Você está na página 1de 1

Educação especial, filosofia e sociedade

Quando Antonio Gramsci faz a afirmação “todo homem é filósofo” não está
dizendo que todos são iguais, nem propondo a inexistência de diferença na qualidade
entre os conhecimentos dos indivíduos. Sua tese é mais sutil: todos possuem, no plano
intelectual e prático, noções sobre “o que é” e “o que deve ser”, ou seja, uma concepção
de mundo e uma ética. Nesse sentido preciso, todos são filósofos (1).
Mas Gramsci faz uma distinção: há a filosofia do senso comum – desagregada,
não refletida, contraditória -, e a filosofia “profissional” – unitária, coerente, organizada.
Por meio de um trabalho ativo e permanente da educação é possível transitar de uma à
outra, elevar a capacidade de compreender e agir no mundo, passar da “filosofia do
senso comum” à consciência filosófica aprimorada.
Tais considerações valem também para as pessoas com necessidades especiais.
A “filosofia espontânea” de cada um desses sujeitos se revela nas representações
simbólicas elementares, na linguagem, na sua cultura popular etc.
Por exemplo: quando uma criança com necessidades especiais usa palavras ou
sinais que significam “pai” e “mãe”, está expressando a noção do mundo imediato como
uma totalidade – a família - cujas partes diferentes – ela, seu pai e sua mãe - se
relacionam de maneira determinada, se definem a partir das relações estabelecidas entre
si, têm comportamentos práticos permitidos ou proibidos no trato de uns com os outros,
e assim por diante.
Há, portanto, filosofia nas palavras. Essa representação de mundo, rudimentar e
não conscientizada, pode ser aprimorada em sua unidade e coerência internas se o
sujeito que a possui for devidamente educado visando esse objetivo.
Mas por que, em geral, os indivíduos com necessidades especiais não chegam a
um grau de consciência filosófica (ou científica, ou artística) superior ao senso comum
atual, e por que aproveitam pouco o seu potencial? Pela mesma razão que a maioria
absoluta das pessoas também não o faz no capitalismo: o fato de esta sociedade usar a
educação principalmente no intuito de preparar para o trabalho, e não para o
desenvolvimento das múltiplas capacidades humanas.
No capitalismo, o trabalho, subordinado às exigências do lucro – calcado no que
Marx chamou de trabalho abstrato (2) -, com suas impiedosas regras de produção e
produtividade, torna-se a matriz e o critério formal para determinar a organização, as
atividades, as habilidades e os conhecimentos médios desenvolvidos pelas instituições
formais de ensino. Aqui está a raiz do problema de a educação em geral e a educação
especial em particular produzirem os resultados medianos atualmente observados.

Notas:

1. Ver Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, vol. 1. Introdução ao estudo da


filosofia; A filosofia de Benedetto Croce. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro,
2013.
2. O trabalho abstrato é o responsável pelo valor das mercadorias, ao passo que o
trabalho concreto cria as suas características úteis. Ver Marx, O Capital: crítica
da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo:
Boitempo, 2013.

Você também pode gostar