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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Flavia Ribeiro Crespo

O Itamaraty e a cultura brasileira: 1945-1964

Rio de Janeiro
2006
Flavia Ribeiro Crespo

O Itamaraty e a cultura brasileira: 1945-1964

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em História, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: História Política .

Orientador: Profª Dra Mônica Leite Lessa

Rio de Janeiro
2006
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

C921 Crespo, Flávia Ribeiro.


O Itamaraty e a cultura brasileira: 1945-1964/ Flávia Ribeiro
Crespo. – 2006.
163 f.

Orientador: Mônica Leite Lessa.


Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Bibliografia.

1. Brasil. Ministério das Relações Exteriores – Teses. 2.


Política cultural – Brasil - 1945-1964 – Teses. 3. Brasil –
Relações Exteriores – Teses. I. Lessa, Mônica Leire. II.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas. III. Título.

CDU 327(81)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação.

_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
Flavia Ribeiro Crespo

O Itamaraty e a cultura brasileira: 1945-1964

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em História, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: História Política.

Aprovada em 11 de outubro de 2006.


Banca Examinadora:

__________________________________________
Prof. Draª Mônica Leite Lessa (Orientadora)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
__________________________________________
Prof. Dr. Hugo Rogelio Suppo
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
__________________________________________
Prof. Dr. Bernardo Kocher
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da UFF

Rio de Janeiro
2006
AGRADECIMENTOS

Durante o processo que envolveu a feitura deste trabalho, contei com o suporte

Fundamental de pessoas e instituições que, sem dúvida, foram fundamentais para sua

concepção, execução e conclusão. Gostaria, pois, de agradecer-lhes pela presença no

decorrer de todo este processo.

À Capes, pelo apoio à realização desta investigação.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado

do Rio de Janeiro, pela riqueza do debate em torno das Relações Internacionais, que muito

contribuiu para o desenvolvimento da pesquisa.

Aos funcionários do Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores no Rio de

Janeiro e em Brasília, que se mostraram solícitos e incansáveis na tarefa de auxiliar minha

pesquisa, disponibilizando todos os meios possíveis para que ela fosse executada da

melhor forma possível.

À minha orientadora, Profª Drª Mônica Leite Lessa, por ter me apresentado ao estudo da

dimensão cultural das Relações Internacionais ainda na época da conclusão de minha

graduação, e que desde então vem estimulando e acompanhando a minha trajetória

acadêmica com dedicação e atenção ímpares.

Aos Profes Dres Hugo Rogelio Suppo e Orlando de Barros, cujas sugestões na banca do

meu exame de qualificação contribuíram de modo essencial para este trabalho.


À minha família, especialmente à minha mãe, Leila, pela confiança que depositou em mim,

e ao meu pai, Tarcísio, cuja postura me levou a tornar esta jornada ora iniciada um desafio

pessoal, dedico este trabalho.


RESUMO

CRESPO, Flávia Ribeiro. O Itamaraty e a cultura brasileira: 1945-1964. 2006. 163 f.


Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

Esta dissertação propõe-se a estudar o modus operandi do Ministério das


Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty) na condução de sua política cultural externa entre
1945 e 1964. A pesquisa articulou, analiticamente, os diversos fatores envolvidos, tais
como os antecedentes históricos desta dimensão da política externa brasileira, as discussões
no âmbito da política interna do país, os desafios e evoluções pelas quais passou a cultura
nacional. O contexto internacional do período e as ações culturais empreendidas pelo
Itamaraty foram os fios condutores para a formulação da principal hipótese da dissertação: a
de que o Itamaraty, a despeito de momentos de inflexão e refluxo, forjou uma sólida tradição
no planejamento e execução de uma política cultural brasileira no exterior que, por
sua vez, tornou-se elemento fundamental na construção da imagem internacional do
Brasil.

Palavras-chave: Política cultural. Relações internacionais. Itamaraty, 1945-1964.


ABSTRACT

This dissertation aims to study the modus operandi in which the Ministry of Foreign
Relations of Brazil (Itamaraty) conducted its external cultural policy between 1945-1964.
The research considered, analytically, many factors such as the previous historical records of
this dimension of brazilian foreign policy, the discussions that took place in domestic
policy, and the challenges and evolutions in which national culture went through during
that time. The international context and the cultural actions undertaken by Itamaraty
were the guiding lines to develop the main hipotesis: Itamaraty, although alternating
moments of struggle and weak actions, constructed a solid tradition of planning and
execution of cultural policy, in its became an essential element in the shapping of the Brazil
international image.

Key-words: Cultural policy. International relations. Itamaraty, 1945-1964.


SUMÁRIO

Introdução..................................................................................................................8

Capítulo I: TRADIÇÕES SELETIVAS (1902-1945)

1.1. Um Barão no Palácio Itamaraty ...................................................................29

1.2. Oito Batutas em Paris ....................................................................................38

1.3. Propaganda e Cultura ...................................................................................47

Capítulo 2: TRADIÇÕES E ESTRATÉGIAS (1946-60)

2.1. Presidentes e Artistas......................................................................................63

2.2. As Divisões Culturais......................................................................................69

2.3. A Vez da Recusa............................................................................................102

Capítulo 3: TRADIÇÕES E BOSSA NOVA (1961-64)

3.1 O Itamaraty e a Cultura................................................................................112

3.2 Wladimir Murtinho: tempos de transição...................................................117

3.2.2 Mário Dias Costa e a Divisão de Difusão Cultural.......................130

3.2.2.1 A Bossa Nova no Carnegie Hall.......................................132

3.2.2.2 Arnaldo Carrilho e a difusão do Cinema Novo..............141

Conclusão...............................................................................................................147

Fontes.....................................................................................................................154

Referências Bibliográficas....................................................................................156

7
INTRODUÇÃO

Na sociedade industrial, a crescente importância da cultura como fator

transformador das relações sociais tem sido tradicionalmente campo de estudo das

Ciências Sociais. Nas últimas décadas, entretanto, os especialistas das Relações

Internacionais passaram a se interessar pela cultura e pelas relações culturais internacionais

vistas como a “quarta dimensão das relações internacionais”1. Por sua vez, a nova ordem

internacional tornou fundamental o estudo do papel das diversas identidades culturais nas

relações entre povos e Estados2, considerando o contexto histórico em que se enquadram e

os desdobramentos das políticas culturais empreendidas.

Em seu livro publicado em 1977, “A Sociedade Anárquica”, Hedley Bull ao definir

a sociedade internacional preconiza que ela é formada “quando um grupo de estados,

conscientes de certos valores e interesses comuns, forma uma sociedade, no sentido de se

considerarem ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e

participam de instituições comuns”3. Bull afirma que, embora haja diferenças entre os

hábitos de povos diversos, a observância a determinados valores comuns é suficiente para

o estabelecimento e continuidade de uma sociedade internacional. Neste tocante, podemos

dar destaque à importância atribuída por Bull à questão cultural no estudo das relações

internacionais. Ao analisar as perspectivas da sociedade internacional, o autor aponta para

o surgimento de uma “cultura cosmopolita”, da qual depende esta sociedade. É, portanto,

necessário que tal “cultura cosmopolita” abarque elementos provenientes das diversas

realidades culturais existentes para que possa assumir, definitivamente, um caráter

1
Philip H. Coombs apud LESSA, Mônica Leite. A Diplomacia Cultural Francesa e o Centenário da
Independência do Brasil. Revista da SBPH, n. 20, 2001, pp. 55-64.
2
HERZ, Mônica. A dimensão cultural das relações internacionais: proposta teórico-metodológica, in
Contexto Internacional nº 6, Jul/Dez 1987, p.61.
3
BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/UnB/IPRI, 2002, p. 19.

8
universal.4 Segundo Williams Gonçalves, o destaque dado por Bull aos aspectos culturais

nas relações internacionais é reflexo da influência da experiência colonial inglesa sobre os

estudiosos britânicos das Relações Internacionais, experiência que propiciou amplo contato

com as práticas culturais do colonizado5.

Por sua vez, para Hans Morgenthau, o principal fundador da escola realista das

Relações Internacionais, sentencia:

O que nos propomos a designar como imperialismo cultural


constitui a mais sutil e mais bem -sucedida das políticas
imperialistas, se é que ela em algum momento conseguirá vencer
sozinha, sem o recurso às demais formas de atuação imperialista.
Ele objetiva não a conquista do território ou o domínio da vida
econômica, mas sim o controle das mentes dos homens, como
instrumento para alterar as relações de poder entre duas nações. Se
você possível imaginar os ganhos, em termos de cultura - e, mais
particularmente, da ideologia política, incluindo todos os seus
objetivos imperialistas concretos -, que o Estado A conseguiria
alcançar, se pudesse conquistar as mentes de todos os cidadãos que
determinam as políticas do Estado B, poderíamos dizer que o
Estado A teria obtido uma vitória mais completa - e teria
estabelecido a sua supremacia em bases mais estáveis - do que
poderia ter feito qualquer conquistador militar ou senhor
econômico. Assim agindo, o Estado A não teria necessidade de
ameaçar ou empregar força militar nem de valer-se de pressões
econômicas para alcançar seus objetivos. Para tal fim, a docilidade
do Estado B à sua vontade já teria sido conquistada pacificamente,

4
Id. Ibid, p. 355. Há também referências ao surgimento de uma “cultura cosmopolita” de traços suaves, que
não sobreporiam as “culturas nacionais” em SMITH, Anthony D. Para uma cultura global?, in
FEATHERSTONE, Mike (org). Cultura Global: nacionalismo, globalização e modernidade. Petrópolis:
Vozes, 1999, pp. 190-202.
5
Cf. GONÇALVES, Williams. A Sociedade Anárquica, Prefácio à edição brasileira, pp. XV-XVIII.

9
mediante o poder persuasório de uma cultura superior e de uma
filosofia política mais sedutora.6

Por outro lado, as práticas culturais que caracterizam determinado grupo

encontram-se territorialmente localizadas, dispondo de uma espécie de “centro de partida”,

mas a movimentação inerente à dinâmica dos processos humanos de interação enseja a

difusão cultural. Assim, leva-se a outras paragens as práticas culturais que outrora

pertenciam especificamente a aquele grupo, processo esse que comporta, habitualmente,

uma tradição “dominante” e uma “subdominante”.7 Néstor Canclini destaca que o

imaginário do “cultural”, hoje, não representa apenas as relações sociais que se dão num

determinado local, mas também, e principalmente, o modo como transcorrem as relações

interculturais, ou seja, os vínculos que se estabelecem com realidades culturais externas.8

A diplomacia cultural9 será o meio através do qual o Estado oficialmente agirá,

participando ou conduzindo, através da concepção e execução de uma política cultural

externa, neste processo de circulação de bens e práticas culturais para além das fronteiras

nacionais. Dentro do escopo das “relações pacíficas”10, esta modalidade diplomática

deverá servir, prioritariamente, à política externa do país, já que dependerá desta

conjugação sua própria sobrevivência.11 Por sua vez, defendendo uma “sociologia histórica

das relações internacionais”, Raymond Aron observa que a política de potência entre

países amigos é limitada à persuasão; o fator cultural é utilizado freqüentemente como, por

6
MORGENTHAU, Hans J. A Política entre as Nações. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/UnB/IPRI,
2003, pp. 124-5.
7
Cf. ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1998, p. 74.
8
Cf. CANCLINI, Néstor Garcia. A Globalização Imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003, p. 57.
9
Entendemos diplomacia cultural como “ações culturais de inspiração estatal (...) que ao fim e ao cabo
beneficiarão o país de origem”. Cf. LESSA. Mônica Leite. Relações culturais internacionais. In: Olhares
sobre o político: novos ângulos, novas perspectivas. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2002, p. 8.
10
DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo Império Perecerá. Brasília: UnB , 2000, p. 271.
11
RIBEIRO, Edgard Telles. Diplomacia cultural: seu papel na política externa brasileira. Brasília: Funag,
1989, p. 25.

10
exemplo, no caso da França, meio de potência. Os grandes atores dessa política são os

diplomatas e os intelectuais – os “soldados do tempo da paz”. Os primeiros, afirma Aron,

procuram sempre recrutar aliados ou reduzir o número de inimigos; os segundos são os

construtores das ligações mais profundas, animados pela defesa da grandeza e da glória

francesa12.

No Brasil, o Ministério das Relações Exteriores, também conhecido como

Itamaraty, nome do palecete que originalmente abrigou o Ministério no Rio de Janeiro até

sua mudança para Brasília, perde sua primazia na difusão da cultura brasileira no exterior

durante o Estado Novo. Tal realidade é explicada pela criação de órgãos com o

Departamento Oficial de Propaganda e o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural,

todos substituídos, em 1939, pelo célebre Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)

cujas funções, entre outras, era assegurar a propaganda cultural brasileira no exterior, até

então seara do Ministério das Relações Exteriores.

Menos de um ano após o ocaso do Estado Novo, em abril de 1946, a Divisão de

Cooperação Intelectual do Itamaraty foi substituída pela Divisão Cultural, marcando um

momento de mudanças nas questões relativas à política cultural brasileira para o exterior.

Após o retorno do Brasil à ordem democrática, as questões decisórias concernentes à

política cultural externa serão, em grande parte, reintegradas à agenda do Itamaraty que

volta a gozar de sua histórica autonomia. Tal deve ser destacado porque durante o período

do Estado Novo, a política externa brasileira esteve sob a constante observação e influência

direta de Getúlio Vargas, que a entendia como fruto de suas formulações particulares.

Assim como as outras áreas políticas que desempenhavam papel vital para a manutenção

12
Raymond Aron apud Mônica Leite Lessa e Hugo Suppo. Relaciones Internacionales: entre la teoria y la
práctica IN Ciclos en la Historia, la Economia y la Sociedad. Buenos Aires: FCE da Universidade de Buenos
Aires, vol. XIV, Nº 28, 2º semestre, 2004, pp. 155-174.

11
do regime estabelecido, a política externa fazia parte das preocupações objetivas do

presidente, que, ao contrário de seus antecessores na então recente trajetória republicana

brasileira, permitia-se interferir diretamente na sua condução, desempenhando a

diplomacia presidencial.13

Com o fim do regime e da guerra, o Itamaraty recobra a posição de destaque na

condução desta política, ainda que sempre haja coordenação com as diretrizes da

presidência. Determinados meios anteriormente utilizados para se conduzir uma política

cultural externa não se aplicarão mais devido à mudança de paradigmas e objetivos. No

caso particular do Brasil, as alterações profundas no que diz respeito à condução do

Estado, irão ocasionar uma nova diretriz institucional na condução dos assuntos culturais.

A funcionalidade da política cultural externa irá sofrer alterações, embora uma parte

considerável de seus princípios norteadores permaneça. Tais princípios (defesa da união

latina e da comunidade luso-brasileira14, entre outros) haviam sido formulados sob os

auspícios de Gilberto Freyre que através de Gustavo Capanema, Ministro da Educação, e

do próprio Vargas, revelou-se um colaborador fundamental do Estado Novo para assuntos

culturais.15 A maioria dos acordos culturais assinados pelo Brasil data do período do

Estado Novo; sua manutenção, num segundo momento, dá-se sobre a base das mesmas

determinações que os forjaram, ainda que a ação possa acontecer de modo diferente. A

antiga Divisão de Cooperação Intelectual (DCI), Divisão Cultural a partir de abril de 1946,

passa, durante o período 1945-1964, por uma série de modificações. Além das mudanças

havidas no Itamaraty como um todo, decorrentes das reformas administrativas e de planos

13
Cf. DANESE, Sérgio. Diplomacia Presidencial: História e Crítica. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, pp.
285-288.
14
Memorandum de Meira Penna ao Chefe do Departamento Político e Cultural. “Bolsas de Estudos do
Instituto de Cultura Hispânica”, 19/09/1957. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 1956-57, 135.5.16,
AHI, Rio de Janeiro.
15
SUPPO, Hugo Rogélio. Gilberto Freyre e a imagem do Brasil no mundo. Cena Internacional, Ano 5, Nº 2,
Dez/2003, pp. 42-43.

12
de cargos e carreiras, as inconstâncias da DCl foram responsáveis por diversos entraves à

condução das ações culturais que caracterizariam, no plano objetivo, a política cultural. Há

um intenso e constante debate em relação às linhas de ação que devem ser empreendidas

para que se dê vazão, no campo objetivo, à política cultural concebida. Se, por um lado,

essa discussão é especialmente positiva, por gerar diagnósticos precisos da questão e

manter na ordem do dia a política cultural executada pelo órgão, em muitos momentos ela

reverbera nos impasses que decorrem das numerosas mudanças de direção. A continuidade

das ações culturais será, em parte, prejudicada por esses impasses.

Ao escolher as questões concernentes à política cultural do Itamaraty no período

1945-1964 como objeto a ser analisado, tivemos como principal motivação a ausência de

trabalhos do gênero que tratem do tema no recorte temporal abordado, principalmente pela

perspectiva da difusão da cultura. A produção brasileira sobre Relações Culturais

Internacionais, ainda modesta, reflete as dificuldades que já encontramos ao procurar

referências no decorrer da pesquisa, mas gera interesse pela acuidade das abordagens. Em

“Tio Sam chega ao Brasil – A Penetração Cultural Americana”, Gerson Moura explana, de

modo clarividente, sobre como se deram as relações bilaterais Brasil-Estados Unidos desde

os anos que antecederam a II Guerra Mundial até o princípio da década de 60. Focados nas

relações culturais entre Brasil e Estados Unidos durante o entre-guerras e a Segunda

Guerra Mundial estão, também, os trabalhos de Antônio Pedro Tota e Letícia Pinheiro.

Devemos citar, também, o artigo intitulado “O estudo da dimensão cultural nas Relações

Internacionais: Contribuições Teóricas e metodológicas”, de Hugo Suppo e Mônica Leite

Lessa, que analisa as abordagens já realizadas sobre o tema e, reiterando a importância de

13
tais relações, indica caminhos para “reflexões teóricas e metodológicas para o estudo desta

problemática.”16

À guisa de comentário, não seria discrepante dizer que as pesquisas realizadas no

Brasil debruçaram-se de modo especial sobre as influências culturais sofridas, a

funcionalidade de instituições de pesquisa, cooperação e intercâmbio intelectual e a

presença de culturas alógenas na formação da própria identidade cultural brasileira.

Todavia, ao mesmo tempo em que essa realidade possa ter causado dificuldades à

pesquisa, findou por ter a função de estimular o seu desenvolvimento.

Não podemos desconsiderar, também, a recente publicação “O Itamaraty na Cultura

Brasileira”, onde figuram diversos ensaios sobre nomes fundamentais da cultura nacional

que, ao mesmo tempo, foram expoentes da diplomacia nacional ao longo dos séculos XIX

e XX. Pela trajetória de figuras relevantes, é dada uma amostragem dos pontos de contato

entre a diplomacia e a cultura brasileira:

Poucas instituições públicas – e não penso apenas no Brasil –


podem orgulhar-se em reunir nomes do quilate de Joaquim Nabuco,
Oliveira Lima, João Guimarães Rosa, João Cabral de Mello Neto e
José Guilherme Merquior [...]. Esses nomes não apenas
demonstram o nível de excelência da matéria-prima que constitui a
base da Diplomacia brasileira, como também ilustram a tradicional
vocação do Ministério das Relações Exteriores como pólo de
atração de talentos oriundos dos mais variados campos do saber, os

16
LESSA, Mônica Leite e SUPPO, Hugo Rogelio. O ESTUDO DA DIMENSÃO CULTURAL NAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS. Artigo publicado, traduzido para o espanhol,
na revista Ciclos, ano XIV, vol. XIV, nº28, 2004, pp. 155-174.

14
quais, em sua heterogênea unidade, constituem um mosaico vivo
que reflete a identidade brasileira.17

Celso Lafer reforça nossa idéia sobre uma capilaridade entre a produção pessoal,

intelectual e/ou artística dos diplomatas e as ações culturais empreendidas pelo Ministério

das Relações Exteriores.18 A obra, no entanto, não estabelece a influência desses

diplomatas na condução da política cultural do Ministério. De nossa parte, concluímos que

as tradições seletivas do Itamaraty se constituem, em grande parte, dessa vocação cultural

comum à grande parte do corpo diplomático brasileiro.

Este trabalho, que se inscreve no campo das Relações Culturais Internacionais, num

contexto em que o estudo de tais relações vêm sofrendo incremento, associa-se aos que

consideram como importante o papel da cultura no jogo político entre povos e Estados,

cujas diversas dimensões são, cada vez mais, objetos de estudo – imperialismo cultural,

propaganda e difusão cultural, hegemonia cultural, soft power etc. Tais dimensões são

fatores intrínsecos das relações internacionais, cuja compreensão e ampliação das

perspectivas de análise são partes inerentes à própria evolução desta área de estudo. Por

dedicar-se a análise do processo de formulação e execução de uma política cultural externa

por parte do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, num contexto em que o Estado

assumira, parcialmente, a incumbência de difundir a cultura nacional, o trabalho está,

também, atrelado à História Política. Segundo René Remond, um dos fatores que

contribuíram para se alçar, novamente, a História Política a uma posição de destaque, foi o

crescimento das responsabilidades do Estado no decorrer do século XX:

17
LAFER, Celso.O Itamaraty na Cultura Brasileira. Brasília: IRBr, 2002, p. 15.
18
Sob organização de Alberto da Costa e Silva, os mesmos textos sob o mesmo título foram publicados pela
editora Francisco Alves em 2001.

15
A medida que os poderes públicos eram levados a legislar,
regulamentar, subvencionar, controlar a produção, a construção de
moradias, a assistência social, a saúde pública, a difusão da cultura,
esses setores passaram, uns após os outros, para os domínios da
história política.19

A partir do excerto acima, podemos compreender o modo como o nosso objeto de

estudo se insere no escopo da História Política: a partir do momento em que o Estado passa

a abarcar, entre suas atribuições, a difusão cultural, tanto no plano interno como no

externo, esta se incorpora aos diversos elementos passíveis de abordagem, quando do

estudo dos processos históricos de caráter político. Além disso, Rémond destaca o caráter

pluridisciplinar da História Política, que se inter-relaciona com outras áreas do

conhecimento, tal como a Ciência Política, tomando-lhes em empréstimo métodos e

conceitos necessários às suas próprias formulações.20 Pelo viés da interdisciplinaridade e a

circulação de postulados que se faz necessária na realização de trabalhos que contemplem

dimensões diversas, embora harmônicas, da pesquisa científica, concluímos que nos serão

necessários conceitos de campos teóricos diversos: cultura, política e relações

internacionais constituíram os pilares sobre os quais construímos este texto. Além disso,

escreve Williams Gonçalves ao analisar a evolução da História das Relações

Internacionais, tal disciplina se constituiria do diálogo da Ciência Política, na qual a

disciplina Relações Internacionais está enraizada, com a História21. Antonio Gramsci

19
Cf. RÉMOND. René. Por uma História Política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/ Ed. FGV, 1996, p.24.
20
Id. Ibid., p.30.
21
GONÇALVES, Williams. Introdução à História das Relações Internacionais IN GONÇALVES e LESSA
(Org.) História das Relações Internacionais: Teoria e Processos. Rio de Janeiro: EdUerj. Texto no prelo,
gentilmente cedido pelo autor.

16
destaca a existência da política cultural em todos os governos22, que se concretiza através

do intervencionismo23 e da aplicação de recursos estatais nas áreas que sejam consideradas

mais importantes24, bem como a importância, no caso francês, dos intelectuais, ao

expressarem e representarem “explicitamente um compacto bloco nacional, do qual são

‘embaixadores culturais’”25.

Neste sentido, sobre a dimensão cultural das relações internacionais, Jean-Baptiste

Duroselle inclui, em Todo Império Perecerá, entre as “relações pacíficas” dos Estados, as

relações culturais. Estas são divididas pelo autor em duas categorias: as espontâneas e

aquelas que são fruto de uma política de Estado. As relações espontâneas, de caráter

essencialmente privado, surgem no âmbito do próprio destaque que determinada cultura

passa a ter, em função de fatores como o “poder e a riqueza de um país”. As relações ditas

de “política cultural” compreendem a negociação de acordos de cooperação, “viagens,

exposições, promoções de livros e filmes”, tendo como objetivo a “propaganda intelectual”

do país.26 Duroselle cita, também, os aparelhos pelo Estado adotados para os fins da

política cultural e o caráter “assimétrico” inerente a tais relações - a desigualdade essencial

entre os dois lados, agindo sempre um como uma espécie de emissor, e o outro, de

receptor. Como exemplo desse “aparelhamento” feito em função da política cultural, cita o

British Council, da Grã-Bretanha; Alliance Française, da França; Goethe Institut, da

Alemanha; Istituto Dante Alighieri, da Itália; e United States Information Agency, dos

Estados Unidos.27

22
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere – Volume 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p.
146.
23
Idem, Volume 4, p. 86.
24
Idem, loc. Cit. e Volume 3, p. 284.
25
Idem, p. 69.
26
DUROSELLE, Jean Baptiste. Op.cit., loc. Cit.
27
Idem.

17
Aos exemplos dados por Duroselle, podemos acrescentar, no plano brasileiro, a

partir do Estado Novo (1937-45), isto é, período que precede diretamente a delimitação de

tempo deste trabalho, a ação da Divisão de Cooperação Intelectual do Itamaraty, criada em

1937, e do DIP, em 1939, além do destacado papel desempenhado pelas Cátedras de

Estudos Brasileiros em universidades estrangeiras e dos Colégios Brasileiros, instituições

que tiveram grande importância na diplomacia cultural do Ministério das Relações

Exteriores brasileiro no período abordado.

O diplomata britânico J. M. Mitchell diferencia, em “International Cultural

Relations”, as relações culturais e as diplomacias culturais, definindo as respectivas

abrangências e finalidades. As relações culturais, numa acepção maior, podem ter vários

“usos”: como instrumento de paz, suporte da diplomacia convencional e veículo de

entendimento internacional. A diplomacia cultural, num sentido mais restrito, seria toda e

qualquer atividade cultural de origem estatal com a finalidade maior de trazer benefícios ao

Estado, em detrimento da mera troca de informações.28 A diplomacia cultural, portanto,

conta com eventos externos à sua área de ação direta para operar como instrumento

pacificador, esclarecendo estereótipos e alterando imagens negativas, e auxiliar a

diplomacia convencional, levando aos atores internacionais uma imagem favorável ao

país.29 Podemos concluir, portanto, que a preservação ou alteração da imagem do país

passa, necessariamente, pelas diversas dimensões da diplomacia, sendo as atividades

28
MITCHELL, J. M International Cultural Relations. Londres: Allen & Unwin, 1998, p. 5.
29
Id. Ibid., pp. 12-17.

18
definidas por Joseph Nye como da ordem do soft power30 – a atração de outros países pela

cultura ou os ideais políticos – objetos de importância destacada no mundo atual.31

Novas perspectivas de observação e análise são apresentadas no estudo do papel a

ser desempenhado pela cultura nas Relações Internacionais. No que diz respeito às

mentalidades coletivas e à identidade nacional, os postulados teóricos são aplicáveis, como

referência conceitual, a um campo vasto de temas de pesquisa histórica, dando conta não

só do modo como são conduzidas as relações entre povos e Estados, como também das

determinantes históricas que condicionaram tais relações a terem determinada origem e

desdobramento, através do estudo da formação da identidade coletiva da nação, da

influência do caráter individual do homem de Estado na condução do processo político e

da força motriz representada pelas mentalidades coletivas.

Em La Politique Étrangère, Marcel Merle discorre sobre o fim da barreira que

separava os fatores políticos internos do Estado dos fatores externos, e das possíveis

explicações para o fim desta barreira. A primeira delas, que defende a primazia dos fatores

internos sobre os externos, é apresentada como uma hipótese que dispõe de dois

mecanismos de explicação distintos: um de veio idealista, que faz referência às questões de

caracterologia e identidade nacional; e outro de veio materialista, inspirado na Realpolitik,

segundo o qual o interesse nacional é o fim principal das ações de cada Estado.

Ao examinar as explicações de ordem idealista, Merle cita os estereótipos utilizados

para designar os estrangeiros, assim como as questões concernentes à formação de um

caráter comum das nações: os artifícios utilizados pelos governos das coletividades

30
Expressão criada nos anos 80 por Joseph Nye para definir a capacidade que determinados países
desenvolvem de atraírem e persuadirem outros.
31
NYE, Jr., Joseph S. Soft Power: the means to success in world politics, New York: PublicAffairs, 2004,
Introdução.

19
políticas para promover um consenso histórico onde toda a população encontre uma

identidade comum, através dos “pais fundadores” ou da apropriação de um passado

longínquo, para justificar a unidade nacional e também determinados movimentos a serem

empreendidos pela nação no cenário internacional. O autor cita também os Estados que, a

partir das definições de seu caráter nacional, chegam a se auto-rogar uma determinada

vocação messiânica a cumprir no mundo. O choque entre esses messianismos gera

conflitos das mais diversas intensidades.

Explicando a matriz materialista da visão do primado da política externa sobre a

interna, Merle explica que o chamado interesse nacional é antes um fator subjetivo do que

uma característica objetiva, posto que não prescinde dos juízos de valor do formulador das

políticas. O interesse nacional é, portanto, necessariamente subjetivo. Merle considera os

postulados dos marxistas os mais coerentes, por levarem em conta, de modo objetivo, a

influência dos fatores internos sobre a política externa. Porém, não deixa de constatar que,

na prática, a inexistência de luta de classes nos países socialistas não os impede de

alimentar ambições imperialistas, ou seja, não os exime de incorporar elementos da

Realpolitik à sua forma de agir no plano internacional.

Por fim, o autor aponta a existência de uma grande interação entre os campos

interno e externo, onde elementos diversos, precipuamente consubstanciados, devem ser

decompostos e compreendidos em sua significação essencial para o processo. A leitura de

Merle deixa evidente a importância destacada dos fatores pertencentes ao escopo cultural

na interação entre política interna e externa. O espaço dedicado a tais fatores – caráter

20
nacional, identidade nacional, messianismo das nações, formação do arcabouço de

memórias dos Estados constituídos – evidencia essa tendência.32

As discussões relativas ao caráter nacional e às mentalidades coletivas incluem, em

parte considerável das vezes, a dimensão preconizada por Renouvin e Duroselle na

“Introdução à História das Relações Internacionais”: “Estudar as relações internacionais

sem levar em alta linha de conta concepções pessoais, métodos, relações sentimentais do

homem de Estado, é negligenciar um fator importante, às vezes essencial.”33 O estudo da

relação do homem de Estado com as “forças profundas”34 que sobre ele exercem influência

ou que sofrem sua intervenção são fundamentais para a compreensão da dinâmica das

relações internacionais.35

Devemos ter em mente, portanto, a própria formação cultural do diplomata como

fator de considerável relevância na condução da política cultural externa. Se, no caso

brasileiro, o corpo diplomático é tradicionalmente composto por membros de uma elite

intelectual que repousa no interior de uma elite econômica, e sendo a produção artístico-

cultural passível de juízos de valor, os parâmetros de decisão, no que tange às políticas

culturais, são necessariamente influenciados por essas posturas pessoais, que nem sempre

traduzem de modo preciso as aspirações e sentimentos da população em geral. O homem

de Estado, seja ele o presidente da República ou o diplomata, faz a interface entre a

chamada identidade nacional e o mundo externo, imprimindo à imagem do país no exterior

sua própria idéia de identidade nacional, construída através do conjunto de experiências

pessoais de que dispõe.

32
Cf. MERLE, Marcel. La Politique Étrangère. Paris: Universitaires de France, 1984, Quatrième Partie, pp.
149 a 166.
33
RENOUVIN, Pierre & DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à História das Relações Internacionais.
São Paulo: DIFEL, 1967, Introdução, p. 6.
34
Idem.
35
Idem.

21
No que dirá respeito, especificamente, à cultura e às atividades do Itamaraty neste

campo, trabalharemos com o conceito de política cultural externa. A definição é dada por

Mônica Leite Lessa:

Por política cultural externa compreende-se o conjunto de ações


planejado para, em longo prazo, amparar e/ou fomentar a difusão e
venda de produtos culturais no exterior. (...) A política cultural visa
igualmente estabelecer cooperações técnicas e científicas. (...) A
política cultural não se realiza sem a autorização, o acordo, o apoio
(político e/ou econômico) do Estado, quando não é francamente
planificada, dirigida e subvencionada pelo mesmo.36

Esta difusão da cultura de um determinado país teria funções diversas: suas ações

seriam importantes em si mesmas, e também como suporte para outras áreas a serem

desenvolvidas no campo da política externa, como, por exemplo, o comércio exterior.37

A exposição do conceito de política cultural externa nos leva à necessidade de

esclarecer a relação entre a política cultural empreendida pelo Itamaraty e as diretrizes de

política externa dos governos no período. Embora o Itamaraty tenha, historicamente, uma

considerável autonomia, lograda a partir do entendimento de que a política externa é uma

política de Estado e não de governo, o Ministério deve trabalhar em coordenação com o

governo, que estabelece as linhas gerais da inserção brasileira no cenário mundial. Além

disso, o ordenamento jurídico brasileiro, no que tange às relações internacionais do país,

estabelece uma série de liames entre as ações do Itamaraty, o Legislativo e o Executivo,

36
LESSA, Mônica Leite, op. cit., pp. 11-25.
37
Idem.

22
que irão, em penúltima e última instância, respectivamente, aprovar ou desaprovar tratados

internacionais, inclusive os Acordos e Convênios Culturais.

Quando do início da pesquisa das fontes documentais, nosso principal

questionamento acerca da funcionalidade do Ministério das Relações Exteriores brasileiro

no tocante à difusão cultural, no período democrático que se seguiu do fim do Estado Novo

ao Golpe de 64, era justamente a existência de uma política cultural definida, com

objetivos e diretrizes próprias. A análise de jornais e revistas, feita anteriormente, indicava

pistas no sentido de que o Itamaraty, no decorrer do período abordado, apoiou diversas

iniciativas, sem que elas unidas constituíssem, objetivamente, uma política cultural.

Por exemplo, na publicação “Diplomacia Política e Finanças”, Marcílio Marques

Moreira define a participação do Itamaraty no concerto de Bossa Nova no Carnegie Hall

em novembro de 62 como parte da política cultural que o órgão adotaria até 1964, ano de

instauração do regime militar. Em sua análise,

O que se fez com a Bossa Nova em 1962 foi um break-through,


porque até hoje você entra numa loja de CDs em Manhattan, na
Califórnia ou em Chicago, vê lá os ethnics, e o Brasil está cheio de
títulos, enquanto a França ou a Itália tem menos cobertura. Você
entra naqueles elevadores, e a música é “Girl from Ipanema”. Eles
absorveram. A música - e em especial a Bossa Nova - é certamente
a expressão cultural brasileira mais difundida no mundo. E houve
essa iniciativa do governo. É difícil, depois, dizer qual é a causa e
qual é o efeito. Teria acontecido espontaneamente? Talvez. Mas,
houve realmente uma política cultural38.

38
MOREIRA apud Correa. Jornal do Brasil,10/10/2001.

23
A assertiva de Moreira findou por se confirmar a partir da pesquisa dos

memorandos da DCl do Itamaraty, onde se confirma a existência de uma política cultural

sistemática e organizada, principalmente no tocante ao intercâmbio de estudantes e

intelectuais, assim como determinadas linhas mestras e princípios que guiariam esta ação

cultural: “(...) comunidade luso-brasileira, união latina, comunidade ocidental (...)”.39 Toda

e qualquer ação que contrariasse qualquer uma dessas premissas deveria, portanto, ser

evitada.

Após o início da consulta às fontes oficiais, outras perspectivas relativas ao período

surgiram. A formação intelectual do diplomata brasileiro, por exemplo, assume as feições

particulares dos chefes e dos diplomatas lotados na DCl no período 1945-64. As

preferências individuais tiveram considerável relevância na condução das ações culturais,

ainda que tais ações não se tenham desatrelado das linhas mestras da política cultural.

Todavia, essas mudanças nem sempre foram sutis, e certos impasses ocorreram em função

da alternância de diplomatas no cargo.40 Se até mesmo nas áreas econômica e comercial o

estilo pessoal do gestor é facilmente observável, na DCl essa impressão particular não

poderia aparecer de modo menos contundente, dado o caráter subjetivo da matéria em

questão.

Como vimos, segundo Jean-Baptiste Duroselle, as Relações Culturais

Internacionais podem ser tanto espontâneas quanto políticas; tal divisão, no entanto, não

39
Memorandum de Meira Penna ao Chefe do Departamento Político e Cultural. “Bolsas de Estudos do
Instituto de Cultura Hispânica”, 19/09/1957. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 1956-57, 135.5.16,
AHI, Rio de Janeiro.
40
Edgard Telles Ribeiro observa que “a freqüente mudança nas chefias dos setores culturais na Secretaria de
Estado e nos postos [é] um fato que não impede, mas dificulta dar continuidade aos projetos”. RIBEIRO,
Edgard Telles. Op.cit., p. 70.

24
impede que haja intercâmbio entre as duas modalidades. O Estado, ocupando posição

central nas Relações Internacionais41, detém os principais meios para difundir ou apoiar a

difusão cultural. No caso brasileiro, há uma constante solicitação de apoio do Itamaraty

pelos agentes culturais que pretendem realizar atividades no exterior. Essa participação do

Estado se dá em diferentes graus de envolvimento, que vão desde a simples doação de

passagens aéreas até o empenho oficial de diplomatas em determinados eventos. A forma

como esse empenho ocorria, todavia, gerava contradições e discussão sobre

responsabilidades, como ficou publicamente notório, através dos canais da grande

imprensa brasileira. Isso é claro no caso específico do concerto de Bossa Nova no Carnegie

Hall de Nova Iorque, em 1962.42

As principais hipóteses desenvolvidas ao longo de nossa pesquisa foram provar a

efetiva existência de uma política cultural no Itamaraty, entre 1945 e 1964 e demonstrar

como esta política manteve suas linhas gerais de ação não obstante os impasses e

alternâncias inerentes ao processo administrativo no âmbito da iniciativa pública. A

despeito das dificuldades encontradas, acreditamos ter enfrentado os desafios e

comprovado a justeza dessas hipóteses.

No primeiro capítulo, contemplamos os antecedentes de difusão cultural do

Itamaraty, perpassando pela ação do Barão do Rio Branco à frente do ministério, que,

como alguns autores assinalaram, dá continuidade a uma tradição iniciada por João VI e

Pedro II, e que, por sua vez, é incorporada pelo Barão à prática diplomática brasileira. Em

seguida, analisamos o câmbio do conceito de cultura nacional prenunciado nos anos 20

pela excursão do grupo musical Oito Batutas à Paris, em 1922, para entendermos as

41
RENOUVIN, Pierre & DUROSELLE, Jean-Baptiste. op.cit,, p. 5.
42
Na matéria Itamaraty: Bossa Nova não fracassou, publicada no jornal Última Hora em 29/11/1962, é
publicada a nota oficial divulgada pelo Itamaraty, eximindo-se da responsabilidade direta sobre os fatos
relativos à organização do concerto. A nota encontra-se transcrita no Capítulo III deste trabalho.

25
mudanças nos anos 30, quando a cultura nacional passa a ser um assunto de Estado. No

Brasil do Estado Novo, abordamos a importância de Gilberto Freyre na concepção dos

princípios formuladores de uma política cultural externa brasileira moderna, estimulada e

promovida pelo então ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema.

Esquadrinhamos, também, a atividade de propaganda cultural que adviria, com linhas de

ação melhor definidas, a partir da instauração do Estado Novo, em 1938, através do DIP e

do Itamaraty.

O segundo capítulo se inicia com a abordagem da cultura e da política no Brasil

após o ocaso do Estado Novo. Em seguida, analisamos o modo como a política cultural

externa foi levada à prática, a partir de ações culturais, no período que se inicia em 1946 e

se estende até 1960, último ano de Juscelino Kubitschek à frente da Presidência da

República. Encerramos o capítulo analisando o contexto cultural brasileiro no período, a

partir das atividades do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e do CPC (Centro

Popular de Cultura), e suas conseqüências sobre a interação entre a produção cultural e a

difusão da cultura brasileira feita a partir das diretrizes de política cultural do Itamaraty.

A implementação da Política Externa Independente e seu impacto na política

cultural do Itamaraty é o tema central do terceiro e último capítulo. Privilegiamos duas

expressões da cultura brasileira: a música popular, já que o ano de 1962 foi marcado, no

que tange à política cultural externa, por um dos eventos de maior destaque na trajetória

das relações culturais no âmbito do Itamaraty – o concerto de Bossa Nova no Carnegie

Hall de Nova Iorque – e o Cinema Novo, que foi objeto de largo interesse, por parte da

Divisão de Difusão Cultural (DDC), durante a primeira metade de década de 1960.

26
A arquitetura desta dissertação destaca a evolução da política cultural externa

brasileira, evidentemente sincronizada com as mudanças provocadas mundialmente pelo

avanço do capitalismo sobre os bens simbólicos, como analisaram Adorno e Horkheimer.

Neste contexto, o surgimento da indústria cultural torna a arte um “tipo de mercadoria,


43
preparado, inserido, assimilado à produção industrial, adquirível e fungível (...)” . As

metamorfoses pelas quais a idéia de cultura nacional passará, a partir da mesclagem de

expressões culturais populares com a cultura erudita, irão encontrar nos meios de

comunicação de massa, como o cinema e o rádio, canais de difusão; tal realidade se

coaduna com o processo de transformação da cultura em commodity44, isto é, sua

capacidade de comercialização, e com a associação entre cultura e propaganda, típicos da

indústria cultural45. Subseqüentemente, a diplomacia brasileira se utilizará deste processo

para dar continuidade à tradição de difusão da cultura brasileira no exterior.

As fontes primárias consultadas nesta pesquisa foram variadas e abundantes, mas

divididas em dois grandes grupos: as fontes oficiais e privadas. As primeiras foram

consultadas no Arquivo Histórico do Itamaraty em duas etapas. No Rio de Janeiro, foram

consultados os volumes de documentos referentes ao período 1945-1959. Esta foi a maior

etapa da pesquisa de fontes primárias, posto que os volumes a serem consultados são

numerosos, e o arquivo encontra-se aberto ao público apenas quatro dias por semana, seis

horas por dia. A segunda etapa, cumprida em Brasília, apesar de ter exigido deslocamento

do Rio de Janeiro, tornou-se mais célere em função de alguns motivos: os documentos a

serem pesquisados correspondem a um período consideravelmente mais curto (1960-1964),

e lá houve a facilidade de fotocopiar as páginas dos volumes que despertaram interesse

43
ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. O Iluminismo como mistificação das massas IN Indústria
Cultural e Sociedade. [Trad.]. São Paulo: Coleção Leitura, Paz e Terra, 2002, p. 61.
44
COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997, pp. 32-3.
45
ADORNO, Theodor. Op. cit., p. 66.

27
para a pesquisa, facilitando a organização do material e as consultas posteriores. A

pesquisa relativa às fontes privadas, recolhidas, principalmente, a partir de periódicos que

divulgaram notícias relativas a eventos em que houvesse apoio do Itamaraty e que tenham

publicado entrevistas, declarações e artigos sobre temas relativos à política cultural

externa, foi realizada, em sua quase totalidade, na Biblioteca Nacional. Diversos sites da

Internet ofereceram artigos, dissertações, teses e periódicos, cujo acesso por meio digital

foi de fundamental importância para a conclusão da pesquisa.

28
CAPÍTULO I

TRADIÇÕES SELETIVAS: 1902-1945

1.1. Um Barão no Palácio Itamaraty

Apesar da juventude da diplomacia brasileira, se comparada a de certos países, os

especialistas concordam que esta é uma dimensão da Política de Estado do Brasil que há

muito já possui suas tradições. Historicamente conhecida por sua autonomia, ela sempre

teve nas relações culturais um importante paradigma de desenvolvimento de suas ações no

plano internacional. A preocupação com a construção de uma imagem positiva do país

através de sua cultura é constante não só no período posterior à institucionalização dessas

relações no âmbito do Itamaraty, a partir de 193446, como também em diversos momentos

precedentes, constituindo um dos pilares sobre os quais se sustenta a política externa.

Analisar, pois, a ação cultural do Brasil no exterior como um conjunto de movimentos que

não correspondem a uma lógica específica, dando-se ao sabor das oportunidades e

solicitações internacionais, como uma “pequena ferramenta de trabalho”47 a ser utilizada

de modo pontual, sem que haja princípios norteadores que a forjem ou prospecção de

interesses a longo prazo, não corresponderia à realidade histórica que se apresenta.

A tradição de ações relativas à cultura constrói-se progressivamente a partir da

instalação da Família Real no Rio de Janeiro, que enseja a vinda ao Brasil, a convite do rei

Dom João VI, da Missão Artística Francesa, em 1816. Posteriormente, a apresentação

46
Desde então, já existia um departamento no Itamaraty responsável pelas relações do gênero. A Divisão de
Cooperação Intelectual seria criada em 1937, ano do início do Estado Novo; após o retorno à ordem
democrática, passaria a se chamar Divisão Cultural.
47
RIBEIRO, Edgard Telles. Op. Cit., p. 35.

29
brasileira nas Exposições Universais, na segunda metade do século XIX, também

corresponderá a esses fins, assim como a especial dedicação do imperador Pedro II em

chamar ao Brasil especialistas europeus com a finalidade de instalar colégios que

pudessem servir às classes abastadas, convidar cientistas para criar faculdades e, no campo

artístico, trazer espetáculos, assim como divulgar a imagem do Brasil no exterior.48

Patrono da diplomacia brasileira, o Barão do Rio Branco é também reconhecido

como o Ministro que melhor compreendeu e praticou a diplomacia cultural em seu tempo.

Durante o período em que esteve à frente do Itamaraty, de 1902 até 1912, a irradiação da

cultura brasileira e, principalmente, o empenho constante em criar e conservar a mais

positiva imagem do Brasil, transcendendo, inclusive, os limites do Itamaraty, com projetos

para o campo interno, eram preocupações suas:

[J]á que a idéia de Brasil do chanceler era uma cosa mentale, uma
concepção idealizada para melhor permitir sua acolhida e recepção
pelo mundo exterior mas em muitos pontos destoantes da realidade,
não bastava vender aos estrangeiros a imagem criada. Era
igualmente preciso criá-la na realidade, transformando a própria
realidade, a fim de aproximá-la da imagem abstrata, do seu modelo
ideal.49

Fortemente influenciado pelos paradigmas culturais europeus, como era peculiar a

seu tempo, Rio Branco atinou cedo para a importância que a constituição de uma imagem

apropriada do Brasil poderia representar para sua política externa. Tal imagem cultivada

por Rio Branco deveria estar representada, primeiramente, pelo corpo diplomático – seu

portador perante o mundo. Extrapolando, todavia, os limites da construção de uma


48
LESSA, Mônica Leite. A Política Cultural Brasileira e a Sociedade das Nações. In: Anais da XXII
Reunião da SBPH. Curitiba: 2002, p. 89.
49
RICUPERO, Rubens. Rio Branco – o Brasil no mundo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000, p. 64.

30
impressão vazia, Rio Branco preconizava que mudanças reais deveriam ser levadas à ação,

com a finalidade de transformar a realidade brasileira, elevando-a à altura das

potencialidades do país. No momento em que a definição de fronteiras daria ao Brasil suas

feições definitivas, e que os próprios princípios que norteariam a política externa do país

estavam sendo delineados – respeito às leis internacionais, resolução pacífica de conflitos,

etc –, a identidade a ser impressa à imagem internacional do país era fundamental,

inclusive, para a asseveração da soberania. Neste intento, Rio Branco, além de ter

estimulado a instalação no Brasil de colégios que formassem as moças da elite, “pois deles

sairiam preparadas para a vida da sociedade e falando fluentemente seu francês,

senhorinhas capazes de se tornarem esposas e colaboradoras de homens públicos:

sobretudo diplomatas”50, promoveu a vinda ao Brasil de “intelectuais europeus eminentes,

artistas, médicos de renome”51, dando continuidade à “política da imagem do Brasil

iniciada no Segundo Império e internalizada na sua prática de diplomacia brasileira.”52 A

ausência, desde já, de um interlocutor no plano interno para discutir questões do âmbito da

política cultural, dá ao Itamaraty de Rio Branco uma posição privilegiada na construção do

que seriam os ideais de “valores superiormente nacionais”, bem como na difusão da cultura

brasileira no exterior53. Com isso, cria-se não só uma tradição de política cultural externa,

como também um status diferenciado do Itamaraty no seio da “sociedade brasileira”, por

simbolizar o Ministério um determinado ideal de país que deveria ser seguido e

construído.54

Gilberto Freyre faz diversas referências ao “gênio” de Rio Branco no que diz

respeito à propaganda do Brasil no exterior – “ao sentido exato da importância política da

50
FREYRE, Gilberto. Ordem e Progresso. Rio de Janeiro: Editora Record,. 2001, pp. 163-4.
51
Idem.
52
LESSA, Mônica Leite. Op. cit., p. 90.
53
RICUPERO, Rubens. Op. cit., loc, cit.
54
Idem.

31
publicidade” – principalmente ao criticar a postura da diplomacia brasileira de seu tempo

em relação à difusão cultural. Cita o empenho do Barão em divulgar e afirmar o Brasil

como um país de destaque e peso no cenário político e cultural internacional:

Aos jornais falta um Rio Branco que lhes comunique, como de uma
torre de comando donde se considerasse o Brasil como uma nova
força na política e na cultura do mundo - e não apenas da América -
o entusiasmo, o fervor, o interesse pelas atividades daqueles
brasileiros de inteligência ou de gênio que realizam no estrangeiro
obra de renovação de valores mundiais. Imagine-se o que Rio
Branco faria de um Villa-Lobos. Ou de um César Lattes. Ou de um
Portinari. Ou de um Vital Brasil. Ou de um Gilberto Amado. Ou de
um Osvaldo Aranha. Ou de um Oscar Niemeyer. Ou de um Cícero
Dias. Ou de um Anísio Teixeira.
No Brasil de hoje são valores quase desamparados pelo governo e
quase desprezados pela maioria dos jornais. E alguns deles quase
ignorados pelo grande público. 55

A figura do Barão é notória pelo que representou nos primeiros anos do século XX

para a credibilidade brasileira no cenário internacional, através de um modus operandi que

tinha como cerne a postura de igualdade perante as outras nações. Renegou uma possível

subserviência perante a pujança das potências de então56, e pôs à frente a cultura como um

dos elementos que deveriam conferir ao Brasil um peso cada vez maior no jogo

internacional. A afirmação do país perante as grandes nações européias, bem como diante

dos Estados fronteiriços, dependeria intrinsecamente da figura do diplomata, que

55
FREYRE, Gilberto. De Afrânio a Gilberto Amado. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 26/03/1949. Disponível na
Biblioteca Virtual Gilberto Freyre <http:/prossiga.fgf.org.>. Acesso em: Jun. 2005.
56
“É possível que, renunciando à igualdade de tratamento (...), alguns se resignem a assinar convenções, em
que sejam declarados e se confessem nações de terceira, quarta, ou quinta ordem. O Brasil não pode ser desse
numero.” Rio Branco em telegrama de instruções a Rui Barbosa, apud RICUPERO, Rubens. Op. cit., pp. 27.

32
personificaria valores e conceitos elevados identificados como nacionais.57 Daí a

preocupação de Rio Branco ao proceder à escolha desses diplomatas, assegurando “cercar-

se de homens não só inteligentes, cultos, e políticos como altos, belos e eugênicos(...)”58.

Esse cuidado ao escolher para a composição do corpo diplomático não só homens

intelectualmente privilegiados, como também fisicamente adequados aos padrões

cultivados à época, excluía, a não ser em casos em que a genialidade fosse inconteste, “os

feios, os franzinos, os cacogênicos”, além dos “brasileiros de cor.”59 Neste universo em

que as aparências parecem desempenhar papel importante, a ascensão, no Itamaraty, do

obeso Manuel de Oliveira Lima, é delongada por Rio Branco.60 Discordâncias quanto à

condução da diplomacia brasileira, a organização do serviço exterior e, no campo extra-

oficial, contendas no ambiente literário que os dois freqüentavam61, assumiriam feições de

oposição pessoal, criando entraves definitivos à carreira diplomática de Oliveira Lima, que

chegaria a escrever a Joaquim Nabuco que “O Rio Branco tem tido o talento e a fortuna de

contentar toda a gente: para mim somente reserva suas iras.”62

Por outro lado, escreveu Oliveira Lima sobre a postura de Rio Branco em relação

aos Estados Unidos, que nos primeiros anos do século XX se afigurava como uma nova

potência no cenário internacional: “[...] Para o Sr. Barão do Rio Branco (tenho razões para

supô-lo…), a amizade americana não deve significar a subalternação brasileira, isto é, a

abdicação da nossa personalidade internacional mediante a supressão, em homenagem aos

57
RICUPERO, Rubens. Op cit, pp. 63-64 e SILVA, Alberto da Costa. “Diplomacia e Cultura”, op.cit., p. 26.
58
FREYRE, Gilberto. Op. cit., loc. Cit..
59
Idem
60
Idem
61
Entre outros fatos, Oliveira Lima, 22 anos mais jovem que Rio Branco, é eleito para a Academia Brasileira
de Letras um ano antes deste.
62
Carta datada de Madri, 20.5.1903, Arquivo Joaquim Nabuco apud ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Barão
do Rio Branco e Oliveira Lima: vidas paralelas, itinerários divergentes. Disponível em <
http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/935BarOlivLimaSem22Ago.htm>. Acesso em Abr. 2006.

33
Estados Unidos, dos nossos juízos e preferências.”63. Oliveira Lima também concordava

com o empenho do Itamaraty na difusão da cultura brasileira no exterior, no sentido da

troca e da incorporação de elementos, e não da simples subserviência às práticas culturais

alheias. Por sua vez, Rio Branco reconheceria o empenho de Oliveira Lima ao realizar

conferências sobre nomes relevantes da história da cultura brasileira64, dando voto

favorável à moção de louvor da Academia Brasileira de Letras pela “propaganda do Brasil

intelectual na Europa”65. Oliveira Lima, ao praticar a diplomacia cultural com a tenção de

“não só divulgar o Brasil para o mundo, mas revelar o mundo ao Brasil”66, irá

[...] ressaltar dois aspectos do Brasil: por um lado o que dava à


Nação o caráter de originalidade e, por outro, o aspecto de
continuidade em relação às tradições européias. Assim, o Brasil
seria apresentado não só como “potência natural” (isto é, uma
Nação conhecida pela exuberância e o exotismo de sua natureza,
visão preponderante na Europa da época), mas também como um
integrante do mundo “civilizado”. Neste sentido, Oliveira Lima
celebrou as instituições, a intelligentsia e as artes brasileiras [...]67

As afinidades seletivas entre Rio Branco e Oliveira Lima se destacam portanto

nessa dupla convergência no que tange as relações Brasil-Estados Unidos e sobre o papel

da diplomacia cultural brasileira. Entre seus méritos enquanto diplomata, Oliveira Lima se

destacou ao criar cadeiras de Português em universidades européias, assim como em

introduzir, pela primeira vez, o idioma pátrio como língua falada em congressos

63
Citado por Barbosa Lima Sobrinho. Idem.
64
FREYRE, Gilberto. Oliveira Lima, Don Quixote gordo. Recife: Imprensa Universitária, 1968. Disponível
na Biblioteca Virtual Gilberto Freyre <http:/prossiga.fgf.org.>. Acesso em: Jun. 2005.
65
GOUVÊA apud ALMEIDA, Paulo Roberto de., Op. cit.
66
SOUZA, Melissa de Mello e. Brasil e Estados Unidos: a nação imaginada nas obras de Oliveira Lima e
Jackson Turner. Dissertação de Mestrado, PUC-Rio, 2003, p. 51. Disponível em
http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgi-
bin/PRG_0599.EXE/4054_1.PDF?NrOcoSis=8439&CdLinPrg=pt. Acesso em: Abr. 2006.
67
Idem.

34
científicos.68 A difusão da língua portuguesa, deve-se destacar, se tornaria um dos pontos

constantes da política cultural externa do Brasil desde então, sendo um dos aspectos a

merecerem destaque, por exemplo, nas atividades dos institutos internacionais que

futuramente seriam criados pelo Itamaraty.

Por sua vez, a trajetória pessoal de Oliveira Lima difere, em aspectos fundamentais,

das de seus contemporâneos no Itamaraty. Nos primeiros anos da República, a ascensão na

carrière ainda estava profundamente relacionada com as origens sociais dos diplomatas;

reproduziam-se, no âmbito da diplomacia, as relações que permeavam a sociedade

brasileira, tendo maiores chances de êxito os filhos das oligarquias rurais69. Segundo

Carlos Guilherme Mota, Oliveira Lima “nasce de família fora do alto patriciado

pernambucano, filho de arrendatária com comerciante, o que (...) diz muito, sobretudo de

sua visão de mundo e ... de suas dificuldades na carreira.”70 A própria visão de Brasil de

Oliveira Lima discrepa daquela cultivada por seus pares: o “sentimento de pertencimento a

uma cultura”71, que tinha em relação ao seu estado, Pernambuco, e ao Brasil, deram a seu

pensamento um aspecto diferente do usual no Itamaraty de então. A postura crítica em

relação a algumas práticas do meio diplomático nacional reflete a sua proximidade com os

elementos do que seria a cultura brasileira, embora tenha vivido por anos na Europa:

Dá-se … o caso … de um rebento de diplomatas, que em certos


casos ignora sua língua, seus compatriotas e os próprios costumes e
idéias de sua terra, gastar a vida pelas capitais do Velho Mundo –

68
Id. Ibid., p. 52.
69
As referências às questões da formação social do corpo diplomático brasileiro nos primeiros anos da
República estão presentes em grande parte dos artigos reunidos em O Itamaraty na Cultura Brasileira. Sobre
Oliveira Lima, escreve Carlos Guilherme Mota, neste livro, sob o título Oliveira Lima e Nossa Formação,
pp. 180 a 195. Outro aspecto mencionado pelo autor é a aparência de Oliveira Lima, considerada pelo próprio
seu "calcanhar de Achiles": “Sua maneira de ser, algo estabanada, a que um físico avantajado dava pouca
pompa e algum estardalhaço, deve ter pesado para o relativo insucesso na carreira, em que a aparência
contava muito mais que na atualidade.”
70
Id. Ibid, p. 185.
71
Id. Ibid., p. 186.

35
pois que as do Novo Mundo não merecem esses figurinos do
cosmopolitismo – sem nunca aprender a respirar no seu ambiente
moral [...]72

De fato, essa visão diversa da realidade institucional do Itamaraty estaria aliada a

uma perspectiva de construção da identidade nacional brasileira que embora levasse em

alta conta a herança européia, “no sentido das instituições e do conhecimento artístico e

intelectual humano”, não descartava a importância, para tal identidade, dos “elementos

locais, exclusivos ao solo brasileiro – a natureza e as raças indígena e negra”73. Essa

concepção iria exercer especial influência sobre Gilberto Freyre, que se considera um

“quase discípulo” de Oliveira Lima.74 Apesar de criticar a ação da diplomacia cultural

brasileira nas gerações que se sucederam, Freyre indica que a postura de Oliveira Lima

quanto a assuntos culturais irá entusiasmar jovens diplomatas a pensarem ainda mais

detidamente nessa dimensão da política externa do país, num momento em que a

prioridade do Itamaraty não mais se concentrava nas contendas fronteiriças, resolvidas em

sua quase totalidade pelo Barão do Rio Branco.

A tradição do cultural na política externa brasileira pode ser observada desde a

participação nas exposições universais de Paris (1867), Viena (1873) e Filadélfia (1876),

onde se pode divulgar as qualidades que atrairiam uma “imigração de elite”75, passando

pelos livros sobre o país, como a publicação Le Brésil, encomendada na ocasião da

Exposição Universal de Paris pelo imperador Pedro II ao Barão de Santa-Ana Nery76 e

72
LIMA, Oliveira, artigo “Reforma Diplomática, I”, 25 de agosto de 1903, Correio da Manhã, apud
ALMEIDA, Paulo Roberto de., op. cit. Loc. Cit.
73
SOUZA, Melissa de Mello e. op. cit., p. 54.
74
FREYRE, Gilberto. Op. cit, loc. Cit.
75
LESSA, Mônica Leite. Relações culturais internacionais. op. cit., p. 15.
76
Idem. Op. cit., p. 89

36
culminando na atividade de Rio Branco, que soube se utilizar habilmente, no sentido da

propaganda nacional, de “gênios” brasileiros como o aviador Santos Dumont, figura

prestigiada pela sociedade francesa, o médico Oswaldo Cruz, cujo trabalho pioneiro como

higienista na erradicação da febre amarela rendeu resultados efetivos, e Pereira Passos, o

prefeito que promoveu a remodelação urbana do Rio de Janeiro, conferindo-lhe a aparência

que a faria ser considerada a “Paris dos trópicos”.77 Tal dimensão continuará a ter peso

após a morte de Rio Branco, em 1912. É o caso de notar tal prosseguimento na Convenção

Modificativa do Tratado de 28 de julho de 1918, celebrado com o Uruguai, que versava

sobre a dívida deste país com o Brasil. Determina-se, em 1921, que parte da quantia devida

deveria ser depositada em fundo específico para o incremento do intercâmbio entre os dois

países, sendo os juros destinados ao patrocínio de uma Missão Cultural brasileira no

Uruguai, a ser realizada anualmente78.

Ao findar a Primeira Guerra Mundial, o Brasil estaria presente na Sociedade das

Nações, cuja Assembléia aprovará, em 1920, a criação de um órgão que daria conta da

dimensão cultural das relações internacionais. A CICI (Comissão Internacional de

Cooperação Intelectual) passa a existir, com essa finalidade, em 1926. Neste mesmo ano, o

Brasil sairá da Sociedade das Nações, da qual fizera parte desde 1919, mas continuará

atuando na CICI no decorrer das décadas de 20, 30 e 4079, dando continuidade à tradicional

ação no escopo da cultura, que assumirá, a partir da criação deste foro, um caráter de

oficialidade no âmbito das relações internacionais.80 Trata-se, pois, de exemplo elucidativo

77
FREYRE apud LESSA, Mônica Leite. Op. cit, p. 15.
78
Relatório Anual do Ministério das Relações Exteriores – 1949. Ministério das Relações Exteriores, Rio de
Janeiro, 1950, p. 106.
79
No plano interno, a Comissão Nacional de Cooperação Intelectual, criada em 1925, seria a interlocutora da
CICI. Com a criação da Unesco, em 1946, o IBECC desempenhará essa função.
80
LESSA, Mônica Leite. Op.cit., pp. 92-5.

37
do nível de seriedade com que o tema era visto, e da forma intrínseca como ele se

relacionava com outras searas da política externa.

A identidade cultural brasileira e o peso dos elementos que a formariam, discussão

presente na obra de Oliveira Lima e desenvolvida, mais tarde, por seu admirador Gilberto

Freyre, estarão presentes, nos anos 20, quando da polêmica gerada pela viagem, à França,

do conjunto musical Os Oito Batutas. A tournée de músicos negros gerou, na sociedade

brasileira, uma grande celeuma acerca da imagem internacional do Brasil. Tal discussão

perpassará não só a questão racial, num país em que a Abolição ainda era um processo

recente, mas também a legitimidade, do ponto de vista da expressão cultural nacional, da

música por eles levada à Europa.

1.2. Oito Batutas em Paris

Segundo Celso Lafer, os primeiros anos da diplomacia brasileira foram de

formação, tanto do ponto de vista do corpo diplomático quanto dos paradigmas culturais. O

trânsito dos diplomatas pelo mundo e a incorporação de elementos externos que fossem

edificantes para o país deveriam ser feitos de modo reflexivo:

Na representação simbólica, os valores e a cultura desempenham


um papel muito importante. Ela só pode ser bem exercida se for
permeada por uma visão do país, ou seja, por sua identidade. (...)
não é por acaso, como observa Alberto da Costa e Silva, que cabe
também ao diplomata ‘trazer para o seu país e nacionalizar o que de
novo se pensa, ensaia e pratica em outras partes do mundo’. Como
dizia o mexicano Octavio Paz – que também foi diplomata, e por
isso sabia o que é representar, sendo – o movimento dialógico da

38
diferença, para ser fecundo, não pode ser a repetição do repertório
do Outro. Tal repetição petrifica o diálogo, que, imobilizado, deixa
de ser crítico.”81

Reproduzir, pois, no plano interno exatamente o que se depreende das experiências

externas, não traria ganhos, mas sim o imobilismo decorrente da mimese pura e simples. A

“representação simbólica” da identidade cultural brasileira, tanto no plano interno quanto

na sua faceta externa, não poderia prescindir das características exclusivas do país. Elas

serão o diferencial que marcará a política cultural externa, tornando o país atraente aos

olhares estrangeiros. A percepção dessa dimensão irá se consolidar, paulatinamente, no

Itamaraty, a partir dos anos 20, como fruto da reavaliação da idéia de identidade cultural

brasileira que vinha se gestando no meio intelectual desde o século XIX, como vimos

anteriormente.

Os novos paradigmas culturais tiveram na Semana de Arte Moderna de 1922 sua

faceta mais visível; a ruptura com padrões artísticos anteriores, cujo modelo era a Europa,

na tentativa de se criar uma arte que tivesse características genuinamente brasileiras,

marcou a produção cultural apresentada no evento. Neste mesmo ano acontecem as

comemorações pelo centenário da Independência do Brasil, na forma de uma grande

exposição internacional no Rio de Janeiro, que cooptou a atenção dos corpos diplomáticos

de todo o mundo e foi utilizada pelo Itamaraty como palco para a propaganda nacional.

Vive-se, pois, não só uma fase de (re) discussão da cultura, como também de maior

exposição do país ao exterior. Para além da atuação do Itamaraty e do empenho pessoal

dos diplomatas, o trânsito de idéias, de pessoas e de arte entre o Brasil e a Europa,

81
LAFER, Celso. op. Cit., pp. 16-17.

39
notadamente a França, considerada pelas elites de então a capital cultural do mundo,

tornara-se significativo nas primeiras décadas do século XX.

Nesse sentido, é emblemática a participação do corpo diplomático francês na

divulgação da musica brasileira na França. Em 1917, o compositor francês Darius Milhaud

veio ao Brasil como integrante da comitiva do embaixador Paul Claudel, por sua vez um

importante escritor-dramaturgo de sua época, e aqui permaneceu por dois anos. De volta à

Paris, lançou a peça musical Le Boeuf sur le Toit, reunindo partes de diversos choros

brasileiros. O êxito foi tão grande que, em 1920, inaugura-se na cidade um café de mesmo

nome, onde as mais representativas figuras da vida cultural francesa de então podiam ouvir

os ritmos brasileiros em voga.82 Em 1922, o milionário Arnaldo Guinle, o bailarino Duque,

brasileiro radicado em Paris, e o diplomata Lauro Muller, sucessor de Rio Branco à frente

do Itamaraty entre 1912 e 1917, uniram esforços para levar o grupo musical os Oito

Batutas, liderado pelo compositor e instrumentista Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana

Junior – 1897-1973), à Paris. Durante seis meses, Les Batutas, como ficaram conhecidos

na França, realizaram diversas apresentações, na esteira do sucesso que o choro e o maxixe

então faziam naquele país.

A recepção do público francês aos músicos brasileiros foi positiva, com a

publicação de matérias em jornais locais louvando o virtuosismo dos intérpretes, mas no

Brasil foram dissidentes as opiniões acerca da presença do conjunto no exterior. O

principal questionamento concentrava-se mais no fato dos músicos serem negros, o que

poderia depor contra a imagem do Brasil, do que propriamente nos estilos musicais que

interpretavam. Sérgio Cabral cita o cronista A. Fernandes, do Jornal de Pernambuco, que

lamenta o modo como o Brasil chamará atenção na França: “‘seja como for, o boulevard
82
Cf. OLIVEIRA, Arthur Loureiro de et al. 500 anos de música popular brasileira. Rio de Janeiro: MIS
Editorial, 2001, p. 59.

40
vai se ocupar de nós. Não do Brasil de Artur Napoleão, de Osvaldo Cruz, de Rui Barbosa,

de Oliveira Lima, não do Brasil expoente, do Brasil elite, mas do Brasil pernóstico,

negróide e ridículo [...]’”. Refere-se ainda a um artigo publicado no Jornal do Commercio

quando da divulgação da notícia da viagem dos músicos, onde o autor afirma que deveria

haver uma polícia que os “‘[...] fisgasse pelo cós e os retirasse de bordo com a manopla

rija, impedindo-lhes a partida no linear da Mala Real!”83 Preconceito semelhante sofreria,

em 1927, a Companhia Negra de Revistas, quando da tentativa de fazer uma tournée em

Buenos Aires. Formada por artistas negros, seguindo o modismo então em voga em Paris

de grupos teatrais do gênero, a companhia, liderada por De Chocolat, foi forçada a

abandonar a idéia da tournée pela pressão exercida pela SBAT (Sociedade Brasileira de

Autores Teatrais), que discordava da difusão internacional de tais práticas culturais

“incivilizadas” e procurou levar à prática o “veto”,utilizando-se de seus contatos com o

mundo político.84 Na imprensa, houve jornalistas que rogaram a intervenção do poder

público, mais especificamente do Ministério das Relações Exteriores, “para evitar essa

propaganda do nosso país e, logo onde, na República vizinha e amiga (...)”85

Voltando aos Oito Batutas, houve também quem defendesse a viagem dos artistas,

como Benjamim Costallat, que publica crônica na Gazeta de Notícias dizendo que eles

levarão à Paris músicas de caráter verdadeiramente brasileiro, como as modinhas, livres de

influências estrangeiras, carregadas do “‘ [...] perfume das nossas matas, o orgulho das

nossas florestas, a grandeza da nossa terra, a melancolia da nossa gente, a bondade e o

amor dos nossos corações, ditos e cantados pelo verso simples e a música sublime da alma

83
CABRAL, Sérgio. Pixinguinha: vida e obra. Rio de Janeiro: Lumiar, 1997, pp. 73-74. Os artigos foram
publicados nos referidos jornais em 1º de fevereiro de 1922.
84
BARROS, Orlando de. Corações de Chocolat. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2005, pp. 230-33.
85
“A Máscara”, a. 1, 08.07.1927, nº 12, p. 2., apud idem, p. 230.

41
popular...’”86 Curioso constatar que a crítica é feita em referência ao fato dos componentes

do grupo serem negros, enquanto a defesa exalta a pureza da música essencialmente

brasileira, num momento em que a sonoridade advinda das camadas populares,

notadamente a população negra urbana do Rio de Janeiro, começa a se mesclar de modo

indissociável a ritmos eruditos, processo que daria origem ao que hoje conhecemos como

música popular brasileira.

As mudanças na concepção da identidade cultural brasileira, que culminaram na

década de 20, se coadunarão com o surgimento da indústria cultural e a subseqüente

popularização de gêneros musicais eruditos, ora combinados a gêneros populares. Para tal

acontecimento, concorreu a chegada do rádio ao Brasil, ainda em 1922, como primeiro

meio de comunicação de massa, e o início das gravações elétricas, na segunda metade da

década, substituindo as gravações mecânicas e facilitando o acesso à música gravada

através do disco, no lugar dos precários cilindros de cera. A relação do público com a arte,

principalmente a música, irá se transformar radicalmente; no decorrer dos anos 30, a

vertente do samba que se produz nas estações de rádio ganhará status de música nacional.

A discussão em torno das conseqüências para a imagem do Brasil das apresentações

dos Oito Batutas na França tomou espaço significativo, num contexto em que a viagem

revestiu-se de caráter de missão oficial, dado o apoio do ex-chanceler Lauro Muller87, que

conhecera os músicos em apresentações no Rio de Janeiro. Fatos semelhantes seriam

recorrentes durante a trajetória das relações entre o Itamaraty e a cultura brasileira,

ratificando a impressão de que o gosto pessoal dos diplomatas tinha peso essencial no

86
Idem.
87
BASTOS, Rafael José Menezes de. Les Batutas, 1922: uma antropologia da noite parisiense. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, vol. 20, nº 58, São Paulo, Jun/2005. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092005005800009&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em:
Nov. 2005.

42
apoio às excursões de artistas ao exterior, ainda que tais viagens não contassem com

financiamento oficial.

Para além dessas constatações, no sentido da identidade brasileira, a excursão dos

Oito Batutas se inscreve num momento em que o modo de inserção das tradições culturais

negras na sociedade nacional entra num irreversível processo de mudança. A percepção de

que os valores ditos “civilizatórios” da Europa não poderiam ser inteiramente impostos à

realidade brasileira, à revelia das características próprias do país, vinha se construindo

desde a Abolição da escravidão. A necessidade de assimilação do negro como elemento

“dinâmico” da sociedade nacional levará à reavaliação, por parte da intelectualidade

nacional, de seu papel no tocante à própria formação da identidade cultural brasileira.88

Embora o racismo ainda fosse marcante no princípio dos anos 20, conseqüência direta de

séculos de escravidão, havia, por parte da intelligentsia, a perspectiva de que as expressões

culturais de raízes africanas, assim como as indígenas, não podiam ser olvidadas. Daí o

apoio e a campanha de parte considerável da imprensa e dos intelectuais à excursão dos

Oito Batutas, que então já provocavam reações de apoio ou repúdio ao se apresentar na

ante-sala do Palais – cinema da Avenida Central freqüentado pela elite carioca, inclusive

por diplomatas como Lauro Muller – interpretando choros, cateretês, maxixes e batuques.

Esses ritmos, é importante ressaltar, não eram de origem exclusivamente africana; também

traziam elementos da musicalidade indígena e européia, entrecruzados desde o Brasil-

colônia. A combinação desses elementos dava aos Oito Batutas o caráter de conjunto

representativo da música nacional – pelo menos aos olhos de Arnaldo Guinle e Lauro

Muller, que viam na excursão à Europa a possibilidade de levar ao estrangeiro uma

expressão cultural legitimamente brasileira, num momento em que Paris era o centro em

88
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 2.Ed. São Paulo: Brasiliense, 1986, pp. 19, 21 e
43.

43
que se consagravam os “gêneros musicais nacionais emblemáticos da América Latina” 89,

além do jazz norte-americano.

Do ponto de vista da política cultural externa, a adesão de Lauro Muller, ex-

Ministro das Relações Exteriores, à viagem dos Oito Batutas, é representativa da

continuidade da tradição da difusão cultural no âmbito do Itamaraty. Além disso, o apoio

dado nesta situação específica demonstra como a discussão da identidade continua

encontrando eco, quando não propriamente se desenvolvendo, nos quadros diplomáticos

brasileiros.

A breve ascensão do samba ao posto de símbolo nacional, no decorrer das décadas

de 20 e 30, iria corroborar a importância seminal dos Oito Batutas como síntese, na forma

e no conteúdo musical, de um processo que na passagem dos anos 10 para os 20, se

iniciava:

Este samba carioca que se nacionaliza é uma síntese cultural que


resulta de uma conjunção de vários gêneros musicais e influências
sociais. Contudo, sua projeção foi possibilitada pela atuação
decisiva dos músicos populares que souberam, astutamente, ocupar
os espaços abertos pela nascente cultura de massas.90

De fato, o advento do disco e do rádio no Brasil, no contexto da indústria cultural,

ajuda a popularizar o samba91, que antes mesmo de chegar a ser composto por músicos

brancos de classe média, como Noel Rosa e Ary Barroso, já começava a se difundir,

através das gravações, além dos morros, onde se confundia com rituais religiosos afro-
89
BASTOS, Rafael José Menezes de. Op. cit., loc. Cit.
90
REIS, Letícia Vidor de Sousa. Modernidade com mandinga: samba e política no Rio de Janeiro da
Primeira República. Disponível em: http://www.samba-choro.com.br/debates/1012493927/index_html>.
Acesso em Nov. 2005.
91
OLIVEIRA. Arthur Loureiro de et al. Op. cit., p. 80.

44
descendentes.92 A partir dos anos 30, o samba que se ouvirá no rádio gerará uma série de

sub-gêneros. Um deles, a Bossa Nova, contará, quando de sua incursão no cenário musical

internacional, com a acuidade de observação, o contato com os meios musicais e o espírito

vanguardista de membros do corpo diplomático brasileiro, em modo análogo ao que

acontecera aos Oito Batutas.

No plano da política cultural para o exterior, a viagem dos Oito Batutas à França

com apoio de uma certa elite que sem duvida contribuirá para a consolidação de uma nova

idéia de cultura, representa um momento de ruptura dos padrões de difusão cultural até

então estabelecidos, baseados na cultura erudita93. Esta ruptura inserirá a difusão num novo

contexto que começa a se impor a partir da gestação da indústria cultural no Brasil, embora

esse cenário só fosse se consolidar a partir dos anos 30, o que levou a excursão a sofrer

críticas por parte dos setores conservadores da sociedade. É essencial, pois, destacar o

papel do Itamaraty neste tocante: se a passagem de determinadas expressões culturais de

um nível “inferior” para um “superior” é questão de tempo94, a música popular, que em

breve passaria a gozar de um status elevado na cultura brasileira, já era então

pioneiramente vista por determinados diplomatas como expressão cultural cuja veiculação

no exterior, no sentido da difusão da cultura brasileira, serviria aos interesses maiores do

órgão. Assim, a música popular terá, a partir de então, lugar de destaque nas ações

culturais do Itamaraty. O precedente que se abre neste momento transforma-se,

verdadeiramente, num padrão, posto que na esteira dos Oito Batutas virão o apoio às

caravanas de artistas de rádio, o envio de discos de música popular brasileira para as

92
“Todos, absolutamente todos os patriarcas do samba, da Mangueira, da, Portela, do Prazer da Serrinha, da
Unidos da Tijuca e de outras escolas pioneiras, foram unânimes em afirmar: ‘samba e macumba era tudo a
mesma coisa’.” Id. Ibid., p. 79.
93
Utilizamos o termo “cultura erudita” no sentido empregado por Teixeira Coelho, isto é, como sinônimo de
“cultura de elite”. COELHO, Teixeira. Op. cit., p. 127.
94
COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural?. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 17.

45
representações diplomáticas no exterior e, destacadamente, a difusão da Bossa Nova nos

anos 60.

Há que se frisar, por último, que o advento da indústria cultural, a partir dos anos

30, cria um novo elemento que deve ser levado em conta, futuramente, pelos formuladores

da política cultural externa95: a cultura não é mais apenas um elemento simbólico para a

transmissão da melhor imagem do país no exterior, com vistas a ganhos gerais em outras

áreas políticas; ela passa a ser um produto em si mesma. Neste sentido, a música popular,

assim como o cinema, “são artes que trazem implícita a possibilidade de

comercialização”96. Com o processo de reificação da cultura97, em primeiro plano a música

popular se tornará a expressão artística privilegiada nas ações de política cultural externa

do Itamaraty, seguida, em segundo plano, pelo cinema. No final da década de 30, a ação

cultural externa do Estado Novo começará a delinear claramente esta modalidade de ação,

através da associação com o OCIAA e a produção de filmes, principalmente pelos estudos

Disney98, com personagens, histórias e trilhas sonoras evocando o Brasil.

95
A figura do formulador de política cultural, diplomata especializado que irá conceber uma política cultural
externa, surgirá na década de 50, já que só a partir de 1945 aparece a figura do attachée cultural nos meios
diplomáticos internacionais. Neste contexto, o Brasil não está aquém dos outros países; assim como no
exterior, a política cultural existe, mas gestada pelos diplomatas de modo menos esquemático, geralmente
com o apoio de artistas e intelectuais.
96
RIBEIRO, Edgard Telles. Op. cit., p. 74.
97
Transformação da cultura “em commodity, mercadoria com cotação individualizável e quantificável”.
COELHO, Teixeira. Op. cit., loc. Cit.
98
MESQUITA, Silvana de Queiroz Nery. A Política Cultural norte-americana no Brasil: o caso do OOCIAA
e o papel das Seleções Reader’s Digest 1940-1946. Dissertação de Mestrado, IFCH-PPGH-UERJ, 2002, p.
73-86. Disponível em www.dominiopublico.org.br. Acesso em Abr. 2006.

46
1.3. Propaganda e Cultura

Ao iniciar a abordagem da ação cultural brasileira no cenário internacional durante

o primeiro governo Vargas, não podemos olvidar a importância do Ministério da

Educação, então conduzido por Gustavo Capanema. Segundo Afonso Arinos, Capanema,

“como ministro da Cultura, foi Malraux antes de Malraux, (...) [e] sua obra é comparável à

de Rio Branco no Itamaraty”99. Assim como o Barão teve importância seminal na

formação da diplomacia brasileira, tanto no caráter institucional quanto nos princípios

fundamentais que a norteariam, o trabalho de Capanema no Ministério da Educação esteve

fortemente relacionado com a própria construção de uma identidade nacional através da

educação. Num panorama político onde ainda não havia sido criado o Ministério da

Cultura, muitas das atividades que, futuramente, viriam a estar sob sua esfera de

responsabilidade, acabavam por ser absorvidas pelo Ministério da Educação. Certa vez,

Capanema chegou a aventar, junto a Getúlio Vargas, a possibilidade de denominar sua

pasta “(...) cultura, pois o objetivo desta é justamente a valorização do homem, de maneira

integral.”100 De fato, Capanema esteve presente na formulação das políticas culturais a

serem empreendidas pelo governo desde o início da sua gestão à frente do recém-criado

Ministério da Educação, em 1934, até a queda do Estado Novo, em 1945. Num contexto

em que as relações entre cultura e Estado passam assumir dimensões mais íntimas, posto

que o primeiro período de Vargas como Chefe do Executivo é marcado, justamente, pela

crescente passagem das questões culturais para a esfera de interesse do Estado, Capanema

desempenhará papel fundamental. É sob sua influência e responsabilidade que a

99
Citado por Afonso Arinos, filho. BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro;
SCHWARTZMAN, Simon. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra/FGV, 2000, Prefácio, p. 15.
100
Idem.

47
“administração cultural”101 será conduzida. Neste processo, o contato constante de

Capanema com intelectuais e artistas foi importante:

Evidentemente, Capanema não fazia tudo sozinho. [...] ele


necessitava de quem executasse projetos, donde o seu esforço para
manter relações estreitas com a intelectualidade modernista e a
comunidade artística e literária, além de representantes de
associações civis, críticos, pensadores católicos e membros do
corpo diplomático do país e do estrangeiro. O ministro
freqüentemente consultava esses personagens, quando desejava
formular uma nova diretriz da política cultural federal.

Sobre a relação dos intelectuais com o Estado no período 1930-45, Miceli observou

que um dos pontos principais a se destacar é o modo como a cultura torna-se um

‘negócio oficial’, implicando um orçamento próprio, a criação de


uma ‘intelligentzia’ e a intervenção em todos os setores de
produção, difusão e conservação do trabalho intelectual e
artístico.102

Nos anos que sucederam a Revolução de 30 até a débâcle do Estado Novo, em

1945, a questão da cultura, no âmbito estatal, recebeu atenção e tratamento sem

precedentes. A presença da administração pública neste setor, personificada,

habitualmente, na figura de Gustavo Capanema, deu-se com o concurso de intelectuais e

101
WILLIAMS, Daryle. “Gustavo Capanema, ministro da Cultura”, in GOMES, Ângela de Castro (org.).
Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 257.
102
MICELI, Sérgio. Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979, p. 131.

48
artistas que, no decorrer do período, estiveram presentes na formulação e na condução da

política cultural:

No aconchego de Capanema, Carlos Drummond de Andrade, Villa-


Lobos, Mário de Andrade, Gilberto Freyre, Candido Portinari,
Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e tantos outros deram a sua
contribuição para a projeção do Estado como organizador da
cultura. Terminados os governos de Vargas, a cultura tinha outro
estatuto. Arquitetura, patrimônio histórico, música, cinema – todos
foram afetados no seu perfil a partir de uma nova relação com a
sociedade. 103

Esses intelectuais estarão presentes na criação do Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (SPHAN), na educação musical dentro do programa do ensino público

e, no caso de Gilberto Freyre, no suporte à política cultural voltada para o exterior. No caso

específico da música, Mário de Andrade irá escrever, no final de década de 30, o que

imaginava serem as “bases para uma entidade federal destinada a estudar o folclore

musical brasileiro, propagar a música como elemento de cultura cívica e desenvolver a

música erudita nacional”104. Deste projeto, assim como dos outros do gênero, elaborados

posteriormente por Villa-Lobos e Magdalena Tagliaferro, o ponto que terá maior projeção

será o ensino do canto orfeônico nas escolas105 , isto é, a educação musical, via canto coral,

para crianças e adolescentes. A despeito deste aspecto, há programas de música popular

organizados pelo DIP e difundidos na “Hora do Brasil”106 e a preocupação com a

recuperação do folclore. Por outro lado, a difusão da música brasileira no exterior, nos

103
DÓRIA, Carlos Alberto. Cultura, Brasil e Estado Novo. Disponível em
<http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2390,1.shl>. Acesso em Out. de 2005.
104
Mário de Andrade apud BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro;
SCHWARTZMAN, Simon. Op. Cit., p. 108.
105
Idem, p. 110.
106
Idem, p. 111.

49
planos traçados pelos intelectuais ligados ao Ministério da Educação e Saúde durante o

período 1930-45, ainda está bastante ligada à música erudita: Villa-Lobos, Francisco

Mignone e Guiomar Novaes são alguns dos nomes que desempenham esta divulgação.107 É

evidente que a idéia do que representa a cultura nacional está passando por mudanças neste

momento, mas a cultura popular e seus produtores ainda não se tornaram uma unanimidade

nem na esfera do poder, nem no meio intelectual e, em última instância, sequer nos

veículos de cultura de massa:

Na verdade havia na época um debate agudo a respeito do acesso


direto dos populares ao rádio como criadores de cultura. A restrição
decorria, em parte, dos preconceitos social e racial reinantes, pura e
simplesmente; de outra, da posição de alguns músicos eruditos que
se arvoravam em ter o direito de reelaborar a criação popular e
folclórica, conforme sua estética, tendo acesso às fontes de
divulgação.108

Tomando como exemplo a música popular, “insumo básico de todos os gêneros de

espetáculo, da revista teatral ao cinema musical”109, podemos observar que, no caso dos

músicos mais humildes, oriundos dos morros cariocas, sua própria chegada ao rádio, na

maior parte das vezes, ainda se dava por meio da “venda” de músicas a cantores

conhecidos, que então iam interpretá-las e gravá-las. As obras de compositores como

Cartola, que só gravaria seu primeiro álbum na década de 70, já eram ouvidas nas rádios,

mas o acesso aos microfones, para um compositor pobre, negro e morador de uma favela

ainda era bastante restrito. Apesar disso, compositores, músicos e cantores como

107
Idem.
108
BARROS, Orlando de. A reassunção do Divino. In Cartola/ Projeto Fita Meus Olhos. Rio de Janeiro:
EdUERJ., 1998, p.74.
109
Idem, pp. 75-6.

50
Pixinguinha e Ataulfo Alves, assim como o mulato Orlando Silva, conseguiram romper a

barreira do preconceito, tendo angariado então significativo sucesso.

Colaborador essencial da formulação de uma política cultural externa brasileira, no

primeiro período de Getúlio Vargas na presidência (1930-45), a partir de suas concepções

particulares de identidade cultural brasileira, Gilberto Freyre tinha uma relação espinhosa

com o Itamaraty; não conseguia identificar no órgão o brilhantismo de Rio Branco na

condução de uma propaganda cultural que estivesse realmente atrelada à “verdadeira

imagem do Brasil”110. Criticava, por exemplo, o direcionamento dado pelo Itamaraty às

ações de caráter cultural. A sua presença na formulação dessa política cultural externa é

fundamental:

A colaboração de Gilberto Freyre far-se-á por intermédio do


próprio Getúlio Vargas e, sobretudo, de Gustavo Capanema que,
nos 11 anos em que ficou à frente do Ministério da Educação e da
Saúde como administrador, ideólogo e mecenas cultural,
transforma a cultura nacional em ‘negócio oficial’. Para tal,
Capanema se cercará de intelectuais brasileiros e estrangeiros.
Desde cedo, ele está interessado em difundir a cultura nacional no
exterior para acabar com o isolamento intelectual do Brasil e sua
imagem de povo atrasado. (...) Para Capanema, entretanto, o
Serviço de Cooperação Intelectual já existente no Itamaraty era
‘insuficiente para atender essa necessidade imperiosa de mostrar a
verdadeira imagem do Brasil’, que, freqüentemente, era
qualificado, ‘erroneamente’, na Europa, como país ‘ibero-
americano’. O Ministério da Educação e Saúde propôs, então, em

110
RICUPERO, Rubens. op.cit, p. 63.

51
1936, um vasto ‘Programa moderno e prático de propaganda
cultural do Brasil no estrangeiro(...)’111

A Divisão de Cooperação Intelectual do Itamaraty, criada em 1934, absorvia grande

parte das funções executivas de difusão externa da cultura brasileira. Gustavo Capanema

assume o Ministério da Educação e Saúde no mesmo ano e leva para a pasta seus

pressupostos sobre a propaganda do Brasil no exterior através da cultura. Noutra frente, há

o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, que substitui o Departamento Oficial

de Publicidade, de 1931, e dá origem, cinco anos mais tarde, ao DIP. Como conseqüência,

a propaganda da cultura brasileira no exterior pulverizou-se entre três esferas diferentes de

responsabilidade. Essa divisão é, em parte, um reflexo da própria situação da política

cultural no plano interno.

Embora o período 1934-45 tenha significado, sob o ponto de vista da política

cultural, um passo à frente para a administração pública brasileira, não existia uma

estrutura ministerial própria que desse conta particularmente da cultura. A ausência de um

Ministério da Cultura, ainda com as mudanças havidas após a Revolução de 30, criava uma

situação sui generis: o Itamaraty, que parecia ter, historicamente, a atribuição exclusiva de

cuidar da difusão da cultura brasileira no âmbito internacional112, tendo funcionado,

durante os anos de Rio Branco, inclusive, “como uma espécie de Ministério como que de

Educação e Cultura”113, não encontrava, no plano interno, uma estrutura ministerial que

pudesse lhe fazer interlocução nesse setor, apesar da modernização do Estado. A

responsabilidade sobre a cultura é dividida entre diferentes esferas do Executivo, de acordo

111
SUPPO, Hugo Rogélio. Op. cit., pp. 42-43.
112
LESSA, Mônica Leite. Op. cit., p. 92.
113
FREYRE, Gilberto. Op. cit., loc. cit.

52
com as contingências internas e os constrangimentos advindos do contexto internacional –

necessidade de maior controle das atividades de cunho cultural, propaganda cultural,

contenção e seleção das informações e produtos culturais através da censura,

principalmente durante a Segunda Guerra. As disputas ministeriais pelo controle dos

assuntos culturais no plano interno acabam por reverberar na política cultural externa do

período: novas estruturas são criadas para sistematizar a propaganda no exterior, embora a

tradição, no Itamaraty, do desenvolvimento de atividades do gênero, persista, apesar dos

dissensos.

Por fim, podemos afirmar que os princípios de uma diplomacia cultural ativa,

lançados pelo Barão, perdurarão por todo o período aqui estudado. Nos momentos

posteriores aos dez anos em que esteve à frente do Itamaraty, a dimensão cultural da

política externa não foi olvidada: mudam os objetivos e os modos de inserção, mas não se

transige a respeito da relevância de tais relações. Durante o período 1902-1912, a

construção de uma imagem internacional do Brasil previa a incorporação e a exposição de

valores ditos “civilizados” para uma Europa que então era o centro de poder – e de cultura

– mundial. A ação de Oliveira Lima no campo da diplomacia cultural se dará neste

contexto, mas seu espírito crítico em relação a determinadas práticas correntes na

diplomacia brasileira de então irá permitir entrever as mudanças em marcha na própria

concepção da identidade cultural, assunto que sempre remeteu às hostes do Itamaraty. A

consideração crescente de fatores culturais essencialmente brasileiros na formação da

identidade brasileira se refletirá, de modo exponencial, na viagem dos Oito Batutas a Paris,

com apoio discreto, porém notável, do Itamaraty, nos primeiros anos da década de 20.

Após a Revolução de 30, a questão da cultura passará de modo definitivo pela esfera

estatal; em meados da década o Itamaraty será finalmente aparelhado, do ponto de vista

53
institucional, para dar andamento à política cultural externa. A partir de 1937, parte dessas

questões serão deslocadas para outras áreas do Executivo.

Ao longo dos anos 30 e 40, a configuração do sistema internacional114 e o governo

autoritário de inspiração fascista no Brasil tiveram como conseqüência objetiva a

concepção de uma política externa que, constrangida aos limites de suas possibilidades,

dada a posição do Brasil neste sistema, adotava, como meio de ação no cenário

internacional, a propaganda cultural. Por outro lado, durante a preparação para a Segunda

Guerra Mundial, quando os Estados Unidos ainda não haviam tomado parte do conflito, já

existia, por parte do governo norte-americano, uma intensa preocupação com a América

Latina, num contexto em que o Brasil vivia sob um regime de exceção e mantinha o

comércio de compensação com a Alemanha115. Em 16 de agosto de 1940, o governo

Roosevelt cria o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA), visando à

aproximação cada vez mais acentuada com a América Latina.

Ligado diretamente ao Conselho de Defesa Nacional dos Estados Unidos, o

OCIAA promovia atividades de cooperação nas mais diversas áreas, muitas das quais

passaram a fazer parte da rotina das representações diplomáticas norte-americanas.

Pregando como fim a integração entre os povos americanos, o OCIAA era muito mais

parte da preparação norte-americana para a guerra do que um simples organismo de

cooperação continental, como os muitos então já existentes, ainda que a retórica fosse

direcionada para a construção do pan-americanismo, buscando entre países de regimes

políticos tão díspares quanto a democracia norte-americana e a ditadura do Estado Novo no

114
Entendemos aqui “sistema internacional” tal como BULL, Hedley, op. cit, p. 15.: “[...] quando dois ou
mais Estados têm suficiente contato entre si, com suficiente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma
que se conduzam, pelo menos até certo ponto, como partes de um todo.”
115
MOURA, Gerson. Autonomia na dependência: a política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980, passim.

54
Brasil, uma identidade única. Conscientes de que a instabilidade política típica dos países

latino-americanos poderia ser mais bem manejada a seu favor sob regimes de exceção, os

Estados Unidos não só estimularam, por muito tempo, sua instauração, como também se

associaram a tais governos. A democracia passa a ser vista como um "ideal", facilitando a

expansão das atividades do OCIAA na América Latina e alçando os Estados Unidos à

posição de "modelo de civilização"116.

Intercâmbios nas mais diversas áreas acadêmicas tornaram-se constantes, com a

vinda para o Brasil de tecnologia de ponta norte-americana e a ida para os Estados Unidos

de professores, cientistas e pesquisadores brasileiros, a fim de se qualificarem no que havia

de mais moderno em suas áreas de atuação profissional. As agências de notícias norte-

americanas, surgidas ainda durante a Primeira Grande Guerra, irão utilizar-se da histórica

amizade entre Brasil e Estados Unidos para propalar notícias favoráveis a uma colaboração

cada vez mais intensa entre os dois países. Órgãos de imprensa locais, principalmente os

jornais e as revistas, foram capitalizados pelo OCIAA, que através do fomento às

publicações obtinha apoio em suas ações. Folhetos e libretos, além de bandeiras e outros

artigos de origem norte-americana, eram publicados e distribuídos no Brasil, formando

uma poderosa rede de informações e propaganda que, indiscretamente, chegou a diversas

partes do país.

Através do DIP, a colaboração brasileira à ação do OCIAA foi potencializada: a

censura prévia às notícias e produções artísticas provenientes dos Estados Unidos tornou-

se condescendente e, assim, as notícias que aquele país produzia atingiam a população

brasileira em larga escala, tanto pelo rádio quanto pelos então chamados "jornais de tela",

noticiários que passavam nos cinemas antes da exibição dos filmes. Beneficiada por essa

116
Idem. Tio Sam Chega ao Brasil. São Paulo: EdUSP, 1984, p. 26.

55
interação entre DIP e OCIAA foi a distribuição e difusão do cinema de Hollywood, que

funcionou como uma engrenagem essencial na máquina ideológica norte-americana não só

antes e durante a Segunda Guerra, como também após seu término, quando a Guerra Fria

fez com que o nazismo alemão cedesse o posto de antagonista-mor ao socialismo soviético.

Devemos destacar, entretanto, que as ações de política cultural externa do Brasil,

mesmo quando deslocadas do Itamaraty para outras instâncias então existentes no

Executivo, continuavam levando em alta conta a importância da reciprocidade nestas

relações. Sob a direção de Lourival Fontes, o DIP defendeu, no que tange à colaboração

com o OCIAA, os interesses de uma efetiva divulgação da imagem do Brasil no exterior:

[..] um dos projetos mais bem sucedidos, o filme Alô Amigos,


expressa as bases de um relacionamento mais estreito de
cooperação refletindo uma “troca mútua de interesses” entre
governos. Pois do lado norte-americano, o filme atendeu às
formulações do “Basic Plan” em colocar na prática a vaga “noção”
de “bom vizinho” na medida em que educou o povo norte-
americano em relação aos vizinhos sul-americanos e contribuiu
também com a propaganda nacional interna do “american way of
life”, visto que os filmes eram exibidos simultaneamente nos dois
países.
[...] Do ponto de vista brasileiro, o filme evidenciou as pretensões
do governo de garantir uma propaganda política para o estrangeiro
com o intuito de obter um maior prestígio e influência continental.
Como internamente o filme incrementou o próprio projeto político
brasileiro de (re)construção nacional, em pleno desenvolvimento,
veiculado por símbolos nacionais representados na música,
aspectos geográficos e personagens como ao mesmo tempo,
contribui através da mensagem veiculada de amizade e cordialidade

56
entre brasileiros e norte-americanos lograr uma propaganda
positiva em prol de uma aproximação mais estreita com o Tio
Sam.117

O filme “Alô, amigos”, produzido pelos estúdios Disney em 1942 e divulgado, no

Brasil, principalmente pelo jornal “A Manhã”118, se coaduna com a tradição de difusão da

cultura brasileira, sobretudo ao exaltar aspectos peculiares do país (“Características físicas

que foram ‘selecionadas’ desde o período Imperial por uma elite intelectual, através da

noção do ‘exótico’ como forma de procurar uma identidade marcada, sobretudo pela

‘diferença’ são ali enaltecidas.”119). Além disso, outra tradição desta difusão, que se

caracteriza pela admissão pelo país de aspectos culturais exógenos, sem que tal processo

resulte no olvidamento ou supressão da cultura brasileira, também está presente. Não fosse

tal característica cultivada pela política cultural externa, sua viabilidade prática tornar-se-ia

nula, posto que o país se tornaria mero receptor da produção cultural alheia. A relação com

os Estados Unidos, apesar da assimetria típica do imperialismo, não fugiu à regra; dentro

das limitações existentes, as negociações do DIP com o OCIAA sempre se pautaram na

defesa da manutenção desta dimensão da política externa.

Retornando aos aspectos internos do Itamaraty no período do Estado Novo, no que

tange à propaganda cultural do Brasil no exterior a DCI parece não ter tido grande poder

deliberativo. Os documentos mostram que a Divisão ocupava-se, primordialmente, da

concessão de bolsas e do intercâmbio tecnológico, ou seja, o trânsito de professores e

pesquisadores entre o Brasil e outros países, mas quase sempre numa esfera operativa. No

117
MESQUITA, Silvana de Queiroz Nery. Op. cit., p. 86-7.
118
Idem, p. 97.
119
Idem, p. 106.

57
relatório anual de 1944, redigido e enviado ao Secretário Geral, imediato superior na

hierarquia do ministério, Osório Dutra, chefe da DCI, destaca a necessidade de maior

irradiação da cultura brasileira nos Estados Unidos, o que deveria efetivamente ser feito no

exercício seguinte. É grande o afluxo de idéias para o incremento da difusão cultural

brasileira no período, sempre com os olhos voltados, primordialmente, para o continente

americano de modo geral e, dentro deste, para os Estados Unidos particularmente. Dutra

discute com seus subordinados as necessidades da “propaganda cultural”, mas a dotação

orçamentária do setor é modesta. Entre as tentativas de mudanças estruturais, a partir do

Itamaraty, que poderiam ser acessórias a uma melhor difusão da cultura brasileira, sugere

ao Secretário Geral que a ausência de adidos culturais é uma lacuna “de nossa propaganda

cultural no exterior”, que não se conduz de uma forma “disciplinada”120. A publicação

“Brasil”, feita periodicamente pelo Itamaraty, também é citada como um dos meios pelos

quais se pode divulgar o país no exterior, a partir de suas traduções para diversos idiomas –

inclusive o russo121. Tão logo termina a Segunda Guerra, em agosto de 1945, Osório Dutra

destaca a importância de aproveitar o ensejo dos tempos de paz para incrementar a

coordenação do intercâmbio cultural, expondo o desejo de criar um “sistema de

propaganda do Brasil por meio do disco” para o continente americano. A idéia é gerida

pela DCI a partir da contribuição individual dos diplomatas que nela encontravam-se

lotados. Um deles era Vinícius de Moraes, cuja sugestão é a de que os álbuns musicais

abarquem tanto a música erudita como a popular, formando um panorama geral da música

brasileira. Osório Dutra concorda, e o projeto terá prosseguimento no ano de 1946. Nota-

se, portanto, uma preocupação em estabelecer linhas de ação para a propaganda, a partir do

Itamaraty. Tais pressupostos parecem esbarrar, todavia, nos impasses relativos à atribuição

120
Memorandum do Chefe da Divisão de Cooperação Intelectual para o Secretário Geral. “Adidos
Culturais”, 22/03/45. MRE, Informações e Relatórios da DCI, 1945, 135.5.7, AHI, Rio de Janeiro.
121
Idem.

58
da função de difundir a cultura brasileira para o exterior dentro da estrutura estatal, bem

como nos problemas de dotação orçamentária. Segundo a estimativa de necessidades

financeiras para o ano de 1946, feita em maio de 1945, os empregos de verba assim se

distribuem:

59
Atividade Verba (CR$)

Auxílios em congressos e conferências 75.000,00

culturais no Brasil e recepção de

estudantes e alunos estrangeiros

Auxílios para viagens de professores, 75.000,00

técnicos e estudantes brasileiros

Bolsas de estudo 2.085.000,00

Abono a professores brasileiros no 1.150.000,00

exterior

Traduções de livros 165.000,00

Aquisição de livros 200.000,00

Subvenção a instituições culturais 175.660,00

brasileiras no exterior

Construção da “Escola Brasil” em 600.000,00

Assunção

Total 4.525.660,00

Fonte: Memorandum do Chefe da DCI ao Secretário Geral sobre dotação

orçamentária, 30/05/1945. MRE, Documentos avulsos, 1940-59, 135.5.6, AHI, Rio de

Janeiro.

60
A partir da tabela acima, podemos visualizar mais claramente as áreas que recebiam

maiores investimentos no Itamaraty. As bolsas de estudo e as despesas com professores

brasileiros no exterior dizem respeito a maior parcela dos gastos. Tal realidade deve-se ao

fato de que a DCI concentrava-se, primordialmente, no intercâmbio da área educacional.

Os professores estavam lotados nas escolas brasileiras e em cursos de estudos brasileiros,

principalmente no continente americano. As bolsas dadas a estudantes estrangeiros no

Brasil, de acordo com tratados bilaterais de cooperação cultural, estão incluídas na rubrica

“Bolsas de estudo”. Os acordos culturais com cláusulas de intercâmbio incluíam a cessão

de tais bolsas, que deveriam ser recíprocas. Esta modalidade de intercâmbio, por vezes, iria

gerar problemas de ordem prática, como a chegada de alunos que não dominavam o

português, num contexto onde não se exigia teste de proficiência no idioma para cursar o

nível superior no país. Além disso, é importante destacar que a situação dos bolsistas do

Brasil no exterior, principalmente nos Estados Unidos, era precária. O presidente do

Instituto Brasil – Estados Unidos é incumbido, pois, pelo Itamaraty, de administrar a

subvenção anual de US$ 2.000,00, que deve ser empregada no auxílio a estudantes

brasileiros necessitados. Com o passar dos anos e as crescentes dificuldades financeiras,

cortes fizeram-se necessários, como veremos mais adiante.

Devemos observar, também, a discrepância entre os gastos com o corpo docente

mantido no exterior, sempre sendo aumentado em número de professores, e o valor

desembolsado para manter as instituições culturais em que desempenhavam suas funções.

A conseqüência prática dessa diferença é o mau-aparelhamento das instituições, que

careciam de material até mesmo para as atividades cotidianas. Embora já estivessem

estabelecidas as linhas norteadoras da política cultural externa brasileira, sua ação

esbarrava em diversas dificuldades, principalmente de ordem financeira, durante este

61
período de reorganização institucional e de atribuições imediatamente posterior ao fim do

Estado Novo.

Concluímos este capítulo observando que a relevância da propaganda cultural para

o Estado Novo levou a disputas pelo comando de sua implementação por diferentes esferas

administrativas. O Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, que inicia suas

atividades em julho de 1934, estava ligado ao Ministério da Justiça, fato que faz parte do

esforço de manter todas as questões concernentes aos meios de comunicação de massa

diretamente ligadas a Presidência da República. Como conseqüência, o Ministério da

Educação e Saúde, então conduzido por Gustavo Capanema, sente-se prejudicado e propõe

que a Difusão Cultural retorne à sua esfera de poder. São muitas as dissensões do gênero

neste período, agravando-se o quadro a partir de 1939, quando o DIP passa a existir e

abarcar diversas atividades que, a priori, seriam da alçada do Ministério da Educação e

Saúde.122 Se, na esfera da política interna, os pontos de tensão entre tais Ministérios, no

período 1930-45, eram numerosos e de difícil resolução, a posição do Itamaraty parece ser

ainda mais delicada. Durante o Estado Novo, havia órgãos ligados à Presidência para

cuidar da propaganda cultural do Brasil no exterior, enquanto o Itamaraty, através da DCI,

fora parcialmente tolhido pelo governo. Menos de um ano após o ocaso do regime, em

abril de 1946, a Divisão de Cooperação Intelectual do Itamaraty iria passar a se chamar

Divisão Cultural, marcando um momento de mudanças nas questões relativas à política

cultural brasileira para o exterior.

122
BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro; SCHWARTZMAN, Simon. Op. cit.,
pp. 105-107.

62
CAPÍTULO II

TRADIÇÕES E ESTRATÉGIAS (1946-1960)

2.1. Presidentes e artistas

A crise econômica mundial que se seguiu à quebra da Bolsa de Valores de Nova

Iorque, em 1929, gerou conseqüências diretas sobre os países latino-americanos cujas

economias estavam majoritariamente apoiadas no modelo agrário-exportador. A redução

do fluxo de exportações, em decorrência da crise, causou o colapso de grande parte dos

governos da América Latina, a partir de 1930123. A maioria dos novos governos se instala a

partir de golpes militares e os líderes que deles emergem têm como principal característica

o perfil nacional-populista.

No Brasil, Getúlio Vargas lidera a Revolução de 1930 e se apodera do posto

máximo da política nacional. Desde então passa a empreender os pressupostos

nacionalistas que caracterizarão seu governo: garantia de direitos trabalhistas, com apoio

dos setores populares urbanos que formarão sua base de sustentação, mas com o cuidado

de tornar pequena a participação efetiva de tais setores no panorama político. A curto

prazo, os antigos grupos oligárquicos, que caracterizaram a República Velha, serão

hostilizados. Com o decorrer dos anos, “a política de Vargas cria (...) uma nova base

econômica que fortalecerá a burguesia urbana e integrará as classes médias e limitados

setores das classes populares das cidades”.124 Neste contexto, Vargas pensa a dependência

do desenvolvimento brasileiro em relação ao capital e à tecnologia estrangeiros na medida

exata em que essa conexão sirva aos interesses nacionais.

123
Cf. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, pp. 109-10.
124
CARDOSO, Fernando Henrique e FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina.
7.Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1984, pp. 66-7.

63
Como conseqüência natural da falência da atividade econômica baseada

primordialmente na exportação de produtos agrícolas, o tipo de nacionalismo que se instala

no Brasil entre 1930 e 1964, embora fosse concebido de formas diversas e por setores

político-sociais distintos, iria defender o estabelecimento de uma economia que

encontrasse em si própria os alicerces de sustentação, ao contrário do modelo anterior, que

dependia das oscilações econômicas internacionais. Assim, a preocupação com o

crescimento do parque industrial brasileiro, cuja produção deveria se voltar,

primordialmente, para o consumo interno, estará presente nas mais diversas vertentes

nacionalistas então existentes no Brasil. Este pensamento permeará não só os primeiros

anos de Vargas e o Estado Novo, como também seu governo democrático e as

administrações de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. A política externa

do período refletirá estas premissas: o “nacionalismo de fins”125 será a tônica do período,

caracterizando-se pela manutenção da autonomia na busca de soluções domésticas para as

questões nacionais e a prospecção de recursos externos e tecnologias que potencialmente

poderiam ser revertidos para o desenvolvimento brasileiro.126

Para lidar com o novo momento da configuração sócio-política do país que

encontrara ao assumir como presidente democraticamente eleito, em 1951, Vargas optou

pela adoção do modelo nacional-desenvolvimentista, via emergente no início de seu

mandato. Caracterizado pelo dirigismo estatal, onde a estrutura produtiva ou pertence ao

Estado ou dispõe de seu assentimento para levar adiante suas ambições, o governo de

Getúlio caminha numa reta ascendente de nacionalismo. Ao tomar providências em relação

125
JAGUARIBE, Hélio apud TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: Fábrica de ideologias. São Paulo: Editora
Ática, 1978. Hélio Jaguaribe cria a expressão “nacionalismo de fins” para definir o nacionalismo como um
artifício para se atingir o objetivo final, que é o desenvolvimento do país. A exposição dessa e de outras
proposições em seu livro O Nacionalismo na Atualidade Brasileira, publicado em 1958, acabou por causar a
saída de Jaguaribe do ISEB.
126
LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira. São Paulo:
Perspectiva, 2004, p. 88.

64
à fuga de capitais das empresas multinacionais, incentivar empresas nacionais e promover

a manutenção ou criação de benefícios para os trabalhadores, Vargas aproxima-se tanto do

empresariado quanto das classes populares, levando a termo, desta forma, os pressupostos

populistas que o acompanhavam desde o período 1930-45. Weffort destaca que:

Desde 1945, o povo pode influir – e efetivamente o faz, ainda que


apenas indiretamente na composição de forças e ao nível das elites
em sua renovação. [...]

Na interpretação do período que se abre em 1945, é preciso,


portanto, não descuidar a importância do sufrágio. Por menos que
se queira, este meio formal e limitado foi decisivo como forma de
expressão política das massas populares.127

Mantendo a observância dos direitos trabalhistas, assim como estimulando seu

incremento, e incentivando os setores produtivos que haviam alavancado, a partir dos anos

30, as classes médias e operárias urbanas, Vargas associou a radicalização do nacionalismo

à manutenção de uma política de massas que seria a base de seu governo democrático até a

intensificação da crise política que o levaria ao suicídio, em 1954.

Por outro lado, devemos destacar que a exaltação do nacionalismo no governo de

Vargas, principalmente no que tange à economia, é resultado, também, da cobrança de

determinados setores que adotavam posição nacionalista extremada, embora fossem tão

diversos entre si como as Forças Armadas e o PCB, então vivendo um de seus períodos de

ilegalidade.128 O auge da confluência de interesses entre os diversos setores nacionalistas

então existentes deu-se no momento da fundação da Petrobrás, empresa exploradora de

127
WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 18.
128
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. São Paulo: Paz e Terra, 1996, pp. 117-25.

65
petróleo que iria monopolizar a extração do mineral em território brasileiro, e que suscitou

uma grande mobilização em torno do slogan "O petróleo é nosso". O nacionalismo

brasileiro no período democrático 1945-64 era uma “etapa necessária para o

desenvolvimento do Brasil”;129 todo o esforço feito neste sentido, portanto, estava inscrito

na questão específica do desenvolvimento. A campanha pela Petrobras e o incentivo à

modernização e crescimento do parque industrial brasileiro, entre outros fatores, visavam,

primordialmente, este desenvolvimento autônomo, estimulado a partir de um impulso

interno, ainda que, por vezes, utilizando-se parcialmente de investimentos externos. Ainda

nestes casos, facilmente identificáveis durante o governo JK, a busca do capital estrangeiro

servia essencialmente ao interesse do desenvolvimento brasileiro, ao objetivo de conquistar

certo nível de autonomia econômica.

Após o desaparecimento de Vargas e o curto governo de seu vice, Café Filho,

Juscelino Kubitschek toma posse como presidente, em 1956. A chamada “Era JK” durou

breves cinco anos, mas correspondeu positivamente ao seu slogan, “50 anos em 5”: criação

de empregos, aumento do padrão de vida da população, aumento do consumo interno,

crescimento econômico. Com a taxa média anual de crescimento do PIB em torno de

7%130, o país rural cedeu espaço à “nação do futuro”, cujos modernos parques industriais

fabricavam desde botões de camisa até automóveis. Nos esportes, o boxeador Éder Jofre e

a tenista Maria Esther Bueno conquistavam campeonatos, enquanto os arquitetos Oscar

Niemeyer e Lúcio Costa projetavam Brasília, a nova capital federal. A liberdade de

pensamento e expressão leva a emergente classe média urbana a protagonizar as grandes

129
GONÇALVES, Williams da Silva. O realismo da Fraternidade Brasil-Portugal: do Tratado de Amizade
ao caso Delgado. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003, p.171.
130
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12.Ed. São Paulo: Editora da Universidade do São Paulo, 2004, p.
427.

66
revoluções estéticas, que tiveram como porta-voz o movimento musical conhecido como

Bossa Nova.

No âmbito da cultura, a década de 30 marca o início da expansão do rádio como

meio de comunicação de massa no Brasil; a autorização dada por Vargas, em 1932, para

que se pudesse fazer publicidade via rádio-difusão, concorreu para esta ampliação. Em

1936, é inaugurada a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, com a presença e o

pronunciamento do Ministro da Educação de Vargas, Gustavo Capanema, e de Lourival

Fontes, futuro diretor do DIP131. As ondas curtas da Rádio Nacional atingiam grande parte

do país. Apresentara-se, também, em sua primeira emissão, o “cantor das multidões”,

Orlando Silva, que então se encontrava na fase áurea de sua carreira (1935-42)132. Segundo

Ruy Castro, “Em 1938, podia-se dizer que havia três homens populares no Brasil: o

ditador Getúlio Vargas (et pour cause); o craque do Flamengo Leônidas da Silva, o

‘Diamante Negro’ – e Orlando Silva.”133. Certa vez, Orlando e Vargas protagonizaram o

seguinte diálogo:

- Gostaria de ter a sua popularidade, Orlando. [...]


- Mas ninguém tem a sua popularidade, presidente... [...]
- Mas ninguém tem a sua popularidade, Orlando, e sem
inimigos...134

De fato, o rádio popularizaria, além de Orlando, outros tantos músicos, atores,

compositores, locutores e cantores. Ao longo das décadas de 40 e 50, os programas de

131
“Histórias e Crônicas sobre a Rádio Nacional do Rio”, em homenagem aos 20 anos da Emissora. Escritas
em publicação de 1956 por Moacyr Aréas, Diretor Geral da Rádio Nacional na época. Disponível em:
http://www.radiobras.gov.br/nacionalrj/moacir.html. Acesso em: ago/2006.
132
Em 1942, inicia-se o declínio vocal de Orlando Silva, que não mais voltaria a fazer o mesmo sucesso.
133
CASTRO, Ruy. Caprichos do Destino - Perfil biográfico de Orlando Silva por Ruy Castro. Libreto que
acompanha a coleção “O Cantor das Multidões – Orlando Silva – Gravações Originais – 1935-1942”. RCA-
Victor/BMG-Ariola, 1995.
134
VIEIRA, Jonas. Orlando Silva – O Cantor das Multidões. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional
de Música/Divisão de Música Popular, 1985, p. 11.

67
auditório atrairiam a audiência e o entusiasmo das classes populares, ensejando a formação
135
de fãs-clubes e o surgimento da figura das “macacas de auditório”, admiradoras que

compareciam às rádios para verem ao vivo as apresentações dos artistas que admiravam.

Por fim, a presença maciça do rádio como principal difusor de cultura de massa só seria

abalada pelo advento da televisão no Brasil. A produção cinematográfica nacional no

mesmo período, caracterizada pelas chanchadas, estava calcada na atração do público que

ouvia os programas das rádios populares: a temática dos filmes do estúdio Atlântida, o

mais importante dos produtores do gênero, girava em torno de personagens de origem

simples, em comédias musicais.136

O surgimento dessa cultura de massa no Brasil, em que o entretenimento puro e

simples, voltado ao povo, era a tônica, causou, no decorrer da década de 50, reações por

parte dos intelectuais, que enxergavam nestes produtos culturais uma degradação da arte

dita “séria”. A crítica à arte “comercial”137, que também encontraria espaço no Itamaraty,

como veremos mais adiante, tomava o centro do debate: o popular, o cômico, presente no

teatro de revista e nas chanchadas do cinema, era identificado com o grotesco, o “baixo”. A

indústria cultural, em última instância, era coligada à ascensão desta arte exclusivamente

voltada para o entretenimento.138 Teixeira Coelho nega, no contexto da indústria cultural

no Brasil, “a existência de um conflito, propriamente dito, entre a cultura superior e a

cultura de massa”. Para o autor, esta “cultura superior” nunca chegou realmente a ter peso

significativo, pois nunca foi suficientemente “sólida”139. Ora, a discussão em torno desta

dicotomia, havida no decorrer dos anos 50 e no início dos 60, nos dá não só a dimensão

135
VELLOSO, Mônica Pimenta. A dupla face de Jano: romantismo e populismo in GOMES, Ângela de
Castro (org.).O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 171.
136
Idem, p. 173.
137
Idem, p. 179.
138
Idem, passim.
139
COELHO, Teixeira. Op. Cit.,p.83.

68
propriamente dita desta “cultura superior”, como também a sua importância para todo o

debate que se desenvolverá a partir de então sobre questões como a alienação e,

principalmente, a participação política via conscientização das massas.140

2.2 As Divisões Culturais

Durante o Estado Novo, a política externa brasileira estava sob constante

observação e influência de Getúlio Vargas, que a entendia como fruto de suas formulações

particulares. Assim como as outras searas políticas que desempenhavam papel vital para a

manutenção do regime estabelecido, a política externa fazia parte das preocupações

objetivas do presidente, que, ao contrário de seus antecessores na então recente trajetória

republicana brasileira, se permitia interferir diretamente na sua condução.141 Com o fim do

regime varguista, o Itamaraty recobra a posição de destaque na condução desta política,

ainda que sempre haja coordenação com as diretrizes da Presidência da República.

Com a nova configuração do sistema internacional que emergirá ao final da

Segunda Guerra, determinados meios anteriormente utilizados para se conduzir uma

política cultural externa não se aplicarão mais, em função da mudança de paradigmas e

objetivos desta ação. No caso particular do Brasil, as alterações profundas no que diz

respeito à condução do Estado, irão ocasionar uma rearrumação institucional neste aspecto;

a funcionalidade da política cultural externa irá, de certo modo, sofrer alterações, embora

uma parte considerável de seus princípios norteadores permaneça. Tais princípios (defesa

140
VELLOSO, Mônica Pimenta. Op. Cit., p. 183.
141
Cf. DANESE, Sérgio. Diplomacia Presidencial: História e Crítica. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, pp.
285-288.

69
da união latina e da comunidade luso-brasileira142, entre outros) haviam sido formulados

sob os auspícios de Gilberto Freyre, que através de Gustavo Capanema e do próprio

Vargas foi, para os assuntos culturais, um colaborador fundamental do Estado Novo143. A

maioria dos acordos culturais assinados pelo Brasil data do período do Estado Novo; sua

manutenção, num segundo momento, dá-se sobre a base das mesmas determinações que os

forjaram, ainda que a ação possa acontecer de modo diferente.

Exemplo elucidativo desta permanência, no escopo da política externa, é a postura

do Brasil durante o processo de descolonização da África portuguesa. Os avanços e

retrocessos brasileiros em relação à independência dos países encontram-se no mesmo bojo

onde se pode identificar a dificuldade, do ponto de vista da diplomacia cultural, em se lidar

com o conflito entre o interesse pelas colônias e a manutenção das relações com Portugal,

mesmo depois da implementação da Política Externa Independente, na gestão de Jânio

Quadros. Ao mesmo tempo em que o Brasil demonstra vontade de potencializar os laços

culturais com a África lusófona, ainda se vê constrangido a não desenvolvê-los, perante os

princípios que norteiam suas relações com Portugal.144 Simultaneamente, as relações

culturais com a Espanha, então vivendo sob a ditadura franquista, passam por diversos

momentos de tensão, em função da oposição do conceito de iberoamérica, que norteava a

política cultural espanhola, ao de comunidade luso-brasileira145, um dos princípios da

142
Memorandum de Meira Penna ao Chefe do Departamento Político e Cultural. “Bolsas de Estudos do
Instituto de Cultura Hispânica”, 19/09/1957. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 1956-57, 135.5.16,
Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro.
143
SUPPO, Hugo Rogélio. Gilberto Freyre e a imagem do Brasil no mundo. Cena Internacional, Ano 5, Nº
2, Dez/2003, pp. 42-43.
144
Memorandum de Meira Penna ao Chefe do Departamento Político e Cultural sobre o pedido de auxílio
financeiro ao governo federal brasileiro do diretor do Colégio Christo-Rei, em Luanda, em 29/10/59. MRE,
Informações e Relatórios da DCl, 1959, 136.1.2, Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro.
145
Memorandum de Meira Penna ao Chefe do Departamento Político e Cultural sobre o “Congresso
Interiberoamericano de Educação”, 29/04/1958. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 1958, 136.1.1,
Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro.

70
política cultural do Brasil. Esta postura da diplomacia cultural brasileira vai ao encontro

daquilo que preconizava Gilberto Freyre: a afirmação do Brasil como país luso-tropical.146

Em abril de 1946, a Divisão de Cooperação Intelectual do Itamaraty, tal como havia

sido criada em 1937, passa a se chamar Divisão Cultural. Esta mudança de nomenclatura

marca o início de um novo período da política cultural externa do Brasil. Chefe da DCI

desde 1944 e, posteriormente, chefe da DCl, o diplomata Osório Dutra lidará com a fase de

transição por que passou a seção, permanecendo no cargo até agosto de 1946.

Nesta nova fase da política cultural externa, haverá um ator supranacional com

quem a Divisão Cultural do Itamaraty terá de se relacionar com intimidade: a Unesco,

fundada em Londres logo após o final da Guerra, ainda em 1945, como a instituição da

Organização das Nações Unidas responsável pelas questões educacionais, científicas e

culturais nas relações internacionais. Em 1946, instala-se no Brasil a Comissão Nacional

da Unesco – o IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura). Assim como

há, dentro da estrutura do Itamaraty, a preocupação de se reorganizar as estratégias da

política cultural externa, a Unesco estará, paulatinamente, definindo seus objetivos neste

mesmo período. Nos primeiros anos, também enfrentaria problemas de restrição de verbas

para a execução de planos, como a instalação de Institutos Internacionais de Música e

Teatro e a elaboração de discografias:

Um inquérito sobre a vida musical nos vários países e um vago


projeto de discografia internacional a ser submetido à Conferência
Geral eram as únicas coisas que constavam dos documentos
oficiais. A discografia seria, no terreno da música, o equivalente
dos catálogos de reproduções coloridas de obras de arte que iriam

146
FREYRE, Gilberto. Aventura e Rotina. Rio de Janeiro: Topbooks Editora, 2001, p. 393.

71
constituir a parte essencial do programa da Unesco no setor de artes
plásticas.

[...] Mas a carência de recursos entravava tudo: tanto a execução do


programa preconizado pelos especialistas que estudaram a questão
da discografia, como a reunião dos representantes das organizações
musicais internacionais consultadas separadamente durante esses
primeiros meses de meu trabalho em Paris.147

A música brasileira torna-se o centro das atenções da Divisão de Cooperação

Intelectual/Divisão Cultural em 1946. Com o fim da guerra e da ditadura do Estado Novo,

nota-se uma maior liberdade de execução dos planos de difusão cultural por parte do órgão

responsável no Itamaraty, o que contrasta com certo cerceamento e, por que não afirmar,

receio por perseguições ideológicas. Em dado momento do período anterior, Osório Dutra,

tendo sido mal-interpretado ao expressar determinadas opiniões, em documento oficial,

sobre a propaganda cultural brasileira, escreve memorandum onde tenta se eximir de

qualquer tipo de culpa perante o regime de Vargas. A preocupação evidente é com

retaliações de caráter político em função de uma discordância quanto às diretrizes do

Executivo no tocante à propaganda cultural do país. Como é de praxe nos regimes de

exceção, também a ditadura de Vargas causou, no interior de ministérios tão independentes

quanto o Itamaraty, uma contenção, em certa medida, na expressão de opiniões, o que se

refletiu na própria condução da política cultural pelo órgão.

Este cenário começa a sofrer alterações a partir de 1946. Terminada a guerra e

deposto Getúlio Vargas, o DIP encerra definitivamente suas atividades, e a política cultural

147
AZEVEDO, Luiz Heitor Corrêa de. Minhas Memórias da Unesco (a música nas relações internacionais)
1947-1965. Curitiba: Imprensa da UFPR, 1967, p. 6 e 15. Conferência pronunciada na biblioteca pública de
Curitiba, a convite da Pró-Música de Curitiba, a 1 de junho de 1965. CCBB, Coleção Mozart de Araújo.

72
externa estará mais detidamente atrelada ao Itamaraty, que divide apenas parte dessas

funções, principalmente no tocante ao intercâmbio de estudantes e professores, com

instâncias ligadas ao Ministério da Educação.

O sucesso da música brasileira no exterior, tanto em seu matiz clássico quanto no

popular, já havia suscitado nos diplomatas da DCl o desejo de torná-la instrumento das

ações culturais da política cultural externa. O êxito de nomes como Villa-Lobos,

compositor clássico que se envolvera nos projetos educacionais na área musical

promovidos pelo Estado Novo, e Carmen Miranda, cantora popular que fez longa carreira

no cinema norte-americano nos tempos da política de good will, deram a dimensão dos

ganhos possíveis a partir desta expressão artística. Em fevereiro de 1946, Osório Dutra fala

da necessidade crescente de maior divulgação da história da música brasileira no exterior,

principalmente nos países americanos. O desejo de difundir a música brasileira se

concentrava, primeiramente, no próprio continente, onde o Brasil deveria desempenhar

liderança ao Sul. Em maio, Dutra solicita verba para a “organização de coleções de discos

brasileiros a serem remetidas para as Missões diplomáticas e rádio-difusoras estrangeiras –

propaganda da música brasileira clássica e popular”. No mesmo documento, expressa o

desejo de criar uma comissão para relacionar os discos, cujo secretário seria Vinícius de

Moraes.148 A inclusão da música popular nos planos de difusão da música brasileira no

exterior é sintomática; o crescimento da indústria cultural no país, bem como o êxito de

artistas populares no exterior, principalmente nos Estados Unidos, durante o período de

cooperação DIP-OCIAA, deram a dimensão da potencialidade desta arte para a política

externa.

148
Memorandum de Osório Dutra sobre dotação orçamentária, 23/05/46. MRE, Documentos Avulsos, 1940-
59, 135.5.6. AHI, Rio de Janeiro.

73
No decorrer deste trabalho observamos como houve, por diferentes motivos,

oscilações na ação cultural do Brasil no exterior. Para que melhor possamos compreender,

daqui em diante, os períodos em que a política cultural, embora existente, encontrava-se

adormecida, sem ações que a legitimassem, e as fases em que esteve em franca atividade,

devemos diferenciar os conceitos de política cultural e ação cultural.149

No caso específico da política externa, o termo política cultural compreende o

conjunto de diretrizes elaboradas para se levar à prática determinados pressupostos no

plano internacional. As ações culturais, pois, decorrem destas determinações da política

cultural e devem estar em concordância com elas. Por esta razão, a política cultural existe

independentemente da ação cultural; pode-se ter as linhas de ação e os princípios definidos,

sem que sejam efetivamente levados à prática em todos os momentos. A diplomacia

cultural, por outro lado, preconizará a ação que terá por fim reverter benefícios ao Estado,

pensando no longo prazo. Esta ação dependerá das contingências, das oportunidades e,

principalmente, da conveniência para a política externa como um todo.

A ação cultural caracteriza-se pelas práticas voltadas a levar ao plano factual uma

política cultural previamente elaborada. Segundo Teixeira Coelho, a ação cultural pode

fazer parte de uma das “quatro fases” em que se concebe a divisão do “sistema de

produção cultural”. A primeira dessas fases é a produção, que consiste em criar os meios

para que se possa produzir as “obras de cultura ou arte”; a segunda fase é a distribuição,

durante a qual se disponibiliza e dá acesso às obras ao público; a terceira fase, chamada

“troca”, caracteriza-se pelo acesso “físico” franqueado ao público, através de ações como a

149
Teixeira Coelho não fala de “política cultural externa”; aqui, utilizamos as definições dadas pelo autor de
“política cultural” e “ação cultural”, pois acreditamos que elas nos são operacionais para entender as
diferentes fases pelas quais passou a ação cultural decorrente da política cultural para o plano externo
empreendida pelo Itamaraty.

74
subvenção de ingressos e financiamento dos custos da obra de arte. A quarta e última fase,

a qual o autor se refere como “uso”, enseja:

o pleno desfrute de uma determinada obra, o que envolve o


entendimento de seus aspectos formais, de conteúdo, sociais e
outros; para tanto, recorre à elaboração de catálogos, programas de
apresentação de um espetáculo ou filme, palestras, cursos,
seminários, debates, etc.150

A partir desses dados, podemos procurar estabelecer liames entre as fases em que

Coelho divide a ação cultural e o modo como tais ações foram empreendidas, no período

abordado, pelo Itamaraty. A publicação de monografias sobre os grandes nomes da música

brasileira, feitas a partir de 1946 por pesquisadores e com publicação custeada pela DCl,

pertenceria à categoria da produção; a fase de distribuição se caracterizaria pela remessa de

folhetos, livros, partituras, discos e rolos de filme pelas repartições consulares, como forma

de divulgar a cultura brasileira no exterior; a “troca” acontecia, por exemplo, com a

subvenção da publicação de livros, como o anuário “Brasil”, que circulará em diversos

países, inclusive na então União Soviética, traduzido do português para os idiomas locais,

além da criação de institutos brasileiros e cátedras de estudos brasileiros em universidades;

e a última fase, de uso, se inscreve na própria divulgação do Brasil, além da distribuição de

informações e do esclarecimento de possíveis dúvidas em relação a sua cultura, povo e

história. Embora o país em si não seja uma “obra artística ou cultural”, pode-se utilizar tal

definição de modo análogo, já que a ação cultural tem em sua divulgação o principal fim;

150
COELHO, Teixeira. Op. cit., pp. 32-33.

75
para tanto, a fruição da produção cultural que advém do Brasil deve ser feita de maneira

esclarecida e a partir de elementos que consigam transmitir sua melhor imagem possível.

A política cultural externa do Itamaraty caracteriza-se pela movimentação no

sentido de dar apoio material e de divulgação, bem como criar os meios para que se

difunda a cultura brasileira no exterior. Essa difusão, no entanto, pode contar não só com

as atividades de caráter cultural planejadas pelo ministério, como também por eventos

externos à sua alçada, mas que se coadunem com os objetivos desta política cultural.

Ao organizar a abordagem da DCl no período, optamos por fazê-la a partir das suas

diferentes gestões. Embora parte considerável das ações tivesse continuidade mesmo após

se encerrarem tais gestões, o perfil dos diplomatas que estariam à frente da DCl teria

importância destacada para a condução do processo, principalmente no período 1945-60,

em que as próprias estratégias de ação da política cultural externa estavam sendo

redefinidas.

Em julho de 1945, Altamir de Moura substitui Osório Dutra na direção da DCl.

Empenhados em realizar o trabalho de divulgação da cultura brasileira no exterior a partir

da música, os diplomatas começam a perscrutar os meios pelos quais poderiam fazê-lo.

Primeiramente, solicitam ao Diretor de Difusão Cultural do Distrito Federal que auxilie na

tarefa, mas o pedido não é atendido. Na busca por outras formas de empreender a ação

cultural, o diplomata Vasco Mariz redige vários relatórios, endereçados a Altamir de

Moura, onde expõe suas idéias sobre a condução da “propaganda da música brasileira no

exterior”. Seriamente dedicado a pensar possíveis modos de difusão através da música, o

diplomata sugere a publicação de uma História da Música Brasileira reduzida e em

diversos idiomas, e produz verdadeiros diagnósticos sobre a questão. Em memorando

76
intitulado “Pan-americanismo musical”, censura o “comercialismo” da música, tal como os

críticos da indústria cultural, e a aparente ausência de interesse pela música “americana”,

enquanto as “nossas platéias ainda (...) vivem sob a fascinação do europeu.” Prossegue

dizendo que é “da opinião, salvo melhor juízo, que o Itamaraty poderia colher louros como

pioneiro da aproximação cultural inter-americana”.151 Sugere que o Itamaraty peça às

“associações musicais brasileiras e aos solistas de maior vulto” para incluir peças de

compositores das Américas em suas apresentações. Em despacho dado no próprio

documento, Altamir de Moura concorda com as sugestões.

Interessante notar que a preocupação com a ação cultural do Brasil nunca se

desvincula dos princípios fundamentais da política externa. O pan-americanismo, tido

como um deles, faz-se notar a partir da preocupação não só de desenvolver uma maior

difusão da música brasileira no exterior, como também de promover a circulação dos temas

musicais de outros países americanos dentro do Brasil, como forma de suscitar o interesse

de uma população cujos ouvidos ainda se agradam mais da música européia. Além disso,

há a disposição de desempenhar o papel de liderança que caberia ao Brasil na América do

Sul: a utilização da música e da musicalidade como meios de difundir sua cultura e

exercer, através do Itamaraty, liderança na integração cultural das Américas, inscreve-se no

plano de uma política cultural que é parte harmônica da política externa como um todo. O

empenho de Altamir de Moura nesse tocante é grande. Ao ratificar o convênio de

intercâmbio cultural com o Equador, destaca que

151
Memorandum de Vasco Mariz sobre o “Pan-americanismo musical”, 10/09/46. MRE, Informações e
Relatórios da DCl, 1946, 135.5.8, AHI, Rio de Janeiro.

77
O Brasil, pela sua atual posição no continente americano, vem
assumindo, como é natural, maior responsabilidade no campo da
difusão de sua cultura.152

Essas conjeturas iriam começar a se materializar, na forma de ação cultural, ainda

no ano de 1946. Partituras de Villa-Lobos são enviadas para o Festival de Música

Brasileira em Nova Iorque e para o QG do exército norte-americano no mediterrâneo, e

uma biografia do compositor, assim como monografias sobre música brasileira, passam a

fazer parte dos planos de publicação da DCl para o exercício seguinte. No Congresso das

Sociedades de Autores e Compositores de Música, realizado em Washington no segundo

semestre daquele ano, o Itamaraty dá auxílio de viagem a Geysa Bôscoli, presidente da

SBAT. Neste e em outros eventos do gênero, a presença do IBECC será notada. O órgão,

fazendo a interface entre o Itamaraty, o Ministério da Educação e as entidades culturais do

Brasil, desempenhará as funções de Comissão Nacional da UNESCO153, e terá uma

trajetória pontilhada por dissensões com a DCl.

Além da difusão da música brasileira, outras atividades culturais continuaram a ser

empreendidas pelo Itamaraty. Uma delas, considerada de suma importância por grande

parte dos diplomatas da DCl, é a aquisição, tradução e publicação de livros e folhetos. A

distribuição de exemplares pelas missões diplomáticas constituía uma prática do órgão

havia muitos anos, e nunca seria interrompida, embora tenha sofrido eventuais cortes e

reduções, de acordo com a verba anual recebida pela DCl e a redistribuição de tais valores,

de acordo com as novas modalidades de ação que viriam a ser empreendidas. Exposições

de artistas plásticos brasileiros no exterior, bem como mostras de arquitetura, também não

cessaram. Se aqui damos maior destaque à música, é porque a sua instrumentalização


152
Memorandum de Altamir de Moura ao Chefe do Departamento Político e Cultural sobre o convênio de
intercâmbio cultural entre Brasil e Equador, 21/10/46. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 1946, 135.5.8,
AHI, Rio de Janeiro.

78
como objeto de difusão da cultura brasileira, bem como o planejamento estratégico que

protagoniza, é um dos marcos deste novo momento da política do Itamaraty, e também o

primeiro processo de concepção e ação cultural que pode ser inteiramente identificado no

período 1945-64. A continuidade e relevância das outras ações, no entanto, não deve ser

desmerecida.

O ano de 1947 parece ser conturbado para a DCl. Além de Altamir de Moura, que

permanece no comando até abril de 1947, quando é removido para Argel, passam pela

direção dois chefes efetivos diferentes: David Moretzohn e Argeu Guimarães. A

alternância de chefes não dá oportunidades ao surgimento de novas ações culturais, mas há

os desdobramentos do que fora planejado no ano anterior, ou seja, a continuidade de

grande parte das atividades relativas à música, que se tornou, neste momento, a expressão

artística em que se calcava boa parte da promoção da cultura nacional no exterior.

Continuam sendo publicadas as monografias de caráter biográfico sobre os grandes nomes

da música erudita brasileira, como os maestros Francisco Mignone e Francisco Braga.154 O

volume que versaria sobre a vertente popular, previsto nos planos da DCl, todavia, padeceu

de um problema objetivo: não se encontrou pesquisadores que tivessem interesse em

redigir o texto. Os discos de propaganda da música brasileira, editados em dois álbuns,

continuam a ser distribuídos, e a Academia Brasileira de Música faz voto de louvor aos

diplomatas responsáveis por sua edição.155 Argeu Guimarães assume a chefia em

dezembro, dando continuidade à mesma linha de ação até a nomeação de Roberto Mendes

Gonçalves.

154
“Biografia de Francisco Mignone”, 07/10/47, 135.5.9, e “Cultura Musical Brasileira”, 01/06/48, 135.5.10.
MRE, Informações e Relatórios da DC, AHI, Rio de Janeiro.
155
Memorandum ao Chefe do Departamento Político e Cultural, 22/07/46. MRE, Informações e Relatórios
da DCl, 135.5.9, AHI, Rio de Janeiro.

79
A chegada de Roberto Mendes à chefia da DCl, em junho de 1949, trará grandes

mudanças nas ações culturais. Adotando posturas inflexíveis sobre determinados pontos

outrora defendidos pelos dirigentes, critica meios de ação e promove mudanças que, em

dados momentos, causam impasses à própria condução da política cultural do órgão. Ao

iniciar-se o ano de 1949, o principal tema de discussão entre os diplomatas da DCl é a

necessidade de se criar formas mais efetivas de divulgação da cultura brasileira nos

Estados Unidos, dentro de uma perspectiva onde a histórica amizade entre os dois países

deve ser conservada e a dimensão continental do intercâmbio cultural é fundamental. Em

memorando intitulado “Ampliação do Serviço Cultural da Embaixada do Brasil em

Washington”, o diplomata Aluízio Napoleão Freitas Rego, lotado naquela representação,

dá inúmeras sugestões para o incremento da difusão cultural nos Estados Unidos, inclusive

sugerindo a criação do cargo de adido cultural. Em despacho, Roberto Mendes rechaça a

idéia, objetando que “não é por falta de gente que deixamos de difundir nossa cultura nos

Estados Unidos. É por falta de dinheiro.”156 Indubitavelmente, a escassez de recursos

causava limitações à ação cultural do Brasil. Os problemas com bolsistas brasileiros no

exterior em virtude dos parcos recursos a eles direcionados pela DCl, por exemplo, eram

constantes. Além disso, os Institutos de Cultura mantidos pelo Itamaraty em cidades

americanas padeciam com verbas escassas. Neste momento, encontravam-se em

funcionamento, no exterior, os institutos de difusão da cultura brasileira no Uruguai, na

Argentina, e no Paraguai. Além disso, a DCl enviava subvenções mensais, semestrais ou

anuais às Cátedras de Estudos Brasileiros em universidades estrangeiras e a outros

institutos. Nesta categoria, incluem-se o Instituto de Cultura Brasileiro-Boliviano, a Anglo-

Brazilian Society, em Londres, o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de

156
Memorandum de Aluízio Napoleão Freitas Rego ao chefe da DCl. “Ampliação do Serviço Cultural da
Embaixada do Brasil em Washington”, 21/10/46. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 135.5.11, AHI,
Rio de Janeiro.

80
Coimbra, e o Instituto Brasil-Estados Unidos. Tais institutos, sem gozar de vinculação

institucional ao Itamaraty, haviam sido criados por iniciativa das próprias universidades, de

embaixadores ou de estrangeiros que tivessem algum tipo de interesse pela cultura

brasileira. Um deles, o Anglo-Brazilian Society, fora fruto do interesse do embaixador J. J.

de Lima e Silva Moniz de Aragão, tendo sido dirigido por Sir Thomas Cook, membro da

Casa dos Comuns britânica. Em 1945, contava com 588 sócios, promovendo eventos de

divulgação da cultura brasileira e cursos de português.157 Após a sua criação, os chefes

desses institutos solicitavam subvenção à DCl, que era concedida de acordo com a

disponibilidade de verbas do orçamento anual. O caráter misto dos institutos, que tanto

poderiam pertencer ao Itamaraty como poderiam ser associações particulares, causou

dificuldades à regularidade do funcionamento de muitos deles. Em 1950, um dos

problemas apontados de forma recorrente pelo chefe Roberto Mendes é a má aplicação da

verba da DCl enviada aos Institutos de Estudos Brasileiros e similares no exterior. Tal fato

se dava, mormente, pela ausência de fiscalização ostensiva de suas atividades. Em suma, a

verba era cedida, mas como as relações entre os institutos privados e o Itamaraty não eram

institucionalizadas, não havia prestação de contas sistemática. As relações culturais de

caráter privado, para que possam servir de suporte adicional à diplomacia cultural158,

devem estar em harmonia com seus preceitos, sem que conflitos de interesse ou falta de

coordenação de objetivos venham a prejudicar não só as atividades privadas, como

também a própria condução da política cultural externa.

157
“Institutos Culturais”, 22/01/45. MRE, maços temáticos, 135.5.7, AHI, Rio de Janeiro.
158
MITCHELL, J. M., Op.cit., pp. 5-17.

81
Durante a gestão de Roberto Mendes é criado, pelo diplomata Arnaldo Leão

Marques, um “plano de divulgação cultural do Brasil no exterior por meio do cinema”159,

rapidamente posto em ação e levado adiante após sua saída da chefia. Todavia, a tentativa

de mudança de rumos, interrompendo ações culturais em curso e rechaçando alternativas

inovadoras para a ação cultural concebidas na gestão anterior, marcaram o período de

Roberto Mendes à frente da DCl. Uma das duras críticas é feita diretamente à aquisição e

edição de álbuns para a divulgação da música popular brasileira no exterior. Ao avaliar

esta iniciativa da gestão anterior, Mendes diz que o depósito foi “entulhado”160 de discos

de má qualidade. Estranha-se que os álbuns, editados de acordo com os gêneros e

personalidades mais importantes da música popular brasileira, que renderam aos

diplomatas da DCl homenagem dos acadêmicos da ABL, fossem artisticamente pífios.

Quanto às publicações, Mendes afirma que a DCl deve restringir seu investimento somente

a livros sobre o Brasil, ou então em ficção e poesia de autores brasileiros consagrados. No

bojo desta diretriz, a aquisição do livro “Flagrantes do Brasil”, composto por fotos do povo

brasileiro em diversos locais do país, inclusive no sertão nordestino, é condenada. Segundo

Roberto Mendes, o livro mostra um país “primitivo”, diferente do Brasil “moderno” que é

preferível divulgar.161 O juízo de valor, bem como a preferência por padrões estéticos

previamente estabelecidos, fica patente. A influência das concepções pessoais dos chefes,

como já havíamos afirmado, irá ter considerável peso na condução da política cultural,

causando, em muitos momentos, entraves à ação. A formação do diplomata, bem como

suas concepções de mundo, de Brasil e, principalmente, de cultura brasileira e identidade

nacional, serão partes indissociáveis dos motivos que condicionam sua ação à frente da
159
Memorandum de Arnaldo Leão Marques ao Chefe da DCl. “Plano de divulgação cultural do Brasil no
exterior por meio do cinema”, 18/10/49. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 1946, 135.5.8, AHI, Rio de
Janeiro.
160
Memorandum de Roberto Mendes ao Chefe do Departamento Político e Cultural, 13/08/49. MRE,
Informações e Relatórios da DCl, 135.5.12, AHI, Rio de Janeiro.
161
Idem, “Aquisição do livro ‘Flagrantes do Brasil’”, 14/03/50. MRE, Informações e Relatórios da DCl,
135.5.12, AHI, Rio de Janeiro.

82
DCl. Não há, pois, como entender a cultura, uma das dimensões das Relações

Internacionais, sem ter em mente esses fatores.162

A passagem de Roberto Mendes pela direção é encerrada com a nomeação de

Mário Guimarães, em abril de 1950. Sua chegada à DCl traz um nível de sistematização do

trabalho como ainda não se vira antes. A primeira providência que toma, investido do

cargo, é redigir um relatório intitulado “Meios de ação cultural empregados. Conveniência

de uma análise cuidadosa”, onde faz proposições que podem ser reunidas de modo a

configurar uma preocupação em empreender ações que se coadunem à política cultural

externa do Itamaraty.163 O Chefe do Departamento Político e Cultural, seu superior, dá o

seguinte despacho: “Aceito a segunda sugestão, isto é, organizar-se um serviço de estudos

e pesquisas, a fim de chegar-se a um plano conjunto sobre a difusão da cultura brasileira no

exterior. Encarrego desse serviço o Cônsul Venício da Veiga, para o que fica a partir desta
164
data desligado da DCl.” É notória, pois, a responsabilidade de Guimarães para com a

relevância da política cultural. Ao produzir um relatório que diagnostica a situação das

atividades da DCl, o diplomata faz uma prospecção das ações, o que seria de sumo valor

para a condução das atividades da seção.

Um dos primeiros resultados da organização da DCl promovida por Mário

Guimarães é a criação da rotina de instruções aos embaixadores e ministros que fossem

assumir postos no exterior.165 Uma vez designados, recebiam um relatório do estado das

relações culturais do Brasil com o país em questão, além dos pontos que deveriam ser

realçados, dos acordos ou convênios de caráter cultural bilaterais existentes, e das ressalvas
162
RENOUVIN, Pierre & DUROSELLE, Jean-Pierre. Op.cit., loc. Cit.
163
Memorandum de Mário Guimarães ao Chefe do Departamento Político e Cultural. “Meios de ação
cultural empregados. Conveniência de uma análise cuidadosa”, 11/04/50. MRE, Informações e Relatórios da
DCl, 135.5.12, AHI, Rio de Janeiro.
164
Idem, despacho dado em 19/04/50 no próprio corpo do memorando.
165
Memorandum de Mário Guimarães ao Ministro Ferreira Braga sobre a representação na Suécia, 13/06/50.
MRE, Informações e Relatórios da DCl, 135.5.12, AHI, Rio de Janeiro.

83
e cuidados que deveriam ser tomados em relação às suscetibilidades culturais do país onde

serviriam. A primeira instrução do gênero é dada em junho de 1950 ao Ministro Ferreira

Braga, que assumirá a representação diplomática na Suécia. Tal serviço era uma atribuição

evidente da DCl, mas que ainda assim tardou a ser efetivamente realizado.166

Entre as querelas renitentes no ano de 1950, está a má aplicação da verba da DCl

nos Institutos de Estudos Brasileiros e similares no exterior. Não há fiscalização ostensiva

dessas atividades, o que cria problemas como falta de divulgação e encerramento de turmas

por não haver número suficiente de alunos. No que se refere aos estudantes estrangeiros

que gozavam de bolsas do governo brasileiro, Mário Guimarães demonstra, em instrução

dada ao novo Ministro no Panamá, a preocupação em resolver o problema que se

configurava com a chegada ao Brasil de bolsistas que não dominavam o português e que

por ventura estivessem academicamente despreparados para acompanhar o curso

escolhido. Devemos acrescentar que os questionamentos de Guimarães em relação a

concessão de bolsas de estudo do governo brasileiro a estudantes estrangeiros são assaz

pertinentes. Ao escrever memorando ao Chefe do Departamento Político e Cultural sobre a

X Conferência Interamericana, reclama dos critérios de indicação de bolsistas dos países

latino-americanos, cuja subvenção é paga pelo Brasil, que, no entanto, não tem poder para

escolher ou preterir os indicados167. Tal fato denota a preocupação já existente com a

qualidade do intercâmbio estudantil conforme previsto nos acordos culturais anteriormente

assinados: como é feito investimento de verba pública, há que se ter alunos que possam

melhor aproveitar a estada no Brasil, levando as melhores impressões aos países de

origem. Por fim, a subvenção complementar às bolsas de estudo acaba por ser suprimida,

no caso dos estudantes, sendo reservada para “professores, técnicos e profissionais de toda
166
Idem.
167
Idem, “X Conferência Iberoamericana”, 12/02/52. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 135.5.13, AHI,
Rio de Janeiro.

84
ordem que vieram fazer um estágio de alguns meses no Brasil e que não poderiam

dispensar auxílio financeiro para sua manutenção.”168 Em contrapartida, o interesse pelas

particularidades brasileiras por parte dos estudantes estrangeiros será estimulado, a partir

de 1952, com a criação do “Prêmio Brasil”. Dirigido a alunos que tivessem concluído, em

seus respectivos países do continente americano, o ensino secundário com excelência de

aproveitamento, a premiação consistia numa viagem ao Rio de Janeiro. O êxito da

iniciativa acabou tornando possível sua extensão também aos países europeus.169

Como problemas relativos ao envio de material para divulgação da cultura

brasileira às repartições consulares eram constantes, uma das prioridades da administração

de Mário Guimarães foi aumentar a distribuição de discos, folhetos, livros e similares.

Além disso, promoveu o melhor aparelhamento desses locais para a projeção de filmes,

exposições e atividades culturais em geral. A questão da remessa dos discos que estavam

no depósito para o exterior foi resolvida com a encomenda de caixas de madeira que os

acondicionaram para o transporte. Em 1952, o manual “Brasil”, publicação de maior

importância do Itamaraty, atinge a tiragem recorde de 49.000 exemplares, em inglês.

Planeja-se chegar aos 200.000 exemplares, com formato menor e texto em vários

idiomas.170

Sentindo que faltava, ainda, uma estrutura funcional que se encarregasse da

execução, no exterior, das ações de política cultural, Mário Guimarães redige “O Projeto

de criação dos Cargos de Adidos Culturais e de Imprensa”, deixando patente a

preocupação com a representação e a divulgação da cultura, que disporia de mais recursos

ao se conjugar a ação cultural com o suporte estratégico dado pela difusão via meios de

168
Relatório Anual do Ministério das Relações Exteriores – 1952. Ministério das Relações Exteriores, Rio de
Janeiro, 1953, p. 95.
169
Idem, p. 96.
170
Idem, p. 92.

85
comunicação. Na sua visão, “(...) Quanto à ação cultural propriamente dita, creio que

poucos serviços diplomáticos no mundo se acham tão capacitados para exercê-la como o

nosso” 171. Fiando-se na competência do quadro do Itamaraty, sugere, ainda, que jovens

diplomatas assumam a adidância. Em fins de 1952, pouco antes do fim de sua gestão à

frente da DCl, explana sobre a criação das “Cadeiras de Estudos Brasileiros”172, traçando

um histórico que as põe como parte de uma linha evolutiva da difusão cultural que se inicia

com a sua chegada à direção. Aventa, por fim, a possibilidade dos catedráticos se tornarem

adidos culturais. Mais uma vez, um projeto de criação de adidos seria indeferido, adiando o

que parecia constituir, tal como concebido naquele momento, um eficiente plano de

recursos humanos para a diplomacia cultural brasileira.

O capítulo relativo à DCl do relatório de 1952, último da gestão de Mário

Guimarães, tem como peculiaridade a análise do desenvolvimento das ações culturais do

setor, transcendendo a mera enumeração das atividades empreendidas. Nele, ficam

patentes os novos caminhos abertos para as ações de política cultural externa brasileira, a

partir de uma melhor compreensão da trajetória de tais atividades e das perspectivas

existentes:

O papel do Itamaraty em matéria cultural é multíplice. E sua


atividade não se limita nos nossos dias ao trabalho pessoal do
diplomata. É que, tendo sido ampliada a base de ação e, de outro
lado, vendo-se o representante brasileiro, no exercício de sua mais
precisa tarefa, prejudicado pelo pouco conhecimento antes reinante
no exterior a respeito do Brasil, havia que adequar aquela

171
Memorandum de Mário Guimarães ao Chefe do Departamento Político e Cultural. “O Projeto de Criação
dos Cargos de Adido Cultural e de Imprensa”, 14/05/51. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 135.5.12,
AHI, Rio de Janeiro .
172
Idem, 22/10/52.

86
atribuição às exigências criadas pelo desenvolvimento do país e às
condições mundiais que os tempos sugeriam. Pois que a
responsabilidade não descansa comodamente no que foi feito mas,
sobretudo, no que cabe realizar.173

Em publicação de 1946, McMurry e Lee dão destaque ao programa de relações

culturais do Brasil, que compreende a difusão da língua portuguesa, a assinatura de

diversos acordos com países latino-americanos e também com o Canadá e os programas de

intercâmbio estudantil com cessão de bolsas de estudo e de co-edições, primeiramente com

México e Argentina.174 Ao analisar o que dizem as autoras, Edgard Telles Ribeiro ressalta

que

[...] é certo que os acordos e as atividades se multiplicaram,


contribuindo para a permanente atualização dos valores brasileiros
no exterior. Seria difícil, no entanto, deduzir que esse aumento
corresponde a resultados proporcionalmente iguais ou superiores
aos que o Brasil então obtinha.
Não que o Itamaraty tenha reduzido seu apoio à diplomacia
cultural. Ao contrário, o campo até se expandiu, sobretudo se
considerarmos o universo da cooperação técnica que constitui, hoje
em dia, uma das prioridades políticas no Ministério na formulação
do relacionamento com os demais países em desenvolvimento.
Mas essa atuação terá ficado muito aquém do papel de crescente
importância que o país passou a desempenhar no cenário regional e
internacional.175

173
Relatório Anual do Ministério das Relações Exteriores – 1952. Ministério das Relações Exteriores, Rio de
Janeiro, 1953, p. 90.
174
Mc Murry e Lee apud RIBEIRO, Edgard Telles. Op. cit., pp. 69-70.
175
Id. Ibid., p. 70-1.

87
Ora, embora a evolução das ações culturais atreladas à política cultural externa

brasileira seja modesta, se comparada aos outros setores através dos quais o Brasil realiza

sua inserção no plano internacional, a materialidade dessas relações, bem como a constante

preocupação em desenvolvê-las do modo mais ostensivo possível, em que pesem as

privações orçamentárias, as divergências pessoais e mesmo a produção de resultados, no

período aqui abordado, é patente.

Vivendo um período de relativo conforto financeiro, posto que a Câmara dos

Deputados autorizara um considerável aumento de sua verba anual, a DCl inicia o ano de

1953 com oito exposições de Arquitetura sendo preparadas para incursões na Europa.176 O

novo chefe, James Sloan Chermont, assume em janeiro, em meio a um intenso movimento

em torno dos festivais internacionais de cinema e, também, do primeiro evento do gênero a

ser realizado no Brasil. A relação do Itamaraty com a participação de filmes brasileiros em

festivais internacionais, neste momento, era total; a responsabilidade pela escolha e envio

dos filmes ao exterior recaía, primeiramente, sobre o corpo diplomático. Assim sendo,

Chermont designa à Comissão Preparatória do 1º Festival Internacional de Cinema do

Brasil a escolha do representante brasileiro no III Festival Internacional do Filme de

Berlim e no IV Festival Internacional do Filme de Cannes. Como forma de manter a

gerência sobre o processo de seleção, ainda que a tenha delegado, Chermont solicita se

tornar membro da Comissão Preparatória. Neste contexto, o filme “O Cangaceiro”, que

sairia premiado do Festival de Cannes, passa pelo crivo da Comissão antes de ser inscrito,

tendo sido feita, entretanto, a ressalva de que a situação do cangaço e sua extinção

deveriam ser destacados em legenda no início da fita.177 Nota-se, mais uma vez, a

176
Memorandum sobre a preparação das exposições, 09/01/53. MRE, Informações e Relatórios da DCl,
135.5.14, AHI, Rio de Janeiro.
177
“IV Festival Internacional do Filme, em Cannes. Participação do Brasil”, 06/02/53. MRE, Informações e
Relatórios da DCl, 135.5.14, AHI, Rio de Janeiro.

88
preocupação com a imagem do Brasil a ser difundida; destacar o cangaço como elemento

do passado era, neste momento, afirmar que passos haviam sido dados rumo ao

desenvolvimento, numa nova realidade onde não caberiam tais elementos sociais. Esta

postura era artifício da diplomacia cultural brasileira, cujo histórico, que remonta aos

tempos de Rio Branco, preconizava o estratagema de levar-se aos países estrangeiros a

melhor imagem do país. A palavra “modernidade”, empregada para definir o Brasil como

um país que atingira determinado estágio de desenvolvimento humano, social, econômico

e cultural, é constantemente encontrada nos documentos oficiais redigidos por diplomatas,

cônsules e chefes da DCl, que enfatizam a importância, para o país, de que tais

características fossem reconhecidas no âmbito internacional. Em certo sentido, a postura de

Roberto Mendes (1949-50), ao avaliar de modo negativo a publicação do livro “Flagrantes

do Brasil” e descontinuar diversas ações culturais, é parte deste esforço, embora os

resultados no plano factual não tenham sido de todo satisfatórios. O objetivo de seguir as

diretrizes da política cultural externa está sempre presente nas administrações, mas a

maneira como tal intento será levado à prática dependerá de fatores subjetivos, como as

preferências individuais dos diplomatas. Disto decorrerão ajustes e desajustes na execução

da política cultural externa, o que não configurará sua inexistência, mas antes a tentativa,

com erros e acertos, de levá-la à ação da melhor forma possível.178

Para o Festival de Cannes de 1954, Chermont sugere a nomeação do cineasta

Alberto Cavalcanti como representante brasileiro, mas propõe arcar parcialmente com as

despesas da viagem; somente as passagens aéreas poderão ser custeadas pela DCl.179 Como

Cavalcanti não dispõe de meios para pagar os custos da estada, são indicados para

178
“Flagrantes do Brasil”, 14/03/50. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 135.5.12, AHI, Rio de Janeiro .
179
“Festival de Cannes”, 20/02/54. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 135.5.17, AHI, Rio de Janeiro .

89
representar o Brasil Roberto Assunção e Vinícius de Moraes.180 A partir da indicação de

membros do próprio corpo diplomático para representar o país em um dos mais

importantes festivais do mundo, percebe-se claramente que a dedicação à difusão da

cultura brasileira através do cinema constituiu a marca pessoal da atuação de James

Chermont à frente da DCl. Além da participação em tais festivais, outras frentes possíveis

de ação, dentro do escopo do suporte audiovisual, foram empreendidas. A compra de

longas-metragens de documentário e ficção, tendo como tema aspectos do Brasil,

posteriormente distribuídos pelas embaixadas e consulados, foi parte importante da ação

cultural no período. Importante ressaltar que os filmes eram adquiridos de acordo com

alguns ditames da política cultural externa, sobretudo a priorização das Américas na

difusão, tendo em mente, entre outros aspectos, o interesse dos países de língua espanhola

por temas religiosos.181

O empenho brasileiro em se tornar uma referência cultural nas Américas resulta na

indicação do país para membro da Comissão de Ação Cultural da Organização dos Estados

Americanos. Por outro lado, alguns dos Institutos de Cultura passam por dificuldades. A

título de exemplo, citemos o Argentino-Brasileiro, que é relegado a relativo abandono após

impasse administrativo.182

Em relação a assinatura de acordos bilaterais que versem sobre aspectos culturais,

inicia-se, então, a celeuma em torno do Convênio Cultural Brasil-Espanha. O grande

entrave à resolução do caso é o regime franquista e sua própria política cultural. O conflito

ideológico entre a democracia brasileira e a ditadura de Franco é notório. As proposições

180
Idem.
181
“Fornecimento de filmes para a DCl”, 11/02/54. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 135.5.17, AHI,
Rio de Janeiro .
182
“Atividades do Instituto Argentino-Brasileiro de Cultura”, 06/04/54. MRE, Informações e Relatórios da
DCl, 135.5.17, AHI, Rio de Janeiro .

90
do governo espanhol entram em conflito com os princípios da política cultural do

Itamaraty, como veremos mais adiante.183

A tendência de dar ao cinema uma parcela de participação ativa nas ações culturais

externas, tornando-se ele uma das principais frentes de ação do Itamaraty, perdurará

durante a primeira metade da década de 1960, com a presença fundamental de Arnaldo

Carrilho nos quadros da DCl e, posteriormente, da DDC. No contexto da indústria cultural,

como já destacamos anteriormente, o cinema surge como expressão artística de alto

potencial comercial, e sua difusão no cenário internacional por via oficial irá se tornar uma

realidade.

Em maio de 1954, a gestão de Theodemiro Tostes inicia-se com uma preocupação

pertinente a algumas das administrações anteriores: o cumprimento dos acordos

internacionais que previam intercâmbio de estudantes e o modo como esta modalidade de

cooperação intelectual vinha sendo conduzida. Um dos pontos preocupantes era o Prêmio

Brasil. Em julho, João Frank da Costa faz relatório sobre o prêmio, onde expõe que os

estudantes premiados com a viagem ao Brasil viam a oportunidade mais como uma forma

de fazer turismo às expensas do governo brasileiro do que como uma oportunidade de

conhecer melhor um país que supostamente os interessava. Entre outras observações,

destaca a indelicadeza com que alguns desses alunos estrangeiros se referiam ao povo e aos

hábitos brasileiros, fazendo críticas incisivas ao país. Conclui que “pessoas mais maduras”

teriam maior interesse e seriam mais efetivas na divulgação da cultura brasileira no

exterior, quando de seu retorno ao país de origem184. O prêmio, que tivera sucesso a

princípio, finda por padecer do mesmo mal que acometia outras modalidades de

183
Tema de uma coletânea de documentos elaborados entre maio e outubro de 1956. MRE, Documentos
avulsos, 135.5.6, AHI, Rio de Janeiro.
184
Memorandum de João Frank Da Costa ao Chefe da DCl. “Prêmio Brasil”, 14/07/54. MRE, Informações e
Relatórios da DCl, 135.5.17, AHI, Rio de Janeiro.

91
intercâmbio cultural: os agraciados não pareciam dispostos, ou capazes, de dar o retorno

pretendido, em forma de divulgação do Brasil no exterior. Isso posto, reavalia-se a sua

funcionalidade, discute-se a continuidade da ação. Depreendemos, pois, que a correção das

ações culturais que não fossem produzir resultados positivos fazia parte das inquietações

dos diplomatas encarregados de funções na DCl. A avaliação do andamento das atividades

ensejava a produção de relatórios que, de modo geral, eram essenciais para a melhor

condução da política cultural externa. Ações culturais eram levadas adiante ou

descontinuadas a partir dos dados coligidos pelos diplomatas, aumentando a eficiência

desta política.

As instruções aos embaixadores e ministros que fossem assumir postos no exterior

tornavam-se cada vez mais rotineiras; o esmero em esboçar detalhes das relações culturais

bilaterais do Brasil com os referidos países é crescente. Aconselha-se os representantes a

forjar os meios para que sejam redigidos e assinados convênios culturais, bem como que se

crie nas universidades estrangeiras cátedras e cursos de estudos brasileiros. Em parte

considerável dos casos, consegue-se levar a cabo essas ações, com boa aceitação por parte

governos locais. Neste período, será iniciada a construção do Colégio Experimental

Paraguai – Brasil, em Assunção, conforme acordo assinado entre os dois países em 1953.

Dificuldades surgirão a partir do segundo semestre de 1954, quando a perspectiva da

redução de verba em 42% para o exercício seguinte impinge uma postura austera em

relação aos gastos.185

A primeira conseqüência dos problemas financeiros da DCl é a transferência da II

Reunião do Conselho Cultural Interamericano e da Reunião Interamericana dos Ministros

da Educação, que seria realizada no Rio de Janeiro em novembro de 1954. Em seguida,

185
“Relatório Anual”, 30/12/55. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 135.5.17, AHI, Rio de Janeiro.

92
suspende-se uma das principais ações culturais do Itamaraty desde o período da DCI, e até

então nunca interrompida: os auxílios a publicações e a aquisição de livros. As cadeiras de

estudos brasileiros em universidades estrangeiras são suprimidas, e volta-se atrás,

contingencialmente, na decisão de nomear Otto Lara Rezende para ministrar aulas na

Universidade Central de Quito, capital do Equador. O pagamento do auxílio mensal de 50

dólares, dado a estudantes brasileiros no exterior, também representa um alto custo anual, e

a sua concessão será revista. Outro percalço é a participação no Festival de Cannes daquele

ano: Vinícius de Moraes é indicado para delegado brasileiro, mas dá-se despacho onde

consta que o Ministro de Estado das Relações Exteriores “não deseja mandar

representante”186. Em fevereiro de 1955 esgota-se a verba, mas ainda assim Vinícius vai a

Cannes, já que o festival exige delegado creditado por via diplomática, e sua ausência

inviabilizaria a participação brasileira.

Em fevereiro de 1956, Margarida Guedes Nogueira, que assume como Chefe

Substituta da DCl no período de transição entre a chefia de Theodemiro Tostes e José

Osvaldo de Meira Penna, solicita ao Chefe do Departamento Político e Cultural a

reabertura dos cursos livres sobre a cultura brasileira em universidades estrangeiras,

priorizando Portugal, Espanha, Itália, Estados Unidos e países americanos. As indicações

de Margarida se coadunam com as diretrizes de política cultural externa do Itamaraty:

priorizar a difusão da cultura brasileira no continente americano, sem olvidar os laços que

ligam o Brasil a Portugal, incluindo, também, Itália e Espanha, países cujas relações

históricas com o Brasil não poderiam ser desconsideradas.

186
Memorandum de Theodemiro Tostes ao Chefe do Departamento Político e Cultural sobre a participação
brasileira no Festival de Cannes, 01/02/55. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 135.5.17, AHI, Rio de
Janeiro.

93
Em abril, a chefe substituta Margarida Guedes Nogueira redige uma “Proposta de

Reabertura do Instituto Cultural Boliviano-Brasileiro”:

[...] Para complementar a nossa política de estreitamento de


relações com aquele país e contrabalançar a poderosa influência
que o mesmo sofre da cultura argentina, seria desejável que um
Instituto – à semelhança dos que mantemos, com resultados tão
apreciáveis, em Montevidéu, Assunção e Buenos Aires – viesse a
se constituir em centro de irradiação da nossa cultura naquelas
paragens.187

Mais uma vez, evidencia-se a preocupação em exercer posição de liderança na

difusão cultural na América do Sul, principalmente quando há a avaliação da posição

argentina, que conta, a seu favor, com a língua comum a outros países da região. Em 1956,

quando tem início o processo de redação do acordo cultural entre Brasil e Espanha, inicia-

se um amplo debate sobre as relações culturais entre os dois países, fato que em certa

medida está também atrelado à relação de oposição entre o conceito de iberoamérica e o de

comunidade luso-brasileira. Entre outros aspectos considerados controversos pela parte

brasileira está o “falseamento da verdade histórica” em textos didáticos utilizados por

estabelecimentos de ensino espanhóis. Segundo a Comissão de Relações Exteriores do

Senado Federal, a cláusula que abre precedente para que tais falseamentos sejam feitos

“não nos recomenda”, posto que “não é possível pensar nela entre um país democrático

187
Memorandum Guedes Nogueira, Chefe Substituto da DCl, ao Chefe do Departamento Político e Cultural.
“Relações Culturais Brasil-Bolívia. Proposta de Reabertura do Instituto Cultural Boliviano-Brasileiro”,
15/04/56. MRE, Documentos avulsos, 135.5.6, AHI, Rio de Janeiro.

94
como o Brasil, e outro totalitário”.188 Nas relações com a Espanha, lidar com as

dificuldades resultantes das diferenças entre as respectivas políticas culturais, decorrentes,

em grande parte, das discrepâncias ideológicas entre os dois governos, constituía um

desafio constante, objeto de manobras diplomáticas que pretendiam contornar as

dissensões e levar a termo as ações pretendidas pelo Brasil.

A redução de verbas fez-se em muitos aspectos nociva à ação cultural do Itamaraty,

com a suspensão de diversas atividades, mas não foi suficiente para interromper em caráter

irreversível esta ação. Embora padecendo de escassez de recursos, a DCl não abandonou

por completo as tarefas de difusão, evitando, com este movimento, o adormecimento total

da política cultural externa brasileira.

Após um ano conturbado, durante o qual várias chefias interinas e substitutas

estiveram à frente da DCl, o mês de setembro de 1956 marca o início da gestão de José

Osvaldo de Meira Penna. Independentemente de suas preferências estéticas, Meira Penna

imprimiu à política cultural externa do Itamaraty um ritmo de trabalho e continuidade nas

ações que findou por definir as feições que ela teria a partir de então.

A organização das atividades da DCl, com uma definição clara de prioridades, fica

evidente na administração de Meira Penna. Ainda em 1956, algumas providências sobre a

difusão cultural começam a ser tomadas. Nas missões diplomáticas e embaixadas,

empreende-se uma organização sistemática do conteúdo das bibliotecas, para que as

coleções passem a abarcar volumes representativos, livrando-as do caráter “improvisado”

que as havia caracterizado até então e incluindo, também, textos em língua estrangeira

188
Tema de uma coletânea de documentos elaborados entre maio e outubro de 1956. MRE, Documentos
avulsos, 135.5.6, AHI, Rio de Janeiro.

95
sobre o Brasil.189 Há preocupação semelhante quanto às coleções de fotos, filmotecas e

discotecas direcionadas à difusão cultural. Em janeiro de 1957, o ISEB (Instituto Superior

de Estudos Brasileiros), através do MEC, solicita que o Itamaraty designe três funcionários

para freqüentarem como estagiários seus cursos. Meira Penna é de opinião que devem ser

indicados diplomatas mais jovens. A Chefe do Departamento Político e Cultural,

Margarida Guedes Nogueira, outrora chefe da DCl, concorda, mas o Secretário Geral

decide que, devido à carência de funcionários e ao fato de serem enviados, por ano, quatro

diplomatas para os mesmos fins à Escola Superior de Guerra (ESG), só em 1958 será

possível o empreendimento deste treinamento. A apreciação da questão feita por Meira

Penna, ao sinalizar que novos diplomatas, recém-egressos do Instituto Rio Branco, seriam

indicados para o treinamento no ISEB, demonstra a preocupação com a formação dos

novos quadros, bem como com o andamento do trabalho, que poderiam ser prejudicados

com o deslocamento de diplomatas em atividade.190

Sob solicitação de Meira Penna, é feita uma listagem de acordos culturais que

incluíssem cláusulas relativas a bolsas de estudos. Importante ressaltar que a maioria dos

convênios do gênero firmada entre o Brasil e outros países latino-americanos é do período

do Estado Novo.191 As condições destes acordos previam a reciprocidade na concessão de

bolsas. Ocorre que o alto custo de vida em determinados países constrange o Itamaraty,

através da DCl, a complementar as bolsas de estudos concedidas a brasileiros. Tal

necessidade prejudica a concessão de novas bolsas a estrangeiros e cria empecilhos para o

189
Relatório Anual do Ministério das Relações Exteriores – 1956. Ministério das Relações Exteriores, Rio de
Janeiro, 1957, p. 68.
190
Memorandum de Oswaldo de Meira Penna sobre solicitação de diplomatas pelo ISEB, 16/01/1957. MRE,
Informações e Relatórios da DCl, 135.5.16, AHI, Rio de Janeiro.
191
“Acordos Cultrurais/Bolsas de Estudo”, SET/57. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 135.5.16, AHI,
Rio de Janeiro.

96
cumprimento justo dos compromissos assumidos pelo Brasil em acordos culturais. Lidar

com essas contingências é um desafio para os chefes da DCl.

Em 1953, o Banco do Brasil suspendera o sistema de câmbio especial para os

estudantes brasileiros no exterior, causando sérios problemas financeiros para aqueles que

dependiam deste expediente para manter-se fora do país.192 Em contrapartida, o Itamaraty

passa a conceder auxílios mensais no valor de US$ 50,00 a esses estudantes, sem que haja,

a princípio, uma sistematização dessas concessões – havendo solicitação, obter ou não o

auxílio dependeria primordialmente da disponibilidade financeira para o dispêndio. Tal

aplicação de recursos absorve uma parte significativa da verba, e não corresponde, no

plano real, a uma forma eficiente de divulgação cultural do Brasil no exterior:193

c) Auxílio de US$ 50,00 a bolsistas brasileiros, no estrangeiro –


No corrente ano, houve cerca de 200 concessões de US$ 50,00 por
um período de seis meses. Representa um gasto de,
aproximadamente, US$ 60.000,00, que muito prejudica os demais
compromissos da Divisão Cultural. Tenta-se atualmente restringir
ao máximo esse subsídio (...). De fato, por mais justo que seja o
auxílio, não se explica esteja o Itamaraty financiando indiretamente
a propaganda cultural de países estrangeiros.194

Na avaliação de Meira Penna, a concessão de tais auxílios torna-se ainda mais

grave quando o país que por ventura se beneficie das expensas brasileiras ponha em prática
192
Relatório Anual do Ministério das Relações Exteriores – 1961. Ministério das Relações Exteriores, Rio de
Janeiro, 1962.
193
Relatório “Acordos Culturais / bolsas de Estudos”, Setembro de 1957. MRE, Informações e Relatórios da
DCl, 135.5.16, AHI, Rio de Janeiro.
194
Relatório Anual do Ministério das Relações Exteriores – 1956. Ministério das Relações Exteriores, Rio de
Janeiro, 1957, p. 71.

97
uma política cultural externa que contrarie e, de alguma forma, prejudique, a posição

brasileira neste tocante. Em relatório relativo ao tema, mais especificamente aos alunos

brasileiros bolsistas do Instituto de Cultura Hispânica, Meira Penna se refere às

discrepâncias de objetivos da política cultural do Instituto de Cultura Hispânica e do

Itamaraty, para justificar sua posição contrária à cessão de complementação de bolsas:

[...] os objetivos do Instituto de Cultura Hispânica não coincidem,


mormente em nossa fase atual de relações com Portugal, com os
objetivos de nossa política cultural. [Cujos princípios são]
comunidade luso-brasileira, união latina, comunidade ocidental.195

A referência às relações com Portugal se respalda em acontecimentos importantes,

ocorridos nos anos precedentes, para as relações bilaterais com aquele país. Em 16 de

novembro de 1953 é celebrado, no Rio de Janeiro, o Tratado de Amizade e Consulta entre

Portugal e Brasil. Em 1957, o então presidente de Portugal, General Craveiro Lopes, vem

ao Brasil em visita oficial, e assina, juntamente com Juscelino Kubitschek, uma Declaração

Conjunta que cria a Comissão Mista Brasil-Portugal, que tem por objetivo coordenar as

atividades relativas ao tratado, dando a real dimensão das relações luso-brasileiras.196 No

caso da política cultural externa, o conceito de civilização luso-tropical, tal como

formulado por Gilberto Freyre, reverbera no destaque, em ordem de importância, da defesa

de uma comunidade luso-brasileira, quando da discussão das linhas de ação a serem

adotadas pelo Itamaraty.


195
Memorandum de Meira Penna ao Chefe do Departamento Político e Cultural. “Bolsas de Estudos do
Instituto de Cultura Hispânica”, 19/09/1957. MRE, Informações e Relatórios da DCl, 1956-57, 135.5.16,
AHI, Rio de Janeiro.
196
Cf. MAGALHÃES, José Calvet de. Breve história das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal. São
Paulo: Paz e Terra: 1999, pp. 93-4.

98
Na tentativa de conciliar os interesses de ambas as partes, Meira Penna discute o

tema com o embaixador espanhol no Rio de Janeiro. Os resultados, porém, são pífios. A

dissensão torna-se ainda mais séria, evidenciando a profundidade das diferenças

ideológicas entre as políticas culturais externas de Brasil e Espanha. Em 1958, a questão

ibero-américa versus comunidade luso-brasileira volta à discussão através do Congresso

Iberoamericano de Educação, evento promovido pela Espanha, durante o qual fica

evidente, segundo o representante diplomático brasileiro, a intenção de estabelecer uma

hegemonia cultural hispânica na América Latina.197 Como, por parte do Brasil, opor-se

frontalmente a tentativas de dominação é parte intrínseca da política cultural, há uma

discordância essencial entre os dois países, cuja solução então parece distante de ser

encontrada.

Outra questão delicada, neste caso do ponto de vista interno, é a relação da DCl

com o IBECC. Desempenhando, desde o final dos anos 40, o papel de Comissão Nacional

da Unesco, órgão da ONU responsável pelas questões educacionais e culturais, o IBECC,

que se encontrava instalado nas dependências do Itamaraty, não guardava com ele relação

de subordinação, mas sim de coordenação. Todavia, são muitos os problemas no contato

do IBECC com o Itamaraty, especificamente com a DCl, que é, a princípio, a estância que

cuida de temas correlatos no âmbito das relações exteriores. Em 1958, após comparecer a

II Reunião de Chefes de Serviços Culturais, promovida em Paris pela Unesco, Meira

Penna, que exercia, ex-officio, a função de Secretário Geral do IBECC, comenta sobre o

imperativo de se regulamentar ou institucionalizar as relações do Itamaraty, do IBECC e

do Ministério da Educação e Cultura com a Unesco. De fato, há uma profunda

discordância, senão conflito de interesses e hierarquia, entre Meira Penna e Roberto

197
Memorandum de Meira Penna ao Chefe do Departamento Político e Cultural sobre o “Congresso
Interiberoamericano de Educação”, op. cit., loc. Cit.

99
Assumpção, Secretário Executivo do IBECC. A relação entre uma instituição que

representa, em última instância, um órgão supranacional (IBECC –Unesco – ONU) e a

seção da estrutura estatal brasileira designada para formular e coordenar as ações

decorrentes de política cultural externa (Divisão Cultural – Itamaraty) é, por diversos

motivos, difícil. Enquanto o IBECC encerra, por premissa, o interesse de incrementar o

acesso da população local às atividades e bens culturais, assim como auxiliar na difusão da

cultura brasileira no exterior e estimular a cooperação intelectual, a DCl tem a função de

tornar essas relações instrumentos de uma política externa com objetivos e princípios

previamente definidos. Há, em certo grau, uma divergência de finalidade, que aliada a

outros fatores, como as concepções pessoais de cultura dos respectivos chefes, causa

interferências na condução de projetos conjuntos.

Além das atividades de cooperação intelectual, a difusão cultural, através de

diversas expressões artísticas, também sofreu especial aumento durante a gestão de Meira

Penna. As artes plásticas, em exposições coletivas ou individuais de artistas como Burle

Marx e Lasar Segall, obtiveram êxito de público em países europeus e latino-

americanos198. A Exposição de Arquitetura Brasileira, que inicia, em 1958, seu roteiro

itinerante a partir de Buenos Aires, divide-se em três partes: Barroca, Contemporânea e

Brasília. Os elementos conformam-se em linha evolutiva, sendo Brasília, então em

construção, a apoteose da arquitetura brasileira. No ano seguinte, serão quatro exposições

do gênero circulando pelos continentes americano e europeu, apresentando arte e

arquitetura conjuntamente.199 O destaque dado a Brasília coaduna-se com a diretriz de

apresentar o Brasil como país em processo de desenvolvimento, através da imagem

198
Relatório Anual do Ministério das Relações Exteriores – 1959. Ministério das Relações Exteriores, Rio de
Janeiro, 1960, p. 41-2.
199
Idem.

100
atraente de uma nova capital de linhas modernas, que trazia em seu âmago exatamente o

que se esperava difundir para o exterior sobre o Brasil.

Em outro extremo, justificando a necessidade premente de se criar uma “Comissão

de Seleção de Filmes Brasileiros Para Festivais”, Meira Penna critica de forma veemente a

participação brasileira no Festival de Filmes de Karlovy-Vary, na Tchecoslováquia, com “a

película ‘Rio, 40º’, que constitui uma péssima imagem de nosso país”.200 O filme, que traz

à tela a realidade das populações de baixa renda dos subúrbios cariocas, é um dos clássicos

do Cinema Novo; sua temática, entretanto, não traz a mais positiva imagem do Brasil.

Além disso, as concepções estéticas pessoais do chefe da DCl, José Osvaldo de Meira

Penna, tem peso considerável no processo decisório das ações culturais, na dimensão

indicada por Renouvin e Duroselle.201 No mês seguinte, é finalmente criada uma comissão

destinada a selecionar os filmes brasileiros para participação em festivais internacionais,

formada por Meira Penna, como Chefe da DCl, pelo Diretor do Instituto Nacional do

Cinema Educativo e por um representante do Grupo de Estudos da Indústria

Cinematográfica.202

Nos últimos meses de 1959 dá-se início a concepção de uma reforma orgânica do

Itamaraty. Como forma de viabilizar as mudanças e torná-las mais eficazes, solicita-se a

opinião dos chefes de divisão. Neste contexto, Meira Penna, então encerrando sua gestão à

frente da DCl, escreve longos relatórios ao Chefe do Departamento Político e Cultural,

onde faz observações a respeito do espaço que a cultura deveria ocupar nas atividades do

200
Memorandum de Meira Penna ao Chefe do Departamento Político e Cultural sobre a participação do
Brasil no Festival de Cinema de Karlovy-Vary, na Tchecoslováquia, 13/04/1959. MRE, Informações e
Relatórios da DCl, 136.1.2, AHI, Rio de Janeiro.
201
Compreender a relação das concepções pessoais do homem de Estado com as diretrizes que implementa,
quando investido de poder, é fundamental para a compreensão da História das Relações Internacionais. Cf.
RENOUVIN, Pierre & DUROSELLE, Jean-Baptiste. Op. cit., loc. Cit.
202
Relatório Anual do Ministério das Relações Exteriores – 1959. Ministério das Relações Exteriores, Rio de
Janeiro, 1960, p. 40.

101
Itamaraty, em decorrência das reformas que se aproximavam. Como forma de exemplificar

possíveis formas de ação cultural, discorre sobre como é tratada a cultura por outras

chancelarias. Mudanças estruturais de caráter mais amplo só se tornariam realidade em

janeiro de 1962, mas a organização empreendida por Meira Penna trouxe à DCl um nível

de coordenação que permitiu a ininterrupção, a partir de então, das ações empreendidas.

2.3. A Vez da Recusa

Durante o período presidencial de Juscelino Kubitschek, um dos núcleos de

fundamental importância para o desenvolvimento de uma ótica nacionalista foi o ISEB.

Criado no governo Café Filho, em 1955, e aglutinando intelectuais como Hélio Jaguaribe,

Nelson Werneck Sodré e Roland Corbisier, o ISEB tornou-se uma referência na pesquisa

de questões brasileiras, analisadas através da ótica de viés liberal do “nacionalismo

desenvolvimentista”.203 É no ISEB que se discute a articulação dos ditos “setores

dinâmicos” da economia, isto é, aqueles diretamente relacionados com o desenvolvimento

da indústria nacional204, em virtude do que seria a “revolução democrático-burguesa”

brasileira. Segundo Mota,

(...) os anos 50 caracterizaram-se pela montagem (ou, no mínimo,


reforço) de tendência ideológicas nacionalistas que vinham se
plasmando em ressonância a processos políticos e sociais marcados
pelo desenvolvimento econômico e pela criação de condições para
uma possível revolução burguesa. Até mesmo o pensamento
marxista, desmistificador por essência, deixou-se penetrar por esse
quadro ideológico.205

203
SKIDMORE, Thomas. op.cit., p. 211.
204
JAGUARIBE, Hélio. Condições institucionais do desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro, ISEB/MEC,
1958, p. 30.
205
MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira 1933-74. São Paulo: Editora Ática, 1977, pp.
156-7.

102
Isso posto, podemos depreender que, durante a década de 50, principalmente no

decorrer do mandato de Juscelino Kubitschek, os diversos setores nacionalistas da

sociedade estiveram em relativa harmonia, no tocante às idéias e visões da realidade

brasileira. Alguns anos depois, a produção cultural tornar-se-á o sucedâneo natural deste

momento: música, teatro e cinema, entre outras expressões artísticas, irão, de modo

maciço, representar temas essencialmente nacionais.

Deve-se marcar a diferença entre o nacionalismo radical e o nacional-

desenvolvimentismo como praticado por Kubitschek. A política econômica adotada

durante seu governo procurou unir ao Estado o capital privado nacional e estrangeiro,

como estratégia para promover o desenvolvimento do país através da industrialização.206

Houve, em certa medida, um descompasso entre o “ideário nacionalista” preconizado pelos

intelectuais do ISEB, cuja função precípua era assessorar o governo, e a

internacionalização da economia havida então.207

Durante o intervalo democrático que se inicia em 1945, com a queda do Estado

Novo, e finda em 1964, com a deposição de João Goulart, foram intensas, também, as

oscilações de tendências e opiniões no que tange à cultura brasileira. Expressões artísticas

como a música popular, o cinema, o teatro, a literatura e as artes plásticas traduziram, de

modo claro, o panorama nacionalista que ora caracterizava o pensamento político do país.

Embora a inter-relação entre realidade sócio-política e econômica e cultura seja

habitualmente intensa, o recorte de tempo que aqui abordamos tende a ser avaliado de

modo especial neste aspecto, em função da profundidade com que as questões políticas

206
FAUSTO, Boris. Op. cit., loc. Cit.
207
ORTIZ, Renato. op. cit., p. 47.

103
pautaram a produção cultural tanto nos anos que precederam 1964 quanto no pós-Golpe.208

Segundo Heloísa Buarque de Hollanda, “a efervescência política e o intenso clima de

mobilização que experimentávamos no dia-a-dia favoreciam a adesão dos artistas e

intelectuais ao projeto revolucionário”.209

No que concerne aos intelectuais, um caso exemplar é a preocupação, no interior do

ISEB, em se trilhar uma linha de pensamento que servisse, especificamente, à cultura

brasileira. Uma característica intrínseca do pensamento isebiano sobre cultura é sua feição

perspectiva, isto é, dá-se menos ênfase ao estudo histórico, e maior destaque a uma

concepção da cultura que esteja atrelada à questão da transformação. A cultura, pois, é

vista, de modo privilegiado, em sua dimensão de potencial transformadora da realidade

social e econômica.210

Quem se dedicou mais detidamente às questões culturais, nos quadros do ISEB, foi

Roland Corbisier, Diretor Executivo do Instituto. Em sua conferência “Situação e

Alternativas da Cultura Brasileira”, Corbisier expõe o ponto nodal de suas formulações

acerca do tema: o povo brasileiro, por ser colonial, tem uma cultura necessariamente

dependente; num contexto global onde a alienação é a tônica, esta cultura estará fadada à

“inautenticidade”.211 Por conseguinte, a partir dos primeiros anos da década de 60 o debate

em torno da “autenticidade” e da “alienação” das emergentes expressões culturais

brasileiras tenderá a tomar espaço cada vez maior, tornando patente a influência isebiana

no modo de pensar a cultura. Os “conceitos de cultura alienada, de popular e de

208
BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde - 1960/1970.
SãoPaulo: Brasiliense, 1981, p. 17.
209
Id. Ibid, p. 15.
210
Cf. MOTA, Carlos Guilherme, op.cit, p. 46.
211
As formulações de Roland Corbisier acerca da cultura brasileira são citadas por diversos autores. Aqui,
utilizou-se o que foi referido por MOTA, Carlos Guilherme, op.cit, p. 165; e ORTIZ, Renato, op.cit, pp. 47-
50.

104
nacional”212, conforme concebidos no ISEB, irão ser transportados, pelos realizadores e

críticos do Cinema Novo e dos grupos teatrais emergentes, para a discussão interna a cada

uma dessas expressões artísticas, sendo adaptados e largamente utilizados. O advento da

Bossa Nova, em 1958, e a sua popularização nos anos subseqüentes, levarão o novo gênero

musical para o centro desta discussão.

O jornalista José Ramos Tinhorão, um dos principais críticos da Bossa Nova,

considerava o novo estilo musical um subextrato da música norte-americana por causa da

influência do jazz e da música popular daquele país. O novo gênero musical representaria a

admiração que a classe média urbana brasileira nutria pelo american way of life; Tinhorão

criticava, principalmente, a eterna “alienação” deste segmento social, representada pelas

letras da Bossa Nova, que até os primeiros anos da década de 60 estarão sempre baseadas

em temas de cunho romântico. Até mesmo a mudança havida na produção individual de

parte dos compositores provenientes do movimento, com o acirramento das discussões

acerca do nacionalismo na cultura e a politização à esquerda de parte considerável dos

jovens artistas de então, não será vista por Tinhorão de forma positiva:

O binômio lírico amor-flor, representado em tantas composições


da bossa nova [sic] – cujos cultivadores afirmam terem
reformulado a ‘temática’ da música popular brasileira –
constitui na verdade a mais antiga e mais constante marca da
influência do romantismo sobre a alienação sentimental das
camadas médias das cidades.
[...] A única diferença dessa mentalidade, [...] é que a moderna
politização da classe média, aliada à emancipação da mulher –
principalmente da atual juventude universitária – criou ao lado
do romantismo meramente ideal do binômio flor-amor o

212
MOTA, Carlos Guilherme. Op.cit, p. 48.

105
romantismo reinvidicatório das famosas letras de ‘conteúdo
social’.

A celeuma em torno do elemento nacional na cultura estará presente, também, nos

primórdios do Cinema Novo. O movimento começa a se constituir já nos anos 50,

insuflado pelo pensamento nacionalista que destaca a necessidade de haver, também no

cinema, a libertação do caráter “colonial” da cultura brasileira. No campo cinematográfico,

essa influência estaria caracterizada pela penetração da produção de massa hollywoodiana

desde os anos 40, fator que limitava a produção nacional. O crescimento do cinema

brasileiro frente à produção importada dos EUA estaria inscrito, portanto, no próprio

contexto da superação do subdesenvolvimento. Para se realizar tal intento, teria de se

ultrapassar não só o conteúdo da produção, através da utilização de temática nacional,

como também a forma, que deveria transcender os limites e padrões estabelecidos pelo

cinema norte-americano. O Cinema Novo marcará uma transformação estética e temática

na produção cinematográfica nacional:

Mais do que os nossos estilos pessoais, mais do que os temas dos


nossos filmes, mais do que os assuntos de que tratávamos, mais do
que tudo isso, o registro de imagens que estava ali era o da
fundação do Brasil enquanto imagem. Isso não havia antes. Não é
que o cinema brasileiro tenha começado conosco, mas a tradição do
cinema brasileiro não era essa. Nós inventamos essa tradição. Foi
um corte radical.213

213
Depoimento do cineasta Cacá Diegues a Jalusa Barcellos in BARCELLOS, Jalusa. CPC da UNE: Uma
História de Paixão e Consciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p. 42.

106
Sobre a base filosófica construída no ISEB, o CPC da UNE (Centro Popular de

Cultura da União Nacional dos Estudantes), irá pautar todas as prerrogativas para o

desenvolvimento de suas atividades culturais.214 Criado em 1962, o CPC congregou a

juventude engajada no movimento estudantil e os jovens artistas daquela geração que,

através da música, teatro, cinema, poesia e artes plásticas, tinham objetivos similares, no

que concernia à instrumentalização da arte para objetivos políticos. Ênio Silveira destaca

que o CPC

[...] foi mesmo, de início, um departamento de agit prop – ou seja,


agitação e propaganda.
[...] O objetivo básico do CPC era agitar a massa universitária e
conscientizá-la dos grandes desafios que tinha diante de si para
acordar a nação. Mobilizando os estudantes, chegar-se-ia a platéias
mais amplas.215

Se, por um lado, o CPC via na cultura popular um veículo para a conscientização

política e a subseqüente ação, admitia que esta mesma cultura já teria sido parcialmente

penetrada pelas práticas culturais “alienadas” das classes dominantes. A discussão em

torno do que seria uma “cultura popular”, e do que poderia, de fato, ser produzido pelo

CPC, esteve presente desde a fundação do Centro. Na primeira reunião realizada para a sua

formação, a idéia era que ele se chamasse Centro de Cultura Popular, mas logo de início

houve objeções:

Eu me coloquei imediatamente contra. Ainda hoje a minha posição


é a mesma. Já na época eu dizia que eu não era cultura popular. Eu,
Carlos Lyra, sou de classe média, e não pretendo fazer arte do
214
Cf. ORTIZ, Renato, op. cit, pp. 48-68.
215
SILVEIRA, Ênio in BARCELLOS, Jalusa. Op. cit, pp. 7-9, Prefácio.

107
povo, pretendo fazer aquilo que eu faço. Posso ser alienado, mas
não há como fugir: eu sou um artista de classe média. Faço Bossa
Nova, faço teatro. Mas, da mesma forma que não acho que o teatro
que a gente faz seja um teatro do povo, a minha música, por mais
que eu pretenda que ela seja politizada, nunca será uma música do
povo. Tudo pode ser feito com essa intenção de chegar ao povo, um
teatro para o povo, uma música que busque a participação, a
integração popular. Mas, classificá-los como arte popular, aí já é
outra história.216

Assim como Lyra, a maior parte dos integrantes do CPC – Ferreira Gullar,

Oduvaldo Vianna Filho, Chico de Assis, entre outros – também provinham da classe

média, e dela traziam uma formação cultural específica. Adotou-se, pois, a idéia de suscitar

no povo, através da arte revolucionária, a conscientização política de que ele carecia. A

mesma postura educativa adotada pelo CPC pode ser encontrada no ISEB e em outros

movimentos onde houve a influência determinante do PCB, tais como o MEB (Movimento

de Educação de Base) e o CTI (Comando de Trabalhadores Intelectuais).217

Com o CPC, fez-se mais uma ponte de ligação entre arte e cultura de classes

dominantes e dominadas. Se “a cultura popular tem caráter iminentemente nacional e

mesmo nacionalista”218, ela não poderia ser descartada para os fins a que o CPC se

destinava. Com o interesse original de atingir as ditas “massas” de modo efetivo, elevou-se

o nível de permeabilidade dos artistas envolvidos no CPC às expressões culturais das

camadas populares, e foi justamente a valorização da cultura popular que tornou a

experiência memorável: no Cinema Novo, a temática social irá ser transposta para as telas
216
Trecho de entrevista de Carlos Lyra. Id. Ibid., p. 97.
217
GAMA, Fábio de Castro da. O Nacional Repartido. Belém, 1997. Disponível em
<http://www.geocities.com/CollegePark/Field/2776/artig1.htm>. Acesso em: Jan. 2005.
218
GULLAR apud ORTIZ, op.cit., loc. cit.

108
em filmes como “Cinco Vezes Favela”; no teatro, esses mesmos temas serão abordados na

encenação de peças como “Eles não usam Black-tie”; na música, grande parte dos

compositores e cantores egressos da Bossa Nova irão se aproximar dos músicos populares

do samba carioca e também das raízes musicais nordestinas.

Importante destacar que a influência da temática popular e nacional preconizada

pelo CPC transcendeu os limites de quem dele participava, atingindo tanto a produção

artística dos novos nomes que surgiram no pós-Golpe, como daqueles tidos como

“alienados”, por não tomarem parte de discussões políticas. É o caso dos irmãos Marcos e

Paulo Sérgio Valle, músicos da segunda geração da Bossa Nova. Descomprometidos

politicamente, eles compuseram, na primeira metade da década de 60, canções como

“Terra de Ninguém” e “Viola Enluarada”, que evocam a questão da reforma agrária e da

revolução no campo. Curiosamente, a “cultura popular”, pensada no CPC como algo a ser

produzido pelos intelectuais e levado ao povo, numa dinâmica onde o intelectual passa a

ser parte do povo ao conscientizá-lo politicamente através da cultura, ganha uma outra

dimensão. Num contexto onde a temática social, em suas diversas facetas – a reforma

agrária, o sofrimento do sertanejo com as secas na região Nordeste, as agruras dos

moradores das favelas ou dos subúrbios do Rio de Janeiro – toma um espaço cada vez

maior na produção cultural, tal temática finda por evadir-se do meio CPCista. Sem os

mesmos objetivos de conscientização popular, mas amparada pelas platéias, ela se torna

mais um tema a ser explorado, principalmente pela canção popular. Ao contrário dos

pressupostos do CPC, a cultura dedicada à politização das massas acabou por conquistar o

público jovem de classe média, através do rádio e da TV, sendo inseridos no contexto da

indústria cultural. Todavia, tal fato não torna menos importante a contribuição que essa

incorporação de temas de matiz popular trouxe à produção cultural brasileira.

109
Em dezembro de 1964, quando o CPC havia sido extinto pelo novo regime, o

“Show Opinião”, primeiro espetáculo montado pelo Grupo Opinião, que era formado

basicamente por artistas que outrora haviam feito parte do CPC, aparecerá como seu

sucedâneo, unindo no mesmo palco o migrante maranhense João do Vale, o sambista Zé

Kéti e a bossa-novista Nara Leão, perante uma platéia composta basicamente por

estudantes. Primeira experiência de oposição ao golpe, o “Show Opinião” trará “intocado o

ideário nacionalista e populista dos momentos antecedentes”219, indicando que o

nacionalismo encontrava-se, de fato, arraigado à cultura brasileira parcialmente

monopolizada pela esquerda, em suas mais diversas formas de manifestação.

No caso específico da produção cultural, o nacionalismo pensado como meio de

superar a dependência também será uma realidade. É possível identificar, nos principais

movimentos do período, a busca de uma temática particularmente brasileira e o retorno às

raízes da cultura popular, através do diálogo dos intelectuais de classe média com os

artistas de camadas sociais menos favorecidas. Por outro lado, a penetração maciça da

cultura norte-americana no período do pós-guerra começa a gerar seus primeiros

resultados; a própria modernização do país, aliada a este fator, irá gerar uma cultura urbana

específica, caracterizada, no caso da música, pela Bossa Nova. As possíveis dissonâncias

entre as influências exógenas e a busca dos temas nacionais não-alienados nas artes

ocuparão espaço relevante no período, enriquecendo o debate, permeando a própria difusão

da cultura brasileira no exterior, via Itamaraty, estimulando a abertura de novas

possibilidades artísticas, posto que se descompartimenta a divisão entre tendências – vide a

experiência CPCista e seus desdobramentos – e findando por promover um enriquecimento

geral da cultura brasileira que se estenderá pela décadas seguintes.

219
BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. op.cit, p. 33.

110
A ação da política cultural externa, que sofrera uma ruptura, no campo da difusão

artística, com a excursão dos Oito Batutas, vai encontrar na Bossa Nova e no Cinema Novo

expressões culturais que são, simultaneamente, criadores e criaturas da celeuma interna

sobre a identidade cultural brasileira a seu tempo. Nestes dois momentos históricos, a

dicotomia erudito-popular, endógeno-exógeno, estará no imo da discussão. A posição

precursora em dar suporte a incursão dessas expressões culturais no cenário internacional,

num momento em que ainda não haviam conquistado unanimidade no plano interno,

denota, em certa medida, o pioneirismo e a visão de longo alcance dos diplomatas que se

põem à frente dessas empreitadas, promovendo formas de prosseguir com a tradição da

difusão cultural em sintonia com seu tempo.

111
CAPÍTULO III

TRADIÇÃO E BOSSA NOVA (1961-1964)

3.1 O Itamaraty e a Cultura

Empossado presidente do Brasil em 1961, Jânio Quadros promove uma mudança

de rumos nas relações exteriores do país, mudança esta que irá persistir, após os curtos

nove meses de sua permanência no cargo, no governo de João Goulart. Os novos caminhos

preconizados pela Política Externa Independente (PEI) se inscrevem no contexto dos

governos populistas, assim como sua concepção advém do ideário nacional-

desenvolvimentista que marcou o período 1945-64.220 Adotando posturas austeras,

principalmente em relação à economia, no plano interno, e apresentando, no plano externo,

uma política de caráter inovador, Quadros traz para ordem do dia as discussões acerca da

inserção do Brasil no cenário internacional:

Tal dicotomia [entre política interna e externa] facilita a


compreensão da pressão interna, da imprensa sobretudo, sobre o
Executivo. Dividiu-se a opinião nacional, que até então dera pouca
atenção aos assuntos internacionais. Política exterior tornou-se
assunto popular à época da PEI. Temas de natureza internacional,
em geral tratados em círculos restritos, tidos como algo distante,

220
Cf. BUENO, Clodoaldo e CERVO, Amado Luiz. História da Política Exterior do Brasil, 2. ed. Brasília:
Editora UnB, 2002, p. 309.

112
passaram a ser discutidos em veículos de larga divulgação, e
ligados ao problema nacional do desenvolvimento.221

Essa nova formulação de política externa será um passo à frente em diversos

aspectos, tais como o desenvolvimento de relações em escala global, identificando as

possíveis áreas de interesse do Brasil, a despeito da cisão ideológica mundial entre

sistemas econômicos capitalistas e socialistas. Acompanhando esta tendência, foram

restabelecidas as relações diplomáticas com a União Soviética, no auge da Guerra Fria,

assim como aumentaram em volume e resultados os acordos de cooperação em diversas

áreas com os países da “cortina de ferro”, como Iugoslávia, Tchecoslováquia e Polônia.

Em contrapartida, houve um arrefecimento das históricas relações com os Estados Unidos,

conseqüência de fatos políticos como o não-apoio brasileiro às pretensões de invasão

militar norte-americana em Cuba, após a Revolução que levou Fidel Castro à presidência.

Tal postura coaduna-se com o princípio de não-intervenção, constante da PEI.222 Neste

tocante, outro ponto que mereceu destaque na concepção e condução da PEI foi o princípio

da autodeterminação dos povos, num momento em que o processo de descolonização da

África e da Ásia estava em andamento.

Com a implementação da PEI e a reforma administrativa do Itamaraty, que cria a

Divisão da África e grupos de trabalho para proposição de formas de integração com os

países daquele continente, faz-se uma clivagem entre as posições do novo governo e do

precedente: há uma relativa mudança na política pró-Portugal, num contexto em que o

Brasil redefine sua inserção internacional, promovendo a aproximação com as ex-colônias

africanas e asiáticas e buscando relações vantajosas, principalmente em termos


221
Id.Ibid., p. 312.
222
Id.Ibid., p. 311.

113
econômicos, com os novos atores que surgiam no cenário internacional durante o processo

de descolonização. No contexto da Guerra Fria, onde a oposição Leste-Oeste tornara-se o

cerne das relações internacionais, o governo brasileiro passa a levar em conta a dimensão

Norte-Sul do mundo: de um lado, países desenvolvidos, e do outro, países

subdesenvolvidos. A exploração satisfatória dessa perspectiva caracterizaria esse novo

pragmatismo da política externa brasileira.223 Por outro lado, a posição do Brasil nas

questões relativas às colônias portuguesas mostrava contradições. Neste aspecto, o caso de

Angola é exemplar: durante o seu processo de independência, a postura do Brasil nas

discussões do tema na ONU sofreu avanços e recuos significativos, oscilando entre a

abstenção, a defesa da independência, em oposição ao colonialismo de Portugal, então

vivendo sob a ditadura salazarista, e a fidelidade aos compromissos outrora firmados com

aquele país.

Jânio Quadros renuncia após sete meses de governo, no segundo semestre de 1961,

gerando mais uma crise política. Visto com desconfiança por determinadas hostes de

relevante influência política, o vice-presidente, João Goulart, só chega a assumir a

presidência após uma intensa campanha pela manutenção da "legalidade" e a aprovação,

pelo Congresso Nacional, de uma emenda à Constituição que instituía o sistema de

governo parlamentarista.

João Goulart assume a presidência adotando uma postura que combinava,

radicalmente, o nacionalismo e o populismo, dentro de um contexto em que tanto o modelo

econômico quanto a política de massas encontravam-se exauridos: a industrialização de

substituição de importações, que se processara desde 1930, esgotara-se, e as ditas

“massas”, após sucessivos governos populistas, desenvolveram a autonomia necessária


223
BRIGAGÃO, Clóvis. “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: caminhos de integração fraterna”.
Política Internacional. Vol. 1, No. 13. 1996, Outono-Inverno: 14-15.

114
para a organização de movimentos operários e rurais, como as Ligas Camponesas, então

lideradas por Francisco Julião. No governo de João Goulart, a utilização do populismo

como “linha política do Estado” acabou por desencadear o processo que causou o ocaso da

“aliança nacional-desenvolvimentista”, já que foi procurar nas massas rurais sustentação;

tal atitude contrapôs-se ao fato de haverem, ainda, compromissos entre os “setores

burgueses e latifundiários”.224 A crise política se aprofundaria progressivamente até seu

desfecho, que se deu com o golpe militar de 1964.

Durante a permanência de João Goulart à frente da presidência da República, as

diretrizes da Política Externa Independente tiveram prosseguimento:

A política externa brasileira correspondente às presidências de


Jânio Quadros e João Goulart [...] é enfocada, normalmente,
como uma unidade, apesar de o Ministério das Relações
Exteriores, no período de pouco mais de três anos, ter tido cinco
titulares [...]

As constantes mudanças não provocaram, todavia, quebra de


continuidade na conduta internacional do Brasil. Isso porque ela
era informada por um conjunto de idéias que provinham do
nacional-desenvolvimentismo-populista do período.225

Durante o governo Goulart, o Brasil restabeleceu relações diplomáticas com países

da chamada “Cortina de Ferro”. Tais fatos, que tomaram lugar no auge da Guerra Fria,

levaram a um progressivo distanciamento dos Estados Unidos, causando um desgaste

224
CARDOSO, Fernando Henrique e FALETTO, Enzo. Op. cit., p. 107.
225
. BUENO, Clodoaldo e CERVO, Amado Luiz. Op.cit., p. 309.

115
acentuado das relações entre os dois países. Tal dissensão só chegaria ao fim com o Golpe

Militar de 1964.

Em 14 de julho de 1961, é aprovada a Lei nº 3.917, que preconiza uma reforma sem

precedentes na estrutura funcional no Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Em

decorrência de sua aprovação, são criados novos departamentos e divisões, que teriam por

fito equipar o Itamaraty com uma estrutura mais dinâmica, para servir às contingências que

surgiriam da ampliação dos relacionamentos internacionais do Brasil.226

Para a DCl, a reforma significará uma mudança de status dentro da estrutura

ministerial. Embora o Itamaraty tenha retomado sua autonomia na condução da política

cultural externa desde o fim do Estado Novo, será a partir deste momento que ele ampliará

as suas atividades, firmando-se e ampliando sua ação nos anos vindouros. Subordinada,

desde sua criação, ao Departamento Político e Cultural, a DCl passará a funcionar, a partir

de 1962, como Departamento Cultural e de Informações. O novo departamento, que estará

sob a responsabilidade do Secretário Geral de Política Exterior, terá suas atribuições

repartidas entre três divisões: Difusão Cultural, Cooperação Cultural e Informações. A

DDC (Divisão de Difusão Cultural), que estará, por força de sua própria capilaridade com

as outras divisões, envolvida com maior número de ações culturais, será por nós mais

detidamente analisada neste capítulo. Ela se subdividirá em seções que gozarão, dentro dos

limites hierárquicos, de certa autonomia para o empreendimento de ações que

acompanharão, apesar das questões de adaptação à realidade de uma política externa de

feições assaz inovadoras, as diretrizes da política cultural externa. Serão esses setores

assim divididos: Artes Plásticas e Exposições, Fotográfico e Discos, Música,

Cinematográfico, Teatro e Publicações. Para que se tenha uma visão integral das mudanças
226
Id. Ibid., p. 316 e GARCIA, Eugênio Vargas. Cronologia das Relações Internacionais do Brasil. São
Paulo: Editora Alfa-Ômega, 2000, p. 138.

116
havidas na estrutura da DCl do Itamaraty e, em conseqüência, da política cultural externa

do período, resolvemos englobar, neste terceiro capítulo, não só os anos subseqüentes à

reforma, como também os que a precederam. Temos, pois, também analisados, os anos de

1960, primeiro da gestão de Wladimir Murtinho, que estaria à frente da DCl durante todo o

período de transição, e 1961, durante o qual passa a DCl pela preparação cogente à

implementação definitiva das reformas advindas da Política Externa Independente, a partir

de janeiro de 1962.

3.2. Wladimir Murtinho: tempos de transição

Após a remoção de José Osvaldo de Meira Penna, em fins de 1959, assume a chefia

da DCl, em janeiro de 1960, Wladimir do Amaral Murtinho. Previamente lotado na

Divisão e assumindo a função de chefe-substituto nas ausências de Meira Penna durante os

anos anteriores, Murtinho tinha intimidade com as atividades empreendidas, o que seria de

fundamental importância no período vindouro. Sua gestão atravessaria a transição da

Presidência da República das mãos de Juscelino Kubitschek para Jânio Quadros, e todas as

conseqüências que a mudança de governo traria para o Itamaraty, tanto do ponto de vista

da política externa quanto da própria estrutura funcional do ministério. Neste momento, a

presença de Wladimir Murtinho à frente da DCl representou uma solução de continuidade

para as ações, à revelia de contenções de despesa e mudanças estruturais que, como

processo em andamento, não chegaram, assim, a paralisar as atividades.

Os acordos culturais assinados com países da América Latina, que eram a base

sobre a qual se desenvolvia a parte mais significativa do intercâmbio cultural e da

cooperação intelectual empreendida pelo Itamaraty, passarão, pela primeira vez, por uma

117
revisão. Tal iniciativa coaduna-se, principalmente, com as diretrizes da Operação Pan-

Americana (OPA), lançada pelo presidente Juscelino Kubitschek em maio de 1958 com a

tenção de empreender, com o auxílio do Estados Unidos, esforços reais na superação do

subdesenvolvimento na América Latina227, e com a criação, em 1960, da Associação

Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC):

Dentro do programa enunciado pela atual administração do


Itamaraty, vinculando a ação cultural da nossa política exterior
com os objetivos políticos e econômicos do Brasil na América
Latina, acredito ser indispensável uma revisão geral dos acordos
culturais que foram assinados pelo Brasil. Com raras exceções,
os atos até agora assinados não obedeceram ao critério de
integração da política cultural com os objetivos delineados na
OPA, isto é, de combate ao subdesenvolvimento, através de
maiores facilidades da troca de conhecimentos técnicos e
científicos e informações de caráter econômico e comercial.

[...] Para melhor executar a nova política cultural delineada,


poderia ser criada uma Comissão (...) cuja finalidade precípua
seria velar pela execução integral dos acordos a serem assinados
e auxiliar o trabalho do Itamaraty na execução de exposições,
troca de informações, festivais diversos, etc.228

Levando-se em consideração que grande parte dos acordos e convênios culturais

assinados entre o Brasil e demais países latino-americanos são anteriores à OPA, o que

haverá, a partir de então, é um ajuste da política cultural às novas diretrizes

. BUENO, Clodoaldo e CERVO, Amado Luiz. Op.cit., p. 292.


228
Memorandum do diplomata Jorge D’ Escragnolle de Taunay à Chefia da Divisão Cultural. “Acordos
Culturais”, 19/02/60, Nº 65, 542.6 (20). MRE, Informações e Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF.

118
implementadas. Se, por razões inerentes ao processo natural de desenvolvimento das

relações internacionais do país, há uma mudança de postura, a política cultural externa

deverá acompanhar as novas diretrizes, posto que é parte intrínseca do conjunto formado

pelas outras searas da política externa. Além disso, a diplomacia cultural deverá servir não

só aos objetivos próprios de difusão da cultura e promoção dos bens culturais no exterior,

como também procurar coordenar tais esforços com as metas de caráter geral da ação

externa.229 Em decorrência das contingências citadas, o parecer do diplomata que analisa o

quadro é acatado, e cria-se, em caráter efetivo, a Comissão de Acordos Culturais, formada

por representantes do Itamaraty, do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), criado em

1951, e do Ministério da Educação e Cultura.230

A confluência de intenções no sentido de proporcionar melhores níveis de

desenvolvimento à América Latina, conforme ficara exposto no caso específico da

preocupação com os acordos bilaterais assinados pelo Brasil no âmbito continental, irão

aparecer, também, em contendas que tomam espaço em organismos internacionais. Em

1960, a Conferência Regional para a Ásia aprova um plano de erradicação do

analfabetismo e atividades de cunho técnico e científico (concessão de bolsas de estudo,

pesquisa, etc.) a ser levado a cabo naquele continente, com orçamento de 68 bilhões de

dólares. Como, na mesma ocasião, o embaixador brasileiro em Washington negociava com

o presidente Eisenhower um auxílio anual de 10 milhões de dólares, a ser concedido por 10

anos à UNESCO, que contribuiria com uma parcela anual de 500.000 dólares, para a

mesma finalidade na América Latina, questiona a DCl a disparidade entre o tratamento

dado, no foro daquele organismo internacional, a um problema comum aos dois

continentes. Ao tomar ciência do fato, o parecer dado pelo diplomata Jorge D’ Escragnolle
229
LESSA, Mônica Leite. Op. cit., loc. Cit.
230
Relatório Anual do Ministério das Relações Exteriores – 1960. Ministério das Relações Exteriores, Rio de
Janeiro, 1961, p. 32.

119
de Taunay aponta para duas direções: primeiro, a necessidade de conhecer mais

detalhadamente a participação da Ásia e da América Latina, em especial do Brasil, no

orçamento anual da UNESCO, bem como o montante dos investimentos feitos pela

UNESCO nesses países, em termos de assistência técnica e educacional; depois, o

imperativo de se aperfeiçoar a ação brasileira nos organismos internacionais, para que

possa ela ser moldada de acordo com as contingências existentes.231 Meses depois, quando

da XI Conferência Geral da UNESCO, são dadas as seguintes orientações pelo Delegado

Permanente do Brasil junto àquela organização:

[...] insistir nas necessidades prementes dos países economicamente


subdesenvolvidos, especialmente na América Latina, pondo em
relevo, ao mesmo tempo, o decréscimo que têm sofrido as
contribuições de diversos países aos orçamentos da UNESCO.

[...] Para o único posto a vagar, deverá a Delegação dar preferência


à candidatura de um representante da África, oriundo de um dos
países recentemente transformados em república independente.

[...] pleitear contribuições voluntárias dos diversos Estados à Conta


Especial da UNESCO, para subvencionar em larga escala o projeto
principal de educação primária, gratuita e obrigatória na América
Latina, de acordo com a proposta feita no México este ano pelo
Governo brasileiro no Comitê de peritos incumbidos do
planejamento desse Projeto.232

231
Memorandum do diplomata Jorge D’ Escragnolle de Taunay à Chefia da Divisão Cultural. “Programa
Educacional da UNESCO para a Ásia. Posição do Brasil nos organismos internacionais”, 09/03/60, Nº 103,
642.6 (04). MRE, Informações e Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF.
232
Memorandum do Embaixador Paulo E. de Berrêdo Carneiro, Delegado Permanente do Brasil junto à
UNESCO, ao Chefe do Departamento Político e Cultural, Frank Moscoso. “Sugestões para as instruções a
serem enviadas à Delegação Permanente do Brasil junto à UNESCO, relativamente a XI Conferência Geral
daquela Organização a realizar-se em Paris no mês de novembro de 1960”, 05/08/60, Nº 415, 642.6 (04).
MRE, Informações e Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF.

120
Os movimentos relativos às negociações de acordos bilaterais com países latino-

americanos e as contendas na UNESCO expõem um dos aspectos mais relevantes, e

contínuos, da política cultural externa brasileira: a persecução dos objetivos de liderança

no cenário latino-americano, a partir do estabelecimento de convênios e acordos neste

escopo geográfico e da defesa dos interesses da região em foros internacionais. Neste

contexto, a análise da ação, bem como a prospecção dos erros e acertos havidos, com a

finalidade de torná-la mais eficaz, são levados a termo pelo corpo técnico da DCl. Definir a

política cultural externa, juntamente com as instâncias superiores do Itamaraty e as metas

da Presidência da República, assim como adaptar as ações culturais à conjuntura e às

diretrizes de inserção brasileira no cenário internacional, pois, são tarefas da alçada da

DCl.

Outro fato que merece destaque é a posição brasileira em defender a eleição de uma

república africana, dentre as recentemente tornadas independentes, para ocupar uma vaga

que se abriria, por ocasião da Conferência, em função do rodízio de Estados-Membros no

Conselho da UNESCO. Neste momento, começam a haver sinais de um interesse de

desenvolvimento de relações culturais com a África, relações essas que iriam se

intensificar, a partir de 1961, com a Política Externa Independente, embora já viessem se

desenvolvendo no decorrer das décadas anteriores.233 Dentro do planejamento de ações

futuras, ainda em 1960, há a idéia de se criar um programa de concessão de bolsas de

estudos a alunos provenientes de países africanos. Para que se realize tal intento, estando já

definidas as rubricas da verba a ser utilizada em intercâmbio cultural, sugere-se substituir

ou reduzir os rendimentos dos professores contratados pela DCl para os Centros Culturais

ou de Estudos, Institutos Culturais, Leitorados e Cátedras de Estudos na Europa e na

233
SARAIVA, José Flávio Sombra. O Lugar da África: a dimensão atlântica da política externa brasileira
de 1946 a nossos dias. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996, p.22.

121
América Latina, posto que a manutenção de tais atividades consumia grande parte da verba

anual direcionada para a execução de ações culturais. O remanejamento dos empenhos,

pois, sugere a importância de implementar com rapidez o novo programa, que

incrementaria as relações culturais com os países recentemente surgidos como

independentes no cenário internacional.

O intercâmbio educacional fora, desde o princípio do governo Jânio Quadros, uma

área que suscitou interesse. Nos primeiros dias após a posse, a Presidência da República

solicita ao setor educacional da Divisão Cultural do Itamaraty informações precisas sobre

as atividades educacionais.234 Tal fato merece, indubitavelmente, destaque, posto que não

se identifica, nos governos precedentes, o mesmo tipo de solicitação objetiva de

informações, por parte do presidente, sobre um determinado aspecto da política cultural

externa. Em decorrência desta inquietação, o reflexo direto dos novos postulados na ação

cultural propriamente dita é rápido. Meses depois, durante o processo de independência de

Angola e após a implementação, no Brasil, das diretrizes da Política Externa Independente,

vários estudantes angolanos que cursavam universidades em Portugal precisaram

interromper os estudos. A DCl, em coordenação com as novas diretrizes do intercâmbio

cultural com a África, sugere ao Ministério da Educação e Cultura que se avalie a

possibilidade dos estudantes serem matriculados em universidades brasileiras com bolsas

de estudo do governo brasileiro.235 Após a instalação do leitorado em Ibadã, no Senegal,

Wladimir Murtinho realiza viagem àquele país, travando contato com autoridades da área

educacional, com vistas a garantir facilidades para senegaleses realizarem estudos no


234
Memorandum de Wladimir Murtinho ao Chefe do Departamento Político e Cultural. “Pedido de
informações sobre o Setor Educacional da Divisão Cultural”, 10/02/61, DCl/72/352.131. MRE, Informações
e Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF.
235
Idem, “Bolsas-de-estudo a estudantes angolanos”, 09/08/61, DCl/361/642.63(88m)(42). MRE,
Informações e Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF. Na História da Política Exterior do Brasil, p. 320, ao
comentar a criação do Grupo de Trabalho para a África, em março de 1961, Clodoaldo Bueno destaca que “A
ênfase que se dava à África pode ainda ser observada nos acordos culturais [e] no programa de bolsas para
estudantes”.

122
Brasil, criando, inclusive, a partir de negociações com o Ministério do Trabalho brasileiro,

condições para que pudessem trabalhar durante a estada. Todo este esforço faz parte das

novas orientações da Presidência da República, que vê também considerável abertura para

a difusão da língua portuguesa naquele país.236 O interesse específico no ensino do

português no exterior é uma das características partícipes da política cultural externa que

irão se constituir como ponto pacífico durante o período 1945-64, independentemente de

alternâncias presidenciais e demais mudanças nas diretrizes políticas.

Há, ao iniciar-se o ano de 1961, orientação de redução de despesas na DCl, posto

ter sido o orçamento anual reduzido em 25%. A tendência é cortar gastos com professores

e leitores, aproveitando profissionais que, eventualmente, já estejam morando no exterior,

e que possam, assim, prestar serviços sem que para isso seja preciso pagar-lhes quantias

que justifiquem a dedicação exclusiva. Outro expediente utilizado é a designação de

professores que já trabalhem nos centros para ocupar os cargos de direção. É o que

acontece no Centro de Estudos Brasileiros de Buenos Aires, considerado o mais importante

do gênero subvencionado pelo Itamaraty: ao exonerar-se o diretor Gildo Lopes, nomeia-se

para o cargo Ney Strauch, que há vários anos dá aulas de Geografia e História no

Centro.237

Estas reduções de despesa, no entanto, não significaram uma perda de qualidade

nas atividades. Em contrapartida aos cortes, passa-se a cobrar taxas dos alunos do centro,

revertendo benefícios que viriam a compensar a necessária diminuição de subvenções. Em

visita aos centros do Uruguai e da Argentina, em setembro, a Cônsul Lavínia Machado,

Encarregada do Setor Educacional da DCl, constata o bom desempenho das unidades:

236
Idem, “Intercâmbio cultural com a República do Senegal”. 24/05/61. DCl/227/542.6(15). MRE,
Informações e Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF.
237
Idem. “Substituição do Diretor do Centro de estudos em Buenos Aires. Redução de despesas”, 02/01/61,
Nº 4, 642.62 (41)(42). MRE, Informações e Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF.

123
[...] considero como absolutamente útil e vantajosa a verba que o
Governo brasileiro vem aplicando anualmente na criação e
manutenção dos Centros de estudos brasileiros na América Latina.
Ao Brasil cabe uma posição única no concerto das nações latino-
americanas que já o encaram com respeito e natural admiração. É
preciso que saiba corresponder a essa confiança e responsabilidade
não só através de um crescente desenvolvimento econômico mas
por uma política cultural paralela de amizade e aproximação com
os nossos aliados do continente americano.238

Sói ressaltar que, em 1961, foram inaugurados os Centros de Cultura Brasileira de

Santiago e de Quito, que iniciariam suas atividades efetivamente em março de 1962.

Destarte, conclui-se o programa de instalação de Centros239 nos países sul-americanos da

costa do Pacífico, findando uma etapa fundamental das ações da política cultural externa

brasileira. Haverá, ao final de 1961, Centros em atividade nas capitais e em algumas

cidades de Argentina, Peru, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Chile e Equador. Nos continentes

europeu, africano, asiático e na América do Norte, há cátedras nas Universidades de Roma,

Lisboa e Nova Iorque, e diversos leitorados na Alemanha, na Áustria, na França, nos

Estados Unidos, no Japão, em Gana, na Nigéria e no Senegal. É evidente, portanto, a

ampliação gradativa das atividades de intercâmbio educacional encetadas pelo Itamaraty,

dentro de um planejamento precípuo, no período abordado.

238
Memorandum da Cônsul Lavínia Augusta Machado ao Chefe da Divisão Cultural. “Visita da Funcionária
da Divisão Cultural aos Centros de estudos brasileiros do Uruguai e Argentina ”, 19/09/61,
DCl/439/542.6(41). MRE, Informações e Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF.
239
Os Centros tinham denominações diversas: Centro de Estudos Brasileiros, Centro de Cultura Brasileira ou
Instituto Cultural. Salvo pequenas diferenças, as atividades básicas eram as mesmas: ensino do Português,
dentro da perspectiva da difusão da língua, além de aulas de Geografia, Folclore, Literatura e História do
Brasil.

124
Correspondendo ao incremento das relações com a Europa Oriental, preconizado

pela Política Externa Independente, serão celebrados, de abril a junho de 1961, sete

acordos comerciais com países pertencentes ao bloco socialista: Bulgária, Iugoslávia,

Tchecoslováquia, Hungria, Romênia, Polônia e Albânia. As relações bilaterais

comercialmente mais profícuas se desenrolariam com a Iugoslávia, cujo saldo brasileiro

nas trocas chegaria a 7,9 milhões de dólares.240 Com a intenção de dar andamento, no

plano da política cultural, a um acordo entre os dois países, quando da visita do então

presidente iugoslavo, Marechal Tito, ao Brasil, Jânio Quadros, desconhecendo a existência

oficial de uma Comissão de Acordos Culturais formada pelos Ministérios da Educação e

Cultura e das Relações Exteriores, solicita a formação de um grupo de trabalho para

elaborar “a agenda que, da parte do Brasil, servirá de objeto para as negociações da

Iugoslávia”.241 O fato da comissão anteriormente criada ainda não estar em atividade

condicionou, por fim, a criação de um grupo de trabalho para a execução da tarefa. A

criação de Grupos de Trabalho Interministeriais, devemos destacar, torna-se uma prática

no governo Jânio Quadros.

No âmbito da política cultural, forma-se, segundo determinação do presidente da

República, outro Grupo de Trabalho, composto por representantes do Ministério da

Educação e Cultura, da Agência Nacional e do Itamaraty, com a função de elaborar um

estudo, direcionado à Presidência da República, sobre a difusão cultural do Brasil no

exterior por meios radiofônicos, no prazo máximo de 30 dias.242 Parece-nos, pois, que a

240
. BUENO, Clodoaldo e CERVO, Amado Luiz. Op.cit., p. 318.
241
Memorandum de Wladimir Murtinho ao Chefe do Departamento Político e Cultural. “Acordo Cultural
com a Iugoslávia. Grupo de Trabalho interministerial”, 03/03/61, DCl/100/542.6 (00). MRE, Informações e
Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF.
242
Memorandum de Wladimir Murtinho ao Chefe da Divisão de Pessoal. “Programas Radiofônicos em
línguas estrangeiras.” 23/05/61, DCl/224/575(00). MRE, Informações e Relatórios da DCl, AHI, Brasília –
DF.

125
criação de tais grupos, com objetivos específicos e tempo de duração pré-determinado,

pretendia agilizar diagnósticos e imprimir maior dinâmica às ações.

A celeridade impressa à política externa pela administração Quadros requeria dos

diversos setores do Itamaraty maior dinamismo no funcionamento das estruturas

administrativas, na execução de ações e na execução de atividades. Como, por vezes, a

velocidade das adaptações não acompanhava o ritmo imposto pela Presidência da

República, soluções contingenciais eram procuradas, evitando, assim, o parcial

adormecimento da política cultural, ou simplesmente a morosidade de suas ações. Pelas

mesmas razões, a ocorrência de determinados impasses será inevitável, como no desenrolar

das conversações acerca do acordo cultural assinado durante o Encontro de Uruguaiana,

em 22 de abril de 1960, entre Jânio Quadros e o presidente argentino, Arturo Frondizi,

prevendo atividades conjuntas. Após o encontro, o embaixador da Argentina no Rio de

Janeiro questiona o Itamaraty, na pessoa de Wladimir Murtinho, acerca da execução do

programa então estabelecido para 1961, onde concorreriam recursos de ambos os países,

posto que o presidente Jânio Quadros lhe afirmara, em Uruguaiana, que da parte brasileira

não haveria problemas neste tocante. O descompasso entre a postura do presidente e a

disponibilidade real de recursos da DCl causa embaraço a Murtinho, que após o encontro

solicita ao Chefe do Departamento Político e Cultural as providências necessárias no

sentido de que “o Itamaraty gestione junto ao Senhor Presidente da República a liberação

da verba cultural que foi cortada do orçamento deste Ministério, a fim de que o Governo

brasileiro possa assumir os compromissos assumidos em abril último, no encontro

presidencial.”243

243
Idem. “Intercâmbio Cultural Brasil - Argentina”, 10/05/61, DCl/216/542.6 (41). MRE, Informações e
Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF.

126
A difusão através do cinema, que vinha sendo empreendida desde princípios da

década de 1950 com resultados satisfatórios, irá sofrer considerável incremento a partir de

1960. De fato, haverá um planejamento estratégico para o desenvolvimento desta

modalidade de difusão cultural, com diferentes frentes de ação:

a) produzir filmes, para difusão no exterior, sobre temas ligados à


política cultural do Itamaraty;

b) assegurar a distribuição em emissoras de televisão estrangeiras;

c) planejar a criação de filmotecas nas Missões Diplomáticas e


Repartições Consulares;

d) contribuir para o desenvolvimento da indústria cinematográfica


brasileira através da formação de pessoal técnico, seja trazendo
especialistas estrangeiros, seja enviando estudantes ao exterior;

e) tornar efetiva a participação dos filmes brasileiros nos festivais


internacionais de cinema;

f) promover mostras de cinema brasileiro no exterior.244

Embora as sugestões de Wladimir Murtinho tenham obtido concordância pelo

Chefe do Departamento Político e Cultural e o Secretário Geral, há uma relativa demora na

publicação das portarias que criariam o Serviço de Difusão Cinematográfica dentro da

244
Estas são as atribuições que Wladimir Murtinho concebe para um futuro Serviço de Difusão
Cinematográfica; hierarquicamente, o Chefe do Departamento Político e Cultural e o Secretário Geral
aprovam. Em despacho a um segundo memorandum sobre o tema, de novembro de 1960 (Nº 682), o Chefe
do DPC, Embaixador Manoel Pio Correia Júnior, põe-se “De acordo. Elevo à consideração do Sr. Secretário
Geral, frisando que considero a propaganda visual, pelo cinema, como a forma mais eficiente e mais rentável
de divulgação da realidade brasileira, estimando necessário dar-lhe prioridade dentro do plano de ação da
DCl.” “Criação de Serviço de Difusão Cinematográfica”, 01/09/60, Nº 497 A. MRE, Informações e
Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF.

127
DCl. Murtinho se posicionará juntamente a seus superiores para que seja resolvido o

impasse; logrará sucesso na empreitada. Já em novembro de 60, durante a Conferência

Geral da UNESCO, a DCl consegue o envio de um documentarista e equipamentos para

que seja ministrado um curso prático a jovens cineastas do Brasil, com o objetivo

específico de produzir filmes para difusão via Itamaraty. Nesta categoria de atividades,

incluem-se, também, os filmes-documentários produzidos pelo Cônsul Raul de Smandek,

desde meados dos anos 50, cujas versões para diferentes idiomas irão circular pelas

Embaixadas e Consulados brasileiros ao redor do mundo com resultados

consideravelmente positivos. O mais divulgado dos documentários de Smandek, “Aquarela

do Brasil”, receberá nove prêmios em festivais internacionais. Primeiramente, o filme terá

legendas em inglês, francês, espanhol e árabe, mas a demanda por parte de outras

embaixadas e missões diplomáticas enseja a produção de cópias em russo, japonês, alemão

e italiano;245 como não havia cópia em português, será produzida faixa sonora para a

Embaixada em Lisboa e os consulados na África de língua portuguesa. Os resultados

obtidos a partir da difusão de “Aquarela do Brasil” levarão Smandek a empreender uma

nova produção, tendo como temática “os aspectos paisagísticos, culturais, industriais do

Brasil”. Smandek tem como fito atingir um público diverso, “do colegial ao turista ou

imigrante em potencial e de maneira a manter-se sempre atualizado” 246. Os documentários,

pois, tem uma clara função informativa; a exploração das imagens de Brasília, com seus

traços arquitetônicos de caráter inovador, será parte importante do novo documentário de

Smandek, num empenho em criar a mais satisfatória imagem do Brasil moderno, urbano e

industrializado, em contraponto com a idéia de país essencialmente agrário-exportador.

245
Memorandum de Raul de Smandek ao Chefe da Divisão de Difusão Cultural. “Sonorização de
documentário para fins culturais nos idiomas russo, japonês, alemão e italiano”, 30/04/63, DDC/49/540.612.
MRE, Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília – DF.
246
Memorandum de Raul de Smandek ao Chefe do Departamento Cultural e de Informações. “Feitura de
novo documentário sobre o Brasil para fins culturais e educacionais”, 02/10/63, DDC/164/540.612. MRE,
Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília – DF.

128
A partir de 1961, a ação cultural externa através do cinema tomará dimensão

prioritária na DCl. Além das atividades de difusão cultural por meio de documentários com

imagens do Brasil, à participação em festivais internacionais de cinema será dada especial

atenção, bem como à elaboração de acordos de distribuição com outros países. No plano

interno, o Itamaraty irá adensar suas relações com o Grupo Executivo da Indústria

Cinematográfica (GEICINE), a partir da designação, pelo presidente Jânio Quadros, de

Wladimir Murtinho para representante do Ministério junto àquele órgão. O objetivo desta

aproximação é o estudo e execução de acordos de co-produção com outros países, já

estando previsto, até o final de 1961, a celebração de tais instrumentos com Argentina,

México, Alemanha, França, Itália e Japão.247 Esta sistematização da ação cultural através

do cinema será crescente; a participação do Brasil em festivais internacionais coincidirá

com a negociação e assinatura de acordos de co-produção e distribuição, havendo um

entrosamento entre a produção cultural de então, com o surgimento e projeção

internacional do Cinema Novo, e os objetivos de política cultural externa do Itamaraty.

Os anos que antecederam a mudança estrutural do Itamaraty foram decisivos, do

ponto de vista da política cultural, para a definição das linhas prioritárias a serem

exploradas a partir da efetivação da reforma. Preconizou-se, então, o que seria o

desenvolvimento desta política dentro de uma estrutura ampliada, com maiores atribuições

e, principalmente, um volume de atividades consideravelmente maior.

247
Memorandum de Wladimir Murtinho ao Chefe do Departamento Político e Cultural. “II Resenha de
Cinema Latino-Americano e Festival Internacional Cinematográfico de Berlim. Delegado do Brasil”,
??/??/61, DCl/197/640.612 (00). MRE, Informações e Relatórios da DCl, AHI, Brasília – DF.

129
3.2.2 Mário Dias Costa e a Divisão de Difusão Cultural

A partir de janeiro de 1962, passa a existir o Departamento Cultural e de

Informações, sob responsabilidade de Lauro Escorel de Moraes, e demais Divisões, sendo

a DDC chefiada pelo Conselheiro Mário Dias Costa. No decorrer da gestão de Costa e sua

equipe à frente da DDC, ações culturais cuja dimensão fará com que sejam constantemente

citadas, tal como o concerto de Bossa Nova no Carnegie Hall de Nova Iorque, em

novembro de 1962, e o suporte em todos os níveis que o Itamaraty daria à projeção

internacional do Cinema Novo, através, principalmente, do empenho do diplomata Arnaldo

Carrilho, serão levadas a cabo.

Avaliando a experiência das ações culturais empreendidas até então, Lauro Escorel

identifica uma dificuldade quanto à não-interrupção dos serviços empreendidos pelo

departamento:

[...] uma das deficiências crônicas com que tem lutado o setor
cultural da Secretaria de Estado, tem sido a falta de uma infra-
estrutura permanente de assessores culturais e artísticos que
pudessem assegurar a indispensável continuidade aos vários
serviços do Departamento Cultural e de Informações. A
transitoriedade forçada dos funcionários de carreira, que se têm
encarregado dos diversos setores, não favorece positivamente à
eficiência e perfeita organização de um Departamento, que tem sob
sua responsabilidade uma tão vasta gama de assuntos, muitos deles
a exigir trabalhos a longo prazo.248

248
Memorandum de Lauro Escorel ao Secretário Geral de Política Exterior. “Projeto de Contrato de
Assessores Culturais”, 05/12/62, DCInf/132/352.18. MRE, Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília
– DF.

130
De fato, são várias atividades simultâneas: programação de exposições de

arquitetura e artes plásticas, compra e distribuição, pelas embaixadas, missões consulares e

Institutos de Cultura Brasileira, de livros e revistas, bem como a participação em eventos

internacionais, como a Bienal de Veneza. A diversificação das expressões artísticas

tornara-se gradualmente uma realidade nas ações culturais, abrangendo, em caráter

definitivo, a cultura não-erudita, representada pelas exposições itinerantes do folclore das

regiões Norte e Nordeste e pelo patrocínio de turnês de músicos populares em países

latino-americanos. Distintas dimensões da identidade cultural brasileira, pois, passam a ter

maior abertura e espaço nas ações culturais do Itamaraty. Sugere-se, a partir do problema

de continuidade identificado, nomes para contratação, como o poeta Ferreira Gullar e o

jornalista Jânio de Freitas, que seriam os elementos encarregados de dar continuidade às

ações culturais, independentemente das alternâncias de direção e de equipe dos quadros

efetivos do Itamaraty.249 É manifesta, pois, a preocupação com as interrupções eventuais

nas ações, em função dessas mudanças. Por outro lado, a solidez da política cultural

externa fica patente; a presença de elementos alógenos ao corpo diplomático seria apenas

um meio para estabelecer elos entre diferentes gestões, além de dar assessoria técnica ao

Departamento, sem que houvesse implicações diretas sobre as determinantes da política

existente. Antes disso, seria uma forma eficaz de não lhe provocar períodos de

adormecimento.

Com a crescente popularização da televisão como meio de comunicação de massa,

a partir da década de 60, a veiculação de notícias sobre o Brasil, bem como as filmagens

realizadas no país por cinegrafistas estrangeiros, para exibição na TV, passam a ser alvo de

preocupações do Itamaraty. Como a maciça maioria das imagens do gênero divulgada no

exterior é negativa, o Setor Cinematográfico da DDC, então a cargo de Raul de Smandek,


249
Idem.

131
recomenda que seja feita uma censura prévia deste tipo de material, inclusive quando fosse

fruto do trabalho de cinematografistas brasileiros contratados por canais de televisão

estrangeiros. A divulgação do Brasil por esse meio já vinha contando com o empenho da

DDC, que patrocinara, juntamente com a Divisão de Propaganda e Expansão Comercial

(DIPROC), um programa de notícias sobre o Brasil, distribuído por cinco capitais latino-

americanas. Divulgar o país positivamente era, portanto, tão importante quanto coibir a

difusão de imagens que o desfavorecessem; a diplomacia cultural funcionaria nos dois

planos, determinando os elementos que fornecem uma melhor imagem do país e que irão

ser revertidos em resultados concretos, a médio e longo prazo, para os outros interesses da

política externa.250

3.2.2.1 A Bossa Nova no Carnegie Hall

Em novembro de 1962, três eventos simultâneos de cultura brasileira em Nova

Iorque contarão com o patrocínio do Itamaraty: um Festival de Cinema, uma exposição de

pinturas e gravuras do acervo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, dentro de um

Simpósio Latino-Americano organizado pela Revista Show Magazine, e quatro concertos

de música popular brasileira251, ficando registrado como mais proeminente o primeiro

deles, realizado no dia 21 no Carnegie Hall, com a participação dos mais representativos

músicos, cantores e compositores do gênero musical denominado Bossa Nova.

Meses antes, o produtor norte-americano Sidney Frey, presidente da gravadora

Audio-Fidelity, passava mais uma temporada no Rio de Janeiro. Habitué da noite carioca,

250
LESSA, Mônica Leite. Op. cit., loc. Cit.
251
Memorandum de Lauro Escorel ao Chefe do Departamento de Administração. “Semana Brasileira em
Nova York”, 13/11/62, DDC/DCInf/161/540.36(22). MRE, Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília
– DF.

132
teve chance de assistir a uma das últimas apresentações do espetáculo “O Encontro”, com

João Gilberto, Vinícius de Moraes, Antônio Carlos Jobim e Os Cariocas, na boate Au Bon

Gourmet, durante o qual fora lançada a música “Garota de Ipanema”. Consciente dos

padrões do mercado fonográfico de seu país, sempre ávido por novidades, Frey alugou o

Carnegie Hall, um dos mais tradicionais palcos de Nova Iorque, na noite de 21 de

novembro daquele ano, com o objetivo de realizar um concerto de música brasileira.252

A notícia do evento foi divulgada numa coletiva de imprensa, e mobilizou parte

considerável da classe musical brasileira. Houve interesse não só dos bossa-novistas, mas

também de músicos que nenhuma relação tinham com o gênero, em participar do concerto.

Atento a todo o confuso processo que envolvia a escolha dos artistas, antevendo um

possível fracasso da música popular brasileira nos Estados Unidos e, também, levando em

conta os resultados positivos para a política cultural externa de uma ação bem-sucedida,

Mário Dias Costa, chefe da DDC, intervém, tornando o projeto de Frey uma parceria entre

a Audio-Fidelity e o Itamaraty. O apoio a eventos internacionais que evoquem a cultura

brasileira não era, de modo algum, um fato inédito para o Itamaraty, mas a dedicação que

Mário Dias Costa e a cônsul-geral do Brasil em Nova Iorque, Dora Vasconcelos,

dispensaram ao concerto do Carnegie Hall, não foi a habitual. A Bossa Nova, surgida no

seio da classe média urbana da Zona Sul do Rio de Janeiro, tornara-se o gênero musical

representativo daquele meio social, no qual circulavam diplomatas como Mário Dias Costa

e Vinícius de Moraes, um dos nomes que formavam seu tripé essencial.253

252
CASTRO, Ruy. Chega de Saudade – A História e as Histórias da Bossa Nova. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990, p. 323 e CRESPO, Flavia Ribeiro. The Bossa Nova Concert at Carnegie Hall:
Cultura, Imperialismo e Diplomacia. Monografia de conclusão de curso, Departamento de Arte (GAT),
Universidade Federal Fluminense, 2003.
253
Os outros são Antônio Carlos Jobim e João Gilberto.

133
Passada a conturbada seleção de quem iria ou não ao Carnegie Hall, alguns poucos

músicos arcaram com as próprias despesas da viagem, enquanto outros se beneficiaram das

passagens oferecidas pela VARIG, através do Itamaraty, e por patrocinadores. Antônio

Carlos Jobim, figura central da Bossa Nova, decidira desistir da viagem, e foi convencido

pelo próprio Mário Dias Costa a seguir para Nova Iorque, na véspera do concerto:

Em 62, nos levaram para fazer o concerto no Carnegie Hall. Peguei


aquele avião, eu não queria sair do Brasil, fui à força. Mário Dias
Costa, apareceu na minha casa, eu morava na Barão da Torre, 107.
Eu disse: “Não vou, isso aí é uma bagunça, eu não quero ir. O
barco da Bossa Nova vai bater num rochedo e vai afundar”. Dias
Costa disse: “Você é o capitão do barco, você afunda com o navio”.
Peguei o avião no dia do concerto, um avião da Panam, que saía às
oito horas da manhã, cheguei aos Estados Unidos na hora do
concerto, botei aquele smoking e corri para lá.254

Na noite do espetáculo, o Carnegie Hall de Nova Iorque encontrava-se lotado por

um público de cerca de quatro mil pessoas, interessado em conhecer os compositores e

intérpretes brasileiros da Bossa Nova, que então já circulava nos Estados Unidos nas vozes

de diversos intérpretes, sob versões para o inglês. Iriam se apresentar, naquela noite, João

Gilberto, Antônio Carlos Jobim, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Sérgio Ricardo, Luiz

Bonfá, Agostinho dos Santos e Sérgio Mendes, entre outros. O fato de o palco ter sido

tomado por 11 microfones, assim como os deslizes dos brasileiros com o idioma inglês e a

interpretação de suas próprias músicas, tomaria mais espaço na imprensa especializada e

254
JOBIM, Antônio Carlos. Textos. Site Oficial UOL Personalidades. Disponível em <www. Tom Jobim -
Site Oficial UOL Personalidades.htm >. Acesso em: Dez. 2005.

134
na memória do concerto do que o entusiasmo diante da Bossa Nova por nomes importantes

do meio musical norte-americano, como Herbie Mann, Dizzy Gilespie e Miles Davis.

Após o concerto, alguns jornalistas dedicaram grandes espaços em suas colunas

para tecerem críticas, especificamente, à ação do Itamaraty. Paulo Francis considerou que

O fracasso da Bossa Nova, ou revés, como quer Vinícius de


Moraes, no Carnegie Hall, talvez seja útil em última análise para
todos os artistas brasileiros. (...) Por outro lado, existe a tradicional
incompetência do Itamaraty em questões de cultura brasileira: eles,
os moços do Itamaraty, com raras exceções, acham tudo que se faz
neste País muito chato e suspiram por Paris e Roma – Nova Iorque
já é um pouco grosseiro para eles. Entre desonestos, incompetentes
e amadores, o artista brasileiro não sairá do país, como merece. (...)
O Itamaraty (...) não tem perdão, pois pode dispor dos conselheiros
mais especializados para acabar com as brasilianas, skindôs e
sandices do gênero, nas quais se vai o dinheiro do contribuinte para
desmoralizar o nome do Brasil no exterior.255

As participações de artistas populares no concerto do Carnegie Hall, com

performances que discrepavam dos padrões da Bossa Nova, foram apenas parte dos

problemas apontados. As críticas variavam de acordo com as opiniões pessoais a respeito

do Itamaraty como agente cultural e, sobretudo, da Bossa Nova. José Ramos Tinhorão, um

dos mais aguerridos críticos do gênero musical, fez uma grande reportagem de bastidores

sobre o espetáculo, contando detalhes da acidentada iniciativa do empresário americano

255
FRANCIS, Paulo. Paulo Francis informa e comenta: Amadores e Bossa Nova. Última Hora, 27/11/1962.

135
Sidney Frey e do suposto embaraço passado pela música brasileira no exterior, com o

apoio do Itamaraty.256 Ao retornar ao Brasil, Mário Dias Costa precisou esclarecer o mal-

entendido pessoalmente perante o então Ministro das Relações Exteriores, Hermes Lima.

A filmagem do concerto, realizada por uma rede de TV americana, foi comprada pela

cônsul Dora Vasconcelos e exibida, no Brasil, pelas TVs Continental e Tupi, dirimindo

qualquer dúvida restante sobre o êxito dos músicos.257

Em função da enorme quantidade de notícias negativas divulgadas em jornais

brasileiros sobre o concerto do Carnegie Hall, o Itamaraty sentiu-se forçado a emitir algum

parecer oficial, e divulgou à imprensa a seguinte nota:

1 – o concerto foi organizado sob a exclusiva responsabilidade do


Sr. Sidney Frey, que convidou pessoalmente os músicos brasileiros
a participarem do mesmo. 2 – a cooperação do Itamaraty limitou-se
ao fornecimento de passagens e auxílio de estada em Nova Iorque
aos músicos brasileiros. 3 – todos os entendimentos em relação ao
concerto foram levados a cabo entre o Sr. Sidney Frey e os
participantes brasileiros. 4 – o conselheiro Mário Dias Costa, chefe
da Divisão de Difusão Cultural, foi a Nova Iorque com a
incumbência precípua de organizar a Semana do Cinema Brasileiro
e uma Exposição de Pintura Brasileira naquela cidade, não tendo
qualquer responsabilidade na organização do concerto no Carnegie
Hall.”258

256
TINHORÃO, José Ramos. Bossa Nova desafinou nos EUA. O Cruzeiro, 08/12/1962.
257
CASTRO, Ruy. Op. cit., p. 330.
258
Itamaraty: Bossa Nova não fracassou. Última Hora, 29/11/1962.

136
Com essas informações, o Itamaraty se eximiu de maiores responsabilidades quanto

à produção do concerto do Carnegie Hall, reduzindo a dimensão de sua participação, nas

pessoas da cônsul Dora Vasconcelos e do Chefe do DDC, Mário Dias Costa, no evento. A

rigor, a Exposição de Pintura Brasileira também não era um evento diretamente

coordenado pelo Itamaraty: como já dissemos anteriormente, fora uma iniciativa da revista

Show Magazine, que convidara Mário Dias Costa e Ilse Lima Franco, funcionária da DDC,

a comparecer ao evento, cedendo-lhes passagens aéreas. Oficialmente, os três eventos

contaram com o “patrocínio do Departamento Cultural e de Informações”259, embora

fossem produzidos em cooperação com particulares. Além disso, dias depois da

apresentação no Carnegie Hall, o elenco brasileiro do concerto fez um sarau na Casa

Branca, em Washington, por intermédio do Itamaraty. Jacqueline Kennedy, então primeira-

dama dos Estados Unidos, encantou-se com o “brazilian jazz”, definindo a apresentação

como “simplesmente maravilhosa”260. Houve, ainda, outro concerto na cidade, além de

uma apresentação na residência do embaixador brasileiro, Roberto Campos, com a

presença de parte do staff presidencial norte-americano. De fato, as relações culturais de

caráter privado estabelecem liames com a iniciativa pública, que podem dar aos eventos

caráter de ações culturais de uma política cultural pré-elaborada. Elemento central nas

Relações Internacionais,261 o Estado tem em seu poder os principais instrumentos para

cultivar as relações culturais, podendo se envolver, quando solicitado ou quando

identifique necessidade premente, em ações de caráter particular, com o fito de levar ao

exterior a melhor imagem do país. O nível de envolvimento, bem como o modo como

lidará com a repercussão negativa nos planos interno e externo, todavia, gerará discussões

259
Memorandum de Lauro Escorel ao Chefe do Departamento de Administração. “Semana Brasileira em
Nova York”, 13/11/62, DDC/DCInf/161/540.36(22). MRE, Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília
– DF.
260
Primeira página do jornal Última Hora, 21/11/1962.
261
RENOUVIN, Pierre & DUROSELLE, Jean-Baptiste. op.cit, loc.cit.

137
acerca das responsabilidades e, sobretudo, da aplicação de recursos públicos em ações

culturais; o caráter subjetivo das expressões artísticas irá ensejar essa exposição a críticas

mais exaltadas. Os antecedentes destes impasses, no caso do Itamaraty, remontam à década

de 20, quando a excursão do conjunto Os Oito Batutas a Paris merece o apoio do ex-

chanceler Lauro Müller, mas sofre críticas por parte da sociedade.

A desorganização do concerto no Carnegie Hall, tal como divulgada no Brasil,

certamente fora algo de proporções menores, se comparada ao posterior êxito da carreira

internacional dos bossa-novistas e do gênero musical Bossa Nova. O fato é que o concerto

abriu portas para a consolidação da carreira internacional destes músicos, que, embora já

fossem constantemente gravados no exterior, ainda não haviam tido a oportunidade de se

apresentar fora do Brasil, tomando contato direto com músicos, gravadoras e público

estrangeiro. Alguns dos contatos profissionais começaram a ser feitos ainda na mesma

noite, e a partir de então, os compositores cujas músicas se tornavam populares através das

vozes de outros intérpretes, como Antônio Carlos Jobim, iriam fazer temporadas de

sucesso nos palcos norte-americanos, assim como cantores e músicos que já haviam se

tornado conhecidos através de gravações, como Agostinho dos Santos. Estas excursões,

contudo, não estavam completamente a cargo de particulares; o Itamaraty seria pertinaz em

levar a Bossa Nova ao exterior.

Apesar dos percalços do Carnegie Hall, a difusão cultural através da Bossa Nova,

música brasileira com elementos que remetiam ao jazz e ao samba, pareceu ser uma opção

satisfatória para o Itamaraty. Nos anos subseqüentes, excursões pelo exterior de bossa-

novistas, em missão cultural pela DDC, aconteceriam com freqüência. A partir de 1964,

haverá uma dotação orçamentária específica para “despesas de qualquer natureza com a

divulgação no exterior de conjuntos musicais, instrumentistas, coros, conjuntos populares e

138
folclóricos”.262 No decorrer do ano, viajarão para os Estados Unidos e países sul-

americanos, às expensas da DDC, Antônio Carlos Jobim, Wilson Simonal e os

componentes do Tamba Trio, um dos conjuntos instrumentais mais representativos da

Bossa Nova, dentro dos chamados “Programas de divulgação da música popular

brasileira.”263 Em agosto, o Consulado Geral de Nova Iorque aponta para a demanda do

público norte-americano pela “música popular brasileira contemporânea”, e sugere que se

organize um festival naquela cidade, com patrocínio do Instituto Brasileiro da

Universidade de Nova Iorque. A Embaixada em Washington e outros consulados e missões

diplomáticas também aventam essa possibilidade, além de instituições de caráter privado,

como a Universidade de Princeton. Ao expor o tema para o Chefe do Departamento

Político e Cultural, argumenta Mário Dias Costa:

Para que Vossa Excelência tenha uma idéia da intensidade dessa


aceitação, basta dizer que a gravação da música “Garota de
Ipanema”, de Antônio Carlos Jobim, está prestes a ultrapassar, se já
não o fez, a casa do milhão de unidades.

Assim, com base nas sugestões e pedidos mencionados, estabeleci


contacto com as pessoas mais ligadas à música popular. Para
estabelecer um plano de ação, consultei os Senhores Aloísio de
Oliveira, Antônio Carlos Jobim e Richard Adler [...].264

262
Memorandum de Maria Euterpe Gonçalves Nogueira, Encarregada de Música da DDC, a Mário Dias
Costa. “Despesa com a divulgação da música e dos músicos do Brasil no exterior. Subconsignação
1.6.15.1.4”, 04/08/64, DDC/249/540.36 (00). MRE, Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília – DF.
263
Requisições de passagens. DDC/DO/124/540.36 (22), 28/04/64; DDC/DA/151/540.36(35), Mai/64. MRE,
Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília – DF.
264
Memorandum de Mário Dias Costa ao Chefe do Departamento Cultural e de Informações. “Apresentação
de Música Popular Brasileira nos Estados Unidos da América”, 29/09/64, DDC/325/540.36 (22). MRE,
Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília – DF.

139
Após discutir o tema com Jobim, Adler e Aloysio, remanescente do conjunto

musical Bando da Lua, que acompanhara Carmen Miranda durante boa parte de sua

carreira em Hollywood, e proprietário do Selo Elenco, especializado em Bossa Nova, Dias

Costa decide-se por um programa que compreenderá sete espetáculos nos Estados Unidos,

a serem realizados em Los Angeles, São Francisco, Nova Orleans, Filadélfia, Washington,

Boston e Nova Iorque, além de apresentações em Lima, no Peru, e Cidade do México,

aproveitando a viagem e sem gastos maiores. O projeto será levado à prática rapidamente;

nos primeiros dias de outubro, Richard Adler vai aos Estados Unidos para preparar as

apresentações e, no final do mês, a violonista Rosinha de Valença, a cantora Wanda Sá, o

cantor e compositor Jorge Ben e o conjunto de Sérgio Mendes seguem viagem.265 Carlos

Lyra se juntará à turnê em Nova Iorque, além do jornalista Sylvio Tullio Cardoso, que

“integrará o conjunto incumbido de divulgar a Bossa Nova nos Estados Unidos da

América.”266 Era, destarte, uma ampla estratégia de difusão da música popular brasileira

contemporânea, servindo à política cultural externa, com a função primacial de levar ao

exterior uma expressão artística que trouxesse em seu âmago uma imagem satisfatória do

país. Como resultado da combinação do virtuosismo dos compositores e intérpretes com a

diligência do Itamaraty, a Bossa Nova fará duradoura e bem-sucedida carreira fora do

Brasil. As abordagens da trajetória internacional deste gênero musical nunca olvidam a

importância da participação precoce do Itamaraty na empreitada de sua difusão; poucas

iniciativas mereceram tamanho destaque em compêndios que abordassem o papel do

Itamaraty como agente de políticas culturais.267

265
Idem. “Requisição de passagem. Festival de Música Popular Brasileira nos Estados Unidos da América”,
31/10/64, DDC/368/540.36 (22). MRE, Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília – DF.
266
Requisição de passagem, 18/11/64, DDC/DA/392/540.36 (22). MRE, Informações e Relatórios da DDC,
AHI, Brasília – DF.
267
A título de exemplo, podemos citar a “Cronologia das relações internacionais do Brasil”, de Eugênio
Vargas Garcia, onde a única referência a evento cultural, no período 1945-64, é a apresentação de Bossa
Nova no Carnegie Hall (p. 140).

140
3.2.2.2 – Arnaldo Carrilho e a difusão do Cinema Novo

Assim como começara a se configurar nos anos precedentes, o setor audiovisual

receberia distinta dedicação nas ações culturais da DDC. O êxito de filmes brasileiros em

festivais internacionais, com “O Pagador de Promessas” e “Assalto ao Trem Pagador”, a

revolução estética causada pelo surgimento do Cinema Novo, bem como o proselitismo

dos diplomatas Mário Dias Costa, Raul de Smandek e Arnaldo Carrilho, foram fatores

fundamentais para o sucesso dessas ações.

Os acordos de co-produção cinematográfica, com o objetivo de incrementar a

produção nacional e ensejar uma melhor distribuição dos filmes brasileiros no exterior,

notadamente o Cinema Novo, serão celebrados em número significativo.

O recurso de conciliar as datas dos Festivais com a negociação dos acordos bilaterais com

os países em que eles estão sendo realizados será uma prática constante da DDC, através

dos desígnios de Mário Dias Costa e da presença de Arnaldo Carrilho, chefe do setor

cinematográfico da DDC. O expediente será adotado no XIII Festival de Berlim, em 1963,

com a presença de Carrilho negociando com a instância responsável do governo da

Alemanha Ocidental a proposta brasileira de acordo de co-produção cinematográfica

Brasil-República Federal da Alemanha.268 Durante o Festival de Mar Del Plata, Arnaldo

Carrilho seguirá para a Argentina como delegado brasileiro junto ao festival, com a

finalidade de prestar suporte à Delegação Brasileira, formada por Walter Hugo Khoury,

Mário Bevenuti e Odete Lara, da equipe do filme “A Ilha”, que participava da mostra

competitiva, e dar prosseguimento a negociação do acordo de co-produção cinematográfica

entre o Brasil e aquele país, que será concluído, com êxito, após a aprovação do GEICINE,

268
Memorandum de Mário Dias Costa ao Chefe do Departamento Cultural e de Informações. “Acordo de Co-
produção Cinematográfica Brasil-RFA”, ??/05/63, DDC/60/540.612 (00). MRE, Informações e Relatórios da
DDC, AHI, Brasília – DF.

141
em maio do mesmo ano269. No âmbito do intercâmbio cinematográfico, projeta-se a

realização de uma Semana do Cinema Argentino no Rio de Janeiro e uma de cinema

brasileiro em Buenos Aires. Carrilho organiza, também, a exibição do filme “O Pagador de

Promessas”, que ganhara a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1962, com

distribuição de convites a distribuidores e produtores locais. Como resultado da ação

programada do Itamaraty, são feitas inúmeras propostas para a compra de cópias.270 O

conjunto dessas ações de suporte à incursão do cinema brasileiro no exterior, através da

participação em festivais internacionais, da cooperação bilateral e da criação de condições

favoráveis para que seja efetuada a comercialização dos filmes no exterior são aspectos

indissociáveis da política cultural externa.271

O Itamaraty estaria presente, também, na avaliação das produções decorrentes dos

acordos de co-produção. O filme hispano-brasileiro “Samba”, que tentara se beneficiar do

acordo firmado pelos dois países em dezembro de 1962, foi desconsiderado co-produção

pela Seção Brasileira da Comissão Mista do Acordo de Co-produção Cinematográfica

entre o Brasil e a Espanha. Sobre o filme, opina Arnaldo Carrilho que

[...] pela leitura do roteiro e dos procedimentos de filmagem, a


Seção não encontrou nada, em matéria de qualidade, “capaz de
prestigiar a cinematografia espanhola e brasileira”.

Haverá, Senhor Embaixador, um prejudicado com a decisão da


Seção: é o produtor brasileiro, que parece ter despendido vultosa
importância na produção. No entanto – o que é mais importante –
269
Memorandum de Arnaldo Carrilho a Mário Dias Costa. “Acordo de Co-produção Cinematográfica Brasil-
Argentina”, 06/05/63, DDC/DAJ/58/540.612 (41). MRE, Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília –
DF.
270
Idem, 02/04/63, DDC/39/640.612 (00). MRE, Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília – DF.
271
Cf. LESSA, Mônica Leite. Op. cit., p.6.

142
mais prejudicado seria o cinema brasileiro, indústria infante, e que,
nos últimos três anos, vem se fazendo reconhecer
internacionalmente, por sua originalidade e padrão cultural sério,
como se pode deduzir pelos vinte prêmios obtidos nos principais
festivais mundiais.272

A “indústria infante” a que Carrilho se refere é representada, indubitavelmente, pela

lavra dos diretores do movimento do Cinema Novo. A participação desses filmes em

festivais internacionais de cinema despertará grande interesse da Seção Cinematográfica da

DDC, principalmente de Arnaldo Carrilho, entusiasta deste novo momento do cinema

brasileiro, que se empenhará sobremaneira na consecução de sua projeção internacional.

Levada aos festivais internacionais com apoio do Itamaraty, a nova produção

cinematográfica brasileira conquistará doze prêmios entre 1962 e 1963. Segundo Carrilho,

este êxito será conseqüência da evolução técnica e artística havida no período, que conferiu

aos filmes um nível de qualidade que os levou a despertar interesse em diversos países.

Carrilho divide, pois, a difusão do Cinema Novo no exterior em duas fases: a primeira, em

que os predicados das películas foram fundamentais para sua aceitação, e a segunda, em

que a comercialização desses filmes deverá receber suporte do Itamaraty. Sugere, então,

que seja programada uma Mostra Itinerante do Cinema Brasileiro na América Latina, já

que, ao lado de África e Ásia, este seria um dos principais mercados para venda de filmes

brasileiros. O trabalho seria realizado com a coordenação da DDC e da Divisão de

Propaganda e Expansão Comercial, sob os auspícios dos SEPROs (Serviços de

Propaganda) existentes em Buenos Aires, Lima e Cidade do México, que manteriam

contato com os distribuidores locais. Na lista dos filmes brasileiros que fariam parte da
272
Memorandum de Arnaldo Carrilho ao Chefe do Departamento Cultural e de Informações. “Acordo de Co-
produção Cinematográfica entre o Brasil e a Espanha”, 05/11/64, DDC/DAI/??/540.612 (84). MRE,
Informações e Relatórios da DDC, AHI, Brasília – DF.

143
mostra constam, basicamente, produções cinema-novistas, entre as quais “Ganga Zumba,

Rei do Palmares”, de Carlos Diegues, “Os Cafajestes” e “Os Fuzis”, de Ruy Guerra, “Esse

Mundo é Meu”, de Sérgio Ricardo, e “Barravento” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de

Glauber Rocha. Além destas obras de ficção, serão recomendados os documentários em

curta-metragem produzidos em parceria pelo DPHAN (Departamento de Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional) e a DDC, sobre temas da História do Brasil, como as

cidades do ciclo da mineração em Minas Gerais.273 Utilizando-se de recursos técnicos

conseguidos junto à UNESCO e a Fundação Rockefeller, esses filmes foram dirigidos

também por diretores do Cinema Novo. Enfim, os jovens cineastas responsáveis pelo

movimento irão dar as feições da difusão cinematográfica no exterior por meios oficiais:

Julgo que o triênio 1962-64 assinala fase da mais alta relevância


para o desenvolvimento do cinema brasileiro. Cineastas como
Anselmo Duarte, Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha,
Walter Hugo Khoury, Joaquim Pedro de Andrade, Leon
Hirszman, Paulo César Saraceni [...] conseguiram abrir uma
motivação de curiosidade no mundo cinematográfico
internacional. Agente e intermediário dessa conjuntura no
exterior, o Itamaraty tem prestado serviços inestimáveis ao
jovem cinema brasileiro. [...]

[...] selecionando filmes, oficialmente, para representar o Brasil


em festivais internacionais – e sobretudo filmes de produção
independente, isto é, desvinculados do círculo de mau gosto que
condicionava e marginalizava a atividade cinematográfica entre
nós – e assim, ajudando a tornar o cinema-novo o próprio

273
Memorandum de Arnaldo Carrilho ao Chefe da Divisão de Difusão Cultural. “Mostra Itinerante do
Cinema Brasileiro na América Latina”, 26/05/64, DDC/DIPROC/DA/159/540.612 (20). MRE, Informações e
Relatórios da DDC, AHI, Brasília – DF.

144
cinema brasileiro, e ainda assim, emprestando-lhe a chancela de
filmes “oficiais” no estrangeiro – a DDC conseguiu estruturar
toda uma montagem de propaganda cultural do Brasil no
exterior.274

Essa relação estreita entre Itamaraty e Cinema Novo, que se constrói,

primeiramente, pelo interesse de Arnaldo Carrilho, criará, então, uma relação benéfica para

ambas as partes. Enquanto o acesso a festivais internacionais e mostras de cinema

brasileiro, bem como a comercialização dos filmes no mercado exterior, etapa sempre

difícil, dada a estrutura frágil do mercado nacional, receberá suporte do Itamaraty, as ações

relativas à política cultural terão no Cinema Novo um importante veículo de ação. A

relação de Carrilho com as artes audiovisuais levaria os cineastas egressos do Cinema

Novo a redigirem, em 1990, uma carta de apoio ao diplomata, que encontrava dificuldades

para ser promovido dentro da estrutura do Itamaraty. A epígrafe da carta será uma frase de

Glauber Rocha:

Quando é que o Itamaraty vai mandar seus adidos culturais


pesquisarem tudo o que se escreveu sobre o Cinema Novo, para
que se tenha nos arquivos da casa do Barão do Rio Branco o fruto
do trabalho desse grande diplomata que é meu amigo Arnaldo
Carrilho?275

274
Idem. “Setor de Cinema da DDC”, 20/11/64, DDC/DP/DOrg/397/540.612 (20). MRE, Informações e
Relatórios da DDC, AHI, Brasília – DF.
275
PESSOA, Ana. David Neves: muito prazer. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2003, pp.
34-5.

145
Arnaldo Carrilho entendeu, ao contrário de seu antecessor Meira Penna, que julgara

o filme “Rio, 40º” desabonador para a imagem internacional do Brasil, que os padrões

estéticos do Cinema Novo, com influência da Nouvelle Vague francesa e do Realismo

italiano, tendiam a sobrepor a temática, que poderia remeter ao Brasil do flagelo sertanejo

(“Vidas Secas”, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”) ou urbano (“Rio Zona Norte”, “Cinco

Vezes Favela”). A importância da cinematografia para os fins de política cultural

concentrava-se, pois, antes no arrojo da produção do que no enredo dos filmes; a

viabilidade de comercialização e êxito das cópias no mercado internacional, fins práticos

de uma política cultural externa neste sentido, estava acima da questão circunscrita da

retratação, nas telas, da dita realidade brasileira. A partir dessa mudança de concepção,

Carrilho tornou-se o principal responsável pela consecução das diretrizes de política

cultural externa através da produção cinematográfica, estabelecendo um liame entre

Cinema Novo e Itamaraty que perduraria nos anos vindouros.

146
CONCLUSÃO

Ao introduzir este trabalho, nos propusemos a analisar a ação do Itamaraty como

condutor da política cultural externa brasileira, no período 1945 – 1964, tendo em vista

determinados conceitos.

A relevância das mentalidades coletivas e das concepções pessoais do homem de

Estado para as relações internacionais, segundo preconizada por Pierre Renouvin e Jean-

Baptiste Duroselle na “Introdução à História das Relações Internacionais”, auxiliou-nos no

entendimento das diferentes ações desenvolvidas ao longo do período abordado. Como este

homem será produto de seu tempo e de seu meio, a postura profissional, principalmente no

tocante à cultura, tema de notória subjetividade, será influenciada por esses fatores. Por

outro lado, a criação do Instituto Rio Branco, em 1946, que proverá uma formação própria

para os diplomatas que preencherão os quadros funcionais do Itamaraty, é resultado da

própria cultura profissional que se cria no interior do ministério desde muito cedo. Logo, o

trato das questões culturais constituirá uma política de Estado que, embora passe por

mudanças ocasionadas por razões temporais, irá se manter na agenda internacional do país

independentemente do regime em vigor.

Marcel Merle pondera, em “La Politique Étrangère”, sobre a relação entre os

fatores internos e externos do Estado, explanando acerca das razões que teriam levado ao

desaparecimento da separação que tornava essas duas searas estanques. Considera que, ao

se estudar separadamente esses fatores, pode-se depreender a relevância que cada um deles

147
terá no processo276. Assim, consideramos que, para chegarmos a determinados resultados,

teríamos não só que tirar conclusões acerca do relacionamento do Brasil com outros países,

como também ter a dimensão dos aspectos internos que teriam algum grau de influência

nessas relações. Daí a validade de nos determos no panorama da cultura brasileira no

período: o surgimento da indústria cultural, causando o debate sobre a alienação das

camadas populares, o nacionalismo perpetrando a produção cultural, gerando momentos de

encontro entre a arte dita de elite com a arte caracteristicamente popular, como acontecerá

no CPC da UNE, entre 1962 e 1964. A Bossa Nova e o Cinema Novo, cujos primeiros

passos foram ensaiados na segunda metade da década de 1950, estariam sobremaneira

inseridos nesse processo; músicos ou cineastas – além de músicos e cineastas, como Sérgio

Ricardo – que participaram de seus primórdios, se envolveram na experiência CPCista, que

fora um sucedâneo do nacionalismo como pensado pelos intelectuais do ISEB. O reflexo

desses processos na política cultural externa acontece em passo acelerado. Se

considerarmos que o primeiro longa-metragem de Glauber Rocha, “Barravento”, será

lançado em 1961, e que a Bossa Nova, até e durante a transição por que passaria no

período 1960-62, era um movimento musical que unia músicos amadores e profissionais,

perceberemos que a captação dessas expressões artísticas pelo Itamaraty foi rápida. Tanto a

participação dos filmes ditos cinema-novistas quanto as excursões de bossa-novistas ao

exterior, ambos com apoio do Itamaraty, acontecerão a partir de 1962. Recuando quatro

décadas na linha do tempo, encontraremos a viagem do grupo Os Oito Batutas à França,

que também contou com apoio de diplomatas brasileiros, numa competente percepção

primeira da potencialidade da música popular brasileira para a difusão da cultura nacional

no exterior. Concorreram para o sucesso desses empreendimentos oficiais não só a prévia

circulação desta produção cultural brasileira pelo mundo, como também a argúcia de

276
Cf. MERLE, Marcel. Op. cit., loc. Cit.

148
percebê-la, ainda numa fase inicial, e transformá-la em instrumento de política cultural,

para a consecução das finalidades desta política.

Na seqüência, a chegada de Vargas ao poder ocasionará a modernização do

aparelho do Estado, e sistematizará também a propaganda cultural no exterior, dividindo-a

entre diferentes órgãos da estrutura do Executivo, conforme as determinações do

presidente: o DIP e seus antecedentes, Ministério da Educação e Saúde, Itamaraty. Embora

este trabalho tenha se concentrado, especificamente, na ação deste último, pudemos

observar como há, também neste período em que ele perde parte de seu poder deliberativo,

a manutenção da tradição do cultural nas relações exteriores do país, firmada em bases

como a consideração dos aspectos essencialmente nacionais na difusão e a busca de

reciprocidade nas relações, ainda naquelas em que a essencial assimetria277 punha o Brasil

em posição desvantajosa, como no caso dos Estados Unidos. Além disso, princípios como

a defesa da comunidade ocidental, da união latina e das relações luso-brasileiras, tal como

defendido por Gilberto Freyre, estarão presentes em todo o período.

Se, nos final dos anos 50, filmes como “Rio 40º”, precursor do Cinema Novo, ainda

inspiravam reservas por parte da chefia da então DCl, o ambiente cultural que irá se

configurar no início dos anos 60 ensejará mudanças. A significativa melhora no nível

técnico e artístico da produção cinematográfica, dentro de um contexto cultural onde a

inter-relação entre expressões populares e de elite será cada vez maior, fará a preocupação

com a temática reduzir-se consideravelmente. O Cinema Novo, pois, será antes o expoente

de uma produção cultural arrojada, arrebatadora de premiações e comercializável no

mercado internacional, dentro da perspectiva da crescente indústria cultural, do que um

veículo trivial de difusão de imagens do Brasil. Por outro lado, a Bossa Nova, embora com

277
DUROSELLE, Jean Baptiste. Op.cit., loc. Cit.

149
alguma freqüência seja taxada como fruto da presença musical dos Estados Unidos no

Brasil do pós-Guerra, traz influências não só da música popular norte-americana pré Rock

n’ Roll, como também do impressionismo e do romantismo na música clássica européia,

além do samba legitimamente brasileiro. O samba, com o advento do rádio no Brasil, se

dividira em duas vertentes, que teriam diferentes desdobramentos: uma deu origem às

escolas de samba e outros gêneros de cunho francamente popular, e a outra, após ingressar

no rádio e ser interpretada pelos conjuntos regionais, iria produzir a Bossa Nova:

O samba de rádio (mantenhamos essa denominação) em menos de


dez anos foi gerando sub-gêneros bem caracterizados: o samba-
canção (1929), o samba-choro e o samba de breque (início dos anos
30), o samba-exaltação (1939) e finalmente em fins dos anos 50 o
samba bossa-nova. Todos esses tipos eram acompanhados por
orquestras, regionais ou conjuntos especiais reunindo instrumentos
das orquestras e dos regionais. Ao lado dessas formas, o samba de
raiz, digamos assim, continuava sendo cultivado pelas classes
subalternas e evoluía também, apenas de forma muito menos
rápida, produzindo o partido alto (1935), o samba enredo (1950) e
o pagode (1975).278

Creditar, pois, à influência exclusiva da música norte-americana o surgimento da

Bossa Nova e seu subseqüente êxito no mercado internacional seria esquecer a sua

relevância para a própria história da música popular brasileira. Com o concerto do

Carnegie Hall, o Itamaraty auxiliou a difusão e a comercialização, no mercado

internacional, de um gênero musical essencialmente brasileiro, amparando o

278
OLIVEIRA, Arthur Loureiro de et al. Op. cit, p. 111.

150
desenvolvimento da carreira internacional de músicos, cantores e compositores e, em

contrapartida, gerando resultados positivos para a própria imagem internacional do Brasil.

Através de programas definidos, com linhas de desenvolvimento específicas e fixação de

objetivos, música e cinema fizeram parte das ações empreendidas pela Divisão Cultural do

Itamaraty, integrando a política cultural externa concebida pelo órgão.

O desenvolvimento, através das décadas de 50 e 60, de programas de intercâmbio

cultural e cooperação intelectual, representados pela instalação sistemática em países

latino-americanos de institutos de cultura brasileira, concessão de bolsas de estudo a

estrangeiros e criação e manutenção de leitorados e cátedras de Estudos Brasileiros em

vários pontos do mundo, foram partes constantes da política cultural desenvolvida no

período. O pressuposto de desempenhar papel de liderança na América Latina, que

permeará a política externa brasileira através dos anos, terá consecução, no que diz respeito

a essa modalidade de ação, a partir da instalação sistemática dos institutos pelos países do

continente. Nesses locais, através do ensino da língua portuguesa e da Geografia, Folclore,

Literatura e História do Brasil, irá se efetivar a presença da cultura brasileira, sem que haja

uma inquietação constante em torno da reciprocidade; o número de estudantes

provenientes de países latino-americanos que gozaram, no Brasil, de bolsas de estudo,

também será infinitamente superior ao de bolsistas brasileiros nesses países. Na Europa e

nos Estados Unidos, estruturas menores como os leitorados e as cátedras de Estudos

Brasileiros, cujas atividades eram mantidas com o envio de professores pela Divisão

Cultural do Itamaraty, e os centros de estudos subvencionados parcialmente, tinham a

função de também promover essa presença cultural, mas sem as mesmas pretensões

almejadas dentro da dimensão continental, considerada primordial. Com a Política Externa

Independente, crescerá a importância, para a política cultural externa, do continente

151
africano. Em decorrência, o processo de instalação de estruturas do gênero, constrangidas

às possibilidades existentes, assim como a criação de programas de bolsas de estudo para

estudantes provenientes de países da África, se dará de forma acelerada, com o

remanejamento de despesas do gênero a partir dos investimentos no continente americano,

sem que houvesse prejuízo real às atividades nele desenvolvidas. Além disso, propostas de

acordos culturais com países do Leste Europeu acompanharão o incremento das relações

econômicas e comerciais a partir da PEI, num processo onde haverá coordenação com o

contexto maior de política externa.

Dentro de uma perspectiva onde há elementos praticamente imutáveis, dada a sua

patente relevância para as relações culturais oficiais – difusão da língua portuguesa,

presença efetiva na América Latina, principalmente na América do Sul, etc – e outros, que

irão variar de acordo com as diretrizes momentâneas da política externa – maior destaque

para a dimensão Norte-Sul do mundo, em detrimento da perspectiva Leste-Oeste, a partir

da Política Externa Independente, por exemplo – a política cultural externa irá se

posicionar. Apesar dos entraves causados por redução de verbas e alternâncias de chefias

cujas concepções do tema diferirão inteiramente, as ações da política cultural externa não

sofrerão suspensões totais. A preocupação com a não-interrupção das ações, assim como a

organização interna da Divisão responsável, será progressiva, a partir de 1946; a

importância da política cultural externa dentro da estrutura funcional do Itamaraty ensejará

o aumento do número de funcionários que a ela se dedicarão, num processo que culminará,

finalmente, na transformação da DCl em Departamento Cultural e de Informações.

À revelia das diferenças de concepção, interrupções parciais e entraves financeiros,

a equipe responsável e os diplomatas que ocuparam a chefia da área de assuntos culturais

do Itamaraty no período 1945-64 conseguiram materializar ações coerentes com os

152
princípios da política cultural externa brasileira, mantendo a tradição que começara a se

consolidar sob a égide do Barão do Rio Branco. A avaliação da pertinência de programas e

projetos será constante; desde a distribuição de livros e demais publicações pelas

repartições diplomáticas, consulares e institutos, até a participação do Itamaraty em

iniciativas de particulares, como no caso do Carnegie Hall, haverá ponderação da

correlação com as diretrizes existentes. Avanços e retrocessos constituíram o processo,

sem que houvesse, entretanto, uma total paralisação, ou o desenvolvimento de atividades

de cunho aleatório, que não encontrassem fundamento na política cultural externa,

solidamente construída e conduzida em correspondência com as permanências e mudanças

inerentes ao escopo maior da política externa desenvolvida pelo Estado.

153
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1952 – 135.5.13

1953 – 135.5.14

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