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Rio de Janeiro
2009
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Rio de Janeiro
2009
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ CCS/A
CDU 327(81)
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação.
_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
4
__________________________________________
Prof. Dr. Orlando de Barros (Orientador)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
_______________________________________
Profa. Dra. Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
_________________________________________
Profa. Dra. Marilena Barboza
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ
___________________________________________
Prof. Dr. Cristiano Fonseca Monteiro
Escola de Ciências Humanas e Sociais da UFF
Pólo Universitário de Volta Redonda
Rio de Janeiro
2009
5
AGRADECIMENTOS
Confesso não ser uma tarefa fácil concluir um mestrado vinte anos após a conclusão
da graduação. Muitos são os obstáculos a serem superados, principalmente quando optamos
por um curso que não o da nossa área de formação. Hoje, vencidos quase todos os obstáculos
dessa minha importante decisão, posso constatar, com prazer, o quanto valeu a pena ter
insistido e transposto cada um dos muitos momentos difíceis que passei. Não há dúvida do
quanto cresci e melhorei, não só como profissional, mas acima de tudo, como ser humano,
que não mede esforços para seguir de cabeça erguida. Desta forma tenho muito a agradecer e
procurarei citar cada uma das figuras importantes que cruzaram o meu caminho durante essa
jornada. Gostaria, inclusive, de deixar claro que, embora não sejam listados, agradeço também
a todos que, de alguma forma, contribuíram ao levantar os obstáculos que tive que transpor,
me obrigando, assim, a superar minhas deficiências e por a prova minha capacidade de
determinação.
Nessa difícil e valiosa experiência os que mais se envolvem, pela proximidade física e
afetiva, são os membros da família. Desta forma, inicio agradecendo ao meu marido e meu
filho, por me ouvirem, incentivarem e suportarem minhas ausências, principalmente na reta
final. Ao meu pai, embora não diretamente envolvido neste processo, um agradecimento
especial por ter me incentivado, desde criança, o magnífico hábito da leitura.
No mundo acadêmico, tenho muito a agradecer ao meu professor e orientador Orlando
de Barros, pela nobreza do incentivo, do companheirismo, da paciência e, acima de tudo, pela
confiança que depositou em mim e nesta proposta de pesquisa, desde as primeiras idéias
surgidas ainda no curso de especialização em História das Relações Internacionais. Sua
presença, tão respeitada no meio acadêmico, me fazia acreditar que eu iria conseguir.
Nesse mesmo mundo acadêmico, não poderia deixar de agradecer aos professores que
fizeram parte da banca examinadora do concurso do mestrado, e que, com o seu apoio inicial
me permitiram concluir este trabalho. Não citarei seus nomes, pois aquele foi o primeiro e
praticamente o único contato que tive com eles, mas gostaria de lhes dizer que jamais
esquecerei de suas feições, na ocasião em que me transmitiram um grande estímulo.
Ao professor Cristiano Fonseca Monteiro, autor dos primeiros textos que li sobre as
questões relacionadas à história da Viação Aérea Riograndense (VARIG) e das mudanças
operadas no mercado da aviação nas últimas décadas, meu especial agradecimento pelo muito
que o seu trabalho me influenciou e por toda a colaboração, simpatia e apoio, desde os
6
primeiros contatos que tivemos e, obviamente, por ter aceito participar, tanto da banca de
qualificação, quanto da banca de defesa final.
À professora Eli Diniz, autora de muitos dos textos citados nesta dissertação, agradeço
pela luz que suas análises trouxeram às minhas idéias e pela oportunidade de ter assistido suas
aulas, ministradas na UFRJ, em parceria com a professora Maria Antonieta Leopoldi. Da
mesma forma agradeço às pesquisadoras Maria Regina Xausa e Cláudia Musa Fay, bastante
citadas também.
Ao senhor Harro Fouquet, ex-diretor da VARIG e um dos membros do atual Conselho
de Administração da empresa, que com muito carinho me abriu sua casa e todo seu magnífico
acervo histórico, não só da companhia, mas da aviação comercial como um todo, devo-lhe
dizer que as muitas horas que passamos juntos, conversando e folheando importantes
documentos que passaram a fazer parte desta dissertação, jamais serão esquecidas,
principalmente pela riqueza que foi poder discutir tais assuntos históricos com quem os viveu
de fato.
Agradeço também ao Altineu, ex-funcionário da biblioteca da VARIG, que por
décadas cuidou daquele precioso acervo e que muito sofreu ao vê-lo sendo degradado nos
últimos anos. Receba meu agradecimento por ter me recebido e colaborado, com tanta boa
vontade, em meio ao que havia restado e no curto espaço de tempo em que esta biblioteca
ficou ativa no ano de 2008. Agradeço-lhe também por ter me ajudado a encontrar, em São
Paulo, o Sr Harro Fouquet.
Nesse encantado mundo das bibliotecas não poderia me esquecer da Maria,
funcionária da biblioteca da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que nunca mediu
esforços para me ajudar em minhas muitas pesquisas naquela instituição.
Por fim, agradeço aos colegas da turma da especialização e do mestrado pelo enorme
prazer que tem sido conviver com vocês, trocar idéias, aprender, receber apoio e acima de
tudo, se sentir fazendo parte de uma comunidade tão rica, como é a comunidade acadêmica.
Não citarei a todos, mas não poderia deixar de citar os mais próximos. Obrigada Ana, Délcio,
Ramez, Sônia e Walter.
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RESUMO
OLIVEIRA, Sandra Regina de. Rota de colisão: a cultura da Varig Grande e a aviação civil
brasileira em meio à globalização. 280f. Dissertação (Mestrado em História Política) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2009.
Esta dissertação de História tem por objetivo demonstrar a estreita relação existente
entre a crise da VARIG e a mudança de paradigma do governo brasileiro com relação à
aviação civil e, conseqüentemente, com relação às empresas nacionais de aviação, a partir da
década de 1980, através da adoção dos preceitos neoliberais que marcaram a
desregulamentação da aviação civil no mercado doméstico norte-americano. Desta forma, a
partir do momento que o Estado brasileiro passou oficialmente a adotar políticas para o
mercado da aviação, cujas diretrizes foram traçadas nos Estados Unidos da América, foi
possível associar o estudo da história da aviação nacional à história da política governamental
no que tange às suas relações com a política internacional, levando-nos a traçar um paralelo
entre a política externa brasileira e a política externa dos EUA, tal a grande influência deste
país no desenvolvimento da aviação civil no Brasil, principalmente após a Segunda Guerra
Mundial, até as mudanças neoliberais das últimas décadas. Pôde-se, assim, observar em que
grau a política externa norte-americana conseguiu influenciar a evolução da aviação no Brasil,
em função da maior ou menor autonomia dos diversos governos brasileiros a esta política
específica. Para demonstrar a relação existente entre a crise da VARIG e esta mudança de
paradigma, foi necessário estudar os aspectos relacionais externos da empresa, o quanto o
lema “VARIG Grande” se atrelava à política econômica de um “BRASIL Grande”, concebido
durante o chamado “Milagre Brasileiro”, isto é, o quanto sua política empresarial esteve
associada à política nacional-desenvolvimentista do Estado, que ao entrar em crise
desestabilizou a histórica estratégia da VARIG, principalmente após a década de 1990,
quando os espaços de interlocução entre a burocracia estatal e as empresas privadas se
reduziram ao extremo. No caso da VARIG, foi preciso também analisar os seus aspectos
relacionais internos, construídos ao longo de seus mais de oitenta anos de história, com
práticas institucionais bastante próximas às das empresas estatais. Na conclusão, será
demonstrada a co-responsabilidade do Estado na formação, no crescimento, no início da crise
e na intensificação do processo de queda da empresa, através de atuações determinantes, em
momentos diferentes da história do país.
ABSTRACT
This History dissertation aims at demonstrating the close relation between the
VARIG’s crisis and the paradigm changes of the Brazilian government regarding the civil
aviation and the national airlines, since the eighty's decade, by means of the adoption of the
neoliberal ideas, which marked the deregulation of the north-american aviation domestic
market. Therefore, considering the official adoption by the Brazilian state of the directrixes
developed in the USA, was possible to us to associate the study of national aviation’s history
to the history of the governmental politics regarding the international politics. Therefore we
could trace a parallel analysis between the Brazilian and the north-American foreign policy,
due to the great influence of this country on the civil aviation development in Brazil, mainly
after the Second World War until the neoliberal changes of the late decades. Thus, we could
observe how much the North-American foreign policy has succeed in influencing the
evolution of the national aviation because of the greater or smaller autonomy from the
different Brazilian governments to this specific policy. To be possible demonstrate the
relation between the VARIG’s crisis and this paradigm change, it was necessary to study the
external relations aspects of the company, how much the slogan “Big VARIG” (“VARIG
Follows the big steps of growing Brazil” - annex A), conceived during the period called “The
Brazilian Miracle”, was associated to the nationalist-developmentalist political economy of
the Brazilian state, which when went into crisis, unbalanced the VARIG’s historical strategy,
mainly after the ninety's decade, when the connections between state actors and private
economic agents were extremely reduced. Regarding to VARIG, we needed also to analyze its
internal relations aspects, built during its more than eighty years of history, with institutional
practices very similar to the in state companies. In the conclusion we will demonstrate the co-
responsibility of the Brazilian state on the VARIG’s life, the formation, the growth, the
beginning of the crisis and during the intensification of its fall process, by means of
determinant actings, in different moments of the country’s history.
Keywords: Deregulation of the civil aviation. Cultural history of VARIG. Brazilian foreign
policy. Nationalist-developmentalist. Neoliberalism. Globalization.
9
LISTA DE TABELAS
LISTA DE GRÁFICOS
ABREVIATURAS E SIGLAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..............................................................................................15
5 CONCLUSÃO ...............................................................................................221
REFERÊNCIAS ...........................................................................................228
APÊNDICE ....................................................................................................241
INTRODUÇÃO
Esta dissertação de História tem por objetivo demonstrar a estreita relação existente
entre a crise da VARIG e a mudança de paradigma do governo brasileiro com relação à
aviação civil e, conseqüentemente, com relação às empresas nacionais de aviação, a partir da
década de 1980, através da adoção dos preceitos neoliberais, que desde o final da década de
1970 marcaram a desregulamentação da aviação civil no mercado doméstico norte-americano.
Principalmente a partir da década de 1990, no Brasil, o setor passou por intensas
transformações no seu marco regulatório e para entender os reflexos dessas mudanças na
VARIG será necessário rever a história da própria VARIG, que se confunde com a história da
aviação civil no Brasil.
A partir do momento que o Estado brasileiro passou oficialmente a adotar políticas
para o mercado da aviação, cujas diretrizes foram traçadas no exterior, mais especificamente
nos EUA, foi possível associar o estudo da história da VARIG à história da política
governamental no que tange às suas relações com a política internacional. Por esta razão a
preocupação, ao analisar essa história, em traçar um paralelo entre a política externa brasileira
e a política externa dos EUA, tal a grande influência deste país no desenvolvimento da
aviação civil no Brasil, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, até as mudanças
neoliberais das últimas décadas. Desta forma, este estudo analisará a evolução da aviação
nacional, e em que grau a política externa norte-americana conseguiu influenciar cada um dos
períodos, em função da maior ou menor autonomia dos diversos governos brasileiros a esta
política específica. Só assim se poderá desvendar a mudança de paradigma na aviação civil
brasileira.
Com relação aos aspectos relacionais externos da empresa, será abordado na presente
dissertação, o quanto o lema “VARIG Grande” se atrelava à política econômica de um
“BRASIL Grande”, concebido durante o chamado “Milagre Brasileiro”, através de uma
postura empresarial “dependente” em relação ao Estado e à sua política nacional-
desenvolvimentista que, além de apoiar, atuava em várias vertentes do processo. Durante o
nacional-desenvolvimentismo, não só o Estado manteve controle direto sobre alguns setores
da economia, como no caso da iniciativa privada a “articulação dos interesses industriais deu-
se diretamente no interior do aparelho estatal, institucionalizando um regime de parceria com
16
1
o Estado.” A partir da década de 1990, com os governos Collor e Fernando Henrique
Cardoso, esta estrutura foi desmontada e os espaços de interlocução entre a burocracia estatal
e as empresas privadas se reduziram ao extremo. O rompimento desses laços, presentes em
toda a história da VARIG, não foi superado.
Para esses governos, a identificação existente entre a empresa e o Estado brasileiro foi
fatal quando da implantação do preceito do Estado mínimo e da desregulamentação, pois o
reconhecimento dessa imagem política da VARIG, por parte do poder executivo que adotou
os preceitos neoliberais no Brasil, tornou ainda mais difícil sua adaptação aos novos tempos, a
despeito de todas as reestruturações implantadas por seus administradores, no decorrer,
principalmente, da década de 1990. Analisar-se-á, também, os reflexos financeiros na empresa
das diversas políticas econômicas adotadas pelo Estado durante as últimas décadas, para
administrar crises mundiais como a do segundo choque do petróleo, em 1979, a da Guerra do
Golfo, em 1990, a da crise asiática, em 1997, a dos ataques terroristas nos EUA, em 2001 e a
da Guerra do Iraque, em 2003, bem como as importantes crises regionais, como a da dívida
externa, durante toda a década de 1980, passando pela crise brasileira do modelo nacional-
desenvolvimentista.
Com relação aos aspectos relacionais internos da empresa, serão abordadas questões
da cultura empresarial da VARIG, construída ao longo de sua história, com suas práticas
institucionais bastante próximas às das empresas estatais, com características tais como
pertencer a uma fundação, possuir um grande número de funcionários, em geral ligados a
empresa de uma forma tradicional e vitalícia, bem como sua acentuada “verticalização
administrativa”, com conseqüente lentidão relativa para mudanças. Objetiva-se demonstrar
que estes foram importantes fatores a dificultar sua adaptação ao processo de globalização e
às novas condições do mercado depois do Consenso de Washington. O seguinte trecho de
uma reportagem do Jornal do Brasil, bem reflete essa imagem de grandes contradições:
Rubem Martim Berta [...] profetizou que a VARIG, gerenciada pela fundação, só poderia
quebrar se os empregados quisessem...
A Fundação só existe para dar benefícios sociais aos empregados da VARIG. Quando não
mais o fizer deve ser extinta, está nos estatutos e na lei das Fundações.
Atenção: os empregados nunca foram donos da VARIG. E também não eram donos da
FRB. A fundação é que era dona de tudo.
Sem patrão, quem mandou na VARIG nos últimos 52 anos? O Colégio Deliberante da
FRB. E depois dele o Conselho Curador da FRB, escolhido pelo Colégio, que por sua vez
1
Eli, Diniz. "As elites empresariais e a Nova República: corporativismo, democracia e reformas liberais no Brasil dos anos
90", Ensaios FEE, Porto Alegre, volume 17, no 2, 1996, p. 5, in
http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/1857/2228, acessado em 10/06/2009.
17
indicava o Conselho... Bem, é mais fácil explicar como a Santa Sé escolhe o colégio
cardinalício e os papas.
Alheio às lutas pelo poder do Colégio e do Conselho, e também aos atos da diretoria da
VARIG, os empregados viviam felizes com a garantia de amparo vitalício pelo seu fundo de
pensões, o Aerus...
Por quase três décadas foi quase tão seguro e confortável ser da VARIG quanto ser
empregado do Banco do Brasil ou da Petrobrás.
Aí a FRB inventou de se modernizar. Dividiu a VARIG, criou um cipoal de empresas,
abriu regionais, comprou hotéis. Foi a mesma coisa do que implantar asas num porco e fazê-lo
voar.
...A profecia se cumpriu: ‘Os próprios empregados vão acabar com ela’. 2
De forma irônica, o texto acima resume a crise interna da VARIG, uma empresa
privada com jeito de estatal onde, cada escalão, a seu modo, ex-diretores e ex- empregados,
costuma hoje declarar: “Foi bom enquanto durou”. O seguinte depoimento de um ex-chefe de
equipe de comissários, aposentado desde 1994, retrata bem esse sentimento de frustração dos
3
contribuintes do Aerus, o plano de aposentadoria privada dos empregados da aviação,
4
fundado em 20 de outubro de 1982: “Contribuímos por anos e hoje vivemos de migalhas.
Ser “variguiano” era um orgulho. Hoje, me vejo destruído e humilhado. A estrela da VARIG
se apagou, e nós junto com ela”. 5
A VARIG, como uma grande e “disfarçada” empresa privada, não conseguiu
sobreviver. Por outro lado, por não ser uma estatal “de verdade”, também não pode buscar no
caminho da privatização, tão intensamente trilhado na década de 1990, a saída para a sua
crise, embora tenha tentado. As muitas reestruturações vividas pela empresa nessa década
foram exatamente tentativas de se tornar menos “estatal”, isto é, e usando a linguagem
neoliberal da época, “mais moderna”, “mais enxuta”, “menos burocrática”, “mais eficiente”,
“mais veloz”, etc. Esta observação “por não ser uma estatal de verdade” é exatamente, para o
presente estudo, a “gaveta” onde se escondia uma importante causa que ajudou a agravar sua
crise. Seu estatuto era de empresa privada, porém sua cultura, disseminada e solidificada ao
longo dos anos se confundia com a de uma empresa estatal, desde a “quase” estabilidade de
emprego vivida pelo seu quadro funcional, até a grandiosidade de sua estrutura
organizacional, comandada por uma fundação, passando, logicamente, por aquela
morosidade, típica das grandes corporações com o mesmo perfil e aquele sentimento de
perpetuação. Estas características da empresa não eram percebidas apenas internamente, mas
2
Renan Antunes de Oliveira. “Varig: jogo de cartas marcadas deixa 9 mil órfãos”, Jornal do Brasil, 25 de março de 2007, p.
A13.
3
Luciano R. Melo Ribeiro. Traçando o Caminho dos Céus, o Departamento de Aviação Civil – DAC 1931-2001, Rio de
Janeiro: Action Editora, 2002, p. 127.
4
Fernando Hupsel. “Aerus, Uma Vitória”, Guia Aeronáutico, setembro de 1989, p. 7.
5
Geralda Doca. “Velha Varig à sombra de um calote de R$ 11 bi”, Jornal do Brasil, 06 de julho de 2008, p. 34.
18
também por observadores externos, como Ricardo Semler, conforme reportagem da Folha de
São Paulo:
6
Ricardo Semler. “Falta privatizar a Varig”, Folha de São Paulo, 26 de março 1992, p. 3 e Carta Capital no 93, 17 de
março de 1999, p. 48, apud Monteiro, Cristiano Fonseca: A trajetória da Varig do nacional-desenvolvimentismo ao
consenso neoliberal. Estudo de caso sobre as relações entre empresa e sociedade. Rio de Janeiro: Dissertação de
Mestrado em Sociologia, 2000, PPGSA/IFCS/UFRJ, p.1.
7
Daniel Pereira. “Governo tenta evitar pagamento de indenização”, Jornal do Brasil, 08 de abril de 2007, p. A34.
19
Nacional de Aviação Civil (ANAC). Quando questionada se não teria sido um erro ter
deixado a VARIG quebrar Solange Vieira respondeu que não, e complementou:
[...] não temos a cultura da recuperação das empresas, que existe nos Estados Unidos, de
onde copiamos a lei. Esta discussão está hoje muito rasa. Na verdade, a situação era de
recuperação judicial, que vai muito além da antiga lei de falências. A VARIG, naquele
momento, tinha uma importância estratégica para o país. 9
Foi exatamente durante seu mandato, antes da criação da ANAC, que a empresa Varig
Engenharia e Manutenção (VEM) foi vendida para a TAP e a VARIG Logística S.A
(VarigLog) foi, primeiramente, vendida para a TAP e depois para a Volo do Brasil, aliás uma
venda bastante polêmica, quando a ANAC já existia e quando a Fundação Ruben Berta (FRB)
já havia destituído David Zylbersztajn da presidência do Conselho de Administração e Omar
Carneiro da Cunha, da presidência da VARIG. Nos anos seguintes, seria a vez da própria
VARIG participar de outros processos de grande repercussão na imprensa: a venda da "Nova
Varig” para a VarigLog e, em seguida, da VarigLog para a Gol.
A destituição de David Zylbersztajn da presidência do Conselho ocorreu porque a
FRB, segundo suas próprias palavras, não aceitou seu plano de recuperação para a empresa,
8
Programa Espaço Aberto, entrevista com Solange Paiva Vieira, diretora-presidente da ANAC, na TV Globo News.
Entrevista concedida à Míriam Leitão em 08 de março de 2009. “Uma Análise do Setor Aéreo Brasileiro”.
9
Henrique Gomes Batista. “Tínhamos dois anjos da guarda”, O Globo, 15 de junho de 2008, p. 37.
20
que tinha sido desenvolvido pelo banco suíço UBS, na parte econômica e pela Lufthansa
10
Consulting (LCG), a consultoria da empresa aérea alemã, na parte operacional, muito
embora, segundo Harro Fouquet, membro do Conselho de Administração da VARIG,
(informação verbal) a decisão de buscar o caminho da Recuperação Judicial, mecanismo que
substituiu a concordata na nova Lei de Falências, tenha sido tomada pela própria acionista
controladora, isto é, a Fundação Ruben Berta-Participações (FRB-PAR Investimentos S.A). 11
Após o início da Recuperação Judicial, foram lançados os planos de recuperação. O primeiro
foi concluído em dezembro de 2005, quando a Assembléia Geral de Credores criou a figura
do administrador judicial, do gestor judicial interino e da Unidade Produtiva VARIG, que
passou a ser conhecida como a “Nova Varig”. O segundo plano de recuperação, já em 2006,
definiu o que seria efetivamente separado e, em 20 de julho de 2006, ocorreu a alienação da
“Unidade Produtiva VARIG” para a VarigLog.
Desde o início da década de 1990, muitas reestruturações foram implantadas na
empresa e muitos planos de recuperação tentados. Este último, durante a presidência de
Zylbersztajn, esbarrou exatamente na estrutura administrativa da empresa, subordinada à
acionista controladora FRB-PAR, com quem Zylbersztajn, segundo Fabiana Futema, não
mantinha um bom relacionamento. Uma importante divergência foi a venda da VarigLog e da
VEM por US$ 62 milhões para a Aero-LB, sociedade controlada pela TAP, por um grupo de
brasileiros e pelo magnata luso-chinês Stanley Ho, em novembro de 2005. Ainda segundo
Futema, além do valor ter sido considerado baixo, a Fundação avaliou que Zylbersztajn quis
levar o crédito pela aproximação com a TAP, quando a própria fundação já havia iniciado
12
negociações a respeito. Este episódio retrata muito bem as dificuldades administrativas de
uma empresa com tantos comandos e que durante a fase final de sua história testemunhou
muitas negociações e conflitos nos seus altos escalões, antes que importantes decisões e
diretrizes fossem tomadas. Muitos interesses distintos e, até mesmo divergentes, estiveram em
jogo. Ainda sobre este aspecto, em março de 2007, em depoimento a CPI sobre a venda da
VARIG, soubemos que
10
Henrique Gomes Batista e Leila Suwwan. “Venda da Varig fez da ANAC um campo de guerra”, O Globo, 15 de julho de
2008, p.37.
11
Depoimento de Harro Fouquet, a autora desta dissertação, março e maio de 2009, em São Paulo. Harro Fouquet foi Diretor
Assistente de Tráfego e Vendas da Real e ingressou na VARIG, em 1961, como Superintendente de Planejamento, quando
esta comprou a Real. Harro Fouquet é membro do Conselho de Administração da VARIG, de quem foi também diretor até se
aposentar, em 1993.
12
Fabiana Futema, “Fundação reestrutura conselho da Varig e tira Zylbersztajn da presidência”, disponível no site da Folha
Online, 18 de novembro de 2005, acessado em 17 de março de 2009, s/p.
21
tentava salvá-la, em junho de 2005 (declarou:) que os diretores da VARIG não davam a
mínima importância às determinações da justiça, que ele queixou-se disso ao Judiciário por
escrito e que os juízes não só ignoraram as queixas como ainda o afastaram do cargo. 13
13
Renan Antunes de Oliveira. “Varig: jogo...”, op. cit., p. A12.
14
Idem
15
Idem
16
Renan Antunes de Oliveira. “Gol quer rotas estrangeiras”, Jornal do Brasil, 26 de março de 2007, p. A6.
17
Geralda Doca. “Procuradoria critica atuação da ANAC na venda da empresa”, O Globo, 6 de julho de 2008, p. 34.
18
“Gol atende Lula e compra a VARIG”, Jornal do Brasil, 29 de março de 2007, p. A2.
22
VarigLog. Um longo caminho, onde não só o Estado brasileiro esteve envolvido como, o que
é ainda pior, acusado de defender os interesses de empresas estrangeiras de reputação
duvidosa, como é o caso do fundo Matlin Patterson, tendo em vista sua estratégia de atuação
no mercado, comprando empresas em dificuldades por preços aviltantes, para saneá-las
19
depois, às custas de forte redução dos gastos e revendê-las como recuperadas, por preços
muito mais altos. No caso da “Nova Varig”, mais de dez vezes o valor desembolsado na
compra, num período inferior a um ano. Na coluna “Opinião do Editor”, do Jornal do Brasil,
o seguinte comentário seria feito por Augusto Nunes, a respeito do desfecho da VARIG:
19
Vagner Ricardo. “Compra da empresa reaviva tese de conspiração”, Jornal do Brasil, 18 de abril de 2007, p. A2.
20
Augusto Nunes. “Negócio Suspeito”, Jornal do Brasil, 29 de março de 2007, p. A3.
23
Após diversas leituras este estudo constatou que grande parte da crítica ao
neoliberalismo presente no mundo no final do século XX em autores como H. J. Chang e
Stiglitz (ganhador do Prêmio Nobel de Economia, em 2001), eram uma revisão das críticas já
desenvolvidas no início desse século por autores como E. Carr e K. Polanyi, que por sua vez
eram também uma revisão de críticas semelhantes desenvolvidas um século antes por G. F.
List. Tanto naqueles tempos quanto hoje, o que observa-se é apenas uma troca de atores,
porém o script, distribuído para atuação dos países na arena internacional, é exatamente o
mesmo, isto é, a expressão da frase “chutando a escada”, relembrada por Chang, em 2002, em
seu livro homônimo, cuja publicação original, foi feita por List, em 1841, no seu livro
“Sistema Nacional de Economia Política”, transcrita a seguir:
É nisso que reside o segredo da doutrina cosmopolítica de Adam Smith [...]. Toda nação
que, por meio da adoção de taxas protecionistas e de restrições à navegação estrangeira,
conseguiu aumentar sua força manufatureira e sua navegação a tal ponto que nenhum outro
país é capaz de manter livre concorrência com ela, nada melhor e mais sábio pode fazer do que
atirar para longe essas escadas que serviram para construir sua própria grandeza, apregoar às
outras nações as vantagens e benefícios do livre comércio, e declarar, em tons penitentes, que
até aqui andou por caminhos errados, e só agora, pela primeira vez, conseguiu descobrir a
verdade. 21.
Friedrich List (1789-1846) era economista político e via no liberalismo uma regra de
manutenção da assimetria. Foi um dos críticos ferrenhos à Escola Clássica do século XIX,
contrapondo, em seus trabalhos, o coletivismo de Estado ao individualismo de Adam Smith e
Ricardo. Alemão, viveu entre a Primeira e a Segunda Revolução Industrial, no momento em
que a Inglaterra se destacava como líder do sistema internacional, apregoando a superioridade
do livre mercado, enquanto os EUA, defendido por List na citação a seguir, se destacavam nas
políticas industriais protecionistas em oposição ao sistema britânico:
Nas atuais condições do mundo toda nação grande deve procurar as garantias para a
continuidade da sua prosperidade e independência, antes de qualquer outra coisa, mediante o
desenvolvimento independente e uniforme de seus próprios poderes e recursos [...] as
restrições à liberdade de comércio não são tanto invenções de mentes meramente
especulativas, mas antes conseqüências naturais da diversidade de interesses e dos anseios das
nações por independência ou ascendência de poder [...]. As tentativas que têm sido feitas por
21
George Friedrich List. Sistema Nacional de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 249.
24
nações individuais no sentido de introduzir liberdade de comércio [...] mostram-nos que dessa
maneira se sacrifica a prosperidade das nações individuais sem que haja benefícios para a
humanidade em geral, servindo exclusivamente para o enriquecimento da nação dominante do
ponto de vista industrial e comercial. 22
Defendendo países como EUA, França e Alemanha, que em 1841, assumiam o papel
da busca pelo desenvolvimento, que hoje é desempenhado por países como Brasil e Índia, List
declarava que “os dispositivos protecionistas (dos mesmos) se originavam do esforço natural
das nações para atingirem sua prosperidade, independência e poder, ou das guerras e da
23
legislação comercial hostil das nações manufatureiras predominantes” (naquela época, a
Inglaterra).
Um século depois, isto é, na primeira metade do século XX, E. Carr e K. Polanyi,
desenvolviam críticas semelhantes ao liberalismo econômico. Nesse momento, já havia
transcorrido a década de 1920, quando as tentativas, após o fim da Primeira Guerra Mundial,
para reorganizar o mundo em bases liberais, como fora o século XIX, não vingaram e as
teorias da Escola Neoclássica (1874), também não davam mais conta do que estava
acontecendo. A década de 1920 terminou marcada pela crise de 1929, que se estendeu por
toda a década de 1930, terminando apenas com o início da Segunda Guerra Mundial. Os
efeitos negativos atingiram todo o mundo, principalmente a partir da lei Smoot-Hawley de
1930, assinada pelo presidente norte-americano Herbert Hoover, que aumentavam o nível de
protecionismo da economia norte americana, a despeito do protesto de mais de trinta países.
24
Tal decisão gerou uma reação em cadeia de protecionismo em todo o mundo. O comércio
internacional despencou e as exportações de produtos agrários e minérios, de países da
América Latina, tais como café, trigo e cobre, caiu de 1,2 bilhões de dólares em 1930 para
335 milhões de dólares em 1933, aumentando para apenas 660 milhões de dólares em 1940.
Nos Estados Unidos, a crise atingiu seu ápice em 1933. Nesse ano, o novo presidente
Franklin Delano Roosevelt, juntamente com o congresso americano, aprovou uma série de
medidas conhecidas como New Deal ("Novo Acordo"). Essas políticas econômicas foram, em
1935, racionalizadas por Keynes em sua obra clássica “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da
Moeda”, cuja proposta é de que haja investimento do poder público tanto no controle anti-
cíclico das taxas de juros, quanto na produção de pleno emprego, levando a criação de
demanda 25 e essa se tornaria a agenda dominante no mundo da época, levando muitos países
à recuperação econômica. Alguns pouco industrializados aceleraram a industrialização, como
22
Ibidem, p. 85.
23
Idem, p. 127.
24
Charles P. Kindleberger. The World in Depression 1929-1939, Berkley: University of California Press, 1972, p. 294.
25
John M. Keynes. The General Theory, New York: Harbinger Edition, 1964, capítulos II e III.
25
o Brasil, devido à crise dos cafeicultores paulistas e à Revolução de 1930, quando teve início
um grande processo de modernização econômica, com Getúlio Vargas. John Maynard Keynes
(1883-1946), como britânico, participou e muito influenciou nos resultados da Conferência de
Bretton Woods.
Nos EUA, somente com a entrada do país na Segunda Guerra Mundial, gerando uma
produção industrial intensa, acabaram-se os efeitos negativos da Grande Depressão. Durante a
Segunda Grande Guerra seria escrita a importante obra do húngaro Karl Polanyi (1886-1964),
“A Grande Transformação”, gerando enorme impacto nas ciências sociais em todo o mundo.
No Brasil esta obra passou a ser muito citada na atualidade em função do desgaste das
doutrinas neoliberais, cujos debates criaram um paralelo com os argumentos desenvolvidos
pelo autor. Polanyi analisou a revolução liberal que dominou o mundo no século XIX,
marcada por um intenso progresso econômico. O liberalismo econômico, nas palavras de
Polanyi, era representado por um mercado de trabalho, pelo padrão-ouro e pelo livre-
26
comércio. No entanto, esse livre comércio, já ao final da década de 1870, encontraria
também o seu final quando da utilização do padrão-ouro pela Alemanha, marcando “o início
de uma era de protecionismo e de expansão colonial”. Para Polanyi, a função principal do
intervencionismo foi exatamente tentar proteger o homem e a natureza que passaram a ser
tratados como mercadorias, bem como a organização produtiva capitalista, que também se viu
ameaçada pelas mudanças no nível de preço, devido à maneira como se organizava o sistema
monetário. Surgia assim, em seu ponto de vista, a necessidade de “bancos centrais e de gestão
do sistema monetário, para manter as manufaturas e outras empresas produtivas a salvo do
perigo que envolvia a ficção da mercadoria aplicada ao dinheiro”. Decidiu-se na Inglaterra
que se o ouro era usado como dinheiro, as notas de banco deveriam representar ouro e o
fornecimento de moeda deveria ser por intermédio do Banco da Inglaterra..Nascia assim o
padrão-ouro. 27
Polanyi defendia também que não havia nada de natural em relação ao laissez-faire,
pois
os mercados livres jamais poderiam funcionar deixando apenas que as coisas seguissem o
seu curso, [...] as manufaturas de algodão [...] foram criadas com a ajuda de tarifas protetoras
de exportações subvencionadas e de subsídios indiretos dos salários, o próprio laissez-faire foi
imposto pelo Estado. Os anos trinta (1830) e quarenta (1840) presenciaram [...] um aumento
enorme das funções administrativas do Estado, dotado agora de uma burocracia central capaz
de executar as tarefas estabelecidas pelos adeptos do liberalismo. 28.
26
Karl Polanyi. A Grande Transformação, As Origens da Nossa Época, Rio de Janeiro: Editora Campus, 1980, p. 141.
27
Idem, p. 36, 138, 139 e 141.
28
Idem, p.144.
26
Naquele século, o livre comércio foi inicial e unilateralmente adotado pela Inglaterra,
mais precisamente em 1846, quando da revogação das “Corn Laws”, seguida, entre 1860 e
1880, por outros países europeus. Na década de 1860, na Inglaterra, o liberalismo econômico
era total: “Em 1848, a Grã-Bretanha tinha 1.146 produtos tributáveis; em 1860, não mais que
48, dos quais doze eram tarifas sobre bens de luxo ou supérfluos”. 29 No entanto, esse regime
de livre-comércio, duraria pouco, pois na década de 1880, alguns fabricantes britânicos em
dificuldade começariam a reivindicar proteção. Esse número cresceria mais ainda no início do
século XX, devido à concorrência com os produtos alemães e norte-americanos, que levariam
ao fim da primazia industrial inglesa, confirmada em 1932, com a adoção de tarifas em larga
escala. 30
A única exceção a esse domínio do livre comércio do século XIX eram os EUA, que
31
mantinham suas altas barreiras tarifárias, defendidas desde Alexander Hamilton (1757-
1804), um importante economista norte-americano para quem a
29
Ha-Joon Chang. Chutando a Escada, São Paulo: UNESP, 2002, p. 47.
30
Idem, p.48.
31
George Friedrich List. Sistema Nacional de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 34.
32
Ha-Joon Chang, Chutando a Escada, op. cit., p. 3 e 50.
33
Idem, p. 63.
34
Idem, p. 52 e 53.
27
a vitória do Norte, na Guerra de Secessão, permitiu aos Estados Unidos continuarem sendo
os mais obstinados adeptos da proteção à indústria nascente até a Primeira Guerra Mundial, e
mesmo até a Segunda
Durante todo o século XIX até a década de 1920, a economia dos EUA foi a que mais
rapidamente cresceu no mundo [...]. Os dois melhores vinte anos de performance do
crescimento do PIB per capta no período 1830-1910, foram 1870-1890 (2,1%) e 1890-1910
(2%). 35
a distinção entre as 1ª e 2ª Guerras Mundiais. A primeira ainda era fiel ao tipo do século
dezenove - um simples conflito de poderes [...]. A última já faz parte do levante mundial. 37
35
Ibidem, p. 54, 56, 57-59.
36
Idem, p. 58.
37
Polanyi, op. cit., p. 39-41, 43 e 46.
28
precursor dos estudos de Relações Internacionais e nessa obra o autor procurou desenvolver
uma análise do cenário internacional do entre - guerras, com importantes críticas ao chamado
livre-mercado, como exemplificado na seguinte declaração: “O ‘laissez-faire, tanto nas
relações comerciais internacionais, quanto nas entre capital e trabalho, é o paraíso do
economicamente forte. O controle estatal, seja sob a forma de legislação protetora, ou de
38
tarifas protecionistas, é a arma de legítima defesa invocada pelo economicamente fraco”.
Carr criticava os que ele chamava de utópicos, considerando que os mesmos pregavam
a doutrina da harmonia de interesses [...] vestindo seu próprio interesse com o manto do
interesse universal, a fim de impô-lo ao resto do mundo.
Sendo que, desta vez, não era mais a Inglaterra a protagonista central das críticas e sim
os EUA, de McKinley, quando da anexação, através de “auxílio divino”, das Filipinas, ou de
Woodrow Wilson, “confiante na identidade da política americana com a justiça universal
(afirmando) que ‘os Estados Unidos atacaram o México (em 1914) para servirem a
humanidade’”. 39 Seguindo essa linha de pensamento Carr complementaria:
Durante a Segunda Guerra Mundial (1944), outra importante obra foi escrita
analisando o liberalismo econômico e com conclusão oposta à de Carr e, principalmente de
Polanyi, que foi “O Caminho da Servidão”, de Friedrich Hayek (1899-1992), um dos
expoentes da "Escola Austríaca de Economia". Seu argumento se baseia na idéia de que o
coletivismo, presente na época na Alemanha e em várias outras partes do mundo, levaria à
servidão da humanidade, por ser uma negação da natureza humana, cujo valor supremo deve
ser a liberdade individual. Hayek focou acentuadamente suas análises e críticas no
planejamento econômico praticado pelo socialismo, por considerar que a economia é um
sistema demasiado complexo para ser planejado por uma instituição central e que deve
evoluir espontaneamente.
38
Edward Hallet Carr. Vinte Anos de Crise: 1919-1939, Uma Introdução ao Estudo das Relações Internacionais. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2001, p. 80.
39
Idem, p. 100 e 103.
40
Idem, p. 106 e 107.
29
princípios liberais do século XIX. Estes, a geração jovem mal os conhece [...] não temos
direito de nos considerarmos superiores a nossos avôs neste ponto; e nunca deveríamos
esquecer que fomos nós, os homens do século XX, e não eles, que provocamos esta
desordem.” 42
Muitas das suas idéias foram seguidas por Margareth Thatcher na Inglaterra e dois
fatos exemplificam o quanto Hayek foi admirado pelos governos neoliberais da Inglaterra e
dos EUA: em 1984, ele foi condecorado como membro da “Order of the Companions of
Honour” pela rainha Elizabeth II, durante o mandato da Primeira Ministra Margareth Thatcher
e, em 1991, George H. W. Bush concedeu a Hayek a “Presidential Medal of Freedom”, a mais
alta condecoração civil dos EUA, por ter o mesmo “revolucionado a intelectualidade mundial
e a vida política”. 43
Essas duas homenagens registram a importância crescente das idéias liberais na
Inglaterra e nos EUA, desde a década de 1970, mais precisamente desde seu início, que foi
marcado pela crise econômica internacional, causada pelo aumento dos preços do petróleo,
pelo abandono unilateral dos EUA do sistema de taxas de câmbio fixas de Bretton Woods e
44.
por vários outros ciclos de oscilação de commodities. O fim do padrão-ouro permitia a
desvalorização do dólar e o conseqüente aumento das exportações norte-americanas e
representava o fim do compromisso dos EUA de arcar com os custos financeiros assumidos
em Bretton Woods.
Os economistas liberais acreditam no funcionamento espontâneo do mercado, o
chamado mercado auto-regulado e que, segundo Polanyi, é a “fonte e matriz do sistema
econômico e político modernos”. 45 Acreditam também que a harmonia entre os Estados possa
ser alcançada através dos benefícios de uma divisão internacional do trabalho baseada no
41
Polanyi, op. cit., p. 47.
42
Friedrich A. Hayek. O Caminho da Servidão, Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1999, p. 214.
43
The University of Chicago, in http://www.uchicago.edu/about/accolades/presidential.shtml, acessado em 29/09/2008.
44
Dani Rodrik. Estratégias de Desenvolvimento para o Novo Século, in ARBIX, Glauco. Brasil, México, África do Sul,
Índia e China: diálogo entre os que chegaram depois. São Paulo: UNESP, 2002, p. 48.
45
Robert Gilpin. The Political Economy of International Relations. Princeton: Princeton University Press, 1987, p. 15.
30
princípio das vantagens comparativas, defendida por David Ricardo (1817), e que a
interdependência econômica possa criar as bases para a paz e cooperação entre os Estados.
Tais considerações são totalmente criticadas e rejeitadas pelos economistas nacionalistas, que
procuram destacar a questão do poder, isto é, do fundamento político existente por trás da
interdependência econômica. Destacam também a natureza conflituosa que o mesmo produz
nas relações econômicas internacionais, como um mecanismo de domínio de uma sociedade
sobre a outra, gerando o aumento da vulnerabilidade nacional. 46
Um bom exemplo desse mecanismo de domínio ocorreu exatamente durante as
negociações da dívida externa dos países em desenvolvimento, nas décadas de 1980 e 1990,
que ficavam condicionadas à implantação do receituário neoliberal, transformando, segundo
47
Stiglitz, o empréstimo numa ferramenta política. Muitas políticas econômicas domésticas
dos países em desenvolvimento passaram a ser elaboradas nas negociações da Organização
Mundial do Comércio (OMC) e muitas mudanças ocorreram no comércio internacional a
partir de decisões unilateralmente tomadas pelos países desenvolvidos, como o
descompromisso dos mesmos para honrar os acordos de commodities previamente assumidos
48
e que visavam garantir aos países em desenvolvimento preços estáveis e justos. Tal fato
reflete um importante fenômeno ocorrido no cenário internacional na última década e meia,
que foi o crescimento do poder e da autoridade das instituições de Bretton Woods, o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o General Agreement on Tariffs and
Trade (GATT) / OMC, nos assuntos econômicos e sociais, em paralelo a perda, por parte das
Nações Unidas, da sua influência política e operacional nesses mesmos assuntos. 49
Levando-se em consideração que o diretor do FMI é sempre europeu e que o diretor
do Banco Mundial é sempre norte-americano, aliás, os EUA são o único país com poder de
veto, já pode-se medir o nível de representatividade dessas instituições e o quanto de isenção
lhes falta na defesa dos interesses comerciais e financeiros dos países industriais mais
avançados. Aliás, a principal conseqüência comercial da Rodada Uruguai foi exatamente a
vitória dos países desenvolvidos do Ocidente ao forçarem a liberação do comércio para os
produtos que exportavam sem diminuir a proteção daqueles setores “nos quais a concorrência
dos países em desenvolvimento poderia representar uma ameaça às suas economias”. 50
46
Ibidem, p. 12 e 15.
47
Joseph E. Stiglitz. A globalização e seus malefícios, a promessa não cumprida de benefícios globais, São Paulo: Futura,
2002, p. 73.
48
Martin Khor. Globalization, Global Governance And Development, in CHANG, Ha-Joon. Rethinking Development
Economics. London: Anthem Press, 2003, p 530 e 532.
49
Idem, p 529-530 e 532.
50
Stiglitz, “A globalização e seus malefícios…”, op. cit., p. 39, 46 e 93.
31
Aliás, sobre esta questão dos subsídios, a seguinte análise de Hobsbawm é muito
interessante, exatamente por trazer a discussão para o aspecto cultural que move países como
França e Alemanha:
a alta tecnologia nas guerras modernas é projetada para excluir o contato físico: soltar
bombas a uma altura de 15 mil metros garante que ninguém ‘sinta’ o que faz. A gestão
econômica moderna é semelhante: aboletados em um hotel de luxo, é possível impormos
políticas a respeito das quais pensaríamos duas vezes se conhecêssemos as pessoas cujas vidas
talvez estejamos destruindo. 52
Ainda na linha das contradições, Ha-Joon Chang segue afirmando que, desde o século
XVIII, a Grã Bretanha, estabelecendo-se como poder econômico supremo no mundo,
procurou provar a superioridade das políticas de livre-mercado, porém, “ao contrário da
história oficial do capitalismo, todos os atuais países desenvolvidos se utilizaram ativamente
de tarifas, subsídios e outras medidas de intervenção, principalmente no início do seu
desenvolvimento econômico (e) todos praticaram proteção às suas indústrias nascentes”. 53
Pode-se ratificar o acima exposto com a seguinte citação de List, sobre as declarações
dos ministros ingleses de Jorge I, ao proibirem (em 1721) a importação de tecidos de algodão
e seda da Índia:
é evidente que uma nação só pode tornar-se rica e adquirir poderio exportando seus
próprios bens manufaturados, e importando de fora matérias-primas e gêneros de primeira
necessidade. A Inglaterra seguiu essa política até hoje, e por segui-la tornou-se rica e
poderosa; esse princípio é o único válido para uma nação que há muito tempo está civilizada e
que já conseguiu levar sua própria agricultura a alto grau de desenvolvimento. 54
51
Eric Hobsbawm. Era dos Extremos, O Breve Século XX 1914-1991, São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 415.
52
Idem, p. 52.
53
Ha-Joon Chang. “The Market, The State and Institutions in Economic Development”, in Ha-Joon Chang. Rethinking
Development Economics, op. cit., p 42.
54
List, op. cit., p. 230.
32
Esta citação demonstra o que já se sabe sobre o desenvolvimento inglês, isto é, como a
Inglaterra soube desenvolver o seu poderio, desde o século XV, da mesma forma como os
EUA também o souberam, a partir do século XIX. E mais, como, posteriormente,
“esqueceram-se” disso.
Na França, durante a Restauração, Villèle, Primeiro-ministro francês (1821-1828),
recebeu a visita de George Canning, ministro das relações exteriores da Inglaterra, cujo
objetivo era convencer os franceses da excelência das medidas de livre comércio tomadas
pelos ingleses. A resposta dada por Villèle a Canning foi a seguinte:
Uma postura, de certa forma, de retorno ao período pré-revolucionário, dado que com
a Revolução e com Napoleão as políticas de laissez-faire imperaram. Chaptal, estadista
francês, complementava:
55
Ibidem, p. 251.
56
Idem, p. 252.
57
Ha-Joon Chang. Chutando a Escada, op. cit., p. 70.
33
58
Ibidem, p. 81, 97, 118 e 120.
59
Rodrik, op. cit., p. 44.
60
Ha-Joon Chang. “The Market, The State And The Institutions…”, op. cit., p. 51 e 54.
61
Joseph E. Stiglitz. “Globalización, Organismos Financieros Internacionales y las Economías Latino-Americanas”, in La
democracia en América Latina Hacia una democracia de la ciudadanía y de los ciudadanos, Contribuciones para el debate,
Programa De Las Naciones Unidas Para El Desarrollo (PNDU), Buenos Aires: Alfaguara S.A., 2004, p. 422.
34
E Gilpin vai além, ao afirmar que os profundos efeitos produzidos nas relações sociais
e no sistema político pelo capitalismo são fruto desses mecanismos de mercado e que “o
mercado certamente constitui um caminho para alcançar e exercer o poder, e o Estado pode
ser, e é usado, para obter riqueza. Estado e mercado interagem para influenciar a distribuição
63
de poder e riqueza nas relações internacionais”, chegando à hierárquica divisão
internacional do trabalho, que reordena a sociedade em centros dinâmicos e periferias
dependentes. List, já no século XIX, possuía pontos de vista muito semelhantes quando
afirmava que
o poder político não somente assegura à nação o aumento de sua prosperidade por meio do
comércio exterior e das colônias estrangeiras, mas também lhe garante desfrutar de
prosperidade interna [...]. A Inglaterra obteve força política por meio de suas leis de
navegação; e pela sua força política conseguiu chegar a ponto de estender seu poderio
manufatureiro sobre outras nações. 64
O Brasil pode ser considerado uma dessas nações que esteve sob a órbita inglesa e,
durante o século XX, foi para a órbita norte-americana, sob a qual atravessou a “década
perdida” de 1980, quando essas idéias de separação entre política e economia começaram a se
implantar na América Latina. Segundo Eli Diniz, no Brasil, “entre os anos 80 e 90 as equipes
técnicas dos vários ministros responsáveis pelos sucessivos programas de estabilização
65
econômica gozaram de alto grau de insularidade burocrática”, o chamado enfoque
tecnocrático, que privilegia a primazia do saber técnico, com uma pretensa postura de
depolitização das decisões econômicas. Graças a essa característica as reformas prescritas
pelo Consenso de Washington, especialmente no âmbito econômico, puderam ser fielmente
encampadas pelo governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), o primeiro presidente
eleito no país após vinte e nove anos sem eleições presidenciais, e que soube muito bem se
utilizar deste discurso para legitimar as decisões de sua equipe econômica, fundindo os três
ministérios da área econômica em um único ministério chamado “superministério”, da
62
Rodrik, op. cit., p. 61.
63
Gilpin. op. cit., p. 11 e 16.
64
List, op. cit., p. 129.
65
Eli Diniz. Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de uma Nova Ordem no Brasil
dos Anos 90, DADOS-Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Volume 38, no 3, 1995, p. 393.
35
66
Economia, Fazenda e Planejamento. Em seguida, o governo Fernando Henrique Cardoso
adotaria a mesma prática.
Fatos como esses nos remetem à seguinte citação de Peter Evans a Waterbury:
“Quando a liberalização, privatização e outras políticas associadas ao neoliberalismo foram
implementadas, foram de fato os dirigentes governamentais que formaram o núcleo do ‘time
das mudanças’ que fez a mudança possível, tornando a teoria neo-utilitarista do Estado ainda
mais difícil de sustentar”. 67 Ainda segundo Evans,
Sua adesão ao Consenso de Washington incluía até mesmo a postura que viria a ser
assumida na Rodada Uruguai, de alinhamento às posições norte-americanas referentes às
questões agrícolas e aos temas normativos de serviços e propriedade industrial. A Rodada
Uruguai terminou em 1994, já no governo Itamar Franco, porém sua estratégia de ação seguiu
exatamente os ditames do governo anterior.
É inegável que ao final dessa Rodada as exportações brasileiras de alguns produtos
primários obtiveram grandes vitórias, porém, o país terminou por abrir seu mercado de
serviços, incluindo-se o da aviação, sem alcançar a principal expectativa dos países em
desenvolvimento à época e pela qual lutam até hoje, que é a contrapartida de redução
substancial dos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos, assim como a abertura desse
69
setor e do setor têxtil. Sem contar com o fato de que a questão das patentes significa mais
um engessamento no já tão atrofiado desenvolvimento tecnológico dos países periféricos e
que, na prática, significa aumentar as distâncias entre os que produzem tecnologia e os que
precisam dela para se desenvolver. A inclusão da propriedade industrial na OMC foi mais um
golpe de mestre de quem sabe muito bem “chutar a escada”, conforme Chang, esquecendo-se
66
Alexandra de Mello Silva e Dora Rocha. Marcílio Marques Moreira, Diplomacia, Política e Finanças, de JK à Collor, 40
Anos de História. Depoimento ao CPDOC – FGV. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 266.
67
Peter Evans. Autonomia e Parceria: Estados e Transformação Industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004, p. 56.
68
Idem, p. 35-36 e 98-100.
69
Khor, op. cit., p. 537.
36
Sem dúvida, muito sofreria o empresário de uma grande manufatura, o qual, no caso de ser
o mercado interno subitamente aberto à concorrência estrangeira, fosse obrigado a abandonar
seu negócio [...]. Exige assim a justiça que, em atenção a tal interesse, mudanças desse gênero
nunca sejam introduzidas súbita, mas lenta e gradualmente, e após demorada advertência.
Precisamente por isso, os legisladores, se fosse possível que suas deliberações sempre se
orientassem, não pela clamorosa importunidade de interesses facciosos mas por uma
consideração global do bem geral... 70
.
Adam Smith foi um pensador crítico do absolutismo, do colonialismo e do
mercantilismo de sua época, que se utilizavam de medidas protecionistas para estimular a
exportação. Smith via na liberdade de mercado a solução para a irracionalidade do ser
humano, assim como na concepção individualista, isto é, na valorização da liberdade
econômica individual, o alcance da situação “ótima”. Quanto mais livre o indivíduo para
atingir sua riqueza melhor para o social, pois, em sua concepção, o interesse coletivo só pode
ser alcançado a partir da liberdade individual. O modelo por trás dessa ideologia defende que
as forças de mercado conduzem a economia a resultados eficientes, como se fosse guiada por
uma espécie de “mão invisível”. Nas palavras de Stiglitz,
uma das grandes conquistas da economia moderna é mostrar como e sob quais condições a
colocação de Smith é correta. Acontece que essas condições são extremamente restritivas. Na
verdade, progressos mais recentes na teoria econômica, que ironicamente ocorreram durante o
período da busca mais implacável das políticas do Consenso de Washington, demonstram que
toda vez que as informações são imperfeitas e os mercados incompletos, ou seja, sempre e
principalmente nos países em desenvolvimento, a mão invisível funciona de maneira ainda
mais imperfeita. 71
70
Adam Smith. A Riqueza das Nações, Volume I. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 391.
71
Stiglitz, “A globalização e seus malefícios…”, op. cit., p. 108.
72
Idem, p. 43.
37
a lista de países com esse recorde invejável vai muito além do habitual punhado de
suspeitos do Extremo Oriente [...] inclui doze países sul-americanos, seis do Oriente Próximo
e do Norte da África e até quinze da África Subsaariana. 73
No entanto, nas décadas seguintes o que se viu, na América Latina, por exemplo, foi
uma deterioração da sua posição internacional relativa e absoluta, em conseqüência dos
ditames neoliberais, inclusive no Brasil, expressa nas baixas taxas de crescimento. Em termos
mundiais e, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de
1996, em setenta países em desenvolvimento os níveis de renda daquele ano foram menores
do que os índices das décadas de 1960 e 1970, e o que é ainda pior, o declínio econômico na
maior parte desses países tem sido mais longo e mais profundo que durante a Grande
depressão da década de 1930, da qual os países ricos conseguiram sair em quatro ou cinco
anos, enquanto a “década perdida” de 1980 ainda persiste para centenas de milhões de pessoas
em muitos países da Ásia, África e América Latina. 74
Com relação ao comércio em geral, após a adoção das principais medidas ditadas pelo
Consenso de Washington, a balança comercial da América Latina saiu de uma situação
superavitária nos anos 1980 (quase 30 bilhões de dólares em 1989) para um déficit de 18
75
bilhões em 1994. Durante o auge do intervencionismo estatal nas décadas de 60 e 70,
afirma Chang, tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento, cresceram a uma
média de 3% em termos per capta, por ano. Durante a era do neoliberalismo, décadas de 80 e
90, essa taxa nos países desenvolvidos foi de 2,2%, e nos países em desenvolvimento 1,5%,
devendo-se esse valor ao rápido crescimento dos países do leste e Sul da Ásia, principalmente
China e Índia, que não seguiram as prescrições neoliberais nesse período. Na América Latina
essa taxa caiu para 0,6% e na África Subsaariana caiu para -0,7%. 76
73
Rodrik, op. cit., p. 46.
74
Khor, op. cit., p. 526.
75
Luis Fernando Ayerbe. Neorealismo e Política Externa na América Latina. São Paulo: Editora Unesp, 1998, p 39.
76
Ha-Joon Chang. The Market, The State and Institutions …”, op. cit., p 46.
38
A integração à economia mundial deve ser encarada como um instrumento para alcançar o
crescimento econômico e o desenvolvimento, não como um objetivo supremo.
Simplesmente não há prova de que a adoção da liberalização do comércio está
sistematicamente associada a taxas de crescimento mais elevadas
O fato de praticamente todos os países avançados de hoje terem promovido o crescimento
por trás de barreiras tarifárias, e só posteriormente as reduziram, decerto oferece uma pista. 78
77
Letícia Pinheiro. Política Externa Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p 60.
78
Rodrik, op. cit., p. 68 e 69.
79
Kenichi Ohmae. O Fim do Estado Nação. São Paulo: Campus, 1996, p. 5, 6, 10,19-21.
80
Roberto Candelori. O Consenso de Washington e o Neoliberalismo, in
www1.folha.uol.com.br/folha/educação/ult305u11503.shtml, acessado em 18/09/2008.
39
E “como explicar, realmente, que o ‘Terceiro Mundo’ que está dando certo seja aquele
81
que não seguiu as prescrições neoliberais do FMI e do Banco Mundial?” Inclusive com
grande crescimento do padrão de vida para dezenas de milhões de pessoas?
No caso do Brasil, por exemplo, as medidas que antecederam o Consenso de
Washington produziram burocracia, corrupção e muito desperdício, porém com uma taxa de
crescimento anual em torno de 7%, que levou o país a ser, por algum tempo, o oitavo maior
país industrial do mundo não comunista. A certa altura, o setor público brasileiro era
responsável por cerca de metade do Produto Interno Bruto e representava dezenove das vinte
maiores empresas. 82 Aliás, o foco na questão da corrupção e do desperdício ajudou em muito
à crescente desilusão com o Estado, que se tornou endêmica na América Latina durante as
décadas de 80 e 90. Aparatos estatais inchados, segundo Evans,
81
Paulo Nogueira Batista. O Consenso de Washington A visão neoliberal dos problemas, Programa Educativo Dívida
Externa- Pedex, Caderno Dívida Externa, no 6, setembro de 1994, p. 39.
82
Hobsbawm, “Era dos Extremos…”, op. cit., p. 344.
83
Evans, op. cit., p.51 e 71.
84
Idem, p. 70-71, 84 e 93.
85
Idem, p. 95.
40
não pode ser reduzido a uma agregação de interesses de indivíduos em cargos de poder, à
soma vetorial de poderes políticos ou à expressão condensada de alguma lógica de
necessidade econômica. Os Estados são produtos históricos de suas sociedades, mas isso não
significa que sejam meros peões no jogo social de outros atores. Mesmo que sejam moldados
por estes, os Estados devem ser tratados como instituições e atores sociais em si, com poderes
de influir no curso das mudanças econômicas e sociais. 88
86
John Williamson. Depois do Consenso de Washington. São Paulo: Saraiva, 2004, p 5 e 270.
87
Rodrik, op. cit, p. 63 e 67.
88
Evans, op. cit, p. 44.
41
[...] a experiência de desenvolvimento dos últimos cinqüenta anos revela outro fato
impressionante: os países de melhor desempenho são os que se liberalizaram parcial e
gradualmente. É claro que a China se destaca nesse aspecto à medida que seu sucesso, desde
1978, se deve a uma estratégia baseada nas vias duplas, no gradualismo e no experimento.
Com exceção de Hong Kong, que sempre foi um paraíso do laisser-faire, todos os outros
casos de sucesso, no Extremo Oriente, trilharam caminhos de reformas gradualistas. A Índia,
que foi muito bem nos anos 90, também liberalizou só parcialmente 91
89
Ha-Joon Chang, “Institutional development in historical perspective”, in Ha-Joon Chang, “Rethinking Development…”, op
cit., p. 517.
90
Stiglitz, “A globalização e seus malefícios…”, op. cit., p. 92.
91
Rodrik, op. cit. p. 52 e 64.
92
Ha-Joon Chang. Chutando a Escada, op. cit., p. 116.
93
Idem, p. 62.
42
mercado que recomendam aos países em desenvolvimento à adoção do livre mercado até
mesmo para a educação básica. Na opinião de Khor, talvez a mais importante e mais difícil
tarefa das políticas de desenvolvimento de países como o Brasil seja exatamente decidir o
interface entre a política doméstica e a economia mundial:
Se, como, em que extensão, em quais setores, e em qual seqüência, integrar a economia e a
sociedade doméstica com a economia e a sociedade internacional.
Uma taxa de integração muito rápida, ou integração em áreas erradas e na forma errada,
pode ser perigoso ao invés de proveitoso. 94
não era nem um confronto puramente técnico entre economistas profissionais, nem uma
busca de caminhos para tratar de novos e perturbadores problemas econômicos. [...] Era uma
guerra de ideologias incompatíveis. Os dois lados apresentavam argumentos econômicos. Os
Keynesianos afirmavam que altos salários, pleno emprego e o Estado de Bem-estar haviam
criado a demanda de consumo que alimentara a expansão, e que bombear mais demanda na
economia era a melhor maneira de lidar com depressões econômicas. Os neoliberais
afirmavam que a economia e a política da Era do Ouro impediam o controle da inflação e o
corte de custos tanto no governo quanto nas empresas privadas, assim permitindo que os
lucros, verdadeiro motor do crescimento econômico numa economia capitalista, aumentassem.
95
Esse debate consumiu muitas publicações e um dos fortes argumentos utilizados pelos
Keynesianos cita como exemplo exatamente o governo Reagan, famoso adepto do
conservadorismo fiscal (orçamentos equilibrados) e do monetarismo de Friedman que, a
despeito do discurso externo, não exitou em usar métodos Keynesianos para tirar o país da
depressão de 1979-82, quando aumentou extraordinariamente os gastos militares gerando, em
conseqüência, um gigantesco déficit para os EUA. Outro argumento, bastante citado também,
diz respeito a outra característica inquietante e contraditória com o discurso liberal, presente
94
Khor, op. cit., p. 527-528.
95
Hobsbawm, “Era dos Extremos…”, op. cit., p. 398-399.
43
Em qualquer noite de 1993 em Nova York, 23 mil homens e mulheres dormiam na rua ou
em abrigos públicos [...]. No Reino Unido (1989), 400 mil pessoas foram oficialmente
classificadas como ‘sem teto’ (Human Development, 1992, p. 31). Quem na década de 1950,
ou mesmo no início na de 1970, teria esperado isso?
O reaparecimento de miseráveis sem teto era parte do impressionante aumento da
desigualdade social e econômica da nova era.
[...] para não falar do candidato a campeão mundial de desigualdade econômica, o Brasil.
Nesse monumento de injustiça social, os 20% mais pobres da população dividiam entre si
2,5% da renda total da nação, enquanto os 20% mais ricos ficavam com quase dois terços
dessa renda (1992). 98
96
Ibidem, p. 395 e 402.
97
Idem, 1995, p. 404.
98
Idem, p 396-397.
99
Luis Carlos Bresser-Pereira. Novo Desenvolvimentismo e Ortodoxia Convencional, in Eli Diniz. Globalização, Estado
e Desenvolvimento, Dilemas do Brasil no Novo Milênio. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 64.
44
100 Ver Pierre Bourdieu, O poder simbólico, Rio de Janeiro, Bertrand, 2006.
101 Raimundo Faoro, Os donos do poder, v. 1, Porto Alegre, Globo, 1976, passim.
45
102 Roger Chartier, A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1990.
103
Dentre as de Bourdieu, ver, especialmente, A economia das trocas simbólicas, São Paulo, Perspectiva, 2007.
46
Por fim, ressalte-se que tais quadros culturais que se desenrolam quase sob nossos
olhos, ao tempo presente, que não se fazem desvendar tão facilmente, com tanto de suas
fontes ainda por se revelar, muitas delas gozando do status suspicaz das fontes da Internet, ou
então, fazendo parte das memórias pessoais, que ora se coletam, indispensáveis à
reconstituição da intrincada crise da VARIG grande e de sua cultura. 104
104
Denis Rolland, “Internet e história do tempo presente: estratégias de mémória e mitologias políticas”, Tempo, Rio de
Janeiro, nº 16, p. 59-92.
47
105
Respício Antônio do Espírito Santo Júnior. “Organizando o Transporte Aéreo Internacional”, in
http://200.189.169.141/site/arquivos/dados_fatos/observatorio/TransporteAereoInternacional.pdf, acessado em 19/02/2009, p.
2.
106
Gerson Moura. Autonomia na Dependência A Política Externa Brasileira entre 1935 e 1942, Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1980, p.63.
48
107
Espírito Santo Júnior, op. cit., p. 2.
108
Idem, p. 3.
109
Luciano R. Melo Ribeiro. Traçando o Caminho dos Céus, o Departamento de Aviação Civil – DAC 1931-2001, Rio de
Janeiro: Action Editora, 2002, p. 61 e 194.
49
110
Association (IATA). A partir desta conferência foi possível a assinatura do primeiro
grande acordo bilateral, o Acordo das Bermudas, de 1947, celebrado entre os EUA e a Grã-
Bretanha. Este acordo tem servido como modelo para os demais acordos bilaterais firmados
111
desde então pelos demais países e baseados sempre no princípio da reciprocidade. Vale
ressaltar que acordos bilaterais são sempre firmados entre governos e não entre companhias
aéreas, desta forma, deve-se levar em conta não somente o interesse dos usuários e das
empresas, mas também do país. 112
Os acordos bilaterais visam estabelecer: (1) a capacidade e/ou as freqüências, desta forma
limitando a oferta de assentos e o espaço disponível para cargas; (2) as localidades a serem
servidas; (3) as empresas aéreas que estarão autorizadas a realizar os serviços regulares entre
os países; e (4) as tarifas ou a banda tarifária a serem praticadas pelas empresas autorizadas.
113
110
Expedito Albano Silveira. “A Globalização e os Acordos Bilaterais”, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, 2000, p.
1. In: Seminário Modernização do Transporte Aéreo da Gazeta Mercantil, mar 2000. Disponível em:
<http://www.sbda.org.br/revista/Anterior/1696.htm>. Acesso em: 30/01/2006.
111
Espírito Santo Júnior, op. cit., p. 3.
112
Andréa Duschesne. “Abertura pode expor aviação nacional”, entrevista com Walterson Caravajal, Jornal do Commércio,
5 de agosto de 1991, p. 16.
113
Espírito Santo Júnior, op. cit., p. 3.
114
Idem, p.. 4.
50
115
Decreto no 27.353 de 20 de outubro de1949, Cria a comissão de estudos relativos a navegação aérea
internacional, in Site do Senado Federal, acessado em 19/02/2009.
116
Decreto nº 74.470, de 28 de agosto de 1974, Reorganiza a Comissão de Estudos Relativos à
Navegação Aérea Internacional - CERNAI, aprova seu Regulamento e dá outras providências, in Site do Senado Federal,
acessado em 20/02/2009.
51
117
Frank Ribeiro. “Persistência é que decidiu criação em 1927”, Jornal do Brasil, 07 de maio de 1987, p. 20.
118
“Bericht betr. Condor Syndikat - Versuchskonsortium - , Berlin (genannt “Alt”)”, p. 5. Cópia de documento do acervo do
Arquivo da Lufthansa, localizado na cidade de Colônia, doada em 1995, pelo então Chefe do citado arquivo, Sr. Werner
Bittner, ao Sr Harro Fouquet, data provável, 1929 e “De homens e idéias, os cinqüenta nos da Fundação Ruben Berta”, São
Paulo: Prêmio, 1996, p. 53.
119
Aviso n° 60/G (M.V.O.P.) de 26 de janeiro de 1927, D.O. de 27-1-927, Coletânea de Legislação Aeronáutica, organizada
e anotada pela Divisão Legal da Diretoria de Aeronáutica Civil, abrangendo o período de 1882 a 1949, 1955. Departamento
de Imprensa Nacional, Divulgação n° 730 – 928, p. 44.
120
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’ com vista ao 35º aniversário da PIONEIRA”, 05
de abril de 1962, p. 3. Documento assinado pelo autor.
121
“Vôo mais alto a trajetória segura”. Visão, 07 de julho de 1967, p. 20.
122
“Varig, o Brasil na era dos gigantescos jatos comerciais”, Tendência, Rio/São Paulo, julho de 1974, no 10, p. 4-12.
52
123
“Vôo mais alto a trajetória segura”, op. cit., p. 23.
124
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 1 e 5.
125
Idem, p. 6 e “VARIG 75 anos”, Publicação Interna, 2002, p 10.
126
Aviso n° 197/G, (M.V.O.P.), 09 MAR 1927, "Coletânea de Legislação Aeronáutica...", p. 44-45 e “Um vôo lendário na
rota da Aéropostale”, livro patrocinado pela TAM, traduzido do texto de Patrick Baudry, maio de 2000, IPSIS Gráfica e
Editora e Depoimento de Harro Fouquet à autora desta dissertação, março e maio de 2009, em São Paulo. Harro Fouquet foi
Diretor Assistente de Tráfego e Vendas da Real e ingressou na VARIG, em 1961, como Superintendente de Planejamento,
quando esta comprou a Real. Harro Fouquet é membro do Conselho de Administração da VARIG, de quem foi também
diretor até se aposentar, em 1993.
53
127
transferidos para a VARIG e no dia 22 de junho ocorria o primeiro vôo regular da
companhia, exatamente na “Linha da Lagoa”. 128 O segundo avião, apelidado de “Gaúcho” foi
adquirido em novembro de 1927.129
Em 1º de dezembro de 1927 constituía-se a empresa brasileira Syndicato Condor Ltda,
com sede no Rio de Janeiro, e quatro sócios, dois alemães, Max Sauer e Fritz Hammer, este
último idealizador e um dos sócios fundadores do Condor Syndikat (Berlim) e dois
brasileiros, o Conde Ernesto Pereira Carneiro, dono do Jornal do Brasil e uma empresa de
representações do Rio de Janeiro, chamada Herm Stoltz & Cia. O decreto de concessão, nº
130
18.075, foi assinado em 20 de janeiro de 1928 e a empresa Syndicato Condor iniciou suas
operações com hidroaviões, ligando o Rio de Janeiro ao nordeste brasileiro e a Porto Alegre.
Embora com nomes similares, as duas eram empresas distintas e a Syndicato Condor, do Rio
de Janeiro, nunca possuiu participação acionária na VARIG, embora tenha feito diversas
131
propostas para assumi-la. Esta empresa, operando com aviões de fabricação alemã, teve
um rápido crescimento e, em 1934, já havia inaugurado o prolongamento dos vôos Rio-Porto
Alegre até Montevidéu e Buenos Aires.
Já a empresa Condor Syndikat, de Berlim, após subscrever capital da VARIG, entrou
em liquidação na Alemanha, em 01 de julho de 1927, e suas atividades foram assumidas, no
Brasil, pela Lufthansa. O processo estendeu-se por vários anos, mas não afetou a continuidade
das operações que, em janeiro de 1928 passaram para a Syndicato Condor Ltda, do Rio. A
Condor brasileira continuou arrendando aviões da Lufthansa e recebendo dela apoio,
sobretudo nas áreas operacional e técnica. 132
Ao terminar o ano de 1927 com duas empresas aéreas nacionais, a VARIG e a
Syndicato Condor, o Brasil, na aviação, equiparava-se, como pioneiro, aos demais países
avançados do mundo na formação das grandes companhias aéreas que cruzariam os céus do
século XX, tendo, inclusive já aprovado, através do Decreto Nº 16.983, de 22 de julho de
1925, o primeiro “Regulamento para os Serviços Civis de Navegação Aérea”. 133 As primeiras
empresas de aviação começaram a surgir na Europa, ao final da Primeira Guerra Mundial,
127
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 7.
128
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 29.
129
“VARIG 75 anos”, op. cit., p. 15.
130
Decreto n° 18.075, de 20 de janeiro de 1928, “Coletânea de Legislação Aeronáutica...”, op. cit., p.47 e “Contracto Social
da Sociedade Mercantil por Quotas de Responsabilidade Limitada – Syndicato Condor, Limitada”, Rio de Janeiro, 01 de
Dezembro de 1927, p. 1-7. Consta da brochura “Início da Aviação Comercial no Brasil”, documentário, ilustrado, datado
provavelmente de 1952, sob os auspícios da Varig.
131
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 7.
132
Bericht betr. Condor Syndikat, op. cit., p. 12-17.
133
Decreto n° 16.983, de 22 de julho de 1925, "Aprova o regulamento para os serviços civís de navegação aérea, “Coletânea
de Legislação Aeronáutica...”, op. cit., p. 13 a 25.
54
como foi o caso da holandesa KLM, em 07 de outubro de 1919, voando para suas colônias na
África e na Ásia e, no mesmo ano, da alemã Deutsche Luft-Reederei que iniciou um serviço
diário, em 05 de fevereiro de 1919, entre Berlim e Weimar. 134 Na América do Sul a primeira
empresa aérea foi também fundada em 1919, a SCADTA, atual AVIANCA, que só iniciou
135
suas operações regulares em 19 de setembro 1921. Em 02 de abril de 1924, foi fundada a
136
British Airways, com o nome de Imperial Airways e, em janeiro de 1926, a Lufthansa. 137
Em 1927, no mesmo ano, portanto, do nascimento da VARIG e da Syndicato Condor, nasceu
a norte-americana Pan Am, e a Air France, só seria criada em 1933, mesmo ano de fundação
da Viação Aérea São Paulo (VASP).
No Brasil, o dia 30 de dezembro de 1929, marcaria o início da trajetória de uma
empresa que buscou sempre construir uma imagem fortemente atrelada à imagem do Brasil e
parceira da política de seus governantes, naquele época estaduais, pois a empresa ainda era
regional. Neste dia, o hidroavião “Atlântico” da VARIG levou Getúlio Vargas, juntamente
com Meyer, em viagem secreta, para o Rio de Janeiro, onde Vargas apresentaria sua
plataforma como candidato de oposição a Júlio Prestes. Esta foi a última viagem do
“Atlântico” com passageiros, pois na partida, e sem que os ocupantes soubessem, ele já
apresentava uma deformação no casco, que lhe fora fatal. Tanto que a volta de Vargas a Porto
Alegre, também em companhia de Meyer, se deu em outro hidroavião, o “Guanabara”,
arrendado pela VARIG devido ao problema do “Atlântico”. 138
Nesse ano de 1929 já haviam começado as negociações da VARIG com o governo do
estado do Rio Grande do Sul para que este assumisse uma participação societária na empresa,
bem como com o Syndicato Condor, representante no Brasil do Condor Syndikat de Berlim,
139
sobre a revenda dos hidroaviões “Atlântico” e “Gaúcho”. Em 24 de abril de 1930,
portanto, antes da Revolução, de outubro de 1930, que mudaria a vida do país e muito
influenciaria no desenvolvimento da aviação comercial, Oswaldo Aranha ainda estava à frente
da Secretaria do Interior do Rio Grande do Sul, e a VARIG conseguiu firmar contrato com o
governo deste Estado. Através deste contrato, segundo Adroaldo Mesquita da Costa, (anexo
G) presidente do Conselho Fiscal da VARIG, na época, e ministro da Justiça e Negócios
Interiores, no governo Gaspar Dutra,
134
Bill Gunston, Editor in Chief .“Chronicle of Aviation”, London: Chronicle Communications Ltda, 1992, p. 168.
135
R. E. G. Davies. Lufthansa an Airline and it´s aircraft, New York: Paladwr Press, 1984, p. 207 e 212.
136
Idem, p. 173.
137
Idem. p. 19.
138
Geraldo Tollens Link. Na Esteira do Irma, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p. 76-81.
139
Relatório Anual da Diretoria da S.A. Empreza de Viação Rio Grandense VARIG, relativo ao anno social de 1930, para ser
apresentado a Assembléia Geral Ordinária dos Acionistas de 1931, p. 15.
55
O Governo cederia, pelo prazo de 20 anos, com opção por mais 20, o campo de Gravataí,
para uso e administração da VARIG; lhe forneceria recursos financeiros, no montante de
399:000$000, para acabamento deste, a construção de um hangar e respectivas instalações
essenciais e, finalmente, lhe poria à disposição até 186.000 dólares, para que lhe adquirisse 4
aviões terrestres de passageiros de tipo Junkers F.13, com motor WASP comercial de 420
HP, 2 aviões de correio e carga Junkers W 34 e 2 aeroplanos KLEMM, para instrução. A
VARIG, por sua vez, se obriga a adquirir do Governo, 2 dos 4 aviões Junkers F.13, de sua
propriedade, mediante a entrega de 1050 de suas ações, assumiria a conservação dos 6 aviões
deste e manteria uma escola de aviação, em que poderia ele matricular anualmente, a título
gratuito, até 10 alunos, da Brigada Militar. 140
140
Adroaldo Mesquita da Costa. “Recordando”, documento sem data, assinado pelo autor, p. 1.
141
“Relatório Anual da Diretoria da S.A. Empreza de Viação Rio Grandense...”, op. cit., p. 15.
142
Idem, p. 14.
143
Geraldo Tollens Link, op. cit., p.112.
144
Bericht betr. Condor Syndikat, op. cit., p. 18.
145
R. E. G. Davies, op. cit. p. 21.
146
Ari Schneider. 1932: Uma história de luta, traição e mortes, O Estado de São Paulo, 07 de julho de 2002, p. A10-A11.
147
“Relatório Anual da Diretoria da S.A. Empreza de Viação Rio Grandense...”, op. cit., p. 15.
56
Ainda foi preciso aguardar sete meses até que, em 23 de outubro de 1931, o governo
gaúcho, através do Decreto No 4.880, mediante a aquisição de 1.050 ações, 149
passou a ser o
acionista majoritário da VARIG, em substituição ao Condor Syndikat. Desta forma, dava o
Estado continuidade ao apoio inicial e ratificava a consciência existente na época de que a
aviação era um investimento que requeria, naquele momento, subsídios governamentais e que
150
foram mantidos até 1968, pelo Governo Federal. No ano seguinte, quando da Revolução
Constitucionalista em São Paulo, contra o governo de Getúlio Vargas, a VARIG, mais uma
vez marcaria seu apoio ao presidente, ao suspender todo o seu tráfego aéreo, para poder ajudar
na repressão ao movimento, cedendo seus aviões e tripulantes aos governos estaduais e
federais.151
Seguindo um início operacional relativamente parecido nascia, em 04 de novembro de
1933, fundada por empresários paulistas, a Viação Aérea São Paulo, Vasp. Contudo, nos anos
de 1934 e 1935, quase paralisou suas atividades, sendo socorrida pelos governos do Estado e
do Município da Capital, passando o Estado à condição de acionista majoritário e
152
administrador. Contudo, a partir de 1946, a Vasp não conseguiu acompanhar o ritmo de
crescimento dos principais concorrentes, em especial a Real, devido, principalmente, a
escolha de equipamentos de vôo inadequados (bimotores ‘Scandia’, incapazes de competir
com os ‘Convair’, escolhidos por três congêneres) e sua condição de empresa estatal, que
148
Adroaldo Mesquita da Costa, op. cit., p. 4.
149
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 8.
150
Carlos Maranhão. “Playboy entrevista Hélio Smidt”, Playboy, São Paulo, Julho 1989, p. 53.
151
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 9.
152
Aldo Pereira. Breve História da Aviação Comercial Brasileira, Rio de Janeiro: Europa Empresa Gráfica e Editora, 1987, p.
184 e 185.
57
153
levou-a a padecer, várias vezes, dos efeitos da falta de continuidade administrativa.
Segundo Monteiro:
153
Harro Fouquet. Texto sobre a história da Cruzeiro do Sul, Panair do Brasil, Ponte Aérea, Real, Transbrasil, Varig e Vasp,
março de 1996, a pedido do Itaú Cultural para o Módulo do Transporte Aéreo no Brasil.
154
Cristiano Fonseca Monteiro. A dinâmica política das reformas para o mercado na aviação comercial brasileira (1990-
2002), Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, do Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 64.
155
Coletânea de Legislação Aeronáutica, op. cit., p. 356-359.
156
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p.13 e 82.
157
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 15.
58
brasileira fazendo este percurso, mesmo sob influência alemã e “não aceitava o fato do
governo brasileiro ter revogado o Artigo 06 do Decreto 24.572 de 04/07/1934, para favorecer
uma empresa estrangeira”. 158 Este episódio nos evidencia uma situação bastante freqüente no
governo Vargas, naqueles tempos, a forte influência tanto dos EUA, quanto da Alemanha, nos
diversos escalões do governo.
Em 19 de agosto de 1941, pelo Decreto no 3.523, a empresa Syndicato Condor teve
seu nome trocado para Serviços Aéreos Condor Ltda, em cumprimento a uma exigência legal
159
que designava a denominação sindicato a organizações de classe. Na VARIG, que desde
1931 se expandia, tendo o Governo Gaúcho como acionista majoritário, os dirigentes
passavam a se preocupar com o interesse que a empresa, com todo o seu potencial, começava
a despertar no mercado, tanto de grupos privados brasileiros, quanto estrangeiros. Temia-se,
também, que viesse a ser estatizada, pois havia no discurso governamental idéias vinculadas
ao nacionalismo econômico. O estado do Rio Grande do Sul chegou perto de assumir a
presidência da empresa, como acionista majoritário, quando Otto Ernst Meyer, devido ao
clima “anti-germânico” que prevaleceu no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial se
afastou da empresa. O interventor Cordeiro de Farias chegou a indicar Érico de Assis Brasil
para suceder a Meyer, entretanto com a morte inesperada de Assis Brasil, os acionistas
aprovaram o nome de Ruben Berta, em 1941. 160 A idéia de criar uma fundação acabava com
esses temores, uma vez que o patrimônio das fundações está legalmente protegido. “A
161
fundação é patrimônio personalizado pela finalidade a que se destina”, por isso seus bens
são inalienáveis. Foi, inclusive, criado um dispositivo que previa que, no caso de estatização
ou dissolução da empresa, o patrimônio deveria ser utilizado para assegurar os compromissos
com seus empregados, garantindo o cumprimento dos benefícios e pensões de que se tornasse
162
devedora. Desta forma, é possível compreender a estratégia criada recentemente para
“venda” da VARIG, isto é, foi preciso separá-la, de maneira que com a FRB-PAR ficassem
apenas as dívidas. A nova lei de Recuperação Judicial, promulgada em fevereiro de 2005,
tendo sido a VARIG a primeira a utilizá-la, em junho daquele ano, prevê a possibilidade de
“isolamento” de uma parte operacional da empresa, que tenha condições de sobreviver se for
158
Claudia Musa Fay. “Crise nas alturas: a questão da aviação civil”, Tese de Doutorado em História, Porto Alegre:
PPGH/IFCH/UFRGS, 2001, p. 26 e 27.
159
Aldo Pereira, op. cit., p. 119.
160
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 61.
161
Jussara Maria Gonçalves. Ruben Berta: a experiência de socialização através de uma Fundação de Funcionários.
Dissertação de Mestrado em Sociologia, Porto Alegre: PUC-RS, 1987, p. 69 e 61.
162
Estatuto da Fundação Rubem Berta, artigo 1º, p. 1.
59
163
isolada das dívidas e obrigações do conjunto, para que sejam renegociadas, sem que a
empresa pare suas atividades. Assim, criou-se a Unidade Produtiva VARIG, a “Nova Varig”,
vendida, em 2006, para a VarigLog e, em 2007, para a Gol.
Na VARIG, o processo de transferência do capital acionário do governo gaúcho e dos
acionistas pioneiros para uma fundação de funcionários foi concluído em 07 de dezembro de
164
1945, pelas mãos do então presidente da empresa Ruben Berta. Sobre a criação da
Fundação, Ruben Berta elaborou um discurso, em 1966, no qual acrescentava à preocupação
com os funcionários, argumento sempre divulgado pela empresa, outra preocupação, voltada à
perpetuação do empreendimento, onde declarava:
[...] administradores americanos e europeus, que não se sintam fascinados pelas idéias que
pomos em prática. Alguns cogitam seriamente em copiar o sistema, e os pedidos de
esclarecimentos são constantes, pois todos os que têm problemas de sucessão nos seus
estabelecimentos, sentem que estes não repousam sobre estacas sólidas e por isso terminam
dentro do mesmo conflito: que fazer com a casa, depois de desaparecerem os fundadores -
quem perpetuará seus princípios? 165
163
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit. e Lei no 11.101, de 09 de fevereiro de 200, Nova Lei de Falências, Editora
Revista dos Tribunais, 2005, Artigo 60, p. 71. “Separação da ‘Unidade Produtiva isolada do devedor’”.
164
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 35.
165
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas que constituem a base da Fundação dos Funcionários da VARIG”,
Porto Alegre, dezembro de 1966, p. 23.
166
Idem, p. 20.
167
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 18.
168
.“Os Vôos da VARIG”, Senhor, São Paulo, 24 de julho de 1985, p.5.
169
“Hélio Smidt: Homem da Aviação Comercial Brasileira/89”, Guia Aeronáutico, Janeiro de 1990, p.19.
60
... Impossíveis teriam sido esses juros compensadores sem um sacrifício constante de todo
o pessoal que serve à companhia [...]. Esse pessoal merece mais do que lhes temos dado e
estamos dando. Merece, pelo menos, um amparo bem mais completo do que lhe proporciona a
Caixa de Aposentadoria e Pensões [...]. Parece-nos imprescindível alargar agora as bases deste
entendimento tácito, dando aos que produziram o direito de participar desse trabalho e de
deliberar sobre as cousas que pertencem ao destino comum [...]. A diretoria sugere que se
duplique o capital atual, dando das novas ações uma porcentagem substancial, em forma de
doação, a uma Fundação de Funcionários da VARIG, a qual se ocupará de promover o bem-
estar social e completar duma maneira essencialmente prática as deficiências da atual
previdência social.... 170
• Médico;
• Odontológico;
• Nutricional;
• Auxílio Medicamentos;
• Auxílio Aposentadoria e Pensões;
• Auxílio Ensino;
• Auxílio Médico-Hospitalar;
• Auxílio Exames Laboratoriais;
• Auxílio Exames Radiológicos;
• Auxílio Aparelhos Reabilitantes;
• Auxílio Funeral;
• Programações Sociais;
• Programações Esportivas;
• Programações Culturais;;
• Convênio com Supermercados;
• Convênio com Seguradoras;
• Convênio com Farmácias;
170
“Atos da Constituição da Fundação Ruben Berta, Ata da Assembléia Geral de Acionistas”, 29 de outubro de 1945,
Publicação Interna da Empresa, dezembro de 1975, p. 4 e 5.
61
[...] Mesmo que possa não parecer, há, ainda, na VARIG, aquele simbolismo dos
tempos iniciais [...], 172
171
Biografia de Otto Ernst Meyer, Porto Alegre, 01 de maio de 1966, Documento interno da empresa, p. 3.
172
Fernando Hupsel. “Respeitamos a VARIG”, Guia Aeronáutico, novembro de 1989, p. 6.
62
estrutura real de relações sociais, a uma percepção de sua função ideológica e política e
legitimar uma ordem arbitrária em que se funda o sistema de dominação vigente. 173
A FRB foi criada em plena Segunda Guerra Mundial, em cujo contexto ocorreu a
regulamentação da aviação civil no mundo (1944) e no Brasil (1949). O desenrolar desta
guerra muito influenciou o panorama brasileiro da aviação comercial, principalmente em
função do acordo de aviação militar, concluído em 1944, entre Brasil e EUA, para uso dos
aeroportos brasileiros. Já nesse ano, os EUA ajudaram a construir duas bases militares, uma
no Paraná e outra no Rio Grande do Sul. Através desse acordo os EUA adquiriram o direito
de ocupação dos aeroportos estratégicos no Brasil por dez anos, o que só não ocorreu devido à
resolução da ONU de 1946, recomendando a imediata retirada de forças armadas estacionadas
em Estados-Membros. Mesmo assim os norte-americanos só saíram em 1947. 174
173
Pierre Bourdieu. A Economia das Trocas Simbólicas, São Paulo: Perspectiva, 2007, p. XIV.
174
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 37.
63
Desta forma, vale aqui discorrer um pouco sobre o desenrolar da participação direta do
Brasil na Segunda Guerra, o que começou a se esboçar em 1942, mesmo ano em que a
VARIG cruzava, pela primeira vez, os limites do Rio Grande do Sul, ao inaugurar sua
175
primeira linha internacional para Montevidéu. Em janeiro de 1942, ocorreu a Conferência
do Rio, organizada pelos EUA, com o objetivo de restringir as atividades do Eixo nas
repúblicas americanas e, durante essa conferência, foi declarado o rompimento de nossas
relações com esses países. Logo em seguida, foram assinados acordos militares com os EUA,
176
inclusive um acordo secreto político-militar, em maio. Iniciava-se aí um período de
relações especiais com o governo norte-americano que, naquele momento, necessitavam do
Nordeste brasileiro como parte do sistema de defesa hemisférico, tanto em função das rotas
do Atlântico Sul para África e Oriente Médio, como para controlar a costa leste e norte da
América do Sul.
Logo após o final da Conferência do Rio, os EUA desenvolveram programas
destinados a impedir qualquer tipo de atividade econômica dos países americanos com Japão,
Itália e Alemanha. Desenvolveram, inclusive, uma lista negra dos colaboradores do Eixo,
visando à implementação de controle sobre os indivíduos constantes dessa lista, incluindo a
177
eliminação de linhas aéreas do Eixo que operavam no Brasil. Como conseqüência desse
programa, pode-se citar o afastamento de Otto Ernst Meyer da presidência da VARIG, como
já mencionado e a assinatura, em 1946, do primeiro Acordo Bilateral de Transporte Aéreo do
Brasil, exatamente com os EUA. 178
Outra conseqüência foi a trajetória da empresa, Syndicato Condor, do Rio de Janeiro,
que por ter dois sócios alemães e forte ligação à Alemanha, através da Lufthansa, foi
nacionalizada, em 1942 e, em 16 de janeiro de 1943, teve seu nome novamente trocado, desta
vez para Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul Ltda, sem mais referências, portanto, ao termo
Condor. Seus dirigentes e funcionários alemães já haviam sido afastados, muitos presos,
tendo seu antigo consultor jurídico, o advogado José Bento Ribeiro Dantas assumido a
179
presidência da empresa. Naquela época, as três maiores empresas nacionais, a Syndicato
Condor, a VARIG e a Vasp, sofriam bastante influência alemã, contudo, enquanto a
Syndicato Condor já possuía muitas rotas para o interior do país, principalmente no nordeste,
175
“VARIG 75 anos”, op. cit., p. 16.
176
Eugênio Vargas Garcia. Cronologia das Relações Internacionais do Brasil, Rio de Janeiro: Contraponto, Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, 2005, p.156.
177
Gerson Moura. O Brasil na Segunda Guerra Mundial: 1942-1945, in J.A. Guilhon de Albuquerque (org.), Sessenta Anos
de Política Externa Brasileira (1930-1990), Volume I Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 98.
178
Antônio Henrique Browne Pereira do Rego. “Tendências da Aviação Civil no Brasil”, Revista Brasileira de Direito
Aeroespacial, no 44, setembro de 1989, p.17.
179
Aldo Pereira, op. cit., p. 120 e 122.
64
a VARIG e a Vasp eram ainda pequenas empresas regionais, provavelmente por este motivo
foram menos pressionadas. A VARIG só começou a voar para o Rio de Janeiro e São Paulo
após a nacionalização da Condor. 180
Devido à derrota da Alemanha na guerra, com seu território sendo ocupado
militarmente pelas forças aliadas (EUA, URSS, Inglaterra e França), e a perda da soberania
sobre seu espaço aéreo, a Lufthansa acabou sendo extinta. Após a formação da República
Federal da Alemanha, “Alemanha Ocidental”, a soberania foi recuperada e, em 1955, uma
nova empresa sem nenhum vínculo com a anterior, mas também denominada “Deutsche
181
Lufthansa A.G.” iniciou suas operações. Por essa razão, no Brasil, ao final da guerra, a
Alemanha perdia aquela ascendência que possuía sobre a aviação nacional, no início de suas
operações. No seu lugar assumia a liderança os EUA, com seus DC-3 e C-47, muito utilizados
durante o conflito para o transporte de cargas e tropas. Esses equipamentos passaram a ser
vendidos a preços irrisórios e a VARIG comprou uma grande frota de aviões Douglas DC-3.
182
Naquele momento, praticamente todas as companhias aéreas do mundo adquiriram esses
equipamentos. Segundo relato de Hélio Smidt, no Brasil, esses aviões eram comprados
diretamente do representante do Tesouro dos EUA, em Natal, onde estavam parados. 183
Com a vitória dos países aliados, incluindo-se nesse grupo a URSS, novos ventos
começam a soprar no mundo e no Brasil. O anúncio oficial do estabelecimento de relações
diplomáticas entre Brasil e URSS ocorreu ainda em abril de 1945, graças à visita do
Secretário de Estado norte-americano a Vargas, abordando a necessidade de reconhecimento
deste país pelo Brasil, que desde 1917 não o havia formalizado. Como conseqüência desses
novos tempos Vargas concedeu anistia a presos políticos, permitiu a organização de novos
partidos e o PCB saiu da ilegalidade. Em 26 de setembro, no Brasil, o embaixador norte-
americano pronunciou um discurso em que mencionou a “marcha regular para a democracia
constitucional no país” e, em 29 de outubro, Vargas renunciou e foram convocadas eleições
presidenciais, vencidas por Eurico Gaspar Dutra. Teve início, assim, o primeiro período
(1946-1951), dentro da política externa brasileira, conhecido como de “alinhamento
automático” aos EUA, dentro do paradigma intitulado por Letícia Pinheiro de “americanismo
ideológico”. Esse paradigma só iria se repetir na política externa brasileira, segundo a autora,
no governo Castello Branco (1964-1967). 184
180
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 22, 23 e 210.
181
R. E. G. Davies, op. cit. p. 65-66.
182
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 17.
183
“Os Vôos da VARIG”, op. cit., p. 5.
184
Letícia Pinheiro. Traídos pelo Desejo: Um Ensaio sobre a Teoria e a Prática da Política Externa Brasileira
Contemporânea, Rio de Janeiro, Contexto Internacional, volume 22, no 2, 2000, IRI/PUC-Rio, p. 310.
65
185
Aldo Pereira, op. cit., p. 328.
186
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p.47 e 78..
187
Pereira do Rego, op. cit., p.16.
188
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 66.
189
R. E. G. Davies, p. 456.
190
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume II, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 5.
66
iniciava sua trajetória rumo a outros hemisférios, nascia, em 05 de janeiro de 1955, sob o
comando do seu fundador e acionista controlador Omar Fontana, a Sadia S.A. Transportes
Aéreos, cuja denominação, em 1972, foi trocada para Transbrasil S.A. Linhas Aéreas.
O grande crescimento da aviação brasileira durante a Segunda Guerra Mundial não se
deu apenas na área de serviços, mas também no segmento industrial, com produção de
motores, aviões leves e, inclusive, de aviões militares para o governo, com fábricas instaladas
no Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Essas fábricas, ao final da guerra, seriam
obrigadas a encerrar suas atividades em função da oferta de aviões dos EUA, doados ou
vendidos a preços irrisórios para escoar a grande produção norte-americana durante a guerra e
também para que essa iniciativa brasileira não tivesse futuro. Os EUA, em função da
destruição sofrida pelos países europeus, se mantiveram líderes absolutos da produção
191
aeronáutica, principalmente de aviões para longo percurso. Esse grande crescimento da
aviação no Brasil logo após a guerra se deu exatamente por ser um país de dimensões
continentais, com uma infra-estrutura de transporte de superfície bastante precária. Nessa
época o país vivia um processo de modernização econômica intenso, voltado para o
desenvolvimento industrial por substituição de importações, que buscava, dentre outros
objetivos, a auto-afirmação internacional do país e não era do interesse norte-americano
permitir o crescimento da concorrência.
No início desse boom da aviação, ao final da Segunda Guerra, Eurico Gaspar Dutra foi
eleito Presidente da República, representando um extremado setor dirigente conservador, que
alimentava ilusões quanto ao prolongamento da considerada “relação especial” vivida pelo
país com os EUA, durante a guerra. Dutra foi, inclusive, o primeiro presidente brasileiro a
fazer uma viagem em caráter oficial aos EUA, em 1949, mesmo ano em que era criada a
192
Escola Superior de Guerra, inspirada no National War College, e a CERNAI vinculada ao
Ministério da Aeronáutica. Durante seu governo tinha início no mundo, com a Doutrina
Truman (1947), a Guerra Fria e seu confronto ideológico radical, que através da corrida
armamentista, muito influenciou o desenvolvimento aeronáutico da década de 1950,
principalmente com o desenvolvimento dos primeiros aviões a jato, que entraram em
operação na maioria das empresas aéreas entre 1958 e 1960, período em que a frota aérea
comercial brasileira já era a segunda no mundo, em número de aviões. A VARIG foi a
primeira empresa nacional a receber um avião a jato, o Caravelle, que passou a operar em
191
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 59-63, 85 e 223.
192
Eugênio Vargas Garcia, op. cit., p. 167.
67
193
dezembro de 1959, na rota de Nova York. Os aviões a jato, além do aumento da
velocidade, encurtando distâncias, aumentavam, também, em 50%, a oferta de assentos, o que
associado a criação da classe turista, ocorrida em 1952, barateava ainda mais as passagens. 194
Ainda em 1947, alimentado pelo clima de confrontação recém instaurado e pela
esperança de que algum “Plano Marshall” pudesse contemplar o território brasileiro, o
governo Dutra colocou o Partido Comunista na ilegalidade e rompeu as recém iniciadas
(1945) relações diplomáticas com a URSS, mesmo contra a vontade dos EUA, que, por
solicitação do Itamaraty, passaria a ser o representante de nossos interesses junto àquele país.
195
Tal atitude foi típica de quem queria “ser mais realista do que o próprio rei”. Tal postura
aconteceu muitas vezes na história brasileira e mais recentemente, quando do fim da VARIG,
Solange Paiva Vieira, diretora-presidente da ANAC, referindo-se à situação da empresa,
declarou (informação verbal) sentir orgulho pelo governo brasileiro não ter usado “dinheiro
196
público para recuperar empresas privadas”, isto é, orgulho pelas autoridades aeronáuticas
brasileiras terem seguido, à risca, a cartilha neoliberal norte-americana, penalizando todo um
segmento econômico nacional, enquanto o governo dos EUA socorria, com dinheiro público,
como aliás, sempre o fez, os setores privados, que com a recente crise, corriam o risco de
falência naquele país.
Após a Segunda Guerra Mundial, foi profundamente amarga a frustração brasileira
diante do diálogo de surdos que passou a existir entre o Brasil e os EUA, cuja política externa
mantinha-se fiel a crença de que a única questão relevante para os EUA na América Latina
era a da segurança, em função da ameaça comunista. Os EUA ignoraram completamente os
anseios de desenvolvimento, infra-estrutura e industrialização expressos, na década e meia
que se seguiu ao final da Segunda Guerra Mundial, pelos países da região. Para agravar ainda
mais esta situação não nos esqueçamos que devido ao estreitamento das relações econômicas
entre Brasil e EUA, ocorrida durante a Segunda Guerra Mundial, esse país se transformou em
nosso principal mercado tanto para exportação quanto para importação, aumentando
consideravelmente a dependência brasileira. 197
Segundo Rubens Ricupero, as teorias da Comissão Econômica para a América Latina
e o Caribe (CEPAL), que surgiram naquele momento, eram exatamente a “expressão
193
Aldo Pereira, op. cit., p.330..
194
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 86, 111 e 116.
195
Eugênio Vargas Garcia, op. cit., p. 164.
196
Programa Espaço Aberto, entrevista com Solange Paiva Vieira, diretora-presidente da ANAC, na TV Globo News.
Entrevista concedida à Míriam Leitão, em 08 de março de 2009. “Uma Análise do Setor Aéreo Brasileiro”.
197
Alexandra de Mello e Silva. Desenvolvimento e Multilateralismo: Um Estudo sobre a Operação Pan-Americana no
Contexto da Política Externa de JK. Contexto Internacional, Volume 14, no 2; Rio de Janeiro: IRI-PUC/RJ, julho-dezembro
de 1992, p. 212.
68
198
ideológica dessa divergência”. A teoria do subdesenvolvimento, elaborada pela CEPAL,
de industrialização por substituição de importações, com forte concentração do Estado na
economia, alcançou grande sucesso na América Latina devido à, então, política norte-
americana para a região. Os EUA, segundo Gerson Moura, viam a CEPAL
como uma intrusa nos assuntos hemisféricos [...], uma instância que escapava ao controle
da Organização dos Estados Americanos (OEA) e, portanto, da liderança mais imediata dos
EUA. 199
Para este país a América Latina deveria manter-se como fornecedora de matérias-
primas e importadora dos produtos industrializados norte-americanos, o que dificultava ainda
mais as relações, principalmente devido à crescente deterioração nos termos de troca entre
produtos primários e manufaturados.
A CEPAL foi criada em 1948, como um órgão especializado das nações unidas, cuja
teoria, que acabou funcionando como uma alternativa para os países da região, desenvolveu-
se, sobretudo, mediante a análise de agregados macroeconômicos, em uma abordagem muito
próxima à dos modelos de crescimento keynesianos que proliferaram a partir dos anos 40,
porém, já abandonados internamente nos EUA, desta época. Os autores da CEPAL defendiam
a corrente de que a industrialização apoiada pela ação do Estado seria a solução para a
superação do subdesenvolvimento latino-americano. No Brasil, em particular, o sucesso dessa
política ocorreu não só entre policy makers, mas também entre empresários e, ao longo do
tempo, no meio acadêmico, atingindo o auge durante os anos 50 e 60, quando as idéias e os
técnicos da CEPAL estiveram no centro dos debates e, muitas vezes, das decisões
econômicas. 200
O mundo, na década de 1950, já vivia um relativo degelo na confrontação Leste-Oeste,
paralelo ao início da recuperação das economias japonesas e européias, o que representava,
naquele momento, não só para o Brasil, como para todos os países subdesenvolvidos, uma
abertura no leque das oportunidades comerciais. Os EUA deixavam de ser a única opção. No
Brasil, já no segundo governo Vargas (1951-1954), o “consenso ideológico anticomunista da
201
Guerra Fria” se desintegrava, cedendo lugar a um forte nacionalismo econômico, com a
criação do BNDES e da Petrobrás e na aviação, a Panair contrariava seus acionistas norte-
198
Rubens Ricupero. O Brasil, a América Latina e os EUA desde 1930: 60 Anos de uma Relação “Triangular”, in J.A.
Guilhon de Albuquerque, op. cit., p. 24.
199
Gerson Moura. "Avanços e Recuos: a política exterior de JK, in Ângela de Castro Gomes (org), O Brasil de JK, Rio de
Janeiro, Editora FGV (CPDoc), 1991, p. 29.
200
Renato Perim Colistete. “O desenvolvimentismo cepalino: problemas teóricos e influências no Brasil”, Scielo do Brasil,
Estudos Avançados, volume 15, no 41, São Paulo, Janeiro-Abril de 2001, s/p.
201
Rubens Ricupero, op. cit., p. 24.
69
americanos tentando adquirir aviões ingleses. Segundo Harro Fouquet (informação verbal), a
Panair, por se voltar, prioritariamente, aos serviços internacionais e por ter sido afetada por
dissensões internas, acabou abrindo mão de importantes posições no campo doméstico. 202
Já as demais companhias aéreas nacionais, incluindo-se a VARIG, que seguia uma
política estratégica de empresa voltada para os interesses nacionais, assumiam a operação de
rotas muitas vezes deficitárias, logicamente recebendo subsídios e atendendo a demandas
governamentais e sociais diversas, desde apelos pelo desenvolvimento econômico do país,
passando por afirmações políticas, até a integração cultural. Tal posicionamento se
enquadrava perfeitamente à política adotada pelo Estado brasileiro com relação à aviação
comercial como um todo. A lei 1815 de 1953, criada, portanto, durante o segundo governo
Vargas, ratifica esta conduta:
202
Harro Fouquet. “Texto sobre a história...”, op. cit..
203
Informação disponível no site do Senado Federal.
204
Mônica Hirst. A Política Externa do Segundo Governo Vargas, in J.A.Guilhon de Albuquerque, op. cit . p. 211-212.
70
205
exploração e refino do petróleo nacional, uma atividade cujas empresas norte-americanas
tinham grande interesse em investir no Brasil. Para os EUA, citando Alexandra de Mello e
Silva,
O segundo governo Vargas, além de ter que lidar com uma forte instabilidade interna,
não conseguiu consolidar, segundo Mônica Hirst, seu projeto de política externa, que era a
“reativação de um alinhamento negociado com os EUA”, aos moldes do que fora vivido na
década de 1940. O fim trágico desse governo, em 24 de agosto de 1954, deu início a uma
207
nova fase na política externa brasileira, já desiludida com as possibilidades de ganhos
econômicos a partir de um alinhamento automático, como em Dutra, ou mesmo negociado,
como em Vargas. Esse alinhamento só viria a ocorrer novamente, segundo Hirst, no governo
“golpista” pós-64.
Operavam no Brasil, em 1948, cinqüenta e seis empresas aéreas. Logicamente que
essa oferta exagerada, isto é, esse testemunho brasileiro de livre concorrência, não poderia se
perpetuar, uma vez que o excesso de oferta não era compatível com a demanda real existente
no país e, em 1953, o número de empresas já seria reduzido para trinta e duas, chegando, em
1958, à apenas seis consórcios de empresas aéreas e, em 1959, a dois grupos. Na década de
1950, todas as rotas internacionais no país eram subvencionadas pelo governo, uma vez que
para a política externa, na época, a presença de aeronaves nacionais nos céus e nos aeroportos
de outros países era muito importante, como representante da política estratégica do governo,
208
aliás, uma prática comum nos demais países, naquele momento. O mercado era bastante
liberalizado, com uma concorrência acirrada. Só no litoral brasileiro operavam doze
empresas, que colocavam a segurança, na interpretação de alguns especialistas, em segundo
plano, justificando, assim, o grande número de acidentes. 209
Como conseqüência, havia “excesso de concorrência nos setores economicamente
saudáveis, o que significou concentração no litoral; nas rotas de maior demanda com baixo
205
Mônica Hirst, op. cit., p. 218.
206
Alexandra de Mello e Silva. “Desenvolvimento e Multilateralismo...”, op. cit., p. 211.
207
Mônica Hirst, op. cit . p. 229.
208
Claudia Musa Fay, op. cit. p. 173, 80-83.
209
Aldo Pereira. Breve História da Aviação Comercial Brasileira, apud Claudia Musa Fay, op. cit. p. 73 e 151.
71
210
Pereira do Rego, op. cit., p.16.
211
Claudia Musa Fay, op. cit. p. 69-73 e 143.
72
212
Gerson Moura. "Avanços e Recuos...”, op. cit., p. 23-27, 30-31
213
Idem, p. 31-35.
214
W.W. Rostow. Etapas do Desenvolvimento Econômico, Rio de Janeiro: Zahar, 1971, capítulo II.
73
pela percepção interna norte-americana de que uma “nova Cuba” não poderia surgir no
continente e de que deveria haver uma mudança radical na política norte-americana para a
215
região que, desde o início da década de 1950, vivia grandes transformações sociais e
políticas, que se refletiam no crescimento urbano e na formação de uma burguesia industrial.
Esse novo quadro social criava exatamente o mercado de que a aviação civil sempre se
alimentou e que, embora crescente, não conseguiria evitar a crise que, a partir da segunda
metade da década de 1950, acometeu a aviação comercial no Brasil.
Nessa época, alianças operacionais começaram a se formar entre as empresas, como
em 1956, entre a Vasp e a VARIG, para enfrentar a concorrência crescente da Real e uma das
saídas criativas foi a criação da Ponte Aérea Rio-São Paulo. Uma idéia inovadora,
216
considerada o primeiro acordo operacional doméstico da história da aviação. Esta era a
rota doméstica mais aquecida do país e, em fins de 1958, sete empresas operavam, ao todo,
217
286 vôos semanais em cada sentido, com 39% de participação da Real. A ponte aérea foi
um pool entre VARIG, Cruzeiro do Sul e VASP, criado em 06 de julho de 1959, como uma
ferramenta mercadológica para, além de enfrentar a Real, reduzir custos e otimizar as
operações, através da padronização dos serviços. 218
Nessa época, tiveram início também para todas as empresas aéreas brasileiras os
graves problemas operacionais, incluindo a necessidade de renovação das frotas, pois àquela
altura os equipamentos comprados ao final da Segunda Guerra Mundial já precisavam ser
substituídos, segundo Cláudia Fay “a segurança da subvenção fez com que as empresas se
lançassem em ambiciosos planos de reequipamento, muito acima de sua capacidade e acima
219
das necessidades de mercado”. Havia também os problemas financeiros, em função de
dívidas e da inflação, em conseqüência do grande endividamento externo gerado pelo Plano
de Metas de JK. Jânio teve que adotar medidas para controle da inflação, que envolveram o
fim dos subsídios às importações e uma desvalorização cambial de mais de 100%, atingindo,
em cheio, o transporte aéreo comercial, bastante dependente da importação de combustível,
equipamento aeronáutico e seguro, bem como no aumento de seus custos em dólar.
Somava-se a esses fatos uma sucessão de acidentes aéreos, que traziam o item
segurança para os debates. Entre 1959 e 1962 ocorreram 26 acidentes envolvendo companhias
220
aéreas brasileiras Com a introdução dos jatos, diversas localidades, por falta de condições
215
Alexandra de Mello e Silva. “Desenvolvimento e Multilateralismo...”, op. cit., p.229-230.
216
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 36.
217
Guia Aeronáutico, dezembro de 1958, primeira contra-capa.
218
“Os Trinta Anos da Ponte Aérea”, Guia Aeronáutico, julho de 1989, p. 29.
219
Claudia Musa Fay, op. cit. p. 127 e 157.
220
Idem, p. 167 e 168.
74
operacionais, deixaram de ser servidas pela aviação e o governo mantinha, mesmo assim, a
subvenção para a compra dessas aeronaves, bem como para as operações internacionais. Tal
quadro levou a uma intensificação da regulação estatal, em 1961, quando se tornaram
intensas, no Ministério da Aeronáutica, as discussões sobre a criação de uma empresa
internacional única, a Aerobrás. Nesse ano ocorreu a I Conferência Nacional de Aviação
Comercial (CONAC), em Petrópolis, de 27 de novembro a 08 de dezembro de 1961,
conhecida como “Conferência do Castelo” e sob a coordenação do DAC e do Sindicato
Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA), com a participação limitada apenas às empresas
filiadas ao sindicato. Ocorreram mais quatro Conferências como esta, em 1963, em 1968, em
1986 e em 1991. A I CONAC terminou com as seguintes recomendações:
221
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, Ministério da Aeronáutica, Departamento de Aviação Civil,
maio de 1997, p. 44.
222
“Voando há 63 anos”. Rosa dos Ventos, no 100, 1990, p. 9.
223
Harro Fouquet. “Texto sobre a história...”, op. cit..
224
Rubens Bordini, op. cit., p. 259.
75
O eventual emprego dos Boeings 707 e DC-8 nas linhas da REAL aumentaria a
capacidade de utilização dos quaro aviões existentes e reforçaria as possibilidades do seu
pagamento, avalizado pelo Tesouro Nacional
Deve favorecer-se a fusão futura das operações VARIG e PANAIR no campo
internacional, enquanto que a REAL concentrar-se-ia no setor doméstico, visto serem menores
as suas possibilidades de ação no setor internacional. 225
Ao falar dos Boeings 707, da VARIG, e dos DC-8, da Panair, nas linhas da REAL, ele
estava sugerindo que esses equipamentos poderiam ser melhor utilizados caso assumissem as
linhas operadas pela Real, isto é, que essas linhas deveriam sair da Real para uma operação
fusionada da VARG e da Panair. A fusão não ocorreu, mas no mês seguinte, com a absorção
pela VARIG de metade da Aerovias, uma das propostas de Berta se concretizaria. A compra
da Real foi efetuada em duas etapas, em maio e em agosto de 1961 e também em função de
duas “ofertas”, a primeira feita por Linneu Gomes, dono e presidente do Consórcio, que
procurou Ruben Berta, apesar da rivalidade existente entre ambos e ofereceu-lhe sociedade na
Aerovias Brasil. Nessa primeira etapa a VARIG adquiriu 49% das ações da Aerovias, em
poder da Real, assumindo assim os vôos internacionais do Consórcio. Na segunda etapa
Ruben Berta teria sido convocado por Jânio Quadros que lhe disse: “Berta, a Real está falida,
e seis mil aeroviários e aeronautas vão perder seus empregos, quando ela cessar suas
atividades. Eu não posso deixar essa gente e suas famílias ao desamparo! Só vejo duas
soluções: ou a VARIG compra a Real, ou eu crio a Aerobras!”. 226
O Consórcio Real-Aerovias-Nacional, em 1958, já havia se transformado na maior
empresa aérea brasileira e sul-americana. Com 116 aeronaves, ela aparecia em sétimo lugar
no ranking da IATA, relativo ao ano de 1957, sendo superada apenas pela American, United,
227
TWA, Eastern, PanAm e Air France. No início da década de 1960 era maior do que a
225
“Exposição ao Exmo. Snr. Presidente da República Dr. Jânio Quadros sobre Transporte Aéreo Internacional”, VARIG,
abril de 1961, p. 10-16, 20 e CONCLUSÕES.
226
Rubens Bordini, op. cit., p. 260 e 261.
227
Guia Aeronáutico, dezembro de 1958, p. 10-11.
76
própria VARIG 228 e sua aquisição foi sempre justificada como tendo sido em atendimento “a
229
um apelo do ex-presidente Jânio Quadros”, que logo em seguida renunciaria, em 25 de
agosto de 1961. Essa compra foi efetuada sem que nem, ao menos, fosse feita uma auditoria,
230
“que mostrasse qual era, em algarismos, seu verdadeiro estado pré-falimentar”. . Com sua
compra a VARIG assumiu cerca de cinqüenta por cento do volume do tráfego doméstico e
231
sessenta por cento das linhas internacionais brasileiras, isto é, dobrou as suas rotas
232
domésticas e quadruplicou a sua quilometragem internacional, “tornando-se a maior
empresa aérea brasileira, em extensão e densidade de linhas, em quantidade de funcionários, e
em quantidade de aviões”. 233
A compra da Real permitiu à VARIG, com a absorção de seu qualificado quadro
funcional, uma rica experiência, tanto profissional, quanto cultural, passando a ter, por
exemplo, pela primeira vez, um setor responsável pelo planejamento dos vôos e rotas, setor
este já existente na Real e absorvido pela VARIG quando, até então, esta função era exercida
pessoalmente por seu presidente Ruben Berta, um homem bastante centralizador. Uma
reportagem de julho de 1961, (anexo I) disse a respeito dele:
Quem entra em qualquer uma das agências da VARIG ou no escritório central, sente sua
presença no ar, no ambiente, em seus auxiliares (diretos e indiretos). Todos chamam-no de
Velho, porque ele é um pai. Preocupa-se pessoalmente por cada funcionário e suas famílias.
Possui uma memória prodigiosa. 234
O próprio Berta reconhecia esta fama: “Acusam-nos de vez em quando de ter impresso
à VARIG um tom personalista.” 235
A Real era uma empresa paulista, com uma cultura distinta da gaúcha VARIG e o
reconhecimento da importância de seu quadro funcional veio, através do convite de Ruben
Berta, para que vários daqueles profissionais fossem incorporados, em conjunto, ao Colégio
Deliberante da Fundação de Funcionários da VARIG, o centro de poder da organização, tendo
alguns, inclusive, assumido, mais tarde, cargos de direção na empresa. Em 1989, 45 deles, de
um total de 465 integrantes, ainda faziam parte do Colégio Deliberante. No entanto, por não
terem sido eleitos, como os demais membros, e por não terem origem no quadro de carreira da
228
“Os Vôos da VARIG”, op. cit., p. 6.
229
Fundação dos Funcionários da VARIG. Negócios do Exercício de 1961. 18º Assembléia Geral Ordinária do Colégio
Deliberante. Documento Interno da Empresa, p. 18.
230
Rubens Bordini, op. cit., p. 263.
231
Fundação dos Funcionários da VARIG. Negócios do Exercício de 1961, op. cit., p. 18.
232
Frank Ribeiro. “Horizontes cresceram com atuação de Berta”, Jornal do Brasil, 07 de maio de 1987, p. 20.
233
Rubens Bordini, op. cit., p. 263.
234
Léa Brenner. Rubem Berta em Campo de Vôo, Revista do Globo, no 798, de 8 de julho a 21 julho de 1961, p. 28.
235
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 30.
77
própria VARIG, eram tratados como “oriundos”, inclusive nos documentos internos da
empresa, como, por exemplo, no Relatório do Exercício daquele ano, em que todos esses
funcionários, na listagem dos membros do Colégio Deliberante, tinham um asterisco ao lado
do seu nome, com a seguinte observação:
[...] a linha São Paulo - Tóquio com o avião L-1049H. Era uma linha inútil, onerosa, sem
passageiros, pois a competição que já existia das empresas americanas através do Oceano
Pacífico, voando B-707 e DC-8, era demais para a despreparada Real. Mas a Real operava em
péssimas condições! Seus aviões estavam sujos e mal cuidados, faltavam peças de reposição
para os mesmos, a empresa devia dinheiro para todo mundo, e não havia nem ao menos uma
simples máquina de escrever, que não estivesse penhorada na Justiça, como garantia de
dívidas não pagas. Os tripulantes da Real nem usavam mais uniformes em serviço, pois eles é
que os tinham de pagar, e como não recebiam salários há alguns meses, voavam a paisana!
Além dos problemas econômico-financeiros do Consórcio Real, o grupo de diretores da
VARIG, que passou a administrar essas empresas, teve que enfrentar uma outra dificuldade:
havia um sentimento generalizado de hostilidade do funcionalismo da Real para com a
VARIG e seu pessoal. Todos eles, em geral, viam na VARIG, sua tradicional e antiga rival,
um ‘feitor de escravos’ que vinha agora fazê-los trabalhar em proveito próprio. Achavam que
a VARIG vinha explorá-los e colocá-los em planos secundários, em suas funções e carreiras.
A VARIG os ‘comprara’! Esse sentimento era palpável em todos os setores da Real, e foi com
muito trabalho, dedicação, sacrifício e exemplos, que o pessoal da VARIG conseguiu,
gradativamente, vencer essa desconfiança e granjear aos poucos a boa vontade, cooperação e,
afinal, plena e entusiástica colaboração de todos. Logo em seguida à compra da Real, ficou
patente que havia funcionários em demasia. Aquele aglomerado de pequenas e médias
empresas em que se constituía o Consórcio, tinha trazido para a Real todos os aeronautas e
aeroviários que haviam sido refugados pelas empresas maiores, através de anos de seleção, por
serem incompetentes ou indesejáveis, e que, agora, ali estavam novamente. 237
236
Relatório do Exercício de 1989 da FRB, p. 31 e 32 e Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit..
237
Rubens Bordini, op. cit., p. 263 e 264.
78
Um provincianismo que, anos mais tarde, já começava a ser combatido pelo próprio
Ruben Berta quando, de certa forma, mediante o crescimento da empresa, buscava abri-la a
valores mais universais, provavelmente por perceber que essa característica poderia um dia
liquidar a empresa. Um exemplo desta postura “mais aberta” de Berta pode ser retirada do
seguinte trecho de seu discurso de 1966, já citado:
Nesse discurso Ruben Berta demonstrava sua preocupação com a formação dos novos
líderes da empresa e que esta se mantivesse aberta a entrada de novos talentos e ao acesso dos
mesmos aos cargos mais elevados. Erik de Carvalho, que viria a substituí-lo na presidência,
após sua morte, poderia ser considerado um exemplo prático dessa preocupação de Berta, que
bem conhecia as características da empresa que presidia. Erik de Carvalho, preparado por
Berta para lhe suceder, era carioca e, em 1955, quando ainda funcionário da Panair, foi
convidado por Berta para trabalhar na VARIG ocupando, inicialmente, as funções de Diretor-
Assistente, depois de Diretor-Representante, até que, em 1960, foi nomeado a Vice-
Presidente. De certa forma, essa “oxigenação” causava “desconforto” na empresa, chegando a
pairar, em 1967, com sua chegada à presidência, um receio de que houvesse dissidência na
240
companhia por ele não ser gaúcho, nem funcionário de carreira da empresa, como eram
238
Ruben Berta. Carta, de 14 de maio de 1947, endereçada aos gerentes da empresa em Pelotas, Rio Grande, Bagé, Santa
Maria, Passo Fundo e Cachoeira, referente ao tráfego mútuo SAVAG/AEROVIAS.
239
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 28, 29 e 35.
240
“Esboço biográfico", enviado pelo Secretário Geral da FRB aos membros do Colégio Deliberante após a AGE realizada
em 30 DEZ 1966.
79
seus outros dois vice-presidentes, José Rochedo e Harry Schuetz. 241 Ruben Berta já conhecia
tal dificuldade, como declarado em seu discurso de dezembro de 1966:
Nosso substituto já existe; o problema é terem confiança nele, na hora em que for
preciso. Se nele não tivéssemos fé e esperança, não o teríamos escolhido e indicado o posto,
no princípio, contra a opinião de não poucos dos nossos companheiros, alguns muito a mim
chegados desde os primórdios da VARIG. Iludem-se, entretanto, os que querem nosso
substituto feito cópia nossa. 242
E após sua morte, em julho de 1967, quando Erik de Carvalho já havia assumido a
presidência, uma reportagem da revista Visão, ao descrever a trajetória, na aviação brasileira,
do novo presidente, nem sequer citava o nome Panair, já extinta desde 1965:
Erik de Carvalho, cuja existência tem sido dedicada à aviação comercial no Brasil. Nascido
em 1913, começou a trabalhar em transporte aéreo aos dezessete anos em modestas funções e,
após atingir a alta administração da empresa em que trabalhava, foi convidado em 1955, por
Rubem Berta, a ingressar na Varig, como diretor-assistente. 243 [grifo nosso].
Erik de Carvalho ficou na presidência da VARIG até fevereiro de 1979, quando teve
que se afastar para uma cirurgia da qual não se recuperou. Contudo, ao contrário de Ruben
Berta, não preparou um sucessor. Seu vice-presidente, Harry Shuetz, o substituiu
interinamente até a eleição, em abril de 1980, do gaúcho Hélio Smidt, sobrinho de D. Vilma,
244
viúva de Ruben Berta. Smidt, funcionário de carreira desde 5 de fevereiro de 1945,
marcaria a “volta a origem” da empresa, uma espécie de “restauração”, preparando o gaúcho
Rubel Thomas, seu vice-presidente, para sucedê-lo que, por sua vez, teve Carlos Willy
Engels, outro gaúcho, como seu sucessor (de abril de 1995 a janeiro de 1996, apenas). Caso
Erik de Carvalho houvesse “preparado” um sucessor, as futuras lideranças da VARIG,
provavelmente, seriam outras, pois ele, por diversas vezes, havia vetado o nome de Rubel
Thomas, homem da confiança de Hélio Smidt, nas eleições para o Colégio Deliberante da
FRB. O próprio Rubel Thomas sairia da presidência, em 1995, por divergências com a FRB.
Ruben Berta, no início da década de 1960, viveu momentos bastante distintos.
Revendo os acontecimentos do início dessa década para a VARIG, desde a tentativa de
comprar a Panair, em 1960, até a aquisição da Real, em 1961, passando pela exposição de
Ruben Berta a Jânio Quadros, sugerindo a fusão de empresas de operação internacional, foi
possível entender o quanto da influência de Berta havia nos resultados da I CONAC,
241
“Vôo mais alto a trajetória segura”, op. cit., p. 23.
242
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 29.
243
“Vôo mais alto a trajetória segura”, op. cit., p. 23.
244
Guia Aeronáutico, janeiro de 1990.
80
inclusive, pode-se considerar que, a partir desta primeira conferência, fortaleceram-se “os
laços entre poder público, especialmente o DAC, e as empresas”. 245 Um aspecto institucional
que passou a ter grande peso no desempenho do setor, destacando-se a criação da Rede de
Integração Nacional (RIN), um programa de subsídios, isto é, suplementação financeira do
governo às empresas aéreas que operassem nas rotas de médio e baixo potencial de tráfego,
com pequena viabilidade econômica. Iniciava-se, também, em território brasileiro, segundo
Malagutti, “o regime de competição controlada, em que o governo passou a intervir,
pesadamente, nas decisões administrativas das empresas (aéreas), seja na escolha de linhas, no
reequipamento da frota, no estabelecimento do valor das passagens etc”.246 Fase essa que
durou até o final da década de 1980.
Essa política seguia as mesmas características que sempre estiveram presentes,
segundo Eli Diniz, na construção das relações entre Estado e empresariado durante o processo
de industrialização brasileiro, através de laços muitas vezes informais. Esses chamados “laços
informais”, a VARIG soube muito bem como construir, primeiramente, em âmbito regional,
como já descrito em seus anos de formação e, posteriormente, graças ao seu presidente Ruben
Berta, em âmbito nacional, que soube aproveitar, os momentos oportunos, para conquistar
espaço e expandir as operações da empresa. Desde a eleição de Juscelino Kubitschek, a
VARIG passou a ser a responsável pelo transporte dos presidentes em suas viagens
internacionais e essa escolha, por ser a mesma uma empresa privada, num mercado
competitivo (não nos esqueçamos que a Panair foi quem transportou a seleção brasileira de
futebol, nas copas de 1958, na Suécia, e de 1962, no Chile) tinha um grande peso,
representando confiança e ao mesmo tempo “um reconhecimento automático desta, como
símbolo de representação nacional”. 247 A iniciativa de Berta foi decisiva neste episódio. Após
a eleição, Juscelino Kubitscheck resolveu fazer uma longa viagem ao exterior, incluindo EUA
e diversos países da Europa, para estabelecer contatos políticos antes de iniciar seu governo.
Berta, antecipando-se à concorrência, ofereceu a viagem, que foi aceita pelo presidente. 248
Outro exemplo, anterior a este, foi a obtenção da concessão para a rota de Nova York,
como demonstra o seguinte relato de Nero Moura, Ministro da Aeronáutica no segundo
governo Vargas: “Em um dos primeiros despachos que tive com Getúlio, o presidente disse:
245
Monteiro. “A Dinâmica Política...”, op. cit., p. 80.
246
Antônio Osller Malagutti, Evolução da Aviação Civil no Brasil, 2001, p. 5, Site da Câmara dos Deputados, Consultoria
Legislativa, Estudos e Notas Técnicas, Segurança Pública e Defesa Nacional, acessado em 02/03/2009.
247
Xausa, cit., p. 35.
248
Claudia Musa Fay, op. cit., p.121.
81
‘O Berta ajudou muito na campanha, e eu gostaria que você olhasse com simpatia as
pretensões da Varig, atendendo-as com boa vontade’”. 249
Já havia, naquele momento, insatisfação com relação à operação da Aerovias para
Miami, com bimotor e com vôos constantemente atrasados ou cancelados. A Panair não havia
250
se candidatado para não concorrer com a Pan Am e a Cruzeiro do Sul, que já possuía a
concessão da rota desde 2 de outubro de 1947, tendo realizado, inclusive, entre 1948 e 1949,
trinta vôos experimentais Brasil - Estados Unidos, só a operaria com subsídios, negados, na
251
época, pelo governo. Segundo Harro Fouquet (informação verbal), faltou à Cruzeiro, em
vários momentos de sua história,“disposição e ousadia para disputar espaços e empreender
252
‘vôos mais altos’”, exatamente aquilo que não faltou às lideranças da VARIG. Ruben
Berta, percebendo tudo isso, propôs-se a assumir a rota sem subvenção, encomendou o Super
253
G Constellation e criou a Diretoria de Serviço de Bordo, para enfrentar em alto nível a
concorrência da Pan Am. (anexo J)
O governo brasileiro resolveu, então, retirar da Cruzeiro do Sul e conceder à VARIG,
em 1952, 254 sua primeira rota de longo percurso. O surpreendente é que, em 17 de agosto de
1950, já havia sido promulgada a lei 1.181, estabelecendo subsídios às companhias aéreas nas
rotas internacionais pelo prazo de cinco anos. A VARIG, no entanto, só inaugurou sua rota
para Nova York em 1955, quando, a princípio, esse prazo de cinco anos já teria vencido.
Porém, naquele mesmo ano, em 19 de dezembro de 1955, seria editada a lei 2.686,
prorrogando por mais cinco anos, a partir da data retroativa de 01 de julho de 1955, o regime
255
de subvenções de que tratava a lei 1.181, e a VARIG passou a voar com subvenção para
Nova York, desenvolvendo um serviço de alta qualidade, que lhe permitiu adquirir
experiência em rotas de longo percurso e construir uma imagem positiva perante o mercado,
fatores imprescindíveis para sua expansão internacional nas décadas seguintes e que lhe
ajudaram a enfrentar as intenções desenvolvidas posteriormente no Ministério da Aeronáutica
para a formação de uma Aerobrás. Essa empresa internacional única já representava uma
prática, na maioria dos países, principalmente europeus, onde era, em geral, uma estatal.
Dessa lógica, excluíam-se, logicamente, os EUA. Tal idéia foi intensamente combatida pelos
empresários brasileiros, principalmente, na II CONAC, realizada de 2 a 13 de dezembro de
249
Ibidem, p. 106.
250
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 105.
251
Aldo Pereira, op. cit., p.124.
252
Harro Fouquet. “Texto sobre a história...”, op. cit..
253
“Vôo mais alto a trajetória segura”, op. cit., p. 23.
254
Aldo Pereira, op. cit., p.124.
255
Informação disponível no site da Câmara dos Deputados.
82
1963, que reafirmaria as recomendações da I CONAC, dentre elas a fusão de empresas para
reduzir as operadoras no mercado internacional, bem como a manutenção do regime de
256
competição controlada e condicionada ao interesse publico. O Brasil assumia, assim, um
modelo próprio, afastando-se tanto da empresa de bandeira estatal européia, quanto da multi-
designação de empresas privadas, do modelo norte-americano. Uma postura bastante
independente, como era, naquele momento, a característica governamental.
O governo Jânio Quadros representou o início da Política Externa Independente no
Brasil, imediatamente evidenciada pelas seguintes posturas: providências para o reatamento
das relações diplomáticas com a URSS, restabelecidas, já com Goulart, em 23 de novembro;
restabelecimento, em 31 de março, das relações diplomáticas com a Hungria e com a
Romênia, interrompidas desde a Segunda Guerra Mundial; envio de uma missão especial à
Europa Oriental buscando aproximação comercial, cultural e científica com os países
socialistas daquela região; inauguração de várias embaixadas na África; viagem do vice-
presidente João Goulart à China, em missão comercial, dentre outras. Em comunhão com o
257
espírito de aproximação do Brasil às nações afro-asiáticas, Berta apresentaria a Jânio
Quadros, em abril de 1961, o plano de expansão das rotas da VARIG, incluindo três cidades
258
no continente africano. Nesse momento, os EUA se viam às voltas com a revolução
cubana e eram obrigados a assistir a condecoração de Ernesto Che Guevara, líder dessa
revolução, com a Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul, maior comenda do governo
brasileiro. Jânio Quadros já havia se colocado contrário a qualquer tipo de intervenção
estrangeira em Cuba quando, em 17 de abril de 1961, fracassou o ataque apoiado pelos EUA à
Baía dos Porcos. Logicamente, tal volúpia de ações não poderia passar em branco e Jânio, não
resistindo às pressões conservadoras, renunciou, apenas sete meses após sua posse. Assumiu
João Goulart o governo, sob um regime parlamentarista e com forte oposição interna à sua
Política Externa Independente, principalmente após a abstenção brasileira na votação final na
OEA pela expulsão de Cuba, em 1962. Crescia também as críticas de “anti-americanismo”,
atribuídas ao governo e reforçadas pelo envio à Cuba, em outubro de 1962, durante a famosa
“Crise dos Mísseis”, do general Albino Silva, chefe da Casa Militar da Presidência, para
oferecer, nas palavras de Eugênio Vargas Garcia, “a Fidel Castro, os bons ofícios do governo
brasileiro na questão”. 259
256
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, op. cit., p. 44.
257
Eugênio Vargas Garcia, op. cit., p. 183-187.
258
“Exposição ao Exmo. Snr. Presidente da República...”, op. cit., p. 20.
259
Eugênio Vargas Garcia, op. cit., p. 183-187.
83
260
Eugênio Vargas Garcia, op. cit., p. 191-192.
261
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 23.
262
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit.
263
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 19.
264
Rubens Bordini, op. cit., p. 273-275.
265
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 9.
84
postura de aproximação com o governo não diminuiu com o golpe militar, pelo contrário.
Berta procurou se aproximar dos líderes militares, buscando evitar a criação da Aerobrás,
sobre a qual ele era totalmente contrário, tendo-se destacado, inclusive, no papel de opositor,
principalmente nas CONAC’s de 1961 e 1963. Em dezembro de 1962, ele enviou aos
funcionários da empresa um texto intitulado “Essa é a Sua Companhia”, de onde destaca-se o
seguinte trecho:
[...] A VARIG de 1945 a 1962 cresceu 160 vezes. [...] Esse patrimônio, infelizmente, está
sendo rondado por inimigos, os quais dele procuram apossar-se [...] como se os grandes
empreendimentos pudessem ser construídos sem trabalho e sacrifícios. [...] Não se pode
ganhar mais trabalhando menos [...]. Não pense em estatização. Terminaria você nivelado e
sem horizontes, a concorrer para afundar o país em mais déficits ainda [...]. 266
para nós só a terceira forma de associação é justa: a sociedade em que ao próprio trabalho
não só pertence o lucro, mas que passa a ser também a proprietária do capital, a fim de que a
aplicação do proveito, o crescimento da empresa e outros sejam ditados somente pelo interesse
dos que trabalham, forma, porém, que do comunismo ou do socialismo puro tem uma vasta
diferença: a de preservar o incentivo no indivíduo e não destruir sua liberdade de ação, assim
como a igualdade de oportunidades para subir por acumulação de bens, na escala social [...] a
sociedade dos trabalhadores assume logicamente, também, o governo e risco do capital e passa
a ser responsável pelo sucesso da companhia industrial [...]. 267
Desta forma, explicava ele, seu ponto de vista com relação à possibilidade de criação
de uma Aerobrás, estatal. No entanto, e na prática, este papel de uma “Aerobrás”, privada,
266
Ruben Berta. “Uma Organização Brasileira a Serviço da Aviação Comercial do Mundo”, Publicação Interna, Dezembro
de 1962, p. 1.
267
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 15, 16 e 18.
85
viria a ser assumido exatamente pela VARIG, em um futuro bem próximo, com o fim da
268
Panair, quando os opositores da VARIG já a chamavam de “Bertabrás”. E num futuro um
pouco mais distante, quando da aquisição da Cruzeiro do Sul, em 1975, quando a empresa
assumiria a totalidade das rotas internacionais brasileiras. Com a morte de Ruben Berta, Erik
de Carvalho, que o sucedeu, comemoraria, em 1967, os quarenta anos da VARIG em plena
“decolagem” da empresa e do mercado brasileiro de aviação, com a imprensa noticiando:
Em 1964, o déficit das empresas aéreas elevou-se a 20,3% em relação à sua receita, em
1965, caiu para 12,4%; e, em 1966, para apenas 8,3%. Tudo isso, sem sacrifício de seus
usuários: o aumento de tarifas, que em 1964 fôra de 160%, restringiu-se a 30% em 1965, e não
passou de 12% em 1966. Tampouco houve aumento nas subvenções do Governo: elas foram
cortadas em 9,2% em 1964 e em 6,9% e 4,5% nos anos seguintes. 269
268
Saladino. O Caso Panair..., op. cit.
269
“Vôo mais alto a trajetória segura”, op. cit., p. 20.
270
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, op. cit., p. 44.
271
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit.
86
grande concentração da Aeronáutica, desde a Base Aérea de Santa Cruz e do Campo dos
Afonsos, esse tráfego era operado pelo aeroporto do Galeão, inaugurado em 1952, onde
operava também o Parque de Aeronáutica. A comissão definiu que o principal aeroporto
internacional seria o do Rio de Janeiro, que acabou sendo inaugurado, dez anos mais tarde,
em 1977.
O aeroporto de São Paulo, devido aos debates que se desenvolveram a respeito da
localização e da responsabilidade pela execução das obras, se estaduais ou federais, só foi
inaugurado em 1985, quase dez anos depois, por iniciativa do então Ministro da Aeronáutica,
Brigadeiro Délio Jardim de Mattos. 272 Sendo São Paulo a principal cidade do Brasil, tornava-
se curiosa a escolha do aeroporto do Rio de Janeiro para ser o principal do país,
principalmente porque Congonhas já tinha se tornado, em 1958, o primeiro aeroporto
brasileiro a ultrapassar a marca de cem mil movimentos de aeronaves, com uma demanda
crescente tanto no segmento doméstico, quanto no segmento internacional. Essa realidade só
foi modificada em função das restrições das pistas de Congonhas aos equipamentos Boeing
707 e DC-8, operados pelas empresas aéreas nos vôos internacionais de longo percurso, a
273
partir de 1960, levando as operações internacionais para Viracopos, em Campinas. De
qualquer forma, “embarcando” nessa decisão de fazer do Galeão o principal aeroporto do
país, a VARIG daria início também a um ousado projeto, o da construção de um complexo
industrial, situado ao lado deste aeroporto, cuja inauguração da primeira etapa ocorreu no
mesmo ano em que o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (AIRJ) foi inaugurado, isto é,
1977. Nas décadas seguintes a empresa cresceria ainda mais sua estrutura operacional na
região do aeroporto, com a inauguração do “Catering”, sua cozinha industrial de bordo, dos
simuladores, da área de treinamento e da sede da FRB.
Esta decisão, tanto do Ministério da Aeronáutica, quanto da VARIG, se confirmariam
equivocadas nos anos seguintes. A inauguração do Aeroporto Internacional de São Paulo,
Guarulhos, em 1985, quase dez anos depois do AIRJ, proporcionou alívio a uma situação de
demanda reprimida, gerada pela localização do Aeroporto Internacional de Campinas, cerca
de 100 Km distante da cidade de São Paulo. Guarulhos tornou-se o primeiro aeroporto
brasileiro e sul-americano a superar a marca de dez milhões de passageiros por ano, refletindo
assim a importância econômica da cidade de São Paulo. Como resultado, as empresas aéreas
estrangeiras passaram a centralizar em São Paulo a administração das suas atividades no
272
Harro Fouquet. “Considerações sobre a infra-estrutura aeroportuária de São Paulo”, agosto de 2007, documento entregue a
diversas autoridades do setor, em outubro de 2007, como o Ministro da Defesa, o Comandante da Força Aérea, o Governador
José Serra e o Prefeito Gilberto Kassab, p. 5.
273
Idem, p. 2.
87
274
Brasil. Para a VARIG, cuja sede e toda estrutura operacional encontrava-se no Rio,
aumentavam ainda mais os custos com manutenção e logística operacional.
Na década de 1970, quando estes projetos do Ministério da Aeronáutica e da VARIG
estavam sendo desenvolvidos, a relação da empresa com o governo manteve-se a mesma das
décadas anteriores. No governo Médici (1969-1974), o principal objetivo da política
econômica era o fortalecimento relativo do Brasil no cenário mundial, o projeto de “Brasil
Potência”, não cogitando qualquer tipo de questionamento à ordem internacional vigente. Na
conjuntura internacional abria-se um cenário de multipolaridade, permitindo, inclusive, uma
relação mais “natural” e menos ideologizada com os EUA, devido, principalmente, ao
aumento do poder de barganha brasileiro. O país se “sentia” mais seguro com relação às suas
potencialidades e realizações de crescimento e diversificação industrial. Nesse contexto
nasceria a Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer), em 19 de agosto de 1969. Uma
iniciativa do Estado na indústria de aviação, buscando suprir uma carência de equipamento
adequado ao segmento regional brasileiro, que desde a metade da década de 1950, devido à
grande evolução ocorrida no tamanho das aeronaves, começou a sair das rotas da aviação
comercial.
Com a Embraer seria desenvolvido nosso primeiro avião regional, o EMB-110
Bandeirante, adequado ao transporte de cargas e de passageiros. Ainda dentro dessa iniciativa
de participação do Estado na indústria de aviação seria instituída, em 1973, a Empresa
Brasileira de Administração Aeroportuária (INFRAERO), com a finalidade de implantar,
administrar, operar e explorar, industrial e comercialmente, a infra-estrutura dos aeroportos,
275
a partir de receita própria, gerada pela prestação de serviços como armazenagem de carga
aérea, concessão de espaços comerciais nos aeroportos, tarifas de embarque, pouso e
permanência de aeronaves e serviços de comunicação e auxílio à navegação aérea. A criação
da Embraer e da Infraero pelos governos militares, demonstrando incentivo à indústria
nacional de aviação, aproxima esse período a outro importante período da aviação brasileira,
que foi o da ditadura Vargas, quando algumas indústrias de aviação, como já citado, foram
também instaladas no país.
Nas vantagens estratégicas de permanecer aliada ao governo, naquele cenário de
multipolaridade da conjuntura internacional, “embarcava” a VARIG, inaugurando seu
276
primeiro vôo para o continente africano, em 21 de junho de 1970, para Johannesbourg, e
274
Ibidem, p. 6.
275
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p.132.
276
Relatório Anual de Administração da VARIG 1970, p.20.
88
como pode ser depreendido da seguinte declaração publicada no Relatório Anual da empresa
de 1971:
A política de “realidade tarifária”, adequando as tarifas aos custos das empresas, isto é,
transferindo para os passageiros a cobertura dos custos, e que vigorava desde a II CONAC
(1963), mantinha-se como prática corrente, possibilitando uma redução das subvenções de
caráter operacional e das destinadas ao reequipamento. 278 Os órgãos governamentais visavam
uma política de crescimento com concentração de renda e soberania nacional. Como grande
parte dos usuários da aviação comercial no Brasil eram executivos e burocratas, viajando a
serviço, tal política permitia às empresas, que não competiam por tarifas, uma margem maior
de manobra.
Estudos comparativos realizados na época entre as tarifas internacionais na América
do Sul, nos EUA e na Europa, demonstravam que a média das tarifas sul-americanas era
menor que a das concorrentes norte-americanas e européias, 279 isso se tornava uma vantagem
adicional para a VARIG, na concorrência com as empresas estrangeiras, principalmente nas
passagens adquiridas fora do Brasil, pois lhe permitia focar, ainda mais que nos vôos
domésticos, seus diferenciais de concorrência no aspecto qualidade, para passageiros de poder
aquisitivo muito mais alto, que adoravam a idéia de pagar menos por um serviço melhor.
Naquele momento, o intervencionismo e o protecionismo constituíam uma orientação
comum a todos os países novos e eram de grande interesse à nova burguesia emergente, assim
como aos países já industrializados que viam a possibilidade de “reinstalar-se através de
280
filiais ou de investimentos de capital”. Tal política levou esses novos países
industrializados a uma grande dependência tecnológica e financeira, que se, por um lado,
gerou crescimento, por outro, não se revelou como um fator de desenvolvimento, mesmo no
Brasil depois de 1964, quando os governos militares decidiram abandonar a política de
277
Relatório Anual de Administração da VARIG 1971, p.5.
278
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 243.
279
K.M.V. Costa, “An Investigation of the Likely Impact of Current Trends in Air Transport Regulation on South America”,
Cranfield Institute of Technology, College of Aeronautics, M. Sc. Thesis, September 1989, p. 131 e 157.
280
Bernard Droz & Anthony Rowley. História do Século XX, Volume 3, Lisboa: Dom Quixote, 2000, p. 326.
89
281
Luis Fernando Ayerbe. Neorealismo e Política Externa na América Latina. São Paulo: Editora Unesp, 1998, p. 27.
282
Sônia de Camargo. A Integração do Cone Sul, in J.A. Guilhon de Albuquerque, op. cit., p. 155.
283
Eric Hobsbawm. Era dos Extremos…”, op. cit., p. 275.
284
“Posição da VARIG no mundo”. Rosa dos Ventos, no 59, 1977, p. 11.
285
Relatório Anual de Administração da VARIG 1971, p.6.
90
Gráfico 1
286
“Varig, o Brasil na era dos gigantescos jatos comerciais”, op. cit, p. 6.
287
Informativo Eletrônico da IATA, apud Monteiro, Cristiano Fonseca: A trajetória da Varig do nacional-
desenvolvimentismo ao consenso neoliberal. Estudo de caso sobre as relações entre empresa e sociedade. Rio de Janeiro:
Dissertação de Mestrado em Sociologia, 2000, PPGSA/IFCS/UFRJ, p. 77-78.
91
Do acerto dessa política, o melhor testemunho está no fato de, após a crise de energia, os
governos e empresas de outras bandeiras se haverem defrontado com a única alternativa de
passar a respeitar a dura realidade dos fenômenos econômicos – que por certo não se afinavam
288
“Varig, o Brasil na era dos gigantescos jatos comerciais”, op. cit., p. 10.
289
Relatório Anual de Administração da VARIG 1971, p. 22 e 24.
290
Relatório Anual de Administração da VARIG 1974, p. 25.
92
292
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, op. cit., p. 46.
293
Letícia Pinheiro. Unidades de Decisão e Processo de Formulação de Política Externa durante o Regime Militar in J. A.
Guilhon de Albuquerque, op. cit., p. 461.
294
Letícia Pinheiro. Política Externa Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p.44.
295
Sônia de Camargo. A Integração do Cone Sul, op. cit., p 155.
296
Letícia Pinheiro, Política Externa Brasileira, op. cit., p.44.
94
297
mantendo, na aviação, o papel de destaque da VARIG, que crescia, comprando a Cruzeiro
do Sul, em 1975. A Cruzeiro do Sul, correndo risco de paralisação devido a uma situação
econômico-financeira bastante abalada, teve sua maioria acionária adquirida pela FRB. A
princípio o governo havia recomendado sua venda, preferencialmente, à Transbrasil ou à
VASP, 298 e a revista Guia Aeronáutico, de fevereiro de 1975, chegou a anunciar:
297
Miriam Gomes Saraiva. “Política Externa, Política Interna e Estratégia de Desenvolvimento: o Projeto de Brasil Potência
Emergente (1974-1979)”, Sociedade em Debate, volume 3, no 4, Pelotas/RS: Universidade Federal de Pelotas, Novembro de
1997, p. 21-24.
298
“Concorrência Interna de Bandeira nos Vôos Internacionais é Perniciosa para o País”, Depoimento de Hélio Smidt,
Espaço Aéreo, Ano 7, no 1, Janeiro-Fevereiro 1986, s/p.
299
“Fusão Cruzeiro-Transbrasil na Palavra do Governo”, Guia Aeronáutico, fevereiro de 1975, p.9.
300
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 133.
301
“Concorrência Interna de Bandeira...”, op. cit., s/p.
302
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 267.
303
“VARIG – CRUZEIRO – RIO-SUL Suas Histórias”. Publicação Interna da Empresa, abril de 1983, s/p.
304
Relatório Anual de Administração da VARIG 1978, p. 9.
305
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p. 8.
95
Tudo o que a Varig sabe a respeito de voar com você, ela está contando a Cruzeiro. E a
Cruzeiro, tudo que sabe, também está contando a Varig. Ao entrar num avião da Cruzeiro,
você vai sentir, em cada detalhe, a presença do serviço Varig. Nos aviões da Varig, o melhor
da Cruzeiro também está presente. A soma das duas deu a você maiores opções em horários,
em roteiros de férias ou de negócios, e proporciona conexões imediatas para qualquer ponto
do Brasil ou do exterior. Varig ou Cruzeiro? E só escolher. (anexo K)
Somando técnica, Toda união é uma soma. Unidas, Varig e Cruzeiro somaram técnica.
Uma ganhou a experiência, os conhecimentos profissionais, os recursos humanos e a Força de
trabalho da outra. O que uma sabia, agora a outra também esta sabendo. Engenheiros e
mecânicos da Cruzeiro têm agora todo o ‘know-how’ dos engenheiros e mecânicos da Varig.
E vice-versa. Quando duas empresas se somam, ambas ganham muito mais. Para oferecer a
você. 306 [Grifo meu]. (anexo L)
Percebe-se nas seguintes frases “Engenheiros e mecânicos da Cruzeiro têm agora todo
o ‘know-how’ dos engenheiros e mecânicos da Varig”, “Tudo o que a Varig sabe a respeito
de voar com você, ela está contando a Cruzeiro” e “Ao entrar num avião da Cruzeiro, você vai
sentir, em cada detalhe, a presença do serviço Varig” a intenção de transmitir uma idéia do
quanto a Cruzeiro, muito mais do que a VARIG, passava a ganhar com a união das duas
empresas.
Para a alta administração da empresa, quando a VARIG passou a ser a única designada
para serviços internacionais, a partir de 1975, essa situação era conseqüência de um processo
histórico, em que a “fragilidade do sistema anteriormente adotado causou os insucessos
307
econômicos sucessivos do Grupo Real, da Panair, e mesmo da Cruzeiro”. Contudo, a
despeito da citada “fragilidade” do sistema anterior, é inegável a capacidade da VARIG de se
articular e ocupar os espaços deixados pelas demais empresas, como na absorção de slots
(direito de pousos e decolagens por hora), de mão-de-obra qualificada, know how
desenvolvido, equipamento, etc. Isso aconteceu desde quando se candidatou a voar para Nova
York, até a compra da Cruzeiro, consolidando desta forma seu “destino” de grandeza, em
comunhão ao “destino” brasileiro, que até aquele momento continuava ascendente.
Como conseqüência da criação da Embraer, em 1969, foi criado o Sistema Integrado
de Transporte Aéreo Regional (SITAR), através do Decreto 76.590, de 12 de novembro de
1975. O crescimento do tamanho das aeronaves tornava-as também incompatíveis com os
campos de pouso espalhados pelas pequenas localidades brasileiras, fazendo com que o
número de cidades regularmente servidas por linhas aéreas caísse de um total de 400 em
306
Guia Aeronáutico, capas de maio e agosto de 1976.
307
“Concorrência Interna de Bandeira...”, op. Cit., s/p.
96
308
1957, para cerca de apenas 75, em 1975. Cobria-se, assim, esse espaço de demanda
permitindo, ao mesmo tempo, introduzir no mercado nacional os aviões Bandeirantes,
lançados em 1971, e com boa aceitação no mercado internacional. 309
Desta forma, nasciam cinco novas empresas aéreas, todas subsidiadas pela União:
Nordeste, atendendo a Bacia do São Francisco; a Rio-Sul, na região do centro-sul do país; a
TABA, na Bacia Amazônica; a TAM, no Centro-Oeste e a Votec, na Bacia do Tocantins-
Araguaia. A Rio Sul foi fundada em 24 de agosto de 1976, como um consórcio da VARIG
com a Top Táxi Aéreo, com participação do grupo Atlântica-Boa Vista e da Sul América
Seguros que, mais tarde, vendeu sua participação para a FRB e para a Cruzeiro. Desta forma,
310
a VARIG passou a deter dois terços das ações, registrando, na prática, sua entrada nesse
promissor setor da aviação regional e demonstrando, mais uma vez, sua capacidade de
aproveitar as oportunidades do mercado.
Como no mercado internacional, desde 1975, o grupo era o único responsável pela
operação de todos os vôos, foi, também, o único a sofrer com a decisão governamental que,
em 1976, através do decreto 1.470, estabeleceu que todo cidadão brasileiro viajando para o
exterior, com exceção de Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, deveria depositar doze mil
311
cruzeiros no Banco do Brasil. Tal medida gerou uma acentuada redução na venda de
passagens internacionais, e o crescimento do tráfego, que entre 1973 e 1975 tinha apresentado
312
um índice de 17,7%, caiu em 1976 para 2,4% e em 1977 foi negativo 1,7%. O índice de
aproveitamento nas linhas internacionais caiu de 67% para 63%, exatamente quando este
313
mercado já representava 70% da receita operacional da empresa, e a mesma começava a
receber os equipamentos DC-10, recém adquiridos para as rotas internacionais. O primeiro
chegou em 1974 e os demais nos anos seguintes, quando a rentabilidade das linhas
314
internacionais com relação à receita de tráfego refletia um prejuízo de 0,3%. O ritmo de
expansão no transporte de carga foi também desacelerado como reflexo das restrições
315
impostas às importações e a empresa começava a acusar a defasagem tarifária,
principalmente nas linhas para os EUA, como um dos causadores desse prejuízo. O Governo
norte-americano, diferentemente do brasileiro e dos europeus, mostrava-se extremamente
308
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 10.
309
Malagutti, op. cit., p. 5.
310
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 123 e 128.
311
Idem, p. 119.
312
Relatório Anual de Administração da VARIG 1977, p. 10.
313
Relatório Anual de Administração da VARIG 1976, p. 9, 15.
314
Relatório Anual de Administração da VARIG 1977, p. 16.
315
Relatório Anual de Administração da VARIG 1976, p. 15.
97
lento no reconhecimento dos problemas causados pelo aumento do combustível que, em 1977,
cresceu no Brasil 77%, enquanto no exterior situava-se em 41%. 316
A saída encontrada foi o aumento do seu capital social em 45%, buscando fortalecer o
“capital próprio” para “manter em nível adequado o grau de endividamento da empresa, além
de proporcionar maiores recursos para a satisfação dos investimentos em andamento, dentre
os quais destacava-se as obras de infra-estrutura técnico-operacional no Aeroporto
Internacional do Rio de Janeiro”. E seu discurso de apoio ao governo, que embora criando
restrições aos vôos internacionais criava-lhe, também, apoio financeiro, mantinha-se o
mesmo:
[...] junho de 1976, quando foi baixado o Decreto-Lei No 1470, que estabeleceu restrições
a viagens para o Exterior, com elevados propósitos que reconhecemos, em face da difícil
conjuntura cambial, e com os quais devemos todos colaborar. Assim, desejamos deixar aqui
registrado o nosso reconhecimento ao apoio do Governo Federal para a viabilização do
fortalecimento da estrutura financeira da VARIG, através do aumento de seu capital social,
seja pelo financiamento concedido pelo BNDE, seja pelos estudos para aquele fim conduzidos
pela Investimentos Brasileiros S.A. (IBRASA). A participação do Consórcio de Bancos de
Investimento (Unibanco-Nacional-Itau), [...] merece igualmente especial destaque. 317
316
Relatório Anual de Administração da VARIG 1977, p. 16.
317
Relatório Anual de Administração da VARIG 1976, p. 9 e 25.
318
Idem, p. 27.
319
Miriam Gomes Saraiva, op. cit., p.27.
320
Maria Regina Soares de Lima e Gerson Moura. Brasil-Estados Unidos: o “pragmatismo” em questão. Trabalho
apresentado em seminário sobre o “Brasil e a nova ordem internacional”, Friburgo, 1-3 de dezembro de 1978, p. 27.
321
Letícia Pinheiro. “Unidades de Decisão...”, op. cit., p. 463.
98
322
Miriam Gomes Saraiva, op. cit., p. 29 e 32.
323
Letícia Pinheiro, “Política Externa Brasileira”, op. cit., p. 48.
324
Relatório Anual de Administração da VARIG 1977, p. 17.
325
Relatório Anual de Administração da VARIG 1979, p. 14.
326
Relatório Anual de Administração da VARIG 1978, p. 18 e 20.
99
Um turista inglês que resolva passar férias longe de casa, por exemplo, em Bangcoc, na
Tailândia, distante uns 11.000 quilômetros de Londres, vai desembolsar 739 dólares, ou algo
como 90.000 cruzeiros. Para ir do Rio de Janeiro a Londres, percurso um pouco inferior ao do
inglês que vai a Bangcoc, ele teria de gastar, pelas tarifas vigentes até o final da semana
passada, exatos 2.142 dólares, praticamente três vezes mais. A diferença entre as tarifas
cobradas acima e abaixo da linha do equador sempre existiu, mas ficou gritante a partir de
1977, quando uma áspera concorrência entre as empresas de aviação começou a fazer
despencar em queda livre os preços das passagens, especialmente nas rotas que cruzam o
Atlântico Norte.
As empresas, com isso tudo, ganharam mais passageiros, mas do ponto de vista financeiro,
a guerra tem sido um desastre, não só nos Estados Unidos como também na Europa [...]
As companhias americanas estão indo a falência e, com elas, todas as européias. 329
327
Relatório Anual de Administração da VARIG 1979, p. 16.
328
Eli Diniz, Empresariado e Políticas Públicas: Novas Tendências no Limiar de um Novo Milênio, p 6; in
http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/elidiniz_empresariado_e_politicas_publicas.pdf, acessado em 22/04/2009.
329
“Na carona da crise”, Veja, no 692, 09 de dezembro de 1981, p. 106, 109, 112, 114, 116.
100
Nessa mesma reportagem Hélio Smidt declarou: “Felizmente para nós, essa pirataria
toda não teve passagem no Brasil.” E a reportagem ainda afirmou sobre a VARIG:
Contando com o escudo protetor representado pelo DAC, a empresa não teve o
embaraço de se ver atirada num mercado de preços livres. Única empresa privada brasileira
de expressão internacional, a Varig [...] tem seus interesses naturalmente confundidos com
os do governo. Ao governo compete defender a bandeira nacional e em transporte aéreo essa
bandeira é a Varig. Por conta destas relações especiais, quando se estabelece uma tarifa, e o
DAC tem plenos poderes para isso, inevitavelmente ela reflete a conveniência da Varig. A
guerra de tarifa reduziu os preços das passagens, mas deixou muitas empresas em péssima
situação, um caminho que o Brasil seguramente não vai tomar.
O que Hélio Smidt e a reportagem da Veja não contavam é que era só uma questão de
tempo, aliás, pouco tempo, para aquela “pirataria” ocorrer também no Brasil, que acabaria
tomando o mesmo “caminho”, e o que é pior, sem que a VARIG estivesse preparada para
absorvê-lo.
Nesta parte do capítulo ressaltou-se, através do relato da história da VARIG, desde o
início de suas operações até o final da década de 1970, como esta empresa construiu seu
“império”, principalmente o quanto sua cultura de parceria com os governos e de
representante desses governos foi sendo sedimentada ao longo dessa construção. Buscou-se,
também, destacar a responsabilidade administrativa da empresa no resultado final, alcançado
graças, dentre outros fatores, a presença sempre atenta de suas lideranças junto ao Estado
brasileiro, no período em que essa proximidade fazia toda a diferença, isto é, o período
nacional-desenvolvimentista da economia no Brasil. No entanto, o relato deste capítulo estaria
incompleto se nele não fosse incluída a história da Panair do Brasil, desde seu nascimento até
seu fim, quando suas linhas foram transferidas para a VARIG e para a Cruzeiro do Sul.
330
território nacional. A Nyrba, porém, não tinha apoio do governo norte-americano e a Pan
Am, que já havia recebido antes da NYRBA autorização para operar linhas no Brasil, 331 era a
empresa que realmente gozava de prestígio junto a Washington. A Pan Am foi a companhia
designada pelo seu governo para levar, através da penetração aérea, a bandeira norte-
americana às regiões mais diversas do planeta e seu prestígio era traduzido por subsídios, com
os quais a Nyrba não podia contar, e que lhe fizeram muita falta em 1929, quando do crack da
Bolsa de Nova York. Como resultado, a Nyrba passou a ser controlada pela Pan Am e no
Brasil, essa mudança se refletiria através da troca de nome quando, em 17 de outubro de
332
1930, a empresa passou a se chamar Panair do Brasil, uma subsidiária da Pan Am, com
100% do capital norte-americano. Apenas em 1942, “coincidindo com o momento em que a
333
importância estratégica brasileira começava a diminuir no cenário internacional,” suas
ações começaram também a ser vendidas para brasileiros e a empresa passou a concentrar
seus esforços no estabelecimento de linhas para a Europa e Oriente Médio.
O posicionamento da política governamental, neste caso a norte-americana, junto a
Pan Am, foi definitivo no tempo de vida da Nyrba do Brasil, bem como no futuro sucesso da
Panair do Brasil, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, quando esta empresa,
transcendendo o papel de uma simples companhia aérea, construiu diversas bases estratégicas
em território brasileiro. Essa foi uma política adotada pelo governo norte-americano, para
diminuir a possibilidade de atrito com os militares brasileiros, inicialmente contrários a
presença de tropas estrangeiras em território nacional. 334 Já o fim desta empresa, por sua vez,
esteve diretamente ligado ao das políticas do governo militar brasileiro.
Em 02 de março de 1931 iniciaram-se os primeiros vôos de passageiros, da Panair do
Brasil, entre Belém e Rio de Janeiro, mesmo ano em que o Ministério de Viação e Obras
Públicas fixava um prazo de dois anos para que as aeronaves nacionais fossem tripuladas por
brasileiros. Contudo, em 1935, com 81 aeronaves operando no país, apenas três pilotos eram
335
brasileiros natos e foi nesse ano que um vôo da Panair foi comandado, pela primeira vez,
por um piloto brasileiro. No ano seguinte, a Panair inaugurou sua sede e seu hangar de
manutenção no aeroporto Santos Dumond e, em 1941, começou a se voltar para as rotas
330
Coletânea de Legislação Aeronáutica, op. cit., p. 53.
331
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 37.
332
Alejandra Saladino. O Caso Panair: silêncios e enquadramentos no Marimbás Air Force, in XXVIII Encontro Anual da
ANPOCS, 2004, Caxambu. XXVIII Encontro Anual da ANPOCS, 2004, v. 1, p. 66-66.
333
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 30.
334
Idem, p.24 e 35.
335
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 159.
102
internacionais, enquanto a VARIG, a Real, a Vasp, a Lóide e a Cruzeiro (na época, Serviços
Aéreos Condor) mantinham-se focadas no espaço doméstico brasileiro.
Durante a Segunda Guerra Mundial, as duas grandes empresas aéreas brasileiras eram
a Condor e a Panair, apoiadas, respectivamente, por Alemanha e EUA, os dois inimigos do
conflito, tendo a Panair podido se beneficiar, já desde 1941, das políticas governamentais
brasileiras e norte-americanas da época. Enquanto a Condor não conseguia obter peças de
reposição para seus aviões alemães, a Panair não tinha qualquer problema com relação à sua
frota, além do grande benefício obtido com a política estratégica norte-americana e seus
interesses no Nordeste do Brasil. Em função dessa estratégia o governo brasileiro autorizou a
Panair, em 1941, a construir, operar e manter aeroportos nas cidades de São Luiz, Fortaleza,
Belém, Natal, Recife, Maceió e Salvador. Nesse período, equipamentos de rádio-comunicação
aeronáutica foram também instalados pela Panair em grande parte do território nacional. 336, e
nas rotas do Brasil para a Europa ela era imbatível, pois, diferentemente das suas concorrentes
européias, recém saídas da guerra, e graças a sua ligação com a Pan Am, não tinha dificuldade
para se equipar.
No início da década de 1960 ocorreram graves problemas operacionais e financeiros,
para todas as empresas aéreas brasileiras. No caso da Panair, somou-se a esses fatos uma
sucessão de acidentes aéreos. Os dois mais graves em 1962, no Galeão e na selva amazônica,
337
próximo a Manaus. Embora com grande patrimônio, a empresa já não era mais líder
absoluta do setor. “Por isso, após detalhados estudos, longas negociações com a Pan
American e esclarecimentos com o Ministério da Aeronáutica, em 1961, o grupo Miranda-
338
Simonsen comprou a maioria das ações da Panair do Brasil”. Nesse momento havia no
Ministério da Aeronáutica uma preocupação de que se configurasse um monopólio caso o
controle acionário da Panair passasse para a VARIG, proprietária já de algumas ações, desde
1955, já tendo, inclusive, tentado comprá-la sem sucesso. 339
Em função das turbulências políticas no país, a situação política da Panair se tornava
cada vez mais crítica e em 1964, com o golpe militar, os ventos começaram a mudar o rumo
da empresa. Logo após o golpe, em 09 de abril de 1964, foi assinado o Ato Institucional
número 1 (AI-1), suspendendo as garantias constitucionais e atingindo a candidatura à
336
Ibidem, p. 121.
337
R. E. G. Davies, op. cit., p. 487.
338
Saladino. op. cit..
339
Rubens Bordini. Céus Desconhecidos, 1996, Livraria e Editora Magister Ltda, p. 260.
103
340
Saladino. op. cit..
341
Carlos Estevam Martins. A Evolução da Política Externa Brasileira na Década 64/74. Estudos Cebrap, no 12, 1975, p.57.
342
Idem, p. 62.
343
Ivan Martins. “O caso na ditadura”, disponível no site da ISTOÉ Dinheiro, acessado em 24/04/2009.
344
Ivan Martins. “Um empresário que ninguém quer lembrar”, disponível no site da ISTOÉ Dinheiro, acessado em
24/04/2009.
345
Ivan Martins, O caso na ditadura, op. cit., s/p.
346
Ivan Martins. Um empresário que ninguém quer lembrar, op. cit., s/p.
104
Alegre, em 1961, para se encontrar com Jango, e que tomou junto ao Chase Manhattan Bank
um empréstimo, em 1963, garantido pelo governo brasileiro, para liquidar as dívidas da linha
do Japão, concedida à Real. Esse empréstimo teria sido, para Aldo Pereira, “a causa principal,
se não a única”, que levou o Governo brasileiro a cancelar as autorizações concedidas à
Panair do Brasil, pois transferindo as linhas internacionais para a VARIG, esta teria
aumentada sua receita em dólares podendo assim saldar as dívidas junto ao Chase. 347
Contudo, deve-se considerar o fato de que o grupo Rocha Miranda-Simonsen
representava no Brasil a indústria aeronáutica européia, forte concorrente da indústria norte-
americana, tendo, inclusive, apresentado “ao promissor mercado brasileiro consumidor de
aviões o moderníssimo e revolucionário Sud-Aviation Caravelle, orgulho da indústria
aeronáutica francesa. Estavam previstos dezesseis Caravelle, quatro para cada uma das quatro
grandes empresas, Panair, Cruzeiro, Vasp e VARIG”.
Em agosto de 1961, quando Jânio renunciou e a direita tentou impedir a posse de seu vice,
Simonsen engajou-se ao lado da legalidade, arranjando inimigos entre militares e
conspiradores civis. Jango se encontrava na Ásia e disseminou-se a lenda de que ele voltara ao
Brasil em um avião da Panair. Não foi assim. DINHEIRO apurou que o dono da Panair estava
em Londres quando soube que se tramava contra a posse de Jango. Imediatamente mandou
Max Rechulsky, seu mais importante executivo na Europa, interceptar o vice-presidente em
sua viagem de retorno da China, para pô-lo a par dos fatos. O encontro deu-se em Zurique.
Dali, em vez de seguir para Londres, como era seu plano, Jango voou para Paris com
Rechulsky. Hospedou-se no Príncipe de Gales, ao lado do escritório da Wasin. ‘No nosso
escritório ele fez dois telefonemas, um para Santiago Dantas e outro para Juscelino’, contou
Rechulsky à DINHEIRO. ‘A conta de Jango em Paris foi paga pelo nosso escritório. Não me
recordo do montante exato, mas foi bastante’. 349
347
Aldo Pereira, op. cit., p. 331-332.
348
Idem, p. 330-331.
349
Ivan Martins. Um empresário que ninguém quer lembrar, op. cit., s/p.
105
quando, ao estabelecer novas rotas para a Europa, a empresa reduziu suas linhas domésticas,
inclusive linhas de penetração na Amazônia, consideradas, portanto, importantes para a
integração nacional. Havia também suspeitas de irregularidades ocorridas durante sua
transferência para o grupo Miranda-Simonsen, quando as ações foram vendidas por um preço
cinco vezes maior do que o valor nominal das mesmas. 350
Sendo assim, no dia 10 de fevereiro de 1965, através de um despacho oficial assinado
pelo então ministro da aeronáutica, Brigadeiro Eduardo Gomes, todas as linhas da Panair
foram suspensas, e suas rotas internacionais transferidas para a VARIG e as rotas domésticas
transferidas para a Cruzeiro do Sul. Se houve planejamento, o mesmo havia dado certo, pois
naquela noite, a VARIG assumiu todas as operações da empresa suspensa. Segundo Aldo
Pereira, “Tal façanha foi, sem sombra de dúvida, fruto de cuidadosa preparação, que não
podia ter sido feita em algumas horas”, 351 opinião também partilhada por Ron Davies. 352
No dia seguinte, a Panair entrou com um pedido de concordata e cinco dias depois, no
dia 15 de fevereiro, esse pedido foi transformado em falência, com a justificativa de que sem
353
voar a empresa não teria como saldar suas dívidas. Segundo Daniel Leb Sasaki, o
brigadeiro Eduardo Gomes foi pessoalmente à Sexta Vara Civil do Rio de Janeiro, para
mandar decretar a falência da empresa. Juntamente com a falência foram confiscadas as
instalações, as aeronaves e outros bens, sobretudo suas agências no exterior. A alegação
oficial era de que a empresa devia à União e a fornecedores, embora documentos daquele ano
indicassem que entre as companhias aéreas nacionais, a Panair era a que detinha a menor
dívida com o Governo Federal, além do fato de possuir recursos suficientes para pagar suas
dívidas, o que lhe permitiria transformar a falência em concordata. Contudo, os militares
estavam decididos: quando, em 1969, a Panair se dispôs a pagar suas dívidas à vista, o
governo, para garantir que a mesma não voltasse a voar, baixou novo decreto-lei, o de número
669, proibindo que companhias aéreas pedissem concordata, incluindo os casos em curso, isto
354
é, o da Panair. Quarenta anos depois, em fevereiro de 2005, e visando a situação da
VARIG, foi sancionada uma nova Lei de Falências, para incluir as companhias aéreas,
criando, assim, a figura da “Recuperação Judicial”.
Não coincidentemente, no ano seguinte à falência da Panair, através do Decreto-Lei no
32, de 18/11/66, ocorreu a substituição do “Código Brasileiro do Ar” de 1938. O objetivo
350
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 26, 58, 97 e 207.
351
Aldo Pereira, op. cit., p. 331.
352
R. E. G. Davies, op. cit., p. 488.
353
Ivan Martins, “O caso na ditadura”, op. cit., s/p.
354
Daniel Leb Sasaki, Pouso forçado: a historia por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar, Rio de Janeiro:
Record, 2005.
106
355
Fernando Hupsel. “Paulo Sampaio”, Guia Aeronáutico, julho de 1992, p. 8.
356
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 6.
357
Ivan Martins, O caso na ditadura, op. cit..
358
Relatório Anual de Administração da VARIG 1970, p. 20.
107
• [No Relatório Anual de 1967]: o ano de 1967 caracterizou-se como aquele em que o transporte
aéreo brasileiro começou a colher os frutos da corajosa reformulação da política aeronáutica
brasileira, traçada e implantada pelo Governo da Revolução de 1964, após cuidadosamente
equacionar seus problemas básicos. 359
• [No Relatório Anual de 1970]: destaca-se a VARIG como aquela que mais atua no patriótico
esforço de integração nacional, além de apresentar a maior rêde e volume de tráfego na área da
Sudene. 360
• [No Relatório Anual de 1972]: Prosseguimos – ainda uma vez em perfeita sintonia com os
objetivos do Governo da Revolução – na humana tarefa de Integração Social, através dos
inúmeros serviços assistenciais e sociais prestados [...]. 361
Desde o início do período militar, Ruben Berta já havia procurado se aproximar ainda
mais do governo, desenvolvendo o argumento de “empresa a serviço do país”, discurso e
política seguidos pelas administrações posteriores e que consolidaram o que Maria Regina
Xausa considerou a causa do sucesso da VARIG: sua capacidade de ter-se tornado muito mais
362
uma instituição do que uma mera organização empresarial. Opinião esta partilhada por
Fernando Hupsel, que escreveu: “A VARIG, para bem dizer, não é, apenas, uma empresa de
aviação, uma companhia aérea ou, muito menos, um negócio. Muito mais do que tudo isto,
ela é uma instituição.” 363 Aliás, o primeiro a defender este ponto de vista foi o próprio Berta
que dizia: “A VARIG é muito mais que um empreendimento comercial, é uma instituição.”
364
Em 1967, o segundo presidente militar, Costa e Silva, assumiu o poder. Nesse período
e, nas palavras de Estevam Martins, ocorria na política externa a “substituição dos conceitos
de defesa coletiva e soberania limitada pelos conceitos de segurança nacional e soberania
365
nacional”. O principal fundamento da política externa passava a ser os interesses da
burguesia nacional, demonstrando assim que o nacionalismo não tinha sido totalmente
abandonado. Isso reforçava a posição de liderança que a VARIG havia assumido no país logo
após a “falência” da Panair, e a VARIG soube muito bem aproveitar esse papel de empresa
líder do mercado nacional de aviação e parceira do projeto governamental de um “Brasil
Grande”. O seguinte trecho é do seu relatório anual de administração do ano de 1968:
359
Relatório Anual de Administração da VARIG 1971, p. 6.
360
Relatório Anual de Administração da VARIG 1970, p. 22.
361
Relatório Anual de Administração da VARIG 1972, p. 13.
362
Maria Regina de Moraes Xausa. A Importância das Instituições e o Desafio à Liderança Institucional. O Caso VARIG,
Porto Alegre, Dissertação de Mestrado, UFRGS/Faculdade de Ciências Econômicas, p. 33.
363
“VARIG, Um exemplo”, Guia Aeronáutico, outubro de 1983, p. 4.
364
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 39.
365
Carlos Estevam Martins, op. cit., p.70.
108
Com mais aviões, mais vôos e em contínua expansão, a Varig também está em ritmo de
Brasil grande. Transportando mais passageiros, movimentando mais carga, e muito
especialmente levando a todos os quadrantes nacionais e internacionais o irreversível
progresso da nação brasileira. 366
366
Relatório Anual de Administração da VARIG Exercício 1968, última página, s/n.
367
Tão Gomes Pinto. “Um Vôo de US$ 6 Bilhões”, Executive News, no 6, junho de 1990, p. 41.
109
368
além das fronteiras nacionais.” Repare que só na referência à missão da empresa,
inicialmente estabelecida, a palavra “grande” aparece duas vezes.
De um quadro comparativo entre as organizações e as instituições, destaca-se a seguir
três características, que consideradas de especial relevância dentro do perfil institucional
VARIG:
1) Nas organizações, as canalizações das energias humanas são centradas no
cumprimento de tarefas (eficiência), enquanto nas instituições são centradas na sobrevivência
organizacional;
2) Nas organizações, a reação às mudanças apresenta características normais,
peculiares aos processos, enquanto nas instituições a reação é emocional e intensa, encarada
como uma ameaça à integridade institucional;
3) Nas organizações, a liderança tem o papel de garantir, com eficiência, o
cumprimento dos objetivos, utilizando processos racionais, lógicos e previsíveis, enquanto
nas instituições é influenciada por variáveis políticas, com o papel de garantir a sobrevivência
institucional. Tem a característica de ser carismático e de tornar-se um estadista, utilizando
processos racionais e emocionais, lógicos e ilógicos, trabalhando com a intuição. 369
Partindo dessas considerações, propomo-nos, neste capítulo, a partir da história da
VARIG e dos acontecimentos críticos dessa história, destacar a sua cultura, em que
características como “grandeza”, “missão de servir da grande ‘família VARIG’” e
“alinhamento aos governos”, foram repetidamente afirmadas e reforçadas, permitindo-lhe
construir uma imagem de “empresa a serviço do país”, como expresso nas declarações a
seguir, tanto de seus dirigentes, quanto de publicações de destaque nacional. Nestas citações,
todos os grifos são meus:
368
Frase do fundador da empresa, “VARIG 75 anos”, op. cit., p 34.
369
Xausa, op. cit., p. 28 e 31.
370
“Princípios que governam o Empreendimento”, documento interno da empresa, apud Xausa, op. cit., Anexo I.
371
“Um Gaúcho plantou a bandeira em Nova York”. Visão, São Paulo, 26 de julho de 1957, p.22, apud Xausa, op. cit., p. 110
e Claudia Musa Fay, op. cit., p. 176.
372
Propaganda da empresa na capa do Guia Aeronáutico, maio de 1966.
110
373
“Informe JB, Varig e Custo”, Jornal do Brasil, de 13 de setembro de 1969, p. 10.
374
Relatório Anual de Administração da VARIG 1969, p. 14.
375
Relatório Anual de Administração da VARIG 1970, p.20.
376
Rosa dos Ventos, no 41, 1970, p. 19.
377
“Mensagem à Família VARIG”, Rosa dos Ventos, no 70, 1980, p. 1.
378
“Concorrência Interna de Bandeira...”, op. cit. s/p.
379
“Dito e Feito”, Anúncio publicado no Jornal do Brasil, 07 de maio de 1987, p. 21.
380
“Promovendo o Brasil, VARIG: desde 1927”. Folheto institucional comemorativo aos 60 anos da empresa, VARIG S/A,
1987.
381
Anúncio, Ícaro, no 34, 1987, p.146.
382
Carlos Drumond. “O Pouso do D’Artagnan”, Senhor, São Paulo, 29 de fevereiro de 1988, p. 68.
383
Idem, p. 69.
384
Anúncio, Ícaro, no 34, 1987, s/p.
385
Editorial da Rosa dos Ventos, no 59, 1977, p. 3.
111
qualquer. Ela está ligada aos destinos da Pátria, aos interesses nacionais. É um patrimônio
de todo o País. A sua missão é muito importante, bastando dizer que é a porta-bandeira do
Brasil nos céus do mundo. Em qualquer lugar [...] onde opera, a VARIG marca, com seu
prestígio, com sua categoria, com sua classe, sua qualidade, a presença de um Brasil
dignificante, progressista, que se faz merecedor de respeito, de admiração [...]. Daí
justificar-se que haja um interesse especial pela VARIG, um acompanhamento sincero, um
sentimento de zelo, uma atenção permanente. [...] A VARIG é, sobretudo, brasileira, é de cada
um de seus funcionários, de suas famílias e de todos nós. Temos de nos interessar por ela.
Afinal é a Nossa VARIG; 386
17) [...] A VARIG é uma empresa forjada na filosofia da valorização do homem. Desta
filosofia, nunca se afastou, mesmo porque ela tem sido a razão primordial de seu grande
sucesso, do seu êxito, a explicação primeira de sua ininterrupta ascensão. [...] o grande
investimento da Varig está no homem. No respeito que dedica ao seu funcionário, no ensino,
no treinamento, na mentalização, no preparo técnico, no apuro profissional, na especialização.
Mas, não é só isso. Há, também, uma preocupação constante pelo bem estar de seus
empregados, pela saúde, pelo lazer, pelas necessidades de assistência social [...]; 387
18 ) [...] A VARIG contribuiu, pioneiramente, para levar o desenvolvimento ao
território nacional e representa hoje a mais dignificante imagem do Brasil no exterior.
Eleita por estrangeiros, orgulho de brasileiros; 388
19 ) Viajar é dar liberdade à imaginação. [...] E pronto: estamos falando da
VARIG. Há 61 anos a Rosa-dos-Ventos e o Ícaro desenhados na fuselagem azul e branca de
suas aeronaves evocam fantasias, transportam emoções, despertam saudades, criam
expectativas [...]. Ao lado desses símbolos há um outro. Tem a forma retangular, é verde e
amarelo e recheado de estrelinhas. Besteira negar [...] O que sentimos? Sim, isso mesmo.
Orgulho. Eis ali, afinal, ao lado de Pelé, dos pilotos da Fórmula 1 e das nossas mulheres,
aliás, assíduos clientes, um produto que o resto do planeta conhece e respeita. E que deu
certo; 389
20) Mas, não tenham dúvida de que, no bojo, no íntimo, de cada integrante da VARIG, de
um modo ou de outro, há, ainda, este sentimento de orgulho, por pertencer a uma empresa que
se tornou, no curso dos tempos, um exemplo de organização, um símbolo mundial no seu setor
de atuação. O Brasil precisa da VARIG, tanto internamente, como nas suas relações com o
mundo; 390
21 ) Quero afirmar, e de público, que já tendo viajado por incontáveis empresas
aéreas e dos mais diversos países, me sinto orgulhoso de ser brasileiro por causa da
VARIG; 391
22 ) Acreditamos basicamente em duas coisas: no Brasil e no produto
VARIG. Nós achamos que a VARIG é um excelente produto, com excelente imagem. Essa
imagem, que é decorrente da qualidade do nosso serviço, é uma das nossas preocupações; 392
23 ) A VARIG vem cumprindo ao longo desses anos um compromisso
assumido com o país: quando uma empresa brasileira faz sucesso no exterior, quem faz
sucesso é o Brasil; 393
24 ) A marca VARIG tornou-se sinônimo de aviação entre brasileiros e
paradigma de qualidade entre passageiros do mundo inteiro. Mais que isso: é um dos
símbolos do Brasil mais respeitados no exterior; 394
Sobre a história recente da VARIG, cuja dramática crise vem sendo, há anos,
acompanhada com pesar por toda população brasileira, deve-se constatar que, a despeito de
todos os erros que foram levantados pela imprensa especializada sobre os equívocos
gerenciais de sua alta administração, a possibilidade de sua falência mobilizou a nação,
gerando um sentimento de perda, principalmente pelo que ela e sua marca sempre
386
Fernando Hupsel. “Diálogo”. Guia Aeronáutico, Fevereiro de 1989, p. 6
387
.Idem.
388
Ayrton, Baffa. “A Nossa VARIG 62 Anos Depois”, Guia Aeronáutico, Fevereiro de 1989, p. 17.
389
Carlos Maranhão, op. cit., p. 41.
390
Fernando Hupsel. “Respeitemos a VARIG”. Guia Aeronáutico, Novembro de 1989, p. 6.
391
“O que o ‘Trade’ Pensa de Hélio Smidt”, Guia Aeronáutico, fevereiro de 1990, p. 10.
392
“Um Vôo de US$ 6 Bilhões”, op. cit., p. 41.
393
“VARIG 75 anos”, op. cit., p. 6.
394
Idem.
112
A sensação que eu tenho quando viajo para o exterior é de que eu passei por um
rebaixamento depois do fim da VARIG, porque com a VARIG a gente chegava e tinha slots
melhores, tinha local de check-in melhor, tinha local de pouso melhor, tinha um pessoal mais
treinado prá atuar no mercado internacional, e aí a gente perdeu tudo isso. O consumidor
brasileiro que viaja para o exterior perdeu qualidade de vôo [...]. Você, como especialista no
assunto, acha que foi um erro deixar a VARIG quebrar? [...] Que a gente perdesse patrimônio,
não teria uma outra solução que a gente conservasse esse patrimônio, ainda que tirasse a
empresa dos então proprietários, mas mantendo esse patrimônio que tinha construído, porque a
VARIG tinha sido uma das fundadoras da IATA, então, portanto, ela tinha privilégios, que a
gente perdeu como passageiros, 396
Não [...]. Em linhas gerais, teoricamente falando, foi bom pro país deixar a VARIG
quebrar, no sentido não da aviação em si, mas é uma maturidade difícil de alcançar de deixar
uma empresa tão querida um patrimônio tão importante, que tinha uma qualidade de serviço
que ninguém discute que era de primeira e a gente não vê no Brasil e nem no exterior uma
empresa com uma qualidade de serviço desta, talvez uma Qantas australiana [...] que é muito
elogiada, mas eu acho que é uma maturidade não usar dinheiro público, porque [...] talvez
sejam 10 milhões de brasileiros que andam de avião. Quando a gente vê um governo
interferir, colocar capital público numa empresa, a gente está falando em imposto que todos
os brasileiros pagam, então, por princípio em não gosto muito da idéia do governo estar
comprando empresas, estar interferindo no setor [...]”.
Nesta resposta, totalmente neoliberal, Solange não poupa elogios a inegável qualidade
da VARIG e do quanto ela era querida e Miriam Leitão, mesmo após o categórico não da
diretora-presidente da ANAC, concluía: “Eu concordo inteiramente com você sobre usar
dinheiro público, mas que dói, dói. Ainda sinto saudade!”.
395
Carlos Maranhão, op. cit., p. 41.
396
Programa Espaço Aberto, entrevista com Solange Paiva Vieira, op. cit..
113
Reparem que nessa declaração Hélio Smidt deixa claro que a estratégia de
competitividade da empresa estava concentrada no diferencial de qualidade e não no preço,
através do qual passou a ser disputado o mercado, a partir da década de 1990. Daí pode-se já
entender uma das grandes dificuldades da empresa, no início do processo de
desregulamentação do mercado brasileiro, em ter que se adaptar aos novos tempos neoliberais
quando, para garantir preços competitivos, passava a ser necessário focar, acima de tudo, nos
custos, o que implicava, também, em cortes nesse padrão de excelência tão orgulhosamente
ostentado. Aliás, o aspecto custo, devido à política de “Realidade Tarifária”, vigente desde
1963, não era a principal preocupação da VARIG, porém, essa entrevista de Hélio Smidt foi
em 1989, quando dez anos de desregulamentação já eram uma realidade nos EUA e o mundo,
inclusive o Brasil, já viviam claros movimentos de adesão, e a política de “Realidade
Tarifária” já tinha virado passado.
Com relação ao comportamento exigente do brasileiro para com a empresa, o mais
interessante, e que merece destaque, é o fato desse comportamento do brasileiro, enquanto
“passageiro VARIG”, ser completamente diferente do comportamento desse mesmo
brasileiro, enquanto cidadão, que não se importa tanto quando as leis não são cumpridas,
quando um plano econômico falha, quando a promessa dos políticos vira discurso de
campanha ou quando uma propaganda não é de todo verdadeira. A VARIG era vista como
uma parte do Brasil que deu certo, gerando assim diversos sentimentos, dentre eles o de quem
397
Carlos Maranhão, op. cit., p.42.
114
398
Relatório Anual de Administração da VARIG 2004, p. 15.
399
Pesquisa disponível no site da Zagat Survey, acessado em 03/06/2009.
400
Relatório Anual de Administração da VARIG 2003, p. 18.
401
Rosa dos Ventos, no 102, 1990, p.2.
115
reconhecido alto padrão, em que um dos itens de destaque entre elas foi exatamente a
existência de um sólido conjunto de valores que norteava a ação de todos os envolvidos com
essas empresas, “traduzindo-se em uma verdadeira cultura ou ideologia empresarial”,
levando-os à conclusão de que “quando os valores e a cultura são fortes em uma empresa, os
indivíduos automática e espontaneamente se identificam com os objetivos da mesma,
passando a assumi-los como se fossem seus próprios objetivos e a lutar por eles como se
lutassem por suas metas pessoais”. 402
A simbiose que esse processo desenvolve é facilitada pelas horas de exposição, pois é
na empresa, que durante a maior parte do dia, o funcionário deposita suas energias,
construindo expectativas e buscando o sentido de sua vida, assim como o faz na religião, na
família ou em outras instituições, como na seguinte análise de Bleger:
402
Xausa, op. cit., p. 12 e 14.
403
José Bleger. Psico-higiene e Psicologia Institucional, Porto Alegre: Artes Médicas, 1984, p. 55, apud Xausa, op. cit.,
p.136.
404
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 35.
116
405
competência e antiguidade. O peso dos votos era proporcional ao tempo de serviço,
justificando a freqüência com que se ouviam frases do tipo: “Eu amo a VARIG” ou “Ele (a)
só pensa na VARIG, respira VARIG”. Essa última sendo ouvida muitas vezes dos familiares,
como queixas ciumentas de quem tinha constantemente que “dividir” seus parentes com a
empresa. O termo “a família VARIG”, bastante utilizado para representar a integração entre
os funcionários, foi adotado por Ruben Berta, inspirado na obra “Contrato Social” de Jean
Jacques Rousseau, que ele considerava a base das democracias modernas, para quem “a
família é a norma primitiva das sociedades políticas”. Foi a partir de suas reflexões sobre esta
obra, bem como sobre a Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, que Berta
desenvolveu toda uma justificativa filosófica para a criação da Fundação de Funcionários da
VARIG, onde Berta destacava
cada um, dando-se a todos, a ninguém se dá, e como em todo o sócio adquire o mesmo
direito que sobre ele o outro lhe cedeu, ganha o equivalente de tudo quanto perde, e mais
forças para conservar o que tem.
o que o homem perde pelo contrato social, é a liberdade natural, e um direito sem limites a
tudo que o tenta e pode atingir; ganha, em compensação, a liberdade civil, e a propriedade de
tudo que possui.
de primeiro que ninguém habite o terreno; em segundo lugar, que se ocupe só a quantidade
necessária à subsistência; em terceiro, que se tome posse dele, não por uma vã cerimônia, mas
pelo trabalho e cultura.
[...] sinalar a cada povo um sistema particular de instituição, que seja o melhor, não talvez
em si mesmo, mas para a sociedade a que se destina. Esse é o caso preciso também da
Fundação, onde há que inovar para o bem. O que nos importa nela não são formas abstratas de
convivência, mas justas e bem aceitas pela sociedade que formamos, dentro dos postulados
gerais do Contrato Social, que é em princípio a base da carta de constituição de nossa
Fundação.
O ‘contrato social’ de Jean Jacques Rousseau é uma peça mestra (para) a formação de
sociedades justas e com democracia prática. Aqui nos limitamos a enunciar os principais
ensinamentos desse pensador, Mas também é preciso estender-se mais sobre isso para
compreender a sociedade política que a Fundação de Funcionários da VARIG, a maneira pela
qual deve formar legislação. Os princípios que devem prevalecer no Colégio Deliberante
quando toma deliberações. E aí, pois, tínhamos encontrado a base da sociedade política justa
que tanto nos interessava, a regra de administração legítima e segura, de que fala Jean Jacques
Rousseau, para ordenar o formigueiro humano. 406
405
Atos de Constituição da Fundação Ruben Berta, Publicação Interna, dezembro de 1975, p. 6.
406
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 5, 6, 11, 13, 14
407
Idem, p. 16.
118
O termo “a família VARIG” se tornou, com o tempo, muito mais literal do que se
possa imaginar, tal a quantidade de casais, ambos funcionários VARIG, ou a quantidade de
casos de irmãos, pais, filhos e até netos trabalhando contemporaneamente na companhia.
Tornava-se comum o conceito de que ter um emprego na VARIG era um grande investimento
de futuro. Em 1991, já no desenrolar das mudanças neoliberais na aviação brasileira, a
presidência da VARIG ainda afirmava:
Mesmo nas ocasiões mais difíceis para a economia nacional – como a que estamos
atravessando – conseguimos, até agora, evitar a redução de nossa força de trabalho. A união de
todos em torno dos objetivos da Empresa gerou a formação de um grupo solidário, que vem
sendo denominado, com propriedade, a ‘família Varig’. Muitos são os que conosco trabalham
desde o início de suas vidas profissionais, chegando a ultrapassar os 40 anos de serviço.
Alguns nasceram sob as asas protetoras da Varig, porque pais e/ou avós estavam entre os
pioneiros da aviação comercial. Há os que vieram depois, unindo-se ao nosso ideário. Há os
que estão chegando, para fazer o mesmo. Há os que ainda virão… É o nosso dever integrá-los
à nossa causa [...]. 408
Como ilustração, vale citar também o comentário do jornalista Luis França: “Eu
conheço certas pessoas que trabalham na VARIG e sentem muito orgulho nisso, não somente
pelo status, vantagens e mordomias que a empresa oferece, mas principalmente pelo mito, que
409
acabou sendo criado em torno da companhia aérea mais importante do Brasil”. A VARIG
conquistou um grande valor na sociedade brasileira, e essa sociedade passou a estender esse
valor a todos os que pertenciam ao grupo VARIG. E o uso aqui da palavra pertencer não foi
ocasional, pois era exatamente um sentido de pertencimento que reinava em seu quadro
funcional. Já na admissão, o funcionário novo recebia um manual de introdução à empresa,
onde se lia: “Você, agora, é um dos nossos. Seja bem-vindo! Tudo indica que você tem as
aptidões para integrar a grande família VARIG, constituída de dezenas de milhares de
trabalhadores de todos os níveis que, irmanados por um ideal comum, formam a força de
trabalho desta vitoriosa organização”. 410 Vê-se, assim, que esse sentido de pertencimento não
era apenas um sentimento, mas fazia parte da política oficial na empresa. Aliás, muito mais do
que nos documentos oficiais, era na rotina do dia-a-dia que os valores da empresa eram mais
disseminados e mais naturalmente absorvidos, como tão inerentes ao corpo empresarial, que
nem chegavam a ser conscientemente percebidos.
A cultura empresarial, de forma geral, se expressa através dos seus valores, que devem
ser mantidos vivos na mente das pessoas para que possam garantir sua perpetuação. Isto se dá
408
Rosa dos Ventos, no 107, 1991, p. 2.
409
Luis França, Entrevista com o Diretor da VARIG Oswaldo Trigueiros Junior, Interview Business, no122, 1988, apud
Xausa, op. cit., p.137.
410
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 91.
119
através da variedade das formas que o tornam familiar; assim como da intensidade da sua
manifestação; da importância adquirida para os indivíduos e da naturalidade com que penetra
na rotina, facilitando a assimilação e, principalmente, a transmissão entre as gerações. Como
exemplos simbólicos da VARIG estavam, além do seu logotipo, uma rosa-dos-ventos, os
brindes distribuídos a bordo, principalmente as nécessaires e a caneta dourada das classes
Premium e Executiva, que denotavam status para os passageiros. Era muito comum também,
embora não permitido, o hábito de levar consigo uma “lembrancinha” do avião, como copos,
talheres, guardanapos de tecido, até mesmo pratos, xícaras, mantas e até mesmo a revista de
bordo Ícaro e qualquer coisa que tivesse registrado o logotipo da VARIG. Em pesquisa
realizada em 1988, constatou-se que 50% dos leitores da Ícaro a levavam consigo no
411
desembarque e em 1989, a empresa chegava a repor diariamente duzentas dúzias de
talheres, isto é, 2.400 peças, ou uma para cada onze passageiros. 412
As histórias na VARIG tinham um grande significado. Por ser uma empresa com
décadas de existência, seus “causos” reforçavam sua cultura e o sentimento de identidade nas
pessoas. As histórias, como as relacionadas à criação da empresa e da FRB, eram
constantemente veiculadas nos filmes e nas publicações internas, até nas campanhas
publicitárias externas, principalmente nas datas comemorativas. Elas, em geral, envolviam o
culto às personalidades importantes que se destacaram na companhia, principalmente a figura
de seu ex-presidente Ruben Berta. Os mais de 900 tipos de cursos oferecidos pela empresa no
413
Brasil e no exterior serviam, principalmente, para reforçar e transmitir os valores que
compunham sua cultura, gerando motivação e interesse no quadro funcional que com eles se
envolviam. A avaliação de desempenho, sistema pelo qual se media o quanto o desempenho
de cada funcionário estava de acordo com os valores estabelecidos pela companhia,
funcionava como um importante medidor e calibrador. As mudanças de nível para
recebimento de benefícios, em função do tempo de casa, assim como os ligados aos processos
seletivos para entrada e promoção dentro da empresa, eram bastante divulgados, aumentando
o valor da conquista em função da dificuldade do processo. Pode-se citar as cerimônias de
entrega dos diplomas de antiguidade, dos prêmios por reconhecimento profissional e a
cerimônia de Natal, quando grandes festas, com distribuição de presentes para os filhos dos
funcionários, eram aguardadas o ano inteiro. A FRB promovia muitos eventos esportivos,
artísticos, shows, feiras, colônias de férias para os filhos dos funcionários, contribuindo para a
411
Carlos Drumund. “A mais lida nas nuvens”, Senhor, 29 de fevereiro de 1988, no 362, p. 61.
412
Carlos Maranhão, op. cit., p. 45.
413
Carlos Moraes. “Afinal Qual é o Segredo”, Ícaro, no 34, 1987, p.50.
120
414
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 35.
415
Pierre Bourdieu. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 8 e 145.
416
Pierre Bourdieu. A Economia das Trocas Simbólicas, op. cit., p. XXVI e LX.
121
Até um museu foi construído em Porto Alegre, ratificando esta importância. Sobre o reflexo
de tudo isso nos funcionários, vale a pena registrar a seguinte citação de Xausa a Max Pagés:
A organização, na sua realidade econômica e política, propõe aos indivíduos uma imagem
de força e de poder: o porte da organização, seu caráter mundial, sua eficácia, seus objetivos
de conquista [...] constituem uma imagem de onipotência que favorece a projeção de sonhos
individuais de onipotência. 417
mais resistentes às mudanças do que as simples organizações [e que] as pessoas lutam pela
manutenção das mesmas como se estivessem investindo em suas próprias estabilidades e
sobrevivência. Desta forma as possibilidades de mudança são vistas, institucionalmente, como
ameaças à integridade das empresas, enquanto que, individualmente, são percebidas como
possibilidades de descaracterização de suas próprias personalidades 418
417
Max Et Al Pagés. O Poder das Organizações:a dominação das multinacionais sobre os indivíduos. (L’emprise de
l’organization, 1987), São Paulo, Atlas, 1987, apud Xausa, op. cit., p.147.
418
Xausa, op. cit., p. 24.
122
Tabela 1
419
K.M.V. Costa, “An Investigation of the Likely Impact of Current Trends in Air Transport Regulation on South America”,
Cranfield Institute of Technology, College of Aeronautics, M. Sc. Thesis, September 1989, p. 10.
123
desenvolvimento, o maior importador desse insumo e some-se a este fato a alta das taxas
internacionais de juros e a deterioração dos termos de intercâmbio. Os países em
desenvolvimento entravam em crise.
O Brasil sofreu bastante com a estagnação da economia e com a hiperinflação, que em
1983, chegava a 200%. A partir deste ano, já sob orientação do FMI, diversas medidas
internas fiscais e monetaristas foram adotadas: redução do déficit fiscal do setor público,
420
redução do crédito, desvalorização do câmbio, juros altos e contração dos salários.
Abandonava-se assim a estratégia desenvolvimentista, gerando, em conseqüência, a redução
do crescimento do PIB e experimentávamos três planos de estabilização econômica: Plano
421
Cruzado, em 1986; Plano Bresser, em 1987 e Plano Verão, em 1989. Em janeiro de 1987,
a dívida externa brasileira atingia US$ 103 bilhões, um total equivalente a um terço do PIB.
422
Na América Latina como um todo, essa crise foi marcada pela moratória mexicana de
1982, e pela do Brasil, de 1987, quando os empréstimos tornaram-se impagáveis e os países
passaram a exportar capital para os países desenvolvidos, gerando não só uma extensa fuga de
423
capitais da região , como um verdadeiro pânico no sistema bancário ocidental, que chegou
a beira do colapso. Esse colapso só não aconteceu devido ao fato de os três grandes devedores
latino-americanos não terem agido em conjunto. Sobre isso, Hobsbawm declarou: “Esse foi
provavelmente o momento mais perigoso para a economia mundial capitalista desde 1929”. E
“só no início da década de 1990 encontramos o reconhecimento, como, por exemplo, na
Finlândia, de que os problemas econômicos do presente eram de fato piores que os da década
de 1930”.424 Especificamente no Brasil, o processo de crescimento que o país vivia nas
décadas anteriores foi estancado e, logicamente, isso se refletiu na demanda por passagens
aéreas.
Na época, toda essa crise foi, em grande medida, atribuída aos empréstimos “pouco
produtivos”, assumidos pelos países da região. Contudo, a irresponsabilidade principal estava
fora do alcance dos países latino-americanos. Segundo Paulo Roberto Almeida:
Ela resultou, basicamente, da decisão, adotada desde 1979 pela administração do Federal
Reserve dos EUA, de aumentar fortemente as taxas de juros, como forma de garantir um
420
Délcio Machado de Lima, A Política Econômica Externa e a Política Doméstica: A Crise da Dívida Externa Brasileira no
Final do Século XX. Niterói, Dissertação de Mestrado em Ciência Política, UFF, 2008, p.77 e 79, mimeo.
421
Letícia Pinheiro. Política Externa Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 51.
422
Délcio Machado de Lima, op. cit., p.78.
423
Paulo Roberto Almeida, “O Brasil e as Crises Financeiras Internacionais 1929 – 1999”, Múltipla, Brasília, 1999, p. 77
e 78.
424
Eric Hobsbawm. Era dos Extremos, O Breve Século XX 1914-1991, São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 394 e
412.
124
Vale ressaltar também que, ao final da década de 1970, ao contrário da URSS, cujos
aliados se mantinham na sua dependência, os EUA viam seus principais aliados, já naquele
momento, transformarem-se em economias de ponta, como no caso do Japão e da
Comunidade Européia, que somados eram 60% maiores que a economia norte-americana. 426
No Brasil, em função da crise da dívida externa que se agravou a partir de 1982,
fortaleceu-se a presença do setor econômico na agenda internacional. O país buscava nas
negociações da dívida com os credores internacionais exatamente um tratamento diferenciado
(naquele momento, outros quarenta países lhe faziam companhia) e um dos argumentos
utilizados buscava exatamente salientar a especificidade do caso brasileiro, cujos recursos
externos tinham sido utilizados produtivamente. Outra crise também importante nesse período
no mundo era a crise da América Central, que obrigava o Brasil a se pronunciar sobre uma
área na qual possuía poucas afinidades, interesses e intimidade histórica, tendo que assumir
posições que o colocavam numa posição de confronto com os EUA, o que não era do
interesse do governo brasileiro, devido às negociações da dívida externa.
O governo Figueiredo foi também contemporâneo da grande virada que começava a
acontecer nos países desenvolvidos rumo ao neoliberalismo e que avançaria, posteriormente,
pelo mundo subdesenvolvido. Tudo começou com Margareth Thatcher na Grã-Bretanha, em
1979, seguida por Ronald Reagan, nos EUA (1981-1989) e Helmut Kohl (1982-1998) na
427
Alemanha Ocidental, todos líderes ferrenhos das idéias neoliberais. Vale ressaltar que,
entre 1960 e 1980 os economistas neoliberais ganharam alguns prêmios Nobel, dando já uma
formatação mais científica ao neoliberalismo que, naquele momento, começava a tomar as
428
universidades norte-americanas. Desta forma, a década de 1980 iria testemunhar
importantes mudanças estruturais na economia do mundo, com o aumento, contraditoriamente
ao discurso, de medidas protecionistas por parte dos países desenvolvidos, gerando
429
desaceleração do comércio mundial. Iniciava-se aí, também, o conflito interno norte-
americano entre as grandes corporações que defendiam o livre comércio na esfera
425
Almeida, op. cit., p 77.
426
Hobsbawm, “Era dos Extremos...”, op. cit., p 247.
427
T. Biersteker. “O Triunfo da Economia Neoclássica no Mundo em Desenvolvimento: Convergência de Políticas e
Fundamentos da Governança na Ordem Econômica Internacional”, in James Rosenau e E. Czempiel (org.), Governança sem
Governo: Ordem e Transformação na política Mundial. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e Brasília:
Editora da UnB, 2000, p. 164.
428
José Luiz Fiori. “Consenso de Washington”. Palestra proferida no Centro Cultural Banco do Brasil, em 4 de setembro de
1996, s/p..
429
Pinheiro, “Política Externa Brasileira”, op. cit., p. 50.
125
430
Robert Gilpin. The Political Economy of International Relations. Princeton: Princeton University Press, 1987, p. 224.
431
Expedito Albano Silveira. “A Globalização e os Acordos Bilaterais”, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, 2000, p.
1. In: Seminário Modernização do Transporte Aéreo da Gazeta Mercantil, mar 2000. Disponível em:
<http://www.sbda.org.br/revista/Anterior/1696.htm>. Acesso em: 30/01/2006.
432
Gilpin, op. cit., p. 223-224.
433
Délcio Machado de Lima, op. cit., p.129.
126
434
Eli Diniz. Globalização, Reformas Econômicas e Elites Empresariais, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p.26-27
e 57.
435
Michel Beaud. História do Capitalismo de 1500 aos nossos dias. São Paulo: Brasiliense, 1999, p 392.
436
Gilpin, op. cit., p. 305.
437
Pinheiro, “Política Externa Brasileira”, op. cit., p. 51.
127
probabilidade de não pagarem a dívida era muito alta era muito alta, caso os descontos não
fossem concedidos.
Somente em 1990, já no governo Collor, é que o Brasil iria renegociar a dívida
externa, dentro do contexto do Plano Brady. Em junho de 1991, Collor “visitou Washington,
onde convidou o presidente George Bush a “encerrar o capítulo das disputas comerciais e dos
problemas da dívida externa e comunicou que sua viagem marcaria o fim de uma fase
amadorística e romântica nas relações com os EUA”. Em 15 de abril de 1994, já no governo
Itamar Franco, o país conseguiu, finalmente, a renegociação sem a participação do FMI. A
partir dessa data a dívida passou a ser administrada pelo Brasil, dentro das possibilidades da
economia nacional, deixando de ser considerada, como nas décadas anteriores, um problema
crucial da nossa economia. Essa crise brasileira, da década de 1980, era também uma crise
regional, inserida no contexto de uma grande transformação política tanto na América do Sul,
onde o restabelecimento da democracia ocorria em quase todos os países, quanto no mundo,
indo da morte do secretário-geral do Partido Comunista da URSS, Leonid Brejnev, em
novembro de 1982, ao fim da própria URSS, em dezembro de 1991. A liberalização do
regime soviético, a partir de 1985, com Gorbatchev, e o abandono progressivo do comunismo
na Europa, culminando com o desaparecimento da URSS, produziram a mais radical
transformação no sistema de relações internacionais desde o final da Segunda Guerra
Mundial. Naquele momento, na interpretação de Theotônio dos Santos, “os EUA vêem a
URSS aliar-se à Alemanha e abrir-se à Comunidade Européia, fortalecida pela valorização do
marco alemão. Aparentemente há um sentimento unânime no mundo de que a queda do muro
de Berlim foi um fortalecimento geopolítico dos EUA e de sua aliança ocidental-capitalista.
Creio que é o começo do fim desta aliança”. Ainda segundo Santos, como conseqüência desta
nova conjuntura mundial, os EUA se viram forçados a reforçar sua posição hemisférica,
adotando três iniciativas:
438
Theotônio dos Santos, “O Neoliberalismo como Doutrina Econômica”, 1999, disponível no site da Revista Econômica
da UFF, acessado em 01/06/2009.
128
439
Alexandra de Mello Silva e Dora Rocha. Marcílio Marques Moreira, Diplomacia, Política e Finanças, de JK à Collor, 40
Anos de História. Depoimento ao CPDOC – FGV. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 229.
440
Fiori, op. cit., s/p.
441
Santos, op. cit., p. 147.
442
Pedro Pablo Kuczynski e John .(org.). Depois do Consenso de Washington: retomando o crescimento e a reforma na
América Latina. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, prefácio à edição brasileira, p. VIII.
443
Paulo Nogueira Batista. O Consenso de Washington A visão neoliberal dos problemas, Programa Educativo Dívida
Externa- Pedex, Caderno Dívida Externa, no 6, setembro de 1994, p. 26.
444
Citação de T. Biersteker a Robert Gilpin em “O Triunfo da Economia Neoclássica no Mundo em Desenvolvimento:
Convergência de Políticas e Fundamentos da Governança na Ordem Econômica Internacional”, in James Rosenau e E.
Czempiel (org.), op. cit., p. 156.
129
445
P. C. Schmitter, e G. Lembruch, (eds). 1979, Trends Toward Corporatist Intermediaion. Beverly Hills e Londres, Sage
Publications apud Eli Diniz, Eli Diniz. “Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de
uma Nova Ordem no Brasil dos Anos 90”, DADOS-Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Volume 38, no 3, 1995, p.
391.
446
Paulo Nogueira Batista, op. cit., p. 10.
447
Idem, p. 9.
130
O contexto geral era marcado pelo fim da Guerra Fria, quando o cenário mundial
passava a oferecer um único modelo, dito liberal-democrático, de organização política e os
EUA se tornavam, segundo E. Hobsbawm “um império ideológico, (aspirando) a transformar
o mundo a sua própria imagem e semelhança”. 449 O que incluiu a disseminação das práticas e
políticas econômicas neoliberais, isto é, a adoção pelo mundo do capitalismo nos moldes
norte-americanos.
Na década de 1990, segundo Gilpin, os EUA viveram seu mais longo período de
crescimento ininterrupto e constante, enquanto a Europa Ocidental estava às voltas com altos
níveis de desemprego e o Japão vivia uma crise financeira, após a explosão de sua “bolha” de
especulação financeira e imobiliária, no início dos anos 1990. Para a maioria dos
observadores e dirigentes norte-americanos o sucesso econômico desse país, na época, devia-
se a
448
Ha-Joon Chang. Chutando a Escada, São Paulo: UNESP, 2002, p. 33.
449
Eric Hobsbawm. “Primer Mundo y Tercer Mundo después de la Guerra Fría”, Revista de La Cepal, no 67, 1999, p. 10.
450
Gilpin, op. cit., p. 432 e 424.
451
Dani Rodrik. Estratégias de Desenvolvimento para o Novo Século, in ARBIX, Glauco. Brasil, México, África do Sul,
Índia e China: diálogo entre os que chegaram depois. São Paulo: UNESP, 2002, p.62 e 75.
131
Em uma entrevista sobre o lançamento de seu livro “Os Exuberantes Anos 90”,
Stiglitz fez uma análise crítica sobre a participação dos EUA no processo de globalização
desencadeado a partir da década de 1990 e declarou:
[...] Nós, os EUA, plantamos as sementes de nossa destruição, os problemas dos anos 90.
Não conseguimos criar um equilíbrio entre o papel do Estado e o mercado, e puxamos a
globalização para a direção errada. Os EUA impeliram outros países a comandar suas
economias da mesma maneira, com muitos erros. Um dos temas do livro é como os interesses
corporativos e financeiros nos induziram [os EUA] a liderar o processo de globalização de
forma desequilibrada. Após o fim da Guerra Fria tivemos a oportunidade de criar uma nova
ordem global e, na verdade, nós o fizemos com a visão ditada pelo mundo empresarial e
financeiro. Por isso, só tivemos acordos globais ruins, tais como propriedade intelectual e a
Rodada Uruguai. Claramente isso teve um grande impacto no resto do mundo. 452
452
Stiglitz. “Entrevista”, O Globo, 3 de novembro de 2003, p. 17.
453
Fernando Exman. “Governo quer fim do Duopólio TAM e Gol”, JBonline, 11 de novembro de 2007, s/p.
132
454
José da Silva Pacheco. As Tendências do Transporte Aéreo no Mundo Atual, Revista Brasileira de Direito
Aeroespacial, no 50, agosto de 1990, p. 7.
455
K.M.V. Costa, “An Investigation of the Likely Impact of Current Trends in Air Transport Regulation on South
America”, Cranfield Institute of Technology, College of Aeronautics, M. Sc. Thesis, September 1989, p. 2 e 3.
456
Respício Antônio do Espírito Santo Júnior. “Organizando o Transporte Aéreo Internacional”, in
http://200.189.169.141/site/arquivos/dados_fatos/observatorio/TransporteAereoInternacional.pdf, acessado em 19 de
fevereiro de 2009, p. 4.
133
457
Ibidem.
134
do aeroporto de Hong Kong, com apenas cinco horas de vôo cobre-se um terço da população
do planeta. Na década de 1980, com relação ao volume de tráfego, a travessia do Atlântico
Sul e do Atlântico Médio representava cerca de 5% do total mundial de passageiros-
quilômetros internacionais, enquanto a travessia do Atlântico Norte representava 28%. Este
fato já indicava a significativa diferença entre a importância relativa das rotas do Atlântico
Médio e Sul para as empresas latino-americanas, em comparação com as empresas norte-
americanas e européias. Do ponto de vista das empresas latino-americanas, as rotas para a
América do Norte e para a Europa representavam, respectivamente, 54% e 36% do seu
tráfego internacional, enquanto, para a Europa, por exemplo, o tráfego para a América Latina
representava apenas 6% do tráfego internacional daquele continente. Um valor insignificante,
comparado a importância do tráfego entre a Europa e a América do Norte, 34%, e dentro da
Europa, 29%, enquanto o tráfego entre os países latino-americanos não chegava a 1% do total
mundial. 458 Levando-se em consideração apenas o tráfego de/para os EUA, enquanto para as
empresas norte-americanas o Atlântico Sul representava apenas 5% do faturamento, para as
459
empresas brasileiras esse percentual era de 60%. Sem contar com o poder do mercado
doméstico norte-americano, o maior do mundo. Essas informações já indicam a diferença de
poder entre as partes, principalmente para enfrentar períodos de retração de demanda e de
“guerra tarifária”. Focando apenas no mercado brasileiro, em 2001, sua participação no
tráfego mundial era de apenas 1,5%. 460
Outro importante fator de distinção da América do Sul, que muito influencia nos
custos operacionais das linhas aéreas, é que do Cone Sul para a Europa e os EUA os vôos
precisam ser programados com partidas noturnas, para maior descanso dos passageiros e
melhor aproveitamento dos horários diurnos nas chegadas, tanto no rumo norte quanto no
rumo sul. Contudo, este tipo de operação, por não comportar mais de uma programação por
dia e manter as aeronaves ociosas, um dia inteiro, até sua operação de retorno, aumentam os
custos com taxas aeroportuárias e diminuem as despesas de aquisição, isto é, quanto maior for
a utilização dos equipamentos, maior será a diluição dos custos. Qualquer análise ou mudança
nos marcos regulatórios da aviação comercial na América do Sul deveria levar em
consideração, além das características específicas, descritas acima, o papel que essa atividade
desempenha no continente e sua contribuição para o desenvolvimento econômico e social da
458
International Air Transport Association, apud K. M. V. Costa. An Investigation of the Likely Impact of Current
Trends in Air Transport Regulation on South America, Cranfield Institute of Technology, College of Aeronautics, M. Sc.
Thesis, September 1989, p. 14, 15 e 16.
459
Andréa Duschesne, op. cit., p. 16.
460
Relatório Anual de Administração da VARIG 2001, p. 5.
135
461
região, antes de buscar, simplesmente, sua adequação aos mecanismos das tendências
globais, com a adoção de fórmulas alheias. Contudo, as mudanças que começaram a se
processar na década de 1980 e se intensificaram nas décadas seguintes, ignoraram tais
aspectos.
Como os organismos regulatórios internacionais sempre foram fortemente
influenciados pelos EUA, logicamente que os movimentos de desregulamentação neste país
não tardariam a gerar mudanças também nas regras e no comportamento dos organismos
regulatórios de cada nação. No Brasil, que desde a década de 1960, vivia a política de
competição controlada, graças a situação calamitosa testemunhada na época pelas empresas
de transporte aéreo, o primeiro resultado foi, devido pressão da Vasp e da Transbrasil, um
seminário, realizado em julho de 1982, na CERNAI, para analisar a Política do Transporte
462
Aéreo Internacional Brasileiro. Como conseqüência desse seminário foram assinadas as
portarias no 249/GM5, de 07 de março de 1983, do Ministério da Aeronáutica, e no 108/SPL,
de 01 de julho de 1983, do Departamento de Aviação Civil, autorizando a Transbrasil e a
Vasp a executarem serviços aéreos internacionais não regulares, os chamados vôos charter,
para transporte de passageiros, carga e mala postal. O argumento era de que este tráfego
suplementar deveria gerar um benefício ao país, atendendo a mercados não servidos pelas
transportadoras regulares de bandeira. Na prática essas mudanças já geravam uma certa
concorrência entre as empresas nacionais, uma vez que ao levar, por exemplo, um vôo para
Orlando, nos EUA, ou para Nice, na França, parte desse tráfego deixaria de ser transportado
pela VARIG via Miami ou Paris, respectivamente, sem contar com a autorização para que as
congêneres internacionais pudessem programar, reciprocamente, mais vôos para o Brasil. 463
O segundo resultado veio nesse mesmo ano com a implementação de vôos noturnos
com tarifas reduzidas em trinta por cento, gerando, pela primeira vez no transporte aéreo
464
doméstico brasileiro, incentivo à competição entre as empresas. O resultado seguinte,
também no mercado doméstico, foi a criação dos chamados “Vôos Direto ao Centro”. Com a
inauguração do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em janeiro de 1985, grande parte das
ligações domésticas sairiam de Congonhas, levando as empresas a solicitarem ao DAC
autorização para operar um novo serviço com vôos ligando os aeroportos centrais das cidades
de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. Esses vôos foram inaugurados em
461
K. M. V. Costa, op. cit., p. 7, 9 e 3.
462
Luciano R. Melo Ribeiro. Traçando o Caminho dos Céus, o Departamento de Aviação Civil – DAC 1931-2001, Rio de
Janeiro: Action Editora, 2002, p. 136.
463
“Concorrência Interna de Bandeira nos Vôos Internacionais é Perniciosa para o País”, Depoimento de Hélio Smidt,
Espaço Aéreo, Ano 7, no 1, Janeiro-Fevereiro 1986, s/p.
464
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 127.
136
1986, pelas empresas regionais Rio-Sul, TAM e VOTEC, sendo muito bem recebidos pelo
público que viajava a negócios. Outra mudança importante, ocorrida na mesma época, foi a
substituição, em 1986, do Código Brasileiro do Ar pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei
nº 7.565 de 19 de dezembro de 1986, e que refletia o neoliberalismo através da abertura do
mercado internacional, agora de vôos regulares, às demais empresas aéreas brasileiras. Tema
este bastante discutido na IV CONAC, realizada de 22 de setembro a 01 de outubro de 1986,
e que contou, pela primeira vez, com a participação de todos os segmentos empresariais da
Aviação Comercial, bem como representantes do Congresso Nacional, órgãos federais e
estaduais e entidades privadas. Suas principais recomendações foram:
465
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, Ministério da Aeronáutica, Departamento de Aviação Civil,
maio de 1997, p. 45.
466
Harro Fouquet. “A recuperação e o fortalecimento da Varig são muito importantes para o país: eis algumas das razões
(pró-memória)”, documento escrito em janeiro de 2003 e entregue, na época, ao Ministério da Aeronáutica.
137
467
“Concorrência Interna de Bandeira...”, op. cit., s/p.
468
Relatório Anual de Administração da VARIG 1980, p. 2.
469
Relatório Anual de Administração da VARIG 1979, p. 14.
470
Relatório Anual de Administração da VARIG 1981, p. 6 e 20.
138
471
Rosa dos Ventos, no 101, 1990, p. 9.
472
“VARIG 75 anos”, Publicação Interna, 2002, p 29.
473
Carlos Drumond de Andrade. “Senhor Piloto”, Senhor, no 362, 29 de fevereiro de 1988, p. 58.
474
“Vôo mais alto a trajetória segura”. Visão, 07 de julho de 1967, p. 22.
475
Léa Brenner, op. cit., p. 28.
139
476
sistema de reservas automatizado, que embora já funcionasse na empresa desde 1974,
demandava para sua expansão, da instalação de novos e numerosos equipamentos. De início,
a empresa recorreu à indústria nacional, sem sucesso, levando-a a decisão de desenvolver seu
próprio hardware de reservas. Até 1992 haviam sido produzidos 8.492 terminais de vídeo;
5.502 impressoras, para impressão de bilhetes, cartões de embarque e cópias em geral; 76
microcomputadores compatíveis com a linha IBM, 372 controladoras, 2.090 “fones de
477
ouvido” e outros equipamentos. Os terminais de vídeo chegaram a ser arrendados por
congêneres do porte da British Airways, Japan Airlines, Alitália, Flying Tigers, Eastern
Airlines e Aerolineas Argentinas, totalizando vinte e sete empresas. O total geral de
equipamentos produzidos pela VARIG chegou, em 1989, a marca de 11.181. 478
Graças ao sucesso do projeto TEVAR, a empresa pode, em 1981, lançar o Projeto Iris,
que demandaria um investimento da ordem de US$ 100 milhões, para colocar a VARIG em
condições de competir com os gigantes internacionais norte-americanos e europeus no que se
refere à informatização de seus serviços. O Sistema Integrado de Reservas Interline (Sistema
Iris), funcionava com um mainframe da IBM, um computador IBM 4341, em constante
atualização e, em janeiro de 1982 a empresa já possuía 960 terminais de vídeo, instalados nas
lojas e escritórios do Brasil e do exterior. 479 Esses
476
Guia Aeronáutico, dezembro de 1975, p. 9.
477
Superintendência Geral de Produção Industrial: Relatório de Atividades. VARIG, Porto Alegre, 15/09/1992, apud Maria
Regina de Moraes Xausa. A Importância das Instituições e o Desafio à Liderança Institucional. O Caso VARIG, Porto
Alegre, Dissertação de Mestrado, UFRGS/Faculdade de Ciências Econômicas, p .233.
478
“Tevar Faz dez anos, Rosa dos Ventos, no 99, 1990, s/p.
479
“VARIG inaugura novo sistema de reservas”, Guia Aeronáutico, Janeiro de 1982, p. 22.
480
Relatório Anual de Administração da VARIG 1989, p. 9.
481
VARIG Reformulação Administrativa - US$ 6 Bilhões na Renovação da Frota - Sistemas Mercúrio e Iris Amigo -
Segurança e Medidas Contra Fraudes, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, maio-agosto de 1990, no 50, p.23.
140
processo inflacionário crescente, que chegaria em 1985 a 235%, 482 expressando, contudo, sua
confiança “na manutenção da política de realidade tarifária estabelecida pelas autoridades,
condição fundamental para assegurar a auto-suficiência do transporte aéreo em bases
483
industriais”, considerada pela empresa, em 1984, juntamente com o aumento na demanda
de carga e passageiros nas linhas internacionais, e a redução do custo do combustível, a razão
pela qual a empresa conseguiu obter, naquele ano, resultados satisfatórios. Com relação às
inaugurações, em 1984, seria a vez do Catering, o maior complexo de serviço de bordo da
América Latina, instalado no AIRJ, com capacidade para produzir 20.000 pratos por dia. O
Catering objetivava atender aos vôos VARIG e de congêneres que voavam para o Brasil, um
mercado estimado em doze milhões de dólares/ano e dominado na época em 90% pela norte-
484
americana Marriott. Ele ocupava 17.800 metros quadrados, num prédio de três andares e
subsolo, com dezenas de câmaras frigoríficas, cozinhas, depósitos, adegas, laboratórios de
microbiologia, salas de instrução e de palestras e diversos equipamentos criados
especialmente para ele. Todos os ambientes eram refrigerados, inclusive o depósito de lixo,
com música ambiente, vista para o exterior, tornando-os mais iluminados e agradáveis. 485
Ainda nesta década, um moderno centro de treinamento foi criado no Rio e seus
cursos cobriam diversas áreas, como manutenção, operações de vôo, serviços de bordo,
tráfego e vendas, administração e outros setores, oferecendo cursos técnicos e
comportamentais para os seus funcionários e de congêneres. Desde a década de 1950 a
VARIG utilizou-se dos chamados simuladores de vôos, para treinamento dos seus pilotos e de
pilotos de outras empresas, em diversos tipos de aeronaves, e foi a segunda empresa aérea do
mundo a utilizar o método Computer Based Training (CBT), com avançados programas para
treinamento da tripulação. A formatura da primeira turma de pilotos civis formados pela
486
VARIG aconteceu já em 1936. Em 1986 a VARIG gastou, só com treinamento, cerca de
trinta milhões de cruzados e, em 1987, novos investimentos foram efetuados na compra de
487
simuladores de vôos, que custavam até quatorze milhões de dólares. Em 1989, dois novos
terminais de carga da empresa foram instalados no AIRJ e em Guarulhos. Somente o terminal
de cargas do Rio (TECA), instalado dentro do complexo planejado para o AIRJ, custou à
VARIG US$ 15 milhões, 488 num momento em que o movimento de cargas dos aeroportos da
482
Relatório Anual de Administração da VARIG 1985, p.4.
483
Relatório Anual de Administração da VARIG 1983, p. 7 e 9.
484
“Boa Viagem, Bom Apetite”, Exame, 10 de junho de 1987, p.54.
485
Frank Ribeiro. “No serviço, a base do sucesso”, Jornal do Brasil, 07 de maio de 1987, p.19.
486
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 25 e 27.
487
Frank Ribeiro. “Um mimo e tanto. Varig festeja seus 60 anos se dando presente de US$ 1,2 bilhão”, Jornal do Brasil, 07
de maio de 1987, p. 19.
488
“Novo Terminal de Carga da VARG”, Guia Aeronáutico, agosto de 1989, p. 8.
141
Grande São Paulo (Viracopos, Guarulhos e Congonhas) já era maior que o movimento de
cargas dos aeroportos do Rio (Galeão e Santos Dumond). Essa diferença ainda aumentou. O
crescimento do volume de carga dos aeroportos do Rio, de 1984 a 2006, decresceu 46%,
enquanto o volume em São Paulo cresceu 291%, levando os aeroportos de São Paulo a marca
de 52% do total de cargas movimentadas nos aeroportos da Infraero. 489 Mais um exemplo do
erro estratégico à que a VARIG foi induzida, ao construir sua base técnica no Rio, enquanto o
centro de tráfego era em São Paulo.
A grandiloqüência das décadas anteriores mantinha-se fortemente presente na empresa
a despeito dos movimentos liberalizantes indicando mudanças a vista, como quando a política
de “Realidade Tarifária”, tão importante para a indústria de aviação, foi abandonada pela
Nova República. José Sarney, ainda vice-presidente, no seu primeiro dia como presidente em
exercício, após a internação de Tancredo Neves, assinou o decreto 91.149, submetendo os
490
ajustes de preços ao Ministério da Fazenda, registrando, assim, e logo no primeiro
momento, essa característica que seria ainda mais marcante no Brasil naquela década e nas
seguintes, a ascendência do Poder Executivo sobre o Poder Legislativo brasileiro,
principalmente. Esse poder sobre os preços só se encerraria em 27 de junho de 1991, quando
as tarifas domésticas saíram do controle de preços exercido por aquele Ministério que, com
491
Collor, passou a chamar-se Ministério da Economia. O discurso da empresa, a despeito
dessa significativa mudança da política presidencial do país, mantinha-se fiel a sua
característica básica de alinhamento aos governos, declarando em seu Relatório Anual:
489
ACI, Airport Council International, 2006, apud Harro Fouquet. “A problemática do sistema aeroportuário da região
metropolitana de São Paulo”, janeiro de 2008, p. 5 e 6.
490
Decreto nº 91.149, de 15 de março de 1985, disponível no site do Senado Federal.
491
“Governo libera os preços das passagens de vôos domésticos”. O Globo, 28 de junho de 1991, p. 20.
492
Relatório Anual de Administração da VARIG 1985, p. 14.
142
Nosso sentimento de confiança, cada vez mais, nas potencialidades do país, nos impele
a perseguir os principais objetivos que são: o de expandir receitas internas – fator de
exportação (portanto, internas ao país, e não à empresa exclusivamente) – bem como renovar
a frota e melhorar a infra-estrutura interna.493
O reforço agora anunciado pelo seu presidente, Hélio Smidt, tem por objetivo a
viabilização dos planos assumidamente ambiciosos que a empresa traçou para este final de
década e para os próximos 10 anos. Até o início dos anos noventa, por exemplo, ela pretende
que suas rotas façam a circunavegação da Terra, em vez dos atuais dois terços do percurso.
Mas Smidt coloca quase como ponto de honra para a companhia a meta de levá-la a realizar
nos próximos dez anos tanto quanto nas suas primeiras seis décadas de operação. Ou seja: até
1997 a Varig terá de transportar [...] o dobro do que conseguiu nos últimos 60 anos [...].
Excesso de otimismo? Parece que não. Os dados estatísticos de que a empresa dispõe e que
Hélio Smidt costuma brandir para calçar seus planos de crescimento indicam, realmente, que a
aviação comercial brasileira ‘ainda está engatinhando’ e tem pela frente muito espaço para
voar. 494
493
.Relatório Anual de Administração da VARIG 1986, p. 16, 17 e 21.
494
Frank Ribeiro, op. cit., p. 19.
495
Idem, p. 19.
143
chegar, enquanto a melhor distribuição de renda, até hoje não chegou. Antes disso, os
primeiros sinais já estavam presentes, e naquela época chegaria à aviação comercial brasileira
o neoliberalismo econômico, através da chamada “flexibilização”. Sua meta de se igualar ou
mesmo superar os feitos de Meyer, Berta e Erik de Carvalho, jamais seriam alcançadas.
Pode-se perceber que a alta administração da empresa, durante a presidência de Hélio
Smidt, um contemporâneo de Rubem Berta e, também seu sobrinho e admirador, a despeito
de todos os ventos neoliberais que já sopravam no mundo da aviação, principalmente nos
EUA, e de todas as mudanças regulatórias que o mercado brasileiro já começava a viver nessa
direção, acreditou que, provavelmente, a melhor forma de manter a VARIG na liderança
desse mercado seria investindo em reforçar sua grandeza. Daí todos os vultosos investimentos
mantidos e efetuados e que tornaram sua estrutura ainda mais complexa. Toda essa
complexidade acabou por pesar demais durante a década liberal de 1990, quando a
concorrência nacional apresentava estruturas muito mais leves, enxutas e flexíveis e a
concorrência internacional, muito mais pesada, esmagava a VARIG. Nas palavras de José da
Silva Pacheco, o movimento de desregulamentação que, naquele momento, já sacudia todo o
mundo,
496
José da Silva Pacheco, op. cit., p. 9.
497
Relatório Anual de Administração da VARIG 1989, p. 9.
144
Art. 193. Os serviços Aéreos de transporte regular ficarão sujeitos às normas que o
Governo estabelecer para impedir a competição ruinosa e assegurar o seu melhor rendimento
econômico podendo, para esse fim, a autoridade aeronáutica, a qualquer tempo, modificar
freqüências, rotas, horários e tarifas de serviços e outras quaisquer condições da concessão ou
autorização. 498
498
Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, Código Brasileiro de Aeronáutica. Substitui o Código Brasileiro do Ar,
Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Artigo 193, in
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L7565.htm
499
Relatório Anual de Administração da VARIG 1987, p. 7.
500
Carlos Drumond. “O Pouso do D’Artagnan”, Senhor, São Paulo, 29 de fevereiro de 1988, p. 68.
501
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume II, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 9,
502
Relatório Anual de Administração da VARIG 1987, p. 12.
503
Cristiano Fonseca Monteiro. A dinâmica política das reformas para o mercado na aviação comercial brasileira (1990-
2002), Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 111.
145
504
Carlos Drumond. “O Pouso do D’Artagnan”, op. cit., p. 63.
505
Monteiro, “A Dinâmica Política das Reformas...”, op. cit., p. 98.
506
Anuário Estatístico da ANAC.
507
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 52.
146
Tabela 2
BREAK-EVEN (%)
Ano Doméstico Internacional Total
1979 60 66 62
1980 64 61 63
1981 65 59 62
1982 66 60 63
1983 67 59 63
1984 54 61 58
1985 61 63 62
1986 70 63 66
1987 65 62 64
1988 65 63 64
1989 80 74 78
1990 71 74 72
Fonte: ANAC - Anuário Estatístico
o primeiro passo na transição gradual de um regime de preços fixados pelo governo para
uma situação que, coerentemente, com a política geral do Governo baseada nos princípios do
pensamento liberal, privilegie as livres forças de mercado como instrumento adequado na
busca da eficiência e do equilíbrio. 508
508
Ministério da Aeronáutica, Departamento de Aviação Civil. “Aviação Civil, Política Para os Serviços de Transporte Aéreo
Comercial do Brasil”, março de 1992, p. 13.
509
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 23.
510
Relatório Anual de Administração da VARIG 1989, p. 13 e 21.
147
Temos a impressão que o transporte aéreo está no limiar de uma nova era. Há algum
tempo algumas palavras chaves vêm nos acompanhando: desregulamentação, com os seus
efeitos imediatos em termos de capacidade e preços; liberalização; privatização; subsídios;
mega empresas e muitas outras. Esse visível amadurecimento no setor está a exigir
alternativas. 512
511
Ibidem, p. 21.
512
Waldir Pinto Fonseca, “Seminário Internacional sobre o Futuro do Transporte Aéreo na América Latina”, Revista
Brasileira de Direito Aeroespacial, no 44, setembro de 1989, p.7.
148
Com a introdução da desregulamentação nos EUA há mais de dez anos, vários países
ofereceram maior flexibilidade a suas companhias aéreas para competirem em termos de
tarifas, capacidade e serviço.
Entretanto, a julgar pela experiência doméstica norte-americana, um meio internacional
mais competitivo, possivelmente aumentará os riscos para muitas linhas aéreas [...].
Um número crescente de companhias aéreas está formando alianças com outros
transportadores de modo a aperfeiçoar a penetração de mercado, a fazer ligação com outros
fluxos e dificultar oportunidades a novos concorrentes.
Aliança deste tipo podem representar um passo intermediário visando a criação dos ‘mega-
transportadores’, tendo por objetivo minimizar os riscos, poderia levar a uma situação de
oligopólio, o que reduziria a concorrência. 513.
As previsões do Sr. Kotaíte refletiam exatamente o que havia acontecido nos EUA,
naquela década e muitas lições deveriam ter sido tiradas daquela experiência. Durante a
euforia da fase inicial de desregulamentação naquele país centenas de novas companhias
aéreas foram criadas. Para poderem competir no mercado muitas empresas, nas palavras de
Fonseca,
513
A. Kotaíte, “Seminário Internacional sobre o Futuro do Transporte Aéreo na América Latina”, Revista Brasileira de
Direito Aeroespacial, no 44, setembro de 1989, p. 9.
514
Fonseca, op. cit., p. 14 e 15
515
Idem, p. 15.
516
Rosa dos Ventos, no 99, 1990, p. 2.
149
Thomas assumiu a presidência da VARIG, informando que sua maior preocupação seria a de
dar continuidade administrativa à obra de seu antecessor, implantando inovações “segundo
um cronograma previamente elaborado”. 517 Muitos investimentos realmente aconteceram, ou
melhor, continuaram acontecendo e as dívidas durante a década cresciam. A concorrência,
anteriormente insignificante, reduzia cada vez mais a sua participação nos mercados,
principalmente os internacionais. Esses grandes investimentos que quando feitos elevavam
ainda mais a imagem de grande empresa que a VARIG ostentava, agregando valor à mesma,
acabaram sendo todos vendidos nas décadas seguintes, quando o neoliberalismo não lhe
permitiria mais esse tipo de organização vertical. Havia a ilusão de que essas unidades de
negócio sobreviveriam sem a VARIG. Não se levava em conta que o sucesso das mesmas
estava atrelado, de certa forma, a existência da própria VARIG. Custos fixos, como por
exemplo, de escritório e pessoal, eram contabilizados na estrutura de contas da VARIG e não
na estrutura de contas dessas subsidiárias.
Com tudo isso, acreditava-se que a VARIG sobreviveria. Ninguém, naquele momento,
poderia imaginar que aquela grande empresa construída ao longo de décadas e transformada
num verdadeiro e complexo império nas décadas de 1970 e 1980, viria a ruir, como pode-se
depreender do seguinte trecho de encerramento do discurso de Fonseca:
É preciso, porém, que não nos esqueçamos que, se por um lado, a desregulamentação do
transporte aéreo e a conseqüente criação de um ambiente mais competitivo, trariam benefícios
para o consumidor em termos de tarifas mais baratas e uma maior diferenciação do produto,
por outro lado a competição num país em desenvolvimento, onde os custos operacionais
realizados em moeda forte têm de ser repassados ao consumidor em moeda fraca, o que faz
com que as companhias operem próximas ao custo marginal, poderia ter resultados
desastrosos, com o inevitável monopólio e sobrevivência da mais forte. 518
A mais forte neste caso era a VARIG, quando, na verdade, das três companhias
brasileiras existentes na época (VARIG-2006, Vasp-2005 e Transbrasil-2001), até a VARIG
ruiu, ou melhor, dela só restou a marca, adquirida por outra empresa. E vindo ao encontro das
convicções de Fonseca, agora com relação à Informática, que na década de 1980 tornou-se
uma importante ferramenta estratégica de comercialização, Kotaíte assim prosseguiu em sua
análise:
É também evidente que os sistemas de distribuição de produtos tendo por base os vários
usos dos sistemas de reservas por computadores terão uma importância vital, permitindo às
companhias aéreas uma concorrência com êxito.
517
Rubel Thomas, “Nítida Compreensão dos Problemas da Companhia”, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, no
50, agosto de 1990, p. 23.
518
Fonseca, op. cit., p. 15.
150
Existe uma disparidade cada vez mais crescente entre as linhas aéreas dos países
desenvolvidos e a de muitos, mas não todos, os países em vias de desenvolvimento como
resultado do processo obtido na tecnologia de informação. Os avanços na área dos sistemas de
reservas por computadores (CRS) colocam as companhias aéreas numa situação de difícil
decisão relativa à distribuição de seus produtos. 519
Esse, com certeza, seria outro grande e dispendioso investimento que a VARIG teria
que desenvolver na década de 1990, através da sua associação ao Sistema Amadeus. Kotaíte
concluiria, então, seu discurso afirmando que devido a um grau muito maior de incertezas do
que aqueles vistos no passado e à maior velocidade das mudanças nos fatores que influenciam
as condições de mercado, a flexibilidade e a rapidez da resposta em relação à essas condições
520
seriam elementos extremamente importantes para as companhias aéreas. Elementos estes
que, em nossa opinião, muito influenciaram, chegando mesmo a dificultar, a sobrevivência da
VARIG. Sua grandiosidade, cultura e características administrativas não lhe permitiam tanta
flexibilidade e rapidez. Um bom exemplo desta cultura tradicional era o fato de que os vôos
internacionais da empresa tinham o Rio de Janeiro, cidade da sede da VARIG, como principal
portão de saída e chegada e não São Paulo, que era a principal cidade do país. Apenas em
1989, após sessenta e dois anos de existência da companhia, essa política comercial começaria
a mudar quando, em 06 de junho, tiveram início as operações de vôos diretos para Europa e
EUA partindo de São Paulo. 521 Ainda sobre este tema Rubel Thomas declarou:
Existia sim uma pequena ciumeira entre as bases de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto
Alegre. Quando, por exemplo, eu defendi o incremento de serviços intercontinentais em
Guarulhos em detrimento dos vôos originários no Galeão, ouvi muitas críticas. ‘Ah, esse
pessoal de São Paulo’. Nada disso, até porque sou gaúcho! Mas o fato é que o grosso do
mercado estava aqui e está aqui. São Paulo representa 35% da economia nacional.522
Com relação à sua dramática crise, acompanhada com pesar por toda população
brasileira, pode-se dizer que esta grande e admirada empresa foi vítima de sua própria
história, devido à sua cultura e estilo empresarial, compatíveis com o período nacional-
desenvolvimentista brasileiro anterior, porém não mais com o processo de relações
econômicas neoliberais. Foi, também, vítima do quadro desejado e planejado no exterior, o
movimento expansionista norte-americano do seu processo doméstico de desregulamentação
e o Consenso de Washington, assim como do quadro brasileiro, isto é, das diversas políticas
governamentais que, como conseqüência, se delinearam a partir da adoção desses preceitos
neoliberais, pintando um quadro para a aviação nacional que se reflete nos dias de hoje.
519
Kotaíte, op. cit., p. 10.
520
Idem, p. 11.
521
Guia Aeronáutico, julho de 1989, p. 52.
522
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, disponível no Jetsite, acessado em 20/03/2009.
151
523
Espírito Santo Júnior, op. cit., p. 4.
524
Fernando Hupsel. “Desregulamentação”, Guia Aeronáutico, junho de 1991, p. VI.
525
Expedito Albano Silveira. “A Globalização e os Acordos Bilaterais”, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial,
2000, p. 1. In: Seminário Modernização do Transporte Aéreo da Gazeta Mercantil, mar 2000. Disponível em:
<http://www.sbda.org.br/revista/Anterior/1696.htm>. Acesso em: 30/01/2006.
152
526
Eli Diniz. Empresário, Estado e Democracia: uma avaliação dos dois primeiros anos do governo Lula, in Márcia Ribeiro
Dias e José Manuel Santos Pérez (org.), Antes do Vendaval Um diagnóstico do governo Lula antes da crise política de 2005,
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, p. 22.
527
Eli Diniz. “Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de uma Nova Ordem no Brasil
dos Anos 90”, DADOS-Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Volume 38, no 3, 1995, p. 387, 394, 396 e 397.
528
L. Sola. (1993), “Estado, Transformação Econômica e Democratização no Brasil”, in L. Sola (org), Estado, Mercado, e
Democracia. São Paulo, Paz e Terra, apud Eli Diniz, “Governabilidade, Democracia...”, op. cit., p. 385.
154
529
Eli Diniz, “Governabilidade, Democracia...”, op. cit., p. 386.
155
530
Alexandra de Mello Silva e Dora Rocha. Marcílio Marques Moreira, Diplomacia, Política e Finanças, de JK à Collor, 40
Anos de História. Depoimento ao CPDOC – FGV. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 225, 227-229, 237 e 239.
531
José Flávio Sombra Saraiva (org). Relações Internacionais Dois Séculos de História Entre a Preponderância Européia e a
Emergência Americano-Soviética (1815-1947), Volume I, Brasília: IBRI, 2001, p. 54.
532
Flávia de Campos Mello. “Diretrizes da Redefinição da Política Externa Brasileira na Década de 90”. XXIV Encontro
Anual da ANPOCS, de 23 a 27 de outubro de 2000, GT 13-Política Internacional, p. 6.
533
“Presidente quer mais concorrência no setor”, Gazeta Mercantil, 31 de julho de 1990, p. 13.
156
534
Brasileiro, projeto de lei encampando as principais reivindicações norte-americanas. Em
1995, já no governo Fernando Henrique Cardoso, e após uma complexa tramitação no
Congresso Nacional, seria, enfim, aprovado esse novo Código de Propriedade Intelectual. 535
Collor, com base em recomendações do Banco Mundial, introduziu profunda
liberalização do regime de importações, com um programa de abertura unilateral do mercado
brasileiro, eliminando todos os obstáculos não-tarifários, com redução acelerada das barreiras
tarifárias e sem buscar contrapartidas para os produtos brasileiros nos mercados externos. 536
De 1990 a 1994 as alíquotas do imposto de importação saíram de uma média de 44% para
14%, 537 e segundo Eli Diniz,
(a) agenda do governo [...] se torna cada vez mais restritiva e adquire maior rigidez em
torno das metas de estabilização e ajuste fiscal [...] a meta de fundar uma nova ordem,
simbolizada pela proposta de desmonte da Era Vargas, transforma-se em bandeira política da
coalizão dominante. A primazia da orientação neoliberal e a instauração de um modelo
econômico centrado no mercado fizeram-se acompanhar de um projeto ambicioso de
inauguração de uma nova institucionalidade. 538
Pode-se dizer que Collor estava, naquele momento, juntamente com outros líderes
latino-americanos, lendo a primeira edição de uma cartilha ultrapassada, que resolveram nos
vender. O mundo desenvolvido ocidental, que já vivia a experiência neoliberal há mais de
uma década, iniciava um questionamento generalizado sobre o neoliberalismo. O próprio
vice-presidente do Banco Mundial, em 1991, Attila Karaosmanoglu ressaltava a importância
da ação governamental nos países recentemente industrializados do Leste Asiático, os
chamados NIC’s, para o crescimento industrial acelerado na região, 539 e segundo Rodrik
534
Paulo Nogueira Batista. O Consenso de Washington A visão neoliberal dos problemas, Programa Educativo Dívida
Externa- Pedex, Caderno Dívida Externa, no 6, setembro de 1994, p. 21.
535
Alexandra de Mello Silva e Dora Rocha, op. cit., p. 239.
536
Paulo Nogueira Batista, op. cit., p. 21 e 22.
537
Luiz Alberto Muniz Bandeira. Da tríplice aliança ao Mercosul 1870-2003 conflitos e integração nacional na América
Latina, Brasil Argentina e EUA, Editora Revan, 2003, p. 488.
538
Eli Diniz. “Empresário, Estado e Democracia...”, op. cit., p. 12 e 13.
539
Peter Evans. Autonomia e Parceria: Estados e Transformação Industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004, p. 49.
540
Dani Rodrik. Estratégias de Desenvolvimento para o Novo Século, in ARBIX, Glauco. Brasil, México, África do Sul,
Índia e China: diálogo entre os que chegaram depois. São Paulo: UNESP, 2002, p. 70.
157
assumissem rotas internacionais, com a conseqüente abertura de linhas para outras empresas
estrangeiras. Primeiramente, inauguraram-se novos vôos para os Estados Unidos e,
posteriormente, alguns vôos para a Europa. A utilização do termo flexibilização ao invés de
desregulamentação era considerada, pelas autoridades aeronáuticas, mais apropriada, pois,
embora vários movimentos passassem a ser feitos no sentido da abertura do mercado, tantos
outros dispositivos bastante intervencionistas continuavam a vigorar, como no caso da
distribuição de linhas domésticas. A utilização do termo “flexibilização”, buscava distinguir
as mudanças que começavam a ser introduzidas no mercado brasileiro, com as que ocorreram
nos EUA nas décadas anteriores. Já em 1989, no seminário citado no capítulo anterior sobre o
futuro do transporte aéreo na América Latina, o Coronel Pereira do Rego, chefe de gabinete
do presidente da CERNAI, teria afirmado sobre o tema:
Em 21 de março daquele ano (1989), fora celebrado um novo acordo bilateral entre o
Brasil e os Estados Unidos, substituindo o anterior de 1946. Em 11 de dezembro de 1991, já
542
no governo Collor, esse acordo seria promulgado, com a seguinte justificava para a
substituição do antigo acordo:
541
Antônio Henrique Browne Pereira do Rego. “Tendências da Aviação Civil no Brasil”, Revista Brasileira de Direito
Aeroespacial, no 44, setembro de 1989, p.17.
542
Luciano R. Melo Ribeiro. Traçando o Caminho dos Céus, o Departamento de Aviação Civil – DAC 1931-2001, Rio de
Janeiro: Action Editora, 2002, p. 137.
543
Acordo sobre Transportes Aéreos Brasil e Estados Unidos. Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, no 67, 1995, p. 41-
51.
544
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 137 e 140.
158
leste, e duas para a costa oeste norte-americana, até então exploradas apenas pela VARIG e
pela Pan Am. Naquele momento, a diferença de poder entre as empresas brasileiras e as norte-
americanas era tanta que apenas uma comparação entre o tamanho dos mercados no Brasil e
nos EUA, já nos leva a questionar que tipo de “competição justa e construtiva” seria aquela
citada no acordo. Enquanto no Brasil o número de passageiros do transporte aéreo por ano era
em torno de 18 milhões, isto é, 12% da população brasileira, nos EUA esse número girava em
torno de 600 milhões, o que representava 2,5 vezes o tamanho de sua população.
A V CONAC, realizada em outubro de 1991, foi palco de um amplo debate entre todas
as forças atuantes no Sistema de Aviação Comercial, com participação dos Sindicatos de
Aeronautas e Aeroviários, tendo sido de fundamental importância para o futuro da aviação
civil no Brasil e para as mudanças que viriam a se processar naquela década. Foram formados
quatro comitês para abordar, separadamente, o Transporte Aéreo Nacional, o Não-Regular, o
Regional e o Internacional. A partir de suas conclusões foi elaborado o chamado “Livro
Branco”, divulgado pelo Aviso 001/GM5/004 do Ministério da Aeronáutica, estabelecendo a
“Política para os Serviços de Transporte Comercial do Brasil” e que oficializou a "Política de
Flexibilização do Transporte Aéreo", caracterizada, em síntese, pela
[...] deve ser lembrado que as empresas brasileiras precisam competir com congêneres
estrangeiras que possuem, em sua maioria, estrutura técnica, operacional, financeira e
gerencial muito mais consistente. Muitas destas empresas gozam de privilégios garantidos
pelos governos de seus países de bandeira. Dessa forma, a autoridade aeronáutica, visando
preservar o equilíbrio de oportunidades e condições justas de concorrência [...] deverá
MANTER A POSTURA DE RESGUARDO DO MERCADO DA AVIAÇÃO CIVIL
BRASILEIRA.” [grifo original do documento]. 546
545
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, Ministério da Aeronáutica, Departamento de Aviação Civil,
maio de 1997, p. 31.
546
Ministério da Aeronáutica, Departamento de Aviação Civil. “Aviação Civil...”, op. cit., p. 27.
159
americanas, gerando um excesso de oferta visível. Para o mercado suíço, por exemplo, não
havia demanda que justificasse a operação simultânea de VARIG, Vasp e Transbrasil, como
chegou a ocorrer. 547 Mesmo no mercado doméstico o número de empresas novas cresceu das
cinco já existentes em 1991 para quatorze em 1996. Outras importantes mudanças no mercado
doméstico e decididas na V CONAC, seriam implantadas pelas seguintes portarias, de 15 de
setembro de 1992:
550
As linhas aéreas especiais poderiam ser operadas por aeronaves a jato e somente
por empresas de âmbito regional. A exceção era a ponte-aérea Rio-São Paulo, que seria
explorada, prioritariamente, por companhias de âmbito nacional, no tradicional pool Varig,
Vasp e Transbrasil. 551 Todas essas foram decisões que geraram aumento acentuado na oferta,
num momento de retração de demanda, e que, mais uma vez, acirrava a concorrência. Entre
547
Depoimento de Harro Fouquet à autora desta dissertação, março e maio de 2009, em São Paulo. Harro Fouquet foi Diretor
Assistente de Tráfego e Vendas da Real e ingressou na VARIG, em 1961, como Superintendente de Planejamento, quando
esta comprou a Real. Harro Fouquet é membro do Conselho de Administração da VARIG, de quem foi também diretor até se
aposentar, em 1993.
548
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, op. cit., p. 31.
549
Venâncio Grossi. “Aviação Civil e a Transição do Atual Modelo”, disponível no site da Revista Brasileira de Direito
Aeroespacial, Palestra apresentada no seminário "Modernização do Transporte Aéreo", Gazeta Mercantil, março de 2000.
Acessado em: 23/03/2009.
550
Harro Fouquet. “Considerações sobre a infra-estrutura aeroportuária de São Paulo”, agosto de 2007, documento entregue a
diversas autoridades do setor, em outubro de 2007, como o Ministro da Defesa, o Comandante da Força Aérea, o Governador
José Serra e o Prefeito Gilberto Kassab, p. 36-39.
551
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 141.
160
552
1991 e 1992, o total de passageiros domésticos transportados caiu 20,79%. E a imprensa
publicou:
mais uma ‘guerrinha’ que surge no horizonte, trazendo, é lógico, benefícios para o usuário
que terá mais e melhores opções ao seu dispor, embora o fato aumente sensivelmente a
concorrência entre as companhias aéreas que vão, em um momento difícil de recessão e queda
nas vendas, disputar, todas o mesmo mercado. A mais importante revolução na área,
entretanto, coube a Rio-Sul, que adquiriu dois novos e moderníssimos Boeing 737-500, o
primeiro deles chegando ao Brasil no dia 6 de outubro, como anunciou o presidente da
companhia, Fernando Pinto. Trata-se de um jato de última geração, lançado pela Boeing o ano
passado, do mesmo tamanho do 200 só que equipado com as turbinas do 300. E ao invés dos
132 assentos oferece só 108, o que se traduz em muito mais conforto para os passageiros. 553
Com essa medida as empresas regionais ganharam novo fôlego. Segundo dados do
DAC, o total de pax/km (medida que equivale a quantidade de passageiros multiplicada por
quilômetros voados) transportados cresceu de 687 milhões em 1992 para 1,25 bilhão em
1995, um incremento de 82% 554 e Fernando Pinto, que começou a presidir a Rio-Sul naquele
mesmo ano de 1992, declarou que a empresa passou a ganhar muito dinheiro. O lucro da Rio-
555
Sul chegou a ser, em alguns anos, de 20% sobre o seu faturamento, levando-a, em 1995, a
adquirir a Nordeste. No mesmo ano em que a VARIG, no processo de privatização da Pluna,
adquiriu 25% de participação nessa empresa aérea uruguaia, assumindo o gerenciamento da
556
mesma. Esse movimento da VARIG, aliás, não era isolado. A TAM também assumiu o
controle da Lapsa e da Arpa e a Vasp passou a controlar a Lloyd Aéreo Boliviano e a
Empresa Ecuatoriana de Aviación. Esse era um movimento generalizado das empresas
brasileiras, que buscavam, assim, aumentar suas escalas de operação na América do Sul. 557
Um ano antes, da V CONAC Collor já havia iniciado sua atuação nesse setor
privatizando a Vasp. O leilão, de apenas dez minutos, ocorreu em 04 de setembro de 1990, e o
vencedor, e único participante, foi o consórcio VOE-Vasp, composto pelas empresas Canhedo
de Brasília e 3.500 empregados da companhia aérea estatal. Os 40% restantes permaneceram
558
nas mãos do governo de São Paulo. Wagner Canhedo, era um empresário radicado em
Brasília há 31 anos, tendo ali prosperado, segundo Fernando Hupsel
assimilando, muito hem, a proximidade e a convivência com o poder [...]. A verdade é que
o Sr. Wagner Canhedo chega a presidência da Vasp num momento propício para estas
incursões. O país está com uma nova política governamental, o próprio ministro da
552
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 53.
553
Roberto Luiz. “Uma nova ‘guerra’ no ar”, Guia Aeronáutico, outubro de 1992, p. 14.
554
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 13.
555
Fernando Pinto. Entrevista concedida por telefone a Ginfranco Beting do Jetsite, acessado em 19/03/2009.
556
Relatório Anual de Administração da VARIG 1995, p. 11.
557
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 39.
558
“Vasp é vendida por CR$ 3,3 bi. Jornal O Globo, 5 de setembro de 1990, p. 29.
161
Aeronáutica vai a Vasp e diz que os céus estão a sua disposição, e as privatizações tornaram-
se um elemento de apoio e de incentivo as novas realizações. Certo, ou errado, o fato é que o
Brasil adotou uma nova política no transporte aéreo, aquela denominada de
‘desregulamentação’, tudo em nome dos ‘novos tempos’, mas que, na realidade, é uma volta
aos tempos passados.. 559
No ano seguinte, quando o grupo comprador não honrou o débito assumido e a dívida
passou ao Tesouro Nacional, avalista da operação, todo o processo de venda foi bastante
discutido no país, em função do financiamento ter sido obtido por Canhedo, segundo os
560
jornais, com recursos públicos. Os mesmos recursos públicos que o neoliberalismo
condena que sejam aplicados nas atividades econômicas e que, em 1992, portanto no início da
implantação do receituário neoliberal no Brasil, já geravam uma investigação da Polícia
Federal. Além dessa investigação, foi criada também uma CPI na Câmara de Deputados
devido, inclusive, ao envolvimento de Canhedo com Paulo César Farias e Zélia Cardoso de
Mello:
559
Fernando Hupsel. “O fenômeno Canhedo”, Guia Aeronáutico, maio de 1991, p. VI.
560
Sílvia Faria. “Vasp: Canhedo não paga dívidas e já aflige credores”, O Globo, 30 de junho de 1991, p. 47.
561
“Canhedo indiciado pela PF em inquérito”. O Estado de São Paulo, 11 de novembro de 1992, p. 5.
562
“PC vai ser indiciado no inquérito da Vasp”, Jornal do Brasil, 12 de novembro de 1992, p. 8.
563
“Gardenalli acusa Zélia”, Jornal do Brasil, 12 de novembro de 1992, p. 8.
162
No entanto, essa CPI, segundo Monteiro, em função da forte pressão dos envolvidos,
acabou sendo ofuscada pela CPI que levou ao impeachment do presidente. 564
O passo seguinte das autoridades à privatização da Vasp seria, então, autorizar que
esta e a Transbrasil explorassem rotas para o exterior, passando, naquele momento, de dois
para seis o número de empresas a disputar o mercado, a princípio, norte-americano. No
decorrer da década de 1990, esse número cresceria ainda mais, passando para oito, com a
entrada da TAM no mercado internacional, em 1998, quando o Brasil passou a ser o único
país no mundo, além da Inglaterra, a receber as quatro maiores companhias aéreas
565
americanas, Delta, Continental, American Airlines e United Airlines. Lembre-se que para
cada empresa nacional voando para o exterior, pela regra da reciprocidade dos acordos
bilaterais, o governo brasileiro é obrigado a autorizar o mesmo número de empresas
estrangeiras voando para seu território. Isso sem contar com o agravante da retração da
demanda devido às mudanças econômicas instituídas pelo Plano Collor, naquele momento, e
em todas as demais crises, dos momentos seguintes.
A privatização da Vasp marcaria uma nova etapa na vida desta empresa, que passava a
adotar estratégias bastante agressivas. Wagner Canhedo, contrastando com uma postura
relativamente cautelosa das demais empresas, naquele período inicial de abertura, empenhou-
se, politicamente, na defesa de uma liberalização radical do mercado e um exemplo desta
postura seria sua reação ao novo acordo bilateral Brasil-EUA. No final de abril de 1991, a
CERNAI alterou alguns pontos do acordo aéreo entre o Brasil e os EUA, para entrar em vigor
a partir do mês de julho daquele ano. Ficou estabelecido que a Transbrasil, que já operava
566
uma linha para Miami, ganhava o direito de manter um vôo também para Nova York, ea
Vasp poderia voar para as cidades de Los Angeles, San Francisco e Houston, contudo, esta,
contrariamente às outras duas empresas, não concordaria com essa divisão, reivindicando que
as três pudessem ter acesso a todo mercado norte-americano. Rubel Thomas, presidente da
Varig, declarou na ocasião que a entrada no Brasil das grandes empresas norte-americanas
não assustava a VARIG, acostumada com a concorrência nas linhas internacionais das 31
maiores empresas aéreas do mundo. No entanto, declarou: “Não há lugar para tanta gente,
567
alguém deverá quebrar, e tenho certeza de que não seremos nós”. Hoje, contrariamente a
esta declaração, constatamos que as três empresas brasileiras envolvidas “quebraram”.
564
Cristiano Fonseca Monteiro. A dinâmica política das reformas para o mercado na aviação comercial brasileira (1990-
2002), Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, do Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 142.
565
Thales Guaracy. “Festa de Promoções”, Veja, 25 de março de 1998, p. 110.
566
“Batalha nos Ares”, Veja, 15 de maio de 1991, p.76.
567
Idem, p.76.
163
Para isso, nesse mesmo mês, Canhedo começou programando, com autorização do
DAC, vôos nas principais rotas da Transbrasil, 15 minutos antes ou 15 minutos depois dos
vôos desta, levando a Transbrasil a perder mais de 40% da sua clientela. Em seguida, solicitou
ao DAC autorização para voar nas rotas que ligam os aeroportos de Congonhas, em São
Paulo, a Brasília, Curitiba e Belo Horizonte, rotas consideradas o “filé mignon” da aviação
regional brasileira e voadas pela TAM. Desta vez 30 minutos antes dos vôos da TAM. A
justificativa apresentada pela Vasp para toda essa ampliação no número de vôos no mercado
570
interno era que eles entendiam que havia no país uma “demanda reprimida”. Além disso,
571
passou a oferecer descontos de até 50% no preço das passagens. O apoio do DAC às
estratégias comerciais da Vasp foi explicitamente confirmado em uma reportagem de 09 de
maio de 1991 no jornal Folha de São Paulo, intitulada “Para o DAC, concorrência da Vasp é
saudável”:
568
Ibidem, op. cit., p.76.
569
Veja, 15 de maio de 1991, p. 52 e 53.
570
“Para DAC, concorrência da Vasp é saudável”, op. cit..
571
Hugo Studart. “Agora, Vasp quer abocanhar mercado da TAM”, Folha de São Paulo, 11 de junho de 1991, p. 3-4.
572
“Para o DAC, concorrência da Vasp é saudável”, Folha de São Paulo, 07 de junho de 1991, p.3-3.
164
Desde que a Vasp decidiu seguir as leis da economia de mercado, o Brasil tem ouvido
cada vez mais a palavra concorrência. Embora concorrência seja uma coisa com a qual muitas
empresas neste país não estão acostumadas, é ela que faz com que as empresas do primeiro
mundo sejam grandes empresas e o primeiro mundo seja o primeiro mundo. Ao emitir esse
parecer favorável a essa livre concorrência, um parecer ao nosso ver histórico, o DAC age de
maneira absolutamente compatível com um país que tenta se abrir para o mundo. É justo que a
Varig queira ser a melhor, mas não é justo que ela queira ser a única. 573
573
Anúncio da Vasp na Folha de São Paulo, 9 de junho de 1991, p. 3-5
574
“Batalha nos Ares”, op. cit., p. 76.
575
“Para o DAC, concorrência da Vasp ...”, op. cit., p. 3-3.
576
Sônia Resende, “Nenhum concorrente assusta a Varig”, O Globo, 07 de setembro de 1991, p.22.
577
“Transbrasil e Vasp fazem acordo contra a ociosidade”, Folha de São Paulo, 6 de setembro de 1991, p.3-10
165
tinham chegado para mudar. Que a liberalização do mercado era a solução de todos os males
brasileiros, que suas posturas eram um reflexo do que havia de mais moderno no mundo dos
negócios dos países desenvolvidos e que o passado “conservador” precisava ser
definitivamente varrido da economia brasileira.
578
Wagner Canhedo Azevedo. “Cortina de Fumaça”, Folha de São Paulo, 07 de junho de 1991, p. 3-2.
579
“Presidente quer mais concorrência no setor”, op. cit., p. 13.
580
Rosa dos Ventos, no 95, 1989, p.6.
166
O Construtivismo, surgido pela primeira vez em 1989, diz que o mundo é socialmente
construído. Todos os construtivistas admitem a intersubjetividade da linguagem e
põe a análise do discurso, e mais especificamente das regras e normas que organizam e
regem o discurso, como central na análise dos eventos sociais em geral [...], 582
o que pode facilmente ser observado, quando analisa-se a pronta adoção, pelas elites
latino-americanas, do discurso neoliberal do Consenso de Washington.
Noam Chomsky afirma que todo sistema de dominação cria o seu próprio discurso. No
Brasil, parte da classe dominante, fortemente influenciada pelos ventos que sopravam do
hemisfério norte, já fazia suas reivindicações quanto à menor intervenção do Estado na
economia. A adoção do Consenso de Washington e do Neoliberalismo ratificava e dava
consistência teórica ao discurso pré-existente. Na América Latina como um todo, contribuiria
também para a pronta aceitação do diagnóstico e da proposta neoliberal a existência de um
grande número de economistas e cientistas políticos formados em universidades européias e,
principalmente, norte-americanas. Alguns desses profissionais viriam a ocupar posições de
comando em seus países de origem, como Salinas de Gortari, no México e Domingo Cavallo,
na Argentina. 583 Sem contar a forte ligação existente entre os ministros de finanças e diretores
581
Ibidem.
582
João Pontes Nogueira e Nizar Messari. Teoria da Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005, p.168.
583
Paulo Nogueira Batista, op. cit., p. 5.
167
584,
de bancos centrais com as comunidades financeiras internacionais, como é o caso do
economista brasileiro Armínio Fraga, que foi presidente do Banco Central do Brasil de março
de 1999 a janeiro de 2003, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Antes de
assumir este cargo no Brasil Armínio Fraga concluiu o doutorado em Economia pela
Universidade de Princeton, lecionou na Escola de Assuntos Internacionais da Universidade de
Colúmbia e ocupou, durante seis anos, o cargo de diretor-gerente da Soros Fund Management
LLC, em Nova York, uma empresa fornecedora de serviços e estratégias de investimentos
para diversos fundos de investimentos mundiais.
Na VARIG, em abril de 1990, um mês após a chegada de Collor à presidência (15 de
março de 1990), falecia seu presidente, Hélio Smidt, já há uma década no poder, exatamente a
década de 1980, caracterizada para aviação nacional, como a década da transição, em que
esta, no Brasil e no mundo, uma atividade altamente regulada, ensaiava seus primeiros passos
rumo à desregulamentação, vivida com intensidade na década seguinte. Hélio Smidt, um fiel
representante de um passado de glórias e conquistas da VARIG, dotado, como seus
antecessores, de grande carisma, presidiu-a como se esse passado nunca fosse acabar, como se
as primeiras mudanças não estivessem já acontecendo, e não viveria para testemunhar as
radicais transformações que o mercado e, conseqüentemente, a VARIG iriam viver nos anos
seguintes. A VARIG que ele recebeu era uma grande aeronave em vôo ascendente e ele bem
sabia que não se freia um wide body, como aquele, impunemente. Ademais, como permanecer
grande, num mercado internacional de gigantes, freando o crescimento?
Seu substituto, aliás, por ele preparado para isso, foi seu vice-presidente, Rubel
Thomas (1990-1995). A ele caberia enfrentar a realidade daquele “vôo”, num país com uma
inflação de 1.782% ao ano, que atingiu, em 1993, uma taxa de 2.708 %, ou 3% ao dia.
Segundo seu depoimento a empresa chegaria a perder 150 milhões de dólares até conseguir
convencer o governo a indexar as receitas internacionais, enquanto a receita doméstica era
585
mantida em moeda nacional. Além das dificuldades internas do país, havia também as
dificuldades internacionais. Durante seu mandato a indústria da aviação enfrentaria uma grave
crise provocada pela Guerra do Golfo, iniciada em 02 de agosto de 1990 e que causaria “à
aviação comercial mundial (serviços regulares) prejuízos da ordem de US$ 20.4 bilhões,
incorridos nos exercícios de 1990 a 1994”,586 inclusive pelo temor propagado de atentados
584
Joseph E. Stiglitz. A globalização e seus malefícios, A promessa não cumprida de benefícios globais. São Paulo: Futura,
2002, p. 46.
585
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, disponível no Jetsite, acessado em 20/03/2009.
586
Harro Fouquet. “A recuperação e o fortalecimento da Varig são muito importantes para o país: eis algumas das razões
(pró-memória)”, documento escrito em janeiro de 2003 e entregue, na época, ao Ministério da Aeronáutica, p. 13.
168
terroristas contra aviões e aeroportos. Com Thomas, a VARIG iniciaria uma reformulação de
acordo com as novas tendências de gestão empresarial, onde o discurso em voga era, como já
dito, o da modernidade e o da ruptura com o passado. Um bom exemplo desse discurso “da
moda” seria dado por Pereira do Rego, Chefe de Gabinete do Presidente da CERNAI:
Com relação à modernidade, seu discurso era plenamente coincidente com a “auto-
imagem” da VARIG. Porém, no que se refere à ruptura com o passado, ele era
diametralmente oposto ao que a cultura da companhia sempre pregou. Havia entre todos um
orgulho com relação à História de sucesso da empresa. Seus dirigentes do passado eram vistos
como “líderes” de uma saga de construção, cuja trajetória de crescimento era constantemente
repetida, desde o fundador Meyer, passando pelo venerado Berta, até Hélio Smidt, que
durante seu mandato concluiu e inaugurou grandes obras. Numa empresa cujos líderes são
constantemente reverenciados, não é de se estranhar, segundo Wladimir Rabelo Maia, a
grande monopolização e centralização existente
na Alta Administração, gerando, muitas vezes, uma estrutura rígida e inflexível [onde]
não é comum a prática de delegação de poderes, nem mesmo para o pessoal que, por atuar na
linha de frente, muitas vezes precisa demonstrar flexibilidade para resolver eventuais
problemas e em geral não dispõe da necessária liberdade para decidir e agir com a rapidez
esperada pelo cliente externo. 588
587
Pereira do Rego, op. cit., p.17.
588
Wladimir Rabelo Maia. “Visão Varig 2001 – Proposta de Futuro Centrada na Qualidade Total, Dissertação de Mestrado,
COPPE / UFRJ, Engenharia de Produção / Qualidade, abril de 1994, p. 89.
589
Idem, p. 89.
169
Nas décadas anteriores “a Varig havia verticalizado todas as suas operações. Tudo era
feito internamente. De manutenção ao catering”.590 E dentre as tendências “modernas” da
época, uma era terceirizar, para focar no objetivo fim. O que a empresa começou a fazer em
todas as áreas consideradas possíveis, naquele momento. 591
Dentro do discurso, já citado de Thomas, de que sua maior preocupação seria dar
continuidade administrativa à obra de seu antecessor, a manutenção dos investimentos em
equipamentos não foi questionada, o que representava, só na compra de 64 novas aeronaves, a
cifra de US$ 6 Bilhões em dez anos, visando atender a um “crescimento de demanda”
592
estimado, naquele momento pela empresa, em 6% ao ano. Provavelmente em função de
nos dez anos anteriores àquela data, o crescimento da demanda regular internacional ter sido
593
na faixa de 8% ao ano para o mundo e de 6,4% para a América Latina e Caribe. Era o
começo de uma nova etapa para a VARIG e para o Brasil, com Thomas comemorando, após
dois períodos adversos, um resultado positivo de CR$ 1,1 Bilhão, com as ações da empresa
alcançando um nível de lucratividade da ordem de 8.187%, superando com larga margem a
inflação do período e colocando a ação
“VARIG PP” entre os investimentos mais rentáveis do ano anterior. Ainda dentro desse
clima de otimismo, Thomas anunciava uma possível associação com “um poderoso grupo
argentino de empresários privados (banqueiros e construtores), para juntos, participarem do
processo de privatização da Aerolíneas Argentinas’. 594
Tudo isso, porém, ocorria em meio a uma retração real na demanda brasileira, como
conseqüência do Plano Brasil Novo de Collor, que manteve bloqueada, por um longo período,
grande parte da poupança nacional, atingindo em cheio o mercado da aviação, principalmente
o do turismo, considerado uma atividade supérflua e que acabou sendo um dos segmentos de
consumo mais afetados. 595
Collor, aliás, esteve presente na convenção geral de tráfego e vendas da Varig. Um
evento que, embora interno à empresa, foi realizado, não coincidentemente, em Brasília, em
julho de 1990. Além de Collor também estiveram presentes os ministros Sócrates Monteiro,
da Aeronáutica e Zélia Cardoso de Mello, da economia quando Rubel Thomas declarou, com
relação à abertura do mercado, como em outros depoimentos já citados, que a competição
590
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, op. cit..
591
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p.12.
592
“Um Vôo de US$ 6 Bilhões”, op. cit., p. 40.
593
Kotaíte, op. cit., p. 9.
594
“O novo presidente da VARIG”, capa do Guia Aeronáutico, maio de 1990, p. 44.
595
“O ovo ou a galinha”, editorial do Guia Aeronáutico, abril de 1990, p.4.
170
596
internacional não o assustava, antes o estimulava e mesmo em meio às mudanças
implantadas por Collor, a presidência da empresa insistia em manter um discurso “aliado” ao
597
do governo, elogiando, em seu Relatório Anual, as “corajosas atitudes” do presidente e,
também mantendo, internamente, seus programas de investimento. Até mesmo descer a rampa
598
do Palácio do Planalto Thomas fez ao lado de Collor, um ritual instituído em clima de
espetáculo pelo Presidente da República.
Internamente, na Diretoria Técnica da VARIG, já havia sido lançado, desde 1989, o
599
programa MUDE, buscando através da participação dos funcionários, inclusive com
premiações, sugestões de mudanças para a companhia, que a ajudassem a enfrentar a crise
iniciada com as primeiras mudanças da política governamental na década de 1980. Contudo,
era um programa que buscava mudanças nos processos, objetivando economia e resultados.
Em junho de 1990, a revista Executive News, uma publicação da Ícaro Editora, que
também publicava a revista Ícaro, a conhecida revista de bordo da VARIG, escreveu a
seguinte reportagem sobre a administração Collor de Mello, destacando na capa as figuras de
Collor (“O Brasil decola para uma economia moderna”) e de Rubel Thomas (“Rubel Thomas:
a Varig ano 2000”):
Por trás dessa postura da VARIG pode-se supor duas hipóteses: a dificuldade que seus
dirigentes sentiam em aceitar a mudança explícita no tratamento do governo para com a
empresa, não mais vista e tratada como “parceira” política, ou uma tentativa de manutenção
de uma realidade histórica de relacionamento que não mais soava possível. Na administração
de Rubel Thomas, assim como em todas as anteriores e posteriores, a postura de grande e
sólida empresa, representante oficial do país na aviação comercial se manteve e a seguinte
mensagem, enviada por Thomas aos seus funcionários em 1990, confirma o que todos
acreditavam que seria eterno: "A Varig enquanto grande empresa brasileira e líder latino-
americana é ímpar no contexto mundial; definitiva e constantemente tem que entrar com o seu
596
Rubel Thomas, “Nítida Compreensão dos Problemas da Companhia”, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, no 50,
agosto de 1990, p.23.
597
Relatório Anual de Administração da VARIG 1990, p. 24.
598
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit..
599
“Mude...”, Rosa dos Ventos, no 95, 1989, p. 7.
600
Tão Gomes Pinto, “P.S.”, Executive News, no 6, junho de 1990, p. 66.
171
necessário gigantismo, que lhe exige crescimento constante para que seja garantida sua
sobrevivência" 601. Até o antigo discurso quanto à necessidade de preservação das tradições da
empresa continuava ainda a ser proferido:
Trabalhar pela VARIG sempre foi um bom investimento. [...]. Mesmo nas ocasiões mais
difíceis para a economia nacional, como a que estamos atravessando, [...] é nossa missão
preservar os instrumentos de trabalho desta empresa, defender-lhe o patrimônio e,
principalmente, conservar-lhe as tradições, para legar às novas gerações um empreendimento
sólido, capaz de enfrentar as vicissitudes do futuro, os embates do mercado, o choque do
progresso…. 602
Repare que nos discursos acima a tônica era de quem percebia mudanças no país e no
mundo, porém acreditando que a VARIG conseguiria passar pelas mudanças conservando seu
perfil tradicional. Nem sequer cogitava-se que a empresa precisaria passar por mudanças
estruturais, precisaria rever sua cultura e o que é ainda pior, rapidamente. Em um momento de
pleno domínio das idéias neoliberais no mundo ocidental, era ainda desta forma conservadora
que se comportava a alta administração da empresa, como também registrado no seguinte
depoimento do vice-presidente de administração e recursos humanos da VARIG, em março
de 1991: “A VARIG é, e deverá continuar a ser, uma empresa austera; uma empresa sem
dono, sem a figura do capitalismo feroz; uma empresa voltada para o atendimento da
perspectiva do cliente e do seu empregado”. E nessa mesma entrevista, ao falar sobre seu
ingresso na empresa em 1956, registrou:
[...] Aí vem muito do que eu chamo de identidade: eu entendo que uma empresa tem que
ter uma ‘cara’, uma identidade. Que identidade, para mim, tinha a VARIG? Uma empresa
sólida, [...] bem sucedida, [...] séria, disciplinada, [...] em que a liderança teve um papel
fundamental. [...] Esta identidade, esta cara respeitosa, esta cara se transmitia. [...] Este
respeito nós tínhamos pela figura do Sr. Berta. [...] Ele fazia com que a gente se dedicasse.
[...] Eu estou há vinte anos como diretor, [...] o poder sempre foi alguma coisa que a gente
buscava no sentido de atender bem os destinos da organização. [...] Fundamentalmente
foram estas duas coisas que deram sustentação: disciplina interna e ‘desambição’ dos
homens, ao longo de sua trajetória histórica, e é muito importante porque isto faz com que o
sentido de equipe, de família, seja preservado. São dois fatores culturais. 603
Não pode-se garantir que ainda houvesse na prática, quando da entrevista acima, essa
mesma disciplina, liderança e desambição dentro da estrutura administrativa da empresa,
porém é inegável que, como fatores culturais fortes, esses valores ainda faziam parte do
discurso e do ideário de seus dirigentes, principalmente, como no exemplo citado, após vinte
601
Mensagem dirigida aos aeronautas da empresa pela respectiva gerência, no início de 1990, apud Monteiro. “A Dinâmica
Política...”, op. cit., p. 126.
602
Rubel Thomas. “Se Permanecermos Unidos...”, Rosa dos Ventos , 1991, no 107, p. 2.
603
Maria Regina de Moraes Xausa. A Importância das Instituições e o Desafio à Liderança Institucional. O Caso VARIG,
Porto Alegre, Dissertação de Mestrado, UFRGS/Faculdade de Ciências Econômicas, p 119 e 121.
172
‘Para que as coisas fiquem como estão, é preciso que elas mudem’. Os membros do
transporte aéreo internacional, que não aprenderem isso em tempo, farão o papel dos
Bourbons, na França: foram decapitados porque insistiram em não aprender nada, e a não
esquecer nada. Como o mundo passou por cima deles, também passará por sobre nós, se não
tivermos o descortínio de prover em tempo os contra-remédios. 604
604
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas que constituem a base da Fundação dos Funcionários da VARIG”,
Porto Alegre, dezembro de 1966, p. 33.
605
Relatório Anual Consolidado do Grupo VARIG 1990, p.4 e 7.
606
Relatório Anual de Administração da VARIG 1990, p. 5.
173
607
Relatório Anual de Administração da VARIG 1990, p. 5, 11, 15 e 24.
608
Relatório Anual de Administração da VARIG 1994, p. 7.
609
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume II, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 7.
610
Wladimir Rabelo Maia, op. cit., p. 9.
611
Francelino José. “Varig lança Amadeus Brasil”, Guia Aeronáutico, fevereiro de 1994, p. 10.
174
O Amadeus, que foi desenvolvido pela Lufthansa, Ibéria, Air France e SAS, era
concorrente de outro sistema europeu, o Galileu, desenvolvido pela British Airways, Swissair,
Alitália e KLM. Por sua vez, esses dois sistemas europeus eram concorrentes de quatro
grandes sistemas norte-americanos: o Sabre, da American Airlines; o Apolo, da United
Airlines; o Worldspan, da TWA, Northwest e Delta Airlines e o System One, da Texas Air e
612
EDR, uma subsidiária da G.M. A partir do surgimento desses mega-sistemas, de
propriedade das também mega-transportadoras, a venda de contratos de participação se tornou
uma nova, importante e vultosa fonte de divisas para essas mega-transportadoras
proprietárias. Nesse momento de grandes investimentos tecnológicos, estavam também
613
presentes, nos desembolsos, o sistema de yield management, implantado em 1996, para
gerenciamento da rentabilidade dos vôos, que assim como os sistemas de distribuição,
representavam aquisições vultosas, inadiáveis e cujo desenvolvimento era impraticável para
empresas como a VARIG.
No início de 1992, após um cenário econômico adverso vivido em 1991, com
agravamento da recessão, elevação dos indicadores de inflação, altas taxas de juros e retração
do mercado, com os índices de aproveitamento dos vôos chegando a 58% no doméstico e
614
65% no internacional, a presidência já reconhecia que sua estrutura humana e material
615
havia crescido muito, na expectativa de um aumento da demanda que não se confirmou,
inclusive com o término da Guerra do Golfo não trazendo a “esperada normalização dos
negócios e do turismo internacional à sua expressão anterior”. Reconhecia-se também que
crescia na indústria, em escala mundial, uma tendência para a redução do número de
transportadoras, principalmente nas rotas internacionais, enquanto que no segmento
doméstico, “a disputa acirrada por fatias de demanda em retração acabou por comprometer os
616
resultados da indústria, a nível mundial. Em palestra aos funcionários, em abril de 1992,
Thomas anunciou um prejuízo, em 1991, de toda a indústria de aviação mundial em torno de
US$ 4 bilhões de dólares, 617 atingindo as empresas de forma diversa, em função da ajuda que
as mesmas conseguiram obter de seus governos. Os prejuízos, em dólares, por ele
enumerados, foram:
612
“VARIG Reformulação Administrativa...”, op. cit., p. 23.
613
Relatório Anual de Administração da VARIG 1996, p. 4.
614
Relatório Anual de Administração da VARIG 1991, p. 13.
615
Rubel Thomas, Vídeo da Palestra proferida em Porto Alegre para os funcionários da VARIG, abril de 1992.
616
Relatório Anual de Administração da VARIG 1991, p.4 e 24.
617
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p. 4.
175
618
Relatório Anual de Administração da VARIG 1991, p. 24.
176
619
todas as demais despesas. A seguinte justificativa para esta empreitada seria publicada no
Relatório Anual da empresa e que confirma a insistência de sua alta administração em não
contentar-se apenas com o aproveitamento das oportunidades de negócio, mas acima de tudo,
manter-se em sintonia com o governo: “Esse continente, que o Ministro Fernando Henrique
Cardoso define como ‘foco prioritário da política externa brasileira’, vem apresentando um
invejável potencial de crescimento econômico e abrindo para o Brasil novas oportunidades de
intercâmbio comercial”. 620 Essa linha, no entanto, não sobreviveria à avalanche que se abateu
sobre a empresa na década de 1990, sendo descontinuada em 1998. 621
Naquele momento voar para os “Tigres Asiáticos”, era a meta de todas as empresas
internacionais. A rota de maior densidade de tráfego do mundo, em 1995, foi Hong Kong-
622
Taipei, e no Brasil, a Vasp já tinha iniciado sua rota para Seoul, em reciprocidade com a
Korean Air, e registrando, em 1993, segundo o gerente de rotas internacionais da companhia,
623
Valdemir Gibin, uma ocupação de 100%. Aliás, essa era uma rota que a VARIG nutria
como sua, porque já mantinha, há muitos anos, um escritório de vendas naquela cidade,
quando a mesma foi concedida à Vasp. Por outro lado, em paralelo a inauguração da rota de
Hong Kong, ocorreu uma redução gradativa de 50% na oferta da empresa, iniciada desde
dezembro de 1991 e, que mesmo assim, continuou mantendo o aproveitamento de seus vôos
na faixa de 50%. 624
A empresa continuava acreditando que seu diferencial de ganho poderia estar na
qualidade dos seus serviços, que por tanto tempo a destacou no mercado e investia em
programas nessa área, como em 1990, com o Programa Qualidade Total e o lançamento do
Slogan: “SUA EXCELÊNCIA O CLIENTE VARIG, na certeza de que nossa competitividade
625
e desenvolvimento dependerão, cada vez mais, da qualidade do serviço prestado”, e, em
1991, com o programa “TQC – COMPROMISSO VARIG COM A QUALIDADE”. 626
Contudo, em 1992, o esperado crescimento econômico não veio e repetiu-se na
aviação comercial o mesmo mau desempenho do ano anterior, desta vez com um prejuízo
líquido de CR$ 4 trilhões e com a empresa registrando em seu Relatório Anual a
irracionalidade econômica que havia contaminado a atividade do transporte aéreo no plano
internacional:
619
Maurício Rabello. “O que vai ser o vôo da VARIG para Hong Kong”, Guia Aeronáutico, janeiro de 1993, p. 6.
620
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p. 5.
621
Relatório Anual de Administração da VARIG 1998, p. 5.
622
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 134.
623
Maurício Rabello. “A verdade sobre os vôos internacionais da Vasp”, Guia Aeronáutico, abril de 1993, p 14.
624
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, op. cit..
625
Relatório Anual de Administração da VARIG 1990, p. 5 e 19.
626
Relatório Anual de Administração da VARIG 1991, p. 4.
177
627
Maurício Rabello. “A maior companhia aérea do mundo”, Guia Aeronáutico, abril de 1993, p. VI e “American bate record
na rota Brasil – EUA”, Guia Aeronáutico, agosto de 1993, p. 2.
628
Maurício Rabello. “Como está a United no Brasil”, Guia Aeronáutico, dezembro de 1992, p. 8 e “United e sua
internacionalização”, Guia Aeronáutico, maio de 1993, p. 14 e “American bate record na rota Brasil – EUA”, op. cit., p. 2.
629
Relatório Anual de Administração da VARIG 1993, p. 6.
178
eram operadas por nenhuma outra companhia aérea, o que representava um importante fator
de desenvolvimento regional. 630 A principal rota do país, a ponte aérea entre Rio de Janeiro e
São Paulo, era ainda operada num sistema de pool entre VARIG, Vasp e Transbrasil, sendo a
VARIG a proprietária dos aviões Electra, utilizados nas operações, com a Vasp e a
Transbrasil pagando pela utilização dessas aeronaves. Os índices de aproveitamento dos vôos
nessa rota eram altíssimos, tendo chegado, a empresa, a registrar, em 1978, uma média
85,1%. 631
Com relação, especificamente, ao mercado internacional, o grande e rápido
incremento de oferta que se deu nesse momento inicial de abertura ia de encontro à longa
trajetória construída pela VARIG no exterior, dando início ao desmoronando do seu sucesso
na conquista desse mercado, que foi, desde o início, gradativamente desenvolvido, em função
da velocidade de crescimento da demanda, assim como do aproveitamento das oportunidades
conjunturais de cada época, como quando da aquisição da Real e da Cruzeiro, ou das rotas da
antiga Panair. Para isso vale a pena rever esse caminho, que se iniciou com a linha para
Montevidéu, a primeira linha internacional da empresa, inaugurada em 1942.
Em outubro de 1946, o Ministério da Aeronáutica promovia a distribuição das linhas
aéreas internacionais brasileiras da seguinte forma:
630
“Hélio Smidt: Homem da Aviação...”, op. cit., p.20.
631
Relatório Anual de Administração da VARIG 1978, p. 8.
632
“Concorrência Interna de Bandeira nos Vôos Internacionais é Perniciosa para o País”, Depoimento de Hélio Smidt,
Espaço Aéreo, Ano 7, no 1, Janeiro-Fevereiro 1986, s/p.
633
“VARIG 75 anos”, Publicação Interna, 2002, p. 17, 19 e 21.
179
tempo, como a linha de Copenhague, inaugurada em 1968, mesmo ano em que a VARIG
inauguraria sua rota para o Japão, via Lima, México e Los Angeles. Em 1975, com a
aquisição da maioria acionária da Cruzeiro do Sul pela FRB, acrescia-se ao grupo as rotas da
América do Sul, que assim assumia a totalidade dos vôos internacionais no Brasil. O quadro a
634
seguir exemplifica muito bem esse crescimento gradativo da participação da VARIG nos
mercados internacionais até as vésperas do grande salto quando da aquisição das linhas da
Panair, em 1965.
Tabela 3
*Real-Aerovias-Nacional
**Após ter assumido o Consórcio Real-Aerovias-Nacional 635
634
“Concorrência Interna de Bandeira ...”, op. cit., s/p.
635
“Concorrência Interna de Bandeira ...”, op. cit., s/p.
180
• 1990: Chicago;
• 1992: Nagoya;
• 1993: Bangkok e Hong Kong;
• 1994: Atlanta;
• 1996: Orlando, Córdoba e Rosário;
• 1997: Washington;
• 2000: Munique. 636
Tabela 4
1969
54 5
1971
56 4
1972
54 4
1974
52 4
1985
50 6
1988
40 6
1989
45 7
1992
40 12
1993
37 12
1994
33 12
1995
32 12
1999
26 10
Fonte: Relatórios Anuais de Administração da
VARIG
636
Relatórios Anuais de Administração da VARIG.
181
Com a designação de três empresas brasileiras para operarem os Estados Unidos, virão
três americanas e, geralmente, vêm as de maior poder [...] qualquer uma delas é pelo menos
seis vezes maior do que a Varig. Eu diria que a indústria do transporte aéreo é
tradicionalmente de rentabilidade baixa. Sendo assim, é preciso ter a convicção de que a
operação precisa se dar com aproveitamento alto e nível de tarifa adequado. Do contrário, não
é a concorrência que pode comprometer a sobrevivência, mas o próprio mercado internacional
em sua competição. 638
Com o agravante que o início desse processo ocorreu em plena recessão, sem que o
governo nem ao menos dotasse o país de um mecanismo de salvaguardas contra práticas
desleais do mercado externo e de pré-condições necessárias para lidar com a concorrência
desigual. Ao contrário disso, Collor desconsiderou as necessidades normais de ajustamento de
importantes setores da economia nacional, como o da aviação civil, as novas condições de
competição.
Na VARIG, à medida que a crise se aprofundava, passava a haver um ajustamento na
linguagem da empresa, percebida pelos pronunciamentos e pelas novas posturas políticas de
seus líderes. Essas novas posturas refletiam as mudanças estruturais por que passava o país a
partir dos postulados neoliberais introduzidos no mercado da aviação. A grandiloqüência
inicial de Rubel Thomas, no início da década, foi perdendo força. Os resultados financeiros e
637
Eli Diniz, “Empresariado, Estado...”, op. cit., p 6.
638
Andréa Duschesne, op. cit., p. 16.
182
639
a satisfação dos clientes passaram a ser a prioridade, e sempre associados à
“modernidade”.
O momento que o país vivia era marcado pela intensificação do processo de abertura
comercial que exigia da empresa novas mudanças. E ela assumiu repensar seus valores, para
poder se ajustar “ao ambiente mutante da atividade empresarial moderna”, com a convicção
de que até o final dos anos 90, o número de empresas aéreas estará reduzido mediante
fusões, aquisições, ou pela simples incapacidade de permanência no mercado daquelas que
não estiverem adequadamente armadas, em termos de capacitação tecnológica e financeira,
para essa luta de gigantes. A nível empresarial, quer a VARIG ser uma empresa moderna,
produtiva, profissionalizada, descentralizada, com maior autonomia de decisão em todos os
escalões [...]. 640
As mudanças foram tantas, que hoje pode-se acrescentar: Nem a “gigante” VARIG
conseguiu permanecer no mercado. E com essas constatações a empresa entrava num
processo de redefinição da sua missão “oficial”, que desde a proposta de Otto Ernst Meyer,
seu fundador, tinha-se mantido inalterada, como sendo:
A Varig foi criada para servir. Ela se orgulha do privilégio de servir ao nosso Rio Grande
do Sul e à Pátria brasileira. Assim, ela sempre terá de sofrer com todos os apertos que sofre a
nação. Mas ela também tomará parte em todos os progressos na estrada rumo ao grande futuro
do país, nas recompensas alcançadas e levando com dignidade o pavilhão nacional muito além
das fronteiras. Tenho a inteira convicção de que a VARIG, graças ao alto espírito de
responsabilidade de seu elemento humano, saberá caminhar sempre pela trilha do progresso.641
São nossas metas e compromissos permanentes o melhor serviço para os clientes, o lucro
para os acionistas, o incentivo ao desenvolvimento pessoal e profissional dos nossos
colaboradores, a interação com a comunidade, visando ao bem comum e à preservação
ambiental e, sem ufanismo, ser fator de peso para a integração e o progresso do Brasil, cuja
bandeira desejamos dignificar e tornar cada vez mais presente nos mercados internacionais. 642
639
Monteiro, Cristiano Fonseca: A trajetória da Varig do nacional-desenvolvimentismo ao consenso neoliberal. Estudo de
caso sobre as relações entre empresa e sociedade. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em Sociologia, 2000,
PPGSA/IFCS/UFRJ, p. 95.
640
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p. 2 e 3.
641
“De homens e idéias, os cinqüenta nos da Fundação Ruben Berta”, São Paulo: Prêmio, 1996, p. 58.
642
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p. 3.
183
Embora não se perceba uma ruptura com os valores do passado, ganhou destaque, na
nova missão, a preocupação de ajuste aos novos tempos, onde “servir” e “progresso”
deixavam de ser a tônica, incluindo-se aí o uso da expressão “sem ufanismo”. Dentro de uma
perspectiva global, o transporte aéreo em si ganhou destaque, bem como o lucro dos
acionistas, refletindo assim uma efetiva preocupação com um mercado mais aberto,
competitivo e globalizado. Ainda em 1993, a empresa publicou: “É Hora de Mudar, o
Presidente está à frente do processo de mudança”. Tratava-se do lançamento de mais um
programa, intitulado “Visão, Valores e Missão”, desta vez indo mais fundo e difundindo a
necessidade de que a sua cultura fosse reavaliada, permitindo mudanças que modernizassem
643
sua mentalidade empresarial. Contudo, em outubro desse mesmo ano de 1993, sua
administração circulava uma publicação interna intitulada “A VARIG Somos Nós”,
Assim como tem sido importante projetar a VISÃO que temos do futuro, a mesma atenção
e um esforço ainda maior precisam ser dedicados ao fortalecimento dos VALORES que, no
passado, contribuíram para que a VARIG seja, hoje, uma Empresa de reconhecido destaque no
cenário da Aviação Comercial. Os princípios divulgados nesta publicação ultrapassam os
limites da estrutura organizacional formal, pois constituem a verdadeira essência da cultura
VARIG; 644 [O grifo é original do texto].
Essa publicação chegava a ser uma contradição, pois nela, a despeito de todas as
mudanças implantadas no mercado e das mudanças embrionárias internas descritas acima,
procurava-se ainda fortalecer, entre os funcionários, a idéia de que a sobrevivência da
empresa dependeria, em grande parte, dos seus valores e da sua cultura. Nela divulgava-se sua
nova Missão, Valores, Visão, Compromisso e Macro-objetivos, indicando um olhar
preocupado com o futuro, mas ao mesmo tempo preso ao passado. Claramente a empresa
experimentava movimentos que variavam entre a percepção da necessidade de mudanças e a
preocupação quanto à perda de sua identidade histórica.
Ainda sobre o exercício de 1993, em função dos sucessivos resultados negativos, a
dívida da empresa chegou a cerca de US$ 3 bilhões, o dobro do valor registrado em 1989, 645
e seu balanço, mais uma vez, apresentou prejuízo (-US$ 97 milhões), contudo, 74,5% menor
que o prejuízo registrado em 1992. Nesse ano foi lançado o Consórcio de Viagens VARIG e
desenvolvido o projeto para lançamento em janeiro de 1994 do “Smiles”, o programa de
milhagem da VARIG, considerado uma importantíssima ferramenta de vendas e, sem
643
“É Hora de Mudar”, Rosa dos Ventos, no 115, 1993, p. 5 e Relatório Anual 1993, p. 12.
644
Rubel Thomas, “A VARIG Somos Nós”, Publicação Interna da Empresa, outubro de 1993.
645
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume II, op. cit., p. 9.
184
646
Relatório Anual de Administração da VARIG 1993, p. 16.
647
Wladimir Rabelo Maia., op. cit., p. 96.
648
Rubel Thomas, Vídeo da Palestra proferida em Porto Alegre para os funcionários da VARIG, abril de 1992.
185
Acima de tudo era necessário permitir aos profissionais uma visão mais sistêmica de
toda a companhia e assim formar líderes melhor preparados. Era comum encontrarem-se
dirigentes que, em geral, desde o ingresso na companhia, haviam ascendido sempre dentro da
mesma área, isto é, muito especializados e com visão pouco abrangente do todo da
organização. Havia também, em função das grandes transformações do momento, a
necessidade de tornar a empresa mais ágil, simplificando os processos decisórios. Não dava
mais para adiar. Níveis hierárquicos foram reduzidos nas gerências médias e, obviamente,
essa não foi uma fácil tarefa, por ir totalmente de encontro à cultura da empresa. O seguinte
trecho de um documento interno da VARIG intitulado “Princípios que governam o
empreendimento” confirma esta característica cultural:
[...] quanto maior a liberdade de cada um, tanto mais forte deve ser a autoridade para
conter eventuais inconveniências. Essa a razão pela qual a estruturação da autoridade dentro
da companhia é essencialmente vertical e absoluta. 650
649
Wladimir Rabelo Maia, op. cit., p. 42, 90, 91 e 96.
650
“Princípios que governam o Empreendimento”, op. cit..
186
651
Giuseppe Maria Russo. “A Importância da Organização do Aprendizado e do Gerente-Educador: a Varig no limiar do
século XXI”, dissertação de mestrado, Faculdade de Educação, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, UFRJ, 1998, p. 32,
39 e 45.
652
Harro Fouquet. “Momentos de decisão. A Recuperação da VARIG e a necessária definição de nova política para o
transporte aéreo internacional do Brasil”, maio de 2006, p. 7.
653
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, op. cit.
654
“Os Administradores da Fundação Ruben Berta”, disponível no site da fundação, acessado em 20/03/2009 e no Relatório
Anual da Varig de 1994.
655
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit..
656
Wladimir Rabelo Maia, op. cit., p. 15.
187
a ser um órgão político. E com muita força. A minha leitura é que a FRB achou que era
hora dela exercer maior poder de decisão sobre o futuro da empresa. Mas o Conselho de
Curadores, talvez por haver discordado de algumas ações minhas, deve ter decidido que o
melhor era buscar outra pessoa. 658
A tal democratização da empresa começava a gerar uma “guerra” interna pelo poder.
As novas regras estabeleciam que até três dos sete curadores poderiam acumular cargos no
Conselho de Administração ou na administração direta da VARIG e de qualquer empresa do
659
grupo. Desta forma alguns dos membros do Conselho de Curadores (o acionista
controlador da sociedade) continuavam exercendo cargos executivos na empresa, em funções,
às vezes, subalternas a de executivos que não faziam parte deste conselho, gerando crises de
autoridade, por se comportarem como curadores em situações em que eram apenas executivos
subalternos. Criava-se, assim na VARIG uma situação que Ruben Berta em seu famoso
discurso, já citado, de 1966, já previra:
Não estamos preparados para este teste e que jamais nossa sociedade cometa o erro de
partir-se em juntas, é o conselho que damos. Intervenha nisso o Senado que vamos propor,
para que os nossos sucessores na VARIG só sejam sempre eleitos por esmagadora maioria,
para governarem com tranqüilidade e sem facções.
Para que nunca o Colégio dispare, incontrolável, num rumo louco, cremos que dentro dele
deveríamos criar uma espécie de Senado, talvez composto dos trinta homens mais antigos na
escala hierárquica do Colégio, mais os diretores e superintendentes a ele pertencentes, com
poder de veto sobre as deliberações do Colégio [...]
A Fundação pode suportar um pobre presidente durante anos; a VARIG não resistirá a um
amador por doze meses, sem cair nas mais sérias dificuldades materiais e, por extensão, em
divergências com o Governo a respeito da maneira como deve ser executado o serviço público
das concessões, como vimos no caso da Panair do Brasil.
Mas quando o vínculo social afrouxa, e o Estado enfraquece, quando principiam a sentir-
se os interesses particulares, e as pequenas sociedades a influir na grande, o interesse comum
se altera, acha opositores, e não reina mais nos votos a unanimidade; a vontade geral não é a
657
Harro Fouquet. “Momentos de decisão..., op. cit., p. 7
658
Fernando Pinto. “Entrevista concedida por telefone...”, op. cit..
659
“De homens e idéias...”, op. cit, p. 120.
188
de todos, agitam-se contradições e debates, e o melhor parecer não voga sem disputas, até que
a sociedade política entra em ruína ou subsiste apenas por uma forma vã e fantástica. 660
[...] coube ao Colégio Deliberante da Fundação, por longo tempo, o papel de ratificar
decisões da alta administração da empresa, mais do que discuti-las, sobretudo no período em a
VARIG voava serena e soberana. Na nova e difícil conjuntura, tornou-se indispensável um
envolvimento maior da Fundação no processo de ajustamento da VARIG para torná-la mais
ágil e produtiva, afinal, é seu patrimônio que está em jogo. O desafio maior que se coloca hoje
à instituição, porém, mais do que ajudar a empresa a superar dificuldades conjunturais, é
mostrar que o modelo fundacional pode adequar-se às novas exigências de competitividade
numa economia global.
adequar o organograma da instituição à necessidade de maior participação na gestão da
VARIG no presente e no futuro. Seu eixo estava na criação de um Conselho de Curadores,
uma antiga idéia de Ruben Berta, que o chamou de “senado”, para exercer em colegiado as
funções até então atribuídas ao presidente e ao vice-presidente. 661
Percebe-se no texto acima que a possibilidade desse tipo de gestão sob o qual a
VARIG sempre esteve submetida, já começava a ser posto em check e a grande preocupação,
além da descentralização das decisões, tornava-se, também, manter a própria existência da
Fundação. Como conseqüência dessa nova conduta, pode-se citar exatamente a mudança com
relação à estabilidade de décadas, até então experimentada por seus dirigentes e que não mais
ocorreria. Até 1995, isto é, durante sessenta e oito anos, a VARIG teve apenas seis
presidentes, um dos quais era “vice-presidente em exercício, que somente completou o
mandato do titular, licenciado por problema de saúde irreversível. Outros dois presidentes
662
faleceram durante o mandato” e todos, a exceção de Rubel Thomas, ficaram mais de dez
anos na função. Já de 1995 até sua venda para a VarigLog, em 2006, a VARIG teve dez
660
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 9, 10, 14, 27.
661
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 116 e 119.
662
Harro Fouquet. “Momentos de decisão..., op. cit., p. 7.
189
663
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, op. cit.
664
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 15.
665
Relatório Anual de Administração da VARIG 1994, Documento anexo denominado Demonstrações Contábeis, p. 4.
666
Relatório Anual de Administração da VARIG 1994, p. 7.
667
Harro Fouquet. “A recuperação e o fortalecimento da Varig..., op. cit., p. 16.
190
668
Relatório Anual de Administração da VARIG 1996, p. 5.
669
Relatório Anual de Administração da VARIG 1995, p. 7.
670
Relatório Anual de Administração da VARIG 1996, p. 5.
671
Eli Diniz. Globalização, Reformas Econômicas e Elites Empresariais, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p.32, 33 e 36.
191
672
Ibidem, p. 44 e 89.
673
Eli Diniz. “Empresário, Estado e Democracia...”, op. cit., p. 15, 17 e 18.
674
Eli Diniz. “Globalização, Reformas Econômicas...”, op. cit., p.17, 19, 20.
675
Flávia de Campos Mello, op. cit., p. 13 e 16.
676
Tullo Vigevani, Marcelo F. de Oliveira e Rodrigo Cintra. Política externa no período FHC: a busca de autonomia pela
integração, Tempo Social, USP, volume 15, no 2, novembro de 2003, p. 32 e 42-43.
192
677
Eli Diniz. “Globalização, Reformas Econômicas...”, op. cit., p.102.
678
Fernando Pinto. “Entrevista concedida por telefone...”, op. cit..
679
Rosa dos Ventos, no 157, 1997, p. 5, apud Monteiro. “A trajetória da Varig...”, p. 101.
193
1997, seria a vez da Itapemirim Transportes Aéreos Regionais e, em janeiro de 1998, pela
Portaria 05/GM5, houve a liberação dos vôos das linhas especiais, criadas em 1991, para
qualquer companhia. A TAM e a Rio-Sul, até então empresas regionais, passavam a competir
em todo o território nacional. A TAM, que nasceu da empresa Taxi Aéreo Marília no início
dos anos sessenta e entrou no SITAR em associação com a Vasp, em 1980, tinha-se
transformado no Grupo TAM, sendo a TAM Transportes Aéreos Regionais a empresa líder.
680
. Em 1996, a TAM deixou o perfil de empresa regional e foi, durante a década, aumentando
sua participação no mercado doméstico até superar o Grupo VARIG. Em 1997, a TAM já
681
tinha dobrado o número de passageiros, chegando a quase meio milhão de pessoas. Até o
transporte oficial do presidente da República em viagens intercontinentais, sob
responsabilidade da VARIG desde 1965, passaria para a TAM, quando Fernando Henrique
Cardoso a contratou para este serviço. Quem primeiro rompeu com essa prática foi Fernando
Collor, quando, logo após as eleições, realizou seu “giro” pelo mundo em aviões fretados,
inclusive um de fabricação russa (IL-56). 682
Em 1997, após vários resultados negativos consecutivos, a VARIG apresentou em seu
683
balanço anual um resultado positivo de R$ 27.837,00. O “novo” estaria dando certo? E
ainda dentro do discurso da modernidade incluía-se a globalização e, já enquadrada nesse
espírito, a VARIG ingressou, em outubro de 1997, na Star Alliance, um acordo operacional
entre grandes empresas. À época: Air Canada, Lufthansa, SAS, Thai Airways, United Airlines
e VARIG. Hoje são 17 empresas associadas e a VARIG dela não mais participa. A Star
684
Alliance era considerada a maior aliança de companhias aéreas do mundo, uma aliança de
alcance verdadeiramente global, com o objetivo de maximizar recursos, através da integração
das malhas de vôos, dos sistemas de reservas e dos programas de milhagens das companhias
associadas.
Com a crise econômica mundial, desencadeada em 1997, a VARIG foi obrigada a
iniciar outro processo de reestruturação e dentro desse processo foram assinados contratos
com a IBM e com SITA, no valor de US$ 400 milhões, estabelecendo uma parceria
estratégica na área de Tecnologia da Informação, incluindo a transferência para a IBM de
todos os processos da área de informática e para a SITA a operação dos serviços de rede de
voz e dados, objetivando, segundo Fernando Pinto, reduzir as despesas da empresa com
680
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 130 e 142-143.
681
Thales Guaracy, op. cit., p. 115.
682
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit...
683
Relatório Anual de Administração da VARIG 1997, p. 18.
684
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 6.
194
685
informática e melhorar sua rentabilidade. Terceirizar estava na moda. Também em 1997,
outro importante marco da aviação comercial seria transposto. A Comunidade Européia e os
Estados Unidos assinaram um tratado de “Open Skies”. Era uma tendência irreversível. Tudo
indicando, segundo Expedito Albano da Silveira, a inauguração dos chamados “serviços
internacionais”, isto é, a divisão do mercado em empresas “de primeira classe” (responsáveis
por operações globais) e as de “segunda classe” (responsáveis pela alimentação do sistema).
Isso implicaria, segundo ele, a assinatura de um acordo Multilateral Global, pelo menos para
as áreas mais dinâmicas do transporte aéreo internacional. 686
No plano doméstico, naquele momento, a disputa era cada vez mais acirrada, exigindo
constantes ações, mudanças e inovações para a captação de novos clientes e incentivo ao
turismo interno. A VARIG lançou o programa “Voa Brasil”, oferecendo vôos diários durante
a madrugada, com uma média de 50% de desconto em todos os assentos, levando as tarifas
aéreas a equipararem-se às tarifas dos ônibus-leito. Uma passagem aérea entre São Paulo e
Recife passou a custar, em dezembro de 1997, R$ 197, enquanto a passagem rodoviária
687
custava R$ 134. O objetivo era atrair a população das classes C e D, que vinham sendo
favorecidas pelo Plano Real. Essa campanha gerou uma guerra tarifária em plena alta
temporada do início das férias de verão, algo até então incomum e conseqüência da nova
portaria baixada pelo DAC, em 18 de dezembro de 1997, permitindo o aumento para 65% da
margem de descontos nas passagens aéreas domésticas, que até aquela data não poderia
688
ultrapassar 50%. Em contra-ataque, a Vasp lançou o “Tarifácil”, com descontos de até
60% e a TAM, que nunca havia oferecido descontos, criou a “tarifa light”, com redução de
20%, 30% e 50%. 689
Para a VARIG a administração desse nível agressivo de desconto se tornou possível
graças a outro importante e vultoso investimento da empresa, implantado em 1996, o sistema
para gerenciamento da rentabilidade dos vôos, o Yield Management System, que desde a
década anterior já era utilizado pelas companhias norte-americanas, e que permitia a oferta de
classes variadas, com tarifas diferenciadas e em quantidades que também variavam por
vôo/data. Inclusive, no Relatório Anual de 1996, a presidência já havia creditado a esse
685
“Parcerias levam ao aperfeiçoamento”, Guia Aeronáutico, outubro de 1997, p. 10.
686
Silveira, op. cit., p. 3.
687
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume II, op. cit., p. 25.
688
“Varig prevê faturamento de US$ 3,2 bi este ano” e “Transbrasil também reduz preços de vôos”, Jornal do Commércio,
19 de dezembro de 1997, p. A-8 e Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 15.
689
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 32.
195
sistema parte da responsabilidade pela recuperação na receita dos vôos registrada a partir de
junho daquele ano. 690
Na semana seguinte a essa nova portaria do DAC, seria introduzida outra mudança no
mercado. As operadoras de vôos charter ficaram desobrigadas de vender passagens vinculadas
a pacotes turísticos e, em janeiro de 1998, os descontos em relação aos valores das tarifas
regulares desses serviços, que até então, estavam limitados a 65%, foram também liberados,
691
aumentando a oferta e, conseqüentemente, a concorrência com as empresas regulares.
Logo em seguida, em fevereiro, foram também liberados para qualquer companhia aérea os
vôos entre os aeroportos centrais do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. 692
E a VARIG “mordia a isca” do liberalismo, passando a concorrer com sua subsidiária Rio-
Sul. “Em 45 anos de aviação eu nunca vi coisa assim”, declarava à Revista Veja, o empresário
Omar Fontana, dono da Transbrasil, que, seguindo o movimento geral, baixava seus preços
em até 45%. Omar se referia às sucessivas quedas nos preços das passagens aéreas, em que os
descontos de 60% eram aplicados a vôos operando em qualquer hora do dia e para qualquer
destino doméstico. Ao mesmo tempo em que os preços caíam, as empresas aumentavam
também o número de vôos em plena baixa temporada. 693
Essa declaração “assustada” de Omar Fontana refletia as radicais mudanças no
mercado da aviação, porém, o setor industrial do país também estava “revoltado”, após uma
década de reformas liberais, como pode-se perceber na seguinte declaração de Roberto
Nicolau Jeha, então secretário-geral da FIESP, em agosto do mesmo ano: “Estamos de
joelhos. Nós somos uma raça em extinção. O industrial brasileiro está acabando e não temos
mais dignidade. Estamos sendo conduzidos ao matadouro e cantando vivas à modernidade.”
694
690
Relatório Anual de Administração da VARIG 1996, p.4.
691
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 66.
692
“Transbrasil também reduz preços de vôos”, Jornal do Commércio, 19 de dezembro de 1997, p. A-8.
693
Thales Guaracy, op. cit., p. 110 e 112.
694
Florência Costa. “Lula divulga proposta de política industrial e empresário da FIESP critica o governo”, O Globo, 19 de
agosto de 1998, p. 5.
695
Relatório Anual de Administração da VARIG 1997, p. 22.
196
como resultado, de fevereiro a agosto houve um aumento de vinte e cinco por cento no
número de passageiros embarcados em vôos domésticos, tanto no segmento nacional quanto
no regional. Somente no mês de julho, 250 mil novas pessoas viajaram de avião, passageiros
que nunca haviam entrado em uma aeronave. 698
696
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 33.
697
Thales Guaracy, op. cit., p. 110
698
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 146.
699
Roberto Luiz. “Turismo quer preços competitivos e não suicidas”, Guia Aeronáutico, abril de 1995, p. 14.
700
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 14 e 58.
197
701
Ruth Maria. “Turismo teve inadimplência Record em 1996”, Guia Aeronáutico, dezembro de 1996, p. 16.
702
Relatório Anual de Administração da VARIG 1998, p. 3-4 e 10 e Relatório Anual, 1999, p. 8 e 9
703
Monteiro. “A trajetória da Varig...”, op. cit., p.88.
704
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 23.
198
e a Ponte Aérea foi oficialmente extinta como um pool de empresas. Os bilhetes podem até
ser endossados, mas não são mais automaticamente aceitos. 705 E mesmo em meio a toda essa
crise, a VARIG ainda conseguiria receber várias premiações naquele ano, como a de melhor
companhia aérea da América Latina, América Central e Caribe, outorgada pela Official
Airline Guide (OAG) Airline of the Year e a de melhor companhia aérea da América Latina,
outorgada pela International Airline Passenger Association (IAPA) e pela World Travel
Awards, eleição feita por 21.000 agentes de viagem de 195 países. Receberia também o
prêmio de melhor transportadora de carga aérea das Américas no Século XX, pela Air Cargo
Américas International Congress and Exhibition e melhor transportadora de carga aérea no
Brasil, pela quinta vez consecutiva, pela Editora Update, Revista Global.
A década de 1990 chegava ao fim e após dez anos de práticas neoliberais introduzidas
no mercado brasileiro de aviação, não tão desregulamentado quanto o norte-americano, mas
guardada as devidas proporções de volume e poder, bastante “flexibilizado”, deparávamo-nos
com muitas das conseqüências experimentadas pelos norte-americanos ao final da década de
1980. Portanto, os mesmos 10 anos de experiência foram necessários para que muito do que
aconteceu lá se repetisse por aqui. A despeito do quanto seria mais adequado desenvolver
soluções apropriadas à nossa realidade, a cópia pura e simples das soluções alheias já
mostrava os equívocos das “certezas” iniciais. Bastava para aqueles que acreditavam que a
cópia era o ideal, aprender com a experiência dos EUA, que no início do processo de
liberalização brasileiro já estava disponível para quem quisesse ver. No início da década de
1990, o que se observava no mercado norte-americano de aviação podia ser traduzido como
concentração. Na primeira fase do processo de desregulamentação daquele país pode-se dizer
que havia livre concorrência entre as empresas, contudo, na fase de consolidação do processo,
após várias fusões e aquisições, aquele mercado passou a ser tão concentrado quanto ao final
da década de 1970. Principalmente com o desenvolvimento dos chamados hubs, aeroportos
que funcionam como centros de conexões de determinadas companhias aéreas, que lá
706
concentram suas operações. No Brasil, no início desse novo século, a mesma situação de
concentração de mercado, com o duopólio TAM / Gol, pode ser observada.
Em 2003, o prêmio Nobel Joseph Stiglitz concedeu uma entrevista ao jornal O Globo,
a respeito da economia norte-americana, onde dizia:
705
Relatório Anual de Administração da VARIG 1999, p. 6.
706
K.M.V. Costa, “An Investigation of the Likely Impact of Current Trends in Air Transport Regulation on South America”,
Cranfield Institute of Technology, College of Aeronautics, M. Sc. Thesis, September 1989, p. 145.
199
Nós herdamos muitas regulamentações ultrapassadas, da década de 30. Era evidente que
precisávamos mudar as leis, mas também adotávamos com freqüência o mantra da
desregulamentação. Logo, nos desfizemos de muitas regulamentações, quando na verdade
deveríamos ter nos perguntado quais eram as leis necessárias à nova era. 707
Por décadas a fio, as grandes companhias ditaram os preços como bem entenderam, numa
relação de lucrativa promiscuidade com o Departamento de Aviação Civil, o DAC, controlado
pelo Ministério da Aeronáutica. Nessa época, a única competição entre empresas era para ver
quem recebia mais favores do governo, que tinha plenos poderes na concessão de linhas e
usava dessa prerrogativa para beneficiar quem mais o interessava. [...] Quem pagava o pato
por esse clima de compadrio entre empresas e o governo eram os passageiros. [...] O dado
decisivo da mudança foi a abertura promovida pelo governo, que em tempo recorde,
praticamente liberou o mercado. [...] Permitiu-se que as empresas fizessem seus próprios
preços, dando os descontos que quisessem. Por fim, multiplicaram-se as concessões de novos
vôos para todas companhias. Em resumo, criou-se a situação de todos contra todos.
Funcionou. 708
E a pergunta que nos resta é: Funcionou para quem? Porque para a gigante e
imponente VARIG ficava cada vez mais difícil fazer frente a concorrentes nacionais, cujas
estruturas organizacionais eram tão menores e que também não carregavam as dívidas e
prejuízos herdados das tantas crises brasileiras e mundiais das décadas passadas. Por mais
enxugamento que a empresa fizesse em sua estrutura de custos, com os chamados cortes de
supérfluos, nunca chegaria a simplicidade da estrutura dessas novas empresas. E pensar que
apenas uma década antes esses supérfluos eram muito valorizados e faziam toda a diferença
no atendimento e no padrão de excelência, tão orgulhosamente ostentados pela empresa e
valorizados pelo público.
O pior do apoio da imprensa estava exatamente na insistência em defender a
desregulamentação do mercado brasileiro, comparando-o ao mercado norte-americano e aos
resultados vantajosos por eles experimentados, como o fato do número de passageiros naquele
país ter dobrado de volume e como se isso pudesse ser medido apenas em função do processo
de desregulamentação iniciado ao final da década de 1970. Em 1998, enquanto nos EUA eram
707
Stiglitz. “Entrevista”, op. cit., p. 17.
708
Thales Guaracy, op. cit., p. 110.
200
vendidos por ano uma média de dois bilhetes de passagens para cada cidadão norte-
americano, no Brasil esse número alcançava a triste média de menos de um oitavo de bilhete
por pessoa. O poder de uma empresa como a United Airlines era tanto que ela chegava a
parcelar em dez prestações, sem juros, de US$ 101, uma passagem para Nova York. Com
apenas US$ 1395 podia-se ir a Europa com escala de alguns dias nos EUA, ou por US$ 1188
ir a Honolulu, conhecendo duas cidades no Canadá. E a imprensa ainda declarava: “A
vantagem é que, no mundo inteiro, esse tem sido um vôo sem volta atrás”. 709
Custa crer [...] que pessoas inteligentes, como se supõe serem aquelas que escrevem
editoriais nos jornais, sintam-se tão afetadas pelo receio provinciano da eventual exposição do
mercado brasileiro às empresas americanas. Ora, o mercado americano é muito maior do que o
brasileiro. Se o nosso está se abrindo a elas, o delas está se abrindo a nós por força do contrato
de reciprocidade. Só teremos a ganhar com aquele imenso mercado. 710
Tabela 5
Brasil-
Europa 98 vôos / semana por Bandeira 67 98
712
Relatório Anual de Administração da VARIG 1999, s/p.
713
Anuário Estatístico da ANAC.
714
“Mercado Internacional”, op. cit., p. 3.
715
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 130.
716
Idem, p. 75 e volume II, op. cit., p. 29.
717
“Mercado Internacional”, Volume I, op. cit., p. 13.
718
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 34.
202
Gráfico 2
175,2
Gráfico 3
A mesma queda pode ser também observada, na década de 1990, nos mercados
europeus, citando-se como exemplo, os mercados de Portugal, Espanha, França e Itália,
destacados no quadro a seguir:
Gráfico 4
Gráfico 5
ALEMANHA
1990 1999
Gráfico 6
INGLATERRA
58% 55%
42%
34%
BA RG BA RG 11%
TR
1990 1998
719
“Mercado Internacional”, op. cit., p. 6.
205
Gráfico 7
ESPANHA
42% 38%
38%
29%
I RG I 16%
B B RG
V
P
1994 1999
Gráfico 8
PORTUGAL
720
Ibidem, p. 7.
206
Gráfico 9
721
Rosa dos Ventos, no 99, 1990, p. 2.
207
Tabela 6
[...] sendo vertidas parcelas de seu patrimônio e de seu passivo exigível para duas novas
companhias, VARIG Participações Em Transportes Aéreos S.A. (VPTA) e VARIG
Participações Em Serviços Complementares S.A. (VPSC). O resultado mais imediato dessa
iniciativa do acionista-controlador (FRB-Par) é que a VARIG, S.A (Viação Aérea Rio-
722
Relatório Anual de Administração da VARIG 1999, p. 9.
723
Relatório Anual de Administração da VARIG 2000, p. 43.
208
Grandense) não tem mais subsidiárias – transferidas para as holdings recém criadas [...]. A
VARIG, a partir da cisão, fica apenas com as atividades ligadas ao transporte aéreo.” 724
Isto quer dizer que a VARIG foi desmembrada em três empresas, a VARIG,
propriamente dita, tendo como subsidiárias a VarigLog (desde 2000) e a VEM (desde 2001), a
VPTA englobando a Rio Sul, a Nordeste e a Rotatur (empresa constituída para operação de
vôos charter) e a VPSC englobando a empresa Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo
(SATA), o Amadeus Brasil e a Rede Tropical. Todas as três sob controle da holding FRB-
PAR. E o otimismo, bem como os elogios às medidas governamentais se mantinham:
Acima de tudo, num setor de atividade tão sensível ao quadro conjuntural, como o nosso, é
auspicioso verificar que os ‘janeiros’ de 1999 e 2000 diferem radicalmente. O cenário que se
desenha agora é o de um país que administrou competentemente a crise, resguardou a
estabilidade da moeda, financiou o déficit em conta corrente com o saudável ingresso de
volumoso investimento externo, manteve o ritmo das reformas da constituição, progrediu no
rumo de um ajuste fiscal, deteve o crescimento da dívida líquida do setor público em relação
ao PIB, sinalizando, assim, objetivamente, a retomada do crescimento. Tenho certeza de que,
vitoriosa na adversidade, a VARIG saberá também ganhar o momento, em benefício do país,
de seus acionistas e de todos os que aqui trabalham [...] 725
724
Relatório Anual de Administração da VARIG 1999, p. 10.
725
Idem, p.3.
209
Tudo feito com amplo apoio da opinião pública e do setor econômico do país. Por
outro lado, no Brasil, o quadro das dificuldades estruturais das empresas, que clamavam por
apoio governamental, incluía:
726
Relatório Anual de Administração da VARIG 2001, p. 5.
727
Idem, p.6.
210
detinha a terceira posição no mercado doméstico. 728.Empresas como a Gol, em texto assinado
por Ozires Silva,
[...] não influenciadas por fatores do passado, estão se mostrando capazes de ocupar
espaços no mercado e induzir os passageiros a conseguir suas viagens, pela via atrativa de
passagens a preços mais baixos. [...] elas passaram a ser vistas como uma solução nova que
deveria ser copiada pelas tradicionais marcas presentes no mercado. Entretanto os problemas
estruturais que dificultam o trabalho das operadoras mais antigas estão presentes e, se nada se
alterar, elas mesmas, as novas, poderão sofrer em futuro não muito distante dificuldades
semelhantes de resultado e de liquidez. 729
728
Monteiro. “A Dinâmica Política...”, op. cit., p. 40.
729
Relatório Anual de Administração da VARIG 2001, p.5.
730
Idem, p. 6.
731
Relatório Anual de Administração da VARIG 2002, p. 3.
211
732
naquele ano. Buscando diminuir ainda mais os custos ocorreria, em setembro de 2002, a
733
integração operacional da VARIG, Rio-Sul e Nordeste e os resultados domésticos
passaram a ser rateados entre as três empresas, proporcionalmente à participação das mesmas
nas rotas. 734
Os atentados terroristas nos EUA, em 2001, geraram, também, acentuado aumento nos
custos, sobretudo com segurança, combustíveis e seguro para todas as empresas, levando a
IATA, em outubro de 2002, a divulgar a seguinte nota na imprensa:
Nos EUA, Canadá e na maioria das nações européias essa ajuda foi substancialmente
efetiva, enquanto no Brasil, segundo o Relatório Anual da VARIG referente ao ano de 2002,
foi extremamente irrelevante, num quadro agravado, ainda mais, pela elevada carga tributária,
que atinge 34% da receita, enquanto nos EUA não passa de 7% e na Europa de 15%.
Contudo, a despeito de tantas dificuldades e em meio a tantas crises internas e externas a
736
empresa, naquele ano, ainda conseguiria ganhar mais seis prêmios internacionais, que,
contudo, em nada mudariam seu nível de endividamento e seus resultados operacionais, ainda
mais agravados em 2003, com a guerra no Iraque.
Em 2003, quando Lula chegou à presidência no Brasil, sua política externa, na opinião
de Alcides Costa Vaz, embora sem configurar “uma ruptura direta com nenhuma das
dimensões centrais da política exterior” do governo Fernando Henrique Cardoso, e nem
introduzindo, tampouco, “elementos inéditos em relação a outros períodos históricos”,
procurou imprimir uma conotação crítica a respeito da condução e dos resultados obtidos por
seu antecessor no campo diplomático, após o declínio do nacional desenvolvimentismo do
732
Ibidem, p. 5 e 6.
733
Relatório Anual de Administração da VARIG 2003, p. 3.
734
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit..
735
Relatório Anual de Administração da VARIG 2002, p. 5.
736
Idem, p. 5 e 6 e 8 e Relatório Anual de Administração da VARIG 2003, p.11.
212
737
final dos anos oitenta. No mercado da aviação, nenhuma mudança se processou nas
políticas anteriormente adotadas e, em 2003, com a queda no volume de tráfego em relação ao
ano anterior, a situação da VARIG já era muito grave, a despeito das medidas de retração da
oferta. Havia, naquele momento uma crise generalizada na aviação mundial, que aceleraria
ainda mais suas perdas, principalmente pela total falta de apoio e de ajuda efetiva por parte
das autoridades brasileiras, que diferentemente do que se passava em outros países, preferiam
analisar o quadro como sendo um problema meramente empresarial, desconsiderando a
importância estratégica da atividade para a política e a economia do país. Enquanto no Brasil
nenhuma ação efetiva de ajuda era desenvolvida para ajudar na recuperação desse importante
patrimônio nacional que era a VARIG, nos demais países desenvolvidos a ação direta dos
governos em socorro às suas companhias aéreas de atuação internacional não cessava.
A VARIG continuava tentando, como através da unificação das malhas das empresas
do grupo, VARIG, Rio Sul e Nordeste, o que gerou uma economia da ordem de R$ 214
milhões, devido à redução das estruturas de apoio, porém, mediante a gravidade do quadro,
nenhuma medida tomada gerava os resultados necessários, levando-a a admitir que o seu nível
de endividamento era desproporcional à sua capacidade de geração de caixa. Naquele
momento, 50% de toda a dívida da empresa era com o Governo Federal, através do PAES, o
programa de parcelamento especial de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social. Esse
montante, somado à dívida junto ao Aerus, representavam 2/3 de toda a sua dívida e ambas
estruturadas a longo prazo. 739
No Brasil, em 2004, o crescimento de 5,2% no PIB, reflexo de uma expansão da
economia mundial, impulsionada, sobretudo, pelo alto nível de crescimento da economia
chinesa, e da retomada da expansão da economia norte-americana, não seria, como de fato
não foi, suficiente para mudar a situação da VARIG, que naquele momento declarava uma
737
Alcides Costa Vaz. “O Governo Lula: uma nova política exterior?” in Clóvis Brigagão e Dimício Proença Junior (org.). O
Brasil e os novos conflitos internacionais, Rio de Janeiro: Gramma: Fundação Konrad Adenauer, 2006, p. 90.
738
Relatório Anual de Administração da VARIG 2003, p. 4.
739
Idem, p. 11 e 15.
213
740
Relatório Anual de Administração da VARIG 2004, p. 3, 4 e 13. e Relatório Anual de Administração da VARIG 2005, p.
3.
741
Relatório Anual de Administração da VARIG 2005, p. 3
742
Janaína Lage e Maeli Prado, “TAP procura comprador para a VEM”, Folha de São Paulo, 14 de janeiro de 2008,
disponível no site http://www.aerovirtual.org/forum/index.php?showtopic=101691, acessado em 17/03/2009.
743
Relatório Anual de Administração da VARIG 2005, p. 3 e 4.
214
A cabotagem é um tipo de tráfego que em todos países tem sido operado por suas
empresas respectivas. A União Européia propôs aos Estados Unidos um acordo para
exploração recíproca do tráfego de cabotagem. Seria de um lado o mercado doméstico
americano, do outro o mercado europeu, tomados esses países europeus como se constituíssem
uma federação. A idéia, longe de concretizar-se, não conta tampouco com o entusiasmo
yankee [...]. 745
I Sede no Brasil;
A Volo do Brasil foi uma sociedade formada, inicialmente, “entre o chinês Lap Chan,
748
do fundo americano Matlin Patterson, da Volo Logistics, e três brasileiros”, Marco Audi,
744
“Comissão estuda liberação de charter”, Jornal do Commércio, 12 de dezembro de 1997, p. A-8.
745
Artigo publicado no jornal O Globo, apud Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 194.
746
“Compra aprovada com atraso”. Jornal do Brasil, 29 de março de 2007, p. A3.
747
Cláudio Magnavita. “VarigLog: Justiça procura chinês”, Jornal do Brasil, 10 de abril de 2008, p. A20.
748
Henrique Gomes Batista e Leila Suwwan. “Venda da Varig...”, op. cit..
215
749
Luís Eduardo Gallo e Marcos Michel Haftel. Contudo, um desentendimento entre os
investidores em 2008, revelou a existência de um “contrato de gaveta” firmado entre as partes
que permitia ao fundo Matlin Patterson assumir o controle da companhia, contrariando o
750
Código Brasileiro de Aeronáutica. Esse fato se confirmou quando o juiz José Paulo
Magano, em sentença emitida no processo que afastou os três brasileiros da sociedade,
afirmou:
Os autores-reconvindos [Marco Audi, Luís Eduardo Galo e Marcos Michel Haftel] foram
inseridos na sociedade pela ré-reconvinte [Volo Logistics LLC e Lap Wai Chan] a fim de, a
princípio, permitir o cumprimento do art. 181 do Código Brasileiro de Aeronáutica. Os
autores-reconvindos não ingressaram com aporte financeiro. A sugestão que se tira do quadro
é que a ré-reconvinte, em conluio com os autores reconvindos, fez isso para, a princípio, e data
vênia, burlar o referido artigo e assim conseguir a concessão. 751
749
Cláudio Magnavita. “VarigLog...”, op. cit.
750
Geralda Doca. “Procuradoria critica atuação da ANAC...”, op. cit., p.34.
751
Cláudio Magnavita. “VarigLog...”, op. cit.
752
“Varig: Nova lei de falências atrairá investidor”, Jornal do Brasil, 11 de fevereiro de 2005, p. A18.
753
Cláudio Magnavita. “VarigLog...”, op. cit
754
“Varig: empresas desistem de apresentar propostas e só TGV avança”, disponível no site Portugal Digital -
Brasil/Portugal, in www.portugaldigital.com.br, acessado em 17/03/2009.
216
755
Aerus, (R$ 150 milhões). A princípio a proposta foi homologada pela Justiça. De acordo
com o juiz da 8ª Vara Empresarial, Luiz Roberto Ayoub, responsável pela recuperação
judicial da VARIG, a TGV havia prestado os esclarecimentos necessários, recebendo um
prazo até o dia 23 de julho para depositar um sinal de US$ 75 milhões, previsto no edital de
venda da companhia, e necessário, naquele momento, para cumprir garantias exigidas pelo
juiz Robert Drain, da Corte de Nova York. Caso contrário, uma liminar que vinha protegendo
a VARIG contra a perda de pelo menos 25 aeronaves arrendadas poderia ser derrubada. 756
A assessoria da Varig havia divulgado que cinco empresas teriam interesse na compra
da empresa, mas dúvidas quanto às garantias de que o comprador não herdaria dívidas antigas
às teriam afastado do leilão. 757 A TGV foi o único grupo a apresentar oferta pela VARIG no
leilão e a principal exigência da Justiça fluminense era a comprovação da origem dos
recursos. Os esclarecimentos apresentados pela TGV não foram considerados suficientes, nem
o depósito exigido foi efetuado, desta forma a vitória não foi aceita pela Justiça. Doze horas
após o leilão, o governo determinaria, inclusive, a intervenção e liquidação do Aerus. 758 Com
a anulação desse leilão outro foi marcado e, menos de 48 horas depois, Lap Chan arremataria
a "nova" Varig, através da VarigLog, única empresa habilitada a participar daquele leilão,
pelo preço mínimo de US$ 24 milhões, o correspondente a R$ 52.324 milhões, pelo câmbio
759
da época, isto é, muito menos do que os US$ 100 milhões anteriormente oferecidos por
ele.
Sobre a TGV ou NV Participações, a imprensa pode estar levando a opinião pública a
interpretações equivocadas, pois o mesmo, constantemente veiculado nos meios de
comunicação como sendo um “grupo de trabalhadores da VARIG”, teria, na verdade, uma
dimensão bastante distinta e muito mais reduzida. Segundo Armando Levy, a origem deste
grupo remonta a 2001, quando ex-funcionários da Varig, a maioria pilotos demitidos da
empresa, articularam,
755
Renan Antunes de Oliveira. “Rombo do Aerus vai acabar com a União”, Jornal do Brasil, 26 de março de 2007, p. A6.
756
“Justiça aceita venda da Varig para trabalhadores por R$ 1 bi”, disponível no site do Forum Contato Radar, acessado em
17/03/2009, in http://forum.contatoradar.com.br,
757
“Varig: empresas desistem de apresentar propostas...”, op. cit.
758
Renan Antunes de Oliveira. “Rombo do Aerus “, op. cit., p. A6.
759
Ana Paula Grabois. “VarigLog arremata Varig em leilão por US$ 24 milhões”, in
http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/valor/2006/07/20/ult1913u53946.jhtm, acessado em 17/02/2009.
217
Pouco mais de oito meses depois, em março de 2007, a "Nova Varig” seria vendida
761
para a GOL, por R$ 660 milhões e Constantino de Oliveira Junior, diretor da Gol,
declararia ao Jornal do Brasil que, seis meses antes, o presidente Lula já havia lhe pedido
762
para comprar a VARIG, isto é, logo após a mesma ter sido arrematada pela VarigLog.
Levando-nos, numa viagem no tempo, a recordar quando Ruben Berta, em 1961, declarava
que o presidente Jânio Quadros havia lhe pedido para comprar a Real, também em estado
falimentar. Outro fato, bastante relevante nesse processo, e que merece destaque, foi a compra
da “Nova Varig” pela VarigLog, em julho de 2006, depois de ter sido aprovada, por
unanimidade, pelo Cade, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, no mesmo dia em
que era anunciada a compra da “Nova Varig” pela Gol. 763
No entanto, enquanto a “Nova Varig” e uma pequena parte de seu quadro funcional
eram absorvidos pela Gol, a empresa VarigLog, de propriedade do fundo Matlin Patterson e
da Volo Logistics, e seus funcionários testemunhavam, desde 2006, decisões administrativas
assustadoras e que evidenciavam as manobras anteriormente arquitetadas para a sua
aquisição. Após o afastamento dos sócios brasileiros, o presidente da VarigLog, João Luis
Bernes de Souza, ex diretor da VARIG e que teria dado o lance para a aquisição da mesma em
leilão, foi sumariamente demitido por Lap Wai Chan, sem ter nenhuma cláusula do seu
contrato respeitada. A malha da empresa começou a sofrer uma redução brutal, com a
suspensão de todos os vôos internacionais 764 e o fundo Matlin Patterson promovia
760
Armando Levy. “A imprensa e a crise da Varig”, disponível no site Observatório da Imprensa, acessado em 17/03/2009,
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=387IMQ002 e Gazeta Mercantil "Varig, a caminho de se tornar
a Enron do Brasil", 5de junho de 2006, coluna "Opinião"
761
“Gol atende Lula...”, op. cit., p. A2.
762
Idem.
763
“Compra aprovada com atraso”, op. cit., p. A3.
764
Cláudio Magnavita. “Dinheiro serviria para pagar dívidas e salários atrasados”, Jornal do Brasil, 10 de abril de 2008, p.
A20.
765
Cláudio Magnavita. “Juiz ordena bloqueio de ações da Gol”, Jornal do Brasil, 12 de abril de 2008, p. A19.
218
Volo Logistics, no JP Morgan Private Bank. Esses dólares, oriundos da venda da “Nova
Varig” deveriam, segundo Cláudio Magnavita e, de acordo com decisão judicial, serem
repatriados e aplicados na recuperação da companhia aérea. Iniciava-se, assim, uma forte
apreensão de que viesse a acontecer com a VarigLog o mesmo que acabara de acontecer com
outra empresa de aviação do grupo nos EUA, a ATA Airlines, que entrara em concordata,
após demissão de dois mil funcionários e cancelamento de cinqüenta vôos. 766
A correspondência de Lap Wan Chan autorizando a transferência do saldo total da
conta da VarigLog na Suíça foi encaminhada a justiça, e gerou uma sentença do juiz José
Paulo Magano, da 17ª Vara Cívil, onde o mesmo afirmava que
tendo em vista a gravidade dos fatos, suportados em documentos que afrontam a ordem
judicial, defiro o requerido fixando multa de um milhão de dólares por ato de
descumprimentos e determino que se oficie a Polícia Federal apreendendo o passaporte e
impedindo a viagem, devendo Lap Wai Chan apresentar-se a este juízo [...].
766
Cláudio Magnavita. “Chinês ignora justiça e viaja ao exterior ”, Jornal do Brasil, 11 de abril de 2008, p. A20.
767
Cláudio Magnavita. “VarigLog...”, op. cit., p. A20.
768
Cláudio Magnavita. “Juiz ordena bloqueio...”, op. cit., p. A19.
769
.Cláudio Magnavita. “Operação de US$ 17 milhões contraria juiz”, Jornal do Brasil, 10 de abril de 2008, p. A20.
219
comprovassem que o capital estrangeiro da Volo seria restrito a 20%, como manda a lei. Mas,
em 23 de junho, o ex-procurador-geral da ANAC, João Ilídio de Lima Filho, minimiza as
exigências e a venda é aprovada”. Todo esse processo veio à tona, segundo reportagem do
Jornal do Brasil, de junho de 2008, quando Denise Abreu afirmou que Valeska Teixeira
Martins, afilhada do presidente Lula e advogada da Volo do Brasil, utilizava-se “da
proximidade com o presidente para obter vantagens e acelerar procedimentos”. Denise Abreu
também acusava a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, de interferir em favor da
aprovação do negócio. Por outro lado, o escritório de advocacia de Roberto Teixeira acusou
Denise Abreu de ter interesses em quebrar a VARIG e favorecer as empresas competidoras.
Este citado confronto ocorreu tanto na aquisição da VarigLog, quanto na aquisição posterior
da VARIG pelo mesmo grupo. 770
Em meio a esse festival de contradições que envolveram o desfecho da VARIG, o
seguinte comentário de Armando Levy publicado na Gazeta Mercantil e já anteriormente
citado, pode ser esclarecedor:
O que nos resta hoje constatar é a grande ausência da bandeira brasileira, representada
por uma empresa nacional, na maioria dos mercados internacionais do transporte aéreo. As
conseqüências da crise da VARIG e de sua saída desses mercados geraram muitas perdas para
o país. O Rio de Janeiro, sede operacional da companhia, registrou grandes perdas com a
saída da VARIG do mercado. No caso do aeroporto internacional Tom Jobim, o AIRJ, onde a
VARIG mantinha sua base de operações, sendo responsável por 42% do movimento dos vôos
domésticos e internacionais, o número de passageiros em vôos internacionais semanais (um
total de 150), somente em 2006, caiu de 237,2 mil, em janeiro, para 159,6 mil em outubro. 772
Em junho do mesmo ano, portanto antes da venda da “Nova Varig” para a VarigLog,
segundo reportagem do jornal O Globo, 35 empresas teriam realizado 1.715 vôos mensais
770
Henrique Gomes Batista e Leila Suwwan. “Venda da Varig...”, op. cit..
771
Armando Levy. “A imprensa e a crise da Varig”, op. cit., s/p..
772
Geralda Doca e Henrique Gomes Batista. “Galeão pode voltar a receber vôos de conexão”, O Globo, 20 de maio de 2007,
p. 32.
220
para o exterior. Em março de 2007, apenas oito meses depois, 36 companhias realizaram
2.063 vôos mensais, uma alta de 20,3%. No entanto, até o ano de 2006 apenas de 40% a 50%
das passagens internacionais eram de companhias estrangeiras, em 2007, esse percentual já
estava por volta de 75%. 773
Ainda segundo o jornal O Globo, em 2006 o Brasil comprou US$ 1.228 bilhão de
passagens aéreas de empresas internacionais, o que representou 4,6% do total de importação
de serviços desse ano, em que a VARIG deixou de oferecer 1.2 milhão de assentos em vôos
internacionais. Hoje, citando como exemplo apenas o mercado dos EUA, a participação
brasileira diminuiu drasticamente. Segundo Solange Paiva Vieira as empresas norte-
americanas, em 2009, continuam operando com toda a capacidade autorizada, 126 vôos
774
semanais , enquanto a TAM, única empresa brasileira voando neste mercado, opera apenas
com 30 vôos semanais. Em resumo: o país perdeu representatividade, e a exemplo do que já
havia acontecido com o sistema de transporte marítimo, passou, também no transporte aéreo,
a gerar, com essa perda, receita para os cofres estrangeiros.
773
Geralda Doca e Henrique Gomes Batista. “Brasileiro viaja mais por estrangeiras”, O Globo, 20 de maio de 2007, p. 32.
774
Acordo Bilateral Brasil-EUA, disponível no site da ANAC, acessado em 06/03/2009.
221
5 CONCLUSÃO
775
Thales Guaracy, op. cit., p.114.
776
Paulo Nogueira Batista. O Consenso de Washington A visão neoliberal dos problemas, Programa Educativo Dívida
Externa- Pedex, Caderno Dívida Externa, no 6, setembro de 1994, op. cit., p. 14.
222
imagem comercial de empresa de bandeira e sua postura estratégica, bastante atrelada a das
políticas do Estado brasileiro, se confundiam com a imagem de uma empresa estatal e seu
“monopólio” das rotas internacionais era, na verdade, um empecilho à entrada de mais
empresas norte-americanas, que para cá desejavam voar e que, em função, dos direitos de
reciprocidade, só poderiam ter acesso ao mercado brasileiro quando outras empresas
brasileiras fossem autorizadas a voar nessas rotas.
Ao analisar a história da VARIG, em paralelo à história da política externa brasileira
com os EUA, tal a influência deste país no desenvolvimento da aviação civil no Brasil foi
possível observar em que diferentes graus a política externa norte-americana conseguiu
influenciar cada um dos períodos, em função da maior ou menor autonomia dos diversos
governos brasileiros a esta política específica. Pôde-se assim, constatar, que, durante o
primeiro governo Vargas, até o início da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial,
como um reflexo da política varguista, denominada por Gerson Moura de “Eqüidistância
Pragmática”, a influência norte-americana foi, durante todo o período, dividida com a
influência alemã. A partir desse momento, passando por Dutra e chegando a década de 1950,
o liberalismo econômico, nos moldes norte-americanos, manteve-se bastante presente na
aviação brasileira, mesmo durante o segundo governo Vargas e o governo JK, quando a
política externa brasileira em relação aos EUA, diferentemente do governo Dutra, esteve mais
próxima da autonomia. Por outro lado, durante os governos militares, de um forte
americanismo, a política governamental para a aviação foi bastante protecionista, nacionalista
e concentradora, mantendo-se assim até a década de 1980, quando os preceitos neoliberais
começaram, lentamente, a penetrar no transporte aéreo nacional, associados às diversas
medidas governamentais, que naquela década de crise tentavam conter a inflação e
administrar a dívida externa, como foi o congelamento de tarifas. O início da década de 1990,
para a aviação brasileira, veio reeditar o período iniciado com Dutra, em que a política
americanista do governo se refletiria nas políticas aeronáuticas.
Em paralelo a essas análises conjunturais, o presente estudo buscou também ressaltar a
construção dentro da VARIG de uma cultura muito própria, que associava provincianismo,
tradicionalismo e grandiosidade a uma especial habilidade de seus dirigentes, de aliarem-se ao
Estado brasileiro, porque brasileiro, buscando atingir uma meta, que durante o período
nacional desenvolvimentista da economia do país, encontrou eco nos seus diversos governos,
que era levar a VARIG e o BRASIL a atingirem a grandeza que o “destino manifesto” de
ambos ditava. Não resta dúvida que as idéias neoliberais, colocadas em prática no Brasil a
partir de Fernando Collor de Mello, na década de 1990, geraram mudanças radicais no
223
mercado da aviação, que levaram a VARIG a passar também por mudanças de grande
envergadura. Contudo, o grande destaque deste momento, a despeito de todas as dificuldades
operacionais impostas, foi a distância, que a partir de Collor, e ainda mais acentuadamente, a
partir de Fernando Henrique Cardoso, a VARIG teve que manter do Poder Executivo, a qual
ela sempre teve aceso, primeiramente a nível regional e, posteriormente, a nível nacional.
Como parceira das políticas governamentais a VARIG confiou, investiu e cresceu. Desde sua
participação na Revolução de 1930, chegando aos grandes investimentos em infraestrutura no
complexo AIRJ, que não se concretizou como principal aeroporto do país. Contudo, não
sobreviveu às muitas crises (mundiais, regionais e nacionais) e às muitas políticas
governamentais, que insistiram em tratar a sua sobrevivência como um problema meramente
de incapacidade administrativa, não assumindo, em nenhum momento, a co-responsabilidade
no processo, muito menos a devida importância que a empresa merecia receber.
Hoje, nas palavras de Michel Beaud, estamos vivendo numa sociedade que muitos
especialistas chamam de “pós-industrial”. Um capitalismo de serviços, de mercadorias
imateriais, dentro da
Dentro desse contexto, analisar as questões da VARIG e condená-la apenas por suas
estratégias, irresponsabilidades gerencias e/ou administrativas, seria incorrer em grande
equívoco. O Estado brasileiro, como se viu, é um ator central nesse processo, primeiro como
incentivador do desenvolvimento e da nacionalização desse serviço, inicialmente dominado
pelas origens norte-americanas da Panair do Brasil e alemães do Sindicado Condor e da
VARIG, ambas “absorvidas”, de formas diferentes pela VARIG, depois como incentivador da
“desnacionalização” do transporte aéreo internacional brasileiro, através do seu alinhamento
às doutrinas neoliberais dos “capitalismos nacionais dominantes”.
A co-responsabilidade do Estado na formação e no crescimento da VARIG, com
Vargas, é indiscutível. Essa mesma co-responsabilidade do Estado no gigantismo da empresa
fica clara quando revê-se os processos de compra da Real e da Cruzeiro do Sul, e o processo
de absorção das linhas da Panair. Embora não tão claramente se identifique a forma e os
mecanismos por trás desses processos, percebe-se a atuação determinante do Estado em
momentos diferentes da história do país, com líderes governamentais distintos e, até mesmo
777
Michel Beaud. História do Capitalismo de 1500 aos nossos dias. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 396.
224
antagônicos, como Jânio Quadros, no caso da Real Aerovias, e os governos militares, no caso
da Panair e da Cruzeiro do Sul. Essa atuação decisiva se manteve presente no início da crise,
ainda com Sarney, e na intensificação do processo de queda, com Collor e Fernando Henrique
Cardoso, até chegar ao derradeiro fim, representado pela participação do governo Lula.
Esse percurso nos remete ao conceito de governança, desenvolvido para explicar a
capacidade dos governos de formular e implementar as políticas públicas adequadas à
778
realidade do seu país, o que requer presteza e eficiência tanto na formulação quanto na
capacidade de obter adesão que garanta o sucesso da sua política. No caso da aviação
comercial brasileira, os momentos de maior regulação e ingerência governamental foram
aqueles da ditadura Vargas e da ditadura militar, quando o nacionalismo esteve bastante
presente. No período posterior à Segunda Guerra Mundial, desde o governo Dutra até o início
da década de 1960, o que se viu foi uma liberalização da atividade, num mercado bastante
desregulamentado. Durante a década de 1980, e de forma gradual, a desregulamentação
começou a se implantar novamente, acompanhando o processo de abertura política do país. Já
na década de 1990, ela se completou, demonstrando, assim, longos períodos intercalados de
regulamentação e desregulamentação. Quanto à governança, como poderíamos classificar a
capacidade do Estado brasileiro de formular e implementar as políticas públicas adequadas
para que a aviação comercial atendesse a realidade do país? As sérias crises vividas por esse
mercado ao final dos dois períodos de liberalização dos serviços, já indicam que essa política,
pelo menos na forma como foi implementada, e não sabemos se existe outra forma de
“liberalização”, não é adequada para a realidade do Brasil.
A VARIG, como a companhia aérea mais antiga deste país, foi testemunha e
participante de todo este processo, através de uma clara postura de empresa aliada ao Estado,
uma característica que tanto facilitou seu crescimento, quanto agilizou o seu fim. Sua
estrutura de poder pesada e arraigada às realidades pretéritas dificultou a adaptação necessária
às mudanças impostas pelo próprio Estado, num momento histórico incompatível com o que
os antigos dirigentes da VARIG se habituaram a viver. Até Érik de Carvalho a proximidade
com o Estado brasileiro trouxe muitas vantagens, de Hélio Smidt em diante essa postura
passou a ser muito mais uma insistência da empresa do que uma possibilidade. O Estado
começava a demonstrar outros interesses que custaram a ser percebidos por sua
administração. Sua saída do mercado serviu a muitos desses interesses, menos o da nação
778
C. Conaghan e J. Malloy. Unsettling statecraft, democracy and neoliberalism in Central Andes. Pittsburg, University of
Pittsburgh Press, 1994, apud Eli Diniz. Globalização, Reformas Econômicas e Elites Empresariais, Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2000, p.29.
225
brasileira. Eu diria até, que sua cultura, construída e solidificada em bases nacionais-
desenvolvimentistas, era mesmo incompatível com o mundo neoliberal globalizado, não
porque neoliberal ou globalizado, mas porque não mais nacionalista. Onde aquele fácil e,
segundo Eli Diniz, “informal” acesso à cúpula dirigente do país tinha-se acabado. Algo de um
passado nacional, considerado ultrapassado.
Um “gigantismo empresarial” que espelhava um “gigantismo brasileiro” e que insistia,
na década de 1980, em continuar crescendo, mesmo quando o Brasil já tinha freado seu
crescimento e no mundo da aviação todos os indicadores neoliberais apontavam o caminho
contrário. Exatamente nessa década considerada “perdida” a empresa se tornou ainda mais
robusta, um verdadeiro império que almejava dominar todas as etapas do negócio. Um
crescimento que exigiu grandes investimentos e endividamentos, num momento de graves
crises mundiais (o segundo choque do petróleo), regionais (da dívida externa) e nacionais (do
nacional-desenvolvimentismo). Será que os sinais nacionais e internacionais já não indicavam
uma rota de colisão? Como um gigante sobrevive em meio à escassez?
E aí pode-se refletir a respeito do quanto a economia e, por conseguinte, a vida das
empresas de um país de Terceiro Mundo é influenciada pelos processos globais da economia
mundial. Com certeza seria imprudente pensar a crise da VARIG sem considerar sua história
e a sua associação com as diversas políticas governamentais, durante os mais de oitenta anos
de existência da empresa. Seria também impossível analisar sua trajetória sem levar em conta
que esta é uma empresa que foi fundada em um país do Terceiro Mundo, cuja história, desde
os primórdios coloniais até os dias de hoje, continua sendo escrita com caneta importada e
com grande percentual do script desenvolvido no exterior, para um elenco de atores, que
embora nacionais, em determinados períodos dessa história assumem uma autonomia
consideravelmente comprometida com os interesses internacionais.
Deve-se também lembrar que uma empresa de oitenta anos testemunhou muitos
momentos de seu país e que se sobreviveu foi certamente devido a sua capacidade de se
adequar a esses momentos e as vicissitudes de cada um deles. A VARIG cresceu muito em
consonância ao crescimento brasileiro. E continuou investindo nesse crescimento, por apostar
num futuro que não chegou. Sua auto-imagem de grande e forte empresa nacional não lhe
permitiu enxergar com a devida clareza a também grande mudança que o final do século
testemunhava e avaliar, no momento certo, isto é, durante ainda a década de 1980, os riscos
que seu negócio corria, caso as novas características do mercado norte-americano de aviação
se tornassem uma realidade mundial, o que a história já indicava com forte probabilidade.
226
A década de 1990 veio confirmar para a VARIG o que a década anterior já indicava.
Muitas mudanças internas foram tentadas, muitas reestruturações foram efetivadas, mas a
velocidade dos acontecimentos externos eram sempre maiores que a sua capacidade de se
adaptar a eles e às novas políticas governamentais, principalmente.
Presentemente, após a adoção dos preceitos neoliberais na aviação, constata-se que a
imposição dos interesses das empresas mega-transportadoras se impuseram, refletindo o
poder desproporcional dos países onde estão localizadas. Atualmente, no Brasil, não há
qualquer empresa nacional que possa concorrer com as estrangeiras que voam para o país,
como ocorria com a VARIG até a década passada. Aliás, os principais serviços ligados a
aviação estão também nas mãos de estrangeiros. O serviço de bordo, um dos orgulhos da
VARIG através do seu Catering, está hoje nas mãos da Sky Chief, subsidiária da LSG Sky
Chief, pertencente ao grupo Lufthansa e da Gate Gourmet, subsidiária do grupo Sair, que
779
controla a Swissair. Os serviços de apoio às operações dos aeroportos, como limpeza dos
aviões, manuseio de cargas e bagagens etc, os chamados ground handling, antes executados
em sua maioria (90%) pela SATA, empresa do grupo VARIG, em recuperação judicial desde
03 de fevereiro de 2009, está hoje, também, nas mãos de estrangeiros. Como a TAM tem seu
próprio serviço de handling, a Suissport, subsidiária do grupo espanhol ferrovial, tem hoje
64% de participação nesse mercado.780 A VEM, o maior complexo de manutenção de
aeronaves da América Latina, antes da VARIG, hoje pertence à TAP. A oficina de motores,
desde o início da década foi transferida à GE. A maior empresa de carga do grupo, a
VarigLog, em recuperação judicial desde março de 2009, está sob controle estrangeiro, que só
a estão operando devido liminar da justiça, uma vez que a legislação brasileira não autoriza
empresas de aviação nacionais sob propriedade de estrangeiros. O Centro de Treinamento,
que sempre foi uma referência em termos de tecnologia de ponta, sendo a VARIG a única
empresa da América do Sul a possuir simuladores de vôo, 781 ainda restou, porém disfuncional
e totalmente desatualizado.
Aparentemente, o Brasil parece acomodado numa situação de país que aceitou a
posição subalterna de possuir apenas empresas de “segunda classe”, responsáveis, nas
palavras de Expedito Silveira, pela “alimentação do sistema”, pelo menos os números assim
nos demonstram. Segundo Solange Paiva Vieira, diretora-presidente da ANAC, em entrevista
datada de 08 de janeiro de 2009 (informação verbal):
779
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 105.
780
Idem, p. 102.
781
Relatório Anual de Administração da VARIG 2001, p. 10.
227
No entanto, em 1999, cerca de 60% das receitas de vôo da VARIG eram ainda
auferidas nas linhas internacionais, quando o número de cidades por ela servida no exterior já
783
tinha sido reduzido, após várias reestruturações, para apenas 26. Dez anos antes, em 1989,
784 785
quando ainda voava para 43 cidades no exterior, esse percentual era de 73,6%, . Esses
números representam, na prática, a ausência das empresas brasileiras no mercado de vôos
internacionais, que parece não preocupar as autoridades aeronáuticas do país. Isto significa,
por exemplo, dobrar a distância entre o Brasil e o continente asiático. Para que o mercado
brasileiro alcance este importante pólo de crescimento da economia mundial, sem a
participação das empresas brasileiras, é obrigado a fazê-lo por uma empresa asiática ou via
conexão em alguns dos principais aeroportos ou centros de operações de vôos das empresas
européias ou norte-americanas que para cá voam, os chamados hubs.
A segunda metade do século XX testemunhou a destruição de todo o sistema de
transporte de superfície no Brasil, ferroviário, marítimo e rodoviário. Nas últimas décadas
desse século acreditava-se que o transporte aéreo era o único ainda organizado. Contudo,
antes mesmo da virada do milênio, acabamos presenciando no sistema de transporte aéreo
brasileiro exatamente o que já havia ocorrido nos demais, e nos questionando, como poderá o
país continuar crescendo e participando desse mercado globalizado, sem uma política pública
clara e responsável a respeito de sua infra-estrutura de transportes? A visível e crescente
dependência estrangeira do transporte aéreo internacional no Brasil hoje está inserida numa
problemática muito mais ampla, que se traduz na falta de vontade política do Estado para
administrar, com competência e firmeza, as diretrizes que irão viabilizar o real crescimento do
país ou, no caminho contrário, sua crescente dependência.
782
Programa Espaço Aberto, entrevista com Solange Paiva Vieira, diretora-presidente da ANAC, na TV Globo News.
Entrevista concedida à Míriam Leitão, em 08 de março de 2009. “Uma Análise do Setor Aéreo Brasileiro”.
783
Relatório Anual de Administração da VARIG 1999, s/p.
784
Relatório Anual de Administração da VARIG 1989, p. 9.
785
Maranhão, Carlos. “Playboy entrevista Hélio Smidt”, op. cit., p. 55.
228
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Anac - www.anac.gov.br
Câmara dos deputados - www.camara.gov.br
FOLHAonline - www.folha.uol.com.br
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Fundação Ruben Berta – www.rubenberta.org.br
Globo.com – www.video.globo.com
ISTOÉ Dinheiro - www.terra.com.br/istoedinheiro
JBonline – www.twitter.com/jbonline
Jetsite - www.jetsite.com.br
Observatório da Imprensa - www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br
Portugal Digital - www.portugaldigital.com.br
Presidência da República - www.planalto.gov.br
Revista Brasileira de Direito Aeroespacial - www.sbda.org.br
Revistas Eletrônicas FEE - www.revistas.fee.tche.br
240
ENTREVISTA
APÊNDICE - Cronologia
• 1927 - (15 junho). Findo o contrato de fretamento feito por Meyer com o Condor
Syndikat de Berlim, o avião Atlântico, bem como seu piloto e mecânico de bordo
foram transferidos para a VARIG;
• 1927 - (22 de junho). Ocorreu o primeiro vôo regular da VARIG, exatamente na
“Linha da Lagoa”;
• 1927 - (01 de julho). A empresa Condor Syndikat, de Berlim, entrou em liquidação na
Alemanha e suas atividades foram assumidas, no Brasil, pela Lufthansa;
• 1927 - (novembro). Aquisição pela VARIG do segundo avião, apelidado de “Gaúcho”;
• 1927 - (1º de dezembro). Constituição da empresa brasileira Syndicato Condor Ltda,
com sede no Rio de Janeiro, e quatro sócios, dois alemães, Max Sauer e Fritz
Hammer, este último idealizador e um dos sócios fundadores do Condor Syndikat
(Berlim) e dois brasileiros, o Conde Ernesto Pereira Carneiro, dono do Jornal do
Brasil e uma empresa de representações do Rio de Janeiro, chamada Herm Stoltz &
Cia;
• 1928 - (20 de janeiro). Assinatura do decreto de concessão para a empresa Syndicato
Condor, do Rio de Janeiro, iniciar suas operações;
• 1928 - (janeiro). As operações da Condor Syndikat, de Berlim, passaram para a
Syndicato Condor Ltda, do Rio;
• 1929 - (30 de dezembro). O hidroavião “Atlântico”, da VARIG, levou Getúlio Vargas,
juntamente com Meyer, em viagem secreta, para o Rio de Janeiro, onde Vargas
apresentaria sua plataforma como candidato de oposição a Júlio Prestes;
• 1930 - (24 de janeiro). A empresa NYRBA do Brasil, criada para obedecer à
legislação brasileira, recebeu concessão para operar em território nacional;
• 1930 - (24 de abril). A VARIG firmou contrato com o governo do Rio Grande do Sul
que assumiu, assim, participação societária na empresa;
• 1930 - (06 de junho). O governo do Rio Grande do Sul comprou da empresa Condor
Syndikat sua participação de 21% na VARIG e os hidroaviões foram devolvidos;
• 1930 - (17 de outubro). A empresa Nyrba do Brasil passou a se chamar Panair do
Brasil, uma subsidiária da Pan Am, com 100% do capital norte-americano;
• 1930 - (outubro). Revolução de 1930;
• 1931 - (22 de abril). Criação do Departamento de Aeronáutica Civil (DAC), órgão
subordinado ao Ministério de Viação e Obras Públicas;
243
• 1931 - (23 de outubro). Data em que o governo gaúcho, através do Decreto No 4.880,
mediante a aquisição de 1.050 ações, passou a ser oficialmente o acionista majoritário
da VARIG, em substituição ao Condor Syndikat;
• 1932 - Durante a Revolução Constitucionalista em São Paulo, contra o governo de
Getúlio Vargas, a VARIG, mais uma vez, marcaria seu apoio ao presidente, ao
suspender todo o seu tráfego aéreo, para poder ajudar na repressão ao movimento,
cedendo seus aviões e tripulantes aos governos estaduais e federais;
• 1933 - Fundação da Air France;
• 1933 - (04 de novembro). Fundação, por empresários paulistas, da Viação Aérea São
Paulo, Vasp;
• 1935 - A Vasp foi socorrida pelos governos do Estado e do Município de São Paulo,
passando o Estado à condição de acionista majoritário e seu administrador;
• 1938 - Publicação do primeiro Código Brasileiro do Ar;
• 1941 - Criação do Ministério da Aeronáutica, passando o DAC a representar o braço
civil deste ministério;
• 1941 - A Panair começou a se voltar para as rotas internacionais, enquanto a VARIG,
a Real, a VASP, a Lóide e a Cruzeiro (na época, Serviços Aéreos Condor) mantinham-
se focadas no espaço doméstico brasileiro;
• 1944 - Os EUA assumiram a liderança mundial e convocaram, para Chicago, um
importante fórum para a aviação civil, a Convenção de Chicago, que revogou as
deliberações anteriores e deu início a regulamentação;
• 1944 - (julho). Conferência de Bretton Woods, nas montanhas de New Hampshire, nos
EUA. “Regulamentação” para o funcionamento do sistema capitalista internacional;
• 1945 - Fundação da IATA, fórum responsável pelas questões comerciais da aviação,
em Havana;
• 1945 - (29 de outubro). Vargas renunciou e foram convocadas eleições presidenciais,
vencidas por Eurico Gaspar Dutra;
• 1945 - (07 de dezembro). Criação da Fundação de Funcionários da VARIG, através da
transferência do capital acionário do governo gaúcho e dos acionistas pioneiros para
esta fundação de funcionários;
• 1945 - Fim da II Guerra Mundial. Boom na aviação. Entre 1945 e 1954, foram
concedidas pelas autoridades aeronáuticas nada menos que 62 autorizações de
244
• 1976 - O Decreto no 1.470 estabeleceu que todo cidadão brasileiro viajando para o
exterior, com exceção de Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, deveria depositar doze
mil cruzeiros no Banco do Brasil;
• 1977 - Inauguração do aeroporto internacional do Rio de Janeiro, definido pela
Comissão Coordenadora do Projeto Aeroporto Internacional (CCPAI), para ser o
principal aeroporto internacional do país;
• 1977 - “Embarcando” nessa decisão de fazer do Galeão o principal aeroporto do país,
a VARIG daria início ao projeto de construção de um complexo industrial, situado ao
lado deste aeroporto, cuja inauguração da primeira etapa ocorreu também em 1977;
• 1977 - EUA e Grã-Bretanha, através do chamado acordo de "Bermudas II", acordaram
abrir reciprocamente seus mercados, com um maior número de companhias, novas
tarifas etc;
• 1978 - (24 de outubro). Desregulamentação: a retirada do Estado do poder de regular.
Assinatura nos EUA do “Airline Deregulation Act”, que dava início ao processo de
desregulamentação no maior mercado doméstico do mundo, o norte-americano,
gerando um movimento expansionista, cuja intenção era levar para o mercado
internacional a mesma desregulamentação vivida pelo mercado norte-americano e
canadense;
• 1979 - Início do governo Margareth Thatcher na Grã-Bretanha. Grande virada que
começava a acontecer nos países desenvolvidos rumo ao neoliberalismo;
• 1979 - Iniciou-se o governo Figueiredo (1979-1985), quando ocorreu o segundo
choque do petróleo. Nessa época o Brasil era, dentre os países em desenvolvimento, o
maior importador desse insumo. A partir deste ano, já sob orientação do FMI, diversas
medidas internas fiscais e monetaristas foram adotadas. Abandonava-se assim a
estratégia desenvolvimentista;
• 1979 - Decisão da administração do Federal Reserve dos EUA de aumentar fortemente
as taxas de juros, como forma de garantir um aporte de recursos externos para
compensar os seus desequilíbrios comerciais e os sucessivos déficits públicos
enfrentados por esse país;
• 1980 - (abril). Eleição do gaúcho Hélio Smidt, sobrinho de D. Vilma, viúva de Ruben
Berta, para a presidência da VARIG, marcando, assim, uma espécie de “volta as
origens” da empresa;
250
• 1986 - Criação dos chamados “Vôos Direto ao Centro”. Vôos ligando os aeroportos
centrais das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba;
• 1986 - (22 de setembro a 01 de outubro). IV CONAC;
• 1986 - (19 dezembro). Substituição do Código Brasileiro do Ar pelo Código Brasileiro
de Aeronáutica, Lei nº 7.565. Abertura do mercado internacional, agora de vôos
regulares, às demais empresas aéreas brasileiras;
• 1987 - Lançamento do Plano Bresser no Brasil;
• 1987 - Moratória brasileira, que durou apenas alguns meses, pois, nesse mesmo ano, o
Brasil voltou a efetuar o pagamento da dívida;
• 1987 - Desvalorização da moeda e introdução de um empréstimo compulsório na
compra de passagens aéreas internacionais, na compra de combustíveis e de
automóveis;
• 1988 - Os decretos-leis foram transformados em medidas provisórias pela Constituição
de 1988;
• 1988 - Durante a constituinte cresceu o movimento para a retirada do controle da
aviação civil do âmbito militar. O país acabava de sair de uma ditadura militar de mais
de vinte anos e a sociedade reivindicava o afastamento dos militares da vida civil e,
por extensão, o Estado, sob o controle militar ou não, da vida econômica;
• 1989 - Lançamento do Plano Verão no Brasil;
• 1989 - Dois novos terminais de carga da VARIG foram instalados no AIRJ e em
Guarulhos;
• 1989 - Terminou, legalmente, a política de “Realidade Tarifária”, com o início da
política de “Flexibilização Tarifária”;
• 1989 - Abertura da rota Santos Dumond-Congonhas à TAM e a Rio-Sul, até então
uma exclusividade da Ponte Aérea;
• 1989 - (março). Os EUA, liderando os países do G-7, reconheciam a total
impossibilidade de alguns países honrarem o pagamento da dívida, e lançavam o
Plano Brady;
• 1989 - (21 de março). Celebrado um novo acordo bilateral entre o Brasil e os Estados
Unidos, substituindo o anterior de 1946. Este novo acordo foi promulgado em 11 de
dezembro de 1991, já no governo Collor. Na prática, ele passava a permitir que quatro
empresas executassem serviços de carga e passageiro, estipulando duas empresas para
252
a costa leste, e duas para a costa oeste norte-americana, até então exploradas apenas
pela VARIG e pela Pan Am;
• 1989 - (de 30 a 31 de março). Ocorreu, no Rio de Janeiro, um importante seminário
internacional sobre o futuro do transporte aéreo na América Latina;
• 1989 - (novembro). Nascia o Consenso de Washington, em meio a uma onda de
liberalização política e econômica na Europa Oriental e ao fim da Guerra Fria;
• 1989 - Surge o Construtivismo, afirmando que o mundo é socialmente construído.
Todos os construtivistas admitem a intersubjetividade da linguagem e põe a análise do
discurso, e mais especificamente das regras e normas que organizam e regem o
discurso, como central na análise dos eventos sociais em geral;
• 1989 - Lançamento na VARIG do programa MUDE, buscando, através da
participação dos funcionários, sugestões de mudanças para a companhia, que a
ajudassem a enfrentar a crise iniciada com as primeiras mudanças da política
governamental na década de 1980. Um programa que buscava mudanças nos
processos, objetivando economia e resultados;
• 1990 - (janeiro). Fernando Collor de Mello, antes mesmo de sua posse, foi a
Washington, para se encontrar com o presidente Bush, com o secretário do Tesouro,
Nicholas Brady e com os dirigentes do FMI e do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), Michel Camdessus e Enrique Iglesias, respectivamente;
• 1990 -. Início do governo de Fernando Collor de Mello (15 de março de 1990 a 2 de
outubro de 1992);
• 1990 - (abril). Falecimento de Hélio Smidt;
• 1990 - Rubel Thomas assumiu a presidência da VARIG (1990-1995);
• 1990 - (02 de julho ). Início das operações no Brasil da American Airlines, a maior
companhia aérea dos cinco continentes naquele momento;
• 1990 - (30 de julho). O presidente Collor, durante seu discurso de abertura da
Convenção Geral de Tráfego e Vendas da VARIG, em Brasília, declarava que
estávamos vivendo um momento de aceleração do tempo histórico;
• 1990 - (02 de agosto). Guerra do Golfo gerando uma grave crise que causaria à
aviação comercial mundial (serviços regulares) prejuízos da ordem de US$ 20.4
bilhões, incorridos nos exercícios de 1990 a 1994;
• 1990 - (04 de setembro). Privatização da Vasp em leilão. O vencedor, e único
participante, foi o consórcio VOE-Vasp, composto pelas empresas Canhedo de
253
• 1992 - Investigação da Polícia Federal, quando também foi criada uma CPI na Câmara
de Deputados sobre o envolvimento de Canhedo com Paulo César Farias e Zélia
Cardoso de Mello, na compra da Vasp;
• 1992 - (1º de fevereiro). Início das operações no Brasil da United Airlines, naquele
momento a mais internacionalizada companhia aérea dos Estados Unidos, voando para
o maior número de destinos fora do território norte-americano;
• 1992 - (abril). Para “tranqüilizar a família Varig” e diminuir o volume de boatos que
começaram a circular pela empresa, inclusive a respeito da saída do presidente, Rubel
Thomas realizou três palestras, juntamente com todo quadro de diretores, nas bases de
São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre;
• 1992 - (maio). Associação da VARIG ao Sistema Amadeus;
• 1993 - Lançamento do Consórcio de Viagens VARIG;
• 1993 - Lançamento de mais um programa, intitulado “Visão, Valores e Missão”, desta
vez indo mais fundo e difundindo a necessidade de que a sua cultura fosse reavaliada,
permitindo mudanças que modernizassem sua mentalidade empresarial e a empresa
publicou: “É Hora de Mudar, o Presidente está à frente do processo de mudança”;
• 1993 - (julho). Lançamento na VARIG de um plano oficial, de âmbito corporativo
chamado “Plano Diretor da Qualidade”, buscando amplas e profundas mudanças, a
começar pelo topo da empresa;
• 1994 - (janeiro). Lançamento do “Smiles”, o programa de milhagem da VARIG;
• 1994 - (15 de abril). No governo Itamar Franco o país conseguiu, finalmente, a
renegociação da dívida, sem a participação do FMI;
• 1994 - (julho). Implantação do Plano Real no Brasil;
• 1994 - As tarifas aéreas básicas, definidas pelo DAC, deixaram de ser atualizadas com
base na variação da planilha de custos e passaram a ser reajustadas anualmente a partir
de índices gerais de preços;
• 1994 - Decisão de abertura do Conselho de Administração da VARIG à participação
de experientes líderes empresariais não vinculados aos quadros da Companhia;
• 1994 - A empresa desenvolveu um enérgico processo de reestruturação operacional,
administrativa e financeira, com redução de 3.586 postos de trabalho, redução do
número de diretores e de níveis hierárquicos, fechamento de trinta e nove escritórios,
localizados em cidades não servidas pela empresa, os chamados “off-line”, retirada de
255
• 1997 - A VARIG lançou o programa “Voa Brasil”, oferecendo vôos diários durante a
madrugada, com uma média de 50% de desconto em todos os assentos, levando as
tarifas aéreas a equipararem-se às tarifas dos ônibus-leito;
• 1997 - (setembro). Iniciou-se outro projeto intitulado “Modelo de Gestão”,
objetivando definir as competências comportamentais dos gerentes da empresa;
• 1997 - (outubro). A VARIG ingressou na Star Alliance, a maior aliança de
companhias aéreas do mundo. Uma aliança de alcance verdadeiramente global, com o
objetivo de maximizar recursos, através da integração das malhas de vôos, dos
sistemas de reservas e dos programas de milhagens das companhias associadas;
• 1997 - (18 de dezembro). Nova portaria do DAC permitindo o aumento para 65% da
margem de descontos nas passagens aéreas domésticas, que até aquela data não
poderia ultrapassar 50%;
• 1997 - (dezembro). As operadoras de vôos charter ficaram desobrigadas de vender
passagens vinculadas a pacotes turísticos;
• 1998 - O Brasil passou a ser o único país no mundo, além da Inglaterra, a receber as
quatro maiores companhias aéreas americanas, Delta, Continental, American Airlines
e United Airlines;
• 1998 - (janeiro). Os descontos em relação aos valores das tarifas regulares dos vôos
charter, que até então, estavam limitados a 65%, foram também liberados;
• 1998 - (fevereiro). Liberados, também, para qualquer companhia aérea, os vôos entre
os aeroportos centrais do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília;
• 1998 - (março). Uma iniciativa da TAM na Ponte Aérea foi aumentar o número de
freqüências de seis para vinte e três vôos semanais, reduzindo a tarifa de R$ 158,34
para R$ 119,00;
• 1998 - (entre março e junho). O número de freqüências na rota Rio-São Paulo passou
de 36 para 74, um aumento de 105%;
• 1999 - (janeiro). Abrupta mudança na política cambial do país, causando um enorme
impacto no endividamento e no custo operacional das empresas de transporte aéreo
(combustível, aluguel de aeronaves, etc), cujos recursos e insumos são cotados em
dólares;
• 1999 - Uma completa reestruturação operacional e financeira na VARIG. Os nove
membros do Conselho de Administração da Empresa foram substituídos, a oferta foi
257
concluiu negociações com a Volo Brasil para que esta adquirisse as ações da Varig
Logística S.A., anteriormente alienadas a Aero LB Participações S.A. (TAP);
• 2006 - (16 de junho). Denise Abreu suspendeu o processo de compra da VarigLog
pela Volo do Brasil, alegando que faltavam documentos que comprovassem que o
capital estrangeiro da Volo seria restrito a 20%, como manda a lei;
• 2006 - (23 de junho). O ex-procurador-geral da ANAC, João Ilídio de Lima Filho,
minimiza as exigências e a venda da VarigLog é aprovada;
• 2006 - (julho). A sociedade “Trabalhadores do Grupo Varig” (TGV) ofereceu, num
leilão, seus créditos trabalhistas como forma de pagamento para compra da “Unidade
Produtiva VARIG”. Como os esclarecimentos apresentados pela TGV para a
comprovação da origem dos recursos não foram considerados suficientes, nem o
depósito exigido foi efetuado, a vitória no leilão não foi aceita pela Justiça;
• 2006 - (julho). O governo determinou a intervenção e liquidação do Aerus;
• 2006 - (20 de julho). Ocorreu a alienação da “Unidade Produtiva VARIG” para a
VarigLog;
• 2006 - No caso do aeroporto internacional Tom Jobim, o AIRJ, onde a VARIG
mantinha sua base de operações, sendo responsável por 42% do movimento dos vôos
domésticos e internacionais, o número de passageiros em vôos internacionais
semanais (um total de 150), somente em 2006, caiu de 237,2 mil, em janeiro, para
159,6 mil em outubro;
• 2007 - (março). Pouco mais de oito meses depois, a "Nova Varig” seria vendida para a
GOL, por R$ 660 milhões;
• 2007 - No mesmo dia em que era anunciada a compra da “Nova Varig”, pela Gol, foi
aprovada, por unanimidade, pelo Cade, Conselho Administrativo de Defesa
Econômica, a compra da “Nova Varig” pela VarigLog, ocorrida em julho de 2006;
• 2007 - Até o ano de 2006 apenas de 40% a 50% das passagens internacionais eram de
companhias estrangeiras, em 2007, esse percentual já estava por volta de 75%;
• 2008 - Um desentendimento entre os investidores da empresa Volo do Brasil revelou a
existência de um “contrato de gaveta” firmado entre as partes, que permitia ao fundo
Matlin Patterson assumir o controle da companhia, contrariando o Código Brasileiro
de Aeronáutica;
• 2008 - Após o afastamento dos sócios brasileiros, o presidente da VarigLog, João Luis
Bernes de Souza, ex diretor da VARIG e que teria dado o lance para a aquisição da
260
mesma em leilão, foi sumariamente demitido por Lap Wai Chan, sem ter nenhuma
cláusula do seu contrato respeitada;
• 2008 - (abril). Wai Chan assinou uma correspondência autorizando a transferência do
saldo total da conta da VarigLog na Suíça, US$ 86 milhões, para a conta da Volo
Logistics, no JP Morgan Private Bank. Esses dólares, oriundos da venda da “Nova
Varig” deveriam, segundo Cláudio Magnavita e, de acordo com decisão judicial,
serem repatriados e aplicados na recuperação da companhia aérea;
• 2008 - Documentos referentes a venda da VarigLog para a Volo do Brasil, em 2006,
começaram a vir a tona em investigações no Senado, revelando um verdadeiro
confronto entre a recém-criada ANAC, através da figura de sua diretora na época, a
Sra. Denise Abreu e Roberto Teixeira, compadre do Presidente da República, cujo
escritório de advocacia representava os interesses dos compradores;
• 2009 - No mercado dos EUA, a participação brasileira diminuiu drasticamente. As
empresas norte-americanas continuam operando com toda a capacidade autorizada,
126 vôos semanais, enquanto a TAM, única empresa brasileira voando neste mercado,
opera apenas com 30 vôos semanais;
• 2009 - (03 de fevereiro). A SATA, empresa do grupo VARIG, entrou em recuperação
judicial;
• 2009 - (março). A VarigLog entrou em recuperação judicial.
261
Anexo C - Bilhete assinado por Ruben Berta, para um vôo do Condor Syndikat, no dia 20
de maio de 1927.
263
Anexo I - Foto em close de Ruben Berta na capa da Revista do Globo, de julho de 1961.
269