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Contextualização histórica e significado da obra de Marx

1ª aula da disciplina Capital, trabalho e educação – 25/03/13


Prof.: Paulo Tumolo

É preciso entender a obra de Marx como expressão do contexto revolucionário de 1848,


quando do fim do ciclo das revoluções burguesas nos países de centro e início do ciclo
das revoluções proletárias. É preciso entender, portanto, como a sociedade burguesa se
afirmou negando a sociedade feudal.

As relações feudais e escravistas eram passíveis de serem conhecidas por meio de sua
própria aparência, diferentemente da relação-capital. Por isso, naqueles sistemas não era
necessário um conhecimento científico para explicá-las: um sistema filosófico bastava
(não propriamente para explicá-las, mas, fundamentalmente, para justificá-las. Ex.:
Aristóteles).

A relação capitalista não é dada a conhecer a partir de sua aparência. Ela é opaca,
obtusa, há obstáculos que impedem o conhecimento imediato, por parte do sujeito, da
realidade capitalista.

O feudo era a célula que compunha o modo de produção feudal. Com o tempo, esse
modo de produção se desenvolve e cria rotas comerciais para outras partes do mundo
que não a Europa. Nessas rotas comerciais, nessas relações mercantis, está o germe de
sua destruição: a mercadoria, o mercado, que são avessos ao modo de produção feudal.

No início, a troca de mercadorias é marginal. Mas, nesse período, começa a se


desenvolver uma contradição antagônica entre a célula do modo de produção feudal e
a célula daquilo que vai ser o modo de produção capitalista. Isto é, uma contradição
antagônica entre o feudo e a mercadoria. Essa luta vai durar cinco ou seis séculos e vai
culminar em 1848, com a conclusão, nas partes centrais do sistema, do ciclo das
revoluções burguesas.

A luta entre o feudo e a mercadoria é a luta, de um lado, entre o clero e a nobreza, e, de


outro, o bloco formado por burgueses, servos, artesãos e o proletariado nascente. Esse
bloco é o que mais tarde será chamado de Terceiro Estado.

Por que se chama de contradição antagônica a relação que havia entre o feudo e a
mercadoria? Porque mercadoria e feudo são inconciliáveis entre si. O feudo produz para
si mesmo, não produz excedente para trocar com outro feudo. Ele tende, portanto, para a
autonomia, para a autossuficiência. Esta é a sua forma, a sua estrutura. A mercadoria,
por sua vez, não pode coexistir com esse sistema. O sistema feudal, por sua essência,
constitui uma série de obstáculos para a existência da mercadoria. A mercadoria e o
mercado, portanto, para existirem, precisam romper com a estrutura e os obstáculos
feudais.

IMPORTANTE: A Nação – Com a instituição da Nação (séc. XV e XVI), tem-se um


elemento importante para a ruptura com o sistema feudal. A nação já é um lócus social,
econômico e político favorável à – e apoiado pela – burguesia. Com a Nação, vários
obstáculos feudais desaparecem: variedade de línguas, impostos, moedas, leis, sistemas
de medidas, etc. (que eram comuns à existência dos feudos). A Nação é o território livre
para a circulação de mercadorias, sob controle de uma burguesia nacional (naquele
momento, em associação com o rei).

Quando a mercadoria, antes episódio marginal e eventual, se associa com o contexto da


existência da Nação, deixa, justamente, de ser marginal e passa a ser uma relação geral,
universal. Surge, pois, o mercado e a burguesia, sobre essa base, se constitui como
classe social nacional. (Defender a Nação é, pois, equivalente a defender o mercado e a
ação da burguesia).

O mercado, surgido com a universalização das trocas mercantis, é a base para o


desenvolvimento do capital. A mercadoria, portanto, é algo que precisa,
necessariamente, se expandir, diferentemente do feudo, que é centrado em si mesmo.

É com a constituição do mercado e da nação que surge a base para o desenvolvimento


da relação social especificamente capitalista. Mais à frente, nos séc. XVIII e XIX se
verá que esse mercado já não é um mercado qualquer, mas um mercado capitalista,
isto é, um mercado onde prevalece a relação social de produção especificamente
capitalista. (O Brasil “nasce” no meio desse processo, isto é, no contexto da necessidade
de expansão das relações mercantis e do desenvolvimento da Nação).

O resultado da contradição antagônica e da luta entre o feudo e a mercadoria foi a


vitória da burguesia, do mercado, da mercadoria, na Nação. O ano de 1848, nesse
contexto, representa o encerramento do ciclo da revolução burguesa, do ciclo em que a
burguesia derrota o clero e a nobreza como classes feudais (esses sujeitos continuarão a
existir, mas desta vez incorporados e subordinados ao sistema burguês – ressalte-se que
a burguesia, nessa luta, não estava sozinha, mas constituía um bloco junto com
proletários, servos, artesãos, etc.).

Até os séc. XV e XVI, a burguesia enriquece, basicamente, por meio de duas atividades.
A primeira delas é a troca de mercadorias. Ela tem, portanto, interesse em criar novas e
mais amplas relações mercantis. A principal mercadoria comerciada pela burguesia
naqueles séculos era o escravo. A segunda atividade de enriquecimento da burguesia foi
o saque. Tumolo: “O bisavô do burguês foi o pirata.”

Com o passar dos tempos, essa burguesia passará de uma burguesia “qualquer” para
uma burguesia capitalista. De que maneira? Pelo estabelecimento da relação
especificamente capitalista. Nesse processo, ela vai se desenvolvendo na medida em que
com ela surge também uma outra classe, o proletariado, os trabalhadores
assalariados. O Terceiro estado, então, era composto por um conjunto de classes que,
naquele momento, eram classes dominadas: burguesia, trabalhadores, servos, artesãos,
etc.

Em fevereiro de 1848, há uma vaga revolucionária que elimina na França o clero e a


nobreza como classes feudais. Em junho de 1848, ocorre uma nova vaga
revolucionária, agora com os trabalhadores se confrontando com a burguesia. A
burguesia se transforma de classe revolucionária em classe reacionária.

A obra de Marx é a expressão teórico-política do proletariado revolucionário, da


revolução que foi capitaneada e abortada pela burguesia. (Fim da primeira aula).
2ª aula – 01/04/13

O ano de 1848 é um dos raros momentos de síntese histórica. Entender esse processo,
onde finaliza o ciclo da Revolução Burguesa e começa o da Revolução Proletária, é
essencial para se entender a obra de Marx.

A contradição antagônica entre feudo e mercadoria se expressa na contradição


antagônica entre clero e nobreza de um lado e, de outro, a burguesia.

Depois de surgir no cenário histórico, a burguesia vai ganhando cada vez mais espaço
até que, no século XV, se constituem as nações, que são o lócus primordial da existência
e consolidação do mercado. Tudo isso faz parte do processo secular da Revolução
Burguesa. Nesse processo há idas e vindas, isto é, a burguesia vence e perde várias
vezes nas lutas que trava com as classes adversárias.

A burguesia foi a grande protagonista desse processo. Mas ela precisou se aliar a outras
classes ao longo de sua luta: camponeses, artesãos, etc. Esse bloco de classes, nas lutas
que realizavam, se reuniam em torno de um interesse em comum: derrotar o feudalismo.

Por que a burguesia foi protagonista dessa revolução e não os servos? Uma hipótese é a
de que a burguesia, enquanto vai se formando como classe, vai se constituindo como
classe proprietária dos meios de produção, diferentemente dos servos. Isto vai lhe
conferir grande força social, econômica e política. O meio de produção que ela possui,
primeiramente, é a indústria (o antigo meio de produção era a terra). Ela, a burguesia,
se torna protagonista, portanto, porque dispunha de um poder que a classe majoritária,
os servos, não tinha.

A constituição da Nação permite à burguesia dar saltos enormes, permite que o mercado
lance seus tentáculos por toda a superfície do globo terrestre. A burguesia multiplica
geometricamente seu poder e sua acumulação de riqueza. A atividade mercantil
(principalmente o comércio de escravos) foi uma das suas principais fontes de acúmulo
de riqueza. A outra foi a pirataria. (Essa foi uma das razões pelas quais o comércio de
índios no Brasil sofreu restrições).

A burguesia saqueou, literalmente, boa parte do planeta. A história do Brasil e da AL é


a história cuja cor é a cor vermelha. Populações foram chacinadas por causa desses
saques. Sobretudo, por conta da burguesia comercial espanhola, juntamente com a Santa
Madre Igreja. As cidades encontradas na AL eram muito grandes e desenvolvidas, mas
a população local não conhecia a pólvora. Com estes meios, os europeus venceram a
batalha contra os nativos. Fizeram também guerra bacteriológica, com uso consciente
do vírus da gripe, trazido intencionalmente pela burguesia pela AL. A Nação permitia à
burguesia se armar até os dentes para saquear o máximo possível. Esse saque perdura
até hoje, ele era generalizado pelo planeta inteiro, AL, África, Ásia. Nos museus da
Europa se vê o butim do mundo inteiro.

O saque e o comércio permitiram uma acumulação de riqueza inimaginável, que nunca


até então havia sido vista. O que a burguesia fez com essa riqueza? Grande parte da
burguesia fez uma transição de burguesia comercial para burguesia industrial. (Marx
analisa isso nos capítulos XI a XIII e também nos capítulos finais do primeiro livro d’O
Capital).
IMPORTANTE: Agora, com a emergência da burguesia industrial, vai surgir uma
coisa que até então não existia na história: o trabalho assalariado, que nasce, se
desenvolve e se consolida por meio da atividade industrial. A riqueza agora a ser
acumulada pela “nova” burguesia é a riqueza obtida pela exploração do trabalho
assalariado. (O saque não termina; ele continua, mas deixa de ser a forma determinante
de acumulação da riqueza). Tumolo: “O ouro brasileiro foi parar na indústria inglesa”.

IMPORTANTE: A acumulação de riqueza passa a ser feita, determinantemente, por


meio da exploração da relação especificamente capitalista, isto é, o trabalho
assalariado. Portanto, por meio da acumulação de capital. A burguesia, de comercial
e pirata, torna-se burguesia capitalista.

É a emergência do trabalho assalariado e o surgimento da classe proletária que permite


essa transição. O proletariado vem, principalmente, dos camponeses e artesãos. O
proletariado vai se desenvolvendo na medida em que a burguesia vai privatizando os
meios de produção, vai expropriando os meios de produção dos servos e dos
camponeses (Marx trata disso nos capítulos 23 e 24 d’O Capital). Não resta a esses
expropriados outra alternativa a não ser a venda da sua força de trabalho. O proletariado
nasce, então, junto com a burguesia em transição.

A acumulação de riqueza por meio desses processos vai fortalecendo muito a burguesia.
Isso vai lhe permitir vencer a luta de classes com o clero e a burguesia. Nos séculos
XVII e XVIII, ela já é a classe economicamente dominante. Logo, vai se tornar a
classe politicamente dominante. Mas, ao mesmo tempo que isso ocorre, vai surgindo
uma contradição entre burguesia e proletariado.

A burguesia, de classe dominada, vai se constituindo como classe exploradora do


proletariado. Mas, num primeiro momento, essa contradição não é bem visível. Por que?
Porque há um inimigo em comum a superar: a nobreza. As bandeiras da revolução
burguesa são, nesse momento, bandeiras universais: liberdade, igualdade e fraternidade.
Universais porque as demais classes dominadas se enxergam ali e se reúnem sob sua
égide.

A burguesia acaba criando o seu próprio antagonista: o proletariado, o seu possível


algoz. Para entender isso, não é tão importante compreender esta ou aquela atividade
específica feita pelos proletários, mas a relação assalariada enquanto tal, que vai
constituir a relação de produção especificamente capitalista.

No século XIX, estão ocorrendo duas contradições antagônicas, portanto: a primeira é


entre a nobreza e o Terceiro Estado. A segunda é dentro do Terceiro Estado, entre
burguesia e proletariado. Na medida em que a primeira contradição vai se resolvendo, a
segunda vai se generalizando e se evidenciando. O movimento dessas duas contradições
antagônicas vai do século XIII ao XIX e, em 1848, tudo isso vai ganhar um
desdobramento.

França - Fevereiro de 1848: Revolução Burguesa: o Terceiro Estado derrota o clero e


a nobreza.
Junho de 1848: Agora, é a segunda contradição que estoura. Uma nova vaga
revolucionária acontece, mas a burguesia já não quer mais participar dela. A contradição
latente, interna ao Terceiro Estado, ganha o primeiro plano. Na França, os camponeses
compuseram o bloco com a burguesia, que havia feito uma reforma agrária que acabou
com os latifundiários.

A burguesia fez a revolução, mas acabou abortando-a de tal forma que as bandeiras que
antes empunhavam não foram realizadas na prática. Manteve-se a propriedade privada
dos meios de produção. Manteve-se, pois, a exploração. Essa revolução foi, portanto,
uma “revolução até certo ponto”, uma revolução do capital contra o feudo, ou seja, de
uma forma de propriedade privada contra outra forma de propriedade privada.

Essa revolução mudou de cabo a rabo a estrutura social feudal, mas manteve-se um
elemento que existe há uns 8 mil anos e que era, também, fundamento da sociedade
feudal: a propriedade privada dos meios de produção.

Em 1848, ocorre o encerramento do ciclo da Revolução Burguesa, que significa o


abortamento dessa revolução. A burguesia vai se tornar a classe que impede, a qualquer
custo, que a revolução prossiga. Ela passa de revolucionária a reacionária. Visa impedir
o desenvolvimento e o aprofundamento de uma revolução que ela mesma começou. A
Igreja logo fez, nesse contexto, um aggiornamento, isto é, uma adaptação à lógica
capitalista.

O CONHECIMENTO CIENTÍFICO:

O conhecimento científico era uma arma para a burguesia por duas razões:

1) Para criticar a cosmogonia que ajudava a justificar o sistema feudal;


2) Por ser necessário para a produção, isto é, para o desenvolvimento das forças
produtivas do trabalho no capitalismo.

Não existe sistema capitalista sem produção do conhecimento científico. Por quê? Para
que se possa desenvolver as forças produtivas.

Com o capitalismo, pela primeira vez na história a ciência se desmembra da filosofia e


adquire um estatuto próprio, com método próprio. Ela passa a ter, naquele momento, um
caráter revolucionário.

A primeira grande ciência humana nasce nesse período, a Economia Política. Nasce,
não por acaso, na Inglaterra, porque ali a burguesia está realizando a sua transição para
a forma de burguesia capitalista. A burguesia está tentando entender a formação da
riqueza a partir do ponto de vista da mercadoria, que era produzida pelo trabalho
assalariado. Ela critica a economia que justifica o sistema feudal.

A filosofia, por sua vez, se desenvolveu na Alemanha criticando a filosofia que


justificava o sistema feudal. Hegel é a expressão mais alta da filosofia desse período. É
a expressão mais alta da visão de mundo burguesa dentro do processo da revolução
burguesa.
Da mesma maneira, o socialismo utópico é a expressão máxima do ponto de vista
burguês a respeito da política no processo da revolução burguesa. Todos esses sistemas
são o ponto de vista da burguesia universal. Cada um deles expressou o que havia de
mais avançado no processo da revolução burguesa.

Uma vez estancada a revolução burguesa, a burguesia não precisa mais de


conhecimentos que sejam revolucionários. A burguesia ainda precisa da ciência, mas
essa ciência agora terá um caráter combativo em relação à revolução e em relação ao
conhecimento revolucionário. A burguesia vai negar, agora, a dialética. A ciência
deixará de ser revolucionária (a ciência burguesa).

A obra de Marx, nesse contexto, será a expressão teórico-política que supera


dialeticamente as três correntes teóricas anteriores, a expressão do ponto de vista
proletário no interior do processo da revolução proletária.

Marx emprestou a sua pena para a história. Nesse contexto, Marx critica e supera Hegel
porque a própria história critica e supera Hegel, critica o caráter da revolução burguesa (
que tinha um fundamento particular) e agora aspira, por meio da revolução proletária, a
um caráter universal.

Dois elementos deve ser ressaltados: o primeiro é de que a Crítica da Economia Política
é a demonstração dos limites da economia política clássica. O segundo é que as três
correntes anteriores tinham os limites da revolução burguesa. Essa revolução chega ao
limite e a burguesia se torna revolucionária. Tal revolução tem um caráter particular.

A obra de Marx é, ao contrário das três correntes anteriores, a expressão da


continuidade da história. O que é que determina a história? A revolução. A revolução
é a alteração, de cabo a rabo, das condições “naturais” da história.

A burguesia, portanto, precisa combater Marx. Como? Com elaborações pretensamente


científicas construídas para esse fim. Por exemplo: o positivismo, que não por acaso
nasce e se desenvolve depois de concluído o ciclo da revolução burguesa. Um saber
altamente reacionário: na sua visão, os fatos históricos devem ser tratados como fatos
naturais. Isso mata a história e a revolução.

Por que a obra de Marx é a superação das três correntes? Porque ele escreveu num
contexto histórico determinado, no qual se inicia um processo revolucionário proletário
que luta para superar a revolução burguesa. Não é possível separar Marx e sua obra da
Revolução Proletária, uma revolução que tem caráter universal, que visa também acabar
com o proletariado e acabar com a “pendenga histórica” de 8 mil anos: a existência da
propriedade privada dos meios de produção.

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