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ALMANAQUE DE

ATUALIDADES
Guia para o ENEM e Vestibulares
1a edição

2022
Almanaque de Atualidades

SEJA BEM-VINDO (A) AO


ALMANAQUE DE ATUALIDADES
DE 2022!

Sabe aquela notícia de atualidades que você ama? Você


sabia que ela pode te ajudar a entrar em uma universidade?
O ENEM e diversos outros vestibulares,adoram
abordar questões contextualizadas sobre os conflitos e
acontecimentos mundiais. Chega mais para descobrir
como usar esse Almanaque como um instrumento
poderoso para a sua aprovação!

O que é o almanaque?
o Almanaque de Atualidades do Aprova Total é baseado
nas principais notícias nacionais e internacionais de
diversos âmbitos conectados a Geografia, como por
exemplo: a geopolítica mundial, desastres naturais,
economia, saúde e conflitos. Ele tem o objetivo de manter
os alunos sempre atualizados e aqui você tem tudo de mais
importante do que aconteceu em 2022 (até o momento)!!

Como são os artigos?


selecionamos semanalmente o que se destacou nos meios
de comunicação e como essa notícia pode ser relevante
para os alunos. Os artigos do Almanaque não aparecem
apenas em grau informativo, mas também realiza uma
contextualização histórica, onde o autor oferece um
embasamento para que o aluno consiga se localizar no
onde, porquê e como da notícia.
Cada artigo conta com um botão de “SAIBA MAIS” para
que você possa acessar a matéria original e se aprofundar
naquele assunto.

Como isso cai nas provas?


diversas provas abordam Atualidades, principalmente,
envolvendo a geopolítica e conflitos. Dessa forma, estar
bem situado, fazer a leitura de notícias e entender as
causas e efeitos dessas ações te deixarão craque para
detonar em QUALQUER questão de Atualidade.
Bora colocar em prática? Neste ano, fizemos diversas
aulas super interessantes sobre atualidades no Aprova, e
nesse Almanaque apresentamos tudo isso (e muitos mais)
com artigos contextualizados e informações riquíssimas
pra você, Vestibulando.

Uma ótima leitura!

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Almanaque de Atualidades

SUMÁRIO

EUROPA

06. O que será da Alemanha pós-Merkel?


10. Ucrânia: o cerco da Rússia
14. Geografia do Holocausto: memória e esquecimento
20. Guerra: Rússia ataca a Ucrânia
24. Euro: 20 anos da moeda única
ORIENTE MÉDIO

30. Iêmen: guerra esquecida


ÁSIA

35. Cazaquistão: violência e autoritarismo


38. Ásia: tensões geopolíticas e nucleares
43.
Olimpíadas de inverno em Pequim:
Guerra fria 2.0 e a repressao aos Uigures

47. Timor-Leste: duas décadas de independência


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OCEANIA

53. Tonga: erupção e tsunami


AMÉRICAS

58. El Salvador e Nicarágua: violência na América Central

62.
Enchentes em São Paulo: deslizamentos
e a cratera na marginal Tietê

65. O caso Moïse: entre o Congo e a Barra da Tijuca


69. Enchentes em Petrópolis: o castigo
da irresponsabilidade

72. Guerra das Malvinas: 40 anos

ÁFRICA

78. Etiópia: Guera Civil

EXTRAS

83.
Rio-92 e Eco-72: meio ambiente
e política internacional

87. Combustíveis: a batalha dos preços

91. Democracias em ameaça: a deriva autoritária

95. Carta do autor


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EUROPA
Almanaque de Atualidades

O QUE SERÁ
DA ALEMANHA
PÓS-MERKEL?

O mês de dezembro de 2021 pode ser observado como


o fim de uma era na política alemã, já que Angela Merkel
deixou o cargo de primeira-ministra, o qual ocupava desde
2005. No seu lugar, foi instalada uma aliança política que
reúne social-democratas, liberais e os “verdes”, liderada por
Olaf Scholz. A ex-chanceler, cuja carreira se deu na corrente
da democracia-cristã, deixou marcas profundas na realidade
interna da Alemanha e em sua política externa, mesmo com
seu modo minimalista de se comportar.
Angela Merkel
Entre 2005 e 2021, Merkel governou a maior economia
europeia através de sucessivas coalizões. O seu último
governo simplesmente contava com a base do apoio dos
maiores partidos da Alemanha há décadas: a União da
Democracia Cristã (CDU), de onde proveio; e o Partido
Social-Democrata da Alemanha (SPD).
Como principal potência no interior da União Europeia,
Angela Merkel e Vladimir Putin
a Alemanha adotou uma postura de fortalecimento do
bloco, buscando autonomia estratégica frente aos Estados
Unidos e à Rússia, sem esquecer de antigas parcerias
com os norte-americanos.
Angela Merkel nasceu em 1954, em Hamburgo, com o
sobrenome “Kasner”, mas se mudou com a família para
a Alemanha Oriental ainda durante a infância. Seu pai
era pastor, e os Kasner aprenderam a viver sob o pesado
regime de partido-único do país, que se encontrava sob
tutela e sob hegemonia soviética.
Após o genocídio nazista, a Alemanha havia sido dividida:
a Alemanha Ocidental transformou-se numa república
federal com um sistema multipartidário, dominado por
um partido de centro-direita (o CDU) e outro de centro-
esquerda, (o SPD). Mesmo depois da reunificação alemã,
os dois agrupamentos políticos continuaram no centro do
poder, mas sempre comandados por homens.
Mapa da divisão da Alemanha no pós-guerra

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O democrata-cristão Konrad Adenauer, no


poder entre 1949 e 1963, é considerado
o fundador da Alemanha moderna e
consolidou duas parcerias estratégicas
— a adesão do país à Aliança Atlântica
(OTAN), em 1955, e a inserção das bases
das Comunidades Europeias, criada em
1957. A primeira garantiu o alinhamento
geopolítico com os Estados Unidos e a
segunda estabeleceu laços profundos
com a França, depois de uma era de
rivalidade entre as duas nações. Enquanto
isso, a Guerra Fria mostrava-se sinistra:
em agosto de 1961, as autoridades
soviéticas ordenaram a construção de um
muro em Berlim para impedir a fuga dos
alemães orientais para o lado ocidental da
cidade, que tinha como prefeito o social-
democrata Willy Brandt.
Esse prefeito comandou a Alemanha
Ocidental entre 1969 e 1974. Sua
Ostpolitik — uma aproximação em relação
à Alemanha Oriental — visou criar uma
fenda no bloco oriental e foi importante
para a reunificação do país, décadas
depois. Além disso, iniciou uma série
de modificações nas atitudes da social-
democracia alemã, que foram continuadas
por seu sucessor Helmut Schmidt.
Mapa da Alemanha

Restos do Muro de Berlim

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Helmut Kohl é conhecido como o chanceler


que estabeleceu uma só Alemanha unida.
Ele ocupou o poder entre 1982 e 1998,
dirigiu a reunificação alemã, em 1990, além
de ter sido importante para arquitetar a
transformação da Comunidade Europeia
na União Europeia, em 1992. Um dos
principais frutos dessas iniciativas foi a
criação do Euro, que entrou em circulação
em 2002, baseado principalmente no lastro
e na força da antiga moeda alemã, o marco.
Nesse contexto, Angela Merkel — cujo Willy Brandt Helmut Kohl
sobrenome provém do seu primeiro marido
— emergiu na política nacional durante os
governos da Alemanha unificada de Kohl.
Integrante da democracia-cristã, a jovem
política tornou-se Ministra das Mulheres
e da Juventude em 1991 e passou ao
cargo de Ministra do Meio Ambiente em
1994. Com o fim da “era Kohl”, quatro
anos depois, Merkel chegou aos degraus Nota de 20 Marcos Alemães
mais altos da organização de seu partido,
tornando-se sua líder em 2000, cargo
que manteria até 2018. Como primeira-
ministra, a partir de 2005, ela oscilou entre
a tradição e a ruptura.
Na Crise do Euro, em 2010, a Alemanha
de Merkel exigiu medidas de rígida
austeridade fiscal por parte de nações
endividadas, como Grécia, Itália, Espanha
e Portugal. Porém, em 2020, a chanceler
alemã liderou os esforços para organizar
Angela Merkel em reunião da União Europeia
um pacote trilionário, que salvasse as
economias europeias mais afetadas pelos
impactos da pandemia.
Com o caráter unilateral das decisões do
governo de Donald Trump (2016-2021),
Merkel percebeu que a Alemanha deveria
buscar uma certa autonomia estratégica e
geopolítica em relação aos Estados Unidos,
mesmo com a manutenção dos laços da
OTAN. Desse modo, ela tornou mais sólida a
relação de fornecimento de hidrocarbonetos
por parte da Rússia, mesmo com a distância
que nunca deixou de efetuar em relação às
políticas aplicadas internamente pelo político
Angela Merkel e Donald Trump
russo Vladimir Putin. em reunião na Casa Branca

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Banner do governo alemão com a mensagem: Refugiados são bem-vindos

Contudo, o ato mais importante da carreira Desse modo, a região — que havia estado
política de Merkel veio a partir de 2015. Em durante décadas sob o peso do regime
meio ao enorme fluxo de refugiados que se comunista — passou a ser o baluarte do
dirigia à Europa, a líder alemã abriu as portas partido de extrema-direita Alternativa
do seu país para os novos imigrantes. A para a Alemanha (AfD), cujo crescimento
partir daquele ano, a Alemanha recebeu 1,2 foi dado através do discurso xenófobo e
milhão de indivíduos até 2019, sendo que antimigratório. Entre as eleições de 2017
900 mil eram sírios — esse número está e 2021, o AfD perdeu representatividade
bem à frente do número aproximado de no parlamento, formando apenas a 5ª
400 mil pessoas que se dirigiram à França maior bancada eleita. Por outro lado, os
e dos pouco mais de 200 mil refugiados ideais do partido continuam enraizados
que foram recebidos tanto na Suécia como em algumas regiões.
na Itália.
A existência da AfD é um dos desafios
Dentro do país, Merkel soldou os laços para os sucessores de Merkel, assim
dos recém-chegados com a nação alemã, como a questão humanitária dos
solicitando o aprendizado da língua local. imigrantes e a necessidade de promover
Todavia, o sucesso humanitário da ministra o desenvolvimento econômico também
lhe custou um preço político. A onda alta do na região leste do país. Em uma era de
discurso xenófobo e de preconceito contra ascensão de líderes autocráticos, cabe
os imigrantes chegou ao país e teve maior à nação alemã escolher se continua ou
sucesso na antiga Alemanha Oriental. A não no rumo do multilateralismo e da
reunificação alemã trouxe promessas para democracia.
a nova região leste do país, em pleno fim da
Guerra Fria e dos regimes pró-soviéticos.
Entretanto, mesmo que a economia
alemã tenha se mantido próspera nas
últimas décadas, esse desenvolvimento
beneficiou principalmente as regiões mais
ocidentais do país, tornando o leste mais
suscetível ao desemprego, à estagnação e
ao esvaziamento populacional.

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UCRÂNIA
O CERCO DA RÚSSIA
Área Urbana bombardeada pela Rússia na Ucrânia.

O espectro da guerra passou a assombrar A posição das tropas russas configurava


o Leste da Europa no mês de janeiro de um verdadeiro cerco à Ucrânia, que faz
2022. Sob ordens de Vladimir Putin, fronteira ao leste com a Rússia, ao norte,
dezenas de milhares de tropas russas com Belarus, ao sul, com a Crimeia —
cercaram as fronteiras da Ucrânia, com anexada em março de 2015 —, e ao
o auxílio da fiel Belarus de Alexander sudeste, com a Transnístria — região
Lukashenko, ditador desde 1994. separatista da Moldávia onde militares
Enquanto isso, a enfraquecida e desunida russos estão estacionados desde 1992.
OTAN (Organização do Tratado do No cenário de uma guerra, as tropas russas
Atlântico Norte) acelerou o ritmo do apoio e aliadas poderiam efetuar um verdadeiro
militar à nação ameaçada, engrossando movimento de “pinça” ao redor da nação
as nuvens pesadas que pairavam sobre cercada. Nesse contexto, a violação da
o continente europeu, atemorizado pela soberania territorial da Ucrânia já parecia
possibilidade de um corte no fornecimento iminente.
de gás natural russo, essencial para nações
como Alemanha e Itália.

Mapa da Ucrânia.

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discurso de Putin ignora, porém, é o cenário


de desarmamento progressivo que países
importantes da OTAN, como França e
Alemanha, realizaram nos últimos anos.
A Ucrânia possui o 2º maior território da
Europa e abriga pouco mais de 40 milhões
de habitantes. Nas últimas décadas, o país
tem feito tentativas sucessivas — como
em 2004 e 2014 — de se aproximar da
União Europeia e do Ocidente como um
todo, esmaecendo a influência histórica da
Rússia, o que desagrada profundamente
Vladimir Putin discursando.
Vladimir Putin, líder russo desde 1999.
Com uma arma na mesa, Vladimir Em 2004, por meio da chamada “Revolução
Putin acena com o argumento de que a Laranja”, os ucranianos abriram espaço
OTAN, aliança ocidental criada em 1949, para a chegada de Viktor Yushchenko ao
no início da Guerra Fria, se expandiu governo. A promessa era utilizar o timão do
incontrolavelmente na direção do território poder para realizar uma curva na política
russo. Ex-satélites de Moscou, como externa, direcionando-a para as águas do
Polônia e Hungria, assim como ex- ocidente europeu. Ao fim e ao cabo, o novo
repúblicas soviéticas, tais quais Estônia, líder foi uma decepção, e Vladimir Putin
Letônia e Lituânia, passaram a integrar o utilizou a dependência ucraniana em relação
organismo militar, levando-o às fronteiras ao gás russo — e aos royalties pagos pela
com a Rússia. Putin utiliza a linguagem passagem deste para o restante da Europa
defensiva de uma Rússia supostamente — como moeda de barganha para frear o
cercada para justificar as suas políticas afastamento entre o país e a Rússia.
de repressão à oposição interna. O que o

do Gás consumido do Gás que a


na Ucrânia é Rússia Exporta
importado da para a UE passa
Rússia pela Ucrânia
Gasodutos Russos no Oeste da Europa.

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Em novembro de 2013, emergiu uma A tensão na região chegou a um novo


nova onda de contestação, quando Viktor patamar no ano passado. Em abril, a Rússia
Yanukovich — sucessor de Viktor Yushchenko havia efetuado uma concentração recorde
— anunciou um aprofundamento da aliança de tropas ao redor da Ucrânia, recuando
com a Rússia. A União Europeia, que estava em maio. Entre setembro e outubro, o país
negociando um acordo com a Ucrânia, ficou realizou os maiores exercícios militares na
a ver navios. A insatisfação popular levou Europa em quatro décadas, em parceria
a protestos por todo o país, tendo como com a Belarus de Alexander Lukashenko,
núcleo e símbolo a Praça (“Maidan”) da que havia recebido apoio de Putin na
Independência, no centro de Kiev, a capital repressão a manifestações contra seu
do país. A cor laranja dos protestos de regime em agosto de 2020.
2004 foi substituída pelo emblema do bloco
europeu, preenchendo os protestos com Em janeiro de 2022, alguns cenários de
um azul repleto de pequenas estrelas. Era o guerra já eram avistados no horizonte,
início da “Euromaidan”. dado o grau do cerco das tropas russas ao
território ucraniano.
O primeiro cenário comportava a anexação
das províncias do Donbass pela Rússia e/
ou o reconhecimento de sua independência.
Seria uma vitória para Moscou, mas
significaria também a manutenção do status
quo geopolítico da OTAN no Leste Europeu,
contra o qual Putin se coloca. Comenta-
se que Putin poderia também efetuar a
ocupação de uma faixa litorânea ucraniana
que conectasse o Donbass à Crimeia.

Praça da Independência, Kiev, Ucrânia.

A onda de protestos se manteve por meses,


até que uma pesada repressão desceu sobre
ela a partir de 18 de fevereiro de 2014. Em
três dias, pelo menos 130 pessoas já estavam
mortas, em sua maioria manifestantes. Em
meio à crise política, o presidente Viktor
Yanukovich fugiu para a Rússia, sua aliada.
Com receio de que a onda de manifestações
no país vizinho inspirasse a oposição russa,
e de que a Ucrânia saísse da sua esfera de
influência, Putin mutilou o território ucraniano.
Primeiro, as forças armadas russas ocuparam
e anexaram a península da Crimeia.
Depois, passaram a armar uma rebelião
separatista nas províncias do Donbass —
Donetsk e Luhansk —, que desde então
estão em guerra contra o governo central da
Ucrânia. O conflito já resultou em cerca de
14 mil mortos.
Cidade de Bucha depois da invasão Russa.

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O segundo cenário compreendia a Quais são, porém, as principais fontes


anexação de toda a “Nova Rússia”, área do nacionalismo de Putin? Na década de
que circunscreve o leste e o sul ucranianos, 1990, a transição da sonolenta economia
criada pela imperatriz russa Catarina, a soviética para um mercado desregulado
Grande (1762 - 1796). Putin é um saudoso levou a uma brutal crise econômica na
da Rússia czarista, derrubada pela revolução Rússia independente. A ajuda ocidental
de fevereiro de 1917, e está cercado por não chegou, e, ao invés disso, ocorreu a
ultranacionalistas que pregam a anexação expansão da OTAN sobre a antiga zona
dessa ampla faixa de território ucraniano, de influência de Moscou. Em 1999, sob
que envolveria uma operação militar mais a alegação de “luta contra o terrorismo”,
arriscada. Putin subiu ao poder e liderou uma brutal
repressão aos separatistas chechenos. A
O terceiro cenário incluía a anexação de bandeira do patriotismo foi içada pelo “novo
toda a Ucrânia, que certamente seria czar”, e o isolamento submetido a ele pelo
acompanhada de uma insurgência local, Ocidente empurrou-o ainda mais na direção
que possivelmente contaria com o auxílio do do autoritarismo e da aproximação com a
Ocidente. China.
O nacionalismo do país bebe em fontes mais Agora, enquanto reforça a repressão interna,
fortes do que o da vizinha Belarus — como Putin, enquanto líder autocrático, empenha-
a lembrança do Holodomor, sob Stálin, e da se para, de uma vez por todas, impedir que o
ocupação nazista —, o que fortalece a opção exemplo ucraniano de governo democrático
por uma resistência à nova invasão. A Rússia — ou pelo menos a sua tentativa — inspire
se assusta com essa ideia, recordando- russos a contestar o seu poder.
se do “fantasma afegão”, que assombrou
britânicos, russos e americanos nos séculos
XIX, XX e XXI, respectivamente.

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Crianças sobreviventes do camapo de Auschwitz.


GEOGRAFIA DO
HOLOCAUSTO
MEMÓRIA E ESQUECIMENTO
No início de fevereiro de 2022, a ministra do exterior alemã, Annalena Baerbock, fez sua
primeira visita ao Oriente Médio, desde a sua nomeação ao cargo. No Yad Vashem, em
Jerusalém, um dos mais importantes museus sobre o Holocausto do mundo, ela ressaltou
a importância da memória em relação ao assassinato de cerca de 6 milhões de judeus na
2ª Guerra Mundial, principalmente entre 1941 e 1945. A conclamação da ministra veio
poucos dias depois do Dia Internacional de
Lembrança do Holocausto, 27 de janeiro,
data da libertação do campo de extermínio
de Auschwitz.
Políticos alemães protagonizaram
momentos históricos nos últimos 70 anos,
no sentido de estreitar os laços com a
memória sobre o Holocausto e com o Estado
de Israel, criado em 1948. Na década de
1950, o chanceler da Alemanha Ocidental
Konrad Adenauer encontrou-se com David
Bem Gurion, líder israelense. Na manhã
Vala de Extermínio em Bergen-Belsen
de 7 de dezembro de 1970, o líder social-
democrata alemão Willy Brandt ajoelhou-
se frente ao Memorial do Levante do Gueto
de Varsóvia, na Polônia. Além disso, em
18 de março de 2008, a democrata-cristã
Angela Merkel tornou-se a primeira chefe
de governo alemã a discursar no Knesset,
o parlamento israelense. Em sua língua
materna, a ela afirmou que “a Shoah
(Holocausto) enche a nós, alemães, de
vergonha”, e, pouco depois, em hebraico,
agradeceu aos presentes “por concederem”
a ela a “ honra de falar” ali.
Angela Merkel (Ex-Chanceler da Alemanha) e
Reuven Rivlin (Ex-Presidente de Israel).

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A “Shoah”, forma como os judeus


designam o Holocausto, foi um dos
quatro genocídios do século XX, ao lado
do armênio (1915-1917), do cambojano
(1975-1979) e do ruandês (1994), com
suas milhões de vítimas. Uma abordagem
geográfica do Holocausto pode servir
como auxílio consistente na busca por
guardar a memória de um evento tão
sinistro, marcado por uma substituição da
iniciativa política genuína pela violência
ligada à ideia de guerra racial. Imagem aérea do antigo campo de
concentração de Auschwitz.

Mapa do Holocausto

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O Auge da ocupação Nazista na Europa, anos 1941 à 1942.

Um dos símbolos mais famosos em relação Conforme o raciocínio de Adolf Hitler, a


a esse genocídio é Auschwitz, localizado humanidade era dividida em raças, as quais
na atual Polônia — entre as paredes de encontravam-se em guerra constante.
tijolos desse edifício tenebroso habita um Segundo esse ponto de vista, os Estados,
paradoxo. Quando Auschwitz consolidou- as nações, as classes sociais, o pensamento
se como campo de extermínio, entre 1942 político e o saber científico não tinham
e 1945, a maioria dos judeus mortos no vez, pois apenas heranças supostamente
Holocausto já havia sido assassinada carregadas no sangue determinariam o
em fuzilamentos em massa e protótipos futuro de todas as pessoas. Além de tudo,
de câmaras de gás, primeiro através Hitler considerava que os judeus eram
de “furgões” fechados. Em setembro pertencentes a uma “não raça”, ou então
de 1941, por exemplo, 33.761 judeus uma “contrarraça”, destinada a trazer
de Kiev, na Ucrânia, foram fuzilados e impureza às raças verdadeiras, já que,
enterrados na ravina de Babyi Yar, nos segundo ele, eles vinham carregados com
arredores da cidade. Todavia, antes de sua universalidade e seu “cosmopolitismo”.
encontrar os braços e as mentes que
organizaram a tragédia e apontar onde ela A Polônia e a União Soviética eram os
ocorreu, é preciso observar quais eram os Estados com maior presença de judeus
pressupostos ideológicos do extermínio. quando Hitler subiu ao poder, em 1933.
Seu plano para o futuro da Europa nutria-

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se não só da visão racial, mas também de deu início a um período de quase dois anos
uma nostalgia em relação ao último ano de cooperação entre a Alemanha nazista
da 1ª Guerra Mundial — em 1918, antes e a União Soviética. As duas potências
de perder no fronte ocidental, a Alemanha dividiram a Europa Oriental em esferas de
venceu no leste e dominou quase toda a influência e fatiaram a Polônia em duas
Europa Oriental, através do Tratado de zonas ocupadas ainda em 1939, deixando
Brest-Litovsk, assinado com os soviéticos nas mãos de Hitler cerca de 2 milhões
Lênin e Trotsky. Ao fim da guerra, ela de judeus no território polonês anexado.
teve que abrir mão desse território, mas, Na certeza da segurança em relação aos
mesmo anos depois, Hitler manteve o seu soviéticos no fronte leste, a Alemanha
sonho sombrio: colonizar o leste, apoiar-se dominou, em poucos meses, a Dinamarca, a
na escravização dos povos eslavos – como Noruega, a Holanda, a Bélgica, Luxemburgo
os poloneses, os ucranianos e os russos – e a França. Isso marcou o início da 2ª Guerra
e suprimir a população judaica. Mundial (1939-1945).
Entre 1938 e 1939, Hitler iniciou sua Entretanto, surge a pergunta: como a
expansão territorial, anexando a Áustria guerra na Europa transformou-se no
e parte considerável da Tchecoslováquia Holocausto, a partir de 1941? Em junho
ao território da Alemanha, com toda a daquele ano, a Alemanha nazista invadiu
complacência ocidental. Em agosto de a União Soviética e tomou rapidamente
1939, foi a vez do ditador soviético Josef os territórios que os soviéticos haviam
Stálin apertar as mãos do líder alemão, adquirido no pacto entre ambas as
através de um pacto de não-agressão, que potências, em agosto de 1939.

Hitler discursando para suas tropas. Câmara de gás em Majdanek

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Os nazistas recém-chegados disseminaram


a ideia entre as populações dos Estados
bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) que
a terrível invasão soviética anterior havia
sido culpa dos judeus, difundindo o mito da
conspiração judaico-comunista.
Os alemães convocaram os nativos
bálticos a participarem do extermínio às
populações judaicas locais, afirmando
que, assim, estariam redimindo-se por
terem eventualmente colaborado com os
soviéticos. Foi ali, nos Estados bálticos,
que o Holocausto iniciou, através de
fuzilamentos em massa à beira de covas
coletivas, e não através de câmaras de
gás. O modelo criado nos países bálticos
pelos nazistas estendeu-se ao longo de
1941 para as novas zonas soviéticas
conquistadas, como na Bielorrússia, Navio americano destruído após
bombardeio em Pearl Harbor
Ucrânia e nos territórios de população
russa. A 1ª etapa do Holocausto durou Em dezembro de 1941 um ataque
entre a metade 1941 e o início de 1942. japonês à base de Pearl Harbor motivou
os Estados Unidos a entrarem na guerra
contra o Eixo, enquanto o ataque alemão
à União Soviética empacava. Com a
nova conjuntura, Hitler decidiu iniciar
um processo ainda mais sistemático
de eliminação dos judeus, dessa vez
poloneses. A Solução Final caracterizada
pelas câmaras de gás, por sua vez,
tornaria-se comum apenas em uma 2ª
fase do Holocausto, que duraria até 1943.
No “Governo-Geral” nazista, localizado
na Polônia, havia cerca de 2 milhões de
judeus no início de 1942, agrupados em
guetos — expressão oriunda do italiano
“ghetto”, local em Veneza onde os judeus
eram segregados no fim da Idade Média.
Os primeiros experimentos de “câmaras
de gás” haviam começado na Bielorrússia
invadida, a partir de “furgões” nos quais
os gases expelidos pelos escapamentos
eram direcionados para dentro dos
veículos, asfixiando quem estava trancado.
Grande parte dos judeus de Varsóvia,
a maior comunidade judaica do mundo
antes da guerra, foram mortos entre
julho e setembro de 1942, no campo de
extermínio de Treblinka. Dentre os outros
principais campos desse tipo localizados
na Polônia, estavam os de Belzec, de
Cremação de corpos em Auschwitz Majdanek e de Sobibor.

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Auschwitz tornou-se um
campo de extermínio de maior
intensidade apenas em 1943,
quando o fronte leste alemão
estava ameaçado pela ofensiva
soviética, dando início a uma
terceira fase do Holocausto. Em
vez do monóxido de carbono, era
o ácido hidrocianídrico, vendido
como Zyklon B, o principal vetor da
morte nas câmaras de gás. Entre
março e junho de 1943, 43.850
judeus de Salônica, na Grécia,
foram enviados para Auschwitz e
exterminados.
Uma das conclusões que se pode
tirar da geografia do Holocausto
foi a importância da garantia da
cidadania em relação a um Estado,
que deve servir como último apoio
na hora da perseguição. Nos
países em que o Estado havia
sido destruído anteriormente
por alemães e soviéticos, a
grande maioria dos judeus foram
assassinados: na Estônia, por
exemplo, 99% dos judeus não
sobreviveram. Nos países que
se mantiveram como Estados
soberanos — mesmo que aliados
da Alemanha — um percentual
maior de judeus manteve-se
vivo: cerca de ¾ dos judeus
franceses sobreviveram à guerra.
Nos países que foram invadidos
pela Alemanha, mas que tiveram
sua soberania mantida, a maior
parte dos judeus sobreviveu: na
Dinamarca, esse percentual foi
de 99%. Ou seja, o Holocausto
foi iniciado nas zonas em que os
Estados nacionais haviam sido
destruídos, dois anos depois
de ter sido consolidado o pacto
entre Hitler e Stálin, que afetou
profundamente esses locais. Isso
remonta uma memória amarga
que não deve ser abandonada ao
sabor do esquecimento.

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Almanaque de Atualidades

GUERRA
RÚSSIA ATACA
A UCRÂNIA

Uma nova guerra estourou no Leste Os Estados Unidos, a União Europeia, o


Europeu, sob iniciativa de Vladimir Putin, Japão e a Austrália anunciaram sanções que
que comanda a Rússia desde 1999. Depois podem atingir a economia e a política russas
de reconhecer a independência de regiões fortemente, desconectando-a do mundo
ucranianas dominadas por separatistas pró- ocidental ou diminuindo drasticamente as
Rússia, Donetsk e Luhansk, a Rússia iniciou relações. Olaf Scholz, o recém-empossado
uma invasão no país na madrugada de 24 chanceler alemão, interrompeu as
de fevereiro. Diversos dispositivos militares negociações para a abertura e início de
da Ucrânia já foram atingidos por todo o funcionamento do gasoduto Nord-Stream
território desde o início do ataque, que possui 2, que levaria gás natural diretamente da
uma motivação de fundo: a restituição das Rússia para a Alemanha sob as águas
fronteiras do antigo Império Russo, sonho do Mar Báltico. Enquanto isso, o Brasil
de Putin e pesadelo dos povos vizinhos. — repetindo o que ocorreu em 2014 —
recusou-se a condenar explicitamente a
invasão do território ucraniano pelas forças
russas no momento em que ela ocorreu,
pronunciando-se mais tarde depois de
pressão da opinião pública nacional.

Mapa do Império Russo e suas zonas de influência. Nord-Stream 1, gasoduto que liga diretamente a
Rússia à Alemanha.

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Almanaque de Atualidades

Em 2 de março, a Organização das Nações


Unidas reuniu-se em Assembleia-Geral
Extraordinária, para votar uma resolução
que condenava a invasão russa à Ucrânia.
O documento foi aprovado com 141
votos a favor, além de 35 abstenções, as
quais incluíram a China. Apenas 5 países
posicionaram-se contra a resolução, ou
seja, a favor de Moscou: a própria Rússia, de
Vladimir Putin, que a governa desde 1999;
a Síria, governada pelo ditador Bashar al
Assad há mais de duas décadas; a Coreia
do Norte, de Kim Jong-un, líder supremo
desde 2011; a Bielorrússia (Belarus), de
Alexander Lukachenko, no poder desde
1994; e a Eritreia, país localizado no Chifre
da África, comandado por Isaiah Afwerki
desde a independência em 1991. Em geral,
mais regimes democráticos posicionaram-
se contra a Rússia do que a seu favor.
A invasão da Ucrânia pela Rússia
desencadeou uma nova guerra no solo
europeu, justamente três décadas depois
do início da Guerra da Bósnia (1992-
1995), marcada pelos episódios de
limpeza étnica entre sérvios, croatas
e bósnios, sem contar os centenas de
Área Urbana bombardeada pela Rússia na Ucrânia.
milhares de refugiados. Todavia, Vladimir
Putin proibiu que os cidadãos russos O primeiro dia de guerra foi marcado por
chamassem o que está ocorrendo de bombardeios de distração por todo o
“guerra” ou “invasão”, afirmando que se território ucraniano. Desde o fim de 2021,
trata apenas de uma “operação militar tropas russas cercavam esse território
especial”. A imprensa foi colocada sob por todos os lados. Todavia, o fronte de
uma vigilância ainda maior do que já avanço russo rapidamente delineou-se
estava antes, dificultando o trabalho de em três flancos diferentes durante o início
qualquer jornalista que quisesse trabalhar da guerra.
de modo independente. Enquanto isso,
grandes manifestações de russos que Pelo sul, o ataque partiu da península da
são contra a guerra preencheram as ruas Crimeia, território da Ucrânia anexado
de São Petersburgo, uma das maiores pela Rússia em 2014, após a Euromaidan,
cidades do país, as quais sofreram forte uma série de manifestações de ucranianos
repressão policial. insatisfeitos com o regime pró-russo de
Viktor Yanukovitch, que fugiu do país.
Pelo leste, as forças russas avançaram
a partir das províncias separatistas da
região do Donbas (Donetsk e Luhansk),
que se encontram em rebelião contra Kiev
desde 2014, em um conflito que já havia
trazido 14 mil mortos. Foi através do norte
ucraniano que as forças russas iniciaram
um cerco a Kiev, capital ucraniana,
partindo, inclusive, do território de Belarus,
fiel aliada de Vladimir Putin.
Vladimir Putin em reunião com o poder legislativo russo.

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Almanaque de Atualidades EUROPA

A Rússia surgiu centrada em Kiev, capital


da atual Ucrânia, ainda no século X, tendo
como expoente o reinado de Vladimir I
(980-1015), que adotou o cristianismo
oficialmente. Ao longo dos séculos, os
russos tiveram que se deslocar para o norte,
enquanto a Ucrânia seguia uma história
específica e se constituía como entidade
separada, reconquistada apenas entre
os séculos XVI e XVIII. Sob o reinado de
Catarina, a Grande (1763-1796), ergueu-
se o projeto imperial de uma Nova Rússia,
zona de colonização do Império Russo
que abrange o atual sul e leste ucranianos:
um território muito visado nos sonhos
expansionistas de ultranacionalistas que
apoiam Vladimir Putin. Extensão máxima da URSS em 1960.

Uma efêmera Ucrânia independente Na Ucrânia a língua russa tem uma forte
surgiu no rescaldo da 1ª Guerra Mundial presença, dada pelo caráter imperial do
(1914-1918) e das Revoluções Russas domínio russo durante séculos, do mesmo
(1917). O Império Russo transmutou- modo que a língua portuguesa falada
se na União Soviética, dessa vez com a no Brasil guarda as marcas do passado
Ucrânia presente tal qual uma “república”, imperial português, todavia, para Vladimir
submetida às ordens de Moscou. Apenas Putin, a Ucrânia não existe, mas sim faz
com o fim do bloco oriental, em 1991, a parte do corpo da pátria russa, içando
Ucrânia tornou-se independente, assim a bandeira de um “povo” russo original
como outras 14 nações que surgiram dos vinculado a um sangue, um solo, uma pátria,
escombros da União Soviética. uma língua e uma religião — o cristianismo
ortodoxo. É essa a orientação ideológica
cujas chamadas são alimentadas pelo líder
russo, ignorando o apego da Ucrânia à sua
existência como nação.

Mapa da Ucrânia com destaque para a península da Criméia

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Almanaque de Atualidades EUROPA

O pensamento de Putin em relação à Essa é a maior crise de refugiados na


Ucrânia faz lembrar o caso da Argélia Europa desde a 2ª Guerra Mundial (1939-
nos anos 1950. Como era uma colônia 1945) e está ocorrendo apenas alguns
francesa, possuía uma numerosa anos depois que a Alemanha de Angela
população de origem europeia entre a Merkel abriu as portas do país para
maioria árabe-muçulmana, além dos refugiados, notadamente sírios, recebendo
berberes e judeus. Segundo a opinião mais de 1 milhão de pessoas entre 2015
pública francesa, da direita à esquerda, e 2019.
a Argélia não era uma nação, já que era,
acima de tudo, “francesa”. Os argelinos só A resistência ao exército russo continua
conseguiram conquistar a independência na Ucrânia, tanto por militares como por
em 1962, depois de 8 anos de uma civis. Enquanto isso, as forças sob ordens
sangrenta guerra de independência. de Putin passaram a cercar e atacar
principalmente as cidades de Kharkiv, no
Todavia, a invasão russa não recebeu a nordeste, e Kherson, no sul. Além disso,
recepção que imaginava. Centenas de pelo fato de estar localizada à beira do
milhares de ucranianos logo buscaram Mar de Azov, Mariupol foi rapidamente
fugir do país para não se submeterem à assediada, já que é essencial para que a
ocupação de uma potência estrangeira. Rússia conquiste uma “ponte de terra”
Em 2 de março, o número de refugiados entre as províncias submissas do Donbas
já chegava a quase 1 milhão — desses, e a península da Crimeia.
550 mil destinaram-se à vizinha Polônia,
e pouco mais de 130 mil para a Hungria,
também limítrofe.

Mulheres argelinas na guerra de independência.

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Almanaque de Atualidades

EURO
20 ANOS DA
MOEDA ÚNICA

Em 1º de janeiro de 2002, o euro entrou


em circulação, tornando o bloco europeu
um mercado único. A arquitetura da
moeda única foi desenhada uma década
antes, quando a Comunidade Europeia
se transformou em União Europeia,
aprofundando sua integração. O Tratado de
Maastricht, de 1992, estreitou os laços da
aliança franco-alemã, que, desde o pós 2ª
Guerra Mundial, é o pilar da Europa unida.
O Banco Central Europeu é responsável
pela gestão do Euro, e sua sede se localiza
em Frankfurt, na Alemanha. O local não é
aleatório. A reunificação alemã, em 1990, Reunião de imprensa após assinatura do
havia levado os membros do bloco a uma tratado de Maastricht
maior aproximação. Os temerosos de uma
nova Alemanha única — antes dividida
desde a 2ª Guerra Mundial — aceitaram
seu ressurgimento, mas com uma ressalva
importante: o país deveria utilizar a força
de sua moeda, o marco alemão, para forjar
uma outra que servisse para o bloco inteiro.
A sede do Banco Central Europeu na
cidade de Frankfurt reflete o peso da
economia alemã como pilar essencial da
moeda única. Todavia, a Zona do Euro não
deve ser confundida com a União Europeia
como um todo. O Tratado de Maastricht
(1992) transformou a “comunidade” em
“união”, prevendo inclusive o abandono
das antigas moedas locais. Sede do Banco Central Europeu, Frankfurt, Alemanha

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Almanaque de Atualidades

Todavia, algumas nações conseguiram empurrar para um


futuro longínquo a transição. O Reino Unido deixou o bloco em
2021, ainda com sua libra esterlina. Nações que se tornaram
membros posteriormente, como Suécia, Polônia e Hungria,
continuam utilizando a coroa sueca, o złoty e o florim húngaro,
respectivamente.
O euro entrou, desde o berço, para o seleto
grupo de moedas valiosas no sistema
internacional, refletindo o poder econômico
e geopolítico do bloco europeu. Desde a
Conferência de Bretton Woods (1944), o
dólar havia sido instituído como moeda
de troca dentro do mundo capitalista,
refletindo o poder dos Estados Unidos. O
evento fixou os marcos da economia global
no contexto do fim da 2ª Guerra Mundial
(1939-1945). O cataclisma planetário,
marcado pela expansão nazista e pela
sua derrota, deve ser compreendido como
pressuposto para o surgimento de um
bloco supraeuropeu na década seguinte.
A União Europeia nasceu em 1952, como
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
(CECA). A França e a Alemanha Ocidental
compartilhariam a gestão de dois setores
essenciais para a economia industrial
da época, o carbonífero e o siderúrgico,
em um bloco também integrado por
Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo.
A motivação ia muito além da economia,
pois a integração era vista como escudo
para evitar dois perigos iminentes: o
primeiro era o possível renascimento de
revanchismos nacionalistas que haviam
alimentado o fascismo na guerra anterior; o
outro era o receio em relação à presença da
União Soviética no Leste Europeu, que foi
tomada entre 1945 e 1948 por governos
pró-soviéticos, como a Alemanha Oriental,
por exemplo.
Antes da integração econômica foi
necessário consolidar um sistema de
segurança. Face ao poder soviético, Acima os países da União Europeia e abaixo
a relação destes países com o Euro
Estados da Europa Ocidental resolveram
apelar para a proteção dos Estados Unidos, o que resultou na
criação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte)
em 1949. Foi sob o guarda-chuva nuclear americano que França,
Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Holanda
transformaram a CECA em Comunidade Europeia em 1957.

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Almanaque de Atualidades EUROPA

Assinatura do Tratado do Atlântico Norte, 1949 Membros fundadores da CECA

O pós 2ª Guerra significou uma era de progresso econômico


na Europa Ocidental, diferentemente do que ocorria no
Leste Europeu. O Estado de bem-estar social, a ideia de
uma economia de mercado acompanhada de um Estado
bastante assistencialista, se difundiu tanto sob ação da social-
democracia, de centro-esquerda, como da democracia-cristã,
de centro-direita. O cenário positivo na economia europeia que
se integrava atraiu novos membros. Em 1972, Reino Unido,
Irlanda e Dinamarca também se tornaram membros.
Além do caso irlandês, a entrada da Grécia,
em 1981, e de Portugal e Espanha, cinco
anos depois, trouxe um novo dilema ao
bloco. Eram países pouco desenvolvidos
quando comparados a Alemanha
Ocidental, França, Bélgica, Reino Unido
e Holanda. Desse modo, foi consolidado,
ao longo das décadas, um esforço
coletivo do bloco na tentativa de corrigir
as desigualdades regionais, o que muitas
vezes desagrada as nações mais ricas.
A reunificação alemã, em 1990,
aprofundou os laços do eixo franco-alemão
e permitiu a criação da União Europeia,
em 1992. Sem a Guerra Fria, alguns
países desenvolvidos e antes neutros se
tornaram membros, como Suécia, Áustria
e Finlândia, em 1995. Todavia, nos
anos seguintes, outra tendência mudou
completamente as feições do bloco:
nações que haviam passado toda a Guerra
Fria como países comunistas resolveram
Em azul os membros da UE antes de 1973, em
utilizar a integração europeia como vetor Amarelo os novos membros
de sua transição para o capitalismo.

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Almanaque de Atualidades EUROPA

Em 2004, Polônia, Tchéquia, Hungria, 1986


Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Letônia,
Lituânia, todos da Europa Central e Oriental,
se tornaram membros, assim como dois
países insulares, Chipre e Malta. Em 2007, a
União Europeia recebeu a adesão de Romênia
e Bulgária, além da Croácia em 2013. O
bloco chegou ao auge de 28 membros, mas
em paralelo ao aprofundamento do desafio
da desigualdade interna, e a uma crise que
abalou os alicerces do euro.
Ao longo das décadas de 1990 e 2000, a
Alemanha se consolidou como centro da
órbita econômica europeia, exportando
para os países menos desenvolvidos,
como Portugal, Espanha e Grécia, que
acumularam dívidas cada vez maiores. A
crise de 2008 fez com que se dobrasse 2013
a esquina para a estrada da recessão
econômica. O Banco Central Europeu e o
Fundo Monetário Internacional ofereceram
ajuda para impedir que a crise nessas
nações levasse consigo toda a Zona do
Euro. Em troca, esses países deveriam
aplicar planos cirúrgicos de cortes de
gastos, o que lhes trouxe insatisfação.
Em 2015, um novo desafio. Uma
tempestade de guerras e conflitos no
Oriente Médio e no Norte da África trouxe
uma onda de imigrantes e refugiados para
a Europa. As respostas foram diversas:
a Alemanha de Angela Merkel aceitou a
entrada de 1,2 milhão entre 2015 e 2019,
em sua maioria sírios. Outros países, como
a Hungria de Viktor Órban, passaram a
2020
ecoar os discursos da xenofobia contra a
entrada de refugiados, construindo muros.
A mesma aposta preconceituosa
alimentou os defensores de uma saída do
Reino Unido em relação à União Europeia,
fato aprovado através de um plebiscito,
em 2016. Os moradores de antigas
zonas industriais deprimidas, como as
Midlands, acreditaram na falácia de que
seu subdesenvolvimento era culpa dos
imigrantes e da integração europeia.
A saída britânica se completou apenas
em 2021, com pesadas consequências

Evolução dos membros da União Europeia


de 1986 a 2020

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Almanaque de Atualidades EUROPA

econômicas para o Reino Unido, justamente enquanto a União


Europeia implantava um amplo programa de ajuda financeira às
nações do bloco mais atingidas pela pandemia, rompendo com a
austeridade da década anterior.

Angela Merkel e Dr. Samah Bassas da rede de arrecadações para refugiados sírios

O maior desafio atual da União Europeia, entretanto, é a Guerra


da Ucrânia. A agressão da Rússia ao país se materializou em
fevereiro de 2022, através de uma invasão. A busca ucraniana
por aderir ao bloco europeu simboliza o fato de que a paz e a
prosperidade na Europa passam pela integração econômica.
Ao mesmo tempo, a não correção de falhas no funcionamento
da União Europeia podem ameaçar o bloco, mergulhando o
continente em uma nova era de tensão e agressões.

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Almanaque de Atualidades

ORIENTE MÉDIO
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Almanaque de Atualidades

IÊMEN
GUERRA
ESQUECIDA
O Iêmen vive uma verdadeira “war proxy”, termo anglófono para
uma “guerra por procuração”. Enquanto a Arábia Saudita, que se
coloca como autoridade do islamismo sunita, apoia as forças do
governo central, o Irã, principal potência que representa a vertente
xiita dos muçulmanos, apoia os rebeldes houthi, que controlam
largas parcelas do território iemenita. Espremidos entre as zonas
bloqueadas por terra, ar e mar, milhões de cidadãos se encontram
em estado de miséria, fome e desabastecimento desde 2015. É
uma das piores crises humanitárias da atualidade.
O ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados) afirma que, ao fim de 2020, dentre os 48 milhões
de deslocados internos no mundo, 4 milhões estavam no Iêmen
— 400 mil a mais que no ano anterior. Diferentemente dos
refugiados, que adquirem esse status ao deixarem a sua nação de
origem, os deslocados internos são aqueles que se movimentam
forçadamente, por conta de guerras, perseguições e catástrofes,
mas se mantêm dentro do território do seu país. Durante a
pandemia, seu número aumentou mais do que o de refugiados,
em razão das medidas sanitárias adotadas por diversas nações
para disfarçar o bloqueio à entrada de indivíduos. Isso os obrigou
a se deslocarem internamente em nações atravessadas pelo
perigo.
O Iêmen hoje é o país mais pobre do mundo árabe, que se estende
do Marrocos ao Iraque. Em seu território, não se encontram
grandes reservas de petróleo, diferentemente dos países
banhados pelo Golfo Pérsico, como Bahrein, Qatar e Kuwait.
Todavia, sua posição dentro da península arábica é estratégica:
as terras iemenitas são banhadas pelo Mar Vermelho e pelo
Golfo de Áden, além de margearem o estreito que liga essas
duas massas aquáticas, o Bab-el-Mandeb.

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Almanaque de Atualidades ORIENTE MÉDIO

Na Antiguidade, a região
era próspera, sendo
marcada pela combinação
entre relevo montanhoso,
chuvas causadas pela
umidade vinda do
Índico, rotas entre a
Pérsia e a Etiópia e uma
agricultura sedentária.
Era a “Arabia Felix”,
segundo a terminologia
romana, diferente dos
desertos que marcam
boa parte da península
arábica. Hoje o país está
literalmente dividido: ao
oeste-noroeste, dominam
os houthi, grupo rebelde
que reivindica o islamismo
xiita como identidade; ao
leste-sudeste, o governo
mantém suas posições,
enquanto um grupo
separatista controla Áden,
uma das principais cidades
do país, atrás apenas da
capital Sanaa.

Se voltarmos à década de 1960, em plena Guerra Fria, a


geografia política do Iêmen também era assinalada pela
divisão. Havia o Iêmen do Norte — cuja capital era Sanaa
—, que oscilava entre a influência do Egito republicano e
da Arábia Saudita monárquica e teocrática. Seu vizinho
era o Iêmen do Sul, menos populoso e mais pobre,
comandado por um regime que, sendo aliado à União
Soviética, tentou implantar o socialismo real em terras
árabes, governando a partir de sua capital, Áden. Nos
anos 1970, os dois países estiveram em conflito direto
pelo menos duas vezes.
Na década de 1980, os dois países começaram as
negociações para uma possível reunificação. A penúria
econômica de ambos e a distensão que marcou o fim da
Guerra Fria ofereceram o cenário propício. Em 1990 os
dois países se reunificaram sob o comando de Ali Saleh,
que governava o norte há mais de uma década. Todavia,
Ali Saleh consolidou-se como um ditador, elevando o
descontentamento tanto no pobre sul quanto no meio
dos zaiditas (xiitas) do norte, cuja origem é a mesma
do próprio líder corrupto e autoritário, que baseava seu
poder no clientelismo tribal. Ao longo da década de 2000,
o regime de Saleh — nominalmente laico, mas fortemente
repressor — lutou contra os rebeldes do movimento
houthi, que se difundia entre os xiitas.

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Almanaque de Atualidades ORIENTE MÉDIO

A oportunidade de República Árabe do Iêmen


empurrar Ali Saleh para
(Iêmen do Norte)
fora do poder veio com a
Primavera Árabe. A partir
de dezembro de 2010 e de
janeiro de 2011, uma onda
de manifestações varreu o
mundo árabe, fazendo cair
sucessivamente uma série
de ditadores que estavam
há décadas comandando
regimes laicos, porém
autoritários e corruptos. Em República Democrática do Iémen
janeiro foi deposto Ben Ali, (Iêmen do Sul)
na Tunísia, no poder desde
1987; em fevereiro, foi a
vez de Hosni Mubarak, líder
egípcio a partir de 1981; e,
ao longo do ano, ocorreu
a queda de Muammar
Khadafi, que controlava a
Líbia com mãos de ferro
desde 1969.
Ali Saleh não ficou imune.
No início de 2012, ele
deixou o país, e seu vice-
presidente assumiu o
poder. Todavia, a busca
da casta que controlava
o Estado por manter-
se no poder dificultou
qualquer acordo que
levasse à mudança que a
população desejava. Velhos
anseios de separação
do sul ressurgiram, e o
movimento houthi se
sentiu marginalizado. O ex-
ditador, visando continuar
controlando o processo por
detrás dos panos, ofereceu
seu apoio aos rebeldes
houthi, que atacaram e
dominaram a capital do
país, Sanaa, em setembro
de 2014.

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Almanaque de Atualidades ORIENTE MÉDIO

A vizinha Arábia Saudita não gostou nada


do ocorrido. Enquanto os houthi mobilizam
politicamente o xiitismo, a monarquia saudita
se coloca como a defensora do islamismo
sunita. Em março de 2015, os sauditas
organizaram uma coalizão com diversos outros
países árabes, principalmente os Emirados
Árabes Unidos, e iniciaram bombardeios
indiscriminados contra alvos no Iêmen, para
combater os houthis. Nos dois casos, não
se trata de uma guerra religiosa, como um
observador desatento poderia vislumbrar,
mas sim de atores políticos utilizando-se da
religião para fomentar seu poder e manipular
populações sob seu controle.
Em meio ao caos da guerra civil que se seguiu
nos anos seguintes, grupos terroristas, como
a Al Qaeda, passaram a encontrar espaço,
notadamente entre 2016 e 2017. Através do
auxílio do Irã, os houthi conseguiram resistir
às forças da coalizão saudita, fazendo com
que a guerra se prolongasse com a dificuldade
de qualquer grupo de se sobrepor ao outro.
Por todos os lados, e pela ação de todas as
facções, a população iemenita, de mais de
30 milhões de habitantes, passou a sofrer
graves violações aos direitos humanos, como
a utilização de crianças-soldado, para dar
apenas um exemplo.
Os Emirados Árabes Unidos (EAU), importantes
exportadores de petróleo e parceiros da Arábia
Saudita na coalizão anti-houthi, hoje buscam
se retirar do cenário de guerra em que o Iêmen
se transformou. Mísseis disparados pelos
houthi têm ameaçado o território dos EAU, que
são interceptados somente por um potente
sistema de defesa. Todavia, com a retirada
dessas forças, o vácuo deixado no sul do país
abriu espaço para o reforço da musculatura de
outro importante ator na guerra, o Conselho
de Transição do Sul, que busca negociar um
retorno da independência do Iêmen meridional
em relação à sua porção norte.
As potências que interferem no Iêmen se
revelam incapazes de auxiliar a elite nacional,
cega por interesses divergentes e dividida em
facções, a formular um projeto de nação para o
país, que ameaça se estilhaçar.

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Almanaque de Atualidades

ÁSIA
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Almanaque de Atualidades

CAZAQUISTÃO:
VIOLÊNCIA E AUTORITARISMO
O mês de janeiro de 2022 foi um dos mais Nesse cenário, os protestos vão muito além
violentos da história do Cazaquistão, a do preço do gás, já que questionam de
república mais extensa da Ásia Central. forma incisiva o regime corrupto e autoritário
Protestos explodiram nos primeiros dias que governa o país há três décadas. O
do ano contra o aumento exponencial no Cazaquistão alcançou a independência com
preço do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP): o o fim da União Soviética, no início dos anos
país é um dos maiores produtores mundiais 1990, assim como as outras repúblicas
dessa commodity. Porém, a resposta a da Ásia Central, como Uzbequistão,
essas manifestações foi brutal. Forças de Turcomenistão, Tadjiquistão e Quirguistão.
segurança responderam com violência, e
Kasym Jomar-Tokaev, o presidente desde
2019, orientou a polícia para que “atirasse
para matar”.

Mapa do Cazaquistão

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Almanaque de Atualidades ÁSIA

Na época, Nursultan Nazarbayev comandava o país há um ano —


ele foi eleito presidente da nação independente em agosto de 1991.
A partir daí, implantou no país o mesmo modelo que vigorou nos
outros Estados da Ásia Central: perseguição política a dissidentes
e a opositores; censura à imprensa e à liberdade de opinião; e
economias rigidamente controladas por oligarquias, muitas
vezes disfarçadas sob o manto do controle estatal. Nazarbayev
se manteve no poder até 2019, quando o deixou voluntariamente
para o seu sucessor e aliado, Kasym Jomar-Tokaev. Todavia, suas
quase três décadas no poder deixaram profundas marcas no país.
Nursultan Nazarbayev
Entre essas marcas, uma das mais relevantes diz respeito à
geografia política do Cazaquistão. Durante o domínio soviético, a capital havia sido a
cidade de Almaty. Em 1998, Nazarbayev anunciou a transferência da sede do poder
político para Akmoly, renomeando-a como Astana, que significa, literalmente, “capital”.
Nas décadas seguintes, o líder patrocinou um amplo programa de modernização do
país, transitando-o para a economia de mercado, principalmente através da exportação
de petróleo e gás natural para a Rússia e para a Europa.
Entretanto, a repressão política escancarada era a outra face do regime. Para obter uma
fachada democrática, Nazarbayev organizou eleições depois de duas décadas no poder
— ele foi eleito sob termos obscuros e pouco transparentes, apenas validando suas
vitórias óbvias. Em 2011, o presidente foi reeleito com 95,5% dos votos; e em 2015,
com 97,75%.
Em março de 2019, Nazarbayev anunciou a sua retirada do poder, deixando-o nas mãos
de seu aliado, Kasym Jomar-Tokaev, que ocupava o cargo de presidente do Senado.
Tokaev organizou as eleições de junho do mesmo ano, que confirmaram sua vitória, com
70,76% dos votos. Nesse cenário, a criação de partidos de oposição continuava vedada
no país, e cerca de 6 mil pessoas foram presas no dia das eleições, momento em que foi
sancionada a vitória do candidato governista.
Ao deixar o poder, Nursultan Nazarbayev garantiu para si a manutenção do título de
“Elbasy” — “o líder da nação” — e um cargo de proa no Conselho de Segurança do país.
Em homenagem ao velho ditador, Tokaev renomeou a capital do país, Astana, como
“Nursultan”, com a finalidade de exaltar a personalidade que evidenciava a arrogância
da elite política do país, a qual possui um sólido aliado internacional.
Desse modo, a Rússia é a principal aliada
do regime que governa o Cazaquistão
há três décadas. Desde que o Vladimir
Putin ascendeu ao poder, em 1999,
gradualmente passou a ser aplicada a
ideia de que as ex-repúblicas soviéticas
formavam o “Exterior Próximo” russo. Isto
é, elas estavam destinadas a funcionar sob
a influência do país russo, concedendo à
nação maior “profundidade estratégica”
em cenários de conflitos.
Vladimir Putin e Nursultan Nazarbayev

Algumas das nações da antiga União Soviética não aceitaram essa posição submissa
e, por isso, sofreram as consequências. Em 2008, a Geórgia foi atacada por uma
intervenção russa em nome da proteção da “autonomia” da região da Ossétia do Sul.
Além do mais, em 2014, forças russas tomaram a Península da Crimeia, território
ucraniano, e passaram a patrocinar uma rebelião separatista nas províncias do Donbass.

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Todavia, no caso do Cazaquistão,


Nazarbayev firmou laços profundos com
Putin, o líder que cultua o passado da
“Rússia dos Czares”. Nesse contexto, o
seu sucessor manteve a mesma atitude.
Em maio de 2019, como presidente
interino, Tokaev abrigou uma reunião da
União Econômica Eurasiana, criada por
Putin para fazer frente à União Europeia. Já
em janeiro de 2022, em meio aos protestos,
o presidente cazaque solicitou o auxílio
das tropas da Organização do Tratado de
Segurança Coletiva (OTSC), organismo
criado pelo líder russo em sua cruzada
Reunião dos chefes de estado participantes da OTSC. contra a OTAN, aliança militar ocidental.
A maioria dos membros da OTSC enviaram
tropas para o Cazaquistão, em busca de
contribuir com a “pacificação” — dentre
eles, podem ser citados a Armênia, Belarus
e o Tadjiquistão, sob liderança russa. O
Quirguistão, por outro lado, foi o único
membro do organismo que não participou
das manobras que facilitaram a repressão
interna: a partir do momento em que as
tropas russas protegiam as instalações
governamentais, as forças de segurança
cazaques podiam focar na repressão dos
que estavam contrários ao Estado, através
Forças pacificadoras da OTSC no Cazaquistão. da prisão ou da execução.

A intervenção militar russa é essencial para a manutenção do projeto de Putin, que visa
manter as ex-repúblicas soviéticas sob sua hegemonia. No contexto de escalada de uma
nova crise com a Ucrânia, os acontecimentos no Cazaquistão foram vistos como vitória do
líder russo. Todavia, a situação na região pode exigir muito mais do que apenas tropas.
A Ásia Central é uma região muito diversa etnicamente. Isso porque as suas fronteiras
marcam inúmeras divisões desenhadas no solo de modo arbitrário pelas autoridades
soviéticas. Como Estados independentes, os governos têm tido dificuldade em forjar
sentimentos nacionais que não estejam misturados automaticamente com o nacionalismo
rasteiro e com o autoritarismo político. Nessa conjuntura, também há fissuras presentes nas
elites governamentais, mas os mais de 75 milhões de habitantes centro-asiáticos continuam
marginalizados politicamente.
Os protestos no Cazaquistão podem significar não apenas uma explosão de insatisfação
após décadas de ditadura, mas também ressonâncias de cicatrizes que se abrem no interior
da elite política do país. Por trás das cortinas pesadas dos palácios, modificações podem
ocorrer, mesmo que não sejam captadas rapidamente pelos radares da análise política.

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ÁSIA
TENSÕES GEOPOLÍTICAS
E NUCLEARES

Enquanto a Guerra da Ucrânia castiga o Em 2006, o país realizou seu primeiro teste
país europeu invadido, o continente asiático de artefato nuclear, entrando para o seleto
também passa por um cenário de tensões grupo de nações que detém esse tipo de
e rivalidades crescentes. Mísseis balísticos arsenal. Tudo para regozijo de Kim Jong-
lançados da Coreia do Norte, Taiwan Un, o líder norte-coreano que comanda um
assediada pela China, Japão e Coreia do Sul dos regimes mais autoritários do mundo a
com perspectiva de rearmamento… sem partir da sua capital, Pyongyang — ele é o
contar a maratona para ocupação de ilhas terceiro de uma linhagem familiar.
e rochedos do Mar da China Meridional.
Esses são apenas alguns dos ingredientes Em 1948, a península coreana foi dividida
que apimentam a geopolítica no Leste, de acordo com os contornos da Guerra Fria.
Sudeste e Sul da Ásia. Ao norte, o regime de Kim Il-sung (1948-
1994) era escorado pelos soviéticos e,
logo, pela China de Mao Tsé-tung, que
entrou no poder a partir de 1949.

Kim Jong-un e Vladimir Putin

Em fins de março, a Coreia do Norte


realizou novos testes com mísseis
balísticos, os quais são capazes de portar
armas nucleares, criando temor na Coreia
do Sul e no Japão.
Mapa da Ásia

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No sul, um governo rival era apoiado pelos Estados Unidos e


sediado em Seul. Os inimigos se enfrentaram na carnificina da
Guerra da Coreia (1950-1953), cujas hostilidades tiveram fim
com um cessar-fogo e não com um acordo de paz;

Mapa das Coreias

Nos dois flancos da península, vigoravam ditaduras, mas a Coreia


do Sul iniciou uma redemocratização ao fim dos anos 1980, uma
década depois de o país iniciar uma industrialização pujante, com
o auxílio do capital japonês. Em 1991, os Estados Unidos retiraram
armas nucleares que estavam estacionadas na Coreia do Sul.
Entretanto, o constante assédio norte-coreano, tanto sob o governo
de Kim Jong-il (1994-2011) como de seu filho, Kim Jong-un (2011-
hoje), levou à reflexão sobre a possibilidade de Seul optar pelo
desenvolvimento de armas nucleares. Contudo, as tensões nas
margens do Mar do Japão são ainda mais amplas.
O tabu sobre as armas nucleares é forte no Japão. Por enquanto,
foi o único país a ser atingido por bombas atômicas, em agosto
de 1945, e sua população é muito reservada em relação à ideia
de sequer hospedar arsenal desse tipo.

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Todavia, a perspectiva de uma aliança


cada vez mais forte entre China e Rússia,
tendo a Coreia do Norte como apêndice,
faz com que algumas vozes mudem de
lado no Japão.
Nas últimas décadas, a relação entre Japão
e Rússia vinha sendo relativamente cordial,
inclusive sobre o primeiro-ministro Shinzo
Abe, que esteve no poder em Tóquio entre
2012 e 2020. Todavia, o Japão alinhou-se
com o Ocidente no contexto da Guerra da
Ucrânia, apoiando as sanções na economia
russa. A discórdia entre os dois países tem
raízes que também partem de um litígio
territorial, isto é, as ilhas Curilas, que foram
ocupadas pelos soviéticos ao fim da 2ª
Guerra Mundial e estão sob poder russo
desde então.
A apreensão sobre a nova bipolaridade
internacional também cresce em Taiwan. Explosão da bomba de Nagasaki.
A ilha serviu de refúgio para o governo
nacionalista derrubado pelos comunistas
chineses em Pequim, no ano de 1949.
Desde então, passou a receber apoio
tácito dos Estados Unidos, enquanto
a China nunca deixou de considerá-lo
uma província rebelde. Nos anos 1980,
a ditadura do partido nacionalista abriu
espaço para uma redemocratização da
ilha, ao mesmo tempo que passava por
voraz crescimento econômico. Hoje é um
dos principais núcleos globais na produção
de microprocessadores.
A Guerra da Ucrânia trouxe para Taiwan
a perspectiva sombria de uma possível
invasão pela potência vizinha. O governo
da ilha, comandado pelo partido de
centro-esquerda de Tsai Ing-wen, tem
apostado na ampliação do investimento
em armamentos, ainda mais depois da
China ter alastrado suas atividades aéreas
que violam o espaço aéreo de Taiwan ao
longo de 2021.
Explosão da bomba de Hiroshima

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Mapa da China com destaque para Taiwan no canto inferior direito

O tenso Estreito de Taiwan é também uma das passagens de


entrada para o Mar da China Meridional, uma massa aquática que
banha China, Vietnã, Filipinas, Malásia, Indonésia e Brunei. Os
países rivalizam quando o tema é a soberania sobre essas águas,
muitas vezes ignorando o direito internacional marítimo. Segundo
a Convenção de Genebra de 1958 e a Convenção de Montego Bay
(1982), o “mar territorial” de um Estado se estende por 12 milhas a
partir do seu litoral, delimitando a área sob soberania direta.
Enquanto isso, a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) chinesa é
ampliada por cerca de 200 milhas, dando preferência ao país no
que diz respeito a explorações econômicas. Todavia, as nações
banhadas pelo Mar da China Meridional têm confundido os dois
termos, reivindicando sua soberania sobre enormes territórios
que se entrecruzam. O Vietnã e a China estão entre os principais
rivais na região. Todavia, para além de rusgas e dos avisos
ameaçadores entre embarcações inimigas no Mar da China
Meridional, insatisfações e protestos também têm sacudido
sistemas políticos na Ásia.

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No Paquistão, o primeiro-ministro Imran


Khan foi derrubado pelo parlamento, com
o apoio dos mesmos militares que haviam
alçado o ex-astro do esporte ao poder. O
pomo da discórdia do conflito entre Khan
e as forças armadas foi o controle sobre
o serviço de segurança do país, que é um
dos pilares do poder dos talibãs no vizinho
do Afeganistão.
No Sri Lanka, a monopolização do poder
de uma família vem sendo contestada.
Gotabaya Rajapaksa é o presidente
desde 2019, enquanto o primeiro-
ministro é Mahinda Rajapaksa, seu irmão
e ex-presidente do país, cargo que ocupou
entre 2005 e 2015, sem contar o cortejo
de outros irmãos, sobrinhos e filhos
encastelados em ministérios e secretarias.
No poder, a família deu um fim sangrento à
guerra civil do país em 2009, mas o poder
da polícia e das forças armadas extravasou Imran Khan
o que estava na letra da lei.
Esse país vivia em guerra civil desde os
anos 1980, em que lideranças políticas
mobilizaram o nacionalismo cingalês,
orientado pela ideia do budismo como
religião oficial. Enquanto isso, a minoria
tâmil, majoritariamente hindu e que vivia no
norte e no leste da ilha, era gradualmente
marginalizada. A insatisfação estourou
em conflito armado nas últimas décadas
do século XX, com atentados aos direitos
humanos por todos os lados.
Os Rajapaksa trouxeram o fim da guerra
civil, mas não conseguiram manter-se no
poder nas eleições de 2015. Voltaram
em 2019 prometendo segurança depois
dos atentados terroristas promovidos por Civis do Sri Lanka sendo deslocados
jihadistas islâmicos na Páscoa daquele por causa da guerra civil (2009).
ano. Todavia, o endividamento do Estado
empurrou o país para uma crise financeira,
enquanto a inflação assusta cada vez mais
a população, que tem tomado as ruas em
protestos. Agora, os Rajapaksa podem
estar vendo o início do fim de seu “regime
de família única”.

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OLIMPÍADAS
DE INVERNO
EM PEQUIM
GUERRA FRIA 2.0 E A
REPRESSÃO AOS UIGURES
A abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno Em 8 de agosto de 2008, a Rússia
em Pequim foi marcada pelos sinais resolveu intervir militarmente na Ossétia
de uma nova — e não menos tensa — do Sul, região separatista da Geórgia, ex-
ordem internacional. Xi Jinping e Vladimir república soviética que tentava sair da
Putin, os líderes da China e da Rússia, órbita de Moscou. Era o mesmo dia do início
respectivamente, selaram uma aliança dos Jogos Olímpicos de Verão de Pequim,
que simboliza uma oficialização de sua quando os chineses esperavam que
oposição frontal aos Estados Unidos no todos os holofotes do mundo estivessem
cenário mundial. Porém, a presença do voltados para sua capital.
presidente russo na abertura dos jogos em
Pequim também teve um quê de ironia.

Símbolo da Olimpíada de Inverno de Pequim 2022.

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Agora, o convite para que Putin estivesse na abertura dos


Jogos de Inverno pareceu ser quase uma garantia de que
ele não repetiria o feito anterior, dessa vez na Ucrânia, que,
por estar cercada por tropas russas, é palco de um cenário
de profunda tensão.
Os Jogos de Inverno também têm sido uma oportunidade
para falar sobre as mudanças climáticas. A atmosfera
geopolítica está quente, e o mesmo acontece com a
temperatura das sedes olímpicas. A média atribuída ao
Putin assitindo à cerimonia de abertura mês de fevereiro — auge do inverno no hemisfério norte
das olimpiadas de inverno de 2022. — nas cidades-sede de Jogos de Inverno entre as décadas
de 1920 e 1950 foi de 0,4°C, enquanto a dos locais que
abrigaram o evento no século XXI foi de 6,3°C.
A comparação temporal faz sentido ao recordar que os
Jogos de Inverno começaram a ocorrer apenas na década
de 1920, enquanto os Jogos de Verão da Era Moderna já
haviam começado em 1896, em Atenas, na Grécia. A sua
contraparte gelada se deu pela primeira vez em Chamonix,
na França, país que sediou o evento também em 1992,
quando os recordistas foram os Estados Unidos, que
abrigaram a realização de quatro Olimpíadas de Inverno
(1932, 1960, 1980 e 2002).
A Noruega é a nação recordista no quadro de medalhas
dos Jogos de Inverno. País nórdico localizado na península
escandinava, seu território possui importantes parcelas
montanhosas, acentuando o clima já frio pela latitude,
e com uma declividade que facilita o treinamento para
esportes no gelo. Exemplo na instalação de um Estado
de bem-estar social, assim como suas vizinhas Suécia,
Dinamarca e Finlândia, a Noruega se destaca também pela
Poster da primeira Olimpíada de Inverno significativa produção petrolífera no Mar do Norte.

Mapa dos Oito nórdicos-bálticos.

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Todavia, cada vez menos as competições


no gelo dependem da neve natural. Desde
os Jogos de Lake Placid, nos Estados
Unidos, em 1980, a neve artificial —
produzida pelas “snow guns” — tomou
conta dos esportes no gelo, em parte
por suas condições de textura e duração
poderem ser mais bem controladas, e por
permitir uma maior elasticidade na escolha
de sedes de jogos.
Porém, a necessidade cada vez maior
da utilização de neve artificial não deixa
de fazer recordar de modo incômodo a
realidade das mudanças climáticas. Nas
Olimpíadas de Inverno de 2014 em Sochi,
na Rússia, a temperatura chegou ao “Snow guns” produzindo neve artificial
recorde de 20°C, em pleno inverno!
Nos atuais jogos de Pequim, a neve
artificial se mostrou oportuna, já que o
nível de precipitação natural nas colinas
da cidade no inverno é insignificante.
Parece mais fácil que os grãos de areia
do Deserto de Gobi — que não fica muito
longe — se depositem sobre os montes
naturalmente, muito mais do que a neve.
Contudo, para além das provas de esqui,
as Olimpíadas na China estão alcançando
notoriedade na imprensa estrangeira pela
repercussão sobre a repressão brutal aos
uigures, minoria muçulmana e turcófona
que vive majoritariamente na província de
Xinjiang, no nordeste do país. Manifestação dos uigures contra o presidente Xi Jinping
Desde 2017, o Estado chinês vem
organizando a montagem de um verdadeiro
arquipélago de “campos de reeducação”
para uigures, em uma cruzada de
perseguição política que associa de forma
automática e preconceituosa a religião
muçulmana ao terrorismo. Narrativas
desse estilo têm sido comuns na política
internacional das últimas décadas: George
W. Bush, no poder em Washington entre
2001 e 2009, içou a bandeira de “guerra
contra o terror”, que mirava em qualquer
muçulmano como um potencial radical.
As violações aos direitos humanos de
prisioneiros no centro de detenção de
Guantánamo é uma herança da abordagem
neoconservadora de Bush. George W. Bush

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Na China, a aplicação de uma perseguição Além disso, a região se tornou um


sistemática aos uigures pelo governo está “carrefour” (cruzamento) essencial dos
levando à instalação de um verdadeiro projetos de infraestrutura da chamada
“arquipélago” de campos de prisioneiros, “Nova Rota da Seda”, uma projeção de
para lembrar a expressão que Alexander obras para conectar o núcleo econômico
Soljenítsin — escritor russo — utilizou da China, o seu leste, ao Oriente Médio e
para descrever o sistema de campos de até à Europa.
trabalho forçado na antiga União Soviética:
o “arquipélago gulag”. O descontentamento dos uigures explodiu
de forma violenta em 2009, mesmo que os
A repressão aos uigures vem de bem antes atos brutais contra chineses han fossem
de 2017. Na década de 1930, a província aprovados apenas por uma minoria. Em
de Xinjiang se desgarrou da China em meio 2012, Xi Jinping assumiu o poder na China,
ao caos da guerra civil. Em 1949, Mao Tsé- iniciando um processo de centralização
Tung tomou o poder enquanto comandava progressiva do poder, enquanto margens
o Partido Comunista Chinês (PCC), e periféricas dos uigures se aproximavam
suas forças retomaram a região, iniciando do jihadismo islâmico: em 2014, um
um processo de incentivo à migração de atentado terrorista vinculado a um desses
chineses han — a maioria da composição grupos resultou na morte de 31 pessoas
populacional do país — para Xinjiang. na cidade chinesa de Kunming.

Em 2016, Xi Jinping nomeou Chen


Quanguo para comandar a província
de Xinjiang, e assim se iniciou o
aprofundamento da repressão aos uigures.
Além da rede de campos de prisioneiros,
que já abrigam cerca de 500 mil pessoas,
um sistema de hipervigilância sobre a
população foi montado com o auxílio de
alta tecnologia. Enquanto isso, para evitar
qualquer confronto com o governo chinês,
a maioria dos países muçulmanos evitam
denunciar os crimes contra a humanidade
sofridos pelos uigures, que já sofrem com
a destruição de mesquitas e de locais de
peregrinação. O governo chinês agora
planeja enviar ainda mais chineses han
Mapa da China com destaque para a província de para o sul de Xinjiang, onde os uigures
Xinjiang. ainda são mais numerosos.

A abertura econômica da China na década Ou seja, enquanto nos Estados Unidos


de 1980 tornou a localização da província o patriotismo de Donald Trump bebe
onde vivem os uigures ainda mais das águas fétidas do supremacismo
estratégica. Enquanto o país transitava branco, na China o ultranacionalismo
do comunismo para um capitalismo de Xi Jinping utiliza como combustível
de Estado embebido em nacionalismo, o nativismo da etnia han, tratada como
Xinjiang se tornava a maior produtora a verdadeira e única representante da
doméstica de gás natural e petróleo, China. Na estufa da repressão, são os
assim como passagem obrigatória para uigures que acabam intoxicados.
muitos dos hidrocarbonetos vindos da
Rússia e da Ásia Central.

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TIMOR-LESTE
DUAS DÉCADAS DE
INDEPENDÊNCIA
Em 2002, mais uma nação com a presença Nesse cenário, a França abocanhou
de falantes de português tornava-se a Indochina, que englobava o Laos, o
um Estado soberano e reconhecido Camboja e as três subdivisões antigas do
pela comunidade internacional. Depois Vietnã (Tonquim, Anã e Cochinchina). Os
de mais de duas décadas sob severo britânicos conquistaram a Birmânia (atual
domínio da Indonésia, o país tornou-se Mianmar), assim como os vários pequenos
a mais nova nação do Sudeste Asiático. Estados que compunham a Malaia, como o
Vinte anos depois, é considerado importante entreposto de Cingapura. Já os
um símbolo da democracia em uma holandeses mantiveram um largo domínio
região onde esse regime encontra- sobre as milhares de ilhas que se tornariam
se sob corrosão, como nas Filipinas e, a Indonésia no futuro. O arquipélago das
principalmente, em Mianmar. Todavia, o Filipinas esteve sob controle espanhol
grande desafio dos timorenses continua por séculos, até a sua conquista pelos
sendo conciliar essa preciosidade com o Estados Unidos durante a Guerra Hispano-
desenvolvimento econômico. Americana (1898). Por sua vez, o controle
de Portugal na região limitava-se apenas
O Timor faz parte da zona insular do à porção leste da ilha do Timor, um dos
Sudeste Asiático, antigamente conhecida domínios mais periféricos e negligenciados
como Insulíndia. A zona oriental da ilha do império luso. Dentre as instituições
timorense foi ocupada pelos portugueses portuguesas, a Igreja Católica assumia o
já no século XVI, em meio à corrida por papel de principal influência local.
especiarias, que era típica das Grandes
Navegações. Logo, os espanhóis e
holandeses também estabeleceram
entrepostos comerciais na região. Todavia,
esses amplos territórios localizados entre
o subcontinente indiano e a China foram
quase completamente tomados pelas
potências europeias já no século XIX.

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Mapa do Timor-Leste

O domínio europeu e americano na Birmânia, na Indochina e na


Insulíndia foi sacudido pela 2ª Guerra Mundial (1939-1945). O
Império Japonês anexou completamente a região, em uma férrea
dominação que até hoje gera ressentimento. A Tailândia, que não
havia sido anexada por nenhuma potência europeia, tornou-se
Veteranos de Guerra do Timor-Leste
aliada japonesa em pleno conflito global. Os Aliados contra o
Eixo, entretanto, conseguiram recobrar gradualmente o domínio
na região. A própria expressão “Sudeste Asiático” tornou-se o
rótulo comum para designar essa parte da Ásia, pois intitulava o
comando britânico responsável pela sua reconquista.
O fim da 2ª Guerra Mundial trouxe em seu rescaldo a
descolonização. Em 1946, os Estados Unidos deixaram as
Filipinas, exemplo seguido pelos britânicos na Birmânia em 1948.
Um ano depois, os holandeses fizeram o mesmo na Indonésia,
depois de alguns anos de conflito com tropas locais. O novo país
englobava todos os antigos domínios da Holanda na região,
menos Irian Jaya, desocupada pela metrópole apenas em 1969.
A França teve de aceitar o fim de seu domínio na Indochina
em 1954, dando lugar a quatro nações independentes: Laos,
Camboja e os dois Vietnãs, comprometidos a uma unificação
futura. A Malásia ficou independente em 1957, embora a
Cingapura tenha deixado a federação em 1961. Nesse cenário,
surge a pergunta: e o Timor-Leste?

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Ocupação do Império Japonês até o fim da Segunda Guerra Mundial

Portugal recusou a descolonização de


forma mais estridente que qualquer
outra nação europeia. Sob a ditadura
conservadora de Antônio de Oliveira
Salazar desde os anos 1930, o país não
se retirou de suas colônias da África, onde
foram despontadas guerrilhas na década
de 1960, fomentadas pela independência
das nações vizinhas. Com a Revolução
dos Cravos, em 1974, a redemocratização
portuguesa abriu as portas para o fim
do império colonial na África e na Ásia.
Todavia, enquanto surgiam os Estados
de Angola e Moçambique, logo sacudidos
por guerras civis, a colônia portuguesa do
Timor Leste seguiu outro rumo.
Logo após a declaração de independência
do Timor, em novembro de 1975, a região
foi completamente ocupada pelas tropas
da Indonésia, comandada na época pela
ditadura de Suharto. O Sudeste Asiático
era uma das zonas mais quentes da
Guerra Fria, com as ditaduras chinesa e
soviética patrocinando regimes aliados,
enquanto os Estados Unidos mantinham a
retaguarda de regimes autoritários, como
o indonésio. Festa popular após a Revolução dos Cravos.

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O domínio da Indonésia sobre o Timor


Leste durou até 1999 e foi marcado por
extrema brutalidade. O exemplo mais
famoso foi o massacre no cemitério
de Santa Cruz, em Dili (1991), em que
quase 300 pessoas foram mortas em um
enterro de um jovem assassinado pela
repressão local. Além da ferocidade com
as armas, também veio a imposição de
ideias e costumes. As línguas locais foram
perseguidas, assim como o cristianismo
católico, que era a religião predominante
entre os leste-timorenses, num cenário em
que os indonésios eram majoritariamente
islâmicos. O português manteve-se falado
principalmente por membros da estreita Manifestação contra o domínio da Indonésia
classe média, assim como os militantes sobre o Timor Leste
pela libertação do Timor, que se apoiavam
principalmente em sua influência junto
a Portugal para repercutirem suas lutas
internacionalmente.
Um forte reconhecimento da luta do
Timor veio em 1996. O bispo Carlos
Ximenes Belo e o jurista José Ramos-
Horta foram laureados com o Nobel da
Paz. Enquanto isso, a Indonésia passou a
armar com mais intensidade milícias que
atuassem no território e promovessem
a repressão de dissidentes. Sua força
intimidatória não impediu que vencesse
o voto pela independência no referendo
realizado em Timor-Leste no dia 30 de
agosto de 1999. Todavia, antes mesmo José Ramos-Horta
de publicados os resultados, os grupos
Bispo Carlos Ximenes Belo
armados pró-Indonésia simplesmente
lançaram à destruição do pequeno Timor.
Quando soldados de uma missão de paz
da ONU chegaram ao país em setembro,
encontraram um território devastado em
toda a sua parca infraestrutura.
O Timor-Leste manteve-se sob
administração da ONU até maio de 2002,
quando alcançou a independência. A
presença militar de estados vizinhos ainda
se mantém no horizonte, principalmente
pela ameaça de um possível conflito civil
em 2006, depois de uma dissidência das
forças armadas. Para além das questões
internas, o Timor enfrenta um litígio com
a Austrália, no que diz respeito a reservas Manifestação no Timor-Leste contra a
de petróleo offshore entre os seus litorais. Austrália roupar seu petróleo

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A língua portuguesa continua sendo


ensinada nas escolas, mesmo que a maior
parte da população utilize outras no seu
cotidiano, como o tétum.
A questão do desenvolvimento econômico
é um dilema para o pequeno país, que possui
15 mil km² e apresenta uma população de
mais de 1 milhão de habitantes. No ranking
de Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) relativo ao ano de 2019, o país
apareceu na posição de 141º em um total
de 189 nações. Nesse cenário, a pobreza
aumenta a suscetibilidade a desastres
socioambientais presentes no local: em
abril de 2021, 27 pessoas morreram e
cerca de 7 mil ficaram desalojadas por
conta de enchentes e deslizamentos. O
aniversário de 20 anos do Timor-Leste
é uma oportunidade de reflexão sobre
os rumos necessários para que a nação
supere o subdesenvolvimento.

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Almanaque de Atualidades

OCEANIA
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TONGA:
ERUPÇÃO E TSUNAMI
Uma violenta erupção vulcânica sacudiu o
arquipélago de Tonga, no Pacífico Sul, em 15
de janeiro. O evento cataclísmico cobriu de
cinzas a capital do país, Nukualofa, colocando
em emergência a nação de 100 mil habitantes.
Uma das suas consequências foi a ocorrência
de um tsunami, principalmente em decorrência
do vulcão estar parcialmente localizado sob o
nível do mar, o que tornou ainda mais explosiva
a ocorrência, dada a vaporização repentina de
grande quantidade de água.
O vulcão Hunga Ha’apai – Hunga Tonga tem
modificado consideravelmente suas feições
nas últimas décadas. Desde 2009, parte da
borda da cratera formava duas ilhas, cuja
junção dos nomes resulta na denominação do
próprio vulcão. Todavia, uma série de erupções
entre 2014 e 2015 resultaram em intenso
acúmulo de cinzas e de materiais piroclásticos,
criando uma gigantesca plataforma que liga
as duas ilhas anteriores.
A erupção ocorrida em janeiro de 2022
modificou novamente os contornos
geográficos locais. Desse modo, a ponte de
cinzas que unia as ilhas de Hunga Ha’apai
e Hunga Tonga, apenas a 65 quilômetros
ao norte da capital do país, foi solapada pela
magnitude do evento sísmico. Isso oferece
mais uma evidência do grau de modificação a
que as paisagens são submetidas em regiões
onde operam processos tectônicos mais
intensos.
Tonga fica localizada em uma das regiões
globais mais instáveis do ponto de vista
tectônico. O chamado Anel (ou Círculo) de
Fogo do Pacífico rodeia todo esse oceano,
assinalando uma espécie de “ferradura”
de limites entre placas tectônicas, em geral
convergentes. Nesses casos, o choque entre
essas grandes massas da crosta terrestre
resulta tanto em abalos sísmicos comuns
como em vulcanismo intenso. Mapa do Arquipélago de Tonga.

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Mapa do Círculo de Fogo do Pacífico.

e Indonésia. Ao largo do litoral índico deste


último país, um terremoto submarino resultou
em um tsunami que causou mais de 220 mil
mortos em dezembro de 2004, atingindo
também países do sul da Ásia e até mesmo o
continente africano.
O arquipélago de Tonga existe justamente
pelas atividades sísmicas intensas dessa
gigantesca zona de instabilidade tectônica.
A pequena placa de Tonga, que tem a Indo-
australiana na sua retaguarda, choca-se
com a do Pacífico, resultando em um arco
de ilhas vulcânicas, que serve de substrato
para a nação, cujo território é preenchido
principalmente pelas águas oceânicas.
Cidade de Banda Aceh na Indonésia após o Além disso, a elevação do relevo submarino
tsunami de 2004. relacionado aos vulcões é acompanhada
pela existência do outro extremo, uma fossa
O Anel de Fogo do Pacífico explica o histórico tectônica. Isto porque, nestes casos, uma das
de eventos catastróficos relacionados a placas convergentes mergulha novamente
terremotos em países tão diversos como Chile, no manto, enquanto a outra se ergue, em um
Peru, México, Estados Unidos, Japão, Filipinas fenômeno denominado como subducção.

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Mapa da Oceania

Fenômenos como esse podem destruir o povoado de Saint-Pierre, a antiga capital


povoados inteiros. No caso de Tonga, a ilha da ilha da Martinica – até hoje pertencente à
que emergia da borda da cratera do vulcão França – foi destruído por uma forte erupção
Hunga Ha’apai – Hunga Tonga não abrigava nessa montanha. Cerca de 20 mil pessoas
pessoas, diferindo do caso da famosa tragédia morreram, e a cidade de Fort-de-France
do vulcão Pelée, localizado em outra zona de tornou-se a nova capital da ilha.
instabilidade tectônica, a do Caribe. Em 1902,
Diferente da Martinica, Tonga é uma das
inúmeras sociedades nacionais independentes
do Pacífico que são formadas pelo conjunto
de inúmeras ilhas. Muitas são consideradas
“altas”, com resíduos mais recentes de antigos
vulcões; e outras são mais baixas, muitas
vezes associadas a atóis, vinculados ao
acúmulo coralígeno e a edifícios vulcânicos
que já sofreram maior desgaste.
A chamada Oceania pode ser dividida em três
grandes agrupamentos de ilhas, para além das
principais. O primeiro é formado pela Austrália;
o segundo, pelas ilhas norte e sul da Nova
Zelândia; e o último, pela Nova Guiné, isto é,
a Melanésia, a Micronésia e a Polinésia —
Tonga se localiza neste último. Uma pergunta
que pode ser aventada é a seguinte: como
uma nação de 100 mil habitantes e formada
por ilhas tão isoladas tornou-se uma nação
independente?
A resposta tem a ver com as diferentes
estratégias das potências mundiais em
adequarem o seu controle às demandas pela
Memorial às vítimas da tragédia do vulcão Pelée descolonização existentes na região.

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Ocupação do Império Japonês até o fim da Segunda Guerra Mundial

Quando as Grandes Navegações chegaram Em relação a seus domínios, a França optou


ao Pacífico, no início do século XVI, as por mantê-los. Até hoje, a nação continua
potências europeias iniciaram o seu processo governando a Nova Caledônia e a Polinésia
de exploração e anexação das inúmeras ilhas Francesa, onde se localiza o Taiti. O Reino Unido,
encontradas no Pacífico. Nesse contexto, todavia, apostou em outra fórmula: conceder a
as bandeiras fincadas na areia foram independência aos arquipélagos, realizando
consolidando o domínio territorial. Já no início acordos com os poderes tradicionais locais,
do século XX, o Pacífico estava completamente auxiliando-os a manter a ordem desejada, em
retalhado entre domínios britânicos, franceses, troca da manutenção da hegemonia britânica.
alemães, espanhóis, portugueses e norte-
americanos, sem contar as franjas dominadas Desse modo, Tonga adquiriu a independência
por chineses, japoneses e russos. Todavia, com em 1970, como uma monarquia hereditária,
a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), a extensão e com os principais cargos da política e da
do Império do Japão sobre uma ampla faixa do administração ocupados por uma espécie de
Pacífico colocou novamente esse oceano no nobreza local. Depois de movimentos pela
centro das preocupações geopolíticas globais. democratização nos anos 1990, o país iniciou
um período de reformas na década seguinte,
Com a derrocada japonesa e o fim da grande ampliando a parcela do parlamento eleito pelo
guerra, veio a descolonização, assim como o voto direto e proporcional da população.
impasse sobre o destino político do Pacífico.
Austrália e Nova Zelândia vinham se tornando No que diz respeito à geopolítica local, um fato
independentes ao longo das décadas, mesmo é curioso: os primeiros países a oferecerem
mantendo-se bastante vinculadas à influência ajuda para Tonga depois da erupção recente
britânica. Logo alinharam-se aos Estados foram Austrália e Nova Zelândia. Justamente
Unidos no início da Guerra Fria, através do os dois Estados, desenvolvidos no ponto de
pacto AUZUS, que reúne as siglas das três vista global, que disputam entre si a hegemonia
nações — o que, de certa forma, significou sobre as ilhas do Pacífico.
a escolha de uma outra potência na qual se
apoiar, a fim de contrabalançar o poder do
Reino Unido, a antiga metrópole.

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AMÉRICAS
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EL SALVADOR
E NICARÁGUA
VIOLÊNCIA NA AMÉRICA CENTRAL

A América Central vive uma onda de liga as Américas do Sul e do Norte, a qual
autoritarismo político e de violência urbana, também é integrada por Belize, Nicarágua,
fenômenos que são frequentemente Costa Rica e Panamá. Em, 2018, segundo
entrelaçados. Apenas no dia 26 de março o Escritório das Nações Unidas sobre
de 2022, 62 pessoas foram assassinadas Drogas e Criminalidade, El Salvador e
em El Salvador por conta de disputas entre Honduras possuíam as maiores taxas
gangues vinculadas de homicídios por 100 mil habitantes do
ao narcotráfico, planeta: 60 e 40, respectivamente.
conhecidas como
maras. Nayib A violência vinculada ao narcotráfico soma-
Bukele, o populista se à miséria, ao subdesenvolvimento e à
que governa o irresponsabilidade governamental, de um
país desde 2019 modo que abre espaço para a emigração.
e já domina o
parlamento e o
judiciário, instituiu
um estado de
Daniel Ortega, presidente da emergência que lhe
Nicarágua. dá plenos poderes,
inclusive de censura.
Há o risco de que um vórtice de autoritarismo
carregue os salvadorenhos, assim como
ocorre já há uma década com um país
próximo: a Nicarágua, de Daniel Ortega.
O chamado “Triângulo do Norte” diz
respeito a Guatemala, El Salvador e
Honduras e se trata de uma das regiões
mais violentas do mundo. São três das
nações mais setentrionais do Istmo
centro-americano: ponte continental, que Mapa da América Central

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Entre 2014 e 2017, o número de imigrantes oriundos do


Triângulo do Norte abordados pela Guarda de Fronteira dos
Estados Unidos igualou ou superou o de mexicanos. Todavia,
ao fugirem da profunda crise socioeconômica, os emigrantes
esbarraram em políticas xenófobas aplicadas pelo governo
americano, principalmente durante o governo de Donald Trump
(2017-2021).

Vista aérea da fronteira entre México e Estados Unidos.


A decisão por não emigrar também pode levar a um dilema
político. Isso porque os países do Triângulo do Norte (Guatemala,
El Salvador e Honduras), assim como a Nicarágua, passam por
uma onda de autoritarismo político. Segundo o Democracy
Index, publicado anualmente pela revista The Economist,
salvadorenhos, hondurenhos e guatemaltecos vivem sob
“regimes híbridos”, uma categoria ainda mais débil que uma
“democracia frágil”. O caso mais latente é o da Nicarágua,
classificada como “regime autoritário” desde 2018.
Daniel Ortega subiu ao poder na Nicarágua em 2007,
reivindicando um legado histórico. Quando jovem, foi um ícone
da luta contra a ditadura da família Somoza, que comandou o
país entre 1934 e 1979. Após a queda do regime, comandou a
nação enquanto essa mergulhava em guerra civil. Dessa maneira,
aceitou deixar a presidência em 1990, quando foi derrotado nas
eleições por Violeta Chamorro, importante símbolo da antiga
oposição aos Somoza.
A redemocratização ocorrida na Nicarágua tinha paralelo entre
os vizinhos, que também haviam sido sacudidos por ditaduras
e guerras civis durante a Guerra Fria. Guatemala e El Salvador
atravessaram o portal para a democracia, assim como em
Honduras os militares diminuíram sua intervenção na política.
Todavia, o século XXI trouxe seus desafios.

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Posteriormente, em 2007, Daniel Ortega


retornou ao poder na Nicarágua, a qual
continuava sob a bandeira do partido
Sandinista, o mesmo que derrubara a
ditadura somozista em 1979. O líder
reelegeu-se em 2011, com 62% dos votos,
e fez aprovar uma emenda constitucional,
em dezembro de 2013, que retirava o
limite de dois mandatos presidenciais
seguidos, permitindo a Ortega reeleger-
se indefinidamente. Ele foi eleito para um
terceiro mandato em 2016, marcado por
um autoritarismo crescente. Tanque do Governo da Nicaragua em 1979.

A popularidade de Ortega manteve-


se alta nos primeiros mandatos com
a amplitude de programas sociais,
bancados principalmente pela farta ajuda
venezuelana, todavia, a fonte revelou-se
mais escassa nos últimos anos. Em 2018,
quando o governo nicaraguense resolveu
aplicar um corte de gastos, milhares de
pessoas foram às ruas para protestar,
oriundas das mais variadas classes
sociais. A violência policial e de grupos
paramilitares desceu sobre a população,
resultando em mais de 300 mortes e
acionando o alerta sobre a brutalização
do governo presente no país. A oposição
logo começou a utilizar o slogan “Ortega y Daniel Ortega em sua posse presidencial.
Somoza son la misma cosa!”

Além do mais, Daniel Ortega e Rosario Murillo, sua esposa e


vice-presidente, abraçaram o negacionismo durante a pandemia.
Em junho de 2020, quando o número de infecções na Nicarágua
passou de 25 a 759 em duas semanas, o presidente afirmou que
a covid-19 era uma doença de ricos, e que a população pobre
poderia continuar trabalhando. Da negação da pandemia passou-
se à negação da oposição: nas eleições realizadas em novembro
de 2021, todos os candidatos oposicionistas estavam presos,
além de antigos sandinistas que se tornaram críticos do regime.
O casal Ortega foi reeleito com 76% dos votos, com executivo,
legislativo e judiciário sob seu controle.
A eleição de fachada na Nicarágua mostra o percurso autoritário
de um governo da esquerda tradicional. Todavia, em El Salvador,
um governo da direita radical também tem feito soar o alarme
sobre a derrubada das instituições democráticas em nome do
poder de um homem só.

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A guerra civil acabou em El Salvador


em 1992, deixando um rastro de 75 mil
mortos. Todavia, a autoridade dos partidos
que governaram o país nas décadas
seguintes foi corroída pela desigualdade,
pela pobreza, pela corrupção e pela
negligência estatal, o que abriu espaço
para a ascensão de um outsider. Nayib
Bukele foi eleito em 2019 e comporta-se
como um milennial, correspondendo-se
pelo Twitter com seus eleitores. Ele tem se
revelado um chefe político clássico à moda
latino-americana.
Pouco depois do início de seu
governo, Bukele invadiu o parlamento
acompanhado de soldados, buscando
pressionar a aprovação de um projeto
que aumentava o salário de policiais. Em
maio de 2020, destituiu todos os juízes da
Suprema Corte, o que abriu espaço para
a nomeação de fiéis aliados. Em março de
2021, o partido do presidente, chamado
de “Novas Ideias”, tornou-se hegemônico Soldados das forças revolucionárias de El salvador em 1990
nas eleições parlamentares.

Bukele segue, em El Salvador, um caminho similar ao de Daniel


Ortega na Nicarágua: enxergar o apoio popular como salvo-
conduto para sufocar a oposição, a liberdade entre os três poderes
e a imprensa livre. Além disso, o fato de cada um se ancorar em
pântanos ideológicos diversos – um mais à direita e outro mais à
esquerda – faz com que os dois lados acabem convergindo em
certos temas, como a Guerra da Ucrânia.
Daniel Ortega e Nayib Bukele parecem não pensar muito
diferente quando o tema é a agressão russa à Ucrânia, detonada
ao fim de fevereiro de 2022. Em 2 de março, na votação de uma
resolução durante a Assembleia Extraordinária das Nações
Unidas, Nicarágua e El Salvador se abstiveram em condenar a
invasão, a mesma posição de Cuba. O comportamento de Bukele
e Ortega se dá ao bel-prazer de Vladimir Putin.

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ENCHENTES
EM SÃO PAULO
DESLIZAMENTOS E A CRATERA
NA MARGINAL TIETÊ

Nos últimos dias do mês de janeiro de


2022, fortes chuvas assolaram o estado
de São Paulo, principalmente a região
metropolitana que circunda a sua capital.
Nessa ocasião, pouco mais de duas
dezenas de pessoas morreram por conta
de inundações e de deslizamentos. O alto
nível de precipitações esteve relacionado
à ação da Zona de Convergência do
Atlântico Sul (ZCAS), corredor de umidade
que conecta a Amazônia meridional ao
oceano Atlântico. Entre dezembro do
ano anterior e início do atual, o fenômeno
climático deixou um rastro de destruição
nos estados da Bahia e de Minas Gerais.
A má gestão de áreas de risco pelos
poderes de todas as esferas deu tons
Deslizamentos nas rodovias de são paulo, 2022
mais trágicos ao cenário.
A cobertura da imprensa em relação aos Esse túnel liga os poços de ventilação Tietê
acontecimentos de São Paulo acabou e Aquinos, através da passagem por baixo
deixando na memória duas principais da camada de sedimentos que abriga o
imagens. A primeira delas diz respeito à leito do rio Tietê. Esse último é um dos mais
cratera que se abriu na Marginal Tietê, uma importantes rios do estado de São Paulo:
das principais vias de circulação na capital ele nasce em Salesópolis, na Serra do Mar,
paulista, localizada à beira de um poço de corre na direção do interior, atravessando
ventilação das obras da linha 6-Laranja, no seu alto curso a região metropolitana.
novo ramal de expansão da rede de metrôs Depois, ele corta o estado ao meio, antes
da cidade. O acontecimento assustou, mas de desembocar no rio Paraná, nos limites
não trouxe vítimas ou feridos. com o Mato Grosso do Sul.
Pouco antes do acontecimento, o chamado Por sua vez, o sistema de metrôs de
“tatuzão”, dispositivo que cria os caminhos São Paulo é um dos maiores da América
subterrâneos por onde passarão os novos Latina, atrás apenas da Cidade do México
comboios metroviários no futuro, havia e de Santiago, no Chile.
recém escavado o túnel.

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Ele é composto por aproximadamente 104 km de


extensão e está interligado ao circuito de trens urbanos
de superfície, que liga, em geral, a cidade central aos
municípios da região metropolitana.
Logo depois da passagem do “tatuzão” entre os poços
de ventilação Aquinos e Tietê, a Sabesp — companhia
de saneamento e abastecimento do estado de São
Paulo — alertou que a perfuração havia passado a
apenas alguns metros de uma tubulação significativa de
esgoto. O rompimento dessa última tornou-se iminente,
e o canteiro de obras do metrô local foi evacuado, o que
evitou que houvesse vítimas quando os tubos romperam
e provocaram a cratera na Marginal Tietê, no dia 1º de Tuneladora, máquina responsável pelo
fevereiro. Já no dia seguinte, uma quantidade enorme de acontecimento na Marginal Tietê
concreto começou a ser utilizada para cobri-la.
Além disso, a segunda imagem mais marcante em relação a
essas enchentes foi o deslizamento que ocorreu na cidade
de Franco da Rocha, localizada na região metropolitana de
São Paulo, logo ao norte da capital. Nesse caso, pelo menos
8 pessoas morreram, o que foi muito mais trágico do que a
cratera da marginal Tietê. Esse fato trouxe luz à quantidade
enorme de áreas de risco de enchentes na metrópole,
considerando os desastres que ainda podem ocorrer.
Segundo levantamento realizado pelo Instituto Geológico
da Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente,
a metrópole paulista — com seus 39 municípios e mais de
20 milhões de habitantes — possui 5.211 áreas de risco.
No topo da lista, estão São Bernardo do Campo e Santo
André, com 616 e 510 áreas, respectivamente, seguidas
por Franco da Rocha, que possui 382. Essa última foi
uma das mais afetadas pelas enchentes do fim de janeiro, Deslizamento de terra em Franco
da Rocha
junto com Francisco Morato e Embu das Artes.
A tragédia nessas cidades resulta de uma conjunção de
fatores naturais, sociais e políticos. Ao estarem localizados
na borda da capital paulista, os municípios supracitados
são considerados cidades-dormitório: é comum que
muitos dos seus habitantes trabalhem em outros núcleos
urbanos, realizando um movimento diário e pendular.
A população dessas cidades tem se ampliado de forma
significativa. O número de habitantes do município de
São Paulo cresceu 29% entre 1990 e 2020, e a média do
crescimento da região metropolitana foi de 40%. Enquanto
isso, as populações de Embu das Artes, Franco da Rocha,
Francisco Morato e Mairiporã cresceram, respectivamente,
82%, 87%, 134% e 193%, no mesmo período.
Dessa maneira, a dificuldade de acessar moradia em
locais mais centrais da metrópole faz com que pessoas de
baixa renda sejam empurradas para essa “hiperperiferia”.
Nesse contexto, programas de habitação popular, como
Minha Casa Minha Vida e Casa Verde Amarela têm sido Embu das Artes, SP

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negligentes no atendimento da população Planalto Atlântico, que dá lugar à Depressão


que possui renda mais baixa. É importante Periférica; e no Planalto Ocidental
que não se confunda esse processo Paulista, mais a oeste. O núcleo original
com outro mais geral que tem ocorrido do município de São Paulo localiza-se em
nas últimas quatro décadas, que é o da uma estreita bacia sedimentar no topo do
desconcentração industrial na escala do Planalto Atlântico. Todavia, as cidades que
estado de São Paulo. Nesse caso, em margeiam a capital — nas bordas da região
busca de menores custos de produção, metropolitana — espraiam-se sobre as
empresas deixam as zonas mais centrais áreas de colinas do planalto.
da região metropolitana, no sentido de
aglomerados urbanos mais externos, Com a retirada de vegetação de uma
como os que rodeiam Campinas, São vertente com maior declive, a água que não
José dos Campos, Santos e Sorocaba. Por escorre superficialmente pode ser absorvida
outro lado, o processo que está sendo aqui muito rapidamente dependendo do tipo de
discutido é o da marginalização urbana no solo. Quando o líquido preenche todos os
interior da própria região metropolitana. poros que entremeiam os sedimentos, o
deslizamento torna-se iminente, em um
Além de abrigarem uma população cada fenômeno natural que é acelerado pela
vez maior, cidades como Franco da Rocha intervenção humana na paisagem, a qual
são mais suscetíveis à existência de traz riscos à sobrevivência dos habitantes.
áreas de risco por conta de outro aspecto Isso também pode ser observado através
geográfico: seu relevo. Se for feito um de outras situações, já que a combinação
corte transversal entre o litoral de São dos processos naturais e da negligência
Paulo e o seu limite com o Mato Grosso do de autoridades já havia resultado em uma
Sul, é possível que se repare em algumas tragédia marcante no mesmo mês: o caso
estruturas bem específicas: nas planícies de Capitólio, em Minas Gerais.
litorâneas, seguidas pela Serra do Mar; no

Mapa do Estado de São Paulo

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O CASO MOÏSE
ENTRE O CONGO E A
BARRA DA TIJUCA
Manifestantes arrancando a placa do quiosque Tropicália.

Em 24 de janeiro, o imigrante congolês Grandes manifestações ocorreram em


Moïse Kabagambe foi assassinado no Wall Street e na ponte do Brooklyn
quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, por conta das repercussões do trágico
no Rio de Janeiro. O caso bárbaro teve ocorrido. Os protestos contaram com a
requintes de crueldade, envolvendo presença, inclusive, de Wyatt Tee Walker,
pauladas e golpes desferidos por pelo braço direito do líder do movimento
menos três agressores. pelos direitos civis Martin Luther King,
assassinado em 1968.
Moïse e sua família não são os únicos
exemplos de congoleses que decidiram Na África do Sul, em maio de 2008, o nível
fugir de sua terra natal nos últimos anos, de violência contra imigrantes resultou em
principalmente devido à atroz mistura entre um banho de sangue. Com os estímulos
pobreza e violência crônicas que assolam de lideranças do grupo étnico zulu, sul-
o país. Segundo o Comitê Nacional para africanos atacaram sistematicamente
os Refugiados (Conare), vinculado ao imigrantes, resultando em pelo menos 62
Ministério da Justiça, dos 26.577 refugiados mortes ao longo do mês. Aproximadamente
que reconhecidamente entraram no Brasil 100 mil pessoas se deslocaram de suas
entre 2011 e 2020, 1.050 eram nascidos casas por receio de serem atacadas em
ou residentes na República Democrática meio à onda de xenofobia.
do Congo. Ex-colônia belga, a nação de
quase 100 milhões de habitantes não deve
ser confundida com a vizinha República do
Congo, antigo domínio francês bem menor
e menos populoso.
A faísca de indignação provocada pelo
assassinato do imigrante fez lembrar
outros episódios de violência e xenofobia
ocorridos nas últimas décadas. Em 4
de fevereiro de 1999, o imigrante de
origem guineense Amadou Diallo estava
desarmado quando foi assassinado com
41 tiros pela polícia de Nova Iorque. Manifestantes protestam pelo assassinato de Moïse
Kabagambe.

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Manifestantes protestam pelo assassinato de Amadou Diallo, Março de 2000, Nova York.

Episódios menos violentos ocorreram em 2015 A África do Sul é um dos principais


e 2017, porém novamente com a presença de destinos migratórios internos ao
slogans que colocavam os estrangeiros como continente africano. Dentre as pessoas que
responsáveis pelos níveis de desemprego partem de nações da África Subsaariana,
entre as populações mais vulneráveis. Durante aproximadamente 70% continuam nessa
esses acontecimentos, os presidentes Thabo mesma região do globo, e apenas 18%
Mbeki (1999 - 2008), sucessor de Nelson se direcionam para a Europa. A Costa do
Mandela, e Jacob Zuma (2009 - 2018) Marfim é um exemplo de país africano que
foram considerados negligentes em relação recebe tradicionalmente uma quantidade
aos atos de xenofobia, porém negaram considerável de imigrantes, notadamente
que os acontecimentos estivessem ligados da vizinha Burkina Faso.
especificamente à violência contra imigrantes.

Manifestação contra a negligência do presidente Mapa da Costa do Marfim


Jacob Zuma, África do Sul

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A República Democrática do Congo se Na Guerra Fria, americanos e soviéticos


localiza no centro da África Subsaariana. patrocinaram ditaduras no continente
O nome do Estado provém do rio principal africano, e a de Mobutu era uma aliada
de uma enorme bacia hidrográfica que esquisita do Ocidente: o tirano mudou
abrange o seu território, a do Congo, o nome do país para Zaïre em 1971,
cercada por uma enorme floresta equatorial em seu projeto de “africanização” das
de mesmo nome. nomenclaturas pelo país, enquanto
reprimia dissidentes. Com o fim da Guerra
O jovem Moïse Kabagambe era oriundo da Fria, Mobutu perdeu o patrocínio ocidental
província congolesa de Ituri, localizada no e acumulou ainda mais inimigos regionais.
nordeste do país e fronteiriça a Uganda. A
região é uma das zonas que vivenciam um
contexto de violência crônica há décadas,
assim como as províncias de Kivu Norte
e Sul, limítrofes também a Ruanda e a
Burundi. Essa situação espinhosa vigente
nos limites do Congo tem sua origem
rastreada desde o período colonial.
O Congo é uma ex-colônia da Bélgica, e
foi instituída desde o fim do século XIX.
Durante o domínio belga, os colonizadores
observaram a divisão entre os lendu,
agricultores, e os hema, criadores de
gado, com a lente étnico-racial. Uma
diferença socioeconômica foi classificada
como diversidade étnica, e os hema
foram posicionados de forma favorável na
montagem do incipiente aparato colonial.
Após a independência do país, em 1960,
logo se iniciou a longa ditadura de Mobutu Mobutu Sese Seko e o Ex-Presidente Richard Nixon em
Sese Seko (1965 - 1997), que manteve reunião na Casa Branca.
a política de patrocínio e de clientelismo
em relação aos hema, alimentando o Entre abril e julho de 1994, na vizinha
ressentimento lendu. Ruanda, um regime supremacista
hutu causou o genocídio de centenas
de milhares de tutsis. O processo foi
interrompido com a tomada do poder
pelos guerrilheiros liderados por Paul
Kagame, um tutsis, com o apoio de
Yoweri Museveni, líder de Uganda. Com
os novos ventos, integrantes das milícias
génocidaires hutus fugiram para o leste
congolês, em meio ao fluxo de refugiados
hutus que também temia represálias, e
começaram a atacar as novas forças tutsis
que estavam agora no poder.
Desse modo, ao fim de 1996, Ruanda
e Uganda patrocinaram um antigo
guerrilheiro congolês, Laurent Kabila, e as
forças da aliança marcharam pelo Zaïre e
tomaram o poder na capital, em maio de
1997, enquanto Mobutu fugia do país
Colonizador Belga e congolês vítima de mutilação,
para morrer de câncer no mesmo ano.
atrocidade comum no Congo Belga

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Mapa de Ruanda

O novo regime restituiu o nome do país


para República Democrática do Congo,
mas a aliança militar se rompeu em um ano:
Kabila exigiu que os soldados de Ruanda e
Uganda deixassem o país rapidamente. Os
antigos aliados se tornaram inimigos em
uma nova guerra, que durou até 2003, com
um total de cerca de 2 milhões de mortos
e um país estilhaçado por violações aos
direitos humanos vindas de todos os lados.
Ruanda e Uganda ocuparam a metade
leste congolesa, e iniciaram uma campanha
de saque dos recursos naturais do país,
que possui um dos subsolos mais ricos do
planeta. A província de Ituri foi ocupada
por Uganda, cujo governo disseminou
ainda mais a rivalidade entre milícias hema
e lendu. A atuação desses grupos — e
de movimentos rebeldes ugandeses que
utilizam o território de Ituri como base para
atacar as forças de sua nação de origem —
manteve-se mesmo ao fim da guerra, em
2003. Foi neste caldo de violência que o
jovem Moïse Kabagambe nasceu, e do qual
fugiu na direção de um futuro de esperança
no Brasil. Acabou morto brutalmente na
orla carioca, com agressões do mesmo
estilo das que marcaram de forma sinistra
as guerras do Congo.

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ENCHENTES
EM PETRÓPOLIS
O CASTIGO DA
IRRESPONSABILIDADE

Uma sucessão de enchentes, tal qual Apesar das condições geográficas favoráveis,
peças de dominó que desabam umas a engrenagem da irresponsabilidade política
sobre as outras, vem abalando o Brasil e da marginalização social foi capaz de
desde o final de 2021. Em dezembro transformar uma “tempestade ideal” em uma
elas atingiram a Bahia, em janeiro foi a catástrofe iminente. No caso de Petrópolis,
vez de Minas Gerais e São Paulo, e em uma das regiões mais afetadas foi o Morro
fevereiro a cidade de Petrópolis, a mais da Oficina, no bairro do Alto da Serra,
populosa da Região Serrana do Rio de zona marcada por habitações precárias
Janeiro, foi espremida entre inundações amontoadas sobre um relevo declivoso.
e deslizamentos. Esse último desastre Outros bairros bastante atingidos foram os
superou o impacto causado pelas de Quitandinha, Castelânea, Centro, Coronel
enchentes históricas de 1988 e 2011, Veiga, Duarte da Silveira, Floresta, Caxambu
marcadas na memória dos petropolitanos e Chácara Flora. Com chuvas rápidas e
pela quantidade significativa de mortos — intensas, a água se infiltrou rapidamente,
171 e 73, respectivamente. O acontecido levando à saturação da massa de terra
se deu quando, em 15 de fevereiro de sobre as rochas. Foi a receita pronta para o
2022, uma conjunção de fatores gerou deslizamento, temperada com o ingrediente
as condições climáticas perfeitas para a amargo da periferização e da desigualdade
ocorrência de uma tempestade: o ar úmido, socioespacial.
decorrente da Zona de Convergência do
Atlântico Sul — corredor de pluviosidade
entre a Amazônia meridional e o Atlântico
— elevou-se com a passagem de uma
frente fria, condensando-se e formando
chuvas, que ainda foram facilitadas pelo
relevo montanhoso local.

Mapa do estado do Rio de Janeiro com destaque para


Petrópolis

www.aprovatotal.com.br 69
Almanaque de Atualidades AMÉRICAS

Um mês de buscas após a tragédia resultou na


localização de 233 dos 237 mortos. Dos cerca de
1.120 desabrigados desde o dia 15 de fevereiro, cerca
de 700 continuaram em abrigos montados em escolas
ou em instituições voluntárias por mais um mês. Não
surpreendentemente, além das inundações repentinas,
cerca de 5 mil deslizamentos ocorreram com as chuvas
fortíssimas que atingiram Petrópolis. Em 2011, toda a
Região Serrana do estado do Rio de Janeiro foi afetada
por um desastre com mais de 900 mortos e cerca de uma
centena de desaparecidos. O município mais afetado foi
Nova Friburgo, com 451 mortos, seguido por Teresópolis,
Petrópolis, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto.
Na época, aproximadamente 21 mil pessoas foram
desabrigadas ou desalojadas.

Vista área do estrago das enchentes em Petrópolis.

No caso mais recente, a cidade que homenageia em seu


nome o antigo imperador Pedro II foi a única profundamente
afetada, o que não diminui a gravidade da situação, já que
Petrópolis tem 234 locais considerados de risco “alto” ou
“muito alto” para deslizamentos, enchentes e inundações.
Isso equivale a 18% de seu território e a aproximadamente
12 mil moradias, segundo o Plano Municipal de Redução
de Riscos (PMRR) de 2018. Apenas no “primeiro distrito”
da cidade — zona que mais sofreu com os eventos de
fevereiro de 2022 —, havia 15.240 residências em
áreas de risco “alto” e “muito alto” em 2017, sem contar
outras cerca de 12 mil residências na mesma situação no
restante do município.

70 www.aprovatotal.com.br
Almanaque de Atualidades AMÉRICAS

No episódio de 1988, fortes chuvas desabaram durante uma manhã e uma tarde, deixando
um rastro de destruição. Porém, em 2022, o horror veio de forma ainda mais repentina:
entre 16h20 e 19h20 do dia 15 de fevereiro, choveu em Petrópolis aproximadamente 250
mm, muito mais do que a média mensal de 180 mm. Os dados são do Cemaden (Centro
Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), instituição vinculada ao
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Antes da tragédia, o órgão concluiu que
haveria fortes chuvas na cidade naquele mesmo dia e avisou a Defesa Civil, que emitiu
um alerta às 15h30, mas isso não foi suficiente: a chuva que caiu teve o maior volume
registrado na cidade em 90 anos.

Bombeiros procurando pessoas nos deslizamentos em Petrópolis.

As chuvas atingiram Petrópolis, que tem Do mesmo jeito que as camadas de


pouco mais de 300 mil habitantes, por solo sucumbem em um deslizamento,
diversos lados. Enquanto as periferias uma catástrofe como a que ocorreu
escorregavam nos morros, enchentes e em Petrópolis acontece devido a
deslizamentos destruíam regiões centrais, irresponsabilidades acumuladas por
como a Rua Teresa, conhecida como polo décadas em diversos níveis. Logo após
têxtil da Região Serrana, no centro da o ocorrido, concluiu-se que a gestão do
cidade. Apenas nesse local existem cerca governador Claúdio Castro (PL) gastou
de 600 confecções, que movimentam apenas metade do previsto em orçamento
direta e indiretamente em torno de 30 mil no programa de prevenção e resposta a
empregos e de 5 mil estabelecimentos desastres. Segundo dados inscritos no
comerciais. De acordo com uma pesquisa Portal da Transparência, apenas 47% do
feita pelo IFEC RJ (Instituto Fecomércio orçamento previsto no ano passado para
de Pesquisas e Análises), as chuvas na esse setor foi de fato empregado. Desse
cidade causaram um prejuízo de mais de modo, foram reservados apenas R$ 192,8
R$ 78 milhões ao comércio. milhões de um total de R$ 407,8 milhões
antecipados inicialmente.

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Almanaque de Atualidades

GUERRA DAS
MALVINAS
40 ANOS

O Atlântico Sul foi palco de uma


61° 60° 59° 58°
51° 51°
Ilha
Ilha Rosa
del Oeste s
Ja
son OCEANO ATLÂNTICO SUL
guerra entre abril e junho de 1982.
Ilha Los Salvajes Ilha
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ilha Las Llaves Hermanos
Ilha Pan Ilha

Sob ordens do terrível regime militar


de Azucar Gobierno
Ilha de

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Ilha de los Arrecifes

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Ilha do Rosario Ilha ía Rasa
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Ilha Roca
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Blanca

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Vigía ru Noroeste Norte Cabo Alto

vigente, a Argentina invadiu as ilhas


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Ilha Westpoint Keppel Baía del
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Malvinas. O arquipélago fica próximo


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Ilha Gran Malvina
Ilha Cabo Corrientes
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ao extremo-sul do país, mas pertence,


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51°30' San edro Luís 51°30'
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desde 1833, ao Reino Unido, que


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Ilha Norte de Ruíz Monte Monte Freycinet Groussac
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Ilha Ilha Montura Julián Puente 705 458 Cabo
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não aceitou a anexação. A primeira-


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ministra britânica, Margaret Thatcher,


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San Sulivan Pradera del
473 Ganso Porta
Ilha Beaver Julián Lago Agradable
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organizou a resposta, que se revelou


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vitoriosa depois de 10 semanas de
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340 de de se Boungainville
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conflito. Entre as vítimas, havia 649


Porto Stephens North ab Baja isa Ponta Aguda
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361 in Ilha
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Baía Santa Eufemia

soldados argentinos, 255 membros


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Baía Ilha Ilha
Águila
Ca

San Felipe Ilhotas Franceses María


Baía de los
na

Cabo Belgrano CHILE


Abrigos

ARGENTINA

das forças armadas britânicas e 3


OCEANO
gu

Ponta del Toro


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800 m Ilha ATLÂNTICO


Jorge Ponta Marsopa
700 m
Ilha

moradores das ilhas. Nesse cenário,


600 m Ilha de los Leones Marinos
Pelada
500 m
Ilha Principal Ilha León
400 m Marino Este

a guerra remodelou o futuro político


300 m
52°30' 52°30'
200 m
100 m
ANTÁRTIDA

imediato dos dois países.


50 m
0

Ilhas Malvinas Lugares habitados


50 m
200 m
500 m Mais de 35 habitantes
750 m Menos de 35 habitantes

A ditadura militar argentina, que durava 0 10 20 30 40 50 km


Administradas por: REINO UNIDO
Reclamadas por: ARGENTINA
Rodovia ou caminho
Data: 1982

desde 1976, caiu sob o peso do fracasso


0 10 20 30 40 50 mi Ilhas Beauchene
61° 60° 59° 58°

da guerra, empurrando o sistema Mapa das Ilhas Malvinas


político para a redemocratização. Esse
momento foi marcado pela busca
por estancar a ferida aberta de um
país destroçado por assassinatos
políticos e desaparecimentos.
Simultaneamente, no Reino Unido, o
governo da conservadora Margaret
Thatcher fortaleceu-se. O conflito nas
Malvinas, denominadas Falklands
pelos britânicos, aumentou a sua
popularidade, que estava abalada
anteriormente por reformas de Margaret Thatcher, primeira-Ministra
austeridade fiscal. britânica durante a Guerra das Malvinas.

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Almanaque de Atualidades AMÉRICAS

O afundamento do cruzador argentino


“General Belgrano”, em 02 de maio de
1982, foi o evento mais mortífero do
conflito, causando a morte de 323 soldados.
O navio adernou depois de ser atingido
por torpedos lançados por um submarino
nuclear britânico, mais silencioso e capaz
de se manter imerso por tempo maior
que os submarinos convencionais “diesel-
elétricos” argentinos. A resposta veio logo:
três dias depois, o navio britânico HMS
Sheffield foi atingido por mísseis Exocet,
lançados por aviões Super-Étandard da
Argentina, que trouxe como resultado a
morte de 20 britânicos.
O Cruzador General Belgrano
O teatro da guerra ia além das ilhas
Malvinas, estendendo-se por parte
ampla do Atlântico Sul. As reivindicações
da Argentina iam além do arquipélago
°
mencionado, incluindo também as ilhas
Geórgias do Sul e Sandwich do Sul, que
formam um arco de origem tectônica
também sob domínio britânico. O clima da
região é típico de altas latitudes, acossado
'
por ventos gelados e rigoroso demais para
o povoamento. Ao longo da história, havia
servido para extensos processos de caça
às baleias, às focas e aos leões-marinhos.
O Atlântico Sul foi percorrido por todos
os impérios concorrentes nas Grandes
°

O HMS Sheffield
Navegações. Franceses batizaram um
arquipélago de “Malouines”, composto
por duas ilhas principais cercadas por
inúmeras outras de menor extensão.
Depois de trocarem de bandeira algumas
'

vezes, tornaram-se as “Malvinas” sob


controle da Espanha. Todavia, a América
Espanhola foi atingida pela descolonização
nas primeiras décadas do século XIX,
inclusive sob incentivo britânico. No
extremo-sul, o antigo Vice-Reinado do Rio
da Prata, a quem estavam subordinadas
as Malvinas, transformou-se parcialmente
na Argentina.
Representação de uma colônia de pinguins
em uma das Ilhas Malvinas

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Almanaque de Atualidades AMÉRICAS

O Reino Unido apressou-se em


encontrar algo de valioso nos escombros
do Império Espanhol. Com o maior poder
marítimo no planeta naquele momento,
os britânicos capturaram facilmente
as Ilhas Malvinas, denominando-as
como Falklands, em 1833. A Argentina
protestou, mas estava mais preocupada
com a própria unificação territorial,
consolidada apenas na década de 1870.
A “conquista do deserto”, uma expansão
para o sul, na Patagônia, reforçou a
reivindicação argentina de que as
Malvinas, que se localizam próxima
do extremo meridional do país, não
deveriam ser britânicas.
Juan Domingos
No século XX, as proclamações argentinas Perón
adquiriram um tom de grandiosidade,
beirando a megalomania. Sob Juan
Domingos Perón, que passou a controlar
a política do país nos anos 1940, as
reivindicações nacionais expandiram-se
das Malvinas para os arquipélagos de
Geórgia do Sul, de Sandwich do Sul e para
parte do continente antártico. O populismo
de Perón, que havia subido ao poder cercado
por admiradores do fascismo europeu, fez
com que correntes “peronistas” surgissem
à direita e à esquerda no país. Sua
popularidade aumentou a difusão da ideia
de uma Argentina “tríplice”: continental,
insular e antártica. General Leopoldo Galtieri, presidente
da Argentina durante a guerra.

Caças Argentinos utilizados na Guerra das Malvinas

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Almanaque de Atualidades AMÉRICAS

Perón subiu ao poder como militar, e


foi por parte das forças armadas que
se consolidou a principal força do anti-
peronismo nas décadas seguintes,
em uma disputa que corroeu o país. A
ditadura militar, que surgiu em 1976,
foi a mais brutal, mas a ideia de que a
Argentina tinha um “destino” territorial
vinculado ao Atlântico Sul continuou
sendo difundida nos livros didáticos e
através do governo. Na política externa,
a guerra estava no horizonte.
Em 1978, Argentina e Chile estiveram
à beira da guerra. A disputa por ilhas
na Terra do Fogo, dividida entre os dois
países, recebeu uma mediação de última
hora por parte do Vaticano de João Paulo
II. O regime militar argentino, contudo,
continuou à procura de uma luta que
pudesse trazer coesão a uma nação
corroída por disputas políticas e dilacerada
pela repressão governamental. Ao fim de
1981, quando o general Leopoldo Galtieri
subiu ao poder, uma invasão das ilhas
Malvinas foi proposta como solução, tendo
o comando da Marinha do país como
importante incentivador.

As operações paralelas de controle da


Geórgia do Sul e das Sandwich do Sul foram
executadas em março de 1982, enquanto A Trajetória do Exército Britânico
a invasão das Malvinas era preparada. Em
04 de abril, Port-Stanley, principal cidade
do arquipélago, foi ocupada. Visto isso,
Margaret Thatcher, líder britânica, escolheu
responder ao ataque, e forças do Reino
Unido deslocaram-se por milhares de
quilômetros até o Atlântico Sul, enfrentando
um teatro de guerra pouco conhecido, que
utilizou como base as ilhas Ascensão.
O Reino Unido e a Argentina pertenciam
ao bloco ocidental na Guerra Fria, que
ainda estava em voga no ano de 1982.
Todavia, os Estados Unidos distanciaram-
se da Argentina desde o governo do
democrata Jimmy Carter (1977-1981)
em nome da diplomacia dos direitos
humanos, empurrando os argentinos,
inclusive, para um maior contato com a
União Soviética, às voltas com a invasão
do Afeganistão em 1979.
Jimmy Carter.

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Almanaque de Atualidades AMÉRICAS

Ronald Ragan.

Ronald Reagan, o presidente americano


em 1982, escolheu apoiar o esforço
de guerra britânico frente à agressão
organizada em Buenos Aires.
Durante a guerra, o regime militar
brasileiro posicionou-se em nome da
reivindicação argentina pelas ilhas, mas
defendeu uma solução pacífica. Por outro
lado, forneceu a Buenos Aires informações
sobre movimentações de tropas britânicas
no Atlântico Sul. A convergência entre
os dois governos, antes quase inimigos,
abriu espaço para que, durante as
redemocratizações, Argentina e Brasil
se reaproximassem. Sob comando civil,
ambos se consolidaram como os pilares do
Mercosul, criado em 1991, o qual também
é integrado pelo Paraguai e pelo Uruguai.

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Almanaque de Atualidades

ÁFRICA
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Almanaque de Atualidades

ETIÓPIA
GUERRA CIVIL
Na Etiópia, um conflito entre o governo central, cuja capital se localiza em Adis Abeba,
e a província do Tigré tem dividido a nação desde novembro de 2020. Com o auxílio de
tropas da vizinha Eritreia, comandada pelo ditador Isaiah Afwerki desde 1991, as forças
etíopes tentam minar os grupos rebeldes, sem sucesso. O conflito ameaça estilhaçar o
pacto federal que mantém unida uma nação cindida por inúmeras identidades étnicas
fomentadas politicamente ao longo da história.
A Etiópia é uma das nações mais populosas da África, com cerca de 100 milhões de
habitantes, quase o mesmo que o Egito. À frente de ambos fica apenas a Nigéria, que
possui uma população próxima à do Brasil. O território etíope se localiza no chamado
“Chifre da África”, região na borda oriental do continente que possui inúmeros focos de
instabilidade, notadamente na Somália.

Mapa da Etiópia

Mapa da Guerra Cívil na Etiópia, em rosa estão os territórios dominados pelo


governo, em verde os territórios rebeldes.

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Almanaque de Atualidades ÁFRICA

O cristianismo chegou à Etiópia já


na Antiguidade tardia, e foi cercado
durante a Idade Média pelo avanço do
islamismo. A expansão muçulmana se
dava notadamente pelo litoral oriental
da África e pelo vale do Nilo, formado
em Cartum, no Sudão, pela confluência
entre o Nilo Branco e o Azul, que provém
dos altos platôs etíopes. Os reinos que
se sucederam nessa região içaram a
bandeira da defesa do cristianismo contra
o islamismo por séculos a fio, muitas vezes
de forma repressora e intolerante.
O imperador Menelik II foi além. Enquanto
reinou, entre 1889 e 1913, o monarca
organizou uma profunda centralização
do poder na Etiópia. Fundou Adis Abeba,
“Nova Flor” em amárico, como a nova
capital do reino, e fez frente às tentativas de
expansionismo italiano na região ao apoiar-
se tacitamente na retaguarda de outras
potências europeias e ao reforçar seus
Menelik II, Imperador da Etiópia de 1889 à 1913. exércitos. Seu reinado ocorreu justamente
durante o ápice do avanço imperial europeu
sobre o continente africano.
Em 1935, a Itália fascista de Benito Mussolini, no poder
desde 1922, realizou um novo avanço sobre a Etiópia. Os
italianos mantiveram o poder de forma frágil e sem o mínimo
amparo internacional, ainda mais sendo integrantes do Eixo
com a Alemanha nazista na 2ª Guerra Mundial (1939-1945).
Eles deixaram a Etiópia em 1941, e, nas décadas seguintes,
o país se tornou um símbolo da luta pela descolonização
Brasão do Derg.
da África, por ser um exemplo de nação que resistiu ao
domínio imperial, e elevou o imperador Hailé Selassié a um
dos ícones do pan-africanismo.
Todavia, a monarquia centralizada não ultrapassaria muito as décadas da descolonização.
Em 1974, um golpe militar pró-soviético derrubou Selassié, que foi morto no ano
seguinte. Uma junta do exército de inspiração marxista, o chamado Derg, tomou o poder,
e gradualmente Mengistu Marim se tornou o férreo líder do país.
Medidas de coletivização agrícola trouxeram a fome entre as décadas de 1970 e
1980, enquanto uma guerrilha se fortalecia no país em nome da independência do
norte, na região conhecida como Eritreia. Antes do Derg subir ao poder, os soviéticos
apoiavam os eritreus contra a monarquia etíope. Com o Derg no poder, era a Etiópia
que recebia auxílio do bloco oriental para reprimir os revoltosos.

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Almanaque de Atualidades ÁFRICA

O regime de Mengistu Mariam não


sobreviveu ao fim da Guerra Fria e do
próprio bloco oriental que o apoiava. Em
maio de 1991, ele foi derrubado por um
bloco de guerrilhas lideradas pela Frente
de Libertação dos Povos do Tigré (FPLT),
região localizada no noroeste do país. Os
rebeldes tomaram a capital e se instituíram
como os novos donos do poder. Enquanto
isso, os separatistas eritreus alcançaram
gradualmente a independência,
reconhecida internacionalmente em 1993.
Isaiah Afwerki se tornou o líder do país, o
qual controla com punhos de aço até hoje. Campo de refugiados internos em Tigré.

A FLPT governou a Etiópia pelas quase A partir de 2018, a FLPT deixou de


três décadas seguintes. O expoente integrar a cúpula do poder que comandava
principal do partido foi Meles Zenawi, no a Etiópia, em parte pela insatisfação de
poder de 1995 até sua morte, em 2012. diversas regiões marginalizadas. Abyi
Nessas décadas, consolidou-se uma Ahmed, antes um aliado do grupo, se
espécie de pacto federativo, em que as tornou o novo líder do país, e recebeu
elites das distintas etnias que se difundem no ano seguinte um Nobel da Paz pelos
pelo país partilhavam o poder. Todavia, o seus esforços em negociar uma trégua
esquema gerou ainda mais atritos entre duradoura e prolongada com a Eritreia.
diversos grupos políticos, que baseiam Todavia, em novembro de 2020, Ahmed
suas atitudes e autoridades no clientelismo ordenou que fossem prorrogadas as
de base étnica. Além disso, durante o eleições regionais na província do Tigré,
governo da FLPT, nos dois últimos anos do utilizando como subterfúgio a necessidade
século XX, a Etiópia e a Eritreia entraram de medidas sanitárias em meio à pandemia.
em guerra. Posteriormente, as relações A revolta estourou na região, já insatisfeita
entre as duas nações continuaram tensas. com as medidas centralizadoras e menos
autonomistas do governo de Ahmed.

As tropas do governo etíope logo cercaram


a província do Tigré, impondo um bloqueio
de severidade tal que ameaçou mergulhá-
la em uma onda de fome. Para reprimir
os rebeldes do braço armado da FLPT, a
Etiópia recebeu auxílio da Eritreia de Isaiah
Afwerki. Esse último considera a FLPT
uma inimiga, com a qual lutou entre 1998
e 2000 quando ela se encontrava no poder
na Etiópia.

Refugiados internos coletando água potavel em Tigré.

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Almanaque de Atualidades ÁFRICA

A princípio, a repressão das forças etíopes


e eritreias aos rebeldes havia sido bem-
sucedida, mas, ao longo de 2021, o jogo
virou com o avanço da FLPT. Todos os lados
do conflito efetuaram crimes de guerra
e contra a humanidade, como estupros
e atos que podem ser qualificados como
limpeza étnica. Enquanto o governo central
mobiliza o ódio étnico contra os tigrés para
arregimentar suas forças, a FLPT costura
uma coalizão de grupos armados por todo
o território etíope, alegando que a aliança
se baseia na ideia de fazer respeitar o
“pacto federativo” de 1994.
Do ponto de vista internacional, o
contexto atual é de mudança na posição
geopolítica da Etiópia. Durante os anos
2000 — quando a FLPT ainda estava no
poder —, ela se posicionou como aliada
norte-americana. Agora, sob Ahmed, o
governo etíope aproxima-se da China e
da Rússia à medida que é criticado pelo
ocidente devido ao cerco de fome imposto
à província do Tigré.
A tendência parece ser regional: a
Eritreia, parceira etíope no momento,
foi um dos únicos cinco países a votar
contra uma resolução da ONU que
condenava a invasão russa ao território
ucraniano. Assim como na Guerra da
Ucrânia, motivada pela invasão russa e
com seu cortejo de bombardeios contra
civis, o respeito aos direitos humanos
continua sendo completamente
menosprezado na Etiópia.

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Almanaque de Atualidades

EXTRAS
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Almanaque de Atualidades EXTRAS

RIO-92 E
Quando se trata de política ambiental e
de negociações internacionais, eventos
podem facilmente deslizar para evidentes
fracassos. Porém, isso nem sempre
acontece. Há 50 anos, ocorria a primeira

ECO-72 Conferência das Nações Unidas sobre o


Meio Ambiente, em Estocolmo, na Suécia.
Mesmo com suas fragilidades, ela se
tornou precursora de políticas ambientais

MEIO AMBIENTE na escala internacional, e foi reforçada


por uma nova convenção, em 1992, no
Rio de Janeiro. Nesta última, o conceito
E POLÍTICA de “desenvolvimento sustentável” ganhou
espaço, assim como o tema das mudanças
INTERNACIONAL climáticas derivou para o centro das
discussões sobre meio ambiente, política,
economia e futuro da humanidade.

Centro de convenções Riocentro, palco da RIO 92

O Clube de Roma, formado em 1968


por intelectuais e altos funcionários de
Estados, tornou-se o precursor intelectual
da Conferência de 1972, em Estocolmo.
A ecologia orientava-o como perspectiva,
promovendo a interpretação do mundo
como um sistema global, em que a realidade
seria uma interação entre as sociedades
humanas e os recursos naturais.
O célebre relatório “Limites do Crescimento”
expôs as maiores preocupações que o
Clube de Roma detectava em seu tempo:
industrialização acelerada, “explosão”
demográfica, desnutrição generalizada,
esgotamento dos recursos naturais não-
Logo do Clube de Roma renováveis e deterioração ambiental.

www.aprovatotal.com.br 83
Almanaque de Atualidades EXTRAS

Os problemas das nações recém-descolonizadas, a expansão


industrial global e a dependência em relação aos combustíveis
fósseis estimulavam a busca por um horizonte de estabilidade
econômica e ecológica.
Foi esse o clima intelectual e político para a realização da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de 1972,
em Estocolmo, na Suécia.
A “Eco-72” se tornou um marco da diplomacia ambiental, em
meio a um planeta dividido pela Guerra Fria. As fragilidades
eram muitas. O idealismo internacionalista do Clube de Roma se
chocava com o princípio da soberania nacional, e desvencilhava
a temática ambiental da necessidade de desenvolvimento das
nações. Além disso, sua visão “neomalthusiana” estimulava
o controle de natalidade, sem perceber que a “explosão
demográfica” era uma fase passageira pela qual passavam
Logo do Programa das
Nações Unidas para o Meio as sociedades nacionais. Todavia, a conferência rendeu frutos
Ambiente significativos, como a criação do PNUMA (Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente).

Com o pontapé da Eco-72, foram realizadas


inúmeras conferências posteriores que
resultaram em tratados setoriais sobre
florestas, desertificação, poluição do
ar e da água, além de preservação da
flora e da fauna. Em 1987, foi aprovado
o Protocolo de Montreal, cujo foco era
combater a rarefação da Camada de
Ozônio, essencial para a vida terrestre, ao
proibir a utilização de clorofluorcarbonetos
(CFCs) pela indústria. O tratado é visto
como um sucesso de política ambiental,
e é fundado em sólidas bases científicas
e políticas, adaptando-se às realidades
nacionais sem afrouxar as medidas a
Logo dos “Verdes” da Alemanha. serem implementadas.
Na década de 1980, a preocupação com o meio ambiente adquiriu
ainda mais importância nas discussões internacionais. Por um
lado, isso refletia o crescimento da importância dos partidos
“Verdes” na Europa Ocidental, como na Alemanha Ocidental e na
França. Por outro, o fim da Guerra Fria, simbolizado pela queda
do Muro de Berlim, em novembro de 1989, fez com que a cisão
global entre Leste e Oeste deixasse de existir. Abria-se espaço
para que a ecologia adquirisse maior importância geopolítica, e
um novo evento internacional parecia necessário.
Em 1992 foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92). O evento
ocorreu no Rio de Janeiro e deixou de lado o neomalthusianismo
da Eco-72, tratando de conectar a temática ambiental à do
desenvolvimento, o que se refletiu no próprio título da convenção.

84 www.aprovatotal.com.br
Almanaque de Atualidades EXTRAS

Países que ratificaram o protocolo.


Países que ratificaram, mas ainda não cumpriram o protocolo.
Países que não ratificaram o protocolo.
Países que não assumiram nenhuma posição no protocolo.

Mapa do Protocolo de Quioto em 2009

As disparidades históricas entre o “Norte” desenvolvido e o “Sul”


periférico no que diz respeito ao desgaste de recursos naturais
foram colocadas em pauta. Desse modo, os acordos assinados
lançaram a âncora dos princípios de responsabilidade global na
preservação do patrimônio ambiental, mesmo que diferenciada
entre os países.
Nos anos seguintes, a preocupação com o aquecimento global
adquiriu maior centralidade, alimentada pelos dados cada vez mais
embasados cientificamente pelo IPCC (Painel Intergovernamental
sobre as Mudanças Climáticas), vinculado ao PNUMA. Todavia, a
“diplomacia climática” esbarrou constantemente na cisão global
entre “Norte” e “Sul”, além dos interesses nacionais específicos,
com os Estados Unidos de um lado, e a Europa e os países
subdesenvolvidos de outro. Em 1997, foi aprovado o importante
Protocolo de Kyoto, que visa à redução da emissão de gases que
contribuem para o efeito estufa, mas o importante documento
não recebeu a assinatura americana.
Na década seguinte, consolidou-se uma importante mudança
no panorama internacional. A China se tornou um dos maiores
poluidores globais, estimulando que os Estados Unidos cerrassem
fileiras com a Europa em busca de um novo acordo climático.
Oportunidades para isso ocorriam anualmente, através das
COPs (Conferências das Partes), estabelecidas desde 1995, com
a preocupação de reunir as nações frequentemente para discutir
a questão das mudanças climáticas. A sua 21ª edição, em Paris,
2015, tornou-se o ápice de um possível novo acordo de sucesso.

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O Acordo de Paris (2015) resultou em um


significativo avanço no entendimento entre
as potências quanto a metas de redução
das emissões de gases do efeito estufa. Os
Estados Unidos do presidente democrata
Barack Obama romperam com a posição
do também democrata Bill Clinton, que
não havia assinado o Protocolo de Kyoto,
em 1997. A participação americana em
Paris deu lastro à realização do tratado.

Barack Obama e Narendra Modi na COP21

Infelizmente, o republicano Donald Trump


retirou os Estados Unidos do Acordo de
Paris ao tomar posse em 2017. A atitude
refletia o caráter unilateral de sua política
externa no desprezo a instituições e a
organizações multilaterais. A medida foi
revertida por Joe Biden quando este tomou
posse, em janeiro de 2021, enquanto
Trump deixava a Casa Branca.
O exemplo do sucesso de Paris (2015)
deve ser comparado ao fracasso de
conferências anteriores, como a Rio+20
em 2012. Muitos chefes de Estado e
governos sequer se dignaram a participar
do evento, que não resultou em nenhum
novo acordo relevante quanto à redução
da emissão de gases responsáveis pelo
efeito estufa.

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COMBUSTÍVEIS
A BATALHA DOS PREÇOS

O preço dos combustíveis sofreu um O WTI provém do Texas, um dos maiores


severo aumento no Brasil ao início de produtores dos Estados Unidos. O Brent
2022. A Guerra da Ucrânia, causada pela e o WTI servem como calibragem para as
invasão russa e pelas sanções a Putin negociações internacionais do petróleo,
através do embargo ao seu petróleo, que tem como principais derivados a
agravou a situação. Todavia, o horizonte gasolina, o óleo diesel, o querosene e o
de aumentos já possuía uma tendência de gás liquefeito de petróleo (GLP), conhecido
médio prazo, sacrificando os rendimentos como “gás de cozinha”.
da população de mais baixa renda, já que
o preço dos combustíveis rebate também No caso do Brasil, os preços da operação e
no dos alimentos e em outros diversos dos biocombustíveis, o lucro da Petrobras
produtos. O que levou a esse cenário? — a principal extratora e refinadora de
petróleo no país —, os impostos federais e
Primeiramente, é importante destacar dois estaduais e a lucratividade da distribuição
fatores: o dólar e o mercado do petróleo. compõem o que se paga pela gasolina e
A Conferência de Bretton Woods (1944), pelo óleo diesel. Aqui surge uma importante
responsável por organizar as bases da questão: como os preços do dólar e do
economia do pós 2ª Guerra, elevou o dólar petróleo influenciam no dos combustíveis
ao status de moeda do mundo, tornando-a negociados no Brasil? O Brasil não era
o principal veículo das transações “autossuficiente” na produção do petróleo
comerciais e das finanças internacionais. consumido internamente?
Oscilações no dólar, cuja emissão é
controlada pelo Federal Reserve, dos O Brasil é um importador de petróleo
Estados Unidos, afetam cadeias globais e de combustíveis como a gasolina e o
de mercadorias do mundo todo, inclusive diesel. Essa realidade faz parte de uma
do petróleo. contradição interessante: o país produz
uma média de 3 milhões de barris/dia, e
O preço do barril de petróleo é negociado consome 2,5 milhões. Todavia, tem que
globalmente de acordo com dois principais importar diariamente 300 mil barris/dia,
índices, que representam padrões de pois compra do exterior o petróleo “leve”,
referência e de qualidade do óleo explorado que permite criar um blend necessário
em duas regiões específicas. O “Brent” para o refino e a produção de derivados,
é oriundo do Mar do Norte, importante como a gasolina. Qual a causa?
área de extração do produto na Europa.

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Posto da Petrobras, Santiago, Chile

A maioria das refinarias brasileiras foi construída na década


de 1970, projetada para o petróleo “leve” que era importado.
Nas décadas seguintes, elas se adaptaram para refinar o
petróleo “pesado” extraído no Brasil, que não é suficiente
sozinho para suprir a demanda nacional de combustíveis.
A dificuldade das mudanças tecnológicas do parque de
refinarias da Petrobras, que teve o monopólio do setor até os
anos 1990, dificultou mudanças nessa realidade de atraso.
Sede da Petrobras no Rio de Janeiro, RJ A importação de grandes somas é uma consequência.
O petróleo se divide em vários tipos, os mais “leves”
— como o Brent, o WTI, o saudita e o argelino — e os
“pesados”, como o brasileiro e o venezuelano. A maior
parte da extração e do refino do petróleo do planeta está
sob controle de empresas estatais, com ótimos e péssimos
exemplos. A norueguesa Equinor, por exemplo, nutre um
“fundo soberano” do governo que alimenta o Estado de
bem-estar social do país. Ao mesmo tempo, segue as
oscilações do mercado ao ofertar os combustíveis.
Na Venezuela, há o exato oposto: por um lado, a PDVSA
é ocupada por militares fiéis ao regime chavista, por outro,
os subsídios ao combustível barato fazem a empresa ter
operações não-lucrativas, estimulando seu sucateamento.
Não é apenas na Venezuela que militares ocupam a
cúpula de empresas estatais de petróleo. No Brasil, o
general Joaquim Silva e Luna ocupa o cargo de presidente
da Petrobras desde abril de 2019, e tem aplicado uma
política de reajustes periódicos do preço dos combustíveis,
que se dão em “saltos”. Do mesmo modo, não é a primeira
vez que a empresa fica sob controle militar.

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Plataforma petrolífera da Petrobras.

A Petrobras foi criada em 1953, durante a na Petrobras, onde se manteve até 1962.
2ª República (1945-1964), na época sob o Link insistiu que a empresa se orientasse
comando de Getúlio Vargas (1951-1954). nas explorações offshore, ou seja, sob
A empresa surgiu após uma campanha as águas do mar, sentido majoritário
orquestrada inicialmente por militares seguido desde então pela Petrobras.
nacionalistas que defendiam o monopólio Todavia, críticos dessa orientação afirmam
do petróleo do país por uma estatal. Em que o foco na produção subaquática
1971, durante a ditadura militar (1964- ignora o enorme potencial de possíveis
1985), o general Ernesto Geisel comandou reservas continentais, menos caras na
a Petrobras e criou a BR Distribuidora, em sua extração, com menor prejuízo e menor
seu projeto de expansão a todo custo da suscetibilidade a negociações em que a
empresa, já tomada na época por operações corrupção possa se instalar.
pouco transparentes e suscetíveis a
negociações indevidas e ilegais. No caso do Brasil, as bacias de Campos
e de Santos, localizadas na Plataforma
Apenas em 1997, já depois da Continental — zona de águas mais rasas e
redemocratização, a Petrobras foi próximas ao continente — são as maiores
transformada de estatal em empresa produtoras de petróleo do país. Mas onde
de capital misto, além de não ter mais o a extração dessa commodity se concentra
monopólio sobre a extração de petróleo no mundo? Estados Unidos e Rússia são
no Brasil. No ano seguinte, foi criada a grandes produtores, mas um destaque
ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás a ser feito é aos membros da OPEP
Natural e Combustíveis), responsável por (Organização dos Países Exportadores
concessões no setor. Todavia, o período do de Petróleo). A instituição reúne nações
controle militar sobre a Petrobras continua da América Larina, como Venezuela e
trazendo inúmeras heranças. Equador, da África Subsaariana, como
Nigéria e Angola, do Norte da África,
O coronel Juracy Magalhães foi o 1º como Argélia e Líbia, mas principalmente
presidente da Petrobras, nomeado por países do Oriente Médio, notadamente os
Getúlio Vargas. Logo depois da fundação banhados pelo Golfo Pérsico, como Irã,
da empresa, o americano Walter K. Link, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos
ex-funcionário da Standard Oil, trabalhou (EAU).

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A OPEP surgiu em 1960 com a ideia de não iriam querer exportar petróleo e
criar um “cartel de países” que substituísse combustíveis ao Brasil, o que geraria
um “cartel de empresas” — as chamadas risco de desabastecimento. Além disso, a
“Sete Irmãs” — no estabelecimento Petrobras teria que funcionar a todo vapor
de preços do petróleo internacional. A e de forma não-lucrativa, ficando à beira
influência da organização se evidenciou da falência, como entre 2014 e 2015.
nos choques do petróleo, em 1973 e em Outra possibilidade é o estabelecimento
1979. Mas a relação da geopolítica com de cortes de impostos e o fornecimento
o produto ficou também clara na década de subsídios ao setor de combustíveis.
seguinte, quando a redução do preço do O problema é que essas medidas
óleo, principalmente pelo aumento da incentivariam o gasto de gasolina,
produção saudita, empurrou ainda mais a inclusive pelos mais ricos, justamente em
economia da União Soviética à bancarrota, um planeta que caminha para a redução
acelerando seu fim, em 1991. O preço da utilização de combustíveis fósseis.
voltou a sofrer fortes aumentos no final
dos anos 2000 e na década seguinte, com Uma ideia possível seria reforçar
a crise de 2008, com a Primavera Árabe programas de distribuição de renda já
(2011) e com a forte demanda chinesa. existentes, para focar na população de
mais baixa renda no que diz respeito à
Quais alternativas tem o Brasil sua “defesa” em relação aos aumentos
atualmente para enfrentar o aumento sucessivos nos mais variados produtos,
dos combustíveis, com um cenário inclusive nos combustíveis. Além disso,
internacional tão nebuloso? Uma primeira é urgente que os mais variados níveis do
ideia seria o controle artificial de preços, Estado incentivem meios de transporte
que tem um lado sombrio: as empresas alternativos.

Reunião da OPEP

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DEMOCRACIAS
EM AMEAÇA
A DERIVA AUTORITÁRIA

Do trumpismo americano ao chavismo O Democracy Index é calculado com base


venezuelano, passando por Vladimir Putin, em cinco principais feições dos países
Recep Erdogan e Viktor Órban, o teor da no ano anterior: (i) pluralismo e processo
democracia tem se dissolvido no ar. Em eleitoral; (ii) funcionamento do governo;
nome de maiorias populares, governos (iii) participação política; (iv) cultura
populistas têm surrupiado instituições e política democrática; e (v) liberdades civis.
controlado parlamentos, além de atacar De acordo com os dados apontados no
a imprensa livre e incitar radicais. O relatório publicado em fevereiro de 2022,
Democracy Index, relatório publicado mais de um terço da população mundial
anualmente pela revista britânica The vive sob “regimes autoritários” — a
Economist, evidencia um cenário de pontuação mais baixa do índice depois de
corrosão global da democracia. “regimes híbridos”, “democracias frágeis”
e “democracias plenas”.

Democracias Democracias Regimes Regimes Sem


Plenas Defeituosas Híbridos Autoritários Informações
9.01 - 10 7.01 - 8 5.01 - 6 3.01 - 4
8.01 - 9 6.01 - 7 4.01 - 5 2.01 - 3
0 - 2.00

Democracy Index do The Economist, 2021

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As chamadas “democracias plenas” Em Mianmar, um golpe militar estilhaçou


ocupam o topo da lista. Em sua maioria são a frágil democracia no país no início de
países nórdicos, como Noruega, Finlândia, fevereiro de 2021, derrubando Aung
Suécia, Dinamarca e Islândia. Em todos San Suu Kyi. A perseguição à minoria
esses casos, um alto grau de liberdade muçulmana dos rohingya — que ocorria
política combina-se ao bem-estar social desde 2017 e sob os olhares complacentes
alimentado por décadas, notadamente no da líder derrubada — passou a ser ofuscada
período após a 2ª guerra mundial. Nova por outro processo. O clima de guerra civil
Zelândia e Austrália, nações da Oceania, se alastrou entre a própria maioria bâmar,
também estão presentes nesse seleto de religião budista, hegemônica na história
grupo, assim como Taiwan, ilha que se política do país. Nesse cenário, mais de mil
tornou o primeiro país asiático a aprovar pessoas já foram mortas pela repressão
a união homoafetiva, em 2019. Próxima policial e do exército.
à China, é reivindicada por essa última
como província rebelde e sofre constantes Na América Latina, a situação continua
ameaças de anexação nos últimos anos, piorando. A eleição peruana de 2021 foi
ecoadas por Xi Xinping, no poder em marcada pela oposição entre Keiko Fujimori,
Pequim desde 2012. filha de um ex-ditador dos anos 1990, e
Pedro Castillo, um defensor do chavismo.
O oposto da lista é ocupado por três nações Na Venezuela, o herdeiro de Hugo Chávez,
asiáticas, classificadas pelo tom mais brutal Nicolás Maduro, continua torcendo o
de regimes autoritários, que são os casos parafuso sobre a oposição e cercando-se
afegão, norte-coreano e de Mianmar. Os do apoio das forças armadas. No caso da
Talibãs voltaram ao poder no Afeganistão Nicarágua, Daniel Ortega, no poder desde
em agosto de 2021, desse modo, o grupo 2007, reelegeu-se em novembro para
fundamentalista distorce os termos do um quarto mandato, enquanto todos os
islamismo, voltando-os principalmente candidatos oposicionistas estavam detidos
contra as mulheres e, a partir disso, institui e a imprensa censurada. O assassinato
uma brutal perseguição a oposicionistas. do presidente haitiano Jovenel Moïse
No caso da Coreia do Norte, o regime de mergulhou o país em um cenário de caos
partido-único vigora desde a divisão da político em julho, na mesma época em que
península, em 1948 — a dinastia dos Kim manifestações pacíficas eram reprimidas
já se encontra em sua terceira geração, com brutalidade em Cuba.
ameaçando constantemente o globo com
seus testes de mísseis nucleares.

A ex-conselheira de estado de Mianmar Aung San Suu Kyi (esquerda), o líder do golpe Min Aung
Hlaing (centro-esquerda), Daniel Ortega (centro-direita) e Nicolás Maduro (direita).

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Na América do Norte, Donald Trump


deixou o poder no início de 2021, mas
com direito a um episódio assustador de
ameaça à democracia. Em 6 de janeiro,
trumpistas invadiram o Capitólio, sede
do poder legislativo americano, onde se
reúnem tanto o Senado como a Câmara
dos Representantes. O ato foi visto como
símbolo da corrosão das instituições do
país, já que o ataque aos outros poderes por
parte do executivo e de seus apoiadores
é comum em regimes autoritários, como
o de Putin na Rússia e o de Erdogan
na Turquia. Assim como o legislativo, o
judiciário também não costuma sair ileso. O Capitólio, após a invasão

Na China, o governo de Xi Jinping tem


apostado na repressão ainda mais
forte à oposição, apoiando-se em uma
combinação refinada entre vigilância
eletrônica e controle das manifestações
políticas, inclusive na Internet e nas redes
sociais. O cerco sob Hong Kong tem
se apertado, assim como a repressão
na província de Xinjiang, cuja maioria
muçulmana uigur é acusada de ser uma
porta de entrada para o “terrorismo
islâmico” no país. O raciocínio islamófobo
não difere muito daquele ecoado nos
governos de George W. Bush (2001- Manifestação dos uigures contra o presidente Xi Jinping.
2009), nos Estados Unidos. É a gramática
da Guerra ao Terror levada ao extremo de
“campos de reeducação” para centenas de
milhares de pessoas.
O continente africano também se
encontra em maus lençóis. Durante a
Guerra Fria, a presença de ditaduras podia
ser observada por todos os lados. Nesse
contexto, redemocratizações sucessivas
— mesmo que assombradas por guerras
civis — ocorreram gradualmente, mas os
reveses são comuns. O caso mais extremo
é o da República Democrática do Congo,
que passou por anos de guerra entre 1996
e 2003 e foi dominada por quase duas
décadas, até 2019, por Joseph Kabila. Seu
sucessor é um firme aliado, e a oposição do
país mantém-se sob controle e vigilância,
sem contar o autoritarismo vigente no
leste do país, em estado de guerra civil
crônica há décadas. O poder das armas
cala a desavença.
Refugiados fugindo da guerra na República Democrática
do Congo

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No Sahel, faixa tropical entre o deserto do Saara e as florestas


úmidas, a intervenção do exército na política só aumentou.
Golpes militares se tornaram comuns, como em Burkina Faso
e Mali, justificando-se em nome da luta contra o jihadismo
islâmico, que aterroriza as zonas desses países. No Chade,
o governo de três décadas de Idriss Déby terminou com a
sua morte em campo de batalha, abrindo espaço para que o
próprio filho assumisse o comando enquanto o parlamento era
dissolvido. Em Cartum, capital do Sudão, o exército retornou
ao poder, apenas dois anos depois da queda do ditador Omar
al-Bashir, acusado pelo Tribunal Penal Internacional de crimes
contra a humanidade no conflito de Darfur.
Alexander Lukachenko

Bashar al-Assad

Mapa da região do Sahel

Os piores casos na Europa continuam sendo a Rússia, de


Vladimir Putin, que assumiu o comando do país em 1999;
e a sua fiel escudeira, Belarus, governada por Alexander
Lukachenko desde 1994. A Síria, aliada russa no Oriente
Médio, continua governada por Bashar al-Assad, em uma
região circundada por regimes autoritários e que muitas vezes
misturam o nacionalismo com a religião como justificativa da
repressão, tais quais a Arábia Saudita e o Irã. Estados em
guerra civil se encontram também em posições comprometidas
Vladimir Putin
no Democracy Index, dentre eles estão Iêmen e Líbia.
No subcontinente indiano a situação não é muito favorável. O
Paquistão mantém-se comandado por uma casta próxima e fiel
aos militares e ao islamismo radical: Imran Khan, o primeiro-
ministro, comemorou a vitória dos aliados Talibãs no vizinho
Afeganistão em agosto de 2021. Na Índia, o supremacismo
hindu do primeiro-ministro Narendra Modi tem levado o
país à crescente perseguição das minorias religiosas, como
os muçulmanos. Contudo, o autoritarismo pode também ser
laico e não-religioso: na Ásia Central, todos os “stãos” são
considerados regimes autoritários — são todos amigos de
Putin, mas que agora temem que a agressão desse na Ucrânia
volte-se contra outros vizinhos russos.

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CARTA DO AUTOR
O Aprova Total, em parceria com o mundo, e a Geografia tem tudo a ver
professor Víctor Daltoé dos Anjos, com isso. As “atualidades” encontradas
lança a 2ª edição do Almanaque de nessas páginas são vistas com os óculos da
Atualidades, com textos escritos no preocupação em utilizar a Geografia como
calor do momento, observando os a “arte do movimento”, nas palavras de
acontecimentos do mundo a partir Michel Foucher, vinculando cada evento a
do raciocínio geográfico. O autor é um contexto geográfico e geopolítico claro.
geógrafo e licenciado em Geografia pela
Universidade Federal de Santa Catarina O instrumento mais valioso oferecido
(UFSC), na qual é mestrando em Ciência para os estudantes no presente
Política. Sob a perspectiva aberta pela Almanaque é uma lente que se adapta às
criação da revista Hérodote, em Paris mais variadas escalas. Uma guerra deve
(1976), é proposta uma abordagem das ser analisada desde os rastros deixados
atualidades com os olhos atentos ao no campo de batalha até as negociações
vínculo entre a geografia e as estratégias ocorridas por trás de grossas cortinas —
do poder e da política. sem deixar de lado as palavras inscritas
no direito internacional. Àqueles
Os primeiros meses de 2022 foram sedentos pelo conhecimento do mundo,
marcados pelo sabor amargo da guerra. uma boa leitura!
A invasão da Ucrânia pela Rússia tingiu
o palco internacional com as cores da
agressão. Uma erupção vulcânica em
Tonga escureceu os céus no Pacífico,
enquanto enchentes assolaram o Brasil —
da Bahia a São Paulo e do Rio de Janeiro
a Minas Gerais. Conflitos continuaram
causando fome na Etiópia e no Iêmen,
enquanto a repressão aos uigures
manteve-se aguda no Xinjiang chinês. A
democracia recua a olhos vistos, com a
liberdade de imprensa sendo cerceada
com maior intensidade.
Certa vez, o geógrafo Jean Dresch
exclamou: “Chega de geografia sem
drama!”. Na mesma linha, um de seus
discípulos, Yves Lacoste, lapidou uma obra
intitulada “A geografia serve, antes de
mais nada, para fazer a guerra”. O caráter
frontal dessas afirmações serve para alertar
o quanto a curiosidade deve estar atenta
aos movimentos que se desenrolam no Prof. Víctor Daltoé dos Anjos

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