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Museu Nacional
Zoy Anastassakis
2007
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Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Brasil:
Zoy Anastassakis
Rio de Janeiro
Janeiro de 2007
Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Brasil:
Zoy Anastassakis
Aprovada por:
_________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte
_________________________________________
Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho
_________________________________________
Prof. Dra. Regina Maria do Rego Monteiro Abreu
Rio de Janeiro
Janeiro de 2007
Anastassakis, Zoy.
Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no
Brasil: Aloísio Magalhães e o Centro Nacional de Referência Cultural / Zoy
Anastassakis. – Rio de Janeiro: UFRJ, Museu Nacional, PPGAS, 2007.
xiv, 156f.
Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/Museu Nacional/Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social, 2007.
Referências Bibliográficas: f. 144-156.
1. Centro Nacional de Referência Cultural 2. Aloísio Magalhães
3. patrimônio cultural. 4. anos 1970.
(Mestre, UFRJ/PPGAS)
1. Título.
À memória das minhas avós
Zoy Tinika e Jovelina de Jesus Malheiros,
que não estando e estando
tão presentes
sempre foram.
In the present essay I propose a revision of the place Brazilian literature on ‘cultural
heritage’ attributes to the National Centre for Cultural Reference (Centro Nacional de
Referência Cultural/CNRC). These studies analyze the CNRC as a part of the official
policies on the conservation of Brazilian ‘cultural heritage’. I suggest, rather, that a
comparison between the texts that analyze the Centre and the documents which were
produced by the institution with the aim of defining its identity point to the necessity of
understanding the experience of the CNRC – which functioned autonomously between
1975 and 1979 – in the broader context of the 1970’s. Therefore, as an analytical device, I
propose to displace the Centre from the ‘cultural heritage’ label and to analyze the very
categories which informed its institutional program. The analysis of these categories throw
a new light upon the experience and the role of the National Centre for Cultural Reference.
Introdução .......................................................................................................................... 01
Capítulo 1: Da biblioteca .................................................................................................. 12
1.1 Breve apresentação dos textos relacionados............................................................ 16
1.2 O Centro Nacional de Referência Cultural .............................................................. 27
1.2.1 Projeto pessoal ou o resultado de um encontro ....................................................... 27
1.2.2 Uma experiência pioneira e ambiciosa ................................................................... 30
1.2.3 Trabalhando com os contextos ................................................................................ 32
1.2.4 O conceito de ‘referência cultural’ .......................................................................... 33
1.3 Cultura, antropologia e desenvolvimento ............................................................... 35
1.3.1 Politizando uma concepção antropológica de cultura e sociedade ......................... 35
1.3.2 Conceito de cultura ................................................................................................. 36
1.3.3 Outras matrizes de racionalidade ............................................................................ 38
1.3.4 Antropologia por não-antropólogos......................................................................... 39
1.3.5 Cultura e desenvolvimento....................................................................................... 40
1.4 CNRC, Iphan, MEC, Governo Geisel ..................................................................... 42
1.4.1 Antecedentes: uma dupla crise de legitimidade ...................................................... 42
1.4.2 O CNRC como alternativa ao Iphan ....................................................................... 45
1.4.3 Organismo autônomo .............................................................................................. 46
1.4.4 O lugar do MEC no Governo Geisel ...................................................................... 48
1.5 Aloísio Magalhães, o design e a cultura .................................................................. 50
1.5.1 Um líder diferente: a contribuição pessoal de Aloísio Magalhães........................... 50
1.5.2 Em Brasília, encontro com o projeto ....................................................................... 55
1.5.3 O papel do Design ................................................................................................... 57
1.6 Entre o ‘heróico’ e o ‘moderno’: tecendo algumas comparações............................ 59
1.6.1 Aloísio x Rodrigo .................................................................................................... 59
1.6.2 Quem usa e quem é usado: Rodrigo e Aloísio em meio a regimes militares de
governo ................................................................................................................... 60
1.7 Os legados do CNRC .............................................................................................. 62
Capítulo 2: Do arquivo ..................................................................................................... 63
2.1 Quatro anos de trabalho ........................................................................................... 69
2.2 Princípios ................................................................................................................ 75
2.2.1 A cultura brasileira e o achatamento do mundo ...................................................... 76
2.2.2 O relacionamento entre cultura e desenvolvimento ................................................ 78
2.2.3 Dinâmica cultural e tecnologia patrimonial ............................................................ 82
2.2.4 A cultura e seu contexto .......................................................................................... 83
2.2.5 Ciência e Trópico .................................................................................................... 85
2.2.6 O design como responsabilidade social .................................................................. 87
2.2.7 Por que Brasília? ..................................................................................................... 89
2.3 Metodologia ............................................................................................................ 90
2.3.1 Pesquisa + ação = participação ............................................................................... 92
2.3.2 O CNRC como um sistema de informações ........................................................... 93
2.3.3 Inteligência artificial ............................................................................................... 94
2.3.4 Aplicações da Antropologia .................................................................................... 96
2.4 Quadro sinótico dos projetos ................................................................................... 97
2.4.1 Mapeamento do artesanato brasileiro .................................................................... 100
2.4.2 Levantamentos sócio-culturais .............................................................................. 104
2.4.3 História da tecnologia e da ciência no Brasil ........................................................ 107
2.4.4 Levantamentos de documentação sobre o Brasil .................................................. 109
Capítulo 3: Do contexto .................................................................................................. 113
3.1 Política .................................................................................................................. 115
3.1.1 O contexto sócio-político brasileiro da segunda metade do século 20 ................. 115
3.1.2 O Governo Geisel (1974-1979) ............................................................................ 120
3.1.3 A política nacional de cultura e o ano de 1975 ..................................................... 123
3.2 Arte e cultura sob a tempestade dos anos setenta ................................................. 125
3.3 Caminhos e descaminhos da Antropologia ........................................................... 129
3.3.1 Aloísio Magalhães e Claude Lévi-Strauss através do espelho............................... 134
Considerações finais ........................................................................................................ 139
Referências Bibliográficas .............................................................................................. 144
Anexos .............................................................................................................................. 157
Lista de Siglas
Jorge Mautner
Introdução
objeto de diversos estudos no âmbito das Ciências Sociais, durante as últimas décadas. No
Brasil, assim como em todo o mundo, há uma proliferação de teses, dissertações e artigos
que tratam do tema. Sem dúvida, é possível afirmar que o patrimônio configura-se hoje
como um campo específico dentro das Ciências Sociais. Interessada em articular, no âmbito
Antropologia.
institucionalizada pelo poder público. Com a abertura desse campo de ação, surge a figura
dos agentes oficiais de preservação. Esses agentes são intelectuais, pessoas ligadas às Artes,
campo de ação no âmbito das políticas públicas, ele sugere também um campo de estudos
para as disciplinas das quais ele se aproxima. Dessa forma, a partir dos anos 30 do século
20, o patrimônio, se configura, no Brasil, tanto como uma forma de ação quanto como um
campo de reflexão.
1
Dentre aqueles que refletiram sobre as questões pertinentes ao
sentido, podemos citar os trabalhos de Abreu (1996), Cavalcanti (1995), Garcia (2004),
Gonçalves (2002), Rubino (1991), Santos (1992), entre outros. Vale destacar que o campo
organizadas por autores vinculados às diversas disciplinas dentro das chamadas Ciências
Sociais. Nesse grupo, destacam-se Abreu e Chagas (orgs.) (2003), Arantes (org.) (1984),
20, ele se configura, também, como uma importante arena de debate e de ação para a
sociedade civil, na medida em que os sujeitos ligados aos bens culturais considerados (ou
compreensão do contexto dos anos 70 do século passado, pois foi a partir da segunda
metade dessa década, momento em que se ‘distendia’ o regime militar, e que a sociedade
1
Gonçalves (2003) propõe o estudo do patrimônio como uma categoria de pensamento. Para o autor, o estudo
das categorias de pensamento, que é uma ‘contribuição original da tradição antropológica’ (Gonçalves, 2003:
21), encontra no patrimônio uma categoria “não exótica, mas bastante familiar ao moderno pensamento
ocidental” (2003: idem). Gonçalves complementa essa colocação, lembrando que Marcel Mauss (1974: 205)
dirigia aos antropólogos a famosa recomendação:
“antes de tudo, [é necessário] formar o maior catálogo possível de categorias, é preciso partir de
todas aquelas das quais é possível saber que os homens se serviram. Ver-se-á então que ainda
existem muitas luas mortas, ou pálidas, ou obscuras no firmamento da razão”. Estamos certamente
diante de uma dessas categorias (2003, 28) [...] O que estou argumentando é que estamos diante de
uma categoria de pensamento extremamente importante para a vida social e mental de qualquer
coletividade humana (2003: 22).
Ainda no que tange a relações possíveis entre a disciplina antropológica e o campo do patrimônio, Gilberto
Velho (1984) entende que “existe uma perspectiva relativizadora, característica do pensamento
antropológico, que talvez ajude a pensar algumas questões que, se não são novas, pelo menos têm se
apresentado com maior agudeza” (Velho, 1984: 37-38).
2
civil reinvindicava seu papel na definição dos rumos a serem tomados pelo país, que o
grupos que se consideravam excluídos dos processos decisórios nacionais. Em tal contexto,
livros e documentos que tratam da trajetória das políticas públicas de preservação no Brasil
Memória, 1980; Andrade, 1997). Os estudos sobre o patrimônio cultural nacional, tanto os
do patrimônio em duas fases. A primeira seria a ‘fase heróica’, que se inicia em 1937, com
Mello Franco de Andrade. A segunda seria a ‘fase moderna’, que se inicia em paralelo à
nomes de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Além deles e de Rodrigo, Carlos Drummond de
Andrade e Mário de Andrade também tiveram ligação direta com o Sphan. Entre as gestões
de Rodrigo e Aloísio houve a de Renato Soeiro, que, para alguns, é considerada como uma
3
fase intermediária entre as duas. Apesar de Soeiro ser um discípulo de Rodrigo, alguns
estudos apontam para o fato de que, durante a sua gestão, o novo contexto político-cultural
Quito, em 1967, fizeram com que o modelo praticado até então se encontrasse
após a saída de Renato Soeiro. Em 1979, com a nomeação de Aloísio Magalhães para a
presidência do Iphan, tem início a ‘fase moderna’. Nessa gestão, realiza-se a reforma
Sphan/Pro-Memória.
Brasil, se destaca o ano de 1979. Afinal, esse foi um ano de ruptura. Nele se inaugurou a
segunda fase do órgão federal de patrimônio, com a nomeação de Aloísio Magalhães para a
presidência do Iphan. José Reginaldo Gonçalves comenta que entre seus informantes
1979 – ano em que ele assume o cargo no Instituto – “a política de patrimônio cultural no
Brasil sofre ‘profundas mudanças’” (Gonçalves, 2002: 71). Segundo este autor, tais pessoas
4
patrimônio no Brasil um pouco antes, em 1975. Nesse ano é criado o Centro Nacional de
Referência Cultural (CNRC), considerado, por alguns autores, como o ‘tubo de ensaio’ em
que Aloísio teria experimentado as idéias que veio a propor como políticas públicas de
1979 - o CNRC não se definia como um órgão ligado ao patrimônio. Ele tampouco estava
definido por seus integrantes, era “traçar um sistema referencial básico para a descrição e
análise da dinâmica cultural brasileira, tal como é caracterizada na prática das diversas
para as políticas oficiais a partir dos anos 1980. No entanto, como já disse, essa é uma visão
retrospectiva, que olha para o Centro com olhos que olham o passado - o que já aconteceu,
o que já frutificou (ou não). Claro que não é sem razão o fato de tantos autores inserirem o
fato, a partir de 1979, sua equipe e seus projetos foram assimilados pelo Iphan. Mas isso
aconteceu em 1979. Em 1975, quando surgiu a idéia de um centro que pesquisasse sobre a
5
Centro tinham outras afiliações, que não eram necessariamante as correntes no campo do
patrimônio.
Centro, confronto-os com o quadro contextual no qual ele se inseria, e dialogo com a
campo, e se essa mudança foi conceituada e experimentada pelo CNRC, no período entre
1975 e 1979, então, acredito que o CNRC seja ‘bom para pensar’ sobre o contexto
brasileiro nos anos 70 do século 20, sobre as mudanças apontadas acima, sobre o campo do
imagens da memória dos primeiros momentos passados na cidade do Rio de Janeiro por
estrangeiros que haviam chegado, tendo utilizado o navio como meio de transporte. Através
das imagens encontradas nos depoimentos colhidos, contava reconstituir uma cidade vista
por um primeiríssimo olhar - o olhar estrangeiro: um outro modo de ver e andar pelo Rio de
Janeiro. No âmbito de tal pesquisa, entrevistei alguns imigrantes, além de ter utilizado os
6
Buscando aprofundar a pesquisa com os imigrantes, iniciada naquela
semestre de 2005, mas ao travar contato com a literatura que se refere ao patrimônio,
concluí que este seria um campo mais profícuo para a articulação de meus diferentes
interesses de pesquisa.
Foi lendo sobre Lúcio Costa [Cavalcanti, 1995a e 1995b; Wisnik (org.),
[Magalhães, 1997 (1985)], em um curso ministrado pelo Prof. João de Souza Leite, na
ESDI, mas tinha deixado o assunto de lado. A partir do interesse surgido pela ligação do
arquiteto Lúcio Costa com as políticas públicas de patrimônio, iniciei uma série de leituras
de sua profissão como campo específico de trabalho no Brasil2. Uma pesquisa em torno da
proporcionaria trazer para o campo das reflexões antropológicas questões que se vinculam
2
“Aloísio Magalhães foi um dentre cinco ou seis indivíduos que, ao final dos anos 1950 e início dos anos
1960, contribuíram decisivamente para a institucionalização do design moderno no Brasil” (Leite, 2006: 29).
7
em um dado momento se ‘converte’ em ‘homem de cultura’? Encontro alento em alguns
autores que esclarecem os desafios de uma tal proposta, me preparando para as possíveis
função de sua maior ou menor proximidade com a alteridade. Peirano declara que se
inicialmente a Antropologia era definida como a ciência que estuda o exótico distante, hoje
próprios antropólogos, uma pluralidade de noções” (Peirano, 1999: 226). A alteridade não
desapareceu, ela apenas mudou de lugar. Se, de início, encontrava-se longe, ela vem
(1999: 225). Nesse sentido, Peirano identifica quatro distâncias que definem eixos
lugar, estariam os estudos que têm como foco o contato entre os grupos indígenas e a
antropólogos já havia sido discutida por Gilberto Velho, no artigo “Observando o familiar.”
Nesse texto, Velho examina as categorias ‘familiar’ e ‘exótico’, afirmando que, nos dias de
8
hoje, faz-se necessária a reconsideração dessas noções, não no sentido de sua negação, mas
meu professor na graduação. João terminava uma tese em Ciências Sociais (PPCIS/UERJ)
que versa sobre a trajetória de Aloísio enquanto designer. A partir de nossas conversas e
Através do orientador desta dissertação, travei contato com Maria Cecília Londres Fonseca,
experiência do Centro Nacional de Referência Cultural. Cecília, que trabalhou com Aloísio
Magalhães, de 1976 até a sua morte, e permaneceu ainda por muito tempo ligada ao Iphan,
tendo se tornado a principal especialista sobre o CNRC no país, foi uma interlocutora
trocamos e-mails, onde ela esclareceu diversas dúvidas que surgiam, enquanto eu
pesquisava. Henrique Oswaldo de Andrade (que foi coordenador do PCH a partir de 1973)
foi outro interlocutor importante, uma vez que me ajudou a localizar os ex-integrantes do
constrói através de uma leitura crítica da bibliografia que comenta ou cita a experiência do
CNRC, e dos documentos produzidos pelo Centro. Como dispositivo analítico, proponho
9
retirar o CNRC da trajetória das políticas públicas de patrimônio no Brasil e observá-lo
enquanto uma experiência em si. Entretanto, este estudo não pretende dar conta de toda a
história do órgão, nem tampouco de todas as questões que a observação de sua história
levanta. No âmbito de uma dissertação de mestrado, acredito que isso seria por demais
pretensioso. Basicamente, reúno a bibliografia sobre o tema, e realizo uma leitura inicial
discurso produzido pelo órgão. Nesse sentido, não se trata de um estudo sobre o CNRC,
mas sobre o que se fala sobre ele, e sobre o que o Centro utiliza como discurso definidor de
seu projeto.
afins, trata dos discursos de fora. Nele, analiso a bibliografia que menciona ou comenta o
como o CNRC é visto por aqueles que refletem sobre o patrimônio cultural no Brasil.
Nele, a partir da pesquisa realizada nos arquivos do Iphan, realizo uma leitura dos
documentos produzidos pelo órgão. Tive acesso a esse material em duas visitas que fiz à
Cultural.
em que o CNRC se inseriu. Nesse capítulo, esboço montar um breve quadro histórico do
10
momento em que surge o órgão. Dentro de tal quadro, discuto alguns caminhos porque
do Centro.
***
produzido de fora, seja por intelectuais desvinculados da experiência do órgão, seja por
membros de sua equipe que posteriormente refletiram sobre as questões levantadas pelo
CNRC, ou seja, aquele produzido de dentro. Por fim, no terceiro capítulo, esboço um breve
tal como sugere Luiz Fernando Dias Duarte (1999: 56), em vez de contrastar o CNRC
apenas com a trajetória das políticas oficiais de patrimônio, escolho confrontá-lo, também,
metade dos anos 1970. Dessa forma, ensaiando retirar o Centro do campo do patrimônio,
11
Capítulo 1: Da biblioteca
Magalhães. Dentre esse último grupo, considero alguns que mesmo não tratando da
experiência do CNRC, citam a figura de Aloísio, pois acredito que eles contribuem para o
debate. De fato, uma das primeiras coisas que percebi durante a pesquisa é que o Centro
12
mesmo tempo lócus de práticas políticas e campo para a reflexão acadêmica, onde, muitas
vezes, aqueles que ‘pensam’ são também aqueles que ‘agem’, acredito que todos os textos
encontrados devem ser igualmente considerados. Afinal, nesse campo, as fronteiras entre a
prática e a reflexão são tênues, e esse parece ser um dos pontos cruciais para o interesse que
Desse modo, o patrimônio, além de se configurar como um objeto para os cientistas sociais,
torna-se também um seu campo de trabalho, na medida em que precisa de especialistas que
analisada, categorias que me servem como dispositivo analítico. A primeira categoria seria
a de textos produzidos por pessoas que em algum momento de sua trajetória profissional
acadêmicos produzidos por cientistas sociais que não tiveram ligação profissional com o
Centro, ou com seu coordenador-geral. Apesar de esses autores não formarem um grupo
entre si, por oposição à primeira categoria de textos, eles esboçam um conjunto.
trabalho, que as fronteiras entre os que fizeram parte da experiência do CNRC e os que
refletiram (a posteriori) sobre essa experiência são quase inexistentes. Portanto, neste
observado (capítulo 2). Muitos dos autores que constam do primeiro capítulo discutindo,
13
inclusive em âmbito acadêmico, a experiência do Centro, figuram no capítulo seguinte
a questão de que, no país, o antropólogo – e, por similaridade, todo cientista social – estuda
um “‘outro’ que não é só próximo, mas parte do nós, que é, claramente, o país como
Estado-nação” (Peirano, 1991: 99). Nesse sentido, Peirano propõe discutirmos os sentidos
sociais e históricos de certas categorias que usualmente tomamos por universais, tais como
dos cientistas sociais franceses, a autora sugere que o intelectual brasileiro está sempre
(1991: 95).
O que pretendo colocar, com essa discussão, é que, como sugere Peirano,
“o ‘nativo’ perdeu o seu caráter passivo” (1991: 85). Neste estudo, o ‘nativo’ e o cientista
social são, por muitas vezes, a mesma pessoa. Esse é o caso dos autores que incluio na
categoria de dentro, aqueles que tendo estado vinculados a Aloísio Magalhães e ao CNRC,
foram, eles mesmos, os criadores da maior parte da massa crítica de textos produzidos
os comentadores e os observados não são de fácil definição, assim como a minha própria
posição pode ser tomada como similar à de alguns autores (Leite, Campos), que a partir de
14
uma prática na área do design1 voltam-se para a pesquisa no campo das Ciências Sociais,
respeito à sua vinculação com a disciplina antropológica. Os únicos três autores que
08) (Ortiz, 1985: 09)] diferenciam-se dos demais em algo que defino como sua ‘crença na
invenção’. Ortiz afirma: “Creio que é o momento de reconhecermos que toda identidade é
uma construção simbólica” (Ortiz, 1985: 08). Gonçalves, por sua vez, declara:
Lévi-Strauss leu os mitos primitivos (Ortiz, 1985: 09). Para Gonçalves, “as narrativas
nacionais estão sendo sempre contadas e re-contadas, assim como ocorre com os mitos”
(Gonçalves, 2002: 21). Desse modo, se os demais autores parecem tomar a realidade como
fato, Garcia, Gonçalves e Ortiz assumem uma posição diferente, na medida em que
assunção está diretamente vinculada à leitura de “The invention of culture”, de Roy Wagner
[1981 (1975)], que, ao renunciar à idéia de cultura como um todo, sugere que ela deve ser
considerada como invenção. Para este autor, a cultura não existe em si mesma, ela é uma
1
“Design é uma palavra inglesa originária de designo (as-are-av-atum), que em latim significa designar,
indicar, representar, marcar, ordenar. O sentido de design lembra o mesmo que, em português, tem desígnio:
projeto, plano, propósito (Hollanda, 1975) – com a diferença de que desígnio denota uma intenção, enquanto
design faz uma aproximação maior com a noção de uma configuração palpável (ou seja, projeto). Há, assim,
uma diferença entre design e o também inglês drawing – este, sim, o correspondente ao sentido que tem o
termo desenho (Villas-Boas, 1997: 45).
15
‘construção explanatória’ ou um ‘suporte’ que viabiliza a percepção das diferenças e a
comparação.
dedicado integralmente ao CNRC, o que foi confirmado por pesquisadores ligados ao tema,
com quem tive contato (Leite, Fonseca). Alguns autores tratam do assunto com maior
profundidade, mas somente enquanto parte de uma questão mais ampla (Fonseca,
Gonçalves, Leite, Lopes, Souza), alguns outros fazem breves comentários sobre o CNRC
(Falcão, Garcia, Miceli), alguns citam apenas Aloísio Magalhães. (Campos, Ortiz). De
qualquer modo, em todos os textos o CNRC é considerado como uma parte de algo maior,
seja a história do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, seja o quadro das
políticas culturais dos anos 1970, seja a trajetória profissional de Aloísio Magalhães.
respeito dos fatos e situações” (Velho, 2004: 131), passo agora à análise contrastiva dos
Há toda sorte de textos sendo tratados neste capítulo – desde artigos, até
comentei anteriormente, o Centro é citado sempre como parte de algo maior. O que
distingue tais textos é tanto sua orientação disciplinar e teórica, quanto o tipo de relação que
16
os autores mantiveram com o órgão e/ou com seu criador (proximidade, crítica ou
neutralidade), uma vez que, entre os autores que constam deste capítulo, alguns nutriram
estreitas relações de trabalho e/ou amizade com Aloísio Magalhães (Botelho, Campos,
***
pesquisadores do CNRC. Seu texto reproduz vários trechos de documentos produzidos pelo
órgão. Logo, trata-se da ‘história oficial’ do Iphan contada a partir do ponto de vista dos
criadores do Centro. Dessa forma, pode ser considerado um documento de transição entre
aqueles que discutirei no segundo capítulo e os que relaciono na primeira parte do trabalho.
Instituto, comenta rapidamente o CNRC. Nesse documento, Antônio Luiz Dias de Andrade
experiência que veio a caracterizar a nova fase da trajetória do Iphan, iniciada com a gestão
dissertação (Garcia) e uma monografia (Lopes), que tratam mais ou menos diretamente do
CNRC. A primeira das três teses foi escrita por Maria Cecília Londres Fonseca, e publicada
17
“Patrimônio em processo” teve sua origem como tese de doutorado em Sociologia
social produtiva, criadora de valor em diferentes direções” [Fonseca, 2005 (1997): 27].
criação do Sphan até a fase moderna, o trabalho privilegia os anos 1970 e 1980. Analisando
na medida em que serve como base de explicação para as premissas que teriam orientado as
surgido como alternativa ao Iphan, que desde a saída de Rodrigo, em 1967, encontrava-se
por Aloísio Magalhães no Centro, e o quadro de abertura política do regime militar teriam
18
propiciado a ascensão de Aloísio à direção do órgão oficial de preservação e sua posterior
José Reginaldo Gonçalves [2002 (1996)]. Nele, o autor faz um estudo sobre os discursos do
Nesse estudo, o patrimônio não é tratado como um dado histórico ou cultural, mas
oficiais de patrimônio são analisados por Gonçalves como ‘narrativas nacionais’, ou seja,
modalidades de invenção discursiva que visam a construir uma identidade e uma memória
para o país. Essas narrativas seriam ‘estórias de apropriação’, formuladas a fim de dar cabo
nação, ou seu patrimônio cultural, é construída por oposição a seu próprio processo de
destruição” (Gonçalves, 2002: 31). Assim, a nação, que nessas narrativas estaria em
constante ameaça de dissolução, deve ser redimida pela proteção e preservação de seu
patrimônio. Para garantir a sua sobrevivência, a nação teria que identificar e apropriar-se do
que já é seu – o patrimônio cultural. Para Gonçalves, segundo essa lógica, preservar o
iniciou sua carreira como estagiário no escritório de Aloísio Magalhães. A tese, intitulada
19
“Aloísio Magalhães, aventura paradoxal no design brasileiro. Ou o design como
sua tese, João Leite utiliza a trajetória profissional de Aloísio como um eixo sobre o qual
ele articula idéias específicas do campo do design com questões da sociedade brasileira.
Tendo o trabalho de Norbert Elias como referência, Leite propõe uma sociologia em torno
do personagem Aloísio Magalhães (Leite, 2006: 15). Para o autor, essa escolha implica em
Dessa forma, ele desenvolve a proposta de relacionar fatos diversos que contribuam para a
compreensão “de que o design no Brasil integra uma vertente do moderno que se estabelece
grande mito do design brasileiro, mas um mito ‘estranho’ ao campo em que ele se inseria,
que se contrapunha aos cânones estabelecidos pela profissão no país. Na pesquisa, o autor
buscou compreender em que termos teria se estabelecido tal ‘paradoxo’ – assim, entre as
perguntas fundamentais que a tese coloca destaca-se a seguinte: em que e por que Aloísio
formação pessoal ‘peculiar’ de Aloísio, formação essa que, para ele, teria alcançado um
capital-federal, Aloísio teria compreendido que o design lhe permitiria conciliar ‘projeto’,
artes e cultura brasileira. Nesse momento, então, ele teria se decidido pela profissão de
2
Antes de decidir-se pela profissão, Aloísio estabeleceu ligacões com diversas áreas de trabalho: graduou-
sem em Direito, trabalho em teatro, foi artista plástico, e participou, como gravurista, de um atelier
experimental de edição de livros.
20
designer. No entanto, algum tempo depois de ter se estabelecido como um designer de
renome, Aloísio ‘transitou’ para a área de cultura. Para o autor, nesse segundo momento, o
designer explicitou que seu objetivo de vida não era o design, mas, sim, a ‘atividade
projetiva’, que podia ser aplicada também a projetos de cultura, o que ele realizou com a
criação do CNRC.
Carvalho Garcia (2004) realiza uma investigação sobre a ‘nova vertente’ pela qual o campo
discute a influência que a noção antropológica de cultura vem exercendo sobre o campo do
ESDI - Ana Luiza Silveira Lopes estuda as relações de Aloísio Magalhães com o design
do livro “Estado e cultura no Brasil”, organizado por Sérgio Miceli, em 1984. Dentre eles,
alguns citam diretamente Aloísio Magalhães e o CNRC, outros tratam mais amplamente
21
No artigo “Notas sobre política cultural no Brasil”. Mario Brockmann
Machado discute alguns dos problemas que, em sua opinião, se apresentam à política
cultural no início dos anos 1980. Inicialmente, o autor questiona a própria existência de
uma política cultural no país. Para ele, a situação seria melhor definida com a utilização do
plural – políticas culturais. Não obstante, Machado afirma que negar a existência de uma
política cultural substantiva não é o mesmo que afirmar a inexistência de tentativas nesse
tempo. O autor destaca, como a mais importante dessas tentativas, a política de preservação
do patrimônio histórico e artístico nacional. Nesse campo, Machado acredita que tenham
e artístico nacional”, Joaquim Falcão trata das relações entre política cultural e democracia
no Brasil. Assim como Machado, Falcão não acredita ser possível afirmar a existência de
uma política cultural desenvolvida pelo Estado brasileiro. A exceção estaria justamente no
campo da preservação histórica e artística, uma vez que, já em 1937, o Iphan estaria
do Estado na vida política e cultural do país” (Falcão, 1984a: 26). O autor demonstra como
surgiram, no início dos anos 1970, novas possibilidades de políticas culturais. Para Falcão,
CNRC, que é definido por ele como “o embrião da nova política de preservação cultural do
Estado” (1984a: 31). Este autor acredita que somente a partir do contexto político da época
seria possível entendermos o fato de o CNRC ter nascido fora da burocracia estatal.
22
No artigo “O processo de construção institucional na área de cultura
federal (anos 70)”, Sérgio Miceli trata do arranjo institucional que se configurou durante a
gestão Ney Braga no Ministério de Educação e Cultura (Governo Geisel). Nessa gestão, foi
Cultura”. Para o autor, essa política foi importante no sentido em que conseguiu vincular a
cultural oficial, Miceli insere o CNRC, assinalando que o órgão contribuiu ativamente para
apressar as transformações por que passou a vertente patrimonial das políticas públicas na
área de cultura nos anos 1970. Segundo Miceli, os ministros Severo Gomes e Golbery do
Couto e Silva foram agentes ativos na transformação sofrida por essa vertente: Severo
patrimonial em seguida formuladas pelo CNRC” (Miceli, 1984: 67); Golbery, sendo
presidência do Iphan.
artigos sobre o período em que Aloísio Magalhães esteve ligado ao CNRC e ao Iphan. Em
alguns conceitos que teriam balizado a atuação político-cultural de Aloísio, que, em seu
ver, foi o “articulador da mais consistente e abrangente política cultural até agora formulada
no Brasil” (Duarte, 2003: 222). Para Duarte, Aloísio teria questionado, em sua proposta
cultura, que abarcaria um número muito mais vasto de manifestações culturais que as
23
consideradas pelo Iphan desde a sua criação. Para o autor, essa nova visão do patrimônio,
mais ampliada, teria sido resgatada e aprofundada por Aloísio a partir do anteprojeto de
em que ela revê e complementa alguns temas abordados em sua tese de doutorado. Fonseca
aponta, assim como fez João Leite, para o que ela considera ser a base de conduta de
produção cultural. Algo que faria parte da identidade pernambucana de Aloísio, que, como
tal, esteve desde sempre em contato com as culturas populares de Pernambuco. Tal ligação
só teria se adensado com sua passagem pelo Teatro, pelas Artes Plásticas, pelas Artes
Gráficas e pelo Design. Assim, o ‘contato profundo e variado’ com a questão cultural teria
informado o modo inovador com que Aloísio cuidou da cultura, e também o ‘sentido de
cultural. Propostas essas que tinham como diferencial a compreensão da cultura como fator
decisivo para o desenvolvimento. Para a autora, Aloísio se destaca pelo fato de ele ter, antes
CNRC, algo que ela não faz diretamente em sua tese de doutorado, assumindo também a
permanente ligação do grupo que fez parte do CNRC com as propostas experimentadas
então. Nesse sentido, a autora menciona a marca que a experiência no Centro teria deixado
24
nas pessoas ligadas que formaram a equipe do órgão. Esse grupo teria continuado crédulo à
Segundo o autor, havia um ‘problema gerador’ que Aloísio tomou como desafio pessoal.
Esse problema consistia em que, em função das mudanças porque passava o país, com o
esse clima de mudança e a partir do que ele demandava, formulou um projeto para
concretizar as mudanças necessárias. Nas palavras de Falcão, “seu projeto foi moldado por
uma compreensão sistêmica de cultura, aberta e não dogmática, capaz de integrar, somar,
estágios estaria ligado a um tempo definido; o primeiro iria desde o início de sua
experiência com a pintura e a gravura até a sua prática como designer. O CNRC e a política
como este, Redig entende o CNRC como uma conseqüência da prática do design, na
25
CNRC estaria esboçado primeiramente em sua atuação no campo do design, pois, segundo
preocupar com a sucessão dos fatos, o autor discute as idéias e concepções que guiaram as
atividades da ESDI, a partir de 1963. Aloísio Magalhães esteve presente na escola desde a
sua fundação, ocupando lugar de destaque entre os professores, uma vez que, devido ao seu
formal, ele foi, na verdade, uma escola fora da ESDI” (Souza, 1996: 154). Para este autor, o
que veio a se tornar o Centro Nacional de Referência Cultural era, na verdade, um projeto
de design nacional, cultivado por Aloísio ao longo dos anos de sua prática profissional.
não editados) durante o “Simpósio Aloísio Magalhães sobre política cultural”, realizado em
Brasília no ano de 2002. Por ocasião do aniversário de vinte anos de morte de Aloísio
Magalhães, reuniram-se, em sua homenagem, pessoas que trabalharam com ele durante a
fase de sua vida dedicada às políticas culturais. Entre os palestrantes estavam: Octavio
Elísio Alves de Brito (representando o Ministro da Cultura), João de Souza Leite, Roberto
Sabato Moreira, José Silva Quintas, Carlos Rodrigues Brandão, Luiz Felipe Perret Serpa,
Lauro Cavalcanti, Bárbara Freitag Rouanet, Briane Bicca, Joel Rufino dos Santos, Olympio
Serra, José Carlos Levinho, Maria Cecília Londres Fonseca, Augusto Carlos da Silva
26
Telles, Henrique Oswaldo de Andrade, José Reginaldo Gonçalves, Célia Corsino, Isaura
ao CNRC. Tanto de pessoas ligadas a Aloísio, tais como Italo Campofiorito, Paulo Sergio
Duarte, Joaquim Falcão, José Laurêncio de Melo, José Silva Quintas, quanto de autores que
não tiveram vinculação direta com ele, como, por exemplo, Renato Ortiz.
Fonseca (2005) e Gonçalves (2002) sobre a compreensão geral do que tenha sido o CNRC.
modo como o CNRC e o discurso de Aloísio Magalhães foram entendidos por esses
que aprofundam as discussões sobre o segundo momento da trajetória das políticas públicas
de patrimônio no Brasil, o que até então não havia sido feito. Seguindo seus passos, já
foram realizados alguns trabalhos. Entre eles, cumpre destacar as dissertações de Garcia
Nacional de Referência Cultural. Para uns, o CNRC era um projeto pessoal que Aloísio
27
prática no campo do design; para outros, é do encontro entre Aloísio Magalhães, Severo
Gomes e Vladimir Murtinho que nasce o projeto de um centro que associasse a pesquisa em
João de Souza Leite é um dos que acreditam que o projeto do CNRC foi
se decide pelo design enquanto profissão. Para Leite, essa decisão teria se dado em função
do encontro de Aloísio com a ‘idéia de projeto’3, uma decorrência de sua visita à Brasília.
A nova capital federal, que, para Leite, seria a concretização da atitude projetual no país,
teria despertado Aloísio para a possibilidade de atuação no campo do design. Segundo este
autor, depois da visita a Brasília, Aloísio se decidiu efetivamente pela profissão que veio a
exercer nos vinte anos seguintes. Nesse mesmo momento, teria surgido em Aloísio o
interesse pelas questões culturais. A partir de tal perspectiva, o CNRC seria apenas um
propõe algo que poderia ser caracterizado como um pré-projeto do CNRC, e onde ele
também sugere que ‘designers’ e ‘sociólogos’ deveriam se unir na busca pela viabilização
3
“A noção de projeto é uma das mais caras ao conceito de design – palavra inglesa cuja melhor definição
seria, justamente, projeto (e não desenho). O Conselho Federal de Educação, no parecer 62/87, de 29 de
janeiro de 1987, prioriza a atividade projetual na própria definição de desenhista industrial: “O desenhista
industrial é o profissional que participa de projetos de processos industriais, atuando nas fases de definição de
necessidades, concepção e desenvolvimento do projeto, objetivando a adequação destes às necessidades do
usuário e às possibilidades de produção” (Villas-Boas, 1997: 20). Segundo o designer André Villas-Boas,
para que se exerça o design, é necessário que haja projeto. Em suas palavras, “É através da atividade projetual
que “o desenhista industrial coteja requisitos e restrições, gera e seleciona alternativas, define e hierarquiza
critérios de avaliação e engendra um produto que é a materialização da satisfação de necessidades humanas,
através de uma configuração e de uma conformação palpável” (Moraes, 1993)” (1997: idem).
28
em 31 de março de 1973, no Jornal do Brasil ele declarou: “Eu sugiro a
criação de um grupo independente de política e de grupos econômicos para
pesquisa de produtos novos e levantamentos de viabilidades de mercado.
Esse grupo teria elementos governamentais e designers também, deveria
contar com pessoas ligadas aos aspectos sócio-econômicos e culturais do
país, como sociólogos, por exemplo. Essa associação me parece
imprescindível se vai-se querer criar produtos com características nacionais
e uma política nacional de design (Souza, 1996: 272).
Assim como Leite e Souza, Octavio Elísio Alves de Brito (2002) acredita
que o interesse de Aloísio Magalhães pela política cultural nasce em função de uma
cultural que o novo contexto histórico por que passava a sociedade brasileira estava a
Se para Brito, Leite e Souza, o CNRC era uma idéia que Aloísio já trazia
em mente quando encontra Severo e Murtinho em 1975, para Maria Cecília Londres
Fonseca, assim como para Sérgio Miceli, o CNRC surge a partir do encontro de Aloísio
Magalhães com Severo Gomes e Vladimir Murtinho. Para Miceli, o Ministro Severo teria
industriais” (Miceli, 1984: 79). Fonseca acredita que O CNRC teria surgido a partir de
conversas entre Aloísio – designer e artista plástico, Severo – então Ministro da Indústria e
Brasília, o grupo debatia sobre o produto brasileiro, questionando porque esse produto não
29
Ana Luiza Silveira Lopes assinala que
Joaquim Reidg (que trabalhava com Aloísio na época) narra um episódio
que ilustra bem essa passagem (em que Aloísio começa a se desvincular de
sua atividade como designer e passa a se dedicar cada vez mais a uma
atividade no âmbito cultural). Segundo o depoimento de Redig, por volta
de 1972, alguns anos antes de Aloísio Magalhães assumir publicamente sua
atividade na política cultural, ele foi convocado pelo Ministro da Indústria
e Comércio e seu amigo pessoal, Severo Gomes, para uma consultoria
sobre o produto brasileiro de exportação. Teria sido nessa reunião que, ao
se deparar com o problema da definição de um produto brasileiro (ou a
falta dela), Aloísio Magalhães teria colocado a questão de que para definir,
conhecer e criar o produto brasileiro seria preciso antes conhecer a cultura
brasileira (Lopes, 2003: 33).
uma ‘atividade’ (Falcão, 1984), uma ‘experiência pioneira’ (Arantes, 2002), uma ‘base
arqueológico multidisciplinar’ (Miceli, 1984). Essas definições denotam a ênfase dada por
que é visto pela maioria deles como a base de onde teriam se desenvolvido as idéias que
João de Souza Leite acredita que o CNRC teria sido “o berço das ações que Aloísio
Magalhães viria a traçar no quadro institucional, no âmbito federal, no trato dos bens
culturais” (Leite, 2002: 04). Joaquim Falcão define o CNRC como “o embrião da nova
política de preservação cultural do Estado” (Falcão, 1984a: 31). Para este autor, o CNRC
nem chega a se concretizar como uma instituição, ele seria simplesmente “uma atividade
apoiada por um convênio” (Falcão, 1984a: 32). Maria Cecília Londres Fonseca (2002)
reforça o argumento de Falcão, afirmando que, ao contrário do que pode parecer, o CNRC
30
não era uma instituição de pesquisa, mas, sim, um espaço de experimentação, um celeiro de
uma prática plástica e informal. Assim como Fonseca e Brito, José Reginaldo Gonçalves
define o CNRC como a ‘base experimental’ para a nova política oficial de patrimônio
trabalho que desenvolveu diversos projetos culturais que exemplificavam a nova concepção
Indo além, Octavio Elísio Alves de Brito define o CNRC como “um laboratório de
que se ampliavam, em muito, ao alcance das políticas culturais” (Brito, 2002: 02).
CNRC. Para Gonçalves, os projetos do Centro não teriam por objetivo a simples
identificação e preservação dos ‘bens culturais’, mas, mais do que disso, estariam
preocupados com o retorno dos resultados às populações ligadas aos bens culturais
pesquisados. Fonseca divide as atividades do CNRC em duas fases, a primeira, com uma
proposta mais restrita, e a segunda, com objetivos mais ‘ambiciosos’. A autora afirma que,
a princípio, o Centro se propunha a criar um banco de dados sobre a cultura brasileira, que
tinha por fim gerar referências que fossem úteis ao planejamento social e econômico do
acreditava ser possível viabilizar um maior acesso aos produtos, que, até então,
desenvolvimento nacional. Segundo Fonseca, com o passar do tempo, essa concepção teria
sido re-elaborada a ampliada, e o projeto do Centro teria tomado um vulto mais ambicioso,
31
que se encaixasse nas necessidades brasileiras, mas, também, considerar as questões de
que vivem as populações associadas a um dado ‘bem cultural’, que levasse em conta as
como afirma o autor, para Aloísio Magalhães a diversidade cultural da sociedade brasileira
seria o elemento definidor de sua singularidade, tanto a nível nacional quanto internacional.
‘caráter’ somente se revelaria através do estudo das trajetórias dos ‘bens culturais’. Isso só
cotejado com o contexto ao qual se vinculava. Para Gonçalves, esse “discurso ecoa uma
trabalhar com os contextos culturais, não partindo de modelos, mas travando contato com
Quintas, o contato com os diversos contextos culturais teria levado o CNRC à compreensão
de que existem no país diversas visões de mundo e inúmeras explicações para a realidade.
32
Desse modo, o Centro teria optado por trabalhar “mais a cultura enquanto processo do que
experiências pesquisadas, a nível local, mas também, em um âmbito mais geral, para o
Patrimônio Imaterial”, de 2000, Maria Cecília Londres Fonseca assina um artigo intitulado
“Referências culturais: base para novas políticas de patrimônio”. Nesse texto, Fonseca
momento, era a base para as considerações sobre a criação de um novo instrumento legal de
preservação, no que tange ao patrimônio de natureza imaterial. A autora esclarece que essa
caracterizaria por uma perspectiva plural que descentraliza os critérios tidos como
sentidos e valores atribuídos pelos diferentes sujeitos a bens e práticas sociais.” (Fonseca,
33
2000: 62) Assim, falar em ‘referências culturais’ seria chamar a atenção para a questão da
identidade dos grupos ligados a um dado bem cultural. Portanto, apreender ‘referências’
implicaria em lidar não só com as representações simbólicas, mas, também com as relações
sujeitos ligados a um dado contexto cultural deixam de ser meros informantes, para se
negociação política tem reconhecido o seu papel” (2000: 64). Dessa forma, transferindo a
atenção dos objetos para os sujeitos, o CNRC teria contribuído para a desmaterialização e
politização da preservação.
realizar tal tarefa foram tomados emprestados do ‘saber consolidado pelas Ciências Sociais,
que estariam disseminando a idéia de ‘bem-cultural’. Joel Rufino dos Santos acrescenta que
Magalhães foi “convertê-la em diretriz política e ‘vendê-la’ com sucesso ao último governo
militar, conseguindo dele os meios institucionais que o viabilizaram” (Santos, 2002: 64).
34
1.3 Cultura, antropologia e desenvolvimento
associam o trabalho do CNRC a uma inspiração antropológica. Para eles, o Centro teria
operado com um conceito de cultura diferente do que até então fundamentava a prática do
Instituto do Patrimônio. Fonseca (2005) afirma que a nova concepção de cultura utilizada
pelo CNRC estaria em consonância tanto com as diretrizes da Unesco, quanto com
mudanças por que passavam as próprias Ciências Sociais. José Reginaldo Gonçalves afirma
que a narrativa de Aloísio Magalhães estaria vinculada a uma visão projetiva da história, ou
(Gonçalves, 1991: 73). A diferença entre o discurso de Aloísio Magalhães e essa literatura
35
partir da experiência do CNRC a preservação passaria a assumir novas funções para além
Magalhães teria superado “uma idéia predominante na ação do Estado quando se tratava de
política cultural” (Moreira, 2002: 26), aquela que entendia cultura como arte, para substituí-
la por um conceito de cultura “que incorporava a esfera do simbólico, dos valores, do saber,
vinha pregando desde o início dos anos 1970. Botelho afirma que a questão do conceito de
cultura foi fundamental na época. Para ela, “é o grau de abrangência dos termos da
possíveis tendo em vista os objetivos de uma política cultural” (Botelho, 2002: 98). A
autora aponta para as diferenças existentes entre uma dimensão antropológica e uma
dimensão sociológica da cultura. Segundo ela, Aloísio teria adotado a primeira perspectiva,
a da Antropologia. Nesse plano, Botelho define cultura como sendo o fruto da interação
social dos indivíduos, ou como sendo o lugar onde esses indivíduos elaborariam seus
Logo, segundo essa visão, para que uma política atinja a cultura tomada
sob tal perspectiva, seria necessário que ela incluísse em seu projeto a reorganização das
estruturas sociais e a redistribuição dos recursos econômicos. Ou seja, tomar a cultura nesse
36
uma sociedade. “Assim sendo, a adoção de um conceito antropológico de cultura exige a
participação de todas as áreas da gestão pública devendo, portanto, ser assumido como um
pressuposto geral de governo e não exclusivo do setor de cultura” (2002: 99). Desse modo,
da cultura, mas sim expandir a cultura para as outras áreas do governo” (2002: 100).
articulação política entre os vários setores do governo quando criou o CNRC como um
órgão multi-institucional, pois, com a criação do Centro, ele não só retirou a cultura do
ambiente restrito onde ela era habitualmente tratada (o MEC), como conclamou outros
desenvolvimento, propondo sua substituição por uma ‘visão antropológica e moderna’, que
abarcaria um número muito mais vasto de manifestações culturais que as consideradas pelo
Iphan desde a sua criação. Dessa forma, o CNRC associava a cultura a novas áreas dentro
do governo, áreas mais fortes que aquelas às quais ela era usualmente identificada. Antonio
Augusto Arantes chega a afirmar que essa foi a principal contribuição de Aloísio para o
37
1.3.3 Outras matrizes de racionalidade
campo do patrimônio uma ‘visão ampla de cultura’, que questionava e re-elaborava, entre
erudita/cultura popular. Práticas e saberes que até os anos 1970 eram de interesse restrito
dos folcloristas e etnógrafos, passaram a ser objeto de preservação. José Silva Quintas
também comenta a especificidade do trato do CNRC com a questão da cultura. Para ele, o
(Quintas, 2002: 29). Segundo esse autor, o CNRC operaria com ‘outra’ concepção de
cultura, que consideraria não apenas a cultura erudita, mas, também, ‘outras matrizes de
racionalidade’. O saber popular, que, até então, era objeto de estudo restrito dos folcloristas,
nessa visão, não era tomado como um elemento de produção de identidade cultural, mas,
pluralidade cultural. Para o CNRC, a identidade brasileira seria resultado de uma ‘unidade
culturas” (2002: idem). O autor aponta para o conceito de devolução que era utilizado no
algo que havia sido retirado dela, mas, sim, implicava em se trabalhar, juntamente com os
38
Quintas considera que o inédito no trabalho do Centro foi o fato de que
ele trouxe para o âmbito oficial algo até então inimaginável: uma visão interdisciplinar da
somente pelo seu entendimento da cultura, mas também pelas ferramentas de que se
utilizava para aplicar às pesquisas essa nova concepção de cultura. O Centro utilizava
principalmente para a área de tecnologia, com a pesquisa dos ‘saberes populares’. Para este
fato de que, naquela época, “o uso de modelos matemáticos nos estudos culturais
cientistas sociais, mas em meio a agentes vinculados a outras áreas (design, informática,
39
indústria) (Fonseca, 2005). “Ainda que não seja ele próprio um antropólogo, sua política
cultural [a de Aloísio Magalhães] está orientada por alguns valores presentes, de forma
distinta, em teorias que informam a moderna antropologia” (Gonçalves, 2002: 50). Segundo
Centro. Pelo contrário, em seu discurso, o CNRC faria questão de afirmar o distanciamento
realidade’.
meio dos anos 1970, uma ‘inspiração antropológica’ atingia tanto as instituições
internacionais (Unesco) quanto os intelectuais brasileiros (pelo menos aqueles que fizeram
parte do CNRC), como algo que estava ‘há muito tempo no ar’ (Brito, 2002). A
Antropologia de que falam esses autores parece definir-se em função de uma ‘visão
projetiva’, ‘ampla’, ‘plural’, que considera o ‘ponto de vista nativo’ etc. Trata-se de uma
acreditam que Aloísio Magalhães teria elaborado essa ‘nova concepção’ de cultura a partir
de sua prática no campo do design. A tese de Leite, que analisaremos à frente, sugere que o
design foi – e, por conseqüência, pode ser – a base para uma compreensão mais ampla de
cultura.
Referência Cultural teria surgido a partir de conversas entre Aloísio Magalhães, Severo
40
desenvolvimento que se adequassem tanto ao contexto de produção e consumo local quanto
futuro, tendo em vista a elaboração de uma ação projetiva. “O objetivo, nesse caso, passava
memória e a fornecer elementos para o apoio a seu desenvolvimento” (Fonseca, 2005: 148).
Assim, a proposta do CNRC seria instrumentalizar a área da cultura a fim de que ela
Segundo a autora, essa postura vinha de encontro à orientação da Unesco para o terceiro-
que Fonseca e Albuquerque, José Reginaldo Gonçalves (2002) destaca que, para Aloísio, os
41
‘bens culturais’ teriam o potencial para garantir a preservação do ‘caráter’ nacional no
‘pluralista’ da cultura nutrida por Aloísio Magalhães estaria assentada em “uma consciência
muito aguçada sobre o papel do patrimônio cultural como recurso estratégico, tanto interna,
por políticas governamentais diferentes” (Falcão, 2003: 248). Falcão acredita que o mérito
de Aloísio foi que ele teve a sensibilidade de captar, antes dos demais, o clima de mudança,
ocorridas nas disciplinas que fundamentavam a seleção dos bens considerados dignos de
42
seus objetos e perspectivas. Essa mudança no campo acadêmico teria acontecido em
paralelo a uma difusão da democracia em outros campos. Corria pelo mundo o processo de
cultural das ex-colônias e dos grupos denominados ‘minoritários’. A cultura surgia, nesse
identidades coletivas. Ainda a nível mundial, a autora enfatiza que, a partir da década de
1960 e na década seguinte, o modernismo passa a ser contestado e criticado, o que culmina
anos 1960 - a partir do governo de João Goulart, cresce a politização da atividade cultural.
artísticos e estudantis.
que o Estado passou a atuar na área cultural, não apenas como repressor, mas também
como organizador da cultura” (Fonseca, 2005: 134). Ela ressalta que a ‘distensão’ vinha
acompanhada de uma crise econômica internacional, o que teria tornado mais nítidas as
contradições do modelo econômico adotado pelo regime militar. A partir dessa crise, o
Iphan desde 1937 enfrentava uma crise de legitimidade. Tal crise, decorrente do desgaste
do modelo utilizado por este órgão na ‘fase heróica’, deveu-se, segundo Fonseca, a alguns
43
fatores: primeiro, apesar de ter alcançado, em seus primeiros trinta anos de existência, um
avanço na preservação de bens históricos e artísticos e um rigor ético no trato dos bens
1967, evidenciara-se a fraca autonomia do Instituto; terceiro, nos anos 1950 e 1960, firmou-
sido responsáveis, nas palavras da autora, “pelos impasses com que a política de
que durante as primeiras décadas de sua existência o Instituto voltara sua prática quase que
encontrava o regime político autoritário. Essa dupla crise teria acentuado o desgaste social
das políticas públicas em geral. Em tal contexto, surgiam alternativas de políticas mais
abrangentes e eficazes. Segundo Falcão, para que isso acontecesse foi preciso que houvesse
exercia sobre a sociedade civil. Ou seja, por diversas razões surgiram, naquele momento
inicial dos anos 1970, novas possibilidades de políticas culturais. Para o autor, a
44
que é definido por ele como “o embrião da nova política de preservação cultural do Estado”
Para dissolver os impasses surgidos a partir dos anos 1960, o Sphan teria
explicitadas pela Unesco nas Normas de Quito (1967) teriam contribuído, indiretamente, à
PCH - surge como uma alternativa ao Iphan. CNRC e PCH fariam parte de um movimento
de descentralização ocorrido no campo do patrimônio nos anos 1970, movimento esse que
tinha por objetivo suprir as lacunas que a atuação do Iphan vinha apresentando. Para
Fonseca, essas lacunas não seriam somente de ordem operacional: em termos conceituais o
45
Para setores modernos e nacionalistas do governo, era necessário não só
modernizar a administração dos bens tombados, como também atualizar a
própria composição do patrimônio, considerada limitada a uma vertente
formadora da nacionalidade, a luso-brasileira, a determinados períodos
históricos, e elitista na seleção e no trato dos bens culturais, praticamente
excluindo as manifestações culturais mais recentes, a partir da segunda
metade do século 20, e também a cultura popular (Fonseca, 2005: 143).
alternativa ao Iphan, ele não se propunha como tal. A possibilidade de fusão e de integração
ao MEC teria surgido somente entre 1978 e 1979, quando o Centro começa a discutir a sua
continuidade institucional.
CNRC foi viabilizado graças a um convênio multi-institucional4 que incluía diversos órgãos
e instituições, mais ou menos ligados ao governo. Sérgio Miceli (1984) afirma que a
estava inicialmente vinculado ao MEC. Com esse desprendimento, o CNRC pôde dedicar-
como para Miceli, é justamente o caráter para-institucional do CNRC que garante sua
sobrevivência ao governo Geisel (Falcão, 1984a; Miceli, 1984). Falcão afirma que esse
4
Entre as instituições que integraram o convênio estavam a Secretaria de Planejamento da Presidência da
República, a Caixa Econômica Federal, o Ministério da Indústria e do Comércio, o Ministério da Educação e
Cultura, o Ministério do Interior, o Ministério das Relações Exteriores, a Fundação Universidade de Brasília e
a Fundação Cultural do Distrito Federal. Em outubro de 1978 foi assinado um Termo Aditivo ao Convênio
inicial, em que se integravam o Banco do Brasil e o Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e
Tecnológico.
46
sua autonomia era efêmera, ela ao menos era real. No entanto, mesmo sendo independente,
sua independência lhe conferia um perfil ágil, o que o viabilizava como um lugar de
experimentação, para Fonseca (2005), ela teria, por um lado - positivo, possibilitado a
fundamental para a sua implantação, ela acrescenta que depois de algum tempo a
proteção do bem cultural. Algo que só seria possível em estando essa equipe trabalhando
em âmbito oficial. Em função dessa constatação, Aloísio teria buscado um novo modelo
institucional para o CNRC. Uma alternativa levantada seria sua incorporação ao Iphan;
outra seria a sua transformação em uma secretaria especial, que seria vinculada à
Presidência da República. Esta seria, segundo Fonseca, mais adequada aos objetivos do
Centro, embora fosse mais instável e complexa. A primeira, mais segura e com maior
garantia de continuidade, foi a que se confirmou. Em 1979, Aloísio Magalhães foi nomeado
Aloísio foi nomeado secretário. Assim, se o CNRC nasce fora do MEC, é dentro deste
47
Ministério que ele consegue transformar em política pública o que havia ensaiado, de forma
com a incorporação do CNRC ao Iphan” (Miceli, 1984: 82). Para Miceli, o sucesso dessa
transição teria sido possível também graças ao respaldo político conquistado pela figura de
Aloísio Magalhães, que havia formado aliados importantes dentro do governo. Miceli
destaca, entre os aliados de Aloísio, Golbery do Couto e Silva, que teria viabilizado a
Magalhães, Pedro Luiz Pereira de Souza complementa que ‘Aloísio criou o dinheiro novo
[1966] e, provavelmente, foi esse o projeto que lhe abriu o caminho para sua atividade
tardia assimilação do CNRC pelo MEC, é necessário se entender o lugar ocupado por esse
48
presidente Geisel estaria tentando concretizar algo que existiu apenas como discurso desde
governo, a cultura teria recebido mais incentivos financeiros, oriundos daquele ‘otimismo
insumos financeiros para a área da cultura, o regime militar instaurado a partir de 1964 teria
dado início a um processo de normatização da cultura, criando uma série de leis que
órgãos que não estavam vinculados ao MEC indica a fragilidade do MEC, no sentido de
que, naquele momento, ele não fornecia nem os recursos nem a abertura necessária às
ressalta que, durante o Governo Geisel, o MEC se convertera no espaço escolhido pelo
projeto para a nação, convergia com o momento de abertura do regime militar (Fonseca,
2005).
Isaura Botelho (2002) acredita que a rapidez com que Aloísio montou o
convênio que possibilitou a criação do CNRC se deve a dois fatores: de um lado, evidencia
sua capacidade de agregação política; de outro, denota que ele sabia da fragilidade e da
marginalidade do setor cultural dentro do governo. Daí sua busca em envolver organismos
49
ligadas ao CNRC teria garantido a sobrevivência do projeto, a despeito de todas as
2002: 44). Angelo Oswaldo de Araújo Santos cita Aloísio como o “culto e sofisticado
formulador da nova política de patrimônio que o regime autoritário adotara como um dos
emblemas expressivos da distensão prometida” (Santos, 2001: 16). Para Paulo Sergio
cultural até agora formulada no Brasil” (Duarte, 2003: 222). Assim como Duarte,
Cavalcanti, Leite, Santos e outros, Sérgio Miceli (1984) credita as inovações aplicadas às
pessoal de Aloísio Magalhães. Para o autor, a vinculação do designer com novas linguagens
palavras de Miceli,
50
novas linguagens gráficas de comunicações e com os novos paradigmas
de análise (teoria da informação etc). É a conjunção do treinamento
‘museológico’ na Europa com a iniciação às novas linguagens e teorias
da comunicação visual exigidas pela produção industrial e pelas técnicas
de propaganda, que está na raiz dos experimentos levados a cabo no
âmbito do CNRC. Tendo firmado primeiro sua reputação como artista
plástico, Aloísio Magalhães consegue se profissionalizar através de um
escritório particular de desenho industrial no Rio de Janeiro, onde
também participa ativamente da fundação da Escola Superior de Desenho
Industrial. Sua aproximação dos círculos governamentais ocorre durante
os anos em que trabalhou para o Banco Central, como responsável pelo
design do novo papel-moeda e, em seguida, como consultor de
programação visual da reforma dos Correios e Telégrafos (Miceli, 1984:
80-81).
trazido para o campo do patrimônio um novo discurso e uma nova visão da cultura, que
pareciam se encaixar no projeto do regime militar de utilizar o MEC como vitrine para a
nova imagem que pretendia apresentar à sociedade, no momento em que optara pela
‘distensão’. Se essa autora não entende a criação do CNRC como um projeto pessoal
acalentado por Aloísio Magalhães, ela afirma (2002) que se ele se tornou um homem
público, isso foi o resultado de sua experiência no campo do design e, ainda, e mais
produto no Brasil não foi o Centro, em si, mas, sim, a indagação que, a partir do encontro
com Severo Gomes e Vladimir Murtinho, levou Aloísio Magalhães à criação do CNRC.
produto brasileiro, Aloísio Magalhães teria assumido a posição de líder e partido para a
viabilização de seu projeto (Falcão, 2003). Para Joaquim Falcão, com a criação do CNRC
complementa que, naquele momento, ao optar por uma atuação pública, dentro do governo,
Aloísio teria se deparado com um sério problema: para agir dentro da máquina pública,
51
seria preciso reinventá-la, pois, se por um lado o regime autoritário estava diante de uma
possibilidade de abertura, por outro, ele tinha como característica marcante a incapacidade
‘referenciais nacionais includentes’, que não propunha uma ruptura, mas buscava o tempo
contrário da maioria dos intelectuais, não era um dogmático. Antes, era um pragmático,
voltado para a ação” (Falcão, 2003: 258). Para Falcão, a legitimidade de Aloísio como líder
principalmente, de seu carisma. Ele não representava ninguém, apenas a sua capacidade de
intermediador. Além disso, Aloísio teria contado com forte apoio de duas figuras do
do Couto e Silva, então Ministro da Casa Civil. Falcão justifica, acrescentando que se, em
1975, Severo Gomes levou Aloísio para a área cultural, em 1979, foi Portella quem colocou
de Aloísio Magalhães, Pedro Luiz Pereira de Souza nota que, “verificadas suas origens
mais remotas, todas essas idéias [as de Aloísio] aproximam-se do positivismo” (Souza,
1996: 273); o autor percebe também a ‘influência visível’ de Gilberto Freyre; e acrescenta
que, “se se procurasse também um exemplo de pessoa para comprovar a tese de Sérgio
52
Buarque de Hollanda sobre o brasileiro como um homem cordial, não se encontraria
Renato Ortiz não é tão otimista. Para ele, Aloísio Magalhães apenas
1985: 79), o autor faz referência direta a Aloísio e ao CNRC. Nesse texto, Ortiz analisa a
atuação do Conselho Federal de Cultura (CFC), que teria por objetivo coordenar e articular
um projeto cultural em consonância com o regime autoritário então vigente no país (1985:
90). Esse Conselho, composto por intelectuais que o autor denomina de ‘tradicionais’,
diretrizes da Política Nacional de Cultura, aprovada em 1975. O que Ortiz afirma, afinal, é
que esses eram os únicos intelectuais dispostos a representar o projeto autoritário face aos
CFC seria o ‘Brasil mestiço’, ‘plural’ e ‘variado’ de Gilberto Freyre. Para Ortiz, esse ideal
encontram harmonicamente unidas pelo discurso que as engloba” (1985: 94). Outra diretriz
53
preocupação constante dos membros do Conselho, que teria incentivado, nessa direção,
uma série de políticas de preservação e defesa dos bens culturais. O Estado, segundo o
significa que uma nação, para se tornar potência, deveria levar em consideração os valores
“espirituais” que a definiriam como civilização” (1985: 101). Resumindo, para o CFC, a
(1985: 105).
militar para a área da cultura, uma vez que sua função é definida, basicamente, como a de
legitimador; a prática administrativa, que definia as políticas que deveriam ser aplicadas à
formavam um ‘novo tipo de intelectual’ (1985: 108). Essa ‘nova intelectualidade’, que
dos tradicionalistas do CFC - é que teria viabilizado uma ação orgânica no campo da
cultura. Todavia, apesar de haver dois grupos diferentes estabelecendo parâmetros para a
formulação de políticas públicas de cultura a nível federal, não haveria, segundo Ortiz, dois
discursos oficiais para a cultura, mas “um único que re-arranjava e reinterpretava as peças
54
Aloísio Magalhães faria parte desse segundo grupo, o da ‘nova
empresário, dinâmico, ele procura se ocupar do que existe de mais tradicional na história
das idéias: a memória do homem brasileiro” (1985: idem). Não é à toa que o ‘discurso
sofisticado da memória’ (1985: idem) que o CNRC constrói pretende aplicar à memória a
“técnica mais avançada de que dispomos: o computador” (1985: idem). Assim, na visão de
Ortiz, Aloísio e o CNRC apenas reeditariam uma velha compreensão do Brasil, não
Uma hipótese levantada por João de Souza Leite em sua tese é a de que o
com as políticas culturais em âmbito oficial. O ‘encontro’ de Aloísio com o ‘projeto’ teria
se dado quando este visitou Brasília, ainda em construção. Voltando de uma temporada nos
EUA, onde expôs numa coletiva de brasileiros e trabalhou como professor visitante no
visitou Brasília em companhia do designer americano Eugene Feldman, com quem projetou
viagem, Aloísio teria ‘encontrado a idéia de projeto’ - algo com que ele já havia travado
55
acontecendo no Brasil. Assim, a visita a Brasília teria permitido a Aloísio vislumbrar no
design a síntese do que ele desejava exercitar a nível profissional, algo, que só teria sido
representa também para o país o ‘encontro com a idéia de projeto’. Para o autor – assim
como para Aloísio Magalhães, a cidade seria o signo maior do projeto no Brasil: “Brasília é
o fato que marca, que sinaliza uma mudança no país” (Leite, 2006: 235). Se a nova capital
era a realização do projeto no país, conhecer Brasília, ainda em construção, foi, para
Aloísio, a realização da possibilidade de uma carreira que tivesse como eixo fundamental o
profissão. Leite acredita que foi sua aproximação com o design que lhe permitiu estabelecer
passagem de Aloísio do escritório de design para o CNRC como uma ruptura; ao contrário,
haveria entre as duas fases uma relação de conseqüência direta. Aloísio tinha muitos
projetos sendo desenvolvidos em Brasília. Em uma de suas constantes visitas à cidade, ele
teria encontrado com Severo Gomes, então Ministro da Indústria e Comércio. Discutindo
56
projeto que veio a ser denominado de Centro Nacional de Referência Cultural. Assim, para
João Leite, Brasília teria sido o ponto de ‘convergência’ na trajetória de Aloísio Magalhães.
17), teria servido “não como um fim em si mesmo, mas como processo de intervenção
social, daí poder ser considerado como dimensão sociológica: o design como metáfora de
uma ação conseqüente, pragmática” (2006: 19). Nesse sentido, Ana Luiza Silveira Lopes
afirma que “quando Aloísio Magalhães decide atuar profissionalmente como designer,
abandonando a sua atividade como pintor, essa opção estava bastante relacionada à
qualquer que fosse o seu campo de atuação. Assim, seu caminho no campo do patrimônio
teria sido construído a partir da utilização instrumental da idéia central do design, que é o
projeto - algo que para Aloísio, teria uma dimensão civilizatória. Aqui, acredito ser
necessário abrirmos um parêntese, a fim de explicitar em que termos João Leite utiliza a
57
não se confunde automaticamente com a ação de projeto em design,
embora se apresente como sua característica essencial (2006: 310).
identidade do produto brasileiro, mas era algo que já fazia parte de sua prática projetual,
pois, para Aloísio, tudo seria uma coisa só. E tudo teria surgido do design. Ou seja, todo o
teriam, para o autor, uma estrutura “única, lógica, natural, pertinente e perceptível como um
todo” (Redig, 2003: 142). Afinal, o ímpeto motivador de toda a sua trajetória seria o desafio
Redig e Leite. Para Melo, o design foi o motor propulsor do desejo que surgiu em Aloísio
de mobilizar todo seu potencial de criação e reflexão no sentido da ação. Assim, o design
lhe teria permitido realizar uma nova ‘descoberta do Brasil’, o que, por fim, teria resultado
em sua passagem para o campo das políticas públicas na área da cultura, e na formulação,
por sua parte, de um projeto de política cultural para o país (Melo, 1997: 32). As etapas da
trajetória de Aloísio, que poderiam parecer sucessivas, são, segundo o autor, faces
simultâneas. Nesse sentido, Ana Luiza Silveira Lopes afirma que o progressivo ‘abandono’
58
política cultural como um prolongamento de seu trabalho como designer –
o primeiro fala em ‘design da cultura’ e o segundo em ‘expansão e
extensão do design’ (Lopes, 2003: 34).
Pedro Luiz Pereira de Souza aponta para o fato de que Aloísio formulara,
em um artigo de 1977 (ver Magalhães, 1998), uma proposta de ‘design nacional’, algo até
então inédito no país. Segundo Souza, no artigo intitulado “O que o desenho industrial pode
um design para o Brasil” (Souza, 1996: 298). Para o autor, “esse pequeno texto representou
(1996: idem). Citando o mesmo texto, Ana Luiza Silveira Lopes coloca que
trabalhos no Iphan, Aloísio reformulou a prática instaurada por Rodrigo. Em sua análise
59
sobre os discursos do patrimônio no país, José Reginaldo Gonçalves (2002) identifica duas
Gonçalves, Aloísio Magalhães aparece como alguém que autentica sua posição desafiando
preservação do patrimônio. A fim de realizar seu objetivo, Aloísio teria se utilizado de uma
nacional, menos vinculada à memória6 e mais ligada aos processos e dinâmicas dos fazeres.
2005: 144). A valorização das raízes populares na construção da identidade nacional era
algo que Mário de Andrade já havia proposto no Anteprojeto do Sphan, em 1936. Para
Fonseca, Aloísio Magalhães apenas retoma algumas das propostas de Mário de Andrade. O
que diferenciaria a sua proposta da modernista é que ela vincula o bem cultural a um valor
país.
1.6.2 Quem usa e quem é usado: Rodrigo e Aloísio em meio a regimes militares de governo
Aloísio também é comparado a Rodrigo no sentido em que seus papéis haviam sido
6
Sobre as diferentes abordagens que informam a construção da noção de ‘memória coletiva’, ver Santos,
2003.
60
que foram implementadas. Segundo esta autora, na década de 1970, assim como ocorrera
atualização fora conduzida, em ambas as fases, por agentes que não se identificavam
necessariamente com a ideologia do regime militar, mas que tinham um projeto para
modernizar o Brasil (Fonseca, 2005: 175). A pesquisa indicou à autora que “mesmo em
ideológico do Estado” (2005: 219). O ideal desses agentes seria criar um campo próprio e
Para Fonseca, se esses agentes foram usados pelo regime militar, eles
também souberam como se utilizar da máquina do Estado. Assim, tanto na ‘fase heróica’
quanto na ‘fase moderna’, teriam ocorrido movimentos de mão dupla entre o Estado e os
que, apesar de seu carisma e de sua contribuição para a transformação das práticas de
posição foi mantida em parte pela fraca consideração que tanto o governo quanto a
Uma diferença apontada pela autora entre Rodrigo e Aloísio seria que
este último teria percebido a fraqueza das políticas de preservação. E para resolver esse
dilema, teria buscado vincular a questão da cultura a áreas politicamente fortes do governo,
61
explorando o potencial econômico dos bens culturais. Assim, se, nos anos 1970 e 1980, os
CNRC foram incorporadas enquanto discurso nos setores oficiais responsáveis pelas
1988, no que tange às leis de preservação patrimonial. Apesar disso, a autora destaca que,
se foi agregado à máquina estatal, o novo discurso proposto por Aloísio Magalhães e pelo
CNRC não teria, até a data de publicação da primeira edição de seu livro (1997),
patrimônio no final dos anos noventa do século 20 e início do século 21, Fonseca afirma
que, nos últimos anos da década de 1990 foram retomadas as idéias e propostas de Aloísio
Fortaleza, que visava iniciar uma discussão sobre o patrimônio imaterial. Dois anos depois
da Carta de Fortaleza, foi editado o decreto-lei n. 3.551/2000, que institui o registro dos
bens culturais. Na mesma direção que Fonseca, Garcia (2004) afirma que Aloísio
62
Capítulo 2: Do arquivo
Aloísio Magalhães
imprensa. Tive acesso a esse material em duas visitas (de uma semana, cada) que fiz à sede
em setembro do mesmo ano. Na primeira visita, fui instalada em uma mesa no andar em
diretamente era a secretária do setor, Carolina. Quando cheguei a Brasília, nós já nos
conhecíamos ‘por e-mail’, pois foi com ela que tratei o tempo todo, enquanto organizava a
viagem. Carolina parecia conhecer um pouco do material arquivado. Sabia em que estante
estava cada grupo de caixas, sabia o que era o CNRC etc. Algumas vezes por dia, nós
descíamos ao arquivo, ela abria as estantes deslizantes, pegava um grupo de caixas que
documentos.
63
Na segunda viagem, fui instalada na própria sala do arquivo. Carolina,
que era terceirizada, não trabalhava mais no Iphan. Eu mesma acessava as estantes, retirava
e devolvia as caixas. Uma funcionária que trabalha naquela sala foi minha única
companhia. Apesar de ela e o arquivo estarem na mesma sala, ela é de outro setor, não
conhece nem lida com o material arquivado. No entanto, por não haver no setor um
colega de sala que listasse os documentos que eu queria tomar emprestados. A chefe do
arquivo, por sua vez, fica no andar de cima, e, ela sim, parece conhecer profundamente o
Magalhães, que estava fechada há quatro ou cinco anos, acabara de ser reaberta, porque
finalmente havia uma bibliotecária contratada. Como ela estava localizada ao lado da sala
arquivo. Essa listagem era ininteligível para mim. Nela estavam enumeradas todas as caixas
que constavam do arquivo - cada uma com um título que lhe correspondia, divididas em
depois, estavam os documentos mais genéricos, no segundo havia material relativo aos
projetos. No decorrer da pesquisa, muitos dos títulos daquela lista continuaram a não fazer
sentido para mim, pois eles não se tornavam mais inteligíveis quando eu estudava seu
64
conteúdo. Assim, decidi abrir todas as caixas – na ordem em que elas apareciam na lista - e
listar o que havia dentro de cada uma delas, anotando quais documentos apresentavam
interesse para a minha pesquisa, pois dentro dessas caixas havia não só material do CNRC,
Cecília Londres comentou que apesar do Centro estar organizado em coordenadorias, todos
os integrantes ‘deveriam’ estar cientes de tudo o que se pesquisava, e que, para isso, havia
reuniões em que se discutia em âmbito geral tudo o que ali acontecia, em termos de
diversas cópias de cada documento, e essas cópias encontram-se espalhadas por todo o
o que acontece é que os mesmos documentos podem constar em sessões distintas. Quando
percebi isso, me certifiquei da necessidade de abrir todas as caixas e listar o que existia em
cada uma delas, no que se refere ao CNRC. Mesmo agindo desse modo, a lógica em que o
arquivo do CNRC está organizado não fazia sentido para mim. Então, só me restou a opção
selecionar – como sendo de meu interesse – documentos que tratavam da criação e das
1
Pelo que pude averiguar, uma primeira triagem do material do CNRC foi feita por estagiárias do
COPEDOC, no início dos anos 80. Nos anos 90, uma firma terceirizada foi contratada para sistematizar o
arquivo. Os arquivistas do COPEDOC estão neste momento re-organizando uma parte dos documentos.
Assim, não há um padrão único de organização das pastas, mas vários.
2
Sobre as relações entre a sociedade e os arquivos ver: ARTIÈRES, 2006.
65
documentos mais específicos relativos aos projetos. Outro critério que marcou a seleção do
material que analiso neste capítulo foi definido pela chefe do COPEDOC: ela me autorizou
encontrava algum documento duplicado, mostrava a ela, que o checava e liberava (ou não)
para o empréstimo. Alguns documentos que não tinham duplicata foram fotocopiados.
Mesmo assim, distraidamente, eu reuni muito material repetido, pois há várias versões para
idênticos com títulos diferentes etc... Detalhes que só pude perceber ao fazer uma leitura
mais atenta, já em casa. Quando voltei de Brasília, separei o material em grupos, tais como
de Aloísio Magalhães’, ‘textos de Fausto Alvim Jr.’, ‘imprensa’ etc, e passei um tempo
CNRC – problemas e sugestões” [s/d (c)] discute o que deveria ser o arquivo do Centro,
quais os critérios que norteavam sua organização, os problemas que surgiam, apresentando
algumas propostas para a resolução de tais problemas. Apesar de utilizar uma linguagem
técnica, esse documento coloca algumas questões que têm profunda ligação com os
propósitos mais gerais do Centro e, ao que me parece, com o estado do arquivo hoje.
referem ao Centro, material relativo aos contatos com órgãos externos e aos membros de
66
sua equipe. Na segunda ‘unidade de arquivo’ ficava a correspondência enviada e recebida
pelo CNRC; no terceiro grupo havia o material de apoio às pesquisas, impressos, além de
‘material especial’ (fitas gravadas, discos, fotos etc). A cada uma dessas unidades
para que se arquivasse decentemente o material existente no Centro: a separação física das
chegassem ao arquivo. Além disso, não havia no CNRC um procedimento que desse conta
de que tudo que estivesse circulando fosse copiado e arquivado. O material que o pessoal
eram enviados ao arquivo pelo ‘controle de saída de correspondência’. Não havia uma
discriminação de que unidade de arquivo deveria guardar cada tipo de documento, pois “o
responsável por uma UA pode ignorar o material de outra, e não providenciar cópias, ou
arquivar material que não corresponde à sua UA” [s/d (c): 03]. A indexação dos
documentos registrados no arquivo também era tida como precária. Para tentar solucionar
todos esses problemas, o texto propõe um novo sistema para o funcionamento do arquivo
do CNRC - algo que foi uma questão constante para o órgão: “Face ao acúmulo
dados, como também todo o trabalho já elaborado” [CNRC, s/d (c): 02].
67
Lendo esse documento, percebo como a ‘desordem’ que notei nos
tempo em que o Centro ainda funcionava em sua sede na UnB. A circulação excessiva, que
Desse modo, se o arquivo do CNRC mudou de sede, se o CNRC se fundiu com o PCH e
seriam propriedades originais daquele arquivo que estariam vivas ainda hoje?
***
produzidos de fora – a posteriori, agora parto para a análise dos documentos de dentro: é
com base no material que pude reunir nas duas visitas a Brasília que construo este capítulo.
Como explicitei acima, me limito a alguns grupos de documentos recolhidos nos arquivos
portanto, neste capítulo, da realização de uma primeira leitura do material que forma o meu
questões que a experiência do CNRC pode levantar, mas, sim, à leitura de um grupo de
documentos - grupo este montado segundo os critérios expostos acima. Assim, se não cubro
o que foi o CNRC, em sua ‘trajetória’, investigo o que ele pretendia ser, em sua ‘proposta’.
68
2.1 Quatro anos de trabalho
Cultural. Entre seus idealizadores estavam Aloísio Magalhães, designer que projetou as
apesar de o seu escritório estar localizado no Rio de Janeiro, periodicamente ele visitava a
capital-federal, onde se reunia com clientes para discutir os projetos em andamento. Tinha
encontros onde ele, Severo e Vladimir informalmente discutiam sobre o país, o Ministro
teria lançado a questão: ‘Por que o produto brasileiro não tinha força própria?’
nacional teriam sido o mote para a criação do CNRC. Inspirado pelas discussões sobre o
Centro.
69
Aloísio Magalhães afirma que o projeto do CNRC nasceu de uma
intuição (Magalhães, 1997: 64) e de um consenso que apontavam para o fato de que o “país
perde em autenticidade na medida em que importa tecnologia” (1997: 224). Seguindo esse
‘caminho intuitivo’, o Centro partia de uma idéia, a fim de atingir uma ‘trama de
compreensão’ (1997: 227) que iluminasse a realidade cultural brasileira. “Nosso objetivo é
documentá-las e, numa outra fase, tentar influir sobre elas, ajudando-as a dinamizar-se”
(1997: 117).
Brasília. Esse projeto previa uma biblioteca central, um museu da civilização brasileira e
um organismo dedicado ao estudo dos problemas da cultura nacional (CNRC, 1975b: 02).
1975. Fausto Alvim Jr. assumiu a função de coordenador setorial na área de Ciências
Exatas. Além dele, estavam previstos dois outros coordenadores setoriais – um para a área
de Ciências Humanas e outro para a área de Documentação. Esta última foi assumida, em
agosto de 1975, por Cordélia Robalinho Cavalcanti. A área de Ciências Sociais ficou sob
70
responsabilidade de Bárbara Freitag, que, logo em seguida, foi substituída por Georges
Zarur.
museu, o Centro não colecionaria objetos, mas, sim, ‘peculiaridades relevantes’ do que
estivesse sendo produzido em termos de cultura no país - não o objeto, mas a referência a
ele. Assim, o produto cultural seria apreciado em seu processo, ou seja, em sua relação com
o contexto de produção em que ele surgia, e em suas inter-relações com outras atividades e
Centro Nacional de Referência Cultural. Esse documento estabelecia cinco metas que
3
De acordo com o documento “Estudo da dinâmica de atuação do CNRC no biênio 1976/77 e proposta de
uma política global para 1978/79”, os proventos advindos do convênio no período 1976/77 foram gastos na
71
que integraram o convênio estavam a Secretaria de Planejamento da Presidência da
administrava todos os recursos que os projetos movimentavam, pois uma parte desses
recursos era transferida diretamente das instituições para os projetos que elas financiavam.
O Centro poderia agir, então, como financiador de alguns projetos, se fosse necessário, mas
financiadores.
Para dar início aos projetos, foi montada uma equipe multidisciplinar4.
Barbara Freitag e, posteriormente, por Georges Zarur, ela socióloga e ele antropólogo;
Ciências Exatas, coordenada por Fausto Alvim Jr., matemático; Documentação, coordenada
seguinte proporção: 40% para projetos, 35% para pessoal e 25% para recursos materiais de infra-estrutura do
Centro (Tapajós, Serpa, Horta, 1977: 57).
4
“Enfrentando o problema da compreensão do contexto cultural como um todo, o CNRC teve que partir de
uma abordagem multidisciplinar. Para tanto, ele tinha no seu corpo técnico pessoas de variadas formações e
experiências. Aliás, o Aloísio Magalhães dava mais valor à experiência. Lembro que, quando o conheci, ele
me perguntou: Qual a sua trajetória, Quintas? Ele não perguntou qual era o meu diploma, a minha formação
acadêmica” (Quintas, 1994: 09).
“O CNRC não precisa ser grande, basta possuir uma equipe harmoniosa de diversos saberes em ciências,
exatas e humanas, documentação e sistemática. Nós vamos ao encontro de várias pessoas, inclusive nas
universidades, que detêm conhecimentos de especificidades e essas pessoas são convocadas para
projetos”(Magalhães, 1976b).
72
por Cordélia Robalinho – biblioteconomista; e Artes e Literatura, coordenada por Clara de
país, cobrindo uma vasta gama de processos culturais, com maior e menor grau de
cultural brasileira. Assim, cada uma dos quatro programas ficaria responsável pelo
do grupo, mas também, e preferencialmente, deveriam vir de fora. Afinal, para a equipe do
CNRC, o ideal seria que os projetos fossem propostos pelos próprios produtores de cultura.
Segundo Luiz Felipe Perret Serpa (1979), somente dessa forma se alcançaria uma
Centro tinha em suas instalações um guichê, onde tais projetos poderiam ser depositados
para avaliação; uma vez demonstrado seu interesse, o pesquisador depositante do projeto
CNRC, as metodologias adotadas em cada projeto deveriam ser “sugeridas pelos próprios
73
daria em quatro etapas: captação, memorização, referenciamento e devolução. No entanto,
nem todos os projetos lograram cumprir todas as etapas referidas acima, mas isso também
fazia parte do processo de trabalho no Centro, uma vez que tais etapas não eram vistas
como sucessivas, mas, sim, como linhas de atuação que poderiam existir em
pesquisa” (1979: 04). Em quatro anos de trabalho o CNRC desenvolveu 27 projetos, dentro
de seus quatro programas de estudo. Uns obtiveram mais êxito que outros, alguns duraram
se como a definitiva quando Aloísio Magalhães foi convidado a presidir o Iphan, em 1979.
02): a primeira delas vai de 1975 até a assinatura do Termo Aditivo ao Convênio de 1976.
Nessa fase, o Centro teria se desenvolvido a partir das quatro linhas de atuação: captação,
em que é assinado o Termo Aditivo ao Convênio de 1976. Nesse momento, o Centro pôde
74
formular mais aprofundadamente os princípios que seriam indispensáveis ao
2.2 Princípios
o CNRC e de quais seriam seus propósitos. Por ser um projeto experimental, em que tanto
talvez a reiterada ênfase em buscar definir e esclarecer seus objetivos fosse uma questão
não só de explicar para os outros, mas, também, de demarcar internamente quais eram as
características fundamentais de sua proposta. Assim, acredito que, por princípio, o Centro
Nacional de Referência Cultural era um organismo que, além de pensar sobre as questões
75
Desse modo, o trabalho do Centro consistia em pesquisar para agir,
referenciar para devolver, indexar para colocar em circulação, conhecer para dinamizar,
tudo isso fazendo parte de um processo em que os projetos não seguiam uma trajetória
linear, mas, ao contrário, participavam todos de uma rede, onde um alimentava o outro,
especificidade, era o adensamento das reflexões sobre o bem cultural que o corpo de
o mundo ocidental passava, principalmente a partir dos anos 50 e 60 do século 20, produzia
um efeito que ele denominava como ‘achatamento do mundo’ - “uma espécie de fastio,
muito acelerado e sofisticado. Enfim, o mundo começou a ficar chato” (Magalhães, 1997:
115). Segundo Aloísio, esse processo de achatamento por que passava o mundo ocidental
levava as culturas locais a perderem suas características próprias. Assim, sua maior
“preocupação é que determinados ingredientes vivos, dinâmicos, que você observa dentro
76
do processo histórico, possam ser abafados pela presença atuante de outro enfoque”
cultura nova - lhe trazia vantagens e desvantagens no sentido de enfrentar tal processo de
achatamento cultural. Como o Brasil era uma ‘cultura nova’, que estaria passando por um
processo de definição e alteração dos próprios traços, ainda haveria tempo de reverter tal
processo, evitando que as culturas locais nascentes entrassem em extinção precoce. Mas, ao
mesmo tempo, a cultura brasileira, por ser nova, seria ‘especialmente frágil’, não
todo fenômeno tem seu lado positivo e negativo. Nesse sentido, a posição
brasileira é bastante peculiar. Se por um lado somos um país já
suficientemente desenvolvido, com o domínio de certas tecnologias, por
outro lado temos um universo subdesenvolvido muito grande. Então,
podemos transitar nestas duas áreas. Isto permite que se possa fazer aqui
um trabalho não possível num país mais atrasado e nem num país
superdesenvolvido, onde já seria tarde demais (Magalhães, 1977a: 41).
Por essas razões, Aloísio investiu na criação de um Centro que teria por
objetivo último produzir, no Brasil, alternativas para o processo de achatamento por que
dinamização das peculiaridades criativas de cada cultura. Ou seja, o que usualmente se via
quanto a nível nacional e global. A partir de tais constatações, o CNRC pretendia ‘captar a
dinâmica do processo cultural’ (CNRC, 1976a: 01) para disseminá-la pelo país como um
todo, fazendo, dessa forma, com que um processo cultural alimentasse outro, e assim por
diante. Para o Centro, somente desse modo – criando-se uma ‘rede de referências’ da
77
cultura brasileira - seria possível evitar a descaracterização e extinção das ‘sub-culturas’
1978b). A partir de uma tal constatação, o CNRC vinculava a idéia de indexar e referenciar
criação do Centro era: se o Brasil é um país com uma cultura nascente, em que medida –
comunicação de massa” (CNRC, 1975b: 03) – estariam sendo criadas ‘condições adequadas
78
relacionar a cultura apenas com as artes e humanidades ou ligar o termo
desenvolvimento unicamente a questões econômicas e sociais. No mundo
real ambos os conceitos estão inter-relacionados, pois a cultura representa
um dado indispensável na busca de soluções para os dilemas políticos,
econômicos e sociais (CNRC, 1979b: 03).
desenvolvimento pleno e verdadeiro. A saída para tal dilema estaria na cultura – ‘a força
coesiva básica de uma nação’ (1979b: idem). Somente um projeto de desenvolvimento que
autóctone’, que deveria acontecer não ‘de cima para baixo’, mas ‘de baixo para cima’. Nas
sentido de criar alternativas para que os bens culturais nacionais pudessem participar como
âmbito da XXVIII Reunião Anual da SBPC. Nesse simpósio, o físico José Zatz, da
processo global onde a experiência acumulada pelo homem seja utilizada em seu favor,
79
sem, no entanto, danificar irreversivelmente o ecossistema do qual ele faz parte” (Zatz,
1976: 07). Nesse artigo, Zatz critica o modo como os países ‘atrasados no desenvolvimento
desenvolvidos. Para este autor, importar ciência e tecnologia como se fossem mercadoria só
leva os países que copiam a um falso desenvolvimento, que termina por agravar ainda mais
acredita que ciência e tecnologia são ‘bens culturais’, e que, sendo assim, uma importação
Sul. A partir de tais considerações, Zatz propõe uma revisão de tais mecanismos de
importação de modelos, acreditando que somente em se revendo tais práticas seria possível
encontrar uma solução efetiva para os problemas que afligiriam o país (1976: 04). Eliminar
as ‘raízes naturais do homem’ (1976: 07), aquelas que teriam permitido sua sobrevivência,
seria torná-lo vulnerável e impotente frente à natureza e às culturas alheias. Para Zatz,
mais uma ameaça que uma possibilidade para sua sobrevivência das culturas nacionais.
feito, serve inadequadamente aos objetivos que explicitamente tenciona ajudar a alcançar –
objetivos que supostamente têm como base uma compreensão abrangente do que é cultura”
(Alvim Jr. e Abramo, 1976: 05). Assim, “um conceito de desenvolvimento cultural
adequado para o Terceiro Mundo somente pode surgir a partir de alternativas para os
80
Severo Gomes parecia coadunar com os princípios adotados pelo CNRC.
Para ele, a preservação ‘das nossas referências culturais’ é um dos principais problemas a
desequilíbrios culturais. Severo não rejeita a idéia de interdependência entre os países, mas
horizontal’. Para ele, é preciso que as políticas de desenvolvimento estejam vinculadas não
não pode ser pensada isoladamente. Não pode ser separada de uma política cultural e social,
na obtenção dos indicadores culturais e ecológicos de uma dada região a fim de melhor
caracterizá-la e definir o sentido de sua evolução num certo momento” (CNRC, 1976a: 08),
Confirmando essa posição, no Relatório Técnico n. 10, afirma-se que “uma das funções
fértil das bases culturais do país com seu desenvolvimento científico e tecnológico” (1976a:
09).
81
2.2.3 Dinâmica cultural e tecnologia patrimonial
Como se pode notar no ponto acima, o CNRC lidava não só com cultura, mas,
também, com tecnologia. A questão que se colocava era: que tecnologia? Se, como afirma
mesma é maravilhosa” (1997: 98), a questão residia no fato de que “o mal é quando essa
tecnologia, que em si mesma é neutra, está a serviço de uma persuasão, de uma insinuação
negativa” (1997: idem). Assim, o CNRC parte para a investigação sobre outros modos de se
Fausto Alvim Jr. afirma que ‘tecnologia patrimonial’, como era entendida pelo
CNRC, remete ao ‘sentido amplo do termo’, tal como fora proposto por Bell (1979)5:
‘indigenous technical knowledge’, ou, como traduzido por Alvim Jr., ‘conhecimento
técnico imerso e enraizado em grupos sociais específicos’ (Alvim Jr, 1979a: 01), algo que
de tecnologias alternativas inconvencionais, que não estariam sendo consideradas pelo país.
Esses seriam “outros valores que, na proposta do CNRC, poderiam ser manipulados,
Tratava-se, assim, de uma vasta gama de processos de produção cultural que “por estarem
inseridos na dinâmica viva do cotidiano não são considerados como (produtores de) bens
5
Sobre o conceito de ‘indigenous technical knowledge’ (ITK) ver BELL, M. The exploitation of indigenous
knowledge, or the indigenous exploitation of knowledge: whose use of what for what? In: IDS Bulletin, v. 10,
n. 2, janeiro de 1979: 44-50.
82
s/d: 05). Algo que Aloísio Magalhães também definiu como ‘prototecnologia’ (Magalhães,
1976b), ou ‘pré-design’. “Diria, de início, que, na realidade, dentro dos padrões ortodoxos,
não existe artesanato no Brasil. O que existe é uma disponibilidade imensa para o fazer. É
possível, até, caracterizar-se essa alta inventividade como uma atitude que se poderia
elementos das estruturas vivas de cultura das comunidades (Alvim Jr, 1979a: 02). Logo,
específica, seria necessário, então, que fosse destrinchado o contexto sócio-cultural em que
princípios que deveriam nortear as suas atividades: primeiro, “que cultura (qualquer que
seja ela) não pode ser entendida como fenômeno isolado, devendo ser considerada em sua
interação com outras áreas da atividade humana” (CNRC, 1979c: 03). Em segundo lugar, se
futuro” (1979c: idem). A terceira suposição consiste em que, a partir de uma compreensão
de cultura como algo que está em contínuo desenvolvimento, crer que “seus componentes
83
O entendimento de que a cultura só pode ser apreendida se cotejada com
o contexto sócio-econômico-cultural no qual ela se insere, é algo que Fausto Alvim Jr.
denomina de uma ‘visão gestáltica’ (Alvim Jr., 1979b: 03) ou ‘ecológica’ (1979b: 06) dos
fenômenos culturais’. Nessa visão, que considera todo o processo de produção cultural, e
não só os seus produtos, o contexto que envolve a dinâmica cultural é um fator fundamental
para o entendimento das trajetórias dos saberes e fazeres locais - objeto de interesse dos
produto cultural brasileiro, respeitando suas peculiaridades, acreditava que tal feito só seria
fazer.
conhecê-las, mas trabalhar com elas, considerando os produtores de cultura como sujeitos
que tinham o que ensinar, tanto aos pesquisadores, quanto ao país. Assim, os produtores
trabalho do CNRC, eram tratados de uma nova forma, chamados a contribuir, exatamente
84
Segundo os documentos, no CNRC, a compreensão da importância de se
trabalhar com os contextos foi algo que surgiu não de uma perspectiva teórica adotada a
priori, mas, sim, o resultado do próprio processo de investigação dos porquês da fragilidade
do produto nacional. Alvim Jr. explica que foi a partir das experiências vividas no CNRC
são inadequados’ (1979b: 08) para o domínio dos bens culturais. O matemático afirma que,
observando-se os processos culturais em sua dinâmica, foi fácil constatar que “grande parte
(1979b: idem). Fato que, sem um convívio atento com as comunidades e seus processos de
produção cultural, seria de difícil apreciação, uma vez que muitos desses ‘proveitos’
poderiam facilmente passar desapercebidos por olhares ‘menos atentos’. Assim, para
Fausto Alvim Jr., a partir do trabalho com as comunidades emergeria uma compreensão da
ciência moderna’ (1979b: 07), que, com seus ‘prismas rígidos de análise e especialização’
para evitar análises atrofiadas é que o CNRC teria sempre procurado estabelecer, “em seus
85
projetos-piloto, processos favoráveis à integração das diferentes interpretações setoriais
pesquisadores do Centro a questionar a própria ciência de que eles eram fruto. A ciência
creio que se poderia dizer que nossa época se caracteriza por inúmeras
mudanças. Talvez o aspecto mais precioso e mais válido dessa mutação
seja o fim do pensamento linear, o declínio das ciências separadas e
estanques e o advento do pensamento globalizador. Nenhum
conhecimento poderá permanecer isolado na medida em que depende e se
alimenta de uma forma de compreensão dinâmica e globalizante. Algumas
tecnologias já nasceram em conseqüência disso (Magalhães, 1982: 22).
que o grupo do CNRC passou a considerar que a ciência, ‘herdeira da tradição racionalista
grega’ (D’Ambrosio, 1976: 04), foi imposta às nações menos desenvolvidas, para quem ela
não seria necessariamente natural, nem adequada. Desse modo, “a posição da ciência, como
luta das nações menos desenvolvidas para atingir uma posição de dignidade no seu
estrutura científica que nos é em grande parte estranha” (D’Ambrosio, 1976: 04). O que o
86
hegemônicos sejam considerados e utilizados como instrumentos aptos a capacitar o país a
propor novos padrões de desenvolvimento. Magalhães ironiza: “Evidente que elas [as
tecnologias de sobrevivência] não vão resolver o balanço de pagamentos nacional, mas que
vão melhorar o sujeito lá de baixo, quer dizer, as bases, vão” (Magalhães, 1997: 233).
Afinal,
e dinamizar a ‘inventiva brasileira’, que traria, em seu modo peculiar de ser, alternativas
para o processo de achatamento cultural que o mundo ocidental sofria. Tal ‘inventiva’
por Aloísio Magalhães quando se trata de sua aplicação à realidade brasileira. Afinal, ele
que propriamente um artesão no sentido clássico” (Magalhães, 1997: 181). Dessa forma,
valorizando as soluções criativas de que eles se valiam para desenvolver as tais ‘tecnologias
87
origem de Aloísio Magalhães – o design. Afinal, o que seria a proposta do Centro se não a
desenvolvimento dependente. Esse modelo não satisfazia os ideais do grupo, que com a
criação do CNRC, buscava intervir em tal processo, encontrando nas raízes dos fazeres
próprios ao Brasil saídas para o impasse nacional no que se referia ao seu desenvolvimento.
Nesse sentido, Aloísio Magalhães confessa: “não é sem razão que, depois de 15 anos de
trabalho como designer no Brasil, eu tenha me voltado para o projeto do CNRC, que
Brasil’, o modo como Aloísio Magalhães entendia a profissão6 era algo vital para o
momento em que harmoniza estes dois pólos, você caminha no sentido de uma boa solução.
Em outras palavras, não há bom design só com a metodologia, como não há bom design só
com intuição. É preciso a junção das duas” (Magalhães, 1977a). Assim como a ‘boa
6
Sobre o posicionamento de Aloísio Magalhães no campo do design brasileiro, ver Leite, 2006, Lopes, 2003
e Souza, 1996.
88
solução’ em design surgiria da compatibilização entre metodologia e intuição, então a ‘boa
solução’ para o país deveria vir no mesmo caminho, ou seja, sempre considerando as
sentido de invenção’ (1997: 167), enfim, o gesto que significou o “momento decisivo da
ação cultural no país. Dentro da concepção de que nos trópicos convivem pólos opostos,
podemos dizer que Brasília tenta unificar o cartesiano e o barroco, isto é, o espontâneo ou
natural” (1997: 107). Desse modo, Brasília representaria para o Brasil o momento de
introdução do método, da atitude projetiva que Aloísio adotara como profissão (não por
acaso, logo após visitar as obras da capital). Aloísio entendia a construção da cidade como
Brasília seria a convergência do processo histórico do país. Por conseqüência, o único lugar
esse projeto deveria ser feito aqui (em Brasília), porque por tentar refletir
sobre peculiaridades e realidades brasileiras autênticas, deveria ser feito
em contato com essa realidade, mas num lugar onde se pudesse ter um
pensamento neutro, onde se pudesse fazer convergir. Em Brasília, pode-se
ter bastante isenção ou distância para uma visão de conjunto e, ao mesmo
tempo, ter contato com a realidade, o que é ao meu ver uma
complementação da própria idéia do plano político de Brasília e da
interiorização nacional” (Magalhães, 1976b: 05).
89
Sintetizando tais idéias, Vladimir Murtinho teria dito para Aloísio
Magalhães que o CNRC deveria ser “um equivalente cultural do conceito de Brasília”
(Magalhães, 1976a).
2.3 Metodologia
atuação’ (1976b: idem), e coloca que, entre seus projetos, havia duas naturezas possíveis -
se em uns, o mais importante era a substância; em outros, era a metodologia que importava.
Não uma metodologia fechada, mas, sim, uma que se explicitasse, à medida que os projetos
avançavam.
regras metodológicas’ que foram adotadas pelo CNRC: “1) atuação integrada e
(Alvim, Jr. 1979b: 06). Partindo desses princípios gerais, os projetos se desenvolviam a
partir de técnicas como a observação participante. Uma vez efetuada a captação, partia-se
90
para o registro – ou memorização - do material captado. Nesse estágio, se acumulava um
vasto e variado estoque de dados, que poderiam ser usados “tanto como fonte de referência
geração de modelos’ de compreensão das realidades culturais pesquisadas, o que, por sua
03). Tais etapas do que o CNRC considerava ser a sua ‘tarefa’ só fariam sentido se fossem
suplementadas por uma atividade de devolução (1977b: idem) desse “sistema ao processo
as quatro fases das atividades do CNRC acima citadas não são inflexíveis.
Ao contrário, o trabalho efetuado em cada uma tem forte influência sobre
o desenvolvimento de cada uma das outras. Dessa forma, uma coleta de
eventos pode ser usada para registro – assimilados segundo um
determinado modelo de referência – e este, por sua vez, pode, finalmente,
produzir uma devolução (o que poderá, depois, produzir novos estímulos
a serem coletados...) Assim, um determinado projeto pode ser classificado
de uma (ou mais) formas diferentes – em qualquer (combinação) das
quatro fases acima descritas – dependendo do curso de seu
desenvolvimento no âmbito do CNRC (1978a: idem).
Por adotar tal visão aberta dos projetos, o CNRC pagou o preço de deixar
esse parece ter sido um dos motivos que levaram o Centro, em 1979, a buscar uma nova
91
compreender que só poderia modificar a realidade, se tivesse acesso a instrumentos legais e
poderes efetivos.
Clara Andrade Alvim e Roberto Sábato Moreira postularam a necessidade de que pesquisa
e ação deveriam ser realizadas de forma conjugada (Fonseca, Alvim, Moreira, 1979: 01).
Analisando o caso do artesanato no Brasil, eles apontam para um problema, que seria a
existência de uma barreira que separaria as instituições que se voltam para a ação e as que
compartimentação, importando modelos; as instituições voltadas para a ação, por sua vez,
estariam tomando resoluções sem um mínimo de conhecimento prévio das realidades que
limitadas, imediatistas e até equivocadas (1979: 02). Para esses autores, tal separação é
prejudicial: a pesquisa ficaria restrita, e a ação se daria com pouco conhecimento de causa.
entre pesquisa e ação. Acreditando que somente desse modo seria possível apreender toda a
propostas de intervenção nos processos culturais não fosse baseado em modelos pré-
como ‘auscultação’ do que como ‘dissecação’ (Alvim Jr. e Abramo, 1976: 14).
92
De uma tal auscultação, processada no Terceiro Mundo, acreditamos que
emergirão diferentes alternativas para o desenvolvimento cultural, mais
adequadas às nossas condições e com contribuições as mais amplas
possíveis. Devemos cultivar tais alternativas, não planejando em demasia,
com a ajuda de instrumentos de adequação devidos, mas, preferivelmente,
tentando criar metodologias adequadas e não-deformantes para o estímulo
de novas dinâmicas culturais (1976: 15).
proposta do CNRC: ele atuava entre a pesquisa e a ação, mediando relações entre as
Nesse sentido, poder-se-ia definir o Centro, como fez Aloísio Magalhães, como um ‘projeto
elástico’ (Magalhães, 1997: 116), que se estabeleceu entre dois extremos: nem um órgão de
autônomo que pretendia criar “o traçado de um sistema referencial básico para a descrição e
análise da dinâmica cultural brasileira” (CNRC, 1979d: 01). A partir de tal colocação,
necessários aos estudos e projetos” (CNRC, 1975b: 03) que atuem no sentido de evitar a
comunicação delas a nível nacional. Assim, o Centro seria ao mesmo tempo ‘memória
93
nacional’ e “agente de divulgação das informações memorizadas” (CNRC, 1976a: 02).
Enfim, um organismo de
adequação às condições peculiares do país (CNRC, 1975b: 05). Para o CNRC, tal sistema
não deveria ser construído sobre uma base apenas teórica, mas, sim, a partir de ‘reflexões
cuidadosas’ e ‘relevantes pesquisas de campo’. Afinal, o objetivo da rede não seria semear
processos culturais que até então se encontravam isolados e, por conseqüência, ameaçados
CNRC, já havia, por parte de seus membros, uma preocupação no sentido de se estabelecer
94
projetos em diferentes áreas relevantes neste panorama. Considerava-se,
no entanto, como fundamental, o exame de uma variedade de sistemas
amplos de processamentos de dados, com vistas a sua futura possível
implantação [CNRC, s/d (a): 04].
informática era um campo ainda incipiente na década de 1970. Por conseqüência, era rara
sua aplicação em pesquisas na área social. O CNRC tinha consciência desse fato, mas
Assim, a fim de estabelecer contato com as poucas experiências que estavam sendo
Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, por saber que a informática era algo não tão facilmente
pesquisadas soluções originais para a manipulação de dados e indexação [s/d (a): 01].
tecedeiras. Os ‘repassos’ criados por cada uma das tecedeiras foram recolhidos pelos
95
constavam os ‘repassos’ de todas as tecedeiras participantes do projeto. Tal cartilha foi
distribuída entre todas as tecedeiras da região, que tiveram, assim, multiplicadas as suas
antropológico.
Técnico n. 20, o antropólogo George de Cerqueira Leite Zarur sugere algumas possíveis
teóricas no pensar sobre o problema” (Zarur, 1977: 01). Desse modo, Zarur propõe
(1977: 12), por considerar que a utilização de ‘temáticas antropológicas’ com um ‘interesse
aplicassem.
96
Se a Antropologia não é mencionada, isso se deve ao posicionamento
pesquisas. No entanto, como já foi discutido no primeiro capítulo, acredito que havia uma
inspiração antropológica, que, mesmo não assumida, balizava muitos dos princípios
Documentação sobre o Brasil’. Através dos projetos, o Centro visava aprofundar “os
7
No artigo “A Antropologia do desenvolvimento: é possível falar de uma subdisciplina verdadeira?”, Peter
Schroder (1997) discute a existência de uma subdisciplina antropológica – a Antropologia do
Desenvolvimento. Para o autor, esse tipo de Antropologia aplicada não chega a se caracterizar como uma
subdisciplina, no entanto, enquanto campo de práticas aplicadas da disciplina, agrupa antropólogos que fazem
qualquer trabalho ligado às questões do desenvolvimento.
97
de sua própria realidade” [CNRC, s/d (b)]. Para isso, Aloísio Magalhães afirma que o
envolviam mais pesquisadores, instituições e recursos (Tapajós, Serpa, Horta, 1977: 57-58).
Além disso, notou-se que o conteúdo dos projetos desenvolvidos nas duas áreas em que se
concentrava a atuação do Centro era relacionado, quase que na totalidade dos casos, à
sobre o Brasil’, a maioria dos projetos tinha por conteúdo a ‘cultura elitista’ (1977: idem).
percebia-se uma tendência clara para a região Nordeste. Em seguida, vinha a área central do
Brasil e projetos que eram classificados como ‘não-regionais’. As demais áreas do país não
teriam apresentado uma ‘dinâmica significativa’ (1977: idem). Não obstante, apesar de não
8
Com exceção do projeto “Pedro II e seu tempo”, desenvolvido em 1975.
9
Sobre a dicotomia entre cultura ‘elitista’ e ‘não-elitista’, ao que indica esse trecho, Aloísio Magalhães
pretendia ultrapassá-la. Em suas palavras, “o conceito de bem cultural extrapola a dimensão elitista, de ‘o belo
e o velho’, e entra numa faixa mais importante da compreensão como manifestação geral de uma cultura
(Magalhães, 1997: 72).
98
região. Havia também, entre os pesquisadores do CNRC, muitas pessoas oriundas da
região.
Resumindo,
Centro. Esse número foi crescente desde a criação do CNRC. No período do primeiro
inexistente, o que mostra a ausência de controle sobre a execução de projetos por parte do
99
2.4.1 Mapeamento do Artesanato Brasileiro
s/d (b)). Ao longo dos quatro anos em que funcionou o Centro, desenvolveram-se 07
sobre a cidade de Tracunhaém, cujo objetivo era apresentar à comunidade alternativas para
“a melhoria de suas condições de vida e preservação de sua cultura” (1979a: idem). Nesse
100
governamentais, tais como a Fundação do Interior de Pernambuco (FIAM), a
evolução da técnica de tecelagem manual de quatro pedais, que fora introduzida no Brasil
durante a Colônia, mas que subsistira somente no Triângulo Mineiro. Nesse projeto, o
configurações internas, quanto em suas relações com o contexto (1979a: 17). “Espera-se
com este projeto não só referenciar uma atividade tradicional importante e que tende ao
computador. Essa cartilha foi distribuída entre as tecedeiras, que tiveram, assim,
sentido, o projeto da Tecelagem foi um dos poucos que completaram as quatros etapas de
dos resultados da pesquisa. Além disso, esse talvez tenha sido o projeto onde o Centro mais
101
Com o projeto “Artesanato Indígena no Centro-Oeste” o CNRC pretendia
relatórios em que se descreve a relação do modo de vida das tribos com a atividade
apreender as formas em que se organizava a vida social das tribos pesquisadas, assim como
de colaboradores contratados.
fabricação dos produtos que dele resultam. Abordou-se também a comercialização dos
produtos, a utilização que as populações faziam dos objetos resultantes desse artesanato e o
transformação’ em seus múltiplos aspectos, bem como pesquisar uma tecnologia incipiente
que amplas parcelas da população desenvolvem para garantir sua sobrevivência” (s/d:
idem).
102
Iniciado em 1977, se prolongando até 1979, o projeto “Artesanato como
referência cultural” tinha por objetivo traçar uma ‘ampla sistemática’ que mapeasse a
atividade artesanal no Brasil, considerando as diversas vinculações que ela estabelecia com
de suas pesquisas e estudos (CNRC, 1975a: 05). O projeto “Artesanato do Médio São
coloca-se a questão de que “além de nos trazer objetos e sinais importantes da vida à
margem do rio, a própria exposição se torna, por sua vez, uma matéria de estudo e um
marco significante na estruturação do Centro” (CNRC, 1975a: 05). Como em quase todos
os projetos do CNRC, as questões levantadas pela pesquisa deveria oferecer pistas para a
feiras de cidades do Nordeste” [CNRC, s/d (b)]. O projeto foi proposto ao Centro pelo Prof.
Pedro Jorge Pinto de Castro, cineasta e professor da UnB. O CNRC viu interesse nessa
103
proposta no sentido de que a pesquisa a ser realizada poderia representar mais uma fonte de
‘apreensão do perfil cultural do Nordeste (CNRC, 1977b: 09). Assim, o CNRC financiou o
filme, que tinha 20 minutos de duração, nos quais registrava o brinquedo enquanto produto
artesanal, acompanhando a sua trajetória desde a produção até a comercialização. Com esse
projeto, o Centro buscava não só acrescentar novos elementos para as pesquisas sobre
artesanato, quanto levantar a questão do uso do filme como forma de registro de dinâmicas
culturais específicas.
complexo portuário para o Estado de Pernambuco. O projeto deveria trazer soluções não-
área a ser atingida pela instalação do Complexo (CNRC, 1979a: 21), assim como promover
a adaptação das populações locais à nova realidade a ser gerada pelo Complexo. O projeto
104
para o Porto de SUAPE deveria transformar-se em uma experiência-piloto que pudesse
Manguaba” teve curta duração – menos um ano, e foi desenvolvido em parceria com a
avaliar quais efeitos a instalação de um pólo cloro-químico teria sobre a ecologia, a cultura
região, e, assim, propôs a parceria ao CNRC. Para sua realização, montou-se uma equipe
Lagoas e técnicos das outras instituições ligadas ao projeto. O trabalho levantou uma
sobre as populações que habitavam a área a ser atingida pela instalação do pólo.
música tradicional brasileira” [CNRC: s/d (b)]. Além de ter gravado em áudio as
105
com músicos e artesãos. Assim, além de coletar documentação sonora e visual com o fim
1979a: 16).
nova industrialização paulista, tomando-se um dos bairros da cidade (o Brás) como foco de
brasileira, e iniciou-se com a seleção e análise de termos referentes à cultura ‘lato sensu’.
Utilizou, como fonte, diversos tesauros já existente, além de uma listagem que a UNESCO
publicara. Analisou também índices e sumários de obras que se referiam ao Brasil, além de
específicos’. Intentava acrescentar a essas fontes o material produzido pelo próprio CNRC
durante a vigência do Ministério Capanema” (CNRC, 1979a: 23), partindo daí para
106
‘independência, autenticidade e atualização’ (s/d: idem). No âmbito desse projeto, iniciou-
documento “O caju, o Brasil e o homem” (Freyre, s/d). “Tendo como objetivo geral o
deste produto, a pesquisa procura inicialmente detectar sua função em diferentes contextos
– antropológico, químico, nutricional, artístico etc” (CNRC, 1979a: 24). Desse modo, o
sentido de chamar a atenção para o potencial de utilização do caju” (1979a: idem). Aloísio
107
Bom, o projeto do caju tem, a meu ver, um grande valor exemplar. Porque
o caju, em primeiro lugar, sendo um produto natural do Brasil, tem três
grandes predicados para ser uma análise exemplar. Primeiro, o predicado
de consciência histórica, ou seja, ele é conhecido desde o descobrimento e
usado até hoje. Você tem, então, aí um tempo importantíssimo e com
informações e os registros, os documentos que formam essa trajetória no
tempo. O segundo predicado é o do espaço. Quer dizer, o caju cobre um
contexto brasileiro de uma imensa abrangência. Ele é conhecido desde
Santa Catarina até o Pará, sem falar nas formas, nas subespécies do
Planalto, o cajuí. Cobre praticamente a maior parte do espaço territorial. E
o terceiro é a diversidade de usos e produtos que derivam daquele produto
natural, certo? Esses três componentes configuram um caso exemplar,
absolutamente exemplar, para um estudo do universo do produto e da
cultura. Bem, em segundo lugar, o interesse do produto do caju é que, pela
reiteração, a presença dele é tão intensa que já transcende o próprio uso no
sentido de fruto alimentício. Quer dizer, ele transpõe a barreira do cultural
na medida em que é objeto de uso coletivo em outros valores como a
contagem do tempo... A diversidade de usos é tal que ele já saltou para
fora do uso direto e já tem usos simbólicos, né?... Enfim, ele entra numa
penetração multifacetada na comunidade que o configura como objeto
cultural (Magalhães, 1997: 227-228).
desenvolveu-se a partir de pesquisa de campo realizada por uma pesquisadora local. Nessa
produtos da região” [CNRC, s/d (d): 06]. A partir da análise do material levantado, o
sofridas pelo contexto em que as marcas eram produzidas, “efetuando, assim, a apreensão
descrição das etapas desse processo industrial. Com a publicação, o Centro visava efetivar a
processo industrial.
108
Um dos projetos mais importantes do CNRC, “Indústrias familiares dos
que documentava o modo de vida e de produção dos imigrantes europeus que haviam se
radicado na região no século 19. O acervo do Museu foi adquirido entre colonos da região,
Brasil. As máquinas – já sem uso efetivo pela comunidade – foram restauradas, remontadas
e postas a funcionar em um terreno de 20.000 m2, onde foi instalado o Museu. Nesse
proposto ao CNRC por um padre da região, que temia que tais técnicas e saberes, oriundos
Brasil, com o propósito de torná-la acessível aos pesquisadores brasileiros [s/d (b)].
listar e classificar os acervos dos museus brasileiros, assim como os dos organismos
109
responsáveis pelo registro de bens gerando, como conseqüência, subsídios para a definição
do bem cultural no Brasil [s/d (b)]. Solicitado pelo Iphan, o projeto buscava preparar uma
‘base de reflexão’ para a visita de um perito da Unesco, que vinha ao Brasil analisar o
CNRC elaboraram uma ‘classificação experimental’ dos acervos depositados nos museus
brasileiros, assim como uma análise dos modos de cadastramento realizados no Brasil. Em
um nível mais amplo, o projeto visava “fornecer subsídios para uma revisão do conceito de
de outras realidades – uma análise do que é, no Brasil, considerado e valorizado como tal
Além disso, o projeto serviria para que CNRC e FCB pudessem, em conjunto, desenvolver
Índio” foi o “resultado de um convênio assinado entre o CNRC e o Museu do Índio, que
110
Primeira República, o que se daria através de pesquisa iconográfica sobre a época. O
em sua maioria, resultado do trabalho do fotógrafo Augusto Malta, que entre 1906 e 1936
mapa e o guia que o acompanha, pretendia efetuar um “re-exame e divulgação de uma obra
essencial para o conhecimento das populações indígenas brasileiras” [CNRC, s/d (b)].
Pedro II e seu tempo”, encomendada pela Caixa Econômica federal, aconteceu ainda no
ano de 1975. A exposição volante, que teve tiragem de 3000 coleções de 10 cartazes cada,
111
monarca, apresentava a um grande público, espalhado pelo país, diversas informações sobre
o período do seu reinado. Para isso, o CNRC reuniu material iconográfico de diversas
coleções.
visava realizar uma “sistematização das informações contidas nos documentos relativos ao
Brasil que se encontram no exterior, com vista a torná-los acessíveis aos estudiosos no
112
Capítulo 3: Do contexto
versão consagrada da experiência do CNRC, o fiz com o intuito de viabilizar uma melhor
compreensão dos conceitos que balizaram tal experiência. Assim, não busquei contrastar o
patrimônio cultural no Brasil. Mas sugeri que, uma vez analisados, em si, as categorias e
conceitos manipulados nos textos formuladores da proposta do CNRC, estes trariam, por si,
estabelecido pelo Centro com o contexto histórico ao qual ele estava vinculado. Assim, se,
ensaio, neste capítulo, uma análise do contexto da situação1 mais geral em que se inseriu o
1
Apesar de não estar utilizando diretamente as colocações de Malinowski, acredito ser fundamental
considerar as definições de ‘contexto’, tal como elas aparecem em “Coral Gardens and their magic” (1935:
22). Para Malinowski, o significado de uma experiência só seria acessível através da análise do ‘contexto da
situação’ ou ‘pano de fundo estrutural’ em que ela se dava. Se, como acredita o autor, a palavra, em si, não
leva à compreensão de uma situação, uma vez que nem sempre o que as pessoas dizem é equivalente às suas
113
Centro. Dessa forma, proponho olharmos para o CNRC não como um ponto sobre uma
linha, mas como uma trama de relações dentro de um quadro que se espalha por diversos
eixos e dimensões. De todo modo, como afirma Luiz Fernando Dias Duarte,
Seguindo essa sugestão, nesta seção destaco alguns pontos que considero
importantes para a compreensão do quadro maior do qual o CNRC fazia parte. Assim, se
não pretendo esgotar nenhuma das questões levantadas, organizo uma cronologia2 com
preocupada com a cronologia, sigo algumas pistas que podem esclarecer qual era o pano de
segunda metade do século 20, destacando fatos que considero que tenham influenciado a
proposta do CNRC. Em seguida, observo o cenário montado pela arte e pela cultura (em
um sentido mais amplo) no Brasil, na década de 1970. Por fim, apresento um panorama do
e Aloísio Magalhães.
crenças ou às suas ações, então a observação do contexto seria a única saída possível para a compreensão de
uma dada situação.
2
Sigo também a indicação de Luiz de Casto Faria, que afirma: “Organizei uma cronologia – plena de
referências pessoais – com elementos para o que chamamos de contextualização, de modo a escapar de um
tipo de estudo, ainda prevalecente no Brasil, capaz de isolar dos seus contextos as instituições e as pessoas,
perdendo completamente a noção de situação” (Faria, 1995: 29).
114
O material utilizado como referência para este capítulo é vasto e
multidisciplinar, como pede o tópico. Nesse sentido, consultei tanto livros de História
[Fausto, 2002 (1995); Koshiba e Pereira, 1984], quanto coletâneas de artigos sobre a década
de 1970 [Bahiana, 2006; Miceli (org.), 1984; Novaes (org.), 2005; Vários autores, 2005]
Antropologia na segunda metade do século passado (Garcia, 2004; Ortner, 1984; Velho e
3.1 Política
setor mais dinâmico da economia. Dentro de tal Plano, se ao capital estrangeiro cabia
estrutura industrial foi obtido graças a uma política fiscal específica, mas também através
de emissões. Assim, uma das conseqüências da industrialização foi a inflação, que, se, por
115
Como decorrência do modelo de desenvolvimento proposto por
Kubitschek, agravaram-se as tendências a uma forte diferenciação social no país. Por fim,
Além dos problemas internos gerados pelo modelo de industrialização adotado, sucedeu a
sua construção era justificada como algo inadiavelmente necessário à integração nacional
interior do país dando-lhe importância política” (Cavalcanti, 1998: 51). Em suma, a cidade
(1998: 57) – a meta-síntese de seu Plano de Metas (Ribeiro, s/d: 01). Se, do ponto de vista
econômico, Brasília foi uma catástrofe, pois o governo teve que direcionar montantes
elevados de seu orçamento para a rápida construção da capital, como elemento catalisador
116
americano do século anterior. A nova capital era associada a uma
oportunidade para os mais pobres e a um marco do futuro brasileiro mais
rico e mais justo. A correlação de uma ‘griffe’ arquitetônico-urbanística
ao projeto político provou-se eficaz: apoiar a construção de Brasília era
considerado um gesto progressista – abraçado por fração significativa dos
intelectuais e da classe estudantil – e os oponentes da empreitada
ganhavam a pecha de conservadores (Cavalcanti, 1998: 58).
governo de João Goulart, deposto em 10 abril de 1964. A partir dessa data, instaura-se no
país um regime autoritário de origem militar que, apesar de ter durado quase vinte anos,
formas que ele assumia (Cruz e Martins, 1983: 13). Alternando-se entre mandatos
diferentes tendências dentro das Forças Armadas3. Nesse sentido, Castro, D’Araujo e
Soares afirmam que “os governos militares, no Brasil, sempre foram de composição:
nenhum grupo governou absoluto, mas sempre com representação dos demais grupos. Não
houve alternância dos grupos no poder; houve alternância dos grupos dominantes” (Castro,
grupo dos ‘sorbonistas’, que visava instituir uma ‘democracia restringida’ (Fausto, 2002:
países centrais do sistema capitalista” (Cruz e Martins, 1983: 18); Costa e Silva – cujo
3
Para observações mais específicas sobre as relações estabelecidas pelos militares com a política e o poder no
Brasil, ver Stepan, 1971.
117
estilo – um misto de linha dura e nacionalismo – que não coincidia com o de Castelo,
Estados Unidos e as facilidades concedidas aos capitais estrangeiros” (Fausto, 2002: 476); a
junta militar – que substituiu Costa e Silva, quando este sofreu um derrame que o deixou
paralisado, foi sucedida por Médici – amigo íntimo do presidente afastado, que consolidou
a repressão e promoveu a idéia de Brasil como uma ‘grande potência’ – através do que foi
baixa inflação. Nesse período de aparente euforia, o governo desenvolveu projetos de porte
condições sociais e ambientais onde se instalavam (2002: 487); Geisel, que governou entre
da linha-dura. Segundo Boris Fausto, esse governo “se associa ao início da abertura política
que o general-presidente definiu como lenta, gradual e segura” (2002: 489). A estratégia de
distensão teria sido montada pelo presidente e pelo general Golbery do Couto e Silva, então
1984: 48). Durante tal regime, o Estado estabeleceu duas relações – contraditórias, mas
‘prejudicial à imagem séria’ do país (1984: 50), de outro, promovia ‘a imagem sui generis
118
naquele período, o Estado brasileiro preocupava-se, principalmente, em criar uma ‘imagem
integrada do Brasil’, o que buscava alcançar na medida em que assumia “a cultura como
Estado ter, naquele momento, tomado para si a tarefa de incentivador da cultura nacional,
pelo regime como algo contraditório, pois, as duas questões eram propostas desvinculadas
tornar instável. Dessa forma, gradualmente, o regime autoritário passa a enfrentar uma
‘crise de legitimidade’, que está em seu auge quando Ernesto Geisel assume o cargo da
119
3.1.2 O Governo Geisel (1974-1979)
do ‘milagre econômico’ teria sido percebida pelo presidente Geisel4, que, convencido da
projeto de abertura política. Nas palavras de Hélio Jaguaribe (apud Aquino, 2005),
de forma gradual foi se configurando aos poucos, com reflexos também na política
movimento, articulado na gestão de Jarbas Passarinho, foi o Plano de Ação Cultural (PAC),
lançado em 1973, e que “não era apenas uma abertura de crédito, financeiro e político, a
4
Nas palavras do próprio Geisel: “No final do Governo Médici, houve o primeiro choque do petróleo, e os
preços do óleo cru quadruplicaram. Mas quem foi sentir as conseqüências foi o meu governo” (Castro e
D’Araujo (orgs.), 1997: 288).
120
algumas áreas da produção cultural até então desassistidas pelos demais órgãos oficiais,
mas também uma tentativa oficial de ‘degelo’ em relação aos meios artísticos e
intelectuais” (Miceli, 1984: 55). Segundo Roberto Parreira, é “com Ney Braga que surge
uma política. Antes houve planos. Os objetivos agora são claros: a cultura se liga à
identidade nacional e à preservação de valores. As raízes culturais são vistas como questão
(Miceli, 1984: 57). Miceli afirma que “a importância político-institucional desse ‘ideário de
uma conduta’ consistiu sobretudo no fato de haver logrado inserir o domínio da cultura
política de ‘abertura’ estendendo sua vigência à área cultural pública, ou, ao menos, o que é
em prol de setores intelectuais e artísticos que pareciam arredios ao regime” (1984: 65).
121
aderindo ao ‘projeto geiselista de ‘abertura’ (1984: 66). Entre eles, os cineastas ligados ao
cultural. João Paulo dos Reis Velloso, Ministro do Planejamento, viabilizou a ampliação do
pela criação do PCH quanto do CNRC foram avalizadas, quase que exclusivamente, por
5
Sobre a adesão de Glauber Rocha ao projeto de abertura do Governo Geisel, Pedro Luiz Pereira de Souza
comenta que “Glauber Rocha, em depoimento à Visão, declarou: “Acho que Geisel tem tudo na mão para
fazer do Brasil um país forte, justo e livre. Estou certo inclusive de que os militares são os legítimos
representantes do povo”. Contraditórias, suas palavras indicavam, no entanto, que algo começara a se mover
e, por isso mesmo, todos teriam de tomar um partido. Geisel não tornou o país mais justo e nem mais livre.
Porém, as expectativas de abertura não se frustraram de todo, como nas promessas anteriores. O que se
constatou em 1974 foi o equívoco, alimentado durante muito tempo na República, sobre o fato de os militares
serem algo mais que legítimos representantes de si mesmos. As declarações de Glauber Rocha à Visão, uma
confusa elegia ao que de mais reacionário e retrógrado existia na política nacional e internacional (Alvarado e
Kadafi), eram o prenúncio do esgotamento delirante do regime político estabelecido em 1964, que,
moralmente baseado na infalibilidade do planejamento calculado, via-se defrontado com problemas para os
quais não tinha resposta. O aparente delírio de Glauber Rocha, apoiando o racionalismo de Geisel, não foi
simples excentricidade. Representou uma convergência de interesses e pontos de vista entre o velho
positivismo republicano e setores da intelectualidade burguesa brasileira, ligados às manifestações nacionais
grandiloqüentes e populistas, que já prosperara durante o Estado Novos com Villa-Lobos, Portinari, moderna
arquitetura etc...” (Souza, 1996: 248).
122
(através da Embratur). O CNRC foi viabilizado por um convênio multi-institucional
metade da década, fora do âmbito daquele Ministério. Os motivos para que tal fato tenha se
dado dessa maneira são vários. Dentre eles a própria fragilidade do MEC, na época.
cultural durante a década de setenta do século passado, Gabriel Cohn aponta para dois
momentos:
123
Além disso, Cohn coloca que o divisor de águas dessas duas fases seria a
primeiros anos da década, e que visava equacionar ‘a cultura ao regime político que se
procurava consolidar’ (1984: idem). Para esse autor, os dois modos, aparentemente
contraditórios, com o quais o Estado se relacionou com a cultura nos anos 1970 – ao
do regime,
‘codificação do controle sobre o processo cultural’ (1984: 88) – controle esse que era
argumento básico a constatação de que o desenvolvimento não deve ser apenas econômico,
mas, sobretudo, social. E dentro do social, a cultura teria um lugar de destaque. A cultura
124
Esse primeiro princípio é seguido de outros: a garantia da generalização
do acesso à cultura por parte de todos os brasileiros e o respeito às
diferenciações regionais de nossa cultura (Parreira, 1984: 236).
cultura ‘não em abstrato mas em sua caracterização brasileira’” (Cohn, 1984: 93). Assim,
entre os temas recorrentes nas formulações oficiais que marcaram a década de 1970, muitos
sofridas pelas políticas oficiais de cultura naquela década, nas palavras de Gabriel Cohn,
Pude perceber que muitos autores consideram que a década de 1970 teria
começado um pouco antes, ou seja, mais especificamente, no ano de 1968. Nesse ano,
estouraram protestos contra a ordem vigente, mundo afora. No Brasil, não foi diferente.
125
Se nos anos sessenta do século passado, uma onda revisionista parece ter
tomado conta de uma grande parte das manifestações sociais, artísticas e culturais, criando
Luiz Pereira de Souza define a segunda metade da década de 1970 como “um tempo de
diluição das tendências ideológicas mais radicais. O início dos grandes consensos e das
passou a ser visto, contrariamente ao que se pensara, como uma rebeldia mitificada”
Como colocado por esses autores, nos anos 1970, a contestação dos anos
1960 – mais explosão que proposição, canalizou sua energia no sentido de criar meios
126
mencionava uma terceira, em cujo balaio caberiam ambas, e que tenderia
a predominar nos próximos anos. Seria superado, portanto, segundo Paulo
Francis, o ‘extraordinário reacionarismo’ das correntes nacionalistas e o
‘estéril alheamento face à sensibilidade nacional’ das experiências
vanguardistas. Esse novo balaio, na certa mais lógico e mais realista, seria
ainda sensível às contingências de modernização e universalização
exigidas num país onde ‘o transistor acabou com o folclore (Hollanda,
Gonçalves, 2005: 97).
sob a forma de novas teorias, colocando-se como originais, não deixavam de resgatar
propostas lançadas no início do século. Nesse sentido, Nicolau Sevcenko declara que
faz das propostas que Mário de Andrade havia formulado em 1936, no Anteprojeto para a
Souza afirma que “a partir da segunda metade da década de 1970, o problema da identidade
6
Sobre as relações entre a ‘modernidade’ dos anos setenta com o passado, Marshal Berman afirma que “o que
ocorreu na década de 70 foi que, justamente quando os gigantescos motores do crescimento e da expansão
estacaram e o tráfego quase parou, as sociedades modernas perderam abruptamente sua capacidade de banir
para longe o passado. Durante toda a década de 60, a questão que se colocava era se deveriam ou não fazê-lo;
agora, nos anos 70, a resposta era que simplesmente não poderiam. A modernidade não mais podia se permitir
lançar-se “à ação aliviada de toda experiência prévia” (na expressão de De Man) para “varrer tudo o que veio
antes na esperança de atingir pelo menos um passado verdadeiro... um novo ponto de partida”. Os modernos
da década de 70 não podiam se permitir a aniquilação do passado e do presente com o intuito de criar um
novo mundo ex-nihilo; eles tiveram de chegar a um acordo com o mundo que tinham que trabalhar a partir daí
(Berman, 1986: 315).
127
nacional ocupou um dos primeiros planos nas preocupações dos designers. Esse tipo de
pensamento, do qual Aloísio foi o expoente, implicava na análise do que fosse nacional e,
também, do que fosse popular” (Souza, 1996: 277). Souza acrescenta que “a discussão do
modelo nacional atingiu seu maior volume sonoro na fase áurea do regime autoritário,
quando uma verdadeira febre nacional de memória assolou um país curiosamente presidido
por um general luterano de sobrenome Geisel. O problema das ‘raízes’ foi discutido a
na sociedade, manifestações essas, que a partir dos anos 1970, buscavam não só contestar a
A grande novidade dos anos 70, pelo menos no campo das artes e da
cultura, parece ter sido mesmo a busca, em vários campos, de meios
alternativos de expressão. Diante do ‘sufoco’, promovido pela repressão
da ditadura, nas artes e no debate cultural em geral, a saída alternativa
aparecia, para muitos, como a única viável (Pereira, 2005: 92).
feminista, a ecologia, o pansexualismo, o novo discurso amoroso etc (Risério, 2005: 26).
brasileira posta em prática de forma autoritária pela ditadura militar” (2005: 39), propondo
uma nova forma de pensar o mundo, que considerava como perspectiva possível, inclusive
128
a disposição contraculturalista foi acabar desembocando no processo de
desrecalque das múltiplas personalidades que nos compõem e no
reconhecimento pleno da pluralidade cultural brasileira. É assim que
podemos falar da contribuição da contracultura para o alargamento e o
aprofundamento da consciência e da sensibilidade antropológicas no
Brasil, produzindo rachaduras irreparáveis no superego europeu de nossa
cultura (Risério, 2005: 30).
qualquer década que viesse depois dos anos 60 ficaria atônita diante dos
desafios propostos pelo período. A década de 70, bem menos ‘nervosa’
que a anterior e mais preparada para dar vazão às tensões que, de modo
implacável, vinham então se acumulando. De fato, uma das formas de
compreensão dos anos 70 é vê-los como fase de distensão, desdobramento
e re-acomodação dos impactos criados dez anos antes (Tatit, 2005: 119).
Anistia. Dessa forma, observando alguns fatos ocorridos entre 1968 e 1979, podemos mais
compreensão dos sentidos do Centro naquele momento, e, também, seus legados para a
posteridade.
Ortner (1984), Velho e Viveiros de Castro (1980), aponto alguns caminhos trilhados pela
partir de uma provocação de Garcia (2004), sugiro que um exercício comparativo entre
129
trechos de textos de Lévi-Strauss e Aloísio Magalhães fornece pistas interessantes sobre a
‘um esforço de redução da diferença cultural’ (1980: 15), algo que é resumido pelos autores
“na idéia de uma crescente percepção da especificidade das diferenças culturais em si; o
internos que cada cultura utiliza para sua auto-reflexão” (1980: idem).
que punha em cheque os ‘esquemas apriorísticos de interpretação das culturas (1980: 16).
questionamento da civilização ocidental” (1980: idem) que tomou o século passado. Para
estes autores, a Antropologia teria, sim, influenciado e fornecido ferramentas para muitos
dos movimentos culturais do século vinte, que foram, quase todos, “marcados pela negação
mapeia alguns dos caminhos percorridos pela disciplina antropológica a partir da segunda
130
metade do século 20. Para a autora, no começo dos anos 1960 teria acontecido, em termos
esse movimento teria se materializado como uma resistência aos paradigmas vigentes
de agressividade, combinado à busca por novas idéias, teria gerado os movimentos que
Estruturalismo.
geertziana e aquela ligada a Victor Turner. Acreditando que o estudo da cultura só poderia
se dar a partir do ponto de vista dos atores sociais, e acreditando que os símbolos
símbolos moldam a percepção que tais atores têm do mundo que os rodeia. Indo em outra
direção, Turner não via os símbolos como veículos, nem como brechas analíticas para a
cultura, mas, sim, como forças ativas que operam no processo social. Ou seja, seu interesse
era investigar a eficácia dos símbolos enquanto parte ativa do processo de transformação
social. A Ecologia Cultural, por sua vez, investigava a ‘evolução geral’ ou a ‘evolução da
sofrido influência de pensadores como Marx e Freud. Ortner define que, no Estruturalismo,
131
inteligíveis na medida que se demonstrasse que eles partilhavam de princípios básicos
Passando aos anos 1970, Ortner comenta que, nessa década, muito mais
mundo real. No fim dos anos 1960 emergiram diversos movimentos sociais, em escala
Enfim, tudo o que fazia parte da ordem vigente passou a ser contestado. Segundo a autora,
teria se alastrado para a reavaliação da natureza dos quadros teóricos utilizados pela
disciplina, especialmente em função de que se suspeitava que eles estariam servindo como
das tendências dominantes dos anos 1970 – o Estrutural-Marxismo, que enfatizava a análise
140), ou seja, sendo considerada em função de seu papel na reprodução social. Segundo a
autora, essa tendência, de base não-histórica, teria injetado uma dose de sociologia na
disciplina antropológica.
132
Além do Estrutural-Marxismo, nos anos 1970 teria se desenvolvido outra
tendência: a Economia Política, que tinha como influência as teorias desenvolvidas pela
coincidiu com o sucesso da disciplina e de seus conceitos para além do mundo acadêmico,
talvez porque os seus conceitos e métodos tivessem uma força e pertinência que os estariam
propagando por outros meios sociais (Garcia, 2004: 38). Esse ‘transbordamento’ (ou
uma questão para o mundo (e para a própria disciplina antropológica). Entre os motivos
para que essa influência tenha se dado de forma tão avassaladora, Garcia destaca que
fazendo coro a uma tradição que incorpora nomes como Clifford Geertz e
Claude Lévi-Strauss, a antropologia traz em seu projeto disciplinar essa
dimensão do encontro com os modos singulares de viver em sociedade e
constituir uma cultura, sabendo que lidar com esse universo da
diversidade significa cogitar que sempre haverá algo novo a apreender e
que possa contribuir tanto para a criatividade humana global quanto para a
relativização das verdades do mundo (2004: 44).
133
No Brasil, não foi diferente: talvez essa tendência tenha se fortificado até,
em função da situação política por que passava o país - nos anos 1960 e 1970, se vivia sob
um regime autoritário e militar. Assim, a Antropologia, que “era vista por muitos como
uma alternativa aos desafios (marxistas) vindos da Sociologia” (Peirano, 1999: 241), em
uma tendência não só brasileira, mas, mundial, estaria espalhando seus legados para outros
campos (Garcia, 2004: 31), não só por seus ‘aspectos qualitativos’, mas, também “pelo
A partir das considerações feitas por Marcus Vinícius Garcia (2004) sobre
CNRC. Segundo Garcia, a partir dos anos 1950, o antropólogo francês “se posiciona em
tomadas pela Unesco em relação a tal matéria. Assim, acompanhando os discursos de Lévi-
Strauss, o autor sugere que seria possível “recuperar o ambiente reflexivo por que passava a
Antropologia perante as relações do pós-guerra e, com isso, uma certa aproximação entre a
desta pesquisa, proponho irmos um pouco além na busca pelo ‘espírito’ da época,
134
comparando o discurso de Lévi-Strauss às falas de Aloísio Magalhães. A partir de uma tal
movimento de contestação do Modernismo que eclodiu entre os anos 1960 e 1970, mas
(Garcia, 2004: 30), então, essa proposta é muito próxima à do CNRC. Por esse viés,
poderíamos concluir que o Centro tinha, sim, uma proposta antropológica, a saber, a de
uma Antropologia aplicada (ou seja, com fins políticos) a um projeto de desenvolvimento.
135
incorporamos esses valores, fazendo-os permear o desenho projetivo, ou
nos arriscamos a ser no futuro uma nação rica e sem caráter, uma nação
poderosa e sem alma (Magalhães, 2003b: 245).
soluções imprevistas, e cada uma das quais, quando aparecer, sempre encherá os homens de
originalmente em 1950, Lévi-Strauss faz uma sugestão à Unesco que poderia ser
patrimônio imaterial” (Garcia, 2004: 34). Nesse texto, o antropólogo francês teria
136
Assim como alguns autores (no primeiro capítulo desta dissertação)
(Garcia, 2004: 35), algo similar aos textos analisados na segunda parte deste trabalho.
***
1960, houve uma reação, em nível mundial, à ordem vigente no mundo: com o fim das
surgimento de movimentos sociais, propôs-se, a partir dos anos 1970, novos meios de
situação política complicada, ensejada a partir do golpe militar que tomou o poder em 1964.
137
Dentro desse quadro de revisão do Modernismo7, mudam a arte, a cultura e a própria
Claude Lévi-Strauss nos ajuda a elucidar o ‘espírito do tempo’ que inspirava a ambos.
resultado de tal confrontamento nos leva mais uma vez ao contexto da situação em que tais
por arquitetos ligados à arquitetura ‘modernista’, que, por sua vez, se utilizaram de
paradigmas históricos para eleger o que era e o que não era digno de preservação, é curioso,
que, a partir do fim dos anos 1970, o paradigma histórico vá sendo progressivamente
patrimonial passe às mãos de um designer. Noto que essa ‘substituição’ do Design pela
Arquitetura, e da História pela Antropologia, nos diz algo sobre as transformações por que
7
É importante não substancializar essa ‘revisão do Modernismo’. Movimentos de mesma natureza são
reincidentes na história ocidental. Luiz Fernando Dias Duarte nos alerta para a origem de tal movimento na
Civilização Ocidental, quando afirma que “hoje em dia temos evidentemente à disposição, no campo
intelectual, uma série de retomadas, nas diversas teorias ditas ‘pós-modernas’ – que prefiro chamar de
‘neoromânticas’ – das tentativas de resistir ao cientificismo (chamado então de positivismo), de modo a mais
uma vez reavivar o sentimento da experiência abrangente, a preeminência da totalidade, o sentimento da
configuração. Só que isso já vem sendo feito regularmente desde o final do século XVIII em nossa cultura
(Duarte, 1999: 63).
138
Considerações finais
experimentação das propostas que Aloísio levou para a esfera oficial, em 1979. Partindo da
unânime de que o ano de 1979 seria o marco divisor entre as duas fases, questionei o que
no Brasil – tanto as oficiais, quanto as produzidas pela Academia – 1979 consta como o
momento em que o CNRC foi fundido ao Iphan, que, em seguida, foi desmembrado em
139
Sphan e Fundação Pró-Memória. Assim, nas narrativas supra-citadas, o CNRC surge como
mais um episódio da trajetória das políticas oficiais de patrimônio, vinculadas, desde 1936,
CNRC na trajetória do órgão oficial de preservação soava como uma indexação não
errônea, mas forçada, feita a posteriori. Em sua tese, Marcia Chuva parece ter sentido um
Quando tive acesso aos documentos produzidos pelo Centro, percebi que
a proposta do órgão era outra, desvinculada, a princípio, das questões que regiam o campo
por aqueles autores, no que tange à reflexão sobre o Centro Nacional de Referência
‘experiência’. Uma vez levantadas as questões que balizavam a sua proposta, busquei
contrastá-las com o quadro maior da época em que o Centro funcionou, a saber, a segunda
Dessa forma, o que propus nesta pesquisa foi uma revisão da versão
consagrada, ou seja, uma desnaturalização do local já ‘cativo’ onde o CNRC foi ‘colocado’.
140
Fiz isso não como negação do que foi estabelecido anteriormente, mas, sim, a título de
que questionei, então, foi o modo apriorístico como alguns autores colocaram o CNRC
dentro das políticas oficiais de preservação do patrimônio cultural no Brasil. Se ele foi
‘catalogado’ como pertencente a essa política, uma vez que, efetivamente, foi incorporado
por ela em 1979, sendo definido, então, como de dentro, sugiro que ele não se propunha
como tal, e, portanto, observei como ele se constituiu, de fora da esfera oficial de
preservação.
áreas, tanto políticas quanto teóricas. Sua fusão com o Iphan, que veio a modificar, de fato,
o modo como se pensava e se praticava a preservação a nível oficial, no Brasil, parece ter
sido mais uma saída política circunstancial encontrada pelo grupo, que estava confrontado
***
foi escrito sobre o Centro, contrastando versões que, apesar de terem sido produzidas em
diversos ambientes, são bastante próximas. Entre os textos que compõem o corpo do
primeiro capítulo, constam algumas versões oficiais – textos produzidos dentro do Instituto
do Patrimônio; alguns estudos acadêmicos – a maioria publicada pelo mesmo Instituto, que,
assim, avaliza tais versões; e alguns textos produzidos esparsamente, todos distinguíveis
entre: 1) os produzidos por pessoas que tiveram ligação com a experiência do CNRC ou,
141
mais especificamente, com a figura de Aloísio Magalhães, e 2) outros autores, não
conteúdo arquivado, decidi por me concentrar nos documentos que tratavam mais
explicitamente das propostas para o Centro Nacional de Referência Cultural. Essa decisão
se deu na medida em que ficou evidente, para mim, o caráter experimental da proposta do
propositivos do órgão que estava sendo criado. Isso é algo facilmente perceptível nos textos
originais do CNRC, que repetem, incontáveis vezes, trechos que apresentam quais seriam
de auto-definição e auto-questionamento.
contextual da segunda metade do século vinte, enfatizando alguns fatos e configurações que
considero serem importantes para a compreensão do pano de fundo contra o qual se montou
142
todo um projeto de desenvolvimento associado à cultura, assim, também, a partir de uma
trajetória de longo percurso (de 1936 até os dias de hoje), fui levada a focar minha atenção
o tempo em que funcionou o CNRC, tanto os de dentro para dentro, quanto os de dentro
experiência do Centro, tendo sido produzidos, na maioria das vezes, por pessoas que
estiveram dentro, trouxeram para fora o que dentro estava; e, ainda, aqueles produzidos
por pessoas que não tendo estado dentro, de fora, lançaram um olhar para dentro daquela
experiência.
nesta dissertação, ensaio o exercício contrário. Tentando seguir a pista encontrada nos
do patrimônio no Brasil, buscando lançar um olhar sobre a sua experiência enquanto algo
que teve início, meio e fim, e uma inserção específica em um dado contexto histórico. Para
isso, recorri aos textos de dentro produzidos na época. Em ambos os casos, seja analisando
os discursos de dentro, seja os de fora, procurei recortar dos discursos ‘o que fala’ e ‘o que
143
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Anexos
Resumos Biográficos
Aloísio Magalhães
“Da mesma forma que Lúcio Costa, com elegância e civilidade, através
também de uma bem sucedida atividade prática, ele consegui delinear as
formas, sendo portanto um designer na estrita acepção do arquiteto, de um
design menos vinculado à ortodoxia de Ulm (escola alemã de design, que
serviu de inspiração para a criação da ESDI). Sua trajetória profissional
foi pouco linear. Não tinha formação específica. Advogado, não se teve
notícia de que tenha exercido a profissão. Já em 1960 mantinha um ativo
escritório de comunicação visual no Rio de Janeiro. Participou da
estruturação da ESDI como um profissional convidado, defendendo então
um design mais comprometido com uma identidade nacional. Era um
homem avesso a posturas radicais, jamais se negando a incorporar
conceitos que julgasse interessantes ou úteis a seu próprio ideário. Em
certo sentido, poderia ser considerado um eclético.
Antecipou uma atitude mais característica dos anos 80, quando propôs um
inclusivismo que operasse livremente com aquilo que julgasse necessário
à superação de um problema, sem as limitações do ortodoxismo europeu
ou dos nacionalismos populistas. Provavelmente, mais que uma
identidade nacional, desmedida ambição para o design, buscava uma
identidade também pessoal diante dos problemas da cultura brasileira.
Seus projetos refletiram a evolucão de um indivíduo que intuiu as
contradições do país em que vivia e buscou todo o tempo, uma ordem
possível. Gilberto Freyre era uma visível influência em seu pensamento.
Curiosamente, se se procurasse também um exemplo de pessoa para
também comprovar a tese de Sérgio Buarque de Hollanda sobre o
brasileiro como um homem cordial, não se encontraria ninguém mais
adequado. Conviver com as divergências foi um estímulo para seu
trabalho. Grande conciliador, sempre soube usar com prazer essa
característica nos momentos e nas circunstâncias precisas.
As primeiras notícias sobre o trabalho de Aloísio, sobre seu sucesso
profissional, datam de 7 de fevereiro de 1962, quando o Globo publicou o
resultado do concurso do símbolo comemorativo do IVo Centenário da
Cidade do Rio de Janeiro. Mas foi a partir de 1973, quando do início das
manifestações de interesse governamental pelo design, que Aloísio
começou a expor de forma mais definida e decidida, suas idéias sobre o
problema de uma identidade cultural, com uma progressiva consistência
que as diferenciavam do populismo que caracterizava o nacionalismo do
design. Não era mais apenas o dono de um bem sucedido escritório e sei
trabalho mais famoso também já não era, há algum tempo, o símbolo do
IVo Centenário do Rio. A identidade visual da Petrobrás, dos Correios, e,
principalmente, o desenho do novo padrão monetário brasileiro, haviam-
no tornado não apenas um designer conhecido nacionalmente, como uma
voz respeitada, capaz, finalmente, de se fazer ouvida isolada.
O pensamento de Aloísio não permaneceu limitado a uma atitude
meramente receptiva e ordenadora do que fosse uma cultura nacional e
sua imediata transformação em ‘fonte de inspiração’ para um design
nacional. Isso seria muito pouco e, acima de tudo, um caminho que já se
tentara percorres, comprovadamente sem resultados concretos. Propôs a
criação do CNRC, Centro Nacional de Referência Cultural, embrião do
Pró-Memória, seu instrumento de ação quando, mais tarde, foi Secretário
de Cultural do Ministério da Educação e Cultura.
O grande ‘delineador de formas’ morreu em Veneza, em 1982,
partcipando de uma reunião da UNESCO. Com sua morte todos
perderam, porém, sem seu brilho e vivacidade, perdeu mais ainda a idéia
de um design ligado a uma identidade cultural brasileira, que na confusão
política dos anos seguintes, aparentemente foi condenado à mediocridade
do populismo, sempre de plantão, ao mau humor dos frustrados e ao
simplismo dos burocratas” (Souza, 1996: 270-273).”
Eduardo Portella
Eugene Feldman
Nascido nos Estados Unidos, em 1921. Designer, artista e impressor, tinha uma gráfica
experimental, a Falcon Press, na Philadelphia.
General de grande influência política durante o Regime Militar que se iniciou em 1964. Foi
Chefe do Gabinete Civil durante o Governo Geisel.
Italo Campofiorito
Isaura Botelho
Jarbas Passarinho
Ministro do Governo Médici que articulou o Plano de Ação Cultural (PAC), lançado em
1973.
Designer formado pela ESDI/UERJ. Iniciou sua vida profissional como assistente de
Aloísio Magalhães em 1966/67. A partir de 1973 retorna à sua equipe como diretor de
projetos. Atuou no CNRC, na Fundação Nacional Pró-Memória e no Iphan. Professor da
ESDI (desde 1977) e da PUC-RJ, obteve o título de doutor pelo PPCIS/UERJ, em 2006,
com a tese intitulada “Aloísio Magalhães, aventura paradoxal no design brasileiro. Ou, o
design como instrumento civilizador?”.
Joaquim Falcão **
Designer formado pela ESDI/UERJ, iniciou sua vida profissional com Aloísio Magalhães,
em 1966. Em 1976, tornou-se sócio do escritório de Aloísio. Professor da PUC-RJ.
Desenvolve dissertação de mestrado na ESDI/UERJ sobre um dos projetos de design
gráfico de Aloísio Magalhães.
José Zatz
Nascido em 1902. Formado pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, em
1922. Entre 1930 e 1931, foi diretor da mesma Escola. Em 1936, desenvolve, a pedido do
Ministro Gustavo Capanema, o projeto para a Sede do Ministério da Educação e Saúde.
Para dar o traço inicial deste projeto, convida o arquiteto francês Le Corbusier. O edifício
construído torna-se o marco da arquitetura modernista no Brasil. Desenvolve, em parceria
com Oscar Niemeyer, o projeto de Brasília.
Mário de Andrade
Ney Braga
Olympio Serra
Oscar Niemeyer *
Nascido no Rio de Janeiro, em 1907. Formado na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de
Janeiro, em 1934. Arquiteto que desenvolveu principalmente projetos para o setor público.
Ainda em Minas Gerais, desenvolveu parceria com Juscelino Kubitschek, para quem
projetou muitas obras, inclusive a cidade de Brasília.
Designer formado pela ESDI/UERJ em 1971. Desde 1972 é professor de projeto na escola.
Foi seu vice-diretor e diretor de 1986 a 1992. Trabalhou como coordenador associado no
ID/MAM (Instituto de Desenho Industrial do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro).
Autor de “ESDI-biografia de uma idéia”.
Renato Soeiro
Arquiteto, trabalhou no Iphan por 41 anos. Foi presidente do Instituto de 1967 a 1979,
quando foi substituído no cargo por Aloísio Magalhães.
Nascido em São Paulo, em 1924. Foi Diretor do Banco do Brasil, Ministro da Agricultura
no Governo Castelo Branco, e da Indústria e Comércio no governo Geisel. Um dos
idealizadores do CNRC.
Ubiratan D’Ambrosio
Vladimir Murtinho
Diplomata, foi Secretário de Cultura do Governo do Distrito Federal, nos anos 1970. Um
dos idealizadores do CNRC.