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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Luiza Helena de Carvalho

João de Mattos: as aventuras de um padeiro na luta pela liberdade e pela


dignidade da profissão (1876-1912)

Rio de Janeiro
2009
Luiza Helena de Carvalho

João de Mattos: as aventuras de um padeiro na luta pela liberdade e pela dignidade


da profissão (1876-1912)

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em História, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: História Política

Orientadora: Profª. Drª. Lucia Maria Paschoal Guimarães

Rio de Janeiro
2009
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ CCS/A

C331 Carvalho, Luiza Helena de.


João de Mattos: as aventuras de um padeiro na luta pela liberdade e
pela dignidade da profissão (1876-1912)/ / Luiza Helena de Carvalho. -
2009.
151 f.

Orientadora: Lúcia Maria Paschoal Guimarães.


Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Bibliografia.

1. Padeiros e padarias – Brasil – Séc. XIX – Teses. 2. Sindicalismo


– Brasil – Séc. XIX – Teses 3. Trabalho escravo – Brasil – Séc. XIX –
Teses. I. Guimarães, Lúcia Maria Paschoal. II. Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.
Título.
CDU 331.105.44

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação.

___________________________ _________________

Assinatura Data
Luiza Helena de Carvalho

João de Mattos: as aventuras de um padeiro na luta pela liberdade e pela dignidade


da profissão (1876-1912)

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre, ao Programa
de Pós-Graduação em História, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em 08 de outubro de 2009.


Banca Examinadora:

_______________________________________________
Profª. Drª. Lúcia Maria Paschoal Guimarães (Orientadora)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ

_______________________________________________
Profª. Drª. Tânia Maria Bessone da Cruz Ferreira
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ

_______________________________________________
Profº. Drº. Ricardo Salles
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
2009
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meu pai, Juscelei


Luiz de Carvalho, que me ofereceu a
oportunidade de crescer e florescer.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à professora Lúcia Guimarães, por ter sido mais do que
uma orientadora. Sua enorme paciência, carinho, incentivo e competência foram
fundamentais para que esta pesquisa se tornasse realidade. Um aprendizado que carregarei
para o resto de minha vida.

Agradeço a minha família, principalmente aos meus pais Juscelei e Judlamar, que
me deram a vida e me ensinaram o caminho da retidão. Minha mãe por ter compreendido
minha ausência nos momentos conclusivos da dissertação.

Agradeço ao meu companheiro, que sempre me aceitou como sou, sem cobranças.
Por ter me ajudado financeiramente e partilhado minhas angústias, me incentivado, e
compreendido os momentos que tive que trocar sua presença pela atenção ao computador e
aos livros. Agradeço aos meus sogros Vera e Alcides, pelo carinho.

Agradeço ao professor Dr. Ricardo Salles que me incentivou a continuar a pesquisa


iniciada na especialização na Faculdade de Formação de Professores – UERJ e a buscar
mais os estudos sobre João de Mattos. Agradeço à professora Drª. Tânia Bessone, por
participar da minha banca examinadora, e por ter contribuído com algumas questões sobre a
pesquisa no Seminário do CEO-PRONEX, que foram fundamentais para a elaboração deste
trabalho.

Agradeço a minha amiga querida, Tatiane Lopes, que sempre me aconselha e me faz
pensar, além de compartilhar comigo as dificuldades e alegrias durante o curso de
mestrado; agradeço as minhas amigas Daniele, Heloisa, Jaline, Andréia, Juliana e Ana
Lúcia que com muito carinho me deram palavras de apoio e confiança.
RESUMO

CARVALHO, Luiza Helena. João de Mattos: as aventuras de um padeiro na luta pela


liberdade e pela dignidade da profissão (1876-1912). 2009. 151 f. Dissertação (Mestrado
em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

Este trabalho dissertativo é um estudo sobre as memórias deixadas por João de


Mattos em seu Manuscrito, intitulado, “Histórico Social de 1876 a 1912”. Tal autor viveu,
inicialmente, em Santos até 1876, a partir de 1877 em São Paulo e após 1878 no Rio de
Janeiro. No referido Manuscrito, João de Mattos relata suas aventuras pela conquista da
liberdade e sua luta por uma vida digna para a categoria dos padeiros. A dissertação
examina a trajetória de Mattos e de seus companheiros na organização de três associações
criadas pelos empregados de padarias no Rio de Janeiro: O Bloco de Combate dos
Empregados de Padarias; a Sociedade Cooperativa dos Empregados de Padarias no Brasil;
e a Sociedade Cosmopolita Protetora dos Empregados de Padaria. Além disso, analisa a
presença dos trabalhadores da categoria em três momentos singulares da História: Na
abolição, nas campanhas republicanas e no movimento operário.

Palavras-chave: Padeiros. Abolição. Movimento operário.


ABSTRACT

This reported work is a study about the memories left by João de Mattos in his
manuscript entitled, "Social History from 1876 to 1912. This author lived initially in Santos
until 1876, in 1877 in Sao Paulo and after 1878 in Rio de Janeiro. In that manuscript, João
de Mattos recounts his adventures about freedom conquest of freedom and the struggle for
a dignified life to the bakers category. The dissertation examines the Mattos trajectory and
his associates in the organization of three associations created by of bakeries employees in
Rio de Janeiro The Bloco de Combate dos Empregados de Padarias, the Sociedade
Cooperativa dos Empregados de Padarias no Brasil, and the Sociedade Cosmopolita
Protetora dos Empregados de Padaria. Beside this examines the presence of workers from
the category in three unique moments in history: The abolition, the Republican campaign
and the labor movement.

Keywords: Bakers. Abolition. Labor movement.


LISTA DE ABREVIATURAS

AN – Arquivo Nacional.

ANL – Aliança Nacional Libertadora.

AIB – Aliança Nacional Libertadora.

APERJ – Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.

BN – Biblioteca Nacional.

DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social.

DPS – Divisão de Polícia Política e Social.

IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................9

1 JOÃO DE MATTOS: UM COMBATENTE DA CAUSA ABOLICIONISTA?......14

1.1 No rastro das associações abolicionistas: primeiras revelações de um


Manuscrito.......................................................................................................................15

1.2 Na pista do Bloco de Combate dos Empregados de Padarias....................................29

2 UM PADEIRO NO ALVORECER DA REPÚBLICA: PRIMEIROS PROJETOS


DE UNIÃO DA CATEGORIA......................................................................................47

2.1 O desapontamento com a República e a organização da Sociedade Cooperativa


dos Empregados de Padarias no Brasil........................................................................48

2.2 O monopólio do pão barato...........................................................................................63

3 JOÃO DE MATTOS E A GÊNESE DO MOVIMENTO OPERÁRIO....................78

3.1 A luta continua: João de Mattos e a formação da Sociedade Cosmopolita


Protetora dos Empregados de Padarias.......................................................................79

3.2 A Liga Federal dos Empregados de Padarias e a greve de 1912...............................95

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................105

REFERÊNCIAS............................................................................................................108

ANEXO A - Fachada da possível sede do Bloco de Combate dos Empregados


De Padaria à rua da Conceição, nº 28..............................................................................113

ANEXO B - Planta da cidade do Rio de Janeiro.............................................................115

ANEXO C - Fachada da sede da Sociedade Cosmopolita Protetora dos Empregados


De Padaria........................................................................................................................116

ANEXO D - Jornal O Panificador...................................................................................118

ANEXO E - Greve de 1912.............................................................................................130

ANEXO F - Manuscrito de João de Mattos....................................................................135


9

INTRODUÇÃO

Quando pesquisava no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro – APERJ,

durante o curso de Especialização em História do Brasil na Faculdade de Formação de

Professores, sob a orientação do professor Ricardo Salles, encontrei um Manuscrito

intitulado “Histórico de 1876 a 1912”, cujo autor era alguém que se assinava João de

Mattos e relatava suas aventuras frente a um grupo de padeiros entre São Paulo e Rio de

Janeiro naquele período. A narrativa se mostrava tão mirabolante que resolvi tentar

acompanhar os passos desse indivíduo, seguindo as pistas difusas que deixara.

Aliás, o documento não é inédito. Foi explorado pelos historiadores Leila Duarte e

Marcelo Badaró. A primeira, no livro Pão e Liberdade, o utilizou para converter João de

Mattos em uma figura emblemática na luta pela organização de uma categoria

profissional, neste caso os padeiros1. A obra, lançada em 2002, que se destinava aos

estudantes do Ensino Médio e Fundamental, inaugurou a coleção do Arquivo Público do

Estado do Rio de Janeiro, Cadernos do Arquivo, e buscava estabelecer um elo entre o

Arquivo e os jovens.

Por sua vez, Marcelo Badaró se serviu do Manuscrito, no livro Escravizados e

Livres: Experiências comuns na Formação da Classe Trabalhadora Carioca2, no qual

examina o papel desempenhado pela “classe dos padeiros” na campanha pelo fim da

escravidão. O autor sustenta a premissa de que os primeiros passos da formação da “classe

trabalhadora” antecederam a abolição.

1
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: Uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Rio
de Janeiro: Mauad / FAPERJ, 2002.
2
MATTOS, Marcelo Badaró. Escravizados e Livres: Experiências comuns na formação da classe
trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008.
10

Os dois estudiosos mencionados, portanto, partem do pressuposto de que a fonte

constitui um relato verdadeiro. Não se ocuparam em examiná-la à luz da crítica histórica. A

nossa proposta é analisar o Manuscrito e apresentar uma leitura original, cotejando com

outros documentos de época, pondo a prova sua veracidade. Resolvemos, então, nos

debruçar sobre esse vulto misterioso que se dizia testemunho de um período

importantíssimo da nossa história, cuja memória preocupou-se em registrar. Maurice

Halbwachs, no livro A Memória Coletiva, estabelece uma distinção entre história e

memória. Para o autor a história começa no ponto onde se encerra a tradição. Quando as

recordações de uma série de fatos perdem o suporte do grupo em que estiveram engajadas,

quando se dispersavam por entre os indivíduos, o único meio de salvá-las “...é fixá-las por

escrito em uma narrativa seguida, uma vez que as palavras e os pensamentos morrem, mas

os escritos permanecem.”3

Esta parece ter sido a principal preocupação de João de Mattos. Em 1934, ano em

que afirma ter escrito o relato, Mattos declarava-se em idade avançada e único sobrevivente

de uma categoria. Advertido por velhos companheiros decidiu organizar suas lembranças,

registrando o “histórico social da sua classe”: a dos padeiros.

Mas, como se sabe a memória é um jogo dialético entre lembrança e esquecimento.

É óbvio que neste jogo João de Mattos avivou aquilo que considerava digno de recordar,

tanto da sua história de vida, quanto dos próprios movimentos nos quais se engajou.

O misterioso personagem não queria ser evocado como um homem comum, com

família, amigos e relações sociais fora da profissão, mas sim, pelas causas a que se dedicou

a amparar. Por certo, na narrativa oferecida por João de Mattos não há como ignorar os

3
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990, pp.
80-81.
11

silêncios que são sempre escolhidos, nem os subterfúgios que são utilizados. Suas

memórias traçam-lhe um perfil “quixotesco”, em que se apresenta como um cavaleiro

itinerante sempre empenhado na defesa dos fracos e oprimidos, em particular os escravos e

os padeiros. Tal qual o “engeñoso hidalgo” de Cervantes, ele parecia sempre pronto para

apoiar as causas nobres, o que o teria levado a se engajar em dois movimentos políticos que

marcaram a História do Brasil, no período compreendido entre o último quartel do século

XIX e as primeiras décadas do século XX. Desse modo, o Manuscrito de João de Mattos

pode ser dividido em três momentos, que corresponderão aos capítulos da presente

dissertação.

O primeiro intervalo será tratado no nosso capítulo de abertura, período em que

Mattos se apresenta como um paladino da abolição. Isto nos levará a tentar inseri-lo na luta

contra a escravidão, até porque seu testemunho traz uma novidade: a presença naquele

movimento de uma associação emancipacionista denominada “Bloco de Combate dos

Empregados de Padarias,” integrada por homens livres pobres, cujas estratégias de ação se

mostravam bem diversas daquelas habitualmente utilizadas, nas propagandas de ruas, nos

cafés, nos teatros, na imprensa, espetáculos, ou nas batalhas de flores. Essas táticas nos

autorizam a deduzir que existiram grupos abolicionistas que atuavam como grupos de

pressão tal como define Jean Meynaud.

Assinada a Lei Áurea, “o nosso Quixote” prosseguiria nas suas jornadas. Ele indica

haver se incorporado na campanha republicana. Porém, a Proclamação de 1889 não

corresponderia aos seus anseios. Logo adiante nas suas memórias, ele não esconde a sua

decepção, mostra-se inconformado e ao mesmo tempo pronto para abrir espaço para novas

reivindicações. Passou a demandar melhores condições de trabalho para sua categoria,

salientando que, apesar da abolição, os trabalhadores de padarias permaneciam


12

escravizados, cumprindo exaustivas jornadas e recebendo pagamento aviltante. Esse

período da narrativa de João de Mattos será abordado no segundo capítulo da dissertação e

servirá de mote para discutirmos, no terceiro capítulo, as tentativas de organização dos

empregados de padaria no alvorecer do movimento operário, quando o nosso emblemático

padeiro desempenhou um papel de liderança.

Analisar o Manuscrito de João de Mattos representa um desafio. O testemunho por

ele deixado, a primeira vista, parece uma história “rocambolesca”. Sua leitura pode até

provocar incredulidade, tal como aconteceu em Mariana, Minas Gerais, quando apresentei

os primeiros resultados da minha pesquisa no 3º Seminário Regional do CEO / PRONEX,

em maio de 2008: no evento, a principal questão que me foi levantada resumia-se no

seguinte: João de Mattos realmente existiu? Confesso que em um primeiro momento fiquei

apreensiva. E se este personagem fosse uma ficção? A dúvida persistiria por um bom

tempo, até que encontrei no jornal O Panificador, órgão da imprensa operária, provas da

sua existência. Ele foi um líder da categoria e atuou nos primórdios da sua organização. A

constatação deu-me forças para prosseguir, afinal o documento oferecia algumas pistas que

valia a pena averiguar. Assim, busquei na noção de paradigma indiciário, tal como foi

formulado por Carlo Ginzburg, apoio para fazer uma nova leitura do Manuscrito. Vale

lembrar que Ginzburg sugere o estudo investigativo e de reconstrução de fenômenos

históricos através de uma série de conexões que preencheriam as lacunas de uma

documentação, por meio do exame pormenorizado da mesma, reunindo indícios com o

objetivo de construir o objeto a ser estudado. O que significa compulsar outras fontes.

Neste sentido, procurei em jornais de época, na imprensa operária, na Junta Comercial e no

arquivo da Delegacia de Ordem Política e Social, referências que me permitissem cotejar os

registros deixados pelo nosso “Quixote” padeiro.


13

Acredito que a análise de suas memórias, possa ajudar a esclarecer melhor a

complexidade da presença das camadas mais pobres da sociedade na campanha

abolicionista. Do mesmo modo, as peripécias de João de Mattos e de seus companheiros

oferecem uma oportunidade ímpar de identificar as reivindicações de uma categoria de

trabalhadores que produzia diariamente o alimento básico que não pode faltar à mesa: o

pão.
14

1 JOÃO DE MATTOS: UM COMBATENTE DA CAUSA ABOLICIONISTA?

Numa ânsia de vida eu abria


o vôo nas asas impossíveis
do sonho.
Venho do século passado.
Pertenço a uma geração
ponte, entre a libertação
dos escravos e o trabalhador livre.
Entre a monarquia
caída e a república que se instalava.

Cora Coralina, 1976.


15

1.1 No rastro das associações abolicionistas: primeiras revelações de um Manuscrito.

As memórias de João de Mattos se iniciam no ano de 1876 e constituem um

conjunto de 18 páginas, numeradas seqüencialmente, com o título “Histórico de 1876 a

1912”. É provável, porém, que uma parte desse Manuscrito tenha se perdido, porque ele

principia na página 99. De qualquer modo, o emblemático padeiro não esclarece quando e

onde nasceu. Nem tampouco à sua idade àquela altura, que deveria ser avançada, posto que

seu relato aparece datado de 1934.

Mas, o nosso misterioso personagem explica por que resolveu registrar suas

lembranças “(...) Sendo o único que ainda da classe sobrevive dos tempos idos,”4 e

advertido por velhos companheiros decidiu organizar seus apontamentos e escrever o

“histórico social da sua classe,” a dos padeiros. De acordo com Maurice Halbwachs, no

livro A Memória Coletiva, estabelece-se uma distinção

Entre história e memória. No seu entender a história se inicia somente no ponto


onde acaba a tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a memória
social. Quando a lembrança de uma série de acontecimentos não tem mais por
suporte um grupo aquele mesmo em que esteve engajada. (...) Quando ela se
dispersa por entre alguns espíritos individuais (...), então o único meio de salvar
tais lembranças é fixa-la por escrito em uma narrativa seguida uma vez que as
palavras e os pensamentos morrem, mas os escritos permanecem.5

Tal como afirma Halbwachs, esta parece ter sido a preocupação de João de Mattos,

deixar suas memórias para a posteridade, a fim de que outros pudessem valorizar as ações

dos padeiros. A narrativa começa com o engajamento do “nosso Quixote” na campanha

contra a escravidão.

4
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d 30055.
Fls 99 a 117.
5
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Op. Cit., pp. 80-81.
16

O movimento abolicionista, como se sabe, tomou grande impulso no início de 1870,

levando ao aparecimento de associações que buscavam antecipar a emancipação dos

escravos. Utilizando propagandas nas ruas, nos cafés, nos teatros, na imprensa, nos

espetáculos etc. O objetivo era angariar fundos para comprar as alforrias e inserir o liberto

na sociedade brasileira.

Promulgada em 1831, a lei de 7 de novembro declarava livres, todos os escravos

vindos de fora do Império e impunha penas severas aos importadores dos mesmos.

Contudo, permanecera ignorada inclusive pelo próprio governo. Como nos mostra Emília

Viotti da Costa, a referida lei

(...) correspondeu à ação desenvolvida na época da Independência pelos que


agitaram a questão escravista, como José Bonifácio, Eloy Pessoa e outros, e que
resultara, sobretudo, da pressão internacional, principalmente da Inglaterra que
exigira a interrupção do tráfico como condição para o reconhecimento da
independência do país, permaneceu letra morta.6

Em 1850, sob pressão internacional inglesa e de outros países onde a escravidão

havia sido abolida, foi decretada a Lei Eusébio de Queiroz, com o intuito de proibir o

tráfico internacional, além de fiscalizar e punir os responsáveis pelo comércio de africanos.

Esta lei determinou o efetivo fim do tráfico negreiro e representou o primeiro momento de

inflexão da escravatura, pois, a partir daí, cessava a principal fonte de abastecimento de

cativos”7. Para resolver o problema da mão-de-obra incrementou-se o tráfico

interprovincial, no qual as regiões do norte exportavam escravos para o sul cafeeiro. No

entender de Robert Conrad “o novo tráfico interno foi o resultado natural da maior

capacidade dos plantadores de café para pagar, em concorrência com outros brasileiros, por

6
COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Editora Unesp, 1998, p. 443.
7
PRADO, Maria Emília. Memorial das Desigualdades: Os impasses da cidadania no Brasil (1870-1902). Rio
de Janeiro: Revan, 2005, p. 20
17

uma ‘mercadoria’ que era escassa”8. Tornou-se comum nas províncias do norte, a

existência de agentes ou de companhias que colocavam regularmente anúncios na imprensa

diária oferecendo cativos para embarque em direção ao sul. Em 1851, Silva Guimarães

reclamava o direito de os cônjuges escravos continuarem unidos e a liberdade dos seus

filhos. Por sua vez, Silveira da Mota exercia pressão incessante no mesmo sentido. Já em

1869, foi colocado “em execução a lei que proibia as vendas de escravos debaixo de pregão

e em exposição pública, interditando os leilões...”9

Outra tentativa de acabar com o trabalho escravo de forma gradual, foi a Lei Rio

Branco de 187110, assinada pela Princesa Imperial Regente, deliberando que as crianças

nascidas após aquela data estariam livres, porém seus senhores deveriam cuidar delas até a

idade de 8 anos. Devido às responsabilidades envolvidas, os proprietários ainda poderiam

receber uma indenização de 600 mil-réis em títulos da dívida pública de 30 anos, ou usarem

o trabalho dos menores até eles alcançarem a idade de vinte e um anos. Além disso, a lei

criou um fundo de emancipação e libertou os escravos de propriedade do Estado. 11

Mas, esta lei, também chamada do Ventre Livre sofreu graves críticas por parte dos

abolicionistas. As mais comuns eram de que o fundo de emancipação não havia conseguido

alcançar resultados grandiosos, devido ao fato de não ter um incentivo maior por parte do

governo. Eles afirmavam que o fundo não conseguia libertar um grande número de

escravos. E mais: diziam que os ingênuos em sua quase totalidade haviam permanecido na

mesma condição de outros escravos, podendo inclusive, receber castigos corporais desde

que não fossem “excessivos”. Para Maria Emília Prado, a lei de 1871
8
CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850 – 1888. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 1975, p. 72.
9
Idem., p. 447.
10
Lei Rio Branco. Arquivo Nacional: AN. Colleção das Leis do Império do Brasil de 1871, Tomo XXXI,
Parte I.
11
CONRAD, Robert. Os últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850-1888. Op. cit., p.113.
18

“pode ser compreendida como expressão do consenso que então se estabeleceu


em torno da estratégia reformista e implicou a existência de uma grande
habilidade política, capaz de ter possibilitado o envolvimento dos escravos,
funcionando, assim, como um mecanismo de freio às revoltas”.12

Neste caso, permitia ao governo beneficiar de um lado os senhores de terras com

uma abolição lenta, gradual e segura, por outro diminuía as rebeldias escravas acenando-

lhes com uma possível liberdade.

No ano de 1877, um período de seca no nordeste incentivou a expansão do tráfico

interprovincial de forma tão rápida, que chegou a colocar em perigo o equilíbrio do próprio

sistema escravista. Para Robert Conrad “o tráfico de escravos interprovincial apressou a

transformação, nas províncias do norte, para um sistema de trabalho livre, mas, nas regiões

do café, retardou esse desenvolvimento”.13

A situação começaria a se alterar na década de 1880, quando os abolicionistas

perceberam que as leis e a mentalidade da sociedade ainda continuavam presas aos grilhões

da escravidão, levando-os a uma ação mais direta e eficaz. Os emancipacionistas

observaram que as leis propostas só estavam adiando o fim do cativeiro, considerado um

entrave ao progresso do país. Progresso por sinal, que se tornara visível na década de 1880,

quando vários incrementos são consolidados, sendo propício para o crescimento do

movimento abolicionista.

Eduardo Silva, no livro As camélias do Leblon, afirma que “a crise final da

escravidão, no Brasil, deu lugar ao aparecimento de um modelo novo de resistência, a que

podemos chamar quilombo abolicionista”.14 Quilombo este, que tinha o apoio de cidadãos

renomados politicamente. Um exemplo deste tipo de resistência era o Quilombo do

12
PRADO, Maria Emília. Memorial das Desigualdades: Os impasses das cidadanias no Brasil (1870-1902).
Op. Cit. p. 68.
13
CONRAD, Robert. Os últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850-1888. Op. Cit., p. 72.
14
SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: uma investigação de História
cultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 11.
19

Jabaquara, cujo líder Quintino de Lacerda recebia o apoio financeiro e a proteção de

pessoas da sociedade local.

Outro exemplo, desse novo modo de resistência foi o do Quilombo do Leblon. Seu

idealizador era um negociante de malas chamado Seixas. Na percepção de Eduardo Silva,

para o “movimento abolicionista, o quilombo do Leblon como que resumia todos os

quilombos, simbolizava o apoio de todos os quilombos ao movimento político que

propunha abolição imediata e sem indenização alguma aos proprietários”.15

Mas não foram apenas os quilombos os símbolos da rebeldia escrava. Maria Helena

Machado, em O Plano e o Pânico, aponta para diferentes formas de oposição dos cativos

na província de São Paulo, na tentativa de conquistarem sua autonomia. No seu entender,

(...) Tratava-se segundo o ponto de vista dos escravos, de defender, das investidas
senhoriais, os espaços de autonomia conquistados através de constantes
confrontos: uma cadência de trabalho orgânica ao grupo, uma organização social
independente, uma incipiente produção de subsistência na forma de roças e de uma
microeconomia monetária, provenientes tanto do pequeno comércio de gêneros –
produzidos ou roubados –, quanto pelo recebimento de gratificações pelo trabalho
realizado a mais ou nos dias de folga.16

Uma outra forma de luta, também comum entre a escravaria, manifestava-se no

trabalho. Transformavam-se em trabalhadores relaxados. Não cuidavam das ferramentas e

faziam sabotagem, ou seja, “o escravo precisava ser mau trabalhador para não ser bom

escravo.”17 Em contrapartida os senhores exigiam da polícia, ações determinadas para a

manutenção da ordem dentro das senzalas.

Vale lembrar que, abolicionistas como José do Patrocínio, concordavam e apoiavam

tais rebeldias, como se lê na Gazeta da Tarde “Contra a escravidão todos os meios são

15
Idem, p. 15.
16
MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico: Os Movimentos Sociais na Década da Abolição. Rio de
Janeiro: UFRJ/EDUSP, 1994, p. 22.
17
GORENDER, Jacob. Escravidão Reabilitada. São Paulo: Ática, 1991, p. 35.
20

legítimos e bons. O escravo que se submete, attenta contra Deus e contra a civilização; o

seu modelo, o seu mestre o seu apostolo deve ser Spartacus...”18

Para José do Patrocínio a escravidão deveria ser eliminada, fosse através da

legalidade ou da indisciplina dentro das senzalas. O importante era não se submeter à

condição servil. Neste sentido, é conveniente destacar que as rebeldias e insubordinações

escravas que acompanharam a abolição não eram os únicos meios para conseguir a

emancipação.

Antes mesmo de 1880, existiram representantes políticos que haviam tentado

implementar a emancipação sem provocar uma crise na economia brasileira, tal como a Lei

Saraiva – Cotegipe, sancionada em 28 de setembro de 188519 e assinada por sua Majestade

Imperial D. Pedro II. Esta lei originou-se de um projeto do Gabinete Sousa Dantas20, mas

com a queda deste ministério em 1885 o projeto foi reformulado pelo seu sucessor José

Antônio Saraiva. O projeto Dantas foi corrigido e revisto.21 Robert Conrad, comparando o

Projeto Dantas com o Projeto Saraiva afirma que:

O Projeto Dantas propusera que os escravos de sessenta anos fossem libertados


ipso facto, mas o projeto Saraiva, por outro lado, declarava que os escravos assim
libertados deveriam, como uma forma de compensação para seus senhores,

18
PATROCÌNIO, José do. Gazeta da Tarde, Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 569, 22 de junho de 1886.
19
Lei Saraiva-Cotegipe. Arquivo Naciona: AN. Colleção das leis do Império do Brasil de 1885, Tomo XXXII,
Parte I.
20
Em 1884 com a queda do ministério Lafayette Rodrigues Pereira, D. Pedro II escolheu um novo Presidente
do Conselho, o Senador Dantas. O governo Dantas apoiaria três alterações básicas nas leis da escravatura, das
quais só uma era realmente nova: o fim do tráfico humano entre as províncias, ampliação do fundo de
emancipação e a libertação de todos os escravos que alcançassem a idade de sessenta anos. (organizações e
programas ministeriais, páginas 211-214).
21
Com a queda do ministério Dantas em 1885 o Imperador chamou para montar um novo gabinete José
Antônio Saraiva. O novo Presidente do Conselho reformulou o projeto Dantas e apresentou um novo projeto.
O projeto Saraiva determinava que os fazendeiros que concordassem com uma conversão rápida e total para o
trabalho livre teriam o direito de vender todos os seus escravos por títulos a cinco por cento valendo metade
do valor oficial de seus escravos. Os trabalhadores que fossem libertados dessa forma teriam de permanecer
ao serviço de seus antigos donos por mais cinco anos em troca de seu sustento e de um salário de cinco reis
por dia.
21

conceder – lhes trabalho de graça por mais três anos (ou até alcançarem a idade de
sessenta e cinco anos.22

Desta forma, enquanto o Projeto Dantas visava libertar imediatamente os escravos

acima de sessenta anos, o Projeto Saraiva, menos preocupado com eles, visando o apoio

dos fazendeiros, determinou que além da idade, o cativo ainda deveria ser obrigado a

compensá-lo por todos os danos causados a propriedade escrava, trabalhando mais três ou

cinco anos para o seu proprietário. Com certeza o Projeto Saraiva soube defender o direito à

propriedade.

Considerada pelos abolicionistas injusta e defensora dos direitos escravocratas, a

Lei Saraiva – Cotegipe, também conhecida por Lei do Sexagenário, sofreu graves censuras

por parte de figuras proeminentes da sociedade, alguns líderes do abolicionismo, como José

do Patrocínio, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa entre outros.

A historiadora Célia M. Marinho de Azevedo afirma que o abolicionismo “é o modo

de pensamento cujo foco central é a crítica à escravidão, defendendo a necessidade de

acabar com ela, fosse de forma gradual ou imediata.”23 De fato, houve propostas diferentes

para por termo a escravidão: o visconde do Rio Branco, por exemplo, imaginava substituir

a mão-de-obra cativa pelo braço dos imigrantes europeus de maneira a promover uma

desescravização “lenta, gradual e segura”. Aliás, Jacob Gorender afirma que tal “transição

teve dois marcos legislativos: a Lei Rio Branco (ou do Ventre Livre), de 1871, e a lei de

locação de serviços de 1879.”24.

No entender de Ricardo Salles, a prioridade dos abolicionistas era uma emancipação

imediata e sem indenização dos proprietários, pois para que houvesse a construção da nação

22
CONRAD, Robert. Os últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850-1888. Op. cit., p.270.
23
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Abolicionismo Estados Unidos e Brasil, uma história comparada
(século XIX). São Paulo: AnnaBlume, 2003, p. 34.
24
GORENDER, Jacob. A Escravidão Reabilitada. Op. Cit, p.147.
22

era necessário o fim do trabalho servil. Não era desejo dos abolicionistas que a escravidão

fosse gradual, pois se isso ocorresse retardaria o progresso do Brasil.

Em primeiro lugar, a abolição deveria ser imediata, constituía-se na questão central


da ordem do dia, colocando tudo o mais, Federação, República, interesses
partidários etc., em plano absolutamente secundário. O ato da emancipação traria
em si a possibilidade de um novo impulso na construção nacional. Não bastaria
que a escravidão terminasse, seria preciso que ela acabasse por um ato de vontade
nacional. 25

Os projetos de nação e liberdade divulgados pelos abolicionistas não se limitavam

apenas a acabar com a escravidão, mas buscavam dar instrução aos ex-escravos, como uma

forma de inseri-los na sociedade. Nomes como Nabuco, Rebouças, João Clapp, entre

outros, nas suas propostas de nação livre, incluíam a, “democracia do solo”, e a inserção

social da população escrava. Assim, não bastaria somente conceder liberdade e priorizar a

imigração européia para civilizar o país. A solução consistia em integrar as raças, no intuito

de harmonizar as relações sociais apagando assim os resquícios da escravidão.

Vale a pena fazer uma breve análise da ação abolicionista e seus principais

representantes a partir das premissas que defendiam, a começar pelo carismático José do

Patrocínio, filho de um padre26 e de uma escrava de 13 anos27. Nascido em Campos em

1853, conhecido oficialmente como José Carlos do Patrocínio, Zeca para os amigos, Zé do

Pato para o povo e Proudhomme28 para os combatentes da abolição. José do Patrocínio foi

um homem complexo que viveu na fronteira de mundos distintos, se não conflitivos. A

começar pela fronteira étnica: pai branco, mãe negra, um mulato, como se dizia na época.

Depois a fronteira civil: mãe escrava, pai e senhor de escravos. Com um temperamento

apaixonado, explosivo e generoso era alvo constante das maledicências de seus inimigos. A

25
SALLES, Ricardo. Joaquim Nabuco: Um pensador do Império. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002, p. 118.
26
João Carlos Monteiro.
27
Justina Maria do Espírito Santo.
28
Foi influenciado pelas obras de Pierre Proudhon, e adotara como lema “A Escravidão é um roubo!”
23

absoluta coerência e a constância na luta pela abolição não se repetiram em relação a outras

causas, como a da República. Acima de tudo, estava sua paixão pela causa abolicionista.

Entre 1880 e 1889, Patrocínio dedicou-se integralmente à libertação dos escravos e

à luta contra os que exigiam indenização. Primeiro na Gazeta de Notícias (1878), depois na

Gazeta da Tarde (1881), finalmente na Cidade do Rio (1887), jornal que comprou com a

ajuda do sogro. As crônicas e os artigos publicados na Gazeta da Tarde e na Cidade do Rio

constituem um material rico para examinar as reivindicações dos abolicionistas.

Em 1880, foi ao lado de Nabuco, Rebouças, João Clapp, e outros, que Patrocínio

participou da criação da Sociedade Brasileira contra a Escravidão. Para Robert Conrad, ele

era “emotivo, tenso, teatral, romântico, ele alcançava seus públicos, tanto em pessoa quanto

através da imprensa, com um humor áspero e poderosos apelos emocionais.”29

Outro descendente de mulato que acabou emergindo como líder foi André

Rebouças. Magro, escuro, engenheiro e professor de botânica, ao contrário de José do

Patrocínio que tinha o dom da oratória, Rebouças “era eficaz através da imprensa ou em

conversas com homens poderosos do seu tempo, como Nabuco, o Senador Dantas, Taunay,

o romancista e imigracionista.”30 Rebouças teve a oportunidade de conhecer a Europa e os

Estados Unidos – centros de referências intelectuais para o Brasil. Ao chegar aos Estados

Unidos, um país republicano e democrático, impressionou-se com a distribuição das terras

em pequenos lotes. Nesse contexto, o homem teria mais liberdade de ação social, tornando-

se um indivíduo mais dinâmico, que poderia fazer sua prosperidade através do próprio

trabalho. A divisão da terra de forma mais justa e a idéia de que os homens que

trabalhavam nessas condições teriam a capacidade de construir uma nacionalidade digna de

29
CONRAD, Robert. Os últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850-1888. Op. Cit., p. 188.
30
Idem. p.188.
24

civilizadores, onde se formaria uma cidadania justa. Ao contrário do Brasil, portanto, que

mantinha o escravo como força de trabalho.

Para Rebouças, o Brasil só alcançaria o progresso com o fim da escravidão e isso

aconteceria quando a elite se conscientizasse dos malefícios do trabalho compulsório.

Rebouças formulou seu projeto de construção da nação através do que denominou de

“Democracia do Solo”, defendendo a integração das camadas despossuídas, nacionais ou

estrangeiras, no circuito da produção econômica. Esse projeto não foi aceito pelos

conservadores por que disponibilizava terras improdutivas para os libertos e propunha o

pagamento de tributos em relação à propriedade e transação de escravizados. E não excluía

a população mestiça e branca marginalizada desse processo de trabalho livre e mais

representativo.

Outro nome expressivo da campanha abolicionista foi Joaquim Nabuco. Parte de

sua infância (nos dois primeiros anos de vida) e juventude (na juventude Joaquim Nabuco

retorna a sua cidade) foi passada em Pernambuco, no engenho da família. Foi lá que

Nabuco percebeu os malefícios da escravidão. Um acontecimento marcaria sua percepção

da sociedade brasileira para sempre. Certa feita, um escravo que iria ser castigado escapou

momentaneamente e defrontando-se com o jovem Nabuco, implorou sua libertação,

pedindo para não ser punido. Neste momento, Nabuco perceberia a diferença entre negros e

brancos.

Joaquim Nabuco concluiu seus estudos na Faculdade de Direito do Recife por

influência de seu pai Nabuco de Araújo, senador do Império. Escreveu uma obra de

referência para a campanha pelo fim da escravidão: O Abolicionismo, redigido durante sua

estadia em Londres depois de perder as eleições para a Câmara dos Deputados. Aliás, sua
25

publicação só ocorreria em 1883, coincidindo com a criação da Confederação

Abolicionista.

Ao lado de Nabuco, o baiano Rui Barbosa também foi destaque no movimento.

Cultivava inclusive, em seu jardim a flor símbolo do abolicionismo, a camélia. Como

destaca Eduardo Silva “se atentarmos para o fato de que Rui Barbosa, o intelectual, foi

amigo a vida toda de Seixas, o maleiro, não seria impossível imaginar que aquelas mesmas

respeitáveis senhoras abolicionistas, sobreviventes de uma grande época, possam ter vindo,

como mudas, do legendário quilombo do Leblon.”31

Rui Barbosa era advogado e defendia a causa, mas sempre dentro da legalidade,

conforme acentua Eduardo Silva:

Uma porção imensa da propriedade servil existente entre nós (mais de um terço),
além de ilegítima, como toda a escravidão, é também ilegal, em virtude da Lei de 7
de novembro de 1831, e do regulamento respectivo, que declaram expressamente
‘que são livres todos os africanos importados daquela data em diante,’ donde se
conclui que o governo tem a obrigação de verificar escrupulosamente os títulos dos
senhores, e proceder na forma do decreto sobre a escravatura introduzida pelo
contrabando. 32

De fato, o governo não se preocupou em verificar os títulos dos senhores, e muitos

africanos foram escravizados ilegalmente no Brasil. Para Rui Barbosa, “desde 1831 até

1850, isto é, todo o tráfico de escravos em seu auge histórico – exatamente o período da

expansão cafeeira no Vale do Paraíba –, não era senão crime de pirataria.”33 Foi

constatando tamanha ilegalidade que Rui Barbosa tornou-se um abolicionista radical, e

afirmou que todo o sistema deveria estar sob suspeita.

Foi exatamente essa idéia básica, formulada pela primeira vez em 1869 – Rui ainda
estudante –, que permitiu o surgimento, na década de 1880, do abolicionismo
radical, cujo melhor exemplo é a Confederação Abolicionista, fundada em 1883, e
cujo slogan – “a escravidão é um roubo” – já dizia tudo. Tal slogan não vinha

31
SILVA, Eduardo. As Camélias do Leblon e a abolição da Escravatura: Uma investigação de História
Cultural. Op. Cit. p. 51.
32
Idem, pp. 53-54.
33
Idem, p. 55.
26

somente de Proudhon, como se pode imaginar, mas vinha também daquela


conferência do jovem Rui Barbosa.34

Luiz Gama, outro descendente de escravos, conhecera de fato a experiência da

escravidão ilegal. Gama nasceu livre em 1830, mas logo após o desaparecimento de sua

mãe, o pai o vendeu como escravo. Após ser negociado, foi para São Paulo, onde aprendeu

a ler com a ajuda de um estudante. Depois de fugir da casa de seu senhor “consciente da

ilegalidade de sua escravidão em virtude de ser filho de uma mulher livre,”35 Gama

começou a carreira de advogado de maneira informal, pois nunca freqüentara a Faculdade

de Direito. Era um rábula. Sua especialidade consistia na libertação de cativos, defendia-os

gratuitamente com base na violação da lei de 7 de novembro de 1831, que proibia o tráfico

transatlântico. Sua morte em 1882 seria lembrada pelos abolicionistas da Corte e de outras

regiões brasileiras.

O sucessor de Luiz Gama foi Antônio Bento, líder dos caifases, que optara pela

radicalização quando percebeu que Luiz Gama, defendendo a legalidade, não havia

conseguido acabar com a escravidão36. Antônio Bento de Sousa e Castro era filho de

farmacêutico, homem de algumas posses, formado em Direito, promotor e juiz municipal.

Segundo Emília Viotti da Costa, Antônio Bento conseguiu:

Organizar um grupo heterogêneo que reunia advogados, jornalistas, tipógrafos,


cocheiros, estudantes de direito e alguns negociantes. Ao seu lado encontravam-se
nomes dos mais representativos, como Júlio de Castilhos, Alberto Correa, Luís
Murat, Alberto Faria, Eugênio Egas, Enéias Galvão, Raul Pompéia, membros do
Centro Abolicionista de São Paulo, fundado em 1882.37

Os caifases, além de denunciarem na imprensa – através do jornal Redenção – os

horrores da escravidão, constituíram um verdadeiro grupo revolucionário. “Visitavam

fazendas, apresentando-se disfarçados de vendedores ambulantes, mascates ou viajantes.


34
Idem, p. 55.
35
CONRAD, Robert. Os últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850-1888. Op. Cit., p. 189.
36
COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. Op. Cit. p. 491.
37
COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. Op. Cit p. 491.
27

Entravam em contato com os escravos, induzindo-os a escapar, facilitando-lhes a fuga,

conseguindo colocação e trabalho, acobertando-os quando necessário.”38 Neste caso, a

campanha era de confronto direto, ultrapassando o campo jurídico.

A partir de 1880, identificamos em nossa pesquisa diferentes modos de combate no

movimento abolicionista. As novas formas de resistência incluíam revoltas escravas,

formação de quilombos e de grupos radicais que invadiam as fazendas bem como a criação

de clubes com o intuito de libertar e ajudar os escravos após sua emancipação. O quilombo

do Leblon, inclusive, cultivava camélias, flor símbolo do movimento, e recebia o apoio da

Princesa Isabel, um dos motivos de nunca ter sido investigado. Sua Alteza, no auge da

campanha, organizou, em Petrópolis, suas famosas “batalhas de flores”, nas quais eram

arrecadados fundos com o propósito de comprar alforrias. Segundo Eduardo Silva

Tudo começou no dia 12 de fevereiro de 1888, quando da primeira ‘batalha de


flores’, promovida abertamente pela princesa regente. Apesar do aguaceiro que
caía em Petrópolis, a festa foi considerada ‘magnífica’. A princesa, o conde e os
três meninos percorreram as ruas da cidade em carro aberto, abrindo um tipo de
passeata abolicionista e promovendo o bando precatório que ia de casa em casa
batendo tambor pedindo donativos em prol da libertação dos cativos.39

A princesa aderiu ao simbolismo das camélias do Leblon, sinalizando seu apoio ao

fim imediato da escravidão e sem indenização aos proprietários. No dia 1º de abril de 1888,

no Palácio de Cristal em Petrópolis, a princesa entregou 103 títulos de liberdade. Com a

atitude de D. Isabel, a elite passou a apoiar a Campanha. Ser abolicionista virou uma

espécie de moda. E havia também os concertos musicais. O primeiro concerto beneficente

ocorreu em Petrópolis. As bandas de músicas, as batalhas de flores, as peças de teatro e as

conferências estavam no centro dos acontecimentos políticos deste período, que culminou

na promulgação da lei de 13 de maio de 1888, que pôs fim a escravidão no Brasil.

38
Idem, p. 492.
39
SILVA, Eduardo. As Camélias do Leblon e a abolição da Escravatura: Uma investigação de História
Cultural. Op. Cit., p. 36.
28

Existiam, portanto, diferentes propostas de libertação dos escravos, bem como

várias associações abolicionistas, mas a maioria optava por conseguir a alforria dentro da

legalidade. Faziam propagandas, espetáculos, criavam escolas para ajudar na inserção do

escravo na sociedade, mas em contrapartida os escravos só poderiam ter acesso a escola

com a permissão do seu senhor. Além disso, não era qualquer escravo que recebia a alforria

por meio da atuação desses clubes. Havia regras, por exemplo, um escravo para receber a

alforria por intermédio do Club dos Libertos de Nitheroy deveria ter pecúlio, ser habilidoso

no trabalho, ter bom comportamento e caso não tivesse pecúlio, necessitava explicar o

motivo desta fatalidade. Já a Sociedade Emancipadora de Santa Cruz determinavam que os

escravos aptos a receberem o benefício deveriam ser ou casados, ou menores de idade, ou

filhos nascidos de escravas depois da Lei do Ventre Livre. Tanto o Club dos Libertos de

Nitheroy quanto a Sociedade Emancipadora desejavam a liberdade pela via legal. Sempre

que possível compravam escravos e os emancipavam em seguida, desde que essas

transações não ultrapassassem a quantia destinada pelos clubes para tal fim.

Mas, se para essas duas associações emancipacionistas a estratégia era freqüentar

leilões ou comprar escravos diretamente dos donos, havia uma outra associação cuja

proposta de ação pressupunha outros meios. O Bloco de Combate dos Empregados de

Padaria.

Por sua vez, o Bloco de Combate, uma associação popular, formada com o intuito

de libertar escravos, fossem eles padeiros ou de outra profissão, não estabelecia distinção

de sexo, idade ou condição civil. Para o Bloco de Combate a escravidão deveria ser extinta

o mais rápido possível.


29

1.2 Na pista do Bloco de Combate dos Empregados de Padarias.

Quem foi João de Mattos, autor de um Manuscrito incompleto intitulado “Histórico

de 1876 a 1912”? Por que razão esse documento, narrando suas memórias teria ido parar no

Arquivo na pasta da Divisão de Polícia Política e Social? E as outras páginas restantes do

Manuscrito, que fim levaram?40 Sabemos que grande parte da memória individual só existe

na medida em que o indivíduo é um produto único de determinado grupo social. No livro

Memória Social, James Fentress e Cris Wickham ponderam que

A memória é um processo complexo, não um simples acto mental; até as palavras


que usamos para descrever (reconhecer, recordar, evocar, registrar,
comemorar,etc.) mostram que a ‘memória’ pode incluir tudo, desde uma sensação
mental altamente privada e espontânea, possivelmente muda, até uma cerimônia
pública solenizada.41

A memória de João de Mattos, por certo, tem um significado especial, pois registra

a trajetória de alguns padeiros em momentos importantes da história brasileira. Mas, como

responder as perguntas que nos vem à mente ao lermos o Manuscrito? Para isto, foi

necessário realizar um trabalho de paciência tal como a composição de um mosaico. Nossa

pesquisa buscaria as primeiras respostas no próprio Arquivo Público do Estado do Rio de

Janeiro (APERJ), onde o Manuscrito se encontra no Fundo da Divisão de Polícia Política e

Social (DPS), d. 30055. Sabe-se que em 1992, os acervos das polícias políticas sediadas no

estado do Rio de Janeiro, então sob a guarda da Superintendência Regional da Polícia

Federal, foram, recolhidos a APERJ, por ato do Ministério da Justiça.

A Divisão de Polícia Política e Social (DPS) era um órgão subordinado ao

Departamento Federal de Segurança Pública e exerceram suas funções entre 1944 e 1962.

O documento de João de Mattos foi encontrado, justamente, no arquivo desse órgão, na

40
O Manuscrito possuí 18 folhas que começam na página 99 e finaliza na página 117.
41
FENTRESS, James & WICKHAM, Chris. Memória Social. Tradução: Telma Costa. Lisboa: Editorial
Teorema, LDA, 1992, p.8.
30

pasta denominada volume 1, “Militantes Diversos/ Histórico de presos comunistas da S/2

do movimento subversivo que se verificou em Novembro de 1935”. A sigla S/2, em 1935

correspondia à Seção de Segurança Social (DOPS), encarregada de investigar atividades de

trabalhadores e de simpatizantes do Partido Comunista42.

No acervo da S/2 o Manuscrito acha-se junto a uma coleção de recortes de jornais,

que vão desde a década de 1940 até 1950, fichas de membros do Partido Comunista, cartas

pessoais dos militantes, papéis sobre campanhas eleitorais e uma lista, de suspeitos de

pertencerem ao Partido.

Sabe-se que o período de 1935 foi marcado pelo choque entre duas correntes

ideológicas, de origem européia: a Ação Integralista Brasileira e a Aliança Nacional

Libertadora, que representam respectivamente o integralismo e o comunismo. Os violentos

confrontos entre ambas foram habilmente utilizados por Getúlio Vargas, que mostrava à

classe média e aos militares os perigos de uma política aberta. O medo da “subversão

vermelha” tanto quanto os discursos extremados de Luís Carlos Prestes, levaram o

Congresso Nacional a promulgar uma Lei de Segurança Nacional, concedendo ao governo

federal amplos poderes para reprimir a ação da Aliança Nacional Libertadora (ANL).

Em julho de 1935, a polícia invadiu o quartel-general da ANL e confiscou seus

documentos. A partir daí acusou o movimento de receber financiamento do comunismo

internacional.

A prisão de alguns líderes, o fechamento da Aliança Nacional Libertadora e a

impossibilidade de chegar legalmente ao poder levaram uma ala mais radical a uma

42
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit., p. 49.
31

rebelião armada em novembro de 1935, que ficou conhecida por Intentona Comunista,

debelada pelas forças do governo. Entretanto, militantes e simpatizantes continuaram a ser

“acompanhados” por agentes da Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS, que

freqüentemente faziam diligências invadindo casas, efetuando prisões e apreendendo

qualquer material que pudesse ser considerado de natureza subversiva.

Mas o enigma continua. João de Mattos, ao que parece, concluiu sua narrativa em

1934, época em que afirma já estar velho e prestes ao isolamento. O mistério a elucidar

consiste em saber porque razão suas memórias foram parar num arquivo de subversivos da

Era Vargas, quando se sabe que o relato por ele deixado se encerra em 1912?

Seguimos, então, nossa primeira pista. Na relação de presos da S/2, recolhidos a

Colônia Correcional de Dois Rios, em 1935, encontramos fichas, com 31 páginas relativas

a 151 acusados de comunismo, entre os quais haviam 7 padeiros. Em uma outra lista

denominada “Comunistas Diversos”, sem data, identificamos mais 6 padeiros. Levantamos

a primeira possibilidade: um desses padeiros deveria estar de posse do Manuscrito. Ou,

ainda, a polícia poderia tê-lo apreendido em algum local investigado, com o propósito de

deter pessoas suspeitas de envolvimento no levante comunista de 1935. Resolvemos

averiguar as fichas de alguns padeiros presos:

1- Antonio Rodrigues de Carvalho, foi preso por ser assíduo freqüentador de


assembléias, reuniões e comícios comunistas, principalmente na sede da CGTP,
em Niterói, em cuja polícia tem várias entradas; ex-membro da Diretoria do
Sindicato dos Panificadores de Niterói. Recolhido ao Depósito de Presos, em 29-
11-1934, foi posto em liberdade, a 3-12-1934. Aqui apresentado com o oficio da
Polícia do estado do Rio, onde foi preso, por ser reconhecidamente perigoso á
ordem pública. O prontualisado, que é fichado nesta secção, declarou ao ser preso,
não ter bandeira nem pátria, e ser comunista professo. Foi candidato a prefeito de
Niterói, pelo Bloco Operário e Camponez.Recolhido ao deposito de presos, em 7-
11-1936, foi recolhido a Casa de Detenção, á disposição do Exmº Sr. Chefe de
Polícia, em 9-1-1936, sendo transferido para o navio “Pedro I”, a 4-2-1936, de
onde foi transferido para a Colônia Correcional de Dois Rios, em 18-4-1936.43

43
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl. 6 nº
24.
32

2- Emilio Carlos da Silva, preso pelas autoridades policiais de Vassouras (Estado


do Rio), quando distribuía boletins de propaganda comunista, e aqui apresentado
com oficio da 3ª Delegacia Auxiliar da Policia do Estado do Rio de Janeiro, em 23-
3-1931. Preso como medida de repressão ao comunismo, em 21-1-1932, sendo
posto em liberdade na mesma data. Preso, a 26-1-1935, quando aguardava um
comício comunista em sinal de protesto contra a Lei de Segurança Nacional, foi
posto em liberdade, em 26-1-1935. Preso, a 23-1-1936, pela Secção de Segurança
Política, por ser elemento perigoso, e comunista professo, foi a 24-1-1936,
recolhido à Casa de Detenção, à disposição do Exmº Sr. Chefe de Policia, como
medida de segurança política e social. Transferido para o navio “Pedro I”, em 5-2-
1936, foi removido para à Casa de Detenção a 16-4-1936, e finalmente, transferido
para a Colônia Correcional de Dois Rios, a 22-5-1936. 44
3- Gabriel de Paula, preso a 28-8-1934, na jurisdição do 25º Distrito Policial, por
se achar com outros companheiros percorrendo as padarias no intuito de conseguir
adesão dos empregados das mesmas, ao movimento grevista iniciado a 4 deste
mez, e ainda por depredar os citados estabelecimentos comerciais; foi posto em
liberdade a 29-8-1934. Aqui apresentado pela DGI, por ser elemento pernicioso á
ordem publica, foi recolhido á Casa de Detenção, 13-1-1936; donde foi transferido
para o navio “Pedro I”, a 5-2-1936, dali retornando á Casa de Detenção, onde ficou
à disposição do Exmº Sr. Chefe de Polícia, como medida de segurança política e
social, a 16-4-1936; sendo finalmente [trans]ferido para a Colônia Correcional de
Dois Rios, em 18-4-1936.45
4- João Capistrano Cavalcanti, aqui apresentado, a 13-3-1936, pela Secção de
Segurança Política, por ter sido preso quando colocava bandeiras vermelhas com
legendas subversivas, e cartazes de propaganda comunista, na via publica; foi
recolhido á Casa de Detenção, á disposição do Exmº Sr. Chefe de Polícia, como
medida de segurança política e social; sendo transferido para a Colônia
Correcional de Dois Rios, a 13-4-1936.46
5- Luiz Manoel da França, com antecedentes na Secção de Segurança Social,
desde 8-4-1929, por fazer parte da Comissão Agitadora de Greves da União dos
Trabalhadores em Padarias. Preso a 24-5-1929, por ter tomado parte num assalto ás
Padarias “Ipiranga” e “Mundial”, na noite de 24-5-1929. A 2-6-1929, foi decretada
a sua prisão preventiva, como incurso no artigo 1º da Lei nº 4.269, de 17 de janeiro
de 1921, combinado com o artigo 294 § 1º e 206 e 329, todos do Código Penal. A
17-9-1929, foi condenado, por sentença do juiz Dr. Ary de Azevedo França, a 5
anos de prisão celular e multa de 12 %. Aqui apresentado a 13-3-1936, pela Secção
de Segurança Política, por ter sido encontrado pixando paredes e colocando
bandeiras vermelhas e cartazes com legendas subversivas e propaganda comunista;
foi recolhido á Casa de Detenção, na mesma data, á disposição do Exmº Sr. Chefe
de Polícia, como medida de segurança política e social. A 13-4-1936, foi
transferido para a Colônia Correcional de Dois Rios; dali voltando a Casa de
Detenção, a 12-9-1936, foi a 24-9-1936, removido para a Colônia Correcional de
Dois Rios.47
6- Pedro Vieira de Araújo, preso a 31-12-1935, por ordem do Sr. Delegado
Especial, a bordo do vapor “Itaquicê”, á solicitação a Chefia de Polícia do Estado
do Rio de Janeiro, foi recolhido á Casa de Detenção, a 4-1-1936, como medida de
segurança política e social, á disposição do Exmº Sr. Chefe de Polícia. Transferido

44
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl.11 nº
50.
45
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fls.12 e
13 nº 55.
46
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl. 16 nº
77.
47
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl. 22 nº
104.
33

para o navio presídio “Pedro I” a 4-2-1936, dali retornou á Casa de Detenção a 16-
4-1936; sendo finalmente, enviado para a Colônia Correcional de Dois Rios a 22-
5-1936.48
7- Silvino Baptista dos Santos, preso a 14-7-1935, porque se encontrava no Largo
da Lapa, para tomar parte num comício de protesto contra o ato Governamental
que determinou o fechamento da Aliança Nacional Libertadora, foi posto em
liberdade, em 14-7-1935. Preso a 8-12-1935 nas proximidades do Sindicato dos
Padeiros, dados os seus antecedentes, foi recolhido á Casa de Detenção, a 9-12-
1935, á disposição do Exmº Sr. Chefe de Polícia, como medida preventiva de
segurança política e social. A 3-2-1936, foi transferido para o navio presídio
“Pedro I”, dali retornando á Casa de Detenção, a 16-4-1936; sendo, finalmente,
transferido para a Colônia Correcional de Dois Rios a 18-4-1936.49

A transcrição é longa, porém necessária. Na leitura das fichas, percebe-se que há

fortes probabilidades de qualquer um daqueles indivíduos ter tido contato com João de

Mattos ou de estar de posse do seu Manuscrito. É importante destacar que as memórias de

João de Mattos não abordam fatos pessoais, mas, sobretudo, a história de um grupo de

padeiros que postulava melhores condições de trabalho.

Porém, curiosamente, ao pesquisarmos os padeiros que haviam sido presos em

1935, nos chamou a atenção o fato de haver um militante jovem com o sobrenome Mattos.

Não tinha profissão. Porém, já que estamos na área das possibilidades, ficamos imaginando

se não seria um parente de João de Mattos, pois no seu registro consta:

Leopoldo da Costa Mattos, foi preso, a 14-8-1936, por ser agitador, e pertencer á
Juventude Comunista, tendo ligação com Antonio Soares Falcão, e ser secretario
de célula. Procedida busca em sua residência, ali foram apreendidos boletins
subversivos e documentos comunistas; recolhido á Sala de Detidos, foi
identificado, fotografado, e transferido para a Casa de Detenção, á disposição do
Exmº Sr. Chefe de Polícia, em 18-8-1936. Removido para a Colônia Correcional
de Dois Rios, a 4-9-1936.50 (o grifo é nosso).

Enfim, se Leopoldo fosse de fato aparentado de João de Mattos, a nossa segunda

suposição se confirmaria. Isto é, a polícia teria invadido a residência de alguém que

48
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl. 28 nº
139.
49
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl.30 nº
146.
50
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl.24 nº
114.
34

guardava o Manuscrito. Entretanto, como não podemos comprovar a ligação entre ambos,

acreditamos que as duas possibilidades devem ser consideradas, já que João de Mattos

afirma haver sempre lutado por sua categoria profissional. Até mesmo quando, em 1900,

deixou de exercer a profissão, continuou a ter contato com os companheiros “Constantino,

Dias da Silva e Maximino”51. Aliás, conseguimos identificar os dois primeiros como:

Constantino Machado, integrante da comissão organizadora do Sindicato dos Empregados

de Padarias em 1913. Por sua vez, Dias da Silva, fora secretário da reunião organizada pela

Liga Federal dos Empregados em Padarias, reunião esta, que deflagrou a conhecida greve

de 1912. Infelizmente, sobre Maximino nada foi encontrado.

De qualquer modo, após esse breve esclarecimento sobre a documentação e alguns

personagens citados no Manuscrito, vamos avançar na leitura do Manuscrito, privilegiando

a primeira grande aventura narrada pelo “nosso padeiro Quixote”, ou seja, sua atuação no

movimento abolicionista. Nossa intenção é estabelecer um cotejo entre esse documento e

outras fontes de época, de maneira a avaliar a verossimilhança do relato.

No livro Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do

século XIX, Leila Duarte, baseada nas palavras de João de Mattos, inicia o relato da

trajetória desses padeiros afirmando que em Santos “Padarias havia apenas cinco (...)”52 .

De acordo com o Almanack Laemmert, chegamos a um número diferente, “em 1876, a

cidade de Santos possuía sete padarias, a “Antonio Borges Junior; Antonio Joaquim de

Oliveira; J. J. Marty; João Bertrand Vives; João Rodrigues Leite; Lalanne & Irmão e Pavot

51
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
52
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit, p. 20.
35

& G.”53 Provavelmente devido a idade avançada João de Mattos não lembrava mais o

número exato de padarias que havia em Santos, afinal sua narrativa começa em 1876, mas

foi escrita em 1934. Por outro lado, é notório que o exercício do ofício de padeiro aquela

época não era nada fácil: horas seguidas de trabalho, depois a distribuição dos pães em cada

casa. Como afirma Leila Duarte “(...) era extenuante para homens livres e escravos: além de

fazer manualmente a massa do pão e vigiar o forno durante a madrugada, era preciso

carregar os pãezinhos ainda quentes, em grandes sacos, nas costas, e entregá-los de porta

em porta.”54

Seja como for, o importante a reter é que em uma dessas padarias da cidade de

Santos, trabalhou João de Mattos, e foi lá que ele e seus companheiros se engajaram no

movimento pela abolição e juntos promoveram o primeiro “Levante Geral”

E nós com os convenientes preparos, e com toda a cautela conseguimos o 1º


Levante geral devido aos patrões serem muito máos e malvados = com castigos = e
mais castigos sem a mínima rasão = As horas combinadas = foram todas
abandonadas = Eu já tinha todas as cartas precisas, porem falcivicadas = para cada
= de liberdade seguimos = E, alem delas já estarem bem compenetradas = mais
fomos no caminho insinuando-os.55

Tudo leva a crer que os padeiros organizaram um motim devido às condições

miseráveis em que viviam, inclusive eram castigados por seus patrões. Mas além do

levante, eles criaram um plano que, no mínimo podemos classificar de engenhoso:

falsificavam cartas de alforria para libertar os companheiros escravizados.56

53
Almanak Laemmert. Universidade de Chicago, Arquivos digitalizados. http://brazil.crl.edu/bsd/almanak. p.
330.
54
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit, p. 20.
55
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
56
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit. A carta de alforria era um documento que exigia não somente uma quantidade muito grande de
informações, mas também a formalidade de um registro em cartório [...] Mas essa formalidade toda foi
suprimida com a Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871. pp. 29-32.
36

Na lógica de João de Mattos ao abandonarem as padarias, os escravizados de fato,

como ele chamava aqueles que não eram livres, conseguiriam continuar a vida em outra

região, sem medo de serem declarados escravos fujões, já que possuíam carta de alforria e

com este documento respondiam a quaisquer dúvidas de quem contratasse os seus serviços.

No Manuscrito, João de Mattos não deixa pistas sobre a sua origem. Seria ele um

ex-escravo? Outras perspectivas não devem ser descartadas. Marcelo Badaró Mattos

encontrou no Arquivo Nacional no fichário nominal de processos-crime, um processo

movido contra alguém de nome João de Mattos, em abril de 1901, incriminado por agredir

um colega de trabalho. O agressor seria de nacionalidade portuguesa, e trabalhava como

confeiteiro, numa loja de doces. Entretanto, como o acusado não foi localizado pelos

oficiais de Justiça, o processo correu à sua revelia não sendo possível para Badaró

encontrar mais detalhes que pudessem confirmar tratar-se do João de Mattos,57 aqui

aludido.

Continuamos, pois, desconhecendo a procedência de Mattos. Aliás, seu Manuscrito

só se refere às pelejas em que se envolveu. Como ele mesmo afirma “Os companheiros

externos foram ás almas vivas desde as premitivas luctas = empregando o maximo esforço

pára desentravár os companheiros internos escravisados de facto = que até 1888, nos

empedia o caminho.”58

O próprio João de Mattos era um companheiro interno, trabalhava no interior das

padarias:“cheguemos ao Rio no dia que se festejava o aniversario da Independência em

57
Documento interditado para restauração.
58
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
37

1878 com os 4 enseparaveis companheiros externos, e eu interno.”59 Ou seja, ele não fazia

a entrega do pão, ao contrário do que afirma Leila Duarte “João saía para entregar e vender

os pãezinhos feitos de madrugada por ele e seus companheiros de trabalho.”60 Tal

obrigação era incumbência dos companheiros externos

Deformas que pelo que já descrevi os extérnos foram os primeiros com diminuta
quantidade de internos que luctarão ao transe pela liberdade ocultamente, e com á
máxima precaução = Os vendedores = e entregadores de Pão naqueles tempos, era
feito com sacos aos hombros = depois foi aparecendo com cestos carrocinhas
etc...=61.

A intenção declarada de João de Mattos consistia em “conscientizar” os escravos no

âmbito do seu próprio local de trabalho, enquanto que os externos aliciavam os cativos das

casas em que entregavam a mercadoria. O interessante é que João de Mattos não cita os

nomes dos companheiros, “os quatro inseparáveis,” que o ajudaram em suas peripécias por

Santos e por São Paulo. A menção de nomes só começa de fato com a fundação do Bloco

de Combate dos Empregados de Padarias, no Rio de Janeiro, em 1880.

Seguindo João de Mattos , depois do primeiro levante, o grupo dirigiu-se para São

Bernardo, onde ele foi preso e conduzido para a cadeia em Santos. Devido a insuficiência

de Provas “fui posto em liberdade = condicional de não voltar mais aquéla cidade =”62. De

fato, ele não regressou. Em 1877, dirigiu-se para a cidade de São Paulo “=não só para

trabalhar = como para aproveitar a oportunidade de assistir a inauguração da estrada de

59
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
60
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit.p. 21.
61
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
62
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
38

Ferro S. Paulo = ao = Rio = Que foi no dia 7 de julho deste =”.63 Procuramos checar esta

informação e confirmamos que a extensão total da estrada São Paulo- Rio foi inaugurada:

Em 7 de julho de 1877, com muitas festas e presença de convidados ilustres, como,


por exemplo, o Conde d'Eu, marido da Princesa Isabel. A primeira viagem
completa foi feita partindo-se da Côrte, atual Cidade do Rio de Janeiro, até a
Cidade de São Paulo. O trem levava cerca de 15 horas para realizar o percurso
completo com a baldeação em Cachoeira devido à diferença de bitolas.64

As ferrovias propiciaram a rápida circulação de idéias, ampliaram a cadeia

tradicional de informações e foram o epicentro das organizações abolicionistas. De acordo

com Maria Helena Machado “as organizações abolicionistas ao se espraiarem-se em

direção às fazendas utilizaram-se, primordialmente, das ferrovias, inclusive com a

anuência e participação dos trabalhadores ferroviários.”65 É possível que João de Mattos e

seus companheiros ao assistirem a inauguração da estrada de ferro, tenham também

pensado na possibilidade de utilizarem as ferrovias em sua campanha pela liberdade dos

escravos, valendo-se daquelas mesmas estratégias utilizadas em Santos. Em São Paulo,

Mattos começou a observar a situação das padarias da cidade e a condição daqueles que

nelas trabalhavam. Em seu Manuscrito ele afirma que existiam

11 ou 12 Padarias, = e depois de alguns meses de trabalho os companheiros com


muita ablidade e mutua combinação prepararão bem os espíritos dos escravisados
de facto = E tão bem combinado foi debaixo de rigoroso segilio = O levante geral
= que no dia, e hora tudo obedeceo = com uma coesão única = E tudo foi efetuado
com todos requisitos sem a mínima falha e operado = tal = e qual = as formas da 1ª
= com as competentes cartas, e etc.66

63
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
64
Associação Nacional de Preservação Ferroviária. www.anpf.com.br/histnostrilhos/historianostrilhos19-abril
2004.htm-44k.
65
MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico: Os Movimentos Sociais na Década da Abolição. Op. Cit.,
p. 92.
66
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
39

Infelizmente, não conseguimos verificar essa informação. Porém, o que importa

aqui é identificar os motivos que levaram esses padeiros a lutarem, arriscando-se a acabar

presos por companheiros a quem mal conheciam. Ao que tudo indica, para o “nosso

Quixote” e seus amigos, os escravizados mereciam a liberdade para que os livres não

fossem humilhados, pois somente com o fim da escravidão os empregados de padarias

teriam o direito a uma vida digna:“Os patrões erão demais carrascos e abusavão de seo

poderio = Os empregados escravisados livres as prerrogativas eram as mesmas dos de facto

por qualquer cousa davão supapos, pontapés, impurrões = pela porta fora = E apelar para

quem!..”67

Desta forma, João de Mattos como seus companheiros acreditavam estar fazendo o

que era correto. Para o grupo era necessário guerrear não só contra os escravocratas, mas,

também contra as autoridades. E, ao que parece, tudo deveria ser muito bem organizado

para que não houvesse falhas.

Depois de algumas incursões vitoriosas em São Paulo, João de Mattos narra que

seguiram viagem para o Rio de Janeiro:

E em acto contino seguimos por térra para o Rio com todo cuidado escapando as
peciguições caminhando por desvios da estrada geral = quando nos encontrávamos
= nas alturas das cidades da Caxueira e Areias = fomos espalhando = um, a um =
pelos sítios, e fasendas etc .. Cada qual tinha a competente defesa com
apresentação da carta = [...] E depois de terminada ésta árdua tarefa = Siguimos a
continuidade da viagem = Mas tão compenetrados estávamos mesmo
fanaticamente = que cada feito destes = tínhamos uma imaginável satisfação = e
insaciavelmente proceguiamos = Pois todos estávamos no pelo goso florido da
mocidade = chegemos ao Rio no dia que se festejava o aniversario da
Independência em 1878.68

67
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
68
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
40

Na província do Rio de Janeiro, segundo o Almanack Laemmert havia cerca de 173

padarias.69 Por conseguinte para João de Mattos e seus companheiros, a província e a Corte

seriam um campo fértil para divulgar suas idéias abolicionistas. Durante os meses iniciais

do ano de 1878, o grupo procurou a “conveniente colocação” nas padarias, ou seja, buscou

emprego. Ao conseguirem trabalho, o contato com outros colegas de profissão permitiu

conquistar mais adeptos para a causa, animando-os a criação de uma associação, que

recebeu o nome de Bloco de Combate dos Empregados de Padaria, cujo lema era pelo Pão

e pela Liberdade. Os convites para a nova agremiação começaram a ser feitos tanto na

própria Corte como em Niterói, capital da província fluminense. A data da fundação seria

marcada para o dia 5 de abril de 1880, ou seja, cerca de dois anos após a chegada de João

de Mattos ao Rio de Janeiro. Acreditamos que Mattos e seus companheiros usaram esse

tempo para divulgar suas idéias abolicionistas entre os padeiros, tanto os livres como os

escravizados. Devem ter alcançado boa repercussão, o que teria levado à fundação do

primeiro clube abolicionista de classe de que se tem notícia.

Vale lembrar, que no Rio de Janeiro, era natural encontrar trabalhadores livres e

escravizados exercendo juntos o mesmo ofício. Até 1840 a preferência por trabalhadores

escravos era maior: “Os periódicos da cidade estavam repletos de anúncios de aluguel de

escravos que desempenhavam os mais diversos ofícios (alfaiates, costureiras, sapateiros,

carpinteiros, serradores, ferreiros, charuteiros, pintores, pedreiros, padeiros, calafates,

cavouqueiros, etc.).”70 Progressivamente, o número de trabalhadores livres aumentaria e os

escravos passaram a conviver e a trocar experiências com estes, pois freqüentemente

69
Almanak Laemmert. Universidade de Chicago, Arquivos digitalizados. http://brazil.crl.edu/bsd/almanak.
pp. 974,975,976.
70
SOARES, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na Capital do Brasil: A Escravidão Urbana no Rio de Janeiro do
Século XIX. Rio de Janeiro: Faperj – 7Letras, 2007.
41

compartilhavam as mesmas ocupações, o que despertava certas rivalidades. Por outro lado,

ocorriam, também, solidariedades entre eles. Aliás, tanto os trabalhadores livres quanto os

escravizados viviam em condições miseráveis, compartilhavam inclusive moradias

coletivas bem precárias, os chamados cortiços. A situação de ambos era degradante.

No dia 5 de abril de 1880, às 14:00 horas, no chafariz que existia no Largo do Paço,

atual Praça XV de Novembro/ Rio de Janeiro, foi fundado o Bloco de Combate dos

Empregados de Padaria. Compareceram 16 padeiros e foi escolhida a diretoria

Por aclamação foi eleita a 1ª Diretoria = resultado = o Director Geral João de


Mattos Vice Director Manoel Marques Vieira = e Tesoureiro Domingos de Mattos
Ribeiro = Cobrador Casemiro Ayres Brandão = e a seguir 7 suplentes = procedeo-
se o rateio rendeo 98:000 mil réis = Foi aprovado tudo que requeria a ocasião =
inclusive de ser vitaliça á data 5 de abril da cada mez = para afectuár reuniões
sociais = fóra as estrahordinarias = em homenagem de ser a data da 1ª e única
estalada no Brasil = todos prestarão o juramento de honrra, de comprir tudo a risca
= que o Bloco determinasse =.71

Para o trabalhador livre a conquista de melhores condições de trabalho, salários

justos e tratamento condigno por parte dos patrões, implicava em primeiro lugar em acabar

com o trabalho escravo. Assim, uma abolição gradual protelava a conquista desses direitos.

Doravante os padeiros abolicionistas organizavam-se em um Bloco de Combate. Só que na

época lutar contra a escravidão era crime. Se a associação fosse descoberta todos seriam

punidos. A sede do Bloco localizava-se à rua da Conceição, nº 28, no centro do Rio de

Janeiro e, para impedir que fosse conhecido o seu verdadeiro propósito, criou-se um

subterfúgio: colocou-se na porta uma tabuleta com o nome de “Curso de Dança”, cujo

acesso era permitido apenas aos sócios. Assim ninguém iria desconfiar que naquele local os

padeiros se reuniam para divulgar suas idéias e determinar qual seria o próximo passo para

alcançar seus objetivos:

71
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
42

Como não podíamos funcionar claramente = era um crime terrível guerrear a


propriedade escrava = Encapamos o nome como Curço de Dança = A 1ª Base
social era preparar ao transe os espíritos dos companheiros tanto escravisados de
facto = como os livres = tanto por todas as Padarias = como por todos os misteres
= em geral = incitando todos a Rebeldia empregando todos esforços ao nosso
alcanse = para desentravar o caminho = que percisamos livre = e depois segue-se
mais 10 bases = a 1ª sede foi Rua da Conceição 28 = e a 2ª reunião nesta com a
presença 38 companheiros foi retificado tudo que se aprovou na estalação no largo
do Páço = Na frente do Prédio colocousse uma taboleta com os deseres Curço de
Dança = para isolar a opinião pública e só tinha ingresso os sócios legalisados.72

Segundo João de Mattos as bases da associação foram redigidas e coladas em um

papelão, onde constavam os 11 pontos a serem seguido. Na opinião de Leila Duarte tratava-

se de uma espécie de “estatuto da entidade”. A primeira dessas ‘bases’ consistia em

preparar “os espíritos dos companheiros tanto escravizados de fato como livres para a

rebeldia a fim de conseguirem a libertação dos escravos.”73

Todavia, a tabuleta com os 11 princípios era sempre retirada da sede após cada

reunião “quando terminava as reuniões por prevenção carregávamos a lei = e tudo que

esistisse escripto = livros e etc.”74 Mesmo acreditando que a associação estava bem

escondida, observa-se a preocupação de não deixar nenhuma pista que pudesse denunciar o

Bloco, que crescia a cada dia , com o ingresso de novos sócios, promovendo reuniões em

que “os vendedores (externos) não só prestavam obidiencia sobre as propagandas incetádas

= como recebião ordens para outras = amanádas do Bloco =.”75

Com o passar dos meses “contavam com cerca de 100 associados”76, e as incitações

às rebeliões tornaram-se constantes. Tanto os senhores, quanto às autoridades não sabiam

72
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
73
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit.p.36.
74
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
75
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
76
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
43

de onde provinha a rebeldia e o clube continuava na luta, pois acreditavam que “a

escravatura de facto = nos afectáva á uma terrível humilhação.”77 Em cada reunião, os

vendedores de pão prestavam satisfação a quantas estava a propaganda abolicionista. Mas,

no dia em que iria completar um ano, a sede do clube acabou sendo descoberta. João de

Mattos foi preso e considerado o único responsável. Nas suas palavras:

Depois de alguns levantes parciais = Organisamos um geral = O Bloco nomeou 4


comições cada qual com os seos deveres a comprir = em constante contacto =
nestas alturas já contavamos perto de 100 associados = no dia = e hora marcado
tudo obedeceo = ficando todos paralisados e nós os de compló siguimos com todos
que nos acompanharão = até a Barra do Piray = por terra = E tudo de acordo com
todos requisitos aos anteriores levántes = e depois que os despersemos voltemos
para o Rio = E um socio foi preso = e por 100$00 res que um escravo cáta lhe deo
= para devassar o segrêdo elle vendeuse = e devassou a onde era a séde = e que o
nome Curço de Dança éra um desfársse em fim tudo, elle confessou = e que Por
meio déssa sociedade guerriavão a propriedade escrava, ê me apontou como o
único responsavel = que era o Director geral = fui preso = [...] As autoridades
evadirão a sede = mas não encontrarão vestígios algum como elle confessou = E o
meo amigo Saldanha Marinho grande advogado e das mesmas idéias = foi quem
obeteve a minha liberdade depois de três meses e tal E aqui nesta altura terminou a
1ª sociedade = com um ano e tal de esistência = E como muito mais mal visto
fiquei = com alguns companheiros rumamos como de custume para São Paulo.78

O levante dos padeiros em direção a Barra do Piray não foi notícia nos jornais, o

que não é de se estranhar porque era costume a polícia encobrir e censurar os episódios

mais perigosos como demonstra Maria Helena Machado “(...) retirando-os das páginas dos

periódicos, dos relatórios oficiais e dos próprios anais do movimento.”79 Mas, se não

conseguimos comprovar o levante nem a prisão de João de Mattos, a informação de que ele

contara com a ajuda do advogado Saldanha Marinho confere certa verossimilhança ao

episódio. Já que em sua gestão no Instituto da Ordem dos Advogados (1873 e 1892) houve

uma intensificação dos serviços de assistência jurídica gratuita, em que ele costumava

77
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
78
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
79
MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico: Os Movimentos Sociais na Década da Abolição. Op. Cit.,
pp. 166-167.
44

designar associados para defender réus pobres. Por iniciativa de Saldanha Marinho essa

prática se institucionalizou e foi incorporada formalmente às finalidades do Instituto, na

reforma do seu Regimento, em 1888.80

Joaquim Saldanha Marinho nasceu em Olinda, em 4 de maio de 1816 e morreu no

Rio de Janeiro em 27 de maio de 1895, foi jornalista, sociólogo e político brasileiro.

Bacharel em Direito da Faculdade do Recife, costumava abraçar causas abolicionistas e

defender pessoas presas envolvidas nessa campanha. Infelizmente, não foi possível

conseguir a confirmação da prisão de João de Mattos, pois nos arquivos da Casa de

Detenção relativos a 1881, que se encontram no Arquivo Público do Estado do Rio de

janeiro (APERJ) faltam alguns dias, como por exemplo, na notação 21 nº 4046 vai do

período de12/04 a 29/05/1881; na notação 22 nº 3974, o período vai de 29/07 a 30/09/1881;

na notação 23 s/ nº o período vai de 11/10 a 07/11/1881. Na documentação da Casa de

Detenção por nós esquadrinhada o mais próximo que chegaríamos do nosso personagem

seria um indivíduo chamado

João José de Mattos, preso em 14 de março de 1881, que era brasileiro, natural de
Rio Bonito, filho de Porfírio José de Mattos e Fermina Rosa da Conceição, prezo
por vagabundagem, a disposição do dr. Juiz de órfãos da 2ª vara e conduzido pelo
carro da casa com ofício do mesmo. Tinha 20 anos, morava na rua da Imperatriz,
era branco e sua ocupação era de marítimo.81

Entretanto, acreditamos que é mínima a possibilidade de ser este o homem que

procuramos. Pensamos obter então informações nos processos judiciais em que Saldanha

Marinho atuou como advogado de defesa. Nada foi encontrado. Sabe-se, contudo, que ele

atendia pessoas humildes que lhe pediam ajuda como se constata nas correspondências

80
GUIMARÃES, Lucia M. P. & FERREIRA, Tânia M. Bessone da Cruz. História da Ordem dos Advogados
do Brasil. O IAB e os advogados no Império. V. 1, coordenação de Herman Assis Baeta. Brasília: OAB
Editora, 2004, pp. 110-111.
81
Arquivos da Casa de Detenção. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Notação: 19, nº
3993. Período de 15/02 a 29/ 03/ 1881.
45

encontradas no Fundo Saldanha Marinho, no Arquivo da Cidade do Estado do Rio de

Janeiro. A sua ligação com Luiz Gama, como atesta uma carta dirigida por Gama ao

advogado, nos permite supor que Saldanha Marinho possa de fato ter atendido João de

Mattos.

Com a extinção do Bloco de Combate, João de Mattos precisou sair de circulação.

Deixou o Rio de Janeiro e retornou, para São Paulo. Mas, quem acha que a luta desses

padeiros acabou, se engana, pois eles continuariam lutando pelo fim da escravidão, em São

Paulo e depois no interior da província fluminense:

Foi se criando Padarias e nesses tempos = fasião pedidos e anunciavão nos jornaes
= de Padeiros, e trabalhadores e como tudo era com a passagem paga por conta
deles = eu aproveitava = mais parava pouco só trabalhava pára as despesas =
indispensáveis = e pelo interior também eu era o densintravador, que não inúmero
= em 1888 = Nós realisemos a maior vitória da nossa intranzigente lucta = ficando
o caminho desentravado dos escravisados de facto=.82

Para João de Mattos, o 13 de maio de 1888, deve ter tido um gosto de vitória.

Entretanto, embora a escravidão tenha acabado, a condição dos padeiros não melhorou ao

contrário do que ele supunha. Assim, a batalha haveria de continuar, doravante em prol de

uma vida digna e por melhores condições de trabalho para todos os empregados de

padarias, uma luta que persistiria após a instauração da República. De qualquer modo, ao

confiarmos nas memórias de João de Mattos percebemos que dentre todas as associações

abolicionistas que foram criadas e que tinham propostas de inserção do liberto na

sociedade, afirmando que o fim da escravidão era apenas uma etapa, a única que persistiu

na luta, foi o Bloco de Combate dos Empregados de Padaria, composto de mão-de-obra

82
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
46

livre e escrava, uma associação não elitista, que continuou a lutar pela inserção dos

padeiros dentro da sociedade utilizando para isso sempre os levantes (ou greves na época).
47

2 UM PADEIRO NO ALVORECER DA REPÚBLICA: PRIMEIROS PROJETOS


DE UNIÃO DA CATEGORIA

O fim da vida humana é a satisfação


Progressiva do bem-estar de cada qual.
Ora, está provado, pela experiência
secular dos fatos, que a organização
social baseada no interesse individual
exclusivista não consegue realizar tal
fim. Recorramos, pois, a este outro meio:
a organização social baseada no interesse
coletivo e recíproco.

Demofilo – A Voz do Trabalhador.


48

2.1 O desapontamento com a República e a organização da Sociedade Cooperativa dos


Empregados de Padaria no Brasil.

A autobiografia possuí um tempo que a sustenta, um momento que a propicia e um

público a que se destina. João de Mattos ao narrar suas memórias também responde ao

tempo em que viveu, primeiro durante o Império lutando pelo fim da escravidão e depois na

República convocando a união da categoria de padeiros. Foi intérprete da trajetória destes

trabalhadores, agentes envolvidos em uma sucessão de acontecimentos, que vão desde a

luta pelo fim da escravidão até o início do movimento operário, quando Mattos se envolve

em uma Sociedade Cooperativa, no ano de 1890.

“... um ano e sete meses apôz Proclamou-se a República = que também operamos
muito = esperando o que respondeo pela negativa? = do que esperávamos obeter =
E aqui se ratifica que não podemos esperar nada da política da Sociedade
Dirigente, por ser antagônica a Sociedade dos Derigidos.”83

As palavras de João de Mattos traduzem o seu desapontamento com a República.

Isto nos leva a depreender que a mudança do regime político não trouxe qualquer melhoria

para a classe trabalhadora, confirmando assim a premissa de José Murilo de Carvalho:

“Especialmente no que se referia ao proletariado, as promessas da República não se tinham

cumprido, o apelo positivista no sentido de incorporar o proletariado à sociedade caíra em

ouvidos moucos.”84

O quadro desenhado por João de Mattos revela as tensões entre patrões e

empregados, pois segundo o nosso personagem os trabalhadores não podiam contar com o

Estado para mediar tais disputas. Pressionava-se o governo para controlar o operariado, por

meio de medidas como: prisões arbitrárias, invasões de domicílio, espancamentos, mortes

83
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
84
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987, p. 137.
49

em manifestações, entre outras. Pretendia-se, assim, impedir o crescimento das

reivindicações trabalhistas. Porém, a despeito de todas as condições desfavoráveis e das

diferenças existentes entre os grupos, a Primeira República permaneceria como um

primeiro momento de extraordinária mobilização da classe operária, ainda que na opinião

de Cláudio Batalha “a ação organizada da classe por meio de suas instituições ou de ações

coletivas atingiu apenas uma minoria dos trabalhadores, entre outras razões porque nesse

período 80% da população brasileira vivia no campo.”85

Embora em parte alguma do documento João de Mattos tenha citado Marx ou

Engels, ele demonstra conhecimento sobre as categorias de análise marxista, em especial a

luta de classes. Descobrimos, no entanto, no Jornal O Panificador, fundado em 1898 pela

categoria dos padeiros, um artigo assinado por João de Mattos em que demonstra ter tido

contato com as idéias marxistas, assunto de que trataremos no próximo capítulo.

João de Mattos relata que com a proclamação de 15 de novembro de 1889 “(...) não

conseguimos o [que] aspirávamos = E verificávamos que a escravatura era agora geral =


86
continuávamos deshumanamente trabalhando 16 e 18 horas consecutivas dia, e noite.”

De fato sabe-se que no início dos anos de 1890, no meio operário, havia uma forte

expectativa em relação ao novo regime. Mas, logo se percebeu que a valorização do

trabalho não estava nos planos da República.

As condições do trabalho não se alteraram. Era comum, no final do século XIX e

início do XX, as jornadas prolongadas, desumanas e exaustivas. Conforme avalia o

historiador Boris Fausto “Por volta de 1900, nas indústrias têxteis, trabalhava-se 14 horas

85
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2000, p. 14.
86
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
50

diárias.”87 Acreditamos que o tempo diário de trabalho de um tecelão não era muito

diferente daquele dos empregados de padaria, já que estes também participaram da greve

geral de 1903 como revela Francisca Nogueira de Azevedo:

“(...) Dizem que o movimento também será seguido pelos marceneiros. Outra
categoria que acaba de aderir ao movimento é a dos funcionários de padarias. Na
padaria da rua Carolina, na estação do Rocha, n. 16, os trabalhadores declararam-
se em greve, solidários com o movimento, mas mantiveram atitude pacifica.”88

A greve reivindicava basicamente a redução do número de horas de trabalho e o

aumento de salários. Ao mesmo tempo, buscava-se uma brecha no espaço político porque a

República embora se auto-proclamasse o governo do povo e para o povo, na prática não

havia incorporado o operariado em sua agenda política. No entender de Marcos Bretas

apenas “a burguesia aparecia como ator histórico, dotado de um projeto e, em larga medida,

capaz de leva-lo a efeito.”89 Mas os operários não aceitavam pacificamente esta condição

secundária imposta pelo governo, que na esteira do positivismo se opunham a soberania

popular divulgando a ideologia de que o poder seria exercido em nome do povo através de

um representante, que não deveria ser questionado. Por outro lado para E. P. Thompson

essa consciência de classe dos trabalhadores podia ser vista de dois aspectos:

“De um lado, havia uma consciência da identidade de interesses entre


trabalhadores das mais diversas profissões e níveis de realização...Por outro lado,
havia uma consciência da identidade dos interesses da classe operária, ou ‘classes
produtivas’, enquanto contrários aos de outras classes .”90

87
FAUSTO, Boris (Dir.). História Geral da Civilização Brasileira: Tomo III O Brasil Republicano.
Sociedade e instituições (1889-1930).. Volume 9. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 160.
88
AZEVEDO, Francisca Nogueira. Malandros Desconsolados: O diário da primeira greve geral no Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005, p. 115.
89
BRETAS, Marcos Luiz. Povo e Polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,
1997, p. 31.
90
THOMPSON, E. P.. A Formação da Classe Operária Inglesa: A força dos trabalhadores. Tradução Denise
Bottman. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 411.
51

A greve geral deflagrada na capital da República em 1903 apontava para a

existência de um embrião de consciência de identidade da classe trabalhadora, de acordo

com as premissas de E. P. Thompson que “abarcou diferentes categorias.”

Entretanto, ao que parece, nosso personagem nas suas reminiscências exagerou o

seu relato a respeito dos apoios, com que o movimento deveria ter contado. Se tomarmos

como parâmetro os jornais cariocas, percebe-se que o panorama era outro. O Jornal do

Comércio, por exemplo, considerado a voz do empresariado, exigia a volta dos operários ao

trabalho e advertia: “Ninguém escurece a desigualdade do destino humano, a má

distribuição dos bens e dos males da terra, se é que só eles podem fazer a felicidade e as

desgraças das criaturas. Mas precisamos não nos embalarmos em utopias...”91 Por sua vez,

o Jornal O Paiz, embora não se mostrasse insensível ao movimento dos trabalhadores,

tratava-o com ironia, como se lê no artigo “Greve sem motivo”:

(...) Os operários mal aconselhados. Que mais quer essa gente? Não há razão para
queixas. Algumas palavras esmagadoras sobre o movimento operário:
- Não há motivo nenhum para greve.
- Nenhum dos operários trabalha demais e o que ganham não lhes chega para
viver. Isso lá é motivo sério?
- Os operários estão mal aconselhados, o meio que lançam mão é errado.
- O conselho bom dado naturalmente pelos patrões seria este: esperar cada um,
muito alegre, que os proprietários de fábricas lhe diminuíssem o trabalho e lhe
aumentassem o salário...92

Cabe lembrar que no Brasil a instauração da República não significou de imediato a

ampliação da cidadania, decorre daí a decepção e o desânimo com o regime instituído a

partir de 1889, que fizeram brotar um sentimento de solidariedade entre diferentes

categorias profissionais. Os empregados de padarias não ficaram indiferentes a esse

movimento. Aliás, a idéia de agrega-los não era nova, se levarmos em consideração o relato

91
AZEVEDO, Francisca Nogueira de. Malandros Desconsolados: O diário da primeira greve geral no Rio de
Janeiro. Op. Cit. p. 107. Retirado do Jornal do Comércio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR01, 21/08/1903.
92
Jornal O Paiz, apud Francisca Nogueira de Azevedo, p. 108. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR06,
22/08/1903.
52

de João de Mattos sobre a experiência no Bloco de Combate dos Empregados de Padarias

no Brasil. Não por acaso, ele revela: “e pensando assim convidei os companheiros externos

Manoel Vaz do Vale = ê José Xavier Malheiros e combinemos fundar á 2ª sociedade da

nossa classe.”93 Tais palavras reforçam o argumento do historiador Marcelo Badaró, de que

“era resistindo e lutando contra a exploração por meio de suas organizações e movimentos

coletivos, enfrentando a repressão patronal e policial, os trabalhadores manifestavam e,

concomitantemente, construíam sua consciência de classe.”94

Nas suas memórias João de Mattos narra que a categoria desapontada com a falta de

apoio do governo no atendimento ás suas demandas como líder do grupo, destaca:

“Verifiquei mais que só do nosso único e exclusivo esforço é que poderíamos alcançar

melhorias.”95 Neste caso, a solução que lhes parecia mais viável era insistir na organização.

Fundou uma segunda agremiação de padeiros: A Sociedade Cooperativa dos Empregados

de Padaria no Brasil, cujo lema era “Trabalhar para nós mesmos”.

João de Mattos recorda que convidou para participar da fundação dois

companheiros,96 Manoel Vaz do Vale e José Xavier Malheiros. Para servir de sede ao

grupo foi alugado o primeiro andar do prédio na rua São Pedro nº 244, este logradouro

desapareceu com a abertura da rua Presidente Vargas. Mattos relata que distribuiu

panfletos e fez propaganda nas padarias da instauração de uma Sociedade Cooperativa. Ele

revela que a fundação foi marcada para 10 de junho de 1890 e divulgada na imprensa pela

Gazeta de Notícias. Procuramos checar as informações do Manuscrito, mas não

93
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
94
MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe
trabalhadora no Brasil. Op. Cit., p. 188.
95
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d 30055.
Fls 99 a 117.
96
Externos, ou seja, vendedores.
53

encontramos tal anúncio. Porém, identificamos uma nota na Gazeta de Notícias na edição

de 14 de outubro de 1890, que parece corresponder aos dados fornecidos: “Sociedade C.

Classe Padeiral: Sessão do Conselho hoje, 14, ás 6 ½ horas da tarde, á rua S. Pedro n. 266.

– O secretario, Casimiro Lopes da Silva.”97

Na esteira do paradigma indiciário de Ginzburg, consideramos que existe uma

relação entre as duas sociedades nomeadas, já que ambas se localizavam na rua S. Pedro e

em números bem parecidos. Isto reforça nossa suspeita de que devido a idade avançada

João de Mattos pode ter feito uma certa confusão. Além disso, ele menciona uma comissão

diretora em que foi eleito um secretario permanente, para cuidar do expediente da

sociedade. Tudo indica que seria o tal Casimiro Lopes, reforçando a premissa de que a

Sociedade C. Classe Padeiral e a Sociedade Cooperativa dos Empregados de Padarias

seriam a mesma organização.

A criação de uma associação de padeiros em 1890 não constituía, propriamente um

fato extraordinário. Na época, várias outras categorias também estavam se unindo em

entidades congêneres, como: a Sociedade Cooperativa de Comestíveis98; a Sociedade

Anonyma Operária Carioca99; a Sociedade Cooperativa100; a Companhia Nacional a

Cooperativa do Consumo do Peixe101; a Cooperativa Fluminense102; a Companhia Nacional

Cooperativa de Lenha.103 Vejam-se os exemplos dos anúncios das seguintes cooperativas:

23/05/1890.
Companhia Cooperativa do Carvão

97
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
98
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 45-Reg. 1083.
99
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 93-Reg. 2880.
100
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 81-Reg. 2447.
101
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 65-Reg. 1666.
102
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 55-Reg. 1367.
103
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 60-Reg. 1488 / Lº 77-Reg. 2241.
54

São convidados os Srs. Accionistas a effectuar a terceira entrada de 10% sobre o


valor nominal das suas acções, até 31 do corrente. – O director thesoureiro,
Guilherme Augusto C. Oliveira.104
23/05/1890.
Cooperativa da Cerveja
São convidados os subscriptores d’esta empreza a realisar a primeira prestação de
10%, no Banco Cooperativo, a rua da Candelária nº 22, desde hoje, e a reunir-se
em assembléa constitutiva no dia 26 do corrente, ao meio dia, no salão do Banco
Territorial e Mercantil de Minas, á rua da Alfândega n. 7, sobrado.105

No alvorecer da República, coexistiram dois movimentos que mobilizaram o

operariado: o primeiro consistia na organização dos trabalhadores por categoria e o segundo

foi o surgimento das cooperativas de trabalhadores, o que de certa forma confirma as

memórias de João de Mattos. Aliás, em busca de outras fontes que nos ajudassem a

contextualizar o seu relato, descobrimos que já em 1876 fora estabelecida uma Companhia

Cooperativa do Consumo do Pão106. Os fundadores foram José Rabello e Affonso

Mosmaud. Tratava-se de uma sociedade anônima, cuja duração estava prevista para cerca

de trinta anos, salvo a hipótese de dissolução antes daquele período. As chamadas aos

acionistas eram feitas em anúncios públicos. O objetivo desta cooperativa era estabelecer

em diversos pontos das freguesias do Rio de Janeiro e da cidade de Niterói, padarias

associadas, as quais deveriam introduzir melhorias necessárias no ramo, fabricando pão e

demais produtos correlatos.

A Companhia Cooperativa do Consumo do Pão, por certo, deve ter servido de

inspiração para João de Mattos e seus companheiros. Mas outro fator muito importante para

a sua organização foi “o encilhamento”, ou seja, a política de crédito criada por Rui

Barbosa, que se caracterizou por grande especulação financeira e a criação de inúmeras

empresas fictícias. Trataremos deste assunto mais adiante.

104
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
105
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
106
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 14 Reg. 278/305.
55

Tudo leva a crer que a imprensa foi o principal veículo de divulgação das condições

desfavoráveis dos trabalhadores. De fato alguns diários se mostravam simpáticos à causa

como a Gazeta de Notícias, que costumava emitir notas a respeito do movimento operário

(...)Como noticiamos, realisou-se hontem o Sr. Silva Jardim a sua conferencia no


salão do Lyceu de Artes e Officios, em presença da Federação Operaria, e do Sr.
Dr. Bethencourt da Silva, que ao apparecer foi recebido com estrondosa salva de
palmas. Tratou o illustre orador da acção do proletariado brasileiro no futuro da
pátria, sendo enthusiasticamente applaudido. Ao terminar o seu discurso,
offereceu-se o Sr. Dr. Silva Jardim para ser portador de uma mensagem de
felicitação ao Sr. Conselheiro Saldanha Marinho, assignado pelos membros das
diversas classes alli representadas. 05/05/1890107

Mas do que externar uma certa acolhida às demandas do “proletariado brasileiro,” o

informe da Gazeta de Notícias é importante por que permite iluminar dois personagens

citados no Manuscrito de João de Mattos: O Conselheiro Saldanha Marinho que o havia

defendido da acusação de incentivar rebeldias entre os escravos, e o doutor Bethencourt da

Silva, diretor do Liceu de Artes e Ofícios.

Após narrar que anunciara na imprensa a fundação da Sociedade Cooperativa, João

de Mattos disse ter ido ao Liceu, situado a Rua da Guarda Velha 3 e 5, atualmente Largo da

Carioca, pedir ao diretor Béthencourt da Silva um salão para a reunião em que seria

estabelecida a Sociedade.108 Vale lembrar que a contribuição do Liceu nas organizações

operárias vem de longa data. Pesquisando sobre o Liceu descobrimos que a instituição

dedicava-se ao ensino técnico profissionalizante, buscando atender os segmentos sociais

menos favorecidos. Seu lema era “Combater a ignorância é defender a liberdade.” Aliás,

Alba Carneiro Bielinski comenta as funções do Liceu de Artes e Ofícios

O Imperial Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro surgiu em 1882 com o


objetivo de reparar as carências do Instituto Comercial criado em 1858...Coube ao
Liceu o mérito de ser o primeiro estabelecimento, no século XIX, a ministrar o

107
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
108
Já em 1823 E. P. Thompson cita a presença dos Institutos de Artes e Ofícios como uma “sociedade de
aperfeiçoamento mútuo, formal ou informal, que se reunia semanalmente com o propósito de adquirir
conhecimento, geralmente sob a liderança de um dos seus membros.” E. P. Thompson . Op. Cit. p. 340.
56

ensino comercial no Brasil com sucesso, de forma regular e metódica, em curso de


4 anos, noturno, gratuito, visando à profissionalização dos caixeiros ou dos que
quisessem entrar no ramo profissional.109

De qualquer modo, era comum o Liceu ceder suas salas para reuniões de

associações profissionais que geralmente eram divulgadas na imprensa. Na Gazeta de

Notícias e no Diário de Notícias, encontramos alguns desses anúncios:

Acta da assembléia geral constitutiva do Banco dos Operários (...) As 11-3/4 horas
da manhã do dia 1º de junho de 1890 reuniram-se, em um dos salões do Lyceu de
Artes e Offícios, para mais de dois mil accionistas do Banco dos Operários que
para [?] tinham sido convocados, na fórma da lei, por annuncios publicados em
diversos jornaes de maior circulação, e que inscreveram os seus nomes no livro de
presença, exhibindo os títulos comprobatórios de sua qualidade de accionistas...”
11/06/1890110

Mas estas referências são difíceis de comprovar, já que as atas das entidades

ficavam em suas sedes, quando existiam, ou em poder de algum associado. O Liceu apenas

cedia o espaço, que era grande, o que parece confirmar a versão de João de Mattos.

Todavia, em 1893, o Liceu sofreu um terrível incêndio, que destruiu boa parte do prédio e

todo o seu arquivo, inclusive alguma documentação relativa à reunião da Sociedade

Cooperativa dos Empregados de Padarias no Brasil. Porém, é inquestionável que o Liceu de

Artes e Ofícios disponibilizava suas dependências para reuniões de agremiações operárias.

Tanto assim, que João de Mattos recorreu a instituição mais uma vez, em 1898, quando da

fundação de uma terceira associação da categoria dos padeiros a “Sociedade Cosmopolita

Protetora dos Empregados de Padaria”.

Conforme já disse, os primeiros anos da República coincidem com o início do

movimento de associações, tanto de trabalhadores quanto de patrões. Como se sabe, havia

muitas padarias no final do século XIX, no Rio de Janeiro, as quais empregavam um

109
BIELINSKI, Alba Carneiro. Educação profissional no século XIX: Curso Comercial do Liceu de Artes e
Ofícios – um estudo de casos. www.senac.br/informativo/BTS/263/boltec263e.htm,p.4.
110
Jornal Diários de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. SPR04.
57

número expressivo de trabalhadores. Isto nos permite supor que ao criar a Sociedade

Cooperativa João de Mattos e seus companheiros sabiam exatamente o que desejavam: ser

donos da sua própria força de trabalho o que em outras palavras significava pleitear uma

vida mais digna para os profissionais que colocavam na mesa o alimento básico de toda a

sociedade.

O movimento de aceleração e fortalecimento de diversas categorias profissionais

levou à organização dos sapateiros; dos alfaiates; cigarreiros e charuteiros; dos pintores;

dos pautadores; dos pedreiros; dos encadernadores entre outros.111

Congresso Artístico dos Alfaiates


Fundado em 19 de maio de 1890.
Hoje, 11 do corrente, ás 8 horas da noite, realizar-se-há a 2ª sessão semanal
constructiva – O 1º secretario, A. Valente.11/06/1890112

Tais reuniões costumavam realizar-se à noite. A pauta de assuntos tratados era bem

diversificada. Compreendia temas como: a convocação para a escolha da administração,

diminuição das horas de trabalho, melhores salários, cobranças de taxas devidas pelos

sócios, entre outros temas. As agremiações costumavam possuir estatutos que estabeleciam

os critérios para a admissão de sócios, o valor das respectivas contribuições e os benefícios

que poderiam usufruir.113

Eduard P. Thompson, ao descrever a formação da classe operária inglesa em 1820,

vai ressaltar o aparecimento dos sistemas de cooperativas. Ele considera que “no final dos

anos 20, uma ou outra variante da teoria cooperativa e econômica do trabalho tinha

111
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN.PR-SPR 2764.
112
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
113
Badaró em seus estudos sobre formação da classe operária carioca encontrou mais de 180 associações
mutuais, beneficentes ou assemelhadas, entre as décadas de 1850 e 1900. Marcelo Badaró Mattos.
Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe trabalhadora no Brasil. Op.
Cit., p. 96.
58

conseguido o controle da estrutura do movimento operário.”114 As premissas de Thompson

nos induzem a supor que os padeiros do Rio de Janeiro por certo devem ter sofrido a

influência do movimento operário europeu. Como destaca Marcelo Badaró, “pensando o

caso brasileiro na segunda metade do século XIX, é preciso partir, pois, da constatação de

que os “novos” exemplos organizativos dos trabalhadores europeus eram referências

disponíveis.”115

Vale salientar que as notícias sobre o movimento operário na Europa eram

manchetes nos principais jornais cariocas da época, e mostravam a importância da

mobilização pluriprofissional em torno da união, cujo principal objetivo era demonstrar às

classes dominantes a força da massa operária. Este é o caso de uma nota publicada no

jornal Gazeta de Notícias, de 22 de maio de 1890, a respeito de uma greve que parou a

cidade de Livorno “Os cocheiros de trens de praça, os moços de padeiro, os marceneiros e

os empregados do caminho de ferro, onnibus e fabrica de gaz estão em greve.”116

Os padeiros do Distrito Federal não eram diferentes de outras categorias. Suas

reivindicações eram semelhantes. E por isso também eram influenciados pelas ideologias

que se disseminavam na época como o socialismo e o anarquismo.117

No que se refere à fundação de cooperativas, havia uma vaga menção a estas

organizações de trabalhadores por parte dos anarquistas, que afirmavam: “a sociedade

anarquista acrática deve evoluir livre e espontaneamente segundo as condições do momento

e não segundo os itens de um plano ou os caprichos de uma classe de líderes

114
THOMPSON, E. P. . A Formação da Classe Operária Inglesa: A força dos trabalhadores. Op. Cit., p. 398.
115
MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe
trabalhadora no Brasil. Op. Cit., p. 86.
116
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
117
Badaró afirma que “nos anos de 1890, o exemplo organizativo alemão era, portanto, o mais forte para
aqueles que no Brasil, como em outras partes, se propunham a organizar os trabalhadores tendo as propostas
socialistas como parâmetro.” Marcelo Badaró Mattos. Experiências comuns: escravizados e livres no processo
de formação da classe trabalhadora no Brasil. Op. Cit., p. 91.
59

parasitários.”118 O fato dos anarquistas serem contrários às cooperativas nos leva a supor

que o socialismo teria inspirado João de Mattos no período da fundação da segunda

Sociedade da categoria.

Aliás, naquela altura, o socialismo era percebido como uma ameaça às correntes

liberais, “ao defender um Estado claramente intervencionista em assuntos como o

reconhecimento dos direitos sociais.”119 As idéias socialistas eram divulgadas em jornais

próprios como A Voz do Povo e Echo Popular. Suas propostas giravam em torno da criação

de agremiações operárias, na qual os associados deveriam contribuir com dinheiro, pois

somente com capital é que poderiam criar escolas, consultórios médicos, cooperativas de

produção, entre outras ações. Mas, além disso, as associações operárias buscavam reforçar

os ideais socialistas, uma vez que afastavam o individualismo e redefiniam os conceitos de

liberdade e igualdade.

Neste contexto provavelmente influenciado pelas idéias européias, João de Mattos

convocou seus companheiros para organizar a dita Sociedade Cooperativa, com o objetivo

de unir todos os empregados de padarias em uma associação, aberta a todos os profissionais

do ramo, exceto os proprietários de estabelecimentos.

Primeiro organisousse o título Sociedade Cooperativa dos Empregados de Padaria


no Brasil foi aprovado por todos = a seguir por aclamação foi eleita toda a
Directoria = E nesta seção estaladora foi vedada as entradas só aos donos.120

A entidade dos padeiros se constituía da mesma forma que as demais congêneres,

ou seja, possuía um estatuto e deveria eleger uma diretoria da qual fazia parte um

presidente, um secretário, um tesoureiro, um cobrador. Mas para que a Cooperativa

118
MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro: 1890-1920.
Tradução: José Eduardo Ribeiro Moretzsohn. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 75.
119
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos
Tribunais; Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988, pp. 62-63.
120
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
60

atingisse seus propósitos era preciso arregimentar mais associados. Neste sentido, João de

Mattos afirma ter distribuído inúmeros panfletos pelas ruas do Rio de Janeiro convidando

seus pares para a sessão de instalação da nova Sociedade. A estratégia parece ter dado

certo, já que foi

(...) Bastante concorrida pois apareceram de 300 a 400 companheiros = Nesta foi
aclamada uma comição organisadora e estaladora = sendo Eu, e os mesmos antes
ditos = houve donativos espontâneos para as primeiras despesas = rendeo 708$000
reis = a maioria aprovou ser cooperativa.121

A proposta relatada pelo nosso personagem, corresponde aos argumentos utilizados

por Ângela de Castro Gomes para explicar a emergência do movimento operário no Brasil:

“um dos objetivos principais das propostas de organização das classes trabalhadoras nesta

época era justamente torna-la visível para a sociedade e, paralelamente, legitimar suas

demandas de participação política e reivindicações sociais,”122 Para tanto eles contribuíam

financeiramente e se organizavam na tentativa de viabilizar uma solução para a questão

social, entendida como o direito político de cidadania do operário.

Se a República, conforme afirma João de Mattos, fora uma decepção, era necessária

a união para responder aos anseios da categoria. A finalidade da Cooperativa consistia na

compra de padarias, daí o lema “Trabalhar pára Nós mesmos,”123 A diretoria mandou

litografar cerca de “2000 ações a – 20:000 [reis] podendo caso estas duas mil não chegasse

ampleala de acordo as precisões para com este capital desenvolver o cooperativismo.”124

Desta forma esperava-se levar adiante o projeto, em plena época do “encilhamento”,

121
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
122
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Op. Cit., p. 61.
123
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
124
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
61

apelido que fora dado a política financeira posta em prática pelo Ministro da Fazenda Rui

Barbosa, conforme já se viu.125 De acordo com o historiador Boris Fausto, a explicação

mais plausível para o sentido da palavra encilhamento era o “local onde são dados os

últimos retoques nos cavalos de corrida antes de disputarem os páreos. Por analogia. Teria

sido aplicada à disputa entre as ações das empresas na Bolsa do Rio de Janeiro, trazendo

em si a idéia de jogatina.”126

A política econômica de Rui Barbosa tinha por objetivo modernizar o país. Os

bancos ofereciam créditos a pessoas que tivessem interesse em criar empresas, tanto

companhias, como sociedades anônimas. No caso da Sociedade Cooperativa dos

Empregados de Padaria, João de Mattos ressalta que o êxito alcançado no lançamento das

suas ações foi tão grande que recebeu diversas propostas de créditos: “as ações não só

tiverão grande asseitação no meio dos companheiros como por todos particulares = até

houve oferecimentos de capitais dos Bancos = e por todos capitalistas.”127 Isto nos parece

bem provável, pois na época havia inúmeros bancos no Rio de Janeiro, Banco do

Commercio; Banco Constructor do Brasil; Banco Predial; Banco Operário; Banco

Industrial e Mercantil do Rio de Janeiro; Banco do Rio de Janeiro; Banco dos Empregados

do Comércio; Banco das Classes Laboriosas entre outros.128 A par disso, formaram-se,

também, muitas empresas de crédito, algumas reais e outras fictícias. Portanto, não seria de

estranhar que a Sociedade Cooperativa houvesse recebido investimentos de tais

125
Como destaca Badaró “ Foi durante o primeiro governo republicano, quando Rui Barbosa esteve à frente
do Ministério da Fazenda, que um estímulo governamental à inversão de maiores somas de capital no setor
industrial possibilitou não apenas o surgimento de novos negócios (alguns deles de curta duração), como
também um salto na expansão das fábricas já estabelecidas.” Marcelo Badaró Mattos. Experiências comuns:
escravizados e livres no processo de formação da classe trabalhadora no Brasil. Op. Cit., p. 52
126
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002, p. 252.
127
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
128
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
62

instituições, além dos seus cooperados. Além disso, a rua São Pedro, onde se localizava a

Sociedade Cooperativa, sediou diversos empreendimentos “... que no encilhamento

surgiram como cogumelos,” conforme adverti Brasil Gerson na sua História das Ruas do

Rio.129

A política financeira de Rui Barbosa havia gerado a noção de que a República seria

o regime ideal para permitir o crescimento dos negócios, o que de certa forma explica a

iniciativa dos padeiros. Entretanto, existe uma questão que continua sem resposta: Como

João de Mattos e seus companheiros conseguiram colocar em prática o projeto de compra

das padarias?

Sabe-se que uma sociedade cooperativa para ser instalada, como qualquer negócio,

precisava do aval do governo. Não conseguimos nenhuma pista desta autorização. Mas,

curiosamente, no mesmo período indicado encontramos uma outra associação rival,

fundada por proprietários de padarias.

129
GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio (e da sua liderança na História política do Brasil). 5ª ed.,
remodelada e definitiva. Fixação do texto, introdução e notas Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Lacerda Editoras,
2000, pp. 62-64.
63

2.2 O monopólio do pão barato.

Em 22 de junho de 1890, a edição da Gazeta de Notícias, trazia o seguinte anúncio:

Aos Srs. Padeiros(...)Convidam-se os proprietários de padaria, que desejarem


fazer parte da nova Companhia Panificadora, a comparecer hoje, domingo, ás 11
horas da manhã, á travessa da Barreira n. 27, afim de tratar-se das bases da mesma,
22 de junho de 1890 – A Commissão.22/06/1890130

Ao que parece, consoante o espírito do “encilhamento”, a Companhia pretendia

congregar os proprietários destes estabelecimentos em uma grande empresa. A estratégia

consistia em adquirir padarias no Rio de Janeiro, priorizando as que estivessem em situação

financeira mais difícil. As compras eram pagas da seguinte forma: metade do valor em

dinheiro e a outra metade em ações integralizadas. Tratava-se de uma sociedade anônima

voltada para o comércio de farinha de trigo e seus preparados, cuja fundação foi requerida

na Junta Comercial por: João Antonio Guimarães e Arthur Barboza. Seus principais sócios

eram o comendador Fernando Antonio Pinto de Miranda; João Antonio Guimarães Pinto e

César Augusto de Macedo Ribeiro e Arthur Barboza. Este último na função de gerente da

Companhia Nacional de Panificação. A duração do empreendimento estava fixada em 30

anos contados da sua instalação, prazo que poderia ser prorrogado pela Assembléia Geral.

O capital anunciado alcançava a soma de dois mil contos divididos em dez mil ações.

Provavelmente, a Companhia pretendia praticar o que hoje em dia conhecemos como

“dumping”, ou seja, fixavam o valor do pão bem mais barato obrigando a concorrência a

baixar os preços. A sucessão de prejuízos no negócio acabava forçando a venda da padaria

para a Sociedade Panificadora.

130
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
64

Sintomaticamente, na imprensa do Rio de Janeiro há indicativos de que alguns

proprietários de padarias não aceitaram participar da Companhia. Gente que denunciava a

Panificadora por vender pão bem abaixo do preço de mercado, como se lê na matéria

publicada no Jornal do Commercio e transcrita na Gazeta de Notícias

Monopólio do pão
A lei das sociedades anonymas prescreve no art. 1º § 4º o seguinte:
“Dependem de autorisação para se organisar as sociedades anonymas que tiverem
por objecto o commercio ou fornecimento de gêneros ou substancias alimentares.”
Esta reserva de fiscalisação que o governo se arrogou funda-se evidentemente em
um principio de elevado alcance social. Não é possível deixar em inteira revelia,
ou á mercê de syndicatos, organisações que ora prejudicam o interesse privado,
fazendo-o sucumbir sob o peso do monopólio, ora vão de encontro ao interesse
publico, deixando-o exposto aos maiores perigos.
Parece, porém, que o fim primordial d’essa salutar disposição foi posto de parte
pelo acto do governo que autorisou a Companhia Panificação.
A alludida companhia não se formou para explorar e desenvolver um ramo de
industria nova e de difficil utilisação; não trouxe para o paiz o fructo de uma afta e
paciente conquista, que custasse estudos e experiências dispendiosas, nem applicou
avultados capitães no aperfeiçoamento de um invento de que a sociedade estivesse
privada.
Em regra deve-se attender a que as excepções que fundam privilégios destroem
completamente as leis da concurrencia e afastam do campo da luta individual a
iniciativa e o capital – as duas mais poderosas alavancas do progresso do nosso
tempo.
E’ certo que o governo, com seu acto não concedeu á Companhia Panificação
nenhum privilegio deffinidamente firmado por qualquer clausula, como tantos
d’esses que constantemente são requeridos, e que, para mostrar quão inoffensivos
são, basta recordar que a maior parte ahi se acha sem o menor seguimento.
Ao contrario d’isso, o monopólio de que nos vamos occupar tomou caminho
diverso e forma mais insidiosa. Arvorou a bandeira do livre principio da
associação e foi buscar o anonymato a sua [ilegível].
Simulando occupar posição idêntica a d’essas emprezas que semanalmente
irrompem da fecunda fantasia dos nossos hardos industriaes, só faltou ajuntar ao
seu programma, para gáudio das classes felicitadas, que ella, a nova companhia, á
semelhança dos déspotas romanos, para calar a turba ignora dos descontentes,
fornecerá gratuitamente panem et circenses.
E’ esta a concepção que podemos ter uma companhia que se fórma com o
consentimento do governo, para levantar os créditos ou as forças de uma industria
e de um ramo de negocio que existem fundados e explorados, livres da oppressão
dos [productores] [espontâneos] do clamor dos consumidores.
A Companhia Panificação, pois, não é um organismo liberal creado a sombra da
lei; é um bote astutamente armado á credulidade dos simples, e um grande perigo a
que ficou exposta a alimentação publica.10/09/1890.
Ricardo (Do Jornal do Commercio de 9 do corrente).131

131
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
65

O aludido Ricardo – que se auto-intitulava representante dos padeiros não

associados, acreditava que o objetivo da Companhia era o monopólio do pão, o que se

daria através da compra de todas as padarias. Sendo assim, era necessário combatê-la, e

alertar os consumidores que deveriam desconfiar do pão barato fornecido por esta

instituição.

Acreditamos que tanto a Sociedade Cooperativa dos Empregados de Padarias

quanto a Companhia Panificadora foram beneficiadas pela política do encilhamento,

momento da criação de vários empreendimentos econômicos. Mas, por outro lado, o

crescimento de sociedades panificadoras no Rio de Janeiro parecia propiciar uma efetiva

disputa no mercado da venda do pão, o que afetava o conhecido predomínio dos

portugueses neste negócio.

Se compararmos a repulsa que a Companhia Panificadora despertou entre os

proprietários de padarias com o testemunho de João de Mattos, a Cooperativa também deve

ter provocado um certo desconforto: “A confiança no êxito não se fasia esperar – Todos

patrões botavam as mãos a cabeça julgando se fracassados = e como de facto eram!...”132

Mas o tal Ricardo não seria o único a desconfiar das intenções da misteriosa

Companhia Panificadora. Um outro artigo de um dito padeiro chamado Manuel de Brijon,

na Gazeta de Notícias, pedia maiores informações sobre a empresa, do qual pouco se sabia

Companhia Panipatótica
Panem Et Circenses
Um padeiro que quer adherir á tal panipatetice, mas que é pai Paulino que tem
olho, quer ver, as [cousas] mais claras, e todos os pontos mais esclarecidos, porque
isto de annuncios garrafaes são caretas de que já se não morre hoje em dia.

132
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
66

Eis o que elle quer:


Ver publicada a lista dos accionistas, e saber se foi feita a 1ª entrada e em que
banco?
Saber o nome dos illustres anonymos que partiram para os quatro ventos em busca
de machinas, etc. (leia-se ratoeiras aperfeiçoadas, etc.)?
Explicação do motivo porque se não cumpre a lettra dos estatutos, na parte
essencial, isto é, venda a peso?
Quando e onde houve eleição da directoria, gerente e mais caterva, ou se estes
capadócios se fizeram a si mesmos?!
Se uma vez feita a primeira entrada 200:000$ - para que se effectuaram compras de
medíocres estabelecimentos a 3 mezes de prazo?!... (ou há dinheiro, ou orçamento
russo!...)
Se há accionistas e se há tenção de lhes dar dividendo um dia – qual foi o degas
economista que ensinou a reduzir o producto da venda a dois terços, gastando a
mesma quantidade de matéria prima, e não reduzindo nada, antes augmentando, á
despeza de cada um estabelecimento?!
Ou estamos na Pavornia, ou na Falperra!
Se não me explicarem claramente estes pontos, não entro na cousa, e, amanhã vou
pedir emprestado do visinho o seu titulo de proprietário e hypotheco-lhe a casa,
indo assim, sorreteiramente, tornando-me proprietário de mil prédios. Com a fama
de ter um, o do visinho, eu daverei arranjar outros.
O facto de ver o Sr. R. tamanho (caramba!...) mettido [ilegível] que tem fama de já
poder comer uma gallinha por dia, explica-se. O homem foi atacado da mania
commendatorial;e, na rua do Ouvidor, por exemplo, exclama-se: - Sr
commendador! E voltavam-se logo 23 typos; hoje, gritando-se: - Sr director!
Voltam-se e acotovellam-se 99, exclamando: - É commigo!...
Ou o Sr. Baboso me explica isto, ou eu fico fazendo de S. S. a edéa que se póde
fazer d’aquelle finório do Bandarra, que viveu vida inteira e farta á custa de uma
peça de cem, de que ninguém tinha troco e que elle ainda legou aos herdeiros,
deixando os credores entregues a faina de completal-o o tal troco! 09/09/1890.
Manuel De Brijon.133

O dito padeiro Manuel de Brijon denunciava os mistérios que rondavam a

Companhia Panificadora. Cobrava de seus responsáveis a publicação da lista dos acionistas,

o conhecimento dos seus estatutos, a relação dos bancos em que o capital fora depositado, a

composição da diretoria da Companhia e suas primeiras iniciativas.

Mas a contenda deveria envolver altos interesses, pois Brijon continuaria no ataque

a Companhia Panificadora que denominava de “Companhia Panipatotica”, e pelo visto

envolvia alguns nomes influentes da colônia portuguesa, pois o articulista fala “da

133
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
67

gravidade de umas barrigas que mais fazem lembrar a gravidez campanuda da ronha...”

Estas exigências não tiveram respostas, sendo assim, ele optou por não participar da

Companhia e explica os motivos que o levaram a esta decisão

12/09/1890 – Gazeta de Notícias.


Companhia Panipatotica
Panem Et Circenses
Não, não entro na panipatifaria!
Tenho procurado explicações e ninguém me as dá; e até, como os interviews estão
na moda, não deixei de solicital-os de alguns Srs. Directores, que se mostraram
reservados em palavras e com a gravidade de umas barrigas, que mais fazem
lembrar a gravidez campanuda da ronha!...
O machiavelismo humanitário do Baboso e o da corja que elle tinha na gaveta, tem
além do estatuto para inglez ver, a sua monita secreta, o mot d’ordre, que fazem o
enlevo satânico dos que sonham com o monopólio, ou o novo crê ou morre! Com
que pretendem, de futuro, arranear o ultimo vintém do pobre.
Essa monita, sei-a eu, de cor, porque me a expuseram os novos canuibaes de
vintém; eil-a: Fazer o padeiro adherir, ameaçando o de rodear o seu
estabelecimento de depósitos. Etc... até que elle ponha para alli a camisa, porque
elles podem fazer fogo com pólvora inglesa! Pudera! Assim também eu me sinto
napolionicamente encorajado, patifes!...
Uma vez senhores de todas as padarias, fechar metade ou mais dellas, levando em
vista moralisar o pessoal, escolhendo o melhor e banindo o vendedor, obrigando
assim o consumidor a ir comprar o pão nos estabelecimentos, chegando então a
occasião de lhes fazer o preço! (Então, o povo, agradecido, fará manifestação a
...etc.)
Por ultimo, a idéa é tanto mais repugnante, que visa estabelecer um dia o
monopólio do gênero da primeira alimentação publica!
Se ella vem em época anormal, é por que não podia vir em outra, em que o juízo
calmo de quem governe, posso dizer aos corvos da miséria: - Para traz, que o povo
ainda não apodreceu!!
D’aqui a três mezes. Senhores adherentes, eu lhes chamarei – asnos!...
Manuel de Brijon.134

A Companhia Nacional de Panificação chegaria a possuir cerca de 30 filiais e

depósitos na cidade do Rio de Janeiro e seus endereços eram divulgados nos jornais,

acompanhados dos anúncios dos seus produtos e respectivos preços: “pão de Provença

conhecido por pão de 40 rs. A 20 rs.; pão francez conhecido por pão de 60rs. A 40. rs.”135

De qualquer modo, face as críticas constantes, um suposto acionista da Companhia

134
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
135
Jornal Cidade do Rio. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 168.
68

Nacional de Panificação resolveu defendê-la publicando matéria paga no Jornal do

Commércio, o mesmo órgão da imprensa que divulgava os protestos de Manuel de Brijon e

do tal Ricardo. O acionista apócrifo contra atacava seus detratores afirmando que

Monopólio do pão e a Companhia Nacional de Panificação


Se com effeito – o habito não faz o monge, como lá diz o adágio, designa,
comtudo, a confraria, a ordem religiosa a que se acha filiado ou pertence o
cenobita.
Segundo, pois, esta traça, não tivemos de torturar muito a nossa imaginação, pouco
fértil aliás, para darmos logo com a commuidade em que professou – Ricardo –
Apparecendo ao publico como um cavalheiro andante, esforçado defensor do livre-
cambio, disfarça-se bem o hábil e illustrado patrono dos nossos co-irmãos de
industrias, adversários da nossa Companhia Nacional de Panificação, somente
talvez porque ella, na sua gestação, teve para com elles todas as deferências, reuni-
os por mais de uma vez, propôz-lhe uma agremiação geral em beneficio de todos e
para o fim de melhorar as condições precárias, quer da industria do fabrico do pão,
quer o commercio da farinha de trigo, mas tudo baldadamente.
Ora, em vista disto que é a verdade verdadeira do que passou entre a companhia e
os demais emprezarios de padaria, ninguém, estamos certos, haverá ahi de boa fé,
que possa suspeitar sequer de que a companhia pretenda abrir luta desleal com os
seus congêneres, quanto mais de querer opprimir o consummo do pão, com os
vexames de um monopólio, que seria monstruoso e até ignóbil, tratando-se desse
elemento principal da publica alimentação!
Estamos convencidos que nem o governo nem o publico não se deixarão tomar de
apprehensões tão extravagantes, apenas simuladas pelos nossos rancorosos
inimigos; a prova disso está na facilidade com que o governo provisório consentio
na fundação da companhia, não obstante o art. 1º, § 4º da lei das sociedades
anonymas que elle governo deve pelo menos conhecer tão bem como Ricardo que
lh’a recorda como um empedimento legal á organisações de emprezas de natureza
da nossa.
Sendo certa a affirmação de Ricardo estamos soffrendo de inquinação orgânica
social e della podemos ser accusados mesmo porque contra interesses
prejudicados, clamores dobrados. 11/09/1890.
Um accionista.136

Mas, se o objetivo era defender a Companhia, o tiro saiu pela culatra. O autor da

nota apenas confirmava o seu interesse no monopólio do pão, o que mereceu uma resposta

contundente por parte daquele dito padeiro que se assinava Ricardo

... A companhia confessa que, antes de organisar-se, procurou agremiar os padeiros


em beneficio de todos, e accrescenta que nada conseguio.Vai nisto a confirmação
plena do que temos escripto, isto é, de que a companhia não passa de um
monopólio organisado, e que foi por ahi que ella quis principiar, pois a agremiação
não era mais que uma absorção das padarias pela companhia...137

136
Jornal do Commercio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR 01.
137
Jornal do Commercio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR 01.
69

Durante cerca de dois meses foram vários os artigos publicados pelo tal Ricardo. O

debate prosseguiu, com a censura contra o possível monopólio por parte da Companhia

Nacional de Panificação. Por sinal, um dos artigos nos chamou bastante a atenção, pois

descrevia a forma como as padarias eram compradas pela Companhia, apontando inclusive

uma provável ilegalidade da sua parte, ao usar ações como meio de pagamento

Monopólio do pão
...A companhia panificação começa a sentir que o terreno lhe vai faltando debaixo
dos pés.
Tanto isto é exacto, que um dos colaboradores mais efficazes da fundação do
monopólio já [pôs]-se à pannos, e consta que algum outro tenciona [fa]zer o
mesmo.
Elles estão com medo de que o seu forno [de] panificação se converta em forno de
cremação.
E’ natural, porém, que appareça logo quem queira substitui-los, emquanto houver
10:050$ por [ilegível] para gratificar os serviços da administração.
Assevera-se que a companhia tem realizado magníficos negócios, conseguindo
comprar as padarias que se achão em condições precárias, para assim matar, aos
poucos, a concurrencia. Desta forma e com esta táctica, ella chegará aos seus fins
[p]ondo em verdadeiro assedio as padarias recalcitrantes até força-las a uma
rendição com armas e bagagens.
Mas, ao mesmo tempo, diz-se que o mecanismo dos negócios effectuados é este:
Feita a compra de qualquer das padarias, [ilegível], a companhia paga ao vendedor
metade em dinheiro de contado e metade em acções integralisadas.
Quanto ao dinheiro de contado, entende-se mas quanto ás acções integralisadas, é
que não podemos entender.
A companhia emittio 10 mil acções de 20$ cada uma, e fez uma chamada de 10%
para poder constituir-se.
Nenhuma outra chamada foi feita dahi para [cá].
Sera exacta essa integralisação do capital com a simples entrada de 10%, ou 20$
por acção.
Se é, asseguramos á companhia que há grandes compradores, e com grande ágio,
para tão [ilegível] grosos títulos. E nem se quer indagarão como é que tendo a
companhia passado todo o seu capital dispõe de acções integralisadas para pagar as
padarias. 25/09/1890.
Ricardo138

Curiosamente, no artigo de Ricardo observa-se que havia uma semelhança no preço

das ações vendidas pela Companhia “cada uma a 20$”, com o do valor cobrado pela

Sociedade Cooperativa dos Empregados de Padarias, “E na 1ª assemblea nesta sede =

138
Jornal do Commercio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR 01.
70

aprovarão mandar litograr 2000 ações a – 20:000 [reis] podendo caso estas duas mil não

chegasse ampleala de acordo as precisões para com este capital desenvolver o

cooperativismo.”139 Seria uma coincidência? Não acreditamos, ainda que os dois

empreendimentos tivessem aparecido em momentos muito próximos. O que percebemos é

que ambos estavam voltadas para o mesmo objetivo, embora organizados de modo

diferente. É importante salientar que o próprio João de Mattos afirmou que as ações da

Cooperativa foram aceitas não apenas pelos empregados de padarias, mas até por

capitalistas e particulares. Por outro lado, sabe-se que, em tese, a Cooperativa não aceitava

como acionistas os donos de padarias, entretanto, suas ações foram negociadas com estes

proprietários como garantia da compra “E como já estava quase esgotada a 1ª emissão e já

se mandando fazer outra emissão Resolveo a Directoria aféctuar a compra das primeiras

que já estavão contratadas com os respectivos signais de compra.”140

As propostas das duas instituições eram bem parecidas, assim como a sua estrutura

e funcionamento: ambas mandaram litografar inicialmente 2000 ações, cujo preço era

idêntico, 20:000 reis; surgiram no mês de junho de 1890, com propostas similares.

No livro Mitos, Emblemas e Sinais, formulado por Carlo Ginzburg, alerta que o

historiador deve ser como um médico, um investigador, e ao analisar uma obra ou um

documento escrito “é preciso não se basear, como normalmente se faz, em características

mais vistosas (...) Pelo contrário, é necessário examinar os pormenores negligenciáveis

(...)”141 Ginzburg, é obvio, destacava a teoria implementada por Morelli em relação a obras

139
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
140
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
141
GINSBURG, Carlos. Mitos, Emblemas, Sinais. Trad. Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
.p. 144.
71

de artes. Mas por que não usar esta mesma lógica no campo histórico? É exatamente isto

que estamos tentando fazer nesta pesquisa, já que não encontramos uma sociedade com o

nome de Cooperativa dos Empregados de Padarias, levantamos a hipótese de que talvez

João de Mattos e seus companheiros tenham criado a Cooperativa em um momento em que

a indústria panificadora, que sempre foi uma atividade de varejo, estava sendo alterada por

projetos de criação de grandes empresas (Companhia Nacional de Panificação; Sociedade

Anonyma Luso-Brasileira e Companhia Padaria Central Viennense). Estas disputavam

entre si o monopólio do comércio do pão.

É possível que João de Mattos e seus companheiros acreditassem na possibilidade

de evitar a concentração do monopólio do pão nas mãos dos antigos donos de padarias,

criando para isso uma Sociedade Cooperativa. No fundo, todas aquelas empresas

pretendiam dominar o comércio do pão, disputando a compra de todas as padarias do Rio

de Janeiro, cada qual tentava demonstrar como poderia propiciar lucros aos acionistas. Para

tanto bastava que os padeiros ou se associassem ou vendessem seu comércio a estas

instituições. Neste caso, vale a pena ler a matéria publicada por um dito padeiro no Jornal

do Comércio, a respeito da fundação da Sociedade Luso-Brasileira, em que ele tenta

demonstrar os privilégios que esta Companhia poderia trazer aos seus associados:

Padaria Luso-Brasileira
Tivemos hontem occasião de conversar com um dos directores da Padaria Luso-
Brasileira, e tão satisfeitos ficamos pelas explicações que S. S. nos deu do
mecanismo, base e organisação da nova empreza, que não podemos deixar de
trazer a publico, por amor de nossa classe, se bem que o autor destas linhas esteja
já afastado do negocio, onde desde moço trabalhou e criou cabellos brancos.
Resumindo, diremos que as bases da nova companhia são a economia e a boa
administração, e que o venerando Barão de Pararapiacaba, á frente dessa empreza,
é uma garantia de prosperidade, honestidade e seriedade de suas transacções.
Os negociantes de padarias, em numero de 70, que, não estando de accordo com as
bases e mecanismos da Companhia Nacional de Panificação, não aceitarão suas
propostas, fizerão três reuniões para tratarem de seus interesses, e ficou resolvido
72

constituírem outra companhia, de modo, porém, a que os seus interesses e o


prestigio da classe fossem bastante cuidados.
Unirão-se, pois, em um só corpo, congregarão-se, agremiarão-se para com essa
união terem força e poderem lutar e bem servir o publico, fazendo a distribuição do
pão em melhores condições e por preços mais razoáveis.
Sabemos que, além dos 70 já incorporados, mais 15 vierão se inscrever, e pensarão
elles muito bem, porque deixar a manufactura do pão a uma só empreza é consentir
no monopólio, é deixar-se arrastar, mais tarde, até á depreciação de suas casas,
porque é fora de duvida que os nossos collegas sozinhos não podem lutar com uma
empreza de capital elevado e que, se não comprar padarias porque os seus donos
são teimosos e querem especular com o preço, ella estabelecerá novas padarias
junto das suas e a concurrencia acabará por fazer as de fora perderem o valor.
Os collegas incorporados estão concordes em ceder suas casas, não por preços
gordos, para se aproveitarem, mas sim pelo seu real valor, havendo para isso uma
commissão de padeiros que terá a seu cargo a avaliação das padarias. Se a
avaliação não for de accôrdo com o negociante, este tem o recurso da directoria; e
se esta concordar com o preço estipulado pela commissão e o negociante não
ceder, ficará de fora, não pertencerá á sociedade, visto que ficará provado que elle
queria especular pedindo um preço superior ao valor real de sua casa.
Effectuada a transacção, o dono da padaria fica sendo o gerente de sua casa, com a
gratificação mensal de 250$000, tendo para isso subscripto acções que são a
garantia de sua gerencia e de onde aufere lucros pelos dividendos.
A sociedade, nos pontos onde tiver duas ou três padarias juntas, fará manufacturar
o pão somente em uma e as outras serão transformadas em depósitos. E’ de grande
utilidade isso, pois que há uma economia de pessoal, de lenha, de forno, etc., e não
há necessidade de haver duas padarias manufactoras junto uma da outra.
O serviço de distribuição também será feito de modo a economisar pessoal, pois
que não há necessidade de uma padaria, que está situada, por exemplo, no largo do
Rocio, levar pão ao Cattete! A freguezia dispersa assim é um grande mal, uma
grande despeza e perda de tempo considerável.
O pão será uniforme em todas as padarias, bem manufacturado, com farinhas de
primeira qualidade e examinadas por profissional.
Assim é que o director-secretario, medico distincto, intelligente e activo, se
encarregará do exame hygienico das farinhas, de modo a somente serem entregues
á manufactura depois de examinadas e consideradas de primeira qualidade.
Sem duvida isso é um serviço enorme prestado ao publico e uma garantia contra
certas farinhas bolorentas e estragadas.
Parece-nos que é propósito também da sociedade não admittir contas de fregueses
por mais de 30 dias, para o que haverá um cadastro todo reservado para as padarias
da sociedade, afim de impedir a repetição de novas contas sem as atrazadas serem
satisfeitas.
Hoje, consta-nos pelo annuncio hontem publicado, encerra-se a 1ª entrada da nova
empreza e a incorporação dos novos Srs. Padeiros que ainda não quizerão se
congregar.
Será bom, pois, que os Srs. Padeiros renitentes e avessos á sociedade reflictão,
porque se podem logo no principio da sociedade, entrar em melhores condições,
depois de depreciada sua casa pela concurrencia da sociedade, esta se tornará um
collosso, e quando quizerem entrar já o preço não póde ser o mesmo, há de
forçosamente ser muito menor.
Quem lhes falla desta maneira está velho e possue experiência, e pelos optimos
fins da sociedade, se ainda tivesse padaria, fosse ella de maior importância, pelo
bem da classe, por amor ao progresso, seria o primeiro a se incorporar a tão útil
empreza.
E já dissemos que o nome respeitado do Exm. Sr. Barão de Paranapiacaba é uma
garantia para a certíssima prosperidade da sociedade.
73

Os iniciadores desta empreza somente tiverão em mira os interesses dos Srs.


Padeiros, e o prestigio que deverão ter, e por isso são sem duvida dignos dos
maiores elogios.
Sabemos que elles trabalharão muito, e que, para convencer alguns mais teimosos,
não desanimarão ante todos os sacrifícios.
Os Srs. Acçionistas e o publico, pela exposição feita, vêem perfeitamente que a
nova companhia é uma empreza industrial de primeira ordem, e que, com as bases
descriptas, há de forçosamente prosperar, a despeito dos invejosos e dos que
sentem cólicas.
Esquecia-nos de frizar um ponto, onde se vê a economia e a boa administração e
escriptorio da nova empreza somente custa, por anno, cincoenta e tantos contos,
emquanto que uma outra já existente custa cento e vinte e tantos contos annuaes!
18/10/1890.
Velho padeiro.142

A matéria escrita por um homem que se denominava um “velho padeiro”, nos leva a

algumas reflexões. A primeira é de que a Sociedade foi criada pelos donos de padarias

insatisfeitos com o dito monopólio da Companhia Panificadora; a segunda questão é de que

os proprietários de padarias que não desejassem se associar a nenhuma das duas empresas,

corriam o risco de ir a falência. E, com uma agravante, caso isso ocorresse seriam

obrigados a vender seus estabelecimentos de qualquer forma; ademais, a Sociedade Luso-

Brasileira só aceitava pagar pelas padarias o valor estipulado pela comissão organizada pela

própria Companhia. O antigo proprietário passaria a ser o seu gerente, recebendo um

salário, que eles chamavam de gratificação mensal. De acordo com a matéria do Jornal do

Comércio, a Padaria Luso-Brasileira possuía 70 filiais e pretendia incorporar mais quinze

estabelecimentos, que não desejavam se associar a Companhia Nacional de Panificação.

Por sua vez, a organização da Companhia Padaria Central Viennense, cujo principal

estabelecimento ficava a rua Uruguaiana, nº 39, não chegou a provocar tanto celeuma.

Sabe-se que era formada por acionistas cujas assembléias eram periodicamente convocadas

pela imprensa. De qualquer forma, no rastro do fracasso do “encilhamento” a Central

142
Jornal do Commercio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR 01.
74

Viennense e a Companhia Nacional de Panificação acabaram liquidadas em 1893, seguidas

da Sociedade Luso-Brasileira em 1894. Nos três casos os motivos que levaram à dissolução

foram os mesmos: não haviam atingido os fins a que se propuseram, já que não

conseguiram obter lucros esperados pelos acionistas; o retraimento do crédito por parte dos

bancos; e a crise do comércio do pão, que não comportava nem pedir empréstimos e nem a

chamada de novos capitais por parte dos associados.

Se seguirmos a nossa hipótese, para João de Mattos e os sócios da Cooperativa o

momento parecia bem favorável, já que os donos de padarias estavam sendo pressionados

para se fundirem às grandes empresas que foram criadas, a exemplo das três citadas

anteriormente a Companhia Nacional de Panificação / Sociedade Anônima Luso-Brasileira

/ Companhia Padaria Central Viennense.

Obrigados a vender seu estabelecimento pelo preço estipulado por aquelas

empresas, não seria portanto, extraordinário que alguns dos proprietários se sentissem

indignados, e procurassem uma outra forma de resolver a situação. E neste caso comprar

ações da Cooperativa parecia um negócio vantajoso tanto para os proprietários quanto para

os empregados de padarias. Por outro lado, se considerarmos a disputa que se travou no

comércio do pão, no Rio de Janeiro, na década de 1890, outras questões podem ser

levantadas, sobretudo a da concorrência. Uma padaria dependendo do seu tamanho possuía

“padeiros, ajudantes, amassadores, caixeiros, ajudantes de carroças, criados de cocheira,

aluguel de casa, lenha, tratamentos de animais, gás, licenças, impostos, papel para

embrulho etc.”143 Além disso, estes estabelecimentos possuíam logo na entrada as famosas

vitrines em que ficavam expostas as mais variadas guloseimas. Segundo Mário Souto

143
Jornal do Commercio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR 01. 26/09/1890.
75

Maior em sua infância, uma das memórias mais vívidas era da padaria ao lado de sua casa,

ele afirma que

Não era difícil localizar uma padaria nas pequenas cidades do interior. Logo de tardizinha,
começa aquele caminho de formiga (...), que só vai acabar por volta das dezenove horas.
Depois, quando o silêncio da noite vai envolvendo a cidade, ouve-se o barulho do cilindro
transformando a massa já pronta na matéria-prima usada pelos padeiros para modelar os
pães, as rosacas, os brotes, cortar as bolachas das mais variadas espécies. Assisti muitas
vezes, a essa operação. A massa amorfa entra por um lado do cilindro e sai pelo outro
branquinha e lisa como uma toalha de lã, toalha que é colocada numa mesa grande
polvilhada com farinha de trigo que é para não pegar. Na mesa grande os padeiros
trabalham, cada qual na sua especialidade. É quando começa o samba que os padeiros fazem
com a cortadeira de bolacha. É um pa-ta-co-pa-co sincopado, gostoso, contagiante, que
distrai os homens e aumenta a produção do corte de bolacha. (...) Os pães e as bolachas são
colocados em assadeiras de flandre que o forno. (...) Lá pelas tantas da madrugada
terminavam os trabalhos e a rua toda era invadida pelo cheiro gostoso do pão já pronto e
quentinho. Quando fazíamos serenata e voltávamos para casa, era quase certa a passagem
pela padaria para comer pão quente com manteiga acompanhado de um cafezinho capaz de
queimar até o nó da gravata. (...)144

Neste caso, verificamos que o custo deste empreendimento era alto, então como a

Sociedade Cooperativa conseguiria concorrer com os grandes estabelecimentos e levar os

seus proprietários ao desespero, conforme afirma João de Mattos?

As despesas deveriam ser grandes e estas sociedades disputavam suas clientelas

com vigor, o que nos permite supor que a Sociedade Cooperativa para fazer tal

concorrência mirou-se no exemplo das rivais: criou depósitos em locais onde houvesse

mais de uma padaria, diminuindo o preço do pão, comprando maquinário entre outras

ações. Contudo, não há provas cabais dessa concorrência, além do que foi afirmado pelo

próprio João de Mattos em seu Manuscrito. Mas, entendemos que no mundo dos negócios,

para que um empreendimento possa dar certo é necessário astúcia e sabedoria, além de

capital financeiro e se a Sociedade Cooperativa pretendia crescer, em um momento em que

não era a única comprando outras padarias, era aceitável que ela tentasse se manter através

da disputa pelo preço do pão barato. Não por acaso, nas suas lembranças sobre a Sociedade

144
MAIOR, Mário Souto. Em torno de uma possível etnografia do pão. Recife: Biblioteca Nacional (BN) – II-
11,3,23, 1971, p. 68.
76

Cooperativa, João de Mattos enfatiza a necessidade de adquirir as padarias para que o

desejo de se tornarem donos do próprio negócio fosse alcançado.

Seja como for, o grande dia de efetivar a “utopia” deveria ocorrer, segundo Mattos,

um ano e alguns meses depois da fundação da Cooperativa. Os acertos foram fixados,

inclusive com o sinal da compra efetuado, faltando apenas fechar o contrato. Eis então a

grande surpresa com que os associados não contavam, e que João de Mattos narra com

certo pesar

Reunirão-se em Assemblea para dar os poderes a uma comição para efectuar a 1ª


compra em companhia do respectivo tesoureiro = Más na véspera do dia marcado
o tesoureiro ausentou-se para o seu Estado Minas = foi maxemamente procurado =
mas nunca mais apareceo = E aqui terminou a 2ª sociedade.145

A situação levou à extinção da Sociedade Cooperativa dos Empregados de Padaria.

Porém, é interessante notar que o desfalque de valores em padarias, por funcionários, não

teria sido exclusividade da Cooperativa, como demonstra o anúncio do jornal Gazeta de

Notícias de dois de junho de 1890.

Queixaram-se, na subdelegacia do 1º districto de Sant’Anna, Manoel Francisco da


Silva Junior e Manoel Rodrigues Pereira, estabelecidos com padaria à rua do
Visconde de Sapucay nº 20, tendo no dia 26 do mez findo admittido como caixeiro
a João Ferreira de Barros, este no dia seguinte desapparecera, roubando-lhes dous
relógios de ouro com corrente, setecentos e tantos mil réis em dinheiro, uma letra
de 400$ acceita por Serafim Pereira de Sampaio, uma outra de 4:091$660, a seis
mezes, do Banco Rural e Hipotecário, e uma cautela de 10 acções do Banco Sul
Americano...146

Talvez, a fuga do tesoureiro com o dinheiro dos associados tenha sido encomendada

por algum outro concorrente. De acordo com João de Mattos, o futuro dos cooperados

estaria garantido se não fosse o desfalque, e a Cooperativa alcançaria o monopólio do pão

145
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
146
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
77

em menos de cinco anos. De qualquer modo, sua sorte não foi melhor do que a das três

Companhias criadas por aquela mesma época: duas foram liquidadas em 1893 e uma em

1894, devido à crise do mercado, deixando um rastro de dividas e de desespero entre os

acionistas.

Dificilmente ficaremos sabendo se as conjecturas de João de Mattos poderiam

concretizar-se. O certo é que em 1891, a Sociedade Cooperativa dos Empregados de

Padarias no Brasil foi dissolvida. Mas as aspirações do emblemático padeiro e de seus

companheiros não terminariam com o fim da Cooperativa. Pelo contrário, reapareceriam

sete anos mais tarde quando eles voltaram a se reunir em uma nova agremiação, como

veremos no próximo capítulo.


78

3 JOÃO DE MATTOS E A GÊNESE DO MOVIMENTO OPERÁRIO

Enquanto a ação indireta, parlamentar e


legalitaria, entorpece as atividades,
adormenta as vontades e embala os
mais baixos instintos da vontade
humana, a ação do sindicalismo
estimula as forças latentes do individuo,
recalca os seus maus dezejos de passividade,
e faz surjirem, desde logo, estas faculdades
de entuziasmo, esta necessidade de combate,
esta sede de conquista, que o iluminam e o
levantam até ao sublime.

Hubert Lagardelle – A Voz do Trabalhador.


79

3.1 A luta continua: João de Mattos e a formação da Sociedade Cosmopolita Protetora


dos Empregados de Padaria.

Durante toda a primeira década da República, o Rio de Janeiro abrigou a maior

concentração operária do país. A expectativa inicial de mudanças despertada pelo advento

da República foi pouco a pouco substituída por um sentimento de frustração que atingia

vários setores da sociedade. Os operários cedo perceberam que não seriam atendidos em

suas reivindicações de maior participação social e política. Partiram, assim, para a

organização de sociedades de trabalhadores que pudessem pressionar o governo. Foi o que

ocorreu com aqueles que trabalhavam em padarias. Eles criaram a Sociedade Cooperativa

dos Empregados de Padarias no Brasil, de que já tratamos, e posteriormente a Sociedade

Cosmopolita Protetora dos Empregados de Padaria.

Antes de nos debruçarmos sobre a trajetória de João de Mattos na terceira entidade

criada pela categoria de padeiros, é necessário e conveniente voltar ao processo de

organização dos trabalhadores no Brasil. Para Ângela de Castro Gomes este processo

tem como que dois movimentos principais. O primeiro deles é lento e toma as
décadas da Primeira República, pontilhadas de propostas políticas e de grandes e
pequenas lutas comandadas pelos próprios trabalhadores... A virada do século,
momento que se segue à abolição da escravatura e à proclamação da República, é
especialmente significativa para a construção da palavra operária...147

A cidade do Rio de Janeiro era a maior cidade do país na virada do século XIX e a

capital federal, o que nos permite afirmar que era o cenário perfeito para legitimar a figura

do trabalhador como ator social e político da República. Além disso, possuía uma infra-

estrutura em energia, serviços, concentração do setor financeiro e dispunha de excepcional


147
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Op. Cit, pp. 24-25.
80

mercado consumidor. O Rio de Janeiro reuniu condições extremamente favoráveis para o

surgimento de um núcleo de trabalhadores urbanos que contribuíram para a criação de

associações que seriam o embrião das reivindicações proletárias do país. De acordo com F.

Nogueira

Em 1892, diversos grupos socialistas organizaram no Rio de Janeiro o I Congresso


Operário Nacional, considerado o primeiro congresso socialista do Brasil. Alguns
historiadores afirmam que desde o final do século XIX o anarquismo se
apresentava como principal força política dos trabalhadores. No entanto, a base
ideológica dos primeiros partidos operários – bem como o caráter do I Congresso
Operário Nacional – estava vinculada ao socialismo.148

A observação é esclarecedora, já que revela a influência do ideário socialista sobre

os trabalhadores. Na pista de João de Mattos, percebemos que as experiências vividas pela

personagem nos remetia a esta ideologia. Em 1890, Mattos e seus companheiros criaram

uma Cooperativa e em 1898, a Sociedade Cosmopolita Protetora dos Empregados de

Padaria. Era cosmopolita, pois não fazia distinção de cor, crença ou nacionalidade e

protetora por que

eram comuns associações de trabalhadores com essa designação ou outra


assemelhada como ‘mútuo socorro’. O que mais caracteriza essas entidades era seu
caráter assistencialista e protetor, pois a pobreza e o abandono em que viviam os
trabalhadores os expunha permanentemente a doenças e à morte.149

Daí a necessidade de uma associação que cuidasse dos interesses dos trabalhadores.

Uma das formas de melhorar as condições de trabalho seria a fundação de associações que

protegiam os de sua categoria. Sabe-se que os anarquistas desestimulavam as cooperativas

formadas pelos próprios trabalhadores em nome da organização sindicalista. Já os

socialistas incentivavam a criação das sociedades trabalhadoras de ajuda mútua. A

Cooperativa dos Empregados de Padaria, ao que tudo indica inspirada em idéias socialistas

148
AZEVEDO, Francisca Nogueira de. Malandros Desconsolados: O diário da primeira greve geral no Rio de
Janeiro. Op. Cit., p. 24.
149
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX.
Op. Cit, p. 44.
81

foi extinta. Mas é possível que João de Mattos tenha se orientado por aquelas mesmas

idéias na Sociedade Cosmopolita, pelo menos inicialmente. É o que percebemos no

“manifesto,” assinado pelo próprio João de Mattos, publicado no jornal O Panificador, em

18 de janeiro de 1900 e que resolvemos transcrever na íntegra dada a sua importância:

Companheiros
Estão realizados os nossos sonhos preciosos, a nossa sociedade está sólida, e com
força prompta para combater todos aquelles que fora da lei, desrespeitam os nossos
direitos. E em breve teremos o capital sufficiente, para n’um caso urgente, custear
o protesto honroso do empregado ou operário que é a greve, collocando-nos á
margem de outras classes, pois somos a mais sacrificada cujo relanceamos os olhos
sobre as outras e vemos o claro desca[so].
No entanto somos dignos de melhor sorte, porque manufacturamos um gênero de
primeira necessidade no consumo. Porem nada há a receiar, porque possuímos o
principal elemento, que é a união.
Tenho plena certesa que quando se tome a iniciativa de greve para melhorar as
nossas condições econômicas, já digo dos não associados, não há um só pudesse
assim dizer: que não seja solidário. Abro-me assim, porque [ilegível] irmãos, e
filhos de diversos patrões, teem-se manifestado que uma vez recebendo os
manifestos expedidos da sede social serão incontinente solidários ao nosso ideal
porque é ao bem geral de nossos direitos.
Tenho por todos os recantos observado as apreciações dos não associados e
[declarações] soa deveras entusiásticas e em prova, diariamente estão vindo à
secretaria se agremiar.
Pois eu já fanatisado, não admirem a maneira pela qual me vou expressar. Em vista
do enthusiasmo e solidariedade de meus companheiros, deixarei de attender Pae ou
irmãos se me forem retrogados à lei da sociedade de classe que eu profissiono.
Dir-me-hão porque?
Eu respondo: porque ella caminha com luz para a nova reforma social. E o nosso
dever é não só fazer caminho para nós, como para os que vêm.
Revistamo-nos de coragem com o amor próprio á causa que abraçamos, que
prestes estará a nossa jornada terminada!
Não posso deixar de expandir-me, sobre o meu modo de prever, como antes disse a
nova reforma social. Vejo tudo se encaminhar para ella, principiando por todos.
Contrários, até os burgueses governantes, que sem, presentir cahirão no precepicio
imprevisto, armando braços forçosamente para sua completa destruição.
Todas as nações, os seus hipócritas governos [de uma] burguezia cobertos das
desvairadas e deshumanas ambições, os seus maiores progressos são acatar quantas
novas invenções aparecem de armamentos e explosivos, activando e executando
manobras, principalmente na Europa.
Para que este Progresso!...
Quem são os manobradores d’estas armas?
Parece-me que não serão de ferro nem de outro qualquer elemento, mas sim tirados
da família universal com a exclusão da igualdade há muito [discutida].
Mas perto se aproxima o dia, que se encontrarão numerosos exércitos no campo de
batalha e ao se depararem ficarão estáticos, porque a natura repercutirá a um tempo
só, em todos, o choque fluídico, com a reflexão [luminante], reconhecerão o crime
que desastradamente iam cometter, não verão diante de si inimigos, mas sim a
mesma família universal e verão que o erro não esta na naturesa, mas sim nos
homens com este clarão da verdade jogarão com as armas por terra e principiarão o
combate de abraços nos delírios da confusão de alegria, emprehendendo,
82

reconciliando o confraternisamento de uma só família. Depois destes delírios


findados e acalmados, caminho a seguir lhes indicara, castigando os que
machiavelicamente os conduziram ao campo do extermínio humano.
Por que só a natura é que esta confiada e não nas mãos dos homens.
Porque é igual o direito de viver. Agora direi como o velho adágio, virou o feitiço
contra o feiticeiro voltaram-se com as armas contra quem os armou, agora dirão
impondo; - queremos a igualdade promettida, e gritarão: abaixo a burguesia! Viva
a confraternisação da família universal! Viva a nova reforma social! Tudo isto
espero a futurada compragação Europea.
O Companheiro
João de Mattos.150

As idéias veiculadas neste “manifesto” remetem ao socialismo. Defendia-se a

necessidade dos trabalhadores se fortalecerem por meio de associações com o intuito de

combater os capitalistas. Era através da união que se consolidaria a força do operariado.

Para Mattos a adoção das propostas socialistas apontava para a possibilidade de vitórias

graduais, como por exemplo, a diminuição das horas de trabalho de doze para oito horas, ou

dois turnos de trabalho, um diurno e outro noturno, descanso dominical entre outras

reivindicações.

De acordo com o historiador José Murilo de Carvalho existiram diferentes propostas

socialistas como as de “França e Silva, Vicente de Souza, Evaristo de Moraes, Gustavo

Lacerda e outros... As idéias de França e Silva, expostas no Echo Popular, são as que mais

se aproximam do modelo clássico de expansão da cidadania.”151 Era demanda dos

socialistas o direito de intervir nos negócios públicos através de uma organização

partidária, que defendesse os interesses dos operários: Em 1895 foi fundado o Partido

Socialista Operário; em 1899 surgiu o Centro Socialista; em 1902 o Partido Socialista

Coletivista e finalmente em 1908 o Partido Operário Socialista. O interessante é que tanto

em 1895 no Partido Socialista Operário, quanto em 1908, no Partido Operário Socialista,

encontramos a presença de um reconhecido advogado e abolicionista: Evaristo de Moraes.

150
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31.
151
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República Que Não Foi. Op. Cit., p.
55.
83

Em 1890, o causídico era orador oficial do Partido Operário, de França e Silva, e atuou na

defesa de vários trabalhadores, inclusive anarquistas, aos quais se opunha.

Evaristo de Moraes também é apontado por João de Mattos como sócio honorário e

orador da sessão comemorativa do aniversário da Sociedade Cosmopolita Protetora dos

Empregados de Padaria, agora já sindicato, no dia 15 de dezembro de 1900, sendo este

evento relatado com grande entusiasmo em O Panificador:

[...] As 10 horas já era grande o número de companheiros que affluiam á nossa


sede social, sempre crescente, até que ás 2 horas da tarde já era diffícil o transito
dos bonds pela rua da Alfândega. Aquella hora, que era a marcada para a nossa
partida, chegou a banda de música do 3º batalhão de infantaria do corpo de policia,
que recebida entre calorosos vivas e exclamações de alegria formou na frente e em
seguida nossos companheiros a quatro de fundo. Poz-se em marcha o grande
préstito[...] Chegando ao largo de S. Francisco não poude o préstito ser
photographado, conforme o nosso desejo, tal a agglomeração do povo, que
festejava a primeira festa de empregados de padaria no Brazil[...] Organizada a
meza, o Sr. Presidente deu a palavra ao orador official, o nosso sócio honorário o
Sr. Evaristo de Moraes, uma das glorias da Advocacia Brazileira.152

O Panificador era o veículo de divulgação da Sociedade Cosmopolita e pretendia

atingir todos os empregados de padaria. Um dos seus objetivos era a regulamentação do

trabalho nas padarias, instituindo a divisão em dois turnos. Segundo João de Mattos, o

jornal “era vendido em todos os pontos = e era semanal= a tiragem era de 1000 até 2000

exemplares.”153 De acordo com a nossa pesquisa o jornal saia a cada quinze dias. Existem

até alguns exemplares na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro datados de 1900.

A Sociedade Cosmopolita, após alguns meses de funcionamento se transformou em

um sindicato, tendo como lema: “Trabalho, Justiça e Liberdade sem distinção de cor,

crença ou nacionalidade.” Segundo João de Mattos, este sindicato havia tomado uma série

de iniciativas, a exemplo: “uma Biblioteca, com preferências obras sociais = criou um

Po[s]ta Restante para guardar correspondência dos associados= criou um sentro de

152
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31.
153
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
84

colocação,”154 que funcionava como agência de emprego. Prover a formação profissional

dos associados era um dos objetivos da Sociedade Cosmopolita e de várias outras

associações de trabalhadores, interessados em melhorar o grau de instrução de seus

membros. Mas, os primeiros sindicatos operários, sobretudo, “enfrentavam questões como

a jornada e as condições de trabalho, os salários, a forma de pagamento etc.”155

De acordo com João de Mattos a idéia de estabelecer a Sociedade Cosmopolita

ocorreu em um momento de descontração, “em uma reunião n’um botequim. Eu, João

Maggi, Manoel Fontoura=e Prosper Bailac= combinemos fundar a 3ª sociedade.”156 É

importante salientar que os nomes apontados por Mattos foram localizados no jornal O

Panificador como importantes lideranças da categoria, ao lado de um certo Manoel Soares

de Pinho. De qualquer sorte, os bares e botequins do Rio de Janeiro eram locais

normalmente bastante agitados, freqüentados pela população, inclusive operários,

interessados em saber das novidades, e divertir-se. Esses eram vigiados pela polícia: “a

preocupação com os habitantes noturnos dos botequins encontrava-se associada à inclusão

destes indivíduos nas categorias criminais correntes – os gatunos conhecidos, vagabundos

ou desordeiros.”157 Nestes locais circulavam pessoas de todas as cores, nacionalidades,

ideologias e propostas que permitiriam uma melhor condição social, fossem através do

crime ou de reivindicações trabalhistas, como era o caso dos padeiros. Os botequins eram

lugares em que prevaleciam as diversidades e a socialização de amplos setores da classe

operária.

154
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
155
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República. Op. Cit., p. 15.
156
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
157
BRETAS, Marcos Luiz. Povo e Polícia na Cidade do Rio de Janeiro. Op. Cit., p. 84.
85

É possível que João de Mattos e seus companheiros tenham, ao longo do tempo,

assimilado algumas propostas anarquistas, já que após alguns meses da fundação da

Sociedade Cosmopolita resolveram transforma-la em um sindicato. Vale lembrar que, os

anarquistas defendiam “a atuação dentro de sindicatos, definidos como ‘sindicatos de

resistência’. Este novo tipo de organização se caracterizava pelo abandono das práticas

assistencialistas e pela firme postura da ‘ação direta’ de confronto do patronato e do

Estado.”158 Entretanto, não podemos confirmar uma articulação doutrinária entre o

sindicato dos padeiros e as idéias anarquistas, mesmo porque nos parece que na Sociedade

Cosmopolita houve uma combinação de grêmio de assistência mútua com sindicalismo, o

que significa que como agentes que promoviam as reivindicações de sua categoria, esses

trabalhadores também absorveriam outras idéias divulgadas entre o operariado, fossem

socialistas, anarquistas, ou até comunistas..

O processo de constituição dos trabalhadores no Rio de Janeiro tinha sua expressão

mais visível na imprensa operária. Cláudio Batalha destaca a importância desses periódicos:

Foi o principal instrumento de propaganda e debate, assumindo formas diversas:


periódicos de correntes político-ideológicas (anarquistas, socialistas, comunistas,
católicos etc.); jornais sindicais; publicações destinadas à classe operária em geral.
Muitas dessas publicações que normalmente eram jornais de quatro páginas com
periodicidade mensal, quinzenal ou, quando muito, semanal, tiveram vida
efêmera.159

Foi o que ocorreu com o jornal O Panificador, fundado provavelmente em 1898, e

que continuou a ser publicado por uma outra associação, a Liga Federal dos Empregados

em Padarias, de acordo com o relatório enviado pela Liga ao Segundo Congresso Operário,

reunido no Rio de Janeiro de 8 a 13 de setembro de 1913 e transcrito no jornal A Voz do

158
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Op. Cit., p. 91.
159
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República. Op. Cit., p. 64.
86

Trabalhador em 5 de setembro de 1914 “[...] A Liga em tempos fez publicar mensalmente

alguns números de um jornal chamado O Panificador.”160 .

As agremiações de trabalhadores desenvolveram um calendário de celebrações e

solenidades, que se tornou elemento essencial da cultura operária. Desta agenda faziam

parte datas como, o aniversário de fundação da sociedade e as comemorações do 1º de

Maio, entre outras. As festas que contavam com a presença maciça dos associados,

constituíam um campo de luta política em que se combatiam os valores dos grupos

dominantes.

A Sociedade Cosmopolita dos Empregados de Padarias instalou-se, inicialmente, no

mesmo endereço da Sociedade Cooperativa, à rua São Pedro nº 244. Tal qual ocorrera com

a Cooperativa, João de Mattos afirma ter anunciado nos jornais e que a reunião inaugural

teve lugar no salão do Liceu de Artes e Ofícios: “Depois de uma tenaz propaganda para o

dia 30 de novembro de 1898, com antecedência de um mez = Eu retornei pela 2ª vez pedir

ao Diretor do Liceo de Artes e Ofícios um salão = gentilmente nos consedeo.”161

O relato oferecido por João de Mattos parece confirmar-se nas atas do Segundo

Congresso Operário. A Liga Federal dos Empregados em Padarias reportasse a existência

de uma entidade pioneira, denominada Sociedade Cosmopolita Protetora dos Empregados

de Padarias. Porém, menciona a sua fundação em 1893:

Passaram –se os anos de 1890 a 1892 e os operários, cançados de esperar e cheios


de sofrer, romperam contra as utopias, ajitando-se em pról da defeza comum: foi
quando começaram a surgir as sociedades de rezistência no Brazil. A classe dos
padeiros, que nessa época dispunha de bons elementos, antecipou-se ás demais e
fundou uma sociedade com o nome de “Cosmopolita Protetora dos Empregados

160
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
161
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
87

em Padarias.” Isto foi em 1893 e cremos ter sido na rua da Alfândega. Do grupo
organizador convém salientar os companheiros João de Matos, Francisco Ulrich,
Vilarinho Franco e Lino Garrido, os quais ainda estão em atividade.162

Como se pode perceber a estratégia de atuação da Sociedade Cosmopolita era

similar a da Cooperativa. Houve, no entanto, troca de endereços, a Sociedade Cosmopolita

transferiu-se para a rua da Alfândega nº 194, local que também abrigava a sede do jornal O

Panificador, onde permaneceria por cerca de quatro anos.

Nos documentos do Congresso Operário de 1913, consta um pequeno histórico da

Cosmopolita:

Atravessou duas fazes: da primeira chegou a contar mais de mil sócios, da segunda
atinjiu perto de dois mil. Quando em 1897 e 1898 se iniciou uma campanha
terrível contra as padarias, reclamando hijiene, (isto na segunda faze) e como as
idéias modernas não estivessem ainda bem definidas entre nós, os parazitarios
políticos introduziram-se, sorrateiros, no seio da classe, e, alardeando quejandos
prometimentos, cavaram a confuzão de tal maneira que atrazaram a marcha da
“Cosmopolita”, e fizeram debandar os melhores elementos. Ainda assim, lutou
muito em prol da hijiene: os celebres palanques, onde dormiam os empregados,
foram todos abaixo.163

Os trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro viviam em péssimas condições,

principalmente, no que se refere à moradia e saúde. Sabemos através da vasta historiografia

existente, que era nas habitações coletivas do centro da cidade (cortiços, estalagens, casas

de cômodos) que vivia a maior parte dos trabalhadores com suas famílias. A precariedade e

a insalubridade predominavam nestas moradias, cujos aluguéis eram altos, como fica claro

no protesto publicado na Gazeta de Notícias, de 13 de outubro de 1898, por um dito

operário:

OPERARIOS E PROLETARIOS
A PROPRIEDADE É UM ROUBO

162
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
163
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
88

Camaradas! Fui hontem alugar uma casa.


Fiquei absorto diante do preço dos alugueis.
A União dos Proprietários está monopolisando os prédios e elevando-os á moradia
da usura dos seus associados.
Com os lucros está comprando prédios velhos e terrenos e edificando os novos, de
modo que d’aqui a pouco será a União dos Proprietários proprietária de tudo! E
nós ficaremos sendo uns parias.
Alerta!
É preciso acabar com o monopólio dos alugueis de casa.
Um operário.164

Sem dúvida não era fácil para o trabalhador viver no Rio de Janeiro, mesmo que

optasse pelas vilas operárias. Para o operário, a necessidade de morar no centro se

transformou em problema a partir do início do século XX, quando Rodrigues Alves

promoveu grandes obras na Capital Federal. A derrubada de várias moradias populares,

sem qualquer preocupação com a construção de habitações para os desabrigados, levou um

grande número de indivíduos a subir os morros e ali se fixar, em lugares que passaram a ser

denominados de favelas. De acordo com Badaró

Morar nas favelas, entretanto, era encarar uma dupla adversidade: a das precárias
condições de construção combinadas à inexistência de melhorias urbanísticas, de
um lado, e a da associação a uma série de estigmas que serviam de justificativa
para a ação repressiva sobre seus habitantes.165

A atuação da polícia durante a primeira República, principalmente como órgão de

repressão dos trabalhadores estava relacionada ao ineditismo das reivindicações destas

categorias. Fazia parte das atribuições da polícia zelar pela ordem pública e se esta era

ameaçada havia necessidade da interferência do Estado. Neste sentido, as reivindicações

operárias eram vistas de forma negativa pela polícia. Para proteger os membros da

categoria, a Sociedade Cosmopolita Protetora dos Empregados de Padarias se colocava a

disposição dos trabalhadores, sempre que estes fossem vítimas da repressão policial, como

se lê no jornal O Panificador:

164
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
165
MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe
trabalhadora no Brasil. Op. Cit., p. 68.
89

Lastimamos que o companheiro Carlos do Amaral, victima da prepotência de um


esbirro policial, não soubesse que existe n’esta capital uma sociedade protectora
dos empregados de padaria, para nós darmos uma lição a esse D. Quixote fim de
século...166 01/01/1900

A Sociedade Cosmopolita repelia a ação da polícia contra os padeiros.

Lamentavelmente, a nota não deixa claro como a sociedade agia nas circunstâncias citadas

pelo diretor do jornal, o já mencionado Sr. Manoel Soares de Pinho. Podemos levantar a

hipótese de que provavelmente buscava-se socorro junto a algum advogado que

simpatizasse com a causa operária, tal como Evaristo de Moraes.

É inegável que a polícia intervinha no controle dos movimentos operários sempre

que entendesse que as manifestações se tornavam um risco para a ordem social, além disso,

a pressão do patronato sobre o governo e a polícia era um fato perceptível.

Vivendo em moradias miseráveis, sofrendo a repressão da polícia, os trabalhadores

ainda tinham que enfrentar um outro problema, a insalubridade do ambiente de trabalho que

prejudicava a sua saúde. Vários males atingiam os trabalhadores no Rio de Janeiro,

sobretudo, a tuberculose, os acidentes de trabalho, e a falta de alimentação adequada. Isto

se observa na Voz do Trabalhador, em um artigo assinado por um certo J.O.Neves:

[...] Nesta classe todo o dia se definham, se embrutecem e se estinguem os


operários, á vista da ezijencia dos patrões em tão duro serviço. De operários
padeiros na maior parte se compõe o grande numero das estatísticas mortuárias,
especialmente de tuberculosos, pois sendo obrigados a um serviço noturno tão
penoso, não podem ao menos observar as mais camesinhas regras da hijiene, e
trabalhando de 16 a 18 horas consecutivas, não dispõem de tempo para coisa
alguma fora do labor diário, muito mal têm tempo para comer e ainda mais, aquilo
que o patrão lhes quer dar. São condenados a não poder dormir o tempo necessário
para refazer as forças perdidas em tão penoso trabalho, de fórma que assim só
podem predispor-se para as moléstias que os vitimam sem ao menos se lembrarem
que unidos poderiam reivindicar os seus direitos, procurando quando menos
estabelecer as duas turmas, uma diurna e outra noturna e trabalhar a seco.[...] 167

166
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31.
167
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR74. 15/07/1908.
90

Aliás, também foi apontado no Manuscrito de João de Mattos o argumento da falta

de higiene nas padarias. Segundo suas palavras as padarias eram uma imundície e

necessitavam de fiscalização. Ele afirma que em 1909 teria encaminhado junto com os

companheiros Villarinho e Eselino Lopes Quintela uma petição ao prefeito da cidade do

Rio de Janeiro para instituir vistorias sanitárias. “Entreguemos uma petição ao Prefeito para

a criação da higiene ê logo foi criada.”168 Infelizmente não descobrimos nenhum

documento. Porém, várias notas de empregados de padarias, publicadas em A Voz do

Trabalhador, confirma que grande parte das suas reivindicações se reportavam as péssimas

condições de higiene em que trabalhavam. A imundície foi também motivo de ironia. Em

1898, em O Panificador, Lê-se a seguinte sátira: “Trim-lim-lim. – Allows. Quem falla? –

Padaria Rua de S. Pedro. – Que deseja? – Uma visita sanitária em cima do forno. – A’ junta

de hygiene.”169

Seja como for, ao final do século XIX, o governo preocupado com as epidemias que

assolavam freqüentemente a cidade do Rio de Janeiro, passaram a investir na higiene

pública, contratando inclusive uma empresa para a coleta do lixo das casas particulares.

Portanto, não é improvável que o prefeito tenha aceitado verificar as condições de higiene

das padarias, afinal eram locais que forneciam um alimento consumido em todas as mesas

cariocas.

Em 23 de Dezembro de 1899, na sede da rua da Alfândega nº 194, realizou-se a

Assembléia Geral para eleição da nova diretoria, formada pelos seguintes nomes:

Thezoureiro: I. G. Tavares de Souza; Comitê: Guilherme Martins da Silva, José D.


do Amaral, Pedro de Alcântara, Francisco Alveignon, Thomaz R. dos Santos, José
Sanches Rodrigues, Izidro S. Torres, José M. R. Villarinho 1º, Candido P. Soares,

168
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
169
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31. 18/01/1900.
91

Manoel Menezes, Ramon Rodrigues, João Maggi, Prospero Baylac, Antonio N.


Gomes, Antonio J. Costa, Theotonio Cortes.170

Embora João de Mattos não tenha sido incluído na nova administração, ao que

parece, continuou a incentivar a associação dos empregados de padarias: “Pede o Velho

Companheiro Mattos a todos da classe não aggremiados, vir à Rua da Alfândega n. 194

(secretaria) aggremiar-se e pagar suas mensalidades em atrazo.”171

A análise do jornal O Panificador oferece algumas pistas de que a principal

finalidade da Sociedade era a união dos empregados, em torno de um objetivo comum: A

regulamentação do trabalho nas padarias. Neste sentido, a Sociedade Cosmopolita

demonstrava certa solidez e força para combater seus opositores, até mesmo por meio da

convocação de greves. Por defender esta forma de manifestação, João Maggi um dos novos

administradores da Sociedade Cosmopolita prestou apoio à greve dos Cocheiros, em 18 de

janeiro de1900:

Esta classe laboriosa offendida na sua hombridade, no seu brio, e no seu amor
próprio por leis iníquas que tentam rebater cada vez mais as correntes da
escravidão, declarou-se, na madrugada do dia 16 em greve para protestar
energicamente contra todas as tyranias[...]172

Tal qual João de Mattos, Maggi acreditava na solidariedade e na união dos

trabalhadores em geral. Tanto assim que as propostas veiculadas pela Sociedade

Cosmopolita eram as mesmas reivindicações de outras categorias profissionais: cocheiros,

tipógrafos, trabalhadores de fábricas de tecidos entre outras. No caso dos padeiros, a

situação era preocupante, já que eram tratados ainda como “escravos”.

[...] Nós, pobres escravos, os nossos direitos são trabalhar toda a noite e grande
parte do dia, e receber cabisbaixo todos os insultos, observações injustas e mais

170
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31. 01/01/1900.
171
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31. 01/01/1900.
172
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31.
92

humilhações, enfim representar duplamente os burros de carga, porque do


contrario nós não lhe seriamos úteis[...]”173

Por sinal, no Manuscrito de João de Mattos, há uma referência semelhante, de que

apesar do fim da escravidão, os trabalhadores de padarias continuaram a ser tratados como

escravos, labutando cerca de 12 a 14 horas por dia, recebendo um misero salário e sem

nenhuma condição de higiene. O jornal da categoria denunciava os freqüentes abusos

cometidos por alguns patrões e os ameaçava de confronto por parte da Sociedade

Cosmopolita.

Outra preocupação constante da Sociedade Cosmopolita, era com os padeiros que

não se haviam agremiado. A falta de mobilização impedia a união da categoria e contribuía

para desvirtuar os outros companheiros, demonstrando apenas orgulho e egoísmo, segundo

O Panificador. Além disso, tais empregados se tornavam uma ameaça para a Sociedade, já

que acabavam apoiando o patrão e combatendo os próprios companheiros.

Os Nossos Inimigos
Não são só os patrões, como muitos pensam. Companheiros que como nós
trabalham. [Intam] sacrificam-se para obter a mínima parte do que elles produzem,
são um verdadeiro obstáculo para a marcha progressiva á nossa emancipação: estes
é que são os mais perigosos, estes, é que devemos combater á todo transe, afim de
convencel-os ou aniquilal-os.
Dedicam-se especialmente a adular os patrões, isso devido á crassa ignorância em
que elles se conservam e para melhor conseguirem o que almejam.[...]174

Com efeito. Ainda não havia uma organização consistente dos trabalhadores.

Embora fossem conclamados à união, nem todos seguiam as idéias emanadas da Sociedade

Cosmopolita. A divisão era preocupante, pois favorecia os interesses dos proprietários.

Aliás, Ângela de Castro Gomes revela uma das estratégias utilizadas pelos patrões, para

incentivar a desunião nas categorias profissionais

173
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31. 18/01/1900.
174
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31. 01/01/1900.
93

A posição do patronato já organizado em sua associação era dura e resultou no


fechamento das fábricas e na utilização de forte repressão policial. Além disso, eles
procuraram patrocinar uma outra associação operária – o Centro Salvador da
Classe dos Sapateiros – visando o esvaziamento da resistente União.175

O certo é que os patrões, inicialmente, não estavam preparados para as

manifestações dos trabalhadores e buscavam maneiras de proteger sua riqueza, formando

associações patronais e investindo na divisão da massa operária. Isto acabou ocorrendo na

categoria dos padeiros, após quatro anos de atividades da Sociedade Cosmopolita

Uns patrões machiavélicos influenciarão = uns companheiros até com dinheiro


para estalar outra em Botafogo = a Liga dos empregados de Padaria e com esta
desmembrou uma grande porcentagem de força = porque a nossa preção era
titânica = de dia, a dia, = se avolumava compremindo os terríveis efeitos que os
tonteava = o respeito moral dos empregados de Padaria era enorme = e de ação
restrita = tanto para assim poderem oprimir os empregados pela sua união de força
contra á nossa classe.176

A criação da Liga Federal dos Empregados em Padarias, segundo João de Mattos

foi estimulada e financiada pelos patrões, visava incentivar a desunião dos empregados em

padarias e estimulava a sua adesão à Liga, ao invés do ingresso na Sociedade Cosmopolita.

Para Cláudio Batalha esse

Sindicalismo financiado pelos patrões foi chamado de amarelo pelos sindicalistas


revolucionários[...] Assim, com toda a imprecisão que a designação comporta,
sindicalismo reformista ainda parece ser a melhor denominação para os principais
concorrentes do sindicalismo de ação direta no movimento operário.177

De acordo com o raciocínio de Batalha, a Sociedade Cosmopolita Protetora dos

Empregados de Padaria poderia ser inserida no âmbito do sindicalismo revolucionário ou

de ação direta, enquanto a Liga Federal dos Empregados em Padarias seria classificada

175
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Op. Cit. p. 75
176
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
177
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República. Op. Cit. p.32.
94

como sindicalismo amarelo ou reformista, pelo menos no período de sua fundação. O certo

é que duas associações disputaram a preferência dos trabalhadores e a Sociedade

Cosmopolita, se enfraqueceu, enquanto a Liga ganhou espaço.


95

3.2 A Liga Federal dos Empregados de Padarias e a Greve de 1912

O relatório da Liga Federal dos Empregados em Padarias revela que a associação

teria surgido na segunda fase da Sociedade Cosmopolita, ou seja, a partir de 1898. Nesta

ocasião a Cosmopolita já não possuía mais fundos para financiar suas campanhas. Além

disso, perdera importantes quadros.

[...]Quando a receita já não dava para banquetes, o prezidente, que era o sr.
Evaristo de Morais, retirou-se, ficando a sociedade quaze liquidada e assim foi
cada vez a peior até o resurjimento da Liga. A sede social era no Largo de São
Domingos, e quando o companheiro Lírio de Rezende foi convidado a aceitar a
prezidencia pelos companheiros Felipe Pedroza e Amadeu Miranchel, afim de
fazer-se na “Cosmopolita” uma renovação segundo as melhores idéias, não foi
possível faze-lo, porque a maioria dos sócios não consentiram a mudança de
orientação.[...]178

O Manuscrito de João de Mattos atribui o fim da Sociedade a criação da Liga

Federal dos Empregados em Padarias. Esta, por outro lado, apresenta outras motivações:

[...] Em 1902, um grupo de entregadores de pão, aos quais não agradava a “ quazi
ação direta”, rezolveu fundar no bairro de Botafogo a Liga Federal dos
Empregados em Padarias, e nascendo a Liga, finalizou a Cosmopolita. A
orientação da Liga era puramente beneficente, política e até patronal, e assim
andou ela aos trancos e barrancos, até ao ano de 1910, data esta em que
ressuscitou, graças ao terem podido nela penetrar os elementos avançados.179

A sede social da Liga inicialmente localizava-se na Rua General Câmara, Nº 313. A

partir de junho de 1914, transferiu-se para Rua Dos Andradas, nº 87. As reuniões eram

quinzenais, as terças-feiras. Não conseguimos encontrar seus Estatutos, nem o nome dos

seus fundadores. Tivemos acesso apenas aos nomes de alguns membros, a partir de 1913,

tais como: o presidente Manoel Amoedo; José Fraga Soares, Primeiro procurador; José da

178
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
179
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
96

Silva Neves, Luiz Colosso, Manuel Marques Dias, Francisco da Silva Tavares, Alfredo

Rodrigues Lapa, todos membros eleitos para as vagas da diretoria.

É interessante observar que tanto o Manuscrito de João de Mattos quanto o relatório

da Liga enviado ao Congresso Operário, afirmam que os patrões foram os financiadores da

Liga Federal dos Empregados em Padarias, e que estes conseguiram alcançar seus objetivos

ao custear a sociedade de padeiros e desmobilizar o movimento, levando a extinção da

Sociedade Cosmopolita dos Empregados de Padaria.

Contudo, entre 1910 e 1912, a orientação da Liga Federal mudou. Passou-se a

propor o descanso dominical, a higiene nas padarias, a diminuição das horas de trabalho e a

partir de 1914 adotou-se o sindicalismo revolucionário. Entre outras propostas defendia-se

a emancipação integral do trabalhador; a não participação do sindicato na luta de nenhum

partido político; a não admissão dos patrões ou pelo menos a exclusão da sua participação

na diretoria, alternância de associados na diretoria, a instituição de bibliotecas e de escolas

profissionais. Em 1 de fevereiro de 1914, de acordo com um anúncio encontrado em A Voz

do Trabalhador, a Liga anunciava a sua transformação em um sindicato, ainda que

mantivesse a mesma denominação:

LIGA F. DOS EMPREGADOS EM PADARIAS


Esta associação dos que trabalham em padarias, acaba de praticar um ato de
inegável vantajem, reformando os seus estatutos, moldando-os na orientação
sindicalista. As associações operarias no Rio de janeiro, ainda em parte, se
conduzem por estatutos de sociedades beneficentes, e isto é um prejuízo, sobre
todos os pontos de vista. Ninguém poderá negar que o associado inconciente, como
soe ser na sua maior parte o trabalhador assalariado, uma vez convidado a entrar
para uma associação beneficente, tarde ou nunca chegará á compreensão do motivo
por que se agremiou na sua associação de classe. Porque, uma vez examinando os
estatutos, ele se persuade que está associado só para ser socorrido num cazo de
moléstia,; esquecendo-se dessa maneira, da resistência ao patronato, que é o único
fim a que se destinam as associações operárias. Vê-se por aí o “trabalhinho dos
senhores burguezes ou aburguezados, aqueles conhecendo a orientação e estes
seguindo-os porque lhes falta orientação, fundarem associações de operários de
diretorias, com conselhos, ás vezes, uma infinidade de membros, tal qual como
uma sociedade de beneficência. Tudo isto só serve para entorpecer o movimento
97

de emancipação da classe trabalhadora. Eis porque só temos a nos congratular com


os camaradas da Liga, pelo grande passo que souberam dar. Jozé Barboza.180

Se a Liga inicialmente formou-se com o apoio patronal, a situação se alterou e suas

propostas se aproximaram das antigas reivindicações da Sociedade Cosmopolita, extinta

por volta de 1902, segundo João de Mattos e o relatório da Liga. Mas, curiosamente no

jornal A Voz do Trabalhador de 17 de abril de 1909, encontra-se uma nota de que a

Sociedade Cosmopolita permanecia ativa:

Sociedade Cosmopolita dos Empregados em Padarias – Continua funcionando


regularmente esta associação de resistência. Realiza freqüentes reuniões de
propaganda com o fim de preparar o espírito dos padeiros para as lutas que em
tempos não longínquos terão que empreender, se querem atenuar os sofrimentos
que o rude labor a que estão condenados e o exhorbitante numero de horas que
trabalham lhes acarretam.181

Não é fácil explicar a sobrevivência da Sociedade Cosmopolita. É possível supor

que quando João de Mattos registra o seu fim em 1902, talvez tentasse explicar a saída de

alguns membros ao desmembramento da categoria. Ou, então, que as reivindicações dos

empregados de padarias deveriam ser conquistadas de outra forma, não apenas através das

sociedades, mas também com a filiação aos partidos políticos. “[...] De 1910 a 1912, a

orientação mudou embora se aproveitasse o oferecimento de algum político para

alcançarmos o descanso dominical o que não conseguimos.[...]”182

Os registros da Liga Federal dos Empregados em Padarias reportam-se a duas

assembléias de grande importância para a categoria: a primeira realizada pela Sociedade

Cosmopolita Protetora, no Liceu de Artes e Ofícios, onde João de Mattos cumpriu o papel

de destaque. A segunda aconteceu em 1912, quando foi deflagrada a primeira greve dos

180
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR74.
181
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR74.
182
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
98

padeiros no Rio de Janeiro. Acreditamos que este evento foi realmente significativo para os

empregados de padarias na luta por melhores condições de trabalho, já que o “Histórico

Social” narrado por João de Mattos em seu Manuscrito finaliza exatamente em 1912.

O movimento de 1912 representava a retomada da luta pelas 12 horas de trabalho

por dia e pelo descanso dominical. Uma das exigências dos empregados era limitar a

entrega de pão a domicílio até ao meio dia, e a despensa dos vendedores de qualquer

serviço depois das 13:00 horas. Em compensação, de sábado para domingo, os balconistas

deveriam ajudar na fabricação da massa, de modo que houvesse pão suficiente para ser

vendido no domingo. Além disso, enviou-se um “manifesto” para as autoridades,

explicando os motivos da greve. Em 11 de janeiro de 1912 a Gazeta de Notícias anunciava:

A Greve dos Padeiros


Está decretada a greve dos padeiros. Elles querem também gozar das regalias da lei
ultimamente votada, Isto é, doze horas de trabalho e folga. De há muitos dias
vinha-se falando nessa nova parede. Os boatos acumulavam-se, cada qual mais
grave. Afinal veio hontem a nota verdadeira. Vamos ter greve. Se até domingo, á 1
hora da tarde, os donos de padarias não tiverem accedido aos desejos dos padeiros
a greve arrebentará em toda a cidade. A população carioca está ameaçada de ficar
sem pão![...]183

A greve fora organizada pela Liga Federal dos Empregados em Padarias. Os

trabalhadores se reuniram à esquina da rua do Carmo com a rua do Ouvidor, para

manifestações. Os padeiros haviam sido uma das categorias que mais lutaram pela causa

operária, tanto que nesta greve de 1912 compareceram cerca de mais de duzentas pessoas

na sede da Liga à rua São José nº 122. A finalidade da reunião era demonstrar a insatisfação

destes grupos com a exploração sistemática imposta pelos patrões. Além dos padeiros,

outros setores que aderiram à greve foram o de bares, hotéis e restaurantes (mas estes logo

183
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
99

retornaram aos seus locais de trabalho), os marmoristas, os carvoeiros e as moças operárias.

No dia 16 de janeiro a greve já possuía menos adeptos, e estava enfraquecida.

Mas os padeiros não desistiram dos seus objetivos. Em 1913 novas agitações

ocorreram na capital com o apoio da Liga Federal e do Sindicato dos Operários

Panificadores, as duas associações haviam sido influenciadas pela greve dos padeiros

ocorrida em Porto Alegre, cujas propostas feitas aos patrões acabaram sendo assinadas e os

donos se comprometeram a cumprir os acordos, como o descanso semanal e a libertação

dos que haviam sido deportados. Incentivados pelo sucesso dos padeiros de Porto Alegre,

os representantes da Liga e do Sindicato dos Panificadores enviaram aos patrões a seguinte

circular:

Secretaria da Liga Federal dos Empregados em Padarias no Rio de Janeiro – Ilm.


Senhor – “Como sabeis, desde há muito é vos pedido o descanso dominical para os
que labutam no afanozo trabalho da nossa classe. Entretanto até agora, apezar de
termos empregados meios conciliatórios, não foi possível obter de vossa parte esta
medida tão necessária ao nosso descanso e que em nada prejudicaria os vossos
interesses. Foi, pois, diante desta emerjencia e atendendo ao que gozam outras
classes, que esta Liga e o Sindicato dos Operários Panificadores rezolveram em
assembléias que realizaram enviarvos a nota do regulamento, certos de que
seremos atendidos.
1º A entrega do pão aos domingos será feita até ás 10 horas da manhã.
2º A entrega na segunda-feira começará ás 10 horas da manhã.
3ºO pessoal do serviço interno, terminando o serviço de sábado para domingo, só
recomeçará de novo o trabalho na segunda-feira, com espaço de tempo suficiente
para dar pão cozinhado as 10 horas da manhã.
Como vê v. s., não é exajerado o nosso pedido, razão porque esperamos a sua fiel
execução. Afim de melhor regularizar o trabalho marcamos o dia 19 de outubro, ás
10 horas da manhã, para começar a vigorar este regulamento. Expirado este prazo
e cazo não sejamos atendidos, ajiremos pelos meios mais práticos até a conquista
completa das nossas reclamações. – As comissões.”184

Esta forma de atuação foi ao mesmo tempo causa e consequência da crescente

capacidade de mobilização dos trabalhadores, influenciados por ideologias que eram

divulgadas no início do século XX, tanto por socialistas quanto por anarquistas, e adotadas

184
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR74. 15/10/1913.
100

pela Liga Federal e Sindicato dos Panificadores, que precisavam se tornar visíveis para que

os padeiros pudessem conseguir o reconhecimento social por parte do Estado e do

patronato. Os episódios de 1912 e de 1913 podem ilustrar a tendência seguida por esta

categoria. Para Ângela de Castro Gomes “A conquista dos espaços públicos e o caráter das

manifestações, que deviam mobilizar grande número de trabalhadores, combinavam-se com

a preocupação de que elas fossem tão espontâneas quanto ordeiras.”185

É bom lembrar que se a Sociedade Cosmopolita inspirava-se no socialismo, a Liga

Federal dos Empregados em Padarias parecia simpatizar com as propostas anarquistas, e

participou do II Congresso Operário ao lado de outras associações do Rio, a exemplo de: “o

Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos, o Sindicato dos Sapateiros, dos

Carpinteiros, o Sindicato dos Operários das Pedreiras, entre outros.”186

Sem dúvida o comparecimento dos padeiros no II Congresso indicava a preferência

pelas idéias anarquistas. O fato da Liga também ter mudado sua orientação, reformando seu

estatuto e o aproximando do sindicalismo é também bastante sugestiva.

É interessante observar que com o crescimento de greves no início do século XX,

houve a necessidade da polícia carioca conferir maior atenção às manifestações operárias.

Em relação aos padeiros não foi diferente, a polícia preocupada em manter a ordem e conter

os empregados de padarias, estava sempre presente quando as agitações desta categoria

levavam a aglomeração. Foi o que ocorreu na greve de 1912, quando os padeiros se

dirigiram a rua do Ouvidor e em 1913, sendo que neste último segundo A Voz do

Trabalhador os operários padeiros mandaram um ofício para o 3º delegado de polícia do

Rio de Janeiro o Sr. Dr. Reinaldo de Carvalho:

185
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Op. Cit., p.p. 131-132.
186
Idem, p. 130.
101

Ilm. Exm. Sr. Dr. Reinaldo de Carvalho, muito digno 3º delegado auxiliar –
saudações – havendo esta Liga, por intermédio de nossos companheiros que
estiveram detidos, tido ciência de que v. ex. havia convidado uma comissão que a
reprezentasse para comparecer nessa delegacia, afim de serem ouvidos patrões e
empregados, para estabelecer um acordo sobre as nossas reclamações, temos a
informar a v. ex. que a assembléia de sócios desta Liga, reunida no dia 4 do
corrente, rezolveu que aí não comparecesse nenhuma comissão, pelo motivo de
que, sendo a nossa questão excluzivamente entre patrões e empregados, s.. pelo
menos poderá ser solucionada. Aditando, temos a dizer que, se os patrões teem
realmente vontade de que esta questão tenha um termo, nada teem mais a fazer do
que se dirijir a vós, pois que estamos dispostos a entabolar um acordo, desde que o
mesmo tenha em vista, a salvaguarda dos nossos interesses. No principio desta
questão, dirijimos á associação dos Estabelecimentos de Padaria um ofício, dando
ciência do que pretendíamos: a resposta que recebemos foi totalmente negativa,
razão por que continuamos a ajitação até que seja este assunto satisfatoriamente
decidido. Entretanto, agradecemos a v. ex. pelo interesse que demonstrou pela
nossa cauza. União, Paz e Justiça! – Antonio Martins de Oliveira, 1º secretario.187

É preciso registrar que neste caso a Liga Federal repudiou a repressão policial,

como também não aceitou a interferência do delegado que supostamente pretendia

intermediar a negociação entre patrões e empregados. Mas, seja por meio “da ‘conciliação’,
188
da ‘infiltração’ ou da ‘repressão violenta,’” o fato é que a polícia agia a favor dos

patrões nos conflitos com os trabalhadores. Os operários resistiam a exploração por meio de

suas organizações e movimentos coletivos, demonstrando que a mobilização de diversas

categorias profissionais tornaria visível à sociedade as condições desumanas em que viviam

os trabalhadores cariocas.

Por acreditar que os empregados de padarias só teriam suas reivindicações atendidas

se a situação em que viviam fosse exposta a sociedade o nosso personagem João de Mattos

continuou a sua luta. Desta feita, procuraria uma instância mais alta: O Congresso

Nacional.

187
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR74. 15/10/1913.
188
MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe
trabalhadora no Brasil. Op. Cit. p. 188.
102

Organizou uma comissão que tinha por objetivo entregar aos parlamentares uma

carta na qual apresentavam suas demandas “lei do descanso Dominical e as 8 horas de

trabalho = ou 2 turmas uma diurna = e outra noturna ou ser só diurno o nosso trabalho. ”189

Integravam o grupo o próprio João de Mattos e Villarinho. Para patrono das reivindicações

dos padeiros, foi convidado o Deputado João Augusto Neiva, representante do Centro das

Classes Operárias, e supostamente “amigo dos operários”. De acordo com o Manuscrito o

Deputado Neiva

apresentou-a lendo em vós alta o seo contiudo, = todos os deputados se


conservarão de pé durante a leitura como é de praxe a qualquer mensagem. E foi
tomada em devida consideração Cujo o Diário Oficial = pormenorisou a sociedade
dirigente = nada obetive = por que á política delles é uma = e á das derigidas é
outra.190

Não foi possível cotejar esta informação nos Anais Parlamentares, pois João Neiva

foi Deputado Federal em diferentes legislaturas: 1894-1896; 1897-1899;1900-1902; 1903-

1905; 1906-1909. E, João de Mattos, não determinou a data que levara o documento ao

Congresso. Resolvemos procurar no ano de 1902, a suposta data de extinção da Sociedade

Cosmopolita. Nada foi encontrado. Mas não descartamos a possibilidade do nosso

personagem haver realmente se dirigido ao Congresso, já que nesta instituição eram

apresentadas as demandas da sociedade, inclusive aquelas relacionadas aos operários, a

exemplo da solicitação feita à Mesa pelo Deputado Sr Serzedello Corrêa em 08 de julho de

1902:

Solicito ao Sr. Presidente a palavra para remetter à Mesa que faça inserir no Diário
do Congresso a importante petição dirigida pela Associação dos Empregados no
Commércio desta Capital sobre o fato dos empregados no Commércio serem
obrigados ao serviço da Guarda Nacional.191

189
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
190
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
191
Anais Parlamentares da Câmara.www.câmara.gov.br.
103

Para João de Mattos a expectativa de conseguir alcançar uma vitória no Congresso

seria frustrada. Ele passou a nutrir forte desconfiança em relação ao governo, cujos

vínculos com os patrões eram bem mais profundos do que imaginava. Ele narra que, após a

apresentação da carta ao Congresso, houve uma assembléia convocada pelos proprietários

de padarias, cuja pauta era justamente a mesma das petições entregues ao Deputado Neiva.

Os Patrões anunciarão uma grande reunião em assemblea = e eu soube que o


magno assunto délla era tratar destes pontos = quê nós nos esforssavamos = E
escrevi um memorial esplicando tudo que nos queríamos e precisávamos = mas
com toda a dessencia = E convidei dois companheiros Simplicio e Villarinho para
em comição parlamentar com elles e entregar o memorial = Entremos entreguei o
memorial = Em acto contino se derigirão a mim como Feras = e se não fosse o
Gonsalves e Pinto Miranda = se enterver me linchavão lá dentro = Estes me
condusirão até a saída = Nesta assemblea me eliminarão de todas.192

O interessante nesta descrição é que, entre os nomes destacados, havia dois

proprietários de padarias, que descobrimos no correr das nossas pesquisas e foram citados

no capítulo anterior: Zeferino Gonçalves Campos, presidente da Companhia Central

Viennense e o comendador Fernando Antonio Pinto de Miranda, um dos diretores da

Companhia Nacional de Panificação.193 Isto nos leva a acreditar que o nosso emblemático

padeiro de fato, participou ativamente do movimento operário. Não por acaso, João de

Mattos relata que após essa assembléia, que teria ocorrido em 1909, não conseguiu mais

emprego nas padarias do Rio de Janeiro e que foi obrigado a mudar de ramo. Mesmo assim,

de acordo com outras fontes, ele continuou a lutar pelos ideais da categoria. Talvez, João de

192
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
193
Encontramos um possível parente do comendador Fernando Antonio Pinto de Miranda durante a greve de
1912: Pedro Pinto de Miranda, proprietário das padarias sitas as ruas Manuel Victorino, n. 103, Goiaz, n. 372
e Dr. Bulhões, n. 226. Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
104

Mattos seja o mesmo confeiteiro apontado por Marcelo Badaró194. E neste caso, podemos

entender o seu desaparecimento. Pois, além de ter ficado da pecha de desordeiro, estava

sendo procurado pela polícia.

Enfim, João de Mattos é um personagem fantástico, um “engeñoso hidalgo” de

Cervantes, sempre pronto para defender as causas nobres, por assim dizer, da categoria. E

se conseguirmos futuramente um aprofundamento das pesquisas sobre a trajetória deste

emblemático padeiro, que deixou um Manuscrito contando uma parte da sua história e da

categoria a que pertencia, com certeza acharíamos mais pistas sobre ele. De qualquer

forma, o Manuscrito deixado por João de Mattos contribui para despertar a atenção dos

leitores nos mais variados tempos e lugares e cujo valor atravessa gerações.

194
Marcelo Badaró Mattos encontrou no Arquivo Nacional no fichário nominal de processos-crime, um
processo movido contra alguém de nome João de Mattos, em abril de 1901, incriminado por agredir um
colega de trabalho. O agressor seria de nacionalidade portuguesa, e trabalhava como confeiteiro, numa loja de
doces. Entretanto, como o acusado não foi localizado pelos oficiais de Justiça, o processo correu à sua revelia
não sendo possível para Badaró encontrar mais detalhes que pudessem confirmar tratar-se do João de Mattos.
105

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A memória social tem princípios muito próprios de seleção, que variam em relação

ao lugar, ao grupo e ao tempo, tal como se constata em relação ao Manuscrito deixado por

João de Mattos. Ele fez questão de registrar para a posteridade suas lembranças e revelar a

trajetória acidentada de um grupo de padeiros que se engajou sucessivamente na luta

abolicionista, na campanha republicana e na vanguarda do movimento operário. Mas,

organizar reminiscências pessoais constituem uma operação de montagem que envolve

escolhas, processo em que o autor elege a imagem de si que deseja transmitir aos seus

futuros e possíveis leitores. O padeiro João de Mattos não queria ser lembrado como um

cidadão comum. Pretendia entrelaçar seu nome a duas causas que no fundo buscavam o

mesmo propósito: a organização do trabalho livre. Mattos entendia que o regime servil

constituía um obstáculo aos trabalhadores livres, uma vez que os impedia de reivindicar

condições de vida mais justas.

O Manuscrito de Mattos, contudo, constitui um desafio à pesquisa. Apresentado

como um relato verdadeiro merecia, no entanto, ser examinado à luz da crítica histórica.

Assim, procuramos desdobrá-lo tentando encontrar indícios da sua veracidade. Inicialmente

tratamos de avaliar o próprio Manuscrito, buscando possíveis conexões do arquivo em que

foi encontrado. Neste sentido, há grandes chances desse Manuscrito ter sido apreendido

durante uma das diligências policiais promovidas pela Divisão de Polícia Política e Social,

após o movimento de novembro de 1935. É provável que o relato estivesse em mãos de

algum trabalhador ou de um simpatizante do Partido Comunista, preso por subversão.

De qualquer modo, insistimos na leitura do documento de maneira a descobrir se

aquela narrativa “rocambolesca” era verossímil. O exame da atuação de João de Mattos na


106

abolição da escravatura, sobretudo nas atividades e nas estratégias empregadas pelo Bloco

de Combate dos Empregados de Padarias, apesar dos nossos esforços, não alcançou os

resultados esperados. Não conseguimos nenhuma pista sólida da existência do grupo e de

suas aventuras, até o presente momento.

Por outro lado, nossas diligências foram recompensadas quando finalmente

conseguimos descobrir a figura de João de Mattos engajada no movimento operário

exercendo um papel de liderança na categoria dos padeiros na gênese deste movimento.

Figura atuante na formação da Sociedade Cooperativa dos Empregados de Padarias no

Brasil em 1890, o seu relato sobre esta entidade revela a tentativa de organização da

categoria em meio à política do encilhamento. A par disso, verificamos que naquele

contexto diversos empreendimentos disputavam o monopólio da venda do pão na cidade do

Rio de Janeiro – assunto que deverá ser aprofundado pela historiografia.

Apesar do fracasso da Sociedade Cooperativa, João de Mattos e seus companheiros

não esmoreceram. Continuaram lutando por suas demandas, inclusive a regulamentação do

exercício da profissão. Nosso padeiro “Quixote” engajou-se na fundação de mais uma

associação de trabalhadores em 1898, a Sociedade Cosmopolita Protetora dos Empregados

de Padarias. Este grêmio, de inspiração nitidamente socialista, gerou tensões e foi

combatido com vigor por uma entidade congênere, criada com o apoio dos proprietários de

panificadoras, a Liga Federal dos Empregados em Padarias.

Mas, muitos mistérios ainda precisam ser investigados. O próprio João de Mattos

reconhece o fracasso da Sociedade Cosmopolita, acossada pelos patrões. A documentação,

no entanto, revela que a Cosmopolita ainda estaria em funcionamento em 1909.


107

O Manuscrito de João de Mattos por certo deverá instigar novos estudos. Nosso

trabalho trouxe apenas uma pequena contribuição à historiografia, jogando luz sobre um

vulto, cujas aventuras provocam incredulidade.

Seja como for, a memória parece não haver traído as intenções de João de Mattos,

ele seria reconhecido pelos jornais O Panificador e A Voz do Trabalhador, como um

pioneiro do movimento operário e expressiva liderança da “classe padeiral”. Resta à

História comprovar tal premissa.


108

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111

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Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.


Estatuto da Sociedade Emancipadora de Santa Cruz s/d. (IHGB). Lata 319, Doc. 7.
Manifesto do Club dos Advogados contra a Escravidão. (IHGB). DL 1398.030.

Arquivo Nacional.
Companhia Cooperativa de Consumo de Pão 1876. (AN). Junta Comercial. Vol. 14 –
Registro 278/305.
Companhia Nacional de Panificação 1890. (AN). Junta Comercial. Livro 39 – Registro 931.
Companhia Luso-Brasileira 1890. (AN). Junta Comercial. Volume 68 – Registro 1844.
Companhia Padaria Central Viennense 1890. (AN). Junta Comercial. Livro 74 – Registro
2099.
Lei Rio Branco. (AN). Colleção das Leis do Império do Brasil de 1871. Tomo XXXI, Parte
I.
Lei Saraiva-Cotegipe. (AN). Colleção das Leis do império do Brasil de 1885. Tomo
XXXII, Parte I.

Fontes Impressas.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
Estatuto do Club dos Libertos de Nitheroy. (APERJ). Fundo PP, notação 0498, maço 3, cx
0189.

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Jornal A Voz do Trabalhador. (BN). PR-SPR 74.
Jornal Cidade do Rio. (BN). PR-SPR168.
Jornal Diário de Notícias. (BN). SPR04.
Jornal do Commércio (BN). PRC-SPR 01.
Jornal Gazeta da Tarde. (BN) PR-SPR 569.
Jornal Gazeta de Notícias. (BN). PR-SPR 2764.
Jornal O Panificador. (BN). PR-SPR 31-46.
Jornal O Paiz. (BN). PR-SPR06.
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PATROCÍNIO, José do. Campanha Abolicionista. Coletânea de Artigos. Introdução: José
Murilo de Carvalho. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1996
112

ANEXOS
113

Anexo A

Fachada da possível sede do Bloco de Combate dos Empregados de Padarias, à rua da


Conceição, nº 28, Rio de Janeiro. Fotografia de Tatiane Lopes dos Santos e Luiza Helena
de Carvalho. Setembro de 2009.
114

Fachada da possível sede do Bloco de Combate dos Empregados de Padarias, à rua da


Conceição, nº 28, Rio de Janeiro. Fotografia de Tatiane Lopes dos Santos e Luiza Helena
de Carvalho. Setembro de 2009.
115

Anexo B

Planta da cidade do Rio de Janeiro de 1908, rua São Pedro, RJ.Biblioteca Nacional Digital.
116

Anexo C

Fachada da sede da Sociedade Cosmopolita Protetora dos Empregados de Padarias, à rua da


Alfândega, nº 194, Rio de Janeiro. Fotografia de Tatiane Lopes dos Santos e Luiza Helena
de Carvalho. Setembro de 2009.
117

Fachada da sede da Sociedade Cosmopolita Protetora dos Empregados de Padarias, à rua da


Alfândega, nº 194, Rio de Janeiro. Fotografia de Tatiane Lopes dos Santos e Luiza Helena
de Carvalho. Setembro de 2009.
118

Anexo D
119
120
121
122
123
124
125
126
127
128
129
130

Anexo E
131
132
133
134
135

Anexo F
136
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152

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