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All content following this page was uploaded by Libaneo José Carlos on 21 August 2015.
Os alunos mais velhos comentam entre si: “Gosto dessa professora porque ela tem
didática”. Os mais novos costumam dizer que com aquela professora eles gostam de aprender.
Provavelmente, o que os alunos querem dizer é que essas professoras têm um modo acertado de dar
aula, que ensinam bem, que com eles, de fato, aprendem. Então, o que é ter didática? A didática
pode ajudar os alunos a melhorarem seu aproveitamento escolar? O que uma professora precisa
conhecer de didática, para que possa melhorar o seu trabalho docente?
É certo que a maioria do professorado tem como principal objetivo do seu trabalho
conseguir que seus alunos aprendam da melhor forma possível. Por mais limitações que um
professor possa ter (falta de tempo para preparar aulas, falta de material de consulta, insuficiente
domínio da matéria e dos métodos de ensino, desânimo por causa da desvalorização profissional,
etc.), quando entra na sua classe, ele tem consciência de sua responsabilidade em proporcionar aos
alunos um bom ensino. Apesar disso, saberá ele fazer um bom ensino, de modo que os alunos
aprendam melhor?
Há diversos tipos de professores no ensino fundamental. Os mais tradicionais contentam-se
em transmitir a matéria que está no livro didático. Suas aulas são sempre iguais, o método de ensino
é quase o mesmo para todas as matérias, independentemente da idade e das características
individuais e sociais dos alunos. Pode até ser que essas práticas de passar a matéria, dar exercícios e
depois cobrar o conteúdo na prova, dêem alguns bons resultados. O mais comum, no entanto, é o
aluno memorizar o que o professor fala, decorar a matéria e mecanizar fórmulas, definições etc.
Esse tipo de aprendizagem (vamos chamá-la de mecânica, repetitiva) não é duradouro. Na verdade,
aluno com uma aprendizagem de qualidade é aquele que desenvolve raciocínio próprio, que faz
relações entre um conceito e outro, que sabe lidar com conceitos, que sabe aplicar o conhecimento
em situações novas ou diferentes tanto na sala de aula como fora dela, que sabe explicar uma idéia
com suas próprias palavras. Se é verdade que há professores tradicionais que sabem ensinar os
alunos a aprender dessa forma, a maioria deles não se dá conta de que a aprendizagem duradoura é
aquela pela qual os alunos aprendem a lidar de forma independente com os conhecimentos.
Os professores que se julgam mais atualizados (vamos chamá-los de progressistas) variam
bastante os métodos de ensino. Preocupam-se mais com as diferenças individuais e sociais dos
alunos, costumam fazer trabalho em grupo ou estudo dirigido, tentam usar mais diálogo ou são mais
amorosos no relacionamento com os alunos. Essa forma de trabalho didático é, sem dúvida, bem
mais acertada do que a tradicional. Entretanto, quase sempre esses professores continuam presos a
uma prática tradicional de ensino: na hora de cobrar os resultados do processo de ensino, pedem a
memorização, a repetição de fórmulas e definições. Mesmo utilizando técnicas ativas e respeitando
mais o aluno, fica a atividade pela atividade, sem considerar que a aprendizagem significa a
elaboração dos conhecimentos pela atividade mental do aluno. Em outras palavras, muitos
professores não sabem como ajudar o aluno a, através de uma atividade mental, elaborar de forma
consciente e independente o conhecimento. As atividades que organizam não levam os alunos a
adquirir métodos de pensamento, habilidades e capacidades mentais para poderem lidar de forma
independente e criativa com os conhecimentos que vão assimilando.
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social: que objetivos mais amplos queremos atingir com o nosso trabalho, qual o significado social
da matéria que ensinamos, o que pretendemos fazer para que meus alunos reais e concretos possam
tirar proveito da escola etc. As finalidades ou objetivos gerais que o professor deseja atingir vão
orientar a seleção e organização de conteúdos e métodos e das atividades propostas aos alunos. Essa
função orientadora dos objetivos vai aparecer a cada aula, perpassando todo o ano letivo.
Dissemos que a didática cuida dos objetivos, condições e modos de realização do processo
de ensino. Em que consiste o processo de ensino e aprendizagem? O principio básico que define
esse processo é o seguinte: o núcleo da atividade docente é a relação ativa do aluno com a matéria
de estudo, sob a direção do professor. O processo de ensino consiste de uma combinação adequada
entre o papel de direção do professor e a atividade independente, autônoma e criativa do aluno.
O papel do professor, portanto é o de planejar, selecionar e organizar os conteúdos,
programar tarefas, criar condições de estudo dentro da classe, incentivar os alunos, ou seja, o
professor dirige as atividades de aprendizagem dos alunos a fim de que estes se tornem sujeitos
ativos da própria aprendizagem. Não há ensino verdadeiro se os alunos não desenvolvem suas
capacidades e habilidades mentais, se não assimilam pessoal e ativamente os conhecimentos ou se
não dão conta de aplicá-los, seja nos exercícios e verificações feitos em classe, seja na prática da
vida.
Podemos dizer, então, que o processo didático, é o conjunto de atividades do professor e
dos alunos sob a direção do professor, visando à assimilação ativa pelos alunos dos conhecimentos,
habilidades e hábitos, atitudes, desenvolvendo suas capacidades e habilidades intelectuais. Nessa
concepção de didática, os conteúdos escolares e o desenvolvimento mental se relacionam
reciprocamente, pois o progresso intelectual dos alunos e o desenvolvimento de suas capacidades
mentais se verificam no decorrer da assimilação ativa dos conteúdos. Portanto, o ensino e a
aprendizagem (estudo) se movem em torno dos conteúdos escolares visando o desenvolvimento do
pensamento.
Mas, qual é a dinâmica do processo de ensino? Como se garante o vínculo entre o ensino
(professor) e a aprendizagem efetiva decorrente do encontro cognitivo e afetivo entre o aluno e a
matéria?
A força impulsionadora do processo de ensino é um adequado ajuste entre os
objetivos/conteúdos/métodos organizados pelo professor e o nível de conhecimentos, experiências,
requisitos prévios e desenvolvimento mental presentes no aluno. O movimento permanente que
ocorre a cada aula consiste em que, por um lado, o professor propõe problemas, desafios, perguntas,
relacionados com conteúdos significativos, instigantes e acessíveis. Por outro lado, os alunos, ao
assimilar consciente e ativamente a matéria, mobilizam sua atividade mental e desenvolvem suas
capacidades e habilidades.
Essa forma de compreender o ensino é muito diferente do que simplesmente passar a
matéria ao aluno. É diferente, também, de dar atividades aos alunos para que fiquem “ocupados” ou
aprendam fazendo, O processo de ensino é um constante vai-e-vem entre conteúdos e problemas
que são colocados e a percepção ativa e o raciocínio dos alunos. É isto que caracteriza a dinâmica
da situação didática, numa perspectiva sócio-construtivista.
Insistimos bastante na exigência didática de partir do nível de conhecimentos já alcançado,
da capacidade atual de assimilação e do desenvolvimento mental do aluno. Mas, atenção: não existe
o aluno em geral, mas um aluno vivendo numa sociedade determinada, que faz parte de um grupo
social e cultural determinado, sendo que essas circunstâncias interferem na sua capacidade de
aprender, nos seus valores e atitudes, na sua linguagem e suas motivações. Ou seja, a subjetividade
e a experiência sociocultural concreta dos alunos são o ponto de partida para a orientação da
aprendizagem. Um professor que aspira ter uma boa didática necessita aprender a cada dia como
lidar com a subjetividade dos alunos, sua linguagem, suas percepções, sua prática de vida. Sem essa
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disposição, será incapaz de colocar problemas, desafios, perguntas, relacionados com os conteúdos,
condição para se conseguir uma aprendizagem significativa.
Talvez o traço mais marcante de uma didática crítico-social – numa perspectiva sócio-
construtivista, superando o caráter somente instrumental da didática usual - seja o de atribuir ao
trabalho docente o papel de mediação entre a cultura elaborada, convertida em saber escolar, e o
aluno que, para além de um sujeito psicológico, é um sujeito portador da prática social viva.
A didática e a pedagogia do pensar: formando sujeitos pensantes e críticos
Frente às necessidades educativas presentes, a escola consolida-se cada vez mais como
lugar de mediação cultural, visando a assimilação e reconstrução da cultura. A pedagogia, ao
viabilizar a educação, constitui-se como prática cultural, uma forma de trabalho cultural, que
envolve uma prática intencional de produção e internalização de significados. O modus faciendi da
mediação cultural, pelo trabalho dos professores, é o provimento aos alunos dos meios de aquisição
de conceitos científicos e de desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas, dois
elementos da aprendizagem escolar interligados e indissociáveis.
Com efeito, as crianças e jovens vão à escola para aprender cultura e internalizar os meios
cognitivos de compreender o mundo e transformá-lo. Para isso, é necessário pensar – estimular a
capacidade de raciocínio e julgamento, melhorar a capacidade reflexiva. A didática hoje precisa
comprometer-se com a qualidade cognitiva das aprendizagens e esta, por sua vez, está associada à
aprendizagem do pensar. Cabe-lhe investigar como se pode ajudar os alunos a se constituírem como
sujeitos pensantes, capazes de pensar e lidar com conceitos, argumentar, resolver problemas, para se
defrontarem com dilemas e problemas da vida prática. A razão pedagógica está também, associada,
inerentemente, ao valor, a um valor intrínseco, que é a formação humana, visando a ajudar os outros
a se constituírem como sujeitos, a se educarem, a serem pessoas dignas, justas, cultas.
Para adequar-se às necessidades contemporâneas relacionadas com as formas de
aprendizagem, a didática precisa fortalecer a investigação sobre o papel mediador do professor na
preparação dos alunos para o pensar. Mais precisamente: será fundamental entender que o
conhecimento supõe o desenvolvimento do pensamento e que desenvolver o pensamento supõe
metodologia e procedimentos sistemáticos do pensar. Nesse caso, a questão está em como o ensino
pode impulsionar o desenvolvimento das competências cognitivas mediante a formação de
conceitos teóricos. Ou, em outras palavras, o que fazer para estimular as capacidades investigadoras
dos alunos ajudando-os a desenvolver competências e habilidades mentais. Para a busca desses
novos caminhos da didática, será de grande valia o aproveitamento das recentes pesquisas sobre a
teoria histórico-cultural da atividade, assim como as pesquisas sobre as inter-relações entre cultura e
aprendizagem.
a) O desenvolvimento cognitivo
O desenvolvimento cognitivo é explicado através de três posições: inatistas, mecanicistas e
construtivistas. Entre as posições construtivistas destacam-se a piagetiana, a ciência cognitiva, a
sócio-construtivista e a histórico-cultural. Estas três posições consideram que os significados,
sentimentos, comportamentos dos indivíduos se constroem na história peculiar de cada sujeito, em
suas interações com o meio físico e social. Mas divergem sobre o papel do sujeito e o papel do meio
exterior nessa construção de significados. Analisaremos apenas a concepção histórico-cultural.
A concepção histórico-cultural compreende que o desenvolvimento psicológico, a par de incluir um
lado biológico, depende da experiência, da interação social e das influencias do contexto cultural. O
construtivismo sociocultural prioriza a importância do polo social e cultural no desenvolvimento do
psiquismo. O desenvolvimento das capacidades de pensamento se constitui e se realiza ao utilizar a
cultura humana (os interesses, os conteúdos, atitudes do conhecimento).
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Uma visão histórico-cultural dos processos do pensar significa fazer da cultura – isto é, da idéia de que a natureza
humana é criadora de história – uma categoria fundamental das teorias da constituição da natureza humana. Refere-se ao
papel da cultura na formação dos processos mentais. Temos aqui um entendimento de “atividade humana
socioculturalmente definida”. A implicação mais imediata dessa teoria é de que a aprendizagem é inseparável de um
contexto sociocultural em que o aprendiz participa ativamente, em companhia de outros membros de sua comunidade, na
aquisição de destrezas e formas de conhecimento socioculturalmente valorizadas. O desenvolvimento mental é inseparável
dos processos sociais que progressivamente se interiorizam. É este o sentido das palavras de Vigotsky: “Eu me relaciono
comigo tal como as pessoas relacionam-se comigo. (...) A relação entre as funções psicológicas superiores foi, outrora,
relação real entre pessoas”.
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inteligência geral que saiba discernir o contexto, o global, o multidimensional, a interação complexa
dos elementos. Ele escreve:
(...) o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permite melhor desenvolvimento das
competências particulares ou especializadas. Quanto mais poderosa é a inteligência geral,
maior é sua faculdade de tratar problemas especiais. A compreensão dos dados particulares
também necessita da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos
conhecimentos de conjunto em cada caso particular. (...) Dessa maneira, há correlação entre
a mobilização dos conhecimentos de conjunto e a ativação da inteligência geral. (Morin,
2000, p. 39)
Davídov, após perguntar como se pode desenvolver nos alunos as capacidades intelectuais
necessárias para assimilar e utilizar com êxito os conhecimentos, escreve:
Os pedagogos começam a compreender que a tarefa da escola contemporânea não consiste
em dar às crianças uma soma de fatos conhecidos, mas em ensiná-las a orientar-se
independentemente na informação científica e em qualquer outra. Isto significa que a escola
deve ensinar os alunos a pensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles os fundamentos do
pensamento contemporâneo para o qual é necessário organizar um ensino que impulsione o
desenvolvimento. Chamemos esse ensino de “desenvolvimental”. (Davídov, 1988, p.3)
Em síntese, estar preocupado com a qualidade de ensino hoje implica em assumir uma
pedagogia do pensar crítico, reflexivo, criativo. E qual é o papel da didática?
A didática preocupa-se com as condições e modos pelos quais os alunos melhoram e
potencializam sua aprendizagem. Ela se pergunta como os alunos podem ser ajudados a lidar com
conceitos, a argumentar, a raciocinar logicamente, a concatenar idéias, a pensar sobre o que
aprende. Ou seja, como alunos aprendem a internalizar conceitos, competências do pensar,
elementos categoriais, de modo que saibam lidar com eles para resolver problemas, enfrentar
dilemas, sair-se bem de situações-problema. Adicionamente, uma didática a serviço de uma
pedagogia crítica precisa buscar novas idéias para assegurar o desenvolvimento do pensar crítico.
Interessa-lhe, pois, refletir sobre objetivos e estratégias de formação de sujeitos pensantes e críticos.
O pensamento didático mais avançado, em conexão com as tendências atuais nos planos
epistemológico, psicocognitivo e pedagógico, apóia-se hoje, no Brasil, em algumas proposições
consensuais, ao menos como pontos de partida da investigação teórico-prática. Tais proposições
são, sinteticamente: papel ativo do sujeito na aprendizagem escolar, formação de sujeitos capazes
de desenvolver pensamento autônomo, crítico e criativo, desenvolvimento de competências
cognitivas do aprender a aprender, aprendizagem interdisciplinar, construção de conceitos
articulados com as representações dos alunos. O processo de ensino e aprendizagem teria, então,
como referência, o sujeito que aprende, seu modo de pensar, sua relação com o saber e como
constrói e reconstrói conceitos e valores, ou seja, a formação de sujeitos pensantes implicando
estratégias interdisciplinares de ensino para desenvolver competências do pensar e do pensar sobre
o pensar.
Além disso, a sociedade do conhecimento põe exigências mais definidas para a
aprendizagem escolar, pelo impacto das novas tecnologias da comunicação e informação. Os meios
de comunicação produzem significados, passam idéias e valores, ou seja, atuam na construção da
subjetividade e da consciência. Que recursos cognitivos podem ajudar os alunos a atribuírem
significado à informação? Quais ingredientes do aprender a pensar ajudam os alunos a reordenarem
e reestruturarem a informação que lhes chega fragmentada e em mosaico?
Uma questão crucial que decorre dessa perspectiva é saber que experiências de
aprendizagem possibilitam mais qualidade cognitiva no processo de construção e reconstrução de
conceitos, procedimentos e valores. Em outros termos: que recursos intelectuais, que estratégias de
aprendizagem, podem ajudar os alunos a tirar proveito do seu potencial de pensamento e tomarem
consciência de seus próprios processos mentais. Embora essa problemática não seja nova, trata-se,
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dos processos internos mediadores do aprender, mas sua insuficiência para entender a aprendizagem
também como processo social e cultural, e como atividade planejada e organizada, por onde a
Didática intervém ao postular valores e intencionalidades educativas e formas específicas do ensino.