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50ª CIRANDA CULTURAL DE PRENDAS - FASE REGIONAL

CENTRO DE TRADIÇÕES GAÚCHAS


“PASSO DO IJUÍ”
ENTRE IJUÍS – RS

LEMA: “DO PASSO DO PASSADO À ESPERANÇA DO FUTURO”

MARIA EDUARDA BERNARDES BECKER

LENDAS MISSIONEIRAS: A LENDA DA


CORRENTE DO RIO IJUÍ

Entre-Ijuís
2019
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LENDAS MISSIONEIRAS: A LENDA DA


CORRENTE DO RIO IJUÍ

Relatório apresentado como resultado da


pesquisa elaborada como requisito na 50ª
Ciranda Cultural de Prendas – Fase Regional –
3ª Região Tradicionalista.

Entre-Ijuís
2019
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ÍNDICE

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 04

1. ASPECTOS GERAIS SOBRE FOLCLORE................................................................ 06

2. LENDAS E AS NARRATIVAS FOLCLÓRICAS.......................................................09

3. A LENDA DA CORRENTE....................................................................................... 12

ANEXOS .................................................................................................................... 15
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INTRODUÇÃO

O conteúdo do relatório, que está aqui sendo apresentado, é o resultado da efetivação


da pesquisa realizada em bibliografias especificas sobre folclore, lentas regionais e também
em pesquisas de campo feitas com o Senhor Mario Simon, pesquisador e autor da obra
Lendas missioneira, que foi usada como obra base para a elaboração desta pesquisa. O
presente relatório foi elaborado e desenvolvido com finalidade a Mostra Folclórica da 50ª
Ciranda Cultural de Prendas – Fase Regional, tendo como tema central “Resgatando os
Contos, Mitos e Lendas do Rio Grande do Sul” e como objetivo resgatar, divulgar e valorizar
os contos, mitos e lendas presentes no imaginário social a nível estadual, regional e/ou
municipal, além de evidenciar a importância dos contos, mitos e lendas para o folclore gaúcho
e para o imaginário infantil. A partir deste tema e da escolha de um assunto específico
relacionado ao mesmo, temos como título “Lendas Missioneiras: A Lenda Da Corrente Do
Rio Ijuí ”.

As lendas são um aspecto importante do folclore gaúcho, o qual é riquíssimo, um dos


mais ricos do país quiça do mundo. Contribuíram para essa opulência, além do elemento
nativo (o índio), o português, o espanhol e o africano e posteriormente, imigrantes, como
italianos, alemães e poloneses deram sua participação na formação desse mosaico folclórico,
tornando-o mais complexo e rico.

As lendas são um tema que sempre suscitam interesse. Elas povoam o imaginário dos
homens desde o berço, quando os bichos-papões e os homens-do-saco permeiam a infância e
depois são substituídos por outros vultos como boitatás, lobisomens, salamancas, etc.
Todos os povos têm suas lendas. Elas fazem parte da tradição de cada civilização e
traduzem seus costumes, crenças e cultura. E, independente das diferenças raciais ou
geográficas, a lenda se difere em sua totalidade, em sua conceituação, aqui ou acolá. É sempre
uma pequena narrativa de origem histórica, religiosa, humana, animal, seres inanimados,
fenômenos naturais, marcos geográficos ou episódios que, sob o efeito do imaginário popular
ganham magia e encanto quase sempre através da tradição ou da crendice popular.
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Na região das Missões, destacam-se as lendas missioneiras, essas que vêm sendo
recolhidas e registradas desde Simões Lopes Neto através da obra Lendas do Sul, publicada
em sua primeira edição no ano de 1913, depois, por Antônio Augusto Fagundes, e pelo
escritor missioneiro Mario Simon.
Lendas missioneiras seriam aquelas que trazem em si figurações, paisagens, hábitos e
costumes, tradições, tipo humano, crenças, circunstâncias e religiosidades encontradas
especificamente na região dos antigos povos das Missões Jesuíticas da Província do Paraguai,
que abarcava territórios hoje da Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Principalmente na
Argentina e no Paraguai, as lendas que têm origem nas Missões Jesuíticas são numerosas,
muito significativas, e bastante divulgadas por autores desses países.
Nesse trabalho mostraremos, em especial, a lenda da Corrente do Rio Ijuí, narrativa
popular entre os habitantes de Entre–Ijuís, município este que abriga os remanescentes da
sexta redução jesuítico-guarani: São João Batista.
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1. ASPECTOS GERAIS SOBRE FOLCLORE

“Folclore não é apenas folguedos e festas. É a história construída


pelos anseios, aspirações e esperanças de um povo, é uma linguagem na qual
se manifesta a unidade que mobiliza multidões, que busca a sua verdade na
identificação da cidadania, preservando seu valores e mantendo vivas suas
raízes através das gerações” (Claudia Mª Assis Rocha).

Tal como acontece com tantas outras ciências, corre pelo mundo uma série de
definições de folclore, muitas delas divergentes e atritantes entre si. Isto significa que os
especialistas ainda não se conciliaram quanto à exata conceituação do que seja folclore.
Entretanto, sua origem não é desconhecida, sabe-se que ela tem origem da palavra folk-lore,
que fora formada a partir das velhas raízes saxônicas em que folk significa povo e lore saber.
Assim, segundo o seu criador, Willian John Thoms, a nova palavra significaria sabedoria do
povo.
Assim, o folclore deve ser encarado como uma ciência social, que se ocupa da
cultura espontânea do povo nas sociedades como escrita, pesquisando, recolhendo – o acervo
dos fatos da cultura espontânea – para tentar alcançar através dele a estratégia social. O
folclore não existe gratuitamente pela simples razão de que o povo não cria e não utiliza nada
que não lhe seja imediatamente utilitário. A tendência dos costumes de povos diferentes é,
quando estes se relacionam de modo íntimo, construir expressões híbridas, ou seja, suas
culturas se misturam, resultando em novas expressões de manifestação popular.
No Brasil, os debates folclóricos iniciaram em 1951, dando origem ao I Congresso
Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro, onde muitos pesquisadores da área debateram sobre as
características que foram atribuídas ao folclore, como: o anonimato, a transmissão oral, a
antiguidade ou tradicionalidade, a sobrevivência e o conceito de civilidade dos povos,
conceitos defendidos pelos folcloristas tradicionais da época. Como resultado do Congresso
foi aprovada a Carta do Folclore Brasileiro.
Entretanto, em agosto de 1954, foi realizado o Congresso Internacional de Folclore,
na cidade de São Paulo. Nesse encontro, a Comissão Paulista de Folclore, considerou o fato
folclórico a partir do seguinte conceito: “Toda maneira de sentir, pensar e agir, que constitui
uma expressão da experiência peculiar de vida de qualquer coletividade humana, integrada
numa sociedade civilizada” (LIMA, 2003, p.17). Essa caracterização do fato folclórico como
sendo atributo exclusivo da camada popular, e não pertencente à camada civilizada da
sociedade, ocasionou inúmeros protestos.
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Devido as contradições entre o real conceito de folclore sentiu-se a necessidade de se


rever a primeira Carta do Folclore Brasileiro, produzida no ano de 1951. Em 1995, no VIII
Congresso Brasileiro de Folclore, realizado em Salvador, Bahia, de 12 a 16 de dezembro,
procedeu-se à tão esperada releitura desse documento, ficando assim caracterizado o fato
folclórico:

Folclore é o conjunto das criações culturais de uma comunidade,


baseado nas suas tradições expressas individualmente ou coletivamente,
representativo de sua identidade social. Constituem-se fatores de
identificação da manifestação folclórica: aceitação coletiva, tradicionalidade,
dinamicidade, funcionalidade. Ressaltamos que entendemos folclore e cultura
popular como equivalentes, em sintonia com o que preconiza a Unesco. A
expressão cultura popular manter-se-á no singular, embora entendendo-se que
existem tantas culturas quantos sejam os grupos que as produzem em
contextos naturais e econômicos específicos. (CARTA DO FOLCLORE
BRASILEIRO, 1995 [s.n.])

Através da releitura da Carta do Folclore Brasileiro foi possível entender que o fato
folclórico surgiu da criação do povo e que é por todos aceito, desmistificando sua existência
em guetos, nos fazendo pensar que todos são portadores de folclore, nas suas superstições,
piadas, remédios caseiros, correntes de oração, ditos populares e provérbios. A mesma
condição se aplica a frases feitas como: “Saúde”, quando alguém espirra; “São Brás”, para
quem se afoga; “São Longuinho, São Longuinho, se eu achar, dou três pulinhos”; e outras que
são faladas e vivenciadas por todos, independentemente do seu grau de instrução. Portanto,
todos nós vivenciamos o folclore no dia-a-dia.
O Brasil, por ser vasto qual um continente, apresenta regiões distintas, onde há
diferença de intensidade das influências dos povos formadores. Por outro lado, cada região
possui seu gênero de vida de acordo com o meio ambiente, o que influi, também, no folclore
brasileiro. A seguir, então, será narrada uma ideia geral dos vários desdobramentos do nosso
folclore:
• Linguagem Popular: gíria, apelidos ou alcunhas, legendas, linguagem especial ou
cifrada, metáforas, frases feitas. Além da palavra, há a mímica e os gestos. Assim, nós temos
expressões utilizadas em todo o país (“tirar o pai da forca”, “está se virando”), compreendidos
por todos, e expressões regionais, somente entendidas pelos habitantes da região
(“gineteando” RS “Fute” dito na região NE).
• Literatura Oral: poesia, história, fábulas, lendas, mitos, romances, parlendas,
adivinhas, anedotas, provérbios, orações, pregões e literaturas de cordel, todos transmitidos
oralmente;
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• Lúdicos: são os folguedos populares tradicionais, os jogos e os brinquedos.


Exemplos: Bumba-meu-boi (NE), Caboclinhas (PB e RN), Cavalhadas (RS, AL, PR e SP),
Ciranda (PE), Congada (SP, ES, BA, MG, GO, PR, RS), Cordões de Bicho (AM), Fandango,
conhecido em todo o Brasil e, ainda Guerreiros, Mamulengo, Maracatu, Moçambique,
Pastoril, Quilombo e Reisado.
• Música: a música folclórica está presente em quase todas as manifestações
populares. A serenata, coreto, cantigas de rixa, bendito, cantigas de cego, cantos de velório e
cânticos para as almas são formas de músicas folclóricas.
• Crendice: (Superstições) as de caráter ativo se manifestam em regiões, cultos dos
santos, seitas, cultos de fetiches; e as de caráter passivo nos presságios, esconjuros, orações,
tabus e totemismos. Contam com patuás, relíquias, amuletos, talismãs, bentinhos e santinhos.
• Usos e Costumes: ritos de passagens, usanças agrícolas, pastoris, medicina rústica e
trajes.
• Artes Populares e Técnicas Tradicionais: culinárias, rendas e bordados, cerâmicas e
trabalhos artesanais.
Sendo composto por contribuições as mais variadas – com destaque para a
portuguesa, a negra e a indígena – e tendo raízes imemoriais, o folclore do Brasil é rico e
diversificado, sendo hoje objeto de intensificados estudos e recebendo larga divulgação,
constituindo, além disso, elemento importante da própria economia do Brasil pela produção e
comércio de bens associados e o turismo cultural que fomenta.
O Rio Grande do Sul, sob o encanto de uma bela paisagem, possui um riquíssimo
folclore florescente. Esse acervo nasceu da convivência do homem simples das paragens da
Fronteira, das mescladas raças do litoral, do espírito construtivo dos missioneiros e o senso
destemido dos povoadores europeus, especialmente dos açorianos, italianos, alemães,
portugueses, africanos e nativos, como imensa e farta dádiva da natureza criadora.
O povo gaúcho tem a cultura mais universal do continente americano. Nosso folclore
é Vida... Terra... Luta... Festa... Dança... Sonho... Lenda... Costume... Literatura... Ciência...
Canto...
As festas juninas pintam de cores e artes as noites gaúchas. Na lenda do Negrinho do
Pastoreio explode a manifestação da crença do gaúcho. O pago renasce nas danças folclóricas
históricas da chula, tirana, chimarrita, tatu, balaio, anu, pezinho etc. E floresce o bailado da
milonga, valsa, polca bugio, vaneira e o rincão canta em coro as canções do boi barroso, chote
laranjeira etc.
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Os causos, as trovas, as décimas, cantadas de boca em boca, utilizando uma


terminologia guasca, bem regional, movendo as peças do dialeto gauchesco. O folclore
gaúcho é a seiva da simplicidade, correndo pelas veias da hospitalidade, germinando usos e
costumes espontâneos correntes da linguagem popular. No Rio Grande do Sul, o folclore é a
alma do gaúcho buenacho vestido com suas pilchas, exaltando suas belas prendas vestidas de
chita.
O povo que não conhece sua história é obrigado a viver de novo, dizia um grande
pensador. Nosso folclore registra, na sabedoria popular, usos e costumes maravilhosos, de
nossos antepassados. Nosso folclore, quando estava morrendo pelo esquecimento, recebeu a
iniciativa valiosa dos estudiosos Paixão Côrtes e Barbosa Lessa, que se embrenharam pelos
recantos da querência e estâncias vizinhas, recolhendo coreografias de muitas danças.
O folclore é o maior patrimônio espontâneo de um povo. Nosso folclore é belo, sob o
signo da hospitalidade gaúcha, o gosto contagiante de chimarrão, a pureza e a alegria dos
fandangos e os olhos matreiros do Cruzeiro do Sul.

2. LENDAS E AS NARRATIVAS FOLCLÓRICAS

O nascimento das narrativas está associado com a necessidade do ser humano de


explicar o mundo que o rodeia, tornando assim, possível, inventar e contar histórias que
mostram saberes, tradições e costumes dos povos.
A lenda é um tipo de narrativa que se caracteriza pelo fato de não apresentar-se como
uma verdade absoluta. Os fenômenos naturais, por exemplo, são explicados em forma de
lendas e, em muitos casos, podem servir como importantes fontes para o estudo das diversas
culturas, bem como para a compreensão da forma de organização de uma determinada
sociedade:
A lenda apresenta uma relação direta com o momento histórico do
povo que a cria. Nesse sentido, as lendas nos fornecem um caminho simples
para os fatos culturais de uma civilização. Com isso passamos a conhecer os
mecanismos da variação cultural e, principalmente, o modo de pensar de cada
povo, num dado momento de seu desenvolvimento histórico. (MACHADO,
1994, p.97)

Historicamente a lenda foi uma narrativa utilizada para reunir histórias, explicar
fenômenos ou apresentar divindades. Muitas lendas explicam a origem da vida ou das mais
diversas religiosidades, cristãs ou místicas.
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Segundo RIBEIRO (1998, p.25-28), a palavra lenda, do latim legenda e significa o


que deve ser lido, é uma narração localizada (considerando que o traço religioso é uma
constante). A lenda tem localização no tempo e no espaço, conta um fato geralmente com
conotação religiosa, pode possuir uma origem histórica, ou seja: um fato histórico analisado
pela ótica popular que, após contado e recontado, pode transformar- se em lenda.
RIBEIRO (p.25-28, 1998) ainda relata que “a lenda tem características de diversas
religiões, revela seu traço religioso e supostamente histórico”, é ficção embasada em fatos
ocorridos em lugares conhecidos e com participação de personagens reais. Nesse sentido é
que a lenda diferencia-se do mito por contar com precisão geográfica e temporal,
apresentando heróis que possivelmente existiram, mas que a imaginação popular recriou de
geração em geração em resposta a seus anseios.
A lenda se diferencia também da fábula e do conto popular pode se caracterizar pela
presença de seres humanos como protagonistas, sendo que a intervenção de elementos
imaginários é fraca, pois há a preocupação maior com o real do que com a invenção. A
História tem feito um bom aproveitamento das lendas devido as mesmas reproduzirem uma
simbologia tão viva quanto a clareza dos fatos. A lenda é, então, um misto de religião e
história.

2.1- Tipos de lenda

Segundo MACHADO (1994, p. 99-102), as lendas se dividem em:


Lendas sobrenaturais: estão ligadas ao extraordinário, não necessariamente ao
maravilhoso. Narram fatos sobre homens excepcionais que, por promoverem o bem estar
social, transformaram-se em heróis nacionais por nunca agirem em nome de interesses
pessoais, mas por atuarem de acordo com os interesses de sua comunidade. O herói lendário é
capaz de perder sua vida por algo maior que ele mesmo, tomando-o, assim, tão importante
quanto o próprio acontecimento que vive. Elas nasceram da necessidade de explicar os
encadeamentos, dentro das maravilhas dos mistérios do universo, que sempre atormentaram o
homem.
Lendas históricas: apresentam a origem lendária de países civilizações. Por suas
características, acabaram valendo com uma explicação histórica, como por exemplo, o
surgimento de cidades.
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Lendas naturalistas: reúnem narrativas que explicam os fenômenos naturais, como


os astros, o tempo e muitos aspectos geográficos, como a vegetação, montanha, vulcão, bem
como o surgimento da Terra.
Lendas religiosas: procuram explicar as obras divinas, contando histórias e
depoimentos sobre a vida dos santos, valorizando suas ações pessoais, seu comportamento,
suas virtudes.
No Rio Grande do Sul, segundo dados da Secretaria da Educação (1996), as lendas
podem ser agrupadas em:
a) Geográficas: que se referem à criação de determinados lugares, como: Osório
(Conceição do Arroio), Soledade, Tupanciretã, Cruz Alta, Lagoa do Cavera;
b) Missioneiras: que contam fatos da região das Missões: São Sepé (Lunar de
Sepé), M’Bororé, M’Boiguaçu (Cobra Grande), Rio das Lágrimas e Lenda da Corrente do Rio
Ijuí;
c) De Escravos: cuja origem remonta ao período de escravatura no Brasil,
relacionadas aos negros: Santa Josefa, Torres Malditas(Igreja das Dores), Negrinho Antão
(Santa Funda), Cambai (Rio do Negrinho, São Gabriel);
d) Campeiras: que têm a ver com as lidas das fazendas do Rio Grande do Sul,
como é o caso do Negrinho do Pastoreio;
e) Etiológicas: que explicam a origem e/ou o nome de algum lugar ou o porquê
dc alguma coisa, como a da criação do mundo, do homem, da mulher e do negro; as
relacionadas à fuga, como a Sagrada Família, a Festa do Céu, a do umbu, a do tico-tico, por
exemplo.

No Rio Grande do Sul, a lista de lendas missioneiras não é pequena. O historiador


Aurélio Porto registrou um momento em que as histórias fantásticas do imaginário
missioneiro eram transmitidas da forma tradicional, a oralidade. Ele conta:
– “Na velha aldeia de São Nicolau, junto à terra natal, ao cair das tardes, de um rancho
solitário, que se esboroava, subiam sons harmoniosos e doces de uma rabeca, como se fossem
de um órgão longínquo vibrando músicas religiosas. Era o velho João Rabequista, índio
centenário das Missões que tocava ainda, e nos contava as lendas missioneiras de santos
milagrosos e de virgens santas que velavam os nossos sonhos e acariciavam, à noite, os
nossos cabelos…” (PORTO, 1952).
Esse é o momento supremo da lenda que, como a conhecida história do Lunar do
Sepé, ou A Lenda de Sepé Tiaraju, é transmitida de geração em geração pelo canto, pela
trova, pela narrativa ao pé do fogo de chão dos galpões de estância, ou dos ranchos perdidos
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nos fundos dos campos missioneiros. E assim elas sobrevivem, geralmente com versões um
pouco diferentes, mas sempre cheias de mistério e colorido próprio.

3. A LENDA DA CORRENTE

Como dito anteriormente, uma lenda caracteriza-se por estar limitada temporal e
espacialmente. Sendo assim, cada região ou comunidade tem suas lendas que as vezes passam
desapercebidas, mas que são a verdadeira fonte que forma a personalidade de um povo.
A Região das Missões Jesuíta é rica em costumes, crenças e lendas, conforme
informações fornecidas pelo Portal das Missões, empresa responsável por administrar o
turismo na chamada Rota Missões, encontra-se nesse território a Lenda da Origem da Cruz de
4 Braços ou pedra Itacuruacir que nos aproxima de Deus ao ser perdida tanto que na verdade
ela compreendia quase todo o estado do Riogrande, com exceção da região de Pelotas e Rio
Grande de onde partiram os europeus para guerrear pelo Império contra os Missioneiros.
Na região da antiga redução de São Borja temos, por exemplo, Maria do Carmo,
Santa Missioneira e Profana. Em Santo Ântonio das Missões temos as histórias da Lenda da
Figueira; Santo dos Tropeiros, Uma Janelinha do Céu nas Missões ou Chapéu de Santo
Antônio. No município de Giruá temos a lenda do Delator de Artur Arão; em Eugênio de
Castro tem a Lenda Lagoa da Mortandade – Lagoa do Chaine um lugar lindo e Lenda do
Tridente que uniu os Maragatos e Ximangos. Em São Miguel das Missões temos a Lenda da
Cruz de Caravaca e a conhecida Lenda da M’boi Guaçu – Cobra Grande de São Miguel e suas
marcas negras pela torre nas ruínas, que hoje são patrimônio da humanidade.
Em nosso estado temos também todos os Mistério do Chimarrão e a Lenda Da Erva
Mate, isso sem falar na mais bela lenda do Brasil O Negrinho do Pastoreio acompanhada do
Boitatá – Protetora do Pampa Contra Incêndios, Lenda do Vinho, Lenda de Hortelã ou Lenda
Alecrim.
No município de Entre-Ijuís, local onde encontram-se os remanescentes da sexta
redução jesuítico-guarani, encontramos na cultura popular e nos registros do pesquisador
missioneiro Mario Simon duas lendas em especial: a lenda da corrente do Rio Ijuí e a lenda da
pitangueira.
Nesta pesquisa, trataremos em especial sobre a lenda da Corrente do Rio Ijuí. Está,
está descrita na obra Lendas Missioneiras de Mario Simon. Mario (2016) relata:
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“Ao norte do município de Entre-Ijuís, próximo a forqueta dos rios


Ijuizinho e Ijuí há um grande e profundo remanso no leito do Rio Ijuí,
denominado Poço do Ijuí. Alí, segundo a narrativa dos moradores antigos, na
margem direita do rio havia uma enorme árvore e, nela, amarrada de maneira
impossível de soltar, uma corrente de ferro com elos da grossura de um dedo
polegar. Amado Grisólia narra a lenda assim: ‘Santo Ângelo também tem a
sua lenda: – Existiu durante quase dois séculos uma corrente de ferro, de elos
enormes, com uma ponta amarrada a uma grossa árvore (angico)na margem
direita do rio Ijuí, na confluência do arroio São João, distante apenas cinco
quilômetros desta cidade, e outra ponta mergulhada nas águas do rio, sem que
nunca pudesse ser arrancada. Conta-se que os Jesuítas, na sua fuga
precipitada, perseguidos de perto pelos exércitos vencedores e , na
impossibilidade de transportarem as riquezas que 13marrara, Puseram todos
os seus fabulosos tesouros dentro de uma caixa de ferro, 13marraram-na na
corrente e jogaram-na para o fundo das águas lodosas do rio, que tem ali uns
cinco metros de profundidade depois de amarrar a outra ponta na tal árvore.
Nos albores deste século, o espírito aventureiro de um
santoangelense, cujo nome não pudemos descobrir, constatando ser um dos
troncos da família Pinheiro Machado, levou ao local oito juntas de bois, com
o intuito de descobrir o segredo da corrente. Depois de um trabalho insano,
que levou um dia inteiro, a corrente rebentou perto da caixa, conforme
constatação de mergulhadores da época, continuando assim, como antes, tudo
envolto no mais denso mistério’”. (SIMON, 2016, p.89)

Mário Simon narra que já ouviu outras versões da mesma lenda em que o povo conta
que ninguém conseguiu retirar o tesouro do fundo do rio porque não cumpriram a condição
lendária principal. A caixa de ferro só seria trazida do fundo do poço se fosse puxada por uma
junta de bois gêmeos, um de cor preta, outro de cor branca. Simon disse que é uma lenda
recente, já que foram muitos os testemunhos de pessoas que disseram ter visto a tal corrente, e
que a árvore em que estava amarrada foi levada, juntamente com o barranco, numa das cheias
do Rio Ijuí, desaparecendo para sempre.
Como já foi dito por diversas vezes nessa pesquisa, as lendas representam a cultura de
um povo. É carregada de histórias, valores, traços culturais e sentimentos de valorização e
identidade regional. A lenda da Corrente, por sua vez, carrega a alma da redução de São João
Batista e desperta na população local, o sentimento de pertencimento, de identidade.
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REFERÊNCIAS

COMISSÃO NACIONAL DE FOLCLORE. Carta do folclore brasileiro. Salvador: CNF,


1995. Disponível em: . Acesso em: 15 maio. 2019.

LIMA, Rossini Tavares de. Abecê de folclore. 7.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MACHADO, I.A. Literatura e redação. São Paulo: Scipione, 1994.

MAGATON, Jaqueline de Cássia; MARQUES, Lorena Melo. O Trabalho com o Gênero


Lenda. Tuiuti: Curitiba, 2001.

PORTO, Aurélio. História das Missões Orientais do Uruguai, página 206, Volume I,
Livraria Selbach, Porto Alegre, 1952.

RIBEIRO, Paula Simon. Folclore, aplicação pedagógica. Porto Alegre : Martins Livreiro,
1998.

SIMON, Mario. Lendas Missioneiras, Furi: Santo Ângelo, 2016.


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ANEXOS
16

LISTAS DE ANEXOS

ANEXO A
Cópias das Entrevistas

ANEXO B
Fotografias

ANEXO C
Cópia da Pesquisa em CD
17

ANEXO A
18

ANEXO B
19

ANEXO B

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