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20/04/2022 18:04 "O pecado original do século XX" denuncia falácias do liberalismo em contraponto à propaganda anticomunista - Mauricio G…

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JOÃO QUARTIM DE MORAES

“O pecado original do século


XX” denuncia falácias do
liberalismo em contraponto à
propaganda anticomunista
4 de outubro de 2013

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APRESENTAÇÃO

Por João Quartim de Moraes*

O Ocidente liberal se apresenta como patrono da “democracia” e dos “direitos humanos”. Os


estudos que compõem este livro põem em evidência as odiosas falácias e hipocrisias
discriminatórias que essa pretensão encobre e mostram que, apesar dos pesares, ao longo do
século passado foram os comunistas que se puseram à frente da luta internacional pela
universalização efetiva (e não apenas retórica) da ideia de humanidade. Por isso mesmo, os
liberal-imperialistas, ganhadores da “Guerra Fria”, promoveram um tenaz acerto de contas com o
comunismo, “pecado original do século XX”. Empe­nhados em ganhar também a batalha da
memória, tentam matar a URSS pela segunda vez.

Logo na primeira frase do livro, encontramos referência a uma das mais venenosas peças de
propaganda lançadas com esse objetivo: o Livro negro do comunismo, de autoria de um certo S.
Courtois e sócios. A somatória das estatísticas fúnebres ali juntadas oferece a imagem de uma
“horrível montanha de cadáveres”. Embora a contabilidade meticulosamente elaborada por
esses anticomunistas profissionais comporte grosseiros exageros, Losurdo não se detém em
contestar cifras. Mostra que a diabolização do poder político instaurado pela Revolução de
Outubro 1917 e do movimento internacional nela inspirado serve para ocultar horrores bem
piores, cometidos pelo colonialis­mo. Mostra mais: ao subjugarem a ferro e fogo sua imensa
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periferia, as potências do Ocidente se guiavam por


raciocínios substancialmente semelhantes aos dos
nazistas.

O constante cuidado em apoiar-se em fatos públicos


e notórios e em declarações dos próprios
responsáveis pelo cortejo de abominações que
acompanharam a conquista do planeta pelo Ocidente
imperialista torna a argumentação de Losurdo
especialmente convincente. Assim, ele lembra que
Hitler costumava ressaltar a afinidade profunda entre
seus métodos de espoliação e extermínio com os do
Far West estadunidense. Os nazistas inverteram o
ponto cardeal, subjugando e massacrando os
indígenas do seu Far East (a Europa Oriental), por eles
classificados de sub-homens (Untermenschen). O rei
Leopoldo II da Bélgica, durante o Congresso de Berlim
(1884-85), em que as potências da Europa partilharam
alegremente a África, declarou-se animado pelo
propósito de “levar a civilização para a única parte do
globo que ela ainda não atingiu”. Entre 1890 e 1911, a
obra civilizatória dos belgas reduziu a população do
Congo de cerca de 40 milhões a 8 milhões de
habitantes. Meio século depois, Mussolini adotou a
mesma ideia: após a guerra de extermínio que moveu contra os indígenas da Líbia (que
teimavam em resistir à colonização italiana implantada em 1912), declarou em dezembro de
1934 que a Etiópia,“última fatia da África que não tinha patrões europeus”, não passava de um
“pseudo Estado bárbaro e negreiro”. A invasão fascista levou aos etíopes alguns primores da
civilização europeia: gases letais, bombardeios aniquiladores, campos de concentração etc.

A constatação de que a democracia estadunidense foi o “laboratório do III Reich” poderá talvez
suscitar perplexidade entre os que não se emanciparam suficientemente das ideias dominantes.
Como negar, entretanto, que o “Colosso do Norte” – como dizem os deslumbrados com o “Tio
Sam” – assentou-se na deportação dos índios e na escravização dos negros? As reformas
democráticas do início do século passado (instituição da eleição direta para senadores, do voto
secreto, do referendum etc.) não impediram o terrorismo da Ku Klux Klan contra os negros, nem
o confisco final das terras dos indígenas. Perante esse brutal contraste, estudiosos
estadunidenses forjaram o conceito de “Herrenvolk­democracy” (democracia dos senhores),
para caracterizar as instituições de seu país. Esse conceito pode ser aplicado à “história do
Ocidente em seu conjunto”. Um dos mais res­peitados filósofos liberais, o britânico John Stuart
Mill, justificou a pilhagem à mão armada a que seu país estava submetendo a inteira periferia do
planeta com o argumento de que “o despotismo é uma forma legítima de governo quando temos
de lidar com bárbaros”. Como bem sintetizou Losurdo, na passagem do século XIX para o XX,
assistimos, de um lado, à extensão do sufrágio na Europa (que, porém, só se tornaria universal
em meados do século XX, quando as mulheres obtiveram direito de voto), mas, de outro, à
intensificação do colonialismo. Domínio da lei nas metrópoles, violência e arbítrio nas colônias:
essa regra parecia óbvia mesmo para social-democratas como Berns­tein, segundo o qual as
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raças fortes e civilizadas não podem ficar de mãos atadas por uma legalidade formal quando
têm de lidar com selvagens e bárbaros. O que não o impediu de condenar o desrespeito dos
bolcheviques ao formalismo legal durante a Revolução de Outubro 1917.

Lênin denunciou essa duplicidade com uma singela comparação histórica: “Os políticos mais
liberais e radicais da livre Inglaterra se transformam […] quando se tornam governadores da
Índia, em autênticos Gengis Khan”. Os ataques dirigidos contra a República dos Sovietes
retomavam, em matizes diversos, a distinção britânica entre “civilizados” e “bárbaros”. O filósofo
protonazista Spengler alertava seus congêneres sobre o perigo que a Rússia revolucionária
representava para a “humanidade branca”. Nos Estados Unidos, dois presidentes, Harding e
Hoover, recomendam o livro intitulado A maré montante dos povos de cor. Quem o ler, explicou
Harding, “perceberá que o problema racial nos Estados Unidos não passa de um caso particular
do conflito racial com que o mundo inteiro deve se confrontar”. De um lado, os brancos, de outro,
os negros e os comunistas, estes classificados de “niggerlovers”. Entende-se por que a Ku  Klux
Klan prosperou tanto no Sul dos Estados Unidos: a segregação e linchamento dos negros era um
método peculiar de combater também os comunistas.

Henry Ford, magnata do automóvel e eminente protonazista, foi outro que considerava a
Revolução de Outubro “racial, não política”. É próprio dos racistas superestimar o poder
explicativo do fator raça. Ford considerava os judeus, além de estranhos à civilização ocidental,
inspiradores de uma conspiração mundial bolchevique. A ideia de que a humanidade se divide
em superiores e inferiores foi plenamente adotada por Hitler e parceiros, com notórias
consequências.

Os ideólogos liberais costumam enfatizar semelhanças entre fascismo e comunismo,


apresentando-os como duas variantes do que chamam totalitarismo. Desmistificando essa
impostura, Losurdo mostra que o termo foi forjado, com sentido positivo, pelos governantes e
chefes militares das potências envolvidas na Primeira Guerra Mundial: “mobilização total” para a
“guerra total”. Todas elas mancharam as mãos não somente com o sangue dos inimigos (como
em todas as guerras), mas também com o de seus próprios soldados que foram aleatoriamente
dizimados por pertencerem a uma unidade considerada indisciplinada. A repressão em massa
de civis foi particularmente mortífera na Irlanda, que desde 1916 lutava por sua independência.
As deportações e os campos de concentração prosperaram não somente na Europa, mas
também nos Estados Unidos, onde todos os cidadãos estadunidenses de origem japonesa
foram confinados durante a Segunda Guerra Mundial por decisão de Franklin Roosevelt.

Pôr em evidência a parcialidade e o facciosismo dos anticomunistas profissionais é um ganho


para o conhecimento objetivo. Mas Losurdo não fica apenas na réplica. O desrespeito aos mais
elementares direitos individuais é a norma geral em situações de guerra (a própria imprensa
estadunidense classificou Obama de “King of Drones”); nenhuma potência, qualquer que fosse
ou seja sua ideo­logia, absteve-se de medidas concentracionárias e de práticas genocidas. Por
isso, ele propõe uma definição historicamente objetiva de totalitaris­mo, vinculando-o a uma
situação de guerra total (o sinistro G. W. Bush falava em guerra sem fim), em que cada governo
beligerante busca mobilizar e controlar totalmente a população. Não surpreende que as
modalidades mais brutais desse controle totalitário tenham ocorrido nos dois países que
estiveram de 1914 a 1945 no centro das tormentas: a Alemanha e a Rússia. Os autores do Livro
negro do comunismo equiparam o genocídio racial e o genocídio de classe que ocorreram

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respectivamente nestes dois países. Essa equiparação não é a única manipulação grosseira dos
fatos históricos que eles cometem. Eles não levam em conta o auxílio decisivo que Daladier e
Chamberlain (chefes de governo respectivamente da França e da Inglaterra) prestaram a Hitler,
assinando em Munique o pacto liberal-nazista de 1938, que lhe entregou a Tchecos­lováquia. O
genocídio colonial não os interessa, tampouco o dos armênios e ainda menos os de Hiroshima,
Nagasaki e Dresden.

Não é só o conhecimento histórico que sai maltratado pelo raivoso zelo anticomunista do Livro
negro; a lógica também sofre. Cuba seria um “totalitarismo tropical” porque marginaliza as
institui­ções religiosas; embora aparentemente todo cubano seja livre de frequentar qualquer
igreja, ele se arrisca a ser prejudicado se quiser entrar na universidade ou na administração. Mas
a República Federal Alemã, antes e depois do muro de Berlim, sempre proibiu pela chamada
Berufsverbot que comunistas tivessem acesso a empregos públicos. Se Courtois e parceiros
fossem intelectualmente honestos e consequentes teriam de classificar de “totalitarismo boreal”
o regime político da Alema­nha. Quanto à China, seria ridículo falar em controle total do Estado
sobre a população durante os anos da Revolução Cultural. Mas para fugir de um ridículo caem
em outro: naqueles anos teria ocorrido, segundo eles, um totalitarismo anárquico. É baixo,
assim, o nível dos argumentos desses anticomunistas de choque.

O historiador não é neutro, porque seu posto de observação não está instalado numa longínqua
estrela polar, mas deve ser objetivo, utilizando exaustivamente as informações que lhe permitam
estabelecer os fatos tais como ocorreram. Sua função não se confunde, entretanto, nem com a
de um promotor público nem com a de um advogado de defesa. Não busca a condenação nem a
absol­vição, mas a compreensão dos acontecimentos na dinâmica concreta em que estavam
inseridos. A trajetória histórica da URSS comporta muitos crimes cometidos por comunistas em
nome do comunismo. Constrangida desde o início a enfrentar – a Oeste como a Leste –
constantes agressões bélicas por parte das grandes potências ocidentais e do Japão, a
República dos Sovietes foi convulsionada no interior por uma sanguinária guerra social no
campo. A coletivização forçada da agricultura, promovida e aplicada pelo poder central, sob o
comando de Stalin, levou à implacável liquidação dos camponeses médios e pequenos
capitalistas rurais (“kulaks”), às deportações e ao traba­lho coercitivo em larga escala. O custo
em vidas humanas foi imenso.

É muito fácil, entretanto, condenar o comunismo usando como parâmetro não o comportamento
real dos Estados liberal-imperialistas, não os massacres coloniais e as duas guerras mundiais,
mas edificantes declarações de princípio dos ideólogos da burguesia, como fazem o Livro Negro
e numerosas publicações congêneres. É evidente o caráter sofístico de uma comparação entre
termos tão heterogêneos: de um lado, a imagem idealizada que os pensadores liberais oferecem
de suas próprias doutrinas, de outro, os comportamentos reais dos dirigentes comunistas em
situações dramáticas. Na falta de outros méritos, o livro raivoso e desonesto de Courtois terá ao
menos contribuído para suscitar as densas reflexões de Losurdo sobre a dialética da revolução e
da violência em nossa época. Essas reflexões permitem-lhe, sobretudo, tirar, nas páginas finais
do livro, as verdadeiras lições políticas e morais da luta dos comunistas pela construção do
socialismo e pela emancipação de toda a humanidade.

       * João Quartim de Moraes é professor de Filosofia da Unicamp. Editor da revista Crítica
Marxista. Organizador da coleção História do marxismo no Brasil e autor de livros e artigos nas

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áreas de história da filosofia antiga, teoria política, materialismo, marxismo, instituições


brasileiras etc.

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