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Os conceitos na história: considerações sobre o anacronismo

Article in Ler História · December 2017


DOI: 10.4000/lerhistoria.2930

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José D Assunção Barros


Federal Rural University of Rio de Janeiro
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71
2017

GÉNERO E VIOLÊNCIA NA PENÍNSULA IBÉRICA (ÉPOCA MODERNA)


Darlene Abreu-Ferreira
Female foul language and foul female agents in pre-modern Portugal
Fernando Bouza
Violencia y locura de un aristócrata de la frontera, 1686-1703

MOBILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTUDANTES EUROPEUS


Gonçalo Mineiro
O envio de bolseiros portugueses para os EUA, 1945-1952
Daniel Malet Calvo
Una historia institucional del Programa Erasmus, 1987-2014

OUTROS ARTIGOS
Pedro Aires Oliveira
José Calvet de Magalhães, um diplomata entre dois regimes
Sandra Kiesow e Hans-Rudolf Bork
Agricultural terraces as a proxy to landscape history in Madeira Island

ESPELHO DE CLIO
José Assunção Barros
Os conceitos na História: considerações sobre o anacronismo
Alberto Luiz Schneider
O Brasil e o Atlântico Sul na historiografia de Charles Boxer

RECENSÕES
Ler História | 71 | 2017

71
2017

Revista Ler História


Edifício ISCTE-IUL, Av. das Forças Armadas
1649-026 Lisboa, Portugal
F. Bouza | Titulado furioso

N.º 71 | Dezembro de 2017


Ler História é uma revista semestral, publicada com arbitragem científica e de circulação internacional.
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Diretor-adjunto Frédéric Vidal, CRIA, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa

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Paginação e Capa | Ana Paula Silva
Impressão | Artipol, Artes Tipográficas, Lda. – Apartado 3051 – 3754-901 Águeda
Periodicidade | Revista semestral
Distribuição | ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa
Tiragem | 200 exemplares
Preço da Capa | 12,69 + 6% IVA = 13,50 
ISSN | 0870-6182
e-ISSN | 2183-7791
Depósito legal | 87039/95
N.º de Registo na ERC | 109068
Ler História | 71 | 2017

71 | SUMÁRIO

Editorial
José Vicente Serrão......................................................................................................... 5
3

GÉNERO E VIOLÊNCIA NA PENÍNSULA IBÉRICA (ÉPOCA MODERNA) 7

Female foul language and foul female agents in pre-modern Portugal


Darlene Abreu-Ferreira..................................................................................................... 9

Titulado furioso y ejercicios indecentes. Violencia y locura


de un aristócrata de la Frontera, 1686-1703
Fernando Bouza............................................................................................................... 33

MOBILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTUDANTES EUROPEUS 51

O envio de bolseiros portugueses para os EUA, 1945-1952


Gonçalo Mineiro............................................................................................................... 53

Globalización e internacionalización educativa. Una historia institucional


del Programa ERASMUS, 1987-2014
Daniel Malet Calvo........................................................................................................... 75

OUTROS ARTIGOS 101

A arte do compromisso: José Calvet de Magalhães, um diplomata


entre dois regimes
Pedro Aires Oliveira.......................................................................................................... 103

Agricultural terraces as a proxy to landscape history


on Madeira Island, Portugal
Sandra Kiesow e Hans-Rudolf Bork.................................................................................. 127

ESPELHO DE CLIO 153

Os conceitos na história: considerações sobre o anacronismo


José d’Assunção Barros................................................................................................... 155

O Brasil e o Atlântico Sul na historiografia de Charles Boxer


Alberto Luiz Schneider..................................................................................................... 181

RECENSÕES 205
Ler História | 71 | 2017 | pp. 155-180

OS CONCEITOS NA HISTÓRIA: CONSIDERAÇÕES


SOBRE O ANACRONISMO

155
José d’Assunção Barros
| Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ, Brasil
jose.d.assun@globomail.com

Propõe-se discutir a questão do anacronismo na História, em sua relação com a especi-


ficidade do discurso historiográfico como texto que lida com duas ordens de linguagens
e discursos: a do historiador, e a das fontes históricas e época examinada. Indaga-se
por que certos conceitos produzidos hoje, na prática historiográfica, adaptam-se tão bem
à análise de épocas em que não existiam, e porque outros já produzem incontornáveis
inadequações. Intenta-se compreender estes aspectos refletindo sobre os potenciais
generalizadores diacrônico e sincrônico dos conceitos. Para apoiar as reflexões de caráter
geral, exemplos históricos específicos são discutidos.
Palavras-chave: anacronismo, historiografia, história dos conceitos, sincronia, diacronia.

A História, entre as ciências humanas, constitui um caso particular no


que se refere ao uso dos conceitos. Tal especificidade tem sido intensamente
estudada por diversos historiadores ligados à teoria da história e à história
da historiografia, entre os quais Reinhart Koselleck (1979), e também por
autores que examinaram questões conceituais relativas a aspectos específicos,
como as análises de Elias Palti sobre a política contemporânea (2007), as
análises sobre o vocabulário do Antigo Regime elaboradas por Pedro Cardim
(2005), ou as obras de António Manuel Hespanha (1982, 2002) sobre o
conceito de absolutismo e sobre o direito no início da era moderna. Mais
recentemente, destaca-se a tese de Sami Syrjamaki, na qual se desenvolve
uma cuidadosa tipologia de anacronismos na prática historiográfica (2011,
96). Igualmente importantes são as coletâneas em torno das discussões sobre
conceitos, e acerca dos problemas historiográficos a eles vinculados – seja em
forma de livros ou em dossiês de revistas importantes –, as quais também
têm surgido crescentemente.1 Por fim, já temos inclusive estudos sobre a
necessidade de problematização das próprias coletâneas que elaboram aná-
lises conceituais, bem como dos chamados dicionários políticos, tal como
propõe e dirige Javier Fernandez Sebastian (2004, 2009).

1 Ver Feres e Gantus (2006), Feres e Ferreira (2008), Sebastian e Fuentes (2004), Sebastian (2009).
J. A. Barros | Os conceitos na História

Neste artigo, nossa intenção é situar a questão do anacronismo em uma


perspectiva mais geral, ligando-a à própria singularidade da escrita do texto
historiográfico, e trazendo alguns exemplos para ilustrar estas observações.
156 Podemos resumir a especificidade da História em relação à possibilidade
de que se produzam conceitos anacrônicos nos seguintes termos: somente
a História, por tratar na especificidade do seu discurso com duas tempo-
ralidades distintas – a época do próprio historiador, e a época diferenciada
à qual se refere o objeto de estudo ou processo examinado – apresenta
uma complexa questão a ser examinada: a concomitância de dois níveis
distintos de conceitos a serem considerados pelo historiador. Vejamos este
problema de perto.
A presença da alteridade no discurso historiográfico está intimamente
ligada à questão da dupla temporalidade. O historiador jamais parece rea-
lizar um monólogo, em todos os sentidos que possa ter a palavra. Seu texto
se mostra sempre desdobrado sobre si mesmo. Por um lado, o historiador
costuma frequentemente dialogar com os outros historiadores, e também
com cientistas sociais e humanos, de modo geral. Seu texto, aliás, é fre-
qüentemente atravessado por notas de pé-de-página, através das quais faz
remissões de diversos tipos a outros autores, presta esclarecimentos adicionais,
e, sobretudo, indica as referências rigorosas de suas fontes. Por outro lado,
e principalmente, o texto do historiador desdobra-se necessariamente sobre
textos de outra época (aquela que inscreve seu objeto de estudo).
O historiador não se vê apenas tentado, mas instado, ou mesmo obrigado, a
trazer para diante dos olhos do leitor os discursos de outro tempo, seja sob a for-
ma de discurso direto entre aspas, seja reorganizado-o em forma de paráfrases.2
O que ocorre é que historiador precisa dar voz efetiva aos personagens his-
tóricos que constituem a sua trama. Ele os analisa, mas concomitantemente
permite que eles falem, às vezes nos seus próprios termos. É isso o que
queremos dizer quando ressaltamos que o texto do historiador “desdobra-se
sobre si mesmo”, para tomar de empréstimo esta expressão de Michel de
Certeau sobre A Operação Historiográfica (1974).
Espera-se ver o discurso do “outro” no discurso do historiador. Imbricado
nele, isolado entre aspas, parafraseado, em estrutura dialógica, ou presente
através de mil outras operações possíveis, espera-se encontrar incontornavel-
mente o “discurso do outro”. O historiador – por analisar um objeto ou um

2 A paráfrase deve aqui ser entendida como a prática de reapresentar as ideias de um texto de novas maneiras, ao
contrário da transcrição, que reproduz diretamente passagens do texto apropriado. Tanto um processo como o outro,
para o caso dos textos científicos, envolvem a citação da autoria ou as referências do texto abordado.
Ler História | 71 | 2017

processo que se encontra em outra época, apartada da sua – precisa trazer


em seu texto aquilo que torna viva essa época, que permite reapresentá-la
quando ela não está mais presente (representá-la, literalmente). O discurso
do outro precisa estar contido ou referido no próprio texto do historiador, 157
já que ele irá analisá-lo sistematicamente. Importa certamente o que o
historiador pensa. Mas também importa o que pensa o outro (o “outro
histórico”, multipartido em seus vários personagens). Importa, ainda, o que
o historiador pensa a respeito do que o outro pensa. O texto do historiador
é explicitamente dialógico.
Pode-se dizer que o historiador está como que suspenso entre duas
épocas. Ele alternadamente sobe a uma e desce à outra, com a rapidez da
escrita. Estas duas épocas – a sua própria, de historiador, e a do processo
histórico examinado, nomeadamente a das fontes e do objeto em estudo
– têm cada qual sua linguagem, seu conjunto de feixes discursivos. Aqui
chegamos ao nosso ponto. Podem as duas ser a mesma linguagem na
aparência mais imediata, se considerarmos que o idioma do historiador
é o mesmo idioma das fontes escritas, e que as palavras empregadas pelo
historiador e pelas fontes sejam as mesmas. Mas, sim, são duas linguagens.
Essa é a questão a ser abordada.

1. Dois níveis de conceitos

A dupla natureza do texto historiográfico – um tipo de texto que é


construído a partir do entremeado de dois feixes de discursos, e que se
desdobra a todo o momento sobre si mesmo – será o fator primordial
para abordarmos o uso dos conceitos em História e compreendermos a sua
especificidade frente ao uso de conceitos em outros campos de saber. A
História é a principal ciência cujo objeto se acha diretamente mergulhado
em outro tempo, o qual já desapareceu e apenas deixou sinais visíveis de
sua passagem através das fontes históricas, dos vestígios e discursos que
nos chegam do passado. Por isso o historiador, que tem a tarefa de analisar
e trazer ao leitor esse feixe de discursos diversos que lhe chegam media-
damente do passado, precisa incorporá-los de alguma maneira, torná-los
visíveis ou perceptíveis para o leitor como uma alteridade discursiva que
é sua missão analisar. Esses textos das fontes históricas, os quais se apre-
sentam ao historiador de várias maneiras, são escritos em outra linguagem
ou dialeto discursivo que não os do historiador. Ou, pelo menos, são
textos que apresentam outro lugar-momento da mesma linguagem que
ele, historiador, utiliza.
J. A. Barros | Os conceitos na História

A linguagem das fontes é por vezes traiçoeira: ela se utiliza amplamen-


te das mesmas palavras das quais hoje o historiador se utiliza. Mas estas
palavras, ancoradas em outra época, podiam ter então outros significados,
158 outros usos, outras entonações, outros modos de terem sido um dia per-
cebidas pelos seus ouvintes e leitores. É preciso decifrar a linguagem da
fonte quase como esta se fosse, metaforicamente, uma língua estrangeira.
Anteciparei aqui uma questão. As palavras (e também os conceitos) têm
uma história. Com a passagem do tempo, elas podem mudar de sentidos,
adquirir novas nuances ou mesmo receber significados totalmente distintos.
É claro que, na sua maior parte, as palavras não mudarão tanto assim no
interior de uma mesma língua, de modo que é possível a qualquer indi-
víduo ler um texto em sua língua mas de outra época e compreendê-lo
adequadamente. Mas é significativo e relevante o potencial de mudança
de algumas palavras.
A expressão “anacronismo”, ou “anacrônico” – “fora do tempo” ou ainda
“contra o tempo” – é empregada quando ocorre a utilização estranha ou
inadequada de algo, em nosso caso de uma palavra, quando importada de
um para o outro tempo (Syrjamaki 2011, 20). Essa inadequação anacrônica
pode ocorrer de duas maneiras inversas. Em um caso, pode ocorrer o ana-
cronismo “de ontem para hoje”. É o que ocorre quando lemos um texto de
outra época e, de modo inaceitável, atribuímos a certa palavra um sentido
que ela não tem hoje, comprometendo toda a interpretação do texto. Em
outro caso, pode ocorrer o anacronismo “de hoje para ontem”. É o que se
verifica quando, ao tentar analisar um texto ou processo histórico do pas-
sado, ou ao tentar descrever cenas e acontecimentos históricos, utilizo uma
palavra de hoje (que não existia naquela época) e o resultado é catastrófico,
produzindo incontornáveis estranhamentos e drásticas deformações.
É importante já antecipar que freqüentemente encontramos palavras de
hoje (e que não existiam em outra época) e que funcionam perfeitamente
bem para descrever uma situação em um passado histórico. Ou seja, o uso
de uma palavra de hoje para analisar o passado não produz necessariamente
anacronismo. Pode produzir, mas pode também não produzir. Mais adiante,
darei alguns exemplos de conceitos ou de usos inadequados de palavras
que produzem anacronismo, e outros que não produzem. Por ora, ainda
não abordaremos o problema dos conceitos, mas apenas o das palavras
comuns. Por exemplo, o personagem histórico que é conhecido como Papa
Gregório (540-604 d.C), ou ainda pela alcunha de Gregório Magno, não
era na verdade chamado de papa na época, uma vez que a palavra “papa”
não era então usada exclusivamente para designar os pontífices romanos.
No entanto, é admissível utilizar a palavra “papa”, com o sentido de hoje,
Ler História | 71 | 2017

para designar os líderes da igreja católica em uma época em que a palavra


ainda não tinha este sentido.
Esta operação, por alguma razão, não provoca anacronismo. Ou melhor,
159
tanto não é produzido nenhum desconforto ou estranhamento quando
ouvimos um antigo bispo de Roma ser chamado de “papa” nos livros de
História, como não parece haver nenhuma deformação da história neste uso.
Entretanto, soa bem estranho usar a palavra “guerrilheiro” – muito familiar
nos dias de hoje – para designar indivíduos pertencentes a seitas beligerantes
do passado distante que praticavam a tocaia, a sabotagem e outras formas de
luta contra um poder estabelecido. Não há muita explicação sobre porque
algumas palavras dão certo e outras não; isto é, sobre porque algumas das
palavras de hoje – ao serem usadas para nos referirmos a outras sociedades
históricas – parecem produzir de imediato a inadequação anacrônica, e
outras não. O historiador precisa desenvolver um feeling para o correto uso
de palavras de um tempo em outro. Não há uma receita para isto.
Por ora, queremos retornar à questão dos conceitos. Koselleck dizia
que o historiador trabalha com dois níveis de conceitos. O primeiro nível
– que aqui chamaremos de “nível 1” – é o nível no qual se encontram os
conceitos oriundos da própria comunidade científica na qual se inscreve
o próprio historiador. Vamos entender esse nível como a época conceitual
do historiador, mas deve ficar claro que aqui estarão todos os conceitos
que são utilizados atualmente como um repertório vivo de possibilidades
pelos historiadores e cientistas sociais, mesmo que estes conceitos venham
eventualmente de outros séculos mais recentes (ou mesmo mais distantes).
Por exemplo, “modo de produção” é um conceito que remonta a Karl
Marx e Friedrich Engels em meados do século XIX, e o mesmo se pode dizer
do conceito de “ideologia”, que não foi propriamente um conceito cunhado
pelos dois fundadores do materialismo histórico, mas que com eles adquire
sentidos especiais. Passados 170 anos da publicação da célebre obra A Ideologia
Alemã (1846), escrita conjuntamente por Marx e Engels – bem como de outras
obras nas quais estes autores propuseram um certo número de sentidos para os
conceitos de “modo de produção” e de “ideologia” –, estes conceitos seguem
sendo amplamente utilizados por cientistas sociais e humanos de hoje. Se são
utilizados como conceitos atuais, é porque os nossos autores contemporâneos
consideram que estes conceitos funcionam bem nas análises em geral, ao menos
no interior de certa perspectiva teórica que é a do materialismo histórico.
Modo de produção e ideologia, embora conceitos cunhados no século XIX,
podem ser por isso considerados conceitos atuais, sendo muito utilizados em
pleno século XXI. A compreensão destes conceitos pode variar um pouco, ou
J. A. Barros | Os conceitos na História

mesmo mais significativamente de autor a autor, e autores diversos podem


ter proposto novas discussões em torno destas formulações conceituais, mas
estas expressões verbais – e ainda mais especificamente os conceitos que elas
160 encaminham – seguem vigorosas como parte do repertório de possibilidades
expressivas dos cientistas sociais e humanos.
Também não é raro que um cientista político utilize em suas digressões
teóricas conceitos de Nicolau Maquiavel (1469-1527), não necessariamente
todos, que funcionem bem como instrumentos de análise nos dias de hoje.
Estes conceitos – conceitos que estão em pleno uso pelos historiadores e
cientistas sociais de hoje, mesmo que originários de outras épocas ou que
sejam da lavra de autores já falecidos – devem ser compreendidos como
conceitos produzidos pela grande comunidade contemporânea de histo-
riadores e cientistas sociais. Para nossa discussão, também estes conceitos
devem ser considerados atuais.
Um dos níveis de conceitos ao qual se refere o historiador alemão
Reinhart Koselleck, deste modo, é o dos conceitos que nos dias de hoje
são instrumentalizados pelos historiadores. Entrementes, existe o outro
nível. Este é o que está ancorado no universo das fontes e do proces-
so histórico examinado (os conceitos de época, por exemplo, os quais
eram pensados de certa maneira pelos contemporâneos deste ou daquele
processo histórico do passado). O que produz esta singular dicotomia
entre dois níveis de conceitos a serem enfrentados pelos historiadores é
o problema que começámos a discutir anteriormente: a História é uma
ciência humana que trabalha com uma outra época. O historiador está
suspenso entre duas temporalidades, e o texto que ele produz é um texto
desdobrado sobre si mesmo: um gênero textual que precisa trazer, aos olhos
do leitor, o discurso do “outro histórico” (seja através de transcrições das
fontes entre aspas, seja através de paráfrases delas). Esse último aspecto
– trazer o discurso das fontes – não visa simplesmente reproduzi-lo, mas
sim analisá-lo, problematizá-lo, construir um conhecimento sobre estes
discursos de uma outra época e, através desse conhecimento, compreender
os processos históricos que a atravessavam, bem como a especificidade das
sociedades que nela viveram. É porque o texto do historiador desdobra-se
sobre si mesmo – oscilando entre as análises do historiador e o dar a ler
das fontes, ou entre a linguagem do historiador e a linguagem das fontes
– que estes dois níveis de conceitos aparecem com tanta clareza no texto
especificamente historiográfico.
Ler História | 71 | 2017

2. De onde vêm os conceitos da História?

Os conceitos historiográficos, tal como já começamos a entrever, são


oriundos de ambientes diversos. Podemos representar estes ambientes con- 161
forme o esquema da figura 1.

Figura 1: De onde vêm os conceitos da História

2
Do patrimônio
1 Das fontes e das
conceitual consolidado
pela historiografia
realidades históricas
examinadas 3
DE ONDE VÊM Da criação pessoal
6 Da Vida comum OS CONCEITOS de historiadores, em
de hoje DA HISTÓRIA obras específicas

De migrações 4
5 oriundas de outros
Do patrimônio
conceitual consolidado
campos de saber
nas demais ciências
humanas

Há conceitos, conforme já ressaltámos, que se impõem ao historia-


dor a partir do universo das fontes examinadas e da linguagem por elas
mobilizada. Não nos deteremos muito, por ora, neste primeiro ambiente
de origens conceituais, pois o discutiremos mais adiante. Por ora, apenas
ressaltemos que as fontes frequentemente oferecem ao historiador um mate-
rial conceitual bem importante, seja para problematizá-lo, conservando-o
sob controle e à distância, sem assumi-lo como instrumental de análise,
seja para incorporá-lo ao próprio repertório conceitual historiográfico.
Os gregos antigos – os atenienses, por exemplo – chamavam à suas
cidades e às suas comunidades políticas de “polis”. Os historiadores que
tomam por objeto de estudo a antiguidade grega costumam se apropriar
instrumentalmente da conceituação de polis desenvolvida pelos próprios
gregos. Este exemplo, ao qual voltaremos oportunamente, remete-nos a
um primeiro ambiente do qual provêm os conceitos historiográficos: as
próprias fontes históricas [1].
Em seguida, devemos considerar que a comunidade historiográfica –
aqui compreendida como o grande conjunto formado pelos historiadores
de todas as épocas e por toda a sua rede de pesquisas e obras – vai con-
solidando ao longo da própria história da historiografia um vocabulário
conceitual muito próprio e específico da História. Esse vasto repertório
conceitual também é formado a partir de extratos de origens diversas; mas
uma vez que alguns conceitos se consolidam no repertório historiográfico
J. A. Barros | Os conceitos na História

devido ao seu uso bem-sucedido, tendemos a nos esquecer das diferentes


origens dos conceitos que o constituem e passamos a utilizá-los como um
repertório autorizado pela própria comunidade historiadora. Muitos destes
162 conceitos não possuem autoria discernível, embora em muitos casos possam
ser historiados se houver um interesse de pesquisa neste sentido. “Antigo
Regime”, por exemplo, foi um conceito criado nos meios literários, jurídicos
e políticos do século iluminista para se referir ao modelo social, econômico
e político da Europa no período anterior à Revolução Francesa. Posto isto,
os historiadores das gerações seguintes passaram a utilizar o conceito em
suas análises e este uso segue até hoje, obviamente com direito a críticas de
alguns setores internos à própria comunidade historiadora.
O mesmo pode ser dito do conceito de “populismo”, noção de autoria
desconhecida cujo uso se generalizou para variadas realidades políticas,
até adquirir um sentido especial em alguns dos estudos sobre os governos
latino-americanos que se estabelecem a partir dos anos 1930. O uso do
conceito para o regime de Getúlio Vargas, no Brasil, estendendo-se em
algumas análises até períodos subsequentes, tem suscitado polêmicas na
historiografia sobre história do Brasil, com partidários a favor ou contra
sua operacionalização para o estudo destes diversos períodos. Em outras
palavras, está em discussão o próprio uso do conceito de “populismo” (da
expressão em si), a sua compreensão (as notas que o definem), e os limites
do seu potencial generalizador (as possibilidades de uso em uma extensão
mais ampla, para o caso de períodos diversos da história da América, sem
contar o universo mais vasto de possíveis usos do conceito para realidades
históricas que vão da Rússia de fins do século XIX às modernas repúblicas
latino-americanas).
A discussão sobre um conceito, seja qual for a origem de seus materiais,
é sempre histórica, e deve se atualizar permanentemente. Nos anos 1960,
começam a aflorar na historiografia brasileira os estudos históricos mais
consistentes sobre o populismo e, sobretudo, as obras teóricas de reflexão
sobre esta formulação conceitual (Weffort 1978). As disputas em torno
do conceito, e também em favor do seu abandono, têm se mostrado par-
ticularmente acirradas, e por vezes evolvem confrontos entre instituições e
centros de pesquisa. De todo modo, o conceito já faz certamente parte de
um repertório historiográfico possível, nos dias de hoje. Uma rica discussão
sobre as definições possíveis de “populismo” perpassa uma historiografia que
tem no Brasil apenas um dos seus muitos lugares de produção.3 Populismo,
Antigo Regime, bem como inúmeros outros conceitos, fazem parte de um

3 Na Argentina, uma referência importante é a reflexão de Ernesto Laclau (1979, 2005).


Ler História | 71 | 2017

extrato conceitual que se disponibiliza como um patrimônio produzido no


seio da comunidade historiadora [2].
Vamos seguir adiante em nosso quadro sobre as instâncias e ambientes
163
que fornecem conceitos à História. Há conceitos que surgiram como criações
pessoais de um historiador, diante do desafio de analisar certo problema
histórico. São aqueles conceitos que, nos seus primórdios, tiveram uma
assinatura, e que em muitos casos ainda a carregam como uma referência
quase obrigatória. A adequação de uma proposta conceitual, em muitos
destes casos, permite que o conceito se expanda em suas possibilidades
de uso e se popularize ou se generalize mais na comunidade historiadora,
tornando-se parte efetiva do seu repertório. Podemos exemplificar com o
conceito de “coronelismo”, desenvolvido pelo jurista-historiador Vitor Nunes
Leal (1948). O conceito refere-se ao sistema social e político específico que
surge no Brasil da Primeira República (1889-1930), com a implantação do
federalismo republicano em substituição ao antigo centralismo imperial. O
Coronelismo é este sistema no qual o poder se vê partilhado verticalmente
da figura do “coronel” (um fazendeiro com grande poder local) até outras
instâncias como a dos governadores, de lá culminando em um Presidente
da República cujo poder, na verdade, termina por se resignar a uma política
determinada principalmente ao nível dos governos dos estados. O signifi-
cativo poder conferido pelos governadores aos “coronéis” – que passam a
deter poderes de vida e de morte sobre a comunidade em que atuam – e a
articulação da rede de “coronéis” em torno de cada governador, a verdadeira
fonte do poder a eles delegado, dá a tônica desse novo sistema, que vive
particularmente da dinâmica de barganhas estabelecida entre os governa-
dores e os coronéis.
Muito se estudou e se escreveu sobre o mundo político concernente ao
Brasil da Primeira República – sendo a própria designação deste período objeto
de intensa discussão conceitual (“República Velha”, “Primeira República”,
“Brasil República”?). A começar pela própria oscilação de designações concer-
nentes a este período histórico, um variado vocabulário historiográfico tem
sido empregado nas análises desenvolvidas pelos pesquisadores. O conceito
de “coronelismo”, entrementes, é um destes que foram muito bem-sucedidos,
e graças a isto obteve longa vida na história da historiografia. No Brasil, a
comunidade historiadora o assumiu – ao lado de outras noções como a de
mandonismo e de clientelismo – no interior do repertório conceitual mais
utilizado para a discussão dos problemas sociais típicos da Primeira República.
Há uma viva discussão sobre a mais adequada compreensão do conceito (o
que ele significa, as notas que o caracterizam), bem como sobre a sua extensão
aceitável (os casos que a ele podem se referir), e também sobre as relações
J. A. Barros | Os conceitos na História

deste conceito com outros como o de mandonismo e o de clientelismo.4


Há de fato uma viva polêmica em torno do conceito, e há muitos historiadores
que preferem rejeitá-lo criticamente, ao lado de outros que o instrumentalizam.5
164 Mas ninguém discorda que, optando-se ou não o seu uso, a expressão
tornou-se parte de um vocabulário que pode ser mobilizado pelos historia-
dores do tema. Trata-se de um bom exemplo de como um conceito criado
pessoalmente – um conceito batizado e de nascimento datado em uma obra
específica – passou daí a um repertório conceitual mais amplo [3].
Não é nada raro que a História extraia seus materiais conceituais das
demais ciências humanas [4]. A Antropologia, a Sociologia, a Ciência
Política, a Geografia, a Lingüística, a Psicologia, e outras áreas de estudo
em formação como a da Memória social, têm fornecido aos historiadores
um rico manancial de conceitos. Por fim, existe mesmo a possibilidade de
conceituais oriundos de campos de saber fora do eixo das ciências humanas
[5]. O aproveitamento de materiais conceituais vindos de outros campos
de saber, que não os campos mais vizinhos das ciências humanas com os
quais o diálogo é quase evidente, não é de modo algum estranho à Histó-
ria, e tampouco às demais ciências sociais e humanas. Pode ocorrer tanto
a migração direta de um conceito já utilizado em outros campos da saber,
como a migração de um componente para formar um conceito maior.
Para este último caso, já mencionamos o caso do conceito de “densidade
demográfica”, que extrai a sua componente “densidade” do campo da Física.
Neste, a densidade corresponde a uma relação entre massa e volume, da
mesma forma que na sociologia, na geografia ou na história, a “densidade
demográfica” irá corresponder a uma relação entre a população e o espaço
por ela ocupado.
Pode-se lembrar ainda a importação do conceito de “crise” para áreas
diversas dos estudos históricos e sociais. “Crise econômica”, “crise social”
ou “crise política” apresentam como componente inicial uma noção que já
era, há muito, utilizada na Medicina. “Crise reumática”, “crise hepática”,
“crise vascular”, ou qualquer outra, constituíam desde há muito vocábulos
correntes na Medicina, utilizados para indicar a disfunção de um sistema,
de um órgão, de um organismo. O uso do conceito, migrado da Medicina e
readaptado a novos usos, é mais recente na História e na Economia, embora
nos dias hoje o vocabulário da “crise” esteja tão difundido como referência

4 Para Nunes Leal, o coronelismo configura um momento específico na história do mandonismo, aqui entendido sob
a perspectiva do poder local exercido na política tradicional. Já o clientelismo guarda relações com os outros dois
conceitos, mas deve ser utilizado para dar ênfase em uma “perspectiva bilateral” (Carvalho 1997, 229-250).
5 Ver Carvalho (1997, 229-250), autor que examina a polêmica sobre o coronelismo que se estabelece entre Paul
Cammack (1979) e Amílcar Martins Filho (1984).
Ler História | 71 | 2017

aos problemas sociais que tendemos a nos esquecer que este uso tem uma
história, e que o conceito de “crise” em certo momento era restrito ao estudo
dos organismos vivos (voltaremos a isto mais adiante). Muitos exemplos
podem ser dados, como o do conceito de “segregação”, derivado de áreas 165
como a genética e botânica, o qual encontrou acolhida em estudos sobre
a sociedade, gerando novos conceitos compostos, como o de “segregação
urbana”. Este, como outros conceitos, também entraram para a linguagem
comum, cotidiana, para a língua viva utilizada por todos.
Este aspecto, aliás, permite que possamos dar uma volta completa
em nosso quadro [6]. Os cientistas estão sempre mergulhados na vida (ou
deveriam estar). Tanto ajudam a criar a língua viva com que todos nos
comunicamos, como extraem da língua viva já existente materiais para as
suas formulações conceituais. Com os historiadores, não é diferente. Se
alguns conceitos podem ou puderam ser extraídos das próprias fontes (ou da
língua viva do passado), também a própria língua viva de hoje pode servir
de inspiração para a criação de conceitos a serem utilizados pelos historia-
dores atuais. O mundo das fontes – constituído de vestígios, discursos e
fragmentos de discursos – chega-nos, aliás, de uma realidade que um dia
já foi a própria vida viva, pulsante, diversificada e cotidiana. No futuro, da
mesma forma, este universo que constitui a realidade de hoje terá passado
ao campo da experiência – ao passado histórico – e continuará a inspirar os
historiadores a usarem certas expressões como conceitos úteis para as análises
historiográficas. O ponto sexto retorna ao primeiro. Esse é o trabalho dos
historiadores – estes cientistas cujo discurso, ele mesmo, passará um dia ao
mundo das fontes, ensejando um círculo perfeito.

3. O potencial generalizador dos conceitos, no tempo e no espaço

Os problemas relacionados a anacronismos conceituais nos textos


historiográficos podem surgir, como já ressaltámos, de dois sentidos dife-
rentes: do mundo das fontes para o mundo do historiador, e do mundo
do historiador para o mundo das fontes. Consideremos, por ora, apenas
o primeiro caso. O historiador está tentando compreender outra época, e
encontra-se envolvido na análise de suas fontes e de seu tema histórico. De
repente, ele lança mão de uma palavra ou expressão de sua época para se
referir a certos processos e situações de outra época em que esta palavra não
existia ainda como conceito.6 Ou, também pode ocorrer, utiliza-se de uma

6 “É assim, por exemplo, que se recorre a dados da teoria econômica para analisar o capitalismo nascente com
categorias que, na época, eram desconhecidas” (Koselleck 1979).
J. A. Barros | Os conceitos na História

palavra que existe hoje, mas que não tinha exatamente o mesmo sentido
na época examinada historiograficamente.
Nossa preocupação é com a operação de escolher conceitos de hoje para
166
analisar uma situação histórica. “Ideologia”, por exemplo – um conceito
que foi cunhado pela primeira vez por Destutt de Tracy (1801), e que logo
seria reapropriado por Marx e Engels com novos sentidos, é habitualmente
empregado para se referir a períodos para os quais esta palavra não fazia
parte nem do vocabulário de escritores da época, nem do linguajar da gente
comum. Medievalistas recentes como Georges Duby e Jacques Le Goff, por
exemplo, utilizam a expressão para se referir à “ideologia das três ordens” –
aquela que levava os homens medievais a enxergarem a sua sociedade como
tripartida em três ordens específicas: os bellatore, os laboratore e os oratore.7
De modo geral, ninguém estranha este uso do conceito de ideologia para o
estudo de visões de mundo e formações discursivas de períodos que vão da
antiguidade ao moderno. Também é difícil que se oponham ao uso, para
épocas recuadas como a do império romano, do conceito de “crise” – o
qual somente entra para o vocabulário historiográfico na terceira década do
século XX, quando Ernst Labrousse publicou A Crise da Economia Francesa
no Limiar da Revolução (1943).
Por outro lado, é raro encontrar um historiador de formação que
não estranhasse a expressão “feminismo na Grécia antiga” – isto é, que
não rejeitasse quase de imediato o uso do conceito de “feminismo” para
categorizar algum modo de comportamento feminino da Grécia antiga.
Podem ser considerados como pertencentes ao contexto contemporâneo
o uso mais consolidado do conceito de “feminismo” e o uso do conceito
de “crise”, nas ciências humanas, para se referir a aspectos econômicos,
políticos e sociais – e não mais para designar somente os distúrbios de
organismo na área médica, na qual o conceito já era usado há muito.
Entrementes, o primeiro conceito – feminismo – produz anacronismos
quando transportado para contextos históricos anteriores à sua criação,
e o último, crise econômica, não. O que explica que alguns conceitos,
construídos no mundo atual, provoquem estranhamento anacrônico ao
serem direcionados para o vocabulário de análise com vistas a sociedades
mais antigas? E porque outros conceitos, cunhados na mesma época, já
não provocam esses mesmos estranhamentos? Não existe uma explicação
– uma fórmula – que permita entender por que alguns conceitos con-

7 Georges Duby (1994, 17) retoma a expressão “ideologia tripartida” que fora introduzida para o estudo deste imaginário
por Georges Dumezil (1986, 15). Antes disto, incorpora ao seu trabalho a discussão sobre definição de ideologia
desenvolvida por Baecller (1976), para também acrescentar algumas de suas próprias formulações.
Ler História | 71 | 2017

temporâneos funcionam bem para análises de sociedades do passado, e


outros não funcionam.
Por enquanto, como já foi ressaltado, tudo é uma questão de feeling
167
historiográfico. Mas podemos perceber que, em muitos casos, os conceitos
de hoje que produzem anacronismo são aqueles que, quando são utilizados,
pressupõem equivocadamente que os agentes históricos da época examinada
pensavam como um homem moderno. Ou seja, habitualmente, os conceitos
de hoje que provocam anacronismo ao serem aplicados a objetos ligados
a sociedades antigas são aqueles que não levam em conta o anacronismo
inverso de pressupor que um homem antigo já pensava literalmente como
um homem moderno. Também há casos em que o conceito utilizado provoca
anacronismo por se referir a um movimento muito datado, como é o caso
do feminismo, ou como seria o caso do “nazismo” se aplicado para eventos
anteriores à organização institucional do próprio nazismo.
Já conceitos como o de “crise” não pressupõem, da parte daqueles que
sofreram o que hoje chamamos de crise, uma certa maneira de pensar. Os
homens do império romano podiam dar outro nome às perturbações, distúr-
bios e disfunções pelas quais a sua sociedade estava passando à época da sua
fragmentação política e do surgimento de novos padrões sociais que talvez
tenham parecido perturbadores e dolorosos para os indivíduos pertencentes a
determinados grupos sociais. Para alguns, era como se o seu mundo estivesse
desmoronando. De todo modo, certamente os habitantes das sociedades agru-
padas politicamente pelo Império não utilizavam o conceito de “crise”, que
já vimos ser uma construção recente. Mas o uso deste conceito não deturpa
o seu pensamento. Ademais, alguém pode viver uma crise sem nomear assim
o que está vivendo, da mesma forma que pode ter um “mal súbito” sem que
precise conceituá-lo, modernamente, como um “ataque cardíaco”. Morria-se
de pneumonia antes que os médicos conceituassem esta doença.
Consideremos que todo conceito, necessariamente, deve possuir um
‘potencial generalizador’. Há por exemplo os ‘conceitos agrupadores’, que são
aqueles nos quais este potencial generalizador se manifesta sob a forma de
uma capacidade de enquadrar ou de agrupar outros conceitos ou um certo
número de casos. O conceito de “ser vivo”, por exemplo, é suficientemente
generalizador para agrupar as categorias “animal” e “vegetal”. De sua parte,
o conceito “animal” partilha-se através de diversas classes, como a das aves,
mamíferos, répteis, peixes, insetos, vermes, etc. Estes últimos conceitos, os
quais também são agrupadores, desdobram-se em ordens diversas, e assim
por diante. Também temos conceitos agrupadores nas ciências humanas.
Assim, o conceito de “revolução” pode ser entendido como capaz de agrupar
pelo menos dois tipos de revoluções sociais – as revoluções burguesas e as
J. A. Barros | Os conceitos na História

revoluções socialistas (este é só um exemplo, não necessariamente aceito


por todos). As “revoluções socialistas” (ou o conceito de revolução socialis-
ta) permitem que sejam agrupados, por fim, certo número de casos. Não
168 mais conceitos, mas agora casos específicos: a revolução russa, a revolução
cubana, a revolução chinesa. Estas não são mais conceitos, pois são casos
históricos únicos, como já discutimos anteriormente.
Há também conceitos que possuem o potencial de generalização porque
são capazes de se referir transversalmente a diversos casos. O conceito de
“colonialismo” permite que nos refiramos a inúmeros processos históricos,
pertinentes à história de vários países hoje independentes, os quais passa-
ram cada qual pelo fenômeno da colonização. O conceito de “crescimento
demográfico” permite compreendermos processos de aumento de população
que já aconteceram inúmeras vezes em diversas sociedades, nas suas diversas
épocas. Esses conceitos são transversais, não agrupam diversos casos como
ramificações (como os ‘conceitos agrupadores’), mas atravessam diversos
casos (são transversais a eles, por assim dizer). Entrementes, a abordagem
nova que irei propor refere-se a outros aspectos relacionados ao potencial
generalizador dos conceitos. Vamos considerar um desdobramento possível
do ‘potencial generalizador’, típico dos conceitos, com relação a dois aspectos
complementares: o tempo e o espaço.
Ao pensarmos no potencial generalizador de um conceito, podemos
nos perguntar à saída se este conceito apresenta um ‘potencial generalizador
diacrônico’. Isto é importante para os conceitos aplicáveis instrumental-
mente à História, e também para aqueles que podem ser objeto de estudo
da História. Proponho que nos indaguemos, através da noção de ‘potencial
generalizador diacrônico’, se certo conceito em análise possui menos ou
mais capacidade de ser extensível para situações históricas diferenciadas
(situações que se sucederam no tempo).
Por outro lado, também posso perguntar pelo ‘potencial generalizador
sincrônico’ – a capacidade de um conceito ser aplicável a sociedades dis-
tintas no mesmo tempo (espaços diferenciados de análise em uma mesma
época, por exemplo). Vamos a alguns exemplos, que tudo ficará mais claro.
O conceito de “revolução” apresenta um alto potencial generalizador dia-
crônico, uma vez que várias revoluções já ocorreram ao longo da história
– ou, melhor dizendo, uma vez que no decorrer da história já ocorreram
inúmeros casos que podem ser bem compreendidos através do conceito de
revolução. Ao lado disso, o conceito de “revolução” também apresenta um
bom ‘potencial generalizador sincrônico’. Na primeira metade do século XX,
diversas sociedades experimentaram processos históricos que são avaliados
Ler História | 71 | 2017

como revoluções de acordo com algumas das compreensões bem aceitas


para este conceito. Tivemos a Revolução Mexicana (1910), a Revolução
Russa (1917), a Revolução Chinesa (1949), por exemplo. Quase tivemos
uma revolução socialista bem sucedida na Alemanha (1918-1919). Espaços 169
diferenciados, portanto, conheceram processos históricos importantes que
podem ser considerados revolucionários.
Vamos nos concentrar, por ora, na reflexão sobre o ‘potencial generalizador
diacrônico’ de um conceito. O conceito de “crise”, já exemplificado, apresenta
altíssimo ‘potencial generalizador diacrônico’. Se tomarmos uma definição
proposta por Antoine Prost, ou ao menos certo feixe de notas características
sugerido por este historiador francês para o conceito, “o termo crise designa
um fenômeno relativamente violento e súbito, uma mudança repentina, um
momento decisivo, mas sempre penoso ou doloroso” (Prost 2006, 119). A
área médica também contribuiu para o delineamento do conceito, na ver-
dade pioneiramente, indicando notas características da compreensão deste
conceito que também foram mais tarde trazidas para a área sócio-histórica. A
crise é uma “disfunção”, o “mau funcionamento” [súbito] de um órgão, [de
uma sociedade, de uma instituição]. A crise, ainda seguindo a perspectiva
médica, é uma situação de mudança que exige da pessoa, do grupo, do corpo
em crise, um esforço suplementar para manter ou recuperar o equilíbrio
(ou para sucumbir ao colapso, caso o equilíbrio não possa ser retomado).8
A crise envolve ainda “perdas”, ou a necessidade de substituições e readapta-
ções rápidas. Envolve também um momento decisivo, inclusive no sentido
de que, diante da crise, invariavelmente é preciso tomar alguma decisão que
poderá – ou deverá – mudar os destinos do corpo, do indivíduo, do grupo
ou da sociedade em crise. O conceito de crise implica em uma compreensão
que pode envolver combinadamente as seguintes características: perturba-
ção, disfunção súbita, interrupção em um processo autorregulado, risco de
colapso, momento decisivo, duração provisória (tendente à recuperação
do equilíbrio com mudança, ou à extinção através do colapso), sensação
de perda, processo vivido de maneira penosa ou dolorosa, oportunidade
de mudança.
Todas as sociedades conhecidas, bem como todos os corpos vivos, ou
todas as vidas pessoais, podem ou devem vivenciar crises algumas vezes.
De fato, para ficar apenas no âmbito dos estudos de História, todas as
sociedades que já existiram, em diversos momentos de sua história, viveram
crises (ou para superá-las, ou para sucumbir a elas). “Crise”, por isso, é um

8 A crise de um organismo vivo busca a recuperação da estabilidade: ou sob a forma dinâmica de um novo equilíbrio
metabólico, ou sob a forma da estabilidade da morte, quando o organismo desaparece.
J. A. Barros | Os conceitos na História

conceito altamente generalizável. O conjunto das notas características que


a este conceito se referem na maior parte das compreensões propostas, e a
vasta extensão de casos aplicáveis de processos históricos já acontecidos que
170 podem ser pensados como crises, autorizam-nos a dizer, no que se refere a
“crise”, que estamos aqui diante de um conceito com altíssimo ‘potencial
generalizador diacrônico’.
“Feminismo”, em contrapartida, é um conceito de baixo ‘potencial
generalizador diacrônico’. É daqueles conceitos que, uma vez cunhado,
parece só ser aplicável ao próprio período para o qual foi imaginado ori-
ginalmente. O feminismo é um fenômeno social que tem a sua origem
datada (do fim, ainda nada sabemos, mas supõe-se que ocorrerá quando
desaparecer o par antagônico que o gerou como resistência, o “machismo”).
O conceito de feminismo, surgido nas últimas décadas do século XIX mas
consolidado e intensificado em sua aplicação a partir do século XX, não
parece ser aplicado a outros momentos históricos (anteriores ao momento
em que este conceito surgiu). Pode ser aplicável para tempos futuros, desde
que as sociedades vindouras o atualizem com suas práticas.
Para casos como este, proponho que nos expressemos nos termos de
um “baixo potencial generalizador diacrônico”. Temos aqui conceitos cuja
extensão só se aplica a certo período de tempo. O “nazismo” corresponde
a outro conceito que se aplica a este caso. O conceito surgiu, datado, com
a instalação e atuação do partido nazista alemão (um acontecimento que,
destarte, pode ser colocado sob a égide de fenômenos mais amplos, neste
caso demarcado por conceitos mais generalizadores, como o de “totalitaris-
mo”). Não há sentido falar em nazismo para períodos anteriores à fundação
do partido nazista. Quando fazemos isso, produzimos um anacronismo da
espécie “de ontem para hoje”. O nazismo também teve seu fim datado (o que
não ocorreu para o caso do feminismo). Quando a Alemanha foi derrotada,
em 1945, o nazismo se extinguiu como fenômeno histórico e estatal mais
específico, embora possamos falar hoje de “neonazismos”.
É verdade que não é raro que se utilize o conceito de nazismo para
fenômenos atuais, mas de modo um pouco inapropriado, sendo preferível
mesmo a designação “neonazismo”. De todo modo, parte significativa dos
estudiosos do tema concordará em dizer que o nazismo foi um fenômeno
histórico datado na sua origem e no seu final – sobretudo se considerarmos
o fenômeno mais específico do “estado nazista” hitlerista. Neste sentido, o
nazismo é um conceito de baixíssimo ‘potencial generalizador diacrônico’.
Cometemos anacronismos que saltam à vista quando o exportamos para
outros momentos da história – por exemplo, quando procuramos no passado
longínquo, ou mesmo menos distante, precursores do nazismo.
Ler História | 71 | 2017

Situação curiosa acontece com o seu conceito-irmão, o “fascismo”.


O “fascismo italiano” surgiu como a primeira experiência que confluiria
para um estado totalitário. Mesmo Hitler reconheceu essa primazia em
relação a Mussolini, a quem admirava. Um pouco por isso, aconteceu à 171
expressão “fascismo” uma dupla história. Há um conceito mais restrito de
fascismo, que se refere ao caso específico do “fascismo italiano” – e que,
nesses momentos, se equipara em nível lógico ao “nazismo alemão” – e há
um uso ampliado do conceito de “fascismo”, no qual a palavra fascismo
tendeu a se transformar, alternativamente, em uma categoria mais abran-
gente na qual cabem os diversos casos históricos de fascismos específicos,
inclusive o nazismo alemão, o fascismo italiano, e outros movimentos que
incluem, para o caso brasileiro, o movimento do “integralismo”. Ou seja,
em uma de suas acepções, o fascismo se transformou em um ‘conceito
agrupador’. Nesta segunda acepção, mais ampla, o fascismo se tornou um
conceito com razoável ‘potencial generalizador diacrônico’ para fenômenos
contemporâneos similares, aplicando-se a casos posteriores à dissolução do
fascismo italiano de Mussolini. De todo modo, para momentos históricos
anteriores ao surgimento dos movimentos pró-totalitários de direita, o
“fascismo” não apresenta qualquer potencial generalizador diacrônico (tal
como vimos ocorrer para o conceito de “feminismo”). Quando usamos o
conceito de fascismo visando um momento anterior ao século XX, caímos
na armadilha da inadequação conceitual anacrônica.
Existe forte tendência à produção de anacronismos quando tentamos
exportar para períodos anteriores (ou mesmo posteriores) aqueles conceitos
que possuem um baixo ou nulo ‘potencial generalizador diacrônico’. “Nazis-
mo”, “fascismo” no sentido restrito, feminismo, globalização. Inversamente,
com relação aos conceitos que possuem um razoável “potencial generalizador
diacrônico”, estes podem ser perfeitamente pensados como possibilidades para
o entendimento de períodos diversificados. Alguns conceitos apresentam,
na verdade, um potencial muito elevado para generalização diacrônica, e
por isso dificilmente provocam anacronismos com o seu uso.
O potencial generalizador de um conceito também se desdobra em uma
faceta sincrônica, ou seja, no interior de um mesmo tempo, mas aplicando-se
a espaços – físicos ou sociais – diferenciados. Pode ocorrer a um conceito
com razoável potencial generalizador que, a certo momento, ele encontre
o seu limite: no interior de um mesmo tempo (ou seja, em uma referência
sincrônica), aplica-se a diversas sociedades ou espaços sociais, mas não a
esta ou àquela sociedade mais específica. A argumentação é similar à que
foi desenvolvida para a discussão do ‘potencial generalizador diacrônico’, só
que agora voltada não para sociedades dispostas em momentos diferentes do
J. A. Barros | Os conceitos na História

tempo, mas sim para sociedades dispostas em espaços distintos no interior de


um mesmo horizonte temporal. Limitar-nos-emos a dar um exemplo, pois
toda a argumentação seria similar à que foi desenvolvida no item anterior.
172
Exemplo clássico de empenho em aplicar um determinado modelo
conceitual a diversas sociedades, diferenciadas em maior ou menor medi-
da, é o que temos com o conceito de “feudalismo”. Vamos considerar a
compreensão do conceito proposta por Marc Bloch em A Sociedade Feudal
(1939). Um esquema que elaborámos pode resumi-la (figura 2).

Figura 2: Exemplo de compreensão e extensão de um conceito (feudalismo)

Os limites do ‘potencial generalizador sincrônico’ do conceito de feu-


dalismo começam a ser especialmente testados quando o situamos diante de
sociedades que se afastam do núcleo mais clássico da feudalidade europeia
(França, regiões de língua germânica, e outras). Um primeiro teste surge
diante das tentativas de aplicação do conceito de feudalismo às sociedades
ibéricas do período medieval, para ainda ficarmos, por enquanto, meramente
no âmbito das sociedades europeias.
O que traz um contexto bem diferenciado às sociedades ibéricas é o
movimento histórico que ficou conhecido como Reconquista, presente durante
toda a Idade Média. São consideráveis as implicações sociais e políticas do
fato de que coube aos monarcas de Portugal, Leão e Castela capitalizar os
esforços bélicos na luta contra os árabes instalados desde fins do século VIII
em Al-Andaluz. A necessidade do concurso de todos os segmentos sociais
na luta contra os mouros, e a maneira como estes diversos segmentos se
aglutinaram em torno de um monarca encarregado de centralizar os esforços
de guerra, permitiu que se desenvolvesse em Portugal e Castela um modelo
bem distinto do feudalismo tradicional.
Ler História | 71 | 2017

Aqui, o rei não hesitava em utilizar “esquemas feudais para estabelecer


laços pessoais com alguns nobres”, mas procurava desprivilegiar a possibi-
lidade de se formar algo como uma “pirâmide feudal” a partir dos escalões
inferiores (Mattoso 1985, 145). Em última instância, todos eram vassalos 173
do rei. Em Portugal, “ricos-homens, cavaleiros e até escudeiros recebiam
uma quantia (ou contia), também denominada maravedis do rei”, que
era inscrita em um livro especial e os vinculava diretamente ao monarca
(Marques 1987, 249). Estas especificidades das sociedades ibéricas, pode-
-se argumentar, recolocam na compreensão do conceito, mas de uma outra
maneira, a nota característica “laços de vassalagem”. A rede de dependências
feudais é interferida por um alinhamento concorrente de relações diretas
entre rei e nobreza.
Outro elemento que introduz alguma dificuldade à possibilidade de estender
a generalização do conceito de feudalismo para as sociedades ibéricas – Portu-
gal e Castela da Idade Média central, principalmente – é o fato de que essas
sociedades são perturbadas pela emergência de um tipo especial de cavaleiro
de origem vilã, isto é, não-aristocrata. Essa figura, típica das sociedades ibéricas
da Reconquista, parece embaralhar muito o tradicional imaginário feudal das
três ordens que era típico de países como a França, no qual os nobres tendiam
a se identificar com a ordem dos que guerreiam, e demarcar melhor o espaço
social dos bellatore perante as ordens dos laboratore e oratore. No esforço his-
tórico da Reconquista, no qual os reis ibéricos, precocemente centralizadores,
precisaram comandar um exército mais unificado contra o inimigo islâmico
instalado no Andaluz, o cavaleiro-vilão, não-nobre, assumiu um papel especial.
Ao mesmo tempo, associado por vezes a atividades produtivas e mercantis
em franca ascensão, e sem os entraves imaginários que parecem encerrar a
nobreza dentro de um repertório feudo-vassálico de alternativas para o seu
sustento, o cavaleiro vilão é muitas vezes mais resolvido economicamente que
diversos nobres. A presença do cavaleiro-vilão nas sociedades ibéricas e nas
lides da Reconquista cria um elemento complicador para a extensão, para os
espaços sociais português e castelhano, do conceito de feudalismo – o qual,
em contrapartida, apresenta um bom potencial generalizador sincrônico para
as sociedades europeias de além-Pirenéus.
Além disso, no que se refere à base econômica, material e jurídica que foi
o suporte destas sociedades muito específicas que são as ibéricas-medievais, há
uma extensa polêmica sobre a validade ou não de se falar em um feudalismo
português ou em um feudalismo castelhano, a qual depende dos critérios
com que se define a feudalidade. Mais polêmica ainda é a possibilidade
de aplicação do conceito para outras sociedades, agora não-europeias. A
construção do conceito de feudalismo com ênfase nos laços de dependência
J. A. Barros | Os conceitos na História

horizontais – as relações feudo-vassálicas entre suseranos e vassalos, todos


pertencentes à nobreza – ou nos laços de dependência verticais (relação
entre o senhorio e a servidão), pode levar a rediscutir a sua compreensão,
174 com implicações na extensão do mesmo.9 Ou pode-se levar, com ressalvas
eventuais, ao esforço de estender certa compreensão do conceito com vistas
a conciliar com ele outras realidades históricas e sociais. De todo modo, a
indagação sobre os limites de ‘potencial generalizador’ sincrônico do conceito
deve ser sempre colocada. Quando, ao usar o conceito de “feudalismo” para
certas sociedades, estamos já diante de uma inadequação conceitual? Há os
casos mais polêmicos. Terá existido um “feudalismo japonês”? Marc Bloch
(1979, 13) discute com seriedade esta possibilidade.
Anacronismo, conforme assinalámos, não ocorre apenas quando
utilizamos conceitos de hoje que se mostram inadequados para analisar
problemas históricos e sociedades de ontem. Existe também o movimento
inverso: a importação ingênua dos conceitos e palavras de ontem para hoje,
sem considerar as eventuais possibilidades de variações históricas nos seus
significados.
Sérgio Buarque de Holanda, em um artigo simultaneamente mordaz
e saboroso datado de 1973, cita o caso de um anacronismo deste tipo em
uma análise histórica. Determinado historiador, que prefere não nomear,10
deparou-se em suas pesquisas com uma passagem contida nas fontes, na qual
se diz que “a cidade de Salvador era, das colônias do Brasil [no inicio do
século XIX] a mais frequentada de gente policiada”. Segue o comentário de
Sérgio Buarque de Holanda sobre o deslize cometido por seu colega de ofício:

Acontece que, ao ler ‘gente policiada’, o comentador [o historiador


criticado por Sérgio Buarque de Holanda] não teve dúvidas: Vilhena
[personagem histórico, autor da fonte analisada] queria falar em polícia,
portanto em gente armada, portanto em militar. O estranho é que
não lhe passou pela cabeça [do historiador] que a palavra ‘policiada’
pudesse ter, e no caso tinha, com certeza, o sentido de ‘cultivada’,
‘refinada’, e, em suma, ‘civilizada’, ou seja, quase o oposto daquilo
que a palavra ‘polícia’ costuma evocar atualmente. O que o cegou,
provavelmente, foi a convicção inabalável de que uma só e mesma
palavra só pode ter um só e mesmo significado. (Holanda 2011, 425)

9 Maurice Dobb, por exemplo, tendia a identificar o feudalismo com a servidão, que desta forma torna-se o traço
mais saliente da sua compreensão do conceito de feudalismo. Foi criticado neste aspecto por Paul Sweezy. Ver o
debate em Hilton, Dobb, Sweezy (1976).
10 Trata-se, na verdade, de Carlos Guilherme Mota, e da obra Atitudes de Inovação no Brasil, 1789-1901. O artigo
gerou depois polêmicas, incluindo réplicas do próprio historiador criticado.
Ler História | 71 | 2017

O caso refere-se não propriamente ao uso equivocado de um conceito


trazido do passado para a época do historiador, mas mais propriamente à
atribuição anacrônica de um falso sentido a uma palavra simples. Mas proble-
mas como este ocorrem frequentemente quando avaliamos inadvertidamente 175
a linguagem do mundo das fontes e a relemos com os sentidos literais que
teriam hoje algumas das suas palavras. Historiadores ligados ao campo da
História Antiga costumam se prevenir, habitualmente, contra o uso traduzido
da palavra “polis”, que poderia ser reescrita, com perdas importantes, como
“cidade”. Embora a polis grega possa, em algum momento, ser traduzida
como cidade, nesta operação perdem-se alguns aspectos essenciais que o
conceito de polis teria para os gregos – notadamente aspectos relacionados
à política – e por isso tem-se adotado a incorporação de um novo conceito,
“polis”, para evitar problemas maiores.
A historiografia sobre a Antiguidade greco-romana tem adotado, comu-
mente, recursos como estes: prefere-se não traduzir o termo, para evitar o
anacronismo, e incorporá-lo, em sua forma grega mesmo, como novo con-
ceito. É caso também de meteco, palavra que aparece nos textos da Atenas
clássica e que poderia ser traduzida como “estrangeiro”, mas com perdas
importantes relativas ao estatuto deste grupo social que frequentemente
exercia funções como a de comerciante ou artesão. Os metecos não possuíam
nenhum direito político e estavam impossibilitados pela legislação grega de
contraírem matrimônio com mulheres atenienses, além de serem obrigados a
pagar um imposto de residência. Por outro lado, eram considerados homens
livres, aspecto importante naquela sociedade escravista.

4. Conclusão

A utilização dos conceitos com consciência de sua historicidade,


conforme vimos neste ensaio, é crucial para o historiador. Compreender
os dois níveis de conceitos com os quais devemos lidar em nosso ofício
de historiadores e de cientistas humanos, ao menos quando lidamos com
objetos históricos, que é o caso de todas as obras historiográficas e também
de algumas submodalidades das demais ciências humanas, é de fato uma
operação crucial. A sociologia histórica, antropologia histórica, linguística
histórica, história do direito, e outros campos igualmente específicos do
saber, necessitam tanto da consciência da historicidade quanto os próprios
historiadores.
Os conceitos são instrumentos fundamentais para a teoria – são meios
que favorecem a produção de saberes. Eles não são, entretanto, os fins em
J. A. Barros | Os conceitos na História

si mesmos. São caminhos. Podemos encerrar alertando contra os riscos


opostos. A paralisia conceitual pode ocorrer quando nos perdemos nessa
tentativa de assegurar a consciência histórica através de uma busca obses-
176 siva do conceito perfeito. Além de “unidades de conhecimento”, conforme
vimos anteriormente, os conceitos também não deixam de ser “unidades de
comunicação”. Eles constituem um vocabulário problematizado através do
qual podem se comunicar os praticantes de um campo de saber. Existe um
ponto em que a busca obsessiva de precisão pode ser tão exagerada que pode
comprometer a comunicação, e contra isso devemos nos precaver. Sérgio
Buarque de Holanda identifica o problema no artigo “Sobre uma Doença
Infantil da Historiografia” (1973).

Trata-se, sim, de curioso aspecto de uma tendência incipiente de alguns


poucos autores nossos para uma historiografia purgativa, dado que
seu principal traço consiste no querer levar o vocabulário histórico
a absorver à força os usos e costumes que possa parecer a mais rigo-
rosa linguagem científica, e purgá-lo depois de qualquer expressão
ambígua, imprecisa ou suspeita de inexatidão. (Holanda 2011, 419)

O excesso de precisão conceitual, não poderá, em alguns casos, levar à


paralisia conceitual? Em A Sociedade Feudal (1939), depois de discutir os
desdobramentos vários do conceito de “feudalismo”, Marc Bloch reconhece
seus limites e imprecisões, mas também observa que o conceito de “feuda-
lismo” já se tornara muito familiar aos historiadores e leitores de história.
Conservá-lo, mesmo que indicando os seus limites, pareceu-lhe a melhor
solução. Diz-nos o historiador francês que prefere prosseguir com a utilização
do conceito, “sem mais remorsos que os que sente o físico quando, com
desprezo pelo grego, persiste em denominar ‘átomo’ uma realidade que ele
passa o seu tempo a decompor” (Bloch 1987, 13).11
Essa capacidade de perceber e dar a perceber quando convém mergu-
lhar mais a fundo na busca da precisão conceitual, de modo a enfatizar o
papel do conceito como “unidade de conhecimento”, e quando convém
utilizá-lo com maior flexibilidade, valorizando o seu papel como “unidade
de comunicação”, faz parte dos atributos do historiador – ou do seu feeling,
por assim dizer. Conforme vimos no item anterior, o conceito de escravidão
– experiência histórica que permite a comparação de inúmeras formas de
dominação escravista já conhecidas pela história – poderia requerer, por obra

11 Bloch foi algumas vezes criticado por esta frase genial, até com certa razão nos momentos mais específicos em
que o objeto de pesquisa exigiria uma precisão do conceito de “feudalidade”. Ver, por exemplo, Alain Guerreau
(1980, 90-91).
Ler História | 71 | 2017

de um historiador obcecado pela busca de conceitos perfeitos, termos bem


específicos para cada caso. Seria interessante chamar por uma outra designação
ao “escravo” inserido no mercado atlântico moderno e no sistema específico
de trabalho e de sujeição social imposto nas colônias europeias, e por outra 177
ao “cativo” africano do mesmo período, ao reconhecermos que temos noções
distintas de escravidão? A possibilidade coloca-se como alternativa para os
historiadores que abordam os sistemas escravistas. Não obstante, também
sabemos que na África do período existem inúmeras sociedades, muitas delas
com o seu modelo próprio de escravidão. Deveremos incorporar uma expressão
própria para cada uma destas experiências? A certa altura de seu ensaio sobre
como se escreve a história (1971), Paul Veyne chama atenção para o problema
dos chamados “conceitos sublunares” (relativos ao mundo humano):

Quando se pronunciam as palavras classe social, o que é ingênuo,


desperta-se no leitor a ideia de que essa classe devia ter uma política
de classe, o que não é verdadeiro para todas as épocas. Quando se
pronuncia as palavras “a família romana”, sem qualquer precisão, o
leitor é induzido a pensar que esta família era eterna, isto é, a nossa,
enquanto que com seus escravos, seus protegidos, seus adolescentes
eunucóides, seu concubinato e a prática de abandonar recém-nascidos,
era tão diferente quanto a família islâmica ou a chinesa. Em uma
palavra: a história não se escreve sobre uma página em branco: lá
onde nada vemos, supomos que há o homem eterno; a historiografia
é uma luta incessante contra nossa tendência ao contrassenso ana-
crônico. (Veyne 1982, 71)12

O problema do anacronismo é real; o desafio de enfrentá-lo no dia-a-


-dia da prática historiográfica não pode ser contornado. Tampouco devemos
deixar que a fobia do anacronismo nos conduza a uma paralisia conceitual.
Há um ponto em que, ao buscar a ilusão da precisão, ou ao nos entregarmos
à perseguição do conceito perfeito para cada caso, começamos a prejudi-
car o processo possível de comunicação, a leveza do texto, a possibilidade
de instrumentalizar os conceitos como recursos de comparação. Há um
momento em que nos deixamos aprisionar pela paralisia conceitual, ou
que, para o caso dos historiadores, sucumbimos de alguma maneira a uma
“doença infantil da historiografia”.
Há que ser considerada, por fim, a questão da leveza artística dos
conceitos, para além de sua gravidade científica. Em um mundo calculista,

12 Mais tarde, Paul Veyne faria uma discreta e moderada crítica à sua antiga posição (Veyne 1988, 71).
J. A. Barros | Os conceitos na História

quantitativo, propaladamente sério, por vezes demasiado duro, tendemos a


esquecer muito facilmente que os conceitos nasceram de inspiradoras ima-
gens, de audaciosas metáforas, de deslocamentos criativos de palavras, de
178 contornos irregulares através dos quais nos empenhamos em mapear o caos.
Muitas vezes, conforme nos mostra o filósofo alemão Friedrich Nietzsche
(1974, 56), os conceitos não deixam de ser “ilusões, das quais se esqueceu o
que são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que
perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não
mais como moedas”. Aprisionado sob o seu “céu conceitual matematicamente
repartido”, os historiadores e cientistas humanos obcecados com a objetivi-
dade estão sob o risco permanente de deixar escapar essa necessária leveza.
Quero finalizar dizendo que conceituar não é apenas uma operação
científica, mas também uma arte. A invenção ou descoberta das notas
características que farão parte da composição de um acorde conceitual, assim
como a adoção de conceitos já existentes ou inéditos que serão utilizados
para entretecer a tessitura teórica na qual se apoiará a obra historiográfica,
constituem atos criadores que não ficam a dever às diversas formas artísticas
de expressão. Não apenas escrevemos obras historiográficas, de um ponto
de vista meramente técnico. Devemos compô-las, como fazem os músicos.
Os textos de história, bem como os textos relacionados a outros campos de
saber que fazem parte da palheta das ciências humanas, podem se tornar
pontos de confluência entre a ciência e a arte.

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CONCEPTS IN HISTORY: CONSIDERATIONS ABOUT ANACHRONISM


The article discusses the issue of anachronism in historical writing, considering both types
of discourse that this one deals with: the historian’s language and the language that comes
out directly from sources and each historical epoch. Why do some current historiographical
concepts adapt so well to the analysis of different historical times, while others, quite
the opposite, sound so inadequate? The intention is to understand these questions by
reflecting on the possibilities of generalization – both diachronic and synchronic – of the
concepts. Specific historical examples are discussed in order to substantiate the more
general reflections on this topic.
Keywords: anachronism, historiography, history of concepts, synchrony, diachrony.

LES CONCEPTS DANS L’HISTOIRE : CONSIDÉRATIONS SUR L’ANACHRONISME


L’article aborde la question de l’anachronisme dans l’histoire, en particulier dans sa relation
avec la spécificité des discours historiographiques considérés comme des textes qui traitent
J. A. Barros | Os conceitos na História

simultanément de deux ordres de discours: celui qui se réfère aux historiens et celui qui se
réfère aux sources et aux temps historiques examinés. On se demande pourquoi certains
concepts elaborés aujourd’hui, dans la pratique historiographique, s’adaptent si bien à
l’analyse des temps historiques où ces concepts n’existaient pas, alors que d’autres, bien
180 au contraire, sont inadaptés. L’intention est de comprendre ces aspects en réfléchissant
sur le potentiel de la généralisation – diachronique et synchronique – des concepts. Pour
illustrer ces réflexions générales, des exemples historiques spécifiques sont discutés.
Mots-clés: anachronisme, historiographie, histoire des concepts, synchronie, diachronie.
70 A polícia e as polícias
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