Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Rio de Janeiro
2009
Luiza Helena de Carvalho
Rio de Janeiro
2009
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ CCS/A
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação.
___________________________ _________________
Assinatura Data
Luiza Helena de Carvalho
_______________________________________________
Profª. Drª. Lúcia Maria Paschoal Guimarães (Orientadora)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
_______________________________________________
Profª. Drª. Tânia Maria Bessone da Cruz Ferreira
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
_______________________________________________
Profº. Drº. Ricardo Salles
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2009
DEDICATÓRIA
Agradeço primeiramente à professora Lúcia Guimarães, por ter sido mais do que
uma orientadora. Sua enorme paciência, carinho, incentivo e competência foram
fundamentais para que esta pesquisa se tornasse realidade. Um aprendizado que carregarei
para o resto de minha vida.
Agradeço a minha família, principalmente aos meus pais Juscelei e Judlamar, que
me deram a vida e me ensinaram o caminho da retidão. Minha mãe por ter compreendido
minha ausência nos momentos conclusivos da dissertação.
Agradeço ao meu companheiro, que sempre me aceitou como sou, sem cobranças.
Por ter me ajudado financeiramente e partilhado minhas angústias, me incentivado, e
compreendido os momentos que tive que trocar sua presença pela atenção ao computador e
aos livros. Agradeço aos meus sogros Vera e Alcides, pelo carinho.
Agradeço a minha amiga querida, Tatiane Lopes, que sempre me aconselha e me faz
pensar, além de compartilhar comigo as dificuldades e alegrias durante o curso de
mestrado; agradeço as minhas amigas Daniele, Heloisa, Jaline, Andréia, Juliana e Ana
Lúcia que com muito carinho me deram palavras de apoio e confiança.
RESUMO
This reported work is a study about the memories left by João de Mattos in his
manuscript entitled, "Social History from 1876 to 1912. This author lived initially in Santos
until 1876, in 1877 in Sao Paulo and after 1878 in Rio de Janeiro. In that manuscript, João
de Mattos recounts his adventures about freedom conquest of freedom and the struggle for
a dignified life to the bakers category. The dissertation examines the Mattos trajectory and
his associates in the organization of three associations created by of bakeries employees in
Rio de Janeiro The Bloco de Combate dos Empregados de Padarias, the Sociedade
Cooperativa dos Empregados de Padarias no Brasil, and the Sociedade Cosmopolita
Protetora dos Empregados de Padaria. Beside this examines the presence of workers from
the category in three unique moments in history: The abolition, the Republican campaign
and the labor movement.
AN – Arquivo Nacional.
BN – Biblioteca Nacional.
INTRODUÇÃO..............................................................................................................9
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................105
REFERÊNCIAS............................................................................................................108
INTRODUÇÃO
intitulado “Histórico de 1876 a 1912”, cujo autor era alguém que se assinava João de
Mattos e relatava suas aventuras frente a um grupo de padeiros entre São Paulo e Rio de
Janeiro naquele período. A narrativa se mostrava tão mirabolante que resolvi tentar
Aliás, o documento não é inédito. Foi explorado pelos historiadores Leila Duarte e
Marcelo Badaró. A primeira, no livro Pão e Liberdade, o utilizou para converter João de
profissional, neste caso os padeiros1. A obra, lançada em 2002, que se destinava aos
Arquivo e os jovens.
examina o papel desempenhado pela “classe dos padeiros” na campanha pelo fim da
1
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: Uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Rio
de Janeiro: Mauad / FAPERJ, 2002.
2
MATTOS, Marcelo Badaró. Escravizados e Livres: Experiências comuns na formação da classe
trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008.
10
nossa proposta é analisar o Manuscrito e apresentar uma leitura original, cotejando com
outros documentos de época, pondo a prova sua veracidade. Resolvemos, então, nos
memória. Para o autor a história começa no ponto onde se encerra a tradição. Quando as
recordações de uma série de fatos perdem o suporte do grupo em que estiveram engajadas,
quando se dispersavam por entre os indivíduos, o único meio de salvá-las “...é fixá-las por
escrito em uma narrativa seguida, uma vez que as palavras e os pensamentos morrem, mas
os escritos permanecem.”3
Esta parece ter sido a principal preocupação de João de Mattos. Em 1934, ano em
que afirma ter escrito o relato, Mattos declarava-se em idade avançada e único sobrevivente
de uma categoria. Advertido por velhos companheiros decidiu organizar suas lembranças,
É óbvio que neste jogo João de Mattos avivou aquilo que considerava digno de recordar,
tanto da sua história de vida, quanto dos próprios movimentos nos quais se engajou.
O misterioso personagem não queria ser evocado como um homem comum, com
família, amigos e relações sociais fora da profissão, mas sim, pelas causas a que se dedicou
a amparar. Por certo, na narrativa oferecida por João de Mattos não há como ignorar os
3
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990, pp.
80-81.
11
silêncios que são sempre escolhidos, nem os subterfúgios que são utilizados. Suas
os padeiros. Tal qual o “engeñoso hidalgo” de Cervantes, ele parecia sempre pronto para
apoiar as causas nobres, o que o teria levado a se engajar em dois movimentos políticos que
XIX e as primeiras décadas do século XX. Desse modo, o Manuscrito de João de Mattos
pode ser dividido em três momentos, que corresponderão aos capítulos da presente
dissertação.
Mattos se apresenta como um paladino da abolição. Isto nos levará a tentar inseri-lo na luta
contra a escravidão, até porque seu testemunho traz uma novidade: a presença naquele
Empregados de Padarias,” integrada por homens livres pobres, cujas estratégias de ação se
mostravam bem diversas daquelas habitualmente utilizadas, nas propagandas de ruas, nos
cafés, nos teatros, na imprensa, espetáculos, ou nas batalhas de flores. Essas táticas nos
autorizam a deduzir que existiram grupos abolicionistas que atuavam como grupos de
Assinada a Lei Áurea, “o nosso Quixote” prosseguiria nas suas jornadas. Ele indica
corresponderia aos seus anseios. Logo adiante nas suas memórias, ele não esconde a sua
decepção, mostra-se inconformado e ao mesmo tempo pronto para abrir espaço para novas
ele deixado, a primeira vista, parece uma história “rocambolesca”. Sua leitura pode até
provocar incredulidade, tal como aconteceu em Mariana, Minas Gerais, quando apresentei
seguinte: João de Mattos realmente existiu? Confesso que em um primeiro momento fiquei
apreensiva. E se este personagem fosse uma ficção? A dúvida persistiria por um bom
tempo, até que encontrei no jornal O Panificador, órgão da imprensa operária, provas da
sua existência. Ele foi um líder da categoria e atuou nos primórdios da sua organização. A
constatação deu-me forças para prosseguir, afinal o documento oferecia algumas pistas que
valia a pena averiguar. Assim, busquei na noção de paradigma indiciário, tal como foi
formulado por Carlo Ginzburg, apoio para fazer uma nova leitura do Manuscrito. Vale
objetivo de construir o objeto a ser estudado. O que significa compulsar outras fontes.
trabalhadores que produzia diariamente o alimento básico que não pode faltar à mesa: o
pão.
14
1912”. É provável, porém, que uma parte desse Manuscrito tenha se perdido, porque ele
principia na página 99. De qualquer modo, o emblemático padeiro não esclarece quando e
onde nasceu. Nem tampouco à sua idade àquela altura, que deveria ser avançada, posto que
Mas, o nosso misterioso personagem explica por que resolveu registrar suas
lembranças “(...) Sendo o único que ainda da classe sobrevive dos tempos idos,”4 e
“histórico social da sua classe,” a dos padeiros. De acordo com Maurice Halbwachs, no
Tal como afirma Halbwachs, esta parece ter sido a preocupação de João de Mattos,
deixar suas memórias para a posteridade, a fim de que outros pudessem valorizar as ações
contra a escravidão.
4
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d 30055.
Fls 99 a 117.
5
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Op. Cit., pp. 80-81.
16
escravos. Utilizando propagandas nas ruas, nos cafés, nos teatros, na imprensa, nos
espetáculos etc. O objetivo era angariar fundos para comprar as alforrias e inserir o liberto
na sociedade brasileira.
vindos de fora do Império e impunha penas severas aos importadores dos mesmos.
Contudo, permanecera ignorada inclusive pelo próprio governo. Como nos mostra Emília
havia sido abolida, foi decretada a Lei Eusébio de Queiroz, com o intuito de proibir o
Esta lei determinou o efetivo fim do tráfico negreiro e representou o primeiro momento de
entender de Robert Conrad “o novo tráfico interno foi o resultado natural da maior
capacidade dos plantadores de café para pagar, em concorrência com outros brasileiros, por
6
COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Editora Unesp, 1998, p. 443.
7
PRADO, Maria Emília. Memorial das Desigualdades: Os impasses da cidadania no Brasil (1870-1902). Rio
de Janeiro: Revan, 2005, p. 20
17
uma ‘mercadoria’ que era escassa”8. Tornou-se comum nas províncias do norte, a
diária oferecendo cativos para embarque em direção ao sul. Em 1851, Silva Guimarães
filhos. Por sua vez, Silveira da Mota exercia pressão incessante no mesmo sentido. Já em
1869, foi colocado “em execução a lei que proibia as vendas de escravos debaixo de pregão
Outra tentativa de acabar com o trabalho escravo de forma gradual, foi a Lei Rio
Branco de 187110, assinada pela Princesa Imperial Regente, deliberando que as crianças
nascidas após aquela data estariam livres, porém seus senhores deveriam cuidar delas até a
receber uma indenização de 600 mil-réis em títulos da dívida pública de 30 anos, ou usarem
o trabalho dos menores até eles alcançarem a idade de vinte e um anos. Além disso, a lei
Mas, esta lei, também chamada do Ventre Livre sofreu graves críticas por parte dos
abolicionistas. As mais comuns eram de que o fundo de emancipação não havia conseguido
alcançar resultados grandiosos, devido ao fato de não ter um incentivo maior por parte do
governo. Eles afirmavam que o fundo não conseguia libertar um grande número de
escravos. E mais: diziam que os ingênuos em sua quase totalidade haviam permanecido na
mesma condição de outros escravos, podendo inclusive, receber castigos corporais desde
que não fossem “excessivos”. Para Maria Emília Prado, a lei de 1871
8
CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850 – 1888. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 1975, p. 72.
9
Idem., p. 447.
10
Lei Rio Branco. Arquivo Nacional: AN. Colleção das Leis do Império do Brasil de 1871, Tomo XXXI,
Parte I.
11
CONRAD, Robert. Os últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850-1888. Op. cit., p.113.
18
uma abolição lenta, gradual e segura, por outro diminuía as rebeldias escravas acenando-
interprovincial de forma tão rápida, que chegou a colocar em perigo o equilíbrio do próprio
transformação, nas províncias do norte, para um sistema de trabalho livre, mas, nas regiões
perceberam que as leis e a mentalidade da sociedade ainda continuavam presas aos grilhões
entrave ao progresso do país. Progresso por sinal, que se tornara visível na década de 1880,
movimento abolicionista.
podemos chamar quilombo abolicionista”.14 Quilombo este, que tinha o apoio de cidadãos
12
PRADO, Maria Emília. Memorial das Desigualdades: Os impasses das cidadanias no Brasil (1870-1902).
Op. Cit. p. 68.
13
CONRAD, Robert. Os últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850-1888. Op. Cit., p. 72.
14
SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: uma investigação de História
cultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 11.
19
Outro exemplo, desse novo modo de resistência foi o do Quilombo do Leblon. Seu
Mas não foram apenas os quilombos os símbolos da rebeldia escrava. Maria Helena
Machado, em O Plano e o Pânico, aponta para diferentes formas de oposição dos cativos
(...) Tratava-se segundo o ponto de vista dos escravos, de defender, das investidas
senhoriais, os espaços de autonomia conquistados através de constantes
confrontos: uma cadência de trabalho orgânica ao grupo, uma organização social
independente, uma incipiente produção de subsistência na forma de roças e de uma
microeconomia monetária, provenientes tanto do pequeno comércio de gêneros –
produzidos ou roubados –, quanto pelo recebimento de gratificações pelo trabalho
realizado a mais ou nos dias de folga.16
faziam sabotagem, ou seja, “o escravo precisava ser mau trabalhador para não ser bom
tais rebeldias, como se lê na Gazeta da Tarde “Contra a escravidão todos os meios são
15
Idem, p. 15.
16
MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico: Os Movimentos Sociais na Década da Abolição. Rio de
Janeiro: UFRJ/EDUSP, 1994, p. 22.
17
GORENDER, Jacob. Escravidão Reabilitada. São Paulo: Ática, 1991, p. 35.
20
legítimos e bons. O escravo que se submete, attenta contra Deus e contra a civilização; o
escravas que acompanharam a abolição não eram os únicos meios para conseguir a
emancipação.
implementar a emancipação sem provocar uma crise na economia brasileira, tal como a Lei
Imperial D. Pedro II. Esta lei originou-se de um projeto do Gabinete Sousa Dantas20, mas
com a queda deste ministério em 1885 o projeto foi reformulado pelo seu sucessor José
Antônio Saraiva. O projeto Dantas foi corrigido e revisto.21 Robert Conrad, comparando o
18
PATROCÌNIO, José do. Gazeta da Tarde, Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 569, 22 de junho de 1886.
19
Lei Saraiva-Cotegipe. Arquivo Naciona: AN. Colleção das leis do Império do Brasil de 1885, Tomo XXXII,
Parte I.
20
Em 1884 com a queda do ministério Lafayette Rodrigues Pereira, D. Pedro II escolheu um novo Presidente
do Conselho, o Senador Dantas. O governo Dantas apoiaria três alterações básicas nas leis da escravatura, das
quais só uma era realmente nova: o fim do tráfico humano entre as províncias, ampliação do fundo de
emancipação e a libertação de todos os escravos que alcançassem a idade de sessenta anos. (organizações e
programas ministeriais, páginas 211-214).
21
Com a queda do ministério Dantas em 1885 o Imperador chamou para montar um novo gabinete José
Antônio Saraiva. O novo Presidente do Conselho reformulou o projeto Dantas e apresentou um novo projeto.
O projeto Saraiva determinava que os fazendeiros que concordassem com uma conversão rápida e total para o
trabalho livre teriam o direito de vender todos os seus escravos por títulos a cinco por cento valendo metade
do valor oficial de seus escravos. Os trabalhadores que fossem libertados dessa forma teriam de permanecer
ao serviço de seus antigos donos por mais cinco anos em troca de seu sustento e de um salário de cinco reis
por dia.
21
conceder – lhes trabalho de graça por mais três anos (ou até alcançarem a idade de
sessenta e cinco anos.22
acima de sessenta anos, o Projeto Saraiva, menos preocupado com eles, visando o apoio
dos fazendeiros, determinou que além da idade, o cativo ainda deveria ser obrigado a
compensá-lo por todos os danos causados a propriedade escrava, trabalhando mais três ou
cinco anos para o seu proprietário. Com certeza o Projeto Saraiva soube defender o direito à
propriedade.
Lei Saraiva – Cotegipe, também conhecida por Lei do Sexagenário, sofreu graves censuras
por parte de figuras proeminentes da sociedade, alguns líderes do abolicionismo, como José
acabar com ela, fosse de forma gradual ou imediata.”23 De fato, houve propostas diferentes
para por termo a escravidão: o visconde do Rio Branco, por exemplo, imaginava substituir
a mão-de-obra cativa pelo braço dos imigrantes europeus de maneira a promover uma
desescravização “lenta, gradual e segura”. Aliás, Jacob Gorender afirma que tal “transição
teve dois marcos legislativos: a Lei Rio Branco (ou do Ventre Livre), de 1871, e a lei de
imediata e sem indenização dos proprietários, pois para que houvesse a construção da nação
22
CONRAD, Robert. Os últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850-1888. Op. cit., p.270.
23
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Abolicionismo Estados Unidos e Brasil, uma história comparada
(século XIX). São Paulo: AnnaBlume, 2003, p. 34.
24
GORENDER, Jacob. A Escravidão Reabilitada. Op. Cit, p.147.
22
era necessário o fim do trabalho servil. Não era desejo dos abolicionistas que a escravidão
apenas a acabar com a escravidão, mas buscavam dar instrução aos ex-escravos, como uma
forma de inseri-los na sociedade. Nomes como Nabuco, Rebouças, João Clapp, entre
outros, nas suas propostas de nação livre, incluíam a, “democracia do solo”, e a inserção
social da população escrava. Assim, não bastaria somente conceder liberdade e priorizar a
imigração européia para civilizar o país. A solução consistia em integrar as raças, no intuito
Vale a pena fazer uma breve análise da ação abolicionista e seus principais
representantes a partir das premissas que defendiam, a começar pelo carismático José do
1853, conhecido oficialmente como José Carlos do Patrocínio, Zeca para os amigos, Zé do
Pato para o povo e Proudhomme28 para os combatentes da abolição. José do Patrocínio foi
começar pela fronteira étnica: pai branco, mãe negra, um mulato, como se dizia na época.
Depois a fronteira civil: mãe escrava, pai e senhor de escravos. Com um temperamento
apaixonado, explosivo e generoso era alvo constante das maledicências de seus inimigos. A
25
SALLES, Ricardo. Joaquim Nabuco: Um pensador do Império. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002, p. 118.
26
João Carlos Monteiro.
27
Justina Maria do Espírito Santo.
28
Foi influenciado pelas obras de Pierre Proudhon, e adotara como lema “A Escravidão é um roubo!”
23
absoluta coerência e a constância na luta pela abolição não se repetiram em relação a outras
causas, como a da República. Acima de tudo, estava sua paixão pela causa abolicionista.
à luta contra os que exigiam indenização. Primeiro na Gazeta de Notícias (1878), depois na
Gazeta da Tarde (1881), finalmente na Cidade do Rio (1887), jornal que comprou com a
Em 1880, foi ao lado de Nabuco, Rebouças, João Clapp, e outros, que Patrocínio
participou da criação da Sociedade Brasileira contra a Escravidão. Para Robert Conrad, ele
era “emotivo, tenso, teatral, romântico, ele alcançava seus públicos, tanto em pessoa quanto
Outro descendente de mulato que acabou emergindo como líder foi André
Patrocínio que tinha o dom da oratória, Rebouças “era eficaz através da imprensa ou em
conversas com homens poderosos do seu tempo, como Nabuco, o Senador Dantas, Taunay,
Estados Unidos – centros de referências intelectuais para o Brasil. Ao chegar aos Estados
em pequenos lotes. Nesse contexto, o homem teria mais liberdade de ação social, tornando-
se um indivíduo mais dinâmico, que poderia fazer sua prosperidade através do próprio
trabalho. A divisão da terra de forma mais justa e a idéia de que os homens que
29
CONRAD, Robert. Os últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850-1888. Op. Cit., p. 188.
30
Idem. p.188.
24
civilizadores, onde se formaria uma cidadania justa. Ao contrário do Brasil, portanto, que
estrangeiras, no circuito da produção econômica. Esse projeto não foi aceito pelos
representativo.
sua infância (nos dois primeiros anos de vida) e juventude (na juventude Joaquim Nabuco
retorna a sua cidade) foi passada em Pernambuco, no engenho da família. Foi lá que
da sociedade brasileira para sempre. Certa feita, um escravo que iria ser castigado escapou
pedindo para não ser punido. Neste momento, Nabuco perceberia a diferença entre negros e
brancos.
influência de seu pai Nabuco de Araújo, senador do Império. Escreveu uma obra de
referência para a campanha pelo fim da escravidão: O Abolicionismo, redigido durante sua
estadia em Londres depois de perder as eleições para a Câmara dos Deputados. Aliás, sua
25
Abolicionista.
destaca Eduardo Silva “se atentarmos para o fato de que Rui Barbosa, o intelectual, foi
amigo a vida toda de Seixas, o maleiro, não seria impossível imaginar que aquelas mesmas
respeitáveis senhoras abolicionistas, sobreviventes de uma grande época, possam ter vindo,
Rui Barbosa era advogado e defendia a causa, mas sempre dentro da legalidade,
Uma porção imensa da propriedade servil existente entre nós (mais de um terço),
além de ilegítima, como toda a escravidão, é também ilegal, em virtude da Lei de 7
de novembro de 1831, e do regulamento respectivo, que declaram expressamente
‘que são livres todos os africanos importados daquela data em diante,’ donde se
conclui que o governo tem a obrigação de verificar escrupulosamente os títulos dos
senhores, e proceder na forma do decreto sobre a escravatura introduzida pelo
contrabando. 32
africanos foram escravizados ilegalmente no Brasil. Para Rui Barbosa, “desde 1831 até
1850, isto é, todo o tráfico de escravos em seu auge histórico – exatamente o período da
expansão cafeeira no Vale do Paraíba –, não era senão crime de pirataria.”33 Foi
Foi exatamente essa idéia básica, formulada pela primeira vez em 1869 – Rui ainda
estudante –, que permitiu o surgimento, na década de 1880, do abolicionismo
radical, cujo melhor exemplo é a Confederação Abolicionista, fundada em 1883, e
cujo slogan – “a escravidão é um roubo” – já dizia tudo. Tal slogan não vinha
31
SILVA, Eduardo. As Camélias do Leblon e a abolição da Escravatura: Uma investigação de História
Cultural. Op. Cit. p. 51.
32
Idem, pp. 53-54.
33
Idem, p. 55.
26
escravidão ilegal. Gama nasceu livre em 1830, mas logo após o desaparecimento de sua
mãe, o pai o vendeu como escravo. Após ser negociado, foi para São Paulo, onde aprendeu
a ler com a ajuda de um estudante. Depois de fugir da casa de seu senhor “consciente da
ilegalidade de sua escravidão em virtude de ser filho de uma mulher livre,”35 Gama
gratuitamente com base na violação da lei de 7 de novembro de 1831, que proibia o tráfico
transatlântico. Sua morte em 1882 seria lembrada pelos abolicionistas da Corte e de outras
regiões brasileiras.
O sucessor de Luiz Gama foi Antônio Bento, líder dos caifases, que optara pela
radicalização quando percebeu que Luiz Gama, defendendo a legalidade, não havia
conseguido acabar com a escravidão36. Antônio Bento de Sousa e Castro era filho de
formação de quilombos e de grupos radicais que invadiam as fazendas bem como a criação
de clubes com o intuito de libertar e ajudar os escravos após sua emancipação. O quilombo
Princesa Isabel, um dos motivos de nunca ter sido investigado. Sua Alteza, no auge da
campanha, organizou, em Petrópolis, suas famosas “batalhas de flores”, nas quais eram
fim imediato da escravidão e sem indenização aos proprietários. No dia 1º de abril de 1888,
atitude de D. Isabel, a elite passou a apoiar a Campanha. Ser abolicionista virou uma
conferências estavam no centro dos acontecimentos políticos deste período, que culminou
38
Idem, p. 492.
39
SILVA, Eduardo. As Camélias do Leblon e a abolição da Escravatura: Uma investigação de História
Cultural. Op. Cit., p. 36.
28
várias associações abolicionistas, mas a maioria optava por conseguir a alforria dentro da
com a permissão do seu senhor. Além disso, não era qualquer escravo que recebia a alforria
por meio da atuação desses clubes. Havia regras, por exemplo, um escravo para receber a
alforria por intermédio do Club dos Libertos de Nitheroy deveria ter pecúlio, ser habilidoso
no trabalho, ter bom comportamento e caso não tivesse pecúlio, necessitava explicar o
filhos nascidos de escravas depois da Lei do Ventre Livre. Tanto o Club dos Libertos de
Nitheroy quanto a Sociedade Emancipadora desejavam a liberdade pela via legal. Sempre
transações não ultrapassassem a quantia destinada pelos clubes para tal fim.
leilões ou comprar escravos diretamente dos donos, havia uma outra associação cuja
Padaria.
Por sua vez, o Bloco de Combate, uma associação popular, formada com o intuito
de libertar escravos, fossem eles padeiros ou de outra profissão, não estabelecia distinção
de sexo, idade ou condição civil. Para o Bloco de Combate a escravidão deveria ser extinta
de 1876 a 1912”? Por que razão esse documento, narrando suas memórias teria ido parar no
Manuscrito, que fim levaram?40 Sabemos que grande parte da memória individual só existe
A memória de João de Mattos, por certo, tem um significado especial, pois registra
responder as perguntas que nos vem à mente ao lermos o Manuscrito? Para isto, foi
Social (DPS), d. 30055. Sabe-se que em 1992, os acervos das polícias políticas sediadas no
Departamento Federal de Segurança Pública e exerceram suas funções entre 1944 e 1962.
40
O Manuscrito possuí 18 folhas que começam na página 99 e finaliza na página 117.
41
FENTRESS, James & WICKHAM, Chris. Memória Social. Tradução: Telma Costa. Lisboa: Editorial
Teorema, LDA, 1992, p.8.
30
que vão desde a década de 1940 até 1950, fichas de membros do Partido Comunista, cartas
pessoais dos militantes, papéis sobre campanhas eleitorais e uma lista, de suspeitos de
pertencerem ao Partido.
Sabe-se que o período de 1935 foi marcado pelo choque entre duas correntes
confrontos entre ambas foram habilmente utilizados por Getúlio Vargas, que mostrava à
classe média e aos militares os perigos de uma política aberta. O medo da “subversão
federal amplos poderes para reprimir a ação da Aliança Nacional Libertadora (ANL).
internacional.
impossibilidade de chegar legalmente ao poder levaram uma ala mais radical a uma
42
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit., p. 49.
31
rebelião armada em novembro de 1935, que ficou conhecida por Intentona Comunista,
Mas o enigma continua. João de Mattos, ao que parece, concluiu sua narrativa em
1934, época em que afirma já estar velho e prestes ao isolamento. O mistério a elucidar
consiste em saber porque razão suas memórias foram parar num arquivo de subversivos da
Era Vargas, quando se sabe que o relato por ele deixado se encerra em 1912?
Colônia Correcional de Dois Rios, em 1935, encontramos fichas, com 31 páginas relativas
a 151 acusados de comunismo, entre os quais haviam 7 padeiros. Em uma outra lista
ainda, a polícia poderia tê-lo apreendido em algum local investigado, com o propósito de
43
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl. 6 nº
24.
32
44
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl.11 nº
50.
45
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fls.12 e
13 nº 55.
46
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl. 16 nº
77.
47
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl. 22 nº
104.
33
para o navio presídio “Pedro I” a 4-2-1936, dali retornou á Casa de Detenção a 16-
4-1936; sendo finalmente, enviado para a Colônia Correcional de Dois Rios a 22-
5-1936.48
7- Silvino Baptista dos Santos, preso a 14-7-1935, porque se encontrava no Largo
da Lapa, para tomar parte num comício de protesto contra o ato Governamental
que determinou o fechamento da Aliança Nacional Libertadora, foi posto em
liberdade, em 14-7-1935. Preso a 8-12-1935 nas proximidades do Sindicato dos
Padeiros, dados os seus antecedentes, foi recolhido á Casa de Detenção, a 9-12-
1935, á disposição do Exmº Sr. Chefe de Polícia, como medida preventiva de
segurança política e social. A 3-2-1936, foi transferido para o navio presídio
“Pedro I”, dali retornando á Casa de Detenção, a 16-4-1936; sendo, finalmente,
transferido para a Colônia Correcional de Dois Rios a 18-4-1936.49
fortes probabilidades de qualquer um daqueles indivíduos ter tido contato com João de
João de Mattos não abordam fatos pessoais, mas, sobretudo, a história de um grupo de
1935, nos chamou a atenção o fato de haver um militante jovem com o sobrenome Mattos.
Não tinha profissão. Porém, já que estamos na área das possibilidades, ficamos imaginando
Leopoldo da Costa Mattos, foi preso, a 14-8-1936, por ser agitador, e pertencer á
Juventude Comunista, tendo ligação com Antonio Soares Falcão, e ser secretario
de célula. Procedida busca em sua residência, ali foram apreendidos boletins
subversivos e documentos comunistas; recolhido á Sala de Detidos, foi
identificado, fotografado, e transferido para a Casa de Detenção, á disposição do
Exmº Sr. Chefe de Polícia, em 18-8-1936. Removido para a Colônia Correcional
de Dois Rios, a 4-9-1936.50 (o grifo é nosso).
48
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl. 28 nº
139.
49
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl.30 nº
146.
50
Militantes Diversos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d. 30055. Fl.24 nº
114.
34
guardava o Manuscrito. Entretanto, como não podemos comprovar a ligação entre ambos,
acreditamos que as duas possibilidades devem ser consideradas, já que João de Mattos
afirma haver sempre lutado por sua categoria profissional. Até mesmo quando, em 1900,
de Padarias em 1913. Por sua vez, Dias da Silva, fora secretário da reunião organizada pela
Liga Federal dos Empregados em Padarias, reunião esta, que deflagrou a conhecida greve
a primeira grande aventura narrada pelo “nosso padeiro Quixote”, ou seja, sua atuação no
século XIX, Leila Duarte, baseada nas palavras de João de Mattos, inicia o relato da
trajetória desses padeiros afirmando que em Santos “Padarias havia apenas cinco (...)”52 .
cidade de Santos possuía sete padarias, a “Antonio Borges Junior; Antonio Joaquim de
Oliveira; J. J. Marty; João Bertrand Vives; João Rodrigues Leite; Lalanne & Irmão e Pavot
51
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
52
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit, p. 20.
35
& G.”53 Provavelmente devido a idade avançada João de Mattos não lembrava mais o
número exato de padarias que havia em Santos, afinal sua narrativa começa em 1876, mas
foi escrita em 1934. Por outro lado, é notório que o exercício do ofício de padeiro aquela
época não era nada fácil: horas seguidas de trabalho, depois a distribuição dos pães em cada
casa. Como afirma Leila Duarte “(...) era extenuante para homens livres e escravos: além de
fazer manualmente a massa do pão e vigiar o forno durante a madrugada, era preciso
carregar os pãezinhos ainda quentes, em grandes sacos, nas costas, e entregá-los de porta
em porta.”54
Seja como for, o importante a reter é que em uma dessas padarias da cidade de
Santos, trabalhou João de Mattos, e foi lá que ele e seus companheiros se engajaram no
miseráveis em que viviam, inclusive eram castigados por seus patrões. Mas além do
53
Almanak Laemmert. Universidade de Chicago, Arquivos digitalizados. http://brazil.crl.edu/bsd/almanak. p.
330.
54
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit, p. 20.
55
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
56
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit. A carta de alforria era um documento que exigia não somente uma quantidade muito grande de
informações, mas também a formalidade de um registro em cartório [...] Mas essa formalidade toda foi
suprimida com a Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871. pp. 29-32.
36
como ele chamava aqueles que não eram livres, conseguiriam continuar a vida em outra
região, sem medo de serem declarados escravos fujões, já que possuíam carta de alforria e
com este documento respondiam a quaisquer dúvidas de quem contratasse os seus serviços.
No Manuscrito, João de Mattos não deixa pistas sobre a sua origem. Seria ele um
ex-escravo? Outras perspectivas não devem ser descartadas. Marcelo Badaró Mattos
movido contra alguém de nome João de Mattos, em abril de 1901, incriminado por agredir
confeiteiro, numa loja de doces. Entretanto, como o acusado não foi localizado pelos
oficiais de Justiça, o processo correu à sua revelia não sendo possível para Badaró
encontrar mais detalhes que pudessem confirmar tratar-se do João de Mattos,57 aqui
aludido.
só se refere às pelejas em que se envolveu. Como ele mesmo afirma “Os companheiros
externos foram ás almas vivas desde as premitivas luctas = empregando o maximo esforço
pára desentravár os companheiros internos escravisados de facto = que até 1888, nos
empedia o caminho.”58
57
Documento interditado para restauração.
58
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
37
1878 com os 4 enseparaveis companheiros externos, e eu interno.”59 Ou seja, ele não fazia
a entrega do pão, ao contrário do que afirma Leila Duarte “João saía para entregar e vender
Deformas que pelo que já descrevi os extérnos foram os primeiros com diminuta
quantidade de internos que luctarão ao transe pela liberdade ocultamente, e com á
máxima precaução = Os vendedores = e entregadores de Pão naqueles tempos, era
feito com sacos aos hombros = depois foi aparecendo com cestos carrocinhas
etc...=61.
âmbito do seu próprio local de trabalho, enquanto que os externos aliciavam os cativos das
casas em que entregavam a mercadoria. O interessante é que João de Mattos não cita os
nomes dos companheiros, “os quatro inseparáveis,” que o ajudaram em suas peripécias por
Santos e por São Paulo. A menção de nomes só começa de fato com a fundação do Bloco
Seguindo João de Mattos , depois do primeiro levante, o grupo dirigiu-se para São
Bernardo, onde ele foi preso e conduzido para a cadeia em Santos. Devido a insuficiência
de Provas “fui posto em liberdade = condicional de não voltar mais aquéla cidade =”62. De
fato, ele não regressou. Em 1877, dirigiu-se para a cidade de São Paulo “=não só para
59
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
60
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit.p. 21.
61
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
62
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
38
Ferro S. Paulo = ao = Rio = Que foi no dia 7 de julho deste =”.63 Procuramos checar esta
informação e confirmamos que a extensão total da estrada São Paulo- Rio foi inaugurada:
Mattos começou a observar a situação das padarias da cidade e a condição daqueles que
63
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
64
Associação Nacional de Preservação Ferroviária. www.anpf.com.br/histnostrilhos/historianostrilhos19-abril
2004.htm-44k.
65
MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico: Os Movimentos Sociais na Década da Abolição. Op. Cit.,
p. 92.
66
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
39
aqui é identificar os motivos que levaram esses padeiros a lutarem, arriscando-se a acabar
presos por companheiros a quem mal conheciam. Ao que tudo indica, para o “nosso
Quixote” e seus amigos, os escravizados mereciam a liberdade para que os livres não
teriam o direito a uma vida digna:“Os patrões erão demais carrascos e abusavão de seo
por qualquer cousa davão supapos, pontapés, impurrões = pela porta fora = E apelar para
quem!..”67
Desta forma, João de Mattos como seus companheiros acreditavam estar fazendo o
que era correto. Para o grupo era necessário guerrear não só contra os escravocratas, mas,
também contra as autoridades. E, ao que parece, tudo deveria ser muito bem organizado
Depois de algumas incursões vitoriosas em São Paulo, João de Mattos narra que
E em acto contino seguimos por térra para o Rio com todo cuidado escapando as
peciguições caminhando por desvios da estrada geral = quando nos encontrávamos
= nas alturas das cidades da Caxueira e Areias = fomos espalhando = um, a um =
pelos sítios, e fasendas etc .. Cada qual tinha a competente defesa com
apresentação da carta = [...] E depois de terminada ésta árdua tarefa = Siguimos a
continuidade da viagem = Mas tão compenetrados estávamos mesmo
fanaticamente = que cada feito destes = tínhamos uma imaginável satisfação = e
insaciavelmente proceguiamos = Pois todos estávamos no pelo goso florido da
mocidade = chegemos ao Rio no dia que se festejava o aniversario da
Independência em 1878.68
67
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
68
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
40
padarias.69 Por conseguinte para João de Mattos e seus companheiros, a província e a Corte
seriam um campo fértil para divulgar suas idéias abolicionistas. Durante os meses iniciais
do ano de 1878, o grupo procurou a “conveniente colocação” nas padarias, ou seja, buscou
conquistar mais adeptos para a causa, animando-os a criação de uma associação, que
recebeu o nome de Bloco de Combate dos Empregados de Padaria, cujo lema era pelo Pão
e pela Liberdade. Os convites para a nova agremiação começaram a ser feitos tanto na
própria Corte como em Niterói, capital da província fluminense. A data da fundação seria
marcada para o dia 5 de abril de 1880, ou seja, cerca de dois anos após a chegada de João
de Mattos ao Rio de Janeiro. Acreditamos que Mattos e seus companheiros usaram esse
tempo para divulgar suas idéias abolicionistas entre os padeiros, tanto os livres como os
escravizados. Devem ter alcançado boa repercussão, o que teria levado à fundação do
Vale lembrar, que no Rio de Janeiro, era natural encontrar trabalhadores livres e
escravizados exercendo juntos o mesmo ofício. Até 1840 a preferência por trabalhadores
escravos era maior: “Os periódicos da cidade estavam repletos de anúncios de aluguel de
69
Almanak Laemmert. Universidade de Chicago, Arquivos digitalizados. http://brazil.crl.edu/bsd/almanak.
pp. 974,975,976.
70
SOARES, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na Capital do Brasil: A Escravidão Urbana no Rio de Janeiro do
Século XIX. Rio de Janeiro: Faperj – 7Letras, 2007.
41
compartilhavam as mesmas ocupações, o que despertava certas rivalidades. Por outro lado,
ocorriam, também, solidariedades entre eles. Aliás, tanto os trabalhadores livres quanto os
No dia 5 de abril de 1880, às 14:00 horas, no chafariz que existia no Largo do Paço,
atual Praça XV de Novembro/ Rio de Janeiro, foi fundado o Bloco de Combate dos
justos e tratamento condigno por parte dos patrões, implicava em primeiro lugar em acabar
com o trabalho escravo. Assim, uma abolição gradual protelava a conquista desses direitos.
época lutar contra a escravidão era crime. Se a associação fosse descoberta todos seriam
Janeiro e, para impedir que fosse conhecido o seu verdadeiro propósito, criou-se um
subterfúgio: colocou-se na porta uma tabuleta com o nome de “Curso de Dança”, cujo
acesso era permitido apenas aos sócios. Assim ninguém iria desconfiar que naquele local os
padeiros se reuniam para divulgar suas idéias e determinar qual seria o próximo passo para
71
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
42
papelão, onde constavam os 11 pontos a serem seguido. Na opinião de Leila Duarte tratava-
preparar “os espíritos dos companheiros tanto escravizados de fato como livres para a
Todavia, a tabuleta com os 11 princípios era sempre retirada da sede após cada
reunião “quando terminava as reuniões por prevenção carregávamos a lei = e tudo que
esistisse escripto = livros e etc.”74 Mesmo acreditando que a associação estava bem
escondida, observa-se a preocupação de não deixar nenhuma pista que pudesse denunciar o
Bloco, que crescia a cada dia , com o ingresso de novos sócios, promovendo reuniões em
que “os vendedores (externos) não só prestavam obidiencia sobre as propagandas incetádas
Com o passar dos meses “contavam com cerca de 100 associados”76, e as incitações
72
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
73
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX. Op.
Cit.p.36.
74
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
75
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
76
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
43
no dia em que iria completar um ano, a sede do clube acabou sendo descoberta. João de
O levante dos padeiros em direção a Barra do Piray não foi notícia nos jornais, o
que não é de se estranhar porque era costume a polícia encobrir e censurar os episódios
mais perigosos como demonstra Maria Helena Machado “(...) retirando-os das páginas dos
periódicos, dos relatórios oficiais e dos próprios anais do movimento.”79 Mas, se não
conseguimos comprovar o levante nem a prisão de João de Mattos, a informação de que ele
episódio. Já que em sua gestão no Instituto da Ordem dos Advogados (1873 e 1892) houve
uma intensificação dos serviços de assistência jurídica gratuita, em que ele costumava
77
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
78
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
79
MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico: Os Movimentos Sociais na Década da Abolição. Op. Cit.,
pp. 166-167.
44
designar associados para defender réus pobres. Por iniciativa de Saldanha Marinho essa
defender pessoas presas envolvidas nessa campanha. Infelizmente, não foi possível
janeiro (APERJ) faltam alguns dias, como por exemplo, na notação 21 nº 4046 vai do
Detenção por nós esquadrinhada o mais próximo que chegaríamos do nosso personagem
João José de Mattos, preso em 14 de março de 1881, que era brasileiro, natural de
Rio Bonito, filho de Porfírio José de Mattos e Fermina Rosa da Conceição, prezo
por vagabundagem, a disposição do dr. Juiz de órfãos da 2ª vara e conduzido pelo
carro da casa com ofício do mesmo. Tinha 20 anos, morava na rua da Imperatriz,
era branco e sua ocupação era de marítimo.81
procuramos. Pensamos obter então informações nos processos judiciais em que Saldanha
Marinho atuou como advogado de defesa. Nada foi encontrado. Sabe-se, contudo, que ele
atendia pessoas humildes que lhe pediam ajuda como se constata nas correspondências
80
GUIMARÃES, Lucia M. P. & FERREIRA, Tânia M. Bessone da Cruz. História da Ordem dos Advogados
do Brasil. O IAB e os advogados no Império. V. 1, coordenação de Herman Assis Baeta. Brasília: OAB
Editora, 2004, pp. 110-111.
81
Arquivos da Casa de Detenção. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Notação: 19, nº
3993. Período de 15/02 a 29/ 03/ 1881.
45
Janeiro. A sua ligação com Luiz Gama, como atesta uma carta dirigida por Gama ao
advogado, nos permite supor que Saldanha Marinho possa de fato ter atendido João de
Mattos.
Deixou o Rio de Janeiro e retornou, para São Paulo. Mas, quem acha que a luta desses
padeiros acabou, se engana, pois eles continuariam lutando pelo fim da escravidão, em São
Foi se criando Padarias e nesses tempos = fasião pedidos e anunciavão nos jornaes
= de Padeiros, e trabalhadores e como tudo era com a passagem paga por conta
deles = eu aproveitava = mais parava pouco só trabalhava pára as despesas =
indispensáveis = e pelo interior também eu era o densintravador, que não inúmero
= em 1888 = Nós realisemos a maior vitória da nossa intranzigente lucta = ficando
o caminho desentravado dos escravisados de facto=.82
Para João de Mattos, o 13 de maio de 1888, deve ter tido um gosto de vitória.
Entretanto, embora a escravidão tenha acabado, a condição dos padeiros não melhorou ao
contrário do que ele supunha. Assim, a batalha haveria de continuar, doravante em prol de
uma vida digna e por melhores condições de trabalho para todos os empregados de
padarias, uma luta que persistiria após a instauração da República. De qualquer modo, ao
confiarmos nas memórias de João de Mattos percebemos que dentre todas as associações
sociedade, afirmando que o fim da escravidão era apenas uma etapa, a única que persistiu
82
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
46
livre e escrava, uma associação não elitista, que continuou a lutar pela inserção dos
padeiros dentro da sociedade utilizando para isso sempre os levantes (ou greves na época).
47
público a que se destina. João de Mattos ao narrar suas memórias também responde ao
tempo em que viveu, primeiro durante o Império lutando pelo fim da escravidão e depois na
luta pelo fim da escravidão até o início do movimento operário, quando Mattos se envolve
“... um ano e sete meses apôz Proclamou-se a República = que também operamos
muito = esperando o que respondeo pela negativa? = do que esperávamos obeter =
E aqui se ratifica que não podemos esperar nada da política da Sociedade
Dirigente, por ser antagônica a Sociedade dos Derigidos.”83
Isto nos leva a depreender que a mudança do regime político não trouxe qualquer melhoria
ouvidos moucos.”84
empregados, pois segundo o nosso personagem os trabalhadores não podiam contar com o
Estado para mediar tais disputas. Pressionava-se o governo para controlar o operariado, por
83
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
84
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987, p. 137.
49
de Cláudio Batalha “a ação organizada da classe por meio de suas instituições ou de ações
coletivas atingiu apenas uma minoria dos trabalhadores, entre outras razões porque nesse
categoria dos padeiros, um artigo assinado por João de Mattos em que demonstra ter tido
João de Mattos relata que com a proclamação de 15 de novembro de 1889 “(...) não
De fato sabe-se que no início dos anos de 1890, no meio operário, havia uma forte
historiador Boris Fausto “Por volta de 1900, nas indústrias têxteis, trabalhava-se 14 horas
85
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2000, p. 14.
86
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
50
diárias.”87 Acreditamos que o tempo diário de trabalho de um tecelão não era muito
diferente daquele dos empregados de padaria, já que estes também participaram da greve
“(...) Dizem que o movimento também será seguido pelos marceneiros. Outra
categoria que acaba de aderir ao movimento é a dos funcionários de padarias. Na
padaria da rua Carolina, na estação do Rocha, n. 16, os trabalhadores declararam-
se em greve, solidários com o movimento, mas mantiveram atitude pacifica.”88
aumento de salários. Ao mesmo tempo, buscava-se uma brecha no espaço político porque a
apenas “a burguesia aparecia como ator histórico, dotado de um projeto e, em larga medida,
capaz de leva-lo a efeito.”89 Mas os operários não aceitavam pacificamente esta condição
popular divulgando a ideologia de que o poder seria exercido em nome do povo através de
um representante, que não deveria ser questionado. Por outro lado para E. P. Thompson
essa consciência de classe dos trabalhadores podia ser vista de dois aspectos:
87
FAUSTO, Boris (Dir.). História Geral da Civilização Brasileira: Tomo III O Brasil Republicano.
Sociedade e instituições (1889-1930).. Volume 9. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 160.
88
AZEVEDO, Francisca Nogueira. Malandros Desconsolados: O diário da primeira greve geral no Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005, p. 115.
89
BRETAS, Marcos Luiz. Povo e Polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,
1997, p. 31.
90
THOMPSON, E. P.. A Formação da Classe Operária Inglesa: A força dos trabalhadores. Tradução Denise
Bottman. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 411.
51
seu relato a respeito dos apoios, com que o movimento deveria ter contado. Se tomarmos
como parâmetro os jornais cariocas, percebe-se que o panorama era outro. O Jornal do
Comércio, por exemplo, considerado a voz do empresariado, exigia a volta dos operários ao
distribuição dos bens e dos males da terra, se é que só eles podem fazer a felicidade e as
desgraças das criaturas. Mas precisamos não nos embalarmos em utopias...”91 Por sua vez,
(...) Os operários mal aconselhados. Que mais quer essa gente? Não há razão para
queixas. Algumas palavras esmagadoras sobre o movimento operário:
- Não há motivo nenhum para greve.
- Nenhum dos operários trabalha demais e o que ganham não lhes chega para
viver. Isso lá é motivo sério?
- Os operários estão mal aconselhados, o meio que lançam mão é errado.
- O conselho bom dado naturalmente pelos patrões seria este: esperar cada um,
muito alegre, que os proprietários de fábricas lhe diminuíssem o trabalho e lhe
aumentassem o salário...92
movimento. Aliás, a idéia de agrega-los não era nova, se levarmos em consideração o relato
91
AZEVEDO, Francisca Nogueira de. Malandros Desconsolados: O diário da primeira greve geral no Rio de
Janeiro. Op. Cit. p. 107. Retirado do Jornal do Comércio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR01, 21/08/1903.
92
Jornal O Paiz, apud Francisca Nogueira de Azevedo, p. 108. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR06,
22/08/1903.
52
no Brasil. Não por acaso, ele revela: “e pensando assim convidei os companheiros externos
nossa classe.”93 Tais palavras reforçam o argumento do historiador Marcelo Badaró, de que
“era resistindo e lutando contra a exploração por meio de suas organizações e movimentos
Nas suas memórias João de Mattos narra que a categoria desapontada com a falta de
“Verifiquei mais que só do nosso único e exclusivo esforço é que poderíamos alcançar
melhorias.”95 Neste caso, a solução que lhes parecia mais viável era insistir na organização.
companheiros,96 Manoel Vaz do Vale e José Xavier Malheiros. Para servir de sede ao
grupo foi alugado o primeiro andar do prédio na rua São Pedro nº 244, este logradouro
desapareceu com a abertura da rua Presidente Vargas. Mattos relata que distribuiu
panfletos e fez propaganda nas padarias da instauração de uma Sociedade Cooperativa. Ele
revela que a fundação foi marcada para 10 de junho de 1890 e divulgada na imprensa pela
93
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
94
MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe
trabalhadora no Brasil. Op. Cit., p. 188.
95
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d 30055.
Fls 99 a 117.
96
Externos, ou seja, vendedores.
53
encontramos tal anúncio. Porém, identificamos uma nota na Gazeta de Notícias na edição
Classe Padeiral: Sessão do Conselho hoje, 14, ás 6 ½ horas da tarde, á rua S. Pedro n. 266.
relação entre as duas sociedades nomeadas, já que ambas se localizavam na rua S. Pedro e
em números bem parecidos. Isto reforça nossa suspeita de que devido a idade avançada
João de Mattos pode ter feito uma certa confusão. Além disso, ele menciona uma comissão
sociedade. Tudo indica que seria o tal Casimiro Lopes, reforçando a premissa de que a
23/05/1890.
Companhia Cooperativa do Carvão
97
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
98
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 45-Reg. 1083.
99
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 93-Reg. 2880.
100
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 81-Reg. 2447.
101
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 65-Reg. 1666.
102
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 55-Reg. 1367.
103
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 60-Reg. 1488 / Lº 77-Reg. 2241.
54
memórias de João de Mattos. Aliás, em busca de outras fontes que nos ajudassem a
contextualizar o seu relato, descobrimos que já em 1876 fora estabelecida uma Companhia
Mosmaud. Tratava-se de uma sociedade anônima, cuja duração estava prevista para cerca
de trinta anos, salvo a hipótese de dissolução antes daquele período. As chamadas aos
acionistas eram feitas em anúncios públicos. O objetivo desta cooperativa era estabelecer
inspiração para João de Mattos e seus companheiros. Mas outro fator muito importante para
a sua organização foi “o encilhamento”, ou seja, a política de crédito criada por Rui
104
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
105
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
106
Arquivo Nacional: AN. Junta Comercial. Lº 14 Reg. 278/305.
55
Tudo leva a crer que a imprensa foi o principal veículo de divulgação das condições
como a Gazeta de Notícias, que costumava emitir notas a respeito do movimento operário
informe da Gazeta de Notícias é importante por que permite iluminar dois personagens
de Mattos disse ter ido ao Liceu, situado a Rua da Guarda Velha 3 e 5, atualmente Largo da
Carioca, pedir ao diretor Béthencourt da Silva um salão para a reunião em que seria
operárias vem de longa data. Pesquisando sobre o Liceu descobrimos que a instituição
menos favorecidos. Seu lema era “Combater a ignorância é defender a liberdade.” Aliás,
107
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
108
Já em 1823 E. P. Thompson cita a presença dos Institutos de Artes e Ofícios como uma “sociedade de
aperfeiçoamento mútuo, formal ou informal, que se reunia semanalmente com o propósito de adquirir
conhecimento, geralmente sob a liderança de um dos seus membros.” E. P. Thompson . Op. Cit. p. 340.
56
De qualquer modo, era comum o Liceu ceder suas salas para reuniões de
Acta da assembléia geral constitutiva do Banco dos Operários (...) As 11-3/4 horas
da manhã do dia 1º de junho de 1890 reuniram-se, em um dos salões do Lyceu de
Artes e Offícios, para mais de dois mil accionistas do Banco dos Operários que
para [?] tinham sido convocados, na fórma da lei, por annuncios publicados em
diversos jornaes de maior circulação, e que inscreveram os seus nomes no livro de
presença, exhibindo os títulos comprobatórios de sua qualidade de accionistas...”
11/06/1890110
Mas estas referências são difíceis de comprovar, já que as atas das entidades
ficavam em suas sedes, quando existiam, ou em poder de algum associado. O Liceu apenas
cedia o espaço, que era grande, o que parece confirmar a versão de João de Mattos.
Todavia, em 1893, o Liceu sofreu um terrível incêndio, que destruiu boa parte do prédio e
Tanto assim, que João de Mattos recorreu a instituição mais uma vez, em 1898, quando da
109
BIELINSKI, Alba Carneiro. Educação profissional no século XIX: Curso Comercial do Liceu de Artes e
Ofícios – um estudo de casos. www.senac.br/informativo/BTS/263/boltec263e.htm,p.4.
110
Jornal Diários de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. SPR04.
57
número expressivo de trabalhadores. Isto nos permite supor que ao criar a Sociedade
Cooperativa João de Mattos e seus companheiros sabiam exatamente o que desejavam: ser
donos da sua própria força de trabalho o que em outras palavras significava pleitear uma
vida mais digna para os profissionais que colocavam na mesa o alimento básico de toda a
sociedade.
levou à organização dos sapateiros; dos alfaiates; cigarreiros e charuteiros; dos pintores;
Tais reuniões costumavam realizar-se à noite. A pauta de assuntos tratados era bem
diminuição das horas de trabalho, melhores salários, cobranças de taxas devidas pelos
sócios, entre outros temas. As agremiações costumavam possuir estatutos que estabeleciam
vai ressaltar o aparecimento dos sistemas de cooperativas. Ele considera que “no final dos
anos 20, uma ou outra variante da teoria cooperativa e econômica do trabalho tinha
111
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN.PR-SPR 2764.
112
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
113
Badaró em seus estudos sobre formação da classe operária carioca encontrou mais de 180 associações
mutuais, beneficentes ou assemelhadas, entre as décadas de 1850 e 1900. Marcelo Badaró Mattos.
Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe trabalhadora no Brasil. Op.
Cit., p. 96.
58
nos induzem a supor que os padeiros do Rio de Janeiro por certo devem ter sofrido a
caso brasileiro na segunda metade do século XIX, é preciso partir, pois, da constatação de
disponíveis.”115
classes dominantes a força da massa operária. Este é o caso de uma nota publicada no
jornal Gazeta de Notícias, de 22 de maio de 1890, a respeito de uma greve que parou a
reivindicações eram semelhantes. E por isso também eram influenciados pelas ideologias
114
THOMPSON, E. P. . A Formação da Classe Operária Inglesa: A força dos trabalhadores. Op. Cit., p. 398.
115
MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe
trabalhadora no Brasil. Op. Cit., p. 86.
116
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
117
Badaró afirma que “nos anos de 1890, o exemplo organizativo alemão era, portanto, o mais forte para
aqueles que no Brasil, como em outras partes, se propunham a organizar os trabalhadores tendo as propostas
socialistas como parâmetro.” Marcelo Badaró Mattos. Experiências comuns: escravizados e livres no processo
de formação da classe trabalhadora no Brasil. Op. Cit., p. 91.
59
parasitários.”118 O fato dos anarquistas serem contrários às cooperativas nos leva a supor
Sociedade da categoria.
Aliás, naquela altura, o socialismo era percebido como uma ameaça às correntes
próprios como A Voz do Povo e Echo Popular. Suas propostas giravam em torno da criação
somente com capital é que poderiam criar escolas, consultórios médicos, cooperativas de
produção, entre outras ações. Mas, além disso, as associações operárias buscavam reforçar
liberdade e igualdade.
convocou seus companheiros para organizar a dita Sociedade Cooperativa, com o objetivo
ou seja, possuía um estatuto e deveria eleger uma diretoria da qual fazia parte um
118
MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro: 1890-1920.
Tradução: José Eduardo Ribeiro Moretzsohn. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 75.
119
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos
Tribunais; Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988, pp. 62-63.
120
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
60
atingisse seus propósitos era preciso arregimentar mais associados. Neste sentido, João de
Mattos afirma ter distribuído inúmeros panfletos pelas ruas do Rio de Janeiro convidando
seus pares para a sessão de instalação da nova Sociedade. A estratégia parece ter dado
(...) Bastante concorrida pois apareceram de 300 a 400 companheiros = Nesta foi
aclamada uma comição organisadora e estaladora = sendo Eu, e os mesmos antes
ditos = houve donativos espontâneos para as primeiras despesas = rendeo 708$000
reis = a maioria aprovou ser cooperativa.121
por Ângela de Castro Gomes para explicar a emergência do movimento operário no Brasil:
“um dos objetivos principais das propostas de organização das classes trabalhadoras nesta
época era justamente torna-la visível para a sociedade e, paralelamente, legitimar suas
Se a República, conforme afirma João de Mattos, fora uma decepção, era necessária
compra de padarias, daí o lema “Trabalhar pára Nós mesmos,”123 A diretoria mandou
litografar cerca de “2000 ações a – 20:000 [reis] podendo caso estas duas mil não chegasse
121
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
122
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Op. Cit., p. 61.
123
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
124
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
61
apelido que fora dado a política financeira posta em prática pelo Ministro da Fazenda Rui
mais plausível para o sentido da palavra encilhamento era o “local onde são dados os
últimos retoques nos cavalos de corrida antes de disputarem os páreos. Por analogia. Teria
sido aplicada à disputa entre as ações das empresas na Bolsa do Rio de Janeiro, trazendo
em si a idéia de jogatina.”126
bancos ofereciam créditos a pessoas que tivessem interesse em criar empresas, tanto
Empregados de Padaria, João de Mattos ressalta que o êxito alcançado no lançamento das
suas ações foi tão grande que recebeu diversas propostas de créditos: “as ações não só
tiverão grande asseitação no meio dos companheiros como por todos particulares = até
houve oferecimentos de capitais dos Bancos = e por todos capitalistas.”127 Isto nos parece
bem provável, pois na época havia inúmeros bancos no Rio de Janeiro, Banco do
Industrial e Mercantil do Rio de Janeiro; Banco do Rio de Janeiro; Banco dos Empregados
do Comércio; Banco das Classes Laboriosas entre outros.128 A par disso, formaram-se,
também, muitas empresas de crédito, algumas reais e outras fictícias. Portanto, não seria de
125
Como destaca Badaró “ Foi durante o primeiro governo republicano, quando Rui Barbosa esteve à frente
do Ministério da Fazenda, que um estímulo governamental à inversão de maiores somas de capital no setor
industrial possibilitou não apenas o surgimento de novos negócios (alguns deles de curta duração), como
também um salto na expansão das fábricas já estabelecidas.” Marcelo Badaró Mattos. Experiências comuns:
escravizados e livres no processo de formação da classe trabalhadora no Brasil. Op. Cit., p. 52
126
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002, p. 252.
127
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
128
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
62
instituições, além dos seus cooperados. Além disso, a rua São Pedro, onde se localizava a
surgiram como cogumelos,” conforme adverti Brasil Gerson na sua História das Ruas do
Rio.129
A política financeira de Rui Barbosa havia gerado a noção de que a República seria
o regime ideal para permitir o crescimento dos negócios, o que de certa forma explica a
iniciativa dos padeiros. Entretanto, existe uma questão que continua sem resposta: Como
das padarias?
Sabe-se que uma sociedade cooperativa para ser instalada, como qualquer negócio,
precisava do aval do governo. Não conseguimos nenhuma pista desta autorização. Mas,
129
GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio (e da sua liderança na História política do Brasil). 5ª ed.,
remodelada e definitiva. Fixação do texto, introdução e notas Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Lacerda Editoras,
2000, pp. 62-64.
63
financeira mais difícil. As compras eram pagas da seguinte forma: metade do valor em
voltada para o comércio de farinha de trigo e seus preparados, cuja fundação foi requerida
na Junta Comercial por: João Antonio Guimarães e Arthur Barboza. Seus principais sócios
eram o comendador Fernando Antonio Pinto de Miranda; João Antonio Guimarães Pinto e
César Augusto de Macedo Ribeiro e Arthur Barboza. Este último na função de gerente da
anos contados da sua instalação, prazo que poderia ser prorrogado pela Assembléia Geral.
O capital anunciado alcançava a soma de dois mil contos divididos em dez mil ações.
“dumping”, ou seja, fixavam o valor do pão bem mais barato obrigando a concorrência a
130
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
64
Panificadora por vender pão bem abaixo do preço de mercado, como se lê na matéria
Monopólio do pão
A lei das sociedades anonymas prescreve no art. 1º § 4º o seguinte:
“Dependem de autorisação para se organisar as sociedades anonymas que tiverem
por objecto o commercio ou fornecimento de gêneros ou substancias alimentares.”
Esta reserva de fiscalisação que o governo se arrogou funda-se evidentemente em
um principio de elevado alcance social. Não é possível deixar em inteira revelia,
ou á mercê de syndicatos, organisações que ora prejudicam o interesse privado,
fazendo-o sucumbir sob o peso do monopólio, ora vão de encontro ao interesse
publico, deixando-o exposto aos maiores perigos.
Parece, porém, que o fim primordial d’essa salutar disposição foi posto de parte
pelo acto do governo que autorisou a Companhia Panificação.
A alludida companhia não se formou para explorar e desenvolver um ramo de
industria nova e de difficil utilisação; não trouxe para o paiz o fructo de uma afta e
paciente conquista, que custasse estudos e experiências dispendiosas, nem applicou
avultados capitães no aperfeiçoamento de um invento de que a sociedade estivesse
privada.
Em regra deve-se attender a que as excepções que fundam privilégios destroem
completamente as leis da concurrencia e afastam do campo da luta individual a
iniciativa e o capital – as duas mais poderosas alavancas do progresso do nosso
tempo.
E’ certo que o governo, com seu acto não concedeu á Companhia Panificação
nenhum privilegio deffinidamente firmado por qualquer clausula, como tantos
d’esses que constantemente são requeridos, e que, para mostrar quão inoffensivos
são, basta recordar que a maior parte ahi se acha sem o menor seguimento.
Ao contrario d’isso, o monopólio de que nos vamos occupar tomou caminho
diverso e forma mais insidiosa. Arvorou a bandeira do livre principio da
associação e foi buscar o anonymato a sua [ilegível].
Simulando occupar posição idêntica a d’essas emprezas que semanalmente
irrompem da fecunda fantasia dos nossos hardos industriaes, só faltou ajuntar ao
seu programma, para gáudio das classes felicitadas, que ella, a nova companhia, á
semelhança dos déspotas romanos, para calar a turba ignora dos descontentes,
fornecerá gratuitamente panem et circenses.
E’ esta a concepção que podemos ter uma companhia que se fórma com o
consentimento do governo, para levantar os créditos ou as forças de uma industria
e de um ramo de negocio que existem fundados e explorados, livres da oppressão
dos [productores] [espontâneos] do clamor dos consumidores.
A Companhia Panificação, pois, não é um organismo liberal creado a sombra da
lei; é um bote astutamente armado á credulidade dos simples, e um grande perigo a
que ficou exposta a alimentação publica.10/09/1890.
Ricardo (Do Jornal do Commercio de 9 do corrente).131
131
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
65
daria através da compra de todas as padarias. Sendo assim, era necessário combatê-la, e
alertar os consumidores que deveriam desconfiar do pão barato fornecido por esta
instituição.
ter provocado um certo desconforto: “A confiança no êxito não se fasia esperar – Todos
Mas o tal Ricardo não seria o único a desconfiar das intenções da misteriosa
na Gazeta de Notícias, pedia maiores informações sobre a empresa, do qual pouco se sabia
Companhia Panipatótica
Panem Et Circenses
Um padeiro que quer adherir á tal panipatetice, mas que é pai Paulino que tem
olho, quer ver, as [cousas] mais claras, e todos os pontos mais esclarecidos, porque
isto de annuncios garrafaes são caretas de que já se não morre hoje em dia.
132
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
66
o conhecimento dos seus estatutos, a relação dos bancos em que o capital fora depositado, a
Mas a contenda deveria envolver altos interesses, pois Brijon continuaria no ataque
envolvia alguns nomes influentes da colônia portuguesa, pois o articulista fala “da
133
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
67
gravidade de umas barrigas que mais fazem lembrar a gravidez campanuda da ronha...”
Estas exigências não tiveram respostas, sendo assim, ele optou por não participar da
depósitos na cidade do Rio de Janeiro e seus endereços eram divulgados nos jornais,
acompanhados dos anúncios dos seus produtos e respectivos preços: “pão de Provença
conhecido por pão de 40 rs. A 20 rs.; pão francez conhecido por pão de 60rs. A 40. rs.”135
134
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
135
Jornal Cidade do Rio. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 168.
68
do tal Ricardo. O acionista apócrifo contra atacava seus detratores afirmando que
Mas, se o objetivo era defender a Companhia, o tiro saiu pela culatra. O autor da
nota apenas confirmava o seu interesse no monopólio do pão, o que mereceu uma resposta
136
Jornal do Commercio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR 01.
137
Jornal do Commercio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR 01.
69
Durante cerca de dois meses foram vários os artigos publicados pelo tal Ricardo. O
debate prosseguiu, com a censura contra o possível monopólio por parte da Companhia
Nacional de Panificação. Por sinal, um dos artigos nos chamou bastante a atenção, pois
descrevia a forma como as padarias eram compradas pela Companhia, apontando inclusive
uma provável ilegalidade da sua parte, ao usar ações como meio de pagamento
Monopólio do pão
...A companhia panificação começa a sentir que o terreno lhe vai faltando debaixo
dos pés.
Tanto isto é exacto, que um dos colaboradores mais efficazes da fundação do
monopólio já [pôs]-se à pannos, e consta que algum outro tenciona [fa]zer o
mesmo.
Elles estão com medo de que o seu forno [de] panificação se converta em forno de
cremação.
E’ natural, porém, que appareça logo quem queira substitui-los, emquanto houver
10:050$ por [ilegível] para gratificar os serviços da administração.
Assevera-se que a companhia tem realizado magníficos negócios, conseguindo
comprar as padarias que se achão em condições precárias, para assim matar, aos
poucos, a concurrencia. Desta forma e com esta táctica, ella chegará aos seus fins
[p]ondo em verdadeiro assedio as padarias recalcitrantes até força-las a uma
rendição com armas e bagagens.
Mas, ao mesmo tempo, diz-se que o mecanismo dos negócios effectuados é este:
Feita a compra de qualquer das padarias, [ilegível], a companhia paga ao vendedor
metade em dinheiro de contado e metade em acções integralisadas.
Quanto ao dinheiro de contado, entende-se mas quanto ás acções integralisadas, é
que não podemos entender.
A companhia emittio 10 mil acções de 20$ cada uma, e fez uma chamada de 10%
para poder constituir-se.
Nenhuma outra chamada foi feita dahi para [cá].
Sera exacta essa integralisação do capital com a simples entrada de 10%, ou 20$
por acção.
Se é, asseguramos á companhia que há grandes compradores, e com grande ágio,
para tão [ilegível] grosos títulos. E nem se quer indagarão como é que tendo a
companhia passado todo o seu capital dispõe de acções integralisadas para pagar as
padarias. 25/09/1890.
Ricardo138
das ações vendidas pela Companhia “cada uma a 20$”, com o do valor cobrado pela
138
Jornal do Commercio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR 01.
70
aprovarão mandar litograr 2000 ações a – 20:000 [reis] podendo caso estas duas mil não
que ambos estavam voltadas para o mesmo objetivo, embora organizados de modo
diferente. É importante salientar que o próprio João de Mattos afirmou que as ações da
Cooperativa foram aceitas não apenas pelos empregados de padarias, mas até por
capitalistas e particulares. Por outro lado, sabe-se que, em tese, a Cooperativa não aceitava
como acionistas os donos de padarias, entretanto, suas ações foram negociadas com estes
se mandando fazer outra emissão Resolveo a Directoria aféctuar a compra das primeiras
As propostas das duas instituições eram bem parecidas, assim como a sua estrutura
e funcionamento: ambas mandaram litografar inicialmente 2000 ações, cujo preço era
idêntico, 20:000 reis; surgiram no mês de junho de 1890, com propostas similares.
No livro Mitos, Emblemas e Sinais, formulado por Carlo Ginzburg, alerta que o
(...)”141 Ginzburg, é obvio, destacava a teoria implementada por Morelli em relação a obras
139
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
140
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
141
GINSBURG, Carlos. Mitos, Emblemas, Sinais. Trad. Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
.p. 144.
71
de artes. Mas por que não usar esta mesma lógica no campo histórico? É exatamente isto
que estamos tentando fazer nesta pesquisa, já que não encontramos uma sociedade com o
a indústria panificadora, que sempre foi uma atividade de varejo, estava sendo alterada por
de evitar a concentração do monopólio do pão nas mãos dos antigos donos de padarias,
criando para isso uma Sociedade Cooperativa. No fundo, todas aquelas empresas
de Janeiro, cada qual tentava demonstrar como poderia propiciar lucros aos acionistas. Para
instituições. Neste caso, vale a pena ler a matéria publicada por um dito padeiro no Jornal
demonstrar os privilégios que esta Companhia poderia trazer aos seus associados:
Padaria Luso-Brasileira
Tivemos hontem occasião de conversar com um dos directores da Padaria Luso-
Brasileira, e tão satisfeitos ficamos pelas explicações que S. S. nos deu do
mecanismo, base e organisação da nova empreza, que não podemos deixar de
trazer a publico, por amor de nossa classe, se bem que o autor destas linhas esteja
já afastado do negocio, onde desde moço trabalhou e criou cabellos brancos.
Resumindo, diremos que as bases da nova companhia são a economia e a boa
administração, e que o venerando Barão de Pararapiacaba, á frente dessa empreza,
é uma garantia de prosperidade, honestidade e seriedade de suas transacções.
Os negociantes de padarias, em numero de 70, que, não estando de accordo com as
bases e mecanismos da Companhia Nacional de Panificação, não aceitarão suas
propostas, fizerão três reuniões para tratarem de seus interesses, e ficou resolvido
72
A matéria escrita por um homem que se denominava um “velho padeiro”, nos leva a
algumas reflexões. A primeira é de que a Sociedade foi criada pelos donos de padarias
os proprietários de padarias que não desejassem se associar a nenhuma das duas empresas,
corriam o risco de ir a falência. E, com uma agravante, caso isso ocorresse seriam
Brasileira só aceitava pagar pelas padarias o valor estipulado pela comissão organizada pela
salário, que eles chamavam de gratificação mensal. De acordo com a matéria do Jornal do
Por sua vez, a organização da Companhia Padaria Central Viennense, cujo principal
estabelecimento ficava a rua Uruguaiana, nº 39, não chegou a provocar tanto celeuma.
Sabe-se que era formada por acionistas cujas assembléias eram periodicamente convocadas
142
Jornal do Commercio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR 01.
74
da Sociedade Luso-Brasileira em 1894. Nos três casos os motivos que levaram à dissolução
foram os mesmos: não haviam atingido os fins a que se propuseram, já que não
conseguiram obter lucros esperados pelos acionistas; o retraimento do crédito por parte dos
bancos; e a crise do comércio do pão, que não comportava nem pedir empréstimos e nem a
momento parecia bem favorável, já que os donos de padarias estavam sendo pressionados
para se fundirem às grandes empresas que foram criadas, a exemplo das três citadas
empresas, não seria portanto, extraordinário que alguns dos proprietários se sentissem
indignados, e procurassem uma outra forma de resolver a situação. E neste caso comprar
ações da Cooperativa parecia um negócio vantajoso tanto para os proprietários quanto para
comércio do pão, no Rio de Janeiro, na década de 1890, outras questões podem ser
aluguel de casa, lenha, tratamentos de animais, gás, licenças, impostos, papel para
embrulho etc.”143 Além disso, estes estabelecimentos possuíam logo na entrada as famosas
vitrines em que ficavam expostas as mais variadas guloseimas. Segundo Mário Souto
143
Jornal do Commercio. Biblioteca Nacional: BN. PRC-SPR 01. 26/09/1890.
75
Maior em sua infância, uma das memórias mais vívidas era da padaria ao lado de sua casa,
Não era difícil localizar uma padaria nas pequenas cidades do interior. Logo de tardizinha,
começa aquele caminho de formiga (...), que só vai acabar por volta das dezenove horas.
Depois, quando o silêncio da noite vai envolvendo a cidade, ouve-se o barulho do cilindro
transformando a massa já pronta na matéria-prima usada pelos padeiros para modelar os
pães, as rosacas, os brotes, cortar as bolachas das mais variadas espécies. Assisti muitas
vezes, a essa operação. A massa amorfa entra por um lado do cilindro e sai pelo outro
branquinha e lisa como uma toalha de lã, toalha que é colocada numa mesa grande
polvilhada com farinha de trigo que é para não pegar. Na mesa grande os padeiros
trabalham, cada qual na sua especialidade. É quando começa o samba que os padeiros fazem
com a cortadeira de bolacha. É um pa-ta-co-pa-co sincopado, gostoso, contagiante, que
distrai os homens e aumenta a produção do corte de bolacha. (...) Os pães e as bolachas são
colocados em assadeiras de flandre que o forno. (...) Lá pelas tantas da madrugada
terminavam os trabalhos e a rua toda era invadida pelo cheiro gostoso do pão já pronto e
quentinho. Quando fazíamos serenata e voltávamos para casa, era quase certa a passagem
pela padaria para comer pão quente com manteiga acompanhado de um cafezinho capaz de
queimar até o nó da gravata. (...)144
Neste caso, verificamos que o custo deste empreendimento era alto, então como a
com vigor, o que nos permite supor que a Sociedade Cooperativa para fazer tal
concorrência mirou-se no exemplo das rivais: criou depósitos em locais onde houvesse
mais de uma padaria, diminuindo o preço do pão, comprando maquinário entre outras
ações. Contudo, não há provas cabais dessa concorrência, além do que foi afirmado pelo
próprio João de Mattos em seu Manuscrito. Mas, entendemos que no mundo dos negócios,
para que um empreendimento possa dar certo é necessário astúcia e sabedoria, além de
não era a única comprando outras padarias, era aceitável que ela tentasse se manter através
da disputa pelo preço do pão barato. Não por acaso, nas suas lembranças sobre a Sociedade
144
MAIOR, Mário Souto. Em torno de uma possível etnografia do pão. Recife: Biblioteca Nacional (BN) – II-
11,3,23, 1971, p. 68.
76
Seja como for, o grande dia de efetivar a “utopia” deveria ocorrer, segundo Mattos,
inclusive com o sinal da compra efetuado, faltando apenas fechar o contrato. Eis então a
grande surpresa com que os associados não contavam, e que João de Mattos narra com
certo pesar
Porém, é interessante notar que o desfalque de valores em padarias, por funcionários, não
Talvez, a fuga do tesoureiro com o dinheiro dos associados tenha sido encomendada
por algum outro concorrente. De acordo com João de Mattos, o futuro dos cooperados
145
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
146
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
77
em menos de cinco anos. De qualquer modo, sua sorte não foi melhor do que a das três
Companhias criadas por aquela mesma época: duas foram liquidadas em 1893 e uma em
acionistas.
sete anos mais tarde quando eles voltaram a se reunir em uma nova agremiação, como
da República foi pouco a pouco substituída por um sentimento de frustração que atingia
vários setores da sociedade. Os operários cedo perceberam que não seriam atendidos em
ocorreu com aqueles que trabalhavam em padarias. Eles criaram a Sociedade Cooperativa
organização dos trabalhadores no Brasil. Para Ângela de Castro Gomes este processo
tem como que dois movimentos principais. O primeiro deles é lento e toma as
décadas da Primeira República, pontilhadas de propostas políticas e de grandes e
pequenas lutas comandadas pelos próprios trabalhadores... A virada do século,
momento que se segue à abolição da escravatura e à proclamação da República, é
especialmente significativa para a construção da palavra operária...147
A cidade do Rio de Janeiro era a maior cidade do país na virada do século XIX e a
capital federal, o que nos permite afirmar que era o cenário perfeito para legitimar a figura
do trabalhador como ator social e político da República. Além disso, possuía uma infra-
associações que seriam o embrião das reivindicações proletárias do país. De acordo com F.
Nogueira
personagem nos remetia a esta ideologia. Em 1890, Mattos e seus companheiros criaram
Padaria. Era cosmopolita, pois não fazia distinção de cor, crença ou nacionalidade e
Daí a necessidade de uma associação que cuidasse dos interesses dos trabalhadores.
Uma das formas de melhorar as condições de trabalho seria a fundação de associações que
Cooperativa dos Empregados de Padaria, ao que tudo indica inspirada em idéias socialistas
148
AZEVEDO, Francisca Nogueira de. Malandros Desconsolados: O diário da primeira greve geral no Rio de
Janeiro. Op. Cit., p. 24.
149
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do século XIX.
Op. Cit, p. 44.
81
foi extinta. Mas é possível que João de Mattos tenha se orientado por aquelas mesmas
Companheiros
Estão realizados os nossos sonhos preciosos, a nossa sociedade está sólida, e com
força prompta para combater todos aquelles que fora da lei, desrespeitam os nossos
direitos. E em breve teremos o capital sufficiente, para n’um caso urgente, custear
o protesto honroso do empregado ou operário que é a greve, collocando-nos á
margem de outras classes, pois somos a mais sacrificada cujo relanceamos os olhos
sobre as outras e vemos o claro desca[so].
No entanto somos dignos de melhor sorte, porque manufacturamos um gênero de
primeira necessidade no consumo. Porem nada há a receiar, porque possuímos o
principal elemento, que é a união.
Tenho plena certesa que quando se tome a iniciativa de greve para melhorar as
nossas condições econômicas, já digo dos não associados, não há um só pudesse
assim dizer: que não seja solidário. Abro-me assim, porque [ilegível] irmãos, e
filhos de diversos patrões, teem-se manifestado que uma vez recebendo os
manifestos expedidos da sede social serão incontinente solidários ao nosso ideal
porque é ao bem geral de nossos direitos.
Tenho por todos os recantos observado as apreciações dos não associados e
[declarações] soa deveras entusiásticas e em prova, diariamente estão vindo à
secretaria se agremiar.
Pois eu já fanatisado, não admirem a maneira pela qual me vou expressar. Em vista
do enthusiasmo e solidariedade de meus companheiros, deixarei de attender Pae ou
irmãos se me forem retrogados à lei da sociedade de classe que eu profissiono.
Dir-me-hão porque?
Eu respondo: porque ella caminha com luz para a nova reforma social. E o nosso
dever é não só fazer caminho para nós, como para os que vêm.
Revistamo-nos de coragem com o amor próprio á causa que abraçamos, que
prestes estará a nossa jornada terminada!
Não posso deixar de expandir-me, sobre o meu modo de prever, como antes disse a
nova reforma social. Vejo tudo se encaminhar para ella, principiando por todos.
Contrários, até os burgueses governantes, que sem, presentir cahirão no precepicio
imprevisto, armando braços forçosamente para sua completa destruição.
Todas as nações, os seus hipócritas governos [de uma] burguezia cobertos das
desvairadas e deshumanas ambições, os seus maiores progressos são acatar quantas
novas invenções aparecem de armamentos e explosivos, activando e executando
manobras, principalmente na Europa.
Para que este Progresso!...
Quem são os manobradores d’estas armas?
Parece-me que não serão de ferro nem de outro qualquer elemento, mas sim tirados
da família universal com a exclusão da igualdade há muito [discutida].
Mas perto se aproxima o dia, que se encontrarão numerosos exércitos no campo de
batalha e ao se depararem ficarão estáticos, porque a natura repercutirá a um tempo
só, em todos, o choque fluídico, com a reflexão [luminante], reconhecerão o crime
que desastradamente iam cometter, não verão diante de si inimigos, mas sim a
mesma família universal e verão que o erro não esta na naturesa, mas sim nos
homens com este clarão da verdade jogarão com as armas por terra e principiarão o
combate de abraços nos delírios da confusão de alegria, emprehendendo,
82
Para Mattos a adoção das propostas socialistas apontava para a possibilidade de vitórias
graduais, como por exemplo, a diminuição das horas de trabalho de doze para oito horas, ou
dois turnos de trabalho, um diurno e outro noturno, descanso dominical entre outras
reivindicações.
Lacerda e outros... As idéias de França e Silva, expostas no Echo Popular, são as que mais
partidária, que defendesse os interesses dos operários: Em 1895 foi fundado o Partido
150
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31.
151
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República Que Não Foi. Op. Cit., p.
55.
83
Em 1890, o causídico era orador oficial do Partido Operário, de França e Silva, e atuou na
Evaristo de Moraes também é apontado por João de Mattos como sócio honorário e
trabalho nas padarias, instituindo a divisão em dois turnos. Segundo João de Mattos, o
jornal “era vendido em todos os pontos = e era semanal= a tiragem era de 1000 até 2000
exemplares.”153 De acordo com a nossa pesquisa o jornal saia a cada quinze dias. Existem
um sindicato, tendo como lema: “Trabalho, Justiça e Liberdade sem distinção de cor,
crença ou nacionalidade.” Segundo João de Mattos, este sindicato havia tomado uma série
152
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31.
153
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
84
ocorreu em um momento de descontração, “em uma reunião n’um botequim. Eu, João
importante salientar que os nomes apontados por Mattos foram localizados no jornal O
interessados em saber das novidades, e divertir-se. Esses eram vigiados pela polícia: “a
ideologias e propostas que permitiriam uma melhor condição social, fossem através do
crime ou de reivindicações trabalhistas, como era o caso dos padeiros. Os botequins eram
operária.
154
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
155
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República. Op. Cit., p. 15.
156
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
157
BRETAS, Marcos Luiz. Povo e Polícia na Cidade do Rio de Janeiro. Op. Cit., p. 84.
85
resistência’. Este novo tipo de organização se caracterizava pelo abandono das práticas
sindicato dos padeiros e as idéias anarquistas, mesmo porque nos parece que na Sociedade
que significa que como agentes que promoviam as reivindicações de sua categoria, esses
mais visível na imprensa operária. Cláudio Batalha destaca a importância desses periódicos:
que continuou a ser publicado por uma outra associação, a Liga Federal dos Empregados
em Padarias, de acordo com o relatório enviado pela Liga ao Segundo Congresso Operário,
158
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Op. Cit., p. 91.
159
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República. Op. Cit., p. 64.
86
solenidades, que se tornou elemento essencial da cultura operária. Desta agenda faziam
Maio, entre outras. As festas que contavam com a presença maciça dos associados,
dominantes.
mesmo endereço da Sociedade Cooperativa, à rua São Pedro nº 244. Tal qual ocorrera com
a Cooperativa, João de Mattos afirma ter anunciado nos jornais e que a reunião inaugural
teve lugar no salão do Liceu de Artes e Ofícios: “Depois de uma tenaz propaganda para o
dia 30 de novembro de 1898, com antecedência de um mez = Eu retornei pela 2ª vez pedir
O relato oferecido por João de Mattos parece confirmar-se nas atas do Segundo
160
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
161
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
87
em Padarias.” Isto foi em 1893 e cremos ter sido na rua da Alfândega. Do grupo
organizador convém salientar os companheiros João de Matos, Francisco Ulrich,
Vilarinho Franco e Lino Garrido, os quais ainda estão em atividade.162
transferiu-se para a rua da Alfândega nº 194, local que também abrigava a sede do jornal O
Cosmopolita:
Atravessou duas fazes: da primeira chegou a contar mais de mil sócios, da segunda
atinjiu perto de dois mil. Quando em 1897 e 1898 se iniciou uma campanha
terrível contra as padarias, reclamando hijiene, (isto na segunda faze) e como as
idéias modernas não estivessem ainda bem definidas entre nós, os parazitarios
políticos introduziram-se, sorrateiros, no seio da classe, e, alardeando quejandos
prometimentos, cavaram a confuzão de tal maneira que atrazaram a marcha da
“Cosmopolita”, e fizeram debandar os melhores elementos. Ainda assim, lutou
muito em prol da hijiene: os celebres palanques, onde dormiam os empregados,
foram todos abaixo.163
existente, que era nas habitações coletivas do centro da cidade (cortiços, estalagens, casas
de cômodos) que vivia a maior parte dos trabalhadores com suas famílias. A precariedade e
a insalubridade predominavam nestas moradias, cujos aluguéis eram altos, como fica claro
operário:
OPERARIOS E PROLETARIOS
A PROPRIEDADE É UM ROUBO
162
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
163
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
88
Sem dúvida não era fácil para o trabalhador viver no Rio de Janeiro, mesmo que
grande número de indivíduos a subir os morros e ali se fixar, em lugares que passaram a ser
Morar nas favelas, entretanto, era encarar uma dupla adversidade: a das precárias
condições de construção combinadas à inexistência de melhorias urbanísticas, de
um lado, e a da associação a uma série de estigmas que serviam de justificativa
para a ação repressiva sobre seus habitantes.165
categorias. Fazia parte das atribuições da polícia zelar pela ordem pública e se esta era
operárias eram vistas de forma negativa pela polícia. Para proteger os membros da
disposição dos trabalhadores, sempre que estes fossem vítimas da repressão policial, como
se lê no jornal O Panificador:
164
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
165
MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe
trabalhadora no Brasil. Op. Cit., p. 68.
89
Lamentavelmente, a nota não deixa claro como a sociedade agia nas circunstâncias citadas
pelo diretor do jornal, o já mencionado Sr. Manoel Soares de Pinho. Podemos levantar a
que entendesse que as manifestações se tornavam um risco para a ordem social, além disso,
ainda tinham que enfrentar um outro problema, a insalubridade do ambiente de trabalho que
166
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31.
167
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR74. 15/07/1908.
90
de higiene nas padarias. Segundo suas palavras as padarias eram uma imundície e
necessitavam de fiscalização. Ele afirma que em 1909 teria encaminhado junto com os
Rio de Janeiro para instituir vistorias sanitárias. “Entreguemos uma petição ao Prefeito para
Trabalhador, confirma que grande parte das suas reivindicações se reportavam as péssimas
Padaria Rua de S. Pedro. – Que deseja? – Uma visita sanitária em cima do forno. – A’ junta
de hygiene.”169
Seja como for, ao final do século XIX, o governo preocupado com as epidemias que
pública, contratando inclusive uma empresa para a coleta do lixo das casas particulares.
Portanto, não é improvável que o prefeito tenha aceitado verificar as condições de higiene
das padarias, afinal eram locais que forneciam um alimento consumido em todas as mesas
cariocas.
Assembléia Geral para eleição da nova diretoria, formada pelos seguintes nomes:
168
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
169
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31. 18/01/1900.
91
Embora João de Mattos não tenha sido incluído na nova administração, ao que
Companheiro Mattos a todos da classe não aggremiados, vir à Rua da Alfândega n. 194
demonstrava certa solidez e força para combater seus opositores, até mesmo por meio da
convocação de greves. Por defender esta forma de manifestação, João Maggi um dos novos
janeiro de1900:
Esta classe laboriosa offendida na sua hombridade, no seu brio, e no seu amor
próprio por leis iníquas que tentam rebater cada vez mais as correntes da
escravidão, declarou-se, na madrugada do dia 16 em greve para protestar
energicamente contra todas as tyranias[...]172
[...] Nós, pobres escravos, os nossos direitos são trabalhar toda a noite e grande
parte do dia, e receber cabisbaixo todos os insultos, observações injustas e mais
170
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31. 01/01/1900.
171
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31. 01/01/1900.
172
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31.
92
escravos, labutando cerca de 12 a 14 horas por dia, recebendo um misero salário e sem
Cosmopolita.
O Panificador. Além disso, tais empregados se tornavam uma ameaça para a Sociedade, já
Os Nossos Inimigos
Não são só os patrões, como muitos pensam. Companheiros que como nós
trabalham. [Intam] sacrificam-se para obter a mínima parte do que elles produzem,
são um verdadeiro obstáculo para a marcha progressiva á nossa emancipação: estes
é que são os mais perigosos, estes, é que devemos combater á todo transe, afim de
convencel-os ou aniquilal-os.
Dedicam-se especialmente a adular os patrões, isso devido á crassa ignorância em
que elles se conservam e para melhor conseguirem o que almejam.[...]174
Com efeito. Ainda não havia uma organização consistente dos trabalhadores.
Embora fossem conclamados à união, nem todos seguiam as idéias emanadas da Sociedade
Aliás, Ângela de Castro Gomes revela uma das estratégias utilizadas pelos patrões, para
173
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31. 18/01/1900.
174
O Panificador. Biblioteca Nacional: BN. PR-31. 01/01/1900.
93
foi estimulada e financiada pelos patrões, visava incentivar a desunião dos empregados em
de ação direta, enquanto a Liga Federal dos Empregados em Padarias seria classificada
175
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Op. Cit. p. 75
176
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
177
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República. Op. Cit. p.32.
94
como sindicalismo amarelo ou reformista, pelo menos no período de sua fundação. O certo
teria surgido na segunda fase da Sociedade Cosmopolita, ou seja, a partir de 1898. Nesta
ocasião a Cosmopolita já não possuía mais fundos para financiar suas campanhas. Além
[...]Quando a receita já não dava para banquetes, o prezidente, que era o sr.
Evaristo de Morais, retirou-se, ficando a sociedade quaze liquidada e assim foi
cada vez a peior até o resurjimento da Liga. A sede social era no Largo de São
Domingos, e quando o companheiro Lírio de Rezende foi convidado a aceitar a
prezidencia pelos companheiros Felipe Pedroza e Amadeu Miranchel, afim de
fazer-se na “Cosmopolita” uma renovação segundo as melhores idéias, não foi
possível faze-lo, porque a maioria dos sócios não consentiram a mudança de
orientação.[...]178
Federal dos Empregados em Padarias. Esta, por outro lado, apresenta outras motivações:
[...] Em 1902, um grupo de entregadores de pão, aos quais não agradava a “ quazi
ação direta”, rezolveu fundar no bairro de Botafogo a Liga Federal dos
Empregados em Padarias, e nascendo a Liga, finalizou a Cosmopolita. A
orientação da Liga era puramente beneficente, política e até patronal, e assim
andou ela aos trancos e barrancos, até ao ano de 1910, data esta em que
ressuscitou, graças ao terem podido nela penetrar os elementos avançados.179
partir de junho de 1914, transferiu-se para Rua Dos Andradas, nº 87. As reuniões eram
quinzenais, as terças-feiras. Não conseguimos encontrar seus Estatutos, nem o nome dos
seus fundadores. Tivemos acesso apenas aos nomes de alguns membros, a partir de 1913,
tais como: o presidente Manoel Amoedo; José Fraga Soares, Primeiro procurador; José da
178
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
179
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
96
Silva Neves, Luiz Colosso, Manuel Marques Dias, Francisco da Silva Tavares, Alfredo
Liga Federal dos Empregados em Padarias, e que estes conseguiram alcançar seus objetivos
propor o descanso dominical, a higiene nas padarias, a diminuição das horas de trabalho e a
partido político; a não admissão dos patrões ou pelo menos a exclusão da sua participação
por volta de 1902, segundo João de Mattos e o relatório da Liga. Mas, curiosamente no
que quando João de Mattos registra o seu fim em 1902, talvez tentasse explicar a saída de
empregados de padarias deveriam ser conquistadas de outra forma, não apenas através das
sociedades, mas também com a filiação aos partidos políticos. “[...] De 1910 a 1912, a
Cosmopolita Protetora, no Liceu de Artes e Ofícios, onde João de Mattos cumpriu o papel
de destaque. A segunda aconteceu em 1912, quando foi deflagrada a primeira greve dos
180
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR74.
181
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR74.
182
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. Relatórios apresentados ao Segundo Congresso Operário
Brasileiro. PR-SPR74. 05/09/1914.
98
padeiros no Rio de Janeiro. Acreditamos que este evento foi realmente significativo para os
Social” narrado por João de Mattos em seu Manuscrito finaliza exatamente em 1912.
por dia e pelo descanso dominical. Uma das exigências dos empregados era limitar a
entrega de pão a domicílio até ao meio dia, e a despensa dos vendedores de qualquer
serviço depois das 13:00 horas. Em compensação, de sábado para domingo, os balconistas
deveriam ajudar na fabricação da massa, de modo que houvesse pão suficiente para ser
manifestações. Os padeiros haviam sido uma das categorias que mais lutaram pela causa
operária, tanto que nesta greve de 1912 compareceram cerca de mais de duzentas pessoas
na sede da Liga à rua São José nº 122. A finalidade da reunião era demonstrar a insatisfação
destes grupos com a exploração sistemática imposta pelos patrões. Além dos padeiros,
outros setores que aderiram à greve foram o de bares, hotéis e restaurantes (mas estes logo
183
Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
99
Mas os padeiros não desistiram dos seus objetivos. Em 1913 novas agitações
Panificadores, as duas associações haviam sido influenciadas pela greve dos padeiros
ocorrida em Porto Alegre, cujas propostas feitas aos patrões acabaram sendo assinadas e os
dos que haviam sido deportados. Incentivados pelo sucesso dos padeiros de Porto Alegre,
circular:
divulgadas no início do século XX, tanto por socialistas quanto por anarquistas, e adotadas
184
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR74. 15/10/1913.
100
pela Liga Federal e Sindicato dos Panificadores, que precisavam se tornar visíveis para que
patronato. Os episódios de 1912 e de 1913 podem ilustrar a tendência seguida por esta
categoria. Para Ângela de Castro Gomes “A conquista dos espaços públicos e o caráter das
pelas idéias anarquistas. O fato da Liga também ter mudado sua orientação, reformando seu
Em relação aos padeiros não foi diferente, a polícia preocupada em manter a ordem e conter
dirigiram a rua do Ouvidor e em 1913, sendo que neste último segundo A Voz do
185
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Op. Cit., p.p. 131-132.
186
Idem, p. 130.
101
Ilm. Exm. Sr. Dr. Reinaldo de Carvalho, muito digno 3º delegado auxiliar –
saudações – havendo esta Liga, por intermédio de nossos companheiros que
estiveram detidos, tido ciência de que v. ex. havia convidado uma comissão que a
reprezentasse para comparecer nessa delegacia, afim de serem ouvidos patrões e
empregados, para estabelecer um acordo sobre as nossas reclamações, temos a
informar a v. ex. que a assembléia de sócios desta Liga, reunida no dia 4 do
corrente, rezolveu que aí não comparecesse nenhuma comissão, pelo motivo de
que, sendo a nossa questão excluzivamente entre patrões e empregados, s.. pelo
menos poderá ser solucionada. Aditando, temos a dizer que, se os patrões teem
realmente vontade de que esta questão tenha um termo, nada teem mais a fazer do
que se dirijir a vós, pois que estamos dispostos a entabolar um acordo, desde que o
mesmo tenha em vista, a salvaguarda dos nossos interesses. No principio desta
questão, dirijimos á associação dos Estabelecimentos de Padaria um ofício, dando
ciência do que pretendíamos: a resposta que recebemos foi totalmente negativa,
razão por que continuamos a ajitação até que seja este assunto satisfatoriamente
decidido. Entretanto, agradecemos a v. ex. pelo interesse que demonstrou pela
nossa cauza. União, Paz e Justiça! – Antonio Martins de Oliveira, 1º secretario.187
É preciso registrar que neste caso a Liga Federal repudiou a repressão policial,
intermediar a negociação entre patrões e empregados. Mas, seja por meio “da ‘conciliação’,
188
da ‘infiltração’ ou da ‘repressão violenta,’” o fato é que a polícia agia a favor dos
patrões nos conflitos com os trabalhadores. Os operários resistiam a exploração por meio de
os trabalhadores cariocas.
se a situação em que viviam fosse exposta a sociedade o nosso personagem João de Mattos
continuou a sua luta. Desta feita, procuraria uma instância mais alta: O Congresso
Nacional.
187
A Voz do Trabalhador. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR74. 15/10/1913.
188
MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe
trabalhadora no Brasil. Op. Cit. p. 188.
102
Organizou uma comissão que tinha por objetivo entregar aos parlamentares uma
trabalho = ou 2 turmas uma diurna = e outra noturna ou ser só diurno o nosso trabalho. ”189
Integravam o grupo o próprio João de Mattos e Villarinho. Para patrono das reivindicações
dos padeiros, foi convidado o Deputado João Augusto Neiva, representante do Centro das
Deputado Neiva
Não foi possível cotejar esta informação nos Anais Parlamentares, pois João Neiva
1905; 1906-1909. E, João de Mattos, não determinou a data que levara o documento ao
1902:
Solicito ao Sr. Presidente a palavra para remetter à Mesa que faça inserir no Diário
do Congresso a importante petição dirigida pela Associação dos Empregados no
Commércio desta Capital sobre o fato dos empregados no Commércio serem
obrigados ao serviço da Guarda Nacional.191
189
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
190
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
191
Anais Parlamentares da Câmara.www.câmara.gov.br.
103
seria frustrada. Ele passou a nutrir forte desconfiança em relação ao governo, cujos
vínculos com os patrões eram bem mais profundos do que imaginava. Ele narra que, após a
de padarias, cuja pauta era justamente a mesma das petições entregues ao Deputado Neiva.
proprietários de padarias, que descobrimos no correr das nossas pesquisas e foram citados
Companhia Nacional de Panificação.193 Isto nos leva a acreditar que o nosso emblemático
padeiro de fato, participou ativamente do movimento operário. Não por acaso, João de
Mattos relata que após essa assembléia, que teria ocorrido em 1909, não conseguiu mais
emprego nas padarias do Rio de Janeiro e que foi obrigado a mudar de ramo. Mesmo assim,
de acordo com outras fontes, ele continuou a lutar pelos ideais da categoria. Talvez, João de
192
Manuscrito de João de Mattos. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: APERJ. Fundo DPS, d
30055. Fls 99 a 117.
193
Encontramos um possível parente do comendador Fernando Antonio Pinto de Miranda durante a greve de
1912: Pedro Pinto de Miranda, proprietário das padarias sitas as ruas Manuel Victorino, n. 103, Goiaz, n. 372
e Dr. Bulhões, n. 226. Jornal Gazeta de Notícias. Biblioteca Nacional: BN. PR-SPR 2764.
104
Mattos seja o mesmo confeiteiro apontado por Marcelo Badaró194. E neste caso, podemos
entender o seu desaparecimento. Pois, além de ter ficado da pecha de desordeiro, estava
Cervantes, sempre pronto para defender as causas nobres, por assim dizer, da categoria. E
emblemático padeiro, que deixou um Manuscrito contando uma parte da sua história e da
categoria a que pertencia, com certeza acharíamos mais pistas sobre ele. De qualquer
forma, o Manuscrito deixado por João de Mattos contribui para despertar a atenção dos
leitores nos mais variados tempos e lugares e cujo valor atravessa gerações.
194
Marcelo Badaró Mattos encontrou no Arquivo Nacional no fichário nominal de processos-crime, um
processo movido contra alguém de nome João de Mattos, em abril de 1901, incriminado por agredir um
colega de trabalho. O agressor seria de nacionalidade portuguesa, e trabalhava como confeiteiro, numa loja de
doces. Entretanto, como o acusado não foi localizado pelos oficiais de Justiça, o processo correu à sua revelia
não sendo possível para Badaró encontrar mais detalhes que pudessem confirmar tratar-se do João de Mattos.
105
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A memória social tem princípios muito próprios de seleção, que variam em relação
ao lugar, ao grupo e ao tempo, tal como se constata em relação ao Manuscrito deixado por
João de Mattos. Ele fez questão de registrar para a posteridade suas lembranças e revelar a
escolhas, processo em que o autor elege a imagem de si que deseja transmitir aos seus
futuros e possíveis leitores. O padeiro João de Mattos não queria ser lembrado como um
cidadão comum. Pretendia entrelaçar seu nome a duas causas que no fundo buscavam o
mesmo propósito: a organização do trabalho livre. Mattos entendia que o regime servil
constituía um obstáculo aos trabalhadores livres, uma vez que os impedia de reivindicar
como um relato verdadeiro merecia, no entanto, ser examinado à luz da crítica histórica.
foi encontrado. Neste sentido, há grandes chances desse Manuscrito ter sido apreendido
durante uma das diligências policiais promovidas pela Divisão de Polícia Política e Social,
abolição da escravatura, sobretudo nas atividades e nas estratégias empregadas pelo Bloco
de Combate dos Empregados de Padarias, apesar dos nossos esforços, não alcançou os
Brasil em 1890, o seu relato sobre esta entidade revela a tentativa de organização da
combatido com vigor por uma entidade congênere, criada com o apoio dos proprietários de
Mas, muitos mistérios ainda precisam ser investigados. O próprio João de Mattos
O Manuscrito de João de Mattos por certo deverá instigar novos estudos. Nosso
trabalho trouxe apenas uma pequena contribuição à historiografia, jogando luz sobre um
Seja como for, a memória parece não haver traído as intenções de João de Mattos,
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Abolicionismo Estados Unidos e Brasil, uma história
comparada (século XIX). São Paulo: Annablume, 2003.
BRETAS, Marcos Luiz. Povo e Polícia na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 1997.
CARVALHO, José Murilo de. Escravidão e Razão Nacional. São Paulo: Vértice, Revista
de Ciências Sociais uma publicação do Instituto Universitário de pesquisas do Rio de
Janeiro, 1988, v. 31, n3.
______. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República Que Não Foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CONRAD, Robert. Os últimos Anos da Escravatura no Brasil 1850-1888. Tradução de
Castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. São Paulo: UNESP, 1998.
DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: uma história de padeiros escravos e livres na virada do
século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Público/ MAUAD/ FAPERJ, 2002.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2002.
GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio (e da sua liderança na História política do
Brasil). 5ª ed., remodelada e definitiva. Fixação do texto, introdução e notas Alexei Bueno.
Rio de Janeiro: Lacerda Editoras, 2000.
109
GINSBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais. Trad. Federico Carotti. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
GOMES, Flávio e REIS, João José. Liberdade por um fio. História dos quilombolas no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos
Tribunais, 1990.
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro 1808-1850. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
MEYNAUD, Jean. Os Grupos de Pressão. Trad. Pedro Lopes de Azevedo. France: Presses
Universitaires de France, 1960.
PRADO, Maria Emília. Memorial das desigualdades: Os impasses das cidadanias no Brasil
(1870-1902). Rio de Janeiro: Revan, 2005.
110
REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Sites Consultados
FONTES :
Fontes Primárias.
Manuscritas.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
Arquivos da Casa de Detenção. (APERJ). Notação 19 nº 3993.
Manuscritos de João de Mattos. (APERJ). Fundo DPS, d 30055, Fls 99 a 117.
Militantes Diversos. (APERJ). Fundo DPS, d 30055, Fls 6;11;12;13;16;22;24; 28;30.
Arquivo Nacional.
Companhia Cooperativa de Consumo de Pão 1876. (AN). Junta Comercial. Vol. 14 –
Registro 278/305.
Companhia Nacional de Panificação 1890. (AN). Junta Comercial. Livro 39 – Registro 931.
Companhia Luso-Brasileira 1890. (AN). Junta Comercial. Volume 68 – Registro 1844.
Companhia Padaria Central Viennense 1890. (AN). Junta Comercial. Livro 74 – Registro
2099.
Lei Rio Branco. (AN). Colleção das Leis do Império do Brasil de 1871. Tomo XXXI, Parte
I.
Lei Saraiva-Cotegipe. (AN). Colleção das Leis do império do Brasil de 1885. Tomo
XXXII, Parte I.
Fontes Impressas.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
Estatuto do Club dos Libertos de Nitheroy. (APERJ). Fundo PP, notação 0498, maço 3, cx
0189.
Biblioteca Nacional.
Almanak Laemert. (BN). PR – SOR 165.
Jornal A Voz do Trabalhador. (BN). PR-SPR 74.
Jornal Cidade do Rio. (BN). PR-SPR168.
Jornal Diário de Notícias. (BN). SPR04.
Jornal do Commércio (BN). PRC-SPR 01.
Jornal Gazeta da Tarde. (BN) PR-SPR 569.
Jornal Gazeta de Notícias. (BN). PR-SPR 2764.
Jornal O Panificador. (BN). PR-SPR 31-46.
Jornal O Paiz. (BN). PR-SPR06.
MAIOR, Mário Souto. Em torno de uma possível etnografia do pão. Recife: Biblioteca Nacional (BN) – II-
11,3,23. 1971.
PATROCÍNIO, José do. Campanha Abolicionista. Coletânea de Artigos. Introdução: José
Murilo de Carvalho. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1996
112
ANEXOS
113
Anexo A
Anexo B
Planta da cidade do Rio de Janeiro de 1908, rua São Pedro, RJ.Biblioteca Nacional Digital.
116
Anexo C
Anexo D
119
120
121
122
123
124
125
126
127
128
129
130
Anexo E
131
132
133
134
135
Anexo F
136
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152