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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Luciene Pereira Carris Cardoso

Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro:


“espelho das tradições progressistas” (1910-1945)

Rio de Janeiro
2008
Luciene Pereira Carris Cardoso

Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro:


“espelho das tradições progressistas” (1910-1945)

Tese apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de
Pós-Graduação em História, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Área de
concentração: História Política.

Orientadora: Profa. Dra. Lúcia Maria Paschoal Guimarães

Rio de Janeiro
2008
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CCS/A

C268 Cardoso, Luciene Pereira Carris.


Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro : espelho das tradições progressistas
(1910-1945) / Luciene Pereira Carris Cardoso. – 2008.
175 f.

Orientadora: Lucia Maria Pascoal Guimarães.


Tese (doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas.
Bibliografia.

1. Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. 2. Brasil – Geografia histórica –


Teses. 3. Nacionalismo – Teses. I. Guimarães, Lucia Maria Pascoal. II. Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDU 918.153

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese.

______________________________________ _____________________________
Assinatura Data
Luciene Pereira Carris Cardoso

Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro:


“espelho das tradições progressistas” (1910-1945)

Tese apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-
Graduação em História, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Área de Concentração: História
Política.

Aprovada em:15 de dezembro de 2008.


Banca Examinadora:

__________________________________________
Lúcia Maria Paschoal Guimarães (Orientador)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
__________________________________________
Maria Letícia Corrêa
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
__________________________________________
Carlos Ziller Canenietzki
Universidade Federal do Rio de Janeiro
__________________________________________
Ida Lewkowicz
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
__________________________________________
Ângela de Castro Gomes
Fundação Getúlio Vargas
__________________________________________
Roberto Schmidt de Almeida
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Rio de Janeiro
2008
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu menino Gabriel.


AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus, que me deu a força necessária para terminar esta tese de
doutorado.

Gostaria de agradecer à minha família pelo apoio e a c ompreensão por minha ausência nestes
últimos meses , e em especial, Rosania e Dete por terem cuidado com tanto carinho do meu
menino e me ajudado diariamente.
Um agradecimento especial merece a Prof a. Dr a. Lúcia Maria Paschoal Guimarães, pelo
senso-crítico, pelo empenho, pela paciência, pelo estímulo constante e pela dedicação em me
orientar, conduzindo com louvor sua missão de me trazer até aqui.

Aos Profs. Drs. Antônio Edmilson Martins Rodrigues e Roberto Schmidt de Almeida pelas
críticas e sugestões dadas na defesa do exame de qualificação da tese.

Aos membros da banca de defesa da tese, por terem aceitado o nosso convite.

Aos meus queridos amigos: Janaína Furtado, Camilla Vilhena, Michael Rachid, Roberto
Farias, Ana Ravasco, Flávio Torquilho, Juliana Blumer, Cristina Pessanha, Francisco
Nascimento, Francisca Batista, André Azevedo, Alexandre Camargo e tantas outras pessoas
que me apoiaram em momentos diversos nestes quatros anos. Em particular, Carlos Cardozo ,
pelo carinho e pela paciência.

Aos funcionários do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, especialmente Pedro Tórtima;


ao Seu Antônio da Biblioteca do Horto Florestal do Museu Nacional ; aos funcionários: do
Arquivo Nacional, da Biblioteca Nacional, da Biblioteca Nacional, da biblioteca do Museu de
Astronomia e Ciências Afins, das bibliotecas setoriais do IFCH e do Instituto de Geociências
da UERJ, aos funcionários da Biblioteca e do Centro de Documentação e Disseminação de
Informações do IBGE , a bibliotecária Regina e os pesquisadores Nelson Senra e Alexandre
Camargo, pelas sugestões e pelo apoio . Gostaria de agradecer ao presidente da Sociedade
Brasileira de Geografia, professor William Paulo Maciel, aos membros do Conselho Diretor e
aos funcionários Gessy, Amaral e Lúcia por me disponibilizarem o acervo da SGRJ.

Gostaria de agradecer ao corpo de professores e funcionários do Programa de Pós -Graduação


em História da UERJ. Agradeço também a FAPERJ, pelo apoio financeiro.
Há quem busque o saber por si mesmo, conhecer por conhecer: é uma indigna curiosidade.

Há quem busque o saber só para poder exibir-se: é uma indigna vaidade. Estes não escapam
à mordaz sátira que diz: "Teu saber nada é, se não há outro que saiba que sabes".

Há quem busque o saber para vendê-lo por dinheiro ou por honras: é um indigno tráfico.

Mas há quem busque o saber para edificar, e isto é amor. E há quem busque o saber para se
edificar, e isto é prudência.

Bernardo de Claraval
RESUMO

Cardoso, Luciene Pereira Carris. Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: espelho das
tradições progressistas (1910-1945). 170 p. Tese (Doutorado em História) – Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2008.

Esta tese examina a trajetória da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro entre 1910
e 1945, quando foi extinta para dar lugar a uma outra instituição, de âmbito nacional, a
Sociedade Brasileira de Geografia. Criada nos anos oitocentos, a associação foi um dos
redutos culturais que desfrutaram do patrocínio do imperador d. Pedro II. Com o advento do
regime republicano, a SGRJ sofreu contratempos políticos, mas continuou a desenvolver
atividades e projetos pedagógicos, que buscavam descortinar o Brasil aos brasileiros,
consoante o movimento nacionalista das primeiras décadas do século XX. Em 1930, a
Sociedade mostrou-se favorável ao golpe de estado que alçou Getúlio Vargas ao poder.
Durante a chamada era Vargas colaborou com o governo e foi integrada ao sistema geográfico
oficial do IBGE. Além disso, foi pioneira na promoção dos congressos brasileiros de geografia
entre 1909 e 1940. A SGRJ desde a sua fundação até a sua extinção atuou como um lugar
privilegiado para o debate e a reunião de estudiosos da matéria. Embora carecessem de
sistematização e de continuidade, é inquestionável que as práticas científicas desenvolvidas
pela SGRJ colaboraram para a formação do campo da disciplina.

Palavras-chave: História institucional. Geografia brasileira. Nacionalismo.


ABSTRACT

This thesis analyses the trajectory of Rio de Janeiro Geographical Society (Sociedade
de Geografia do Rio de Janeiro, SGRJ) from 1910 to 1945, year of its replacement by another
institution, with nationwide influence, the Brazilian Geographical Society (Sociedade
Brasileira de Geografia). Created in the 19th century, that association was recognized as a
cultural refuge and counted with the support of the emperor D. Pedro II. When the regime
changed to republic, the SGRJ suffered from political adversities, but still developed
pedagogical activities and projects in order to show Brazil to Brazilians, which was the
agenda of nationalist movement on the first decades of the 20 th century. In 1930, the entity
supported the coup d’état led by Getúlio Vargas, made new president. During the Vargas era,
SGRJ collaborated with the government and was integrated as part of IBGE’s (Brazilian
Institute of Geography and Statistics) geographical official system. It also was pioneer
promoting the Brazilian Geographical Congresses between 1909 and 1944. From its
foundation to extinction, SGRJ gave space to the debate and the gathering of specialists, and
besides the lack of systematization and continuity, it is undeniable that the scientific practices
developed by the Society helped to solidify the geography discipline.

Keywords: Institutional history. Brazilian geography. Nacionalism.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

SGRJ Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro

SBG Sociedade Brasileira de Geografia

IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

SGL Sociedade de Geografia de Lisboa

INE Instituto Nacional de Estatística

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

AGB Associação dos Geógrafos Brasileiros

DIP Departamento de Imprensa e Propaganda

DASP Departamento de Administração do Serviço Público

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 - Divisão Territorial proposta por Ezequiel Ubatuba em 1919...................................65

Tabela 1 - Grade Curricular do Curso Superior Livre de Geografia


Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro - Ano de 1926.......................................76

Tabela 2 - Grade Curricular do Curso Superior Livre de Geografia


Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro - Ano de 1927.......................................78

Mapa 2 - O projeto de Divisão Territorial do Brasil de Everardo Backheuser........................94

Mapa 3 - Divisão Territorial proposta pela “Grande Comissão Nacional” em 1933................95

Mapa 4 - Projeto de Divisão Territorial proposta por Raul Bandeira de Melo........................98

Mapa 5 - Divisão Territorial do Brasil em 1944....................................................................101

Mapa 6 - Carta Lingüística da América do Sul elaborada por Renato Mendonça.................105

Tabela 3 - Congressos Brasileiros de Geografia (1909-1944)................................................111

Tabela 4 - 9º Congresso Brasileiro de Geografia:


Número de teses e memórias apresentadas.............................................................121

Figura 1 - Projeto do Palácio do Silogeu Brasileiro ..............................................................131

Tabela 5 - Programa do Curso de Aperfeiçoamento para professores


de geografia do ensino secundário.........................................................................137
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................14

1. UM ESPAÇO PARA O SABER GEOGRÁFICO.....................................................18

1.1 O movimento de criação das sociedades geográficas ao longo dos Oitocentos.......18

1.2 O estabelecimento da Sociedade de Geografia no Rio de Janeiro imperial............25

1.3 Um espaço de sociabilidade intelectual na Corte imperial.......................................29

1.4 A Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e o advento da República.................33

2. SOCIEDADE DE GEOGRAFIA: UM ESPAÇO DE CIVISMO..........................46

2.1 A geografia e os males nacionais...............................................................................46

2.2 O “patriotismo à moda 1914” e a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro......54

2.3 Um herói para a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro..................................58

2.4 Os “novos bandeirantes” da Sociedade de Geografia.............................................61

2.5 A Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro nas Comemorações


do Centenário...............................................................................................................67

2.6 Curso Superior Livre de Geografia..........................................................................71

3. UMA TRIBUNA DE VOZES AUTORIZADAS.....................................................80

3.1 A formação de uma “cultura geográfica”................................................................80

3.2 A Sociedade de Geografia e os projetos de reordenação do espaço brasileiro.....91

3.3 Sociedade de Geografia e a ocupação do arquipélago de vazios demográficos:


imigração...................................................................................................................102

3.4 Outras contribuições à “cultura geográfica” do Estado Novo.............................106


4. SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DO RIO DE JANEIRO:
O FIM DE UMA ERA.............................................................................................110

4.1 Os congressos brasileiros de geografia...................................................................110

4.2 Os congressos brasileiros de geografia no âmbito do sistema geográfico


oficial.........................................................................................................................118

4.3 Novos rumos para a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.........................129

CONCLUSÃO..........................................................................................................142

REFERÊNCIAS.......................................................................................................145

ANEXOS...................................................................................................................158
14

INTRODUÇÃO

“Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: O espelho de tradições progressistas”. O


subtítulo desta tese foi tomado de empréstimo a Francisco de Sousa Brasil, que assim se
referiu à Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (SGRJ), no 60º aniversário de sua
fundação. Por um lado, Sousa Brasil buscava enaltecer o passado da tradicional instituição,
criada ainda no reinado de d. Pedro II. Por outro, realçava-lhe a importância na atualidade,
prenunciando conquistas futuras.
O trabalho que ora apresentamos dá continuidade à dissertação de mestrado, defendida
na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2003, na qual analisamos a fundação e
atuação da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, entre 1883 e 1909, no contexto do
movimento que ensejou o aparecimento de entidades congêneres na Europa e no Novo
Mundo. Tal como já esclarecemos, anteriormente, não é da nossa intenção nos aventurar pela
história do pensamento geográfico no Brasil, assunto que deve ser alvo de especialistas. Mas,
sim, privilegiar a trajetória de uma instituição, que desempenhou papel relevante no panorama
cultural brasileiro nas primeiras décadas do século XX.
Negligenciada por longo tempo, a história institucional vem sendo retomada pela
historiografia francesa recente. De um lado, influenciada pela revisão de alguns autores anglo-
saxões, de outro, pelo sopro de renovação que tem impulsionado os estudos de história
política, desde o final dos anos 1980, conforme aponta Georg G. Iggers, no livro
Historiography in the Twentieth Century: from scientific objectivity to the postmodern
challenge (1997).
As instituições públicas e privadas constituem hoje um novo objeto de estudo que pode
ser abordado pela convergência de fatores políticos, sociais e culturais. Já em 1989, na
comemoração do bicentenário da École Normale Supérieure, diversos historiadores
dedicaram-se à problemática da história institucional, ao examinarem a atuação das “Grandes
Escolas” na Europa. As discussões ali travadas encontram-se publicadas na obra coletiva
L‟apprentissage de Savoir (1995), em particular, o texto de Jean Starobinski, intitulado “Le
partage de savoirs”, que inspirou boa parte desta tese.
A investigação privilegiou dois conjuntos de fontes básicas. O primeiro refere-se ao
material oficial da Sociedade, constituído por atas de sessões, relatórios e outros papéis afins,
além da coleção dos seus periódicos, a Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro,
15

daqui por diante denominada apenas Revista, editados entre 1910 e 1946, inclusive, as
publicações especiais como a Geografia do Brasil. Comemorativa do 1º. Centenário de
Independência do Brasil (1822-1922). O segundo é formado pelos Anais dos congressos
brasileiros de geografia organizados pela SGRJ. Complementam essas fontes, testemunhos
relativos ao diplomata José Carlos de Macedo Soares, compulsados no acervo do IHGB, e
documentos do arquivo pessoal de Mário Augusto Teixeira de Freitas, sob a guarda do
Arquivo Nacional.
No tratamento das fontes básicas, em especial, a coleção da Revista, utilizamos a
metodologia sugerida no “Colóquio de Estrasburgo”, para a análise de revistas históricas, em
particular, a contribuição de Alain Corbin, “Matériaux pour un centenaire”, texto que examina
minuciosamente o conteúdo da Révue Historique no período de 1876 e 1972. A metodologia
foi adaptada e aprimorada pela Prof. Dra. Lúcia Maria Paschoal Guimarães para a análise de
revistas especializadas, a exemplo da Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (1995).
O recorte temporal adotado na investigação aborda o período 1910-1945. A primeira data
corresponde ao 2º Congresso Brasileiro de Geografia, promovido pela SGRJ, em São Paulo.
O marco final refere-se à reforma dos seus estatutos, quando o reduto científico fundado pelo
senador Manoel Correia desapareceu para dar lugar à Sociedade Brasileira de Geografia. A
periodização, porém, tornar-se-á flexível sempre que o fio condutor analítico exigir
informações que sustentem os argumentos do texto. Ademais, durante o levantamento da
documentação para preparar esta tese, fomos surpreendidos pela existência de fontes inéditas.
Deparamo-nos, em especial, com os testemunhos da presença do geógrafo francês Élisée
Réclus na SGRJ, em 1893.
Decidimos, então, no primeiro capítulo, elaborar uma rápida síntese dos primórdios da
Sociedade, de maneira a esclarecer as motivações que levaram o sábio francês a visitá-la.
Ainda neste capítulo, desenvolvemos uma revisão historiográfica a respeito do processo de
institucionalização dos estudos de geografia no Brasil, a partir da contribuição pioneira de José
Veríssimo, publicada na coletânea organizada por Fernando de Azevedo. Considerada obra de
referência até hoje para os estudiosos, as premissas ali formuladas da existência de um “vazio
científico” no Brasil, anterior à fundação das universidades, são ainda correntemente
disseminadas.
16

Entretanto, diferente do modelo formulado por Veríssimo, partilhamos da hipótese de


que a atividade científica é uma prática social e cultural, resultante de variáveis internas e
externas, um produto da história e dos processos que ocorreram no tempo e no espaço, e que
mantém relações estreitas com as esferas do político, do social, do econômico e do cultural.
Neste sentido, nossa análise se orientará pelas reflexões, desenvolvidas por Juan José Saldaña,
Dominique Pestre, Hebe Vessuri, Maria Amélia Mascarenhas Dantes, Carlos Ziller
Camenietzki, Silvia Mendonça Figueirôa, entre outros.
No segundo capítulo, abordaremos os principais teóricos, cujas idéias fomentaram
movimentos culturais de cariz nacionalista no Brasil, no alvorecer dos anos novecentos. Isto
abrirá caminho para traçar o panorama local de um fenômeno que Maurice Agulhon identifica
de “patriotismo à moda 1914”, e inserir a ação da Sociedade naquele contexto e suas relações
com o governo republicano. Podemos adiantar que o reduto científico empenhou-se na
promoção de atividades acadêmicas e na publicação de obras voltadas para despertar
sentimentos cívicos, que buscavam descortinar o país aos brasileiros, a exemplo da Geografia
do Centenário (1922) e do Curso Superior Livre de Geografia (1926-1927).
Em seguida, no terceiro capítulo, consoante aquilo que definimos de “cultura
geográfica”, na esteira das reflexões de Ângela de Castro Gomes a respeito da “cultura
histórica” do Estado Novo, analisamos a atuação da Sociedade na década de 1930.
Observamos que a entidade revelou-se simpática ao golpe de Estado que pôs fim à Primeira
República e colaborou com o governo recém estabelecido. Entre outras iniciativas, encabeçou
a campanha para a adesão do Brasil à União Geográfica Internacional, o que suscitou a vinda
ao país do secretário executivo desse organismo, o professor francês Emmanuel De Martonne.
Propôs uma nova re-divisão político e administrativa do território nacional, preocupou-se em
oferecer subsídios para a ocupação dos vazios demográficos, envolveu-se no processo de
criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e integrou-se ao seu sistema
geográfico oficial, em 1938. Portanto, não se tratava de uma mera “instituição de diletantes”.
Finalmente, no quarto capítulo, realizamos uma apreciação analítica do material
disponível sobre os congressos brasileiros de geografia promovidos pela Sociedade de
Geografia, entre 1910 e 1944. Conferimos especial atenção aos dois últimos eventos,
realizados em 1940 e em 1944, os quais foram programados juntamente com o IBGE e
receberam o patrocínio de Getúlio Vargas. Embora não seja da nossa intenção, conforme já se
disse, examinar a evolução do saber geográfico, na medida do possível, fizemos um breve
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cotejo dos respectivos Anais, com o objetivo de contextualizá-los, identificando algumas


permanências e rupturas.
De qualquer modo, constatamos que durante o Estado Novo a Sociedade tornar-se-ia
cada vez mais próxima das esferas de poder, devido à sua integração ao sistema geográfico
oficial do IBGE. Colaborou com diversos órgãos, inclusive o Conselho Nacional de Geografia,
discutindo temas e atendendo a demandas oficiais, a exemplo da realização dos “Cursos de
Aperfeiçoamento para Professores de Geografia do Ensino Secundário”, em decorrência da
promulgação da reforma Capanema, em 1943.
Estimulada pelos sucessos recentes e pelo rejuvenescimento de seu corpo de
associados, que passou a receber funcionários do IBGE, professores e egressos dos recém
instituídos cursos superiores de geografia e história, a SGRJ deliberou reformular seus
estatutos, visando redefinir propósitos, reordenar os quadros sociais e expandir suas
atividades. Os novos diplomas legais foram aprovados em dezembro de 1945. Ampliavam a
esfera de atuação do reduto científico para o âmbito nacional e convertiam-no em espaço de
consagração e reconhecimento acadêmico. Mas, ao mesmo tempo, extinguiam a veterana
instituição carioca. Em seu lugar, nascia a Sociedade Brasileira de Geografia.
18

(...) Se é verdade que o real é relacional, pode acontecer que eu nada saiba de uma
instituição acerca da qual eu julgo saber tudo, porque ela nada é fora das suas
relações com o todo.
(Pierre Bourdieu, O poder simbólico, 2005)1

1. UM ESPAÇO PARA O SABER GEOGRÁFICO

1.1. O movimento de criação das sociedades geográficas ao longo dos Oitocentos

Diversos estudiosos ressaltam que o processo de implementação do saber geográfico


no Brasil só se acelerou, a partir de 1930, fruto das transformações políticas, econômicas e
sociais que o país atravessava. No seu entender, a geografia enquanto ciência só se
institucionalizou com a criação das primeiras universidades brasileiras no Rio de Janeiro e em
São Paulo, seguido pelo estabelecimento do Conselho Nacional de Geografia, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística e da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Em que pese
a defesa da formação do campo científico, tomando como exemplo a concepção desenvolvida
por Pierre Bourdieu, esses especialistas pouco valorizam as atividades ou práticas geográficas
desenvolvidas até então.2
Tal noção foi desenvolvida por José Veríssimo da Costa Pereira, autor de um texto
pioneiro sobre a trajetória da disciplina, desde o século XVI até meados do século XX,
publicado na obra organizada pelo educador e sociólogo Fernando de Azevedo As ciências no
Brasil (1955). Veríssimo examina as diversas iniciativas de brasileiros e de estrangeiros, as
narrativas de viajantes e de naturalistas, além do trabalho das “comissões exploratórias” e de
instituições, como a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro.
Norteado por uma visão europocêntrica, José Veríssimo da Costa Pereira atribui o
desenvolvimento da ciência geográfica no Brasil à contribuição de estrangeiros, devido às
atividades nas áreas de geologia, mineralogia, botânica e zoologia. Esses indivíduos deixaram
alguns “subprodutos”, que de uma maneira ou de outra auxiliaram a ampliação dos estudos

1
Pierre Bourdieu, O poder simbólico, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p.31.
2
Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o campo científico se assemelha a uma arena de poder que se manifesta de forma
simbólica. Trata-se de um espaço de luta pela autoridade científica em função da posição de cada agente, em que aparecem
indissociáveis os problemas políticos e científicos, bem como seus métodos e estratégias. As práticas sociais dos atores
constituem um produto das experiências adquiridas, os habitus socioculturais, que definem o campo social.
19

geográficos. No seu ponto de vista: (...) o movimento geográfico que acudiu a Europa se
espelhou no país na segunda metade do século XIX. Porém, faltou a criação do ensino
geográfico em nível universitário. Não havia preparação técnica e científica, não sendo
realmente frutuosa.3 José Veríssimo da Costa Pereira compartilha da visão de Fernando de
Azevedo, de que a herança colonial cultural ibérica, sobretudo portuguesa, constituiu um
entrave para o desenvolvimento da ciência no Brasil:

(...) O espírito científico que se havia propagado pela Europa, sobretudo a partir do século
XVII, se despontou em Portugal e Espanha, não encontrou aí condições favoráveis ao seu
desenvolvimento normal, e a cultura que esses dois povos transferiram para a colônia foi
exatamente a que neles acabou por predominar, a despeito das participações iniciais de um e
de outro nas conquistas do Renascimento.4

Apesar de algumas manifestações esporádicas de atividades científicas no Brasil, o


ambiente intelectual derivava da incorporação e do mimetismo de modelos teóricos europeus,
o panorama transformar-se-ia somente em 1930 quando surgiram efetivamente as primeiras
universidades e os grandes centros científicos. Seja como for, é inquestionável a contribuição
de Fernando de Azevedo e de seus colaboradores para historiografia das ciências no Brasil. A
obra As ciências no Brasil é referência até hoje para os estudiosos e constituiu uma tradição
historiográfica, uma vez que busca articular as atividades científicas e a conjuntura
socioeconômica. 5 Abordagem semelhante seria utilizada por Nelson Werneck Sodré, que
historiou o desenvolvimento deste ramo conhecimento à luz do marxismo, sublinhando
também a importância de viajantes e de autores estrangeiros, em detrimento do conhecimento
produzido no Brasil. 6
Diversos especialistas compartilham da visão de “vazio científico”, segundo a
expressão cunhada por Simon Schwartzman, ou da existência de um passado “pré-científico”,
decorrente da abnegação das elites brasileiras em prol do progresso. Apoiado nas idéias de
Fernando de Azevedo, Schwartzman identifica uma inabilidade nata dos brasileiros para a

3
José Veríssimo da Costa Pereira, “A geografia no Brasil”. In: Fernando de Azevedo (org.), As ciências no Brasil. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ,1994, p. 369.
4
Cf. Fernando de Azevedo, “Introdução”. In: Fernando de Azevedo (org.), As ciências no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
UFRJ,1994, p. 19.
5
Moema Resende de Vergara, “Ciência e modernidade no Brasil: a constituição de duas vertentes historiográficas no Brasil
no século XX”. Revista da SBHC, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, jan./jun., 2004, p. 22-31.
6
Nelson Werneck Sodré, Introdução à geografia: geografia e ideologia. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1977, p. 11.
20

pesquisa científica. Defende, ainda, a noção da transferência de idéias científicas dos grandes
centros europeus para os países periféricos, ignorando as intervenções locais. 7
Alguns trabalhos recentes sobre a institucionalização da geografia no país continuam a
refletir as idéias formuladas por Fernando de Azevedo. A geógrafa Lia Osório Machado
definiu o cenário intelectual brasileiro do final dos Oitocentos, como (...) provinciano e
dominantemente dependente dos centros estrangeiros de difusão. Em outras palavras, as
idéias circulavam em mão única. 8 Seguindo a mesma linha de raciocínio, Mônica Sampaio
Machado advoga que: (...) embora não se possa deixar de reconhecer a existência de importantes
idéias geográficas no país nesse período, o verdadeiro impulso de modernização do saber geográfico
no país nesse período é recebido com a implantação das instituições mencionadas e das relações
estabelecidas entre seus profissionais.9
Por sua vez, Antonio Carlos Robert de Moraes entende que a condição colonial
periférica determinou a história das ciências no Brasil. Ao longo do século XIX, formou-se um
ambiente marcado pela disseminação de um discurso geográfico impregnado por correntes
teóricas vindas de fora e a alusão aos geógrafos europeus.10 Em 1822, com a emergência do
Estado independente, elaborou-se um discurso sobre o território como referência da unidade
nacional, pensamento que adentrou às primeiras décadas do regime republicano. Mas tal
processo caracterizou-se pela dispersão do saber geográfico e pela falta de identidade
disciplinar nas instituições de ensino superior existentes, tais como as faculdades de direito, de
medicina e de engenharia, bem como nas comissões de fixação de fronteiras.
De acordo com Moraes, apenas no século seguinte, o surgimento das universidades e
de outros centros especializados possibilitaria a demarcação de fontes para a história da
geografia, o que não implica limitar as “ideologias geográficas” a tais espaços. Ele aponta dois
caminhos de pesquisas que se cruzam, mas cujas tendências historiográficas se mostram
distintas. A primeira constitui uma história das idéias geográficas voltada para os discursos e
as reflexões sobre o território e a geografia, denominada pelos estudiosos de “pensamento

7
Simon Schwartzman, Um espaço para ciência: a formação da comunidade científica no Brasil. Brasília: MCT, Centro de
Estudos Estratégicos, 2001.
8
Lia Osório Machado, “As idéias no lugar: o desenvolvimento do pensamento geográfico no Brasil no século XX”. Terra
Brasilis, Rio de Janeiro, n. 2, jul./dez., 2000, p. 11.
9
Mônica Sampaio Machado, A geografia universitária carioca e campo científico disciplina da geografia brasileira. Tese de
Doutorado, Programa de Pós Graduação em Geografia Humana, Universidade de São Paulo, 2002, p. 14.
10
Antonio Carlos Robert de Moraes, “Notas sobre identidade nacional e a institucionalização da geografia no Brasil”.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, n. 8, 1991, p. 6-7.
21

geográfico”. A segunda modalidade refere-se a uma história da geografia como um campo


disciplinar autônomo, caracterizada pela sua institucionalização.11
Uma terceira vertente apontada por Cristina Pessanha Mary leva em consideração as
especificidades do saber geográfico desenvolvido ao longo dos Oitocentos, que buscou apurar
a acepção da geografia e da história articulando-os ao processo da construção da
nacionalidade. Nesta linha, situam-se certos estudiosos sobre o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, a exemplo de Lúcia Maria Paschoal Guimarães, de Manoel Luiz
Salgado Guimarães e de Lília Moritz Schwarcz. 12
De qualquer maneira, é necessário relativizar a idéia de que o campo científico só se
constituiu a partir da criação dos cursos de geografia nas Faculdades de Filosofia,
estabelecidas na década de 1930 e da fundação de instituições, a exemplo do Instituto
Brasileiro de Geografia e de Estatística. Mas essas iniciativas não implicaram no
desenvolvimento automático da pesquisa. Em que pese a contribuição dos professores
franceses para a formação do campo disciplinar nas universidades recém inauguradas,
inclusive no Instituto Brasileiro de Geografia e de Estatística, preponderou uma concepção
eminentemente prática da disciplina, marcada pela necessidade de responder às questões
levantadas durante o Governo de Getúlio Vargas (1930-1945), sobretudo no âmbito da saúde,
da educação e do trabalho. Caracterizado pela “modernização autoritária”, Vargas
implementou uma política voltada para a ocupação e valorização do hinterland nacional,
através de um discurso geográfico elaborado pelos intelectuais do regime. Sem pretender
realizar uma análise reducionista deste período, ao que tudo indica, ainda prevalecia uma visão
utilitarista da ciência insuflada pelo sentimento nacionalista.
Nas últimas décadas, certos estudiosos começaram a perceber a atividade científica
como uma prática cultural e social, resultantes de variáveis internas e externas. 13 A ciência
passou a ser compreendida como uma atividade social, um produto da história e dos processos
que ocorreram no tempo e no espaço, e que mantém relações estreitas com as esferas do

11
Antonio Carlos Robert de Moraes, Território e história no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2002, p. 36-44.
12
Cristina Pessanha Mary, A Sessão da Sociedade de Geografia de Lisboa no Brasil e o sonho de um império africano. Tese
de Doutorado, Programa de Pós Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006. Ver os
trabalhos de: Lúcia Maria Paschoal Guimarães, “Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial: o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1889)”. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 388, 1995. Da mesma autora, ver
também: Da escola palatina ao silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro: Museu da
República, 2007; Manoel Luiz Salgado Guimarães, “Nação e civilização nos trópicos: o IGHB e o Projeto de uma História
Natural”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1, 1988, p. 5-27; Lilia Moritz Scwarcz, Os guardiões de nossa história
oficial, os institutos históricos e geográficos brasileiros. São Paulo: IDESP, 1989.
13
Maria Amélia Mascarenhas Dantes, “A implantação das ciências no Brasil: um debate historiográfico”. In: José Jerôn imo
de Alencar Alvez (org.), Múltiplas faces da ciência na Amazônia. Pará: Universidade Federal do Pará, 2005, p. 33.
22

político, do social, do econômico e do cultural. 14 A este exemplo, Carlos Ziller Camenietzki


demonstrou que a sociedade colonial não deve ser analisada apenas como produtora de
riquezas para a metrópole portuguesa, pois (...) ela vivia com sua complexidade, produzia
cultura e se inseria no conjunto dos domínios de Portugal com face própria. 15 Ao analisar os
estudos dos padres jesuítas Antônio Vieira e Valentin Stansel sobre as observações dos
cometas na Bahia, identificou a presença de questões filosóficas e teleológicas
contemporâneas correntes no Velho Mundo.16 Conclui Carlos Ziller: (...) existe quem
considere inutilidade a inviabilidade se fazer ciência no Brasil. E aqueles que crêem não ter
havido nada no Império português que se pareça com ciência antes da fundação desta ou
daquela instituição.17
Apoiada no estudo original de Juan Jose Saldaña, iniciou-se no Brasil uma revisão
crítica da historiografia das ciências. Segundo Saldaña, ao invés de historiar as práticas
científicas na América Latina, os estudiosos se limitaram a examinar a trajetória da ciência
européia no continente.18 Na esteira desse raciocínio, Hebe Vessuri sublinha a necessidade de
se romper com a visão universalista, à medida que entende ciência como sinônimo de cultura,
(...) sustentada por uma tradição existente, pode-se colocar uma série de problemas
interessantes acerca de suas características em diferentes sociedades.19 Por sua vez,
Dominique Pestre redefine o significado das práticas científicas, recusando-se a aceitar a
noção de ciência como conjunto de enunciados ou de proposições, sem problematizá-la.
Assim, a atividade científica passa a ser compreendida como uma atividade local e contextual,
e aqueles saberes tácitos (o saber-fazer ou as maneiras de fazer) tornam-se objetos de estudo.
Também merece atenção especial o indivíduo que pratica as ciências: produto do meio social,
ele participa de um determinado grupo e compartilha as suas idéias. 20

14
Sílvia F. Mendonça Figueirôa, “Marcos para uma história das ciências no Brasil”, In: As ciências geológicas no Brasil:
uma história social e institucional, 1875-1934. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 15-32.
15
Carlos Ziller Camenietzki, “Problemas da história da ciência na época colonial: a colônia segundo Caio Prado Junior‟. In:
Ana Maria Ribeiro de Andrade (org.), Ciência em perspectiva: Estudos, ensaios e debates. Rio de Janeiro: MAST, SBHC,
2003, p. 102.
16
Carlos Ziller Camenietzki, “O cometa, o pregador e o cientista: Antônio Vieira e Valentin Stansel observam o céu da Bahia
no século XVII. Revista da SBHC, Rio de Janeiro, n. 14, jul./dez., 1995.
17
Carlos Ziller Camenietzki, “Esboço biográfico de Valentin Stansel (1621-1705), matemático jesuíta e missionário na
Bahia”. Ideação, Feira de Santana, n. 3, jan./jun., 1999, p. 175.
18
Juan José Saldaña, “Ciência e identidade cultural: história da ciência na América Latina”. In: Sílvia F. Mendonça Figueirôa
(org.), Um olhar sobre o passado: história das ciências na América Latina. Campinas: Ed. Unicamp; São Paulo: Imprensa
Oficial, 2000, p. 11-32.
19
Hebe M. C. Vessuri, “Los papeles culturales de la ciência en los paises subdesarrollados”. In: Juan José Saldaña (ed.), El
perfil de la ciencia en America. Quipu, México, n. 1, 1986, p. 9.
20
Dominique Pestre, “Por uma nova história social e cultural das ciências: novas definições, novos objetos, novas
abordagens”. Cadernos IG-Unicamp, Campinas, vol. 6, n.1, 1996, p. 16-19. Neste artigo, Dominique Pestre desenvolveu um
23

Segundo a perspectiva clássica, a geografia brasileira oitocentista, por assim dizer, foi
considerada como uma área do conhecimento pré-científica, freqüentada por diletantes e sem
autonomia em relação aos grandes centros do Velho Mundo. Entretanto, pesquisas mais recentes
ressaltam a importância de certos espaços institucionais como núcleos produtores de
conhecimento, tais como os estudos sobre os museus de história natural, a Sociedade Auxiliadora
da Indústria Nacional, a Escola de Minas de Ouro Preto, a Seção da Sociedade de Geografia de
Lisboa no Brasil e a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo. 21 Evidencia-se a
preocupação que norteou tais espaços em desenvolver atividades de exploração dos recursos
naturais, de pesquisas nas áreas agrícola e sanitária, bem como investigações no âmbito da
etnografia. Havia o que podemos considerar um esforço de identificar os problemas nacionais e
tentar resolvê-los, de modo a inserir o país no rol das nações civilizadas. De qualquer modo, o
processo de institucionalização da ciência no Brasil trazia as marcas da Ilustração, com a
valorização das ciências, com a participação dos intelectuais que incorporaram modelos do
exterior e ao mesmo tempo procuraram adaptá-los e desenvolvê-los em consonância com a
realidade nacional. 22
Por outro lado, é certo que o movimento geográfico europeu sofreu uma série de
transformações ao longo do século XIX. Aliás, o período seria marcado por grande
efervescência, iniciada com a criação das primeiras cátedras de geografia nas universidades de
diversos países. O primeiro passo foi dado pelo governo prussiano em 1874. Personalidades
como Ferdinand Von Richthofen, Friederich Ratzel, e posteriormente Paul Vidal de La
Blache, deixariam suas marcas nesse processo, com novos enfoques metodológicos que
ajudaram a consolidar o campo profissional. 23 O movimento se intensificaria com as grandes
expedições e as explorações científicas direcionadas para devassar o interior dos continentes.
O aparecimento de outros campos disciplinares também colaborou para essa nova geografia.
As observações astronômicas e oceânicas, por exemplo, produziram a multiplicação de novos
mapas cada vez mais precisos. O desenvolvimento dos serviços de estatísticas regulares, das

inventário das tendências da historiografia das ciências que atravessava a renovação similar da História dos Annales nos anos
30.
21
Maria Amélia Mascarenhas Dantas, “As ciências na história brasileira”. Ciência e Cultura, jan./mar. 2005, v.57, n.1, p. 26-
29. Sobre as instituições brasileiras criadas, ver: José Murilo de Carvalho, A escola de Minas de Ouro Preto, o peso da
glória, Minas Gerais: UFMG, 2002; Silvia F. Mendonça Figueirôa, op.cit.; Maria Margaret Lopes, O Brasil descobre a
pesquisa científica. Os museus e as ciências naturais no século XIX, São Paulo: Hucitec, 1997; Maria Amélia M. Dantes
(org.), Espaços da ciência no Brasil. 1800-1930, Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz, 2001; Heloísa Maria Bertol Domingues,
Ciência: um caso de política. As relações entre as ciências naturais e a agricultura no Brasil-Império, Tese de Doutorado,
Programa de Pós Graduação em História Social, Universidade de São Paulo,1996, Cristina Pessanha Mary, op. cit.
22
Silvia F. Mendonça Figueirôa, op. cit.
23
Cf. Nilo Bernardes, “O pensamento geográfico tradicional”. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, n. 44, v. 3,
jul./set., 1982, p. 392-393.
24

ciências biológicas e das ciências sociais contribuiu com novos debates, reforçando o estudo
das relações entre o homem e o meio.
É nesse momento que o interesse pelo conhecimento geográfico se consolidou, com o
aparecimento de sociedades geográficas nas capitais européias e no novo continente, como
bem demonstram as pesquisas de Horácio Capel. Na Europa, a multiplicação dos grêmios
articulava-se à expansão colonial, à necessidade de se conhecer as colônias, de buscar novos
territórios com interesse no intercâmbio comercial, na difusão da produção industrial e da
cultura européia. Os estudos geográficos, por conseguinte, estavam a serviço dos interesses
“imperialistas”, pois, a conquista de um território implicava também no reconhecimento de
sua realidade, (...) a engrenagem deste movimento foi complexa demais para reduzir o papel das
sociedades de geografia a meros fantoches de políticas colonialistas: não raro, os institutos de
geografia constituíram-se, por si mesmos, como centros formuladores destas políticas, aglutinando
grupos para pressionar governos (...).24 Segundo Milton Santos, o saber geográfico colonial
manteve uma dificuldade de se dissociar dos interesses do Estado: a utilização da geografia
como instrumento da conquista colonial não foi uma orientação isolada, particular a um
país. Em todos os países colonizadores, houve geógrafos empenhados nessa tarefa (...).25
O estabelecimento da Sociedade de Geografia de Paris em 1821, por exemplo,
articulava-se à política expansionista colonial e econômica francesa, liderada pelo Duque de
Richelieu. O grêmio parisiense manteve desde sua fundação laços estreitos com o poder. Sua
revista especializada dedicou-se, principalmente, a relatar descobertas de novos territórios e a
homenagem aos exploradores que beneficiavam o desenvolvimento da geografia francesa. Em
síntese, tratava-se de: (...) cooperar los progresos de la geografia; impulsa a que se emprendan
viajes a los territórios desconocidos; propones y concede prêmios; establece correspodencia com las
Sociedads sabias, los viajeros y los geógrafos; publica relaciones inéditas y libros, y hace grabar
mapas26.
Inspiradas no modelo francês, várias associações foram fundadas no continente
americano: a Sociedad Mexicana de Geografia y Estadistica (1833), a American
Geographical Society (Nova York, 1852), e a Société de Géographie de Québec (1877). Tais
entidades possuíam características comuns, ou seja, pretendiam divulgar o conhecimento
científico, por meio de intercâmbio de publicações, da participação em congressos, das trocas

24
Cristina Pessanha Mary, op. cit, p. 34.
25
Milton Santos, Por uma geografia nova: da crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. São Paulo: Edusp, 2002, p. 31.
26
Horacio Capel, op. cit., p.175-176.
25

de correspondências congêneres estrangeiras, principalmente européias 27. Porém, seus


objetivos se direcionavam para organização dos espaços nacionais. Assim, semelhante às
congêneres européias, também se tornavam instrumentos específicos a serviço do Estado,
pois, as informações levantadas auxiliavam no reconhecimento do território. Mas, por outro
lado, contribuíam para a formação da identidade nacional das ex-colônias. No entender de
Leôncio Lópes-Ocón, as sociedades geográficas favoreceram o sentimento de pertencimento
às nações recém-criadas:

(...) Ces societés furent aussi responsables de la publication de dictionnaires, de


monographies régionales, de cartes fixantes l‟image de leur propre territoire et favorisant
um sentiment d‟appartenance a celui-ci, de collections de documents de géographie
historique, de recueils de textes et de programmes de géographie destinés à l‟enseignment. 28

1.2. O estabelecimento da Sociedade de Geografia no Rio de Janeiro imperial

Fundada por iniciativa do Senador Manuel Francisco Correia, em 25 de fevereiro de


1883, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (SGRJ) tomava como modelo as congêneres
européias. Até então, na capital do Império apenas duas entidades se voltavam para o estudo
do território ocupado pela nação brasileira: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB), estabelecido desde 1838, e a Seção Filial da Sociedade de Geografia de Lisboa no
Brasil (SGL), que desenvolveu atividades do lado de cá do Atlântico entre os anos de 1878 e
1888.
Com o objetivo de justificar a sua criação e legitimar o novo espaço de saber, os
fundadores da instituição destacavam as diferenças entre a SGRJ e as duas associações
supracitadas, sobretudo, o IHGB, que se salientava pela: (...) complexidade de seus fins, e
principalmente a maior concentração de sua atividade nos estudos históricos deixam
manifesta a conveniência de se confiarem àqueles assuntos a uma associação especial.29 Por
sua vez, a segunda instituição mencionada: (...) preencheria por si plenamente os fins acima
expostos, se não subsistisse a circunstância de ser apenas uma seção da Sociedade de

27
Leoncio Lópes-Ocón, “Les Sociétés de Géographie: un instrument de diffusion scientifique en Amérique Latine au debút
du XXa. Siécle”. In: Patrick Petitjean, (dir), Les Sciences Hors d‟Occident au Xxe. siécle. Paris: Orstom, p. 79- 85. O autor
compara as atividades de cinco sociedades geográficas da América Latina, entre 1833 e 1933, recuperando a história
institucional de cada uma delas: Sociedade Mexicana de Geografia e Estatística, Instituto Geográfico Argentino, Sociedade
de Geografia de Lima, Sociedade de Geografia de La Paz e Instituto Físico-Geográfico de Costa Rica.
28
Idem, p.83.
29
SGRJ, “Estatutos da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro”, Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 1, n. 1, 1885. p. 191.
26

Geografia de Lisboa30. Mas se olharmos atentamente, o pretendido conhecimento geográfico


aqui produzido estaria atrelado a um projeto nacional, a uma idéia de nação. 31
Na verdade, o IHGB não negligenciava os estudos geográficos. Sua atuação estava
intimamente ligada às demandas do projeto de construção de uma “memória nacional”, que
oferecesse sustentação ao Estado monárquico. Assim, procurava coletar o maior número de
documentos e informações históricas e geográficas, o que garantiria subsídios tanto para o
processo de centralização da monarquia, com o reconhecimento de regiões distantes e
inóspitas, quanto para os embates diplomáticos na demarcação de fronteiras com nações
vizinhas. Não é demais lembrar que o Brasil recém independente desconhecia os limites da
sua soberania. Aliás, durante todo o Império e também nas primeiras décadas da República, a
nação brasileira se confrontou com problemas de defesa e de fixação de seus limites terrestres
e marítimos. A partir da segunda metade do século XIX, o governo empenhou-se em resolver
estas questões, baseando-se em estudos de aspectos jurídicos, sintetizado na tese de Duarte da
Ponte Ribeiro intitulada “Apontamentos sobre o estado da fronteira do Brasil”, datada de
1844.32
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro participou, efetivamente, do desenrolar
dessas questões colaborando na incessante busca de argumentos históricos e geográficos, que
validassem o direito do Brasil sobre as regiões contestadas. Dentre as inúmeras colaborações
com o aparelho estatal, destacava-se a participação do sócio coronel Ladislau Antonio
Monteiro Baena com sua monografia sobre a questão dos limites entre o Brasil e a Guiana
Francesa, em auxílio ao Ministério dos Estrangeiros33. Missões especiais foram enviadas ao
exterior, como no caso de Joaquim Caetano da Silva, encarregado de pesquisar nos arquivos
holandeses a documentação dos limites do Brasil com a Guiana Francesa. Ao lado dessas
investigações, intensificaram-se os trabalhos de campo por meio de comissões científicas,
integradas por engenheiros e cartógrafos militares que levantaram os mapas das fronteiras.
Foram firmados no Segundo Reinado, tratados de limites com o Uruguai em 1851, o Peru em
1851 e 1874, Colômbia em 1853, Venezuela em 1859, Bolívia em 1867 e o Paraguai em
1872. Todavia, os limites do Brasil com os países sul-americanos já tinham sido praticamente

30
Idem.
31
Cristina Pessanha Mary, “A geografia no Brasil nos últimos anos do império”. Revista da Sociedade Brasileira de História
da Ciência, Rio de Janeiro, v. 3, n.2, jul./dez., 2005, p. 157.
32
Lúcia Maria Paschoal Guimarães, “Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (1838-1889)”. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 388, 1995.
33
Lúcia Maria Paschoal Guimarães, “Fronteiras”. In: Ronaldo Vainfas (org.), Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002, p. 380-381.
27

definidos. Defendia-se a doutrina da ocupação anterior, que permitia ao país manter a sua
configuração territorial fixada no século XVIII.34
Quanto à filial da Sociedade de Geografia de Lisboa existente no Rio de Janeiro, é
importante observar que desde os tempos coloniais os portugueses procuravam preservar os
costumes da mãe-pátria, através de valores culturais, da religião e do idioma, estimulando um
sentimento comum de fraternidade entre as duas nações. Procuravam difundir uma imagem
positiva da figura lusíada, comumente associada ao estrangeiro desonesto, usurário e
explorador. 35 Assim, o desejo de manter as tradições e o sentimento de solidariedade
colaborou para o surgimento de instituições culturais, científicas, recreativas e assistenciais
como o Liceu Literário Português (1868), o Clube Ginástico Português (1868), o Real
Gabinete Português de Leitura (1887), entre outras. Vale lembrar que os imigrantes
portugueses se distribuíram em diversos segmentos da sociedade brasileira, em especial no
setor comercial urbano, nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, ainda que a política
imigratória estivesse direcionada para a substituição do trabalho escravo nas lavouras. 36 Ao
lado dos espanhóis e dos italianos, compunham um dos maiores contingentes de estrangeiros
que aportaram no Brasil, entre a Independência e a Segunda Guerra Mundial. 37
A fundação da instituição do Rio de Janeiro, deu-se dois anos depois da instalação da
matriz de Lisboa (1876), cujo estabelecimento articulava-se com a política colonial no
ultramar português. Sabe-se que na segunda metade do século XIX, a antiga metrópole
reforçou seus interesses no continente africano. Até então, manifestava-se uma idéia difusa da
importância potencial das possessões ultramarinas. As ações empreendidas restrigiam-se a um
reduzido número de empresários e de raros detentores de cargos coloniais. Com o surgimento
da Sociedade de Geografia de Lisboa abriram-se as portas para oficiais de exército e da
marinha, funcionários, engenheiros e técnicos de obras públicas, negociantes, proprietários,
intelectuais de diversas origens. Personalidades que se destacavam no cenário das letras, da
política e das armas.38

34
Idem. p. 302.
35
Tânia Maria Tavares Bessone Ferreira & Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves, “As relações culturais ao longo do século
XIX”. In: Luiz Amado Cervo (org.), Depois das caravelas: as relações entre Portugal e Brasil, 1808-2000. Brasília: Editora
da Universidade de Brasília, 2000, p. 250.
36
Sheila Castro Faria, “Imigrantes”. In: Ronaldo Vainfas (org.), Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva,
2002, p. 352.
37
Sérgio Luiz Mesquita, Sociedade Central de Imigração. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós Graduação em História
Política, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1999.
38
Valentim Alexandre, Velho Brasil, novas Áfricas: Portugal e o Império (1808-1975). Lisboa: Editora Afrontamento, 2000,
p. 236.
28

A Sociedade de Lisboa tinha por objetivos: o estudo, a discussão, o ensino, as


investigações e explorações geográficas nos seus diversos ramos e princípios, dedicando-se
sobretudo aos fatos e documentos da nação portuguesa. Com vista à consecução de seus
propósitos eram realizados sessões, conferências, cursos livres, concursos e congressos.
Incentivava-se a investigação e a promoção de expedições e de viagens; bem como a
divulgação de publicações, a organização da biblioteca, do arquivo e do museu, além de se
manter a correspondência e relações de cordialidade com diversos centros e grêmios
científicos. A política portuguesa de criar filiais se propagou a outras cidades, a exemplo de
Braga, Porto, e também para o além mar, no Açores e no Brasil. 39
As novas correntes ideológicas apregoavam a supremacia da civilização européia
ocidental. A defesa da superioridade da raça branca assegurava meios de civilizar os povos,
reprimindo-os pelos mecanismos de submissão e pela eliminação das raças consideradas
inferiores. Por conseguinte, os conceitos disseminados pelos teóricos do darwinismo social, e
devidamente apropriados pelos interesses mercantis das grandes potências, que visavam a
expropriação e a exploração econômica dos territórios africanos. 40
A Seção do Rio de Janeiro, ao que tudo indica, pretendia desenvolver uma política de
continuidade em relação à matriz. Percebia o Brasil como um prolongamento do Império
ultramarino. Idealizada pelo visconde de São Januário, teve como primeiro presidente o
Senador Candido Mendes de Almeida. Participaram de sua criação catorze personalidades do
cenário político, mas a proposta lisboeta seria abrandada à medida que o projeto colonial
africano não se adequava à situação brasileira, como demonstram os estudos de Cristina
Pessanha Mary. 41 Em outros momentos, por outro turno, aproximou-se do movimento
romântico do fin de siècle, defendendo a inclusão da cultura indígena ao nacionalismo,
estabelecendo, por assim dizer, a costura entre o elemento português e o nativo.42
As atividades acadêmicas da Seção do Rio de Janeiro centravam-se no movimento das
expedições geográficas e nas conferências a respeito da problemática da delimitação das
fronteiras ao norte do país. Em 1881, ocorreu um cisma entre os seus associados. Um grupo

39
Cristina Pessanha Mary, op. cit., p. 85.
40
Tânia Maria Tavares Bessone Ferreira & Lúcia Maria B. Pereira das Neves, op. cit.
41
Cristina Pessanha Mary, op.cit., p. 100. As personalidades convidadas para a fundação da Seção Filial do Rio de Janeiro:
visconde de Borges Castro; Antonio Luiz Von Hoonholtz, o barão de Tefé, visconde de São Salvador de Matosinhos,
Benjamin Franklin Ramiz Galvão, o barão de Ramiz, Boaventura Gonçalves Roque, o visconde do Rio Vez; Cândido
Mendes de Almeida; Augusto Emílio Zaluar; Francisco Maria Cordeiro de Souza; General Henrique Pedro Carlos de
Beaurepaire Rohan, visconde de Beaurepaire Rohan; João Marçal Moreira Pacheco; Lucas da Costa Faria; Miguel Ribeiro
Lisboa; Pedro Gastão Mernier; Wenceslau de Souza Guimarães.
42
Idem, p. 167.
29

intencionava nacionalizar o grêmio, enquanto outro defendia a sua fidelidade ao programa


expansionista português. A Seção se dividiu, e parte dos seus integrantes migrou para a recém-
estabelecida Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.43
A Sociedade de Geografia viria “preencher uma lacuna”, segundo seus fundadores,
posto que se proclamava um verdadeiro “centro de pesquisa”, uma “agremiação especial”, útil
tanto do ponto de vista científico como prático e os seus integrantes destacavam a
conveniência das sociedades geográficas, assinalando que as:

(...) mais antigas associações organizadas para desenvolver semelhantes estudos


compreenderem as grandes aplicações a que estes dariam lugar, pelos inúmeros ramos das
necessidades humanas, a que se liga a geografia, quer no domínio da prática, quer no da
teoria. Promoveram imediatamente as viagens de descobertas, os prêmios, como que se
distinguissem os trabalhos de alto merecimento, a propagação do gosto pelos estudos
geográficos, e por fim a publicação de cartas e memórias44.

1.3. Um espaço de sociabilidade intelectual na Corte imperial

A participação em várias instituições culturais, científicas e literárias constituía uma


prática comum entre os intelectuais oitocentistas. Médicos, advogados e engenheiros militares
e muitos funcionários públicos integravam o corpo social dessas entidades, conforme destaca
Edmundo Campos Coelho:

(...) os profissionais dispunham de um sem-número de outras sociedades de caráter literário e


cultural freqüentadas igualmente pela nata da intelectualidade da Corte. O Instituto Histórico e
Geográfico (lá estavam entre outros os engenheiros Barão de Capanema e Paula Freitas), o
Instituto dos Bacharéis, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (que cedia suas salas
quando tumultos estudantis na escola de engenharia impossibilitavam as reuniões do Instituto
Politécnico) (...) Todas elas trocavam entre si convites para as solenidades aniversárias e
enviavam às sessões comemorativas das coirmãs suas graves comissões de representação.
Tudo com um saboroso e indisfarçável toque provinciano45.

Os membros da Sociedade de Geografia pertenciam à elite intelectual e política


brasileira. O historiador José Murilo de Carvalho salienta que esse segmento caracterizava-se
pela socialização nas escolas superiores, principalmente, proporcionava uma homogeneidade

43
Cristina Pessanha Mary, op. cit, p.159.
44
SGRJ, “Introdução”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, n. 1, t.1, 1885, p.7.
45
Cf. Edmundo Campos Coelho, As profissões imperiais: Medicina, Engenharia e Advocacia no Rio de Janeiro, 1822-1930.
Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 96.
30

ideológica que indicava o seu caráter coletivo. As faculdades seriam o melhor caminho para
socialização desses indivíduos, devido ao fato de existirem poucas instituições de ensino
superior, da mesma forma no que diz respeito ao ensino secundário, fato que certamente
possibilitava a continuidade desses laços de amizade na vida profissional e política. 46
As reuniões da Sociedade eram realizadas na Escola Pública Barão do Rio Doce, na
Freguesia da Nossa Senhora da Glória. O local já era conhecido desde 1873 devido às
chamadas “Conferências da Glória”, idealizadas pelo Senador Correia. Nestes encontros
discutiam-se assuntos contemporâneos sobre os diversos ramos do conhecimento, a exemplo,
da Literatura, Medicina, Geociências, entre outros saberes. A “tribuna da Glória” como ficou
conhecido este espaço intelectual transformou-se num centro de debates polêmicos de
interesse público, promovendo intensas discussões sobre as ciências.
A efervescência gerada pelas descobertas científicas e a valorização e promoção do saber
repercutiram em todo o País. Este fato rompeu o século e as fronteiras do Rio de Janeiro,
influenciando toda uma geração entusiasmada em propagar os bons ventos do conhecimento em
periódicos, o meio de divulgação mais utilizado na época. 47 As reuniões transformaram-se num
verdadeiro evento cultural da Corte, devido a presença assídua do Imperador que participava
das palestras como um expectador comum, que embora não as patrocinasse formalmente, era
como se o fizesse pela presença, que podia afastar inimigos políticos, mas era um endosso
poderoso não apenas à iniciativa como à própria prática das conferências públicas. 48 Também
foi cogitada a possibilidade de se ocupar algumas das salas da Escola Politécnica, visto que as
sessões eram realizadas aos domingos, que não comprometeria as atividades acadêmicas. Seja
com for, o que vale ressaltar são os laços de sociabilidades que aqui se apresentam entre as
instituições, um esforço comum para se instituir um novo reduto intelectual.
As instituições culturais e científicas, a exemplo da Sociedade de Geografia do Rio de
Janeiro, constituem uma estrutura elementar de sociabilidade. São lugares de fermentação da
intelectualidade e também de relação afetiva, na expressão de Jean-François Sirinelli. Ao
mesmo tempo viveiro e espaço de sociabilidade, a análise da sua atuação permite verificar o

46
José Murilo de Carvalho, Teatro de Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Relume-Dumará, 1996,
p. 64-65.
47
Cf. Maria Rachel da Fonseca. “As conferências populares da Glória: a divulgação do saber científico”. Revista
Manguinhos: História, Ciências e Saúde, Rio de Janeiro, Fiocruz, v. 2, n.3, nov./fev., 1996, p.135-166.
48
Ver, a este respeito, José Murilo de Carvalho, “As conferências radicais do Rio de Janeiro”. In: José Murilo de Carvalho
(org.), Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 33.
31

funcionamento da adesão e da exclusão de membros, fidelidades e influências exercidas,


possíveis cisões e algumas tomadas de decisão.49
O núcleo realizava, além de sessões ordinárias, conferências e incentivava a
participação e promoção de congressos científicos e explorações científicas e o intercâmbio
com outras associações congêneres nacionais e estrangeiras. Inicialmente, o quadro social era
formado por apenas duas categorias de filiados, os efetivos e os correspondentes. As vagas
eram ilimitadas para ambos. Para ser admitido bastava ser indicado por outro membro da
Sociedade. Entretanto, não constituía uma “coterie” ou igrejinha, tal como define Machado
Netto, a respeito da organização dos intelectuais em grupos de mútuo apoio na disputa pelo
prestígio social e intelectual na república das letras. 50 Tratando-se de uma instituição privada,
seus rendimentos advinham principalmente da classe dos sócios efetivos.
Variadas foram as iniciativas tomadas pela Sociedade. Em 1884, por sugestão de Luiz
Antonio von Hoonholtz, o barão de Teffé, a entidade auxiliou a edição do Dicionário
Geográfico do Brasil, de autoria de Alfredo Moreira Pinto, o qual defendia a uniformidade dos
termos geográficos e a substituição de denominações de cidades e vilas homônimas. A obra foi
publicada em três volumes, sob o título “Apontamentos para o dicionário geográfico do
Brasil”; e seria considerada a melhor produzida até aquele momento, dado o seu caráter
informativo, por José Veríssimo da Costa Pereira.51
Em 1885, os engenheiros Júlio Pinkas e Herbert Smith apresentaram na Sociedade o
seu projeto de criação da estrada ferro Madeira-Mamoré. Defendiam a importância da via de
comunicação do ponto de vista estratégico, político e comercial com objetivo de integrar a
região do Amazonas ao restante do Brasil. Júlio Pinkas destacou a necessidade das
comunicações transversais no continente americano e o papel que o Império representava na
América do Sul, devido à sua posição geográfica estratégica e à extensão de seu litoral. Neste
sentido, ressaltava a facilidade que o país encontrava para estabelecer comunicações fluviais,
defendendo o potencial oferecido pelos rios Madeira e Amazonas, desde que eliminados os
obstáculos naturais.
Em que pesem os esforços da Sociedade, o projeto de Pinkas não foi levado adiante.
A estrada de ferro Madeira-Mamoré, apelidada de “ferrovia do diabo”, só seria construída no

49
Cf. Jean François Sirinelli, “Os intelectuais”. In: René Rémond (org.), Por uma História Política. RJ: UFRJ, FGV, 1996, p.
231-270.
50
Antônio Luiz Machado Netto, A Estrutura social da república das letras: sociologia da vida intelectual brasileira, 1870-
1930. São Paulo: Grijalbo, EDUSP, 1973, p. 125-129.
51
José Veríssimo da Costa Pereira, op. cit., p. 396.
32

período de 1907 e 1912, sob os auspícios do governo brasileiro, de acordo com o Tratado de
Petrópolis de 1903, pactuado com a Bolívia e constituindo uma das reparações oferecidas
àquele país pela perda do então território do Acre. 52
Outro empreendimento da Sociedade que obteve grande repercussão em vários
periódicos nacionais e internacionais foi o transporte do meteorito de Bendegó do interior da
Bahia para a Corte. Mas a Sociedade também se deixou influenciar pelo movimento das
explorações geográficas, aludidos no início deste capítulo. Patrocinou uma expedição a áreas
desconhecidas do Mato Grosso53, formada pelos militares Oscar de Oliveira Miranda, José
Carlos da Silva Telles, Antonio Lourenço da Silva Telles Pires e Augusto Ximeno de Villeroy.
É importante lembrar que aquela província era alvo das preocupações do governo de d. Pedro
II, pois lá se concentravam uma armada e uma estação de pesquisa, além de diversas
fortificações, algumas construídas no tempo colonial. Após a Guerra do Paraguai, o Império
redobrou seus cuidados com a região. Apesar disso, as informações continuavam escassas e
pouco confiáveis. Os melhores dados ainda estavam nos relatos de viajantes estrangeiros.
Nomes como o explorador alemão Carl von den Steinen, cujas narrativas serviriam como
apoio às missões do grupo.
A expedição da Sociedade buscava registrar novos conhecimentos relativos à:
geografia, à história natural, à antropologia e etnologia, à zoologia, à botânica, à geologia, à
meteorologia e ao magnetismo terrestre. Porém, o empreendimento não obteve o sucesso
esperado. Era tamanho o desconhecimento da região, que vários homens se perderam na mata
e outros tantos morreram, a exemplo de Telles Pires, hoje nome de um rio da bacia amazônica.
Outra iniciativa que merece registro foi a Exposição Geográfica Sul-Americana,
realizada em 1889, para comemorar a passagem do quinto aniversário da Sociedade. O evento
contou com a participação do Chile, da Bolívia, do Paraguai, do Uruguai, da Venezuela e da
Argentina, além de diversas entidades nacionais, a exemplo do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, da Escola Politécnica, do Arquivo Militar, do Museu Nacional, do
Observatório Imperial, do Arquivo Público do Império, da Repartição Hidrográfica, além da
biblioteca particular de d. Pedro II e de material proveniente das províncias.
A Sociedade de Geografia também serviu de palco para discussões sobre problemas de
limites interprovinciais, bem como de demarcação de fronteiras com países lindeiros.

52
Sobre este assunto ver, Francico Foot Hardman, Trem-fantasma: a ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade na selva.
São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
53
Ver Sérgio Luiz Nunes Pereira, Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: origens, obsessões e conflitos (1883-1944).
Tese de Doutorado, Programa de Pós Graduação em Geografia, Universidade de São Paulo, 2002.
33

Acontecimentos, aliás, que alcançavam grande repercussão na imprensa e em outras


instituições científicas ou culturais. No âmbito nacional, em 1885, Aristides Spínola
apresentou na Sociedade um trabalho sobre os limites entre Goiás e Mato Grosso, afirmando o
direito de Goiás de pleitear a divisa pelo Rio das Mortes. Naquele mesmo ano, José Carlos de
Carvalho levantou a questão dos “Limites da província de Santa Catarina com o Paraná”, cuja
demarcação considerava urgente. Em outra ocasião no mesmo ano, José Carlos de Carvalho
apresentou um requerimento à Sociedade, no qual pedia urgência na demarcação dos limites
entre as províncias de Santa Catarina e Paraná.
No âmbito internacional, em 1887, Francisco Antônio Pimenta Bueno expôs uma
análise da Carta Geral das Fronteiras do Brasil, resultado de seis meses de estudos,
encomendada pelo Ministro da Guerra, Alfredo Chaves. Defendia que: (...) uma carta das
fronteiras não é simplesmente uma carta de guerra, e sim também de paz, porque subentende
com as boas relações dos respectivos países, com sua soberania territorial, direitos de fisco e
do próprio comércio.54

1.4. A Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e o advento da República

A proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, viria afetar o


funcionamento da SGRJ. Afinal, a Sociedade fazia parte do conjunto de redutos acadêmicos
patrocinados pelo ex-Imperador, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a
Academia Imperial de Medicina, o Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, dentre
outros.55 Os novos donos do poder encaravam essas instituições com desconfiança. Viam-nas
como redutos monárquicos. Por sinal, de fato, por lá costumavam circular indivíduos que
representavam o regime deposto.
Mas, se do ponto de vista institucional a SGRJ enfrentou problemas financeiros e de
ordem política, por outro lado, continuou a desfrutar de reconhecimento acadêmico. Tanto
assim que Aristides Lobo, membro da Sociedade e ministro do Interior e da Justiça do
generalíssimo Deodoro, cedeu para o funcionamento do grêmio algumas salas ocupadas pela
ucharia do antigo Paço Imperial. Até então, suas reuniões tinham lugar na Escola Barão do

54
SGRJ, “Ata da sessão de 27 de maio de 1887”, Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t.4, n. 2, 1888, p. 167.
55
Lúcia Maria Paschoal Guimarães, Da escola palatina ao silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938).
Rio de Janeiro: Museu da República, 2007, p. 23.
34

Rio Doce, como já se apontou.56 Esta observação é muito importante, pois na documentação
da SGRJ, talvez por influência do saudosismo imperial, privilegiam-se as notícias sobre a
falta de verbas oficiais e a censura imposta ao marquês de Paranaguá pelo governo de
Floriano Peixoto. Porém, uma análise mais acurada daqueles testemunhos revela que as
atividades continuaram a se desenvolver, prestigiadas inclusive por grandes especialistas
estrangeiros. É certo que as referências recorrentes ao ex-imperador trouxeram algumas
dificuldades para a entidade, entretanto, isto não abalou a intenção de seus associados de
contribuir para ampliar os conhecimentos geográficos sobre a Nação debaixo da bandeira
republicana. 57
O desaparecimento de D. Pedro II, presidente honorário da SGRJ, mereceu atenção
nas páginas da Revista, o protetor desvelado das letras, das ciências, das artes, da indústria,
do comércio, em uma palavra, de todos os elementos de prosperidade, de civilização, de
progresso e de grandeza da nossa pátria.58 O marquês de Paranaguá relembrou os tempos de
glória das sessões em que a associação costumava receber o ex-monarca e aproveitou a
ocasião para relatar um trecho de uma carta pessoal de Sua Majestade, agradecendo a oferta
dos últimos boletins e do catálogo da Exposição Geográfica Sul Americana de 188959. No
Brasil, a SGRJ nomeou uma comissão especial para a cerimônia que os amigos de D. Pedro II
organizaram. Na França, foi representada pelo filho do marquês de Paranaguá, José
Paranaguá.
O ex-Imperador haveria de ser lembrado na Sociedade por anos. Em 1906, no 87º.
aniversário do marquês de Paranaguá realizou-se uma solenidade especial. Participaram
antigos freqüentadores do Paço Imperial, como Paulo de Frontin, barão de Alencar e José
Barbosa Rodrigues, este último diretor do Jardim Botânico. O sócio Manoel de Oliveira Lima
enalteceu o velho marquês que optou por afastar-se da vida política com advento do regime
republicano, mas manteve-se fiel às suas preocupações cívicas como presidente do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, salientando
que a última:

56
SGRJ, “Ata da sessão ordinária de 06 de junho de 1890”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 7, 1891, p. 147. Este espaço
também foi ocupado pela Repartição de Estatística e pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
57
Cf. Luciene P. Carris Cardoso, Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: Identidade e Espaço Nacional (1883-1909).
Dissertação de Mestrado, Programa de Pós Graduação em História Política, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2003.
58
SGRJ, “Necrologia”, “Ata da sessão de sete de setembro de 1891”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 7, 1891, p. 299.
59
Idem.
35

(...) foi sempre protegida pelo Sr. D. Pedro II, seu presidente honorário, o grande príncipe, o
grande brasileiro, que tudo auxiliava em bem das ciências, artes e indústrias do país e a
todos os cidadãos que sem recursos e com mérito desejavam se instruir e se ilustrar. A
prova disso é a conservação de seu retrato, coberto de crepe que é uma recordação e prova
de gratidão, veneração e respeito às suas virtudes cívicas e morais que não podem ser
esquecidas. Circunstancias especiais, que não vem ao caso dizer, empanaram o seu brilho e
progresso, enquanto que quase todas as sociedades científicas de História e Geografia da
Europa e da América continuam a remeter todas as suas revistas e obras, apesar de não as
receber em troca.60

O certo é que as atividades de Sociedade prosseguiram. Em 1891, Antonio de Paula


Freitas realizou um exame crítico dos estudos do geógrafo francês Henri Coudreau 61, relativos
aos limites do Brasil com a Guiana Francesa, publicados na Revista da Sociedade de
Geografia de Paris, com o título Le conteste franco-brésilien. Por sinal, os litígios a respeito
da demarcação de fronteiras também serviam para estimular os sentimentos patrióticos, a
ponto de Paula Freitas indignado, exclamar: (...) nunca consentirá, todavia, que lhe seja
levado pedaço mínimo sequer do seu território, seguindo assim o exemplo dos antigos
portugueses e dos brasileiros do passado, que até mesmo a custa do próprio sangue,
mantiveram intacto o primitivo território desta grande pátria.62
Henri Coudreau defendia a idéia ambiciosa de estender o território da Guiana Francesa
ao sul até quase às margens do Amazonas e a oeste até o rio Branco. Todavia, o pleito,
também denominado de questão do Oiapoque já era bem conhecido. Segundo Paula Freitas,
Coudreau citou diversas negociações oficiais entre a França e o Brasil relatando, inclusive, o
histórico da questão desde o século XVII, (...) ainda que aludisse a vários fatos que pareciam
favorecer os seus intentos, não pôde ocultar quanto o Brasil manteve os seus limites no
Oiapoque.63
Apesar da existência do Tratado de Utrecht que reconhecia o rio Oiapoque como
limite, o acordo não informava as coordenadas geográficas precisas. Isto abriu uma brecha
para que a França tomasse outros rios como divisa, na tentativa de ampliar seu território. Na
percepção de Coudreau, (...) o antigo braço norte do Araguari, uma linha a 250 km quase ao
do Amazonas até o rio Branco, será a fronteira futura da Guiana. Para Paula Freitas, isto
significava reduzir os limites entre o Brasil e a Guiana a “uma linha completamente
empírica”. 64

60
SGRJ, “Ata da sessão ordinária 21 de agosto de 1906”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 19-20-21, 1906-08, p. 63.
61
Cf. José Veríssimo da Costa Pereira, op. cit., p. 417.
62
SGRJ, “Ata da sessão de 22 de outubro de 1891”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 8-9, 1892-1893, p. 209.
63
Idem, p. 210.
64
Idem, p. 215.
36

Reportando-se ao trabalho de Henri Coudreau, Paula Freitas lembrava a partilha da


África, então em curso, afirmando que “o Amazonas não é continente negro” e que um país
não poderia anexar parte do outro somente para ter limites naturais: (...) a palavra de ordem da
França atual, da França de 1891 é a da expansão colonial, embora não seja dos mais gloriosos o
papel daquela nação como potência colonial; como amante da geografia e das viagens: as descobertas
do século XVI foram feitas sem a participação da França. 65
Na mesma ocasião, o brasileiro teceu reflexões a respeito da questão do Acre e sua
repercussão na imprensa. Criticou o trabalho de algumas comissões demarcadoras, como as
do barão de Tefé (1874) e a de Cunha Gomes (1897), cujos trajetos foram repetidos pela
expedição de Luiz Cruls (1901). Este último, diretor do Observatório Astronômico do Rio de
Janeiro, fora nomeado pelo Ministério das Relações Exteriores, para chefiar a comissão de
limites do Brasil com a Bolívia, e encarregada de fixar as nascentes do rio Javari66.
Paula Freitas, no entanto, censurava-o, alegando que: (...) o sr.dr. Cruls não fez
realmente mais do que seguir a mesma rota dos seus sucessores, como se fosse incumbido de
verificar os trabalhos até então feitos67. Para o engenheiro, as divergências se centravam no
fato de que nem todos os afluentes do tal rio haviam sido explorados.
A par disso, Paula Freitas discordou dos termos do protocolo de 1900, que no seu
entender apresentava dois erros graves com prejuízo para o território nacional. O primeiro
dizia respeito à persistência de se explorar unicamente o rio Jaquirana, um dos afluentes do rio
Javari. O segundo substituía um paralelo do Brasil com a Bolívia por uma linha oblíqua do
Madeira ao Javari, o que causava a perda de: (...) uma área calculada em cerca de mil léguas
quadradas.68 Mais adiante dizia:

(...) E, como o que torto nasce, tarde ou nunca se endireita, aí estão os fatos recentes a
causar apreensões sérias ao Brasil. Ora, é irritação dos brasileiros, que ali se haviam
estabelecido numa parte do território nacional. Ora, são os bolivianos a arrendá-lo a um
sindicato sul-americano. E agora o Governo do Brasil emaranha-se em novas dificuldades,
69
que estuda e discute, a fim de dar-lhe conveniente solução.

A propósito das questões levantadas por Paula Freitas, o barão de Tefé ofereceu à
Sociedade um mapa que havia preparado, traçando a fronteira do Brasil entre os rios Beni e o

65
Idem, p. 216.
66
Cf. Cândido Firmino de Mello Leitão, História das expedições científicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Nacional,
1941, p.135. (Coleção Brasiliana, v. 209)
67
SGRJ, “Ata da sessão de 20 de maio de 1902”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 15, 1903, p. 94.
68
Idem, p. 95.
69
Idem.
37

Javari. Em artigo publicado no Jornal do Commercio, sob o título “As nascentes do rio
Javari”, Teffé revidou as críticas e defendeu-se confrontando a linha do Beni ao Javari traçada
por sua comissão com as informações levantadas do grupo liderado por Cruls: (...) veio dizer-
nos que não desmembrou uma só polegada do território nacional e que a sua linha é que faz
o Brasil perder menos terreno. 70
Na réplica ao barão de Tefé, Paula Freitas reafirmava a necessidade de identificar com
precisão a nascente do rio Javari e de explorar todos os seus afluentes. Relembrou as
atividades desenvolvidas pelas quatro comissões anteriores. A primeira, a comissão Ladário
de 1864, malogrou devido aos ataques dos índios. As outras três expedições: a de Teffé-Black
de 1874, a de Cunha Gomes de 1897 e a de Luiz Cruls de 1901 seguiram o mesmo trajeto:
subiram o rio Javari até a bifurcação dos rios Galvez e Jaquirana, seguindo este último até a
sua nascente. Cada uma das missões emitiu coordenadas completamente diferentes. Paula
Freitas questionou, ainda, os argumentos de Teffé, sobretudo as coordenadas do mapa por ele
elaborado, e concluiu que houve perda de território para o Brasil. Para ele, a solução seria
demarcar a fronteira até o limite da Bolívia com o Peru. Assim, a nascente do Javari seria
finalmente conhecida, executando-se, deste modo, o protocolo do tratado de 1867:

(...) Não tem igualmente razão o sr. Barão de Teffé, para dizer no seu artigo que „a questão
tem sido discutida nestes últimos anos que o governo e povo acham-se desorientados‟. Se o
povo aqui quer dizer os que têm tomado parte na discussão, é forçoso confessar que o povo
tem antes obstado a má orientação dada ao caso em questão pelo Governo, desde que tratou
erradamente de demarcar a linha geodésica Teffé-Black, como o fecho da fronteira entre o
Beni e o Javary. 71

Apesar dos debates acalorados na Sociedade, somente em 1903, quando Rio Branco
estava à frente do Ministério das Relações Exteriores, resolveu-se a questão dos limites entre
o Brasil e a Bolívia, por meio da assinatura do Tratado de Petrópolis. 72
Tal qual ocorria no período imperial, a Sociedade continuou a abrir suas portas para
ilustres viajantes após o advento da República. Em sessão de 18 de julho de 1893, recebeu o
geógrafo francês Jean-Jacques Élisée Réclus, autor da conhecida obra “Nouvelle géographie
universelle” em 18 volumes.73 Patrocinado pela Editora Hachette, ele veio ao Brasil coletar

70
SGRJ, “Ata da sessão de 19 de julho de 1902”, Revisa da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 15, 1903, p. 103.
71
Idem, p. 10.
72
Francisco Fernando M. Doratioto, “A política platina do barão do Rio Branco”. Revista Brasileira de Política
Internacional, Brasília, Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, v. 43, n. 2, 2000, p. 130-149.
73
Cf. Luciene P. Carris Cardoso, “La visite d'Élisée Réclus à la Société de Geographie de Rio de Janeiro.” Colloque
International Elisée Reclus et nos Geographies. Texte et prétextes, Université Lumière de Lyon 2, 2006.
38

informações para o 19o volume, que deveria tratar da América Latina. Contribuição, aliás, que
foi traduzida posteriormente, pelo barão de Ramiz Galvão, com o título “Estados Unidos do
Brasil”, publicada em 1900, acompanhada de algumas anotações do barão do Rio Branco a
respeito do território contestado entre o Brasil e a França. A obra não obteve uma repercussão
considerável, nas palavras de José Veríssimo da Costa Pereira: (...) a descrição do país
obedeceu ao critério das regiões naturais e constituiu uma novidade quanto ao método de
apresentar as sínteses geográficas.74
A Sociedade conferiu-lhe o diploma de sócio honorário, título especialmente concedido
para aqueles que se distinguiam pelos seus conhecimentos teóricos e práticos em geografia e
ciências conexas. Para a Sociedade, a visita do célebre geógrafo era duplamente benéfica tanto
para o melhor reconhecimento do território brasileiro quanto para o desenvolvimento da
ciência, afinal o seu espírito penetrante e o seu gênio investigador, a par de uma imaginação
brilhante, saberá devassar os segredos e reproduzir, ao vivo, as cenas esplêndidas da
natureza desta parte da América, para patenteá-la ao mundo.75 Para finalizar, argumentava
que o alargamento do horizonte geográfico fortaleceria a confraternização entre os povos. De
outro modo, destacou a idéia de que a ciência era universal, portanto, superaria as fronteiras
naturais e culturais entre os países almejando alcançar o ideal de desenvolvimento das
sociedades contemporâneas.
Seguindo o ritual consagrado das associações oitocentistas, o convidado tomou assento
à direita do presidente da Sociedade e assistiu a um ciclo de três conferências: a primeira a de
saudação do presidente, a segunda do orador, o Barão Homem de Melo e a outra sobre o Vale
da Amazônia que integrava o ciclo de palestras sobre a região amazônica de Torquato Xavier
Monteiro Tapajós, publicadas na Revista da Sociedade.
Para a recepção de Élisee Réclus, a Sociedade selecionou o engenheiro Francisco
Inácio Marcondes Homem de Mello, o Barão Homem de Mello, que destacou a cordialidade
existente entre o Brasil e a França - a revivescência de uma tradição gloriosa. Enumerou os
diversos viajantes naturalistas e exploradores franceses que percorreram o território brasileiro,
bem como destaco a colaboração de alguns exploradores nacionais. 76

74
José Veríssimo da Costa Pereira, op. cit., p.55.
75
José Lustosa da Cunha Paranaguá, “Discurso do presidente marquês de Paranaguá da Sociedade de Geografia do Rio de
Janeiro, Mr. Elisée Réclus, sessão extraordinária em 18 de julho 1893 em honra ao sábio geógrafo francês”. Revista da
SGRJ, Rio de Janeiro, t. 11, 1895, p. 34.
76
Francisco I. Marcondes Homem de Mello, “Discurso do Barão Homem de Mello, Mr. Elisée Réclus: sessão extraordinária
em 18 de julho de 1893 em honra ao sábio geógrafo francês”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 11, 1895, p. 38.
39

Embora perseguido na França por sua militância anarquista, o geógrafo possuía renome
internacional e desfrutava de sólida reputação no mercado editorial. É sabido que após ser
detido por atividades políticas em Paris, conseguiu ser liberado da prisão e exilar-se na
Bélgica, graças às inúmeras petições encaminhadas ao governo francês por sociedades
científicas estrangeiras. Partidário do método comparativo elaborava pesquisas realizando
analogias como fundamento da descrição geográfica. Baseava-se numa geografia social
embasada na luta de classes, na busca do equilíbrio e na soberania do homem. Para este
pensador, o espaço geográfico deveria garantir ao homem os pilares da igualdade e da
felicidade. A terra seria a morada do homem, portanto, a geografia seria uma ciência dos
homens.77
Sintomaticamente, não há notícias de contatos formais de Réclus com esses grupos,
apesar da crescente difusão do ideário anarquista no país, introduzido nas últimas décadas do
século XIX, por grupos de imigrados europeus, sobretudo no eixo Rio de Janeiro-São Paulo.
No Rio de Janeiro, até onde se conhece, ele cumpriu um programa eminentemente acadêmico,
organizado pela Editora Hachette.78 Suas intervenções se caracterizaram pelo trato de questões
cientificas e de relatos de da viagem que realizava. Há, no entanto, pistas de que o geógrafo
tomou conhecimento da experiência realizada no estado do Paraná 79, onde se estabeleceu a
primeira colônia anarquista do continente americano, a Colônia Cecília (Paraná, 1890-1895).
Élisée Réclus proferiu uma rápida palestra na Sociedade de Geografia, uma espécie de
resultado preliminar das suas observações de campo. Privilegiou aspectos da cidade do Rio de
Janeiro e do estado de São Paulo. 80 De um modo geral, revelou-se encantado com a paisagem
natural que circundava a então capital da República. Após devassar a Amazônia, Réclus
examinou o território brasileiro de norte a sul, de acordo com a divisão das suas regiões
naturais, o que na época (...) constituiu uma novidade quanto ao método de apresentar as
sínteses geográficas81. Não vem ao caso, no momento, fazer uma apreciação minuciosa dessas
sínteses, por demais conhecidas. Entretanto, é importante assinalar que tal abordagem
ultrapassa a enumeração dos fenômenos geográficos. Ele reuniu um conjunto de informações

77
Elisée Réclus, Estados Unidos do Brazil: geografia, etnografia, estatística. Tradução e breves notas de barão de F. Ramiz
Galvão e anotações sobre o território contestado pelo barão do Rio Branco, 1900.
78
Jean-Yves Mollier, “Les mutations de l'espace éditorial français du XVIIIe au XXe siècle”. Actes de la recherche en
sciences sociales, v. 126, n. 1, 1999, p. 29-38. A Editora Hachette foi fundada em 1830 pelo editor escolar e universitário
Louis Hachette, que obteve apoio do Governo francês.
79
SGRJ, “Mr. Élisée Réclus: Sessão Extraordinária em 18 de julho de 1893 em honra ao sábio geógrafo francês”. Revista da
SGRJ, Rio de Janeiro, t. 11, 1895, p. 35.
80
Idem, p. 34. No Rio de Janeiro, Élisée Réclus também visitou outras instituições científicas e culturais, a exemplo do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
81
José Veríssimo da Costa Pereira, op. cit., p.55.
40

substantivas sobre a situação econômica, social e política do país. Alguns desses aspectos
valem a pena ser destacados, pois revelam o apurado senso crítico do cientista francês e uma
pista das suas idéias anarquistas.
Réclus condenou a estrutura fundiária do país e atribuiu a pobreza generalizada das
populações rurais à existência de grandes latifúndios improdutivos. Fez, também, sérias
restrições à supremacia da cultura do café nos terrenos férteis do centro-sul, apontando o
perigo que a monocultura representava para a economia nacional, sujeita às oscilações
constantes do preço do produto no mercado externo. Ademais, julgou impróprias as técnicas
agrícolas utilizadas pelos cafeicultores, em especial a prática das queimadas, que provocava
desgaste no solo. Discutiu a necessidade do governo incentivar as pequenas lavouras e se
perguntava, (...) sem preconceito contra o regime da grande propriedade, se não há perigo em
sacrificar todas as culturas a uma só ?(...). Concluía a censura com uma reflexão bem
pertinente:82 (...) a população que aumenta rapidamente, ficaria exposta a uma penúria
repentina se qualquer fenômeno econômico ou um desastre natural viesse a secar de súbito a
fonte desta espantosa riqueza.83
A colonização promovida pelo governo brasileiro nas terras do sul do país também foi
alvo da pena da crítica do geógrafo francês. Censurou os agentes de imigração, que
introduziram as primeiras levas de camponeses eslavos nos campos do Paraná, sem qualquer
preparo para recebê-los. Identificou, entretanto, muito surpreso, a existência de (...) alguns
grupos resistentes de imigrantes não eslavos, notavelmente uma colônia de comunistas, quase
todos italianos, que se fundou em La Cecília, perto de Palmeira 84. Na verdade, tratava-se da
Colônia Cecília (1890-1894) no Paraná fundada pelos italianos Giovanni Rossi e Evangelista
Benedetti.85
Réclus considerou inadequada a divisão político-administrativa do território brasileiro,
referindo-se à disparidade existente entre as áreas ocupadas pelos diversos estados, questão,
aliás, que seria levantada na Sociedade posteriormente por Everardo Backheuser. Opinava que
o problema poderia ter sido sanado após a queda do Império, se o governo republicano tivesse

82
Ramiz Galvão, tradutor da obra para língua portuguesa, corroborou reflexão de Réclus, nas suas palavras, a baixa
extraordinária do café em 1896 a esta parte causa presentemente sérios embaraços à lavoura, e todo o país sofre as
conseqüências dessa depreciação, cada da se avigora, portanto, a necessidade da policultura. Élisée Réclus, op. cit., p. 424.
83
Idem.
84
Élisée Réclus, op. cit., p. 346.
85
Isabelle Felici, op. cit. Com a extinção da escravidão em 1888, um contingente de imigrantes se dirigiu para região sul e
sudeste do país com objetivo de trabalhar nas lavouras. A província do Paraná começou a desenvolver um programa oficial
com objetivo de atrair trabalhadores do Velho Mundo, principalmente poloneses, alemães e italianos. Em 1890, liderados
pelo cientista e filósofo Giovanni Rossi e por Evangelista Benedetti criaram a Colônia Cecília considerada a maior
experiência anarquista no país. (http://raforum.info/article.php3?id_article=661) Acessado em 15 de novembro de 2007.
41

criado novas unidades federativas de proporções mais harmônicas. A esse respeito, vale a pena
rever suas apreciações sobre o regime político instaurado no Brasil em 1889: (...) A República
brasileira foi proclamada, e, todavia, por estranha inconseqüência, o povo não foi consultado
para saber quais deviam ser os grupos de constituintes da federação. Limitaram-se a mudar
os nomes das circunscrições do império: de províncias passaram a estados (...)86. Ponderava
que a constituição brasileira (...) com haver imitado quase servilmente a dos Estados Unidos
se mostrava inadequada às tradições, aos costumes e à herança da colonização portuguesa do
país, e deduzia: (...) É assim que os poderes reais dados ao do presidente dos Estados Unidos
e por imitação ao do Brasil, levaram logo o governo a prática da ditadura. Desde seu começo
aliás, o poder nascido da revolução foi uma autocracia militar.87
No fundo, Elisée Réclus avaliava que a troca de regime político não havia alterado as
estruturas vigentes. Apesar da adoção do sistema federalista, a República se caracterizava pela
centralização administrativa, um legado do regime monárquico. Isto provocava uma luta
contínua dos estados, em busca de maior autonomia. Por fim, questionou os órgãos públicos
por permitirem que empresas estrangeiras monopolizassem a exploração de ferrovias
brasileiras. Como se poder perceber, se durante a visita ao Brasil o cientista cumpriu
rigorosamente a ordem da Editora Hachette de não emitir pronunciamentos políticos. Porém,
nada escapou da sua aguçada caderneta de campo. Seu juízo sobre a situação política constitui
síntese bem fundamentada da realidade brasileira.
À guisa de informação, cabe lembrar que o 19º volume da Nouvelle géographie
universelle foi lançado na França em 1894. Seis anos mais tarde, a parte relativa ao Brasil foi
publicada em português, com o título Estados Unidos do Brasil: geographia, ethnographia,
estatistica, por Élisée Réclus, traduzida por Ramiz Galvão e com notas do barão do Rio
Branco. É inquestionável que a viagem de Élisée Réclus ao Brasil trouxe uma contribuição
positiva para o conhecimento geográfico, como sublinhou o barão de Ramiz, apesar dos
equívocos apontados. Além da nitidez das reflexões sobre o quadro político nacional nos anos
subseqüentes à proclamação da República, suas minuciosas observações de campo,
sistematizadas na Nouvelle Géographie Universelle, mostravam-se pertinentes, inspiradas nas
teorias então vigentes, tais como, o evolucionismo, o darwinismo e o determinismo de seu ex-
mestre, Karl Ritter. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de notar a influência do pensamento

86
Élisée Réclus, op. cit., p. 460.
87
Idem, p. 465.
42

rousseauniano na obra, face ao uso recorrente das noções de natureza harmoniosa e de


obediência às leis naturais que regem os homens. 88
Por outro lado, há que se destacar a abordagem comparada e a atualidade das análises
de Réclus. No caso brasileiro, dentre outros temas tratados, cabe salientar a preocupação com
a preservação do meio-ambiente, a problemática das monoculturas, o aproveitamento racional
da floresta amazônica, o desequilíbrio da divisão político-administrativa do território
brasileiro, a relação entra a pobreza rural e a estrutura fundiária, questões, enfim, que apontam
para o que hoje em dia se entende por geografia social. Segundo Manuel Correia de Andrade,
para Réclus, a geografia era uma ciência, o homem e a natureza formavam um conjunto
harmonioso, existiria uma relação entre o meio ambiente e o homem, provocando a sua ação,
modificando-o, transformando-o e conduzindo-o à produção do espaço.89 Além disso,
compreendia uma simbiose entra a geografia e a história, a geografia não é outra coisa que a
história no espaço, assim como a história é a geografia no tempo.90
Outro viajante que também circulou pelas salas da Sociedade de Geografia, foi o
austríaco barão Ernst von Hesse-Wartegg (1854-1918). Ele pronunciou uma conferência
sobre “A Corte Imperial, o Governo e a Sociedade da China” em 1903. Discorreu em francês,
durante cerca de duas horas, sobre o tema prendendo a atenção de uma platéia formada de
ilustres personalidades, como o então Ministro da Justiça e Negócios Interiores, José Joaquim
Seabra. 91
Personalidades femininas também começaram a se fazer presentes na instituição, que
entre outras, recebeu a visita da educadora e médica de origem belga Marie Rennote Robinson
Wright (1852-1942). Ela que doou, pessoalmente, em 1903, sua obra “The New Brazil”, com
várias ilustrações e fotografias da cidade de São Paulo da virada do século. 92 A visitante se
destacou no cenário cultural e científico paulistano, sendo considerada por muitos estudiosos
como personalidade que revolucionou a educação do país com as seus ideais. 93

88
Manuel Correia de Andrade. Élisée Réclus. São Paulo: Editora Ática, 1985, p. 20-21.
89
Idem.
90
Regina Horta Duarte, “Natureza e sociedade, evolução e revolução: a geografia libertária de Elisée Réclus.” Revista
Brasileira de História, São Paulo, v. 26, n. 51, 2006, p. 11-24.
91
SGRJ, “Ata de 22 de junho de 1903”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 18, 1915, p. 37. O viajante austríaco já havia
visitado diversos lugares do mundo, inclusive o Japão e a China, os Estados Unidos e alguns países da América do Sul. O
volume citado era dedicado ao Brasil e aos países da Bacia do Prata, pois estas áreas apresentavam maiores vantagens
econômicas para a introdução de colonos alemães. Von Hesse, excursionou pelo continente, três vezes entre os anos de 1903
e 1913 e, na sua opinião, a região era promissora para os futuros colonos.
92
SGRJ, “Ata da sessão de 05 de dezembro de 1903”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 18, 1915, p. 40.
93
Cf. Leonora de Luca & João Bosco de Assis de Luca, “Marie Rennotte, pedagoga e médica: subsídios para um estudo
histórico-biográfico e médico-social”. Revista Manguinhos: História, Ciências e Saúde, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, 2003, p.
703-725. Professora formada, aos quarenta anos de idade completou o curso de medicina na prestigiada Woman's Medical
43

Em 1905, a Sociedade de Geografia mandou representantes ao 8 o. Congresso


Internacional de Geografia realizado na cidade norte-americana de Saint Louis, junto com a
Exposição Universal, com direito a assistir as sessões, sem voto, e a gozar da biblioteca e
sala de mapas94. Ao final do evento, a comitiva do grêmio juntou-se aos demais congressistas,
em uma visita à cidade do México, quando percorreu o Museu Nacional, o Castelo
Chapultepec, antiga residência dos Montezumas e posteriormente transformada em Escola
Militar e na residência oficial do presidente daquele país. No relato publicado na Revista, há
registros dessa excursão: (...) onde visitamos os trabalhos públicos, modernamente feitos, e
vimos os belos monumentos da civilização asteca que ali se desenvolveu.95
Naquele ano, na mesma época realizou-se no Rio de Janeiro a Terceira Reunião do
Congresso Científico Latino Americano entre os dias 6 e 16 de agosto 96. O evento recebeu a
colaboração de diversas instituições nacionais e estrangeiras, abrangendo cerca de treze países
da América Latina. A convocação do Congresso revelava a preocupação de se instaurar um
fórum de discussão permanente no continente, semelhante aos que já aconteciam na Europa. 97
Os preparativos para a Terceira Reunião do Congresso Científico Latino-Americano
começaram a ser realizados, no ano de 1901, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
com a presença do Ministro do Uruguai no Brasil, Frederico Susviela Guarch. Em 1902, as
reuniões passaram para o âmbito da Sociedade, que a partir desse momento ganhou o “status”
de sede do evento, ficando sob a sua responsabilidade a elaboração do regulamento e da
programação, a emissão de circulares, boletins e fichas de inscrição. Neste sentido, o grêmio
científico procurou garantir que o governo federal custeasse todas as despesas, aprovadas por
decreto, assinado pelo então presidente da República Rodigues Alves. 98
A jornada científica também serviu de espaço para debates sobre política externa: ao
mesmo tempo em que se defendia a cooperação científica entre as nações latinas, os
participantes aproveitaram a oportunidade para levantar a questão da demarcação das

College of Pennsylvania, especializada na área de ginecologia e obstetrícia. Em 1895, conseguiu validar o seu diploma de
médica no Brasil, defendendo a tese “Influência da educação da mulher sobre a medicina social”, perante uma banca
organizada pela cadeira de Higiene e Mesologia da Faculdade de Medicina e de Farmácia do Rio de Janeiro, chefiada por
Benjamin Antônio da Rocha Faria.
94
SGRJ, “Ata da sessão ordinária de 25 de setembro de 1905”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 15, 1902-1906, p. 61.
95
SGRJ, “Ata da sessão ordinária de 04 de março de 1905”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 15, 1902-1906, p. 52.
96
O Primeiro Congresso Científico Latino-Americano foi realizado na Argentina em 1898 e o Segundo Congresso no
Uruguai em 1901.
97
Antônio de Paula Freitas (org.), “Relatório Geral da Terceira Reunião do Congresso Científico Latino-Americano:
Trabalhos preliminares e inauguração do Congresso”. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1906, p. 169.
98
O marquês de Paranaguá, presidente da comissão diretora e executiva, adoeceu na véspera da abertura do evento,
participando assiduamente, quando podia, das reuniões preparatórias, sendo substituído por Carlos Augusto de Carvalho,
primeiro vice presidente da Sociedade de Geografia e ex-ministro das Relações Exteriores.
44

fronteiras, sugerindo a elaboração de um “mapa geral dos países latino-americanos”. Outros


assuntos distinguidos foram o desenvolvimento de pesquisas em energia hidráulica, a
preservação das florestas, a ligação entre os rios da bacia do Prata, do Amazonas e do Orinoco,
o aprimoramento das estradas de ferro, bem como o progresso das ciências médicas.99
Apesar do sucesso obtido na organização daquele evento internacional, no âmbito
interno, a Sociedade passava por sérias dificuldades pecuniárias, o que redundava em
sucessivos atrasos na publicação da Revista, que entre os anos 1902 e 1906 teve sua edição
interrompida. Além disso, a freqüência dos sócios baixara a tal ponto que não alcançava
quorum suficiente para a realização das sessões. Assim, a SGRJ instituiu um “Livro de Ouro”
para arrecadar donativos.100 Apesar dos percalços, a Sociedade continuou a manter
correspondência com mais de 150 associações congêneres na América e na Europa. Por certo,
o intercâmbio com outras associações científicas, constituía-se numa estratégia para atrair a
atenção das autoridades republicanas, uma vez que a associação se definia como de utilidade
pública para o país. 101
A propósito de comemorar a passagem dos 87 anos da Independência nacional, a
Sociedade convocou um congresso de geografia, de âmbito nacional. O evento teve lugar no
Rio de Janeiro entre os dias 22 e 30 de setembro de 1909, patrocinado pelo governo federal.
Contudo, a SGRJ se esforçou para dar à geografia brasileira naquele evento padrões
científicos, de modo a seguir as recomendações da última jornada internacional da disciplina,
realizada em Genebra no ano de 1908.
O sucesso alcançado pelo Primeiro Congresso de Geografia do Rio de Janeiro em 1909
projetou novamente a SGRJ no cenário nacional. Mas a conjuntura política não se mostrava
favorável. O país atravessaria uma longa crise política, fruto da campanha para a sucessão
presidencial, com a morte de Afonso Pena. 102 A Sociedade voltaria a sofrer problemas de falta
de recursos, o que acarretou o atraso na publicação de seus periódicos e dos anais do
congresso.
Para suprir a lacuna dos anos em que a Revista não foi publicada, o redator Lindolfo
Otávio Xavier optou por oferecer uma grande síntese da situação política do país, acrescida
dos principais eventos promovidos pela SGRJ entre 1909 e 1911, bem como de uma breve

99
Ana Maria Ribeiro de Andrade (coord.), Terceira Reunião do Congresso Científico Latino Americano: ciência e política.
Brasília: CGEE; Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2002, p. 41.
100
SGRJ, “Ata da sessão ordinária de 20 de maio de 1902”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, p. 92.
101
SGRJ, “Ata da sessão ordinária de 16 de abril de 1907”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 15, p. 94.
102
Sobre este assunto ver: Boris Fausto (dir.), O Brasil Republicano, v. 8: estrutura de poder e economia. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2006. (História Geral da Civilização Brasileira; t. 3; v.8)
45

reflexão acerca do desenvolvimento do saber geográfico. Na opinião de Lindolfo Xavier,


apesar de acirrada, a disputa pela presidência entre Rui Barbosa e Hermes da Fonseca, acabou
trazendo uma contribuição positiva à geografia, pois provocou o aparecimento de (...) uma
copiosa literatura, que enriquece o estudo da economia política, do folclore, da ciência da
administração e da crítica social brasileira.103

103
Lindolfo Xavier, “Revista Geográfica”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 22-23-24, 1909-1910-1911, p. 5.
46

(...) no momento atual, pois, a Sociedade de Geografia dever ser, e o é, um corpo de


trabalhadores formadores de alta cultura científica, mas que alvejam um fim prático
qual seja o de tornar cada vez mais conhecida a nossa pátria, sob todos os aspectos,
isto é, fazer a sua corografia. (Fernando Raja Gabaglia, “Conferência”, 1922)104

2. SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DO RIO DE JANEIRO: UM ESPAÇO DE


CIVISMO

2.1. A geografia e os males nacionais

O ambiente de agitação que conflagrou o país, após a proclamação de 1889, levou a


uma divisão dos intelectuais engajados. Parte deles optou por se afastar da arena política,
adotando uma posição de ceticismo, pois o governo republicano não parecia corresponder aos
seus anseios105. A celebrada “geração de 1870” desapontava-se com o regime recém-
instaurado, não só porque apresentava mais semelhanças com a monarquia do que poderia se
imaginar, mas também por causa da intolerância dos novos donos do poder.106 Segundo o
historiador José Murilo de Carvalho, o peso das tradições escravistas e coloniais esvaziou a
possibilidade de ampliação dos direitos civis e políticos, excluindo o movimento popular do
governo, o qual (...) consolidou-se sobre a vitória da ideologia liberal pré-democrática,
darwinista, reforçadora do poder oligárquico. As propostas alternativas de organização do
poder, a do republicanismo radical, a do socialismo e mesmo a do positivismo, derrotadas,
foram postas de lado.107
Dois projetos de República se enfrentavam: o das oligarquias cafeeiras, federalista e
liberal, e o jacobino, anti-oligárquico e nacionalista, apoiado notadamente por militares e
positivistas. Não por acaso, o movimento ufanista, do período 1890-1900, teve como
principais representantes intelectuais monarquistas na frente de batalha contra o establishment
republicano. Este movimento que teve Eduardo Prado como um dos seus porta-vozes,
denunciou: (...) as práticas da ditadura militar republicana que se opunham às teorias e
práticas liberais vigentes no Império.108 Criticava-se, principalmente, a participação de

104
Fernando Raja Gabaglia, “Conferência”, Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 15-16-17, 1912-1922, 1922, p. 65.
105
Mônica Pimenta Velloso, “Modernismo e a questão nacional”. O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da
República à Revolução de 1930. Jorge Ferreira & Lucília de A. N. Delgado (orgs.) Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003.
106
Ver, Ângela Alonso, Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
107
José Murilo de Carvalho, Os Bestializados, o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Ed. Cia. das Letras,
1999.
108
Cf. Lúcia Maria Lippi Oliveira, A questão nacional na primeira República. São Paulo: Brasiliense; Brasília: CNPq, 1990,
p. 105.
47

oficiais do Exército na composição do governo. Via-se com desconfiança as experiências


republicanas das nações latino-americanas vizinhas, pois traziam a sombra da fragmentação
territorial. Além disso, considerava-se a Constituição de 1891, uma cópia da Carta norte-
americana.
Políticos e intelectuais utilizavam, de maneira recorrente, as expressões “mundo
civilizado”, “nações civilizadas”, “civilização e “luzes” como justificativa para apregoar os
seus projetos de Brasil109, fenômeno que reapareceria em momentos de crise, conforme
assinala a historiadora Lúcia Lippi Oliveira. Tal como ocorreu no período que se estende da
proclamação da República à Primeira Guerra Mundial, contribuindo para a conscientização
dos problemas nacionais e a busca de suas soluções, ao mesmo tempo em que estimularia: (...)
sentimentos de identidade e de alteridade a uma população que vive ou que se originou em
um mesmo território. 110
Acreditava-se na missão redentora da ciência para efetuar mudanças significativas na
sociedade. Ressaltava-se a inércia das elites dirigentes e a incapacidade das massas populares
de conduzir a nação brasileira rumo ao progresso e a civilização. Não por acaso, datam desse
período trabalhos que sublinham por encaminhamentos teóricos diversos o fosso civilizacional
existente entre o Brasil e os países da Europa ocidental. Contribuições, diga-se de passagem,
que se esforçavam em demonstrar as potencialidades de seu território, ao lado das
características inatas do povo, colaborando para fomentar diversos movimentos culturais de
cariz nacionalista.
Alguns autores elaboraram diagnósticos concisos dos problemas brasileiros,
concentrando suas análises no par “raça” e “meio ambiente”, no rastro das concepções
formuladas por Sílvio Romero.111 Compartilhavam da distinção estabelecida por Romero entre
os grupos étnicos, classificados como inferiores ou superiores, com base em critérios ditos
científicos.112 Assim, acreditava-se que somente com o branqueamento, por meio da
introdução de imigrantes europeus, nossa população poderia superar a degeneração da
mestiçagem e alcançar padrões de civilização desejáveis:

109
José Murilo Carvalho, “O Conselho de Estado: a cabeça do governo”. In: _________, Teatro de Sombras: a política
imperial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Relume Dumará, 1996, p. 334. José Murilo de Carvalho ao analisar as atas do
Conselho do Estado Imperial constatou em seus discursos que essas expressões eram recorrentes, era também por todos
considerada legítima a referência a países europeus, seja para esclarecer problemas nacionais, seja para fundamentar
propostas de legislação.
110
Lúcia Maria Lippi Oliveira, op. cit., p. 14.
111
Sílvio Romero, História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943.
112
Sobre este assunto, ver, A recepção do darwinismo no Brasil, Heloísa Maria Bertol Domingues, Magali Romero Sá &
Thomas Glick (org.). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003.
48

(...) O papel do imigrante, portanto, está bem definido concorrer para a formação de um tipo
brasileiro, elemento da unidade nacional (que paradoxalmente, vê comprometida pela
“desarmonia das índoles decorrente da mestiçagem”). Trata-se de uma construção racial
clarear a pele do brasileiro do futuro, pelo menos - pois a nacionalidade já tem sua cultura,
sua língua e sua religião. Na concepção de Romero a nação brasileira do futuro deve ser uma
civilização latina e branca, o que implica na assimilação dos imigrantes à formação lusitana
do país.113

Atribuía-se o atraso socioeconômico do país às vicissitudes de uma estrutura


econômica e social comprometida pela lavoura rudimentar e pelo capitalismo ainda
embrionário de pequenas indústrias locais, bem como por uma sociedade de camadas médias
pouco expressivas. O quadro, portanto, aprofundava a dependência econômica externa e
favorecia a hegemonia das oligarquias regionais, em detrimento do restante da população.
Tornava-se, assim, uma espécie de (...) simulacro de modernidade a encobrir o arcaísmo das
estruturas sociais. 114
As idéias de Sílvio Romero inspiraram nomes como Euclides da Cunha e Oliveira
Vianna. O primeiro, em 1902, no livro Os Sertões, fruto das suas observações de campo como
jornalista durante a Campanha de Canudos, procura demonstrar a influência determinista do
meio-ambiente na formação das etnias e dos tipos humanos. É recorrente na obra o realce dado
aos aspectos geográficos, bem como, ao estado de abandono e de isolamento do interior em
relação ao litoral.115
As dicotomias entre cidade e sertão, modernidade e atraso, delineadas por Silvio
Romero, seriam retomadas por Euclides da Cunha, visto que (...) a sua idéia de nação parece
perder-se entre as imagens de um sertão autêntico, mas retrógrado, sem futuro, de um deserto
amazônico, desafio e paraíso, mas já perdido, e de uma “civilização pesteada”, utilitária e
parasitária dos centros urbanos do litoral.116 Euclides compreendeu o descompasso temporal
daqueles indivíduos que viviam longe dos centros urbanos e alheios a nova forma de governo
instaurada em 1889.117 Para Ângela de Castro Gomes, o pioneirismo dessa análise centrava-se
na “forma de pensar e sentir o país”, pautada na descoberta (...) da nossa tendência à fusão,

113
Giralda Seyferth, “Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do racismo na política de imigração e colonização”.
In: Marcos Chor Maio & Ricardo Ventura Santos (Orgs). Raça, Ciência e sociedade no Brasil. Rio de Janeiro, FIOCRUZ/
Centro Cultural Banco do Brasil, 1996, p. 51.
114
Ricardo Luiz de Souza, Identidade Nacional e Modernidade Brasileira: o diálogo entre Sílvio Romero, Euclides da
Cunha, Câmara Cascudo e Gilberto Freyre. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p.48.
115
Euclides da Cunha, Os Sertões. São Paulo, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929.
116
José Murilo Carvalho, “O último dos românticos”. In: José Murilo Carvalho, Pontos e Bordados: escritos de história
política. Belo Horizonte: UFMG, 1999, p. 439.
117
Ricardo Luiz de Souza, op. cit., p. 100.
49

nossa aptidão para a domesticação da natureza e para a religiosidade. A figura do sertanejo


como um forte espírito por excelência era o símbolo de nossa originalidade completa.118
Na concepção positivista de Euclides da Cunha, a República significava a renovação e
a abertura para o progresso.119 Deste modo, caberia aos intelectuais e cientistas
desempenharem o papel de agentes da modernidade, transformando a ciência no principal
instrumento de superação do atraso em que se encontrava o país, (...) sua hegemonia
significaria o triunfo dos ideais da República, que necessitam de uma elite de cientistas que os
conduza.120
Por outro lado, divergindo das premissas de Euclides da Cunha, autores como o
médico Manoel de Bomfim e o jurista Alberto Torres não responsabilizavam as supostas
raças inferiores, a mestiçagem étnica ou clima tropical pelo atraso do país. Em América
Latina: Males de Origem (1903), Manoel Bomfim identifica as causas daquele retardamento
na colonização ibérica, marcada pela escravidão e a exploração predatória do território: (...) as
classes inferiores e mecânicas se adaptaram a viver em condições de pobreza, desconforto e
miséria que parecem incompatíveis com a vida. Os escravos – negros – coagidos pelo açoite –
adaptaram-se, habituaram-se a trabalhar o mais possível, a viver com o mínimo de conforto e
de alimentação.121
Manoel Bomfim via a miscigenação das raças com otimismo e enfatizava sua
diversidade cultural como elemento chave para a construção da identidade nacional. Recorria
aos estudos biológicos com intuito de compreender a imobilidade brasileira e sua incapacidade
de alcançar o mesmo status das nações européias. Acreditava que seria possível superar o
atraso por meio da educação das massas, ao mesmo tempo em que imaginava subtrair das
elites dirigentes o poder de transformação da sociedade, deslocando-o para os movimentos
populares. 122 Na contra-corrente do discurso dominante dos intelectuais da época, o médico e
pedagogo rompia com a concepção positivista de que as mudanças na sociedade se operariam

118
Ângela de Castro Gomes, História e Historiadores: a política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p.
195.
119
Raimundo Nonato Pereira Moreira demonstra que Euclides da Cunha, além de absorver as idéias relacionadas aos
movimentos culturais e político de sua época, como positivismo, republicanismo, socialismo e materialismo, apresentou um
conjunto de traços característicos da obra de Victor Hugo, intitulada, Quatrevingt-treize, como: a onipresença da natureza, a
caracterização dos tipos humanos, os quadros dramáticos presentes nas narrativas, o caráter vingador da literatura, a
denúncia dos crimes e das injustiças cometidos pela coletividade humana. Cf. Raimundo Nonato Pereira Moreira, A nossa
Vendéia: o imaginário social da Revolução Francesa na construção da narrativa de Os Sertões. Tese de Doutorado.
Programa de Pós Graduação em História,Unicamp, 2007.
120
Idem.
121
Manoel Bomfim, A América Latina. Males de origem. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993, p. 126.
122
Cf. Maria Emília Prado, “Integração Nacional e Identidade Nacional em Manoel Bomfim e Oliveira Vianna: olhares
divergentes”. Rio de Janeiro: Acervo, v. 19, n. 1, 2006.
50

de cima para baixo. No seu entender, isto se efetuaria por meio de uma ação revolucionária,
em que os “parasitados e oprimidos”, desbaratariam a classe dominante “parasitária e
degenerada”. Contudo, neste processo, Bomfim defendia a presença interventora do Estado, o
qual passaria a ser concebido como uma instituição a serviço da sociedade.123
Por sua vez, o ensaísta e advogado Alberto Torres, em A Organização Nacional
(1914), identifica o sentimento de nacionalidade com o território. Ele contesta as teorias
evolucionistas, substituindo-as pelo exame dos problemas sociais e econômicos124. Para sanar
nossos males sociais, propõe erguer uma “república agrícola”, com base na pequena
propriedade rural, com a produção voltada para o consumo interno. Defende a exploração
racional e sistemática dos recursos naturais, bem como a sua preservação, o que de certo modo
o aproxima de uma consciência ecológica avançada para sua época, embora não fuja dos
traços ufanistas, que exacerbavam as potencialidades naturais do território, (...) a pátria é a
terra que é, por sua vez, o território da nação no sentido do solo, de meios de produção e de
fonte de prosperidade.125.
Para Alberto Torres, os poderes públicos deveriam dar assistência ao trabalhador
nacional, ao invés de se ocupar com a inserção do colono estrangeiro. 126 Preconizava a
participação do povo, mas reconhecia a sua incapacidade política para resolver as grandes
questões nacionais, pois carecia de cultura e de civismo. Não se tratava de inferioridade
étnica, mas sim de ignorância em relação à própria terra: (...) nós não sabemos ainda o que a
127
nossa terra pode produzir e como deve produzir. Isto aponta, pois, para a necessidade da
formação de uma consciência nacional, calcada no reconhecimento das potencialidades
naturais do território brasileiro, afinal (...) é a terra, é a geografia que estabelecem os
parâmetros para a ação política que visa a organização da nação. (o grifo é nosso)128. Como
se constata, essa preocupação subentendia a (...) integração geográfica pela expansão das
vias de comunicação e pelo povoamento dos espaços vazios. Integração étnica através da
educação e elevação espiritual.129

123
Simone P. Kropt, “Manoel Bomfim e Euclides da Cunha: vozes dissonantes aos horizontes do progresso.” Revista
Manguinhos: História, Ciências e Saúde, Rio de Janeiro, Fiocruz, v.3, n.1, mar./jun. 1996, p. 80-98.
124
Cf. Marlos Bessa Mendes, Matrizes da modernidade republicana: cultura política e pensamento educacional no Brasil.
SP: Autores Associados; Brasília: Editora Plano, 2004, p. 44-50.
125
Lúcia Maria Lippi Oliveira, op. cit., p. 123.
126
Alberto Torres, A Organização Nacional. Brasília: UNB, 1982.
127
Alberto Torres, op. cit., p. 54.
128
Lúcia Maria Lippi Oliveira. op. cit., p. 123.
129
Nícia Vilela Luz, “A década de 1920 e suas crises”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São
Paulo, n. 6, 1969.
51

As concepções de Alberto Torres inspiraram o ideário nacionalista de diferentes


matizes, apropriadas, inclusive, por uma vertente católica cujo maior expoente foi Tristão de
Ataíde. Infundiram-se, ainda, entre os militares, servindo mais tarde como um dos elementos
de legitimação do autoritarismo do Estado Novo. Sem falar da influência que exerceram sobre
as noções de “raça e meio”, desenvolvidas por Oliveira Viana e o principal ideólogo do
regime inaugurado por Getúlio Vargas, em 1937. 130
Oliveira Vianna estreou no cenário político-cultural com a publicação do livro
Populações Meridionais do Brasil, em 1920.131 Adepto da teoria do branqueamento racial,
atribui ao elemento português o desenvolvimento do Brasil. Avesso às transformações
revolucionárias, propõe que as mudanças ocorressem dentro das leis, de forma pacífica e
conciliatória. A sua idéia de organização política e social se pautava na capacidade do Estado
de gerenciar os conflitos.132 Com o golpe de 1930, suas teses ganhariam importância,
utilizadas como inspiração e referencial teórico por Getúlio Vargas, em sua proposta
autoritária e ao mesmo tempo modernizadora da sociedade brasileira, através da atuação de
um Estado forte e centralizador133.
Por seu turno, o já mencionado movimento ufanista ganharia espaço no Brasil até o
final da Primeira Grande Guerra. Fator importante na consolidação de uma nova identidade
nacional e na criação de uma mentalidade cidadã, esse otimismo triunfante seria abraçado por
diversos intelectuais, que enalteciam o potencial brasileiro. As riquezas e capacidades naturais
do território tiveram no conde de Afonso Celso, em Olavo Bilac e mesmo em Manoel
Bomfim, alguns de seus expoentes. Em 1900, o conde de Afonso Celso lançou o livro Porque
me ufano do meu país, título deu origem à expressão ufanismo. 134 Escrito por ocasião do IV
centenário do descobrimento do Brasil e dedicado aos seus filhos, tratava-se de obra de
vulgarização e de incentivo ao patriotismo infantil, que obteve grande repercussão. 135 Afonso
Celso, membro do Instituto Histórico e da Sociedade de Geografia, enumerou o que

130
Maria Stella Martins Bresciani, “A geografia e o meio social modelam corpos e almas.” In: _____. O charme da ciência e
a sedução da objetividade: Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 256- 278.
131
Oliveira Vianna, Populações meridionais do Brasil: história, organização, psicologia. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, Rio de
Janeiro: EDUFF, 1987.
132
Fábio Tadeu V. Hanna, “Caio Prado Junior e Oliveira Vianna: interpretações do Brasil e projetos políticos para a
modernização brasileira”. Akrópolis, Paraná, Umuarama, v. 11, 2003, p. 27-34.
133
Oliveira Viana foi consultor da Justiça e do Trabalho em 1930 e, posteriormente, ocupou o cargo de Ministro de Tribunal
de Contas da União em 1940. Segundo José Murilo de Carvalho, a utopia de Oliveira Vianna residiu na herança colonial
brasileira em que o interesse particular se sobrepõe ao coletivo, assim como, o localismo ao centralismo. Não havia opinião
pública, nem organização social. O governo se manifestava na alternância de clãs que elegiam e controlavam os políticos
eleitos, enquanto que o povo era uma massa eleitoral manobrada. Cf. José Murilo de Carvalho, “A utopia em Oliveira
Vianna”. In: _____, Pontos e Bordados: escritos de história política. Belo Horizonte: UFMG, 1999, p. 214.
134
Afonso Celso, Por que me ufano do meu país. Rio de Janeiro: Laemmert & Cia Editores, 1908.
135
Sobre a trajetória de Conde de Afonso Celso, cf. Lúcia Maria Paschoal Guimarães, op. cit, p. 63.
52

considerava as principais características da superioridade brasileira em relação aos outros


povos: a ausência de calamidades, as potencialidades naturais, os elementos humanos da
formação étnica, a grandeza territorial e a variedade do clima. A riqueza nacional apoiava-se
no solo de dimensões continentais, bem como na miscigenação, vista como um aspecto
positivo para a constituição do caráter nacional. 136
Na mesma linha de abordagem, outro trabalho de vulgarização, também destinado a
crianças, apareceria em 1910, escrito por Olavo Bilac, desta feita em parceria com Manoel
Bomfim. O livro Através do Brasil narra de forma ficcional, as experiências de dois jovens
estudantes em viagem pelo solo pátrio, descortinando suas potencialidades físicas e
demográficas. 137 Conhecer o país tornava-se uma condição fundamental para se forjar os
cidadãos do futuro e estimular o amor pelo torrão natal. 138 Da geografia, portanto, ressaltava-
se a grandeza do seu território, a abundância de seus recursos naturais, na sua maior parte
inexplorados. Do campo histórico extraíam-se subsídios que fornecessem o sentimento de
solidariedade e de pertencimento entre indivíduos que habitavam regiões distantes e de
características físicas tão diversificadas.
De qualquer modo, o período entre 1910 e 1920 caracterizou-se pela reafirmação dos
sentimentos cívicos e o interesse pelas questões nacionais. Tal situação, porém, não se
restringia ao Brasil. Tratava-se de um fenômeno que o historiador francês Maurice Agulhon
classificou como patriotismo modelo 1914: (...) le traumatisme de la Première Guerre
Mondiale a rendu insoututenable le patriotisme modele 1914, et il a ouvert ainsi pour le
sentiment national lui-même une crise durable. 139
O conflito armado despertou o aparecimento de uma reflexão brasileira marcada pela
releitura da interpretação histórica dos problemas nacionais. 140 Eclodiram vários movimentos e
campanhas nacionalistas das mais diversas orientações, que defendiam o amor à pátria, a
coesão nacional, a valorização do trabalho, a erradicação do analfabetismo, o voto secreto e o

136
Lúcia Maria Lippi Oliveira, op. cit., p. 130.
137
Ver Olavo Bilac & Manoel Bomfim, Através do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
138
Ao que tudo indica essa obra foi inspirada em dois livros europeus, a obra francesa Le tour de France par deux enfants de
G. Bruno de 1877, sem tradução para o português, e o italiano Cuore de Edmondo de Amicis de 1886, traduzido em 1891.
Segundo Patrícia Hansen, essa literatura cívica contribuiu para a conscientização dos direitos e deveres, mas também para a
divulgação de valores éticos e sociais, de acordo com a idéia de nação que estes intelectuais vislumbravam. Entre 1889 e
1921, iniciou-se uma intensa produção literária voltada para o público infantil. Em 1921, Monteiro Lobado introduzia o
folclore e a introdução de personagens e lendas derivadas da tradição oral, o que de certo contribuiu para a construção de uma
identidade nacional. Cf. Patrícia Hansen, Brasil um país novo: literatura cívico-pedagógica e a construção de um ideal de
infância brasileira na Primeira República. São Paulo: Tese de Doutorado. Programa de Pós Graduação em História Social,
Universidade de São Paulo, 2007.
139
Cf. Maurice Agulhon, Histoire Vagabonde III. (La politique em France, d‟hier à aujourd‟hui). Paris: Gallimard, 1996, p.
12.
140
Lúcia Maria Lippi Oliveira, op. cit., p.126.
53

serviço militar obrigatório. Enfatizava-se, sobretudo, o valor da instrução e da educação


cívica como elemento fundamental para reforçar a defesa da nacionalidade, por meio da
criação de organismos como: a Liga de Defesa Nacional (1916) fundada por Olavo Bilac, a
Liga Nacionalista de São Paulo (1917) e a Liga Pró-Saneamento do Brasil (1918), idealizada
por Belisário Pena, funcionário da Diretoria Geral da Saúde Pública.
Por sinal, a questão da saúde passaria a ser considerada indispensável para a construção
da nacionalidade, tal qual a da educação. Se antes a culpa do atraso atávico do país era
atribuída à colonização e às questões raciais, doravante o analfabetismo e a saúde se
tornariam os mais graves dilemas nacionais. A idéia de que o interior do país era um vasto
hospital levaria os médicos sanitaristas a acreditarem que o sistema federativo constituía um
obstáculo para o desenvolvimento de uma ação organizada de controle das endemias, como a
malária e a doença de Chagas. Neste sentido, entendiam que a transformação da sociedade só
poderia acontecer por meio da centralização administrativa, com a intervenção efetiva do
Estado. 141
Seja como for, há vários estudiosos que consideram o ano de 1922 um marco
simbólico, pois reuniu uma série de eventos que afetaram de sobremodo o cenário político e
intelectual do país: a comemoração do centenário de Independência, a Semana de Arte
Moderna, a criação do Partido Comunista, a Revolta do Forte de Copacabana. Isto sem falar
da crise aberta pela sucessão presidencial, disputada entre o candidato oficial Artur Bernardes
e o dissidente Nilo Peçanha, rivalidade que denunciaria o esgotamento do sistema oligárquico
e os problemas do federalismo 142.
A par disso, a passagem do 35º. aniversário da proclamação da República, suscitou a
publicação de diversos diagnósticos e interpretações da realidade brasileira. Neste sentido, há
que se mencionar a coletânea À margem da história da República: Ideais, crenças e
143
afirmações (1924) , obra que se tornou clássica, considerada um exame de consciência do
144
regime , organizada e prefaciada por um operante sócio da SGRJ, o engenheiro Vicente
Licínio Cardoso, cujo forte envolvimento com a corporação será examinada mais à frente.

141
Helena Bomeny, “Novos talentos, vícios antigos: os renovadores a política educacional”. Rio de Janeiro: Estudos
Históricos, vol. 6, n. 11, 1993, p. 3.
142
Marieta Moraes de Ferreira & Surama Conde de Sá Pinto, “A crise dos anos 20 e a Revolução de 1930”. In: Jorge
Ferreira & Lucilia de Almeida Delgado (orgs.), O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003, p. 339.
143
Vicente Licínio Cardoso, À margem da história da República: Ideais, crenças e afirmações. Rio de Janeiro: Anuário do
Brasil, 1924.
144
Cf. Lucia Maria P. Guimarães, “Vicente Licínio Cardoso: o exame de consciência do regime republicano”. In: Hugo
Cancino (coord.), Los intelectuales latinoamericanos entre la modernidad y la tradición, siglos XIX y XX. Frankfurt:
Verveuert; Madrid: Iberoamericana, 2004, p. 77-88.
54

Inspirado nas idéias de Alberto Torres, o livro idealizado por Vicente reúne ensaios, assinados
pelos mais expressivos letrados da época, a exemplo de Oliveira Vianna, Gilberto Amado,
Ronald de Carvalho, Tristão de Ataíde e Antonio Carneiro Leão. Os textos alinham as
supostas causas do fracasso da experiência republicana, argumentando que (...) não havia
povo, não havia classes organizadas, não havia partidos, não havia governo representativo,
não havia democracia.145 A solução desses males demandava desfechar um processo de
formação de consciência crítica na sociedade, por meio da educação e da expansão dos direitos
civis146. José Murilo de Carvalho, ao sintetizar o pensamento desses intelectuais, conclui que:

(....) A Primeira República não conseguiu unir os três povos. Não pôde, ou não buscou,
transformar em cidadão o Jeca de Lobato, o sertanejo de Euclides, o beato do Contestado, o
bandido social do cangaço, o operário anarquista das grandes cidades. Liberal pela
Constituição, oligárquica pela prática, não foi fruto de opinião democrática nem dispôs de
instrumentos para promover essa opinião.147

2.2. O “patriotismo à moda 1914” e a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro

Em 1914, após a gestão de Francisco Marcondes Homem de Mello (1837-1918) 148, o

barão Homem de Mello, inaugurou-se uma nova fase na Sociedade de Geografia do Rio de

Janeiro. O período caracterizou-se pela sucessão de militares na presidência do grêmio 149, a

partir do Marechal Gregório Thaumaturgo de Azevedo (1914-1920).150 Aliás, desde a

145
José Murilo Carvalho, “Os três povos da República”. In: Maria Alice Resende Carvalho (org.), República no Catete. Rio
de Janeiro: Museu do Catete, 2002, p. 86.
146
Segundo Lucia Maria P. Guimarães, apesar do diagnóstico perspicaz dos problemas brasileiros, as soluções propostas
por Vicente Licínio retomam as velhas fórmulas conservadoras. Nas palavras de Vicente: (...) o caminho seguro para andar
ligeiro é aquele que evita os desatinos das correrias revolucionárias perigosas e intempestivas. Ver. Lucia Maria P.
Guimarães, “Vicente Licínio Cardoso: o exame de consciência do regime republicano”, op. cit., p. 88.
147
Ver, José Murilo de Carvalho, “Os três povos da República”. Op. cit. p. 87.
148
Sobre Francisco Inácio Homem de Mello, ver, IHGB. Dicionário biobibliográfico de historiadores, geógrafos e
antropólogos brasileiros; sócios falecidos entre 1881/1920; preparado por Vicente Tapajós com a colaboração de Pedro
Tórtima. Rio de Janeiro: o Instituto, 1993, p. 85. Bacharel em direito, político, historiador e cartógrafo consagrado, autor do
Atlas do Brasil, publicado 1909, com a colaboração de Beaurepaire Rohan. Deixou expressiva obra no campo da geografia,
e que influenciou diversos estudiosos, a exemplo de Carlos Delgado de Carvalho. Cf. Airton José Cavenaghi, “O território
paulista na iconografia oitocentista: mapas, desenhos, fotografias. Análise de uma herança cotidiana”, Anais do Museu
Paulista, São Paulo: Universidade de São Paulo, jun. 2006, v. 14, n. 1, p. 204.
149
Além do marechal Gregório Thaumaturgo de Azevedo, sucederam-se na presidência da Sociedade de Geografia do Rio de
Janeiro os militares: almirante Antônio Coutinho Gomes de Pereira (1920-1925), general José Maria Moreira Guimarães
(1925-1940) e almirante Raul Tavares (1940-1945).
150
Thaumaturgo de Azevedo, em 1880, participou da Comissão de Limites com a Venezuela. Com o advento do regime
republicano foi Governador do Piauí pelo Presidente Deodoro da Fonseca. Liderou a Comissão de Limites entre o Brasil e a
55

fundação, sempre foi notória a presença de representantes das Forças Armadas nos quadros da

Sociedade, o que não é de estranhar. Para esses militares, conforme assinala Nelson Werneck

Sodré, a geografia constituía um elemento fundamental na defesa da soberania nacional, a qual

se resumia na: (...) missão de manter a base física herdada da fase colonial e de assegurar o

exercício da autoridade central em toda a extensão daquela extensa base física.151

Mas a participação de oficiais do Exército e da Marinha nas sessões da Sociedade


ganharia novos contornos, devido ao contexto da Primeira Guerra Mundial. A proporção
tomada pelo conflito europeu suscitou interesse crescente pela confecção de mapas e de
outras formas de representação espacial, uma vez que a maioria das reivindicações políticas
sobre territórios nacionais assentava-se em argumentos históricos.152 Basta lembrar que, em
1916, o sueco Johan Rudolf Kjellén (1864-1922), no livro O Estado como forma política,
inspirado nas idéias de Friderich Ratzel, formulou as bases de uma nova disciplina,
denominada “geopolítica”, fundamentado em noções da história e da geografia, sob a
justificativa de que: (...) o anseio de conquistar o território era a dimensão crucial da busca
pela sobrevivência empreendida por uma nação ou por um estado 153. Para Kjellén, o Estado
deveria constituir um organismo sujeito às leis do crescimento, cujo território poderia ser
ampliado através da colonização ou da ocupação de áreas lindeiras. 154 Segundo historiador
Eric Hobsbawn, o período entre as duas guerras mundiais teve importância decisiva na
construção do pensamento geopolítico, não apenas na Alemanha, como igualmente na França,
Grã-Bretanha e Estados Unidos. Pois, até 1914, não conhecera guerras mundiais, nem jamais
presenciara tamanha mobilização de recursos, materiais ou não, para amparar os esforços de
guerra.155
No Brasil, desde o final do século XIX, as autoridades republicanas preocupavam-se
com a soberania e a preservação do espaço nacional. Se, por um lado, a vasta extensão

Bolívia em 1895. Em 1904, retornou ao Amazonas e fundou a cidade Cruzeiro do Sul. Cf. Agnello Bittencourt, Dicionário
amazonense de biografias: vultos do passado. Rio de Janeiro: Edições Fundação Cultural do Amazonas, 1973.
151
Nelson Werneck Sodré, História Militar no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, p. 229.
152
Jeremy Black, “Guerra, ambiente e ideologia, 1914-1945”. In: Jeremy Black, Mapas e história: construindo imagens do
passado. São Paulo: Edusc, 2005, p. 175-179.
153
Idem, p. 175.
154
Shiguenoli Myamoto, Geopolítica e poder no Brasil. São Paulo: Papirus, 1995, p. 27. Convém destacar uma distinção
entre a Geografia Política e a Geopolítica. Ambas se diferem quanto ao objeto de investigação e pertencem a áreas di stintas.
A primeira refere-se ao campo da geografia e a segunda relaciona-se a ciência política. Segundo William Vesentini, a
primeira seria estática como uma fotografia, apóia-se em observações dos fatores geográficos. A Geopolítica dinâmica como
um filme, é essencialmente diligente. Constituía uma teoria de poder apoiada no território, utilizando-se dos fatores
geográficos para formular sua política, submete-se a uma ideologia estratégica e militar de dominação.
155
Eric Hobsbawn, A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
56

territorial era motivo de ufanismo, por outro, o isolamento de algumas regiões, afastadas dos
grandes centros e situadas em faixas de fronteira, daria ensejo a diversos projetos de
integração do território, a exemplo do da Comissão de Construção das Linhas Telegráficas,
formada por militares, que interligou as comunicações entre Rio de Janeiro, São Paulo e
Triângulo Mineiro à Amazônia. 156 Paralelamente, o governo passou a conferir maior
importância à atuação de entidades como a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro,
reconhecida como órgão de utilidade pública, por decreto assinado pelo presidente Wenceslau
Braz Pereira Gomes.157 A importância estratégica do saber geográfico seria sublinhada na
associação, pelo engenheiro Francisco Bhering, na época diretor do Serviço da Carta Geral
do Brasil:

(...) Sem a topografia, sem a geografia, a Indústria como a Guerra nada poderiam conseguir.
Cabe ao Exército a defesa das terras, e a Marinha a dos mares: como resolver o problema
dos transportes rápidos da artilharia contra o inimigo visível, sem o conhecimento suficiente
do terreno? É pela multiplicação das vias de transporte que se torna ubíqua a força, quer
industrial, quer militar.158

A sombra da Primeira Guerra pairava nas sessões da Sociedade. Francisco Bhering


alertava os confrades para o “momento de convulsão” que “venceu o Atlântico” e alcançou o
país. Porém, discordava de vozes correntes, de que só havia documentos sobre a geografia e a
geologia brasileiras nos arquivos de Berlim. Após compulsar por dezoito meses diversos
acervos nacionais, constatou a existência de farto material a esse respeito, de qualidade
inquestionável, o que o levou a concluir que a falta de informação era fruto da desordem nas
instituições, desencadeada pelo imediatismo dos governantes, que se concentravam em “obras
de urgência”, deixando de lado a “organização sistemática dos serviços”.

156
Cf. Carlos Martins Junior, Apontamentos para uma leitura de Rondon e da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas
de Mato Grosso ao Amazonas. Tese de Doutorado. Programa de Pós Graduação em História, Universidade de São Paulo,
2001, p. 95.
157
“Decreto n, 3440, de 27 de dezembro de 1917. Reconhece a utilidade pública a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro,
o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil: Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sanciono a
resolução seguinte: Artigo único: Fica reconhecida de utilidade pública a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro,
revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 1917, 96o. da Independência e 29o. da República.
Wenceslau Braz P. Gomes, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 19-20-21, 1918, p.
5-11. Apesar de tal reconhecimento, em 1922, foi publicado um único volume da revista que corresponde ao período 1912-
1922. Entretanto, as atas e os relatórios não foram editados e nenhuma menção foi registrada sobre essa falta. Apesar do
Decreto de 1917 garantir a impressão gratuita dos boletins e das revistas, esse volume foi impresso pela Tipografia do
Instituto Muniz Barreto. A comissão da redação era presidida por Manoel Cícero Peregrino da Silva, como secretários
Lindolfo Xavier, Álvaro Bittencourt Berford e Francelino Wandeck
158
Francisco Bhering, “A geografia do Centenário de Independência. Resumo da conferência feita pelo professor Francisco
Bhering na Sociedade de Geografia em 07 de dezembro de 1917”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922,
1922, p.31.
57

A reforçar seus argumentos, Bhering assinalou que as principais cartas geográficas


datavam do Império, preparadas por Conrado Jacob Niemeyer, Pedro de Alcântara Bellegarde
e Beaurepaire Rohan. Com o advento da República, a incumbência fora confiada ao Exército,
porém, pouco se avançou devido a “recursos insignificantes que quase anulam os
esforços”.159 O engenheiro postulava a confecção urgente de um mapa do Brasil atualizado,
que atendesse tanto aos aspectos políticos e econômicos, quanto às questões estratégicas, de
natureza militar, fazendo ainda um apelo à Sociedade de Geografia, no sentido de promover a
revisão da nomenclatura dos acidentes naturais. 160
Outro sócio que trouxe a problemática da Grande Guerra para as reuniões da Sociedade
foi o escritor e jornalista Lindolfo Octávio Xavier. Ele ofereceu uma síntese do cenário
político internacional e advertiu que a guerra refletia a busca alemã pelo predomínio
geopolítico mundial. Lindolfo se deteve na participação brasileira no conflito, e exaltou as
potencialidades geográficas do país, procurando estabelecer identidades locais, idéia que mais
tarde haveria de ser apropriada pelo governo de Getúlio Vargas e consolidada nos livros
didáticos, por meio das ilustrações de tipos regionais desenhados por Renato Sêneca Fleury:

(...) a floresta secular e majestosa, os rios encachoeirados e rugidores, as aves canoras e


multicores, as montanhas abruptas, os chapadões descampados, a costa majestosa onde o
oceano ruge a vontade noite e dia; o gaúcho galopando nas coxilhas do sul, o vaqueiro do
norte trotando nos cerrados ensolarados; o vaqueiro de Minas, o seringueiro da Amazônia, o
canoeiro dos rios, o pescador das praias, o lavrador do campo, o operário das fábricas, o
homem da cidade – tudo vibra e palpita de liberdade.161

Na opinião de Lindolfo Xavier, embora o Brasil não dispusesse de tecnologia bélica


expressiva, em contrapartida, possuía fartura de matérias-primas, como o manganês, o ouro, a
borracha e o ferro, além de gêneros (açúcar, café, cacau, algodão, carne bovina),
indispensáveis ao abastecimento dos países aliados. Afora esses produtos, o governo do
presidente Wenceslau Braz enviou ao teatro de operações grupamentos de pilotos e de
médicos militares, navios de guerra, e cedeu algumas bases navais. A participação brasileira
significava o “triunfo da latinidade”, prenunciando o “destino largo e complexo” que estaria
reservado à Terra de Santa Cruz no rol das nações civilizadas. 162

159
Idem, p. 35.
160
Idem, p. 39.
161
Lindolfo Xavier, “O Brasil e sua contribuição para a guerra, conferência realizada pelo sr. Lindopho Xavier na Sociedade
de Geografia em 18 de dezembro de 1917”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922, 1922, p.53.
162
Idem, p.55.
58

O deslumbramento e a exaltação, ao lado da ênfase na preservação do espaço físico,


resenhavam o papel da geografia, cabendo-lhe promover a reconciliação entre a nação e a sua
história. Se antes o saber geográfico era tomado como uma ciência auxiliar da história,
doravante o discurso sobre o espaço torna-se o centro do debate intelectual, fornecendo-lhe a
moldura capaz de re-enquadrar o passado.163 A visão imponente de um território de dimensão
continental assentado em referências geográficas substantivas insuflava, portanto, o
sentimento nacionalista nas reuniões da Sociedade, ao mesmo tempo estimulava a proposição
de atividades que buscavam descortinar o país aos brasileiros. Não se tratava de uma ação
sistemática, mas sim de iniciativas esporádicas, que se aproximavam ao que o historiador Eric
Hobsbawn, na divisão da história dos movimentos nacionais, identifica como um momento em
que uma minorité agissante representada por um conjunto de pioneiros militantes da idéia
nacional atua por meio de campanhas e de movimentos em prol dessa idéia. 164

2.3. Um herói para a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro

No mesmo ano em que Candido Mariano da Silva Rondon recebeu a patente de


General, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro realizou uma sessão magna em sua
homenagem no Teatro Municipal, no dia 12 de outubro de 1919. Figura emblemática da
integração nacional, as missões do general privilegiaram áreas insondadas do território mato-
grossense. 165 Entre 1907 e 1915, foi incumbido de implantar linhas telegráficas no noroeste
do Brasil, projeto que se estendeu até o estado do Amazonas. No período de 1915-1919,
permaneceu naquela região completando explorações de rios, a fim de reunir dados para a
“Carta geográfica do Estado de Mato Grosso”. A atuação de Rondon permitira integrar o
sertão ao restante da nação brasileira. Sua concepção de nação baseava-se na doutrina
positivista, de que o progresso tecnológico – neste caso o telégrafo - levaria a civilização
àquelas comunidades longínquas. 166

163
Tânia Regina de Luca, “História e geografia: revalorização da nação”. In: __________. A Revista do Brasil: um
diagnóstico para a nação. São Paulo: Unesp, 1999, p. 97.
164
Eric Hobsbawn, Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 21.
165
Para se ter uma idéia da dimensão dos seus trabalhos, no período de 1890 a 1898, Rondon chefiou a comissão da
construção da linha telegráfica entre Goiás e Cuiabá, em seguida as cidades de Cuiabá e Corumbá (1900-1904) e o extremo
sudoeste do Brasil chegando as fronteiras do Paraguai e da Bolívia (1905-1906).
166
Todd A. Diacon, Rondon: o marechal da floresta. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 12-13.
59

Com efeito. O evento promovido pela Sociedade em torno de Rondon recebeu a


adesão de inúmeros vultos do cenário intelectual, cultural e político brasileiro. A cerimônia no
Teatro Municipal foi aberta por Edgard Roquette Pinto.167 Aliás, cabe mencionar que a
amizade entre ambos iniciou-se em 1911. Logo após assumir a cátedra de etnografia e
antropologia no Museu Nacional, Roquette Pinto conheceu o ainda tenente-coronel Cândido
Rondon. No ano seguinte, o acompanhou na missão ao Mato Grosso. De suas observações
sobre os indígenas nhambiquaras resultou a obra Rondônia: antropologia etnográfica, editada
pela primeira vez em 1916, considerada um clássico dos estudos antropológicos. 168
O professor Lafayette Cortes conferiu a medalha de mérito científico da Sociedade de
Geografia ao general Rondon, assinalando os vinte e nove anos que passara embrenhado (...)
nas selvas, trocando espontaneamente todas as vantagens da civilização, todo o conforto da
vida urbana, todos os encantos do seu lar, pela rusticidade, pela aspereza, pelos sobressaltos
de uma vida arriscadíssima (...).169
Lafayette comparou a saga de Rondon com a dos mamelucos paulistas, porém,
acentuou-lhe o caráter humanitário, em virtude da atuação junto às populações indígenas, uma
170
das raças formadoras da nacionalidade brasileira. Sua missão constituiu uma verdadeira
cruzada em prol do progresso social e do patriotismo. Tratava-se de uma “obra geográfica”,
que compreendia três estágios: o primeiro relativo à exploração do território entre o sul de
Mato-Grosso e o estado do Amazonas, quando se efetuaram inúmeras correções da
nomenclatura de serras, da posição geográfica de cidades e de povoados, da direção de
estradas, da natureza do solo, da vegetação e outras contribuições que não constavam nos
mapas cartográficos. O segundo correspondia a identificação de uma “área semi-civilizada”,
da região amazônica, abrangendo terras de população escassa, o que do ponto de vista
cartográfico significava uma descoberta, pois a partir daí foram incorporadas aos novos
mapas. Finalmente, Lafayette reportou-se às atividades realizadas nas zonas virgens ou
desconhecidas, em particular, os resultados da “Expedição Científica Roosevelt-Rondon”, de

167
SGRJ, “Discurso do Professor Roquette Pinto, no Teatro Municipal, a 12 de outubro de 1919, na sessão realizada em
homenagem ao General Rondon.” Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922, 1922, p. 11.
168
Ver: Edgard Roquette-Pinto. Rondônia. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1975.
169
SGRJ, “Discurso do Professor Lafayette Cortes, na entrega da medalha de mérito cientifico ao General Rondon,” Revista
da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27,1912-1922, 1922, p. 15.
170
Idem.
60

1913-1914, da qual fez parte o coronel Theodoro Roosevelt, ex-presidente dos Estados
Unidos171.
Agradecendo à homenagem, Rondon reportou-se a obra de seus antecessores, no
desbravamento de terras tão distantes e rememorou antigos companheiros de aventuras pelo
sertão, a exemplo de João Salustiano Lyra, Eduardo Botelho, Francisco Marques de Souza,
desaparecidos no curso daquelas missões. Qualificou de audacioso o projeto do presidente
Afonso Pena, datado de 1907, de instalar linhas telegráficas “através da região selvática” e
destacou os numerosos grupos indígenas que encontrou no correr das suas jornadas,
salientando o contato com a nação dos nhambiquaras, cuja existência era ignorada.
Mencionou o trabalho de pacificação de uma tribo, que deixara sob a guarda dos padres
salesianos liderados pelo Bispo Dom Antonio Malan. Desse contato inicial, formalizou-se a
criação da colônia indígena de Salto Aracy. O militar defendeu, mais uma vez, a proteção
daquelas populações desprovidas de apoio e carente de cuidados por parte do aparato
governamental. 172 Por sinal, não é demais mencionar a conhecida relação do general com os
autóctones, ele próprio descendente de índios terena e bororo 173.
Ao concluir o seu discurso, Rondon destacou o seu companheiro mais ilustre nas
incursões pelo sertão, o coronel Theodore Roosevelt 174, cujas narrativas de viagem ao Mato
Grosso atingiram repercussão internacional, depois do lançamento do livro Através do Brasil
Central, em 1914. Tratava-se do “grande continuador das glórias de Washington e Lincoln”,
porquanto (...), proclamou que no mundo, só o que estavam realizando os brasileiros no
sertão do noroeste de Mato-Grosso, era comparável, em esforço da vontade e em dispêndio de
energia, com o feito dos americanos do norte para ligar os dois oceanos através do istmo do
Panamá.175

171
Vele lembrar que a comitiva norte-americana reuniu-se na fronteira entre o Paraguai e o Brasil com a brasileira, liderada
por Rondon e composta pelos militares Amílcar de Magalhães, Joaquim de Mello Filho, João Lira e do geólogo Euzébio
Paulo de Oliveira, todos os membros efetivos da Sociedade de Geografia. Da sua atuação resultou a identificação de vários
acidentes, como o rio da Dúvida, conhecido pelos seringueiros, mas ignorado pelos cartógrafos. Verificou-se que se tratava
do principal afluente do rio Madeira, o qual por sua vez, é o maior tributário do Amazonas. Para o espanto dos estudiosos, a
descoberta correspondia a um caudal de mais de mil quilômetros de extensão, formando extensa bacia hidrográfica. Os norte-
americanos coletaram, ainda, cerca de duas mil e quinhentas espécies de animais, enviados ao Museu História Natural de
Nova York. Idem , p. 17 e 18. Ver, também, Theodore Roosevelt, Através do sertão do Brasil. Rio de Janeiro: Cia. Ed.
Nacional, 1944, p.16.
172
Idem, p. 23.
173
Pelo seu trabalho de desbravador em terras tropicais, Rondon recebeu o Prêmio Livingstone da Sociedade de Geografia
de Nova York em 1915.
174
Segundo Carlos Martins Junior, a expedição Rondon-Roosevelt constituiu uma página para a história do pan-
americanismo. Cf. Carlos Martins Junior, op. cit., p. 224. Ver, também, Clodoaldo Bueno, “Do apogeu ao declínio da
Primeira Guerra: a ilusão do poder (1912-1930)”. In: Amado Luiz Cervo & Clodoaldo Bueno (orgs.), História da Política
Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 204.
175
SGRJ, “Discurso do General Candido Rondon”, Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922, 1922, p. 28.
61

Os trabalhos da Comissão Rondon e as atividades do Serviço Nacional de Proteção aos


Índios influenciaram a formação de vários antropólogos, a exemplo de Edgard Roquette Pinto.
Entretanto, no entender de Nísia Trindade Lima, um dos aspectos menos lembrados de
Rondon é a sua concepção sobre o sertão como um espaço de miscigenação entre o elemento
branco e o indígena. No imaginário nacional, segundo Nísia, prevaleceria a figura do
sertanista e do bandeirante moderno. 176 Donde se conclui que a homenagem prestada pela
Sociedade de Geografia colaborou, portanto, para o fortalecimento dessa representação 177.
Para a Sociedade, a epopéia de Rondon fechava o ciclo da “geografia heróica” no
Brasil: permitiu a incorporação de várias áreas inóspitas e incógnitas, recortados por rios que
escoariam as mercadorias até o Oceano Atlântico, lançando (...) bases seguras para o
viajante, para o explorador e para o cientista que quiser visitar, trabalhar, estudar naquelas
paragens ermas, não sentindo mais em torno de si o vazio que entibia e aniquila.178

2.4. Os novos “bandeirantes” da Sociedade de Geografia

Coerente com o “patriotismo à moda 1914”, a Sociedade de Geografia do Rio de


Janeiro empenhou-se na realização de atividades acadêmicas, na divulgação de trabalhos e na
publicação de textos inéditos, que lançavam luz sobre aspectos ainda não revelados do
território e da população brasileira. No primeiro caso, entre convidados, há que se notar a
conferência pronunciada pelo já mencionado bispo Antônio Maria Malan, a respeito dos
índios bororós. O religioso, desde o final do século XIX, ganhara notabilidade por sua ação
missionária na região mato-grossense. Aliás, certos estudiosos, compararam a obra do
salesiano a dos jesuítas José de Anchieta, Antônio Vieira e Manuel da Nóbrega.
Malan ofereceu à Sociedade de Geografia, uma “Gramática e Dicionário Bororó”.
Descreveu as características físicas, costumes e hábitos religiosos desses indígenas, fixando-se
na figura do “bari”, um misto de sacerdote e médico e na crença dos índios no mistério da
reencarnação. Tal como Rondon, defendeu o valor da catequese e a importância do cultivo de
sentimentos cívicos entre os nativos: (...) supersticiosos ao extremo, crianças eternas na

176
Nísia Trindade Lima, Um sertão chamado Brasil: intelectuais e representação geográfica da identidade nacional. Rio de
Janeiro: Revan, IUPERJ, UCAM, 1999, p. 75.
177
SGRJ, “Parecer da comissão sobre os trabalhos da comissão”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922,
1922, p. 19.
178
Idem, p. 09.
62

maioria dos costumes, seriam felizes se lhes bafejasse a existência da idéia de Deus
verdadeiro e soubessem amar a pátria, cujos destinos, limites e encantos desconhecem. 179
Já o professor da Escola de Minas de Ouro Preto, Antonio Olyntho dos Santos Pires,
trouxe para as sessões da Sociedade informações sobre o sertão noroeste de Minas Gerais,
coletadas durante uma viagem de pesquisa. Descreveu as jazidas diamantinas, os recursos
naturais e o contato que estabeleceu com um dos últimos remanescentes do período áureo da
mineração, um certo Domiciano, “verdadeiro patriarca local”, que lhe narrou formidáveis
histórias. Confessou, ainda, que por desconhecimento, confundiu os habitantes locais com os
índios: (...) o aspecto, a posição e o exercício a que esses homens se entregavam fizeram-me
supor que eram filhos das selvas, e deles me desviei e ocultei 180. Sintomaticamente, o
professor aproveitou a patética experiência para refletir sobre a importância das atividades da
Sociedade de Geografia:

(...) Ora, todos nós, membros da Sociedade de Geografia temos, mais ou menos, viajado
pelo interior do Brasil; e como são ainda pouco conhecidos os acidentes territoriais e a vida
de que passam os habitantes das diferentes zonas de nossa terra, não é demais que retiramos
uns aos outros, o que cada um de nós observou e viu, porque, por mais banal que pareça a
nossa narração, talvez se encontre nela alguma coisa de útil para o completo conhecimento
do Brasil, que é o principal escopo da nossa Sociedade.181

No âmbito dos relatos de viagens exploratórias, foram expostas diversas experiências


interessantes na Sociedade. O engenheiro Eugenio Augusto Wandeck exibiu um resumo dos
levantamentos realizados durante uma excursão pelas cidades de Rio Grande, de Pelotas, de
Bagé e de Cacequi no estado do Rio Grande do Sul.182 O major Henrique Silva, por sua vez,
apresentou os resultados da investigação que empreendeu sobre as nascentes do rio Paraná.
De suas observações de campo, cotejadas com os estudos de Orville Derby e de Élisée Réclus,
o major concluiu que o (...) Paranahyba, até a confluência do Corumbá, este até a do São
Bartolomeu e, finalmente, este último em toda a sua extensão formam o eixo do rio Paraná,
constituindo de sua bacia a principal corrente ou cabeceira. Por conseguinte, até então, o rio

179
Antonio Maria Malan, “Os bororós”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922, 1922, p. 114.
180
Idem, p. 102.
181
Antonio Olyntho dos Santos Pires, “Uma excursão ao noroeste de Minas Gerais”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-
26-27, 1912-1922, p. 80.
182
Eugenio Augusto Wandeck, “As fronteiras do sul”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922, p.133-148.
63

Paranaíba, na parte entre Goiás e Minas Gerais, havia permanecido desconhecido dos
geógrafos e cartógrafos183.
Outra contribuição a ser assinalada veio do mato-grossense Estevão de Mendonça,
estudioso de potamografia. Estevão expôs suas observações sobre o volume das águas dos rios
São Lourenço e Cuiabá, e concluiu que o primeiro era apenas um “modesto contribuinte” do
rio Cuiabá, este sim o verdadeiro e direto afluente do rio Paraguai 184, descoberta que alterava
os mapas existentes. Aliás, a potamografia parecia estar na ordem do dia na Sociedade,
porquanto, por aquela mesma época, um trabalho de abordagem semelhante ao de Estevão de
Mendonça foi apresentado por Candido José de Godoy, autor de uma alentada análise das
bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul. 185
Talvez, o “bandeirante” mais notável da Sociedade tenha sido Vicente Licínio Cardoso
(1889-1931). Membro das Comissões de Geografia Histórica e de Redação da Revista, sua
atuação na SGRJ pautava-se no lema que ele mesmo cunhara: “descobrir o Brasil, é conhecer-
mo-nos”.186 Engenheiro civil pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Vicente exerceu forte
influência nos movimentos nacionalistas da década de 1920. Colaborou em diversos órgãos
da imprensa e publicou diversos trabalhos, a exemplo, do já mencionado À margem da
história da República; idéias, crenças e afirmações (1924)187. Na sessão de 27 de junho de
1925, Vicente apresentou uma síntese das suas investigações sobre o rio São Francisco,
assunto que há muito o instigava, apesar de pouco privilegiado pelos estudiosos de então. A
conferência “O Rio São Francisco: base física da unidade do Império” foi acompanhada de
uma projeção de imagens, em que o autor procurava devassar alguns dos segredos daquele rio,
cuja função histórico-geográfica permanecia ignorada. Para o engenheiro, o “Velho Chico”
permitira a dilatação do espaço físico brasileiro, seja através do intercâmbio entre “os
bandeirantes do sul e os do nordeste”, seja pelas conquistas diplomáticas, constituindo a (...)
coluna magna de nossa unidade política, o fundamento basilar que reagiu e venceu todos os

183
O major Henrique Silva participara da comissão exploradora do planalto central, chefiada por Luiz Cruls e havia
publicado diversas obras sobre o assunto. Ver, Henrique Silva, “As cabeceiras do rio Paraná”. Revista da SGRJ, Rio de
Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922, p. 49
184
Estevão Mendonça, “O rio São Lourenço”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922, p. 106.
185
Candido José de Godoy, “Bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27,
1912-1922.
186
Idem, p. 37.
187
Também são de sua autoria os seguintes títulos: À margem da história do Brasil (1923), Pensamentos Brasileiros (1924),
Vultos e idéias (1924), Afirmações e comentários (1925), além das obras póstumas Maracãs (1934) e Pensamentos
americanos (1937). Sobre uma análise da trajetória intelectual de Vicente Licínio Cardoso, cf. Lúcia Maria Paschoal
Guimarães, “Vicente Licínio Cardoso: o exame da consciência do regime republicano”, op. cit., p. 77-88.
64

imperativos caracterizadamente centrífugos oferecidos pelo litoral. 188 Porém, acentua


Vicente, apesar da sua comprovada importância, a região atravessada pelo São Francisco
permanecia obscura para a maioria dos brasileiros: (...) A ignorância do presente daquele vale
exprime e exemplifica, ao mesmo tempo, esse perigo largo em que temos incorrido tantas
vezes, vivendo no litoral, mas pensando, de contínuo, como se a nossa cabeça estivesse...na
própria Europa189.
Meses depois, Vicente publicaria na Revista um outro ensaio, intitulado “O rio São
Francisco: rio sem história”, um inventário crítico dos autores nacionais e de estrangeiros que
se ocuparam da descrição do território brasileiro, desde os tempos coloniais. Considerou esses
trabalhos “depoimentos isolados, dados escassos ou detalhes insignificantes”, que ignoravam
o papel histórico e geográfico desempenhado pelo “Velho Chico” na preservação da soberania
territorial190 À guisa de curiosidade, cabe lembrar que o envolvimento de Vicente Licínio
Cardoso com o seu objeto de pesquisa era tal ordem que acabaria abreviando sua vida. Em
1931, durante uma viagem de estudos ao vale do São Francisco contraiu a mesma doença que
dizimava as populações daquela região, o mal de Chagas, suicidando-se pouco tempo depois.
A Sociedade do Rio de Janeiro também voltou sua atenção para as questões
demográficas e para a problemática do desequilíbrio da divisão territorial brasileira. No
primeiro caso, deu publicidade aos resultados do recenseamento de 1920191. No segundo,
promoveu a discussão de um projeto de re-divisão política do espaço nacional, elaborado
pelo advogado Ezequiel Augusto Ubatuba, 192 (...) observando todas as condições que possam
concorrer para a felicidade nacional, sobretudo criando, mais impossível divisas naturais
para os estados e dando ampla saída as suas produções. 193
O estudo de Ezequiel concluía que as desproporções entre as áreas das unidades da
Federação - herança das capitanias do período colonial - constituíam um entrave para o
desenvolvimento econômico do país. Para equacionar o problema, idealizou uma reforma
político-administrativa que, entre outros pontos, dividia o território brasileiro de maneira mais
equânime, no seu ponto de vista, compreendendo trinta e cinco estados, além do Distrito

188
Vicente Licínio Cardoso, “O rio São Francisco: base física da unidade do império”, Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t.
30, 1925, p. 37.
189
Idem, p. 38.
190
Vicente Licínio Cardoso, “O São Francisco: rio sem história”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 30, 1925, p. 47.
191
SGRJ, “Recenseamento realizado em 01 de setembro de 1920”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922,
p. 173.
192
Ezequiel Ubatuba, Na Zona da Matta das margens do Pomba às do Parahyba, Estado de Minas Geraes. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial do estado de Minas Gerais, 1918.
193
Ezequiel Ubatuba, “O Brasil futuro”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922, 1922, p. 121.
65

Federal, a saber: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Andradas, Araguaia, Bahia, Ceará,
Espírito Santo, Goiás, Javari, Madeira, Maranhão, Mato-Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba
do Norte, Paraíba do Sul, Paraná, Parmahy, Pernambuco, Piauí, Rio Branco, Rio de Janeiro,
Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Santa Cruz, São Francisco, São
Paulo, Sergipe, Tapajós, Tocantins e Xingu. 194

Mapa 1

Divisão Territorial proposta por Ezequiel Ubatuba em 1919

Fonte: Thiers Fleming. Pelo Brasil unido e forte. Nova Divisão Territorial do Brasil.
Rio de Janeiro, 1939, p.153.

Complementando essa nova divisão territorial, Ubatuba cogitava ampliar o número de


representantes por estado na Câmara dos Deputados. Sugeriu também a obrigatoriedade do

194
Idem.
66

imposto federal sobre a terra, e a proibição da tributação estadual sobre a exportação de


gêneros agrícolas e de transmissão de propriedade.
Mas, para além dos estudos que buscavam decifrar os enigmas do território brasileiro
e da sua população, houve quem se preocupasse em re-definir o papel da Sociedade de
Geografia enquanto núcleo científico, consoante o contexto de fortalecimento da
nacionalidade, a exemplo de Fernando Antonio Raja Gabaglia.

Bacharel em direito, Fernando Antônio Raja Gabaglia (1895-1954), exerceu o


magistério e ocupou a função de diretor do Colégio Pedro II. Em 1918, aos 23 anos de idade,
publicou As fronteiras do Brasil, tese apresentada para o concurso para a cátedra de geografia
do Colégio Pedro II. Autor de diversos compêndios didáticos, na década de 1930, envolveu-se
na criação do curso de geografia da Universidade do Distrito Federal e no estabelecimento do
Conselho Nacional de Geografia e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Possuía
uma visão pragmática do conhecimento geográfico, percebendo-o como um instrumento a
serviço do Estado no aprimoramento da sociedade, tal como Everardo Backheuser e Delgado
de Carvalho, conforme veremos mais adiante. 195
Raja Gabaglia ingressou na Sociedade do Rio de Janeiro em 1918. No seu discurso de
posse, advertiu que as atividades científicas ultrapassavam o espaço universitário, se
estendendo aos laboratórios, às “propriedades ricas” e até mesmo às “cabanas dos pobres”.
Argumentava que a “geografia pátria” não era um mero exercício de memória ou de
nomenclatura, nem tampouco uma ciência universal. Mas, sim, uma encruzilhada de saberes.
Inspirado nesses pressupostos, propôs uma linha de atuação para a Sociedade, consoante os
novos campos da geografia, em particular, a antropogeografia. Aliás, ele estabelece uma
distinção entre as associações que cultivavam uma ciência especulativa e as que se dedicavam
a ciência e as suas aplicações. Neste último modelo, enquadrou o grêmio do Rio de Janeiro:
(...) no momento atual, (...) dever ser, e o é, um corpo de trabalhadores formadores de alta
cultura científica, mas que alvejam um fim prático qual seja o de tornar cada vez mais
conhecida a nossa pátria, sob todos os aspectos, isto é, fazer a sua corografia.196
Assim, caberia também à entidade (...) tomar as iniciativas reclamadas pela diária aquisição
de fatos científicos, suscitar os empreendimentos de interesse geral e esclarecer a opinião
nacional em todos os assuntos que lhe afetam particularmente.

195
Mônica Sampaio Machado, op. cit., p. 53.
196
Fernando Raja Gabaglia, “Problemas capitais da corografia do Brasil. Conferência do professor Dr. Fernando Raja
Gabaglia na Sociedade de Geografia”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922, 1922, p. 65.
67

Se por um lado, Raja Gabaglia se mostrava familiarizado com as concepções mais


modernas da disciplina 197, por outro, revelava a permanência de uma visão utilitária do
conhecimento geográfico. Compreende-o como uma ferramenta a serviço do Estado, no
aprimoramento da sociedade, do mesmo modo que as instituições voltadas para o seu estudo.

2.5. A Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro nas Comemorações do Centenário

Na esteira dos movimentos de cariz nacionalista, a passagem do Centenário da


Independência provocaria grande mobilização nas esferas letradas do Rio de Janeiro.
Examinar os cem anos do Estado brasileiro, em primeiro lugar, implicava em romper com
padrões estrangeiros e privilegiar idéias essencialmente nacionais. Acrescente-se a isso, a
turbulência política que o país atravessava, fruto dos problemas gerados pela crise do pacto
político das oligarquias e da descrença dos valores da Belle Époque. Esses elementos
impulsionaram o surgimento de uma análise crítica que sublinhava a afinidade entre território
e Nação, na qual a geografia passou a desempenhar uma das principais ferramentas de
reflexão sobre a nacionalidade. 198 As celebrações de 1922, segundo Marly Motta, seriam
marcadas pelo combate ao atraso que caracterizou a trajetória do Brasil independente e a
configuração de um imaginário nacional baseado na invenção de tradições e na criação de
marcos simbólicos. 199
No âmbito da Sociedade de Geografia, de acordo com as palavras do engenheiro
Francisco Bhering, o Centenário constituía o momento oportuno não apenas para fazer um
grande balanço da evolução do país independente, mas também para promover a
sistematização das informações geográficas disponíveis. A tarefa envolveria redutos
intelectuais da envergadura da Sociedade, do Instituto Histórico e Geográfico, do Clube de
Engenharia, da Escola Politécnica, e instituições como o Exército e a Marinha. 200
Vale lembrar que o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro tomou duas grandes
iniciativas para solenizar a efeméride. Inicialmente, convocou o Primeiro Congresso de
História da América, a realizar-se entre os dias 7 e 15 de setembro de 1922, sob a chancela do
197
Idem.
198
Marly da Silva Motta, “1922: em busca do Brasil moderno”. Rio de Janeiro: CPDOC, 1994, p. 06.
199
Marly da Silva Motta, A nação faz cem anos: a questão nacional no centenário da independência. Rio de Janeiro: Editora
da Fundação Getúlio Vargas: CPDOC, 1992, p. 116.
200
Francisco Bhering, “A geografia do centenário da Independência. Resumo da conferência feita pelo professor Francisco
Bhering na Sociedade de Geografia”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922.
68

Ministério das Relações Exteriores. A jornada acadêmica objetivava aproximar o Brasil das
repúblicas vizinhas e dos demais países do continente. Programou-se, inclusive, a elaboração
de uma História Geral da América, obra que não chegou a ser concluída, a propósito de dotar
os povos do Novo Mundo de: (...) um passado comum.201 Ainda com o apoio do governo
federal, o Instituto decidiu organizar uma publicação de natureza enciclopédica, inspirada no
Grand Dictionnaire Universel du Síécle XIX e voltada para a vulgarização do conhecimento:
o Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil. Pretendia-se, deste modo, reunir
as informações necessárias para a formação de bons cidadãos, tomando como ponto de
partida o reconhecimento do território brasileiro: (...) do meio físico passava-se para a
formação étnica e cultural, chegando-se até os principais fastos da história nacional e seu
vultos ilustres. 202
Tal como o IHGB, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro se aplicou em
colaborar com o governo. A princípio, apresentou a demanda de alguns problemas que
afetavam o seu campo de atuação: (...), abandonando a crítica, a censura, a lamentação,
deve-se procurar com empenho, por um lado, completar a Carta Topográfica ao Centésimo
Milionésimo, a cargo do Exército, melhorar o serviço hidrográfico a cargo da Marinha, e,
por outro lado, organizar a Carta ao Milionésimo, a cargo de engenheiros civis mediante os
precisos, simples e eficazes processos e instrumentos modernos. 203
Mas a associação científica preocupou-se, também, em oferecer uma contribuição
substantiva, de caráter didático, e destinada ao grande público, (...) servindo tanto para a
instrução dos estudiosos da geografia superior, como de repositório de informações de ordem
técnica e especializa sobre os diversos ramos em que se subdividem os conhecimentos
geográficos. O compêndio receberia o título de Geografia do Brasil, comemorativa do
Centenário da Independência. A proposta partira de Lindolfo Xavier, apresentada em 17 de
maio de 1918, com a justificativa de que não existia no país um empreendimento de tal
porte, concebido por “brasileiros natos”. Xavier argumentava que publicações dessa natureza
já haviam sido realizadas em outros países com sucesso. Para a consecução do projeto,
formou-se uma comissão, integrada pelos sócios Thaumaturgo de Azevedo, Francisco
Jaguaribe Mattos, Antônio dos Santos Pires, Everardo Backheuser e Francisco Bhering.
Estimava-se, ainda, contar com a colaboração de estudiosos que não fossem vinculados aos

201
Cf. Lúcia Maria Paschoal Guimarães, Da escola palatina ao silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-
1938), op. cit., p.212.
202
Francisco Bhering, op. cit., p. 96.
203
Idem, p. 39.
69

quadros da SGRJ, um conjunto de personalidades representativas do cenário da época.


O plano da publicação estruturava-se em duas partes, precedidas por uma espécie de
introdução, cujo conteúdo privilegiava noções básicas “da cosmografia física do globo
terrestre e da geografia humana”. A primeira parte, intitulada O solo e o homem, abordaria as
características físicas do território enquanto a segunda, denominada de A nação, ficaria
dedicada ao estudo do seu povoamento e da sua história. O livro monumental deveria ser
fartamente ilustrado e acrescido de um mapa atualizado do Brasil, especialmente
encomendado à Comissão da Carta Geográfica Comemorativa do Centenário. Como se
tratava de trabalho de divulgação, recomendava-se aos autores se absterem de divagações
literárias, sem contudo abrir mão da erudição.204 Face à sua magnitude, o projeto da SGRJ foi
encampado pelo programa oficial dos festejos do Centenário da Independência, fazendo jus
aos subsídios do governo para garantir a sua edição.
A abordagem idealizada pela Comissão partia do exame da paisagem natural, de
maneira a construir um amplo cenário em que se inseria o elemento humano. Da interação
entre o meio e o homem brotava, finalmente, a nação brasileira, suas dimensões, população,
organização social, política, cultural e econômica. No Anexo 1 encontra-se o plano geral da
obra. O livro deveria receber a colaboração personalidades da envergadura dos juristas
Bulhões de Carvalho, Pontes de Miranda e Felix Pacheco, do escritor Ronald de Carvalho,
além da prata da casa, representada por Lindolfo Xavier, Francisco Bhering, Lafayette Cortes,
Gustavo Barroso, Basílio de Magalhães, Vitor Vianna, Antonio Coutinho Gomes Guimarães e
José Maria Moreira Guimarães, entre outros. A Sociedade, portanto, continuava a atuar não
apenas como um reduto científico, mas também com um espaço de sociabilidade que
procurava congregar a nata da intelectualidade brasileira.

A Geografia do Centenário havia sido planejada para alcançar dez volumes. Entretanto,
tal como ocorreu com o Dicionário do Instituto Histórico, o empreendimento de natureza
enciclopédica não obteve o sucesso esperado 205. Há registro de que foram publicados os
volumes de números 1, 2, 9 (1a. parte) e 10, porém, só este último é encontrado hoje em dia
para consulta206. Lançado em 1923, com o título Corografia de Minas Gerais, o volume X
da Geografia do Centenário, foi preparado por Nelson de Senna, intelectual e político

204
SGRJ, “A Geografia do Brasil: comemorativa do centenário da independência”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-
26-27, 1912-1922, 1922, p. 150.
205
Cf. Lúcia Maria Paschoal Guimarães, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: da escola palatina ao silogeu (1889-
1938), op. cit.
206
O volume citado encontra-se na Biblioteca do Horto Botânico do Museu Nacional em São Cristóvão. Cf. Anexo .
70

mineiro, autor de numerosos trabalhos sobre sua terra natal, publicados inclusive nos Anais do
Primeiro Congresso Brasileiro de Geografia de 1909207. Ao que tudo indica, Senna atendera a
uma solicitação do presidente da República, seu conterrâneo Arthur Bernardes, conforme se lê
no Prefácio.
Coerente com o sumário estipulado pela Sociedade, a primeira parte do Livro 1
concentra-se na descrição das características físicas do solo de Minas Gerais. A segunda parte
apresenta um panorama histórico da ocupação do território, desde as primeiras explorações e
entradas nos tempos coloniais. No Livro 2, Senna examina a organização administrativa
estadual. Seu trabalho evidencia pesquisa e erudição. Ao abordar a riqueza mineralógica das
Gerais, por exemplo, reporta-se aos estudos de Henri Gorceix, o primeiro diretor da Escola de
Engenheira de Minas em Ouro Preto. Quanto ao elemento humano, Nelson de Senna destaca
que o povo mineiro resultou da mestiçagem. 208. Porém, sublinha a necessidade de promover o
seu branqueamento, pois percebe a imigração estrangeira como um fator importante para o
crescimento do país:

(...) há terrenos de sobra para neles se localizarem sucessivas gerações de imigrantes, vindos
de todos os pontos do globo, de preferência latinos e anglo-saxões, germânicos e eslavos, por
serem os elementos étnicos que mais nos convém no Brasil. E para se radicarem no Brasil
tudo os seduz: a boa gente nativa e a terra fértil e saudável, os costumes sãos e as instituições
liberais e a liberdade que em Minas existem (...)209

Seja como for, a malograda Geografia do Centenário reflete as idéias de uma época,
em que o saber geográfico deveria constituir um instrumento para o aperfeiçoamento da
sociedade, além de fonte de inspiração de sentimentos patrióticos. Finalmente, cabe
acrescentar que dois obstáculos intransponíveis inviabilizaram a conclusão daquele projeto: o
esgotamento dos recursos financeiros prometidos pelo governo federal e a carência de dados
disponíveis, agravada pela desorganização administrativa dos órgãos públicos, sobretudo nas

207
Na comunicação “Contribuições para um futuro Mapa do Estado de Minas Gerais“, Nelson de Senna criticou a falta de
rigor na confecção de cartas geográficas, em especial, a inexatidão das coordenadas geográficas (latitude, altitude e
longitude). Por outro lado, com certa dose de regionalismo, destacava a importância do Estado de Minas Gerais no cenário
nacional, principalmente pela sua dimensão territorial, visto que era o quinto em extensão e o primeiro em densidade
populacional. Nelson de Senna também publicou: Bicentenário de Ouro Preto (1911); A hulha branca em Minas Gerais
(1914); A terra mineira (1926); Alguns estudos brasileiros (1937) e Africanos no Brasil: estudos sobre os negros africanos e
influências afro-negras sobre a língua (1937). Cf. Luciene Pereira Carris Cardoso, op. cit, p. 129.
208
Nelson de Senna, Geografia do Brasil. Comemorativa do 1º. Centenário de Independência do Brasil. 1822-1922.
Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, v. 10, p. 224.
209
Idem, p. 207.
71

regiões mais distantes do poder central. 210

2.6. Curso Superior Livre de Geografia

Outro empreendimento de cariz nacionalista da SGRJ e que merece destaque consistiu


na criação do Curso Superior Livre de Geografia, que funcionou gratuitamente nos anos de
1926 e de 1927.211 É importante ressaltar que iniciativa semelhante fora tomada pelo Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro entre os anos 1916 e 1921, com o estabelecimento da
“Academia de Altos Estudos”, depois transformada em Faculdade de Filosofia e Letras do
IHGB, a qual não conseguiu obter o reconhecimento formal dos poderes públicos 212 O projeto
da Sociedade, portanto, convergia com a experiência do IHGB, na esteira da idéia de que
através da educação, seria possível alterar o país. 213
Aliás, entre as diversas personalidades que participaram do projeto pedagógico do
Instituto e que pertenciam aos quadros da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro,
destacavam-se Carlos Delgado de Carvalho, Basílio de Magalhães e José Maria Moreira
Guimarães.214
Para evitar os mesmos transtornos que levaram a experiência do Instituto Histórico ao
insucesso, concebeu-se uma proposta menos ambiciosa e destinada apenas à atualização dos
professores do ensino primário. Todavia, no artigo XII da “Lei Orgânica do Curso Superior
Livre”, lê-se que a Sociedade se comprometia a (...) esforçar-se diante das autoridades
federais, estaduais e municipais a fim de que seja concedidas certas prerrogativas especiais
ou regalias constitucionais não só aos professores, mas aos Laureados em Geografia e
Ciências Correlatas. 215 Elaborado pelos sócios Carlos Delgado de Carvalho e Everardo
Backheuser, o projeto do Curso pretendia inserir uma nova concepção de geografia na

210
SGRJ, “Relatório apresentado pelo almirante A . C. Gomes Pereira, presidente da Sociedade, referente ao ano de 1923”.
Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 28, 1923.
211
Delgado de Carvalho, “Geografia – Ciência da Natureza”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 31, 1926-1927, p. 96.
212
Cf. Lúcia M. Paschoal Guimarães, Da escola palatina ao silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938),
op. cit.
213
Idem, p. 106.
214
O projeto da Sociedade de Geografia inseria-se no contexto das propostas de reformas pedagógicas, que culminaram com
o surgimento da Associação Brasileira de Educação, em 1924. Tais propostas se caracterizavam pela defesa da escola
pública, universal e gratuita, segundo o modelo da Escola Nova ou Progressista do pedagogo americano John Dewey. Cf.
“Curso superior livre de geografia”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 31, 1926-27, p. 239.
215
SGRJ, “Curso Superior Livre de Geografia”, Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 31, 1926-1927, p. 71-74.
72

Sociedade, combinando as idéias de Friedrich Ratzel (1844-1904).216 com as de Vidal de La


Blache (1845-1918).217
Carlos Miguel Delgado de Carvalho (1884-1980), nascido na França, formou-se na
Escola de Ciências Diplomáticas de Paris e na Escola de Economia e Política de Londres.
Transferiu-se para o Brasil em 1906, e a partir daí começou a colaborar na imprensa, redigindo
artigos para o Jornal do Comércio. Envolveu-se com o movimento de renovação pedagógica,
liderado por Anísio Teixeira. Exerceu o magistério no Colégio Pedro II, onde ministrou cursos
de Geografia, de Inglês e de Sociologia. Na Universidade do Distrito Federal, foi professor
catedrático dos cursos de Geografia Humana e de História Moderna e Contemporânea.
Ocupou, ainda, vários cargos públicos no Conselho Nacional de Educação e no Instituto
Nacional de Pesquisas Educacionais. Autor de obras de grande repercussão, a exemplo dos
livros Le Brésil Meridional: étude économique sur les états du sud (1910) e Geografia do
Brasil (1913), o primeiro considerado hoje em dia um clássico218, e o segundo prefaciado por
Oliveira Lima, mas que não obteve uma aceitação imediata, pois (...) o meio cientifico não
estava preparado para a fermentação do pensamento geográfico europeu já naquela ocasião
bastante avançado219. No fundo, as concepções de vanguarda desenvolvidas por Delgado de
Carvalho só seriam assimiladas na década de 1930.
Por sua vez, Everardo Adolpho Backheuser (1879-1951) formou-se em engenharia na
Escola Politécnica do Rio de Janeiro, onde mais tarde ingressaria como professor. Colaborou

216
Friedrich Ratzel (1844-1904) foi o principal expoente da escola geográfica alemã do final do século XIX. Em 1882,
publicou o livro Antropogeografia: fundamentos da aplicação da geografia à história que revela a influência do meio físico
sobre o homem. Nos anos seguintes, editou As raças humanas (1885-1888) em três volumes, O Estado e o seu solo
estudados geograficamente (1896) e Geografia Política (1897). Da análise interdisciplinar, Ratzel articula o conhecimento
histórico, os estudos etnológicos e a geografia para apreender a dinâmica da dispersão dos povos na superfície terrestre, a
formação do território físico, bem como as distribuições dos povos e as raças. Outros temas como as fronteiras, o estado, as
relações internacionais, as guerras também foram objeto de seu exame. Cf. Antonio Carlos Robert de Moraes, Geografia:
pequena história crítica. São Paulo: Hucitec, 1999. Shiguenoli Myamoto, op.cit,; Ruy Moreira, O que é geografia. São
Paulo: Brasiliense, 1986; Antonio Carlos Robert de Moraes (org.), Ratzel. São Paulo: Ática, 1990.
217
Paul Vidal de La Blache (1845-1918) privilegiou os estudos de Geografia Política. Impulsionado pelo contexto político e
social francês, transferiu a importância que Ratzel conferia ao Estado para a sociedade. A perda da região francesa da
Alsácia-Lorena para a Prússia, durante a guerra franco-prussiana promoveu um amplo debate no cenário intelectual e político
francês o que culminou no argumento de que a perda territorial foi causada pelo desconhecimento geográfico, e não pelo
poderio do exército alemão. Para o sábio francês, o objeto da geografia era a relação do homem e da natureza, segundo
Antônio Carlos Robert Moraes, (...) La Blache colocou o homem como um ser ativo, que sofre a influência do meio, porém
que atua sobre este, transformando-o. Ver: Antonio Carlos Robert de Moraes, Geografia: pequena história crítica. São
Paulo: Hucitec, 1999; Paulo César da Costa Gomes, Geografia e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996;
Roberto Lobato Corrêa, “As correntes do pensamento geográfico”. In: ________. Região e organização espacial. São Paulo:
Ática, 1991.
218
Nas primeiras décadas do século XX, Delgado de Carvalho também publicou as seguintes obras: Um centre économique
au Brésil: l‟êtat de Minas (1908), Geografia do Brasil (1913), Métèorologie du Brésil (1917), Physiografia do Brasil (1922),
Metodologia do Ensino de Geografia: introdução aos estudos da geografia moderna (1925) e Introdução a Geografia
Política (1929).
219
Nilo Bernardes, “A influência estrangeira no desenvolvimento da geografia no Brasil”. Rio de Janeiro: Revista Brasileira
de Geografia, ano. 44, n.3, jul./set. 1982, p. 521.
73

com o jornal O País. Junto com Delgado de Carvalho participou da fundação da Associação
Brasileira de Educação 220. Associou-se ao grupo que criou a Academia Brasileira de Ciências,
fundou a Liga Brasileira de Esperanto e ocupou a vice-presidência da Sociedade de Geografia
do Rio de Janeiro. Não por acaso, a partir daí, a Revista passaria a publicar o resumo das
matérias editadas em esperanto.
Everardo Backheuser integrou o movimento católico filiando-se à Associação dos
Professores Católicos e à Confederação Brasileira de Educação Católica. Foi catedrático da
Faculdade de Filosofia da Universidade Santa Úrsula, e ajudou a fundar a Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Defensor da geografia moderna, fundamentada na
escola alemã, em especial, nas concepções formuladas por Friderich Ratzel, publicou A
estrutura política do Brasil. Notas Prévias (1929) e Problemas do Brasil: Estrutura
geopolítica (1933). Sabe-se que o interesse de Backheuser pela geopolítica datava do período
em permaneceu detido na Ilha Rasa, por causa da oposição manifestada ao governo do
presidente Arthur Bernardes. Naquela ocasião, José Rodrigues Leite e Oiticica, filólogo e
militante anarquista, lhe ofertou a obra Geografia Política (1897) de Ratzel.221 Ainda na
prisão, Backheuser alinhavou o que seria A estrutura política do Brasil: Notas Prévias
(1929),222 editado originalmente em fascículos, distribuídos pela imprensa carioca, divulgação
que considerava como a forma mais eficaz para atingir o grande público.
Backheuser foi um dos pioneiros na introdução do pensamento geopolítico no Brasil,
dedicando-se ao estudo e às possibilidades da sua aplicação às reformas do Estado.223 Mais
tarde, em 1933, voltou sua atenção para a questão da divisão territorial do Brasil.
Aproveitando o momento em que se discutia a nova Carta Constitucional publicou o livro
Problemas do Brasil (1933)224, assunto que será tratado no próximo capítulo

220
No âmbito dos estudos pedagógicos, ver, Everardo Backheuser, Técnica da Pedagogia Moderna: teoria e prática da
Escola Nova (1934), Técnica da pedagogia moderna: teoria e prática da Escola Naval (1934) e O trabalho das escolas
experimentais no Distrito Federal (1937).
221
Com a publicação de Geografia Política em 1897, Ratzel explicitou as relações entre o solo e o homem e o crescimento
espacial dos estados ao longo da história, mostrando-se precursor da geopolítica. Esta corrente dedicou-se ao estudo da
dominação dos territórios, referentes à ação do Estado sobre o espaço territorial. Da escola alemã ratzeliana surgiu a
concepção do “determinismo geográfico”, criada por militares e políticos europeus que defendiam a exploração das colônias.
Além de teorias como a que responsabilizava o clima pela “indolência do homem tropical” e pelo “subdesenvolvimento dos
países tropicais”. Alguns autores discorreram sobre as formas de operacionalizar e legitimar o imperialismo, tais como:
Rudolf Kjéllen (1864-1922), Harford Mackinder (1861-1947), Alfred Thayer Mahan (1840-1814) e Karl Haushofer (1862-
1945). Cf. Antonio Carlos Robert de Moraes, op. cit.; Shiguenoli Myamoto, op. cit.; Claude Raffestin, Por uma geografia do
poder. São Paulo: Ática, 1993.
222
Everardo Backheuser, A estrutura política do Brasil. Notas Prévias. Rio de Janeiro: Mendonça, Machado & Cia. Editores,
1929.
223
Sydney M. G. dos Santos, A cultura opulenta de Everardo Backheuser: os conceitos e as leis básicas de geopolítica. Rio
de Janeiro: Carioca Engenharia S. A., 1989, p. 199.
224
Everardo Backheuser, Problemas do Brasil: Estrutura geopolítica. Rio de Janeiro: Omnia, 1933, p.73.
74

Tanto Everardo Backheuser quanto Delgado de Carvalho destacavam a importância da


relação entre o homem e o meio natural. Aspiravam implantar e difundir uma geografia
moderna no país, a partir do efetivo conhecimento do seu território, e colaboraram no
estabelecimento de diversas instituições, tais como o Conselho Nacional de Geografia (1933),
a Associação dos Geógrafos Brasileiros (1934) e o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (1938). Porém, enquanto o primeiro como já se mencionou, inspirava-se na
antropogeografia ratzeliana, o segundo buscava os seus referenciais teóricos na geografia
francesa, sobretudo em Vidal de La blache. Essa diferenciação de abordagem aprofundou-se
quando Backheuser vinculou-se ao movimento católico em 1928. 225
O Curso Superior Livre da Sociedade visava conferir o título de “Laureado em
Geografia e Ciências Correlatas” e seria coordenado por uma comissão pedagógica composta
por Delgado de Carvalho, Raja Gabaglia e Everardo Backheuser, cabendo a este último
elaborar o planejamento curricular. O plano de estudos compreendia dois semestres,
perfazendo um total de oitenta aulas com duração de cinqüenta minutos. Apesar de gratuito,
previa-se o pagamento de uma taxa de matrícula destinada à aquisição de livros e revistas para
a formação de uma biblioteca própria. Ao final do curso, os alunos prestavam prova e
redigiam uma monografia, sobre um tema específico, com no mínimo cinco laudas.
Receberiam o diploma, aqueles que tivessem freqüência igual ou superior a oitenta por cento
das aulas. Segundo Delgado de Carvalho, tratava-se de um projeto pedagógico eminentemente
pragmático:

(...) Não planejamos um curso especializado de geografia superior, não planejamos tão
pouco um curso de pedagogia superior, não planejamos mesmo um curso de pedagogia da
geografia elementar. Desejamos apenas, nos diferentes ramos escolhidos e que se
completam, apresentar um certo número de pontos de vista, de explicações, chamando a
atenção do auditório para feições interessantes e de utilidade prática. 226

Em 25 de maio de 1926, Everardo Backheuser proferiu a aula inaugural do Curso


Superior Livre de Geografia, assistida pelo reitor da Universidade do Rio de Janeiro, o Conde
de Afonso Celso e Antônio Carneiro Leão, Diretor Geral da Instrução Pública, além de
diversas personalidades do cenário político e intelectual, da administração pública e de
profissionais do magistério.
225
Sobre esse assunto ver: Perla Brígida Zuzman, Sociedades Geográficas na promoção do saber a respeito do território:
Estratégias políticas e acadêmicas das instituições geográficas na Argentina (1782-1942) e no Brasil (1838-1945).
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em Geografia, Universidade de São Paulo, 1996, p. 140.
226
Delgado de Carvalho, “Geografia – Ciência da Natureza”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 31, 1926-1927, p. 96.
75

Everardo Backheuser estabeleceu as distinções entre o que denominou da “geografia


vestida à moda antiga” e a nova concepção da disciplina, que norteava o Curso. Enquanto a
antiga se resumia apenas na descrição da superfície terrestre (a enumeração dos acidentes
geográficos), a nova se caracterizava por ser: (...) uma geografia em que se raciocina, que
explica; que induz, que deduz, que prevê fatos físicos e acontecimentos sociais; uma
geografia que tem, portanto todos as característicos de uma verdadeira ciência (...).227 Para
Backheuser, tal concepção se orientava pelos seguintes fundamentos: 1º as relações de
interdependência entre o clima, o solo e o homem, “agindo e reagindo uns sobre os outros”;
2º o conceito de região, a delimitação do espaço a ser analisado; 3º a definição de paisagem
natural ou cultural, enquanto a primeira transformava-se lentamente, a segunda era volúvel e
mudava de maneira acelerada 228. Finalmente, procurou redefinir o caráter científico do
conhecimento geográfico, sublinhando que ao invés do paradigma comteano de “ciência
abstrata”, a nova geografia seguia o modelo da zoologia, da botânica e da antropologia.
Aproximava-se da sociologia, tornando-se “algo de ciência natural e algo de ciência
social”.229
A iniciativa da Sociedade obteve repercussão favorável nos meios letrados. Entre
aqueles que se mostravam mais entusiasmados com o empreendimento destacou-se o conde
Afonso Celso, figura respeitada tanto do ponto de vista intelectual, quanto pelo seu
engajamento em campanhas nacionalistas 230. Ele escreveu um artigo para o Jornal do Brasil,
reproduzido na Revista, intitulado “A nova concepção de geografia”, em que enaltece o valor
do Curso Superior Livre e justifica a sua contribuição para a formação dos futuros dirigentes
do país:

Ao ponto de vista do sentimento patriótico, ninguém contestará a vantagem para a mocidade


em instruir-se, mediante o estudo da geografia racional, do que há de realmente superior no
Brasil, relativamente às outras nações, bem como do que existe de somenos e seja carecedor
de retoque ou adaptação ao progredimento [ sic] nacional.231
Para Afonso Celso, era lamentável a falta de estudos superiores de geografia.
Sobretudo, porque nos estabelecimentos de ensino de 3º grau já funcionavam cursos de
sociologia e de economia política. Neste sentido, ele postulava a institucionalização da

227
Everardo Backheuser, “A nova concepção da geografia. Conferência realizada pelo professor dr. Everardo Backheuser,
inaugurando as preleções do Curso Superior Livre de Geografia”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 31, 1926-1927, p. 78.
228
O geógrafo alemão Otto Maull (1887 -1957) se destacou em estudos de geopolítica, geomorfologia e geografia física do
Brasil. Cf. José Veríssimo da Costa Pereira, op. cit., p. 436.
229
Evarardo Backheuser, op. cit., p. 80.
230
Como já se informou, Afonso Celso era sócio efetivo da SGRJ, membro da Academia Brasileira de Letras e presidente do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
231
Afonso Celso, “A nova concepção de geografia”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 31, 1926-1927, p. 90-93.
76

disciplina, ao mesmo tempo em que louvava o projeto recém implantado - mais um dos
“valiosos serviços” prestados à nação pela Sociedade, nos seus quarenta anos de existência232.
A primeira turma do Curso Superior Livre de Geografia, ingressa em 1926, cumpriu a
seguinte grade curricular, em dois períodos letivos:

Tabela no 1

Grade Curricular do Curso Superior Livre de Geografia


Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro
Ano de 1926

Disciplina: 1º. Período Professor


Cosmografia Delgado de Carvalho
Fisiografia e Paleografia Everardo Backheuser
Meteorologia e Climatologia Delgado de Carvalho
Métodos Estatísticos e Desenho de Luis Caetano de Oliveira
Cartas Geográficas
Ecologia Edgar Sussekind de Mendonça
Disciplina: 2O. Período Professor
Metodologia e História da Geografia Delgado de Carvalho
Etnografia e Antropologia Heloísa Alberto Torres
Geopolítica Everardo Backheuser
Forças Econômicas Delgado de Carvalho
Movimentos da População Fernando Raja Gabaglia
Fonte: Revista da Sociedade, Rio de Janeiro, t. 21, 1926-1927, p. 102-103.

Como se observa, o corpo docente reunir figuras expressivas, recrutadas não apenas
entre os membros da Sociedade, mas também em outras instituições, como a Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II, a Escola Normal e o Museu Nacional, que
(...) representam a vanguarda do grande movimento em favor da geografia que está se
delineando.233. Embora a maior parte das disciplinas fosse ministrada por Delgado de
Carvalho e Everardo Backheuser, há que se notar no corpo docente os nomes de Edgar
Sussekind de Mendonça234, de Honório de Sousa Silvestre235, de Luiz Caetano de Oliveira236.

232
Idem.
233
Delgado de Carvalho, “Geografia – Ciência da Natureza”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 31, 1926-1927, p. 94.
234
Edgar Sussekind de Mendonça formou-se na Escola Nacional de Belas Artes, envolveu-se também com o movimento de
reforma do ensino, ao lado de Delgado de Carvalho e Raja Gabaglia, e da Reforma da Instrução Pública liderada por
Fernando de Azevedo da década de 1930. Ministrou as disciplinas de ciências físicas e naturais da Escola Normal. Escreveu
diversos compêndios e programas de ciências físicas e naturais, geografia e história natural aplicada. Cf. Maria de Lourdes de
Albuquerque Favero & Jader de Medeiros Britto, Dicionário de Educadores no Brasil. Rio de Janeiro; UFRJ, MEC-INEP-
Comped, 2002, p.285-290.
77

Sem falar da participação feminina, com a presença de Heloísa Alberto Torres, nome-chave
no processo de institucionalização da Antropologia e das Ciências Sociais no Brasil 237.

Em 1927, coube a Delgado de Carvalho pronunciar a aula magna do Curso. Do mesmo


modo que Backheuser, Carvalho, postulava o resgate da geografia como uma ciência natural,
erradicando-a de nomes próprios (...) que nada nos explicam, que nada nos contam. Tal
“restauração” deveria desaguar em um movimento a favor de uma “escola brasileira de
geografia”, envolvendo uma gama de intelectuais liderados por Backheuser, ao lado de Raja
Gabaglia, Honório Silvestre, Otelo Reis no magistério, e Arrojado Lisboa, Eusébio de
Oliveira, Ruy de Lima e Silva, Alberto Betim, Djalma Guimarães, Roquette Pinto, Alberto
Rangel, que atuavam no campo da pesquisa.
Afinado com os pressupostos de Vidal de la Blache, Delgado se deteve nos aspectos,
que no seu entender, constituíam a nova geografia física e ressaltou a ação da longa duração
sobre o meio natural, para apresentar a sua versão do curso de Fisiografia, o qual iria ministrar
naquele ano.238 Anunciou a revisão do conteúdo programático da disciplina, planejado para se
distribuir em dez ou doze palestras, compreendendo os seguintes temas: as feições maiores do
relevo; o trabalho erosivo da atmosfera ou deflação; as águas subterrâneas, as fontes e o lençol
d‟água; as águas correntes; a glaciação; os lagos; a abrasão ou ação erosiva do mar; os
fenômenos vulcânicos e o diastrofismo ou movimentos da crosta terrestre. Pretendia, assim,
elucidar os “grandes enigmas e segredos da fisiografia terrestre”, para os professores do ensino
primário das escolas públicas que, por sua vez, seriam os responsáveis pela formação das
futuras gerações de cidadãos. 239
Tabela no 2

235
Honório de Sousa Silvestre,professor catedrático do Colégio Pedro II redigiu a obra Notas a fisiografia do Brasil (1922),
que no seu entender, reunia (...) cousas esparsas sobre a geografia física do Brasil. Honório de Sousa Silvestre, Notas a
fisiografia do Brasil. (Separata do Anuário do Colégio Pedro II), Rio de Janeiro, 1922.
236
Luiz Caetano de Oliveira, engenheiro e professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e do Colégio Santo Inácio,
colaborou na Comissão de Melhoramentos e Obras Municipais (1914), além de elaborar livros e manuais didáticos, a
exemplo de Rudimentos de cálculo diferencial e de cálculo integral. São Paulo: Melhoramentos, 1939.
237
Heloísa Alberto Torres (1895-1977), filha do jurista Alberto Torres, iniciou sua carreira no Museu Nacional como
assistente de pesquisa de Edgard Roquette Pinto, sócio da Sociedade de Geografia. Em 1925, foi aprovada em primeiro lugar
no concurso para professor substituto da área de Antropologia, Etnografia e Arqueologia do Museu Nacional. Dona Heloísa,
como era conhecida, foi diretora daquela instituição, e colaborou com outras associações, tais como o Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional e a Associação Brasileira de Antropologia. Cf. Mariza Corrêa, Antropólogas e antropologia.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
238
Para Vidal La Blache, as paisagens naturais constituem superposições das ações humanas e dos dados naturais ao longo do
tempo, portanto, uma herança histórica. Sobre a influência do tempo histórico do meio físico, ver: Roberto Lobato Corrêa,
“As correntes do pensamento geográfico”. In: ________. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1991; José
William Vesentini, “Controvérsias geográficas: epistemologia e política” Confins, Revue Franco-brésilienne de Geographie,
n. 2, 1 semestre, 2008. [En ligne], mis en ligne le 17 février 2008. URL : http://confins.revues.org/document1162.html.
Consulté le 17 juillet 2008.
239
Delgado de Carvalho, op. cit., p. 100.
78

Grade Curricular do Curso Superior Livre de Geografia


Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro
Ano de 1927

Disciplina Professor
Fisiografia e Paleografia Delgado de Carvalho
Cosmografia Honório de Sousa Silvestre
Antropogeografia Everardo Backheuser
Estatística Luis Caetano de Oliveira
Climatologia Jorge Machado
Etnografia e Antropologia Heloísa Alberto Torres
Ecologia Abel Pinto
Oceanografia Roberto Freire Seidl
Modelagem geográfica Delgado de Carvalho
Distrito Federal (Excursões) Everardo Backheuser
Fonte: Revista da Sociedade, T. XXI, 1926-1927, p. 102-103.

Em relação ao currículo oferecido em 1926, além da mudança no conteúdo e na


abordagem da disciplina Fisiografia, constata-se que cadeira “Métodos Estatísticos e Desenho
de Cartas Geográficas” desdobrou-se em duas, “Estatística” e “Modelagem Geográfica”; a de
Meteorologia e Climatologia passou a se denominar apenas Climatologia; as matérias
Metodologia e História da Geografia, Geopolítica, Forças Econômicas e Movimentos da
População foram suprimidas, cedendo lugar à Estatística, à Antropogeografia e à
Oceanografia. Acrescentou-se, também uma parte prática ao Curso, por assim dizer, com a
programação de seis excursões no Distrito Federal, guiadas por Everardo Backheuser, de
maneira a articular os estudos teóricos com observações de campo.
A estrutura e o funcionamento do Curso Superior Livre evidenciavam as mais
recentes tendências e orientações teóricas do saber geográfico. Além das abordagens
inovadoras, do ponto de vista do seu conteúdo, o Curso também se caracterizou pela
originalidade, com a introdução do ensino das disciplinas Ecologia e Oceanografia. A
primeira, lecionada por Edgar Sussekind de Mendonça, corresponde a um campo do
conhecimento que só viria a se consolidar muitos anos mais tarde. Lamentavelmente, porém,
na documentação da Sociedade não há vestígios do plano de estudos desenvolvido por
Sussekind.
Quanto à oceanografia, apesar da carência das fontes da Sociedade, descobrimos que
79

o programa da disciplina, preparado pelo professor Roberto Freire Seidl240, foi publicado em
1929. O curso dividia-se em seis lições: oceanografia; topografia e litologia do oceano; física
e química do mar; movimentos do mar; fauna e flora marítima e mares polares. 241 Na lição
inaugural, Seidl delineia um panorama histórico dos estudos de oceanografia, um campo do
conhecimento ainda em formação. Ele deplora a (...) inópia e o atraso do Brasil nestes
assuntos, país possuidor de mais de oito mil quilômetros de costa marítima, ao mesmo tempo
em que salienta as “vantagens práticas da exploração racional dos oceanos”, apesar de
assinalar a extrema dificuldade do seu estudo, devido à falta de instrumentos técnico-
científicos.242
Ao que tudo indica, o esforço dos coordenadores e o brilhantismo daquele grupo de
professores não foi o suficiente para manter o funcionamento do Curso, pois, sabe-se que no
segundo de atividades houve uma redução considerável do número de alunos. 243 Embora na
documentação disponível na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro não exista nenhuma
relação dos alunos laureados em Geografia e Ciências Correlatas, é viável supor que houve
quem concluísse o Curso, uma vez que na Revista informa-se que a entrega dos diplomas
poderia ser realizada em sessão solene na Sociedade ou diretamente na secretaria. De
qualquer forma, tratava-se de um projeto educacional afinado com as idéias vigentes, ou seja,
percebia o estudo da geografia e da história como instrumentos para a disseminação do
patriotismo e para exaltação da grandeza nacional, o que confirma as premissas de Ruy
Moreira e de José William Vesentini, a respeito do processo de institucionalização do
conhecimento geográfico e do seu ensino no Brasil 244.
(...) Faz, hoje, cinqüenta anos que brasileiros ilustres criaram a Sociedade de
Geografia do Rio de Janeiro (...) [A Sociedade] Organizou expedições e congressos
(...) publica importante revista muito procurada no estrangeiro (...) tem uma tribuna
de onde se fazem ouvir vozes autorizadas, versando questões do maior interesse
coletivo. Mantém com as sociedades cultas do mundo intercâmbio cultural (...) É
assim (...) como uma roda imprescindível ao mecanismo da vida administrativa do

240
Roberto Freire Seidl (1895-1948) foi professor de colégios e de liceus, baseou seu planejamento em obras clássicas e
modernas, bem como realizou ampla pesquisa de gabinete nas repartições oficiais pertencentes a diversos ministérios e
instituições, a exemplo da Inspetoria Federal de Portos, Rios e Canis do Ministério da Viação e Obras Públicas.
241
Roberto Freire Seidl, Oceanografia (Formação e desenvolvimento). Rio de Janeiro, Est. Graphico Roland Rohe, 1929, p.
vi.
242
Idem, p. 36.
243
SGRJ, “Relatório do Presidente da Sociedade general Moreira Guimarães relativo ao ano social de 1926”. Revista da
SGRJ, Rio de Janeiro, t.31, 1926-1927.
244
Ver, Ruy Moreira. O Discurso do Avesso (para a crítica da geografia que se ensina). Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1987,
p. 32. Para este autor, a história da institucionalização do conhecimento geográfico e do seu ensino no Brasil corroborava
com a valorização do Estado-Nação, o que se traduzia numa disciplina voltada para a ordem e para a valorização de seu
território. Ver, também, José William Vesentini, Para uma geografia crítica da escola. São Paulo: Editora do autor, 2008, p.
11.
80

país....
(Moreira Guimarães, “Simples Saudação”, 1933)245

3. UMA TRIBUNA DE VOZES AUTORIZADAS

3.1. A formação de uma “cultura geográfica”

A partir dos anos 1930, significativas transformações afetaram a vida política,


econômica, social e cultural da Nação. Conforme já se frisou no capítulo 2, tais mudanças já
se prenunciavam na década anterior, marcada pela crise do sistema oligárquico, a emergência
do movimento tenentista, a comemoração do Centenário da Independência do Brasil e a
realização da Semana de Arte Moderna em 1922. Ao mesmo tempo, as conseqüências da
Primeira Guerra Mundial indicavam que o ideal cosmopolita cedia lugar a passos largos ao
nacionalismo exacerbado. A busca pelas raízes brasileiras constituiria, assim, uma das
principais preocupações dos homens públicos e letrados da época: (...) seja através dos ideais
da ciência ou da racionalidade (geração de 1870) da arte ou da intuição (geração de 1920),
imbuídos de vocação messiânica, senso de missão ou dever social, os intelectuais se auto-
elegeram sucessivamente consciência iluminada do nacional.246
Em 1929, São Paulo rompeu com a tradicional “política do café com leite”, ao indicar
para a sucessão do presidente Washington Luís o também paulista Júlio Prestes. Os políticos
de Minas Gerais, que esperavam a sua vez de ocupar a presidência da República,
inconformados com a situação, formaram a Aliança Liberal. Com o apoio de políticos
dissidentes e dos estados do Rio Grande do Sul e da Paraíba e das lideranças do movimento
tenentista,247 a Aliança lançou as candidaturas de Getúlio Vargas para presidente e de João
Pessoa, para vice-presidente.

245
José Maria Moreira Guimarães, “Simples Saudação”. Revista da SGRJ. Rio de Janeiro, tomo 37- 38, 1933, p. 120-121.
246
Mônica Pimenta Velloso, “Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo” In: Jorge Ferreira e Lucilia de A. Neves
Delgado (orgs.), O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado.) Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003, p. 148.
247
Insatisfeitos com a situação política, o movimento tenentista defendia o estabelecimento do voto secreto e a reforma
educacional, bem como o fim da poder das oligarquias. O movimento contribuiu para a crise que abalou a República Velha e
preparou o ambiente para a Revolução de 1930. Sobre o papel dos militares na década de 1930, Cf. José Murilo de Carvalho,
Forças Armadas e Política no Brasil, Rio de Janeiro: Zahar, 2005. Ver também, _____, “Vargas e os militares”, In: Dulce
Pandolfi (org.), Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999, p. 341-344.
81

A atmosfera de insatisfação se agravou com a vitória do candidato oficial Júlio Prestes.


A acusação de fraude eleitoral, o assassinato do político paraibano João Pessoa e a crise
internacional decorrente da depressão econômica de 1929 foram fatores que concorreram para
deflagrar o golpe de outubro de 1930, que depôs Washington Luís e alçou Getúlio Vargas ao
poder.248
A Sociedade de Geografia, aliás, não se mostraria indiferente a essas questões políticas.
Em que pesem as reiteradas manifestações de seus filiados sobre a neutralidade da ciência, o
reduto científico revelou-se simpático ao movimento que pôs fim a Primeira República:

(...) No último período republicano atingimos o máximo de federalismo hipócrita, em que


a politicalha regional tinha criado, na exploração das massas populares incultas, máxime nas
rurais, questões graves de soberanias locais em detrimento da unidade nacional (...) A
Revolução que foi iniciada em outubro de 1930, estando apenas iniciada, a oportunidade está
palpitante, porque é a máxima aspiração popular, (...)249

A historiografia costuma dividir a chamada Era Vargas em três fases: o Governo


Provisório (1930-1934), o Governo Constitucional (1934-1937) e o Estado Novo (1937-1945).
No primeiro, Getúlio Vargas iniciou o processo de centralização do poder, extinguiu os órgãos
legislativos, suspendeu os direitos constitucionais e nomeou interventores estaduais, em sua
maior parte, militares oriundos do movimento tenentista. A oposição às ações centralizadoras
culminou na Revolução Constitucionalista de 1932 em São Paulo. O movimento armado, entre
julho e outubro, reivindicava a realização de eleições para uma Assembléia Constituinte e o
fim do Governo Provisório. As elites paulistas ansiavam recuperar o prestígio e o poder
político perdidos, ao mesmo tempo em que cogitavam o separatismo. A insurreição foi
sufocada, mas Vargas viu-se compelido a realizar as eleições para a Constituinte. Em 1934, a
Assembléia promulgou a nova Carta e o elegeu presidente da República, iniciando-se o
Governo Constitucional. A segunda fase da “Era Vargas” caracterizou-se pelo espírito
nacionalista. Entre outros dispositivos, a Constituição estendeu o voto secreto e obrigatório
para homens e mulheres maiores de dezoito anos, consagram-se os direitos sociais dos

248
, Marieta Moraes Ferreira e Surama Conde Sá Pinto, “A crise dos anos 20 e a revolução de 1930”. In: Jorge Ferreira e
Lucilia de A. Neves Delgado (orgs.), op. cit., p. 404-405.
249
General Waldomiro Pimentel. “Comentários sobre os projetos da redivisão territorial política do Brasil”. Conferência
proferida na sessão de 6 de abril de 1934. Revista da SGRJ. Rio de Janeiro, tomo 40, 1935, 1º semestre, p. 60-61.
82

cidadãos e instituía-se a Justiça do Trabalho, além de promover a nacionalização de empresas


de seguros e das riquezas do subsolo e das quedas d‟águas. 250
Em 1935, diante de um ambiente de inquietação política advinda de manifestações de
orientações ideológicas diversas 251, logo após uma sucessão de levantes de quartéis em
diversos estados, o presidente decidiu impor determinadas limitações à cidadania: baixou a Lei
de Segurança Nacional, passando também a exercer maior controle sobre o Congresso. Além
disso, o movimento anticomunista fortaleceu o regime, que apoiado por determinados setores
das forças armadas, conduziria o país ao golpe de novembro de 1937, inaugurando a terceira
fase do governo de Vargas, com o fechamento do Congresso, a implantação do Estado Novo e
a adoção de uma nova Constituição de caráter autoritário 252 .

Não vem ao caso discorrer sobre os sucessivos momentos do governo de Vargas, ou


sobre as políticas centralizadoras e intervencionistas adotadas durante o Estado Novo, as quais
levaram a transformação do Brasil em um país urbano-industrial. 253 Contudo, é importante
assinalar que a montagem deste Estado autoritário, preocupado com políticas públicas nas
áreas da saúde e da educação, cuja trama associava tradição e de modernização, demandou a
participação de especialistas de diversas áreas como a educação, a saúde, a cultura, as artes e a
arquitetura. 254
O envolvimento das camadas cultas com o Estado Novo pode ser exemplificado pela
atuação de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e da Saúde (1934-1945), que reuniu à
sua volta uma constelação homens de letras e ciências. 255 Cabia-lhes interpretar a brasilidade,

250
Aspásia Camargo, “Do federalismo oligárquico ao federalismo democrático”. In: Dulce Pandolfi (org.), op. cit., p. 346. A
constituição de 1934 manteve uma “retórica federativa” que disfarçava o regionalismo. Pretendia alcançar uma harmonia por
meio da via democrática liberal, combinando, portanto, a descentralização estadual e algumas reformas sociais.
251
Dois movimentos políticos faziam oposição ao regime e mobilizavam as massas populares: a Ação Integralista Brasileira
(AIB) fundada por Plínio Salgado, que defendia a consolidação de um governo centralizado, a perseguição aos comunistas e
a intervenção máxima do Estado na econômica Por outro lado, um grupo de militares e intelectuais liderados por Francisco
Mangabeira idealizou a Aliança Nacional Libertadora (ANL) que postulava à reforma agrária, a luta contra o imperialismo e
a revolução por meio da luta de classes. Sobre isso ver: Ângela de Castro Gomes [et al.], O Brasil republicano, v. 10:
sociedade e política (1930-1964), Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 159-168.
252
Ver Maria Helena Capelato, “O Estado novo: o que trouxe de novo?” In:. Jorge Ferreira e Lucília de A. Neves Delgado
(orgs.), op. cit., p.116-117. É importante lembrar que a Constituição de 1937 garantiu Getúlio Vargas tornar-se a autoridade
suprema do país. O princípio da harmonia e de independência entre os três poderes foi dissolvido. A Carta extinguiu os
partidos políticos existentes, instituía a pena de morte e o estado de emergência, o que significou a suspensão das imunidades
parlamentares, a permissão para a invasão de domicílios e uma série de outras medidas repressivas. Sobre isso ver: Ângela de
Castro Gomes [et al.], O Brasil republicano: sociedade e política, op. cit., p. 90-94.
253
Sobre a política econômica do período 1930 - 1945, ver, Maria Antonieta P. Leopoldi, “A economia política do primeiro
governo Vargas (1930-1945): a política econômica dos tempos de turbulência”. In: Jorge Ferreira e Lucília de A. Neves
Delgado (orgs.), op. cit, p. 241-285.
254
Simon Schwartzman, Helena M. Bomeny & Vanda Maria R. Costa (org.), Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra,
FGV, 2000, p. 32. Ver, também, Helena Bomeny, “Infidelidades eletivas: intelectuais e política”. In: _______, Constelação
Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: FGV, 2001, p. 17.
255
Idem, p.16.
83

uma vez que constituíam os formadores da opinião pública. Considerados a voz da sociedade,
tais indivíduos faziam uma espécie de elo entre o povo e o Estado 256. Uma amostra desta
simbiose pode ser identificada na edição do periódico oficial Cultura Política (1941-1945),
diretamente vinculado ao Departamento de Imprensa e Propaganda, e idealizado para
promover as realizações do governo. Tratava-se de uma “revista de estudos brasileiros”
destinada a definir e esclarecer as transformações sócio-econômicas as quais atravessavam o
país, e que agregou colaboradores de correntes ideológicas variadas, inclusive os modernistas,
os quais: (...) adequavam-se magnificamente bem à tarefa, tanto porque reinstalavam a
temática da brasilidade com feições militantes, quanto porque eram os intelectuais
disponíveis para o preenchimento dos cargos públicos do Estado Novo.257
Para a historiadora Ângela de Castro Gomes, nos regimes autoritários, a construção de
uma cultura política258, vincula-se fortemente à implementação de políticas públicas, que
investem de maneira eficiente e consciente na busca de sua legitimidade 259. No caso do
Estado Novo, de acordo com a autora, o conjunto de medidas voltadas para a recuperação do
“passado nacional brasileiro” revela uma dimensão específica de política pública em duplo
sentido. No primeiro momento, buscou-se articular determinados setores do aparato de
governo com atores sociais relevantes para a sociedade, a exemplo de artistas, de cientistas e
de intelectuais. No segundo, delimitou-se o lugar de representação da nacionalidade, através
da leitura e da valorização deste mesmo passado, por meio da formação de uma “cultura
histórica”, no sentido tomado por Jacques Le Goff de Bernard Guenée, para caracterizar a
relação que uma sociedade mantém com o seu passado. Segundo Ângela, o conceito de
“cultura histórica” permite “compreender melhor o quê especificamente os homens
consideram o seu passado e que lugar lhe destinam em determinado momento”.260
Na esteira das reflexões de Ângela de Castro Gomes, é possível inferir que ao lado da
sua dimensão temporal, própria de uma “cultura histórica”, uma sociedade também se
empenha em definir o espaço físico que ocupa. Isto enseja o surgimento de uma “cultura

256
No rol de colaboradores, incluíam-se também os ideólogos do Estado Novo, como Oliveira Vianna, Cassiano Ricardo,
Ignácio Azevedo Amaral, Francisco Campos e Lourival Fontes, entre outros. Idem, p. 140.
257
Ângela de Castro Gomes, “O Estado novo e a recuperação do passado brasileiro”. In: ______, História e Historiadores: a
política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 139.
258
A noção de cultura política aqui utilizada inspira-se na definição de Ângela de Castro Gomes, ou seja, entendida como
“um sistema de representações complexo e heterogêneo capaz de permitir a compreensão dos sentidos que um determinado
grupo atribui a uma dada realidade social, em determinado momento e lugar”.
259
Ângela de Castro Gomes, “Cultura política e cultura histórica no Estado Novo”. In: Martha Abreu, Rachel Soihet e
Rebeca Contijo (orgs.), Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007, p. 49.
260
Idem, p. 46.
84

geográfica”, por assim dizer, capaz de estabelecer vínculos entre os indivíduos e o território
pátrio. A categoria “cultura geográfica”, aqui proposta, de um lado, articula-se com a cultura
política do Estado Novo, de outro, aproxima-se com o que poderia ser delineado como o
campo da geografia dos anos de 1930 e 1940. Portanto, é viável supor que as políticas públicas
desenvolvidas na “Era Vargas” levaram a um conjunto de ações sistemáticas, originando uma
“cultura geográfica”, que buscava responder às seguintes demandas:

a) promover a reordenação geopolítica do Estado, por meio da promulgação de uma série de


dispositivos legais, culminando com a chamada Lei Geográfica do Estado Novo 261;

b) preservar a integridade do território nacional, por meio da demarcação e do povoamento de


suas fronteiras;

b) reverter os “vazios demográficos” e fomentar a ocupação ordenada do território;

c) valorizar a população nacional em detrimento do elemento emigrante;

d) criar órgãos públicos específicos voltados para a produção regular de conhecimentos


geográficos, de formar a subsidiar as estratégias de gestão do território por parte do Estado;

e) estabelecer um sistema geográfico oficial, promovendo a integração do Instituto Brasileiro


de Geografia, fundado em 1938, com entidades do porte da Sociedade de Geografia do Rio de
Janeiro, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasileira de Ciências, da
Associação dos Geógrafos Brasileiros e do Clube de Engenharia 262;

f) organizar cursos superiores para o ensino da disciplina e a formação de quadros para o


aperfeiçoamento e a difusão desse saber.

É evidente que para desenvolver essa “cultura geográfica” não se fez tabula rasa do
passado. Procurou-se suporte nas experiências e estudos anteriores, empreendidos (...)
prestigiosa Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro que de longa data vem liderando no
país as iniciativas e as realizações geográficas263.
Estabeleceu-se, assim, uma espécie de via de mão dupla entre os órgãos federais que

261
Cf. José Carlos de Macedo Soares. “Prefácio”. In: IBGE. Divisão Territorial dos Estados Unidos do Brasil. Rio de
Janeiro: IBGE, 1940, p. VII. Logo após o estabelecimento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, foi baixado o
Decreto Lei n. 311, de 02 de março, a conhecida Lei Geográfica do Estado Novo de 1938, que determinava a ordenação da
toponímia dos municípios brasileiros, evitando a duplicidade de nomes, regulamentando os limites interestaduais, bem como
obrigava aos municípios a elaboração de cartas municipais para fins censitários.
262
Cf. SGRJ, “Resolução n. 22 de 18 de julho de 1938”. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística, v. 1, n.3, jul./set., 1939, p. 143. Sobre o IHGB, ver Lúcia Maria Paschoal Guimarães, Da escola
palatina ao silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro(1889-1938): Rio de Janeiro: Museu da República, 2007.
263
Ver, “Resolução n. 22 de 18 de julho de 1938”. Op. cit.
85

reconheciam a contribuição do tradicional reduto científico, recebendo em troca apoio e


colaboração na implementação dos seus programas de trabalho. Não houve, portanto, conflito
de interesses entre a “associação de diletantes” e os organismos que seriam criados ao longo
264
aos anos 1930, ou querelas, como fazem crer alguns autores , uma vez que o sistema
geográfico oficial integrava antigos e modernos.
Por sinal, não é demais repetir, desde a primeira hora, a Sociedade perfilou-se junto ao
governo instaurado em outubro de 1930, o que não é de se estranhar, quando se sabe que
figuras atuantes do seus quadros sociais apoiavam a Aliança Liberal, a exemplo de Raul
Tavares, Bernardino José de Sousa, Emílio Fernandes de Sousa Doca, Luiz Alves de Oliveira
Belo, Liberato Bittencourt, Mário Augusto Teixeira de Freitas, José Matoso Maia Forte,
Alexandre Emilio Sommier, Francisco Jaguaribe Gomes de Matos e Thiers Fleming.
Com efeito. Já em 1931, por indicação do Governo Provisório e com o seu patrocínio,
a Sociedade participou do Terceiro Congresso Internacional de Geografia em Paris, quando se
estabeleceu o primeiro contato com a União Geográfica Internacional (UGI). 265 Como
representante da SGRJ, foi enviado o sócio Alberto José de Sampaio, membro da Academia
Brasileira de Ciências, professor de Botânica do Museu Nacional, antigo integrante da
Comissão Rondon e reconhecido especialista na flora mato-grossense. 266
O naturalista seria eleito vice-presidente da Seção de Biogeografia daquela jornada
científica, que teve lugar na Sorbonne e compreendeu ainda exposições de mapas e de gráficos
no Instituto de Geografia e na Biblioteca Nacional de Paris .267 No relatório que ofereceu sobre
o evento, dentre as principais moções aprovadas, Sampaio destacou os seguintes assuntos: a
pesquisa e a publicação de mapas antigos, de maneira a formar uma Monumenta Europea
Cartográfica; a continuação dos trabalhos de redação da Bibliografia Geográfica Anual; a
recomendação do ensino da geografia acompanhado de exercícios práticos e a proposta de

264
Cf. Sérgio Luiz Nunes Pereira. Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: origens, obsessões e conflitos. Op, cit. p. 174.
265
A entidade fora criada em 1922 na Bélgica, com o propósito de incentivar o estudo dos problemas geográficos; iniciar e
coordenar investigações geográficas que requeriam a cooperação internacional, por meio da discussão científica e da
publicação de obras, incitar a padronização e a compatibilidade de métodos, nomenclaturas e simbologias empregadas na
geografia e promover encontros internacionais a cada três anos. O 1º Congresso Internacional de Geografia realizou-se no
Egito, em 1925, e o 2º na Inglaterra, em 1928.
266
Alberto José Sampaio (1881-1946) é considerado um dos mais importantes botânicos de sua época e um dos pioneiros da
proteção à natureza no Brasil. Em 1934, organizou a Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, com o apoio do
Museu Nacional e da Sociedade dos Amigos das Árvores. Defendia a preservação do meio ambiente tanto pelo seu caráter
utilitário, quanto do ponto de vista estético. Adepto das idéias de Alberto Torres, opinava que “a proteção à natureza deveria
ser obra de um Estado forte - capaz de integrar o conhecimento técnico-científico, programas de educação popular, e usar a
força, quando necessário”. Cf. José Luiz de Andrade Franco, José Augusto Drummond, “Alberto José Sampaio: um botânico
brasileiro e o seu programa de proteção à natureza”. Varia História, Minas Gerais, UFMG, n. 33, 2005, p. 153.
267
Ver, Alberto José Sampaio, “Terceiro Congresso Internacional de Geografia”. Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Rio de Janeiro: Academia Brasileira das Ciências, t. 3, n. 4, 1931, p.195.
86

trabalhos cartográficos e topográficos com vistas ao Quarto Congresso, a ser realizado,


futuramente, em Varsóvia. No que diz respeito ao Brasil, Sampaio assinalava que o país fora
convidado a se filiar à União Geográfica Internacional, pelo professor Emmanuel De
Martonne, secretário-geral daquele evento e diretor do Instituto de Geografia da Universidade
de Paris.268 Registrava, ainda, que De Martonne se mostrara interessado em excursionar pelo
país, uma vez que já o conhecia, através dos livros.
Ao que tudo indica, o diálogo com De Martonne em Paris rendera bons frutos, pois em
1933 ele realizaria uma visita ao Brasil269. Cabe frisar que esta viagem também se enquadrava
no tradicional espírito de cooperação França-Brasil, que segundo Patrick Petitjean, tem suas
origens na missão artística contratada por d. João VI, em 1816. Ademais, no início do século
XX, as relações entre os dois paises ganhariam impulso com a ação do Groupement des
Universités et Grands Écoles pour les Relations avec l‟Amérique Latin, estabelecido na
Universidade de Paris, em 1908, com o objetivo estimular o intercâmbio cultural. A partir de
então, começariam a ser promovidos, regularmente, cursos e conferências de especialistas
franceses nas principais cidades brasileiras, culminando com a criação da Aliança
Universitária Franco-Latina no Rio de Janeiro. Aliás, a diplomacia francesa empenhou-se em
manter a hegemonia cultural no Brasil durante e após a Primeira Guerra, face ao interesse de
outras nações, a exemplo da Itália 270.
O certo é que em 25 de julho de 1933, em sessão conjunta da Sociedade de Geografia
do Rio de Janeiro, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Brasileira de
Ciências, o De Martonne recebeu o título de membro honorário da Sociedade271. Alberto José
de Sampaio recepcionou o homenageado em nome das três instituições, discorrendo sobre a
sua trajetória acadêmica e a extensa produção bibliográfica, com mais de cem títulos, a
exemplo da Abregé de Geographie Physique (1922), livro didático utilizado nas escolas
primárias, do Traité de Geographie Physique: Climat, hydrographie, relief dul sol,
biogeographie (1920) e da Vida Pastoral de Carpatos Meridionais, este último em

268
Idem, p. 202.
269
As fontes disponíveis não indicam a origem do convite feito a Emmanoel De Martonne.
270
De acordo com Marieta de Moraes Ferreira, as articulações para a vinda das missões francesas direcionadas para o
estabelecimento das universidades brasileiras constituíam um tema recorrente na pauta do Ministério das Relações Exteriores
da França “Os professores franceses e o ensino de história no Rio de Janeiro nos anos 30”, In: Marcos Chor Maio; Glaucia
Villas Bôas. (Org.). Ideais de Modernidade e Sociologia no Brasil - Ensaios sobre Luiz de Aguiar Costa Pinto. Porto Alegre:
Editora da Universidade/UFRS, 1999, v. 1, p. 277-299.
271
Comparecerem à sessão o reitor da Universidade do Rio de Janeiro, Fernando Augusto Ribeiro de Magalhães, o
conselheiro da embaixada da França, Visconde du Chaffault, o General Tasso Fragoso, os sócios da SGRJ Virgilio Corrêa
Filho, Silvio Fróes de Abreu, Arthur Moses, Eusébio de Oliveira, Alberto Sampaio e Delgado de Carvalho, dentre outros.
87

272
colaboração com o geógrafo alemão Friederic Ratzel. Para Sampaio:

(...) ensina o professor De Martonne, - na descrição completa e racional de um país, sob


todos os seus aspectos, relevo, clima, revestimento vegetal, povoamento, vida rural e
urbana, atividade agrícola, industrial e comercial, que o geógrafo faz seu mais pessoal
esforço – e o mais original – tarefa mais difícil hoje que nunca, mas dá, se vence, um quadro
que todos consultarão com proveito. 273

Ao agradecer a deferência recebida, o cientista fez uma breve análise da “moderna


concepção da geografia” e a influência determinante da França nesse movimento.
Apresentando-se como representante desta corrente, salientou as contribuições de Alexandre
Von Humboldt, de Friederich Ratzel, considerado por ele como o introdutor dos estudos
antropogeográficos, bem como a extensa obra deixada por Elisée Reclus que revolucionou os
estudos geográficos. Reportou-se, também, às expedições recentes ao pólo norte e os estudos
contemporâneos sobre os cursos dos grandes rios.274
Para De Martonne, a formação de “cultura geográfica brasileira” implicava em deveria
privilegiar, sobretudo, a “diversidade da paisagem natural” do território. Mas, seguindo a
tradição da superioridade intelectual européia face aos países do Novo Mundo, ele advertia
que dificilmente os especialistas locais conseguiriam dar conta do estudo dessa multiplicidade
de “temas geográficos”, sem a cooperação e o intercâmbio com organismos estrangeiros:

(...) os problemas da geografia moderna são com efeito de uma tal complexidade que não
poderiam ser resolvidos pelas pesquisas puramente locais: descritiva, sistemática e
interpretativa; a geografia moderna é obrigada, não somente a estar em contato com as
diversas ciências físicas, naturais e sociais, mas ter em conta, na análise de cada caso local,
casos semelhantes verificados e eventualmente estudados em outras regiões. 275

Apoiado nesse raciocínio, Emannuel De Martonne aconselhava o ingresso do Brasil na


União Geográfica Internacional. Para tanto, sugeria que se formasse um “Comitê Nacional de
Geografia” composto por geógrafos, cartógrafos, botânicos, banqueiros, economistas e outros
profissionais interessados na disciplina que compreendessem o caráter utilitário dos seus
estudos:

272
Academia Brasileira de Ciências, “Recepção do professor Emmanuel De Martonne”, Rio de Janeiro, Anais da Academia
Brasileira de Ciências, t. 6, n. 1, 1934, p.27-48.
273
Idem, p. 31.
274
Emmanuel De Martonne, “Resposta do professor”. Rio de Janeiro, Anais da Academia Brasileira de Ciências, t. 6, n. 1,
1934, p. 34.
275
Idem, p. 38.
88

(...) O valor dessa cooperação se evidencia desde logo do duplo fato de vossa cultura e
brilhante operosidade em trabalhos geográficos bem como da variada riqueza de temas
geográficos de vosso extenso país, cujo futuro econômico é o melhor possível, se
considerarmos as riquezas naturais do país, suas inúmeras quedas d‟água, etc. 276

A visita de De Martonne surtiu os efeitos esperados. Meses mais tarde, a Sociedade de


Geografia do Rio de Janeiro junto com a Academia Brasileira de Ciências formularam um
projeto para a instalação do Comitê Nacional de Geografia, formado por seis seções,
consoante as seguintes especialidades: topografia e cartografia; geografia física; biogeografia;
geografia humana; geografia histórica e geografia econômica. O documento esboçava a
estrutura e o funcionamento do Comitê, acompanhado da minuta dos seus estatutos, fixando
as formas de filiação e de participação dos seus membros, os meios de captação de recursos e
a taxa de contribuição anual à União Geografia Internacional. 277
Apesar dos esforços envidados, sérios obstáculos acabariam por impedir a instalação
do Comitê. Não se conseguiu sensibilizar as autoridades para o financiamento das reuniões de
técnicos e de colaboradores. Nem se obteve dados confiáveis sobre o país, devido à conhecida
ausência de um sistema regular de levantamento de informações. Com objetivo de atrair a
atenção os órgãos públicos, a Academia Brasileira de Ciências, com o apoio da Sociedade de
Geografia dirigiu um ofício ao Ministro da Agricultura, Odilon Braga, insistindo na
importância econômica e científica do projeto.278 Outras mobilizações em prol do Comitê se
sucederam, na esteira da fundação dos cursos das Faculdades de Filosofia. Em 1936, dois
professores da chamada “Missão Francesa” das Universidades de São Paulo e do Distrito
Federal, respectivamente, Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig, bem como a Associação dos
Geógrafos Brasileiros reiteraram a solicitação da Sociedade de Geografia, desta feita, junto ao
Ministro das Relações Exteriores, José Carlos de Macedo Soares. Para reforçar o pleito, o
professor Deffontaines encaminhou uma carta pessoal ao chanceler, em que solicitava
279
formalmente a entrada do Brasil na União Geográfica Internacional. A intervenção foi
decisiva e o movimento agitou o cenário intelectual. Segundo Eli Alves Penha, (...) o próprio
Estado brasileiro enxergava nesta proposta a possibilidade de viabilizar ações
governamentais, utilizando métodos técnicos e científicos reconhecidos, para uma gestão

276
Idem, p. 41.
277
Academia Brasileira de Ciências, “Comitê Nacional de Geografia”. Rio de Janeiro, Anais da Academia Brasileira de
Ciências, t. 6, n. 1, 1934, p.45-48.
278
IBGE, “Histórico da Criação do Conselho Nacional de Geografia”. In: Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro:
IBGE, v. 1, n.1, jan./mar. 1939, p. 9-19.
279
Idem, p. 14.
89

mais racionalizada do seu território.280


Com o aval do presidente da República, o ministro Macedo Soares convocou diversas
figuras representativas da nova “cultura geográfica” para discutir o estabelecimento de um
órgão oficial, com a finalidade de organizar e sistematizar o conhecimento geográfico
disponível. Esta repartição pública deveria atuar de modo articulado com o sistema de
coordenação estatístico, idealizado pelo sócio efetivo da SGRJ, o advogado Mário Augusto
Teixeira de Freitas, através do Instituto Nacional de Estatística (INE), criado em 1934 e
instalado em 1936, sob a presidência do próprio chanceler Macedo Soares.281 É importante
frisar que os conceitos desenvolvidos por Teixeira de Freitas já vinham sendo alvo das
atenções da Sociedade, desde 1931, quando na sessão de 2 de outubro, o advogado
pronunciou uma conferência sobre resultados alcançados pelos serviços de estatística no
estado de Minas Gerais, obra hoje em dia percebida como fundamental para o estudo da
evolução histórica da estatística brasileira 282.
Realizaram-se cinco reuniões preparatórias no Palácio do Itamaraty, com a presença
de personalidades que integravam os quadros da Sociedade de Geografia, a exemplo do
general Moreira Guimarães, presidente da SGRJ; de Max Fleüiss, também secretário perpétuo
do IHGB; do almirante Raul Tavares, diretor da Navegação da Armada; do coronel Alípio di
Primio, diretor do Serviço Geológico do Exército; do engenheiro Eusébio de Oliveira, diretor
do Serviço Geológico e Mineralógico; de Fernando Raja Gabaglia e de Honório Silvestre,
professores do Colégio Pedro II; de Silvio Fróes de Abreu, catedrático do Instituto de
Educação; de Sebastião Sodré da Gama, diretor do Observatório Nacional; de Alcides
Bezerra, diretor do Arquivo Nacional; de João Felipe Pereira, diretor do Clube de Engenharia;
de Alberto Sampaio, do Museu Nacional; do ministro Bernardino José de Souza, presidente
do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, entre outros.283
O ministro Macedo Soares após ouvir as ponderações do grupo preparou um projeto

280
Eli Alves Penha, A criação do IBGE no contexto de centralização política do Estado do Novo. Rio de Janeiro: IBGE,
Documentos para disseminação, 1993, p. 74.
281
Mário Augusto Teixeira de Freitas (1890-1956), bacharel em Direito. Trabalhou na Diretoria Geral de Estatística do
Ministério da Agricultura, Viação e Obras Públicas em 1911. Em 1920, foi Delegado Geral do Recenseamento de Minas
Gerais, onde testou com sucesso a aplicação do sistema de cooperação inter-administrativo. Com o golpe de 1930, assumiu a
Diretoria de Informação, Estatística e Divulgação, órgão subordinado ao Ministério da Educação e da Saúde Pública. O
Instituto Nacional de Estatística criado em 1934 baseava-se no seu plano de colaboração entre as esferas municipal, estadual
e federal. Entre 1936 e 1948, foi designado secretário geral do Conselho Nacional de Estatística, do Instituto Nacional de
Estatística, depois transformado no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
282
Mario Augusto Teixeira de Freitas, “Os serviços estatísticos do estado de Minas Gerais”. Revista da Sociedade, Rio de
Janeiro, t. 36, 1932, p. 170-229
283
IBGE, “Histórico da Criação do Conselho Nacional de Geografia”. In: Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro:
IBGE, v. 1, n.1, jan./mar. 1939, p. 15.
90

de lei, aprovado por Getúlio Vargas, que instituía o Conselho Nacional de Geografia, no
âmbito do Instituto Nacional de Estatística (INE). O mesmo decreto autorizava a filiação do
Brasil à União Geográfica Internacional e destinava recursos do Tesouro para esse fim, no
orçamento do Ministério das Relações Exteriores. O Conselho objetivava reunir e coordenar
os estudos geográficos no país, bem como promover a articulação entre órgãos oficiais,
instituições particulares e os profissionais no sentido de estabelecer a “cooperação geral para
um conhecimento melhor e sistematizado do território pátrio”.284 Mais tarde, em 1938, seria
criado o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, subordinado à presidência da
República, com a fusão do Conselho Nacional de Estatística e do Conselho Nacional de
Geografia, encampando também as competências do antigo Serviço Nacional de
Recenseamento.285 Nos primeiros anos de funcionamento, o IBGE esteve direcionado para a
pesquisa e a organização de conhecimentos geográficos e estatísticos, já que as universidades
se voltavam somente para o ensino. Caberia à nova instituição, portanto, realizar
investigações de campo com o objetivo de formalizar as informações sobre o território
nacional, tanto do ponto de vista da produção do conhecimento acadêmico, quanto
subsidiando ações para o planejamento estratégico do governo federal. 286
As repercussões positivas do Congresso de Paris, no entanto, extrapolaram a inserção
brasileira na União Geográfica Internacional. Serviram também de estímulo para que se
iniciasse um movimento de renovação da disciplina, em que se postulava passar de uma
geografia preocupada com a toponímia (...) para a geografia do conhecimento do espaço
brasileiro, através da introdução dos novos conceitos da pesquisa geográfica.287
A par disso, a visita de De Martonne à associação do Rio de Janeiro abriu caminho
para efetivar a contratação de professores franceses, tais como Pierre Deffontaines 288, Pierre
Monbeig e Francis Ruellan, que desempenharam um papel de grande relevância na

284
IBGE, “Histórico da Criação do Conselho Nacional de Geografia”. In: Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro:
IBGE, v. 1, n.1, jan./mar. 1939, p. 16.
285
Cf. Nelson de Castro Senra, História das Estatísticas Brasileiras. Rio de Janeiro: IBGE, CDDI, 2006. Ver, também,
Roberto Schmidt de Almeida, A Geografia e os geógrafos do IBGE, (1938-1998). Tese de Doutorado. Rio de Janeiro:
Programa de Pós Graduação em Geografia, UFRJ, 2000, p. 61-63.
286
Vera Lúcia Cortes Abrantes, “Fotografia e memória da geografia no IBGE”. In: XI Encontro Regional de História -
Democracia e conflito. Rio de Janeiro: ANPUH, 2004.
287
IBGE, “Histórico da Criação do Conselho Nacional de Geografia”. In: Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro:
IBGE, v. 1, n.1, jan./mar. 1939, p. 9.
288
Cf. Marieta de Moraes Ferreira, “Diário pessoal, autobiografia e fontes orais: a trajetória de Pierre Deffontaines” In:
International oral history conference. Oral history challenges for de 21 st. century. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV/Casa de
Oswaldo Cruz, 1998, v.1, p. 379-386. Ver, também, Roberto Schmidt de Almeida, op. cit. p. 66.
91

implantação dos cursos superiores de geografia nas Universidades de São Paulo (1934) 289 e do
Distrito Federal (1935)290, sendo que nesta última não se pode esquecer a contribuição de
veteranos membros da Sociedade como os professores Delgado de Carvalho e Raja Gabaglia.
Vale lembrar que Pierre Deffontaines também foi responsável pela fundação da
Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) em São Paulo e, quando se transferiu para o Rio
de Janeiro, em 1935, estabeleceu a filial carioca da Associação. A AGB pretendia a reunir os
egressos das faculdades de filosofia que desejassem explorar o território brasileiro, bem como
291
difundir as novas diretrizes da geografia. E, embora os seus objetivos não se mostrassem
muito distantes daqueles desenvolvidos pela Sociedade do Rio de Janeiro 292, o caráter de
órgão representativo da categoria, conferido à Associação, contribuiu para forjar o que os
estudiosos hoje em dia denominam de “comunidade científica” 293.

3.2. A Sociedade de Geografia e os projetos de reordenação geopolítica do espaço


brasileiro

O período que se estende entre 1930 e 1945, não é demais repetir, caracterizou-se pelo
desenvolvimento de uma “cultura geográfica” de cariz nacionalista, em que se observa forte
incidência de trabalhos e de projetos voltados para a reforma geopolítica do território
brasileiro. Neste sentido, a propósito da convocação para a Assembléia Constituinte, em 1933,
a Sociedade de Geografia retomaria o debate a respeito da divisão administrativa do espaço
nacional. Além disso, recuperou a discussão a respeito da demarcação das divisas
interestaduais294, uma vez que, os dispositivos do Decreto no. 20137, baixado pelo Governo

289
Sobre o estabelecimento da Universidade de São Paulo e as relações entre Brasil e França, ver: Patrick Petijean, “As
missões universitárias francesas na criação da Universidade de São Paulo (1934-1940)”. In: Amélia I. Hamburger [et al.], A
ciência nas relações entre Brasil-França (1850-1950). São Paulo: EDUSP, FAPESP, 1996, p. 259-330.
290
Armen Mamigonian, “A AGB e a produção geográfica brasileira: avanços e recuos”. Revista Terra Livre, São Paulo, n. 8,
p. 157-62, 1991. _______. A geografia universitária carioca e campo científico disciplina da geografia brasileira. Tese de
Doutorado. Programa de Pós Graduação em Geografia Humana, Universidade de São Paulo, 2002,
291
Ver Manuel Correia de Andrade, Uma geografia para o século XXI. Campinas: Papirus, 1994.
292
No dia 17 de setembro de 1934, fundava-se a Associação dos Geógrafos Brasileiros na residência do professor Pierre
Deffontaines em São Paulo, com a participação do professor da Escola Politécnica, Luis Flores de Moraes Rego e dos
historiadores Rubens Borba de Moraes e Caio Prado Junior. Seguindo o modelo da Association de Geographie Française, a
entidade tinha por objetivos iniciais: 1º. a reunião periódica dos membros com exposição de um assunto de Geografia
brasileira por um do membros, seguida de discussão; 2º. Organização de excursões em comum para estudo de uma questão;
3º. Constituição de uma biblioteca especializada em Geografia, por colaboração dos membros e doações (livros, revistas e
cartas). Coube a presidência da entidade a Pierre Deffontaines, a função de secretário ficou a cargo de Caio Prado Junior e o
de tesoureiro a Rubens Borba de Moraes.
293
Cf. José Veríssimo da Costa Pereira, op.cit. Ver também, Mônica Sampaio Machado, op. cit.
294
Em 1885, José Carlos de Carvalho solicitou que a Sociedade de Geografia nomeasse uma comissão para estudar e
92

Provisório, em 22 de junho 1931, para solucionar aquelas pendências com base no principio
do uti-possidetis ainda não havia sido posto em prática, “tendo predominado o espírito
295
regionalista sobre o de brasilidade” , de acordo com a opinião externada na SGRJ pelo
comandante Thiers Flemimg 296.
Seja como for, no entender do sócio general Liberato Bittencourt, as circunstâncias
políticas se mostravam favoráveis para dirimir velhas pendências. O militar argumentava que,
se geografia praticada até então no Brasil caracterizava-se pelo empirismo, “uma ciência pura
de almanaque”, esta abordagem tradicional estaria em vias de transformação, com o
surgimento das “idéias revolucionárias”, advindas do golpe de 1930.297 Por conseguinte,
para os filiados da SGRJ, que se autoproclamavam “construtores da nacionalidade”, o governo
forte instituído por Vargas dispunha de meios para a resolver aqueles impasses, eliminando
certos regionalismos que constituíam um entrave ao desenvolvimento do país298.
O desequilíbrio geopolítico entre as unidades administrativas da Federação já vinha
sendo discutido na Sociedade de Geografia, desde 1919, quando Ezequiel Augusto Ubatuba
expôs uma proposta de redivisão territorial, conforme se viu no capítulo anterior.299 De fato,
a desproporção entre as áreas dos estados, assim como as divergências sobre os seus limites
físicos dificultavam a aplicação do sistema federalista.
Em contraposição a um alegado “sentimento marcadamente regionalista”, a Sociedade
decidiu formar um grupo de trabalho com a finalidade de estudar um novo desenho político-
administrativo para país. Denominado de “Grande Comissão Nacional de Redivisão
Territorial e Localização da Capital Federal”, o grupo seria coordenado por Everardo

apresentar ao governo imperial um parecer a respeito dos limites entre as províncias de Paraná e Santa Catarina. Em 1909,
durante o Primeiro Congresso Brasileiro de Geografia, José Arthur Boiteux apresentou um trabalho à comissão de Geografia
Histórica daquele certame sobre a questão de limites entre esses dois estados. Cf. Luciene Pereira Carris Cardoso, op. cit.
295
Thiers Fleming, “Pelo Brasil Unido”. Revista da Sociedade, Rio de Janeiro, t. 40, 1935, p. 19.
296
Thiers Fleming (1880-1971). Oficial da Marinha, participou das negociações do acordo que poria fim ao conflito armado
entre a população e os representantes do poder estadual e federal basileiro, denominada de “Guerra do Contestado”. O
conflito travado entre outubro de 1912 a agosto de 1916, numa região rica em erva-mate e madeira que era disputada pelos
estados do Paraná e de Santa Catarina. Fleming ocupou cargos de destaque nas esferas militar e intelectual. Foi Ministro-
Chefe do Estado Maior, sócio de entidades culturais e de representações da sociedade civil, tais como a Sociedade de
Geografia do Rio de Janeiro, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Clube de Engenharia e a Liga de Defesa Nacional.
Dedicou grande parte de sua vida aos estudos dos limites interestaduais. Publicou vários livros e artigos, dentre os quais:
Limites Inter-estaduais (1917) e Limites e Superfície do Brasil e seus Estados (1918). Ver, IHGB. Dicionário Bibliográfico
de Historiadores, Geógrafos e Antropólogos Brasileiros. Rio de Janeiro: Gráfica Editora do Livro, 1992.
297
Liberato Bittencourt, “Sobre o estudo racional da geografia”. Revista da Sociedade, Rio de Janeiro, t. 37, 1933, p.71-75.
Em 1933, o general dissertou sobre os novos rumos do saber geográfico, demonstrando quais os melhores caminhos para a
nova divisão territorial brasileira. Manuel Liberato Bittencourt (1869-1948), professor e engenheiro formado pela Escola
Militar da Praia Vermelha, colaborou em diversos periódicos, a exemplo do Jornal do Comércio, do Correio do Amanha e
d‟O País, escreveu também diversos trabalhos literários. Ver: Afrânio Coutinho e J. Galante de Souza. Enciclopédia da
literatura brasileira. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Academia Brasileira de Letras, 2001.
298
Waldomiro Pimentel, “Comentários sobre os projetos de redivisão territorial política do Brasil”. Revista da Sociedade,
Rio de Janeiro, t.35, 1935, p. 60.
299
Ezequiel Ubatuba, “O Brasil futuro”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922, 1922, p. 121.
93

Backheuser, então vice-presidente da Sociedade de Geografia, e deveria somar esforços para


(...) servir bem, sem o menor laivo e preocupação subalterna ou regionalista, os supremos
interesses do Brasil.300 No fundo, buscava-se diminuir o poder das unidades mais expressivas
da Federação, a propósito de promover o equilíbrio entre os estados.
A princípio, a “Grande Comissão” tomaria por base as reflexões de Everardo
Backheuser, publicadas no livro Problemas do Brasil: estrutura política, o espaço (1933). Em
particular, apoiou-se no princípio da equipotência (...) no qual se deveria fundamentar a
301
divisão do país, de tal sorte que o território fosse repartido , de maneira mais ou menos
302
equivalente (...) em superfície, população e eficiência econômica . O país seria repartido em
províncias e em territórios nacionais, cujos limites se definiriam cientificamente por meio de
meridianos de paralelas. A concepção de Backheuser, consoante o pensamento desenvolvido
na Sociedade de Geografia desde a década de 1910, buscava fortalecer a unidade nacional:
(...) propor uma nova divisão territorial para o Brasil é encarar este abatêsmico problema de
regionalismo. Não apenas encará-lo, mas encará-lo para estirpá-lo como a França o
extinguiu no século XVIII e como os Estados Unidos não lhe permitiram a formação graças a
divisão nacional e lógica de seu território303.
Para Backheuser, o Brasil perdera duas excelentes oportunidades de resolver tais
desequilíbrios: em 1822, na Independência e, mais tarde, em 1891, na Primeira Constituição
Republicana304. Não por acaso, o seu livro Problemas do Brasil veio a público durante os
trabalhos da Assembléia Constituinte de 1934, justamente quando se debatiam propostas de
reordenamento territorial.

300
SGRJ, “Grande Comissão Nacional de Redivisão Territorial e Localização da Capital Federal”. Revista da Sociedade, Rio
de Janeiro, t. 37, 1933, p.71.
301
Shiguenoli Myamoto, op. cit., p.185.
302
Everardo Backheuser, Problemas do Brasil: estrutura geopolítica. O espaço. Rio de Janeiro: Omnia, 1933. O princípio da
equipotência dividia o território baseando-se em paralelos e meridianos, transformando a Federação em sessenta e quatro
unidades fundamentais, agrupadas em dezesseis estados e seis territórios.
303
SGRJ, “Grande Comissão Nacional de Redivisão Territorial e Localização da Capital Federal”. Revista da Sociedade, Rio
de Janeiro, t. 37, 1933, p. 130.
304
O livro está dividido em três partes: a primeira denominada “O valor político da grande área do Brasil” foi publicada no
Jornal do Comércio; a segunda, “O princípio da equipotência aplicado a divisão territorial do Brasil”, foi apresentada ao
Instituto Pan-Americano de História e Geografia. A última - “Localização da Capital Federal” constituía uma das
contribuições do autor para o Oitavo Congresso Brasileiro de Geografia, realizado em 1926 na cidade de Vitória.
94

Mapa no 2
O projeto de Divisão Territorial do Brasil de Everardo Backheuser

Fonte: Fleming, Thiers. Pelo Brasil unido e forte. Nova Divisão


Territorial do Brasil. Rio de Janeiro, 1939. p. 159.

Na justificativa da sua proposta, Everardo Backheuser historiou as principais


“tentativas racionais de subdivisão” do território brasileiro, 305 e tomou como referência
principal o Memorial Orgânico (1849-1850) de Francisco Adolfo Varnhagen, o Visconde de
Porto Seguro. É importante ressaltar que Varnhagen havia identificado os problemas
decorrentes da disparidade das áreas das províncias do Império e vislumbrou três projetos
possíveis para resolvê-los. O primeiro inspirava-se no modelo dos Estados Unidos, cuja
divisão era determinada por coordenadas geográficas. Todavia, o julgou inconveniente, pois
tal modelo poderia recortar o país ignorando os acidentes geográficos. O segundo baseava-se
nos limites naturais, enquanto o terceiro mesclava coordenadas geográficas com os talvegues
dos rios. Para o visconde de Porto Seguro, a solução seria dividir o país em vinte e duas
províncias, adotando os limites naturais das linhas divisórias dos rios.

Além disso, de forma pioneira, Porto Seguro sugeriu transferir a capital do Brasil do
litoral para o interior. Plano, aliás, que reapareceria em 1891, na Primeira Constituição
Republicana, a qual previa a delimitação de uma área no planalto central de Goiás para que

305
Everardo Backheuser, Problemas do Brasil. Rio de Janeiro: Omnia, 1933.
95

fosse erguida uma nova sede do governo federal. 306 Para integrar a “Grande Comissão
Nacional de Redivisão Territorial e Localização da Capital Federal”, a Sociedade de Geografia
convidou instituições cientificas e culturais, além de órgãos técnicos do governo 307. Esperava-
se, assim, receber subsídios de outros campos do conhecimento, como a história, a sociologia
e a experiência militar, para redigir uma proposta consistente e de caráter científico, de modo a
equacionar a assimetria das unidades políticas do país:

(...) Uma boa divisão territorial, portanto, deve subordinar-se a um conjunto de


circunstâncias que tendam a fortalecer os laços da unidade nacional, auxiliando e
robustecendo a ação unificadora da justiça e do ensino nacionais, das classes armadas bem
aparelhadas, da exclusividade do hino e da bandeira da pátria, da multiplicação dos meios
de circulatórios, da supressão dos impostos inter-estaduais e dos exércitos regionais, do
aumento da população rígida e educada no culto da história e das tradições brasileiras. 308

Mapa no 3
Divisão territorial proposta pela “Grande Comissão Nacional” em 1933

Fonte: Revista da Sociedade, Rio de Janeiro, t. 37-38, 1933, p. 134.

306
Lúcia Maria Paschoal Guimarães, “A paternidade do passado”. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de
Janeiro, p. 55 - 59, 03 mar. 2006.
307
Foram convocados, entre outros, representantes da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, do Clube Militar, do Clube
de Engenharia, do Instituto dos Advogados do Brasil, do Instituto de Engenharia Militar, do Instituto Histórico e Geográfico,
do Serviço Geográfico do Exército, dos Ministérios da Marinha e da Guerra.
308
SGRJ, “Grande Comissão Nacional de Redivisão Territorial e Localização da Capital Federal”. Revista da Sociedade, Rio
de Janeiro, t. 37, 1933, p. 130.
96

Ao final dos trabalhos, a “Grande Comissão” propôs um mapa bem diverso daquele
idealizado por Backheuser. Previa a adoção de um quadro geopolítico menos fragmentado,
formado de vinte unidades federativas e dez territórios lindeiros, cobrindo praticamente toda a
área de fronteira com as nações vizinhas, entre o extremo norte e o sudoeste do país, o que
revela forte preocupação com a defesa da soberania nacional. Sugeria, ainda, substituir a
denominação de “estado” pela de “província”, de acordo com a tradição histórica da
autonomia política nacional. Para legitimar tais alterações, a Comissão advertia para
necessidade de se realizar uma campanha de esclarecimento junto à população, de forma a
conscientizá-la da sua importância:

(...) Outro argumento que se aponta comumente, é que redividindo-se o Brasil para
fortalecer-lhe a unidade, arrisca-se a quebrá-la inicialmente, promovendo-se a redivisão. Esse
argumento procederia se a redivisão fosse feita violentamente, sem apoio do povo e das
classes armadas, sem prévio trabalho de persuasão coletiva, com injustiças ou regionalismos
parciais.309

No mapa concebido pela “Grande Comissão”, da área do estado do Pará seriam


desmembrados os territórios do Amapá e de Óbidos; da do estado do Amazonas, os territórios
de Rio Bonito, de Rio Negro, de Solimões e do Acre; da do estado de Mato Grosso, os
territórios de Guaporé, de Jaurú e de Maracajú.
Além disso, entre os estados de Santa Catarina e do Paraná seria criado um território
tampão, de Iguaçu, ao qual se recomendava a maior atenção do governo, em decorrência da
forte concentração de imigrantes estrangeiros na região e da importância econômica do rio
Paraná. 310 A demarcação dos limites entre aqueles dois estados constituía um tema de debate
recorrente nas sessões da Sociedade de Geografia. O sócio José Arthur Boiteux cumprira
missão especial de pesquisa na Torre do Tombo, em Portugal, quando levantou documentos
para definir as linhas limítrofes entre aqueles estados311.
O contencioso se alongava desde o período imperial e acirrou-se durante a República
com a chamada “Guerra do Contestado” que se estendeu de 1912 a 1916, em terras situadas

309
Idem, p.140.
310
Idem, p.135.
311
José Arthur Boiteux foi, também, idealizador e fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina instalado
em 7 de setembro de 1896, na cidade de Florianópolis, com o objetivo de fortalecer os estudos históricos e geográficos
naquele estado. Cumpriu missão especial de pesquisa na Torre do Tombo, em Portugal, quando levantou documentos para
definir os limites entre Santa Catarina e Paraná. Iniciou sua carreira política com o regime republicano, elegendo-se deputado
estadual entre os anos 1894 e 1896. Cf. Augusto Victorino A. Sacramento Blake; Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, 1902.
97

entre os rios Negro, Iguaçu, Uruguai e a fronteira com a Argentina. É importante acrescentar
que a disputa só seria resolvida em 1937, com o advento do Estado Novo, sendo Getúlio
Vargas enaltecido na SGRJ como o “Deus-Terminus” das questões dos limites
interestaduais312.
Em relação à proposta da transferência da capital federal do litoral para o interior do
país, a Sociedade de Geografia também se afastou do projeto de Backheuser. Recuperou o
antigo Relatório da missão chefiada pelo astrônomo Luiz Cruls (1894), que demarcou no
estado de Goiás, uma área considerada adequada para erguer a nova capital da República,
chamada de “Quadrilátero Cruls”. Para a “Grande Comissão”, novamente, prevaleceu a
intenção de preservar a soberania nacional, já que a capital localizada em área central do país
ficaria melhor protegida de possíveis ataques externos.313
A consecução do plano elaborado pela Grande Comissão orientava-se por duas
estratégias: a primeira cogitava separar os estados somente nas “partes despovoadas, decaídas,
insalubres, longínquas, de difíceis comunicações”; e a segunda consistia em dividir as extensas
regiões de fronteira, de “vida incipiente e progressista, mas carentes de policiamento, de
instrução, de povoamento e de vigilância”. Aconselhava-se efetivar a sua ocupação, por meio
de medidas de incentivo à lavoura, ao lado da implantação de modernos meios de transporte,
os quais permitiriam o escoamento da produção agrícola e garantiriam o contato permanente e
rápido, com o governo central até então sediado no Rio de Janeiro 314.
Além do projeto da “Grande Comissão Nacional”, outro esquema de divisão de
unidades federativas seria submetido à Sociedade, em 1934, desta feita pelo tenente-coronel
Raul Correia Bandeira de Melo, um dos integrantes daquele grupo. No ensaio geográfico “As
novas subdivisões político-administrativas do Brasil”, Bandeira de Melo sugeriu fracionar o
território em setenta unidades, abrangendo trinta estados, vinte territórios, dez províncias e
dez distritos.315

312
Segundo Thiers Fleming, a problemática dos limites interestaduais estava apenas no “domínio histórico”, cabendo a sua
demarcação do Serviço Geográfico do Exército. Thiers Fleming, “Pelo Brasil Unido”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t.
46, 1939, p.10. Em 1940, foi publicada uma versão ampliada da comunicação realizada no ano de 1939.
313
“Grande Comissão Nacional de Redivisão Territorial e Localização da Capital Federal”. Revista da Sociedade, Rio de
Janeiro, t. 37, 1933, p.138.
314
Idem, p. 133.
315
Raul C. Bandeira de Melo, “As novas subdivisões da política administrativa do Brasil”. Revista da Sociedade, Rio de
Janeiro, t. 39, 1934.
98

Mapa no 4
Projeto de Divisão Territorial proposta por Raul Bandeira de Melo

Fonte: Fleming, Thiers. Pelo Brasil unido e forte. Nova Divisão Territorial do Brasil.
Rio de Janeiro, 1939. p. 129.

As inquietações manifestadas pelos integrantes da SGRJ com a divisão


desproporcional dos estados e sua efetiva ocupação não pareciam infundadas. Em 1937, em
sessão na Liga das Nações, o representante japonês, o Barão Shudo apresentou um indicativo
para que as regiões desocupadas de todos os continentes passassem a ser exploradas, visando o
bem comum de todos os povos, em nome da necessidade do “espaço-vital”.316 Esta doutrina,
por certo, constituía uma ameaça à integridade do Estado. Basta lembrar que em uma área que
correspondia a apenas trinta e cinco por cento do território brasileiro concentravam-se noventa
e três por cento da população, deixando evidente a sua fragilidade geopolítica317. Acrescente-
se a isso, o fato da diplomacia brasileira desde de tempos coloniais defender o princípio do
“uti-possidetis solis”, ou seja, a posse efetiva do território se dava pela conquista e o
respectivo povoamento.

316
Ver Mariza Campos da Paz, Noel Nutels: a política indigenista e a assistência à saúde no Brasil central. Dissertação de
Mestrado. Programa de Pós Graduação em Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1994.
317
. Cf. Mario G. Losano. “A geopolítica, da Alemanha nacional-socialista à América Latina: os casos da Argentina e do
Brasil”. In: Hugo Cancino y Rogelio de la Mora (orgs.). Ideas, intelectuales y paradigmas em América Latina (1850-2000).
Xalapa (México): Universidad Veracruzana, 2007, p. 15-44.
99

Aliás, o fantasma de uma nova guerra já se fazia notar nas reuniões da Sociedade.
Além das propostas de reordenamento interno do território formuladas por Backheuser, pela
“Grande Comissão” e por Bandeira de Mello, passou-se a discutir a introdução de mais uma
especialidade do conhecimento geográfico – a “geobélica”. A nova disciplina seria defendida
pelo mencionado coronel Bandeira de Mello, que procurava defini-la como uma área de
estudos, destinada a aproximar civis e os militares: (...) superintendendo teorias especializadas
e com capacidade de aplicação compulsória nos misteres da segurança nacional e no respeito
à nossa uniformidade lingüística (....) a mentalidade militar atualizará a tática e a estratégia,
mercê da impulsão que comunicarem ao binário geografia-operações militares318.
De qualquer modo, sabe-se que a noção de "espaço vital"319, uma das razões teóricas
da deflagração da Segunda Guerra Mundial, constituiu uma das principais motivações que
levariam a “cultura geográfica” do período Vargas a intensificar esforços para ocupar os
vazios demográficos do centro-oeste, uma parte substantiva do território nacional quase
despovoada. Neste sentido, o conhecimento geográfico serviria para o “amenegement”
daquele espaço físico, sem falar dos seus fins estratégicos e militares:

(...) a geografia, enquanto descrição metodológica dos espaços, tanto sob os aspectos que se
convencionou chamar de “físicos”, como sob suas características, econômicas, sociais,
demográficas, políticas (para nos referirmos a um certo corte do saber), deve ser
absolutamente recolocada, como prática e como poder, no quadro das funções que exerce o
aparelho de Estado, para o controle e a organização dos homens que povoam o seu território
e para a guerra. 320

Políticos e militares não escondiam sua inquietação com a integridade do espaço


nacional ameaçada por interesses estrangeiros. A Carta Constitucional de 10 de novembro de
1937, outorgada por Getúlio Vargas, após o golpe do Estado Novo, repetiam alguns dos
dispositivos da Carta de 1934 como a propriedade do subsolo, tornando dependente de
autorização federal sua exploração ou seu aproveitamento industrial, bem como o das águas e

318
Raul Correia Bandeira de Melo, “Apelo”, Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 45, 1938, p. 139. Tais idéias foram
aprofundadas na obra Ensaios de geobélica brasileira. Ver, _______ Ensaios de geobélica brasileira. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1938.
319
De acordo com essa noção, o território estava sempre propenso a profundas alterações. O espaço vital seria a área
necessária para a expansão territorial de um povo, uma conseqüência natural do progresso da nação, o desequilíbrio entre a
população e os recursos disponíveis justificariam o direito de conquista dos territórios dos povos mais fracos pelos mais
fortes, tese que seria posteriormente adaptada pelo partido nazista alemão. A perda do território significava a decadência da
sociedade e o progresso do estado consistia na conquista de novas regiões. Sobre assunto ver: Antonio Carlos Robert de
Moraes, Geografia: pequena história crítica. São Paulo: Hucitec, 1999, p. 56; Shiguenoli Myamoto, op. cit., p. 25.
320
Jean Yves Lacoste, A geografia isso serve, em primeiro lugar para fazer a guerra. São Paulo: Papirus, 1989, p. 10.
100

o da energia hidráulica. No Título relativo à “Segurança Nacional”, o artigo 165 ampliava a


faixa de fronteira de 100 para 150 quilômetros e restringia a utilização da mão de obra
estrangeira. 321 Sintomaticamente, a Sociedade de Geografia divulgou um “Retrospecto” com
a análise desses preceitos, acrescido de um comentário crítico do artigo 184 322. Este
dispositivo extinguia as questões de limites entre os estados e determinava que o Serviço
Geográfico do Exército procedesse às diligências de reconhecimento e descrição dos limites
até então sujeitos a dúvida ou litígios, ficando responsável pelas necessárias demarcações. De
acordo com o parecer da Sociedade, o artigo carecia de regulamentação, pois se considerava
que (...) as questões de limites interestaduais estão extintas, apenas, no texto escrito da
Constituição ou no papel, em casos diversos, mas existem, em estado latente, no espírito
pessoal que espera outra Constituição ou o não cumprimento do artigo 184 (...).323
No entender de Getúlio Vargas, o território brasileiro se assemelhava a um
arquipélago de vazios demográficos, situação que poderia atrair a cobiça de outras nações324.
Para alterar esse panorama, o governo lançou a campanha da “Marcha para Oeste”, iniciada
em 1940. Buscava-se, assim, vencer os vazios territoriais e integrá-los à rede urbana,
deslocando populações, abrindo novas frentes de ocupação, ampliando pequenos núcleos
habitacionais existentes, de maneira a empregar os recursos naturais disponíveis ainda
inexplorados.
Do ponto de vista simbólico, a “Marcha” retomava a tradição dos bandeirantes, os
grandes heróis da conquista do território nacional. No âmbito prático, o avanço em direção ao
oeste deveria contribuir para distribuir melhor a população, concentrada em determinadas
áreas, desde a época colonial. O plano de penetração e aproveitamento do hinterland trazia
as marcas da “modernização conservadora”. Modernizar significava, sobretudo, reorganizar e
ocupar o território, valorizando-o. Como se pode observar, a construção de um discurso sobre

321
Constituição dos Estados Unidos do Brasil – de 10 de Novembro de 1937. Título: Da Segurança Nacional. Art. 165:
Dentro de uma faixa de cento e cinqüenta quilômetros ao longo das fronteiras, nenhuma concessão de terras ou de vias de
comunicação poderá efetivar-se sem audiência do Conselho Superior de Segurança Nacional, e a lei providenciará para que
nas indústrias situadas no interior da referida faixa predominem os capitais e trabalhadores de origem nacional.
322
Constituição dos Estados Unidos do Brasil – de 10 de Novembro de 1937. Título: Disposições Transitórias e finais. Art.
184: Os Estados continuarão na posse dos territórios em que atualmente exercem a sua jurisdição, vedadas entre eles
quaisquer reivindicações territoriais § 1º - Ficam extintas, ainda que em andamento ou pendentes de sentença no Supremo
Tribunal Federal ou em Juízo Arbitral, as questões de limites entre Estados. § 2º - O Serviço Geográfico do Exército
procederá às diligências de reconhecimento e descrição dos limites até aqui sujeitos a dúvida ou litígios, e fará as necessárias
demarcações.
323
SGRJ, “Retrospecto”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 46, 1939, p. 87-89.
324
O interesse do governo nazista pelas regiões de grande fluxo imigratório germânico no Brasil era notório desde o início do
século XX, principalmente no estado de Santa Catarina. Ver, Mario Losano, op. cit.
101

uma identidade nacional constituía uma figura central do imaginário político varguista. 325
No rastro da “Macha para o Oeste” e com base no conceito de região natural, em
1942, o Conselho Nacional de Geografia concebeu um novo mapa do território brasileiro,
dividindo-o em 5 “grandes regiões”: Norte, Nordeste, Leste, Sul e Centro-Oeste, sendo que a
região nordeste se subdividia em nordeste oriental e nordeste ocidental, e a região leste, em
leste setentrional e leste meridional. No ano seguinte, Vargas assinou o decreto-lei 5812 de 13
de setembro, estabelecendo cinco territórios federais, cuja gestão subordinava-se diretamente
ao poder central: Amapá, Rio Branco (atual Roraima), Guaporé (atual Rondônia) na região
326
norte; Iguaçu, na região sul; e Ponta Porá, na região centro-oeste . Cumpria-se, assim, a
última etapa do processo, a chamada “Lei Geográfica do Estado Novo”327.

Mapa no 5
Divisão territorial do Brasil em 1944

Fonte: IBGE, Conselho Nacional de Geografia, Tiragem


efetuada por ocasião da II Reunião Pan-Americana de Consulta
sobre Geografia e Cartografia, 1944.

325
Ângela de Castro Gomes, “Ideologia e trabalho no Estado Novo”. In: Repensando o Estado Novo. Organizadora: Dulce
Pandolfi. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999, p. 53.
326
O Território Federal de Fernando de Noronha fora criado em 1942 e incluído na região Nordeste Oriental. Em 1946, após
o fim do Estado Novo, os territórios de Iguaçu e Ponta Porã foram extintos.
327
Ver, José Carlos de Macedo Soares. “Prefácio”. In: IBGE. Divisão Territorial dos Estados Unidos do Brasil. Rio de
Janeiro: IBGE, 1940, p. VII.
102

Como se pode perceber, a nova configuração, em parte, acatava as proposições


oferecidas pela “Grande Comissão” da SGRJ; os cinco territórios recém criados se
localizavam em “regiões de fronteira”, de importância estratégica para o Estado brasileiro:

(...) a Sociedade teve o prazer de triunfar um dos seus projetos há muito cogitado, qual seja o
problema da criação de novos territórios federais, problema esse encarado concretamente
pelo governo da República, pelo decreto de 13 de setembro de 1943, que criou cinco novos
territórios. Conforme deveis estar recordados, publicou em 1933 no tomo 38 de sua Revista e
posteriormente em separata a redação final da matéria vencedora da “Grande Comissão
Nacional de Redivisão Territorial e Localização da Capital Federal”, na qual era proposta a
criação de dez territórios. 328

3.3. A Sociedade de Geografia e a ocupação do arquipélago de vazios demográficos: a


imigração

Tributária da preocupação com as áreas inexploradas existentes no país e com a


baixíssima densidade demográfica dessas localidades, a problemática do povoamento, através
do recurso à imigração era outro alvo da “cultura geográfica” varguista, e por tabela, das
atenções dos membros da Sociedade de Geografia.
Sabe-se que nas primeiras décadas do século XX, portugueses e japoneses constituíam
os grupos que mais emigravam para o Brasil. Em 1934, o governo passou a restringir a sua
entrada. A partir daí, só poderiam ingressar, anualmente, até 2% do total de imigrantes de uma
mesma nacionalidade. Havia, no entanto, outros mecanismos legais de controle, como o
sistema de quotas por nacionalidade, o que privilegiava determinadas nacionalidades, como
portugueses, espanhóis e italianos, em detrimento dos alemães e dos japoneses.
Não por acaso, quando da promulgação da Constituição Brasileira de 1934, o Ministro
da Justiça, José Carlos de Macedo Soares, solicitou a contribuição da Sociedade de Geografia
para examinar e comentar os dispositivos da nova Carta, que abordavam a política imigratória
e a adoção da nacionalidade brasileira, por parte de estrangeiros. O reduto intelectual carioca
empreendeu um ciclo de três palestras, proferidas pelos professores Raimundo Saladino de
Gusmão, Hélio Gomes e Roberto Moreira da Costa Lima, sendo que apenas a primeira foi
publicada na Revista.329

328
SGRJ, “Relatório das atividades da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro de 1943”. Revista da Sociedade de
Geografia, Rio de Janeiro, t.51, 1944, p. 99
329
SGRJ, “Relatório do ano de 1935”, Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 42-44, 1936-1937, p. 84.
103

Membro do Conselho Diretor da SGRJ e professor de Direito Internacional Privado da


Universidade do Distrito Federal, Raimundo Saladino de Gusmão apoiava-se no principio do
domicilio, corrente que também agregava os juristas Augusto Teixeira de Freitas, João
Monteiro, Carlos de Carvalho e Bulhões de Carvalho. Defendia a integração e a subordinação
do elemento estrangeiro aos dispositivos legais e à cultura nacional. Em relação ao perigo
“amarelo” da imigração japonesa, esclareceu que a legislação recém introduzida a qualquer
momento poderia alterar o sistema de colonização adotado e promover a re-distribuição dos
colonos, misturando nacionalidades diferentes, para que se consolidasse a língua nacional e a
sua fixação definitiva no território.330
Apesar da interpretação tranqüilizadora do jurista Saladino de Gusmão, o sócio José
Wanderley de Araújo Pinho 331 não se mostrou convencido da inocuidade do “perigo
amarelo”. Externou suas apreensões diante do rápido crescimento da colônia japonesa no
Brasil. Diga-se de passagem, as questões relacionadas com o Japão andavam em evidência
nas reuniões da Sociedade de Geografia. Por aquela mesma época, o sócio João Ribeiro
Mendes leu e comentou o ensaio de um certo F. Restrepo Eldridge intitulado “O esforço do
Japão para o predomínio comercial do mundo”. A contribuição seria publicada na Revista e
consistia em uma análise da economia japonesa, com ênfase no exame da produção industrial
e do custo da mão de obra nipônica, considerado bem inferior ao de outros países. 332
O certo é que Wanderley Pinho continuou a animar os debates sobre a questão
imigratória dentro e fora da Sociedade. Na Câmara dos Deputados, fez um importante
pronunciamento sobre a “Fixação dos imigrantes e assimilação do imigrante estrangeiro”,
transcrito na Revista333, em que examinava os prós e os contras da presença japonesa no
Brasil. Embora não visse com bons olhos os nipônicos, considerava aceitável o seu ingresso
no país, desde que direcionado exclusivamente para o povoamento de áreas inóspitas.
Ponderava que a “arianização” da população brasileira, sobretudo por meio do
elemento europeu, era primordial para o desenvolvimento econômico. Possibilitou a
modificação dos costumes, com a introdução de novos instrumentos e de técnicas de trabalho
individual e coletivo. Na ótica de Wanderley, foi (...) a entrada dos imigrantes ao sul que deu

330
Raimundo Saladino de Gusmão, “A constituição Brasileira”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 42-44, 1936-1937, p. 05-
19.
331
Sobre a biografia de José Wanderley de Araújo Pinho, ver, Afrânio Coutinho e J. Galante de Souza. Enciclopédia de
literatura brasileira. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Academia Brasileira de Letras, 2001.
332
F. Restrepo Eldridge, “O esforço do Japão para o predomínio comercial no mundo”. Revista da Sociedade, Rio de
Janeiro, t. 40, 1935, p. 159-165.
333
José Wanderley de Araújo Pinho, “Fixação de imigrantes e assimilação do imigrante estrangeiro”. Discurso pronunciado
na Câmara dos Deputados em sessão de 29 de junho de 1935. Revista da Sociedade de Geografia, Rio de Janeiro, t. 40, 1935.
104

origem ao surto industrial paulista e sulriograndense, junto às condições econômicas e


favoráveis que encontraram.334 Por outro lado, ele alegava que a dificuldade de
assentamento dos imigrantes oriundos do Velho Mundo não deveria ser atribuída tão somente
a fatores climáticos. Mas, sim, à ausência de um planejamento oficial que determinasse a
localização, a organização e a manutenção das colônias. Justificava, deste modo, o ante-
projeto que apresentara à Câmara dos Deputados, ao passo que visava direcionar o elemento
japonês para os estados do norte e do nordeste, proibindo sua fixação nas colônias já
existentes e indicando a instalação de quartéis do Exército nesses mesmos núcleos.
Os argumentos de Wanderley Pinho reverberam na Sociedade de Geografia. Do ponto
de vista médico-social, seus pressupostos foram reforçados por José Magarinos. Este
advertia que a seleção deveria ser mais rigorosa, cercada da “máxima prudência”, de maneira
a afastar o perigo dos estrangeiros indesejáveis, traçando o perfil físico do imigrante ideal:

(...) devemos preferir a raça de bom talhe, boa pigmentação, cutânea e pilosa, boa
compleição, no sentido das medidas antropométricas, sem o esquecimento de tendências
subjetivas, favoráveis e que se enquadrem aos fins do imigrante. (...) É mister o exame
prévio e rigoroso às levas destinadas ao Brasil, pois que necessitamos, para os nossos
empreendimentos agrários, capacidades físico-psíquicas que se recomendem.335

De fato, a política de povoamento implementada por Vargas evitou o


estabelecimento de imigrantes nas cidades 336, procurando assentá-los, prioritariamente, nas
áreas de fronteira do extremo Oeste. Diferente, portanto, do movimento do final do século
XIX e inicio do XX, quando a imigração se direcionou para as fazendas do oeste paulista e
para a formação de núcleos na região sul. 337
Consoante a orientação da cultura política nacionalista emanada no Palácio do Catete,
a valorização do elemento nacional em detrimento do estrangeiro implicava em fortalecer
certos aspectos formadores da brasilidade. Além da ênfase que se passou a conferir às
tradições culturais, houve quem pretendesse salientar a relação entre a constituição étnica da
população nativa e o idioma falado. No âmbito da Sociedade de Geografia, esse tema foi
trazido à baila pelo professor Renato Mendonça, na palestra “Geografia Lingüística”. Ele

334
Idem, p. 145.
335
José Magarinos, “Imigração (Esboço Médico-Social)”. Revista da Sociedade, Rio de Janeiro, t. 40, 1935, p. 156.
336
Ângela de Castro Gomes, “O trabalhador brasileiro”. In: ______, Lúcia Lippi Oliveira, Mônica Pimenta Velloso, Estado
Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.162.
337
Ângela de Castro Gomes, “Através do Brasil: o território e o seu povo”. In: ______, Dulce Chabes Pandolfi, Verena
Alberti (coords.,), A República do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, CPDOC, 2002, p. 190.
105

utilizou uma complexa metodologia, amparada na análise comparativa de peculiaridades


fonéticas, léxicas, morfológicas e sintáticas, para elaborar mapas lingüísticos de povos
europeus e norte-americanos. Concluiu que (...) o confronto, então, destas várias cartas
lingüísticas de regiões contíguas esclarecem bem as diferenciações dialetais, que o território,
338
aliado a causas históricas e sociais produz na unidade de um idioma. A partir dessas
premissas, o estudioso montou o mapa lingüístico da América do Sul.

Mapa no 6
Carta Lingüística da América do Sul elaborada por Renato Mendonça

Fonte: Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 42-


44, 1936-1937, p. 74.

No mapa elaborado por Renato Mendonça, nos países de origem hispânica acham-se
assinalados os principais focos de dispersão do idioma espanhol e os fatores determinantes
desse processo, apesar dos esforços para manter a unidade da língua herdada da velha
metrópole. No que diz respeito aos domínios da América Portuguesa, Mendonça avaliava que
a formação de um “idioma brasileiro”, caminhava independente do português europeu.

338
Renato Mendonça, “Geografia Lingüística”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 42-44, 1936-1937, p.54.
106

Argumentava que não se tratava de (...) expressão de lusofobia, o ridículo para nós
brasileiros da pronúncia portuguesa, a preocupação em suma de todo o nacionalismo
lingüístico. A questão, portanto, deveria ser encarada do ponto de vista científico, uma vez
que a transplantação da língua (...) das terras lusas para o território americano, os elementos
históricos de diferenciação como o indígena e o africano, a expansão da língua por uma
vasta região, a ação do tempo na continuidade geográfica são todos aliados de uma causa
comum.339

3.4. Outras contribuições à “cultura geográfica” do Estado Novo

Par e passo com as políticas públicas implementadas pelo governo, a Sociedade


estimulou estudos e divulgou trabalhos que versavam sobre temas correlatos na Revista.
Alguns, por sinal, tratam de problemáticas bem atuais. Tal como as reflexões sobre o cuidado
com o meio ambiente, expostas pelo sócio Pierre Deffontaines, na conferência “Nos
responsabilités géographiques dans les zones tropicales” 340. O texto aborda a importância da
floresta amazônica (...) la plus belle de toutes les fourrures vegétales qui habillent la surface
terrestre341, e o papel a ser desempenhado pelos geógrafos na sua proteção, através do
planejamento de reservas e de parques nacionais. Segundo Deffontaines, o Brasil era o
“estado florestal mais rico do mundo”342, porém, a continuidade da prática rudimentar da
coivara, herdada da cultura indígena, provocava a degradação do solo e a destruição de matas
equatoriais virgens, tal como ocorrera em relação à lavoura cafeeira em São Paulo, (...) toute
cette prosperité est souvent ephémère; en moins de vingt ans, la zone pionnière a cesse d‟etrê
attractive; le front de prosperité est passe avant 343. Cabia, pois, aos geógrafos alterar esse
quadro, por meio da realização de pesquisas destinadas à exploração racional e humana da
terra. Caso contrário, advertia: (...) l‟homme est en train de perdre son équateur.344
A adesão da SGRJ à “cultura geográfica” do Estado Novo também incluía a divulgação
de iniciativas governamentais. A “Exposição Retrospectiva do Exército” do período 1930 e

339
Idem, p. 80.
340
Pierre Deffontaines, “Nos responsabilités géographiques dans les zones tropicales”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t.
42-42, 1936-1937, p.131.
341
Idem.
342
Idem, p. 133.
343
Idem, p. 137.
344
Idem, p. 139.
107

1940, mereceu um alentado “Relatório” publicado na Revista. A mostra teve lugar no Quartel
General do Exército, sob a direção do general Valentim Benício da Silva e dividia-se em
diversos setores, compreendendo a educação física, o ensino, o “adestramento técnico” e o
aparelhamento militar. Entre os destaques apontados no “Relatório”, figuravam as atividades
do Serviço Geográfico e Histórico do Exército e da Comissão Rondon. O presidente da
Sociedade enalteceu o papel desempenhado pelo Exército naquele decênio e salientando o
desenvolvimento técnico e militar, em especial, o dos trabalhos de levantamento
aerofotogramétrico 345.
Outro militar, o coronel Temístocles Pais de Sousa Brasil, levou para exame na
Sociedade um estudo sobre a produção e a comercialização do petróleo do Brasil, em que
descrevia os avanços das pesquisas realizadas pela Divisão de Geologia e Mineralogia do
Departamento Nacional de Produção Mineral. De acordo com Sousa Brasil, o órgão formulara
um programa de trabalho sistemático para a exploração de óleo no território do Acre e na
região norte, o que demandava não só altos investimentos financeiros, mas também a
contratação de especialistas e técnicos estrangeiros de “fama internacional”, com o intuito de
introduzir novas técnicas de pesquisa. Porém, o oficial advertia para a necessidade da
nacionalização desses trabalhos “sob administração e direção genuinamente brasileira”. 346
O tema da exploração da região amazônica ressurgiria nas sessões da SGRJ. Aristeu
Portugal Neves, por exemplo, apresentou um ensaio sobre as potencialidades geológicas
daquela área ignoradas pelos especialistas, (...) um trecho de terra depositário de inesgotáveis
reservas para o Brasil e a humanidade.347
Mas, a tradicional problemática dos limites entre o Brasil e os países vizinhos também
continuava sendo alvo de reflexões dos membros da Sociedade. O já citado coronel
Temístocles Pais de Sousa Brasil, elaborou um estudo comparativo entre o trabalho de campo
da Comissão Demarcadora de Limites do Setor Oeste, da qual foi integrante, e o da Comissão
Colombiana de Limites com o Brasil, de 1931. Concluiu que nos dois casos, os tratados
internacionais firmados se baseavam em cartas nem sempre precisas (...) das quais a grande
maioria, senão as totalidades, são tratadas a simples vista ou por informações quando a

345
O “Relatório” foi preparado por uma comissão formada pelos sócios Antônio dos Santos Oliveira Junior, Raul Bandeira
de Mello, Luiz de Oliveira Belo e Carlos Paes de Xavier Barreto. SGRJ, “Relatório apresentado pela comissão encarregada
de representar a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro na Exposição Retrospectiva do Exército, inaugurada em 10 de
novembro de 1940”, Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 47, 1940, p. 123.
346
Temístocles Pais de Sousa Brasil, “Fenômenos econômicos e petróleo”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 47, 1940, p.
20.
347
Aristeu Portugal Neves, “A região amazônica”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 49, 1942, p.11.
108

fantasia dos cartógrafos não os leva a fraude de riscar a esmo para fazerem trabalho artístico
(...).348

O assunto da fixação da fronteira com a Colômbia foi objeto, ainda, da pena do general
Candido Rondon. Ele apresentou aos pares da Sociedade uma descrição das atividades da
comissão mista demarcadora de limites de 1933, da qual participara como delegado brasileiro.
Nesta mesma ocasião expôs os resultados do levantamento e do reconhecimento topográfico
do rio Querari. 349
Já o sócio João Severiano da Fonseca Hermes debruçou-se sobre a definição da linha
divisória entre o Brasil e a Bolívia. Após diversos cotejos, verificou que (...) não havia
disparidade entre o Tratado de 1907 e a descrição da divisória demarcada segundo Rondon,
mas desconhecimento topográfico da região na época em que foi assinado aquele ajuste e o
resultado das explorações realizadas.350
Por outro lado, o conflito armado que a esta altura seguia em curso na Europa projetou
um sentimento de engrandecimento do papel das forças armadas no Brasil. Na Sociedade de
Geografia, reiterando essa concepção, o almirante Raul Tavares fez um manifesto a respeito
do estreito relacionamento entre a geografia, a história militar e a estatística “cuja influência
sobre um plano de guerra é enorme”. Argumentava que sem o cruzamento destes saberes, viu-
se a (...) Rússia ser abatida pelo Japão, que por sua vez, havia batido já a China. Para
Tavares, além da importância das cartas topográficas e geográficas, os dados estatísticos
revelam as várias atividades do homem: (...) a preferência da sua escolha é determinada tanto
pelo estudo das linhas geográficas, quanto do conhecimento da potência militar, das
instituições políticas e civis, da capacidade econômica, da densidade da população, das suas
condições morais e, em geral, de tudo aquilo que se refere ao militar, ao cidadão, ao
homem.351 Não é demais recordar que a entrada do Brasil na 2ª Grande Guerra estimularia
352
ainda mais as investigações sobre o território nacional, seus recursos naturais e humanos.
Havia, no entanto, quem deixasse de lado o conflito armado, as questões de segurança
nacional e as demandas do governo, para fazer incursões no imaginário geográfico, por assim

348
Temístocles Pais de Sousa Brasil, “Demarcação de limites entre o Brasil e a Colômbia”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro,
t. 45, 1938, p. 11.
349
Cândido Mariano Rondon, “Efemérides geográficas”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 51,1944, p. 3-8.
350
João Severiano da Fonseca Hermes, “Demarcação da linha divisória entre o Brasil e a Bolívia”. Revista da SGRJ, Rio de
Janeiro, t. 48, 1941, p. 37.
351
Raul Tavares, “Discurso do presidente da Sociedade de Geografia”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 49, 1942, p. 4.
352
Alexandre de Paiva Rio Camargo, “O ideário cívico do IBGE: reformas sociais de base e projeto de Brasil aos olhos da
estatística”. In: Nelson de Castro Senra, História das Estatísticas Brasileiras. Rio de Janeiro: IBGE, CDDI, 2006, p. 398.
109

dizer. Tal como o capitão de fragata Luis Alves de Oliveira Belo, que abordou na Sociedade
de Geografia o tema A Atlântida de Platão, e concluiu que (...) a geografia dos gregos,
egípcios e fenícios era muito incompleta, imperfeita e confusa, limitada tão somente ao mar,
acrescida de lendas e errôneas conclusões, produto das suas navegações 353 .
De qualquer modo, do conjunto de intervenções publicadas na Revista, observa-se que
durante a “Era Vargas” a SGRJ não só colaborou de maneira efetiva com os órgãos públicos,
como também privilegiou o estudo de questões eminentemente práticas e contemporâneas,
corroborando a afirmação de Severiano da Fonseca Hermes, (...) A missão da Sociedade de
Geografia é precisamente esta: incentivar o gosto pelos estudos geográficos até a
demonstração de sua necessidade como imperativo nacional354.

353
Luiz Alves de Oliveira Belo, “Acerca da Atlântida de Platão”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 51, 1944, p. 10.
354
João Severiano Hermes da Fonseca, “Considerações e conclusões”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 53, 1946, p. 137.
110

(...) Não poderiam renascer os congressos brasileiros de geografia sob melhores


signos: o mais depende do devotamento e do espírito público, ou seja, a
“preocupação intensa e constante com as coisas do país”, dos que tiveram a graça
de realizar tão altos desígnios culturais e patrióticos (...) Registro, meus senhores, as
alegrias cívicas que me inundaram o coração e espírito diante das manifestações de
aplauso à idéia por cujos êxitos anda e ando em apaixonada propaganda...
(Bernardino José de Souza. Discurso de convocação do 9º Congresso Brasileiro de
Geografia, São Paulo 1939355)

4. SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DO RIO DE JANEIRO: O FIM DE UMA ERA

4.1. Os congressos brasileiros de geografia

A epígrafe acima transcrita é parte do discurso proferido pelo ministro Bernardino José
de Sousa, em São Paulo, para anunciar a convocação do 9º Congresso Brasileiro de Geografia.
Com efeito, em 1939, a SGRJ deliberou realizar o evento no ano seguinte, na cidade de
Florianópolis, entre 7 e 14 de setembro. Retomava, assim, uma antiga prática iniciada em 1909
e interrompida em 1926, ou seja, a de promover, periodicamente, jornadas acadêmicas
voltadas para o exame de temas e de problemas inerentes ao estudo da disciplina.
Não é da nossa intenção nesta tese elaborar uma análise crítica da evolução do
pensamento geográfico brasileiro, a partir da leitura dos Anais daquelas reuniões científicas.
Nem teríamos competência para fazer tal apreciação, o que deve ser alvo da atenção de
especialistas. Além disso, a documentação disponível apresenta enormes lacunas. Entretanto,
na medida do possível, convém fazer um rápido cotejo dos congressos promovidos pela
Sociedade, contextualizá-los, identificando algumas permanências e rupturas.
Para efeito de comparação analítica, optamos por agrupar os congressos da SGRJ em
dois intervalos de tempo. Consideramos como o primeiro, o que se estende entre os anos de
1909 e 1926. No período, exceto aquele realizado no Rio de Janeiro, no ano de 1909, do qual
já tratamos com profundidade em outro trabalho 356, os demais encontros tiveram lugar em
diversas capitais brasileiras, contaram com financiamento de órgãos públicos e maior
participação de entidades estaduais que os acolhiam, dando margem ao acentuado
aparecimento de contribuições que privilegiavam temáticas locais.

355
Bernardino José de Souza, “Conferência”. 9º Congresso brasileiro de Geografia, Anais do 9º Congresso Brasileiro de
Geografia, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, vol. 1, 1941, p. 20
356
Cf. Sobre o 1º Congresso Brasileiro de Geografia, ver, Luciene Pereira Carris Cardoso, Sociedade de Geografia do Rio de
Janeiro: Identidade e Espaço Nacional (1883-1909), op. cit., p. 123-151.
111

O segundo momento compreende os eventos que se realizaram nos anos de 1940 e


1944, cuja organização passou a receber o patrocínio do governo federal e a contar com a
colaboração do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Conselho Nacional de
Geografia. O que demonstra, mais uma vez, como operava o já mencionado, “sistema
geográfico oficial”, do qual a Sociedade era parte integrante357

Tabela nº 3
Congressos Brasileiros de Geografia (1909-1944)

Data e local de realização Total de Total de Publicação


adesões Trabalhos
1º. Rio de Janeiro (1909) 557 108 12 volumes (1494 páginas)
2º. São Paulo (1910) 348 79 Não houve
3º. Curitiba (1911) 366 79 Não houve
4º. Recife (1915) 213 48 3 volumes (543 páginas)
5º. Salvador (1916) 1057 111 2 volumes (1877 páginas)
6º. Belo Horizonte (1919) 464 69 Não houve publicação
7º. João Pessoa (1922) 94 69 Não houve publicação
8º. Vitória (1926) 225 55 1 volume (376 páginas)
9º. Florianópolis (1940) 2137 215 5 volumes (3934 páginas)
10º. Rio de Janeiro (1944) 2496 167 2 volumes (1226 páginas)

Fonte: Tabela elaborada a partir das informações levantadas nos anais dos congressos brasileiros de geografia .

Na tabela no 3, em relação ao primeiro intervalo indicado, verifica-se que o 1º e o 5º


congressos, que tiveram lugar, respectivamente, no Rio de Janeiro e em Salvador, alcançaram
o maior índice de adesões, seguidos em ordem decrescente dos de Belo Horizonte (1919), de
Curitiba (1911), de São Paulo (1910), de Vitória (1926), de Recife (1915) e de João Pessoa
(1922). A mesma situação se apresenta no que se refere ao número de contribuições
publicadas, sendo que a memória dos eventos de São Paulo, de Curitiba, de Belo Horizonte e
de João Pessoa não foi registrada sob a forma de Anais. Diga-se de passagem, a jornada na
paulicéia, como reconheceria mais tarde o sócio Lindolfo Xavier: (...) não teve o brilho que se
desejava por motivos independentes da vontade dos diretores da Sociedade de Geografia 358.

357
Ver. Resolução nº 22, de 18 de julho de 1938.
358
Lindolfo Octávio Xavier, “Revista Geográfica”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 15,1917, p. 06.
112

É possível atribuir o fracasso, em parte, à complexidade da preparação de


empreendimentos acadêmicos de tal porte fora da capital da República, embora a direção da
SGRJ se empenhasse para levá-los a cabo. Acrescente-se a isso, as longas distâncias a serem
vencidas pelo público alvo e a precariedade das comunicações na época. Uma pista dessas
dificuldades pode ser percebida no relatório do 4º Congresso de Geografia, promovido em
1915, no Recife. A escassez de verbas, a fragilidade das comunicações com a Sociedade do
Rio de Janeiro, o clima de incerteza provocado pelo início da 1ª Guerra Mundial, foram
alguns dos contratempos, que agravados por disputas políticas locais, levaram o general
Dantas Barreto – então governador de Pernambuco – a chamar para si a responsabilidade de
organizar a reunião científica, cujas sessões se realizaram no Ginásio Pernambucano 359.
O certo é que Dantas Barreto se valeu do prestígio do cargo que ocupava e conseguiu
convocar 209 participantes oriundos majoritariamente de Pernambuco e de estados vizinhos,
aos quais se somaram apenas 4 delegados da associação do Rio de Janeiro. O número pode até
ser considerado expressivo para aquela época360. Mas a predominância de congressistas
nordestinos interferiu na consecução do programa, distribuído por doze comissões científicas,
consoante as especialidades da disciplina361. A pauta dos trabalhos concentrou-se, sobretudo,
na problemática das secas que afetavam o nordeste do país, seguida de assuntos que já vinham
sendo abordados desde o primeiro encontro patrocinado pela Sociedade em 1909, a exemplo
da revisão da nomenclatura das cidades e dos acidentes geográficos, da adoção do esperanto
como língua universal e da reforma do ensino da geografia nas escolas 362, bem como da
necessidade da erradicação do analfabetismo no país. Neste sentido, o general Dantas Barreto
expunha um raciocínio cartesiano: (...) na propaganda dos conhecimentos geográficos, não
esqueçamos que é preciso, como condição preliminar que o povo saiba ler.363
Por outro lado, causa surpresa a ausência de debates sobre um dos temas que naquela
altura mais suscitava polêmica entre os estudiosos da geografia, isto é, a fixação dos limites

359
“Relatório”. 4º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 4º. Congresso Brasileiro de Geografia, Recife, 1916, vol. 1,
p. 61.
360
Os representantes enviados pela da SGRJ eram os sócios José Arthur Boiteux, José Cadaval, Antonio Alves Câmara e
Taciano Accioly Monteiro João Baptista Regueira Costa. Idem, p. 22.-25.
361
Os trabalhos do 4º Congresso foram divididos em doze comissões científicas, a saber: Comissão de Geografia Física e
Política, Comissão de Geografia Matemática e Cartografia, Comissão de Vulcanologia e Sismologia Comissão de
Hidrografia, Potamografia e Limnologia, Comissão de Oceanografia, Comissão de Meteorologia, Climatologia e Magnetismo
Terrestre, Comissão de Geografia Biológica, Geografia Botânica e Zoogeografia, Comissão de Antropologia e Etnografia,
Comissão de Geografia Econômica e Social, Comissão de Ensino de Geografia, Regras e Nomenclatura e Comissão de
Geografia Histórica.
362
“Relatório”. Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 4º. Congresso Brasileiro de Geografia, Recife, 1916, vol. 1, p.
54.
363
Idem, p. 53.
113

interestaduais. Pesquisando as atas das reuniões preparatórias do congresso, contudo,


descobre-se que o silêncio fora provocado pelo próprio general Dantas Barreto, que proibira
tal discussão com a justificativa de que: (...) a atual divisão político administrativa do Brasil é
fruto de circunstancias históricas de sua formação e nem mesmo por via de uma revisão
constitucional poderá ser alterada sem gravíssimas conseqüências que devemos evitar a todo
o transe, escudados no mesmo amor pátrio e no mesmo anelo do Brasil gigante.364
Em 1916, na cidade de Salvador, sob a presidência de Teodoro Sampaio, aconteceu o
5º Congresso Brasileiro de Geografia, mais tarde considerado um dos mais importantes do
período que estende de 1909 a 1926 365. Reuniu um total de 1057 participantes. Paralelo ao
congresso, que pretendia traçar um grande painel da geografia pátria, consoante o ideário
nacionalista então difundido, promoveu-se uma exposição de cento e quatro documentos, entre
cartas, mapas e fotografias e inaugurou-se uma “galeria” com os dezenove vultos nacionais e
estrangeiros, que mais contribuíram para o desenvolvimento da disciplina no Brasil. À guisa
de informação, cabe mencionar que a coleção era composta dos seguintes nomes: Peter Lund,
Louis Agassiz, Frederic Hartt, Orville Derby, almirante Ernest Mouchez, Henri Coudreau,
Élisée Réclus, Von Martius, Teodoro Sampaio, Euclides da Cunha, Cândido Rondon, Couto
de Magalhães, João Barbosa Rodrigues, Cândido Mendes de Almeida, João Severiano da
Fonseca, Antônio Rebouças, Alfredo Moreira Pinto e barão Homem de Mello 366
Mais uma vez, os trabalhos do certame se distribuíram por dozes seções cientificas. 367
Todavia, em relação aos congressos anteriores, efetuaram-se algumas mudanças. Além de
separar a seção de geografia física da de geografia política, incorporou-se ao programa a de
antropogeografia ou geografia humana; a seção de geografia biológica tomou a denominação
de biogeografia, enquanto que a chamada “geografia militante” tratava das explorações

364
J. Thimes Pereira, “O Brasil e a sua divisão territorial sob o ponto de vista político, social e econômico”. 4º Congresso
Brasileiro de Geografia, Anais do 4º Congresso Brasileiro de Geografia, Recife, 1916, vol. 2, p. 37-38.
365
Bernardino José de Souza, “Conferência”. 9º Congresso brasileiro de Geografia, Anais do 9º Congresso Brasileiro de
Geografia, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, vol. 1, 1941, p. 16.
366
Ver “Relatório”, 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Recife, 1916, vol.
1, p. 12-13.
367
O encontro dividiu-se em doze seções, a saber: geografia matemática (geoplanetologia, noções topográficas e geodésicas,
cartografia); geografia física (aerologia, oceanografia, geomorfologia); vulcanologia e sismologia; climatologia e geografia
médica; biogeografia (fitogeografia e zoogeografia); antropogeografia ou geografia humana; geografia política e social;
geografia econômica e comercial, geografia agrícola; geografia militante e geografia histórica; ensino da geografia, regras e
nomenclatura; e monografias descritivas regionais. Os Anais do 5º Congresso compreendem 2 volumes: o primeiro volume
contém o relatório de atividades, o regulamento e regimento do congresso, a relação de memórias apresentadas, além das
resoluções e das moções. O segundo concentra os trabalhos das comissões científicas (atas, pareceres, monografias). Cf.
“Regulamento do 5º Congresso”. 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 5º. Congresso Brasileiro de Geografia,
Bahia, Imprensa Nacional, 1916, vol. 1, p. 19.
114

geográficas. 368 Criou-se, também, uma seção de monografias dedicadas a temáticas regionais
que, por sinal, iria concentrar a maior parte dos trabalhos expostos. O que não é de se
estranhar, uma vez que 75% dos congressistas inscritos eram naturais do estado da Bahia.
Outra novidade a ser assinalada foi a introdução no programa de um segmento
dedicado à geografia médica, área que buscava articular a climatologia e com a medicina.
Cientistas reconhecidos, Antônio do Prado Valladares, professor da Faculdade de Medicina da
Bahia369, Otávio Torres370 e Alfredo Augusto da Matta371 discutiram a relação entre clima e
doença, além de propostas para a organização de uma carta nosográfica das regiões do
território brasileiro e o incentivo ao estabelecimento de associações destinadas ao estudo das
doenças tropicais.
Entre os estudos antropogeográficos, vale a pena assinalar as monografias assinadas
por Egas Moniz Barreto de Aragão e por Manuel Raimundo Querino. O primeiro apontava o
uso equivocado do conceito de “raça latina”, para se referir aos povos cujos idiomas derivam
do latim, noção que se disseminara com a Primeira Grande Guerra. Assegurava que o Brasil
não possuía um tipo étnico definido. Sendo assim, (...) em vez de julgar lamentável a sua
etnogênese, o povo brasileiro, deve, pelo contrário, orgulhar-se de ser uma „officina
gentiumm‟ e de sentir correr-lhe nas veias o sangue de todas as raças das terras, encerrando
assim na sua alma a própria alma da humanidade.372
Já Manuel Querino, considerado hoje em dia, o primeiro estudioso afro-descendente a
destacar a participação do negro na cultura brasileira, apresentou um alentado ensaio sobre
costumes, hábitos e práticas introduzidas pelos escravos, enriquecido de material iconográfico
de várias tribos africanas.373 Na opinião de Querino, (...) o africano foi um grande elemento
ou o maior fator da prosperidade econômica do país: era o braço e nada se perdia do que ele

368
Cf. “Relatório”, op. cit., p. 17.
369
Antônio do Prado Valladares, “Delimitação do conceito cientifico das expressões tropicais, patologia tropical”. 5º
Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Bahia, Imprensa Nacional, 1916, vol. 1,
p. 433.
370
Octavio Torres, “Descrição da distribuição da leshmaniose na Bahia”. 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 5º.
Congresso Brasileiro de Geografia, Bahia, Imprensa Nacional, 1916, vol. 1, p. 443.
371
Alfredo Augusto da Matta, “Noções de climatologia de Manaus”. 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 5º
Congresso Brasileiro de Geografia, Bahia, Imprensa Nacional, 1916, vol. 1, p. 513.
372
Egas Moniz Barreto Aragão, “Um falso conceito de raça em antropogeografia”. 5º Congresso Brasileiro de Geografia,
Anais do 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Bahia, Imprensa Nacional, 1916, vol. 1, p. 551-565. Vale destacar que
Barreto Aragão se destacou também como poeta e foi um dos fundadores da Academia de Letras da Bahia em 1917.
373
Ver Eliane Nunes, “Manuel Raimundo Querino: o primeiro historiador da arte baiana”. Bahia, UFBA, Revista Ohun, ano
3, n. 3, p. 237-261, 2007.
115

pudesse produzir. O seu trabalho incessante, não raro, sob o rigor dos açoites, tornou-se a
fonte da fortuna pública e particular. 374
Tal como já era de se esperar, o contexto da guerra estimulou as reflexões a respeito da
utilidade estratégica do conhecimento geográfico. Coerente com o patriotismo à moda de
1914, recomendava-se que o estudo da geografia fosse orientado pelo ideal cívico, e o seu
ensino incentivado nos “cursos civis e militares”, de maneira que cada soldado ou marinheiro
“se torne um perfeito conhecedor da geografia física do Brasil e dos países limítrofes”. 375 O
congressista Luiz José da Costa Filho afiançava que os exércitos beligerantes conheciam (...)
não só de cor e salteado a geografia da Europa, mas, por igual, a geografia das outras partes
do globo terrestre.376 Corroborando esta premissa, Luiz Lobo advertia que cabia à geografia
militar devassar estrategicamente o território brasileiro tão extenso e tão desconhecido,
empregando a mesma tática no território dos inimigos.377
Diversas moções foram aprovadas no 5º Congresso, sobressaindo-se a que indicou a
necessidade de elaborar as cartas geográficas do país na escala de um para milhão, de acordo
com as convenções estipuladas nos congressos internacionais de Paris (1911) e de Londres
(1913). Registrou-se, ainda, um voto de louvor ao Clube de Engenharia pela edição de uma
espécie de manual para o preparo de mapas, elaborado pelo engenheiro André Gustavo Paulo
de Frontin378. Sugeriu-se, finalmente, a publicação de um “Dicionário Geográfico dos
Estados”, por ocasião das comemorações do Centenário da Independência.
Na documentação disponível não consta a edição dos Anais do 6º e do 7º congressos
de geografia, realizados, respectivamente, nas cidades de Belo Horizonte (1919) e de João
Pessoa (1922). Há, no entanto, algumas pistas do primeiro, deixadas pelo secretário do
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Mário Melo 379, que vale a
pena conferir, pois diferente dos anteriores, o evento de 1919 levantou o véu que encobria os
diversos litígios envolvendo a definição de limites entre alguns estados da Federação.

374
Manuel Raimundo Querino, “A raça africana e os seus costumes na Bahia”. 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais
do 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Bahia, Imprensa Nacional, vol. 2, 1916, p. 628.
375
Idem, 726.
376
Luis José da Costa Filho, “A geografia e a guerra”. 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 5º Congresso
Brasileiro de Geografia, Bahia, Imprensa Nacional, 1916, vol. 2, p. 722.
377
Luiz Lobo, “A geografia militar no Brasil”. 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 5º Congresso Brasileiro de
Geografia, Bahia, Imprensa Nacional, 1916, vol. 2, p. 768-781.
378
Clube de Engenharia, “Instruções para a construção de cartas geográficas”. 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais
do 5º Congresso Brasileiro de Geografia, Bahia, Imprensa Nacional, vol. 1, 1916, p. 151.
379
Os trabalhos daquela jornada foram divididos em oito seções: geografia matemática; geografia física; biogeografia e
etnografia; geografia política e geografia econômica, metodologia geográfica; monografias regionais; limites interestaduais e
comemorações do centenário de 1922. Como era de praxe, elaborou-se uma exposição de livros, mapas e outros objetos
separados por estados. Cf. Mário Melo, “Sexto Congresso Brasileiro de Geografia”, IAHGP, Revista do Instituto Histórico,
Arqueológico e Geográfico de Pernambuco, Recife, v. 21, n. 103-104, 1919, p. 388.
116

De acordo com os apontamentos de Mário Melo, a propósito de preparar o programa


da jornada de Belo Horizonte, a SGRJ promoveu no Rio de Janeiro um encontro preliminar
com representantes dos estados de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Bahia e Ceará. Nesta
ocasião, tratou-se extra-oficialmente daquela problemática, buscando dirimir antigas disputas
e firmar acordos demarcatórios baseados nos acidentes geográficos 380. Tudo leva a crer que a
dita reunião articulava-se a um projeto mais amplo, de redefinição político-administrativa do
território nacional, cujo encaminhamento já vinha sendo discutido na Sociedade, a partir de
estudos ali apresentados por Ezequiel Augusto Ubatuba 381, que foram examinados no 2º
capítulo desta tese.
De qualquer forma, segundo Mário Melo, durante a reunião preparatória, foram
fixados acordos entre os representantes de Pernambuco e de estados fronteiriços, exceto a
Bahia. Os pernambucanos reivindicavam a integração de certas ilhas do rio São Francisco ao
seu território, o que os baianos consideravam apropriação indevida. Diante do impasse, não se
chegou a um acordo: (...) como ao congresso de geografia cabia apenas sancionar os
acordos de limites chegados a bom termo pelos representantes dos estados, nada foi possível
fazer.382
A demanda dos pernambucanos teria continuidade no 8º Congresso Brasileiro de
Geografia, realizado em 1926, na cidade de Vitória, sob a presidência do general Cândido
Mariano da Silva Rondon, sob a chancela do Instituto Histórico e Geográfico Espírito
Santo.383 Por sinal, este evento tomou ficou bastante fragmentado, uma vez que o governo do
Espírito Santo aproveitou o ensejo para promover concomitantemente congressos de
pedagogia e de esperanto, bem como uma exposição cartográfica e etnográfica, acrescida da
mostra de produtos agrícolas intermunicipais.
Apesar da jornada compreender oito seções temáticas 384, a pauta de discussão
convergiu para a problemática da demarcação das divisas entre os seguintes estados: da
Paraíba e do Ceará; de Pernambuco e da Paraíba; de Pernambuco e do Ceará; da Paraíba e do

380
Idem, p. 388.
381
Ezequiel Ubatuba, “O Brasil futuro”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 25-26-27, 1912-1922, 1922, p. 121.
382
Idem, p. 395.
383
Cf. Carlos Xavier Paes Barreto, Adolpho Fraga, Moyses Accioly e Arabello Lellis (orgs.), “Regulamento do 8º Congresso
Brasileiro de Geografia”, Anais dos 8º Congresso Brasileiro de Geografia, Vitória, vol. 1, 1926, p. 31.
384
Os trabalhos dessa jornada foram divididos em oito seções temáticas.: geografia matemática (geoplanetologia e noções
geodésicas e topográficas, cartografia);climatologia e geografia médica do Brasil; fitogeografia e zoogeografia;
antropogeografia, etnologia e etnografia; geografia econômica, comercial, agrícola e industrial; geografia histórica, geografia
política e social; geologia, paleogeografia e mineralogia; fisiografia, aeorologia, oceanografia, hidrografia terrestre,
potamografia, limnologia, fisiografia das terras, orografia, vulcanologia, aerografia e nesografia. Cf. “Regulamento do 8º
Congresso”. 8º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 8º Congresso Brasileiro de Geografia, Vitória, 1926, vol. 1, p.
31.
117

Rio Grande do Norte. Novos confrontos se sucederam, os delegados do Instituto Arqueológico


e Geográfico Pernambucano, mais conhecido por “Leão do Norte” 385, se recusaram a tratar das
questões que afetavam o seu estado, com o alegação de que:

(...) os congressos de geografia não foram criados para tratar de limites. Ao contrário, havia
cláusulas proibitivas de discussões sobre limites, porque o assunto concorria sempre para
separar amigo e, na Bahia, houve um incidente pouco agradável entre sergipanos e baianos,
só porque na descrição de um município baiano um congressista incluiu nos limites, como
pertencente a boa terra, uma nesga dita contestada por Sergipe. Os congressos de geografia
foram criados para animar o estudo de nossa pátria e aproximar periodicamente os que ao
mesmo se dedicam.386

Ao fim e ao cabo, os participantes do encontro de Vitória pareciam partilhar da idéia de


que o melhor caminho para fortalecer a Federação e estreitar os laços interestaduais consistia
em eliminar aqueles litígios, evitando a ameaça de uma “guerra civil”. Porém, assinalavam
alguns obstáculos que impediam a efetivação de acordos oficiais: a ausência de estudos
topográficos, o espírito marcadamente regionalista da população, a oposição de vários
políticos e a falta de continuidade administrativa nas gestões de prefeituras e de governos
estaduais. 387 Não é demais mencionar que as questões de limites interestaduais só se
solucionariam, em 1937, com a promulgação da Constituição do Estado Novo, conforme já se
evidenciou no capítulo anterior.
De um modo geral, observa-se algumas permanências nas moções e sugestões
aprovadas na plenária do 8º Congresso Brasileiro de Geografia. Como de costume postulava-
se a erradicação do analfabetismo no país. Everardo Backheuser, figura destacada no evento,
propôs a aprendizagem da geografia nas escolas em bases cientificas e ressaltou a importância
da elaboração de mapas topográficos e geológicos, do levantamento de informações
estatísticas, da sistematização de dados meteorológicos, além da criação de uma cadeira de
geopolítica nos currículos dos cursos superiores. As comissões cientificas, por sua vez,
manifestaram-se favoráveis à uniformização ou à correção de nomes de acidentes geográficos
e de localidades, de acordo com a língua indígena ou com a tradição popular. Recomendava-
se, também, a criação de uma cadeira para o ensino da língua tupi nas futuras faculdades de

385
Sobre o IAHGP, ver, Luiz Felipe Ferrão, Instituto Arqueológico Geográfico Pernambucano: um tributo à memória
regional (1848-1911). Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em História, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, 2001.
386
“Opiniões acerca do congresso de geografia”, 8º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais dos 8º Congresso Brasileiro de
Geografia, Vitória, vol. 1, 1926, p. 87.
387
“Ata da primeira sessão plenária”, 8º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais dos 8º Congresso Brasileiro de Geografia,
Vitória, vol. 1, 1926, p. 318.
118

letras, bem como a implementação da disciplina “estudos americanos”, que englobaria o


estudo da etnografia, da antropologia, da historia, do folclore e das migrações indígenas.

4.2. Os Congressos Brasileiros de Geografia no âmbito do sistema geográfico oficial

Em 1940, como já se antecipou, a Sociedade retomou a prática de promover reuniões


periódicas da disciplina, interrompida em 1926. De acordo com as Resoluções nos 42 e 48,
respectivamente, de 7 de julho e de 30 de outubro de 1939, do Conselho Nacional de
Geografia, (...) a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatistica, num entendimento cívico, deliberaram reiniciar a série dos
Congressos Brasileiros de Geografia, realizando-os trienalmente 388.
Aliás, é importante salientar que o fato da SGRJ permanecer encabeçando a promoção
desses eventos não deve ser identificado como um exemplo, (...) de convivência inédita entre
uma agremiação voluntária de pessoas reunidas por seu interesse pela geografia (a
Sociedade) e os novos espaços institucionais criados oficialmente para este campo do
saber389. A premissa não se sustenta, quando se sabe que agremiação carioca integrava
desde 1938 o sistema geográfico oficial, conforme já se apontou. A par disso, era reconhecida
pelo Conselho Nacional de Geografia, devido à sua (...) notável atuação, (....) de longa data
(...) liderando no país as iniciativas e as realizações geográficas, dentre elas se sobressaindo
os memoráveis congressos nacionais de geografia (o grifo é nosso)390.
O certo é no contexto do que denominamos nesta tese de “cultura geográfica” do
Estado Novo, a Sociedade promoveu duas jornadas científicas, em Florianópolis (1940) e no
Distrito Federal (1944). Sintomaticamente, o 9º Congresso Brasileiro de Geografia seria
precedido de intensa propaganda. Para se ter uma idéia, o ministro Bernardino José de
Sousa391, presidente da comissão organizadora, percorreu diversas capitais, fazendo palestras e

388
Cf. Conselho Nacional de Geografia. “Resolução nº 22, de 18 de julho de 1838”. Revista Brasileira de Geografia. Rio de
Janeiro: IBGE, v. 1, nº 3, p. 143, jul. set. de 1939. Ver, também, SGRJ. Anais do 9º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio
de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, vol. 1, 1941, p. 64.
389
Cf. Sérgio Luiz Nunes Pereira. Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: origens, obsessões e conflitos. Op. cit. p. 155.
390
Ver, “Resolução de 18 de julho de 1938”. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, IBGE, v. 1, n. 1, jul./set., 1939,
p. 143.
391
Bernardino José de Sousa, bacharel em direito pela Faculdade da Bahia, destacou-se como deputado estadual e como
ministro do Tribunal de Contas da União, também atuou como professor de geografia e de história. Sobre a sua trajetória
pessoal ver: IHGB, Dicionário biobliográfico de historiadores, geógrafos e antropólogos brasileiros/Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro; preparado por Vicente Tapajós, Carlos Werhs, Elysio de Oliveira Belchior, Pedro Tórtima e Vitorino
Chermont de Miranda. Rio de Janeiro: o Instituto, 1992-1996, v. 3, p. 161.
119

pronunciamentos, com objetivo de atrair especialistas e políticos para a reunião. Nas suas
andanças, Bernardino procurou destacar a importância dos estudos da geografia humana e a
experiência da Sociedade, pioneira na promoção desses encontros:

(...) Nosso pensamento foi apenas centralizar a investigação dos cultores da geografia
nacional em torno de capítulos especiais do conhecimento geográfico do Brasil. Quem ler o
capítulo das teses oficiais do congresso há-se de compreender que o nosso objetivo capital
foi sobretudo pedir a atenção dos técnicos para os problemas da geografia humana do
Brasil, e isto porque a nossa cultura geográfica não tem acompanhado como devera o surto
destes estudos no mundo civilizado. Isso coincide com a criação de cátedras de geografia
humana nas Universidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde têm pontificado mestres
festejados como Deffontaines e Pierre Monbeig, a cujas lições devemos indubitavelmente
uma brilhante plêiade de discípulos392.

Com o objetivo de cuidar da organização do evento, cuja presidência de honra foi


destinada a Getúlio Vargas, formaram-se dois comitês: o primeiro de caráter normativo e
centralizador desenvolveria as suas atividades no Distrito Federal. Compunha-se de sócios da
SGRJ e de membros do IBGE, encarregados de determinar o programa, a estrutura e o
funcionamento do 9º Congresso. O segundo reuniu-se em Florianópolis, local do evento,
devendo tratar da sua execução física e se responsabilizar pelo preparo da Exposição de
Geografia e de Cartografia do Brasil. 393
A opção pelo estado de Santa Catarina como sede do evento não foi aleatória. A
escolha respondia a demandas muito específicas, fruto da instabilidade política internacional,
já que naquele estado se concentravam numerosos núcleos de imigrantes europeus, com
predominância expressiva de indivíduos de origem alemã, alvos da propaganda nazista no
exterior.
A sessão solene de inauguração do 9º Congresso ocorreu na Assembléia Legislativa, no
dia 07 de setembro de 1940. O interventor federal Nereu Ramos proferiu a palestra de
abertura394, seguida dos pronunciamentos de Ivo de Aquino Fonseca, secretário de Estado do
Interior, da Justiça e da Saúde 395, e do ministro José Severiano da Fonseca Hermes. Este
justificou sua indicação para representar a comissão organizadora, em substituição, a José

392
Bernardino José de Sousa, Bernardino José de Sousa, “Conferência”. 9º Congresso brasileiro de Geografia, Anais do 9º
Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, vol. 1, 1941, p. 19.
393
A Exposição constava de obras brasileiras de geografia, de cartas geográficas do Brasil e de seus estados e municípios,
fotografias e aparelhos geográficos. Cf. 9º Congresso brasileiro de Geografia, Anais do 9º Congresso Brasileiro de
Geografia, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, vol. 1, 1941, p. 27.
394
Nereu Ramos, “Discurso na sessão solene de instalação”, p. 92.
395
Ivo de Aquino, “Discurso na sessão solene de instalação”. 9º Congresso brasileiro de Geografia, Anais do 9º Congresso
Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, vol. 1, 1941, p. 92.
120

Carlos de Macedo Soares – presidente do IBGE, que se encontrava envolvido com o projeto
do recenseamento, a ser realizado naquele mesmo ano pelo órgão.
Tal como Bernardino de Sousa já anunciara, a grande novidade introduzida que marcou
o programa de 1940 e repetida em 1944, consistia na formulação de teses oficiais para
dissertação. Ou seja, os organizadores preparavam previamente as proposições para dos
congressistas, distribuídas por seções, que contemplavam áreas do conhecimento geográfico
(ver anexo).
As monografias inscritas deveriam passar pelo crivo de comissões científicas,
incumbidas de emitir parecer quanto ao mérito do seu conteúdo e a adequação à pauta
indicada, de acordo com o modelo adotado nos congressos internacionais 396. Entretanto, ao
lado dessas diretrizes de natureza acadêmica, as contribuições, por certo, sofriam outro tipo de
apreciação, pois é sabido que a censura do Estado Novo se mostrava implacável, quando se
tratava de avaliar iniciativas de natureza cultura, as quais só poderiam ocorrer debaixo da
tutela da ordem política397.
As jornadas de 1940 e de 1944 reuniram figuras representativas do cenário intelectual
brasileiro. Ao lado de conhecidas personalidades do panorama político-cultural do Estado
Novo, figuravam funcionários do recém criado IBGE, além de professores e dos primeiros
egressos dos cursos das Faculdades de Filosofia, a exemplo de Alberto Ribeiro Lamego, José
Setzer Gutman, Luiz de Castro Faria, Alvino Bertoldo Braune, Francisco Iglesias, Gregório
Bondar, Odilon Nogueira Matos, Gilberto Freyre, Alice Piffer Canabrava, Carlos Delgado de
Carvalho, Orlando Valverde, Jorge Zarur, Valter Spalding, Ranato Teixeira Mendes, Osni
Medeiros Régis, Pierre Monbeig, entre outros. Além disso, houve instituições que se fizeram
representar por meio de trabalhos de caráter oficial, tais como o Ministério das Relações
Exteriores, o Serviço de Proteção aos Índios, o Clube de Engenharia e a Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo.
De um modo geral, como já era de se prever, todas as teses oficiais confluíam para o
desenvolvimento da “cultura geográfica” do Estado Novo, tanto na escolha dos temas para
estudo, quanto na busca de subsídios para orientar a formulação de políticas públicas. A esse
respeito, no programa do congresso de 1940, veja-se na seção de geografia humana o item
“estudo funcional de um centro urbano”: solicitava-se aos autores de monografias que

396
Bernardino José de Sousa, op. cit, p. 19.
397
Ver a esse respeito Maria Helena R. Capelatto. Multidões em cena: a propaganda política no varguismo e no peronismo.
Campinas (SP): Papirus, 1998, p. 100-103.
121

identificassem as condições geográficas e topográficas que influíam na formação de uma


cidade, bem como o seu “histórico geograficamente interpretado”. Na mesma seção, outro
exemplo expressivo constava da redação de um “inquérito antropogeográfico sobre um tipo de
imigrante”, em que se estimulava a redação de monografias que abordassem, entre outros
aspectos, “a origem, a categoria social, a atitude do imigrante em relação ao trabalho, aos
„conceitos médios‟ sobre propriedade, família, religião, educação e as questões internacionais,
e se o tipo era assimilável ou não”398.
Os Anais do 9º Congresso Brasileiro de Geografia compreendem cinco alentados
volumes contabilizando um total de 3934 páginas. 399 O primeiro volume reporta-se à parte
preparatória: regulamento, resoluções, instruções para comunicações, lista de adesões, teses
oficialmente recomendadas, atas das sessões e o programa (ver anexo). Os demais concentram
os 227 trabalhos aprovados para publicação e os seus respectivos pareceres das comissões
técnicas. A tabela a seguir apresenta o número de teses apresentadas por comitê.

Tabela no 4
9º. Congresso Brasileiro de Geografia
Relação de teses e memórias apresentadas

Comissões Técnicas Total de


teses e memórias
Geografia matemática - cartografia 19
Geografia física 33
Biogeografia (geografia botânica e zoológica) 11
Geografia humana 44
Geografia econômica 44
Explorações geográficas e geografia histórica 20
Metodologia geográfica: regras e nomenclatura 16
Monografias regionais, estudos especiais da corografia 40
catarinense e da cidade de Florianópolis

Fonte: “Regulamento do 9º. Congresso”. 9º Congresso brasileiro de Geografia, Anais do


9º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, vol. 1,
1941, p.71.

398
“Teses oficialmente recomendadas”. In: “Regulamento do 9º Congresso”. 9º Congresso brasileiro de Geografia, Anais do
9º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, vol. 1, 1941, p. 31.
399
Resolução n. 72, de 04 de novembro de 1940, do Diretório Central do Conselho Nacional de Geografia. 9º Congresso
Brasileiro de Geografia, Anais do 9º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, vol. 1,
1941. Os cinco volumes de Anais foram editados entre os anos de 1941 e 1944, pelo Serviço Gráfico do IBGE.
122

Como se pode constatar, a maior incidência de trabalhos recaiu sobre as seções de


geografia humana e de geografia econômica, seguindo-se das contribuições voltadas para a
temática regional e as monografias dedicadas ao estudo da geografia física. Afora a indicação
recorrente da necessidade da elaboração de uma carta topográfica brasileira, assunto que vinha
sendo discutido desde 1909, as demais moções aprovadas pelas comissões técnicas espelham
o contexto político e cultural que o país atravessava. Assim, foram aprovados indicativos
recomendando a criação de um curso de corografia brasileira no Instituto Nacional de Cinema
Educativo; o preparo de um Dicionário Geográfico Brasileiro, pelo Conselho Nacional de
Geografia; a organização de roteiros e de planos de excursões de caráter científico-geográfico
aos estados brasileiros, para serem publicados na Revista Brasileira de Geografia; a
introdução das seções de geografia das calamidades e de geografia urbana nos próximos
congressos; o estabelecimento de órgãos geográficos de âmbito estadual, tal como os que já
existiam em Minas Gerais e em São Paulo. Finalmente, advertia-se aos congressistas que se
dedicassem exclusivamente aos estudos de aspectos geográfico, deixando de lado as questões
de natureza política. Deliberou-se, ainda, que os congressos brasileiros de geografia passariam
a ter periodicidade trienal, devendo o próximo realizar-se em 1943, desta feita no extremo
norte do país, em Belém do Pará.
Contudo, nem todas as decisões foram unânimes. Há registro de discussões acaloradas.
Tal como a que se seguiu à proposta do professor Jorge Zarur, integrante da comissão de
metodologia geográfica, regras e nomenclatura. Ele postulou a separação dos cursos de
geografia e história nas faculdades de filosofia, e a criação de uma disciplina específica para
tratar da metodologia do ensino da geografia. A moção teve acolhida favorável do plenário,
porém, o professor Pierre Monbeig, presidente da comissão de geografia humana, recomendou
que não se deliberasse precipitadamente sobre o assunto. Colocada em votação pelo presidente
da comissão organizadora, o ministro Bernardino de Sousa, apesar das manifestações de
protesto de muitos congressistas, a sugestão foi orientada para reexame, a pretexto de (...),
atender ao apelo do sr. Prof. Pierre Monbeig, em homenagem à sua cultura e à colaboração
que traz para os nossos trabalhos.400
Além da programação científica, foram planejadas outras atividades que buscavam
reforçar a política cultural de cariz nacionalista desenvolvida no Estado Novo: visitas ao
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, à Academia Catarinense de Letras e a

400
“Sessão Plenária em 12 de outubro de 1940”. 9º Congresso brasileiro de Geografia, Anais do 9º Congresso Brasileiro de
Geografia, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, vol. 1, 1941, p. 132-133.
123

estabelecimentos de ensino; exibições públicas de filmes produzidos pelo Instituto Nacional de


Cinema Educativo; apresentação de demonstrações de educação física no estádio de Santa
Catarina, bem como uma excursão cientifica ao Vale de Itajaí liderada pelo professor Pierre
Monbeig e de uma homenagem ao catarinense José Arthur Boiteux, responsável pela
introdução dos congressos de geografia no Brasil.
A comissão organizadora também patrocinou um ciclo de conferências, ao que tudo
indica nas dependências do Clube 12 de Agosto. A primeira, pronunciada por Osvaldo Cabral,
constava do relato histórico da evolução do estado de Santa Catarina. A segunda teve por
objetivo apresentar uma comunicação técnica, acompanhada de exibição cinematográfica dos
levantamentos aerofotogramétricos desenvolvidos pelo Sindicato Condor. A terceira, do
professor Delgado de Carvalho, ofereceu um quadro da evolução da geografia humana,
detendo-se no exame da contribuição de geógrafos europeus e norte-americanos. O ciclo seria
encerrado pelo tenente-coronel Temístocles Sousa Brasil, com a palestra “Uma página da
geografia”, dedicada a estudantes do ensino primário, seguida da apresentação de “filmes
geográficos”.
Conforme a periodização instituída nas Resoluções nos 42 e 48, do Conselho Nacional
de Geografia, o 10º Congresso Brasileiro fora previsto para se realizar em 1943, desta feita
no extremo norte do país, na capital do estado do Pará. Todavia, devido a entrada do Brasil
na 2º Grande Guerra o evento seria adiado e transferido para o Rio de Janeiro. Convocado
para se realizar em 1944, além dos órgãos do sistema geográfico oficial, recebeu as adesões
do Ministério da Educação e Saúde e da Prefeitura do Distrito Federal.
Em relação ao encontro de Florianópolis, do ponto de vista da estrutura e
funcionamento, o 10º Congresso apresentou como novidade a introdução da seção de
“geografia das calamidades” e a volta “geografia médica”. 401 As instruções para apresentação
de trabalhos seguiam o mesmo modelo da jornada de 1940, ou seja, o programa fora
previamente determinado, com a formulação de 18 teses oficiais para dissertação, distribuídas
pelas 10 seções em que se dividiam as atividades. Manteve-se, também, a prática da avaliação
prévia do mérito das comunicações, por comissões científicas.

401
“Lista dos temas recomendados pela comissão organizadora central”, 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 10º
Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, vol. 1, 1949, p. 34-35. A comissão
organizadora central delimitava quais os assuntos relevantes para estudo, por exemplo, na área de geografia médica,
preocupavam-se com a distribuição geográfica da malária, em relação geografia das calamidades recomendava-se trabalhos
que se debruçassem sobre as pragas de gafanhotos e as enchentes dos rios em centros urbanos.
124

Como já era de prever, Getúlio Vargas ocuparia a presidência de honra do encontro,


secundado por altas autoridades do Estado Novo, e por sócios beneméritos da SGRJ 402. A
comissão organizadora foi liderada pelo ex-chanceler José Carlos de Macedo Soares,
presidente do IBGE e do IHGB. Em 11 de setembro de 1944, realizou-se a sessão plenária
preparatória nas dependências do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no prédio do
Silogeu Brasileiro 403, ao passo que a cerimônia de instalação aconteceu no Palácio Tiradentes,
com a presença do representante do presidente da República, o ministro Alexandre Marcondes
Filho. Nesta solenidade, o professor Raja Gabaglia – velho filiado da Sociedade - reafirmou a
importância dos estudos da geografia política para o Estado Novo, (...) uma vez que os nexos
entre as condições geográficas naturais e a estruturação política de um estado são inegáveis
(...) despida de quaisquer considerações subjetivistas, a noção de estado decorre do território,
pois o estado é uma “individualização geográfica”.404
Compareceram à jornada 2496 congressistas, inclusive estrangeiros a exemplo dos
delegados da 2º Reunião Pan-Americana de consulta sobre a Geografia e Cartografia, e do dr.
André C. Simonpietri, secretário da comissão de Cartografia do Instituto Pan-Americano de
Geografia e História, em viagem pelos países latino-americanos com o objetivo de levantar
informações cartográficas e de promover o intercâmbio de técnicos 405. Há que se mencionar,
ainda, a participação de representantes das embaixadas dos Estados Unidos, de Portugal, da
França; do Conselho Nacional de Proteção aos Índios, da Faculdade Nacional de Filosofia, do
Colégio Pedro II, do Clube de Engenharia, do IHGB, do Instituto de História e de Geografia
Militar, do Conselho Nacional de Geografia, da prefeitura do Distrito Federal, dos estados e
dos territórios brasileiros.
Foram expostas 167 monografias ao longo do 10º Congresso, lamentavelmente, esse
material não seria publicado na íntegra, limitando-se os Anais a apenas dois volumes, o que
nos impede de fazer um quadro síntese, tal como foi realizado para o 9º Congresso. De
qualquer forma, no primeiro volume, impresso em 1949, encontram-se os textos relativos ao
regulamento, ao programa de teses oficiais, às moções, às conferências, às excursões, bem

402
Foram vice-presidentes: Gustavo Capanema, Henrique de Toledo Dodsworth e Joaquim de Magalhães Cardoso Barata;
foram presidentes beneméritos os sócios Candido Rondon, Bernardino José de Sousa, João Severiano da Fonseca Hermes
Junior, Fernando Antônio Raja Gabaglia, Brás Dias de Aguiar, Édison Junqueira Passos; vice-presidentes beneméritos:
Emílio Fernandes de Sousa Doca, Jonas de Morais Correia Filho e Amílcar Dutra de Menezes.
403
Fernando Antonio Raja Gabaglia, “Discurso na sessão plenária preparatória”. 10º Congresso Brasileiro de Geografia,
Anais do 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, vol. 1, 1949, p. 112.
404
________. “Discurso na sessão solene de instalação”. 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 10º Congresso
Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, vol. 1, 1949, p. 122.
405
Cristóvão Leite de Castro, “2ª sessão plenária em 13 de setembro de 1944”. 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais
do 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, vol. 1, 1949, p. 170.
125

como a edição de trinta e sete teses resumidas e adaptadas. O segundo volume apareceu em
1952, e contêm os trabalhos aprovados para a publicação das seguintes comissões: a de
geografia histórica (15), a de geografia matemática (04), a de geografia física (05) e a de
biogeografia (2).
A leitura desse material, embora contemple apenas quatro seções do evento,
demonstra que os organizadores se esmeraram para reforçar a “cultura geográfica” do Estado
Novo, semelhante ao ocorreu no congresso de 1940. A questão imigratória, por exemplo,
mereceu a atenção de diversos estudiosos, tal como o capitão Osmar Romão da Silva, cuja
comunicação abordou a assimilação dos imigrantes entre os anos de 1934 e de 1944. A
primeira data correspondia ao momento de profunda desassimilação decorrente da influência
nazista. Para o militar, a situação só se alterou com a lei de nacionalização do ensino,
promulgada em 1935, seguida da proibição da propaganda política estrangeira e da utilização
do idioma alemão em lugares públicos.406
Também preocupado com controle dos imigrantes, o deputado e professor Xavier de
Oliveira defendeu a idéia de uma nova re-divisão administrativa do território brasileiro 407, por
meio da criação de dezesseis novas “unidades mediterrâneas”, com características semelhantes
as de colônia agrícola e militar. As unidades teriam sua população constituída por até 25% de
europeus, ficando vedada a entrada de “elementos da raça amarela” 408. Sugeria a adoção de um
sistema de cooperativa, que estabelecia o direito ao uso da terra para o brasileiro nato após
cinco anos, e para o estrangeiro que se casasse com brasileira ou tivesse filhos nascidos no
país. Xavier de Oliveira recomendava, ainda, sucessivas partilhas do espaço nacional, (...) de
tal jeito que consideremos a redivisão política periódica do território nacional um postulado a
ser inscrito em nosso próprio estatuto fundamental. E deve ser feita baseada, em, apenas, três
considerações: 1º. - a extensão territorial de cada estado, 2º. – a densidade demográfica de
cada região; 3º. – o índice de progresso econômico e social a que houver atingido.409

406
Osmar Romão da Silva, “Assimilação em Santa Catarina”. 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 10º
Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, vol. 1, 1949, p. 173.
407
Xavier de Oliveira, em 1946, propôs uma nova redivisão política do Brasil com a criação de 45 estados e nenhum
território, mantendo a capital no Rio de Janeiro. Cf. Xavier de Oliveira, Redivisão política e territorial do Brasil. Estados de
fronteira, estados mediterrâneos e o Ministério de Terras, Migração e Colonização. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946.
408
Os estados sugeridos pelo 10º Congresso eram: Erval, Maracaju, Rondônia, Paranapanema, Rio Verde, Tocantins,
Paranaíba, Aimorés, São Francisco, Paulo Alonso, Paranaguá, Itapicuru, Marajó, Tapajós, Madeira e Rio Negro. “Relação
das teses premiadas, mensagens, moções, indicações e comunicações”. “2º sessão plenária em 13 de setembro de 1944”. 10º
Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de
Geografia, vol. 1, 1949, p. 487.
409
Idem, p. 486.
126

Apesar das restrições impostas pela SGRJ, no que tange às moções e recomendações,
houve indicativos que despertaram boas polêmicas. A começar pelo velho problema dos
limites interestaduais. O representante do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano, o já mencionado Mário Melo, considerou que o era assunto inoportuno, uma
vez que Carta Constitucional de 1937 havia extinguido quaisquer questões de limites. 410 O
embaixador Macedo Soares, porém, na qualidade de presidente da jornada cientifica,
considerou válido o debate para a “a retificação de pontos imprecisos ou duvidosos”. A
posição do ex-diplomata encorajou outros participantes a tratarem daquela problemática, a
exemplo, de Azevedo Costa, Joaquim Ramalho e Benedito Quintino dos Santos. 411
Por outro lado, certos congressistas voltaram suas atenções para delimitação do campo
da disciplina, censurando comunicações que, no seu entender, não tratavam de temas de
natureza geográfica, tal como Fábio de Macedo Soares Guimarães, secretário da comissão de
Geografia Humana. Ele reconheceu a contribuição positiva de monografias de cunho
econômico e social, voltadas para subsidiar a administração pública, porém, advertia: (...)
francamente escapam à competência de um congresso de geografia.(...).412
A provocação de Fábio foi respondida por Luis de Oliveira Belo, que manifestou a sua
dificuldade em distinguir uma “tese geográfica” de outras áreas do conhecimento, dúvida que
acreditava compartilhar com a maior parte dos congressistas. Criou-se uma situação de mal
estar, uma vez que todos os trabalhos apresentados correspondiam às teses oficiais, preparadas
pelos organizadores do evento, além de passar pela aprovação das comissões científicas . 413
Outras intervenções também suscitaram animados debates. Na 3ª sessão plenária, o
ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, pronunciou uma conferência sobre o
papel da geografia na formação da juventude brasileira. Na sua opinião, os cursos de geografia
e história ministrados pelas faculdades de filosofia, de acordo coma legislação aprovada em
1939, destinavam-se ao preparo (...) primeiro do cientista em Geografia e História; segundo o
(...) de professores para a escola secundária. Para tanto, segundo o ministro, fazia-se
necessário organizar laboratórios de estudos geográficos nos colégios e fomentar o
intercâmbio de especialistas. Arrematando a fala, Capanema defendeu a implantação de uma
nova reforma do ensino superior com a separação dos cursos de geografia e de história, com

410
Mário Melo, “2º. sessão plenária em 13 de setembro de 1944”. 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 10º
Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, vol. 1, 1949, p. 186.
411
“2º. sessão plenária em 13 de setembro de 1944”. 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 10º Congresso
Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, vol. 1, 1949, p. 188-189.
412
Idem, p. 203.
413
Idem.
127

práticas pedagógicas especificas.414 A proposta recebeu calorosos aplausos e o apoio unânime


da plenária.
Na esteira das idéias de Capanema, o ministro Fonseca Hermes e o engenheiro
Valdemar Lefèvre sugeriram a regulamentação da profissão de geógrafo e a criação de uma
faculdade de geografia e cartografia.415 O indicativo foi aprovado com parecer emitido por
Alírio de Matos, professor da Escola Politécnica, aconselhando o estabelecimento de escolas
especializadas para a formação de topógrafos, de agrimensores e de engenheiros geodesistas,
além de cursos de geografia nas faculdades de filosofia.
O debate tomou outro rumo quando Jorge Zarur, polemista conhecido, contrariando a
opinião do ministro Capanema, argumentou que não estava na alçada das faculdades de
filosofia diplomar cientistas, mas sim professores de ensino secundário. O professor Fernando
Raja Gabaglia, por sua vez, advertiu que a moção aprovada pretendia apenas incentivar o
estabelecimento de um curso técnico de geografia. Via com dificuldade a criação de uma
escola superior voltada exclusivamente para o preparo de geógrafos, mas atentava para a
necessidade de se incorporar disciplinas pedagógicas nos currículos dos cursos de matemática,
de geografia e de história. De qualquer modo, não satisfeito com o encaminhamento da
discussão, em outra oportunidade, durante o Congresso, Jorge Zarur416 retomaria as propostas
de Capanema, concluindo que:

(...) Nos últimos dez anos as universidades se têm esforçado em formar professores de
geografia, geógrafos no verdadeiro sentido da palavra são poucos e quase todos autodidatas.
Tenho esperança de que, no futuro, teremos também o técnico de geografia, o geógrafo
profissional, como eu vi nas várias regiões americanas por onde passei, pesquisando e não
somente ensinando geografia, mas indo ao campo para realizar pesquisas, construindo a
ciência geografia e dando-nos um conhecimento maior do mundo em que vivemos.417

Além das comunicações, na programação científica incluíam-se seis conferências


especiais. As três primeiras foram realizadas no auditório do Ministério da Educação. O

414
Gustavo Capanema, “Discurso na 3ª. sessão plenária em 15 de setembro de 1944”. 10º Congresso Brasileiro de
Geografia, Anais do 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, vol. 1, 1949, p.
215.
415
Ver “Parecer sobre a formação de geógrafos”, “3ª sessão plenária em 15 de setembro de 1944”, 10º Congresso Brasileiro
de Geografia, Anais do 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, vol. 1,
1949, p. 263-266.
416
Jorge Zarur especializou os seus estudos geográficos nos Estados Unidos, onde desenvolveu pesquisas de campo o que
certamente pesou nas suas argumentações. No Brasil, entre outras funções, ocupou o cargo de diretor da Divisão de
Geografia do Conselho Nacional de Geografia. Sobre a trajetória de Jorge Zarur, ver: Antônio Teixeira Guerra, “Vultos da
geografia brasileira”, Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, v. 20,
n.3, jul./set., 1958, p. 315.
417
Jorge Zarur, “Geografia: ciência moderna a serviço do homem”. 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 10º
Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, vol. 1, 1949, p. 386.
128

professor Jorge Zarur inaugurou o ciclo, com a conferência “Geografia: ciência moderna a
serviço do homem”, seguido do comandante Braz Dias de Aguiar, com o relato dos trabalhos
de levantamento dos rios da região amazônica, desenvolvidos pela Comissão Demarcadora de
Limites. Por fim, o professor Everardo Backheuser que sublinhou alguns dos aspectos
singulares da geografia carioca.
Denominadas de “Tardes brasileiras”, as conferências restantes tiveram lugar no
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e se caracterizaram pela valorização das grandezas
naturais do território brasileiro, consoante com o nacionalismo do Estado Novo. Deste modo,
foram privilegiadas a “Região Nordestina”, pelo professor Silvio Fróis de Abreu; a “Região
Centro-Oeste”, pelo coronel Lísias Augusto Rodrigues e a “Amazônia Brasileira”, pelo
professor Artur César Ferreira Reis.
Além de abrir a discussão a respeito do ofício de geógrafo e da sua formação
profissional, a plenária do 10º Congresso Brasileiro de Geografia aprovou moções que
sugeriam a permuta entre professores da disciplina de vários estados Brasil, para o “efetivo
conhecimento prático do território, finalidade considerada duplamente cultural e patriótica” 418;
a criação de gabinetes de geografia nas escolas secundárias; a introdução da seção de geografia
urbana no programa dos próximos congressos, em consonância com os resultados das
pesquisas efetuadas por técnicos do Conselho Nacional de Geografia sobre a revisão de
nomenclaturas das cidades brasileiras. Esta moção, aliás, levaria a uma outra recomendação,
aconselhando o estudo da disciplina para urbanistas e arquitetos que se dedicassem aos planos
de remodelação das cidades.
Finalmente, no encerramento dos trabalhos, o 10º Congresso conferiu o prêmio “José
Boiteux”, agraciando com medalhas de ouro, prata e bronze as melhores comunicações
aprovadas com louvor. Concedeu-se a medalha de ouro à monografia “O homem e a restinga”,
de autoria do professor Alberto Lamego Filho, estudo inspirado em Euclides da Cunha, que
tratou da colonização e da ocupação do estado do Rio de Janeiro 419. Foram laureadas, com
medalhas de prata, as teses “A cartografia antiga e os fundamentos pré-históricos da nação
brasileira”, “O cearense na Amazônia: inquérito antropogeográfico sobre um tipo de

418
“Relação das teses premiadas, mensagens, moções, indicações e comunicações”. “2º sessão plenária em 13 de setembro de
1944”. 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Anais do 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho
Nacional de Geografia, vol. 1, 1949, p. 475.
419
Vale acrescentar que no 9º Congresso, a contribuição de Lamego, intitulada “O homem e o brejo” também foi aprovada
com louvor. A obra “O homem e o brejo” aborda a formação da planície campista, enquanto que “O homem e a restinga”
descreve as regiões litorâneas. As duas obras foram publicadas pelo Conselho Nacional de Geografia a até hoje são referência
para os estudiosos
129

imigrante” e “Lages, a rainha da serra”, redigidas, respectivamente, pelo professor português


Jaime Cortesão, por Samuel Benchimol e pelo engenheiro Vítor Peluso Junior. Receberam
medalhas de bronze, o ministro João Severiano da Fonseca Hermes, o professor Arthur César
Ferreira Reis, Carlos Marie Cantão e Agnello Bittencourt, pelas devidas contribuições, “O Rio
de Janeiro: uma carta geral, aspectos físicos, expedições demarcadoras”; “Sertanistas,
missionários e demarcadores, na revelação geográfica da Amazônia”; “Programa: tipo de
excursões para fins didáticos”; “Perfil do homem da Amazônia”. 420
Os congressos promovidos pela Sociedade de Geografia, em 1940 e em 1944,
constituem um bom exemplo do funcionamento do sistema geográfico oficial, instituído a
partir de 1938. Evidenciam, ainda, a predominância de um saber geográfico de caráter
pragmático e utilitário, direcionado para o reconhecimento do espaço nacional e para subsidiar
a ação governo, consoante a “cultura geográfica” do Estado Novo. Por conseguinte, não é de
421
estranhar a sua “dimensão política” . Porém, isto que não significa que sua contribuição ao
conhecimento geográfica deva ser minimizada. Como atestam as discussões travadas,
sobretudo na reunião de 1944, é importante assinalar, o campo da geografia no Brasil já se
encontrava em franca delimitação. Não por acaso, se pleiteava a sua separação da história nos
cursos das faculdades de filosofia. Para além disso, despontava a preocupação em definir um
perfil para o geógrafo profissional, cuja formação se presumia diferente daquela destinada aos
docentes de ensino médio.

4.3. Novos rumos para a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro

Os dois congressos realizados durante o Estado Novo reforçaram a visibilidade da


Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Como integrante do sistema geográfico oficial, as
atividades e iniciativas da associação carioca seriam divulgadas na seção “Noticiário”, da
Revista do IBGE. A par disso, outros fatores contribuíram para lhe granjear maior prestígio.
Ao longo da década de 1930, a Sociedade passou por uma fase de rejuvenescimento, com a
incorporação de novos filiados, na maior parte, funcionários do IBGE e professores que
atuavam nas recém criadas faculdades de filosofia, além de militares e políticos, categorias

420
“Relação das teses premiadas”. “2º sessão plenária em 13 de setembro de 1944”. 10º Congresso Brasileiro de Geografia,
Anais do 10º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, vol. 1, 1949, p. 474.
421
Ver Sérgio Luiz Nunes Pereira, op. cit., p. 160.
130

que tradicionalmente freqüentavam a SGRJ, desde a sua fundação. Neste processo de


renovação, assumiria um papel de vanguarda nas relações de gênero, ao abrir os seus quadros
sociais para o sexo feminino. Para se ter uma idéia, em 1944, ingressaram sete sócias,
inclusive, a professora Maria da Conceição Vicente de Carvalho 422, umas das pioneiras a
defender tese de doutorado na Universidade de São Paulo, sob a orientação de Pierre Monbeig,
naquele mesmo ano.423
Mas, o reduto científico ainda se beneficiaria da proteção que desfrutava de homens
públicos como os ministros José Matoso Maia Forte, Oswaldo Aranha, e o ex-chanceler José
Carlos Macedo Soares, este último alçado à condição de presidente honorário em 1940. Por
sinal, ao receber a deferência, o embaixador vislumbrou a possibilidade do reduto científico
comemorar o seu 60º aniversário de fundação no prédio que idealizara construir para acolher
as instituições técnicas e culturais do país, denominado de Palácio do Silogeu Brasileiro.
O decreto-lei 2326 de 10 de junho de 1940 determinava a centralização de sedes de
diversos órgãos técnicos e culturais, com a criação de um edifício, no espaço onde já se
encontrava o IHGB, na Avenida Augusto Severo. A “Casa do Brasil” como também era
chamada, reuniria a SGRJ, o IBGE, o IHGB, o DASP, o DIP, o INEP, a Liga da Defesa
Nacional, a Academia Nacional de Medicina, a Associação Brasileira de Educação, o Instituto
da Ordem dos Advogados, além de instituições que desenvolviam atividades ligadas aos
serviços de estatística subordinados aos Ministérios da Justiça, da Fazenda, da Agricultura, do
Trabalho, da Previdência, da Educação e Saúde, e da Viação. Previa-se, ainda, a criação do
Planetário Cruzeiro Sul com objetivos de “recreio e de educação popular”. 424

422
Além de Maria da Conceição, em 1944, foram admitidas as seguintes sócias: Iolanda Rabelo de Sousa Ferreira, Judite
Valadares Salgado, Maria de Lourdes Jovita, Julieta de Aragão Silveira, Isa Adonias e Isabel D‟ Aartayette Dias.
423
Ver, SBG, “Relatório das atividades da Sociedade durante o ano de 1945”. Revista da SBG, Rio de Janeiro, t. 53, 1946, p.
130 e p. 139.
424
Cf. Mário Augusto Teixeira de Freitas, “Carta de (...) aos jornais do Brasil sobre a Construção do Silogeu Brasileiro, 13 de
julho de 1940”. Arquivo Nacional, Coleção Mário Augusto Teixeira de Freitas, SG.D/1.828; Ver também, “Decreto-Lei n.
2326 de 10 de junho de 1940”. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, v. 2, n.3, jul./set., 1940, p. 504.
131

Figura n. 1

PROJETO DO PALÁCIO DO SILOGEU BRASILEIRO

FONTE: IBGE.

Ao mesmo tempo em que passava por sopro rejuvenescedor, a Sociedade começaria a


construir a sua memória, voltando os olhos para o passado. Comemorou o centenário do
nascimento de um dos seus fundadores, o barão de Tefé, visto como “um dos maiores
geógrafos brasileiros”.425 Em 1940, prestou homenagem póstuma ao general José Maria
Moreira Guimarães, que presidiu a instituição durante quinze anos, em cerimônia que reuniu
várias personalidades do panorama político e intelectual, inclusive os embaixadores da
Alemanha e do Japão 426. A passagem do centésimo aniversário de outro sócio ilustre, o barão
do Rio Branco, foi celebrada em 1945, com uma sessão magna no auditório do Ministério

425
César Feliciano Xavier, “Elogio geográfico-histórico do almirante barão de Tefé”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 45,
1938, p.73.-103.
426
Ver, Cândido Mariano da Silva Rondon, “Homenagem à memória do general Moreira Guimarães”. Revista da SGRJ, Rio
de Janeiro, t. 47, 1940, p. 38. Ver, também, Raul Tavares, “Relatório do ano de 1940”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t.
47, 1940, p. 196.
132

Educação. A efeméride reuniu os representantes do presidente da República e de outras


autoridades do aparato de governo, bem como a família do Barão. Além da conferência de
Bernardino de Sousa, a Sociedade dedicou um número volume especial da Revista em
homenagem ao patrono da diplomacia nacional, com artigos de Everardo Backheuser, de José
Severiano da Fonseca Hermes, de J. A. Azevedo Costa, de Braz Dias de Aguiar, de Luis
Felipe de Castilhos Goycochea e de Hermes Rodrigues da Fonseca Filho. 427
A preocupação em recuperar a história da instituição foi alvo da pena de José
Severiano da Fonseca Hermes, que apresentou novos dados sobre a verdadeira data da sua
criação, indicando a ausência de alguns nomes no quadro de fundadores. Atribuiu a supressão
ao afastamento do senador Manuel Francisco Correia, o idealizador da Sociedade, fato que
levou ao desligamento de outros indivíduos, que participaram da solenidade de fundação em
25 de fevereiro de 1883 428. Na cerimônia de celebração do 62º aniversário, a Sociedade
inauguraria o retrato do senador Manuel Francisco Correia 429 e mais tarde do Conde d‟Eu, o
seu vice-presidente de honra430.
Ao mesmo tempo em que prestava tributo ao passado, a Sociedade cuidaria do
presente. Sua articulação com os demais órgãos do sistema geográfico oficial seria defendida
de modo recorrente, por associados do porte de Cristóvão Leite de Castro, que também
desempenhava as funções secretário do Conselho Nacional de Geografia. Na palestra
“Atualidades da geografia brasileira”, proferida em 12 de novembro de 1942, Cristóvão
propôs firmar um programa institucional de cooperação entre a SGRJ e o Conselho Nacional
de Geografia431. Aliás, na solenidade do 60º do natalício da SGRJ, mais uma vez, Cristóvão
Leite de Castro frisaria a importância dessa colaboração, enaltecendo o papel desempenhado
pelo veterano reduto científico desde a sua criação: (...) esforço sublime, devotado, incessante
e patriótico de promover o melhor conhecimento do território do Brasil432.

427
SGRJ, Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 52,1945.
428
João Severiano Fonseca Hermes, “Como foi fundada a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro”. Revista da SGRJ, Rio
de Janeiro, t. 53, 1946, p. 54-56.
429
SBG, “Inauguração do retrato do conselheiro Francisco Manoel Correia, iniciador da fundação da Sociedade”. Revista da
SBG, Rio de Janeiro, t. 53, 1946, p.85.
430
SBG, “Inauguração do retrato de S. A. R., o senhor Conde d‟Eu, vice-presidente de honra da Sociedade”. Revista da SBG,
Rio de Janeiro, t. 53, 1946, p. 83.
431
SGRJ, “Relatório das atividades da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro em 1942”. Revista da Sociedade, Rio de
Janeiro, 1943, t. 50, p.96-97.
432
Cristóvão Leite de Castro, “Saudação”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 50, 1943, p. 07. Também foi alvo de destaque
a produção cultural da entidade, a coleção da sua Revista, as numerosas conferências, a recepção de geógrafos e de
professores estrangeiros, bem com o trabalho das comissões técnicas constituídas em prol do “esclarecimento de
determinadas questões especializadas”.
133

Leite de Castro sublinhou o valor da coleção da Revista, as conferências e palestras


promovidas que “constituem magnífica biblioteca da geografia do Brasil”, a recepção a
geógrafos e professores estrangeiros, assim com o trabalho das comissões técnicas constituídas
em prol do “esclarecimento de determinadas questões especializadas”. Observou que a aquela
altura o conhecimento da disciplina mostrava-se bem diferente dos tempos heróicos do final
do século XIX. A geografia nacional aprimorava-se com a implementação de novas práticas
de trabalho de campo, a introdução da pesquisa científica, a criação dos cursos superiores nas
Faculdades de Filosofia, e o aperfeiçoamento dos professores brasileiros em universidades
norte-americanas. 433 Mas, para isso, não poderia ignorar a colaboração da “benemérita
Sociedade” que possuía uma “predestinada missão” em “correspondência às suas novas
tradições no movimento admirável da geografia brasileira”, para ele:

(...) é um florilégio cultural a história desses sessenta anos, escrita esplendidamente por
dirigentes de grande saber e larga projeção social, que valendo-se do concurso prestimoso de
sócios eminentes e cultos, conseguiram realizar reuniões memoráveis, levar a efeito notáveis
congressos, manter substanciosa revista especializada, e destarte, conduziram aos seus
destinos gloriosos.434

A relevância da associação carioca ainda seria destacada por Carlos Xavier Pais
Barreto e Francisco de Sousa Brasil. O primeiro exaltou a memória dos seus fundadores. O
segundo valorizou a Revista da SGRJ, “(...) um repositório precioso de informações sobre o
Brasil e sobre os brasileiros” , cuja coleção refletia a trajetória do saber geográfico no país:
(...) lembremo-nos da relatividade dos conhecimentos humanos e da transitoriedade da lei
cientifica, sempre mutável, desde que outras sejam as condições de observação e mais
aperfeiçoadas pesquisas. Folheando a Revista, tivemos ocasião de observar tal evolução. 435
Enfim, para Sousa Brasil, o seu periódico refletia um (...) espelho das tradições progressistas,
(...) uma voz que procurava apontar a verdade aos que desejassem dela se informar. 436
Animada com o impulso dos últimos tempos, no final de 1944, a Sociedade elegeu
uma nova diretoria para o biênio seguinte, encabeçada pelo ex-chanceler José Carlos Macedo
Soares, cabendo a vice-presidência ao ministro João Severiano da Fonseca Hermes. Para os
postos de segundo e terceiro vice-presidentes foram escolhidos Jorge Dodsworth Martins e

433
Idem, p. 10.
434
Idem, p.07.
435
Francisco de Sousa Brasil, “Discurso na sessão do 60º. aniversário da Sociedade de Geografia”. Revista da SGRJ, Rio de
Janeiro, t. 50, 1943, p. 14-19.
436
Idem, p.14.
134

Everardo Backheuser, respectivamente. As funções de secretário geral ficariam a cargo de


Mário Campos Rodrigues de Sousa, e as de primeiro e segundo secretários por Frederico
Augusto Rondon e Silvio Fróis de Abreu. Por sua vez, Luís Alves de Oliveira Belo assumiu
as atribuições de tesoureiro e Francisco de Sousa Brasil designado orador oficial.
A escolha de Macedo Soares para o cargo da presidência não foi aleatória. Para os
membros da Sociedade era (...) figura das de maior destaque e prestígio em todos os meios
tantos sociais, como políticos e intelectuais, (...) representou desde logo a melhor garantia
para o futuro da nossa instituição. 437 Macedo Soares já ocupava a direção de outras
entidades, a exemplo, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1939-1968), do Instituto
Brasileiro de Geografia Estatística (1936-1951 e 1955-1956) e do Instituto Pan-Americano de
Geografia e História (1944-1949),438 além de haver exercido a presidência da Academia
Brasileira de Letras (1942-1943). O ex-chanceler era um homem de governo, possuía
excelentes relações com o Palácio do Catete, o que poderia facilitar o livre trânsito da
Sociedade nas esferas de poder, iluminando-a publicamente439.
Nascido na cidade de São Paulo, descendente de uma família tradicional fluminense,
José Carlos de Macedo Soares bacharelou-se em Direito, dedicou-se ao magistério e
administração de empresas na capital paulista. Ao eclodir a revolta de 05 de Julho em 1924,
liderado pelo General Isidoro Dias Lopes, manifestou-se contrário ao movimento e valeu-se de
seu prestigio pessoal para garantir o abastecimento da cidade, atitude foi censurada pelo
governo federal. Debelado o levante, foi preso e processado, acusado de cúmplice dos
rebeldes. Inocentado, após o esclarecimento dos fatos, optou por exilar-se voluntariamente na
França.
Militante da Aliança Liberal, apoiou o movimento que colocaria Getúlio Vargas no
poder em 1930. Ocupou o cargo de secretário da Justiça no governo provisório instalado em
São Paulo, elegendo-se deputado à Assembléia Nacional em 1933. Na esfera diplomática, na
qualidade de Ministro das Relações Exteriores, participou das negociações do Protocolo de
1935 que poria fim a Guerra do Chaco entre o Paraguai e a Bolívia, o que lhe garantiu o título

437
João Severiano da Fonseca Hermes, “Relatório das atividades da Sociedade durante o ano de 1945”. Revista da SBG, Rio
de Janeiro, t. 53, 1946, p. 131.
438
Vale acrescentar que Macedo Soares também participou de outras associações científicas e culturais brasileiras e
estrangeiras, a exemplo da Academia Internacional de Diplomacia, da Ordem dos Advogados de São Paulo, da Sociedade
Brasileira de Antropologia e Etnografia, do Liceu Literário Português, da Academia Brasileira de Filologia e da Academia
Paulista de Letras, do Instituto Histórico y Geográfico del Uruguai, da Academia Uruguaya de Letras, da Academia
Argentina de Letras, da Academia das Ciências de Lisboa, da Real Academia de História de Portugal e da Sociedade de
Geografia de Lisboa, entre outras.
439
Enéas Martins Filho, “Resenha Biográfica”. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v. 279, abr./jun., 1968, p. 47.
135

de Chanceler da Paz e em 1937 representaria o Brasil em Washington na posse do presidente


Franklin D. Roosevelt. No mesmo ano, foi nomeado Ministro da Justiça, permanecendo no
posto por cerca de cinco meses, demitindo-se às vésperas do golpe do Estado Novo. Mais
tarde, com a deposição de Vargas, participaria do governo provisório de José Linhares como
interventor federal em São Paulo. Retornou a chancelaria em 1955 na presidência de Nereu
Ramos e na gestão de Juscelino Kubitschek. Em 1958, afastou-se do Itamaraty, passando a se
dedicar aos negócios familiares e a vida acadêmica.440
A posse de José Carlos de Macedo Soares parecia cercada por bons augúrios.
Aguardava-se a assinatura presidencial do decreto de doação de um terreno para a construção
de sua sede, possivelmente para 23 de outubro em 1945. 441 Ao mesmo tempo, multiplicaram-
se as atividades. A Sociedade vínculos com o Itamaraty442, recebendo o engenheiro Alfredo
Galmarini, diretor geral do Serviço de Meteorologia da Argentina e representante do Instituto
de Estudos Geográficos, que veio ao Brasil participar da Conferência Pan-Americana de
Radiocomunicação.443 Integrou as comemorações da “Semana do Índio” e promoveu a
palestra do sócio Francisco Jaguaribe Gomes de Matos “Contribuição ameríndia na civilização
ocidental”. Comemorou o fim da 2ª Guerra Mundial, com uma sessão em que o Chefe do
Estado Maior da Armada, o comandante Gerson de Macedo Soares relatou a contribuição da
marinha brasileira na manutenção do tráfego marítimo. Para o militar, a colaboração
estratégica do país constituiu uma das condições fundamentais para a vitória dos Aliados. 444
Outro empreendimento a assinalar consistiu na organização dos “Cursos de
aperfeiçoamento para professores de geografia do ciclo secundário”, entre 21 e 30 de junho de
1945. Os “Cursos” foram planejados e desenvolvidos em parceria com o Conselho Nacional
de Geografia, com a aprovação pelo Ministério da Educação, de acordo com a Lei Orgânica do
Ensino Secundário, a Reforma Capanema, promulgada em 1942.

440
Cf. Lúcia Maria Paschoal Guimarães, “José Carlos de Macedo Soares: a investidura na presidência do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro”. In: CDDI, Embaixador Macedo Soares, um príncipe da conciliação: recordando o 1º presidente do
IBGE. Rio de Janeiro, IBGE, 2008. Como historiador, entre outros trabalhos, Macedo Soares publicou: Os falsos troféus de
Ituazaingó, Fontes da História da Igreja e Fronteiras do Brasil no regime colonial.
441
SBG, “Relatório das atividades da Sociedade durante o ano de 1945”. Revista da SBG, Rio de Janeiro, t. 53, 1946, p.133.
442
João Severiano da Fonseca Hermes, “Relatório das atividades da Sociedade durante o ano de 1945”. Revista da SBG, Rio
de Janeiro, t. 53, 1946, p. 136.
443
SBG, “Mensagem de cordialidade do Instituto de Estudos Geográficos da República Argentina”. Revista da SBG, Rio de
Janeiro, t. 53, 1946, p.82.
444
Gerson de Macedo Soares, “O papel da marinha de guerra brasileira na segunda guerra mundial”. Revista da SBG, Rio de
Janeiro, t. 53, 1946, p.33.
136

Como já se viu no segundo capítulo desta tese, vinha de longe a preocupação da


Sociedade com o magistério. Se, em 1926, promoveu cursos para melhorar a qualidade dos
professores de ensino primário, consoante a reforma Capanema, voltou-se para o
aprimoramento dos professores de ensino médio, pois: (...) são estes, precisamente, os que
mais direta e eficientemente estão em condições de melhor estimular e difundir o estudo da
geografia. O diploma conferido aos concluintes era reconhecido como título para admissão no
“segundo ciclo de extensão de professorado”.
Sem dúvida, na preparação do programa, pesou a experiência pioneira desenvolvida
pela SGRJ, na década de 1920 445, uma vez que o corpo docente seria capitaneado pelos
mesmos Everardo Backheuser, Fernando Antonio Raja Gabaglia e Carlos Delgado de
Carvalho. A esses nomes uniram-se os técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, Jorge Dodsworth Martins, Jorge Zarur, J. C. Junqueira Schmidt, João Capistrano
Raja Gabaglia, Alírio de Matos, Cristóvão Leite de Castro, e os estrangeiros Giorgio Mortara
e o Francis Ruellan. 446 Participaram da cerimônia inaugural do curso, o presidente da
Sociedade, José Carlos Macedo Soares, a professora Lúcia Magalhães, diretora da Divisão do
Ensino Secundário e o engenheiro Cristóvão Leite de Castro, secretário geral do Conselho
Nacional de Geografia, além do corpo de professores e alunos, bem como outras
personalidades.

445
SBG, “Cursos de aperfeiçoamento para professores de geografia do ciclo secundário”. Revista da SBG, Rio de Janeiro,
1946, t. 53, p.74.
446
Idem.
137

Tabela no. 5
Programa do Curso de Aperfeiçoamento
para professores de geografia do ensino secundário

Temas/conferências Professor Data

1. O retrato físico e humano da Inglaterra Carlos Delgado de Carvalho 21/06/1945


2. Oceanografia Jorge Dodsworth Martins 21/06/1945
3. A didática na geografia Carlos Delgado de Carvalho 22/06/1945
4. Métodos da geografia econômica Jorge Zarur 22/06/1945
5. Material Didático no ensino da João Capistrano Raja Gabaglia 22/06/1945
geografia
6. O seminário de geografia física e os Francis Ruellan 22/06/1945
problemas de seu ensino
7. Geografia física Francis Ruellan 23/06/1945
8. Climatologia J. C. Junqueira Schmidt 23/06/1945
9. O ensino das unidades Carlos Delgado de Carvalho 23/06/1945
10. Cartografia Alírio de Matos 25/06/1945
11. Geomorfologia Francis Ruellan 25/06/1945
12. Excursões e visitas no ensino de João Capistrano Raja Gabaglia 25/06/1945
geografia
13. Seminário de geografia humana e os Jorge Zarur 25/06/1945
problemas do seu ensino
14. Geografia regional Jorge Zarur 26/06/1945
15. Climatologia J. C. Junqueira Schmidt 26/06/1945
16. Cartografia Alírio de Matos 26/06/1945
17 A população brasileira Giorgio Mortara 27/06/1945
18.Geografia Regional dos Estados Jorge Zarur 27/06/1945
Unidos da América
19. Geomorfologia Francis Ruellan 27/06/1945
20. Seminário sobre didática da geografia Carlos Delgado de Carvalho 27/06/1945
21. Técnica geopolítica Jorge Zarur 28/06/1945
22. Cartografia J. C. Junqueira Schmidt 28/06/1945
23.Climatologia Alírio de Matos 28/06/1945
24. Geografia do Brasil Cristóvão Leite de Castro 29/06/1945
26. Rio São Francisco Jorge Zarur 29/06/1945
27. Japão Francis Ruellan 29/06/1945
28. Fontes da geografia Everardo Backheuser 30/06/1945
29. Geomorfologia Francis Ruellan 30/06/1945
30. Encerramento Fernando Antonio Raja Gabaglia 30/06/1945

Fonte: Tabela elaborada a partir das informações do programa dos “Cursos de aperfeiçoamento para
professores de geografia do ciclo secundário”. Revista da SBG, Rio de Janeiro, t. 53, 1946, p. 75.
138

O curso constava de dez encontros sucessivos. Desenvolveu-se uma programação


intensiva distribuída em trinta aulas, que englobavam além da metodologia de ensino da
disciplina, diversas áreas do conhecimento geográfico: oceanografia, geomorfologia,
cartografia, climatologia, geografia humana, geografia física, geografia econômica e
geopolítica, demografia, geografia regional, além do estudo de países, como os Estados
Unidos, a Inglaterra e o Japão. Como atividades extraclasse, foi planejada uma excursão a
Baixada Fluminense, para demonstrar a relação entre os estudos teóricos e as observações de
campo. Realizaram-se visitas ao Conselho Nacional de Geografia, aos Serviços de
Meteorologia, de Proteção aos Índios, de Geologia, de Recenseamento, ao Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística e ao Conselho Nacional de Estatística. Houve, ainda, a exibição de
filmes sobre o rio Tapajós e das obras realizadas pelo Tennesse Valley Authority, dos Estados
Unidos.447
Inscreveram-se no curso cento e três professores, dos quais cinqüenta e sete alcançaram
freqüência superior a 75%. Apresentaram o memorial necessário à obtenção do diploma de
habilitado quarenta e sete, mas somente trinta e três receberam aprovação (Ver anexo). Na
entrega dos certificados, o ministro José Severiano da Fonseca Hermes, assinalou a
importância daquela iniciativa pedagógica:

(...) em primeiro lugar, o curso, que hoje encerramos, foi dedicado aos professores de
geografia; em segundo lugar, os diplomas que a Sociedade vai conferir são diplomas
autênticos de um aperfeiçoamento cultural, que o Estado reconhece como bastantes para
outorga de direitos de conquista de postos superiores; em terceiro, as aulas deste ano tiveram
o concurso valiosíssimo do Conselho Nacional de Geografia que, fiel ao espírito geográfico,
pôs a disposição da Sociedade, dos Mestres e dos Professores-alunos todos os elementos e
recursos de suas instalações e aparelhamento para que mais eficientes e objetivas pudessem
ser as classes desenvolvidas (...)448.

Impulsionado pelos sucessos recentes, iniciou-se na Sociedade um movimento em prol


da reforma dos seus estatutos. Diga-se de passagem, desde a fundação, seus diplomas legais da
sofreriam apenas ligeiros acréscimos, mas nada que afetasse a estrutura básica fixada em

447
SBG, “Cursos de aperfeiçoamento para professores de geografia do ciclo secundário”. Revista da SBG, Rio de Janeiro,
1946, t. 53, p. 75. O Tennesse Valley Authority (TVA), criado nos Estados Unidos, em 1933, destinava-se aos estudos e a
pesquisa de gerenciamento ecológico e de remanejamento de rios.
448
A lista dos nomes dos professores diplomados foi publicada na Revista. Cf. SGRJ, “Cursos de aperfeiçoamento para
professores de geografia do ciclo secundário”. Revista da Sociedade, Rio de Janeiro, 1946, t. 53, p.76. SBG, “Cursos de
aperfeiçoamento para professores de geografia do ciclo secundário”. Revista da SBG, Rio de Janeiro, 1946, t. 53, p. 77. Ver,
também, IBGE, “Noticiário: Cursos de aperfeiçoamento para professores de geografia do nível secundário”. Revista do
IBGE, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, 1945, p. 535-537.
139

1883449. Para se ter uma idéia, a última modificação, aprovada em 1940, instituiu a realização
obrigatória de duas sessões magnas anuais e ampliação do quadro social, com seis classes de
integrantes: efetivos, titulares, honorários, remidos, correspondentes e beneméritos 450.
Para estudar a reforma estatutária, formou-se uma comissão especial incumbida,
integrada pelos sócios João Severiano da Fonseca Hermes, Carlos Xavier Pais Barreto, Mário
Rodrigues de Sousa, Francisco de Sousa Brasil e Luis Alves de Oliveira Belo. Em 10 de
janeiro de 1945, a Comissão encerrou seus trabalhos e encaminhou uma circular a todos os
filiados, com um ante-projeto para análise e apresentação de emendas. No documento,
acrescentava-se uma pista das mudanças que se pretendiam efetuar: (...) com simpatia e sem
encontrar inconvenientes a possibilidade de ser trocada a denominação: Sociedade de
Geografia do Rio de Janeiro para Sociedade Brasileira de Geografia, tendo em vista a
eventualidade de serem criadas por iniciativa da nossa, como previsto no projeto sociedades
451
congêneres nos Estados . Após as consultas, que estenderam por quase um ano, o
documento foi finalmente aprovado, em 26 de dezembro de 1945, acompanhado de um
Regulamento, entrando ambos em vigor no dia 07 de março do ano seguinte, depois de
publicados no Diário Oficial.452
Os novos estatutos definiam os fins da entidade; a formação dos seus quadros sociais; a
composição da diretoria e do conselho diretor, das assembléias ordinárias e extraordinárias; e
dispunham sobre a estrutura e o funcionamento, deliberando que o reduto científico seria
dissolvida, caso o cadastro social atingisse menos de dez membros, devendo o seu patrimônio
ser incorporado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Por seu turno, o Regulamento
normatizava as atribuições dos membros da diretoria e dos sócios, bem como a sua admissão
ou exclusão, o pagamento de taxas, a participação nas eleições, a organização das comissões e
a elaboração de atas.
Foram alteradas das finalidades da entidade, que passou a ter (...) por escopo o
progresso da geografia, especialmente no âmbito do Brasil, e o congraçamento das pessoas
de boa vontade, interessadas no estudo da geografia453. Para alcançar tais fins, além de
sessões acadêmicas ordinárias, determinava-se a realização das seguintes atividades: oferta de

449
As modificações foram realizadas nos anos de 1886, 1910, 1918, 1924, 1936 e 1940.
450
Cf. Raul Tavares, “Relatório do ano de 1940”. Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 47, 1940, p. 203-204.
451
A comissão encarregada de elaborar o anteprojeto dos estatutos era. SBG, “Reforma dos estatutos”. Revista da SBG, Rio
de Janeiro, t. 53, 1946, p. 112.
452
A idéia de separar os novos estatutos do regulamento da Sociedade de Geografia partiu de José Carlos de Macedo Soares.
453
SBG, Estatutos da Sociedade Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, 1946, p. 3.
140

cursos de geografia e ciências correlatas; promoção de palestras e de conferências;


continuidade dos congressos de geografia; participação em eventos nacionais e internacionais;
colaboração com os governos federal, estadual e municipal, e com instituições culturais
congêneres nacionais e estrangeiras; organização de excursões e de “inquéritos geográficos”
no território brasileiro; abertura da biblioteca, mapoteca e do arquivo ao público em geral;
criação de um museu geográfico e a elaboração de exposições; publicação de revistas,
boletins, anais ou memórias.454
A estrutura da instituição comportava uma diretoria, um conselho diretor e fiscal e
comissões (técnica, cultural, admissão e exclusão de sócios, prêmios, quadros de honra e de
benemerência, finanças e publicações). A diretoria era formada por um presidente, três vice-
presidentes, um secretário geral, dois secretários, um tesoureiro e um bibliotecário.
Integravam o conselho diretor, os ex-presidentes da associação na qualidade de vitalícios, a
diretoria e mais doze representantes eleitos entre os sócios efetivos ou ainda por aqueles que
fizessem jus às mesmas prerrogativas. Todos os associados tinham o direito à participação e a
voto nas assembléias, exceto no conselho diretor, porém estavam proibidos de emitirem
qualquer manifestação de caráter político ou religioso nas reuniões ou nos meios de
comunicação.455
O quadro social dividia-se nas seguintes categorias: sócios de honra, sócios
beneméritos, sócios correspondentes residentes estrangeiros, e sócios contribuintes, estes
últimos distribuídos em efetivos, titulares e correspondentes (domiciliados no país). No
processo de admissão, a proposta deveria ser referendada, no mínimo, por dez filiados, no caso
das classes de presidente de honra, de vice-presidente de honra, de sócios de honra e de
beneméritos. Para ingresso nas de titular e de correspondente, os requerimentos deveriam ser
avalizados por cinco associados.
Fixou-se em cinco, o número de presidentes de honra. A designação seria concedida
aos presidentes da República e a chefes de Estado estrangeiros, ou ainda, a personalidades que
tivessem prestado relevantes serviços à instituição, bem como aos que escrevessem obras de
grande repercussão. O elenco de vice-presidentes de honra poderia alcançar um total de
quinze, ficando reservado aos desenvolvessem atividades de destaque na própria entidade ou
no âmbito dos estudos geográficos.

454
Idem, p. 4.
455
Idem, p. 16.
141

As mesmas prerrogativas se estendiam às demais classes de sócios, diferenciando-se


apenas pela quantidade de vagas estipuladas: trinta para sócios de honra, sendo vinte e dois
brasileiros e oito estrangeiros; duzentas e cinqüenta para efetivos; quinhentas para titulares e
seiscentas para correspondentes, permanecendo indeterminado o número de beneméritos. À
luz das diretrizes que determinavam as categorias do quadro social, pode-se inferir que o
tradicional reduto tomara uma orientação singular. Convertera-se, sobretudo, em espaço de
reconhecimento e consagração “do alto relevo intelectual e científico”. Até porque não se
exigia prova de suficiência acadêmica, aos candidatos a sócios. O mérito era estimado pelos
próprios confrades.
Os novos estatutos introduziram, ainda, uma mudança decisiva: deliberavam o fim da
Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Substituíam-na por uma entidade de âmbito
nacional, com a denominação de Sociedade Brasileira de Geografia. Esperava-se desse modo
ampliar o seu espectro de atuação no sistema geográfico oficial. O destino, porém, não
favoreceu aquelas pretensões. Getúlio Vargas, o grande patrono da extinta SGRJ, já havia sido
deposto, em 29 de outubro de 1945. Nem mesmo tivera tempo de assinar o tão almejado
decreto de doação do terreno para a sua sede. Com a instalação do governo provisório, outras
tentativas se sucederam456. Mas isto é uma outra história, de uma outra instituição 457.

456
SBG, “Relatório das atividades da Sociedade durante o ano de 1945”. Revista da SBG, Rio de Janeiro, t. 53, 1946, p.133.
457
Idem.
142

CONCLUSÃO

Criada em 1883, no contexto do movimento que estimulou a multiplicação de


instituições congêneres na Europa e no continente americano, a Sociedade de Geografia do
Rio de Janeiro foi um dos redutos científicos que desfrutou do patrocínio de d. Pedro II. Nos
seus primeiros anos, empreendeu um programa de trabalho que buscava responder às
demandas do Estado monárquico, por meio de práticas científicas, direcionadas para o melhor
conhecimento do espaço físico do Império e de seus habitantes.
Apesar da queda da monarquia, em 1889, e das atribulações que sofreu com a
instauração do regime republicano, a Sociedade permaneceu desenvolvendo atividades que
pudessem auxiliar no aperfeiçoamento da sociedade, consoante o ideário positivista. Isto se
observa nos temas e problemas abordados nas suas sessões, nos estudos e relatos de
experiências, nas homenagens e nas conferências proferidas por sócios e ilustres visitantes
estrangeiros, a exemplo, do geógrafo francês Elisée Réclus. Preocupação semelhante se nota
na seleção de textos para publicação na Revista e nos trabalhos de campo, efetuados por
expedições promovidas pela SGRJ, as quais desbravaram regiões inexploradas do país. Tal
como correu com a excursão que devassou o norte do estado do Mato Grosso, realizada por
Oscar de Oliveira Miranda, José Carlos da Silva Telles, Augusto Ximeno de Villeroy e
Antonio Lourenço da Silva Telles Pires, na qual este último perdeu a vida e foi homenageado
passando a dar nome a um rio na bacia amazônica.
Esse pragmatismo ganhou um reforço, impulsionado pelo “patriotismo à moda 1914”.
A exaltação dos recursos naturais, das belezas do solo brasileiro, ao lado da atenção
permanente para com a integridade do território nacional e a fixação de suas fronteiras,
insuflava os sentimentos cívicos dos membros da instituição. Neste sentido, a Sociedade de
Geografia realizou uma série de empreendimentos que alcançaram ampla repercussão no
cenário científico e político.
Envolveu-se, ainda, nas comemorações do centenário da independência, em 1922.
Idealizou um projeto de natureza enciclopédica, a Geografia do Centenário, planejado para
alcançar dez volumes. Dirigida ao grande público, a coleção de pretendia, didaticamente,
descortinar o Brasil aos brasileiros. Seguiram-se outros projetos de cunho pedagógico, como o
Curso Superior Livre de Geografia, que funcionou entre os anos de 1926 e 1927, destinado à
143

atualização de professores primários, organizado por um corpo de especialistas de escol, que


reuniu nomes como Fernando Raja Gabaglia, Everardo Backheuser e Delgado de Carvalho.
O golpe de Estado que pôs fim à Primeira República, em 1930, não afetou o
funcionamento da SGRJ. Pelo contrário. Os resultados dos seus empreendimentos anteriores
haveriam de ser reconhecidos pelos novos donos do poder, contribuindo para a adesão do
Brasil à União Geográfica Internacional. Aliás, desde o primeiro momento, a Sociedade
mostrou-se favorável ao movimento que deu início à chamada Era Vargas, o que não é de
estranhar, uma vez que por lá transitavam figuras que apoiaram a Aliança Liberal.
A associação carioca, entre outros temas que mais tarde seriam objeto da atenção do
governo, empenhou-se em examinar a questão do reordenamento geopolítico do território
brasileiro. Seja por meio dos estudos preparados pela “Grande Comissão Grande Comissão
Nacional de Redivisão Territorial e Localização da Capital Federal”, seja através iniciativas
individuais de alguns associados, como Everardo Backheuser, Raul Bandeira de Mello e
Ezequiel Ubatuba. Por sinal, algumas das sugestões oferecidas pela “Grande Comissão”
apareceriam incorporadas ao novo mapa político brasileiro de 1943. Outros trabalhos
voltaram-se para a ocupação dos espaços vazios do interior do país e a discussão da
problemática da imigração.
Após o golpe do Estado Novo, a implementação de políticas públicas que buscavam
articular iniciativas científicas com a conformação de uma cultura política, na qual a temática
do território nacional, a exploração racional dos seus recursos naturais e sua ocupação
ordenada ganhariam um espaço singular. Isto redundou naquilo que decidimos denominar de
“cultura geográfica”, ou seja, um conjunto de ações sistemáticas com o objetivo de utilizar o
conhecimento geográfico para subsidiar ações governamentais.
No desenvolvimento dessa “cultura geográfica”, a experiência da Sociedade seria
valorizada e seus associados desempenhariam papéis de primeira grandeza. Nomes como
Everardo Backheuser, Carlos Delgado de Carvalho, Fernando Raja Gabaglia e Mario Augusto
Teixeira de Freitas. Deste modo, apesar de instituição de caráter privado, foi integrada ao
sistema geográfico oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, estabelecido por
Vargas, em 1938, o que estreitaria ainda mais a sua colaboração com os órgãos federais,
inclusive, as recém criadas faculdades de filosofia.
144

A Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro também assumiu a vanguarda da


convocação dos congressos brasileiros de geografia. O estudo dessas reuniões científicas
revelou não apenas a preocupação com o estado da arte ou a evolução da disciplina. Eles
constituem um bom termômetro para se avaliar as transformações que se operavam no país,
nos âmbitos social, econômico e político. Dentre tais eventos, cabe distinguir as jornadas de
1940 e de 1944, cuja programação atendia às demandas da “cultura geográfica” do Estado
Novo.
Seja como for, desde a sua fundação até a sua extinção, em 1945, a Sociedade de
Geografia do Rio de Janeiro atuou como um lócus privilegiado para o debate e a reunião de
estudiosos da matéria. Seus quadros sociais, a princípio formados por diletantes ou
autodidatas, mais tarde incorporaram professores e egressos das faculdades de filosofia, ao
lado de técnicos de órgãos que compunham o sistema geográfico oficial do IBGE.
As práticas científicas desenvolvidas, os empreendimentos acadêmicos realizados, do
mesmo modo que o conhecimento acumulado na coleção das suas publicações, atestam que as
iniciativas da Sociedade, embora carecessem de sistematização e de continuidade,
anteciparam-se ao conjunto de medidas tomadas na década de 1940, que resultaram na
formação da geografia como um campo disciplinar autônomo no Brasil. Não por acaso, em
1943, a veterana associação seria qualificada de (...) espelho das tradições progressistas...
145

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158

ANEXOS
159

Geografia do Brasil
Livro I – O Solo e o Homem
Primeira Parte: O solo
Título I: Geognose do solo brasileiro Capítulo 3– Costas e Nesografia
Capítulo 1: Face geral sob o ponto de vista 1. Bacias, enseadas e portos naturais
petrográfico 2. Cabos e Pontas
Capítulo 2: Faces geral sob o ponto de vista 3. 3. Ilhas
estratigráfico (Professor Fernando Raja Gabaglia)
Capítulo 3: Estudo resumido da emersão do solo Título 3 – Agentes físicos, climas e
brasileiro (Engenheiro Euzébio Paulo de salubridade
Oliveira) (Engenheiro Henrique Morize e Dr.
Theofilo de Almeida)
Título II: Aspecto Físico
Capítulo 1 – Orografia Título IV : Reinos Naturais
1. O sistema de Parima Capítulo 1 – Reino Mineral
2. O sistema brasileiro 1. Minerais
3. Os contrafortes andinos 2. Produtos de aplicação industrial e
(Engenheiros Luiz Felipe Gonzaga de Campos, artística
Euzébio Paulo de Oliveira e Everardo (Doutor Jorge B. de Araújo Ferraz)
Backheuser) 3. Fontes termais
4. Speleologia (Doutor Pádua Rezende)
(Engenheiro Antonio Olyntho dos Santos Pires) Capítulo 2– Reino Vegetal
5. Manifestações vulcânicas 1. Regiões de floresta
(Coronel Doutor Alípio Gama) 2. Regiões de campos
6. As secas do nordeste 3. Natureza botânica da flora
(Doutor Alceu Lellis) 4. Produtos de aplicação industrial e
Capítulo 2: Potamografia e limnologia artística
1. Bacia do Amazonas (Professor Alberto José de Sampaio)
2. Bacia do Prata Capítulo 3 – Reino Animal
(Capitão Francisco Jaguaribe de Mattos) 1. Mamíferos
3. Bacias Orientais 2. Aves
4. Bacias Interiores 3. Réptil
5. Lagos e lagoas individualizados 4. Anfíbios
(Professor Honório de Souza Silvestre) 5. Peixes
6. Força Hidráulica 6. Invertebrados
(Doutor Paulo de Frontin) 7. Animais e produtos animais e utilidade
160

Segunda Parte – O Homem

Título I: A dominação do solo Titulo IV: O brasileiro

Capítulo 1I: O descobrimento (Lindolpho Xavier, João Barbosa de Faria,

1. O descobrimento do ponto de vista Gustavo Barroso e Ronald de Carvalho)

cronológico
2. O descobrimento do ponto de vista
sociológico
(Doutores Pontes de Miranda e Ronald de
Carvalho)

Capítulo 2: Raças aborígines


1. Grupos fundamentais primitivos
2. Tribos atuais
(Doutor João Barbosa de Faria)

Título II: Diretrizes e superfícies de povoamento


Capítulo 1: As entradas
Capítulo 2: As bandeiras
(Doutor J.B. Mello e Souza)

Titulo III – A Colonização


Capítulo 1 Donatárias – capitanias
Capítulo 2: Correntes imigratórias
1. O português
2. O negro
3. O holandês
4. O francês
5. O italiano
6. O alemão
7. Indivíduos de outras raças
Capítulo 3: Raças Intermediárias
1. O mameluco
2. O mulato
3. O cariboca
4. O mestiço
161

Livro II – A Nação

Parte Geral
Título I: Dimensões Capitulo III: Economia e Finanças
Capítulo I: Limiites 1. Indústria
1. Limites Geográficos 2. Comércio
2. Limites Astronômicos (Dr. Ezequiel Ubatuba e Professor
Capítulo II: Superfície Lindolpho Xavier)
(Engenheiro Francisco Bhering) 3. Viação
Capítulo III: Limites Interestaduais (Dr. Lucas Bicalho e Emilio Schnoor)
( Comandante Thiers Fleming) 4. Moedas, pesos e medidas
5. Instituições de Crédito
Título II: População 6. Regime fiscal e tributário
Capítlulo I: População absoluta e relativa (Engenheiro Aarão Reis)
Capítulo II: Natureza da População e Capítulo IV: Insttrução
estatística 1. Instrução Primária
(Dr. José Luiz Sayão de Bulhões de (Dr. José Augusto Bezerra de Menezes)
Carvalho) 2. Instrução Secundária
3. Instrução Superior
Título III: Organização Social (Dr. Victor Viana)
Capítulo 1: Governo e Divisão Política 4. Educação Artístitca
1. Poder Executivo (Dr. Basílio de Magalhães)
2. Poder legislativo 5. Instrução Profissional
( Almirante Antonio Coutinho Gomes (Professor Lafayette Cortes
Pereira, General Moreira Guimarães, Capítulo V: Estado atual da civilização
Eugenio Wandeck, Dr. M. T. Carvalho (Dr. Victor Viana)
Brito e Dr. Antonio Carlos de Arruda
Beltrão)
3. Poder Judiciário
(Dr. Álvaro Berlford e Dr. Pontes de
Miranda)
Capítulo II: Religiões
1. Religião Católica Apostólica Romana
2. Outras religiões
(Dr. Lauro Severiano Muller)
162

Parte especial

Distrito Federal, dos Estados e do Território do Acre

Título 1: O Distrito Federal (Drs. Aureliano Portugal e Mario Freire)

Título 2: Os Estados e os territórios a eles incorporados e o Território do Acre

Capítulos: I – Pará (Capitão Felix da Costa Pereira)


II – Maranhão (Drs. Domingos Barbosa e J. B. Costa Rodrigues)
III – Piauí ( Dr. Felix Pacheco e Coronel Josino José Ferreira)
IV – Ceará (Barão de Studart)
V – Ro Grande do Norte (Dr. Augusto Tavares de Lyra)
VI – Paraíba (Coriolano de Medeiros)
VII – Pernambuco (Dr. Mario Mello)
VIII –Alagoas (Drs. José Fernandes Lima, Pontes de Miranda e Joaquim G. de Andrade)
IX – Sergipe (Dr. Manoel dos Passos de Oliveira Telles)
X – Bahia (Drs. Theodoro Sampaio e Miguel Calmon du Pin e Almeida)
XI – Espírito Santo (Dr. Jerônimo Monteiro)
XII – Rio de Janeiro (Drs. Clodomiro de Vasconcellos e José Mattoso Maya Forte)
XIII – São Paulo (Drs. João Pedro Cardoso, Gentil de Moura, Gomes Ribeiro, Paulo
Pestana e Guilherme Kulman)
XIV – Paraná (Drs. Ermelino Leão e Sebastião Paraná)
XV – Santa Catarina (Dr. José Arthur Boiteux)
XVI – Rio Grande do Sul (Dr. Protasio Alves)
XVII – Amazonas (Senador Lopes Gonçalves)
XIX – Goiás (Major Henrique Silva)
XX – Minas Gerais (Drs. Nelson de Senna, Álvaro da Silveira e Professor Lindolpho
Xavier)
XXI – Território do Acre (Dr. Alberto Moreira)
163

9º CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA


TESES OFICIALMENTE RECOMENDADAS

Geografia Matemática – Cartografia

1. carta geográfica, corográfica e topográfica, no caso brasileiro: características. Projeção


mais conveniente a cada uma delas.

Geografia Física

1. a faixa marítima do Brasil; estudo de um trecho característico do litoral.


2. as águas continentais do Brasil; estudos especiais de uma de suas bacias fluviais ou
lacustres
3. estudo de um relevo brasileiro; seus tipos dominantes; sugestões para uma
classificação orográfica do Brasil
4. tipos de climas do Brasil: sua classificação; estudos especiais de um clima local

Biogeografia (Geografia Botânica e Geografia Zoológica)

1. proteção da natureza: “Dever de conservar as riquezas da Terra”. A proteção da


natureza:
a) quanto ao solo e subsolo
b) quanto à flora
c) quanto à fauna
d) quanto as indígenas e sertanejos
e) quanto aos sítios e paisagens

2. a proteção da natureza no Brasil: leis e regulamento; comentários e sugestões; os


parques nacionais existentes: descrição e relevância.
3. monumentos naturais do Brasil: tectônicos, topográficos, botânicos, zoológicos,
etnográficos, paleontológicos; necessidades de seu cadastro.

Geografia Humana

1. interpretação antropogeográfica de uma serra ou de um maciço montanhoso


determinado: situação, limites naturais; costas, vertentes e elevações; origem geológica;
conhecimento cientifico; populações e sua distribuição; valor hidrográfico e clima; valor
econômico; habitat: induções sociogeográficas econômicas e profissionais; hábitos e
costumes; a entidade geográfica (obstáculo, barreira ou ligação); sua integração social na
região ambiente.
2. alimentação e abastecimento de uma região do país. Condições mesológicas: solo e
clima; tipo social da população: origem e desenvolvimento; regime alimentar, produtos
típicos: dieta das diferentes classes sociais, pratos locais, origem dos gêneros alimentícios
164

importados – transportes; exportação loca de especialidades; mercados e sua localização


geográfica.
3. estudo funcional de um centro urbano. Condições geográficas e topográficas que
influíram na formação da cidade; histórico geograficamente interpretado; condições
climáticas; desenvolvimento e urbanização: distribuição dos quarteirões residenciais; função
comercial e função industrial; interdependência do centro e da região em que se acha.
4. estudo do habitat rural em um vale, numa planície ou em um planalto (constituindo
unidade geográfica). Descrição geográfica sumária; densidade da população; habitat
aglomerado e habitat disperso; causas do tipo do habitat; clima, águas, materiais de
construção locais: a casa; recursos; o povoado e sua cultura; intercambio e influencias; função
econômica e integração no meio geográfico ambiente.
5. funções regional, industrial e comercial de um porto marítimo, fluvial ou lacustre.
Descrição sumária da posição geográfica do porto; histórico de sua fundação e de seu
desenvolvimento para servir à região; seu hinterland; recursos industriais; zonas a que serve e
donde tira suas matérias primas; natureza e importância relativa de suas comunicações; fatores
favoráveis e desfavoráveis ao seu comércio; estatísticas indispensáveis à interpretação do caso.
6. pesquisa de uma mistura étnica entre elementos exclusivamente nacionais ou entre
nacionais e estrangeiros numa determinada área do país. Delimitação geográfica da área;
elementos em presença e sua importância relativa; histórico dos contatos principais;
influências no povo na língua, na religião e nos costumes, instituições de assimilação ou
acomodação; estatística comentada e explicada dos casamentos; tipos sociais; grau de
integração da população.
7. observações antropogeográficas de uma zona d fronteiras vivas, de preferência
cidade ou vila do sul ou do sudoeste. Descrição sumária das condições geográficas e das
facilidades de comunicações; tipos sociais: ocupações, usos e costumes; a língua falada;
influências estrangeiras explicativas e justificadas geograficamente; fase de nacionalização e
assimilação; principais problemas de ordem econômica, condicionados pela posição
geográfica; relações com o país e com o estrangeiro.
8. inquérito antropogeográfico sobre um tipo de imigrante: observações localizadas ou
generalizadas. Escolha do tipo (origem, precedentes estrangeiros, categoria social); a sua
localização geográfica; atitude do imigrante – tipo em relação ao trabalho; facilidade ou
dificuldade da colocação na zona; seus conceitos médios sobre propriedade, família, religião e
sobre a necessidade de educação; sua higiene pessoal e coletiva; o tipo como cidadão
assimilável ou não; exemplos; argumentos; sua atitude em matérias internacionais.
9. observação da mobilidade social em geografia humana, com exemplos
circunstanciados. Estudo de duas zonas geográficas que se prestem à observação do fenômeno
da migração interna; causas da mobilidade, suas feições principais, suas modalidades e
aceleração; conseqüências do deslocamento; análise detalhada das condições que determinam
o fenômeno e, se prejudicial, estudo dos meios de atenuá-lo; multiplicação de exemplos e
analogias.
10. estudo regional da habitação em uma zona geograficamente delimitada. Descrição
geográfica, especialmente do clima, do declive e das águas correntes; feições da casa da
moradia: material de construção, origem deste material e seu transporte; planta da casa tipo e
sua explicação em relação ao clima; à profissão local, aos usos e costumes; distância da casa
aos centros vizinhos; suas dependências; a propriedade; os moradores.
165

Geografia Econômica

1. descrição geográfica, econômica e social de uma rede ferroviária ou de um de seus


ramais. Estudo da área geográfica, sua ocupação pelas populações; transportes primitivos;
histórico da via férrea (resumido); estado atual da rede, sua importância comercial –
estatística; as concorrências que sofre e seus serviços; obstáculos, influências na densidade da
população, seu progresso, suas cidades e seu desenvolvimento econômico; conclusão crítica.
2. observação de um centro antropogeográfico em via de industrialização. Justificação
do centro observado; tipo de população; a afluência e as instalações; gênero de vida – os
adventícios; a indústria regional, suas matérias primas e a transformação industrial; mão de
obra; produção e condições de trabalho; usos locais; a integração deste centro na indústria
nacional; força motriz; estatística; mercados visados; distribuição geográfica.
3. estudo regional de uma cultura de importância comercial, em progresso ou em
declínio. Área, terras e clima da referida cultura; distribuição geográfica no país e no mundo;
os mercados consumidores e sua atitude; causas locais de prosperidade ou de declínio; os
transportes, a mão de obra, as qualidades, tipos comerciais; histórico da cultura – situação
presente e futuro provável na economia nacional.
4. monografia sobre um trecho ou uma linha de navegação fluvial. Estudo geográfico da
região que percorre o rio navegável; condições técnicas, medição, profundidades, etc; o
passado e o futuro da zona; relevo vizinho e margens, vegetação e recursos; as populações
ribeirinhas, alimentação, habitat e industrias; as cidades-portos, sua vizinhança dos grandes
centros e as ligações ferroviárias e rodoviárias; navegação: empresas e embarcações;
transportes e comércio; estatísticas.
5. estudar um problema rodoviário em função do meio geográfico e do meio social em
que se apresenta. Descrição sumária da topografia do percurso e condições técnicas essenciais
(declives, obras de arte, conservação, etc.); histórico da rodovia: situação anterior; zonas
servidas, produtos importados; povoações e cidades em formação ou desenvolvimento; efeitos
sobre a estrutura social e econômica da região; estatísticas (veículos e mercadorias); lugar
ocupado no plano rodoviário estadual e interestadual.
6. estudo a respeito dos mananciais de energia do Brasil. A força hidráulica:
aproveitamento atual e possibilidades; estatísticas indispensáveis; os combustíveis minerais.

Explorações Geográficas e Geografia Histórica

1. as explorações geográficas do Brasil no século XIX; idem no século XX; trabalhos da


Comissão Rondon e das comissões de fronteiras; trabalhos individuais;
2. desenvolvimento dos estudos geográficos no Brasil desde os fundadores até os dias
atuais.

Metodologia Geográfica, Regras e Nomenclatura

1. o ensino da geografia e o seu desenvolvimento gradual desde a escola primária;


práticas e sugestões.
166

2. estudos da toponímia brasileira; influência dos contingentes português, tupi e africano


nos topônimos do Brasil; sua origem e explicação; conservação ou restauração dos nomes
antigos.

Monografias Regionais

1. sugestões para a organização de um esquema-tipo de monografias regionais


2. estudos especiais da corografia catarinense e da cidade de Florianópolis
167

10º CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA


LISTA DOS TEMAS RECOMENDADOS PELA COMISSÃO ORGANIZADORA CENTRAL

Geografia Histórica e Explorações Cartográficas

1. contribuições à história da cartografia brasileira


2. expedições cientificas na Amazônia

Geografia Matemática

3. contribuições da aerofotogrametria nos problemas da geografia nacional

Geografia Física

4. sistemática da orografia brasileira


5. estudo de um lago ou região lacustre

Biogeografia

6. tipos de revestimento floristico do Brasil

Geografia Humana

7. estudo sobre a imigração no Brasil ou sobre um tipo de imigrantes com observações


localizadas
8. condicionamento da instalação de um núcleo urbano, em relação às suas condições
geográficas e topográficas
9. estudo de uma zona de aprovisionamento de importância para a defesa nacional
168

Geografia das Calamidades

10. estudo de enchente de um rio em um centro urbano: causas, efeitos, periodicidade


11. zona de ocorrência de pragas de gafanhotos

Geografia Médica

12. distribuição geográfica das zonas de ocorrência da malária no Brasil

Geografia Econômica

13. geografia do calcáreo e sua industrialização

Metodologia Geográfica e Ensino de Geografia

13. Programa-tipo de excursões geográficas para fins didáticos


14. definição e delimitação da geografia
15. a prática e os gabinetes de geografia

Monografias Regionais, estudos especiais de corografia do estado do Pará

16. contribuições aos estudos regionais da Amazônia


17. monografia de um município paraense
169

CURSOS DE APERFEIÇOAMENTO PARA PROFESSORES


DE GEOGRAFIA DO ENSINO SECUNDÁRIO

Lista dos diplomados

Habilitados Com certificados com freqüência

1. Agliberto Vidal de Castro 1. Agostinho Pereira de Melo


2. Altair Gomes 2. Antônio Teixeira Guerra
3. Álvaro Pais de Barros Filho 3. Clóvis Assunção
4. Armando José Sampaio de Sousa 4. Helena Mattar
5. Ari Augusto Chaves Faria 5. João Diogo Pereira da Fonseca
6. Ceurio Roberto de Holanda Oliveira 6. José Dias Bastos
7. Clélia Roseli 7. José Júlio Guimarães Lima
8. Cleonice de Sales Macuco 8. Luis Arlindo Tavares de Lira
9. Daso de Oliveira Coimbra 9. René de Oliveira Barbosa
10. Elsa Coelho de Sousa 10. Rute Matos Almeida Simões
11. Emília de Carvalho Antony 11. Antonio dos Santos Oliveira Junior
12. Eugênia de Oliveira Barbosa 12. Augusto Gomes Vilaça
13. Geraldo Sampaio de Sousa 13. Claudiston Lima Santos
14. Gustavo Sartosa 14. Dina Manhães
15. Hildebrando Castro Gonçalves 15. Edgardo Cornélio dos Santos Faria
16. Isabel Maria Fuentes Hernandéz 16. Galileu Graciliano de Brito
17. José Gonçalves Vilanova 17. Godofredo de Sousa Aguiar Jr.
18. Judite P. Valadares Salgado 18. Jofre da Costa Azevedo
19. Leia Quintierre 19. José Fernandes Monteiro
20. Lúcia Maria Cavalcante 20. Orlinda Lacerda França
21. Maria do Carmo Alves Pequeno 21. Raul Schmidt Sobrinho
22. Maria José Homem da Costa
23. Maria Teresa Vidal Prieto
24. Mariam Tiomno
25. Mario Perez Rodriguez
26. Mateus Paulo Rodrigues Guedes
27. Moacir Sampaio de Sousa
28. Odília Gomes
29. Olga Brandão Cordeiro de Almeida
30. Osvaldo Gonçalves de Sousa
31. Rui Afrânio Peixoto
32. Valdemar Costa Cocchiarele
33. Valdemar de Gusmão
170

Fonte: IBGE, Revista Brasileira de Geografia, , v. 1, n.3, jul./set., p. 143,1939.


171

Você também pode gostar