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OS DOMÍNIOS DA MEMÓRIA
– São Paulo –
2001
Yacy-Ara Froner Gonçalves
OS DOMÍNIOS DA MEMÓRIA
– São Paulo –
2001
2
BANCA EXAMINADORA:
Aprovada em 16/10/2001
3
Resumo
Abstract
The domains of memory, which were investigated in this thesis, are those that are
intended for scientific research – the remnants of the past that are pertinent to
intellectual thought as recovered by Cultural Heritage concepts. The scope of this
study sought to embrace not only the historical construction of epistemological
thought in relation to the selected issues – Museology, Conservation Science and
Archaeology – but also the projection of these concepts within international
institutions founded by UNESCO – ICOM, ICROM and ICOMOS – which have
guided the actions of these institutions regarding the preservation of Cultural Heritage.
Since these great institutions responsible for the formulation, management and
direction of international politics oriented towards the cultural milieu were created,
the discourse related to this field has modified principally with respect to professionals
attitudes related to this area from this point on. As a result, this research was oriented
by the following guidelines: to comprise the construction of specific disciplines by
means of the history of the paradigms imbedded in each of them and through the
reflection of these formulations upon the structure of the documentary models
produced between 1945-1999, and elaborated by those international institutions which
arose under the auspices of UNESCO.
4
Dedico este trabalho à Profa. Beatriz Ramos
Vasconcellos Coelho, a quem devemos todos os
esforços para a fundação do CECOR-UFMG e a
implementação de uma política de conservação,
restauração e preservação de bens culturais no
país.
5
OS DOMÍNIOS DA MEMÓRIA
6
Paganelli (ICCROM), Victoria Claire (GCI). Sou igualmente grata aos amigos,
os filósofos Bento Itamar Borges e Marcos César Seneda, pelas sugestões,
críticas e correções ao texto escrito.
Agradeço ainda à minha filha, Ieda Maria, pela sua paciência durante
as horas no computador, pela minha ausência e até mesmo pela minha
própria falta de paciência durante a construção do texto final. Ela foi gerada
justamente no início deste doutorado; assistiu à maior parte das disciplinas
cursadas ainda em meu ventre e, fora dele, acompanhou todas as etapas
vencidas.
Obrigada a minha mãe e meu irmão Bira, que nas idas e vindas destes
últimos anos sempre estiveram presentes.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................12
8
CAPÍTULO 5: UNESCO: a construção do discurso possível ..................171
5.1. Patrimônio Histórico ..........................................................183
5.2. Patrimônio Arqueológico ...................................................205
5.3. Patrimônio Arquitetônico ...................................................221
5.4. Bens Culturais Móveis .......................................................238
5.5. Patrimônio Subaquático ....................................................251
5.6. Patrimônio Natural.............................................................261
5.7. Patrimônio Cultural: tangível e intangível ..........................283
CONCLUSÃO .........................................................................................440
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................447
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1. De onde viemos, o que somos, para onde vamos? Paul Gauguin, Museum of
Fine Arts, Boston ,1897 (p.11).
2. Museus: O Salão Quadrado. Giuseppe Castiglione, Museu do Louvre, Paris,
1865 (p.49).
3. Conservação: Fun Magazine, 1877. Crédito: Frank Matero (p.88).
4. Arqueologia: Cairo. Crédito: Frank Matero (p.126).
5. UNESCO: Planta urbana com a localização da UNESCO, em Paris (p.171).
6. Patrimônio Histórico: A cidade de Tiradentes-MG. Crédito: Miguel Ahum
(p.183).
7. Patrimônio Arqueológico: Petroglifo da Praia da Joaquina-SC. Crédito:
Rodrigo Aguiar (p.206).
8. Patrimônio Arquitetônico: Construções Vernaculares. Crédito: Obede Borges
Faria (p.221).
9. Patrimônio Móvel: A Mulher Chocadeira (1962) – Antônio Poteiro-GO.
Crédito: Museu de Arte Popular (p.238).
10. Patrimônio Subaquático: Baía de Angra, 1999 (p.251).
11. Patrimônio Natural: O Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Crédito: Pedro
Martins (p.261).
12. Patrimônio Intangível: vinheta da UNESCO (p.283).
13. Patrimônio em Risco: Guerra – Budas de Bamyiam.
http://articles.cnn.com/2001-03-02/ (p.327).
14. International Banner of Peace (Roerich Movement flag) - Criado por Nicholas
Roerich (p.331)
15. The Blue Shield. http://portal.unesco.org/culture/en/ev.php
(p.333)
16. Patrimônio em Risco: Roubo – Ficha de identificação do IPHAN. (p.347).
10
1. De onde viemos, o que somos, para onde vamos?
1897 – Boston, Museum of Fine Arts
Paul Gauguin
11
INTRODUÇÃO
12
2. a hipótese de que as ações voltadas para a preservação do
patrimônio são desenvolvidas a partir de bases científicas e que essas bases
se manifestam sob a forma de uma linguagem acadêmica;
1
. A idéia de que a atividade científica é uma atividade social e a construção científica é
também uma construção social da realidade, além de não ser uma idéia assombrosa, só faz
sentido quando especificada (BOURDIEU, 1996, p. 87).
13
Toral (1995, p.9), o resultado de tal reflexão compactuava com a noção desta
área enquanto disciplina científica, uma vez que, devido à amplitude e
transcendência dos fenômenos que deveria explicar, não poderia ser
concebida de outra maneira. A Museografia, por seu lado, se relacionava
diretamente com a técnica a que se deveria recorrer para concretizar,
objetivamente, o pensamento e a mensagem do museu.
14
construção dos conceitos de Patrimônio Cultural e as noções que justificam
sua preservação.
15
adoção da Carta de Veneza – International Charter for the Conservation and
Restoration of Monuments and Sites (1964).
16
análise sociológica em um determinado ambiente específico – o meio
intelectual francês –, não foi considerado improvável redimensionar sua
estrutura de análise para um campo maior – a esfera internacional. Primeiro,
porque a criação destas instituições está vinculada aos conceitos
relacionados à valorização do Patrimônio Cultural produzidos no interior das
academias francesa, inglesa e, posteriormente, americana, instituições
localizadas nos países que se fortaleceram no período pós-guerra. Segundo,
porque habitus e campus são esferas que podem ser identificáveis nos
discursos levantados e operacionalizados no decorrer dos processos de
análise.
17
discordâncias entre esferas de conhecimento que buscam o mesmo caminho
– a preservação da cultura material –, mas que em determinados momentos
se contrapõem e se contradizem.
18
das instituições responsáveis pela unificação de determinadas classes; das
diretrizes às normalizações éticas, técnicas ou conceituais. Nesse momento,
cabe ressaltar que a escolha das grandes instituições é justificada pela
influência e representatividade que elas têm na formação das outras
instituições em todo mundo, além do próprio sentido histórico, com um
discurso mais elaborado e sedimentado, que assume certa correspondência
com as ações determinadas pelo IPHAN no contexto nacional.
19
O segundo capítulo aborda a formação do conceito de Museu, a
formação profissional voltada para esta área e o debate promovido no interior
do ICOM nos últimos anos. O terceiro capítulo procura compreender o
desenvolvimento e a formação da Ciência da Conservação e a ingerência do
ICCROM nessa área. Seguindo a mesma linha de apresentação, o quarto
capítulo aborda a construção do pensamento arqueológico e a ação do
ICOMOS enquanto órgão responsável pela proteção de sítios, monumentos e
centros históricos.
O quinto capítulo, mais longo do que todos os outros, não poderia ser
dividido, apesar de suas estruturas tópicas internas, mas apenas entendido
em sua continuidade: abarca a formulação das noções e a estruturação dos
atributos que definem os conceitos de Patrimônio Cultural; Patrimônio
Natural; Patrimônio Histórico; Patrimônio Arqueológico; Patrimônio
Arquitetônico; Patrimônio Subaquático e Bens Culturais Móveis. O sexto
capítulo, mais próximo da proposta de Cuéllar, pretende compreender a
formulação das políticas culturais, de acordo com as propostas de ações e as
intenções registradas nas fontes primárias levantadas.
20
A construção do conceito de patrimônio e dos critérios para sua
preservação é determinada pela prática e pelo saber desenvolvido no interior
das Ciências Humanas, transformando-se em epistémê e empiria –
conhecimento e ação. Michel Foucault, ao analisar a gênese das Ciências
Humanas em As palavras e as coisas (1995), mostra como a ciência moldou
seu vocabulário, fechou-se em compartimentos e desenvolveu seus hábitos
mais profundos; menos audacioso do que a obra de Foucault, nosso trabalho
pretender perceber como o conceito de patrimônio vem sendo moldado, qual
sua relação com as Ciências Humanas e a sociedade, quais seus limites e
suas projeções.
21
apenas um olhar sobre os domínios da memória, do poder que o passado
exerce tanto sobre leigos quanto sobre especialistas.
22
1. AS RAZÕES PRÁTICAS DA CIÊNCIA
23
desenvolver um léxico impreciso que mal se distingue do senso comum. Por
outro lado, a linguagem científica, muitas vezes, em busca de um pretenso
cientificismo, cai nas armadilhas de uma expressão forjada em um absoluto
obscurantismo, desconectada da realidade e sem respaldo empírico. A
necessidade de definição de conceitos, de estudos que não se limitem às
biografias individuais e de pesquisas que indiquem as diferenças reais que
separam tanto as estruturas quanto as disposições dos agentes em dados
espaços sociais e em tempos distintos, orienta o pesquisador a procurar
modelos não circunscritos nas singularidades individuais, mas voltados às
particularidades das histórias coletivas diferentes (BOURDIEU, p. 1996, 15).
24
uma rede de trocas de capital simbólico. A história da vida intelectual e artística
das sociedades européias revela-se por meio da história das transformações da
função do sistema de produção de bens simbólicos e da própria estrutura desses
bens, transformações correlatas à constituição progressiva de um campo intelectual
e artístico, ou seja, a autonomização progressiva do sistema de produção, circulação
e consumo de bens simbólicos.(BOURDIEU, 1974, p. 98).
2
. De acordo com Christian Descamps (1990), ultimamente, o meio intelectual francês tem
sido sistematicamente bombardeado por um tipo de produtor midiático, cujas obras buscam
apenas atingir o máximo de reconhecimento (vendas) perante o público.
25
elite intelectual de investigadores! Um tipo especial de pesquisador,
possuidor de um capital cultural específico! Ou então: Sou conservador!
Tenho a prerrogativa de tocar, restaurar e determinar as condições ideais de
conservar uma obra! E mais: Sou museólogo! Posso dispor, expor e compor
com os objetos da maneira que eu quiser! Apresento ao público o que antes
era de acesso restrito.3 Este espaço simbólico pode ser considerado como
um campus específico, onde se desenvolvem habitus distintos e distintivos.
3
. Ainda que estas colocações possam parecer arrogantes, em verdade, é a sede de
reconhecimento que norteia as especulações científicas, a ação cultural, as posturas
intelectuais, todas carregadas de um conteúdo simbólico proveniente do valor dado a um tipo
de capital específico: o capital cultural.
26
textos atemporais: ao analisar os modelos discursivos elaborados em torno
do conceito de preservação, compreendemos os paradigmas imputados ao
discurso, sem necessitar conhecer os nomes daqueles que o fizeram. Se a
análise dos fisiocratas faz parte dos mesmos discursos que a dos utilitaristas, não é
porque eles viveram na mesma época, não é porque eles se enfrentaram no interior
de uma mesma sociedade, não é porque seus interesses se confundem em uma
mesma economia, é porque as duas opções provinham de uma mesma e única
distribuição de pontos de escolha, de um único e mesmo campo estratégico
(FOUCAULT, 1971, p. 29).
27
desses campos específicos evidenciadas em seus discursos sobre como agir
em relação ao seu objeto de estudo e com relação aos seus pares.
4
. Toda teoria ou descoberta científica só tem sentido se vai além de seu universo
circunscrito; se for divulgada por meio do ensino, de publicações, de exposições. Caso
contrário, ela se perde em sua hermética singularidade. Não estamos sendo utilitaristas, mas
tentando perceber a reciprocidade entre as produções científicas e o universo social.
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Segundo Bourdieu, a verdade é um lugar de lutas. Evidenciadas nas
posturas, ações e tomadas de posições dentro e fora dos campi específicos,
estas lutas estão marcadas por posições de princípios legítimos e
legitimadores de visão e de divisão do mundo. Por meio da análise dos
códigos de ética de áreas correlatas, pode-se observar como e quando estes
conflitos são apresentados nos códigos individuais; de que maneira o
discurso relacionado à ação profissional manifesta os setores de intersecção,
confronto, convergência, lacunas, enfim, as regras normativas que, apesar de
voltadas para um mesmo objeto de estudo, são nominalmente diferentes.
Lembrar a dimensão social das estratégias científicas não é reduzir as
demonstrações científicas a simples exibicionismos retóricos; invocar o papel
simbólico como arma e alvo de lutas científicas não é transformar a busca do ganho
simbólico na finalidade ou na razão de ser únicas das condutas científicas; expor a
lógica agonística de funcionamento do campo científico não é ignorar que a
concorrência não exclui a complementaridade ou a cooperação e que, sob certas
condições, da concorrência e da competição é que podem surgir os controles e os
interesses de conhecimento que a visão ingênua registra sem se perguntar pelas
condições sociais de sua gênese (BOURDIEU, 1996, p. 86).
29
Paralelo à análise sistemática dos discursos selecionados, o estudo do
desenvolvimento e das correntes internas de cada organismo – ICOM,
ICOMOS e ICCROM – nos dará pistas para efetuar o confronto e a
correspondência entre os princípios balizadores dos discursos formulados,
indispensável ao tratamento comparativo dos sistemas propostos nessa
pesquisa. A partir dos questionamentos levantados nos tópicos anteriores,
evidencia-se a importância de se estabelecer um paralelo entre a evolução
do pensamento histórico filosófico no século XX e sua correspondência (ou
não) na formulação do pensamento das disciplinas voltadas para a
preservação, pesquisa e exposição da cultura material.
30
extroversão. O discurso preservacionista encontra-se presente em cada
organismo congregador, mas revela as diferenças elementares dos diversos
esquemas de abordagem. Ainda que ICOM, ICOMOS e ICCROM admitam
uma correspondência mútua, cada qual atua em um determinado sentido, a
partir das orientações sedimentadas no segmento ou campus determinante
em seu interior: não é por acaso que ICOM encontra nos museólogos a
maioria absoluta de seus membros; ICOMOS, arqueólogos e arquitetos; e
ICCROM, cientistas e técnicos restauradores e conservadores.
31
museológicas desestruturadas, desconexas e distantes do sentido contextual
– no tempo e no espaço – de suas formulações e princípios.
5
Professor na Universidade de Sorbonne – Paris.
32
Durante esses últimos anos, a filosofia abandonou a idéia de um
tribunal da história que julgaria, em última instância, a verdade da filosofia. A
este respeito, o trabalho de Michel Foucault é exemplar ao partir de uma
analogia para a verdade. Influenciado por Nietzsche, Foucault não propõe a
relação da verdade com as coisas, mas a maneira pela qual os discursos são
constituídos, investidos, com efeito, de verdade. Decifrar a história das idéias
não é tanto visar um estabelecimento do verdadeiro e sim perceber arranjos
que articulam jogos de verdade: o incluído e o excluído, o tolerado e o
intolerável.
33
uma mesma estrutura por meio de suas múltiplas encarnações históricas,
enquanto Foucault busca as mudanças, as rupturas que se instauram sob a
superfície (nos subterrâneos) da história. As diferenças evidentes entre
Foucault e Bourdieu, mais profundas e significativas, parecem inviabilizar a
presença deste sociólogo e daquele filósofo neste mesmo arcabouço
conceitual, porém, enquanto o primeiro nos fornece um esquema
metodológico passível de aplicação no meio social, o segundo nos fornece
pistas de como trabalhar além da superfície dos discursos, admitindo uma
investigação histórica de organizações voltadas para a preservação na esfera
global.
34
instância, pelos agentes culturais que controlam cada um destes processos,
sendo, portanto, processos passíveis de análise arqueológica, a partir do
método proposto na obra de Foucault.
35
1.2. Gerenciamento patrimonial e instituições
oficiais: apresentação do problema.
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No decorrer desta pesquisa, várias vezes foram questionadas sua
relevância ou sua direção. O último correio eletrônico do orientador deste
projeto perguntava-me: o que é preservar, para quê, por quê? Ninguém tem
respostas para essas questões e, o que é pior, ninguém consegue nem mesmo
formulá-las com clareza. Clareza de formulação já seria um ganho apreciável. Afinal,
o que está em jogo? Para que nos serve o passado? Como documento científico,
como monumento, para diversão pública, pela aura do antigo? Clareza de
formulação ou a identificação nos jogos de formulação atrás dos discursos
produzidos pode ser uma saída para pensar o sentido deste longo caminho,
nesta corrida contra o relógio. Seremos nós o Angelus Novus de Paul Klee
analisado por Walter Benjamin6, carregados pelo vento do progresso que nos
impulsiona de costas para o futuro, enquanto assistimos escandalizados aos
horrores das ruínas e dos destroços que produzimos? Sobre quais mãos
pairam os destinos e o sentido da preservação? Walter Benjamin, na sua
nona tese sobre a filosofia da história, afirma que o historiador volta as costas
a seu próprio tempo, e seu olhar visionário ilumina-se com o vislumbre dos
picos das montanhas das gerações anteriores, recuando cada vez mais
profundamente no passado (BENJAMIN, 1985, p. 226). A valorização do
passado e dos fragmentos deixados por ele seria uma maneira de se
esconder do tempo presente?
6
Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece
querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua
boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está
dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma
catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés.
Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade
sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las.
Esta tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto
o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso
(BENJAMIN, 1985, p.226).
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em acreditar que a preservação depende única e exclusivamente dos
avanços laboratoriais, das ciências exatas – como a química, a física ou a
biologia – e dos equipamentos sofisticados. Nada é possível sem a
consciência do sentido da preservação, sem a educação, sem o debate
amplo e sincero (Let's be honest!) sobre nossos limites e possibilidades e,
principalmente, sem o envolvimento da sociedade como um todo. A
preservação, a exposição, a pesquisa ou o restauro de bens culturais não
devem ser feitos apenas para o deleite, o exercício criativo, investigativo ou a
afirmação do ego de cientistas e homens cultos. Afinal, é a sociedade civil
que paga este trabalho e ela deveria ser a primeira a se beneficiar com a
preservação de seus bens. Assim, é fundamental compreender que o sentido
da preservação perpassa questões profundas, subordinadas aos conceitos
de valor, poder político e econômico. No entanto, a ordem primeira que
orienta os debates institucionais é o princípio ético sob o qual estão
sedimentadas a origem, as bases e as intenções ou os fins a que se
propõem essas instituições: são os regimentos internos, as cartas de
intenções, os códigos éticos que conformam os princípios balizadores que
norteiam as ações preservacionistas.
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das prováveis degradações provocadas por uma outra guerra; a Carta de
Veneza (1964), após uma inundação sem precedentes. O conceito moderno
de Conservação e Restauro provém da reunião de 1930 acima citada,
quando intelectuais, cientistas e agentes governamentais compreendem o
perigo das intervenções inadequadas e da necessidade de critérios mais
rígidos, dado o montante de restaurações nos anos após a Guerra. A
preocupação com a perda substancial de monumentos e obras artísticas nos
momentos de desastres naturais e ações humanas não é matéria do século
XX. Burckhardt afirma, sobre a guerra de 1870 e suas ameaças: lo más
ominoso no es para mi la presente guerra, sino la era de guerras en que entramos y
la consecuente adaptación del espíritu. Cuánto, cuánto de lo que han amado los
hombres cultos habrá que tirar por la borda a título de mero lujo espiritual...
Piénsese sólo en la cantidad de literatura que vá a se quedar destruida...De todas
las quejas que pueden formularse contra el destino las más justas de todas son,
indudablemente, las que versan sobre la destrucción de las grandes obras de arte y
la poesía (BURCKHARDT, 1943, p. 14).
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Seria ingenuidade, porém, acreditar que esses organismos encontram-
se comprometidos apenas com ideais humanistas voltados para a
preservação da cultura, uma vez que o mundo das artes e das antigüidades
envolve transações financeiras complexas e vultuosas. Além do mais, não
apenas o mercado das artes determina, no mundo moderno, a valorização da
cultura material: a manutenção de museus, sítios históricos e arqueológicos
resulta, em grande parte, do afluxo turístico e da própria importância
imputada pelo público, pela mídia e até mesmo pelos cientistas àquele lugar
sagrado da cultura. No entanto, são esses organismos que auxiliam e
orientam os profissionais que se dedicam à preservação de acervos, atuando
tanto no âmbito nacional, quanto no âmbito internacional.
40
acerca da formulação dos conceitos de patrimônio e de preservação, matéria-
prima desta investigação, torna possível identificar quais são os parâmetros
que, em última instância, determinam para onde devem ser destinadas as
verbas e concentrados os esforços preservacionistas, além do significado
econômico proveniente deste termo – Patrimônio Cultural –, atraindo turismo
e pesquisa. É importante lembrar que a Ciência da Conservação dos bens
culturais submete-se a necessidades crescentes e recursos limitados: cada
vez mais as restrições econômicas limitam nosso sentimento de querer tudo
preservar e dar igual peso, valor e, portanto, dispensa de recursos e
esforços. O conceito de seleção e a noção de fixação de prioridades vêm
tomando conta das instituições nos processos decisórios e estas decisões
são, antes de tudo, uma práxis política, que envolve racionalidade e
planejamento, como também resultado de uma formulação conceitual,
abarcando os conceitos de valor e validade em relação aos bens culturais.
41
nunca, o ICOM tem se preocupado com os países do terceiro mundo,
incentivando nesses países a prática museológica;
42
related to cultural heritage during the second half of this century: the Council of
Europe (as an intergovernmental body), The Getty Conservation Institute, the Aga
Khan Trust for Culture, the International Foundation of Landscape Architects (IFLA),
the World Monuments Fund, and many others at regional and sub-regional levels,
such as Europa Nostra. All of these organizations faced the challenge of preserving
the values of the past in a changing world in which heritage is often at risk. The main
achievement of these international organizations, according to historians, would
certainly be the raising of international concern. (BOUCHENAKI, 1999, s.p.).
43
balizam suas práticas, formulando e divulgando seus códigos profissionais.
Contudo, nem sempre suas ações efetivas procuram respaldar-se nesses
códigos e, muitas vezes, eles não se ajustam à sociedade multicultural de
nossos dias. O primeiro organismo a promover um debate ao nível
internacional sobre as questões éticas de preservação foi o Comitê de
Conservação do ICOM, em 1986. Recentemente, a ECCO – European
Confederation of Conservator-Restorer –, publicou Professional Guidelines
(1994), com o intuito de sistematizar, unificar e definir os princípios básicos
da atuação de conservadores e restauradores. Ambas instituições
compartilham a opinião de que o termo “conservador” abarca a ação de
conservar e restaurar, uma vez que a tendência atual demonstra que a
Ciência da Conservação envolve ações mais amplas, incluindo a intervenção
de Restauração. No entanto, cabe uma pergunta: Are these documents
applicable world wide, or is a different international code of ethics required for those
conservators working in countries which do not have a national code of ethics?
(PEARSON, 1995, p. 18).
44
acentuando o caráter nacional tanto legal, quanto da própria dinâmica de
suas instituições.
45
Uma política conservacionista perante os artefatos significa, a longo
prazo, assegurar o potencial de investigação desses objetos, uma vez que se
preocupa em manter sua integridade material. Pareciera que la primera ley de la
arqueología es que a toda excavación le sigue una entropía o caos, de tal manera
que es fundamental que las sociedades de arqueología tengan un papel
supervisador mucho más activo en el control y administración de los recursos
arqueológicos (ARRIAZA & CASSMAN, 1987, p. 12). Neste mesmo texto, os
autores advertem sobre a necessidade de incluir nos currículos das
disciplinas relacionadas com o estudo do passado as cadeiras de manejo de
coleções e princípios básicos de Conservação Preventiva. Desta forma, as
novas gerações poderiam ser orientadas a proteger o patrimônio estudado –
arqueológico ou não –, percebendo-o globalmente, tanto em seus aspectos
materiais quanto conceituais.
46
processo de degradação das fibras? Por sua vez, quantas vezes o
conservador/restaurador de acervos arqueológicos trabalha com elementos
simbólicos e sagrados: ossos humanos, representações de divindades e
objetos de culto?
47
apoio político para a conservação e a preservação de bens culturais
dependerá de uma maior consciência pública de sua necessidade. As ações
internacionais, respaldadas em conceitos, critérios, parâmetros e métodos de
lidar com o patrimônio cultural, impõem uma nova postura àqueles que
trabalham com os bens culturais e com a própria noção de cultura.
48
2. MUSEUS E MUSEOLOGIA
Giuseppe Castiglione
2. O Salão Quadrado, 1865, Museu do Louvre
Créditos: Museu do Louvre – Paris
http://www.louvre.fr/espanol.htm
49
Para compreendermos o sentido da fundação de organismos que
aglutinem profissionais ligados aos museus, é importante conhecer as
origens e o processo construtivo desse tipo de instituição. Tanto quanto na
origem da arqueologia ou da conservação, a linha tênue que separa a prática
amadorística da atividade profissional dos agentes culturais se define por
uma necessidade inexplicável de o homem retornar ao seu passado para
procurar referências, compreender sua história, justificar suas práticas,
embasar seus discursos, construir seu universo mental.
7
As Musas, filhas de Júpiter e Mnemósine, eram as deusas das artes e da memória. Em
número de nove, tinham a musas a seu encargo, cada uma separadamente, um ramo
especial da literatura, da ciência e das artes: Calíope era a musa da poesia épica; Clio, da
História; Euterpe, da poesia lírica; Melpône, da tragédia; Terpsícore, da dança e do canto;
Érato, da poesia erótica; Polínia, da poesia sacra; Urânia, da astronomia e Tália, da comédia
(BULFINCH, 1998, p. 15).
50
tutela do Estado. Os atuais museus devem o seu nome aos antigos templos das
Musas. Todavia, o mais famoso de entre estes, o Museu de Alexandria, não o era
por causa das coleções de objetos; tornou-se famoso graças à sua biblioteca e à
equipe de sábios que aí viviam em comunidade (POMIAN, 1984, p. 56).
51
de los templos fueron en Grecia los primeros depósitos de obras de arte que se
visitaban pagando un óbolo al sacristán, déspues de haber hecho sus devociones
ante la divindad local (BAZIN, 1969, p. 14).
8
A palavra tesoureiro, guardião de tesouro, advém do mesmo termo latino thesaurus, reunião
de objetos de valor, o aurum (ouro).
9
Os peregrino, que eram ao mesmo tempo turistas, iam aos templos não só para rezar, mas
também para admirar os objetos, e toda uma literatura, cujo exemplo mais conhecido é a obra
de Pausânia, se aplicava em descrever os exemplares mais notáveis, os que se distinguiam
pelo material, dimensões, dificuldade de execução, circunstâncias extraordinárias em que
tinham sido depositados no templo ou por outros traços que o tornavam fora do comum
(POMIAN, 1984, p.57).
52
formados a partir da iniciativa privada e gerenciados pelo aeditus, um
conservador/inventarista nomeado pelo patronus daquela coleção específica.
Em 162 d.C, um édito do Senado Romano decretava que a Coluna Trajana
jamais deveria ser destruída ou mutilada, sendo este édito considerado uma
das primeiras medidas em forma de lei que se orientava à preservação de um
monumento histórico (BAZIN, 1969, p. 41).
10
. A origem do conceito de relíquia é anterior ao cristianismo: de acordo com Pomian (1984:
54), Pausânidas descreve estes objetos a partir da dimensão mágica que ele adquire ao ter
estado em contato com um deus ou um herói, ou então que signifique um vestígio de
qualquer grande acontecimento mítico. Cooptado pela tradição cristã, o conceito sai da esfera
da cultura pan-helênica para a cultura cristã: os testemunhos materiais dos deuses e santos
são substituídos pelos apóstolos, santos, mártires e pelo próprio Cristo.
53
das vias comerciais do Mediterrâneo ao mundo ocidental através dos canais
de Veneza, Gênova e Pisa. A reativação do comércio no Mar Mediterrâneo
incrementou o intercâmbio e a mobilidade de obras de arte na Europa
Ocidental.
11
. Artes e antigüidades sempre significaram símbolos de poder – mágico ou real – e de
riqueza, e, portanto, de doutrinação ideológica. O resgate da arte românica no final da Idade
Média consistiria, acima de tudo, no resgate da cultura ocidental em contraposição à cultura
oriental difundida pelo Islã.
54
artefatos, aproximando, portanto, a Arqueologia, a Restauração e a
Museologia, antes de elas próprias se firmarem enquanto disciplinas
especializadas e antes mesmo que percebessem sua interdisciplinaridade.
55
As coleções são apenas um mecanismo de comunicação entre dois
mundos, a unidade e o universo. A gênese deste significado – a necessidade
de comunicar – se perpetua na compreensão contemporânea das relações
entre as coleções, os objetos, os monumentos e a sociedade: nada que
sobrevive, que ainda está vivo, pode ser tratado impassivelmente. Temos de ser ou
insensíveis, inconscientes, ou ambos a fim de assumir objetividade para com as
obras de arte. Não podemos deixar de ser atraídos ou repelidos por elas, de senti-
las como forças com as quais agimos como amigos ou evitamos como outras
criaturas vivas. Tudo que tem vida e enquanto retém vida possui capacidade de
fazer bem ou mal, que não podemos e não devemos ignorar (BERENSON, 1947,
p.47).
12
Com efeito, os vestígios da Antigüidade tiveram durante séculos o caráter de desperdício:
salvo as peças excepcionais que, tidas em geral por relíquias, encontraram abrigo nos
tesouros das igrejas ou dos príncipes, estes vestígios não tinham significado nem utilidade e
não circulavam entre os homens, que não os procuravam. Adquirem um significado a partir do
momento em que são relacionados com os textos provenientes da Antigüidade, dos quais
devem tornar possível a compreensão (POMIAN, 1984, p.76).
56
dessas famílias se fizeram promotores do humanismo, protegendo artistas,
filósofos e cientistas, a natureza de suas fortunas provinha, geralmente, da
prática comercial, de transações bancárias e da própria tirania de alguns
pequenos déspotas do século XV (BURCKHARDT, 1943).
57
obras dos santuários gregos e romanos era feito por um sacerdote ou um
auditor público, o Renascimento inaugura a tradição de nomear artistas de
fama reconhecida para a conservação, restauração e expertise de suas
coleções. Donatello é nomeado por Cosme, o Velho, para cuidar dos acervos
de sua família; Michelangelo, pelo papa Júlio II; Leornando da Vinci é
cooptado por Francisco I, da França e Rafael, por Leão X13. Os inventários da
família dos Médicis apresentam registros desde 1456, quando Pedro de
Médici resgata as anotações de seus antepassados. Com Cosme e Lorenzo
de Médicis, o patrimônio familiar – em obras de arte e antigüidades – se
amplia em projeções consideráveis. Por esse período, o termo “museu”
reaparece para designar a coleção de livros raros e gemas, em um dos
últimos inventários – a partir da morte de Lorenzo, em 1492 –, como museo
dei codici e cimeli artistici. Com a expulsão dos Medicis de Florença pelos
franceses e o saque de seus palácios, além da retomada da tradição dos
príncipes colecionistas, também se retoma o exercício dos espólios de guerra
e o processo de translado das coleções de um lado para outro da Europa
(BAZIN, 1989, p. 59-73).
13
. Em relação a Donatello, Germain Bazin afirmar que Cosme, o Velho o contratou, enquanto
Luiza Becherucci, citada por Guarnieri (1989: 9), afirma que Lourenço, o magnífico foi o
contratante. De qualquer modo, ambos pertenciam à família Médici e promoveram o
inventário de seu acervo.
58
inteiras fossem parar nas mãos de colecionadores particulares de toda
Europa.
59
Leão X, sucessor de Júlio II, procurou organizar de maneira mais
racional a conservação dos monumentos e o resgate das antigüidades,
nomeando Rafael – o grande pintor do Renascimento – como
superintendente das antigüidades de Roma, colocando sob sua direção os
museus do Capitólio e do Vaticano, como também o programa de
preservação e de escavações dos monumentos antigos. Rafael teria por
tarefa supervisionar os trabalhos dos funcionários contratados para guardar,
inventariar e restaurar as coleções da igreja, como também manter o papa
informado, através de relatos detalhados, sobre os resgates das artes
clássicas. Sabba de Castiglioni, nobre milanês que morreu em 1554,
escreveu em suas memórias (Ricordi), que um nobre ou cavalheiro deve
cuidar do ornamento de sua casa, tendo diversos gabinetes para abrigar
instrumentos musicais; esculturas antigas; medalhas ou moedas antigas;
retratos e tapeçarias, além de obras de mestres como Donatello,
Michelangelo, Mantegna, Bellini.
60
No século XVI, a Itália foi a grande promotora da valorização da arte e
da cultura. Porém, no século XVII, com o crescimento econômico do norte da
Europa – principalmente Flandres, os portos de Antuérpia e Amsterdã –, o
eixo de comercialização e divulgação das artes desloca para além do
Mediterrâneo. Durante esse período, o comércio de arte se organiza e se
regulamenta através de associações, como o grêmio de São Lucas.
Marchands ou mercadores são contratados a peso de ouro para comprar
obras específicas, adquirir coleções inteiras e farejar desastres familiares ou
regionais que faziam deslocar fortunas de uma para outra mão; a figura do
colecionador, como hoje, não se expunha no comércio das artes. Como o
comércio de relíquias da Idade Média gerou toneladas de fragmentos da cruz
de Cristo, o interesse pelas antigüidades gerou o aparecimento das cópias e
das falsificações. Houve quem preferisse uma boa cópia a um mau original,
porém o elevado número de falsificações fez com que se duvidasse de
muitas coleções originais.
61
as pode obter comprando em hasta pública, primeiro local e depois internacional
(POMIAN, 1984, p. 80).
62
A racionalização museológica se traduz em forma de organizar e
classificar as coleções durante todo esse período. No século XVIII, também
aparecem novos métodos de restauração e conservação: com o
desenvolvimento da arqueologia14 – levando a um maior respeito ao
documento original – e o intercâmbio constante de óleos sobre tela –
provocando danos consideráveis devido ao transporte e às mudanças
climáticas, os tratamentos tornam-se mais complexos: los cuidados que
requieren los cuadros son entonces objeto de estudios minuciosos y de consulta a
los expertos, antes de confiarlos a los operarios. En Francia, se solicita el consejo de
la Academia de Pintura y de Escultura (BAZIN, 1969, p. 118). Como nos tempos
atuais, as intervenções e os métodos de tratamento suscitam polêmicas:
processos radicais, como o reentelamento, as transposições pictóricas da
madeira para o tecido e o escalpelo de pinturas murais são questionados
pelo próprio metiér e pelos especialistas que atuam na área.
14
. Durante o século XVIII, o progresso do estudo arqueológico deu lugar à fundação de
sociedades culturais que organizavam escavações e com os objetos encontrados formavam
museus.
63
criada pelo Parlamento inglês – o British Museum – em cujos estatutos se
afirma enquanto um estabelecimento nacional, fundado pelo Parlamento,
destinado principalmente aos eruditos e estudiosos ingleses e estrangeiros,
para ajudar-lhes em suas investigações em todos os campos de
conhecimento (Regulamento do Ashmolean Museum of Oxford, apud BAZIN,
1969, p. 145).
64
em 1795, assumem o papel da revalorização dos acervos franceses que,
anteriormente, eram os símbolos do poder do Antigo Regime. Contraditório
ou não, os museus públicos franceses resgatam a história da França e o
próprio Michelet afirma que são nesses museus, como em nenhum outro
lugar, onde se pode sentir a verdadeira intuição da história (BAZIN, 1969, p.
44).
65
Museologia e seu conteúdo científico, muitas vezes prejudicada pela adoção de
critérios positivistas (GUARNIERI, 1989, p. 9).
66
dos agentes culturais quanto do público leigo, de que os museus existem
para servir à sociedade.
67
2.2. ICOM: um conselho internacional de museus
e seus reflexos
68
após a UNESCO, que desempenhou um papel fundamental nas
transformações do papel e da função dos museus na sociedade
contemporânea. Scattered over the five continents, there are many museums
which are breaking new ground, in an effort to prove that the museum is not
necessarily an obsolete, elitist institution and that it has an essential part to play in
the world today and tomorrow, escreveu Kenneth Hudson em 1977, no relatório
Museums for the 1980s.
15
. Museólogos de 53 países compareceram, mas ainda não existe nenhum documento
oficial dos Estados enquanto subordinação às decisões tomadas pelo Conselho.
69
questões voltadas para a educação, treinamento profissional e formação da
disciplina Museológica: a I Conferência Geral realizada entre 28 de junho a
03 de julho de 1948 criou vinte comitês de estudos específicos. Nesse
mesmo ano, o Prof. Leroi-Gourhan iniciou um levantamento técnico legal
sobre o mecanismo de troca de obras entre museus, levado a cabo em 1976,
através da XIX Seção da Conferência Geral da UNESCO em Nairobi, com a
homologação do documento Recommendation Concerning the Exchange of
Cultural Property.
70
de uma discussão aberta e ampla – em nível internacional – sobre o papel
educacional dos museus: as ações voltadas para a interação entre público e
instituições geram uma série de eventos, inclusive formulação de uma data
comemorativa – 18 de maio –, estabelecida em 1977, como o Dia
Internacional dos Museus.
71
Chile, criaram comissões aglutinantes de temas específicos, com o intuito de
viabilizar pesquisas e concentrar esforços.
72
denominado International regulations on the most effective means of
rendering museums accessible to everyone (1958), que se torna
recomendação em 1960: Recommendation on Participation by the People at
Large in Cultural Life and their contribution to it.
73
integrada – ICOM e UNESCO – o ICCROM, International Centre for the Study
of the Preservation and Restoration of Cultural Property, em Roma. Esta
instituição originou-se a partir da necessidade de um organismo que fosse
mais voltado para os aspectos técnicos e científicos da preservação – a
conservação e o restauro –, tornando-se parceira de trabalhos, simpósios e
demais atividades das outras duas. Gradativamente, ICOM e ICCROM,
parecem se afastar no campus das idéias e nas atitudes, decisões, objetivos
– o habitus – que engendram suas ações. A VII Conferência Geral, em 1965,
tratou justamente do tema Training of Museum Personnel, dando maior
ênfase às montagens de exposições, aos aspectos educacionais,
documentação e intercâmbio. Nesta conferência, o quarto presidente do
ICOM, Dr. Arthur van Schendel, diretor do Rijksmuseum de Amsterdã,
assumiu o cargo.
74
vezes em uma série de artigos de diferentes periódicos (Desvalles, Jahn, Ramoevic,
van Mensch, Razgon, Russio, Sola, Stransky, Swiecimski) (MENSCH, 1994: 2-3).
75
concentração consciente de nossa atenção nas bases metateóricas da Museologia,
torna-se, hoje, uma necessidade urgente. Esta é favorecida pelos esforços atuais
para o desenvolvimento de uma ciência das ciências e mais: a Museologia apóia-se
sobre uma base teórica do ponto de vista gnosiológico e metodológico, pois só
assim ela pode cumprir sua missão, não apenas em relação à prática museal mas
também, dentro do próprio sistema da ciência (GUARNIERI, 1989, p. 10).
76
educacional. A IX Conferência Geral, de 1971, escolhe como presidente o
tcheco Dr. Jan Jelinek, o mesmo que orientou os trabalhos do encontro
realizado em Brno, em 1967, e que demarcou as primeiras discussões sobre
o reconhecimento da Museologia enquanto disciplina científica. Durante seu
mandato, de 1971 a 1977, os esforços do ICOM concentraram-se na
formação profissional e no estabelecimento de contatos com universidades
européias para a promoção e a fixação da Museologia no campo da ciência.
No encontro de 1971, os grupos de trabalho reunidos discutem modificações
substancias em relação ao conteúdo e à forma da cooperação internacional
entre museus: revisão dos Estatutos e da definição de museu, afirmação da
importância do meio ambiente na vocação dos museus, surgimento da dimensão
política no conceito de museu, etc. Em Grenoble, a intervenção de Mário Vasquez,
do México, questionando o papel do museu na sociedade, provocou sensação
(VARINE, 1995, p. 17).
77
ditadura militar e a representatividade da esquerda em organismos
internacionais não seria bem vista. Nesse encontro, em 1972, ocorreu em
Santiago uma oficina latino-americana que estabeleceu uma declaração de
princípios sob bases sociais: a Declaração de Santiago.
78
Aspects of the International Art Trade, organizado pela Faculdade de Direito
da Universidade de Genebra.
79
relação específica do homem com a realidade, formulado por Stransky no
final dos anos setenta e início dos oitenta.
80
a perspectiva para uma abordagem centrada na socialização do
conhecimento através da difusão científica, cultural e educacional. Essa
abordagem, difundida no Brasil pela escola seguidora de Waldisa Russio
Guarnieri, influenciou vários museólogos como Marcelo Araújo, Heloísa
Barbuy e Cristina Bruno. No texto de Mensch (1994: 12), o autor cita Judith
Sielbauer: se a museologia é o estudo e a compreensão do processo de
preservação ativa e integrada ao invés do estudo da instituição museu em si, novas
possibilidades surgem. Em tal conceito de museologia, o termo ativo expressa a
interação dinâmica e contínua entre o indivíduo/público/comunidade e a
evidência/informação/compreensão disponível dentro de um espaço museológico
específico.
81
treinamento especializado ou experiência prática equivalente em qualquer
campo pertinente para a gerência e operação de museu, o Artigo 1, §1, e
vários outros textos inseridos no documento sobrevalorizam a disciplina
museológica, no que diz respeito ao gerenciamento operacional das demais
atividades dentro de um Museu: quando coloca como objetivo do ICOM fazer
progredir e disseminar o conhecimento em Museologia e outras disciplinas
que tratam de gerência e operações de museu, o discurso possibilita uma
leitura quanto à hierarquização das áreas. No entanto, o documento oferece
vários avanços: coloca em evidência a figura do Diretor e cobra dele uma
ação consciente, discute o problema dos estatutos e da ética institucional,
coloca que as ações de extroversão – apresentações, exposições e
atividades especiais – não devem por em risco o acervo, discute políticas de
aquisição, coleta e cooperação entre instituições, depõe a favor da
necessidade de profissionais qualificados nas áreas de Documentação,
Museologia e Conservação.Traduzido e difundido na América Latina, tem
contribuído sobremaneira na organização de várias ações: a criação do
Conselho de Museus da Universidade de São Paulo, em 1996, pautou-se por
algumas questões levantadas nesse documento. Falta, ainda, uma
divulgação maior, revisões e um posicionamento mais amplo de todos os
profissionais. Em 1989, a inclusão do espanhol enquanto linguagem de
trabalho das publicações internas facilitou o acesso desse e de outros
documentos aos países em desenvolvimento16. Museu, Museologia,
Formação Profissional e Estatuto do Museólogo são, sem dúvida, temas
interligados; mas a formação e a profissão serão tanto mais respeitadas
quanto resultantes de uma convalidação social, afirma Waldisa Russio
Guarnieri (1989, p. 10). Esse reconhecimento depende tanto da ética, quanto
do direcionamento das ações desses profissionais: se distantes do social,
distantes estarão da sociedade.
16
During the 71st session of Executive Council in Paris, France, an Ethics Committee is
created. It studies various problems related to professional ethics and decides to encourage
translations of the ICOM Code of Professional Ethics guaranteeing ICOM´s moral authority
(ICOM CHRONOLOGY – 1946-1996, 1996, p.8).
82
Os anos noventa marcam esse processo de democratização do ICOM
com a abertura e o acesso de seus documentos nas páginas da internet;
publicações de custo acessível e em vários idiomas – Inglês, Francês e
Espanhol; três encontros em países africanos – Benin, Togo e Ghana – e a
criação de um Programa para a África (AFRICOM), com o objetivo de
desenvolver intercâmbios e estreitar os laços entre profissionais de museus
africanos. Nessa década, parece haver uma atenção aos países latino-
americanos, africanos e asiáticos, em uma tentativa de busca da
democratização dos trabalhos. Em 1980, é publicada em espanhol uma
edição do Museum Security Handbook e a XII Conferência Geral realizada no
México estabelece o documento: The Word's Heritage – The Museum's
Responsability, traduzido em vários idiomas, inclusive para o árabe. A
proposta democratizante do ICOM propicia que em 1989, Alpha Oumar
Konaré (Mali-África), suceda Geoffrey Lewis (UK) como o oitavo presidente
do ICOM.
83
1985, como resultado da Declaração de Quebec (1984), profissionais de
museus, principalmente aqueles vinculados à extroversão e à educação,
buscam uma nova prática museológica a partir do envolvimento das
comunidades locais na estruturação dos conceitos de identidade, ação e
cidadania na construção de espaço de museu dinâmico e fortemente
ancorado em questões de ordem política e social. Grandes museus, a maior
parte localizados nos países industrializados e ricos, não conseguem se
libertar da camisa de força de suas exposições de obras-mestras, de valor
artístico ou histórico, voltadas para um turismo cultural baseado no senso
comum e sedimentadas sobre as bases da Museologia tradicional; é nos
bairros pobres e nas comunidades excluídas que as ações da Nova
Museologia parecem ser mais efetivas e dinâmicas, pois partem das
necessidades internas de seus construtores.
84
Ampliando esse debate, a XVII Conferência Geral realizada em 1995
na Noruega, consciente da fragilidade das relações na esfera global – as
comunidades excluídas de regiões subdesenvolvidas e os problemas
relativos aos países ricos (como áreas nucleares) – adotou seis diretrizes:
85
A biografia institucional publicada pelo ICOM em 1997 e a leitura das
cópias dos documentos originais solicitados à instituição, forneceu os dados
para a construção deste tópico específico. Os últimos anos do século XX
parecem preparar o ICOM para redirecionar seu olhar para o outro lado do
mundo: tendo contemplado a Europa nos seus primórdios, a África e a Ásia
nas últimas gestões, tudo indica que a próxima presidência geral virá de um
país latino-americano. A publicação da série One Hundred Missing Objects –
Latin America; o encontro dos Museus das Américas em 1998, cujo tema
concentrou-se na questão dos Museus e Comunidades Auto-sustentáveis, e
o encontro realizado na Argentina em 1986, do qual saiu o Código de Ética
Profissional do ICOM, são indícios significativos.
86
elaboração de estatutos e regimentos internos pautados por orientações
coerentes.
87
3. Ciência da Conservação e Restauro
www.getty.edu/conservation/resources/newsletter/15
88
3.1. Das origens à era contemporânea
89
A partir do século XIX, quando as grandes coleções públicas são
formadas, é que os profissionais dessa área se vêem confrontados com uma
nova responsabilidade perante os museus. Nesse momento, a linha limítrofe
que separava a criatividade do artista e a atitude do restaurador começa ser
mais bem demarcada: o respeito estético e com relação à originalidade da
obra passa a ser uma bandeira dos profissionais mais sérios. It was then that
progress began in the restorer's practice as a craftsman. This remained,
nonetheless, quite empirical, for no-one but the restorer knew the nature of the
precious material which had to be conserved without losing the attraction of its
appearance (COREMANS, Paul. 1969, p. 10). A proliferação de museus públicos,
baseados no modelo Francês, e sua administração por especialistas
determinaram uma nova postura dos restauradores em relação a essas
coleções.
90
as work of art. Alois Riegl terms the aesthetic significance of a work of art its artistic
value and the documentary importance its historical value (RUSKIN, 1994, p. 42).
91
que o respeito ao original e os critérios de seleção a partir da noção de valor
são anunciados. O texto de Riegl – além das obras de Bereson, Panofsky,
Wöllflin, Gombrich – alerta para a indispensabilidade do
conservador/restaurador conhecer História, principalmente História da Arte,
para evitar erros, excessos e ações que danifiquem a qualidade estética ou
documental dos monumentos cultuados. Ao contrário de Riegl, Marijnissen
(1996) considera o culto ao monumento como uma relação construída a partir
do Renascimento:
17
It suffices recall that in 1515 Pope Leo X issued a papal brief that empowered Raphael to
intercede in the destruction of ancient marbles, usually aimed at obtaining lime and recovering
precious building material, largely for the new workshops of St. Peters’s Basilica. The
destruction was particularly intense at the time, especially in the Roman Forum (VACCARO,
1996, p.265).
18
O processo de “envelhecimento” do verniz determina a mudança de sua aparência e
condição física, ocorrendo por reações químicas, produto de sua foto-sensibilidade e que
podem gerar alterações estruturais por polimerização ou formação de cross-linkings.
92
uso histórico constituem um tema recentemente introduzido no debate da
área: conservadores, que durante muito tempo concentraram-se apenas nos
problemas relativos à proteção que os vernizes podem fornecer ou à
longevidade que possuem, começam a questionar o significado estético que
proporcionam ou conferiram no passado às obras sobre as quais foram
aplicados, ou seja, a intenção visual original. The recent acrimonious
controversies on the cleaning of pictures has done nothing more than paralyze the
position taken up by upholders of radical cleaning and the partisans of patina.
Unfortunately, once a picture has been totally cleaned, when nothing survives but the
layer of paint in full impasto, it is impossible to judge whether glazes have really been
removed, whether there still existed at least patches of old varnish, and finally
whether the patina, even if dark, was not preferable to the raw, brutal surface of paint
laid bare by the cleaning (BRANDI, 1996, p. 380). Este fragmento do texto de
Cesare Brandi, publicado em 1949 no Burlington Magazine sob o título The
Cleaning of Pictures in Relation to Patina, Varnish, and Glazes, nos fornece a
complexidade da Ciência da Conservação, oscilando entre as ciências exatas
e as ciências humanas em relação aos processos de construção teórica e
atividade prática.
93
com que Stephen Bann cruzasse a percepção de Riegl com a de Nietzsche
da apropriação do passado (e de suas marcas) a partir da perspectiva do
relacionamento social com seus vestígios e do valor que adquiriam em si – as
complexas atitudes mentais do homem em relação ao passado cristalizada
no culto de seus testemunhos –, o que Riegl chamou de “percepção
sensorial” e Nietzsche de “um ar bolorento”. A “tábua entalhada” e o “seio
descoberto” a que Bann se refere fazem parte de sua análise em relação à
representação de Clio, o passado enquanto racionalidade científica ou
existência mítica que permeia o imaginário popular. Não se trata de justificar
as atitudes equivocadas daqueles que recobriram obras de arte e antigüidade
com toda uma sorte de preparados para lhes dar uma aparência envelhecida;
mas perceber que esta atitude advém de uma matriz histórica que cultua os
vestígios do passado pelo seu valor histórico superficial – sua camada de
verniz envelhecido – e não pela sua relação com a sociedade.
94
Nesse contexto específico do culto ao passado, a Ciência da
Conservação é uma maneira diversa de se relacionar com o patrimônio
cultural: no momento em que a materialidade do objeto torna-se
preponderante na operação técnica, a “aura”19 do passado dilui-se, sem que,
no entanto se perca sua emulação; do mesmo modo que ao operar um
paciente, nesse momento preciso o médico esquece do valor da vida ou da
importância do indivíduo, para se concentrar apenas na estrutura físico-
química do sangue, músculos e ossos. O conceito moderno de conservação
e sua inscrição no campo científico, assim como a Museologia e a
Arqueologia, são estruturas relativamente recentes. Desde o final do século
XIX e início do século XX, as bases teóricas sob as quais estão
sedimentadas a teoria e a prática da Ciência da Conservação estão
formalizadas: Cesare Brandi escreveu, na última década de cinqüenta, uma
série de obras relacionadas à teoria da restauração, imputando à disciplina
um vocabulário teórico metodológico próprio, ainda que apoiado em outras
áreas do conhecimento. Desde Brandi, o restaurador deixa de ser visto
simplesmente como o técnico ou o artista que executa reparos em obras de
arte e antigüidade, mas como um cientista que deve se apoiar na pesquisa
científica para atuar sobre a matéria, além de desenvolver critérios éticos,
apoiados na Estética e na História; na Antropologia e na Etnologia; bem
como no Direito. Um dos primeiros textos que servem como base, ainda hoje,
ao campo e que orientou vários documentos produzidos pela UNESCO de
acordo com os critérios apresentados foi Teoria Del Restauro, publicado em
1963, em Roma.
19
Para Benjamin, a noção e “aura” está relacionada ao distanciamento entre o que é
observado e o observador, sendo que este distanciamento permite a fruição de uma
sensação mística em relação ao observado: (a aura) é uma figura singular, composta de
elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que
ela esteja. Benjamin cita Riegl, que parece ter influenciado seu texto e afirma a destruição da
aura a partir da proximidade que o capitalismo impõe para com tudo – sagrado ou profano – a
partir de uma relação de consumo (BENJAMIN, 1985, p. 194).
95
todas as incursões práticas ou pesquisas de suporte técnico adjacentes a ela.
A History of conservation is valuable to us as conservators, not just to establish the
antiquity of our vocation, but to give us insight into what we may encounter on
examination and treatment of the same works today, as well as to give us an
understanding of past philosophical approaches to the subject of restoration (KECK,
1996, p. 281). Quando o conservador solicita testes laboratoriais, como
exames estratigráficos e espectrografia das camadas da policromia, não o faz
apenas para “decorar” o relatório de trabalho, mas para dar suporte material
às suas decisões, consoantes a toda uma discussão em torno do respeito
para com o original, base da construção teórica da disciplina. Max
Friedländer proclama em um artigo intitulado On Restorations (1996, p. 332),
publicado em 1944, que a restauração é um mal necessário – restoration is a
necessary evil, inasmuch as threatening decay can be stopped by the laying down of
blisters, stabilization of the pigments, strengthening of the ground that carries
everything – , mas como o próprio Alessandra Vaccaro (1996, p. 262)
salientou, é relativamente fácil demonstrar o que esta área tem de maligno; a
dificuldade está em provar o quanto é necessária.
96
archaeologists of our time sees them and exclaims triumphantly: they shod them!
(BOITO, apud: VACCARO, 1996, p. 262).
97
point that today we may speak unequivocally of conservation as a discipline that is
based on method, whereas formerly it was a profession resting on no more than
empirical knowledge (PHILIPPOT, 1996, p. 216).
98
prejuízo à mesma. Tais considerações fazem parte da proposta de Brandi em
relação ao conceito de estabilidade: uma vez que a estrutura físico-química,
associada à condição estética e histórica, da obra não está comprometida e a
restauração anterior permanece estável, não é recomendável submetê-la (a
obra) à intervenções novas.
99
242), o trabalho de Gustavo Giovannoni inspirou diretamente a Carta de
Atenas (1931), documento resultante desse encontro que formalizou algumas
diretrizes reproduzidas ainda nos documentos atuais. Seu significado
enquanto marco do conceito moderno de patrimônio cultural determinou a
construção da noção de patrimônio mundial. A formalização do documento
apresenta sete princípios concernentes à restauração/conservação de sítios
e monumentos, e por isso também foi chamada de Carta del Restauro:
100
character of any restoration, even the most skillful, as it is always marked by the
cultural climate in which it is carried out (VACCARO, 1996, p. 207).
101
a particular civilization, a significant development or an historic event. This applies
not only to great works of art but also to more modest works of the past which have
acquired cultural significance with the passing of time. Desenvolvido no II
Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos,
o documento enfatiza a proteção do Patrimônio Arquitetônico; retoma a
questão do respeito à integridade das estruturas originais, porém coloca a
possibilidade de remoção de elementos, caso esta seja indispensável à sua
salvaguarda; coloca o processo de restauração como uma operação
altamente especializada e critica as ações amadorísticas sem respaldo
científico; aconselha que a substituição das partes faltantes, caso
indispensável ao suporte estrutural, não deve danificar, confundir ou
desmerecer a construção original.
102
Generale della Critica que Brandi publicou em Turin em 1974, após seus
ensaios de 1953 e 1963 referentes à formulação de uma teoria da
restauração. Podemos reconhecer esse período como de uma Ciência da
Conservação formulada sobre bases conceituais estruturalistas fortes, ainda
que vinculadas aos avanços laboratoriais das áreas de Biologia, Química e
Física. Na obra de Philippot, o pensamento estruturalista pode ser
encontrado da mesma maneira que o vislumbramos na obra de Brandi;
Philippot afirma: germans have a convenient word to stress this importance of the
whole of the monument. By Gesamtkunstwerk, they mean the unity resulting from
the cooperation of the various arts and crafts that combine to make a monument,
cannot be divided from it. It is obvious that a whole must be treated consistently as a
whole, and this implies that close cooperation among various specialists in
preservation – architects, conservators, artisans, archaeologists – under one
consistent policy is necessary (PHILIPPOT, 1972, p. 367-374).
103
quanto nas noções históricas e estéticas referentes à obra. Essas premissas
visam manter a integridade do bem cultural, na sua totalidade – material e
conceitual –, para que sua capacidade cognitiva de transmitir informações
possa manter-se intacta para as futuras gerações. Apenas a substância física
da matéria é restaurada, mas, a partir do momento em que ocorre a
possibilidade de transmissão dessa imagem e fruição com o público, sua
inserção social se faz presente. Eis o segundo princípio proposto por Brandi:
restoration must aim to reestablish the potential unity of the work of art, as long as
this is possible without producing an artistic or historic forgery and without erasing
every trace of the passage of time left on the work of art. Se fizermos um paralelo
à teoria de Brandi, podemos perceber o quanto princípios encontram-se
presentes na Carta de Veneza (1964).
The link between restoration and the related concep of art, and by extension,
of architecture, is thus a constant issue that pormpts one to carefully investigate this
relationship from a philosophical or, if you wish, an empirical point of view:
philosophically, in the sense that from the very concept of art one rigorously deduces
the concept of restoration, thereby sustematically, which is outside any concept or
ontological conception of art, by identifying each time, within the framework of
specific works of art, the artistic and historical qualities that one wishes to keep or
recover, thereby eslabilishing the extend and the nature of the restoration
(CARBONARA, 1996, p. 236). Esse texto de Carbonara, produzido em 1974
com o título La reintegrazione dell’imagine: problemi di restauro dei
monumenti, mantém a linha estruturalista baseada na Gestalt, formuladas em
Philippot e Brandi, porém aponta uma divergência de postura entre a
abordagem teórica apoiada no idealismo da escola italiana forjada em Brandi
e o cientificismo empirico da escola britânica de Paul Philippot. O problema
maior, aponta Carbonara, é quando se parte das premissas teóricas para a
intervenção prática: além do enfrentamento com problemas ainda não
teorizados, as instâncias oficiais administrativas também promovem
situações extras que, por falta de formação apropriada, exige novas formas
de uso e adaptação, principalmente dos monumentos históricos, distantes
dos conceitos estabelecidos.
104
Restauração como um ato crítico e restauração como um ato criativo
são duas formas conceituais de abordar a Ciência da Conservação. Renato
Bonelli elaborou uma série de textos visando questionar a linha teórica
proposta por Brandi (Il fondamento teorico del restauro, Bolletino dell’ ICR:
1950) a partir das próprias limitações concernentes a ela, sem no entanto
deixar de considerar a validade dessa mesma teoria em relação à
operacionalidade metodológica proposta: análises cuidadosas são
apresentadas na teoria proposta por Brandi, mais próximas de sua condição
filológica do que científica. Bonelli’s criticism of philologism is stinging: “the idea os
atributing the character of authentic testimony of a historical past to a monument or a
building is no longer current. First of all, this is equivalent to working on an arbitrary
section in the real unity of the work, trying to select elements that can not be
isolated... the philological criterion requiring that structural bodies must be authentic
in order to obtain reliable information from them, is a point of view that marks a
certain era and culture”, one imued by positivism that witnessed the birth of scientific
theories of restoration and that is by now obsolete (CARBONARA, 1996, p. 239). A
qualidade de testemunho não é o único valor atribuído a um monumento, e
esta é a grande divergência de Bonelli em relação a Brandi.
105
propostas que acompanhassem essas mudanças bruscas. Nesse período, a
Europa se preocupa com as mudanças do cenário urbano e as proporções
dessas transformações em relação ao milenar patrimônio de suas cidades,
para Argan ao contrário do espaço que é opaco, o tempo é transparente; nadando
sob a superfície da água, vêem-se os monumentos como rochedos, as ruínas como
arbustos de coral. É a cidade que Bernini e Borromini haviam imaginado para um
espaço não terreno, discutindo quanto à maneira da salvação – o céu já um pouco
calvinista rejeitou-a, ela caiu no mar do passado cuja superfície, o presente, como
todos sabem, está terrivelmente poluída. Em Roma, não há apenas o tempo da
arquitetura, ou da história, mas também o da natureza, cambiante como o céu em
um dia de vento forte; (ARGAN, 1995, p. 205). As décadas de setenta e oitenta
são marcadas pela elaboração de documentos, tanto da comunidade
européia quanto por parte do ICOMOS e UNESCO (vide quadro 1)
concernentes aos cuidados para com o patrimônio arquitetônico, incluíndo
estruturas arqueológicas e monumentos históricos, a partir de noções que
deixam de perceber esses bens culturais como entidades isoladas, mas
como estruturas se relacionam e fazem parte de uma intrincada rede social e
urbana.
106
importância do controle da luz, da temperatura e da umidade incidente sobre
as coleções. Um mau restaurador pode destruir uma obra, um mau
conservador pode destruir uma coleção inteira, afirma Thomson (apud
GUICHEN, 1995, p. 5).
20
. AARAFU – Association des Restaurateurs d'Art et d'Archquéologie de Formation
Universitaire.
107
historiadores de arte, engenheiros, curadores, arqueólogos –, a disciplina
passou a ser mais bem embasada e difundida.
108
chronologique, morphologique, technique, fonctionnel, et le restaurateur, d’un point
de vue matière et technique. On conçoit alors fort bien que la frontiére entre les deux
optiques n’est pas étanche (BERDUCOU, 1990, p. 419).
109
O encontro de 1930, mencionado anteriormente, introduziu o debate
no meio científico e acadêmico, mas só teve continuidade – no âmbito
internacional – após a Segunda Guerra: centros internacionais como o ICOM,
IIC, ICCROM, IRPA elaboraram encontros e seminários específicos para
difundir, questionar e estruturar um conhecimento científico de bases exatas
estritamente voltado para a Ciência da Conservação. A introdução de
métodos científicos de exame e critérios preservacionistas baseados na
compreensão e controle do ambiente – utilizando conhecimentos da
Engenharia Civil, Mecânica e Elétrica, além de recursos da Meteorologia e da
Biologia – fez com que a prática da restauração se deslocasse de oficinas
particulares e até mesmo de ateliês localizados nos prédios dos Museus para
laboratórios específicos, construídos em Centros de Estudo e Universidades.
110
de transférer directement à la conservation idées préconçues, équipement et
procédés venus de leur champ antérieur de spécialisation. C'est seulement après
quelques expériences malheureuses qu'ils aparennent que le problème n'est pas si
simple; la terre de la conservation est pleine de pièges, et les indigènes sont
frèquemment hostiles (TORRACA, apud BERDUCOU, 1990, p.14).
111
Os cursos de treinamento e de formação de pessoal capacitado para
exercer a função de conservador/restaurador têm sedimentado a valorização
de técnicos e especialistas, ao invés daquela visão romântica do autodidata,
dotado de habilidades artísticas, que por amor à arte consertava os objetos e
limpava as imagens antigas. Até mesmo Jair Inácio – um dos mais antigos
restauradores do Brasil –, que iniciou sua carreira como autodidata em Ouro
Preto, procurou fazer um estágio no IRPA – Institute Royal du Patrimoine
Artistiquè, em Bruxelas.
112
pinturas dentro do curso de graduação em Belas Artes na UFBA. O Centro
de Conservação e Restauração da UFMG mantém, desde 1979, inicialmente
sob a coordenação e direção da Profa. Beatriz Vasconcellos Coelho, cursos
de restauração de pintura de cavalete e escultura policromada, sendo o
primeiro curso de restauro reconhecido oficialmente enquanto curso de
especialização. Atualmente o Departamento de Artes Plásticas da UFMG
mantém um curso de mestrado na área, cujo coordenador, Prof. Dr. Luiz
Souza, é químico-restaurador com projeção e reconhecimento internacionais.
A importância do CECOR é tão extensa, que nele são oferecidos cursos
associados com grandes organismos internacionais – ICCROM, ICOM, The
Getty Conservation Institute, Smithsonian Foundation –, envolvendo aspectos
da conservação preventiva e da ação interventiva apoiada em bases
científicas
113
Operações mais drásticas nas intervenções de restauro e, até mesmo, a
perda material desses objetos é o preço que se paga pelo não investimento
na área de conservação preventiva: antes de ser uma área de conhecimento
técnico, torna-se um compromisso ético das instituições. Por sua vez, a área
de conservação e restauro tem priorizado a conservação preventiva em
relação às técnicas de intervenção direta, como uma maneira de proteger a
integridade material dos objetos. Preservação é a utilização de todas as técnicas
científicas disponíveis para assegurar a manutenção dos artefatos, coleções
artísticas e históricas, de acordo com os critérios que buscam as melhores
condições para um acondicionamento adequado (XVIII Congresso Anual da ABPC,
1988, p. 1).
114
são distintos; os mecanismos são distintos, portanto, a maneira de controlar
cada contexto também é diferente.
115
3.2. ICCROM: as metas da conservação
Every country has its own cultural heritage, whether
historic city or archaeological site, museum or library.
This heritage is a means of identity, a source of national
pride and an integral part of development. But these
valuable resources are under increasing pressure from
a variety of sources, ranging from modernization to
pollution, catastrophe, conflict, vandalism, theft and
sheer neglect.
ICCROM: a leading voice in the conservation of cultural
heritage, 1998.
116
“international courses should be understood as part of the professional career
structure of a professional, particularly when aiming at a leading position in one’s
country” (BOUCHENAKI, 1999, s.p.).
117
d) promover, desenvolver e prover treinamentos relacionados à
conservação e restauração de propriedades privadas e determinar os
critérios da prática de conservação e restauro;
118
A construção do conceito moderno de restauração se confunde com a
própria história de criação e formação do ICCROM. Como colocado no tópico
anterior, Cesare Brandi e Paul Philippot forneceram as bases teóricas e
metodológicas, além do aporte político, na construção desse centro de
proporções internacionais. Em 2000, o ICCROM publicou um caderno
bilíngüe (italiano/inglês) comemorando os quarenta anos de atuação:
ICCROM & ITÁLIA: quarant’anni per la salvaguardia del patrimonio culturale.
Nas primeiras páginas, a publicação presta uma homenagem devida aos
teóricos acima citados: since the foundation of UNESCO as the family of
international organizations concerned with cultural heritage, the concept of heritage
itself has envolved. From the 1950s and 1960s, the growing interest in historic áreas
has giving an incentive for the development of appropriate methodologies. From the
1970s a concern for the environment and ecology has given rise to the policies of
environmentally sustainable development. In the 1990s, increasing attention has
been given to cultural diversity. The conservation philosophy laid down by Cesare
Brandi and Paul Philippot in the 1960s became the foundations for the further
development of ICCROM’s message, and was integrated into its training
programmes and technical cooperation (ICCROM, 2000, p.14-15).
119
para a África Sub-Sahara, as Ilhas do Pacífico e a América Latina, além das
regiões do Mediterrâneo, reuniram diversos especialistas das áreas de
Conservação, Restauração, História, Arqueologia, Arquitetura e Engenharia:
this has led to development of The Support Programme for the Conservation of
Cultural Heritage in North Africa and Near and Middle East countries (NAMEC); (...)
other related activities have included the Royal Palaces of Abomey Conservation
iniciative of PREMA with GAIA-CRATerre/EAG and UNESCO in Benin and the
Feasibility study of the transport of the Axm Stele from Rome to Ethiopia (ICCROM,
2000, p. 4-5)
120
evolução histórica e utilização prática, como relatório ou compêndios
didáticos. A autora alerta que, para a cultura ocidental, raramente há um
interesse em conservar o léxico legado pela atividade manual ou artesanal,
incorrendo em um risco de perder um patrimônio línguístico rico em função
de um desprezo às atividades que não são consideradas teóricas ou
pertencentes ao corpo científico; uma reminiscência, talvez, das divisões
propostas na Antigüidade entre os oficios mecânicos e as atividades liberais,
que se perpetuaram no decorrer da História e que, até hoje, resulta em uma
diminuição do trabalho tido como manual.
121
arqueológicos, influenciou a formulação de dois programas regulares, a
saber, Architectural Conservation Programme e Human Settlements
Conservation Programme, além de cursos internacionais como o Course for
the Conservation of Monumental Heritage and Historic Centres; Architectural
Conservation of Building; International Scientific-Principles of Conservation
Course. De acordo com os dados estatísticos fornecidos pelo ICCROM
(Gráfico 1), nas décadas de sessenta e setenta as atividades de treinamento
ocorreram preponderantemente na sede italiana; nos anos oitenta houve um
equilíbrio entre o oferecimento interno e externo e nos anos noventa a
comunidade externa tornou-se prioridade: regular training in the 60s and 70s
were carried out mainly in Italy; as the graph shows the trend changed in the early
80s, with the start-up of regional programmes and the thematic activities as part of
international cooperation, peaking in the 90s when 66,4 percent of Iccrom’s training
was provided abroad (ICCROM Activity Report, 2000, p. 40).
122
GRÁFICO 1 : Atividades de Treinamento
do ICCROM entre as
décadas de 60 e 90
DÉCADA 60
DÉCADA 70
DÉCADA 80
DÉCADA 90
% 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Fonte: ICCROM
123
A intenção primordial do documento era fornecer aos profissionais um
instrumento de peso internacional que contribuísse para o reconhecimento
legal da profissão e estimulasse a promoção de cursos na área nos vários
países onde a prática ainda não era reconhecida. Tendo como bases teóricas
os postulados de Coremans (1969, p. 15), estabelece a seguinte distinção:
124
mestras através de um guia ético geral, que deveria ser utilizado como base
internacional de conduta mínima ao desempenho da profissão de museus: o
código proposto, aceito como estatuto de ética profissional, respaldou as
orientações dos artigos segundo, nono, décimo quarto, décimo quinto,
décimo sétimo e décimo oitavo dos Estatutos do ICOM adotados na 16th
General Assembly of ICOM (The Hague, 1989) e sancionados na 18th
General Assembly of ICOM (Stavanger, 1995).
125
4. Patrimônio Arqueológico e Monumentos
126
O estudo epistemológico da disciplina arqueológica é matéria recente,
existindo, como na historiografia, uma série de debates a respeito de suas
origens, bases conceituais e posicionamento no interior do campus
intelectual. Dotada de uma série de habitus de reconhecimento e
conhecimento, circula livremente (ou nem tanto) nos terrenos das Ciências
Humanas, Exatas e Biológicas. Distante do imaginário popular criado pelos
filmes de ação, o arqueólogo não é nenhum aventureiro21 à busca de tesouros
perdidos e, se o trabalho de campo é árduo, são nos debates teóricos, nos
Congressos e na manutenção das instituições voltadas para a pesquisa
científica, entretanto, que se configuram na prática as dificuldades reais desta
profissão – the real jungle! Tanto quanto a do historiador, o sociólogo, do
antropólogo ou do conservador, esta profissão não é reconhecida no Brasil.
Em relação aos outros países, o quadro não é mais alentador: recentemente,
Larry J. Zimmerman e Steve Dasovich (1989) constataram que a Arqueologia,
nos Estados Unidos, é considerada, na melhor das hipóteses, como tendo
pouca utilidade prática. Para a grande maioria, trata-se de um hobby exótico,
um ramo da História que nos dá um pouco mais do que uma interessante
perspectiva e, talvez, um pouco de curiosidade intelectual (apud FUNARI,
1995, p. 3).
21
The popular image of archeology is of a esoteric discipline that has no relevance for the
needs or concerns of the present. Hooton (1938:218) once described archaeologists as being
viewed as the senile playboys of science rooting in the rubbish heaps of antiquity (TRIGGER,
1989, p. 3).
127
arqueólogos, antropólogos ou etnólogos ao cotidiano, como tampouco
compreender o porquê de se estudar latim, tupi-guarani ou banto.Qual o
sentido das diferenças, afinal? Por que manter vivas culturas circunscritas na
esfera do passado? Porque preservar tribos indígenas em um mundo
civilizado? Nesse momento, é possível entrever o que mais faz falta à
sociedade contemporânea: o respeito cultural, a tolerância étnica, a
compreensão do outro, o sentido mais lato do pensamento ético. Será esta
postura herança das disciplinas exploratórias – Geografia, Biologia,
Arqueologia, Antropologia – que transformaram a humanidade em um grande
gabinete de curiosidades? Ou, quem sabe, resíduos do pensamento
utilitarista capitalista?
128
mais mudos do que quando enterrados nos solos. A pesquisa efetiva inclui
metodologias de coleta de dados e de análise, além da teorização dos
modelos explicativos. Para que isto ocorra efetivamente, a formação teórica é
imprescindível, a consciência ética é necessária e o controle institucional –
das agências financiadoras, das associações e dos próprios centros de
pesquisa – é indispensável. Tanto quanto a prática de restauração, a prática
arqueológica ainda é exercida de forma amadorística em muitos países. No
Brasil, o controle do IPHAN, do CONDEPHAAT ou da SAB22 determina uma
certa restrição à ação arqueológica exercida por leigos. Porém, a deficiência
legislativa e a própria vulnerabilidade científica pelo não reconhecimento
profissional atuam como elementos substanciais no que concerne ao trabalho
arqueológico.
22
O IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) é o órgão de preservação e
valorização do patrimônio que atua em nível federal. Para a atuação estadual existe o
CONDEPHAAT (Conselho de Defesa de Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e
Turístico do Estado de São Paulo). SAB –Sociedade Brasileira de Arqueologia.
23
O Conde de Caylus escreve sete volumes sobre Recueil d’ antiquités égyptiennes,
étrusques, grecques et romaines. Uma coletânea, à maneira antiga, sem uma análise
histórica ou teórica das estruturas lebantadas (BAZIN,1989, p.74).
129
No Brasil, a divulgação sobre a provável antigüidade do homem
Americano discutida pela pesquisa de Niède Guidon em São Raimundo
Nonato, Piauí, gerou uma grande discussão em relação aos dados obtidos.
Lançados ao público por meios de comunicação em massa, não foram
poucos aqueles pesquisadores que discordaram dos resultados da
investigação. Entre a validade ou não dos métodos empreendidos na
pesquisa e as hipóteses construídas, encontra-se o sentimento das
populações circunvizinhas à área explorada. O orgulho de dispor do homem
mais antigo das Américas pode ser destruído a qualquer momento, se a
análise não estiver apoiada em bases sólidas, e com ele a própria auto-
estima daqueles que acreditaram na importância desta pesquisa. As
implicações sociais e educacionais do trabalho científico devem ser
consideradas nas atividades da Arqueologia.
130
respostas que julgavam convincentes.
131
Como exposto na obra de Trigger (1980, 1989), não há pretensão de
que a abordagem epistemológica seja considerada mais objetiva do que a
interpretação dos dados arqueológicos/etnológicos, mas compreender que a
aproximação histórica oferece um ponto de vantagem especial: a partir do
momento que a mudança de relação entre a interpretação arqueológica e seu
meio cultural e social pode ser examinada, a perspectiva temporal
providencia uma base diferente para estudar os elos entre a Arqueologia e a
sociedade, tanto quanto as perspectivas filosóficas ou sociológicas. Em
particular, permite ao pesquisador identificar os fatores subjetivos pela
observação de como e sob quais circunstâncias a interpretação dos recortes
arqueológicos modificou-se.
132
apenas os modelos reconhecidos internacionalmente podem ser qualificados
como paradigmas, sendo indispensável, portanto, a existência de uma
comunidade científica dotada de estruturas comuns – publicações
internacionais, associações, academias – que dê suporte à divulgação dos
esquemas interpretativos, pesquisas e teorias formuladas em torno do
conhecimento arqueológico.
133
expansão contínua e as novas interpretações são tratadas como uma
elaboração gradual, refinada e que modifica o corpo teórico existente. This
view does not, however, take account of the frequent failure of archaeologists to
develop their ideas in a systematic fashion (TRIGGER, 1989, p. 7).
134
fator determinante da construção de pensamento arqueológico está
sedimentado apenas na influência do contexto social de onde partem os
investigadores. É preciso pensar que a investigação científica influencia a
sociedade e é influenciada por ela, em uma via de mão dupla.
135
4.1. A disciplina arqueológica: conceitos e contextos
O modo de ser do homem, tal como se constitui no
pensamento moderno, permite-lhe desempenhar dois papéis:
está, ao mesmo tempo, no fundamento de todas as
positividades, e presente, de uma forma que não pode
sequer dizer privilegiada, no elemento das coisas empíricas.
Esse fato – e não se trata aí da essência em geral do
homem, mas pura e simplesmente desse a priori histórico
que, desde o século XIX, serve de solo quase evidente ao
nosso pensamento – esse fato é, sem dúvida, decisivo para o
estatuto a ser dado às ciências humanas, a esse corpo
fechado de conhecimento (mas mesmo esta palavra é talvez
demasiado forte: digamos, para sermos mais neutros ainda,
a esse conjunto de discursos) que toma por objeto o homem
no que ele tem de empírico.
FOUCAULT. As Palavras e as Coisas, 1966, p. 361.
136
É no século XVIII, todavia, que, instigados pela febre do colecionismo
e dos Gabinetes de Curiosidade, alguns autores tentaram sistematizar os
vestígios coletados: Esses cacos lhe (Conde de Caylus) serviam para análises
Físicas ou Químicas que ele solicitava aos cientistas – o físico Majault, o naturalista
Jussiu, o químico Rouelle – ou que ele próprio manipulava. Sucedeu que esses
exames o levaram a distinguir nos objetos que lhe mandaram, várias fraudes, pois
estas se multiplicavam para atender a uma demanda que se intensificava em uma
época em que tanta gente da Europa procurava as antiqualhas (BAZIN,1989, p. 75).
A obra de Louis Millian entitulada Antiquités nationales (1799) proporá uma
síntese dos modelos explicativos de relíquias e antigüidades (BAZIN, 1986, p.
99). Por sua vez, em Acerca da Imitação das Obras dos Gregos (1755),
Winckelmann formalizará alguns parâmetros do que veio a ser a Arqueologia
Clássica: o estabelecimento da História da Arte como um ramo dos estudos
clássicos foi a principal contribuição desse pesquisador alemão, o qual
fornecerá em sua obra a primeira periodização das esculturas gregas e
romanas, com uma meticulosa descrição dos trabalhos individuais e dos
fatores que influenciaram a arte clássica, clima, contexto social e
personalidades. Winckelmanns work shaped the future development of classical
studies, which until modern time have continued to be based on the dual
investigation of written documents and art history (TRIGGER, 1989, p. 38). A
proposição de Winckelmann de que uma obra de arte deveria ser avaliada de
acordo com a quantidade de luz que ela derramaria sobre um texto, sobre um
problema de história antiga ou quando servia como ilustração ao mito, à
fabula e à história, deu sustentação à Filologia, estrutura que inspirou e
dominou a Arqueologia até o início do século XIX onde quer que fossem
produzidos os estudos clássicos (BERENSON, 1947, p. 44).
137
horizontes da pesquisa arqueológica24. Do mesmo modo, o interesse pelos
artefatos pré-históricos intensificou-se quando antiquários europeus
aprenderam a descrever e classificar monumentos e artefatos, escavar e
encontrar registros, utilizando vários métodos de datação, incluindo
estratigrafia, para estimar a idade dos achados. Alguns desses
colecionadores e comerciantes concluíram que, com base nas evidências
arqueológicas que eles tinham em mãos, os artefatos em pedra foram
utilizados na Europa antes do uso de metais e que o bronze provavelmente
foi precedido pelo ferro. Apesar da coleta aleatória, a atividade intensiva de
expedições e as tentativas de catalogação representaram um progresso
genuíno, trazendo ao estudo da Pré-história vestígios que foram coletados na
China, Japão e outras partes do mundo, como a África, antes da influência
Ocidental.
24
Não podemos esquecer que sob o regime napoleônico as obras de arte conquistadas nas
expedições pela Europa, Ásia e África – os espólios de guerra – alimentaram os museus
franceses.A origem dos museus públicos também provém das ações desse Imperador: em
cada reino invadido se preocupou em fundar imediatamente um Museu, uma forma de
presentear o povo, tornando públicas as riquezas que anteriormente eram privilégio de uma
determinada classe social. (HOBSBAWM, 1987, p. 90-94).
25
O texto de Le Goff, publicado na Enciclopédia Einaudi em 1984, que trata do conceito
Documento/Monumento, esclarece a mudança no trato das fontes primárias e o uso dos
produtos das realizações humanas – artefato, objeto e estrutura – como primordiais à
investigação histórica.
138
história, distinto do antiqüarismo dos primeiros momentos, envolve dois
movimentos distintos que se iniciaram na primeira metade do século
dezenove:
139
acerca da criação do mundo, fomentando as pesquisas arqueológicas e
paleontológicas. The obvious implication that humanity had involved from some
ape-like primate not only made the antiquity of the human species a burning issue
that had to be empirically studied but also made this investigation a vital part of the
broader controversy that was raging concerning Darwin’s theory of biological
evolution (TRIGGER, 1989, p. 94). Esta obra polêmica, ao mesmo tempo que
apresenta um outro caminho para a compreensão das origens da raça
humana, diferente daqueles propostos pelos dogmas religiosos, também
possibilita sua utilização para fins menos nobres do que entender
cientificamente as transformações na terra: a teoria evolucionista da seleção
natural das espécies deu margem às explicações de caráter racista,
promovendo a criação da noção da superioridade das raças.
140
observação, dispensando os testemunhos escritos para dar suporte às suas
teses: ao distinguir os artefatos a partir do suporte material, das marcas de
construção, estilo e das formas características específicas a cada região,
período ou sociedade, ele inaugurou uma nova maneira de abordar os
testemunhos arqueológicos. No passado, poucos arqueólogos procuraram
subdividir os artefatos da Pré-história em segmentos temporais, ficando as
subdivisões registradas baseadas largamente na intuição. Thomsen superou
este impasse pelo desenvolvimento de uma forma simples porém eficaz de
seriação, baseada em evidências científicas passíveis de comprovação.
141
acerca das atividades sociais que ocorriam nos grupos humanos do passado.
Ambas foram produtos do Iluminismo ao acreditar que a evolução da cultura
material significaria desenvolvimento moral e social: Large numbers of middle-
class people, whose economic and political power was increasing as result of the
industrial Revolution, were pleased to view themselves as a wave of constitution of
the universe. White Americans were happy to share this optimistic view but were not
prepared to extend it to embrace the native people whose lands they were seizing
(TRIGGER, 1989, p. 109).
26
Os ensinamentos de Gobineau influenciaram o racismo de Richard Wagner a Adolf Hitler e
na América foi popularizado em publicações, como The Passing of the Great Race (1916) de
Madison Grant.
142
by Lubbock reinforced the racist views inherent in colonial situations and which had
already influenced the interpretation of archaeological evidence in the United
States(TRIGGER, 1989, p. 145).
143
difusionismo, ao contrário, percebiam a interdependência de ambas visões.
As a matter of fact, they regarded it as a major process of culture changes among
peoples. And, far from seeing an antithesis between evolution and diffusion, they
saw that these two processes work harmoniously together, the one originating
culture traits, the other spreading them far and wide (WHITE, 1945, p. 341).
144
Guerra, a Arqueologia proporcionou uma visão sobre a cultura japonesa
ajudando a preencher o vácuo deixado pelo militarismo anterior. For many
Japanese, archaeological finds provide tangible contact with the past and help to
reinforce a sense of stability in a period of great social, cultural change and
uncertainly (TRIGGER, 1989, p.179).
145
estudos das questões sociológicas aplicadas às fontes arqueológicas, pois a
orientação marxista após a Revolução Russa de 1917 possibilitou explicar as
transformações encontradas nos vestígios arqueológicos a partir de uma
ótica que abordava os fatores sociais internos àquela comunidade.
Paulatinamente, fatores externos como movimentos de migração e difusão
cultural tornaram-se imprescindíveis à compreensão dos mecanismos de
transformação social. The political and economic influences that adjacent societies
exert upon another can be analyzed easily in terms of a traditional Marxism
framework by enlarging the scale of the unit being studied and thereby treating a
number of interacting cultures as parts of a world system (TRIGGER, 1989, p. 242).
146
arqueólogo australiano que reafirmou o papel da cultura na construção do
paradigma arqueológico e inaugurou uma abordagem mais científica,
excluindo as tradições racistas anteriores. Influenciado pelas idéias
socialistas, procurou nas estruturas de produção das sociedades pré-
históricas a chave para a organização social, sendo o processo de seleção
dos artefatos estudados regido por uma orientação funcionalista. Ele propôs
que potes, ornamentos e enterramentos rituais tendiam a refletir melhor os
gostos locais, portanto poderiam ser utilizados como fontes para verificar a
coesão social e identificar determinados grupos étnicos; enquanto armas e
ferramentas, além de outros instrumentos de tecnologia, eram rapidamente
difundidos de um grupo a outro, por transformação ou cópia, tornando-se
portanto vestígio menos evidente para a identificação de um grupo (DANIEL
& CHIPPINDALE, 1982, p.12-19).
27
O Universo tem significado bem antes que se começasse a saber o que ele
significava...Porém mantém-se uma situação fundamental e que depende da condição
humana, isto é, que o homem dispõe, desde sua origem, de uma totalidade de significante
cuja atribuição a um significado –determinado como tal sem ser, para tanto, conhecido – lhe é
bastante incômodo fazer. Existe sempre uma inadequação entre os dois, somente absorvida
pelo entendimento divino, e que resulta na existência de uma superabundância de significante
em relação aos significados sobre os quais ela pode se assentar, Lévi-Strauss. Sociologie et
Anthropologie, 1950, p. 48-49 (texto traduzido)
147
soviéticas da década de trinta e da antropologia francesa de cinqüenta.
Ambas abordagens foram baseadas na visão evolucionista do processo
cultural e pensadas para entender as regularidades exibidas nesse processo.
Eles acreditam que estas regularidades eram fortes e poderiam ser
estudadas pelo uso da estrutura materialista – paradigma materialista:
migração e difusão eram colocadas de lado em favor da tentativa de explicar
as transformações que ocorriam dentro dos sistemas culturais durante longos
períodos de tempo. Os estudos da tipologia tradicional que buscavam
elucidar as variações cronológicas e espaciais da cultura material foram
relegados como ultrapassados e houve um aumento considerável das
interpretações funcionalistas das fontes arqueológicas.
148
restrictions on the archaeological study of any aspect of human behavior (TRIGGER,
1989, p.327).
149
impacto da aversão às análises pautadas por parâmetros subjetivos – como
mentalidade, psicologia ou adaptação ao meio –, a ciência arqueológica volta
a discutir as abordagens histórico-culturais. Quando a racionalidade e o
positivismo da objetividade absoluta, tomada como verdade axiomática, não
são capazes de responder por meio dos modelos propostos às perguntas
impostas, os cientistas partem em busca de novas perspectivas, aprendendo
com os erros e os acertos das teorias antagônicas. Bruce G. Trigger, Ian
Hodder Trigger, Ian Bodder, além de outros cientistas trabalham com o que
ficou conhecido como Arqueologia Pós-Processual, uma nova perspectiva
que abandona os modelos universais de comportamento.
150
what their predecessors concluded about the past than on evidence on which these
conclusions were based (TRIGGER, 1989, p.16). A pesquisa arqueológica,
também é determinada pelos recursos disponíveis, contexto institucional de
apoio, sejam sociedades científicas ou instâncias governamentais, além das
estruturas legais, acadêmicas e tecnológicas dadas. Não apenas em relação
ao meio social de onde parte o pesquisador, mas também ao meio onde se
realiza propriamente a pesquisa.
151
do ensino de História que se pretenda transformador da sociedade, que busca a
formação de uma cidadania crítica é pluralismo (FUNARI, 1997, p. 2). O mesmo
ocorre com as pesquisas arqueológicas, se elas não se propuserem a
contribuir para a transformação social, por meio da difusão do conhecimento
e da educação, continuarão restritas às publicações específicas, às falas
exclusivas de um arqueólogo para outro arqueólogo.
152
desta mesma camada social; atualmente, apesar de ainda excludente, a
universidade já não traz em seu interior condes, duques, barões.
153
4.2. ICOMOS: a consciência da preservação de
monumentos e sítios
154
guarantees the scientific value of its activity, thereby giving it authority”
(BOUCHENAKI, 1999, s.p.).
155
atuação similares, parâmetros e formas de organização comuns, a partir de
experiências positivas e negativas, com o intuito de criar um sistema de ação
global, consciente, integrado e voltado à conservação patrimonial e à
identidade cultural de cada país. Até 1997, estes comitês eram encontrados
em aproximadamente noventa países, uma projeção semelhante ao ICCROM
e pouco abaixo do ICOM, que abarca 116 países atualmente. Responsável
pela World Heritage Conventions, em parceria com a UNESCO, promove a
nomeação dos sítios e monumentos que deverão constar na World Heritage
List (WHL). Por meio de seus 16 Comitês Internacionais, procura estabelecer
parâmetros internacionais de preservação, restauração e gerenciamento de
sítios culturais.
156
convivência de várias correntes de pensamento, do estruturalismo de
Foucault ao desconstrutivismo de Derrida; da História das Mentalidades de
Vovelle e Le Goff ao pensamento do etnólogo Pierre Clastres, o qual colocará
as questões filosóficas no campo antropológico contemporâneo
(DESCAMPS, 1986, p. 37).
157
Devido à maior concentração de sítios arqueológicos e monumentos
históricos nas áreas rurais – oriundos das Missões Jesuíticas e construções
coloniais espanholas – foram realizados vários encontros temáticos sobre
estas áreas específicas, na década de 80.
Por sua vez, na década de noventa, a maior parte dos debates foi
orientada para a discussão de questões relacionadas ao papel educativo dos
centros de pesquisas arqueológicas. Além das questões de extroversão, a
158
própria educação dos profissionais que participam de expedições em campo
tem sido um dos pontos-chave na preservação de áreas arqueológicas. Em
1995, foi elaborado um Guidelines for Education and training in the
Conservation of Monuments, Ensembles and Sites . Dois anos mais tarde,
em parceria com o ICCROM, foi realizado no Chile um curso de três meses
de duração sobre aspectos da Conservação nos trabalho de campo de sítios
históricos. It is widely recognized that a knowledge and understanding of the origins
and development of human societies is of fundamental importance to humanity in
identifying its cultural and social roots. The archaeological heritage constitutes the
basic record of past human activities. Its protection and proper management is
therefore essential to enable archaeologists and other scholars to study and interpret
it on behalf of and for the benefit of present and future generations. The protection of
this heritage cannot be based upon the application of archaeological techniques
alone. It requires a wider basis of professional and scientific knowledge and skills
(ICOMOS, 1990, p. 1).
28
.O termo native, natural, originário parece ajustar-se melhor à nomenclatura de etnias
sócio-culturais organizadas. O termo indígena ou índio vêm carregados da visão pejorativa
dos portugueses em relação ao outro, homogeneizando toda cultura que não fosse a européia
a partir do XV.
159
Welsh (1991, p. 1) tece considerações sobre os efeitos dessa lei nas novas
posturas éticas de antropólogos, arqueólogos e conservadores americanos. A
partir dessa lei, povos nativos têm o direito de obter informações sobre
artefatos, esqueletos e qualquer vestígio cultural pertencente à sua etnia
alocado em museus e demais instituições americanas. Esta lei também
determina que objetos adquiridos de forma ilícita ou elementos de valor
simbólico irrefutável deverão ser repatriados ao seu meio de origem.
160
selvagem”, este é o maior dilema das ações relacionadas ao patrimônio
indígena.
161
historical consciousness of the values of heritage that paved the way for the 1972
Convention, also called the World Heritage Convention. It was a significant
innovation, as it linked sectors that had hitherto been considered very different -- the
protection of the cultural heritage and that of the natural heritage. The 20th century
introduced the idea of world heritage, the significance of which transcends all political
or geographical boundaries. The experts of all specialized organizations mentioned
above have contributed to the development of this new concept and the doctrine
applicable in this domain (BOUCHENAKI, 1999, s.p.).
162
GRÁFICO 2 : Sítios e Monumentos do Patrimônio Cultural 654 SÍTIOS/ 2000
115 38
320
36
160
24
28
131
Fonte: WHC
163
Em 2000, o quadro ampliou-se de 582 propriedades para 654,
conforme pode ser observado no Gráfico 2, em que é possível perceber a
disparidade que permanece entre o número de sítios europeus inscritos na
lista em relação ao resto do mundo, sendo que França, Itália, Espanha e
Alemanha são os países com maior número de bens; nas Américas, Estados
Unidos e México respondem por mais de quarenta sítios; na Ásia e no
Pacífico, China e Austrália também dominam o panorama, enquanto que na
África e nos Emirados Árabes há uma distribuição mas eqüitativa, apesar de
muitos países dessas regiões não terem nenhum monumento inscrito.
Estranhamente, na organização da World Heritage List, América do Norte e
Europa estão aglutinadas no mesmo tópico e África e Emirados Árabes
encontram-se separados, apesar de vários países, como Argélia, Tunísia e
Egito, aparecerem repetidos em ambas listagens. Jerusalém e Vaticano
configuram-se como territórios independentes, sendo que a cidade Sagrada
de Jerusalém foi inscrita pela Jordânia em 2000.
164
ICOMOS discutem seu papel, seus limites e extensões. Quais são os critérios
de valor? Qual é o bem patrimonial, de existência tangível ou intangível, que
merece ser preservado? Como os países se comportam em relação às
indicações de um conselho externo à sua esfera de poder? O documento
gerido na 8a Sessão do WHC, realizada em 1994 na Tailândia, Report of the
Expert Meeting on the Global Strategy, demonstra esta preocupação: the
three days of in-depth discussions by the experts led to unanimous agreement being
reached on a number of observations. It was apparent to all the participants that form
its inception the WHL has been based on as almost exclusively monumental concept
of the cultural heritage, ignoring the fact that not only scientific knowledge but also
intellectual attitudes towards the extent of the notion of cultural heritage, together
with the perception and understanding of the history of human societies, had
developed considerably in the past twenty years. Even the way in which different
societies looked at themselves – their values, history, and the relations that they
maintained or had maintained with others societies – had developed significantly (8a
Sessão do WHC. 1994, p.2).
165
importantes organizações não governamentais – ICOM, UNESCO, ICOMOS,
ICCROM.
166
Considerando que es indispensable adoptar para ello nuevas disposiciones
convencionales que establezcan un sistema eficaz de protección colectiva del
patrimonio cultural y natural de valor excepcional organizada de una manera
permanente, y según métodos científicos y modernos,
Habiendo decidido, en su décimosexta reunión, que esta cuestión sería
objeto de una Convención internacional, Aprueba en este día dieciséis de noviembre
de 1972, la presente Convención:
I. DEFINICIONES DEL PATRIMONIO CULTURAL Y NATURAL
ARTICULO 1
A los efectos de la presente Convención se considerará patrimonio cultural:
los monumentos: obras arquitectónicas, de escultura o de pintura monumentales,
elementos o estructuras de carácter arqueológico, inscripciones, cavernas y grupos
de elementos, que tengan un valor universal excepcional desde el punto de vista de
la historia, del arte o de la ciencia, los conjuntos: grupos de construcciones, aisladas
o reunidas, cuya arquitectura, unidad e integración en el paisaje les dé un valor
universal excepcional desde el punto de vista de la historia, del arte o de la ciencia,
los lugares: obras del hombre u obras conjuntas del hombre y la naturaleza así como
las zonas incluidos los lugares arqueológicos que tengan un valor universal
excepcional desde el punto de vista histórico, estético, etnológico o antropológico.
ARTICULO 2
A los efectos de la presente Convención se considerarán patrimonio natural:
los monumentos naturales constituidos por formaciones Físicas y biológicas o por
grupos de esas formaciones que tengan un valor universal excepcional desde el
punto de vista estético o científico, las formaciones geológicas y fisiográficas y las
zonas estrictamente delimitadas que constituyan el habitat de especies animal y
vegetal amenazadas, que tengan un valor universal excep- cional desde el punto de
vista estético o científico, los lugares naturales o las zonas naturales estrictamente
delimitadas, que tengan un valor universal excepcional desde el punto de vista de la
ciencia, de la conservación o de la belleza natural. (1972, p. 2 – traduzido ao
espanhol em 1984).
Ainda que as linhas gerais tenham se mantido – como a manutenção
dos comitês, as reuniões anuais, os encontros trienais, as propostas e as
listas –, a preocupação intelectual com os conceitos e os sistemas de valores
introduziu no discurso do WHC vocábulos como cultura e expressão, além da
referência às coisas não-físicas (sendo a palavra espiritual evitada). Para as
coisas não-físicas, a nomenclatura “patrimônio intangível” veio substituir o
conceito de folclore ou tradição, ficando nesse campo específico a música, a
dança, a língua, a culinária etc.
167
reuniões, encontros, simpósios, seminários e textos. Esta padronização de
termos tem facilitado a construção de discursos científicos, técnicos e
legislativos, implicando em uma compreensão do significado dos diversos
tipos de patrimônio. Two initiatives must therefore be undertaken concurrently:
rectification of the imbalance on the List between regions of the world, types of
munument, and periods, and at the same time a move away from a purely
architectural view of the cultural heritage of human towards one which was much
more anthropological, multi-functional and universal (8a Sessão do WHC, 1994, p.4).
Além das áreas de risco, um outro campo tem sido considerado nos
levantamentos e nos direcionamentos relatados pelo ICOMOS: a questão de
sítios arqueológicos em áreas submersas e parques naturais marinhos ou
fluviais. A Draft Charter for the Protection and Management of the Underwater
Cultural Heritage (1995), contribuiu sobremaneira para que vários países se
organizassem para atuação na proteção dessas áreas. Portugal, em 1998,
168
sancionou a legislação concernente à pesquisa e à preservação de sítios
subaquáticos. No Brasil, poucos pesquisadores atuam neste campo, como o
arqueólogo Gilson Rambelli, formado pelo MAE-USP. Ainda que em 1996 a
carta do ICOMOS referente ao Patrimônio Subaquático29 tenha sido traduzido
para o português, a legislação brasileira referente a este tipo de patrimônio é
ineficiente e obscura.
29
Publicada na Revista do MAE, n.7, de 1997, como A Carta Internacional do ICOMOS sobre
a proteção e gestão do Patrimônio Subaquático.
169
documentos são acessíveis, suas intenções são claras e a forma como
coordenam seus trabalhos é objetiva.
170
5. UNESCO – Organização Educacional, Científica e
Cultural das Nações Unidas: a constituição do discurso
possível
Nós não vivemos mais, somos vividos. Não temos mais
liberdade, não sabemos mais nos decidir, o homem é privado
da alma, a natureza é privada do homem. Nunca houve uma
época mais perturbada pelo desespero, pelo horror da morte.
Nunca silêncio mais sepulcral reinou sobre o mundo. Nunca o
homem foi menor. Nunca esteve mais irrequieto. Nunca a
alegria esteve mais ausente e a liberdade mais morta. E eis
que grita o desespero: o homem pede gritando a sua alma,
um único grito de angústia se eleva do nosso tempo.
Hermann Bahar (1916), apud Mário De Micheli, 1991: 61.
171
A UNESCO foi fundada no período imediatamente posterior à
Segunda Grande Guerra, como um braço da Organização das Nações
Unidas voltado especificamente para as questões educacionais, científicas e
culturais. Compreendendo que todas estas questões estão imbricadas, sendo
impossível distinguir os limites precisos entre elas – uma vez que a
educação, a cultura e a ciência não existem em si e por si, mas para a
formação integral dos indivíduos e da sociedade –, a Constituição referente à
normatização dessa instituição foi discutida em 16 de Novembro de 1945, em
Londres, sendo ampliada, subseqüentemente, nas seguintes vinte e cinco
sessões da Conferência Geral. As diretrizes propostas no documento advêm
do mesmo espírito da ONU de recompor um mundo assolado pela barbárie
do pós–guerra; das lembranças dos campos de concentração e das
atrocidades cometidas por uma sociedade que se considerava a única
detentora do título de civilização: o mundo ocidental.
172
Não há como negar que todo a documentação forjada nesse primeiro
momento pela UNESCO procurava a linguagem multirracial; a fuga da
intolerância; a crítica às orientações racistas de qualquer natureza e a fé
baseada na noção de que o conhecimento e o respeito para com cada
cultura existente no mundo seriam a única maneira de se alcançar a
solidariedade da raça humana: the peace based exclusively upon the political and
economic arrangements of governments would not be a peace which could secure
the unanimous, lasting and sincere support of the peoples of the World, and that the
peace must therefore be founded, if it is not to fail, upon intellectual and moral
solidarity of mankind (UNESCO, 1945, p. 1). Esta nova sensibilidade diante da
sociedade ocidental, misto de vergonha e procura de alguma saída, se
reproduziu em todos outros campos de conhecimento, ficando, não apenas
ao meio diplomático ou científico a disposição de olhar a sociedade sob o
prisma de uma consciência humana ciente de sua fragilidade.
173
blindado subterrâneo. Não podemos esquecer que o mundo não existe para um
único indivíduo e não se move somente por nós (Apud DE MICHELLI, 1991, p. 18).
30
A derrota de 1870 desenvolve na França um sentimento xenofóbico, anti–semita e
nacionalista.
31
A Constituição da UNESCO fica à disposição para sua assinatura por outros países nos
arquivos do Governo britânico, logo após sua redação.
174
purpose of the Organization is to contribute to peace and security by promoting
collaboration among the nations through education, science and culture in order to
further universal respect for justice, for the rule of law and for the human rights and
fundamental freedoms (UNESCO, 1945, p.1). Cultura, educação e ciência
convergem para conceitos que envolvem a manutenção das tradições; o
reconhecimento do passado de cada povo; a valorização do patrimônio que
se substancializa na cultura material e imaterial de todo e qualquer grupo
social. Uma das iniciativas da UNESCO, como visto nos capítulos anteriores,
foi fomentar a criação de Conselhos Internacionais voltados para as questões
patrimoniais – como o ICOM, o ICOMOS e o ICCROM –, de acordo com a
proposta de difusão do conhecimento por meio da conservação e proteção
de livros, obras de arte e monumentos históricos e científicos; pelo estímulo à
cooperação entre as nações em todos os ramos da atividade intelectual,
incluindo intercâmbio de educadores e cientistas; pela disposição de
informações a respeito dos bens culturais, artísticos, históricos, científicos,
além do Patrimônio Natural e, acima de tudo, pela disposição em auxiliar
países em momentos de crise, sem, no entanto, interferir na independência e
na autonomia de cada nação.
175
reunidas nos seguintes conjuntos, os quais foram dispostos na tabela
seguindo tanto o critério temporal – as questões são apresentadas na ordem
cronológica de aparecimento –, quanto a especificidade do assunto
abordado:
176
inclusão/exclusão, encontram-se predispostos por sua própria estrutura a preencher
funções simultâneas de inclusão e exclusão, associação e dissociação, integração e
distinção (BOURDIEU, 1974, p. 12).
177
TABELA 1
CARTAS, TRATADOS, RESOLUÇÕES E OUTROS MODELOS RELACIONADOS
À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL ADOTADOS PELA UNESCO
9. 1964 The Venice Charter. International Charter for the Conservation and
Restoration of Monuments and Sites. II International Congress of
Architects and Technicians of Historic Monuments, ICOM/UNESCO,
Venice, May 1964.
11. 1967 Norms of Quito. Final Report of the Meeting on the Preservation and
Utilization of Monuments and Sites of Artistic and historical Value,
Quito, December 1967.
178
UNESCO, Paris, November 1968.
14. 1970 Convention on the Means of Prohibiting and Preventing the Illicit
Import, Export and Transfer of Ownership of Cultural Property.
General Conference of the UNESCO, Paris, November 1970.
15. 1972 Convention Concerning the Protection of the World Cultural and
Natural Heritage – General Conference of the UNESCO, Paris,
November 1972.
179
26. 1981 The Burra Charter. The Australia ICOMOS Charter for the
Conservation of Places of Cultural Significance, General Assembly of
ICOMOS, Australia, June 1981
27. 1982 The Florence Charter. Historic gardens and landscapes, ICOMOS,
Florence, December 1982.
32. 1983 Appleton Charter for the Protection and Enhancement of the Built
Environment. ICOMOS Canada, 1983.
34. 1985 Convention for the Protection of the Architectural Heritage of Europe.
Council of Europe, October 1985,
35. 1986 Código de ética profesional de los Museos. XV Asamblea General del
ICOM, Buenos Aires, Noviembre 1986.
37. 1987 First Brazilian Seminar About the Preservation and Revitalization of
Historic Centers, ICOMOS Brazil, Rio de Janeiro, July 1987,
38. 1990 Charter for the Protection and Management of the Archaeological
Heritage, General Assembly of ICOMOS, Lausanne, 1990.
41. 1992 New Zealand Charter. Charter for the Conservation of Places of
Cultural Heritage Value, ICOMOS New Zealand, October 1992.
180
42. 1992 A Preservation Charter for the Historic Towns and Areas of the United
States of America, US/ICOMOS, Washington, May 1992.
46. 1994 Buenos Aires Draft Convention on the Protection of the Underwater
Cultural Heritage. ICOMOS, Buenos Aires, 1994.
49. 1996 Charter for the Protection and Management of the Underwater Cultural
Heritage. General Assembly ICOMOS, Sofia, October 1996.
50. 1996 Final Communiqué of the NATO Partnership for Peace Conference on
Cultural Heritage Protection in Wartime and State of Emergency.
NATO/UNESCO/ICOM/ICOMOS. Cracow, June 1996.
th
52. 1998 The Stockholm Declaration. Declaration of ICOMOS marking the 50
anniversary of the Universal Declaration of Human Rights, adopted by
the ICOMOS Executive and Advisory Committees at their meetings in
Stockholm, 11 September 1998.
54. 1999 Principles for the Preservation of Historic Timber Structures. ICOMOS,
1999.
55. 1999 Charter on the Built Vernacular Heritage. ICOMOS, México, Outubro
2000.
181
QUADRO CRONOLÓGICO POR ÁREA DAS CARTAS, CONVENÇÕES, RECOMENDAÇÕES E TRATADOS ELABORADOS PELA UNESCO EM
CONJUNTO COM ICOMOS, ICOM E ICCROM - QUADRO 1 –
SÉCULO XX
TIPOLOGIA 30 – 40 40 – 50 50 – 60 60 – 70 70 – 80 80 – 90 90 – 00
PATRIMÔNIO . Carta de Atenas (31) . Convenção . Carta de Veneza (64) . Convenção p/ Patrimônio Cultural . Carta de Burra (81) . Carta Cidades
. Pacto de Roerich (35) Cultural . Normas de Quito (67) e Natural Mundial (72) . Carta de Florença (81) Históricas EUA (92)
HISTÓRICO
Européia (54) . Recomendações p/ Patrimônio . Carta de Quebec (82) . Carta de Nova
Cultural e Natural Nacionais(72) . Declaração de Roma (83) Zelândia (92)
. Recomendações p/ pequenas . Carta de Washington (87)
cidades históricas (75) . Seminário para Revitalização
. Recomendações s/ o papel de Centros Históricos Brasil (87)
Áreas Históricas (76)
. Convenção de San Salvador (76)
PATRIMÔNIO .Carta de Atenas (31) . Recomendações . Carta de Veneza (64) . Convenção de San Salvador (76) . Carta para o Gerenciamento . Convenção para a
ARQUEOLÓGICO Internacionais . Normas de Quito do Patrimônio Arqueológico (90) Proteção do
p/ Escavações (67) Patrimônio
(56) . Convenção Patrimônio Arqueológico Europeu
Arqueológico (69) (92)
PATRIMÔNIO . Carta de Atenas (31) . Recomendações . Carta de Veneza (64) . Recomendações sobre Edifícios . Carta de Florença (82) .Patrimônio Vernacular
ARQUITETÔNICO Internacionais p/ . Normas de Quito Antigos (72) . Carta Centros Históricos (87) (99)
o Planejamento (67) . Declaração de Amsterdã (75) . Carta de Appleton (83)
arquitetônico(56) . Carta da Europa (75) .Convenção sobre Patrimônio
Arquitetônico Europeu (85)
BENS CULTURAIS . Pacto de Roerich (35) . Normas de Quito . Convenção de San Salvador (76)
MÓVEIS (OBRAS E (67) . Recomendações p/ Patrimônio
COLEÇÕES) móvel (78)
PATRIMÔNIO . Convenção para
SUBAQUÁTICO proteção de Patrimônio
Subaquático (94)
Carta Patrimônio
Subaquático (96)
PATRIMÔNIO . Recomendações p/ . Convenção p/ Patrimônio Cultural .Carta de Burra (81) . Carta de Nova
NATURAL paisagens (62) e Natural Mundial (72) . Carta de Florença (82) Zelândia (92)
. Recomendações p/ Patrimônio
Cultural e Natural Nacionais(72)
182
5.1. Patrimônio Histórico
183
O conceito de Patrimônio Histórico, definido oficialmente pelos
organismos gestores selecionados neste trabalho, foi a base para a reunião e
análise dos documentos abaixo relacionados, resultando na elaboração deste
tópico específico:
184
11) Carta de Burra – Carta para a conservação de Lugares de Cultural
significado – ICOMOS-Austrália, 1981.
185
Hitler (Mein Kampf, 1924); entre 1918 e 1931 ocorre a consolidação de vários
estados europeus com a fundação das repúblicas da Polônia, Áustria,
Tchecoslováquia, Finlândia, Alemanha e Espanha; em 1929, a quebra da
Bolsa de Nova York repercutiu tanto no continente europeu quanto no
americano, promovendo uma crise mundial de enormes proporções. O final
do século passado foi marcado pelo apogeu do colonialismo europeu (1876–
1914), rompido abruptamente pelo conflito da I Grande Guerra que
questionou a hegemonia inglesa e francesa. Um mundo cada vez mais
dividido, desigual, com fronteiras demarcadas e sentado em uma bomba
relógio prestes a explodir. Os destroços deixados pela I Grande Guerra
promoveram uma intensa atividade de restauração por toda Europa,
atividades descontroladas e muitas vezes sem nenhum conhecimento
técnico. Para quem trabalha nessa área de conhecimento específica sabe,
por experiência, que uma intervenção inadequada normalmente é mais
prejudicial do que intervenção nenhuma. A partir dessa premissa e sob a
égide de uma consciência da necessidade de cooperação, a Carta de Atenas
estabelece como prerrogativa:
186
g) Atenção especial deve ser dada às áreas de entorno dos sítios
históricos pesquisados.
32
It earnestly hopes that the International Museums Office will publish a repertory and a
comparative table of the legislative measures in force in the different countries and that this
information will kept up to date (Carta de Atenas, 1931, p. 2).
187
científica. Ainda que aspectos legais sejam mencionados, a carta,
compactuando um posicionamento racionalista e tecnicista, enfatiza as
questões técnicas que envolvem os monumentos: o respeito à integridade do
original; o uso de materiais reversíveis e cientificamente aprovados; o
controle dos fatores ambientais de degradação e a parceria de arquitetos e
curadores com cientistas das áreas de Química, Física e Ciências Naturais.
Estranhamente, a área de Arqueologia não é citada nesse tópico específico,
principalmente em um período – década de trinta – em que a Arqueologia
Histórica se firma como linha de pesquisa nas obras de Kossinna, Childe e
Wheeler, conforme vimos no capítulo anterior.
188
na cobrança da ingerência do Estado na preservação de seus bens
patrimoniais, foi assinado pela Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia,
Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guatemala,
Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Estados
Unidos e Uruguai. O representante oficial do Brasil foi Oswaldo Aranha era
então o embaixador do Brasil nos Estados Unidos sob o regime do Estado
Novo e já havia sido Ministro da Justiça entre 1930 e 1937. Em relação à
Carta de Atenas, esse documento preconiza o debate sobre a situação dos
Bens Patrimoniais em situação de guerra ou conflitos armados; já no primeiro
artigo é afirmado que: the historic monuments, museums, scientific, artistic,
educational and cultural institutions shall be considered as a neutral and such as
respected and protected by belligerents; the same respect and protection shall be
due to the personnel of the institutions mentioned above.
189
fundação do ICOMOS e se colocará como uma referência internacional para
a Conservação e Restauração de Monumentos. Baseada nos princípios da
Carta de Atenas, expande o conceito de monumento histórico ao proferir no
artigo primeiro que: the concept of an historic monuments embraces not only the
single architectural work but also the urban or rural setting in which is found the
evidence of a particular civilization a significant development or an historic event.
This applies not only to great works of art but also to more modest works of the past
which have acquired cultural significance with the passing of time. Desenvolvido no
II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos
Históricos, o documento enfatiza a proteção do Patrimônio Arquitetônico;
retoma a questão do respeito à integridade das estruturas originais, porém
coloca a possibilidade de remoção de elementos, caso esta seja
indispensável à sua salvaguarda; coloca o processo de restauração como
uma operação altamente especializada e critica as ações amadorísticas sem
respaldo científico; aconselha que a substituição das partes faltantes, caso
indispensável ao suporte estrutural, não deve danificar, confundir ou
desmerecer a construção original. Estes pressupostos éticos de fundo técnico
têm, no entanto, sido de difícil avaliação, uma vez que a Ciência da
Restauração não tem se desenvolvido como uma disciplina em si, mas como
um apêndice das práticas de intervenção por arquitetos, arqueólogos,
historiadores e museólogos.
190
– antes e depois da obra –, os quais têm poder de testemunho no caso de
acusações de prática indevida. O registro dos materiais e da metodologia
empregada deve fazer parte desse dossiê e são fundamentais para as ações
de manutenção. Não obstante de o período pós-guerra reorientar a postura
de muitos intelectuais voltados para a História da Arte, a Arqueologia e a
Museologia, dos modelos estruturalistas para as questões sociológicas, a
exigência do método científico como base das investigações mantêm a
orientação pragmática de muitos debates.
191
restorers, having received university level training and post-graduate level
specialised training (Declaration of Rome, ICCROM, 1982).
192
estrutura hospitalar, escolar e administrativa; a existência de atividades
econômicas, como indústrias extrativas ou de produção, indispensáveis à
sobrevivência financeira da população, todos esses fatores, somados ou
isolados, podem causar danos irreparáveis às pequenas cidades históricas.
Um exemplo do impacto social em uma cidade histórica de médio porte é a
atual situação da cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais: o crescimento
desordenado gerado pelo afluxo populacional produziu bairros como Bauxita
e Barra, totalmente descaracterizados em relação aos padrões da cidade
colonial; a poluição da ALCAN, empresa multinacional de alumínio, somada
ao desmatamento do entorno da cidade tem ocasionado enchentes e
deslizamentos constantes, colocando em perigo todo o Patrimônio
Arquitetônico do século XVIII.The gulf between the public authorities and the
people is the same as that between civil society and the past, due to the lack of
information, even though the inhabitants of colonial towns depend on tourism to their
own survival. Who are the strongest enemies of the preservation of these colonial
towns? First and foremost the town administration itself, unaffected by the social
problems and ignorant of cultural issues in general, but sometimes the inhabitants
too, unaware of the importance of the monuments, contribute to the deformation of
the urban setting. New windows, parabolic antennae, garages, roofs, and whole
houses are enough to transform a colonial town into a modern one, a mere shadow
of an old colonial town, as is the case with so many of them” (GRAMONT, apud
FUNARI, 2001, p. 25).
193
uso de defensivos químicos na agricultura e a necessidade de se preservar
as cachoeiras e manter a vegetação dos leitos dos rios. Como colocado na
própria Resolução de Bruxelas (Bruges Resolutions, ICOMOS, 1975): In many
places, the preservation of smaller towns has largely been the result of local initiative
and such worthwhile activities must be encouraged and supported.
194
históricos com a demolição de edifícios e monumentos arquitetônicos,
objetivando sua substituição por outros edifícios que atendessem as
demandas econômicas e sociais. A partir da década de 70, a preocupação
com o crescimento desordenado preocupa várias áreas de estudo: a questão
do recall ou reaproveitamento na Arquitetura; o desenvolvimento controlado e
auto-sustentável na Ecologia e as questões demográficas na Geografia
Humana, constantemente avaliadas pela UNESCO como forma de
determinar padrões mínimos aceitáveis de subsistência de acordo com os
índices de mortalidade infantil, miséria, fome, violência.
195
areas of preservation, stimulation of community participation and development.
Whether through municipal, provincial or federal programs, large-scale projects or
more modest actions, the people of Quebec have show that they are interested in
their heritage and are determined to revive it. Algo interessante no documento
canadense é a consciência histórica da formação cultural de seu povo
registrada na carta, dando suporte à justificativa política de preservação de
Quebec: local de lutas dos nativos americanos, os primeiros habitantes da
região, a cidade de Quebec foi primeiramente francesa e então colônia
inglesa até transformar-se em uma confederação canadense. A história
política de Quebec é marcada pelo esforço em se preservar o francês e sua
formação católica em um continente norte-americano predominantemente
inglês e protestante. O conceito de patrimônio é definido, na carta, para além
do significado material de posse de edifícios antigos erguidos em um
passado distante e seu valor perpassa pelo significado que representa para a
comunidade: heritage is a reality, a possession of the community, and a rich
inheritance that may be passed on, which invites our recognition and our
participation. Como conseqüência dessa visão diferenciada, pela primeira vez
a palavra cidadão como agente de preservação é colocada em pauta, sendo
imputadas a cada indivíduo a responsabilidade e a participação na proteção
dos bens culturais da coletividade: o povo tem o legítimo direito de participar
de qualquer decisão relativa às ações de intervenção, controle e uso do
patrimônio, devendo ser esclarecido e informado sobre todas as questões
que envolvam seus bens culturais; o patrimônio nacional é um tesouro que
pertence a toda a comunidade; é precioso e insubstituível.
196
Quebec, Roma e Brasil propõem a percepção social, do ponto de vista
da integração das sociedades modernas aos monumentos históricos, como
uma forma de lidar com os problemas da preservação. É, no entanto, na
Carta de Nova Zelândia, em 1992, que as comunidades indígenas são
consideradas como agentes de preservação de sua própria cultura. Nova
Zelândia possui um acervo arqueológico, etnográfico, histórico e natural
único, sendo a herança Maori e Mariori formada não apenas pelas coisas de
natureza física, mas pelos relatos familiares, agrupamentos tribais e
cerimoniais que mantêm vivas suas tradições culturais. O Tratado de
Waitangi é a base histórica da confirmação da sociedade indígena como
mantenedora e guardiã de sua própria cultura: This interest extends beyond
current legal ownership wherever such heritage exists. Particular knowledge of
heritage values is entrusted to chosen guardians. The conservation of places of
indigenous cultural heritage value therefore is conditional on decisions made in the
indigenous community, and should proceed only in this context. Indigenous
conservation precepts are fluid and take account of the continuity of life and the
needs of the present as well as the responsibilities of guardianship and association
with those who have gone before. In particular, protocols of access, authority and
ritual are handled at a local level. General principles of ethics and social respect
affirm that such protocols should be observed (New Zealand Charter, ICOMOS,
1992.).
197
em função das reflexões acerca do impacto da industrialização nas
sociedades modernas que convivem com monumentos que perpetuam o
passado e edificações que respondem ao presente. Aliada à diversidade
temporal, a maior parte desses centros urbanos traz a diversidade cultural,
sendo indispensável ao planejamento e à manutenção dos aspectos
característicos de cada zona o conhecimento de seu desenvolvimento
histórico. Mesmo considerando os aspectos humanos, os princípios e
objetivos descritos na carta enfatizam as estratégias de planejamento urbano
e, ao contrário das recomendações dos documentos canadense e brasileiro,
não envolve o cidadão nesse processo de revitalização e valorização dos
centros históricos. A Carta de Washington (1987) significou a manutenção
dos encaminhamentos da Carta de Veneza (1964) e também a continuidade
das ações de planejamento urbano relacionado aos centros históricos que foi
discutido pela Carta de Florença (1982). Este documento, forjado pelo
International Commitee for Historic Gardens – ICOMOS/IFLA, ampliou as
discussões sobre centros históricos em áreas urbanas considerando, não
apenas os monumentos arquitetônicos ali apresentados, mas os jardins
históricos que fazem parte desse cenário: As a monument, the historic garden
must be preserved in accordance with the spirit of the Venice Charter. However,
since it is a living monument, its preservation must be governed by specific rules
which are the subject of the present charter.
198
A conferência de Atenas, convencida de que as questões de
conservação de propriedades artísticas, arqueológicas ou históricas da
humanidade devem ser vistas como um patrimônio comum enquanto
testemunho da civilização, ressalta a importância de iniciativas e reflexões
comuns, com a participação do maior número de nações possíveis. A
Convenção Cultural Européia, realizada em 1954 segue os mesmos
princípios: apesar de estar direcionada ao patrimônio europeu, procura nas
ações integradas um meio de controlar problemas concernentes à posse de
bens patrimoniais. O caso desta convenção é específico, principalmente
neste Continente, uma vez que os conflitos territoriais europeus, as disputas
étnicas, as conquistas coloniais geraram um intercâmbio contínuo de obras
de arte, objetos, elementos arquitetônicos e arqueológicos de um lado para
outro em toda Europa. No documento está escrito: considering that the aim of
the Council of Europe is to achieve a greater unity between its Members for the
purpose, among others, of safeguarding and realising the ideal and principles which
are their common heritage, (...) have agreed as follows: each Contracting Party shall
take appropriate measures to safeguard and to encourage the development of its
national contribution to the common cultural heritage of Europe.
199
Se o primeiro documento gerado pelo Conselho Europeu parece
retratar a fragilidade das relações entre as nações européias, a proposta
elaborada pela Organização dos Estados Americanos (1967) reproduz uma
vontade comum de realizar um trabalho integrado no que concerne à
proteção do patrimônio Latino-Americano. No relatório final do primeiro
encontro para a preservação e utilização de monumentos e sítios de valor
artístico ou histórico, realizado em Quito, na introdução é colocada
claramente a necessidade de uma ação integrada dos governos do
continente americano. No encontro realizado em Punta del Este (1967), na
Declaração dos Presidentes, no item segundo referente às instruções das
agências da Organização dos Estados Americanos está escrito: Extend inter-
American co-operation to the preservation and use of the archaeological, historic and
artistic monuments. No Conselho Cultural Inter-Americano também lê-se: ...the
extension of technical assistance and financial aid to the cultural patrimony of
member states will be carried out as part of their economic and tourist travel
development.
200
suas orientações ao espaço físico restrito de Quebec, apesar dessa reflexão
particular ser passível de uma aplicação mais ampla. As Normas de Quito,
ao contrário, impõem a necessidade do diálogo entre os países americanos
como uma forma de preservar esta identidade, mesmo diante de um
contexto multi-cultural: continuity of the latin American history and cultural horizon,
seriously compromised by overwhelming acceptance of chaotic process of
modernisation, require the adoption of measures for the protection, recovery and
enhancement of the regional monumental heritage and the preparation of both
immediate and long-range national and multi-national plans.
201
which assistance has been requested under this Convention. This list shall contain
an estimate of the cost of such operations. The list may include only such property
forming part of the cultural and natural heritage as is threatened by serious and
specific dangers, such as the threat of disappearance caused by accelerated
deterioration, large-scale public or private projects or rapid urban or tourist
development projects; destruction caused by changes in the use or ownership of the
land; major alterations due to unknown causes; abandonment for any reason
whatsoever; the outbreak or the threat of an armed conflict; calamities and
cataclysms; serious fires, earthquakes, landslides; volcanic eruptions; changes in
water level, floods and tidal waves.
202
tange a preservação desse patrimônio. Com o intuito de anular qualquer
forma de preconceito em relação à arte e cultura pré-colombiana, no artigo
segundo do texto é mencionado que a propriedade cultural inclui como uma
de suas categorias, monumentos, objetos, fragmentos, ruínas e materiais
arqueológicos pertencentes às culturas existentes antes do contato com a
cultura européia, como também os vestígios das ações humanas, fauna e
flora relacionados a estas culturas. Na Convenção de San Salvador,
realizada em 1976, a propriedade cultural americana é classificada de acordo
com as seguintes categorias:
203
Ilustram o uso e abuso do nativo e do africano pelo português (inglês, francês,
espanhol) tanto no nível do sistema econômico global quanto nos hábitos enraizados
na corporeidade. Por quê idealizar o que aconteceu? Deve o estudioso brasileiro
competir com outros povos irmãos para saber quem foi melhor colonizado? Não me
parece que o conhecimento justo do processo avance por meio desse jogo
inconsciente e muitas vezes ingênuo de comparações que necessariamente
favoreçam o nosso colonizador (BOSI, 1982, p. 29).
204
termos culturais, antes que como portadores de significados inerentes e ahistóricos,
inspiradores, pois, de reflexões, mais do que de admiração (Potter, s.d.). Uma
abordagem antropológica do próprio património cultural ajuda a desmascarar a
manipulação do passado (Haas, 1996). A experiência brasileira, a esse respeito, é
muito clara: a manipulação oficial do passado, incluindo-se o gerenciamento do
patrimônio, é, de forma constante, reinterpretada pelo povo. Como resumiu António
Augusto Arantes (1990: 4): “o patrimônio brasileiro preservado oficialmente mostra
um país distante e estrangeiro, apenas acessível por um lado, não fosse o fato de
que os grupos sociais o re-elaboram de maneira simbólica”. Esses estratos são os
excluídos do poder e, assim, da preservação do patrimônio (FUNARI, 2001, p. 24).
205
5.2. Patrimônio Arqueológico
Since the aim of archaeology is the understanding of
humankind, it is a humanistic discipline, a humane study. And
since it deals with the human past it is a historical discipline.
But it differs *from the study of written history – although it
uses a written history – in a fundamental way: the material the
archaeologists find does not tell us directly what to think.
Colin Renfrew e Paul Banh, Archaeology: theories, method
and practice, 1991, p. 10.
A atividade humana na Ilha de Santa Catarina teve início por volta de 5000 anos
atrás, com a chegada dos primeiros caçadores e coletores, grupos pré-ceramistas
que construíram os Sambaquis. Depois dos caçadores e coletores, ocuparam
também o território ilhéu os ceramistas Itararé, vindos do planalto e, finalmente, o
Carijó, índio guarani que viria a ter o contato com o europeu colonizador.
Crédito da foto e do texto: Rodrigo Aguiar
http://www.geocities.com/Athens/Acropolis
206
Não há como separar os conceitos de Patrimônio Histórico, Artístico,
Arqueológico ou Arquitônico, pois todos, de uma maneira geral, estão
circunscritos na esfera da cultura. O que na verdade difere é a abordagem
que move cada grupo de cientistas, pesquisadores e agentes culturais ao
formular os paradigmas, os conceitos e critérios, os códigos simbólicos que
estruturam suas relações com os objetos relacionados: suas intenções
últimas definidas dos discursos propostos. Com o intuito de operacionalizar
este trabalho, estes foram os documentos específicos ao tema Patrimônio
Arqueológico, sem desconsiderar que todos os outros documentos em algum
momento mencionam essa categoria:
207
Como visto anteriormente, a Carta de Atenas foi o primeiro instrumento
internacional destinado à regulamentar os princípios gerais e as doutrinas
relacionadas à proteção de sítios históricos e monumentos. Conforme
declarações da própria carta: the members of the Conference, after having visited
in the course of their deliberation and during the study cruise which they were able to
make in this occasion, a number of excavation sites and ancient Greek monuments,
unanimously paid a tribute to the Greek Government which, for many years past, has
been itself responsible for extensive works and, at the same time, has accepted the
collaboration of archaeologists and specialists from every country. Os membros
presentes acentuam então as vantagens e os alcances das cooperações
entre áreas intelectuais e internacionais. Ao acentuar as questões da
restauração como fator primordial à preservação, dando ênfase aos
problemas gerados por projetos mal elaborados, e ao mencionar as
atividades arqueológicas como integradas ao processo de preservação, inclui
este campus específico das Ciências Humanas no universo conceitual das
ações de preservação.
b) Comércio de antigüidades;
e) Acordos bilaterais.
208
esclarece: considerando a importância da preservação de monumentos e vestígios
do passado; convencidos de que esses estudos promovem o entendimento entre as
nações; considerando que os governos de cada país devem ser orientados por
certos princípios já comprovados e que a partir da regulamentação das escavações
de acordo com a jurisdição própria, os princípios básicos soberania podem conviver
harmonicamente com a liberdade de entendimento e o livre intercâmbio
internacional, os Estados-membros da UNESCO assinam esse documento
(Recommendation on International Principles Applicable to Archaeological
Excavation, UNESCO, 1956).
209
exercise of the creative imagination (RENFREW, C. 1991, p. 9). Nos textos sobre a
construção do pensamento arqueológico, pouco se falou na estruturação
ética da prática desta profissão. Um dos avanços desse documento da
metade deste século é colocar quais são os direitos e as obrigações do
arqueólogo, bem como a jurisprudência relativa ao comércio de antigüidades.
Quanto ao comércio, as regulamentações governamentais devem coibir o
contrabando de artefatos, possibilitando, porém, que museus estrangeiros
adquiram objetos que estejam livres de qualquer tipo de restrição legal tanto
no país receptor quanto no país de origem.
210
O documento seguinte, a Carta de Veneza (1964), dá continuidade à
Carta de Atenas (1931), pois mantêm como foco de preocupação o controle
das atividades de restauração e a conservação de sítios e monumentos.
Sendo resultado de um encontro que deu origem ao ICOMOS, este registro
reafirma os padrões científicos e as recomendações definidas no documento
de 1956, no que tange à prática da escavação. Contudo, como as discussões
são produtos do II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de
Monumentos Históricos, os aspectos arquitetônicos dos monumentos
parecem ser mais relevantes do que as questões arqueológicas. A
nomenclatura “técnicos de monumentos históricos” encontra-se situada
naquela categoria de que tudo pode ser qualquer coisa. Do mesmo modo,
pelo fato de a legislação brasileira não reconhecer várias profissões das
áreas de Ciências Humanas, entre elas arqueólogos, historiadores e
restauradores, no Catálogo Brasileiro de Profissões aparece a nomenclatura
“técnico de museu”, reunindo desde o numismata até o montador de
exposição.
211
as políticas governamentais e intergovernamentais são prerrogativas do
encaminhamento desse discurso. A Convenção sobre a proteção do
Patrimônio Arqueológico, Histórico e Artístico das nações Americanas –
realizada em San Salvador, em junho de 1976, segue a mesma orientação
da convenção anterior: as ações políticas parecem ser o foco dos debates.
212
ao controle do tráfico ilícito de propriedade cultural presentes no documento
de San Salvador foram reiteradas, em 1990, pelos países da Costa Rica,
Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá e
Peru.
213
protection of the archaeological heritage (Charter for the Protection and Management
of the Archaeological Heritage, ICOMOS, 1990).
No documento, o Patrimônio Arqueológico representa a parte de um
patrimônio material sobre o qual os métodos arqueológicos proporcionam as
informações primárias. Ele compreende todos os vestígios de existência
humana e se refere aos locais onde tenha se manifestados qualquer tipo de
atividade humana, incluindo estruturas abandonadas e registros de todos os
tipos (subterrâneos ou subaquáticos), sendo associado a todos os tipos de
cultura relacionada a ele. Com esta definição, a Arqueologia vem como
disciplina básica, indispensável à prática do resgate de testemunhos
enterrados, submersos ou abandonados, admitindo-se que seu corpo
científico teria prioridade nas atividades científicas, no que tange à ordem das
investigações, pois, caso contrário, outras práticas envolvidas poderiam
desaparecer com registros que pareceriam sem importância a um leigo, mas
que seria fundamental à construção teórica do saber arqueológico: the
archaeological heritage is a fragile and non-renewable cultural resource.
214
reasonable period after the conclusion of the excavation. (Charter for the Protection
and Management of the Archaeological Heritage, ICOMOS, 1990).
Estas considerações estão registradas de maneira mais ampla e ao
mesmo tempo precisa na obra La Conservation en Archéologie, de M.C.
Berducou (1990). O texto também aborda a questão da qualificação
profissional, colocando que, mesmo que várias disciplinas possam estar
voltadas para o objeto arqueológico – resgate, conservação, gerenciamento –
, apenas o treinamento adequado de profissionais competentes, portadores
de conhecimentos específicos que vão desde a Química aplicada à
Antropologia comparada, poderá promover ações pautadas pelo
conhecimento especializado, evitando-se assim erros fatais quanto à
preservação e ao conhecimento científico voltado para esse patrimônio:
215
alguma maneira permitam recuperar o caráter dos grupos humanos,
elaborando cronologias e tipologia de séries definidas, estabelecendo pontos
de contato entre esses grupos e suas ações. Mais recentemente, o estudo de
técnicas antigas também tem sido matéria de pesquisa, além da ética
profissional, o papel social, a interdisciplinaridade (como a Etno-arqueologia)
e os objetivos pretendidos pela disciplina (como a história do pensamento
arqueológico). Contudo, no que respeita ao Patrimônio Arqueológico a ação
integrada é fundamental, pois a complexidade do trabalho científico impõe
conhecimentos específicos e campos determinados no sentido de estudar,
preservar e expandir os resultados obtidos. Nesse sentido, a técnica de
conservação e restauração de materiais arqueológicos é, ao mesmo tempo,
uma disciplina em si e uma disciplina adjunta, que deve ter como base o
cuidado de não apagar vestígios materiais (restos humanos/ vegetais/
animais) que signifiquem informações preciosas aos demais pesquisadores.
216
transformações, às vezes muito e às vezes pouco importantes. Lacunas,
deformações, mudanças de características mecânicas e químicas são difíceis
compreender retroativamente: Como diferenciar os materiais alterados dos
originais? Quais os riscos do novo ambiente?
217
descobrimento, a visitação descontrolada e contínua ocasionou uma
alteração drástica do ambiente interno, promovendo perdas significativas e
irrecuperáveis. Devemos ter consciência de que, tanto no momento da
escavação, quanto na intervenção e na exposição, os impactos são
inevitáveis; desse modo, toda ação deve ser integrada e previamente
planejada. Nas escavações, é imprescindível avaliar a natureza do material, o
tipo de solo e a dimensão do sítio; programar as linhas de conservação
imediatas e futuras, e as condições de guarda e/ou exposição mais
adequadas.
218
dos objetos encontrados, a documentação do processo, recursos
de equipamentos, produtos e pessoas; características do terreno;
219
domestic law of the State, the use of metal detectors and any other detection
equipment or process for archaeological investigation.
A preocupação do patrimônio em blocos, europeu e americano, não
impede que o intercâmbio internacional seja uma prática comum,
principalmente entre universidades. No entanto, não temos em mãos nenhum
documento relativo a um projeto integrado relacionado ao patrimônio
33
africano , asiático ou da Oceania. Na América Latina e, mais
especificamente, no Brasil, a formação do arqueólogo encontra-se forjada em
bases elitistas: A sociedade brasileira, patriarcal, dominada por uma estrutura
social hierárquica secular, produziu muito tardiamente a universidade, séculos
depois das primeiras congêneres hispano-americanas. A universidade brasileira,
desenvolvendo-se a partir da década de 1930, viria a ter algumas características
estruturais, derivadas do próprio caráter restritivo à liberdade intelectual da
sociedade nacional, ainda presentes entre nós. Florestan Fernandes, um dos nossos
primeiros acadêmicos, advertia, antes do golpe militar de 1964, que “o intelectual se
torna, literalmente, um escravo do poder. Se ele tentar o contrário, corre o risco de
sofrer pressões muito violentas e de ser eliminado da arena intelectual” (Fernandes,
1975: 85). Segundo outro decano da ciência nacional, Milton Santos, “buscar o novo
é perigoso”, resultado da falta de valorização do mérito intelectual propriamente dito:
“Eu acho que o meio intelectual no Brasil é, até certo ponto, opaco, no sentido de
que a vida acadêmica não se caracteriza pela existência de um mercado acadêmico.
As pessoas nascem, crescem, evoluem e morrem no mesmo universo. Então, a
idéia de competição se compromete e o sistema de referências é igualmente
doméstico. É muito autocentrado e funciona, com freqüência, em detrimento de uma
emulação mais ampla” (FUNARI, 2000, p. 4).
33
. A não ser o Droit et Patrimoine en Afrique, produzido em 1990 pela UNESCO, com a
cooperação do ICCROM, UNIDROIT, Universidade Internacional de Língua Francesa ACCT,
um documento específico voltado para a compilação de legislação relativa à proteção do
patrimônio africano.
220
5.3. Patrimônio Arquitetônico
A Porta representa de maneira decisiva como o separar e o
ligar são apenas dois aspectos de um mesmo e único ato. O
homem que primeiro erigiu uma porta ampliou, como o
primeiro que construiu uma estrada, o poder especificamente
humano ante a natureza, recortando da continuidade e
infinitude do espaço uma parte e co-formando-a numa
determinada unidade segundo um sentimento.
G. Simmel, Brücke und Tür. apud ARGAN, 1995, p. 1.
http://www.construmais.com.br/arquiteturadaterra.htm
221
O Patrimônio Arquitetônico, como foi visto anteriormente, não se fecha
em categorias excludentes; é ao mesmo tempo Patrimônio Cultural,
Arqueológico, Histórico. No entanto, com a finalidade de operacionalizar as
análises, os documentos relacionados ao tema tratam de uma maneira
específica deste objeto. Quando se pensa em Patrimônio Arquitetônico, logo
de imediato a noção de monumento vem à mente, como uma correlação
espontânea de conceitos: monumento arquitetônico, monumento histórico,
monumento arqueológico. A configuração que se apresenta à mente é um
edifício antigo, podendo ser um depósito de cereais asteca, um templo da
Antigüidade Clássica; um castelo medieval, uma igreja barroca e até mesmo
o Empire States. A palavra latina “monumentum” remete para a raiz indo-européia
“men”, que exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória
(memini). O verbo “monere” significa “fazer recordar”, donde “avisar”, “iluminar”,
“instruir. O “monumentatun” é um sinal do passado. Atendendo às suas origens
filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a
recordação, por exemplo, os atos escritos. Quando Cícero fala dos “monumenta
hujus ordinis” designa os atos comemorativos, quer dizer, os decretos do senado.
Mas desde a Antigüidade romana o “monumentum” tende a especializar-se em dois
sentidos: 1) uma obra comemorativa de arquitetura ou de escultura; arco de triunfo,
coluna, troféu, pórtico, etc; 2) um monumento funerário destinado a perpetuar a
recordação de uma pessoa no domínio em que a memória é particularmente
valorizada: a morte (LE GOFF, 1984, p. 95).
222
instância, das regras da arquitetura, às particularidades dos lugares, dos costumes
ou dos seus ocupantes. O termo era o equivalente ao Prepon grego, que estava
vinculado à categoria ética de fazer as coisas com propriedade. Esse conceito,
resgatado no Renascimento e considerado em toda a tradição clássica adquire, sob
o termo “convenance” e no âmbito dos questionamentos da beleza como princípio
absoluto defendidas por Perrault, destaque fundamental no século XVII. No século
XIX, Quatremère de Quincy, evocando largamente o termo "caráter", considera a
"propriedade" e "conveniência" da diferenciação entre a simples moradia e os
monumentos citadinos, entre o privado e o público e Camilo Sitte, poucos anos
antes do término do século, declara a necessidade de alguns elementos da cidade
serem apresentados com "roupas de trabalho" e outros com "trajes domingueiros"
(GONZÁLES, C.C., 2001, sp).
223
5) Resoluções sobre a introdução da Arquitetura contemporânea em
Grupos de Edifícios Antigos –, Budapeste, junho de 1972.
224
próprias da cidade. Assim, os bens imóveis são colocados abaixo ou
simplesmente são abandonados até cairem. Sofrem a poluição inerente às
grandes cidades e, portanto, alterações químicas e físicas em sua estrutura.
Sofrem a descaracterização e a incompreensão histórica de sua existência. A
crise da cidade, como agregação histórica da sociedade, é relacionada por
Argan à crise da arte e à crise do objeto: A desagregação dos mármores
romanos nada mais é que uma enlutada alegoria da radical incompatibilidade
daquilo que resta da cidade com a vida da metrópole – a angustiante consciência de
poder assistir à consumação de uma catástrofe cultural sem paralelo possível, à
perda, no breve transcorrer de poucos anos, de todo o patrimônio histórico e
artístico que não pode ser imediatamente conservado em museus. Os objetos, as
obras de arte – numa sociedade cuja estrutura cultural não seja mais a história,
como corre o risco de acontecer com a sociedade atual – são fragmentos de um
passado não mais relacionável ao presente, são quase ilhas, resíduos de um
continente submerso (ARGAN, 1995, p. 7).
225
restaurador não esta regulamentada, ocorrendo, assim, a especialização de
profissionais oriundos de outras graduações, como no caso do restaurador-
arquiteto. Desse modo, não interessa o desenvolvimento da História da
Arquitetura em si, mas a compreensão de um tipo particular de arquiteto,
aquele que se preocupa especificamente com a condição de patrimônio
histórico, artístico e cultural das estruturas arquitetônicas. Três problemas
relacionados à área são colocados em evidência na Carta de Atenas: a
manutenção do edifício, a restauração e a ocupação, ações que devem ser
sempre integradas às outras áreas de conhecimento:
Whatever may be the variety of concrete cases, each of which are open to a
different solution, the Conference noted that there predominates in the different
countries represented a general tendency to abandon restorations in loco and to
avoid the attendant dangers by initiating a system of regular and permanent
maintenance calculated to ensure the preservation of the buildings.
When, as the result of decay or destruction, restoration appears to be
indispensable, it recommends that the historic and artistic work of the past should be
respected, without excluding the style of any given period.
The Conference recommends that the occupation of buildings, which ensures
the continuity of their life, should be maintained but that they should be used for a
purpose which respects their historic or artistic character.
226
parte dos hábitos da Museologia, Restauração ou Arqueologia. Encaminhado
como ponto de discussão único, o acordo proposto em 1956 admite a
organização de competições internacionais como forma de impulsionar a
qualidade dos projetos técnicos de restauração e conservação de edifícios
antigos, bem como planejamento urbano de centros históricos. As normas
respectivas a essas competições são abordadas em tópicos específicos,
quais sejam organização; preparação dos programas; registro e admissão
dos competidores; preços; reprodução; organização do júri e exibição dos
planos: The organizers of international competitions may request the assistance of
the Commission on International Competitions of the International Union of Architects
in drawing up the program, nominating persons qualified to serve on the jury,
determining the amount of awards in relation to the nature and size of the program,
the work involved and the expenses incurred by competitors, as stipulated in Article
20, and settling any disputes that may arise between the organizers and competitors
227
Art. 2. The historic garden is an architectural composition whose constituents
are primarily vegetal and therefore living, which means that they are perishable and
renewable. Thus its appearance reflects the perpetual balance between the cycle of
the seasons, the growth and decay of nature and the desire of the artist and
craftsman to keep it permanently unchanged.
Art. 3. As a monument, the historic garden must be preserved in accordance
with the spirit of the Venice Charter. However, since it is a living monument, its
preservation must be governed by specific rules which are the subject of the Present
charter.
Art. 4. The architectural composition of the historic garden includes: Its plan
and its topography; Its vegetation, including its species, proportions, colour schemes,
spacing and respective heights; Its structural and decorative features; Its water,
running or still, reflecting the sky
Art. 5. As the expression of the direct affinity between civilization and nature,
and as a place of enjoyment suited to meditation or repose, the garden thus acquires
the cosmic significance of an idealized image of the world, a paradise in the
etymological sense of the term, and yet a testimony to a culture, a style, an age, and
often to the originality of a creative artist.
Art. 6. The term, historic garden, is equally applicable to small gardens and to
large parks, whether formal or landscape.
Art. 7. Whether or not it is associated with a building in which case it is an
inseparable complement, the historic garden cannot be isolated from its own
particular environment, whether urban or rural, artificial or natural.
Art. 8. An historic site is a specific landscape associated with a memorable
act, as, for example, a major historic event; a well-known myth; an epic combat; or
the subject of a famous picture.
228
principalmente, pela educação e participação da comunidade: it is possible to
develop a country without disfiguring it to prepare for and serve the future without
destroying the past. The improvement of living standards should be confined to
achievement of a progressive material well-being, it should be associated with the
creation of a way of life worthy of mankind. A procura desse way of life corre
também pela percepção do espaço e pela sua compreensão integral.
229
De acordo com Le Goff, o monumento tem como característica o ligar-
se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades
históricas; é um legado à memória coletiva, principalmente nos espaços onde
o acesso ao documento escrito é restrito – quer pelas normas, quer pela
forma. Não é possível esquecer que América Latina, Ásia e África possuem
diferentes índices de analfabetismo neste mundo pseudo-informatizado. O
monumento surge como um elo possível de ligação do presente com o
passado em um contexto social onde a memória parece cada vez mais
cronologicamente limitada. Porém, o monumento precisa dizer algo, falar ao
ouvido das pessoas acerca de suas histórias, senão mudo permanece no
campo do intocável. Toda uma parte, e sem dúvida a mais apaixonante do nosso
trabalho de historiadores, não consistirá num esforço constante para fazer falar as
coisas mudas, para faze-las dizer o que elas por si próprias não dizem sobre os
homens, sobre as sociedades que as produziram, e para constituir, finalmente, entre
elas, aquela vasta rede de solidariedade e de entre-ajuda que supre a ausência do
documento escrito? (FEBVRE, Lucién. apud LE GOFF, 1984, p. 98).
230
Vinte anos após o Pacto de Varsóvia e da criação do Mercado Comum
Europeu, este documento pretende construir uma concepção centralizada no
destino comum desses povos. O muro de Berlim, construído em 1961, na
década de setenta ainda permanece firme e forte, mas as pressões para uma
Europa unida – por questões de mercado ou pela busca da identidade
(autoridade) perdida – orientam o discurso de Amsterdã. Os conflitos
armados e étnicos permanecem vivos em todo território europeu – as ações
do IRA na Irlanda do Norte são as mais extremistas nas décadas de 70 e 80;
as ações dos povos bascos na Península Ibérica; a invasão de Praga pelo
exército russo – e parecem distanciar o documento proposto da realidade
política européia.
231
introduction of modern architecture into areas containing old buildings provided that
the existing context, proportions, forms, sizes and scale are fully respected and
traditional materials are used.
Para Carlo Argan, entre arquitetura e cultura não há relação entre termos
distintos: o problema diz respeito apenas à função e ao funcionamento da
arquitetura dentro do sistema. Por definição, é arquitetura tudo o que concerne à
construção, e é com as técnicas da construção que se intui e se organiza em seu ser
e em seu devir a entidade social e política que é a cidade. Não só a arquitetura lhe
dá corpo e estrutura, mas também a torna significativa como o simbolismo implícito
em suas formas (1995, p. 243).
34
. Uma vez que a Carta do Patrimônio Arquitetônico foi adotada pelo Comitê de Ministros do
Conselho da Europa em 26 de Setembro de 1975 e a Resolução 28 de 1976 adotada em 14
de Abril de 1976, internamente cada país propôs leis e regulamentações necessárias a uma
ação integrada de preservação do patrimônio arquitetônico europeu. Além dessas ações, a
Recomendação 880 (1979) da Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa; a
Recomendação No. R16 (1980) do Comitê de Ministros dos Estados-membros sobre o
treinamento de arquitetos, planejadores urbanos, engenheiros civis e paisagistas, e a
Recomendação No. R13 do Comitê de Ministros adotada em 01 de julho de 1981,
contribuíram para a efetiva realização das propostas de 1975.
232
dos documentos elaborados acerca da definição de Patrimônio Cultural e
Patrimônio Natural, constrói a noção de Patrimônio Arquitetônico de maneira
mais delineada:
233
urbano: definição dos lotes e ruas; intercâmbio entre os edifícios e as áreas
verdes e abertas; a aparência formal do interior e do exterior; a relação entre
o centro urbano e seu entorno; as várias funções que o centro e a área
urbana desenvolvem com o tempo. Além disso, a operacionalidade do
trânsito, as relações sociais e econômicas com os habitantes residentes nas
áreas históricas e o apoio de equipes multidisciplinares – com arqueólogos,
historiadores, arquitetos, técnicos, sociólogos e economistas – são fatores
indispensáveis aos planos de conservação adotados. Apesar dessa estrutura
mais fechada, a Carta de Washington irá influenciar uma série de
documentos elaborados posteriormente, como a Carta para a proteção de
Cidades Históricas nos Estados Unidos, a qual valorizará, do mesmo modo
as questões técnicas de planejamento urbano em áreas históricas.
234
apropriado para a construção, essas empresas têm comprado edifícios
antigos e adaptado-os às suas necessidades; esta adaptação envolve a
manutenção do glamour da fachada, a facilidade de localização urbana e a
possibilidade de reformas internas do espaço de acordo com a dinâmica da
empresa. Como nem sempre esses prédios são tombados e as legislações
brasileiras – municipais, estaduais e federais – não são claras em relação
aos limites da prática de restauração arquitetônica, não há empecilho a esse
tipo de procedimento.Contrariando a essa atitude, o documento de 1972
afirma:
235
duvida da possibilidade de compatibilizar o crescimento urbano com a ação
preservacionista, porém, quanto à preservação do Patrimônio Arquitetônico,
não se trata de fé ou falta de fé, mas de buscas de mecanismos para sua
efetivação.
236
construtivo, à dependência do capital ou então, à total exclusão, como os
“sem teto” das grandes cidades.
237
5.4. Bens Culturais Móveis
O olho torna-se humano quando o seu objeto se torna um
objeto social e humano, vindo do homem e destinado ao
homem. Os sentidos tornam-se, assim, diretamente e na
prática dos teóricos, sentidos transformadores, impregnados
de vida social, de razão – poderes sobre os objetos.
LEVBVRE, Henri. apud DUVIGNAUD, Jean. Sociologia da
Arte, 1970, p.32.
http://www.ciclope.com.br/map/ac10.htm
238
Apesar da força discursiva do objeto – configurado na produção
artística ou no artefato de uso cotidiano –, este tem sido preterido como fonte
de análise histórica em muitas correntes historiográficas. No entanto, o objeto
não deve ser visto como um produto manifesto fora da vida social, alheio a
sua existência e ignorante de seus valores, nem tampouco como um simples
resultado da ideologia ou das relações das forças produtivas, mas como uma
manifestação integrada à complexa rede das relações sociais. Desde o
momento em que o homem atua sobre a matéria, modificando-lhe as formas,
o discurso entre esta matéria e a humanidade já está prvesente. A obra de
arte e o objeto tornam-se possíveis e vivem por intermédio de uma relação
integrada com a sociedade; caso contrário, seus discursos inexistem
(FRONER, 1994).O primeiro objeto da história da humanidade remonta ao
momento em que o Homo Sapiens, segurando bem firme uma pedra, bateu com ela
na superfície doutra, com uma inclinação de 90°. A operação implica uma única
consciência: precisamente a de orientar uma pedra de modo a que o lascar permita
um determinado tipo de uso: o de cortar.(...) Esta ferramenta primitiva está na
origem da experiência tecnológica do homem: a capacidade de associação,
multiplicação e contínua renovação permite ao homem caminhar em direção àquilo a
que os antropólogos do século passado (XIX) chamavam, romanticamente, de “os
alvores da civilização” (DE SETA, 1984, p. 91).
239
testemunhos coletados na China, Japão e outras partes do mundo, como a
África, antes da influência Ocidental. Apesar dos avanços, os intelectuais
dessa época alegavam ser impossível reconstituir ou conectar os registros
encontrados com as ações humanas dos primeiros tempos da civilização:
apenas o documento escrito proveria as provas necessárias à construção
histórica. De acordo com Le Goff, o termo latino documentum, derivado de
docere “ensinar”, evoluiu para o sentido de “prova”: o documento que para a
escola histórica positivista do séc. XIX será o fundamento do fato histórico,
ainda que resulte da escolha e de uma decisão do historiador, parece
apresentar-se por si mesmo como prova histórica através das fontes escritas;
sua objetividade parece opor-se à intencionalidade do monumento ao
afirmar-se essencialmente como um testemunho escrito, retirando dos
objetos e das construções a força discursiva que lhes é inerente (LE GOFF,
1984, p. 96).
240
o homem (BERENSON, 1947, p. 230). O objeto existe enquanto um elemento
a ser preservado quando lhe é imputado um valor histórico, artístico e
cultural. Assim, a noção de objeto permeia duas possibilidades de
significados na rede das trocas simbólicas: o valor é dado em função da luz
que ele traz ao conhecimento e é inerente à sua condição estética, fazendo
com que os parâmetros oscilem entre esses pólos. De fato, tanto a cultura
material como a história das artes referem continuamente objetos que não
teriam sentido sem este dado imprescindível: a referência ao objeto concreto
e também ao valor estético que concorre para lhe definir a especificidade,
ambos interligados pelas várias análises da história das artes (DE SETA,
1984, p. 91). A partir da proposição de Cesare de Seta é possível estabelecer
uma primeira distinção entre objeto de uso e objeto artístico, distinção que
em um primeiro momento parece óbvia, mas que repousa na história da
produção e da construção do pensamento; na intenção poética ou técnica; na
elaboração contínua do viver em sociedade: homens e objetos estabelecem
suas posições dentro desses acordos sociais.
241
de destaque no meio social. Não obstante o Renascimento reclame um papel
de destaque para o produtor artístico, com as obras de Cennino Cennini
(1370) e Fillipo Villani (1404)35, as produções artísticas permaneceram
atreladas ao gosto da nobreza e da Igreja, posteriormente, ao da burguesia,
mantendo a criação artística circunscrita aos interesses dessas classes.
35
Erudito da cidade de Florença que ousa buscar um lugar para os produtores de arte, no
contexto de valorização intelectual conforme citação de Bazin: Muitos consideram, na verdade
não sem razão, que os pintores não são inferiores àqueles a quem o exercício das artes
liberais faz mestres; estes possuem os preceitos inerentes à literatura por via do estudo e
saber, enquanto aqueles aprendem unicamente pela elevação de seu gênio e pela segurança
de sua memória aquilo que expressam por meio da arte (BAZIN, 1989, p. 6).
36
As vidas dos mais excelentes arquitetos, pintores e escultores italianos de Cimabue ao
nosso tempo, descritas em língua toscana por Giogio Vasari, pintor aretino, com uma
introdução útil e indispensável para as diferentes artes – Título da capa (1012 páginas).
242
Superior à Idade Média, os objetos estavam relacionados ao culto ou a sua
utilidade prática, seu valor era, portanto, sedimentado nessas referências
mentais. No Renascimento, cada objeto ocupa um lugar a partir de outros
critérios relacionados aos valores mentais dados a eles, sem, no entanto,
romper a questão de valor de uso e ritual: testemunho do passado, do exótico
ou da beleza, o colecionismo implica em uma nova relação alheia à mística
religiosa ou ao atributo cotidiano.
A febre dos antiquários dos séculos XVI e XVII, como visto nos
capítulos anteriores, foi resultante das viagens marítimas; do ressurgimento
do comércio; da valorização das artes, antiguidades e do exótico; do
aparecimento dos gabinetes de curiosidade; de mensageiros comerciantes
das artes e, acima de tudo, do fluxo de capital, que estruturou uma relação
simbólica diferenciada, fora do modelo sagrado ou do sentido funcional,
baseada na relação do objeto enquanto testemunho do passado e do homem
ver e se relacionar com o real.
243
autores sacralizam o produto e/ou o produtor artístico, assim inviabilizam uma
leitura analítica coerente com o contexto histórico, além de dissimular o
discurso político. A passagem da posição meramente colecionadora, para a
atitude do historiador da arte realiza-se na segunda metade do século XVIII,
por dois eruditos, um francês e um alemão, o conde de Caylus e
Winckelmann. Caylus (1692-1787) utilizou-se da química e da física em suas
pesquisas, valorizando os fragmentos esparsos: Os monumentos antigos são
apropriados para ampliar os conhecimentos; eles explicam os usos singulares,
esclarecem os fatos obscuros ou mal detalhados nos Autores; colocam os
progressos das artes sob nossos olhos e servem de modelos para aqueles que a
cultivam. Winckelmann (1711-1778), envolvido com a reflexão filosófica
acerca da arte, procurou responder às necessidades do iluminismo:
Paradoxalmente, Winckelmann contribuiu para o destronamento da arte antiga. De
uma civilização imortal fez ele um momento histórico; fê-la decair do absoluto para o
relativo. Acreditando unir-se a ela, dela se separa pelo próprio ato que, objetivando-
a, a dessacraliza (BAZIN, 1989, p. 85).
Nos séculos XVII e XVIII, a distância entre o valor dado aos objetos de
uso e o objeto artístico torna-se acentuada através das Academias de Belas
Artes; do mesmo modo, o acesso aos registros artísticos ficam restritos às
classes superiores. Diderot (1751) afirma: As artes liberais (agora inclusa a
prática artística) promoveram-se demasiado a si próprias; poderiam agora passar a
promover as artes mecânicas. Compete às artes liberais resgatar as artes
mecânicas do desprezo a que têm sido votadas pelos preconceitos ao longo do
tempo. É preciso que saia das academias alguém que desça aos laboratórios e aí
recolha os fenômenos das artes expondo-os numa obra que leve os artistas a ler, os
filósofos a pensar com utilidade, e os poderosos a usarem utilmente a sua
autoridade e recompensas (apud DE SETA, 1984, p. 100). Diderot reclama o lugar
do artesanato, da produção em série, assunto tão caro à nossa modernidade
após a invenção da fotografia e da industrialização: a obra de arte e o objeto
de consumo na época de sua reprodutibilidade técnica, parafraseando Walter
Benjamin (1985), constitui o grande problema do lugar do objeto na cultura
contemporânea.
244
sentidos em relação aos objetos; porém, não foi possível localizar os
parâmetros que determinam quais são os bens patrimoniais móveis, quais
objetos, merecem lugar nos enfoques da preservação: a exceção; o raro; o
documento; a obra de arte; o artesanato; o sagrado; o profano; o cotidiano; o
incomum?
245
tratadas no próximo capítulo. Nesse momento, pretendemos averiguar como
este tipo de testemunho é tratado nos documentos selecionados.
1. It is readily apparent that the Americas, and particularly Latin America, are
abundantly endowed with monumental resources. In addition to magnificent vestiges
of pre-Columbian cultures, this hemisphere offers a varied profusion of architectural
and artistic expressions representative of its long cultural history. A native accent,
derived from the phenomenon of acculturation, stamps the imported styles with the
authentically American flavor of many characteristic and distinctive local expression.
Archaeological ruins of outstanding importance, not always accessible or fully
explored, together with amazing survivors from the past, urban complexes, and
entire towns, can become centers of vivid historic interest and tourist attractions.
2. It is equally apparent that much of this heritage has been wantonly
destroyed during the past few decades or is currently in imminent danger of ruin.
Many factor have contributed and still contribute to depletion of the inventory of
archaeological, historic and artistic properties in most of the Latin American
countries, but it must be acknowledged that the basic reason for the increasingly
rapid destruction of this potential wealth is the lack of an official policy to enforce
current measures for protection effectively and practically, and promote enrichment
of the monumental heritage in terms of public interest and the economic benefit of
the nation.
3. At this critical juncture when the Americas are engaged in a great
progressive endeavor that calls for the exhaustive exploitation of natural resources
and the gradual transformation of socio-economic structures, the problems relating to
the protection, preservation, and utilization of monumental buildings, sites and areas
are particularly important and timely.
4. The entire process of accelerated development entails the expansion of
infrastructure and the occupation of extensive areas by industrial installations and
construction that tend to alter and even totally disfigure the landscape, erasing the
stylistic traits and expressions of the past, evidence of a historic tradition of
inestimable value.
5. A great many Latin American cities that until recently contained a rich
monumental heritage as evidence of their past grandeur – churches, plazas,
fountains and narrow streets that combined to accentuate their personality and
attraction – have suffered such mutilation and degradation of their architectural
contours that they are unrecognizable. All of this has been done in the name of a
misconceived and even more mismanaged urban progress.
6. It is no exaggeration to state that the potential wealth destroyed by these
irresponsible acts of urban vandalism in many cities of the hemisphere far exceeds
246
the benefits to the national economy derived from the installations and infrastructural
improvements claimed as justification for such acts.
247
e) items of artistic interest, such as paintings and drawings, produced
entirely by hand on any support and in any material (excluding
industrial designs and manufactured articles decorated by hand);
original prints, and posters and photographs, as the media for original
creativity; original artistic assemblages and montages in any material;
works of statuary art and sculpture in any material; works of applied
art in such materials as glass, ceramics, metal, wood, etc.;
f) manuscripts and incunabula, codices, books, documents or
publications of special interest;
g) items of numismatic (medals and coins) and philatelic interest;
h) archives, including textual record, maps and others cartographic
materials, photographs, cinematographic films, sound recordings and
machine-readable records;
i) items of furniture, tapestries, carpets, dress and musical instruments;
j) zoological, botanical and geological specimens.
O grande gabinete de curiosidades que se monta nessa classificação
parece comprovar as questões elaboradas anteriormente, quando foi
colocado que a percepção atual do patrimônio móvel remonta à febre dos
colecionadores do séc. XVII. Menos excludente do que o documento de San
Salvador (1976), que limita a validade do objeto histórico ao ano de 1850, o
documento gerado na Conferência de Paris não supera o estigma que
acompanha a produção artesanal: ela não é percebida enquanto elemento
cultural e os artigos manufaturados decorados à mão são deliberadamente
desclassificados (excluídos).
248
irlandesa) românica, bizantina ou gótica. Ao abordar o problema a arte no
mundo antigo, Bandinelli (1961: 50) afirmou que toda a arte do mundo clássico
deve ser considerada como um artesanato de grande qualidade.
249
1994, em várias versões e enfocando diversas regiões, com o intuito de
viabilizar a recuperação de objetos roubados.
250
5.5. Patrimônio Subaquático
Nós homens, descobrimos tudo o que está oculto nas
montanhas por meio de sinais e correspondências exteriores;
e é assim que encontramos todas as propriedades das ervas
e tudo o que está nas pedras. Nada há nas profundezas dos
mares, nada nas alturas do firmamento que o homem não
seja capaz de descobrir.
Paracelso, apud Foucault. As palavras e as coisas, 1966, p.
48.
http://www.terravista.pt/guincho/1430/arqsub0.htm
251
Além dos limites territoriais – a zona econômica de duzentas milhas
padronizada pelo mercado internacional –, por sua própria natureza o
Patrimônio Subaquático é um recurso internacional: grande parte desse
patrimônio encontra-se em território internacional e é resultante do
intercâmbio e das comunicações internacionais entre embarcações (e seu
conteúdo) que se perdeu entre seus portos de origem e destino.
252
primary information. It comprises all vestiges of human existence and consists of
places relating to all manifestations of human activity, abandoned structures, and
remains of all kinds (including subterranean and underwater sites), together with all
the portable cultural material associated with them.
37
Publicada Revista do MAE, n.7, de 1997, como “ A Carta Internacional do ICOMOS sobre a
proteção e gestão do patrimônio subaquático”.
253
estável. A remoção ou intervenção de um objeto nesse estado de equilíbrio
pode ser mais prejudicial, caso ele não seja devidamente acondicionado e
ambientado (climatizado).O contraste entre o ambiente antigo e o novo
provoca muitos efeitos indesejados, acarretando uma série de danos
irrecuperáveis. É necessário minimizar e controlar os efeitos ocasionados
pela mudança ambiental, bem como ter a consciência de que, tanto no
momento da escavação, quanto no resgate submarino, os impactos são
inevitáveis; desse modo toda ação deve ser integrada e previamente
planejada. Na pesquisa, é imprescindível avaliar a natureza do material, o
tipo de ambiente e a dimensão do sítio; programar as linhas de conservação
imediatas e futuras e as condições de guarda e/ou exposição mais
adequada. Sendo prática recente, há pouca bibliografia especializada sobre o
assunto, fazendo com que arqueólogos e conservadores trabalhem a partir
dos parâmetros das escavações de soterramentos. Nem mesmo uma das
obras mais completas sobre a conservação em Arqueologia, o texto de Marie
Claire Berducou (1990), chegou a elaborar algum capítulo ou tópico dirigido
ao tema.
254
profundidad, amenazarían los restos conocidos y desconocidos, protegidos hasta el
momento por su inaccesibilidad. El concepto de un comité que reuniera a expertos
internacionales en arqueología subaquática había nacido: este grupo de expertos de
dieciocho paises tiene por misión asistir al ICOMOS Internacional y a la UNESCO a
promover la protección y la buena gestión de los bienes culturales sumergidos como
parte importante del patrimonio de la humanidad (GRENIER, 1999, p. 1).
255
é entendido como aquele que está localizado em um meio subaquático ou
que tenha sido removido dele: inclui sítios e estruturas submersas, zonas de
naufrágio, restos de naufrágio e seu contexto arqueológico e natural.
256
. Recognizing that the underwater cultural heritage belongs to the common
heritage of humanity, and that therefore responsibility for protecting it rests not only
with the State or States most directly concerned with a particular activity affecting the
heritage or having an historical or cultural link with it, but with all States and other
subjects of international law;
. Bearing in mind the need for more stringent supervision to prevent any
clandestine excavation which, by destroying the environment surrounding underwater
cultural heritage, would cause irremediable loss of its historical or scientific
significance;
. Realizing the need to codify and progressively develop the law in conformity
with international rules and practice, including provisions in the 1982 United Nations
Convention on the Law of the Sea;
. Convinced that information and multidisciplinary education about the
underwater cultural heritage, its historical significance, serious threats to it, and the
need for responsible diving, deep-water exploration and other activity affecting the
underwater cultural heritage, will enable the public to appreciate the importance of
the underwater cultural heritage to humanity and the need to preserve it; and
committed to improving the effectiveness of measures at international and national
levels for the preservation in place or, if necessary for scientific or protective
purposes, the careful removal of the heritage that may be found beyond the territorial
sea.
257
Este documento, forjado também nas projeções propostas pela
Convenção da UNESCO de 1982, quando se discutiu a Lei dos Mares,
reconheceu que a jurisdição relativa às costas, o limite marítimo de cada
nação, não seria suficiente para dar conta das áreas fora desses limites,
sendo indispensável leis internacionais geridas pela UNESCO-ONU que
pudessem servir de âncora às questões extra-territoriais, uma vez que o
patrimônio subaquático – independente de sua origem – é um patrimônio de
toda humanidade.
258
evidence of their payments under the policies meant that they had abandoned the
gold. The Court of Appeals remanded the action to the lower court with instructions
to take account of the interests of the successor insurers. In November 1993 the
lower court awarded 90% of the treasure to salvoes and 10% to the insurance
companies (N.Y. Times, Nov. 19, 1993, at A13).
259
subaquático puede jugar un papel positivo en la promoción de la recreación y el
turismo (Carta Internacional, 1996).
260
unidades territoriais; o acesso ao documento pelos Estados-membros e não
membros da UNESCO; as denúncias. Baseados nesses princípios ao longo
de dois anos, a Carta para a Proteção e o Gerenciamento do Patrimônio
Cultural Subaquático aprovada em 1996 na 11ª Assembléia Geral do
ICOMOS, realizada em Sofia, estruturou quinze artigos fundamentais, sendo
confirmado o caráter aberto do documento, uma vez que é intenção revisá-lo
constantemente. O registro aponta no seu artigo primeiro a prerrogativa do
trabalho in situ e a orientação para ações que signifiquem o menor impacto
ambiental ou à permanência do sítio subaquático:
261
5.6. Patrimônio Natural
La conservación de los paisajes culturales requiere de un alto
grado de libertad para la reflexión, de un abrirse a la
creación, de un discurso político que trabaja en la
confrotación buscando la consertación (...) Entre las
condiciones para encarar la puesta en valor de este
patrimonio se encuentra la salud, la educación y la
participación de sus actores. El desafío comporta entender
que se trabaja en un espacio eminentemente cambiante y
funcionalmente flexible; que se actúa en un entorno de
continuos y variados flujos; que la potencialidad de
crescimiento y de intercambio constituye su esencia. El
desafio consiste en dar un nuevo sentido a la salvaguarda del
patrimonio...
Jorge Nestor Bozzano. Reflexiones para la conservación del
patrimônio. Paisajes culturales. 1999, p. 166.
http://www.terravista.pt/FerNoronha/4038/fotos3.html
262
O conceito de Patrimônio Natural é um conceito relativamente recente,
como também os conceitos de ecossistema, ecologia, parque ecológico,
reserva natural e crescimento auto-sustentável. São conceitos criados no
século XX em virtude das grandes modificações geradas pelas
transformações tecnológicas e industriais: em menos de dois séculos,
centenas de animais foram extintos ou entraram em extinção devido à
destruição de seu habitat natural e à caça indiscriminada; florestas inteiras
desapareceram na costa leste latino-americana, norte dos Estados Unidos,
Europa, Ásia e África. O aumento da temperatura da Terra; a poluição de
rios, mares e subsolos; a destruição da flora e da fauna, todos esses fatores
têm obrigado a sociedade capitalista a repensar suas práticas de exploração
da natureza, pois o esgotamento das reservas naturais e a destruição do
meio ambiente podem vir a significar sua própria destruição.
263
integrante da paisagem. A concepção de um espaço urbanístico é encontrada
também na extraordinária disseminação das vilas palladianas na zona rural de
Vicenza. Estão por demais afastadas uma da outra para formar contextos visuais,
ainda que, de alguma forma, os bem cultivados campos, os recorrentes contornos
das colinas, a própria luz em que estão mergulhadas, as mantenham unidas, de
forma que se pode falar de uma correlação, como que entre dois afrescos da
mesma série, entre os quais o discurso prossegue mesmo que eles não se
enquadrem no mesmo campo visual (ARGAN, 1995, p. 162).
264
tratado num estilo inspirado nos Antigos monumentos. O Nascimento de
Vênus contém a primeira imagem monumental, desde os tempos romanos,
da deusa nua numa atitude derivada das suas estátuas clássicas. Como
podiam justificá-la sem expor o autor ou seu patrono à acusação de neo-
paganismo? Fundir a fé cristã com a mitologia antiga exigia uma
argumentação sofisticada, que ficaria a dever-se aos filósofos neo-platônicos,
cujo representante principal, Marsílio Ficino, gozou de grande prestígio. O
pensamento de Ficino, baseado tanto no misticismo de Plotino como nas
obras de Platão, representava a antítese do sistema escolástico medieval.
Para Ficino, a vida do Universo, incluindo o Homem, estava ligada a Deus por
um circuito espiritual, de modo que toda revelação – quer da Bíblia, quer dos
filósofos, da natureza e dos mitos da Antigüidade – era só uma. A filosofia
neo-platônica e a sua manifestação na arte eram demasiado complexas para
se tornarem populares fora do circuito restrito e intelectualmente superior de
seus admiradores, mas as paisagens concebidas como cenário eram
sensíveis a todos que conheciam ou não a mitologia: a natureza percebida
por meio de seu conteúdo idílico remete ao Éden, ao mesmo tempo que
retorna à Antigüidade.
265
No século XIX os viajantes e as expedições procuraram compreender
a natureza dentro da ótica positivista, como algo a ser desvendado: os
Institutos Geográficos, as expedições à Antártica e todas as aventuras
românticas, também estavam carregadas de um cientificismo latente gerado
no século anterior. As histórias das idéias ou das ciências – aqui designadas
somente pelo seu perfil médio – imputam ao século XVII uma curiosidade nova:
aquela que os fez, se não descobrir, pelo menos dar uma amplitude e uma precisão
até então insuspeitadas às ciências da vida” (FOUCAULT, 1966, p. 139).
266
das divisões específicas da Geologia, Geografia, Botânica e Zoologia, a
percepção do mundo natural passa a ser feita em compartimentos fechados;
perde-se a noção do todo, do conjunto visível que vinculava o cenário natural
às ruínas do passado – o conjunto monumental proposto por Palladio – e
cria-se uma relação de afastamento, própria da estrutura cientificista da
época.
267
O primeiro documento direcionado ao tema foi elaborado em
dezembro de 1962, em Paris, na vigésima sessão da Conferência Geral da
UNESCO. Sob o título, Recomendações concernentes à Salvaguarda das
Belezas e Características de Paisagens e Sítios, o texto reivindica o valor
cultural dessas áreas como ponto fundamental para sua preservação, sendo
este valor cultural baseado tanto nos critérios estéticos quanto nos científicos.
Considerando o progresso acelerado da sociedade contemporânea como um
dos maiores fatores de degradação das áreas virgens, a natureza é
percebida também como fator econômico, indispensável à manutenção de
certas sociedades: Considering that, on account of their beauty and character, the
safeguarding of landscapes and sites, as defined in this recommendation, is
necessary to the life of men for whom they represent a powerful physical, moral and
spiritual regenerating influence, while at the same time contributing to the artistic and
cultural life of peoples, as innumerable and universally known examples bear witness
(Recommendation Concerning the Safeguarding of Beauty and Character of
Landscapes and Sites, UNESCO, 1962).
268
As formas de preservação dessas áreas correspondem a ações
preventivas e corretivas, sendo o Estado o agente responsável pela
preservação, apesar da recomendação do estabelecimento de institutos de
pesquisa científica como uma forma de cooperação e ação conjunta. A
percepção da expansão das sociedades contemporâneas não é reduzida
apenas à construção dos centros urbanos, mas a todas as atividades que
alimentam esta sociedade industrial e que, de uma maneira ou de outra,
produzem o impacto ambiental: a construção de estradas; complexos
elétricos e de transmissão de telecomunicações; estações petrolíferas e
mineradoras; expansão de fazendas de criação e campos cultivados;
poluição do ar, da água e do solo; todos esses elementos, em conjunto ou
separadamente, estão relacionados ao desmatamento e à descaracterização
das paisagens. O planejamento urbano e rural e a supervisão contínua das
autoridades competentes são apontados como mecanismos indispensáveis,
bem como a demarcação das zonas e a elaboração de regras claras e
divulgadas relacionadas às mesmas. No trigésimo artigo lê-se: The
fundamental norms and principles governing the protection of landscapes and sites
in each Member State should have the force of law, and the measures for their
application should be entrusted to the responsible authorities within the framework of
the powers conferred on them by law.
269
muitos conceitos pré-existentes advindos da Renascença, as recomendações
propostas procuram uma integração maior entre as áreas a serem
preservadas e as sociedades do entorno. É, no entanto, apenas em 1972,
que a categoria de Paisagem Cultural é discutida especificamente, sendo
esta a primeira Convenção voltada especificamente para as questões
relativas ao patrimônio cultural e natural. A partir desse momento, a
Convenção constitui um instrumento jurídico internacional próprio destinado a
identificar, proteger, conservar e legar às gerações futuras as paisagens
culturais de valor universal excepcional. Neste encontro é criado o Comitê do
Patrimônio Mundial, sendo estipulada no artigo onze a criação da World
Heritage List, que comportaria não apenas o patrimônio cultural, mas também
o natural. A descrição do que significaria o patrimônio cultural foi apresentada
no primeiro tópico deste capítulo. A seguir reproduzimos o texto que delimita
o sentido do patrimônio natural:
270
a) Los paisajes diseñados, concebidos y creados por el hombre
(jardines como por ejemplo, los de Aranjuez en España, el de
Versailles en Francia o el Central Park de Nueva York);
271
Deste ponto de vista, a proposta do CICOP – Centro Internacional para a
Conservação do Patrimônio – formada por escritórios regionais em várias
partes da América Latina, tem como proposta a percepção da importância
regional das áreas: El CICOP se planteó como objetivos traer más que el concepto
de universalidad, aquel de lo representativo regional, identificando y valorando
paisajes culturales del Cone Sur que puedan presentarse en un futuro ante
Patrimonio Mundial (INCOLLÀ, 1999: 14). Diante desta proposta, os Estados-
membros são chamados a cumprir seu papel de agente fiscalizador e
promotor da educação voltada às áreas propostas, enquanto estas não
pertençam à WHL.
272
Além dos representantes regionais dos Continentes, representantes de
institutos específicos respondem pela preservação equilibrada das várias
tipologias apresentadas nos tópicos anteriores: A representative of the
International Centre for the Study of the Preservation and Restoration of Cultural
Property (Rome Centre), a representative of the International Council of Monuments
and Sites (ICOMOS) and a representative of the International Union for Conservation
of Nature and Natural Resources (IUNC), to whom may be added, at the request of
States Parties to the Convention meeting in general assembly during the ordinary
sessions of the General Conference of the United Nations Educational, Scientific and
Cultural Organization, representatives of other intergovernmental or non-
governmental organizations, with similar objectives, may attend the meetings of the
Committee in an advisory capacity.
273
UNESCO (Patricia Uribe) y la ICOMOS (Jose Correo Orbegoso) como banderas
para arrasar nuestras viviendas, con la poderosa ayuda del Ejercito Peruano y la
Policia Nacionall; estos abusos aumentaron después de mi denuncia personal en las
oficinas de la UNESCO en París el 12 Mayo 1997. A denúncia aponta abuso de
poder contra os camponeses da zona extendida de Chan Chan, área
arqueológica correspondente a 1400 hectares, demarcados pelo Estado
peruano em 1967 e destribuídos em 1969 para a Reforma Agrária: En 24 de
Junio de 1969 el gobierno Revolucionario del General Velasco Alvarado emite la ley
de Reforma Agraria, expropia los citados terrenos y los entrega a los partidarios
(sembradores a medias con los hacendados); entre ellos los actuales campesinos,
otorgándoles títulos y certificados de posesión a todos los conductores de las tierras
debidamente identificados.
274
incompetência diante das demandas sociais. Não é impossível conciliar a
preservação das áreas naturais, sítios arqueológicos e paisagens culturais
com as necessidades da população do entorno, desde que estas sejam
ouvidas prioritariamente.
275
Mesmo com as recomendações concernentes às medidas
administrativas, científicas, técnicas, legais e financeiras, a prática tem
demonstrado que os próprios Estados-membros são os primeiros a
desconsiderar as propostas e os caminhos apontados: o caso de Chan-Chan
não é um caso isolado de alijamento da comunidade local do processo de
tombamento de uma área, ainda que todos os documentos recomendem a
integração e a educação como fórmula básica da atividade preservacionista.
276
undertaken where necessary to provide data essential for decisions on the
conservation of the place and/or to secure evidence about to be lost or made
inaccessible through necessary conservation or other unavoidable action.
Investigation of a place for any other reason which requires physical disturbance and
which adds substantially to a scientific body of knowledge may be permitted,
provided that it is consistent with the conservation policy for the place. Assim,
estudo e planejamento fazem parte da política que se prontifica preservar
locais de importância cultural. Nesse documento específico, a nomenclatura e
a definição dos critérios de conservação são os conceitos predominantes,
não existindo nenhuma referência à educação ou ao respeito à comunidade
nos processos de preservação.
277
Art. 5. As the expression of the direct affinity between civilization and nature,
and as a place of enjoyment suited to meditation or repose, the garden thus acquires
the cosmic significance of an idealized image of the world, a "paradise" in the
etymological sense of the term, and yet a testimony to a culture, a style, an age, and
often to the originality of a creative artist.
278
definição dos locais de valor patrimonial ocorre a partir da participação dessa
sociedade nos processos de planejamento e estruturação.
279
perdido la coherencia; de tanta originalidad se ha perdido la creatividad. El rasgo
que resta es la caricatura. Es el auge de la imitación y de la mimesis que ha
conquistado la salvaguarda de los monumentos (BOZZANO, 1999, p.161).
280
determinam em última instância o tipo de relacionamento, a justificativa e os
objetivos a serem alcançados, a qualidade dos resultados e as condições de
perpetuação das ações propostas. A percepção global do patrimônio natural
não deve ocorrer em detrimento de uma inserção local; do mesmo modo, que
as culturas individuais não devem ser desresponsabilizadas quanto ao seu
papel preservacionista do patrimônio mundial. Tal posicionamento não
implica em uma visão reducionista da natureza, fragmentada e subordinada à
espécie humana, mas a noção de que patrimônio natural e humanidade
dependem de um relacionamento pautado por uma via de mão dupla,
intercambiante, complementar e, portanto, equilibrada.
281
destruição das paisagens naturais pode provocar, em pouco tempo, a
destruição de todo ecossistema. Faltou ao relatório de Cuéllar a análise do
envolvimento dos países ricos no esgotamento das reservas naturais, estes
são responsáveis pelo consumo de 80% da energia gerada no planeta e se
recusam abertamente a controlar o consumo dessa energia e a emissão de
poluentes, alegando questões econômicas relacionadas à produtividade
como justificativa às suas ações.
Somos parte da terra, e ela é parte de nós... Nós sabemos disso. A terra não
pertence ao homem; é o homem que pertence à terra. Nós sabemos disso. Todas as
coisas estão ligadas entre si. Da mesma forma que o sangue une uma família, todas
as coisas estão ligadas. Tudo que afetar a terra afeta os filhos da terra. O homem
não teceu a teia da vida; ele é apenas um fio dela. Tudo o que fizer a este fio, fará a
38
si próprio . O olhar sobre o patrimônio natural expande-se para além de sua
importância cênica, histórica e cultural, amplia os domínios da memória e
impõe à sociedade a necessidade de rever seu posicionamento diante dessa
própria natureza; educar seu pensamento para ações protecionistas que
partem do cotidiano, do particular ao global; assimilar a sustentabilidade a
partir do multiculturalismo que ela propõe. O homem como medida de todas
as coisas define essas medidas a partir de parâmetros próprios, os quais
podem estabelecer resultados diferenciados sobre uma mesma matéria;
esses resultados correspondem aos papéis representados pelo homem
diante da natureza e da sociedade, tomando como pressuposto que ele é um
agente de suma importância mas não o centro do universo.
38
Discurso proferido pelo Chefe Seattle em 1854, em resposta à venda de terra de seu povo
proposta pelo governo americano.
282
5.7. Patrimônio Cultural – Tangível e Intangível
Cultural phenomena are of such complex that it seems to me
doubtful whether valid cultural laws can be found. The causal
conditions of culture happenings lie always in the interaction
between individual and society, and no classificatory study of
societies will solve this problem. The morphological
classification of societies may call to our attention some
problems. It will not solve them. In every case it is reducible to
the same source, the interaction between the individual and
society
Franz Boas. Race, Language and Culture, 1966, p. 257.
http://www.unesco.org/culture/heritage/intangible
283
vivendo em condições de destribalização nas reservas indígenas sob a tutela do
governo (LEACH, 1985, p.105). Mesmo com as críticas em relação à
construção antropológica do pensamento de Boas, as contribuições relativas
à percepção da complexidade de cada segmento ou estrutura cultural são
deveras importantes.
Começar pelas palavras talvez não seja coisa vã, esclarece Alfredo
Bosi; Hobsbawm fala o mesmo quando diz que as palavras são testemunhas
que muitas vezes falam mais alto que os documentos (1982, p. 17). As
palavras cultura, culto e colonização vêm do latim e derivam do mesmo verbo
colo: “colo” significou, na língua de Roma, eu moro, eu ocupo a terra e, por
extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo (BOSI, 1982, p. 11). A cultura
remonta a própria origem do trabalho, mas, assim como o conceito de
“raízes”, passou a ser interpretada como todo o conjunto de manifestações e
expressões que constróem a identidade de um povo: sua compreensão
ultrapassa a existência física. A raiz, por sua vez, deixa de ser percebida a
partir de uma anatomia vegetal, para configurar-se no terreno da percepção
mental: torna-se sinônimo de origem do modo de ser, ver, agir e de se
relacionar com o mundo.
284
society, so much so that it is treated as a property. As the definition of property is a
political one, cultural property is always a political matter, not a theoretical one, as
Carandini (1979: 234) put it (FUNARI, 2000, p.1).
c) sites: works of man or the combined works of nature and man, and areas
including archaeological sites which are of outstanding universal value from the
historical, aesthetic, ethnological or anthropological point of view.
285
aplica-se apenas aos bens imóveis e foi concebido, sustentado e mantido a
partir de perspectivas e pontos de vista resultantes do modo de ver e lidar
com a cultura por parte das sociedades industrializadas e desenvolvidas,
refletindo, desse modo, a preocupação com um certo tipo de patrimônio que
é valorizado por aqueles países (CUÉLLAR, 1997, p. 234). Tanto é assim,
que a noção de valor se dá pela compreensão de que os vestígios das
culturas desaparecidas ou do passado é que devem ser preservados, não
existindo nenhum enunciado em relação às sociedades tradicionais ainda
vivas.
286
United Nations Educational, Scientific, and Cultural Organization (UNESCO) in the
middle of the 20th century was certainly a landmark in the process that has led to an
increasing awareness of the world’s cultural heritage. Its constitution, adopted in
London in 1945, stated that UNESCO was entrusted with the task of “ensuring the
preservation and protection of the world heritage of works of arts and monuments of
historic or scientific interest (BOUCHENAKI, 1999, s.p.). Abordado no decorrer
deste quinto capítulo, o patrimônio cultural material – bem patrimonial
tangível, propriedade cultural – tem sido o foco dos debates, encontros e
discussões realizadas em torno das questões preservacionistas que
envolvem os bens culturais e a sociedade. Mais próximos da noção de
herança material, todos os documentos adotados pelas instituições ICOM,
ICCROM, ICOMOS ou UNESCO apontam para as questões voltadas ao
patrimônio tangível, desconsiderando, até então, os patrimônios de existência
imaterial. Desde a formulação do World Heritage Committe, o conceito de
monumentalidade sobredeterminou a inserção dos bens culturais na Lista,
em detrimento de outras correspondências sócio-culturais. A reciprocidade
entre os processos construtivos – evidenciados nos sítios, monumentos e
conjuntos arquitetônicos – e os modos de vida – crenças, sistemas de
conhecimento e representação das diferentes culturas do presente e do
passado – não foi considerada na estruturação da proposta: desse modo, a
noção de patrimônio acabou por ficar isolada, dissociando-se da noção de
cultura.
287
ritos, las costumbres, la artesanía, la arquitectura y otras artes. Esta
Recomendação solicita aos Estados-membros que adotem as disposições e
medidas legislativas necessárias, de acordo com as práticas constitucionais
de cada Estado, para tornar efetiva a proteção do patrimônio imaterial;
também estabelece pautas de avaliação em relação ao patrimônio intangível
dos Estados-membros e constitui um marco para a elaboração de um
instrumento internacional.
288
d. Desarrollar programas dirigidos a la naturaleza transnacional de algunos
grupos culturales tradicionales.
e. Otorgar una importancia especial a programas que reconozcan y apoyen el
papel de la mujer en todos los aspectos de la vida comunitaria.
f. Apoyar programas de revitalización cultural, especialmente para grupos
desplazados por causa de guerras, hambre o catástrofes naturales así como en
grupos en vías de extinción.
g. Adoptar medidas de asistencia a grupos tradicionales, incluyendo
asistencia legal, para mejorar su estatuto social y económico, requisito indispensable
para continuar sus prácticas culturales.
Em 1994, um grupo de especialistas apresentou um relatório na
décima oitava sessão do Comitê de Patrimônio Mundial, realizada na
Tailândia, cujo tema era enunciado pelo título A Estratégia Global – estudos
temáticos para avaliar a representatividade da Lista do Patrimônio Mundial.
De acordo com o documento, o objetivo desse estudo seria fazer uma
prospecção sobre o grau e a projeção da World Heritage List em relação aos
países e ao multiculturalismo: many high-quality attempts had been made over
the past decade to consider the best ways of ensuring the representative nature, and
hence the credibility, of the World Heritage List in the future, but they had failed to
achieve a consensus among the scientific community, despite the fact that all the
component bodies and partners of the convention were conscious of its weakness
and imbalances. Since the adoption of the Convention by the General Conference of
UNESCO in 1972, moreover, the concept of cultural heritage had also developed
considerably in meaning, depth, and extent. The object of this meeting was therefore
to carry out an examination in depth of all the studies made of this question over the
last ten years and to arrive at concepts and a common methodological procedure as
a result of a detailed analysis of the different approaches adopted.
289
são direcionados às coleções e acervos. Como conseqüência, o conceito
preservacionista tem sido construído em torno desse tipo de patrimônio,
priorizando as ações concernentes a ele e direcionando os esforços humanos
e financeiros das instituições em seu benefício. Nenhum documento visto, até
o momento, abordou especificamente esta problemática, apesar de o grupo
responsável pela discussão da Estratégia Global apontar para esse caminho:
In order to redress the imbalances in the current List, some areas have been
identified as having high potential to complete gaps in representation. Areas such as
these should be considered in their broad anthropological context through time:
HUMAN COEXISTENCE WITH THE LAND
– Movement of peoples (nomadism, migration)
– Settlement
– Modes of subsistence
– Technological evolution
HUMAN BEINGS IN SOCIETY
– Human interaction
– Cultural coexistence
– Spirituality and creative expression
290
cultura, seja o aspecto simbólico aquele que oferece uma perspectiva mais ampla de
desenvolvimento futuro e aberturas mais prometedoras (1985, p. 133).
291
such expressions must therefore be respected, preserved, studied, and passed on to
future generations (BOUCHENAKI, 1999, s.p.).
292
habitats e das bases ecológicas dos locutores de línguas locais, a assimilação
forçada, a educação deliberadamente assimilatória e a preferência generalizada pela
língua falada pela população monoglota majoritária (CUÉLLAR, 1997, p. 239). Em
1993, a UNESCO iniciou um projeto denominado O Livro das Línguas em
Perigo. Como resultado desse trabalho, em 1996 publicou-se o Atlas mundial
de idiomas em perigo de desaparecimento. O projeto inclui uma atualização
permanente dos dados e uma receptividade de projetos regionais realizados
com o objetivo de prover a obra de sustentação documental.
293
conforme uma chamada do The Getty Conservation Institute, travamos uma
corrida contra o relógio.
294
6. UNESCO: a estruturação das políticas culturais
Quando a cultura é entendida como base do
desenvolvimento, a própria noção de política cultural deve ser
consideravelmente ampliada. Toda política de
desenvolvimento deve ser profundamente sensível à cultura,
e inspirada por ela.
CUÉLLAR, Javier Pérez. Nossa diversidade criadora. 1997, p.305.
39
Se a palavra pode figurar num discurso onde ela quer dizer alguma coisa, não será por
virtude de uma discursividade imediata que ela deteria propriamente e por direito de
nascimento, mas porque na sua forma, nas sonoridades que a compõem, nas mudanças que
sofre segundo a função gramatical que ocupa, nas modificações enfim a que se acha sujeita
através do tempo, obedece a um certo número de leis estritas que regem de maneira
semelhante todos os outros elementos da mesma língua; de sorte que a palavra só está
vinculada a uma representação, na medida em que primeiramente faz parte da organização
gramatical pela qual a língua define e assegura sua coerência própria (FOUCAULT, 1995, p.
296).
295
O conceito de civilização denota o processo colonizador que se iniciou
no século XVI e que promoveu um olhar sobre o outro carregado de
intolerância, preconceito e afastamento, enquanto o conceito de cultura
procura refletir a consciência de si mesmo, a busca da identidade, dos
valores últimos de uma determinada sociedade. A gênese da estruturação
destes conceitos na sociedade ocidental se perde e nem sempre pode ser
rastreada, mas seus significados cristalizam as experiências passadas e
podem esclarecer determinadas posturas nos discursos contemporâneos:
conceitos matemáticos podem ser separados do grupo que os usa. Triângulos
admitem explicações sem referência a situações históricas. Mas o mesmo não
acontece com conceitos como civilização e “Kultur”. Talvez aconteça que
determinados indivíduos os tenham formado com base em material lingüístico já
disponível de seu próprio grupo, ou pelo menos lhes tenham atribuído um novo
significado. Mas eles lançaram raízes. Estabeleceram-se. Outros os captaram em
seu novo significado e forma, desenvolvendo-os e polindo-os na fala e na escrita.
Foram usados repetidamente até se tornarem instrumentos eficientes para
expressar o que pessoas experimentaram em comum e querem comunicar.
Tornaram-se palavras de moda, conceitos de emprego comum no linguajar diário de
uma dada sociedade (ELIAS, 1939, p. 26).
296
atributo do homem bem-educado, do que da acepção antropológica indicada
por Taylor.
297
tais sistemas trazem para a reprodução e a transformação da estrutura social.
(BOURDIEU, 1974, p. 9).
298
Janeiro, sua atitude era e ainda é muito sintomática da baixa estima dos indígenas,
mesmo na academia. Basta lembrar que o material indígena proveniente do oeste
do Estado de São Paulo, coletado há oitenta anos, à época de Von Ihering, apenas
agora está sendo exposto, graças a um projecto inovador da Universidade de São
Paulo (Cruz 1997): antes tarde do que nunca! (FUNARI, 2001, p. 27).
299
as autoridades promovessem festas e, desta forma, conseguissem o apoio eleitoral
(FUNARI, 2001, p. 26).
300
manifestações culturais artísticas, artesanais, religiosas e as tradições mais
caras aos povos africanos foram massacradas, depreciadas e proibidas; a
barbárie da escravidão permanece viva no apharteid e as atuais guerras civis,
a fome, a miséria e a estagnação de vários países africanos são
conseqüência direta do processo colonizador. A perda da auto-estima, dos
valores e do olhar sobre si próprio resulta na perda da crença na
possibilidade de desenvolvimento e de mudanças do status quo. Somente na
medida em que tem como função lógica e gnosiológica a ordenação do mundo e a
fixação de um consenso a seu respeito, é que a cultura dominante preenche sua
função ideológica –isto é, política –, de legitimar uma ordem arbitrária; em termos
mais precisos, é porque enquanto uma estrutura estruturada ela reproduz sob forma
transfigurada e, portanto, irreconhecível, a estrutura das relações sócio-econômicas
prevalecentes que, enquanto uma estrutura estruturante, a cultura produz uma
representação do mundo social imediatamente ajustada à estrutura das relações
sócio-econômicas que, doravante, passam a ser percebidas como naturais e,
destarte, passam a contribuir para a conservação simbólica das forças vigentes
(BOURDIEU, 1974, p. 12).
301
mulheres. Significa dar às crianças e aos jovens um lugar melhor como portadores
de uma nova cultura mundial em formação. Implica uma ampla diversificação da
noção de Patrimônio Cultural em um contexto de transformações sociais. Significa,
com respeito ao meio ambiente natural, edificar uma maior consciência da dimensão
profundamente cultural da gestão ambiental, criando instituições que tornem efetiva
essa conscientização (CUÉLLAR, 1997, p. 306).
302
UNESCO em relação às políticas culturais, várias nações estão
representadas nas discussões, mas apenas uma camada social encontra-se
presente. Cuéllar (Peru), Mahbud ul Haq (Paquistão), Angeline Kamba
(Zimbábue), Celso Furtado (Brasil), Príncipe Hassan Bin Talal (Jordânia), que
assinam o Relatório da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento,
fazem parte de um grupo seleto de intelectuais que tiveram acesso à
educação, alimentação e bens de consumo. Até que ponto, esses
representantes dão voz às demandas da sociedade como um todo?
303
civilizado e primitivo; desenvolvido e subdesenvolvido, é forjada a partir de
justificativas artificiais baseadas nas diferenças de valor simbólico imputadas
às “raças”, “etnias” e “nacionalidades”, desprovidas de qualquer fundamento
científico, mas que alimentam o inconsciente coletivo como um anestésico
contra a indignação cultural diante de uma atrocidade. O discurso que
incentiva as estruturas de dominação racial é o mesmo discurso que fomenta
o ódio e a intolerância.
304
monuments and sacred places. This interest extends beyond current legal ownership
wherever such heritage exists (Carta de Nova Zelândia, ICOMOS, 1992).
305
de “si próprio” sobre “si próprio”. Não há mais como preservar o mito do “bom
selvagem”; o isolamento torna-se cada vez mais difícil e sem a compreensão
dos limites e dos alcances da tecnologia, sociedades minoritárias correm o
risco de serem soterradas por um processo que foge ao controle. Entre 1988
e 1997, a UNESCO elaborou o Relatório da Comissão Mundial de Cultura e
Desenvolvimento; nesse mesmo período, dezenove documentos foram
formulados em relação à proteção e à construção da noção de Patrimônio
Cultural. Nas diretrizes propostas pelo Relatório, é definida uma agenda
internacional cujos objetivos são definidos como:
306
o incentivo à importância da diversidade estão reproduzidos nos documentos
relacionados ao turismo e à educação; o estabelecimento de regras de
conduta mínimas em momentos de conflitos armados em relação ao
Patrimônio Cultural procura o comprometimento dos governos em relação
aos documentos propostos; as ações relacionadas ao tráfico lícito ou ilícito de
objetos; políticas de conservação e restauração de documentos e
monumentos observam o respeito à cultura material produzida no interior de
cada sociedade, sua relevância e a necessidade de soberania sobre elas; a
formulação de uma nova categoria de patrimônio, o patrimônio imaterial ou
intangível, dá voz às manifestações dinâmicas, intrínsecas ou eventuais, de
cada povo, como a língua, a música, a dança, o teatro e a festa – ao
desmontar o conceito de folclore e transformar estas categoria em patrimônio
intangível, o olhar sobre o outro diminui de intensidade em relação ao
discurso pré-estabelecido da diferença marcante entre o popular e o erudito.
307
semelhantes, camisetas, joggings, tinham hábitos alimentares parecidos, gostos
idênticos de música, atitudes semelhantes em relação à sexualidade, ao divórcio e
ao aborto. Tais atitudes estão se tornando globais. Também transcenderam
fronteiras e tornaram-se crimes globais o tráfico de drogas, o abuso e a violência
sexuais que vitimam as mulheres, a fraude e a corrupção, relatam os membros da
Comissão de Cuellár (1997, p. 37). Mesmo assim, movimentos de resistência
mantêm vivas tradições e costumes como fator de coesão e identidade
próprias; muitas ações partem da própria comunidade e nem sempre
esperam auxílio ou incentivo do governo ou da comunidade internacional.
308
QUADRO CRONOLÓGICO POR ÁREA DAS CARTAS, CONVENÇÕES, RECOMENDAÇÕES E TRATADOS ELABORADOS PELA UNESCO EM CONJUNTO
COM ICOMOS, ICOM E ICCROM
- QUADRO 2 –
PERÍODO
TIPOLOGIA 30 – 40 40 – 50 50 – 60 60 – 70 70 – 80 80 – 90 90 – 00
POLÍTICA .Constituição da .Convenção Cultural . Convenção p/ Patrimônio .Convenção Européia . Documento de Nara
INTERNACIONAL UNESCO (45) Européia (54) Cultural e Natural Mundial sobre as ameaças (85) (94)
(72) . Declaração de San
.Carta de San Salvador (76) Antônio (96)
. Declaração de
Estocolmo (98)
CONFLITO ARMADO .Protection of artistic .Convenção de The . Convenção p/ Patrimônio Declaração de Dresden . Resoluções para
and scientific Hague (54) Cultural e Natural Mundial (82) Proteção do
Institutions (35) (72) Patrimônio (94)
. Comunicado da
NATO (96)
MOBILIDADE . Recomendações para . Convenção para a Prevenção .Carta de Courmayeur
a Prevenção à à Importação Ilícita (69/70) (92)
Importação Ilícita (64) .Recomendações intercâmbio . Resolução sobre a
(76) devolução de bens
patrimoniais (93)
. Convenção de
Unidroit (95)
TURISMO e . Função Educativa . Declaração de Santiago(71) . Declaração de Quebec .Declaração de
EDUCAÇÃO dos Museus (58) . Carta de Turismo Cultural (84) Caracas (92)
(76) . Guia p/ educação (93)
. Turismo cultural (99)
310
6.1. Políticas Culturais
Nas primeiras linhas da “Ética de Nicômano”, Aristóteles
introduz com destaque, na definição da ética e de seus fins,
as noções de ciência política (espistéme politiké), do bem (tò
kalón), de justo (ta díkaia), assim como a de humano
(anthopeion). A ética está subordinada à política, a ciência
prática arquitetônica que tem por fim (télos) o Bem
propriamente humano (tò agathòn anthopinon). Se este
último depende da política, é porque a humanidade do
homem prende-se à sua vinculação à uma comunidade
(koinonía) e a cidade (polis) constitui o fim de toda
comunidade.
Catherine Darbo-Peschanski. Humanidade e justiça na
historiografia grega (V-I a.C). Ética. 1999, p. 35.
311
Paralelo ao foco dado aos sítios e monumentos, encaminha-se a
questão da utilização e estratégias de preservação desses locais; os museus
surgem com alternativa viável de ocupação, reunindo inclusive objetos
coletados em áreas arqueológicas, coleções históricas e artísticas ou
qualquer tipo de acervo que possa resgatar a memória e a identidade local.
Junto aos museus, fomentam-se políticas educativas e atividades turísticas
que alimentam e dão sentido ao objeto preservado. Essas estratégias
resultam em políticas culturais locais, regionais, nacionais ou internacionais
que difundem e tornam visíveis noções invisíveis como reconhecimento,
memória, tradição, história e identidade. Apesar dos bens tangíveis –
monumentos, obras de arte ou artesanato e objetos de uso – serem
privilegiados no quadro de ações das políticas de preservação, atualmente o
debate tem sido direcionado ao patrimônio intangível e em 2002 realizar-se-á
na África o primeiro encontro internacional sobre patrimônio intangível, não
existindo, no entanto, nenhuma carta ou recomendações voltadas
exclusivamente para este tema.
312
6) Documento de Nara sobre autenticidade – Nara, novembro
de 1994.
313
suporte a estas ações, mas o fortalecimento de uma noção moral e
intelectual de humanidade, baseada no respeito e no reconhecimento mútuo.
314
Forjado no pós-guerra, o documento parece buscar uma integração
entre as sociedades humanas através da cooperação científica e do
intercâmbio cultural e intelectual. Porém, nesse últimos cinqüentas anos o
mundo continua desigual, intolerante e dividido: um sexto da população
mundial vive em condições de miséria; o analfabetismo, a falta de acesso à
saúde ou às condições mínimas de subsistência atinge essa população,
sendo que grande parte desses excluídos vive em favelas, ruas e viadutos
das grandes cidades. Não foi possível barrar a guerra do Vietnã, a invasão de
Praga ou do Afeganistão, os conflitos armados nos Bálcãs, na África do Sul
ou na Indonésia. Até quando a ONU permanecerá calada em relação ao
embargo de Cuba ou ao conflito entre a Palestina e Israel? Torna-se difícil se
posicionar politicamente quando as grandes potências estão envolvidas.
315
desirable not only to conclude bilateral cultural conventions between Members of the
Council but also to pursue a policy of common action designed to safeguard and
encourage the development of European culture; Having resolved to conclude a
general European Cultural Convention designed to foster among the nations of all
Members, and of such other European States as may accede thereto, the study of
the languages, history and civilization of the others and of the civilization which is
common to them all. Em acordo com estas prerrogativas, determina o incentivo
ao estudos das línguas e das civilizações existentes no território europeu.
Considerando que o estudo tem por objetivo ampliar o conhecimento e
aprimorar as relações entres os países europeus, no artigo quarto deste
documento recomenda-se que cada Estado-membro do Conselho da Europa
facilite o intercâmbio de pessoas, bem como de objetos de valor cultural para
a realização desse fim.
The Europe that awoke in the days following the Liberation was in a sorry
state, torn apart by five years of war. States were determined to build up their
shattered economies, recover their influence and, above all, ensure that such a
tragedy could never happen again. Winston Churchill was the first to point to the
solution, in his speech of 19 September 1946 in Zurich. According to him, what was
needed was "a remedy which, as if by miracle, would transform the whole scene and
in a few years make all Europe as free and happy as Switzerland is today. We must
build a kind of United States of Europe". Movements of various persuasions, but all
dedicated to European unity, were springing up everywhere at the time. All these
organizations were to combine to form the International Committee of the
Movements for European Unity. Its first act was to organize the The Hague
Congress, on 7 May 1948, remembered as "The Congress of Europe". More than a
thousand delegates from some twenty countries, together with a large number of
observers, among them political and religious figures, academics, writers and
journalists, attended the Congress (Council of Europe, 1948).
316
Soviética: a divisão entre a Europa Ocidental, capitalista, e o Leste Europeu,
comunista, impôs uma distância no diálogo entre essas nações.
317
notice of defects which endanger its preservation –, porém, não é abordado
exaustivamente.
318
do Homem, a primeira expressão internacional de princípios dos direitos
humanos.
319
seja comprovado que objetos resultantes de escavações ou pesquisas;
objetos sacros, históricos ou artísticos tenham sido levados de uma país a
outro sem o conhecimento e a autorização prévia das autoridades
competentes do país de origem, como também do país de recepção. No
entanto, uma vez que o objetivo da declaração é promover a integração entre
os estados americanos, as ações que envolvem a circulação de informações
– como imagens, textos, exposições – devem ser incentivadas. Articles on loan
to museums, exhibitions, or scientific institutions that are outside the state to whose
cultural heritage they belong shall not be subject to seizure as a result of public or
private lawsuits.
320
coleção de objetos latino-americanos e caribenhos, estimada em mais de 500
mil peças.
321
“the international preservation doctrine from a Eurocentric approach to a postmodern
position characterized by recognition of cultural relativism” (BOUCHENAKI, 1999,
s.p.).
The cultures and the heritage of the Americas are distinct from those of other
continents because of their unique development and influences. Our languages, our
societal structures, our economic means, and our spiritual beliefs vary within our
continent, and yet, there are strong common threads that unify the Americas. Among
these is our autochthonous heritage, which has not been entirely destroyed in spite
of the violence of the Conquest Era and a persistent process of acculturation; the
heritage from the European colonizers and the African slavery that together have
helped build our nations; and finally, the more recent contribution of European and
Asian immigrants who came searching for a dream of freedom and helped to
consolidate it. All these groups have contributed to the rich and syncretic
pluriculturalism that makes up our dynamic continental identity.
322
reconhecimento dos valores sem a imposição de predominância hierárquica
de nenhum cultura sobre outra: The comprehensive cultural value of our heritage
can be understood only through an objective study of history, the material elements
inherent in the tangible heritage, and a deep understanding of the intangible
traditions associated with the tangible patrimony.
323
autenticidade pode ser comprometida. Desse modo, o documento de San
Antonio recomenda que sejam considerados alguns indicadores no que tange
à identificação de bens patrimoniais:
i.Reflection of the true value. That is, whether the resource remains in the
condition of its creation and reflects all its significant history.
ii.Integrity. That is, whether the site is fragmented; how much is missing, and
what are the recent additions.
iii.Context. That is, whether the context and/or the environment correspond to
the original or other periods of significance; and whether they enhance or diminish
the significance.
iv.Identity. That is, whether the local population identify themselves with the site,
and whose identity the site reflects.
v.Use and function. That is, the traditional patterns of use that have
characterized the site.
324
comum como forma de poder;
325
seus bens culturais, a declaração do ICOMOS por ocasião do qüinquagésimo
aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, solicita a inclusão
dos itens abaixo:
326
6.2. Conflitos Armados
Entre o homem com a sua razão, e os animais, com o seu
instinto, quem afinal, estará mais bem dotado para o governo
da vida? Se os cães tivessem inventado um deus, brigariam
por diferenças de opinião quanto ao nome a dar-lhe,
Perdigueiro fosse, ou Lobo-d’Alsácia? E, no caso de estarem
de acordo quanto ao apelativo, andariam, gerações após
gerações, a morder-se mutuamente por causa da forma das
orelhas ou do tufado da cauda do seu canino deus?
José Saramago. In Nomine Dei. 1999, p.7.
13. For those who watch the Taleban closely, the decree to
destroy the ancient Buddhas in Bamiyan, Afghanistan,
indicates deepening divisions within its fractured ranks.
Afghan opposition leaders in India said the fundamentalist
Islamic movement began tearing down two immense, 2,000-
year-old statues of the Buddha carved into a rock face near
the central town of Bamiyan. Cultural authorities worldwide
have urged Taleban to spare the statues, but Taleban
leaders consider them graven images "insulting to Islam.
.
http://articles.cnn.com/2001-03-02/
327
Atividades belicosas, conflitos, guerras, revoluções, revoltas, golpes,
todas essas atividades fazem parte do vocabulário da existência social
humana, manifesto em todos os períodos da História e em todos os espaços
geográficos do planeta. Heráclito afirma, a guerra é a mãe de tudo
(BURCKHARDT, 1943, p.214), e também é filha das crises políticas,
econômicas e religiosas.
328
guerra. Viveu e pensou em termos de guerra mundial, mesmo quando os canhões
se calavam e as bombas não explodiam. Sua história e, mais especialmente, a
história de sua era inicia de colapso e catástrofe devem começar com a guerra
mundial de 31 anos (2000, p. 30).
329
Bogotá determina uma situação bélica denominada guerra urbana. Os
Estados Unidos, sem ter mais como levantar a bandeira da guerra fria,
mantêm seus mísseis apontados para o mundo e parecem longe de reduzir
seu potencial bélico.
330
mundo. A guerra, declara uma das “chanson de geste”, significa descer como o
mais forte sobre o inimigo, cortar suas videiras, arrancar pelas raízes suas árvores,
assolar suas terras, tomar de assalto seus castelos, entupir seus poços, e matar
suas gentes (ELIAS, 1939, p. 192). Esta prática medieval não está distante de
nossas práticas atuais.
331
de quebra do tratado firmado pelas nações americanas, havendo um prazo
máximo de três meses para o julgamento da ação. Entre 1933 e 1945 não
ocorreram conflitos significativos nos territórios americanos e a adoção de um
outro mecanismo internacional, proposto pela UNESCO em 1954, veio a
substituir esse acordo, ou pelo menos a bandeira adotada pelo tratado.
332
Utilizando ambos documentos é que a Convenção de 1954 estruturou
um tratado mais completo, revisado e atualizado em 1996, sendo que até
1996 oitenta e oito países já haviam assinado o acordo. A estrutura do
documento está dividida em quatro partes:
333
4. In conformity with the procedure set forth in the Convention and the Protocol,
both agreements enter into force, for the first States, three months after the
deposit of instrument of ratification by the fifth State, Mexico. (Myanmar; San
Marino; Egito; Yogoslavia)
334
utilizado sozinho ou repetido três vezes no entorno do monumento ou
edifício, formando um triângulo. Além de identificar propriedades culturais
protegidas, também é utilizado em veículos que transportam bens culturais
móveis em trânsito e refúgios improvisados em áreas de alto risco. Pessoal
técnico responsável pela preservação de propriedades culturais em conflitos
armados, formalmente indicadas pela UNESCO, também são identificadas
por este emblema, tanto em cartões de identificação quanto em braçadeiras
que contenham o símbolo.
1. The placing of the distinctive emblem and its degree of visibility shall be left
to the discretion of the competent authorities of each High Contracting Party. It may
be displayed on flags or armlets; it may be painted on an object or represented in
any other appropriate form.
2. However, without prejudice to any possible fuller markings, the emblem
shall, in the event of armed conflict and in the cases mentioned in Articles 12 and 13
of the Convention, be placed on the vehicles of transport so as to be clearly visible in
daylight from the air as well as from the ground.
3. The emblem shall be visible from the ground:
(a) at regular intervals sufficient to indicate clearly the perimeter of a center
containing monuments under special protection;
(b) at the entrance to other immovable cultural property under special
protection (Regulations, Chapter V).
335
auxílio da UNESCO. O Ministro da Cultura da Sérvia teria aparecido em um
programa de televisão afirmando que reconduziria os objetos transladados ao
local de origem, quando fosse firmado um acordo de paz – de acordo com o
artigo décimo nono do terceiro capítulo das Regulamentações: Whenever a
High Contracting Party occupying territory of another High Contracting Party
transfers cultural property to a refuge situated elsewhere in that territory, without
being able to follow the procedure provided for the Article 17 of the Regulations, the
transfer in question shall not be regarded as misappropriation within the meaning of
Article 4 of the Convention, provided that the Commissioner-General for Cultural
Property certifies in writing, after having consulted the usual custodians, that such
transfer was rendered necessary by circumstances. Em função do não
cumprimento dessas orientações e das atividades de traslado
descontroladas, a observadora do GCI recomendou atenção da comunidade
internacional de museus em relação ao aparecimento de objetos croatas no
mercado de artes e antiguidades.
336
Committee”, is hereby established within the United Nations Educational, Scientific
and Cultural Organization.
337
Mesmo com a ação constante da UNESCO, como o apoio do ICOM,
ICOMOS e ICCROM, além de outras organizações internacionais e
nacionais, em 1982, em um encontro promovido pelo ICOMOS National
Committee da República Democrática da Alemanha, o qual reuniu onze
países, os membros presentes declararam sua total perplexidade diante da
situação de perdas de Patrimônio Cultural em momentos de guerra, tomando
como exemplo a situação da própria República Democrática da Alemanha,
quase quarenta anos após o conflito da Segunda Grande Guerra: uma
substancial parte de seus patrimônio permanecia perdido ou, principalmente
no caso do patrimônio arquitetônico, danificado.
338
considerado, durante o processo e após o seu término, indica que a
revalorização de um monumento não passa apenas pela sua reconstrução
material. No décimo parágrafo está escrito: The new interest in the intellectual
acknowledgment of monuments has frequently given rise to the wish to restore a
monument by reason of its meaning and impact, in addition to mere preservation.
The type and scope of restoration have been and continue to be dependent on the
significance and specific character of the monument, on the extent of destruction,
and of the cultural and political function attached to it. Essa relação específica
entre o sentido do mérito em relação ao investimento nas atividades
específicas de restauração e o respaldo social dado pelo valor simbólico que
esse espaço físico representa indica as orientações nas propostas de ação.
339
reconstruction must be based on reliable documentation of its condition before
destruction. A interferência de construções adjacentes ou elementos
estruturais modernos contrastantes com as estruturas originais tornam-se
conflitantes e impactantes quando concorrem com a visibilidade do elemento
original. O respeito à integridade, física e moral, de cada propriedade cultural
deve ser orientada de maneira a promover um diálogo consciente e
compreensível, entre o presente e o passado: More and more clearly, peoples
combine pride in monuments of their own history with interest in monuments of other
countries and with respect for cultural achievements, both past and present, of the
peoples represented by these monuments. Worldwide exchange of knowledge and
experience on characteristic features, historical evidence, and the beauty of the
cultural heritage, especially the monuments of every people and each ethnic and
social group, plays a constructive role in assuring equitable, peaceful co-existence
between peoples.
340
Em junho de 1994, em Stocolmo, ocorreu um encontro internacional
cujo tema de trabalho foi: A Informação como um instrumento para a
Proteção contra danos provocados pelas guerras em Propriedades Culturais.
Ao constatar o aumento de conflitos étnicos, raciais e religiosos em muitos
países e, muitas vezes, o desrespeito ao acordo de 1954, os especialistas
apontam a necessidade de manter os programas educacionais iniciados pelo
Conselho da Europa e a convicção de que o uso de todos os mecanismos de
divulgação disponíveis – jornais, televisão, internet – pode auxiliar no
combate às ações deliberadas de destruição do Patrimônio Cultural. Nos
conflitos armados ou nos projetos religiosos baseados na intolerância, a
destruição de obras e monumentos faz parte da demonstração de força, da
deploração e menosprezo para com a outra cultura e, além disso, retira os
vínculos simbólicos e físicos que exteriorizam a legitimidade de permanência
de uma determinada cultura em um espaço geográfico específico: The
meeting express its conviction that the deliberate destruction in both international and
non-international armed conflicts of the cultural heritage is but one part of a strategy
of domination through destruction of self-esteem by torture, rape, expulsion and
extinction of its members. The destruction of historic records, monuments and
memories serves furthermore the purpose of suppressing all that bears witness that
the threatened people were ever living in the area.
341
b) Promoção de encontros com autoridades locais, governo, militares e
agentes culturais, inclusive jornalistas, para conscientização em
relação ao acordos internacionais vigentes e sua divulgação;
342
governmental organizations, ICOMOS and ICOM call on all people, governments,
International Organizations and associations to take immediate action to prevent this
cultural catastrophe from happening. A dialogue should be established with the
Taliban leaders to ensure adequate protection of all Afghan heritage, whether pre-
islamic or islamic. This is a matter of the highest importance and the greatest
emergency.
343
“necessidades militares” devem ser contidas em relação às propriedades
culturais?
Participants of the conference expressed their support for the "Appeal for
International Aid for Croatian and Bosnia-Herzegovina Monuments Destroyed During
the War" issued by the European Conference of Ministers responsible for cultural
heritage on 31 May 1996, in Helsinki.
344
Participants supported the proposal by the Republic of Poland for the
establishment, under the patronage of UNESCO, an international center for the
training of civilian and armed forces personnel for the protection of cultural heritage
in the context of armed conflicts and all emergency situations.
Participants requested that the papers and proceedings of the conference at
least be published in English and widely distributed to organizations in the fields of
cultural property conservation, civil defense and armed forces.
345
significativas, proposta em 1972 e concluída em 1999, na batalha para a
preservação. Sua conclusão ou seu formato final, sabemos impossível de
alcançar: sempre haverá um conflito, um terremoto ou uma catástrofe que
implica na mobilização de esforços para a preservação. Poderíamos pensar
que a bomba de nêutrons ou as armas químicas, que destróem pessoas mas
preservam os edifícios, seria uma saída ao cumprimento dos acordos, porém,
monumentos são preservados para pessoas e a integridade física, moral e
cultural dos indivíduos são as metas que se pretende alcançar quando é
reivindicado a preservação do Patrimônio Cultural.
346
6.3. Mobilidade
Materiais/Técnicas: madeira/policromia
http://www.iphan.gov.br/bancodados/BENSPROCURADOS
347
As ações relacionadas à mobilidade envolvem atitudes positivas e
negativas em relação a um mesmo tema. O intercâmbio de objetos, obras de
arte e artefatos arqueológicos e etnográficos propicia o reconhecimento
histórico, artístico, intelectual e cultural de sociedades e povos. A vinda de
obras européias do início do século - em exposições que cultuam o fauvismo,
o expressionismo ou o cubismo - para museus do continente americano; a
mobilidade da exposição Brasil 500 Anos; bienais internacionais e exposições
itinerantes contribuem para a divulgação do conhecimento, das idéias, da
arte e da história da humanidade. Porém, voltando ao texto de Ashley Smith,
Let’s be honest!, as ações que envolvem a mobilidade de acervos são mais
complexas do que imaginamos: necessitam de formatação de aspectos
legais, como seguro de obras quando saem da instituição de origem, termos
de compromisso e regras fiscais de tributação aduaneira, importação e
exportação circunscritas às esferas nacionais e internacionais; demandam
infra-estrutura tecnológica e pessoal especializado imprescindível à
conservação preventiva dos objetos, cujos procedimentos remetem aos
cuidados desde a embalagem até retirada das peças de seus invólucros,
além da climatização, vistoria, manuseio e exposição do acervo fora da
instituição de origem; como também da mobilidade que ocorre sob a forma
da lei ou a irregular, que ocorre geralmente em áreas de conflito ou em
países pouco avançados nos procedimentos de catalogação, inventário e
formatação de leis de proteção.
348
obras artísticas, dos artefatos arqueológicos ou etnográficos, dos objetos que
remetem ao passado.
349
quinze anos que o frio russo não implicaria em degradação de obras de arte,
em função da baixa concentração de umidade do ar. Má fé ou despreparo, na
verdade, quem está no final desta cadeia de transações – regionais ou
internacionais – é o restaurador que é chamado de emergência para reparar
os danos provocados pelas infestações, desprendimentos de policromias por
variações climáticas ou manuseio por parte de pessoal não qualificado. No
final, a obra perde suas características originais, sua integridade ou diminui
sua vida útil em função de ações descontroladas.
350
packing or handling. Occasionally there is catastrophic damage caused by
environment, usually a very large difference between the environments of lending
and borrowing conditions (ASHLEY-SMITH, 1995, p. 5).
351
desses mesmos objetos nos países desenvolvidos. Não significa que exista
uma conivência das autoridades, mas uma indiscutível falha no sistema que
controla não apenas o tráfico ilícito de objetos culturais, mas também o
tráfico de drogas e armas. O problema maior, nesse caso, é que associado
ao tráfico ilícito também estão associadas à coleta e a exploração ilegal,
utilizando uma população carente e mal esclarecida, que recorre às práticas
depredatórias, de furto e despojamento de seu próprio Patrimônio Cultural
em troca de quantias infinitamente menores do que o valor – capital e
simbólico – da obra, como uma forma de subsistência.
352
adquiriram esses objetos. O cerne da questão é que, uma vez deslocados de
sua área de origem e isolados dos pesquisadores que lhe confeririam voz, os
testemunhos do passado tornam-se mudos e, destituídos de um sentido
histórico e cultural, não passam de pedras, madeira ou vidro; perdem seu
significado e seu valor real: o valor de um objeto é proporcional ao valor
cultural, à quantidade de luz que lança sobre a construção histórica, artística,
social ou filosófica de uma determinada sociedade.
353
examples, the most notorious being Napoleon's collection of loot during his
campaigns or Hitler's systematic acquisition of "Aryan" artworks for his showpiece
museum at Linz. But the motivation for these confirmations of the old adage "to the
victor go the spoils" differs markedly from the impetus behind today's eruption of art
theft--namely, filthy lucre (JACKSON, 1998, p. 8). Abordando este tópico
específico no capítulo terceiro das disposições reguladoras, a Convenção de
Hague indica que objetos que sejam transferidos, por motivo de segurança
ou reparo, são imunes e não devem ser confiscados, sendo os delegados
nomeados para a Força de Proteção os responsáveis imediatos nas questões
que envolvem a comunicação, o registro e a proteção da operação. Uma vez
que o Registro Internacional de Propriedade Cultural sob Proteção Especial,
recomendado em 1954, ainda não foi elaborado, a World Heritage List e a
World Heritage in Risk têm cumprido o papel de um documento oficial de
reconhecimento internacional. Uma vez transportado para outros territórios,
por medida de segurança, os Estados receptores são considerados apenas
depositários dos bens culturais, assumindo o compromisso de retorna-los aos
locais de origem quando for seguro e protege-los durante sua estadia.O
problema que envolve o tráfico ilícito em situações de conflitos armados é
que a fiscalização torna-se quase impossível e os roubos, saques e
destruições são inevitáveis.
354
of cultural property as defined in paragraphs 1 and 2. A definição de propriedade
cultural, já discutida nos tópicos anteriores, remete aos bens móveis e
imóveis (partes ou todo) de importância cultural ao país de origem,
englobando arte e arquitetura, manuscritos e outras propriedades artísticas,
históricas ou arqueológicas; artefatos etnográficos; espécies de flora e fauna;
coleções científicas e importantes coleções arquivísticas, incluindo arquivos
musicais.
i) Recognition of the cultural property existing within the territory of the State,
and, where appropriate, the establishment and maintenance of a national inventory
of such property, in accordance with the provisions of paragraph 10;
ii) Cooperation with other competent bodies in the control of the export, import
and transfer of ownership of cultural property, in accordance with the provisions of
Section II above; the control of exports would be considerably facilitated if items of
cultural property were accompanied, at the time of export, by an appropriate
certificate in which the exporting State would certify that the export of the cultural
property is authorized. In case of doubt regarding the legality of the export, the
institution entrusted with the protection of cultural property should address itself to
the competent institution with a view to confirming the legality of the export .
355
Reconhecendo que as instituições culturais, museus, livrarias e arquivos
compartilham dessa obrigação, as mesmas devem acatar os dispositivos
declarados no documento. Em relação ao documento anterior (1964), o texto
define mais claramente os elementos considerados bens culturais, conforme
descrito no artigo primeiro:
356
ligação com a história e a cultura dos países de origem.
To ensure the protection of their cultural property against illicit import, export
and transfer of ownership, the States Parties to this Convention undertake, as
appropriate for each country, to set up within their territories one or more national
services, where such services do not already exist, for the protection of the cultural
heritage, with a qualified staff sufficient in number for the effective carrying out of the
following functions:
(a) contributing to the formation of draft laws and regulations designed to
secure the protection of the cultural heritage and particularly prevention of the illicit
import, export and transfer of ownership of important cultural property;
(b) establishing and keeping up to date, on the basis of a national inventory
of protected property, a list of important public and private cultural property whose
export would constitute an appreciable impoverishment of the national cultural
heritage;
(c) promoting the development or the establishment of scientific and technical
institutions (museums, libraries, archives, laboratories, workshop) required to ensure
the preservation and presentation of cultural property;
(d) organizing the supervision of archaeological excavations, ensuring the
preservation "in situ" of certain cultural property, and protecting certain areas
357
reserved for future archaeological research;
(e) establishing, for the benefit of those concerned (curators, collectors,
antique dealers, etc.) rules in conformity with the ethical principles set forth in this
Convention; and taking steps to ensure the observance of those rules;
(f) taking educational measures to stimulate and develop respect for the
cultural heritage of all States, and spreading knowledge of the provisions of this
Convention;
(g) seeing that appropriate publicity is given to the disappearance of any
items of cultural property.
Nos vinte e seis artigos do documento, as ações concernentes à
vigilância, educação e informação são consideradas prioritárias nas ações:
inventário sem vigilância não evita o roubo; vigilância sem inventário não
consegue agir; ambas sem a educação e a conscientização do povo são
inoperantes. O impacto do texto apresentado, modificou a prática
amadorística de coletar souvenirs ou objetos para uso próprio, utilizada por
profissionais que tinham acesso ilimitado às fontes de pesquisa: Many
archaeologists of those years built up guilt-free collections of antiquities “for teaching
purposes.” They consorted freely with local amateurs, who, in turn, sought out
archaeologists for advice and openly shared their collections and information about
newly discovered sites. Wealthy, well-educated, and passionately involved collectors
often served as patrons for archaeologists, providing access to their private
collections and funding for fieldwork and travel. Ford Foundation grants paid
fieldwork expenses for graduate students. Life was good. Then came the 1970
UNESCO Convention on the Means of Prohibiting and Preventing the Illicit Import
and Transfer of Ownership of Cultural Property. The convention brought archaeology
into public and professional discussions in a different context. A host of new phrases
entered our vocabularies: cultural property, clandestine excavations, illicit export,
country of origin, states parties, and the like. The national antiquities laws of the
countries we worked in, which had seemed simple manifestations of bureaucratic red
tape, took on larger meaning. Our research objects were publicly defined as “cultural
heritage” whose “true value can be appreciated only in relation to the fullest
information regarding its origins, history, and traditional setting” (UNESCO
Convention preamble). The convention told us that looting –- actually, it used the
even stronger term pillage –- is a direct result of the market demand for antiquities by
dealers and collectors. The battle lines for the coming decades were drawn (KAREN
D. VITELLI, 2000, p. 12).
358
Se os documentos de 1964 e 1970 apontam para os problemas
causados pela circulação ilegal de bens culturais, em 1976 o documento
gerado na décima nona sessão da Conferência Geral da UNESCO, realizada
em Nairobi, dirige-se ao Intercâmbio Internacional de Propriedades Cultural a
partir de bases legais, recalling that cultural property constitutes a basic elemnt of
civilization and national culture; considering that the extension and promotion of
cultural exchanges directed towards a fuller mutual knowledge of achievements in
various fields of culture, will contribute to the enrichment of the cultures of other
nations making up the cultural heritage of all mankind. Em função dessas e de
outras prerrogativas, a possibilidade de intercâmbio de bens culturais deve
ser incentivada. A transferência de propriedade, sob a forma da lei, torna-se
possível a partir de empréstimo, doações, venda ou depósito temporário de
acervos específicos, desde que firmado acordos que não infrinjam as normas
legais de cada país.
359
distintas, deve ocorrer a partir de parâmetros legais e operacionais que
protejam tanto o direito à propriedade quanto à integridade física dos
acervos.
360
pelos cuidados com o patrimônio desses locais são consideradas alternativas
viáveis ao controle do acesso público e à valorização desses acervos pela
própria comunidade.
361
sem que este tivesse que pagar multas exorbitantes. A burocracia e a
ineficiência de alguns setores públicos significam, em vários países –
desenvolvidos ou subdesenvolvidos – a corrupção, a cobrança de propinas e,
em último caso, a facilidade do tráfico ilícito de propriedades culturais.
362
Para que as agências de investigação internacionais pudessem agir de
maneira eficaz, os governos de cada país deveriam promover um sistema de
inventários detalhados e extensivos relacionado ao Patrimônio Cultural. Com
o intuito de promover a aplicação da Convenção de 1970, a UNESCO, a
INTERPOL e o ICOM promoveram oficinas regionais de treinamento: em
fevereiro de 1992 ocorreu na Tailândia; em junho do mesmo ano, no
Camboja e em março de 1993 na Hungria; em 1994, um encontro sobre o
tema, em Mali, reuniu os países Oeste-Africanos e em 1996, na República
Democrática do Congo, os países da África Central. Em 1995, no Equador,
discussões relacionadas ao desaparecimento de propriedade cultural Latino
Americana promoveu uma série de medidas, entre elas a publicação do
catálogo One Hundred Missing Objects – LA.
363
documentação, cadastramento e inventariado de acervos; a CPC-USP
publicou em 1997 a segunda edição – revisada e ampliada – do Guia de
Museus Brasileiros, formalizando e unificando a partir de uma banco de
dados próprio, constantemente alimentado por informações que chegam dos
próprios museus, o perfil museológico no Brasil.
364
em torno na UNIDROIT, a temática da Assembléia Geral da UNESCO foi: O
retorno ou a restituição de propriedade privada ao seu país de origem. O
texto estabelece:
365
and the dissemination of culture for the well-being of humanity and the progress of
civilisation,
DEEPLY CONCERNED by the illicit trade in cultural objects and the
irreparable damage frequently caused by it, both to these objects themselves and to
the cultural heritage of national, tribal, indigenous or other communities, and also to
the heritage of all peoples, and in particular by the pillage of archaeological sites and
the resulting loss of irreplaceable archaeological, historical and scientific information,
DETERMINED to contribute effectively to the fight against illicit trade in
cultural objects taking the important step of establishing common, minimal legal rules
for the restitution and return cultural objects between Contracting States, with the
objective of improving the preservation and protection of the cultural heritage in the
interest of all,
EMPHASISING that this Convention is intended to facilitate the restitution and
return cultural objects, rind that the provision of any remedies, such as
compensation, needed to effect restitution and return in some States, does not imply
that such remedies should be adopted in other States,
AFFIRMING that the adoption of the provisions of this Convention for the
future in no way confers any approval or legitimacy upon illegal transactions of
whatever kind which may have taken place before the entry into force of the
Convention,
CONSCIOUS that this Convention will not by itself provide a solution to the
problems raised illicit trade, but that it initiates a process that will enhance
international cultural co- operation and maintain a proper role for legal trading and
inter- State agreements for cultural exchanges,
ACKNOWLEDGING that implementation of this Convention should be
accompanied by other effective measures for protecting cultural objects, such as the
development and use of registers, and the physical protection of archaeological sites
and technical co-operation,
RECOGNISING the work of various bodies to protect cultural property,
particularly the 1970 UNESCO Convention on illicit traffic and the development of
codes of conduct in the private sector.
366
Objetos escavados e removidos sem consentimento são considerados
roubados e o período para que os Estados aviltados reclamem seus objetos
ilicitamente exportados, comprados ou transferidos é de setenta e cinco
anos, sendo que objetos roubados de instituição pública não estão sujeitos
às limitações temporais especificadas no acordo. The possessor of a stolen
cultural object required to return it shall be entitled, at the time of its restitution, to
payment of fair and reasonable compensation provided that the possessor neither
knew nor ought reasonably to have known that the object was stolen and can prove
that it exercised due diligence when acquiring the object .
The court or other competent authority of the State addressed shall order the
return of a illegally exported cultural object if the requesting State establishes that the
removal of the object from its territory significantly impairs one or more of the
following interests:
367
(a) the physical Preservation of the object or of its context;
(b) the integrity of a complex object;
(c) the preservation of information of, for example, a scientific or historical
character;
(d) the traditional or ritual use of the object by a tribal or indigenous
community, or establishers that the object is of significant cultural importance for the
requesting State.
368
da integridade física de um objeto torna-se evidente: é notório que, uma vez
deslocado de uma Reserva Técnica ou uma Exposição climatizada,
controlada e vigiada, o objeto passa a ter uma vida útil menor, estando
exposto ao manuseio, à degradação biológica ou às ações da temperatura e
da umidade. Como compactuar com tal situação? Also voiced may be strongle-
felt positions that some cultural material held in museums belongs back in use –
sometimes for religious purposes, sometimes for other social purpose. And “back in
use” may well mean releasing artifacts into an environment that may reduce their
longevity and alter their condition (WELSH, 1992, p. 13).
369
Justificando a proposição, o senador relata que uma vez exportado, o
produto brasileiro passa a ser considerado estrangeiro, para efeito de
tributação, nos termos da legislação aduaneira. Mas, segundo seu
entendimento, os produtos artísticos devem ser tratados com ótica diferente,
uma vez que sua re-importação representa um verdadeiro resgate de um
testemunho da memória ou de componente importante da cultura nacional que, por
qualquer motivo, havia sido remetido para o exterior. O mesmo se aplica,
evidentemente, ao objeto de arte produzido, no exterior, por artista brasileiro. O
autor dá razão ao advogado Marcelo Fadel que, em artigo publicado no jornal
O Globo, afirmou: queiram ou não, é rematado exercício de apatriotismo,
verdadeiro crime de lesa-pátria, embaraçar o reingresso de obras de arte
brasileiras em país já tão carente de iniciativas culturais". Sua conclusão é
que "antes de se pensar em taxação, o mais lógico é pensar em incentivo
para tal prática. Por outro lado, referindo-se às obras de arte importadas por
museus públicos e entidades culturais reconhecidas como de utilidade
pública, cuja isenção tributária está condicionada aos casos de doação, ele
pondera: essa condição não faz o menor sentido, pois a circunstância de pagar ou
não pela obra não desnatura a sua finalidade essencial, que é a de enriquecer o
Patrimônio Cultural do País. Ilogicamente, justo quando o museu normalmente
carente de recursos, consegue pagar por uma obra de arte, é castigado pela
obrigação de pagar o imposto de importação.
370
6.4. Turismo e Educação
371
de cultura como algo imbricado ao conceito pejorativo de civilização impõe
uma relação hierárquica entre aquele que detém o poder e aquele que está
subordinado à ele: o civilizador e o não civilizado. Por essa mesma via, o
debate antropológico expresso nas academias, estrutura-se também na vida
cotidiana: é de senso comum a utilização da palavra cultura para designar o
homem culto, refinado e educado e, por conseguinte, detentor de uma capital
simbólico específico, o qual obteve através de uma posição social, recursos
materiais e financeiros. O homem culto, letrado ou estudado, parece longe da
gama de analfabetos que povoam os países subdesenvolvidos.
372
sua realidade por meio da iniciativa e da imaginação criadoras (CUÉLLAR, 1997, p.
102).
373
opportunity of manifesting their interest in the protection of works of art in which
civilisation has been expressed to the highest degree and which would seem to be
threatened with destruction;
b) The role of education in the respect of monuments.
The Conference, firmly convinced that the best guarantee in the matter of the
preservation of monuments and works of art derives from the respect and
attachment of the peoples themselves;
Considering that these feelings can very largely be promoted by appropriate
action on the part of public authorities;
Recommends that educators should urge children and young people to abstain
from disfiguring monuments of every description and that they should teach them to
take a greater and more general interest in the protection of these concrete
testimonies of all ages of civilisation.
374
conflitos baseados nas lutas para o estabelecimento do poder: In recent years
historical archaeologists have become increasingly interested in exploring how to use
material culture to study conflicts and struggles, as well as in considering how the
interpretation of the past evidence is affected by modern perceptions. Just recently,
volume 3 of the International Journal of Historical Archaeology dealt with
“Archaeologies of Resistance in Britain and Ireland” and volume 33 (1) of Historical
Archaeology was concerned with “Confronting Class”, both published in 1999. A bit
earlier, modern perceptions were the subject of Historical Archaeology 31 (1), on “In
the Real of Politics: Prospects for Public Participation in African-American and
Plantation Archaeology” and on “Archaeologists as storytellers” (Historical
Archaeology 32, 1). Both subjects are also at the heart of several chapters of an
edited volume on Historical Archaeology (Funari et al. 1999), with contributions from
all over the world. The same issues are also behind the initiative of a new scholarly
archaeological journal, Public Archaeology, spearhead by the Institute of
Archaeology (University College London). Conflicts in the past and conflicts in the
interpretation of the past is thus a growing concern in the discipline (FUNARI, 2000b,
p. 2).
375
aponta para um tipo de Museu que teria um papel exclusivamente
educacional: os museus pedagógicos e os museus didáticos. Esta postura
não implicaria em depreciar as outras atividades essenciais da instituição
como a conservação, a investigação científica ou as exposições, mas criar
um dinâmica entre os profissionais internos com o intuito de privilegiar as
ações externas voltadas à educação: com a condição de que seja lógica e
agradável, e que proponha, em vez de impor, a exposição terá por si valor didático.
Deve-se dedicar uma atenção especial à exposição polivalente, e que deverá
manter-se em um certo nível, porque, além de dirigir-se ao visitante médio, que não
pode ser decepcionado, deverá contribuir para a evolução dos visitantes não
preparados, tornando-se para eles uma etapa crucial entre as apresentações de
caráter didático e as apresentações de estudo (Comitê Brasileiro do ICOM, 1995, p.
16).
376
posição do museu na estrutura social: o conceito de museu integral questionou
noções consagradas do universo museológico como o colecionismo, o museu entre
quatro paredes, e o patrimônio oficial, identificado apenas com o histórico e o
artístico. Despertou a atenção dos profissionais para todo um patrimônio à espera
de musealização, para a importância da participação comunitária em todas as
instâncias museológicas, e impôs novos métodos de trabalho. Colocou, ainda, a
necessidade de se repensar a formação profissional para a área. O museu integral
trouxe uma nova perspectiva de atuação, fora das fronteiras tradicionais, que
acarretou entre outros problemas, uma crise de identidade institucional, na qual os
museus se confundiram com outros modelos de ação cultural, como centros
culturais, casas de cultura e memoriais, entre outros (MATTOS e BRUNO, 1995, p.
6).
Para quem serve a indústria do passado? Esta questão não pode ser
respondida impunemente. Se ela servir apenas aos interesses elitistas de
alguns poucos detentores de capital, pouco ou nada estará contribuindo ao
sentido da preservação: o largo fosso que separa a pobreza dos valores
preservacionistas desenvolvidos no Ocidente não pode ser coberto por uma
concepção que tenda, por exemplo, a apoiar as operações comerciais, ao mesmo
tempo em que perturba o relacionamento delicado entre os níveis econômicos
existentes, os laços de vizinhança, o tecido urbano tradicional e o tecido
monumental que está ligado a ele, embora de forma precária, relata Yasmin
Cheema no livro produzido por Cuéllar (1997, p. 241).
377
desenvolvido a partir do Patrimônio Cultural. Entre os objetivos prioritários
resultantes da reunião ocorrida em Quebec estavam, o intercâmbio entre as
experiências obtidas em Ecomuseus e a discussão da Nova Museologia, uma
proposta teórica embasada nas práticas sociais. Essa postura resultou em
críticas severas às diretrizes museológicas oficiais, instituídas e divulgadas
principalmente pelo ICOM, totalmente vinculadas às noções de cultura,
patrimônio, educação e museus desenvolvidas nos países ricos e
industrializados. Resultantes dos encontros de 1958 e 1972, da idéia vaga de
novas formas de Museologia – museus comunitários, museus de vizinhança,
ecomuseus etc –, o ateliê de Quebec foi evoluindo para o reconhecimento de um
movimento com uma amplidão que não podeia mais deixar de ser tomada como
uma realidade nova da Museologia (MOUTINHO, 1995, p. 26). Nessa reflexão, a
pesquisa, a interpretação e as formas de comunicação deveriam estar
comprometidas com as questões de ordem social, com a integração da
comunidade e com a revitalização de formas de expressões artesanais,
agrícolas e culturais, principalmente de grupos economicamente excluídos. A
idéia da exposição, enquanto espetáculo a ser contemplado, deixaria de ser
fundamental, uma vez que, nessa nova proposta museológica, o público teria
participação fundamental no processo de criação e utilização do espaço.
378
A Educação é um processo que pode ocorrer de várias formas,
partindo das próprias experiências e da experiências dos outros. A grande
sacada, é tentar utilizar a informação que chega em prol do próprio
desenvolvimento: não se trata de isolar as sociedades para que suas
manifestações não percam a integridade; não se trata de fechar as cidades
históricas, os sítios ou os monumentos, as paisagens culturais ou os objetos
de museus com um cordão de isolamento para que não danifiquem. A
questão é fornecer ferramentas para que preservação da cultura material e
manutenção de tradições imateriais possam coexistir; que pesquisa e
comunidade descubram mecanismos próprios a partir do fortalecimento de
sua própria consciência cultural; que exposição e preservação abracem a
mesma causa à favor do crescimento dos indivíduos.
379
perspectiva, as abordagens da Nova Museologia em relação à educação
privilegiam a relação estabelecida entre a instituição e a comunidade do
entorno em relação ao público eventual, turistas e visitantes esporádicos.
380
undermine and subvert the original motive for cultural travel – and even the original
basis for culture. This notion is wrapped in sufficient common sense that it easily can
be taken for granted. Recently, however, it has been subject to criticism. One of the
strongest intellects in tourism studies, Marie-François Lanfant, comments: The
discovery of heritage, by procedures such as restoration, reconstitution, and
reinvestment with affect, in some sense breaks the very chain of significance which
first invested it with authenticity, in that on subsequent occasions it is retouched and
elevated to a new status. The object of heritage is reconstructed through this process
of marking, and thereby it certifies the identity of a place for the benefit of anonymous
visitors. Tradition, memory, heritage: these are not stable realities. It is as if the
tourists have been invited to take part in a fantastic movement in which collective
memory is constructed through the circulation of tourists (2000, s.p.).
381
definições dos papéis dos governos e das comunidades internacionais,
resultantes do duplo documento elaborado sobre o mesmo tema, uma nova
noção de manejo foi introduzida no debate: a questão do Turismo Cultural.
Esta noção aparece e outros documentos, anteriores e posteriores – Normas
de Quito (1967); Sobre propriedades em perigo por ações públicas ou
privadas (1968); Proteção, ao Nível Nacional, sobre propriedades Culturais e
Nacionais (1972); Conservação sobre Pequenos Centros Históricos (1975);
Recomendações sobre a Segurança e o Papel Contemporâneo de Áreas
Históricas (1976); Carta de Proteção do Patrimônio Subaquático (1996);
Declaração de San Antonio (1996) –, mas a busca para que os bens
patrimoniais de uma nação faça parte da lista do Patrimônio Mundial da
Humanidade tem feito com que governos e comunidade local se unam para
elaborar dossiês e revitalizar as áreas.
382
Social Council of that world agency, after recommending that the General Assembly
designate 1967 as International Tourist Year, resolved to invite the United Nations
organizations and the specialized agencies to give "favorable consideration to the
request for technical and financial assistance to the developing countries, in order to
accelerate improvement of their tourist resources (Resolution 1109-XL).
383
abordando aspectos importantes. Considerando que as pequenas cidades
podem sofrem impactos violentos em função de mudanças bruscas no ritmo
de vida local ou danos irreversíveis ao Patrimônio Cultural a partir do
abandono, do isolamento ou da dispersão das comunidades em função da
migração da população para centros mais atrativos ou transformações
urbanas aceleradas devido ao turismo cultural e ao crescimento desordenado
da cidade, o discurso adverte:
•they may suffer from a lack of economic activity leading to the emigration of
their populations to larger centres and the resultant abandonment and decay;
•even when the population is numerically stable, there may still be a
tendency, due to traffic and other inconveniences, for the inhabitants, to move to
modern quarters on the fringes of the town, leading to dereliction of the historic town
centre;
•on the other hand, too much economic activity may cause disruption of the
old structure and the insertion of new elements which upset the harmony of the urban
environment;
•measures to adapt the town to modern activities and uses may have similar
effects. For example, tourism, which can be a legitimate means to economic
revitalization, can also have a negative impact on the appearance and structure of
the town;
•the increasing unit size of the social infrastructure such as schools and
hospitals tends to destroy the scale of the town and to reduce the level of its services.
384
operantes, ajustadas e associadas ao planejamento da cidade, da região, do
bairro ou da localidade específica.
385
Se Roma, com todo seu significado histórico e toda uma infra-estrutura de
universidades e centros de pesquisas, sendo inclusive a sede do ICCROM,
enfrenta sérios problemas causados pelo fluxo contínuo de turistas e pelo
crescimento desordenado, como agir em outras cidades que, de repente,
tornam-se espaços turísticos atrativos, quer pela sua natureza, quer pelos
seus monumentos?
386
play their role as elements of touristic attraction and of cultural education, implies the
definition and implementation of acceptable standards.
387
6. Los programas de promoción del Turismo deberían proteger y
ensalzar las características del Patrimonio natural y cultural.
388
da chamada indústria do patrimônio (...)Contudo, a Comissão manifesta sua
preocupação com a possibilidade de que o Patrimônio Cultural venha a se tornar um
bem a serviço exclusivo do turismo, degradando-se e dilapidando-se no processo;
(...) Muitos observadores alertam quanto aos limites da capacidade de visitação de
monumentos e centros históricos. O número excessivo de visitantes já causou
efeitos catastróficos ao estado de conservação e ao tecido social e ambiental de
vários sítios. O próprio turismo tem sido afetado de forma adversa nos centros
urbanos históricos, deteriorados pela decadência da situação imobiliária, pelo
tráfego fora de controle e pela poluição atmosférica (1997, p.244).
389
Nigéria, Siri Lanka e Tunísia. O texto expressa o consenso, entre os
participantes do debate, quanto às lacunas e à dificuldade de se chegar aos
parâmetros técnicos, científicos e teóricos nos métodos de definição dos
bens culturais de natureza representativa e nos processos seletivos passíveis
de credibilidade e legitimidade. No segundo ponto de discussão, o
documento afirma: It was apparent to all the participants that from its inception the
World Heritage List had been based on an almost exclusively “monumental” concept
of the cultural heritage, ignoring the fact that not only scientific knowledge but also
intellectual attitudes towards the extent of the notion of cultural heritage, together
with the perception and understanding of the history of human societies, had
developed considerably in the past twenty years. Even the way in which different
societies looked at themselves – their values, history, and the relations that they
maintained or had maintained with other societies – had developed significantly. Até
1972, a idéia de Patrimônio Cultural parecia circunscrita aos monumentos
arquitetônicos, paulatinamente os documentos ampliaram esse conceito e os
monumentos passaram a adquirir uma correspondência maior e
multidimensional em relação à cultura, principalmente com a inclusão do
sentido do patrimônio intangível.
390
consideradas, excluindo outras representações de valor
econômico, simbólico, social e filosófico que representam
sua interação com o ambiente natural e a diversidade.
391
GRÁFICO 3 : Fluxo Turístico
Em 1992, 482 milhões de pessoas viajaram
280 EUROPA
74 ÁSIA
21 ÁFRICA
392
GRÁFICO 4 : Patrimônio Cultural
Em 1995, 321 sítios faziam parte da WHL
40 AMÉRICA LATINA
16 ÁFRICA
393
Em relação ao primeiro ponto, estudos da UNESCO apresentados no
livro de Cuéllar (1997, p. 234, 243), demonstram a disparidade entre o
número de monumentos na Europa e no restante do mundo. Uma
comparação entre o Gráfico 3 e Gráfico 4 pode fornecer uma relação entre
o número de sítios relacionados na WHL e o fluxo de turismo por região.
394
Como a mídia, o turismo cultural pode render bons frutos, desde
conscientemente manejado e diretamente direcionado para o bem estar da
população que recebe os visitantes. Em relação à mídia, podemos perceber
um paralelo entre suas projeções e as projeções do turismo cultural: uma
nova esfera de mídia ampliou consideravelmente os mecanismos de
transmissão de conhecimento, informações e, portanto, educação. Dirigida a
uma cultura de massas, baseada na divulgação de mercadorias produzidas
em série, as várias possibilidades comunicacionais – rádio, televisão, cinema,
internet – tendem a homogeneizar a percepção de realidade. Porém, podem
ampliar o acesso à educação, quando transcende as experiências
particulares e as tornam universais. Em sua biografia, Nelson Mandela relata
o encontro que teve no Círculo Ártico com um grupo de jovens inuit:
395
O sentido de uso do Patrimônio Cultural e pela busca do sentido da
preservação, perseguido no decorrer desse trabalho. O resultado que
diferencia as ações conscientes das atividades mal planejadas pode ser
visualizado em vários centros turísticos de todo o mundo; em países
desenvolvidos e subdesenvolvidos. A preservação do Patrimônio Cultural, no
entanto, é proporcionalmente mais difícil quanto maior for o nível de pobreza
e menor o nível de educação: a conservação de bens culturais torna-se um
luxo em contextos que imperam a fome, a miséria, a exclusão social e os
conflitos armados (internos ou externos). Por sua vez, as ações
conservacionistas em centros urbanos desequilibrados, cuja qualidade de
infra-estrutura – saneamento, esgoto, coleta de lixo, transporte, segurança –
deixa a desejar, tampouco rendem resultados.
396
infrastructure of conservation, on who legally –- or traditionally –- is responsible for
what. This varies not only nationally (and even occasionally regionally) but also with
the proprietary context within which the conservation is undertaken –- that is,
whether public or private, and whether it is a site, museum, or historic building in
current use. (CARTHER, 2000, s.p).
40
Por duas vezes tive oportunidade de participar de cursos oferecidos pelo The Getty
Conservation Institute: em 1994, uma oficina de Restauração e Conservação de Cerâmica, no
Chile e em 1995, no México, um curso de Conservação Preventiva em Museus. Como
resultado imediato, a remodelação do Laboratório de Conservação do MAE e o planejamento
da Reserva Técnica, projetos patrocinados pela VITAE e FAPESP e que foram elaborados a
partir das noções apreendidas.
397
treinamento e cursos devem ter por objetivo:There is a need to develop a holistic
approach to our heritage on the basis of cultural pluralism and diversity, respected by
professionals, craftspersons and administrators. Conservation requires the ability to
observe, analyze and synthesize. The conservationist should have a flexible yet
pragmatic approach based on cultural consciousness which should penetrate all
practical work, proper education and training, sound judgment and a sense of
proportion with an understanding of the community's needs. Many professional and
craft skills are involved in this interdisciplinary activity.
398
7. A PRESERVAÇÃO NO CONTEXTO NACIONAL
399
acervo documental e etnográfico, das obras de arte integradas e dos bens
móveis.
400
viável uma vez que entrava em choque com a Constituição Federal e com o
Código Civil, que não previam sanção alguma contra os que agissem em
detrimento do patrimônio.
41
A posse de Getulio Vargas ocorreu logo depois dos militares terem deposto o governo legal
de Washington Luis e terem impedido Julio Prestes de tomar posse apesar de ter vencido
Getulio nas eleições oficiais.
401
Finalmente, em 1933 surgiu a primeira lei federal sobre a matéria, o
decreto n° 22928 de 12 de julho, que erigia a cidade de Ouro Preto como
Monumento Nacional. Em 14 de julho de 1934, o decreto n° 24735 aprovou
um novo regulamento para o Museu Histórico Nacional. A partir desses
dados, podemos perceber a dificuldade existente para a criação de uma
política realmente preocupada com a preservação nacional e, mais adiante,
poderemos perceber que esta ausência de compromisso efetivo se repete no
não seguimento das políticas adotadas e dos compromissos políticos
anunciados. A nova Constituição Federal de 1934 é que cria, efetivamente, a
proteção legal do patrimônio artístico e histórico brasileiro. Em 1935, no
Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Natureza, ocorrido no Rio de
Janeiro, surge a decisão de se criar um serviço técnico especial de
monumentos nacionais.
402
que os primeiros anos do órgão foram de grandes esforços pessoais, porém
carentes de recursos humanos e financeiros. Neste contexto, em data de 23
de dezembro de 1940, foi criado o Decreto-Lei n° 2809 que dispunha sobre a
aceitação de donativos particulares pelo SPHAN e nesse mesmo ano, a 7 de
dezembro, foram feitas algumas modificações no Código Penal.
403
Educação e Saúde em 1933, ocupando a pasta até 1945. Nesse momento
específico, o debate internacional ao redor do tema encontrava-se paralisado
em virtude dos conflitos europeus: a Carta de Atenas (1931) e o Pacto de
Roerich (1935) eram os únicos documentos internacionais reconhecidos.
404
fundamental, neutralizando uma certa animosidade que o então ditador
(1937-1945) tinha em relação às posturas mais avanças de Rodrigo Melo e,
principalmente, Mário de Andrade. É de notório saber, registrado
principalmente em publicações da década de oitenta e nas próprias cartas de
Rodrigo Melo Franco de Andrade, que o mentor intelectual da proposta
estrutural de criação da Secretaria do Patrimônio foi Mário de Andrade. O
anteprojeto, criado quando Mário ocupava a direção do Departamento de
Cultura do Município de São Paulo (1936), abarcava as categorias de arte
arqueológica, ameríndia, popular, histórica, erudita nacional, erudita
estrangeira, aplicadas nacionais e aplicadas estrangeiras. A atuação de Mário
de Andrade ao elaborar o anteprojeto da lei estabelecendo as condições de
funcionamento de uma entidade governamental destinada à preservação do
Patrimônio Cultural é sempre lembrada como pioneira face ao ineditismo das
propostas, surpreendendo a todos, sobretudo a abrangência das idéias ali contidas
(LEMOS, 1993, p. 17).
405
Rodrigo) ajudem com todas as luzes possíveis a organização definitiva, façam e
desfaçam, à vontade, modifiquem e principalmente acomodem às circunstâncias, o
que fiz e não tomou em conta muitas circunstâncias porque não as conhecia.
Não sou nem turrão nem vaidoso de me ver criador de coisas perfeitas. Assim, não
temais jamais me magoar por acomodações ou mudanças feitas no meu anteprojeto
(apud LEMOS, 1981, p. 38).
406
experiência social cosmopolita de um autodidata de gênio, mulato, sem profissão
definida entre os homens de sua classe de origem, às voltas com uma sociedade
complexa, diversificada, em ritmo alucinante de transformação, marcada pelo
trinômio imigração-urbanização-indutrialização, contrastava com o projeto de vida
acalentado pelo herdeiro das elites mineiras cindido entre as lides burocráticas e
renome literário. Contudo, até que ponto Rodrigo espelhava essa face? Até
que ponto foi conduzido pelas circunstâncias? O próprio Mário de Andrade se
calou e consentiu as modificações todas, participando do cenário oficial então
montado.
407
vários países, principalmente nos recém formados ou independentes, como a
própria Itália, os Estados Unidos, a Argentina ou o Brasil. A construção
moderna do conceito de nação perpassa pela definição do Estado e pelo
caráter homogenizador do qual ele se reveste: nous entendons par nation une
société matériellement et moralement intégrée, à pouvir central stable, permanent, à
frontière déterminées, à relative unité morale, mentale et culturelle des habitants que
adhèrent consciemment à l’ État et à sés lois (MAUSS, 1960, p. 573), do mesmo
modo que a construção do conceito de patrimônio perpassa pelo uso do
monumento para os mesmos fins. Nesse sentido, torna-se óbvio que a
preservação do patrimônio edificado, símbolo do poder ou de uma herança
cultural “superior” (a branca européia), seria consagrado como bases de uma
passado “edificante” e homogenizador: a visão das sedes do poder público e
religioso – representados pelas igrejas, capelas, quartéis, fortes, câmaras e
cadeias – e dos casarios da classe dominante, estabelecia um discurso
nivelador, onde o confronto entre a casa grande e a senzala; o nativo e o
colonizador; os excluídos e os detentores do poder deixavam de ser
reconhecidos. Vencia outra vez a perspectiva de consagrar como obras de arte e a
cultura os símbolos do poder constituído. Desprovida assim de memória coletiva que
lhe permitisse a consciência histórica – pelo efeito desagregador da impossibilidade
de acumular suas realizações como cultura – a maioria da população continuou sem
se reconhecer nesses símbolos. Com isso, foi expropriada também de sua memória
e da sua história (FENELON, 1992, p. 30).
408
the cultural treasure of peoples. Repetindo esse modelo, o Decreto Lei n.25 de
30 de Novembro de 1937, proclama no artigo primeiro: constitui o patrimônio
histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no
País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos
memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico. Nesse mesmo decreto, o sistema
operacional e a tipologia classificatória são determinados pela categoria dos
Livros do Tombo:
409
às manifestações de arte primitiva ou exótica de outros povos. Mas, o que é,
sobretudo evidente é o valor inestimável que têm, para cada país, os monumentos
característicos de sua arte e de sua história. A poesia de uma igreja brasileira do
período colonial é, para nós, mais comovente do que o Parternon. Nos
pronunciamentos de Rodrigo Melo Franco de Andrade, reunidos em duas
publicações do IPHAN, o propósito de formar a opinião pública em relação a
uma consciência de um patrimônio nacional é patente; na seleção desses
bens, a arte colonial, principalmente a mineira, recebeu um destaque
incontestável42.
42
Influenciado pela formulação crítica proposta por Mário de Andrade: Mas foi, sem dúvida, o
pequeno ensaio de Mário de Andrade escrito em 1928, que revelou as obras do barroco
mineiro sob a ótica da moderna história crítica da arte, rompendo os vícios das apologias
tradicionais, ao apresentar o fenômeno artísticos de forma inseparável das formações sociais
e ideológicas, fornecendo as bases para o reconhecimento de uma arte genuinamente
nacional (ANDRADE, 1993, p.115).
410
anteprojeto (OSWALDO, 1987, p. 138). No entanto, o projeto paulista, baseado
em uma noção democrática de cultura, sofre restrições e perseguições.
Retido em 08 de janeiro de 1938, Paulo Duarte foi exilado junto com Sales de
Oliveira e, não se sabe como, Mário de Andrade não o acompanhou. Em 19
de janeiro de 1933, a carta de Mário de Andrade a Paulo Duarte no primeiro
e curto exílio em Paris após a Revolução Constitucionalista de 1932 dá uma
idéia de seu posicionamento: Feliz você meu Paulo, que masca o guaraná
fortificante e duro da miséria e do exílio, não vive, feito nós, entre ódio, vergonha e
nojo (...); o pioríssimo de tudo, é que tem paulista bastante impuro, bastante
ingênuo, bastante sem-vergonha, não sei, que acredita em tenente, que acredita em
general (ANDRADE, Mário. 1985, p. 147).
411
produzidos em regime de monopólio e censura: desde a Colônia, a violência é
símbolo social de poder pessoal; o Estado Novo confunde-se com Getúlio e a elite
que o cerca (SALA JR, 1988, p. 46).
412
(FENELON, 1992, p. 29).
43
As obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem como os
monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de particular beleza ficam sobre
413
Constituição44, como estabelecido no artigo 178, houve uma mudança na
nomenclatura do SPHAN, pelo Decreto-Lei n. 8534 de 2 de janeiro de 1946,
que passou a ser DPHAN e a contar com quatro novos Distritos com sedes
em Recife, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo; e com a subordinação de
três Museus, o Museu da Inconfidência em Ouro Preto, das Missões, no Rio
Grande do Sul, e do Ouro, em Sabará. Antes disso, em 1940, o Código
Penal também é modificado: Este Código, nos seus artigos 165 e 166, estabelece
penas tanto ao comportamento de quem destrói, danifica ou mutila a coisa tombada
por autoridade competente, como aos que, sem licença da autoridade, alterem o
aspecto de local especialmente protegido por lei (ROCHA FILHO, 1991, p. 48).
414
encontram vestígios humanos de interesse arqueológico ou
paleoetnográfico;
d) as inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de
utensílios e outros vestígios de atividade de paleoameríndios.
415
presente e o passado fixava a metade do século XIX como o referencial:
416
As diretrizes internacionais parecem influenciar as ações internas,
como se o Estado brasileiro quisesse demonstrar sua capacidade diante da
comunidade internacional. Até que ponto o aparelho burocrático reproduzia
essa discurso a partir de uma reflexão cuja origem era interna? Até que ponto
as ações eram fixadas como exposição de uma suposta modernidade que
revestia de legitimidade um Estado militarizado? Segundo Fenelon (1992, p.
30): Enquadrado no aparelho burocrático, o SPHAN passou a ser considerado uma
espécie de “refrigério da cultura oficial” pela proclamada autonomia que seus
dirigentes sempre buscaram resguardar. Apesar de sempre se pretender técnica e
neutra em sua atuação, a política de preservação deste órgão constitui talvez o
exemplo mais fecundo da intervenção governamental na área da cultura,
empenhada em construir uma memória e uma identidade nacionais.Vencia outra vez
a perspectiva de consagrar como obras de arte e da cultura os símbolos do poder
constituído. Desprovida assim de memória coletiva que lhe permitisse a consciência
histórica – pelo efeito desagregador da impossibilidade de acumular suas
realizações como cultura – a maioria da população continuou sem se reconhecer
nestes símbolos. Com isso, foi expropriada também de sua memória e da sua
história.
417
que visavam a incorporação de outras categorias de bens culturais. Para
Magalhães (1985: 19), existe vasta gama de bens – procedentes, sobretudo, do
fazer popular – que por estarem inseridos na dinâmica viva do cotidiano não são
considerados como bens culturais, nem utilizados na formulação das politicas
econômica e tecnológica. No entanto, é a partir deles que se afere o potencial, se
reconhece a vocação e se descobrem os valores mais autênticos de uma
nacionalidade. Desse modo, é patente a maneira diferenciada como são
tratados os bens culturais impregnados de valor histórico – principalmente os
que estão voltados ao passado – e a dificuldade de se atuar em relação aos
bens culturais que estão se construindo a cada dia no nosso cotidiano,
principalmente os do fazer popular.
A década de setenta
418
A noção de autenticidade do Patrimônio Cultural embasado no critério
de monumento serviu de justificativa à concentração de esforços para com
esse tipo de bem cultural. A Carta de Veneza, proposta em 1964, sedimentou
esse paradigma, considerando, porém, o meio no qual a criação arquitetônica
encontra-se inserida: como visto anteriormente, a estrutura arquitetônica não
deveria ser vista de maneira isolada, uma vez que a paisagem seria o cenário
ou a moldura que lhe forneceria uma percepção tectônica. A preservação do
monumento implicaria, portanto, no controle dos processos urbanos de
construções, demolições e alterações do espaço físico. Concomitante a esta
proposta, o Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos
Estados Americanos promoveu o encontro do Equador, realizado em 1967,
do qual surgiu As Normas de Quito, reiterando a aceitação das diretrizes
propostas pela Carta de Veneza por parte dos estados americanos.
419
Antagônica afirmação de Maria Cecília Londres Fonseca, pois o
“pluralismo” proposto situava-se em um contexto de censura, perseguições
políticas e imposição governamental. Como diacrônico era o contexto
vivenciado no país em relação às proposições externas: os anos setenta
foram os mais intensos na consolidação e proposição de documentos
voltados ao pluralismo cultural e à preservação na esfera global, com a
criação, inclusive, do World Heritage Commitee, enquanto no Brasil a relação
desse “pluralismo” encontrava-se circunscrita a uma certa ordem, a ordem
oficial. É complexo questionar a intelectualidade brasileira no projeto de
construção do conceito de patrimônio, uma vez que o modelo oficial interno
assemelha-se ao modelo externo tanto na fixação das prioridades quanto no
estabelecimento dos parâmetros.
420
orientar os estados no sentido de realizar uma ação supletiva à federal na área de
preservação dos bens culturais, induzindo à criação de órgãos estaduais de
preservação. Em encontro convocado pelo então Ministro Jarbas Passarinho,
diversos governadores de estado, representantes de governos estaduais e de
entidades assinaram o chamado “Compromisso de Brasília”, documento que
continha um conjunto de diretrizes programáticas comuns a serem aplicadas nos
estados sob orientação do IPHAN. Dois anos mais tarde, essas diretrizes seriam
complementadas pelo “Compromisso de Salvador”, que já registrava nítida
preocupação com o conflito entre o desenvolvimento econômico e a preservação de
conjuntos urbanos, paisagísticos e arqueológicos (MACHADO, 2000, sp).
421
instituída pelo IPHAN com a ausência de educação esclarecedora à
população dessas regiões: sem a educação democrática da questão
preservacionista, o que ocorre entre o técnico do IPHAN e o cidadão
residente no local é um conflito de direitos. Não podemos negar ao habitante
de um núcleo tombado o direito de escrever sua própria história e criar sua
identidade (CORDEIRO e PENNA, 1988). Preservar nosso passado não
significa negar as produções do presente, pois estancaria a nossa memória,
mas encontrar mecanismos de intersecção social. Em novembro de 1969 a
UNESCO aprovou as recomendações sobre a conservação dos bens
culturais que a execução de obras públicas ou particulares pudesse expor ao
perigo – Recommendation Concerning the Preservation of Cultural Property
Endangered by Public or Private Works –; refletindo a polêmica que as ações
preservacionistas enfrentavam nos espaços urbanos que se modificavam
constantemente, o debate ao redor desse tema prosseguiu pelas décadas de
setenta e oitenta afora.
422
política do período ditatorial imposto em 1964. De acordo com Jurema
Machado, uma das transformações mais significativas desse período foi o
rompimento com o critério de seleção centrado no juízo estilístico, estético e
ideológico, sendo este redirecionado para o fato histórico, e dá como
exemplo os movimentos do IAB e Clube de Engenharia para a preservação
de um conjunto arquitetônico eclético da Avenida Rio Branco do Rio de
Janeiro, levando-se em consideração seu testemunho significativo da reforma
urbanística proposta por Pereira Passos. O que ocorre a partir dos anos 70 não
é simplesmente a aceitação do ecletismo como uma manifestação arquitetônica
válida, mas sim uma ampliação da perspectiva histórica, levando, inclusive, à
reconceituação dos valores artísticos (2000, sp).
45
Após fase de grande crise, o “milagre econômico” ocorrido nos anos 60 trouxe a
urbanização desenfreada, maior especulação imobiliária, aumento do turismo, tornando-se
um desafio à capacidade de ação de IPHAN e revelando a inadequação do órgão para
enfrenta-lo, o que levou à criação de programas especiais de ação, como o PCH e o CNRC.
423
1977 houve a integração dos Estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e
Minas Gerais ao programa. No entanto, o PCH sofria carência de recursos
financeiros. Já está claro que a carência de recursos humanos e financeiros
é característica comum nos programas de preservação dos bens culturais no
Brasil. Outra maneira de tentar resolver o problema da preservação, foi a
criação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) em 1975. O
centro preocupava-se com o caráter dinâmico e diversificado da cultura
brasileira. Aloísio Magalhães, que foi presidente do CNRC, afirmava a
importância de se estudar, registrar e impulsionar as atividades culturais vivas
- por exemplo, as formas de tecnologias pré-industriais, o fazer popular, a
criação de objetos utilitários, etc -, ajudando-as a dinamizar-se
(MAGALHÃES, 1985).
424
lá estão mais fortemente presas a uma idéia do que a uma realidade operacional,
uma ação. Teoricamente a atuação integrada desses órgãos – IPHAN-PCH-
CNRC – traria uma conscientização para essa “nova” instituição a respeito da
relação que esta deveria manter com a comunidade, o que não ocorreu na
prática. São várias as diferenças entre a cultura burguesa, dominante, erudita,
oficializada, oficial, por um lado, e a popular, folclórica, rústica, periférica, subalterna,
por outro. Diferem quanto a linguagens, temas, graus de elaboração, esferas de
circulação, alcance, aceitação. Aliás, tanto aquela como esta não são únicas,
homogêneas. Subdividem-se, diversas, múltiplas. Há uma cultura dominante de
origem agrária, que se recria ao lado e junto com outra urbana, propriamente
burguesa, capitalista, cosmopolita. Da mesma maneira, há diferentes versões da
cultura popular: cabocla, operária, indígena, afro-brasileira, imigrante de várias
procedências (IANNI, 1987, p. 31). Até que ponto essa pluralidade tem sido
considerada nos processos de tombamento; nos esforços de revitalização,
restauração, inventariado e uso dos bens culturais?
A década de oitenta
46
Pelo Decreto n° 84198 de 13 de novembro de 1979.
47
Criada pela Lei n° 6757 de 26 de novembro de 1979.
425
em nome dessas comunidades – à medida que se vivia um tempo hostil às
manifestações democráticas – esse tipo de iniciativa pelo menos trazia para a esfera
pública dessas cidades a questão de preservação de seu Patrimônio Cultural.
426
complementação e modificações das características originais dos
monumentos (PHILIPPOT, 1994: 216) – que são utilizados como
fundamento teórico das atividades reguladas pelo IPHAN. Ao contrário,
desde suas origens, o IPHAN constituiu um corpo técnico especialisado
capáz de fiscalizar e controlar as ações concernentes ao patrimônio edificado
de modo que as intervenções executadas nos patrimônios edificados
respeitem o modelo proposto desde a Carta de Atenas (1935), passando
pelas teorias de Brandi (1963) à Carta de Veneza (1964); o problema reside
na carência de verbas para a demanda do país.
427
observamos que muitos restauradores no Brasil são ainda autodidatas e uma
parcela significativa se forma no exterior, em cursos que vão de uma semana
a quatro anos, nos níveis introdutórios ou de mestrado, realizados tanto em
instituições desconhecidas quanto em instituições de renome.
428
condicionados aos livros de tombamento, conforme o projeto de 1937,
passaram por uma transformação de ordem operacional: a diversidade de
bens que são apresentados para tombamento colocam ao lado das igrejas
setecentistas, construções representativas da vida moderna, como vilas
operárias, mercados, ferrovias; ao lado das esculturas policromadas,
instrumentos de medicina; ao lado dos testamentos das irmandades,
panfletos anarquistas e cartazes das bienais. Se a inclusão desses tipos de
bens no universo da preservação indica uma ampliação do conceito de
Patrimônio Cultural, também significa um aumento dos problemas
específicos, como inventários, restauração, pesquisa e exposição. Maria
Cecília Londres Fonseca (1996, p. 157) relata que a maioria dessas
solicitação parte das próprias comunidades representativas de correntes
migratórias, das etnias indígenas e afro-brasileiras, e de comunidades que
possuem algum tipo de tradição artística, de artesanato ou festejo, e que
deseja manter viva e consolidar a importância desse bem cultural. Se para
muitos intelectuais a política de tombamento parece ser inoperante, para as
populações ter em sua região um bem tombado é, na maioria das vezes, um
motivo de orgulho e esse orgulho faz parte do processo de reconhecimento e
valorização.
429
soluções, pelos sistemas culturais de valor e pela demanda social que bens
culturais assumem no interior de cada comunidade, região ou país.
430
museológico, cerca de 250 mil volumes bibliográficos, documentação
arquivística e registros fotográficos, cinematográficos e videográficos,
conforme informações colhidas na própria instituição. Atualmente, sua ação
se desenvolve por intermédio de 14 coordenações regionais e 19 sub-
regionais, museus – entre eles o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu
Imperial, o Museu Histórico Nacional, o Museu da República e o Museu da
Inconfidência –, além de nove casas históricas, um parque histórico, a
Cinemateca Brasileira, o Palácio Gustavo Capanema, o Paço Imperial e o
Sítio Roberto Burle Marx. Hoje o Brasil conta com sete monumentos culturais
inscritos na World Heritage List, representados por seis centros históricos do
período colonial e um moderno, e cinco reservas naturais considerados pela
UNESCO como Patrimônio da Humanidade.
431
7.2. Patrimônio Cultural: corrida contra o relógio
O que é pequeno desaparece. Em nossa época, só o que é
grande parece poder sobreviver. As pequenas coisas
modestas desaparecem, bem como as pequenas imagens
modestas ou pequenos filmes modestos. Mas, se perdermos
tudo o que é pequeno, perdemos também essa nossa
orientação, nos tornamos vítimas do que é grande,
impenetrável, superpotente. Deve-se lutar por tudo o que é
pequeno e ainda existe. Aquilo que é pequeno confere ao
que é grande um ponto de vista. Numa cidade, o que é
pequeno, vazio, aberto, é a fonte de energia que nos permite
recarregar as forças, que nos protege contra a hegemonia do
que é grande.
Wim Wenders. A paisagem urbana. In: Revista do IPHAN, 23, 1994:
181.
432
esses caminhos confirmam esta hipótese. No entanto, o papel do Estado
como agente gerenciador do Patrimônio Cultural tem se mostrado
contraditório. Grande parte dos monumentos históricos tombados pelo
Governo, literalmente cai no chão por falta de manutenção; inúmeros sítios
arqueológicos não são investigados por falta de financiamento, sendo os
contratos de salvamento mais comuns que pesquisas sistemáticas; museus
de pequeno, médio e grande porte sobrevivem como podem, diante dos
escassos recursos repassados; as leis que incentivam a preservação da
memória, quando não desaparecem entre um governo e outro, raramente
são cumpridas. No Brasil, a política cultural do Estado tem sido conceituada como
o conjunto de princípios filosóficos, políticos e doutrinários que orientam a ação dos
órgãos governamentais, marcando sua intervenção nas mais diversas
manifestações sociais – sempre pautada pelos critérios do mercado e do consumo
cultural. No tocante às políticas de preservação do patrimônio histórico, seja no
âmbito federal como no estadual e municipal, estas ações guardaram sempre a
marca da improvisação e da empiria, ou da manipulação e do uso político da cultura
(FENELON, 1992, p. 29).
433
Serviço nasceu à vista de ocorrências penosas. Assistíamos, impassíveis,
utilizando meios que logo se revelaram inoperantes, a destruição e evasão dos
monumentos e das peças mais caras à tradição e à arte do país (OSWALDO, 1987,
p. 7).
434
experiência democrática a não mais de dezesseis anos, sem contar a política
do Café-com-Leite da Velha República ou o intervalo democrático entre uma
ditadura e outra. O texto de Regina Lopes chama a atenção ao abordar o
problema do IPHAN sob uma nova ótica. Lembrando a carta de Mário de
Andrade a Rodrigo: Já comecei a trabalhar no SPHAN, eta entusiamo por não sei
o quê!, captamos um pouco o sentido daqueles que, por mais que se
esforcem, nem sempre conseguem implementar uma política mínima de
ação.
435
vernacular, as formas de plantio e de uma existência possuidora de cores,
gestos e modos de ver e de se relacionar com o mundo, carregada de um
valor único e ao mesmo tempo pertencente a uma comunidade.
436
situação brasileira quer em termos de volume de recursos disponíveis, da jurisdição
coberta, quer no tocante ao tamanho dos púbicos atingidos ou mobilizáveis como
consumidores de bens e eventos produzidos pelas agências executoras da política
do patrimônio (MICELI, 1987, p. 47).
48
A criação do PCH e CNRC em meados dos anos 70.
437
Five centuries after Columbus the world seems finally on the way to become
a globe. This unifying process is certainly not new. It could be predict since last
century, it was an economic reality already before world War I. But we do feel
nowadays especially sensitive to this globalizing trend, as if we were going through a
new turning point. In sense, a global word is a problem for us, something urgent,
compelling us to think about it and adapt ourselves to it. This trend poses new
questions also to those involved in heritage study, preservation and display. Is it
possible, or even desirable to think of heritage in global terms? (GUARINELLO,
1996, p. 1).
438
3. Compreensão do quadro político nacional e da função ideológica das
instituições imaginárias construídas ao redor dos conceitos de
patrimônio, memória, história, arte, preservação, museu.
49
. Em 1995, The Getty Conservation Institute, INAH e ICCROM, realizaram no México o
primeiro curso voltado para a formação de conservadores latino-americanos; em 2001
realizou-se no CECOR um outro curso de especialização com duração de dois meses.
439
muitas vezes, resultam em ações incoerentes. Essa afirmação não discute a
origem dessas questões – se a demanda do meio resultou na formulação do
debate ou se o debate evidenciou as diretrizes prementes –, mas admite a
tese de que a maior parte das formulações levantadas foi organizada,
consolidada e expandida a partir de documentos internacionais e ações
operacionais difundidas pelas instituições internacionais levantadas nesse
estudo.
440
CONCLUSÃO
441
apenas alguns textos para a qualificação de doutorado e foi exatamente
nesse momento que o título desta pesquisa foi modificado.
442
equilibra como pode, inclusive para preservar os títeres da história: o
patrimônio edificado.
443
decisões e introduzir a comunidade no debate, evitamos excluir as pessoas
para quem, supostamente, trabalhamos.
444
desconhecimento do próprio passado recente em virtude do acúmulo e da
rapidez das informações. Os suportes sociais da memória coletiva
modificaram-se em relação os modelos tradicionais de continuidade: o
passado exposto passa a ser aquele construído oficialmente pelas
academias – cuja população comum não tem acesso – ou aquele imaginário
produzido pela televisão, cinema ou outros meios de comunicação. Como
expectador, o homem contemporâneo deixa de existir na história para
observa-la como voyeur. A memória coletiva encontra-se refugiada nos
silêncios, nos grupos que se mantêm – por quanto tempo? – alheios ao
processo de homogeneização dos gestos, gostos, parâmetros de beleza, arte
e consumo. A percepção desse contexto obriga aos grupos minoritários
organizar-se, não mais espontaneamente enquanto essência da existência,
mas conscientemente como única maneira de preservar sua presença na
malha social. Ao historiador, parece que lhe foi roubado o papel de coletar e
contar a História, pois, conforme de Decca afirma, começa a existir uma
progressiva desprofissionalização da história, na medida em que sua
produção deixa de ser prerrogativa dos historiadores e passa a ser
reivindicada como prática de outros grupos sociais na luta pela preservação
de sua identidade.
445
Perdida a inocência, conseguiremos utilizar a consciência como salto, ponte
ou caminho? Quem somos, de onde viemos, para onde vamos?
446
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