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Ação de Formação: O POVO JUDEU: DO HOLOCAUSTO À ATUALIDADE

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A CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO HOLOCAUSTO: UMA TENTATIVA DE EXPLICAÇÃO

RODRIGO MANUEL CORREIA BORGES

«Nos degraus da civilização jaz o cadáver de um povo.


Vejam-no! Ei-lo! E não há uma voz sequer que se insurja perante o
carrasco e grite “basta”!,
Nenhum governo que se erga para proclamar o fim do assassínio de
milhões de seres humanos».

Ben Hecht, Março de 1943

Justamente classificado como o maior crime contra humanidade alguma vez cometido, o Holocausto
foi um projeto político levado a cabo por um Estado poderoso e moderno, económica e tecnologicamente
desenvolvido, com o objetivo assumido de erradicar da Europa um povo inteiro. Foi o resultado de um plano
deliberado, gizado com antecipação e que motivou a mobilização de consideráveis recursos logísticos,
militares e humanos. Implicou a deslocação forçada de milhões de pessoas e a criação de uma vasta rede de
transportes e de campos de concentração e extermínio cuja função foi a de produzir a morte em níveis
industriais. Foi perpetrado contra uma população indefesa que objetivamente não constituía qualquer
ameaça política ou económica relativamente ao seu agressor.
Porquê? Que razões o justificaram? Que fatores o possibilitaram? São interrogações em resposta às
quais muitas são as teses e argumentos produzidos por historiadores, sociólogos e psicólogos. Foi nesse
contexto que Robert Wistrich escreveu uma obra intitulada Hitler e o Holocausto, publicada em 2001, pelo
Círculo de Leitores, na qual se baseia a seguinte síntese.

1. A Antiga tradição de antissemitismo ou judeofobia na Europa.

O holocausto foi o produto final de uma milenar fobia contra os judeus que se desenvolveu na Europa
Cristã que tornou os alemães e outros europeus de inícios do século XX muito suscetíveis à demonização dos
judeus.
O ódio alemão aos judeus fundou-se em estereótipos cristãos medievais que retratavam os judeus
como usurários, avaros, blasfemos, traidores, conspiradores, assassinos rituais, algozes de Cristo… . Esta
tradição medieval era também alimentada pelo facto da comunidade judaica ostentar, com base nos
preceitos do Antigo Testamento, a convicção de era um povo eleito por Deus, o que os levou na diáspora a
uma tendência para se fecharem sobre si próprios, num quadro de forte solidariedade endógena e de apego
às suas tradições culturais, religiosas e linguísticas. Esta tendência para uma auto-segregação, se bem que
funcionou como fator essencial para a sobrevivência da sua identidade como povo, alimentou ainda mais a
desconfiança e a animosidade xenófobas por parte das populações cristãs que os envolviam.
Assim, a Idade Média deu origem a práticas recorrentes que transformaram os judeus em bodes
expiatórios de todas as crises, tragédias humanas e frustrações que caraterizaram o quotidiano da
cristandade ocidental, motivando os frequentes julgamentos, violências populares e os cíclicos pogrons de
que os judeus foram vítimas durante toda a época medieval ou a perseguição que lhes foi movida nos países
ibéricos pela Inquisição da época moderna.
Na Alemanha e Europa Central e do Norte esta visão negativa foi ainda reforçada com a Reforma e a
particular hostilidade com que Martinho Lutero encarou os judeus. No seu escrito de 1543, intitulado A

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Respeito dos Judeus e das Suas Mentiras, Lutero descreve os judeus como um povo justamente amaldiçoado
e rejeitado alardeando dele uma visão verdadeiramente demonizada. Chega mesmo a exortar os príncipes
alemães a proceder à sua expulsão e à confiscação dos seus bens. Aliás este último facto constituiu sempre
uma forte motivação para as medidas antijudaicas até então adotadas, as quais, em certa medida, eram
ditadas pela rapacidade que governantes e a população europeias sempre assumiram para com uma minoria
que economicamente sempre deu mostras de prosperidade.
Na transição do século XIX para o Século XX a judeofobia agudizou-se e ganhando fundamentos
pseudocientíficos.
O nacionalismo exacerbado ganhou terreno na Europa oitocentista e com ele uma tendência
romântica e idealizada para a valorização das caraterísticas específicas de cada povo ou nação.
Particularmente ativo na Alemanha, este nacionalismo conduziu à unificação alemã, em 1871, e ao
surgimento do desejo de restauração do Império Alemão (o Reich). Consequentemente, a valorização e quase
deificação das especificidades próprias do caráter nacional conduzia ao desprezo por tudo o que lhe era
exterior ou diferente.
Paralelamente, o racismo irá também afirmar-se com autores que procuraram diferenciar os povos
ou nações numa perspetiva étnica (por um conjunto de características físicas, intelectuais e
comportamentais observáveis -fenótipo). Alguns como Gobineau ou Houston Chamberlain ousaram mesmo
tipificar e hierarquizar as raças humanas, colocando os europeus, nomeadamente a raça ariana (celta e
nórdica) no topo da hierarquia e os semitas em geral, e os judeus em particular, uma categoria inferior.
Inclusivamente, estes autores chamam atenção para a mestiçagem como fator de degenerescência
de uma raça.
Na esteira destas conceções racistas vai surgir uma teoria pseudocientífica que em muito inspirará a
ideologia nazi, o darwinismo social de Herbert Spencer que, adaptando as teorias de Darwin ao campo da
sociologia, tende a conceber a História como um processo de seleção das culturas, civilizações e povos
superiores, num contexto de processos políticos, culturais e económicos marcados pela rivalidade, conflito
e afirmação de posições hegemónicas.
Na Alemanha de fim de século irá também ter muito impacto os princípios filosóficos de Nietzche que
chegou a afirmar que os judeus foram os autores de uma moral judaico-cristã que constituíra a maior
tragédia da humanidade. Em seu contraponto defende uma moral de pendor niilista, tendendo para o
ateísmo ou paganismo e para a defesa do conceito de übermench (super-homem), do individuo sem
restrições morais ou racionais, capaz de se superar continuamente, atingindo o estatuto de «senhor de si
próprio e dos outros».
Assim, nacionalismo, racismo, darwinismo social e preceitos de filosofia de Nietzche, vão fornecer o
“substrato científico e filosófico” da ideologia nazi que, como corolário das suas premissas, vai desenvolver
um antissemitismo radical e primário na esteira de muitas agremiações e seitas volkisch (racistas) que se
propagaram na Alemanha do 1º pós-guerra.

2. O contexto político e socioeconómico da Alemanha no período entre as 2 guerras.

A ascensão do nazismo na Alemanha, e consequentemente a adesão de boa parte da população


alemã à ideologia e às políticas que conduzirão ao holocausto, explicam-se também pela conjuntura muito
particular que marcou esse país no período entre as duas guerras.

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Denominado como período da República de Weimar, após a 1ª guerra mundial a Alemanha viveu uma
conjuntura assaz negativa: inesperada derrota militar implicando uma capitulação a todos os títulos
humilhante, com a abdicação do kaiser e fim do Império Alemão (II Reich); submissão ao Tratado de Versalhes
(1919), incluindo a assunção de pesadas indemnizações de guerra, perda de parte dos seus territórios,
abdicação da totalidade das suas colónias e redução drástica do seu efetivo militar. No rescaldo do conflito,
o país mergulha na ruína económica com uma elevada dependência e dívida externa, choques inflacionistas
nunca observados, falência monetária que pesaram de sobremaneira no quotidiano da população. Em
consequência irrompeu uma forte instabilidade política, emergência de movimentos extremistas, forte
agitação operária e sindical. Em 1919 o KPD alemão (partido comunista) protagoniza uma tentativa de
revolução – o denominado movimento espartaquista - que assusta as classes médias e a alta burguesia
industrial devido ao espectro da bolchevização da Alemanha.
No final da década de 20, os efeitos da Grande Depressão inviabilizam a recuperação, impondo a crise
financeira e o desemprego em massa.
É neste contexto, que muitos alemães, de todos os estratos sociais, se convencem da falência do
sistema democrático, liberal e capitalista, tornando-se disponíveis para apoiar soluções de caráter radical e
extremista, capazes de operar a rutura com o sistema demoliberal.
O Partido NAZI será hábil na capitalização desse forte descontentamento social e até de algum
desespero que se tinha apoderado de parte da população alemã, propondo um modelo político e
socioeconómico alternativo - uma espécie de socialismo nacionalista – implicando o fim da sujeição ao
grande capital, forte intervenção do Estado na economia, nacionalizações, reforma agrária, autarcia
económica, expansão territorial (unificação de todos os alemães numa Grande Alemanha) e recuperação da
autodeterminação política por recusa unilateral das imposições de Versalhes.
Num projeto político algo demagógico e extremista propunha-se resgatar a todo o custo o antigo
esplendor do Império Alemão. Neste projeto a «questão judaica», explorada até à exaustão pela sua retórica
propagandista, assumia um papel estruturante. Não tendo sido a razão maior para a ascensão eleitoral do
pequeno Partido Nazi, o discurso antissemita foi imposto aos seus militantes e apoiantes pela obsessão algo
paranoica do seu líder e por uma retórica enviesada que demonizou os judeus e fez crer que a redenção da
Alemanha passava por uma atitude impiedosa sobre essa minoria que seria “origem de todos os males”.

3. A centralidade do discurso antissemita como estratégia política do Partido Nazi.

Os judeus alemães ascendiam a pouco mais de meio milhão, constituindo cerca de 0,8% da
população. Eram uma minoria demograficamente pouco expressiva, mas desproporcionalmente era muito
notada, pois os judeus viviam sobretudo nas grandes cidades, pontificando em áreas como o jornalismo e a
atividade editorial, profissões liberais, produção artística, atividade comercial e financeira e no ensino. Por
efeito da competitividade e de alguma inveja a antipatia antijudaica era particularmente sensível entre
médicos, advogados, comerciantes, académicos e estudantes universitários… . Os nazis ao se aperceberem
dos ressentimentos do “alemão comum” intuíram que o discurso antissemita podia funcionar comum
instrumento eficaz para a mobilização de massas.
Nesse sentido, o nazismo construiu sobre os judeus toda uma retórica mistificada, plena de
raciocínios e acusações contraditórias e infundadas.

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Os judeus eram expostos pela propaganda nazi como um fator de “abastardamento” da raça ariana
e, por conseguinte, um obstáculo ao seu projeto de apuramento eugenístico da raça alemã que se entendia
como um fator essencial da restauração da prosperidade e hegemonia germânicas. Inclusivamente, foram
objeto de uma “linguagem zoológica” que não se limitava a classifica-los como uma raça inferior, mas sim
como uma categoria sub-humana da estirpe dos germes, parasitas, micróbios … que infestam e infetam o
organismo hospedeiro.
Os judeus eram também apresentados como um obstáculo a eliminar para a criação do espaço vital
alemão (Lebensraum) no Leste da Europa, uma vez que nesse quadrante geográfico eram muito numerosos.
Eram também invocados como os grandes responsáveis pela humilhação e derrota alemã na 1ª
Guerra Mundial. O falhanço da raça alemã nesse conflito foi justificado com a presença interna de uma
minoria, não ariana, que tinha traído o Império Alemão e colaborado insidiosamente com o inimigo. O maior
fracasso alemão era assim imputado a um elemento exógeno que ardilosamente tinha minado por dentro o
exército e o Império Alemão. Assim num quadro metal primário próximo da época medieval, e de modo a não
entrarem em contradição com a sua crença na superioridade da raça alemã, os nazis tendiam a alijar a
responsabilidade dos seus próprios inêxitos atribuindo-os aos judeus que era novamente utilizados como
bodes expiatórios.
Na perspetiva nazi os judeus eram ainda apresentados como fundadores de uma contracultura
alemã. Tinham sido os criadores da moral judaica-cristã, assente no igualitarismo, pacifismo. Eram
relacionados com a defesa dos ideais da filosofia das luzes, com a Maçonaria e a democracia. Eram
associados ao triunfo do materialismo e do capitalismo, através do seu domínio da alta-finança de que a
dinastia dos Rothschild de fim de século era o grande exemplo. E, sobretudo, estavam ligados à emergência
do internacionalismo e do bolchevismo que ameaçava mergulhar a humanidade na violência e nas trevas. A
associação dos judeus ao movimento comunista advinha do exemplo de Marx, da presença desproporcionada
de elementos judeus na revolução russa e até na revolta espartaquista, uma vez que Rosa Luxemburgo e
muitos outros dos seus apaniguados eram de origem judia.
Neste contexto os Nazis defenderam a tese de que os judeus com estes ideais perversos eram a fonte
de uma conspiração internacional visando impor o «seu domínio sobre o mundo». O movimento sionista era
apresentado como a prova desse desígnio judeu à escala mundial.
Nesse sentido, o combate nazi aos judeus e seus princípios nefastos assumia o estatuto de uma
verdadeira cruzada para a salvaguarda da cultura alemã, europeia e ocidental. E o próprio Hitler enquanto
profeta dessa nova cruzada era assemelhado, em muitas ocasiões, pela propaganda nazi ao próprio Jesus
Cristo. Num discurso de 1926 o próprio declarara: A luta que travou contra o poder do capital foi a obra da
sua vida e o ensinamento pelo qual foi crucificado pelo seu arqui-inimigo, o judeu. Eu me encarregarei de
completar a obra que Jesus iniciou, mas não concluiu.
Até que ponto esta retórica antissemita capitalizou apoios eleitorais é difícil de avaliar, mas terá sido
particularmente atrativa em certos setores como os estudantes, profissionais liberais, desempregados e até
nalgum eleitorado rural.
Por outro lado, ao colocar a luta contra os judeus numa lógica de salvação e do perigo de
sobrevivência da Alemanha e do Ocidente Cristão, terá sido um complemento que ajudou à agitação e
mobilização da população alemã para a causa nazi, promovendo a coesão nacional e a aceitação em muitos
setores do progressivo reforço das medidas extremistas e autoritárias de Hitler e até do seu culto pessoal.

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4. A guerra como fator promotor e álibi do Holocausto.

Mas o holocausto é indissociável da 2ª guerra mundial. Foi a guerra que lhe deu a justificação e os
meios necessários à sua consecução.
Com efeito, a política antissemita nazi não previa desde o início o extermínio físico dos judeus.
Inicialmente, entre 1933 e 1939, as medidas antijudaicas limitavam-se a operar a degradação moral, a
divisão racial, impedir a miscigenação, afastar os judeus da vida económica da sociedade civil e da cidadania
alemãs e desapossa-los do seu património. É nesse contexto que se inserem as Leis Raciais de Nuremberga
que, em última análise, visariam forçar a emigração dos judeus e criar uma Alemanha livre de judeus.
Entre os próprios judeus alemães houve quem considerasse que esta legislação discriminatória tinha
o mérito de clarificar a sua situação dentro da Alemanha Nazi, permitindo a sua sobrevivência e o
desenvolvimento da comunidade judaica se bem que numa lógica de separação racial.
Foi apenas nas vésperas da eclosão da guerra que os intentos homicidas começaram a ser
enunciados pelo próprio führer quando este no Reichtag, a 30 de janeiro de 1939, enunciava uma pérfida
profecia - se os financeiros judeus, dentro e fora da Europa, conseguirem mergulhar de novo as nações numa
guerra mundial, o resultado não será a bolchevização da terra – e a consequente vitória dos judeus -, mas a
extinção da raça judia da face da Europa. Muitos, no entanto, ainda interpretaram esta declaração como mais
um excesso de linguagem demagógica que era caraterística dos nazis.
Assim a guerra dava aos nazis a oportunidade para radicalizar a sua atuação contra os judeus. Esta
era vista como um a medida preventiva ou de autodefesa para com o arqui-inimigo da Alemanha.
Além disso, a guerra ao mergulhar a Europa e o mundo na barbárie e na destruição permitiu que a
invetiva nazi sobre os judeus se tornasse num efeito colateral e uma nota de pé de página face à orgia de
violência e aniquilação que representou o conflito mundial, fazendo divergir a atenção da população europeia
e mundial para outras questões mais prioritárias.
Contudo, na primeira fase da guerra, de 1939 a 1941, os nazis ainda não se tinham decidido pela
aniquilação física e total dos judeus. Admitia-se ainda a sua deportação em massa para territórios fora da
Europa, nomeadamente para África. Após a capitulação da França face à invasão alemã, a hipótese de
Madagáscar, colónia francesa, ganhava força. Esta ilha, sob o domínio alemão, poderia constituir-se como
um grande gueto para onde seriam reinstalados os judeus europeus, a expensas dos próprios, através da
espoliação do seu património, longe da Europa, sob vigilância alemã e em alternativa à Palestina como
pretendia o movimento sionista.
Porém, à medida que a guerra se expandia a leste, os nazis iam incorporando territórios onde os
judeus eram cada vez mais numerosos e a «questão judaica» era colocada numa perspetiva mais ampla, pan-
europeia. Eventuais planos para a sua deportação ou acantonamento tornavam-se cada vez mais
impraticáveis pela exigência crescente de recursos que impunha e pela morosidade que implicava. Por outro
lado, nos territórios ocupados a leste as medidas que os nazis pudessem cometer sobre os judeus, por mais
desumanas que pudessem ser, poderiam ser cometidas longe dos olhares da opinião pública alemã, a
coberto da guerra e de toda a ação de desinformação dos seus serviços de propaganda. É assim, que na
Europa de leste os nazis decidem agravar as medidas antissemitas concentrando os judeus em bairros
superlotados – guetos – e em campos de concentração onde os judeus eram submetidos a uma existência
associada à brutalidade do seu tratamento, ao trabalho escravo em prol do esforço de guerra alemão (nas
fábricas de armamento, fardamento e equipamento militar…), à doença, à fome e à miséria absolutas que
irão causar as primeiras mortandades em massa.

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Será, contudo, a invasão da União Soviética, em junho de 1941, que estará na base da opção pela
«solução final». Após a «Operação Barbarossa» o conflito entra numa nova dimensão, torna-se numa guerra
de aniquilação onde a escalada de violência atinge o seu paroxismo. O confronto entre alemães e soviéticos
leva ao abandono de qualquer restrição ética, conduzindo a um combate épico e a uma guerra selvática onde
desaparecem os últimos vestígios de piedade e ou respeito pelos valores humanos.
Neste contexto, os nazis vão reforçar o tratamento brutal e criminoso contra os prisioneiros de
guerra e contra os judeus locais. Ao mesmo tempo que às mãos dos nazis mais de 3 milhões de prisioneiros
soviéticos eram mortos à fome, constituíam-se esquadrões assassinos – os Einsatzgruppen – que operando
em toda a frente russa, desde o Báltico ao Mar Negro, e contando com a colaboração de milícias locais de
lituanos ou ucranianos, foram responsáveis, nos primeiros dezoito meses de campanha, pela execução
sumária de mais de um milhão de judeus russos, entre os quais se contavam homens, mulheres e crianças.
Era o início do extermínio em massa dos judeus europeus.
A colaboração empenhada e até surpreendente das milícias locais na caça e fuzilamento dos judeus,
desenvolveu nos nazis a convicção de que não estavam sozinhos na cruzada antijudaica, tendo-os
incentivado a prosseguir com ferocidade redobrada o tratamento dos judeus. No verão de 1941, constatadas
as negativas repercussões psicológicas entre os soldados alemães envolvidos nas execuções em massa que
estavam a acontecer na frente leste, Himmler deu instruções para que se desenvolvessem métodos mais
expeditos e menos violentos para a sua concecussão. Neste contexto, começaram-se a usar camiões que
usavam gases tóxicos emitidos pelo escape para matar judeus, precursores da construção de câmaras de gás
permanentes associadas a fornos crematórios, surgindo assim os campos de extermínio que elevaram a
capacidade de matar judeus para uma escala industrial. Construídos na Polónia ocupada, Chelmno, Belzec,
Auschwitz-Birkenau, Sobibor, Treblinka e Madjanek tornaram-se locais de destino de milhões de judeus
europeus que, sob os eufemismos codificados de «evacuação, reinstalação ou transporte para leste» se
tornaram sinónimos da mais brutal e impiedosa ação alguma vez cometida pelo género humano.
O macabro projeto de exterminar os judeus, sob a denominação de «solução final» (Endlösung) foi
expressamente assumido na Conferência de Wannsee, de 20 de Janeiro de 1942, organizada e presidida por
Reinhard Heydrich na qualidade de chefe da polícia e dos serviços secretos e, com certeza, sob mandato das
mais altas chefias do Estado Nazi. Nesta reunião, cujas as atas são um dos poucos documentos que provam
o caráter premeditado do Holocausto, procurou-se fazer uma estimativa do número de judeus espalhados
pela Europa (cerca de 11 milhões na previsão excessiva nazi), ao mesmo tempo que se procurava coordenar
serviços e recursos para a sua detenção, deportação e transporte para leste rumo aos campos de extermínio.
Para a resolução assumida nesta conferência muito deve ter contribuído a recém-entrada dos EUA
na 2ª guerra mundial a 11 de dezembro de 1941, uma vez que com ela desaparecia o último fator que poderia
refrear a investida nazi sobre os judeus - a tentativa de evitar que a comunidade judaica americana pudesse
influenciar a entrada dos EUA no conflito pondo em causa o equilíbrio entre os blocos beligerantes.

5. O holocausto como expressão da modernidade, da racionalidade, disciplina e organização da


cultura alemã.

Para que o holocausto em toda a sua dimensão tivesse sido possível, foi necessário que ele fosse
perpetrado por um Estado moderno, dotado de recursos materiais, logísticos e humanos em grande escala,
e com um grau de eficiência burocrática acima da média. Assim muitos autores entendem que ele foi produto
de uma cultura alemã que se destaca pela disciplina, pelo rigor, pela eficiência gélida do seu aparelho
burocrático. O genocídio nazi foi, por vezes, encarado como o resultado de uma sociedade munida de uma

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racionalidade científica, capaz de definir, com critério e eficácia, as tarefas de um vasto grupo de funcionários
zelosos do seu sentido de dever que fria e objetivamente cumpriam ordens superiores sem, sobre elas,
perder tempo a tecer considerações ou objeções morais.
Com efeito, o holocausto esteve relacionado com a criação de uma verdadeira organização e máquina
de matar: implicou a criação de um complexo militar e industrial, a articulação e definição rigorosa dos
horários de caminho de ferro, da divisão criteriosa de funções e tarefas, de um eficaz dispositivo de
administrativo e até, em muitos aspetos, de tecnologia de ponta. Implicou a manipulação de registos
criteriosos ao nível do recenseamento e classificação racial dos judeus e até de sinistras estatísticas sobre a
eficácia dos procedimentos adotados nos campos de extermínio de forma a potenciar a sua crescente
eficácia.
Além disso, o genocídio nazi dos judeus foi antecedido um programa de «eutanásia» de deficientes
físicos e mentais, levado a cabo em 1939, o qual serviu de balão de ensaio ao holocausto e que contou com
o zelo e empenho da classe médica alemã.
No entanto, como alerta Robert Wistrich, uma tal visão sobre o holocausto negligencia os muitos
aspetos contraditórios e irracionais da administração e política nazi. Desde as justificações irrealistas
aduzidas para perpetrar o genocídio dos judeus, passando pela irracionalidade da afetação de recursos
militares, humanos e financeiros que poderiam ter sido mais uteis se canalizados diretamente para o esforço
de guerra alemão, até ás decisões militares incongruentes durante a guerra, muitas são as provas de que o
Estado nazi laborava na irracionalidade e na falta de eficiência. Adolf Hitler, enquanto líder e mentor do
nazismo era a prova dessa realidade, Ian Kershaw na sua biografia de Hitler fornece-nos a imagem de um
individuo paranoico, contraditório que na sua última fase governou a Alemanha minado pela enfermidade
física e psicológica.
Por outro lado, o Holocausto foi, em muitos casos, diretamente perpetrado, não por assassinos de
secretaria, burocratas frios e zelosos, mas sim por indivíduos conscientes e ideologicamente empenhados,
cuja a crueldade só seria possível fruto do comprazimento sádico com que exerciam a suas funções. Gustav
Wagner, comandante-adjunto de Sobibor; Christian Wirth, iniciador do extermínio em Chelmno; Franz Stangl,
comandante em Treblinka e Sobibor, Rudolf Höss, comandante de Auschwitz; Josef Mengele, médico-chefe
em Auschwitz, cada um à sua maneira, conquistaram uma reputação de torcionários de judeus alicerçada na
impiedade extrema.

6. A impotência e fragilidade dos judeus face à ofensiva Alemã.

Algumas opiniões sobre o holocausto revelam alguma estranheza quanto ao comportamento das
próprias vitimas. Numa certa perspetiva, a imagem dos próprios judeus evoca a alegoria dos cordeiros
ordeiramente levados ao sacrifício, numa atitude de tal forma submissa que pode ser apelidada de
colaboração passiva. Muitos interrogam-se porque toleraram os judeus a ofensiva nazi sem protagonizar
uma resistência significativa, por exemplo uma fuga massiva da Alemanha após a chegada dos Nazis ao
poder.
Esta imagem é ainda negativamente reforçada quanto os nazis delegaram nos próprios judeus
algumas das funções que tornaram possível o controlo dos judeus e a operacionalização do holocausto.
Refiram-se, a título de exemplo, os Judenräte – Conselhos de Ansiãos - constituídos por judeus destacados e
rabinos e que constituíam um órgão administrativo dos guetos judaicos (As suas funções passavam por
organizar transferência dos judeus da província para os guetos, organizar o seu alojamento, transporte, a

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cobrança de impostos, distribuição do trabalho, escolas, hospitais, orfanatos, saneamento…, dentro do


gueto e até pela seleção dos judeus para a sua «reinstalação» fora deste); dos kapos, espécie de polícia
judaica dentro do guetos e campos de concentração nazis que tinham a função de manter a disciplina interna
e reunir os que eram escolhidos para a deportação metendo-os nos comboios; e dos Sonderkommando,
grupos de prisioneiros que gozavam de alguns privilégios, mas que eram responsáveis por gerir os
crematórios, retirar os cadáveres das câmaras de gás ou arrancar os dentes de ouro dos maxilares das
vítimas.
A sua evocação permite assim acusações de colaboração passiva, paralisia, vassalagem e
complacência dos próprios judeus relativamente aos seus algozes.
Contudo, uma tal imagem negligencia o facto de os judeus europeus terem sido habilmente
encurralados pelos nazis no processo que conduziu ao seu extermínio, a real ação de resistência feita pela
comunidade judaica internacional ao nazismo e a situação de completa impotência dos judeus que caíram
nas mãos dos nazis.
Em primeiro lugar, muitos judeus não adotaram ações efetivas para escapar ao domínio nazi porque
a ofensiva alemã sobre os judeus obedeceu a um processo gradativo de medidas antijudaicas que levaram
muitos judeus, nomeadamente alemães, a demorarem a enfrentarem a realidade na plenitude da sua
dimensão. Muitos judeus acreditaram que o nazismo se comparava a outras provações que os seus
antepassados tinham superado no passado. E se, no início, os alemães ainda permitiam a emigração dos
judeus esta era obstaculizada pela obrigatoriedade de abdicarem da maior parte do seu património e por
terem sido colocados muitos entraves à receção de refugiados judeus na maior parte dos países que os
poderiam ter acolhido.
Na Europa de leste a maioria dos judeus que foram vítimas do holocausto nunca tiveram
possibilidades reais de fuga. Foram surpreendidos com a repentina ocupação alemã e viviam em inseridos
em comunidades impregnadas de antissemitismo sempre prontas a colaborar com os nazis da identificação
dos judeus.
Em segundo lugar, é preciso vincar que os judeus eram uma comunidade espalhada há já muitos
séculos em diáspora por vários quadrantes geográficos, sem unidade política e com fracos laços efetiva
solidariedade entre si. Não possuíam um Estado, um governo, um território ou um exército que os pudesse
proteger. O movimento sionista estava fragmentado e na Palestina a comunidade judaica era minúscula e
continuava, sem autonomia, sujeita à tutela britânica.
Em terceiro lugar, a pretensa atitude “colaborativa” que nos guetos e campos de concentração e
extermínio adotaram muitos judeus justifica-se pela esperança de evitar males maiores e por uma total
exaustão física e psicológica e uma tal degradação das condições de existência que levaram muitos judeus a
optarem pelo suicídio ou a aceitação resignada do seu destino. Isto para não falar da excessiva brutalidade
com os nazis lidavam com qualquer fuga ou ação de resistência. O efeito intimidatório de um castigo
desproporcionado e coletivo funcionava como fator dissuasor de qualquer ato de rebeldia. Tal facto foi
também extensivo aos muitos prisioneiros de guerra que foram parar aos campos de concentração alemães
onde os atos de resistência foram também muito reduzidos.
Por último, não podem ser esquecidos os múltiplos exemplos de resistência judaica. Wistrich refere
mais de vinte insurreições armadas de judeus em guetos da Europa de Leste, entre as quais, as mais notadas
foram as do gueto de Varsóvia, em maio de 1943. Poucos meses depois ocorreu uma fuga de jovens judeus
no gueto de Vilna que conseguiram criar unidades de guerrilha que ajudaram à libertação da cidade. Em

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Auschwitz, em Agosto de 1943, os prisioneiros protagonizaram uma rebelião e conseguiram matar vários
guardas da SS e explodir um dos fornos crematórios.
Muitos judeus combateram voluntariamente nos movimentos clandestinos de resistência em países
ocupados pelos nazis. Por exemplo, os judeus chegaram a representar 15% dos operacionais da resistência
francesa, percentagem muito superior ao peso da população judaica no total da população francesa.
Os judeus voluntários também pontificaram no exército americano (mais de meio milhão de alistados
judeus) e britânico, incluindo os 35 000 de judeus palestinos da Brigada Judaica do exército britânico, e outras
forças aliadas.
Um caso diferente, mas igualmente notável de resistência, foi protagonizado pelos judeus do gueto
de Varsóvia. Apesar da situação desesperada em que se encontravam, os judeus polacos deste gueto, criaram
escolas, bibliotecas, orfanatos, em muitos casos clandestinos, e mantiveram em funcionamento uma série
de atividades culturais: festivais de cultura e música judaicas, serões literários, récitas de teatro, aulas de
hebraico e estudo da Tora e Talmude, chegando a membros da comunidade que antes raramente tinham tido
contato com atividades do género. Tratou-se de um outro género de resistência, de uma resistência espirdo
itual que combateu, apesar das circunstâncias dramáticas, as tentativas de degradação moral e cultural
levadas a cabo pelos seus carrascos.

7. A ausência da solidariedade internacional à «Questão Judaica».

Mas o holocausto não foi uma obra exclusiva dos alemães. Eles foram os seus mentores e executores
principais. Mas, para que os seus desígnios homicidas tivessem ganho o alcance que ganharam, foi decisiva
a postura colaborante da comunidade internacional. Com efeito, entre aliados e inimigos dos nazis, a atitude
relativamente à questão judaica vogou entre a colaboração ativa, a colaboração constrangida ou a inação
quase total que em muito contribuíram para encurralar os judeus num beco sem saída e possibilitaram aos
nazis levar a cabo o seu projeto hediondo.
Antes do início da guerra o Holocausto poderia ter sido, em grande parte, evitado se a comunidade
internacional manifestasse boa vontade para acolher os refugiados que em grande número tentaram
escapar da Alemanha e da Áustria após os nazis terem adotado a legislação altamente discriminatória dos
judeus. O problema foi de tal modo sentido que, em 1938, sob a iniciativa de Roosevelt, foi convocada para
Évian, em França, uma conferência internacional a fim de tratar do assunto dos judeus que estavam a ser
expulsos da Alemanha. Estiveram presentes trinta e dois países, mas, um a um, todos manifestaram a suas
objeções a receber mais judeus. A indisponibilidade era justificada pelos problemas económicos, pelo
desemprego, falta de recursos ou necessidade de evitar «problemas raciais». Os próprios promotores do
evento, os EUA, alinharam pela perspetiva dominante, o que deu a entender que a conferência tinha sido
convocada pelo governo americano na tentativa de desviar a imigração dos judeus da América.
O malogro da Conferência de Évian foi entendido pelos nazis como uma demostração que o Ocidente
não estava seriamente empenhado em qualquer iniciativa de proteção e salvação dos judeus, pelo que a
considerou como um cheque em branco para tratar da questão como melhor lhe conviesse.
Esta perspetiva veio, mais tarde, a confirmar-se quando os alemães iniciaram os massacres dos
judeus na Europa de leste onde encontraram da parte das populações e autoridades locais uma colaboração
entusiasta. O holocausto teve início com as execuções em massa em solo soviético, nomeadamente na
Ucrânia e nos Estados Bálticos de forma quase pública, pois contou com o apoio ativo das populações locais.

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Ação de Formação: O POVO JUDEU: DO HOLOCAUSTO À ATUALIDADE
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Em finais de 1943, os nazis tinham já assassinado perto de dois milhões de judeus através de pelotões de
fuzilamento e uso de valas comuns nas imediações das aldeias locais. Para o efeito, os alemães contaram
com o contributo de milícias locais de ucranianos e lituanos que muitas vezes suplantavam em número os
elementos alemães que se encarregavam de caçar e matar judeus. Essas milícias eram constituídas por
criminosos, oportunistas que procuravam obter ganhos materiais e nacionalistas antissemitas radicais que
identificavam os judeus com os bolcheviques soviéticos que os tinham oprimido. Para muitos destes, as
aspirações nacionalistas, a aversão ao comunismo e a lembrança da opressão soviética serviram de
justificação para o zelo que puseram no assassínio de judeus locais.
Na Croácia e na Roménia os alemães encontraram também nacionalistas locais cujo o fanatismo
antissemita surpreendeu positivamente os alemães e terão funcionado como um estímulo para que
assumissem definitivamente a «solução final». A fúria dos ustachas (fascistas) croatas sobre os 500 mil
judeus sérvios foi um exemplo que os alemães não desdenharam. Na Roménia, onde os judeus ascendiam a
750 mil, a ditadura fascista da Guarda de Ferro do marechal Ion Antonescu foi célere na adoção da mais
radical legislação antissemita, tendo, depois do início da guerra, matado de forma autónoma cerca de um
quarto dos seus judeus. Quando os ventos da guerra começaram a mudar, o regime romeno interrompeu o
massacre dos seus judeus e cinicamente passou a vender boletins de imunidade aos judeus nacionais e
àqueles que em trânsito passassem pelo país a caminho da Palestina. A Hungria da Cruz Frechada fascista,
liderada pelo almirante Horthy, foi outro exemplo de colaboração ativa para com os Nazis enviando para
Auschwitz a maioria dos seus 725 mil judeus, isto numa fase já muito adiantada da guerra e quando já se
perspetivava a vitória aliada. Comportamento idêntico adotou, meses antes, o regime eslovaco sustentado
pela milícia fascista da Guarda Hlinka. Em todos os casos anteriormente citados a colaboração terá também
sido motivada pela perspetiva material de expropriação dos bens dos judeus.
Na Europa Ocidental também se identificam vários exemplos de colaboração com o holocausto. Na
Holanda e na Bélgica ocupadas os nazis contaram com a colaboração de movimentos fascistas locais na
identificação dos judeus que viviam nesses países. Na Holanda criou-se um campo de concentração de judeus
(Westbork) por onde passaram mais de 80% dos judeus holandeses antes de, com a colaboração da polícia
holandesa, serem deportados para Auschwitz. Na Bélgica a situação foi idêntica relativamente aos judeus
estrangeiros, na sua maioria refugiados alemães, que aí se tinham fixado. Estes constituíam cerca de um
terço dos judeus que se encontravam a residir na Bélgica. Mas quando em 1943, a deportação começou a
incidir sobre os judeus nativos, os belgas abandonaram a sua atitude colaboracionista, não mostrando zelo
na sua detenção ou permitindo a sua fuga dos comboios de deportação. O resultado foi que a percentagem
(cerca de 44%) de judeus belgas que pereceram nos campos de extermínio foi muito menor do que o
registado no país vizinho.
Uma situação análoga ocorreu na França onde viviam cerca de 330 mil judeus, dos quais mais de um
terço eram imigrantes. Após a invasão da França pelo exército Nazi, quer na parte norte ocupada pelos
alemães, quer na parte sul do regime colaboracionista de Vichy, os judeus passaram a ser vítimas de uma
legislação antissemita extremista, de uma propaganda vexatória e de uma depredação dos seus bens, que
antecedeu a sua deportação para os campos de extermínio, via Drancy – campo de concentração para judeus
franceses criado no Norte de França. As autoridades administrativas e policiais francesas foram
particularmente ativas nas rusgas que efetuaram para operar a detenção e deportação dos judeus não
nacionais que residiam em França. Mas já não demostraram o mesmo zelo relativamente aos judeus de
nacionalidade francesa o que chegou a levar a críticas do Estado Nazi ao governo de Vichy. Tal cambiante no

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Ação de Formação: O POVO JUDEU: DO HOLOCAUSTO À ATUALIDADE
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comportamento dos franceses pode estar relacionada com a perspetiva de viragem da guerra que terá
salvado do genocídio 75% dos judeus franceses.
Já mais surpreendente foi a atitude titubeante que os franceses encontraram em Itália, o seu
principal aliado político e militar. Para Mussolini e os fascistas italianos o racismo era mais um conceito
nacionalista que biológico, pelo que durante os primeiros dezasseis anos do regime nacional fascista italiano
os judeus locais não foram minimamente beliscados. Foi apenas em 1938, sob pressão alemã, que a Itália
adotou uma legislação antissemita que foi considerada por muitos italianos como uma bajulação humilhante
da Alemanha nazi pelo Duce. Contudo, as exceções previstas eram tantas que o impacto dessa legislação foi
reduzido. Por outro lado, o tratamento dos judeus pelo exército e a sociedade civil italianas foi, em muitas
ocasiões, marcado pela compaixão e humanitarismo. A indisciplina, a corrupção e ineficácia dos militares
italianos permitiram abundantes casos de fuga de judeus que estavam sob a autoridade dos italianos. Só a
partir de 1943, quando Mussolini necessitou do auxílio alemão para se manter no poder, se iniciaram as
medidas mais extremistas sobre os judeus em território italiano. Só nos últimos meses do regime fascista
italiano e posterior ocupação nazi do norte da Itália, a detenção, deportação e até assassínio dos judeus se
tornou verdadeiramente violenta a tempo de vitimar cerca de 15% da comunidade judaica italiana.
Mesmo os países aliados inimigos da Alemanha Nazi não salvaram a sua face no que diz respeito ao
Holocausto. A sua inação foi gritante e nunca adotaram medidas eficazes para proteger ou salvar os judeus
europeus.
Antes da guerra e condicionado pelo antissemitismo que grassava também em amplos setores da
sociedade americana, os EUA, através do US Immigration Act de 1924, restringiram fortemente a imigração
da Europa do Sul e de Leste inviabilizando a possibilidade de muitos judeus encontrarem abrigo do lado de lá
do Atlântico. Comportamento idêntico assumiu o governo britânico que depois de ter concordado com a ideia
da criação do Lar Nacional Judeu na Palestina, território por si tutelado, acabou por, em 1939, através do
British White Paper, fazer com que a entrada de judeus nesse território foi fortemente restringida.
Já com a guerra em curso, os governos americano e britânico boicotaram sistematicamente
propostas feitas pelo movimento sionista ou organizações humanitárias para salvar os judeus europeus.
Propostas como as de abrir fronteiras a refugiados judeus, apoiar financeiramente países terceiros para o
acolhimento de judeus, encetar negociações para troca de prisioneiros de guerra por judeus,
bombardeamento da rede de caminho de ferro ou dos próprios campos de extermínio alemães, permitir a
criação de um exército judeu na Palestina…, foram contrariadas com argumentos da falta de fundos, meios
militares ou razões técnicas. Em muitas ocasiões a resposta dos EUA e do Reino Unido aos apelos para salvar
judeus era cinicamente respondida com o argumento de que o melhor auxílio que podiam prestar era ganhar
a guerra o mais rapidamente possível.
Assim para muitos analistas do Holocausto a atitude dos Aliados foi caraterizada pela indiferença e
uma tal passividade que permite evocar a célebre frase de Edmund Burke (1729-97) - «A única coisa
necessária para o triunfo do mal é os homens de bem não fazerem nada».

Bibliografia:
KERSHAW, Ian; Hitler, Uma biografia, Dom Quixote, 2009
WISTRICH, Robert Solomon, Hitler e o Holocausto, Círculo de Leitores, 2001

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