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UM CONVITE À REFLEXÃO SOBRE A

EDUCAÇÃO EM MEIO À PANDEMIA

Quero, aqui e agora, fazer um convite aos meus – e às


minhas – colegas da área da educação (professorxs,
coordenadorxs, diretorxs etc.) para que reflitamos sobre a
educação neste momento tão delicado para a humanidade.
Provavelmente o texto será longo, mas a discussão que
trago não acaba aqui – nem tampouco começa. É apenas a
minha contribuição para uma discussão que tem sido feita
a todo momento por diversos intelectuais preocupados
com o rumo e o formato que a educação tem tomado
necessariamente e que é uma discussão que certamente
não acabará cedo.
De vez em quando, em minha ainda curta trajetória
como professor de Língua Portuguesa do Ensino
Fundamental II, algumas reflexões sobre esse universo do
ensino e da aprendizagem me tomam e me inquietam. A
única forma de fazê-las me deixar em paz é colocando-as
no papel. E a reflexão que me tomou hoje na verdade veio
de um acúmulo de ideias que se deu desde o advento da
pandemia e da necessidade de distanciamento social que
transformou a forma de ensinar e de aprender na maior
parte do mundo e, assim, também no Brasil, em Alagoas e,
mais especificamente (falando da minha experiência mais
pessoal, que é o lugar de onde eu falarei em todo o texto),
em Delmiro Gouveia.
O choque foi inevitável e a adaptação ainda está em
processo. Em meio a isso, no entanto, já podemos pensar
sobre algumas questões que dizem respeito a esse novo
formato educacional feito a distância e que é novo para a
educação pública. A primeira questão é justamente aquela
que me faz escrever este texto: a ansiedade, que se dá
como reflexo de uma grande carga de trabalho e do
esforço necessário para suprir tal demanda. Por vezes nós
professorxs ficamos cheio de tarefas para fazer: leitura e
seleção de conteúdos do livro didático para elaboração de
roteiros de aula; adaptação destes mesmos roteiros para
estudantes especiais, o que demanda muitas horas de
pesquisa, reflexão e edição e conversão de arquivos;
preenchimento de fichas de frequência, fichas de notas
bimestrais e de realização de atividades, além de descrição
minuciosa de todas as aulas com seus conteúdos,
metodologias, instrumentos, fontes etc.; reuniões
pedagógicas semanais; cursos profissionalizantes com
suas tutorias também semanais e, ainda, materiais de
estudo para planejamento das aulas em outro horário
disponível; as aulas em si e, quando possível, horários fora
de aula para responder ou orientar minimamente algum/a
aluno/a que não pôde acompanhar a aula no momento
marcado por causa de dificuldades com acesso à internet,
entre outras, e por isso nos pede uma orientação que,
podendo dar, não negaremos, mesmo fora do horário.
Muitas dessas tarefas que citei já são normalmente
típicas da vida docente, mas outras lhes foram
acrescentadas devido ao momento insólito vivido
mundialmente e refletem, em parte, uma tentativa de
controle e organização numa conjuntura agora
fragmentada pelo distanciamento. A escola, nesse sentido,
não significa mais um prédio com todas as suas salas,
secretaria e afins, mas uma teia de comunicação que, para
funcionar, depende não apenas da internet, mas, ainda – e
agora muito mais –, daquele trabalho em equipe e da
vontade docente de ensinar e da discente de aprender,
pilares que sempre sustentaram a existência e a
consecução de um bom trabalho escolar.
Voltando à questão inicial do texto – a ansiedade –,
ela me tomou porque, durante a manhã de hoje, passei
mais de 3 horas adaptando uma única atividade para
estudantes especiais, e isso me fez pensar quantas
adaptações, documentos, fichas etc. terei que fazer até o
fim do ano, semana após semana, quase todos os dias,
horas a fio, com o auxílio apenas do meu celular e com
recursos limitados, pois meu notebook quase não
funciona. Apesar de dispor de boa internet em casa e de ter
razoável habilidade para mexer em programas de edição
de texto e fazer pesquisas, o tempo demandado para
concluir as tarefas solicitadas é imenso, mesmo que pareça
algo simples. Imagino o que estão passando os professores
e professoras que tinham um contato mínimo (ou mesmo
nenhum contato) com essas novas tecnologias e que foram
pegos de surpresa por essa necessidade de readequar suas
metodologias para o ambiente virtual, muitas vezes sem os
recursos necessários.
Isso nos leva a uma outra questão imbricada também
na educação do jeito que a temos hoje: a interpenetração
da esfera íntima/pessoal e da esfera do trabalho. Parece
que ambos agora estão sempre se misturando. Por vezes
me pego preparando o almoço com os livros didáticos ali
perto, sempre à mão, para tentar otimizar o tempo de que
disponho para preparar as aulas (e me preparar para elas)
da melhor forma possível. É claro que nem todo tempo é
assim, mas essa é uma realidade com que lido quase todos
os dias e que eu sei que decorre da minha preocupação
enquanto um professor que quer proporcionar o melhor
para seus/suas alunos/as.
Quase sempre, em meio a essa correria praticamente
diária, me pego pensando que essa concepção de educação
busca obedecer a uma lógica capitalista de produção, vide
alguns discursos que ainda circulam sobre ter que passar
todo o conteúdo daquele nível específico num espaço de
tempo exíguo, que só comportaria tal quantidade de
conteúdos se a qualidade ficasse em segundo plano. Mas
não devemos pensar a educação pelo viés da quantidade e
dos números, sobretudo agora (apesar do famigerado
sistema de notas bimestrais em torno do qual muitas vezes
giram os pensamentos docente e discente, algo do qual não
podemos fugir e que turva o que deveria ser o principal
objetivo da educação: a troca e a construção do
conhecimento). Se eu, como professor de língua
portuguesa, escolho, por exemplo, trabalhar com textos
concretos de gêneros textuais específicos ao invés de
martelar conceitos e nomenclaturas gramaticais que não
vão mudar a vida dos/as estudantes ou fazer sentido
naquele momento de suas vidas, ou se escolho também
estender o tempo e as aulas que dedicaremos ao estudo de
tal gênero, essas escolhas têm base na minha concepção de
educação e daquilo que eu acredito que é mais importante
que o aluno aprenda naquela etapa específica, sem fugir, é
claro, daquilo que é proposto nas diretrizes educacionais
oficiais, que também têm suas falhas.
Essa lógica capitalista que, de uma forma geral,
embasa a educação que temos no país e que,
ilusoriamente, parece enriquecê-la quando, na verdade, a
empobrece, é uma lógica cruel que também não leva em
conta a dimensão afetiva do ensino, sobretudo quando se
fala nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino
Médio, momentos nos quais os conteúdos são
moldados/direcionados para que os estudantes respondam
positivamente a um conjunto de avaliações que quer
unicamente homogeneizar os sujeitos, cobrando-lhes
conhecimentos comuns e através das quais se busca
determinar se a educação está acontecendo ou não “com
qualidade”. Temos que ter em mente também que quase
sempre essas avaliações não levam em conta os
conhecimentos que cada um produziu individualmente, de
acordo com a sua vivência e de acordo com a vivência
dentro de sua própria comunidade e cultura.
A educação em meio a essa questão já antiga, somada
ao que temos atualmente, precisa de uma reinvenção
urgente, porém uma reinvenção que não esteja pautada na
urgência, mas no “tudo a seu tempo”, para que as
potencialidades, criatividades e afetos docentes e discentes
possam vir à tona, sobretudo num momento em que
estamos tão frágeis, física e mentalmente, e tão
necessitados de cultivar esperança para dias melhores...

Ricardo Santos, 07/09/2020, Delmiro Gouveia-AL

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