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PÊSSANKA
DA UCRÂNIA PARA O BRASIL
contexto histórico e manual ilustrado da arte
INTRODUÇÃO ......................................................................... 06
1. A UCRÂNIA ........................................................................ 07
1.1 BREVE HISTóRICO ........................................................ 08
1.2 GALÍCIA NA DÉCADA DE 1890 ..................................... 10
1.3 A IMIGRAÇÃO PARA O BRASIL. .................................... 11
1.4 O AGRUPAMENTO E O TRANSPORTE
DE IMIGRANTES ................................................................. 12
1.5 IMIGRAÇÃO UCRANIANA NO PARANÁ ....................... 14
1.6 A CULTURA UCRANIANA ............................................. 16
1.6.1 A páscoa ucraniana .................................................... 18
2. A PÊSSANKA ....................................................................... 20
2.1 A PÊSSANKA NA UCRÂNIA ........................................... 22
2.2 A CULTURA TRYPILLIAN ............................................... 23
2.3 SIMBOLISMO DO OVO ................................................ 24
2.4 SIMBOLOGIA DAS PÊSSANKAS ..................................... 25
2.4.1 Símbolos solares ......................................................... 28
2.4.2 Linhas ......................................................................... 29
2.4.3 Variação de linhas ...................................................... 30
2.4.4 Cruz ........................................................................... 31
2.4.5 Igrejas ........................................................................ 32
2.4.6 Plantas ........................................................................ 33
2.4.7 Animais ...................................................................... 34
2.4.8 Cores ......................................................................... 36
2.5 PÊSSANKAS REGIONAIS UCRANIANAS ........................ 37
2.5.1 Lemkivchena .............................................................. 38
2.5.2 Polissia ........................................................................ 38
2.5.3 Hutsulchena ............................................................... 38
2.5.4 Haletchená ................................................................. 39
2.5.5 Poltavtchena ............................................................... 39
2.5.6 Kyiv ........................................................................... 39
REFERÊNCIAS .......................................................................... 71
INTRODUÇÃO
A Pêssanka é uma das mais antigas formas de arte do povo
ucraniano, inclusive considerada como verdadeiro fenômeno da
cultura ucraniana. Foi iniciada pelos ancestrais da cultura Trypillian,
tendo continuidade na era pré-cristã, em que prevaleciam os cultos
ao deus do Sol - “Dajbóh”, e prosseguiu com a implantação do
cristianismo, para chegar até os nossos dias.
Neste trabalho procuramos desenvolver um pequeno estudo
sobre elas, e para tanto, dividimo-lo em três etapas.
A primeira parte fala da Ucrânia, país de onde se origina a
pêssanka, a imigração para o Brasil e outros aspectos culturais. Dessa
forma o leitor terá uma boa noção da profundidade da relação desta
arte com o povo ucraniano e seus descendentes em outros países.
Na sequencia daremos uma explanação sobre os conceitos
relativos à existência de tal forma de manifestação popular, falando
da cultura Trypillian, que deu inicio à essa arte na Ucrânia, e em
especial dos simbolismos que envolvem de magia a pêssanka, e
que acabam descrevendo muito da cultura desse povo. E para
concluir esta etapa, também teremos um caráter histórico-cultural
das pêssankas, por meio de caracterização de alguns exemplares
de regiões da Ucrânia, notando-se as suas características específicas.
Na terceira fase do estudo, daremos ao leitor um manual de
criação de pêssankas, que se restringe ao processo utilizado pelos
ucranianos da Diáspora no Brasil, com suas ferramentas e estilo,
podendo ser utilizando por qualquer pessoa, descendente de
ucraniano ou simpatizante da etnia, já que é todo ilustrado e contém
informações de fácil entendimento.
O objetivo deste trabalho é registrar um pouco da arte das
pêssankas no Brasil, dando oportunidade para aqueles que querem
aprender, sendo também uma forma de agradecimento ao povo
brasileiro pela acolhida aos nossos antepassados, que vieram para
este país, cheios de sonhos, que hoje se realizam, com uma
comunidade ucraniana que vive no Brasil, sem esquecer suas belas
raízes.
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1. A UCRÂNIA
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1.1 BREVE HISTóRICO
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Após o declínio de Kyiv, o fio condutor da tradição histórica da
etnia ucraniana é reassumido pela Ucrânia Ocidental, que passou a
ser um importante centro político e cultural, sendo Lviv, a nova
capital.
No entanto, nos meados do Século XIV, o poder desse Estado
entrou em decadência e o território da Ucrânia Ocidental caiu sob
o controle da Polônia e Lituânia.
Um vigoroso crescimento da Ucrânia ocorre no final do Século
XVI, com o surgimento da ordem militar dos cossacos. Vistos como
defensores da liberdade e da justiça, os cossacos de Zaporija
conseguiram manter uma turbulenta independência em meio das
concorrentes ambições dos poloneses, russos, turcos e tártaros.
Com a restauração da totalidade da antiga Ucrânia, por meio
dos cossacos, surgiu um significativo renascimento cultural, com a
religião, música, artes gráficas e outras manifestações, atingindo o
mais alto nível do desenvolvimento. Kyiv tornou-se novamente o
centro da vida cultural e política, e a Academia Kyivense, o centro
dominante de educação na Europa Oriental.
No Século XVIII, o Estado de Moscou crescia e tornava-se uma
ameaça à independência ucraniana, e mesmo uma série de tratados
realizados pela Ucrânia não conseguiu deter o avanço dos russos.
Com a queda da última fortaleza dos cossacos, em 1775, seguiu-
se um período de opressão nacional e social, que visava à erradicação
de tudo que fosse caracterizado como ucraniano. Como que por
ironia, essa tentativa de extinguir os últimos raios de liberdade na
Ucrânia coincidiu com o estabelecimento da liberdade, nos Estados
Unidos da América, e com a Revolução Francesa, na Europa
ocidental.
A desintegração tanto da Rússia quanto do Império Austro-
Húngaro, durante a Primeira Guerra Mundial , fez surgir a aspiração
dos ucranianos por sua autodeterminação, e proporcionou essa
situação, em 1918. Mas, infelizmente, a República Nacional da
Ucrânia, como Estado soberano, durou somente três anos, vindo a
cair novamente, com o surgimento de uma nova potência: a Rússia
comunista.
O regime soviético russo trouxe o terror para o povo ucraniano,
atingindo o seu cume nos anos de 1932 e 1933, com a coletivização
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compulsória das propriedades agrícolas. Esse processo confiscou os
alimentos produzidos pelos camponeses ucranianos, fazendo com
que mais de 7 milhões de pessoas morressem vítimas da fome,
artificialmente introduzida, para quebrar a resistência do povo
ucraniano (Stevart, 1983).
No dia 24 de agosto de 1991, a Ucrânia declara independência,
aproveitando o momento de instabilidade do regime soviético,
sendo hoje um Estado soberano.
Os períodos de domínio deixaram profundas marcas neste país,
que hoje passa por dificuldades econômicas e sociais, procurando
se estabilizar no novo cenário mundial (Tsvietkov, 1994).
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alemães. Os judeus mantinham em suas mãos quase todo o comércio
e parte da indústria. Além disso, havia uma grande desproporção
étnico-social quanto à ocupação das terras. A maioria ucraniana
detinha apenas 48% de todo o território. Mais de 30% de todas as
terras pertenciam a aproximadamente 2 mil famílias de latifundiários
da nobreza polonesa. As restantes 22% cabiam à população agrícola
polonesa, às colônias alemães e a proprietários urbanos (poloneses
e judeus).
Em média, uma família ucraniana de agricultores vivia de 2,6
hectares de terra, e o governo austríaco não tomava nenhuma
providência para alterar ou melhorar o quadro econômico, nem
mesmo favorecer a industrialização do país, a fim de desviar parte
da população agrícola para as fabricas, construções, etc.
E devido ao quadro econômico-social de uma região pobre e
carente de terras, iniciou-se um processo de emigração do povo,
partindo, primeiramente, para os Estados Unidos e, a partir de 1891,
para o Canadá e Brasil.
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Dentre tais agentes, ficou particularmente “famoso” o italiano
Gergoletto. Em 1893, o mesmo apareceu na Galícia, visitando
centenas das mais pobres aldeias ucranianas, e apresentando-se
como herdeiro do trono Austríaco. Como impostor, Gergoletto
promoveu a propaganda de imigração para o Brasil, não se limitando
apenas à motivação de ordem econômica. Aliou-os a certos
momentos de caráter político-social, pois além das promessas de
campos férteis e florestas em quantidade ilimitada, casas, gado,
cavalos, sem nada ter que pagar, esse agente inescrupuloso prometia
fundar no Brasil o “Reino Rutheno”, livre da nobreza polonesa e
dos judeus.
E devido a toda propaganda, influenciando o povo, iniciou-se
a partir de janeiro de 1895, não uma imigração , mas uma verdadeira
debandada de camponeses ucranianos da Galícia para o Brasil.
No decorrer de dois anos (época em que o governo brasileiro
cobria as custas de passagens), abandonaram a sua terra natal mais
de 5 mil famílias de ucranianos e, com a renovação do transporte
gratuito, em 1907, emigraram até a Primeira Guerra Mundial outras
5 mil famílias, que, na maioria (90%), fixaram-se no Paraná.
Quanto às minorias étnicas da Galícia, estas imigraram
relativamente menos, já que se encontravam em situação econômica
melhor.
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Esses comerciantes-intermediários compravam, pela metade
do preço, e revendiam com enormes lucros as casas e pequenas
propriedades rurais dos candidatos à imigração. Estes, a par dessas
práticas, sem controle qualquer, eram expostos a grandes despesas
e prejuízos e, além disso, levados a pagar antecipadamente os
bilhetes de viagem, por ferrovia até os portos da Itália ou Alemanha.
O ponto de confluência para embarque de imigrantes ficava
em Lviv, capital da Galícia, onde as autoridades policiais procediam
o controle dos passaportes e registros, além da prevista provisão
monetária por família, no valor de 600 coroas. Muitas vezes, a família
não dispunha da importância e, na hora da fiscalização, uns pediam
emprestado dinheiro dos outros.
Normalmente todos os emigrantes se registravam em listas dos
que se destinavam ao povoamento do Paraná, já que tinham notícias
das primeiras 30 famílias que se fixaram em 1891, de que o governo
oferecia maiores garantias para a aquisição de terras e o clima se
assemelhava ao europeu.
Essa vontade geral de se dirigir ao Paraná era motivo de
verdadeiros motins e lamentáveis incidentes na própria Itália, quando
os agentes se empenhavam em dirigir os emigrantes para outros
estados, como o Espírito Santo e Minas Gerais.
O roteiro da saída da Galícia era normalmente de Lviv, até os
portos da Itália, onde já havia o consulado brasileiro, que ajustava as
últimas formalidades e distribuía gratuitamente as passagens por via
marítima.
Uma viagem normal de Lviv a Gênova, durava, naqueles
tempos, de 3 a 4 dias, mais isso ocorria raramente com um
embarque numeroso, pois as autoridades militares austríacas detinham
de 3 ou até 4 vezes os comboios em busca de recrutas militares,
passageiros ilegais ou de diversos especuladores que imiscuíam-se
entre os emigrantes. Uma vistoria dessas durava, pelo menos, um
dia inteiro, o que gerava altos custos aos bolsos dos emigrantes (Prof.
Nikolas Hec, artigo contido no livro de poesias de Ivan Franco,
editado e traduzido pela Sociedade dos Amigos da Cultura Ucraniana,
em 1891).
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1.5 IMIGRAÇÃO UCRANIANA NO PARANÁ
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Passando esse período, o governo brasileiro adota medidas
restritas quanto à entrada de imigrantes estrangeiros no país e um
período importante da História do Brasil e dos países que enviaram
imigrantes chega ao fim.
Logo na chegada dos primeiros imigrantes ucranianos, as
promessas de paraíso e riquezas abundantes foram instantaneamente
substituídas pela triste realidade e falta de apoio adequado. Ao
chegarem aos portos brasileiros, os imigrantes ucranianos
enfrentavam um período de cadastro e regularização de sua chegada.
Em Curitiba, ou quando desembarcavam no Porto de Paranaguá,
muitos imigrantes se queixavam de que as poucas economias que
traziam consigo eram gastas em hospedagem e alimentação nesse
período.
Após serem liberados, seguiam em tortuosa viagem pela Serra
do Mar, até as colônias a que seriam destinados. As viagens eram
feitas, na maioria dos casos, no lombo de cavalos, burros ou em
carroças rudimentares. Os poucos pertences trazidos eram roupas,
alguns utensílios e ferramentas.
Havia em toda parte, do governo brasileiro, uma certa
participação na instalação do imigrante, mas o notório “jeitinho
brasileiro”, de desviar e empregar mal os recursos públicos, mostrou-
se presente na imigração. Há vários relatos de casos de agentes de
imigração que não empregavam o dinheiro público corretamente.
Até as passagens de navio, prometidas pelo governo brasileiro eram
cobradas mediante trabalho, logo que aqui desembarcavam.
As dificuldades naturais de qualquer pessoa em se adaptar a
uma terra estranha, florestas virgens, clima, idioma, alimentação e
costumes muito diferentes dos seus, foram somados a outras
adversidades. A falta de estradas, sementes para o plantio, material
adequado para construir suas casas, enfim, todas as dificuldades que
possamos imaginar para construir um novo lar em um lugar tão
distante de sua Pátria, esses ucranianos enfrentaram.
Acostumados a provocações e lutas durante toda a história, os
ucranianos sobreviveram e se puseram de pé, enfrentando a fome
e a saudade da terra natal, e, com muita união, entregues à sua fé
religiosa, cultivavam a esperança de dias melhores, livres da opressão
e das perseguições sofridas na Galícia. Conseguiram vencer os
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obstáculos que o destino lhe reservou e acabaram contribuindo
sensivelmente para o engrandecimento cultural e econômico do
Paraná.
Segundo dados do Consulado Ucraniano no Brasil, há 350.000
ucranianos e descendentes em todo o estado do Paraná. A cidade
de Prudentópolis, nos Campos Gerais é onde se encontra a maior
concentração de ucranianos e descendentes, ou seja, 70% da
população de seus 50.000 habitantes. A etnia também é
numericamente expressiva em Curitiba, União da Vitória, Pitanga,
Irati e Cruz Machado.
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artesanato, enfim, são vários motivos que dão um diferencial todo
especial às famílias de ucranianos.
Em se tratando de culinária, as mulheres ucranianas
preservavam até os dias de hoje, todos os pratos típicos trazidos
pelos primeiros imigrantes, e, como todo o restante da cultura, é
passado de geração a geração. Fazem pratos como o varêneke
(perohê), holouptshi, borch, kutiá, e os utilizam em ocasiões
especiais, como nas datas de Natal e Páscoa, além de serem também
utilizados no dia-a-dia das famílias. Esses pratos são muito apreciados
por pessoas que não pertencem à etnia, e são procurados em festas
e eventos das comunidades ucranianas no Brasil, e hoje são
encontrados inclusive em supermercados e restaurantes, mostrando
a influência da presença dos imigrantes na sociedade em geral.
Uma característica marcante da cultura ucraniana são os
bordados em ponto cruz, utilizados para ornamentos de ícones,
como tolhas de mesa, nas igrejas em altares e paramentos litúrgicos,
e também na própria vestimenta típica ucraniana, significando
proteção, por serem aplicados em partes vulneráveis.
A educação dos filhos é feita de forma a se preservar a
identidade ucraniana. Desde cedo, as crianças aprendem o rito
ucraniano e também aspectos da cultura, inclusive a língua falada e
escrita.
Também encontramos interessantes caracacterísticas da cultura
ucraniana com o artesanato feito com madeira. São diversas as suas
formas, mas seguindo, em geral, as características dos traços
ucranianos, muito trabalhados e com motivos geralmente com
significados. Temos essa arte estampada nas igrejas, em altares,
castiçais, iconostás (portais de altares), pratos decorativos,
ornamentos, e peças de uso cotidiano, como vasilhas, baús, etc.
(Fontes: Arquivos da Paróquia São Basílio Magno, 2002;
Arquivos do Clube Ucraniano, 2002; Mê Rostemo, 2002; Paulo
Horbatiuk, Imigração Ucraniana no Paraná, 1989).
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1.6.1 A páscoa ucraniana
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há a adoração da “Plastchanytsia” (imagem de Cristo Morto), ficando
exposta até sábado. No sábado, fazem-se as preparações para a
festa da ressurreição.
Prepararam-se “pessankê”, “halunkê” ou “krashankê” (os ovos
coloridos e pintados), com a tradicional simbologia, envolvendo os
costumes pré-cristãos e cristãos. No domingo, após a Missa de Páscoa,
benzem-se os alimentos da Páscoa: pão (paska), ovos, requeijão,
leitão assado, manteiga, hrin (raízes amargas), lingüiça e outros.
Terminada a bênção dos alimentos, todos começavam a se
cumprimentar e a presentear-se com as pêssankas. Nos lares, a noite
de Páscoa é uma noite sagrada, mágica, benéfica, a noite da
felicidade, na época pré-cristã era a noite precursora do Grande
Dia do Sol. Em cada casa devia arder o fogo, e ainda eram feitas
grandes fogueiras para dar boas-vindas a Dajbóh, o deus do Sol.
(Fontes: Tarcízio Zaluski, Páscoa: Celebrações Litúrgicas e
Costumes Populares, 2001).
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2. A PÊSSANKA
20
seus pedidos, para que a terra continuasse produzindo aquilo de
que necessitavam para viver. Essas pêssankas eram enterradas no
campo, nas lavouras, pois deveriam ser presentes aos amados entes
da natureza.
Nesse tempo anterior ao cristianismo, o povo tinha suas crenças
voltadas para aquilo que via e sentia. Era uma época em que, mais
do que nunca, o ucraniano estava ligado à natureza, sua fonte de
vida e energia.
Em 988, por meio do Príncipe Volodymyr, a Ucrânia é batizada
nas margens do Rio Dnipró, passando a adotar o cristianismo como
religião oficial. O povo absorveu essa mudança, mas não abandonou
seus antigos rituais, como as Festas da Primavera.
A solução encontrada pela igreja foi a adaptação desses antigos
costumes, como símbolos cristãos, ou seja, permitiam e até apoiavam
o povo a manter essas tradições consideradas pagãs, mas lhes
incutiam um simbolismo correlato ao cristianismo.
A antiga Festa da Primavera transformou-se na Páscoa Cristã,
por se tratar da mesma época. O povo continuava com os antigos
festejos, mas mudava-se gradativamente o sentido da ocasião festiva.
As pêssankas continuaram existindo, o povo não deixou o costume
de colorir ovos para expressar seus sentimentos, mas o clero religioso
fez com que se abandonassem as crenças nos entes da natureza,
pois deviam ser extintos os costumes tidos como pagãos.
As pessoas passaram então a fazer pêssankas para dar aos
parentes e amigos respeitados, demonstrando tudo aquilo que
desejavam aos seus entes queridos. As pequenas obras de arte
também começaram a aparecer em datas importantes, como
casamentos e nascimentos, como materialização das boas intenções
que se desejava expressar.
Na conturbada histórica da Ucrânia, o povo por muitos períodos
de instabilidade social, com a miséria e a opressão assolando seus
lares, e mesmo assim as pêssankas continuam acompanhando a vida
dessa gente que veio para o Brasil em busca de um futuro melhor
para seus filhos, trazendo na bagagem uma cultura milenar, que,
mesmo longe da terra natal, continuou sendo mantida.
A Ucrânia, em 1991, finalmente, adquiriu sua independência,
exigida pela população que saiu às ruas e, hoje, além do seu valor
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cultural, simbólico e artístico, as pêssankas passaram a ser um símbolo
de longevidade, para uma Ucrânia livre e independente.
Nos lares contemporâneos, as pêssankas, além de serem peças
decorativas, são consideradas talismãs, livrando as pessoas do mal,
e trazendo boas energias. Acredita-se que quando uma pêssanka
se quebra espontaneamente, algum infortúnio deixou de atingir as
pessoas da casa.
As pêssankas são apreciadas por diversos povos, e no Brasil
essa arte ganhou espaço, tendo-se incorporado à cultura brasileira,
por meio dos descendentes de ucranianos que mantêm essa tradição.
A cultura ucraniana no Brasil sofreu uma benéfica influência,
somando valores, o que acaba se refletindo até nas próprias
pêssankas, figurando, ocasionalmente, alguma ave brasileira, ou
mesmo as características das araucárias do sul brasileiro, região que
mais recebeu os imigrantes ucranianos.
(Fontes: Catálogo do Museu Ucraniano de Curitiba, 1992;
Cornélio Szumulik, Pêssanka – Representação da Força Mágica do
Sol; Dozetéia Cpuskievicz, Ovos Decorados na Tradição Ucraniana;
Tarcísio Zaluski, Páscoa: Celebrações Litúrgicas e Costumes
Populares, 2001).
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Esse processo de valorização dessa arte tem como principal
motivador o sentimento do tempo perdido, durante o regime
socialista soviético. Nos anos de 1930 a 1980, as pêssankas foram
tidas pelo governo, como algo ligado à religião cristã, e, devido a
isso, muitos artistas populares tiveram que abandonar seu trabalho,
temendo as represálias que assombravam a população ucraniana.
Muitos escritores afirmam que o simbolismo cristão não era
uma ameaça aos russos. O fato era que eles simplesmente não
podiam divulgar as pêssankas, já que eles mesmos não as tinham
em suas tradições. Sendo essa arte um simbolismo vivo da cultura
ucraniana, os russos tiveram que dar um fim a essa tradição popular,
já que tentavam aniquilar qualquer manifestação ucraniana,
temendo uma possível retomada dos valores nacionalistas dos povos
subjugados.
Porém a arte popular, seja qual for o segmento que seja, é
viva. Não pode ser parada, assim como não se pode parar o fluxo
de um rio. Por mais que se tente represá-lo, chega um momento
em que a barragem não será suficiente para conter a força
acumulada.
E assim aconteceu com a arte das pêssankas, que acabou
tornando-se um dos principais símbolos da cultura ucraniana
contemporânea. Apesar dos anos de represália soviética na Ucrânia,
os ucranianos do chamado mundo livre (na época do socialismo)
continuaram a preparar suas pêssankas, e a manter a tradição milenar
dos antepassados (Haneiko, 1974).
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A sociedade Trypillian existiu antes de Abraão, da mitologia
grega, e da idade do bronze. Pelos estudos, deduz-se quem esse
povo viveu na Ucrânia, na época da construção da Grande Pirâmide
do Egito.
Os Trypillians eram uma sociedade matriarcal, e tinham pouco
interesse na formação de uma sociedade mais organizada, com um
governante, com arrecadação de impostos para o bem comum,
dinheiro, etc. até pelo motivo de que viviam pacificamente entre
si e com seus vizinhos. Segundo os estudiosos, suas primitivas casas
eram decoradas por dentro e por fora, o que nos mostra que tinham
grande senso de estética, que acabou nos trazendo também a arte
das pêssankas.
Nos símbolos que apresentaremos a seguir, encontraremos
muitos que provêm ainda dessa cultura, o que nos mostra uma ligação
com os primitivos ucranianos, por meio de uma arte acompanha o
povo ucraniano desde a sua origem.
24
civilizações acreditavam que o mundo havia nascido de um ovo.
Na maioria das tradições, esse “ovo cósmico” aparece depois de
um período de caos.
Na Índia, por exemplo, acredita-se que uma gansa de nome
Hamsa (um espírito considerado o “sopro divino”), chocou um ovo
cósmico na superfície das águas primordiais e, daí, dividido em
duas partes, o ovo deu origem ao céu e a terra – simbolicamente é
possível ver o céu como a parte leve do ovo, a clara, e a terra como
outra mais densa, a gema.
O mito do ovo aparece também nas tradições chinesas. Antes
do surgimento do mundo, quando tudo ainda era caos, um ovo
semelhante ao de galinha se abriu e, de seus elementos pesados
surgiu a terra (Yin) e, de sua parte leve e pura, nasceu o céu (Yan).
Para os celtas, o ovo contém a representação do universo: a
gema representa o globo terrestre, a clara, o firmamento e a
atmosfera; a casca equivale à atmosfera celeste a aos astros.
Na tradição cristã, o ovo aparece como uma renovação
periódica da natureza. Trata-se do mito da criação cíclica. Em muitos
países europeus, ainda hoje, há uma crença de que comer ovos no
Domingo de Páscoa traz saúde e sorte durante todo o resto do ano.
Os ucranianos, em sua era pré-cristã, reconheciam diversos
enteais, como Perum (deus do trovão), Volos (deus dos rebanhos),
Mavka (deusa da mata), Russalka (deusa das águas), e entre outros,
Dajbóh (deus do sol) – Mê Rostemo, 2002.
Para esse último, ofereciam-se homenagens numa festa
especial, alusiva à chegada da Primavera, quando se “escreviam”
as pêssankas a fim de transmitir seus sentimentos aos amados entes.
A motivação da escolha do ovo como um bem precioso é simples,
pois o mesmo abria em seu interior. A partir desse fato, o povo
iniciou um processo de comunicação por meio da inscrição de
desenhos, manifestando os seus sentimentos e anseios.
25
que significa escrever. A arte de colorir os ovos ficou assim
denominada pelo fato de as pessoas desejarem expressar algo por
meio dos desenhos, das formas e das cores utilizadas.
A produção de pêssankas, tradicionalmente, é realizada na
última semana da quaresma, final do rigoroso inverno Ucraniano,
quando o povo se prepara para a chegada da Páscoa e também da
primavera.
A pessoa que prepara uma pêssanka deve sempre estar
sintonizada com aquilo que deseja exprimir em seu trabalho. Ela
irá colocar sempre bons sentimentos em seus desenhos, buscando
a harmonia de formas e cores, para que se mantenha a tradição
dessa arte.
Na tênue casca do ovo, se apresenta em símbolos, a história
da humanidade, as suas crenças, esperanças e anseios. São inúmeros
os símbolos usados em pêssankas, alguns comuns em toda a Ucrânia,
outros típicos de determinadas regiões, ou ainda, mais
contemporâneos, relativos também à vida dos ucranianos na
diáspora.
Cada traço, figura e cor das pêssankas tem um significado
especial. Apresentamos a seguir, um quadro dos principais símbolos
utilizados pelos os ucranianos no Brasil, desenvolvido através de
pesquisa organizada e publicada no ano de 1982 pelos artesãos
Jeroslau Volochtchuk e Waldomiro Romero, e divulgada pela
Associação dos Artesãos de Pêssankas do Paraná.
O quadro da figura 1 foi e continua sendo a mais importante
fonte de orientação para os ucranianos no Brasil, porém encontramos
uma diversidade maior de símbolos na cultura ucraniana, e muitos
deles podem até ter um sentido diferente, quando comparados.
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Figura 1: Quadro Pessankas
27
A seguir, vamos descrever outros símbolos publicados na página
sobre pêssankas “Olgas´s Eggs Files (http://eggs-files.tripod.com)”.
Como classificação desses símbolos, temos: símbolos, solares, linhas,
variações de linhas, cruz, igrejas, plantas e animais.
28
Estrela: este símbolo é geralmente encontrado
com oito pontas, sendo uma das mais bonitas e
versáteis representações geométricas, e está
relacionado com a pureza, a vida, a história da
luz, o conhecimento, a beleza, a elegância e a
perfeição. No contexto do cristianismo, simboliza o nascimento de
Cristo, símbolo do amor de Deus.
2.4.2 Linhas
29
Linha com arcos: sugere um local de
encontro de opostos, com água e terra.
30
Ancinho ou Rastelo: similar ao pente, o ancinho tem
uma referência adicional à colheita.
2.4.4 Cruz
2.4.5 Igrejas
31
2.4.6 Plantas
32
Flor de Maçãs ou Ameixas: simbolizam o
conhecimento, a saúde e a sabedoria.
33
2.4.7 Animais
34
Borboleta: representa a vida na infância. Sugere
também a ascensão da alma à eternidade. Seu
desenho também lembra da beleza delicada.
35
2.4.8 Cores
36
2.5 PÊSSANKAS REGIONAIS UCRANIANAS
37
2.5.1 Lemkivchena
2.5.2 Polissia
2.5.3 Hutsulchena
38
2.5.4 Haletchená
2.5.5 Poltavtchena
2.5.6 Kyiv
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3. PROCESSO PARA A CRIAÇÃO DE PÊSSANKAS
3.1 MATERIAIS
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- Cera de abelha;
- Verniz vitral;
- Colheres para cada cor de tinta;
- Recipientes para as tintas (vidros de conserva de preferência);
- Tintas para pêssanka;
- Tábua com pregos ou alfinetes (formando o suporte para
secagem do verniz).
Procedimento:
· Providencie recipientes onde ficarão as tintas, devidamente
limpos (devem ter tampas, pois as tintas podem durar de seis
à doze meses). Ex.: vidros de conserva, potes de plástico
resistentes ao calor, etc.
· Despeje 1 colher de chá, de tinta no recipiente (ou todo o
conteúdo, conforme o fabricante indicar);
· Despeje cerca de 300ml de água fervente;
· Com o auxílio de uma colher, misture a tinta na água, utilizando
uma colher para cada cor, pois a contaminação com fragmentos
de outras cores pode estragar a tinta.
· Após esfriar, adicione uma colher de sopa, de vinagre, se
indicado pelo fabricante.
A tinta está pronta para utilizar. Com o tempo, ela tende a
enfraquecer, e neste caso, aconselhamos que a tinta seja fervida e
41
adicionado mais vinagre, o que fará com que se prolongue o tempo
de uso.
Cada tinta deve ter a sua própria colher para mistura ou para
auxílio no mergulho dos ovos, nunca se misturando as cores.
O tempo de uso de cada tinta é de seis a doze meses, notando
o enfraquecimento nas colorações das pêssankas, as tintas devem
ser substituídas, para não prejudicar o trabalho.
A demora do tempo de espera para que o ovo absorva a tinta
pode aumentar muito, e ocasionar manchas. Esse é o momento de
se trocarem as tintas.
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4. PASSOS PARA A CRIAÇÃO DAS PÊSSANKAS
PASSO 1
PASSO 2
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PASSO 3
PASSO 4
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PASSO 5
PASSO 6
- Todo o conteúdo do ovo deve sair por esse único furo.
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PASSO 7
PASSO 8
46
PASSO 09
PASSO 10
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PASSO 11
PASSO 12
- Risque verticalmente,
dividindo o ovo em quatro
partes iguais.
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PASSO 13
PASSO 14
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PASSO 15
PASSO 16
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PASSO 17
PASSO 18
51
PASSO 19
PASSO 20
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PASSO 21
- Preenchimento dos traços que ficarão na cor branca. Cuide para que
os traços sejam contínuos, tenha a mão firme, pois no caso de erros
com a pena, é complicado corrigi-los. A maneira para fazer isso é através
de raspagem do local afetado, porém somente quando o ovo está na
cor branca.
PASSO 22
53
PASSO 23
PASSO 24
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PASSO 25
- Mergulhar o ovo na
tinta amarela.
PASSO 26
- Em todos os
mergulhos, você deve
manter o ovo total-
mente imerso, utili-
zando para isso o
auxílio de uma colher.
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PASSO 27
- Verifique constantemente
como está a absorção da cor
na casca do ovo. Percebendo
que já está completamente
amarelo, retire o ovo e seque-
o com um papel absorvente.
O tempo de espera varia de
acordo com a tinta, podendo
ser instantâneo ou durar
alguns minutos. Nunca deixe
o ovo por mais de 30 minutos
imerso, pois a tinta penetra
na casca e pode ocasionar
manchas.
PASSO 28
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PASSO 29
PASSO 30
57
PASSO 31
PASSO 32
- Preencha os detalhes, em
verde, com a cera de abelha.
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PASSO 33
PASSO 34
- Depois de verificada a
absorção uniforme da cor
laranja, retire o ovo da tinta
e seque com o papel
absorvente.
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PASSO 35
- Efetue a pintura dos traços com esta cor, com a cera de abelha, da
mesma forma feita na etapa anterior.
PASSO 36
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PASSO 37
PASSO 38
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PASSO 39
PASSO 40
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PASSO 41
PASSO 42
63
PASSO 43
PASSO 44
64
PASSO 45
PASSO 46
65
PASSO 47
PASSO 48
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PASSO 49
PASSO 50
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4.2 OBSERVAÇÕES
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FOTOS DE PÊSSANKAS DE
VILSON JOSÉ KOTVISKI
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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KLEMCZK, Marina. Curso de confecção de pêssanka. Curso proferido
na Matriz de São Basílio Magno. União da Vitória: 2000.
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