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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NITERÓI
2015
HEBERT COSTA DE ABREU
NITERÓI
2015
HEBERT COSTA DE ABREU
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________________________
Profª. Drª. MARGARETH MARTINS DE ARAÚJO – Orientadora
UFF
______________________________________________________________
Profª. Drª EDWIGES GUIOMAR DOS SANTOS ZACCUR – Parecerista
UFF
NITERÓI
2015
A todos que respeitam as crianças e, por isso, são educadores.
AGRADECIMENTOS
Eu
Agradeço!
Agradeço a Deus!
Agradeço mui especialmente à Coordenadora Edwiges Zaccur, que tem o dom de professorar!
“A autoridade coerentemente democrática
está convicta de que a disciplina verdadeira
não existe na estagnação, no silêncio dos
silenciados, mas no alvoroço dos inquietos,
na dúvida que instiga, na esperança que
desperta.”
(Paulo Freire)
RESUMO
Esta monografia foi costurada a partir dos meus anseios como orientador
educacional de uma escola pública do município de Itaboraí. Proponho-me neste
trabalho a discutir as relações na escola, exclusivamente as que envolvem as formas de
lidar com um grupo específico de aluno, formado por aqueles que são classificados
como indisciplinados. Quase sempre, justificam o comportamento desajustado
relacionando-o à ineficiência dos pais na educação dessas crianças. Mas, e se mudarmos
o foco, direcionando-o para dentro da instituição de ensino? Será que a suposta rebeldia
de alguns estudantes não poderia ser um reflexo, até legítimo, da falta de diálogo e
respeito àqueles que querem e não abrem mão de participar da construção de seu
próprio espaço? Rediscutir as relações do e no cotidiano da escola no que diz respeito
ao caos, também chamado de indisciplinas nas salas e corredores, é o que busco neste
trabalho.
INTRODUÇÃO……………………………………………………………………….10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................55
INTRODUÇÃO
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ambiente com expressões de violência e hostilidade. Não esquecerei jamais de um
colega, se é que posso classificá-lo assim, que me ameaçava quase que diariamente e me
cercava na rua querendo me bater. Ia estudar com medo de encontrá-lo. Ainda lembro-
me do seu rosto, mesmo desejando esquecer definitivamente.
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Duas coisas me marcaram na minha relação com esse amigo, mais chegado que
um irmão. A primeira foi à alegria que tinha esse moleque. Sempre brincando, zoando,
sorrindo o tempo todo. Erámos parceiros de carteira e um ajudava o outro nas tarefas,
apesar de eu ajudar bem mais. A outra coisa, da qual não conseguiria esquecer nunca,
foi a sua prematura morte, algo que aconteceu de repente e sem muitas explicações.
Soubemos apenas que ele tinha passado mal, após comer um lanche contendo
mortadela, vindo a morrer a caminho do hospital.
Fora nesse período também que meu pai teve que ir, pela primeira e única vez,
me defender na escola. Sofri agressões verbais e físicas de um colega da turma, que
além de ser bem mais alto do que eu, só andava em grupo. Resisti bastante, até porque
era vergonhoso chamar o pai para resolver seus problemas, mas foi a opção que me
restou naquele momento. A ‘visita-socorro’ do meu pai, obviamente, não elevou meu
status na escola, mas serviu para que as agressões cessassem definitivamente.
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tão furioso que não respeitei nem a professora da biblioteca, invadindo a sala dela para
pegar o garoto que havia me provocado e corrido para lá a fim de se esconder. Bati nele
lá mesmo para estranhamento da docente, que disse que eu a estava decepcionando, pois
me conhecia como um aluno tranquilo e com bom comportamento. Depois, pedi
desculpas a ela em meio a uma bronca.
Curiosamente, não tive um melhor amigo nessa escola, mas sim uma melhor
amiga. Adriana tinha muitas qualidades, contudo a que ficava mais evidente, mesmo
para quem a acabasse de conhecer, era a meiguice. Parecia tão frágil que recebia de
todos um tratamento de irmão mais velho. Outros amigos merecem destaque, tais como:
Rubem, o mais engraçado; Marco, o mais pretensioso e o que fazia mais sucesso com as
gatinhas; Ramon, também famoso; Paulo César, mais conhecido por PC e um dos mais
tímidos e Rodrigo, o mais falante e o que namorou a menina mais linda da turma. Esse
não se encontra mais entre nós. Morreu num trágico acidente de carro. Era uma galera
boa, com a qual ainda tentei manter amizade, mas os nossos caminhos se distanciaram.
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“matava” aula quase todo dia e fazia as provas recorrendo sempre às “colas”. Era um
martírio ter que copiar do quadro, fazer as atividades no caderno, estudar para prova,
etc. Estava ‘chutando o balde’, só pensava em sair da escola para trabalhar e ganhar
meu dinheirinho. O que me prendia lá ainda era a exigência do meu pai para que
terminasse o ensino fundamental, o que consegui ‘aos trancos e barrancos’.
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sei onde me encontro, de qual classe pertenço, contra o quê e quem preciso lutar.
Entendo perfeitamente que não dá mais pra ser neutro, mas que preciso ser partidário
sim, da classe trabalhadora e explorada, da qual faço parte.
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instituição de ensino? Será que a suposta rebeldia de alguns estudantes não poderia ser
um reflexo, até legítimo, da falta de diálogo e respeito àqueles que querem e não abrem
mão de participar da construção de seu próprio espaço? Não seriam alguns atos de
indisciplina uma reação aos constantes abusos e violações sofridas? Rediscutir as
relações do e no cotidiano da escola no que diz respeito ao caos, também chamado de
indisciplinas nas salas e corredores, parece-me urgente.
Não tenho como objetivo, obviamente, apresentar uma saída para todos os
problemas indisciplinares na escola. Seria até uma contradição ao que já disse a respeito
de minha formação como professor, uma vez que revelaria uma postura autoritária ao
ser transmissor uma receita. Na verdade, a situação da indisciplina na escola tem se
mostrado muito complexa para que se aponte uma resposta padronizada. Não pretendo,
portanto, criar mais um regimento escolar, que são cada vez menos eficazes nos seus
artigos que se propõe a solucionar os casos de indisciplina.
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Mais do que desnaturalizar, esse trabalho é importante, também, porque pode
contribuir para a implementação de projetos e planos de ação específicos de
enfrentamento das questões indisciplinares. Embora procure olhar a partir do meu ponto
de vista como orientador educacional, por se tratar exatamente do comportamento do
aluno e suas implicações, essa produção será útil a todos que se interessam pela
qualidade da escola.
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como quase sempre acontece? Suspender o aluno por três dias o levará a refletir sobre o
comportamento considerado indisciplinado, como defende alguns professores e
inspetores? Qual a responsabilidade da escola na produção do contexto para a
indisciplina? Qual o papel do professor na desconstrução da indisciplina? Essas são as
questões fundantes deste trabalho.
Gostaria que essa monografia fosse lida por todos os que trabalham em escola,
mas principalmente por professores. São eles, indubitavelmente, que podem, na relação
mais direta que tem com os alunos, desenvolver um novo projeto, baseado no diálogo e
na interação, superando a fórmula tradicional de hierarquia e reprodução.
Potencialmente, os docentes são os principais responsáveis por essa mudança de
paradigma na escola.
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da vida, envolvendo temas de política, ética, psicologia, espiritualidade, etc. Ele defende
que o educando seja respeitado, devendo ser, portanto, o ponto de partida e chegada de
todo projeto pedagógico. Para ele, o aluno não é apenas absorvente de conhecimentos
do professor, mas sujeito de seu próprio processo de aprendizagem. O mestre, nesse,
sentido não detém todo saber e, consciente disso, deve construir, portanto, em parceria
com o discente a trajetória cognoscente. Esse autor tem sido muito importante na minha
formação como educador e, por sempre fazer referência a ele na escola, os professores
brincam comigo chamando-me de freireano durantes os momentos de planejamento.
Aqui na monografia, sua teoria é base quando discuto as relações de poder na escola.
Dentre muitos autores que cito na monografia, gostaria de destacar como base
para este trabalho, também, a experiente e consagrada Mírian Grinspun, nos escritos da
qual venho buscando referências práticas e teóricas para o trabalho como orientador
educacional. Ela tem diversos livros produzidos tendo como foco o trabalho do OE e do
supervisor. Embora não tenha uma visão tão crítica da estrutura da sociedade, como os
autores citados nos parágrafos anteriores, ela contribui para uma noção mais atualizada
e abrangente no que diz respeito ao trabalho deste profissional, cuja principal função
tem sido, de acordo com relatos nos momentos de encontro de formação, promovidos
pela secretaria de educação, resolver problemas de indisciplina na escola. No
desenvolvimento desta monografia, portanto, tomarei de sua teoria para analisar minha
própria prática ao discutir o cotidiano do meu trabalho.
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Ainda nesse capítulo, aproximo-me do que tem sido apontado como o principal gerador
da indisciplina: a desmotivação dos estudantes.
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CAPÍTULO I
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Penso que a escola, apesar de estar constantemente buscando soluções para o
problema da indisciplina, é também responsável pela existência de agressividade e
conflitos em seu meio. A postura autoritária, sobretudo daquele que está na direção,
porque é a referência para todos, a utilização de mecanismos de controle, que cerceiam
a expressão espontânea e tenta estabelecer um comportamento padrão e a concepção
equivocada de disciplina ou indisciplina existente concorrem também para surgimentos
de casos de revolta na escola. A indisciplina seria, nesse caso, uma reação à opressão.
Na escola analisada isso também acontece, pois observo que muitos casos de
indisciplina estão ligados à tentativa de repressão e enquadramento dos alunos. A
própria estrutura arquitetônica contribui para a manutenção de uma atmosfera fria e
hostil com corredores e grades semelhante a uma prisão. São submetidos também a uma
vigilância pelo sistema de câmeras, tendo que conviver com o constrangimento de estar
sendo filmado permanentemente. Somado a isso, a postura autoritária da diretora os faz
parecerem inimigos que precisam ser combatidos. É nesse contexto que brota
inimizades e violências.
A concepção de (in)disciplina
Aquele, por exemplo, que consegue fazer com que os alunos atendam,
passivamente, seu comando e cumpram as regras destacadas acima, é considerado um
bom professor, porque ‘tem domínio da turma’, mesmo que esse suposto domínio seja
alcançado através de ameaças e gritos, enquanto que aquele que desenvolve um trabalho
de diálogo, estabelecendo acordos por respeitar os alunos, mas com alguns desajustes de
comportamento é classificado como fraco.
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escolas públicas. Tive que conviver como um malabarista essa tensão entre estabelecer
uma relação de parceria sem abrir mão da autoridade como docente. Quando cheguei,
por exemplo, à sala de aula, depois de passar num concurso do município de São
Gonçalo, me deparei com crianças se agredindo e gritando umas com as outras, não
sendo possível a comunicação por mais alto que se tentasse falar. Minha principal
função naquele momento era separar a brigas e tentar preservar a integridade física
delas. Muitas vezes, tive que tirar os brigões de sala e contar com a ajuda de inspetores,
que os deixava sentados em cadeiras que ficavam corredor. Não via outa alternativa,
naquele início, para tentar construir um ambiente em que se pudesse haver conversa e
amizade. Com o tempo os casos de violência diminuíram, mas a turma continuou
agitada e tive que conviver com os comentários de que eu não tinha domínio de turma.
Situação que se repetiu também quando trabalhei na rede pública de São João de Meriti.
Percebo, então, que não chegamos a uma compreensão do que seria
indisciplina na escola, principalmente dentro das quatro paredes da sala de aula. Gosto
da definição do Celso Antunes que conecta a disciplina à qualidade do ensino-
aprendizagem, sendo, por conseguinte, uma turma indisciplinada aquela que:
A busca pela disciplina, desta forma, sairia do foco pelo controle para
dominação e se relacionaria à garantia de possibilidade de trabalho. Ao defender uma
organização na turma, cujos comportamentos não estivessem permitindo a
aprendizagem, o professor demonstraria, principalmente, sua preocupação com a
qualidade de seu trabalho pedagógico e compromisso com o desenvolvimento de seu
aluno. Este noção eleva a disciplina a um patamar de respeito aos estudantes.
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Assim, o aluno que se apresenta de maneira indisciplinada precisa de uma
intervenção que o conscientize de que sua relação com seu professor e com seus colegas
tem sido negativa porque prejudica o seu desenvolvimento e de toda turma. A
abordagem, então, é facilitada já que, em princípio, docente e discente tentam buscar
algo de interesse mútuo: a aprendizagem.
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participação de todos, principalmente dos alunos, e, consequentemente, trabalhássemos
(lutássemos) em busca disso. Não é novidade dizer que a proposta foi rejeitada.
Quem trabalha mais profundamente esse tema que discuto, sendo indispensável
na abordagem porque contribui para entendermos os objetivos finais das disciplinas é o
francês Michel Foucault, que as concebe como os “métodos que permitem o controle
minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e
lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade" (Foucault, 1975, p. 133). Nessa
definição está explicito esse aspecto do domínio, como se busca o tempo todo na escola
ao submeter seus alunos a comandos e regras construídas sem a participação deles.
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Os mecanismos de controle
Pela escola temos câmeras espalhadas, de tal forma que, com exceção das
salas, toda a área, envolvendo quadra, refeitório, pátio e corredores, está coberta pelo
sistema de vigilância. Os alunos são sempre advertidos de que estão sendo vigiados e
que não poderão escapar das gravações, que acontecem ininterruptamente. Já dizia
Foucault que “o aparelho disciplinar perfeito capacitaria um único olhar tudo ver
permanentemente” (Foucault, 1975, p.167).
De sua sala, através das imagens captadas pelas câmeras, a diretora vigiava
alunos e profissionais da escola. Muitas vezes, utilizava as gravações para pressionar
aqueles que, na sua avaliação, apresentavam comportamento inadequado. Por causa
disso, muitas vezes, alertava, jocosamente, quando estávamos fazendo alguma crítica,
de que ela estava nos vendo e poderia fazer leitura labial. As câmeras eram suas fiéis
companheiras de gestão, um posto que não poderia ser alcançado por ninguém da
equipe diretiva.
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de gestão autoritário, que tentava implantar na escola. Na verdade, segundo Foucault, “o
exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar: um
aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder” (Foucault,
1975, p.165). Através das câmeras, ela estendia seu olhar/poder, tornando-o ainda mais
eficiente, algo impensável sem esses instrumentos, mesmo que cooptasse alguns para
serem ‘X9’, apesar de haver denúncia de que fazia isso também.
Por se tratar de uma construção finalizada, cujas estruturas de base não podem
ser alteradas, ao não ser por completa demolição, não há muito do que se fazer para
mudar aquele cenário, que contribui ainda mais para o desânimo dos alunos em estudar.
Até porque a estrutura predial pode revelar muito o modelo de educação proposto numa
escola. Numa entrevista que deu ao site ‘Nova Escola’ o coordenador da ‘Escola da
Ponte’, José Pacheco, demonstrou essa preocupação com a arquitetura de sua
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instituição, que se baseia em três grandes valores: a liberdade, a responsabilidade e a
solidariedade. Era preciso construir uma nova estrutura que tivesse coerência com a
esses valores.
Por último, como elemento que coopera para o controle dos alunos na escola,
quero destacar as diversas grades que fecham a passagem que dá acesso aos corredores
da parte superior da escola. Essas grades estão estrategicamente dispostas de modo a
impedir que não haja circulação dos estudantes em horário inapropriado. Embora
possam cumprir uma função de organização, contribuem também para caracterização de
um espaço semelhante a um sistema prisional.
Muitas vezes, tive que pedir que um inspetor abrisse o esse portão de grades
para ter acesso aos alunos, como se eles fossem perigosos. Esses profissionais
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encarregados de controlar a movimentação dos discentes, alegam que não podem deixar
o portão aberto porque eles não respeitam e forçam a passagem, algo do qual têm razão,
pois já presenciei essa atitude algumas vezes. Nesse sentido, as grades são de fato para
reprimir delinquentes, fazendo com que a escola se transforme numa casa de detenção
de menores.
Essa descaracterização da escola é que precisa ser pensada. Não pode ser essa a
escola que queremos, tendo como foco a disciplina, baseada na imposição de regras e na
utilização de mecanismos de controle. A organização que defendo é aquela oriunda da
conscientização. Para isso, é preciso ouvir e não reprimir. Dialogar e não cercear com
grades. Permitir a aproximação sem medo e sem preconceitos, considerando os alunos
como parceiros nesse objetivo de humanizar nosso cotidiano. Como diz Paulo Freire,
‘escola é lugar de gente’. E gente tem que ser amada.
Por isso, está na pauta de lutas, a eleição para diretores em que possam
participar da escolha os alunos, professores e pais. Somente dessa forma superaremos a
contradição vigente na escola, que se diz democrática, mas que tem um gestor imposto
de fora para dentro. Segundo Paro (2015, pág. 116), um diretor eleito democraticamente
tenderá a se comprometer com os interesses daqueles que o elegeu e não exercerá um
papel de mero apadrinhado político.
A diretora que dirigiu a escola durante esse período que tomo para análise
assumiu no início do ano de 2014, indicada por um vereador influente na região. Ela
chegou com uma postura muito autoritária, destacando os erros e desqualificando sem
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pudor a gestão anterior. Em sua opinião, nada podia ser aproveitado do ano anterior e
falou, inclusive, que a unidade estava um caos, administrativamente e pedagogicamente.
Com essa postura, ameaçou inspetores e professores, dizendo, inclusive, que iria
devolver alguns à secretaria de educação.
De sua mesa, dirigia a escola baseando-se nas imagens das câmeras, como um
operador de CFTV (Circuito Fechado de TV). Muitas vezes, chamava-me ou a
dirigente de turno para tomarmos alguma atitude diante de alguma situação registrada
pelo sistema de gravação. A atuação dos funcionários também era alvo de suas
observações. Devido a essa maneira de dirigir a escola de sua cadeira, muitos alunos
diziam não conhecer a diretora.
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CAPÍTULO II
A RELAÇÃO PROFESSOR E ALUNO
NA (DES)CONSTRUÇÃO DA (IN)DISCIPLINA
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Pelo que observei na minha análise de campo, a disciplina na escola se revela,
principalmente, na relação entre professor e aluno. A maioria dos conflitos acontece
dentro da sala de aula e muitos professores culpam as crianças, alegando que não vêm
educadas de casa. Uma justificativa recorrentemente utilizada, mas que, geralmente, não
favorece a transformação da realidade, pois afasta a possibilidade da autoanálise. Uma
vez, durante uma reunião de planejamento com as professoras do ciclo, iniciou-se uma
discussão porque uma delas alegou que um determinado aluno não deveria ter sido
reprovado pela outra colega, de cuja turma a criança era no ano anterior. A professora
‘atacada’ se defendeu dizendo que o aluno não tinha apoio dos pais e que não fazia as
tarefas de casa, além de apresentar um número elevado de faltas. São argumentos
comuns no cotidiano da escola, mascarando ou impedindo uma reflexão rigorosa da
relação professor e alunos.
Alguns docentes até conseguem lidar melhor com os casos de indisciplina,
quando os envolve como desafios do seu projeto de trabalho, enquanto que outros são
mais radicais e assumem uma postura autoritária, ignorando-os e pedindo
constantemente punição rigorosa para os envolvidos. São esses que entram em conflito
constantemente com os alunos, desenvolvendo uma relação muito hostil com eles.
Por outro lado, muitos alunos também reclamam do autoritarismo dos
professores e dizem que revidaram com ofensa quando foram desrespeitados. Uma
situação delicada para quem é orientador educacional, uma vez que temos que
administrar a tensão existente, ao mesmo tempo em que somos cobrados para sermos
enérgico com os alunos, considerados indisciplinados.
Neste capítulo, a discussão será em primeiro lugar sobre a questão da
autoridade do professor, algo ainda muito polêmico na escola. Em seguida,
rememorando um trabalho de campo que fiz durante a faculdade, discutirei sobre a
liberdade dos alunos em sala de aula, ouvindo alunos e professores a respeito. Por
último, dedico uma parte para tocar num problema que certamente concorre para o os
casos de indisciplina: a motivação dos alunos em estar numa sala de aula.
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ter postura e saber agir com firmeza perante os alunos. Os próprios pais dos alunos
conferem ao professor essa autoridade, delegando-lhe, muitas vezes, funções e
autorizando procedimentos incompatíveis com o seu papel na escola. Lembro-me de um
pai me liberando para que eu colocasse seu filho ajoelhado no milho, quando este
fizesse bagunça. Isso revela a ignorância de alguns pais na compreensão do trabalho
professor.
Ao tomar posse dessa legitimação ao autoritarismo conferido pelos pais, alguns
professores manipulam seus alunos, recorrendo sempre à lembrança de que estão
autorizados a agir contra essas crianças. São comuns as cenas em que os alunos choram
quando os professores pedem que chamem seus pais para conversar, pois eles sabem
que a versão do mestre dificilmente é questionada. Por outro lado, quando os pais
assumem uma posição crítica em relação ao docente, o que é mais raro, passam a ser
duramente criticados na escola.
Esses professores agem baseados na posição hierárquica que possuem na
escola e, quando levam isso ao extremo, não dão margem para estabelecer com os
alunos uma relação de diálogo e afetividade.
Em uma situação muito tensa na escola, uma professora, reconhecida por ser
muito rígida com os alunos, diante de uma criança do primeiro ano, que se recusava a
retornar à sala de aula e se mostrava agressivo, reagiu aos gritos, tentando fazê-lo recuar
na base da intimidação. Ela o mandava calar a boca e o segurava, como se fosse agredi-
lo. Fiquei tão constrangido com tudo aquilo que ela própria, ao perceber meu
desconforto, veio depois me pedir desculpa. Disse para ela que gosto de ser coerente e
não fazer com o aluno o que não gostaria que fizesse comigo. Não vejo a criança numa
posição em que eu possa agredi-la de maneira legítima, como se valesse mais do que
ela.
Segundo Paro (2015, 108), a sociedade vem superando muitas dicotomizações
autoritárias, como a do negro diante do branco, a do heterossexual diante do
homossexual, a do homem diante da mulher, etc., mas existe uma dominante, da qual
não se tomou conhecimento pela mesma sociedade, que é a relação da criança diante do
adulto, de “quem sabe diante de “quem não sabe”. Na escola, essa relação carregada
preconceito fica evidente, sobretudo, em sala de aula entre professor e aluno.
Por isso, quando observo uma sala de aula, percebo claramente essa relação
desigual. A professora, quase sempre, está sentada em sua mesa, exigindo que o aluno
copie sem fazer muito barulho. Não há espaço, portanto, para que o educando se
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manifeste, já que ele ‘não sabe nada’ e “sua crítica não é permitida nem estimulada, ele
é avaliado positivamente se referendar o sentido único que o professor atribui ao
conhecimento e apresentar comportamentos que não contestem esse sentido, isto é,
comportamentos de dependência”. (Furlani, 2001).
Há como, entretanto, pensar em autoridade sem com isso anular a autonomia
do aluno. A complexidade que envolve essa opção faz com que muitos recuem no
propósito. Muitas vezes, recordo, me vi nesse dilema entre a liberdade para que o aluno
se expresse e desenvolva e a organização tão proclamada pela direção da escola. Era
preciso que eu me refizesse diariamente para que não me tornasse mais um projeto de
tirano. Uma preocupação suspeita, pois ao sermos “inclinados a superar a tradição
autoritária, tão presente entre nós, resvalamos para formas licenciosas de
comportamento e descobrimos autoritarismo onde só houve o exercício legítimo da
autoridade.” (Freire, 1996, p.64)
O autoritarismo de alguns professores também parece ser decorrente da
insatisfação de estar na escola. A impressão é de que não gostam das crianças e,
consequentemente, evitam aproximação, alegando diversos motivos. Uma frase bem
jocosa que é repetida em encontro de professores tem um fundo de verdade: ‘que a
escola é um ótimo lugar para trabalhar, mas o que estraga são os alunos’. Como tenho
por hábito visitar as salas diariamente, percebo pela expressão dos docentes aqueles que
se fecham para desenvolver um relacionamento com os alunos. Noto, inclusive, que não
gostam da maneira que trato as crianças, pois as cumprimentando e até brinco com
algumas. Lembro-me, nesse momento, do que disse Celso Antunes (2012, pág. 231),
que “o professor é como o cachorro de Pavlov, basta ouvir a campainha e já começa a
salivar”.
Uma professora veio reclamar, certa vez, de que alguns inspetores não tinham
autoridade com os alunos porque brincavam eles. Completou dizendo que tinham que
manter certa distância das crianças para serem respeitados. Essa docente, por sinal, não
esboça um sorriso em sala. Está sempre de ‘cara fechada’ e diz que é ‘para não dar
confiança’. Já tive a oportunidade de discordar dela e dizer que submissão baseada na
intimidação não contribui para a formação de um aluno autônomo e crítico, como prevê
o projeto político pedagógico da escola. Disse, também, que a cara feia e o grito pode
até funcionar com muitos, mas temos crianças na escola que jamais recuarão diante do
desrespeito. Elas reagem com o mesmo rigor com que são tratadas e, quando me
chamam para resolver esse tipo de conflito, fico numa ‘sinuca de bico’, pois reconheço
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a legitimidade da reação desses estudantes. Um bom ambiente de uma sala só pode ser
construído com aproximação, com diálogo, com carinho. Segundo Vasconcellos, “para
a construção da disciplina escolar, professor e alunos, antes de mais nada, precisam
tecer uma rede, estabelecer vínculos entre si” (2009, p. 93). Portanto, quem sofre de
‘alunofobia’ não irá conseguir estabelecer a disciplina e, portanto, caso não queira se
reciclar, deve procurar outro lugar para trabalhar.
Lembro-me de uma professora, por exemplo, que perdeu sua vaga na escola
porque sua turma era considerada muito bagunceira, com muitos casos de indisciplina.
Realmente, por falta de experiência, ela deixava a desejar em alguns aspectos, como não
organizar a saída dos alunos da sala, o que fazia com que um grupo se dispersasse
alegando que ia ao banheiro e ficando no pátio durante um bom período de sua aula.
Era, também, condescendente demais ao ponto de alguns mexerem na sua bolsa,
pegando objetos sem permissão e jogarem bola dentro da sala, onde muito mal tinha
espaço para as carteiras. Mas, ela, apesar de precisar avançar nos aspectos mencionados,
procurava desenvolver com os alunos uma estratégia baseada na aproximação. Não me
recordo de vê-la sentada em sua mesa, diferentemente das demais professoras.
Construía com as crianças diversos trabalhos artísticos, tendo a participação até
daqueles mais criticados. O que pesou na avaliação de seu trabalho, pela coordenação e
direção, porém, foi a questão da indisciplina e, por isso, ela não faz parte do nosso
grupo.
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A autoridade, finalmente, deve se fundamentar na competência e não na
discutível hierarquia institucional existente na escola. Essa capacidade está ligada não
só ao ensino-aprendizagem, mas também no relacionamento com os alunos. Até porque
uma coisa está ligada a outra. Para Freire (1996, p.56), “a incompetência profissional
desqualifica a autoridade do professor”. Nessa perspectiva, o docente que não se dedica,
buscando estar atualizado de acordo com a realidade de seus alunos, estará
automaticamente desqualificado. Precisará basear sua moral perante a turma numa
hierarquia ilegítima, pois não foi construída na relação com os educandos.
Por outro lado, a liberdade, ou seja, aquilo que a criança pode fazer, onde ela
pode ir e se expressar fica em segundo plano. Isso passa-nos a impressão de que o
conhecimento do “espaço livre” da criança não é importante. Ou, talvez, o receio do
professor em “perder o controle” da “sua” aula faz com que a questão da liberdade seja
por ele, absolutamente, ignorada. Então, o que se tem na verdade, são crianças que se
adequam e se acomodam a forma escolar e, assim, sua autonomia fica prejudicada. Os
mais introvertidos, nesse caso, se ajustam mais rápido, mas sua personalidade fica
sufocada.
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A pesquisa de campo foi realizada com turmas de alfabetização, no colégio
Estadual Pinto Lima, localizado no centro de Niterói. A primeira ida ao colégio
consistiu apenas em observar o espaço e me familiarizar com os professores e alunos. O
Prédio é dividido em dois andares, sendo que no térreo fica o pátio relativamente
pequeno, onde tem um único banco de aproximadamente seis lugares. Possui dois
banheiros, um feminino e um masculino, e um refeitório também pequeno.
O primeiro contato com a turma não foi uma tarefa muito difícil. A princípio os
alunos sentiram-se curiosos com a minha presença, mas logo ficaram bem à vontade
para executar suas tarefas e se movimentarem pela sala. A professora me recebeu com
simpatia e me deu liberdade para prosseguir com a observação. Apesar de não encontrar
nenhum impedimento para entrar em sala de aula, como acontecra com alguns colegas
do curso, que não puderam observar o trabalho dos professores, senti-me inseguro
quanto à abordagem do tema, pois encontrei um ambiente, na minha avaliação, com
poucas regras, diferentemente do que esperava.
Nessa turma, poucos alunos interagiam com a aula, a maioria passava o tempo
correndo e gritando pela sala. A docente parecia não se importar com aquela agitação,
embora, considerei que estivesse descaracterizando um espaço que se pretende ser de
aprendizado. Em princípio, avaliei como descompromisso da professora, mas, depois de
alguns dias, ela me disse que estava a pouco tempo com a turma e que, pela sua análise,
as crianças estavam testando a autoridade dela. Ela disse que os iria conquistar aos
poucos.
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em alguns momentos, tive que ajudar o professor, indo à secretaria, distribuir folhas
para os alunos, ajudar a organizar a sala para realização de atividades, etc. Apesar dele
não ter dito, suspeitei de que o docente tenha me visto como um estagiário, cuja função
seria apenas de ajudar nas tarefas e não como um pesquisador, como havia me
apresentado. Porém, essa ajuda ao professor foi interessante porque contribuiu para uma
melhor interação com ele mesmo e com os alunos. Algo que ajudou no processo de
entrevista.
Dessa forma, levei o primeiro grupo para o pátio da escola, sentei em círculos
com eles e começamos a conversar. Ainda assim não flui como desejava. Algumas
crianças se mostraram muito agitadas, querendo contar novidades de suas vidas em casa
e sobre os colegas, o que me deixou frustrado. No momento, eu estava tão preso à
proposta da pesquisa e tomado pela necessidade de concluir o trabalho que não
conseguia interagir com os alunos. Eles disseram, contudo, que gostavam de brincar no
pátio e não se mostraram interessadas em assuntos de sala de aula, com poucas
exceções.
Conversei com crianças de idades entre seis e oito anos, que moram,
praticamente, na mesma comunidade, com situação socioeconômica bastante
semelhante. Estavam avançando no processo de alfabetização lentamente, alguns
demonstrando muita dificuldade de compreensão. A metodologia utilizada pelos
professores era a tradicional, partindo de letras para as sílabas até formar palavras.
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para formar um sujeito submisso à realidade, entendendo que seu papel é apenas de
reprodução e aceitação do que já está estabelecido como natural.
A escola, segundo o professor que colaborou com a pesquisa, não tem recurso,
fazendo referência à necessidade de um psicólogo para certos alunos, porque ‘o
professor não pode largar a sua aula para fazer o trabalho psicológico, já que tem um
conteúdo (português, matemática) para dar’. Sua fala revela outro problema muito
comum da educação escolar que é a separação radical entre o conteúdo a ser dado e o
aluno. Este é completamente ignorado no processo de seleção dos conteúdos, estando
excluído do planejamento. É comum vermos os professores compartilharem os
materiais, como se as crianças fossem as mesmas em todas as turmas.
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tem noção de que precisa dar oportunidade para que o aluno se manifeste em sala, mas
reconhece a dificuldade de administrar essa liberdade.
Para Garcia (2006, p. 8), as próprias crianças são responsabilizadas pela não
aprendizagem e “a escola lava as mãos, e tudo continua como dantes, já que para mudar
seria necessário refletir coletivamente sobre as razões estruturais e conjunturais do
fracasso escolar, que, como por encanto, atinge os mesmos grupos”. Uma autocrítica
necessária, mas ainda distante da escola.
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contudo, que às vezes, mesmo contrariadamente, precisa gritar com as crianças para
impor a ordem, mas “não quero que eles tenham medo de mim”, pois, acredita que
precisa ser amida das crianças. Finaliza, dizendo que trabalha muito a autoestima das
crianças distribuindo elogios e parabéns.
Essa questão da sala de aula fria e sem sentido está, geralmente, dentro da
discussão da qualidade do trabalho docente. Desde a minha época em que frequentava a
escola como aluno e até hoje, pelo que observo, a prática docente é quase sempre a
mesma: transcrição para o quadro de conteúdos extraídos de livros ou distribuição de
atividades em papeis para serem colados nos cadernos. Muitas tarefas sem qualquer
conexão com a vida do aluno. O desinteresse por parte dos alunos é uma consequência
natural.
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que se engendram.” (Freire, 1987, p. 33). Nessa perspectiva, o silêncio e o ativismo
acrítico dos alunos são o que mais interessa.
Algumas crianças, até pela dinâmica da vida que têm fora da escola, não
concordam com esse modelo impositivo e, consequentemente, se tornam
indisciplinados. Por isso, que os alunos mais críticos e que não aceitam desrespeito são
aqueles dos quais os professores mais reclamam. Quando damos oportunidade para que
falem e se posicionem reconhecemos a coerência nos seus argumentos. Muitas vezes,
tive que recuar e até entrar num acordo ‘informal’ com eles, dizendo que se alguém
perguntar para que digam que foram punidos com advertência. Não poderia trair minha
consciência e ser injusto com eles em nome de uma cultura ditatorial do sistema.
O caminho para a motivação passa, em primeiro lugar, pelo respeito aos alunos
como humanos, criaturas especiais em si, intrinsicamente, não importando de onde vêm,
com quem parecem ou o cheiro que possuem. Aliás, segundo Vasconcellos, “uma das
coisas mais cruéis que o sistema nos ensina é detestar o cheiro do pobre.” (2009, p.163).
Em seguida ele concorda que, “objetivamente , e com frequência, a indisciplina dos
alunos é uma reação ao desrespeito, aos coeficientes de poder não adequadamente
equacionados pelo professor.” (2009, p.163). Nas reuniões, costumo dizer aos docentes
que o grito e a ofensa podem funcionar com a maioria, no sentido de manter a ordem,
mesmo que em detrimento da saúde integral da criança, mas há uma galerinha que vai
confrontar e não vai se curvar diante de cara feia. Elas costumam estar na minha relação
de indisciplinados.
Respeitar significa ouvir. Uma tarefa dificílima para alguns docentes. Apesar
de uma sala cheia diante de si, o que vejo, são professores isolados em sua mesa, num
aparente tédio, mexendo no celular, quando poderia buscar aproximação. Ouvi denúncia
de que uma professora estaria dormindo, inclusive. Buscar ouvir de perto, até para
encontrar pistas para ensino-aprendizagem. “É preciso que quem tem o que dizer saiba,
sem dúvida nenhuma, que, sem escutar o que quem escuta tem igualmente a dizer,
termina por esgotar a sua capacidade de dizer por muito ter dito sem nada ou quase nada
ter escutado.” (Freire, 1996, p. 73). Escutar pressupõe aproximação, abraço, respeito.
Sem essas coisas, restará o desânimo, porque aquele que não é ouvido não se sente
pertencido e, consequentemente, poderá vir a ser um indisciplinado.
Mesmo quando o aluno já tem esse estigma de ser problemático, o melhor
caminho ainda é a aproximação, a busca pela construção de vínculo. Vasconcellos
defende essa ideia, ao concluir que “o distanciamento cria fantasmas, preconceitos,
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medo, além de tornar impossível a superação da indisciplina” (2009, p.161). Muitas
vezes, condenamos pelo histórico, sem dar margem para a transformação. Ao
encaminhar um aluno, certa vez, a dirigente já foi disparando ao dizer que o menino
viera de outra escola, onde ela havia trabalhado e que teríamos muitos problemas com
ele. Em conversa com ele, fiquei sabendo que se trata de uma criança que tem seis
irmãos e que mora com a mãe, sem saber o destino do pai. Ele fora expulso (tem que
dizer transferido) da outra escola, que fica próxima de sua casa por problemas
disciplinares. Ele disse, emocionado, que um de seus irmãos teria morrido. Percebi
claramente que se trata de um menino com muitos problemas e que precisa de apoio da
escola. Sem a alternativa do vínculo, teremos que conviver realmente com fantasmas.
Criar vínculo é envolver-se, considerando o potencial das crianças. Ignorar o
que as crianças têm a dizer é achar que suas vidas começaram no momento em que
adentraram a sala de aula e, também, desconsiderar as relações que têm fora do contexto
escolar. É obvio que elas podem acrescentar muito na condição das aulas, mas o que
vejo no dia a dia são alunos enfileirados reproduzindo o que foi preparado pelo
professor. Uma imagem estática, que contraria a vida refletida, por exemplo, na hora do
recreio. O grande desafio de todos nós seria encher de vida também a sala de aula. Os
casos de indisciplina automaticamente se reduziriam.
Essa vida que queremos na sala de aula está ligada, como já foi dito, ao
respeito ao aluno e, por tabela, ao que ele sabe. Numa ocasião em que faltou uma
professora, fui fazer uma atividade com as crianças do primeiro ano. Propus a produção
de um texto, o que foi logo rejeitado porque disseram que não sabia fazer. Então, disse
que fazer um texto era escrever algo do que a gente gosta. Foi muito interessante
descobrir como elas têm experiências para contar. Uma andava de skate, outra jogava
futebol, outra brincava de boneca, uma era fascinada por carrinhos ‘Hot Wheels’, enfim,
a aula fluiu e tínhamos ‘material’ para construir com os alunos um belo trabalho de
escrita com sentido. Segundo Freire, o professor tem “o dever de não só respeitar os
saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela, mas
também, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com
o ensino dos conteúdos” (1996, p. 16). Ou seja, buscar envolver os alunos no processo
de construção da aula, dialogando com eles a partir do que faz parte do contexto de vida
deles.
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Um aluno de nossa escola, que chamarei de Kaka, é um bom exemplo para
mostrar a relação entre indisciplina e desmotivação. Ele estava numa turma de primeiro
ano, classe de alfabetização, apesar de já ter nove anos de idade. Mesmo já tendo
frequentado outras escolas por alguns anos, ele demonstra dificuldade para ler até
palavras consideradas simples. Sua professora repete todo dia, como um mantra, que ele
não tem mais jeito, relatando os casos de indisciplina do aluno.
Aliado a isso, a segregação que sofre na escola tem dificultado ainda mais o
processo de interação e aprendizagem. Por já ser bem maior do que seus colegas de
turma, não desfruta da mesma atenção por parte da professora e outros profissionais. O
que recebe dele é muito rigor e cobrança, além de me cobrarem medidas punitivas para
ele, principalmente a suspensão das aulas. O que querem na verdade é se livrar de um
problema, visto que a suspensão não contribui, geralmente, para a mudança de
comportamento.
A experiência desse aluno nos faz refletir muito sobre a relação entre o fracasso
escolar ou o fracasso da escola e a indisciplina, tão pulsante no cotidiano de todos nós
que estamos nessa instituição, ainda muito elitista. Desejamos um aluno que não é dessa
época, muito menos da classe popular, que ofereça, talvez, tudo aquilo que não lhe dão,
ou seja, respeito, educação e amor.
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CAPÍTULO III
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O trabalho do orientador educacional na escola também deve ser analisado. Não
basta apenas apontar as falhas do sistema, da escola e dos professores. Enquanto OE,
precisei e preciso estar em constante reflexão sobre a minha prática. O cotidiano da
escola tem uma força que tenta nos levar a um ativismo frenético em que dispensa
discussão de ideias. A demanda é sempre grande e enlouquecedora. Não são poucos os
profissionais que tomam medicamentos para sobreviver nesse infinito de coisas, muitas
vezes sem sentido. Sem falar dos que estão em desvio de função também por problemas
médicos.
Neste capítulo, busco pensar a minha prática, fazendo uma análise crítica dos
meus erros devido à inexperiência. Mas, também, por ter uma sede imensa de ajudar os
alunos, de ser parceiro, de aliviar as tensões através das brincadeiras. Por isso é que me
joguei de cabeça no trabalho, não me arrependendo do ‘fim’, pois sempre foi de
possibilitar dignidade, mas de alguns ‘meios’, que se mostraram ineficazes. Minha
demanda será objeto nesse momento.
Começarei pelo que considero uma questão ainda a ser superada, que é o
atendimento individualizado. Discutirei isso porque ‘entrei de gaiato no navio’ e
somente com o tempo pude perceber a improdutividade dessa ação desarticulada e cheia
de preconceito. É uma luta que travo todo dia, de tentar convencer de que esse não é o
melhor caminho para a superação da indisciplina. Veem ainda o orientador educacional
como um psicólogo clínico.
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conversar com as professoras, que, de um modo geral, como já esperava até, fizeram
muitas críticas aos alunos, alegando que eram desrespeitosos, desinteressados,
agressivos, sem educação, etc. O que fiz, então, foi me colocar à disposição par, junto
com eles, buscarmos uma saída para o problema de relacionamento e indisciplina de
alguns estudantes.
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retornem e busquem solução com ela. Mas, eles insistem dizendo que ‘a professora não
faz nada’. Depois que percebem que não mudarei de ideia, voltam para a sala.
Considero esse aspecto fundamental na escola: a autoridade do professor.
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Nas reuniões de planejamento, que acontecem todas as sextas, a questão da
indisciplina dos alunos sempre volta com muita força. As professoras, sobretudo as
mais antigas, reclamam alegando que alguma coisa mais drástica tem que ser feita. É
um momento de intensa discussão, quando tentam legitimar a prática de se retirar o
aluno de sala, encaminhando ao orientador educacional.
“E coloca-los onde?”
“Então coloque numa outra sala” ─ ela respondeu mesmo sabendo que não há
sala disponível na escola..
“Então coloque para fazer atividades diferenciadas” ─ ela respondeu sem dizer
o que seriam essas atividades.
Então perguntei novamente: “você acha que eles irão querer voltar à sala de
aula?”
Emendei: “será que não corremos o risco de, se não todos, muitos alunos
apresentarem mau comportamento a fim de irem também para essa nova sala?” Até
porque alguns já haviam manifestado o desejo de permanecerem na minha sala.
A professora não respondeu mais. Embora, isso não queira dizer que a questão
do encaminhamento tenha sido superada.
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O trabalho do orientador educacional na escola ainda é comparado, por alguns
professores e inspetores, como o de um terapeuta, que tem a função, através de
atendimentos individuais, de mudar o comportamento indisciplinado dos alunos. Por
inexperiência e vontade de ajudar, acabei me submetendo a esse procedimento, o que
fez com que, diariamente, formasse fila em frente a minha sala. Era uma situação muito
desgastante e pouco produtiva no sentido de melhorar o relacionamento dos alunos.
Essa função, também, deve envolver outros atores na escola. A superação dos
problemas não é de responsabilidade exclusiva de um profissional da escola. Para
Grinspun, “a orientação educacional pretende contribuir, satisfatoriamente, não mais
para atender ‘alunos problemas’, mas para discutir, junto com todos os problemas que
vivenciamos e as soluções possíveis de serem atingidas.” (Grinspun, 2011, p.174). É
uma compreensão que propõe o diálogo entre todos na escola, inclusive com os alunos.
Isso é o que buscamos como utopia.
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O diálogo com os pais foi algo que sempre priorizei também nessa busca por
um ambiente escolar mais humano. Desde o início apostei nessa estratégia. Tinha dia
que passava boa parte do tempo da minha carga horária atendendo responsáveis.
Geralmente eram muito receptivos. Ouviam, lamentavam, desculpavam-se e assinavam
as ocorrências e o registro da conversa, ainda se disponibilizando para eventuais
convocações. Entendiam que precisava contar com eles e me colocava nessa posição de
parceiro da família, pois nossos objetivos eram correlatos.
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menino, por exemplo, chegou com um de seus olhos roxo e inchado, provocando uma
comoção entre todos nós. Tive que chamar seus responsáveis e sua mãe disse que fora
excesso do pai num objetivo de corrigir o menino. Disse também que não se tratava de
algo comum na família, que seu esposo, inclusive, estava muito arrependido. Mas, por
causa de casos assim que muitas crianças se desesperam quando colamos um
comunicado em seu caderno para convocar seus pais. Em respeito à criança, temos que
buscar alternativas e deixar a família de fora.
Foram a essas conclusões que cheguei quando insistia que os pais fossem a
escola constantemente. O desafio, agora, é tentar convencer os professores de que a
“síndrome do chamamento dos pais” (Vasconcellos, 2009, p.212) tem seus efeitos
colaterais para a escola também. Apesar de que, geralmente, o principal motivo para
convocação dos pais é a opressão ao aluno e, caso dê certo, os problemas decorrentes
são ignorados. Voltamos, então, a questão do oprimido que hospeda o opressor.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Meu alvo era conseguir subsídios para que pudesse contribuir ainda mais para a
desmistificação da indisciplina dentro da escola, sobretudo, no que diz respeito à vida
do aluno naquele espaço. Toda análise e leituras tinham como propósito melhorar a
minha prática e, a partir de mim, ajudar outros a refletirem sobre suas ações. Se elas são
emancipadoras ou opressoras no trato com os educandos.
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Alguns professores, também, que gostam de ostentar o seu poder, tratando a
criança, muitas vezes, com desprezo tem evitado criar um vínculo. O distanciamento é o
elemento principal nessa relação fria estabelecida pelo docente. Para manter a sala ‘em
ordem’ recorre-se a estratégia famosa de não ir ao educando e não demonstrar afeto para
que as crianças respeitem pelo medo da punição. O que importa, nesse caso, não é a
autonomia, mas sim a submissão cega das crianças.
O saldo da relação em que o professor não se permite dialogar com o aluno é ter
crianças desmotivadas. Algumas realmente até se enquadram e se tornam ‘bons alunos’,
enquanto que outras são classificadas como problemáticas. Essas entrarão na lista de
encaminhados ao psicólogo ou ao psicopedagogo, pois ‘não aprendem de jeito nenhum’.
Segundo Weiss, os “alunos de escolas públicas brasileiras provenientes das camadas de
mais baixa renda da população são frequentemente incluídos em ‘classes escolares
especiais’, considerados pertencentes ao grupo de possíveis ‘deficientes mentais’.”
(2012, p. 19). Depois de repetidas rotulações, esse grupo reage confrontando à ordem,
pois já estão sem razão de estar numa sala de aula.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Nilda e GARCIA, Regina Leite (orgs.). O fazer e o pensar dos supervisores e
orientadores educacionais. 9. Ed. São Paulo: Loyola, 2010.
_____________. Pedagogia do Oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FURLANI, Lúcia Maria Teixeira. Autoridade do professor: meta, mito ou nada disso?
7. Ed. – São Paulo: Cortez, 2001.
GARCIA, Regina Leite (Org.). Alfabetização dos alunos das classes populares, ainda
um desafio. 6. Ed. São Paulo: Cortez, 2006.
PARO, Vitor Henrique. Educação como exercício do poder. 3. Ed. São Paulo: Cortez,
2014.
WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos
problemas de aprendizagem escolar. 14. Ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2012.
(http://revistaescola.abril.com.br/formacao/jose-pacheco-escola-ponte-479055.shtml
(Acessado em 20 de fevereiro de 2015 às 12:47).
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