 1885, antes que eles
quer que tenha sido seu engajamento político, isso não a impediu de fossem degredados para a Rússia, sua simples presença excitava os
jovens. Aleksandra Jentys, aos vinte e dois anos, mulher de grande
solicitar nem de obter um passaporte. O passaporte foi emitido no beleza e intelecto, elegante e culta, era professora do exclusivo Ins-
dia 5 de março de 1888,, décimo oitavo aniversário de Rosa, e tituto para Moças da Nobreza. Sem diferir muito de um personagem
entregue a ela pelas autoridades suíças em fevereiro de 1889.** Seus de histórias de aventuras, Aleksandra levava uma vida dupla; de dia,
pais provavelmente retardaram sua partida para a Suíça, por causa de um modelo de dignidade para as pupilas que a adoravam, e à noite,
sua pouca idade, ou de finanças apertadas, ou ambas as coisas. conspiradora e amante de um homem casado.
Presume-se que, depois da formatura, ela tenha trabalhado como Rosa tinha quinze anos quando duas outras mulheres foram
aprisionadas na Fortaleza de Varsóvia — Maria Bohuszewicz e Rosa-
lia Felsenhard. Bohuszewicz, descendente da antiga nobreza da Po-
lônia, tornara-se, aos dezenove anos, chefe do Comitê Central do
* A grafia do sobrenome e do prenome foi evidentemente modificada, a partir do Proletariat. Felsenhard, filha de um médico judeu, era sua amiga e
original russo, na tradução alemã que Rosa posteriormente apresentou à Universidade
de Zurique. colaboradora íntima. Durante o pogrom de 1881, a postura destemida
•• Diz uma história que Rosa atravessou clandestinamente a fronteira numa carroça de Felsenhard salvara a vida de seus trinta alunos pequeninos quan-
(ou carregada, nas costas de um companheiro), com a ajuda de um padre católico que do uma turba enfurecida invadiu sua sala de aula. No ano em que
fora informado de que uma moça judia estava fugindo dos pais para se batizar e se Rosa se formou no Ginásio, as duas mulheres, ainda na casa de pou-
casar com um cristão. Não há nenhuma prova em primeira mão que possa consubs- co mais de vinte anos, morreram a caminho do exílio na Sibéria.
tanciar essa história.
44 Polônia a busca adolescente 45

Num poema de Mickiewicz, Rosa tomou conhecimento de outra diversas mulheres se registraram em Varsóvia como banqueiras e
heroína, Emilia Plater, "líder de grande força e fama", que teve a comerciantes e desempenharam um papel destacado na vida econô-
morte de um soldado na insurreição de 1830. A memória de Emilia mica. Mas seu prestígio não aumentou — eram apenas judias com
Plater tornou-se uma força propulsora durante o levante de 1863, por dinheiro. Ao contrário, quando surgia uma judia destacada, ela era
vezes chamado de Guerra das Mulheres. Os cronistas russos atribuí- vista como a antítese de tudo o que era polonês. Apesar de sua forte
ram "a exaltação da resistência e a luta longa e desesperada aos olhos identificação com a cultura polonesa, Rosa Luxemburgo tipificaria
faiscantes e à altivez das mulheres polonesas."10 Mesmo assim, a Po- para sempre uma judia sem raízes, sem tradição e sem pátria.
lônia não se transformou numa Esparta, nem tampouco as polonesas Aos dezenove anos, Rosa estava plenamente desenvolvida em
cultivavam as artes marciais; foram as partilhas da Polônia e, mais termos intelectuais e emocionais. Os trinta anos subseqüentes de sua
tarde, a industrialização, que trouxeram uma mudança radical para o vida, longe da Polônia, foram uma continuação de atitudes já molda-
papel e a condição das mulheres. Com os homens presos, exilados das. A vida artificial que começara com seu vago desejo de não ser
na Sibéria ou mortos nas insurreições, muitas mulheres da classe alta judia levou, inevitavelmente, ao sigilo e ao comportamento de cama-
se encarregaram de dirigir as propriedades rurais e orientar a educa- leão que era admirado por uns, condenado por outros e impercep-
ção e a carreira de seus" filhos. A crença de que a mulher estava em tível para a maioria.
igualdade com o homem, nascida no trabalho de conspiração e nos Se não gostava de quem era, Rosa sabia o que queria: escapar
campos de batalha, também ganhou terreno na pátria. das restrições e dos cânones de seu meio, estudar, trabalhar por uma
A transformação econômica trouxe outra mudança ainda: a no- causa, amar e ter um filho e um lar. Sabia também o que não queria:
breza empobrecida foi forçada a ingressar no mercado de trabalho. ser um pária social como seu pai, uma dona de casa como a mãe, ou
Não dispondo de outras qualificações senão a capacidade de conver- uma solteirona como a irmã, e conformar-se, ser dependente, ser
sar em francês e tocar piano, as mulheres da nobreza podiam, no má- medrosa.
ximo, transformar-se em governantas. A instrução passou a ser enca- Por mais diferente que a famosa revolucionária possa parecer
rada como um meio de obter a independência e escapar de um casa- da menina que se tornou mulher em Varsóvia, foram Zamosc e Var-
mento indesejado. sóvia, e não Zurique ou Berlim, como se costuma acreditar, que a
Foi nessa atmosfera que Rosa decidiu ir para a universidade na moldaram. Por mais intensamente que desejasse dissociar-se da
Suíça. Ela não era uma aristocrata empobrecida, mas realmente per- criança magoada e da adolescente desesperada, as duas, indomadas
tencia a um grupo oprimido por outras razões que não o sexo. A sina e rebeldes, moravam dentro dela, impondo-lhe seus medos e seus
das judias na Polônia também deixou marcas no mundo interno e nas sonhos.
aspirações de Rosa. Vistas pela sociedade em que viviam desde o
século XI exclusivamente em termos de seus pais e maridos, suposta-
mente ávidos de dinheiro, as mulheres judias ficaram reduzidas à ine-
xistência na cultura do país em geral e na literatura em particular.
Nenhuma balada louvava suas virtudes, nenhum poema cantava sua
beleza. Sua vida espiritual não tinha nenhum interesse para os escri-
tores e poetas. A Polônia não tinha nenhum equivalente de uma
Raquel Varnhagen ou uma Sarah Bernhardt. O senso estético, o idea-
lismo e a compreensão arraigada da natureza eram atributos exclusi-
vamente associados às mulheres polonesas. Ironicamente, mas com
bastante lógica, as mulheres judias, apesar de oprimidas como judias,
estavam livres dos rigores impostos pela família feudo-patriarcal.
Assim, afirmaram-se mais cedo do que suas equivalentes polonesas.
Já no século XVII, possuíam lojas e tabernas, comerciavam bebidas e
tecidos, agiam como casamenteiras e intermediárias — ocupações
impensáveis para as polonesas bem-nascidas. Na década de 1830,
Leo Jogiches 47

fé recebeu privilégios especiais do rei polonês. A Igreja Católica e o


temor comum da Rússia uniram as classes altas da Polônia e da
Lituânia. Após as partilhas da Polônia, quando a Lituânia foi incorpo-
rada à Rússia, a resistência promoveu uma nova união — os lituanos,
ao lado dos poloneses, combateram os russos nas insurreições de
1830 e 1863. Sob o jugo da russificação forçada, a cultura local sofreu
gravemente; o russo substituiu o polonês e o lituano como língua
oficial.
4 Vilna: Vilna, capital da Lituânia e centro do clero católico, absorveu a
cultura polonesa. A antiga aristocracia lituana, agora cristã, junta-
Leo Jogiches, mente com a hierarquia da Igreja, formaram uma sólida coexistência.
Os artesãos e comerciantes poloneses estabeleceram-se com facilida-
O Jovem Conspirador de na cidade multi-racial, habitada por lituanos, rutênios, alemães,
judeus, tártaros, armênios e italianos. A fundação da Universidade Po-
1867-1890 lonesa em Vilna, em 1579, concluiu o processo. Essa foi a mesma
universidade em que Mickiewicz fundou a sociedade secreta estu-
dantil e que foi fechada em 1832 como celeiro de um nacionalismo
perigoso e de idéias revolucionárias.
Vilna, pitorescamente situada às margens do rio Wilia, era um
tesouro da arquitetura medieval, com o castelo do príncipe Gedy-
LEO JOGICHES foi o homem cuja vida ficou inseparavel- minas, a sinagoga de madeira e o templo da famosa Madona Negra.
mente ligada à de Rosa Luxemburgo. A cidade tornou-se um centro intelectual de duas culturas integradas
Jogiches nasceu na Lituânia. Situada nas costas orientais do Mar — a polonesa e a lituana. As atitudes lituano-polonesas entrelaçadas
Báltico, isolada da Europa por florestas, charnecas e pântanos impe- espelham-se nas palavras iniciais da grande epopéia polonesa de
netráveis, a Lituânia foi subjugada por um rei gótico no século IV e Adão Mickiewicz: "Lituânia, minha mãe-pátria!" Até os dias atuais,
devastada pelos escandinavos no século IX. No século XI, emergiu da essas palavras são um símbolo de patriotismo para os poloneses.
obscuridade. Sendo um dos maiores Estados da Europa medieval e Os judeus experimentaram a familiar gangorra das leis alterna-
consideravelmente enfraquecida pelas guerras contra os tártaros, a damente benevolentes e discriminatórias, conforme a época, a eco-
Leste, e os Cavaleiros Teutos, a Oeste, a Lituânia uniu forças com a nomia, a política e os caprichos; as restrições quanto à residência
Polônia. Em 1386, Wladislaw Jagiello, filho do Grão-Duque lituano, foram finalmente abolidas no governo do czar Alexandre II, em 1861.
casou-se com Jadwiga, filha de Luís I, Rei da Polônia e da Hungria. O No início do século XVII, Vilna, chamada de "Jerusalém da Lituânia",
casamento resultou na conversão da Lituânia ao cristianismo. Em tornou-se um centro eminente de estudos rabínicos — inaugurou-se
1569, depois de estabelecer uma união entre os dois países, o rei da em 1847 uni seminário rabínico financiado pelo governo — e, no
Polônia passou a usar também o título de Grão-Duque da Lituânia. século XIX, a cidade emergiu como uma sede de erudição judaica
A conversão ao cristianismo pouco significou para a vasta plebe sem paralelo em qualquer outro lugar, até sua aniquilação pelos
lituana, que adorava deuses pagãos que personificavam o fogo e as nazistas. Não obstante essas liberdades enganosas, a política de russi-
chamas, as estrelas e as águas, as árvores e as flores. A poesia de ficação centrava-se primordialmente nos judeus, que eram uma presa
Adão Mickiewicz, um polonês nascido na Lituânia, está povoada de mais fácil do que os poloneses católicos. Conseqüentemente, os ju-
ninfas e elfos, sílfides e fantasmas, e repleta da feitiçaria e da magia deus russificados eram vistos pelos poloneses como traidores duplos
que a gente do povo nunca abandonou. — de Cristo e da Polônia. Embora Vilna não escapasse aos pogroms
O batismo da Lituânia trouxe padres católicos poloneses e uma na década de 1880, ao final do século XLX os judeus constituíam mais
rápida ascensão do poder da Igreja. Ergueu-se uma catedral na cida- de quarenta por cento de sua população.
de de Vilna em 1387 e a aristocracia lituana que se converteu à nova

46
48 Polônia Leo Jogiches 49

O nome Jogiches surge por escrito pela primeira vez num rejeição e do fracasso, sentido pelo filho, e tenha percebido que não
documento datado de 10 de outubro de 1823. Um diploma conferido havia nada que pudesse fazer senão amá-lo. Sophia não levantou ob-
a um professor aparece assinado, entre outros, por Jakub Jogiches. jeções quando ele abandonou a escola e lhe permitiu que transfor-
Jakub era um estudioso e um dos líderes do Conselho Comunitário masse a mansão da família num esconderijo de conspiradores. To-
Judaico de Vilna. Sua casa era famosa por reunir intelectuais interes- cava piano para ele e pagava as fianças para retirá-lo da prisão. A
sados na cultura hebraica e na emancipação. Eles debatiam a publi- morte da mãe foi uma tragédia da qual Leo nunca se recuperou
cação de livros hebraicos, de que Vilna era um dos principais centros completamente.
mundiais, bem como as pressões divergentes — a russa, a polonesa e Leo era "o neto do velho Jogiches", um homem de posses, um
a judaica ortodoxa — e a fundação de escolas modernas para os judeu religioso e erudito. A figura altaneira de Jakub Jogiches, morto
judeus. O Dr. Max Lilienthal, da Alemanha, foi convidado a orientar a havia dezenove anos quando Leo nasceu, obscureceu a infância do
comunidade nessa questão. Jakub Jogiches exemplificava o judeu em menino sem pai. O shul de Jogiches era um lembrete constante da fé
busca de maneiras de integrar a tradição e a cultura moderna. religiosa do avô; a casa elegante e a vida despreocupada, de seu su-
Como negociante bem-sucedido, Jogiches acumulou uma rique- cesso financeiro. O patriarca a quem nunca vira, o provedor falecido
za considerável, que consistia num grande moinho de água e quatro havia tanto tempo, criou um dilema constante na vida de Leo. Vi-
propriedades rurais. Construiu um templo, conhecido como "Jogiches vendo da fortuna do avô, Leo usou essa fortuna para combater as
shul", e estipulou em seu testamento que ele não fosse fechado nem pessoas que, como ele, viviam de urna renda que não fora ganha
removido em nenhuma circunstância. Profundamente religioso, nun- com o trabalho.
ca permitiu que o fotografassem. Morreu numa epidemia de cólera Em 1883, aos dezesseis anos, Jogiches abandonou a quarta ou
em 1848, aos oitenta anos, em sua casa de veraneio.1 Seu filho, Sa- quinta série do Ginásio Estadual Russo. Foi a primeira de suas fugas
muel, herdou a totalidade da fortuna. Como o pai, Samuel era judeu de compromissos que, se cumpridos, dariam a outrem o poder de jul-
progressista. Casou-se com uma mulher bem educada e de grande gá-lo. Ao concluir o ginásio, conferia-se ao aluno um diploma, um
beleza, Sophia, e com ela teve quatro filhos: Osip, Pavel, Emilia e Leo certificado de maturidade. Os estudantes que, como Leo, deixavam
(Lev), o caçula, nascido em 17 de julho de 1867. Depois da morte de consegui-lo, eram encarados como pouco menos do que fracassos
prematura de Samuel, Sophia Jogiches, ainda moça e atraente, dedi- comprovados.
cou-se aos filhos e à direção da grande propriedade de maneira apro- O tempo e as circunstâncias estavam ao lado de Jogiches quan-
priada à posição social da família. Criou os filhos numa tradição ju- do ele abandonou a escola. A pergunta "estudar ou trabalhar?" vinha
daica esclarecida. A língua falada em casa era o russo, eles celebra- desde longa data perturbando alguns dos jovens progressistas russos.
vam as festas judaicas e os filhos freqüentavam a escola russa. "Acaso era necessário nos dedicarmos a nossos estudos, de modo a
Leo foi uma criança difícil — temperamental e pouco comuni- obter diplomas e depois levar a vida dos privilegiados, (...) ou será
cativo, apegado tão-somente à mãe. Os irmãos mais velhos, que se que deveríamos lembrar o dever para com o povo, recordar que
encarregaram dos negócios da família, pareciam-lhe exploradores; nossa aprendizagem foi adquirida com meios fornecidos pelo povo,
afora as questões financeiras, os irmãos pouco tiveram em comum, que trabalha como um condenado e está sempre faminto?", escreveu
nessa época ou mais tarde. De fato, depois que sua mãe morreu em um estudante de medicina russo. "Não deveríamos, antes, (...) de-
1898, Leo escreveu a Rosa: "Agora, não resta mais ninguém em casa". sistir de nossa posição privilegiada (...) e nos dedicar a aprender um
Uma confissão impressionante, considerando-se que sua irmã e seus ofício, de modo a participar, como simples artesãos ou operários, da
irmãos ainda moravam em Vilna.2 Evidentemente, a casa para Leo era vida do povo, e mesclar-nos com ele?"4 Embora Jogiches não qui-
a mãe, com sua queda pelo caçula e sua paixão pela música. Um sesse exatamente misturar-se com o povo, realmente queria aban-
contemporâneo de Leo recordou-se de como ele assobiava "magis- donar sua posição privilegiada no Ginásio. Tornou-se aprendiz de
tralmente" Bach e Beethoven, que ouvira a mãe tocar.3 Ela parece ter ferreiro, ganhando a vida através do trabalho manual; e, embora nun-
sido a única mulher que Leo permitiu que se aproximasse dele, que o ca chegasse a gostar desse trabalho, pôde então identificar-se com os
amou sem reservas; e ele a adorava. Talvez apenas ela compreen- trabalhadores. De fato, estabeleceu contato prontamente com manu-
desse seus temores e seus sonhos, sua necessidade de ser admirado e fatores de meias, sapateiros e tipógrafos. Se esses contatos se deram
sua incapacidade de admiti-lo. Talvez tenha reconhecido o medo da quase que exclusivamente com trabalhadores judeus, foi porque os
50 Polônia
Leo Jogiches 51

operários eram predominantemente judeus, e não porque Jogiches


sentisse qualquer interesse especial pelos judeus. fidelidade de Jogiches a uma dessas correntes são conflitantes. O
O iídiche era a única língua que os operários conheciam. A eminente marxista russo Georgij Plekhanov afirmou que, quando em
maior parte da intelectualidade judaica radical falava polonês ou Vilna, Jogiches pertenceu à Narodnaja Volja, porém, uma vez na
russo, ou ambos, de modo que não dispunha de uma língua em co- Suíça, tornou-se social-democrata por razões oportunísticas. Um
mum com os trabalhadores a quem estava tentando salvar — um companheiro posterior de Jogiches, Wladyslaw Feinstein, que como
fenômeno desconhecido na maioria dos movimentos operários. Plekhanov não o conhecera em Vilna, não negou os laços de Jogi-
Tampouco se dispunham eles a andar para trás, aprendendo o "jar- ches com a organização terrorista, mas afirmou que ele trabalhava em
gão" iídiche, que encaravam como um obstáculo a se tornarem ver- estreita colaboração com o futuro fundador do Bund — o social-de-
dadeiramente europeus. O desprezo de Leo e de Rosa pelo iídiche mocrata Tsemakh Kopelson — e seu grupo. Tendo Kopelson como
espelha seus temores de serem associados com o judeu estereotipa- assistente direto no comando, Jogiches chefiou a Organização Central
do. Livres desses temores, vários socialistas poloneses e russos apren- Marxista de Vilna por um ano e foi "designado para trabalhar entre os
deram o iídiche para poder chegar aos trabalhadores. Jogiches tam- operários judeus e entre os oficiais e soldados".5 Assim, não restam
bém deve ter adquirido algum conhecimento da língua, pois de outro dúvidas sobre sua estreita ligação com os futuros bundistas e marxis-
modo teria sido incapaz de se comunicar. tas. E tampouco há dúvidas de que ele se sentia irresistivelmente
O Sindicato dos Trabalhadores Judeus da Lituânia, Polônia e atraído pelo terrorismo.
Rússia, conhecido como Bund, foi fundado em 1897, sete anos de- Jogiches nunca se ligou formalmente ao ramo da Narodnaja
pois de Jogiches sair de Vilna, mas Leo contribuiu para plantar suas Volja de Vilna, supostamente pela inépcia desta na conspiração, po-
sementes. Ele se juntara ao movimento dos trabalhadores depois que rém, mais provavelmente, por se recusar a submeter-se à rígida
os pogroms de 1880 encheram as fábricas de Vilna de massas de estrutura da organização. Não obstante, ao contrário dos marxistas,
judeus fugitivos, que se tornaram o alvo principal dos agitadores so- ele "acreditava profundamente no terrorismo e lhe atribuía um
cialistas e que acabaram por criar sua própria organização. Eles vi- grande significado".6 O terrorismo implicava sigilo, perigo e ousadia.
nham dos shtetlf* e das aldeias, de uma pobreza e opressão Sua magia e seu mistério criavam a aura de poder que Jogiches am-
abissais. O gado com que dividiam suas barracas era mais bem bicionava mais do que qualquer outra coisa na vida. O conspirador,
alimentado e estava mais aquecido e mais seguro do que eles. A tal qual um deus, controla destinos e vidas — uma prova de seu
divisão racial, religiosa, étnica e nacional se nutria do atraso e da talento extraordinário. Ninguém sabia exatamente o que Jogiches es-
miséria. A política da Igreja Católica, de um lado, e a do Império tava fazendo, nem como, ou o que sentia ou pensava. O resultado
Russo, de outro, faziam dos maus-tratos e dos pogroms um estilo de visível era perfeito: uma greve bem organizada, um passaporte falso,
vida. A cidade oferecia uma certa proteção, o que o campo não fazia. um companheiro que cruzava clandestinamente a fronteira. Sua de-
O conceito de exploração ainda estava por ser explicado aos dicação fanática e seus dons organizacionais trouxeram-lhe a fama
recém-chegados. Como os relatórios policiais deixavam claro, a antes de ele chegar aos vinte anos. Mas Jogiches também era célebre
"revolução" estava na moda entre os estudantes, mas não entre os entre seus camaradas pelo estilo tirânico que tornaria tão difícil sua
trabalhadores. vida política e pessoal.
Em meados da década de 1880, duas forças estavam moldando Com os trabalhadores, Levka, como era chamado, não unha re-
a ideologia radical: a Narodnaja Volja (Vontade do Povo), que de- servas, era franco e sensível. "Conheci Jogiches", recordou uma ope-
fendia a ação política instantânea para chegar à revolução e acre- rária. "Foi meu professor e foi o primeiro a me apresentar às idéias
ditava na conveniência do terror; e o marxismo, que considerava o socialistas. Era inteligente, muito capaz, e um debatedor único. Em
terrorismo prejudicial e inútil e sustentava que apenas um proleta- sua companhia, a gente se sentia como na presença de uma grande
riado educado poderia trazer e traria a revolução. As indicações da personalidade. Totalmente dedicado a seu trabalho socialista, ele era
idolatrado por seus alunos operários."7 O fato de seus companheiros
conhecerem um homem diferente, a quem respeitavam mas de quem
não gostavam, aparentemente não incomodava Jogiches. Ele era uma
autoridade incontestável na conspiração, e isso era o que lhe impor-
tava.
Leo Jogiches 53
52 Polônia

ra, a polícia sabia estar lidando com um subversivo calejado. Liberto


Depois que fracassou o atentado de 1887 contra a vida do czar em setembro, ele foi alistado no exército, onde, por causa de sua
Alexandre III, a Narodnaja Volja voltou-se para Jogiches em busca de folha corrida, prestou o serviço militar num batalhão penal. Desertou,
ajuda. Jogiches obteve passaportes falsos e retirou dois homens do foi para a clandestinidade e, no verão de 1890, conseguiu fugir do
país. "Passei a noite anterior à fuga com eles e com Jogiches", escre- país com a ajuda de seus parceiros contrabandistas. Nunca retornaria.
veu o futuro eminente socialista francês Charles Rappaport. "A polícia
Os sete anos que Jogiches passou no movimento revolucionário de
vasculhou a cidade enquanto Jogiches nos entrelinha com suas histó-
rias e nos mantinha com o moral elevado."8 Uma transfiguração, nada Vilna formaram sua visão política e, acima de tudo, seu caráter.
menos: o Jogiches enigmático e taciturno, caçado pela polícia, carre- Enquanto Rosa lutava pela aceitação no meio polonês, ele deixou
gava passaportes falsos nos bolsos, abrigava dois foragidos, contava claro que não precisava de aceitação, mas simplesmente de obedi-
casos, resplandecia. Estava em seu elemento. A organização de que ência. Essa atitude era auto-enganadora e autoprotetora. Seu medo
ele se afastara havia recorrido a ele em busca de ajuda, e ele execu- da rejeição era tão penetrante que ele se recusava a expor seus sen-
tara brilhantemente uma operação perigosa. Sua' genialidade era evi- timentos. Mas suas defesas nem sempre funcionavam. "Jogiches foi
dente e incontestável. um romântico no sentido pleno da palavra", escreveu Luba Axelrod,
Jogiches florescia na atmosfera de perigo. A superioridade que que o conheceu bem;10 e Charles Rappaport observou que "ele
tinha sobre as pessoas que preferiam ponderar a arriscar o intoxicava, realmente não era tão inflexível quanto parecia".11 Mesmo assim,
assim como o próprio risco. Ele usava o dinheiro do avô para minar a Jogiches de fato conseguiu passar a impressão de um ser superior. O
ordem em que o avô confiara; seu avô fora bem-sucedido, e também sigilo, descobriu, era um meio eficaz para impressionar as pessoas,
ele o era. Agora, podia passar pelo shul de Jogiches sem sentir uma uma capa para qualquer insuficiência, inclusive seus medos; podia
pontada no peito, pois ele próprio estava ensinando os operários a isolar ou unir, conforme a vontade. O sigilo, para Jogiches, tornou-se
rejeitarem a religião que o shul oferecia. Já não era "o neto do velho como que sua natureza.
Jogiches", mas um homem de poder, temido e idolatrado.
Com toda a parafernália da conspiração nas mãos, Jogiches
converteu-se numa instituição em Vilna. Escondia zelosamente suas
excelentes ligações com contrabandistas profissionais, seu escritório
de passaportes, repleto de formulários falsos, tinta invisível, selos e
fotografias, e sua coleção de livros ilegais. A proeminência que con-
quistou tão precocemente convenceu-o de que a força era um instru-
mento eficaz. Quer se tratasse de uma bomba de fato ou de uma
idéia explosiva, funcionava. "Você tem uma confiança excessiva no
poder mágico da força", escreveu-lhe Rosa Luxemburgo anos depois,
"tanto na política quanto na vida pessoal."9 A força era um escudo
contra as pessoas que não o aceitavam em seus próprios termos —
tal como o intelecto de Rosa fora seu escudo durante a adolescência.
Em 1888, aos vinte e um anos de idade, Jogiches organizou so-
zinho uma greve dos tipógrafos na tipografia Syrkin, em Vilna. Qua-
renta operários entraram em greve, o que não foi uma conquista
nada insignificante para o jovem agitador. Ele passou algum tempo
escondido no apartamento de uma moça, Maria, a quem diziam que
era apegado. Foi Maria quem deu a Leo, o falante de russo, as primei-
ras aulas de polonês. Em setembro do mesmo ano, Jogiches foi de-
tido, passou sete dias na cadeia e foi liberado sob fiança por falta de
provas. Em 11 de maio de 1889, tornou a ser capturado e condenado
a quatro meses de prisão e dois anos sob guarda policial. A essa altu-
Suíça

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Rosa Luxemburgo e Leo jogiches 57

bem equipada biblioteca, urn salão de leitura e um salão de conferências, era


uma segunda universidade para aqueles que, como Rosa, estavam buscando,
testando e procurando dar forma a seu modelo do mundo.
Pela primeira vez na vida, Luxemburgo descobriu-se numa verdadeira
comunidade internacional. Tal como Rosa, muitos de seus membros haviam
escapado das restrições de suas pátrias, da intolerância racial, política ou
religiosa. Para eles, a Suíça, civilizada e tolerante, era pouco menos do que
uma Terra Prometida. Eles compartilhavam a sede de conhecimento e uma
ânsia de reformar o mundo; também partilhavam das privações. Muitos se
sustentavam através de biscates e tarefas domésticas, mas isso não os impedia
5 Rosa Luxemburgo de estudar ou de se envolver na política. Na serena cidade de Zurique, os
russos barbados, as mulheres eslavas e os judeus de aparência semítica pro-
e Leojogiches nunciada compunham uma estranha população, mas os cidadãos locais
meramente erguiam as sobrancelhas vez por outra. As autoridades suíças
1889-1894 estavam preocupadas com a afluência de estrangeiros; os anarquistas
levantavam um problema, o mesmo acontecendo com a vasta maioria de
jovens russos que não freqüentavam a universidade. Quando Rosa chegou a
Zurique, já estava em funcionamento uma repartição onde os estrangeiros
tinham que se registrar e à qual tinham de comunicar qualquer mudança de
endereço e qualquer viagem para fora da cidade ou voltando a ela.
Aos DEZENOVE ANOS ainda incompletos, Rosa chegou a Zurique Em 18 de fevereiro de 1889, Rosa Luksenburg registrou-se no município
no início de 1889. Deixou-se cativar pela cidade. Ao contrário de Varsóvia, de Oberstrass sob o nome de Luxemburgo.* Era inquilina do Sr. Lübeck, na
que palpitava de inquietação e era patrulhada pela polícia russa, Zurique era Nelkenstrasse nQ 12. A família Lübeck lhe fora recomendada por amigos de
uma cidade bonita e tranqüila. Varsóvia; Karl Lübeck era socialista, e sua mulher de naturalidade polonesa,
Perdendo apenas para os russos, os poloneses constituíam o maior Olympia, era o anjo da guarda dos estudantes poloneses. Lübeck, um ex-
grupo de emigrantes do império czarista. Uma vez que o ingresso nas editor do DemokraHsche Zei-tung de Berlim que fora expulso da Alemanha
universidades russas era difícil para os homens, a menos que fossem pela legislação anti-socialista, levava a vida marginal de um expatriado.
politicamente submissos, e inexistente para as mulheres, Zurique era, na Parcialmente cego e alquebrado pelas adversidades, mal conseguia ganhar a
época, um centro da intelectualidade progressista polonesa. A União dos vida escrevendo. Em sua jovem inquilina, Lübeck encontrou uma assistente
Estudantes Poloneses, criada em Zurique em 1887, e o Museu Nacional entusiástica. Ao mesmo tempo, Rosa ganhou conhecimento da imprensa
Polonês, em Rapperswill, no lago de Zurique, mantinham vivo o espírito social-democrata alemã e, revisando os artigos de Lübeck e escrevendo seus
polonês — por vezes ardorosamente nacionalista. próprios textos, começou a adquirir as habilidades de um jornalista político.
Olympia, enérgica, inteligente e animada, tornou-se amiga de Rosa. Com um
Para os russos, a Suíça vinha sendo um refúgio desde a década de marido amargurado e oito filhos,
1850. Herzen e Bakunin foram os primeiros da impressionante sucessão de
exilados comprometidos com a derrubada do regime czarista; Georgij
Plekhanov, Vera Zasulich e Pavel Axelrod foram atuantes ali durante os anos
de Luxemburgo na Suíça. Foram seguidos por Lenin, que colocou os últimos • Depois de modificar a grafia de Luksenburg para Luxemburglo], Rosa sempre procurou
toques idiossincráticos no trabalho de seus ilustres predecessores e dali partiu certificar-se de que essa nova grafia, mais cosmopolita, fosse empregad
para a Estação Finlândia.
Os socialistas alemães e austríacos gabavam-se de nomes não menos
destacados. Em Zurique, Wilhelm Liebknecht, August Bebei, Eduard
Bernsíein e Karl Kautsky lançaram as fundações do mais poderoso partido
socialista europeu, o Partido Social-Democrata Alemão (SPD). O clube
socialista alemão Eintracht, dotado de uma
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58 Suíça Rosa Luxemburgo e Leo Jogiches 59

sua vida não era nada fácil. Passados vários anos, Luxemburgo cos- Escutava os outros, raramente introduzindo uma palavra ou outra,
tumava convidar Olympia, ocasionalmente, para uma breve folga no mas exibindo então um conhecimento sem paralelo da realidade
encantador vilarejo isolado de Clarens, no Lago de Genebra. "Minha política. Seu rosto raramente expressava interesse; na maior parte do
querida Olenka viajou hoje", escreveu Rosa a Leo Jogiches: "voltou tempo, expressava impaciência. Os argumentos teóricos e as discus-
para sua vida sem esperança, (...) depois de recuperar o fôlego aqui, sões eruditas tinham pouco sentido para ele, que não fazia nenhum
pobrezinha."1 A Sra. Lübeck jamais esqueceu a bondade de Rosa. Por esforço para fingir interesse. Por cerca de um ano desde o encontro
insistência dela, seu filho Gustav veio posteriormente a se casar com inicial, Luxemburgo o viu com freqüência nos círculos socialistas,
Rosa, a fim de assegurar a esta a cidadania alemã. mas Leo continuou a ser um enigma para ela. Isso, no mínimo, tor-
Rosa fez amizade com outro casal mais velho em Zurique, nou ainda mais irresistível a seus olhos aquele estranho diretamente
Mathilde e Robert Seidel. Seidel, que era atuante no movimento so- saído das páginas de Dostoievsky.
cialista suíço, erguera-se da categoria de tecelão até a condição de Jogiches também observava Rosa Luxemburgo. Sua curiosidade
membro da Câmara de Vereadores de Zurique." Quando Rosa o co- crescia. Nos debates, ela conseguia defender suas idéias com perspi-
nheceu, era editor do jornal socialista Arbeiterstimme. Segundo cácia, convicção e uma segurança que o impressionava. Embora ele
alguns boatos, apaixonou-se por Rosa. Os Seidels figuravam entre os conhecesse mulheres do movimento de Vilna, nenhuma se equipara-
poucos amigos íntimos a quem ela fazia confidencias sobre seus va àquela polonesa inflamada, com seus olhos inteligentes e sua voz
assuntos pessoais, e a quem, vez por outra, confessava sua solidão e firme. Leo intuiu nela uma força e um ardor que, se aproveitados,
sua infelicidade. Apenas para eles é que assinava suas cartas como poderiam fazer maravilhas pela causa. Viu nela uma oradora nata,
"Ruscha" (e não Rosa), numa transcrição fonética do polonês Róza. uma agitadora persuasiva e hipnótica. Havia nela algumas deficiên-
Entre fevereiro, quando chegou a Zurique, e outubro, quando cias, é claro, devidas, supôs ele acertadamente, ao trato com teorias
se matriculou na universidade, Rosa passou parte do tempo ajudando abstratas e ao convívio com faladores, e não fazedores. Para Leo, no
Olympia Lübeck com os filhos e trabalhando para Karl Lübeck, entanto, isso era mais um desafio do que um empecilho.
possivelmente em troca de casa e comida, e no restante do tempo A guinada na matrícula de Luxemburgo no curso do semestre
explorou os círculos estudantis alemães, russos e poloneses. É impro- de inverno de 1890-91 indica que ela havia chegado a uma decisão
vável que ela tivesse em mente uma carreira estritamente política no sobre seu futuro. Rosa abandonou a ciência natural e se dedicou ao
semestre de inverno de 1889-90, quando se matriculou em Princípios estudo de economia, filosofia e direito. Jogiches sem dúvida teve par-
de Zoologia e em Técnicas Laboratoriais e de Microscopia em Zoolo- ticipação nesse passo crucial. Durante o mesmo semestre, ele se ma-
gia. Ainda estava incerta de seu futuro, porém, enquanto isso, resol- triculou na Universidade de Zurique. Inscreveu-se em dois cursos de
veu concentrar-se no campo da ciência natural. O darwinismo forne- ciência natural, botânica e zoologia, disciplinas estas que havia
cia aos alunos voltados para a causa pública um instrumento cientí- estudado por conta própria em Vilna de modo a poder transmitir aos
fico, e, ao mesmo tempo, dava suporte a sua ideologia materialista. trabalhadores a essência da evolução e da revolução. A carga horária
No começo de outono de 1890, Rosa Luxemburgo conheceu de Luxemburgo era muito mais pesada: economia política, filosofia
Leo Jogiches, logo depois da chegada dele à Suíça. O famoso revolu- do socialismo, filosofia moderna, filosofia clássica e estatística.
cionário era alguém que um socialista aspirante ficaria ansioso por Decorrido um ano desde sua chegada à Suíça, Jogiches resolveu
conhecer. À primeira vista, dele emanavam força, autoridade e con- que juntar-se a Plekhanov e ao primeiro partido marxista russo criado
fiança. Sob as sobrancelhas espessas, seus olhos de um azul metálico por este, o Partido da Libertação da Mão-de-Obra, era sua melhor
eram atentos e frios. Tinha o cabelo louro-avermelhado e crespo, oportunidade de se firmar e de ganhar influência no movimento re-
uma boca sensual, e falava russo em frases curtas e concisas. Anna volucionário russo. Essa decisão mostra sua perspicácia política. O
Gordon, uma atraente jovem de sua cidade natal de Vilna, parecia ser terrorismo defendido pela Narodnaja Volja era coisa do passado; o
o par constante de Jogiches. futuro pertencia ao partido marxista. No verão de 1891, Jogiches via-
Rosa pouco sabia sobre Jogiches além dos rumores que enalte- jou para Genebra para se encontrar com Plekhanov.
ciam suas proezas fenomenais em Vilna, sua coragem ímpar e sua Georgij Plekhanov, um teórico marxista e ativista político inter-
genialidade para a conspiração. Jogiches, embora gostasse visivel- nacionalmente conhecido, tinha boas relações com Engels e com ou-
mente de ser o centro das atenções, nunca falava sobre si mesmo. tros socialistas europeus de destaque. Dez anos mais velho do que
Rosa Luxemburgo e Leo Jogiches 61
60 Suíça

Jogiches, estava pronto a tomar o audacioso e brilhante recém-che- fato estava com Jogiches, tornou-se um refrão em suas cartas diri-
gado sob sua proteção. Mas o recém-chegado não gostava de pater- gidas a Varsóvia. Isso causava muita angústia a sua família, que
nalismo. Queria influência. O partido estava cronicamente sem ver- deplorava a solidão dela na terra estranha. Luxemburgo estava orgu-
bas; Plekhanov equilibrava seu orçamento endereçando envelopes; lhosa de si por desafiar as convenções de seu meio e viver, sem estar
seu camarada Axelrod ganhava a vida produzindo ke/lr, uma espécie casada, com o homem a quem amava. Essa decisão não foi fácil. Ela
ainda era a filha de Lina e Elias Luksenburg, e sabia que uma liaison
de leite desnatado que ele e a mulher forneciam aos fregueses. Jogi-
amoureuse ofender-lhes-ia o senso de propriedade. Para agravar seu
ches, por outro lado, possuía a enorme soma de quinze mil rublos. conflito, Jogiches insistia no mais absoluto sigilo sobre a intimidade
Segundo Plekhanov, Jogiches usou seu dinheiro para fazer uma bar- de ambos.
ganha. Em troca do dinheiro, exigiu ter a mesma voz de todos os O breve período de corte em Genebra foi uma bênção. Com
outros membros, conjuntamente, nas questões de publicações e fi- nostalgia e saudade Luxemburgo recordou-se, mais tarde, da época
nanças — uma tentativa dê obter o controle completo do partido. "em que eu ainda não era sua mulher", ou seja, antes de se tornar
Outras fontes afirmam que ele simplesmente queria ter a mesma voz amante dele. O que, para Jogiches, era uma conseqüência natural
dos outros membros do partido.2 quando um homem e uma mulher sentiam-se mutuamente atraídos
Qualquer que tenha sido o caso, Plekhanov sentiu-se ultrajado. foi, para Luxemburgo, um passo imensamente sério e dramático. Não
Escreveu a Engels dizendo que considerava arrogante e repulsivo, obstante, ela o deu de bom grado, e isso a tornou "madura" a seus
por parte daquele "arrivista", daquele "carreirista", fazer-lhe tais exi- próprios olhos. O mesmo não se deu com Jogiches: dez anos depois,
gências e usar o dinheiro como meio de pressão. Referiu-se a Jogi- ela ainda estava tentando convencê-lo de que "sou uma adulta, uma
ches como um "Nechaev em miniatura" (o anarquista Sergej Nechaev pessoa madura".6
era famoso por recorrer à provocação e ao assassinato).3 Surgiu daí A vida se modificou totalmente para Luxemburgo. O romance
um ódio que perdurou por toda a vida, de ambos os lados. com Jogiches aplacou seus medos de que o homem ideal não a con-
Ironicamente, era com Plekhanov que Luxemburgo havia conta- siderasse atraente. E descortinou horizontes amplos no trabalho polí-
do antes de Jogiches se tornar seu mentor. A erudição e o intelecto tico.
de Plekhanov a intimidaram e fizeram-na perceber que sua mente, a Jogiches, porém, continuou inteiramente preocupado com o
arma em que havia confiado quando em Varsóvia, não era tão estu- movimento revolucionário. Determinado a declarar publicamente sua
penda quanto lhe agradava pensar. "Estive em Mornex", escreveu ela independência de Plekhanov, comprou sua própria impressora e
a um amigo, "mas não vou voltar lá, porque Plekhanov é sofisticado lançou uma nova empreitada editorial — a Biblioteca Social-
demais, ou, para ser exata, instruído demais para mim. O que, final- Democrata, que traduzia literatura marxista para distribuição na
mente, teria ele a ganhar de uma conversa comigo? Ele sabe tudo Rússia.
melhor do que eu, e não consigo criar 'idéias1 — idéias originais, au- No outono de 1891, Luxemburgo e Jogiches alugaram quartos
tênticas.'"5 A insegurança dela, adormecida por anos, voltou a emer- em casas vizinhas em Zurique e ambos trancaram matrícula durante o
gir. Jogiches precisou de um ano para dissipá-la, libertando Luxem- semestre de inverno. De 1892 a 1897, os dois estudaram regular-
burgo para contestar abertamente a autoridade de Plekhanov. mente na universidade. Juntos assistiram a diversas aulas: no semes-
Em julho de 1891, Luxemburgo escreveu de Genebra: "Estou tre de primavera de 1892, um curso de finanças; no semestre de in-
inteiramente feliz vivendo sozinha aqui (...) e sou realmente uma verno de 1892-93, direito romano, direito internacional e economia
pessoa madura, o que me deixa muito orgulhosa de mim mesma."5 política; em 1894-95, história da diplomacia; e em 1896-97, princípios
Sua felicidade tinha uma fonte: Jogiches. Parece certo que Rosa foi de jurisprudência, administração pública e direito público. Embora
para Genebra a pedido dele. Ou bem ele queria tê-la a seu lado cada um tivesse também outras aulas, a orientação de seus estudos
enquanto negociava com Plekhanov, ou bem planejou um encontro era a mesma — direito e economia. Luxemburgo fez um curso de
corn Rosa enquanto Anna Gordon ficava em Zurique. Para Rosa, a história medieval, por prazer, mas Jogiches não se desviou nem por
ausência de Gordon deve ter sido um alívio e um sinal. Seja como uma vez de seu currículo estritamente planejado.
for, a atração mútua dos dois atingiu um clímax no calor da batalha A universidade não era seu único interesse. Durante esses anos,
política de Jogiches, e já no verão de 1891 ele e Luxemburgo se ha- eles elaboraram uma plataforma política comum da qual jamais se
viam tornado amantes. A ênfase dela em "viver sozinha", quando de
62 Suíça
Rosa Luxemburgo e Leo Jogiches 63

afastaram. Em 1892, Luxemburgo engajou o isolado Jogiches nas


questões polonesas, isto é, criando um partido político polonês. do SDKP. Joseph Qohn) Mill, um camarada de Jogiches de Vilna, re-
Jogiches não se dispusera ou não conseguira ingressar em nenhuma lembrou-a: "Pequena, com uma cabeça desproporcionalmente gran-
das facções revolucionárias russas; conseqüentemente, vira-se apar- de, ela possuía um nariz carnudo num rosto tipicamente judeu (...).
tado dos emigrados russos e se havia tornado cada vez mais hostil Andava com uma claudicação pronunciada, de maneira pesada e he-
em relação a eles. "Jamais gostei do modo como você chutava todos sitante. À primeira vista, não causava uma impressão agradável, mas,
os russos que tentavam aproximar-se", escreveu-lhe Rosa anos de- em pouco tempo, via-se uma mulher transbordante de vida e humor,
pois. "A gente pode boicotar ou 'punir' algumas pessoas, um grupo, dotada de um intelecto notável."10 O socialista belga Émile Van-
mas não um movimento inteiro/"* dervelde recordou: "Rosa, aos vinte e três anos, era completamente
Luxemburgo baseou sua idéia de um novo partido marxista desconhecida fora de alguns círculos socialistas alemães e poloneses
polonês nas premissas do extinto Proletariaí. Tal como o fundador (...). Seus adversários cortaram um dobrado para se manter à altura
deste, Ludwik Warynski, ela discordava de Marx, no tocante à questão dela. Ainda posso vê-la saltando da multidão de representantes e
da soberania da Polônia. A Polônia independente, segundo Marx trepando numa cadeira para melhor se fazer ouvir. Pequena, frágil e
acreditava, "desferiria um golpe mortal na Santa Aliança, no despo- com um ar caprichado em seu vestido de verão, habilmente talhado
tismo militar da Rússia, da Prússia e da Áustria, na dominação dos para ocultar seu defeito físico, ela defendeu sua causa com tal
mongóis sobre a sociedade moderna".8 Luxemburgo definia a visão magnetismo nos olhos e em termos tão inflamados que a maioria dos
de Marx como "falácia e anacronismo".9 Ela sustentava que a nacio- delegados, cativados e hipnotizados, votou a favor da aceitação de
nalidade divide os trabalhadores mais do que os une, que o prole- seu pedido."11 Ainda assim, Luxemburgo não conseguiu o mandato,
tariado russo e o polonês deveriam unir forças para derrubar seu em decorrência de uma votação posterior do comitê. O recém-criado
opressor comum, o império czarista, e que os trabalhadores polo- SDKP não era páreo para o PPS, mais influente.
neses nada teriam a ganhar num Estado burguês independente. Naquele exato momento iniciou-se a luta cáustica entre o PPS e
Luxemburgo não logrou reconhecer o aspecto psicológico da atração o SDKP. As diferenças ideológicas entre o PPS e o pequeno grupo de
que a independência tinha para os poloneses, dominados por três Luxemburgo pareciam insuperáveis. O Partido Socialista Polonês não
invasores. se dirigia exclusivamente aos trabalhadores, mas a "todas as classes
Em 1892 fundou-se o Partido Socialista Polonês (PPS); subor- economicamente oprimidas pela burguesia e politicamente oprimidas
dinava as metas socialistas à independência nacional. Um ano depois, pelo czarismo: os pequenos proprietários de terra, os camponeses, a
Luxemburgo e Jogiches fundaram conjuntamente o partido anti- pequena burguesia rural e a baixa classe média."12 A independência
nacionalista Social-Democracia do Reino da Polônia (SDKP)* e seu da Polônia era sua meta primordial. O programa do grupo de Lu-
órgão Sprawa Robotnicza (A Causa aos Trabalhadores). A questão da xemburgo, editorialmente esquematizado na Causa dos Trabalha-
Polônia independente dividiu permanentemente os socialistas polo- dores, conclamava a uma luta comum dos trabalhadores poloneses e
neses. O PPS existiu até 1948, quando se fundiu com o Partido dos russos e ignorava a luta pela soberania da Polônia. Como era de se
Trabalhadores Poloneses, que alegava falaciosamente ser herdeiro da prever, o PPS apontou a origem judaica de Luxemburgo como algo
Social-Democracia do Reino da Polônia e Lituânia. que a cegava, inevitavelmente, para as verdadeiras necessidades e
Em agosto de 1893, aos vinte e três anos, Rosa Luxemburgo fez desejos da nação polonesa. O mesmo foi afirmado em 1970, num
sua primeira aparição pública. Num discurso apaixonado em Zurique, simpósio realizado em Varsóvia para comemorar o centésimo aniver-
no Congresso da Segunda Internacional,** pleiteou o reconhecimento sário do nascimento dela.
Na época em que foi criado, o SDKP contava com cerca de
duzentos membros. Além de Luxemburgo e Jogiches, os co-fundado-
res foram Julian Marchlewski, que Luxemburgo conhecia de Varsóvia,
* A Social-Democtacia do Reino da Polônia fundiu-se, em 1900, com os social-demo- e Adolf Warszawski-Warski. Marchlewski, nascido numa família polo-
cratas lituanos, convertendo-se na Social-Democracia do Reino da Polônia e Lituânia neso-alemã abastada, tornara-se revolucionário por puro idealismo.
(SDKPiL).
•• Primeira Internacional, 1864-1876; Segunda Internacional (Socialista), 1889-1914;
Chegou a Zurique em 1893, depois de um ano de prisão em Varsó-
Terceira Internacional (Comunista - Comintern), 1919-1943. via, matriculou-se na universidade e, ao contrário de Jogiches, obte-
ve, quatro anos depois, o doutorado em direito e ciência política. Sua
Rosa Luxemburgo e Leo Jogiches 65
64 Suíça

polonês. Ele era um trunfo inestimável para o partido recém-criado.


mulher, Bronislawa Gutman, ex-colega de escola de Rosa em Varsó- Mesmo que tivesse ficado sabendo que Plekhanov informara Engels
via, foi a primeira polonesa a conseguir um diploma de bacteriologia de que Jogiches usara a ela, sua amante, para obter controle do movi-
em Zurique. Warszawski era judeu e se casara com uma polonesa, mento polonês, isso não a teria incomodado. Rosa era impermeável à
Jadwiga Chrzanowska. Faltava-lhe o intelecto dos outros três, rnas boataria partidária. Da mesma forma, as insinuações de Plekhanov
não o ardor. Trabalhador diligente e totalmente imerso no movimen- sobre "a mãe riquíssima" de Jogiches não a teriam afetado.13 O
to, vivia com sua família cada vez maior em grandes apertos finan- dinheiro de Jogiches ajudava, é claro, pois financiava a publicação da
ceiros. Luxemburgo era extremamente afeiçoada a Warszawski e, ao Causa dos Trabalhadores. Mas mesmo sem esse dinheiro, contando
longo dos anos, tentou ajudar sua família, chegando até a se oferecer, apenas com o talento de Luxemburgo e o dele, os dois teriam alcan-
a certa altura, para adotar um dos filhos dele.
Os quatro colaboravam em termos informais, sem nenhuma es- çado êxito.
trutura ou hierarquia partidária rígida, embora, por mais de uma vez, A oratória e a redação de Luxemburgo eram os principais trun-
Luxemburgo tivesse de cercear a tendência * ditatorial de Jogiches, à fos do partido. Luxemburgo era editora-chefe do órgão partidário, A
qual Marchlewski, em particular, tinha horror. Jogiches, no entanto, Causa dos Trabalhadores, e também sua principal colaboradora. Por
via-se no comando, sobretudo porque sua opinião de Marchlewski e vezes, dois, três ou quatro artigos escritos por ela, não assinados ou
Warszawski não era muito elevada, mas também porque o dinheiro assinados com nomes diferentes, apareciam numa única edição do
lhe pertencia — e Rosa também. jornal.
A história do gru pinho em torno de Luxemburgo e Jogiches foi
feita de longos períodos de estagnação e raros momentos de glória.
Como o partido lutava pela união dos trabalhadores russos e polo-
neses, nunca se tornou popular na Polônia, a despeito da visão poé-
tica de Mickiewicz de que os poloneses e os russos eram irmãos, e
apesar da alegação do partido de ser o sucessor do Proletariat. A Os anos de 1891-1893 foram cruciais para Luxemburgo e Jogi-
renúncia à independência da Polônia, fosse ela por motivos elevados ches. Aproximaram os dois, mas também alimentaram sonhos e ilu-
ou pragmáticos, pouco fazia por aumentar seus atrativos. Com a sões pouco realistas. Luxemburgo havia encontrado seu cavaleiro an-
liderança na Suíça e tendo seu pequeno número de seguidores na dante e julgava segurá-lo firmemente nas mãos; Jogiches encontrara
Polônia reduzido por detenções freqüentes, houve épocas em que o uma discípula e julgava segurá-la firmemente nas mãos. Nenhum dos
partido só tinha generais, e nenhum soldado. Nele ingressaram al- dois se deu conta de quão ferozmente independente era o outro,
guns socialistas influentes, como Cezaryna Wojnarowska, ex-membro nem de quão improvável era "pertencerem" um ao outro. No frenesi
do Proletariat, e Feliks Dzieriynski, que foi de grande valia na união do trabalho político, eles viam aquilo que os unia, e não o que os
dos socíal-democratas lituanos e poloneses. dividia. As viagens freqüentes de Luxemburgo a Paris para super-
Após a derrota no Congresso de Zurique em 1893, o SDKP foi visionar a impressão da Causa dos Trabalhadores, as breves sepa-
reconhecido no congresso subseqüente da Internacional, em Lon- rações, os encontros e as despedidas favoreciam o encanto de sua
dres, no ano de 1896. Quando dá fusão com a Social-Democracia Li- intimidade. Jogiches, no recém-fundado SDKP, estava organizando e
tuana em 1900, a existência da nova Social-Democracia do Reino da comandando; era necessário e apreciado e, segundo acreditava, estava
Polônia e Lituânia deixou de ser questionada.* a caminho de influenciar a história, sua meta última. Luxemburgo via
Por mais que Rosa quisesse arrancar Jogiches de seu isola- o amor de ambos crescendo e se transformando num laço indis-
mento, não foi a compaixão que a instigou a engajá-lo no movimento solúvel. Acreditava que seu afeto e a posição que havia criado para
Jogiches no partido eram suficientes para fazê-lo feliz. Jogiches veio a
encarar ambos como um presente de grego.
<Os dois se sentiam mutuamente atraídos por razões diferentes.
* Daqui por diante, também nos referiremos à Social-Democracia do Reino da Polônia e Luxemturgo estava fascinada pelo homem; Jogiches era atraído pela
Lituânia (SDKPiL) pelas designações de Social-Democracia Polonesa ou os social- mente dela. Com o tempo, também as atitudes díspares de ambos a
democratas poloneses. respeito do exílio os dividiram.
66 Suíça Rosa Luxemburgo e Leo Jogkhes 67

Ao contrário de Luxemburgo, Jogiches não teria deixado seu sitatsstrasse e Jogiches alugou outro no no. 77. Eles sempre tiveram
país se não tivesse sido forçado a fazê-lo. Não havia nada que o moradias separadas, embora a distâncias passíveis de percorrer a pé.
atraísse na Europa Ocidental — nem a possibilidade de estudar nem Mas estavam afastados por mais do que apenas alguns passos. Lu-
a condição de emigrado. Ele deixara para trás o trabalho, a mãe, o lar xemburgo foi ficando cada vez mais cônscia de que "qualquer
e a fama. Em Vilna, era protegido pelo amor da mãe, pela rede de palavra a respeito da, atividade profissional mais idiota é duas, não,
sigilo e pelos trabalhadores que o adoravam. A Suíça, pacífica, or- dez, cem vezes mais interessante para você do que eu derramar todo
deira e arrumadinha — tão diferente das vastidões indomadas da Li- o meu coração".17 Ela descobriu que seu amante era um homem
tuânia —, dava-lhe nos nervos; e o mesmo acontecia com os cida- "zangado", sem "nenhum impulso natural para amar". Prometeu, em
dãos bem nutridos e com seus compatriotas emigrados, perdidos em tom meio brincalhão, "varrer essa raiva" dele, mas sofria com a inca-
discussões intermináveis. Não havia governo para combater, nenhum pacidade de Jogiches de mostrar sua afeição.18
perigo a cortejar, e nem trabalhadores para organizar. Ao contrário, Luxemburgo ansiava por uma vida "pacífica e regular", na qual
ele perdera suas camadas protetoras e estava-exposto a um grupo o amor e o trabalho de ambos se completassem e eles pudessem
heterogêneo de emigrados que, segundo achava, não conseguiam "moldar um ser humano a partir de um e do outro".19 Mas Jogiches
ficar ã sua altura. destruía todos os seus esforços, achava Rosa, com cenas constantes a
Para Luxemburgo, a emigração correspondia à libertação; para propósito da aparência dela e de seu modo de se comportar e de
Jogiches, eqüivalia à calamidade. O ar que permitia a Rosa respirar trabalhar. Para Leo, era natural assumir o papel de seu professor, e
sufocava Leo; o que era recompensa para ela era um castigo para ele. ele esperava que Rosa se conformasse a ele incondicionalmente. Mas
Ao mesmo tempo, o exílio aprofundou a dependência mútua dos as tentativas dela de modificá-lo eram-lhe intoleráveis, e seus anseios,
dois, o que Luxemburgo considerava natural, e Jogiches, cansativo. O irritantes.
exílio gera formas singulares de dependência, que aproximam algu- Luxemburgo tinha um conjunto fixo de idéias sobre o que faz
mas pessoas e fazem outras se afastar. Na vida de Rosa e Leo, essas de um homem um homem e de uma mulher uma mulher, sobre o
duas formas se mesclaram. que traz felicidade ou infelicidade, sucesso ou fracasso. A felicidade
Pouco a pouco, Luxemburgo veio a conhecer, mas não a com- estava ao alcance de todos, achava ela, desde que certas condições
preender o homem. Uma de suas primeiras cartas a Jogiches que che- fossem atendidas: a humanidade a conquistaria se os oprimidos unis-
sem forcas contra seus senhores, e o indivíduo encontraria a felici-
garam até nós escrita numa cidadezinha serrana da Suíça e datada de dade se soubesse como desfrutar da beleza da vida espiritual e física.
21 de março de 1893, mostra a intimidade deles e a tocante desini- A crença dela na mens sana in corpore sano, consoante com o espí-
bição de Rosa. "Uma voz me acordou no meio da noite", escreveu. rito da época, era inabalável. Se algo saía errado, era possível en-
"Assustada, fiquei escutando. E foram minhas próprias palavras que contrar sua origem em hábitos de vida inadequados, na falta de ar
ouvi: 'Dyodyo! Ei, Dyodyo! Eu estava puxando as cobertas para mim, puro ou numa dieta precária. Se Jogiches ficava deprimido, era por-
irritada, achando que meu Dyodyo estava ali a meu lado (que sonho que fumava, não andava a pé, tomava cerveja em vez de chocolate, e
indecente!)."14 passava as noites ruminando e os dias dormindo.
Passado um ano, porém, as coisas se modificaram. "Você me O Jogiches que Rosa havia conhecido estava refestelado na gló-
reduziu a um estado de tal ordem que fico embaraçada em escrever ria de seu passado recente, reverenciado e admirado. O passado logo
sobre nossos assuntos pessoais", admitiu Luxemburgo em tom infeliz. se tornou remoto e o presente não tinha futuro; mas Luxemburgo,
"A mim me parece errado escrever sobre qualquer outra coisa que sempre otimista, não via as coisas dessa maneira. Na época em que
não a causa."15 Eles só moravam juntos fora de Zurique, quando se tornaram íntimos, Jogiches estava desanimado e amargo. Depois,
viajavam em férias para algum vilarejo distante onde sua intimidade sua editora russa e o trabalho polonês o reavivaram. Assim, nos dois
não chamasse a atenção. Nessas ocasiões, Jogiches era mais relaxado, ou três primeiros anos de sua associação, Luxemburgo alimentou
caloroso e paciente. Comprava mantimentos, fazia ovos mexidos para muitas ilusões. Jogiches transbordava uma paixão ardorosa, que ela
o jantar "com grande refinamento", comprava o queijo favorito de ainda estava por descobrir quê era absorvida por um único pen-
Rosa e fazia longos passeios com ela.16 samento — a revolução. A força dele prometia proteção; Rosa não
Em Zurique, o padrão foi estabelecido no outono de 1891, sabia que ele só queria proteger as vítimas da injustiça social. Leo
quando Luxemburgo alugou um quarto para ela no no. 79 da Univer-
68 Suíça Rosa Luxemburgo e Leo Jogiches 69

parecia extravagantemente generoso; ela estava por descobrir que ele entre os trabalhadores, quando seu papel era claramente definido e
dava de si com cautela e avareza. Quando ele se portava "estranha- sua superioridade era reconhecida. Ele se sentia ameaçado pelas
mente", ela atribuía isso a uma alteração passageira de humor, que situações pouco familiares ou pelas que não conseguia controlar;
seu amor ou um artigo seu bem redigido logo dissipariam. Rosa não quando não lhe era possível evitá-las, tornava-se reservado e inabor-
sabia, nessa época, que Jogiches estava preso num círculo vicioso de dável. Byt, a rotina maçante e pouco criativa da vida corriqueira, era
presunção e autodesconfiança. seu pesadelo. Os pequenos prazeres de que Rosa tanto gostava —
Depois que a rejeição de Plekhanov se tornou de conhecimento um passeio no campo, um jantar com amigos, um romance, um
público, Jogiches sentiu-se acuado. A derrota, exposta e visível, o concerto — eram vistos por ele como uma perda de tempo, uma
atormentava. Embora a Universidade de Zurique não tivesse maior armadilha que levava a uma existência sem sentido. O que quer que
serventia para ele do que tivera o Ginásio de Vilna, Leo voltou para a não fosse relevante para "influenciar a história", quem quer que não
universidade. O verão de 1891 em Genebra o aproximara mais de se dedicasse à causa, não tinha nenhum interesse para ele. Tudo que
Luxemburgo e, depois que os dois retornaram a- Zurique, ela o con- o distraía ou a Rosa dessa missão devia ser eliminado da vida de
venceu de que freqüentar a escola era a coisa acertada a fazer. Na ambos. Os contatos sociais eram não apenas improfícuos e destru-
opinião de Leo, porém, ele havia meramente trocado a "posição tivos, mas também constituíam um teste indesejado e temido que ele
privilegiada" do Ginásio por outra na universidade, e a independên- estava determinado a evitar.
cia do conspirador pelo dinheiro do avô. Desde o começo da ado- No exílio, a maior arma de um revolucionário era sua pena. O
lescência ele tentara colocar-se à altura da visão de um revolucio- trabalho de Jogiches em Vilna não havia requerido o domínio da
nário, sucintamente expressa em O Catecismo de um Revolucionário, palavra escrita: a conspiração é a arte do silêncio. Marx, entretanto,
de Bakunin e Nechaev: "O revolucionário é um homem perdido. Não exigia que os revolucionários agissem "abertamente perante o mundo
tem interesses próprios, nenhuma causa própria, nem sentimentos, inteiro, divulgassem suas opiniões", como escrevera no Manifesto
hábitos ou pertences, nem sequer um nome. Tudo nele está absor- Comunista. Jogiches não estava preparado para isso, nem psicologi-
vido por um interesse único e exclusivo, por um único pensamento, camente nem na prática. Nunca tivera o ímpeto ou o talento de Rosa
uma só paixão — a revolução."20 Em Vilna, Leo estivera perto dessa para escrever. Havia abandonado a escola antes de dominar a arte de
visão; na Suíça, estava perdendo terreno. Como foi Luxemburgo redigir, e os anos de atividades clandestinas tinham prejudicado ainda
quem o atraiu para o movimento polonês, Luxemburgo e o exílio mais o desenvolvimento desta. Cônscio de que não podia impressio-
ficaram inextricavelmente vinculados em sua mente. nar pela palavra escrita como podia fazer pela ação — de que, ao
Para Jogiches, sua aceitação da proposta de Luxemburgo de contrário, suscitaria críticas se suas palavras fossem aprisionadas na
unir-se a ela no movimento polonês foi uma concessão degradante. letra impressa — ele não corria riscos. Mas sabia que as batalhas
Ele não era feito para aceitar, mas para dar ordens. Rosa insistiu em eram travadas nas páginas dos jornais, e não apenas nas barricadas, e
que aprendesse polonês. Politicamente astuto, Leo sabia que isso era sabia que uma boa pena era a arma mais necessária e mais eficaz.
necessário e dominou a língua em prazo curto. Apesar disso, nunca Para exercer influência política, ele precisava de uma pena. Essa
se dirigiu a ela na língua pátria de Rosa. Embora considerasse a men- pena era Rosa.
te de Luxemburgo incomum e intrigante, é possível que visse na Muitos exilados políticos se sustentavam escrevendo — Marx
claudicação dela mais uma humilhação; talvez se sentisse igualmente foi repórter do Herald Tribune de Nova York —, mas a herança de
atraído e ressentido diante da aparência diferente de Luxemburgo. E Jogiches poupava-lhe a necessidade de ganhar a vida. Para muitos
é discutível que sua insistência em manter secreta a intimidade de radicais, escrever era a única maneira de comunicar suas idéias, de-
ambos se devesse ao "bem da causa", a seu amor à conspiração ou a fendê-las, ganhar influência e arrebanhar apoio. Jogiches podia fazer
sua relutância em reconhecer publicamente o romance com uma tudo isso através de Luxemburgo. Assim, escrever tornou-se um vín-
mulher aleijada. culo,ímàs também um grilhão.
Luxemburgo vira um Jogiches arredio e desdenhoso nas situa-
ções sociais, mas não lhe ocorreu que ele pudesse comportar-se da
mesma maneira para com ela na vida privada. Rosa não tinha como
saber que ele só ficava à vontade no trabalho, no auge das atividades
a luta pela ascensão 71

afeição e companheirismo como do ar que respirava. Se Jogiches os


tivesse negado sistematicamente, ela não teria ficado com ele. Leo
entendeu isso e, em vez de correr o risco de perdê-la, dava-lhe o que
ela precisava — mas o media cautelosamente, mantendo-a eterna-
mente faminta. O apelo reiterado de Rosa — "como sempre, leio avi-
6 A Luta pela damente as poucas palavras pessoais no final de sua carta" — ora se
mostrava eficaz, ora não.2 Ela aprendeu a viver das lembranças dos
Ascensão raros momentos em que ele fora "gentil, bondoso e meigo", quando
o tom de sua voz fora caloroso, e suas palavras carinhosas. Embora,
1895-1898 vez por outra, ele fosse tudo o que ela queria que fosse, seu ideal de
"amar e trabalhar juntos" não era o de Leo. A vida pessoal e o traba-
lho tinham de ser separados, para que as banalidades não devo-
rassem a causa.
As circunstâncias forneciam uma válvula de escape para as
emoções represadas e conflitantes de ambos. Luxemburgo e Jogiches
DESDE o MOMENTO em que se tornaram amantes, Rosa estavam freqüentemente distantes. A partir de 1893, ela ia com fre-
Luxemburgo considerou a relação com Leo Jogiches como um casa- qüência a Paris supervisionar a impressão da Causa dos Trabalha-
mento; em suas cartas para ele, chamava-o de "meu marido" e a si dores e, mais tarde, colecionar material para sua dissertação; em 1898,
mesma de "sua mulher". Jogiches não encarava o relacionamento da ela se mudou para a Alemanha para promover a causa de ambos,
mesma maneira. enquanto Jogiches ficou na Suíça por mais dois anos. Assim, entre
Embora muitos radicais vivessem maritalmente, desafiando a ins- 1893 e 1900, era comum eles se comunicarem por escrito. Suas cartas
tituição burguesa, isso era um compromisso excessivo para Jogiches. funcionavam como um laboratório no qual eles elaboravam estra-
Ele insistia em que Rosa fingisse, até mesmo para seus amigos mais tégias políticas, negociavam alianças, aquilatavam forças da oposição
íntimos e para a família dela, que os dois eram apenas camaradas. e produziam juntos artigos e discursos.
Dividida entre o desejo de agradá-lo e o de preservar sua própria dig- As cartas impediram que o relacionamento se rompesse. As car-
nidade, Luxemburgo alternadamente cedia e se rebelava contra as tas se transformaram em seu vício mútuo, sua folie à deux. Pulsando
exigências dele. "Continuar fingindo sobre nosso relacionamento (pe- de paixão física e repletas de censuras e auto-recriminações, as cartas
rante os Warszawskis) é não apenas um exagero; é simplesmente de Luxemburgo espelham as expectativas diferentes de ambos e
hipócrita", escreveu ela no sétimo ano de sigilo forçado.1 revelam suas armas: amor, sedução, provocação, recompensas e pu-
Jogiches se ressentia das queixas chorosas de Luxemburgo so- nições. Cada qual usava as cartas como substituto da vida em comum
bre quão diferente ele fora "quando eu ainda não era sua mulher". e como meio de controlar o outro.
Leo tinha o que queria: uma mulher que o adorava — em parte, es- As cartas "frias" ou "calorosas" transformaram-se em moeda cor-
posa, e em parte, mãe — e uma discípula. Com seu papel claramente rente, em instrumento negociável. "Por causa desta carta você me
definido como o de mestre intelectual, sentia-se à vontade. Agindo escreverá uma que será terna", escreveu Luxemburgo a Jogiches em
por trás do palco, através de Luxemburgo, recriou a situação de 1895, ^e-quando eu lhe mandar uma carta fria, receberei outra fria em
Vilna. Invisível, mas onipresente, exercia poder e contestava a ordem troca."3 Os apelidos carinhosos e o vocabulário íntimo cunhado por
estabelecida e seus adversários políticos. Sua aprendiz resolutamente Luxemburgo eram medidores importantes de temperatura. Seu modo
fiel, mas empreendedora, era um presente dos deuses. de se referir a si mesma ou a ele pautava-se no estilo de expressão de
O desejo de Jogiches de modificar Luxemburgo iguàlava-se ao uma criança. Violentando a gramática e a sintaxe, os apelidos cari-
dela de modificá-lo. Leo queria purgá-la de seu gosto pecaminoso nhosos são intraduzíveis. Em polonês, não é incomum criar palavras
pela vida; Rosa queria convencê-lo de que a revolução e a felicidade de carinho exclusivamente pessoais; as que Luxemburgo inventou
pessoal não eram mutuamente excludentes. Ela precisava de amor,
para Jogiches revelam uma imaginação inesgotável; mais ainda, mos-
tram um sentímentalismo que surpreenderia até mesmo as pessoas
70
72 Suíça a luta pela ascensão 73

que a conheciam bem. A transformação completa de sua personali- rio político, das reuniões, conversas, discursos e artigos dela. E essa
dade nas cartas mostra que Luxemburgo precisava de uma saída para exigência não era meramente um exercício de poder. "Suas últimas
um outro eu, um eu normalmente disfarçado com cuidado. cartas estimularam meu pensamento", escreveu-lhe Luxemburgo, "e
Escrevendo, Rosa dirigia-se a Leo como Dyodyo ou Chuchya, o na última delas você me deu um material completo para meu artigo,
primeiro reservado para os garotinhos, o segundo para as menininhas que está uma jóia (...)• Traduzi[-o] de sua carta, palavra por palavra."8
de colo, Quando Jogiches se portava mal, Rosa lhe recusava o Luxemburgo compartilhava tudo com Jogiches em suas cartas
tratamento carinhoso e se dirigia secamente a ele como "meu caro". — notícias e intrigas políticas, impressões sobre os políticos com
O castigo tinha o efeito desejado, e Jogiches clamava pela ternura quem se encontrava, opiniões sobre o marxismo e a mudança social,
dela. "Você me implora que o chame de Dyodyo, mas não vem me- comentários sobre os livros que lia e os concertos a que comparecia,
recendo isso há muito tempo", informou-lhe Luxemburgo friamente, novidades sobre a moda mais atual, e detalhes sobre seus chapéus,
"e não*sei se o merecerá em breve."4 A importância da forma das sapatos, jaquetas e saias, sua saúde e sua dieta. Fanaticamente atenta
comunicações escritas tornou-se ainda mais transparente depois que aos detalhes, ela descrevia as pessoas, conversas e acontecimentos
eles se separaram. Para evitar qualquer pronome pessoal nas cartas com humor e percepção. Nenhuma fraqueza escapava a seu olho
que lhe dirigia, Rosa inventou um dialeto distorcido que apenas Leo crítico, nem tampouco qualquer palavra ou gesto. Rosa pintava em
podia entender. Para prover suas cartas da essência de suas emoções cores vivas um cômodo embaçado pela fumaça de cigarros, onde
no amor e no ódio, ela subjugava a língua a suas necessidades. havia conversado com trabalhadores até bem depois da meia-noite,
O que Jogiches escrevia era capaz de deixar Luxemburgo de- ou um banquete elegante no encerramento de um congresso. Dis-
sesperada: "Não compreendo o tom de suas duas últimas cartas, onde cutia suas idéias com ele e pedia conselhos. "Você por certo enten-
você omitiu até o cabeçalho. Não me atormente, estou no fim de deu meu argumento e reconheceu o tema potencialmente fabuloso.
minhas forças."5 Ou podia abrir as portas do paraíso: "Você não faz Portanto, pense nisso e, quando lhe surgir mais alguma coisa dentro
idéia de como sua carta pessoal me deixou feliz... Reli-a vez após dessa linha, informe-me imediatamente."9
outra, repetidamente."6 Se Luxemburgo ansiava por receber no papel Vez por outra, ela descrevia um livro que estivesse lendo — "a
o que não conseguia obter de Jogiches em pessoa, as cartas dela autobiografia de Benvenuto Cellini traduzida por Goethe, um traba-
eram, para o amante, informações, um elo essencial com o mundo lho extremamente original, interessante como um espelho da Itália e
externo e uma janela para a arena política. Leo descobriu que ela da França do século XV"10 —, ou então o instigava — "estou com
empunhava uma arma que não se acanhava em utilizar. Suas simples dois vasos de violetas sobre a mesa e um abajur cor-de-rosa (...) e
ameaças de interromper a correspondência deixavam-no em pânico. um novo par de sapatos, um véu novo e luvas novas, e uma nova es-
A insistência dela, em março de 1900, em que "minha decisão de cova de cabelos, e estou bonita."11 As cartas de Rosa continham cená-
parar de escrever não é o ato de vingança que você supõe que seja" rios inteiros, de modo que Jogiches podia acompanhá-la, em espírito,
levou Jogiches prontamente de Zurique para Berlim, onde Luxem- se não no corpo, a tournées de discursos, reuniões e eventos sociais,
burgo vinha esperando em vão havia dois anos. "Até mesmo nos ou dentro da privacidade de seu quarto. Ela queria que Leo soubesse
correspondermos da maneira como costumávamos fazer já não é tudo o que ela sabia, vivenciasse tudo o que vivenciava, sentisse o
possível", declarou ela, garantindo-lhe que o que ele considerava que sentia. Sem nenhum pudor, revelava-lhe seus "sonhos inde-
chantagem era um meio de descobrir se ele realmente se importava centes", seus desejos sexuais, suas decepções e esperanças. Sua de-
com ela. "Decidi, de imediato, tornar a separação mais fácil para manda incessante de reciprocidade — "Quero que você me escreva
você. Vou parar de escrever-lhe", anunciou um tanto perversamente sobre sua vida interior!" — permanecia quase sempre sem resposta.
após um mês de silêncio. "Fiquei dizendo a mim mesma que essa "Nossa correspondência está assumindo um caráter estranho. Escre-
seria a solução. Se ele me amar e quiser viver comigo, ele virá; caso vo-lhe sobre tudo (...) e você responde com comentários 'críticos'.
contrário, poderá tirar proveito da interrupção de nossa correspon- Quanto a você mesmo, (...) nem uma palavra. Não gosto desse tipo
dência."7 Essa era uma solução que Jogiches não podia aceitar. As de correspondência, e, já que minhas perguntas são inúteis, vou-lhe
folhas intermináveis de papel cobertas pela letra clara e regular de escrever tanto a meu respeito quanto você tem escrito sobre si
Rosa constituíam, por vezes, a única leitura que ele julgava valer seu mesmo."12 Mas Leo sabia que essa ameaça era vazia.
esforço. Ele pleiteava ser mantido a par de cada ocorrência no cená-
74 Suíça a luta pela ascensão 75

Embora eles fossem igualmente dependentes das cartas um do A sede de independência de Luxemburgo, que crescia com sua
outro, a frieza e a compostura de Jogiches davam-lhe o controle da reputação foi deixando Jogiches com medo cada vez maior de perder
situação. Luxemburgo raramente conseguia uma migalha de satisfa- o controle sobre ela. Esse medo se transformou numa crítica inces-
ção. "O fato de você estar furioso por eu ter-lhe escrito uma carta sante, que, depois de se mudar para Berlim, ela ficou cada vez me-
breve é um bom sinal."13 Na maioria das vezes, era-lhe preciso forçar nos disposta a aceitar. "Você não parece perceber que todas as suas
uma resposta dele. "Caríssimo, escreva-me alguma coisa agradável", cartas são colossal e sistematicamente desagradáveis", escreveu-lhe
protestava Rosa: "estou esgotada, física e espiritualmente. Suas últi- Rosa em Zurique. "Elas se resumem numa mentoria longa, arrastada
mas cartas foram muito secas."14 Ela não tentava esconder sua fome: e enfadonha, como 'as cartas do professor a seu aluno favorito'. Ad-
"Obrigada por escrever algumas palavras calorosas, finalmente. Eu mito, você faz comentários críticos; admito, eles geralmente são úteis,
precisava muito delas (...) era doído quando você só escrevia sobre e em alguns casos, até indispensáveis; mas, pelo amor de Deus, a
trabalho. Nem uma palavrinha de amor."15 Embora soubesse que Leo esta altura a coisa toda virou uma doença, um vício! Não posso
percorria impacientemente os olhos pelas págkias de suas carta§ em colocar uma única idéia ou fato no papel sem provocar uma arenga
busca de notícias políticas, Rosa não fazia nenhum esforço para es- maçante e desagradável. Não importa sobre o que eu escreva —
crever menos emocionalmente. meus artigos, minhas visitas, minhas assinaturas de jornais, vestidos,
Fiel a sua natureza, Jogiches preferia a distância coberta pelas parentes, qualquer coisa com que me importe e que compartilhe com
cartas do que uma vida cotidiana em comum. Embora considerasse você —, nada escapa a seus conselhos e instruções "18 Ele sabia não
escrever uma tarefa cansativa, comparada ao trabalho prático, ao estar despertando a ira de Rosa apenas por suas críticas, por mais
menos não corria nenhum risco de ser censurado; ao contrário, podia aborrecidas que fossem, mas porque suas cartas não conseguiam
exercer influência sobre Rosa. minorar a solidão dela.
No vigésimo nono aniversário de Rosa, em 1899, Jogiches es-
Suas cartas a Luxemburgo não chegaram até nós; antes de cada creveu-lhe uma carta — um presente, por assim dizer — absolvendo-
batida policial esperada em Berlim, ela destruía a correspondência a pelo pecado de gostar da vida. "Você escreveu", diz ela, citando-o,
atual de Leo. Boa parte do conteúdo dessas cartas, no entanto, pode "que ainda somos moços e capazes de acertar nossa vida juntos."
ser vislumbrada a partir das cartas de Rosa. Ela o cita freqüentemente, Com base nessa fundação frágil, ela erigiu uma ficção elaborada —
em termos literais ou em paráfrases, por vezes com deleite e, mais eles viveriam abertamente como marido e mulher, em "nosso próprio
comumente, com desprezo. A reação de Rosa revela a temperatura apartamentinho, [com] nossa própria mobília bonita." Receberiam
das cartas de Leo: frias, na maioria das vezes, mas ocasionalmente amigos, iriam à ópera, fariam passeios e passariam as férias de verão
iradas ou contendo uma rara explosão emocional. Repetidamente, no campo. "Ambos trabalharemos e nossa vida será perfeita\\ Nenhum
mas sem êxito, ele tentava desviar a correspondência do terreno es- casal do mundo tem a chance que temos (...) vamos ser felizes, te-
corregadio dos assuntos pessoais para a segurança do âmbito pú- mos de ser."19 Uma frase vaga de Leo transportava Rosa para um
blico. O ressentimento de Rosa aumentava. "Suas cartas não contêm mundo de sonhos inatingíveis.
nada, mas nada senão A Causa dos Trabalhadores, críticas sobre o Um filho de Jogiches era absolutamente essencial para realizar
que fiz e instruções sobre o que devo fazer", queixava-se ela, ainda o sonho. "E talvez até um bebê, um bebê bem pequenininho, não é?,
sem consciência de que o estilo dele o refletia tão bem quanto as perguntou ela timidamente. "Será que isso nunca vai ser possível?
cartas dela a refletiam.16 Ainda assim, apesar do tom contido e pro- Nunca?J>yodyo, sabe o que tomou conta de mim de repente, durante
fissional de Jogiches, as cerca de mil cartas que ele lhe escreveu, em um passeio no Tiergarten? (...) Uma garotinha se postou a meus pés,
números aproximados, foram uma mostra de sua afeição. com uns três ou quatro anos, loura, com um vestidinho bonito, e
Apesar de menos apto a falar sem rodeios, Jogiches era tão ficou me olhando fixamente. Brotou em mim uma compulsão de rap-
sensível ao teor das cartas de Luxemburgo quanto ela ao das dele. tar a menina, disparar para casa e ficar com ela para mim. Ah, Dyo-
Leo aceitava-lhe os tributos como uma obrigação dela, mas, ao sentir dyo, será que nunca vou ter meu próprio bebê?"20 Essa foi a primeira
uma oscilação nas emoções de Rosa, imaginária ou real — "onde foi menção de Luxemburgo, por escrito, a seu desejo de ter um filho.
que você descobriu um 'tom pessoal áspero' em minha carta? (...). Eu Era-lhe mais fácil escrever do que falar com ele sobre assuntos que a
só estava escrevendo com muita pressa" —, ficava angustiado.17 afetavam profundamente. "Sinto constantemente necessidade de um
76 Suíça a luta pela ascensão 77

filho", confessou Rosa a Jogiches alguns meses depois, em 1899. "Às 'A Causa'." Jogiches obviamente havia tentado apaziguá-la, pois ela
vezes, torna-se insuportável. Quanto a você", escreveu, "você prova- antecipou sua resposta: "Se você responder, indignado, que nunca
velmente nunca poderia entender isso."21 Ocorreu-lhe que ela po- deixa de dizer coisas ternas em suas cartas, fique sabendo que baju-
deria criar um filho sozinha: "Se eu tiver um filho", escreveu, "vou lação não é o que eu quero." A essa altura, Rosa já sabia que ele a
poder sustentá-lo sozinha."22 deixava fora de sua vida íntima, e estava disposta a trocar o corpo, o
Duas de suas cartas a Jogiches exemplificam o vaivém das emo- cérebro e a pena pelo acesso a ela. Obedeceria a ele, seria seu bi-
ções de Rosa à medida que o relacionamento foi-se desenrolando na chinho de estimação ou seu soldado invencível, se ele se abrisse para
década de 1890. A primeira, enraivecida e rebelde, foi escrita pela ela. "Nossos únicos vínculos", lamentou, "são a causa e a lembrança
mulher de vinte e quatros anos em 25 de março de 1894, nem bem de velhos sentimentos". Rosa estava visivelmente desnorteada. "Não
dois anos depois de eles se tornarem amantes. Revela as raízes da tenho um lar em parte alguma. Não existo como eu mesma". Jogiches
desarmonia que iria atormentar-lhes a vida em comum. A segunda lhe atribuía um papel que ela considerava degradante. Ordens,
carta, intensamente triste, foi escrita em 16 de julho de 1897, pouco instruções e críticas — isso era tudo o que recebia dele. Ele lhe apre-
depois do vigésimo sétimo aniversário de Luxemburgo. É uma admis- sentava decisões, acrescentando paternalisticamente que ela não de-
são de fracasso, embora não seja desprovida da esperança que ainda via sobrecarregar indevidamente seus nervos fracos. O sonho de
perduraria por mais dez anos. Essas duas cartas desvendam as vibra- Rosa, de uma parceria em igualdade de condições, estava em perigo,
ções que mantinham a parceria pulsando. mas ela não estava disposta a desistir. Abalada, mas decidida, pôs as
Na carta de 1894, Luxemburgo se rebelou contra a atitude de cartas na mesa: se ele achava que ela se contentaria em "rabiscar
Jogiches perante ela e perante a vida. Para Rosa, bradou-lhe ela, a artigos" e em concordar com o que ele denominava de suas "mo-
vida não consistia na Causa dos Trabalhadores, não consistia nos tra- destas opiniões", estava redondamente enganado. Era direito dela
balhadores ou na causa, mas consistia em viver. Que ela e ele traba- participar das decisões políticas e ele tinha a obrigação de respeitar
lhassem pela revolução não se discutia, mas que a vida se limitasse a esse direito. À parte o relacionamento pessoal, sua posição no par-
"tal questão ou tal panfleto, a este ou aquele artigo" era equivalente a tido era assunto sério para ela. Que Jogiches tomasse decisões pelas
matar a alma. Destruir os laços espirituais entre as pessoas, para suas costas era intolerável. Que dourasse a pílula ao lhe relatar isso,
maior glória de uma idéia que buscava criar esses laços, era, para introduzindo um "querida" no texto, era repulsivo.
ela, uma aberração brutal. "Tenho idéias e impressões o tempo todo", Como que para provar a Jogiches que também ela era capaz de
escreveu ela, "independentemente da 'Causa'."23 Mas ela precisava de separar a vida particular das questões públicas, Rosa escreveu uma
Leo, seu alter-ego precisava dividir seus pensamentos com ele, segunda parte da carta, dcliberadamente destacada da primeira. O
enquanto ele nada tinha a dividir além de prazos, leitura de provas e tom era seco e formal e o texto continha um rol detalhado de des-
editoração. O pensamento que torturou Luxemburgo durante toda a pesas — tipógrafos, 118 francos; chocolate, 1.20; leite, 1.65; luvas, 2
sua vida — a quem serve, realmente, a revolução? — perpassa essa —, para informá-lo de que ela estava perfeitamente ciente de estar
carta caótica. Ela tentou lutar contra a realidade de Jogiches, contra gastando o dinheiro dele. Um relatório meticuloso sobre uma edição
uma vida sacrificada pela humanidade, mas não conseguiu. Se as próxima do jornal discutia sua composição tipográfica, entrega e
pessoas que fazem a revolução estão condenadas, não estará a distribuição. Chegando ao final da carta, tipicamente, Rosa estendeu
revolução condenada? Se os revolucionários não são humanos, se uma palma da paz: fez-lhe perguntas sobre algumas questões eco-
não entendem a arte de viver, como podem criar uma vida melhor nômicas e históricas, num reconhecimento da superioridade intelec-
para os outros? tual de Jogiches e de sua dependência dela.2<í
Essa não foi, evidentemente, a primeira briga do casal sobre o A carta sumamente diferente que Luxemburgo escreveu a Jogi-
assunto. Está claro que Jogiches havia recriminado Luxemburgo, ches três anos depois, na madrugada de uma noite de julho de 1897,
anteriormente, por sua falta de perseverança e diligência, por seu descreve uma cena que transcorrera em seu quarto algumas horas
comodismo e sua fraqueza. "Não me diga", protestou ela, "que não antes. Leo havia passado por lá, preocupado com algo que não se
consigo suportar o trabalho interminável, que só quero descansar. importou em discutir com ela. Os esforços de Rosa para conquistar-
Não, não, posso suportar duas vezes isso, mas o que não consigo lhe a atenção foram prontamente descartados como investidas se-
suportar é que, para onde quer que me volte, lá esteja uma coisa — xuais impróprias. Leo dirigiu-lhe um olhar depreciativo que a deixou
78 Suíça a luta pela ascensão 79

muda e se preparou para sair. Rosa ficou arrasada, com os olhos sentia amor por ela. E, o que é mais significativo, sem ela, sem
cheios de lágrimas. Havia tantas coisas que queria dizer-lhe, e lá nenhuma âncora e sem amigos, não poderia sobreviver. Ela o amava
estava ele pronto para ir embora, achando que tudo o que ela queria apaixonadamente e estava disposta a viver de migalhas.
era fazer amor. Como em tantas vezes anteriores, ela se sentiu numa
armadilha, desamparada e enraivecida. Não conseguia falar, não
conseguia se mexer. Simplesmente ficou ali, com um nó na garganta,
pronta para amar e pronta para matar. Ele a olhou, beijou-a de leve
no rosto e fechou a porta atrás de si. Faltou a Rosa a coragem de Por volta de meados da década de 1890, estava construída a gangorra
falar-lhe; por mais absurdo, até irracional que parecesse — "moramos que Luxemburgo e Jogiches iriam dividir pelos dez anos subse-
a apenas dez passos de distância e nos encontramos três vezes por qüentes. A interdependência de intimidade e trabalho começou a
dia" —, ela viu numa carta o único meio de lhe dizer a verdade. pesar sobre ela. Ao dizer que "estou convencida de que você vai
Estava desconfiada de que ele queria ficar sozmho e admitiu que, gostar mais de mim quando eu tiver cumprido meus deveres", ela
"consideradas todas as coisas", ele seria mais feliz sem ela. Seus estava explicitando a pura verdade.26 Quando cometia um erro,
"caprichos femininos, [sua] impulsividade e desamparo" davam nos censurava-se e pedia perdão — "se você puder perdoar" —, achando
nervos dele, o mesmo acontecendo com suas cenas, suas lágrimas e que não "merecia" um carinho. A tensão era evidente. Rosa se
sua insegurança sobre o amor dele. Rosa contrastou sua própria queixava de enxaquecas, estômago irritado, esgotamento e eólicas
espontaneidade com a maneira calculada de Leo "manejá-la", sua pai- menstruais pavorosas. Não era tão forte e sadia quanto ele pensava,
xão com a frieza dele; e o censurou por interpretar o comportamento informou-lhe. Nauseada e com a cabeça arrebentando na Paris "infecta
dela "grosseiramente", por transformar o relacionamento de ambos e barulhenta", ela prosseguia, disse-lhe, unicamente por causa da
num caso "puramente superficial". Penitente, assumiu toda a respon- perspectiva de repousar nos braços de Leo. Mas ele não gostava de
sabilidade sozinha. Era culpa dela se o ambiente não era caloroso e ser posto no papel de feitor de escravos ou de ter notícias das ma-
agradável; ela invadira a vida "pura, orgulhosa e solitária" de Leo; e o zelas de Rosa, que ela reiterava com certo prazer. "Não tenha medo",
atormentava. Através das lágrimas, podia vê-lo correr os olhos impa- consolava-o, depois de relacionar suas queixas: "farei o trabalho de
cientemente pela carta que lhe escrevera. Podia ouvi-lo perguntar: qualquer maneira."27 Se, em vez do elogio esperado, ela recebia uma
"Que diabos ela está querendo?" E podia ouvi-lo exclamar: "Mas que censura, se em vez de uma palavra de ternura vinha uma reprimenda,
drama! Que chatice! A mesma coisa, uma vez atrás da outra!"25 Rosa explodia: "Nem a melhor das máquinas consegue produzir tão
Essa confissão noturna retraçou a luta de ambos, então em seu depressa quanto se espera que eu faça. Não posso e pronto. Não
quinto ano. Os parceiros se chantageavam mutuamente para obter estou me sentindo bem, e nem mesmo a mais sadia das pessoas
submissão, ao mesmo tempo que se deleitavam com a recusa do ou- poderia escrever tanto assim. Fique à vontade para contratar outra
tro a ceder. Luxemburgo queria fundir-se com Jogiches completa- pessoa — não há ninguém que queira ficar no meu lugar."28 Mas,
mente, transformados ambos numa só pessoa, e era a isso que ele depois, ela lhe dizia que tudo o que estava fazendo na arena política
mais tinha horror. Para bloquear-lhe as tentativas, ele era indiferente era feito por causa dele e para ele. Rosa oscilava entre brigar com
ou rude. Para sublimar sua própria insegurança, Luxemburgo precisa- Jogiches para ter voz igual no partido e abrir mão de suas responsa-
va cativar e capitular constantemente; para sublimar a dele, Jogiches bilidades de adulta em troca da segurança do abraço dele. "Não
precisava demonstrar superioridade. Ela dependia dele no tocante ao quero m?is, meu amor querido, ser uma 'adulta', uma 'pessoa respon-
amor físico e admitia isso em alto e bom som; ele não era influencia- sávelVl...) Só quero voltar para você e ficar em paz nos seus bra-
do pela intimidade sexual e a informou disso. Diminuindo-a, ele se ços."29 Nessas situações, os papéis de Jogiches como amante e mentor
elevava. Na vida pública, Rosa tinha um nome, e ele, não. Para com- tornavam-se inseparáveis. O amante a recompensava pela execução
pensar essa desigualdade, certificava-se de ser o senhor na vida parti- desembaraçada das instruções e o mentor punia a insubordinação.
cular. Pouco a pouco, Luxemburgo aprendeu a se defender, amiúde à
Desconfiando, como fazia, que Jogiches não a amava, que a custa do orgulho de Jogiches. "Estou devolvendo a (...) proclamação
decência o impedia de abandoná-la, porque Luxemburgo não pôs [que você me mandou]. É bonita, no tocante à forma e ao ardor. Só
termo ao romance? Jogiches não a largava. De uma maneira estranha,
80 Suíça a luta pela ascensão 81

tem um defeito." E enterrava a faca mais fundo: "Duas questões Neue Zeit, com considerável aclamação da crítica. Para Jogiches, o
importantíssimas foram completamente ignoradas — as vantagens da futuro se afigurava sombrio. Nunca fora mais clara a discrepância
jornada de oito horas e de uma plataforma germano-polonesa entre suas aspirações juvenis e as decepções da idade adulta.
comum."30 A proclamação "é fácil de ajeitar", tranqüilizava-o em tom Luxemburgo tentou animá-lo, mas suas tentativas, por vezes,
casual, ansiosa por indicar-lhe que descobrira o erro dele, mas tendo erravam completamente o alvo. "Comprei um espelho (...) com uma
o cuidado de não destacá-lo. A propósito de um trecho curto escrito bonita moldura de madeira, um espelho de alta qualidade", relatou.
por Jogiches em russo, comentou: "Fiquei traduzindo até meia-noite "Fiz isso apenas porque você está sempre se enfeitando diante do
(...) Traduzir parece uma tarefa simples e rápida, mas, infelizmente espelho."32 Impeçavelmente vestido e carregando uma bengala ou
(...) Agora, terminado, ele se transformou num texto forte e boni- um guarda-chuva elegantes (um de seus apelidos era Pára-sol), Jogi-
to."31 Rosa lhe informou estar trabalhando no texto dele tal como ele ches mal se assemelhava a um revolucionário ascético; mas essa era a
trabalhava no dela; se o artigo de Leo estava bom, era porque ela o última coisa que queria ouvir. As roupas luxuosas talvez fossem um
fizera assim. Não havia tolerância crescente nem concessões mútuas; substituto do sucesso que lhe escapava. A combinação de ambição e
ao contrário, os altos e baixos constantes, o jogo e até as brigas forta- medo, renúncia programática e comodismo, deixava-o permanente-
leciam o vínculo. mente insatisfeito consigo mesmo e com Luxemburgo. Sua vaidade
Em 1896, o Partido Social-Democrata Polonês foi destruído por sofria com cada um dos revezes políücos dela; sofria também com
uma onda de prisões na Polônia, e A Causa dos Trabalhadores foi cada conquista de Rosa. Ambos lhe mostravam sua própria insufici-
fechada. Jogiches perdeu os poucos soldados que, sob seu comando, ência. A plataforma política dos dois estava-se transformando no tram-
tinham escrito, publicado e contrabandeado o jornal para a Polônia, polim de Luxemburgo. Além disso, apenas ela recebia os louros pú-
ali o distribuindo. A Biblioteca Social-Democrata também fechou, blicos pelo trabalho conjunto de ambos; somente o círculo mais ínti-
deixando Jogiches como o proprietário desolado de uma impressora mo tinha conhecimento da participação de Jogiches, e o mérito que
russa. Luxemburgo estava trabalhando arduamente para concluir sua os outros lhe atribuíam limitava-se a seu trabalho organizacional. A
dissertação. Enquanto estava excitada e atarefada, Jogiches ficava ca- estreita colaboração de Leo nas publicações dela permanecia em
da vez mais amargo. Talvez lhe tenha ocorrido que ela poderia pros- segredo.
seguir sozinha, que sua criação poderia escapar-lhe dos dedos. Ela o
incentivou a se reanimar e a obter seu doutoramento, sem nenhum
efeito. No semestre de inverno de 1893-94, Rosa freqüentou aulas de
sete cadeiras, enquanto ele se inscreveu em quatro; para as três dela
no semestre de inverno de 1895-96, ele fez uma. Sem dúvida, o jornal
polonês ocupava grande parte de seu tempo, mas ocupava o dela Em abril de 1897, a mãe de Rosa teve câncer no estômago, Como
ainda mais. acontece freqüentemente nas calamidades, a doença de Lina Luksen-
O ponto mais baixo para Jogiches veio em 1897. Luxemburgo burg pôs em nítido relevo as atitudes familiares.
obteve seu grau de doutoramento em direito e ciência política
magna cum laude, no dia 1° de maio.* Uma editora altamente respei- Da volumosa correspondência com a família, Luxemburgo guar-
tável, a Duncker e Humblot, de Leipzig, aceitou a tese dela, "O dou dois maços de cartas escritas nos anos de 1897-1900 — cartas
Desenvolvimento Industrial da Polônia", para publicação; seu artigo anteriores e subseqüentes à morte de sua mãe e as cartas do pai que
precederam a morte desta. Guardava-as trancadas numa caixa e,
intitulado "Passo a Passo", que consistia num estudo da burguesia passados vários anos desde a morte de ambos, cheia de culpas, a
polonesa, foi publicado pelo principal jornal alemão do SPD, o Die mulher então com trinta e cinco anos escreveu a Leo Jogiches: "Por
uma estranha coincidência, peguei a caixa com (...) as cartas. Li
todas elas e chorei até ficar com os olhos inchados, e fui para a cama
* Até 1903, os alunos (homens) de direito e ciência política eram relacionados no desejando nunca mais acordar. Xinguei a maldita 'política' que me
registro estudantil como "juristas", enquanto as alunas eram registradas como impediu de responder às cartas de mamãe e papai por semanas a fio.
"estudantes de ciência política". Verena Stadler-Labhart, Rosa Luxemburg cm der Nunca tive tempo para eles."53
Universitát Zurich (Zurique: Hans Rohr Verlag, 1978), p. 47.
82 Suíça a luta pela ascensão 83

Anna, a irmã mais velha de Rosa, escrevia relatórios minuciosos que estava morrendo; resignada e tranqüila, rezava constantemente
sobre o estado da mãe — tão meticulosos, na verdade, que sua (...) e, nos últimos dois dias, só pensava em você, sussurrando seu
ambivalência, se não seu ciúme, se evidencia. Rosa era claramente a nome uma vez atrás da outra. No último dia, perguntou: 'Porque é
menina dos olhos da mãe. "Só Rosa é que faria qualquer coisa que eu que a Rosa não vem me ver?' e, quando lhe lembrei que você estava
lhe pedisse (...) ela sabe dar valor aos pais e faria qualquer coisa fora, ela ficou simplesmente repetindo: 'Rosa, Rosa', até o último sus-
para nós com prazer", escreveu Anna citando a Sra. Luksenburg.34 piro."37
Mas foi Anna quem cuidou da mãe, não saindo de sua cabeceira du- A estranha maneira como a notícia da morte da mãe chegou até
rante meses, enquanto Rosa deixou sem resposta o único cartão pos- Rosa reflete o padrão de seu relacionamento com a família. Ela e Leo
tal que a mãe teve força suficiente para escrever; foi Anna que, de- estavam retirados numa cidadezinha serrana, Weggis, no mês de
pois de esperar quinze anos para ter seu próprio quarto, deixou que outubro, para concluir um trabalho. Olympia Lübeck, amiga dela de
a mãe o alugasse por dez rublos — a mesada remetida a Rosa —, e Zurique, sugeriu fazer-lhe uma visita rápida a pretexto de alguma
foi Anna quem desistiu da assinatura numa biblioteca para enviar a coisa. A família de Rosa, preocupada em protegê-la do choque, fizera
Rosa um pouco mais de dinheiro em nome da mãe. um enorme esforço para localizar a Sra. Lübeck e confiar-lhe a tarefa
Em maio de 1897 chegou a carta de Rosa em que ela anunciava de transmitir a triste notícia. "Há alguma amiga íntima com você?,
ter recebido seu grau de doutoramento. "Mamãe ria e chorava, preocupava-se o pai.38 "Achei que a Sra. Lübeck ficaria pelo menos
alternadamente", relatou-lhe Anna, "recusando-se a se separar de sua uma semana com você", lastimou Anna.39 Na verdade, Olympia
carta por um instante que fosse, ansiosa de que o mundo inteiro Lübeck nunca foi a Weggis. "Você me convenceu a não deixar que a
soubesse como estava orgulhosa e feliz (...) Todas as manhãs, ma- Sra. Lübeck fosse a Weggis", Luxemburgo censurou Jogiches oito
mãe e papai fazem longas negociações sobre quem vai ficar com a anos depois "por medo de que ela perturbasse minha conclusão do
carta — mamãe, em casa, para a eventualidade de alguém passar por impressionantíssimo artigo (...), e ela, ela estava levando a notícia da
aqui, ou papai, levando-a no bolso para exibi-la na cidade."35 morte de minha mãe!"40
Com a mente embotada pela dor e pela morfina, a Sra. Luksen- A agonia de Rosa não se encerrou com a morte da mãe. Sua
burg implorava que Rosa fosse vê-la. "Não tive escolha", escreveu mãe, achava ela, teria morrido mais serenamente se soubesse que
Anna. "Para acalmá-la, prometi que você viria." Seguiram-se descri- Rosa, ao contrário de Anna, havia encontrado um homem a quem
ções da enferma planejando compulsivamente uma viagem a Zuri- amava e que a amava. Num clima de extremo desespero ela des-
que, e de suas alucinações; ela acusou a família de estar tramando crevia nas cartas à família sua vida solitária, fazendo os parentes
maliciosamente um plano para estorvar os esforços de Rosa para visi- sentirem-se desolados por abandoná-la no momento em que ela mais
tá-la. Depois, acalmou-se e, sendo "profundamente religiosa", como precisava deles. Anna estava disposta a fazer as malas e ir ao en-
Anna enfatizou, passava a maior parte do tempo rezando. Quando contro da irmã. "Agora percebo como foi cruel deixar você sozinha",
não estava rezando, seus pensamentos estavam em Rosa, na maneira escreveu ela depois do funeral. "Não! Não vou deixá-la nem mais um
de aliviar a solidão dela. Se pudesse ao menos mandar-lhe o amor dia assim, sozinha e abandonada (...) Santo Deus! Como poderei um
que sentia por ela, disse a Sra. Luksenburg a Anna, poderia sentir-se dia reparar esse erro! Estremeço ao pensar em você, totalmente só em
melhor; na impossibilidade disso, as roupas de cama delicadas que seu quartinho, sentada sozinha, indo deitar, levantando, sem
comprara para Rosa e guardava na cômoda haveriam de servir. Entre ninguém por perto para você chorar suas mágoas."41 Imediatamente
acessos de vômitos a Sra. Luksenburg pediu a Anna que assasse o foram feitos planos para que Elias Luksenburg ou Anna, ou ambos,
bolo favorito de Rosa e o mandasse para ela. "O sofrimento desu- fossernrfestar com Rosa. Sem nenhuma demora, Rosa respondeu que
mano não impediu mamãe de calcular com antecedência a data do estava deixando a Suíça. Continuou a escrever compulsivamente, à
feriado e de insistir em que o pacote chegasse a suas mãos em tempo razão de duas ou três cartas por dia, intensificando a aflição, a culpa
hábil." Anna, no lugar da mãe, deveria preparar a festa tradicional e a admiração dos parentes. Não queria continuar vivendo, escreveu-
dos grandes dias santos, "para que papai saiba que aqui é um lar e lhes, não havia razão para prosseguir, agora que a mãe estava morta.
que é dia santo".36 "Não vou resistir", escreveu-lhe seu pai, a letra trêmula refletindo sua
Lina Luksenburg morreu na noite de 30 de setembro de 1897. agitação, "se alguma coisa, Deus nos livre, acontecer com você."42 A
"Mamãe esteve totalmente consciente até o fim", relatou Anna. "Sabia reação de Anna não foi menos veemente: "Como é que você pode,
84 Suíça a luta pela ascensão 85

como ousa sequer alimentar esses pensamentos! Você nunca deve se Alemanha. Na época, Helphand ocupava o cargo de co-editor de um
esquecer das palavras de mamãe — que só você tornará o nome de dos melhores diários do SPD, o Sàchsische Arbeiterzeitung. Que um
nossa família famoso."43 judeu russo tivesse atingido tal posição no Partido Social-Democrata
A emancipação de Rosa, confirmada pelo solene doctor júris Alemão sugeria uma atitude imparcial para corn os estrangeiros.
publici et rerum cameralium (doutora em direito e ciência política), e Contando com um doutorado, mais de cinqüenta artigos em sua
a morte da mãe, lamentada no kaddish, sugerem mais do que as bagagem e um nome que não era desconhecido entre os socialistas,
diferenças óbvias entre as culturas. Havia dois mundos em choque Luxemburgo podia encarar confiantemente uma nova experiência.
dentro de Rosa: o de seus ancestrais, dos quais ela estava fugindo, e Mesmo assim, a decisão de se mudar não foi fácil. "Meu sucesso
o novo mundo cuja aceitação buscava avidamente. Para ter êxito e o reconhecimento público que venho recebendo provavelmente
neste último, era preciso que se desligasse do primeiro. Mas os laços envenenarão nosso relacionamento, por causa de seu orgulho e sua
não eram fáceis de cortar. As cartas vindas de casa retratavam os ri- desconfiança", escreveu ela a Jogiches em julho de 1896, dois anos
tuais do luto — a família sentada em shiva\ os* irmãos entoando a antes de se estabelecer em Berlim. "Quanto mais longe eu for, pior
prece judaica dos mortos dia após dia no shul\ e a família no cemi- será. Por isso é que estou reconsiderando a idéia de me mudar para a
tério judaico de Varsóvia, no sh'loshim, o término oficial do luto, Alemanha. Se, depois de um exame maduro, eu chegasse à conclu-
entoando o kaddisb, "naturalmente também em seu nome". A morte são de que ou tenho de me retirar do movimento e viver em paz com
da mãe e os rituais religiosos mosaicos que se seguiram a ela jogaram você em algum buraco esquecido por Deus, ou tenho de mover o
sobre Rosa o mundo que ela queria esquecer. mundo, mas viver num tormento com você, eu escolheria a primeira
As últimas palavras da mãe, chamando Rosa à sua cabeceira, alternativa."46 Como Luxemburgo estava comprometida com o mo-
encheram-na de remorso. Ela levava uma vida de mentiras para vimento e determinada a conseguir a felicidade com Jogiches, re-
agradar Jogiches, mas, de algum modo, jamais conseguia contentá-lo. solveu ficar com ambos. Por mais ofensiva que essa idéia lhe fosse, o
No entanto, não desanimava. "Todo o nosso sistema vai-se modi- sucesso de sua união com Jogiches dependia mais de seu desem-
ficar", dizia o refrão. "Iremos deitar e nos levantaremos regularmente penho político do que de seu amor. O sentimento sombrio estava de
e cedo, vamos vestir-nos bem, o quarto será elegante e teremos nos- volta — como em Varsóvia, era sua mente que conquistava afeto e
sas próprias coisas."44 A crença obstinada em que a disciplina criaria atenção.
harmonia, em que a perfeição do relacionamento de ambos emergiria Quem sabe a Alemanha não seria sua chance? Quem sabe ainda
num lar repleto de roupas e móveis, sustentava Rosa. Se ela conse- haveria tempo para começar vida nova? Luxemburgo sentia-se
guisse evitar a discórdia, se a ordem substituísse o caos, e a beleza, a inextricavelmente presa a Jogiches; iria para a Alemanha, não só para
confusão, a vida seria ideal. Embora se censurasse ocasionalmente, salvar a humanidade, mas para salvar seu amor.
ela realmente acreditava que a chave da felicidade de ambos estava Jogiches, por sua vez, ansiava por maior influência, e seu agudo
nas mãos de Jogiches. "É tudo culpa sua. quando estou sozinha, levo senso político lhe dizia que o Partido Social-Democrata Alemão po-
uma vida ordeira, mantenho o lugar arrumado e penso em como tor- deria proporcionar esse fórum. Ele conseguiria penetração através de
ná-lo bonito. Porquê? Porque não fico constantemente desnorteada, Rosa Luxemburgo, a quem havia treinado nos últimos dez anos. Os
desanimada e levada à loucura por você. Seja bonzinbo! E farei o
melhor possível para criar uma casa agradável para nós. Apenas seja artigos que os dois haviam concebido e aprimorado juntos, os con-
bonzinho e me ame."45 tatos que ela estabelecera sob seu olhar vigilante, o renome que ela
conquistara com a ajuda dele, tudo promovia as chances de Rosa. A
mente^dela, achava Jogiches, era tão excepcional quanto sua pena, e
ambas poderiam ser usadas de maneira proveitosa na Alemanha. A
perspectiva de ficar sozinho em Zurique não era indesejável. Abatido
com a morte recente de sua própria mãe em Vilna, Leo confessou
Foi provavelmente a conselho de Alexander Parvus-Helphand, um sinceramente a Rosa que não conseguia suportar a presença de uma
amigo de confiança respeitado, que, em 1896, Rosa e Leo contem- mulher. Ele estaria livre para fazer o que bem entendesse, sem
plaram pela primeira vez a idéia da mudança de Luxemburgo para a comparecimento obrigatório à universidade, e nada de ar puro ou de
acordar cedo; estaria livre para despachar instruções para Berlim,
a luta pela ascensão 87
86 Suíça

como um dia as enviara a Paris, e poderia mexer os pauzinhos por casamento, por motivos desconhecidos, a data de nascimento de
trás do pano. É possível que tenha achado que o relacionamento se Luxemburgo foi indicada como sendo 25 de dezembro de 1870 (em
beneficiaria da separação, porque, como o disse Luxemburgo sucin- vez de 5 de março de 1870), de acordo com uma declaração assinada
tamente, "desde que tenhamos algum trabalho político por fazer, pelo pai dela e por duas testemunhas perante um tabelião em
Varsóvia.* Os recém-casados se separaram após a cerimônia e, salvo
nossas questões pessoais correm bem."47 pelo documento legal, esse foi o fim do casamento. Alguns dias de-
Como um comandante que planejasse uma invasão em terri- pois, Luxemburgo fez uma petição ao cartório de registro para trocar
tório estrangeiro, Jogiches concebeu a estratégia da operação alemã a ocupação do marido, de mecânico para comerciante. Talvez tenha
nos mínimos detalhes. As pessoas com quem Luxemburgo deveria ocorrido ao sempre vigilante Jogiches que o casamento entre uma
entrar em contato, os temas a serem discutidos e as táticas a serem doutora em leis e um operário pareceria suspeito às autoridades ale-
empregadas foram cuidadosamente examinados. A lista incluiu en- mãs. O pedido foi recusado.
contros com August Bebei, uma figura imponente no SPD; com Karl No dia 12 de maio de 1898, a Dra. Rosalia Lübeck deixou
Kautsky, editor-chefe do Die Neue Zeit, que publicava os artigos de Zurique.
Rosa; e com camaradas familiarizados com o território. Luxemburgo
deveria remeter a Jogiches relatórios pormenorizados de cada um de
seus passos e consultá-lo antes de dar o seguinte. Ele a instruiu
minuciosamente, considerando os possíveis obstáculos e complica-
ções. Caso surgissem ocorrências inesperadas, Rosa deveria aguardar
novas instruções dele. Como A Causa dos Trabalhadores o fora
anteriormente, a operação alemã foi financiada por Jogiches, que
preparou um orçamento detalhado. Este incluía 30 marcos para o
aluguel, com a ressalva de que Rosa deveria encontrar um quarto
apropriado à sua posição, e não pegar "qualquer coisa". A corres-
pondência entre os dois deveria ser dividida entre "pessoal" e "polí-
tica" — sem dúvida alguma, uma idéia de Leo. Ele não queria que ela
passasse por cima de suas instruções para "procurar avidamente as
poucas palavras pessoais", ou que ele próprio tivesse de pinçar itens
importantes em páginas repletas dos extravasamentos emocionais de
Rosa.
Como súdita russa, Luxemburgo era passível de extradição por
questões políticas; era crucial, portanto, que obtivesse a cidadania
alemã. Não se sabe ao certo quem sugeriu que ela se casasse com o
filho de Olympia Lübeck, Gustav, mas, como Jogiches organizou o
projeto inteiro, é provável que tenha sido ele. Rosa recorreu à Sra.
Lübeck — ligeiramente embaraçada, podemos imaginar, visto que
Gustav não era um amigo ou um camarada, mas um estranho relu-
tante. O casamento, por mais simples que parecesse na ocasião,
levaria cinco anos e inúmeras providências legais desagradáveis para
ser desfeito, de modo que a liberdade pudesse ser restituída ao noivo * Numa carta à sua amiga holandesa Henriette Roland Holst, Luxemburgo escreveu,
desafortunado. em 30 de janeiro de 1907: "Agradeço (...) seus votos por meu aniversário - eles me
fizeram rir. Minha data 'oficial' de nascimento é falsa (...) Por mais que eu seja uma
A cerimônia ocorreu em Basel no dia 19 de abril de 1898. O par pessoa respeitável, não tenho uma certidão de nascimento autêntica, mas uma certi-
devidamente casado — Rosalia, nascida Luxemburgo, de vinte e oito dão 'adaptada' e 'corrigida'." Henriette Roland Holst-van der Schalk, Rosa Luocenburg,
anos, e Gustav Lübeck, mecânico, vinte e cinco anos — forneceu co- IhrLeben und Wirken (Zurique: Jean Christophe-Verlag, 1937), p. 220.
mo residência o endereço de Jogiches em Zurique. Na certidão de
Alemanha

89
os conquistas alemãs 91

padrão dele e do dela, ao passo que os localizados em bairros me-


lhores eram caros demais. Por fim, encontrou um quarto na Cuxha-
venstrasse no. 2, "no bairro mais aristocrático, perto do Tiergarten".
Havia um problema, porém: "Estou com medo de lhe dizer — custa
33 marcos! Acredite, eu não o teria alugado se houvesse a mais
ínfima possibilidade de encontrar algo mais barato (...) Tenho cer-
7 As Conquistas teza de que este é exatamente o quarto que você próprio teria esco-
lhido, e portanto, fico menos aborrecida (...) mas está três marcos
acima do nosso orçamento (...) vou contar cada pfennig, já estou
Alemãs fazendo isso (...) Escreva mesmo, imediatamente, dizendo que você
não me desaprova por causa dos três marcos."2 É evidente que Lu-
1898-1900 xemburgo não queria começar o projeto alemão aborrecendo Jogi-
ches, nem queria que ele interpretasse os três marcos extras como
um ato de insubordinação.

O JARRO QUEBRADO-, do pintor francês setecentista


Jean-Baptiste Greuze, adornava o cartão postal que Luxemburgo
enviou a Jogiches ao viajar para a Alemanha. Se o quadro levava Rosa Luxemburgo desceu sobre a imensa cidade cinzenta como um
alguma mensagem, ela se perdeu em Jogiches; ele não era dado a exótico pássaro multicor. Era instruída, espirituosa e elegante. Se
simbolismos. Uma carta de Berlim, datada de 17 de maio de 1898, um havia muitas mulheres prendadas na metrópole alemã, elas não eram
dia depois da chegada, foi mais explícita: "Apesar de tudo o que você membros do Partido Social-Democrata. Ela abordou esse bastião com
me disse antes de eu partir, continuo a me agarrar, como sempre fiz, reserva e perspicácia, perfeitamente cônscia das disparidades. Era
a meu direito à felicidade pessoal. Sim, tenho mesmo uma ânsia judia, polonesa, mulher e jovem — uma combinação que dificilmente
abominável de felicidade e estou disposta a regatear por minha cota inspiraria confiança. Elaborou sua própria estratégia passo a passo,
diária com a teimosia de uma mula." Sentada à noite numa acomo- seguindo seu bom senso, embora ocasionalmente isso significasse
dação provisória, em meio a suas malas na imensa cidade desco- irritar Jogiches. Desviando-se das perguntas frenéticas e das dúvidas
nhecida, Rosa deu vazão às idéias que a vinham atormentando há indisfarçáveis de Leo sobre seu desempenho, ela também executava
muito tempo. "Sinto-me", escreveu, "como uma mulher de quarenta suas ordens, como o disciplinado membro de partido que queria
anos passando pelos sintomas da menopausa." Sentia-se roubada em parecer. Em duas semanas, tinha-se informado sobre a política do
sua feminilidade e atribuía isso à recusa (e não à incapacidade) de Partido Social-Democrata Alemão (SPD), estudando suas publicações,
Jogiches de levar uma vida "normal" e satisfazer suas necessidades ouvindo as pessoas, colhendo dados. Não conhecia ninguém de peso
emocionais. "Ficou claro para mim", escreveu, "que não deixei para na liderança do partido; mas sabia que seu líder venerado, Wilhelm
trás nada de bom, que as coisas não teriam sido melhores se Liebknecht, apoiava o adversário dela, o Partido Socialista Polonês
ficássemos juntos, e que eu teria continuado a viver num clima de (PPS). Diligentemente, Rosa cooperou com o escalão médio do SPD
dissonância constante, tentando compreender em vão e em meio ao — funcionários que ela julgava medíocres e intolerantes, mas de cujo
sofrimento."1 apoio precisava. Na Alemanha, era ano eleitoral; o SPD estava lu-
Os primeiros dias em Berlim foram passados por Luxemburgo à tando por votos, e ela queria participar da campanha e usar seus
procura de um quarto mobiliado, possivelmente incluindo refeições. dons. No início de junho, foi mandada para a Alta Silésia, a parte da
Depois de ver setenta e cinco quartos em diferentes partes da cidade, Polônia anexada pela Prússia no século XVIII, para mobilizar os
sendo meticulosa e exigente, de acordo com as instruções de Jogi- trabalhadores poloneses. Ao contrário de Jogiches ou de seus colegas
ches, ela lhe relatou que os quartos disponíveis dentro do orçamento alemães, nunca fora uma agitadora. Arremeteu de peito aberto,
de 30 marcos, no setor "proletário" da cidade, ficavam abaixo do
90
92 Alemanha as conquistas alemãs 93

apreensiva mas determinada. A apreensão, como se constatou, era conseguiam despregar os olhos da figura pequenina, de olhos fais-
mútua, e mútua também foi a atração. Os trabalhadores nunca tinham cantes e rosto expressivo, que, com uma voz que soava como um
visto uma FráuleinDoktor antes. sino, falava sobre a exploração, sobre suas mulheres e filhos despos-
Em Zurique, Jogiches sofria as dores do parto — iria Luxembur- suídos, e sobre seu dever de lutar pela justiça. Davam-lhe vivas e a
go fracassar ou sair-se bem? Ela lhe desgastava a paciência com as aplaudiam, cobrindo-a profusamente de flores.
cartas longas em que dissecava o relacionamento de ambos, derra- O sucesso de Luxemburgo superou todas as expectativas. Cheia
mava lágrimas sobre o passado, tecia fantasias sobre o futuro, fazia- de confiança e orgulho, ela entregava seu coração aos trabalhadores
lhe lembretes sobre tomar chocolate e fazer caminhadas, e indagava e à terra natal. "Que maravilha — os milharais, os prados, os bosques
sobre seu doutorado. Para Leo, não era nada cômodo que a mente (...) a língua polonesa e os camponeses poloneses (...) um vaquei-
dela estivesse em Zurique, e não em Berlim. E sem dúvida foi um rinho descalço e nossos pinheiros magníficos", escreveu ela a Jogi-
azar que, justamente quando ela estava pronta para começar seu ches. "Claro, os camponeses estão famintos e imundos, mas que bela
trabalho, as dores de estômago a derrubassem* na cama. Em uma raça!"7
semana, porém, ele recebeu notícias mais alvissareiras. "Se você está Jogiches não se comoveu. Dia e noite, vasculhando as provas
pensando que uma palestra minha vai passar despercebida, está tipográficas da dissertação de Luxemburgo, ponderava sobre os acon-
absolutamente enganado", garantiu-lhe Luxemburgo.3 Passados dez tecimentos recentes. As provas lhe davam uma desculpa para inter-
dias, ela falava alemão "como Bismarck" e era capaz de compor uma romper seus estudos e uma oportunidade de aperfeiçoar o trabalho
conferência "sem dever nada a Bebei"; decorridas quatro semanas, de Luxemburgo, mas seus esforços não agradaram a ela. "Você dei-
escreveu: "Estou convencida de que, dentro de seis meses, serei um xou alguns erros de ortografia", admoestou-o Rosa. "Sua correção
dos melhores oradores do Partido."4 Jogiches sentiu um tom meio não faz sentido (...) você não entendeu o ponto."8 A viagem pela
paternalista: não havia nenhuma razão para se impacientar, sugeriu Silésia, achava Jogiches, apesar de exitosa em termos da populari-
ela, já que os conselhos dele seguiam de perto a ação que ela já dade pessoal dela, estava longe de fazer história. Distribuir mani-
havia praticado. Se Leo estava orgulhoso do progresso de Rosa, festos e cédulas eleitorais "é, a seus olhos, (...) degradante", admitiu
ficava magoado a cada sinal da independência dela, que interpretava ela, "[mas] para mim é uma honra".9 Luxemburgo não estava indo na
como um desafio. Não esperava que ela tomasse uma decisão e lhe direção certa, temia Leo. "É provável que você esteja muito insatisfei-
dissesse: "Não tive tempo para consultá-lo."5 As cartas de Rosa to", reconheceu ela; "eu, pelo contrário, estou muito otimista."10 Rosa
estavam ficando mais profissionais: relatórios do que ela havia feito e lhe assinalou que a diferença entre as avaliações deles era causada,
do que planejava fazer, com umas poucas palavras pessoais incluídas simplesmente, pelo desconhecimento da situação por parte de Jogi-
às pressas. Com leve ironia, ela escreveu: "Como vê, passei para os ches. Embora ela se desculpasse profusamente ao tomar sozinha uma
negócios — seu estilo. Talvez você esteja certo, e dentro de mais uns decisão, sabia que ele não levaria suas desculpas a sério.
seis meses finalmente eu me transforme em seu ideal."6 As multidões aplaudindo, a admiração e a reverência satisfize-
A viagem pela Silésia em junho de 1898, mal decorridas três ram as necessidades de Luxemburgo, ao menos temporariamente.
semanas desde sua chegada a Berlim, foi um triunfo. Ela deu a "Você não pode imaginar o quanto minhas primeiras aparições públi-
Luxemburgo o primeiro gostinho do poder; seu ardor contagiante cas foram boas para mim", disse a Jogiches.11 Também sua angústia a
mantinha as multidões hipnotizadas. As notícias sobre a mulher vinda respeito de ser uma intrusa se abateu; e ela já não dependia exclu-
da Polônia espalharam-se rapidamente. Os salões de conferência e os sivamente de Jogiches para obter aceitação ou para confirmar sua
locais improvisados transbordavam de trabalhadores poloneses, tão feminilidade.
interessados na Dra. Rosa Luxemburgo (ela conservara o próprio so- A relutância sexual de Jogiches e suas críticas incessantes à apa-
brenome) quanto em seus discursos. Pouco atraente ã primeira vista, rência e ao gosto de Rosa quase tinham conseguido convencê-la de
bastava-lhe abrir a boca para fascinar a platéia. A idade não havia que ela não era muito desejável e de que a desejabilidade não tinha
esmaecido seus traços semíticos; ao contrário, até os havia tornado importância. Rosa aprendera a viver com o veredicto de Jogiches,
mais pronunciados. Mas ela falava polonês, e falava com um ardor e mas nunca o aceitara por completo, e ficou feliz como uma criança
uma força interna que faziam com que os mineiros da Polônia ane- ao ver que os homens se sentiam atraídos por ela. A nova glória
xada à Alemanha se orgulhassem de sua língua proscrita. Eles não favoreceu-lhe a aparência — seus olhos escuros e profundos brilha-
94 Alemanha as conquistas alemãs 95

vam e ela andava com mais leveza, mais confiante. Vestida com ele- ches. A organização eficiente do trabalho os livraria das pressões e da
gância e esmero, com um chapéu de aba larga contrabalançando as tensão; dispondo de mais tempo só para eles e de um sentimento de
desproporções de sua figura, Luxemburgo tinha uma aparência atra- conseguir "resultados máximos com um mínimo de esforço", eles
ente, e mais, era interessante. "Aqui (...) tenho causado uma grande desfrutariam da vida, do trabalho e um do outro. "Frisch, froh, frei'
impressão", garantiu a Jogiches. "Com o vestido preto e meu chapéu (radiante, satisfeito e livre), citava ela jovialmente urn provérbio ale-
novo, fico 'charmosa', disseram os Warszawskis."12 Tendo uma notável mão favorito.15
diferença de antecedentes e cultura, de aparência, comportamento Enquanto isso, Jogiches continuava trabalhando nas provas de
e intelecto em relação a "essa espécie", como Rosa se referia às seu livro, verificando datas, cifras, estatísticas, o aparato inteiro em
alemãs, ela intrigava os alemães. que sua tese se baseava. Raramente saía do quarto e não via nin-
Julius Bruhns e Bruno Schõnlank a cortejaram de um modo que guém; e, muito embora não se importasse com isso, incomodava-o
ela não conhecera antes. Bruhns, editor-chefe do jornal Volkswacht, ficar no papel de auxiliar, vivendo entre as provas de Luxemburgo e
sediado em Breslau, era ex-deputado do Reichstag* e um jornalista seus relatórios auto-enaltecedores. Que ela desse atenção aos elogios
destacado. Apaixonara-se por ela cinco anos antes, em Zurique, e dúbios de alguns escrevinhadores alemães do partido e, pior ainda,
desde então continuava fascinado. Casado com uma mulher cujas tentasse convencê-lo dos benefícios da eficiência alemã, era franca-
necessidades e interesses eram incompatíveis com os seus, ele tinha, mente um insulto.
em suas próprias palavras, "dado com os burros n'água". Em Lu- Ávido de reconhecimento, Jogiches esperava que Luxemburgo
xemburgo via a mulher e companheira ideal. Agora lhe implorava louvasse profusamente seu empenho no trabalho. Mas ela escrevia
amizade, que ela, envaidecida, prometeu. Schõnlank, editor-chefe do apenas para dizer que sua vida estava um caos, que ela era
influente diário do SPD, o Leipziger Volkszeitung, era um socialista "insubstituível" neste ou naquele bairro e que estava estabelecendo
eminente, um bom jornalista, ex-co-editor do Vorwàrts, e deputado contatos importantes. Ao final de uma carta em que dizia mal ter tido
do Reichstag. Instantaneamente encantado com Rosa, anunciou-se tempo de escrever, ele encontrava um faceiro "E meu pobre amor-
disposto a fazer tudo o que pudesse por ela. Convidou-a a contribuir zinho? Ainda suando com minhas provas?"16 Jogiches ficou furioso
para o Leipziger Volkszeitung e se ofereceu para escrever uma rese- por ela fazer pouco de seu trabalho e ofendido com o tom condes-
nha sobre seu próximo livro. "Posso fazer o que quiser com ele", es- cendente. Respondeu corn uma carta insultuosa após outra, e Lu-
creveu Luxemburgo a Jogiches, garantindo-lhe que estava mantendo xemburgo logo reagiu. Arrependeu-se de suas críticas — "Fiquei
Schõnlank em seu lugar. Contrariando as suspeitas de Jogiches, extremamente impressionada com suas últimas correções e peço hu-
Schõnlank não podia "irromper por minha porta adentro a qualquer mildemente seu perdão" —, mas usou a oportunidade para discutir a
hora", pois ela o advertira de que não haveria "nenhuma visita sem vida com ele mais uma vez.17 O amor, o lar, a família, os amigos —
um aviso por escrito".13 Sua correspondência com Schõnlank girava tudo o que faz da vida a vida — era um pecado para Leo, disse-lhe
exclusivamente em torno da filosofia e da ciência, informou ela a Rosa. E vida era aquilo de que ela carecia, constante e dolorosa-
Jogiches. Incapaz de conter o prazer que seu sucesso lhe dava, man- mente. Na Alemanha, convencional, ordeira e trabalhadora, ela ficou
dou as cartas de Bruhn e Schõnlank para Jogiches. Ele as devolveu ainda mais ávida de "vida" do que antes, e menos capaz ainda de en-
com o comentário de que eram "longas demais para ler".14 xergar a contradição intrínseca de sua paixão por um homem que era
Embora continuasse a insistir com Jogiches sobre o quanto incapaz de satisfazê-la.
odiava Berlim e "os hunos", bastou um mês para que Luxemburgo Logo depois de se mudar para a Alemanha, Rosa disse a Jogi-
aparecesse com uma nova receita, nitidamente alemã, para a felici- ches que, em Berlim, tornara-se "como que uma pessoa inteiramente
dade de ambos: a eficiência. Esta resolveria todos os seus problemas diferente da de Zurique".18 De fato, ela se viu confrontada com con-
e a vida seria puro prazer. Eles vinham gastando tempo e energia ao flitos que a Suíça tinha aliviado. Seu judaísmo, que era insignificante
ficarem irritadiços e impacientes um com o outro, escreveu a Jogi- em Zurique, não o era em Berlim. Ela não podia deixar de perceber
que sua aparência era criteriosamente examinada e que seu rosto a
apresentava antes que ela se apresentasse. Descobriu-se numa situa-
ção que não era incomum para os judeus poloneses: ela representava
* O órgão governamental alemão. uma nação que os alemães consideravam inferior e uma raça que
96 Alemanha

lhes ofendia a sensibilidade. A identificação inicial com os poloneses


durante o roteiro pela Silésia impediu-a de ser identificada com os
judeus, e Rosa teve o cuidado de deixar as coisas assim. Mas havia
uma questão que não podia ignorar. "Não se pode prestar maior
favor aos trabalhadores poloneses do que germanizá-los", disse-lhe
Ignaz Auer, o executivo do SPD que a enviou para a Silésia. "Mas não
se deve mencionar isso a eles", acrescentou.19 Luxemburgo não
compartilhava da opinião de Auer e ficou a se indagar porque ele
havia traçado uma distinção entre "eles", os poloneses, e ela. Seria
por ela ser judia? Não obstante, quando Karl Gerisch, um líder
partidário de longa data, perguntou-lhe porque ela não ficava em
Berlim, Auer explicou "àquele judeu obeso e barbudo", como Rosa o
descreveu para Jogiches, que Luxemburgo era polonesa e devia
trabalhar entre os poloneses. Sua posição ambígua de judia polonesa
era usada por conveniência política.
A subitaneidade de seu sucesso foi enganadora; camuflou a
angústia e a vulnerabilidade de qualquer expatriado judeu polonês Lina Luksenburg
comum. Os anos que Luxemburgo passara com Jogiches tinham
silenciado suas angústias. A transição da família Luksenburg para
Jogiches não fizera nenhuma exigência a sua percepção de si mesma.
Tanto sua família quanto Jogiches eram judeus, assimilados e de
classe média. Durante seus anos na Suíça, pouca coisa intensificou a
consciência de sua origem, até a morte de sua mãe em 1897. Seis
meses depois, ela se tornara cidadã alemã através do casamento. E
muito embora esse fosse um casamento de conveniência, contribuiu
para sua confusão. Rosa foi para a Alemanha levando o maço de
cartas de sua família judia, instruções partidárias para se apresentar
como polonesa e uma certidão de casamento que mudava sua
cidadania de russa para alemã. Se tivesse um sentimento intenso de
pertença — aos judeus, aos poloneses ou a Jogiches —, tudo isso
poderia ter tido pouca importância. Mas, com o vínculo familiar ainda
mais enfraquecido pela morte da mãe, com sua nacionalidade polo-
nesa nunca afirmada socialmente e com a atitude evasiva de Jogiches
a seu respeito, Rosa não existia como ela mesma, como havia afir-
mado. Persistentemente, ela vinha atribuindo isso às circunstâncias
externas — à falta de um lar, de uma família, de um emprego per-
manente, uma renda regular, uma vida regrada. Entretanto, a verda-
deira razão por que seu eu não podia emergir ocultava-se entre os
tijolos frouxamente empilhados de sua existência, cada qual pintado
com as cores de uma nação diferente.
O anti-semitismo, em ascensão na Alemanha desde a década de
1880,'esteve ausente das cartas de Luxemburgo para Jogiches. Toda-
via, algumas questões devem ter-lhe passado pela cabeça. Se ela se Elias Luksenburg
Zamoáé, Polônia; a casa onde Rosa Luxemburgo
passou os primeiros três anos de sua vida Rosa quando aluna
do Ginásio em Varsóvia

Leo Jogiches em Vilna


antes de 1890
Dois jovens exilados_

Rosa Luxemburgo, da Polônia

Fac-símile da última carta


de Elias Luksenburg a
Rosa: "A águia voa tão alto
que perde toda a visão da
terra lá em baixo (...) Não a
sobrecarregarei mais com
minhas cartas."

Fac-símile da carta de Rosa para Leo,


em 6 de março de 1899: ''Nosso próprio
apartamentinho, nossa própria mobília
bonita, nossa própria biblioteca (...)
E talvez até um bebê, um bebê bem
pequenininho, não é? Será que isso
Leo Jogiches, da Lituânia nunca vai ser possível? Nunca?"
Luise Kautsky

Identificação policial, Varsóvia, 1906

Berlim, Cranachstrasse Leo Jogiches em Berlim


no. 28, onde Rosa - um comandante
Luxemburgo morou de sem tropas
1901 a 1911
as conquistas alemãs 97

referia a Karl Gerisch como um "judeu obeso e barbudo", de que


modo as pessoas se refeririam a ela? Se os companheiros alemães
falavam dos poloneses com um desprezo escancarado na presença
dela, como a encarariam? A liderança do SPD não alimentava ne-
nhum sentimento anti-semita e era possível ser um "socialista judeu",
mas não "um judeu socialista".20
As ambições de Luxemburgo iam muito além dos trabalhadores
poloneses que moravam na Silésia. Em sua imaginação ela se via
discursando em assembléias de trabalhadores alemães em Leipzig,
Dresden e, finalmente, Berlim. Dali, o caminho rumava diretamente
para a Segunda Internacional. Suspensa entre a Alemanha que espe-
ravam que ela rejeitasse e a Polônia que freqüentemente a rejeitava, e
sobrecarregada pela herança que não queria, Rosa viu a realização de
seus sonhos na irmandade socialista.
A "apatia mortal" que se apossou dela em Berlim não afetou
suas atividades políticas. Mas sua insistência em como se sentia
valente e corajosa e suas indisposições freqüentes — enxaquecas,
eólicas estomacais, náusea, esgotamento nervoso — indicam uma
tensão extrema. Sua agitação não era sem motivos: a vitória signi-
ficava uma vida nova, com seu passado judaico exitosamente apa-
gado; a derrota significaria fraqueza, um triunfo do passado sobre o
futuro. "Sinto-me desligada e estranha em relação a tudo e a todos",
escreveu a Jogiches. "Sou apenas um cadáver."21 Os protestos reite-
rados — "não sinto nenhum medo, dor ou solidão" — e sua incapaci-
dade de respirar sem Jogiches por perto — "estou sem ar" — traíam
uma angústia que ela não sabia como combater sozinha.22
Pela primeira vez Rosa deparou com o verdadeiro poder do anti-
semitismo moderno e, organizado, diferente do que havia conhe cido
na Polônia.* Luxemburgo precisava da proteção do homem que, da
mesma forma que ela, era um forasteiro, e que, ao contrário dela, não
era afetado por seu judaísmo — para quem este era um fato, e não
uma calamidade. Acabou aprendendo a lidar sozinha com o
conflito, mas passou por um período desgastante, como indicam suas
cartas instáveis, contraditórias e, por vezes, desesperadas a Jogiches.
A imagem auto-imposta, que não diferia da que ela assumira no
Ginásio de Varsóvia para afastar os comentários ou perguntas emba-
raçosos, produziu o efeito esperado. Seus amigos alemães, baseando-
se no quadro fantasioso que Rosa pintava de sua juventude, criaram

* Por volta de 1893, as organizações anti-semitas enviaram dezesseis deputados ao


Reichstag."
98 Alemanha
as conquistas alemãs 99

inadvertidamente urna biografia imaginária dela, que ainda hoje é A Alemanha trouxe de volta outras sombras do passado de Rosa
amplamente aceita. Nesta, seu pai, Edward Luxemburgo, descendia Luxemburgo. O estilo de vida dos executivos do SPD em nada se
de uma família sofisticada e era urn ardoroso defensor da educação assemelhava à existência humilde dos exilados socialistas na Suíça.
polonesa e da emancipação judaica. Fora o primeiro a dar a Rosa Os salários que o partido pagava proporcionavam apartamentos
publicações estrangeiras, que eram avidamente estudadas e discuti- agradáveis, diversão, viagens ao exterior, educação para os filhos:
das à mesa de jantar; ele lhe chamara a atenção para as causas uma vida de classe média. Luxemburgo, que ansiava há anos por
sociais; seus ideais haviam-ihe inflamado a imaginação e alimentado uma vida "normal", ficou encantada com a Gemütlichkeit.* Embora
a futura revolucionária. Não há nenhuma prova que possa validar tentasse embelezar cada um de seus quartos de aluguel com bugi-
qualquer dessas afirmações. Como seu pai, Elias era um comerciante gangas, abajures ornados de franjas e pisos encerados, eles ainda
sem destaque. Não tinha aspirações intelectuais, nenhuma profissão assim não constituíam um lar. "A idéia de quartos alugados faz eu me
além de comprar e vender, e nenhum interesse em coisas mais encolher de medo", escreveu a Jogiches.26 A visão de um lar re-
esotéricas. Candidato improvável a mentor e inspirador de Rosa, tornou, agora numa versão idealizada que não diferia muito das casas
dedicou toda a sua energia a sustentar a família. Que não desfrutou aconchegantes de seus amigos alemães. A anormalidade de sua vida,
sequer de um período passageiro de prosperidade é corroborado os quartos constantemente mutáveis e sem familiaridade, e as visitas
pelo fato de que sua família de sete membros não se mudou uma ocasionais que ela e Jogiches faziam um ao outro marcavam um
única vez para um apartamento maior, de que por vezes não havia contraste flagrante com as casas alemãs bem arrumadas das famílias
dinheiro para pagar o aluguel e de que ele foi muito pobre na ve- convencionais, com empregadas e refeições regulares. A vida com
lhice. Elias foi típico da primeira geração de pais judeus assimilados, Jogiches, que Rosa um dia lembrara como "desmazelada e sem ale-
que eram, ern sua maioria, comerciantes ou negociantes esforçados, gria", transformou-se, em sua pena, numa imagem idílica de "amar e
de inteligência modesta e poucas preocupações idealistas. trabalhar juntos", em dois cômodos mobiliados com conforto, se ao
Rosa descrevia a mãe como uma santa mulher cuja existência, menos ele saísse de Zurique e fosse juntar-se a ela em Berlim. Esgo-
"qual uma sombra", deixara-lhe "lembranças escassas".24 Lina tada por sua vida inconstante, ela ansiava por estabilidade. As cartas
Luksenburg, como Rosa sabia, fora uma mulher de grande sagacidade que chegavam de sua família em Varsóvia evocavam emoções sen-
e força. Arrancada de sua fortaleza natural — as gerações de eruditos timentais. Rosa se lembrava do calor humano, do cuidado, das gavetas
talmúdicos — e vivendo num novo ambiente, permaneceu fiel a si repletas de roupa de cama e mesa, dos jantares festivos e das
mesma. Teve de conviver com o desdém dos arrivistas judeus e com refeições cotidianas. O desejo de ter um lar talvez a tenha feito enca-
uma aceitação dúbia na sociedade polonesa, e o fez, não como vítima rar de maneira diferente o papel que sua mãe havia desempenhado.
ou intrusa, mas corno uma vencedora. Lina buscou aceitação para si
mesma e para seus filhos num mundo que talvez não admirasse, mas
que considerava mais progressista do que o mundo em que fora
criada. No leito de morte, implorou aos filhos que respeitassem o pai
— uma mensagem que nega o retrato do venerado pater famílias
inventado por Rosa.
Embora Rosa pouco visse o pai enquanto morou em casa, de
algum modo lembrava-se dele como um defensor de causas nobres. As emoções desconcertantes, os conflitos e os anseios não realizados
Da mãe, porém, que estava constantemente com ela em Varsóvia, estimularam a coragem em Rosa Luxemburgo. Durante o verão de
reteve "lembranças escassas". O fato de que ela continuou a lutar 1898, ela se preparou para guerrear com Eduard Bernstein. Isso se
com a lembrança da mãe é demonstrado por uma experiência que tornou um marco em sua carreira.
descreveu a Jogiches alguns anos depois: "Você me ouviu gritar a Eduard Bernstein, um teórico socialista proeminente, é lem-
noite passada? (...) Acordei às duas e meia da manhã (...) sem saber brado como o primeiro revisionista de algumas das teses de Marx.
onde estava, e num medo imenso chamei por mamãe (...) E foi
preciso muito tempo até me dar conta de que estava chamando com
sete anos de atraso."25 • Comodidade. (N.T.)
100 Alemanha
as conquistas alemãs 101

Bernstein contestou as teorias marxistas da intensificação da luta de Partido Comunista da Rússia em 1918 e está no poder até hoje.
classes e do empobrecimento dos trabalhadores, que deveriam levar A vida de Rosa andou em ritmo acelerado em 1898: o casa-
ao colapso do capitalismo e à revolução mundial. Afirmou que ne- mento com Lübeck em abril, chegada à Alemanha em maio, a viagem
nhuma das duas coisas era inevitável numa economia capitalista e à Silésia em junho, a publicação de sua dissertação em julho, a nome-
que algumas das teorias de Marx, baseadas numa realidade de cin- ação como colaboradora permanente do Sáchsische Arbeiterzeüung
qüenta anos antes, já não eram válidas. Sua série de artigos polê- em julho, a publicação da série anti-Bernstein em setembro, a editoria
micos, publicada no Die Neue Zeit em 1897-98, suscitou uma ver- do Sáchsische Arbeiterzeüung em setembro e a participação no Con-
dadeira tempestade no campo socialista. A imprensa, e não as armas, gresso Anual do SPD em Stuttgart em outubro. Luxemburgo era agora
ainda era um meio aceito para debater as diferenças ideológicas e, genericamente considerada um dos principais especialistas da nova
uma vez que Bernstein se afigurou sacrílego a seus companheiros, geração no socialismo científico. "Gênio", chamavam-na, e "a divina",
eles partiram para suas penas. O mesmo fez Luxemburgo. Ela sentiu relatou ela a Jogiches. Seus textos eram comparados a "Marx em seus
que uma réplica cientificamente exata e rigorosa poderia elevá-la à melhores momentos", como lhe contou Rosa com um toque de ironia
posição de uma marxista reconhecida. "Quero tanto esse artigo que autodepreciativa.30 Embora o aplauso lhe agradasse, ela não se im-
daria metade de minha vida por ele", escreveu a Jogiches em 2 de pressionava com os que a aplaudiam. "Pobre do partido'', escreveu
julho de 1898. "Há dois problemas difíceis: 1. escrever sobre as crises; sobre o SPD, "em que uma remendona, uma ignorante como eu de-
e 2. provar, acima de qualquer dúvida, que o capitalismo tem que se sempenha um papel importante."31 Mas o "pobre" partido converteu-se
esborrachar (...) Ajude-me, pelo amor de Deus, me ajude!" A terceira em seu esteio pelos vinte anos que se seguiram, e Luxemburgo
dificuldade era o tempo. "A velocidade é essencial, porque (...) se tomou a si a tarefa de compreendê-lo e de incutir nele seu espírito
alguém passar à nossa frente, todo o trabalho ficará perdido."27 rebelde.
Jogiches não estava menos excitado. Também ele queria que o artigo O que descobriu sobre o partido não foi animador — os mem-
fosse perfeito, e as declarações de amor voaram para Berlim. "Dyo- bros do círculo seleto, auto-obsequiadores e auto-enaltecedores, bar-
dyo, seu bobo, estou atolada até o pescoço com Bernstein e você me ravam a inovação e o progresso. O partido precisava, na opinião
pergunta se o amo", respondeu Rosa, extasiada. "Sim, sim, sim, amo dela, de uma injeção regular de talento e intelecto jovens para se
você, sim, 'com uma paixãozinha' também."28 contrapor à rotina, à complacência e ao conservadorismo crescente.
O artigo de Luxemburgo, "Reforma Social ou Revolução", publi- As críticas de Luxemburgo, francas e provocadoras, não eram, como
cado em sete capítulos, de 21 a 28 de setembro de 1898, no Leipziger afirmavam certos membros do partido, "uma arrogância típica";
Volkszeitung, foi aclamado como um trabalho de erudição impecável provinham de sua educação ampla e liberal, de seu senso histórico e
e .como a refutação mais completa da teoria de Bernstein. Como seu gosto pela literatura, e de sua impaciência com aqueles a quem
resultado, o comitê de imprensa do SPD, composto por dezessete faltavam essas perspectivas. "Alguém como eu, que não pertence à
membros, elegeu Luxemburgo por unanimidade como editora-chefe família", escreveu ela a Jogiches em maio de 1899, "que não tem
do Sâchsíscbe Arbeiterzeüung, uma honra jamais concedida a nenhuma influência secreta, mas só seus dois cotovelos, que é uma
qualquer mulher antes ou depois. O desagrado que ela talvez tenha ameaça potencial para os adversários (...) e também para os corre-
sentido diante do protesto zombeteiro de alguns membros do partido ligionários (...), a quem eles mantêm em fogo brando por medo de
— "Qual! uma política de saias!" — foi facilmente compensado pelos que lhes passe à frente (...), não tem a menor chance, e não há nada
elogios de figuras como Karl Kautsky, Clara Zetkin, Franz Mehring e que se possa fazer a respeito, porque todos os acertos são feitos por
Jean Jaurès. Quatro meses depois da chegada à Alemanha, Rosa baixo do pano (...). Venho observando isso com muita calma. Sabia
Luxemburgo tornou-se uma celebridade internacional. É uma piada tudo de antemão, assim como sei que, dentro de um ou dois anos,
da história que, numa época em que todo o campo socialista travava nada disso terá importância — as intrigas, os temores, o veneno.
uma batalha contra Bernstein, Luxemburgo tenha escrito risonha- Ocuparei uma posição no topo do partido (...) Minha crítica não se
mente a Jogiches: "O que você acha do novo 'partido' russo? Natu- limita, de maneira alguma, aos indivíduos", enfatizou ela. "Quero
ralmente, o mesmo que eu — uns patifes; e, no entanto, eles conse- impulsionar o movimento inteiro (...) insular vida nova na imprensa,
guiram. "29 Estava se referindo ao Primeiro Congresso do Partido dos nas reuniões, nas publicações (...) eliminar as formas ossificadas de
Trabalhadores Social-Democratas da Rússia, que se transformou no agitação oral e escrita às quais quase ninguém mais reage."32
as conquistas alemãs 103
102 Alemanha

dias. Só então as verdades velhas e conhecidas, expressas em pala-


Havia também a diferença insuperável de temperamento entre vras novas e brilhantes, irão do coração do autor para o coração do
Luxemburgo, apaixonada, imaginativa e cética, e os alemães, tenazes, leitor (...) A meta que estabeleço para mim mesma é nunca esquecer
rígidos e passivos. Nunca satisfeita e sempre questionando — fosse de penetrar a fundo dentro de mim, ser entusiástica e inspirada a
Marx ou Lenin, Plekhanov ou Jaurès, a dominação do imperador cada vez que coloco a pena sobre o papel."54
alemão ou a dominação do SPD —, ela estava decidida, segundo o Rosa Luxemburgo acreditava que o estilo das publicações re-
governo alemão, a derrubar o Kaíser, e determinada, segundo o SPD, fletia o espírito do partido, ou melhor, a falta dele. Inversamente, o
a dividir o partido. estilo de seus textos — vigoroso, cortante como o aço, espirituoso e
Jogiches, porém, recriminou-a por ser idealista nas fileiras de amiúde sarcástico — refletia sua personalidade. Inspirava a mesma
um partido inerte, que deveria usar para adquirir influência. "No mescla de admiração e nervosismo despertados por sua pessoa.
tocante a sua opinião de que é ridículo ser idealista no movimento Não há razão para presumir que Luxemburgo tenha guardado
alemão, não concordo com você", escreveu. ^Primeiro, há idealistas para si as críticas que fazia ao partido. Mesmo que o tenha feito, elas
nesse movimento também, sobretudo as imensas massas de trabalha- vieram à tona em setembro de 1898, quando lhe foi oferecida a
dores-agitadores comuns, e até mesmo entre os líderes — por exem- editoria do Sâchsische Arbeiíerzeitung. A oferta chegou como urna
plo, Bebei. Segundo, pouco se me dá, porque minha suprema ratio, surpresa e um desafio. Jogiches telegrafou de Zurique, dizendo
alcançada no decurso de minha própria prática revolucionária polo- "rundweg ablehneri' (recuse incondicionalmente), sem que de nada
neso-alemã, consiste em continuar sempre a ser eu mesma, indepen- adiantasse. Rosa não era de se esconder num canto escuro, disse-lhe.
dentemente dos outros e independentemente das circunstâncias. Sou Jogiches objetara por achar que o trabalho estava muito além da
e quero continuar a ser idealista, tanto no movimento alemão quanto capacidade dela, agora estoníeada com o sucesso recente, e por ser,
no polonês. Isso não significa que (...) eu não queira a posição mais em princípio, contra a aceitação de um emprego permanente por
influente no partido e que não esteja disposta a lutar por ela."33 parte dela. Leo a queria livre, à sua disposição, desenvolvendo o
E lutar foi o que fez desde o começo. As dificuldades de talento que ele vinha supervisionando e financiando havia anos.
Luxemburgo no SPD começaram poucos meses depois de ela se ligar Depois que Rosa aceitou o cargo, em outubro de 1898, Jogiches
ao partido, em 25 de maio de 1898, dez dias após sua chegada a partiu às pressas para Dresden, desconfiado da capacidade dela de
Berlim. Os problemas com que deparou nessa ocasião e mais tarde dar conta do recado sem sua orientação e aborrecido com sua deso-
foram diversamente atribuídos a sua origem judaica, a .sua prove- bediência — uma prova da crescente independência de Rosa. Ele não
niência da Polônia, a seu sexo e a sua agressividade. De fato, num podia aparecer a qualquer título oficial nas dependências do jornal e,
partido que valorizava enormemente as aparências e a harmonia, ou dado o sigilo do relacionamento, também a nenhum título pessoal.
pelo menos a aparência de harmonia, Rosa simplesmente não era um De seu quartel-general no hotel, supervisionava o trabalho de Rosa,
bom membro do time. Os dignitários do partido — Wilhelm Liebk- sem saber se as instruções que lhe dava à noite seriam seguidas pela
necht, August Bebei e Karl Kautsky — reconheciam que ela era um manhã. Para Luxemburgo, a pressão que ele exerceu foi insuportável.
trunfo singular para o partido, donde sua rápida ascensão aos altos Ela recordou como pavorosa a época passada em Dresden, num
escalões, mas Rosa fazia com que eles e muitos outros se sentissem hotel de terceira (em função do sigilo), e prometeu a si mesma "es-
pouco à vontade. crever tudo sozinha" no futuro e só se encontrar com ele "quando eu
Exemplo disso eram as críticas de Luxemburgo à imprensa par- estiver livre, sem nenhum trabalho por fazer".35
tidária. "Estou insatisfeita com o estilo em que é escrita a maioria dos Em 2 de novembro de 1898, Luxemburgo apresentou seu pedi-
artigos na imprensa do partido", escreveu ela aos Seidels, seus velhos do de demissão, em decorrência de um conflito na política editorial.
amigos de Zurique. "O estilo é convencional, rígido e estereotipado É difícil dizer até que ponto Jogiches esteve implicado nessa decisão,
(...) apenas um som desenxabido e entediante, como o de um motor se é que o esteve. Mas sua reação inicial à oferta, seu desprazer em
em funcionamento. A meu ver, a razão por trás disso é que, quando ser contraditado e a situação embaraçosa em que estava vivendo em
as pessoas escrevem, elas se esquecem, em sua maioria, de descer a Dresden provavelmente desempenharam algum papel. Ele a queria
fundo dentro delas mesmas, de reviver a importância e a verdade do de volta a Berlim, sem compromissos, e lá se foi ela de volta a Ber-
assunto. Acho que a cada novo artigo deve-se vivenciar o tema por lim. Quanto a Leo, voltou para Zurique.
inteiro, ficar emocionalmente envolvido, todas as vezes, todos os
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as conquistas alemãs 105

Mas o partido não levou seu desafio na brincadeira. August dinheiro que atormentara sua juventude. Durante toda a vida ela
Bebei, com raiva indisfarçada, acusou-a de uma "incrível falta de permaneceu desatenta ao valor do dinheiro, gastando demais,
tato", acrescentando estar particularmente decepcionado por ela ter- prometendo melhorar e nunca se arrependendo. Jogiches não lhe
se portado mais como uma mulher do que como um membro do regateava o dinheiro — era tudo, menos avarento —, mas exigia
partido. "Considerei (...) a elevação do nível e o aprimoramento do escrúpulos por uma questão de princípio. Não afetado pelos este-
jornal, dolorosamente negligenciado, como minha tarefa preponde- reótipos judaicos, sabia que o dinheiro comprava sua liberdade no
rante", escreveu Luxemburgo a Bebei em 7 de novembro, enfatizan- exílio, permitia-lhe ser senhor de si mesmo e financiar causas de sua
do que, se lhe eram negados a "completa liberdade" de publicar seus própria escolha. Até a irrupção da I Guerra Mundial, o administrador
próprios artigos e o direito de publicar artigos de fora a seu critério, das propriedades de Jogiches enviou a Leo a contabilidade dos lucros
ela não podia cumprir suas obrigações como julgava adequado.36 produzidos pelo negócio da família. Arquivadas com esmero, as
Portanto, logo fez com que a liderança soubesse quem era ela e contas foram encontradas entre os papéis de Jogiches depois de sua
onde se situava. O respeito dos líderes aumeritOu, mas o mesmo se morte. Entre os papéis de Luxemburgo foram encontrados recortes
deu com seu desconforto. As «ofertas da editoria que se seguiram fo- cobertos de citações de Mickiewicz, Voltaire e Shakespeare.
ram uma mostra da apreciação pelos dons de Luxemburgo: em Se Jogiches algum dia tentou controlar Luxemburgo através do
outubro de 1899, a do Vorwârts, que ela recusou, e, dois anos de- dinheiro, não teve sucesso. Ela o apanhava à vontade, gastava à von-
pois, a do Leipziger Volkszeitung, que ocupou por alguns meses. tade e pedia mais. Vez por outra, ameaçava nunca mais aceitar outro
Em Berlim, Luxemburgo deparou com a competição entre os centavo dele, mas a emergência seguinte nunca estava longe: "La-
grandes jornais do SPD por suas contribuições. Embora a remune- mento muitíssimo, mas tenho novamente que lhe pedir 10 rublos."
ração fosse modesta e irregular, pela primeira vez na vida ela estava De quando em quando, ele se tornava desagradável e a censurava. "É
ganhando dinheiro. A melhora de suas finanças é comprovada pelo sempre humilhante e irritante para mim quando você pede relatórios
aluguel que pagava. Em 1898, Rosa implorara tremulamente o perdão detalhados de minhas despesas insignificantes", escreveu Rosa, zan-
de Jogiches pela extravagância dos 33 marcos, e, passado um ano, gada por ele querer ensiná-la a conduzir suas finanças ordeira-
pagava 80 marcos por mês por um quarto. Jogiches ainda contribuía mente.37 "Ainda que eu tivesse o terrível vício de ser 'desorganizada',
com 100 marcos mensais, porém mesmo isso, combinado com os isso não seria nenhum desastre", declarou. "Outras mulheres não
vencimentos dela, não era suficiente.* Rosa adquiriu gostos mais dis- ganham dinheiro algum, não têm nenhuma virtude intelectual ou
pendiosos, e suas necessidades cresciam na proporção de seu sucesso. moral específica, são 'desorganizadas' e, mesmo assim, seus maridos
ficam muito satisfeitos e não implicam com elas."38 Os relatórios
esmeradamente meticulosos que ela lhe enviou de Paris, relacio-
nando todos os itens até o úlümo cêntimo — l ou talvez 1,5 francos
de flores e artigos de confeitaria, 2,25 por um chapéu, 2 francos por
semana para açúcar e pão para o café da manhã — transformaram
O apoio financeiro de Jogiches auxiliou enormemente a carreira de essa formalidade numa piada. As contas terminavam dizendo: "Que
Luxemburgo. Livre das preocupações cotidianas e dos empregos mal- aconteceu com o resto do dinheiro? Não tenho a menor idéia."39
remunerados, ela podia dedicar a totalidade de seu tempo aos estu- Jogiches, sempre mentor, insistia em ensinar escrupulosidade a Lu-
dos e à atividade política. A renda de Jogiches permitia a ambos vi- xemburgo. Mas ela se recusava a ouvir. Detalhava os preços das pas-
verem confortavelmente. Nas questões financeiras, Jogiches era um sagens de bonde e do leite apenas para demonstrar a inutilidade das
digno herdeiro do avô. O dinheiro acarretava obrigações; não se des- tentativas de Leo de corrigi-la. Quando as coisas corriam bem entre
tinava ao prazer. A atitude de Luxemburgo, frívola e irresponsável, eles, Rosa se desculpava pela contabilidade e pelos gastos: "Nosso
talvez fosse uma reação ao estereótipo do judeu voltado para o relacionamento está tão maravilhoso agora" que seria uma tolice
estragá-lo com explicações mesquinhas.40
Embora Jogiches considerasse a frugalidade uma virtude e a
aconselhasse a "forçar" os irmãos a sustentarem o pai doente, enviou-
* O câmbio, na época, era de 100 marcos para cada 25 dólares. lhe dinheiro para que ela estendesse um período de férias que tirou
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ela na Alemanha, Luxemburgo lhe disse que não esperasse mais


com o pai e pedia que fosse ao melhor alfaiate e morasse num bairro cartas dela; "quanto às minhas necessidades financeiras", estipulou,
elegante. Aos olhos dela, ao sustentá-la Leo cumpria o papel conven- "numa emergência, entrarei em contato com você".46 Como as
cional do marido. Quando já tinha uma bela renda na Alemanha, ela emergências eram parte natural do orçamento de Rosa, ela estava
ainda se voltava para ele em busca de empréstimos — "desta vez, simplesmente informando Leo de que ainda havia uma porta aberta.
pretendo que seja realmente um empréstimo, queira Deus" — ou de
algum presente — "se você quiser que eu compre uma jaqueta nova
para a primavera (...) e se puder dispor de 20 marcos, mande-os" —,
ou de alguma conveniência — "Uns 15 ou 20 marcos realmente me
seriam muito úteis."41 Quer viesse acompanhado de um dramático
"esta é a última vez que tiro dinheiro de você" ou de um agradeci- Depois que Luxemburgo se mudou para a Alemanha, a liberdade re-
mento caloroso, o dinheiro nunca se tornou mais do que simples- cém-recuperada fez bem a Jogiches. À medida que o tempo foi
mente dinheiro para ela. Só uma vez Rosa ficou genuinamente passando, ele se sentiu cada vez mais relutante em desistir dela. O
aborrecida, ao tomar conhecimento, acidentalmente, através do irmão hiato entre Luxemburgo, que seguia rapidamente para adiante, e ele
de Jogiches, de que Leo guardava segredo do volume de seus bens. próprio, estagnado, estava-se ampliando. Seu grau de doutor não
O dinheiro nunca foi um barômetro no relacionamento dos cobriria este abismo. Mas a universidade justificava sua permanência
dois. Muito embora, por volta de 1899, ela já estivesse ganhando a em Zurique. Luxemburgo rascunhava cartas para o orientador da tese
vida, Luxemburgo não se sentia menos dependente de Jogiches. Não de Leo, observava os prazos e encontrou para ele um tema de
era o dinheiro que definia sua dependência ou sua independência. dissertação: "O Estado da Economia na Rússia." Embora ele con-
Mas Jogiches deve ter encarado sua independência financeira como cluísse apenas um artigo para seminário, que apresentou em julho de
uma ameaça, e isso pode tê-lo influenciado, em certa medida, a de- 1900, Luxemburgo continuava a se referir a "sua tese doutorai" nas
sestimulá-la de aceitar um emprego permanente. Embora ela lhe cartas que lhe enviava. Para afastar suas perguntas incessantes,
dissesse que "a preocupação primordial das pessoas é sustentar a elas Jogiches lhe dizia que a tese estava em andamento.
mesmas e a seus filhos ou pais, só então devendo elas pensar em se
tornar grandes eruditas", Rosa gostava da liberdade que Jogiches lhe O desejo de Luxemburgo de que Jogiches concluísse seus estu-
assegurava.42 Não fazia objeção a prestar contas do dinheiro que ga- dos com um selo oficial de reconhecimento equiparava-se ao anseio
nhava. "Já que você pergunta, eis o que ganhei: Sàchsische Arbeiter- dele de ser deixado em paz. Leo não precisava do veredicto de
zeitung — 80 marcos; Leípziger Volkszeítung — 80 marcos e mais 3 nenhuma instituição sobre sua capacidade intelectual; conhecia seu
por uma nota =143 marcos."43 Não objetava quando ele a pressionava próprio valor. O desejo que Rosa tinha do diploma, que ela encarava
para que fosse mais prática: "Vou fazer as coisas a meu jeito, seguindo como o resultado natural de dez anos de estudos, era por ele consi-
meus instintos e minha natureza (...) Não vou começar a pechinchar e derado como uma pressão para que se adaptasse, ou, pior ainda,
fazer exigências (...) — parecer mesquinha e calculista seria muito como uma aspiração, por parte dela, de fazê-lo equiparar-se aos
impróprio."44 padrões de seus novos amigos alemães. Sem disposição de se mudar,
Jogiches gostava de seu papel de provedor. Quando Luxem- ele continuava marcando novas datas para que o grau mítico se mate-
burgo tentou assumir sozinha esse papel, não demonstrou muito tato: rializasse. "Sair de Zurique depois de dez anos sem o doutorado seria
"Porque está tão triste, meu menino de ouro?" escreveu. "Não se realmente muito desagradável", concordou Rosa quando, na prima-
preocupe, você tem uma mulherzinha valente. Sua mulher vai traba- vera de 1900, ele implorou por apenas mais dois meses.47 Sob a falsa
lhar duro, ganhar uma porção de dinheiro (...) sem grande esforço, impressão de que Leo estava trabalhando na obtenção do grau, ela
quase brincando (...) e todo mês ela vai mandar um pouco para o escreveu: "Fico feliz por você ter-se empenhado com tal paixão em
Papai e um pouco para seu Dyodyo."45 Que ela pudesse ganhar seu (...) doutorado."48
dinheiro "quase brincando", enquanto ele jamais ganhara um centa- Um problema mais pessoal, porém, não era tão fácil de resolver
vo, só podia humilhá-lo. para Luxemburgo. Jogiches continuava a insistir em manter o relacio-
O dinheiro, tal como as cartas, era um vínculo quando o rela- namento em sigilo. Seu pedido de mantê-lo oculto da família de Lu-
cionamento parecia naufragar. Quando Leo se recusou a juntar-se a xemburgo beirava a obsessão. Seria realmente seu pendor para a
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conspiração? Ou seria medo do compromisso? Fosse o que fosse, ela fechada". O afastamento de ambos era culpa dele, não dela: "Até
concordava. "Farei o que você quer e não informarei minha família mesmo em Zurique éramos estranhos espirituais, e a assustadora soli-
sobre nós", asseníiu Rosa em meados de 1898, antes de sua irmã ir dão destes dois últimos anos [1896-1898] está gravada em minha
visitá-la em Berlim.49 Para não despertar a curiosidade de Anna, ele mente."52
deveria usar envelopes comuns, recomendou-lhe Rosa. As piruetas As razões da ruptura iam além do "espiritual". A suspeita de
que executou para evitar, um encontro entre Jogiches e seu irmão Luxemburgo de que Leo a havia "deixado de amar", de que "talvez
Józef, que estava passando uns dias com ela em companhia da estivesse envolvido com outra pessoa" não tinha fundamento.53 Jo-
família justamente quando Jogiches planejava visitá-la, foram des- giches simplesmente não queria nenhum cerceamento, nenhum con-
critas por Luxemburgo como próprias de um romance barato. Mais trole, nenhuma proximidade. Depois de concordar em se unir a ela
adiante, em algum ponto de 1898, Jogiches finalmente cedeu e deu a em Berlim, ainda se detinha mais, em suas cartas, na parceria política
Luxemburgo permissão para que ela revelasse sua existência, mas de ambos do que nos sentimentos que mantêm juntas as pessoas
não seu nome, à família. Para os familiares, o noivo de Rosa passava enamoradas. Temerosos de perder um ao outro, os dois estavam
por Leo Grozowski, um dos pseudônimos de Jogiches. Luxemburgo, dispostos a chegar a algum tipo de acordo. Sua dependência mútua,
que no passado nunca havia mencionado o pai em sua correspon- a um tempo criativa e destrutiva, pessoal e política, transformara-se
dência com Jogiches, passou a apresentar Elias como uma figura num nó que eles não conseguiam desatar.
dominante em sua vida. Em nome dele, queria que a união fosse Jogiches estava indo para a reunião forçada em Berlim de mãos
legalizada. "Confiando em suas promessas", escreveu a Jogiches em vazias. Em 1900, aos trinta e três anos, era velho demais para se
maio de 1900, "disse a meu pai no verão passado [18991 que esta- transformar no famoso aprendiz de revolucionário e moço demais
ríamos morando juntos já neste mês." Jogiches continuou impassível. para viver no isolamento. Não tinha nome, profissão nem esperança.
"Não posso mais despistar papai", insistiu Luxemburgo. "Não sei o Cedera à exigência de Rosa por falta de outra solução, sentindo estar
que dizer a ele e tenho-lhe mentido como uma vigarista. É rnais do abrindo mão de seu último vestígio de dignidade. Sua vida em
que hora de acabar com essa procrastinação. "50 Zurique, apesar de estar longe de ser gratificante, era só dele e ele a
Quando Luxemburgo percebeu que Jogiches não'se juntaria a controlava. A certa altura, antes de se mudar para Berlim, ele passou
ela, que gostava de sua vida de solteiro e que nem mesmo a evo- vários dias num hotel perto de Chur, nos Alpes Suíços, possivelmente
cação da autoridade de seu pai o comovia, apresentou a Leo um sozinho, possivelmente não, mas, de qualquer modo, sem notificá-la.
ultimato. "A única esperança de um acordo mútuo e de um relacio- Talvez precisasse provar a si mesmo que era livre; talvez esse ato de
namento mais ou menos normal é vivermos juntos na Alemanha", desafio o fizesse recordar dias mais felizes, quando tinha garra sufi-
escreveu-lhe ern março de 1900. "Não sei e não consigo imaginar ciente para desafiar quem considerasse insultuoso para um duelo.
porque você continua adiando isso, mas sei muito bem que esse Seu ato de submissão, achava, poderia fazer com que Luxemburgo
adiamento é anormal, que me humilha (...) Quando uma pessoa não prosseguisse no caminho de aperfeiçoá-lo com autoridade cada vez
sente necessidade de uma união permanente, considero simples- maior. Leo também estava cônscio de que a culpa era sua. Fizera
mente falta de coragem manter um relacionamento marital à distância promessas que não tinha certeza de estar disposto a cumprir.
e em visitas fugazes."51 E desferiu um golpe onde doía mais — amea- Leo Jogiches não era de pedra, como afirmava Luxemburgo. Ele
çou parar de escrever. Assim, iria privá-lo de sua existência viçaria, a amava, e os pedidos incessantes de Rosa de que a amasse de
deixá-lo num vazio político. Jogiches acusou-a de chantagem. Mas maneira diferente aprofundavam seu sentimento de fracasso. Não era
ela foi inflexível: bastava de viagens, de remendos e de circunló- melhor nem mais completo como amante, dizia-lhe Rosa, do que
quios. Seguiu-se uma troca dramática de cartas, com Jogiches implo- como marido. "Aqui em Berlim", disse ela, "vejo constantemente o
rando que ela "reatasse nossa vida espiritual comum" e Luxemburgo tipo de mulheres com quem os homens vivem, como esses homens as
sugerindo, vingativamente, que ele tirasse proveito de "interrupção adoram e cedem a sua dominação, e o tempo todo, no fundo da
de nossa correspondência" para se desligar dela. Leo a recriminou mente, tenho consciência de como você me trata."54 Havia tão pouca
por nunca refletir por um momento sobre a "vida interior" dele, por esperança de que ele cedesse a sua dominação quanto de que se
egoísmo e por incapacidade de dar. Se isso era verdade, retrucou ela, metamorfoseasse num dos burgueses cuja atitude perante as mu-
era porque "a única coisa que você me deixa fazer é ficar de boca lheres ela tanto admirava. O desejo de Rosa de levar uma vida
110 Alemanha as conquistas alemãs 111

cômoda e respeitável era, para ele, uma prova da distância entre cercado de filhos entoando "O Tannenbaum",* estava se preparando
ambos. "Dedicaremos nossas horas livres ao estudo da arte (...) uma para uma amarga decepção.
perfeita maravilha, não é? Nós dois, depois de um dia de trabalho Os dois anos que Luxemburgo passou sozinha em Berlim trou-
sério, leremos livros sobre a história da arte, visitaremos as galerias, xeram-lhe fama e prestígio. Mas o preço que pagou foi alto. Rosa
assistiremos a óperas!"55 Cada palavra o golpeava como uma chico- tinha medo de sucumbir à loucura. Teve seus primeiros surtos de
tada: as "horas livres", das quais ele teria uma profusão, os "dias de depressão. "Estou ciente de que não conquistei nada", censurava a si
trabalho sério", dos quais não teria nenhum, a arte, as galerias e as
óperas — um sonho burguês alemão. A vida cotidiana, enfeitada, era mesma. "E estou ciente de que não farei um décimo do que devo
para ele uma maldição pior do que sua existência solitária — tortu- fazer. A insatisfação comigo mesma é meu estado psicológico perma-
rada, mas dele, nente, e o remorso por não ter feito isto ou aquilo me corrói dia após
dia, hora após hora. O sentimento de culpa não me abandona por
As apreensões de Jogiches eram justificadas. Luxemburgo lhe um só momento."59
disse que a "mera criança" que era quando ele a havia conhecido era Publicamente, porém, suas realizações eram espetaculares. Pes-
agora uma "pessoa madura", e que a recusa dele a aceitar "que mu- soalmente, ela não tinha nenhuma. A solidão a estava destruindo.
dei, que não sou a mesma pessoa que era há oito anos" criava pro- Jogiches estava soçobrando. Estar juntos, acreditava ela firmemente,
blemas intermináveis.56 Se estivesse indo ao encontro dela exercendo traria a ambos realização, e juntos eles começariam vida nova.
poder, imaginava Leo, Rosa cederia a ele como fizera antes, ocasio-
nalmente rebelde, mas controlável. As tentativas que ela fazia de con-
vencê-lo de sua independência eram infantis, achava Jogiches. "Não
gosto que você me diga para não comprar um casaco sem você,
porque vou comprar 'Deus sabe o quê'", escrevera Rosa de Berlim
dois anos antes. "Se sou independente o bastante para me arranjar
sozinha no cenário político, essa independência deve estender-se à
compra de um casaco."57 Na época, ele achara divertido que uma
coisa tão insignificante quanto um casaco a agitasse; agora que estava
prestes a se unir a ela, era seu desempenho "sozinha" no cenário
político que se destacava na mente de Leo. Ela pretendia, dissera,
partilhar seu trabalho com ele quando ele chegasse, e isso definia o
papel de Jogiches.
Em seu próprio território, Rosa detinha o trunfo. O que Leo
podia ignorar à distância como um capricho passageiro, ou descartar
como uma chatice, agora o ameaçava. Ele a deixava cultivar a obser-
vância dos feriados religiosos, mas considerava isso indigno e
ridículo. Depois que ela o presenteou num Natal com Das Lebenjesu
(A Vida de Cristo), de P. F. Strauss, ele lhe enviou uma comédia de
Molière. A zombaria não escapou a Rosa. Nem tampouco diminuiu
seu fervor. "Espero que este seja o último Natal que passamos sepa-
rados", escreveu-lhe em 1899. "Mas, Deus do céu, quando penso na-
queles primeiros anos que passamos juntos, que tipo de dias santos
tivemos?! Nunca soubemos sequer como celebrá-los de maneira
apropriada; mas —• sem filhos não há dias santos, não há vida fa-
miliar."58 O Natal, os filhos, a vida em família — isso o enchia de
horror. Se Rosa o imaginava presidindo um jantar festivo de Natal,
* Canção natalina muito popular na Alemanha. (N.T.)
amar e trabalhar juntos 113

conseguir dele uma declaração, "redigida em sua casa e na sua


presença", atestando a infidelidade de Lübeck — a causa do divór-
cio.2 Caso o tribunal julgasse a declaração insuficiente e exigisse o
depoimento da parceira de Lübeck, seria preciso encontrar uma pros-
tituta. Seu medo de que uma prostituta registrada contratada possa se
recusar a 'confessar' em juízo é ridículo", escreveu ela, irritada. "Stadt-
hagen é muito experiente nesse tipo de processo legal e tenho de dar
8 "Amar e ouvidos a ele, e não a você. Por favor, não tente ser mais inteligente
e mais perspicaz do que todas as outras pessoas."3 Mas Jogiches não
Trabalhar Juntos " tinha pressa. Depois de falhar mais uma vez na tentativa de con-
vencer Luxemburgo a adiar a reunião, Leo descobriu novos obstácu-
1900-1902 los, dessa vez devidos a Lübeck. Luxemburgo escreveu, exasperada:
"Será que isso vai acabar algum dia (...)?!!! Caríssimo, ponha de lado
todo o resto e cuide, antes de mais nada, do [divórcio]. Não preciso
dizer-lhe, preciso, quão importante e urgente é essa questão!"4 Mais
três anos se passaram antes que o casamento de Luxemburgo se des-
fizesse.
Era fácil enganar a família distante sobre o seu estado civil, po-
ROSA LUXEMBURGO informou a sua família em Varsóvia rém o meio alemão de Luxemburgo suscitava o problema. O Partido
que, como Leo Jogiches era cidadão suíço, a cerimônia de casamento Social-Democrata (SPD) era tudo, menos boêmio, e os mores conven-
se daria na Suíça e o prazo era muito curto para que seus familiares cionais eram estritamente observados. O casamento consensual não
comparecessem. "Você sabe o quanto me desagrada inventar essas era aceitável. Tanto como figura pública quanto como membro da
histórias", escreveu a Jogiches, "mas o que mais posso fazer?"1 Crédu- elite do partido, Luxemburgo tinha de preservar sua reputação. De
los como sempre, os Luksenburgs acreditaram nela. Não sabiam que Berlim ela escreveu a Jogiches: "É impossível viver abertamente
Rosa, casada com Gustav Lübeck, não podia contrair esse matrimô- juntos e, na falta disso, nossa vida se tornará uma caricatura que temo
nio, nem que Leo não era cidadão suíço. Ele se tornou "tio Leo" para mais do que a solidão."5 Eles poderiam viver parte do ano na Itália,
as sobrinhas e sobrinhos e cunhado dos irmãos dela. O "casamento" planejou, ou estabelecer-se em Heidelberg, "onde estaremos livres
foi saudado em Varsóvia com alegria e alívio. A reunião familiar na dos companheiros e, portanto, dos boatos."6 Depois de muitas dis-
Alemanha, que ela prometeu para uma ocasião posterior a fim de cussões e projetos e de abandonar vários esquemas, Luxemburgo fez
celebrar o acontecimento, nunca aconteceu. O pai dela, que ansiava o arranjo mais simples. "Minha senhoria tem outro quarto (pequeno)
mais do que qualquer um por isso, morreu em setembro de 1900, para alugar, e você o alugará com refeições, exatamente como eu.
poucos meses depois do anúncio de Rosa. Desse modo, ficaremos juntos o tempo todo. Apresentarei você como
Entre o ultimato de Rosa a Jogiches, em março de 1900, e sua meu primo e isso não causará nenhum falatório, pois sou altamente
chegada a Berlim, no início de agosto, Luxemburgo pressionou inten- respeitada por meus senhorios e no prédio inteiro."7 Rosa pediu ape-
samente pela resolução de seu divórcio de Gustav Lübeck. Com a nas que ele trouxesse seu próprio travesseiro e que a informasse da
orientação de Arthur Stadthagen, advogado e socialista proeminente, hora exata de sua chegada, para evitar uma cena embaraçosa diante
ela esperava obter o divórcio em poucos meses, possivelmente antes da criada, que "estragaria os primeiros momentos com uma conti-
da chegada de Jogiches. Como Lübeck estava morando na Suíça, con- nência artificial."8
fiou a Jogiches o arranjo dos detalhes. Praticamente todas as cartas Assim, Jogiches tornou-se tio em Varsóvia, primo em Berlim e
que escreveu nesse período mencionam o "caso Lübeck", juntamente "amigo" para o mundo externo, e o sonho de Luxemburgo de "viver
com instruções. Jogiches deveria ir "imediatamente e sem desculpas" abertamente como marido e mulher" ficou indefinidamente adiado. O
à corte distrital de Zurique, apresentar-se como irrnão ou primo dela casal levou adiante a impostura, sempre cauteloso, nunca se abrindo
e acelerar o processo; devia falar "delicadamente" com Lübeck e exceto em particular — um arranjo que convinha a Jogiches, que não
112
amar e trabalhar juntos 115
114 Alemanha

confínarnento e viver com um homem mais capaz de compreender


estava nem um pouco ansioso por aparecer como príncipe consorte suas necessidades. A acusação de que Luxemburgo foi responsável
entre os amigos de Luxemburgo. pelo desejo excêntrico de Luise foi injusta, mas ela sem dúvida
Os amigos dela eram as pessoas mais influentes do SPD. Nos esclareceu à Sra. Kautsky as limitações de sua vida. Impressionada
primeiros dois anos, antes de Jogiches ir ao encontro dela, Luxem- com a mente e com a independência de Rosa, Luise buscou sua
burgo se tornara um "membro da família" dos Kautskys, confidente amizade desde o início. Rosa não ficou muito entusiasmada. "Não
de Clara Zetkin, favorita de August Bebei e protegida de Franz Meh- gosto dela (...)", escreveu a Jogiches; "ela gosta de mim imensa-
ring. Eles foram cativados por sua sofisticação e dedicação ao socia- mente, cobre-me de beijos e se dirige a mim por du."w* A princípio,
lismo, e atraídos por sua personalidade. Ciente de uma certa politica- considerou Luise superficial e sem vida, além de enciumada da rela-
gem por trás da amizade, Luxemburgo ainda assim se comprazia na ção de Rosa com seu marido — uma relação entre iguais. "Raramente
companhia de pessoas que, afora a causa, compartilhavam com ela o vou à casa dos Kautskys e fico pouco tempo; é mais freqüente ele vir
gosto pela literatura e pela música; acima de tudo, porém, orgulhava- a minha casa", relatou ela, e acrescentou como quem refletisse
se de ser aceita pela elite altamente seletiva do partido. melhor, talvez para assegurar a Jogiches que só ele unha importância:
Karl Johann Kautsky, sua segunda mulher, Luise, e os três filhos "Eles me fazem chorar de tédio."11 Mas Luise Kautsky tinha outra
do casal ocupavam um apartamento espaçoso que não ficava longe história para contar: "Mal passadas algumas semanas, Rosa anunciou:
da casa de Luxemburgo. Kautsky, nascido em Praga em 1854 e edu- 'todas as minhas necessidades são satisfeitas na casa dos Kautskys.'"
cado em Viena, foi o mais célebre teorizador marxista de sua época A Sra. Kautsky afirmou que Rosa discutia política com seu marido,
na Alemanha. Como editor-chefe do Die Neue Zeit e autor de nume- cozinha com a cozinheira Zenzi, e "tudo" com ela. Embora admitisse
rosas publicações, levava uma vida confortável. Vivia num estilo que Rosa ficou chocada, a princípio, ao ver "a esposa de Karl
consoante com sua crença em que, para os pioneiros de um novo Kautsky usando um avental!", em pouquíssimo tempo a própria Rosa
sistema social, o lazer era indispensável para a condução eficaz da colocou um para aprender a arte de cozinhar sob o olhar experiente
longa e exaustiva batalha. Os Kautskys faziam reuniões regulares nas de Zenzi. "O Natal sem Rosa era impensável", escreveu Luise, "e era
tardes de domingo e sua casa estava sempre aberta aos visitantes um prazer observar seu jeito maravilhoso com as crianças." A Sra.
estrangeiros. Sua vida pública e privada limitava-se quase exclusiva- Kautsky recordou-se de si própria e de Rosa levando uma à outra em
mente aos contatos com socialistas. A primeira mulher de Kautsky casa, indo e vindo, incapazes de se despedir no fim da noite. Rosa
dirigira a casa de Engels, a segunda fazia traduções ocasionais para a cantava árias de óperas, a "Marselhesa" ou a "Internationale", com
imprensa socialista, a mãe, Minna Kautsky, escrevia romances sobre sua voz vibrando no silêncio noturno. Na primavera de 1900, en-
os trabalhadores, e Laura Lafargue, a filha de Marx, confiara ao pró- quanto Luxemburgo se queixava a Jogiches do fardo que a relação
prio Kautsky o legado literário de Marx. No tocante a este último, com os Kautskys colocava em seus ombros, foi convidada a ficar com
Luxemburgo escreveu a Jogiches em maio de 1900: "Anteontem os as crianças, disse Luise, "como mãe substituta".12 Mudou-se para a
Kautskys tornaram a me convidar para jantar, e ele aproveitou a casa dos Kautskys enquanto eles iam a Paris receber a herança lite-
oportunidade para me perguntar se eu o ajudaria a trabalhar no rária de Marx.
quarto volume [do Das Kapifafl de Marx (...) Sabendo perfeitamente Depois que passou a conhecer Luise Kautsky melhor, as res-
que nenhum de nossos contemporâneos, nem tampouco a posterida- trições iniciais de Luxemburgo desapareceram e ela se afeiçoou
de, jamais saberiam de minha contribuição silenciosa para o mar- profundamente a Luise. Embora Rosa se opusesse inflexivelmente a
xismo, eu lhe disse imediatamente que não sou nenhuma idiota! um movimento feminista isolado — considerava-o gerador de dis-
Claro, disse-o de uma forma elegante (...) Aconselhei-o a comprar sensão para a causa —, ressentia-se intensamente da falta de liber-
uma máquina de escrever Remington e a ensinar sua mulher a datilo- dade pessoal de suas amigas. Às vezes em tom de pilhéria, outras a
grafar."9 sério, protestava contra a arbitrariedade de Karl Kautsky e contra sua
Luise Kautsky, uma vienense bem-educada e jovial, desempe-
nhava o papel tradicional de esposa e mãe. Tendo o marido e a sogra
dedicados a atividades intelectuais, considerava esse papel particular- * Em alemão, o tratamento na 2* pessoa é reservado às relações íntimas. (N.T.)
mente desalentador. O rompimento do casamento dos Kautskys, oito
anos depois, foi causado pela tentativa de Luise de escapar desse
116 Alemanha amar e trabalhar juntos 117

atitude condescendente para com a mulher. Rosa incentivou a Sra. É possível que Luxemburgo e Zetkin tenham-se conhecido em
Kautsky a escrever e a ajudou com críticas e correções. Zurique em 1893, no Congresso da Internacional em que Rosa fez
Luise Kautsky atribuía a Luxemburgo 'a necessidade de "cercar- seu primeiro discurso, ou no Congresso realizado em Londres em
se de uma camada impenetrável de sigilo". Imputava isso ao 1896. Depois que a série anti-Bernstein de Luxemburgo foi publicada
romantismo de Luxemburgo e a seu medo de uma existência peque- em 1898, os elogios mais abundantes vieram de Clara Zetkin, cuja
no-burguesa estéril. Sua ami2ade com Rosa só foi possível, enfatizou, posição na liderança do SPD estava firmemente estabelecida. Por
porque ela não fazia perguntas. Rosa nunca se abriu com ela, disse volta de abril do ano seguinte, Clara fazia visitas a Rosa em casa e,
Luise; um abraço ou um suspiro eram o máximo que se permitia em maio, Rosa hospedou-se na residência dela em Stuttgart, onde
quando estava aflita. Nunca ousou falar com Luise sobre Jogiches, conheceu os filhos de Clara, então com quinze e treze anos. A partir
com quem, escreveu a Sra. Kautsky, Rosa tinha um "relacionamento daí, Clara se hospedava com Rosa durante suas visitas a Berlim e
especial".13 Rosa era sua convidada quando ia a Stuttgart. A casa de campo que
Luise Kautsky não tinha a mesma categoria intelectual de Lu- Clara adquiriu algum tempo depois tornou-se o retiro favorito de
xemburgo, nem era, como Clara Zetkin, uma aliada política. Mas, Rosa.
durante dez anos, Luxemburgo teve um lar na casa dos Kautskys: A primeira impressão que Rosa teve de Clara Zetkin foi positiva;
uma família completa, com três jovens que a adoravam e uma avó ao contrário da "turma do partido", "só ela é sincera e honesta", disse
que era louca por ela. Luise, imponente e matronal, assumiu uma Luxemburgo a Jogiches. "Gentil e afetuosa", ela facilitou a entrada de
atitude maternal em relação a Rosa. Compreendeu que por baixo da Luxemburgo no círculo íntimo do partido e a mantinha informada
superfície exuberante havia uma mulher solitária, que ansiava por dos boatos correntes. Mas a amizade de Luxemburgo com Clara não
uma família, presa a um homem que, como Luise observou, aparecia impediu as críticas. Se, como dizia Bebei, Clara e ela eram "os únicos
homens" que restavam no partido, corajosas e fortes, Rosa achava
e desaparecia "meteoricamente".
que, em termos intelectuais, Clara era "um tubo vazio", facilmente
A relação de Rosa Luxemburgo com Clara Zetkin começou preenchível pelo interlocutor mais recente.14 Capaz de assimilar, mas
como uma aliança política e se transformou numa amizade por toda a não de criar idéias, "ela nunca tem opinião própria",15 escreveu
vida. Diferentes na idade, na aparência e no temperamento, Clara e Luxemburgo a Jogiches; e, relatou, "todo o discurso dela foi uma re-
Rosa tornaram-se as Frauenzimmer, domo August Bebei por vezes as petição literal de meus cinco últimos artigos, como que aprendidos
chamava, paternalisticamente, do Partido Social-Democrata Alemão. de cor".16 A avaliação de Luxemburgo mostrou-se acertada quando, já
Durante duas décadas, despertaram raiva, respeito e chacota. no fim da vida, Clara Zetkin tornou-se porta-voz de Stalin.
Clara Eissner, nascida em 1857 numa família protestante alemã, Em 1899, Clara se casou com Friedrich Zundel, um pintor
conhecera um judeu russo, Osip Zetkin, em sua cidade natal de dezoito anos mais moço que ela. Desafiando as convenções, con-
Leipzig, na década de 1870. O jovem revolucionário havia fugido da testou o Sistema do SPD, indiferente aos boatos e ao ridículo. Pre-
Rússia e não pudera permanecer na Prússia por causa da lei anti- gava a renúncia à felicidade pessoal em favor da causa, mas se
socialista. Em 1880, mudou-se para Paris, onde Clara foi a seu recusou a renunciar à sua. Louvava as virtudes da vida proletária,
encontro dois anos depois. Dois filhos nasceram do casal, Maxirn em mas, em sua agradável casa de campo, realizava saraus musicais que
1883 e Konstantin (Costia) em 1885. Em 1889, Osip Zetkin morreu, eram uma grande atração para os círculos artísticos de Stuttgart. Sua
devastado pela tuberculose e por uma doença maníaco-depressiva versão do socialismo estava imbuída do espírito prussiano da dis-
prolongada. A estada de Clara em Paris a havia ajudado a estabelecer ciplina e da obediência. Não havia espaço para abstrações em seu
contatos com socialistas estrangeiros e a adquirir amigos judeus pensamento: todas as questões eram reduzidas a branco ou preto, ca-
poloneses e russos, coisa que a maioria de seus compatriotas consi- pitalista ou socialista. Fanática e com uma disposição despótica, Zet-
derava uma experiência incômoda. Durante os anos de enfermidade kin usava princípios como substitutos onde lhe faltava imaginação.
do marido, Clara passou a se sustentar. Em 1890 foi-lhe oferecida a Friedrich Zundel fora a primeira fraqueza de Clara, e Rosa
editoria da revista feminina socialista Die Gleichheit (A Igualdade), Luxemburgo foi a segunda. Luxemburgo a fascinava como intelecto e
cargo que ela ocupou durante vinte e sete anos. Depois disso, como mulher. Cercada por doutores em direito e economia, história e
mudou-se para Stuttgart, onde Karl Kautsky era também editor e se literatura, e sentindo-se pouco à vontade acerca de sua falta de
tornou seu vizinho e mentor.
118 Alemanha
amor e trabalhar juntos 119
instrução superior, Zetkin passou a depender intensamente de Rosa.
Os manuscritos que remetia a esta última eram devolvidos com as Quando, em setembro de 1900, Luxemburgo partiu de Berlim,
anotações e críticas de Rosa; os discursos eram ensaiados no aparta- sua primeira carta a Jogiches foi escrita em russo. Desde 1893 ela não
mento de Luxemburgo. O fato de esta não compartilhar das opiniões escrevia a Leo em sua língua materna. Agora, queria que ele soubesse
ou do compromisso de Zetkin com as causas feministas não afetou a o quanto se compadecia dele. Rosa estava em Mainz para compa-
amizade entre elas. Ocasionalmente, para agradar a amiga, Luxem- recer a um congresso anual do SPD; ele ficara em Berlim, na
burgo redigia um artigo para Die Gleichheü ou a acompanhava a Wielandstrasse no. 23, no quarto contíguo ao dela, esperando notí-
alguma reunião "do mulherio". cias. Estava estabelecido o padrão: Rosa estava em ação e ele ficava
O que terá atraído Luxemburgo, tão exigente a respeito de suas no quarto e lia relatórios sobre seus triunfes e sua popularidade cres-
companhias, para Clara Zetkin? Como membro da liderança do SPD, cente. "Todos no Congresso me tratam com grande consideração",
Clara Zetkin era uma aliada desejável, em especial por seu radica- dizia o relatório de Mainz, "em particular os berlinenses. Recebi uma
lismo; entretanto, a amizade era para Luxemburgo uma questão espi- porção de convites para falar (...) Auer é realmente uma doçura,
ritual, e não pragmática. Se o espírito jovial de Luise Kautsky a atraía, chama-me de Róza (em polonês) e veio falar comigo várias vezes.
Zetkin poderia facilmente tê-la repelido pelo que desagradava Rosa (...) Clara tem sido bondosa comigo, como sempre, mas está meio
nos "hunos". Mas a alemã compacta, grande e de seios fartos, treze meshugge [biruta] com aquela história feminista, não aborda as
anos mais velha do que ela, atendia a uma necessidade que não se questões gerais. Portanto, estou completamente só (...) Tenho senta-
relacionava com a ideologia ou a política — ela personificava a do entre Bruhns e Molkenbuhr, que está me cortejando assidua-
segurança. mente. Tive uma conversa muito amistosa com Eisner. Fischer tem-
Em suas visitas anteriores a Berlim, Jogiches só havia encon- me bajulado mais do que lhe é recomendável. Gogowski fica sentado
trado fugazmente os amigos de Luxemburgo, para permanecer na em frente a mim a me 'admirar' (...) Até Adolf Braun, embora eu o
sombra e evitar falatórios. Depois que se juntou a ela em definitivo, trate com desprezo, vem tentando cair em minhas boas graças (...)
em agosto de 1900, não houve muitas mudanças. Quando os amigos Meu comportamento está excelente, tudo de acordo com suas ins-
iam visitá-la, ele ficava em seu quarto; nas raras ocasiões em que a truções."17 Três dias depois, outras notícias: "Singer está em êxtase
acompanhava, dificilmente dizia uma palavra. Os Musikabende [sa- comigo (...) Fui solicitada a dicursar em grandes cidades por toda a
raus musicais] de Clara ou as reuniões de domingo à tarde na casa Alemanha (...) Eisner me disse, no jantar, que eu havia dominado
dos Kautskys não tinham interresse para ele. Cada contato não pas- perfeitamente a língua alemã (Herzfeld concordou) e que, no tocante
sava de um novo lembrete de sua incômoda posição de "o amigo de ao estilo, eu era a melhor oradora do Congresso!! (...) Bebei e outros
Rosa Luxemburgo", como Bebei continuava a se referir a ele anos me chamam de 'a conquistadora1."18 De Mainz, Luxemburgo seguiu
depois. Luxemburgo estava rodeada de pessoas que, à semelhança diretamente para Paris, para comparecer ao Congresso da Segunda
dela, eram extraordinariamente ativas, escrevendo livros, editando Internacional. Ali, foi designada para a comissão sobre militarismo e
jornais, legislando e comparecendo a reuniões e congressos. Nenhum política colonial. Três meses depois, em dezembro, estava em
outro meio poderia expor tão impiedosamente as deficiências de Hamburgo para proferir uma série de palestras: "Tive a oportunidade
Jogiches. Em nenhum outro meio seria tão flagrante sua incapacidade de ouvir os melhores oradores locais (...) Nem um só deles pode
de escrever, de aparecer em público e de se relacionar com as competir comigo."19
pessoas. Sem um jornal, sem a palavra escrita, enfatizava ele, não O ano de 1900 estava chegando ao fim. Para Luxemburgo, ele
havia partido, movimento nem revolução. Que ele figurasse entre as pusera termo à dolorosa incerteza de sua vida pessoal, enquanto que,
pessoas que tinham todos os meios e aptidões para fazer a revolução para Jogiches, inaugurara um longo período de espera por uma mu-
e, não obstante, ficasse condenado ao papel de espectador era gro- dança. Os dois começaram sua vida nova juntos, em dois quartos
tesco e humilhante. Tal como eles, ele era marxista, e tal como eles contíguos mas separados. A divisão não era meramente simbólica. O
dedicava sua vida à mudança social. O fato de Leo, como Luxem- primeiro natal em Berlim não foi a alegre reunião familiar que
burgo, discordar quanto às questões de tática e estratégia não preci- Luxemburgo tanto queria. Decorridos dez anos, a questão de iniciar
sava impedir o contato ou a troca de idéias. Mas não era isso o que uma família continuava por se resolver. A distância física fora eli-
ele queria. Ele queria ação. minada, mas o que ela havia escondido foi revelado pela proxi-
midade. Era mais fácil corresponder-se a respeito de ter filhos do que
120 Alemanha amar e trabalhar juntos 121

falar no assunto, mais fácil ocultar a natureza do relacionamento de ponda pela volta do correio."22 O mosaico de selos postais nas cartas
ambos, vivendo afastados, do que fingir o tempo todo. Era mais fácil remetidas de Berlim para Zurique ou para onde quer que Rosa
para Jogiches ler as cartas de Luxemburgo em Zurique do que vê-la estivesse não era menos significativo do que o conteúdo delas. Rosa
em ação em Berlim. Uma carta escrita por Luxemburgo em 30 de tentava compensar seu descaso com pequenas somas em dinheiro,
dezembro de 1900 à velha Minna Kautsky mostrava seu esforço para um ou outro presente, um bilhete rabiscado às pressas, ou um artigo
parecer contente e animada. Jogiches não foi mencionado, mas Bee- de jornal trazendo seu nome. "Estou satisfeito e honrado", escreveu
thoven e Chopin, sim. Rosa escreveu que, depois do golpe arrasador Elias., "com os comentários que nossos amigos fizeram sobre seu arti-
da morte recente de seu pai, sentia-se novamente capaz de desfrutar go."23 Obstinadamente, como que se recusando a ceder a ela por
do trabalho e da vida social. completo, grafava-lhe o nome como "Luxenburg", emboia, é claro,
Elias Luksenburg havia falecido em 30 de setembro de 1900, ela assinasse os artigos como Luxemburgo.*
enquanto Rosa estava em Paris comparecendo ao Congresso da Outra coisa que ela havia deixado^ de fazer, bem o sabia, era
Internacional, ou, como escreveu ela sarcasticamente, em retrospec- aliviar as dificuldades financeiras do pai. Quase até o fim da vida,
tiva, "cuidando dos assuntos urgentes da humanidade e fazendo o dependendo do pouco dinheiro que conseguia ganhar, Elias Luk-
mundo inteiro feliz".20 Seu pai estava enterrado há uma semana senburg, encurvado e fraco, ia mancando até o centro da cidade. "O
quando ela voltou a Berlim. Restou a Rosa a lembrança das duas Tio Morris (...) me concedeu uma mesada", informou ele a Rosa
semanas que passara com ele de má vontade, em agosto de 1899, quando sua perna gangrenada o deixou incapacitado, "e não tive
numa estação de águas. De repente, naquelas últimas férias com o alternativa senão aceitar humildemente, já que não posso mais
pai, o passado a alcançara. Mais do que em qualquer época anterior, trabalhar." Elias repeliu, indignado, a promessa de Rosa de encontrar-
o velho doente havia personificado a fraqueza, a intimidação e a se com ele na primavera: "Você continua repetindo que temos de
humildade, atributos dos judeus moral, social e fisicamente deficien- esperar até a primavera, como se a primavera estivesse a muitos anos
tes. Ele não tinha nenhum outro interesse senão o dinheiro, nenhum de distância. Mas a primavera é exatamente agora — e eu, por minha
sonho senão o de conseguir uma pechinchazinha. Gemia durante a vez, não tenho muitas para viver."25 Essa foi a última.
noite e falava com voz chorosa; suas mãos tremiam e andava arras- Agora, no final de 1900, as cartas não respondidas do pai jaziam
tando os pés. Confrontada com a fonte de sua tensão, ela mal con- na gaveta de Rosa. Na última delas, escrita oito meses antes, Elias
seguia conter o medo, a repulsa e a raiva. "A aparência dele é tão Luksenburg dissera que tinha tido de beber o cálice da amargura até
horrorosa que as pessoas o ficam fitando", escreveu a Jogiches; e a última gota. "Sua total indiferença me faz lembrar uma coisa que li
fazer uma caminhada com ele era uma "verdadeira provação, porque certa vez", disse ele a sua amada filha caçula. "A águia voa tão alto
papai se arrasta à velocidade de uma lesma — o que me deixa eno- que perde toda a visão da terra lá embaixo. Você está tão ocupada
jada."21 Até as acomodações no balneário — um quarto minúsculo com as causas sociais que os assuntos de família não merecem nem
num sótão, dividido por um biombo — tinham-na feito lembrar do mesmo um de seus pensamentos. Não há nada que eu possa fazer
apartamento abarrotado de Varsóvia e de sua falta de privacidade. senão aceitar isso (...) Não vou mais sobrecarregá-la com minhas
Enquanto Rosa Luxemburgo compunha a carta para Minna cartas."26
Kautsky, as lembranças reprimidas foram voltando. Desde o momento
da morte de sua mãe, o único sonho do pai de Rosa fora ver a
filha. Mas ela não tivera tempo e foi adiando a visita dele por dois
anos. As cartas de Elias, repletas de amor, admiração e desculpas por
tomar o precioso tempo dela, embaraçavam-na; seus esforços desa-
jeitados de atraí-la de volta para a vida da família a irritavam. Rosa O ano seguinte, 1901, trouxe mais triunfos para Rosa. "Brilhante", foi
não gostava de ser informada de que suas cartas eram o único prazer como avaliou seu discurso em Breslau num telegrama enviado a
dele, de modo que raramente lhe escrevia. "Estou terrivelmente agi-
tado por não ter tido notícias suas por tanto tempo, por não receber
nenhuma resposta a minhas cartas. Estou de cama há três semanas", * "Você cometeu um erro, ou é assim que grafa seu nome agora?", perguntara-lhe a
escreveu Elias Luksenburg. "Imploro-lhe que tenha piedade, res- irmã, Arma, alguns anos antes. "Vi a mudança no N[eue] Zeit e fiquei surpresa."24
122 Alemanha
amar e trabalhar juntos 123

Jogiches. "Você não faz idéia do quanto eles me amam", relatou


depois de um encontro com trabalhadores poloneses.27 Dois cartões vitórias dela, de que seu intelecto era superior ao de Rosa ou de que
postais em russo, redigidos em junho, foram os últimos que ela suas idéias geravam as ações dela. Cada tentativa de Luxemburgo de
enviou na língua materna de Leo, Agora, ele tinha pouco mais a fazer arrancá-lo do atoleiro terminava em mais mal-entendidos, mais recri-
além de verificar os horários e as conexões de trem mais minações, mais amargura.
convenientes que a levariam às reuniões e às viagens em que faria Dominada pelo intelecto de Jogiches, Luxemburgo cometeu o
discursos, mandar-lhe os jornais cotidianos que a manteriam a par erro corriqueiro de confundir a mestria intelectual com a capacidade
das notícias, e esperar que ela voltasse. Rosa mal conseguia recuperar de sobreviver no dia-a-dia. Funcionava como uma mãe que faz tudo
o fôlego entre urn encontro e outro ou acompanhar o ritmo dos para tornar o filho feliz, que o ama de maneira irracional, é indul-
convites para discursar e da demanda de artigos. Sua posição como gente com ele, suporta seus caprichos e se coloca entre ele e o mundo
jornalista política de ponta estava firmada e seu território se expandia cruel — e tudo o que o filho retribui é infelicidade. Ela fazia
consistentemente. Nas questões do Leste Europeu ela não tinha igual ameaças e se enfurecia, suplicava e chorava. Levava-lhe livros que
na imprensa do SPD; e parecia ficar igualmente à vontade no tocante ele nunca abria, amigos que ele recusava a ver, notícias que ele igno-
à política prussiana, francesa, britânica e belga. rava. Arrastava-o para fora da cama, dava-lhe alimentos nutritivos e o
Apenas os amigos mais íntimos de Luxemburgo tinham conhe- levava a passear. Apontava para as flores que desabrochavam, para a
cimento de seu papel duplo nos movimentos polonês e alemão. Seus relva verdejante e os pássaros a chilrear. Planejava idas a concertos,
vínculos oficiais com os trabalhadores poloneses limitavam-se à parte óperas e teatros para levantar-lhe o ânimo. Tudo em vão.
da Polônia anexada pela Prússia. Oficiosamente, porém, ela deter- A morte da família pôs fim ao impasse. Em dezembro de 1901,
minava a política da Social-Democracia do Reino da Polônia e da Osip Jogiches, o irmão do meio de Leo, chegou a Berlim devastado
Lituânia (SDKPiL), orientava-a e participava de sua implementação; o pela tuberculose. Os médicos recomendaram céus mais azuis e um
partido era fruto de sua imaginação, mas, além disso, era uma válvula clima seco e quente. Leo ofereceu-se imediatamente para acompa-
de escape para seu conflito pessoal de longa data com a Polônia. nhar Osip à Argélia. Dentre seus três irmãos, Osip lhe era o mais
Tanto os órgãos de imprensa do SPD quanto do SDKPiL publi- chegado. Depois da morte da mãe de Leo em 1898, Rosa escrevera a
cavam seus debates sobre questões teóricas que visavam a instigar à Jogiches: "Será que você não devia trazer seu [irmão]? Reconheço que
ação, a promover a mudança e, em última análise, a trazer a revolu- isso tornará as coisas mais difíceis para você, mas o coitado certa-
ção. Com o SPD como trampolim, ela se deslocou das questões rus- mente está se sentindo péssimo e sente muito a sua falta."28 Um ano
sas e polonesas para horizontes mais amplos. Seus artigos e panfletos depois, em 1899, Osip Jogiches tinha chegado e Leo pedira a Rosa
abordavam temas como o sufrágio universal nos países europeus, os que o recebesse calorosamente, pedido que ela considerou desne-
armamentos, o colonialismo, a política alfandegária, a política mun- cessário. Osip passara dois dias com Rosa em Berlim e duas semanas
dial, a liberdade de expressão artística e as obras de Marx, Engels, com Leo em Zurique. Entregara a Leo o reloginho de ouro da mãe,
Lassalle e Adão Mickiewicz. A facilidade com que cruzava fronteiras que Leo deu a Rosa. Comovida, Rosa disse que era "uma lembrança
— intelectuais, nacionais e históricas —, a efervescência de seus preciosa, que me dá um aperto no peito toda vez que olho para
argumentos, apoiados por metáforas pitorescas e citações de autores ela".29
clássicos e contemporâneos, e sua capacidade de simplificar o com- O biógrafo de Jogiches30 encarou a disposição de Leo de acom-
plexo garantiam-lhe um vasto público leitor. panhar o irmão agonizante até a Argélia corno prova de amor fra-
O abatimento de Jogiches se aprofundou. Por dias a fio ele não terno, em detrimento da causa. Na verdade, Jogiches não teria per-
abria nenhum livro, nenhum jornal. Ficava deitado na cama, envolto dido nenhuma oportunidade de sair de Berlim, As férias que passara
em nuvens escuras, fumando um cigarro após o outro. Do outro lado com Rosa na ilha de Sylt, em agosto de 1901, não tinham conseguido
da parede, a caneta de Rosa, qual uma locomotiva em disparada, aliviar a tensão entre os dois. Em setembro, Rosa saiu freneticamente
cobria folhas e mais folhas de papel. A energia dela aprofundava sua em busca de um apartamento no qual, como tornou a acreditar, eles
inércia, a força dela, sua impotência, e as realizações dela, seus fra- começariam vida nova. Em dezembro de 1901, Jogiches partiu com o
cassos. Os protestos de Rosa só faziam piorar as coisas. Ele não que- irmão, e a separação resultou numa correspondência abundante. O
ria nenhum consolo, nenhuma garantia de que tornara possíveis as que ficara por dizer entre eles durante o ano e meio de vida em co-
mum foi explicitado nas cartas.
124 Alemanha amar e trabalhar juntos 125

Osíp Jogiches estava tendo uma morte lenta. Dia após dia, tapete de lã era encerado e polido. Um sofá com uma estante no alto,
parecia estar encolhendo, com os olhos afundando mais nas órbitas, uma mesa de jantar, poltronas estofadas e uma mesinha de canto
o rosto mais pálido e a respiração mais entrecortada. O sol quente, o foram dispostos de modo a receber amigos e convidados; a cama,
ar seco e os medicamentos não conseguiram deter a doença. "Será uma ampla escrivaninha e um lavatório compunham a área privada.
que ele não parece melhor, com todo esse ar fresco e boa alimen- Havia quadros nas paredes, alguns pintados por Luxemburgo, e as
tação?" perguntou Rosa. "Fico surpresa de que o médico não tenha bugigangas habituais, entre as quais uma estatueta de porcelana,
recomendado uma caminhada todos os dias, por mais lenta que representando Amor e Psique, era a favorita de Rosa. O quarto de Jo-
fosse; isso com certeza melhoraria o apetite dele."31 Osip estava fraco giches, também designado por "o estúdio", forrado com papel verde
demais para andar. Raramente saía de seu quarto de hotel, descan- escuro, era mais austero e continha uma escrivaninha, uma estante de
sando, a maior parte do tempo, depois dos acessos de tosse exaus- livros envidraçada, um guarda-roupa, uma poltrona e uma cama.
tivos. Havia uma cozinha onde a empregada dormia e um lavabo, mas não
Leo observou, impotente, o fim que se apfoximava. Estaria ele havia banheiro. A água para o banho semanal era aquecida no fogão
próprio condenado, como o irmão? Ia cambaleando de um fracasso da cozinha e a ablução era feita no próprio quarto, numa ampla bacia
para outro — Zurique, Berlim, Argélia —, cada qual pior do que o esmaltada. Com o tempo, o apartamento foi-se enriquecendo com
anterior. Nada, nem mesmo a morte, era pior do que o tédio que porcelanas, roupas de cama e mesa, objetos decorativos e livros.
tudo invadia. Suas tentativas de explicar isso a Rosa eram inúteis. Ela Na ausência de Jogiches, Luxemburgo ia preparando o ninho,
não conseguia entender, escreveu-lhe, as palavras escritas "na lin- ansiosa por tê-lo de volta a um lar que apreciasse. Foi compondo a
guagem obscura de sua psicologia." Segundo ela, havia desgraças mobília, decorou os quartos, arrumou os livros — de estudos, ficção
"reais" — a morte da mãe dele e a doença do irmão — e desgraças e poesia em polonês, russo, alemão, francês e inglês — e manteve
imaginárias, que atribuía ao "traço autodestrutivo" de Leo, que era Jogiches informado de cada detalhe. "O guarda-roupa e o tampo
sintoma de um "suicídio espiritual insensato e selvagem". Tanto o negro para o lavatório foram entregues hoje", inforrnou-lhe em 18 de
comportamento dele quanto o de seu irmão eram suicidas, declarou dezembro de 1901. "O guarda-roupa é maravilhoso e as manchas são
Luxemburgo. O irmão dele havia "pisoteado irracionalmente o pró- quase invisíveis — Deus sabe porque foi que você fez tanto estar-
prio corpo", e Leo estava fazendo a mesma coisa com sua alma. Os dalhaço por causa delas. Com o tampo preto, a pia tem uma apa-
dois sofriam da "mesma loucura selvagem".32 A explosão de Lu- rência totalmente diferente, e a louça branca por cima ficou admi-
xemburgo, se bem que num momento inadequado, foi mais uma rável."34 Um faxineiro ia bater os tapetes e a empregada, Anna, ence-
tentativa desesperada de arrancar Jogiches da depressão. Agora que a rava, tirava o pó e limpava, para que "não haja nem um grãozinho de
morte estava roçando nele, Rosa achou que poderia salvá-lo de si poeira dançando, nem mesmo nos raios de sol".35
mesmo. Luxemburgo levou a sério seus novos deveres; gostava de se
Antes que os dois irmãos saíssem de Berlim, um dos sonhos de ocupar com a casa, de acrescentar um toque, aqui e ali. Mantinha a
Luxemburgo tornou-se realidade. No outono de 1901, ela alugou um empregada na rédea curta — "Treinei-a para ser uma criada modelo"
apartamento de dois quartos na Cranachstrasse no. 58, onde moraria — e ficou magoada quando Anna lhe deu um aviso prévio três meses
pelos dez anos subseqüentes. Estava acabado o pesadelo dos quartos depois. "Não sei porque", queixou-se: "ela vivia como que no pa-
de aluguel. Agora, achava Rosa, eles se estabeleceriam, teriam suas raíso, engordou e está parecendo uma pipa."36 Passou a conhecer as
próprias coisas, contratariam urna empregada e teriam uma casa or- frustrações de encontrar e conservar uma boa empregada. Mas,
deira, e Jogiches finalmente aquiesceria. Oficialmente, uma vez que naquele momento, estava satisfeita com Anna e, como se aproximava
não eram casados, ele estava alugando um quarto de Rosa. Quando o o Natal, quis mostrar-lhe sua apreciação. "Depois de fazer várias
proprietário foi inspecionar o apartamento reformado, como era pra- indagações", contou a Jogiches, "descobri que uma empregada com
xe, "não mostrei seu quarto a ele, por medo de que surgissem per- quem se está satisfeito recebe presentes até o valor de seu salário
guntas a seu respeito", relatou ela a Jogiches na Argélia.33 Cada um mensal. Comprei para Anna uma blusa de seda maravilhosa (afinal,
dos dois quartos era quarto de dormir e estúdio. O de Luxemburgo ela tem vestidos em número suficiente) com nesgas brancas e fitas de
fazia também as vezes de saía de estar. As cortinas de veludo pesadas veludo preto por 10 marcos, um guarda-chuva de cabo dourado por
combinavam com o papel de parede vermelho escuro, e o piso sob o 5 marcos e um par de luvas por 1,90."37 "Agora, Anna vai pôr as
amar e trabalhar juntos 127
126 Alemanha

giu: "Porque você escreve tão tarde da noite? Será que não tem
cartas no correio, de modo que é melhor eu terminar."38 Anna tempo durante o dia? Tem que ficar acordado até tão tarde? Já não
esperava Luxemburgo na estação de trem para ajudá-la com a lhe implorei para ir dormir cedo?"44 O sistema dela incluiu alterações
bagagem e a fazia sentir-se como a Hausfrau [dona-de-casa] que ela na dieta, refeições regulares, caminhadas diárias e fricções com água
finalmente era. fria. Rosa estava preparando um novo "plano diário" para Jogiches, a
Agora que tinha um lar, Rosa podia receber. O Natal ela pre- entrar em vigor quando ele voltasse.
feriu passar sozinha, "em meio a essas paredes de que gosto tanto e Rosa tinha agora mais do que jamais sonhara no Ginásio em
que gostam de mim", mas, depois disso, estava disposta a demonstrar Varsóvia — sucesso profissional, fama e reconhecimento. Tinha
seus dotes de anfitriã.39 Em pânico, Jogiches recomendou, da Argélia, Jogiches, um lar e uma renda confortável. Mas já não sabia, queixou-
que era melhor ela consultar sua antiga senhoria, a Sra. Neufeld, se a Jogiches, ser feliz. "Preferiria simplesmente ficar na cama o dia
sobre como proceder, para que não fizesse papel de tola. Luxem- inteiro. Estou eternamente cansada, embora tenha uma vida tão re-
burgo não recebeu bem o conselho; seu jantar tinha sido ainda mais gular quanto um relógio, vá me deitar às onze horas e tire um cochilo
elegante que os da Sra. Neufeld, relatou a Jogiches, e ela fizera tudo depois do almoço."45 Sua saúde estava ótima, mas a cabeça estava
sozinha. A mesa, escreveu, estava maravilhosa, com raminhos de flo- "entorpecida", ela não conseguia raciocinar direito e se movia "como
res em todos os pratos (a 10 pfennig cada um) e um jacinto colocado se estivesse dormindo".46 Um vidro de Haute-Sauternes — que, na
num vaso no centro. Houve pãezinhos com caviar — "não desmaie, infância, sua mãe lhe dava quando ela ficava triste — não teve
foram só 50 pfennig' —, salmão com ovos, sopa de beterraba com nenhuma serventia. Nem o sucesso nem o apartamento satisfaziam
rolinhos de salsicha, peixe no molho acre, bife com legumes, seu instinto materno não realizado. A rigor, a casa transformou seu
compotas e queijo com rabanetes na sobremesa, seguidos por café sonho de um filho numa necessidade doída. "Posso ficar sentada
amargo e conhaque. Os problemas relacionados com o receber eram horas a fio num quarto ou no outro, olhando em volta e pensando
inteiramente novos: escolher convidados harmoniosos, não dar ne- em como uma pessoa poderia ser feliz nestes cômodos esplên-
nhum faux pás, ser um sucesso. Os Kautskys, os Eisners e Arthur didos!"47 Mas ela não o era. Sugeriu que eles adotassem uma criança
Stadthagen foram convidados para o primeiro jantar, e os Mehrings — o bebê esperado pelos Warsawskis —, porque "sem filhos, fica
com Clara Zetkin para o seguinte, informou Rosa a Leo. "Como vê", muito vazio e sem sentido em casa, e estou me sentindo muito
brincou, "nem mesmo o Conde Bullow tem tantas e tão sérias dores sozinha, e me parece que uma criança me faria voltar à vida",
de cabeça quanto eu."40 Seu "jantar de seis pratos", disse, meio em escreveu a Jogiches. "Enquanto isso, gostaria de ter pelo menos um
tom de pilhéria, tornou-se o assunto da rede de boatos do partido. cachorro ou um gato."48 Seguiu-se uma série de cães e gatos; Mimi, a
Para Jogiches, esse não era um assunto para risadas. Escreveu a Rosa última e rnais querida das gatas de Luxemburgo, adquiriu o status de
dizendo que um convidado que recusara o convite dela para jantar, sua "filha".
alegando um compromisso anterior, simplesmente quisera afrontá-la. Osip Jogiches morreu no início de março de 1902 e, depois de
"Você está completamente errado", protestou ela: "ele tinha mesmo uma ausência de três meses, Leo voltou para Berlim. Luxemburgo
um discurso em seu distrito eleitoral, li a respeito no Vorwárts."^ Não esperava pelo melhor. Ele viveria segundo o "plano diário" — le-
se serve queijo com rabanetes, instruiu Leo lá de longe, e certamente vantar cedo, fazer caminhadas, substituir o chá pelo chocolate e
não depois do jantar. "Sim", insistiu ela, "aqui na Alemanha os raba- eliminar a cerveja de todas as noites. Sentiria o mesmo prazer que ela
netes são servidos com queijo depois ao jantar."42 A correspondência sentia na casa. "As paredes e a mobília simplesmente conversam co-
Berlim-Argélia-Berlim sobre a etiqueta social não era menos animada migo. Sempre me dizem alguma coisa reconforiante e agradável. Es-
do que a referente ao orçamento militar da Prússia. pero que tenham o mesmo efeito tranqüilizador em você."49 Jogiches
Em l de janeiro de 1902, Luxemburgo introduziu um novo sis- realmente saiu de sua depressão, mas por motivos que não estavam
tema. Começou a levantar às sete horas da manhã e, embora isso ligados nem à vida sadia nem à casa.
quase a matasse, estava decidida a agüentar. "Aceite meu conselho e Em agosto de 1902, a liderança da Social-Democracia da Polô-
levante cedo também", escreveu a Jogiches; "dê uma caminhada ao nia e da Lituânia decidiu ampliar as atividades do partido, particular-
sol e não fique acordado até tarde, porque é isso o que estraga você mente na esfera das publicações. Leo Jogiches ficou informalmente
e contribui para seu humor habitualmente azedo."43 Como uma encarregado do trabalho do partido no exterior, incluindo a editoria
criança que tentasse ganhar atenção, Jogiches a provocou e Rosa rea-
128 Alemanha

da Przeglad Socjaldemokratyczny (Revista Social-Democratá) e do


Czerwony Sztandar (O Estandarte Vermelho). O trabalho e as novas
responsabilidades ajudaram-no a superar a crise.

9 O Presídio: A Verdadeira
Iniciação
1902-1904

EM 1902, LUXEMBURGO E JOGICHES se estabeleceram


numa vida quase exclusivamente dedicada ao movimento. Na vida
privada, cada qual fazia concessões sem realmente aceitá-las; e as
pequenas escaramuças eram mais desgastantes do que as explosões
violentas. Jogiches, novamente no controle, assumiu prontamente sua
antiga atitude de mentor. Viajando a maior parte do tempo, Rosa,
exausta, garantia-lhe reiteradamente que lia suas cartas com cuidado,
seguia seus conselhos e se lembrava de suas instruções. E repetia
mecanicamente: "Faça uma caminhada todos os dias, leve uma vida
calma e regular, vá dormir cedo e acorde cedo."1 Sua necessidade da
atenção e da aprovação dele não tinha diminuído, mas ela aprendeu
a viver sem elas. Ou foi o que lhe pareceu.
Em 1902 e 1903, Luxemburgo passou longos períodos de tempo
fora de Berlim em viagens para falar em público. Para se opor à in-
fluência do Partido Socialista Polonês, co-fundou em 1902, em Pos-
nam (a Polônia anexada à Alemanha), um jornal patrocinado pelo
SPD. Publicado em Polonês, chamava-se Gazeta Ludowa (.Gazeta do
Povo) e era dedicado, como informava o subtítulo, "às questões do
povo trabalhador". Seu objetivo, a unificação dos trabalhadores polo-
neses e alemães, nunca alcançou popularidade entre os poloneses. O
público leitor era modesto e o jornal faliu em meados de 1904. Ao
longo de sua duração, porém, Luxemburgo, editora-chefe e principal
colaboradora, cobriu uma vasta gama de temas nacionais e estran-
geiros. Foi nas páginas desse jornal que ela fez uma de suas poucas
129
130 Alemanha o presídio: a verdadeira iniciação 131

declarações públicas sobre a questão da emancipação feminina. Num Jogiches. Viajava de uma cidade para outra, passava horas nos trens e
artigo chamado "Damas e Mulheres", criticou severamente um nas estações ferroviárias e dormia todas as noites em camas dife-
congresso internacional de mulheres em Berlim como "um congresso rentes, para surgir, na manhã seguinte, pronta para derrubar mais
de damas (...J), representantes do sexo frágil vindas da burguesia ou, "outra fortaleza". Seus discursos duravam, em geral, cerca de duas
na melhor das hipóteses, da pequena burguesia", que, "entediadas horas, e eram seguidos por um período de perguntas e respostas e,
com o papel de bonecas ou de cozinheiras dos maridos, buscam muitas vezes, por reuniões com os ativistas locais, que iam até altas
alguma ação para preencher suas cabeças vazias e sua existência horas da madrugada. Em 28 de maio de 1903 ela-discursou para 1.500
vazia."2 Suas equivalentes na classe trabalhadora, escreveu Luxem- pessoas em Bydgoszcz, no dia seguinte para 500 em Pila e, alguns
burgo, entendiam a estreita ligação entre a causa das mulheres e a dias depois, para 2.000 em Lichtenstein. "A platéia incluiu, natural-
mudança social universal; as mulheres deveriam lutar pela igualdade mente, toda a burguesia judaica", comentou. Rosa atraía invariavel-
e fraternidade para a humanidade e pela abolição da opressão onde mente grandes multidões — "os camaradas locais disseram nunca ter
quer que fosse, e não apenas pelos direitos e pela liberdade delas visto uma casa tão cheia" — e as reuniões, em suas palavras, eram
próprias. "excelentes", "esplêndidas" ou "um sucesso tremendo". Entre uma
viagem e a seguinte, às vezes ela parava em casa para recobrar o
Apesar de suas outras obrigações, Rosa dedicou muito tempo e fôlego e trocar de roupa — "diga a Anna para ter lenços limpos pron-
esforço ao jornal, compondo-o quase sozinha, norteando a política tos para mim".5 Embora fosse um dreno emocional e físico, era um
editorial e supervisionando a impressão e a distribuição. Mas Jogiches triunfo atingir as massas de pessoas e vê-las reagir a ela e a suas
ficou insatisfeito. "Estou simplesmente exausta demais para tornar a palavras. E, quando escreveu a Jogiches, com cinco encontros pelas
'Gazeta' melhor", disse-lhe Luxemburgo, desanimada. "Lamento muito costas e sete à frente — "Resta-me pouca energia. O tempo passa
que o jornal não lhe agrade, mas não há nada que eu possa fazer. com uma lentidão terrível, pois cada dia tem de ser conquistado em
Caso você encontre outra pessoa, nem sequer melhor, mas apenas mais outra reunião" —, é possível que tenha havido mais coisas em
disposta a assumir esse doce fardo, ficar-lhe-ei imensamente grata."3 seu cansaço do que ela admitiu.6
Jogiches tampouco estava satisfeito com o desempenho geral de O Partido Social-Democrata Polonês (SDKPiL), reativado, trouxe
Rosa: se ela se empenhasse mais, poderia fazer mais e fazê-lo melhor. a causa polonesa de volta à vida do casal, mas também recriou a
Os resmungos dele não a incomodaram tanto quanto costumavam situação de dez anos antes. Mais uma vez, Jogiches ficou em débito
fazer, mas seu descaso pela personalidade dela, sim. O arranjo da com Luxemburgo por sua nova posição, já que ela fora uma interme-
vida em comum, com o qual ela concordara, era-lhe irritante, e sua diária útil no SDKPiL. Entretanto, ao contrário de dez anos antes, ela
amargura veio à tona. "Infelizmente, não posso fornecer-lhe urn rela- era agora uma figura influente no partido alemão; Leo estava relegado
tório cobrindo toda a gama de assuntos que, como você diz, eu deveria a um movimento marginal. Além disso, Jogiches "insistia teimosa-
supostamente pôr em andamento. Não posso porque, como já lhe mente em permanecer na sombra, por trás das cortinas, sem aparecer
escrevi diversas vezes, estou completamente exausta e mal posso me publicamente como o organizador 'do movimento e o líder do partido
mexer. Embora você diga que está muito preocupado, é óbvio que [polonês]".7
acha que minha saúde não deve influenciar meu trabalho. Estou Dessa vez, o fato de ele permanecer tão invisível quanto possí-
fazendo tudo o que posso. Como de hábito, nem todos os seus vel deveu-se à necessidade, e não a uma opção. Apesar de todo o
projetos podem ser executados. ('Porquê??!!!') Que isto e aquilo 'têm1 seu internacionalismo, talvez os social-democratas da Polônia enca-
que ser feitos, sei tão bem quanto você, mas não tenho nenhuma rassem com apreensão um líder cuja língua materna era o russo, e
intenção de me matar. Não faz muito sentido escrever-lhe sobre os não o polonês. Enquanto o nome de Luxemburgo ia-se tornando
detalhes. Talvez minha fraqueza passe em um ou dois dias — aí uma palavra de uso doméstico na Europa, Jogiches tinha de esconder
conseguirei fazer mais."4 o seu, pois ele traía sua origem judaica russa e o transformava num
No verso de um telegrama anunciando a chegada de Rosa a alvo perfeito para os sentimentos nacionalistas reprimidos das vítimas
Berlim, encontra-se, com a letra de Jogiches, um itinerário diuturno polonesas do expansionismo russo. Embora apelidado de "moscovi-
da viagem que Luxemburgo estava acabando de concluir. Em duas ta", palavra que era ultrajante na boca de um polonês, Jogiches, em
semanas, em meados de 1903, ela se dirigiu aos trabalhadores de suas próprias palavras, tinha "conquistado a cidadania polonesa" ao
doze lugares diferentes, e de cada um deles enviou um relatório para
132 Alemanha
o presídio: a verdadeira iniciação 133

lutar pelo bem-estar dos trabalhadores poloneses.8 Para muitos polo-


neses, contudo, esse era um argumento questionável, já que o parti- que os partidos se unissem, e o fato de terem feito isso mostra o que
do de Jogiches era contrário à independência da Polônia. Assim, Leo a solidariedade internacional pode conquistar; no ano seguinte, os
Jogiches adotou um pseudônimo que soava polonês: Jan Tyszka. dois partidos fundiram-se na Section Française de 1'Internationale
Como Tyszka, "ficou sendo uma figura quase mística, a tal ponto que Ouvrière ([Seção Francesa da Internacional Operária] SFIO), sendo
a mais nova geração de social-democratas (...) achava que Jan Tyszka assim chamada em reconhecimento a suas origens.
era um novo pseudônimo de Rosa Luxemburgo."9 Seu mais ferrenho No Congresso, Jaurès, o oponente mais franco da resolução que
inimigo não conseguiria inventar uma piada mais cruel. condenou o revisionismo sob liderança dos alemães, proferiu um
Enquanto Jogiches combatia no movimento periférico dos tra- discurso apaixonado contra Kautsky, Luxemburgo e todo o SPD. A
balhadores, Luxemburgo se encaminhava para seu próprio centro. falta de tradição revolucionária dos alemães, alegou Jaurès, e sua
Em 1903, tornou-se membro da Diretoria da Internacional Socialista. propensão a aceitar graciosamente o que a monarquia lhes
"Seu vigor político e suas realizações intelectuais eram acompanha- assegurava, como sufrágio universal, iludiam o proletariado no país e
dos por um calor humano, encanto e sensibilidade (...) raros no fora dele, embora a impotência política do SPD não o impedisse de
mundo socialista, e fizeram dela uma das figuras mais fascinantes impor sua linha partidária a outros países.
produzidas pela Internacional."10 O Congresso da Segunda Interna- Luxemburgo mantinha há anos uma polêmica contra Jaurès, a
cional, reunido em Amsterdã em agosto de 1904, trouxe ainda mais quem conhecia de Paris desde o início da década de 1890.
prestígio a Luxemburgo. Ela detinha dois mandatos —- um do Partido Enfurecera-se com a postura conciliatória assumida por ele quando o
Social-Democrata Alemão e outro do polonês — e fazia parte de duas governo francês se ofereceu para anistiar Dreyfus, a quem ela própria
comissões: sobre os trustes e o desemprego e sobre a tática socialista defendia incondicionalmente. A batalha entre os pró e os anti-
internacional. Uma fotografia tirada no Congresso mostra uma jovem dreyfusistas dera-se, para ela, entre os socialistas franceses e os
de cabelos escuros, usando um vestido leve e um chapéu de aba militares aliados ao clero, e não entre jesuítas e judeus. Por isso ela
larga e laçarote preto combinando, cercada de homens mais velhos e fora acusada de ser indiferente ou cega à verdadeira causa dos
aparência imponente — as figuras mais impressionantes do socialis- apuros de Dreyfus — o anti-semitismo violento, que de fato não era a
mo internacional. Vinte e dois países enviaram 476 delegados, dentre preocupação primordial de Rosa. Jaurès, depois de dois anos
eles, para citar os mais conhecidos, August Bebei, Karl Kautsky e defendendo valentemente a vítima do grosseiro erro judiciário,
Rosa Luxemburgo (Alemanha), Jean Jaurès, Jules Guesde e Edouard finalmente concordou com a anistia. Luxemburgo alegou que esta
Vaillant (França), Georgij Plekhanov (Rússia), Enrico Ferri (Itália), Sen deixava Dreyfus não reabilitado e fortalecia os militares e o clero na
Katayama (Japão), Victor Adler (Austro-Hungria), Émile Vandervelde França; Jaurès achou que tinha "salvo a República".
(Bélgica), Morris Hilíquit (Estados Unidos), Hjalmar Branting (Suécia), Agora, no Congresso, Jaurès defendeu apaixonadamente sua
Pieter Troelstra (Holanda) e Keir Hardie (Inglaterra). política durante o caso Dreyfus, criticando severamente Luxemburgo
A luta de seis anos contra o revisionismo de Bernstein foi final- e o Partido Social-Democrata Alemão por manipularem o
mente encerrada. A tática da Internacional, seguindo a orientação ex- proletariado com fórmulas técnicas. Ao término de sua elocução, não
posta por Luxemburgo em 1898 em "Reforma Social ou Revolução", havia ninguém para traduzi-la do francês. Luxemburgo levantou-se
foi aceita no Congresso depois de quatro dias de debates eruditos, espontaneamente e, com seu talento e dramatismo costumeiros,
mas ásperos: a teoria da luta de classes foi aprovada, enquanto o verteu o discurso para o alemão, deixando intacto o ardor do
revisionismo foi amplamente condenado; em vez de "reformar" a original. Seu gesto é um exemplo perfeito do espírito que permeava a
sociedade burguesa, os membros do partido deveriam lutar por uma Internacional, um espírito que morreu junto com o socialismo
ordem revolucionária socialista. europeu na I Guerra Mundial.
Outra questão que preocupava profundamente Luxemburgo e Uma vez encerrado o Congresso, Rosa Luxemburgo voltou à
seus companheiros alemães era a cisão, dentro do campo socialista Alemanha — e foi diretamente para a cadeia. Era o toque de glória
francês, no Partido Socialista da França, radical, liderado por Jules de que ela precisava para se sentir uma revolucionária completa: uma
Guesde, e no Partido Socialista Francês, de orientação parlamenta- sentença de três meses de prisão por insultar o imperador Guilherme
rista, liderado pelo exuberante Jean Jaurès. O Congresso recomendou II num discurso público. Com seu senso de humor sardônico, deve
134 Alemanha o presídio: a verdadeira iniciação 135

ter apreciado a irônica reviravolta: a estudante judia que, ainda em abrindo silenciosamente a janela para olhar o pátio quieto e adorme-
Varsóvia, ridicularizara o imperador prussiano num poeminha era cido lá fora. "Eu acreditava firmemente, nessa época, que a Vida', a
agora uma súdita alemã que o desafiava publicamente. Pouco impor- vida 'real', estava em algum lugar distante, escondido por trás dos
tava que, como assinalou Kautsky num outro contexto, ela "não telhados altos. Desde então venho tentando encontrá-la, mas ela
[fosse] considerada uma alemã plenamente autêntica".11 Era alemã e continua sempre a se ocultar atrás de um telhado ou outro."13
influente o bastante para forçar o regime cuja derrubada advogava a A vida que ela criara para si mesma não era a obra de arte per-
defender-se dela. feita que um dia acreditara poder criar. Vez após outra ela estabelecia
Luxemburgo entrou no presídio feminino de Berlim-Zwickau uma meta para si mesma, lutando pela "vida real". Mas cada meta
em 2ó de agosto de 1904 e saiu em 24 de outubro. Uma anistia con- atingida fracassava no objetivo de tornar a vida mais "real", e ela per-
cedida para comemorar a coroação de Frederico Augusto von Saxe seguia a seguinte sem que sua determinação se abatesse. Rosa e Jogi-
reduziu sua pena para dois meses; apesar dós protestos dela, a comu- ches tinham juventude, amor, afinidade espiritual e um objetivo
tação entrou em vigor. Como prisioneira política, era-lhe permitido comum, mas, mesmo assim, ela não sentia que sua vida com ele fos-
escrever cartas e receber roupas, jornais, livros (embora o Manifesto se "real". Que sentido tinha seu sucesso diante do fracasso pessoal?
Comunista tenha sido retido pelo censor) e visitas. Seu irmão Józef Não obstante, o reconhecimento de que a "vida real" continuava a se
foi visitá-la; Maksymilian mandou dinheiro de Varsóvia para que um esconder atrás dos telhados de Varsóvia, enquanto ela a procurava
restaurante fornecesse suas refeições. O dinheiro não foi necessário, em terras estranhas, não a desestimulava.
porque seu editor se havia encarregado das despesas. Ela precisou de "Prometi a mim mesma", escreveu a Jogiches de sua cela na
uma saia — "a preta com a cauda real não é exatamente apropriada prisão, "viver a vida em sua máxima plenitude tão logo esteja livre."
para uma cela" —, uma blusa, "não de cor berrante", e de meias, "o A existência solitária de Leo era insana e anormal, disse-lhe Rosa; ela
menor tamanho feminino", mas não precisou de chapéu — "ando sempre odiara o "ascetismo" dele (colocou a palavra entre aspas), e o
sem chapéu pelo pátio".12 Leu A Divina Comédia, ouviu patos gras- isolamento a fez odiá-lo ainda mais. Ao enfatizar sua decisão de viver
nando num iaguinho próximo, escreveu cartas, manteve-se a par dos sem incluir Jogiches nessa vida, talvez ela o estivesse alertando.
assuntos do partido, trabalhou num estudo sobre economia política e "Quando eu sair da prisão", advertiu-o, "seu desânimo nazareno se
gastou "um bocado" de tempo pensando. chocará violentamente com meu vigor helênico." O tom de Rosa era
O ritmo de vida frenético que ela se impunha era, ao menos nu- despreocupado, mas seu coração não estava assim. De sua cela no
ma certa medida, uma tentativa de evitar a reflexão. Cada um dos es- presídio ela via os últimos quatorze anos com grande clareza: Jogi-
quemas sucessivos que ela introduziu para pôr "ordem" em sua vida ches nunca aprendera a viver com ela e a amá-la. Por isso é que, em
destinava-se a preencher todas as horas do dia. Na prisão, os pensa- sua opinião, a vida dele lhe parecia vazia. Para ela, nem mesmo a
mentos se avolumaram nela sem ser chamados. Embora suas cartas cela era vazia. "A moral da história" escreveu a Jogiches, era que
para Jogiches e os Kautskys brilhem de excitação, o desespero vaza "quem se sente empobrecido deve sentar-se e fazer um 'inventário'
ocasionalmente. A prisão a converteu no centro da atenção amorosa (...) para saber quão rico é. Você deveria fazer um inventário de seus
da família e dos amigos, mas também impediu o contato humano bens com mais freqüência, e, se não se esquecer de incluir minha
real. O isolamento libertou pensamentos que o alvoroço normal do modesta pessoa (...), irá sentir-se como Creso."14
dia-a-dia mantivera à distância. As tentativas de modificá-lo continuaram. "Quando saí, você me
O que vem a ser a vida? Para que serve? Vale a pena viver? prometeu que leria um livro por dia. Está lendo? Você deve, imploro-
Nada, escrevera ela a Jogiches muitos anos antes, era tão angustiante lhe! Agora, volto a reconhecer o valor de fazer dos livros sérios uma
e assustador quanto essas idéias. Marx não tinha respostas para ela, parte da vida cotidiana, fóso poupa a mente e o sistema nervoso." O
mas a busca tateante de uma resposta por Tolstói despertava sua estado mental de Leo a preocupava; talvez ele tivesse recaído em
admiração ilimitada. "A vida brinca constantemente de esconde-es- seus maus hábitos na ausência dela. "Espero que você continue a
conde comigo", escreveu então a Luise Kautsky. "Sempre me parece acordar cedo e a dormir cedo. (...) Mas, sendo assim, porque Luise
que ela não está dentro de mim, que não está onde estou, mas em [Kautsky] teve dê tocar a campainha por tanto tempo?"15
algum lugar longínquo." Quando criança pequena, ela costumava in- Jogiches intuía-lhe o estado de ânimo e sabia ler nas entreli-
fringir as normas, escreveu, esgueirando-se para fora da cama e nhas. Poderia facilmente virar seus argumentos contra ela, mas
136 Alemanha o presídio: a verdadeira iniciação 137

respondeu com uma calma incomum. Estava ocupado renovando seu uma falácia. Milhões de palavras foram escritas sobre esse tema,
guarda-roupa, escreveu-lhe, para aplacar os temores de Rosa sobre porém nenhuma suplantou a argumentação sóbria, erudita e abran-
seu ascetismo. "Fico muito contente", respondeu ela, "por você estar gente de Luxemburgo. Contestando a retórica de Lenin, ela escreveu:
pensando em suas roupas. Mas, por favor, nada de tecidos pesados "A glorificação da genialidade intrínseca do proletariado na questão
ou felpudos. Isso é muito provinciano. Arranje tecidos ingleses leves do socialismo e a desconfiança da 'intelectualidade' como tal dentro
e macios, cinza escuro, talvez com listras brancas finas; o sobretudo do movimento social-democrata não são, em si, manifestações do
deve ser preto e folgado, bem talhado, como eu gosto." Anna, a ex- 'marxismo revolucionário'." O golpe final de Rosa ficou reservado
empregada, queria voltar, Jogiches informou a Luxemburgo, mostran- para o "ultracentralismo" de Lenin, que constituía um eufemismo para
do-lhe que era um administrador doméstico responsável, mas deixan- autocracia: "A 'disciplina' que Lenin tem em mente de modo algum é
do a critério dela a decisão sobre a criada. Rosa quis que a decisão implantada no proletariado apenas pela fábrica, mas também pelo
fosse tomada em conjunto: "Se você quiser aceitar Anna de volta, quartel, pela burocracia moderna, por todo o mecanismo do
ficarei muito satisfeita."16 aparelho de Estado burguês centralizado (...). O ultracentralismo
As cartas da prisão de Zwickau ficaram inéditas por muitas dé- defendido por Lenin está permeado, em sua própria essência, por um
cadas. Em vez delas, gerações inteiras de jovens radicais foram espírito estéril de vigia noturno [Nachtwáchtergeisft, e não por um es-
criadas lendo um volume de cartas de Rosa Luxemburgo de outro pírito positivo e criador. Ele se concentra basicamente em controlar o
presídio — as Canas da Prisão, publicadas em 1920. A revolucionária partido, e não em fertilizá-lo, em estreitá-lo, e não em desenvolvê-lo,
que emergia dessas páginas era um gigante espiritual e uma sonha-
em arregimentá-lo, e não em unificá-lo.'n8
dora lírica. Possuía uma força interior quase sobrenatural, era imune
Uma vez que o programa dos social-democratas poloneses
às tribulações e angústias pessoais corriqueiras, e amava a humani-
dade, os animais, os pássaros e as flores. Escritas nos anos de 1916- (SDKPiL) estipulava uma luta comum dos trabalhadores poloneses e
1918 a Sonja Liebknecht, com o objetivo de dar ânimo à jovem espo- russos contra a autocracia czarista, parecia lógico que os socialistas
sa de Karl, aprisionado, essas cartas criaram e perpetuaram um mito. poloneses e russos unissem suas forças. Contudo, à parte as dificul-
As cartas de Zwickau, por outro lado, revelam a pessoa real — ator- dades pessoais de Luxemburgo para lidar com "os asiáticos", como os
mentada por dúvidas sobre si mesma, sobre seu amante e sobre a chamava em tom não inteiramente jocoso, as diferenças ideológicas
vida. dividiam os partidos. Em 1902, um artigo intitulado "Alguns Co-
Não foi a prisão, no entanto, mas outra honraria concedida a mentários sobre o Programa da Social-Democracia Russa" foi publi-
Luxemburgo nesse ano que lhe assegurou seu lugar na história. Com cado na Revista Social-Democrata. Embora se assemelhasse viva-
um artigo publicado em 1904, "Questões Organizacionais dos Social- mente ao estilo de Luxemburgo, foi assinado por Jan Tyszka, ou seja,
Democratas Russos", ela discordou do pensamento político de Lenin, Leo Jogiches. Comentando criticamente o programa dos russos, o
iniciando uma polêmica que culminaria em 1918, após o primeiro autor apontou para sua política agrária "um tanto artificial e também
ano de governo dele. "Depois que foi publicado Um Passo ã Frente, fundamentalmente questionável", para sua subestimação da política
de Lenin"*, declararam os editores de Iskra (A Centelha), um jornal de aduaneira e para suas deficiências na proteção à mão-de-obra.19 Essas
emigrados russos, "pedimos à camarada Luxemburgo que comen- questões, no entanto, não tinham magnitude suficiente para impedir
tasse o livro. (...) Seu artigo, esperamos, deixará claro ao camarada a unificação. As "tendências centralistas" dos russos é que constituíam
Lenin que sua postura no tocante à organização nada tem em comum o principal empecilho.
com o marxismo revolucionário."17 Quer a esperança dos editores O Segundo Congresso do Partido dos Trabalhadores Social-De-
tenha se realizado ou não, Luxemburgo provou, como ninguém antes mocratas Russos (RSDRP), em 1903, no qual o partido cindiu-se em
ou depois dela, que equacionar o marxismo com o leninismo era bolcheviques (liderados por Lenin) e mencheviques (liderados por
Julij Martov), não conseguiu gerar um acordo entre poloneses e rus-
sos. Os delegados poloneses se retiraram por duas vezes — uma em
Bruxelas, onde o congresso começou, e outra em Londres, onde se
• Essa é uma referência a Um Passo ã Frente, Dois Passos Atrás, de Lenin, publicado encerrou —, em sinal de desacordo quanto ao direito de autodeter-
em 1904. minação das nações. Aceitar as condições de Lenin significava, de
fato, "aniquilar nosso partido e transformá-lo numa das organizações
138 Alemanha

territoriais do partido russo", escreveu Julian Marchlewski ao Comitê


Estrangeiro do SDKPiL.20
As diferenças entre Luxemburgo e Lenin persistiram. Opondo-
se à idéia de "insurreição armada" de Lenin, Luxemburgo escreveu a
Jogiches em 1905: "Redigi deliberadamente o parágrafo [de um artigo]
sobre o que significa 'preparar uma insurreição armada' para que não
pareçamos Scbildknappen [escudeiros] de Lenin; Lenin justapõe a
insurreição à participação na Duma, mas o que realmente quer dizer
com isso é armamento."21 Na opinião de Rosa, a revolta de um povo
10 De Volta a
deveria ser alcançada mediante a ampliação da consciência dos
trabalhadores, e não mediante seu armamento. Lenin, sem se deixar
Varsóvia
desencorajar por isso, enviou a Luxemburgo um emissário pessoal
para sondá-la quanto a sua atitude perante os bolcheviques. Suas
1905-1906
opiniões divergentes não diminuíram o respeito que eles nutriam um
pelo outro. Luxemburgo conheceu Lenin em 1901, em Berlim. Sendo
uma das primeiras pessoas do cenário europeu a reconhecer-lhe o
gênio político, Luxemburgo o encarava como um parceiro valioso. O
mesmo não se dava com Jogiches. Ele e Lenin, ambos autocráticos e
implacáveis, eram parecidos demais para que ali surgisse qualquer EM 22 DE JANEIRO DE 1905, as tropas russas abriram fogo
coisa senão antipatia mútua. Diz-se que Lenin evitava qualquer con- contra uma passeata pacífica de trabalhadores em São Petersburgo.
tato pessoal com Jogiches. Coube a Luxemburgo impedir um choque Liderados por um sacerdote, o Padre Gapon, os trabalhadores tinham
público entre os dois homens que, em sua opinião, eram os mais ido ao Palácio de Inverno pedir ao czar melhores condições de
destacados revolucionários da época. trabalho. Cantando hinos, carregando ícones e retratos do imperador,
os trabalhadores continuaram a marchar quando lhes foi ordenado
que parassem. A Praça do Palácio logo ficou recoberta de corpos
mortos e mutilados e os cossacos a cavalo perseguiram a multidão
que se dispersava. O massacre do Domingo Sangrento, como passou
a ser conhecido, desencadeou uma onda de greves na Rússia que
logo se espalhou para a Polônia. Era chegada a hora do partido de
Luxemburgo. A Social-Democracia Polonesa (SDKPiL) aumentou de
algumas centenas de membros para dois mil às vésperas de 1905, e
para trinta mil por volta de 1906. Comparativamente, o Partido Socia-
lista Polonês (PPS), muito mais popular, só ultrapassava ligeiramente
esse número; o Bund, organização dos trabalhadores judeus, contava
com aproximadamente 35.000 membros. Esses três partidos, tradicio-
nalmente inimigos, disputavam entre si a alma e o corpo dos traba-
lhadores. E a palavra escrita era sua munição mais eficaz.
Em 6 de fevereiro de 1905 Leo Jogiches saiu de Berlim. Sem
que ele ou Luxemburgo o soubessem, era o fim de sua vida em co-
mum. Jogiches foi para Cracóvia, na parte da Polônia anexada pela
Áustria, para onde se havia mudado a sede editorial de duas publi-
cações partidárias. O SDKPiL fundou em Cracóvia uma nova publica-
ção, intitulada Z Pola Walki (.Do Campo de Batalhei). Após dez anos

139
140 Alemanha
de volta a Varsóvia 141

de semi-isolamento, Jogiches estava novamente em ação, encar- Jogiches orquestrava essa empreitada complexa e examinava as
regado de editar os jornais, panfletos e folhetos e de contrabandeá- publicações a cada etapa, atuando como editor-chefe, editor técnico,
los e distribuí-los na área da Polônia anexada pela Rússia. planejador e administrador. Ao mesmo tempo, participava da estrutu-
Aquele ano, quando a ira do povo parecia em vias de derrubar ração da política do partido e, durante suas freqüentes viagens ilegais
o czarismo, foi para Luxemburgo uma época de trabalho intenso e
a Varsóvia, incumbia-se de sua implementação. Luxemburgo estava
extrema tensão. Perto de noventa artigos de sua autoria foram publi-
cados na imprensa polonesa e alemã; ela participou do congresso perfeitamente ciente de suas atividades; assim, a pergunta casual que
anual do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) em Jena e se formulava — "O que é que você está realmente fazendo aí em Cracó-
tornou membro do corpo editorial do Vorwârts. Entrementes, passou via?" — reflete bem o atrito da primavera de 1905.3 Jogiches "estava
por uma aguda crise pessoal, por uma desarticulação retardada e encarregado de todas as publicações e em contato com todos os au-
dolorosa da vida que vinha construindo nos últimos quinze anos. tores, a quem orientava ê instruía (...), a quem sugeria idéias políticas
Externamente, nada se modificou em sua relação com Jogiches; os e para quem definia os princípios ideológicos norteadores". Verda-
acontecimentos políticos exigiriam sua separação e, como costumava deiro "líder do partido", segundo um de seus principais colabora-
acontecer quando eles não estavam juntos, os dois se correspon- dores, ele "continuou a recusar obstinadamente as ofertas e pedidos
deram. de que assumisse uma responsabilidade oficial pela liderança e se
Ao longo dos anos, Luxemburgo censurou Jogiches repetida- ligasse às autoridades partidárias".4
mente por sua indecisão: "Peço-lhe que acabe com essa irresolução Tendo nas mãos um poder quase absoluto, mas anônimo, Jogi-
interminável (...) e tome uma decisão", escrevera-lhe em 1900, quan- ches estava em seu elemento. Mantinha "seus colaboradores na rédea
do ele continuava adiando sua mudança de Zurique para Berlim.1 curta, não admitindo o cansaço nem as 'oscilações de humor' (...).
Quando lhe ofereceram a editoria do Leipziger Volkszeitung em 1902 Seu trabalho incansável, desde as primeiras horas da manhã até alta
e ela estava ansiosa pela reação de Leo, fora ainda mais direta: noite, era contagiante e atraía a todos para a operação brilhantemente
"Espero", escrevera-lhe na Argélia, "que você se livre de sua relutân- organizada. (...) Ele vigiava de perto os autores, os tipógrafos e os
cia intrínseca em dar um passo ousado (...) e de sua inclinação técnicos." Da noite para o dia, o "homem supérfluo" converteu-se
natural para recuar, temeroso, nos momentos importantes."2 Eram num líder inspirado e num professor reverenciado. "Repetia constan-
acusações curiosas, considerando-se o lendário destemor de Jogiches. temente", recordou Karl Radek, "que cada linha escrita tinha de servir
Evidentemente, não ocorria a Luxemburgo que ele estivesse criando a um objetivo concreto, que o jornalismo revolucionário não era
um disfarce protetor para defender sua independência, que a indeci- literatura, mas sim uma batalha com a caneta na mão. E nos mostrava
são que a aborrecia fosse uma reação a seu comportamento. que um jornal revolucionário não era uma compilação de notícias,
Em contraste, Jogiches tomou prontamente a decisão de ir para mas uma força combativa cujos elementos, criados por pessoas dife-
Cracóvia, sem vacilar. E foi, ao que parece, com a aprovação irrestrita rentes, atendiam a um objetivo concreto." "Não há um só dentre os
de Luxemburgo, porque era crucial para ela que Leo ficasse encar- de nossa geração de 1905-1906", escreveu outro dos discípulos de
regado das questões do partido polonês. O tom frio de suas cartas, Jogiches, Józef Rotstein-Krasny, "que não lhe deva muito. Como orga-
entretanto, indica um desentendimento ocorrido antes de ele sair de nizador, editor, estrategista e marxista erudito, deixou um marco em
Berlim para Cracóvia, ou durante os primeiros três meses, quando ela todos os camaradas mais jovens que trabalharam com ele."5
não lhe escreveu por medo de que suas cartas se perdessem. Uma
vez afastado de Berlim, Jogiches cortou a rede sufocante de depen- O respeito que inspirava restaurou a autoconfiança de Jogiches
dência. Cracóvia transformou-se em seu território exclusivo e ele o e fortaleceu sua inclinação autocrática. Ele estava decidido a defender
resguardava ciumentamente da interferência de Luxemburgo. Como sua independência recém-conquistada, mas não decorria daí que esti-
em Vilna, ele era senhor de si mesmo, só que agora já não se tratava vesse disposto a conceder a Luxemburgo a dela. Uma vez que des-
de alguns passaportes falsificados ou de organizar umas poucas cartara os sonhos e desejos dela muito tempo antes, provavelmente
dezenas de trabalhadores; tratava-se de organizar uma revolução na nunca lhe ocorreu que ela ainda pudesse apegar-se a eles. Ambos se
parte da Polônia anexada pela Rússia e, em última instância, de haviam instalado na meia-idade e a distância o libertou — a ele,
derrubar o czar. amante sempre relutante — das demandas de Rosa. Somente a pena
dela importava.
142 Alemanha de volta a Varsóvia 143

Jogiches presumiu que, como seus demais colaboradores, ela 'máxima', rejeito uma aliança 'mínima'. É claro, vereint schlagen, aber
executaria suas ordens sem questionamento. Mas Rosa de fato fazia — getrennt marschieren [lutar juntos, mas marchar separados]. Essa
perguntas, constante e insistentemente. Carta após carta está crivada ralé precisa de nós, nós não precisamos dela."11
de pedidos irados: "Será que você não tem mesmo um minuto para Jogiches a desafiou. Seria errôneo atribuir seu desafio a qual-
escrever nada sobre a publicação? (...) Peço e insisto categorica- quer outra coisa que não uma estratégia política. O fato de ele haver
mente em que você me informe de imediato quem da nossa gente foi trabalhado em Vilna com os futuros fundadores do Bund e de ter
preso."6 "Como é que você pode me deixar sem nenhuma notícia, inadvertidamente contribuído para sua fundação não teve qualquer
isso é simplesmente descaso (...) Peço-lhe que responda e que me relação com sua política. Sua desconsideração pela postura adotada
mande ao menos alguma notícia da Polônia."7 "Que diabo está por outros membros da liderança do partido era sintomática de seu
acontecendo? Fico esperando de um correio para outro, e continua estado de ânimo. Jogiches procurou no Bund um aliado contra o
não havendo uma palavra sua!"8 "Não houve nenhuma carta sua Partido Socialista Polohês e estava disposto a pagar o preço. Em
ontem ou hoje. Não entendo o que isso significa."9 meados de julho de 1905, por iniciativa do Bund e com a aprovação
De fato, ela não entendia. Por muito tempo, recusou-se a acre- de seu partido, Jogiches foi a Varsóvia negociar. Chegou a um acordo
ditar que Jogiches a estivesse isolando deliberadamente. Ele escrevia, com o Bund sobre cooperação futura e apoio mútuo. Conseqüente-
sim, mas segundo sua própria vontade, para coordenar a estratégia mente, foi acusado de fazer concessões excessivas ao Bund, ado-
política ou pedir algum artigo. "Hoje senti mais agudamente do que tando uma postura perigosamente reconciliadora, e de uma "traição
nunca a anormalidade de meu trabalho nos assuntos poloneses", aos interesses" do partido.12 Feliks Dzierzyríski escreveu à Comissão
escreveu Luxemburgo em outubro. "Recebi uma ordem sua: escreva Exterior do partido: "Não [nos] é possível chegar a nenhum enten-
um editorial sobre a autonomia [da Polônia] (...). Ótimo. Mas, diabos, dimento com ele. Até nas negociações com o Bund ele se portou de
para escrevê-lo, preciso ler os jornais poloneses e russos, preciso maneira tão ultrajante que é simplesmente difícil acreditar que pudes-
estar a par do estado de ânimo da sociedade, preciso estar em se levar as coisas a esse ponto."13 Como resposta, Jogiches se demitiu
contato com as questões partidárias."10 Nos dois ou três meses ante- de seu trabalho nas publicações do partido. Luxemburgo teve de usar
riores, disse Rosa, ela não vira nenhum jornal polonês, legal ou ilegal. toda a sua habilidade diplomática para remendar as coisas entre o
Estava sendo deixada no escuro num momento em que a revolução partido e Jogiches. Nenhum acordo foi assinado com o Bund e Jogi-
parecia próxima e em que o trabalho de toda a sua vida estava ches retirou seu pedido de demissão e retomou seu trabalho em Cra-
finalmente dando frutos. cóvia.
Será que os silêncios prolongados de Jogiches se deviam à falta Um grave conflito na vida pessoal de ambos foi desencadeado
de tempo ou à falta de boa vontade? Como Luxemburgo assinalava nesse mesmo ano, 1905, pelo surgimento de um rapaz a quem Lu-
impacientemente, ele poderia mandar um de seus colaboradores xemburgo se referia como W. em suas cartas a Jogiches. Não se sabe
remeter as notícias ou os jornais. Rosa explicou que precisava de exatamente quando W. surgiu na vida dela, nem é possível deter-
material para manter o público alemão informado; pediu e pressio- minar a natureza exata de seu relacionamento. A identidade dele não
nou em vão. Se, no passado, Jogiches simplesmente não se impor- é certa. Com toda a probabilidade, tratava-se de Wladyslaw Feinstein,
tava em consultá-la, agora havia adotado uma política firme. Quanto conhecido por Witold e por cinco outros pseudônimos, todos ini-
maior era seu sucesso — e o número crescente de membros do ciados pela letra W. Judeu polonês de Varsóvia, era membro ativo do
SDKPiL era prova desse sucesso —, mais obstinadamente ele se en- SDKPiL, discípulo e colaborador íntimo de Jogiches e, mais tarde, sob
trincheirava em sua fortaleza. o nome de Zdzisfaw Leder, foi o único biógrafo de Jogiches. Dez
Um desvio flagrante do princípio de uma plataforma política co- anos mais moço do que Luxemburgo, W. foi um dos vários homens
mum com Luxemburgo apareceu na postura de Jogiches perante o bem mais jovens a se deixarem fascinar por ela.
Bund, o partido dos trabalhadores judeus. A atitude de Luxemburgo, Quando, em junho de 1905, Leo perguntou a Rosa sobre seus
compartilhada com a liderança do partido polonês, era inflexivel- planos para as férias, ela respondeu que estava perfeitamente bem
mente negativa, por causa da ideologia nacionalista judaica do Bund. em casa e até havia engordado. Recebera convites que tinha recu-
"Não concordo com nenhuma aliança com os judeus", ela lhe escre- sado. Clara Zetkin a cansava com sua tagarelice incessante, Henriette
vera em junho. "Pelas mesmas razões que você rejeita uma aliança Roland Holst, uma amiga holandesa, a entediava com suas teorias
144 Alemanha de volta a Varsóvia 145

raciais, e a reunião da família dos Kautskys em São Galeno não era QUERIDO PERDI MENSAGEIRO TELÉGRAFO ONTEM. MENSAGEM ACABA
um grande descanso. Sem sugerir que os dois passassem as férias SER RECEBIDA HOJE MANHÃ CEDO. PESSOAS [ME VISITANDO] O DIA
juntos, Rosa aconselhou Jogiches a tirar duas semanas de repouso. INTEIRO ONTEM. (...) ERA IMPENSÁVEL ESCREVER. FIQUE CALMO
QUERIDO TUDO FICARÁ BEM. ESTOU INFLEXÍVEL. ESCREVO MAIS HOJE
Não era difícil para Jogiches unir-se a Luxemburgo ou para ela ir a
ENTREGA ESPECIAL. MEL SAUDAÇÕES. POR FAVOR FIQUE TRANQÜILO.
seu encontro. Mas é claro que nenhum dos dois estava empenhado
em se encontrar. Luxemburgo acabou decidindo visitar Clara Zetkin.
De repente, no dia 7 de agosto, enviou um telegrama a Jogiches para No mesmo dia, 17 de setembro, ela lhe escreveu: "Querido,
dizer que estava indo para Cracóvia. meu querido, porque você está se atormentando, porquê? Agora, tudo
Ficou com Jogiches cerca de doze dias. Numa carta de aniver- em que devemos pensar é nossa tarefa, nosso trabalho (...) Estou
sário que enviou a Luise Kautsky de Cracóvia, explicou que estivera absolutamente inflexível em minha decisão, como lhe telegrafei hoje,
totalmente disposta a ir à casa de Clara, mas que havia mudado de portanto, fique calmo e pense apenas no futuro C.. J W. chegou aqui
idéia no último minuto. Se seu tom era animado, é porque Rosa sabendo que a decisão fora tomada e não disse uma palavra para me
aprendera a soar em suas cartas exatamente como bem entendesse. fazer mudar de idéia (...) Naquela noite, na plataforma, uma luz ficou
Mas o encontro com Jogiches foi trágico. Luxemburgo lhe disse que acesa em sua janela por muito, muito tempo, até o trem fazer a curva.
havia outro homem em sua vida. Fiquei intencionalmente de pé sob a luz do poste para que você me
Porque terá ela ido a Cracóvia? Porque fez essa confissão? Seria visse. Queria tanto estar melhor, mais animada naqueles minutos
mais uma tentativa final de abalar Jogiches, de fazê-lo entender que finais, mas não consegui, e você parecia tão abatido (...) Seja fone,
ele havia falhado com ela e que ela já não estava disposta a pros- Dyodyo, seja fone/" Em sua terceira carta desse dia, ela escreveu:
seguir na farsa? O choque, talvez tenha pensado, era sua última chan- "Lembre-se, você não pode tomar nenhuma decisão a seu próprio
ce de salvar a união. Afora isso, ela teria poucas razões para falar respeito sem mim. Pensaremos nisso juntos tão logo você tiver termi-
com Jogiches sobre W.; foi um episódio sem grande significação e ela nado aquelas conferências. Escreva-me, por favor, escreva. Escreverei
o teria guardado para si. Mas não o fez, e contar a Jogiches foi um para você de qualquer modo. Ah, seus olhos! Aquela expressão nos
passo deliberado. seus olhos!"14
Feriu Jogiches duramente. A única pessoa em quem ele havia O tom de Luxemburgo se havia modificado. Mas Jogiches sabia
confiado sem restrições o traíra; a única mulher de quem era íntimo o distinguir compaixão de paixão e culpa de amor. Se havia algo mais
havia enganado. Leo sentiu-se ludibriado, ferido, perdido. A traição ofensivo do que a deslealdade dela era sua piedade. O fato de o
dela deu forma e cor a seus temores: agora, o fracasso era um fato desespero dele ser tão transparente agravou sua humilhação. Sua vi-
concreto e irreversível. E a percepção de sua total dependência de da interior, tão ciumentamente guardada, ficara subitamente exposta.
Luxemburgo certamente foi mais esmagadora do que o envolvimento "Como você soa triste em suas cartas!", escreveu ela. "Não fique tão
romântico de Rosa. Ele nunca mais voltaria a fiar-se nela. Mas ela desesperado e mande todos os seus demônios diretamente para o
queria mais. inferno. Pare de filosofar e comece a viver com o que é real. Essa
No dia 4 de setembro ou em tomo dele, duas semanas após a maldita filosofia não serve para nada."15 Mas Leo tinha tão pouca
confissão de Luxemburgo, Jogiches foi a Berlim. Sua visita foi tão re- possibilidade de parar de "filosofar" quanto de aceitar a derrota. E
pentina quanto ó fora a dela a Cracóvia. Mesmo considerando a além disso, apesar de toda a sua solidariedade, Luxemburgo não
situação política tensa, é difícil aceitar a visão padronizada de que estava disposta a retomar o relacionamento em sua forma anterior:
Leo foi discutir táticas partidárias com Luxemburgo. Nada, ao que "Você tem de me deixar fazer o que eu quiser e como quiser (...)
parece, poderia estar mais longe de sua mente. Ele não foi pedir, pois Simplesmente levo a vida de uma planta e é preciso me deixar exa-
era incapaz de pedir, mas obter a garantia de que ela lhe pertencia, tamente como eu sou."16 Não obstante, ele continuava a analisar.
de que nada se havia modificado na vida de ambos. Luxemburgo "Meu tesouro, onde foi que você descobriu em minha carta um 'tom
prometeu romper com W. e dizer-lhe que sua decisão era definitiva. pessoalmente áspero'?", protestou Rosa. "Eu simplesmente não pude
Ao sair de Berlim, em 15 de setembro, Jogiches ainda estava em acreditar no que vi. Olhe, escrevi a carta numa pressa terrível para
dúvida. Mal viajou, mandou-lhe um telegrama para que ela o alcançar o correio, e, já no final, estava mais apressada ainda. Talvez
tranqüilizasse. Rosa telegrafou de volta: por isso é que tenha-se infiltrado uma cena aspereza no estilo (não
146 Alemanha de volta a Varsóvia 147

reli o que escrevi). É realmente incrível que, agora, você possa achar de ter destruído Jogiches a atormentava; poderia ela ter destruído
que eu seria áspera com você."17 aquele homem, tão forte, invencível? Era como um pesadelo. De al-
Há nos enunciados dela um tom forçado, uma impaciência gum modo ela o traria de volta, agora em seus próprios termos. O
contida que não poderia escapar a Jogiches. Nem mesmo seus planos último ato do grande amor de sua vida desenrolou-se em Varsóvia.
de uma vida futura em comum, repleta de livros "sérios", trabalho e Em 23 de novembro de 1905, Jogiches, aliás Otto Engelmann,
lazer, continuavam a lhe soar sinceros. "Não houve nenhuma carta registrou-se no hotel Victoria, em Varsóvia. Outros membros da lide-
sua ontem, e hoje chegou sua carta de domingo — tão triste e tão rança, inclusive Dzierzynski, Warszawski e Marchlewski, já estavam
cheia de dúvidas que me deixou surpresa. Porquê? O que está haven- no local para comparecer a uma conferência do partido e fundar um
do? Deve ter sido uma depressão, depois do trabalho incomumente jornal partidário. Nem mesmo no calor da batalha o estado de ânimo
exaustivo", declarou, "o que causou essas alucinações. E aqui estou de Jogiches melhorou. Desde os tempos de Vilna ele nunca fora tão
eu, arrumando seu quarto."18 Se Jogiches teve alguma premonição de conspiratorial (em Cracóvia, vivia com seu próprio nome, como o
que o quarto nunca voltaria a ser seu, se era a isso que correspon- fizera em Berlim), com a polícia russa em seus calcanhares e todo o
diam suas "alucinações", estava certo. aparato da subversão nas mãos. No entanto, continuava abatido e
Suas cartas continuaram a ser "curtas e tristes". Ele continuou desanimado. "Será que isso nunca vai acabar? Nunca?", escreveu Lu-
martelando a tecla do passado, apreensivo e desconfiado. Mesmo xemburgo a Varsóvia angustiadamente. "Quando é que você vai pa-
assim, sua decisão de manter Luxemburgo fora de seu campo político rar de pensar no que é sem objetivo, sem sentido, e começar a viver
permaneceu inabalada. "Agora, uma coisa pessoal", escreveu ela, sem com o que é?"22
refletir muito sobre a inversão dos papéis. "Você está errado, meu Luxemburgo decidiu juntar-se a seus companheiros em Varsó-
tesouro, em achar que minha cabeça está constantemente voltada via para fazer a revolução, em vez de escrever sobre ela. Aborrecida
para os assuntos poloneses. Infelizmente, a verdade é o oposto (...). por ser deliberadamente isolada dos assuntos poloneses, talvez tenha
Não penso em nada exceto os assuntos alemães, mas de fato quero querido provar a Jogiches a inutilidade de suas tentativas "infantis" e
ficar em dia, pelo menos no que concerne aos assuntos mais substan- esperado acalmá-lo e tranqüilizar sua própria consciência. Experi-
ciais de nosso trabalho. Por favor, por favor, não seja tão infantil e mentava também uma sensação de desconforto por ser o único mem-
não me isole tão brutalmente do trabalho polonês, retendo todas as bro da liderança do partido a permanecer no exterior nessa situação
informações. E por favor, querido, nunca mais volte a usar um trata- transitória. Os colegas alemães e poloneses objetaram à viagem como
mento de choque comigo. Você tem de me acreditar quando lhe digo sendo extremamente perigosa, mas ela se recusou a lhes dar ouvidos.
que um punhado de notícias não vão me magoar, mas, ao contrário, Foi levada à estação da Friedrichstrasse em Berlim, em 28 de
satisfarão uma necessidade."19 Seus apelos continuaram sem resposta. dezembro, pela família Kautsky. A velha Minna Kautsky envolveu
Se Luxemburgo fez sua confissão para sacudir Jogiches de sua Rosa em sua capa de lã. Karl Kautsky colocou um cobertor quente
complacência, certamente teve êxito. Se a tristeza dele era uma me- sobre suas pernas e Luise a presenteou com seu relógio, que aliás
dida de seu amor — o que, até certo ponto, era —, Rosa teve a prova trazia as iniciais de Luxemburgo (o sobrenome de solteira de Luise
de que ele a amava, a prova de que era humano. Mas tudo isso era Ronsperger) — e basta de conspiração. Luxemburgo viajou como
chegara tarde demais. Ela estava inteiramente consumida. "Sinto uma Arma Matschke, mas seria preciso um milagre para que a polícia
trêmula inquietação nervosa", admitiu, "uma necessidade de me afo- russa não reconhecesse seu rosto, famoso pelas fotografias dos
gar no barulho (...). Tenho medo do silêncio (...) e, à noite, sofro de jornais, e sua claudicação.
pesadelos e palpitações."20 O trabalho, repetia ela, era o único remé-
dio. Era-lhe difícil escrever, e isso, disse Rosa, a estava dilacerando
por dentro. "Não posso ser uma verdadeira escritora, afinal", resmun-
gou "se tenho de me puxar pelos cabelos para me obrigar a escrever
qualquer coisinha."21 Na verdade, ela estava perfeitamente apta a es-
crever: nos três meses subseqüentes à visita de Jogiches em setem- O massacre do Domingo Sangrento, em 22 de janeiro de 1905, e as
bro, publicou mais de trinta artigos. Mas precisava perder-se por greves que se seguiram na Rússia deflagraram na área da Polônia
completo no trabalho, e o menor revés a deixava em pânico. O medo anexada pela Rússia uma reação que mais se assemelhou a uma
de volta a Varsóvia 149
148 Alemanha

contratempo. "Ontem, desde o início da manhã, um bocado de azar


insurreição nacional do que a uma luta econômica. Desde a insur- — a gráfica foi revistada e fechada e houve detenções freqüentes,
reição anti-russa de 1863 os sentimentos nacionais não se elevavam embora nada de realmente sério tenha dado errado, pois hoje
tanto nem se difundiam com tal amplitude. Na província de Varsóvia, montamos uma nova impressora e tenho de me sentar imediatamente
entrou em greve um número de trabalhadores duas vezes superior ao para escrever um artigo", relatou Luxemburgo aos Kautskys em
da província de São Petersburgo e três vezes maior que o da provín- meados de janeiro de 1906.23
cia de Moscou. Por temperamento, os trabalhadores poloneses eram Ela estava feliz na cidade rebelde. Após anos falando e escre-
mais propensos à rebelião do que os russos. Além disso, os polo- vendo, teorizando e filosofando, depois da enfatuação dos compa-
neses estavam lutando tanto contra a russificação e pela liberdade nheiros de Berlim, dos "clichês absurdos" e do "palavrório 'radical'"
quanto por maiores salários. Aos trabalhadores em greve logo vieram do Vorwárts, a frente de batalha trouxe de volta a excitação da juven-
juntar-se os estudantes ginasianos e universitários e a intelectuali- tude. Como tantas vezes acontecera em sua vida, a realidade não
dade. O ódio contido desde longa data pela dominação russa uniu perturbou seus sonhos. Embora a greve geral que ela esperava nunca
trabalhadores e intelectuais, estudantes e camponeses. Foi uma época ocorresse, ela escreveu aos Kautskys: "Não é inviável que um mero
de acontecimentos únicos e de um espírito singular. Os marinheiros 'acaso', um novo Manifesto ou qualquer coisa assim possa provocar
amotinados do encouraçado Potemkin uniram-se aos revolucionários subitamente uma greve espontânea."24 São Petersburgo, contou-lhes
da Rússia e, em Varsóvia, irrompeu uma greve geral para protestar ela, achava-se num estado caótico e não se podia esperar que ne-
contra os pogroms de judeus em Bialystok, instigados pelo governo. nhuma instrução viesse de lá. Mesmo assim, ela planejava ir a São
A lei marcial foi a arma que os russos usaram contra os poloneses; foi Petersburgo pessoalmente para "fortalecer os laços" do partido ale-
introduzida em agosto em Varsóvia, estendida a todo o Reino da Po- mão com a revolução, o que quer que pretendesse dizer com isso. As
lônia em novembro, suspensa ern 1° de dezembro e reintroduzida imensas dificuldades com as impressoras, as detenções cotidianas e a
vinte dias depois. Não foi uma arma eficaz. Em outubro, na esteira de briga entre as facções eram desgastantes, mas ela estava excitada.
uma greve geral na Rússia, os ferroviários poloneses entraram em "Apesar da lei marcial, estamos publicando O Estandarte [Vermelho]
greve, juntamente com os trabalhadores de grandes e pequenos cen- todos os dias e ele-é vendido nas ruas", escreveu aos Kautskys. "No
tros industriais. Sob a bandeira de uma "luta comum contra o cza- instante em que a lei marcial for suspensa reiniciaremos a publicação
rismo", uma greve política maciça, a maior da Polônia, paralisou da Tribuna [do Povo]. Todos os dias, com o revólver em punho, for-
completamente o país. Para colocar a situação sob controle e fazer çamos os tipógrafos burgueses a imprimirem o Estandarte."25 Se ela
uma demonstração de boa vontade, os russos prometeram aos polo- não estava empunhando pessoalmente um revólver apontado para a
neses uma constituição e direitos civis. Foi uma promessa vazia. As cabeça dos tipógrafos, talvez Jogiches estivesse, ou pelo menos ele
únicas concessões feitas pelos russos foram uma anistia política de- dirigia a operação.
clarada em outubro e a abolição da censura prévia em dezembro. Um Enquanto isso, o inverno rigoroso persistia, as famílias dos tra-
breve período de liberdade ilusória mitigou a raiva acumulada e, em balhadores em greve sofriam fome e frio e os operários estavam
30 de dezembro, dia em que Luxemburgo chegou a Varsóvia, todas exaustos. O número de greves caiu drasticamente em 1906 e ficou
as esperanças de urna greve geral haviam morrido. claro que nem mesmo o apoio de numerosos sindicatos europeus era
É questionável que Jogiches tenha sido entusiástico a respeito capaz de contrabalançar a polícia russa. No fim, a vitória ficou do
da ida de Luxemburgo a Varsóvia. Ela estava invadindo seu território lado da força russa, como acontecera tantas vezes antes. As sentenças
e retirando-lhe a glória; ademais, sua presença seria um lembrete de morte e a prisão, a liquidação dos sindicatos e o aumento da
constante da humilhação de Leo. Não obstante, sua pena era suma- opressão reduziriam os trabalhadores à resignação e à passividade
mente necessária e, como político, ele aceitou a vinda dela como por muitos anos.
uma necessidade. Os sessenta e cinco dias de atividade febril numa Como se evidenciou mais tarde, o trabalho e o perigo compar-
cidade em que ambos eram criminosos políticos foram os últimos tilhados não conseguiram promover uma aproximação maior entre
que eles passaram juntos. Dia e noite Luxemburgo produzia artigos, Luxemburgo e Jogiches. O que aconteceu entre eles durante o inter-
panfletos e proclamações. A liderança se reunia com freqüência, pois lúdio de Varsóvia permanece como uma conjectura, mas está claro
a estratégia tinha de ser adaptada hora a hora aos acontecimentos que ambos fizeram esforços no sentido de salvar o relacionamento. O
imprevisíveis e descoordenados. Não se passava um só dia sem um
150 Alemanha
de volta a Varsóvia 151

que mais poderia ter instigado a mudança imprudente de Jogiches de


seu hotel para a pensão da Condessa Walewska, onde Luxemburgo entrada sem vigilância, mas, ainda que ela estivesse vigiada, Jogiches
estava hospedada? É possível que tenha sido um gesto conciliatório teria tido tempo de fugir ou, pelo menos, tentar. Em vez disso,
ou um flerte deliberado com o perigo. Talvez Leo julgasse a interven- supostamente, foi para seu quarto sem ser percebido, viu a busca em
ção policial um fim adequado para o romance que se desintegrava. andamento, perdeu mais uma oportunidade de escapar e entrou no
Talvez precisasse da proximidade dela, ou quem sabe ela precisasse quarto de Luxemburgo, levando no bolso as últimas cartas pessoais
da dele. A decisão não pode ser justificada em termos práticos; os recebidas dela. É muito mais provável que Jogiches simplesmente
dois hotéis ficavam próximos entre si e o risco de percorrer a curta estivesse no quarto de Luxemburgo quando a polícia chegou. Deve
distância era menor que o de se hospedar no mesmo local. Nenhum ter sabido o tempo todo que a presença de Rosa em Varsóvia estava
dos dois estava escondido; Luxemburgo visitava a família uma vez fadada a terminar num desastre.
por semana e os dois se encontravam com amigos, embora com "No domingo, dia quatro, à noite, o destino me alcançou — fui
cautela, em apartamentos localizados em diferentes pontos da cidade. presa. Já tinha um visto em meu passaporte e estava pronta para
Se morassem separados, haveria uma chance melhor de que um dos partir. Bem, não há nada que se possa fazer (...) Viva a Rev...!",
dois escapasse, caso o outro fosse detido. escreveu Luxemburgo aos Kautskys numa carta sem data que eles
Uma regra inflexível da conspiração consiste em morar ou receberam em 13 de março de 1906.26 Sua alcunha ainda não fora
esconder-se em separado, evitar a evidência, reduzir os riscos. Nin- revelada; ela havia pedido que as cartas fossem enderaçadas a Anna
guém estava mais cônscio disso do que Jogiches. Ele e Luxemburgo Matschke. Em seguida, Rosa escreveu a Karl Kautsky dizendo que o
usavam passaporte falsos, ambos vinham de Berlim, onde tinham correspondente do Leipziger Volkszeitung, Herr Ótto Engelmann
vivido juntos, e ambos eram notoriamente conhecidos das polícias (Jogiches), de Berlim — "você o conhece, é claro: o mesmo homem
alemã e russa. Devem ter discutido a possibilidade da prisão. Luxem- louro que morou muito tempo na Cranachstrasse" —, também estava
burgo, como cidadã alemã, corria um risco muito menor do que Jogi- preso, e pediu a Kautsky que confirmasse que Engelmann estava a
ches, súdito russo e desertor; Luxemburgo era uma infratora primária serviço em Varsóvia, caso a polícia viesse a indagar.27
da lei, ao passo que essa era a quinta viagem ilegal de Jogiches a Como não é de surpreender, a polícia soube da identidade de
Varsóvia no prazo de um ano; na eventualidade de uma prisão, a ambos no momento da prisão. Na falta de registros policiais, entre-
Social-Democracia Alemã protestaria em favor de Rosa, mas não tanto, havia necessidade de provas. O caso de Luxemburgo foi rela-
levantaria um dedo por Leo. tivamente simples; em cinco dias, a polícia providenciou um confronto
Na tarde de domingo, 4 de março de 1906, um dia antes do com sua irmã, Anna, que identificou Rosa prontamente. Desmascarar
trigésimo sexto aniversário de Luxemburgo, a polícia czarista entrou o cognome de Jogiches foi mais complicado; no fim de junho, quando
em seu quarto de hotel e encontrou uma profusão de literatura ilegal, Luxemburgo já fora libertada sob fiança, a polícia de Varsóvia pediu
provas tipográficas e correspondência com os líderes do SPD. As cir- à polícia de Vilna que identificasse um retrato de Engelmann. Pavel,
cunstâncias da prisão são intrigantes. Segundo as fontes disponíveis, o irmão mais velho de Jogiches, mais experiente do que a irmã de
Jogiches não estava no hotel quando surgiu o destacamento de poli- Luxemburgo, não traiu a identidade de Leo. As indagações
ciais e soldados. Ao chegar, abriu a porta de seu quarto, viu a revista posteriores, porém, revelaram que o correspondente do Leipziger
em andamento e, sem ser detido pela polícia, foi ao quarto adjacente Volkszeitung não era outro senão Leo Jogiches, condenado em 1889 a
de Luxemburgo para avisá-la. Ambos foram presos no quarto dela. Se quatro meses de prisão e um ano de vigilância militar, fugitivo e
Jogiches não estava no hotel quando a polícia chegou, entretanto, é desertor.
improvável que tivesse entrado. Numa tarde de domingo, naquele Depois de ser identificada, Luxemburgo redigiu um depoimento
bairro calmo, a polícia não poderia ter invadido as instalações da em polonês: "Meu nome é Rosa Luxemburgo, e não Anna Matschke,
pensão respeitável sem chamar a atenção dos vizinhos e transeuntes. como declarei anteriormente/'28 Ela manteve o restante da história.
Se a rua estivesse visivelmente deserta ou visivelmente agitada, Jo- Era uma social-democrata alemã, em visita a Varsóvia para ver a
giches teria pressentido o perigo e tomado sumiço. Mesmo que não família e coligir material para os jornais alemães para os quais tra-
notasse nada de incomum na rua, teria tomado conhecimento da balhava; nada tinha a ver com o movimento polonês. Só depois que
polícia ao entrar no hotelzinho. É improvável que a polícia deixasse a foi solta é que a polícia conseguiu um exemplar de O Estandarte
Vermelho contendo um artigo assinado por ela.
152 Alemanha de volta a Varsóvia 153

A investigação tentou provar que os dois réus, além de tenta- encontravam sem vigilância para discutir questões partidárias e ele
rem derrubar o governo czarista, tinham um relacionamento pessoal. obteve a concordância de Rosa para que a Social-Democracia
Surgiram na imprensa alemã anti-socialista artigos sensacionalistas Polonesa (SKDPiL) se unisse ao Partido dos Trabalhadores Social-
sobre a "sanguinária Rosa" e seu amante. "Essa estrangeira perigosa Democratas Russos no congresso subseqüente. Karl e Luise Kautsky
conseguiu a cidadania alemã através do casamento", escreveu Die ficaram de mãos cheias seguindo as instruções dela. Karl deveria
Post. "Nós da Alemanha só podemos regozijar-nos por nos termos representar o SDKPiL na Diretoria da Internacional; Luise deveria
conseguido livrar dela com tanta facilidade."29 Luxemburgo sustentou pagar o aluguel de Rosa — "a esperança de estar de volta em meus
que se havia casado com Gustav Lübeck em 1897 e divorciado cinco cômodos Vermelho'e Verde' me enche de alegria" — e uma conta de
anos depois; quanto a Otto Engelmann, era um colega de jornalismo, 25 marcos ao alfaiate de Jogiches — "certifique-se de obter dele um
e o encontro deles em Varsóvia fora pura coincidência. Não havia recibo."32 Com tranqüila eficiência ela cuidou de questões políticas
provas em contrário, salvo pelas cartas claramente pessoais de Lu- significativas e de detalhes práticos, sem deixar por uma só vez que a
prisão perturbasse sua vida. A depressão e a apatia de que se
xemburgo encontradas com Jogiches; aparentemente, estas não cons- queixara alguns meses antes desapareceram; suas cartas aos Kautskys
tituíam prova suficiente. Seja como for, pela legislação alemã ela era irradiavam bom humor e animação, como se ela tivesse deparado
cidadã alemã, fato impossível de refutar, fosse pela polícia alemã, com uma grande aventura. Na Fortaleza, as condições se deteriora-
que colaborava ansiosamente com os russos, fosse pela imprensa ram — ela foi forçada a ver a família de dentro de uma cela de ferro
alemã, que afirmava-que ela nunca vivera com Lübeck, mas sim com —, mas não seu ânimo. Sua força física desapareceu. Quando os
Jogiches. médicos confirmaram suas queixas — anemia, aumento do fígado e
A liderança do Partido Social-Democrata Alemão não poupou catarro gastrointestinal — para conseguir sua libertação, dificilmente
esforços para tirar Luxemburgo da prisão. August Bebei empenhou estariam exagerando.
dinheiro e todos os recursos à disposição do partido para impedir a No final das contas, foi o dinheiro que comprou sua liberdade:
corte marcial e a deportação para a Sibéria. A família de Luxemburgo 2.000 rublos para subornar o oficial russo que concordou em libertá-
apoiou-a firmemente, tentando obter fundos, visitando-a na prisão e la sob fiança e 3.000 pela fiança. O dinheiro do suborno foi levantado
se dispondo a interceder junto ao primeiro ministro russo, o Conde pela família e pelos amigos. A fiança foi depositada por seu irmão
Witte. Rosa se opôs a isso com firmeza ao fazer um apelo ao Chan- Maksymilian, embora provavelmente tenha sido fornecida pelo Par-
celer alemão, von Bulow: "Não quero, de modo algum, dever-lhe tido Social-Democrata Alemão.
nada", escreveu aos Kautskys, "já que, depois, não me sentiria livre Luxemburgo foi solta ao se aproximar o final de junho de 1906,
para criticar a ele e ao governo, como é meu dever."30 mas não ficou livre para deixar Varsóvia. Sob os cuidados da família,
Nenhum dos projetos de fuga concebidos pelos membros do recuperou prontamente a saúde. "Estamos vivendo uma época
partido polonês funcionou, em parte porque os prisioneiros foram esplêndida", escreveu, em julho, aos amigos Emanuel e Mathilde
inicialmente transferidos da prefeitura para a prisão de Pawiak e, Wurm. "Esplêndida é como chamo uma época que gera problemas
depois disso, para a famigerada fortaleza da cidade. Nessa Fortaleza é em grande escala, problemas significativos, uma época que estimula
que tinham sido encarcerados os heróis da juventude de Rosa, Alek- a mente, produz 'crítica, ironia e essência', libera as paixões e, acima
sandra Jentys e Ludwik Waryiíski, e em suas rampas é que quatro de tudo, é um tempo fecundo, grávido. Parteja hora após hora e a
socialistas tinham sido enforcados quando ela contava dezesseis cada parto fica ainda mais 'grávido', e, o que é mais importante, não
anos. Pawiak recordou-lhe a prisão de Zwickau, como escreveu aos dá à luz ratos mortos e mosquitos esmagados, como em Berlim, mas
Kautskys: "Paz, ordem e solidão; recebo mais comida do que preciso verdadeiros gigantes — crimes gigantescos (vide o governo), vergo-
e posso andar todos os dias. Ainda assim, o mais importante são os nha gigantesca (vide a Duma), estupidez gigantesca (vide Plekhanov
contatos freqüentes com o mundo externo: estou em contato cons- & Cia.), etc." Rosa encerrou a carta com seu princípio norteador: "A
tante com os amigos e... posso escrever."31 revolução é esplêndida, tudo o mais é lixo!"33
Se algum dia Jogiches pôde censurá-la por ser frívola, decerto O espírito rebelde dos poloneses a extasiava. Comparada a
não foi enquanto ela esteve na prisão. Rosa manteve os assuntos Varsóvia, Berlim parecia mais asfixiante do que em qualquer época
profissionais e pessoais sob perfeito controle. Jakub Hanecki, um anterior; ela preferia estar na prisão, disse, do que discutir com seus
social-democrata polonês, visitava-a quase diariamente. Os dois se
154 Alemanha de volta a Varsóvia 155

colegas do Vorwàrts. Orgulhava-se de sua cidade, "o único oásis da sedutora, e com sua enorme força de vontade e seu vasto conheci-
Rússia" combativa, sofredora e viva.34 Em Varsóvia, escreveu ela de- mento da realidade russa. Era erudito, perspicaz e decidido. Os teó-
pois de deixar a cidade rumo à Finlândia, o perigo era lugar-comum, ricos que ela conhecia se obscureciam, comparados a ele. A crença
"o que, naturalmente, me deixa em cócegas para voltar de imediato". genuína de Lenin em sua própria infalibilidade e seu desinteresse por
Varsóvia era dez vezes "mais interessante do que a sonolenta Peters- qualquer coisa que não se relacionasse com a revolução a impressio-
burgo, onde, andando pelas ruas, nem se imagina que há uma revo- naram. "É um prazer conversar com ele", escreveu a um amigo poste-
lução em curso".35 O poder moral nascido das insurreições ao longo riormente. "Ele é sofisticado e culto, com o tipo de cara feia que tanto
de todo o cativeiro da Polônia e exaltado na poesia romântica havia me agrada."39
renascido. O ritual de sacrifício fora recriado. Tal como os revoltosos Embora considerasse instrutivos os encontros com os russos, ela
de 1830 e 1863, os trabalhadores em greve enfrentavam um poderio queria realmente voltar à Alemanha. Com sua nova munição — o
militar que não podiam dominar. A revolução estava condenada, mas trabalho sobre a greve em massa — e sua nova glória, conquistada ao
o proletariado dava continuidade à tradição e partilhava os sonhos da fazer de fato uma revolução, sentia-se mais bem equipada do que
nação. "Na tempestade da revolução" escreveu Luxemburgo em seu nunca para infundir um espírito verdadeiramente revolucionário no
trabalho sobre a greve em massa, "o proletário, de pai provedor que partido alemão. A maior parte de seu tempo na Finlândia foi dedi-
roga por apoio, transforma-se num 'romântico revolucionário' para cada ao trabalho num panfleto denominado "Massenstreik, Panei
quem até o bem maior, a própria vida - para não mencionar o bem- und Gewerkschaften" ("A Greve em Massa, o Partido e os Sindica-
estar material —, vale pouco, comparado aos ideais por que ele luta."36 tos"). "Se há uma coisa que a revolução russa nos ensina é, acima de
Rosa saiu de Varsóvia, para nunca mais voltar, em 31 de julho tudo, que a greve em massa não pode ser artificialmente 'produzida',
de 1906. Os médicos recomendaram um tratamento no exterior e as 'decidida' ao acaso ou 'propagada', mas que é um fenômeno histó-
autoridades lhe concederam permissão para deixar o país. Sujeita a rico que, no momento certo, resulta das condições sociais com uma
um processo por um discurso sedicioso que proferira em Jena um inevitabilidade histórica."40 O credo de Luxemburgo — a superiori-
ano antes, Luxemburgo não podia voltar à Alemanha de imediato. De dade da espontaneidade frente à "ação organizada" — e sua crença
qualquer modo, estava ansiosa por se encontrar com os líderes dó em que o instinto sadio do proletariado era superior à liderança
Partido dos Trabalhadores Social-Democratas Russos; após uma breve partidária foram corroborados por argumentos vigorosos. Nenhum
parada em São Petersburgo, onde visitou um velho amigo que estava plano preparado de antemão podia acompanhar o ritmo do movi-
na prisão, Parvus-Helphand, prosseguiu para Kuokkala, uma pe- mento espontâneo das massas; era um erro, escreveu ela, atribuir a
quena estação de veraneio na Finlândia, a vinte milhas de São Peters- urn partido político o poder que só os trabalhadores possuem. A luta
burgo. Ali ficou vivendo sob o nome de Felicia Budilowicz. política em massa não pode ser dirigida de cima por uma organiza-
Apesar de toda a sua admiração pela revolução russa, ela jul- ção partidária central. "A superestima (...) do papel das organizações
gava as atitudes russas tão exasperantes quanto as vira anteriormente. na luta de classes do proletariado costuma caminhar de mãos dadas
"Caos, desorganização e, acima de tudo, uma confusão de idéias e com o descaso pela massa proletária não organizada e por sua matu-
táticas", escreveu aos Kautskys.37 Mesmo assim, a visita foi muito ridade política."41
instrutiva. "Através de meu contato com as pessoas do movimento De que modo a experiência da Rússia, aquele "Estado semi-bár-
estou aprendendo o que nunca se poderia aprender nos livros; além baro", podia aplicar-se à Alemanha, onde o Partido Social-Democrata
disso, pode-se conseguir alguma coisa através do contato direto."38 É tinha três milhões de membros e a classe trabalhadora tinha uma ex-
quase certo que estava pensando em Lenin. Lenin e seus colabora- periência de trinta anos de vida política? As diferenças eram basica-
dores mais próximos, Zinoviev, Kamenev e Bogdanov, tinham sua mente ilusórias, declarou Luxemburgo, pois "o trabalhador de Peters-
base em Kuokkala. A atitude de Luxemburgo perante os bolche- burgo, Varsóvia, Moscou ou Odessa é muito mais próximo de seu
viques, reservada, na melhor das hipóteses, começara a se modificar equivalente da Europa Ocidental, cultural e mentalmente", do que
em Varsóvia; como os poloneses, os bolcheviques ao menos tinham acreditavam as pessoas criadas pelo sindicalismo e pelo parlamenta-
tentado derrubar o governo. rismo inglês.42 Além disso, a pobreza abjeta dos mineiros, dos operá-
Em Kuokkala ela passou a conhecer Lenin bem. Ele a impres- rios têxteis, dos ferroviários e dos agricultores alemães, que não dife-
sionou com sua mente excepcional, qualidade que sempre lhe era
ria da encontrada na Rússia, reduzia as diferenças. Contudo, enquan-
156 Alemanha

to, na Rússia, o menor conflito entre trabalhadores e patrões causava


uma tempestade, na Alemanha, na França, na Itália ou na Holanda
nem mesmo os conflitos mais explosivos eram seguidos por uma
ação em massa por parte dos trabalhadores. Luxemburgo achava que
era o instinto de classe, altamente desenvolvido na Rússia e subde-
senvolvido na Alemanha e em outros países da Europa Ocidental,
que despertava as massas para a ação. "O mais atrasado dos países
(...) mostra maneiras e métodos de promover a luta de classes ao
proletariado da Alemanha e dos países capitalistas mais avançados."43
11 Costia
A revolução de 1905 expôs o abismo entre Luxemburgo e os
social-democratas alemães, o abismo entre uma revolucionária e os
Zetkin
teorizadores. Parecia impossível cobri-lo. A pergunta retórica de Lu-
xemburgo — "Quando é que vocês finalmente aprenderão com a re-
1907-1912
volução russa?" — foi pouco menos do que uma bofetada no rosto
dos alemães. Enquanto ela concebia a revolução como uma necessi-
dade histórica, seus companheiros alemães viam-na como uma ques-
tão filosófica abstrata.
O epílogo da derrocada de Varsóvia veio em novembro de
1906. A corte marcial julgou Luxemburgo e Jogiches culpados de par- KONSTANTIN ZETKIN, conhecido por Costia, o filho mais
ticipação na Social-Democracia do Reino da Polônia e Lituânia e de novo de Clara Zetkin, nascera em Paris em 17 de abril de 1885. Tinha
tentar derrubar o império russo por meio de uma insurreição armada. quatro anos quando seu pai morreu. A mãe mudou-se com os dois
Luxemburgo não apareceu no tribunal, enviando urn atestado médico filhos para Zurique, mandou-os por um breve período para a Ingla-
que confirmava sua saúde precária; foi declarada fugitiva da lei e sua terra e, em 1890, estabeleceu-se em Stuttgart. Antes de chegar aos
fiança foi confiscada. Em janeiro de 1907, a corte militar distrital con- cinco anos, Costia havia morado em três países diferentes, falava
denou Jogiches a oito anos de trabalhos forçados. A essa altura, a francês, alemão, russo e inglês e fora cuidado por um número idên-
vida de Rosa já tomara um rumo diferente. Ao voltar a Berlim em 13 tico de criadas. O tempo escasso de que Clara Zetkin dispunha para
de setembro de 1906, entre os amigos que a saudaram estava Kons- seus filhos não a impedia de formular e impor normas rigorosas. Os
tantin Zetkin. banhos frios, as unhas limpas e os horários apertados deveriam tor-
nar seus filhos fortes, aptos e disciplinados. Costia não tinha muita
escolha, de modo que tentava seguir as ordens — da mãe, do irmão
mais velho, das professoras e das criadas. Não obstante, tendo a
oportunidade, corria para as campinas, ficava olhando para o céu e
sonhava. Era ridicularizado pelos colegas de escola por ser filho de
uma mulher que desafiava o estereótipo da esposa alemã ideal,
interessada apenas nos "filhos, na igreja e na cozinha" (.Kinder, Kir-
che, Kücbé). Além disso, era forçado a exibir as convicções políticas
da mãe. Embora mandasse seus filhos para as melhores escolas, Clara
os vestia como crianças da classe operária. Costia nunca se esqueceu
do embaraço que isso lhe causava. No entanto, nem mesmo Maxim,
o filho mais independente, ousava contradizer Clara; arbitrária e
dogmática na política, ela não o era menos em casa.
Costia não foi um menino feliz. Tímido e sensível, tinha Maxim,
mais forte, constantemente exibido a ele como modelo. Admirava

157
Costia Zetkin 159
158 Alemanha

Maxim, que se safava com facilidade das piadas maldosas dos outros tinham dado sua bênção. Assim, Costia instalou-se no apartamento
estudantes e cuja atitude perante a mãe o impressionava. Maxim era de Luxemburgo, na Cranachstrasse no. 58.
correto e respeitador, mas era auto-suficiente, enquanto Costia de- Luxemburgo conhecia Costia desde que ele era adolescente,
pendia da aprovação da mãe. Ao contrário de Maxim, não era ne- vira-o ao longo dos anos na casa de Clara e não desconhecia o pro-
nhum consolo para ela, mas antes uma fonte de preocupação. Suas blema que ele causava à mãe. Quando retornou a Berlim em setem-
notas na escola primária e, mais tarde, no ginásio, eram passáveis, bro de 1906, aplaudiu o uso que a amiga fizera de seu apartamento.
mas não excelentes como as de Maxim. E a excelência era o que sua Clara a pôs em dia com as informações sobre seu filho mais novo.
mãe reverenciava, do mesmo modo que a ordem e a eficiência. Cos- Sem profissão e sem desejo de trabalhar, ele vivia às custas dela,
tia não era muito eficiente; atrasava-se em seus trabalhos de casa; queixou-se, despreocupado e indiferente. Nem as finanças apertadas
gostava de ler e de perambular e, acima de tudo, de devanear. Sem- de Clara nem sua consciência social justificavam a vida ociosa do
pre que se atrasava para o jantar, no entanto, o olhar preocupado da filho. Os pedidos insistentes de Clara para que ele a ajudasse na
mãe e os deveres negligenciados deixavam-no infeliz. Esforçava-se edição da Die Gleichheit permaneceram sem resposta. O escritório
muito por melhorar, sem nunca ter certeza de que a nota melhor que entediava seu filho e o horário de trabalho interferia em seu monta-
exibia triunfalmente à mãe compensaria suas transgressões. nhismo. Tinha-se de fazer algo a respeito dele.
Costia tinha treze anos quando Clara pediu a ele e a Maxim, Como Luxemburgo estivesse de partida para Berlim dentro em
então com quinze anos, consentimento para se casar com um pintor pouco, para ir ao congresso do Partido Social-Democrata Alemão
iniciante, Friedrich Georg Zundel. Embora ela afirmasse que sua (SPD) em Mannheim, e planejasse um período de férias na Itália mais
decisão dependia da concordância deles, a presença de Zundel na adiante, no outono, acomodou Costia no quarto de Jogiches. Em de-
casa ao longo do ano anterior lançava alguma dúvida sobre isso. zembro, voltou a Berlim, decidida a ajudar Clara. Convenceria Costia
a se matricular na universidade ou a arranjar um emprego e pôr fim a
Zundel tinha uma idade mais próxima dos meninos do que de sua sua existência doentia. Onde a mãe havia falhado, uma velha amiga
mulher de quarenta e urn anos — era oito e dez anos mais velho do de confiança, e uma amiga com fama e autoridade, talvez tivesse
que Maxim e Costia, respectivamente —, e estabeleceu boas relações melhor chance.
com eles. Deserdado (supostamente por sua política radical) e sem A conversão planejada por Luxemburgo tomou um rumo ines-
um centavo de seu, com grandes ambições artísticas, apreciava a perado: ela e Costia se tornaram amantes. Ajustavam-se idealmente
casa, a família e, acima de tudo, o estúdio que Clara construíra para um ao outro, ao que parecia — gostavam de observar a lua crescente
ele em sua casa. Trinta milhas ao sul de Stuttgart, em Sillenbuch, a e o nascer do sol; gostavam do ar livre e das longas caminhadas, gos-
casa tinha uma bela localização, cercada por um grande pomar e com tavam de ouvir música e ler romances. Costia demonstrou interesse
bosques pitorescos nas imediações. Foi o santuário de Costia em sua no trabalho dela e, em pouco tempo, Rosa começou a entregar-lhe
adolescência e na casa dos vinte anos. seus artigos para que os lesse e a discutir com ele suas opiniões e
Quando Maxim se formou no ginásio, foi para a escola de seus discursos. A admiração e a intensidade da reverência de Costia
medicina e só vinha em casa para visitas ocasionais. Costia, porém, contrastavam nitidamente com a insatisfação constante de Jogiches. E
não quis freqüentar a universidade; não sabia o que estudar e ficou Costia também não era apenas um ouvinte passivo; respondia de ma-
aliviado por ter-se encerrado a escola. Clara tentou repetidamente neira inteligente e inquisitiva, mas sem a arbitrariedade de Jogiches.
convencê-lo a "fazer alguma coisa", mas ele não quis separar-se dela Prestimoso sem ser competitivo e orgulhoso dela sem amargura ou
ou do campo. autopiedade, ele a encantava com seu entusiasmo juvenil. Rosa, por
Em 1906, quando Costia completou vinte e um anos, Clara Zet- sua vez, aplacou-lhe as dúvidas sobre si mesmo, assegurando-lhe que
kin finalmente o confrontou com uma decisão. Havia em Berlim um os gênios muitas vezes desabrochavam tardiamente, e que, para rea-
apartamento vazio pertencente a Rosa, que estava em Varsóvia e não lizar sua genialidade, precisavam de apoio, liberdade e tempo. Sem
era esperada de volta a curto prazo. O apartamento lhe oferecia uma contradizer diretamente a mãe dele, de quem, como sabia, Costia era
oportunidade perfeita — ele poderia mudar-se para a cidade e se intensamente dependente, começou a deslocar sua dependência.
matricular na universidade. Clara havia discutido seu plano com Costia era extremamente atraente para as mulheres. Sem ser
August Bebei e Karl Kautsky, que, cientes de suas dificuldades, muito alto, mas esbelto e forte, tinha o corpo musculoso de um
Costia Zetkin 161
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desportista e a pele morena curtida pelo sol. Seu rosto era delica- visitas de Costia a Berlim eram cuidadosamente planejadas em cartas
damente esculpido e os olhos cinzentos eram pensativos. Havia em em que as precauções eram arquitetadas até os últimos detalhes. Em
sua expressão algo de pueril, mas sério. suas reminiscências sobre Luxemburgo, Luise Kautsky dedica um
Tudo em Luxemburgo era diferente das mulheres que Costia grande espaço à amizade de Rosa com Hans Diefenbach, contempo-
conhecia. Nenhuma tinha seu brilho e sua vitalidade exuberante. râneo e bom amigo de Costia, mas o nome de Costia está visivel-
Nela pôde encontrar sua primeira amiga verdadeira e uma amante mente ausente. Não se sabe se Luise Kautsky desconhecia a natureza
apaixonada; ele descobriu o deleite de ser orientado por um intelecto do relacionamento ou se estava protegendo o segredo de Luxem-
sensível e adorado por uma mulher encantadora. O "pobre Costia- burgo. Foi Hans Diefenbach, que por anos serviu de escudo para a
zinho", desajustado e vadio, viu-se repentinamente alçado à categoria ligação clandestina, quem passou à história como "um dos amigos
de "Zeus" de Rosa. Se, a princípio, ficou intimidado com a mente, a mais íntimos de Rosa Luxemburgo".2 Costia Zetkin permaneceu
fama e a posição dela, descobriu, ao viver em sua intimidade, que invisível.
essas coisas tinham pouca importância em-vista da afinidade de No terceiro ano do romance, Luxemburgo pediu que Costia fosse
ambos. Enquanto a mãe deplorava sua fraqueza, Rosa celebrava sua nomeado para o corpo docente da Escola Partidária do SPD, onde ela
força e o fazia orgulhar-se de sua masculinidade. ocupava a cadeira de economia política desde outubro de 1907. O
Clara Zetkin não poderia continuar a desconhecer a enfatuação pedido, conjuntamente formulado por Cíara Zetkin e Rosa, foi um
do filho, como é provável que Luxemburgo e Costia tenham percebi- insulto para Bebei e Kautsky. "A coisa mais absurda que se poderia
do. Mas todos três concordariam em que essa era a melhor coisa que pleitear é ter o filho de Clara nomeado professor da Escola Partidá-
já acontecera ao rapaz. Costia sabia quão profunda era a admiração ria", escreveu Bebei a Kautsky. "Totalmente desconhecido, sem nun-
de sua mãe por Luxemburgo e talvez tivesse esperanças de havê-la ca ter dado a menor prova de suas habilidades, (...) espera-se que
impressionado pela primeira vez na vida. Luxemburgo tinha a cons- ele ocupe uma posição de primeiro escalão no partido, com todas as
ciência tranqüila, pois acreditava não ser menos dedicada a Costia do responsabilidades que isso acarreta." Nem a "adulação materna" nem
que a mãe deste e estar mais bem preparada para ajudá-lo a se a "indulgência cega de uma amiga" desculpavam o pedido, comentou
desenvolver. Clara não pôde deixar de sentir-se aliviada por ver seu Bebei. "[Isso mostra] uma absoluta falta de tato e responsabilidade",
filho sob a proteção de uma mulher excepcional, que não represen- concluiu.3 Mostrava também que o segredo estava bem guardado,
tava nenhuma ameaça para ela. Embora não expressasse sua aprova- pois o apoio de Luxemburgo a Costia foi interpretado exclusivamente
ção abertamente, por certo não desencorajou o romance; não fez como um ato de amizade para com Clara.
objeção a que Costia permanecesse no apartamento de Luxemburgo, O que vinha em primeiro lugar na mente de Luxemburgo era o
aos presentes dispendiosos e às férias no exterior que Luxemburgo desenvolvimento intelectual de Costia. Ela queria moldar-lhe o psi-
financiava, ou às visitas de Luxemburgo a Costia em Sillenbuch, quismo e prepará-lo para ser seu parceiro. Não era seu objetivo
quando ele começou a dividir seu tempo entre essa localidade e Ber- transformá-lo num ativista do partido, pois "a luta partidária não é
lim. Para salvar as aparências, Luxemburgo enviava várias de suas para uma pessoa de sua natureza (...) é uma vida que exige o sufoca-
cartas cotidianas a Costia juntas num mesmo envelope e só fazia per- mento de tudo o que é delicado e nobre no homem."4 Ele deveria
guntas sobre o rapaz quando Clara tocava no assunto. dedicar-se ao estudo de filosofia, economia e história, sem descuidar
A reputação de Luxemburgo a protegia da especulação. August de seu interesse pelas artes. Com sua mente brilhante, alcançaria coi-
Bebei, preocupado com as condições de moradia de Costia, escreveu sas magníficas, assegurou-lhe Rosa. "Um dia", prometeu ela, "você
a Karl Kautsky em meados de abril de 1907, depois que Jogiches escreverá uma obra erudita."5 Para facilitar o processo de estudo, ela
voltou a Berlim: "Se o amigo da camarada R.L. IJogiches] ficar em lhe forneceu sua própria interpretação da Revolução Francesa e da
Berlim para sempre e morar no apartamento dela, Costia dificilmente história do proletariado. Páginas e mais páginas de suas cartas eram
poderá permanecer lá."1 O fato de ninguém questionar a propriedade repletas de reflexões sobre os movimentos revolucionários europeus
da presença de Costia na Cranachstrasse é testemunho da extrema e os conflitos econômicos e sociais. Equilibrando instrução e prazer,
cautela dos amantes e da reputação de Rosa na elite partidária. Rosa o rol de leituras incluía Kant, Babeuf e Marx, Tolstói, Dostoievsky,
e Costia se encontravam nas casas de amigos, mas chegavam e saíam Stendhai e Balzac.
em separado; em público, dirigiam-se formalmente um ao outro; as
162 Alemanha Costia Zetkin 163

Costia não era um aluno entusiástico. Marx o estava deixando Ele deveria agir como um profissional, encontrar um modelo entre os
louco, reclamou. Ele tinha de ser paciente, aconselhou Rosa, ler, reler rapazes da aldeia — ofereceu-se para cobrir as despesas — e estudar
e reler de novo: "Você tem de encontrar seu próprio caminho para minuciosamente a anatomia do corpo humano, a arte egípcia e o de-
Marx e com toda certeza o achará."6 Se Babeuf era difícil demais, um senho. Também ela empregava um modelo, uma moça chamada Gre-
dicionário de francês poderia ajudar. A literatura séria era realmente tel, e achava isso útil para aperfeiçoar sua arte. Os trigais poloneses
penosa e capaz de arrasar com uma pessoa. Mas, sustentava Rosa, era inspiravam-lhe a imaginação; ela esperava que a natureza, que ele
boa literatura — tocava em algo lá no fundo e, depois de ler um bom amava tanto, pudesse inspirar a dele. Se o fez, porém, não foi por
romance, nunca se era o mesmo. Ela lhe implorava que lesse os muito tempo; em poucos meses Costia perdeu o interesse pela pin-
livros da bibliografia recomendada. Costia de fato leu alguns e aca- tura.
bou se extasiando com Tosltói, e não com Marx. Luxemburgo ficou
encantada: "Dentre todas as pessoas com quem discuti A Morte de Costia continuou a morar na casa da mãe, fazendo visitas bre-
Ivan Ilyich (inclusive eu mesma), você foi a que captou seu sentido ves a Berlim e mantendo uma correspondência animada com Rosa.
de maneira mais profunda."7 O fato de Tolstói mexer com os senti- Suas cartas faziam-na sentir-se segura, escreveu ela. Rosa as trazia
mentos de Costia era prova de sua profundeza espiritual, da qual só sempre consigo e "o único momento bonito do dia é quando vou ao
ela jamais duvidara. Não era de surpreender que Costia não conse- correio buscar a correspondência".10 As visitas de Costia eram uma
guisse encontrar um lugar para si entre pessoas cuja falta de sensibi- festa; embora ele nem sempre pudesse ficar no apartamento de
lidade ela deplorava havia muito tempo. Luxemburgo, chegava depois do anoitecer e tinha o chá pronto para
Quando Costia não fez nenhum progresso nem na escolha de ela quando Rosa voltava a casa. Só quando ela mandava a criada
um campo de estudo nem na obtenção de um emprego, Luxemburgo embora é que os dois ficavam "finalmente (...) a sós".11
resolveu que ele deveria tornar-se romancista. "Gostaria que você co- Num pós-escrito curto de uma carta de 20 de março de 1907,
meçasse a escrever grandes romances", incentivou-o, persistindo: Luxemburgo informou a Costia que Jogiches havia escapado da
"Creio que você deve escrever. Escreverá maravilhosamente."8 Escre- prisão e, sem dúvida, logo apareceria em Berlim. Poucos dias depois,
ver artigos para Die Gleichheü, quando ele deveria estar escrevendo ainda no escuro quanto ao destino de Jogiches, ela escreveu dizendo
ficção, era um desperdício de seu tempo. Costia protestou que não que ficaria menos assustada à noite se "meu pequeno Costik"
sabia escrever. Isso não tinha importância, consolou-o Rosa; o estivesse em seu "quartinho", ou seja, no quarto de Jogiches. Se a
homem que não se ajusta ao molde descobre, mais cedo ou mais perturbava o fato de o romance ter-se iniciado enquanto Jogiches
tarde, seu verdadeiro destino. Para apresentar uma argumentação definhava na prisão pela causa comum, Rosa nunca o expressou.
convincente, ela expôs a falha mais dolorosa de Jogiches. "Deixe que Jogiches fora condenado, em janeiro de 1907, a oito anos de
eu lhe fale de um caso parecido. Apesar de seu brilhantismo e trabalhos forçados, por conspiração criminosa para derrubar o gover-
inteligência, Leo é simplesmente incapaz de escrever. A simples idéia no russo, e fora colocado na notória prisão de Mokotów, em Varsó-
de colocar suas considerações no papel o paralisa. Essa foi a mal- via. Ali, conseguiu converter para sua causa um guarda que, arris-
dição dele por muitos anos (...) Sua vida era uma completa confusão cando a própria vida, organizou sua fuga. Em 15 de março Leo estava
(...) e ele estava com quase quarenta anos", escreveu Rosa a seu fora da prisão. Imediatamente colocado na lista de procurados, es-
jovem amante. "E então veio a revolução [de 19051 e, de repente, ele condeu-se por cerca de cinco semanas, a maior parte delas passada
se tornou o líder não só do movimento polonês, mas também do no escritório editorial clandestino do Estandarte Vermelho. Horrori-
russo (...). Sendo ainda incapaz de escrever uma só linha, ele é o zado com a editoração desleixada da publicação, corrigiu um número
espírito por trás da literatura partidária."9 Evidentemente, não ocorreu recente e deixou instruções por escrito sobre como melhorar os pa-
a Luxemburgo que talvez ela tivesse despertado um medo latente nos drões do jornal. Diz-se que Jogiches teve um romance durante o
dois homens. Até o fim de seus dias, Zetkin recusou-se a se colocar período que passou escondido, Mas sua suposta amante, Irena Szer-
no papel. Siemkowska, estava presa nessa época e foi solta depois do retorno
Qual um homem da Renascença, ele era multifacetado, insistia de Jogiches a Berlim. Esse fato, porém, não desestimutou a especu-
Luxemburgo; assim, uma vez postos na prateleira os planos de uma lação nem a conclusão de que Luxemburgo, e não Jogiches, é que
carreira de escritor, ela exortou Costia a se tornar pintor ou escultor. fora traída, que ficara profundamente magoada e que, numa atitude
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feminina típica, pusera-o porta afora.* Na verdade, Luxemburgo e ele. "Infelizmente, o navio não afundou", escreveu ela a Costia com
Cosüa Zetkin tinham sido amantes desde o início de 1907, antes que uma seriedade fingida; esse seria o último comentário jovial em suas
Jogiches fugisse da prisão e antes de seu suposto romance. comunicações de Londres.12 Jogiches não a deixava sozinha nem por
Jogiches atravessou ilegalmente a fronteira polonesa no começo um instante, queixou-se a Costia; os dois estavam no mesmo hotel,
de abril de 1907. Chegou a Berlim em meados do mês, sendo infor- iam no mesmo ônibus para as reuniões, onde tinham de se portar
mado por Luxemburgo de que seu casamento consensual estava com correção, se não cordialmente, e passavam as noites com antigos
terminado. A reação violenta de Jogiches a chocou e assustou. Ela camaradas que ainda os encaravam como amigos íntimos. E então,
certamente esperava alguma resistência, já que lhe estava apresen- um belo dia, Jogiches abriu e leu uma carta não assinada de Costia.
tando um fato consumado; mas, violência não esperava. Mais uma Mataria Rosa e seu amante, anunciou. Vigiava-a dia e noite, relatou
vez mostrou quão pouco conhecia Jogiches. Após um ano na cadeia ela a seu "menino querido", e em nenhuma circunstância a deixaria
ele estava voltando para ela, apenas para ser descartado. Rosa atirou- voltar a Berlim sem ele. Rosa queria que Costia soubesse que ela
lhe no rosto sua rejeição, privou-o de tudo o que ela tinha, dela temia pela segurança dele e estava até mesmo disposta a aplacar
própria, e depois ficou surpresa com seu ódio furioso. Não lhe disse Jogiches para mantê-lo fora de perigo. Luxemburgo deleitava-se com
que havia outro homem ern sua vida, mas Leo desconfiou que W. o lance teatral; embora tivesse um pressentimento de catástrofe,
tinha reaparecido em cena. Talvez tivesse sabido que W. estivera em estava decidida a lutar pela felicidade de ambos, escreveu a Costia.
Kuokkala em agosto de 1906, na mesma época em que Luxemburgo Carta após carta ela voltava prazerosamente ao drama — a inter-
estivera lá, e depois tinha ido para Berlim, tal como Rosa. Embora W. ceptação da carta de Costia, o comportamento maníaco de Jogiches e
tivesse sido preso no caminho de volta para Varsóvia em outubro de uma cena num restaurante.
1906, as aparências confirmavam as suspeitas de Jogiches. W., liberto Esta última ocorreu num hotel elegante, no qual seu irmão
da prisão em 1908 — Luxemburgo levantou uma fiança para ele —, Natan, que morava em Londres, convidara Jogiches e ela para jantar.
voltou para Berlim. A única coisa que queria de Rosa era que ela lhe O ambiente luxuoso e a orquestra tocando uma ária da Carmem
devolvesse suas antigas cartas.** compuseram o cenário. O irmão de Rosa, ignorando a situação,
Jogiches recusou-se a sair do apartamento. Luxemburgo com- conduziu o casal até p restaurante; Rosa forçou um sorriso, enquanto
prou um revólver, como confiou a Luise Kautsky, pois ele havia ame- Jogiches sussurrava em seu ouvido: "Prefiro matá-la do que deixá-la
açado matá-la. Mas o pior ainda estava por vir. Dentro de algumas voltar."13 Ela estava assustada, admitiu a Costia, porém nada a im-
semanas, no começo de maio, ela e Jogiches teriam de comparecer pediria de voltar para ele ou de lhe enviar cartas contrabandeadas —
ao V Congresso do Partido dos Trabalhadores Social-Democratas "para dar bom-dia ao meu Amor."14 Se Jogiches a apanhasse escre-
Russos, em Londres, como delegados da Social-Democracia Polonesa vendo para Costia, afirmou, ela poderia pagar com a vida.
(SDKPiL).*** Luxemburgo também representaria o Partido Social-De- Jogiches a deixou voltar sozinha para Berlim. Talvez o desem-
mocrata Alemão (SPD). Os dois viajaram juntos, pois Jogiches penho público de Luxemburgo no Congresso o tenha convencido de
ameaçou um escândalo público se Luxemburgo se recusasse a ir com
que ela não estava num clima de concessões privadas. Em seus dis-
cursos, antecipadamente discutidos com ele, Rosa forneceu sua pró-
pria interpretação do marxismo e de sua aplicação. Contestou o
* Hannah Arendt se estende sobre as descobertas de J.P. Nettl, biógrafo de conceito de "insurreição armada" de Lenin e contrastou a visão "me-
Luxemburgo: "A briga mortal que tiveram, causada pelo breve romance de Jogiches canicista" que os bolcheviques tinham da revolução com a bem-
com outra mulher e infinitamente complicada pela reação enfurecida de Rosa, foi sucedida confiança do partido polonês na vontade ativa do proleta-
típica da época e do meio deles. (...) Essa geração ainda acreditava firmemente que o
amor só acontece uma vez. (...) Os dados do Sr. Nettl mostram que Rosa tinha amigos
riado. O marxismo, disse ela, não é um dogma, e sim um método
e admiradores (...), mas dificilmente chegam a indicar que houvesse outro homem em científico de analisar uma realidade em permanente mudança; aderir
sua vida." Hannah Arendt, Men in Dark Times (Nova York: Harcourt, Brace & World, servilmente ao Manifesto Comunista, escrito mais de meio século
1968), p. 45- antes, era "um exemplo flagrante de pensamento metafísico", uma
** As cartas de Luxemburgo a W. não puderam ser localizadas.
*'* O SDKPiL uniu-se ao Partido dos Trabalhadores Social-Democratas Russos em
distorção do marxismo.15* A postura inflexível de Rosa, sua audácia e
abril de 1906. • Joseph Stalin, então com vinte e oito anos, ouviu Luxemburgo atentamente. Em
166 Alemanha Costia Zetkin 167

sua contestação de teóricos marxistas proeminentes talvez tenham 1907, ela informou a Costia que Jogiches deveria sair de Berlim em
sido alimentadas pela batalha particular que ela estava travando dois dias. Jogiches finalmente saiu em meados de setembro, rumando
simultaneamente. Luxemburgo desafiou o sistema marxista e desafiou para a Finlândia, sede do Comitê Central do Partido dos Trabalha-
Jogiches, e essa era uma linguagem que ele entendia bem. dores Social-Democratas Russos (RSDRP), para o qual fora eleito no
Rosa voltou para Berlim triunfante. Costia a estava esperando Congresso de Londres. Entrementes, Luxemburgo vivia num medo
na estação ferroviária, como ela havia querido. Com duas vitórias, constante; destruiu as cartas de Costia e recomendou que ele destru-
uma pública e outra particular, ela se sentia exuberante e jovial, "co- ísse as suas. Ia buscar a correspondência na agência postal, por medo
mo uma moça de vinte anos".16 de que ela caísse nas mãos de Jogiches. No entanto, seu esgotamento
O drama entre Jogiches e Luxemburgo tornou-a ainda mais de- nervoso, assegurou a Costia, devia-se à viagem a Londres, à prisão e
sejável e misteriosa aos olhos de Costia. Ela não perdia nenhuma ao Congresso da Internacional em Stuttgart, todos ocorridos nos três
oportunidade de descrever para o amante, numa linguagem apaixo- meses anteriores.
nada e imaginativa, o perigo a que se expusera* por causa dele. Cos- Em janeiro de 1908 Jogiches voltou a Berlim. Mudou-se para
tia, o cavaleiro quixotesco, teve muita dificuldade em ser dissuadido um hotelzinho, o Schlosspark, em Steglitz. Mas não se mudou da vida
de sair correndo para protegê-la. de Luxemburgo. No fundo do coração, não conseguia acreditar que
Doze dias depois do Congresso de Londres, Luxemburgo in- outro homem o tivesse substituído; incapaz de aceitar o caráter de-
gressou na prisão em Berlim para cumprir uma pena de dois meses, finitivo da decisão dela, estava decidido a conquistá-la de volta. Suas
proferida por "instigar ao uso da violência" num discurso feito no tentativas, no entanto, foram catastróficas. Leo a espionava, irrompia
Congresso do SPD em Jena, em 1905. De sua cela, escreveu a Costia pelo apartamento para pegá-la de surpresa e a seguia pelas ruas, com
sobre as esperanças que tinha para ele e para ambos. Mas a prisão a mão no revólver que carregava no bolso. Uma vez, quando ir-
perdera a novidade; Rosa tivera mais do que sua quota de heroísmo rompeu pelo apartamento, ela ficou paralisada, incapaz de emitir um
um ano antes, por trás das grades em Varsóvia; agora, o encarcera- som, e finalmente fugiu correndo para a casa dos Kautskys; ao voltar
mento significava ser privada da liberdade e de Costia.* Seu trabalho pela manhã, encontrou sua correspondência aberta, e suas chaves
num livro sobre economia política não a impedia de pensar no haviam desaparecido. Para piorar as coisas, esbarrou em Jogiches na
amante "a cada segundo livre". Costia decerto estaria morrendo de rua. "Ele sabia muito bem, gritou, com quem eu tinha passado a
fome, sem ninguém para cuidar dele adequadamente; a dieta sadia e noite."18 Tu do isso foi fielmente relatado a Costia.
o ar puro eram imperativos para sua saúde, lembrou-lhe Rosa, pois O medo do escândalo e a necessidade compulsiva de privaci-
ele ainda estava crescendo. Feliz por Costia estar-se divertindo com dade trancafiaram Luxemburgo e Jogiches numa batalha silenciosa.
um brinquedo novo — o automóvel recém-adquirido do marido de Luise Kautsky minimizou a tempestade, explicando-a como uma de-
Clara —, Rosa pensava em como seria agradável eles fazerem viagens savença temporária, a despeito do pedido pungente de Rosa: "Não
juntos. Mas o trabalho, frisava, devia ser a coisa mais importante na pergunte a L. sobre as chaves", referindo-se às chaves de seu aparta-
mente dele. Meses antes, ela induzira Costia a ler economia política e mento, "e não mencione meu nome a ele, nem coisa alguma a meu
estudar russo, "que logo se tornará uma linguagem mundial"; agora, respeito (a data de minha chegada, etc.), caso contrário você poderá
estava ansiosa por saber se ele continuava os estudos em sua me colocar, inadvertidamente, numa embrulhada."19
ausência.17 Jogiches levou adiante a guerra de nervos por quase dois anos,
Uma vez fora da prisão, ela teve de enfrentar Jogiches, que se até- 1909. Luxemburgo não podia separar-se por completo, pois
recusava peremptoriamente a mudar-se de seu quarto. Em agosto de ambos estavam à testa da Social-Democracia Polonesa. Quisesse ou
não, tinha de manter contato com ele. Tampouco diminuiu.sua de-
1931, excomungaria Luxemburgo por criar uma "caricatura" do conceito marxista de pendência intelectual de Leo. Ainda que desse a Costia seus artigos
revolução. para ler ou que o informasse sobre o progresso de seu trabalho, a
• Atribuindo seu ânimo supostamente abatido ao golpe que Jogiches desferira em seu autoridade de Jogiches na política partidária continuava incontestá-
orgulho através de sua pretensa traição com outra mulher, J.P. Nettl afirma que, "ao
contrário da época em que cumpriu [pena] em 1904, tão orgulhosa e impaciente- vel. Sua correspondência com Jogiches, interrompida em dezembro
mente, agora ela estava deprimida e pouco comunicativa". J.P. Ncttl, Rosa Luxemburg, de 1905, quando ela foi a Varsóvia, foi retomada em fevereiro de
2 vols. (Londres: Oxford University Press, 1966), 1:377-78. 1908. Da casa que um dia haviam partilhado Rosa enviava memo-
168 Alemanha Costia Zetkin 169

randos e relatórios a Leo em seu hotel. Elaboradamente impessoais, tenha estendido até a idade adulta. Agora, aos poucos se foi tornando
sem saudação ou assinatura, secas e impacientes, essas comuni- claro para Costia que a felicidade ou a infelicidade de Rosa depen-
cações, mais do que qualquer outra coisa, convenceram-no gradati- diam dele, de seu desempenho como amante, e não como filho. A
vamente de que ele a havia perdido. Mas ele persistiu. A biblioteca seus olhos, Luxemburgo ainda pertencia a Jogiches; de outro modo,
que haviam montado ao longo dos anos era indispensável para seu porque ela suportaria sua presença e seus insultos, porque acon-
trabalho, alegou. No outono de 1908, Luxemburgo informou a Costia: selharia a ele, Costia, a mudar sua grafia para que Jogiches não a
"L. providenciou as coisas de tal maneira que vai embora à noite, mas reconhecesse, e porque se comportaria como uma mulher traindo o
fica aqui durante o dia e trabalha (...). Ficou morando aqui quando marido? Havia mais coisas por trás disso do que o vínculo político
eu estava em N[uremberg] e agora está na C[racóvia], mas hoje me que os unia, presumiu ele acertadamente.
disseram que vai voltar a Berlim para passar o inverno, talvez até Quase desde o momento em que se iniciara sua ligação com
dentro de um mês."20 Costia, Luxemburgo fora ambivalente. A diferença de quinze anos de
O arranjo não funcionou; um ano depois, em setembro de 1909, idade parecia um obstáculo insuperável, embora Clara Zetkin e o ma-
ela escreveu a Jogiches: "Como em inúmeras ocasiões anteriores, rido, dezoito anos mais moço que ela, desfrutassem de um casa-
tenho de [lhe] pedir mais uma vez para discutir as questões pro- mento feliz havia muitos anos. Faltava a Luxemburgo a confiança de
fissionais comigo por escrito e me deixar em paz em minha própria Clara e, além disso, ela era apaixonada pelo amor. A vida cotidiana
casa. Não preciso do outro quarto; nunca ponho os pés nele. Quem tirava o sonho do sonho; as cores vivas se acinzentavam e a tempes-
quer que fique comigo é posto em meu quarto, para ficar fora do tade se transformava em garoa. Ter sempre a melhor das aparências
outro. Mas, no meu apartamento, tenho de me sentir em casa, e não para competir com as mulheres da idade de Costia era um sofri-
como se morasse num hotel, onde qualquer um pode entrar e sair, mento; lutar contra sua claudicação era um castigo: "Porque você não
quer eu goste ou não (...) Não posso continuar assim (...) Quero esperou por mim? Estava zangado? Constrangido? (...) você desapa-
minha própria casa. Se não puder tê-la, prefiro desistir do apar- receu na multidão (...) saiu andando depressa e não consegui encon-
tamento inteiro, junto com a empregada, e alugar um quarto mobi- trá-lo."24
liado (...) Peço uma resposta para saber se isso vai continuar, porque O próprio medo profundamente arraigado que Rosa sentia de
preciso saber o que fazer comigo mesma."21 Jogiches cedeu. perder Costia pode ter sido uma razão para o recuo dele. Cada sinal
Como talvez fosse de se prever, uma vez amainada a Guerra de de atenção do amante era recompensado com uma explosão de
Tróia que se travava por causa de Costia, o mesmo aconteceu com angústia, e sua adulação, com apreensão. Rosa cheirava suas cartas
sua enfatuação. A loucura sinistra de Jogiches não causava em Costia em busca de "perfumes" estranhos e vasculhava suas palavras à pro-
uma impressão menor do que a fria determinação de Luxemburgo. E, cura de sentidos ocultos. Ele veio a perceber que o conflito entre a
conquanto fosse excitante ser amado por uma mulher capaz de des- harmonia que ela buscava e os terrores em que mergulhava domina-
pertar um ciúme louco num homem da estatura de Jogiches, herdar vam sua vida, e que estava sendo arrastado para esse conflito.
as responsabilidades de Jogiches era outra história. À medida que se foram aprofundando as ansiedades de Rosa, o
"Porque, porque tenho sempre de passar por experiências afli- fardo foi-se tornando cada vez mais pesado, até que ficou insupor-
tivas e penosas em rninha vida, quando tudo em mim clama por sere- tável. Se, a princípio, Costia tinha permissão de escrever quando
nidade e harmonia? Porque sempre mergulho nos perigos e horrores desejasse, no espaço de um ano suas cartas se tornaram, para
das situações desconhecidas?"22 Pode-se imaginar o que terá passado Luxemburgo, "meu ar, meu oxigênio, minha raison d'êtret minha
pela cabeça de Costia Zetkin ao ler essas palavras. Talvez a explosão única alegria".25 Os esquemas complexos que ela arquitetava para
o tenha deixado perplexo, talvez o tenha feito ponderar sobre a que os dois se encontrassem — por exemplo, tirar férias com Luise
incoerência entre os impulsos e a riqueza de Rosa e sobre seu papel Kautsky e os filhos dela à guisa de cobertura —, antes divertidos,
nessa confusão. Enquanto Luxemburgo o tratava como uma criança perderam seu atrativo. E o mais opressivo era a crescente posses-
— "o menininho está estudando seu Marx?" — ou como um com- sividade de Rosa. Para ela, cada minuto passado com outras pessoas
panheiro com quem podia partilhar suas impressões sobre a arte, a era um desperdício; não era assim para ele? Ela estava farta de tudo
música e a literatura, ele sabia onde se situar.23 É possível que Luxem- — da ópera, dos passeios de automóvel, das pessoas; e ele, não? Ah,
burgo fosse o ídolo de Costia desde sua adolescência, e talvez isso se se pudesse tê-lo a seu lado quando estava trabalhando, mesmo que
Costia Zetkin 171
170 Alemanha

ele já não a amasse, ficaria feliz; será que ele entendia? Será que a O efeito de sua resposta era previsível. Ele havia magoado sua
amaria para todo o sempre, embora ela fosse velha e seu cabelo única amiga verdadeira, percebeu Zetkin tardiamente. Ninguém no
estivesse embranquecendo, e embora estivesse ficando mais gorda? mundo fora tão atencioso e dedicado, ninguém podia substituir Rosa.
Costia sufocava. A liberdade que ela lhe oferecera era um pe- Agora ele ficaria só novamente, mal entendido e desvalorizado. En-
daço de doce envenenado. Em 1909, ele trabalhou para a mãe, lendo vergonhado e arrependido, escreveu de volta implorando seu per-
as provas de Die Gleícbbeit, talvez para reduzir sua dependência de dão, sua amizade e a continuação da correspondência. Ela consentiu.
Rosa, mas só o que conseguiu foi ouvir da amante que a borbole- Mas, porquê? Aparentemente, porque precisava dele para confirmar
tinha dela não devia perder tempo com um trabalho tão entediante, sua feminilidade e porque não conseguia enfrentar a derrota. Um dia,
que devia continuar a ser um "espírito livre". Mas, acaso ele o era? isso deve ter-lhe sido claro, eles se separariam — mas seria ela a
Seriam eles, de fato, duas "crianças felizes", como ela afirmava? Costia tomar a iniciativa, não ele.
já não via as coisas dessa maneira. Os grilhões que um emprego lhe
.colocaria, no dizer de Rosa, pareciam uma ameaça menor do que sua A traição de Zetkin afetou cada nervo de Rosa. Por baixo da
fome insaciável. superfície aparentemente calma havia um vulcão em erupção. No
Foi depois de um breve período de férias passado com Rosa em período de 1910-1913, Rosa travaria batalhas ferozes com Karl
agosto de 1909 que Zetkin começou a se distanciar, desajeitada- Kautsky, August Bebei, Lenin, Karl Radek e uma multidão de partidos
mente. Ela reagiu de imediato: "Que é que meu Niuniu anda fa- políticos. A condescendência que mostrou a Costia nesses anos opôs-
zendo?", perguntou-lhe ansiosamente. "Temo que ele esteja triste, e se diametralmente à inflexibilidade e à intolerância que demonstrou
não sei porquê (...) Será que ele já não me ama?"26 Estava fadado a perante outrem. É impossível dizer até que ponto a frustração pessoal
acontecer um dia, instigou ela; se Costia não a amava, devia dizer- foi descarregada nas lutas políticas, mas não se pode descartar a
lhe. Ele i atendeu. Numa carta recebida por Rosa em meados de simultaneidade temporal como uma coincidência.
agosto de 1909, quando passava férias na Suíça, ele escreveu dizendo Durante três anos, até 1912, as relações entre Rosa e Costia
que o relacionamento se transformara num fardo impossível, que ele prosseguiram, mas não foram as mesmas. Rosa estava desconfiada e
já não conseguia carregar. Sentia-se numa armadilha, perdido e alerta, e Costia, culpado e ansioso. Ele lhe devia tudo: a liberdade,
infeliz. Queria se libertar. mesmo com restrições, de fazer o que quisesse, a oportunidade de se
Luxemburgo respondeu com elegância. Fora preciso um grande tornar "um grande artista", a parceria no trabalho político de Luxem-
esforço para escrever, disse, mas ela lhe devia o esclarecimento de burgo e a absolvição por decepcionar sua mãe. Temendo perdê-la,
alguns pontos. Ela é que tinha sido sua prisioneira, e não o inverso; mas constrangido quanto a sua intimidade, e tão impaciente quanto
ele é que havia implorado que ela lhe fosse fiel, que pedira que ela Jogiches pelas cartas dela, ter-se-ia contentado com um relaciona-
nunca o abandonasse, que lhe impusera seu amor. Ela se teria mento basicamente à distância. Mas não Luxemburgo. Sua paixão
separado dele muito antes, não fosse o medo de trair a confiança que não diminuíra, mas ela havia aprendido a controlá-la e a esperar. Por
Costia depositara nela. Ler suas cartas "falsas", suportar sua atitude muitos meses ele foi proibido de tratá-la por "querida" — "você abriu
ambígua e olhar seu rosto zangado eram um martírio, mas ela o mão desse direito (...) pediu amizade — e a tem" —, até o outono de
suportava para manter sua promessa, porque o vínculo entre ambos 1910, quando os dois se reconciliaram.27 Não houve mais cartas sem
lhe era sagrado. Longe de apanhá-la de surpresa, a notícia a encon- saudação ou assinatura, como as que ela escrevia a Jogiches nessa
trara bem preparada, pois, afinal, tudo tinha acontecido exatamente ocasião; Costia voltou a ser "meu querido Niunius" e ela era sua
como ela previra. Rosa havia decidido, antes de receber a carta dele, "Niunia" ou "Jaguga". Mas as confissões ardorosas e francamente
introduzir mais força, mais clareza e mais castidade em sua vida. apaixonadas amainaram. Em vez disso, ela mencionou Hugo Faisst,
Agora, ele estava livre. Ela já não lhe bloqueava o caminho. um pianista e cantor que, num intervalo de três dias, tinha-lhe en-
Sua carta a Costia não foi a de uma amante. Ela escreveu como viado três longas cartas, dois cartões postais e um telegrama "imen-
uma amiga íntima em cuja lealdade ele podia confiar. Costia era me- samente comprido", fornecera-lhe ingressos para um concerto e lhe
ramente um jovem desamparado, disse ela, a quem, por compaixão, pedira um encontro; e disse a Costia que teria prazer em enviá-lo
ela havia oferecido o dom maravilhoso de sua amizade. Que ele numa viagem ao sul, se tivesse dinheiro, deixando-o saber que não
houvesse interpretado isso erroneamente devia-se a sua imaturidade. tinha medo de que ele pudesse conhecer outra mulher.
172 Alemanha Costia Zetkin 173

Rosa fez um esforço imenso, se bem que de curta duração, para ânimo depende do que recebo na correspondência da manhã."30 Costia
não se impor a Costia. Quando ele escrevia, ela respondia; quando raramente escrevia. As depressões lúgubres de Rosa o assustavam;
ficava em silêncio, ela inventava maneiras de desculpá-lo. Suas cartas sentia-se traído e culpado. Mandava-lhe flores do jardim da mãe,
eram repletas de extensas descrições de flores e árvores e, acima de enviava-lhe livros. Mas o ânimo dela mal chegava a melhorar. As
tudo, de sua gatinha, Mimi, o único receptáculo seguro para suas cartas de Rosa, por vezes assinadas com o nome de Gina Stendhal,
emoções transbordantes. "Tudo o que quero, realmente, é viver em eram sem vida e repetitivas — ela brincava com Mimi, terminava um
paz com Mimi; ela me ama e nós nos entendemos muito bem."28 artigo, lia Tolstói, ia à ópera, passava uma tarde maçante com Hans
Descreveu o modo como Mimi flertava com Lenin — deitava de Diefenbach. Os domingos eram perfeitamente inúteis; ela não sabia o
costas e o lambia, mas quando ele tentava tocá-la, batia-lhe com a que fazer de si mesma. Seu único consolo era Mimi, que preferia
pata e rugia como um tigre. Era de Mimi que ela sentia saudade em passar os domingos "só com a mamãe".31 Rosa ficava esperando que
suas viagens de pronunciamentos, Mimi que esperava por ela em Costia expressasse um desejo genuíno de vê-la. Quando ele a con-
suas voltas de viagem, e Mimi que, como fizera Costia no passado, a vidou para ir a casa da mãe, "Achei (...) que você estava indo muito
acompanhava em seus passeios. Era Mimi quem sentia saudades de bem com as cartas", insinuou Rosa, não sem certa malícia, suspei-
Costia e lhe mandava beijos, que cheirava suas cartas e as lia. Eram tando de que ele a houvesse convidado meramente por respeito.
"Mimi e eu" e "lembranças de nós duas". Os relatos sobre os pro- "Agora me parece que você realmente quer me ver. Bem, irei, é cla-
blemas de saúde de Mimi — irritação nos olhos, constipação, resfria- ro."32 Monotonamente, ela repetia: "sinta-se livre como um pássaro",
dos, erupções cutâneas — soavam como os de uma mãe preocupada mas, quando o pássaro agitava as penas, o pânico se instalava: "Ouvi
que escrevesse a um pai distante. Ela dizia a Costia que ele poderia dizer que Frãulein Manya fez outra visita a você, de modo que é a
encontrar uma felicidade pura e verdadeira simplesmente acariciando terceira vez neste verão. (...) Divirta-se!"33
o corpo macio de sua própria gata. O intercâmbio dos dois sobre os Rosa sofria de uma insônia aguda e ficou esgotada a ponto de
gatos, triste e obsessivo, tornou-se um elo através do qual eles ter de parar num bar para tomar um gole de Schnapps antes de dar
comunicavam emoções que já não se sentiam livres para expressar. uma aula. Dividida entre a derrota e a paixão, não conseguia encon-
Luxemburgo nunca voltaria a se sentir como uma moça de vinte trar uma saída. Hans Diefenbach, a quem mal havia tolerado até
anos. O tempo, bem sabia, trabalhava contra ela. Zetkin estava fi- então — um chato e uma amolação, como freqüentemente dizia em
cando cada vez mais constrangido com sua dependência em relação suas cartas a Costia —, tornou-se seu par constante. Bem humorado,
a ela, fraco demais para se desligar, mas já sem vontade de desem- inteligente e ostensivamente bonito, o jovem médico admirava e gos-
penhar seu papel de amante. Ia visitá-la levando a mãe como escudo. tava sinceramente de Rosa. Mas lhe dava nos nervos, talvez porque,
Por vezes, em resposta às cartas desesperadamente tristes de Rosa, ia como contemporâneo de Costia, havia combinado uma carreira mé-
sem Clara. Mas suas visitas deixavam-na ainda mais nostálgica; a casa dica de sucesso com amplos interesses intelectuais, ou talvez porque
ficava vazia depois de sua partida, ela lhe escrevia, e ela estava soli- ela sentisse ciúme da amizade entre os dois homens. Os comentários
tária e sem ninguém para consolá-la. inocentes de Diefenbach sobre Costia, "nosso Querubinzinho", como
Rosa não disfarçou seu estado diante de Jogiches. Depois de o chamava em tom brincalhão, deixavam-na vivamente irritada.
dois anos, suas cartas para ele perderam o toque impessoal. Em pala- Hans Diefenbach, que talvez suspeitasse da verdade sobre Rosa
vras tensas e contundentes, admitiu estar sofrendo de uma "depres- e Costia, tornou-se um convidado cotidiano, acompanhando-a a con-
são física e moral tão aguda que fiquei impossibilitada de escrever certos e teatros, levando-lhe livros e tomando conta de Mimi. Luxem-
uma única frase". Naturalmente, não revelou a causa. A indagação burgo aceitou-lhe a corte por solidão e vaidade. "Quando soube que
preocupada de Jogiches foi posta de lado com evasivas: "não acon- a origem de Diefenbach remontava a Justinus Kerner, Rosa ficou ele-
teceu nada; é uma depressão pura e simples, e ainda mais incômoda trizada", recordou Luise Kautsky.34 A linhagem nobre de Diefenbach,
por isso."29 refletida em sua aparência e suas maneiras, bem como seu gosto pela
Com Zetkin ela era franca. "Ida* (...) sabe que meu estado de literatura e pela música, finalmente granjearam-lhe a apreciação de
Luxemburgo, porém não mais do que isso. É possível que o desinte-
• Ida Radnin havia substituído temporariamente a empregada de Luxemburgo, resse de Hans por ela como mulher a tenha magoado, embora, ao
Gertrud Zlottko. que parece, não houvesse mulheres na vida dele. Suas "mãos cons-
174 Alemanha Costia Zetkin 175

tantemente frias" e seu " semmelblondes Temperamenf (temperamen- lhe dizia que não se importasse com o dinheiro — "Terei dinheiro
to morno) a incomodavam, o mesmo acontecendo com a reverência suficiente para nós dois" — ou não desperdiçasse seu talento traba-
totalmente incompreensível que ele tinha pelos judeus e com seu lhando para Die Gleichheit, pois ele poderia tornar-se um estudioso
interesse pela causa deles, à qual legou uma importância em seu ou um grande artista e "escrever exatamente como Toístói".37 Ora lhe
testamento. dizia que agüentasse firme na Die Gletchbeü. Quando lhe parecia
O confronto final entre Rosa e Costia veio três anos depois do provável que ela conservaria Costia, Rosa o cobria de elogios e
primeiro rompimento, quase no mesmo dia, em agosto de 1912. A incentivava seus sonhos pouco realistas. Quando ele começava a se
fraqueza de Zetkin pelas mulheres atraentes estava fadada a vir à to- afastar, a amante indulgente se convertia numa mãe severa.
na mais cedo ou mais tarde. Cônscio da sensibilidade de Luxembur- Após a traição de Costia em 1909, ela insistiu em que ele aceitasse
go, ele sempre tentou poupar-lhe os sentimentos, mas os dois fre- um cargo de professor na Escola Partidária e lhe disse sem
qüentavam os mesmos círculos e os boatos chegavam a ela com faci- rodeios que, finalmente, as pessoas iam parar de perguntar "O que
lidade. Desde abril Luxemburgo vinha planejando uma volta deles à vai acontecer com Costia?"38 Para ajudá-lo a ter o melhor desem-
Córsega, onde haviam passado férias juntos em outubro de 1911, mas penho possível, preparou um esboço de vinte e quatro palestras
Costia foi adiando e a viagem ruiu por terra. Para piorar as coisas, sobre a história do socialismo na Europa Ocidental, na Rússia e nos
uma jovem amiga dele parece ter entrado em cena. Dessa vez, Lu- Estados Unidos. Antes que a direção do SPD tivesse a oportunidade
xemburgo escreveu-lhe um bilhete curto dizendo não haver lugar de rejeitá-lo, Zetkin recuou. Luxemburgo o repreendeu, embora sem
p aa ela na vida dele e declarando não mais poder suportar a atitude dúvida soubesse tão bem quanto ele de suas credenciais duvidosas.
"ambígua" de Costia para com ela. Embora o comportamento recente Ou ele deveria parar de se queixar, disse, ou então deveria ter aceito
do rapaz a fizesse sofrer, ela não queria censurá-lo ou embaraçar a o cargo. Se o cargo realmente lhe tivesse sido oferecido e se Costia o
vida pessoal dele, que "só pertence a você'1.35 tivesse aceito, teria tido de mudar-se para Berlim e, forçosamente,
Costia tinha agora ainda mais medo de perdê-la do que três trabalhar em estreita colaboração com ela. Nesse caso, talvez ela o
anos antes. Aos vinte e sete anos, continuando a perambular, tornara- reconquistasse. Quando, passados alguns meses, Zetkin recusou o
se ainda mais dependente de Rosa. Mais uma vez implorou sua ami- emprego de editor científico de um jornal partidário em Dortmund,
zade. Ela continuou a escrever-lhe cartas amistosas, embora amiúde para o qual estava incomparavelmente mais bem qualificado, ela
melancólicas, centradas na mãe dele, em Mimi, em seu próprio tra- aplaudiu sua decisão: "Quero poupar-lhe qualquer coisa que seja
balho e no futuro de Costia. Desde o afastamento em 1909, Luxem- desagradável e difícil."39 Sem dúvida isso era verdade, e era a raiz de
burgo identificava-se cada vez mais com Clara Zetkin em sua percep- seu conflito. Rosa sabia que ele tinha que crescer, mas, quando o
ção de Costia. "Sua mãe e eu" era um bordão recorrente. Ele era o fizesse, poderia deixá-la. Enquanto se dedicasse por diletantismo à
filho infeliz de ambas, insatisfeito consigo mesmo e com o mundo filosofia ou às artes, lesse romances e escalasse montanhas, ele de-
inteiro. "Sua melancolia é realmente uma doença", queixou-se Rosa penderia dela para obter apoio espiritual e material; enquanto vivesse
com impaciência, aparentemente sem traçar nenhum paralelo com em seu mundo de sonhos, ela continuaria a fazer parte do sonho.
suas censuras a Jogiches, uma década antes, pelo "traço autodes- Assim, tudo o que ela condenava em Jogiches — a indecisão, a vida
trutivo" dele que levava ao "suicídio espiritual". Se Jogiches merecia desordenada, o desperdício dó tempo, o desperdício da mente — era
louvado em Costia. Por quinze anos ela havia tentado modificar
compaixão exclusivamente por causa da morte de sua mãe, Costia Jogiches porque queria um homem e um marido; nos sete anos
não tinha "nenhuma razão real para ficar deprimido", salvo pelo seguintes alimentou a fraqueza de Zetkin, porque queria um amante
"estado de sua mãe".36 E a mãe estava sofrendo basicamente pela e um filho.
infelicidade dele, escreveu-lhe Rosa, plenamente ciente de que era a
ruptura do casamento com Zundei, e não o filho, que estava devas- Luxemburgo estava no auge da fama ao conhecer Costia Zetkin.
tando Clara. No entanto, o sucesso público não lhe dera nenhuma confiança na
Se há um padrão discernível na atitude de Luxemburgo perante vida particular. Se algum dia ela contemplou a idéia de viver
Costia, trata-se de uma falta de consistência que devia ser exaspe- abertamente com Costia, não há sinais disso. Já que sempre lhe foi
rante e desnorteadora para ele. Dependendo de seu comportamento, mais fácil revelar-se por escrito do que cara a cara, essas idéias teriam
ela o elogiava com extravagância ou o repreendia com aspereza. Ora surgido em sua correspondência com Zetkin. Talvez ela não ousasse
176 Alemanha

sugeri-lo por medo de uma recusa, ou talvez a imagem dele como


filho anulasse a de marido. Também é possível que as pretensões de
Jogiches a seu respeito durante os primeiros dois anos de felicidade
com Costia tenham influenciado sua atitude; Jogiches conservara um
certo poder sobre ela, e talvez ela tivesse um vago sentimento de
ainda lhe pertencer. Seja como for^ Rosa não foi capaz de romper
com as convenções. Podia revolucionar as condições sociais, mas
seus valores pessoais permaneceram tradicionais, como é também
evidenciado por seu gosto na literatura, na música e nas artes. Seu in-
telecto poderoso não conseguiu romper os limites de sua própria
existência. Sua ânsia de "captar o ato de criação" pode ter sido outra
razão para fazer de Costia um "filho", em >vez de um parceiro
acabado. Se tivesse tido o filho que tanto desejara, é possível que
esse anseio tivesse sido satisfeito. Tal como a vida pessoal plena
continuava inatingível, o mesmo acontecia com o ato de criação.
Quando menina, Rosa tinha querido observar uma rosa se abrindo,
como escreveu certa vez a Costia, e havia esperado e esperado até
que a mandaram ir para a cama; ao acordar pela manhã, a rosa já
havia desabrochado.
Seria difícil apontar o momento em que Luxemburgo ou Costia
se aperceberam de que as duas pessoas que haviam dominado a vida
de ambos antes de eles se conhecerem estavam ali para ficar. Embora
seus motivos diferissem, eles partilhavam de uma ânsia de escapar.
Os sonhos de fugir juntos para alguma terra distante eram um tema
recorrente em sua correspondência. Eles estudavam mapas, planeja-
vam rotas e se presenteavam com livros de viagens, mas nunca foram
mais longe do que a uma breve viagem de férias pela Europa. E final-
mente, voltaram — Luxemburgo para Jogiches e Costia para a mãe.
A paixão de Luxemburgo por Zetkin não foi puramente sensual.
Ele personificava a Alemanha — o tipo nórdico vigoroso e o Werther
sentimental de Goethe. Ao se afastar de Jogiches, ela estava tentando
afastar-se não apenas do homem que "não sabia amar", mas também Rosa Luxemburgo com Costia Zetkin
da parte de sua própria história com a qual nunca chegara a um acor- em frente ao prédio dela
do. Não importa quão ferozmente criticasse os "filisteus prussianos",
ela ansiava pelo amor sentimental, admirava a eficiência e se sentia
próxima dos poetas românticos alemães. Com Zetkin, compartilhou,
não sua herança judaica indesejada, mas o espírito da cultura alemã.
Eles falavam e se correspondiam em alemão, a língua materna dele,
ao passo que Rosa falava com Jogiches em russo e lhe escrevia em
polonês salpicado de iídiche. Reagiu entusiasticamente a tudo o que
havia de alemão em Zetkin: sua comunhão com a natureza, seu
distanciamento da realidade, suas emoções exageradas — o cânone
do romantismo alemão. Seus êxtases, sobretudo quando era ela o
Clara Zetkin

Rosa Luxemburgo em 1907

Costia Zetkin acompanha sua mãe


quase cega ao Reichstag,
Berlim, 1930
Rosa Luxemburgo discursando no Congresso da Segunda Internacional,
Stuttgart, 1907. Clara Zetkin está sentada à sua direita

Leo Jogiches, provavelmente em 1908


Rosa Luxemburgo e Karl Kautsky Jr. seguram um desenho de Karl
feito por ela a carvão, Natal de 1907

Rosa Luxemburgo em seu apartamento, 1909


Costia Zetkin 177

objeto, seus anseios e até a incoerência de sua vida foram tão


irresistíveis, nessa ocasião, quanto tinham sido as trevas dostoievs-
kianas de Jogiches quinze anos antes. Zetkin a levou de volta à
poesia, ao passo que no mundo racional de Jogiches havia pouco
espaço para a beleza. Em suas cartas a Jogiches ela mencionou de
passagem um concerto a que havia assistido; para Zetkin, descreveu
extensamente a profundeza da Paixão de São Mateus, de Bach, ou o
drama lírico das sinfonias de Beethoven. O que Jogiches tentara
separar nela — a prosa e a poesia da vida — Zetkin lhe permitiu
reunir.
Os dois homens eram filhos de duas culturas que Luxemburgo
admirava e desprezava. Ela não queria nada além de ler Goethe com
Jogiches e Tolstói com Zetkin. Ó desapreço de Zetkin pela cidade
não lhe parecia escapismo ou uma incapacidade de lidar com os pro-
blemas corriqueiros, mas um anseio romântico que faltava lamenta-
velmente a Jogiches. O Weltschmerz [tédio pela vida] de Zetkin, que
ela fomentava, não era, a rigor, menos destrutivo do que o "suicídio
espiritual" de Jogiches, que ela menosprezava. Rosa deplorava a
"selvageria" de Jogiches e adorava a "delicadeza" de Zetkin, sem se
aperceber de que essas qualidades nasciam de um sentimento de
inferioridade. Os dois homens tinham sido gerados por pais judeus
russos que ambos haviam apagado de suas vidas; os dois se sobres-
saltaram por ficar órfãos de pai na infância; os dois idolatravam a
mãe. Em Luxemburgo buscaram a força que lhes faltava, e ela fra-
cassou com eles, incapaz de dar-lhes o que ela própria não tinha —
um vigoroso sentimento de identidade enraizado na aceitação do
passado. Rosa tentou exorcizar os sintomas do turbilhão interno que
os agitava sem compreender sua origem. Capaz de promover mu-
danças na consciência dos trabalhadores, ela acreditou que também
poderia transformar um homem infeliz num homem feliz. A diferença
Auto-retrato de Rosa Luxemburgo,
entre as multidões amorfas que ela dominava com tanta facilidade e o
pintado por volta de 1911
indivíduo lhe escapou. O mesmo aconteceu com as distinções ine-
rentes a culturas e condições sociais divergentes; Rosa enxergava a
humanidade, mas não o ser humano individual. "O contato com as
massas me dá coragem e tranqüilidade íntimas", dizia, mas Jogiches
ou Zetkin raramente evocavam essas sensações.40 Com eles, Luxem-
burgo sentia-se desamada, desvalorizada e desnecessária, ou, na me-
lhor das hipóteses, temia constantemente não ser amada, valorizada
ou necessária. Solitária e angustiada, ela buscou cada vez mais na
humanidade a completude e a segurança que a casa paterna e os
amantes não tinham conseguido dar-lhe.
outros fogueiras, outras lutas 179

suas palavras em polonês mostra um esforço desgastante em prol do


uso de uma linguagem que servisse de barreira entre eles. Se Rosa
realmente se tivesse tornado indiferente a Leo, não se teria dado tan-
to trabalho. Seria muito mais fácil escrever formalmente do que in-
ventar um estilo exclusivamente para ele. Essas cartas, cm certo sen-
tido, foram mais íntimas do que as escritas antes do rompimento,
pois somente Jogiches era capaz de entendê-las com facilidade. Rosa
12 Outras Fogueiras, escrevia que "Steglitz deve certificar-se" ou "Steglitz deve escrever os
detalhes", sendo Steglitz o bairro em que Jogiches morava, mas se
recusava a colocar a palavra "você" no papel.1 A reação divertida de
Outras Lutas Leo é uma prova de que o esforço de Rosa não o deixou indiferente.
Significativamente, até agosto de 1909 Luxemburgo só discutiu
1908-1913 questões profissionais em suas cartas a Jogiches. Em setembro, as car-
tas insossas que ela escrevia a Zetkin foram contrabalançadas por seu
apelo intensamente emocional de que Jogiches não se intrometesse
em sua casa. Após o recuo de Zetkin, ela se queixou a Jogiches de
depressão e esgotamento e o manteve informado sobre seu estado de
ânimo — mas só quando estava ruim.
A MEDIDA QUE seu relacionamento com Zetkin foi-se E estava ruirn a maior parte do tempo. Luxemburgo tinha então
deteriorando, a atitude de Luxemburgo perante Jogiches foi sofrendo quarenta anos e sua vida pessoal estava aos cacos. A amizade pla-
uma mudança lenta e sutil. Sua rebeldia cedeu, sua dependência tônica com Hans Diefenbach veio na hora errada; foi um lembrete de
aumentou. Após a primeira separação de Costia, em 1909, a raiva seu envelhecimento e da traição de Zetkin. O reconhecimento de que
contida, as palavras suprimidas e o ar de rixa em suas cartas cederam nenhum homem poderia substituir Jogiches, de que ele continuava
lugar a uma deferência muda. Ela continuou altiva e distante em sendo a rocha que fora desde a época em que ela o havia conhecido,
graus variáveis, mas, após o rompimento final com Zetkin em 1912, a o único ser humano que a compreendia e se importava com ela,
trégua incômoda foi substituída pela paz. tornou as coisas ainda piores. Ela não considerou a idéia de voltar
Ao contrário das cartas amorosas e sentimentais a Zetkin, nas para ele, não por causa de Zetkin ou mesmo por orgulho, mas por-
quais Luxemburgo desempenhou amiúde o papel de amiga magnâni- que não estava disposta a se tornar simplesmente uma amiga. Não
ma e tentou ocultar suas decepções, as cartas sombrias e sem reto- sabia que Jogiches havia arranjado uma amante, uma jovem vende-
ques escritas a Jogiches expuseram sua aflição. A correspondência de dora sem maiores pretensões intelectuais. As cartas antigramaticais
1908-1914 cobre um período muito sofrido na vida pessoal e pública que ela lhe escreveu indicam que essa não foi uma parceria entre
de Luxemburgo. Esse período parece dividir-se naturalmente em iguais. Mas Jogiches preferia sua vida sexual na periferia, e isso era
duas partes: a primeira, em que ela fez todos os esforços para erradi- totalmente contrário à natureza de Luxemburgo.
car Jogiches de sua vida, e a segunda, quando passou a compreender Após o rompimento com Zetkin em 1912, quando Luxemburgo
que jamais o conseguiria. mais precisava disso, Jogiches trouxe para sua vida um fator de
Em 1908 Luxemburgo escreveu oito cartas a Jogiches; em 1909, estabilidade. A volta das questões cotidianas compartilhadas — di-
escreveu-lhe cerca de vinte antes de Zetkin pleitear sua liberdade, em nheiro, roupas, férias — deu-lhe um esteio. Até as críticas ocasio-
agosto, e cerca de quarenta depois disso. Em 1910 escreveu perto de nalmente rudes de Leo, as estocadas e as ordens eram uma prova de
noventa cartas a Jogiches, sessenta em 1911, mais de quarenta em que ele era o mesmo, de que nada se modificara, e, paradoxalmente,
1912 e mais de setenta em 1913. Mais do que o simples número, o isso foi um alívio. Seu pedido de um artigo "no máximo" dentro de
tom e o teor das cartas refletiram seus estados de ânimo. Nos dois quarenta e oito horas permitiu a Rosa dizer-lhe quão doente estava e
primeiros anos ela evitou até mesmo dirigir-se a Jogiches. Ficaríamos obter sua atenção imediata. O mesmo fez sua crítica: "Se minha
tentados a descartar isso como indiferença, mas uma leitura atenta de redação está precária, não há nada que eu possa fazer. Não posso

178
outras fogueiras, outras lutas 181
180 Alemanha

escrever melhor nessa pressa e estando tão esgotada. Ontem voltei a hõlter está perguntando o que deve fazer com ela, já que está em
sofrer (...) de dores no peito e tive que me deitar imediatamente."2 perfeito estado. Não há outras roupas no armário."4
Ou então ela estava "tão deprimida" que não conseguia dormir, ou A princípio, sempre que tocava num assunto pessoal em suas
tão nervosa que não conseguia trabalhar. Fiel a seu estilo, ele res- cartas, Luxemburgo passava então abruptamente para os negócios
pondia com interesse, mas sem complacência. em pauta, como que para empanar a distinção. Com o tempo, passou
A família de Luxemburgo nunca soube do rompimento com Jo- a preocupar-se menos com a forma. Em dezembro de 1910,
giches. Em nome das aparências, Leo se fez presente no apartamento aconselhou Jogiches a "não desistir das férias, haja o que houver". O
dela quando o irmão de Rosa, Maksymilian, levou sua mulher e filhos trabalho não se ressentiria, já que ela adaptaria suas férias às dele.
a Berlim em 1910 para apresentá-los a ela. "Foi então que encontrei "Até Marchlewski me pediu que convencesse você a dar uma para-
tio Leo pela primeira vez", recordou a sobrinha de Rosa, Halina Lu- da", acrescentou, como que para negar qualquer interesse pessoal.5
xemburg-Wieckowska.3 Quer Luxemburgo não^desejasse introduzir a Um bilhete curto que enviou a Jogiches em agosto de 1910, de suas
família em seus assuntos pessoais, quer não desejasse admitir o fra- férias na Suíça, dá uma medida do progresso da reaproximação. "Um
casso (freqüentemente remetia recortes de jornal para Varsóvia lou- pedido — faça Kraus [um colega] mandar-me alguns romances polo-
vando seus triunfes profissionais), Jogiches entendeu e concordou. neses imediatamente. Não tenho uma única obra de ficção." Dois
Quando Luxemburgo lhe lembrou o aniversário de casamento de sua dias depois Jogiches escreveu de Berlim a Feliks Dzierzyáski em
irmã, que se aproximava,* Leo mandou congratulações; a pedido Cracóvia: "Queira [enviar] duas ou três obras de ficção (eu lhe direi
dela, enviou um presente de aniversário para o sobrinho pequeno de quais) (...) para Rosa, na Suíça. Terei prazer em cobrir as despesas, é
Rosa, em Varsóvia; seguindo insloições dela, redigiu algumas linhas claro."6
"calorosas" para o irmão de Luxemburgo e procurou a cunhada dela, Outro vínculo era o dinheiro. Toda a renda de Jogiches provi-
que estava em visita a Berlim. Nos primeiros sete anos de vida em nha dos negócios da família em Vilna. Fosse porque a empresa estava
comum, a família de Rosa não tivera conhecimento da existência de atravessando tempos difíceis, ou porque a saúde de Pavel, irmão de
Leo; depois, ela inventou a cerimônia de casamento na Suíça e, por Leo, estava debilitada, Jogiches teve dificuldades financeiras em 1909.
fim, fingiu uma vida conjugai quando esta não existia. Sua renda era enviada de Vilna para Maksymilian Luksenburg, em
Oficialmente, Jogiches nunca se mudou do apartamento de am- Varsóvia, que a remetia para Rosa, de modo que esta sabia quanto
bos na Cranachstrasse. Para preservar a ficção de que ainda morava Jogiches recebia e quando. Em novembro de 1909, sem dizer nada a
lá, ele alugou um quarto no Hotel Schlosspark sob o nome de K. ele, ela pediu ao irmão que insistisse com Pavel Jogiches para au-
Krzysztalowicz. Ao lado de muitos outros, seu alfaiate, C. Wiethõlter, mentar a pensão de Leo. Maksymilian, que devia dinheiro a Leo, pa-
acreditava que Jogiches ainda morava na Cranachstrasse. Ali entre- gou então o empréstimo — ou, pelo menos, foi isso o que Luxem-
gava os ternos e as notas dele e acertava as contas complicadas com burgo disse a Jogiches. Uma vez que ela também pediu a Leo que
Luxemburgo. O alfaiate era pago em prestações mensais, mas às não mencionasse o assunto a Maksymilian, Jogiches desconfiou que
vezes Jogiches se atrasava. "Wiethõlter está no meu encalço", disse- ela própria havia pago a dívida do irmão. Devolveu o dinheiro com
lhe Luxemburgo calmamente em 1910, sabedora de que o atraso se um bilhete que enfureceu Luxemburgo. "Não entendo o que está
devia a dificuldades financeiras. Ou então Jogiches não conseguia acontecendo", retrucou, furiosa. "Se você não quer seu dinheiro,
encontrar um terno, perdido em algum lugar em trânsito: "Wiethõlter mande-o de volta para Munio [Maksymilian]." Jogiches respondeu:
jura que não está com terno nenhum. Se esteve com ele, já o entre- "Nesse caso, mande-me o recibo postal, por favor." Luxemburgo dis-
gou há muito tempo. Não estará no armário, talvez? Quem sabe não é parou de volta: "Não posso vasculhar a lata de lixo em busca do reci-
o mesmo que mandei (...) para Steglitz?" Ou Leo queria que seu so- bo. Tenha a bondade de entrar em contato com Munio e não me
bretudo fosse consertado: "Só encontrei a capa de chuva (...); Wiet- aborreça."7
Não importa se Luxemburgo pagou a dívida do irmão. O que se
evidencia no diálogo sobre o dinheiro são o zelo e o sentimento de
responsabilidade. Esse intercâmbio deu-se em 1909, três meses de-
• Anna Luksenburg (1858-1932) casou-se em 1909, aos cinqüenta e um anos de pois da retirada de Zetkin. Talvez, pela primeira vez, Luxemburgo
idade.
tenha comparado o comportamento do homem com o do menino.
182 Alemanha outras fogueiras, outras lutas 183

A volta ao passado, por limitada que fosse, restaurou o equi- Central [do Partido dos Trabalhadores Social-Democratas Russos] (...)
líbrio de Rosa, que o romance com Costia Zetkin havia perturbado. A Em vez disso, deveríamos estar usando essa plataforma para uma
unicidade de propósitos de Leo, sua concentração exclusiva no ação neutralizadora. Em geral, a guerra aberta contra os bolcheviques
movimento, tão dolorosa quando ela vivia com ele, agora a ajudou a me parece muito difícil para nós(...). Uma cisão entre nós e os bol-
lidar com diversos reveses políticos. cheviques está fadada a levar o caos do partido ao auge, e isso servirá
aos interesses dos mencheviques, que são a praga mais perigosa."9
Para contrabalançar a "selvageria mongólica" dos russos, a pra-
ticabilidade cautelosa dos alemães e as tensões na Internacional entre
socialistas de várias nacionalidades, Luxemburgo precisava da habili-
dade política de Jogiches e de seu apoio moral. No início de sua
Embora a revolução de 1905 tivesse fortalecido^, posição militante de carreira, havia precisado dele porque era desconhecida e intimidada
Luxemburgo, o Partido Social-Democrata Alemão (SPD) estava cada pelo poderoso Partido Social-Democrata Alemão; agora precisava
vez mais apreensivo diante de uma revolução no estilo russo, ou, a dele por ser conhecida e estar determinada a combater aquele par-
rigor, diante de uma insurreição no estilo polonês. A revolução era tido. Ela havia criado seu próprio socialismo junto com Jogiches, e só
algo a ser discutido, e não a ser feito. A tarefa imediata consistia em ele entendia porque este não se ajustava nem à linha partidária alemã
conquistar maior poder no Reichstag, achava a liderança do SPD. nem ã russa.
Quanto rnais abertamente Luxemburgo pressionava pelo "marxismo O conceito de socialismo de Luxemburgo brotou de suas
revolucionário", mais isolada ficava. A tradição polonesa de heroísmo divergências com Marx, o SPD e Lenin. Seus princípios fundamentais
e martírio e a tradição alemã de conformismo e conservadorismo foram elaborados, ainda que de maneira muito fragmentária, em sua
eram irreconciliáveis. avaliação de 1918 da Revolução Russa, e perpassaram todo o seu
Embora Rosa glorificasse a revolução russa de 1905 perante trabalho. O denominador comum no conceito de socialismo de Rosa
seus colegas alemães, não decorria daí que estivesse de acordo com era a liberdade de "pensar de maneira diferente". Seu compromisso
os russos. Suas lutas partidárias internas deixavam os alemães per- com a revolução era, fundamentalmente, uma questão moral — uma
plexos e enfureciam Luxemburgo. "Fiquei simplesmente envergo- obrigação de lutar por um sistema social mais humano. O progresso
nhada de contar isso a Kautsky", escreveu ela a um camarada russo da humanidade estava inevitavelmente ligado à virtude moral. A
em 1909, referindo-se a uma cisão sucessiva na facção bolchevique.8 Realpolitik, fosse ela concebida por Marx, Kautsky ou Lenin, era imo-
Maxim Gorkij, discordando das opiniões de Lenin, recusou-se a ral e, portanto, sem valor. Luxemburgo frisava uma dimensão ética e
publicar seu Materialismo e Empírio-Crítica no Znanie (Conhe- o idealismo dos trabalhadores, enquanto Marx sublinhou as leis ine-
cimento), sediado em São Petersburgo. Lenin pediu a Luxemburgo xoráveis da história, Kautsky, o bem-estar dos trabalhadores, e Lenin,
que redigisse um comentário sobre essa obra para o Die Neue Zeit, o a ditadura do proletariado. Por não ter criado uma obra abrangente
que ela fez; mas o gesto amistoso não conseguiu deter a luta interna sobre a mudança social, ela foi basicamente descartada como sendo
dos russos. Convidada a fazer uma palestra na Escola do Partido dos uma teorizadora ou uma pensadora política inovadora. No entanto,
Trabalhadores Social-Democratas Russos, em Capri, organizada sob a sua contribuição para a questão nacional não foi menos válida, do
égide de Gorkij, ela não estava certa de dever ou não aceitar, es- ponto de vista teórico, do que a de Lenin, e foi, por certo, uma
creveu a Jogiches, "em vista da hostilidade entre a colônia de Capri e dedução coerente dos ensinamentos de Marx.
Lenin". A luta pela supremacia que continuava entre os russos foi Suas idéias aparecem em várias publicações e declarações. O
minando sistematicamente sua autoridade na Europa Ocidental. O artigo de 1904 intitulado "Questões Organizacionais dos Social-De-
"marxismo tártaro [dos russos] (...) gera uma pressão psicológica para mocratas Russos" refutou as doutrinas básicas de Lenin, que, a seu
ver, distorciam o "marxismo revolucionário". Em 1906, "A Greve em
refrear-lhes a arrogância", afirmou Luxemburgo. Discutindo a Massa, o Partido e os Sindicatos" expandiu sua crítica à "autoridade
estratégia da Social-Democracia Polonesa (SDKPiL) com Jogiches, partidária central" em contraste com as greves espontâneas em massa
escreveu: "Se os bolcheviques estão realmente minando a unidade — expressão da disposição dos trabalhadores de determinarem sua
partidária agora e são mandões demais, é-me difícil dizer; ainda não sorte por eles mesmos. Num discurso proferido em Londres no V
reparei (...). Não vejo nenhuma razão para nos retirarmos do Comitê
184 Alemanha outras fogueiras, outras lutas 185

Congresso do Partido dos Trabalhadores Social-Democratas Russos, claro, de que as pessoas unham necessidade de pertencer a um
em 1907, ela se opôs à insurreição armada e aos meios artificiais de grupo. Esse grupo, em sua opinião, deveria ser o proletariado inter-
"desencadear" uma revolução. E o texto de 1908 intitulado "A Ques- nacional, moldado por um estilo de vida comum e definido, não em
tão Nacional e a Economia" condenou o nacionalismo como uma termos de nação, raça ou hcredilariedade, mas de uma comunhão de
força divisória. interesses. Sua idéia brotava dos proletários de Marx —pessoas sem
De acordo com o socialismo científico, afirmava Luxemburgo, nenhum compromisso de fidelidade nacional.
"a revolução é, acima de tudo, uma mudança radical profunda nas O fato de seus artigos sobre a questão nacional contestarem
relações sociais de classe", afetando a consciência e as atitudes das Lenin de modo bastante agressivo não turvou as relações pessoais de
pessoas.10 "O marxismo contém dois elementos cruciais: o elemento Luxemburgo com ele. Lenin estava cônscio da posição de Luxem-
da análise e da crítica e o elemento da vontade ativa da classe burgo no Partido Social-Democrata Alemão e de sua influência com
trabalhadora (...). O marxista (...) deve avaliar as condições olhando Kautsky, que ainda não adquirira a honra de ser o "renegado Kauts-
do ápice da teoria, e não das profundezas mais Inferiores de um dia ky" em que sé transformou para gerações de pessoas educadas pelos
passageiro e de circunstâncias temporárias." A teoria de Marx, afir- soviéticos. O SPD tinha influência e dinheiro, ambos sumamente
mou ela, fora reduzida por seus intérpretes a uma "polpa amorfa", e necessários aos bolcheviques, e Luxemburgo, além disso, estava na
Rosa tomou a si a tarefa de dar prosseguimento ao trabalho dele tal liderança do Partido Social-Democrata Polonês (SDKPiL), de cujo
como o entendia.11 Concebeu o marxismo como uma filosofia huma- apoio eles também precisavam. Mas a atitude respeitosa de Lenin
nista capaz de restaurar a integridade das pessoas. O "jargão marxis- para com Luxemburgo não era motivada apenas pelo interesse
ta", que supria material para os demagogos e corrompia o intelecto, pessoal — ele reconhecia a excelência de sua mente. Foi visitá-la
era por ela considerado ilusório e perigoso. "Rosa Luxemburgo", es- com sua mulher, Krupskaja, quando Luxemburgo estava dando os
creveu Gyõrgy Lukács, "foi a única discípula de Marx a dar conti- retoques finais na "Questão Nacional", e, após sua publicação em
nuidade efetivamente ao trabalho da vida dele, tanto na teoria eco- 1909, enviou a Rosa seu Materialismo e Empírio-Crítica com uma
nômica quanto no método econômico."12 dedicatória amistosa.
Pode-se argumentar que as idéias de Luxemburgo não foram O nacionalismo preocupou Luxemburgo durante toda a sua
originais, que os anarquistas haviam defendido a greve em massa vida. A razão para criar o SDKPiL foi justamente sua discordância do
anteriormente, e que ela extraiu de Marx a idéia do internacionalismo
e de Moisés a idéia da justiça social. Ela estava pronta a reconhecer Partido Socialista Polonês no tocante à questão da independência da
sua dívida para com os pensadores e os filósofos e para com toda a Polônia. Seus primeiros artigos sobre esse tema foram publicados em
tradição ocidental, e usou freqüentemente a análise histórica como 1893, e sua tese de doutoramento forneceu a fundamentação lógica
ponto de partida. Não obstante, criou um conceito de socialismo que contrária à separação da Rússia. Em "A Questão Nacional" ela tentou
lhe era próprio, um socialismo que as próprias pessoas exigiam, tal conferir validade universal a sua tese contra o nacionalismo. A
como refletido nas revoluções espontâneas da Hungria em 1956, da revolução socialista internacional poria termo à dominação nacional,
Tchecoslováquia em 1968 e da Polônia em 1980. assim como acabaria com a exploração, a desigualdade entre os se-
Enquanto a Internacional era confrontada com um nacionalismo xos e a opressão racial. Do mesmo modo que o "direito ao trabalho"
crescente, enquanto os socialistas alemães apoiavam o poder cada deixaria de ser uma expressão vazia, uma vez abolido o capitalismo,
vez maior do Estado prussiano e enquanto Lenin defendia a autode- com seu desemprego crônico, o mesmo ocorreria com o "direito à
terminação nacional, Rosa Luxemburgo estava trabalhando em "A liberdade" das nações. "Numa sociedade de classes, 'a nação', como
Questão Nacional e a Autonomia", publicado em polonês em 1908 entidade sócio-política homogênea, não existe." Numa nação existem
como uma série de artigos na Revista Social-Democrata. Luxemburgo apenas as classes, "com interesses e 'direitos' antagônicos".14
não estava só em sua crença de que o nacionalismo na Europa estava Embora o ponto de partida das deliberações de Luxemburgo
declinando. "Nenhum pensador influente (...) anteviu seu futuro — fosse invariavelmente a Polônia, onde, afirmava ela, os interesses do
ou, pelo menos, ninguém o predisse claramente", escreveu Isaiah proletariado chocavam-se com o nacionalismo da aristocracia e da
Berlin em 1972. "O nacionalismo era predominantemente encarado pequena burguesia, o alvo de suas críticas era a Social-Democracia. A
na Europa como uma fase passageira."13 Luxemburgo estava ciente, é Social-Democracia, afirmou ela, estava obrigada a "realizar, não o di-
reito das nações à autodeterminação, mas apenas o direito da classe
186 Alemanha outras fogueiras, outras lutas 187

trabalhadora (...) à autodeterminação".15 A analogia traçada entre o 1787, num "Estado unificado com uma autoridade legislativa central e
direito à autodeterminação nacional e o direito à liberdade de expres- um executivo central".19
são, à liberdade de imprensa e à liberdade de associação e reunião Diferentes motivos têm sido atribuídos ao extremo antinaciona-
era uma falácia, sustentou ela; havia entre os dois uma "certa seme- lismo de Luxemburgo. Muito antes de Stalin inventar o fenômeno do
lhança superficial", mas eles se situavam em "níveis históricos dife- "cosmopolita desarraigado" — o judeu hostil aos sentimentos nacio-
rentes". O segundo grupo de direitos constituía "formas legais de nais da classe trabalhadora —, algumas pessoas apontaram a origem
existência numa sociedade burguesa madura", enquanto o direito à judaica de Luxemburgo, outras sua condição desprovida de Estado
autodeterminação era uma "formulação metafísica de uma idéia que, (não existia um Estado polonês), e outros ainda, sua ascendência
na sociedade burguesa, é completamente inexistente e só pode rea- mista. Luxemburgo se considerava uma cidadã do mundo e queria o
lizar-se num regime socialista".16 O fato de Marx defender a inde- socialismo sem nacionalismo. Isso era coerente com sua confiança da
pendência da Polônia apenas mostrava "quão profundamente errado adolescência nos ideais de Adão Mickiewicz, que amadureceu quando
estava Marx", pois ele também previra o desaparecimento dos tche- a realidade geopolítica pediu soluções concretas. Se havia alguma
cos, "cuja vitalidade os austríacos hoje consideram tão problemática". esperança de pôr fim à exploração e ao derramamento de sangue, ela
Mas, por outro lado, "Marx nunca afirmou ser infalível".17 estava na irmandade internacional dos trabalhadores. A falta de sim-
patia de Luxemburgo pelas aspirações nacionais talvez tenha brotado
Um regime socialista em que os indivíduos estivessem ligados de sua experiência como polonesa e como judia. No entanto, Julian
"pela harmonia e pela solidariedade" criaria uma "nação" por consen- Marchlewski, que também era meio alemão, e Feliks Dzierzynski,
so. O conceito de direito de autodeterminação das nações é abstrato, polonês lituano, também não apoiavam a independência da Polônia.
pois não sabemos quem constitui a "nação" nem quem tem a auto- Para os alemães, franceses ou russos, o internacionalismo era um
ridade e o direito de falar em nome dela. "Como podemos descobrir conceito teórico; não implicava a renúncia à independência nacional.
o que a 'nação' realmente quer? Haverá um partido político sequer Marx ou Kautsky, Lenin ou Jaurès podiam empreender discussões
que possa afirmar que, sozinho, (....) expressa verdadeiramente a filosóficas sobre as vantagens do internacionalismo sem implicarem
vontade da 'nação? Nem mesmo a Social-Democracia alemã é ou sua própria condição ou a de seus países. O mesmo não se dava com
afirma ser a encarnação da vontade da maioria. Expressa apenas a Luxemburgo.
vontade e a consciência da camada mais avançada e mais revolucio- É claro que Luxemburgo, ao lado de outros, subestimou a força
nária do proletariado industrial urbano." Embora esse partido, com do sentimento nacionalista e superestimou a solidariedade dos traba-
seus três milhões duzentos e cinqüenta mil votantes, fosse o mais po- lhadores. Contudo, em 1918, quando Stalin declarou que "o princípio
deroso da Alemanha, era "uma minoria, comparado aos oito milhões da auto-determinação deve ser um instrumento na luta pelo socia-
de votantes dos partidos burgueses e aos trinta milhões que têm di- lismo e deve subordinar-se aos princípios do socialismo", Rosa teve
reito ao voto (...). Portanto, a nação alemã 'se determina' elegendo uma triste vingança.20
uma maioria de conservadores, clérigos e livres pensadores, e coloca
nas mãos deles seu destino político."18
Basta olhar para a longa lista de partidos socialistas russos re-
presentados numa conferência em Paris, em 1904, para compreender
porque Luxemburgo se opunha ao conceito leninista de direito à
autodeterminação nacional. Os participantes foram a Social-Demo- Até a irrupção da I Guerra Mundial, a estatura de Luxemburgo
cracia Lituana, o Partido Socialista Ucraniano, os Federalistas Social- continuou a crescer: "Deve ser uma sensação peculiar estar no centro
Revolucionários da Geórgia, a Social-Democracia Armênia, a Hroma- da história", alguém lhe observou.21 Sua fama difundiu-se pela Europa
da Bielo-Russa e a Federação Revolucionária Armênia. 'Muitas outras e chegou aos Estados Unidos. Rosa tinha amigos e camaradas, uma
nacionalidades e grupos étnicos internos ao Império Russo estiveram vida social rica, um apartamento bem mobiliado, incluindo em-
ausentes. Na outra extremidade do espectro étnico, explicou Luxem- pregada e animal de estimação, e segurança financeira. A Itália e a
burgo, encontravam-se os Estados Unidos da América, onde uma Suíça eram seus locais favoritos de férias, e a pintura e jardinagem
"união frouxa e voluntária" fora transformada, pela Constituição de seus passatempos prediletos. Ela esquiava e estudava inglês, visitava
outras fogueiras, outras lutas 189
188 Alemanha

museus e exposições, deleitava-se com a leitura de romances e poe- mado teórico: "uma mediocridade tacanha", observara Marx, "consi-
sia em cinco línguas, desfrutava da companhia de artistas e intelec- deravelmente inteligente, esforçado, de certa maneira, ocupado com
tuais e gostava de viagens de automóvel. Elegantemente trajada, estatísticas das quais não extrai nada de inteligente, e pertencente por
comparecia a concertos, teatros e à ópera, acompanhada por Hans natureza à tribo dos filisteus."23 No entanto, no começo de sua
Diefenbach, pelo pintor Hans Kautsky (irmão de Karl) ou por algum carreira alemã, ela e Kautsky tinham sido os únicos defensores da
outro de seus amigos artistas. Ninguém tinha tanta popularidade extrema esquerda e sua plataforma política comum os havia apro-
junto aos trabalhadores quanto ela; ninguém atraía tão vastas ximado. Kautsky desempenhou um papel crucial no sucesso de Rosa,
multidões. Sua posição na Escola Partidária lhe granjeava prestígio e e sua amizade facilitou-lhe o caminho para o topo. Foi por reco-
proporcionava uma renda generosa e outro grupo de admiradores — mendação dele que lhe foi oferecida, em 1907, a cátedra na Escola
os alunos. Seu jornalismo contava com um vasto público leitor, e Partidária — a única mulher do destacado corpo docente.
seus discursos, com platéias entusiásticas. Sua vida particular e pú- A polêmica com Kautsky, que pôs termo às relações entre os
blica, a julgar pelas aparências, era feliz e realiáada. dois, começou pela recusa dele a publicar o artigo de Luxemburgo
Essa era mais uma das ilusões que Rosa Luxemburgo criava sobre a greve em massa no Die Neue Zeit, a menos que ela suprimis-
com tanta habilidade para o mundo externo. Uma energia imensa era se um trecho que exortava ao estabelecimento de uma república na
investida na construção dessa imagem. Rosa pagava por ela com Alemanha. O artigo, "E Depois?", foi recusado pelo Vorwàrts e fi-
noites insones, surtos de depressão e uma solidão que crescia dentro nalmente saiu em março de 1910, no Dortmunder Arbeiterzeiíung,
sem o trecho ofensivo. Kautsky a magoou, não por ter-se recusado a
dela qual erva-daninha. O desempenho de papéis era um dreno
publicar o artigo — isso já acontecera antes —, mas por ter dis-
imenso em sua saúde psíquica e física; salvo com Jogiches, ela estava cordado de sua postura política. "Estou considerando", escreveu ela a
sempre no palco, a caráter e maquiada, perfeita. Luise Kautsky, "se meu próximo passo será abandonar a escola e me
O mais doloroso talvez fosse o reconhecimento de que, após todos mudar para o interior"; na verdade, estava considerando a maneira de
aqueles anos, ela não pertencia a parte alguma. Fizera seu lar num revidar o golpe.24 Na polêmica que se seguiu, Luxemburgo esteve no
país em que continuava a ser forasteira. Goethe e Bach podiam auge de seu veneno. O fato de ser vingada pela popularidade de sua
arrebatá-la, mas não os alemães. Num concerto de Beethoven, "a idéia da greve em massa entre os trabalhadores não a aplacou.* Co-
reação da platéia me fez estremecer (...) Fiquei totalmente enojada"; mo provam suas cartas a Jogiches e a Costia Zetkin, ela passou dias e
sua sugestão de discutir Anna Karenina com os alunos despertou um noites preparando réplicas. Seu artigo "E Depois?" foi respondido por
comentário de que havia "amor demais" no romance. Tolstói nada "E Agora?", de Kautsky; a "Estrada para o Poder", escrita por ele, foi
tinha em comum com a cultura ou, a arte, disseram-lhe "esses respondida por "Atrito ou Luta?", de Rosa. Kautsky retrucou então
'herdeiros da filosofia clássica"'.22 E a atitude deles perante a mudança com "Entre Baden e Luxemburgo", fazendo um trocadilho com o
social era semelhante. Para os poloneses, nenhuma idéia grandiosa nome dela.
era utópica demais, nenhuma grande causa era indigna de sacrifício. A batalha, porém, não era em torno de palavras, mas de uma
Ela sentia repulsa pelos líderes socialistas alemães, que não se redefinição dos papéis. Em seus artigos, Luxemburgo afirmou que os
dispunham a trocar suas casas confortáveis pelas barricadas. Ator- trabalhadores deveriam ser incentivados a se encarregar de seu pró-
mentada por sua alienação e angustiada por seus sonhos não reali-
zados, Luxemburgo foi-se tornando mais inflexível e mais beligerante.
O simples número de batalhas que ela travou nos anos de 1910-1913
indica seu estado de ânimo. Kautsky e Bebei, Lenin e Radek, a Social- • Rosa remeteu o seguinte recorte a sua família em Varsóvia: "Se a mera aparição da
Democracia Alemã e o Partido dos Trabalhadores Social-De-mocratas camarada Luxemburgo foi saudada por vivas entusiásticos e se suas colocações foram
Russos, a oposição dentro da Social-Democracia Polonesa e os amiúde interrompidas por uma chuva de aplausos, o término de seu discurso foi
nacionalistas poloneses — cada indivíduo ou grupo que cruzou seu recebido com uma ovação estrepitosa. (...) Até nas ruas ela foi vivamente saudada e
sua volta para o hotel transformou-se numa passeata triunfante. O encontro e o clima
caminho foi tratado por ela de maneira implacável e, por vezes, da platéia provaram que os trabalhadores de Hagen se permitiram ter uma visão da
perversa. greve em massa diferente da (...) adotada em alguns círculos da liderança do Partido."
Embora Karl Kautsky a promovesse e fosse seu amigo pessoal, Luksemburg, Listy, 3:176.
Luxemburgo parecia compartilhar a opinião de Marx sobre o reno-
outras fogueiras, outras lutas 191
190 Alemanha

prio destino, tendo a greve em massa como seu principal instru- véu Luxemburgo a Jogiches.29 Nessa ocasião, Bebei escreveu a Luise
mento. A liderança partidária deveria ceder seu poder e, como Kautsky afirmando que o estado de seu marido se devia à tentativa
vanguarda dos trabalhadores, ajudá-los a pôr termo à dominação das de Luxemburgo, dois anos antes, de destruir o casamento deles.* Em-
forças econômicas e políticas que os manipulavam. O SPD deveria bora a época e as circunstâncias não corroborem a imputação de
redefinir-se; ainda não chegava a exigir a república, assim favore- Bebei, é possível que Kautsky tenha-se desestruturado sob os ataques
cendo uma frente unida dos partidos burgueses. cáusticos de Luxemburgo. Talvez ela o visse como um símbolo da
Luxemburgo contestou abertamente o sistema do SPD, e pagou decadência do SPD, e ele suportou o impacto da atitude de amor e
caro por isso. Os editores que antes lhe haviam solicitado artigos ódio de Rosa ante a Alemanha e os alemães. Os dois ficaram sem se
agora a rejeitavam. "Estou numa bela enrascada", escreveu ela a falar até o último encontro da Internacional, em julho de 1914.
Jogiches. "O Vorwàrtsse recusou a publicar meu artigo (...) O Neue Com a polêmica com Kautsky ainda no ar, Luxemburgo teve
Zeit recusou-se a publicar minha resposta." E, alguns dias depois: "O uma desavença amarga com o venerável August Bebei. O pivô foi a
Dortmunder ÍArbeüerzeüungl rejeitou meu arCigo (...) e o mandou "crise do Marrocos". O surgimento do cruzador alemão Pantherem
para Bremen. Se Bremen vai aceitar, só o demônio sabe."25 Agadir, no Marrocos, em julho de 1911, foi encarado por um seg-
A polemica Luxemburgo-Kautsky entrou na história partidária mento da opinião pública européia como uma provocação contra a
menos por sua profundeza intelectual ou pelos méritos ou deméritos França, com possibilidades de levar a uma guerra. A Diretoria da
da greve em massa do que por seu caráter vingativo. Durante váiios Internacional Socialista considerou a situação suficientemente perigosa
meses, foi o coup de théâtre em que cada ato sucessivo provocava para convocar uma reunião de emergência. Às vésperas da eleição
uma agitação. Os velhos inimigos de Luxemburgo se regalaram. "Dê para o Reichstag, o SPD estava mais empenhado em angariar votos
uma olhada agora em sua querida Rosa", escreveu o líder socialista do que em aumentar o incidente. Em nome do SPD, Hermann Mol-
austríaco Victor Adler a August Bebei, "[e veja] como Karl [Kautsky] kenbuhr informou à Diretoria, por carta, que uma conferência sobre
está sofrendo nas mãos de sua boa amiga (...) essa cadela venenosa o Marrocos tinha baixa prioridade naquele momento. A reunião não
ainda vai causar muitos danos, ainda mais sérios por ela ser perigo- se deu e a crise se dissipou, mas não a escandalização de Luxem-
samente astuta."26 Luxemburgo protestou com Luise Kaulsky, dizendo- burgo. Primeiro, ela ficou desolada com os esforços crescentes do
lhe que seu marido a havia apunhalado pelas costas, e Kautsky SPD de se fazer representar no Reichstag; segundo, desaprovou o
escreveu para a mãe dizendo que os "canhões mais pesados" esta- esvaziamento de um incidente internacional potencialmente explo-
vam prestes a rolar, enquanto Bebei disse a Kautsky que toda a sivo em benefício da política interna; e terceiro, objetou a que a lide-
polêmica não passava de lenha para a fogueira do inimigo. "Tenho a rança do SPD tomasse decisões importantes sem consultar os tra-
impressão de que você está esgotado", escreveu-lhe Bebei. "Toda balhadores. Depois de muita reflexão, resolveu publicar a carta de
essa história com a Rosa teria tomado um rumo diferente, não fosse Molkenbuhr, juntamente com uma crítica lapidar. Bebei ficou indig-
seu nervosismo (...) você devia ter dito a Rosa: está bem, vou aceitar nado. No Congresso do Partido em Jena, em setembro de 1911, acu-
seu artigo, mas no momento em que eu o considerar adequado. sou Luxemburgo publicamente de "grave indiscrição" e comporta-
Nessa situação, ela poderia reclamar, mas não se queixar de parcia- mento indigno, visando a destruir-lhe a credibilidade política. A ré-
lidade, e teríamos tido paz pelos meses seguintes."27 Mas não havia plica firme de Luxemburgo e o sentimento de oposição à guerra que
retorno, e Luxemburgo pôde "queixar-se justificadamente de que seu prevalecia na época salvaram-na de ser jogada no ostracismo. Mas ela
próprio partido estava tentando silenciá-la. Com imparcialidade,
Bebei admitiu que, embora o mundo estivesse dando boas risadas
com o conflito, Rosa era essencial para o partido e certamente para a
* No início de 1908, Luise Kautsky deixou a família e foi para Viena. Suas canas ao
Escola Partidária, onde era a melhor dentre os professores. Kautsky, marido revelam que ela estava considerando a idéia de deixá-lo por Hans, irmão dele.
por seu lado, estava satisfeito com o fato de o mundo não mais Ela pleiteou junto ao marido que a deixasse ficar com o filho caçula, Benedikt.
encarar a ele e a Luxemburgo como "gêmeos siameses".28 Entretanto, Luise Kautsky acabou voltando para a família. Suas cartas provam que não
A tempestade amainou quando Kautsky sofreu um colapso ner- Luxemburgo, mas o conflito pessoal da própria Luise é que causou a ruptura
voso em agosto de 1910 e passou vários meses num sanatório. "Al- temporária do casamento dos Kautskys. (Instituto Internacional de História Social,
Amsterdã, Coleção Kautsky.)
gumas pessoas me deram a entender que a culpa foi minha", escre-
192 Alemanha outras fogueiras, outras lutas 193

não esqueceu o ataque de Bebei, Vários meses depois, escreveu a Radek juntou-se aos "secessionistas", ou seja, à oposição centra-
Costia Zetkin: "Não vou amolecer com esse bando e ficar assistindo lizada no Comitê de Varsóvia e voltada contra o Comitê Central do
de braços cruzados. No encontro gigantesco de ontem (...) falei com SKDPiL, sediado em Berlim. O volume de tempo e energia que Lu-
aspereza sobre Bebei, e as pessoas ficaram do meu lado. Na semana xemburgo investiu na destruição de Radek parece intrigante. Ele não
que vem, vou falar nos mesmos moldes no primeiro distrito eleitoral era influente nos movimentos polonês ou alemão, nem tampouco era
de Berlim e, se puder, falarei de maneira ainda mais dura."30 um trunfo insubstituível ou um perigo potencial. No entanto, a cam-
Contudo por mais asperamente que tenha falado de Bebei, um panha anti-Radek lançada por Luxemburgo foi única nos anais de
velho amigo de confiança, ela decerto não se conteve no tocante ao ambos os partidos. Depois de expulsá-lo do SDKPiL, quis que o SPD
notório "caso Radek". Um jovem judeu polonês e um jornalista e tomasse a mesma deliberação. Durante mais de um ano Radek foi um
orador incomumente talentoso, Karl Radek (seu nome verdadeiro era tema fixo em suas cartas a Jogiches. "Avise-me imediatamente sobre
Sobelson) era um seguidor dedicado de Luxemburgo. Seu estilo as medidas a serem tomadas contra Radek; será que uma resposta
atraiu a atenção dela já em 1905. "Fique de*olho nesse Radek", aler- minha deve ser publicada no VforwãrtsJ, ou o partido responderá
tou Jogiches, "ele escreve esplendidamente para nós [o SDKPiL]."31 também em meu nome?", escreveu em setembro de 1912. "Se pudés-
"Você com certeza vai gostar dele", escreveu; "tem uma aparência semos provar a culpa de Radek para os alemães acima de qualquer
muito original, lembrando Trotsky ligeiramente com aqueles 'cachi- dúvida razoável, seria nossa salvação", dizia outra mensagem. "Leia
nhos' dele." Ela própria tratava o jovem de vinte anos "com muita com atenção o relatório anexo a respeito de R.!! Naturalmente, temos
frieza, ou melhor, com reserva", segundo suas palavras, mas pediu a de reagir de imediato", pressionou. "Seria uma grande vitória se o
Jogiches que fosse "tolerante" com ele.32 Rosa não gostava do tom [Comitê Executivo do SPD] escrevesse a carta prometida (...), que,
argumentativo e das maneiras de Radek, ambos "grosseiros", e, em- publicada por nós, seria uma nova bofetada no rosto de R."37 E assim
bora não quisesse antagonizar essa nova aquisição de um partido sucessivamente, carta após carta, em ritmo ofegante, urgente, im-
cronicamente carente de bons escritores, mantinha-o a uma distância piedoso. Uma comissão do SDKPiL reuniu-se em Paris em setembro
segura. Em 1910, Radek ainda era "muito obediente", mas estava de 1913; o Partido dos Trabalhadores Social-Democratas Russos
ficando muito "cheio de si".33 Um ano depois veio a cisão no SDKPiL (RSDRP), o Bund e a Social-Democracia da Letônia participaram da
e, com ela, a queda de Radek. investigação do caso Radek. As acusações contra Radek iam desde o
O atrito político manteve o SDKPiL à beira da divisão durante suposto furto de um casaco, na época em que ele era estudante em
Cracóvia, até o desfalque de verbas do partido e a falta de pagamento
anos. "A principal causa de insatisfação e oposição à política da lide- das taxas partidárias. Certas minudências, como o desleixo que levou
rança do partido, na qual a influência dominante de Tyszka Ijogichesl Radek a não solicitar adequadamente sua inscrição no Partido Social-
se consolidou depois da conferência de agosto [de 1910], (...) era e é Democrata Alemão, foram usadas para fechar-lhe as portas de qual-
o método empregado, pela liderança", escreveu Zdzislay Leder, um quer partido socialista. Nenhuma das acusações tocou na verdadeira
colaborador estreito de Jogiches.34 A falta de vínculos fortes entre a razão — a deserção de Radek do campo de Luxemburgo.
liderança de Berlim, que emitia as ordens, e os subordinados de Var- Em sua conhecida obra Meine Abrechnung [Minha Avaliação],
sóvia, que supostamente deveriam cumpri-las, exacerbou o antago- Radek repudiou todas as acusações, mas em vão. Por fim, foi salvo
nismo. Até os companheiros íntimos de Jogiches torciam o nariz di- pela revolução bolchevique e se tornou o especialista de Lenin nas
ante de sua mão de ferro. Julian Marchlewski recusou-se a trabalhar questões alemãs, membro do Comitê Central do Partido Bolchevique
com ele. "Não posso continuar", escreveu a Feliks Dzierzyríski, "e e uma força preponderante na Terceira Internacional (Comunista).
acho que o dique vai arrebentar a qualquer momento. Não posso Obedecia a Lenin, Trotsky e Stalin, nessa ordem. Foi a julgamento em
fazer nada — Leo tem seu estilo de trabalho, eu tenho o meu."35 1936 e desapareceu em 1939, num perfeito exemplo do adágio
"Você deve tentar controlar-se", Luxemburgo advertiu Jogiches: "você "Quem com ferro fere, com ferro será ferido". Após a ruptura, Lu-
tem humilhado Adolf [Warszawski] e o vem tratando como lixo (...) e xemburgo o encontrou uma vez, em 1918, quando Lenin o enviou a
também ele pode se encarniçar."36 Por mais desagradáveis que Berlim para estabelecer contato com a esquerda alemã. Foi necessária
fossem, esses problemas eram banais, comparados às diferenças polí- uma grande dose de persuasão para que Rosa apertasse a mão dele.
ticas entre Berlim e Varsóvia que vieram à tona por volta de 1908 e O encontro foi frio e ineficaz — seu tema principal foi o terrorismo.
desencadearam uma cisão no SKDPiL em 1912.
194 Alemanha outras fogueiras, outras lutas 195

"Afinal, o terrorismo nunca nos derrotou", disse Luxemburgo ao agir e não temer nada." Luxemburgo achou que Jogiches poderia
tomar conhecimento de que Feliks Dzierzynski estava chefiando a fazer objeções a sua "idéia", que eqüivalia a uma monstruosa destrui-
Cheka.* "Porque deveríamos nós depender dele?" Radek, do alto de ção da reputação de um grupo de socialistas que só era culpado de
sua nova posição, apresentou uma argumentação habilidosa em divergências políticas, já que nenhum crime era mais hediondo do
defesa do uso do terrorismo.38 que o cometido por Evno Azev, o célebre agent provocatçur que se
Alguns estudiosos consideraram a atitude de Luxemburgo para infiltrou no movimento revolucionário russo por ordem da polícia
com Radek irracional, na melhor das hipóteses, e paranóide, na pior. czarista. "Haveria uma grande grita, mas não se deve ter medo", Lu-
Como freqüentemente acontece, porém, seu comportamento foi exa- xemburgo preveniu Jogiches, antevendo suas restrições.39 Na ver-
minado no vazio ou interpretado de modo a se ajustar à noção pre- dade, é claro, a questão era de ética, e não de medo; mas Luxem-
concebida da mulher brigona. Sua reação veemente à traição de burgo havia tocado no ponto certo. Jogiches consentiu, como o fize-
Radek pode ter sido desencadeada pelo sentimento de ser traída por ram outros membros da liderança, e a "certa idéia" de Luxemburgo
todos. Juntando-se aos desertores, Radek havia apunhalado Jogiches — uma idéia que se tornou o meio favorito de Stalin para destruir
pelas costas. Ao se vingar de Radek, ela estava retaliando todas as seus oponentes políticos — foi posta em prática. Não há nenhuma
desilusões, particulares e públicas, que havia sofrido ao longo dos justificativa para o ato de Luxemburgo: a acusação falsa de que
anos. Ao menos uma vez, podia fazer uma demonstração de força, e agentes czaristas haviam-se infiltrado no Comitê de Varsóvia. Como
a fez. Rosa pouco se importava com o próprio Radek. Mas se im- disse Joseph Conrad, "Os princípios não bastam". .Luxemburgo
portava com Jogiches, e ele fora traído; e se importava com a união estava, aos poucos, tornando-se parte da máquina que devora seus
do partido, polonês e russo, que era constantemente dilacerado. A próprios filhos.
seus olhos, Radek representava um símbolo da deslealdade, da Rosa e Jogiches fizeram campanha pela unidade dentro do
corrupção e da traição. Partido dos Trabalhadores Social-Democratas Russos (RSDRP), preo-
À medida que foi crescendo seu isolamento político, palavras cupação da qual Lenin não compartilhava, e se opuseram inequivo-
como "esmagar" ou "destruir" tornaram-se mais freqüentes em suas camente a quaisquer relações com o Partido Socialista Polonês. A
cartas a Jogiches. Usados com referência à oposição dentro da Social- briga dentro dos partidos russo e polonês, que provocou facções
Democracia Polonesa, à Social Democracia Alemã ou a pessoas indi- dentro de facções e grupos dissidentes antagônicos, deixou a Inter-
viduais, esses termos refletem apropriadamente seu estado de espí- nacional tão perplexa que o SDKPiL pediu a Lenin que esclarecesse o
rito. E ela não parou nas palavras. "Estou com uma certa id^ia sobre a assunto, em benefício dos "estrangeiros não familiarizados com as
qual tenho quase certeza, mas não inteiramente", escreveu a Jogiches condições na Rússia" e na Polônia.40
às vésperas da cisão do SDKPiL em 1912. "O Comitê Central [a lide- Após a cisão de 1912 na Social-Democracia Polonesa (as fac-
rança do SDKPiL sediada em Berlim] deve responder à sublevação do ções voltaram a se unir em 1916), a hostilidade entre Jogiches e Le-
Comitê de Varsóvia [os "sessecionistas"] (...) com uma declaração nin, com Luxemburgo no meio, veio à tona. O SDKPiL esteve osten-
pública imediata de que o Clomitê] de V[arsóvia] está nas mãos de sivamente ausente da conferência do Partido dos Trabalhadores So-
agents provocateurs-, que ainda não é possível citar nomes, mas que o cial-Democratas Russos em Praga, em 1912. O órgão informativo do
C.C. [Comitê Central] está no rastro deles; que o C.C., relutando em SDKPiL, O Estandarte Vermelho, chamou a conferência de "patuscada
ferir os membros que estão nas mãos Ido Comitê de Varsóvia] por leninista grotesca" e acrescentou: "Já em 1904 a camarada Luxem-
cegueira ou ignorância, esgotou todos os meios disponíveis (...) para burgo (...) havia criticado severamente a idéia anti-marxista e pura-
combater essa peste. Agora, porém, o dever partidário exige ação. O mente burguesa de Lenin de um partido político em que o líder é
C.C. não tem o direito de procrastinar, para que o monstro de Azev tudo e as massas não são nada."41
não corrompa o espírito do partido. Um golpe merece outro. Deve-se Lenin prestou pouca atenção a esses epítetos, mas foi-lhe difícil
ignorar uma vingança mais substancial que Jogiches lhe havia reser-
vado. O dinheiro, Jogiches sabia, era uma arma poderosa; e dinheiro
era a carência perene de Lenin. Um sirrpaüzante socialista russo
* Sigla russa correspondente à Comissão Extraordinária de toda a Rússia para abastado, N.P. Schmit, havia legado uma doação considerável ao
Combate à Contra-revolução, Sabotagem e Comércio Ilegal, que foi precursora da
GPU, da NKVD e da KGB. (N.A.) Partido dos Trabalhadores Social-Democratas Russos. A herança, ape-
196 Alemanha outras fogueiras, outras lutas 197

sar dos protestos de Lenin, foi depositada aos cuidados do Partido confrontado por uma aliança entre um judeu talmúdico, um judeu
Social-Democrata Alemão em 1910. Clara Zetkin, Karl Kautsky e socialista e um judeu liberal".44 As acusações de que os judeus
Franz Mehring foram autorizados a desembolsar fundos a seu critério haviam fomentado deliberadamente as greves de 1905 para derramar
para fornecê-los a facções dentro do RSDRP e aos partidos afiliados. o sangue dos trabalhadores poloneses constituíam um paralelo quase
Em 1911 e 1912, Lenin foi a Berlim várias vezes negociar com Clara perfeito com as acusações de assassinato ritualístíco.
Zetkin e Kautsky a alocação de uma verba para a facção bolchevique Em 1910, o Pensamento Independente publicou uma série de
do RSDRP. Sabedor da hostilidade de Jogiches e de sua influência artigos atacando Luxemburgo. Sua incapacidade física era um exem-
sobre Luxemburgo, bem como da amizade desta com os depositários, plo da degeneração dos judeus, afirmou o jornal. "Rosa Luxemburgo
Lenin fez quatro visitas a Rosa em fevereiro de 1912, sem dúvida para nem mesmo sabe o que vêm a ser sentimentos nacionais", escreveu
obter seu apoio. Niemojewski. "Não perde nenhuma oportunidade de menosprezá-los
Numa carta a Costia Zetkin, Luxemburgo negou que se houves- e não mostra nada senão escárnio por eles. A razão é simples. Trata-
se usado dinheiro para chantagear os bolcheviques, obrigando-os a se de uma categoria de sentimentos que lhe são estranhos (...). Mas,
entrar em acordo com os mencheviques. "Você está errado no to- nesse caso, que podem os poloneses significar para ela?"45 Outro
cante aos russos", escreveu. "Ninguém quer mantê-los unidos sim- ataque dizia: "Os ancestrais dessa senhora forneciam vodka assidua-
plesmente através do dinheiro; a maioria do partido quer a unida- mente à gente comum da Polônia. Rosa Luxemburgo ultrapassou o
de."42 Antes disso, entretanto, ela escrevera a Jogiches: "Francamente, estágio de vender vodka, mas o que dá às pessoas comuns para
não gosto nem um pouco da idéia de retirar [dos bolcheviques] sua beber, sob a forma de artigos e panfletos, tem todas as qualidades de
parte da herança. (...) Essa história fede, perdoe a expressão, a chan- uma bebida alcoólica literária (...). A gringalhada (...) questiona a
tagem ou mesmo roubo. Acho que os bolcheviques finalmente se independência da Polônia (...). A Polônia e o trabalhador polonês
sentirão como se tivessem sanguessugas a lhes chupar o sangue, e podem passar sem os patrões (...) que nos presenteiam com sua
prefeririam uma luta aberta com os mencheviques a uma união histeria semítica e seu ódio hereditário por nossa pátria."46
forçada conosco. Se esse assunto vier a explodir num escândalo, O nível intelectual das colocações dificilmente mereceria
nossa posição no partido russo ficará gravemente minada."43 Mesmo atenção, mas o SDKPiL ficou em pé de guerra. Esse episódio mostrou
assim, ela cedeu à pressão de Jogiches, e talvez tenha mudado ela que Luxemburgo não era impermeável às ofensas raciais, como tan-
própria de opinião, pois suas cartas posteriores a Jogiches sugerem tas vezes se afirmou. Na verdade, sua reação no passado tinha sido
que estava tentando manipular os depositários de maneira a prejudi- diferente: ela fazia um esforço especial para ignorar os estigmas
car os bolcheviques. raciais. Durante o Congresso do Partido em Lübeck, em 1901, um
Rosa Luxemburgo estava só; lutava contra Kautsky e Bebei, deputado, Richard Fischer, acusara-a de "falsear" e "distorcer" as
Lenin e Radek, os partidos socialistas, os governos burgueses, o capi- opiniões de alguns companheiros. Wolfgang Heine seguira o exem-
talismo, o nacionalismo e o militarismo. Sitiada, parecia mais satisfeita plo, declarando que os judeus poloneses e russos — referia-se a Rosa
com a vida e consigo mesma do que nos anos amenos que se Luxemburgo e Alexander Parvus-Helphand — tinham insultado a
seguiram a seu retorno da cidade rebelde de Varsóvia. Já não estava hospitalidade alemã. "Se alguém vem a nossa casa como hóspede",
lutando por Costia Zetkin ou contra Leo Jogiches. Lutava para matar dissera, "e cospe em nossa sala", não pode deixar de ser censurável.47
o vazio de sua vida pessoal, ansiosa de que o mundo visse que não Luxemburgo ignorara Heine, mas, numa declaração escrita, que
fora vencida. Seu frenesi era alimentado pelos ataques da intelectua- Kautsky se recusou a publicar, desafiava Fischer a provar suas
lidade nacionalista radical polonesa. Seu órgão, sediado em Varsóvia acusações.
— o Mysl Niepodlegta (Pensamento Independente) —, era editado e Desta vez, porém, ela tomou a defesa em suas próprias mãos.
publicado por Andrzej Niemojewski, um conhecido escritor e jorna- Primeiro, a liderança do SDKPiL pediu a August Bebei, Karl Kautsky,
lista que se opunha veementemente à Social-Democracia do Reino da Franz Mehring, Otto Bauer e Jean Jaurès que assumissem uma
Polônia e Lituânia. O SDKPíL, composto por judeus agitadores, afir- posição pública, e eles atenderam à solicitação. Seus artigos denun-
mou o jornal, "está ligado pela raça e pela família ao restante dos ju- ciando o anti-semitismo, sem mencionar Luxemburgo nominalmente,
deus; esses laços puramente antropológicos são tão fortes que quern foram publicados no outono de 1910 no Miot (O Martelo), jornal do
ousa questionar a ideologia de qualquer judeu é imediatamente SDKPiL organizado por Jogiches. Depois, entre setembro e dezem-
outras fogueiras, outras lutas 199
198 Alemanha

seus temores. Na época do caso Dreyfus, ela se empenhara em pro-


bro, a própria Luxemburgo publicou pelo menos dez artigos sem var que o assunto dizia respeito à burguesia francesa e deveria ser
assinatura na imprensa polonesa e alemã em resposta a Niemojewski. usado pelos socialistas para consolidar seu poder. Ironicamente,
Embora, nas cartas a Jogiches, Luxemburgo enfatizasse que não Jaurès invocou o caso Dreyfus em seu apelo para que cessasse a
identificava seus assuntos pessoais com os do partido, ela mesma campanha anti-semita na Polônia, assinalando que, na França,
dirigiu a réplica. No primeiro assalto, era preciso obter declarações: durante aquela "orgia nacionalista (...), o pseudo-patriotismo e a
"Obter e publicar dez ou doze cartas [ao editor} no Martelo é errado, selvageria anti-semita (...) haviam desencadeado (...) a atrocidade e
em minha opinião", escreveu a Jogiches em outubro de 1910. uma reação perigosamente licenciosa".50 O fato de as mesmas forças
"Publicar, digamos, artigos de Jaurès, Vandervelde, Bebei e Bauer é reacionárias se erguerem contra Dreyfus e Luxemburgo era algo que
outra coisa (...). É (...) prova suficiente de que a Internacional nos ela não conseguia admitir nem mesmo para si própria.
apoia."48 Julian Marchlewski deveria solicitar um artigo de Kautsky, e foi Nem por um momento Luxemburgo reduziu o ritmo frenético
enviado a Paris para pedir outro a Jaurès. Q segundo assalto disse de sua vida enquanto conduzia suas batalhas. Aliás, a luta parecia
respeito à logística. "O Martelo está sobrecarregado", escreveu recarregar suas energias. Ela encontrou tempo para o lazer e o entre-
Luxemburgo a Jogiches, referindo-se à edição de 8 de outubro, que tenimento, para Costia Zetkin e Hans Diefenbach, para escrever a
incluía três artigos dedicados a Niemojewski. O número seguinte, de Jogiches e a sua família em Varsóvia, para redigir dois livros e cerca
15 de outubro, conteve dois artigos sobre o mesmo tema, ambos de 270 artigos; compareceu a congressos, percorreu a Alemanha fa-
escritos por ela. "Em minha opinião, isso deve ser evitado", disse a zendo discursos e lecionou na Escola Partidária.
Jogiches. "Um artigo por número basta, caso contrário o leitor sim- A Escola Partidária fora fundada em 1906 para proporcionar
plesmente se cansara." E acrescentou: "A monotonia não traz ne- uma formação sólida aos ativistas partidários e sindicais. O cargo de
nhuma vantagem; os leitores devem ser conquistados, não aterro- Luxemburgo era bem remunerado — 3.000 marcos por semestre —,
rizados."49 Escrevendo anonimamente, Luxemburgo se referia a si mas exigente. De outubro a março ela dava aulas de duas horas,
própria na terceira pessoa — como Sra. Rosa Luxemburgo —, o que quatro vezes por semana, sobre economia política, teoria marxista e
conferiu um ar levemente divertido à batalha mortalmente séria. história dos sindicatos. A preparação consumia várias horas, geral-
Os social-democratas europeus estavam sinceramente preocu- mente à noite, e a escola a deixava esgotada. Uma ex-aluna, a Sra.
pados com os ataques a Luxemburgo e à Social-Democracia Polo- Rose Frõlich, recordou as aulas como um banquete intelectual.51 A
nesa, e consternados com o anti-semitismo clamoroso. Uma coisa era incorporação que Luxemburgo fazia dos clássicos da literatura
August Bebei confessar particularmente a Kautsky que Luxemburgo mundial — Shakespeare, Tolstói, Dostoievsky, Mickiewicz, Goethe,
despertava sentimentos anti-semitas, e outra era vê-la aviltada por Kleist, Maupassant, Stendhal — dava a suas aulas uma nova di-
causa de suas origens. A própria Luxemburgo havia acusado publica- mensão. Houvesse ela se conformado às restrições do sistema edu-
mente o Bund (no V Congresso do Partido dos Trabalhadores Social- cacional aceito, suas aulas teriam sido nacos de dados e estatísticas
Democratas Russos em Londres, em 1907) de se comportar como um secas, empurrados goela abaixo com molho de propaganda. A lite-
bando de mascates, e de repente se via misturada com eles. ratura, para ela, era uma fonte de beleza, um reflexo da vida. Rosa
Em sua correspondência com Jogiches, freqüente e animada apresentava as lutas pelo poder retratadas por Shakespeare, a
durante a campanha anti-Niemojewski, termos como "judeu" ou "anti- corrupção da burguesia pintada por Balzac, e a hipocrisia das classes
semitismo" acham-se ostensivamente ausentes. O Maneio é proprietárias descrita por Tolstói como exemplos de um sistema
amoral, desumanizante e degradan que o socialismo varreria da
mencionado, o mesmo acontecendo com Niemojewski e o Pensa- face da terra. Luxemburgo proibia que se tomassem notas em suas
mento Independente-, e a estratégia e a tática são discutidas. Mas as aulas, para não desviar a atenção dos alunos; mas exigia rigorosa-
cartas de Luxemburgo, que, afinal de contas, eram estritamente pes- mente o estudo cuidadoso da bibliografia recomendada e incentivava
soais, não revelam em absoluto que o tema da "polêmica Niemo- calorosamente a discussão com ela, A opinião de August Bebei de
jewski" era alguma coisa além de uma divergência ideológica entre o que Rosa era a melhor professora da Escola Partidária não era infun-
Pensamento Independente e o SDKPiL. O esforço que ela fez para dada. Embora o corpo docente incluísse homens preparados, como
evitar escrever a palavra judia, que soava tão ameaçadora quando os teóricos socialistas Franz Mehring e August Bebei, e advogados
Niemojewski a empregava para descrevê-la, revela a profundidade de
200 Alemanha outras fogueiras, outras lutas 201

extraordinários, como Kurt Rosenfeld e Arthur Stadthagen, ninguém fetizado o colapso inevitável e automático do capitalismo. De fato,
se equiparava a Luxemburgo em criatividade e inspiração. ela afirmara que o desaparecimento dos mercados não-capitalistas
Suas aulas de economia política foram-se transformando len- deveria levar a uma crise profunda do capitalismo, o que tornaria ine-
tamente num livro, que ocupou a maior parte de seu tempo afora o vitável uma revolução socialista vitoriosa. Mas essa "inevitabilidade",
ensino. Costia Zetkin e Jogiches foram mantidos a par de seu pro- segundo ela, não era simplesmente uma necessidade mecânica,
gresso. No início da primavera de 1910, Rosa informou a Jogiches "natural", "objetiva" e "automática"; ao contrário, exigiria também a
que o trabalho seria publicado sob o título de Introdução à Econo- atividade revolucionária consciente da classe trabalhadora.
mia Política, tanto em forma de livro quanto em oito panfletos. O Nas resenhas polêmicas que se seguiram, ela foi alternadamente
manuscrito deveria estar terminado em junho e as negociações para acusada de ter interpretado Marx erroneamente ou de tê-lo distor-
uma edição alemã e outra russa estavam em andamento. O editor cido, e aclamada por Mehring e Marchlewski como a intérprete mais
alemão enviou-lhe um adiantamento, e vez por outra Luxemburgo inteligente de Marx desde Engels. Jogiches a pressionou a responder
dizia a Costia que o dinheiro que o livro lhe traria iria libertá-los das aos críticos. Como competia a uma estudiosa, ela aceitou as críticas
preocupações financeiras. Em outubro o manuscrito ficou pronto, e de Franz Mehring, a quem disse: "Eu tinha plena consciência de que
ela verificou as citações e notas de rodapé, embora ainda estivesse (...), a princípio, o livro encontraria resistência. Nosso 'marxismo'
insatisfeita com a análise de Marx sobre a reprodução ampliada. "No obrigatório, como um tio reumático idoso, tem medo, infelizmente,
fim do segundo volume do Das Kapiíal tropecei nas formulações de de qualquer lufada de ar fresco, e sei que terei que discutir um bo-
Marx que há muito me soam estranhas", escreveu a Costia um ano cado."54 Em relação a Miron L Nachimson, economista e membro
depois, em outubro de 1911, e anunciou sua intenção de trabalhar ativo do Bund, ela não sentiu nenhum constrangimento: "Defender
numa "análise nova e estritamente científica do imperialismo e suas meu [livro] daquele gringo do Machimson] seria (...) uma ver-
contradições".52 Esse exercício intelectual era puro prazer, declarou, gonha."55 A controvérsia provocada pelo livro instigou Luxemburgo a
embora extremamente trabalhoso e demorado. escrever Anticrítica, considerado a continuação de A Acumulação do
O manuscrito da Introdução acabou sendo posto de lado e, em Capital?6
lugar dele, Luxemburgo embarcou numa pesquisa que resultou em Durante a I Guerra Mundial, Luxemburgo começou a trabalhar
sua obra magna, A Acumulação do Capital, publicada em janeiro de na Antícrítica, "que certamente me sobreviverá", escreveu a
1913. Ali propôs a seguinte teoria: a acumulação só pode ocorrer Diefenbach. "É muito mais maduro do que a Acumulação." Como
através da expansão capitalista nos mercados externos ou nas áreas modelo de clareza e simplicidade, era " 'nu' como um bloco de már-
menos desenvolvidas de um mesmo país. Os mercados não-capita- more", achava ela, ao contrário do texto de Marx no primeiro volume
listas são necessários para que o capitalismo funcione e, em última de Das Kapital. "Sobrecarregado de enfeites rococós no estilo de
instância, sobreviva, mas vêm sendo destruídos como entidades inde- Hegel", parecia-lhe "abominável" — um crime, brincou, punível pelo
pendentes; assim, o sistema capitalista se priva da demanda através partido com cinco anos de prisão e dez anos de perda dos direitos
da qual realiza o excedente — pré-condição da acumulação contínua civis.57 Na Anticrítica, Luxemburgo assinalou que "o próprio Marx
de capital — e entra inevitavelmente em colapso, por causa da apenas formulou a questão da acumulação do grande capital", porém
contradição intrínseca às leis que regem a acumulação. "A época em não foi mais adiante.58 Ela mostrou que não havia "especialistas" em
que trabalhei na Acumulação foi a mais feliz de minha vida", escre- marxismo e que "o próprio Marx certamente não foi um 'especia-
veu Rosa mais tarde a Hans Diefenbach. "Eu estava embriagada, não lista'." Em outras palavras, defendeu a criatividade contra o dogma.
via nem ouvia nada, dia e noite, enquanto o problema se desdobrava "Sempre foi privilégio dos 'epígonos' pegar as hipóteses férteis, trans-
tão lindamente, e }á não sei o que me dava mais prazer, se o pro- formá-las em dogmas rígidos e ficar presunçosamente satisfeitos,
cesso de pensar (...) ou o da criação (...). De uma assentada, escrevi quando a mente pioneira é repleta de dúvidas criativas."59
[o trabalho inteiro] em quatro meses — incrível! — e, sem olhar uma
única vez para o rascunho, entreguei-o ao editor."55
Quando o livro foi publicado, Luxemburgo foi imediatamente
acusada de numerosas heresias, por todos os lados, no Partido Social-
Democrata Alemão. A acusação principal foi a de que ela havia pro-
guerra à guerra 203

mado inglês", escreveu Luxemburgo a Jogiches. "Ao contrário, deve


ser um tanto indomado, como um pomar agreste, encrespar-se de
vida e brilhar com talentos jovens."1
Luxemburgo prosseguiu em suas batalhas, nas frentes alemã e
russa, com mais firmeza do que nunca. Na melhor das hipóteses,
havia períodos de relativa tranqüilidade, e na pior, polêmicas ásperas.
Ao final de 1913, após uma luta prolongada, Luxemburgo, Mehring e
Marchlewski saíram do Leipziger Volkszeitung, cuja política editorial
13 Guerra à Guerra se chocava com suas visões de extrema esquerda, e fundaram a
Sozialdemokratische Korrespondenz, precursora do Spartakusbriefe
1914 (Cartas de Espártaco).
Esse acontecimento não foi mais que um sintoma da cisão que
se aprofundava no Partido Social-Democrata Alemão (SPD). No verão
de 1913, os deputados do SPD no Reichstag votaram a favor de um
imposto sobre a propriedade indisfarçavelmente destinado aos
armamentos. Luxemburgo reagiu com uma série de artigos intitulados
"A Facção Parlamentar no Reichstag e a Avaliação Militar", num nítido
EM AGOSTO DE 1911, Luxemburgo mudou-se para o ataque ao SPD por seu apoio às despesas militares. "Não precisa me
que viria a ser sua última casa. Fazia muito tempo que queria se pressionar", escreveu a Jogiches, que, como de hábito, achou o ritmo
afastar da Cranachstrasse e das lembranças dolorosas. A mudança do dela lento demais. "Estou tão impaciente para ver os artigos publi-
bairro de Friedenau para Sudende significou dizer adeus aos Kauts- cados quanto você."2
kys, que tinham sido sua família por dez anos, mas cuja casa agora Na reunião da Diretoria Internacional, em Londres, em dezem-
estava fechada para ela. Rosa estava saindo de um lar que havia bro de 1913, o interminável problema da unidade do Partido dos Tra-
compartilhado com Jogiches. Também ali ela e Costia Zetkin haviam- balhadores Social-Democratas Russos foi colocado na agenda, prin-
se tornado amantes. Mais uma vez estava começando uma nova vida. cipalmente por insistência de Luxemburgo. "Parece que sofremos
O apartamento da Lindenstrasse n° 2, num bairro calmo e ar- uma derrota completa", escreveu ela a Jogiches. "Plekhanov não veio,
borizado nos arredores de Berlim, era o mais espaçoso que Luxem- nem tampouco Lenin. Os bolcheviques foram representados por um
burgo já tivera — cinco quartos e uma cozinha. Era agradavelmente perfeito idiota [M. M. Litvinovl, enquanto os mencheviques vieram em
mobiliado e, mais tarde, foi dotado de um telefone. A casa e a gata, bandos. Kautsky (ern nome do Comitê Executivo Alemão) propôs
Mimi, eram cuidadas por Gertrud Zlottko, a empregada que ficou imediatamente uma resolução recomendando que o Executivo da
com Rosa de 1909 a 1915. Zlottko tinha mais interesse na pintura e na
Diretoria chegasse a um acordo com 'todos os que se consideram
botânica do que na cozinha e na limpeza, e logo se tornou objeto da
teoria particular de Luxemburgo sobre a emancipação das mulheres. social-democratas'! Opus-me à resolução, mas fiquei completamente
Luxemburgo insistiu em que Zlottko aprendesse datilografia e con- isolada." Duas propostas acabaram emergindo: a de Kautsky, convo-
tabilidade para se habilitar a um emprego mais apropriado e, como cando um encontro de todas as facções social-democratas russas, e a
era característico, exortou-a a ler e a aperfeiçoar a mente. de Luxemburgo, convocando um congresso destinado a unificar os
Jogiches tinha as chaves do novo apartamento, ao menos quan- bolcheviques e os mencheviques. A derrota dela consistiu não ape-
do Luxemburgo estava viajando. A maioria dos antigos laços foi rea- nas em ver sua proposta rejeitada, como explicou a Jogiches, mas na
tada. Ela lhe pediu que "produzisse idéias", para que então as elabo- aceitação da proposta de Kautsky. "O antigo partido está morto",
rasse, e que lesse as provas de A Acumulação do Capital, do mesmo declarou Kautsky, "e não podemos ressuscitá-lo."3 Luxemburgo, por
modo que fizera com seu primeiro livro, quinze anos antes. As rixas exemplo, achava que eles podiam e deviam.
em torno da diagramação e do conteúdo dos jornais do partido Um pouco antes, em setembro de 1913, Luxemburgo tinha feito
polonês eram menos veementes e cáusticas do que no passado. "Não um discurso perto de Frankfurt/Main, exortando os trabalhadores ale-
acho que um jornal deva ser simétrico, aparadinho como um gra- mães a não pegarem em armas contra os trabalhadores de outras

202
guerra à guerra 205
204 Alemanha

— alguns se inspiraram, outros foram estimulados, outros ainda se


nacionalidades. Cinco meses depois, em 20 de fevereiro de 1914, ela envergonharam. Se ela havia sonhado com o doce gosto da vingança
foi a julgamento no Segundo Tribunal Criminal de Frankfurt por inci- — pela virtual proibição imposta a seus artigos, pela interpretação de
tar à desobediência civil, sendo declarada culpada e condenada a um suas opiniões como traição, e pelos insultos que lhe eram lançados
ano de prisão, sentença da qual recorreu. Seus advogados de defesa —, podia agora saboreá-lo. Os jornais do SPD se superaram na
foram Paul Levi, um advogado de trinta anos, de Frankfurt, e Kurt disputa por seu trabalho. E seu sucesso público foi sublinhado por
Rosenfeld, um destacado jurista de Berlim. Rosa dirigiu-se à Corte em um outro tipo de conquista — ela e Paul Levi, seu advogado, tor
defesa própria, efetivamente colocando o tribunal prussiano em jul- naram-se amantes.
gamento e transformando-o num fórum da Social-Democracia. Pu-
O romance com Levi foi curto e intenso. Começou à sombra do
blicado sob o título de "Militarismo, Guerra e a Classe Trabalhadora",
julgamento, em fevereiro de 1914, e durou cerca de seis meses. Uma
seu discurso foi um brilhante exemplo de oratória sobre guerra, paz e
mudança abrupta no tom e no conteúdo das cartas de Luxemburgo a
o direito das pessoas à determinação de seu destino.
Levi depois de julho de 1914 indica que a intimidade havia termi-
"Senhor", dirigiu-se Luxemburgo ao promotor, "se eu pudesse
nado; a amizade sobreviveu até a morte dela.
presumir que o senhor tem a (...) capacidade de compreender como
pensa um social-democrata, e que tem uma visão um pouco mais Levi desempenhou um papel incomum na vida de Luxemburgo,
nobre da história, eu lhe explicaria o que explico com sucesso em diferente do desempenhado por Jogiches ou Zetkin. Ao tomá-lo
todos os encontros com os trabalhadores — que é tão impossível como amante, ela optou por ter um relacionamento adulto com um
homem adulto. Aceitou-o tal como era: maduro e forte, igual em
'produzir' as greves em massa (...) quanto 'produzir' uma revolução.
As greves em massa são um estágio da luta de classes ao qual nosso todos os aspectos. Nunca tentou educar, moldar ou influenciar Levi.
desenvolvimento atual leva inevitavelmente. Nosso papel, o papel Suas cartas a ele, escritas entre fevereiro e novembro de 1914, dife-
rem enormemente das que ela havia redigido para seus amantes
dos social-democratas, consiste em esclarecer [isso] à classe trabalha-
dora (...) para fazê-la colocar-se à altura da situação como uma anteriores. Os termos carinhosos particulares e inventados cederam
categoria instruída, disciplinada, madura, decidida e eficaz de pes- lugar a expressões alemãs padronizadas — Liebling (querido),
amiúde com um ponto de exclamação ao final da carta, e, vez por
soas." Contrastando a política do governo com a dos social-demo-
cratas, disse: "As guerras só podem ser realizadas caso as pessoas outra, Geliebter (amado). Suas cartas a Levi nunca são sedutoras ou
trabalhadoras as considerem justas e necessárias, ou pelo menos as coquetes, instrumento de controle ou arma; mesmo nos momentos
de êxtase, preservam o travo áspero do vinho seco.
aceitem passivamente. Entretanto, uma vez que a maioria do povo
trabalhador conclua — e a tarefa da Social-Democracia consiste jus- Paul Levi nasceu em 1886 em Hechingen, perto de Stuttgart,
tamente em despertar essa consciência e levá-lo a essa conclusão — numa família judia abastada. Quando ainda estudante no Ginásio de
(...) que as guerras são bárbaras, profundamente imorais, reacio- Stuttgart, seu interesse pela política e pelo direito o tranformou num
nárias e contrárias aos interesses do povo, as guerras se tornarão im- socialista. Sua mente aberta e inquisidora levou-o a estudar as cul-
possíveis (...). Segundo a (...) promotoria, o grupo afeito à guerra é turas grega e romana, bem como disciplinas aparentemente tão dís-
o exército-, a nosso ver, é o povo inteiro. É ao povo que deve caber a pares quanto arte de governar e literaturas francesa e inglesa. "Levi,
decisão de entrar ou não entrar em guerra (...) aos trabalhadores e esse enigma psicológico", disse Karl Radek a seu respeito, "um
trabalhadoras, velhos e moços, e não à pequena parcela de pessoas homem cheio de contradições, colecionador de vasos antigos e inte-
que vestem o chamado uniforme do Rei." Para encerrar, ela falou em ressado nas pirâmides de Quéops, (...) trouxe para o partido um
defesa de sua honra: "O promotor público disse (...) que eu deveria ceticismo e uma incredulidade estéreis."5 Estudou direito nas uni-
ser presa imediatamente, já que 'seria incompreensível que a ré não versidades de Berlim e Grenoble, diplomou-se na Universidade de
tentasse fugir'. Em outras palavras, se ele, o promotor público, tivesse Heidelberg, passou a exercer a profissão em Frankfurt e se tornou
de cumprir um ano de prisão, tentaria escapar. Senhor, creio real- ativo na esquerda radical do SPD.
mente que o senhor fugisse. Um social-democrata nunca o faz. O so- Duas fotografias que foram preservadas captam sua ascensão e
cial-democrata sustenta suas ações e ri de seus julgamentos."4 sua queda. A primeira, tirada em Berlim em 1914, mostra um homem
Da noite para o dia, Luxemburgo tornou-se uma celebridade. alto, magricela e bem vestido, com um rosto anguloso e expressivo,
Sua coragem, sua ousadia e sua inteligência tocaram no ponto certo lábios carnudos e óculos, de sobrancelhas espessas. Andando a seu
206 Alemanha guerra à guerra 207

lado vê-se uma mulher com uma massa de cabelos negros sob um mulheres estavam combatendo, não sua condição inferior, mas o
chapéu de aba larga, que mal chega a seus ombros. Na outra foto, resultado dela — a falta de poder. Sem influência política, elas eram
tirada ern Moscou em 1920, o mesmo homem, agora envelhecido e incapazes de tomar decisões sobre si mesmas, seus filhos ou seu país.
calvo, está sentado atrás de uma mesa com uma enorme pilha de Em 1915, Rosa decidiu participar de uma Conferência Internacional
papéis, absorto em pensamentos, aparentemente esquecido dos três da Mulher em Berna, mas o encarceramento cerceou seus planos.
homens que conversam ali junto dele: Lenin, Bukharin e Zinoviev. Com o recurso em Frankfurt ainda pendente, Luxemburgo, num
Luxemburgo participou de sua ascensão; Lenin provocou sua queda. discurso público feito em Freiburgem março de 1914, acusou os mili-
Para Levi, o relacionamento com Luxemburgo moldou o resto tares alemães de maltratarem os soldados e de agredi-los psíquica e
da vida. Nunca se casou, embora tenha üdo companheiras conheci- fisicamente. O Ministro da Guerra, General von Falkenhayn, fez com
das por seu intelecto, beleza e elegância. Dedicou sua vida a dar que ela fosse indiciada por insultar os militares. Mais uma vez, Kurt
continuidade ao trabalho de Luxemburgo. Para Luxemburgo, o breve Rosenfeld e Paul Levi atuaram como seus advogados de defesa. A
romance com Levi nada modificou na vida pessoal. Contudo, ele se princípio, as chances de Luxemburgo não pareciam promissoras. O
tornou importante aliado político, numa época em que seu radicalis- surgimento de testemunhas foi lento. Entretanto, duas semanas antes
mo intransigente a havia deixado quase no vazio. do início do julgamento, ela informou Jogiches: "Temos 145 e pode-
Em 1914, Luxemburgo ainda estava no campo de batalha den- mos contar com umas 200 [testemunhas]."8 As duas partes foram apa-
tro e fora do SPD. Parecia orgulhosa de seu isolamento, talvez nhadas de surpresa: 1.013 vítimas da violência militar se ofereceram
porque Paul Levi a admirasse e apoiasse, talvez porque sua popula- voluntariamente para testemunhar pela defesa.
ridade entre os trabalhadores estivesse aumentando continuamente. O julgamento, aberto em 29 de junho de 1914 em Berlim, tor-
Q fato de estar decrescendo entre a elite partidária não a incomo- nou-se uma das maiores vitórias de Luxemburgo. Foi adiado depois
dava. Seus amigos continuaram fiéis — Luise Kautsky e Clara Zetkin, de dois dias porque, no mesmo mês, três editores do Vorwãrts que
Hans Diefenbach e Costia —, embora apenas Clara estivesse em con- haviam publicado uma história sobre corrupção entre os oficiais de
dições de lhe dar apoio político. Nunca tendo-se inclinado favoravel- alta patente foram levados a juízo, e os dois julgamentos interligados
mente para o movimento feminista, Luxemburgo raramente escrevia certamente produziriam uma publicidade negativa. Reaberto em 3 de
para a revista de Clara. "Uma russa (....) me pediu para escrever um julho, o julgamento de Luxemburgo tornou a ser suspenso, apesar
artigo sobre o Dia da Mulher (...) para o Pravda", escreveu a Jogi- dos veementes protestos dela, dessa vez em caráter permanente. Isso
ches. "Vale a pena para mim? Não seria melhor eu dá-lo a [Clara] a deixou triunfante; a promotoria, não se dispondo a colocar um
Zetkin?"6 Em 1912, entretanto, quando ela encontrara dificuldade em número tão vasto de soldados no banco das testemunhas, admitiu
colocar seu trabalho, cinco em cada nove de seus artigos escritos em tacitamente a derrota. Mais uma vez, Luxemburgo tinha invertido os
alemão tinham saído na Die Gleichheit de Zetkin. Um deles foi papéis no tribunal. Uma revista satírica publicou um carfoon que
dedicado às mulheres — "Os Direitos de Voto da Mulher e a Luta de mostrava uma mulher miúda acusando um general gigantesco no
Classes", como o foi o artigo "A Mulher Proletária", publicado em banco dos réus, enquanto esqueletos uniformizados sentavam-se nos
1914 na Sozialdemokmtische Korrespondenz. Embora fosse profunda- bancos das testemunhas.
mente apegada a algumas mulheres, Rosa conservava uma atitude Embora-tivesse sido condenada a um ano de prisão no julga-
ligeiramente paternalista em relação às mulheres em geral; seu res- mento anterior de Frankfurt, Rosa pôde, mesmo assim, divulgar suas
peito se reservava principalmente para os homens. Ela suportou uma idéias, uma vez que o processo de apelação levou muitos meses. Mas
certa Srta. Twining, uma socialista do Colorado, porque isso lhe per- a celebridade gerou inevitavelmente a hostilidade. Que o "compor-
mitiu treinar seu inglês, afirmou. Essa dama, escreveu Rosa a Costia, tamento escandaloso" daquela "mulher impertinente" fosse tolerado
lamentava o tamanho reduzido da Alemanha e perguntou se não pelas autoridades era uma ofensa para os conservadores. Rosa tivera
seria melhor para o movimento "se a Alemanha fosse maior!?!"7 O a temeridade de falar sobre a "futura república alemã", a idéia mais
sucesso singular de Luxemburgo e o apoio de Jogiches, Costia e Paul subversiva que jamais existira.
Levi tinham-na poupado do destino comum de suas contemporâneas, Não foi num clima de desesperança ou desespero que, às vés-
e ela se via num mundo à parte. A guerra, ao que parece, modificaria peras da irrupção da guerra, Luxemburgo combateu os armamentos
um pouco sua percepção. Ela se apercebeu, nessa época, de que as na Alemanha, expondo a crescente rivalidade naval entre a Alemanha
208 Alemanha guerra à guerra 209

e a Inglaterra e incitando à desobediência civil. Sua crença na soli- A Primeira Guerra dos Bálcãs, no verão de 1912, mais uma vez
dariedade internacional dos trabalhadores era tão firme quanto sua demonstrou a confiança infundada da Internacional em sua capaci-
confiança na força moral e na autoridade da Internacional. Esta fora dade de impedir efetivamente a guerra. No congresso de emergência
reforçada muitos anos antes pela resolução sobre a guerra que rece- convocado pela Diretoria Internacional em Basel, em novembro,
bera uma emenda conjunta de Luxemburgo e Lenin e fora adotada houve discursos e resoluções, apelos, declarações e proclamações,
no Congresso da Internacional em Stuttgart, em 1907. Essa resolução passeatas e demonstrações. "Guerra à guerra, paz para o mundo",
estipulava que, em caso de guerra, a classe trabalhadora tinha o de- dizia o lema. Consumido pela doença, August Bebei fez sua última
ver de levantar o povo e assim apressar a abolição do governo capi- aparição. Foi um dos poucos a ficarem seriamente alarmados com a
talista. Ao contrário de August Bebei, que reconhecia as limitações perspectiva de um conflito internacional em larga escala, que
dos ideais, das teorias e das resoluções, Luxemburgo não conseguia considerou inevitável. O discurso inspirado de Jean Jaurès foi relem-
admitir que resoluções não impedem guerras. A guerra era impo- brado por muito tempo, por sua defesa vigorosa dos valores huma-
pular, como o provara a crise do Marrocos em 1911, e Luxemburgo nos universais contra os fomentadores bárbaros da guerra. Sufocou
estava convencida de que uma greve geral em escala internacional com facilidade a verdade desagradável verbalizada por Victor Adler:
poderia evitar o conflito. Se os exércitos permanentes fossem aboli- "Não sabemos", disse o socialista austríaco, "como o proletariado
dos, se os trabalhadores, conscientizados de seu poder, ser recu- reagirá quando irromper uma guerra, se, como um ovelha muda, se
sassem a lutar, não haveria guerra. deixará levar para a carnificina."12
A guerra russo-japonesa de 1905, a anexação austríaca da
A ineficácia da Internacional e a relutância ou incapacidade de Bósnia e da Herzegovina em 1908, a tomada italiana de Trípott em
seus membros de reconhecer sua impotência tinham sido eloqüen- 1911 e as duas guerras dos Bálcãs de 1912 e 1913 — dez anos de
temente expostas no Congresso de Copenhagen em 1910. Quando o conflitos internacionais "localizados" — tinham acostumado as pes-
delegado sérvio censurou duramente a Internacional por não ter soas ao uso da violência, a sua relativa inocuidade e à impunidade de
tomado nenhuma medida e por ter feito apenas protestos vagos de- seus instigadores. Isso e o otimismo gerado pela Internacional emba-
pois da anexação da Bósnia pela Áustria dois anos antes, a assem- laram a tal ponto a opinião pública que a maioria das pessoas estava
bléia simplesmente escutou. A anexação não era nem sequer um item totalmente despreparada para a irrupção da guerra em 1914.
da agenda. Numa carta a Cosüa Zetkin, Luxemburgo descartou o Com sua sentença de um ano de prisão aguardando a apelação
congresso como uma "perda de tempo", ao passo que, para Jogiches, e com o julgamento de Berlim marcado para se iniciar em junho,
mencionou uma variedade de assuntos discutidos, mas silenciou Rosa Luxemburgo chegou a Clarens em abril de 1914 para o que se-
sobre aquele que, quatro anos depois, desencadearia a I Guerra riam suas últimas férias. É provável que tenha passado essas férias
Mundial.9 com Paul Levi na mesma aldeiazinha junto ao lago de Genebra que,
O Partido Social-Democrata Alemão continuava a ser encarado vinte anos antes, fora um refúgio para ela e Jogiches. Redatora invete-
pelos socialistas europeus como uma potência extraordinária, talvez rada de cartas, mandou um cartão postal para sua empregada e uma
um salvador nos momentos difíceis. O fato de seu poder, suas reali- carta a Jogiches para preveni-lo contra a polícia, que tinha prendido
zações e sua influência serem cada vez mais colocados a serviço do Julian Marchlewski. Ela estava sendo inundada de convites para falar
governo, e não da Internacional, como Luxemburgo freqüentemente em vários distritos de Berlim, relatou: "uma verdadeira revolução
assinalava, não parecia incomodar muito a liderança do partido. Em palaciana."13 De fato, em maio e junho de 1914, Luxemburgo proferiu
1912 havia 110 deputados do SPD no Reichstag; ou seja, um em cada uma série de discursos concentrados no militarismo, aquecendo as
três eleitores tinha votado nos socialistas, conferindo ao partido um turbinas para sua confrontação no tribunal com as mais altas auto-
poderio sem igual em qualquer país. Mas, como o disse August Bebei ridades militares alemãs.
sucintamente: "O coração das pessoas se volta para nós porque Um dia antes de se iniciar o julgamento em Berlim, em 28 de
defendemos a causa de suas necessidades cotidianas."10 Ainda assim, junho de 1914, o arquiduque austríaco Francisco Ferdinando e sua
Luxemburgo acreditava no trabalhador, "para quem o bem maior, a mulher foram assassinados em Sarajevo. Os assassinatos de nobres e
própria vida — para não mencionar o bem-estar material —, pouco figuras proeminentes não eram incomuns na época, e esse homicídio
valia em comparação com os ideais por que ele lutava".11 não produziu mais do que um choque de curta duração. Mais de três
guerra à guerra 211
210 Alemanha

finalmente me viu fraca". Na reunião de Bruxelas, Huysmans cumu-


semanas se passariam antes que a Áustria desse um ultimato à Sérvia.
Junho transformou-se em julho e os amigos de Rosa partiram para as lou-a de atenções, recebeu-a em sua casa para "unpetitconcertSchu-
bertien", e foi se despedir dela no trem (Rosa saiu de Bruxelas no
férias de verão, mas ela ficou "acorrentada a essa Berlim quente e
último trem que partiu antes da invasão da Bélgica pela Alemanha),
sufocante", escreveu a Luise Kautsky em 11 de julho, "tal como Pro-
meteu ao penhasco, embora eu não tenha roubado nada de nin- suspirando, "Mais U est impossible de vous laisservoyagerseule? ("Mas
é impossível deixá-la viajar sozinha!").17
guém".14 Luise, hospitalizada em Roma com um caso grave de febre
tifóide, recebeu a carta seguinte de Rosa, datada de 18 de julho, de Se algum dia Luxemburgo foi heróica, não foi tanto na Varsóvia
Bruxelas, onde Luxemburgo comparecia a uma reunião da Diretoria revolucionária de 1906 ou, mais tarde, na Berlim vencida de 1918,
da Internacional, convocada para discutir a unificação dos social- mas nos meses que se seguiram à declaração da I Guerra Mundial.
democratas russos. Em 19 de julho ela voltou a Berlim, sendo Lutadora inata, ela ficava em seu elemento lutando; seguir derrotada
urgentemente chamada de volta a Bruxelas nove dias depois, em 28 foi um ato de bravura ímpar. "Não há dúvida de que o Partido e a
de julho, quando a Áustria declarou guerra à Sérvia. A mobilização Internacional estão kaput, completamente kapuf, escreveu ela a
na Áustria havia começado, mas "a Executiva continuou sem se Diefenbach em novembro de 1914. Agora, porém, que a força do im-
convencer, ao longo de todas as nossas deliberações [da Internacio- pacto inicial estava diminuindo, ela estava pronta para começar "uma
nall, de que a guerra entre a Áustria e a Sérvia significava uma guerra nova vida", disse meio ironicamente: voltar ao manuscrito da Intro-
geral internacional", lembrou-se mais tarde Angélica Balabanoff, a dução à Economia Política, escrever alguma coisa sobre a guerra e
eminente socialista russa. "Nosso sentimento de desamparo e deses- cuidar de Mirni e da casa. Com a Escola Partidária fechada, sua renda
pero foi aumentando continuamente", ainda mais que o líder socia- se reduziu e Diefenbach se ofereceu para contribuir com 100 marcos
lista austríaco Victor Adler "não emitiu uma só palavra indicando que por mês. Rosa disse preferir que ele desse o dinheiro a "um rapaz
pudéssemos esperar por um levante das massas austríacas (...). Não muito talentoso que quer estudar mas não dispõe de meios". 18 É
fez nenhum esforço para ocultar seu profundo pessimismo. A passi- muito provável que se referisse a Costia Zetkin.
vidade dos trabalhadores foi presumida como certa!"15 Como Bala- Uma vez declarada a guerra, os social-democratas — alemães,
banoff iria descobrir, os trabalhadores, independentemente de sua franceses e austríacos (Lenin não compareceu à reunião de Bruxelas
nacionalidade, estavam longe de ser passivos. Ao contrário, transfor- e se desvinculou das ações de seu governo) — declararam seu apoio
maram-se em inimigos implacáveis da noite para o dia, vestiram seus a ela e a seus respectivos governos, aprovando as verbas destinadas à
uniformes e, cantando canções patrióticas, partiram em defesa da guerra. A irmandade dos trabalhadores, a aliança supranacional, dei-
honra da pátria. A única coisa que os soldados esperavam de seus xou de existir. Agora, Luxemburgo queria uma coisa: separar-se ofi-
líderes socialistas era que eles aprovassem as verbas para a guerra. cialmente do Partido Social-Democrata Alemão. Em 30 de outubro de
"Em retrospectiva", escreveu Balabanoff, "Jean Jaurès e Rosa Luxem- 1914, um jornal suíço, o Berner Tagwacht, publicou uma "Declara-
burgo parecem-me ter sido os únicos delegados que, como Adler, ção" assinada por Clara Zetkin, Franz Mehring, Karl Liebknecht e
perceberam plenamente a inevitabilidade da Guerra Mundial."16 Rosa Luxemburgo. Num parágrafo curto eles repudiaram seu com-
Os relatos sobre a reação de Luxemburgo à irrupção da guerra promisso com a orientação partidária oficial e asseguraram aos cama-
diferem. Alguns delegados a recordaram tão franca como sempre, e radas estrangeiros que, como muitos outros social-democratas ale-
outros, emudecida. Afirma-se que Clara Zetkin teria confessado que mães, eles tinham da "guerra, sua origem e seu caráter" uma visão
ambas ficaram à beira do suicídio. Foram necessários três anos e a diferente da do SPD. O comentário mordaz de Kautsky de que
solidão de uma cela de prisão para que Luxemburgo admitisse seu Luxemburgo preferia "ser a primeira na aldeia do que a segunda em
desespero naqueles dias de julho, quando sua confiança mística na Roma" foi uma justificativa mal disfarçada de sua postura favorável à
"sabedoria intuitiva" e no idealismo do proletariado desmoronou. Seu guerra.19
desamparo e sua "fraqueza vergonhosa", escreveu ela ironicamente a A ira de Luxemburgo ante o país em que sempre fora uma
Hans Diefenbach em 1917, transformaram uma relação hostil de dez "estrangeira" completou o círculo. Os momentos de comicidade não
anos com o eminente socialista belga Camille Huysmans numa estiveram inteiramente ausentes. Ela ia às livrarias, olhava as prate-
espécie de amizade. Huysmans nunca fora capaz de tolerar a força e leiras vazias e pedia inocentemente à vendedora livros franceses e
a independência de Luxemburgo. Mas, ao menos por uma vez, "ele
212 Alemanha guerra à guerra 213

ingleses, que, é claro, tinham sido retirados às pressas — "a vende- Depois que estourou a guerra, Luxemburgo tinha dito à socialista
dora parecia querer me esbofetear". Ouvindo um concerto de russa Alexandra Kollontaj que o trabalho de conspiração era pre-
Beethoven, não sentia nada além de um ódio gelado. "Continuo maturo, mas, decorridos poucos meses, não houve alternativa senão
achando que alguém deveria escrever um livro sobre o que está ir para a clandestinidade. "A primeira remessa [de uma publicação de
acontecendo aqui (...), um livro que, como um ferro em brasa, um sindicato estrangeiro] chegou bem e está na casa de Karl Liebk-
marcasse a estupidez deles."20 Aquela "cambada irracional, [aquelal necht", escreveu Luxemburgo em janeiro de 1915 a Marta Rosen-
carne de canhão" fazia com que ela tremesse de ódio, e Rosa já baum, que se transformaria numa boa amiga. "De lá irá para Mehring,
estava planejando deixar a Alemanha depois da guerra e mudar-se depois para você, e de você para Kurt [Rosenfeld] (...) e, como não
para a Itália — "mas primeiro, é claro, temos de acertar as contas".21 vou estar aqui, será que você pode ter a gentileza de manter a
Lendo Cervantes, pôs-se a pensar na alma servil dos alemães, em seu operação sob controle e assumir as finanças?"24 As instruções despa-
senso mortífero de obediência, e comparou-os às pessoas dotadas de chadas por ela antes de ingressar na prisão, não diferindo daquelas
mente e espírito independentes. A ficção e a realidade nunca esti- com que Jogiches costumava cumulá-la, tencionavam garantir a
veram muito distantes, nem para a adolescente do Ginásio de Var- continuidade do trabalho que ela havia iniciado. O mais importante
sóvia nem para a mulher de quarenta e cinco anos na fronteira de era o novo órgão do grupo, Die Internationale, que substituiu a
Berlim. Sozialdemokratische Korrespondenz, alvo favorito dos censores. Lu-
O tempo de Luxemburgo se estava esgotando. A pena na prisão xemburgo foi o espírito propulsor por trás dessa empreitada, come-
de Frankfurt estava marcada para começar em dezembro. Ela não çando tudo do zero, arranjando dinheiro, papel e impressores — uma
aguardava com ansiedade a inatividade forçada; fervilhando por experiência que talvez a tenha feito recordar os dias de Paris, vinte e
dentro, queria explodir o campo inimigo — o SPD. No dia 4 de dois anos antes, em que ela havia organizado o órgão polonês A
agosto, um pequeno grupo reuniu-se em seu apartamento: Leo Causa dos Trabalhadores. O primeiro e último número do Die
Jogiches, Franz Mehring, Julian Marchlewski, Kathe e Hermann Internationale saiu em abril de 1915. Trazia um artigo de Luxem-
Duncker, Wilhelm Pick e alguns outros, o núcleo do que se trans- burgo, "A Reconstrução da Internacional", em que ela sugeriu uma
formou no Gruppe Internationale e, posteriormente, em 1916, na versão corrigida do apelo que havia encerrado O Manifesto Comu-
Spartakusbund (Liga de Espártaco). Discutiram os meios de impedir nista. "Trabalhadores de todos os países, uni-vos em tempo de paz,
que os deputados do SPD aprovassem as verbas para a guerra, mas mas, na guerra... cortai vossas gargantas!"25
seu apelo, dirigido a cerca de trezentos socialistas de destaque, ficou A atividade frenética e a presença de pessoas a quem Luxem-
sem resposta, exceto por Clara Zetkin. As únicas armas de que burgo desprezava e de quem precisava foram uma defesa contra a
Luxemburgo dispunha eram sua oratória e sua pena. Corria de um mais trágica derrota que ela sofreu na vida. Obstinadamente, ela
encontro para outro, convencida, como escreveu a Camille Huys- estava transformando a derrota numa vitória, se bem que espiritual, e
mans, "de que as massas trabalhadoras ficariam do nosso lado se não material, porque, derrotada, não conseguia respirar. Acreditava,
fosse possível expor nossas razões".22 Mas estava errada. O exército como fizera desde criança, que por mais insuperável que fosse o
alemão conquistou suas primeiras vitórias e o orgulho nacional ficou obstáculo, ela acabaria prevalecendo.
em alta. Não obstante, tal como Luxemburgo se agarrava ao minús- Em dezembro, Luxemburgo foi hospitalizada com um esgota-
culo Partido Social-Democrata Polonês (SDKPiL), que não era nada mento nervoso e físico extremo. O cumprimento da pena, que deve-
representativo das aspirações da Polônia, estava agora determinada a ria começar em dezembro, foi adiado para 31 de março de 1915, mas,
formar a oposição, fosse ela representativa ou não. Karl Liebknecht no dia 18 de fevereiro, dois oficiais da polícia criminal apareceram
foi a Liège em outubro, encontrou-se com o secretário da Internacio- em seu apartamento e a levaram de carro para a central de polícia na
nal, Huysmans, viu a devastação causada por seus compatriotas e Alexanderplatz. Devidamente cumpridas as formalidades, Rosa foi
partiu dizendo: "Agora sei o que aconteceu e vou cumprir meu de- colocada numa caminhonete verde e levada para o Real Presídio
ver."23 Em dezembro, como uma voz solitária, votou contra a reno- Prussiano de Mulheres em Berlim.
vação das verbas para a guerra. Estabeleceram-se contatos com gru-
pos antiguerra no exterior, na vaga esperança de que algum modo a
carnificina ainda pudesse ser detida.
dentro e fora da prisão 215

panheiros. Seu encarceramento em 1915 foi diferente de qualquer de


suas penas anteriores — nem o batismo de fogo, tão excitante em
1904, nem a prisão orgulhosamente suportada em Varsóvia em 1906,
à qual Hervé fizera referência. Naquela época, a vida guardava
muitas esperanças; agora, toda a esperança estava destroçada.
Durante a guerra, Luxemburgo passou três anos e quatro meses
na prisão: uma pena de um ano por incitar à desobediência civil em
14 Dentro e Fora da 1914 e o restante sob prisão preventiva, que não tinha limite de
tempo. Sua pena de um ano terminou em 18 de fevereiro de 1916;
Prisão cinco meses depois, Luxemburgo foi detida e mantida na cadeia, sem
julgamento, por toda a duração da guerra. Manteve na prisão um
1915-1918 diário onde anotava a esmo seu peso, as cartas enviadas e recebidas,
citações de livros e observações sobre pássaros, plantas e o tempo.
Durante o ano de prisão, foi cortando os dias, semanas e meses e
registrando a passagem do tempo de várias outras maneiras. Em 18
de abril de 1915, eram "dois meses, 1/6", em 18 de agosto, "metade",
em 19 de agosto, "26 semanas", e assim por'diante. Esses registros
refletem sua impaciência e, acima de tudo, sua certeza de que o fim
A PRISÃO ERA PARTE INTEGRANTE da vida de um socia- estava próximo; não há registros similares nos calendários cobrindo
lista. Alguns saíam dela alquebrados ou desestimulados, outros a os anos de 1917 e 1918.
deixavam mais decididos e mais preparados do que ao ingressar. Diversas coletâneas das cartas de Luxemburgo, incluindo muitas
Cumprindo penas desmedidamente longas em remotas prisões rus- escritas na prisão, já foram publicadas. São incompletas, pois tanto os
sas, podia-se estudar os antigos mestres, Marx e Engels, e conceber destinatários quanto os organizadores usaram seu arbítrio; muitas es-
novas estratégias para conduzir a luta. Depois que o velho mundo e tavam em código e foram destruídas. As que restaram atestam a im-
o socialismo internacional desmoronaram na I Guerra Mundial, a portância que as cartas tiveram para Rosa enquanto ela estava no
prisão tornou-se uma verdadeira calamidade para os prisioneiros po- isolamento. Sempre consciente do poder de sua pena, ela recorria à
líticos; ^até então, porém, ela era uma medida do espírito revolucio- redação quando as palavras faladas pareciam traiçoeiras ou insufici-
nário e era encarada como uma espécie de universidade. Em 1907, o entes; agora que as cartas haviam substituído o contato pessoal, ela
seguinte diálogo transcorreu no Congresso da Internacional em Stutt- transformou seu dom numa arte. As cartas cuidadosamente compos-
gart: tas, mas aparentemente desenvoltas, atraíam os destinatários para sua
cela. Os amigos reagiam prontamente a seu intelecto, sua amizade e
Gustave Hervé. Gosto do bom povo alemão, plácido e benevolente. Admiro
sua ciência, sua organização, seus grandes combatentes. Mas vocês não
sua nostalgia. Em vidas múltiplas, ela se afirmava com vigor ainda
passam de uma máquina admirável de aprovar e recolher impostos. Não têm
maior do que em pessoa. As cartas eram declarações de orgulho e
nenhuma concepção revolucionária. Vocês conseguem penetrar a fundo nos determinação, um desafio à fraqueza — ameaça sempre temida. A
mistérios da mente, mas, confrontados com o governo, recuam, tentam evitar prisão não tinha importância, dizia a mensagem subjacente; ela era
as questões. Vocês têm medo da prisão. Jtosa Luxemburgo-. Não. Hervé. É suficientemente forte para apoiar e proteger seus amigos, animá-los e
verdade, você não!1 rir com eles. Nas entrelinhas, porém, fossem as cartas líricas, zanga-
das, alegres ou tristes, por baixo do interesse pela natureza, pela arte
O breve encarceramento de Luxemburgo em Varsóvia um ano e pela literatura, havia um desespero que ela não conseguia sufocar.
antes, em 1906, era bem lembrado; dera-lhe um status especial no As pessoas para quem Luxemburgo se voltou nessa ocasião fo-
tempo de paz. Em tempo de guerra, porém, sua prisão tinha pouco ram, em sua maioria, novos amigos. Ou porque se sentisse mais à
interesse, salvo para ela e o pequeno círculo de seus amigos e com- vontade com pessoas que a conheciam superficialmente, ou porque
precisasse de uma confirmação de seu poder de atrair admiradores,
214
216 Alemanha dentro e fora da prisão 217

ela manteve sua correspondência de guerra principalmente com


pessoas que havia conhecido pouco tempo antes. Luxemburgo
conheceu Sonja Liebknecht, mulher de Karl, um advogado próspero
e filho do co-fundador do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) Mathilde Jacob foi o principal vínculo de Luxemburgo com o mundo
em 1912.* Rosa conhecia Mathilde Jacob, que havia empregado oca- externo ao longo de todo o seu período na prisão, e a ela foi endere-
sionalmente como datilografa, desde 1913; Marta Rosenbaum, desde çado um número muito maior de cartas do que a qualquer outra
1914. Hans Diefenbach era um velho amigo, mas sua condição mu- pessoa. Franz Mehring havia recomendado Mathilde Jacob a Luxem-
dou inteiramente nas cartas que Rosa lhe enviou em 1917. Ela se cor- burgo como uma datilografa eficiente em 1913, e o encontro foi um
respondeu com Clara Zetkin, Luise Kautsky, Mathilde Wurm, Franz ponto decisivo na vida de Mathilde. "A primeira vez que Rosa Lu-
Mehring e Jogiches, mas não eram esses amigos antigos e intima- xemburgo me procurou para ditar um artigo (...) ela me causou uma
mente conhecidos que queria cativar. impressão profunda", escreveu Jacob em seu estudo. "Seus olhos
Cada um de seus correspondentes conheceu uma Rosa Luxem- grandes e brilhantes, que pareciam compreender tudo, fizeram meu
burgo diferente. Para Sonja Liebknecht ela foi uma amiga mais velha, coração bater mais rápido."3 Três anos mais nova do que Luxem-
dedicada, protetora e pouco exigente; para Mathilde Jacob, uma pa- burgo, Mathilde Jacob tinha o cabelo já meio grisalho e ralo, a pele
troa severa, habituada a dar ordens e vê-las cumpridas, mas vulne- emurchecida e pálida e urna aparência despretensiosa. Vinha de uma
rável e amiúde desalentada; para Marta Rosenbaum, uma pessoa família judia assimilada que ficara sem recursos depois da morte
amorosa e modesta, dedicada à humanidade; e para Hans Diefen- prematura do pai. Sendo a mais velha das duas filhas, Mathilde teve
bach, uma mulher atraente, emotiva e generosa, uma mulher que ele de abrir mão de seus sonhos de educação superior para ganhar a
não conhecera antes. Como um camaleão, Luxemburgo se adaptava vida para a mãe e a irmã. O pequeno escritório de datilografia que
às necessidades e expectativas dos outros. A cada um deles foi atri- montou, com um empregado, era a única fonte de renda da família.
buído um certo papel em seu drama, e cada um foi uma linha vital de Mathilde Jacob deixou um estudo biográfico que é aparen-
comunicação. Rosa fez um esforço para ser menos dominadora — temente uma recordação de Luxemburgo, mas constitui, na verdade,
"Não tenho necessidade de bancar a professora com pessoas que me uma confissão tocante e embaraçada de uma emoção que a domi-
são caras", escreveu; "gosto delas exatamente como são" —, mas não nou. Datilografado e redatilografado, o estudo inédito sobreviveu em
teve muito êxito nisso.2 Tanto os amigos antigos quanto os novos duas versões. No final das contas, Jacob não conseguiu reunir forças
foram submetidos a aulas intermináveis sobre a arte de viver, rece- para destruir essa prova de seu amor reprimido por Rosa; antes de
beram conselhos incessantes sobre que livros ler, a que concertos ser enviada para um campo de concentração nazista, a mulher já ido-
assistir, como descobrir a beleza das flores e dos insetos e como sa conseguiu contrabandear para fora da Alemanha seu estudo e as
escapar da armadilha da depressão. Quanto mais atormentada ficava, cartas que Luxemburgo lhe havia escrito.
mais ela imprimia agressivamente nos outros sua própria imagem A prisão de Luxemburgo transformou a vida da modesta datilo-
jovial, só admitindo seu verdadeiro estado de ânimo nos momentos grafa. Por sugestão de Jogiches, ela se apresentou à administração do
de crise aguda. Convencendo seus amigos do lado alegre da vida e presídio como secretária de Luxemburgo, o que facilitou grandemente
da virtude da capacidade de resistir, ela se impediu de soçobrar. seu acesso ã presidiária. Da noite para o dia, a Mathilde sumamente
Por mais distorcida que Rosa Luxemburgo emerja da corres- apolítica transformou-se numa participante ativa no trabalho ilegal;
pondência incompleta da prisão, suas cartas e o estudo biográfico transmitia a Luxemburgo as mensagens verbais de Jogiches e, às
não muito confiável de Mathilde Jacob são as principais fontes a escondidas, transportava cartas codificadas e os manuscritos de Lu-
partir das quais é possível reconstruir a vida de Luxemburgo nos anos xemburgo para dentro e para fora. Foi aceita no círculo dos amigos
de 1915-1918. de Rosa, o que era uma grande distinção: Clara Zetkin, Luise Kautsky,
Hans Diefenbach, Paul Levi e outros comunicavam-se com Luxem-
burgo através dela. Jacob cuidava das necessidades pessoais de Rosa
— roupas, dieta, livros — e a ela foi confiada Mimi, a gata, "a maior
• Sophie (Sonja) Ryss (1884-1964), de origem russo-judaica, estudou história da arte
na Alemanha. Em 1912, casou-se com Karl Liebknecht, de quarenta e um anos, viúvo honraria que eu poderia conceder", nas palavras de Rosa.4 "Nossa
recente e pai de três filhos pequenos. filha", como Luxemburgo se referia a Mimi, foi um tema permanente
218 Alemanha dentro e fora da prisão 219

na correspondência de ambas, até morrer em 1917. Ninguém senão a guerra de sete anos que os dois mal haviam terminado imaginaria
Mimi era capaz de despertar o desprezo de Luxemburgo por qualquer conflito. E eles corresponderam a essa imagem idealizada.
Mathilde: "Trazer Mimi numa cesta (...) e levá-la de volta! Como se Jacob não sabia estar fazendo para eles uma ponte entre o passado e
ela fosse uma criatura ordinária da espécie felis domestica).", foi como o presente, mas, conversando com ela e através dela, eles foram
recebeu a inocente sugestão de Jacob de levar a gata para visitá-la. finalmente capazes dê aceitar as fraquezas humanas um do outro.
"Mimi é uma mimosa minúscula, uma princesinha hiper-nervosa (...). Mathilde Jacob e Leo Jogiches estabeleceram um relaciona-
Quando eu, sua própria mãe, usei de força um dia para levá-la para mento curioso. Ela foi das poucas pessoas não amedrontadas nem
fora de casa, ela foi acometida de uma cãibra nervosa e ficou toda enfeitiçadas por ele, e com ela Leo conversava sobre sua vida com
dura em meus braços (...). Você não faz idéia daquilo por que Luxemburgo. "Vou-lhe contar uma coisa sobre Rosa que fará você
passou meu coração de mãe."5 dar risadas", foi como interrompeu uma sessão noturna com Jacob,
Luxemburgo chamava Mathilde de seu anjo da guarda, mas, que estava codificando seu relatório para Luxemburgo. "Quando
apesar de toda a devoção de Jacob, ela continuou a ser uma subor- morávamos em Paris, um dia fomos visitar uns amigos que moravam
dinada. Podemos duvidar de que tenha tido aspirações mais elevadas longe. Na volta para casa, Rosa estava cansada, de modo que fizemos
que as de datilografar os artigos de Luxemburgo e levar clandestina- sinal para um fíacre e perguntamos quanto custaria para ele nos levar
mente suas mensagens. A vida à sombra de Luxemburgo e o direito em casa. O preço era alto, não podíamos pagar. O, Monsieur, ex-
de adivinhar-lhe os desejos e cumulá-la de presentes eram uma com- clamou Rosa, nous sommes pauvres! [nós somos pobres]. O cocheiro
pensação suficiente. Havia também o prazer do interesse de Luxem- respondeu: Ce riest pás ma faute, Madame! [A culpa não é minha,
burgo por ela: "Espero que você esteja fazendo caminhadas, chova madame!]. A resposta dele foi tão engraçada para Rosa, que ela se
ou faça sol"; "você foi finalmente ao Jardim Botânico?"; "leia alguma sentou na calçada, riu à vontade e não deu nenhum sinal de cansaço
coisa boa a cada minuto livre".6 Mas a atenção de Luxemburgo não durante a caminhada até a casa."8 A historieta é menos reveladora do
sugeria igualdade. Rosa jamais criticou seus amigos com Jacob como que a disposição de Jogiches de falar abertamente sobre viver com
criticava Sonja Liebknecht com Luise Kautsky, Clara Zetkin com Die- Luxemburgo, viajar com ela e compartilhar amigos, acomodações e
fenbach ou Diefenbach com Costia Zetkin. As fronteiras eram claras despesas. Seu sigilo sobre a ligação entre ambos se evaporava na
e, quando Jacob tentava ultrapassá-las, era prontamente chamada à presença de Mathilde. O Jogiches que emerge do estudo dela, bom,
ordem. generoso, espirituoso e franco, tem pouca semelhança com o homem
Durante o primeiro período na prisão (fevereiro de 1915 a feve- que todas as outras pessoas conheceram. Se ficou realmente tão
reiro de 1916), Luxemburgo escreveu vinte e duas cartas a Jacob, no- mudado na ausência de Luxemburgo ou na presença de Jacob, é
ve a Clara Zetkin, três a Marta Rosenbaum e duas a Luise Kautsky. As tema para se conjecturar. De qualquer modo, ninguém nesse trio
enviadas a Mathilde são mais relaxadas do que as remetidas aos pouco convencional sentia-se ameaçado.
amigos, e livres de encenação. Jacob não precisava ser cortejada e,
como Jogiches, estava a par dos momentos de fraqueza de Luxem-
burgo. É possível que Jogiches lesse as cartas de Rosa a Mathilde e
que Rosa tivesse ciência disso. Seus pedidos de calor humano e afei-
ção, as descrições de sua vida triste e enfadonha e de suas aflições
emocionais e físicas fazem lembrar suas primeiras cartas a Leo. Ao " 'Passar sem os pequenos adornos da vida', disse Lady Kennedy a
observar que "o caráter da mulher aparece, não quando o amor co- Maria Stuart quando as jóias da rainha foram retiradas dela, é mais
meça, mas quando ele termina", talvez ela tenha imaginado Jogiches difícil do que suportar as grandes provações."9 Com sua agudeza
lendo por cima dos ombros de Jacob.7 habitual, Luxemburgo citou essas palavras do drama de Schiller em
Mathilde Jacob foi a intermediária perfeita para Luxemburgo e sua primeira carta da prisão a Mathilde Jacob (escrita em fevereiro de
Jogiches. Facilitou a reconciliação deles. Reverenciava ambos e, não 1915), indicando que não estava ficando desanimada. "Que Deus
tendo conhecimento dos detalhes, presumiu o grande amor de um castigue a Inglaterra e me perdoe por me comparar à rainha inglesa",
pelo outro. Tão vivido é o quadro de devoção mútua entre Leo e brincou. Ela fora retirada às pressas de seu apartamento, sem uma
Rosa pintado por ela em seu estudo que ninguém que desconhecesse camisola, um sabonete ou um pente, passara por duas revistas
220 Alemanha dentro e fora da prisão 221

pessoais e tinha tido dificuldade em conter as lágrimas. "Os peque- menteiras para as viúvas de guerra (...) só ofertas sérias! A carne de
nos adornos da vida" lhe foram entregues prontamente. As grandes canhão patrioticamente glorificada com hurras (...) já está apodre-
provações ainda estavam por vir. cendo nos campos de batalha (...). Desonrada, vergonhosa, man-
Pouco depois de Luxemburgo ser presa, o tribunal lhe con- chada de sangue, imunda — essa é a verdadeira face da sociedade
cedeu dois dias livres para providenciar seus assuntos pessoais. Paul burguesa (...). Cai a máscara bem aprumada e cosmética da virtude
Levi veio de Frankfurt fazer-lhe companhia; Jogiches, Liebknecht, — cultura, filosofia, e a ética, a ordem, a paz e a constituição —, e
Mehring e Jacob também estavam à mão. A breve reunião foi confusa seu eu real e despido fica exposto. Durante esse sabá das feiticeiras
e triste. Trocaram-se instruções e informações, estabeleceram-se ca- ocorreu um desastre de magnitude mundial — a capitulação da
nais de comunicação e se acertaram assuntos financeiros. "Eu não Social-Democracia Internacional."13
sabia, àquela altura, que Rosa Luxemburgo era pobre", recordou O Panfleto de Junius foi a acusação mais dura feita por Lu-
Mathilde Jacob.10 A taxa de 60 marcos cobrada dos prisioneiros em xemburgo à Social-Democracia Alemã, "cérebro" e "vanguarda" da
troca do privilégio de fazerem seu próprio trabalho, em vez de tra- Internacional. Desde a década de 1870, quando o centro de gravi-
balhos forçados, foi coberta pelo SPD; o aluguel do apartamento foi dade do movimento dos trabalhadores europeus deslocou-se da
pago, segundo Jacob, por um amigo abastado, provavelmente Hans França para a Alemanha, "a Social-Democracia Alemã", disse Lu-
Diefenbach. xemburgo citando Engels, "ocupa um lugar especial e (...) tem,
Um esquema de vida rigoroso era a melhor maneira, Rosa sa-
portanto, um papel especial a desempenhar." De fato, elaborou ela,
bia, de sobreviver ao ano que estava por vir. De acordo com as
normas do presídio, ela levantava às 5:40 da manhã e se recolhia às 9 "a vanguarda alemã desempenhou um papel decisivo [na Segunda
horas da noite — uma mudança considerável em seus hábitos, com a Internacionall. Nos congressos e reuniões da Diretoria Socialista In-
qual ela afirmou não se importar. O dia era dedicado à leitura, à ternacional, todos esperavam que os alemães expressassem sua opi-
redação de textos e aos cuidados com o minúsculo jardim em frente nião (...). Com uma confiança cega, a Internacional se submeteu à
a sua cela. Rosa retomou o estudo das plantas, hobby que havia liderança da poderosa e reverenciada Social-Democracia Alemã,
adquirido dois anos antes, quando, durante quatro meses, "não fiz orgulho de todo socialista e terror das classes dominantes no mundo
literalmente nada mais", como escrevera a Luise Kautsky. "Preciso inteiro." Mas, quando chegou a prova histórica, o SPD ruiu de ma-
sempre ter alguma coisa que me absorva por completo".11 Ter neira completa e ignominiosa. "Em parte alguma uma organização
permissão de trabalhar e dispor de seus próprios livros foi um grande proletária é tão totalmente subserviente ao imperialismo; em parte
alívio. Ela estava escrevendo a Anticrítica, uma resposta aos críticos alguma o estado de sítio é tolerado com tanto conformismo; em parte
de A Acumulação do Capital; "por favor, acalme Gross [Jogiches]", alguma a imprensa é tão integralmente amordaçada e a opinião pú-
disse a Jacob: "meu trabalho é primordialmente teórico, e não econô- blica, tão completamente sufocada."14 E no entanto, somente a Social-
mico ou histórico."12 Jogiches estava preocupado com a possibilidade Democracia Alemã, esperança maior e maior desilusão do proleta-
de que, sem sua supervisão, a réplica de Rosa não fosse digna de riado internacional, afirmou Luxemburgo, poderia resgatar o socia-
uma teorizadora marxista eminente. lismo, através de uma análise rigorosa de seus erros e de uma crítica
Em abril de 1915, Luxemburgo havia terminado sua declaração impiedosa de suas deficiências. Esse era o dever mais alto do líder
mais vigorosa contra a guerra e o militarismo, "A Crise da Social- decaído do proletariado.
Democracia", que levou a assinatura de "Junius" e ficou conhecido Apesar de toda a sua crítica ao SPD, Luxemburgo opôs-se
como o Panfleto de Junius. "Está encerrado o espetáculo", escreveu firmemente a uma cisão formal. "A dissensão dos marxistas (que não
Luxemburgo. "Os trens carregando reservistas partem agora em silên- deve ser confundida com diferenças de opinião) é fatal", dissera ela
cio, sem o adeus entusiástico das lindas donzelas (...). A atmosfera em 1908 a uma amiga, a socialista holandesa Henriette Roland
seca do pálido alvorecer está repleta das vozes de um coro diferente Holst.15 A cisão dentro da Social-Democracia Russa e a cisão dentro
— o clamor rouco dos gaviões e das hienas dos campos de batalha. da Social-Democracia Polonesa reforçaram sua convicção. Mas unifi-
Dez mil tendas de tamanho regulamentar, garantidas! Cem mil quilos cação não eqüivalia a uniformidade; a primeira era frutífera, a se-
de toucinho, chocolate em pó, café artificial, entrega imediata, só pa- gunda, letal. A oração subordinada "que não deve ser confundida
gamentos à vista! Granadas, treinamento, sacos de munição, casa- com diferenças de opinião" era tão importante quanto a oração
principal. O pequeno e radical Gruppe International (depois Liga de
222 Alemanha dentro e fora da prisão 223

Espártaco) trabalhava dentro do SPD justamente para impedir a


dissensão "fatal".
A orientação política adotada por Luxemburgo na esteira da
derrota da Internacional foi exposta em artigos publicados em 1916- A prisão de Luxemburgo representou a liberdade de Jogiches. A
1918 nas Spartakusbriefe (.Canas de Espártaco), bem como num do- ironia última de seus destinos entrelaçados consistiu em ser neces-
cumento chamado "Teses Concernentes às Tarefas da Social-Demo- sária uma guerra para libertar Jogiches.
cracia Internacional", clandestinamente levado para fora da prisão em Depois que Luxemburgo o deixou em 1907, Jogiches ficou só e
dezembro de 1915. As doze teses (.Leitsátzé) e seis propostas, escritas condenado a uma existência marginalizada num país em que con-
em linguagem seca e concisa, transmitiam a essência do Panfleto de tinuava a ser um estrangeiro e um ser inexistente. Já próximo dos cin-
Junius e forneciam princípios norteadores para a reconstrução do qüenta ao irromper a guerra, estava resignado a seu fracasso. E então,
movimento internacional dos trabalhadores. Avaliando a I Guerra ficou claro que a oposição radical tinha de se ocultar; era chegada a
Mundial, Luxemburgo disse: "A atual Guerra Mundial, quer traga a hora dele, A conspiração, alimento cotidiano de russos e poloneses,
vitória ou a derrota para qualquer um (...), significa a derrota do sempre fora suspeita para os alemães legalistas; ofendia seu código
socialismo e da democracia. Qualquer que seja seu fim — salvo pela de honra e de respeito à ordem. Assim, Jogiches não teve concor-
intervenção revolucionária do proletariado internacional —, ela está rentes no solo alemão. Talvez a idade e os anos estéreis o tivessem
levando à intensificação do militarismo, das contradições interna- temperado um pouco, ou talvez os alemães o admirassem pela ten-
cionais e das rivalidades econômicas. (...) A Guerra Mundial de hoje, dência autoritária que os poloneses não conseguiam tolerar. Seja
portanto, está criando todas as precondições para novas guerras."16 como for, os alemães lhe deram o reconhecimento que há tanto lhe
Ao contrário de Lenin, que aceitava a guerra como um meio faltava.
para a revolução, Luxemburgo considerava a guerra, independente- A oposição radical, que em 1916 tornou-se conhecida como
mente dos resultados, um retorno ao barbarismo. As teses discutiram Spartakusbund, precisava de uma publicação para disseminar suas
também a criação de uma nova Internacional. Essa questão fora opiniões políticas. Em 27 de janeiro surgiu uma "carta política" le-
abordada em setembro de 1915 numa reunião em Zimmerwald, na vando a assinatura de Spartakus — umas poucas centenas de cópias
Suíça. Luxemburgo havia elaborado um projeto, mas ele não chegou datilografadas, primeiro e tímido esforço de pessoas não familiari-
à conferência em tempo hábil. Ela concebeu a criação de um corpo zadas com o trabalho ilegal. Depois que Jogiches assumiu a operação
de autoridade suprema, que determinaria a tática das seções nacio- clandestina, a edição de setembro das Spartakusbriefe f oi publicada
nais em questões de política geral e econômica e de armamentos. Ele com vários milhares de cópias, e os números posteriores tiveram uma
deveria brotar das cinzas da antiga Internacional, expurgada de suas circulação que chegou a 30.000 exemplares. Embora, em 1915, Lu-
fraquezas e à prova das aspirações nacionalistas. Mais uma vez Lu- xemburgo ainda se desesperasse com a perda de tempo "criminosa"
xemburgo ficou em desacordo com Lenin. A proposta de Lenin de de Jogiches, uma vez sozinho no campo ele trabalhou noite e dia.
transformar uma guerra imperialista numa guerra civil e de criar uma Tendo nele seu editor, as Canas de Espártaco "tornaram-se o melhor
nova Internacional, apresentada na conferência, foi descartada pela órgão político do período da guerra (...) e um centro espiritual,
maioria dos participantes, inclusive Adolf Warszawski e Bertha Thal- enquanto a rede de distribuição proporcionou o elo organizacional
heimer, representantes do Gruppe Internationale. "Lamento profun- para a oposição esquerdista."18
damente", disse Jogiches citando Luxemburgo em sua carta a Thal- Nada se modificou no estilo de Jogiches. Ele nunca aparecia em
heimer, "que eu não tenha sido informada a tempo sobre os planos público e seu papel era conhecido por poucos — Mehring, Liebk-
de Zimmerwald. Considero toda essa idéia não apenas fora de pro- necht e Paul Levi, entre outros. Mathilde Jacob ficou encarregada dos
pósito, mas um erro catastrófico, uma arrancada frustrada antes mes- contatos. "Jogiches (...) costumava me telefonar todos os dias para
mo de começar."17 Não era incomum Luxemburgo e Jogiches falarem me informar que nada lhe havia acontecido. Além disso, eu tinha de
a uma só voz nas questões de política partidária. Foi incomum saber onde encontrá-lo, porque todos os que queriam falar com ele
Jogiches representar Luxemburgo abertamente no fórum alemão. se comunicavam comigo, e eu providenciava a conexão."19 Em geral,
ele se encontrava com uma pessoa de cada vez, de preferência à luz
do dia e num local bem freqüentado. Homem vistoso, de olhos
224 Alemanha dentro e fora da prisão 225

profundos e cabelos grisalhos, balançando com descaso seu eterno nos fundos. A multidão a alcançou e só deixou sua casa, ao
guarda-chuva, atraía mais a atenção das mulheres que a da polícia. anoitecer, depois que ela aceitou pão e bolos feitos em casa.
Era conhecido por nomes diferentes — Krumbügel, Kraft, Krzyszta- Finalmente, ela podia desfrutar de seu apartamento e de Mimi. Rosa
lowicz — e, salvo por Franz Mehring e Mathilde Jacob, ninguém estava em condições físicas muito piores do que eles haviam
sabia seu endereço. Viver incógnito, ele sabia, era seu trunfo prin- percebido, lembrou Jacob. "Mesmo assim, trabalhava sem se permitir
cipal. nenhum descanso (...), muitas vezes torturada por dores agudas. Eu
Bem debaixo do nariz da polícia, que estava ficando cada vez dizia, 'Rosa, talvez fosse bom você descansar um pouco', e ela
mais nervosa com a publicação que se difundia perigosamente, Jogi- respondia, 'Não presto atenção à dor. Finjo que estou boa e aí
ches construiu uma impressionante rede subterrânea. Muitas vezes, trabalho muito bem.' "21 Na primavera, Luxemburgo foi visitar Clara
passava a noite ditando relatórios para Luxemburgo ou supervisio- Zetkin, também recém-liberada da prisão, e passou alguns dias em
nando os tipógrafos, e emergia na hora do almoço, bem-disposto e sua casa de campo; seria a última vez em que veria Clara. Foi então a
elegante, em algum café da moda, onde encontrava seu contato e Koenigstein ver Paul Levi, que estava em licença do exército para
desaparecia. tratamento de saúde. Hans Diefenbach conseguiu uma licença para ir
Durante a guerra, também a vida pessoal de Jogiches tomou um vê-la. O estado de Rosa foi melhorando gradativamente e ela fez
rumo diferente. Ele saiu do Hotel Schlosspark, em Steglitz, e alugou algumas viagens para comparecer a reuniões ilegais de camaradas e
um quarto no apartamento de uma viúva de guerra alemã. A jovem trabalhadores. Em Berlim, Jogiches e Liebknecht estavam constante-
dona de casa apaixonou-se por Jogiches. Segundo Mathilde Jacob, mente a seu lado. Embora seus laços com Liebknecht se estreitassem,
aparentemente a única pessoa a ter conhecimento dessa ligação, a Rosa continuou a criticar-lhe as atitudes impensadas, que, embora
amante de Jogiches, apesar de dedicadamente fiel, era extremamente espetaculares, ela às vezes considerava ineficazes, quando não fran-
inquisidora e ciumenta. Espionava-o, conta Jacob, fazia cenas, abria a camente prejudiciais. "Tenho que estar constantemente em guarda
correspondência dele e pedia ao dono da tabacaria próxima, onde contra Karl Lüebknecht]", escreveu a Costia Zetkin em 1915, "que,
Jogiches muitas vezes usava o telefone, para ficar de ouvidos atentos. guiado pelas melhores intenções, tenta me arrastar todos os dias para
"Como Leo Jogiches se dirigia a mim por Mathilde ao telefonar (...), a todos os lugares possíveis, para tomar conta de todas as coisas possí-
mulher não sossegou enquanto não descobriu quem eu era", veis, o que toma tempo e tem pouco ou nenhum efeito."22 Solicitado
escreveu Jacob em seu estudo. "Triunfalmente, um dia lhe disse que a se portar com maior cautela, Liebknecht citava sua imunidade par-
sabia para quem ele dava todos aqueles telefonemas (...). Desde lamentar; mesmo assim, era irritante para Luxemburgo que ele pu-
então, ele não deu mais nenhum telefonema de lá (...). Quando che- sesse em perigo pessoas que não desfrutavam desse privilégio. Mas,
guei (...), ela me perguntou se eu era a mulher do velho de barba
branca [Franz Mehring]." Evidentemente, o comportamento da aman- "não o compare a Leo Jogiches, como você sempre faz", escreveu ela,
te não incomodava Jogiches. Ele dizia repetidamente a Jacob: "Se defendendo Liebknecht. "Compare-o com os companheiros alemães,
alguma coisa acontecer comigo, entre em contato com minha senho- e você verá que ele é superior a todos eles."23
ria. Ela faria qualquer coisa por mim."20 Os espartacistas empenharam um esforço imenso nas come-
morações do Dia do Trabalho em 1916. Luxemburgo escreveu os
panfletos distribuídos nas fábricas e 10.000 pessoas se reuniram na
Praça Potsdam numa demonstração contra a guerra. A manifestação
foi liderada por Liebknecht, que usava um uniforme de soldado e
gritava: "Abaixo a guerra! Abaixo o governo!" Luxemburgo marchou
Os cinco meses decorridos entre a saída de Luxemburgo do presídio ao lado dele. Preso em flagrante, ele foi privado de sua imunidade e
em 18 de fevereiro de 1916 e sua prisão em 10 de julho foram os condenado a quatro anos e um mês de trabalhos forçados. A partir
últimos em que ela levou uma vida normal. No dia em que foi solta, daí, Luxemburgo ficou sob vigilância constante da polícia.
uma imensa multidão de mulheres socialistas e gente que foi desejar No domingo, dia 9 de julho de 1916, dois policiais à paisana
boa sorte formou-se em frente ao presídio, mas Luxemburgo, acom- foram ao apartamento de Rosa Luxemburgo e se apresentaram a
panhada por Mathilde Jacob e Karl Liebknecht, saiu por uma porta Mathilde Jacob como camaradas do bairro de Neukõlln, em Berlim.
Luxemburgo era esperada de volta de Leipzig à noite, informou-lhes
226 Alemanha
dentro e fora da prisão 227

Mathilde. Na manhã seguinte, Rosa ainda dormia quando Jacob dei-


xou os homens entrarem. Ajudou Luxemburgo a se vestir, serviu-lhe O diretor da prisão, Dr. Dossmar, e sua assistente encarregada
o café da manhã e a acompanhou no trem suburbano até a Praça das prisioneiras, Else Schrick, foram amistosos. As medidas de econo-
Potsdam, onde teve de deixá-la com a polícia. Luxemburgo foi levada mia de guerra foram relaxadas e construiu-se uma cerca para separar
para o presídio de mulheres na Barnimstrasse, de onde havia saído o jardim de Luxemburgo do pátio da prisão; em pouco tempo, Clara
em fevereiro. Zetkin estava mandando ração de pássaros para os bichinhos de
Por falta de provas incriminatórias, ela ficou em regime de pri- estimação de Rosa. Else Schrick, profundamente impressionada com
são preventiva, o que tinha certas vantagens; podia receber alimen- Luxemburgo, fazia tudo para facilitar-lhe a vida. Embora deixasse seu
tos, livros, flores e cartas. Jacob podia visitá-la uma vez por semana, emprego dois meses depois da chegada de Luxemburgo, Schrick se
durante uma hora. Numa dessas visitas, em setembro, o guarda de manteve em contato com Mathilde Jacob, incapaz, escreveu, de es-
plantão declarou, passados dez minutos, que a hora havia terminado, quecer Luxemburgo.
e ficou interrompendo a conversa. Luxemburgo perdeu o controle, A prisão preventiva, como presumiu Luxemburgo acertadamen-
atirou nele uma barra de chocolate e o chamou de "dreckiger Spitzel" te, era uma medida temporária, e ela continuou com esperança de ser
(espião imundo). Naquela madrugada, foi levada para a sede da solta. De fato, a prisão preventiva era limitada por lei a três meses,
polícia na Alexanderplatz e posta nurna cela escura e minúscula. "O mas podia ser estendida a critério das autoridades. Mal passadas três
mês e meio que passei ali", escreveu depois a Hans Diefenbach, "em- semanas desde que fora presa, Rosa achou que a liberdade estava
branqueceu meus cabelos e me deixou com os nervos tão esfranga- prestes a chegar, e, em março de 1917, tinha esperança de estar em
Ihados que nunca mais serei a mesma".24 Sem luz artificial e com a casa até o fim de abril. A incerteza era devastadora. Cada extensão do
escuridão descendo no começo da tarde, ela ficava deitada num catre prazo era um novo golpe, e o profundo desamparo a estava arrastan-
de ferro, bem embaixo dos trens que passavam e cujo "concerto de- do lentamente para a depressão. Em nenhuma época anterior Rosa
moníaco" quebrava o silêncio. No fim de outubro de 1916, foi trans- fora vítima de forças que não podia controlar, ou mesmo combater.
ferida para Wronki, perto de Posnam, na área da Polônia anexada à Agora passou a entender o que significava ser um pária, sem
Prússia. Era a quarta prisão em que ficava no intervalo de um ano. nenhuma lei para defendê-la. Vez por outra, seus pensamentos se
Wronki, um complexo ameaçador e imenso, ficava localizada voltavam para o passado distante e para seus pais; ela nunca tinha
numa bela região. Numa pequena casa separada no gramado, des- tido tempo para o pai porque estivera muito ocupada com a huma-
tinaram a Luxemburgo um quarto e uma sala de estar. Um corredor nidade, disse a Hans Diefenbach. Numa ocasião, achara divertido que
dava para um jardinzinho, presente inesperado. A proximidade da sua mãe acreditasse que o Rei Salomão entendia a fala dos pássaros,
natureza, as árvores, os pássaros e o céu aberto fizeram Luxemburgo escreveu a Sonja Liebknecht; agora se identificava com a mãe —
sentir-se viva outra vez. O contato com a natureza sempre lhe fora também ela entendia os pássaros. Noutras ocasiões, parecia-lhe estar
necessário, como um refúgio dos problemas aborrecidos, pessoais e perdendo o juízo: "Estou sofrendo de depressão espiritual", escreveu
públicos. Ela retomou a jardinagem e mergulhou no estudo da vida a Mathilde Jacob. "Às vezes, fica tão ruim que temo pelo pior." Acima
das plantas. de tudo, ela temia sua incapacidade de chegar às pessoas: Às vezes
Em sua primeira carta de Wronki para Mathilde Jacob, datada sinto uma ânsia de entrar imediatamente em contato com o mundo
de 31 de outubro de 1916, Rosa pediu dinheiro para pagar por seu externo, e quero telefonar, telegrafar, despachar uma carta por entre-
transporte e pelo de seus dois guardas, bem como por seu custeio ga especial."27 Os pesadelos a atormentavam. "Sonhei que eu tinha de
(4,20 marcos por dia), e pediu que seus livros, roupas, sabonete e um cantar uma música (...) e tocar meu próprio acompanhamento ao
vaso de flores lhe fossem enviados. Jogiches sugeriu que Jacob piano (...) num concerto organizado por Faisst.* De repente, às sete
visitasse Rosa. "Ela ficará contente quando você chegar para ver horas da noite, descobri que não sabia tocar piano. Quem iria me
como está; na verdade, estará esperando."25 E estava. "Eu tinha espe- acompanhar? Fiz um corte no dedo até o sangue jorrar, para ter uma
rança de que alguém logo viesse me ver", exclamou. Abraçando desculpa (...) Não, pelo amor de Deus! gritei. Faisst ficaria tão zan-
Jacob através das grades da sala de visitas, sussurrou: "Você não me
trouxe alguma coisa de Leo?"26 Mathiíde introduziu furtivamente uma
carta em sua mão.
* Hugo Faisst, um amigo de Luxemburgo que era cantor, morreu em 1914.
228 Alemanha dentro e fora da prisão 229

gado que nunca mais ia olhar para mim. Eu tinha de buscar minha muito tempo, sinto-me completamente abatida e abençôo cada
sobrinha depressa para me acompanhar! Então lembrei que minha minuto que passo com meus amigos."33 Sehnsucht [saudade] é uma
sobrinha não tocava piano, e sim violino, e, apavorada, acordei."28 palavra que aparece repetidamente em suas cartas; a ânsia de ver,
O objetivo da prisão preventiva era claro — destruir a resis- tocar e confirmar o vínculo entre ela e a vida foi a mola mestra dos
tência psíquica de Luxemburgo. Oficialmente, Luxemburgo era uma relacionamentos que estabeleceu nessa época. Mas Rosa não queria
subversiva "sem nenhuma consideração para com os interesses da ficar em dívida com os amigos. De sua cela distante, convencia-os de
pátria", um "perigo para a segurança do Reich", ainda mais que era que eles precisavam tanto dela quanto ela deles.
uma "agitadora hábil (...) e particularmente influente."29 De fato, o Hans Diefenbach sentiu a sede de vida de Luxemburgo de ma-
castigo foi eficaz. "Quando eu ia visitá-la", escreveu Mathilde Jacob neira mais pungente do que os outros. Durante dois anos ele lhe
em seu estudo biográfico, "Rosa se sentava no meu colo, punha a escreveu sem obter resposta. E então, em 7 de janeiro de 1917, ela
cabeça em meu ombro e se deixava afagar, coisa que nunca tinha quebrou o silêncio para dar início a sua última aventura romântica.
suportado antes. Estava doente e desamparada."10 Dificilmente estaria sendo levada por compaixão pelo soldado soli-
Mas Luxemburgo mobilizou todos os seus recursos. Não per- tário. Suas cartas, repletas de insinuações eróticas, dão testemunho de
mitiria que o espírito abatido e o corpo doente fugissem de seu con- algo diferente. Shakespeare, Goethe e Morike serviram de mensagei-
trole, não pouparia esforços para pôr fim a seu cativeiro, e, na ros nesse jogo amoroso. Porque teria ela escolhido aquele jovem re-
impossibilidade disso, para minorar-lhe os efeitos. Doze anos antes primido — "seu bobo da corte", como ele se intitulava — para o
Rosa havia recusado uma anistia; dez anos antes, proibira a família de papel de cavaleiro andante?34 Herdeiro de uma ilustre família alemã,
pedir ao governo alemão que a soltasse da prisão em Varsóvia; em Diefenbach podia dar-lhe um sentimento de pertença e uma esperan-
1914, protestara contra a suspensão de seu julgamento. Agora, seus ça no futuro. Podia sustentar-lhe a confiança em si mesma e fazê-la
advogados bombardeavam o governo com petições por sua liber- sentir-se mulher — uma necessidade intensificada pela idade e pela
tação; os amigos arquitetaram um plano para que ela fosse solta por solidão. O fato de ele não ter verve ou imaginação, de ter "mãos
motivos de saúde, e, relutantemente, ela cooperou — "precisamente constantemente frias" e uma natureza desapaixonada pouco impor-
por ser mulher, ressinto-me de fazer um estardalhaço em torno de tava num romance restrito ao papel. O que importava eram a admi-
minha debilidade física."51 Embora se recusasse a fingir que estava ração e a aceitação por parte de alguém da elite alemã. "Com que
doente, ela solicitou uma licença curta e apresentou uma queixa então você é descendente de Justinus Kerner, não é! Meu Deus, que
formal pela prisão preventiva prolongada; as duas medidas foram ancestral ilustre!"*35 escreveu Rosa a Diefenbach. Era típico das con-
rejeitadas. E, depois da revolução de fevereiro de 1917 na Rússia, ela tradições de sua natureza impressionar-se com um nome enquanto
considerou a idéia de tornar a pleitear sua cidadania russa para ser definhava na prisão pelas massas anônimas.
deportada. Certa vez, dissera num tribunal prussiano: "Um social-de- "Hanschen, você está dormindo?" escreveu. "Estou chegando
mocrata sustenta seus atos e ri de seus julgamentos." O tempo do riso com uma palhinha comprida para lhe fazer cócegas atrás da orelha.**
havia terminado. Preciso de companhia, estou triste, quero fazer uma confissão."36 Se
Somente sua pena conseguia romper o isolamento. Com mais Diefenbach ficou intrigado ou embaraçado, ainda assim deve ter rea-
esforço, mais obstinação e ousadia do que no cumprimento da sen- gido à nova Luxemburgo de um modo que a deixou livre para lhe
tença em 1915-1916, ela a empregou para convocar os amigos, para fazer "cócegas". Quer ela citasse as palavras de Anacreonte — "Eu o
atraí-los para sua vida. Quando eles ficavam aquém de suas expecta- amo, sou sua" — ou discutisse As You Like //,*** sua pena requintada
tivas, depositava a culpa diretamente em suas portas: "Em tal estado ia traçando imagens excitantes de intimidade carnal.37 Num "sonho
de espírito, é natural que eu anseie por uma carta afetuosa e
calorosa, mas, infelizmente, meus amigos sempre esperam que (...) a
inspiração provenha de mim", queixou-se, não muito justificada-
mente, a Luise Kautsky.32 Ou então apelava para o lado generoso dos * Justinus Kerner (1786-1862), médico eminente, poeta e ficcionista.
** Luxemburgo sempre se dirigia a Diefenbach formalmente, tratando-o por Sie [na
amigos: "Espero ver, uma a uma, você, Mathilde, Luise K. (...) e terceira pessoa]. Em contraste, dirigia-se a Jogiches, Costia Zetkin e Paul Levi informal-
Sonja", escreveu a Marta Rosenbaum em abril de 1917. "Certamente mente, tratando-os por du [na segunda pessoa].
estou pedindo um grande sacrifício a vocês (...), mas, sozinha há *** Comédia de William Shakespeare datada de 1600
dentro e fora da prisão 231
230 Alemanha

virtude. "Abençoados os que não têm paixão, se isso significa que


excitante e belo", ela tocou com os dedos os lábios de alguém íntimo nunca poriam as garras, qual uma pantera, na felicidade e na liber-
e querido e perguntou: "De quem é essa boca?" A resposta foi " 'Mi- dade dos outros. Mas isso nada tem a ver com a paixão", retratou-se
nha.' — Não, não, exclamei rindo, essa boca pertence a rmm!"38 Ou prontamente. "Você sabe que a tenho em dose suficiente para atear
então recordava um crítico áspero de seu trabalho cujos comentários fogo a uma pradaria, e ainda assim considero sagrados a liberdade e
"não passavam de uma vingança pelas tentativas prolongadas e os desejos simples das. outras pessoas."44 Esse último trecho da frase,
inúteis" de se tornar amigo dela, e que, em certa ocasião, aludindo a que a maioria dos amigos de Luxemburgo teria certa dificuldade em
sua "figura liliputiana (...), cantou baixinho uma canção de Wolf: 'As aceitar, sugeria a imagem de si que ela queria transmitir a Diefen-
coisas pequeninas também podem nos enfeitiçar.' "39 bach.
A literatura era o local de encontro dos dois; ali ela se encon- Diefenbach era intimidado por Luxemburgo e, apesar de sua
trava com Diefenbach, lançava-lhe um olhar, provocava-o e flertava. reserva, aludiu visivelmente ao poder dela numa de suas cartas. "Se,
O ensaio, escreveu a Diefenbach, esplêndida realização da mente como você escreveu em sua última carta, o sexo forte é predominan-
francesa e inglesa, fazia uma falta dolorosa nas letras alemãs, por causa temente atraído pelas mulheres que parecem fracas, a essa altura
do pedantismo e da falta de graça espiritual dos alemães. Já que você deve estar louco por mim", respondeu em tom meio brincalhão.
Hanschen, como Rosa o chamava amorosamente, possuía esse dom, "Ah, eu sou tão fraquinha, mais do que gostaria de ser."45 Rosa lhe
ele simplesmente fora feito para introduzir o ensaio nas letras alemãs. disse abertamente o quanto queria que ele fosse visitá-la (ele foi) e
Devia encomendar imediatamente a edição de Tauchnitz das obras implorou que ele fosse "amoroso e paciente comigo, .mesmo que eu
de Macaulay e estudá-la. Devia a seus ancestrais eminentes tornar-se não o mereça". Diefenbach louvou a jovialidade e o ardor de Rosa,
alguém. Ela estava destinada a escrever um livro sobre Tolstói, res- mas, por mais que ela ansiasse por seus elogios, queria também sua
pondeu Hans, mas a idéia não a atraiu. "Para quem? (...) Todos po- comiseração: "Cada dia que tenho de suportar transforma-se numa
dem ler os livros de Tolstói, e, se não extraírem deles um intenso pequenina montanha que escalo com extremo esforço."46 A medida
sopro de vida, não vão extraí-lo de meus comentários. Acaso a mú- que o ano foi passando, ela precisou cada vez mais da tranqüilização
sica de Mozart pode ser 'explicada'? Ou o milagre da vida?"40 E e da adulação dele: "Hanschen, bom-dia, aqui estou eu de novo; hoje
quanto a Romain Rolland? "Tenho medo de aborrecê-lo, mas preciso me sinto rnuito só."47
ser franca como de hábito." Não, o Jean Christophe de Rolland não
era "uma verdadeira obra de arte", mas "um panfleto, e não um ro- Diefenbach foi morto em combate em outubro de 1917. Num
mance (...); a mais bela literatura tendenciosa não consegue subs- intervalo de dez meses, Rosa lhe havia escrito dezenove cartas — um
tituir a centelha divina".41 Essa carta, escrita em 27 de agosto de 1917, testemunho lírico de seus anseios. A morte dele representou um gol-
foi a última a encontrar Diefenbach com vida. Para Luise Kautsky, pe tremendo. Apesar de fisicamente ausente, Diefenbach a fazia
Rosa escreveu posteriormente: "Hannes adorava Romain Rolland (...) sentir-se uma mulher atraente.
também aprendi a amá-lo, e sugeri a Hannesle que fôssemos a Paris Correram boatos de que Diefenbach tinha sido enviado à frente
depois da guerra conhecer Romain Rolland, ou convidá-lo a vir à de batalha por causa de seu contato íntimo com a presa política;
Alemanha."42 Diefenbach nunca soube da mudança de opinião de assim, a culpa por sua morte foi posta em Luxemburgo. Se esse boato
Luxemburgo ou de seus planos. Isso não tinha importância — o real chegou até ela, Rosa nunca lhe fez qualquer alusão. Mas confiou a
e o irreal se mesclaram na morte como tinham feito na vida. A ad- Luise Kautsky, após a morte de Diefenbach, que eles tinham "mil
miração por um escritor transcendeu a realidade e se materializou planos para depois da guerra".48 Ele era seu amigo mais querido,
numa viagem conjunta a Paris. disse à Sra. Kautsky, que entendia e compartilhava como ninguém
A distância permitiu que Rosa se retratasse em tons pastéis. mais cada oscilação de ânimo de Rosa.
Diefenbach tinha conhecimento de sua natureza tempestuosa; agora, Tendo sido sempre reticente sobre Jogiches, Luxemburgo rom-
ela revelou seu outro lado. Com infinita paciência e tato, ouvia as peu o silêncio. Jogiches não sabia "amar", escreveu a Luise Kautsky.49
queixas de Diefenbach. "Falando sério, Hanschen, sua depressão (...) Jogiches devolvera o presente de Natal que ela lhe mandara da pri-
sinceramente me preocupa", respondeu a uma queixa que a fizera são, uma fotografia de um quadro de Turner, com o comentário de
contorcer-se quando verbalizada por Jogiches e, mais tarde, por que era "vandalismo" retirá-la de seu álbum (o álbum fora presente
Costia Zetkin.43 Até a falta de paixão de Diefenbach passou a ser uma
232 Alemanha dentro e fora da prisão 233

de Costia Zetkin) e uma ordem de repô-la no devido lugar. "Isso é Luise Kautsky tornou-se para ela um "abrigo", um refugio do
bem o Leo, não é?", explodiu Rosa.50 golpe que a guerra havia desferido em sua confiança. O papel de
Embora Luxemburgo raramente discutisse Jogiches com Luise mãe e esposa de Luise despertava o sentimento de perda de Rosa,
Kautsky, foi artificial da parte de Luise fingir que Diefenbach "foi mais agudo diante da derrocada política. "Preciso ter alguém que
mais íntimo de Rosa do que quase qualquer outro ser humano".51 acredite que só estou girando no redemoinho da história mundial por
Luise Kautsky criou o mito do papel destacado que Diefenbach de- engano", escreveu, "e que de fato nasci para cuidar de gansos."53 A
sempenhou na vida de Luxemburgo, assim como criou o da juven- prisão, ela sabia, não a deixaria ilesa. "Esta psicologia", disse a Luise
tude e da família de Luxemburgo. Em suas lembranças de Rosa, em julho de 1918, descrevendo os "pensamentos e fantasmas" que a
dedicou um espaço desproporcionalmente maior a Hans Diefenbach perseguiam, "se desenvolve inconscientemente quando se fica senta-
do que a Leo Jogiches. do por muito tempo na prisão".54 Essa foi sua última carta para Luise.
O romance teve um pós-escrito incongruente. Em seu testamen- As duas nunca voltaram a se encontrar.
to, Hans Diefenbach legou a Luxemburgo 50.000 marcos, confiados à Depois que Hans Diefenbach foi morto em combate, Rosa es-
guarda de sua irmã. Sua brilhante amiga, disse, não sabia lidar com creveu a Sonja Liebknecht: "Tenho-me sentido muito bem, apesar da
seus assuntos pessoais com a mestria que demonstrava ao solucionar dor por causa de Hans", e acrescentou estar vivendo num mundo de
problemas econômicos em escala mundial. Ele "temia que eu pu- sonhos no qual ainda estava viva.55 A Luise Kautsky ela escrevia
desse usar o dinheiro para o Partido", disse Luxemburgo, um tanto sobre o sofrimento das noites insones e dos pesadelos; para Sonja,
defensivamente, ao interpretar o gravame.52 Tudo o que recebia eram "estou sorrindo para a vida nas trevas (...) e buscando a razão dessa
juros de 4 por cento sobre o principal, como pensão vitalícia, e isso felicidade (...). A profunda escuridão noturna é tão bela e macia
mal chegava, assinalou, para cobrir metade de seu orçamento — suas quanto o veludo, quando se sabe olhá-la." Enquanto alguns dos ami-
despesas na prisão e o aluguel do apartamento. Rosa não gostou da gos de Rosa tinham conhecimento de seu desânimo cada vez maior,
cautela de Diefenbach. Quando dava, ela dava prodigamente, sem ela transmitiu a Sonja, no final de 1917, a idéia de que "a cada dia
restrições. que passa (...) fico mais serena e mais forte".56
As relações de Rosa Luxemburgo com Luise Kautsky modifica- A "pobre Sonja", como Luxemburgo se referia a ela — a jovem
ram-se ainda mais à medida que se intensificou a ânsia de Luxem- e bela mulher do prisioneiro Karl Liebknecht —, foi a destinatária de
burgo de modificar a vida dos amigos. Na época em que Luise con- pequenas obras-primas da arte epistolar, repletas de descrições da
siderara a hipótese de deixar o marido para ficar com o cunhado, natureza e imbuídas de compaixão pelo sofrimento de todas as suas
Luxemburgo havia negado firmemente ter exercido qualquer pressão criaturas. As cartas mostravam a força singular da autora diante da
sobre Luise. Agora, porém, ao escrever, invariavelmente ligava Luise adversidade e uma tolerância admirável. "Gosto muito de você em
a Hans Kautsky. Convidou-os para visitá-la (eles foram) e se estendeu seu papel de esposa", escreveu a figura legendária à "mulherzi-
sobre as experiências que eles compartilhavam e os interesses que nha".57 Explicando sua própria atitude perante as provações da vida,
tinham em comum. Discutiu longamente a situação dos dois, insis- recomendou a Sonja: "Sempre se deve aceitar tudo o que pertence [à
tindo em que era dever de Luise ficar ao lado de Hans e conferir uma vida] e achar tudo belo e bom. Ao menos, isso é o que eu faço, não
dimensão espiritual à vida pequeno-burguesa que ele levava. guiada pela razão ou pelo conhecimento, mas simplesmente seguin-
Houve, ao que parece, uma ligação entre o vínculo de Lu- do minha natureza. Sinto, instintivamente, que essa é a maneira certa
xemburgo com Diefenbach e o de Luise Kautsky com Hans Kauísky, de viver, e por isso me sinto realmente feliz em qualquer situação."58
e essa ligação foi criada por Luxemburgo. Luise deveria dar um sen- Luxemburgo não ficava feliz "em qualquer situação" e, na ocasião em
tido mais elevado à vida de Hans Kautsky, e Luxemburgo ajudaria que escreveu isso, na primavera de 1917, estava lutando contra um
Diefenbach a superar seu medo da assustadora realidade. As mulhe- surto de depressão. Mas Sonja Liebknecht continuava a ser, para
res enriqueceriam a qualidade da vida dos dois homens, e talvez Rosa, uma bonequinha bonita e ligeiramente mimada, uma conhe-
mudassem seus destinos. Muitos anos antes, Luxemburgo havia dese- cida a quem ela oferecia generosamente consolo e afeição, mas que
jado ansiosamente que Luise a imitasse no plano intelectual; agora, se recusava a tratar como a uma igual. Por baixo da compaixão havia
seu relacionamento com Diefenbach podia servir de modelo para uma condescendência inintencional, mas transparente. Apesar disso,
Luise, presa na armadilha de um casamento convencional. algumas vezes Luxemburgo deixou de lado os ensaios líricos e tratou
dentro e fora da prisão 235
234 Alemanha

via acostumado à cela repleta de seus livros e bugigangas e,


Sonja como amiga: "Clara [Zetkin] dividiu comigo seu entusiasmo especialmente, ao jardim, que ela amava. Além disso, consultava re-
sobre The Man ofProperty [de John Galsworthy]", escreveu a Sonja. gularmente um médico particular em Posnan, em tratamento psico-
"Mas como é duro e puritano o julgamento que ela faz de nossa lógico e físico, e as viagens à cidade proporcionavam uma mudança
Irene, sua e minha, dessa criatura adorável que é fraca demais para bem-vinda.'Agora, esse tantinho de estabilidade, essencial para seu
usar os cotovelos (...) e que fica no caminho — uma flor esmagada. equilíbrio psíquico, fora destruído. Rosa tinha de fazer as malas, par-
Clara não tem nenhuma compreensão dessas 'damas', que, para ela, tir e começar de novo.
são simples 'máquinas sexuais e digeríveis'. Como se qualquer mu- Mathilde Jacob estava em Wronki quando chegou a notícia.
lher pudesse tornar-se 'agitadora', datilografa, telefonista, ou [ser] 'útil' Como era seu hábito, estava passando as férias perto do presídio,
de outra maneira. E como se as mulheres bonitas — a beleza não é para ficar mais próxima de Rosa. Na verdade, as autoridades, alar-
apenas um rostinho bonito, mas também a delicadeza e a graça inte- madas com o estado de depressão de Luxemburgo, tinham permitido
riores — não fossem um dom dos céus, simplesmente por agradarem a Jacob visitá-la com mais freqüência. Isso despertou imediatamente
nossos olhos! (...) Sou a favor da luxúria em todas as suas formas."59 as suspeitas de Luxemburgo. Temendo que Jacob tivesse solicitado
Luxemburgo não poderia ter encontrado melhor maneira de dizer privilégios especiais em seu nome, recusou-se a vê-la a certa altura, e
que não eram as Claras que embelezavam a vida. só voltou atrás depois de se certificar de que suas suspeitas eram
infundadas.
A princípio, não informaram Luxemburgo sobre o novo local ou
a data da transferência. Mas Jacob, prudente, começou de imediato a
reunir mantimentos, mais fáceis de adquirir no interior, e convocou a
ajuda de um guarda e de alguns prisioneiros de guerra russos para
O ano de 1917 foi crucial para Rosa Luxemburgo em muitos aspectos. conseguir caixotes e empacotar livros, roupas e utensílios de cozinha,
As notícias da Rússia, estimulantes em abril, começaram a preocupá- e para retirar tudo de lá o mais depressa possível; uma cela nua, bem
la no fim do ano. A licença médica que ela esperava não foi con- o sabia, teria um efeito negativo em Luxemburgo. Pouco antes de sua
cedida e, pior ainda, ela foi transferida do relativo conforto de Wron- saída, disseram a Luxemburgo que ela estava indo para Breslau. A
ki para mais uma prisão, em Breslau (Wroclaw). Sofreu oscilações data da partida foi mantida em segredo, para que Mathilde não
violentas de humor; extasiada num dia com uma flor que desabro- tomasse o mesmo trem, como Luxemburgo lhe pedira ansiosamente
chava, no outro lamentava a brevidade de sua vida. Enquanto se que fizesse. O promotor dispôs-se a revelar a data se Jacob prome-
queixava amargamente com Luise Kautsky sobre o silêncio dos ami- tesse não ir à estação. Jacob retrucou que preferiria ir lá duas vezes
gos, esses mesmos amigos escreviam cartas, mandavam livros, víve- por dia e verificar todos os trens do que ser privada de se despedir
res, doces e flores. Sua família mandava chá e sabonete de Varsóvia. de Luxemburgo. Na tarde de 22 de julho de 1917, Luxemburgo
Mas ela não era fácil de agradar. As cartas de Sonja soavam como acabou sendo levada à estação pelo promotor e por Mathilde Jacob.
"vidro partido"; as de Luise eram "suspeitosamente taciturnas"; todos Jacob acompanhou Luxemburgo no trem seguinte e já eslava
os que lhe escreviam ficavam apenas "gemendo e resmungando"; hospedada num hotel em Breslau para receber a primeira carta de
ninguém tinha ou sequer lutava pelo conceito de vida de Goethe — a Rosa. Foi uma carta desesperada. A viagem em si tinha sido um sofri-
universalidade dos interesses e a harmonia interior. A harmonia inte- mento; as pessoas, o barulho e o tráfego tinham-na deixado comple-
rior, sonho inatingível, parecia estar mais ao alcance dela do que de tamente desnorteada. Três anos antes, quase exatamente no mesmo
seus amigos; Rosa contrastava sua força com a fraqueza deles e sua dia, Luxemburgo tinha voltado do último congresso da Internacional
vida interior rica com a pobreza espiritual dos outros. Quanto mais em Bruxelas em meio ao clamor dos clarins de guerra e dos trens
durava o confinamento, mais defensiva ela se tornava. cheios de soldados ruidosos, e chegara a Berlim pronta para a ação.
Em julho de 1917, o promotor público informou Luxemburgo Agora, a simples visão de estranhos e os sons da cidade a irritavam.
sobre sua transferência iminente para outra prisão. Havia dois pre- Suas piores suspeitas se haviam confirmado; a nova prisão, escreveu,
sídios femininos na Alemanha, disseram-lhe, e estavam precisando da era pavorosa. "Vou perecer aqui", disse a Mathilde ao vê-la pela
cela dela para outra mulher. A decisão chegou como uma surpresa primeira vez.60 Estava disposta a solicitar uma transferência.
desagradável. Durante os oito meses em Wronki, Luxemburgo se ha-
236 Alemanha dentro e fora da prisão 237

A prisão de Breslau seria a última etapa do cativeiro de Lu- de pequenos comerciantes, dispostos a vender um pouquinho de 'he-
xemburgo. Ela ficou lá um ano e quatro meses, o prazo mais longo roísmo', mas só 'à vista' (...), desde que o 'lucro' esteja bem em cima
que passou em qualquer presídio. As condições mostraram não ser do balcão."64 Mathilde Wurm, talvez ressentida com essa alusão a um
tão ruins quanto ela havia temido. Jacob descobriu a mulher de um estereótipo judeu, reagiu enviando a Luxemburgo uma biografia em
operário, Selma Schlich, que concordou em cozinhar e entregar as forma de ficção sobre Espinosa, o filósofo judeu excomungado. Lu-
refeições na prisão. Destinaram dois cômodos a Luxemburgo. "É xemburgo, por sua vez, talvez tenha interpretado esse presente, que
claro que dois cômodos parecem uma coisa boa, desde que se tenha qualificou de Kitsch, como uma tentativa de dar-lhe uma lição, e
acesso a eles", escreveu a Jacob. "Mas sou trancafiada e, para entrar reagido raivosamente ao "sofrimento especial dos judeus".
em minha outra cela, tenho de bater (...) e chamar o guarda."61 Uma Que Luxemburgo reagia com veemência ao ser confrontada
comissão chamada de Berlim concordou em que essa era uma aflição com seu judaísmo é confirmado por um socialista polonês, Tadeusz
desnecessária e uma parede foi derrubada para ligar os dois cômo- Radwaríski, que recordou a explosão de raiva de Rosa quando ele
dos. Mobiliados com seus pertences, quadros; um tapete e uma pol- mencionou que havia aprendido iídiche sozinho para se comunicar
trona, os cômodos adquiriram um caráter pessoal. Luxemburgo podia com os trabalhadores judeus. "'Aí está outro louco, outro goy que
receber visitas em sua cela, e Jacob recordou que ela se sentia "como aprendeu o jargão iídiche', gritou. 'Literatura em jargão! Isso é pura
uma anfitriã".62 Rosa obteve permissão de andar pelo pátio pelo brincadeira! E em particular [I.L.] Peretz, aquele lunático que teve a
tempo que quisesse. O médico do presídio, admirador de Goethe e, petulância de insultar Heine com sua tradução da bela língua alemã
depois, de Luxemburgo, conseguiu para ela o privilégio de tomar para esse dialeto do suábio antigo, corrompido por um conhecimento
livros emprestados à biblioteca universitária. Rosa pôde então ler o superficial de palavras hebraicas e por um polonês vernacular trun-
escritor russo Vladimir Korolenko, cuja autobiografia estava tradu- cado.'"65
zindo para o alemão. Em suas histórias, Korolenko retratava judeus; No prefácio à autobiografia de Korolenko, A História de meu
na vida real, lutava pelos direitos deles. Rosa foi inadvertidamente Contemporâneo, Luxemburgo escreveu: "A opressão, a insegurança, a
atraída para seu mundo. injustiça, a pobreza e a dependência (...) moldam a alma das pessoas
de certa maneira."66 Quer estivesse ou não fazendo referência a si
mesma, o comentário é revelador à luz do material que ela estava
discutindo. Ao descrever a luta de Korolenko pela injustiça, Luxem-
burgo mencionou o notório julgamento, ocorrido em 1911 em Kiev,
de um pedreiro judeu, Mendel Beylis, acusado de assassinato ritua-
Durante seus anos na prisão a atitude de Luxemburgo perante os ju- lístico. Mas referiu-se a ele como o "assassinato ritualístico de Kishi-
deus tornou-se mais complexa. É possível que tenha havido diversas nev", fazendo uma evidente confusão entre o pogrom de 1903 em Ki-
razões para isso, desde o interesse de Korolenko pelos judeus até shinev e o julgamento de Beylis em Kiev. Em todo o mundo civili-
uma abundância excessiva de tempo para a contemplação. Tanto a zado, esses dois incidentes se destacavam como símbolos da perse-
carta que Luxemburgo escreveu em 16 de fevereiro de 1917 a Mathil- guição aos judeus; não obstante, Rosa confundiu os dados. Pode-se
de Wurm, uma amiga alemã e companheira de partido, quanto o descartar isso como um lapso, ou encará-lo como um sintoma de sua
prefácio que redigiu para a autobiografia de Korolenko, revelam a ambivalência.
profundeza de seu conflito. A carta contém um trecho freqüente- Não menos intrigante foi a interpretação que Luxemburgo con-
mente citado para provar a ambivalência de Luxemburgo em relação feriu, no prefácio, ao "fenômeno do bode expiatório", que encarou
aos judeus, ou então seu anti-semitismo flagrante. Diz o seguinte: como um-produto da civilização moderna. Nos Estados Unidos, os
"Porque você se estende sobre esse sofrimento especial dos judeus? negros serviam de bodes expiatórios; na Europa Ocidental, os italia-
As pobres vítimas dos seringais de Putumayo e os negros da África, nos. Exemplo da segunda afirmação, escreveu Luxemburgo, fora "urn
cujos corpos os europeus usam para disputar um jogo de bola, são- pequeno pogrom italiano" perto de Zurique, ocorrido no início do
me igualmente próximos."63 século na esteira do assassinato de uma criança. Ela mencionou tam-
Numa carta anterior a Mathilde Wurm, Luxemburgo descrevera bém que, na Rússia, sete camponeses selvagens e pagãos de Votjak
os social-democratas alemães como "criaturas mesquinhas, com alma tinham sido acusados de assassinato ritualizado e processados.67
238 Alemanha dentro e fora da prisão 239

A ordem em que Luxemburgo listou as minorias — negros, ita- grande prazer e ela ficou orgulhosa por seus amigos louvarem seu
lianos, votjaks e judeus — é reveladora; o mesmo se aplica a sua alemão.
utilização da palavra "pogrom", normalmente associada aos ataques
aos judeus, para se referir a trabalhadores italianos. É também sinto-
mático que ela tenha destacado os italianos, e não os judeus, como
bodes expiatórios da Europa Ocidental, afirmando, ao mesmo tempo,
que os judeus serviam de foco do descontentamento das pessoas na
Europa Oriental. E, significativamente, ela evocou o caso Dreyfus no No Natal de 1917, terceiro e último que ela passaria na prisão, Lu-
contexto do caso dos votjaks, e não no do julgamento de Beylis, em- xemburgo estava ansiosa pelo sagrado ritual anual. Jacob foi encar-
bora fosse evidente o paralelo entre este último e o caso Dreyfus. regada de comprar um livro de arte egípcia para Clara Zetkin, livros
A maior parte do tempo de Luxemburgo em Wronki foi dedi- para Sonja Liebknecht e Marta Rosenbaum, e "um presente de Natal
cada à tradução do livro de Korolenko. Transportada da prisão alemã para mim": o livro de W. R. Eckhart sobre o clima.69 Era a maneira de
para a Rússia do século XLX, ela tornou a viver os sonhos e as espe- Rosa dizer que a vida continuava normal.
ranças dos russos. No prefácio, sublinhou o desenvolvimento da lite- Em março de 1918, ao tomar conhecimento da prisão de Jogi-
ratura na Rússia de maneira popular, simplista e inexata. Sugeriu que ches, Luxemburgo não demonstrou nenhuma emoção. Durante todos
a literatura russa havia explodido das trevas e do barbarismo "da os anos de atividades clandestinas de Leo na Liga de Espártaco, Rosa
noite para o dia", "como Minerva ao sair da cabeça de Júpiter".68 Sua havia temido pela segurança dele, recordou Jacob, mas, uma vez que
visão exagerada da Rússia, onde os milagres aconteciam e o atraso se ele foi preso, ela se voltou para as questões práticas. Cada porção-
transformava em progresso de um dia para o outro, tinha uma base zinha de alimento que os amigos lhe enviassem deveria ser mandada
política. Suas alusões freqüentes à complacência e à psicologia servil para Jogiches, segundo suas instruções a Jacob, e ela verificava se
dos alemães, em contraste com a necessidade de auto-analise dos suas ordens estavam sendo estritamente cumpridas. "Você sabe que a
russos, efetivamente mostraram o desenvolvimento espiritual alemão comida da prisão é intragável, e Leo vive quase exclusivamente do
em declínio e a Rússia se elevando a alturas espirituais monumentais. que você leva para ele", lembrava a Jacob.70 Caso Jogiches precisasse
Na tela da literatura, Luxemburgo bordou as palavras que, dez anos de toalhas, sua roupa de banho poderia ser usada; mas o que ele
antes, havia atirado no rosto dos alemães: "Quando é que vocês vão queria muito eram cigarros. Luxemburgo os arranjou. Mathilde Jacob,
finalmente aprender com os russos?!" agora encarregada de dois prisioneiros, viajava entre a prisão de
A técnica da tradução converteu-se num novo desafio. Sempre Moabit, em Berlim, onde Jogiches estava encarcerado, e Breslau,
um pouco preocupada com seu alemão, Rosa fez com que Hans Die- entregando os presentes de Luxemburgo e transmitindo recados.
fenbach, e, depois da morte dele, Luise Kautsky corrigissem sua lin- Jogiches estava de bom humor, soube Rosa através de Jacob.
guagem, até perceber que mesmo numa tradução a linguagem tinha Ela não duvidava de que ele pudesse passar a perna em seus cap-
de ser dela própria. Aprendeu que, para traduzir o texto para o tores, o que Leo fez. Confrontado com um colega da Liga de Espár-
alemão vernacular, ela precisava tomar distância do texto original, de taco, Jogiches comentou: "Pena não nos termos conhecido antes."
modo que poria de lado o primeiro rascunho e deixaria passar algum Confrontado com uma prova — o último número das Canas de Es-
tempo antes de revê-lo. O tradutor, como o autor literário, tem um pártaco, que ele próprio havia editado —, pediu ao juiz que o dei-
sentimento constante e corrosivo de insatisfação; foi dessa maneira xasse lê-lo e, com curiosidade fingida, perguntou quantas edições
que Rosa justificou o ritmo lento de seu trabalho. Na verdade, porém, tinham sido publicadas.71
seu trabalho era tudo, menos lento; no fim de agosto de 1917 ela Após a prisão de Jogiches, Luxemburgo não voltou a mencioná-
havia aprontado oitenta páginas do manuscrito, e em meados de lo nas cartas a seus amigos alemães. Era uma dor com a qual tinha de
setembro, mais cem páginas. Uma vez que os censores do presídio conviver sozinha. Mas sabia que a vida por trás das grades era letal
eram seus primeiros leitores, foi preciso muito tempo para que o para Jogiches e queria desesperadamente vê-lo liberto. O tratado de
manuscrito chegasse a Mathilde Jacob, que o datilografou. Os atrasos paz separado, assinado em março de 1918 entre a Alemanha e a
irritavam Rosa e era freqüente ela se preocupar com a idéia de que a Rússia, abriu a possibilidade de uma troca de prisioneiros. Jogiches,
única cópia manuscrita pudesse perder-se. Mas o trabalho lhe deu súdito russo, era um candidato provável. Assim, nas cartas aos ca-
240 Alemanha dentro e fora da prisão 241

maradas poloneses na Rússia, Luxemburgo suplicava repetidamente: Não há dúvida de que, na correspondência clandestina, Luxem-
"Salvem Leo!" burgo discutia os acontecimentos da Rússia com Jogiches. Ele definiu
sua própria posição em termos claros: "E o mais importante: em
nenhuma circunstância devemos aparecer publicamente como uma
ramificação do bolchevismo russo; ao contrário, devemos examinar a
situação da Rússia segundo nosso ponto de vista marxista radical",
escreveu em novembro de 1917 ao editor do Sozialdemokrat,
Depois da revolução de fevereiro de 1917 na Rússia, Luxemburgo sediado em Stuttgart. "Na verdade, este último não corresponderá,
observou que a "cômica change de places"— seus velhos amigos em alguns pontos, ao radicalismo de Lenin e seus companheiros. Na-
russos foram soltos da prisão enquanto ela ficava por trás das grades turalmente, eles são bons camaradas e revolucionários honestos, mas
— lhe era agradável, embora suas próprias chances de sair diminuís- as condições específicas da Rússia os impelem a certas conclusões
sem.72 Em abril, Rosa parecia menos centrada em si mesma. "Os que talvez não possamos subscrever."76
maravilhosos acontecimentos na Rússia me afetam como um elixir Luxemburgo, menos preocupada com as aparências e mais com
doador de vida", escreveu a Marta Rosenbaum, expressando, ao mes- a revolução mundial, continuou a observar o panorama russo. Uma
mo tempo, sua apreensão de que a mudança na Rússia não fosse série de artigos, publicados sobretudo nas Cartas de Espártaco entre
suficientemente apreciada e compreendida na Alemanha. "Ela tem abril de 1917 e setembro de 1918, refletiram seus pontos de vista. Sua
que ter, há de ter um efeito redentor no mundo inteiro, tem que se admiração ficou reservada, como de hábito, para os trabalhadores
irradiar por toda a Europa. Estou absolutamente convencida de que russos, seu espírito indomável e sua dedicação ao socialismo. A lide-
este é o começo de uma nova época." Mesmo assim, "não se pode rança é que a perturbava. O Tratado de Paz de Brest-Litovsk, assi-
contar com um sucesso duradouro por lá", advertiu, a menos que o nado pela Rússia soviética e pelas Potências Centrais, não era "nada
proletariado internacional, e especialmente o alemão, apoiasse efeti- senão a capitulação do proletariado revolucionário russo ao impe-
vamente os russos.73 No fim de novembro, depois que a Revolução rialismo alemão".77 Chamado "A Tragédia Russa", o artigo de Luxem-
de Outubro colocou os bolcheviques no poder, ela escreveu a Luise burgo foi publicado em setembro de 1918 e levou uma nota de roda-
Kautsky: "Você está satisfeita com os russos? Claro, eles não podem pé dos editores: embora os editores das Canas de Espártaco parti-
ficar muito tempo nesse sabá das feiticeiras", não em decorrência de lhassem das apreensões da autora, estavam interessados na situação
sua economia atrasada, mas porque a social-democracia do Ocidente objetiva dos bolcheviques, e não em sua conduta subjetiva. Assim
era feita de covardes mesquinhos que ficariam olhando enquanto os nasceu uma forma de lógica que, com o tempo, transformou-se num
russos sangrassem até a morte.74 instrumento da política partidária soviética. Passaram-se três décadas
Luxemburgo vasculhava minuciosamente os jornais em busca antes que Arthur Koestler o deixasse claro para o mundo: pode-se
das notícias fragmentadas e confusas da Rússia e, em dezembro de provar objetivamente que qualquer um que discorde da liderança
1917, irritou-se com a determinação dos bolcheviques de fazer as soviética é agente do fascismo, mesmo que, subjetivamente, ele
possa ter tido seus rins estraçalhados pelos fascistas.
pazes com a Alemanha. A prisão foi-se convertendo numa tortura à
No verão de 1918 Luxemburgo escreveu um artigo sobre a Re-
medida que as dúvidas se insinuavam, dúvidas sobre o que estaria
volução Russa. Os amigos lhe pediram que se abstivesse de publicá-
acontecendo na Rússia. "Hoje me ocorreu, enquanto estava catalo- lo, argumentando que a crítica pública do frágil e sitiado regime bol-
gando as flores", escreveu ela em julho de 1918, "que estou me ilu- chevique não era do interesse da revolução. É possível que essa te-
dindo (...) conscientemente na crença de que ainda levo uma vida nha sido a primeira vez em que se usou o argumento de que criticar
normal, quando, de fato, há em torno de mim uma atmosfera difusa abertamente a Rússia soviética eqüivalia a juntar forças com os ini-
de destruição universal. Ontem li nos jornais sobre as 200 'execuções migos da Rússia. Luxemburgo insistiu na publicação. Em setembro,
expiatórias' em Moscou, e talvez tenha sido isso o que me der- Paul Levi foi visitá-la no presídio para convencê-la a mudar de idéia
rubou."*75 e, depois de uma longa discussão, ela concordou. Mas a discussão a
• Luxemburgo referia-se ao castigo imposto aos social-revolucionários de esquerda, convenceu de que ela precisava deixar clara a sua postura; Rosa
que tentaram derrubar o governo soviético. iniciou um trabalho mais longo, que ficou inacabado. Comunicou seu
dentro e fora da prisão 243
242 Alemanha

conteúdo a Levi através de uma "amiga de confiança", relembrou ele: rais dos revolucionários que ela tenha levado a sério as palavras
por certo, Mathilde Jacob. Que Levi e Luxemburgo diferiam em sua deles. Em sua imaginação, ela via massas de novos proprietários —
avaliação da Revolução Russa é confirmado pela mensagem que ela os camponeses russos e uma nação após outra — cindindo-se da
lhe enviou: "Estou escrevendo este panfleto para você, e, se conse- Rússia revolucionária. Embora execrasse o "terror e a supressão da
guir convencer apenas você, não terei trabalhado em vão."78 democracia", ela não julgou que a causa estivesse perdida. Lenin,
O destino desse pequeno volume de cerca de sessenta páginas Trotsky e seus defensores eram os primeiros a dar um exemplo ao
é um símbolo quase perfeito do destino de sua autora. Ele nunca proletariado mundial, os primeiros capazes de dizer orgulhosamente:
deixou de embaraçar os socialistas e os bolcheviques; é interpretado "Eu ousei!" Tinham promovido a disputa entre o capital e o trabalho
como a obra de uma herege marxista, ou como a de uma marxista no mundo inteiro. Mas, disse ela, o problema podia apenas ser
ortodoxa que traiu ou se desculpou pela Revolução Russa. Mesmo colocado na Rússia; não podia ser resolvido na Rússia.
antes da publicação do panfleto inacabado, já estavam mexendo os Com algumas pinceladas magistrais ela esclareceu sua tese: "O
pauzinhos para suprimi-lo. Depois que mandou publicá-lo em 1922, socialismo, por sua própria natureza, não pode ser ditado, introduzi-
Levi foi acusado pelos partidos comunistas de Moscou e Berlim de dp pelo comando (...) [Lenin] está completamente equivocado nos
falsificar o trabalho de Luxemburgo. No Ocidente, o texto foi basica- meios que emprega: decretos, o poder ditatorial do supervisor da
mente ignorado pela nova geração dedicada à causa pública, que fábrica, punições draconianas, o governo através do terror (...). Sem
voltava os olhos para a União Soviética em busca de um remédio eleições gerais, sem a liberdade irrestrita de imprensa e reunião, sem
para o fascismo. uma livre troca de opiniões, a vida se esvai em todas as instituições
A análise de Luxemburgo sobre a Revolução de Outubro, des- públicas e apenas a burocracia permanece ativa (...) Pouco a pouco,
cartada por alguns como um delírio momentâneo eksaudada por ou- a vida pública adormece, e umas poucas dezenas de líderes partidá-
tros como profética, não é nem uma" coisa nem outra. É um prosse- rios (...) passam a comandar e governar (...). Na realidade, o poder é
guimento lógico de sua teoria, baseado no conceito do desenvolvi- executado por uma dúzia de mentes destacadas, enquanto a elite da
mento da história rumo a uma sociedade mais avançada e mais classe trabalhadora é ocasionalmente convidada para as reuniões a
democrática. Ela deu as boas-vindas à Revolução como sendo "o fim de aplaudir os discursos dos líderes e aprovar por unanimidade
evento mais significativo da Guerra Mundial" e afirmou que o partido as resoluções propostas. De fato, portanto, trata-se de uma igrejinha
de Lenin era "o único da Rússia a captar os verdadeiros interesses da — é certamente uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado, e
revolução naquele primeiro período". Mas considerou que o método sim a de um punhado de políticos." Lenin e seus camaradas "contri-
de Lenin e Trotsky — a eliminação completa da democracia — era buíram para a causa do socialismo internacional com tudo o que era
catastrófico. possível dar corno contribuição em condições tão diabolicamente
Ponto por ponto, Luxemburgo discutiu as falhas do governo difíceis. O perigo começa quando eles fazem da necessidade uma
soviético: o confisco e distribuição de terras estava fadado a criar uma virtude (...) Uma liberdade restrita apenas aos que defendem o go-
poderosa massa de novos proprietários, inimigos potenciais da Revo- verno", disse ela, "apenas aos membros de um partido, por mais
lução; o direito à autodeterminação nacional e o direito à separação numerosos que sejam, não é liberdade. A liberdade é sempre a da-
da Rússia favoreciam os sentimentos nacionalistas, assim minando a quele que pensa diferente."79
unificação do proletariado; a dissolução da Assembléia Constituinte Nada fora tão doloroso de escrever quanto sua avaliação da
privava as massas de uma instituição democrática fundamental; e a Revolução Russa — e nada jamais o seria.
abolição do sufrágio universal, bem como a distruição das garantias Teria Jogiches, se estivesse livre, dissuadido Luxemburgo de
democráticas mais importantes — a liberdade de imprensa e o direito divulgar publicamente sua opinião ~obre a Revolução, como fez Levi?
de associação e reunião —, impediam o desenvolvimento de uma Certamente não. Se sua crítica tivesse sido publicada, talvez os acon-
vida pública sadia. tecimentos da Alemanha do pós-guerra tivessem tomado um rumo
Olhando para trás, vemos que a crítica de Luxemburgo à diferente. Luxemburgo sempre acreditara que os trabalhadores bem
política dos bolcheviques e à autodeterminação nacional foi, natural- informados eram capazes de tomar decisões, e que era dever da lide-
mente, urn desperdício, pois nenhuma das duas foi implementada. rança mantê-los informados. Agora, havia concordado em sonegar a
Mas constiti um tributo à confiança de Luxemburgo nos padrões mo- verdade. Deixou-se levar por Levi, que tinha boas intenções, mas
244 Alemanha dentro e fora da prisão 245

pouco conhecimento ou experiência. Sem Jogiches, ela estava inteira- Clara Zetkin não desistiu, nem tampouco Levi. Ela publicou um
mente só, confrontada com um dilema cuja magnitude não conseguia livro, Rosa Luxemburgs Stellung zur russiscben RevoluHon (A Postura
perscrutar. de Rosa Luxemburgo quanto à Revolução Russa), e Levi publicou
A passagem seguinte lança alguma luz sobre a avalanche pro- uma introdução a A Revolução Russa, como o trabalho se tornou co-
vocada pelo panfleto de Luxemburgo após sua morte. nhecido, quase tão extensa quanto o próprio texto. Zetkin afirmou
No outono de 1921, Clara Zetkin trouxe de Moscou uma reco- que Lenin e Luxemburgo nunca tinham tido divergências signifi-
mendação de Lenin de que a obra completa de Luxemburgo fosse cativas; Levi afirmou o inverso. Tomando como ponto de partida o
publicada. Apesar dos "erros de Luxemburgo", Lenin a chamava pu- artigo de Luxemburgo de 1904, onde as divergências foram explici-
blicamente de "a águia da revolução".* Mas Zetkin também trouxe tadas pela primeira vez, Levi demonstrou a coerência da oposição de
instruções de que o manuscrito de Luxemburgo sobre a Revolução Luxemburgo até o programa da Liga de Espártaco.
russa fosse queimado. A alegação foi que Luxemburgo teria retirado Levi tinha plena consciência da tempestade que a publicação
suas críticas à Revolução, teria mudado de idéia antes de morrer. causaria: "Alguns me censurarão por publicá-lo tarde demais, outros
Clara Zetkin afirmou ter sabido disso através de Jogiches, mas, como por publicá-lo cedo demais, ou sequer por publicá-lo."81 Ele preparou
Jogiches também estava morto, não havia ninguém para confirmar A Revolução Russa para publicação após o levante de Kronstadt em
sua declaração. Zetkin escreveu a Paul Lê vi, pedindo-lhe que se 1921 — a primeira revolta do povo contra o regime bolchevique.
abstivesse de publicar o manuscrito contestado. Levi retrucou que Nessa ocasião, Levi tinha suas próprias divergências irreconciliáveis
não estava interessado no que "Radek diz", ou no que "Zinovjev diz" com Lenin e foi acusado de usar Luxemburgo para acertar suas
ou no que "Bukharin diz", numa clara indicação de que todos três contas pessoais. A revolta de Kronstadt e a maneira implacável como
haviam pressionado Clara Zetkin a impedir a publicação. "Você (...) foi esmagada instigaram sua difícil decisão. Quaisquer ilusões que ele
continua a acreditar que devemos permanecer em silêncio", escreveu ainda pudesse alimentar sobre o curso de ação adotado pelos bolche-
Levi em resposta ao pedido dela. "Quanto a mim, fico me pergun- viques haviam desaparecido. Que os "filhos mais fiéis da revolução,
tando se estivemos certos em ficar em silêncio por tanto tempo." os mais dedicados defensores dos bolcheviques (...), a elite dos
Luxemburgo havia criticado os conceitos de Lenin por vinte anos, combatentes revolucionários", testados numa centena de batalhas,
disse ele, e o trabalho em questão não passava de uma continuação escreveu ele, pegassem em armas contra o governo, era indício de
de seus argumentos. "A querida camarada Clara", afirmou Levi, estava uma profunda crise na Rússia.82
causando a Rosa tanto prejuízo quanto Lenin, ou mais até, ao tentar
reduzir as opiniões de Luxemburgo a "um mal-entendido, a infor-
mações erradas — Rosa estava sempre bem informada — ou, simples-
mente, a seu mau humor". "Em algumas questões Rosa se opunha
aos bolcheviques (...) e *;ssas são precisamente as questões que o
rumo da Revolução Russa impeliu para o primeiro plano (...). Publicar O diário de Luxemburgo para o ano de 1918 traz uma inscrição feita
o legado literário ide Rosa] e silenciar sobre sua oposição (...) de próprio punho por Mathilde Jacob: "Prosit Neujahr [Feliz Ano
significaria, primeiro, renunciar a qualquer crítica de urna vez por Novo], Rosa. Com seus melhores votos para 1918, espero vê-la em
todas, enquanto a Rússia se destaca sozinha (...); segundo, renunciar casa dentro em breve."83 Foi o último dos três diários que Rosa
ao rumo (...) que Rosa nos apontou enquanto ainda estava viva, e manteve na prisão, e o mais enigmático. Os dias, semanas e meses
que (...) a história justificou; e terceiro, destruir a Weltanschauung passavam por ela, indiferentes e incontroláveis. Os registros são
[visão do mundo] maravilhosamente completa de Rosa."80 dispersos e monótonos — carta para Mathilde, carta de Mathiíde,
pacote para Costia Zetkin, tempo bom, um pássaro cantando. Em
abril o estilo se modificou. Depois que Jogiches foi preso, Rosa se
lembrou do quanto ele a havia desaprovado por sua falta de disci-
* Lenin afirmou que Luxemburgo havia "errado" quanto à questão da independência plina e tentou impor-se alguma. Em 1° de abril anotou que tinha visto
da Polônia; em sua avaliação do menchevismo, em 1903; em sua teoria da acumu-
lação do capital; em sua solicitação, em 1914, de que os bolcheviques se unissem aos uma raposinha, em 2 de abril a temperatura estava em 22 graus à
mencheviques; e em seus textos escritos na prisão em 1918. sombra às quatro horas, em 3 de abril ela despachara duas cartas
246 Alemanha

para Mathilde, nos dias 4 e 6 houve cartas a Mathilde por entrega


especial, e no dia 7 houve "3 X para Mathilde"; espalhadas por todo o
restante do mês há anotações semelhantes. Em maio há duas anota-
ções, e em junho, uma. Em julho Rosa estava pesando 51,1 quilos,
em agosto pagou 39 marcos ao dentista, 17 de setembro foi um dia
quente de verão e, em outubro, ela enviou uma carta à administração
do presídio. Em 6 de novembro foi concedida uma anistia aos crimi-
nosos políticos. Em 8 de novembro Rosa desenhou uma cruz grande
em tinta azul e escreveu: "10 horas da noite."84 Às dez horas da noite
lhe informaram que ela estava livre.
15 O Fim e o
Rosa saiu imediatamente da prisão e passou a noite no escritó-
rio do sindicato dos ferroviários, preparando-se para uma manifesta-
Começo
ção no dia seguinte, quando, da sacada da prefeitura, dirigiu-se à
multidão que a aclamava.
1919
Voltou para Berlim sozinha, sentada em sua mala, no corredor
de um trem abarrotado de soldados que voltavam para casa. Jogi-
ches, solto em 9 de novembro, havia despachado Mathilde Jacob
para buscar Rosa de carro, já que o transporte ferroviário era incerto,
mas as duas se desencontraram. Luxemburgo desceu do trem em
EM 29 DE OUTUBRO DE 1918, o Imperador Alemão e Rei
Berlim no dia 10 de novembro de 1918. Chegara àquela cidade vinte
anos antes, disposta a mudar o mundo. Agora, grisalha e frágil, posta- da Prússia, Guilherme II, indiferente às pressões para que abdicasse,
deixou Berlim rumo ao quartel general de Spa em busca da proteção
va-se ante seus portões — a mesma cidade e o mesmo sonho.
do exército. No mesmo dia, a marinha, orgulho e glória de seu
império, rebelou-se. O motim dos marinheiros em Kiel transformou-
se numa revolta generalizada depois que seiscentos marinheiros fo-
ram presos em 4 de novembro. Em 6 de novembro as bandeiras ver-
melhas estavam tremulando nas cidades de Hansa, Lübeck, Hambur-
go e Bremen, e no dia seguinte o movimento revolucionário espa-
lhou-se por todo o país. Em Munique, a mais impassível das cidades
alemãs, foi proclamada a República da Bavária e formaram-se con-
selhos de trabalhadores, camponeses e soldados. As tropas uniram-se
aos trabalhadores rebelados.
A ofensiva alemã do verão havia entrado em colapso, e o Alto
Comando, admitindo a derrota, recomendara o término da guerra.
Apesar disso, o Marechal de Campo Paul von Hindenburg exigia uma
resistência contínua, mesmo depois de iniciadas as negociações para
o armistício no começo de outubro. Decididos a lutar até o último
homem — o que traz à mente a defesa de Berlim por Hitler —, os
militares mantinham alinhada a população assustada e faminta. Os
desenhos de Kàthe Kollwitz retratando crianças alemãs esfaimadas
abalaram a consciência do mundo, mas não a dos generais. O "inverno
do nabo" de 1917, em que até o café, a cerveja e os cigarros eram
feitos de nabo, transformara num pesadelo a perspectiva de mais um
ano de guerra.

247
o fim e o começo 249
248 Alemanha

o Dr. Joseph Goebbels em 1930, "é a verdadeira causa de termos


A estabilidade e a segurança dos tempos de paz não haviam perdido a Grande Guerra."1
preparado bem o povo para os horrores da guerra. Embora não fosse Os acontecimentos do dia 9 de novembro — dramáticos, mas
uma democracia parlamentarista, a Alemanha ainda dava a seus não sem alguns elementos de comicidade — foram sintomáticos do
súditos uma certa medida de liberdade e otimismo. A situação econô- caos em que a derrota inesperada e não aceita mergulhou a Ale-
mica dos trabalhadores e camponeses vinha melhorando sistema- manha. Guilherme II insistiu em conduzir suas tropas até Berlim para
ticamente. A Lei da Previdência de Saúde de 1884 e a ascensão dos restaurar a ordem e levantar o ânimo de seus súditos; estes, porém,
social-democratas ao poder haviam demonstrado o interesse do Es- exigiram ruidosamente sua abdicação. O Primeiro-Ministro, Príncipe
tado no bem-estar de seus cidadãos. Quando a guerra chegou, foi Max von Baden, insistiu em que o Imperador abdicasse em favor de
basicamente encarada como um convite ao heroísmo, à unificação seu neto mais velho. "Desse modo, com a ajuda dos socialistas,
como um Volk [povo], e como uma demonstração de virilidade e poderíamos salvar a situação", disse ao imperador. "Caso contrário,
patriotismo, e não uma guerra de conquistas. A proclamação do Rei haverá uma república."2 Por volta do meio-dia, o Príncipe Max forçou
Guilherme I da Prússia como Imperador Alemão, no Salão dos Espe- a mão do imperador, tornando pública a abdicação; só então é que
lhos do Palácio de Versalhes em 1871, ainda estava ao alcance da Guilherme II concordou em renunciar como Imperador da Alemanha,
memória. Os alemães acreditavam no que lhes vinha sendo dito há mas não como Rei da Prússia. Finalmente convencido de que o
gerações: que seus exércitos, realmente esplêndidos, eram imbatíveis. exército "já não apoia V. Majestade", tomou o trem que o levaria para
A população passou a conhecer a privação e a doença durante a o exílio na Holanda.3
Guerra Mundial, mas não tinha experimentado o fogo de artilharia, as O Príncipe Max nomeou um Primeiro-Ministro social-democrata,
trincheiras e os campos de batalha. Sem nenhum conceito da verda- Friedrich Ebert, numa última tentativa de salvar a monarquia. Durante
deira dimensão da catástrofe militar, as pessoas eram vítimas fáceis a vigência da monarquia, os social-democratas haviam conquistado
da propaganda de que a vitória estava garantida. Por isso, uma vez considerável poder político, e agora contemplavam mais uma mo-
terminada a guerra, acreditaram prontamente nas razões fornecidas narquia parlamentarista do que a total abolição da antiga ordem. Em
pelo exército para a derrota. duas horas, porém, viram-se confrontados com um fato consumado
Por várias décadas a casta militar dos nobres alemães e prus- — a proclamação da República Alemã. Enquanto Ebert conferenciava
sianos vinha assistindo, com raiva e asco, ao processo através do qual com seus colegas, chegou ao Reichstag o boato de que Karl Lieb-
a industrialização e tudo o que lhe é concomitante — os negócios, o knecht estava prestes a proclamar a República Soviética Alemã. Su-
dinheiro, os trabalhadores, os socialistas — envenenavam a alma do postamente em resposta a isso, Philipp Scheidemann, social-demo-
povo e minavam o poder dos senhores legítimos do país. A guerra crata e membro do novo governo, apareceu na sacada do Reichstag
proporcionou a oportunidade, não apenas de mostrar ao mundo que às duas horas da tarde e, sem consultar Ebert, proclamou a República
o espírito do Chanceler de Ferro estava vivo, mas de esmagar os Alemã. Às quatro horas, talvez em resposta a Scheidemann, Lieb-
vermes dentro de casa. A vitória recolocaria o poder em seu devido knecht proclamou, não uma república soviética, mas uma "República
lugar. A maré se inverteria e os antigos valores seriam reinstaurados. Alemã livre e socialista".4 A velocidade dos acontecimentos, agravada
Ninguém ousaria, como tinha feito a judia Luxemburgo, atacar o que pela confusão nos círculos governamentais e nas ruas, torna prati-
era sagrado — os homens de farda. Ao chegar, a derrota foi uma camente impossível reconstruir os acontecimentos do dia de maneira
surpresa completa; nunca teria acontecido, não fosse por um bando coerente. Uma coisa é certa: o nascimento da república foi uma rea-
de degenerados estrangeiros. Durante anos eles tinham feito com que ção, e não uma ação deliberada. E sua sobrevivência dependeria do
alemães honestos e patrióticos se voltassem contra seu próprio país, exército, que a desprezava.
e agora tramavam entregar o país aos bolcheviques. Os acontecimentos foram pressionados pela fome e pelas per-
O armistício pôs fim às hostilidades fora da Alemanha e fez com das militares desastrosas, e não por um desejo de democracia. O
que elas começassem dentro do país. Mal foi assinada a trégua, o Príncipe Max von Baden confiara a chancelaria a Ebert a fim de
exército propalou sua famosa teoria da punhalada pelas costas preservar a monarquia, e não de aboli-la. Ebert fez então uma aliança
(Dolcbstoss): os socialistas, os comunistas, os liberais, os pacifistas e com Hindenburg. Por não romper claramente com o passado, a
sobretudo os judeus haviam desferido contra a Alemanha o golpe república levava em si os germes de sua própria destruição. A guerra
fatal, solapando o moral em casa e entre os soldados. "O judeu", diria
250 Alemanha o fim e o começo 251

era mais fácil do que a paz. Enquanto a guerra havia durado, existiam Em 10 de novembro, dia em que Rosa Luxemburgo voltou a
o Kaiser e a lenda de Bisrnarck, e a confiança absoluta numa Ale- Berlim, sua sentença de morte foi virtualmente assinada. Restavam-
manha invencível. A paz iniciou um período de destruição nacional lhe sessenta e sete dias de vida.
que só terminou em 1945.
Luxemburgo chegou a Berlim quatro dias depois que a revo-
Berlim refletia a turbulência que se apossara do país. As ruas lução se espalhara pelo país e um dia após a proclamação da repú-
regurgitavam de civis armados. Marinheiros e soldados invadiram o blica. A cidade que ela vira pela última vez em julho de 1916, antes
prédio do Reichstag e se refestelaram comodamente nas poltronas que a fome e a derrota mudassem suas feições, estava em comoção;
elegantes; dormiram sobre mesas e bancos antigos e apagaram seus as ruas pululavam de multidões ruidosas e as bandeiras vermelhas
cigarros em tapetes orientais. Com a barba por fazer, os olhos injeta- tremulavam por toda parte. Era uma visão impressionante, que não
dos e as armas atiradas por cima dos ombros, evocavam associações podia deixar de afetá-la profundamente. Mas as multidões eram
desagradáveis. "Foi como um filme da Revolução Russa", anotou o enganosas, ela bem sabia, e, assim como as bandeiras, podiam mudar
Conde Kessler em seu diário.5 com o vento. Dentro de poucas horas ela seria testemunha dessas
A Revolução Russa! Estavam lançadas as sementes do pânico correntes mutáveis.
vermelho. "O Perigo do Bolchevismo!", dizia a legenda sob um cartaz Rosa telefonou para Mathilde Jacob da estação ferroviária,
que mostrava um crânio com uma faca entre os dentes nus e uma sendo então informada pela mãe de Mathilde sobre sua viagem a
forca ao fundo. "Mulheres alemãs! Vocês sabem o que o bolchevismo Breslau. A Sra. Jacob convidou Luxemburgo a seu apartamento e,
e o espartacismo ameaçam? (...) as mulheres se tornarão propriedade depois de verificar sua bagagem, Rosa foi para lá. Mal tinha tido
do povo (...) qualquer homem que quiser usar a propriedade comum tempo de se banhar e trocar de roupa depois da viagem cansativa
precisará de uma permissão do Comitê dos Trabalhadores (...) todos quando Jogiches, Liebknecht e Paul Levi chegaram e a levaram ime-
têm o dever de denunciar as mulheres que se recusarem." "Venha até diatamente para o escritório editorial do Berliner Lokalanzeiger. Na
nós", apelava a União de Combate ao Bolchevismo, "nós lhe mostra- noite anterior, um grupo de trabalhadores havia ocupado a sede
remos como você pode ajudar."6 desse jornal de direita, favorito do imperador, e o declarara proprie-
E no entanto, os bondes de Berlim trafegavam regularmente, os dade do proletariado. O primeiro número do que viria a ser o órgão
telefones funcionavam, as lojas estavam abertas e o destino do país oficial da Liga de Espártaco, e, mais tarde, do Partido Comunista da
era debatido em cafés apinhados de gente, ao som de disparos de Alemanha, Die Rote Fahne (A Bandeira Vermelha), levou a data de 9
metralhadoras e das balas que passavam assobiando. De vez em de novembro. "Berlim sob a Bandeira Vermelha", dizia a enorme
quando, tropas ordeiras usando capacetes passavam pelas ruas, manchete. O segundo número foi publicado em 10 de novembro.
mostrando onde estava o poder. Quando Luxemburgo chegou, coube a ela negociar com os impres-
sores — seu primeiro esforço mal-sucedido, embora de modo algum
O poder estava do lado do governo. Em 10 de novembro, o o último, em favor da revolução. Os tipógrafos recusaram-se a im-
chefe do estado-maior, General de Divisão Wilhelm Groener, teve primir o jornal, e os guardas que se haviam voluntariado para prote-
uma conversa telefônica com o chanceler Friedrich Ebert. A rigor, os ger a segurança dos espartacistas passaram então a apontar suas
dois fizeram uma aliança, apoiada pelo marechal von Hindenburg, armas para a cabeça deles. Agindo sob as ordens da Scherl-Verlag,
para combater a revolução."Como medida inicial", testemunhou proprietária do jornal requisitado, os guardas ameaçaram os espar-
Groener no chamado julgamento da punhaíada, em 1925, "estabele- tacistas de morte, caso eles tentassem sair do local. No terceiro dia da
cemos uma linha de comunicação entre o quartel general e a chan- revolução, recordou Paul Levi mais tarde, eles estavam contemplando
celaria do Reich. Todas as noites, das onze à uma, tínhamos de con- o destino de uma revolução cujos soldados trocavam de lado entre o
ferenciar através de uma linha telefônica secreta. (...) Depois (...) café-da-manhã e o almoço. Após longas negociações, Luxemburgo e
traçou-se um plano para levar dez divisões a Berlim. Ebert expressou seus amigos foram soltos e seguiram para o Hotel Excelsior. Quando
sua concordância."7 Um contemporâneo manifestou-se cruamente: Mathilde Jacob chegou naquela madrugada, trazendo a bagagem de
"Se Scheidemann proclamou a república em 9 de novembro, Ebert Luxemburgo, encontrou-os num clima sombrio, discutindo o que
acabou com ela no dia IO."8 fazer a seguir.
252 Alemanha o fim e o começo 253

Luxemburgo passou a semana seguinte no Hotel Excelsior. Seu ocasionalmente líricos, eles palpitavam de vida e paixão, bern como
quarto se transformou numa espécie de quartel-general onde os do espírito peculiar do lutador polonês que se dispõe a morrer, mas
líderes espartacistas ficavam em reunião permanente, revendo os não a contemporizar.
acontecimentos e projetando estratégias. A questão mais urgente era Um artigo da edição de 18 de novembro da Bandeira Ver-
a aquisição de um jornal. Sem seu próprio diário, a Liga Espartacista melha, intitulado "O Começo", exemplifica a mescla de pragmatismo
ficava desligada do povo e se tornava totalmente ineficaz. As con- e idealismo que foi característica da reação de Luxemburgo à revo-
versas adicionais com a Scherl-Verlag foram inúteis; a empresa havia lução na Alemanha. Não era o momento de se regozijar ou exultar,
conseguido uma ordem judicial. Dia após dia Luxemburgo procurava mas o momento de mobilizar a energia de todos para prosseguir no
uma gráfica. "Ah, A Bandeira Vermelha irá tremular sobre meu tú- trabalho que mal se havia iniciado. As realizações eram escassas, pois
mulo", suspirou depois de mais um fracasso.9 Por fim, uma revista nada de substantivo tinha-se modificado. Um país reacionário não
chamada OJornalzinho foi adquirida, e a terceira edição de A Ban- pode transformar-se numa república revolucionária da noite para o
deira Vermelha saiu em 18 de novembro. Nesse mesmo dia, Luxem- dia, advertiu; os soldados, que ontem estavam matando seus irmãos
burgo escreveu a Clara Zetkin, do Hotel Moltke (o Excelsior lhe pe- de outros países, e os trabalhadores, que a tudo assistiam calma-
dira que se retirasse), dizendo que a caçada chegara ao fim e que a mente, não se transformariam em socialistas com um estalar dos de-
enervante pergunta, "Será que ele sai ou não sai?", estava respondi- dos. A criação da revolução era uma tarefa estupenda, que não seria
da.10 Oficialmente, Luxemburgo e Liebknecht co-editavam o jornal; conquistada com alguns decretos vindos de cima, e sim com a ação
na verdade, com Liebknecht viajando, para participar de encontros e consciente dos trabalhadores. O livre arbítrio e a maturidade espi-
conferências, ela o editava sozinha. Não havia jornalistas experientes, ritual, e não as ordens ou a força, promoveriam a mudança social.
escritores ou editores com quem contar. A situação do jornal esparta- Rosa também solicitou providências práticas. Pediu que se convocasse
cista espelhava o isolamento de sua liderança e a divisão que havia prontamente na Alemanha um congresso mundial dos trabalhadores;
ocorrido no Partido Social-Democrata Alemão: quase invariavelmen- a Guarda Vermelha proletária e a milícia dos trabalhadores deveriam
te, os social-democratas mais antigos permaneceram no SPD ou se defender a revolução; a expropriação imediata da riqueza e das
propriedades dinásticas deveria pôr termo à fome; era preciso eleger
filiaram ao Partido Social-Democrata Independente da Alemanha
novos conselhos locais de trabalhadores e de soldados para substituir
(USPD), fundado em 1917. Assim, as bases da Liga Espartacista con- os que se haviam formado nos primeiros dias caóticos.
sistiam, em sua maioria, de homens e mulheres jovens, menos expe- A visão da classe trabalhadora de Luxemburgo, baseada na teo-
rientes, porém mais impetuosos do que seus líderes. ria de Marx, reflete suas limitações. No capitalismo, o trabalho huma-
Protetora e orgulhosa de seu recém-nascido — "o único jornal no, essencialmente criativo, transforma-se num sofrimento e num
socialista de Berlim", assinalava —, Luxemburgo estava perfeitamente fardo, pois é usado para satisfazer necessidades artificialmente gera-
cônscia de suas limitações e não poupava esforços para tornar cada das; numa sociedade socialista, as pessoas trabalham com alegria,
edição melhor do que a anterior.11 Passava quase todas as horas do pois recuperam sua criatividade. Mas a visão e a realidade estavam
dia na sede editorial e, por vezes, exausta demais para andar, unha em dissonância. Assim corno desconsiderava as diferenças prove-
de ser carregada até um táxi à noite. "Vou dormir bem", dizia a Jacob nientes de condições culturais e sociais divergentes — como quando
de sua cama. "Consegui fazer tudo o que unha planejado, estou muito equacionou o judeu da Europa Oriental com o negro da África —,
feliz."12 Rosa pediu comentários críticos ao veterano líder socialista Luxemburgo também deixou de lado, como muitos outros, o apelo
Franz Mehring e contribuições a Clara Zetkin: "Escreva alguma coisa que os valores "burgueses" — propriedade, nacionalismo, religião —
sobre as mulheres, é muito importante agora e nenhum de nós tem poderiam ter para os trabalhadores. Genuinamente cosmopolita, ela
muito conhecimento do assunto."13 Implorou a Zetkin que fosse o rejeitava as barreiras de língua, nacionalidade e religião e projetava
mais sucinta possível, pois a falta de papel era um problema cons- sua experiência na existência cotidiana dos trabalhadores.
tante. Rosa estava planejando um suplemento feminino, um suple- Enquanto Luxemburgo lutava pela alma do trabalhador alemão,
mento para os soldados e outro para o público jovem. O jornal de- o governo estava atarefado armando suas divisões. Aos cerca de três
veria ter um alto nível literário, mas, acima de tudo, deveria es- mil marinheiros mandados para Berlim pelo chanceler foram juntar-
clarecer e educar os trabalhadores. No intervalo de dois meses, Lu- se a Guarda dos Soldados da República, a Guarda do Povo, a Divisão
xemburgo escreveu mais de vinte artigos. Penetrantes e sóbrios, e
o fim e o começo 255
254 Alemanha
soviética. Da mesma forma, ao criticar o governo alemão por imagi-
Blindada e o Corpo de Voluntários paramilitar (Freikorps). Compostas nar que o socialismo pudesse ser inaugurado simplesmente pela der-
de soldados e oficiais desmobilizados, trabalhadores desempregados, rubada do antigo governo e pela aprovação de vários decretos, ela
oficiais desencantados da aristocracia alemã e prussiana, nacionalistas estava sem dúvida aludindo aos bolcheviques. "O socialismo não
fanáticos e aventureiros, essas tropas abandonaram todas as insígnias quer e não pode ser criado por decretos; tampouco pode ser estabe-
das patentes e passaram a eleger seus próprios líderes militares. O lecido por um governo socialista, por mais excelente que seja. O so-
chefe do estado-maior, Groener, observou: "Até a Rússia Soviética cialismo deve ser criado pelas massas, por cada proletário (...). So-
introduziu o treinamento em seu exército, que não tem oficiais eleitos mente isso é socialismo, e só assim pode o socialismo ser criado."17
pelos homens."14 O fato de um membro da velha casta militar evocar Apesar de todas as incertezas, o mês de novembro de 1918 foi
a autoridade da Rússia Soviética, que era um espantalho para todos um período feliz para Luxemburgo. Ela recuperara sua liberdade,
os outros fins, reflete o cinismo que iria derrubar tanto a revolução assistira à irrupção espontânea da revolução e tivera esperança de
quanto a república. que ela reparasse os danos causados pela guerra ao movimento inter-
Ninguém estava mais ciente do que Luxemburgo da apreensão nacional dos trabalhadores. Com Jogiches a seu lado, foi como se
e do medo que os bolcheviques inspiravam nos alemães. Tampouco eles estivessem recomeçando. Agora que já não se sentia ameaçado
ela desconhecia o desejo dos bolcheviques de conquistar capital polí- pelo amor exigente e pela mente brilhante de Rosa, ele lhe dava
tico na Alemanha, ou os esforços do governo alemão no sentido de aquilo de que ela mais precisava — confiança. Sua mente fria de
misturar os espartacistas com os bolcheviques e, desse modo, explo- estrategista ficou cética diante da visão de Luxemburgo sobre o re-
rar os temores do povo alemão. Retratar erroneamente os objetivos nascimento dos trabalhadores alemães; nesses dias, as visões estavam
socialistas, escreveu ela, era uma ação deliberadamente planejada. sendo eliminadas a tiros de metralhadora. Mas ele não a desanimou.
Identificar a Liga de Espártacc como bolchevique foi sem dúvida uma Ambos pareciam mais velhos, muito mais velhos do que eram.
medida inteligente e, a curto prazo, bem-sucedida. A longo prazo, Luxemburgo tinha quarenta e oito anos, e Jogiches, cinqüenta e um.
ajudou a preparar o terreno para Adolf Hitler. Os cabelos castanho-escuros de Rosa haviam embranquecido e seu
Embora Luxemburgo se abstivesse de criticar publicamente o rosto estava pálido e enrugado. Leo perdera sua aparência de poder e
regime soviético, não o enaltecia. Para enfatizar que os espartacistas tinha os ombros caídos e os movimentos mais pesados. Os dois esta-
compartilhavam dos objetivos e valores dos socialistas ocidentais, ela vam cheios de uma nova ternura mútua e de uma tolerância amiúde
e Jogiches objetaram a dar ao partido dos espartacistas o nome de pontilhada de humor. "Estou com muita fome, porque você não me
"comunista" e optaram por "socialista", mas foram derrotados pela dá alguma coisa para comer?", Luxemburgo perguntou certa vez a
maioria dos líderes. Para impedir as tentativas dos bolcheviques de Mathilde Jacob, num táxi que as levava para casa tarde da noite. "É
dominar a futura Internacional, ela queria que o congresso do movi- claro que Leo diria que tenho de me controlar mais, mas tenho que
mento internacional dos trabalhadores se realizasse na Alemanha. comer alguma coisa."18 Talvez Jogiches tenha suspeitado de que a
Acabou por instruir os delegados alemães no congresso de Moscou a presença constante de Paul Levi ao lado de Rosa não era exigida ape-
votarem contra a criação da Terceira Internacional. Mais eloqüentes nas pelo trabalho, e é possível que o envolvimento prolongado de
do que tudo, entretanto, foram suas declarações atestando as dife- Jogiches com sua senhoria não tenha constituído um segredo para
renças entre o conceito de revolução de Lenin e o seu. Na opinião Luxemburgo. Mas o relacionamento de ambos, que nunca fora con-
dela, os meios empregados por Lenin, especialmente o terror, eram vencional, não se deixou afetar.
piores do que a doença que seu regime pretendia curar. "A revolução Ao contrário de Liebknecht ou Levi, ambos defensores ardo-
proletária não precisa do terror para atingir seus objetivos; ela odeia e rosos dos bolcheviques, Jogiches compreendia a profundeza do isola-
despreza o assassinato em massa."15 O terror era, aos olhos de Rosa, a mento de Luxemburgo. Ela estava em confronto com um Lenin vito-
perversão máxima do socialismo. "Não precisamos de um 'Comissário rioso, que agora punha em vigor um programa que ela havia
do bolchevismo"1, foi como Luxemburgo saudou Karl Radek, o emis- criticado duramente já em 1904, e com os social-democratas alemães,
sário de Lenin. "Os bolcheviques têm toda a liberdade de guardar sua que acreditava terem traído o socialismo, também vitoriosos. Jogiches
sabia que ela não transigiria minimamente em qualquer dessas
tática para eles mesmos".16 Se, em público, Luxemburgo atribuía a
direções e que, por conseguinte, estava sozinha e condenada.
dominação pelo terror à burguesia, os amigos que conheciam suas
opiniões estavam cientes de sua crítica mal disfarçada à Rússia
256 Alemanha

O apoio de Jogiches a Luxemburgo não se limitou aos con-


selhos. Como membro do Comitê Central da Liga de Espártaco, ele se
encarregou da formação das organizações espartacistas por todo o
país. Como sempre, manteve-se à distância e raramente era visto fora
de sua salinha na sede da Liga de Espártaco, onde trabalhadores e
soldados iam receber instruções. "Os soldados eram admitidos um a
um", recorda uma testemunha. "Não se podia escapar à impressão de
que a organização, apesar de legal, considerava-se ilegal. Havia uma
atmosfera pesada de conspiração."19 Leo Jogiches não tinha mudado.
A liberdade reconquistada de Luxemburgo era desfigurada por
sua existência nômade, mudando-se de um hotel para outro, com a
mala na mão. A localização de seu apartamento impedia os contatos
com colaboradores para os quais ela precisava estar disponível vinte
e quatro horas por dia. Cercada de gente dia e noite, ela ansiava pela
privacidade de sua casa e chegou a recordar, com uma nostalgia um
tanto exagerada, a solidão de sua cela no presídio. Por fim, em 28 de
novembro de 1918, ela tornou a se mudar para o apartamento do
qual saíra em 10 de julho de 1916. A alegria durou pouco. A distância
do escritório editorial revelou-se um obstáculo grande demais em seu
trabalho, de modo que se seguiu uma nova ronda dos hotéis. "Se
você soubesse o quanto tenho para lhe contar e como estou vivendo
aqui — um verdadeiro inferno!", escreveu a Clara Zetkin. "Karl
[Liebknecht] e eu fomos expulsos de todos os hotéis das imediações
da praça Potsdam."20 Às vezes, o dono do hotel só fazia olhar para
Luxemburgo e apontar-lhe a porta. Por mais incômodas que ela
achasse a vida nômade e as rejeições, o "verdadeiro inferno" signi-
ficava mais do que isso. Nas esquinas e nos cartazes, nos jornais e
folhetos, por toda parte ela se via denunciada como judia, como um
demônio determinado a destruir o povo alemão temente a Deus. O
anti-semitismo campeava solto e Luxemburgo se havia convertido Paul Levi
num alvo ideal. Como outros socialistas judeus, estava convencida de
que a revolução poria termo ao anti-semitismo. "Quanto aos pogroms
contra os judeus", escreveu a Sonja Liebknecht, "todos os boatos são
simplesmente mentiras. Na Rússia, a era dos pogroms está acabada
de uma vez por todas. O poder dos trabalhadores e do socialismo é
grande demais. A revolução purificou a atmosfera (...) de modo que
Kishinev acabou para sempre. Posso, antes, imaginar pogroms contra
os judeus na Alemanha."21
Naquele oceano de ódio, seu grupinho de amigos criava uma
ilha onde ela conseguia respirar livremente. Mas Luise Kautsky, sua
mais velha e íntima amiga alemã, passou a se recusar a vê-la por leal-
dade ao marido. Não obstante, depois que Luxemburgo morreu,
Rosa Luxemburgo partilhou
da ascensão de Levi; Lenin
provocou sua queda.

R o s a Lu xe mb u rgo c o m
Paul Levi, Berlim, 1914

Cartoon do julgamento de julho de 1914, com os papéis


invertidos: Luxemburgo é a juíza e o promotor é o réu;
fileiras de esqueletos uniformizados estão sentadas nos
bancos das testemunhas

Moscou, 1920. De pé, atrás


de Paul Levi, estão Lenin,
Bukharin e Zinovjev
A cela de prisão de Rosa Luxemburgo em Wronki, 1916-1917

Leo Jogiches durante a I Guerra Mundial


O Canal de Landwehr, onde os assassinos de Luxemburgo O soldado Runge (sentado, com o bigode pendente) comemorando no
a atiraram na noite de 15 de janeiro de 1919 Hotel Éden, no dia seguinte ao assassinato de Luxemburgo. Em seu julga-
mento, o juiz o admoestou: "Sr. Runge, como réu o senhor deve portar-se
com propriedade. Isto não é assunto para risadas."

Recibo dos três marcos pagos por Mathilde


Jacob pelo corpo de Rosa Luxemburgo
o fim e o começo 257

Luise Kautsky escreveu reminiscências tocantes e glorifícou a amiga a


quem abandonara.
Outra decepção, desagradável e surpreendente, veio de Mathil-
de Jacob. Luxemburgo convidou uma jovem conhecida de Diefen-
bach para se hospedar em seu apartamento. Jacob, incapaz de conter
o ciúme, foi-se embora. Até mesmo encontrar-se ocasionalmente com
Luxemburgo revelou-se "uma provação de tal ordem", confidenciou
Jacob em seu estudo biográfico, que ela passou a evitá-la por com-
pleto e ofereceu seus serviços de secretária a Jogiches. "Fico encan-
tada por você ter tão bom gosto", escreveu Luxemburgo para pro-
vocar Mathilde, cujo dilema desconhecia. "Só não consigo entender é
que Leo seja mais agradável do que eu. Ele tem o temperamento
mais difícil que conheço. Comigo as pessoas podem se entender."
"Infelizmente", foi o comentário tristonho de Jacob, "naquela ocasião
eu não podia."22

As nuvens que se acumularam durante todo o mês de novembro


transformaram-se numa tempestade em dezembro. Correu o boato de
que era iminente uma invasão bolchevique da Alemanha e, numa
cidade após outra, as bandeiras vermelhas foram rasgadas e incen-
O funeral de Rosa Luxemburgo em 13 de junho de 1919. Abaixo de sua diadas. Em 6 de dezembro de 1918, a imprensa anunciou que, se-
foto vêem-se as palavras finais de seu último artigo. A revolução, escre- gundo "fontes bem informadas", os Aliados haviam ordenado ao
vera ela, voltará e anunciará: "Fui, sou, serei." governo alemão que dispersasse os Conselhos de Trabalhadores e
Soldados ou enfrentasse um embargo e uma invasão. Nunca sabere-
mos a verdade sobre os acontecimentos desse dia. Diz uma versão
que os espartacistas tentaram um putsch, provocando o governo a
ocupar a sede de A Bandeira Vermelha e depois incitando as tropas
governamentais a abrir fogo contra os manifestantes espartacistas.
Outra afirma que o governo planejou o putsch como desculpa para
arrasar os espartacistas. Qualquer que seja a verdade, as tropas do
governo ocuparam a sede á'A Bandeira Vermelha e uma manifes-
tação espartacista foi recebida a tiros de metralhadora, deixando
dezoito mortos e trinta feridos. Era um sinal agourento de que não
havia nenhuma frente unida de soldados e trabalhadores — um sinal
que Luxemburgo ignorou.
Com o massacre da Chausseestrasse, como ficou conhecido, a
revolução entrou numa nova fase. Em 7 de dezembro houve uma de-
monstração espartacista, protegida pela primeira vez por trabalha-
dores armados. No dia seguinte veio outra manifestação gigantesca e,
no dia de Natal, um tiroteio entre as tropas governamentais e mari-
258 Alemanha o fim e o começo 259

nheiros revolucionários entrincheirados nos estábulos reais tirou a prisão em janeiro de 1919. "Judas está tentando apanhar a coroa",
vida de onze marinheiros e cinqüenta e seis soldados. dizia o slogan popular em Berlim. "Somos dominados por Levi e Rosa
Os choques entre trabalhadores e tropas irromperam por todo o Luxemburgo."25 Numa das primeiras reuniões abertas da Liga de
país e uma onda de greves paralisou sua vida. A atmosfera estava Espártaco, em novembro, Luxemburgo, Liebknecht e Levi — "os três
carregada de desconfiança e suspense. Competindo pelo apoio públi- L's" — fizeram cada qual um discurso sobre "As Tarefas da Revo-
co, os socialistas do Partido Social-Democrata e da Liga de Espártaco lução", e depois Luxemburgo e Levi foram co-autores do panfleto
acusavam-se mutuamente de trair a revolução. Em meio a manifesta- programático "O que Quer a Liga de Espártaco?".
ções tumultuosas de rua, o primeiro Congresso dos Conselhos de Tra-
balhadores e Soldados inaugurou-se em Berlim em 16 de dezembro.
Deixou os espartacistas profundamente decepcionados; Luxemburgo
e Liebknecht nem sequer foram eleitos para o congresso. A grande
maioria dos 489 delegados apoiou os social-dèmocratas.
O primeiro Natal depois da guerra trouxe uma calmaria tempo- Rosa tinha mais quinze dias de vida.
rária. A cidade assumiu um ar festivo, com vendedores ambulantes, Em 31 de dezembro de 1918, Rosa Luxemburgo fez seu último dis-
vitrines iluminadas e o brilho das velas nas árvores de Natal. As mul- curso público, no congresso de fundação do Partido Comunista da
tidões ocupavam as lojas e havia poucos soldados à vista. Alemanha (KPD). Urn quarto de século antes, uma mulher desconhe-
Para o chefe do estado-maior, general Groener, esse intervalo cida de 23 anos, vinda da Polônia, subira numa cadeira num encontro
foi "a pior época". As dez divisões que ele havia ordenado que vies- em Zurique e criara uma sensação com seu discurso apaixonado.
sem para Berlim "tornaram-se incontroláveis", como admitiu no Desde então, havia discursado centenas de vezes, em capitais euro-
julgamento da punhalada, em 1925, e, se os espartacistas tivessem péias, encontros e congressos, mas nunca estivera com o coração tão
optado por usar essa oportunidade para derrubar o governo, "nin- carregado como nesse dia. Sua concordância com a separação do
guém teria podido impedi-los". "Milagrosamente", no entanto, os es- SPD foi um ato de desespero e a decisão mais solitária de sua vida.
partacistas não o fizeram. "Herr Liebknecht e seus camaradas estavam Nem mesmo Jogiches a apoiou. Seu discurso foi claramente destina-
celebrando o Natal e ficaram completamente calmos nos dias em que do a expor o abismo que separava Marx dos social-dèmocratas que
não houve tropa alguma em Berlim", disse o general. 23 Para seu falsamente pleiteavam sua herança. "'Não sei se é um dever sacrificar
mérito ou demérito, os espartacistas estavam preocupados com uma a felicidade e a vida à verdade'", escreveu ela, citando o filósofo
batalha ideológica, e não armada: deveriam eles separar-se do SPD e alemão Gotthold Ephraim Lessing. "'Mas isto eu sei: quando alguém
fundar um partido isolado, e, nesse caso, deveria ele ser chamado de deseja ensinar a verdade, é seu dever ensiná-la por inteiro ou não o
"socialista" ou "comunista"?* No domingo, 29 de dezembro, exata- fazer. (...) Quem traz a verdade toda mascarada e pintada para a
mente o dia em que estavam ocorrendo esses debates, o chanceler humanidade pode muito bem ser um alcoviteiro da verdade, mas seu
Ebert ordenou que o Corpo de Voluntários entrasse em Berlim; agora amante não é.'"26 A verdade, afirmou ela, é que os social-dèmocratas
a luta contra os espartacistas poderia prosseguir. haviam apoiado a guerra. Nunca tinham rompido os laços com o
Luxemburgo não conseguiu suportar a idéia de passar o Natal, exército do imperador e agora o estavam usando contra os trabalha-
o primeiro em que não estava na prisão, entre estranhos. Voltou para dores alemães e, juntamente com o Império Britânico, contra os tra-
casa, para o apartamento para o qual se mudara ern 1911. Dali escre- balhadores russos. O discurso asseverou que uma luta econômica in-
vera a Paul Levi na primavera de 1914: "Será que você pode vir no tensificada e a participação dos trabalhadores numa assembléia na-
domingo? (...) Não quero escrever, quero vê-lo."24 Ele fora vê-la nessa cional (caso fosse criada) seriam meios de promover a causa da
ocasião, e foi também passar com ela a noite de Natal de 1918. revolução, e advertiu contra a perigosa ilusão de que os trabalha-
Levi raramente deixou Luxemburgo durante os dois meses fe- dores alemães estivessem prontos para assumir o governo. Mas a
bris que se passaram entre a libertação dela do presídio e sua própria advertência chegou tarde demais.
"Em última análise, deve-se aceitar a história tal como se desen-
• Leo Jogiches foi um dos três espartacistas que votaram contra a fundação de um rola."27 Luxemburgo fez essa afirmação fatalista no dia 11 de janeiro
partido separado. de 1919, em meio à explosão das granadas, ao fogo dos atiradores de
260 Alemanha o fim e o começo 261

elite e ao martelar da artilharia. A batalha entre os espartacistas e as sós do poder na luta pela sobrevivência política. Mas, derramamento
tropas do governo estava em seu quinto dia, e Luxemburgo sabia que de sangue ela não queria. A fidelidade aos amigos foi sem dúvida
ela e Liebknecht haviam perdido o controle. "Os espartacistas são uma consideração importante em suas decisões, enquanto o terror e
predominantemente uma nova geração (...) e esse fato deve ser a intimidação apenas intensificavam sua rebeldia. Sua teoria da
aceito em seu lado auspicioso e seu lado sombrio", escreveu, revolução espontânea estava ganhando vida nas ruas, mas não do
tentando em vão justificar o derramamento de sangue.28 O que ela modo que ela a havia concebido. Nessa batalha, a teoria e a realidade
mais havia temido estava acontecendo: a violência cega transformou eram irreconciliáveis.
sua visão em frangalhos. A nova geração queria o poder já. A insurreição espartacista foi espontânea, mas desprovida de
O confronto armado deflagrou-se com a recusa do diretor de líderes, sem planejamento ou organização. O Comitê Revolucionário
polícia de Berlim, Emil Eichhorn, um socialista independente, a en- aprovou a tomada do poder, criou diversas comissões e passou a
tregar seu cargo depois que os independentes se retiraram do gover- maior parte do tempo discutindo. "Não fale! Não consulte! Não nego-
no. Solidário com os trabalhadores radicais, era, segundo alegavam cie! Ajal", instigou Luxemburgo num artigo contundentemente intitu-
os trabalhadores, o único homem do governo em quem eles confia- lado "Deveres Negligenciados". "A Alemanha tem sido o clássico país
vam. Deposto pelo Ministro do Interior em 4 de janeiro de 1919, da organização, até do fanatismo organizacional, da arrogância orga-
recusou-se a deixar o cargo e, em vez disso, começou a fornecer ar- nizacional", escreveu. "E o que estamos testemunhando hoje? Nos
mas aos trabalhadores. No domingo, 5 de janeiro, milhares de traba- momentos mais significativos da revolução, esse renomado 'talento
lhadores tomaram as ruas, ocuparam o edifício do Vorwãrts, que organizacional' é o primeiro a falhar da maneira mais deplorável."29 O
abrigava o jornal dos social-democratas, e invadiram outros prédios. incidente que se segue corrobora essa afirmação. O líder de trezentos
Na noite de 5-6 de janeiro, o Partido Comunista da Alemanha (KPD) marinheiros, despachado pelos espartacistas para ocupar o Ministério
e os Social-Democratas Independentes (USPD) criaram um Comitê da Guerra, foi solicitado por um oficial do prédio invadido a fornecer
Revolucionário; em 6 de janeiro, anunciaram a tomada "temporária" um documento que autorizasse a ocupação. O líder deixou os ma-
do governo. O comitê conclamou os trabalhadores a se reunirem às rinheiros para trás, foi até seu quartel-general, conseguiu a ordem
onze horas da manhã no Siegesallee, o que eqüivalia à convocação assinada e a vendeu ao governo.
de uma greve geral. Karl Liebknecht endossou a tomada do governo Se faltava organização aos espartacistas, o mesmo não acontecia
sem obter o consentimento da liderança do KPD. Confrontada com com o exército. Gustav Noske, ex-fabricante de móveis e especialista
um fato consumado, Luxemburgo não escondeu sua apreensão. militar dos social-democratas, vinha mobilizando forças contra os es-
Na noite de 6 de janeiro, o KPD e o USPD começaram a nego- partacistas havia bastante tempo. Como as tropas regulares se reve-
ciar uma trégua com o governo. Mas trégua não era o que o governo lassem indignas de confiança, Noske apoiou-se no Corpo de Volun-
queria, e está longe de ser certo que o KPD quisesse uma trégua. O tários, que mal podia esperar para pôr as mãos nos espartacistas. É
governo procurou ganhar tempo. A rendição imediata e incondicio- por boas razões que o Corpo de Voluntários é considerado o precur-
nal que exigiu era pouco realista, considerados o extremo caos de sor dos Einsatzgruppen de Hitler, as unidades assassinas móveis da
Berlim, as lutas de rua incontroláveis e a ira do povo. Em 8 de janeiro SS. O Corpo de Voluntários tinha um só objetivo: matar os insur-
as negociações foram interrompidas e começou uma ofensiva em am- gentes. E matar foi o que fizeram, e com prazer. Qualquer um que
pla escala contra os insurgentes. portasse uma bandeira branca era sumariamente executado; os traba-
Sempre fora uma crença de Luxemburgo que qualquer cisão lhadores foram selvagemente espancados e seus corpos foram muti-
nas fileiras socialistas seria fatal — mas ela concordou com a fun- lados a ponto de se tornarem irreconhecíveis. "Onde está sua Rosa?",
dação do Partido Comunista da Alemanha; ela afirmava que não ha- zombavam os soldados, prontos para uma boa risada enquanto exe-
via socialismo sem o apoio da maioria do proletariado — mas a falta cutavam seu pavoroso serviço.30
deste não a deteve; ela insistia em que o socialismo não podia ser A batalha terminou em 12 de janeiro, depois que a sede da polí-
implementado pelo uso da força — mas, em última análise, apoiou o cia, último baluarte dos insurretos, foi tomada. Uma vez fracassado
levante de janeiro. Os acontecimentos se desenrolaram numa veloci- seu esforço principal, os atiradores de elite espartacistas posicionados
dade tão estonteante que Luxemburgo talvez tenha deixado de captar nos telhados lutaram sem esperança contra a artilharia pesada e as
suas implicações. É claro que não lhe eram estranhos os usos e abu- metralhadoras. Em pouco tempo estava tudo acabado, e as tropas
262 Alemanha o fim e o começo 263

ocuparam toda a cidade de Berlim. "Em cada cruzamento há sol- Fausto de Goethe na mesinha de cabeceira, colocou o na bolsa e
dados com capacetes de aço, baionetas caladas e uma carga de gra- fechou sua pequena valise. Depois, sentou-se na cama e esperou. O
nadas de mão. (...) As convicções do governo podem ser um pouco som das botas guarnecidas de metal e de vozes estrídulas chegou até
vacilantes, mas pelo menos ele tem um número respeitável de baio- ela através da porta fechada e ela ouviu pronunciarem seu nome.
netas para firmá-las. Como todos os governos até hoje, ele confia na Uma voz abafada, provavelmente de seu senhorio, protestou, e então
força militar que está a seu dispor", anotou o Conde Kessler em seu a porta do quarto se abriu. Rosa não levantou os olhos. Um homem
diário.31 deu um passo à frente, trazendo uma arma pendurada no ombro.
Ironicamente intitulado "Reina a Ordem em Berlim", o último Disse-lhe que apanhasse o casaco, mantendo os olhos fixos nas per-
artigo de Luxemburgo saiu em 14 de janeiro de 1919 em A Bandeira nas dela. Desafiadora, Rosa tentou controlar sua claudicação. O sol-
Vermelha. Uma ordem cuja sobrevivência depende de um derrama- dado lançou um olhar de entendimento a seus companheiros e, num
mento de sangue cada vez maior, escreveu ela, "caminha inexora- tom seco, ordenou que ela os seguisse. Rosa não pediu o mandado
velmente para seu destino histórico — a aniquilação." Estava certa. A de prisão; sabia que ele não existia. Vestiu o casaco e colocou lenta-
luta durou mais um ano, foi seguida pela atormentada República de mente as luvas, primeiro a esquerda, depois a direita. Era um alívio
Weimar e terminou com a ascensão de Hitler. Lutar era "uma questão Jogiches não estar com ela. Preso no dia anterior, ele conseguira fugir
de honra" para os revolucionários, disse ela, expressando os senti- sem ser identificado. Mathilde Jacob e Paul Levi tinham sido presos
dias antes. Mas, ao contrário de Luxemburgo e Liebknecht, não havia
mentos de entusiastas como Bertolt Brecht e Rainer Maria Rilke. E a
um prêmio de 100.000 marcos sobre suas cabeças.
liderança é que havia fracassado, frisou ela, não as massas. As massas
Dois homens marcharam adiante dela, dois atrás. A claudicação
tinham cumprido seu dever. Tinham formado um elo na corrente da
se havia acentuado nas semanas anteriores e ela tentou valentemente
revolução, e a revolução retornaria vez após outra e proclamaria: "Fui, andar erecta, com a cabeça erguida.
sou, serei!"*2
Havia um automóvel à espera em frente à casa. Um dos milicia-
nos abriu a porta e fez um gesto para que ela entrasse. Rosa segurou
as pregas de seu vestido de veludo, respirou fundo e entrou no carro.
O homem fechou a porta, sentou-se ao lado do motorista e disse:
"Éden."
Restava-lhe um dia de vida. O Hotel Éden, situado no centro de Berlim, abrigava tempo-
Rosa passou esse dia escondida. A família Marcussohn, que dera gua- rariamente o quartel-general da Garde-Kavallerie-Schützen-Division
rida a ela e a Liebknecht, instalou-a num quartinho nos fundos de seu (Divisão da Cavalaria e dos Fuzileiros). O hotel estava profusamente
apartamento. Rosa alegou urna dor de cabeça, pois queria ficar so- iluminado e havia soldados rondando a entrada. Fortemente arma-
zinha. Deitou-se na cama, meio cochilando, meio sonhando. Estaria dos, alguns com os uniformes meio desabotoados e cigarros pendendo
dos cantos da boca, mal chegavam a parecer tropas regulares.
certa em se recusar a sair de Berlim? Talvez não; mas não podia Prestavam pouca atenção aos civis, hóspedes do hotel ou fregueses
deixar as vítimas para trás e buscar segurança para si mesma. Certa do restaurante que desfrutavam de um jantar fora de casa, agora que
vez ela citara um trecho de uma lenda: "Oh, Adonai, Adonai (...) Que o tiroteio havia cessado. Mas, quando o carro negro parou, os solda-
nunca pronunciemos estas palavras: 'Salvemos a nós mesmos e dei- dos, subitamente atentos, formaram um corredor para barrar os tran-
xemos os fracos entregues a seu destino.'"33 seuntes. Rosa Luxemburgo, com urn miliciano de cada lado, cruzou o
Ela não tinha nenhuma premonição do fim. Outra sentença na corredor e entrou no prédio.
prisão seria um alívio. Os últimos dez dias tinham sido um pesadelo. No saguão de entrada, uma multidão ruidosa de homens arma-
A cada explosão das granadas, a cada saraivada de balas de rifle ela dos silenciou ã sua passagem, e depois explodiu numa alegria es-
se encolhia. Agora estava terminado. As armas haviam silenciado, a trondosa. "Roschen", gritou alguém enquanto ela passava, "lá vai a
carnificina parará. puta velha!" Altiva e distante, ela subiu o lance de escadas, consciente
No dia 15 de janeiro, pouco depois das nove da noite, soou a de cada degrau, tomando cuidado para não tropeçar. O capitão Pabst
campainha da residência dos Marcussohn, na Mannheimer Strasse no. a esperava em seu escritório. A identificação não demorou nada. "A
43. Rosa Luxemburgo levantou-se, inteiramente vestida, apanhou o
264 Alemanha

senhora é Rosa Luxemburgo?", perguntou. Rosa olhava através dele.


"Cabe ao senhor determinar", respondeu secamente. "De acordo com
o retrato, deve ser a senhora", disse Pabst. Os olhos dela continua-
vam34fixos na parede atrás do oficial. "Se o senhor assim o diz", retru-
cou.
O capitão chamou o tenente Vogel e lhe ordenou que acompa-
nhasse Luxemburgo até o térreo. Disseram-lhe que fosse diretamente
para o carro, que deveria levá-la à prisão de Moabit. Ela abotoou o
casaco, apanhou sua valise e, sem uma só palavra, saiu da sala do
Epílogo
capitão.
Entrementes, a multidão no saguão tornara-se maior e mais ba-
rulhenta. A notícia de que a Comunista Rosa estava no prédio espa-
lhou-se rapidamente, e alguns hóspedes e empregados misturaram-se
com os soldados. Com o rosto sereno, Luxemburgo desceu a escada-
ria e caminhou em direção à saída. Antes que chegasse à porta gira- TANTO os AMIGOS quanto os inimigos políticos deram
tória, um soldado destacou-se da multidão e, com um movimento um suspiro de alívio ante o assassinato de Rosa Luxemburgo. Prema-
rápido, golpeou-a na cabeça com a coronha de seu rifle. Sem um turamente. O corpo desaparecido deu início a uma controvérsia, co-
único som, ela caiu no piso acarpetado. O soldado Runge atingiu-a mo acontecia com seu trabalho. Estigmatizou os revolucionários de
novamente, dessa vez na têmpora. Levantou o rifle35para golpear de última hora, que haviam subvertido sua visão do socialismo, transfor-
novo, mas um colega o deteve: "Pare, isso basta." Com o sangue mando-a numa caricatura monstruosa.
escorrendo da boca e do nariz, Luxemburgo foi levantada do chão. A versão oficial do assassinato de Rosa Luxemburgo e do de
Um dos sapatos soltou-se de seu pé e um soldado o apanhou — um Karl Liebknecht foi liberada em 16 de janeiro pela Agência Telegrá-
troféu. Ela foi carregada para o carro que esperava na rua, agora sem fica Wolff e publicada nas edições vespertinas e noturnas dos jornais.
nenhum civil, e posta no assento traseiro entre dois soldados. O Dizia que Liebknecht, no trajeto do Hotel Éden para a prisão de Moa-
motorista deu a partida e arrancou. bit, fora duramente golpeado na cabeça por um atacante desconhe-
O tiro disparado uns cem metros adiante foi ouvido no hotel. cido enquanto estava sentado num carro sob vigilância militar. O
Com toda a probabilidade, quem o disparou foi o tenente Vogel, de carro tivera problemas no motor e Liebknecht recebera ordens de
pé no estribo do automóvel. Tirou seu revólver do coldre, mirou-o na prosseguir a pé. Cambaleando e sangrando profusamente no feri-
cabeça de Luxemburgo e puxou o gatilho. Engasgado, o revólver só mento da cabeça, Liebknecht tentou fugir e foi baleado.
disparou na segunda tentativa. A bala atravessou a têmpora esquerda. A versão da morte de Luxemburgo foi ainda mais bizarra. Afir-
O corpo estremeceu uma vez e ficou inerte. Alguém jogou um cober- mou-se que um bando de arruaceiros a havia atacado quando ela ia
tor sobre sua cabeça.
O carro continuou em movimento. Não muito longe da margem saindo do Hotel Éden, mas seu acompanhante tinha conseguido sal-
do rio Spree, o motorista recebeu ordem de parar. "Vamos tirá-la vá-la e colocá-la, inconsciente, no carro que estava à sua espera.
aqui", disse o tenente Vogel.36 Ajudado por um dos soldados, arrastou Quando o carro arrancou, uma pessoa desconhecida pulou no estri-
o corpo para fora do carro e o grupo se encaminhou para o rio. No bo e disparou nela um tiro de pistola. O carro continuou em marcha
trajeto, uma patrulha os deteve, mas, depois que Vogel se identificou, até ser detido por uma multidão perto do canal. Aos gritos de "É
deu-lhes permissão de prosseguir. Em dado momento, quando a mão Rosa!", as pessoas a haviam arrastado para fora e desaparecido na
pendente de Luxemburgo ficou presa nos arbustos, Vogel tocou em escuridão.1 Não havia corpo.
seu corp^o, o que, como afirmou mais tarde, deu-lhe uma sensação "Não se deve esquecer", comentou um jornal, "que foi um
desagradável. Ao chegarem ao Canal de Landwehr, Vogel ordenou tribunal do povo que impôs a sentença a ambos os líderes terro-
que os soldados atirassem o corpo no rio. A ordem foi devidamente ristas."2 O veredicto do povo tinha sido cruel, disse o jornal, mas fora
cumprida. "Agora a piranha velha está nadando", alguém comentou.37 justo. Pelas reportagens subseqüentes evidenciou-se que a "traição"
do filho do venerado líder socialista Wilhelm Liebknecht fora mais

265
epílogo 267
266 Rosa Luxemburgo

chocante do que a de Luxemburgo, que, afinal de contas, era russa, tério, onde Mathilde Jacob foi identificar o corpo, um vigia que vira
polonesa e judia. os restos massacrados a deteve: "Não vá lá dentro", disse. "A senhora
Leo Jogiches tomou a si a tarefa de descobrir a verdade. Recu- nunca vai conseguir se livrar dessa visão, nunca."5
sou-se a sair de Berlim, embora estivesse ciente de seu duplo risco: Uma vez que a verdade sobre os homicídios de Luxemburgo e
agora, estava à testa do Partido Comunista da Alemanha e, pior ainda, Liebknecht tornou-se de conhecimento público, o governo foi força-
ameaçava demolir o frágil encobrimento do governo. A investigação do a processar os criminosos. A corte marcial realizou-se em 8-14 de
oficial de quatro semanas, como não era de surpreender, foi incon- maio de 1919. Falando pela promotoria, o magistrado, Paul Jorns
cludente; fora dirigida por uma corte marcial decidida a obscurecer (Jorns foi promovido a Reichsanwalt [procurador do governo] na Re-
os fatos. Entretanto, em 12 de fevereiro de 1919, depois que a inves- pública de Weimar e, depois, no Tribunal do Povo Nazista), afirmou
tigação tinha sido praticamente paralisada, A Bandeira Vermelha em seu discurso de encerramento que o tenente Vogel e o soldado
publicou uma longa reportagem sobre os assassinatos cometidos na Runge tinham "maltratado gravemente os criminosos". Havia circuns-
noite de 15 de janeiro. Reconstituiu meticulosamente os acontecimen- tâncias atenuantes, porém: a excelente folha de serviço dos réus e
tos e identificou os perpetradores, afirmando que os dois assassinatos sua participação na guerra. Além disso, havia a diminuição da res-
tinham sido planejados e executados com o conhecimento e coope- ponsabilidade de Runge: afinal, a "fúria" nele provocada pela simples
ração dos militares que agora conduziam a investigação. Uma foto- visão de Luxemburgo e Liebknecht "mal chegava a surpreender".
grafia tirada no Hotel Éden no dia seguinte aos assassinatos, mostran- Quanto à fotografia tirada no Hotel Éden, a reunião que estivera apa-
do o soldado Runge na companhia de seus cúmplices, comemorando rentemente comemorando os assassinatos fora inteiramente acidental;
sua proeza, foi também publicada. Runge apenas estava casualmente sentado à mesa, comendo sos-
Ninguém teve dúvidas sobre quem estava por trás da tentativa segado o seu jantar. De fato havia uma garrafa de vinho na bandeja,
de colocar a culpa onde ela cabia. E assim, Jogiches selou sua sorte. mas estava vazia; nada fora consumido além de cerveja e massas.
Embora os amigos o pressionassem para ao menos mudar de ende- Não havia meios de provar, afirmou Jorns, que os golpes de Runge
reço, ele disse a Mathilde Jacob: "Não posso abandonar minha senho- ou a bala de Vogel tivessem causado a morte de Rosa Luxemburgo.
ria justamente agora."3 É impressionante que esse homem, para quem Por conseguinte, o tenente Vogel foi condenado a dois anos e quatro
as mulheres nunca pareceram ter grande importância, tenha arriscado meses de prisão, por cometer um delito quando estava em serviço,
sua vida em 1906, em Varsóvia, hospedando-se no mesmo hotel com por desfazer-se ilegalmente de um corpo e por apresentar um
Luxemburgo, e agora, ficando com sua amante. relatório incorreto. O soldado Runge foi condenado a dois anos e
À medida que a rede foi-se apertando a seu redor, Jogiches fez duas semanas de prisão por tentativa de homicídio.6
uma expedição ousada, reminiscente de suas explorações juvenis em Runge declarou pouco depois: "A investigação foi uma farsa
Vilna: foi ao apartamento de Luxemburgo. "É bonito aqui", disse a (...) Jorns me disse em particular: 'Você assume toda a culpa, pois vai
Mathilde Jacob, com o olhar vagando pelos objetos familiares. Foi pegar no máximo quatro meses, e pode sempre contar conosco se
uma admissão rara, vindo do homem que sempre preferira um biva- ficar em apuros.'"7 Não ficou claro se ele recebeu ordens ou suborno
que a um lar. "Sinto-me como se Rosa fosse entrar a qualquer mo- para golpear Luxemburgo com a coronha de seu rifle, mas ficou claro
mento. " Antes de partir, pediu a Mathilde Jacob que fizesse uma coisa que suas ações tinham sido instigadas por terceiros. Em 1933, invo-
por ele: conservar o apartamento.4 cando sua contribuição precoce para a causa da Alemanha nazista, o
No início de março a polícia o capturou. Levado para a central soldado Runge pleiteou uma indenização financeira por ter sido
de polícia, foi imediatamente separado dos outros detentos, clara- injustamente punido. "O meu nobre Führer, o Chanceler do povo,
mente selecionado para tratamento especial. Só se identificou sob a Adolf Hitler", escreveu ao Ministro da Justiça, "também pagou por
mira de um revólver e, mesmo assim, somente depois que seu pedi- seus ideais com a prisão."8 O governo lhe concedeu a soma bruta de
do de um juiz inquiridor foi recusado em tom de chacota. Fizeram-no 6.000 marcos.
andar até seu último destino — uma sala repleta de oficiais. Durante O capitão Waldemar Pabst, que indentificou Luxemburgo e
muito tempo os sons do espancamento reverberaram pelos corredo- Liebknecht no Hotel Éden e os enviou para a morte, forneceu alguns
res. Oficialmente, Jogiches foi baleado nas costas por um certo se- detalhes numa entrevista que concedeu em 1959. Os dois eram peri-
gundo-sargento Ernst Tamschick "quando tentava fugir". No necro- gosos, disse, e tinham de ser mortos, apesar da falta de provas contra
268 Rosa Luxemburgo epílogo 269

eles. Liebknecht deveria ser baleado enquanto tentasse escapar, e No sábado, 31 de maio de 1919, um corpo de mulher foi visto numa
Luxemburgo deveria ser assassinada por uma turba enfurecida. No das comportas do Canal Landwehr e levado para o necrotério muni-
caso de Liebknecht, o plano funcionou mais ou menos; com Luxem- cipal. Mais tarde, naquela mesma noite, o Ministro do Interior, acom-
burgo, falhou. Por razões desconhecidas, a "turba" não apareceu. Co- panhado pelo diretor da polícia de Berlim, interrompeu um jantar ao
mentando oficialmente as declarações de Pabst em 1962, o governo qual havia comparecido o Ministro da Defesa, Gustav Noske. "Ela foi
da República Federal da Alemanha referiu-se aos assassinatos como encontrada", sussurraram os dois quando Noske foi juntar-se a eles
"execuções de acordo com a lei marcial".9 num gabinete reservado. "Quem?" perguntou Noske, surpreso. "Ro-
O tipo de morte escolhido para os acusados, ao que parece, foi sa", foi a resposta.13 Eles pediram que Noske mandasse retirar ime-
compatível com sua condição. Liebknecht deveria ser baleado — era diatamente o cadáver do necrotério, para evitar que as multidões
alemão. O assassinato pela turba ficou reservado para Luxemburgo facilmente excitáveis de domingo organizassem uma manifestação.
— ela, judia, devia perecer num pogrom. Protegido pelas sombras da noite, o corpo foi levado de carro
A prescrição pelo assassinato de Luxemburgo ocorreria em dez para um acampamento militar em Zossen, a cerca de quarenta qui-
anos. Levi estava decidido a impedir isso. Em 1928, o promotor pú- lômetros de Berlim, para ser enterrado em segredo. Mas o plano
blico, Paul Jorns, processou um editor, Josef Bornstein, por publicar falhou. A imprensa descobriu prontamente a notícia, sensacional co-
um artigo que o acusava de conduzir mal a investigação do caso mo, era em vista dos veredictos recentes. Paul Levi, que assumira a
Luxemburgo-Liebknecht. Paul Levi, atuando como advogado do edi- liderança do Partido Comunista da Alemanha depois do assassinato
tor, revelou a cumplicidade de Jorns no acobertamento dos crimes. de Jogiches, exigiu uma identificação e uma autópsia independentes.
Num discurso de quatro horas, que o eminente escritor Carl von Ossi- Três médicos se recusaram a praticá-la, temendo por sua vida. A au-
etzky descreveu como o "mais poderoso discurso em alemão depois tópsia finalmente foi praticada e a polícia tirou fotografias do corpo.
de Ferdinand Lassalle", Levi provou que Jorns havia suprimido pro- O Dr. Maxim Zetkin, irmão mais velho de Costia, concordou em
vas de ambos os assassinatos.10 Jorns, que na ocasião do julgamento identificar as fotografias e o corpo na presença de Mathilde Jacob. A
era promotor público da Suprema Corte da República de Weimar, foi causa da morte de Luxemburgo continuou desconhecida. O crânio
declarado culpado de favorecer os assassinos. No tribunal, Levi per- não apresentava lesões, apesar das pancadas que ela havia recebido,
guntou como Jorns, uma vergonha para a profissão, podia ter sido e o efeito do ferimento a bala na têmpora não pôde ser determinado
nomeado para um dos mais altos cargos judiciais da nação. Isso con- em decorrência do estado avançado de decomposição. Ela poderia
firmava suas piores dúvidas sobre o futuro de seu país. ter sido atirada na água ainda com vida.
Albert Einstein escreveu a Levi dizendo que era "animador ver Mathilde Jacob identificou os pertences. As luvas, que ela mes-
um homem, inteiramente só e sem nenhum apoio senão seu amor à ma havia comprado, ainda estavam nas mãos de Rosa. Mathilde reco-
justiça e sua sagacidade, limpar a atmosfera — num paralelo mara- nheceu os farrapos do vestido de veludo e o amuleto de ouro. O cor-
vilhoso com Zola. Entre os melhores de nós, judeus", disse Einstein, po foi liberado a seus cuidados mediante o pagamento de uma taxa
"parte da justiça social do Velho Testamento ainda está viva."11 Jorns de três marcos. Foi-lhe entregue um recibo devidamente assinado.
recorreu do veredicto — e os nazistas depois o compensaram por seu Rosa Luxemburgo foi enterrada no cemitério de Friedrichsfelde
sofrimento. Durante a longa batalha no tribunal, Levi foi atingido, em em 13 de junho de 1919.
1930, por uma febre perniciosa que terminou em sua morte trágica. Vinte anos antes, meditando sobre a morte da mãe de Leo Jogi-
"Suicídio de um traidor da pátria", gritaram as manchetes dos jornais.
ches, ela lhe escrevera: "A idéia que fica me corroendo é: o que foi
"Ele não conseguiu suportar o fedor de sua própria raça, de modo
essa vida? Para que serviu? Valeu a pena vivê-la?"™
que saltou pela janela." "Um renegado por convicção", escreveu A
Bandeira Vermelha, fundada por Rosa Luxemburgo.12 Impulsionada pela ânsia de viver uma vida plena, Rosa
Luxemburgo deixou seu país, sua casa e sua família. Procurou tornar
plena a vida de todas as pessoas, fazer com que valesse a pena,
muito embora soubesse que somos "como os judeus, conduzidos por
Moisés através do deserto".
Correspondência*

* Texto anexado especialmente para a edição brasileira.

271
cartas de Elias Luksenburg 273

na Polônia, retrato este que seus amigos alemães promoveram


inadvertidamente em suas reminiscências após a morte dela, e que
ainda é amplamente aceito pelos estudiosos da Europa e da América.
Segundo Luxemburgo, sua mãe era uma "santa mulher" cuja
existência "de sombra" deixara a filha com "lembranças escassas"; o
pai, descendendo de uma família de intelectuais, era um defensor
ardoroso da educação polonesa e da emancipação judaica, tendo
(A) Cartas do pai, sido o primeiro a incendiar a imaginação da futura revolucionária.
Candidato improvável à condição de mentor e inspirador de Rosa,
Elias Luksenburg Elias Luksenburg foi bastante típico da primeira geração de pais
judeus assimilados. A maioria deles era composta de lojistas ou
mercadores cujo idealismo juvenil — se é que um dia existira — fora
substituído, em última instância, pelo trabalho árduo e pela neces-
sidade de sustentar a família e educar os filhos. Na realidade, a mãe
de Rosa era uma mulher culta e forte, que compreendia melhor do
A REVOLUCIONÁRIA POLONESA Rosa Luxemburgo nasceu que sua filha caçula a ambivalência intrínseca da transformação de
em 5 de março de 1870 em Zamosc, na área da Polônia anexada pela uma pessoa em judeu assimilado na região da Polônia anexada pela
Rússia. Sua mãe, Lina Loewenstein, vinha de uma família de Rússia e a necessidade de preservar a tradição judaica. Embora
estudiosos do hebraico que remontava à Espanha do século XII; seu Luxemburgo pouco visse o pai quando morava com a família, recor-
pai, Elias Luksenburg, era um modesto comerciante de madeiras. Os dou-se dele como um defensor de causas nobres. Da mãe, porém,
Luksenburgs mudaram-se para Varsóvia em 1873 com seus cinco que estava constantemente com ela em Varsóvia, guardou "lembran-
filhos, dos quais Rosa era a caçula. Aos dezessete anos, Rozalia ças escassas". No leito de morte, sua mãe implorou que os filhos
Luksenburg formou-se no ginásio estadual russo e, dois anos depois, respeitassem o pai — uma mensagem que contradiz a imagem fan-
matriculou-se na Universidade de Zurique como Rosa Luxemburgo. tasiada do venerado paterfamílias criada por Rosa.
Em Zurique, conheceu e apaixonou-se por um revolucionário russo Da volumosa correspondência com seus familiares, Luxem-
exilado, Leo Jogiches, três anos mais velho do que ela. Juntos eles burgo preservou apenas dois maços de cartas escritas nos anos de
fundaram, em 1893, o primeiro partido dos trabalhadores marxistas 1897 a 1901 — cartas que precederam e se seguiram à morte de sua
poloneses, a Social-Democracia do Reino da Polônia (SDKP). Este se mãe, e as cartas que o pai lhe escreveu antes de morrer. Guardava-as
transformou, em 1900, na Social-Democracia do Reino da Polônia e numa caixa fechada a chave e, muitos anos depois da morte de am-
Lituânia (SDKPiL) e, posteriormente, foi o antecessor do Partido bos, a mulher de trinta e cinco anos escreveu a Leo Jogiches: "Por
Comunista da Polônia (KPP), dizimado por Stalin na década de 1930. uma estranha coincidência peguei a caixa com (...) as cartas. Li todas
Luxemburgo e Jogiches viveram num casamento consensual até 1906. elas e chorei até ficar com os olhos inchados, e fui dormir desejando
Os objetivos comuns, porém, criaram entre eles um vínculo que não acordar nunca mais. Xinguei a maldita 'política' que me impediu
perdurou até sua morte. Na Alemanha, para onde se mudara em por semanas a fio de responder às cartas de minha mãe e meu pai.
1898, Rosa Luxemburgo logo se tornou uma das figuras mais Nunca tive tempo para eles."1 E, muito tempo depois, ela escreveu da
populares do Partido Social-Democrata Alemão e da Segunda prisão a seu amigo Hans Diefenbach que ainda se culpava por ter
Internacional (Socialista). Era uma economista marxista talentosa, desprezado o pai, velho e doente, porque estava atarefada demais
jornalista, professora e oradora. Depois de ser presa como radical e "cuidando das questões urgentes da humanidade e fazendo o mundo
pacifista "perigosa" durante quase toda a duração da I Guerra inteiro feliz".2
Mundial, foi assassinada em Berlim em janeiro de 1919. Dois meses A complexidade de sua atitude perante os pais é explicada com
depois, Jogiches foi assassinado por tentar levar à justiça os homens mais clareza pela própria Luxemburgo. Ela acreditava firmemente,
que a haviam matado. como disse a um amigo, ter ficado aleijada — mancava acentuada-
A relação complicada que Luxemburgo manteve com os pais mente desde os seis anos de idade — por negligência dos pais. Essa
272
274 Correspondência cartas de Elias Luksenburg 275

era uma acusação grave, e mais drástica ainda por ser um rancor que mãe. Mas o caçula dos irmãos de Rosa, Józef, que era médico, não
ela alimentou por toda a infância e adolescência e que explicitou escondeu totalmente a gravidade da doença. Preocupada com Jogi-
quando adulta. ches (sua família não sabia nem da existência dele nem do apoio
Aos dez anos, Rosa foi aceita no Segundo Ginásio Russo para financeiro que dava a Rosa), Luxemburgo estava passando com ele
Moças como componente da quota reservada aos judeus. Mais uma um período de férias para a conclusão de um trabalho em Weggis,
vez, a seus olhos, seus pais é que foram responsáveis por essa degra- uma aldeia dos Alpes Suíços, quando sua mãe morreu. A família fez
dação e humilhação. Na escola, sua deficiência física agravou seus esforços imensos para localizar Olympia Lübeck, uma amiga de Rosa
problemas. Ela não podia participar dos esportes e das aulas de dan- em Zurique, confiando-lhe a transmissão da triste notícia, de modo a
ça, e não podia correr. Numa época em que as crianças querem "per- abrandar o choque. A Sra. Lübeck sugeriu uma rápida visita a Weggis
tencer" a um grupo, foi uma forasteira, sem ter nenhuma culpa disso. a pretexto de alguma coisa, mas Jogiches, ansioso por ver Rosa
O acontecimento rnais aterrador de sua infância foi um pogrom terminar um artigo, convenceu-a a não deixar que Lübeck fosse até
que explodiu em Varsóvia quando Rosa nem bem chegara aos doze lá. Enquanto os familiares em Varsóvia sentavam-se em sbiva, lasti-
anos. A aquiescência da polícia czarista permitiu que o pogrom cam- mando a solidão de Rosa e pensando em maneiras de consolá-la, ela
peasse por três dias e três noites, e a rua onde morava a família Luk- nem sequer sabia da morte da mãe. Algum tempo depois, ao tomar
senburg foi o palco da violência. A menina com uma perna mais conhecimento da notícia, soube também que o pai estava ansioso por
curta, que não podia correr para obter segurança, pode facilmente ter vê-la e que, de fato, a família havia decidido que ele ou a irmã de
acreditado que seus pais eram não apenas responsáveis por sua Rosa, Anna, ou ambos, iriam fazer-lhe uma visita. Mas Luxemburgo
deficiência, mas que eram fracos, desamparados e incapazes de não estava nem um pouco ansiosa por vê-los. Encontrou uma des-
protegê-la. Pode-se presumir com segurança que, para Luxemburgo, culpa após outra para adiar a visita, e quase dois anos se passaram
seu pai personificasse a fraqueza — um dos atributos que, segundo o antes que convidasse o pai a passar duas semanas com ela num bal-
evangelho anti-semita, tornava os judeus tão repreensíveis. neário.
Essa foi, portanto, a bagagem que a jovem levou para a Suíça. O homem que ela recebeu na estação ferroviária era a imagem
Suas cartas a Leo Jogiches indicam que ela passava pouco tempo exata do judeu que a perseguia desde a infância. Pálido, fraco e
pensando na família — vez por outra, mencionava que os "pobres doente, com as roupas pendendo frouxas de sua compleição emacia-
amorezinhos" tinham-lhe enviado uma pequena soma em dinheiro, da, fazia-a encolher-se de horror. Em 2 de agosto de 1899, ela escre-
embora soubesse que se tratava de uma soma substancial para eles veu a Jogiches: "A aparência dele é tão horrorosa que as pessoas o
ficam fitando. (...) Como é seu hábito, papai acorda a cada duas
—, até que, em 1897, sua mãe teve um câncer no estômago. Nesse horas durante a noite e tosse tão terrivelmente que nenhum de nós
ano, o relacionamento com Jogiches foi rompido mais uma vez, o dois consegue dormir. De manhã, acorda às 5-5:30, de modo que
que seria atribuível, em parte, à obtenção do grau de doutoramento tenho de me levantar também, esfregá-lo com água fria (instruções
summa cum laude de Rosa. Jogiches, apesar de seu poderoso do médico) e fazer chá para ele. Depois do chá, enquanto ele des-
intelecto, fizera poucos progressos na universidade, já que acreditava cansa, tenho de cozinhar ovos e fazer café, e, depois do café-da-
mais na força da conspiração do que na instrução formal. Não obs- manhã, tenho de lavar a louça e limpar o quarto, vestir-me e sair para
tante, sentiu-se ameaçado pelo triunfo acadêmico de Luxemburgo; e, dar um passeio com ele, o que é uma verdadeira provação para mim,
sempre que se sentia ameaçado por ela, tornava-se frio, distante e porque papai se arrasta à velocidade de uma lesma — o que me
inabordável. Luxemburgo tentou desesperadamente salvar a união. deixa enojada. Mal andamos um pouquinho, papai fica com fome
Talvez tenha sido essa a razão por que deixou sem resposta o único outra vez, e tenho de voltar para casa ou então ir com ele fazer um
cartão postal que sua mãe enferma lhe escreveu. lanche. Aí nos arrastamos para o jantar [almoço], e ele leva uma hora
Os familiares em Varsóvia, e especialmente os pais, ficavam para se levantar da mesa e ir para casa. Depois da refeição, eu
transbordando de alegria e orgulho com as realizações acadêmicas de gostaria de tirar um cochilo, descansar um pouco, mas em quinze
Rosa, e carta após carta chegava a Zurique para elogiá-la. Em pouco minutos papai acorda e pede chá, de modo que tenho de me
tempo, no entanto, a exultação foi substituída por desespero pela levantar. Meia hora depois, volto a cozinhar ovos para ele e fazer
doença de Lina Luksenburg. Eles tentaram não alarmar Rosa, infor- café, e então a gente se arrasta mais um pouquinho, só para repetir a
mando-a com extrema cautela sobre a gravidade do estado de sua
276 Correspondência cartas de Elias Luksenburg 277

rotina anterior, às 5, às 7 e às 10 horas, antes de ele ir dormir, tenho gangrenada o impediu de trabalhar e ele não estava à altura de seus
que cozinhar para ele. Segue-se então uma noite de tosse, levantar de concorrentes, que se iam instalando em Varsôvia em números cada
madrugada e da capo ai fine... No espaço apertado, com um foga- vez maiores. Por mais curioso que pareça, nenhum de seus cinco
reiro e duas panelas, tenho de fazer café e chá, cozinhar ovos, ferver filhos (com exceção de Anna, que cuidava da casa para ele) o sus-
leite e preparar bolinhos de dez em dez minutos, e portanto, tenho tentou na doença e na velhice, de modo que ele foi forçado a aceitar
de lavar a louça de dez em dez minutos para que ela fique pronta "humildemente" uma pequena mesada oferecida por um parente
para a refeição seguinte. De dez em dez minutos tenho que sair distante. Elias nunca pediu dinheiro a Luxemburgo, e ela tampouco o
correndo para fazer compras. Logo, não sobra nem uma hora para ofereceu.
mim, para eu ler ou escrever uma carta. Você com certeza entende Mais perturbadores para Elias Luksenburg eram os períodos
minha tensão. Nem sequer tenho tempo de comer, porque o único prolongados de silêncio da filha. Irritada com as tentativas do pai de
fogareiro é constantemente requisitado por papai e, quando acabo de arrastá-la para seus esquemas financeiros mesquinhos, embaraçada
cozinhar, temos de sair."5 Elias Luksenburg guardou uma lembrança com sua admiração e suas desculpas por tomar-lhe o precioso tempo,
agradável das férias e talvez tenha-se sentido menos intimidado pela ela se distanciava permanecendo em silêncio. "Peço-lhe, tenha pie-
filha famosa. Como que para marcar sua posição, continuou a grafar dade, responda pela volta do correio", rogava ele. Inutilmente. Rosa
o nome dela como "Luxenburg", embora, é claro, Rosa o grafasse continuava cruzando a Europa, viajando para reuniões e congressos
"Luxemburg". — o mosaico de selos nas cartas de Elias, despachadas de Berlim
Em 1898, quando sua vida marital já durava oito anos, Jogiches para Zurique ou para onde quer que ela estivesse, era tão significativo
finalmente cedeu e permitiu que Luxemburgo falasse com a família quanto seu conteúdo —, fazendo palestras e proferindo discursos, e
sobre sua existência, se bem que usando um de seus pseudônimos. prometendo ao pai idoso encontrar-se com ele "na próxima prima-
Inesperadamente, Luxemburgo viu-se pressionada pelo amante e vera". Em 22 de abril de 1900, cinco meses antes de morrer, Elias
pelo pai. Para afastar as perguntas deste a respeito do casamento com Luksenburg escreveu uma última carta à filha. "Sua total indiferença
ó "noivo", Luxemburgo inventou uma história sobre o acerto da me faz lembrar uma coisa que li certa vez", disse ele. "A águia voa
herança de Jogiches, que seria um obstáculo temporário, explicou ao tão alto que perde toda a visão da terra lá embaixo. Você está tão
pai, ao casamento. A "herança" chegou como uma surpresa agradável ocupada com as causas sociais que os assuntos de família não mere-
para Elias e ele inundou Rosa de perguntas sobre o principal, os cem nem mesmo um de seus pensamentos. Não há nada que eu
juros, a renda e o montante em espécie. Pressionou Rosa a convencer possa fazer senão aceitar isso. (...) Não vou mais sobrecarregá-la com
Jogiches a dar uma contribuição para o dote de Anna, a irmã para minhas cartas."
quem a mãe, no começo, e agora o pai, vinham tentando em vão
encontrar um marido.4 Sem saber dos problemas constantes de É irônico que o outro homem a assemelhá-la a uma águia,
dezenove anos depois, tenha sido Vladimir Iliich Lenin.
Luxemburgo com Jogiches e de suas dúvidas sobre a sinceridade dos
sentimentos dele, o ancião declarou que, se "as intenções [de Leo]
forem sérias e se ele a amar", arranjaria o dinheiro. Nada poderia ferir
Luxemburgo de maneira mais dolorosa do que aqueles "sés", que por
anos vinham corroendo sua própria mente. Não obstante, ela usou As Cartas
deliberadamente a autoridade do pai para pressionar Jogiches — que
estava em Zurique havia dois anos desde sua partida — a juntar-se a
ela na Alemanha. Quando ele finalmente chegou, Rosa informou aos [Cartão postal]
familiares que a cerimônia de casamento tinha sido celebrada na V[arsóvia], 4 de agosto de [18]97
Suíça, porque Jogiches era cidadão suíço. Nenhuma das duas afir-
mações era verdadeira. Minha querida e amada, niinha Rózenusia!
De volta a Varsôvia após a viagem, a saúde de Elias Luksenburg Creia que pensei em lhe escrever, minha adorada Rózia, du-
se deteriorou e seus problemas financeiros se agravaram. Uma perna rante dias e semanas, mas, com a doença grave e prolongada da
gangrenada o impediu de trabalhar e ele não estava à altura de seus querida Mamãe, como podia encontrar paciência de escrever? Ainda
mais sem saber se você, minha querida R., sabia de tudo sobre a
278 Correspondência cartas de Elias Luksenburg 279

também lemos para a querida Mamãe, que pediu que eu lhe escre- Um beijo caloroso de todo o coração, do seu pai que a ama, EL
vesse um cartão de uma vez, de modo que me apresso de uma vez a
dividir com você a grata notícia de que hoje mesmo o Dr. Strzes- Estamos esperando sua resposta à carta de Józio de hoje.11
zewski achou a Mamãezinha melhor. Graças a Deus posso lhe contar
isso. Mas agora quero pedir-lhe de novo que me escreva uma carta V[arsóvia], 2 de novembro [de 1899]
longa e detalhada. — De todo o meu coração, do pai que a ama e
quer sua felicidade. EL Minha querida Róziuniu! Meu orgulho!
Recebi suas cartas bondosas com os recortes [de artigos de RL] e
Sábado à noite, 30 de outubro de [18]97 a posta-restante em tempo, e lhe agradeço por isso e por tudo de
Minha querida e adorada filhinha, minha Ruziunia! todo o coração.
Ontem recebemos três de suas cartas, hoje duas, no total, cinco. Lamento muitíssimo não ter sabido da visita do Sr. L[eo Jogi-
Para escrever cartas tão profundamente tocantes, a pessoa precisa ter ches], pois teria pedido a ele uma fotografia e talvez feito uma insi-
seu dom de expressar a dor que todos estamos sentindo depois dessa nuação delicada sobre nossos planos para o irmão dele.12
perda esmagadora.6 Quando Mamãe adoeceu no dia 1a de abril, já Mas vamos pensar nisso e, quanto à fotografia, por mais que eu
tinha estado em grave perigo por causa do crescimento do câncer. É gostasse de tê-la, prefiro esperar por causa de outras considerações.
claro que soubemos disso por Józio UózefJ, que vinha vê-la três vezes Quanto ao irmão dele, deixo isso por conta de sua inteligência, e
por dia, trazia seus colegas e professores, e às vezes ficava para pas- acredito que você, o gênio, encontrará justamente a horinha certa de
sar a noite.7 Havia dias em que achávamos que o estado dela estava levantar o assunto [com Jogiches].
melhorando, mas Józio nunca dizia nada, e nos últimos dias ela só foi Quanto a seus planos sobre meu verão, agradeço-lhe de todo o
mantida viva por meios artificiais. Durante a doença, a família inteira coração, minha filha querida, mas ainda há tempo para pensar nisso.
veio constantemente visitá-la.8 A compaixão que a família e os ami- Naturalmente, o clima aqui e o tempo, etc., não podem ser co-
gos íntimos demonstraram foi excepcional, só mesmo a doçura da mo aquele verão em que fiquei sob seus cuidados atenciosos, mas
Mamãe, que conquistava o coração das pessoas. Nos dias em que se vou-me agüentando sozinho.13
sentia melhor ela conversava baixinho e sempre contava histórias Só estou tomando o remédio uma vez por dia, depois do jantar,
sobre você. porque não resta muito no vidro. Se você puder ter a bondade de me
Todas as coisas que pertenceram à Mamãe estão intactas, são mandar mais, eu ficaria grato, mas só mande através de um portador,
para nós lembranças preciosas, e você escolherá o que lhe agradar. porque, além da dificuldade de ir buscar, a taxa da alfândega custa
Estamos considerando seu plano de nos encontrarmos [com aproximadamente 4 rublos.
você] dentro de um mês, mas quero vê-la, querida, o mais depressa Quanto aos recortes, estou satisfeito e honrado com os
possível. Hoje tomamos uma decisão e Józio vai lhe escrever sobre comentários que nossos amigos fazem sobre eles.
ela hoje, e só vamos esperar sua resposta sobre o local. Daremos um Por favor me escreva, minha querida Róziuniu, sobre você e
jeito com a verba para a viagem. como você está, porque esse é meu único prazer.
E agora, minha adorada Rózunia, peço-lhe que não se deses- Do pai que a ama e gostaria de vê-la feliz,
pere. Os desígnios de Deus são inescrutáveis, devemos aceitar esse EL
golpe com resignação, para podermos agir em harmonia e união
sagradas, como Mamãe sempre quis. Não vou resistir se, Deus nos Quando escrever para o Sr. L[eo], por favor dê-lhe minhas lem-
livre, alguma coisa acontecer com você.9 Repito e lhe peço e exijo em branças.
nome de Mamãe, porque sei que esse era o desejo dela, que antes e
agora é um dever sagrado para cada um de nós.
Fico surpreso que a Sra. Lübeck tenha deixado você tão de- [Nota à margem]
pressa.10 Há alguma amiga íntima com você? O aniversário de Józio é no dia 27, por favor lembre-se de
cumprimentá-lo pelo aniversário.
280 Correspondência cartas de Elias Luksenburg 281

[Cartão postal] isso, tudo o mais se arranjará de imediato, porque, nessas circunstân-
Varsóvia, 25 de janeiro de [1]900 cias [ou seja, Andzia tinha 42 anos], não há razão para arrastar as
[em alemãol coisas.
Solicito respeitosamente à estimada senhoria que encaminhe este Já escrevi [no dia 8] uma carta muito cordial e calorosa sobre o
postal caso a destinatária esteja ausente. dote para Roza [uma parenta], em Jassy, que ela ainda não res-
[O texto em alemão está grifado] pondeu, de modo que ontem mandei-lhe um lembrete com um
Querida Róziunia! Não recebo notícias suas há tanto tempo, e nem cartão postal. Você bem pode imaginar com que impaciência estou
resposta a minhas cartas e a meu último cartão postal, que estou esperando pelo resultado.
muito aflito. Fiquei de cama nas últimas três semanas. Peço-lhe que Sua resposta a respeito de Andzia deve ser mandada pela posta-
tenha piedade e escreva pela volta do correio sobre tudo, para seu restante, e, para eu saber que está lá, sublinhe a data de sua carta
pai que a ama. [enviada para o endereço de casa], que estou esperando muito em
EL breve, e enquanto isso, aceite, minha querida e amada Róziunia, bei-
jos e abraços carinhosos e de coração do seu pai,15
Vars[óvia], 22 de fevereiro de [1]900, terça-feira EL

Querida Róziunia!
Suas cartas e o postal endereçados a Andzia [Anna] perguntan- [Cartão postal com um retrato de Adão Mickiewicz]
do por mim chegaram e eu lhe agradeço. Quanto a mim, estive de V[arsóvia], 7 de março de 1900
cama por 6 semanas por causa da minha perna, agora na sétima se- Os mais calorosos e sinceros parabéns e votos de felicidade pe-
mana o médico me deixa andar pelo quarto e até sair um pouquinho, lo seu aniversário no dia 5, do fundo do coração, é o que lhe manda
e ontem, como o tempo estava bom, eu saí. o pai que a ama,
Fico contente em saber por suas cartas que você não tem que EL
viajar, pois espero que sempre consiga encontrar trabalho no lugar
[Berlim] em paz e sem correr riscos, mas continuo surpreso por você Estou esperando sua resposta a minha carta do dia 22 do mês pas-
não escrever mais a seu respeito. Meses atrás você escreveu dizendo sado.
que o irmão do Sr. Leo estava atarefado pondo as coisas em ordem e
dividindo a herança.14 Estou curioso sobre quanto vai caber ao Leo e
desejo, como lhe escrevi antes, que sua união se apresse com toda a
felicidade. Vars[óvia], 11 de abril de [1]900, quarta-feira
Quero informar-lhe sobre algumas notícias muito interessantes.
Imagine que alguém foi encontrado para Andzia. É um homem de Querida Róziunia!
boas maneiras, ex-professor, que trabalha em nosso Conselho [Ju- Provavelmente você está surpresa por eu só estar respondendo
daico], tem duas filhas, de 4 e 5 anos, e um salário modesto. Nossos hoje a sua longa e esperada carta e ao cartão postal vindo pela posta-
amigos e pr rentes Leon Kahan e Lewinsohn, que também trabalham restante. Estive de cama esse tempo todo, por causa da dor causada
lá, fazem os mais altos elogios ao caráter, diligência e honestidade por minha perna, e hoje me levantei especialmente para responder a
dele, e essa é a sua reputação na opinião de todos. Ele havia sua carta.
conhecido Andzia, que ainda não sabe de nada, só a intermediária e Quanto à minha perna, o dedo gangrenado começou a ficar
nosso Józio é que sabem, porque o problema é o dote que é neces- bom; naturalmente, estou fraco e não tenho nenhum apetite. Por tu-
sário, como diz esse cavalheiro, com razão, para dar segurança a do isso, o Tio Morris "(por iniciativa da família Moszkowski) me con-
Andzia. As outras despesas, como o enxoval, as despesas do casa- cedeu uma mesada, para eu poder ficar tranqüilo em casa (Rózia D.
mento e coisas semelhantes, nosso bondoso Józio concordou em pa- também está dando algum dinheiro) e, naturalmente, não tive alter-
gar ele mesmo. O principal problema é o dote; uma vez resolvido nativa senão aceitar humildemente. O que mais poderia fazer, já que
isso, tudo o mais se arranjará de imediato, porque, nessas circunstân- não posso mais trabalhar, pelo menos não agora?
282 Correspondência cartas de Elias Luksenburg 283

Agora só me resta uma esperança, um momento de alegria na Andzia está muito ocupada com os preparativos do feriado e
vida, ou seja, o casamento dç vocês duas.16 Roza [de Jassy] respon- me pediu que lhe mandasse lembranças.
deu, recusou-se a ajudar. Natan reclamou tanto em sua resposta [evi-
dentemente, EL também pedira ao filho mais velho que contribuísse
para o dote de Anna] que parece que eu é que devia mandar [di- Varsóvia, 20 de abril de [1]900
nheiro] para ele, de modo que só resta mesmo o que Józio está
disposto a dar a Andzia em qualquer ocasião — 1.000 rublos. Querida Ruzia!
Quanto a você, minha amada Rózia, entendo que você tenha No dia 11 mandei-lhe uma carta longa a respeito de assuntos
escrúpulos a respeito de Andzia, assim como eu, portanto, não seria muito importantes. Como não recebi nenhuma resposta imediata,
possível arranjar as coisas de outra maneira, isto é, dizer abertamente achei que você tinha viajado e dei a sua senhoria um endereço para
ao Leo que você precisa imediatamente de uma certa soma para sua encaminhar a carta. Mesmo que minha suposição esteja certa, eu já
irmã mais velha, digamos uns 500 rublos para d dote dela? Em minha deveria ter recebido sua resposta, ou pelo menos uma indicação de
opinião, se as intenções dele forem sérias e se ele a amar, isso não que você pretende escrever uma carta mais longa depois. Infelizmen-
deve fazer nenhuma diferença para ele, porque é aceito no mundo te, não recebi nada. Assim, o que vejo é sua completa indiferença.
inteiro. Se eles [Leo e o irmão] de fato não tiverem permissão de me- Isso me faz lembrar uma coisa que li certa vez. A águia voa tão
xer no principal, seria possível pedir um empréstimo, talvez o tio alto que perde toda a visão da terra lá embaixo. Você está tão ocu-
Morris possa fazer isso. De um modo ou de outro as coisas podem se pada com as causas sociais que os assuntos de família não merecem
arranjar, se houver boa vontade. Assim, com o dinheiro vindo de nem mesmo um de seus pensamentos. Não há nada que eu possa
você e de Józio, esse pequeno capital pode ser depositado no banco fazer senão aceitar isso. Claro, essa é a gota que faltava em meu cáli-
para o dote de Andzia, e então, mesmo que seu casamento anteceda ce de amargura. Não vou mais sobrecarregá-la com minhas cartas.
o dela, nem ela nem nós nos sentiremos embaraçados. O rapaz sobre Que tudo lhe corra bem. Do pai que a ama,
quem você perguntou tem, admito, um salário pequeno em nosso EL
Conselho [Judaico], mas é muito considerado e tem a idade certa, e
além disso o principal é ter o capital no banco, e aí talvez se possa
achar alguém melhor.
Róziuniu! Você continua repetindo que temos de esperar até a
primavera [para nos encontrarmos], como se a primavera estivesse a
muitos anos de distância. Mas a primavera é exatamente agora — e
eu, por minha vez, não tenho muitas para viver.17
Querida Róziunia! Pense nisso com carinho, ponha mãos à obra
e escreva pela posta-restante, usando o sinal, mas não me deixe
esperar demais por sua resposta.
No domingo, o Tio Morris e Teofila [mulher dele] vieram me
visitar. Pediram seu endereço, porque Lunia [filha deles] quer convi-
dar você para ir a Peszt. Lunia sempre foi boa e generosa conosco.
Quanto a aceitar o convite dela, você fará o que puder e o que
quiser, mas de qualquer modo peço-lhe que seja gentil e polida com
ela, porque, além de ela merecer, você agora tem obrigações para
com o tio Morris e a mulher dele, como mencionei antes.
Desejo-lhe um feliz feriado [Páscoa], que começa no sábado,
dia 14, e espero que você não nos deixe esperar demais. Mil beijos
do pai que a ama,
EL
cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 285

decepcionar, porque terminou suas provas e por causa do dia 8 de


maio [aniversário de Anna], não é?
Papai e Munio [Maksymilian] vão estar em casa para jantar, e
pode ser que Józio e a mulher também passem por aqui à noite, mas
ainda é apenas meio-dia e não posso esperar que todos cheguem em
casa para descrever as impressões deles, por isso estou mandando
esta carta agora, e lhe agradeço mais uma vez, de todo o coração, pe-
las notícias alegres e por seus bons pensamentos que leio nas entre-
(B) Cartas dos Irmãos linhas. Mamãe está mandando abraços e beijos.
Você informou Natan e a mulher dele? O endereço deles (talvez
de Rosa Luxemburgo você o tenha) é 23 Streatley Road, Kilburn, N.W. Você vai deixá-los
contentes, especialmente Lilly. Que tudo lhe corra bem, com um
abraço e um beijo carinhoso da sua,
A.

De Anna:

4 de maio de [18]97
De Józef Luksenburg:

Minha querida e única Rózia! 8.V.[18]97


Sua carta chegou faz uma hora, só mamãe e eu a lemos (os
outros, como você sabe, estão fora durante o dia), e mal posso Querida Róziunia! Que alegria você deu a todos nós com a
descrever a impressão que ela causou. Mamãe ria e chorava, recu- notícia do seu grau de doutora! Você nem pode imaginar! Mais uma
sando-se a se separar de sua carta por um momento que fosse, vez, mando-lhe um abraço apertado e desejo que tudo em sua vida
ansiosa de que o mundo inteiro soubesse como ela estava feliz e tenha tanto sucesso quanto seus estudos. Obrigado por nos mandar
orgulhosa. uma carta separada. Quando ela chegou, eu não estava em casa.
Dou-lhe meus parabéns, dou mesmo, de todo o coração, minha Esbarrei em Gucia [a esposa] na rua, justamente quando ela estava
querida, minha bondosa Rózia, e estou feliz por seu sucesso e por indo ao hospital me levar a notícia. Juntos, fomos correndo à casa de
esses seus pensamentos que voam até nós neste momento impor- mamãe e papai, para o caso de eles ainda não terem sabido. Mas eles
tante de nossa vida. Como eu gostaria de estar junto de você agora! já tinham recebido sua carta, que, desde o momento em que chegou,
Na verdade, não só agora, mas já há algum tempo tenho pensado ficaram lendo e relendo, da mesma forma que nossos parentes e
nisso, porque sinto necessidade de me abrir com você. todos os conhecidos interessados. Todos nos cumprimentaram.
O plano da viagem de mamãe vai-se arrastando porque Natan Quanto à cópia de seu diploma que você quer nos mandar, há
está muito atarefado em Londres, pois esta é a época da "estação" uma maneira simples de fazer isso. Com toda probabilidade, há de
dele. Não deixaríamos mamãe viajar sozinha, mas, haja o que houver, poder ser feito do mesmo jeito que aqui, ou seja, você pode
vocês duas têm de se encontrar neste verão — pelo menos é isso o encomendar várias cópias em papel comum à gráfica que imprimir o
que eu quero para você e para mamãe. Tão logo você se acostume original em pergaminho para a universidade. Escute meu conselho e
com seu novo "status" e nós nos acalmemos, vamos discutir os faça isso, porque é freqüente essas cópias serem necessárias para
detalhes da viagem. Depois, estou esperando pela carta que você me algumas autoridades ou em outras ocasiões. Não se esqueça, faça
prometeu, e tenho certeza de que desta vez você não vai me isso de uma vez, não custa muito caro.

284
286 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 287

Também queremos agradecer pelos lindos presentes, para nós e com a firme instrução de que você os gaste em coisas prazerosas, ou,
para Dziobka [a fílhinha pequena]. Cem beijos por essas coisas mara- dito de maneira simples, para comprar comida para mais alguns dias
vilhosas. Dziobek está ficando cada dia melhor, está crescendo de- e prolongar suas férias.*
pressa, corre, tagarela, faz travessuras e brinca. A propósito, eu tinha pretendido perguntar-lhe antes: você
Além da nova Doutora na família, nada de novo. cometeu um erro ou é assim que soletra seu nome agora? Vi a
Fique feliz e alegre, não se esqueça de nós e escreva para nos mudança no N[eue]Zeit e fiquei surpresa. (...)
contar seus planos para o futuro. Seu, Boa sorte, tenha um bom descanso e escreva quando tiver
J. tempo. Um beijo carinhoso e, mais uma vez, obrigada, da sua,
A.

[Observação na margem:}
De Anna: A Sra. Mrozowska lhe manda calorosos parabéns e lembranças. Está-
se gabando em alto e bom som de ter ensinado à "doutorinha" as
primeiras palavras de francês. Pergunta constantemente se às vezes
9 de maio de [1]897 você se lembra dela.

Querida Rózia!
Obrigada, do fundo do coração, por seus votos e pelo livro,
que já recebi. Fiquei muito contente com o livro, que é justamente o
que eu queria, já que comecei recentemente a colecionar livros e De Anna:
quadros. Já tenho algumas bonitas aquarelas originais, que deixam o
quarto mais alegre. Quanto aos livros, o seu vai ser o primeiro em
minha estante. Espero que você me cumprimente por fazer uma Zlota 16
assinatura do Prawda. Eu queria ter uma revista mais séria em casa e 29 de julho de [18]97
essa é a única que conheço. Fazer uma assinatura de livros é caro
demais, porque nem sempre tenho tempo para ler e, afinal, de vez Minha querida Rózia!
em quando ganho livros dos amigos. (...) Sua carta nos deixou tremendamente felizes e, é claro, princi-
Você certamente recebeu minha carta do dia 4. Nem imagina a palmente mamãe, que está particularmente interessada em seus
alegria e a exultação que seu doutorado criou por aqui. Recebemos planos. Você é um anjo por se preocupar tanto com o bem-estar e o
parabéns constantemente, e às vezes fico achando que é como se descanso de mamãe. Mas, afinal, fui eu que passei tanto tempo so-
tivéssemos uma festa de noivado em casa, com todos esses votos de nhando que mamãe pudesse passar algum tempo com você: só assim
felicidade com que nos cumulam. eu poderia parar de me preocupar com ela. A esta altura, porém,
Papai e mamãe simplesmente ficaram prosas. Todas as manhãs, nem sequer podemos pensar numa viagem, porque mamãe está fraca
antes de papai sair, os dois fazem negociações demoradas sobre demais. Nessas últimas semanas, mamãe realmente tem-se sentido
quem vai ficar com sua carta — mamãe, em casa, para a eventua- melhor, e esperamos em Deus que se recupere; mas ela esteve
lidade de alguém passar por aqui, ou papai, no bolso, para mostrá-la gravemente enferma por muito tempo e ainda está muito esgotada.
na cidade. E se alguém vier aqui? Sua carta com a notícia (esse Não se esqueça, querida, de que nessa idade a dor é um fardo todo
documento é muito mais convincente do que a melhor das oratórias) especial, de modo que ela precisa estar completamente sadia para
tem que ser apresentada. Mas, e se, "justamente nessa hora", papai fazer a viagem e poder desfrutar da visita a você.
tiver que lê-la para um conhecido na cidade? É realmente uma pena
que você mesma não possa ouvir essas altercações, que não possa
participar da alegria cuja causa é você. * Luxemburgo estava em férias com Jogiches, de cuja existência os familiares em Var-
Seguem em anexo 5 rublos que mamãe está lhe mandando, sóvia não tinham conhecimento.
288 Correspondência Cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 289

Para lhe dizer a verdade, preferi seu plano a qualquer outro. Eu De Anna:
tinha concordado, com o coração pesado e por falta de outra solu-
ção, com a viagem dela a Londres, tanto por causa da viagem de
navio quanto por causa de N[atan], que é o menos capaz de criar 4 de agosto de [18]97
uma atmosfera de paz e tranqüilidade. Só estava contando com a
companhia de Lilly e das meninas, de quem mamãe gosta muito; Querida!
achei que isso daria prazer a ela e que, de Londres, ela iria até aí. Hoje de manhã recebi sua carta e agradeço muito. Você nos
Lamento profundamente que mamãe não possa ir agora. É claro que censurou por não lhe contarmos a verdade sobre a doença de
mamãe não quer outra coisa senão ver você, e, quando estava gra- mamãe, mas tem que admitir, minha querida, que não faria sentido
vemente doente, insistia em ver você, esquecendo todos os obstá- nenhum deixá-la preocupada, quando você não podia fazer nada
culos. Houve momentos em que tive de lhe prometer que você viria para ajudar. Você se preocuparia e se atormentaria, sem que isso fi-
visitá-la, e ela esperou impacientemente. Só agora que está muito zesse nenhum bem a ninguém. A distância torna tudo mais assus-
melhor é que ela consegue entender a verdade, e está planejando tador, e seu próprio desamparo poderia ter deixado você em profun-
calmamente a viagem junto conosco, e a esperança de rever você a do desespero. Se você não estivesse tão longe — mas está, aí "além
enche de alegria. das montanhas", totalmente só —, e era preciso eu não ter nenhuma
O que eu passei, querida, durante a doença dela, e o quanto consciência para lhe dar uma notícia dessas, ainda mais que você nãc
isso foi difícil para mim, nem sequer posso expressar em palavras. tem ninguém para lhe dar assistência, estava trabalhando muito [m
Quantas vezes, tudo o que eu queria era que você estivesse aqui! tese de Doutoramento] e, para esse tipo de trabalho, a paz de espirite
Que alívio isso seria para mamãe e para mim. Mas, graças a Deus, é uma condição necessária.
houve uma virada para melhor. Não preciso lhe assegurar, acho eu, O Dr. Strzeszewski passou por aqui hoje (não via mamãe há
que mamãe está recebendo o melhor e mais atencioso atendimento. uns dez dias) e achou o estado dela muito melhor. Mamãe lhe deu
No começo eu era meio desajeitada — por alguma razão, não um grande prazer por estar tão bem, como ele mesmo disse, e ele
conseguia cuidar dela e da casa, mas agora estou tão entendida que nos garantiu que as coisas estão melhorando dia a dia. Mesmo assim,
consigo lidar com as duas. Naturalmente, Józio ajudou mamãe tanto não negou que vai ser preciso muito tempo para que mamãe se recu-
quanto pôde e, sempre que necessário, trouxe seus colegas. Todos pere por completo, porque ela passou por um sofrimento pavoroso e
gostam dele sinceramente e o respeitam. está muito fraca e emaciada. Acredito firmemente que a melhor ma-
Bom, não deixe esse adiamento decepcionar ou preocupar neira de ela se recuperar seja sob os seus cuidados, e, embora seja
você, e aproveite bastante suas férias no campo. Mamãe e eu resol- impossível marcar uma data agora, poderia ser dentro de um ou dois
vemos que, no momento em que ela estiver apta a fazer a viagem, meses (Józio poderá explicar-lhe isso melhor). De qualquer modo,
ela irá imediatamente, mesmo que seja muito depois. Nessa ocasião garanto-lhe que farei tudo o que puder para fazer mamãe visitá-la.
você terá que adaptar seu trabalho [aos horários da mamãe]. Quero Torno a repetir que, tão logo mamãe esteja suficientemente forte para
que você saiba que o custo da viagem não constitui nenhum obstá- viajar, nenhum outro obstáculo impedirá a viagem. Sua proposta a
culo, e você não precisa se preocupar com isso. Boa sorte e regozije- meu respeito é sem dúvida tentadora, e você não precisaria me per-
se com as boas notícias sobre mamãe. guntar duas vezes, mas ainda não sei se é viável. Mas é mamãe que é
Um beijo carinhoso da sua mais importante agora, e todo o resto nós discutiremos depois.
A. E agora, quanto a Lilly, o que aconteceu foi o seguinte. Você
sabe, não é, que eles estavam esperando que mamãe fosse lá, e
Mamãe está mandando mil abraços. Vai escrever para você quando tinham feito todos os planos para o verão contando com a visita dela.
estiver um pouquinho mais forte. Mande seu novo endereço Para não enganá-los por mais tempo, tive de informar que eles es-
imediatamente. tavam esperando em vão. Lilly respondeu que estava disposta a vir e
ajudar a cuidar de mamãe, e depois levá-la para Londres. Isso acon-
teceu na ocasião em que o estado de mamãe esteve pior, quando ela
insistiu em que você viesse aqui e eles também. Assim, decidimos
290 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 291

ter um efeito bom e tranqüilizador para ela, e escrevemos dizendo Não se preocupe, minha querida, o pior já passou, você vai ver
que mamãe ficaria muito contente em recebê-los. Mal recebeu a — de agora em diante, as coisas vão melhorar e, se Deus quiser,
notícia, Lilly partiu com as crianças no dia seguinte e chegou dois mamãe vai ficar boa. Vou-lhe escrever com freqüência, e agora, trate
dias depois, isso foi no fim de junho, e só não lhe escrevi a respeito de aproveitar seu merecido repouso no interior. Não o envenene
porque não quis assustá-la com essa visita repentina. Mamãe ficou com idéias desnecessárias, porque isso não faz nenhum sentido, e
tão feliz que, no dia da chegada deles, logo de manhã cedo, vestiu-se porque você fará com que nos sintamos melhor se seu estado de
pela primeira vez em dois meses e sentou-se no sofá para esperá-los. ânimo melhorar. Escreva depressa! Um beijo muito carinhoso da sua,
Lilly e as crianças cumprimentaram mamãe de maneira muito calo- A.
rosa e houve júbilo de ambos os lados. A partir daí, mamãe começou
a melhorar e, embora o processo vá ser muito demorado, é evidente [Na margem.-]
que ela está recuperando a saúde. Às vezes ela fica tão agitada que Mamãe está mandando milhares de beijos, e papai despachou o
sente vontade de chorar o tempo todo, e precisa de paz e sossego e cartão postal que você pediu.
atenção constante. Coloquei nossos hóspedes no quarto que aluga-
mos. Até agora, só ocupávamos dois quartos, e o terceiro, como lhe [Em inglês-.]
escrevi certa vez, sublocávamos por 10 rublos por mês. Rearrumei
esse quarto depressa — mais ou menos — para eles e há espaço Querida Rosa, espero que você esteja muito bem e que esteja
suficiente para todos. Lilly e as meninas só pensam no bem-estar da passando um período sossegado no interior; nós todos vamos muito
mamãe. É verdade que agora tenho mais trabalho em casa, pois bem. A querida Andzia lhe escreveu porque estamos aqui; com
preciso pensar não apenas no conforto de nossos hóspedes, mas muitos beijos de sua irmã sempre afetuosa,
Lilly
também tenho de sair para fazer compras (coisa de que jamais gostei) e
ficar de olho na cozinha, porque, embora a empregada seja traba-
lhadora, não consegue dar conta de tudo sozinha. Mesmo assim, vou [Em inglês, numa grafia infantil:}
lamentar quando elas forem embora, mas a passagem de volta logo Querida titia, mando beijos da sobrinha que muito a quer,
vai expirar. Tenho em Lilly uma verdadeira amiga, com quem posso Annie.
pelo menos falar abertamente. Ela gosta muito de você; não lhe infor-
mou sobre a viagem de propósito, por medo de preocupá-la. Lilly Minha querida titia, uma porção de beijos, estou contente em contar
está com muito boa aparência, até mais bonita do que antes, e as que a vovó está melhor, a Rosinha [filhinha de Józef] esteve aqui, é
meninas estão bonitas e tão altas que você não as reconheceria; uma gracinha de bebê, da sua Jeannie.
qualquer hora dessas, vão estar da altura da mãe. Elas me contaram
sobre as cartas que você lhes escreveu e sobre como isso as deixou
contentes. Você gostaria de ver como se rejubilam quando mamãe
senta um pouquinho na sacada, e como se desdobram para ser úteis,
como tentam ler nos olhos dela se ela precisa de alguma coisa. Elas De Józef Luksenburg:
são mesmo muito boas meninas e bastante desenvolvidas, mas têrn
problemas de aprendizagem. É evidente que não estão bem orien-
tadas. As mudanças constantes de um lugar para outro, as interrup- 20.VIII.[18]97
ções, impedem que elas façam progressos. Elas aprenderam um
bocado de polonês aqui e, quando têm que fazê-lo, conseguem se Querida Róziunia!
comunicar, mas têm um sotaque engraçado. Há muito tempo eu queria lhe escrever, porque não tínhamos
Mas, quem lhe falou sobre a visita delas? Foi o Bernard? Mamãe nenhuma notícia sua e estávamos ficando agitados. Mas, finalmente,
tem insistido em escrever um post-scríptum, mas fará isso da próxima sua carta chegou e você parece estar bem. Aqui, no entanto, as coisas
vez, porque estou escrevendo tarde da noite e quero despachar a não vão bem. Você soube por Andzia [Arma] que nossa querida ma-
carta logo de manhã, para não deixar você esperando. mãe vem sofrendo há muitos meses. Você compreende, é claro, que
ela está tendo a melhor assistência médica disponível, e o que quero
292 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 293

dizer com isso é que não apenas eu, mas também outros médicos, com Rózia e Mania [parentes]. Elas estão muito preocupadas com
estamos cuidando dela. Ela está sob a assistência constante do Dr. mamãe e perguntam freqüentemente pela saúde dela. Mande-lhes
Strzeszewski (você certamente se lembra dele) e, de quando em lembranças nossas e nos conte como foi a visita delas. Lilly viajou há
quando, consultamos os médicos mais eminentes, a quem posso pro- dez dias, e fica logo um silêncio pavoroso; sentimos muita saudade
curar quando surge a menor necessidade. Essas consultas são neces- delas, mas o que mamãe mais precisa é de paz e sossego. Escrevi
sárias, infelizmente, porque a natureza da doença ainda não foi uma longa carta para você no dia 6 e, de você — nada. Peço-lhe que
definida com clareza. É uma disfunção prolongada do estômago e escreva logo a seu respeito. Um beijo carinhoso, A.
dos intestinos, por vezes extremamente dolorosa, que causa perda de
apetite e perda das forças. Há altos e baixos. Tratamos de mamãe Mamãe manda milhares de abraços.
sem poupar esforços. Em primeiro lugar, existe, naturalmente, Andzia
— ela literalmente não sai de casa por um só, minuto — e, é claro,
papai. Munio passa por aqui, eu venho 2-3 vezes por dia, e Gucia
[mulher de Józef] também vem visitá-la. Agora mamãe está um
pouquinho pior e esperamos uma melhora a qualquer momento. De Anna:
Amanhã, meu chefe, o eminente Dr. Somer, virá comigo examinar
mamãe. No minuto em que houver uma mudança nós lhe diremos. [Cartão postal]
Afora isso, não há grande coisa acontecendo. Lilly e as meninas 26 de agosto de [18]97
foram embora [para a Inglaterra] e os primeiros dias após a partida
delas foram difíceis. Já recebemos notícias delas, dizendo que estão Minha querida!
bem. Poucas horas depois de eu lhe enviar meu cartão postal, seu
Nossa filhinha está indo de vento em popa. Quando vem visitar cartão chegou. Obrigada, porque estávamos muito preocupados.
mamãe, consegue animá-la, por mais fraca que mamãe esteja. Gucia Seguem em anexo 10 rublos, que você certamente poderá usar
vai bem e eu também. para ter um descanso melhor.*
Que tudo lhe corra bem, e escreva. Suponho que você já tenha recebido os hóspedes esperados e
Seu, estou aguardando suas impressões. Tenho de correr até a agência
J. postal, por isso não posso escrever mais e mando um beijo de
coração.
Sua,
A.
Mamãe manda milhares de beijos.
De Anna:

[Cartão postal]
carimbo do correio
[25 de agosto de 1897] segunda-feira

Querida!
Porque você não respondeu ao postal de mamãe? Ela o es-
creveu há umas duas semanas. Achamos que você ficaria contente e
que escreveria de volta imediatamente. Mamãe está muito aflita com * Sem saber da existência de Leo Jogiches e do apoio financeiro que ele dava a RL,
seu silêncio, portanto, apresse-se. Mamãe está passando melhor e fala os familiares de Rosa lhe mandavam dinheiro, apesar de sua situação apertada.
em você o tempo todo. Está esperando com alegria seu encontro
294 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 295

De Anna:
[Cartão postal] De Anna:
2 de setembro de [18]97
[Cartão postal]
Minha querida! 12 de setembro de [18]97
Recebemos sua carta ontem e lamento muitíssimo que você não
tenha podido encontrar-se com Rózia e Mania. Minha querida!
Você vai receber o Courier, vou mandar alguns exemplares Escrevi-lhe no dia 2, e depois no dia 5 — você não escreveu
hoje. Não posso mandar-lhe o Prawda porque cancelei a assinatura uma única palavra. Porquê? Estou muito nervosa e peço-lhe que
em julho, já que não tinha tempo nem paz de espírito para lê-lo, por escreva imediatamente.
causa da doença de mamãe — tenho de estar constantemente à O sofrimento de mamãe diminuiu um pouco nos últimos dias e
cabeceira dela. Muitas vezes, sinto-me desanimada, e principalmente ela está mais tranqüila.
muito sozinha, desde que Lilly foi embora. Nas últimas semanas Espero uma resposta pela volta do correio. Abraços apertados.
mamãe teve dores agudas no estômago. Espero em Deus que ela Sua,
melhore. Fiz planos tão maravilhosos para você e mamãe se encon- A.
trarem, e nada funcionou. Essa idéia me abate o tempo todo. Escreva
depressa! Abraços, sua,
A.

Papai manda lembranças e mamãe manda mil beijos. De Józef Luksenburg:


[sem data, em torno de 18 de set. 1897]

Minha querida! Você provavelmente recebeu a encomenda e os


postais. Sua carta chegou. Fiquei surpreso por você não mencionar a
De Anna: carta que lhe escrevi há 2-3 semanas. Infelizmente, mamãe não me-
lhorou. Estamos todos nos revezando à cabeceira dela.
[Cartão postal] Que você fique bem e tenha esperanças.
5 de setembro de [18]97 Seu,
J.
Minha querida! Recebi seu postal e sua carta do dia 30. Você pro-
vavelmente recebeu os jornais que despachamos no outro dia. Quanto [Anotação na margem, com a letra de Anna:]
ao estado de nossa amada mamãe, não tenho nada de novo para Minha querida! Escrevi-lhe um postal no sábado. Mamãe está man-
contar depois do que Józio lhe escreveu recentemente. Ainda não dando o seu amor, fala constantemente em você. O estado dela ainda
houve melhora. Mandei-lhe um cartão postal no dia 2. O está inalterado. Dê-nos notícias suas. Mil beijos da sua, A.
endereço de Lilly não mudou, mas eles foram todos para a beira-mar
por duas semanas. Mamãe lhe manda lembranças. Um beijo cari-
nhoso.
Sua,
A.
296 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 297

De Anna: faleceu e depois começou a vomitar, ela me disse na mesma hora


que tinha tido um pressentimento do fim iminente, e que só tinha um
[Cartão postal] desejo: que todos os filhos vivessem em harmonia, e queria muito ver
[Carimbo do correio de 24/09/1897] você antes do fim. Você pode imaginar como fiquei horrorizada,
Quarta-feira ainda mais que minha antiga aversão por aprender qualquer coisa
sobre as doenças me deixava sem nenhuma experiência ou idéia do
Querida! que fazer. Józio veio aqui de manhã, e depois veio [o Dr.] Strzes-
Você certamente recebeu meu cartão postar do dia 12, que zewski, e outros médicos ainda, e eles diagnosticaram um tumor, ou
cruzou com o seu. Nada se modificou. Houve alguma melhora e ma- simplesmente um nervosismo agudo, ou seja, histeria, que às vezes
mãe está mais tranqüila. O Dr. Strzeszewski passa por aqui de vez em tem os mesmos sintomas. Naturalmente, acreditamos neste último
quando, mas Józio vem diversas vezes por dia e fazemos tudo o que diagnóstico, embora eu ficasse com calafrios ao lembrar que a Tia
é possível para minorar a dor de mamãe. Que, está acontecendo com Retja tinha vomitado da mesma maneira até o fim, como me conta-
você? Escreva um pouco mais. Abraços de mamãe e beijos cari- ram, e então a lembrança ficava voltando teimosamente e batendo na
nhosos. minha cabeça. Em junho, porém, o estado de mamãe melhorou sig-
Sua, nificativamente, ela recuperou o apetite e a dor nas costas diminuiu;
A. aí mamãe achou que o perigo tinha passado e, com essa impressão,
escreveu um cartão postal para você. Também comecei a acreditar
que mamãe se sairia bem daquilo, contando principalmente com sua
constituição forte, mas, infelizmente, não pude me enganar por muito
tempo, porque algumas semanas depois ela começou a emagrecer
De Anna: tão depressa e tão visivelmente que era difícil ter alguma esperança.
Desde o comecinho, meu desespero e meu medo por mamãe foram
aumentados por minha preocupação com você — por você não po-
[sem data, posterior a 30/09/1897] der estar ao lado dela nessa situação —, e isso, por sua vez, foi
exacerbado pela exigência obstinada que ela fazia de que você viesse
Minha muito amada irmã! vê-la. Sob a influência de duas injeções diárias de morfina, ela perdeu
Estou com o coração partido por você estar tão longe e tão só. o contato com a realidade. De fato, [não sei] como sobrevivi a tudo
Estou sofrendo por mim mesma e por você, por não podermos cho- isso, às noites insones passadas junto à cabeceira de mamãe, ao
rar juntas e compartilhar nossas lembranças de nossa mãe querida. medo e à ansiedade constantes, ao peso de dirigir a casa, além de
Ela sofreu terrivelmente, horrivelmente, durante esses seis meses, e todo o resto, houvesse o que houvesse, à dor que eu sentia diante da
só nossa mãe, com seu temperamento doce, podia suportar aquilo mera visão do sofrimento de mamãe e, por último, à pior calamidade:
sem resmungar ou reclamar, sem nunca incomodar ninguém. Não sei a perda de nossa querida, bondosa, doce e generosa mamãe, que só
se foi sua profunda fé religiosa ou sua bondade angelical que lhe deu viveu para nós. Agora está vazio e triste aqui, não tenho ninguém
forças e calma durante a doença, uma doença pavorosa, porque era com quem conversar, e mesmo assim continuo vivendo e, por irônico
que pareça, estou sadia e forte. Que acha disso?!
um tumor tão profundo no estômago que os médicos não conse-
O pacote que você recebeu recentemente, só o mandei por
guiram descobri-lo de imediato. O sintoma dessa doença infeliz eram
insistência de mamãe. Eu não tinha tempo nem paciência. O sofri-
os vômitos constantes, e, por vezes, depois de vomitar, a pobre mento desumano não impediu mamãe de calcular com antecedência
mamãe, fazendo um esforço sobre-humano, repetia baixinho: "graças o dia do feriado [o Ano Novo judaico] e de insistir em que a
a Deus por isso." Ninguém nunca viu tanta humildade e resignação, e encomenda chegasse até você a tempo. Eu queria comprar a massa
é por isso que tanto os médicos quanto todas as pessoas que vinham na padaria, mas mamãe insistiu em que eu mesma preparasse os
visitá-la expressavam não só uma compaixão genuína, mas reverên- blintzes, senão, disse, você não sentiria o gosto da casa. Durante esse
cia e respeito por mamãe. tempo todo, mamãe nunca parou de pensar no que daria prazer a
Na primeira noite da Páscoa, quando mamãe de repente des-
298 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 299

você e compensaria sua solidão. Se pudesse, ela lhe teria mandado o Papai vai lhe escrever depois. Está passando bem e, aparentemente, a
amor que sentia por você, disse. Ela se gabava de você, guardava companhia das pessoas na cidade é uma grande ajuda para ele.
suas cartas junto à cabeceira e dava-as aos amigos para ler, obser- As cartas de condolências continuam chegando aos borbotões, mas
vando o rosto deles em busca de sinais de reconhecimento. Vivia me não me importo muito e nem sequer respondo. Você é a única pes-
lembrando repetidamente de lhe mandar lençóis, e, de fato, a roupa soa de quem quero ter notícias.
de cama que comprou na última primavera ainda está na gaveta,
porque foi justamente aí que veio o golpe. Ela me pediu para pre- Como seria esplêndido se estivéssemos juntas agora! Eu conversaria
parar a festa tradicional de Ano Novo, para que papai soubesse que com você o tempo todo sobre mamãe, e você me manteria animada,
aqui era um lar e que aquele era um dia santo, e quis que Józio e a com seu caráter forte e sua energia, e me diria o que devo fazer com
mulher dele se juntassem a nós, e é claro que os convidei para agra- minha vida solitária e sem sentido.
dar mamãe, embora nada pudesse estar mais longe da minha cabeça.
Ela ficou totalmente consciente até o fim. Sabia que estava morrendo
e esperou, resignada e tranqüila. Muitas vezes a vi rezando, e ela
freqüentemente nos pedia que ficássemos com ela. Falava ern você o
tempo todo e, nos últimos dois dias, só pensava em você e murmu-
rava seu nome vez após outra. No último dia, perguntou; "Porque
Rózia não vem?" Quando lhe lembrei que você estava fora, ela ficou De Anna:
apenas repetindo: "Rózia, Rózia", até o último suspiro. Mamãe deixou
para você um anel com a gravação "Da mamãe e do papai", e com a
data de seu último exame. Guardei um cacho do cabelo de nossa [Sem data, posterior a 30/09/1897]
querida mãe para você e uni punhado de terra da sepultura dela. Não
posso escrever mais hoje. Escreva para nós, minha pobre e tão que- Minha querida Rózia!
rida Rózia, e tente ser forte em nossa dor. Lembre-se de que mamãe Ontem à noite chegou sua segunda carta e hoje de manhã che-
ficaria profundamente preocupada se alguma coisa lhe acontecesse. garam mais duas. Meu Deus, como você deve estar sofrendo, total-
Tente encontrar alívio e consolo no fato de que a vida modesta e mente sozinha e solitária. Achei que a Sra. Lübeck ficaria com você
digna de mamãe granjeou-lhe o respeito e o amor de todos os que a pelo menos uma semana. Não! Não vou deixá-la assim nem mais um
conheceram, e que agora nos mostram solidariedade, honrando a dia! Mamãe nunca nos permitiria deixá-la só e abandonada numa
memória de mamãe e impedindo que nos sintamos sós. Todos os época de tamanha tristeza. Não estivemos sozinhos nem por um mo-
nossos parentes, sem nenhuma exceção, visitaram com freqüência a mento durante a doença de mamãe e depois do funeral. Todos os
pobre mamãe doente, e agora vêm nos trazer alívio e consolo. O nossos parentes se desdobraram para nos demonstrar solidariedade e
coitado do Józio passou por um mau bocado. Vem aqui diversas até hoje continuam a nos visitar. Só agora percebo como foi cruel
vezes por dia chorar conosco, recordar as palavras de mamãe e olhar deixá-la sozinha no seu desespero, minha pobrezinha! Resolvi ir ao
para os lugares que nos fazem lembrar dela. seu encontro imediatamente, ou então mandar papai. Quem irá pri-
Um beijo e um abraço para você de todo o meu coração. Não meiro, ele ou eu, vamos discutir com Józio prontamente, mas hoje
se esqueça de me escrever logo. eles estão comemorando um aniversário. Tenho dinheiro mais do
Sua para sempre, que suficiente, portanto, não se preocupe com isso, lembre-se! Não
A. fui antes porque sabia que você estava deixando a Suíça, de modo
que achei que seria melhor ir a sua casa nova, e também a viagem
[Nas margens.] seria mais barata e mais curta. Se você ainda não puder ir para
Mamãe também estava planejando fazer-lhe uma visita, mas dessa Berlim, talvez possamos nos encontrar em Viena. Se isso ficar fora do
vez em minha companhia. Ficava repetindo: "Você tem de ir comi- seu caminho, pense em algum outro lugar, [porque] eu preferiria não
go!" Disse-me que não conseguia entender a si própria, como podia ir à Suíça — mas, lembre-se, não faça nada que torne a viagem mais
ter pensado algum dia em ir sem mim. dispendiosa para você. Estou tão ansiosa por vê-la, tenho tantas
300 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 301

coisas para lhe contar — coisas que não posso pôr no papel. Ao con- incomodá-la? Porque, com respeito a seu comportamento para com
trário de você, não tenho talento para expressar meus sentimentos e mamãe? Ela sempre se orgulhou de você, suas cartas foram a maior
pensamentos no papel; sou incapaz de colocar em palavras as idéias alegria dela até o fim, e quando, por alguma razão, ela ficava
que enchem minha cabeça. Lembre-se, fique calma, como é que você insatisfeita conosco, dizia: "Só a Rózia faria qualquer coisa que eu lhe
pode dizer que agora não tem razão para continuar vivendo? E o pedisse", ou "Rózia é a mais inteligente de todos vocês, ela sabe
papai? E eu? Como é que você pode, como é que ousa sequer ter valorizar os pais e faria qualquer coisa por nós com prazer." Quando
essas idéias?! Você nunca deve esquecer as palavras de mamãe — chegou sua carta sobre o doutorado, no começo de maio, mamãe já
que só você tomará famoso o nome da nossa família. Lembre-se de estava sentindo dores terríveis, mas, não importa quanto estivesse
que ela falou e pensou em você nos últimos momentos de sua vida. sofrendo, nunca se esquecia de elogiar você e de mostrar a carta a
Munio [o irmão] está esperando impacientemente que eu acabe, por cada uma de suas muitas visitas. O Dr. Strzeszewski, que conhece
isso, até breve, minha querida. você e é amigo nosso, depois de ler a carta em voz alta junto à
Sua até a morte, cabeceira de mamãe, disse: "Sempre que a senhora estiver aflita ou
A. triste, madame, deve ler a carta de sua filha, pois ela a consolará e
infundirá vida nova na senhora." Como mamãe ficou orgulhosa!
[Na margem esquerda:] Repetia as palavras do médico para todas as visitas. Mamãe confiava
Ontem à noite, logo que recebi sua carta, mandei-lhe um cartão enormemente nele e, muitas vezes, ele nos ajudou a acalmá-la. No
postal. início da doença, ela recebeu injeções de morfina para aliviar a dor
pavorosa nas costas. A injeção lhe dava grande alívio por algumas
[Na margem superior:] horas, pelo menos no começo, mas também causava alucinações. De
O correio demora tanto para chegar, droga! repente, de madrugada, ela via você e nos acusava de a estar levando
para o quarto ao lado; insistia em que trouxéssemos você de volta.
Primeiro, achei que ela estava tendo pesadelos, e depois achei que
isso estava acontecendo por ela falar tanto em você durante o dia.
De Anna: Mas continuou assim por vários dias, e ela estava convencida de que
nós estávamos impedindo você de vê-la. Quando falei com Józio, ele
tentou convencer mamãe de que ela estava tendo alucinações. Mas
mamãe, que sempre confiara nele, disse, irritada, que estávamos
[Sem data, circa 28 de outubro de 1897] todos conspirando contra ela e, banhada em lágrimas, disse que nós
nos estávamos recusando a deixá-la ver "a própria filha por quem ela
Minha queridíssima: estava esperando havia tanto tempo". Isso foi continuando assim, até
Acabamos de voltar da casa de Józio e ele concordou em que que conversei com [o Dr.] Strzeszewski em particular e lhe pedi sua
alguém tem que ir ficar com você. Achei que papai deveria ir pri- orientação. Ele fez um exame habitual em mamãe e, depois, con-
meiro, mas Józio achou que eu devia ir de imediato. Talvez isso seja versando com ela, tentou puxar o assunto. Naturalmente, mamãe lhe
o certo, porque, quando eu chegar aí, poderemos decidir juntas se e confidenciou que nós a estávamos magoando, escondendo você. Ele
quando papai deve ir. Minha querida, agora que a decisão foi to- lhe deu sua palavra de honra que você não estava aqui e que, se
mada, mal posso esperar para vê-la, para abraçá-la e apertá-la e lhe estivesse, ele mesmo a levaria à presença dela. Depois de ouvi-lo,
contar sobre minhas conversas intermináveis com mamãe a seu res- mamãe o olhou bem nos olhos, e é evidente que a franqueza do
peito. Mas não se desespere, pelo amor de Deus, lembre-se! Mamãe olhar dele a convenceu, porque ela nunca mais tornou a tocar no
era profundamente religiosa, vi isso com mais clareza nos últimos assunto, mas falava sobre você com calma e apenas nos lembrava
anos, e ela vivia repetindo que devemos aceitar a vontade de Deus constantemente de escrevermos para você, mandar-lhe dinheiro
sem reclamar! Você deve levar sua vida com o espírito de mamãe, e regularmente, ou mandar-lhe alguma encomenda. (...)
esse será o melhor e mais nobre monumento a ela! Que idéias es- Amanhã de manhã é “sh'loshim”, ou seja, quatro semanas de-
tranhas passam por sua cabeça — porque sua consciência deveria pois do funeral, vamos visitar mamãe, haverá um serviço religioso e
302 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 303

vamos rezar, naturalmente também em seu nome. Vou dizer a ela De Józef Luksenburg:
que verei você em breve, que não a deixaremos sozinha na dor e na
tristeza. Ela por certo ficará contente e abençoará nossa decisão. (...)
Que tudo lhe corra bem, minha pobrezinha, minha querida 30 de outubro de [18]97
Rózia. Pense em nós, mas fique calma, lembre-se. Isso é o que ma-
mãe sempre esperou de nós. Quando, nos últimos dias, eu já não Minha querida Róziunia!
conseguia mais agüentar e irrompia em prantos, sentada à cabeceira Querida, abraço e beijo você com muito afeto; reúna toda a sua
de mamãe, ela dizia calmamente: "Porquê? O médico provavelmente força de vontade e se acalme um pouquinho. Nossa tragédia é enorme
lhe deu alguma notícia ruim. Não acredite nele e não se preocupe. e não pode ser revertida. Tudo o que resta são uma dor aguda e as
Deus está olhando por nós, vamos confiar só n'Ele. O que quer que lembranças, desde a infância até o último momento. Não pense que
Ele faça será a coisa certa." Só um gigante espiritual é capaz de dizer foi só você — estando longe como está, impossibilitada de ver com
essas palavras enquanto se contorce de dor, você não acha? Adeus seus próprios olhos, de sentir a catástrofe iminente — que não
mais uma vez, um beijo carinhoso. Sua, sempre, conseguiu acreditar na verdade no primeiro momento. Não foi só
A. você, mas nós, todos três, até eu mesmo, que estava familiarizado
com a pavorosa verdade havia muito tempo — eu próprio não per-
cebi, nem mesmo no fim, que estava tudo acabado. No segundo e no
terceiro dias depois do funeral, e ainda hoje, eu me apanho pensando
que talvez mamãe volte. Posso vê-la, com seu rosto doce, quando, mal
De Józef Luksenburg: terminava o jantar, vestida como se estivesse indo a uma festa, ela
vinha visitar nossa filha. Deixava o casaco e o chapéu no saguão e
espiava paia dentro da sala com um sorriso terno, para ver se a
[Cartão postal] menina estava correndo para saudá-la; e quando a menina, que de
21.X. [l 8]97 fato reconhecia a voz da avó, saía correndo com os bracinhos abertos
e a abraçava, repetindo "Vovó, vovó", dava para ver o quanto ela se
Minha querida! Escrevi para você ontem e juntei à carta um cachinho
orgulhava porque a menina sentia o amor e a afeição dela; e então
de cabelo [da mãe morta], mas esqueci de mencionar isso na carta.
mamãe dizia: "Está vendo, o sangue é mais forte, ela sabe que a vovó
Estou esperando impacientemente receber uma carta sua. Recebemos
a ama." Nossa mãe, doce e modesta, não conhecia diversão ou entre-
cinco cartas suas, e mais uma para mim, o que perfaz 6. Hoje de ma-
tenimento exceto em sua casa e com seus filhos. Essas visitas eram
nhã todos visitamos a sepultura levando você na mente, minha que-
um dia santo para ela. São essas as imagens, vivas e próximas, que
rida, muito querida. Tenha coragem, anime-se, tomara que a perspec-
tenho diante dos olhos: o rosto dela, seu modo de gesticular, de
tiva da visita de Andzia a tranqüilize um pouquinho. Que tudo lhe
andar, quando ainda estava suficientemente bem pra sair. Esses
corra bem, escreva. Eu queria escrever sobre outra coisa, mas agora
momentos ficam voltando a minha mente urna vez após outra, e
não consigo lembrar o que era. Ou então, queria apenas escrever.
mesmo agora, ao som da campainha —- quando ainda estamos
sentados à mesa de jantar —, eu me volto instintivamente. Em vão —
Seu. ela se foi. Fico censurando a mim mesmo por não ter estado com ela
J. constantemente, embora morássemos tão perto todos esses anos; eu
não falava com ela com freqüência suficiente, não beijava as mãos
dela com ternura bastante pára senti-las agora, não a carreguei rios
braços, não a afaguei o bastante, não a amei da maneira que ela nos
amou, a mim, a minha mulher, a minha filha.
Agora, não há nada que eu possa fazer — só posso dizer o
“kaddish” no templo todos os dias, como mamãe teria feito se eu a
304 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 305

deixasse. Mamãe era religiosa, e durante a doença nos pedia que minha ajuda. Mas me deleitava com a terna graditão dela, e tinha
rezássemos por sua recuperação. Ela se foi, nunca a veremos de vontade de sair correndo, com vergonha dela. "Afinal, você é médico,
novo. Você, minha querida, está sofrendo sozinha, não pode nem é meu filho, com certeza vai me ajudar, não quero outros médicos",
sequer chorar conosco, mas nós — por cima da catástrofe com ma- dizia. Nunca vou esquecer o horror, a angústia, até o dia da minha
mãe — estávamos deseperados com você. Que devíamos fazer? morte.
Como podíamos deixá-la sozinha? Como informar você, para que Como é freqüente acontecer, ela teve algumas alucinações
você tomasse conhecimento da verdade por nós, e não através de um depois das primeiras injeções de morfina. Mamãe achava que você
estranho? Quantas vezes mamãe falou em você, em como a amava tinha vindo para cá, que nós a estávamos escondendo, e nos censu-
profundamente! Minha querida, eu a abraço de todo o coração, você rava vigorosamente, exigindo que você fosse até ela, e para acalmá-
nos é ainda mais cara agora do que antes, porque nossa mãe tinha la., dizíamos que você estava em meu apartamento provisoriamente.
um tipo especial de amor por você. Durante a doença, cujo perigo As alucinações pararam depois de alguns dias — para sempre. Con-
ela sentia, embora às vezes tivesse esperança de se recuperar, era versávamos freqüentemente a seu respeito. Ela guardava sua carta na
freqüente ela falar comigo em particular. Uma vez, disse-me: "Meu mesinha de cabeceira e a exibia orgulhosamente às pessoas que
filho, no fim das contas, são você e Rózia que eu amo mais, sinto perguntavam por você. Ficava radiante quando alguém lhe dava os
orgulho de vocês dois; não me preocupo com Rózia, ela vai ser parabéns depois de ler a carta, especialmente os dois médicos que
alguém." Lembro-me bem dessas palavras, estávamos conversando demonstraram afeição e compaixão por ela. Dentre todos nós, a
sobre você, sobre seu [doutorado], sobre Andzia — porque, justa- abnegação e o sacrifício de Andzia foram muito além do que se pode
mente nessa época, havia alguns planos matrimoniais à vista, mas ver em situações similares. Durante sete meses, ela só saiu de casa
não se concretizaram. Mamãe queria muito [encontrar um marido rapidamente algumas vezes, quando insistimos para que o fizesse.
para Andzia] e dizia que, se esse desejo dela se realizasse, não teria Não dormiu uma noite inteira uma única vez e não se despiu uma só
que se preocupar com nenhum dos filhos, e também não se preocu- vez!
paria com seu destino. Infelizmente, essa paz de espírito lhe escapou. Na última semana houve uma piora repentina. Em geral, mamãe
Além disso, à medida que a doença foi progredindo, os desejos de esperava por mim de manhã e, depois de lhe aplicar a injeção, eu a
mamãe minguaram, mas essa foi uma época em que ela sofreu fazia andar do quarto para o outro aposento, que tinha sido arejado
gravemente. Começou com sintomas de digestão, que, no entanto, mais cedo. Ela deitava no sofá até a noitinha, quando eu tornava a
não diminuíram depois do tratamento habitual. Fiquei muito aflito. ajudá-la a andar até o quarto. Nos últimos dias ela teve de ser car-
Consultei o [DrJ Sommer, pois tinha um palpite de que havia alguma regada: uma vez eu mesmo a carreguei nos braços, e depois foi
coisa gravemente errada. Naquele momento foi feito o primeiro Munio [irmão]. Mas ela não queria que o fizéssemos, achando que
plano de mamãe visitar você. Apesar disso, minha experiência pro- havia alguma coisa errada nisso. No último dia, quarta-feira, 29 de
fissional me atormentava dia e noite e, embora Sommer não encon- setembro, quando a segurei por baixo das axilas para fazê-la andar
trasse um tumor ou um câncer estomacal, atribuí seu diagnóstico ao até o diva pela última vez, fiquei assustado com sua aparência —
fato de que a paciente era minha mãe. Pouco depois consultei outros estava completamente desfalecida. Desesperado, sozinho em casa
médicos famosos. Eles confirmaram em termos vagos minha con- com Andzia, tentamos reanimá-la com conhaque e com vinho. Ma-
jectura, que eu não tinha partilhado com eles. Amaldiçoei a hora em mãe recobrou os sentidos e, durante todo o dia, às vezes ficava intei-
que resolvi estudar medicina. Todos tinham alguma esperança, até ramente consciente, e em outros momentos, inconsciente. A certa
nos piores momentos, e só eu, desanimado e desesperado, tinha que altura, nossa filha passou por lá e, como era seu hábito, correu antes
ficar lá e aumentar as esperanças deles, cônscio do perigo que de mais nada para a vovó, segurou-a pela mão para abraçá-la e beijá-
progredia. Tinha de consolar mamãe, de animá-la, para minorar o la, e mamãe se ergueu ligeiramente, com esforço, sorriu e beijou-a na
sofrimento e a dor. Ela depositava suas esperanças em mim, confian- testa. Foi horrível. Algumas vezes, ao lhe darmos algo para beber, ela
do em que eu poderia ajudá-la com minha simples presença. Estava ainda conseguiu nos agradecer e dizer como estava bom. À noite,
com dores de tal ordem que recorremos às injeções de morfina. Eu não conseguia fazer nem mesmo isso, e eu próprio lhe pedi que me
mesmo as aplicava, e todas as vezes ela me abençoava, me beijava, agradecesse, que me desse um beijo. À meia-noite insistimos para
me agradecia, enquanto eu tinha consciência de quão mesquinha era que papai tirasse um cochilo. Munio tinha saído da cidade poucos
306 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 307

dias antes, por causa de uns negócios na província. Eu estava com De Maksymilian (Munio) Luksenburg:
Andzia e Edzio Gliksman [um amigo]. Mandei Gucia [esposa] para
casa, para ficar com nossa filha, e prometi avisá-la no caso de alguma
emergência. À uma hora da madrugada, convenci mamãe a beijar Varsóvia
minha testa e ela o fez, tocando-a levemente com os lábios. De re- 30 de outubro de [18]97
pente, não conseguiu respirar. Acordamos papai e, à uma e meia da Sábado
manhã (de 29-30 de setembro), ficamos órfãos.
Nosso primeiro pensamento foi sobre você. Estávamos esgota- Minha querida Rózia!
dos e desamparados. Todos concordamos ansiosamente com o plano
Ontem chegaram suas três cartas e esta manhã recebemos
sobre a Sra. Lübeck. O fato de ela não entrar em contato com você
outras duas. Estão carregadas de uma emoção tão profunda e de tanta
tão depressa quanto esperávamos era algo que não podíamos pre- tristeza que é difícil conter as lágrimas ao lê-las. Compartilhamos com
ver.* Telegrafamos ao Natan. Para tornar as coisas ainda piores, você o sentimento de uma imensa e irrevogável perda, depois que
Munio estava fora. Dos três telegramas que enviamos, só o último Ela, que nos amava tão profundamente, tão abnegadamente, nos
chegou a ele, depois do funeral, que tínhamos providenciado para deixou. O que mais foi a vida inteira de nossa inesquecível e adorada
acontecer num horário em que ele ainda poderia comparecer, Mãe, senão o esforço de ver cada um de nós contente e feliz? É esse
esperávamos, se fosse diretamente do trem para o cemitério. O fune- amor materno o traço mais característico de nossa Mãe — que agora
ral se deu na sexta-feira (1° de outubro) às duas horas. Munio voltou nos faz falta de uma maneira mais intensa do que nunca. Mergu-
na manhã de domingo, num estado terrível. Havia muito tempo que lhados numa tristeza infinita, percebemos tê-la perdido para sempre.
não deixava a cidade por mais de dois ou três dias, justamente para Agora, pela primeira vez na minha vida, compreendo num nível
estar fora quando o infortúnio aconteceu. profundo o sentido da palavra "órfão", uma palavra a que até agora
Não posso escrever mais. Provavelmente escreverei algumas eu era indiferente, que não passava de um mero som.
palavras amanhã. Gostaria de acrescentar que decidimos que papai É difícil, muito difícil aceitar que nunca voltaremos a beijar as mãos
ou Andzia irão visitar você, nem que seja por alguns dias. Por ora, é dela, que nos fizeram tanto bem — mas a realidade cruel nos obriga a
mais provável que seja Andzia. Mas não sabemos do seu paradeiro. acreditar nisso e deixa a tristeza e o pesar em nosso coração. Agora, só
Parece que você não vai para a Alemanha tão cedo. Porque não podemos fazer uma coisa: com profunda veneração pelas cinzas de
mencionou a Áustria? Você não pode ir até lá? Se pudesse, por nossa Mamãe, respeitar fielmente Seu último pedido: "Meus filhos,
exemplo, ir a Cracóvia, Andzia e papai poderiam ir por alguns dias. respeitem seu pai e vivam em harmonia entre si." Essas foram as
Pense nisso e, se possível, com calma. Não é uma questão de palavras que nossa Mãe enunciou brevemente antes de fechar Seus
dinheiro, há outras razões. Pense nisso e, se tiver alguma restrição, olhos na presença de Andzia e Józio. Chamou por você e por mim
simplesmente espere na Suíça. para sua cabeceira, infelizmente em vão. Por estranho capricho do
Que tudo lhe corra bem, minha querida Róziunia, mando-lhe um destino, você e eu estávamos na mesma situação. Eu não tinha
beijo afetuoso, tente recuperar seu equilíbrio. Se estiver cansada previsto que a catástrofe estivesse tão próxima e estava fora numa
demais para me escrever separadamente, apenas responda numa carta viagem de negócios, que adiei várias vezes antes, quando o estado
dirigida a todos nós. Gucia também está lhe escrevendo, mas não de mamãe se deteriorava. Antes de viajar, eu costumava deixar meu
posso esperar com esta carta, já é tarde e preciso despachá-la. Fique itinerário em casa, para que pudesse ser encontrado a qualquer
em paz, do seu, J. momento. Nesse dia infeliz, eu estava em Hrubieszów, para onde
foram mandados dois telegramas de casa, mas não foram entregues.
Sem saber o que havia acontecido, viajei para Kowel (na Volhynia)
* jogiches convenceu Luxemburgo a não deixar que sua amiga Olyrnpia Lübeck e só lá é que recebi o terceiro telegrama. Parti imediatamente para
fosse a Weggis, onde o casal estava passando um período em retiro para fazer um Varsóvia, mas era tarde demais, pois Mamãe foi enterrada dois dias
trabalho. Desse modo, RL tomou conhecimento da morte da mãe algum tempo depois antes de eu voltar. Não posso descrever-lhe a dor que senti, uma dor
(ver p. 83). dilacerante que me corroeu a partir do momento em que
308 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 309

percebi que Mamãe já não existia. Foi uma dor como nunca senti De Anna:
antes, nem mesmo nos momentos mais difíceis de minha vida.
Entorpecido e mudo, fiquei ouvindo as histórias sobre os últimos
momentos da vida de nossa querida Mãe e sobre o funeral. Soube 2 de novembro de [18]97
que, até o último instante, papai, Andzia, Józio e Edek Glücksman
estiveram ao lado dela. O funeral teve uma boa freqüência, não Minha Querida!
faltou ninguém, nem mesmo os conhecidos distantes. Todos demons- Acabo de buscar sua última carta [do dia 6]. Estou muito
traram compaixão e solidariedade reais e francas. aborrecida por você ter tido de esperar tanto tempo nossas cartas.
Durante a doença de mamãe, todos os parentes, sem exceção, Espero que hoje, ou seja, segunda-feira, tenha recebido meu primeiro
foram visitá-la todos os dias e se mostraram muito amistosos: os Ju- postal, e depois as cartas que escrevemos juntos e em separado. Você
gans com a família, os Glücksmans com Zofja, e todos os meninos, já deve saber que foi tomada a decisão de que devo visitá-la.* Gos-
Rosa Welt e os filhos de Welt, Henryk [Poznariski] e Natan Poznahski taria de ter asas para voar até você, e estou realmente desolada por
com as esposas, tio Natan, de Zawiercie, Morris com a mulher e a tê-la deixado sozinha nesses primeiros dias mais pavorosos. Mesmo
filha Lunia, que estava visitando Varsóvia na época, tio Max, Pola e o assim, se isso pudesse ser providenciado depressa, é claro, eu pre-
marido, Lola Latauer, que veio de Aleksandrów, a Sra. Centnerszwer, feriria encontrá-la em algum lugar mais próximo. A despesa do trem
os Fruchtmans, Stefa Toklarna com o marido doente e os filhos, e seria muito menor, e presumo que você não esteja de mudança para
muitos outros que não consigo lembrar no momento. Todos fizeram um lugar ainda mais distante do que a Suíça. Poderíamos gastar o
visitas diárias durante a doença de Mamãe. dinheiro em alguma coisa mais útil do que bilhetes de trem. Mas, por
Alguns dias depois do funeral, fomos ao cemitério para dizer "el favor, não deixe que isso se transforme num obstáculo; vá em frente
mole rachmim" por cada um de nós, separadamente, e por você, é e tome sua decisão quanto ao lugar em que quer se estabelecer de
claro. Também iremos amanhã lamentar na sepultura Dela e aliviar uma vez por todas. Só lhe peço que me escreva logo dizendo o que
nosso sofrimento. pensa disso.
Hoje à noite todos estaremos reunidos na casa de Józio e vamos Você sabe que, durante a doença de mamãe, especialmente nos
discutir seu plano de ver papai e Andzia. Andzia está muito impa- últimos meses, quando ela estava sofrendo terrivelmente e continua-
ciente, gostaria que esse plano se concretizasse o mais depressa possí- va a encolher a olhos vistos, eu olhava para ela, mas meus pensa-
vel. Eu também espero vê-la dentro de algum tempo. mentos estavam constantemente em você. Eu me sentia responsável
Estou terminando a carta para expedi-la hoje. Escreverei de por ela diante de você e me perguntava constantemente, se, Deus me
novo dentro de alguns dias. Um abraço afetuoso, perdoe, o pior acontecesse, o que você iria me dizer? (...) O mais
Do sempre seu, doloroso era a ironia das minhas cartas, onde eu tinha que lhe
Munio escrever o oposto da verdade. Mas, ciente de que você não podia
estar aqui, achei razoável prepará-la gradativamente, o que, em
[Notas nas margens, com a letra de Anna:] minha opinião, é igual a uma morte lenta.
Se você nos disser onde poderemos encontrá-la, papai ou eu Lilly, coitadinha, não lhe escreveu porque não sabia quanto
sairemos de Varsóvia no mesmo dia. Estou disposta a ir e nada você sabia e era difícil para ela esconder isso numa carta. Enviamos
poderá me deter. Só estou esperando uma comunicação sua!* Papai um telegrama a Natan imediatamente, para que ele pudesse dizer o
vai lhe escrever hoje à noite! "kaddish". Eles responderam de imediato, convidando a mim e a
papai para ficarmos lá vários meses. N. se ofereceu para cobrir todas
as despesas e eles queriam sinceramente que fôssemos. Mas nem
papai nem eu quisemos ir. (...)

* RL convidou Anna a ir a Berlim pela primeira vez em julho de 1898, e convidou o


* Anna finalmente visitou RL em Berlim em julho de 1898.
pai em julho de 1899.
310 Correspondência cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo 311

Depois de meses de desleixo, limpei o apartamento inteiro, mas outra, e não íamos discutir nossa vida com pessoas sem significação,
não mudei uma única coisa. No quarto, a cama da mamãe é feita íamos?
como sempre o foi. Do lado oposto fica a cama de papai, e entre as O que você escreveu sobre o Leo e o Natan me magoou profun-
camas, embaixo da janela, há uma mesinha (...) e uma cadeira onde damente. Não consigo me lembrar de ter escrito nada sobre Natan [o
mamãe costumava sentar. Esse era seu lugar favorito, onde ela lia a irmão de RL que morava em Londres] além de ele ser excêntrico e
Bíblia numa tradução alemã, singularmente instrutiva, como mamãe arredio. E, embora isso não necessariamente atraia as pessoas para
me garantia; às vezes, lia em voz alta alguns trechos para mim, quan- ele, certamente não chega a despertar ódio. Para mim, é como se Leo
do notava que eu me sentava com minhas costuras. Ou então lia Mi- se sentisse exatamente assim em relação a Natan. Pelas suas des-
ckiewicz, a quem valorizava pela poesia e pelo caráter. (...) Guardei crições do caráter de Leo, e pela carta que ele me escreveu, imaginei
para você um livro que mamãe costumava ler e onde marcava os que todos tivéssemos nele um parente muito dedicado e ele passou a
pontos em que queria que eu reparasse. É uma tradução alemã, de ser muito caro para mim.
modo que você pode ler. Não toquei nas roupas dela e lhe darei as Embora eu mesma tenha mais de uma coisa pela qual censurar
que você quiser. Natan, pode ser que, pelo fato de "o sangue falar mais alto", ou por
Deus do céu! Como conseguirei um dia remediar esse erro! ter sido desejo de nossos pais que nós "ficássemos juntos", toda vez
Tremo só em pensar em você, totalmente só em seu quartinho, sen- que alguém menciona Natan com hostilidade fico profundamente
tada sozinha, indo dormir, levantando, sem ninguém por perto para perturbada. Foi essa a razão de minha briga recente com Munio
você chorar suas mágoas. Aqui não estivemos sozinhos um só minu- [Maksymilian]. Você sabe, não é, que tive um bocado de aborreci-
to, e durante toda a semana de luto [o Sr.] Fajerajzen pernoitou. (...) mentos quando aquele louco se recusou a ver Munio. Embora, é
Que tudo lhe corra bem, querida, acalme-se, lembre-se de que agora claro, eu tenha escondido isso de Munio, ou ele juntou dois mais
precisamos de toda a presença de espírito e de toda a coragem que dois, ou então tirou conclusões da conversa franca que vocês dois
pudermos reunir, porque agora assumimos as responsabilidades de tiveram com ele e do que lhe disseram abertamente sobre o Natan. O
mamãe. que quer que tenha sido, os sentimentos de Munio por Natan são
Um abraço carinhoso da sempre sua, tudo, menos fraternos.
A. Natan desgasta você por causa da estupidez e da superficiali-
dade dele — lembro bem disso de minha viagem a Londres —, mas
faz parte de nossa família e não há nada que possamos fazer. Ti-
vemos sorte, afinal, de ele nos ter dado por cunhada uma mulher
De Anna: amável e filhas boazinhas.
Isso me leva às meninas, que eu queria discutir com você. Será
26.IX.[1]901 que você não pode arranjar suas coisas de um modo que lhe permita
cuidar das filhas de Natan permanentemente? Elas são ingênuas, mas
Minha querida Rózia!
são muito boas e amistosas, e tenho certeza de que ainda poderiam
Faz muito tempo que queria lhe escrever, mas surgia uma coisa se desenvolver se você lhes desse uma orientação sólida. A educação
ou outra para atrapalhar, e quando a sorte começa a me pregar peças superior não é para elas, já que não têm nem o desejo nem a
capacidade para isso, ao que me parece, mas a cabeça delas ainda
fico tão desanimada e aborrecida que sinto vontade de não fazer
pode ser melhorada, e sua nobreza espiritual estimulada — afinal,
simplesmente nada. Estou sem empregada há duas semanas [Anna
são crianças pequenas. Mas você tem que tomar us providências
morava sozinha no apartamento dos pais], há uma verdadeira praga discretamente, para não despeitar as suspeitas de Natan. Por pura
com as criadas daqui; isso, por cima de outras dores de cabeça, me estupidez ou por um capricho passageiro, ele poderia arruinar seu
deixou num estado de humor tétrico. Mas já contratei uma empre- plano.
gada a partir de 1º de outubro e, quanto ao resto, não ligo a mínima, Estou anexando uma carta do Sr. Mullois, que vive catando nos
o que tiver de ser, será. jornais dados que possam ser do seu interesse e os traz para mim,
É egoísta incomodar você com minhas queixas, diante de sua para que eu os envie a você. Disse-lhe que ele próprio deveria es-
vida que é tudo, menos feliz. Mas ao menos podemos confiar uma na
312 Correspondência

crever para você, e ele o fez. Portanto, por favor responda à carta
dele, o que vai deixá-lo muito contente.
No aniversário [de morte da mãe], nós três e Gucia [mulher de
Józef] fomos ao cemitério. El mole racbmim também foi dito no seu
nome e no de Natan. Não consigo entender como e quando esse ano
passou. Sempre me parece que tudo isso aconteceu muito recente-
mente!
O que você tem feito? Como anda sua saúde? Escreva para a rua Agradecimentos
Zlota.
Abraços apertados.
Sua,
A.

[Nas margens:]
Muitas lembranças ao Sr. Leo!
Vou escrever para Lilly muito breve. Dê um beijo nela e nas Meu principal agradecimento vai para Krystyna Pomorska
meninas por mim. Dziudzia [a filhinha de Józef] me disse que a tia Jakobson.
Rózia é uma "boa tia", porque brincou muito com ela e foi divertido Tenho para com Feliks Tych uma dívida especial de gratidão.
morar na sua casa, embora aquela "Herta bata com muita força". Ofereço meus sinceros agradecimentos a Maia Ettinger.
Gretchen, por outro lado, era boazinha e tranqüila. Não gostou da Sou grata a Maria Chodakowska, Bert Hartry, Artur Eisenbach,
Suíça porque "não tinha crianças lá" e ela não pôde brincar. Diana H. Green, Przernyszlaw Ogrodzinski e Tadeusz Perl.
Por compartilharem suas lembranças comigo e me fornecerem
[Anna se refere a Natan pelo apelido de "Mik", abreviação de uma assistência inestimável, agradeço a Halina Luxemburg-Wiç-
Mikozaj, nome assumido por Natan na Inglaterra.] ckowska, Gertrud Zetkin, Konstantin Zetkin, Karl Kautsky Jr., Char-
lotte Beradt, Rose Frõlich, Zofia Marchlewska e muitas pessoas que
desejaram permanecer anônimas.
Quero agradecer a Hannah Arendt, Abraham Bick, Anette Pe-
tersen-Brandhorst, Milorad M. Drachkovitch, Janusz Durko, Shmuel
Ettinger, Dawid Fajnhauz, Walter Grossmann, Harold J. Hanham,
Sarah Hartry, Roman Kaufmann, Alfons Klafkowski, Pawel Korzec,
Verena Stadler-Labhart, Manfred Lachs, Jerzy Stahl, Mieczyszlaw
Maneli, Kenneth R. Manning, Marietta Nettl-Meltzer, Mosrie Mi-
shkinski, Ladislav Mysyrowicz, Sybille Quack, Emma Rothschild,
Gershom Scholem, Annette Silbert, Janna Malamud Smith, David
Smith, Fritz Stern e J.L. Talmon.
Ofereço um agradecimento especial a meu agente, Georges
Borchardt, por seu entusiasmo e incentivo infalíveis. Cabe também
um reconhecimento especial a minha editora na Beacon Press,
Joanne Wyckoff, a Pam Pokorney, gerente de produção da Beacon, e
a Barbara Flanagan, por sua edição de texto cuidadosa e inventiva.
Maria Sachs e Marilyn Henry ajudaram com seu trabalho no
manuscrito.

313
Notas sobre
a Transliteração Abreviaturas
e a Tradução

A transliteração do alfabeto cirílico seguiu o sistema científico


internacional modificado (ver J. Thomas Shaw, The Transliteration of Os partidos políticos mencionados no texto receberam as se-
Modern Russian for English-Language Publications, Madison, Mil- guintes abreviaturas:
waukee, e Londres: University of Winsconsin Press, 1967). As únicas
exceções foram os casos de grafias de nomes próprios amplamente KPD Partido Comunista da Alemanha
aceitas em inglês, como Tolstoy e Dostoevsky* em vez de Tolstoj e PPS Partido Socialista Polonês
Dostoevskij.
RSDRP Partido dos Trabalhadores Social-Democratas Russos
Todas as traduções foram feitas pela autora, salvo nos pontos SDKP Social-Democracia do Reino da Polônia
em que há indicação em contrário.
SDKPiL Social-Democracia do Reino da Polônia e Lituânia (tam-
bém indicado pela designação de Social-Democracia
Polonesa e social-democratas poloneses)
SPD Partido Social-Democrata Alemão
USPD Partido Social-Democrata Independente da Alemanha

* Tran.sliterados em português como Tolstói e Dostoiewsky. (N.T.)

314
315
notas bibliográficas 317

Naukowe, 1975), 266.


4. Mickiewicz, Dziela, 6:18.
5. Ibid., 47.
6. Jakub Szacki, "Rola Zydów w zyciu ekonomicznym Warszawy w latach 1863-1896"
("O Papel dos Judeus na Vida Econômica de Varsóvia em 1863-1896"), Biuletyn
Zydowskiego Instytutu Historycznego 29:12-49 (Varsóvia, 1959).
7. A.I. Gercen, Sochinenija v detjati lomakb, 9 vols. (Moscou: Goslitisdat, 1956),
5:606.
8. Helene Deutsch, Confrontations tuith Myself(Nova. York: Norton, 1972), 98.
Notas bibliográficas 9. Entrevista pessoal com Zofia Marchlewska, 1978.
10. Maria Zmidgrodzka, Orzeszkowa (Varsóvia: Panstwowy Instytut Wydawniczy,
1965), 54. Ver também Franciszek L. von Erlach, Partyzantka w Polsce w roku
1863 (Varsóvia: Wydawnictwo Ministerstwa Obrony Narodowej, 1960), 148.

capítulo 4. Vtlna: Leo Jogicbes, o Jovem Conspirador— 1867-1890 (pp. 46-53)

1. Z. Rejzin, "L. Jogiches and lhe Beginrüng of the Jewish Labor Movement" (em
iídiche), YIVO 3:432-48 (Vilna, 1939). Agradeço ao Sr. Leo L. Wolfe pela tradução
Prefácio (pp. 11-15) para o inglês.
2. Róza Luksemburg, Listy do Leona Jogichesa-Tyszki, org. Feliks Tych, 3 vols.
1. Rosa Luxemburgo, J'Êtais, Je Suis, Je Serai! Correspondance 1914-1919, org. (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1968-1971), 1:141.
Georges Haupt (Paris: Maspero, 1977), 306. 3. Ibid. i:xxiv.
4. Citado in Franco Venturi, Roots of Revolution (Nova York: Grosset & Dunlap,
1966), 359-
capítulo 1. Zamosc:A Cidade Natal— 1870-1873 (pp. 18-21) 5- Zdzislaw Leder (Wladyslaw Feinstein), "Leon Jogiches-Tyszka", in Archiwum
Ruchu Robotniczego (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1976), 215-
1. Bogumila Sawa, "Przyczynek do sytuacji prawnej Zydów zamojskich od II polowy 5. Ibid, 207.
XVI do XLX w." ("A Situação Legal dos Judeus em Zamósc desde a Segunda Meta 7. Rejnin, "Jogiches", 445-46.
de do Século XVI até o Século XIX"), Biuletyn Zydowskiego Instytutu History- 8. Charles Rappaport, "The Life of a Revolutionary Emigre", YIVO Annual, 213 (Nova
cznego 3 (99); 29 (Varsóvia, 1976). York, 195D-
2. Ibid., 35- 9. Luksemburg, Listy 1:578.
10. Ibid., lootiv.
3. O Rabino Abraham Bick, de Jerusalém, teve a gentileza de me fornecer infor
11. Rappaport, "Life", 214.
mações exaustivas sobre os ancestrais de Lina Luksenburg, nascida Lõwenstein.

capítulo 5. Rosa Luxemburgo e Leo Jogicbes — 1889-1894 (pp. 56-69)


capítulo 2. Varsóvia: A Mudança Drástica — 1874-1882 (pp. 22-30)
1. Róza Luksemburg, Listy do Leona Jogicbesa-Tyszki, org. Feliks Tych, 3 vols.
1. Muitos detalhes sobre a infância e a adolescência de Rosa Luxemburgo baseiam-se (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1968-1971), 1:7.
em entrevistas particulares com a Sra. Zofia Marchlewska, em 1977-1979, e com a 2. Zdzislaw Leder (Wladyslaw Feinstein), "Leon Jogiches-Tyszka", in Arcbiwum
Dra. Gertrud Zetkin em 1980. Ruchu Robotniczego (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1976), 222-27.
2. Feliks Kon, Narodziny Wieku (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1969), 12-13. 3. Carta de G. Plekhanov a F. Engels, 16 de maio de 1894, in Pod Znamenem
3. Rosa Luxemburgo, Bríefe an Karl und Luise Kautsky, org. de Luise Kautsky Marksizmano. 11-12:17 (Moscou, 1928).
(Berlim: E. Laub'sche Verlagsbuchhandlung GmbH, 1923), 181. 4. Luksemburg, Listy l jcxvii.
4. Czerwony Sztandar, Varsóvia, fevereiro de 1911, no. 180, p. 2. 5. Ibid.
6. Ibid., 2:50.
7. Ibid, 1:360.
capítulo 3- Varsóvia: A Busca Adolescente—1882-1889 (pp. 31-45) 8. Róza Luksemburg, Wybór Pism, org. Bronisiaw Krauze, 2 vols. (Varsóvia, Ksiazka i
Wiedza, 1959), 1:374.
1. Adão Middewicz, Dziela, 16 vols. (Varsóvia: Czytelnik, 1955), 3:307-8. 9. Ibid, 2:130.
2. Mickiewicz, Dziela, 12:121-22. 10. John MUI, Pioneeers and Builders (em iídiche) (Nova York: Der Wecker, 1943),
3. Alina Witkowska, Mickiewicz, Slowo i Czyn (Varsóvia: Parístwowe Wydawnictwo

316
118 Rosa Luxemburgo notas bibliográficas 319

167. Agradeço ao Professor Moshe Mishkinski pela tradução para o inglês, l l 32. Ibid., 93.
Citado in Paul Frõlich, Rosa Luxemburg, Gedanke und Tat (Paris: Nouvelles 33. Ibid., 2:501.
Inu-rnalionales, 1939), 38-39. 12. Peliks Tyc±i, Polskie Programy Socjalistyczne, 34.Anna Luksenburg (AL), carimbo postal de 2 de novembro de 1897. Os originais
1878-1918 (Varsóvia: Ksiazka i inéditos em polonês das cartas escritas a Rosa Luxemburgo por seu pai e irmãos,
Wicdza, 1975), 241. de Varsóvia, encontram-se na Hoover Institution on War, Revolution and Peace,
13- Pod Znamenem, 17. Stanford, Califórnia, Fichário XI.
14. Luksemburg, Listy 13. 35. AL, 4 de maio e 9 de maio de 1897.
15. Ibid., 21. 36. AL, 29 de julho de 1897.
16. Ibid., 403- 37. AL, 30 de outubro de 1897.
17. Ibid., 77. 38. Elias Luksenburg, 30 de outubro de 1897.
18. Ibid., 77. 39-AL, sem data (posterior a 30 de setembro de 1897).
19. Ibid., 2:94. 40. Luksemburg, Listy, 2:501.
20. Pis'ma M.A. Bakunina k A.l. Gercenu i N.P. Ogarevu, org. M.P. Dragornanov 41. AL, carimbo postal de 2 de novembro de 1897.
(Genebra: Georg & Co. Libraires Editeurs, 1896), 493- 42. Elias Luksenburg, 30 de outubro de 1897.
43-AL, sem data (posterior a 30 de setembro de 1897).
44. Luksemburg, Listy, 1:93-
capítulo 6. A Luta pela Ascensão — 1895-1898 (pp. 70-87) 45. Ibid., 94.
46.Ibid., 115.
1. Róza Luksemburg, Listy do Leoria Jogichesa-Tyszki, org. Feliks Tych, 3 vols. 47. Ibid., 179.
(Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1968-1971), 1:267.
2. Ibid., 189-
3. Ibid.., 74. capítulo 7. As Conquistas Alemãs — 1898-19OO (pp. 90-111)
4. Ibid., 2:146.
5. Ibid., 1:244. 1. Róza Luksemburg, Listy do Leona. Jogichesa-Tyszki, org. Feliks Tych, 3 vols.
6. Ibid., 2:101. (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1968-1971), 1:150.
7. Ibid., 42-44. 2. Ibid., 156-57.
8. Ibid., 1:400. 3- Ibid., 167.
9. Ibid., 349- 4. Ibid., 180, 166-67, 213.
10. Ibid., 2:474. 5- Ibid., 181.
11. Ibid., 1:84. 6. Ibid., 190.
12. Ibid., 554. 7. Ibid., 197.
13-Ibid., 537. 8. Ibid., 207, 211.
14. Ibid., 485. 9. Ibid., 194.
15. Róza Luksemburg, "Nieznane listy Rózy Luksemburg do dzialaczy SDKPiL", org. 10.Ibid., 213.
Feliks Tych, in Archiwum Ruchu Robotniczego (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1976),
179. 11. Ibid.
16. Luksemburg, Listy 131. 12. Ibid., 149.
17. Ibid., 2:472. 13. Ibid., 220.
18. Ibid., 17. 14. Ibid., 236.
19. Ibid., 1:401-2. 15-Ibid., 217.
20. Ibid., 401. 16. Ibid., 200.
22. Luksemburg, "Nieznane listy", 177. 17. Ibid., 226.
23. Luksemburg, Listy, 1:31-32. 18. Ibid., 218.
21. Ibid., 579. 19. Ibid., 173, 185-
24. Ibid., 31-38. 20. Arno Herzig, "Paul Singer — Heinrich Braun, zum Revisionismusstreit der
25. Ibid., 136-40. deutschen Sozialdemokratie vor dem I. Weltkreig", in Jahrbuch dês Instituí für
26. Ibid., 49. Deutsche Geschicbte, Beibeft 6:127 (Tel-Aviv, 1983).
27. Ibid., 65. 21. Luksemburg, Listy, 1:225.
28. Ibid., 102. 22. Ibid., 218.
29. Ibid., 47. 23. Shulamit Volkov, "Social Democracy Against Anü-Semitism in Imperial Germany",
30. Ibid., 56-57. in Jahrbuch dês Instituí für Deutsche Geschichte, Beibeft, 2:70 (Tel-Aviv, 1976).
31. Ibid., 55. 24. Luise Kautsky, Rosa Luxemburg, ein Gedenkbuch (Berlim: E. Laub'sche Veríags-
buchhandlung, 1929), 23-24.
320 Rosa Luxemburgo notas bibliográficas 321

25. Luksernburg, Listy, 2:304-5. 10. Ibid., 78. ll.Ibid., 46. 12. Rosa Luxemburg, Briefe an Karlund Luise Kautsky, org.
26. Ibid., 24. Luise Kautsky (Berlim: E.
27. Ibid., 1:230. Laub'sche Verlagsbuchhandlung GmbH, 1923), 13-17.
28. Ibid., 229. 13. Ibid., 18-19.
29. Ibid., 220. 14. Luksemburg, Listy, 1:438.
30. Ibid., 287-88. 15. Ibid., 481.
31.1bid., 397. 16. Ibid., 434-35-
32. Ibid., 446A7. 17. Ibid., 2:107.
33. Ibid,, 448. 18. Ibid., 110-11.
34. ZPola Walki 1(5):69 (Varsóvia, 1959). 19-Ibid., 115.
35. Luksemburg, Listy, 1:328. 20. Rosa Luxemburg, Briefe an Freunde, org. Benedikt Kautsky (Hamburgo: Europàis-
36. Werner Blumenberg, org., "Einige Briefe Rosa Luxemburgs und andere Doku- che Verlagsanstalt, 1950), 129. 21.Róza Luksemburg, "Nieznane listy Rózy
mente", Bulletin of the International Institute of Social History, 2:16-18 (Amsterdã, Luksemburg do dzialaczy SDKPiL" org.
1952). Feliks Tych, in Archiwum Rucbu Robotniczego (Varsóvia: Ksia.zka i Wiedza, 1976),
37. Luksemburg, Listy, 1:466, 469. » 179.
38. Róza Luksemburg, "Nieznane listy Rózy Luksemburg do dziaraczy SDKPil", org. 22. Elias Luksenburg (EL), 25 de janeiro de 1900.
Feliks Tych, in Arcbiwum Ruchu Robolniczego (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1976), 23- EL, 2 de novembro de 1899. 24. Anna
177. Luksenburg, 9 de maio de 1897. 25- EL, 11 de abril
39. Luksemburg, Listy, 1:36. de 1900.
40. Ibid., 92. 26. EL, 20 de abril de 1900.
4l. Ibid., 457, 369,466. 27. Luksemburg, Listy, 2:118.
42. Ibid., 2:24. 28. Ibid., 1:142.
43. Ibid., 1:331. 29. Ibid., 463.
44. Ibid., 2.-520. 30. Wladyslaw Feinstein, lambem conhecido como Zdzislaw Leder, discípulo e
45. Ibid., 1:240. colaborador de Jogiches, escreveu a única biografia existente de Jogiches em 1929,
46. Ibid., 2:42. em Moscou. Ela foi originalmente publicada por Feliks Tych in Archiwum Rucbu
47. Ibid., 60. Robotniczego, vol. 3 (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1956), 193-339-
48. Ibid., 102. 31. Luksemburg, Listy, 2:165-
49. Ibid., 1:238. 32. Ibid., 143-44.
50. Ibid., 2:53- 33. Ibid., 195-96.
51. Ibid., 39-42. 34- Ibid., 122.
52. Ibid., 49. 35- Ibid., 213-14.
53. Ibid., 43. 36. Ibid., 214-244.
54. Ibid., 50. 37. Ibid., 125.
55. Ibid., 100. 38. Ibid., 191, 185-
56. Ibid., 50. 39. Ibid., 155.
57. Ibid., 1:268-69. 40. Ibid., 166-69.
58. Ibid., 378-79- 4l. Ibid., 184.
59. Ibid., 334. 42. Ibid., 210.
43- Ibid., 135.
capítulo 8. "Amar e Trabalhar Juntos" — 19OO-1902 (pp. 112-128) 44. Ibid., 145.
45- Ibid., 159.
1. Róza Luksemburg, Listy do Leona Jogichesa-Tyszki, org. Feliks Tych, 3 vols. 46. Ibid., 233.
(Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1968-1971), 2:102. 47. Ibid., 130.
2. Ibid., 62. 48. Ibid., 136.
3. Ibid., 85. 49. Ibid., 147.
4. Ibid., 104.
5. Ibid., 51. capítulo 9. O Presidio: A Verdadeira Iniciação — 19O2-19O4 (pp. 129-138)
6. Ibid., 1:577-78.
7. Ibid., 2:72. 1. Róza Luksemburg, Listy do Leona Jogicbesa-Tyszki, org. Feliks Tych, 3 vols.
8. Ibid., 102-3. (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1968-1971), 2:254.
9. Ibid., 78-79-
322 Rosa Luxemburgo notas bibliográficas 323

2. Gazeta l.udowa, Poznan, 16 de julho de 1904, 1. 21. Ibid., 474.


3. Luksemburg, Listy, 2:266-67. 22. Ibid., 541.
4. Ibid., 257. S. 23. Rosa Luxemburg, Briefe an Karl und Luise Kautsky, org. Luise Kautsky (Berlim: E.
5. Ibid., 267-77. Laub'sche Verlagsbuchhandlung GmbH, 1923), 86-87.
6. Ibid., 274. 24. Ibid., 79.
7. Zdzisfaw Leder (Wladyslaw Feinstein), "Leon Jogiches-Tyszka", in Arcbiwum Ru- 25. Ibid., 81.
chu Robotniczego (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1976), 258. 26. Ibid., 93.
8. Ibid., 253. 27. Ibid, 96-97.
28. Feliks Tych, "Ostatni pobyt Rózy Luksemburg w Warszawie", in Warszawa
9. Ibid., 258.
popowstaniowa 1864-1918 (Varsóvia: Panstwowe Wydawnictwo Naukowe, 1968),
10. James Joll, The Second International: 1889-1914 (Londres: Routledge & Kegan 243. Ver também W. Bystrjanski, "Róza Luksemburg i Leon Tyszka w obliczu
Paul Ltd., 1974), 102. carskiej sprawiedliwosci", in Z Pola Walki, 2:116-27 (Moscou, 1927).
11. Luksemburg, Listy, 2:297. 29. Tych, "Ostatni pobyt", 247.
12. Ibid., 293-95. 30. Luxemburg, Briefe Kautsky, 102.
13. Rosa Luxemburg, Briefe an Karl und Luise Kautsky, org. Luise Kautsky (Berlim: E. 31. Ibid., 101-2.
Laub'sche Verlagsbuchhandlung GmbH, 1923), 60-62. 32. Ibid, 99, 114.
14. Luksemburg, Listy, 2:299-300. 33. Rosa Luxemburg, Briefe an Freude, org. Benedikt Kautsky (Hamburgo:
15. Ibid., 295- Europaische Verlagsanstalt GmbH, 1950), 43-
16. Ibid., 301. 34. Luxemburg, Briefe Kautsky, 95-
17. Róza Luksemburg, Wybór Pism, org. Bronislaw Krauze, 2 vols. (Varsóvia: Ksiazka i 35. Ibid, 116.
Wiedza, 1959), 1:331. 36. Rosa Luxemburg, Ausgewàhlte Reden und Schriften, 2 vols. (Berlim: Dietz Verlag,
18. Ibid., 340-47. 1951), 1:208.
19. Feliks Tych, org., Socjaldemokracja Kròlestwa Polskiego i Litwy, Materialy i 37. Luxemburg, Briefe Kautsky, 107.
Dokumenty, 2 vols. (Varsóvia: Kiazka i Wiedza, 1957-1962), 2:229. 38. Ibid, 116.
20. Feliks Tych e Horst Schumacher, Julian Marcblewski (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 39. Luksemburg, Listy, 3:265.
1966), 120. 40. Luxemburg, Ausgewàhlte, 1:165-
21. Luksemburg, Listy, 2:495- 41. Ibid, 222.
42. Ibid, 212.
43. Ibid, 230.
capítulo 10. De Volta a Varsóvia — 1905-19O6 (pp. 139-156)
capítulo 11. Costia Zetkin - 19O7-1912 (pp. 157-177)
1. Róza Luksemburg, Listy do Leona Jogicbesa-Tyszki, org. Feliks Tych (Varsóvia:
Ksiazka i Wiedza, 1968-1971), 2:60. 1. Karl Kautsky Jr, org, August Bebels Briefwechsel mit Karl Kautsky (Assen: Van
2. Ibid., 225-26. Gorcum & Co, 1971), 184.
3. Ibid., 312. 2. Rosa Luxemburgo, Briefe an Freunde, org. Benedikt Kautsky (Hamburgo:
4. Zdzislaw Leder (Wladyslaw Feinstein), "Leon Jogiches-Tyszka", in Archiwum Europaische Verlangsanstalt GmbH, 1950), 16.
Ruchu Robotniczego (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1976), 268-81. 3. Kautsky, Bebels, 227.
5. Ibid., 277-78. 4. Rosa Luxemburg, Gesammelte Briefe, org. Annelies Laschitza e Günter Radczun, 5
6. Luksemburg, Listy, 2:321. vols. (Berlim: Dietz Verlag, 1982-1984), 3:229.
7. Ibid., 325. 5. Ibid, 74.
8. Ibid., 360. 6. Ibid, 50.
9. Ibid., 367. 7. Ibid, 63.
10. Ibid., 518-19- 8. Ibid, 2:378, 3:151-
11. Ibid., 397. 9- Ibid., 3:53-
12. Leder, "Leon Jogiches-Tyszka", 269. 10. Ibid, 2:373-
13. Z Pola Walki, 11-12:173-74 (Moscou, 1931). 11. Ibid, 4:205-
14. Luksemburg, Listy, 2:443-45- 12. Ibid, 2:289.
15. Ibid., 459. 13. As citações das cartas de Luxemburgo a Konstantin Zetkin, designadas por Zetkin,
16. Ibid., 465. provêm dos papéis de Zetkin, aos quais sua mulher, a Dra. Gertrud Zetkin, teve a
17. Ibid., 472. gentileza de me dar acesso. Os números de página referem-se a minha transcrição
18. Ibid., 509. desses papéis. Zetkin, 4.
19. Ibid., 464. 14. Luxemburg, Gesammelte Briefe, 2:291.
20. Ibid., 452.
324 Rosa Luxemburgo notas bibliográficas 325

15. Róza Luksemburg, Wybór Pism, org. Bronishiw Krauze, 2 vols. (Varsóvia: Ksiazka i Monthly Review Press, 1976), 135-
Wicdza, 1959), 1:589-603. 15.Ibid., 140.
16. l.uxcrnburg, Gesammelte Briefe, 2:289. 16. Ibid., 139-40.
17. Ibid., 2:282. 17. Ibid., 117.
18. Zelkin, 12. 18. Ibid, 141-43.
19. Rosa Luxemburg, Briefe an Karl und Luise Kautsky, org. Luise Kautsky (Berlim: E. 19-Ibid., 195.
Laub'sche Verlagsbuchhandlung GmbH, 1923), 121. 20.J.V. Stalin, Sochinenija, 13 vols. (Moscou, 1946-1952), 4:31-32.
20. Róza Luksemburg, Listy do Leona Jogichesa-Tyszki, org. Feliks Tych, 3 vols. 21. Rosa Luxemburg, Gesammelte Briefe, org. Annelies Laschitza e Günter Radczun, 5
(Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1968, 1971) 3'12 vols. (Berlim: Dietz Verlag, 1982-1984), 4:197.
21. Ibid, 72-73. 22. Ibid., 3:268.
22. Luxemburg, Gesammelte Briefe, 2:290. 23. Karl Marx, Interviews and Kecollections, org. David McLellan (Totowa, N.J.: Barnes
23. Ibid., 284. & Noble Books, 1981), 153.
24. Zetkin, 6. 24.Werner Blumenberg, org., "Einige Briefe Rosa Luxemburgs und andere
25-Zetkin, 18. Dokumente", in Bulletin of the International Institute of Social History, 7:39
26. Luxemburg, Gesammelte Briefe, 3:60. (Amsterdã, 1952).
27. Ibid., 88. 25. Luksemburg, Listy, 3:157-58.
28. Ibid., 223. 26. Victor Adler, Brieftuechsel mit August Bebei und Karl Kautsky, org. Friedrich Adler
29. Luksemburg, Listy, 3:179-80. (Viena: Verlag der Wiener Volksbuchhandlung, 1954), 510.
30. Luxemburg, Gesammelte Briefe, 3:151. 27. Karl Kautsky Jr., org., August Bebels Briefwechsel mit Karl Kautsky (Assen: Van
Gorcum & Co., 1971), 221 nota 3, 226.
31. Ibid., 4:72.
28. Adler, Brieftuechsel, 513.
32. Ibid., 3:271-72.
29. Luksemburg, Listy, 3:167.
33- Ibid, 230.
30. Luxemburg, Gesammelte Briefe, 4:139.
34. Luise Kautsky, Rosa Luxemburg, ein Gedenkbuch (Berlim: E. Laub'sche Verlags 31. Luksemburg, Listy, 2:406.
buchhandlung, 1929), 14. 32. Ibid., 503, 524.
35. Luxemburg, Gesammelte Briefe, 4:239. 33. Ibid., 3:167, 169.
36. Ibid., 5:37, 54. 34. Zdzisíaw Leder (Wíadysíaw Feinstein), "Leon Jogiches-Tyszka", Ln Archiwum
37. Ibid., 4:106, 188. Ruchu Robotniczego (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1976), 292.
38. Ibid., 3:77. 35. Feliks Tych e Horst Schumacher, Julian Marchlewski (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza,
39. Ibid., 149. 1966), 202.
40. Ibid., 4:75. 36. Luksemburg, Listy, 3:273.
37. Ibid, 302-3, 309, 357, 369.
38. Karl Radek, "Noiabr", in Krasnaia Nov', 10:150 (Moscou, 1926).
capítulo 12. Outras Fogueiras, Outras Lutas-19O8-1913 (pp. 178-201) 39. Luksemburg, Listy, 3:280.
40. Ibid, 314 nota 10.
1. Róza Luksemburg, Listy do Leona Jogichesa-Tyszki, org. Feliks Tych (Varsóvia: 41. Czerwony Sztandar, Varsóvia, julho de 1912, n° 188, p. 2.
Ksiazka i Wiedza, 1968-1971), 3:32, 66. 42. Luxemburg, Gesammelte Briefe, 4:107.
2. Ibid., 177. 43. Luksemburg, Listy, 3:216-17.
3- Entrevista pessoal com Halina Luxemburg-Wieckowska, 1977. 44. Mysl Niepodlegla, Varsóvia, setembro de 1910, n a 146, p. 1258. Ver também G.
4. Luksemburg, Listy, 3:215, 187, 174. Hapt e P. Korzec, "Lês Socialistes et Ia Campagne Antisémite en Pologne en 1910:
5. Ibid., 196-97. un Épisode Inédit", Revue du Nord (Lille: abril-junho de 1975), 185-91.
6. Ibid., 156; 156 nota a. 45. Mysl Niepodlegla, n° 148, p. 1348.
7. Ibid., 87-88. 46. Ibid, na 146, pp. 1264-72.
8. Ibid., 50. 47. "Protokoll über die Verhandlungen dês Parteitages der S.D. Fartei", 22-28 de
9. Ibid., 46^8. setembro de 1901 (Lübeck), 191-95-
10. Rosa Luxemburg, Ausgewàhlte Reden und Schriften, 2 vols. (Berlim: Dietz Vergai, 48. Luksemburg, Listy, 3:177.
1951), 1:203. 49. Ibid, 179-80.
11. Róza Luksemburg, Wybór Pism, org. Bronislaw Krauze, 2 vols. (Varsóvia, Ksiazka i 50. Mht, Varsóvia, 22 de outubro de 1910, n° 12, pp. 5-6.
Wiedza, 1959), 1:600-609. 51. Entrevista pessoal com a Sra. Rose Frõlich, 1978.
12. Gyõrgy Lukács, Geschichte und Klassenbewustsein (Berlim: Malik-Verlag, 1923), 5- 52. Luksemburg, Listy, 3:251-53 nota 1.
6. ^ • . 53. Rosa Luxemburg, Briefe an Freunde, org. Benedikt Kautsky (Hamburgo:
13. Isaiah Berlin, Against the Current (Nova York: Viking Press, 1980), 337. Europáische Verlagsanstalt GmbH, 1950), 105-
14. Rosa Luxemburg, The National Question, org. Horace B. Davis (Nova York:
326 Rosa Luxemburgo notas bibliográficas 327

54. Z Pola Walki, l (4 5): 165 (Varsóvia, 1969). capítulo 14. Dentro e Fora da Prisão -1915-1918 (pp. 214-246)
55. Luksemburg, Listy, 3=318-19.
56. Tanto a Introdução ã Economia Política quanto a Anti-Crítica foram obras 1. VII Congrès Socialiste, Compte Rendu Analitique, Bruxelas, 1908, p. 123-
posturnamente organizadas e publicadas por Pau Levi em 1925 e 1921, 2. Rosa Luxemburg, Briefe an Freunde, org. Benedikt Kautsky (Hamburgo:
respectivamente. O título completo da segunda é A Acumulação de Capital ou O Europàische Verlagsanstalt GmbH, 1950), 155.
Que os Epígonos Fizeram da Teoria Marxista: uma Anti-Crítica. 3. Mathilde Jacob, "Von Rosa Luxemburg und ihren Freunden in Krieg und
Revolution: 1914-1919", manuscrito não publicado, Hoover Institution on War,
57. Luxemburg, Briefe an Freunde, 85. Revolution and Peace, Stanford, Calif, MS 276, L98TZZ, p. 14.
58. Rosa Luxemburg, The Accumulation of Capital: An Anti-Critique, org. Kennet J. 4. Charlotte Beradt, org. Rosa Luxemburg im Gefãngnis (Frankfurt/Main: Fischer
Tarbuch (Nova York: Monthly Review Press, 1972), 62. Verlag, 1973), 17,
59. Ibid., 74-75. 5. Ibid., 32.
6. Ibid., 107, 84, 79.
7. Ibid., 22.
capítulo 13. Guerra à Guerra -1914 (pp. 202-213) 8. Ibid., 87.
9. Ibid., 16.
1. Róza Luksemburg, Listy do Leona Jogichesa-Tyszki, org. Feliks Tych, 3 vols. 10. Ibid., 19.
(Varsóvia: Ksazka i Wiedza, 1968-1971), 3:141. 11. Rosa Luxemburg, Briefe an Karl und Luise Kautsky, org. Luise Kautsky (Berlim: E.
Laub'sche Verlagsbuchhandlung GmbH, 1923), 155-
2. Ibid., 346. 12. Beradt, Luxemburg im Gefãngnis, 34.
3- Ibid., 387-90. 13- Rosa Luxemburg, "Die Krise der Sozialdemokratie" (Juniusbroschuré) (Berlim:
4. Rosa Luxemburg, Ausgewáhlte Reden und Schriften, 2 vols. (Berlim: Dietz Verlag, Verlag Rote Fahne, 1919), 1-2. 14. Ibid, 3-4. 15-Henriette Roland Holst-van der
1951), 2:491-504. Schalk, Rosa Luxemburg, Ihr Leben und Wirken
5. Charlotte Beradt, Paul Levi (Frankfurt/Main: Europàische Verlagsanstalt, 1969), 12. (Zurique: Jean Christoph Verlag, 1937), 221.
6. Luksemburg, Listy, 3:318. 16. Luxemburg, "Die Krise", 98.
7. Rosa Luxemburg, Gesammelte Briefe, org. Annelies Laschitza e Günter Radczun, 5 17. Zdzislaw Leder (Wladyslaw Feinstein), "Leon Jogiches-Tyszka", in Archiwum
vols. (Berlim: Dietz Verlag, 1982-1984), 4:62. Ruchu Robotniczego (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1976), 306.
8. Luksemburg, Listy, 3:405. 18. Ibid., 310.
9. Luxemburg, Gesammelte Briefe, 3:224. 19-Jacob, Luxemburg, 81.
20. Ibid., 81-83.
10. James Joll, The Second International: 1889-1914 (Londres: Routledge & Kegan
21. Beradt, Luxemburg im Gefãngnis, 39.
Paul, Ltd., 1974), 146. 22. Rosa Luxemburg, Gesammelte Briefe, org. Annelies Laschitza e Günter Radczun, 5
11. Luxemburg, Ausgewáhlte, 1:208. vols. (Berlim: Dietz Verlag, 1982-1984), 5=13.
12. Krieg dem Kriege (Berlim: Buchhandlung Vorwàrts, 1912), 9. 23. Beradt, Luxemburg im Gefãngnis, 40.
13- Luksemburg, Listy, 3:402. 24. Luxemburg, Briefe an Freunde, 120.
14. Rosa Luxemburg, Briefe an Karl und Luise Kautsky, org. Luise Katusky (Berlim: E. 25. Beradt, Luxemburg im Gefãngnis, 50.
Laub'sche Verlagsbuchhandlung GmbH, 1923), 153-15-Angélica Balabanoff, My 26. Ibid., 51.
Life as a Rebel (Bloomington: Indiana University Press, 27. Ibid., 68, 62.
1973), 114-15. 28. Luxemburg, Briefe Kautsky, 203.
16. Ibid., 116. 29- Beradt, Luxemburg im Gefãngnis, 96.
17. Rosa Luxemburg, Briefe an Freunde, org. Benedikt Kautsky (Hamburgo: 30. Ibid., 68.
31. Luxemburg, Briefe an Freunde, 150.
Verlagsanstalt GmbH, 1950), 115-16. 32. Luxemburg, Briefe Kautsky, 172.
18. Ibid., 75. 33. Luxemburg, Briefe an Freunde, 159-
19- Victor Adler, Briefwechsel mit August Bebei und Karl Kautsky, org. Friedrich Adler 34. Ibid., 76.
(Viena: Verlag der Wiener Volksbuchhandlung, 1954), 606-7. 35. Ibid., 100.
20. Luxemburg, Gesammelte Briefe, 5:28-29. 36.Ibid., 123.
21. Ibid., 18. 37. Ibid., 112.
22. Luxemburg, Briefe an Freunde, 67. 38. Ibid., 113.
23. Ibid., 70. 39. Ibid., 106.
24.Ibid., 137. 40. Ibid.
25. Rosa Luxemburg, Gesammelte Werke, org. G. Radczun, 5 vols. (Berlim: Dietz 41. Ibid., 130.
Verlag, 1972-1975), 4:25.
328 Rosa Luxemburgo notas bibliográficas 329

4 2 . L u x e rmburg, Hríefe Kautsky, 198. capítulo 15. O fim e o começo -1919 (pp. 247-264)
43. Luxemburg, Briefe an Freunde, 95.
44. Ibici., 78. 1. Joseph Goebbels, Die Verfluchten Hakenkreuzler (Munique: Verlag Frz. Eher
45. Ibid, 114. Nachf., 1932), 15-16.
46. Ibid., 80. 2. Illustrierte Geschichte der Deutschen Revolution (Berlim: Internaiionaler
47. Ibid., 112. Arbeiterverlag, 1929), 201.
48. Luxemburg, Briefe Kautsky, 191- 3. Hajo Holborn, A History of Modem Germany: 1840-1945 (Nova York: Knopf,
1970), 514.
49. Ibid., 176.
50. Ibid. 4. Illustrierte, 209. Ver também Arnold Brecht, Aus Nãchster Nàhe,
51-Luise Kautsky, Rosa Luxemburg, ein Gedenkbuch (Berlim: E. Laub'sche Verlags- Lebenserinnerungen 1884-1927 (Stuttgart: Deutsche Verlags-Anstalt, 1966), 188-
buchhandlung, 1929), 12. 91; Philipp Scheidemann, Memoiren eines Sozialdemokraten (Dresden: Gari
52. W. Blumenberg, org., "Einige Briefe Rosa Luxemburgs", International Review of Reissner Verlag, 1930), parte 2, 309-13.
Social History, 8:106 (Amsterdã, 1963). 5. Harry Graf Kessler, Tagebucher: 1918-1937, org. Wolfgang Pfeiffer-Belli
53. Luxemburg, Briefe Kautsky, 156. (Frankfurt/Main: Im Insel Verlag, I96l), 24.
54. Ibid., 209. 6. Illustrierte, 236.
55- Rosa Luxemburg, Briefe aus dem Gefàngnis (Berlim: Verlag der 7. Illustrierte, 232-33- Ver também Brecht, Aus Nãchster, 194-95-
Jugendinternationale, 1927), 59. 8. Brecht, Aus Nãchster, 194.
56. Ibid, 61, 53- 9. Mathilde Jacob, "Von Rosa Luxemburg und ihren Freunden in Krieg und
57. Ibid., 22-23. Revolution: 1914-1919", manuscrito não publicado, Hoover Institution on War,
58. Ibid, 23- Revolution and Peace, Stanford, Calif., MS 276, L98TZZ, p. 95. ...
59. Rosa Luxemburg, fÉtais, Je Suis, Je Serai! Correspondance 1914-1919, org. 10. Rosa Luxemburg, fÊtais, Je Suis, Je Serai! Correspondance 1914-1919, org.
Georges Haupt (Paris: Maspero, 1977), 184. Georges Haupt (Paris: Maspero, 1977), 359-
60. Beradt, Luxemburg im Gefàngnis, 73- ll.Ibid., 363.
61. Ibid, 76. 12. Jacob, "Luxemburg", p. 96.
62. Ibid, 81. 13. Correspondance, 360.
63. Luxemburg, Briefe an Freunde, 48-49. 14. Brecht, Aus Nãchster, 240.
64. Ibid, 45. 15- Rosa Luxemburg, Gesammelte Werke, org. G. Radczun, 5 vols. (Berlim: Dietz
65. Tadeusz Radwanski, "Wspomnienia dziafacza SDKPiL, 1900-1905", Z Pola Walki, Verlag, 1972-1975), 4:445-
1(5):99 (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1959). 16. Unser Weg, 15 de janeiro de 1922, p. 45.
66. Vladimir Korolenko, Die Geschichte meines Zeitgenossen, prefácio de Rosa 17. Luxemburg, Gesammelte Werke, 4:504.
Luxemburgo (Berlim: Verlag P. Cassirer, 1919), xi-liii, xxiv. 18. Jacob, "Luxemburg", 97.
67. Ibid, vil-ivl. 19. J. Ciszewski, "Z Warszawy do Berlina", Z Pola Walki, 7-8:297 (Moscou, 1929).
68. Ibid, xii. 20. Luxemburg, Correspondance, 365.
69- Beradt, Luxemburg im Gefàngnis, 85-86. 21.1bid., 311-
70. Ibid, 97. 22. Jacob, "Luxemburg", 84-85.
71. Leder, "Leon Jogiches-Tyszka", 322. 23. Illustrierte, 272.
72. Luxemburg, Briefe an Freunde, 88.
73. Ibid, 157-61. 24. Rosa Luxemburgo a Paul Levi, 24 de março de 1914. Agradeço à Dra. Sibylle
74. Luxemburg, Briefe Kautsky, 193. Quack pelo acesso à transcrição. Ver também Sibylle Quack, Geistig frei und
75. Ibid, 209- niemandes Knecht (Colônia: Kiepenheuer & Witsch, 1983), 198.
76. Leder, "Leon Jogiches-Tyszka", 319-320. 25. Charlotte Beradt, Paul Levi (Frankfurt/Main: Europàische Verlagsanstalt, 1969), 22.
77. Rosa Luxemburg, Gesammelte Werke, org. G. Radczun, 5 vols. (Berlim: Dietz 26. Luxemburg, Gesammelte Werke, 4:501.
Verlag, 1972-1975), 4:385-92. 27. Luxemburg, Correspondance, 373.
78. Paul Levi, Zwischen Spartakus und Sozialdemokratie, org. Charlotte Beradt 28. Ibid., 372.
(Frankfurt/Main: Europáische Verlagsanstalt, 1969), 96. 29. Luxemburg, Gesammelte Werke, 4:524.
79. Rosa Luxemburg, Die Russiscbe Revolution, org. e introdução de Paul Levi (Berlim: 30. Illustrierte, 289.
Verlag Gesellschaft und Erziehung GmbH, 1922), 67ss. 31. Kessler, Tagebucher, 105-6.
80. Levi, Zwischen Spartakus, 136-38. 32. Luxemburg, Gesammelte Werke, 538.
81. Ibid, 96-97. 33. Vladimir Korolenko, "Legende vom Florus", citado por Rosa Luxemburgo no
82. Ibid, 122. prefácio a Die Geschichte meines Zeitgenossen, de Korolenko, p. il.
83. Beradt, Luxemburg im Gefàngnis, 121. 34. Elisabeth Hannover-Drück e Heinrich Hannover, orgs., Der Mord an Rosa
84. Ibid., 123. Luxemburg und Karl Liebknecht (Frankfurt/Main: Suhrkamp Verlag, 1967), 141, 67.
35. Ibid., 72.
330 Rosa Luxemburgo notas bibliográficas 331

36. Ibid, 86. 11. RL só veio a encontrar-se com o pai em agosto de 189.
37. Ibici., 129. 12. Leo Jogiches era conhecido da família de RL pelo pseudônimo de Grozowski.
Como havia uma Indústria Química Grozowski em Vilna, EL estava ansioso por
fazer negócios com o dono, que, segundo acreditava erroneamente, seria o irmão
Epílogo (pp. 265-271) de Leo Jogiches. Rosa Luxemburgo ressentiu-se de ser incluída no "nossos"
planos.
1. Elisabeth Hannover-Drück e Heinrich Hannover, orgs., Der Mord an Rosa 13. RL passou três semanas com o pai num balneário em julho-agosto de 1899.
Luxemburg und Karl Liebknecht (Frankfurt/Main: Suhrkamp Verlag, 1967), 39- 14. Uma informação errônea fornecida por RL para justificar o adiamento de seu
2. Ibid., 41. casamento com Leo Jogiches, que nunca aconteceu.
3. Mathilde Jacob, "Von Rosa Luxemburg und ihren Freunden in Rrieg und 15- EL estava ansioso, evidentemente, por fazer segredo das negociações matrimoniais
Revolution: 1914-1919", manuscrito não publicado, Hoover Institution on War, perante sua filha mais velha.
Revolution and Peace, Stanford, Calif., MS 276, L98TZZ, 104-5. 16. O pai de RL não sabia que Leo Jogiches opunha-se firmemente ao casamento, nem
4. Ibid., 107. que RL, formalmente casada com Gustav Lübeck — para obter a cidadania alemã e
5. Ibid., 109. evitar a deportação —, não podia contrair outro matrimônio.
6. Mord, 112-119. 17. EL morreu em setembro de 1900.
7. Ibid., 135.
8. Ibid., 180.
9. Der Spiegel, 18 de abril de 1962, p. 38. Ver também "Bulletin dês Presse-und
Informationsamtes der Bundesregierung", 8 de fevereiro de 1962, 223-
10. Charlotte Beradt, Paul Levi (Frankfurt/Main: Europàische Verlagsanstalt, 1969),
122.
ll. Ibid., 126.
12. Ibid., 148-49.
13. Gustav Noske, Aufstieg und Niedergang der deutschen Sozialdemokratie (Zurique:
Air-Edition, 1947), 85.
14. Róza Luksemburg, Listy do Leona Jogicbesa-Tyszki, org. Feliks Tych, 3 vols.
(Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1968-1971), 1:218.

Correspondência: (A) Cartas de Elias Luksenburg (pp. 272-283)


(B) Cartas dos irmãos de Rosa Luxemburgo (pp. 284-312)

1. Róza Luksemburg, Listy do Leona Jogichesa-Tyszki, org. Feliks Tych, 3 vols


(Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1968-1971), 2:501.
2. Rosa Luxemburg, Briefe an Freunde, org. Benedikt Kautsky (Hamburgo:
Europàische Buchverlagsanstalt, 1950), 129-
3. Róza Luksemburg, "Nieznane listy Róza Luksemburg do dzialaczy SDKPiL", org.
Feliks Tych, in Archiwum Ruchu Robotniczego (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1976),
179-80.
4. Arma Luksenburg (1858-1932) casou-se em 1909, aos cinqüenta e um anos de
idade, muito depois da morte de ambos os pais.
5. Arma (Chana) Luksenburg, irmã mais velha de Rosa (1858-1932).
6. Lina Luksenburg faleceu em 30 de setembro de 1897.
7. O mais novo dos irmãos de RL, Józef, era médico.
8. Os irmãos de RL, Maksymilian (Munio) e Józef, eram ambos casados e moravam
em Varsóvia. O terceiro irmão, Natan, casado com uma inglesa de nome Lilly,
morava com ela e as duas filhas em Londres.
9- Rosa Luxemburgo ameaçou os familiares com o suicídio depois da morte da mãe;
para usar um termo contemporâneo, foi uma chantagem afetiva.
10. Leo Jogiches não quis que a Sra. Lübeck viajasse até Weggis "para não perturbar
meu término do artigo que abalaria a terra", como disse RL muitos anos depois, de
modo que ela nunca chegou a ir até lá.
fontes 333

Materiais particulares.
Entrevistas pessoais com pessoas relacionadas nos "Agradecimentos" e com outras
que preferiram permanecer anônimas.
A bibliografia dos trabalhos de Rosa Luxemburgo foi publicada na "Biblioteka
Fontes pierwodruków Rozy Luksemburg", Jadwiga Kaczanowska przy konsultacji i
wspóípracy Feliksa Tycha, Z Pola Walki, 3(19) (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1962,
e em "Uzupeínienia do bibliografii prac (pierwodruków) Rozy Luksemburg", org.
Feliks Tych, Z Pola Walki, 1(53) (Varsóvia: Ksiazka i Wiedza, 1971).

Publicadas

Luksemburg, Roza, Listy do Leona Jogichesa-Tyszki, org. Feliks Tych, 3 vols. Varsóvia:
Ksiazka i Wiedza, 1968-1971. Luxemburg, Rosa, Briefe an Karl und Luise Kautsky,
org. Luise Kautsky, Berlim: E.
Laub'sche Verlagsbuchhandlung GmbH, 1923-Luxemburg, Rosa, Briefe an Freunde,
org. Benedikt Kautsky, Hamburgo: Europaische
Verlagsanstalt GmbH, 1950. Luxemburg, Rosa, Vive Ia Lutte! Correspondance
1891-1914, org. Georges Haupt,
Paris: François Maspero, 1975-Luxemburg, Rosa, fÉtais, Je Suis, Je Serai!
Correspondance 1914-1919, org. Georges
Haupt, Paris: François Maspero, 1977. Luxemburg, Rosa, Gesammelte Briefe, org.
Annelies Laschitza e Günter Radczun, 5
vols. Berlim: Dietz Verlag, 1982-1984. Luksemburg, Roza, Wybór Pism, org.
Bronisíaw Krauze, 2 vols. Varsóvia: Ksiazka i
Wiedza, 1959. Luxemburg, Rosa, Gesammelte Werke, org. G. Radczun, 5 vols.,
Berlim: Dietz Verlag,
1972-1975. Cartas de Rosa Luxemburgo a Paul Levi, por cortesia da Dra.
Sibylle Quack.

Não publicadas

Papéis de Konstantin Zetkin, por cortesia da Dra. Gertrud Zetkin.


Papéis de Halina Luxemburg-Wiçckowska, cortesia da proprietária.
Papéis de Charlotte Beradt, cortesia da proprietária.
Estudo biográfico de Mathilde Jacob, cortesia da Hoover Institution on War,
Revolution and Peace, Universidade de Stanford, Calif. Cartas enviadas a Rosa
Luxemburgo pelo pai, Elias Luksenburg, e pelos irmãos Arma, Maksymilian, Natan
e Jósef, por cortesia da Hoover Institution on War, Revolution and Peace, Univer-
sidade de Stanford, Calif.
Cartas de Luise Kautsky a Karl Kautsky, cortesia do International Institute of Social
History, Amsterdã.

332
Créditos Índice de Nomes

Adler, Victor 132, 190, 209, 210 Bülow, Conde Bernhard von 126,152
Um agradecido reconhecimento é aqui oferecido aos seguintes arquivos e bibliotecas Alexandre II, Czar 47
por terem permitido o uso de material de suas coleções: Alexandre III, Czar 52 Cellini, Benvenuto 73
Atier, Ignaz 96,119 Conrad, Joseph 195
Celtralne Archiwum KC PZPR, Varsóvia
Zydowski Instytut Historyczny, Varsóvia Axelrod, Luba 53 Constantino, Grão-Duque 24
Archiwum Glówne Akt Dawnych, Varsóvia Axelrod, Pavel 56, 60
Naczelna Dyrekcja Archiwów Panstowowych, Varsóvia Azev, Evno 195 Darwin, Charles 40, 58
Muzeum Historyczne m.st. Warszawy, Varsóvia Diefenbach, Hans 161, 173, 179, 188,
Urzad Stanu Cywilnego, Zamosc Baden, Príncipe Max von 249 199,206,218,225,257;
Archiwum w Zamosciu, Zamosc Bakunin, Mikhail 56, 68 correspondência de RL com 200,
Arquivo de J.P. Nettl, por cortesia de Marietta Netü-Meltzer Balabanoff, Angélica 210 201, 210, 211, 216, 217, 226, 229-32;
Arquivo de Konstantin Zetkin, por cortesia' de Gertrud Zetkin Bauer, Otto 187, 198 dinheiro legado a RL por 323; morte
Instituto Internacional de História Social, Amsterdã Baumgarten, Leon 37n de 231, 232, 233, 238; e a prisão de
Arquivos e Biblioteca do Movimento Trabalhista Sueco, Estocolmo Bebei, August 12, 56, 86, 102, 104, RL 220, 227; correspondência da
Stadtarchiv, Zurique 118, 132, 152, 208; amizade de RL prisão de RL 228-32
Sozialarchiv, Zurique com 114, 119; e anti-semitismo Dossmar, Dr. (diretor da prisão) 227
Zentralbibliothek, Zurique 197, 198; e Clara Zetkin 116,117, Dostoievsky, Fiodor Mikhailovitch 59,
Staatsarchiv, Zurique 161; e Costia Zetkin 158, 160, l6l; 199
Universiiàtsarchiv, Zurique
Archives d'État, Genebra desacordos entre RL e 104, 171, Dreyfus, Alfred 133, 199, 238
Friedrich-Ebert-Stifung, Archiv der sozialen Demokratie, Bonn 188, 191-92; doença de 209; e a Duncker, Hermann 212
Arquivo da Universidade Hebraica, Jerusalém Escola Partidária 199; e a polêmica Duncker, Kate 212
Bibliothèque Nationale, Paris RL-Kautsky 190-91 Dzierzynski, Feliks 64, 143, 147, 181,
Alliance Israélite Universelle, Paris Berlin, Isaiah 184 187, 192, 194
YTVO Institute for Jewish Research, Nova York Bernstein, Eduard 12, 56, 99-100, 101,
Widener Library, Universidade de Harvard, Cambridge, Massachusetts 117, 132 Ebert, Friedrich 249, 250
À Hoover Institution on War, Revolution and Peace, na Universidade de Stanford, Beylis, Mendel 237 Eichhorn, Emil 260
Califórnia, um agradecimento especial pela permissão para utilizar material não Bismarck, Príncipe Otto von 248, 250 Einstein, Albert 268
publicado anteriormente. Bogdanov, Alexander A. 154 Eisner, Kurt 119,126,335
Bohuszewicz, Maria 43 Engelmann, Otto (pseud. de Leo
À MIT Press, pela permissão de reproduzir trechos de Comrade and Lover, Rosa Bornstein, Josef 268 Jogiches) 147,151,152
Luxemburg's Letters to Leo Jogiches, tradução e organização de Elzbieta Ettinger Branting, Hjalmar 132 Engels, Friedrich 59,60,65,114,122,
(Cambridge, Massachusetts, e Londres, Inglaterra, 1979). Braun, Adolf 119 201,214
As fotografias foram reproduzidas por cortesia de: Centralne Archiwum KC PZPR, Brecht, Bertolt 262 Espinosa, Baruch 237
Varsóvia; Arquivos de J.P. Nettl; SPD Archive, Bonn; The Hoover Institution on War, Bruhns, Juliüs 94, 119
Revolution and Peace, Stanford, Califórnia; Gertrud Zetkin; Charlotte Beradt, e Halina Budzilowicz, Felicja (pseud. de RL) Faisst, Hugo 171, 227 e n
Luxemburg-Wieckowska. 154 Falkenhayn, Erich von 207
Bukharin, Nikolaj 206, 244 Feinstein, Wladyslaw 51, 143

334 335
336 Rosa Luxemburgo índice de nomes 337

Felsenhard, Rosalia 43 Jadwiga, rainha da Polônia 46 de RL e Karl Liebknecht 266; e a Kollwitz, Kàthe, 247
Ferri, Enrico 132 Jagiello, Wladyslaw, rei da Polônia 46 Social-Democracia da Polônia e da Kopelson, Tsemakh 51
Fischer, Richard 119, 197 Jaurès, Jean 100, 102, 132-33, 187, Lituânia 127-28, 131-32, 139-43, 156; Korolenko, Vladimir: e RL e os judeus
Francisco Ferdinando, arquiduque, 197, 198, 199, 209, 210; tradução de suposto caso com Irena Szer 236-38; prefácio de RL a A História
assassinato de 209 RL para o alemão de discurso de Siemkowska 163, 164; e Costia do Meu Contemporâneo 237;
Frederico Augusto von Saxe 134 133 Zetkin 176-77 tradução de RL de A História 236-39
Frolich, Sra. Rose 199 Jentys, Aleksandra 43, 152 Jogiches, Osip (irmão) 48,123-24, Krupskaja, Nadiezhda 185
Jogiches, Emilia (irmã) 48 127 Krzysztaíowicz, K. (pseud. de Leo
Galsworthy, John (.The Man of Jogiches, Jakub (avô) 48, 49, 52 Jogiches, Pavel (irmão) 48, 151, 181 Jogiches) 180
Property) 234 Jogiches, Leo 14, 46-53, 231-32; na Jogiches, Samuel (pai) 48
Gapon, Padre 139 Argélia com seu irmão agonizante Jogiches, Sophie (mãe) 48-49 Lafargue, Laura, née Marx 114
Gerisch, Karl 96, 97 123-27; na Berlim pós-Primeira Jorns, Paul 267, 268 Lassalle, Ferdinand 122, 268
Goebbels, Joseph 249 Guerra Mundial 251, 255; na Leder, Zdzislaw (pseud. de Wladyslaw
Goethe, Johann Wolfgang von 73, Cracóvia 139, 140-47; detenção e Kamenev, Lev 154 Feinstein) 143, 192; ver também
176, 177, 188, 199, 229, 234, 236, 263 ruga de (1919) 263; detenção e Katayama, Sen 132 Feinstein, Wladyslaw
Gogowski, Józef 119 prisão de 52, 150-53, 156, 163, 239, Kautsky, Benedikt 191n Lenin, Vladimir Iliich (Ulianov) 34,
Gordon, Anna 58, 60 246; fuga da prisão (1907) 103, 164; Kautsky, Hans 188, 19ln, 232 56, 102, 172, 183, 184, 187, 193, 195,
Gorkij, Maxim 182 envolvimento com a sua senhoria Kautsky, Karl Johann 12, 56, 100, 102, 203, 208, 211, 255; atitude em relação
Greuse, Jean-Baptiste 90 224, 255, 266; e espartacistas 254, 126, 134, 144, 147, 182, 187, 202, 203; à Primeira Guerra Mundial 222;
Groener, Wilhelm 250, 254, 258 255-56; incapacidade de escrever amizade com RL 114, 115, 188-89; e atitude em relação a RL 184-85;
Guesde, Jules 132 69, 162; e a mãe 48-49, 85; e o avô anti-semitismo 197, 198; e o bem- sobre autodeterminação das nações;
Guilherme I, Imperador 41, 248 49, 52; e Anna Gordon 58, 60; e estar dos trabalhadores 183; cartas 186; busca de fundos para os
Guilherme II, Imperador 133-34, 230, Lerün 138, 195-96; e Mathilde Jacob de RL a 134, 149, 151, 152, 153, bolcheviques do RSDRP 196; e
249 218-19, 223, 224, 239, 257, 266, 267; 154; conflito entre RL e 171, 188-92, Jogiches 138, 195-96; e Levi 206;
Gutman, Bronislawa 64 e o Partido Comunista da Alemanha 196; colapso nervoso sofrido por Materialismo e Empírio-Crítica 182,
251, 266; prisão e assassinato de 190-91; e Congresso da Segunda 185; polêmica entre RL e 165-66,
Halewi, rabino Zerachya 20 266-67, 269; reconhecimento Internacional 132, 133; e Die Neue 171, 186, 188, 195, 196, 245, 254, 255;
Hanecki, Jakub 152 concedido a, na Alemanha 223; Zeit 86, 114; influência de RL com radicalismo de 241; e a Revolução
Hardie, Keir 132 rede subterrânea em torno de 52, 185; e fundos para o RSDRP 196; e Russa 241, 242, 243; RL sobre 136-
Heine, Wolfgang 237; declaração 66, 103, 223-24; relacionamento com a Primeira Guerra Mundial 211; 38, 154-55, 165, 183; sobre RL como
anti-semítica sobre RL 197 RL 46, 48, 50, 52, 53, 55, 58-59, 70- como renegado 185; rompimento "águia da revolução" 244; e "erros"
Hervé, Gustave 214, 215 71, 83, 84-85, 112-27, 202; com RL do casamento de 114-15, 191 e n, de RL 244 e n, 245; Um Passo à
Herzen, Alexander 40,56 em Berlim 111, 112-23; com RL em 232; e o SDKPiL 153; e Costia Frente, Dois Passos Atrás 136 e n
Herzfeld, Joseph 119 Dresden 103; com RL em Londres Zetkin 158, 160, lól Lessing, Gotthold Ephraim 259
Hillquit, Morris 132 164-66; com RL na Suíça 58-87 Kautsky, Luise 30, 114-16, 118, 126, Levi, Paul 220, 223, 225, 251, 268,
Hindenburg, Paul von 247, 249, 250 passim; com RL em Varsóvia 148- 135, 144, 147, 169, 202, 206, 238; e a 269; detenção de 263; e Lenin 206;
Hitler, Adolf 247, 254, 26l, 262, 267 51; correspondência de RL com 14, amizade de RL com Hans Diefenbach morte de 268; correspondência com
Holst, Henriette Roland, t*rr Roland 55, 66, 71-79, 84, 85-86, 90-110 161, 173, 232-33; e o conflito de RL RL 11, 14, 205, 217, 258;
Holst-van der Schalk, Henriette passim, 120, 123-27, 134-36, 140-77, com Karl Kautsky 190, 191; relacionamento com RL 204-06, 209,
Huysmans, Camille 210-11, 212 167-68, 172, 176, 177, 17a79, 180, correspondência de RL com 134, 255, 258-59; como advogado de RL
189,193, 194, 196; 198-200, 209, 216, 144, 149, 151, 152, 153, 154, 189, 210, 204, 207; e o artigo de RL sobre a
Jacob, Mathilde 216-17, 238-39, 242, 226, 241; e A Acumulação ao Capital 216, 217, 218, 220, 228, 230, 231, 232, Revolução Russa 241-42; e o
251, 252, 255, 257, 269; de RL 202-03; e o artigo de RL 233, 239, 240; fim de sua amizade panfleto de RL sobre a Revolução
correspondência de RL com 217, sobre a Revolução Russa 243-44; com RL 256; rompimento do Russa 242-45; introdução a A
218, 219, 226, 227, 235, 245-46; afastamento entre RL e 108-11, 139, casamento de 114-15; 191 e n, 232; Revolução Russa de RL 245; "O que
estudo biográfico de RL 217,218- 141-47, 148, 149-50; rompimento de e o rompimento entre RL e Jogiches Quer a Liga de Espártaco?" (com RL)
19, 220. 224, 225, 228, 257; e Leo RL com 164-68, 169, 174, 176, 180; 164, 167 259
Jogiches 217, 218-19, 223, 224, 238- retomada das relações entre RL e Kautsky, Minna 114, 120, 147 Liebknecht, Karl 136, 212-213, 216 e
39, 257, 266, 267; prisão de 263; e a 176, 178-82, 202, 255; e Introdução à Kemer, Justinus 173, 229 e n n, 255, 256, 262; assassinato de 265-
prisão de RL 217-18, 224, 225-26, Economia Política de RL 200; e a Kessler, Conde Harry 250, 262 66, 267, 268; na Berlim pós-Primeira
227, 235-36; rompimento com RL prisão de RL 220, 223; e a soltura Koestler, Arthur 241 Guerra Mundial 251, 252; crítica de
257 de RL da prisão 246; e assassinato Kollontaj, Alexandra 213 RL a 225; e "Declaração" do SPD
338 Rosa Luxemburgo índice de nomes 339

211; detenção e prisão de 225, 233; 264, 265-66, 267, 268; atitude em 159, 162, 168, 175-77, 188, 189, 212, 130-31; e W. 143, 144, 145, 164 e n
e espartacistas 252, 258, 260; e relação à família 272-77; atitude em 215, 230, 238; interesse em música Obras:
Jogiches 223; e a prisão de RL relação ao dinheiro 104-107, 181; 110,114,120,159,168,176,177,188; A Acumulação do Capital 200,201,
220, 224-25; e a prodamação da atitude em relação aos judeus 26- interesse ern pintura, desenho e arte 202, 220
República Alemã livre e socialista 27, 28, 29-30, 39, 44-45, 84, 95-97, 110, 125, 162-63, 168, 176, 187, 188; "Alguns Comentários sobre o
249; e a tomada do governo pelo 104, 105, 120, 133, 176, 190-99, 236- interesse inicial em política 41-42, Programa da Social-Democracia
Comitê Revolucionário 260 38, 256; atitude em relação às 61-62; julgamentos de 204, 207; e Russa" 137
Liebknecht, Sonja 136, 216 e n, 218, mulheres 202, 206-07; em Berlim; Lenin 136-38, 154-55; ligada a Anticrítica 201, 220
239; correspondência de RL com 75-111; na Berlim pós-Primeira grupo socialista ilegal 42; em Mainz artigo sobre a Revolução Russa 241
227,-233, 234, 256 Guerra Mundial 251-59; cartas do 119; morte do pai 112, 120; e o "Atrito ou Luta?" 189
Liebknecht, Wilhelm 56, 91, 102, 265 pai 272-83; cartas dos irmãos de movimento feminista 206; e o Cartas da Prisão 136,215-18,219,
Lilienthal, Max 48 . 284-312; casamento de, com Gustav movimento polonês 62-65, 68-69, 228-36 passim, 239-40
Litvinov, Maxim M. 203 Lübeck 58, 86-87, 96, 101, 112, 152; 85; sobre nacionalismo 183-84, 185- "O Começo" 253
Loewenstein, rabino Bernard (tio) 20 divórcio de» 112-13; 152; co-fun- 87; nascimento e infância de 13-14, "Damas e Mulheres" 130
Loewenstein, rabino Itzakh (avô) 20 dadora do Partido Comunista na 20-30; nome, mudança de 29, 42n, "O Desenvolvimento Industrial da
Lübeck, Gustav 58; casamento de RL Alemanha 259, 260; e Congresso da 57, 121; passaporte de 42; e o Polônia" (dissertação) 80, 93, 95,
com 58, 86-87, 96, 101, 112, 152; Segunda Internacional 62-63, 64-65, pogrom 29-30, 31, 274; polêmica 101
divórcio de RL de 112-13, 152 119, 120, 132-33; conflitos com com Kautsky 188-92; e a Primeira "Deveres Negligenciados" 26l
Lübeck, Karl 57, 58 pessoas e grupos 188-98; Guerra Mundial 187, 201, 207-13, diário da prisão 215, 245-46
Lübeck, Olympia 57-58, 83, 86 correspondência com Diefenbach 215, 222, 242; problema de "E Depois?" 189
Lübeck, Rosalia (nome de casada de 200, 201, 210-11, 216, 217, 226, 229- claudicação 25-26, 27, 38, 68, 263, "Os Direitos de Voto da Mulher e a
RL) 87 32; correspondência com a família 273-74; como professora na Escola Luta de Classes" 206
Lukács, Gyõrgy 184 14, 61, 81-82, 99, 112, 120-21; Partidária do SPD 161, 175, 188, "A Facção Parlamentar no Reichstag
Luksenburg, Anna (Chana; irmã) 20, correspondência com Jogiches 62, 189, 190, 199, 211; relacionamento e a Avaliação Militar" 203
25, 39, 82-83, 108, 121n, 151, 232; 66, 71-79, 84, 85, 86, 90-110 passim, com Diefenbach l6l, 173, 179, 229- "A Greve em Massa, o Partido e os
cartas de 284, 286-91, 292-95, 296- 114, 119, 122-27, 134-36, 140-47, 167- 32, 233; relacionamento com Sindicatos" 154, 155, 183, 189
302, 309-12; casamento de 180 e n 68, 172, 176, 177, 178-79, 180, 189, Jogiches 46, 48, 50, 52, 53, 55 Introdução ã Economia Política
Luksenburg, Elias (Edward; pai) 20- 193, 194, 196, 198-200, 203, 209, 216, passim, 58-69, 70-71, 77-81, 83, 84- 200, 211
21, 22-30 passim, 38-39, 61, 83, 98, 241, 274; correspondência com Levi 85, 112-27, 129-30, 202; com Jogiches "Militarismo, Guerra e a Classe
105-06; cartas de, 272-83; atitude de 205, 217, 258; correspondência com em Berlim 84-85, 111, 112-23; com Trabalhadora" 204
RL em relação a 39, 106, 120-21, Mathilde Jacob 217, 218, 219, 226, Jogiches em Dresden 103; com "A Mulher Proletária" 206
273-312 passim; férias de RL com 227, 235, 245-46; correspondência Jogiches em Londres 164-66; com Panfleto dejunius ("A Crise da
120, 275-76; idade avançada de 120- com Zetkin 161-77 passim, 178, Jogiches na Suíça 58-87 passim; Social-Democracia") 220-21,222
21; morte de 112-120 179, 189, 192, 196, 208, 225; com Jogiches em Varsóvia 148-51; "Passo a Passo" 80
Luksenburg, Jósef (irmão) 20,41, 108, descoberta é identificação do corpo afastamento entre Jogiches e 108- poesia de 41 e n
134; cartas de 285-86, 291-92, 295, 269; desejo de um filho 75-76, 119, 11, 139, 141-47, 148, 149-50; prefácio à autobiografia de
302-07; 127, 176; detenções e prisões de rompimento com Jogiches 164-68, Korolenko 237-38
Luksenbúrg, Lina Loewenstein (mãe), 133-36, 150-53, 166, 204, 207, 212, 169, 174, 176, 180; retomada das "O que Quer a Liga de Espártaco?"
20-21, 22-30 passim, 38-39, 61, 272; 213, 214-46; doença e morte da mãe, relações com Jogiches 176,178-82, (com Levi) 259
atitude de RL em relação a 38, 82- 81-84, 96, 274-310 passim; fama 202, 255; relacionamento com Levi "A Questão Nacional e a Economia"
83, 98, 273-312 passim; doença e conquistada por 187-88; sobre a 205-06, 207, 209, 255; relacionamento 184, 185
morte de 81-82, 96, 274-310 passim felicidade 67; na Finlândia 154, com Plekhanov 60; relacionamento "Questões Organizacionais dos
Luksenburg, Maksymilian (Munio; 155; formação de 26-30, 40-42, 58- com Zetkin 156, 159-77 passim, Social-Democratas Russos" 136-37,
irmâo) 20, 134, 153, 180, 181; carta 59, 61, 80; e a Gazeta Ludowa, 129- 178, 181-82; desintegração de seu 183
de 307-08 30; grau de doutoramento em direito relacionamento com Zetkin 168-77, "A Reconstrução da Internacional"
Luksenburg, Natan (Mikolaj; irmão) e ciência política 80, 274; e as 178, 179; e a revolução (1905) na 213
20 165 greves na Polônia 147-48, 149; e a Rússia e na Polônia 147-56; sobre o "Reforma Social ou Revolução" 100,
Luxemburgo, Rosa: adolescência de insurreição espartacista 258, 260-62; social-democrata 204; trabalho 132
31-34, 38-45; amizade com Clara , interesse ern botânica 136, 176, 187, sobre greve em massa 154, 155, "Reina a Ordem em Berlim" 262
Zetkin 117-18, 143, 144; amizade 215, 220, 226, 235; interesse em 183, 189; últimas horas de 262-64; A Revolução Russa 242-45
com Luise Kautsky 114-16; anos na ciências naturais 58, 59; interesse viagem à Silésia 91, 92-93, 96, 101; "As Tarefas da Revolução" 259
Suíça 43, 44, 56-87; assassinato de em literatura 31-35, 40, 41, 114, 135, viagens para falar em público 129, "Teses Concernentes às Tarefas da
340 Rosa Luxemburgo índice de nomes 341

Social-Democracia Internacional" um Revolucionário 68 Stadthagen, Arthur 112, 113, 126, 200 Zamoyski, Jan, Chanceler-Mor da
222 Nettl, J.P. l66n Stalin, J. V. 12, 117, 165, 187, 193, Coroa 19
tradução da autobiografia de Neufeld, Ignacy 27 195, 272 Zasulich, Vera 56
Korolenko 236-39 Neufeld, Sra. (senhoria de RL) 126 Szer-Siemkowska, Irena 103 Zetkin, Clara 100, 114, 116, 119, 126,
"A Tragédia Russa" 241 Nicolau I, Czar 32 143, 144, 157-59, 196, 206, 225, 234,
Luxemburg-Wieckowska, Halina Niemojewski, Andrzej 196-97, 198 Tamschick, Emst 266 239; amizade com RL 116-18; e a
(sobrinha) 180 Noske, Gustav 261, 269 Thalheimer, Bertha 222 Bandeira Vermelha 252; casamento
Tolstói, L. 134, 162, 173, 175, 177, com Friedrich Zundel 117, 158;
Marchlewska, Bronislawa Gutman 64 Ossietzky, Carl von 268 199, 230; Anna Karenina 188; A correspondência com RL 14, 216,
Marchlewska, Zofia 42 Morte de Ivan llyich 102 217, 218, 252, 256; "Declaração" do
Marchlewski, Julian 42, 63, 138, 147, Pabst, Capitão Waldemar 263-64, 267 Towianski, Andrzej 33 S PD 211; e Osip Zetkin Il6; eo
181, 187, 192, 198, 201, 203, 212; Parvus-Helphand, Alexander 84-85, Troelstra, Pieter 132 panfleto de RL sobre a Revolução
prisão de 209 154, 197 Trotsky, Leon 192,193,242,243 RUSSa 244, 245; e a Primeira Guerra
Marcussohn, família 262 Peretz, IsaakJL. 237 Twimng, Luella 206 Mundial 210, 211, 212; e a prisão de
Martov,Julij 137 Perovskaja, Sofja 43 Tyszka, Jan (pseud. de Leo Jogiches) RL 227; e o relacionamento de seu
Marx, Karl 12, 34, 100, 102, 133, 162, Pick, Wilhelm 212 132, 137, 192 fiiho costia com RL 160, l6l, 169,
168, 183, 184; e a crítica de RL ao Pio IX, papa 33 Voil . „, P . , , ,„ 172, 174; e Stalin 117
marxismo 201; discordâncias de RL Plater, Emilia 44 Vaillant, hdouard 132 •*!•«• • /-^ • >> , , ^ , ^ / -
vo^^r*»!^» fc m-i~ ( A tão IOQ Zetkin, Konstantin (Costia) 116,156,
com 62, 183; e Eduard Bernstein Plekhanov, Georgij 12, 51, 56, 59-60, Vníf^neAt ^ 2*4 %7 157 200 206
' ' « 211' 2l8' &>• 2^2' 2^>
100; e internacionalismo 187; Das 61, 65, 102, 132, 203; admiração de Vogel, Tenente Kurt 264,267 correspondência com RL 156-77
Kapital 114, 200, 201; O Manifesto RL a 60; carta a Engels 60;
Comunista 69, 134, 165, 213; sobre rompimento com Leo Jogiches 60, W. 143, 144, 145, 164 e n passim, 178, 179, 189, 192, 196, 208,
218 225 e
Karl Kautsky 189; legado literário 68 Warszawski-Warski, Adolf 63-64, 70, > ' ^trodução à Economia
de 114, 115; como repórter do Pushkin, Alexandre 32 94 127 147 192 222 Política de RL 200; e Jogiches 176-
Herald Tribune, Nova York 69; e os Warszawska, jadwíga Chrszanowska ^ relacionamento com RL 156,
1
Social-Democratas 259 Radek, Karl 141, 192, 205, 244, 254; 64, 70, 94, 127 59-77 passim, 181-82, 199, 202;
Matschke, Anna (pseud. de RL) 147, conflito de RL com 171, 188, 192- Warynski Ludwik 43 62 152 desintegração de seu relacionamento
151 94, 196; Meine Abrechnung (Minha Wiethplter, C. 180 com RL 168-77,178,179
Mehring, Franz, 100, 114, 126, 196, Avaliação') 193 Witte, Conde Sergej 152 Zetkin, Maxim 116,157-58,269
197, 199, 201, 203, 212, 213; e A Radnin, Ida (empregada de RL) 172 e n Wojnarowska, Cezaryna 64 Zetkin, Osip 116
Bandeira Vermelha 252; Radwanski, Tadeusz 219 Wurm, Emanuel 153 Zheljabov, Alexander 43
correspondência de RL com 216; Rappaport, Charles 52, 53 Wurm, MathÜde 153; Zinoviev, Grigorij 154, 206, 244
"Declaração" do SPD 211; e Leo Rilke, Rainer Maria 262 correspondência de RL com 216, Zlottko, Gertrud (empregada de RL)
172n 202
Jogiches 223-24; e Mathilde Jacob Roland Holst-van der Schalk, Henriette 236-37; e RL sobre judeus 236-37 j
217; e a prisão de RL 220 87n, 143, 221 Zola, Émile 268
Mickiewicz, Adão 14,37,39,40,41, Rolland, Romain 230 Zamoyski, Conde Andrzej 20 Zundel, Friedrich Georg 117, 158, 174
44, 47, 64, 122, 187, 199; Bíblia da Rosenbaum, Marta 213, 216, 239;
Nação Polonesa e dos Peregrinos correspondência de RL com 218,
Poloneses 33; como inspiração para 228, 240
RL 31-34, 41; e a Lituânia 46-47; Rosenfeld, Kurt 200, 204, 207, 213
"A meus amigos russos" 32; Os Rotstein-Krasny, Józef 141
Antepassados 31n; poesia de 32, Runge, Otto (soldado) 264, 266, 267
44, 46
Mill, Joseph (John) 63 Scheidemann, Philipp 249, 250
Mimi (gata de RL) 127, 172, 173, 174, Schlich, Selma 236
202, 211, 217-18, 225 Schmit, N.P. 195
Modrzejewska (Modjeska), Helena 27 Schõnlank, Bruno 94
Molkenbuhr, Hermann 119, 191 Schrick, Else 227
Morique, Eduard 229 Seidel, Mathilde 58,102
Seidel, Robert 58, 102
Nachimson, Miron I. 201 Shakespeare, William 229
Nechaev, Sergej 60; O Catecismo de Singer, Paul -119
índice de assuntos 343

Die Internationale 213 Iskra (A Centelha) 136


DieNeueZeit 80-81, 86, 100, 114,
121n, 182, 189, 190 Jomalzinho, O 252
DiePost 152 judeus 198, 236-38; na Alemanha
Die Rote Fahne, ver Bandeira 95-99 passim, 248-49; na Lituânia
Vermelha, A 47, 49-50; na Polônia 19-30 passim,
Divisão Blindada, Alemanha 253-54 35-36, 37, 39, 40, 44; na Suíça 57;
Domingo Sangrento, massacre do ver também anti-semitismo
139, 147-48
Índice de Assuntos Dortmunder Arbeiterzeitung 189,190 KPD, ver Partido Comunista da
Alemanha
Eintracht (clube socialista alemão) 56- Kronstadt, levante de 245
57
Escola Partidária (SPD) 161, 175, 188, Lei de Previdência da Saúde (1884)
189, 190, 199, 211 248
espartacistas 225, 250, 251-52, 254, Leipziger Volkszeitung 94, 100, 104,
257; batalha entre governo e 257- 106, 140, 151, 203
58, 260-62; levante dos 260-62; liga Liga de Espártaco (Spartakusbund), ver
de Espártaco 212, 221-22, 239, 245, espartacistas
Academia Zamoyski 18 Bund (Sindicato dos Trabalhadores 251, 252, 254, 255-59 Lituânia 46-47
Agência Telegráfica Wolff 265 Judeus da Lituânia, Polônia e Rússia) Estandarte Vermelho, O (Czerwony
Alemanha: pós-Primeira Guerra 50, 51, 139, 142-43, 193, 198, 201 Sztandar) 128, 149, 151, 163, 195 Marrocos, crise do 191, 208
Mundial 247-50; prodamação da marxismo 50, 100, 114, 136-37; RL
República Alemã 249; ver também Cartas de Espártaco, ver Federação Revolucionária Armênia sobre 114, 165-66, 182, 184, 201
Weimar, República de Spartakusbriefe 186 materialismo 40, 58
anti-semitismo 21, 35, 39, 95-97 e n, Causa dos Trabalhadores, A (Sprava Federalistas Social-Revolucionários da mencheviques 137, 183, 196, 203,
133, 237, 248-49, 256, 266, 268; ver Robotniczd) 62, 63, 65, 71, 74, 76, Geórgia 186 244n
também judeus 80, 86, 213 Fortaleza de Varsóvia 43,152,153 Mlot (O Martelo) 197,198
Arbeiterstimme 58 Chausseestrasse, massacre da 257-58 Moabit, prisão de 239, 264
Áustria: declaração de guerra à Sérvia Cheka (Comissão Extraordinária de Garde-Kavallerie-Schützen-Division mulheres, condição das 44-45, 130,
209-10 toda a Rússia para Combate à Contra- (Divisão da Cavalaria e dos 206-07
autodeterminação nacional, direito à revolução, Sabotagem e Comércio Fuzileiros) 263 Museu Nacional Polonês (Rappersvill,
184-87, 242-43 Ilegal) 194 e n Gazeta Ludowa (Gazeta do Povo) Suíça) 56
Comitê Revolucionário, Berlim (1919) 129, 130 Mysl Niepodlegta, ver Pensamento
Bálcãs: primeira e segunda guerra dos 260, 26l Gruppe Internationale 212, 221-22 Independente
(1912 e 1913) 209 Conferência Internacional da Mulher, Guarda Vermelha, Alemanha 253 nacionalismo: RL sobre o 184-87
Bandeira Vermelha, A (Die Rote Berna -207 Guarda do Povo, Alemanha 253-54 Narodnaja Volja (Vontade do Povo)
Fahné) 251-53, 257, 262, 266, 268 Conselhos dos Trabalhadores e Guarda dos Soldados da República, 50-51, 52, 59
Bavária, República da 247 Soldados 253; primeiro Congresso Alemanha 253-54 nazistas 47, 267, 268
Berlim: anos de RL em 75-111 dos 258 Guerra Mundial, Primeira 133, 187,
passim, 112-23; após a Primeira Corpo de Voluntários (Freikorps), 201, 207-13, 214, 222 Organização Central Marxista de Vilna
Guerra Mundial 247-51 Alemanha 254, 258, 261 51
Berliner Lokalanzeiger 251 Czerwony Sztandar, ver Estandarte Herald Tribune, Nova York 69
Bemer Tagwacht 211 Vermelho, O Hromada Bielo-Russa 186 Panther (cruzador alemão) 191
Biblioteca Social-Democrata 6l, 80 Hungria 184 Partido Bolchevique 193
bolcheviques 137, 138, 154, 165, 182- darwinismo 40, 58 Partido Comunista da Alemanha (KPD)
83, 185, 193, 196, 203, 257; medo dos democracia, crítica à eliminação da Igreja Católica Romana: lituana 46-47, 11, 251, 259, 260, 266, 269
alemães dos 250, 254; e a 242-43 50; polonesa 22, 36, 40, 47, 50 Partido Comunista da Rússia 101
Revolução Russa 240-45 Demokratische Zeitung 57 Iluminismo (Haskalah) 21 Partido Comunista da Polônia (KPP)
Breslau (Wroclaw), prisão de 234, Dezembristas 32 Instituto para Moças da Nobreza 43 272
235,236,239 Die Gleichheit (A Igualdade) 116, Internacional Socialista, Diretoria da Partido da Libertação da Mão-de-Obra
Brest-Litovsk, Tratado de Paz de 241 118, 159, 162, 170, 175, 206 132, 191, 203, 208, 209, 210, 211, 214 59-60

342
344 Rosa Luxemburgo índice de assuntos 345

Partido dos Trabalhadores Poloneses Potemkin (encouraçado) 148 Social-Democracia do Reino da Polônia SS (Schutzstaffelri) 26l
(PPR) 62; ver também Proletariat PPR, ver Partido dos Trabalhadores (SDKP) 62 e n, 63, 64, 65; fundação Suíça 43, 44, 56-87
Partido dos Trabalhadores Social- Poloneses da 272
Democratas da Rússia (RSDRP) 100, PPS, ver Partido Socialista Polonês Social-Democracia do Reino da Polônia Tchecoslováquia 14, 184
153, 154, 182, 188, 193, 195; cisão no Pravda 206 e Lituânia (SDKPiL) 14, 62, 64n, 80, Terceira Internacional (Comunista)
221; Comitê Central do 167, 183-84; Primeira Internacional 62n 122, 137, 138, 143, 153, 167, 182, 212, (Comintern) 62n, 193, 254
desacordo com o SDKPiL 137-38; proletariado 184-87 pas«'m; 242, 247-49; cisão na 192-93, 195, terrorismo 50, 193-94, 243, 254
Primeiro Congresso do 100; revolucionários russos 240-45 222; Comitê Central dá 193, 194; Tribuna doPovo 33, 149
problema da unidade do 203, 210; Proletariat (partido dos trabalhadores Comitê de Varsóvia 192, 193, 194,
Quinto Congresso do 164, 165, 166, poloneses) 37, 42, 43, 62, 64 195; crescimento da 139,142; União de Combate ao Bolchevismo,
183-84; Segundo Congresso do 137; Przeglad Soçjaldemokratyczny, ver fundação da 272; oposição à 192, Berlim 250
unificação com o SDKPiL 164 Revista Social-Democrática 196-98; oposição dentro da 188, Universidade Polonesa em Vilna 47
Partido Social-Democrata Alemão 193, 194-95, 221; papel de Jogiches USPD ver Partici0 Social-Democrata
(SPD) 14, 56, 80, 85, 86, 91, 96, 97, Real Presídio Prussiano de Mulheres, na 127-28, 131 -32, 139-43, 156; Independente da Alemanha
99, 100, 102, 113, 114, 116, 122, 150, Berlim 213 papel de RL na 185; publicações da
183, 196, 205, 216, 272; abismo entre revisionismo, luta contra o 132-33 139, 141; e Radek 193; unificação
RL e 156; e A Acumulação do Revista Social-Democrática (.Przeglad com o Partido dos Trabalhadores Varsóvia, Polônia: infância e
Capital de KL 200-1; na Berlim pós- Soçjaldemokratyczny) 128,137,184 Social-Democratas da Rússia 164 adolescência de RL em 22-45;
Primeira Guerra Mundial 248-50, revolução espontânea 14, 50, 155,
socialismo 33,35,40,133,137,214, fortaleza 43,152,153
252, 255; Congressos do 101, 119, 184, 26l vüna
221; científico 101; conceito de RL - Lituânia 4?-53
140, 159, 166, 191; e o Congresso da Revolução (1905) na Rússia e Polônia
de 183-84 187 243 254 55 Volkswacht 94
Segunda Internacional 132, 133; e a 139, 147-50, 153-56, 182
social-revolucionàrios ' 240n ***** 94, 104, 126, 140, 149, 154,
crise do Marrocos 191; crítica de RL Revolução na Alemanha 247-62
ao 221, 236-37; dificuldades de RL passim Sozialdemokrat 241 189,190,193,207,260
no 102-04, 188, 190, 191; e a Revolução Russa (1917) 183, 228, Sozialdemokratische Korrespondenz
disputa RL-Radek 193; divisão no 240-41, 250; análise de RL da 242-45 203, 206, 213 Weimar, República de 262, 267, 268
203, 252; Escola Partidária no l6l, revolucionário, papel do 68, 69, 76 Spartakusbriefe (Cartas de Espártacó) Wrònki, prisão de 226, 234-35, 238
175, 188, 189, 190, 199, 211; esforços RSDRP ver Partido dos Trabalhadores 203, 222, 223, 239, 241
para libertar RL da prisão 150, 152, Social-Democratas da Rússia Spartakusbund ver espartacistas: Liga ZamoSc, Rússia-Polônia anexada:
153; e a Liga de Espártaco 221-22, Russo-Japonesa, Guerra (1905) 209 de Espártacó infância de RL em 18-21, 45
252, 258; membros do 155, 186; SPD ver Partido Social-Democrata Znanie (Conhecimento) 182
papel de RL no 122, 185; e a prisão Sachsische Arbeiterzeitung 85, 100, Alemão z Pola Walki (Do Campo de Batalha)
de RL 220; separação de RL do 101, 103, 106 Sprawa Robotnicza, ver Causa dos 139
211, 255, 259; poder e influência do Scherl-Verlag 251, 252 Trabalhadores, A Zurique, Suíça: anos de RL em 56-87
208; e a Primeira Guerra Mundial SDKP, ver Social-Democracia do
211, 212; e a revolução 182; e Clara Reino da Polônia
Zetkin 117,118 SDKPiL, ver Social-Democracia do
Partido Social-Dernocrata Reino da Polônia e Lituânia
Independente da Alemanha (USPD) Section Française de 1'Internationale
252, 260; Comitê Revolucionário do Ouvrière (SFIO) 133
260, 261 Segunda Internacional 64, 97, 191,
Partido Socialista da França 132-33 221, 222, 272; Congresso da 62 e n,
Partido Socialista Francês 132-33 119, 120, 132-33, 167, 208, 214
Partido Socialista Polonês (PPS) 62, Segundo Ginásio Russo para Meninas
63, 64, 91, 129, 139, 143; 26-27, 274
discordância de RL com 185,195 Silésia 91,92-93,96,101
Partido Socialista Ucraniano 186 Sindicato dos Trabalhadores Judeus da
Pensamento Independente (Myál Lituânia, Polônia e Rússia, ver Bund
Niepodlegtà) 196, 197, 198 Social-Democracia Armênia 186
Polônia 11-12, 14, 18-19, 27, 33, 35, Social-Democracia da Letônia 193
44, 184, 185, 186 Social-Democracia Lituana 62n, 64,
positivismo, polonês 34, 35-38, 40 186

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