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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Myriam Paula Barbosa Pires

Impressão, sociabilidades e poder:


três faces da Tipografia do Diário na Corte do Rio de Janeiro (1821-1831)

Rio de Janeiro
2008
Myriam Paula Barbosa Pires

Impressão, sociabilidades e poder:


três faces da Tipografia do Diário na Corte do Rio de Janeiro(1821-1831)

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós-Graduação em
História, da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Área de Concentração: História
Política.

Orientador: Prof. Dr. Marco Morel.

Co-orientadora: Profª. Drª. Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves

Rio de Janeiro
2008
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ CCS/A

P667 Pires, Myriam Paula Barbosa.


Impressão, sociabilidade e poder: três faces da Tipografia do Diário
na Corte do Rio de Janeiro(1821-1831)/ Myriam Paula Barbosa Pires. -
2008.
163 f.

Orientador: Marco Morel.


Co-orientadora: Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves.
Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Bibliografia.

1. Prática tipográfica – Rio de Janeiro (RJ) – Séc. XIX – Teses. 2.


Imprensa - Rio de Janeiro (RJ) – Séc. XIX – Teses. I. Morel, Marcos.
II. Neves, Lúcia Maria Bastos Pereira das. III. Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. IV.
Título.

CDU 981.53”19”

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação.

_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
Myriam Paula Barbosa Pires

“Impressão, sociabilidades e poder: três faces da Tipografia do Diário na Corte do


Rio de Janeiro (1821-1831)”.

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em História, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de Concentração: História Política.

Aprovada em 26 de setembro de 2008.


Banca Examinadora:

_____________________________________________________
Prof. Dr. Marco Morel (Orientador)
Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da UERJ
_____________________________________________________
Prof. Dr.a Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves (Co-Orientadora)
Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da UERJ
_____________________________________________________
Prof. Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira
Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da UERJ
_____________________________________________________
Prof. Dr. Marcello Octávio Néri de Campos Basile
Faculdade de História da UFRRJ

Rio de Janeiro
2008
DEDICATÓRIA

A minha mãe, Suely,


por compreender e apoiar as minhas escolhas.

A Marco Morel,
Por sua generosidade e por fazer de mim uma
apaixonada pela história da imprensa.
AGRADECIMENTOS

Ao longo de 30 meses, nos quais estive envolvida com essa pesquisa, contei
com o carinho e apoio de muitas pessoas, familiares e amigos, que muitas vezes,
mesmo sem notar, muito contribuíram para que pudesse enfrentar esse tamanho
desafio. Na possibilidade de execução deste projeto, sinto-m e no dever de agradecer
aqueles que – mesmo involuntariamente - fazem parte dele.
Inicialmente, agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento à Pesquisa
(CNPq), pelo financiamento, através de concessão de bolsa.
Quanto aos mestres, registro minha mais terna gratidão a o principal
responsável pela formação profissional que trilhei. Ao professor Marco Morel,
agradeço por todo o carinho e incentivo e pela orientação, repleta de sugestões
brilhantes, apontando sempre para novas perspectivas.
Um agradecimento especial à professora Lúcia Maria Bastos Pereira das
Neves, co-orientadora deste trabalho. Sua presença foi fundamental para que a
dissertação tomasse a forma final. Agradeço ainda pela generosidade, pelas
conversas instigantes; pelo acompanhamento e pela leitura dos rascunhos, além das
demonstrações de afeto que tornam o ambiente acadêmico mais agradável e
acolhedor.
À Professora Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira, pelo apoio e
pela assistência no acompanhamento de minha trajetória profissional e por aceitar
compor a Banca Examinadora de Defesa da Dissertação. À Professora Eliane
Garcindo de Sá, pela perseverança em me revelar possibilidades de minha escolha e
trajetória profissional, registro minha grande admiração. À professora Silvia Carla
Pereira de Brito Fonseca, que participou dos momentos iniciais de confecção deste
trabalho, como membro da Banca de Defesa do Projeto. Com grande interesse,
apontou importantes caminhos e leituras, os quais, na medida do possível, foram
incorporados à dissertação final. Ao professor Marcos Luiz Bretas, pela participação
na referida Banca. Ao professor Doutor Marcello Basile , pela preocupação constante
em apontar novas possibilidades de abordagem e por aceitar participar da Banca
Examinadora de Defesa da Dissertação.
Aos funcionários das bibliotecas e dos arquivos que freqüentei. Mais
diretamente, aos funcionários José Henrique Monteiro e a Cláudia Mayrink (DOR); a
Elisa e a Cátia (ABL); a “Fernandinho” (Uerj); a Pedro Tórtima (IHGB) e a Sátiro
(ANRJ).
Aos amigos de turma, especialmente a Vera Dias e a Ana Carolina Delmas,
pelos dias de alegria; pelas palavras de incentivo e pela indicação de textos, os quais
tanto me ajudaram no aprofundamento das leituras necessárias à pesquisa. Às amigas
Gabriela Gonçalves e Roberta Ferreira, pela paciência de ouvir e de partilhar as
aflições próprias de uma mestranda em fase de escrita.
A todos os meus familiares. A Patrícia, Jorge, Valquíria, Nelson, Marlúcia,
“Wilsinho”, “tia Leda”, Rita, Jairo, Guilherme, Valéria e Carlos, agradeço por toda a
preocupação e torcida. Ao meu avô, Agostinho (in memorian ), por todo o apoio ao
longo da vida. À minha mãe, Suely Barbosa, pelo amor incondicional e, sobretudo,
pela compreensão diante de minhas faltas nos afazeres da casa e nas conversas que
alimentam nosso cotidiano.
Por fim, ao querido Leandro Gouvêa, pelas constantes demonstrações de
amor e cumplicidade; pela força nas horas difíceis; por ser essa pessoa tão especial e
por fazer de mim uma pessoa melhor, a cada dia. A todos vocês: muito obrigada!
A imprensa como a mulher, é admirável e sublime quando se conta uma mentira. Não o
deixa em paz até tê-lo forçado a acreditar nela, e emprega as melhores qualidades nesta
luta onde o público, tão tolo quanto um marido, sucumbe sempre.

Honoré de Balzac
RESUMO

PIRES, Myriam Paula Barbosa. Impressão, sociabilidades e poder: três faces da


Tipografia do Diário na Corte do Rio de Janeiro (1821-1831). 2008. 165 f. Dissertação
(Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008..

Esta dissertação objetiva analisar a importância da Tipografia do Diário na


Corte do Rio de Janeiro, no período compreendido entre 1821 e 1831. Fundada no
bojo de crescimento da Modernidade nos trópicos, a referida tipografia foi parte
integrante, enquanto objeto e sujeito da nova cultura liberal que crescia. Sua presença
na Corte mostrou-se relevante não apenas como espaço privado destinado à produção
de impressos, mas também como espaço público de troca e formador de novas
sociabilidades. Analisar a trajetória dessa empresa tipográfica constitui ainda um dos
caminhos possíveis para a análise de muitas das relações de poder, consolidadas no
contexto de separação do Império luso-americano e da posterior constituição do
Estado-nacional no Império do Brasil . Características como o ofício de impressor e a
noção de comércio da época perpassam este trabalho.

Palavras-chave: Imprensa. Tipografia. Espaço público. Rio de Janeiro.


ABSTRACT

The present work seek to study the importance of Diário’s Typography , in the
Court of Rio de Janeiro, in the period between the years of 1821 and 1831. Established
in the context of growth of the Modernity in the tropics, the above-mentioned
typography was a component part, as both object and subject, of the new increasing
liberal culture. Its presence in the Court was shown relevant not only as private space
destined to the production of printed papers, but also as public space of exchanges and
former of new sociabilities. To analyze the trajectory of this typographic enterprise also
constitute one of the possible ways to investigate the various powers relations,
consolidated in the context of the dissolution of the Lusitanian-American Empire, and
the later constitution of the National-State in the Brazilian Empire. Characteristics as the
presser work and the period notion of trade also pass by this dissertation.

Keywords: Press. Typography. Public space. Rio de Janeiro.


LISTA DE ABREVIATURAS

FBN – Fundação Biblioteca Nacional


DMss – Divisão de Manuscritos da Fundação Biblioteca Nacional
DOR – Divisão de Obras Raras da Fundação Biblioteca Nacional
ANRJ – Arquivo Nacional do Brasil
AGCRJ – Arquivo Geral da Cidade do Rio Janeiro
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
ABL – Academia Brasileira de Letras
DRJ – Diário do Rio de Janeiro
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................13
1 ZEFFERINO VITOR DE MEIRELES: UM INTELECTUAL NAS
IMBRICAÇÕES DO OFÍCIO TIPOGRÁFICO(1808-1822)......................................... 23
1.1 De almoxarife a administrador: apontamentos para a análise de uma trajetória ........ 26
1.2 Os caminhos possíveis na busca de reconhecimento e prestígio ......................................37
1.3 Na Impressão Régia: alianças entre saber e poder .......................................................... 46
2 O DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO: PUBLICIZANDO A MODERNIDADE
(1821-1825).............................................................................................................................59
2.1 O Diário do vintém: uma construção historiográfica........................................................ 60
2.2 Ciência, comércio e informação: utilidade na imprensa em doses diárias..................... 66
2.3 Leituras e leitores da pátria ................................................................................................ 91
3 IMPRESSÕES E EXPRESSÕES: MULTIFACES NO ESPAÇO
TIPOGRÁFICO .................................................................................................................106
3.1 Práticas de impressão e crescimento de iniciativas particulares (1821-1831) ..............108
3.2 A Tipografia do Diário: um espaço público e privado......................................................121
3.3 Cidadania e participação em uma produção diversificada ............................................145
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................146
FONTES ............................................................................................................................. 149
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................151
ANEXO1: Publicações da Tipografia do Diário (1821-1831).............................................161
13

INTRODUÇÃO

O desejo de estudar temática relativa à história da imprensa nasceu durante a

graduação como resultado do contato com leituras relacionadas à formação do Império do

Brasil. Era comum naquela fase encontrar nos estudantes uma certa ansiedade na busca de

identificação com assuntos que, por um motivo ou outro, tornar-se-iam, alguns deles, seus

objetos de estudo.

Em certo dia, quase que por acaso, consegui integrar-me como pesquisadora

(estagiária), no Projeto de Pesquisa de Iniciação Científica PIBIC - Uerj /CNPq, intitulado:

História do Brasil Império: abordagem metodológica e síntese histórica, apoiado pela

Rede Alfredo de Carvalho e orientado pelo Professor Doutor Marco Morel1.

Passados três anos, meu interesse tomava rumo. Partia da criatura ao criador. Do

jornal ao redator. Do impresso à prensa. Da prensa aos elementos de sua constituição.

Enfim ... à análise do ofício, dos materiais e do espaço tipográfico. Muitas foram as razões

pelas quais me enveredei por este caminho. Sem dúvida, a formação ao lado do professor

Marco Morel mostrou-se primordial.

Foi então que direcionei meu projeto na construção da idéia de analisar as tipografias

como espaços públicos nos quais se realizavam atividades de natureza múltipla. Espaços

que não se encerravam na impressão, mas que se constituíam enquanto promotores de

novas sociabilidades, bem como construtores de identidades políticas. Como objeto deste

trabalho, escolhemos analisar o catálogo e a trajetória da Tipografia do Diário, entre os

anos de 1822 e 1831. O marco cronológico foi escolhido em função deste ter sido cenário

em que a referida empresa esteve em ampla atividade, desempenhando ainda um

1
O objetivo deste projeto é montar um dicionário da imprensa no Brasil, a partir de um modelo de ficha, cujo
padrão contém aspectos que foram retirados e analisados a partir da leitura dos periódicos existentes nas
seções: Obras Raras e Periódicos, da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

13
14

importante papel na difusão de uma cultura letrada e, nesse bojo, de idéias e hábitos

europeus os quais se espalhavam e se transformavam nos trópicos.

Não obstante os estudos que tratam da história da imprensa no Brasil terem crescido

na última década, ainda são muito tímidos aqueles que contemplam as tipografias como

questão central. Tratadas, em geral, somente como local de produção dos impressos, as

tipografias são comumente vistas como coadjuvantes da imprensa exercendo limitada

função. Representam, portanto, “casas de prelos”, as quais imprimiam de acordo com sua

possibilidade financeira e técnica. Pela grande representatividade que tiveram desde a

chegada da família real e, a partir da instalação da Tipografia oficial do governo joanino,

tais espaços podem ser considerados bem mais do que máquinas de fabricação de

impressos. Sua intensa atuação nos episódios que envolveram a separação dos reinos de

Brasil e de Portugal, bem como na posterior construção do Estado Imperial, revela quão

importante fora seu papel como “força ativa da história”2, sendo fundamental instrumento

de propulsão dos liberalismos, no momento em que o controle da opinião revelava-se

como ponto chave no domínio do poder.

Um dos estudos pioneiros relativos à imprensa no Império luso-americano foi a obra

Origem e desenvolvimento da imprensa no Rio de Janeiro, do historiador Manuel Duarte

Moreira de Azevedo3. Para Azevedo, a imprensa (e a tipografia) aparece como “filha das

luzes”; lugar de expressão de um grupo de letrados que teria a missão de contribuir para

“elevar” a cultura do Império ao padrão europeu. Expressão de uma abordagem que

privilegia o aspecto descritivo e laudatório, o autor faz parte dos esforços do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) de construção de uma memória nacional, na

2
Sobre a participação da imprensa e da prensa tipográfica como agente histórico, ver: R. Darnton &
D. Roche (orgs.) Revolução impressa. A imprensa na França 1775 -1800. São Paulo: EDUSP, 1996,
p. 15.
3
Moreira de Azevedo “Origem e desenvolvimento da imprensa no Rio de Janeiro”. Rio de Janeiro: Revista
Trimestral do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Brasileiro, t. XXVIII, quarto trimestre de 1865.
Azevedo foi um dos primeiros historiadores a utilizar a imprensa como fonte.

14
15

idéia de uma “História Pátria”, tão comum entre os intelectuais da segunda metade do

século XIX. Nessa perspectiva, entende a introdução da imprensa no Brasil como

expressão de um progresso tardio e como fruto da “ternura”, da “humanidade” e visão de

“grandes homens”.

Dois autores, do mesmo modo, fundamentais para nosso trabalho foram Gondin da

Fonseca4 e Hélio Vianna5. Em suas obras, realizam uma descrição dos periódicos do

Império, formando um inventário da imprensa oitocentista. Sem dúvida também pioneiros

no levantamento e sistematização de muitos periódicos, mostraram uma imprensa

influenciada pela política em diferentes contextos históricos. Outro autor dedicado ao

assunto foi Nelson Werneck Sodré, com a obra: A história da imprensa no Brasil6.

Matizado pela vertente teórica marxista, construiu amplo panorama da atividade,

compreendendo a imprensa enquanto parte do crescimento capitalista e da luta de forças

sociais antagônicas, em que a dominação burguesa, servindo-se da imprensa, dispensou, na

visão do autor, o uso da força.

Além dos autores mencionados, destacamos o historiador Carlos Rizzini7. O livro, o

jornal e a tipografia (1500-1822), fornece ao leitor um passeio pela trajetória da

comunicação no mundo ocidental, descrevendo de forma minuciosa suas principais formas e

meios de atuação. Na mesma esteira, chamamos a atenção para a obra do brasilianista

Laurence Hallewel, intitulada: O livro no Brasil, sua história (1500 -1900) 8. Para além de

ressaltar a relação política entre o jornal e seus redatores ou impressores, o autor oferece

4
Gondin da Fonseca. Biografia do jornalismo carioca (1808-1908). Rio de Janeiro: Editora Quaresma,
1941. Sua pesquisa traz extensa relação de jornais e revistas, proporcionando ao leitor detalhes sobre o
número dos prelos e volumes de material tipográfico adquiridos em Londres pela Secretaria de Negócios
Estrangeiros e da Guerra, trazidos pela Corte Real, em 1808.
5
Helio Vianna. Contribuição à história da imprensa brasileira:1812-1869. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1945.
6
Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad, 1999.
7
Carlos Rizzini. O livro a tipografia e o jornal no Brasil 1500-1822. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado
/ Imesp, 1988, p. 371.
8
Laurence Hallewell. O livro no Brasil - sua história. São Paulo: EdUSP, 1985.

15
16

impressionante trabalho de pesquisa apresentando mapeamento das tipografias existentes no

Império e no início da República, ou seja, desde 1808 até o início do século XX.

Uma das primeiras tentativas mais diretas de enfocar a importância das tipografias no

século XIX foi a obra de Paulo Berger: A Tipografia no Rio de Janeiro (1808-1900)9. A

partir de imagens das impressões, o autor apresenta breve levantamento das tipografias

existentes na cidade do Rio de Janeiro, desde a chegada da Corte Real, em 1808, até a

virada do século, com destaque especial para os trabalhos da Impressão Régia. Apesar de

sua inegável importância, tais estudos constituem formas diferenciadas de realização de um

inventário cronológico da imprensa, privilegiando os periódicos e preocupados em

identificar de forma direta e, em alguns casos, determinista, seu perfil político.

Na tentativa de ampliar nosso olhar sobre as abordagens que tratam da temática,

muito nos valemos das pesquisas posteriores, as quais, por sua vez, privilegiam a relação

entre a política, a cultura e a sociedade. Na esteira de uma nova abordagem, um dos

primeiros estudos a se debruçar sobre as fontes impressas e sobre os catálogos da produção

tipográfica foi o de Maria Beatriz Nizza da Silva: Cultura e sociedade no Rio de Janeiro

(1808-1821)10. Em sua obra, a autora nos fornece uma análise da dinâmica da sociedade

carioca. Por meio dos anúncios brilhantemente pinçados de três principais periódicos da

época, e ainda, bastante marcada pela influência teórica preconizada pela História Social, a

autora ressaltou a importância do diálogo da História com outras áreas do saber, na

perspectiva de ampliarmos as possibilidades de percepção do objeto, especialmente, no

caso específico de uma época em que o acesso às fontes prima pela dificuldade.

Um estudo mais recente que conferiu maior influência à nossa pesquisa foi a obra

Revolução impressa, a imprensa na França (1785-1800), organizada por Daniel Roche e

9
Paulo Berger. A Tipografia no Rio de Janeiro (1808-1900). Rio de Janeiro: Companhia Indústria Nacional
de Papel Pirahy, 1984.
10
Maria Beatriz Nizza da Silva. Cultura e Sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821). 2ª ed. Rio de Janeiro:
Editora Nacional, 1977.

16
17

Robert Darnton11. Fruto da renovação historiográfica dos anos 90, como um esforço de

repensar os acontecimentos ligados à Revolução Francesa, este trabalho marcou seguidas

pesquisas, no que tange ao papel da imprensa e da prensa tipográfica no curso da

implantação do liberalismo francês. Para Daniel Roche e Robert Darnton, a imprensa, além

de fonte – exprimindo diferentes pronúncias – deve ser analisada também como sujeito, no

que chamou de “ingrediente ativo dos acontecimentos”, pela sua capacidade de intervir no

imaginário social, remodelando símbolos e representações nos contextos históricos12.

Tributários dessa nova premissa, posteriormente, outros conceitos surgiram e

contribuíram para redimensionar o papel da imprensa no esboçar de uma esfera pública,

aliada, a partir de então, às questões de cidadania e de constituição de determinadas

posturas no Império luso-americano. A este respeito, destacamos o estudo de Lúcia Maria

Bastos Pereiras das Neves. Em Corcundas e Constitucionais - a cultura política da

independência (1820-1822), utilizando como fontes principais os folhetos políticos e

jornais que circularam entre os anos de 1820 a 1822, a autora mostrou quão relevante foi a

ação da imprensa na construção e na difusão de uma cultura política13. Marco Morel e

Mariana Monteiro de Barros, da mesma maneira muito nos auxiliaram e serviram como

inspiração. Em uma pequena obra, ressaltaram a intrínseca relação entre o espaço de

produção dos impressos e as formas de manifestação de poder. Segundo os autores, ao

buscarem produtos e/ou notícias na própria tipografia, os habitantes da Corte, inauguravam

11
R. Darnton & D. Roche (Orgs.) Revolução Impressa. A imprensa na França 1775-1800. São Paulo: Edusp,
1996.
12
Entre eles, demonstrou de que maneira a imprensa funcionou sob as condições do governo revolucionário e
em que medida seus produtos penetraram na vida cotidiana das pessoas comuns. Em suma, esta obra entende
a imprensa como parte de uma cultura política, sendo primordial para o encaminhamento de nosso projeto
Serge Bernstein. “A Cultura Política”. In: Jean Pierre Rioux & Jean François Sirineili (orgs.). Para uma
História Cultural. Lisboa: Estampa, 1998, pp. 349 - 363.
13
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. Corcundas e constitucionais: a cultura política da independência
(1820-1821). Rio de Janeiro: Revan / Faperj, 2003.

17
18

uma prática nova, muito relacionada aos postulados iluministas14, que se fortaleciam nos

trópicos. Conforme asseguraram os autores, no início do século XIX , o espaço urbano da

Corte real esteve repleto de locais de venda de impressos, bem como de todo tipo de

produto. Não apenas as tipografias, mas ainda as boticas (farmácias) e livrarias15, foram

importantes espaços de diálogo e comércio no período. Desse modo, o objetivo principal

dessa dissertação é contribuir para o avanço dos estudos relativos aos espaços públicos na

Corte real, tal qual, no dizer de François-Xavier Guerra, locus privilegiado de difusão e

enraizamento da Modernidade nos trópicos. Ao oferecer produtos de natureza variada,

impressos, pratarias, escravos etc., a Tipografia do Diário concretizou-se não somente

como espaço de impressão, mas também como promotor de novos tipos de relações

sociais, entre elas, relações de mercado (produtos e idéias). Desse modo, utilizamos a

noção de espaço público em duas instâncias: espaço abstrato (esfera pública), capaz de dar

voz e mobilizar ações de indivíduos particulares e de grupos16 e espaço físico concreto,

ponto de encontro entre pessoas, de trocas e de discussão política17. Desse modo, ao

financiar publicações através das tipografias, os habitantes da Corte do Rio de Janeiro, no

início do oitocentos, passavam a um novo entendimento de participação nas questões

cotidianas, cobrando, seja das autoridades, seja de seus iguais, respostas a suas mais

distintas inquietações.

14
Francisco José Calazans Falcon. Iluminismo. 4ªed. São Paulo: Editora Ática, 1994. A idéia de iluminismo
perpassa por toda a dissertação, como forma de destacar a importância desse amplo movimento de idéias na
transformação de muitos dos valores recém chegados no Império luso-americano.
15
Marco Morel & Mariana Monteiro de Barros. Imagem, palavra e poder: o surgimento da imprensa no
século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 77.
16
Chamamos atenção para o caso luso-americano dos postulados de François-Xavier Guerra. Conforme
destacou para a questão da América espanhola, a noção de esfera pública aparece ligada às questões de
proximidades culturais. Dessa maneira, é crucial a consideração da cultura dos agentes históricos e não
determinada apenas pelas questões de classe social. François Xavier Guerra. Modernidad y independências.
Ensayos sobre lás revoluciones hispânicas. Madrid: MAPFRE, 1992.
17
Marco Morel As transformações dos espaços públicos. Imprensa, atores políticos e sociabilidades na
Cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: HUCITEC, 2005. Complementarmente, Como afirmou Marcello
Basile, a esfera pública caracteriza-se “pelos espaços abertos de participação e pela sua capacidade de atuar
como uma instância crítica de pressão da sociedade sobre o governo e seus representantes. Cf. Marcello
Otávio Néri de Campos Basile. Anarquistas, Rusguentos e Demagogos: os liberais exaltados e a formação
de uma esfera pública na corte imperial (1829-1834), 2000, p. 327. [Dissertação de Mestrado]. Rio de
Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

18
19

Em suma, a abordagem privilegia pensar o objeto não somente como prática de

impressão, mas enquanto espaço público informal, composto de três facetas: impressão,

sociabilidades e poder18. Nesse sentido, tangencia esse estudo a idéia da atividade

tipográfica como sujeito histórico, capaz, portanto, de influenciar e de ser influenciado

pelos contextos, contribuindo para a construção de valores e comportamentos.

De forma subjacente, nos pautamos nos referenciais trazidos por uma história política

renovada, crítica à historiografia tradicional e em defesa de uma ampla noção de político,

capaz de dialogar com as instâncias sociais, econômicas e culturais19. A partir daí, tornou-

se possível pensarmos a relação entre um local de venda de mercadorias variadas; de

produção de uma cultura impressa com manifestações de poder. De acordo com Norberto

Bobbio, em seu significado mais geral, não estando apenas ligada à prática governamental,

a idéia de poder designa a capacidade de agir, de produzir efeitos20. Desse modo,

ressaltamos que o espaço tipográfico influenciou modos de pensar e agir não somente de

seus freqüentadores, como também de seus leitores.

Além das obras apresentadas, perpassam nossa escrita, os postulados teórico-

metodológicos da nova história cultural. Um dos mais utilizados foi o recente livro de

Maria Beatriz Nizza da Silva: A Gazeta do Rio de Janeiro - economia e sociedade (1808-

1822). Na obra, a autora analisa um dos principais jornais do Brasil joanino, chamando

atenção para os aspectos culturais da sociedade carioca e sua importância, como

dinamizador de uma cultura letrada que se expandia. Através das páginas da Gazeta do Rio

18
É importante ressaltar que os estudos anteriores tratam da tipografia em uma análise apenas cronológica de
surgimento dos impressos e livros ou como uma espécie de local apenas de materialização dos impressos.
19
René Rémond. “O retorno do político”. In: A Chauveau; Ph. Tétard (orgs.). Questões para a história do
presente. Bauru: EDUSC, 1999, pp. 51- 60.
20
Norberto Bobbio; Nicola Metteucci; Gianfranco Pasquino. “poder”. Dicionário de Política. 5ªed. São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo / Brasília: UnB, 2004, pp. 933 - 943.

19
20

de Janeiro, foi possível resgatar muitos dos hábitos, bem como dos aspectos mentais

circulados no período21.

O principal conjunto de fontes de que nos servimos foram os impressos – folhetos e

periódicos, publicados pela Tipografia do Diário – catalogados e guardados pela Fundação

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Para compor tais publicações, foi dada maior

atenção ao catálogo existente na seção de Obras Raras e de Periódicos. Embora tenhamos

utilizado toda a gama de publicações encontradas, cabe observar que privilegiamos os

impressos políticos e aqueles que demonstrem embates diretos, como a iniciativa de

indivíduos que lançavam mão da “imprensa do Diário” para tornarem públicas suas

questões pessoais. Na abordagem, buscamos compreender de que maneira a referida

tipografia interagia com o espaço sócio-político de seu tempo. Para a apreensão das formas

de estabelecimento do iluminismo nos trópicos e seus mecanismos de difusão, optou-se por

uma leitura exaustiva de seu conteúdo, entre os anos de 1821 a 1825. Para enfatizar

determinadas abordagens, contemplamos ainda alguns outros periódicos publicados por

distintas tipografias ativas no mesmo período. Quanto a esses últimos, sua escolha foi

aleatória, ou seja, daqueles que poderiam oferecer informações relevantes ao estudo22.

Para compor a trajetória do fundador da Tipografia do Diário e suas relações sociais,

privilegiamos as fontes manuscritas, encontradas na Coleção de Documentos Biográficos.

Na perspectiva de melhor apreender traços de sua trajetória pessoal e profissional,

lançamos mão de outras fontes encontradas no Arquivo Nacional, como os Inventários

Post Mortem de Zefferino Vitor de Meireles e de sua esposa, Maria Luiza de Jesus. Seu

perfil político, enquanto editor e intelectual na Corte, foi possível pelo cotejo das fontes

que cortam sua trajetória com os escritos estampados no seu principal periódico, o Diário

21
Maria Beatriz Nizza da Silva. A Gazeta do Rio de Janeiro: cultura e sociedade. Rio de Janeiro: EdUERJ,
2007. Aspectos relativos à história da leitura, da mesma maneira, foram abordados. Roger Chartier. Livros e
leitores na França do Antigo Regime. In: Peter Burke (org.). A escrita da História: novas perspectivas. São
Paulo: UNESP, 1992.
22
A totalidade de periódicos utilizados, está relacionada na seção de fontes, ao final deste trabalho.

20
21

do Rio de Janeiro. Outros documentos do tipógrafo foram encontrados na coleção Mesa do

Desembargo do Paço e Impressão Régia. Para apreendermos o perfil e a atividade de sua

tipografia, realizamos a leitura crítica da produção encontrada, procurando compreendê-la

a partir do diálogo com seu contexto. Para verificar a relação de poder direta entre a

atividade das tipografias particulares e o governo, nos anos finais do Primeiro Reinado,

cotejamos a produção do período aos documentos da Legislação Oficial Municipal,

guardada pelo Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ).

O presente trabalho constituiu-se em três partes. No primeiro capítulo, o foco esteve

voltado para a apreensão das relações de poder de Zefferino Vitor de Meireles no interior

da Impressão Régia, contribuintes para a fundação de sua “empresa”. Cabe afirmar que,

além das habilidades inerentes à impressão e à publicação, o Sr. Meireles, possuía vasta

experiência no ramo das Letras e da administração23. Do mesmo modo, conquistou a

confiança dos principais articuladores de seu funcionamento, indivíduos de notável

destaque social que compuseram parte de sua superfície social, no dizer de Pierre

Bourdieu24. Para traçar sua trajetória, retornamos aos anos inicias de sua entrada na

tipografia do governo, em 180825. Entre correção de textos, edição e escrita de seu próprio

periódico, Zefferino foi um produtor de cultura, um intelectual, no sentido proposto por

Jean François Sirinelli26.

23
O único estudo encontrado que contempla Zefferino Vitor de Meireles foi o da professora Lúcia Maria Bastos
Pereira das Neves. Corcundas e constitucionais: a cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro:
Revan / FAPERJ, 2003. Cap. I. Cf. Augusto Vitorino Alves Sacramento Blake. Dicionário Bibliográfico
Brasileiro. vol. 7. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1899, pp. 473 - 474.
24
Pierre Bourdieu. “A ilusão biográfica”. In: M.M. Ferreira & J. Amado (orgs) Usos e Abusos da História
Ora. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996, pp. 183 -191.
25
Para a compreensão de muitos dos conceitos e das atividades que envolviam a impressão e seus cargos, nos
servimos ainda dos dicionários de época, como: Antônio de Moraes Silva. Dicionário da Língua Portuguesa.
Lisboa: Tipografia Lacerdina, 1813 & Denis Diderot & Jean Lerond D’Alembert. In: Encyclopédie ou
Dictionnaire Raisonné dês Sciences, dês Arts et dês Métiers (1751-1772). Ed. integral. Marsanne: Édition
Redom, s.d. CD-Room.
26
Jean-François Sirinelli. “Os intelectuais”. In: René Rémond (org.). Por uma história política. 2ªed. Rio de
Janeiro: FGV, 2003, pp. 231- 270.

21
22

No segundo capítulo, realizamos o exame do periódico o Diário do Rio de Janeiro,

no período já descrito27. Entre tantos impressos e produtos oferecidos por Meireles, sem

dúvida, era este o seu principal veículo de atuação. Entre outros fatores, o periódico surgiu

ainda no ambiente e maquinário da Tipografia da Impressão Régia (em 1821). Pela leitura

e análise de notícias locais e, em especial, de seus anúncios, propomos traçar o perfil

político do jornal para além de “mera folha comercial”. Com esta visão, vimos em via

contrária da historiografia, que entende o periódico como “folha omissa a questões

políticas”28. Nesse sentido, sem pretender negar seu papel como um veículo voltado a

auxiliar nos serviços de “utilidade pública”, atuando como facilitador no comércio pela

divulgação de informações fundamentais para as atividades urbanas e na esteira das

recentes pesquisas que envolvem periódicos e folhetos, entendemos o Diário do Rio de

Janeiro como principal instrumento da Tipografia do Diário, a contar até mesmo pelo

nome, tanto para seu sustento, quanto na construção de uma nova ordem política, cheia de

rupturas e contradições.

Para o terceiro capítulo, enfocamos tratar do perfil político e jornalístico da

Tipografia do Diário através da análise do conjunto de publicações e sua relação com o

poder. Como ponto de encontro entre pessoas e difusão de idéias, as tipografias podem ser

entendidas como lugar em que as relações políticas e sociais se estabelecem a partir da

própria seleção das publicações, realizadas no conjunto de sua produção; como postura e

condição diárias. Dentre todas aquelas que compuseram o período, a Tipografia do Diário

perpassou o Primeiro Reinado com uma grande produção, publicando resoluções do

governo, correspondências, jornais, panfletos, hinos patrióticos, obras literárias, rifas, entre

outros, constituindo-se como um espaço, ao mesmo tempo, público e privado.

27
Manuel Duarte Moreira de Azevedo em “Origem e desenvolvimento da imprensa no Rio de Janeiro”. Rio de
Janeiro: Revista trimestral do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Brasileiro, t. XXVIII, 4º trimestre de
1865, p. 106.
28
Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 50.

22
23

CAPÍTULO 1:

Zefferino Vitor de Meireles:

um intelectual nas imbricações do ofício tipográfico (1808-1821)

Na manhã do dia 12 de novembro de 1822, algo mudava na rotina de muitos dos

moradores desta cidade. O Diário do Rio de Janeiro, um conhecido periódico, não saiu29.

Muitas poderiam ser as razões capazes de causar o impedimento da publicação de uma

“folha” periódica na época. No caso de um importante jornal e, efetivamente, diário na

Corte, entretanto, somente um episódio bastante significativo resultaria em tal condição.

Naquele tempo, tal ausência poderia provocar ainda certo burburinho, especialmente entre
29
O periódico Diário do Rio de Janeiro circulou na Corte entre os anos de 1821 e 1878. Em seu primeiro
ano, saiu impresso diariamente, inclusive aos domingos. Sobre uma análise mais detalhada deste jornal, ver o
segundo capítulo deste trabalho. Optamos por atualizar a grafia dos termos de época a fim de proporcionar
uma melhor compreensão do texto.

23
24

comerciantes e caixeiros, principais anunciantes e que, possivelmente, acostumaram-se,

senão a ler, a saber das notícias diariamente.

A esta altura, o Rio de Janeiro já contava com alguns poucos periódicos para

anunciar produtos, informar a dinâmica dos portos e das marés, o horário das missas, o

jogo de loteria, as festas e espetáculos30... Informações essenciais no cotidiano de uma

cidade que se modernizava. Mais ainda, como era o caso, se esta última se constituísse

como sede de uma monarquia, em que o movimento de entrada e saída de mercadorias

(entre elas, os escravos), apresentava-se como a base de sustento de uma sociedade com

novos hábitos e consumo.

Circulando nos diversos pontos da cidade, entre seus vários distritos, as páginas

daquele importante impresso já faziam parte do cenário, informando e orientando

negociantes de diversos ramos. Contudo, antes de pensarmos sobre os impactos de sua

falta no comércio urbano, vale a pena indagar quais as razões do ocorrido.

Segundo anunciado pela própria “folha”, o motivo teria sido a morte do seu

primeiro proprietário, redator e editor: Zefferino Vitor de Meireles. Consta que Zefferino

foi morto por um desconhecido que após ter lido (ou sabido) de um aviso-denúncia,

publicado no Diário em 19 de agosto do mesmo ano, teria resolvido a questão por seus

próprios meios31. Eis o aviso:

O sujeito que encerrou sua filha, no dia 23 de julho findo, em uma


prisão incomunicável, dentro de sua casa, mantendo-a desde então
com castigos que nem a lei, nem a humanidade podem tolerar queira
soltar a dita senhora já e já, quando não, seu nome há de ser publicado,
com uma relação fiel das circunstâncias (...)32.

30
Os periódicos com perfil informativo eram a Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822) e o Volantim (setembro
a outubro de 1822).
31
Manuel Duarte Moreira de Azevedo. “Origem e desenvolvimento da imprensa no Rio de Janeiro”. Rio de
Janeiro: Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Brasileiro. t. XXVIII, 4º trimestre de 1865,
p. 106.
32
Diário do Rio de Janeiro, nº 11, 13 de agosto de 1822.

24
25

Além de uma denúncia, o aviso tomou forma de ameaça, em que o possível pai

poderia ser alvo de uma investigação policial. Se foi o redator ou não o responsável, não se

sabe, pois o aviso não possuía autoria e não gerou processo33. Nesse caso, de acordo com a

lei de liberdade de imprensa promulgada na época, responderia por ele, o editor ou

proprietário do estabelecimento de origem do impresso. Nos dois casos, o mesmo Sr.

Meireles34.

A despeito de sabermos alguns detalhes sobre um episódio que deixou tão poucos

rastros, o fato é, sem dúvida, revelador do contexto pelo qual passavam os anos inicias do

novo Império dos trópicos. De um lado, questões políticas mais amplas tomavam conta da

cena pública. Redatores, ainda sob forte vigília do governo, dirigiam suas opiniões sobre

variados assuntos. De outro, fatos, como o assassinato de um redator que, aparentemente,

isolados entre si, acabam por demonstrar o quadro de enfrentamentos no qual estavam

sujeitos os indivíduos, que tinham na pena e/ou nos prelos, suas principais armas de

combate. O caso narrado, portanto, mais ligado talvez a uma questão local do que

diretamente política, não esconde a atmosfera de violência a que estavam sujeitos. Se

vasculharmos o Primeiro Reinado, não é difícil encontrarmos episódios em que redatores,

livreiros e donos de tipografias eram perseguidos ou calados, pelos mais variados

motivos35.

33
O episódio foi narrado seguidamente na historiografia da imprensa. Todavia, sem indicações de
documentação. O fato pode ser notado pela verificação da saída de Meireles da redação e do aviso de seu
falecimento nas datas correspondentes ao que sinalizou a historiografia.
34
Segundo apontou Barbosa Lima Sobrinho, em primeiro de setembro de 1821, a Junta Diretora da Imprensa
Régia publicava uma declaração ordenando que não se fizessem nas oficinas manuscritos ou impressos sem
indicação de autoria e reconhecimento por tabelião público. Em caso de desobediência, o acusado poderia ser
levado a julgamento, naquilo que o autor chamou de “condenação do anonimato”. Sobre as mudanças na
legislação da imprensa durante o período, ver: Barbosa Lima Sobrinho. O problema da imprensa. Rio de
Janeiro: Álvaro Pinto, 1923, pp. 166 -168.
35
Bastante ilustrativo é caso do redator Cipriano Barata. Sua trajetória é testemunha do tratamento que
recebiam do governo os letrados que resistiam pela ação da imprensa. Cf. para sua biografia contextualizada,
Marco Morel. Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade. Salvador: Academia de Letras da Bahia /
Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2001. Nelson Werneck Sodré chamou a atenção para o caso de
João Soares Lisboa, redator do periódico Correio do Rio de Janeiro (1822-1823). Cf. Nelson Werneck Sodré.
História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 70 –72. Uma relação de periódicos da Corte,

25
26

Mais ainda, a solução encontrada para o caso de Zefferino acabou por revelar outros

aspectos implícitos em uma sociedade ainda tipicamente colonial, em que o direito e a

prática da opinião, difundida na Europa pela Ilustração36, demorava para, de fato, existir.

Sob essa ótica e tendo como percurso a trajetória do tipógrafo Vitor de Meireles, nosso

capítulo busca elucidar alguns aspectos integrantes das práticas que norteavam o ofício de

impressão na cidade do Rio de Janeiro, no período compreendido entre a chegada da Corte

Real (1808) e os anos finais do Primeiro Reinado (1821)37. De acordo com essa perspectiva,

propomos compreender ainda algumas das condições anteriores da vida de Zefferino

enquanto percurso representativo para compreendermos os meandros nos quais estavam

envolvidas as chamadas “Artes Mecânicas”. Complementarmente, vale à pena pensarmos

nas condições culturais do contexto de crescimento da atividade tipográfica no período.

Algumas das afinidades profissionais de Zefferino, desse modo, serão apontadas, na

realização de um breve mapeamento de seu universo de trabalho e de algumas de suas

relações de poder tidas no interior da Impressão Régia.

1.1) De almoxarife a administrador: apontamentos para a análise de uma trajetória.

Mais do que trabalho único de reflexão e de escrita, a atividade em torno da

imprensa envolve muitos outros aspectos, que reunidos, dão a forma final a um impresso.

pode ser encontrada no “Catálogo de Jornais e Revistas do Rio de Janeiro existentes na Biblioteca Nacional
(1808-1889)”. Anais da Biblioteca Nacional. v. 85. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1881,
pp. 1- 208. Edição fac-similar.
36
A Ilustração é adotada como sinônimo de Iluminismo. Para Francisco Falcon, o Iluminismo constituiu o
ponto de partida de um controvertido processo de amplo alcance político, econômico e social. O autor
ressaltou que a razão iluminista instaurou, em definitivo, o reino da crítica e, ao fazê-lo, tinha como alvo “a
sociedade como um todo, que deve ser reconstruída”. Francisco José Calazans Falcon. Iluminismo. 4ª ed. São
Paulo: Ática, 1994, p. 39.
37
Utilizaremos análise quantitativa apenas para compreender a intensidade de desenvolvimento da imprensa
no diálogo com os diferentes contextos. Seguindo este raciocínio, refutaremos, assim, traçar uma linha
determinista acerca do desenvolvimento da imprensa ou a realização de um simples inventário cronológico
dos periódicos, procurando, ao contrário, entendê-los como parte de um processo histórico específico.

26
27

Desse modo, a confecção de um livro, de um jornal, ou mesmo, de um efêmero folheto,

consolida um árduo e paciente trabalho, muitas vezes de difícil percepção no conjunto de

todo o processo38. Ao lermos um impresso apenas, não nos damos conta do imenso

trabalho e dos minuciosos detalhes requeridos pela prática de tal ofício. Percorrermos a

trajetória de um tipógrafo, talvez nos ajude a adentrar um pouco mais no universo das

Letras, não somente por seu lado nobre, mas também um pouco do suor inevitavelmente

impregnado nos prelos.

O tipógrafo Zefferino Vitor de Meireles nasceu no Reino de Portugal, na cidade de

Lisboa, em uma família de comerciantes. Filho de Manuel Carmo da Silva, chegou ao Rio

de Janeiro em data desconhecida. Os registros mostram que teria iniciado seus trabalhos a

partir do ano de 1808 na imprensa da cidade, então sede da Corte, ocupando, a partir

daquela data, funções diversas39. A despeito de inúmeras lacunas que envolvem essa figura,

vale apontar que sua trajetória de vida testemunhou o novo cenário que começava a se

desenhar na América Portuguesa. Frente à necessidade de construção de uma sociedade

culta e ilustrada, digna de conviver com uma monarquia, diversas práticas culturais

estavam sendo implementadas.

Como se sabe, após a transferência da Corte lusa para o Rio de Janeiro, em 1807,

três remessas distintas, no total 60.000 obras – no começo de 1810, em março de 1811 e,

em setembro de 1811 – foram feitas de Portugal para a nova sede da Corte a fim de compor

a nova Biblioteca Real. Da mesma maneira, acompanhando o crescimento cultural e

populacional da cidade e, conforme anunciadas pelos jornais, aulas de línguas (como o

inglês e o francês) foram muito valorizadas, posto que acabaram por constituir aspecto

peculiar de status para aqueles que almejavam se diferenciar ainda mais dos segmentos

38
Uma amostragem das partes de composição de um impresso pode ser encontrada em: Wilson Martins. A
palavra escrita. História do livro, da imprensa e da biblioteca. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1996, pp. 288 - 292.
39
Augusto Vitorino Alves Sacramento Blake. Dicionário Biográfico Brazileiro. v. 7. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1899, p. 413.

27
28

mais baixos da população. No plano simbólico, festas e espetáculos serviam para reforçar

as linhas de força determinantes do novo contexto que então se apresentava40. No bojo de

transformações materiais e sociais, nesse processo de interiorização da metrópole41, foi

implantada a imprensa oficial do governo, a Tipografia da Impressão Régia. Tal medida,

no dizer da historiadora Lúcia Neves, contribuiu decisivamente para despertar a vida

cultural da colônia, criando um novo momento histórico e cultural no país, cuja finalidade

principal era criar um canal de comunicação entre o rei e os súditos, além de divulgar as

medidas do governo instalado no Rio de Janeiro42.

De todo modo, embora não possa ser considerada como iniciadora de uma imprensa

opinativa, na qual os impressos representariam essencialmente um espaço de voz e de

crítica social, a Tipografia da Impressão Régia inaugurou a prática da impressão periódica

nos trópicos, acabando por ser o palco que deu início à carreira do futuro tipógrafo,

Zefferino Vitor de Meireles.

Diante da necessidade de controle da nova iniciativa e para cuidar da administração

da imprensa oficial43, já em 1808, foi criada uma Junta Diretora, cuja função estava

relacionada ao controle do conteúdo dos materiais destinados à impressão. No mesmo ano,

a censura às obras a serem publicadas foi requerida pela Mesa do Desembargo do Paço,

reivindicando uma prática antiga que era feita em Portugal, quando examinava os livros do

40
A consagração da nobreza nos trópicos, analisada a partir de mecanismos simbólicos, pode ser vista em:
Jurandir Malerba. A Corte no Exilio. Civilização e poder às vésperas da independência. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. Ver, em especial, o capítulo 2.
41
Maria Odila Silva Dias. “A interiorização da metrópole (1808-1853)”. In: Carlos Guilherme Mota (org.)
1822: Dimensões. São Paulo: Perspectivas, 1972, pp. 160 -186.
42
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. Imprensa Régia. In: Ronaldo Vainfas (dir.). Dicionário do Brasil
Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, pp. 165 -166.
43
A Tipografia da Impressão Régia foi fundada em 13 de maio de 1808. Inicialmente, foi instalada na Rua do
Passeio, sendo mais tarde transferida para a Rua dos Barbonos (atual Evaristo da Veiga), onde permaneceu
até 1822. Segundo o historiador Carlos Rizzini, após inúmeras mudanças de nome, em 1822, passou a se
chamar Tipografia Nacional, título que manteve até 1885. A este respeito, ver: Carlos Rizzini. O livro, o
jornal e a tipografia no Brasil (1500-1822). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado / Imesp, 1988 (edição fac-
similar). Moraes & Camargo apontam que a nova tipografia oficial era ligada à Secretaria de Negócios e da
Guerra que, na ocasião, administrada por Rodrigo de Souza Coutinho, recebeu essa nova função. Rubens
Borba de Moraes & Ana Maria de Almeida Camargo. Bibliografia da impressão Régia. São Paulo: EDUSP /
Livraria Kosmos Editora, 1993, p. XIX.

28
29

país ou vindos do exterior44. Na atividade de vigilância e revisão das obras prontas a serem

publicadas, estiveram presentes diversos censores que, ao longo do tempo, se revezaram no

cargo. Alguns deles conviveram profissionalmente ao lado de Zefferino, no âmbito da

produção dos impressos. Entre todas as obras emitidas pela régia impressão, aquela que

atingiu maior alcance do público em geral, foi, sem dúvida, o periódico: Gazeta do Rio de

Janeiro45.

Segundo Sacramento Blake46, o primeiro cargo exercido por Zefferino Vitor de

Meireles na Imprensa Régia foi o de alçador47. Na função, o empregado “era responsável

pela guarda dos armazéns”48 da Tipografia. Moraes Silva ressaltou que alçador era aquele

“que levanta algo”. Ao que tudo indica, o funcionário iniciava sua carreira realizando

algumas das atividades braçais da oficina. De uma forma ou de outra, suas atividades

demandavam extrema confiança do rei. Como alçador, permaneceu por cinco anos. Em

44
Segundo informou Lúcia Neves, compunham a diretoria administrativa nomeada por D. Rodrigo, os
letrados: José da Silva Lisboa (também censor das obras); José Bernardes de Castro (revisor das provas a
caminho dos prelos); e o diretor Mariano José Pereira da Fonseca. A este respeito, ver: Lúcia Maria Bastos
Pereira das Neves. “Censura”. In: Maria Beatriz Nizza da Silva (coord.). Dicionário da História da
colonização portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo, 1994, pp. 157 - 159.
45
A Gazeta do Rio de Janeiro foi um dos principais periódicos da Corte. Ao longo de treze anos, recebeu três
redatores diferentes. Após mudanças na periodicidade, era publicado três vezes por semana, entre os anos de
1808 e 1822. A partir da independência política e do início de formação do Império do Brasil, passou a
chamar-se Diário do Governo. Estudos clássicos sobre a história da imprensa no Brasil contemplam
importantes informações sobre a Gazeta do Rio de Janeiro. Cf. Nelson Werneck Sodré. A história da
imprensa ... Op. cit.; Hélio Vianna. Contribuição à história da imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1945; Carlos Rizzini. O livro, o jornal ... Op. cit. Trazendo contribuições importantes para o estudo
das transformações culturais na cidade, a historiografia recente colocou a Gazeta do Rio de Janeiro como
fonte de pesquisa para apreensão de práticas culturais na cidade e como elo entre a Coroa e a sociedade
carioca. Para estes, ver: Teresa Maria R. Fachada Levi Cardoso. “Gazeta do Rio de Janeiro: subsídios para a
história da cidade (1808-1821)”. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, abr /
jun., 1991. Maria Beatriz Nizza da Silva. A Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822): cultura e sociedade. Rio
de Janeiro: Eduerj, 2007. Juliana Gesuelli chamou a atenção para os impactos na circulação de idéias entre os
dois lados do Atlântico e sua maneira de retratar os eventos políticos. Juliana Gesuelli Meirelles. A Gazeta do
Rio de Janeiro e o impacto da circulação de idéias no Império luso-brasileiro (1808 -1821), 2006.
[Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de
Campinas.
46
Augusto Vitorino Alves Sacramento Blake. Dicionário Biográfico ... Op. cit., v. 7, p. 413.
47
Zefferino Vitor de Meireles. Biblioteca Nacional - Divisão de manuscritos (doravante BN-DMss). Coleção
Documentos Biográficos. Rio de Janeiro. Doc. 16, 24 de dezembro de 1817.
48
.Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro.
Doc. 14, 02 de outubro de 1818.

29
30

1813, o funcionário atingia um lugar mais próximo do trabalho na impressão, um degrau

representativo em seu crescimento profissional, no cargo de apontador49.

Na busca de melhor aprofundamento do cotidiano tipográfico, vale frisar a

multiplicidade de significados subjacentes a esta sua nova atividade. Sendo assim, para o

cargo supracitado, diversas acepções podem ser avaliadas. O dicionarista Moraes Silva

destacou a existência de algumas nuances ao redor do termo: 1) aquele que faz as pontas

dos instrumentos; 2) aquele que lembra, sugere, aconselha; 3) aquele que controla as faltas

dos funcionários; 4) aquele que recita o papel do orador para ajudar-lhe a memória; 5)

aquele que marca os erros ortográficos, valorizando, assim, o entendimento50.

Conforme indicado acima, embora distintas entre si, todas as tarefas vinculavam-se

ao universo do trabalho, da impressão e edição. Para o cargo de apontador, eram exigidas

inúmeras habilidades. Os documentos atestam que, enquanto apontador, Zefferino esteve

realizando substituições momentâneas, as quais acabaram se consolidando por vários

anos51. Dentro das noções apresentadas, verifica-se uma gama de atividades: as mecânicas,

de um lado, como cuidar dos instrumentos ou marcar os erros de grafia; e as de vigília, de

outro, na atenção ao trabalho dos colegas, como pela anotação de suas faltas. Uma terceira

função, por sua vez, estaria ligada a uma espécie de supervisão, cuja tarefa seria a de

orientar os outros funcionários durante suas atividades.

No mesmo dicionário da época, o vocábulo apontador aparece ainda relacionado ao

termo alvitre. Este último, por sua vez, correspondia à “invenção de levantar dinheiro” ou a

de “arrecadador das rendas reais”52. De uma forma ou de outra, se conselheiro ou alvitre, o

funcionário esteve inserido em muitos dos ramos da impressão, revelando suas imbricações

49
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro. Doc. 16, 24 de
dezembro de 1817. Cf. Antônio de Moraes Silva. “Alçador”. In: _______ Dicionário da Língua Portuguesa.
Lisboa: Tipografia Lacerdina, 1813, v. 1, p. 84.
50
Antônio de Moraes Silva. “Apontador”. In:_______ Dicionário da Língua ... Op. cit. v.1, p. 178.
51
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro.
Doc. 16, 24 de dezembro de 1817.
52
Antônio de Moraes Silva. “Almoxarife”. In:_______ Dicionário da Língua ... Op. cit., v. 1, p. 109.

30
31

pela intensa justaposição dos trabalhos no interior do campo da impressão. Pelo que nos

apresentam os documentos, em meio a tarefas tão distintas e de tamanha especificidade,

talvez possamos afirmar que o funcionário as desempenhasse de forma coetânea. Em outras

palavras, cuidando dos instrumentos e controlando as faltas dos colegas, talvez lhe sobrasse

tempo para conferir os erros ortográficos dispostos nos impressos, e mesmo, auxiliar na

administração das contas da Coroa. Vale notar que, no alvorecer do século XIX, na porção

tropical do império luso-americano, face a tantas acomodações forjadas no exercício da

elite letrada53, não era difícil encontrar a sobreposição de funções54. Tal característica, por

sua vez, configurava-se, no dizer de José Murilo de Carvalho, como um aspecto básico na

formação de suas elites55.

Inúmeras conformações passavam a integrar o período inicial da constituição de

uma camada média urbana, grupo que, naquele contexto, necessitava da proteção do

soberano para manter suas carreiras, e que acabou por deixar inúmeros rastros na

posteridade56. Pelos documentos analisados e pelo que apontou a pesquisa de Lúcia Neves,

Vitor de Meireles era funcionário público, ligado ao campo da administração e das Letras

tornando-se, posteriormente, dono de tipografia57. No vasto material temático publicado

pela Gazeta, o trabalho de impressão e editoração das obras era realizado por poucas

pessoas, que ficavam quase sempre sem aparecer, sendo, contudo, de grande valia para o

alcance da perfeição no resultado final da publicação.

53
Na concepção de José Murilo de Carvalho, a idéia de elite repousa na noção de grupos específicos,
marcados por características próprias capazes de os distinguir face às massas e a outros de elite. Cf. A
construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980, p. 20.
54
Para o perfil dos tipógrafos nos anos de 1820 e 1822, ver: Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves.
Corcundas e constitucionais – a cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan /
Faperj, 2003. Prosopografia dos tipógrafos e redatores de jornais disposta no capítulo 1.
55
José Murilo de Carvalho. A construção da ordem... Op. cit., p. 20.
56
Sobre o crescimento dos intelectuais à sombra da Coroa. Ver: Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves.
“Intelectuais Brasileiros nos Oitocentos: A constituição de uma ‘família’ sob a proteção do poder imperial
(1821-1838)”. In: Maria Emília Prado (org.). O Estado como vocação. Idéias e práticas políticas no Brasil
oitocetista. Rio de Janeiro: ACCES, 1999, pp. 9 - 32.
57
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. Corcundas e constitucionais ...Op. cit.

31
32

Além das funções de Zefferino, eram de notório realce as funções de escrivão,

secretário e guarda-livros. Segundo Maria Beatriz Nizza da Silva, o grupo dos guarda-

livros era respeitado por seus conhecimentos em línguas estrangeiras, escrituração

mercantil e operações cambiais. Ressaltou a autora, que, em 1817, um guarda-livros que se

oferecia para “casas de comércio”, além de salientar confiança, pois viera de Portugal com

passaporte e referências dos trabalhos anteriores, recebeu a formação exigida pela

profissão58. Sabe-se que, na régia oficina, as funções de secretário e guarda-livros eram

desempenhadas pela mesma pessoa, cujo nome era Francisco Izidoro da Silva, talvez a

principal testemunha dos caminhos trilhados, bem como da “dedicação”59 conferida pelo

empregado Meireles.

Dos trabalhos diretamente ligados à impressão, muitas atividades ainda constituem

terreno desconhecido dos historiadores da imprensa ou mesmo dos comunicólogos que

dialogam com a história. Um grande exemplo dessas lacunas, são aquelas das áreas

relacionadas às “oficinas de composição”, fundição de letras, “abrição de punções”60,

matrizes e gravuras. Ao completar um ano como apontador, por impedimento do diretor

José Bernardes de Castro, Zefferino ocupou o lugar de corretor, também identificado na

época como revisor61.

Embora alguns termos nos pareçam estranhos, os mesmos tornavam-se referência em

alguns pontos da Europa onde, a partir da segunda metade do século XVIII, crescia o

paradigma das Luzes, difundindo noções matizadas pelo olhar dos filósofos enciclopedistas,

debruçados na busca de novas definições para o campo das chamadas “Artes Mecânicas”. O

58
Maria Beatriz Nizza da Silva. A Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822): cultura e sociedade. Rio de
Janeiro: Eduerj, 2007, pp. 124 -125.
59
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro. Doc. 15, 24 de
dezembro de 1817. f.1.
60
De acordo com Antonio de Morais Silva, punção ou ponção era um instrumento de ferreiros e
espingardeiros usados para furar ou marcar peças de cobre, prata ou ouro. No campo da impressão servia para
fundir letras. Antonio de Morais Silva. Dicionário da Língua ... Op. cit.,v. 2, p. 86.
61
Como já ressaltado, José Bernardes de Castro era um dos diretores da régia oficina, acumulando as funções
de corretor e revisor das provas a serem impressas.

32
33

estudo dos termos ligados à composição dos impressos apontou para a influência dos

postulados forjados pela Encyclopédie sobre um dos principais dicionaristas lusos da época,

um dos autores mais utilizados nos estudos de história: Antonio de Moraes Silva.

A questão torna-se mais simples se tomarmos como exemplo uma comparação a

partir do conceito de corretor. Para o letrado português Antonio de Moraes Silva, o vocábulo

corretor diz respeito “àquele que corrige; que revê ou emenda as provas das obras que se

imprimem”62. Para os enciclopedistas franceses, le correcteur de imprimière (corretor de

impressão), constitui “celui que lit les épreuves, por marquer à la marge, avec differéns

signes ni fités dans l’imprimerie, les fautes que le compositeur a faites dans l’arrangement

des caracteres”63.

Conforme podemos verificar, nos dois termos, a figura do corretor é aquela que lê e

revisa as provas destinadas à impressão, cobrindo os possíveis erros dos compositores,

buscando, portanto, o perfeito arranjo dos caracteres, na montagem das frases.

Na Encyclopédie, encontramos ainda:

(...) il faut qu’ il connoisse très bien la langue du moins dans laquelle l’
ouvrage est composé; ce que le bom sens sugere dans uma matière,
quelle que elle foit; qu’ il fache se métier de ses lumières; qu’il entende
très bien l’ orthographe & la ponctuation (...)64.

Aprofundando a questão, o excerto revela a condição de corretor enquanto uma tarefa

dada aos indivíduos mais qualificados, por exigir conhecimentos anteriores, que pudessem

permitir o envolvimento do “técnico” com a obra, tanto na boa compreensão de seu texto e

de sua língua, quanto em sua pontuação e ortografia. Como referido, eram condições

62
Tratamos da concepção de letrado como sinônima de erudito. Cf. Antônio de Moraes Silva. “Corretor”. In:
________ Dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa: Tipografia Lacerdina, 1813, p. 557.
63
Tradução livre: o corretor de impressão constitui aquele que lê as provas para marcar a margem por meio
de distintos sinais, cobrindo as faltas deixadas pelo impressor na organização dos caracteres. Cf. “Correteur”.
In: Denis Diderot & Jean Lerond D’Alembert. Enciclopedia ou Diccionaire Raisonné dês Sciences, dês Arts
et dês Métiers (1751-1772). Ed.integral. Marsanne: Édition Redom, s.d. CD-Room.
64
Tradução livre: (...) é necessário que conheça muito bem a língua na qual o texto é composto, conforme
sugere o bom senso; qualquer que seja a matéria, que se faça com suas luzes; que entenda muito bem da
ortografia e pontuação (...). Cf. “Correteur”. In: Denis Diderot & Jean Lerond D’Alembert. In: Enciclopedia
ou Diccionaire ... Op. cit..

33
34

apresentadas somente por aqueles que possuíam exímia experiência no campo das Letras. Na

tentativa de melhor esclarecer e organizar o trabalho interno na oficina tipográfica, o

historiador Nelson Schapochnick65 revelou como o livreiro e tipógrafo francês, residente na

Corte, René Ogier, entendia, em fins do Primeiro Reinado, a maneira de funcionar o trabalho

do corretor:

os corretores devem estar separados, longe de bulha, e de toda a


distração, num lugar bem claro, e enfim numa biblioteca, a ser possível;
deve-se ao menos fornecer-lhes os livros de que possam necessitar nas
suas indagações, e para verificarem as citações66.

Ou seja, no complexo processo de composição, eram realizados trabalhos como os de

montagem das palavras, linhas, páginas e folhas. Situações que impunham condições

técnicas e materiais peculiares, e ainda, tal qual acima escrito, um profundo silêncio67. É

importante chamar a atenção para o fato de que não havia, naquele contexto, a divisão de

tarefas, adotada

nas fábricas européias. Desse modo, tratava-se de uma técnica artesanal, passada daqueles

mais experientes aos mais novos na profissão, fosse por laço familiar, fosse através do

trabalho dos aprendizes. Em paralelo, tratando-se de condições tão específicas de trabalho, a

construção semântica dos conceitos no âmbito do século XVIII e XIX, pode indicar ainda

uma prática norteada por uma espécie de missão a ser efetivada pela difusão do

65
Nelson Schapochnick. “Malditos Tipógrafos”. I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial. Rio
de Janeiro: FCRB, 2004. http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br. Página acessada em dezembro de 2007.
66
Apud. Nelson Schapochnick. “Malditos Tipógrafos”. In: I Seminário... Op. cit., p. 6. No romance, Ilusões
perdidas, Honoré de Balzac apresenta algumas das condições do funcionamento do maquinário tipográfico na
França do final do século XVIII. A respeito do trabalho do compositor, destaca a rudeza de seu cotidiano.
Devido ao contínuo exercício que faziam para apanhar as letras dos 152 caixotins, receberam o apelido de
macacos. Cf. Honoré de Balzac. Ilusões Perdidas. 2ª ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1960.
67
Uma evolução da imprensa, tida no bojo da divisão internacional do trabalho e da organização da classe
operária, pode ser encontrada em: Artur José Renda Vitorino. Máquinas e operários – mudança técnica e
sindicalismo gráfico (São Paulo e Rio de Janeiro, 1858-1912). São Paulo: Annablume / Fapesp, 2000. Sobre
as condições de trabalho necessárias ao corretor, ver: Nelson Schapochnick. “Malditos Tipógrafos”.
I Seminário... Op. cit., p. 6.

34
35

conhecimento, entendida como importante passo no caminho para se atingir as almejadas

Luzes.

Ainda pelo excerto acima, verificam-se pormenores capazes de compor um caminho

sugestivo no auxílio aos estudos que tratam das relações intrínsecas à cultura impressa,

nascida na Ilustração francesa e, mais tarde, espraiada no Reino português. Estudos mais

recentes revelam um estreito diálogo entre a primeira geração da imprensa periódica nos

trópicos e a tradição de atividades impressas da nação lusa68. Vale destacar que a própria

implantação da Tipografia da Impressão Régia na antiga colônia americana atendeu a uma

tradição original lusa, montada nos moldes da Casa Literária do Arco do Cego,

posteriormente chamada de Impressão Régia de Lisboa69. Nesse sentido, sua estrutura na

metrópole forneceu o modelo para a posterior implantação de sua versão na Corte do Rio de

Janeiro, dada a partir de 13 de maio de 1808.

Na Metrópole, a imprensa oficial era comandada por um diretor geral, que recebia

anualmente no exercício da função, a quantia de 600$000 (seiscentos mil réis). Segundo

encontrado nos documentos, à frente da Junta Administrativa, estava um deputado, cujo

ordenado era metade do valor pago ao diretor, ou seja, a quantia de 300$000 (trezentos mil

réis). Na administração, constavam dois mestres-impressores, daqueles “de melhor nota” da

Corte. Para cumprir seus trabalhos, recebiam, por sua vez, um, 500$000 (quinhentos mil

réis), e o outro, 250$000 (duzentos e cinqüenta mil réis), também anuais. Conforme é

possível verificar, já na metrópole, os mestres-impressores também desempenhavam funções

relativas ao campo da administração70.

68
Marco Morel. Da gazeta tradicional aos jornais de opinião: metamorfoses da imprensa periódica no
Brasil. Texto inédito, gentilmente cedido pelo autor. Nireu Cavalcanti destaca que a troca intensa de livros e
entre América Portuguesa e sua metrópole era constante desde fins do século XVIII. Nireu Cavalcanti. O Rio
de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 146.
69
Arquivo Nacional do Brasil (doravante ANRJ). Impressão Régia. Caixa 762. Pacote de Diversos. 27 de
dezembro de 1768. Doc.1, fl. 1.
70
Ibidem.

35
36

Ao tratar da criação da Tipografia Nacional da Bahia, Renato Berbert de Castro71

afirmou que cabia ao mestre cuidar da “orientação, distribuição e supervisão de todos os

trabalhos da oficina”72. Da mesma maneira, era ele quem entregava ao compositor o

manuscrito a ser impresso. O trecho abaixo fornece uma dimensão de como funcionava uma

tipografia, nas primeiras décadas do século XIX:

Este colocado em frente da caixa, tabuleiro dividido em pequenos


compartimentos, os caixotins onde os tipos se encontravam distribuídos,
dela retirava, um a um os caracteres, e os colocava no componedor,
recipiente de forma alongada, até formar uma linha, que era arrumada na
galé, lâmina retangular com rebordos em três de seus lados. Após
composto um certo número de linhas, eram devidamente atadas para a
formação da chapa, com a qual se tira a prova73.

Segundo Berbert de Castro, por esta chapa o revisor (ou corretor) indicava os

enganos da composição, fazendo-a voltar ao compositor para as devidas correções. No

momento da impressão, a fôrma era posta sobre o mármore (chapa de ferro ou de pedra),

embutida no cofre do prelo. Sobre os caracteres entintados, era colocada a folha de papel.

Após esse trajeto, as folhas de papel eram postas a secar, presas pelas extremidades em

cordões estendidos. Depois de secas, eram dobradas e somente então seguiam para o

encadernador.

Embora os detalhes do funcionamento da construção do impresso façam parte de

uma relação mecânica, tratar do assunto, na opinião de Philippe Minard, constitui debruçar-

se no cruzamento de três tipos de historia: a história da tecnologia; a história das estruturas

econômicas (da moldura material); das práticas e padrões de trabalho, característicos de tais

habilidades técnicas74. Tendo como fio condutor as técnicas de impressão, nossa pesquisa,

centra-se na análise das relações culturais intrínsecas à cultura impressa do período e que

trazem em seu bojo uma sociedade fortemente hierarquizada, dotadas de regras que
71
Renato Berbert de Castro. A Tipografia Imperial e Nacional da Bahia (Cachoeira /1823; Salvado /1831).
São Paulo: Ática, 1984.
72
Idem. Ibidem. Op. cit., p. 13.
73
Idem. Ibidem, p. 13.
74
Phillipe Minard. “A agitação na força de trabalho”. In: R. Darnton & D. Roche (orgs.). Revolução
Impressa. A Imprensa na França, 1775-1800. São Paulo: Edusp, 1996, pp. 155 - 175.

36
37

regulam a ascensão social. No que concerne ao conceito de imprensa, optamos, desde logo,

em considerá-la não apenas em sua perspectiva jornalística – contabilizada no curso de

catalogação quantitativa de seus impressos75 – , mas, de outro modo, em sua perspectiva

ilustrada, tal qual definida pelos enciclopedistas em duas instâncias: a primeira, por seu

perfil mecânico, enquanto técnica, aperfeiçoada ao longo do tempo, capaz de aprimorar-se

nas produções gráficas. A segunda, por sua dimensão cultural, que abriga seu papel em

uma espécie de devir esclarecedor, (conforme encontrado nos anúncios da época) e capaz

de propagar as Luzes da razão. Tal definição de imprensa apresenta dupla característica, ao

conjugar duas faces: sendo um maquinário de impressão e, ao mesmo tempo, uma

conquista política. Esta última seria, no dizer do historiador Marco Morel, espaço em que

se desenvolveria a liberdade de expressão76.

Retornando aos trabalhos realizados por Zefferino Vitor de Meireles na Impressão

Régia, no ano de 1816 foi chamado pelo deputado Silvestre Pinheiro Ferreira para ocupar,

por dois meses, o cargo que o colocaria no ápice de sua carreira profissional. Sendo assim,

ao lado de Ângelo Bissum, assumiu o lugar do administrador Lourenço José Alves Pires,

anteriormente afastado por motivo de doença. De uma forma ou de outra, Zefferino

Meireles chegaria, assim, ao comando da Tipografia do governo, posto que, administrar,

para a época era o mesmo que “governar, dirigir”77. Como funcionário público, teve

especial destaque, na medida em que direcionou sua carreira, enveredado no campo das

Letras. Desse modo, estimamos que a Tipografia da Impressão Régia teria sido o ponto de

partida de sua trajetória na América Portuguesa, especialmente pela atividade na redação de

seu próprio periódico, em uma nova empreitada que alcançaria cinco anos depois.

75
O conceito de imprensa em sua dimensão jornalística aparece explícito em Marcelo de Ipanema e Cybelle
de Ipanema. Imprensa Fluminense: ensaios e trajetos. Rio de Janeiro: Instituto de Comunicação Ipanema,
1984,
p. 33.
76
Marco Morel. Da Gazeta tradicional aos jornais de opinião: metamorfoses da imprensa periódica no
Brasil. Texto gentilmente cedido pelo autor.
77
Antônio de Moraes Silva. “Administrar”. In: ______ Dicionário da Língua ... Op. cit., v. 1, p. 43.

37
38

Vale notar que entre a chamada prensa de engenho78 e a capacidade profissional

para seu manuseio, existe uma fenda que foi vencida pelo empregado Meireles. Desse

modo, representou uma demonstração clara de quão restrito era o universo tipográfico no

período, seja no que toca ao aspecto humano – com poucos funcionários capacitados para

realizar as respectivas tarefas; seja no aspecto ideológico, a fidelidade e identificação

pessoal pelos censores e diretores régios, demonstrada por Meireles, que acabou recebendo

chamados de grande importância.

Conforme destacou Morel, relações de poder como estas, revelam dimensões

culturais capazes de permitir novos conhecimentos acerca da imprensa periódica da época,

bem como dos embates sociais e políticos que esta última ajudou a construir79. Nesse

sentido, a personagem Zefferino Meireles pode ser vista como um ponto importante,

ganhando, aos poucos, relevância e credibilidade, naquele incipiente mundo letrado.

1.2) Os caminhos possíveis na busca de reconhecimento e prestígio.

Embora os documentos que tratam da vida de Zefferino Meireles não apresentem

muitos dos dados referentes à dinâmica de seu cotidiano e de sua formação enquanto

letrado, verifica-se pelas fontes manuscritas que o empregado trazia em sua experiência

profissional, qualidades específicas essenciais para o desenvolvimento nas tarefas de

tipógrafo da época80, demonstrando “(...) um perfeito conhecimento de Arte Tipográfica,

78
O conceito de prensa em Moraes Silva obedece ao caráter técnico, como: duas peças de madeiras de
quatro faces planas, enfiadas nuns parafusos paralelos, que se apertam, uma à outra (...), para apertar o que
fica entre uma delas. Antônio de Moraes Silva. Dicionário da Língua ... Op. cit., v. 1, p. 493.
79
Marco Morel. Da gazeta tradicional aos jornais de opinião: metamorfoses da imprensa periódica no
Brasil. Texto inédito, gentilmente cedido pelo autor.
80
A condição de tipógrafo aqui tratada consiste no entendimento dos vários processos de impressão e não
meramente na condição de proprietário de tipografia.

38
39

inteira aprovação na Língua latina e (ilegível) em algumas das línguas vivas”81.

Conhecimentos estes, na opinião de Francisco Izidoro da Silva, “preciosos em uma

tipografia” e possivelmente adquiridos no Reino de Portugal ao lado de muitos tipógrafos

que de lá vieram com a Corte Real82, especialmente a partir de 1808. Pela análise dos

documentos biográficos de Meireles, encontramos confirmações de cargos e elogios do

mesmo secretário, em nome dos censores reais ao empregado:

Atento, outrossim, que em todo o tempo que o suplicante serve nesta


Régia Oficina (...) tem sempre mostrado um incansável zelo pelo bem
do real serviço, preenchendo cabalmente, e com toda a honra, e
desinteresse, as incumbências de que tem sido encarregado (...)83

Tanta dedicação, contudo, realizou-se pelo descompasso entre promoções e aumento

de salários. No exercício efetivo de tantos cargos, o funcionário esteve sem receber

aumentos – os pagamentos “extraordinários” –, condição incomum na época, que acabou

por gerar, posteriormente, requerimentos do funcionário ao monarca D. João84. Como

resposta, em agosto de 1818, foram emitidos dois documentos pela Junta Diretora. No

primeiro deles85, Vitor de Meireles era nomeado, oficialmente, à condição de vice-

administrador da Impressão Régia. Do mesmo modo, era reconhecido como substituto de

Lourenço José Alves Reis, na administração, função que ocupou repetidas vezes, como

referido, desde 1816. No segundo documento, por sua vez, havia um reconhecimento

assinado por tabelião da decisão anteriormente tomada. Ou seja, pela junção dos dois

81
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro. s.d. Doc.8.
82
Pela leitura de muitos dos anúncios do jornal Diário do Rio de Janeiro, outros nomes podem ser
identificados como funcionários da tipografia: Luiz Manuel Pereira e Francisco Rodrigues de Almeida,
identificados como mestre-de-prensas e mestre-livreiro, respectivamente, através da seção “achados e
perdidos”. Diário do Rio de Janeiro, 05 de junho de 1821.
83
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro. Doc. 16, 24 de
dezembro de 1817.
84
Renato Berbert de Castro destacou que, em 1822, o “mestre de imprensa” José Francisco Lopes, para
assumir a direção da Tipografia oficial baiana da cidade de Cachoeira, requereu o salário anual de 400 mil
réis mais o valor de 100 mil réis de gratificações por trabalhos extras. Apesar de ter a gratificação negada,
recebeu dez anos de salário adiantados. Ver, Renato Berbert de Castro. Tipografia Nacional e Imperial... Op.
cit.,
pp. 8 - 10.
85
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro. Outubro de
1818.

39
40

manuscritos, era oficializada a promoção do antigo alçador ao cargo de vice-administrador

da Impressão Régia. Uma prática que já se realizava há alguns anos, mas que somente

agora era definitivamente reconhecida, depois de uma busca pessoal pelo próprio

empregado86.

Em paralelo, os documento biográficos atestam ainda súplicas do empregado

imbuídas do desejo de adquirir a condecoração de oficial, “com a mercê do Hábito da

Ordem de Cristo” 87. Tal qual afirmou o suplicante, a condecoração foi dada pelo monarca

a todos os seus súditos como forma de reconhecimento dos trabalhos “extras”, em torno

dos prelos, na ocasião da chegada da Princesa Dona Leopoldina, em 181688.

Como se sabe, o episódio constituiu um grande acontecimento na vida dos

moradores da Corte, pela especial simbologia que agregava na relação de admiração e

obediência à monarquia pela sociedade carioca e fluminense. O trabalho da imprensa era

crucial, portanto, para estabelecer as bases de recepção da princesa e de consolidação dos

laços com seus novos súditos, fortalecendo a relação destes com os representantes da

nobreza89. A ascensão profissional seria, por outro lado, a solução para problemas

financeiros e de prestígio. Na sociedade da época, “aceitava-se a nobreza como distinção

social e detentora de alguns privilégios”90. Segundo Maria Beatriz Nizza, no início do

século XIX (e, especialmente, após 1818), D. João VI produziu uma “boa safra de

titulares”91. As formas mais visíveis de distribuição, segundo a autora, ligavam-se à

concessão do foro de fidalgo da Casa Real, à atribuição de hábitos e, mais raramente, de

comendas das três ordens militares (Cristo, Santiago e Avis). Nesse sentido, “a liberalidade

do soberano”, segundo a autora, incidiu também sobre os habitantes do Brasil, concedendo

86
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro. 24 de dezembro
de 1817.
87
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro, doc. 7, s. d.
88
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro, doc. 1, s. d.
89
Infelizmente, não foram encontradas muitas das respostas das solicitações de Meireles.
90
Maria Beatriz Nizza da Silva. Ser nobre na colônia. São Paulo: Editora da UNESP, 2005.
91
Idem. Ibidem, p. 264.

40
41

“a uns hábitos e comendas, a outros, postos e ofícios; a estes, dignidades e empregos,

àqueles, honras e mercês”92.

Manuscritos, muito representativos na carreira do empregado, deixam transparecer

a complexa teia de relações sociais em que esteve inserido. Nesse sentido, enunciam o

caminho delicado e sinuoso dos mecanismos de ação dos órgãos da Coroa: um empregado

fiel e habilitado que indicado para diversas funções importantes conquistou o devido

reconhecimento, mesmo que tempos depois. Contudo, cabe indagar: o que teria levado

Zefferino a receber tal reconhecimento? A reunião das qualidades acima apresentadas

poderia falar por si só ou o caminho traçado na convivência com políticos, diretores e

censores contribuiu para dar destaque ao funcionário? Talvez a junção das duas hipóteses

nos leve a alguma resposta acerca de sua trajetória. Respostas difíceis de atingir, mas que

podem, no entanto, auxiliar os estudos centrados no aprofundamento das relações entre

cultura e poder, no microcosmo da Tipografia da Impressão Régia e na própria Corte do

Rio de Janeiro93.

Dentre todos os aspectos apreendidos da leitura dos manuscritos que tratam da vida

do funcionário Vitor de Meireles, são os de maior realce aqueles ligados às súplicas

dirigidas ao soberano com pedidos de reconhecimento dos novos cargos e o aumento de

ordenado. De outro lado, como visto, são constantes também elogios por parte de diretores

e censores dispensados a sua pessoa, salientando entre outros elementos, sua honra e boa

reputação. Nos dois casos, encontramos testemunhos que mostram um indivíduo em busca

de melhoria de sua condição de vida, e de seu papel no meio em que vivia. Da mesma

maneira, a condição de vice-administrador poderia proporcionar-lhe a reparação das

92
Idem. Ibidem, p. 262.
93
Para Sirinelli, a história cultural pode ser um marco para a história política revigorada. Esta última, no
entendimento do autor, deve “analisar não somente os comportamentos individuais e coletivos e seus efeitos,
mas também aquilo que se relaciona com a percepção e as sensibilidades”. Jean François Sirinelli. “De la
demeure à l’agora. Por une historie culturelle du politique”. In: Serge Berstein, & Pierre Milza (dir.). Axes et
méthodes de l’historie politique. Paris: PUF, 1998, pp. 381- 398.

41
42

autoridades por erros cometidos em seu reconhecimento no passado. No ano de 1818, em

busca de reunir documentos que atestassem suas qualidades pessoais, o funcionário

arrebanhou testemunhas de peso, que acabaram sendo de suma importância para o êxito de

sua causa. Vale observar que, embora tenha iniciado a ocupação dos cargos a partir de

1813, as manifestações de reconhecimento somente tiveram início a partir do ano de 1818,

com o cargo de vice-administrador.

A primeira delas foi por intermédio do tabelião José Pires Garcia, que lhe

confirmou o ordenado anual de 292$000 (duzentos e noventa e dois mil réis)94. Ao que

tudo indica, tal quantia assinalada pelas autoridades aparecia em consonância com o

costume. A título de comparação – o que muitas vezes serve como instrumento de análise

para a compreensão de valores em contextos passados – , vale lembrar que, no início da

década de 1820, os oficiais responsáveis pela contabilidade da Gazeta, recebiam a quantia

de 126$968 (cento e vinte e seis mil, seiscentos e noventa e oito réis)95, como parte por

cada sócio proprietário. Embora esta quantia não seja o total do valor recebido na função,

está a menos da metade do que Zefferino passou a receber. Em outras palavras, no lugar de

vice-administrador, o funcionário Meireles passou a receber mais do que o dobro da cota

dos sócios diretores que trabalhavam na contabilidade96.

No mesmo período, o redator da Gazeta do Rio de Janeiro, o brigadeiro Manuel

Ferreira de Araújo Guimarães, insatisfeito com a permanência dos valores que lhe eram

pagos na ocasião do aumento do trabalho redatorial, dirigiu uma representação ao

Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, sugerindo dois modos de ser melhor

recompensado. No primeiro, participaria também da administração e ficaria, conforme

94
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro, doc.16, fl.1, 24
de dezembro 1817.
95
Maria Beatriz Nizza da Silva. A Gazeta do Rio de Janeiro... Op. cit., p. 12.
96
Como revisor, Zefferino recebeu “o valor de costume para o cargo”, não especificado nas fontes. Como
vice-administrador, o funcionário havia solicitado o ordenado de 350$000 (trezentos e cinqüenta mil réis).
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro, doc.16, fl.1, 24 de
dezembro 1817.

42
43

assegurou Maria Beatriz Nizza, com metade do rendimento líquido do seu trabalho; no

segundo, ocupar-se-ia apenas da redação, recebendo 100$000 (cem mil réis) por mês, além

de uma cota, parte do dividendo igual à de cada sócio. Naquela ocasião, além de ter seu

pedido negado, o redator perdeu o cargo, pois, segundo Maria Beatriz Nizza, os oficias

achavam que seu trabalho era muito bem pago. O episódio, nessa perspectiva, constitui

uma demonstração clara, concluiu a autora, de que “o prestígio valia mais que trabalho”97.

No que tange ao funcionário Meireles, embora os documentos não apontem para

todas as respostas às suas solicitações, é possível avaliar que o empregado adquiriu

prestígio capaz de ser retribuído, senão com condecorações, com o devido pagamento de

seus trabalhos. Por outro lado, verificamos que o salário conquistado pelo empregado era

de alto valor quando cotejado com os recebidos pelos funcionários da imprensa oficial no

Reino de Portugal ou mesmo com aqueles apresentados por trabalhadores de ramo similar.

Ao estudar o assunto, Alfredo de Carvalho98, sinalizou que, apesar de restrito, o

universo humano que compunha o ofício de impressão da régia oficina apresentava outros

níveis no interior de suas atividades mecânicas, cujos pagamentos variavam conforme as

ocupações99. Sendo assim, o aprimoramento técnico proporcionado por esse sistema, era

direcionado principalmente aos aprendizes, os quais, uma vez envolvidos no processo,

iniciavam recebendo a quantia de $160 (cento e sessenta réis), diários. Após um ano na

função, seriam aumentados para o valor de $400 (quatrocentos réis), também diários100. De

acordo com os valores da época, a soma de $160, equivalia a dois números avulsos de

alguns dos principais jornais da Corte. Ao contrário do que ocorreu com Zefferino, como

97
De acordo com a autora, para trabalhar na redação da Gazeta, Manuel Ferreira de Araújo Guimarães
recebia a quantia de 901$988 (novecentos e um mil e novecentos e oitenta e oito mil réis anuais). Maria
Beatriz Nizza da Silva. A Gazeta do Rio de Janeiro... Op. cit., p. 18.
98
Alfredo de Carvalho. “Gêneses e Progressos da Imprensa Periódica no Brasil”. In: Centenário da imprensa.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo Consagrado à Exposição Comemorativa do
Primeiro Centenário da Imprensa periódica no Brasil, v.2. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908.
99
Idem. Ibidem, p. 26.
100
Seguindo seu raciocínio, trabalhando de segunda a sábado, os aprendizes ganhariam mensalmente 3$200
(três mil e duzentos réis), o que daria 38$400 (trinta e oito mil e quatrocentos réis) por ano, valor
perfeitamente possível, quando comparados ao salário recebido por Zefferino Meireles.

43
44

incentivo para que não faltassem ao trabalho, os aprendizes, recebiam gratificações

extras101. De acordo com Nelson Schapochnick, os aprendizes deveriam conhecer bem a

língua, pois muitas vezes eram incumbidos de produzir a cópia no lugar dos corretores,

quando eles precisavam de auxílio102.

Apesar dos indícios iniciais como alçador e almoxarife, a grande experiência

posteriormente demonstrada por Meireles, no efetivo exercício das inúmeras funções nas

quais estava envolvido, revelou traços característicos do perfil intelectual, no alvorecer do

século XIX. Dito de outro modo, o olhar treinado nos detalhes do campo da impressão; o

convívio direto com outros letrados; a formação em diversas línguas e a sua ligação com

atividades relativas à administração, fizeram de sua figura mais do que um simples

funcionário da oficina da Impressão Régia.

Sob essa ótica, averigua-se que por seu percurso profissional, tendo sido ainda,

posteriormente, redator de seu próprio jornal, a personagem Meireles constitui-se não

apenas como intermediário na relação entre sua cultura e sociedade, mas também enquanto

um ativo produtor dela. De acordo com Jean-François Sirinelli, na concepção de intelectual

incluem-se, em especial, o jornalista, o escritor, o professor e o erudito, enquanto

“criadores ou mediadores” de cultura “em potencial”103. Mesmo que o jornalismo ainda não

existisse enquanto profissão claramente demarcada na América, o que somente veio a

ocorrer em meados do século passado, Zefferino Meireles, com as qualidades já

apresentadas, conjugaria qualidades de jornalista e de erudito no sentido amplo do termo.

Na condição de latinista e como entendedor de outras línguas, possivelmente realizava

ainda traduções, ou mesmo leituras de obras estrangeiras, quando na falta de outros

101
Alfredo de Carvalho. “Gêneses e Progressos da Imprensa Periódica no Brasil”. In: Centenário da
imprensa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Op. cit. v. 2, p. 26.
102
Nelson Schapochnick. “Malditos Tipógrafos”. In: I Seminário… Op. cit.
103
Jean François Sirinelli. “Os intelectuais”. In: René Rémond. Por uma história política. Rio de Janeiro:
FGV, 2003, pp. 231- 267.

44
45

funcionários da real casa tipográfica. Como técnico, dedicado ao condicionamento e

organização dos caracteres, conjugava funções, no entanto, bastante complementares.

Em paralelo, atuando no seio de atividades multifacetadas e de tamanha

complexidade, sentimo-nos tentados a reconhecê-lo no perfil do que seria um intelectual

medieval. Desse modo, ao unir reflexão e labor, Vitor de Meireles estaria mais próximo, ao

que Jacques Le Goff apontou como um “artesão do espírito”104. Para Le Goff, o intelectual

surgiu no século XII, embora compreendido com outro nome, veio como resultado do

movimento de urbanização das cidades, estando ligado à função da expansão comercial e

industrial105. De acordo com essa linha, Vitor de Meireles seria um intelectual no sentido

amplo: produtor de cultura, não apenas pelo exercício da reflexão em seu cotidiano, mas

também pelo labor diário na lida com um corpo de maquinários e na experiência com todo

o universo erudito. No que toca a uma atmosfera específica de afirmação de uma esfera

pública na Corte, repleta de contradições e imersa a aspectos característicos de sua antiga

condição colonial, integrava um grupo, essencialmente situado na órbita de uma elite, em

que as afinidades tornavam-se ponto crucial de inserção.

Nesse sentido, estando presente por treze anos nos trabalhos em torno da imprensa

do governo, como intelectual, contribuiu para a produção e difusão de uma incipiente

cultura impressa carioca, quando o jogo de forças colocava em cheque o futuro do Império

luso-americano. Meireles representa, nesse sentido, personagem testemunha de que

reflexão e labor não são pontos separados da condição do intelectual. Ao contrário do que

defendiam os enciclopedistas, as práticas braçais e reflexivas coexistiam, naquele

momento, como partes de um mesmo todo. Na opinião de Antônio Cândido106, no contexto

que antecedeu a independência, a raridade e a dificuldade da instrução, a escassez de livros,

104
Jacques Le Goff. Les intellectuels au Moyen Age. 2ªed. Paris: Editions Seuil, 1985.
105
Idem. Ibidem.
106
Antônio Cândido. Formação da Literatura Brasileira (momentos decisivos). 5ªed. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1975, pp. 218 - 225.

45
46

a necessidade de recrutar entre os letrados homens como os pregadores, professores,

administradores, deram aqueles homens de saber, “um relevo inesperado”107. Daí sua

tendência, segundo o autor, a continuarem vinculados às funções de caráter público, não

apenas como remuneração, mas como forma de status108.

De acordo com essa perspectiva, o intelectual, “amálgama do cidadão e do político”,

tomava ainda como critério de identidade a participação nos grandes problemas sociais109.

Enquanto redator do periódico Diário do Rio de Janeiro, a partir de 1821, Zefferino

consolidou sua postura ativa, desta vez preocupada com a melhoria da cidade e na

moldagem de novas formas de viver, em consonância com os novos rumos tomados pela

cultura européia. Apresentando as habilidades exigidas pelo ofício da época – entre

engenheiros, professores, advogados, médicos, redatores e tipógrafos – atuou, unindo o

trabalho burocrático de administração às atividades relativas à “República das Letras”. Em

sua análise acerca da formação da elite política e da elite intelectual no Império luso-

americano, a historiadora Lúcia Neves destacou que Zefferino Meireles compunha o grupo

dos indivíduos da elite brasiliense, os quais, em 1822, pensavam em idéias separatistas e

cuja idade oscilava entre 20 e 50 anos. Grupo, portanto, na opinião da autora, composto

pelos indivíduos mais jovens110.

No tocante ao seu universo de trabalho, Zefferino esteve dedicado a corresponder

aos anseios dos principais nomes de peso político do período, ou seja, na defesa pela

manutenção da monarquia. Sua vivência, entre políticos e letrados, fez com que o cotidiano

107
Idem. Ibidem.
108
Segundo Antônio Cândido, com a independência política e a subseqüente formação do Império do Brasil,
o intelectual considerado como artista cede lugar ao intelectual considerado como pensador e mentor da
sociedade, mais preocupado, desta vez, com a aplicação prática das idéias. Ver: Antônio Cândido. Formação
da Literatura .. Op. cit., pp.218-225. A despeito dos manuscritos que cortam sua vida, as principais idéias de
Zefferino Meireles foram encontradas no periódico Diário do Rio de Janeiro, tema de nosso segundo
capítulo.
109
Antônio Cândido. Formação da Literatura ... Op. cit., p. 221.
110
Antônio Cândido. Formação da Literatura ... Op. cit., p. 221.

46
47

na Impressão Régia integrasse uma teia de relações de poder111. Na perspectiva de melhor

situá-lo nas tramas de um saber-poder, destacaremos, na seção próxima, alguns de seus

principais interlocutores no processo que vai da imprensa oficial até a criação do Diário do

Rio de Janeiro, e mais tarde, da Tipografia do Diário, empresa na qual dedicou os últimos

anos de sua vida.

1.3) Na Impressão Régia: alianças entre saber e poder.

Entre os indivíduos mais ilustres em que esteve ligada a carreira profissional de

Zefferino Meireles destacamos o deputado Silvestre Pinheiro Ferreira. Como Meireles,

Silvestre Pinheiro Ferreira era português, tendo nascido na cidade de Lisboa em 1769.

Chegando ao Rio de Janeiro em 1809, fez carreira sólida na área da administração pública e

das letras112. Para completar seus rendimentos, a partir de 1813, ministrou curso de

filosofia no Seminário de São Joaquim. No mesmo ano, atuou como escritor, na redação do

periódico: O Patriota113. Como letrado, deu maior atenção ao campo da política e da

filosofia, especialmente pela escrita da obra Preleções Philosophicas114, cujo texto original,

nas palavras de Cândido, teria sofrido alterações por exigência do governo115.

Após período de ostracismo político, em 1815, retornou às atividades públicas como

diretor da Tipografia Régia e da Fábrica de Cartas de Jogar. No ano de 1819, fora escolhido

para representar Portugal na Comissão Luso-britânica para a Supressão do tráfico da

111
Os constantes requerimentos ao monarca, além de contato com tal esfera de poder, revelavam, além de
tudo, um intenso anseio de crescimento por parte do empregado.
112
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “Silvestre Pinheiro Ferreira”. In: Ronaldo Vainfas. Dicionário do
Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 674.
113
Marco Morel. “Pátrias Polissêmicas: República das Letras e imprensa na crise do Império português na
América”. In: Lorelai Brilhante Kury (org.). Iluminismo e Império no Brasil. O Patriota (1813-1814). Rio de
Janeiro: FIOCRUZ, 2007. p. 29.
114
Segundo Antônio Paim, Ferreira buscou na obra, conciliar as teses dos fisiocratas a dos smithianos, no
grande mérito de ter compreendido que o problema central consistia no da representação. Antônio Paim.
“Prefacio”. In: Silvestre Pinheiro Ferreira. Preleções Phiilosophicas: sobre a teoria do discurso e da
linguagem, a estética, a diciosina, e a cosmologia. 2ªed. Rio de Janeiro: Editorial Grifalbo, 1970.
115
Antônio Cândido. Formação da Literatura ... Op. cit., p. 2 18.

47
48

Escravatura116. Em agosto de 1817, ainda como oficial da Secretaria de Estado de Negócios

e da Guerra e deputado da Impressão Régia, Pinheiro Ferreira, redigiu documento em que

embasava as súplicas de Zefferino ao Príncipe Regente, futuro D. João. Nesse escrito,

chamou atenção para as qualidades do empregado, eficiente, segundo ele, não só como

vice-administrador, mas “na de quase todos os misteres da Casa conjunta”117,

desempenhando as funções em “seu distinto conceito”118. Ao lado dos outros diretores da

oficina régia, Pinheiro Ferreira atuou como um importante agente que muito colaborou na

solicitação de Zefferino, para sua nomeação como vice-administrador da impressão oficial.

Estimamos que as lisonjas dos homens de poder, na Corte, tiveram especial papel para que

Meireles recebesse uma resposta positiva do governo em relação à conquista de um

vencimento salarial de valor razoável para suas funções.

Como Pinheiro Ferreira, outro nome de peso (diretor e censor da Impressão Régia),

que testemunhou a favor de Zefferino foi José da Silva Lisboa. Como espelho para aqueles

que desejavam ingressar na carreira pública, Silva Lisboa teve uma presença bastante

diversificada nos negócios do Império luso-americano. Nascido em Salvador, no ano de

1756, formou-se aos 23 (vinte e três) anos, na Universidade de Coimbra. Atuou nas áreas

de Direito Canônico e de Filosofia, tendo lecionado no Reino de Portugal e, em seguida, na

Província da Bahia, sua terra natal119. Segundo atestou Lúcia Neves, aos quarenta e um

anos, obteve da Coroa o cargo de deputado e secretário da Mesa de Inspeção da Agricultura

e Comércio da cidade120. Daí em diante, acumulou funções públicas, como a de membro da

116
Sobre o assunto, ver o verbete de Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “Silvestre Pinheiro Ferreira”. In:
Ronaldo Vainfas. Dicionário do Brasil Imperial ... Op. cit., p. 674.
117
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro. Doc.16, fl.1, 24
de dezembro de 1817. “Reconhecimento de Silvestre Pinheiro Ferreira a Zefferino Vitor de Meireles por seus
cargos”. Rio de Janeiro. Doc. 12, 14 agosto de 1817.
118
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro. Doc.16, fl.1, 24
de dezembro de 1817. “Atestado de confirmação dos diversos empregos ocupados por Zefferino Vitor de
Meireles”. Rio de Janeiro. Doc. 4, fl.1, 12 dezembro de 1817.
119
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “José da Silva Lisboa” In: Ronaldo Vainfas (org.). Dicionário do
Brasil Imperial ... Op. cit., pp. 429 - 430.
120
Idem. Ibidem.

48
49

Junta diretora da Impressão Régia e a de censor régio. Em tais funções, esteve como outra

importante testemunha dos trabalhos do funcionário Meireles.

Além dos cargos destacados, foi ainda membro da Real Junta do Comércio e

Agricultura, Fábricas e Navegação e deputado da Mesa do Desembargo do Paço. No que

tange ao universo das Letras, seu nome é um dos mais ativos na tradução de obras

européias editadas pela imprensa régia e na redação de diversos impressos políticos e de

fundo histórico, publicados na Corte. Comporia, nesse sentido, o que Lúcia Neves

considerou como “uma nobreza de talentos devotada ao soberano”121. Elaborando seus

pareceres acerca da censura às obras, na defesa de seus argumentos, recorria

principalmente, ao pensamento de liberais moderados europeus, como o de Edmund Burke.

O futuro Visconde de Cairu destacou-se ainda por ter escrito inúmeras obras de

economia política122, dedicando muitas delas ao Príncipe Regente. Segundo registrou Isabel

Lustosa123, Cairu admirava Burke como “arquiantagonista de todos os revolucionários de

todos os países” 124. Sendo assim, de acordo com a autora, o censor e diretor da imprensa

oficial, nos anos que antecederam a independência, identificou algumas das idéias

veiculadas através dos panfletos e dos novos jornais com a imprensa francesa do “Terror”

revolucionário125. No ano de 1818, por ocasião da saída ao público de escritos emitidos

produzidos na real oficina o, então, vice-administrador, Zefferino Vitor de Meireles,

escreveu carta a D. João VI, solicitando permissão para enviar esclarecimentos ao censor
121
Idem. Ibidem.
122
Um balanço das distintas visões dadas pela historiografia a José da Silva Lisboa, pode ser visto em:
Fernando Novais & José Jobson de Andrade Arruda. “Prometeus e Atlantes na forja da nação”. In: José da
Silva Lisboa. Observações sobre a Franqueza da Indústria, e Estabelecimento de Fábricas no Brasil.
Brasília: Senado Federal, 1999, p. 99. Para Novais e Arruda, Silva Lisboa, na esteira de Adam Smith,
privilegiava a liberdade econômica em contraposição à indústria. A defesa da liberdade, segundo os autores,
para Cairu, “significava o contraponto inelutável às restrições coloniais interpostas pela metrópole”. Op. cit.,
p. 29.
123
Isabel Lustosa. “Cairu, panfletário: contra a facção gálica e em defesa do trono e do altar”. In: Lúcia
Maria Bastos Pereira das Neves, Marco Morel & Tânia M. Bessone da Cruz Ferreira. História e imprensa –
representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: Faperj / DP&A, 2006, pp. 275 - 330.
124
Isabel Lustosa. “Cairu, panfletário: contra a facção gálica e em defesa do trono e do altar”. In: Lúcia
Maria Bastos Pereira das Neves, Marco Morel & Tânia M. Bessone da Cruz Ferreira. História e imprensa –
representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: Faperj / DP&A, 2006, pp. 275 - 330.
125
Idem. Ibidem.

49
50

Silva Lisboa sobre a proibição que fez a respeito do “Discurso Recitado na Villa de

Alcântara do Maranhão”126. No entendimento de Meireles, “as notas nada mais continham

que os fatos históricos”127 e, segundo explicou:

(...) não convém excitar no vulgo, e a doutrina de que o voto dos


procuradores das Vilas e cidades é meramente consultivo e que
a convocação das Cortes, dependendo do Soberano alvedrio dos
Senhores Reis deste Reino não tem nenhuma outra atribuição
mais, do que expor as necessidades dos Povos (...)128.

Dando continuidade a seu argumento, Meireles frisou a necessidade de “expor aos

Povos a verdade”, no intuito de evitar “demagogias”129. Por outro lado, não ousou desafiar

o censor, concordando com a substituição (mandada fazer pelo desembargador José

Lisboa), do termo “Estados Geraes”, utilizado anteriormente, pelo de “Cortes”130. Em uma

habilidosa atitude de conciliação, verifica-se que a postura do empregado da Impressão

Régia concordava com a autoridade do censor, Silva Lisboa. Complementarmente, tal

atitude revela a postura de extrema fidelidade à Coroa, anteriormente exigida na ocupação

de seus cargos. Vale notar, como parte essencial dos instrumentos da ação letrada, que o

vocabulário político era ferramenta de expressão e difusão da ideologia monárquica, em

uma clara demonstração do espaço da Tipografia da Impressão Régia como um importante

centro de poder, lugar em que as alianças políticas se faziam extremamente necessárias.

Por outro lado, torna-se interessante ressaltar, que Lisboa (como tantos, aqueles em

que interveio com sua pesada mão proibitiva), teria, ele próprio, sido censurado pelo

panfleto: Heroicidade Brasileira, saído à luz em 1821131. De acordo com Isabel Lustosa,

“mandado recolher pela censura”132, o panfleto conteria a ordem de expulsar as tropas

126
ANRJ. Desembargo do Paço. Caixa 171, pacote 4, doc.78. s.l , s.d.
127
Idem, fl.2.
128
Idem. Ibidem.
129
Idem. Ibidem.
130
Idem. Ibidem.
131
Isabel Lustosa. “Cairu, panfletário: contra a facção gálica e em defesa do Trono e do Altar”. In: Lúcia
Maria B. P. das Neves, Marco Morel & Tânia Maria Bessone da C.Ferreira. História e imprensa ... Op. cit.,
pp. 275-295.
132
Isabel Lustosa. “Cairu, panfletário ... Op.cit.. p. 281.

50
51

portuguesas do Reino do Brasil, refletindo a luta de Cairu contra o que considerava como

“facção gálica”133. Pinheiro Ferreira e Silva Lisboa, agentes culturais e políticos, desta vez,

teriam sido as vítimas do sistema que eles próprios alimentavam, em uma clara

demonstração dos caminhos sinuosos e dos perigos causados pela aplicação de uma análise

retilínea no método histórico.

Ao avaliar a censura no período, Maria Beatriz Nizza ressaltou que, mesmo após o

decreto de liberdade de imprensa (02 de março de 1821), a censura era um braço forte de

controle do governo sobre os escritos circulantes na ex-colônia americana134. Desse modo,

conforme destacou a autora, se, de um lado, acabava com a censura prévia; de outro,

procurava coibir os abusos de ilimitada liberdade de imprensa135. Nesse processo imposto

pelo sistema, o impressor era obrigado a fornecer dois exemplares das provas, que seriam

distribuídas a dois censores régios, aguardando seu parecer. Ao diretor caberia permitir a

continuação ou mandar suspender, até as devidas correções136.

Na busca de mapear os indivíduos e os aspectos que compunham o ambiente

intelectual de Meireles, verificamos a intensa participação de outra personagem que, além

de letrado foi, como os primeiros, seu chefe direto, enquanto diretor da impressão do

governo: José Bernardes de Castro. Conforme assegurou Innocencio Silva, Castro era

baiano; Cavalheiro da Ordem de Cristo; Desembargador da Relação da Bahia e do Rio de

Janeiro; Oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e Deputado

da Junta Diretora da Imprensa Régia137. Como diretor, Bernardes de Castro esteve por duas

vezes (entre os anos de 1808 e 1821). No cargo, atuou ao lado de outros letrados e

diretores. É interessante observar que o conjunto de homens cultos, esboçado no convívio

133
Idem. Ibidem.
134
Maria Beatriz Nizza da Silva. A Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822) ... Op. cit., p. 269.
135
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “Mariano José Pereira da Fonseca” In: Ronaldo Vainfas (org.).
Dicionário do Brasil Imperial ... Op. cit., pp. 526 - 527.
136
Maria Beatriz Nizza da Silva. A Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822) ... Op. cit., p. 269.
137
Innocêncio Francisco da Silva. Dicionário Bibliographico Portuguez. v. 12 .Lisboa: Imprensa Nacional,
1884, p. 258.

51
52

com Meireles, integrava o núcleo luso-americano que atuava ao redor de Rodrigo de Souza

Coutinho, direcionado por um grupo de políticos provindos, especialmente, da Academia

Real de Ciências de Lisboa138. Como redator, Bernardes de Castro, integrou o núcleo

colaborador do periódico O Patriota. O jornal, por sua vez, foi um órgão de promoção dos

estudos científicos europeus e das idéias liberais recém chegadas na Corte. Em 1817,

quando de volta a seu posto na direção da Impressão Régia, a pedido do próprio Meireles,

Castro foi mais um ilustre que contribuiu para elevar a imagem de Meireles frente ao poder

do soberano, atestando sua “honra”139 e “constante atividade”140, no desempenho de suas

funções.

Como Bernardes de Castro, foi também diretor e censor da real tipografia, o letrado

Mariano José Pereira da Fonseca. Embora não estejam presentes nos documentos

declarações suas a respeito do funcionário Zefferino, estima-se que esteve no convívio com

o empregado, no período entre os anos de 1808 e 1815141. Apesar de seu passado

conturbado politicamente, ao ter sido “implicado na Inconfidência carioca”142, Mariano

Pereira da Fonseca construiu brilhante carreira. Dentre sua formação e experiência, pode-se

destacar que se formou em Matemática e Filosofia por Coimbra; foi Deputado da Junta do

Comércio; administrador da Fábrica de Pólvora, Grã Cruz da Ordem do Cruzeiro;

Cavaleiro de Cristo; Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Além de outras

funções, esteve atuante ainda no governo de Pedro I, sendo Conselheiro e responsável pela

redação do Projeto Constitucional de 1824.

138
Sobre a importância política da Academia de Ciências de Lisboa, ver o segundo capítulo deste trabalho.
139
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. Rio de Janeiro. Doc.16, fl.1, 24
de dezembro 1817. “Reconhecimento de José Bernardes de Castro a Zefferino Vitor de Meireles por seus
cargos”. Rio de Janeiro. Doc.17, fl.1, 02 de outubro de 1817.
140
Idem. fl.1.
141
Conforme registrou Innocêncio, Mariano José Pereira da Fonseca permaneceu como diretor da Impressão
Régia até 1815, quando foi substituído por José Saturnino da Costa Pereira. Ver: Innocêncio Francisco da
Silva. Dicionário … Op. cit., p. 318.
142
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “Mariano José Pereira da Fonseca” In: Ronaldo Vainfas (org.).
Dicionário do Brasil Imperial.,. Op., cit., pp. 526 -527.

52
53

Compondo o quadro descrito, ou seja, daqueles que, possivelmente, mais

conviveram ao lado do funcionário143, em todos os anos em que esteve dedicado à

impressão oficial, destaca-se ainda o diretor José Saturnino da Costa Pereira144. Formado

em Matemática pela Universidade de Coimbra, retornou ao Brasil como Comendador da

Ordem de Cristo, tendo sido, mais tarde, sócio do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro e professor da Academia Militar145. De acordo com Sacramento Blake, em 1812,

traduziu para o português o tratado elementar de mecânica, do físico “Mr. Francoeur”, para

uso de seus alunos146. No curso de seus estudos, esteve estreitamente preocupado com os

avanços científicos nos trópicos. Em sua intensa atividade de escrita, dedicou-se à

organização do Reino do Brasil, produzindo uma gama de obras de cunho científico

destinada a uma variedade de assuntos. Entre elas, destacam-se dicionários, obras ligadas à

educação, à geografia e à história natural, em especial uma proposta de classificação de

animais, extraída de observações de viajantes147. No que toca ao percurso de Vitor de

Meireles, José Saturnino foi testemunho de que o empregado ocupou na Impressão Régia

os mais importantes lugares148.

Tantos elogios vieram por conta dos pedidos do empregado que, por sua vez,

possivelmente desejasse embasar seus requerimentos de promoção de cargos e salários,

solicitados ao monarca. Nestes termos, Zefferino procurava seguir uma ordem antiga,

editada por d. Rodrigo, presente no decreto de maio de 1808, cujas cláusulas ressaltavam a

143
Uma amostragem da formação e da inserção desses personagens no contexto da formação do Império luso-
americano, pode ser vista em Otávio Tarqüínio de Souza. “O meio intelectual na época da independência”.
In:_______ História dos fundadores do Império do Brasil – fatos e personagens em torno de um regime. v. 9.
Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1960.
144
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. C 606;19. Rio de Janeiro.
Doc. 14, 02 de outubro de 1818.
145
Innocêncio Francisco da Silva. Dicionário … Op., cit.
146
Augusto Vitorino do Sacramento Blake. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. v. 5. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, p. 185.
147
Idem. Ibidem.
148
Zefferino Vitor de Meireles. BN-DMss. Coleção Documentos Biográficos. C 606; 19. Rio de Janeiro. Doc.
14, 02 de outubro de 1818.

53
54

necessidade de confirmação dada pelo monarca149. Nas palavras de Marco Morel, tais

personagens podem ser compreendidos enquanto herdeiros de um “absolutismo ilustrado” e

fundadores do “liberalismo político”150. Como homens que articulavam um saber, em nome

do poder, juntos, compunham o que Kenneth Maxwell151 chamou de geração de 1790152,

grupo que, segundo o autor, “emprestou racionalidade à análise dos problemas coloniais e

projetou um grandioso conceito de império luso-brasileiro”153.

No que respeita a sua formação nas Artes e nas Letras, não nos foi possível

encontrar vestígios de uma educação formal, seja em Coimbra, seja nos trópicos. Da

mesma maneira, os bens deixados por ocasião de sua morte, não indicam imóveis ou

objetos sinalizadores de grandes posses, os quais poderiam ter proporcionado viagens com

fins de estudo ou passeio. Sua identificação, enquanto membro de um setor dominante

letrado, tornou-se, portanto, possível devido aos longos anos que passou dedicado aos

trabalhos na Impressão Régia (de 1808 a 1821)154. Este espaço de formação técnica e

ideológica ganha ainda mais relevância como o âmbito que promoveu sua socialização

entre os demais membros de uma elite letrada (e política), pela ocupação que exerceu e

pela carreira desenvolvida no seio do (burocracia administrativa) e nas áreas relativas à

cultura monárquica. Nesses termos, a Impressão Régia, pode ser considerada como sua

maior instituição de identidade48. Sua passagem por lá, apresenta-se ainda como tendo sido

de suma importância enquanto um dos fatores mais representativos para suas conquistas

149
Ibidem.
150
Marco Morel. “Pátrias polissêmicas: República das Letras e imprensa... Op. cit.
151
Sobre a influência da geração de 1790 e da figura de Dom Rodrigo de Souza Coutinho, ver: Kenneth
Maxwell. “A geração de 1790”. In: _______Chocolates, piratas e outros malandros: ensaios tropicais. São
Paulo: Paz e Terra, 1999, pp. 157 - 208.
152
Kenneth Maxwell. “A geração de 1790” ... Op., cit., p. 191.
153
Kenneth Maxwell. “A geração de 1790” ... Op., cit., p. 191.
154
Apesar de não encontramos documentos que confirmem a saída da Impressão Régia, suas declarações por
meio do Diário do Rio de Janeiro, demonstram um desejo do tipógrafo em dedicar-se apenas à redação do
seu jornal, emitido a partir de 1821. Diário do Rio de Janeiro, nº 4, 05 de julho de 1821.
48
Sobre a importância das instituições na formação das elites letradas no Império do Brasil, ver: José Murilo
de Carvalho. A construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980. Cap. I.

54
55

posteriores, quando, por exemplo, veio a obter licença real para imprimir seu periódico nos

prelos oficiais155.

Pela análise de seu Invetário Post Mortem156 foi possível verificar que a família do

marido e pai, Sr. Meireles, vivia sem grandes luxos, tirando seu sustento do próprio

trabalho. Face à ausência de maiores detalhes, ou mesmo de um estudo de maior fôlego a

respeito a vida deste importante tipógrafo, registramos que as informações aqui expostas

foram possíveis na medida em que encontramos este documento, que apesar de não

apresentar detalhes como bairro de moradia e/ou ano de nascimento e chegada na América,

forneceu dados importantes, os quais nos ajudaram a compor o que Pierre Bourdieu

chamou de superfície social, a fim de formarmos o mundo que norteava a personagem157.

Ainda que desconheçamos sua aparência física, pudemos perceber alguns de seus

costumes e gostos pela análise do perfil de suas roupas e objetos pessoais. No somatório de

seus bens foram encontradas algumas louças, como porcelanas inglesas; pratarias, entre

garfos e castiçais; pedras, como topázio branco; além de muitas jóias de ouro, alfinetes,

cordões e “correntes”. Pelas poucas roupas deixadas por Zefferino, verifica-se que nutria

uma conduta de homem simples, sem luxo em seus hábitos, deixando – entre dez lenços,

dois casacos e três meias – apenas um colete, um chapéu de palha e uma camisa de

cambrais158. Na relação de seus bens, encontramos ainda quatro escravos jovens, três

mulheres e um rapaz, este último contando apenas 16 (dezesseis) anos. Vale observar que,

juntos, os cativos compunham um terço do valor total de sua herança. Em outras palavras,

seus escravos compunham, ao lado de sua tipografia, o maior valor econômico para a

família, traço marcante no contexto de uma sociedade escravista.

155
Moreira de Azevedo registrou que antes de fundar a Tipografia do Diário, Vitor de Meireles obteve
licença de seis meses para imprimir seu Diário do Rio de Janeiro na Impressão Régia. Manuel Duarte
Moreira de Azevedo.“Origem e desenvolvimento da imprensa no Rio de Janeiro”... Op. cit.
156
ANRJ. “Inventário Post Mortem de Zefferino Vitor de Meireles”. ID. 34570. Notação: 8371, maço 433.
157
Para a noção de superfície social, ver: Pierre Bourdieu. “A ilusão biográfica”. In: M. M. Ferreira &
J. Amado (orgs). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996, pp. 183 - 191.
158
ANRJ. Inventário Post Mortem de Zefferino Vitor de Meireles. ID. 34570. not. 8371, maço 433.

55
56

Entre seus objetos tipográficos, característicos de uma rara habilidade, chamamos

atenção para dois prelos de pás usados e 108 tipos de long-primer159. Estimamos que toda

esta quantidade de tipos tenha sido acumulada e guardada durante anos, talvez na

Impressão Régia, talvez em sua própria casa, sendo utilizados, mais tarde, nos trabalhos em

torno de sua “empresa”, iniciados em 1822. Vale registrar que todo esse processo veio por

meio da viúva Maria Luiza de Jesus Vianna ao solicitar ao Juizado de Órfãos, para que

fosse realizada a abertura do inventário em razão de seu filho menor, cujo nome e idade

não fora identificado.

Diz D. Maria Luiza de Jesus, viúva de Zefferino Vitor de Meireles,


que a Suplicante se acha fazendo inventário por este Juízo para dar
partilhar a seu filho menor, e como queira proceder avaliação de sua
tipografia Letra, e mais utensílios da mesma, não haja avaliadores do
Juízo de semelhante gênero, nomeia a Suplicante os quatro seguintes,
para vossa lhe aprovar dois (...)160.

Para realizar a avaliação dos bens tipográficos deixados por seu marido, como

sinalizou o documento, a viúva indicou quatro profissionais: Antônio da Silva Garcez e

Manuel Joaquim da Silva Porto, importantes livreiros da Corte; Genuíno de Almeida Costa

e “Epifânio”, identificados respectivamente como Mestres de Composição e Mestre de

Prensas da Tipografia Nacional161. Dos longos anos em que esteve na imprensa régia, é de

se supor que Zefferino acabou adquirindo maior aprimoramento técnico na forma

autodidata, como alguns outros profissionais de seu meio162, realizando contatos políticos

importantes, participando de uma rede que entrelaçava cultura e poder. Em outras palavras,

o impressor e redator, vivia num “pequeno mundo estreito”, cujo laços, segundo Jean-

159
Ibidem.
160
ANRJ. Inventário Post Mortem de Zefferino Vitor de Meireles. ID. 34570. not. 8371, maço 433, fl. 70.
161
Em 1822, a antiga Imprensa Régia passou a chamar-se de Tipografia Nacional. Laurence Hallewell. O
Livro no Brasil – sua história. São Paulo: EdUSP, 1985.
162
Oliveira Lima destacou que era comum na Corte a formação profissional através de empreendimento
individual. Manuel de Oliveira Lima. D. João VI no Brasil:1808-1821. 3ªed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996,
p. 72.

56
57

François Sirinelli, se faziam no interior de um núcleo de criação163. No caso aqui exposto,

tais afinidades foram de grande valia para que o tipógrafo obtivesse sucesso na subseqüente

fundação de sua própria empresa: a Tipografia do Diário.

Embora estivesse situada no contexto tropical, a atmosfera descrita, aproxima-se,

em alguns aspectos, do universo tipográfico francês do século XVIII, em que, segundo

Diderot, a maioria dos que exerciam as chamadas Artes Mecânicas, a faziam por

necessidade, sendo número reduzido os que realmente demonstravam entendimento acerca

de seu ofício164.

Um dos escolhidos pela justiça para avaliar seus bens foi Manoel Joaquim da Silva

Porto. Sua amizade com Silva Porto, possivelmente, veio a partir da venda e da

colaboração de escritos para o seu periódico, o Diário do Rio de Janeiro, em sua loja de

livros, uma das mais conhecidas e freqüentadas da época165. Estabelecido na cidade desde

1811, Silva Porto montou sua própria tipografia em 1822, um mês antes de seu colega,

Meireles. Segundo Lúcia Neves e Tânia Bessone, ao mesmo tempo em que criava seu

próprio negócio, a Oficina de Silva Porto e Companhia, feita em sociedade com Felizardo

Joaquim Moraes, o livreiro exercia paralelamente o cargo de administrador da Impressão

Régia, em 1822166, sendo ainda, a partir desse mesmo ano, distribuidor da Gazeta do Rio de

Janeiro. Acredita-se que a aproximação entre os dois proveio da atividade que lhes era

comum, além da convivência nos anos de 1821 e 1822 no interior da Impressão Régia. Pela

leitura do Diário do Rio de Janeiro, verifica-se que havia entrada, em sua loja de livros,

163
Jean François Sirinelli.”Os intelectuais”. René Remónd. Por uma nova ... Op. cit., p. 231-167.
164
Denis Diderot & Jean Lerond D’Alembert. Enciclopedia ou Dicionário raciocinado das ciências, das
artes e dos ofícios por uma sociedade de letrados: discurso preliminar. São Paulo: UNESP, 1989, p. 91 (grifo
meu).
165
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Tânia M. Bessone da Cruz Ferreira. “Livreiros no Rio de Janeiro:
intermediários culturais entre Brasil e Portugal ao longo do oitocentos”. Atas eletrônicas do 3º Colóquio do
PPRLB. Rio de Janeiro: Real Gabinete de Leitura, 2006. http//.www.realgabinete.com.br. Página acessada em
novembro de 2007.
166
Nesse ano, conforme foi destacado, ainda na Imprensa Régia, Zefferino concentrava suas atenções como
redator do Diário do Rio de Janeiro, até o mês de abril, quando montou sua Tipografia do Diário, situada,
inicialmente, na Rua dos Barbonos (atual Evaristo da Veiga).

57
58

para a recepção dos anúncios a serem publicados na manhã seguinte do referido

periódico167. Em 1821, sua loja de livros, situada na Rua da Quitanda, nº41, foi também

chamada de “Loja do Diário”, sendo o primeiro estabelecimento a receber assinaturas para

o novo jornal de Zefferino, a partir de junho de 1821168. Em contrapartida, como veremos

no próximo capítulo, Silva Porto assinava a autoria de muitos dos Sonetos patrióticos

publicados pela tipografia de Meireles.

As relações pessoais do tipógrafo Meireles podem ser vistas, do mesmo modo, pela

avaliação dos colaboradores do jornal. Anunciantes e/ou financiadores que, por meio de

assinaturas periódicas, passavam a fazer parte de seu cotidiano169. Em 1º de março de

1822, o redator escreveu ao público:

Aproveito a ocasião para agradecer ao iluminado público desta Corte,


e com especialidade aos senhores assinantes a constante proteção que
tem prestado a este Diário, sem o que eu não poderia ter vencido os
170
muitos obstáculos que desde seu princípio tenho encontrado (...).

Se seus nomes não vêm à tona, pode-se ter uma avaliação de sua importância se

pensarmos na grande duração em que o periódico circulou na cidade e em todos os seus

distritos. Mesmo, em boa parte do tempo, sem a presença de Zefferino, foram 57 anos

(quase ininterruptos), acompanhando o crescimento da cidade; contribuindo na promoção

da palavra pública e difundindo idéias de monarquia, liberalismo e constitucionalismo. Na

visão de Pierre Rosanvallon, o liberalismo171 constituiu uma cultura criada por intelectuais

167
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Tânia Maria Bessone da Cruz Ferreira. “Livreiros no Rio de
Janeiro: intermediários culturais... Op. cit., p. 2
168
Diário do Rio de Janeiro, nº1, 1º de junho de 1821.
169
Alguns dos colaboradores do jornal serão mostrados no segundo capítulo deste trabalho.
170
Diário do Rio de Janeiro, nº 1, 1º de março de 1822.
171
Pierre Rosanvallon ressaltou a polissemia e a complexidade do conceito de liberalismo. Para o autor, o
liberalismo existe em relação a um movimento, a um processo de ação e de reflexão, não podendo ser medido
por sua imobilidade. Sendo assim, completou que o liberalismo acompanhou a entrada das sociedades
modernas numa nova era de representação do vínculo social entre indivíduo e autoridade. Pierre Rosanvallon.
“Pensar o liberalismo”. In:_______ O liberalismo econômico: história da idéia de mercado. São Paulo:
Bauru, 2002, pp. 7-18. No caso luso-americano, os conceitos tomaram formas específicas na imprensa,
conforme destacou Lúcia Neves, “paralelamente à palavra, surgia o adjetivo”. Os constitucionais eram

58
59

europeus, tendo sido posta “em atividade no mundo moderno e que, a partir do século 17,

procurou se emancipar do absolutismo real e da supremacia da Igreja”172. No caso do

impressor Meireles, seu liberalismo aparecia inserido no contexto de transformações

relativas às questões de representação. Desse modo, o liberalismo no mundo luso-

americano, tomava a força pela “imagem de futuro a alcançar”173. Embora sua opinião

esteja nas “entrelinhas” dos documentos analisados, o constitucionalismo seria uma forma

de poder que balizaria sua postura liberal, ou seja, a defesa do soberano mediante o

juramento e a obediência à Constituição lusa. Como salientou desde o início, e como será

abordado adiante, ao receber as matérias para seu jornal, exigia o editor Meireles que estas

atendessem aos limites da razão174. Postura, ao nosso ver, que deflagra sua diretriz política.

A despeito de inúmeras amizades, que o redator certamente manteve ao longo de

sua vida como tipógrafo – e que não nos foram possíveis, muitas das quais, identificar –,

havia, do mesmo modo, embates marcantes, que definiram alguns episódios de sua

trajetória. No mês seguinte do atentado que provocou sua morte, resguardando-se de novas

crises, o novo redator do Diário, solicitou “aos Senhores subscritores” (assinantes),

“queiram em todos os anúncios declarar nome e moradia para o redator guardar a devida

preferência”175. Em dezembro de 1822, os editores do jornal (em uma espécie de desabafo),

anunciavam a presença na redação de Antonio Maria Jourdan, que impulsionada pela

viúva, Maria Luiza de Jesus Viana, enfrentava continuidade, “não obstante os desejos que

indivíduos malfazejos tem lhe manifestado”176.

adversários dos chamados corcundas”. Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. Corcundas e constitucionais...,
p. 153.
172
Idem, Ibidem. Op. cit., p. 18.
173
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “Liberalismo político no Brasil: idéias, representações e práticas
(1820-1823)”. In: Lúcia Maria Paschoal Guimarães & Maria Emília Prado (orgs.). Liberalismo no Brasil
imperial: origens, conceitos e prática. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 79.
174
Zefferino Vitor de Meireles. “Plano de trabalho para o estabelecimento de um útil e curioso Diário”.
Diário do Rio de Janeiro, nº 1, 01 de junho de 1821.
175
Diário do Rio de Janeiro, nº 9, 10 de setembro de 1822.
176
DRJ. 31 de dezembro de 1822. Como agentes da cultura impressa, quando diante da morte de seus
maridos, algumas viúvas acabaram dando continuidade aos trabalhos de impressão na cidade no início do

59
60

Diante de tão distintas realizações no campo das Letras, entendemos, que a figura

de Zefferino Vitor de Meireles, conjugou múltiplas formas que acabaram por alimentar

nossa perspectiva de compreendê-lo pelo que Aníbal Bragança entendeu como impressor-

editor177. Segundo o autor, o impressor-editor caracterizava-se por ser proprietário de

tipografia e pelo domínio das técnicas de impressão do texto, cujo núcleo era a oficina

tipográfica. Nesse sentido, a trajetória de vida deste importante agente cultural e político do

início do oitocentos, confunde-se com a própria história da consolidação da atividade

impressora na cidade, em que a expansão de um espaço público de informação e de crítica

forjou-se como meta na construção e divulgação do saber informativo e utilitário,

instrumento da razão e construtor do progresso futuro. Um pouco mais da postura e o

discurso político (e jornalístico) dessa curiosa personagem podem ser vistos pela análise

das páginas de seu Diário do Rio de Janeiro, as quais serão apresentadas no próximo

capítulo.

CAPÍTULO 2:

O Diário do Rio de Janeiro: publicizando a Modernidade (1821-1825).

O periódico Diário do Rio de Janeiro circulou na Corte por longos anos. De forma

ininterrupta, esteve atuante entre os anos de 1821 e 1878. Por sua extensão cronológica e

histórica, nas palavras de historiadores “o Diário era mais velho que o Império”178. Como

espaço de trabalho de inúmeros redatores, escritores e editores, o Diário testemunhou

século XIX. Como exemplo, temos o caso da viúva de Manuel Antonio da Silva Serva (1819), que manteve
ao lado do sócio, José Teixeira de Carvalho, a tipografia do falecido comerciante português, instalado na
Bahia, desde 1811. Maria Beatriz Nizza da Silva. “Manuel Antonio Silva Serva”. In: ________ (coord.).
Dicionário da história ... Op. cit, pp. 758 -759.
177
Aníbal Bragança. Livraria ideal: do Cordel à bibliofilia. Niterói: Eduff, 1999.
178
No ano de 1845 saiu à luz nos meses de julho e agosto. Cf. “Catálogo de jornais e revistas do Rio de Janeiro
existentes da Biblioteca Nacional (1808-1889)”. Anais da Biblioteca Nacional. Edição fac-similada, 1881, e
ainda: Marcello de Ipanema & Cybelle de Ipanema. “Imprensa na Regência – observações estatísticas e de
opinião pública”. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Brasileiro.
vol. 307, abr - jun, 1975, p. 93.

60
61

inúmeras transformações ocorridas na cidade, bem como as mudanças tidas no próprio

fazer jornalístico da época. Entre os muitos elementos disponíveis em suas páginas,

destacam-se detalhes acerca do movimento de evolução urbana; do crescimento dos

comerciantes; das maneiras de apreensão das notícias por seu público; das novas relações

sociais daí resultantes...

Enquanto folha periódica, o veículo surgia como incentivador do ofício de editor e

de redator, como integrante de um movimento crescente de uma escrita que se fazia

pública. Essas e outras noções apresentadas pelos periódicos, se expressavam no bojo de

fortalecimento de valores vinculados à Modernidade179 nos trópicos, como expressão da

peculiar absorção das luzes em terras americanas. Um contexto que deixava de ser colonial

para “vestir-se” sob novas roupagens. Dito de outro modo, após uma leitura atenta, o

veículo foi compreendido enquanto “expressão de um iluminismo” tropicalizado, o qual,

uma vez mitigado pelos intelectuais lusos, apresentou na Corte impactos específicos,

relevantes, entretanto, para a ampliação do diálogo e da participação da sociedade na

incipiente esfera pública que se formava. Para tanto, e diante da impossibilidade de

analisarmos o jornal em toda sua extensão, escolhemos balizar a análise no período

compreendido entre 1821 e 1825180.

A periodização foi escolhida em função do Diário estar inserido, ao menos

inicialmente, em contexto de intensa atividade jornalística, participando da construção de

uma espécie de arena da cidadania que começava a se delinear por meio também da

179
Na concepção do professor François - Xavier Guerra, o advento da Modernidade teve como essência a
invenção do indivíduo. Nesse sentido, o indivíduo concreto, agente empírico, presente, segundo o autor, em
toda a sociedade, converteu-se, a partir da Ilustração, no que chamou de “sujeito normativo das instituições”.
Sobre a Modernidade e seus impactos políticos e culturais na América espanhola, ver: François-Xavier Guerra.
Modernidad y independências: ensayo sobre los revoluciones hispânicas. Madrid: MAPFRE, 1992, p. 85.
180
A expressão é utilizada por Maria Lúcia Pallares-Burke, a respeito do periódico inglês The Spectator.
Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke. The Spectator. O Teatro das Luzes. Diálogo e imprensa no século XVIII.
São Paulo: Editora HUCITEC, 1995, p. 27.

61
62

imprensa181. Da mesma maneira, era através desse importante impresso que a Tipografia do

Diário, mantinha-se em constante interação com a sua sociedade. Afinal, uma publicação

regular era fonte representativa para manter o sustento das tipografias. A análise deste

importante documento, portanto, possibilita-nos uma melhor compreensão sobre as

condições que permitiram a sobrevivência da Tipografia do Diário, haja vista que a família

Meireles vivia dos recursos advindos especialmente desse empreendimento.

2.1) O Diário do vintém : uma construção historiográfica.

Quando se diz acerca dos negócios do Estado – que


me importa – deve-se contar que o Estado está
perdido (Rousseau)182.

Uma das características fundamentais encontradas nas páginas dos periódicos

situados no contexto de separação do Império luso-americano era, sem dúvida, seu diálogo

com a política. Como demonstra a epígrafe do periódico A Malagueta, muitas eram as

referências teóricas de que lançavam mão os redatores para convencer o público-leitor

acerca da necessidade de sua participação nas questões mais prementes da política. Autores

como Montesquieu, Benjamim Constant, Adam Smith e, mesmo, Rousseau183, figuravam

na lista dos mais utilizados, na perspectiva de embasar os diferentes argumentos para

muitas das questões postas pela ação da imprensa. A vigilância sobre o exercício do poder

estatal – alvo de ataque de alguns grupos e da defesa de outros – e, da mesma maneira, a

intervenção dos redatores nos assuntos que diziam respeito à feitura da primeira

181
No aspecto quantitativo, o movimento da imprensa em 1824 e 1825 declinou, voltando a erguer-se
somente a partir do ano seguinte, proporcionada pela instalação da Assembléia Geral do Brasil, em 1826.
182
Epígrafe do jornal: A Malagueta. Foi publicado na Corte entre os anos de 1821 e 1832 (com três
interrupções). A Malagueta, nº 1, 18 de dezembro de 1821.
183
O historiador Marcello Basile, em sua dissertação de Mestrado, ressaltou a carência de estudos que
analisem a influência de teóricos europeus no discurso e nas práticas da imprensa no Império brasiliense.
Marcello Otávio Néri de Campos Basile. Anarquistas, Rusguentos e Demagogos: os liberais exaltados e a
formação de uma esfera pública na corte imperial (1829-1834), 2000, Cap V. [Dissertação de Mestrado]. Rio
de Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

62
63

Constituição lusa, constituir-se-iam temáticas das mais relevantes e que consumiam o

maior espaço em suas poucas páginas. Diante desse vasto conjunto documental e peculiar

caminho de análise das relações entre imprensa, comunicação e política, muitos

historiadores, ao longo dos séculos XIX e XX, matizados por diretrizes teóricas diversas,

voltaram-se para seu estudo, especialmente no período inicial, que diz respeito à passagem

do “Brasil”, de Reino Unido a Império independente. Tais estudos, constituem uma

tentativa de compreender as origens da palavra pública nos trópicos e, portanto, de

encontrar explicações para muitos de seus próprios questionamentos.

Entretanto, centrados em análises que privilegiavam os jornais tidos como

essencialmente políticos, muitos historiadores acabaram relegando para segundo plano as

“folhas” entendidas como culturais e/ou comerciais. Em outros casos, tais periódicos foram

utilizados apenas como fonte documental, não recebendo, assim, tratamento que

considerasse sua importância enquanto objeto de estudo aprofundado, capaz de revelar-nos

aspectos fundamentais para uma compreensão mais detida das transformações dadas tanto

no campo das relações sociais, quanto no que respeita à própria história da imprensa no

Império do Brasil.

Nesse sentido, e no que toca ao tema desta seção, o periódico, Diário do Rio de

Janeiro, foi contemplado pela historiografia tradicional - situada mais especificamente na

segunda metade do século XIX, mas que deixou marcas, contudo, ao longo de quase todo o

século passado -, como um “jornal de anúncios”. Segundo essa visão, o periódico teria se

desenvolvido à margem dos assuntos entendidos como urgentes. É interessante ressaltar,

que tal noção revelava uma visão mais restrita da noção do político, acabando por delimitar

suas preocupações na busca de apreender os fatos sob uma óptica vertical, pautada na

hierarquia de poder do Estado. De acordo com essa vertente, a hierarquia social era o ponto

63
64

chave do discurso. Conseqüentemente, do mesmo modo, era necessário o respeito e a

obediência dos súditos ao rei e à sua Corte, chegados para “civilizar” os trópicos.

Nessa perspectiva, destaca-se o pioneiro estudo do historiador Manuel Duarte

Moreira de Azevedo, cuja ênfase estava voltada para a evolução de uma linha cronológica

dos periódicos; com destaque para seus precursores e suas origens. Em seus escritos,

destacou que o Diário do Rio de Janeiro foi a primeira “folha” a publicar anúncios e

notícias locais, posto que, como era de costume em uma sociedade intensamente movida

pela oralidade, até aquele momento, segundo o autor, os avisos manuscritos eram afixados

nas portas de igrejas ou nas esquinas das ruas184. No que respeita à análise do conteúdo do

periódico, nossa pesquisa verificou que ao autor não foi possível realizar a leitura do jornal,

haja vista sua afirmação equivocada do valor de venda, tanto no que diz respeito ao

exemplar único, quanto de seu valor por meio de assinatura mensal, o que invalida ainda o

epíteto criado, Diário do vintém185. Conforme observado em nosso estudo, o Diário do Rio

de Janeiro iniciou sua publicação custando quarenta réis, o dobro do que pregou a

historiografia186.

Alguns anos depois, no século XX, além da valorização dos aspectos

característicos de uma imprensa ligada à política de governo, alguns estudos situados na

década de quarenta, centraram suas atenções também na escrita dos redatores. Sendo assim,

enquanto dispensavam constantes elogios a algumas iniciativas, condenavam outras, em

uma espécie de julgamento dos impressos, devido ao caráter veemente e “violento”

184
Alguns historiadores, como Nelson Werneck Sodré e Brasil Gerson, reafirmam estas características como
mera reprodução de Azevedo. Cf. Manuel Duarte Moreira de Azevedo. “Origem e desenvolvimento da
imprensa no Rio de Janeiro”. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico
Brasileiro... Op. cit., p. 106.
185
Nelson Werneck Sodré. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 50; Carlos
Rizzini foi, talvez, o único a destacar o valor avulso correto. Cf. Carlos Rizzini. O livro, o jornal e a
tipografia no Brasil: 1500 -1822. Rio de Janeiro / São Paulo. Kosmos, 1945, p. 372.
186
De acordo com Licurgo Costa & Barros Vidal, o Diário do Rio de Janeiro “gozava de grande
popularidade não só pelo seu preço, - ‘vinte réis o exemplar’ – como também pela independência com que
seu redator escrevia seus artigos”. Licurgo Costa & Barros Vidal. História da evolução da imprensa
brasileira. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1940, p. 19.

64
65

presente na linguagem187. Em tais estudos, considerados clássicos por fornecerem um

manancial de informação sobre as condições históricas de desenvolvimento da imprensa, os

redatores são vistos sob vários ângulos: heróis188, mártires189 ou agitadores dos pasquins190.

Posteriormente, já na década de sessenta, dada à ascensão de noções vinculadas ao

marxismo, a análise sobre a imprensa voltou-se para os aspectos inseridos no jogo de

poder, oriundos, assim, da luta de forças antagônicas. Visto ainda como veículo de

anúncios, o Diário do Rio de Janeiro foi ressaltado a partir da ênfase na sua contraposição

à política, ou seja, enquanto participante de uma imprensa “neutra”, cuja existência não

teria interferido na cena pública, constituindo, portanto, uma “folha omissa”191. Sua

importância, em contrapartida, residiria no fato de representar órgão inspirador dos jornais

de informação. Alguns periódicos ganharam maior notoriedade nos trabalhos que se

esforçavam em considerar as relações entre imprensa e as condições econômicas do

período, reflexos, por sua vez, de acordo com essa linha, da disputa por espaço de ação

entre grupos econômicos na busca pela hegemonia192. Quase vinte anos depois, em 1985, o

historiador brasilianista, Laurence Hallewell, resgatou algumas dessas considerações, ao

tratar o Diário do Rio de Janeiro, “por seus pequenos anúncios”. Por ter resultado na morte

187
Os elogios eram direcionados aos redatores: José da Silva Lisboa e Frei Tibúrcio José da Rocha. As
críticas à linguagem utilizada nos pasquins, foram dirigidas especialmente aos redatores: Cipriano Barata e a
Antônio Borges da Fonseca. Cf. Helio Vianna. Contribuição à história da imprensa brasileira. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1945. Gondin da Fonseca. Biografia do jornalismo carioca (1808-1889). Rio de
Janeiro: Editora Quaresma 1941, p. 283. Carlos Rizzini. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil:
1500 -1822. Rio de Janeiro / São Paulo: Kosmos, 1945, p. 372. Laurence Hallewell. O livro no Brasil: sua
história. São Paulo: EDUSP, 1985.
188
Gondin da Fonseca. Biografia do jornalismo carioca (1808-1889). Rio de Janeiro: Editora Quaresma
1941, p. 283.
189
Laurence Hallewell. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: EDUSP, 1985, p. 45.
190
Hélio Vianna. Contribuição à história da imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, p.
405.
191
Nelson Werneck Sodré. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad,1999, pp. 50 -51, Carlos
Rizzini também considerou o Diário enquanto “omisso a questões políticas”. Carlos Rizzini. O livro, o jornal
e a tipografia no Brasil: 1500 -1822. Rio de Janeiro / São Paulo: Kosmos, 1945, p. 372
192
Um traço comum destes pesquisadores com os da década anterior, no entanto, foi a preocupação em dar
conta de uma vastidão de informações, a partir da confecção de uma única obra, em que o mote era conferir
destaque aos chamados “periódicos políticos”. Cf. José Honório Rodrigues. Revolução e contra-revolução no
Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves editora S.A, 1975, pp. 164 -166.

65
66

de seu redator, o periódico foi entendido pelo autor como “um desastre”, no que diz

respeito ao seu papel enquanto instrumento público193.

Mais recentemente, a partir do início da década de 1990, outras noções passaram a

ser a tônica das pesquisas. Resultado das comemorações do bicentenário da Revolução

francesa194, tais estudos promoveram um repensar das relações entre cultura e poder.

Desenvolveram-se, assim, estudos preocupados com os rumos tomados pelos meios de

comunicação, com especial destaque à produção e à influência da cultura. No que toca ao

nosso objeto, neste novo cenário, no qual nos vemos imersos, o Diário é utilizado como

uma das fontes documentais de suma importância, auxiliando a compreensão das

transformações sociais advindas com a Modernidade195. Entretanto, apesar do

afrouxamento da noção de política, vertida, agora, na noção da existência de um amplo

campo do político, e da consideração da importância de seu diálogo com as diferentes

esferas sociais, o Diário do Rio de Janeiro ainda não foi contemplado com análise mais

aprofundada, a qual almejasse compreender sua importância tal qual produto e agente de

seu tempo, influenciando e sendo influenciado pelas novas diretrizes liberais, recém

chegadas na América Portuguesa.

Buscando preencher tal lacuna, a partir da leitura exaustiva de suas matérias, seus

anúncios e “notícias particulares”, objetivamos compreender o periódico enquanto veículo

de difusão do iluminismo nos trópicos - em sua dimensão racionalista e pragmática -, que

193
Laurence Hallewell. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: EDUSP, 1985, p. 45.
194
Sobre a participação da imprensa como agente histórico, ver: R. Darnton & D. Roche (orgs.) Revolução
Impressa. A imprensa na França 1775-1800. São Paulo: Edusp, 1996.
195
Anúncios do Diário do Rio de Janeiro, circunscritos nos anos de 1821 e 1822, foram utilizados por Lúcia
Bastos enquanto documentos históricos, atores políticos e testemunhas das transformações de seu tempo. Cf.
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. Corcundas e constitucionais: a cultura política da independência
(1820-1822). Rio de Janeiro: Revan / FAPERJ, 2003. Marcello Basile utiliza-se da contextualização dos
jornais da época para traçar e analisar o panorama da imprensa e sua relação com a esfera pública literária e
política, no tempo do Governo Regencial. Cf. Marcello Otávio Néri de Campos Basile. O Império em
construção: projetos de Brasil e ação política na Corte Regencial, 2004. [Tese de Doutorado]. Rio de
Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

66
67

abrigou, no valor da informação e da noção utilitarista da imprensa, uma missão

esclarecedora frente à sociedade. Ao contrário do que pregou a historiografia, seu redator,

Zefferino Vitor de Meireles, através do Diário do Rio de Janeiro, criou um meio no qual

apresentava e discutia preocupações sociais mais amplas, em que o público leitor,

colaborador e anunciante, interagia, participando da construção de uma nova sociedade,

imersa nos rumos da modernização. Em busca de uma análise que ultrapasse sua dimensão

comercial, contemplaremos também uma abordagem acerca dos conceitos de pátria e

nação, bastante difundidos por seus colaboradores, especialmente nos anos de 1821 e 1822.

2.2) Ciência, comércio e informação: utilitarismo em páginas diárias.

Se havia uma noção recorrente nos informes dados ao público leitor pelo periódico

Diário do Rio de Janeiro, certamente era aquela na qual destacava a utilidade de sua

existência. Publicado pela primeira vez em junho de 1821, o periódico esteve inserido em

contexto de uma recente conquista de liberdade para a imprensa. Tempos melindrosos, em

que a ação da imprensa em geral, constituía uma temida ameaça às autoridades196. Ao

sinalizar intensamente a funcionalidade de seu serviço, o tipógrafo demonstrava uma

preocupação quanto à legitimidade de sua prática, face à vigilância do governo. Seu caráter

utilitário, no entanto, aparecia como uma forma de afirmação enquanto órgão de auxílio à

coisa pública, pelos serviços que propunha, e assim conseguir manter seu negócio de pé.

De outro lado, sua postura deflagrava a ação de um letrado que, identificado com as idéias

modernas em voga, percebia seu jornal como um veículo colaborador no aperfeiçoamento

196
De acordo com Carlos Rizzini, em 21 de março de 1821, o monarca d. João VI assinou decreto a
permitindo a ação da imprensa fora do Reino de Portugal. Cf. Carlos Rizzini. O livro, o jornal e a tipografia
no Brasil: 1500 -1822. Rio de Janeiro / São Paulo: Kosmos, 1945. Para Morel, essa atitude simboliza a
disputa de autoridade entre as Cortes revolucionárias da Cidade do Porto e os Bragança. Sobre o surgimento
da imprensa no Brasil, cf. Marco Morel e Mariana Monteiro de Barros. Imagem, palavra e poder: o
surgimento da imprensa no Brasil no século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. Cap. I.

67
68

de sua sociedade, tendo na difusão da informação; do desenvolvimento das ciências e do

comércio, seu mais rico mecanismo de atuação.

Dentre as principais idéias difundidas na Corte desde a chegada da comitiva real,

em 1808, eram de maior força aquelas cujos teores racionalistas e pragmáticos se

destacavam. Como muitas das obras impressas e dos periódicos surgidos à época, sua

importância pode ser dimensionada a partir dos artigos selecionados pelo redator, ou seja,

dos anúncios e avisos, sejam do governo, sejam de particulares, que reunidos, expressavam

o fortalecimento de uma incipiente esfera pública, no sentido de que tratou François-Xavier

Guerra. Desse modo, pensando na força de seu periódico enquanto espaço de construção de

modos de viver e pensar, Zefferino Vitor de Meireles, fazia crescer seu principal

empreendimento197. Em suas declarações, dispostas nos primeiros números do jornal, o

redator parecia comparar aquela publicação a um grande compromisso, uma “árdua

empresa”198, um sacrifício necessário para se atingir o progresso. Nesse sentido, com

redação e edição diárias, de acordo com o Meireles, seu ofício seria uma “penosa tarefa”199,

a ser observada abaixo:

logo que, em razão do bom acolhimento que felizmente vai tendo esta árdua
empresa, possa prudentemente dedicar-se unicamente a este ramo de serviço
Público esmerar-se em levar, quanto lhe for possível, ao maior grau de
perfeição tão útil estabelecimento, cujas grandes vantagens, talvez em breve
tempo, a experiência comprovará de uma maneira infragável [...]200

Tal visão, encontrada da mesma maneira em muitos outros documentos que cortam

sua trajetória, expressava-se como um traço subjacente ao movimento iluminista europeu,

os quais difundidos e transformados no Reino de Portugal, na segunda metade do século

XVIII, cresciam, desta vez, e cada vez mais, nos trópicos. Para o historiador Francisco
197
Para o tratamento da esfera pública na América ibérica, nos valemos das assertivas do professor François-
Xavier Guerra. De acordo com Guerra, a esfera pública é fruto da participação de variados estratos sociais,
resultado de experiências culturais comuns, não podendo ser demarcada apenas pela atuação de uma única
classe. François-Xavier Guerra. Modernidad y independências: ensayo sobre los revoluciones hispânicas.
Madrid: MAPFRE, 1992.
198
Diário do Rio de Janeiro, nº 5, 05 de junho de 1821.
199
Idem, nº 1 a 30, 01 a 30 de junho de 1821.
200
Idem, nº 6, 6 de junho de 1821.

68
69

Calazãns Falcon, ao surgir na Europa como questionamento aos valores absolutistas, o

iluminismo não se encerrou, trazendo consigo, como pressuposto básico, o racionalismo

naturalista. Este último, na visão do autor, tinha na secularização a emancipação de cada

um dos campos particulares do conhecimento, especialmente daqueles cujo objetivo era “a

emancipação do próprio homem da tutela metafísica”. Deste modo, a razão distanciava-se

da idéia de herança para aproximar-se a uma “aquisição possível”, como “uma força

intelectual”, concretizada e compreendida através da sua aplicação prática. Nas palavras de

Falcon, a razão iluminista apresentava-se aos seus adeptos na forma de um instrumental

crítico201.

Conforme esta perspectiva, e em virtude da multiplicidade das propostas trazidas à

luz por esse movimento cultural, o historiador destacou quatro pilares, nascidos na Europa,

mas que, em certa medida, chegavam aos trópicos: a tolerância, o humanitarismo, a

pedagogia, e o utilitarismo202. Posteriormente, ao chegarem no Reino do Brasil, tais valores

foram sendo disseminados em representativas parcelas da sociedade, por meio de múltiplas

estratégias, tendo a imprensa atuação inequívoca. Como parte de uma elite intelectual,

Zefferino Meireles recebeu e repassou os valores apreendidos nessa nova cultura de crítica.

Embora não fossem críticas diretamente ao soberano, foram trazidas à tona por sua

imprensa opiniões essenciais para a formação de uma nova forma de convívio social. Dos

quatro valores destacados por Falcon, apresentavam-se com maior intensidade deste lado

do Atlântico aqueles relacionados à pedagogia e ao utilitarismo. Em muitos casos, os mais

esclarecidos almejavam contribuir com o progresso humano, servindo-se do seu saber na

proposta de atingir um esclarecimento coletivo. O caráter pedagógico na imprensa, aparecia

de diversas formas: através do ensinamento de condutas práticas cotidianas, bem como

através de manuais cujo teor ensinava como deveriam ser entendidas algumas obras -

201
Francisco José Calazans Falcon. Iluminismo. 4ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 65.
202
Idem. Ibidem. Op. cit., p. 65.

69
70

muitas delas ligadas ao Constitucionalismo, posto em causa nas reuniões das Cortes de

Lisboa203. O utilitarismo, era a mola-mestra dos novos empreendimentos políticos e

econômicos, pautado nas diretrizes lusas, norteadas pelo uso prático da razão. O

humanitarismo, por sua vez, esboçava-se intrínseco à tolerância, que longe de ligar-se ao

tema religioso, aparecia no sentido de ajuda aos mais necessitados. O caráter humanitário e

a tolerância podem ser vistos nos trópicos como germes da filantropia moderna204.

No reino de Portugal, mitigadas em face das adaptações próprias de sua nobreza e

monarquia, as chamadas Luzes da razão, vieram à tona na segunda metade do século

XVIII, no contexto de ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de

Pombal. No cargo de Primeiro Ministro do rei José I, Pombal exerceu uma política

pragmática que atuava em nome do aumento da exploração e do controle das possessões

ultramarinas. Sua forte presença nos negócios de Estado durou cerca de vinte anos. Sua

notoriedade veio a partir de 1755, por conta das metas criadas para a reconstrução da

cidade de Lisboa, abatida após forte terremoto. No governo josefino, Pombal conquistou

inúmeros adeptos para sua política. Seu plano de reformas, representou um meio de ampliar

o poder do Estado e das reservas econômicas da metrópole, diante da crise então

apresentada, no que ficou conhecido como reformismo ilustrado. Em 1777, diante da morte

de José I, Pombal deixou o poder, dando lugar a um novo momento político, no contexto da

ocupação do trono pela rainha, Maria I205.

Segundo contam alguns historiadores, mesmo após a saída de Pombal o governo

promoveu muitas realizações, encaminhadas pela visão reformista e racionalista deixadas

anteriormente, levadas a cabo por muitos intelectuais que lá permaneceram e,


203
Segundo Morel e Barros, o movimento constitucionalista levado a cabo na cidade do Porto desde 1820,
apresentou impactos importantes na América. Marco Morel e Mariana Monteiro de Barros. Imagem, palavra
e poder: o surgimento da imprensa no Brasil no século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 23.
204
Magali Engel & Maurício Zeni. “Filantropia”. Ronaldo Vainfas (org.). Dicionário do Brasil Imperial. In:
Ronaldo Vainfas (dir.). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2002.
205
Lorelai Brilhante Kury e Oswaldo Munteal Filho. “Cultura Científica e sociabilidade intelectual no Brasil
setecentista: um estudo acerca da Sociedade Literária do Rio de Janeiro”. Acervo, vol. 8, nºs. 01/ 02,
jan-dez, 1995, pp. 105 -122.

70
71

especialmente, pela atuação de seu afilhado, Dom Rodrigo de Souza Coutinho. A partir de

1796, enquanto ministro de Maria I, no contexto em que aflorava a doença mental da

rainha, Souza Coutinho, comandando postos-chave da política, deu início a uma renovação,

direcionada ao campo das ciências úteis, especialmente centrada na área da agricultura.

Nesse sentido, através de sua política, contribuía para articular o utilitarismo pragmático

em prol do Estado. Para Lorelai Kury e Munteal Filho, “a especificidade da Ilustração

portuguesa reside, entre outros fatores, na adoção de uma concepção pragmática de

utilização das artes, aliada a um sentimento de decadência do Reino” 206.

No período pombalino, na visão de Ana Rosa Cloclet da Silva207, foram lançados os

germes para a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa. Naquele contexto,

característico da luta de forças conservadoras e reformistas, a Academia Real de Ciências

de Lisboa, adquiriu crucial representatividade para os estudantes provenientes da

Universidade de Coimbra, na concretização do chamado pragmatismo cientificista.

Conforme destacou Ana Rosa, o objetivo estava direcionado à união de esforços de

naturalistas, médicos e matemáticos, como importante vetor na busca da prosperidade do

Reino. O iluminismo português, deste modo, mesmo já sem Pombal, mostrava-se na

afirmação do poder real frente às várias instâncias da sociedade. A fundação da Academia,

em 1779, nas palavras da autora, seria a “instância articuladora da ilustração”208,

fortalecendo a tendência pragmática da administração anterior, nutrindo, por sua vez, a

recuperação da economia lusa diante da forte pressão competitiva, empreendida pelas

potências econômicas européias209.

206
Lorelai Brilhante Kury e Oswaldo Munteal Filho. “Cultura Científica e sociabilidade intelectual no Brasil
setecentista: um estudo acerca da Sociedade Literária do Rio de Janeiro”. Acervo, vol. 8, n. 01/ 02, jan-dez,
1995, pp. 105 -122.
207
Ana Rosa Cloclet da Silva. Inventando a nação. Intelectuais Ilustrados e Estadistas Luso-brasileiros na
Crise do Antigo Regime português (1750-1822). São Paulo: Editora Hucitec / Fapesp, 2006.
208
Idem. Ibidem, p.112.
209
Oswaldo Munteal Filho. “Política e natureza no reformismo ilustrado de d. Rodrigo de Souza Coutinho”.
In: Maria Emília Prado (org.). O Estado como vocação: idéias e práticas políticas no Brasil oitocentista. Rio
de Janeiro: Access, 1999.

71
72

Conforme assegurou o Munteal Filho, na mentalidade dos reformistas, o

conhecimento científico deveria ser aplicado de forma prática e eficiente para ser capaz de

mudar a rota de uma futura decadência econômica do Reino de Portugal. A figura de Souza

Coutinho simbolizava, assim, um importante ponto de contato entre a metrópole e a

colônia, sendo articulador responsável pela consolidação da produção científica, como

“protetor e fundador da Academia”210. Como um homem de política, entendia a ciência tal

qual uma fonte e uma alternativa para o sentido da colonização, ou seja, como um elemento

útil ao Estado. Sendo assim, Dom Rodrigo priorizou o incentivo e o aproveitamento dos

estudiosos brasileiros pela Coroa, cercando-se de uma equipe de bacharéis e cientistas211.

Na visão de Maria Odila Dias, era de interesse da Coroa incentivar os estudos práticos e, a

partir da transmigração da Corte real portuguesa para o Brasil, ampliar o número daqueles

que poderiam desenvolver uma formação científica. Foi nesse sentido, defendeu a autora,

que a “mentalidade pragmática dos iluministas enraizava-se entre os brasileiros”212.

Na linha proposta por Lorelai Kury213, é interessante observar, que o aspecto

utilitário constituiu-se em um programa político amplo, de valorização da ação do homem

sobre a natureza, cujos termos, preconizados pelos homens de letra franceses, a partir da

Encyclopédie, acabou por ser a palavra de ordem do pensamento europeu do século XVIII e

do início do XIX. Complementarmente, destacou a autora, ocorreu a consolidação paulatina

de um ideal científico na Europa214. No que concerne a este capítulo, o traço utilitário

210
Oswaldo Munteal Filho. Uma Sinfonia para o Novo Mundo: a Academia Real de Ciências de Lisboa e os
caminhos da Ilustração luso-brasileira na crise do Antigo Sistema Colonial, 1998, p. 235. [Tese de
Doutorado]. vol. 2. Rio de Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
211
Maria Odila da Silva Dias. “Aspectos da ilustração no Brasil”. Rio de Janeiro: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, nº 278, 1969, pp. 105-170.
212
Em seu último capítulo, Ana Rosa C. da Silva, trata da dinâmica de idéias e projetos políticos forjados no
reformismo ilustrado através da análise do pensamento e das ações andradinas no processo que a autora
chamou de “invenção da Nação”. Cf. Ana Rosa Cloclet da Silva. Inventando a nação. Intelectuais Ilustrados
e Estadistas Luso-brasileiros na Crise do Antigo Regime português (1750-1822). São Paulo: Editora Hucitec
/ Fapesp, 2006, cap. V, pp. 337 - 412.
213
Lorelay Brilhante Kury. “Descrever a pátria, difundir o saber”. In: ________ (org.). Iluminismo e Império
no Brasil. O Patriota (1813-1814). Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2007, p. 143.
214
Idem. Ibidem.

72
73

aparece representado na imprensa pelo jornal Diário do Rio de Janeiro, que, por meio do

incentivo à curiosidade como um caminho de alcance ao conhecimento, representou uma

das formas de se difundir as Luzes da razão pela expansão do acesso á informação e, em

conseqüência, da ampliação da participação. Nesse sentido, o homem comum chegava mais

perto dos problemas sociais e um desses caminhos era a imprensa.

Na figura de Dom Rodrigo, os avanços científicos na América portuguesa deram-se

pelo incentivo especial ao desenvolvimento de estudos ligados aos conhecimentos naturais,

especialmente através da flora medicinal e sua divulgação. Já nos anos iniciais de sua

abertura, a Tipografia da Impressão Régia, promoveu a expansão dos conhecimentos na

ex-colônia por meio da tradução de obras científicas, conforme assinalaram Moraes e

Camargo215. Em 1811, saiu dos prelos da régia oficina, a obra: Memória sobre o encéfalo-

cele curado no Hospital Real Militar da Corte do Rio de Janeiro, e recolhida por

Domingos Ribeiro Guimarães Peixoto216. Como visto, a difusão da noção científica e

pragmática do conhecimento, em seu sentido amplo, uma vez como assunto na imprensa,

passava de um projeto de Estado a uma preocupação coletiva. De acordo com Maria

Beatriz Nizza da Silva, naquele tempo “os livreiros do Rio de Janeiro, se preocupavam

mais com as artes úteis do que sobre as belas artes”217.

No que toca a Zefferino Meireles, destacava continuamente que apenas teriam

espaço nas páginas de seu jornal as publicações que atendessem aos quesitos “que a razão e

a sua natureza exigissem”218. Por suas palavras, verifica-se que o periódico apresentou uma

feição bem mais rica daquela difundida pela historiografia. Após uma leitura mais detida de

215
Rubens Borba de Moraes & Ana Maria de Almeida Camargo. Bibliografia da impressão Régia. São
Paulo. EDUSP/ Livraria Kosmos Editora, 1993, p. XIX. Muitas das publicações da Impressão Régia podem
ser encontradas em Carlos Rizzni. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil: 1500 -1822. Rio de Janeiro / São
Paulo: Livraria Kosmos, 1945, p. 321.
216
BIBLIOTECA NACIONAL. Seleção de cento e cinqüenta livros e periódicos impressos da 1808 a 1958.
Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1958.
217
Maria Beatriz Nizza da Silva. Cultura e sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821). São Paulo: Editora
Nacional, 1977, p. 147.
218
Zefferino Vitor de Meireles. “Plano de trabalho para estabelecimento de um útil e curioso Diário”. Diário
do Rio de Janeiro, nº 1, 1º de junho de 1821, p. 1.

73
74

seu jornal, nota-se uma postura norteada pelo objetivo de instruir o público leitor acerca das

inovações científicas do mundo europeu, contribuindo para fazer da cidade sede do Império

português, um local “digno” de abrigar costumes mais modernos, tão em voga na Europa.

Como metas de realização de seu grande ideal, publicado durante todo o mês de junho,

ganhava destaque a idéia de contribuir através de uma “tão útil publicação”219. Sendo

assim, as matérias relacionadas aos avanços científicos europeus eram constantes. Em

junho de 1821, o jornal destacava a matéria: “ILUMINAÇÃO POR GÁS

HIDROGÊNIO”220. Observou-se que neste período inicial, os títulos correspondentes das

chamadas das matérias eram pontuais e relacionados diretamente ao conteúdo apresentado.

Sobre a inovação destacada, informava que o europeu “Mr. Precht”, inventou um aparelho

para iluminar o edifício do Instituto Politécnico da cidade de Viena221. Vale lembrar que o

gás hidrogênio representava um avanço, quando comparado com a precária iluminação

pública da cidade-Corte222.

Seção bastante comum nos números iniciais, era a que trazia os assuntos relativos

a “BOMBAS”. Ao contrário do que se pode imaginar, a seção não estava relacionava a

conflitos bélicos, mas à possibilidade de bombeamento de água ou defesa contra incêndio.

No mesmo mês, o redator destacou a existência de um aparelho, de “Mr. Szabo”, feito de

cobre e, segundo o redator, “com poucas necessidades de conserto” 223. Embora possam ser

encontradas em várias partes do jornal, estas seções não se apresentavam como anúncios.

Constituíam informes sem autoria, que podem ser atribuídos aos desejos do próprio

Zefferino e de alguns colaboradores, em consonância com seu pensamento, de difundir a

ciência e as possibilidades de progresso. Observemos que a ciência começava a se tornar

219
Diário do Rio de Janeiro, nº 1 a 30, 1 a 30 de junho de 1821.
220
Ibidem, nº 7, 07 de junho de 1821.
221
Ibidem.
222
Nosso recorte temporal trata dos anos compreendidos entre 1821 e 1825. Neste período, foram intensos os
anúncios relacionados a melhorias no espaço físico da cidade.
223
Diário do Rio de Janeiro, nº 6, 06 de junho de 1821.

74
75

parâmetro de conhecimento e de entendimento do mundo moderno e, nesse sentido,

verifica-se uma grande sensibilidade aos apelos da técnica em sua aplicação prática nas

melhorias cotidianas224. Em agosto de 1821, dois meses após o anterior, um leitor (e

assinante do Diário) enviava ao jornal a notícia de que acabava de chegar no Porto da

cidade, a bordo do navio “São Cristóvão”, um farmacêutico, “com algum conhecimento de

Química e Botânica”225. O conhecimento, era ainda elemento de distinção social, conforme

se pode atestar pelo anúncio, de um ano depois:

Um sujeito se oferece a ensinar particularmente Filosofia, Matemática e


Náutica teórica, e prática este mesmo possui alguns conhecimentos de
outros ramos da Literatura, belas letras e Comércio; fala algumas
línguas vivas, e a Latina; pelo que se pode encarregar
(temporariamente) da educação [...] algumas pessoas de distinção [...].
O redator deste Diário pode informar do seu nome e residência a quem
quiser tratar com ele226.

No que respeita os informes de inovações científicas, eram constantes algumas

tentativas de organização dos assuntos dispostos. Em alguns números, houve a divisão

entre as seções de “FISICA” e de “MEDECINA”. A preocupação em difundir as melhorias

no campo da medicina também era patente nos informes. Em 07 de junho de 1821, o

Diário publicava a matéria “HERNIAS REFUTADAS INCURAVEIS; DORES

NERVOSAS DOS INTESTINOS: E DE DESINTERIA SEM FEBRE”227.

Em geral, os anúncios e avisos de cunho medicinal, além da trazer novas

possibilidades de cura, revelam-se, como um germe de uma postura filantrópica, adotada

pelos homens de letras e de ciência em relação aos mais necessitados, fortalecida ao longo

do século XIX, especialmente na Europa. Nesta condição, por suas páginas, o Diário fazia

chegar aos trópicos novas possibilidades de lidar com as enfermidades urbanas, seja no que

224
Virgínia de Albuquerque de Castro Buarque. Mundanismo e brisa renovadora: moral e sociedade no Rio
de Janeiro Imperial (1850-1870), 1994. [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
225
DRJ , nº 2, 02 de agosto de 1821.
226
DRJ, nº 4, 05 de agosto de 1822.
227
DR J, nº 5, 05 de junho de 1821.

75
76

respeita ao aspecto físico da cidade, seja no aspecto humano. O aviso “CURAR A

POBREZA”228, exposto em 08 de fevereiro de 1822, demonstra a grande preocupação dos

médicos (e do redator) com a miséria. Vale observar que os grupos compostos de homens e

mulheres brancos e pardos pobres, somados aos escravos africanos, constituíam maioria

entre os habitantes de uma população que crescia:

Francisco de Paula dos Santos Gomes, cirurgião aprovado em Anatomia,


Cirurgia e operações, estabelecido nesta Corte, faz saber ao Público que
ele se acha pronto a curar a toda a Pobreza, que se quiserem aproveitar
dos seus conhecimentos devem procura-los, às 8 horas da manhã, que se
prestará gratuitamente com zelo.229

Curiosamente, o título do anúncio revela ainda um aspecto crucial na visão

filantrópica: a pobreza como um mal, uma doença que devia ser curada com a ajuda de um

saber médico que ganhava espaço na Corte. Conforme mostraram Magali Engel e Maurício

Zeni230, a preocupação com a difusão da cura vinculava-se às transformações quanto à

ajuda dos grupos privilegiados aos menos abastados. De acordo com os autores, a cultura

iluminista européia condenava as formas de ajuda feitas, até então, pela Igreja – como, por

exemplo, as esmolas, trazendo à tona a necessidade de ser ancorado no conhecimento

científico, vistos, segundo o autor, como o único meio de evitar disperdícios e

“diagnosticar a doença social”231. O referido humanitarismo iluminista, juntava-se assim ao

utilitarismo, no auxílio aos mais necessitados. A sua vertente política estava implícita pela

aproximação e algum controle dos grupos pobres, possibilitadas pelo saber médico. Um

saber que, ao cuidar, também educava.

Para melhor acompanhar as notícias científicas européias, o jornal publicava

recorrentemente, informes retirados do periódico Annaes Fluminenses de Letras, Artes e

228
DRJ, nº 6, 08 de fevereiro de 1822.
229
Ibidem.
230
Magali Engel & Maurício Zeni. “Filantropia”. In: Ronaldo Vainfas (org.). Dicionário do Brasil Imperial.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2002 , pp. 278 - 279.
231
Idem. Ibidem, p. 278

76
77

Literatura232. No início de junho 1821, mês de seu nascimento, publicou informes que

diziam respeito às propriedades curativas de uma planta e de algumas soluções

existentes233. Um ano depois, em junho de 1822, publicava curiosa notícia sobre a mudança

da cor da pele de um indígena. Segundo o redator, um índio, cuja doença não foi

mencionada, aos sessenta anos, passava a apresentar porções claras em seu corpo234. Talvez

um personagem criado para alertar sobre novas doenças...

Posturas como estas, advindas de um redator nascido na Europa e consolidado na

América, fortalecem a noção de entendimento do periódico Diário do Rio de Janeiro,

enquanto um “familiar longínquo” do iluminismo europeu. Característica não somente

deste, mas de muitos dos jornais surgidos à época235. Como parte das transformações de

seu tempo, Zefferino refletia e reagia de formas peculiares, cujos elementos apresentam-se

bastante disponíveis pela leitura de suas páginas no contexto. Certamente, pode-se afirmar

que a veia comercial era a grande marca de sua especificidade. Todavia, esta característica

reunia em si pequenos outros aspectos que atendiam a questões diversas e grupos sociais

distintos. Por essa razão, para realizar a análise de seu material nos valemos do conjunto de

suas matérias em geral, não apenas em anúncios e “notícias particulares”236. Os conteúdos

dos editais e avisos do governo; discursos do Príncipe Regente, Pedro I, serão considerados

no tocante ao conjunto da produção do jornal, não sendo analisados enquanto instrumento

de retórica, mas para explanação de um pensamento do governo na época.

232
Annaes Fluminenses de Ciências, Artes e Litteratura. O exemplar existente na Fundação Biblioteca
Nacional é de janeiro de 1822.
233
DRJ, nº 3, 03 de junho de 1821.
234
DRJ, nº 10, 10 de junho de 1821.
235
Tânia Ferreira utiliza-se do termo para tratar o periódico O Patriota, como um órgão herdeiro do
iluminismo inglês. Ao nosso ver, o Diário do Rio de Janeiro é, do mesmo modo, herdeiro daquele movimento
cultural, mitigado sob ótica da política lusa. Cf. Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira. “Redatores,
livros e leitores em O Patriota”. In: Lorelai Brilhante Kury (org.). Iluminismo e Império no Brasil. O Patriota
(1813-1814). Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ, 2007, pp. 41- 66.
236
As seções “Notícias particulares” compunham avisos mais ligados a negociações ou chamados de um
indivíduo leitor-anunciante a outro, um leitor possível. Os anúncios de vendas, compras, aluguéis eram
dispostos em outro espaço, conforme mostraremos mais adiante, nesta seção.

77
78

Inicialmente, o periódico apresentava estrutura disposta em páginas inteiras e letras

bastante grandes237. Traço comum à época, os escritos vinham como uma feição artesanal:

quatro a oito páginas, apresentando preço médio de vendagem de $40 (quarenta réis). Nos

periódicos doutrinários, cujos assuntos apresentavam caráter essencialmente políticos, as

matérias traziam a opinião de seus redatores acerca dos episódios ocorridos. No caso do

Diário do Rio de Janeiro, a postura de seu editor, Meireles, que escrevera durante um ano e

meio de existência do jornal, podem ser buscados nas “entrelinhas”, em pequenos

comentários dispostos entre uma matéria ou outra. Em busca também de pinçar seu

procedimento editorial e de estabelecer alguns de seus significados, levantamos alguns

aspectos iconográficos do jornal.

A primeira imagem destacada, aparece logo no início das matérias. Acima de todas,

trazia uma figura grandiosa, em tamanho e representação, portando grandes asas e um

instrumento musical, uma espécie de corneta238. Possivelmente, a figura fazia referência à

alegoria mitológica romana: a Voz Pública. Como se sabe, a Voz Pública, representava a

rainha das comunicações, mensageira de Júpiter, que, segundo a lenda, trabalhava

incansavelmente nos dias e nas noites, levando a notícia aos quatro cantos do mundo. No

caso do Diário, aos sete distritos da Corte.

237
Vale lembrar, como referido no primeiro capítulo, que Zefferino Meireles montou inicialmente seu
periódico nos prelos da Impressão Régia, passando a estabelecimento próprio em março de 1822.
238
De acordo com Carlos Rizzini, a figura fazia uma menção à alegoria romana conhecida como Fama ou
Voz Pública. Apareceu no jornal nos meses de junho a novembro de 1821. Carlos Rizzini. O livro, o jornal e
a tipografia no Brasil: 1500 -1822. Rio de Janeiro / São Paulo. Kosmos, 1945, p. 372.

78
79

79
80

De acordo com Pierre Grimaldi, a Voz Pública habitava um palácio nos confins do

universo239. De lá, enviava de volta as notícias que lhe chegavam, vigiando o mundo

inteiro. No tempo do Diário, no entanto, a figura parecia informar o público sobre os novos

assuntos da Modernidade: questões como liberdade; política cotidiana e cidadania

apareciam interligadas, alcançando na imprensa uma grande notoriedade.

A partir de 1821, na vaga dada pela lei de liberdade de imprensa, é possível

verificar nos periódicos e panfletos da Corte, uma postura ativa que não mais aguardava

passivamente as resoluções, mas que, ao contrário, contracenava com os fatos que viriam a

público. Conforme destacou Ana Cristina Araújo240, o contexto era de “crescente

politização da esfera pública, caracterizada pela constituição de um espaço público cujos

julgamentos críticos se colocam acima de qualquer autoridade, nos limites da razão e da

liberdade de consciência”241.

Outro recurso imagético do qual lançava mão, pode ser visto ao final daquelas

mesmas páginas. Estimamos que representava uma espécie de deificação das

comunicações, sendo construída, desta vez, pela figura de Hermes. Na mitologia grega,

Hermes era, dentre outras atribuições, além de mensageiro dos Deuses, o Deus protetor dos

comerciantes242. Para cumprir rapidamente sua missão, e conforme retratado no periódico,

trazia asas na cabeça e nos pés. Na cabeça, usava ainda um chapéu de abas largas,

conhecido como pétaso. Apesar de bastante difundida, é interessante observar que a

alegoria de Hermes era inseparável de seu bastão: o caduceu (na modernidade, o

representante das Ciências Contábeis). Seu símbolo, é composto de duas serpentes

239
Pierre Grimaldi. Dicionário da mitologia grega e romana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 165.
240
Ana Cristina Araújo. “Um império, um reino e uma monarquia na América: as vésperas da independência
no Brasil”. In: István Jancsó (org.). Independência, história e historiografia. São Paulo: HUCITEC / Fapesp,
2005, pp. 235 -270.
241
Idem. Ibidem, p. 235.
242
DR J, nº 5, 05 de junho de 1821.

80
81

cruzadas, enroscadas em uma “vara de ouro”243. Esta alegoria foi utilizada durante os

primeiros quatro meses do jornal, quando o número de anúncios não ocupava toda sua

extensão. Após esse tempo, talvez devido ao aumento do volume dos anúncios, a figura não

mais apareceu. Ao que consta, foi utilizada inicialmente também como recurso para ocupar

os espaços deixados por uma possível falta de matérias. Da mesma maneira, tal

procedimento pode revelar a visão do redator acerca do peso informativo das imagens, no

que diz respeito a proporcionar ao público um maior alcance na compreensão de

mensagens, dinamizando e aprofundamento o seu entendimento244.

Comparando as duas imagens, observam-se similitudes importantes. Entre elas, destaca-se

o apelo ao livre trânsito da palavra. As asas (elemento presente nos dois casos), podem

revelar a agilidade inerente às práticas dos novos tempos, necessária ao acompanhamento

do público em relação aos fatos e na busca de sua resolução. Nas palavras do curador Ivan

Gaskell, é de suma importância a compreensão de que o o significado do material visual se

modifica e suas interpretações diferem, de acordo com os seus limites cronológicos e

culturais245.

243
Idem. Ibidem. Op. cit.
244
A figura do Deus, Hermes, aparece de junho de 1821 a outubro de 1821, sempre ao final das matérias,
variando de tamanho.
245
Ivan Gaskell. “História das imagens”. In: Peter Burke (org.). A Escrita da História: novas perspectivas.
São Paulo: Ed.UNESP, 1992, pp. 237 - 272.

81
82

Fonte: Diário do Rio de Janeiro ( jun-out, 1821).

82
83

Em termos jornalísticos, o recurso da imagem constituía uma inovação para o

período, tendo sido utilizado com mais intensidade na imprensa a partir de 1870. A este

respeito, os historiadores e jornalistas Morel e Barros, ressaltam que no período inicial,

além de raras, quando utilizadas, as imagens apresentavam em sua maioria um cunho

ilustrativo, não estando comprometidas de forma profunda com a viabilização da

mensagem246. Nas páginas do Diário do Rio de Janeiro, no entanto, tal recurso editorial,

em outros termos muito utilizado atualmente na imprensa industrial, não passou ileso pelas

mãos de Zefferino. A opção em lançar mão da imagem mostra-nos, mais uma vez, um

grande entendimento acerca de seu ofício; desta vez, dedicado à expansão de seu próprio

jornal, enquanto meio de difusão da palavra pública e dos valores liberais-constitucionais.

As duas imagens funcionavam ainda como metáforas da estreita relação entre as

comunicações e o comércio, tributária de uma imprensa da Ilustração européia.

Ao analisar o periódico inglês, The Spectator, a historiadora Maria Lúcia Pallares-

Burke247 traçou uma abordagem bastante elucidativa sobre a dimensão acerca do

entendimento do valor do comércio para a sociedade moderna européia, dos séculos XVIII

e XIX. Segundo a autora, para os contemporâneos do iluminismo europeu, o comércio

constituía a atividade com maior capacidade de reproduzir em nível social e econômico a

“perfeita ordenação e interconexão das coisas”248, desvelando a interdependência dos

indivíduos, neutralizando, assim, as diferenças em favor dos interesses comuns. Desse

modo e, contrapondo a “errônea idéia” de hierarquia, de uns sobre outros, atuaria pela

defesa da idéia de “equivalência” e “mútua utilidade”. Analisando o conteúdo do veículo,

The Spectator, Pallares-Burke destacou que para seus redatores, seriam “imperfeições do

universo” valores como a “inutilidade” e a “ociosidade”, quando poderiam ser úteis a si

246
Marco Morel e Mariana Monteiro de Barros. Imagem, palavra e poder: o surgimento da imprensa no
Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, pp. 64 -70.
247
Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke. The Spectator. O Teatro das Luzes. Diálogo e imprensa no século
XVIII. São Paulo: Editora HUCITEC, 1995.
248
Idem. Ibidem. Op. cit., p. 83.

83
84

mesmo e ao público249. A opinião do naturalista João da Silva Feijó, encarregado pela

Coroa portuguesa a examinar a capitania do Ceará, em 1799 e a de Cabo Verde, nos anos

de 1783 e 1797, demonstra da mesma maneira muito do pensamento iluminista europeu

sobre o comércio. Em texto publicado nas páginas do jornal O Patriota, no ano de 1814,

Feijó destacou que o comércio250

é o único canal, por onde se derrama em um país a abundância, as riquezas


públicas e particulares, as luzes e os mais importantes conhecimentos, e,
enfim, a geral satisfação dos povos, atraindo a si, pela necessária
concorrência de diversos indivíduos, tudo quanto é útil, e de proveito, para
fazer o homem mais civil, polido, dócil, pacífico, tratável, e empreendedor
de grandes coisas, no que consistem as delícias das sociedades251.

Segundo destacou o historiador Manoel Salgado, para o filósofo naturalista, o

comércio civiliza ao promover a pacificação da relação dos costumes, assim como viabiliza

contatos e afirma o poder do Estado. Nesse sentido, na visão de Feijó, a prática comercial

seria uma forma de superação das limitações impostas a estes habitantes, residentes da

antiga colônia portuguesa252. O livre trânsito de mercadorias e de idéias253, portanto,

constituía duas faces da mesa moeda. A própria postura de Zefferino de montar um órgão

com grande espaço dedicado aos serviços urbanos, no lugar de assumir uma postura

doutrinária política, selava a ligação do Império luso-americano com a expansão daquela

incipiente economia de mercado. Guardadas as devidas proporções, em face de um

iluminismo tropicalizado, moldado, como foi visto, pelos valores monárquicos lusos, o

Diário do Rio de Janeiro crescia em meio à idéia da expansão das trocas e do valor do

comércio no sentido amplo: uma atividade lícita, legítima, ao mesmo tempo, expressão do

249
Idem. Ibidem. Op. cit., p. 86.
250
O Patriota circulou na Corte entre os anos de 1813 e 1814. Como periódico doutrinário, seus redatores
almejavam difundir as luzes nos trópicos. Cf. Lorelai Brilhante kury (org). Iluminismo e Império no Brasil. O
Patriota (1813-1814). Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2007.
251
Apud. Manoel Luiz Salgado Guimarães. “As Luzes para o Império: história e progresso nas páginas de O
Patriota”... Op. cit., p. 95.
252
Idem. Ibidem.
253
Cabe ressaltar o espaço dedicado a anúncios sobre a publicação e venda de obras em geral, as quais
passavam a integrar a vida dos habitantes da Corte do Rio de Janeiro.

84
85

trabalho individual, valor entendido como imprescindível para o progresso humano no

mundo moderno. Basta lembrar que o contexto vivia mudanças na relação do jogo de

poder, em que a política do Príncipe Dom João VI, em favor da Inglaterra, simbolizado no

episódio da abertura dos portos em 1808, e na assinatura de Tratados de comércio, já

delineava uma atmosfera pautada no livre-cambismo e no apoio ao aumento do fluxo de

mercadorias na ex-colônia.

O compromisso em servir seu público, buscando um “alto grau de perfeição”254, fez

com que, a partir de agosto de 1821, o editor e redator Meireles, passasse a numerar os

anúncios publicados. Com essa medida, segundo o próprio, teria como acompanhar melhor

seus resultados. A partir de então, ao final de seus números, emitia o aviso dos “anúncios

cujos fins já foram realizados”255. Ao noticiar essa mensagem, Meireles parecia ter

cumprido sua tarefa. Ademais, tal postura constituía mais uma maneira de conquistar a

confiança do público quanto à seriedade de sua “folha”.

A partir de março de 1822, ao adquirir estabelecimento próprio para sua impressão,

o Diário do Rio de Janeiro, passou por nova estruturação de páginas, com uso otimizado

do espaço. Nessa ocasião, os caracteres diminuíram de tamanho e as páginas passaram a

possuir duas colunas. Nesse ínterim, ao sair dos prelos da Impressão Régia, o periódico

apresentou o dobro do número de anúncios. Deve-se ressaltar que em uma cidade que

crescia, as páginas deste Diário serviam também como meio de acesso de uns aos outros. O

aviso a seguir refere-se a questões mais simples do cotidiano: “Joaquim José Gomes

Rodrigues faz ciente ao Respeitável Público aviso a um Caixeiro Antônio que esqueceu

uma caixa cheia de suas coisas”256.

254
Zefferino Vitor de Meireles. Diário do Rio de Janeiro, nº 10, 11 de abril de 1822.
255
DRJ, nº 2, 02 de agosto de 1821.
256
DRJ, nº 6, 09 de janeiro de 1824.

85
86

Fonte: Diário do Rio de Janeiro (dez 1821).

Se não era lido pelo seu receptor direto, alvo de seu “problema”, ao menos teria por

ali meio de resolvê-lo mais rapidamente. a partir de 1823, em virtude da expansão do

86
87

empreendimento, os anúncios ocupavam também a primeira página. A partir daí,

verificamos uma linha crescente do número de anúncios. De acordo com Lúcia Neves,

desde o início da década de vinte, nas ações desses periódicos, “os acontecimentos diários

transferiram-se do domínio do privado ao público e adquiriram o status de novidades”257.

Nesse sentido, pedidos de declarações de endereço258, bem como cobranças de pagamentos

atrasados, eram feitas, a partir de então, a público. Em janeiro de 1824, Luiz Manoel

Teixeira de Figueiredo, inquilino, defendeu-se da acusação de devedor. Respondendo ao

anúncio anterior, feito pela proprietária da casa onde morou, situada na rua do Conde,

afirmou que a proprietária “faltou inteiramente a verdade, ou falou sem conhecimento de

causa”259. Segundo Luiz Manoel, seu aluguel costumava ser pago na forma bimestral e o

bimestre atual não havia vencido. Segundo afirmou, estava apenas passando uma

temporada com a família em seu sítio, localizado em São Gonçalo. Manuel enfatizava sua

indignação, desejando que a proprietária não ousasse “desacreditá-lo” com “coisa tão

ridícula”260. Além de demonstrar um objetivo bastante claro, anúncios como esses,

interferem na imagem que os indivíduos construíram e queriam manter para si.

Complementarmente, denotam ainda, a consciência que os habitantes da Corte tinham da

imprensa como canal de construção de opiniões. A veiculação correta dos fatos era de

suma importância, portanto, para a defesa e manutenção da honra e dos lugares sociais.

No vasto universo temático abordado pelo periódico, havia grande destaque para

auxílio aos negociantes e comerciantes da cidade. De acordo com Maria Beatriz Nizza, a

imprensa era o único meio posto à disposição dos negociantes nacionais e estrangeiros para

257
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “Leituras e leitores no Brasil: o esboço frustrado de uma esfera
pública de poder”. Revista Acervo, v. 8, nºs. 01/ 02, jan-dez, 1995, pp. 123 - 138.
258
Diário do Rio de Janeiro, nº 5, 08 de janeiro de 1824.
259
DRJ, nº 3, 04 de dezembro de 1822.
260
DRJ, nº 2, 03 de janeiro de 1824.

87
88

divulgar a criação ou a dissolução de sociedades mercantis261. Desse modo, ressaltava que a

divulgação, por exemplo, dos detalhes meteorológicos, tendia a auxiliar os homens

comerciantes em suas atividades. Ao nosso ver, a opção em dispor tais informações já

demonstra sua grande importância. Sabemos que a dinâmica e o papel dos portos no

trânsito de mercadorias intensificava-se naquelas décadas e, nas palavras do redator, ao

recolhê-las em horários específicos, esperava que pudesse “ser de alguma utilidade”262.

Na extensão de seus exemplares, foram muitos os anúncios dedicados à venda de

sociedades; leilões, além de chamadas de credores aos seus clientes, na busca pelo

pagamento de suas dívidas. Dentro da grande categoria considerada aqui como comércio,

abrigam-se inúmeros subgrupos: escravos; imóveis (especialmente sítios e chácaras), letras

(aulas); obras publicadas; tecidos (“fazendas”), ferragens, material para desenho; serviços

(com destaque para caixeiros e costureiras); arrematações... Da mesma maneira, a atenção

dada a temáticas como a limpeza e calçamento das ruas e as qualidades e formas de

eficiência no ensino eram bastante comuns263. Como se sabe, questões ordinárias como, por

exemplo, a iluminação e o assoreamento das águas das chuvas; a retirada do lixo e o

enterro dos mortos, constituíam grande problema a ser resolvido na cidade, especialmente

após o inchamento populacional, dado a partir de 1808.

Em contexto de intensas transformações políticas, a imprensa expressava a ligação

do homem moderno com seu habitat. Ao serem postas a público enquanto preocupações

coletivas, a busca pela cidadania vertia na chamada esfera pública. Nas palavras de

Marcello Basile, a esfera pública caracteriza-se, “fundamentalmente, pelos espaços abertos

de participação e pela sua capacidade de atuar como uma instância crítica de pressão da

261
Maria Beatriz Nizza da Silva. Cultura e sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821). São Paulo: Ed.
Nacional, 1977, p. 147.
262
Conforme afirmou o redator, as observações meteorológicas seriam recolhidas ás sete horas da manhã, ao
meio dia e às cinco horas da tarde do dia anterior à sua publicação. Zefferino Vitor de Meireles. “Plano para o
Estabelecimento de um útil e curioso Diário”. Diário do Rio de Janeiro, 1 a 30 de junho de 1821.
263
DRJ, nº 8, 10 de fevereiro de 1825.

88
89

sociedade sobre o governo e seus representantes”264. Nesse sentido, o periódico vai se

constituindo enquanto “um veículo de comunicação”265 e uma arena de expressão de uma

cidadania coletiva. Tais posturas, apreendidas pelos anúncios e avisos, “refletiam-se na

maneira de os indivíduos enxergarem seu papel na sociedade, uma vez que redefiniam os

laços com o universo público e o poder político”266.

Conforme ressaltou Lilia Schwarcz267, os anúncios constituem fontes importantes

por “evidenciarem anseios e objetivos”268 de sua sociedade. Uma das ações editoriais mais

expressivas dos administradores do periódico, em contraposição a muitos jornais

contemporâneos, era a de realizar publicações desses anúncios de forma gratuita. Sempre

chamando a atenção para a prioridade dos anunciantes, o redator informava constantemente

horário e local para a efetiva entrega dos mesmos. Segundo Juliana Gesuelli, nos anúncios

encontramos uma questão fundamental para a história da leitura: a interação do leitor ativo

com o jornal a partir de relatos cotidianos e “os interesses que o leitor desejava transmitir

no momento em que optou por utilizar-se desse espaço como um meio privilegiado de

interação social”269. A disposição dos assuntos no Diário do Rio de Janeiro, pode ser

melhor visualizada a partir de sua classificação, conforme disposto no gráfico abaixo. Para

o espaço de quatro páginas, optamos em considerar a valoração de 25% para cada uma

delas.

264
Marcello Otávio Néri de Campos Basile. Anarquistas, Rusguentos e Demagogos: os liberais exaltados e a
formação de uma esfera pública na corte imperial (1829-1834), 2000, p. 327.[Dissertação de Mestrado]. Rio
de Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
265
Juliana Gesuelli Meirelles. A Gazeta do Rio de Janeiro e o impacto na circulação de idéias no Império
luso-brasileiro (1808-1821), 2006, p. 62. [ Dissertação de Mestrado]. Universidade Estadual de Campinas.
266
Idem. Ibidem.
267
Embora trate da análise da imprensa em período posterior, suas considerações ajudaram sobremaneira
nosso entendimento acerca da significação e do impacto dos anúncios do Diário do Rio de Janeiro. Lilia
Moritz Schwarcz. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadania em São Paulo, no final do século
XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
268
Idem. Ibidem. Op. cit., p. 99.
269
Juliana Gesuelli Meirelles. Op. cit., p. 133.

89
90

Gráfico 1:

Estruturação temática do Diário do Rio de Janeiro


(1821-1825)

5% 3% 1relativos a escravos
8%
8% 40% 2informações gerais
3assuntos dedicados aos militares
4editais do governo
5obras, periódicos e folhetos publicados
36% 6Avisos do redator

FONTE: Diário do Rio de Janeiro (1821-1825).

No gráfico acima, optamos em considerar o jornal em todo seu universo temático,

separados por categorias. Para melhor compreensão, começaremos a explicar a legenda na

forma inversa, ou seja, de baixo para cima. Bastante comum, era reservar um espaço

pequeno, em quase todos os números, para informes do redator ao público (3%). Em tais

espaços, o redator publicava, além de lugares e horários de vendagem de seus exemplares e

recepção dos anúncios, algumas notícias que continham as exigências para publicações. As

respectivas exigências variavam conforme a época e as leis municipais. Da mesma

maneira, tal qual é mostrado no gráfico 1, eram comuns avisos acerca da disponibilidade à

venda de novas obras publicadas (5%), seja na forma de panfletos, folhetos ou periódicos

ou livros. Em todo o período analisado, verificamos uma linha ascendente no tamanho dos

espaços destinados a estes assuntos. Em 1825, os anúncios de tais obras já ocupavam, em

alguns números, meia pagina do jornal. Espaço garantido, tinham ainda os avisos do

governo (8%). Uma das maiores anunciantes, eram a Intendência da Polícia e o Senado da

90
91

Câmara270. Disposto logo na primeira página, os aviso oficiais localizavam-se abaixo

somente da figura da Voz Pública e do horário das missas e dias santos. Foram incluídos na

mesma categoria, de “editais do governo”, os discursos do Príncipe Regente.

Anteriormente à independência, os avisos do príncipe regente eram feitos por meio da

assinatura de José Bonifácio. Após a efetiva separação, era em nome de Dom Pedro I que

os avisos se davam. Em face de toda a complexidade conceitual e política corrente no

período, era Pedro I quem aparecia no jornal, conclamando os “Brasileiros”, às armas, na

luta pela defesa do novo Império.

Eram constantes ainda, presentes em todos os números do periódico, os informes

destinados ao grupo dos militares (8%). Dirigidos do governo para seus membros ou de

anunciantes individuais para seus iguais ou subordinados. Pela leitura atenta de suas

páginas, verificou-se que o Diário constituiu um veículo que recebeu notável dedicação de

muitas das corporações militares. Um espaço Diário, que tornava possível, o diálogo

constante entre seus membros.

O gráfico aponta ainda para a maciça presença dos “informes gerais” (36%). Na

referida classificação, optamos por agrupar tipos variados de anúncios. Nesse sentido,

foram considerados anúncios de assuntos mais ordinários, salvo aqueles vinculados à

escravidão ou às obras para leitura. Por outro lado, a influência na dinamização do diálogo;

na consolidação da notícia; na cobrança de resoluções dos problemas cotidianos,

constituem elementos reveladores de características bastante atuais no ofício da imprensa.

Nesta categorização, podemos ressaltar os avisos sobre falências; vendas de empresas;

leilões de fazendas; programação dos espetáculos teatrais; venda de “ferros de encrespar

cabelos”; solicitações de trabalho por caixeiros...

270
Infelizmente, não foi possível encontrarmos vestígios que informassem se os avisos do Governo eram
feitos de forma gratuita como os avisos.

91
92

Por fim, o gráfico mostra ainda a grande importância do jornal enquanto um balcão de

escravos (40%). A grande quantidade de anúncios relativos ao tema revela a intensa atuação do

jornal enquanto um vetor das relações escravistas271. Seu mecanismo de dinamização da

informação, era altamente utilizado pelos donos de escravos. Infelizmente, não foi possível

identificar a origem de muitos deles para realização de um mapeamento de suas residências, se

maioria urbana ou rural... A vastidão encontrada no conjunto dos informes “relativos à

escravidão”, levou-nos a abrigá-los em 7 (sete) subgrupos, os quais compuseram um os valores

do gráfico 2:

Gráfico 2:

Curva quantitativa dos anúncios relativos a escravidão


Diário do Rio de Janeiro (1821-1825)
120
Escravos fugidos (e perdas)
100 Vendas
Escravos encontrados
80
Leilões de escravos
60 Compras de escravos
Amas-de-leite
40
Aluguel de escravos
20

0
1821 1822 1823 1824 1825

Fonte: Diário do Rio de Janeiro (1821 - 1825).

A classificação escolhida almeja atender à multiplicidade dos assuntos ligados à

temática da escravidão no periódico. O exame apurado dos anúncios de escravos, revelou

um periódico que fornecia àquela sociedade um amplo quadro da situação, viabilizando

negociações e ensejando um maior controle dos cativos. Como visto anteriormente, o

271
Conforme recorrentemente afirmado pelos administradores,na publicação de todos os anúncios (que era
feita gratuitamente), era dada a preferência aos provenientes dos assinantes, não podendo, assim, ser
considerada hipótese de aumento arrecadação dos editores.

92
93

próprio redator era possuidor de três escravos, cujos valores correspondiam a uma parcela

significativa de seus bens272.

Conforme referido, nos anos contemplados por esta pesquisa, o número de vendas

ampliou-se, quase ultrapassando o total de fugas. De forma insistente, seus anunciantes

informavam sobre a sua preferência em vendê-los para regiões de fora da Corte. Embora

não tenham exposto os motivos de tal preferência, talvez seja possível uma especulação:

distantes entre si, os cativos veriam dificultados possíveis ajuntamentos para fugas. Da

mesma maneira, uma vez vendidos para longe, estariam impedidos de retornar

voluntariamente para “suas” antigas casas. Uma característica essencial da época,

ressaltada por Lília Schwarcz, indica que as fugas dos cativos “davam-se de maneira

isolada”, não havendo referência a motins ou grupamentos rebeldes273. Como facilitador da

boa manutenção do escravismo, também foram ampliados os anúncios referentes a aluguéis

de cativos (seja para o trabalho doméstico, seja para ocupação em armazéns); os pedidos de

compra e os de amas-de-leite (compras, vendas e aluguéis). Nesse sentido, nossa análise

separou o grupo de amas-de-leite dos demais subgrupos. Em menor escala, aparecem os

cativos encontrados. Vale ressaltar que, como outra característica do período, os anúncios

analisados eram redigidos pelos próprios particulares e apresentavam descrições

minuciosas acerca da forma física do escravo, sobressaltando roupas usadas na ocasião da

fuga e/ou cicatrizes que pudessem facilitar seu reconhecimento. Dessa forma, analisar

aspectos dos anúncios trazidos à luz pelo Diário do Rio Janeiro constitui uma forma de

pensar a sociedade carioca em consonância com valores híbridos: enquanto modo de fazer

imprensa nos moldes postulados pelo mundo moderno - pela defesa da opinião e do diálogo

mútuo. Em paralelo, apresentando limites circunscritos em sua história particular, ligada

272
Ver inventário post mortem, localizado no primeiro capítulo deste trabalho.
273
Lilia Moritz Schwarcz. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadania em São Paulo, no final
do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 138.

93
94

aos modos de viver advindos da colonização portuguesa de outrora e que deixava marcas

pela identificação com o soberano e pela própria permanência da escravidão.

2.3) Leituras e leitores da pátria.

Conforme ressaltou o historiador Robert Darnton, um primeiro ponto importante

para aprendermos a leitura de uma sociedade é a consideração de sua história. Para

Darnton, devido especialmente ao seu “caráter não-linear”, a leitura não se desenvolveu em

uma só direção. Ao contrário, “assumiu muitas formas diferentes entre diferentes grupos

sociais”274. Com base nesta diretriz - que marcou os caminhos de uma renovação nas

abordagens da história cultural -, buscamos entender algumas das ações políticas da escrita

e da leitura do jornal Diário do Rio de Janeiro, dimensionando o diálogo entre possíveis

leitores – enquanto colaboradores -, e chamando a atenção para a relação de alguns de seus

textos com o contexto específico. Relações marcantes no convívio dos habitantes da Corte

carioca, inseridas, por sua vez, nos conflitos e referenciais políticos tributários do

movimento vintista, mas cujas repercussões apresentavam-se muito representativos para o

cotidiano de muitos dos seus assinantes e leitores275.

Nas páginas dos periódicos luso-americanos do início do século XIX, como

lembrou a professora Maria Beatriz Nizza, a leitura era ensinada de forma dinâmica, como

um convite mais acessível, tanto por seu preço, quanto pelo modo de apresentar as

informações. No Diário do Rio de Janeiro, a leitura informativa foi preponderante276. A

274
Robert Darnton. “História da leitura”. In: Peter Burke. A escrita da história. São Paulo: UNESP, 1992,
pp. 201-212.
275
Sobre o movimento vintista, em uma perspectiva distinta da questão classista burguesa, ver: Valentin
Alexandre. Os sentidos do Império. Questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime
português. Porto: Afrontamento, 1993.
276
A professora Maria Beatriz Nizza da Silva proferiu a Conferência: “Embelecer e enobrecer a sede da
Corte”, no Congresso 1808: a corte no Brasil (Niterói: Universidade Federal Fluminense, março de 2008). O
Congresso proporcionou um espaço de repensar as relações político-culturais luso-americanas, em tempo de
aniversário dos duzentos anos da chegada da família real nos trópicos.

94
95

riqueza de elementos dispostos em suas páginas, entretanto, demonstra que o contato com

a informação tomava outras formas. Nos muitos textos escritos por seus leitores é patente o

teor mais ligado a uma formação política que, em tese, abria-se a todos, pela multiplicação

da notícia, proporcionada pela imprensa. Quanto a essas formas, em virtude dos debates

políticos do período, emergiram principalmente os assuntos relativos às noções de pátria e

nação.

Em meio a uma tiragem de “mais de mil exemplares”277, de impactos sócio-

culturais de difícil captação, a análise dos conceitos mostrou-se instrumento crucial para

melhor dimensionarmos as relações entre o tempo passado e os fatos vividoa por aqueles

atores intelectuais e políticos. Tendo circulado em períodos de crise política, ligada às

preocupações acerca da manutenção de um Estado-nacional luso-brasílico, o Diário do Rio

de Janeiro, acabou sendo espaço privilegiado tanto de comunicação, quanto dos

sentimentos dos indivíduos residentes na Corte, bem como em Portugal. Estudar os

conceitos por meio de suas páginas, desse modo, constitui lançar luz sobre questões mais

amplas, enfáticas à constituição da identidade nacional em fase de questionamento e

reconstrução. Algumas mutações semânticas também serão abordadas na perspectiva de

melhor atender as representações que aqueles indivíduos faziam, seja da monarquia

portuguesa, seja de sua própria condição enquanto súdito do Império.

Nascido em meados de 1821, das mãos de um lisboeta, residente da ex-colônia

americana, o Diário do Rio de Janeiro abrigava inicialmente o cruzamento de visões de

mundo complementares entre redator e leitores278. Como afirmou Maria de Lourdes Lyra,

“a adoção inicial de um modelo emancipador baseado na noção luso-brasílica, resultou de

277
Diário do Rio de Janeiro, nº 3, 04 de julho de 1821.
278
Vale lembrar que o redator acabou falecendo em novembro de 1822. Nesse sentido esteve à frente das
publicações do Diário do Rio de Janeiro por cerca de um ano e meio, de 1821 a 1822.

95
96

uma identificação anterior dos naturais do Brasil com a nacionalidade portuguesa”279. Vale

lembrar que muitos de seus subscritores (e leitores) viviam as mesmas condições políticas,

ou seja, a disputa entre grupos pela valorização de projetos que atendessem suas

reivindicações nacionais entre os Reinos de Brasil e de Portugal. Nesse sentido, em suas

páginas, era posta como causa urgente a discussão do que era entendido como pátria.

Nos escritos de leitores-colaboradores, estampados no Diário do Rio de Janeiro,

virtudes lusas compunham os sentimentos entre portugueses dos dois hemisférios. Durante

os meses de junho a agosto de 1821, apareciam, especialmente, sob a forma de Odes e

Sonetos. Apresentadas em letras maiores do que o costume, em destaque frente às outras

notícias (no que respeita tamanho e preenchimento), estas manifestações constituíram-se

como um forte mecanismo de moldagem das leituras da Corte. A dimensão da idéia de

nação aparecia especialmente revestida, antes de tudo, pelo significado de ser português.

Manifestações de amor à nação e à pátria lusas, apareciam constantemente, colaborando

para a idéia de um cenário de fraternidade entre os indivíduos dos dois lados do Atlântico.

Na concepção de alguns dos leitores do Diário, era importante ressaltar antigos

valores de seu imaginário enquanto dispositivos possíveis de luta para selar o bom

entendimento entre os habitantes do Império luso-americano. Ressaltando os laços de união

que atavam os portugueses, em agosto de 1821, o Diário anunciava a seguinte dedicatória:

Ao Nome Português
Nome excelso, que imenso espaço abrange;
Do Pólo Ocidental ao disco ardente;
Tocha acesa na luz do rico Oriente;
Senhor das palmas, que produz o Ganges:
Tu que fizeste os públicos alfanges;
Largar com susto ao Malabar ingente;
Espantar as horríficas falanges:
Tu que vives no Céu, no Mar, na Terra;
Impresso nos padrões da heroicidade,
A tenaz opressão de nós desterra:
Este canto, que inspira a liberdade,
Excelso Nome Português encerra
Contigo no salão da Eternidade.

279
Maria de Lourdes Viana Lyra. “Pátria do cidadão: a concepção de pátria / nação em Frei Caneca”. Revista
Brasileira de História, v. 18, nº 36, 1998.

96
97

Por F.F.Z. 280

Na expectativa de atingir seus iguais, habitantes de um mesmo Império (português),

o texto destaca a grandiosidade de suas dimensões geográficas; a elevada posição do Reino

no coração dos súditos; o caráter heróico e eterno de sua história. Características moldadas

em um passado distante, mas que perpassavam ao longo de sua história, recebendo novas

dimensões. A idéia de glória como um valor ao Reino de Portugal está presente em

inúmeros documentos ao longo da expansão lusa, usadas intensamente desde o final do

século XVIII no discurso de intelectuais e políticos.

Ao destacar as palavras e o pensamento de d. Rodrigo de Souza Coutinho, o

historiador István Jancsó chamou a atenção para a estreita ligação entre a Monarquia e seus

súditos. Nesse sentido, destacou que d. Rodrigo e seus contemporâneos, peninsulares e

americanos, entendiam-se como portugueses por serem todos súditos do Rei de Portugal.

Conforme demonstrou Jancsó, em fins do século XVIII, d. Rodrigo evidenciava que “o

português nascido nas quatro partes do mundo o era por integrar um Estado cujo

sacrossanto princípio da unidade [é] a Monarquia [...] a quem tem a fortuna de pertencer”.

Foi nesse contexto que a reflexão sobre as concepções de pátria e de nação se impôs e, nos

esquemas teóricos então esboçados no mundo português, seus sentidos foram sendo

estrategicamente dissociados: pátria se identificou unicamente com o lugar de

nascimento281, enquanto nação se reportou diretamente ao sentimento de pertencimento à

monarquia luso-americana. Identificamos, assim, que o periódico contribuiu para construir

formas de ensinamento de uma leitura desejada da nação portuguesa no período282. Afinal,

280
Diário do Rio de Janeiro, nº 5, 06 de agosto de 1821. (grifo meu).
281
István Jancsó. “Independência, Independências”. In:_________ (org.) Independência: história e
historiografia. São Paulo: Hucitec / Fapesp, 2005, p. 18.
282
Para Darnton, uma outra forma de apreensão das formas de leitura é a captação dos modos de como ela foi
ensinada em cada cultura. A este respeito, ver: Robert Darnton. “História da leitura”. In: Peter Burke. A
escrita da história. São Paulo: UNESP, 1992, p. 201.

97
98

conforme o mesmo Darnton destacou, o ato de ler não é “simplesmente uma habilidade,

mas uma maneira de estabelecer significado, que deve variar de cultura para cultura”283.

A opinião acerca dos rumos da nação portuguesa era conduzida de forma a ressaltar

a fraternidade dos povos de seu Império, tendo sido, nestes meses, a principal notícia

trazida pelo veículo. Assim como outros periódicos situados no mesmo período, o Diário

apresentava um público leitor integrante de “uma inédita preocupação coletiva em relação

ao político”284. Apesar de reservar um grande espaço destinado a anúncios locais, de uma

forma ou de outra, como visto, não deixava escapar questões políticas mais urgentes285.

Naquele contexto, foram publicadas inúmeras declarações, defensoras da união dos

habitantes dos “dois hemisférios”. Isto se registra, em parte, pelo que lembraram os

historiadores István Jancsó e João Paulo G. Pimenta, ou seja: “a força coesiva do conjunto

luso-americano era indiscutivelmente a Metrópole e o continente Brasil, representava para

os coloniais pouco mais que uma abstração”286.

Para o redator do Diário do Rio de Janeiro, Zefferino Meireles, o “Brasil” parecia

constituir apenas uma parte (das mais importantes) de um Império venturoso, capaz de

subsistir, mesmo diante da força da natureza. Sua opinião pode ser vista em diversos

trechos dispostos no periódico. Na seção TERREMOTOS287, Meireles ressaltava a

passividade do português, a partir de uma comparação com as características físicas, a boa

localização do território que, a despeito de inúmeros outros reinos como, por exemplo, o do

Canadá; o de São Domingos e o da Suíça, “não nos consta ter havido terremoto, pelo

283
Idem. Ibidem.
284
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “Leitura e leitores no Brasil (1820-1822): o esboço frustrado de
uma esfera pública de poder”. Acervo. v. 8, nº 01/ 02, jan - dez, 1995, p. 129.
285
É válido ressaltar que o universo político do período é encontrado de maneira mais direta durante os anos
em que o jornal esteve redigido e editado por Zefferino Meireles. Após o seu falecimento, em novembro de
1822, o novo administrador e a “viúva Meireles”, publicaram um jornal mais dedicado a anúncios em geral.
Os fatos políticos não recebiam, desse modo, comentários por parte de leitores, apenas vinham retratados por
aviso do governo e nas entrelinhas dos anúncios.
286
István Jancsó & João Paulo G. Pimenta. “Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da
emergência da identidade nacional brasileira)”. In: Carlos Guilherme Mota (org.). Viagem Incompleta – a
experiência brasileira (1500-12000). Formação: histórias. São Paulo: Senac, 2000, p. 140.
287
Diário do Rio de Janeiro, nº 6, 06 de junho de 1821.

98
99

menos notável, neste vastíssimo reino do Brasil”288. Observemos que em face de um

terremoto político, urgia por parte das elites intelectuais fornecerem ao público uma leitura

dos eventos, seja diretamente ou por meio de metáforas. No início de 1822, preocupado

com as repercussões da Revolução Constitucionalista de 1820, o redator escreveu em seu

próprio periódico um texto sobre os últimos acontecimentos, cujo título era: Memória

Liberal, Política e Constitucional, na qual se provam os motivos porque se deve

estabelecer a Corte Lusitana no Centro dos Domínios da América Meridional289. No texto,

o editor Meireles deixava claro a sua insatisfação quanto ao desejo das Cortes portuguesas

de retorno do monarca d. João VI, para Portugal:

Não he sem a maior mágoa do nosso coração, e de muito honrados portugueses


que se ouvem, e lêem opiniões contrárias a Boa Ordem. O espírito Público acha-
se na maior espectação; todos desejam o bem; porém nem todos têm coragem de
reclamar os seus direitos com prudência e moderação [...] Esta obra é oferecida à
Generosa nação Lusitana e dedicada a SAR., o príncipe regente Constitucional.
Nesta obra se prova evidentemente que a Corte do Império Lusitano deve ser no
Brasil (...)290.

Mais à frente, atingia seu objetivo:

(...) procuram manter-se os laços da mais estreita união entre os lusitanos de


ambos os Hemisférios; mostra-se que os habitantes do Brasil são tão dignos e
beneméritos com os habitantes de Portugal (...)291.

A respeito do vocábulo reino, constituía-se como “uma unidade política completa,

englobando múltiplas comunidades locais, que uma vez localizadas nos trópicos, uniam-se

por um território composto pelas mesmas instituições e por um mesmo governo” 292. Os

laços que muitos dos colaboradores do Diário buscavam manter firmes, apareciam ainda

nos sonetos dedicados

288
Ibidem.
289
Ibidem, nº 10, 12 de janeiro de 1822.
290
Ibidem.
291
Ibidem.
292
François-Xavier Guerra. “A nação na América espanhola: questão das origens”. Revista Maracanan. ano
1, nº 1, 1999 / 2000, pp. 9 - 30.

99
100

“Aos senhores Comandantes dos Corpos Militares”:

Briosa emulação da Pátria Glória


Que bem firma ao janeiro neste dia!
Da união a discórdia se desvia,
Qual foge a Febo nuvem transitória
[...] Cubra de Benção o tranqüilo Povo,
O Rei, a Constituição, o Bom Regente;
E a Tropa dos dois Mundos, velho, e novo!293.

Embora distintas, tais dedicatórias trazem em comum a elevação da honra do

português, habitante de uma nação conjugada, composta de porções da Ásia e África

(especialmente através do resgate de uma história de conquistas passadas, mas que se

perpetuavam), e os dois lados do Atlântico. Da mesma maneira, muito recorrente nos textos

são os vocábulos nação e pátria. Vale observar, que tais termos possuíam conotações

variadas no período. Polissemias bastante ressaltadas por Koselleck294e capazes de

expressar, coetaneamente, “experiências passadas acumuladas e expectativas de futuro”295.

Na defesa de uma história dos conceitos, Koselleck, ressaltou a importância da abordagem

em fornecer instrumentos que ampliam a possibilidade do historiador de melhor apreender

a multiplicidade de sentidos existentes nos diferentes tempos históricos296. O diálogo com

as linguagens políticas é ressaltado, da mesma maneira, na relação do texto com as

especificidades do contexto de seus agentes297.

No início do século XIX, o termo nação possuía dois significados principais que,

embora coexistisem, eram bastante distintos entre si. Conforme ressaltou Morel, um

293
Diário do Rio de Janeiro, nº 7, 07 de agosto 1821. Grifo meu.
294
O autor destaca a provisoriedade e a historicidade dos conceitos em seu diálogo com o contexto e com os
agentes políticos. A este respeito, ver: Reinhart Koselleck. “Uma História dos Conceitos: problemas teóricos
e práticos”. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, nº 10, 1992. Do mesmo autor, ver: Reinhart
Koselleck. Futuro pasado. Para uma semântica de los tiempos históricos. Barcelona/ Buenos Aires / México:
ediciones Paidos, 1993.
295
Reinhart Koselleck. Futuro pasado. Para uma semântica de los tiempos históricos. Barcelona / Buenos
Aires / México: ediciones Paidos, 1993, p. 15.
296
Para Koselleck, “o tiempo historico (...) está vinculado a unidades políticas y sociales de acción, a ombres
concretos que actúan y sufren, a sus instituiciones y organizaciones. Todas tienen (...) um ritmo temporal
propio”. Op. cit., p. 14.
297
Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke. “Quentin Skinner”. In: _________. As muitas faces da História. Nove
entrevistas. São Paulo: UNESP, 2000. Cap. 9.

100
101

primeiro era “mais antigo, de conteúdo étnico”298. Um segundo, era intrínseco ao âmbito

político remetendo “às formas de organização administrativas e fronteiras territoriais”299.

Quanto ao primeiro, foi encontrado nos anúncios do Diário, nas seções em que o assunto

da escravidão se sobrepunha aos outros.

Segundo afirmou Mary Karasch, no século XIX, as principais divisões de escravos

no Rio de Janeiro estavam baseadas no local de nascimento, suas nações (Brasil ou partes

da África) 300. Um exemplo do segundo conceito pode ser visto em um soneto, escrito pela

leitora Marianna Pimentel Maldonado301. Seu escrito evocava questões pautadas em uma

identificação mais sentimental da autora em relação ao Império, diferindo-se dos anúncios

e avisos particulares apresentados pelo periódico. O exame atento do Diário demonstra a

prioridade desses textos, que eram emitidos dentro do espaço comum de suas quatro

páginas em relação aos anúncios. Segundo “D.Marianna Pimentel”, seu escrito era

destinado a “uma sua amiga”302, residente da Corte. O texto, exposto aqui em parte, era

dedicado ao Príncipe Regente:

“Príncipe excelso teu heróico peito”


O bem da Pátria procurando ansioso,
A Pátria unir em laço venturoso
A teu Augusto, Egrégio Pai tem feito (...)
(...) A par de ti, os heróis são nada.303

Anunciantes e leitores, falando para um público diversificado, podem ser vistos

ainda como espelhos e miragens, para usar as noções levantadas pelo historiador Marco

298
Marco Morel. “Pátrias polissêmicas: República das Letras e imprensa na crise do Império Português na
América”. In: Lorelai Brilhante Kury (org.). Iluminismo e Império no Brasil. O Patriota (1813-1814). Rio de
Janeiro: Ed. FIOCRUZ, 2007, pp. 15 - 40.
299
Idem. Ibidem.
300
Segundo a autora, “um escravo brasileiro poderia ser chamado de ‘Maria parda’ ou ‘José crioulo’,
enquanto que um africano seria ‘Maria Moçambique’ ou ‘Antônio Angola’. Cf. Mary C. Karasch. A vida dos
escravos no Rio de Janeiro (1808-1850)”. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
301
Diário do Rio de Janeiro, nº 2, 02 de agosto de 1821.
302
Ibidem.
303
Ibidem. (grifo meu)

101
102

Morel304. No caso de Mariana Pimentel, sua amiga pode ser entendida como seu espelho

que uma vez iluminado, refletiria valores e emoções. A possibilidade de ampliação da

venda do jornal, confirmaria a capacidade de alcance dos valores contidos no escrito,

formando suas miragens. É possível verificar ainda que a autora deixa transparecer o

desejo de união da pátria, deflagrando aquilo que Xavier-Guerra entendeu – para o caso da

independência da América espanhola -, como sendo um “patriotismo imperial”305. Sendo

assim, a salvação de um possível desmembramento do Império português, aparecia nas

mãos do príncipe regente, seu herói. Conforme registrou Maria de Lourdes Lyra, naquele

contexto, o Estado monárquico imperial representava um “elemento unificador das partes

distintas e dispersas do mundo português”306. Nesse sentido, o sentimento de pertencimento

à nação lusa “exerceria também a função asseguradora da unidade do território na

América”307.

Em junho do mesmo ano, foi publicado outro Soneto dedicado “A Sua Majestade”,

escrito por Joaquim Manoel de Faria e Abreu, professor régio de gramática, promotor do

Juízo e procurador fiscal da Comarca de Sabará308. Ao lado deste, vendiam-se escritos com

explicações acerca da Constituição Portuguesa: “Saiu a luz, diálogo instrutivo em que se

explicam os fundamentos de uma Constituição, as atribuições das autoridades que a

formam e executam”309. Na concepção do redator e tipógrafo Silva Porto, por sua vez, a

glória de ser português, veio a partir de sua pátria. Como local de seu nascimento, a cidade

do Porto, foi virtuosamente lembrada no trecho a seguir:

A cidade do Porto

304
Marco Morel. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na
Cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: HUCITEC, 2005. Cap. VI.
305
François-Xavier Guerra. “A nação na América espanhola: questão das origens”. Revista Maracanan,
ano 1, nº 1, 1999 / 2000, pp. 9 -30.
306
Maria de Lourdes Viana Lyra. “Pátria do cidadão: a concepção de pátria / nação em Frei caneca”. Revista
Brasileira de História, vol.18, nº 36, 1998. DRJ, nº 22, 24 de junho de 1821.
307
Idem, Ibidem. Op. cit.
308
Diário do Rio de Janeiro, nº 9, 10 de agosto de 1821.
309
DRJ, nº 3, 04 de julho de 1821.

102
103

Porto ilustre, ó magnífica Cidade,


Que aos céus levantas a torreadas frente,
Ó Pátria minha, escrita o canto ardente,
Tributo ingênuo da filial saudade
Que de ti veio ao Luso a liberdade
No vasto do Universo hoje é patente
Ó Pátria, ó pátria, ó pátria, a glosa tua ingente
Há de durar qual dure a eternidade310.

Em outro texto, o mesmo Silva Porto, destacou as qualidades da nação lusa em

comparação aos africanos:

Essa lusa nação, que altiva outrora


Inflamada em sagrado ardor veemente
Levou o horror entre a Africana gente,
Gente brutal, que ao vão Maomé adora
[...] Sob seu Rei, no heroísmo sem segundo,
feitos sublimes vai apregoar-lhe a Fama
Com a gloria antiga vai fulgir no mundo311

Vale observar que a conotação apresentada é bastante diversa daquelas emitidas no

jornal após a independência política do Reino do Brasil. A partir dos meses finais de 1822,

os conceitos de pátria, aparecem com maior intensidade na visão de estadistas, construtores

do novo Império e vinculam-se à idéia daqueles indivíduos residentes e fiéis ao novo

Império do Brasil. O decreto de janeiro de 1823, revelou uma nova relação posta entre

“Brasileiros” e “portugueses”.

por quanto, depois dos opressivos procedimentos de Portugal


contra o Brasil, que motivaram a sua independência política, e
absoluta separação, seria contraditória com os princípios
proclamados Indecorosa, e até arriscada a admissão franca dos
Súditos de Portugal em um País, com o qual aquele Reino se está
em guerra: devendo pois não só acautelar todas as causas de
desassossego e discórdia, mas também manter a honra e
dignidade do brioso Povo, que se tem constituído em Nação Livre
e independente: hei por bem determinar primeiro que de agora em
diante todo e qualquer intuito de residir nele temporariamente,
não possa ser admitido sem prestar previamente fiança idônea do
seu comportamento perante o Juiz territorial: ficando então
reputado Súdito do Império, durante sua residência mas sem
gozar os foros de Brasileiro [...]312.

310
DRJ, nº 4, 05 de julho de 1821.
311
Ibidem, nº 5, 06 de julho de 1821.
312
Diário do Rio de Janeiro, nº 19, 21 de janeiro de 1823.

103
104

O fragmento acima é revelador de aspectos importantes da condição do português

residente no novo Império do Brasil. Antes pronunciados na imprensa como irmãos, os

reinos, a partir de então, apareciam em pólos distintos, norteados por interesses divergentes.

Conforme frisaram István e Pimenta, “numa situação de crise a urgência de sua superação

desdobra-se no reordenamento das referências”313. Sendo assim, ressaltaram que “todo

projeto de mudança supõe ao fim e ao cabo, a instauração da ordem no lugar do que é

percebido como desordem”314. Foi nesse contexto que emergiu o conceito de brasileiro, o

qual, antes inexistente, começava a ser cunhado na concepção do indivíduo fiel à “Causa do

Brasil”315. De acordo com François-Xavier Guerra, no surgimento das nações modernas da

América ibérica, eram múltiplos os elementos constitutivos da identidade, predominando, no

período que se seguiu à independência, o sentido político da nação, remetendo aos membros de

uma unidade política de caráter associativo. Em outras palavras, crescia uma maneira nova de

conceber a coletividade, trazida pela Revolução francesa, em que o patriotismo deixava a

passividade para fundir-se nas noções de pátria, línguas, costumes, dando vez a um

pertencimento, muitas vezes, segundo o autor, carregado de emoção316.

Da mesma maneira, era imperativo demarcar, naquelas condições, aqueles que

seriam, dentro do próprio território do novo Império do Brasil, os inimigos da pátria. Em

outras palavras, caberia ao Estado informar quem fazia e onde estariam as causas da

desordem. No pronunciamento feito em junho de 1824317, o Imperador Pedro I, conclamava

313
István Jancsó & João Paulo G. Pimenta. “Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da
emergência da identidade nacional brasileira”. In: Carlo Guilherme Mota (org.). Viagem Incompleta – a
experiência brasileira (1500-12000). Formação: histórias. São Paulo: Senac, 2000, p. 143.
314
Idem. Ibidem.
315
Diário do Rio de Janeiro,n , 21 de janeiro de 1823. É interessante observar que nesse momento, a idéia do
brasileiro enquanto indivíduo nascido nas dimensões territoriais americanas, no novo Império do Brasil,
surge no bojo do crescimento da concepção romântica de construção da nação; pela idéia da existência de um
povo miscigenado, fruto de um passado e, portanto, de uma história e línguas comuns, resultado do processo
colonizador.
316
Em seu estudo, o autor se debruça sobre a nova linguagem política trazida à tona pela Revolução francesa.
Cf. François–Xavier Guerra. “Metamorfoses do conceito de Nação durante os séculos XVII e XVIII”. In:
István Jancsó (org.). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: HUCITEC / Fapesp / Unijuí, 2003.
317
Diário do Rio de Janeiro, nº 12, 15 de junho de 1824.

104
105

os “Brasileiros” “às armas”, para adesão à luta contra os “pernambucanos”, definidos por

ele como: “os inimigos do Império”318. No mesmo mês eclodiam, na Província de

Pernambuco, posturas de resistência às ordens do Imperador, quanto à liderança política da

região. Nessa perspectiva, o nome escolhido pelo governo para a liderança da região, José

Carlos Mayrink da Silva Ferrão, acabou por aumentar os conflitos em torno da questão da

representação na Província, tornando iminente o rompimento com o Rio de Janeiro. Apesar

de toda a complexidade dos fatos, que englobavam aspectos econômicos e políticos, o que

subjazia era uma questão mais ampla, a da identidade nacional319.

Conforme ressaltado por Lyra, desde o início de 1822, quando era intensa a defesa

da nação conjunta, a Província de Pernambuco já apresentava por meio dos escritos de um

importante líder, o frade carmelita Joaquim do Amor Divino Caneca, uma concepção

divergente do que era então pregado pelo governo, acerca da noção de pátria. Segundo

assegurou a autora, para Frei Caneca, era falsa a idéia de pátria enquanto lugar de

nascimento320. Esta seria considerada, então, enquanto uma das razões para as inimizades

entre portugueses europeus e portugueses do Brasil. De acordo com autora, o frade

defendia a idéia de “pátria de direito”, espaço de estabelecimento de seus negócios, ao

invés da “pátria de nascimento”321, contrapondo, assim, as noções defendidas pelos

principais estadistas e intelectuais.

Se atentarmos para a profissão dos colaboradores-autores (e leitores) de tais textos,

verificamos que eram professores, políticos, redatores e tipógrafos. Ou seja, uma parcela da

elite intelectual que através do Diário expressava e formava os demais grupos sociais.

Embora saibamos o quanto é redutora, especialmente no caso de um jornal nos moldes do

Diário, a consideração dos leitores enquanto situados no grupo das elites, de todo modo,

318
Ibidem.
319
Marco Morel. Frei Caneca: entre Marília e a pátria. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p. 76.
320
Maria de Lourdes Viana Lyra. “Pátria do cidadão: a concepção de pátria / nação em Frei caneca”. Revista
Brasileira de História, vol. 18, nº 36, 1998.
321
Idem. Ibidem.

105
106

tais escritos são reveladores de sua preocupação com o encaminhamento dos fatos

políticos, bem como de alguns questionamentos de seu papel e lugar naquela sociedade.

Em virtude do alto interesse dos contemporâneos em realizar a assinatura da “folha”, o

redator emitiu aviso, em julho de 1821 (portanto, um mês depois de seu início), avisando

da necessidade de suspensão de sua vendagem avulsa. Segundo ele, os prelos da Impressão

Régia não poderiam suportar a impressão de “mais de mil exemplares”322.

A partir desses escritos e declarações oficiais nota-se que o Diário deixa de ser uma

simples vitrine de notícias para se apresentar enquanto um veículo capaz de conter os mais

distintos valores e práticas cotidianas de sua sociedade. A amplitude na área de atuação,

demonstra sua identificação com a evolução da cidade e pode ser vista na tabela abaixo:

TABELA 1:

Área distrital Estabelecimento Localidade Responsável Quantidade de


subscrições
1º distrito Botica Rua da Quitanda, João Ferreira de 398
nº 41. Sampaio
2º distrito Botica Rua da Quitanda, Fortunato Justino 295
nº 109. Rangel e Maia
3º distrito Botica Rua dos Ferradores. Antonio Lucas da 152
Cunha Castello
Branco
4º distrito Botica Rua dos Barbonos José Caetano de 122
Barros
5º distrito Botica Largo das Sebastião Vieira do 13
Laranjeiras. Nascimento
6ºdistrito Botica Cidade Nova João Maria da Luz 40

7º distrito Botica Mataporcos Salvador da Silva 4


Fidalgo

FONTE: Diário do Rio de Janeiro, nº 6, 07 de julho de 1821.

Conforme mostrado na Tabela 1, havia uma estreita aliança entre o editor e redator

Meireles e os comerciantes, especialmente donos de Boticas. No período contemplado pela

análise, foram constantes os anúncios de boticas como locais de assinatura de novas obras.
322
DRJ, nº 4, 05 de julho de 1821.

106
107

De acordo com Eulália Lobo323, o censo de 1821, apesar de conter falhas, expressou para o

período 79.000 habitantes, sendo 54,4% de homens livres e 45,6% de escravos. Sendo

assim, entendemos que a quantia de cerca de mil exemplares como tiragem do Diário do

Rio de Janeiro, em julho de 1821, apesar de ínfima, quando comparada ao total

populacional à época, pode ser considerada um sucesso em termos empresarias,

estampando ainda atitudes convergentes de parte dessa elite residente na Corte, na

perspectiva de dirigir de maneira correta a veiculação dos eventos.

Para tanto, a concepção dos indivíduos acerca de sua identificação com a pátria e

com sua nação constava nas prioridades de suas ações. Nesse sentido, nota-se que nas

páginas do Diário do Rio de Janeiro a leitura se fazia a partir da articulação de um grupo

de referenciais culturais (e simbólicos); manifestados não apenas pelo ato de ler, mas

também pelo ato de fidelidade, ao comprometer-se com ela, e fazê-la repercutir dentro e

fora de seu espaço de origem324.

323
Eulália Maria Lobo. História administrativa do Rio de Janeiro (do capital comercial ao capital industrial
e financeiro). Rio de Janeiro: IBMEC, 1978.
324
Como afirmou Roger Chartier, a leitura é uma prática cultural e, antes de tudo, “uma ação criadora,
inventiva e produtora”, não podendo ser anulada no texto lido. Cf. Roger Chartier. Práticas de leitura. São
Paulo: Editora Estação Liberdade, 1996, p. 78.

107
108

CAPÍTULO 3:

Impressões e expressões no espaço tipográfico.

Segundo registrou Wilson Martins, durante muitos anos, no âmbito da Idade Média

européia, a “impressão de tipos” era uma “arte que se punha em segredo”. As cópias de

textos manuscritos eram feitas à mão por copistas eclesiásticos, que iam aos poucos

adquirindo a habilidade e o manejo específicos. Para a Igreja, “o livro, abundante e

facilmente reproduzido significava a possibilidade, desde então irrefreável e infinita, do

livre exame, do espírito científico e objetivo da discussão de todos os problemas”. Na visão

do autor, estas eram características do mundo moderno que começava e as letras impressas

eram suas contemporâneas325. Como afirmou Roger Chartier, uma vez criado e saído das

325
Wilson Martins. A palavra escrita. História do livro, da imprensa e da biblioteca. 2ª ed. São Paulo: Ática,
1996. O crescimento do individualismo moderno, em um plano mais geral, pode ser visto em: Luis Dumont.
O individualismo. Uma perspectiva da antropologia moderna. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1985.

108
109

prensas, o impresso, avulso ou regular, desde seu início, tornava-se dependente das

variáveis formas de sociabilidade e das concepções de individualidade326.

Na América portuguesa, a chegada da imprensa (e da prensa) é objeto de

discrepâncias entre os mais diversos historiadores. Em geral, durante muito tempo, os

estudos debruçados sobre esta temática sinalizaram a chegada da prensa a partir das ações

do tipógrafo judeu português Antonio Isidoro da Fonseca, deixando de lado, muitas vezes,

outros indícios acerca de sua existência. De todo modo, como visto em capítulos anteriores,

seja em que cenário tenha sido iniciada, o estabelecimento de uma imprensa regular ganhou

peso no Rio de Janeiro, a partir de 1808. De acordo com essa perspectiva, inicialmente,

apresentou-se em sua face oficial, como fruto da necessidade de mudanças mais amplas,

bem como da difusão das ordens régias e das notícias européias nos trópicos, desde cedo

com intensa vigília. Seja em solo americano ou europeu, nas palavras de Roger Chartier, “a

cultura escrita é inseparável dos gestos violentos que a reprimem”327. Em geral, ao

privilegiarem a imprensa, muitos estudiosos acabaram dispensando grande atenção apenas

ao conteúdo dos impressos, deixando de lado sua relação com local de em que era

produzido, tendo em vista suas possibilidades de impressão em um contexto de mudanças.

Isto posto, o estudo da imprensa não pode prescindir de uma análise de seu espaço de

criação, seja na sede de uma antiga casa de um homem público, seja no térreo de um

sobrado de um autodidata. Os locais de construção dos impressos acabam por se

constituírem como espaços públicos muitas vezes abertos a todos aqueles interessados, seja

para financiar publicações, seja para adquirir informações por meio de compras eventuais,

ou mesmo de encontrar indivíduos voltados para as mesmas preocupações que os norteiam.

Ao valorizarmos a tipografia enquanto um espaço público, procuramos, neste último

capítulo, entendê-la tal qual um espaço concreto de venda e formador de sociabilidades.


326
Roger Chartier. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: UNESP, 2004.
327
Roger Chartier. A aventura do livro (conversando com Jean Lebrun). São Paulo / Imprensa oficial:
UNESP, 1999, p. 23.

109
110

Pela atividade de venda de seus impresso e livros, bem como de todo o tipo de mercadoria,

a Tipografia do Diário mostra-se como espaço privilegiado de trocas. Ao dispor de

produtos e informações de seus financiadores, ganha relevância intermediando relações

sociais, seja pelo viés da contribuição ao impulso de fortalecimento de uma incipiente

economia de mercado, seja pelo viés da realização de uma pedagogia política por meio das

idéias disseminadas por sua produção. Na intenção de observar sua dinâmica, foram

analisadas as obras existentes em seu catálogo, entre os anos de 1822 e 1831328. Na

perspectiva de melhor alcançarmos seu perfil editorial, foi contemplada toda a gama de

produções encontradas.

3.1) Práticas de impressão e o crescimento de iniciativas particulares (1821-1831).

Já é lugar comum a afirmação de que a imprensa na América portuguesa

desenvolveu-se tardiamente em relação à Europa e à América espanhola. No início do

oitocentos, vivia-se uma peculiar recepção e subseqüente moldagem dos valores liberais na

Corte. Com a revolução constitucionalista de Cádiz e, posteriormente, a ocorrida na cidade

do Porto, a prática da opinião invadia e interagia com o costume da tradição monárquica,

fincando bases nos trópicos.

Nesse sentido, como visto anteriormente, a partir de 1821, a imprensa deixava o

controle mais rígido do governo e fazia transparecer sob a ação de particulares a nova

cultura política liberal. Na Corte, tais novidades eram difundidas e vendidas a passos

largos, esboçando-se em uma sociedade de mercado em que os bens culturais fomentavam


328
Retiramos as produções do Catálogo de impressores, localizado no Catálogo Antigo de Obras Raras (On-
line). Sabemos que somente o catálogo não é suficiente para dar conta da totalidade dos impressos da casa
tipográfica escolhida, mas, por ora, representa o que foi possível encontrar.

110
111

transações comerciais mais amplas. Decididamente, era um momento novo, em que as

grandes obras européias começavam a ser anunciadas e vendidas em diversos pontos da

cidade. Além disso, demonstrando novas maneiras e gostos, os impressos constituíam

veículos carregados de elementos simbólicos, cuja importância ultrapassava (e ultrapassa) a

dimensão imediata. Na visão de Pierre Bourdieu, esse mercado de bens culturais e

simbólicos, quase imperceptíveis para seus contemporâneos toma grande importância por

estar intimamente ligado aos sistemas de poder. Ao circularem entre o público, portanto,

disseminam modos de pensar e, conseqüentemente, de agir329.

No tocante às impressões em espaços particulares, seu início efetivo nos trópicos

não começou na Corte, mas na Província da Bahia, pelas mãos de Manuel Antonio da Silva

Serva (1811). Embora sejam grandes os percalços em se buscar indícios que digam respeito

à fundação de estabelecimentos tipográficos privados no Brasil330, sabe-se que tal impulso

foi possível por meio da fundação de empresas comerciais que necessitavam passar por

toda uma rotina de licenças reais. Em geral, os propulsores dessa nova atividade, assim

como Zefferino Meireles, também eram descendentes de comerciantes. Tais agentes,

edificavam na América uma dupla sociabilidade, baseada na estreita relação entre comércio

e comunicação, herdeiras de ideário ilustrado europeu. Na tradição enciclopedista européia,

como visto no segundo capítulo, o comércio era entendido como parte de um movimento

amplo trazido pelo Iluminismo331. Assim, “o século novo” europeu332, entendia comércio e

329
Na visão de Pierre Bourdieu, o poder simbólico é um poder invisível e, por isso, quase imperceptível. No
entanto, possui um grande alcance na transformação social. Cf. Pierre Bourdieu. A economia das trocas
simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974. Do mesmo autor, ver: _______ O Poder Simbólico. Lisboa: Difel,
1989.
330
Cabe ressaltar que são muitas as lacunas para um estudo sobre as produções de tipografias particulares na
Corte. Para nos auxiliar em nossa abordagem, utilizamos a proposta de agir como um detetive, na junção de
pistas, no acompanhamento dos sinais, a fim de juntá-los e construir um sentido para a história. Cf. Carlo
Gizburg. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: ________ Mitos, emblemas e sinais: Morfologia e
História. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
331
Verbete “Commerce”. In: Denis Diderot & Jean Lerond D’ALembert. Enciclopedia ou Diccionaire
Raisonné dês Sciences, dês Arts et dês Métiers (1751-1772). Ed.integral. Marsanne: Édition Redom, s.d. CD-
Room.
332
Eduardo Frieiro. O diabo na livraria do Cônego. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1957.

111
112

comunicação como pólos importantes para avançar no diálogo entre os homens de

comércio, de cultura e de política. De acordo com essa perspectiva, fazer comércio era

contribuir para a melhoria no campo do esclarecimento pela via das trocas.

No Reino do Brasil, Silva Serva inaugurou sua empresa tipográfica na Província da

Bahia333. A fundação da Tipografia de Silva Serva ocorreu apenas três anos após a

instalação Tipografia da Impressão Régia, a imprensa oficial. Segundo o historiador

Laurence Hallewell, Silva Serva era um antigo comerciante de Lisboa que chegou à Bahia

em fins do século XVIII, vendendo, entre outros objetos, “móveis, cristais e livros

importados da Europa”. No mesmo ano, Silva Serva teria recebido permissão do governo

para ir até a Inglaterra, adquirir seu primeiro prelo. No curso da viagem, contratou artesãos

que o auxiliariam em seu novo estabelecimento. A tão esperada permissão para abrir sua

oficina veio no ano seguinte, quando em viagem pela Corte do Rio de Janeiro. De acordo

com Hallewell, ao que tudo indica, os projetos de Silva Serva apontavam para a direção de

equiparar, ao menos culturalmente, a província baiana à Corte334.

Uma vez feita a conquista, o tipógrafo demonstrou também um desejo maior, o de

montar uma biblioteca nos moldes da Biblioteca Real da Corte. As obras que abordam sua

trajetória, apontam para o amplo diálogo e comércio travado entre o comerciante baiano e a

Corte do Rio de Janeiro. Seu principal contato teria sido com o livreiro Silva Porto, que

passou, posteriormente, a ser seu distribuidor. Os altos preços cobrados pelos prelos

oficiais da Impressão Régia, contribuíram para a possibilitar sua entrada no ramo. Sua

presença na Corte pode ser vista em muitos dos anúncios dos periódicos da cidade do Rio

de Janeiro, especialmente na Gazeta do Rio de Janeiro. Apesar da grande investida inicial,

333
Sobre o tipógrafo Silva Serva, cf. Maria Beatriz Nizza da Silva. A Idade de Ouro do Brasil e as formas de
sociabilidade baianas. In: Lúcia Maria Bastos Pereiras das Neves; Marco Morel & Tânia Maria Bessone da
Cruz Ferreira (orgs.). História e Imprensa. Representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro:
DP&A, 2007, pp. 155 -175.
334
Laurence Hallewell. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: EDUSP, 1985, p. 57. Ver também: Wilson
Martins. A palavra escrita... Op. cit.

112
113

Hallewell destacou que um ano depois o tipógrafo já se encontrava com algumas

dificuldades. Em 1812, sua proposta de fabricar prelos de madeira para importar à

Inglaterra fora-lhe negada, recebendo ajuda do governo apenas para sanar poucas dívidas.

Alguns historiadores apontam o tipógrafo como o primeiro particular a investir na área dos

materiais impressos. Ao longo dessa atividade, Silva Serva esteve muitas vezes na Corte,

estabelecendo contatos até 1819, vindo a falecer em uma dessas viagens e deixando sua

empresa nas mãos de sua viúva, a qual manteve seu negócio, formando uma nova

sociedade tempos depois335.

À luz do que ressaltou Tânia Bessone, lidar com impressos no período constituía

uma “aventura”, levada a cabo por corajosos homens de letras (redatores e/ou editores) e

comerciantes, desejosos de divulgar suas opiniões e idéias e atingir um público leitor mais

amplo. Nessa perspectiva, segundo a autora, riscos pessoais e financeiros eram constantes,

pois tais indivíduos dependiam de subscrições e outros apoios, já que a leitura não era

prática comum e o público-leitor era em sua maioria analfabeta336.

O quadro descrito começaria a mudar a partir da década de vinte, quando outros

indivíduos lançaram-se na “aventura” do universo impressor. Nas fontes de época, avisos e

anúncios sobre a construção de prensas não são fáceis de encontrar o que pode indicar a

necessidade desses agentes de importar muito de seu maquinário. Entretanto, em 1822, a

Corte também era local de confecção de prensas para outras províncias:

Lucas maquinista, com loja no Canto da Rua do Fogo e Detrás


do Hospício, avisa que no fim deste mês termina as cinco
prensas, de que se encarregou337.

335
Laurence Hallewell. Op. cit., p. 60.
336
Tânia Maria Bessone da Cruz Ferreira. “Redatores, livros e leitores em O Patriota”. In: Lorelai Brilhante
Kury (org.). Iluminismo e Império no Brasil. O Patriota. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007, p. 45 .
337
DRJ, nº 4, 05 de janeiro de 1822. Quanto às ruas, a primeira recebe atualmente o nome de Rua dos
Andradas; e a segunda, de Rua Buenos Aires. Joaquim Manuel de Macedo. Memórias da Rua do Ouvidor.
Rio de Janeiro: Cia das Letras, 1995. Cap. XIV.

113
114

Como visto no anúncio acima, das cinco prensas solicitadas, duas eram destinadas

aos tipógrafos Moreira e Garcez; uma para a Tipografia Nacional; uma sem indicação de

proprietário (apenas dizia ser encomendada para Rua da Cadea, nº 50 – atual Rua da

Assembléia); e uma outra para Vila Rica338.

Quanto aos tipógrafos, no âmbito da Corte imperial, a partir de 1821, outros nomes

começavam a se apresentar ao lado de Silva Serva. Dentre eles, como referido, tiveram

destaque Manuel Joaquim da Silva Porto e o Zefferino Vitor de Meireles. Sua presença,

contribuiu para dar maior amplitude e versatilidade à prática tipográfica de iniciativa

privada na Corte ainda luso-americana. Em livro recente, Cybelle e Marcello de Ipanema,

demonstraram que Silva Porto era ainda integrante da Sociedade Literária de Monte Pio,

marcando, para além de uma identificação afetiva, uma estreita presença nos dois lados do

Atlântico339. Altamente comprometido com os rumos do Império português, Silva Porto

marcou a história cultural da América, aliando palavra imprensa à construção de uma

identidade nacional atrelada ao Império português. Ao longo da década de 1820, sua

tipografia esteve altamente imbricada a questões políticas que tomavam conta da cena

pública. De acordo com o catálogo de tipógrafos existente na Fundação Biblioteca

Nacional, no intervalo de quatro anos, a Tipografia Silva Porto e Cia, publicou cento e

quatorze títulos, entre panfletos e periódicos340.

Em paralelo, ganhava espaço a atuação de Zefferino Vitor de Meireles com a sua

Tipografia do Diário, emitindo, no intervalo de dez anos, 77 títulos. Após sua morte, em

1822 (assunto de nosso primeiro capítulo), sua viúva, Maria Luiza de Jesus, deu

continuidade ao trabalho, falecendo somente em 1868341. A partir de 1844, por ocasião de

338
Ibidem.
339
De acordo com os autores, Silva Porto era tesoureiro da referida Sociedade. Cf. Cybelle de Ipanema e
Marcello de Ipanema. Silva Porto: livreiro na Corte de D.João - editor na independência. Rio de Janeiro:
Editora Capivara, 2007, p. 81.
340
BNRJ. “Catálogo de Tipógrafos Brasileiros”. Seção de Obras Raras. Rio de Janeiro, s.d.
341
ANRJ. Maria Luiza de Jesus Viana. Inventário post-mortem. Notação 4447. Maço 0246.

114
115

seu casamento com Nicolau Lobo Vianna, a Tipografia do Diário passou a chamar-se:

Tipografia de Vianna e Filhos. Uma possível comparação entre os movimentos de seus

prelos pode ser visto no quadro abaixo:

Tabela 2: quantidade de impressos realizados pelas casas impressoras Tipografia de Silva

Porto e Cia (1821-1825) e Tipografia do Diário (1822-1831).

Tipografia 1821 1822 1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830 1831

Silva 02 56 18 27 14
Porto342
Do - 18 3 8 2
Diário343

Fonte: BIBLIOTECA NACIONAL. “Tipografia de Silva Porto e Cia” e “Tipografia do Diário”. Catálogo de
tipógrafos brasileiros. Rio de Janeiro, s.d.

Em virtude da escassez de dados concretos que tratem de sua fundação e atividade de

impressão e vendagens, contabilizar os impressos tornou-se um dos caminhos possíveis

para dimensionar a importância das tipografias no seu espaço sócio, cultural e político. Os

acontecimentos políticos ocorridos entre os Reinos de Brasil e de Portugal extrapolavam o

âmbito dos gabinetes para chegar à cena pública, intensamente abordados e reformulados

por meio da imprensa. De início, a visualização conjunta das tabelas indica um ofício

impressor na Corte do Rio de Janeiro, em uma “explosão” no ano de 1822. A despeito de

qualquer defasagem no catálogo apresentado, esse fato corrobora para a compreensão de

uma imprensa movida pela nova conjuntura cultural e política, em que o crescimento da

palavra pública era proporcional à sua imbricada teia, em cujas tramas o leitor teve

participação ativa na exigência de informação.

Após a explosão inicial, e por conta dos novos rumos tomados pela política

autoritária de Pedro I, a atividade das casas impressoras privadas reduziu-se

342
A Tipografia de Silva Porto existiu entre os anos de 1821 e 1825.
343
A Tipografia do Diário surge em 1822. Em 1821, o periódico, Diário do Rio de Janeiro, era impresso na
Tipografia da Impressão Régia. Tal veículo, foi contabilizado apenas em 1822.

115
116

vertiginosamente, apenas retornando com nova força por volta de 1828, quando a imagem

do Imperador já não mais atendia aos anseios de muitos grupos sociais. De acordo com

Lúcia Neves, entre os anos de 1821 e 1822, as tipografias particulares eram em número de

cinco: a de Moreira & Garcez; do Diário, Silva Porto; a Oficina dos Annaes Fluminenses

e a de Torres e Costa344. Entre 1821 e 1829, Moreira de Azevedo catalogou nove

tipografias. Para o período compreendido entre 1821 e 1831, Paulo Berger, por sua vez,

destacou treze empresas impressoras. Complementarmente, lembramos da dificuldade de

uma análise quantitativa dessas “oficinas” de impressão, pela própria mobilidade das

sociedades que eram feitas e desfeitas em um “piscar de olhos”. Para além dos motivos

apontados, deve-se destacar que a discrepância analítica referente aos dados quantitativos

dessas tipografias ocorre como resultado de vários fatores.

Em primeiro lugar, destaca-se a restrita parcela alfabetizada e dona de renda capaz

de financiar produções em ritmo constante por meio das assinaturas periódicas. Tal fator

contribuía para que ocorresse uma alta rotatividade nas publicações. Em segundo lugar, o

pequeno capital acumulado nas mãos dos tipógrafos (proprietários) para investimento no

negócio, sendo obrigados a mudar constantemente de endereço. Os impressos da

Tipografia do Diário apontam para cinco mudanças de endereço em cinco anos

seguidos345.

Em terceiro lugar, as constantes associações, levadas a cabo por esses mesmos agentes,

como forma de fundir seus negócios e driblar as dificuldades financeiras a fim de

permanecerem no ramo da impressão. Conforme apontou Rubens Borba de Moraes, “todas

344
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves.Corcundas e constitucionais: a cultura política da independência
(1820-1822). Rio de Janeiro: Revan / FAPERJ, 2003, p. 93. Recentemente, nova pesquisa desenvolvida
destacou que estiveram atuantes dezenove tipografias. Marco Morel, Fernanda Costa Carvalho de Andrade &
Myriam Paula Barbosa Pires. História da imprensa no Brasil império: abordagem metodológica e síntese
histórica (1822-1849). Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Rede Alfredo de Carvalho /
Faperj / CNPq), 2004. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Trabalho de iniciação científica).
345
Inicialmente a Tipografia do Diário funcionou na Rua dos Barbonos (atual Rua Evaristo da Veiga), nº 72.
Dois anos depois (1824), teria mudado para a Rua da Ajuda, nº 39. Em 1825, passou para o nº 105, da mesma
rua. Em 1828, passou para outro número da mesma rua. Infelizmente, não encontramos indícios que sinalizem
as razões das mudanças de endereço.

116
117

essa oficinas particulares fundadas mais com entusiasmo do que capital, para defender os

novos ideais constitucionais e a independência, produziram uma quantidade de gazetas

efêmeras, hinos patrióticos, proclamações e discursos, cartas e folhetos políticos”346.

Embora o contexto de relativa liberdade de imprensa favorecesse um certo crescimento na

atividade, como referido, tê-la como principal negócio representava ainda correr grandes

riscos, não só financeiros, como também políticos. Tais sociedades, provocavam também

constantes mudanças nos nomes de seus estabelecimentos, razão principal das disparidades

entre pesquisas e catalogações. Alguns exemplos merecem destaque.

Entre as sociedades formadas à época, Inocêncio Francisco Torres, dono da

Tipografia de Torres “se associa a Vicente Justiniano da Costa”, estabelecendo, na Rua da

Cadeia, n°95, a Tipografia de Torres e Costa. Em 1828, Francisco Luis Caldas e Souza,

tipógrafo proprietário que ocupava, há um ano, o número 60 da Rua dos Latoeiros,

associou-se a Eduardo Laemmert. Juntos, formaram a Tipografia Souza, Laemmert e Cia,

separando-se somente em 1833347. Além da junção de suas tipografias, entretanto, alguns

estabelecimentos ainda atrasavam a saída dos impressos ou mesmo suspendiam sua

publicação de forma temporária ou definitiva. Muitas delas, eram recorrentemente

reclamadas348.

Em 31 de outubro, o redator do periódico O Volantim (impresso na Tipografia de

Torres), publicou aviso sobre sua impossibilidade de continuar a impressão devido ao

pequeno número de assinantes (em torno de 136) que continha. Destacou, entretanto, que

poderia continuar apenas no caso de triplicar o número de assinantes (o que daria em torno

de quatrocentos)349. No mesmo ano, o português José Vitorino dos Santos e Souza lançou o

346
Rubens Borba de Moraes. Livros e bibliotecas no Brasil colonial. São Paulo: SCCT-SP, 1979.
347
Paulo Berger. A tipografia no Rio de Janeiro: 1808 -1900. Rio de Janeiro: Companhia Indústria Nacional
de Papel Pirahy, 1984.
348
Diário do Rio de Janeiro, n°1, 01 abril de 1822.
349
O Volantim, n°41, 18 out. 1822. Embora o periódico tenha circulado até o n° 50, sua existência foi curta,
pois sua periodicidade era diária, não saindo apenas em dias santos e feriados.

117
118

periódico Annaes Fluminenses de Ciencias, Artes e Literatura. Ao prever sua interrupção,

publicou ser seu único número, caso “não houvesse mais subscritores do que até agora se

tem apresentado”350. Outro caso, foi o do periódico Macaco Brasileiro (1822), impresso na

Tipografia de Silva Porto & Cia, que, segundo um historiador, embora tenha vindo à luz

dezesseis números, acabou “morrendo a mingua de assinantes”351. Outro importante

tipógrafo contemporâneo, Pierre Plancher, anunciou em seu jornal Spectador Brasileiro

(1824 -1827), sua dificuldade de publicação diária, comprometendo-se a sair às segundas,

quartas e sextas e completar as faltas de edições com números extras352. Em abril de 1822,

a Tipografia do Diário recebeu carta contendo reclamações do público leitor sobre faltas no

Diário do Rio de Janeiro. Sua resposta veio em seguida, ao publicar que “o mesmo redator

agradece cordialmente as advertências, que algumas pessoas, sem dúvida zelosas do Bem

Público, lhe têm feito sobre as faltas, que têm notado no serviço do Diário (...)”353.

Ao estudar as formas de comunicação no período, os historiadores Marco Morel e

Mariana Monteiro de Barros consideraram esse momento como chave em que se delineava

a passagem de um espaço público, característico das formas de comunicação do Antigo

Regime, para uma nova sociabilidade em que se fortaleciam e se consolidavam debates por

meio da imprensa354. Desse modo, os avanços e recuos tornam-se partes de um contexto

mais amplo, em que a opinião se estabelecia em ritmos dissonantes. Apesar do quadro

descrito, a necessidade de comunicação com o público e venda dos jornais levava os

redatores a estabelecerem diversos meios para convocar o público-leitor a participar. Não

350
O periódico encerrou com apenas um exemplar. Annaes Fluminenses de Letras, Artes e Litteratura, nº 1,
janeiro de 1822. Apud Carlos Rizzini. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil: 1500 - 1822. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado, 1988, p. 368.
351
Carlos Rizzini. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil 1500 -1822. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado / Imesp, 1988, p. 371.
352
O Spectador Brasileiro, n°1, 01 jul. 1824. Sobre a atuação deste importante livreiro e editor, ver Marco
Morel. “A revolução nas prateleiras da Rua do Ouvidor”. In: ________ As transformações dos espaços
públicos. Imprensa , atores políticos e sociabilidade na Cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: HUCITEC,
2005. Cap. I.
353
Diário do Rio de Janeiro, n°1, 01 abril de 1822.
354
Marco Morel e Mariana monteiro de Barros. Imagem, palavra e poder... Op. cit., p. 77.

118
119

só as livrarias serviam como pontos de encontro e serviços para os redatores, como também

as boticas - de dentro e de fora da cidade -, e as tipografias, vertendo-se, seus proprietários,

no dizer de Otávio Tarqüínio de Souza em “agentes de propaganda do pensamento político

e literário em voga (...)” 355.

Para dimensionar o peso da iniciativa particular de impressão na corte no início do

oitocentos, pode ser sugestiva uma comparação com a atividade oficial. Em análise acerca

das obras saídas dos prelos da imprensa régia no período, Lúcia Neves destacou a

quantidade de 1085. Quanto às particulares registrou, para os anos de 1821 e 1822, a

produção de 115 títulos. A tratar-se do espaço de dez anos (1821 a 1831) nosso

levantamento apresentou (na tabela acima) a quantia de 191, apenas em duas. Embora trate

de contexto inicial, o levantamento da autora nos ajuda a visualizar o teor dos impressos,

bem como do perfil dos leitores e idéias em voga no entorno da idéia de Independência. De

acordo com Lúcia Neves, era através dos impressos e das obras que se difundia o

pensamento da elite cultural luso-americana no período. Em sua análise, ressaltou ainda o

caráter pragmático das elites pelo peso das obras incluídas na categoria Ciências e Artes.

Por outro lado, se cresciam as publicações de caráter útil, eram ainda de grande peso

aquelas de cunho religioso. Os impressos religiosos mesclavam-se ainda aos de “Belas

Letras”, exercendo um importante papel na construção da mentalidade da sociedade

carioca. A autora destacou ainda a notória explosão de folhetos, periódicos e panfletos,

especialmente publicados entre os anos de 1821 e 1823, cujo teor contribuiu para veicular e

difundir a cultura política, plasmada na tradição de uma Ilustração mitigada, “traçando um

caminho entre história e memória”, permitindo “a circulação das informações em todos os

setores sociais e trazendo à tona os acontecimentos diários que perpassavam do domínio

355
Otávio Tarqüínio de Souza. História dos fundadores do Império do Brasil - Fatos e personagens em torno
de um regime..., pp. 32 - 34. Sobre este assunto, ver Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves; Tânia Maria
Bessone da Cruz Ferreira. “Livreiros franceses no Rio de Janeiro - 1808-1823”. In: História Hoje - Balanço
Perspectiva. IV Encontro Regional da ANPUH. Rio de Janeiro: Associação Nacional dos Professores
Universitários de História, 1990, pp. 190 - 202.

119
120

privado ao público”356. Para apreender o teor das produções particulares construímos o

gráfico seguinte:

Gráfico 5 – Conteúdo das publicações de Tipografias particulares na Corte Imperial


(1822-1831).

Publicações de Tipografias de particulares


(1822-1831)
Política

Educação
5%
8% Religião
10%
Artes e Literatura
55%
12%
Dedicadas aos redatores (cartas ou
5%
escritos nos jornais)
5% Economia

Outros

Fonte: Catálogo de Tipógrafos Brasileiros. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro (Seção de Obras Raras).

O gráfico 5 foi elaborado com base nos 288 títulos apontados, entre periódicos e

folhetos, pelo “Catálogo de Tipógrafos brasileiros”, disposto na Fundação Biblioteca

Nacional (1821-1831)357. Embora tenha sido feito sob parâmetros diferentes da tabela de

Lúcia Neves, o gráfico registra o crescimento dos impressos pela força das publicações

particulares e pela participação do púbico leitor quanto aos assuntos que emergiam à ordem

do dia. As metáforas aparecem lado a lado à veemência da linguagem. Quanto ao teor dos

impressos, a porção dedicada às Artes e Literatura tinha peso considerável (12%), trazendo

assuntos como trechos de romance e dramaturgia. Da mesma maneira, dispostos nos

356
Lúcia Maria Bastos Pereiras das Neves. Corcundas e constitucionais... Op. cit., p. 34.
357
Os catálogos utilizados foram: catálogo manuscrito disposto na seção de Obras Raras e o catálogo
On-line. www.bn.br. Página acessada em março de 2008. O catálogo manuscrito foi retirado de circulação em
dezembro de 2007, ficando acessível apenas o catálogo on-line, em um total de 244 títulos. As publicações de
Silva porto foram cedidas pela professora Lúcia Maria Bastos, em um total de 114. As tipografias
responsáveis pela publicação desses títulos foram: Tipografia de Gueffier e Cia; Tipografia de Pierre
Plancher; Tipografia de Torres; Tipografia de Lessa e Pereira; Tipografia do Diário; Tipografia de Moreira e
Garcez; Tipografia de Dalbin e Cia; Tipografia de Cunha e Vieira; Tipografia Imperial e Constitucional de
Villeneuve e Cia; Tipografia de Roger Ogier; Tipografia de Silva Porto.

120
121

impressos, tanto nos folhetos quanto nas páginas de periódicos, constavam matérias

dedicadas aos redatores (10%). Alguns chamavam atenção para os “erros” em seu

comportamento; outros visavam a divulgar assuntos pessoais a fim de obter ajuda no

alcance de uma solução. Havia ainda aqueles que apoiavam os redatores em questões

políticas.

Embora menores em cada folheto, eram recorrentes os assuntos ligados à economia

(8%) e à educação (5%). Na categoria “outros” (5%), incluem-se notícias comerciais da

Europa; novidades tecnológicas (ensinamentos de medicina e cirurgia); índices de leis do

Império do Brasil; cobrança dos leitores à Câmara Municipal por melhorias no serviço

público. Uma análise mais geral do gráfico 5, aponta para a brutal quantidade de

impressões de teor estritamente político (55%). Cabe ressaltar que ao longo desses nove

anos considerados na tabela 1, os ajustes políticos tomaram um aspecto conflituoso

traduzido não apenas pelas posições parciais e centralizadoras de Pedro I, mas também

pelas repressões internas, revoltas, afirmação de projetos de Estado em discussão... Como

bem mostra a historiografia recente, tais eventos cruzavam-se com o crescimento de uma

expressão pública que via na imprensa sua principal saída, doutrinando comportamentos,

por um lado; incitando à participação, por outro.

3.2) A Tipografia do Diário : um espaço público e privado.

Um dos aspectos de maior complexidade na abordagem da imprensa nas primeiras

décadas do oitocentos é a percepção dos caminhos percorridos por periódicos e panfletos.

Uma questão sugestiva pode ser a de pensarmos de que maneira chegavam à cena pública.

121
122

Em outras palavras, quais os caminhos que proporcionavam as práticas urbanas do

impresso358.

Como se sabe, muito da leitura dos impressos era fruto da formação de grupos

pertencentes à mesma identidade, sejam elas política, sociais ou culturais. Um mapa da

cidade feito por Andréa Slemian (anos de 1821 e 1822), aponta que as regiões onde se

concentravam as tipografias e os livreiros localizavam-se quase inteiramente na mesma

área de atuação de outros comerciantes. Ou seja, no entorno da freguesia da Candelária.

Como principais pontos, a autora destaca a rua da Quitanda; balizados pelas ruas da

Cadeia, de um lado; e pela rua dos pescadores, em extremo oposto359. O ponto crucial

destacado é a conhecida Rua Direita (atual Rua 1º de Março). A partir daí, pode se

dimensionar, em parte, de que forma esses atores culturais, homens de negócios e das

letras, buscavam e atuavam na área de maior circulação econômica da cidade.

Mais do que pensar em sua dimensão no papel de disseminar uma pedagogia das luzes,

estudar o papel da imprensa no início do século XIX é refletir sobre sua relação e

interferência na dinâmica do espaço urbano. De acordo com José Honório Rodrigues, as

estradas que ligavam a cidade eram rudes e exigiam o uso de carruagens, puxadas a cavalo

ou burros, com “terrenos lavradios e pastos”. O autor destacou, por exemplo, que o sítio de

Matacavalos (Rio Comprido), por sua vez, era “um lameiro seguido que cansava os animais

de transporte que, por sua vez, morriam afadigados”. As praças principais eram Rossio

(hoje, Tiradentes) e Paço Imperial e Praça da Aclamação (Campo de Santana)360. Na visão

de Luiz Edmundo, a rua colonial era “fedida, de terra batida em sulcos e crateras, com

358
Roger Chartier. “As práticas urbanas do impresso”. In: ________ Livros e leitores no Antigo Regime. São
Paulo: UNESP, 2004.
359
Andréa Slemian. “mapa da área de concentração das livrarias e do comércio em 1821-1822”. In: _______
Vida política em tempo de crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: HUCITEC, 2006, p. 74.
360
José Honório Rodrigues. Revolução e contra-revolução no Brasil. vol.2. Rio de Janeiro: Livraria
Francisco Alves, 1975, pp. 72-76.
Idem. Ibidem. Op. cit., p. 76.

122
123

poças, viveiros de rãs e mosquitos”. Mesmo uma das ruas mais movimentadas foi descrita

pelo autor como irregular, “terminando em um funil” 361.

Entretanto, como ressaltou Marco Morel, ao receber a Corte Real, desde 1808, o

espaço da cidade do Rio de Janeiro esteve impelido a transformar-se em sede do poder.

Duas condições que então se sobrepunham, passando, a partir daí, a abrigar conjuntamente

as condições de cidade e de Corte. Nessa perspectiva, lembrou Morel que a cidade

precedeu a Corte e, para abrigar a nova condição, ao contrário de muitas províncias,

receberia forçosas modificações362. A produção dos impressos, por sua vez, esteve em

consonância com essas transformações uma vez que passou de um espaço único e oficial

para difundir-se em novas casas particulares. Apesar disso, convém ressaltar que tanto as

práticas de cuidado mais elementares da cidade quanto o conteúdo das informações

difundidas na imprensa esteve por muitos anos (desde a chegada da Corte Real) regulados

pelo mesmo órgão: a Intendência da Polícia. Sendo assim, “organizar a cidade” e as idéias

de seus habitantes era tarefa fundamental para os governantes.

De acordo com Max Fleuiss a Intendência da Polícia foi criada nos moldes de seu

original luso, cabendo ao órgão atribuições amplas. Na perspectiva do autor, além dos

problemas iniciais nos quais estavam envolvidos, a instalação dos recém chegados e a

construção de novos prédios de moradia e administração, alguns problemas mostraram-se,

da mesma maneira, enquanto urgentes363. Dentre suas atribuições, a Intendência da Polícia

era responsável por abrir estradas e cuidar de sua conservação; fiscalizar e auxiliar a

edificação pública; licenciar e fiscalizar os transportes de mar e terra; fiscalizar os contratos

361
Luiz Edmundo. O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, 1932, pp. 14 -33.
362
Marco Morel. As transformações dos espaços públicos. Imprensa, atores políticos...Op. cit., p. 157.
363
Max Fleuiss. História administrativa do Brasil. Separata do Diccionário Histórico, Geográfico e
Etnográfico do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1923.

123
124

de iluminação da Corte; coibir delitos de imprensa exercendo a censura prévia, além de

cuidar de legitimação dos estrangeiros364.

Quanto à sua dimensão política, Andréa Slemian completou, destacando que as práticas

policiais formavam um tripé ideológico traduzido nas idéias de Civilidade, segurança

pública e controle dos habitantes, cuja ação abria espaço para reprimir ainda os

comportamentos tidos como indesejáveis. Para tanto, segundo a autora, cabia vigiar as

atividades dos redatores e tipógrafos, haja vista sua condição enquanto agentes

contribuintes para que a política passasse a ser uma referência mais presente no cotidiano

dos habitantes da cidade, tanto pela proximidade com a Corte, quanto com a chegada de

portugueses europeus habituados à leitura e familiarizados com as mudanças européias365.

Após essas descrições é possível se ter uma idéia das possibilidades dos impressos

saírem dos prelos e circularem pela cidade, portanto, tornava-se um desafio bem maior do

que uma análise apenas política poderia revelar. Em sua maioria, os impressos eram

entregues nas casas dos anunciantes por meio de recibos assinados. Por outro lado, para

compensar os atrasos nas entregas das folhas, a difícil circulação pelos mais diversos

distritos poderia também estimular seus habitantes a irem diretamente aos respectivos

estabelecimentos de venda, como nas boticas, nas livrarias, nas tipografias, entre outros.

Por mais esse fator a posterior criação de redes administrativas de transporte, de

mercadorias, proporcionou o crescimento da fabricação dos impressos em linha ascendente.

O crescimento da atividade tipográfica em uma cidade em transformação e a subseqüente

produção e circulação desses veículos como portadores de idéias, interesses, palavras de

ordem e propostas de organização e mobilização tornaram-se cruciais também na formação

364
Idem. Ibidem. Op. cit., pp. 89 - 91. Cf. Marieta Pinheiro de Carvalho. Uma idéia de cidade ilustrada: as
transformações urbanas da nova Corte portuguesa (1808-1821). Dissertação de Mestrado, 2006. Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Idem. Ibidem. Op. cit., pp. 60 – 69.
365
Andréa Slemian. “A cidade, a corte, a Intendência Geral da Polícia”. In: ________ Vida política em tempo
de crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: Hucitec, 2006, p. 74.

124
125

dos novos espaços púbicos que surgiam366. Nesse sentido, é possível afirmar que,

especialmente a partir da vinda da família real, o espaço urbano da cidade-corte esteve

caracterizado por importantes locais de venda. Os quarteirões de comércio também

congregavam as elites letradas da época em pontos de sociabilidades mais ou menos

informais, locais de vendas de inúmeros tipos de produtos367.

Vale observar que as novas formas de sociabilidades surgidas pela difusão da

ilustração ibero-americana se expressavam não somente em contestação aberta, mas

sobretudo por reuniões secretas, circulação de livros e manuscritos proibidos, leituras

coletivas etc., que sob a ótica das autoridades também poderiam carregar consigo

princípios atentatórios à ordem pública. Ao tratar das sociedades maçônicas, Alexandre

Barata mostrou o ambiente de alargamento dos espaços públicos desde o século XVII368.

Destacou, do mesmo modo, como uma mesma sociedade pode ser ao mesmo tempo

“fluida, dinâmica e contraditória”, dotada de características distintas e norteada por

distintos referenciais369.

Durante o Primeiro Reinado, para além dos locais mais herméticos na formalidade de

ambientes de decisão governamental ou de associações formadas por afinidades políticas,

havia também os espaços que congregavam os mais diferentes núcleos de pessoas que se

reuniam para encontros, comércio e /ou leituras em grupo. Algumas delas resultavam em

posições declaradamente política. Morel destacou o caráter multifuncional das associações

do período. Segundo o autor, as dimensões econômicas, filantrópicas, pedagógicas,

corporativa, política e cultural, apareciam comumente imbricadas numa mesma

366
Marco Morel. As transformações dos espaços públicos. Imprensa, atores políticos... Op. cit., p. 151.
367
Tânia Maria Bessone da Cruz Ferreira. “Redatores, livros e leitores em O patriota”...
Jordi Canal. “Historiografia y sociabilidad en la España contemporánea: Reflexiones con término”. Vasconia.
Cadernos de Historia-Geografia, nº. 33, 2003, pp. 11- 27.
368
Alexandre Mansur Barata. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência do Brasil (1790 -1822).
Juiz de Fora: Ed. UFJF. São Paulo: Annablume, 2006. Ver também: Andréa Slemian. Vida política em tempo
de crise... Op. cit., p. 19.
369
João Paulo Garrido Pimenta. Resenha de Alexandre Mansur Barata . Maçonaria, sociabilidade ilustrada e
independência do Brasil (1790-1822). Almanack Braziliense. v. 6, p. 6, 2007. www.almanackusp.br. Página
acessada em 10 de julho de 2008.

125
126

instituição370. Analisando um outro contexto, preocupado com a formação de grupamentos

políticos na Corte regencial, Marcello Basile ressaltou aspectos da luta política,

privilegiando a rua como local de desenvolvimento aberto da palavra pública371.

Na visão de Xavier Guerra, o crescimento de novas formas de sociabilidades, foram (e

são) indispensáveis para a elaboração de novas idéias. Sobre esta questão, destacou que, na

América do período, a palavra opinião transformou-se em uma palavra chave da política

moderna, convertendo-se na “essência mesma do poder”. De acordo com essa ótica,

defendeu que estudar a dinâmica dos espaços públicos e as novas formas de sociabilidades,

constitui certamente identificar o lugar social em que se enraízam e se difundem a

Modernidade. Nesse sentido, completou que, por sua difusão, e pelos imaginários que

transmitem, nestes espaços estão reunidas as condições da política moderna372.

Em outra obra, ao lado de outros autores, destacou o avanço de tais estudos nas últimas

décadas, debruçados sobre os imaginários, valores e práticas políticas e culturais,

questionando a perspectiva habemasiana de buscar no Antigo Regime as possíveis raízes da

Modernidade373. Em sua obra, esta última aparece como uma ruptura com o Antigo

Regime, mesmo que se revele, posteriormente, repleta de continuidades374. O conceito de

370
Morel, Marco Morel. As transformações dos espaços públicos. Imprensa, atores políticos ... Op. cit.,
p. 221.
371
Marcello Otávio Néri de Campos Basile. O Império em construção: projetos de Brasil e ação política na
Corte Regencial (1829-1834), 2004. [Tese de Doutorado]. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais.
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
372
François-Xavier Guerra. Modernidad y independencias. Ensayos sobre lás revoluciones hispânicas.
Madrid: MAPFRE, 1992, p. 302.
373
François-Xavier Guerra e Annick Lampérière. Los espacios públicos em Ibero América. Ambigüidades y
problemas. México: Fondo de Cultura Econômica, 1998, p. 6. Em sua dissertação de Mestrado, Marcello
Basile discute a atualidade referente aos conceitos formulados por Habermas, expondo uma auto-avaliação do
autor e alguns de seus redimensionamentos acerca da questão da esfera pública. A este respeito, ver: Marcello
Otávio Néri de Campos Basile. Anarquistas, Rusguentos e Demagogos: os liberais exaltados e a formação de
uma esfera pública na corte imperial (1829-1834), 2000. [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Cap. VIII.
374
Os referidos autores destacam alguns outros aspectos na constituição de Habermas em pensar a esfera
pública como uma esfera burguesa e baseada em formas de comunicação de elites. Para ele, o Antigo Regime
não é o precursor da Modernidade, mas sim, uma “heterogeneidade entre dos épocas de la historia humana”,
como um longo período histórico cujas raízes encontram-se na Idade Média e na feudalidade, prolongando-se
em muitos campos e ambientes até a Ilustração. Cf. François-Xavier Guerra e Annick Lampérière. Los
espacios públicos em Ibero América. Ambigüidades y problemas... Op. cit., pp. 9 -14. A obra em questão é:

126
127

espaço público é escolhido no lugar de esfera pública. O primeiro, transmitiria melhor a

idéia de pluralidade das formas de expressão, enquanto que o segundo, representaria o

“monismo”, sendo insuficiente como referencial de análise de uma sociedade. Conforme

apontam, “o abstrato espaço público moderno constitui mais um dos espaços (...) em que se

congregam, comunicam e atuam os homens”. Ao contrário do que pregou Habermas, para

o autor, especialmente na América espanhola e portuguesa, o crescimento dos espaços

públicos mostrou-se anterior à existência de uma esfera pública literária375. No que toca a

esta dissertação, pensamos no espaço público como um dos componentes integrantes de

uma ampla esfera pública que se esboçava.

Para analisarmos a importância da Tipografia do Diário, valemo-nos da noção de

espaço físico, levantada por Marco Morel. Com base nesse referencial, o espaço público da

Tipografia do Diário é visto como um lugar que vivenciava e formava sociabilidades

informais, recebendo indivíduos em busca de comprar, tanto impressos, quanto outros

produtos376. Da mesma maneira, além de conversar com os funcionários e com o redator,

tais indivíduos dirigiam-se à tipografia para deixar seu produto, acreditando ser ali um local

de maior visibilidade. Uma vez noticiados no Diário do Rio de Janeiro e em outros

espaços de anúncios, seus proprietários entendiam ser a Tipografia do Diário um lugar de

venda mais rápida. Ademais, cabe completar que criavam ainda um ambiente privilegiado

para a materialização, através dos impressos, de uma cultura política liberal - ainda que de

forma híbrida - fruto da crise que assolava os paradigmas dessa sociedade.

Jungen Habermas. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da
sociedade burguesa. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1984.
375
“o abstracto espacio publico moderno es todavia uno más de los espacios (...) em los se congregam,
comunican y actúan los hombres”. Cf. François-Xavier Guerra e Annick Lampérière. Los espacios públicos
em Ibero América. Ambigüidades y problemas...Op. cit., p. 10.
376
O autor chama a atenção para as novas concepções no estudo das sociabilidades. Ressalta os perigos de
uma separação rígida entre os espaços formais e informais. Entretanto, as formas de sociabilidades informais
são demarcadas enquanto associações espontâneas, realizadas em espaços abertos. Cf. Marco Morel. As
transformações dos espaços públicos... Op. cit., p. 221.

127
128

O anúncio abaixo mostra como o dia-a-dia dos negócios na cidade tornou-se mais

dinâmico, com a ajuda da imprensa e da tipografia.

Qualquer pessoa que queira um sócio para estabelecimento, entrando


com seis escravos, procure na Tipografia do Diário ao Sr. Jourdan que
dará instruções necessárias377.

Nesse sentido a figura do redator ou tipógrafo era essencial para alinhavar relações

sociais novas e posições de uma cidadania, mesmo que limitada. Conforme lembrou José

Murilo de Carvalho, a sensação de pertencer a um determinado grupo; de participar de

valores e de uma história que lhes fossem comuns, faz parte do processo de

desenvolvimento da cidadania moderna na América, além de formar a identidade desses

grupos humanos378. Naquele momento, a imprensa era parte fundamental, motor na

composição de tais grupos, bem como de sua relação com seus iguais. Os espaços de

congregação, da mesma maneira, promoviam a consolidação de práticas de sociabilidades

várias, mas que conviviam lado a lado, em um processo que se fazia a cada momento.

Após a morte de Zefferino Vitor de Meireles, a Tipografia do Diário continuou a ser

um dos pontos mais importantes na cidade. Dispor das informações de venda, bem como

vendê-las propriamente, mostra uma outra face da tipografia, não somente como um espaço

de impressão, mas intensamente em diálogo com o crescimento da cidade e a inter-relação

de seus habitantes.

Os anúncios abaixo são bastante elucidativos quanto às características


apresentadas:
Quem quiser comprar um Oratório muito bom, para se dizer
Missa, com imagens e todos os pertences para a celebração da
missa, procure na Tipografia do Diário (...), que lhe dirá quem
tem a vender379.
Quem quiser comprar algumas colheres, garfos de prata e uma
caixa de tabaco de ouro, com bonito lavor, procure a Mr.

377
DRJ, nº 5, 05 de fevereiro de 1823.
378
José Murilo de Carvalho. Desenvolvimiento de la ciudadanía no Brasil. México: Fondo de Cultura
Economica, 1995.
379
DRJ, nº 4, 06 de fevereiro de 1822.

128
129

Jourdan na Tipografia do Diário, que tem ordem para fazer a


venda380.

Em outro anúncio, o tipógrafo Antônio Maria Jourdan, substituto imediato de Meireles,

não só anunciava a perda de escravos como ainda informava a interessados a respeito dos

produtos. Era fato comum, os anunciantes registrarem que as maiores informações

poderiam ser encontradas na Tipografia do Diário, no lugar de noticiarem seu endereço

pelo jornal. O anúncio de 1º de maio de 1823 informou estar com “Mr Jourdan” as

informações sobre um “um preto” que fora encontrado381. Além de escravos, eram comuns

avisos acerca de todo tipo de objetos, como chapéus, pulseiras, caixas, etc382. Três meses

antes, a própria tipografia anunciou a venda de bilhetes de loteria do Teatro São João383.

Paralelamente a essa atividade de promover a venda de mercadorias havia, do mesmo

modo, os conflitos em torno dos locais de venda serem usados como espaços de ações

políticas. No ano de 1822, sob o pseudônimo “O Patrício Observador”, publicava-se pela

mesma empresa impressora, um folheto contra a postura do redator do Correio do Rio de

Janeiro, João Soares Lisboa, a favor da Representação de 23 de maio, que solicitava ao

Príncipe Regente d. Pedro, a convocação de uma Assembléia384.

O que o redator quer (...) inculcar-se para Deputado da nossa


província nas próximas eleições, e por isso ele sua camisas em
gabar-se, e em exaltar os trabalhos dos colaboradores a
Representação que foi apresentada pelo Senado a SAR385.

O folheto criticava ainda a maneira como foi elaborada e organizada a Representação,

especialmente o fato dela ter sido assinada em uma tipografia. Ainda que ela fosse um

“lugar mui decente”, não o era para se tratar de “negócio popular de maior transcendência”.
380
DRJ, nº 14, 13 de dezembro de 1822.
381
DRJ, nº 1, 1º de Maio de 1823.
382
DRJ, nº 9, 09 de maio de 1823.
383
DRJ, nº 6, 07 de fevereiro de 1823.
384
O Patrício Observador (pseudônimo). O pelotiqueiro desmascarado. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário,
1822.
385
Ibidem, p. 1.

129
130

Em outras palavras, “O Patrício Observador” não aceitava a legitimidade da tipografia

como um espaço público político. Ressalte-se que o local onde seis mil assinantes

reuniram-se para informar a Representação foi a tipografia de Silva Porto, considerada, à

época, como um local de discussão de idéias consideradas perigosas. Para o redator do

folheto, uma Representação de tal teor, para ser assinada por “todas as classes de

cidadãos”, só poderia ser colocada no Paço do Conselho, onde se reúne a sua

Representação Municipal386. Mas a razão porque tudo isto se fez fora da ordem, desviando-

se o povo de se reunir em uma Assembléia Municipal, como ele desejava, e como se tem

praticado em todas as mais ocasiões, era para ter lugar a inspiração, que se devia fazer a

cada assinante para votar que a eleição de deputados fosse imediata, foi na tipografia,

arvorada em Comício otimamente exercido pelo Redator387. Em outras palavras, “O

Patrício Observador”, não se conformava em ter na tipografia essa reunião que congregou,

segundo ele, seis mil assinaturas. Para o autor, essa representação valia “tanto quanto

nada”. Convém observar que tal embate ocorria pelo fato de que o autor defendia o respeito

às decisões das Cortes, enquanto João Soares Lisboa defendia as eleições diretas388. Como

visto, a legitimidade da tipografia como espaço público era negada. Não somente em

relação à Tipografia do Diário, mas outras empresas do mesmo ramo, eram

recorrentemente questionadas quanto às suas atividades.

Enquanto espaço público informal, a Tipografia do Diário publicou importantes

assuntos, desde folhetos políticos até reclamações de particulares em sua própria defesa.

Naquele período, as opções políticas desses estabelecimentos demonstravam que além de

espaço de trocas constituía também um lugar de decisão e, assim, formador de

sociabilidades políticas. A título de exemplo, sua adesão ao sistema constitucional, poderia

ser vista pela ordem de seleção do escritos, que variavam de acordo com os eventos
386
Ibidem, p. 2.
387
Ibidem, p. 3.
388
Ibidem, pp. 4 -5.

130
131

políticos. Emitir impresso em tempo de grandes mutações mostrava-se, desse modo, crucial

para o desenrolar dos fatos. A distribuição grátis ou em tempo útil de acompanhamento de

certos fatos mostrou-se bastante recorrente.

No ano de 1821, o Diário do Rio de Janeiro trazia um recado revelador ao final de

suas páginas:

Neste Diário se inserem gratuitamente todos e quaisquer


Anúncios ou Noticias Particulares, que convenham e seja lícito
imprimir (...).389

Como se vê, a consideração, lícito, apesar de um tanto vaga, descortina uma

preocupação na conduta política do novo estabelecimento. Para garantir seus interesses

políticos, alguns livreiros também se recusavam a vender materiais que não fossem

identificados com suas condutas. Outro fato recorrente nos anúncios da época era o

oferecimento de folhetos que auxiliassem a leitura de outros impressos. Em junho de 1822,

publicava-se a impressão urgente:

Saiu a luz Parecer da Comissão encarregada dos artigos adicionais da


Constituição para o Brasil, lido pelo Deputado de São Paulo, o
senhor Antônio Carlos Ribeiro de Almeida, na Sessão de 17 de junho
de 1822, mandada imprimir com urgência390.

A urgência do Parecer integra toda uma série de publicações de cunho político que

atendia aos anseios do público em acompanhar as resoluções das Cortes lisboetas quanto aos

rumos do Império luso-americano. Uma vez perdido o rei, d. João, para Portugal, dois meses

antes, cresciam as expectativas em torno das novas resoluções de união ou separação dos

Reinos. Não só as publicações feitas pelas tipografias particulares, mas também a imprensa

oficial emitia preferências na publicação dos impressos. No início de 1822, o periódico

Compilador Constitucional Político e Literário Brasiliense, informava que

389
DRJ, n° 1, 01 junho de 1821.
390
DRJ, nº 18, 20 de junho de 1822.

131
132

(...) terão preferência as publicações remetidas que tenderem a


consolidar o Sistema Constitucional e a união fraternal que
felizmente subsiste entre os portugueses dos dois hemisférios.391

No início desse mesmo ano, a Tipografia do Diário lançou a “Advertência ao

Público”, informando a respeito da saída atrasada de material intitulado “Reflexões sobre

alguns sucessos do Brasil”, escrito pelo militar Theodoro José Biancardi. Segundo o

redator, este material “não tem podido sair à luz pela afluência de outros (...), mas sai com

muita brevidade”392.

A mencionada hierarquia de urgência na atividade de publicação das

tipografias em nosso entender pode ser compreendida de acordo com o que Norberto

Bobbio chamou de relações de poder. Na opinião de Bobbio, em seu significado mais geral,

não estando apenas ligada à prática governamental, a idéia de poder designa “a capacidade

de agir, de produzir efeitos”, podendo estar relacionada a indivíduos; a grupos humanos ou

mesmo a fenômenos naturais393. Mais especificamente, a palavra poder ocupa, segundo o

autor, um valor conceitual que pode significar “a capacidade do homem em determinar o

comportamento de outros homens”. Ao materializar idéias e opiniões, a imprensa liga-se

diretamente à moldagem do comportamento humano. Desse modo, analisar seu papel e a

ação dos agentes em seu núcleo de produção, qual seja, a tipografia, é analisar relações

sociais e refletir acerca de seu alcance. Em outras palavras, o homem não é apenas como

sujeito, mas objeto do poder social394.

Sendo assim, em um estabelecimento privado, cujo dono era um comerciante e,

muitas vezes, letrado, a tipografia crescia como um espaço híbrido que mesclava as funções

de espaço privado e ao mesmo tempo público. Como espaço pertencente a uma só pessoa, a
391
Compilador Constitucional, Político e Literário Brasiliense, n° 1, 05 de janeiro de 1822.
392
Diário do Rio de Janeiro, n°2, 3 de janeiro de 1822. Cf. Almanaque da Cidade do Rio de Janeiro para o ano
de 1817. Rio de Janeiro: RIHGB, v. 282, pp. 97 - 236, jan. / mar., 1969, pp. 97 – 236.
393
N. Bobbio; N. Metteucci & G. Pasquino. “poder”. Dicionário de Política. 5ªed. São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo / Brasília: UnB, 2004, pp. 933 - 943.
394
Idem. Ibidem. Op. cit., p. 933.

132
133

tipografia podia selecionar os materiais destinados aos prelos bem como a entrada das

pessoas desejadas e evitar a presença daqueles que não faziam parte do círculo de amizade

(ou negócios) do redator. Por outro lado, ao materializar opiniões que sairiam escritas e

estariam, conseqüentemente, dispostas nas páginas dos impressos, seu espaço deixava de

ser apenas particular para entrar na categoria de espaço público, não apenas físico, mas

também um espaço de interação com a formação da opinião pública. Abrigava, assim, a

possibilidade de integração entre diferentes atores históricos, nas esferas literária e cultural,

dialogando com as transformações sociais e os espaços físicos, ou seja, os locais onde se

concretizam tais esferas. De acordo com tal perspectiva, a tipografia deixa de desempenhar

um papel somente de máquina de fabricação de impressos para adquirir uma importância

enquanto espaço físico concreto e locus de manifestação do poder.

O quadro abaixo constitui uma possibilidade de sistematização dos espaços públicos

informais, bem como suas respectivas atividades, no âmbito da Corte do Rio de Janeiro,

entre os anos de 1821 e 1831.

ESPAÇOS PÚBLICOS INFORMAIS


Localidades Urbanas Formas de Associação
Boticas reuniões, leituras e vendagem de produtos em geral
Tabernas reuniões entre particulares
Tipografias reuniões, leituras e vendagem de produtos em geral
Teatros espetáculos públicos
Ruas Reuniões, leituras públicas, cortejos, festejos, espetáculos
e revoltas
Livrarias reuniões, leituras e vendagem de produtos em geral

Fonte: Carlos Rizzini (1988); Marco Morel & Mariana Monteiro de Barros (2003); Marco Morel
(2005); Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves (2003); Marcello Basile (2004); periódico - Diário do
Rio de Janeiro (1821-1825).

133
134

Conforme apontado no quadro acima, eram privilegiados os locais de reuniões entre

distintos grupos sociais. Tais encontros poderiam ser de caráter variado. Questões individuais

ou coletivas; sócio-culturais ou políticas, encontros fortuitos ou planejados faziam parte do

cotidiano dos moradores da Corte carioca. Como locais de realização de leituras (e venda de

mercadoria), o quadro sinaliza para práticas privadas, exercidas nas livrarias, nas boticas ou

nas tipografias; para as públicas, em voz alta, conjugada e discutida nas ruas. Cortejos e

festejos ocorriam, assim como muitas revoltas, nas ruas395.

3.3) Cidadania e participação em uma produção diversificada396.

Ao serem difundidas no Reino do Brasil, as produções da Tipografia do Diário cresceram

e seguiram em um ritmo, senão constante, de grande atividade. Ao estamparem nos

impressos os juízos de seus autores acerca dos fatos, também contribuíram para suas

transformações, fortalecendo ou enfraquecendo idéias e práticas políticas. Uma das formas

de apreendermos o perfil da tipografia fundada por Zefferino Meireles foi a leitura de boa

parte de sua produção. Como uma empresa impressora, a primeira delas, já tratada aqui, a

principal, que lhe deu sustentação, foi o veículo: Diário do Rio de Janeiro. Por outro lado se

a análise de um único impresso, mesmo que bastante representativo, como no caso, não é

suficiente para demonstrar uma atividade tão dinâmica, esta última pode ser vista em maior

número delas apresentando melhor seu perfil. Não apenas folhetos avulsos, mas também

alguns periódicos, fizeram parte do conjunto de publicações da referida e arriscada

empresa397.

395
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves & Humberto Fernandes Machado. “Uma sociabilidade das ruas”. O
Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, pp. 216 – 225.
396
Enfocamos que em virtude do avançar do tempo e da necessidade de entrega e defesa desta dissertação, a
análise das publicações da referida tipografia ficou restrita a uma breve contextualização. Aproveitaremos as
sugestões da Banca Examinadora para aprofundar algumas questões posteriormente e mesmo na confecção de
sua forma final da entrega ao Programa de Pós Graduação a que estamos vinculados.
397
Agradecemos ao professor Marcello Basile por suas intervenções em Seminários e Colóquios ao longo de
2006 e 2007. Graças à sua atenção, foi possível compreendermos as tipografias enquanto empresas

134
135

Do mesmo modo, bastante revelador foi o periódico: O Constitucional398. Nascido em

meio ao contexto político turbulento de 1822, constituiu um dos órgãos de maior participação

pública. Sua linha editorial predominante era a de defesa da monarquia e da Constituição

lusa, em que o rei tivesse a participação ativa na execução e revogação das leis. Já em seu

primeiro número, apresentava assuntos mais prementes para políticos e letrados. Segundo o

redator (não identificado), a Constituição era o mais “vasto assunto que ocupa ao todos os

pensadores do maior partido do Brasil”399.

A este respeito, defendia:

Não sendo a Constituição outra coisa senão mais que o


estabelecimento, e coordenação das diversas Leis fundamentais,
debaixo de cuja direção os membros de uma sociedade se propõem
trabalhar para obterem as vantagens, porque se reuniram; das quais a
mais principal e sem dúvida a manutenção, e gozados seus direitos, e
liberdade400.

E acrescentava:
Jurando os Brasileiros essa Constituição que fizessem as Cortes Gerais,
juravam o pacto, que eles mesmos deviam fazer como Membros do
Corpo Político; porque sendo o Brasil parte integrante do Reino Unido
era por isso também uma parte contratante, sem nenhuma diferença de
Portugal401.

Como se vê, o periódico vai se revelando contrário às atitudes da Cortes Gerais reunidas
em Lisboa pois, segundo alegou, seus agentes tiraram do Brasil

não só o centro de sua peculiar união Política, considerado na


integridade do Reino; mas ainda o princípio da união parcial das forças
morais, e físicas de cada Província, pela falta de ligação, que havia
entre seções do Governo, que estabeleceram composto de partes
heterogêneas402.

comerciais, cujas impressões atendiam a pedidos de cunho político distintos, não estando, portanto,
determinada em toda sua produção por um viés político determinado.
398
A Fundação Biblioteca Nacional possui oito números do periódico. Era vendido nas lojas do Diário; da
Gazeta; de Paulo Martim e de João Batista dos Santos. Sem indicação de redator.
399
O Constitucional, nº 1, setembro de 1822.
400
Ibidem, nº 2, setembro de 1822.
401
Ibidem.
402
Ibidem, nº 4, setembro de 1822.

135
136

No mesmo número, bradava:

Brasileiros, meus Patriotas, e vós que fostes Portugueses, mas que sois
Brasileiros, por adoção, e que não conheces outra pátria senão aquele
país de onde tirastes os preciosos socorros, que remetidos a Portugal
conservaram a vida a vossos irmãos, aqueles país onde tendes feito, ou
contais fazer a vossa fortuna, e que é Pátria de vossas esposas, ou que
será de nossos filhos ! Está dito!403.

No ano de 1822, em meio aos muitos impasses e discussões a respeito da independência,

a Tipografia do Diário também publicava o periódico, O Papagaio404. Em uma de suas

seções, de nome: Reflexões, publicava opiniões políticas que versavam sobre a relação entre

os reinos de Brasil e de Portugal. Ao final das edições, emitia notícias nacionais e

estrangeiras. No seu primeiro número, publicou o artigo: Minas Gerais, onde criticava as

convulsões na Província. No sexto número, publicou carta coletiva dirigida ao imperador,

reclamando urgência na convocação de uma Assembléia Geral de Representantes das

Províncias do Brasil. De acordo com Lúcia Neves, o redator de O Papagaio era Luís

Moutinho de Lima e Silva. Como intelectual e homem público, atuou como “braço direito de

José Bonifácio”, tendo colaborado na secretaria de Estado. De formação ampla, foi professor

de língua latina no Rio de Janeiro, além de ter desenvolvido estudos na área da lógica, da

retórica, e das línguas francesa, inglesa e italiana. Além de ter servido em várias missões

juntos aos Estados Unidos e à França, foi sócio do IHGB, e de outras academias no

exterior405. Em face da independência do Brasil, informava ao público a suspensão

temporária de seus trabalhos, por julgar já estar consolidada a opinião pública sobre os

403
Ibidem.
404
O jornal, O Papagaio, custava um valor normal na época, em se tratando de periódicos de quatro páginas.
Esteve publicado na Tipografia de Moreira e Garcez até a edição de número 08, passando à Tipografia do
Diário, existindo até o número 12.
405
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. Corcundas e constitucionais... Op. cit., p. 84.
François-Xavier Guerra e Annick Lampérière. Los espacios públicos em Ibero América. Ambigüidades y
problemas... Op. cit., p. 10.

136
137

interesses “brasileiros” e por estar no poder d. Pedro I. O veículo chegou a publicar doze

números, passando por duas Tipografias406.

Outro periódico bastante representativo do período foi o Sentinela da Liberdade à Beira-

Mar da Praia Grande (1823)407. Circulando na Corte entre os meses de agosto e outubro de

1823, possuiu 27 números, todos dedicados à política do momento. Em suas páginas, havia

grande espaço reservado às cartas recebidas de seus leitores. Eram, em sua maioria, dirigidas

ao redator, o qual procurava responder muitas delas, demonstrando uma intensa interlocução

com o público. Sua identificação política girava em torno de divulgar a imagem de d. João VI

como um personagem desajuizado, acusado, pelo redator, de louco.

Defendia a emancipação do Brasil e sua manutenção sob um regime constitucional e de

um legislativo bicameral. Elogiava a atuação dos irmãos Andradas, tecendo críticas ao

Ministério composto em 1823, alertando-os para os abusos de autoridade por parte dos

funcionários públicos408. Em setembro de 1823, lançou um número extraordinário, em cujas

páginas anexou e comentou os documentos; abaixo-assinado do conselho de “Sua Majestade

Imperial”, ministros e secretário de Estado dos Negócios do Reino, reconhecendo Grondona

como competente para exercer suas funções interinamente; seis cartas e notas escritas por

Thomaz Antônio de Villanova Portugal a José Estevão Grondona (cônsul de Sua Majestade

sarda no Rio de Janeiro); cópia do regulamento de Sua Majestade Sarda pela marinha

mercantil, datado de 09 de março de 1816. Trazia ainda trechos de periódicos

pernambucanos. O mais citado era o Sentinella da Liberdade na Guarita de Pernambuco, de

Cipriano Barata. Vale observar que seu empenho em esclarecer os fatos ao público, em

406
O Papagaio, nº 12, 20 de maio de 1822.
407
Nelson Werneck Sodré engana-se ao atribuir a redação do periódico a Cipriano José de Almeida Barata.
No entanto, traz importantes considerações detalhadas sobre a imprensa da época. Cf. Nelson Werneck Sodré.
História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, pp. 94 - 95.
408
Uma tentativa de catalogação dos periódicos da época foi feita como projeto de Iniciação Científica,
durante a graduação por Marco Morel; Fernanda Costa Carvalho de Andrade & Myriam Paula Barbosa Pires.
História da imprensa no Brasil Império: abordagem metodológica e síntese histórica...

137
138

intenso “diálogo” com a política, levou-o ao Tribunal do Júri, onde teve que prestar contas

sobre abusos de liberdade de imprensa409.

Afora as folhas políticas, a mesma tipografia publicou por dois meses o periódico

Semanário Mercantil. Nascido em junho de 1823, na Tipografia de Silva Porto e Cia, mudou

quatro vezes seu local de impressão. Após passar pela Tipografia Nacional e pelos prelos de

Torres e Costa, esteve na Tipografia do Diário durante o mês de abril de 1824410.

Inicialmente, constituía um veículo dedicado a publicar súmulas dos periódicos (até outubro

de 1823) da época, especialmente o Diário do Governo e O Espelho; as seções da

Assembléia Legislativa e a dinâmica do comércio marítimo. Após o fechamento da

Assembléia (1823), voltou-se quase inteiramente ao comércio marítimo, mudando seu nome,

em 1824, para Folha Mercantil.

Quanto aos documentos avulsos emitidos pela “imprensa do Diário”, conforme referido,

foram encontrados em concentração no período de 1822. O folheto: Memória para Perpetuar

a gratidão dos Brasileiros e Portugueses Compatriotas no Brasil, cujo redator atendia ao

pseudônimo A de A.B., estampava a figura do príncipe regente, Pedro I, como símbolo do

equilíbrio e da tranqüilidade, vistos como necessários à sociedade. Nessa perspectiva,

defendia:

(...) o Príncipe Regente não é um príncipe usurpador, que começa a


estabelecer o seu poder sobre cadáveres; sobre a ruína de homens
pacíficos, mas que a calúnia e intriga tinham feito suspeitosos: é o filho
do nosso Rei 411.

Como se sabe, especialmente naquele ano, seus contemporâneos viviam intensas

409
Idem. Ibidem.
410
Era vendido na mesma loja do Diário do Governo, de J. G. Guimarães. Posteriormente, era oferecido
também no escritório do corretor Ribeiro de Barros, lugar no qual também recebia anúncios. Como muitos
dos jornais da época, possuía quatro páginas divididas em duas colunas. Cf. Marco Morel; Fernanda Costa
Carvalho de Andrade & Myriam Paula Barbosa Pires. História da imprensa no Brasil Império: abordagem
metodológica ...
411
A. de A. B. Memória para Perpetuar a gratidão dos Brasileiros e Portugueses Compatriotas no Brasil.
Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1822, p. 6.

138
139

mutações na organização de seus representantes, uma vez que cresciam as repercussões

do movimento de 1820, provocando mutações profundas no modo de viver e de pensar seus

referenciais. Embora sem indicação do mês que teria originado sua escrita e publicação, o

documento defendia claramente a figura do filho do rei enquanto merecedora do respeito e

admiração da sociedade. Após o retorno do soberano D. João VI para Portugal, em abril de

1821, começava a crescer a imagem do príncipe regente, Pedro I, como um herói, capaz de

libertar os “brasileiros” do jugo ameaçador das Cortes de Lisboa. Conforme assegurou

Hamilton de Mattos, o retorno da família real para Portugal alterou, significativamente, a

composição de forças existentes no Reino do Brasil. Além do “elemento português”,

também os liberais nascidos na América lusa, temiam que a partida do Príncipe Regente

tornasse possível o fortalecimento dos movimentos radicais412.

No mesmo ano, outro folheto, intitulado: Carta de um pedreiro ao seu amigo, tratava

dos riscos de se romper “o equilíbrio político entre Portugal e Brasil”413. Lançando mão do

recurso de metáforas da época, o autor trazia ao público seu “sonho” político. Como

maçons, seu Grão Mestre era D.João VI, que estava em Portugal. Nesse sentido, defendia

os interesses do Reino do Brasil e contestava a diferença na quantidade de votantes entre

aqueles deputados presentes dos dois lados do Atlântico414.

A união entre “Portugueses e Brasileiros” era, da mesma maneira, defendida

no panfleto Nova questão Política415. Como afirmou o redator, seu objetivo era mostrar

quais seriam as vantagens “que hão de resultar aos Reinos do Brasil e de Portugal

conservarem entre si uma união sincera, pacífica e leal”416. Na opinião do autor, o assunto

412
Hamilton de Mattos Monteiro. “Da independência à vitória da ordem”. In: Maria Yedda Linhares. História
Geral do Brasil. 5ªed. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1990, pp. 89 -125. Um balanço historiográfico do tema
pode ser encontrado em: Wilma Peres Costa. “A independência na historiografia brasileira”. In:
Independência, história e historiografia. São Paulo: HUCITEC / FAPESP / Unijuí, 2005, pp. 53 – 118.
413
Carta de um pedreiro ao seu amigo, Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, s.d., p. 5.
414
Ibidem.
415
Nova Questão Política. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1 de junho de 1822.
416
Nova Questão Política... Op. cit., p. 1.

139
140

era “importante questão”, objeto de “magnitude muito transcendente”417. Para o mesmo,

Portugal deveria agir com prudência, para não atacar as honras, os direitos, os interesses, as

comodidades, e as preeminências “de que goza o Reino do Brasil ligado a um corpo

político formado de todas as suas Províncias”. No curso de sua escrita, ressaltou a

importância econômica do Reino do Brasil, pelos impostos e consumo de vinhos

portugueses; e geográfica, como lugar de estalagem para portugueses, bem como para

embarcações com destino ao Oriente. Norteado por uma política baseada na razão, e

almejando alcançar “resoluções desapaixonadas”, orientava os leitores ao conhecimento

das obras dos autores: D. Luiz da Cunha, Southey; Marques de Pombal e Abade du

Pradt418.

No âmbito da Independência, não apenas folhetos em prosa vieram à tona, mas

publicações de todo o tipo. A referida tipografia recebia financiamento do Soneto feito pelo

padre da província do Espírito Santo. Manoel de Freitas Magalhães mandava publicar

sonetos de sua autoria, que foram recitados a Pedro I, enaltecendo sua figura:

Os heróis do Brasil, heróis em tudo,


Que não querem se ver escravizados
(...) às armas filhos meus, vinde depressa,
A razão vos convida, a Pátria clama,
Com mais vivo fervor, ardente chama,
A defesa tomai, que vivo opressa 419.

E finalizava, que uma vez independente,

(...) Sossega o Brasil não mais lamentes


Tua sorte (feliz) que o Céu respeita;
Esse antigo receio, essa suspeita
Acabou-se, e não mais te descontentes 420.

417
Ibidem.
418
Ibidem. Op. cit., pp. 1- 3.
419
Manoel de Freitas Magalhães. Sonetos recitados nas noites dos dias 22, 23 e 24 de setembro na
respeitável presença de S.AR pelo padre Manoel de Freitas Magalhães da Província do Espírito Santo. Rio de
Janeiro: Tipografia do Diário, 1822, p. 7.
420
Sonetos recitados nas noites dos dias 22, 23 e 24 de setembro na Respeitável presença de S.AR. pelo
padre Manoel de Freitas Magalhães, da Província do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário,
1822, p. 6.

140
141

Sob o mesmo desejo, de enaltecer a pessoa do então imperador D. Pedro I, Evaristo


da Veiga, político e redator da Corte, emitia a público o famoso hino “Independência ou
Morrer”421.
Ouvi, ó Povos, o grito,
Que vamos livres erguer;
O Brasil sacode o jugo,
Independência ou Morrer

Leis que impostura ditava,


Não mais devemos sofrer;
Ferro nunca, nem dourados;
Independência ou Morrer

Congresso opressor jurara


Nossos foros abater
Em seu despeito juramos
Independência ou Morrer (...).

Nós escravos!! Ó vergonha!


Mais vale a vida perder!
Nossa Pátria tem por Timbre
Independência ou Morrer.

Tal qual destacado na letra do hino, ao negar os direitos do Reino do Brasil nas Cortes

de Lisboa, o Congresso passou a ser visto como um órgão opressor e a separação dos

reinos, por sua vez, tornava-se, no bojo de tais enfrentamentos, a única saída para manter a

honra e as conquistas adquiridas anteriormente422. Conforme ressaltou Sérgio Buarque de

Holanda, o despotismo das Cortes serviu para enfraquecer “a opinião de que enquanto

Reino, o Brasil se achava livremente unido a Portugal, por um pacto revogável”, acabando

por ser a própria justificativa da emancipação423.

Não somente compostas por interesses políticos mais gerais e construídos por meio de

financiamentos individuais, eram recorrentes, da mesma maneira, as publicações de

assinaturas coletivas. No folheto, Representação a favor do Brigadeiro José Manoel de

421
Evaristo da Veiga. Independência ou Morrer. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1822.
422
Conforme afirmam Lúcia Neves e Humberto Fernandes Machado, no primeiro semestre de 1822 ganhava
terreno a idéia de separatismo. A pressão portuguesa para o retorno do príncipe regente para Lisboa,
fracassou, ficando este, como se sabe, em solo americano. Cf. Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves &
Humberto Fernandes Machado. O Império do Brasil... Op., cit., p. 79.
423
Sérgio Buarque de Holanda. “A herança colonial – sua desagregação”. In: História Geral da Civilização
Brasileira. O Brasil Monárquico. 3ª ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962, p. 17.

141
142

Moraes contra três majores424, de onze páginas, o brigadeiro narrava justificativas para

seus procedimentos. Recebendo apoio de muitos nomes de peso, em um total de vinte oito

assinaturas, entre militares e clérigos, que assinaram seu escrito na proposta de acusação de

três majores de abusos de poder e roubos de soldos425.

Em outro folheto, representantes da província de São Paulo encaminhavam ao

soberano, um pedido com declaração de justificativa de extravio de certos documentos que

partiam da Vereação de Itu ao soberano. Resgatando seu conteúdo, solicitavam ao governo

“remédios” eficazes para as “desgraças”, que ameaçavam a região. Em documento de

dezessete páginas, pediam repressão à “desordem” na Província.

(...) divulgou nessa Vila, que a Representação feita a SAR. tinha sido
extraviada, e sufocada: o que causou bastante dissabor a todos os
seus bons habitantes pela demora de chegarem a SAR os votos de
fidelidade426.

No ano seguinte, 1823, outro documento coletivo foi emitido por financiamento dos

membros conselheiros, em face do episódio da dissolução da Assembléia Constituinte,

ocorrido em maio de 1823. Como se sabe, o projeto de Constituição que até então estivera

em pauta, previa “um forte controle do parlamento sobre o soberano e um certo grau de

autonomia das províncias”. O imperador “que já se insurgia contra as Cortes de Lisboa”,

permanecendo no Reino do Brasil e fazendo deste um império autônomo, “repetia o feito,

desta vez, contra a Constituinte do novo império que nos trópicos”427.

Diante da situação conflituosa de autoritarismo do imperador Pedro I, o Governo

provisório da Bahia publicou Ata em que os membros do Conselho, reunidos na sala do

palácio do Governo provisório da província, realizaram uma comissão de oito pessoas

424
Representação a favor do Brigadeiro José Manoel de Moraes contra três majores. Rio de Janeiro:
Tipografia do Diário, 1822, pp. 1-11.
425
Ibidem.
426
Narração dos procedimentos da Vila de Itu, em conseq6uência dos fatos de 23 de maio de 1822 na Cidade
de São Paulo. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1822, p. 1.
427
Hamilton de Mattos Monteiro. “Da independência à vitória da ordem ... Op. cit., p.121.

142
143

“ilustradas, e prudentes”428. Segundo os mesmos, “circunstâncias extraordinárias” abatiam

a região. No documento de quatro páginas, tornaram público a “profunda mágoa dos

baianos pela dissolução da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa”429. Segundo eles,

esta última constituía um “seguro liame, que juntava e reunia a grande família Brasileira”.

Esperavam, assim, que “Sua Majestade Imperial” atendesse aos juramentos prestados por

todos. Suplicaram o retorno dos presos e exilados “ao seio de suas províncias”. Além disso,

pediam que fossem retirados os militares portugueses, “com o fim justíssimo de promover

a tranqüilidade desta cidade e província, e poupar as vidas e dar sossego aos portugueses

honrados e pacíficos”. Da mesma maneira, era mencionada a necessidade da aplicação de

um “Corretivo aos escritores” que abusassem da liberdade de imprensa430. Como se vê, não

apenas casos individuais, mas também as questões políticas das mais relevantes passavam

intensamente pelas mãos dos impressores e editores.

Paralelamente a esses assuntos, com a possibilidade de ver sua denúncia tornada

pública, muitos indivíduos comuns, inseridos em profissões distintas, recorriam aos prelos

em busca de defender idéias referentes à boa conduta de si mesmos e de seus pares. Em

folheto de duas páginas, o Sargento Mor Joaquim Ignácio da Costa reclamou ao Soberano

sua prisão, segundo o mesmo: “despótica e arbitrária”. Segundo ele, era inocente da

acusação de extravio de pau-brasil431.

Nesse sentido, denúncias da mais variada ordem eram trazidas a público pela imprensa

oitocentista. O folheto: Apelo à opinião pública, narrou a história da viúva D. Anna Maria

de Jesus, a qual, segundo o autor-denunciante, persuadida por um Procurador, teve sua

428
Ata que se lavrou em Conselho a bem da tranqüilidade da Bahia, perturbada pela notícia da dissolução
da Assembléia Constituinte e legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1823. A comissão foi
composta do ex-deputados Francisco Agostinho Gomes; José Lino Coutinho; Miguel du Pin de Almeida,
Antonio Calmon Du Pin de Almeida; o Desembargador Antonio da Silva Teles, os doutores José Avelino
Barboza, Antonio Policarpo Cabral; e ao vigário Vicente Ferreira de Oliveira; Coronel Governador das
Armas: Felisberto Gomes Caldeira, além de Comandantes de Batalhões.
429
Ibidem. Op. cit., p. 1.
430
Ibidem. Op. cit., p. 3.
431
Joaquim Inácio da Costa. Carta ao Príncipe Regente queixando-se das injustiças do Conselho do Governo
Temporário na questão do roubo do pau-brasil. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1823.

143
144

família prejudicada pela partilha incorreta de sua herança. O impresso em questão trata de

uma séria denúncia que Manuel Felizardo faz contra José Joaquim Pimentel, na qual este é

acusado de iludir, e mesmo roubar, Dona Anna Maria de Jesus, durante o período em que

Pimentel foi seu procurador para gerir a herança que o marido lhe deixara. Realizando uma

espécie de vigília das ações de Pimentel, Manuel Felizardo de Carvalho Almeida, após a

morte de Anna Maria, afirmou que tal herança não chegou corretamente aos seus

sobrinhos, os quais moravam em Portugal432. No mesmo ano, em resposta à acusação

descrita, Pimentel iniciou sua defesa, por meio de folheto: A Verdade em campo contra o

apelo a opinião pública feito por Manuel Felizardo Carvalho Almeida. Neste, afirmava

que Dona Anna Maria viveu por um tempo com seu sobrinho, José Gomes Ferreira, na

chácara que lhe deixara o marido. Entre muitas acusações, destacou que o sobrinho, com

títulos de seu Procurador, “havia estragado todos os bens do casal por escrituras dolosas

(...) chegando a ponto de reduzir a dita viúva a maior miséria (...) e dolosa alienação de

seus bens”. Ressaltou ainda que Manuel Felizardo tornou-se procurador dos herdeiros,

iniciando, a partir de então, uma campanha de acusações. Como se vê, além da questão

destinada à justiça, o caso estampa a necessidade de exposição dos fatos ao público, como

um júri capaz de julgar as suas honras e decidir seu lugar social433.

Em outro impresso, emitido três anos depois (1827), José Antonio de Azevedo publicou

carta desmentindo uma notícia de anulação de um testamento de Manuel da Silva Cunha434.

No mesmo ano, Antonio Botelho, Tenente da Sétima Companhia de Regimento de

Cavalaria, reclamou do Juiz Ordinário da Vila de Cantagalo, Francisco Vieira de Souza.

Segundo Botelho, o referido juiz teria comandado seus escravos na invasão de seu

432
Manoel Felizardo de Carvalho Almeida. Apelo à opinião pública. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário,
1824.
433
Agradecemos à professora Lúcia Bastos pelo fornecimento deste folheto, o qual muito contribuiu para
facilitar nosso entendimento acerca do desenrolar dos fatos ocorridos. Cf. José Joaquim Pimentel. A Verdade
em campo contra o apelo a opinião pública feito por Manuel Felizardo Carvalho Almeida. Rio de Janeiro:
Tipografia do Diário, 1824, p. 2.
434
Carta ao redator do Diário Fluminense. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 11 de abril de 1827.

144
145

armazém435. De acordo com Botelho, o armazém servia como “depósito dos gêneros e

mantimentos que produz sua lavoura para vender e exportar”436 e fora invadido para

finalidade de roubo. Os escravos invasores foram dominados por seus agregados e parentes

e levados à prisão437.

Em outro caso, ocorrido dois anos depois, o padre Joaquim Cláudio Viana das Chagas

foi acusado de acúmulo de cargo, nas eleições para vereadores da câmara Municipal, Juiz

de Paz e Suplente438. Sendo assim, pedia para inserir no periódico sua resposta. Segundo o

padre, estava sendo alvo de críticas de João Batista Reis. Pela leitura do respectivo texto,

foi possível verificar que tais acusações foram emitidas em agosto de 1829 e lidas somente

dois meses depois. Infelizmente não se sabe como a informação chegou ao autor, no

entanto, o impresso pode ser um claro exemplo do tempo de repercussão das notícias na

época439.

Em 1830, Luís dos Santos Marrocos, defendeu-se também de acusações publicando

folheto que desmentia a notícia de que estaria sendo desonesto com seu sogro, ao cuidar da

partilha dos bens440. No mesmo período, Feliciana Maria das Chagas tornou público uma

reclamação que fez à Justiça sobre a posse “de certos terrenos”441. Segundo relatou, os

435
Antonio Machado Botelho. Carta aberta aos ilustres concidadãos protestando contra Francisco Viera de
Souza, juiz ordinário da Vila de Cantagalo. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1827. Neste mesmo ano,
saía à luz um impresso de cerca de 30 páginas, contendo uma espécie de análise das finanças do Banco do
Brasil. O Paulista e o Mineiro conversavam sobre as receitas e despesas do referido Banco e como melhorar
sua administração. Cf. O mineiro (pseudônimo). O Paulista, e o Mineiro em seria conversação, promovida
por encontro casual sobre o estado atual do Rio de Janeiro, precedido do apurado de finanças do Tesouro
Publico para com o Banco do Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1829.
436
Idem. Ibidem.
437
Neste ano de 1827, a Tipografia do Diário publicou ainda um pequeno plano de rifa, de uma página. Os
prêmios de loteria bem como as rifas faziam parte das novas práticas cotidianas na cidade, sendo publicada
também por outras empresas impressoras. João André Cogoy. Plano de Rifa. Rio de Janeiro: Tipografia do
Diário, 1827.
438
Joaquim Cláudio Viana das Chagas. Carta aos redatores da Aurora Fluminense. Tipografia do Diário: Rio
de Janeiro, 1829.
439
O padre é autor de três escritos entre junho e outubro de 1829. Na ânsia de se defender contra a acusação
de acúmulo de cargos. Cf. Joaquim Cláudio Viana das Chagas. Resposta do autor ao inimigo dos déspotas.
Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1829. O escrito tem datação e local de ter sido escrito em Valença, 28
de junho de 1829.
440
Luis dos Santos Marrocos. Defesa de Luís dos santos Marrocos contra um artigo de Cândido José de
Sousa Mursa inserto no ‘ Diário Mercantil’. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 18 de outubro de 1830.
441
Feliciana Maria das Chagas. Aviso ao Público. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 11 de julho de 1831.

145
146

terrenos foram “usurpados” pelos monges do Mosteiro de São Bento. Para Feliciana, “é

incompatível com os servos do senhor possuir bens de raiz”442. Pelo nome do folheto: Aviso

ao Público, o impresso tornava-se um alerta para aqueles que se viam lesados por outrem.

A autora, por sua vez, demonstrava estar inserida no mundo das letras, pois usava “a

liberdade de escrever”, destacando que se apoiava na “justiça do século”443.

Assim como Feliciana muitos dos indivíduos, cidadãos ativos (votantes) ou não,

passavam seus anos norteados por uma nova relação com eventos. O fácil acesso a uma

tipografia e a possibilidade de ver seu mundo privado ganhar força a público, faziam com

que uma trajetória individual ganhasse projeção, por meio de leituras, apoios ou repulsas.

Gladys Sabina Ribeiro mostrou como essas questões aparentemente isoladas e pessoais

inserem-se nos debates fundamentais da época, pautados em matrizes européias enfáticas

ao debate acerca da soberania do governante e à inserção dos indivíduos na sociedade444.

Nesse período, de saída do Imperador Pedro I, o Império vivia uma intensa luta política

entre os grupos liberais. Moderados ou Exaltados tomavam conta da cena pública, em

clubes e associações espontâneas e, mesmo, nas ruas. Foi também por meio da imprensa,

atrelada muitas vezes a essas mesmas sociedades que esses homens uniam direção da

opinião à direção da política.

Ainda em 1831, a mesma tipografia lançava o folheto Oração fúnebre do enterro dos

Farroupilhas. Com sua linguagem direta, atacava: “não somente prego para farroupilhas,

prego também para aqueles que por meio de uma sincera conversão, possam de boa mente

adotar meus conselhos, e ainda entrarem no grêmio de gente honrada”. Pelo escrito, nota-se

que o autor atacava diretamente o deputado Cipriano Barata, chamado de “insignificante” e

442
Idem. Ibidem. Op. cit., p. 1.
443
Ibidem.
444
Gladys Sabina Ribeiro. “Nação e cidadania em alguns jornais da época da Abdicação: uma análise dos
periódicos O Repúblico e O Tribuno do Povo”. In: Mônica Leite Lessa; Silvia Carla Pereira de Brito Fonseca
(orgs.). Entre a Monarquia e a República: imprensa, pensamento político e historiografia (1822-1889).Rio
de Janeiro: EdUERJ, 2008, pp. 35 - 60.

146
147

“ridículo”. Conforme deixou claro, desejava que os farroupilhas desaparecem,

identificando-os como “demônios”445.

Em meio a um cenário de inúmeros embates, a polícia também se insubordinava. .

Segundo o folheto: Exposição dos acontecimentos da noite de 14 e 15 do mês de julho do

corrente ano, à Nação Brasileira, no dia 14, tendo marchado para a Praça da Constituição,

as tropas do governo buscavam desarmar a polícia que desobedecia seus superiores.Em

uma decisão coletiva, tais indivíduos levaram à prensa uma Representação destinada ao

Governo, contendo os nomes, segundo eles, “dos maiores Inimigos do Império”. No texto,

exigiam a soltura de alguns presos e pediam para que alguns outros fossem expulsos446.

Em fins do Primeiro Reinado, portanto, os debates em torno das questões ligadas à

cidadania se intensificaram tendo sido amplamente construídos, divulgados e refletidos na

imprensa. Um decreto emitido pela Câmara Municipal demonstra claramente a situação

conflituosa entre o ofício tipográfico da época e a política de Estado vigente.

Cumprindo determinação do Código Criminal do Império do Brasil, de 16 de

dezembro de 1830, em seu artigo 303, que diz ser infração:

Estabelecer oficina de impressão, litografia ou gravura, sem declarar


perante a Câmara da Cidade, ou Vila, o seu nome, lugar, rua ou casa em
que pretende estabelecer, para ser escrito em livro próprio, que para esse
efeito terão as Câmaras; e deixar de participar a mudança de casa, sempre
que acontecer447.

Conforme verificamos, controlar o movimento das tipografias representava

fundamental mecanismo de controle do poder, na medida em que possibilitava vigiar o

445
Oração fúnebre do enterro dos Farroupilhas do dia sete de outubro, recitada na Igreja da Lampadoza.
Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1831, p. 3. Cf. Marcello Octávio Néri de Campos Basile. “Luzes a
quem está nas trevas: a linguagem política radical nos primórdios do Império”.In: Topoi: revista de história,
nº3. Rio de Janeiro: 7 letras, setembro de 2001.
446
Exposição dos acontecimentos da noite de 14 e 15 do mês de julho do corrente ano, à Nação Brasileira.
Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1831, p. 1.
447
RIO DE JANEIRO. Decreto de 16 de dezembro de 1830. Artigo 303. Arquivo da Cidade do Rio de
Janeiro. Livro de Registro dos Estabelecimentos de Oficinas de Impressão, Litografia e Gravura, código
43.1.22. 1830. Legislação Municipal.

147
148

crescimento dos grupos de oposição. Pelo que destaca Paulo Berger, “este decreto nunca

foi obedecido com muito rigor”448. O acirramento das disputas políticas durante o ano de

1830 e a crescente participação dos impressos na esfera pública, resultava, cada vez mais,

em medidas de coerção. Este fato apresentou-se como um dos motivos que teria levado a

Câmara Municipal da Cidade desta cidade a emitir o seguinte edital:

Os Proprietários das Oficinas de impressão, litografia, ou gravura, que se


acham estabelecer nesta Cidade, ou fora dela, dentro dos limites da
Câmara, são obrigados no prazo de oito dias, da publicação desta, a
apresentar na Câmara Municipal seus nomes, a rua da sua moradia, e o
número da casa de sua residência, e estabelecimento; para se fazer assento
em um Livro, para este fim destinado: os contraventores pagarão a multa
de 12 a 60$000 réis, na conformidade do Título 4° Capitulo 8° Art. 300 do
Código Criminal.

E ainda:

Os que se mudarem do lugar declarado, deverão logo, dentro de 24 horas,


dar parte à Câmara da sua mudança com a mesma especificação: os
contraventores ficam sujeitos à dita multa. E para que chegue a notícia a
todos se mandou publicar e afixar o presente Edital449.

A completa vigilância por meio deste Edital revela a crise de autoridade pela qual

passava o Império do Brasil, em 1831. Em relação à imprensa, este foi momento de maior

participação através do crescimento do número de tipografias, bem como de jornais e

folhetos, que exigiam mudanças na política e, em alguns casos, na própria organização

social. Nesse sentido, este foi contexto de bastante notoriedade e participação, uma vez que

sua ação colaborou para o desenlace dos fatos que se apresentaram durante o Primeiro

Reinado, como também para a reorganização do quadro político e social na recepção do

governo regencial450.

448
Paulo Berger. A Tipografia no Rio de Janeiro (1808-1900). Rio de Janeiro: Companhia Indústria Nacional
de Papel Pirahy, 1984, p. 41.
449
RIO DE JANEIRO, Edital de 05 de março de 1831, Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro. Código do
Processo Criminal. 1831. Legislação Municipal.
450
Quadros com a curva de produção quantitativa na Regência e no Primeiro Reinado, pode ser visto em:
Marcello de Ipanema & Cybelle de Ipanema. “Imprensa na Regência – observações estatísticas e de opinião
pública”. Rio de Janeiro: Revista do Instituo Histórico, Geográfico e Etnográfico Brasileiro, vol. 307,
abr - jun, 1975, pp. 91- 95.

148
149

Considerações finais

Para tomar o poder é preciso tomar a


palavra e difundí-la 451.

Pesquisar a história da imprensa no Brasil do século XIX constitui o

enfrentamento de inúmeros desafios. O esboço de uma cultura letrada e sua relação com

novas formas de fazer a imprensa e a política são questões que perpassam boa parte dos

estudos centrados no assunto. Nessa dissertação, procuramos ressaltar a importância das

tipografias enquanto espaços público informais em contexto de formação do Império do

R. Darnton & D. Roche(orgs). In: ________ Revolução impressa: a imprensa na França


451

(1775-1800). Revolução Impressa. A imprensa na França 1775-1800. São Paulo: Edusp, 1996.

149
150

Brasil. Em consonância com estudos recentes, os quais privilegiam os espaços físicos como

parte integrante de uma esfera pública em gestação, ressaltamo-nos enquanto um local -

testemunha e construtor - de profundas transformações sociais.

Para além de um mero ponto destinado ao comércio em geral e no bojo do

surgimento de iniciativas do gênero, a Tipografia do Diário perpassou os anos

compreendidos entre 1821 e 1831 altamente relacionada às novas questões urbanas que se

apresentavam. Em momento de transformações nas mentalidades e nos comportamentos, os

impressos publicados por esta “empresa”, esboçavam novas formas dos indivíduos cariocas

lidarem com seus problemas. Como um espaço público de produção e venda de impressos

foi fundamental para a difusão e consolidação de muitos dos valores surgidos na

Modernidade européia, que, enfim, se disseminavam nos trópicos.

A própria atividade de edição e redação de seu fundador, Zefferino Vitor de

Meireles, demonstram um grande anseio dos indivíduos que lhe eram contemporâneos

interagirem com todo esse processo, fazendo valer tanto suas opiniões mais imediatas

quanto suas concepções de mundo. Nesse sentido, acompanhando as várias fases da

Impressão Régia, no curso de treze anos, Meireles representou, ao lado de muitos eruditos,

uma elite cultural amplamente envolvida com a tarefa de civilizar a cidade, buscando

enquadrá-la de acordo com os padrões europeus vigentes. Entre suas estratégias, estava a

difusão da leitura em geral; da informação e, em conseqüência, de novas práticas de

sociabilidades.

Por meio de seu principal impresso, o periódico Diário do Rio de Janeiro,

expressou suas opções políticas e contribuiu com uma espécie de missão esclarecedora, tão

comum aos intelectuais do período, fazendo da política uma questão a ser discutida no

cotidiano. Por sua atividade específica, ou seja, o manejo das palavras, esteve altamente

imbricado na construção de uma nova mentalidade e suas representações.

150
151

Como um rico manancial para compreensão da sociedade da época, e apesar de

ainda não ter sido contemplado em estudo vertical na historiografia, o veículo Diário do

Rio de Janeiro abrigou em seus anúncios distintas noções de pátria. Como um órgão de

comunicação, esteve altamente imbricado com inovações jornalísticas na forma da difusão

e do enraizamento da notícia.

Ao montar sua própria tipografia, no ano de 1822 - como um espaço

público e privado-, Meireles construiu uma alternativa para pensarmos as estratégias de

vendagem e de difusão de novas posturas e ideias no contexto em que se formavam novas

maneiras de trocas e relações sociais. Dessa forma, o estabelecimento da Modernidade nos

trópicos contou com uma ampla ajuda não só dos impressos como também dos espaços

públicos que se formavam e se transformavam.

Como um ponto de encontro entre pessoas, anunciante e /ou leitores, a Tipografia

do Diário dinamizou o fortalecimento de uma esfera pública na Corte. Mesmo enfrentando

inúmeras resistências no tocante à sua constituição como um espaço legítimo de

representação política, sociabilidades e comportamentos eram moldados a cada dia e

contavam com a presença e financiamento de folhetos por parte de muitos dos seus

habitantes. Ao longo do Primeiro Reinado e mesmo no choque com o autoritarismo de

Pedro I, a referida tipografia funcionou como uma “empresa” que produzia impressos de

grande interferência não apenas na política, mas também na forma com que esses

indivíduos tratavam a si mesmos e aos seus iguais. Opinião e cidadania, portanto, eram

conceitos intrinsecamente relacionados além de questões centrais nas temáticas dos

impressos. Complementarmente a pesquisa identificou que o editor, administrador de uma

tipografia, constituía figura central. Ao anunciar um produto os moradores deixavam as

informações principais e ordens para que fossem vendidas em sua própria sede. Ou seja:

através da união entre imprensa, comércio e participação, o espaço tipográfico constituía-se

151
152

como um catalisador das muitas e intensas transformações em curso, as quais, longe de

estarem restritas ao campo da política propriamente dita, espraiavam-se para todos os

âmbitos sociais.

Fontes:

Arquivo Nacional do Rio de Janeiro:

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Maço 433.

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Maço 0246.

“Impresão Régia”. Caixa 762. Diversos. 27 / 12 / 1768. Doc.1.

152
153

“Carta de Zefferino Vitor de Meireles a D. João VI, pedindo esclarecimentos ao censor


José da Silva Lisboa sobre a censura a suas publicações relativas ao “Discurso Recitado
na Villa de Alcântara do Maranhão”. Caixa 171, pacote 4, doc.78.

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Impressão, Litografia e Gravura, código 43.1.22, 1830. Legislação Municipal.

2) RIO DE JANEIRO. “Edital de 05 de março de 1831”. Arquivo Geral da Cidade do


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4. O Constitucional, 1822.

5. O Compilador Constitucional e Literário Brasiliense, 1822.

6. O Correio do Rio de Janeiro,1822-1823.

7. O Papagaio, 1822.

8. O Espelho, 1821-1823.

9. Macaco Brasileiro,1822.

10. Gazeta do Rio de Janeiro, 1808-1822.

11. A Malagueta, 1821-1832.

12. Sabatina Familiar dos Amigos do Bem Comum, 1821-1822.

153
154

13. O Volantim,1822.

- Fontes manuscritas:

(Coleção de Documentos Biográficos)

1) Requerimento de Zefferino Vitor de Meireles a D. João VI pedindo


confirmação de sua nomeação ao cargo de vice-administrador da Tipografia da
Impressão Régia. C620;001.

2) Requerimentos de Zefferino Vitor de Meireles ao Ministério do


Império. C620;001.

3) Certidão de Francisco Izidoro da Silva em confirmação de


Zefferino Vitor de Meireles em diferentes cargos da Tipografia da Imprensa
Régia. C620;001. Doc 10.

4) Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando


mercê do lugar de inspetor da Impressão Régia da Corte do Rio de Janeiro
[s.l.], 1818. C620;001. Doc. nº2.

5) Reconhecimento de José Pires Garcia a Zefferino Vitor de Meireles


como vice-administrador da Tipografia da Imprensa Régia. Rio de Janeiro,
outubro de 1818. C620;001, Doc. nº 1.

6) Reconhecimento de José da Silva Lisboa a Zefferino Vitor de


Meireles por seus cargos. Rio de Janeiro, agosto de 1817. C 620;001, Doc. nº
11.
7) Reconhecimento de Silvestre Pinheiro Ferreira a Zefferino Vitor de
Meireles por seus cargos. Rio de Janeiro, agosto de 1817. C620;001, Doc. nº
12.

154
155

8) Reconhecimento de José Bernardes de Castro a Zefferino Vitor de


Meireles por seus cargos. Rio de Janeiro, outubro de 1817. not. C620; 001,
Doc. nº 13.

9) Reconhecimento de José Saturnino da Costa Pereira a Zefferino


Vitor de Meireles por seus cargos. Rio de Janeiro, outubro de 1817.
not. C 620; 001. Doc. nº 13.

10) Súplica de Zefferino Vitor de Meireles ao monarca dom João para


receber o título de oficial de Bofete da Tesouraria Geral das Tropas da Corte.
[s.l].,[s.d.]. not. C620;001. Doc.1.

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ANEXO 1:

Publicações da Tipografia do Diário nos anos de 1821 a 1831:

- Biblioteca Nacional

(fontes dispostas em ordem alfabética)


Em negrito, as fontes encontradas e consultadas.

Ano: 1831
Aparição extraordinária e inesperada do velho venerando ao Resende. Diálogo havido
entre eles, sobre a atual situação política do Brasil.

Proclamação da Mesa da Câmara dos Deputados e da Regência Trina Permanente,


contra os distúrbios promovidos pelos “exaltados” em 13 e 14 de julho de 1831.

Aviso ao Publico. Por Joaquim José de Castro.


Defesa ou fiel e verdadeira exposição dos acontecimentos, que tiveram lugar no Rio de
Janeiro, por ocasião da chegada de SSMMII nas noites de 11 a 15 de março que, ao
respeitável corpo do Comércio, oferece um Verdadeiro Constitucional.

Oração fúnebre no enterro dos Farroupilhas do dia sete de Outubro, recitada na


Igreja da Lampadosa por um anônimo.

Aparição extraordinária, e inesperada do Velho Venerando ao Roçeiro, diálogo havido


entre eles, sobre a atual situação política do Brasil...Oferecido aos concidadãos pelo roceiro
pedido do venerando velho. O Roceiro (pseudônimo).

Aviso ao Público. Por Feliciana Maria das Chagas.

Proclamações da Mesa da Câmara dos deputados e da Regência Trina Permanente,


contra os distúrbios promovidos pelos “exaltados” em 13 e 14 de julho de 1831. Manuel
José de Souza França.
Exposição dos acontecimentos das noites de 14 e 15 do mês de julho do corrente
ano, à Nação Brasileira.

Ao respeitável Público. Exposição dos Oficiais do 5º batalhão de caçadores da 1ª linha


contra os pseudos “bons” servidores da Pátria.

Petição ao Sr. Pedro I. [s.a].

Acontecimento da noite de 19/9/1831, na Rua do ouvidor. [s.a].

165
166

Ano: 1830
Observações à memória Lucas José Alvarenga, com as suas notas e um resumo da sua
vida escrita pelo mesmo. Por José Lucas de Alvarenga.

Defesa de Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, contra um artigo de Candido Jose
de Souza Mursa inserto no Diário Mercantil de 13 de Janeiro de 1830. Por Luiz
Joaquim dos Santos Marrocos.

Igreja de Santa Cruz dos Militares. Compromisso da Imperial Irmandade da Santa Cruz
dos Militares.[s.a].

Último Adeus de J. Washington à Nação Americana ou Evangelho Político dos Estados


Unidos D’América. Traduzido por A L. da Cunha.

Oração da ação de graças que o Corpo de Ordenanças da corte rendeu ao altíssimo pelo
restabelecimento da preciosíssima saúde do Senhor D. Pedro I... recitada em a Capela de
Nossa Senhora da Glória no Rio de Janeiro. Souto Maior.

Lista Geral os prêmios da segunda loteria a beneficio dos empregados portugueses,


principiada a sua extração em 22 de setembro e finda em 25 do mesmo de1830.

Parecer da Comissão Especial encarregada do exame de contas do comissário geral do


Exército, Albim Gomes Guerra.

BRASIL. Conselho Supremo Militar de Justiça. Sentença a favor de Germano Xavier


d’Aguiar.

Ao Publico. (contesta que faz o autor contra o Sr. Queiroz, procurador de Leandro
Antonio Ferreira...). Por José Antonio de Azevedo Cirne.

Ano: 1829
O Paulista, e o Mineiro em seria conversação, promovida por encontro casual
sobre o estado atual do Rio de Janeiro, precedido do apurado de finanças do Tesouro
Publico para com o Banco do Brasil . O Mineiro (pseudônimo).

Anúncio. Publica forma.

Copia do Ofício do exmo. Sr. Bispo Capelão mor. Lúcio Soares Teixeira de Gouveia.

Ao exmo. Sr. Ministro da Justiça, a que se refere a correspondência da aurora, nº 167.

Parecer da Comissão da Constituição - Congresso Câmara dos Deputados.

Moção feita na Câmara Municipal de Ouro Preto.

Carta aos redatores da “Aurora” em resposta ao autor do Império de 25 de maio -


o inimigo dos Déspotas.

166
167

Parte de Joaquim Cláudio Vianna das Chagas em resposta ao Inimigo dos


Déspotas.

Resposta do Inimigo dos Déspotas.

Srs. Redatores da Aurora (resposta do autor ao Inimigo os Déspotas.) Por


Joaquim Cláudio Vianna das Chagas.

Ano: 1828

Artigo adicional à Memória. Por Lucas José de Alvarenga.

Ao Publico imparcial. Por João Justino de Araújo.

Carta e exposição que serve de defesa ao ex-diretor do corte e cobre da casa da moeda
desta Corte, dirigida ao Ilustríssimo Senhor Doutor, João da Silveira Caldeira, provedor da
mesma casa. João Justino de Araújo.

Memória para perpetuar a gratidão. [s.a].

Ao Publico. Por José Joaquim Gouvêa.

Ao Publico. Por José Custódio Teixeira de Magalhães.

Reflexões poéticas de um amigo da felicidade publica. Por Luís Rafael Soyé.

Defesa contra os ataques de João Caetano dos Bantos. Por José Luis Boaventura.

Protesto contra o cirurgião Jerônimo Ribeiro dos Santos por não ter acompanhado um
recrutamento.

Cópia de uma carta chegada proximamente do Maranhão a qual faço imprimir para que
o Púbico fique sabendo o que vai por aquela província & C.

Cartas ao redator do “Diário Fluminense”.


Tratado de educação físico-moral dos meninos extraídos das obras de Mr.
Gardier,doutor em medicina. Tirado em linguagem, e ampliado com ilustrações
extraídas dos melhores autores. Por Joaquim Gerônimo Serpa.

Srs. redatores da Aurora cartas em favor do Ouvidor José Antonio de Sequeira e Silva,
escrito por José Ribeiro de Faria e pelo “O cidadão Brazileiro”.

Ano: 1827

Carta ao redator do Diário Fluminense, 11 de abril.

167
168

Plano de rifa que faz João André Cogoy, na rua do ouvidor nº125, de várias jóias,
as quais se há de extrair com a próxima 7ª loteria do Imperial Teatro de S. Pedro de
Almeida.

Carta aberta aos ilustres concidadãos protestando contra Francisco Vieira de


Sousa Juiz ordinário da Vila de Cantagalo. Antonio Machado Botelho.

Ano: 1826

Pequeno tratado da fabricação do açúcar oferecido ao Exm°. Sr. Conselheiro Luiz


Pedreira do Couto Ferraz Por Pedro Pereira de Andrada.

Exposição justificativa da conduta do Bacharel Manuel Machado Nunes. Por Manuel


Machado Nunes.

Ano: 1825

Exposição contra o bacharel Francisco Xavier Furtado de Mendonça. Um Seu


apaixonado (pseudônimo).

Defesa do Bacharel Cipriano José Barata contra as falsas acusações da devassa tirada
em Pernambuco em novembro e dezembro de 1824. Por Cipriano José Barata de Almeida.

Ano: 1824

Resposta dada por Gabriel José de Souza Ferreira, à Portaria do Ilustríssimo e


Excelentíssimo Senhor Sebastião Xavier Botelho.

Sebastião que, aos senhores seus credores, dá o almoxarife suspenso do Hospital


Militar desta Corte. José Mamede Ferreira.

Exposição contra Belchior Nana. Por Candido Luis de França.

Semanário Mercantil.

Protesto contra Frei Leandro do Sacramento.

Notícia. Por João Pereira de Andrade Almeida.

Aos verdadeiros amigos de SMI e do Brasil. Por Silvestre Antunes Pereira da Serra.

Apelo à Opinião Publica. Por Manuel Felizardo Carvalho e Almeida.

A verdade em Campo contra o apelo à opinião pública feito por Manuel Felizardo
Carvalho e Almeida. Por José Joaquim Pimentel.

168
169

Ano: 1823

Ata que se lavrou em Conselho composto dos cidadãos do Clero, Nobreza e Povo a
bem da tranqüilidade da Província da Bahia em 17 de dezembro.

Carta do Brasileiro da roça ao redator da Sentinela da Praia Grande em Resposta a ordem


do dia do Quartel General da Câmara.

Carta ao príncipe regente queixando – se das injustiças do Conselho do Governo


Temporário na questão do roubo do pau-brasil na Bahia.

Ano: 1822

Memória para perpetuar a gratidão dos brasileiros e portugueses, compatriotas no


Brasil. Por A de A B.

Brasil e Portugal ou Reflexões sobre o estado do Brasil. Por Heliodoro Jacinto de Araújo
Carneiro.

Carta de um pedreiro ao seu amigo, em que lhe refere um sonho que teve a respeito
das Cortes.

Carta sobre o n°62, do Correio do Rio de Janeiro, dirigida aos habitantes desta
Província, a fim de se acautelarem, e premunirem contra os que se inculcam para serem
seus deputados. O Pelotiqueiro desmascarado (pseudônimo).

Diário do Rio de Janeiro.

Sentinela de Liberdade a Beira Mar da Praia Grande.

Narração do Procedimento da Vila de Itu em conseqüência dos fatos de 23 de maio


de 1822 na cidade de São Paulo. Por João Luiz Freire.

Sonetos feitos e recitados nas noites dos dias 22,23 e 24 de setembro na respeitável
presença de S.A.R., pelo Padre Manoel de Freitas Magalhães da província do Espírito
Santo. Por Manoel de Freitas Magalhães.

Nova Questão Política. Raymundo José da Cunha Mattos.

Correspondência (assinada por uma fluminense dirigida a Sra. Redatora mulher do


Simplício). O Neto do Simplicio (pseudônimo).

O Brasil visto por cima (carta a uma senhora sobre as questões do tempo). Por José
Silvestre Rebello.

Representação a favor do brigadeiro José Manoel de Moraes contra os três Majores,


enviados de Campos para o Rio de Janeiro, pelos seus crimes. Por três gêmeos
cosmopolitas.

169
170

Independência ou Morrer. Evaristo Ferreira da Veiga.


O Constitucional.
O Papagaio (nº. 8 ao 12).

Acusação ao seu antagonista Antonio Teixeira Pinto da Cruz. Custódio de Souza


Guimarães.

Carta pastoral, em que Vossa Excelência reverendíssima recomenda ao clero Secular e


Regular, que exortem os povos à união e concórdia entre si, respeito e obediência ao governo
estabelecido, e outras providências ao mesmo respeito. Pelo bispo José Caetano da Silva
Coutinho.

Resposta a Antonio Teixeira da Cruz. Custódio de Sousa Guimarães.

170

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