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do Poder
História, Política
e Relações Internacionais
Conselho Editorial da Série História Chanceler
(Editor) Leandro Pereira Gonçalves, Dom Jaime Spengler
Pontifícia Universidade Católica
Reitor
do Rio Grande do Sul, Brasil
Joaquim Clotet
António Costa Pinto,
Instituto de Ciências Sociais da Vice-Reitor
Universidade de Lisboa, Portugal Evilázio Teixeira
História
66
Dimensões
do Poder
História, Política
e Relações Internacionais
CDD 981
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio
ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos,
fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como
a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas
proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos
direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e
multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de
19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
Sumário
prefácio................................................................................................................................ 7
apresentação.................................................................................................................... 9
A fronteira no centro................................................................................................... 13
Rui Cunha Martins
| 7
Apresentação
| 9
apresentação
10 |
apresentação
Os Organizadores
| 11
A fronteira no centro
Rui Cunha Martins
Universidade de Coimbra
1. Função
2. Modelo
| 13
a fronteira no centro
3. Designação
1
MARTINS, Rui Cunha. O Método da Fronteira: Radiografia Histórica de Um Dispositivo
Contemporâneo (Matrizes Ibéricas e Americanas). Coimbra: Almedina, 2008, p. 112.
14 |
rui cunha martins
4. Centralidade
| 15
a fronteira no centro
5. Contingência
Há ainda um terceiro aspecto a ter em conta. Tem a ver com o espaço re-
servado à contingência no campo do conceito de fronteira e, nomeadamente,
com o necessário recuo crítico perante assimilações demasiado rápidas entre
contingência e alternativa. Vejamos. Não sobram dúvidas sobre as inúmeras
facetas que imprimem à fronteira um elevado grau de resistência a esforços de
uniformização: pense-se no seu carácter “contextual”, na sua propensão plural
ou no seu potencial de desdobramento, características que têm nas figuras
da duplicação de fronteiras, da sobreposição de fronteiras, do apagamento de
fronteiras e da reposição de fronteiras a sua expressão acabada. Dito isto, im-
porta frisar que, se estes elementos existem, em qualquer fronteira, de modo
latente, vigorando nela em potência, não é, contudo, forçosa, e menos ainda
permanente, a sua manifestação. Semelhante latência não pode, portanto,
tomar-se como a essência da própria fronteira, como que antecipando-se, por
inerência, à contextualização proporcionada, a essa mesma fronteira, pelos res-
16 |
rui cunha martins
pectivos quadros históricos; aquilo que, em bom rigor, está próximo do âmago
da fronteira e pode ser talvez dito essencial nela é, agora sim, a disponibilidade
assegurada por essa latência, o carácter “negocial” adveniente à fronteira por
via de uma eventual ativação desses elementos potenciais, ou até – e este é o
ponto a reter - a possibilidade em aberto de que cada uma dessas iniciativas e
ativações permita mesmo aclarar uma sede (chame-se-lhe também centro ou
referente) produtora e organizadora desse mesmo quadro de multiplicidade.
Donde, constatar a presença da instabilidade e da contingência por entre os
elementos integrantes do corpo do conceito só pode significar a consciência de
que é no enfrentamento com essa contingência (um enfrentamento entendido
como “negociação” pelo que se considere ser, em contexto, a melhor opção)
que se instaura a possibilidade de um referente, ou seja, que se torna possível
ativar a matéria autoral – porque, de acordo com nosso ponto de vista, “toda
a fronteira tem autor”. Por conseguinte: permitir o exercício demarcatório
que confira sentido à dispersão; e permitir o reconhecimento desse esforço
ordenador; são estes os dois momentos complementares que a contingência,
contra ela própria, acaba por assegurar. Daí que ao pensamento moderno não
se imponha terminar com a ambiguidade mas geri-la, até porque só essa gestão
permite a definição das situações de transgressão, de exceção, de punição ou de
perdão, expressões autorais máximas em matéria de fronteira, tal como só ela
permite o gesto articulador que, integrando todas essas modalidades, designe
o autor. Porque o autor e a sua centralidade são demarcados pelo próprio ato
de demarcação que ele assegura.
6. Adaptabilidade
| 17
a fronteira no centro
7. Interioridade
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rui cunha martins
de onde provém um povo, mas aquilo em direção ao qual ele avança”2 . Com o que
a localização da interioridade devém, em última instância, promessa de futuro.
Ora, ao generalizar-se o modelo do estado-nação, ou, dizendo-o com maior
ancoragem historiográfica, à medida que a modernidade processa esse longo
movimento de exportação do estado-nação como forma de arrumação política,
primeiro nas margens do espaço europeu e depois para fora dele, em direção à
sua periferia – movimento que, deste ponto de vista, pode ser perseguido até
à contemporaneidade –, também esta modalidade de realização da fronteira
enquanto centro (a da “fronteira interior”) segue junto com todas aquelas que,
em paralelo, integram o quadro de valências do mecanismo “fronteira”. O re-
sultado maior da sua ativação conjugada é, provavelmente, a american frontier,
tal como desenhada por Turner. Aí, a fronteira parece caminhar irreversivel-
mente para a sua própria centralidade. Mas só aí? E no caso brasileiro? Aqui,
a impressão que se colhe é a de que o tópico da centralidade, tanto quanto os
da ilimitação e da demarcação, será também ele francamente mobilizado por
um debate identitário brasileiro que, em Oitocentos, surge obcecado com a
definição das fronteiras jurídico-políticas e culturais. E, por arrasto, com a
definição dos argumentos conexos: com o lugar da Ibéria nesse quadro, sem
dúvida; com os modos da especificidade e da diferença, com certeza que sim;
e, inevitavelmente, com as virtudes demarcatórias do elemento híbrido.
8. Hibridização
2
BALIBAR, Étienne. Fichte et la Frontière Intérieure. À propos des Discours à la nation al-
lemande. In: BALIBAR, E. La crainte des masses. Politique et Philosophie avant et après Marx.
Paris: Galilée, 1997, p. 150.
3
GAUER, Ruth. A construção do Estado-Nação no Brasil. A contribuição dos Egressos de Coimbra.
Curitiba: Juruá, 2001, p. 35-36.
| 19
a fronteira no centro
9. Historicidade
4
SILVA, Mozart Linhares da. O Império dos Bacharéis. O pensamento jurídico e a organização
do Estado-Nação no Brasil. Curitiba: Juruá, 2003, p. 265-269.
5
Idem, p. 269.
6
MARTINS, Rui Cunha, op. cit.
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rui cunha martins
10. Limite
7
PAREDES, Marçal de Menezes. Fronteiras Cuturais Luso-Brasileiras: Demarcações da história
e Escalas identitárias (1870-1910). Coimbra: FLUC, 2007.
| 21
a fronteira no centro
11. Continuidade
12. Evolução
8
PAREDES, Marçal, op. cit., p., 25-122; HOMEM, Amadeu Carvalho. Da Monarquia à República.
Viseu: Palimage, 2001, p. 13-25.
22 |
rui cunha martins
Bomfim e Sílvio Romero, por exemplo, alinham-se por este diapasão. Uma vez
mais não cuidaremos aqui das diferenças, profundas ou de ocasião, entre eles.
Por todos, seguiremos Romero. E aquilo que de particularmente expressivo
pretendemos elucidar a seu respeito, é a compaginação que pode ser feita entre
o seu discurso e o de um outro americano, este do norte, Frederick Jackson
Turner9. Longe do nosso intuito reabrir o debate sobre a recepção e o papel da
obra turneriana no Brasil. O que, por outro lado, pretendemos aqui sublinhar é
que, independentemente das circunstâncias quanto às condições de recepção,
e, ainda, à margem de qualquer preocupação em estabelecer afinidades inte-
lectuais ou doutrinárias entre ambos, a proximidade que se detecta entre os
dois discursos é irrecusável. Bem vistas as coisas, Romero, como Turner, tinha
pela frente a tarefa de integrar a presença de uma fronteira em movimento e
as especificidades por ela introduzidas no processo de demarcação de uma
dada sociedade cultural e política. A um como a outro se impunha dotar de
coerência o movimento ilimitado.
Uma das principais consequências analíticas a retirar dessa comum necessi-
dade será uma também comum recusa do passado europeu que a cada um coube.
Já destacámos este ponto para o caso de Turner. Por seu turno, Sílvio Romero é,
quanto a este ponto, igualmente conclusivo. Atente-se, desde logo, na sua con-
vicção de que “uma nação se define e se individualiza quanto mais se afasta pela
história do carácter das raças que a constituíram, e imprime um cunho peculiar à
sua mentalidade”, ou, na mesma linha, na sua certeza de que “a nação brasileira,
se tem um papel histórico a representar, só o poderá fazer quanto mais separar-se
do negro africano, do selvagem tupi e do aventureiro português”10. Por detrás destas
ideias germinam conceitos do neolamarckismo (dos quais fará também visível
uso um Manoel Bomfim na altura de caracterizar o “mal de origem” brasileiro
enquanto “parasitismo” português, cuja “cura” era o afastamento do passado
ibérico) e o cruzamento de preceitos darwinistas ou aparentados, canalizados
para uma interpretação naturalista da evolução dos povos na qual o potencial de
mistura e de combinação inesperada de elementos de diversa proveniência era
sobrestimado enquanto garante de uma originalidade em permanente eclosão.
No âmbito desta linha evolutiva em direção à singularidade e à diferença em que
a própria história se transforma, a fronteira brasileira não pode ser em caso algum
a fronteira portuguesa, mas, bem ao invés, a sua constante negação, o lugar do
perpétuo movimento para longe de Portugal e das raízes onde estiolava o “velho
reino”, esse que “havia feito completa bancarrota de ideias” e que, resignado
à condição de “ínfimo glosador dos desperdícios franceses”, não era mais do
que a raiz longínqua que “perdeu definitivamente o encanto a nossos olhos”11.
9
MARTINS, Rui Cunha, op. cit., p. 129-135.
10
PAREDES, op. cit., 114.
11
Idem, 116-121.
| 23
a fronteira no centro
13. Delimitação
12
TURNER, Frederick Jackson. The Frontier in American History. Tucson: The University of
Arizona Press, 1986.
13
PAREDES, Marçal, op. cit., p. 77-93.
14
MARTINS, J. P. Oliveira. Política e História. Lisboa: Guimarães Editores, 1957. Veja-se também:
MATOS, Sérgio Campos. Portugal e Brasil: crónicas esquecidas de Oliveira Martins. In: MARTINS,
J. P. de Oliveira. Portugal e Brasil (1875), ed. Sérgio Campos Matos, Lisboa: Universidade de Lisboa,
2005, p. 7-36; e, do mesmo Autor, Iberismo e Identidade Nacional (1851-1910), Clio, 14 (2006), p.
349-400.
24 |
rui cunha martins
propiciasse o encontro brasileiro com o seu âmago (arrisquemos desde já: com
a sua fronteira interior). Tanto assim era que, em simultâneo com a sugestão da
“liga ibérica”, mas em nítido sentido concorrencial com ela, o espírito antilusita-
no se aplica na promoção de uma escala americana de referência, contraposta à
anterior. Este reforço do cunho americanista está presente na órbita do “Manifesto
Republicano de 1870”, em que o processo abolicionista brasileiro e a questão do
derrube da monarquia se fazem acompanhar da denúncia do passado português
e concretamente europeu e, ao mesmo tempo, da estima confessa que deveria
merecer, nos areópagos republicanos, o culto do sentimento americanista, ver-
tido na mensagem óbvia de que “somos da América e queremos ser americanos”15.
Preocupações demarcatórias, claro. Uma vez mais. Só que, desta vez, a demar-
cação cultural extirpava o sangue e optava pelo território.
14. Essência
15
PAREDES, Marçal, op. cit., p. 256.
| 25
a fronteira no centro
16. Ilimitação
16
Ibidem.
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rui cunha martins
Referências
BALIBAR, Étienne. Fichte et la Frontière Intèrieure. À propos des Discours à la nation
allemande. In: BALIBAR, E. La crainte des masses. Politique et Philosophie avant et après
Marx. Paris: Galilée, 1997.
GAUER, Ruth. A construção do Estado-Nação no Brasil. A contribuição dos Egressos de
Coimbra. Curitiba: Juruá, 2001.
HOMEM, Amadeu Carvalho. Da Monarquia à República. Viseu: Palimage, 2001.
MARTINS, Rui Cunha. O Método da Fronteira: Radiografia Histórica de Um Dispositivo
Contemporâneo (Matrizes Ibéricas e Americanas). Coimbra: Almedina, 2008.
MATOS, Sérgio Campos. Iberismo e Identidade Nacional (1851-1910), Clio, 14, 2006.
______. Portugal e Brasil: cróniqcas esquecidas de Oliveira Martins. In: OLIVEIRA MARTINS,
J. P.. Portugal e Brasil (1875), ed. Sérgio Campos Matos. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2005.
OLIVEIRA MARTINS, J. P. Política e História. Lisboa: Guimarães Editores, 1957.
PAREDES, Marçal de Menezes. Fronteiras Cuturais Luso-Brasileiras: Demarcações da história
e Escalas identitárias (1870-1910) Coimbra: FLUC, 2007.
SILVA, Mozart Linhares da. O Império dos Bacharéis. O pensamento jurídico e a organização
do estado-Nação no Brasil. Curitiba: Juruá, 2003.
TURNER, Frederick Jackson. The Frontier in American History. Tucson: The University of
Arizona Press, 1986.
| 27
De frente para o futuro.
O Conceito de nação nos processos de
independência hispano-americana1
Fabio Wasserman
Instituto Ravignani Conicet –
Universidade de Buenos Aires
Introdução
1
Este texto é uma tradução com pequenas variações do meu artigo “La nación como concepto
fundamental en los procesos de independencia hispanoamericana (1780-1830)”, em Gilberto
Loaiza Cano e Humberto Quiceno (coord.), Aproximaciones al concepto de nación (Colombia, siglo
XIX), Cali, Universidad del Valle, 2014.
| 29
de frente para o futuro
2
É impossível fazer uma lista ainda que breve dos trabalhos dedicados a estes temas, portanto
me permito citar uma obra coletiva onde se definiram algumas das linhas que renovaram os enfo-
ques sobre a história do período: Antonio Annino e François-Xavier Guerra, coords., Inventando
la nación. Iberoamérica. Siglo XIX, (México: Fondo de Cultura Económica, 2003)
3
Para tanto, retomo e reformulo um trabalho realizado no marco de um projeto de história
conceitual ibero-americana: Fabio Wasserman, “El concepto de nación y las transformaciones
del orden político en Iberoamérica (1750-1850)”, em Jahrbuch für Geschichte Lateinamerikas, 45
(2008): 197-220, também publicado em Javier Fernández Sebastián dir., Diccionario político y social
del mundo iberoamericano. La era de las revoluciones, 1750-1850 [Iberconceptos-I] (Madrid: Fundación
Carolina – Centro de Estudios Políticos y Constitucionales – Sociedad Estatal de Conmemoraciones
Culturales, 2009), 851-869 [http://www.iberconceptos.net/wp-content/uploads/2012/10/DPSMI-
I-bloque-NACION.pdf]. O trabalho original reuniu contribuições de José María Portillo Valdés
(Espanha); Hans-Joachim König (Nueva Granada/Colômbia); Elisa Cárdenas (México); Isabel
Torres Dujisin (Chile); Marcel Velázquez Castro (Peru); Marco Antônio Pamplona (Brasil); Sérgio
Campos Matos (Portugal); Véronique Hébrard (Venezuela); Nora Souto e Fabio Wasserman (Río de
la Plata/Argentina). Cabe salientar que todas as afirmações são de minha inteira responsabilidade.
30 |
fabio wasserman
4
Uma revisão dos diversos enfoques e teorias de Gil Delanoi e Pierre-André Taguieff comps.,
Teorías del nacionalismo (Barcelona: Paidós,1993) e Anthony D. Smith, The Nation in History.
Historiographical Debates about Ethnicity and Nationalism (Hanover: University Press of New
England, 2000). Para Iberoamérica Hans-Joachim König “Nacionalismo y Nación en la historia
de Iberoamérica”, Cuadernos de Historia Latinoamericana nº 8 (2000): 7-47 e Tomás Pérez Vejo
“La construcción de las naciones como problema historiográfico: el caso del mundo hispánico”,
Historia Mexicana, LIII, 2 (2003): 275-311.
5
Reinhart Koselleck, “Historia de los conceptos y conceptos de historia”, Ayer 53 (1) (2004):
35; “Un texto fundacional de Reinhart Koselleck. Introducción al Diccionario histórico de con-
ceptos político-sociales básicos en lengua alemana”, Anthropos 223 (2009): 93.
6
Daí o valor de projetos como Iberconceptos, que permitiu desenvolver um estudo compara-
tivo de alcance ibero-americano no qual foi tratado sistematicamente um conjunto de conceitos
fundamentais. No volume I, já citado na nota 3, foram analisados América, Cidadão, Constituição,
Federalismo, História, Liberalismo, Nação, Opinião Pública, Povo e República. O volume II, que
também incorporou equipes com trabalhos sobre o Uruguai, América Central, Caribe e Antilhas
Hispânicas, inclui estudos sobre Civilização, Democracia, Estado, Independência, Liberdade, Ordem,
Partido, Pátria, Revolução e Soberania. Javier Fernández Sebastián dir., Diccionario político y social
del mundo iberoamericano. Conceptos políticos en la era de las independencias, 1770-1870 [Iberconceptos
II] (Madri, Centro de Estudos Políticos e Constitucionais e Universidade do País Basco: 2014).
| 31
de frente para o futuro
7
A principal referência é a obra de Reinhart Koselleck. Além dos textos citados na nota 5, pode
ser consultado Futuro pasado. Para una semántica de los tiempos históricos (Barcelona: Paidós, 1993).
8
Uma síntese dos significados e usos pré-modernos do termo em Alessandro Campi, Nación.
Léxico de Política (Buenos Aires: Nueva Visión, 2006); Aira Kemiläinen, Nationalism. Problems
Concerning the Word, the Concept and Classification (Jyväskylä: Kustantajat Publishers, 1964);
José Andrés Gallego “Los tres conceptos de nación en el mundo hispano”, em Cinta Cantarela
ed., Nación y constitución: De la Ilustración al liberalismo (Sevilla: Universidad Pablo de Olavide y
Sociedad Española de Estudios del Siglo XVIII, 2006), 123-146.
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fabio wasserman
nesse mesmo dicionário se acrescia esta outra definição cujo uso social estaba
muito difundido: “A coleção dos habitantes de uma Província, País ou Reino”9.
Em segundo lugar, e como também assinalava esse dicionário, a palavra
nação poderia assumir um caráter mais impreciso ao ser empregada como sinô-
nimo de estrangeiro sem precisar explicitar sua origem ou procedência. Outro
dicionário dava o seguinte exemplo desse uso: “As pessoas humildes de Madri
chamam nação a qualquer um que seja de fora da Espanha, assim, ao ver uma
pessoa loira dizem, por exemplo, se parece nação”10. Foi empregado do mesmo
modo pelos comuneiros neogranadinos ao expressar seu repúdio às reformas
borbônicas que limitavam o acesso dos nativos a cargos hierárquicos. O pasquim
conhecido como Salud, Señor Regente, que circulou em Nova Granada durante
1781, afirmava que “se estes domínios têm seus próprios donos, senhores nativos,
por que motivo vêm governar-nos malditos estrangeiros de outras regiões”11.
Em terceiro lugar, a palavra nação era empregada para designar populações
que compartilhavam traços físicos ou culturais como língua, religião e costu-
mes. Este uso tendia a sobrepor-se aos anteriores, supondo-se que aqueles que
tinham a mesma origem também deveriam partilhar algumas características
capazes de distingui-los.
Desta perspectiva, nação poderia remeter a uma ampla gama de referên-
cias. Seguindo uma antiga tradição, utilizava-se a mesma para designar povos
considerados por sua alteridade, fossem bárbaros, gentios, pagãos ou idólatras.
Mas também poderia referir-se a uma comunidade que se distinguisse por
determinadas características que não expressassem necessariamente uma
distância tão radical. Félix de Azara, um funcionário enviado pela Coroa ao
Rio da Prata no final do século XVIII, escreveu uma obra sobre a história e a
geografia da região informando a seus leitores potenciais que “Chamarei nação a
qualquer congregação de índios que tenham o mesmo espírito, usos e costumes,
com idioma próprio tão diferente dos conhecidos por lá, como o espanhol do
alemão”12 . Certamente que para o ilustrado Azara a diferença entre espanhóis
e alemães não era da mesma natureza que entre estes e os indígenas.
Este significado teve uma trajetória particular no continente americano,
pois foi endossado pelos grupos que eram designados dessa maneira. É o caso
9
Real Academia Espanhola, Diccionario de la lengua castellana, en que se explica el verdadero sentido
de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o refranes, y otras
cosas convenientes al uso de la lengua [...] Compuesto por la Real Academia Española. Tomo quarto. Que
contiene las letras G.H.I.J.K.L.M.N, (Madrid: Imprenta de la Real Academia Española, 1734), 644.
10
Esteban de Terreros y Pando, Diccionario Castellano con las voces de Ciencias y Artes y sus correspon-
dientes de las tres lenguas Francesa, Latina e Italiana (Madrid: Imprenta de la viuda de Ibarra, hijos y
compañía, 1786), t. II, 645. Grifo no original. Nesta e em todas as citações a ortografía foi atualizada.
11
Pablo E. Cárdenas Acosta, El movimiento comunal de 1781 en el Nuevo Reino de Granada (Bogotá:
Editorial Kelly, 1960), t. II, 127.
12
Félix de Azara, Descripción e historia del Paraguay y del Río de la Plata, (Buenos Aires: Editorial
Bajel, 1943), 100 (o texto foi escrito em 1790 e editado postumamente em Madri, 1847).
| 33
de frente para o futuro
13
Carlos Daniel Valcárcel ed., Colección Documental de la Independencia del Perú. Tomo 2: La
Rebelión de Túpac Amaru (Lima: Comisión Nacional del Sesquicentenario de la Independencia
del Perú, 1971), vol. 2, 346.
14
Terreros y Pando, Diccionario Castellano, t. II, 645. Definições similares podem ser en-
contradas em outras línguas que compartilham a mesma raiz, como português e francês (que
incorporava também um componente linguístico): “Nome colectivo, que se diz da Gente, que
vive em alguma grande região, ou Reino, debaixo do mesmo Senhorio”; “Tous les habitants d’un
mesme Estat, d’un mesme pays, qui vivent sous mesmes loix, & usent de mesme langage”. Rafael
Bluteau, Vocabulário Portuguez & Latino (Lisboa: Oficcina de Pascoal da Sylva, 1716), vol. V, 568;
Dictionnaire de l’Académie français, (1694), 110.
15
Emmer du Vattel, Le droit de gens ou principes de la loi naturelle apliques a la conduite et aux
affaires des nations et des souveaines, (Leyden, 1758), citado em José C. Chiaramonte, Nación y
estado en Iberoamérica. Los lenguajes políticos en tiempos de las independencias, (Buenos Aires:
sudamericana, 2004), 34.
16
Assim, ao comentar uma citação extensa de Christian Wolff na qual aparece a palavra nação,
Vattel esclarecia que “Une nation est ici un État souverain, une société politique indépendente”
cit. en Chiaramonte, Nación y Estado, 34.
34 |
fabio wasserman
As referências da nação
17
Joaquín de Finestrad, El Vasallo instruido en el estado del Nuevo Reino de Granada y en sus
respectivas obligaciones, Margarita González Int. e transcrição (Bogotá: Faculdade de Ciências
Humanas – Universidade Nacional da Colômbia, 2000), 224 y 321.
| 35
de frente para o futuro
18
Finestrad, El Vasallo, 343.
19
Antonio Nariño “Apología”, em José Manuel Pérez Sarmiento comp., Causas Célebres a los
precursores, (Bogotá: Imprenta Nacional, 1939) t. I, 129.
20
José Cadalso, Defensa de la nación española contra la Carta persiana LXXVIII de Montesquieu,
(Toulouse: France-Iberie Recherche, 1970).
36 |
fabio wasserman
Portillo Valdés, José María, La vida atlántica de Victorián de Villava (Madrid: Fundación
21
MAPFRE, 2009).
22
O debate sobre a pertinência de considerar as Índias como colônias foi retomado há pouco
tempo em “Para seguir con el debate en torno al colonialismo ...”, Nuevo Mundo Mundos Nuevos,
On-line desde 08 fevereiro 2005, consultado em 08 julho 2013. http://nuevomundo.revues.org/430.
Uma análise que aborda o problema a partir da perspectiva conceitual em Francisco Ortega,
“Ni nación ni parte integral. Colonia, de vocablo a concepto en el siglo XVIII iberoamericano”,
Prismas. Revista de Historia Intelectual, 2011 (15), 11-29.
23
Uma exaustiva análise das considerações feitas sobre o continente americano em Antonello
Gerbi, La disputa del nuevo mundo. Historia de una polémica 1750-1900 (México: Fondo de Cultura
Económica, 1982).
| 37
de frente para o futuro
24
Juan José Eguiara y Eguren, Bibliotheca Mexicana, Benjamín Fernández Valenzuela trad. do
Latin, Ernesto de la Torre Villar coord., (México: Universidad Nacional Autónoma de México,
1986), 53 y 175.
25
Francisco Javier Clavijero, Historia Antigua de México, (México: Editorial Porrúa, 1991, 1ra.
ed. em italiano, 1780), 44/5.
26
Juan Ignacio Molina, Compendio de la Historia Civil del Reino de Chile, Nicolás De La Cruz y
Bahamonde ed. e tradutor de italiano (Madrid: Imprenta de Sancha, 1795,), 12.
27
David Brading, Los orígenes del nacionalismo mexicano, (México: Era, 1997), 25.
38 |
fabio wasserman
28
Elías Palti realizou uma interpretação deste processo complexo destacando os problemas
que acarretava conceber a soberania nacional, unindo dois conceitos até então antagônicos, em
El tiempo de la política. El siglo XIX reconsiderado (Buenos Aires, Siglo XXI: 2007), cap. 2.
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de frente para o futuro
aumentou sua carga polêmica. Não foi um fenômeno isolado, pois a mesma coisa
ocorreu com muitos outros conceitos com os quais formou uma trama política e
discursiva. As relações que nação estabelecia com esses outros conceitos eram
de natureza diversa. Podiam ser de oposição, como aconteceu com colônia, ou
com facção e partido, pois eram considerados expressão de interesses parciais
que dividiam a nação. E aconteceria a mesma coisa com província e povo/s no
marco das disputas entre federais ou autonomistas e centralistas. Mas os vín-
culos nem sempre eram claros e inequívocos: povo/s poderia ser associado de
maneira positiva a nação se esta se identificava com um povo ou com a união
de povos que concordavam em reunir-se em um corpo político. Nação tam-
bém se vinculou positivamente a conceitos como pátria, território, América,
cidadão, independência, opinião pública, ordem e, acima de tudo, soberania,
constituição e representação, que davam conta da inovação que implicava a
existência ou criação da nação como sujeito autônomo e soberano, que devia
constituir-se através de seus representantes.
No discurso articulado em torno desta rede conceitual ganharam forma
problemas enormes delimitados pela necessidade de redefinir os vínculos po-
líticos e sociais dos súditos da Coroa. É devido a isso que, se o conceito nação
remetia até então a estados de coisas existentes e, em particular, à Monarquia,
seus domínios e seus súditos, invocá-lo em um contexto pactista legitimado
pela doutrina da retroversão da soberania permitiu que também propagasse a
possibilidade de criar comunidades políticas de cunho novo, que fossem também
expressão de relações sociais não menos inovadoras. Nesse sentido, podem ser
identificadas duas tendências, ainda que na prática as propostas costumassem
combinar elementos de ambas: a daqueles que idealizavam uma nação única
e indivisível de caráter abstrato constituída por indivíduos, e a daqueles que
julgavam que era formada por corpos coletivos, fossem estamentos ou povos
que reassumiram sua soberania ante o estado de acefalia – reinos, províncias,
povos ou cidades. De uma forma ou de outra, a verdade é que isto implicou
em uma temporalização do conceito: a nação orientava-se inevitavelmente em
direção ao futuro que não se desejava que fosse legatário do passado.
A possibilidade de definir conjuntos políticos de essência diversa, agora
associada à ideia de soberania, também levou a uma expansão dos marcos de
referência de nação. Nesse sentido havia a possibilidade de manter unidos
todos os domínios da Coroa; de levar a uma divisão entre sua seção europeia e
americana; à proclamação como nações de alguns de seus vice-reinados, reinos
e províncias; ou à associação de algunas dessas entidades ou de parte delas em
diferentes órgãos políticos.
Afora essa diversidade, o que não foi questionado de modo algum foi o
caráter católico que essas nações deveriam ter e, exceto para os absolutistas
contrarrevolucionários, a necessidade de sua organização exigir uma sanção
constitucional para dar-lhe consistência e regular as relações entre seus mem-
bros, além de assegurar-lhes seus direitos. Por isso o debate político confundiu-
40 |
fabio wasserman
29
Francois-Xavier Guerra, Modernidad e Independencias. Ensayo sobre las revoluciones hispánicas,
(Madrid: Mapfre, 1992), 157.
30
Antonio de Capmany, Centinela contra franceses (Madrid: Gómez Fuentenebro y Compañía,
1808), 94 [http://156.35.33.113/derechoConstitucional/pdf/espana_siglo19/centinela/centinela.pdf].
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de frente para o futuro
[…] declaro que minha real intenção é não apenas não jurar nem
consentir com a referida constituição nem com qualquer decreto das
Cortes gerais e extraordinárias, a saber, os que reduzem os direitos
e prerrogativas da minha soberania, estabelecidas pela constituição
e as leis em que a nação tem vivido por muito tempo, mas o de de-
clarar aquela constituição e tais decretos nulos e de nenhum valor e
efeito, agora nem em tempo algum, como se tais atos não tivessem
acontecido jamais, [...]32 .
31
Constitución política de la Monarquía Española: Promulgada en Cadiz a 19 de Marzo de 1812.
Precedida de un Discurso preliminar leído en las Cortes al presentar la Comisión de Constitución
el proyecto de ella (Madrid: Imprenta que fue de García; Imprenta Nacional, 1820), 4. Tanto a
Constituição como uma seleção significativa dos documentos institucionais produzidos a partir
de 1808 podem ser consultados no portal http://www.cervantesvirtual.com/portal/1812
32
“Decreto dado en Valencia a 4 de mayo de 1814 firmado por YO, EL REY”, citado em Juan
Angel de Santa Teresa, Sumario de injusticias, fraguadas por el liberalismo impío, contra la religión
42 |
fabio wasserman
catolica e inocencia cristiana de España (Zaragoza: Imprenta de Andrés Sebastián, 1823), 10.
33
Santa Teresa, Sumario, 11.
34
O maior apelo à pátria em situação bélica foi relatado há varias décadas por Pierre Vilar em
“Patria y nación en el vocabulario de la guerra de la independencia española”, Hidalgos, amo-
tinados y guerrilleros. Pueblos y poderes en la historia de España, (Barcelona: Crítica, 1982), 237.
Sobre a tríade pode ser consultado Gabriel di Meglio “Patria” em Noemí Goldman ed., Lenguaje
y revolución. Conceptos políticos clave en el Río de la Plata, 1780-1850, (Buenos Aires, Prometeo,
2008), 115-130.
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de frente para o futuro
Em janeiro de 1809 a Junta Central, que procurava reunir todo o apoio pos-
sível, emitiu uma Proclama afirmando que os domínios americanos não eram
colônias, mas “uma parte essencial e integrante da monarquia espanhola”, motivo
pelo qual também tinham direito de escolher representantes para participar
desse corpo diretivo. Contudo esse reconhecimento ficou manchado ao outor-
gar aos americanos uma representação exígua em relação a sua população. Esta
decisão, que deu lugar a eleições em numerosas cidades americanas, provocou
reações que oscilavam entre o apoio irrestrito e o mais absoluto repúdio. Mas
mesmo nesse caso, a liderança nativa parecia contentar-se com a obtenção de
mais direitos e um maior grau de autonomia sem que isso acarretasse deixar
de pertencer à nação espanhola. Em novembro de 1809, Camilo Torres redigiu
uma Representação da Municipalidade de Santafé endereçada à Junta Suprema,
sustentando que
Ainda que possa parecer paradoxal, a ênfase com que Torres defendia
o pertencimento dos americanos à nação espanhola não fazia mais do que
evidenciar o progressivo distanciamento entre os nativos e a metrópole, cujo
desfecho, contudo, ainda não se vislumbrava com clareza.
No início de 1810, após o triunfo das forças francesas que ocuparam a
Espanha, a Junta Central foi dissolvida, escolhendo-se em substituição um
Conselho de Regência que se instalou na Ilha de León sob a proteção da ma-
rinha britânica. A reação na América foi imediata: em várias cidades ocorre-
ram movimentos que desconstituiram as autoridades coloniais e instituiram
Juntas governamentais amparando-se no estado de acefalia que justificava a
retomada da soberania por parte do povo. O Conselho de Regência ignorou as
juntas americanas, que em geral também o rejeitaram por considerá-lo uma
autoridade ilegítima cujo poder não emanava do Rei nem dos povos ou, para
aqueles que preferiam considerá-los como um único corpo, da nação. É o caso de
Francisco Miranda, que em um artigo publicado em El Colombiano, de Londres,
35
Camilo Torres, “Representación del Cabildo de Santafé (Memorial de agravios)”, em José Luis
Romero y Luis A. Romero (comps.), Pensamiento político de la emancipación (1790-1825), (Caracas:
Biblioteca Ayacucho, 1977), t. I, 29.
44 |
fabio wasserman
reproduzido pelo diário oficial de Buenos Aires, afirmava que a Junta Central
havia “criado um Soberano sem a participação da nação”36 .
É importante ter em conta os deslizes conceituais ocorridos nesse breve
período, os quais a revolução e a guerra tornaram irreversíveis, pois foi nessas
circunstâncias em que nada ainda estava definido e que eram confusas para
seus próprios protagonistas que foi concebida a possibilidade de que os povos,
além de reassumir a soberania, também pudessem constituir nações sobe-
ranas, livres e independentes. Neste sentido, é paradigmática a trajetória de
Camilo Torres, que em pouco tempo deixou de reclamar uma representação
mais equitativa no seio da nação espanhola para passar a propor a formação
de uma nação neogranadina. Em uma longa carta datada de 29 de maio de
1810, endereçada a seu tio José Ignacio Tenorio, que integrava a Audiência de
Quito, Torres repassava as diferentes alternativas que se apresentavam aos
americanos, concluindo que
Sem dúvida alguma eles também eram aqueles que continuavam acreditando
na possibilidade de que a Espanha subsistiria, por conseguinte mantinham sua
lealdade às autoridades metropolitanas e aos vice-reinados. Para eles a nação
seguia sendo o conjunto da Monarquia ou, em todo caso, o de seus súditos, que
deviam fidelidade e obediência ao Rei, como sustentou a Gazeta de Montevideo
em meados de 1811:
36
La Gazeta de Buenos Ayres, n° 18, 4/X/1810, 288.
37
Proceso histórico del 20 de Julio de 1810. Documentos, (Bogotá: Banco de la República, 1960),
66. O documento foi citado em várias ocasiões, às vezes datado de maio de 1809, quando Torres
faz referência a fatos ocorridos posteriormente, como a batalha de Ocaña. Avalio que o erro se
deve ao afã por dotar os protagonistas das revoluções de uma consciência nacional.
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de frente para o futuro
38
Gazeta de Montevideo n° 33, 14/VIII/1811 (Montevideo: Imprenta de la Ciudad de Montevideo),
283.
39
El Peruano (Lima: 1812), 425.
40
D. D. Mateo Joaquín de Cosío, Elogio Fúnebre del señor D. José Gabriel Moscoso, Teniente Coronel
de los Reales Ejércitos, Gobernador Intendente de Arequipa. En las exequias que el ilustre Cabildo
justicia y regimiento de dicha ciudad hizo en honor y sufragio de tan benemérito jefe el dia 9 de mayo
de 1815 (Lima: Bernardino Ruiz, 1815), 47.
46 |
fabio wasserman
41
Miguel Hidalgo, “Proclama del cura Hidalgo a la Nación Americana” em Haydeé Miranda
Bastidas y Hasdrúbal Becerra sel., La Independencia de Hispanoamérica. Declaraciones y Actas
(Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2005), 38.
42
Miguel Hidalgo, “Abolición de la esclavitud y otras medidas decretadas por Hidalgo” em
Carlos Herrerón Peredo, Hidalgo. Razones de la insurgencia y biografía documental (México: SEP,
1986), 242.
43
Francisco de Miranda, “Bosquejo de Gobierno provisorio” em Romero y Romero, Pensamiento
político, t. I, 13-19.
44
“Sobre el Congreso convocado y Constitución del Estado”em Gaceta de Buenos Aires nº 27,
6/XII/1810.
45
Embora não seja o tema deste trabalho, gostaria de chamar a atenção sobre a necessidade de
questionar a nítida distinção que se costuma fazer entre as guerras de independência e as guerras
civis, o que é apenas uma das muitas consequências do fato de considerar as nações americanas como
entidades preexistentes ou destinadas a se constituírem da maneira como as conhecemos hoje.
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de frente para o futuro
aberto e indeterminado que foi assumindo novos significados para seus próprios
protagonistas à medida que transcorria. Para isto foram decisivos alguns conceitos
como nação, que além de dotar os acontecimentos de inteligibilidade, eram capazes
de delinear cursos de ação possíveis ao indicar um norte para orientá-los.
A independência, que supostamente era o propósito inicial dos revolucioná-
rios, não foi necessariamente proclamada pelas Juntas erigidas no contexto da
crise nem pelos governos que surgiram depois delas. Ao mesmo tempo em que se
mantinha a lealdade a Fernando VII, eram feitos pronunciamentos contraditórios
ou ambíguos em relação a seu pertencimento à nação espanhola. Então, poucos
dias após ter sido criada, a Junta de Caracas decidiu dirigir-se ao Conselho de
Regência, fazendo-o perceber que “É muito fácil confundir o significado dos
nossos procedimentos e dar a uma comoção provocada apenas pela lealdade
e o sentimento de nossos direitos, o caráter de insurreição antinacional”46 .
Estes “procedimentos” incluiam a eleição de deputados que formaram uma
representação nacional dos povos da Venezuela. Mas esta representação, que
expressava uma comunidade munida de um governo próprio, não comportava
uma identidade nacional venezuelana e tampouco se opunha a uma eventual
“concorrência às cortes gerais de toda a nação, desde que sejam convocadas
com aquela justiça e equidade de que é credora a América que forma a maior
parte dos Domínios do cobiçado e perseguido Rei da Espanha”47.
Evidente que essa “justiça e equidade” não foi uma característica da liderança
da metrópole, cuja visão sobre a posição subordinada que a América deveria ter
na nação espanhola apenas aprofundou a brecha existente entre as elites nati-
vas, apesar da ampliação de direitos promovida pelas Cortes. Assim, nos anos
seguintes e no contexto das guerras que sacudiram o continente, diversos povos
ou reuniões de povos declararam sua independência e seu desejo de constituir-se
em nações soberanas, procurando organizar instituições governamentais que
pudessem garantir seus direitos e os de seus membros. Conforme observava
o diário oficial do governo de Buenos Aires, isto implicava em “Ascender da
condição degradante de Colônia obscura à hierarquia de uma Nação”48 .
Para grande parte dos americanos, esse processo confuso em que estavam
imersos há anos havia encontrado no calor da revolução e da guerra um rumo
e um sentido precisos: a transição de colônias a entidades soberanas que po-
deriam constituir-se como nações. A nação voltava-se para um futuro no qual
reinariam a liberdade e a independência, enterrando no passado o despotismo
e os séculos de opressão e dominação colonial.
46
“A la Regencia de España, 3 de mayo de 1810” em Actas del 19 de Abril. Documentos de la
Suprema Junta de Caracas (Caracas: Concejo Municipal, 1960), 99.
47
Gazeta de Caracas, 27/VII/1810.
48
Gazeta de Buenos Ayres, 27/V/1815.
48 |
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Mas como se poderia alcançar esse futuro? E, mais precisamente, como eram
constituídas as nações? Como eram reconhecidas? Quais eram seus atributos?
Que papel se atribuía aos indivíduos e aos povos que as formavam? Em termos
teóricos ou ideológicos havia um repertório de respostas mais ou menos exatas
que podiam divergir em alguns aspectos e por isso davam lugar a debates e
polêmicas. Mas a maior fonte de conflitos foi sua decisão prática, isto é, polí-
tica, já que através de suas concepções se expressavam e se buscavam impor
posições e intereses políticos, sociais, econômicos, territoriais ou jurisdicionais.
Em maio de 1825, o Congresso Constituinte das Províncias do Rio da Prata
discutiu a possibilidade de criar um exército nacional perante a iminente dis-
puta com o Brasil pela Banda Oriental (conflito cujo desfecho seria a criação da
República do Uruguai como nova nação soberana). Um dos entusiastas deste
debate foi o cônego saltenho Juan Ignacio Gorriti, que se opôs à criação desse
exército alegando que a nação era inexistente. Embora concordasse com a criação
de uma nação que centralizasse o poder e governasse o território rio-platense,
entendia que mesmo que não fosse sancionada uma Constituição as províncias
continuariam sendo soberanas. Ao ter sua opinião questionada, viu-se obrigado
a explicar que “De duas maneiras pode ser considerada a nação, ou como pessoas
que têm um mesmo idioma, apesar de formarem diferentes estados, ou como
uma sociedade já constituída sob o regime de um único governo”. O primeiro
caso seria o da antiga Grécia ou Itália, assim como da América do Sul, que na
sua opinião poderia ser considerada como uma nação mesmo tendo diferentes
Estados, “mas não no sentido de uma nação que é regida por uma única lei, que
tem um único governo”, que era ao que ele se referia 49.
Gorriti assim sintetizava os dois significados do conceito nação que, em
meados da década de 1820, e após ter sido declarada a independência de qua-
se todo o continente, seguiam percorrendo caminhos separados. Embora sua
acepção como população que possui traços idiossincráticos continuasse sendo
utilizada, a que prevaleceu naquela época foi a de caráter político, que a distin-
guia por ser resultado de um ato voluntário de seus membros para constituir
uma comunidade regida pelas mesmas leis e um único governo.
Esse ato voluntário foi revelado algumas semanas mais tarde, quando os
representantes dos povos do Alto Peru declararam sua independência, descar-
tando a possibilidade de juntar-se ao Peru ou às Províncias do Rio da Prata. A
esse respeito, sustentaram que “A representação Soberana das Províncias do
Alto Peru” havia decidido erigir-se
49
Sesión del 4/V/1825 em Emilio Ravignani (ed.), Asambleas Constituyentes Argentinas, 1813-
1898, (Buenos Aires: Peuser, 1937), t. I, 1325.
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de frente para o futuro
Do mesmo modo, no Direito das Gentes, publicado dez anos mais tarde
no Chile, Andrés Bello afirmava que “Nação ou Estado é uma sociedade de
homens que tem por objetivo a preservação e felicidade dos associados; que é
governada por leis positivas emanadas dela própria e é dona de uma porção de
território”52 . A permanência desta concepção e sua vasta difusão na América
Latina devem-se a suas numerosas reedições corrigidas que seguiram sendo
publicadas durante décadas em Santiago, Caracas, Cochabamba, Lima, Buenos
50
Declaração de 6 de agosto de 1825 em Colección oficial de leyes, decretos y órdenes de la República
Boliviana. Años 1825 y 1826 (La Paz: Imprenta Artística, 1826), 17.
51
Antonio Sáenz, Instituciones elementales sobre el derecho natural y de gentes, (Buenos Aires:
Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, 1939), 61.
52
Andrés Bello, Principios de Derecho de Jentes (Santiago de Chile: Imprenta de la Opinión, 1832), 10.
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fabio wasserman
Aires, Madri e Paris, embora a partir de 1844 com o título modernizado como
Princípios de Direito Internacional53 .
O fato das nações poderem constituir-se pela vontade de seus membros
favorecia a criação de entidades inovadoras. Essa característica tornou-se ex-
plícita na própria denominação em alguns casos como Bolívia, Argentina ou
Colômbia, o que, é claro, também implicou na criação de novos adjetivos ou de
sua resignificação54 . De qualquer forma, nos Vice-reinados, Reinos ou Províncias
que durante o período colonial podiam ser reconhecidos como nações, também
se podia legitimar a construção de um poder político como representação dessa
entidade preexistente. No Sermão que abriu um Congresso Nacional no Chile
em julho de 1811, o frei Camilo Henríquez fez constantes referências à “nação
chilena” que, além de ser católica, era detentora de direitos que a habilitavam a
fazer uma constituição capaz de garantir sua liberdade e felicidade ante o estado
de acefalia em que se encontrava a monarquia 55 . Da mesma maneira, quando
dez anos mais tarde aconteceu a declaração de independência do México como
reação de parte de suas elites ante o triunfo da revolução liberal na Espanha,
seus autores deixaram claro que se tratava de uma nação que existia há séculos:
“A nação mexicana, que por trezentos anos nem teve vontade, nem livre o uso
da voz, hoje sai da opressão em que viveu”56 .
O fato de proclamar a independência, seja de nações que se consideravam
preexistentes ou de povos que aspiravam a formar uma nova instituição, po-
deria ser considerado uma clara demonstração da existência de uma vontade
nacional. No entano, isso não era suficiente, pois se quisesse ter existência
política e ser reconhecida como uma nação, também deveria ser sancionada
uma constituição para dar-lhe forma. O periódico La Abeja Republicana recor-
dava, em setembro de 1822, a declaração de independência realizada no ano
anterior por José de San Martín, alegando que a libertação do Peru permitira a
seus habitantes transitar “da classe dos colonos […] para compor uma grande
e heroica nação” capaz de apresentar-se “perante as nações”57. Mas como iriam
perceber seus redatores semanas mais tarde, este propósito somente poderia
ser cumprido através de um Congresso Constituinte: “E a formação desta nação,
53
Andrés Bello, Principios de Derecho Internacional, 2da. ed. Corrigida e ampliada (Valparaíso:
Imprenta del Mercurio, 1844).
54
José Carlos Chiaramonte e outros, comps., Crear la nación. Los nombres de los países de América
Latina (Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2008).
55
Camilo Henríquez, “Sermón en la instalación de Primer Congreso Nacional”, em Escritos
Políticos de Camilo Henríquez Raúl Silva Castro rec., (Santiago de Chile: Ediciones de la Universidad
de Chile, 1960), 50-59.
56
“Acta de Independencia del Imperio Mexicano pronunciada por su Junta Soberana, congregada
en la capital de él, en 28 de septiembre de 1821”, em Bastidas y Becerra, La Independencia, 42.
57
La Abeja republicana (Lima: Imprenta de José Masias, 22/IX/1822).
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de frente para o futuro
como começá-la? Que o decida o Congresso Soberano a cujas luzes foi confiada
a sorte das gerações presentes e futuras”58 .
Se era somente através da constituição que a nação poderia ganhar forma,
compreende-se por que motivo sua análise e a dos debates constitucionais
permitem penetrar nas diversas concepções sobre a ordem social e política
que o conceito veiculava. A Constituição Política da República Peruana, sancio-
nada em novembro de 1823, afirmava, em seu primeiro artigo, que “Todas as
províncias do Peru reunidas em um só corpo formam a Nação Peruana” e, no
terceiro, que “A soberania reside essencialmente na Nação”59. Por sua vez, a
Constituição para a República Peruana, também conhecida como Constituição
Vitalícia, promulgada em novembro de 1826 sob a inspiração de Bolívar, sus-
tentava que “A Nação Peruana é a reunião de todos os Peruanos”, e o mesmo se
estabelecia naquela sancionada na mesma época pela Bolívia60. Quase todas as
constituições asseguravam que a “soberania reside essencialmente na nação”
ou em fórmulas similares que a convertiam no sujeito político por excelência.
Precisamente por isso podiam expressar diversas concepções sobre o que era
ou deveria ser a nação e, em particular, sobre quem a compunha. Na constitui-
ção de 1823 as províncias do Peru eram corpos coletivos; enquanto que na de
1826 os peruanos eram indivíduos. Mas mesmo dentro dessas opções também
se poderia encontrar alternativas. Os corpos coletivos podiam ser estamentos
tal como se propôs em alguns projetos constitucionais. E os indivíduos podiam
ser considerados de outro modo: a Constituição Política sancionada em março
de 1828 declarava que “A Nação Peruana é a associação política de todos os
cidadãos do Peru” e já não “a reunião de todos os peruanos”. Definição que faz
sentido quando se tem presente que muitos de seus habitantes não reuniam as
qualidades necessárias para ser considerados cidadãos61.
Esta última questão remete ao lugar que, nas diferentes propostas de nação,
era atribuído às classes subalternas, cujos membros podiam ser considerados
ou não como cidadãos plenos. Os indígenas, por exemplo, costumavam ser
excluídos da cidadania política, distanciando-se, assim, das regras de alguns
dos discursos e projetos propostos no contexto do processo revolucionário que
aspiravam a sua integração social e política, seja como indivíduos ou como co-
munidades. Esse distanciamento ficou explícito em mais de uma ocasião, como
em meados do século, quando Juan B.Alberdi, ao repassar as constituições que
haviam sido sancionadas no continente para decidir o modelo mais adequado
58
La Abeja republicana (Lima: Imprenta de José Masias, 24/XI/1822).
59
http://bib.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01482074789055978540035/index.htm
60
http://bib.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01479514433725784232268/index.htm
61
http://bib.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/02450576436134496754491/index.
htm.
52 |
fabio wasserman
para a nação argentina, permitiu-se afirmar com total crueza que “O indígena
não figura nem é levado em conta na nossa sociedade política e civil”62 .
A composição social e étnica não era o único motivo de discussão em
torno da construção da nação. Muito mais acirrada foi a disputa em relação
à soberania dos povos e a sua integração ou não com a nação que, com muita
frequência, estimulou os conflitos entre autonomistas, federalistas e centralistas
ou unitários. Enquanto que os primeiros tendiam a utilizar o conceito de nação
enfatizando a vontade dos povos para constituí-la, os segundos costumavam
acrescentar como requisito uma espécie de critério informal e pragmático:
ter capacidade suficiente para poder manter sua soberania e independência63 .
No início de 1822 e perante à resistência de Guaiaquil em incorporar-se
à República da Colômbia, Simón Bolívar escreveu uma carta a José Joaquín
Olmedo, que presidia o Conselho Diretivo, afirmando que “uma cidade com um
rio não pode formar uma nação” e que a própria natureza fez com que a cidade
e sua região fizessem parte da Colômbia, de modo que reconhecia a esse povo o
direito à “completa e livre representação na Assembleia Nacional”64 . Dois anos
antes essa mesma concepção havia encorajado a intervenção de Francisco Zea
ao presidir as sessões do Congresso da recém-criada República da Colômbia.
Zea defendia que esse extenso território pródigo em riquezas somente poderia
“entrar no mundo político” por vontade expressa de seus membros. No entanto,
também advertia que era uma condição insuficiente ao salientar que
62
Juan B. Alberdi, Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina,
(Buenos Aires: Plus Ultra, 1982), 82 [Valparaíso, 1852].
63
Este critério é semelhante ao “princípio do limiar” defendido em meados do século por
nacionalistas europeus como Giuseppe Mazzini. Eric Hobsbawm, Naciones y nacionalismo desde
1780 (Barcelona, Crítica, 2000), 39-48.
64
Cali, 2/1/1822 Simón Bolívar, Doctrina del Libertador, Manuel Pérez Vila comp. (Caracas:
Fundación Biblioteca Ayacucho, 1992): 137/8.
65
Correo del Orinoco n° 50, Angostura, 29/I/1820.
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de frente para o futuro
66
José María Luis Mora, “Discurso sobre la independencia del Imperio Mejicano” [21/XI/1821]
em Obras sueltas de José María Luis Mora, ciudadano mejicano (París: Librería de Rosa, 1837), t. II,
11.
67
Bastidas y Becerra, La Independencia, 84.
54 |
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68
Norberto Pinilla, La polémica del romanticismo (Buenos Aires: Americalee, 1943).
69
Real Academia Espanhola, Diccionario de la lengua castellana décima primeira edição (Madrid:
Imprenta de Don Manuel Rivadeneyra, 1869), 631.
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de frente para o futuro
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fabio wasserman
70
Para o conceito História me remeto aos trabalhos publicados em Fernández Sebastián,
Diccionario político y social, t. I 551-692. Um panorama que aborda diversos casos de vínculo
entre história e nação no século XIX em Guillermo Palacios, comp., La nación y su historia.
Independencias, relato historiográfico y debates sobre la nación. América Latina, siglo XIX, (México:
El Colegio de México, 2009). Uma análise comparativa de três histórias nacionais produzidas na
segunda metade do século XIX em Fernando Devoto, “La construcción del relato de los orígenes
en Argentina, Brasil y Uruguay: las historias nacionales de Varnhagen, Mitre y Bauzá” em Jorge
Myers, ed. volume e Carlos Altamirano dir. Coleção, Historia de los intelectuales en América Latina.
I. La ciudad letrada, de la conquista al modernismo, (Buenos Aires: Katz Editores, 2008), 269-289.
Mais detalhes sobre o que poderia ser considerado uma história nacional, em Fabio Wasserman,
Entre Clío y la Polis. Conocimiento histórico y representaciones del pasado en el Río de la Plata (1830-
1860), (Buenos Aires: Teseo, 2008), 91-107.
71
“Nacionalidad” em El Nacional nº 137 (Buenos Aires: Imprenta Argentina, 27/10/1852).
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de frente para o futuro
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62 |
Nas origens do nacionalismo político
da I República Portuguesa: o projeto da
“nacionalização do Estado” e o debate jurídico
e político em torno da conceção da soberania e
do modelo de representação política
Paula Borges Santos
Instituto de História Contemporânea – Universidade Nova de Lisboa
Introdução
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nas origens do nacionalismo político...
1
Cf. CATROGA, Fernando. O Republicanismo em Portugal. Da Formação ao 5 de Outubro de
1910, 3.ª edição, Alfragide, Casa das Letras, 2010, pp. 277-283.
2
Atualmente é abundante a literatura sobre o tema. Entre outros estudos, destaque-se:
CATROGA, Fernando, ibidem, pp. 235-276; RAMOS, Rui. A Segunda Fundação (1890-1926), de
História de Portugal, dir. de José Mattoso, vol. VI, Lisboa, Editorial Estampa, 1994, pp. 401-433
e 529-560; MATOS, Sérgio Matos, História, Mitologia, Imaginário Nacional. A História no Curso
dos Liceus (1895-1939), Lisboa, Livros Horizonte, 1990, pp. 89-164; LEAL, Ernesto Castro. Nação
e nacionalismo: a cruzada nacional D. Nuno Álvares Pereira e as origens do Estado Novo (1918-
1938), Lisboa, Cosmos, 1999, 537 p.; PINTASSILGO, Joaquim. República e Formação de Cidadãos.
A Educação Cívica nas Escolas Primárias da Primeira República Portuguesa, Lisboa, Colibri,
1998, 278 p.
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paula borges santos
3
Cf. SOUZA, Marnoco. Direito Político. Poderes do Estado. Sua organização segundo a sciencia
política e o direito constitucional português, Coimbra, França Amado Editor, 1910, p. 14.
4
Entre as “teorias teológicas”, explicava Marnoco e Souza, encontravam-se: a teoria do dire-
ito divino sobrenatural, a teoria do direito divino providencial, a teoria do patriarcado, a teoria
legitimista, a teoria do direito divino dos reis e, por fim, a teoria do direito divino dos povos. As
“teorias metafísicas” envolviam: a teoria da soberania popular, a teoria da soberania da razão e
da justiça, a teoria da soberania da inteligência e da força (Cf. Idem, ibidem, pp. 9-14 e 16-21).
5
Cf. CATROGA, Fernando. O “complexo” cartista do parlamentarismo republicano português.
In: Das Urnas ao Hemiciclo. Eleições e Parlamento em Portugal (1878-1926) e Espanha (1875-1923),
coord. de Pedro Tavares de Almeida e Javier Moreno Luzón, Lisboa, Assembleia da República, 2012,
p. 224.
| 65
nas origens do nacionalismo político...
6
Cf. Idem, ibidem, pp. 14-17.
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7
Cf. CATROGA, Fernando. O Republicanismo em Portugal. Da Formação ao 5 de Outubro de
1910…, pp. 44-46.
8
Cf. Idem, ibidem, pp. 49-51.
| 67
nas origens do nacionalismo político...
9
Cf. Idem, ibidem, pp. 57-58.
10
Cf. “Manifesto-Programa do Partido Republicano Português” [publicado em O Século, 12 de
janeiro de 1891, pp. 1-2], consultável em: Ernesto Castro Leal, Partidos e Programas. O campo
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paula borges santos
13
Cf. Idem, ibidem, pp. 532-541.
14
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Prefácio. In: SOUZA, Marnoco e. Constituição da
República Portuguesa: Comentário. Prefácio. Coord. de J.J.Gomes Canotilho, Lisboa, Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 2011, p. 10.
15
Cf. CRUZ, Manuel Braga da. Sociologia. In: Dicionário de História de Portugal, coord. de António
Barreto e Maria Filomena Mónica, vol. IX, Porto, Livraria Figueirinhas, 2000, p. 466.
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paula borges santos
neste capítulo de direito público, célebre por tantas alucinações, diremos sem
muitos rodeios, que a soberania de um povo e de uma nação reside essencial-
mente nesse povo, nessa nação”16 .
Nos anos de 1880, também Manuel Emídio Garcia, influente doutrinador
do pensamento republicano (e, ainda, do pensamento socialista) ensinou,
designadamente, que a ideia metafísica da soberania popular, tal como havia
sido formulada por Rousseau, correspondia a uma visão anacrónica da so-
ciedade porque excessivamente contratualista. Para aquele lente prevalecia
o princípio de que o indivíduo só pode ser compreendido na sua dimensão
social. Apresentava ainda a noção de “povo” como “ser orgânico, que para se
converter em organizado precisa de formar-se e constituir-se em nação”; e,
à ideia de “nação” como “ser organizado”, fazia corresponder a coordenação
de distintos graus de soberania, “a do indivíduo, da família, da comuna, do
município, da província”17.
Em 1910, seria a vez do professor Marnoco e Souza, que nesse ano assu-
mira funções como ministro e secretário de Estado da Marinha e Ultramar no
gabinete de Teixeira de Sousa (o último governo da monarquia constitucional),
na obra Direito Político. Poderes do Estado. Sua organização segundo a sciencia
política e o direito constitucional português, registar críticas a várias teorias
sobre a soberania e a organização dos poderes e eleger, como orientação mais
adequada para explicar e organizar politicamente a sociedade e o Estado, uma
das três “teorias positivas”: a teoria da soberania nacional18 . Explicava aquele
lente que aquela teoria surgida de forma ainda embrionária nas doutrinas de
Romagnosi e de Sismondi, fora desenvolvida por Palma, autor da chamada escola
“histórica-evolucionista”, que sustentara que a soberania não podia deixar de
pertencer “substancial e originariamente à nação”. Isto significava entender,
em sentido político, o povo como uma “comunidade organizada” e não como
“multidão inorgânica”. De acordo com esta teorização, os direitos de soberania
cabiam à “universalidade dos cidadãos”, não podendo ser gozados por “nenhum
indivíduo, nenhuma fração ou associação parcial”, aos quais não tivessem sido
confiados expressa ou implicitamente. Sem hesitar em considerar que a teoria
da soberania nacional era aquela que “melhor satisfaz as exigências do direito
político moderno”, Marnoco e Souza não a julgava completamente aperfeiçoada,
à data em que escrevia.
16
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Introdução. In: PRAÇA, José Joaquim Lopes. Direito
Constitucional Portuguez, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, pp. 11-13.
17
Cf. CATROGA, Fernando, ibidem, pp. 166-167.
18
Segundo Marnoco e Souza, eram quatro as “teorias positivas”: a teoria da soberania da util-
idade social, acolhida preferencialmente em Inglaterra, construída por Bentham e, mais tarde,
desenvolvida por Mill, Bain e Herbert Spencer; a teoria da soberania do Estado, com defensores
na Alemanha e em Itália, produzida por autores como Gneist, Bluntschli, Zorn, Orlando e Icilio
Vanni; a teoria da soberania da sociedade, formulada por Miceli; e, por fim, a teoria da soberania
da nação (Cf. SOUZA, Marnoco e, ibidem, pp. 25-32).
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nas origens do nacionalismo político...
19
Cf. SOUZA, Marnoco e, ibidem, p. 30.
20
Sintetizando os princípios daquela teoria, Marnoco e Souza escrevia que correspondiam aos
seguintes: a soberania reside essencialmente no indivíduo, não sendo a soberania social senão
resultante da soma dos poderes individuais; todos os indivíduos são soberanos, tendo um domínio
absoluto sobre as pessoas; quando os indivíduos se reúnem, mediante o contrato social, renun-
ciam, para constituir o poder coletivo, à sua liberdade e soberania; […] a soberania é, em última
análise, a vontade popular, entendida como a expressão da maioria numérica dos cidadãos” (Cf.
Idem, ibidem, p. 17).
21
Cf. Idem, ibidem, pp. 22-23.
22
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, “Prefácio”…, p. 10.
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paula borges santos
23
Cf. SOUZA, Marnoco e, ibidem, pp. 30, 39-41.
24
Cf. ARRIAGA, José de. Os Últimos 60 Anos da Monarquia. Causas da Revolução de 5 de Outubro
de 1910, Lisboa, 1911, p. 8.
25
Cf. Diário da Assembleia Nacional Constituinte, n.º 1, 19 de junho de 1911, p. 3.
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nas origens do nacionalismo político...
26
Cf. CATROGA, Fernando, ibidem, pp. 165-167.
27
Sublinhe-se que as Constituições de 1822 e 1838 serviram de fonte para a globalidade do
texto constitucional de 1911, e não só para o artigo 5.º. De resto, não foram as únicas fontes, pois
a Constituição de 1911 veio a assimilar algumas disposições da Constituição brasileira de 1891
(Cf. SOUZA, Marnoco e. Constituição Política da República Portuguesa. Commentario, Coimbra,
F. França Amado Editor, 1913, pp. 6-7).
28
Cf. HESPANHA, António Manuel, ibidem, pp. 175-176.
29
Cf. CATROGA, Fernando. O “complexo” cartista do parlamentarismo republicano português…,
pp. 223 e 230.
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dividiram-se sobre esse conceito. Para uns tratava-se de uma república em que
os poderes do Estado (legislativo, executivo e judicial) eram exercidos pelo povo.
Outros consideravam que tal expressão apontava apenas para a questão da soberania
pertencer à generalidade dos cidadãos. Na ausência de consenso, decidira-se fixar
simplesmente que “a Nação, organizada em Estado Unitário, adota como forma de
governo a República”. Deliberadamente afastava-se a hipótese de significar que o
regime comportava uma ação direta do povo, isto é, rejeitava-se que o povo pudesse
exercer por si, e não por meio de delegados, uma parte das funções do governo e da
legislatura. A aplicação de um tal modelo no País seria rotulada de uma “fantasia
de sonhadores, que se imaginavam eguaes, nas suas condições nacionais, àquelas
que fazem da Suissa um bello e extraordinario povo”30.
Esta argumentação exemplifica como os constituintes se dividiam entre si sobre
questões fundamentais para a organização política a consagrar pela Constituição,
mas que mais não eram do que remanescências de divergências transportadas
da fase da propaganda, suscitadas pelas diferenças programáticas que animavam
“federalistas” e “unitários”. Outro exemplo disso mesmo, encontra-se na decisão
dos constituintes de sancionarem a forma unitária do Estado, resultando dessa
opção a derrota da corrente federalista na Assembleia Constituinte (sendo que,
para tanto, um dos argumentos evocados foi o de que o País apresentava uma rara
unidade da comunidade política e social, sedimentada na história).
Ao contrário dos legisladores liberais, os constituintes em 1911 não caracte-
rizaram formalmente, no texto constitucional, o que entendiam por “nação”. Em
1822, optara-se por considerar a Nação como “a união de todos os Portugueses de
ambos os hemisférios” (art. 20.º), numa valorização da ideia de “comunidade de
pessoas vinculadas entre si por uma razão mais forte (o sangue) do que o facto
de terem nascido no território sujeito a um mesmo rei”. Afirmara-se que a Nação
era “livre, independente, e não pode ser património de ninguém”, cabendo-lhe,
por intermédio dos deputados reunidos em cortes, fazer a Constituição, “sem
dependência de sanção do Rei” (art. 27.º). Em 1838, o legislador entendera a nação,
da qual emanavam todos os poderes e onde residia a soberania, como “associa-
ção política de todos os cidadãos portugueses” (art. 1.º), considerando que estes
eram os indivíduos nascidos em Portugal e nos seus domínios (com exceção dos
que tivessem assumido outra naturalidade). Desvalorizara-se a relação entre
poder e súbditos para, sobretudo, definir e reforçar os laços políticos pelo prin-
cípio da territorialidade, noção que fora já introduzida na Carta Constitucional
de 182631. Com efeito, a razão mais direta para a curta fórmula adotada no art.
5.º da Constituição de 1911 prendeu-se com a falta de entendimento entre os
constituintes quanto a dizer-se que a nação exercia, “por delegação voluntária”,
a soberania. Essa ideia fora avançada pela comissão redatora do projeto cons-
30
Cf. SOUZA, Marnoco e, ibidem, pp. 9-11.
31
Cf. HESPANHA, António Manuel, ibidem, pp. 203-204.
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nas origens do nacionalismo político...
titucional, mas caíra após se considerar que podia abrir caminho a cenários de
renúncia ou de abdicação do exercício de soberania32 .
O discurso de alguns constituintes evidenciava que a nação era uma entidade
distinta dos indivíduos que a compunham. Traduzia-se por uma vontade geral,
superior às vontades individuais, e, portanto, era una e indivisível, revelando
uma consciência de continuidade histórica. Daí que se traduzisse nos hábitos
e costumes e estivesse preparada para cooperar nos progressos exigidos pelo
futuro histórico. Com esse espírito, repudiavam-se teses contratualistas. “A
soberania da nação não é mais do que esse mútuo consenso, que origina todas as
instituições sociais”, afirmava Teófilo Braga, presidente do Governo, perante a
Assembleia Constituinte, e acrescentava: “um indivíduo isolado tem a sua capa-
cidade civil e os seus direitos, mas é impotente para os manter e reivindicar”33 .
Com efeito, o lugar do indivíduo no novo ordenamento a erigir não foi óbvio
para todos os constituintes, sendo que tal se manifestou quanto a dois aspetos:
por um lado, na hierarquia de matérias elencadas pela Constituição, envolvendo
os direitos individuais e a organização atribuída aos poderes do Estado; por
outro lado, no alcance dos direitos individuais que foram consagrados.
Sobre o primeiro aspeto, refira-se que no projeto proposto pela comissão en-
carregada de redigir uma primeira versão da Lei Fundamental (daqui em diante
designado projeto primitivo), a enumeração das liberdades individuais surgia
depois de se tratar a organização dos poderes do Estado, num sistema que era
igual ao da Carta Constitucional. Esta ordem de matérias foi alterada, por via de
se considerar que “os direitos e garantias individuais são o limite natural da ação
dos diversos poderes do Estado”, donde não resultaria apresentá-los como uma
concessão do poder, ainda que este tivesse o “direito de regular as manifestações
da atividade dos indivíduos, de modo a assegurar a vida da sociedade”34 .
Quanto ao segundo aspeto, como demonstrou Rui Ramos, embora o catálogo
de direitos inscrito na Constituição tenha sido extenso, não correspondeu ao
que os dirigentes do PRP haviam defendido durante o seu combate à Monarquia
cartista. De facto, sucederam-se os casos em que se registaram limitações ao
alcance prático da maior parte das anteriores reivindicações republicanas35 .
Não foi, por exemplo, fixada a doutrina do sufrágio universal, embora tenham
existido constituintes a defendê-la com os argumentos de que: a república só
seria democrática caso contemplasse aquele critério; a exclusão do sufrágio
universal só permitiria o voto a entidades e classes privilegiadas, quando,
32
Cf. SOUZA, Marnoco e, Ibidem, pp. 206-208.
33
Cf. BRAGA, Teófilo. Discursos sobre a Constituição Política da República Portugueza. Proferidos
na discussão na generalidade e especialidade, nas Sessões de 18 de julho e 2 de agosto de 1911,
na Assembleia Nacional Constituinte, Lisboa, Livraria Ferreira, 1911, p. 33.
34
Cf. SOUZA, Marnoco e, Ibidem, pp. 7-8.
Cf. RAMOS, Rui. Para uma história política da cidadania em Portugal. In: Análise Social, vol.
35
Considerações finais
36
Cf. SOUZA, Marnoco e, ibidem, p. 264.
37
Cf. RAMOS, Rui, ibidem, p. 561; CATROGA, Fernando, ibidem, p. 233; Idem, O Republicanismo
em Portugal…, pp. 175-187.
38
Sobre a “revolução cultural” desencadeada pela I República, e as causas que aí pretenderam
defender, veja-se: RAMOS, Rui, A Segunda Fundação (1890-1926)…, pp. 401-433.
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nas origens do nacionalismo político...
39
Para maior detalhe das ideias e das personalidades políticas e intelectuais que iniciaram a dis-
cussão e a crítica ao modelo de representação liberal, consulte-se: OTERO, Paulo. Corporativismo
político. In: Dicionário de História de Portugal, coord. de António Barreto e Maria Filomena Mónica,
vol. VII, Porto, Livraria Figueirinhas, 1999, pp. 425-428; RAMOS, Rui. Oligarquia e caciquismo
como forma de pensar: Oliveira Martins, Joaquim Costa, Gaetano Mosca e a transformação
da cultura política liberal na Europa do Sul (c. 1800-c.1900). In: Cultura. Revista de História e
Teoria das Ideias, 2.ª série, n.º 16, pp. 179-216. Como referência da atenção que essas propostas
despertaram também entre os lentes de direito público, lembre-se que Marnoco e Souza, em
1910, refletindo sobre o exercício da soberania e a questão da representatividade política, fez a
primeira defesa, no âmbito do direito constitucional, da representação dos interesses sociais. Sem
desenvolver doutrina sobre este aspeto, mas considerando que essa seria a forma mais perfeita de
representatividade, deixava transparecer um otimismo quanto à futura concretização histórica
desse tipo de propostas, porque um “tal acordo doutrinal só se pode encontrar em épocas em
que as ideias estão maduras para se transformarem numa realidade” (algo que, cerca de trinta
anos mais tarde sucederia, de facto, através do projeto político do regime autoritário de Salazar e
Marcelo Caetano) (Cf. SOUZA, Marnoco e. Direito Político. Poderes do Estado..., pp. 164, 174-175).
40
Sobre os motivos que dificultaram, em 1911, a adesão às propostas de representação de
índole corporativa, veja-se: CATROGA, Fernando, ibidem, pp. 248-249; Idem, O Republicanismo
em Portugal…, pp. 168-172.
78 |
paula borges santos
Referências
ARRIAGA, José de. Os Últimos 60 Anos da Monarquia. Causas da Revolução de 5 de Outubro
de 1910, Lisboa, 1911.
BRAGA, Teófilo. Discursos sobre a Constituição Política da República Portugueza. Proferidos
na discussão na generalidade e especialidade, nas Sessões de 18 de julho e 2 de agosto de
1911 na Assembleia Nacional Constituinte, Lisboa, Livraria Ferreira, 1911.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Prefácio. In: SOUZA, Marnoco e. Constituição da República
Portuguesa: Comentário, coord. de J. J. Gomes Canotilho, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa
da Moeda, 2011, pp. 9-14.
41
Cf. HESPANHA, António Manuel, ibidem, p. 189.
42
Diga-se, aliás, que a proibição da perseguição religiosa e da indagação da pertença religiosa
por agentes do Estado eram garantias já consagradas, respetivamente, pela Carta Constitucional
e pelo Código Civil de 1867.
43
Também aqui deve ser lembrado o caminho nesse sentido já feito antes da República. Apesar
de a Carta Constitucional de 1826 iniciar com a fórmula tradicional das cartas de lei (“D. Pedro IV,
pela graça de Deus, rei de Portugal…”), não era dado no seu articulado qualquer indicação de uma
fundamentação sobrenatural do poder ou da soberania, nem sequer repetindo a fórmula inicial
da Constituição mais democrática de 1822 (“Em nome da Santíssima e Indivisível Trindade…”).
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nas origens do nacionalismo político...
______. Introdução. In: PRAÇA, José Joaquim Lopes. Direito Constitucional Portuguez, vol.
I, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, pp. 5-19.
CATROGA, Fernando. O Republicanismo em Portugal. Da Formação ao 5 de Outubro de 1910,
3.ª edição, Alfragide, Casa das Letras, 2010.
______. O “complexo” cartista do parlamentarismo republicano português. In: Das Urnas ao
Hemiciclo. Eleições e Parlamento em Portugal (1878-1926) e Espanha (1875-1923), coord.
de Pedro Tavares de Almeida e Javier Moreno Luzón, Lisboa, Assembleia da República,
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CRUZ, Manuel Braga da. Sociologia. In: Dicionário de História de Portugal. Coord. de António
Barreto e Maria Filomena Mónica, vol. IX, Porto, Livraria Figueirinhas, 2000, pp. 466-468.
DIÁRIO da Assembleia Nacional Constituinte, n.º 1, 19 de junho de 1911.
HESPANHA, António Manuel. Guiando a Mão Invisível. Direitos, Estado e Lei no Liberalismo
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LEAL, Ernesto Castro. Nação e nacionalismo: a cruzada nacional D. Nuno Álvares Pereira e
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OTERO, Paulo. Corporativismo político. In: Dicionário de História de Portugal. Coord. de
António Barreto e Maria Filomena Mónica, vol. VII, Porto, Livraria Figueirinhas, 1999, pp.
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______. Oligarquia e caciquismo como forma de pensar: Oliveira Martins, Joaquim Costa,
Gaetano Mosca e a transformação da cultura política liberal na Europa do Sul (c. 1800-
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______. Constituição Política da República Portuguesa. Commentario, Coimbra, F. França
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Nacionalismos e política
externa portuguesa no pós-25 de Abril1
José Pedro Zúquete
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
De cravos e de rosas
No dia 25 de abril de 2014, a Revolução dos Cravos, que pôs fim a quase cin-
quenta anos de ditadura, celebrou o seu quadragésimo aniversário. Em Portugal,
fizeram-se conferências, colóquios, exposições, as televisões recorreram a ima-
gens de arquivo, as revistas e os jornais encheram-se de memórias históricas e
de opiniões sobre o evento, os políticos juraram mais uma vez fidelidade eterna
aos valores de abril, e um pouco por todo o lado se falou do “significado” da
revolução e sobretudo do seu “legado” para o Portugal dos nossos dias. Falar da
Revolução de 25 de Abril de 1974, portanto, significa falar de um acontecimento
que marcou a história do país, abriu um novo ciclo político e inaugurou uma
Terceira República. Mas também de um acontecimento que mudou a história
de famílias, muitas famílias, quer aquelas que estavam no Portugal continental,
como as que estavam no que à época se chamava de Ultramar.
Quarenta anos depois, se há algo que passou para todo o sempre a estar associado
na mentalidade colectiva portuguesa ao 25 de Abril é a ideia de Liberdade. Ainda
recentemente o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa publicou um
1
Este texto conjuga duas intervenções no âmbito de mesas-redondas em universidades bra-
sileiras: no dia 9 de abril de 2014, no “Seminário Internacional Nacionalismo e Política: Portugal e
Brasil”, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e no dia 24 de abril de
2014, no evento “Os Cravos de Abril: Os Quarenta Anos da Revolução Portuguesa (1974-2014)”,
na Universidade Federal Fluminense (UFF).
2
Clemente, 2009: 31.
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nacionalismos e política externa portuguesa...
estudo de opinião onde se verifica que cerca de 60% dos portugueses consideram
o 25 de Abril como o facto mais importante da história. Muito à frente da Batalha
de Aljubarrota, ou das viagens de Vasco da Gama. Claro que esta percepção tem
a ver com a proximidade histórica (é um episódio mais perto das pessoas), mas
não deixa de ser relevante. Existe um antes e um depois – e se o antes era autori-
tário –, o depois, através da transição, passou a ser o Portugal de hoje, o Portugal
democrático. E o 25 de Abril como um símbolo consensual, final, desse processo.
Mas se a um nível abstrato, difuso, essa ideia impera, se nós descermos ao
concreto, ou seja, à opinião das pessoas sobre o funcionamento da democracia
em Portugal (aquilo que os cientistas políticos chamam de “qualidade da demo-
cracia”), verificamos que, quarenta anos depois, para a maioria das pessoas, a
tal promessa de um Portugal novo e democrático ainda está por cumprir. Um
dos últimos Eurobarómetros (um inquérito europeu feito com regularidade),
do outono de 2013, não deixa margem para dúvidas: dos 28 países da União
Europeia, os portugueses são, de todos os europeus, os mais insatisfeitos com
o funcionamento da democracia (85% dos portugueses estão insatisfeitos – e
em todos os grupos sociodemográficos). 3 E resultados de 2015 confirmam a
desconfiança, bem acima da média europeia, dos portugueses relativamente ao
parlamento e ao governo da nação.4 “Abril” venceu, sim, mas o jogo está longe
de ter acabado. Ainda falta muito para que os cravos se transformem em rosas. 5
A Sereia Europeia
3
Eurobarómetro, 2013: 9, 10.
4
Eurobarómetro, 2015: 2.
5
Ver também História Viva, 2014.
6
Ferreira, 1976: 44.
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7
Eurobarómetro, 2013: 3.
8
Lopes, 2011: 199.
9
Diário de Notícias, 2012.
10
Relvas, 2012.
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nacionalismos e política externa portuguesa...
Lusofonia representa uma rede ambiciosa e profunda que é concebida como uma
comunidade de valores, interesses e afinidades comuns, e como uma maneira
de redefinir e revalorizar a importância de Portugal no mundo contemporâneo.
Claro que esta visão lusófona tem uma dimensão obviamente pragmática,
ou seja, tirar vantagem política, económica e cultural de uma relação especial
entre países unidos pela mesma língua. De um ponto de vista utilitário é um
passo lógico. Mas é importante não nos limitarmos a este entendimento da
Lusofonia, sob pena de não entendermos uma importante dimensão, mais
profunda e imaterial, da sua atração e do seu apelo na mentalidade colectiva
do Portugal de hoje. E isso tem a ver com a identidade portuguesa e com o
nacionalismo cultural que hoje se manifesta através da via lusófona.
A sua origem é a mitologia nacional. Esse nacionalismo cultural emerge das
fontes histórico-culturais e sagradas da identidade portuguesa. E quais são elas?
• Em primeiro lugar, a ideia do excepcionalismo lusitano, a longa tradição
de eleição na história de Portugal. O sentimento de que Portugal se
enquadra na tradição dos povos missionários, eleitos para liderar e,
no fim, transformar o mundo. Se à França, desde o início, se atribuiu
a “Gesta Dei per Francos”, e a Inglaterra e os Estados Unidos, em dife-
rentes momentos, foram vistos como a “Nova Israel”, também Portugal,
na sua historiografia, foi visto como uma espécie de “menino Jesus
das nações”, como notou esse psicanalista da história lusa chamado
Eduardo Lourenço.11 Nesta visão, que reemerge ao longo dos tempos
de diferentes formas e feitios, o imaginário dos descobrimentos, e da
expansão ultramarina, é fundamental.
11
Lourenço, 1988.
12
Lopes, 2011: 265.
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josé pedro zúquete
13
Sobral, 2012:93.
14
Antunes, 2008: 18.
15
Ver Zúquete 2013; Marchi 2010.
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nacionalismos e política externa portuguesa...
pelo Estado português, pela sociedade civil, pela comunicação social. E esse
nacionalismo cultural tem como símbolo o “Portugal que sempre se misturou”.
É que a Lusofonia é uma corrente transversal à sociedade portuguesa. Ela
não se identifica primariamente com nenhuma corrente ideológica, nem com
nenhuma força política. Ela existe para além de uma simples divisão entre
Direita e Esquerda. Mas supera essa divisão. E isso é claramente visível nas
políticas dos governos portugueses desde o final do século XX. E é também a
partir dessa altura que a Lusofonia é definida como uma “prioridade” da polí-
tica externa portuguesa.16 A Lusofonia navega num mar comum às principais
correntes dominantes, mainstream, respeitáveis, da sociedade portuguesa.
16
Ver, por exemplo, Portas, 2011.
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josé pedro zúquete
17
CPLP 1996.
18
Lusa, 2008.
19
Barroso, 1995b: VIII.
20
Sobre este assunto ver Zúquete, 2008.
21
Afonso, 2008.
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22
Nova Águia, 2008.
23
Real, 2012: 137.
88 |
josé pedro zúquete
A longa travessia
24
Epifânio, 2010: 116-17.
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25
Margarido, 2000.
26
Por exemplo, Jornal de Angola, 2013.
27
Jornal Novo, 1978: 20.
28
Flama, 1975.
29
Barroso, 1995a: 80.
90 |
josé pedro zúquete
30
Notícias Lusófonas, 2010.
31
Ver, por exemplo, Paredes, 2011.
32
O Globo, 1942.
33
Correio da Manhã, 1985.
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nacionalismos e política externa portuguesa...
− Para complicar a imagem, talvez pueril, que se tem da Lusofonia (e, por
conseguinte, da CPLP) como primariamente uma comunidade de valores, assente
na língua e na defesa de um património imaterial e histórico comum, acelerou-se
a tendência (e o perigo, para alguns) da sua transformação, ou mutação, para uma
espécie de clube de negócios. A adesão à CPLP, e a integração no Bloco Lusófono,
em julho de 2014, na décima cimeira da organização em Timor- Leste, da Guiné
Equatorial (o que aumentou para nove o número de estados-membros), um país
que só marginalmente comunga desse imaginário histórico e cultural, mas que
acrescenta, contudo, um peso energético e petrolífero importante à comuni-
dade, simboliza esse reforço cada vez maior daquilo que o Primeiro-Ministro
Português Pedro Passos Coelho chamou de “lusofonia económica” e “lusofonia
energética”.34 Mesmo que a população do novo estado- membro não fale a língua
(apressadamente reconhecida como “oficial”) ou que o seu executivo ditatorial não
partilhe dos valores humanistas que estão na base da CPLP e que, supostamente,
distinguem a ação “ecuménica” e “universalista” da experiência portuguesa no
mundo. Talvez por isso, e mesmo com essa atração irresistível pelos benefícios
económicos, Portugal tenha sido o último país a aceitar, relutantemente, ao fim
de um processo que durou anos, e sob pressão dos outros estados-membros
(como o Brasil e Angola), a entrada do novo estado africano na organização.35
− Finalmente, é difícil não ter consciência do elitismo de muitas destas
dinâmicas associadas à Lusofonia. Embora ela assente na língua, que é “de-
mocraticamente” partilhada por todos, com sotaque ou não, os projetos a ela
associados correspondem muitas vezes a interesses, desejos e sonhos de elites
políticas, elites económicas e, sobretudo (embora a sua influência possa estar
a desvanecer-se), de elites culturais.
Pelo meio, existe um enorme desconhecimento e desprendimento popular,
relativamente à construção da Lusofonia como uma via possível para um futuro
comum e integrado de todos os países de língua portuguesa. Pode até dizer-se
que existe um “deficit democrático” nesse sentido.
Em suma, talvez o mais inultrapassável dos obstáculos seja o de sentir que
a realidade é sempre a maior madrasta do lirismo dos poetas, dos sonhos dos
pregadores, e dos projetos grandiosos de políticos desprevenidos.
34
Lusa, 2014.
35
Sobre este tem ver, por exemplo, Público, 2014.
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36
Ver por exemplo, Rodrigues, 2008.
37
Steger, 2009.
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nacionalismos e política externa portuguesa...
Referências
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ANTUNES, António Lobo. Mais dois, três livros e pararei. JL – Jornal de Letras e Ideias, ano
XXVI, n.º 941, 25 de outubro, p. 18, 2008.
BARROSO, José Manuel Durão. A Política Externa Portuguesa; Seleção de discursos, confe-
rências e entrevistas do Ministro dos Negócios Estrangeiros (1994-1995), Lisboa: Ministério
dos Negócios Estrangeiros, 1995a.
BARROSO. José Manuel Durão. Cooperação Portuguesa. Portugal: Dez anos de Política de
Cooperação, Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1995b.
CLEMENTE, D. Manuel. Há uma desmesura que nos explica como portugueses. Ípsilon, 25
de setembro, p. 31, 2009.
COELHO, Pedro Passos. Discurso de Posse como Primeiro-Ministro de Portugal, Lisboa, 24
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CORREIO DA MANHÃ. Brasileiros acordam a pensar em Portugal, 29 de janeiro, p. 20, 1985.
CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Declaração Constitutiva. Disponível
em: http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/CPLP/CPLP-D-Constitutiva_e_estatutos.htm, 1996.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Edição Especial: Como o nosso futuro vai voltar a passar pelo mar, 10
de junho, 2012.
EPIFÂNIO, Renato. A Via Lusófona: Um Novo Horizonte para Portugal. Sintra: Zéfiro, 2010.
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FERREIRA, José Medeiros. Elementos para uma política externa do Portugal contemporâneo.
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ORTIZ, Fabíola. O que restou da revolução dos cravos. História Viva, junho, pp. 42-45, 2014.
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de julho, p. 20, 1978.
38
Goodman, 2007
94 |
josé pedro zúquete
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ZÚQUETE, José Pedro. Beyond reform: the orthographic accord and the future of the
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Nacionalismos e Impérios:
o caso da Itália fascista
João Fábio Bertonha
Universidade Estadual de Maringá
Introdução
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nacionalismos e impérios: o caso da itália fascista