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Escola sindical e escola partidaria1

Nos últimos tempos, repetidamente, levantaram-se vozes nos


círculos partidários e nos sindicais que exigiam uma fusão ou, pelo
menos, uma dada combinação de ambos os institutos de formação do
movimento operário capaz de oferecer igual aproveitamento tanto aos
companheiros ativos no partido quanto àqueles dos sindicatos. A ideia
básica que ditava essa exigência é totalmente correta. Nasce da visão
de que os sindicatos e a social-democracia como partido apenas
representam duas formas diferentes, dois ramos do moderno movi-
mento operário, que apenas juntos, em sua complementação
recíproca, fazem jus às necessidades e às tarefas da luta de classes
proletária, mas que também podem somente florescer e fortalecer-se
sobre um fundamento teórico comum e unificado. Não há uma teoria
científica particular do movimento sindical e uma do movimento
social-democrata. Trata-se da mesma teoria da luta de classes, da
mesma ótica de economia política sobre as leis da economia
capitalista, da mesma teoria

1. Titulo original: Gewerkschaftsschule und Parteischule. Publicado


originalmente em Leipziger Volkszeitung; n. 140, 21 jun. 1911.
da concepção materialista da história que formam tanto a armadura
intelectual na luta de nossos sindicatos como a de nosso partido. Os
sindicatos livres alemães e a social-democracia alemã são ambos, em
sua forma atual, produtos da teoria do socialismo científico de Marx, e
é apenas o emprego diferente dessa teoria que distingue a prática da
luta sindical da luta política da social-democracia. O fato que, hoje, a
mesma preparação teórica seja exigida de todo agitador sindical quali-
ficado e que esteja à altura das atuais exigências da luta bem como do
agitador partidário arguto decorre da essência da coisa propriamente
dita e da história do movimento operário alemão. Foi também essa a
ideia expressa pela direção do partido quando há alguns anos deixou
que um terço do contingente de alunos da escola partidária fosse
ocupado pelos sindicatos, embora até hoje apenas duas associações
centrais - a associação dos mineiros e a dos pedreiros — tenham feito
uso regular dela, com o envio de dois alunos por parte de cada uma.
Por mais acertada que seja a ideia básica, os desejos de uma fusão
ou de uma combinação da escola sindical com a escola partidária que
daí derivam residem num desconhecimento dos fatos. Ambas as escolas
estão erigidas sobre alicerces completamente diferentes e representam
{portanto} dois tipos inteiramente diferentes. Com isso, não estamos
nos referindo à orientação de alguns professores da escola sindical que
notoriamente não se encontram no terreno da doutrina marxista. Cabe
às instâncias de liderança do movimento sindical, aos seus pontos de
vista e convicções, determinar a dieta intelectual que será oferecida aos
alunos dos sindicatos. Também há outros pontos de vista importantes
que devem ser observados, mas que, estranhamente, até hoje ainda não
foram levados em consideração: trata-se daqueles puramente
pedagógicos, questões de conveniência na instalação da escola como
um instituto de formação para os proletários. Aqui, com a criação de
suas duas escolas, o movimento operário avançou num terreno ainda
não explorado; de certo modo, tentou um novo experimento, e o lado
puramente prático do êxito ou fracasso desse experimento já é, em si,
de grande interesse para os círculos mais amplos dos trabalhadores com
consciência de classe.
Agora, do ponto de vista pedagógico, a escola partidária está, sob
todos os aspectos, organizada de modo fundamentalmente distinto da
escola sindical. O contraste já começa com a quantidade de alunos que
frequentam simultaneamente um curso. Criticamos a escola popular
[Volkssschule] por causa da tão frequente superlotação das salas de aula,
que impossibilita um ensino racional e, nomeadamente, um tratamento
um tanto quanto individual do aluno. O mesmo vale, em grau ainda
maior, para os proletários adultos em processo de aprendizado. Aqui a
discussão, o debate livre dos estudantes com o professor aparece como
a primeira condição de um ensino frutífero. Apenas por meio de uma
troca viva de ideias é que se pode obter a atenção, a concentração de
espírito entre os proletários que de modo geral não estão acostumados
ao trabalho intelectual e, por isso, acabam por cansar-se mais
facilmente. Mas esse método de ensino é especialmente recomendado
pelo fato de que um instituto de formação para lutadores da classe
proletária não pode, em primeira instância, considerar como sua tarefa
principal enfiar na cabeça dos alunos mecanicamente uma soma de
conhecimento positivo na cabeça dos alunos, mas sim, a educação para
o pensamento autónomo e sistemático. As discussões nas quais todos
tomam parte ativamente - nem que seja pelo acompanhamento atento,
ao menos - só podem ser levadas a cabo com um número limitado de
participantes na aula. Por esse motivo, a escola partidária definiu de
início um número máximo de trinta alunos, e a experiência de cinco
anos confirmou a total exequibilidade de uma aula viva com uma
participação geral ativa. Nas escolas sindicais, dependendo do caso, 50,
60, 70 até 75 alunos frequentam cada curso, sendo que uma constante
troca de ideias entre alunos e professores, uma interação viva entre eles
durante a aula parece, na melhor das intenções dos dois lados, quase
impensável.
Além disso, deve-se considerar a duração da aula. Na escola parti-
dária, cada matéria tem diariamente duas horas ininterruptas de aula,
sendo que a princípio leciona-se apenas de manhã, das 8h às 12h, e a
parte da tarde é dedicada apenas às matérias mais fáceis, com duração
de mais duas horas. Assim, são tratadas por dia duas, no máximo três
matérias, e as aulas encerram-se por volta do meio-dia - ou, no má-
ximo, no início da tarde. Com isso, atingem-se duas coisas: primeiro,
um tempo suficiente para cada objeto de ensino, para que os alunos
possam encontrar seu caminho, coletar, pensar e discutir um pequeno
capítulo definido; segundo, o mais importante, aos alunos sobra a noite
livre para retrabalhar em casa com tranquilidade aquilo que foi ouvido,
revisar suas anotações e realizar leituras rigorosas. Sem que haja um
trabalho simultâneo e autónomo da leitura de brochuras e livros de
apoio do ensino não se pode falar de uma preparação séria em relação a
qualquer matéria. A escola sindical tem, também nesse sentido,
orientações completamente diferentes. Não menos do que cinco
matérias de ensino perseguem os alunos a cada dia - com exceção de
um dia -, sendo que, novamente com uma exceção, dedica-se apenas
uma hora a cada aula. Visto que sabidamente o primeiro quarto de hora
que se situa entre as diferentes matérias transcorre de maneira
improdutiva, resta então um tempo tão curto para o ensino efetivo de
cada assunto que o tratamento rigoroso que deve ser oferecido em
qualquer domínio como um todo coerente é extremamente difícil para
o professor; o que dizer, então, da possibilidade de que ocorra uma
discussão profunda e geral. A troca contínua dos que lecionam e das
matérias lecionadas no decorrer do dia também não pode ter efeito
diferente do que o de confundir os alunos, sobre os quais são jogadas
tantas coisas diferentes que a capacidade de apreensão dos proletários,
que não cresceram rodeados pelo trabalho intelectual, é posta sob a
mais dura prova. Acrescente-se a isso que a aula, que começa apenas às
nove horas e dura até às seis horas da tarde, não deixa, nem de manhã
nem à noite, tempo suficiente ao aluno para que ele trabalhe por si, leia
algo sério. A extensa pausa para o almoço que divide o dia, com
duração de três horas, é despendida com a refeição e o cansaço que se
segue, bem como por caminhos improdutivos para a aula. À noite,
depois do jantar e da volta para casa, só restam aos alunos algumas
poucas horas. Cansados por tudo o que ouviram, a maioria, por força,
procura um pequeno refresco e recuperação espiritual em algum boteco
do partido [Paríeilokal], o que é bastante compreensível, mas
difícilmente constitui a preparação pedagógica mais racional para a aula
da manhã seguinte.
Por fim, há de se considerar a duração do curso como um todo. Na
escola partidária, cada curso dura meio ano, e no final, na maioria das
vezes, os alunos reclamam de que não teria sobrado tempo para o
tratamento detalhado de tantos conteúdos importantes. Durante quase o
mesmo tempo de sete meses, a escola sindical realiza quatro cursos de
seis semanas, um após o outro, com pausas de duas semanas entre cada.
Dessa maneira, em cada curso cabe um espaço de tempo mínimo para
cada matéria - por exemplo, dezoito horas ao todo para a historia e a
teoria do movimento sindical alemão, o mesmo montante para O
movimento sindical estrangeiro etc. Um aprofundamento rigoroso e um
tratamento que esgote qualquer um desses conteúdos encontram um
obstáculo intransponível nessa medida sumária do tempo. Mas ainda se
acrescenta um elemento psicológico. Todo professor que não queira
tornar-se uma máquina sem espírito precisa sempre aprimorar sua
matéria, agregar-lhe novo material e revisar o ordenamento do
conteúdo. Isso torna-se especialmente uma necessidade para os profes-
sores de nossas escolas de trabalhadores que, afinal, não são pedagogos
formados, mas militantes que ocupam a cátedra, ou seja, eles próprios
também aprendizes. A escola partidária oferece aos professores, após
cada curso, um repouso pedagógico de meio ano, durante o qual o
professor deve outra vez dedicar-se por completo ao seu trabalho de
luta, de forma a renovar-se, recorrer ao ócio para selecionar e coligir
novo material para sua matéria, e assim poder encarar com alguma
alegria o novo curso. Na escola sindical, os professores, no espaço de
sete meses, estão condenados a repetir exatamente a mesma coisa quatro
vezes seguidas, com apenas curtas pausas de duas semanas. Q u e para
aquele que leciona, que coloca algum desejo e amor em seu trabalho,
isso possa tornar-se uma tortura espiritual, e que assim acabará por
tornar sua aula algo mecânico e maçante para si mesmo e, em última
instância, também para os alunos, parece ser claro para todo mundo,
após pensar um pouco. De fato, a cada ano o sindicato forma
aproximadamente 250 funcionários dessa maneira, enquanto a escola
partidária contenta-se com um décimo dessa quantidade. Contudo, parece
que também aqui a rápida produção em massa não é apropriada a um
produto intelectual consistente.
A avaliação comparativa exposta anteriormente não deve ser uma
reprimenda aos criadores e líderes da escola sindical. A novidade do
experimento - e nossos sindicatos foram, o que é seu mérito incontestável, os
primeiros, os pioneiros nesse domínio - torna bastante compreensível a
dificuldade desse trabalho, bem como muitos de seus lapsos. A organização
de estabelecimentos pedagógicos da luta de classes proletária precisa ser
aprendida, assim como cada uma das partes dos anseios de emancipação do
proletariado. Apenas poderia dirigir-se certa reprimenda aos líderes da escola
sindical caso os mesmos não quisessem aprender, fosse a partir de sua própria
experiência ou da experiência de instituições vizinhas análogas. Por isso,
quando na mais recente convenção da Associação dos Metalúrgicos, o seu
encarregado, companheiro Schlicke, recusou uma solicitação de seu
sindicato2 para visitar a escola partidária com a pergunta: "O que a escola
partidária oferece aos sindicatos?", todos que estejam familiarizados com a
situação acabam por surpreender-se com a falta de outra pergunta do
companheiro Schlicke: "O que a escola sindical oferece aos sindicatos?". Se
essa pergunta fosse colocada antes como devia ser talvez a resposta à
pergunta anterior tivesse sido diferente. De fato: será que os meios imensos
gastos pela escola sindical, tendo em vista sua organização equivocada —
contra as melhores intenções e o autos-sacrifício da Comissão Geral -, são
sacrificados de maneira totalmente improdutiva? E será que, nesse caso, os
"dogmáticos" e "doutrinários" da social-democracia não se mostraram, mais
uma vez, muito mais práticos do que os especialistas da "política prática"?

Leipzig, 21 de junho

2 A décima Assembleia Geral ordinária da Associação Metalúrgica Alemã ocorreu de 5 a 10 de junho


de 1911, em Mannheim.

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