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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Sandra Regina de Oliveira

Rota de colisão: a cultura da Varig Grande e a


aviação civil brasileira em meio à globalização

Rio de Janeiro
2009
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2

Sandra Regina de Oliveira

Rota de colisão: a cultura da Varig Grande e a


aviação civil brasileira em meio à globalização

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para a obtenção do título de Mestre, ao Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Área de
Concentração: História Política

Orientador: Prof. Dr. Orlando de Barros

Rio de Janeiro
2009
3

CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ CCS/A

O48 Oliveira, Sandra Regina de.


Rota de colisão: a cultura da Varig Grande e a aviação civil
brasileira em meio a globalização / Sandra Regina de Oliveira. – 2009.
278 f.

Orientador: Orlando Barros.


Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Bibliografia.

1. VARIG (Companhia Aérea) – Teses. 2. Linhas aéreas – Brasil -


Teses. 3. Brasil – Relações econômicas exteriores – Teses. I. Barros,
Orlando. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDU 327(81)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação.

_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
4

Sandra Regina de Oliveira

Rota de colisão: a cultura da Varig Grande e a


aviação civil brasileira em meio à globalização

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para a obtenção do título de Mestre, ao Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Área de
Concentração: História Política

Aprovada em 22 de julho de 2009


Banca Examinadora:

__________________________________________
Prof. Dr. Orlando de Barros (Orientador)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ

_______________________________________
Profa. Dra. Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ

_________________________________________
Profa. Dra. Marilena Barboza
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ

___________________________________________
Prof. Dr. Cristiano Fonseca Monteiro
Escola de Ciências Humanas e Sociais da UFF
Pólo Universitário de Volta Redonda

Rio de Janeiro
2009
5

AGRADECIMENTOS

Confesso não ser uma tarefa fácil concluir um mestrado vinte anos após a conclusão
da graduação. Muitos são os obstáculos a serem superados, principalmente quando optamos
por um curso que não o da nossa área de formação. Hoje, vencidos quase todos os obstáculos
dessa minha importante decisão, posso constatar, com prazer, o quanto valeu a pena ter
insistido e transposto cada um dos muitos momentos difíceis que passei. Não há dúvida do
quanto cresci e melhorei, não só como profissional, mas acima de tudo, como ser humano,
que não mede esforços para seguir de cabeça erguida. Desta forma tenho muito a agradecer e
procurarei citar cada uma das figuras importantes que cruzaram o meu caminho durante essa
jornada. Gostaria, inclusive, de deixar claro que, embora não sejam listados, agradeço também
a todos que, de alguma forma, contribuíram ao levantar os obstáculos que tive que transpor,
me obrigando, assim, a superar minhas deficiências e por a prova minha capacidade de
determinação.
Nessa difícil e valiosa experiência os que mais se envolvem, pela proximidade física e
afetiva, são os membros da família. Desta forma, inicio agradecendo ao meu marido e meu
filho, por me ouvirem, incentivarem e suportarem minhas ausências, principalmente na reta
final. Ao meu pai, embora não diretamente envolvido neste processo, um agradecimento
especial por ter me incentivado, desde criança, o magnífico hábito da leitura.
No mundo acadêmico, tenho muito a agradecer ao meu professor e orientador Orlando
de Barros, pela nobreza do incentivo, do companheirismo, da paciência e, acima de tudo, pela
confiança que depositou em mim e nesta proposta de pesquisa, desde as primeiras idéias
surgidas ainda no curso de especialização em História das Relações Internacionais. Sua
presença, tão respeitada no meio acadêmico, me fazia acreditar que eu iria conseguir.
Nesse mesmo mundo acadêmico, não poderia deixar de agradecer aos professores que
fizeram parte da banca examinadora do concurso do mestrado, e que, com o seu apoio inicial
me permitiram concluir este trabalho. Não citarei seus nomes, pois aquele foi o primeiro e
praticamente o único contato que tive com eles, mas gostaria de lhes dizer que jamais
esquecerei de suas feições, na ocasião em que me transmitiram um grande estímulo.
Ao professor Cristiano Fonseca Monteiro, autor dos primeiros textos que li sobre as
questões relacionadas à história da Viação Aérea Riograndense (VARIG) e das mudanças
operadas no mercado da aviação nas últimas décadas, meu especial agradecimento pelo muito
que o seu trabalho me influenciou e por toda a colaboração, simpatia e apoio, desde os
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primeiros contatos que tivemos e, obviamente, por ter aceito participar, tanto da banca de
qualificação, quanto da banca de defesa final.
À professora Eli Diniz, autora de muitos dos textos citados nesta dissertação, agradeço
pela luz que suas análises trouxeram às minhas idéias e pela oportunidade de ter assistido suas
aulas, ministradas na UFRJ, em parceria com a professora Maria Antonieta Leopoldi. Da
mesma forma agradeço às pesquisadoras Maria Regina Xausa e Cláudia Musa Fay, bastante
citadas também.
Ao senhor Harro Fouquet, ex-diretor da VARIG e um dos membros do atual Conselho
de Administração da empresa, que com muito carinho me abriu sua casa e todo seu magnífico
acervo histórico, não só da companhia, mas da aviação comercial como um todo, devo-lhe
dizer que as muitas horas que passamos juntos, conversando e folheando importantes
documentos que passaram a fazer parte desta dissertação, jamais serão esquecidas,
principalmente pela riqueza que foi poder discutir tais assuntos históricos com quem os viveu
de fato.
Agradeço também ao Altineu, ex-funcionário da biblioteca da VARIG, que por
décadas cuidou daquele precioso acervo e que muito sofreu ao vê-lo sendo degradado nos
últimos anos. Receba meu agradecimento por ter me recebido e colaborado, com tanta boa
vontade, em meio ao que havia restado e no curto espaço de tempo em que esta biblioteca
ficou ativa no ano de 2008. Agradeço-lhe também por ter me ajudado a encontrar, em São
Paulo, o Sr Harro Fouquet.
Nesse encantado mundo das bibliotecas não poderia me esquecer da Maria,
funcionária da biblioteca da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que nunca mediu
esforços para me ajudar em minhas muitas pesquisas naquela instituição.
Por fim, agradeço aos colegas da turma da especialização e do mestrado pelo enorme
prazer que tem sido conviver com vocês, trocar idéias, aprender, receber apoio e acima de
tudo, se sentir fazendo parte de uma comunidade tão rica, como é a comunidade acadêmica.
Não citarei a todos, mas não poderia deixar de citar os mais próximos. Obrigada Ana, Délcio,
Ramez, Sônia e Walter.
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RESUMO

OLIVEIRA, Sandra Regina de. Rota de colisão: a cultura da Varig Grande e a aviação civil
brasileira em meio à globalização. 280f. Dissertação (Mestrado em História Política) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2009.

Esta dissertação de História tem por objetivo demonstrar a estreita relação existente
entre a crise da VARIG e a mudança de paradigma do governo brasileiro com relação à
aviação civil e, conseqüentemente, com relação às empresas nacionais de aviação, a partir da
década de 1980, através da adoção dos preceitos neoliberais que marcaram a
desregulamentação da aviação civil no mercado doméstico norte-americano. Desta forma, a
partir do momento que o Estado brasileiro passou oficialmente a adotar políticas para o
mercado da aviação, cujas diretrizes foram traçadas nos Estados Unidos da América, foi
possível associar o estudo da história da aviação nacional à história da política governamental
no que tange às suas relações com a política internacional, levando-nos a traçar um paralelo
entre a política externa brasileira e a política externa dos EUA, tal a grande influência deste
país no desenvolvimento da aviação civil no Brasil, principalmente após a Segunda Guerra
Mundial, até as mudanças neoliberais das últimas décadas. Pôde-se, assim, observar em que
grau a política externa norte-americana conseguiu influenciar a evolução da aviação no Brasil,
em função da maior ou menor autonomia dos diversos governos brasileiros a esta política
específica. Para demonstrar a relação existente entre a crise da VARIG e esta mudança de
paradigma, foi necessário estudar os aspectos relacionais externos da empresa, o quanto o
lema “VARIG Grande” se atrelava à política econômica de um “BRASIL Grande”, concebido
durante o chamado “Milagre Brasileiro”, isto é, o quanto sua política empresarial esteve
associada à política nacional-desenvolvimentista do Estado, que ao entrar em crise
desestabilizou a histórica estratégia da VARIG, principalmente após a década de 1990,
quando os espaços de interlocução entre a burocracia estatal e as empresas privadas se
reduziram ao extremo. No caso da VARIG, foi preciso também analisar os seus aspectos
relacionais internos, construídos ao longo de seus mais de oitenta anos de história, com
práticas institucionais bastante próximas às das empresas estatais. Na conclusão, será
demonstrada a co-responsabilidade do Estado na formação, no crescimento, no início da crise
e na intensificação do processo de queda da empresa, através de atuações determinantes, em
momentos diferentes da história do país.

Palavras-chave: Desregulamentação da aviação civil. História cultural da VARIG. Política


externa brasileira. Nacional-desenvolvimentismo. Neoliberalismo. Globalização
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ABSTRACT

This History dissertation aims at demonstrating the close relation between the
VARIG’s crisis and the paradigm changes of the Brazilian government regarding the civil
aviation and the national airlines, since the eighty's decade, by means of the adoption of the
neoliberal ideas, which marked the deregulation of the north-american aviation domestic
market. Therefore, considering the official adoption by the Brazilian state of the directrixes
developed in the USA, was possible to us to associate the study of national aviation’s history
to the history of the governmental politics regarding the international politics. Therefore we
could trace a parallel analysis between the Brazilian and the north-American foreign policy,
due to the great influence of this country on the civil aviation development in Brazil, mainly
after the Second World War until the neoliberal changes of the late decades. Thus, we could
observe how much the North-American foreign policy has succeed in influencing the
evolution of the national aviation because of the greater or smaller autonomy from the
different Brazilian governments to this specific policy. To be possible demonstrate the
relation between the VARIG’s crisis and this paradigm change, it was necessary to study the
external relations aspects of the company, how much the slogan “Big VARIG” (“VARIG
Follows the big steps of growing Brazil” - annex A), conceived during the period called “The
Brazilian Miracle”, was associated to the nationalist-developmentalist political economy of
the Brazilian state, which when went into crisis, unbalanced the VARIG’s historical strategy,
mainly after the ninety's decade, when the connections between state actors and private
economic agents were extremely reduced. Regarding to VARIG, we needed also to analyze its
internal relations aspects, built during its more than eighty years of history, with institutional
practices very similar to the in state companies. In the conclusion we will demonstrate the co-
responsibility of the Brazilian state on the VARIG’s life, the formation, the growth, the
beginning of the crisis and during the intensification of its fall process, by means of
determinant actings, in different moments of the country’s history.

Keywords: Deregulation of the civil aviation. Cultural history of VARIG. Brazilian foreign
policy. Nationalist-developmentalist. Neoliberalism. Globalization.
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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Taxa de Crescimento Anual por Região ........................................................122

Tabela 2 Break-even .....................................................................................................146

Tabela 3 Participação das Empresas Brasileiras nos Mercados Internacionais ...........179

Tabela 4 Participação da VARIG no Mercado da América do Norte ..........................180

Tabela 5 Número de Empresas Operando em 2000 .....................................................200

Tabela 6 Empregados na Indústria de Aviação (1970-1999) .......................................207

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Resultados Operacionais ................................................................................90

Gráfico 2 Empresas Americanas X Brasileiras .............................................................202

Gráfico 3 Participação da VARIG no Mercado dos EUA .............................................203

Gráfico 4 Participação da VARIG nos Mercados Europeus .........................................203

Gráfico 5 Alemanha .......................................................................................................204

Gráfico 6 Inglaterra ........................................................................................................204

Gráfico 7 Espanha ..........................................................................................................205

Gráfico 8 Portugal ..........................................................................................................205

Gráfico 9 Lucratividade da Indústria .............................................................................206


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ABREVIATURAS E SIGLAS

AIRJ Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro


ANAC Agência Nacional de Aviação Civil
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
CBT Computer Based Training
CCPAI Comissão Coordenadora do Projeto Aeroporto Internacional
CEAC Comissão Européia de Aviação Civil
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CERNAI Comissão de Estudos Relativos à Navegação Aérea Internacional
CLAC Comissão Latino-Americana de Aviação Civil
COMAER Comando da Aeronáutica
CONAC Conferência Nacional de Aviação Comercial
CRS Sistemas Computadorizados de Reservas
DAC Departamento de Aviação Civil
DOT Department of Transportation
FAA Federal Aviation Administration
FRB Fundação Ruben Berta
FRB-PAR Fundação Ruben Berta-Participações
GATT General Agreement on Tariffs and Trade
GE General Eleletric
IAPA International Airline Passenger Association
IATA International Air Transport Association
IBRASA Investimentos Brasileiros S.A.
ICAO International Civil Aviation Organization
IDE Investimento Direto Estrangeiro
INFRAERO Empresa Brasileira de Administração Aeroportuária
IRIS Sistema Integrado de Reservas Interline
ISI Industrialização por Substituição de Importações
MIDT Market Information Data Tape
MTCR Missile Technology Control Regime
NAFTA North Amerixcan Free Trade Agreement
OACI Organização da Aviação Civil Internacional
OAG Official Airline Guide
OEA Organização dos Estados Americanos
OMC Organização Mundial do Comércio
OPA Operação Pan-Americana
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
RIN Rede de Integração Nacional
SATA Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo
SITAR Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional
SNEA Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias
SPE Sociedade de Propósito Específico
STAI Seminário de Transporte Aéreo Internacional
TECA Terminal de Carga
TEVAR Terminal Varig
TGV Trabalhadores do Grupo Varig
TNP Tratado de Não-Proliferação Nuclear
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VARIGLOG VARIG Logística S.A.


VEM VARIG Engenharia e Manutenção S.A.
VPSC VARIG Participações Em Serviços Complementares S.A.
VPTA VARIG Participações Em Transportes Aéreos S.A.
WASIM Walace Simonsen – Suiça
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..............................................................................................15

1 NEOLIBERALISMO E A SUBVERSÃO DAS RELAÇÕES


ECONÔMICAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS ..............................23

2 A REGULAMENTAÇÃO DA AVIAÇÃO CIVIL EM FACE À SUA


CONJUNTURA HISTÓRICA ........................................................................47

2.1 Aviação civil - o início da sua regulamentação internacional .....................47

2.2 A aviação civil brasileira: história da VARIG e de sua proximidade


com Estado ........................................................................................................51

2.2.1 O boom que fez a aviação “decolar” ................................................................65

2.2.2 O caso PANAIR .............................................................................................100

2.3 A marca VARIG e sua cultura ...................................................................108

3 A DESREGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DOMÉSTICO


NORTE-AMERICANO E A “FLEXIBILIZAÇÃO” DA
AVIAÇÃO CIVIL NO BRASIL ...................................................................122

3.1 Em meio à crise da dívida externa, a introdução dos preceitos


neoliberais .......................................................................................................122

3.2 A “flexibilização” da aviação comercial brasileira em plena


“década perdida” ...........................................................................................131

4 A DÉCADA DE 1990: A DESREGULAMENTAÇÃO DA


AVIAÇÃO CIVIL NO BRASIL E O GOLPE DE
MISERICÓRDIA NA VARIG …..................................................................153

4.1 As mudanças no cenário da aviação brasileira …......................................153

4.2 A aviação civil durante a presidência de Fernando Collor de Mello .......154

4.3 A desregulamentação durante a presidência de Fernando


Henrique Cardoso ..........................................................................................190

4.3.1 As conseqüências das políticas neoliberais na aviação


civil brasileira em uma década ….....................................................................200

4.3.2 Os novos desafios da VARIG e da aviação civil brasileira no


novo século ......................................................................................................207
13

4.4 O governo Luís Inácio Lula da Silva e o fim da VARIG ..........................211

5 CONCLUSÃO ...............................................................................................221

REFERÊNCIAS ...........................................................................................228

APÊNDICE ....................................................................................................241

ANEXO A - Propaganda da empresa na versão em inglês do Relatório


Anual de Administração do Exercício de 1968 ..............................................261

ANEXO B - Hidroavião Atlântico .................................................................262

ANEXO C - Bilhete assinado por Ruben Berta, para um vôo do


Condor Syndikat, no dia 20 de maio de 1927 ................................................262

ANEXO D - Cópia do “Relatório da Directoria da S.A. Empreza de


Viação Rio Grandense VARIG, relativo ao anno social de 1930,
para ser apresentado à Assembléia Geral Ordinária dos Acionistas
de 1931”, com a indicação de Rubem Berta como “Guarda-Livros” .............263

ANEXO E - Cautela de uma das primeiras Ações da VARIG, de número


383. As assinaturas são do Diretor Gerente Otto Ernst Meyer e do
Diretor Técnico R. C. von Clausbruch ...........................................................264

ANEXO F - Livro “Diário” da VARIG com o lançamento


referente à aquisição do hidroavião “Atlântico” ............................................265

ANEXO G - Foto de 1952, onde se destacam algumas


personalidades envolvidas na fundação da VARIG como Otto Meyer,
Alberto Bins e Adroaldo M. da Costa ............................................................266

ANEXO H - Foto de Ruben Berta e Otto E. Meyer no 25º aniversário


da VARIG .............................................................................................267

ANEXO I - Foto em close de Ruben Berta na capa da Revista do Globo,


de julho de 1961 .............................................................................................268

ANEXO J - Propaganda na revista Guia Aeronáutico de junho


de 1957 ...........................................................................................................269

ANEXO K - Capa da revista Guia Aeronáutico de agosto


de 1976 ...........................................................................................................270

ANEXO L - Capa da revista Guia Aeronáutico de maio


de 1976 ...........................................................................................................271

ANEXO M - Propaganda no Relatório Anual de Administração da


VARIG sobre o Exercício de 1969 .................................................................272
14

ANEXO N - Reportagem de capa da revista Guia Aeronáutico de


maio de 1989 ..................................................................................................273

ANEXO O - Capa da revista Executive News de junho


de 1990 ...........................................................................................................274

ANEXO P - Capa da revista Guia Aeronáutico de maio


de 1966 ...........................................................................................................275

ANEXO Q - Capa da revista Guia Aeronáutico de dezembro


de 1975 ...........................................................................................................276

ANEXO R - Capa da revista Guia Aeronáutico de dezembro


de 1992 ...........................................................................................................277

ANEXO S - Capa da revista Guia Aeronáutico de agosto


de 1993 ...........................................................................................................278

ANEXO T - Estrutura Organizacional da Fundação Ruben Berta,


divulgada no Relatório Anual de Administração da VARIG sobre o
Exercício de 1998 ...........................................................................................279
15

INTRODUÇÃO

Esta dissertação de História tem por objetivo demonstrar a estreita relação existente
entre a crise da VARIG e a mudança de paradigma do governo brasileiro com relação à
aviação civil e, conseqüentemente, com relação às empresas nacionais de aviação, a partir da
década de 1980, através da adoção dos preceitos neoliberais, que desde o final da década de
1970 marcaram a desregulamentação da aviação civil no mercado doméstico norte-americano.
Principalmente a partir da década de 1990, no Brasil, o setor passou por intensas
transformações no seu marco regulatório e para entender os reflexos dessas mudanças na
VARIG será necessário rever a história da própria VARIG, que se confunde com a história da
aviação civil no Brasil.
A partir do momento que o Estado brasileiro passou oficialmente a adotar políticas
para o mercado da aviação, cujas diretrizes foram traçadas no exterior, mais especificamente
nos EUA, foi possível associar o estudo da história da VARIG à história da política
governamental no que tange às suas relações com a política internacional. Por esta razão a
preocupação, ao analisar essa história, em traçar um paralelo entre a política externa brasileira
e a política externa dos EUA, tal a grande influência deste país no desenvolvimento da
aviação civil no Brasil, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, até as mudanças
neoliberais das últimas décadas. Desta forma, este estudo analisará a evolução da aviação
nacional, e em que grau a política externa norte-americana conseguiu influenciar cada um dos
períodos, em função da maior ou menor autonomia dos diversos governos brasileiros a esta
política específica. Só assim se poderá desvendar a mudança de paradigma na aviação civil
brasileira.
Com relação aos aspectos relacionais externos da empresa, será abordado na presente
dissertação, o quanto o lema “VARIG Grande” se atrelava à política econômica de um
“BRASIL Grande”, concebido durante o chamado “Milagre Brasileiro”, através de uma
postura empresarial “dependente” em relação ao Estado e à sua política nacional-
desenvolvimentista que, além de apoiar, atuava em várias vertentes do processo. Durante o
nacional-desenvolvimentismo, não só o Estado manteve controle direto sobre alguns setores
da economia, como no caso da iniciativa privada a “articulação dos interesses industriais deu-
se diretamente no interior do aparelho estatal, institucionalizando um regime de parceria com
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1
o Estado.” A partir da década de 1990, com os governos Collor e Fernando Henrique
Cardoso, esta estrutura foi desmontada e os espaços de interlocução entre a burocracia estatal
e as empresas privadas se reduziram ao extremo. O rompimento desses laços, presentes em
toda a história da VARIG, não foi superado.
Para esses governos, a identificação existente entre a empresa e o Estado brasileiro foi
fatal quando da implantação do preceito do Estado mínimo e da desregulamentação, pois o
reconhecimento dessa imagem política da VARIG, por parte do poder executivo que adotou
os preceitos neoliberais no Brasil, tornou ainda mais difícil sua adaptação aos novos tempos, a
despeito de todas as reestruturações implantadas por seus administradores, no decorrer,
principalmente, da década de 1990. Analisar-se-á, também, os reflexos financeiros na empresa
das diversas políticas econômicas adotadas pelo Estado durante as últimas décadas, para
administrar crises mundiais como a do segundo choque do petróleo, em 1979, a da Guerra do
Golfo, em 1990, a da crise asiática, em 1997, a dos ataques terroristas nos EUA, em 2001 e a
da Guerra do Iraque, em 2003, bem como as importantes crises regionais, como a da dívida
externa, durante toda a década de 1980, passando pela crise brasileira do modelo nacional-
desenvolvimentista.
Com relação aos aspectos relacionais internos da empresa, serão abordadas questões
da cultura empresarial da VARIG, construída ao longo de sua história, com suas práticas
institucionais bastante próximas às das empresas estatais, com características tais como
pertencer a uma fundação, possuir um grande número de funcionários, em geral ligados a
empresa de uma forma tradicional e vitalícia, bem como sua acentuada “verticalização
administrativa”, com conseqüente lentidão relativa para mudanças. Objetiva-se demonstrar
que estes foram importantes fatores a dificultar sua adaptação ao processo de globalização e
às novas condições do mercado depois do Consenso de Washington. O seguinte trecho de
uma reportagem do Jornal do Brasil, bem reflete essa imagem de grandes contradições:

Rubem Martim Berta [...] profetizou que a VARIG, gerenciada pela fundação, só poderia
quebrar se os empregados quisessem...
A Fundação só existe para dar benefícios sociais aos empregados da VARIG. Quando não
mais o fizer deve ser extinta, está nos estatutos e na lei das Fundações.
Atenção: os empregados nunca foram donos da VARIG. E também não eram donos da
FRB. A fundação é que era dona de tudo.
Sem patrão, quem mandou na VARIG nos últimos 52 anos? O Colégio Deliberante da
FRB. E depois dele o Conselho Curador da FRB, escolhido pelo Colégio, que por sua vez

1
Eli, Diniz. "As elites empresariais e a Nova República: corporativismo, democracia e reformas liberais no Brasil dos anos
90", Ensaios FEE, Porto Alegre, volume 17, no 2, 1996, p. 5, in
http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/1857/2228, acessado em 10/06/2009.
17

indicava o Conselho... Bem, é mais fácil explicar como a Santa Sé escolhe o colégio
cardinalício e os papas.
Alheio às lutas pelo poder do Colégio e do Conselho, e também aos atos da diretoria da
VARIG, os empregados viviam felizes com a garantia de amparo vitalício pelo seu fundo de
pensões, o Aerus...
Por quase três décadas foi quase tão seguro e confortável ser da VARIG quanto ser
empregado do Banco do Brasil ou da Petrobrás.
Aí a FRB inventou de se modernizar. Dividiu a VARIG, criou um cipoal de empresas,
abriu regionais, comprou hotéis. Foi a mesma coisa do que implantar asas num porco e fazê-lo
voar.
...A profecia se cumpriu: ‘Os próprios empregados vão acabar com ela’. 2

De forma irônica, o texto acima resume a crise interna da VARIG, uma empresa
privada com jeito de estatal onde, cada escalão, a seu modo, ex-diretores e ex- empregados,
costuma hoje declarar: “Foi bom enquanto durou”. O seguinte depoimento de um ex-chefe de
equipe de comissários, aposentado desde 1994, retrata bem esse sentimento de frustração dos
3
contribuintes do Aerus, o plano de aposentadoria privada dos empregados da aviação,
4
fundado em 20 de outubro de 1982: “Contribuímos por anos e hoje vivemos de migalhas.
Ser “variguiano” era um orgulho. Hoje, me vejo destruído e humilhado. A estrela da VARIG
se apagou, e nós junto com ela”. 5
A VARIG, como uma grande e “disfarçada” empresa privada, não conseguiu
sobreviver. Por outro lado, por não ser uma estatal “de verdade”, também não pode buscar no
caminho da privatização, tão intensamente trilhado na década de 1990, a saída para a sua
crise, embora tenha tentado. As muitas reestruturações vividas pela empresa nessa década
foram exatamente tentativas de se tornar menos “estatal”, isto é, e usando a linguagem
neoliberal da época, “mais moderna”, “mais enxuta”, “menos burocrática”, “mais eficiente”,
“mais veloz”, etc. Esta observação “por não ser uma estatal de verdade” é exatamente, para o
presente estudo, a “gaveta” onde se escondia uma importante causa que ajudou a agravar sua
crise. Seu estatuto era de empresa privada, porém sua cultura, disseminada e solidificada ao
longo dos anos se confundia com a de uma empresa estatal, desde a “quase” estabilidade de
emprego vivida pelo seu quadro funcional, até a grandiosidade de sua estrutura
organizacional, comandada por uma fundação, passando, logicamente, por aquela
morosidade, típica das grandes corporações com o mesmo perfil e aquele sentimento de
perpetuação. Estas características da empresa não eram percebidas apenas internamente, mas

2
Renan Antunes de Oliveira. “Varig: jogo de cartas marcadas deixa 9 mil órfãos”, Jornal do Brasil, 25 de março de 2007, p.
A13.
3
Luciano R. Melo Ribeiro. Traçando o Caminho dos Céus, o Departamento de Aviação Civil – DAC 1931-2001, Rio de
Janeiro: Action Editora, 2002, p. 127.
4
Fernando Hupsel. “Aerus, Uma Vitória”, Guia Aeronáutico, setembro de 1989, p. 7.
5
Geralda Doca. “Velha Varig à sombra de um calote de R$ 11 bi”, Jornal do Brasil, 06 de julho de 2008, p. 34.
18

também por observadores externos, como Ricardo Semler, conforme reportagem da Folha de
São Paulo:

Em 1992, o ‘empresário-modelo’ do início dos anos 90, Ricardo Semler, escreveu um


artigo defendendo: ‘Falta privatizar a Varig’. No auge da mais recente crise na aviação
comercial brasileira (início de 1999), uma revista dedicada a ‘economia e negócios’
reconheceu a Varig como um ‘patrimônio nacional privado, mas com indiscutível aura
pública’ [...] ameaçado de desnacionalização, como única alternativa para sua recuperação. 6

No entanto, a VARIG não se recuperou e as evidências demonstradas neste estudo


levam a acreditar que realmente a grande ameaça, para a qual ela não se preparou, foi a da
“desnacionalização”, tal sua identificação nacional. Esse “patrimônio nacional privado” teve
que enfrentar o dilema de ter uma “indiscutível aura pública”, porém não tão pública, que lhe
permitisse receber uma ajuda direta do Estado brasileiro no seu processo de recuperação. As
idéias neoliberais de afastamento do Estado da economia, principalmente na recuperação de
empresas, já eram fortes o suficiente para não permitir tal envolvimento, que poderia ter
vindo, por exemplo, no processo aberto pela VARIG, para receber da União indenização por
supostos prejuízos causados pelo tabelamento de tarifas, imposto pelo governo federal entre
os anos de 1985 e 1992 e já com jurisprudência, em função da vitória da Transbrasil em
processo semelhante.

No auge da crise financeira da VARIG, defensores da companhia pressionaram o governo


a reconhecer o direito à indenização e promover um encontro de contas com a empresa, no
qual débitos tributários e previdenciários seriam abatidos do valor que seria desembolsado
como ressarcimento.
Apesar do apoio de parlamentares, a proposta foi arquivada por ordem do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva [...].
Um dos ministros da Primeira Seção do STJ, Luiz Fux disse, ao analisar o caso em uma
turma do tribunal, que o arrocho tarifário imposto pelo governo provocou a quebra do
equilíbrio econômico e financeiro do contrato de concessão firmado com a VARIG. Além
disso, contribuiu para levar ‘à exaustão econômica setor nobre da economia e da soberania
nacional’. 7

O presidente Lula, como descrito na reportagem acima do Jornal do Brasil, ao mandar


arquivar a proposta, ratificava essa postura de afastamento do Estado, pelo menos no que se
refere à recuperação da empresa, e o seguinte depoimento de Solange Paiva Vieira, em janeiro
de 2009 (informação verbal), reflete bem este pensamento, hoje predominante na Agência

6
Ricardo Semler. “Falta privatizar a Varig”, Folha de São Paulo, 26 de março 1992, p. 3 e Carta Capital no 93, 17 de
março de 1999, p. 48, apud Monteiro, Cristiano Fonseca: A trajetória da Varig do nacional-desenvolvimentismo ao
consenso neoliberal. Estudo de caso sobre as relações entre empresa e sociedade. Rio de Janeiro: Dissertação de
Mestrado em Sociologia, 2000, PPGSA/IFCS/UFRJ, p.1.
7
Daniel Pereira. “Governo tenta evitar pagamento de indenização”, Jornal do Brasil, 08 de abril de 2007, p. A34.
19

Nacional de Aviação Civil (ANAC). Quando questionada se não teria sido um erro ter
deixado a VARIG quebrar Solange Vieira respondeu que não, e complementou:

Eu acho que a interferência é necessária quando não há outro prestador de serviço e a


gente olha no mundo inteiro uma postura um pouco diferente, muitos países na Europa
puseram dinheiro em companhias, nos EUA a gente vê exemplos, e eu diria, mais com
orgulho de dizer que o Brasil conseguiu passar por uma VARIG, prá um mercado onde
novas empresas surgiram e acho que vão surgir melhores. Eu aposto que ao longo to tempo,
nos próximos cinco ou seis anos a gente pode ter empresas nascendo com características de
qualidade e serviços de VARIG e sem que com isso tenha sido necessário usar dinheiro
público prá isso.8

Nesta resposta, a diretora-presidente da ANAC assumiu claramente sua defesa de que


o dinheiro público não deve ser usado para socorrer empresas privadas, embora admitindo
que, mesmo no mundo desenvolvido, esta é uma prática corrente. Aliás, ainda não havia
ANAC quando, em 2005, o juiz americano Robert Drain, da Corte de Falências de Nova
York, que analisava o pedido de devolução dos aviões arrendados pela VARIG aos seus
proprietários, por falta de pagamento, despachava afirmando que não arrestaria as aeronaves
devido ao impacto social que o fim da VARIG teria no Brasil. Essa afirmação é de David
Zylbersztajn, na ocasião presidente do Conselho de Administração da VARIG, contratado em
maio de 2005, que ainda complementaria

[...] não temos a cultura da recuperação das empresas, que existe nos Estados Unidos, de
onde copiamos a lei. Esta discussão está hoje muito rasa. Na verdade, a situação era de
recuperação judicial, que vai muito além da antiga lei de falências. A VARIG, naquele
momento, tinha uma importância estratégica para o país. 9

Foi exatamente durante seu mandato, antes da criação da ANAC, que a empresa Varig
Engenharia e Manutenção (VEM) foi vendida para a TAP e a VARIG Logística S.A
(VarigLog) foi, primeiramente, vendida para a TAP e depois para a Volo do Brasil, aliás uma
venda bastante polêmica, quando a ANAC já existia e quando a Fundação Ruben Berta (FRB)
já havia destituído David Zylbersztajn da presidência do Conselho de Administração e Omar
Carneiro da Cunha, da presidência da VARIG. Nos anos seguintes, seria a vez da própria
VARIG participar de outros processos de grande repercussão na imprensa: a venda da "Nova
Varig” para a VarigLog e, em seguida, da VarigLog para a Gol.
A destituição de David Zylbersztajn da presidência do Conselho ocorreu porque a
FRB, segundo suas próprias palavras, não aceitou seu plano de recuperação para a empresa,

8
Programa Espaço Aberto, entrevista com Solange Paiva Vieira, diretora-presidente da ANAC, na TV Globo News.
Entrevista concedida à Míriam Leitão em 08 de março de 2009. “Uma Análise do Setor Aéreo Brasileiro”.
9
Henrique Gomes Batista. “Tínhamos dois anjos da guarda”, O Globo, 15 de junho de 2008, p. 37.
20

que tinha sido desenvolvido pelo banco suíço UBS, na parte econômica e pela Lufthansa
10
Consulting (LCG), a consultoria da empresa aérea alemã, na parte operacional, muito
embora, segundo Harro Fouquet, membro do Conselho de Administração da VARIG,
(informação verbal) a decisão de buscar o caminho da Recuperação Judicial, mecanismo que
substituiu a concordata na nova Lei de Falências, tenha sido tomada pela própria acionista
controladora, isto é, a Fundação Ruben Berta-Participações (FRB-PAR Investimentos S.A). 11
Após o início da Recuperação Judicial, foram lançados os planos de recuperação. O primeiro
foi concluído em dezembro de 2005, quando a Assembléia Geral de Credores criou a figura
do administrador judicial, do gestor judicial interino e da Unidade Produtiva VARIG, que
passou a ser conhecida como a “Nova Varig”. O segundo plano de recuperação, já em 2006,
definiu o que seria efetivamente separado e, em 20 de julho de 2006, ocorreu a alienação da
“Unidade Produtiva VARIG” para a VarigLog.
Desde o início da década de 1990, muitas reestruturações foram implantadas na
empresa e muitos planos de recuperação tentados. Este último, durante a presidência de
Zylbersztajn, esbarrou exatamente na estrutura administrativa da empresa, subordinada à
acionista controladora FRB-PAR, com quem Zylbersztajn, segundo Fabiana Futema, não
mantinha um bom relacionamento. Uma importante divergência foi a venda da VarigLog e da
VEM por US$ 62 milhões para a Aero-LB, sociedade controlada pela TAP, por um grupo de
brasileiros e pelo magnata luso-chinês Stanley Ho, em novembro de 2005. Ainda segundo
Futema, além do valor ter sido considerado baixo, a Fundação avaliou que Zylbersztajn quis
levar o crédito pela aproximação com a TAP, quando a própria fundação já havia iniciado
12
negociações a respeito. Este episódio retrata muito bem as dificuldades administrativas de
uma empresa com tantos comandos e que durante a fase final de sua história testemunhou
muitas negociações e conflitos nos seus altos escalões, antes que importantes decisões e
diretrizes fossem tomadas. Muitos interesses distintos e, até mesmo divergentes, estiveram em
jogo. Ainda sobre este aspecto, em março de 2007, em depoimento a CPI sobre a venda da
VARIG, soubemos que

João Raymundo Cysneiros Vianna, ex-administrador judicial da companhia aérea, o


primeiro homem a quem o judiciário confiou os segredos da empresa enquanto ainda se

10
Henrique Gomes Batista e Leila Suwwan. “Venda da Varig fez da ANAC um campo de guerra”, O Globo, 15 de julho de
2008, p.37.
11
Depoimento de Harro Fouquet, a autora desta dissertação, março e maio de 2009, em São Paulo. Harro Fouquet foi Diretor
Assistente de Tráfego e Vendas da Real e ingressou na VARIG, em 1961, como Superintendente de Planejamento, quando
esta comprou a Real. Harro Fouquet é membro do Conselho de Administração da VARIG, de quem foi também diretor até se
aposentar, em 1993.
12
Fabiana Futema, “Fundação reestrutura conselho da Varig e tira Zylbersztajn da presidência”, disponível no site da Folha
Online, 18 de novembro de 2005, acessado em 17 de março de 2009, s/p.
21

tentava salvá-la, em junho de 2005 (declarou:) que os diretores da VARIG não davam a
mínima importância às determinações da justiça, que ele queixou-se disso ao Judiciário por
escrito e que os juízes não só ignoraram as queixas como ainda o afastaram do cargo. 13

Parece lugar comum no país o reconhecimento da importância estratégica da VARIG e


o impacto social que o seu fim representou. No entanto, parece também que esses valores
ficaram todos em segundo plano perante o “orgulho de dizer que o Brasil conseguiu passar
por uma VARIG [...] sem que com isso tenha sido necessário usar dinheiro público”, como na
entrevista de Solange Paiva, transcrita anteriormente. Seguir a risca a cartilha dos preceitos
neoliberais valeu muito mais que a importância estratégica da VARIG para o Brasil ou o
impacto social que o seu fim representou. Sem contar com o agravante, ainda não esclarecido,
de que, segundo palavras do deputado Paulo Ramos, presidente da CPI sobre a venda da
VARIG, “a decisão política de extinguir a VARIG já estava tomada, para que um resultado
adrede preparado fosse alcançado”, isto é, na interpretação de Renan Antunes, “um jogo de
14
cartas marcadas”. E ainda, segundo o comandante Elnio Borges, presidente da Associação
dos Pilotos, que “o objetivo deliberado desde o início era entregar a companhia aérea ao
15
fundo de investidores americano Matlin-Patterson”. Do qual, aliás, fazem parte a
16
Continental Airlines e a seguradora AIG, que só está de pé por causa de vultosas aplicações
de emergência do governo norte-americano.
A despeito das possíveis verdades ou mentiras das declarações acima, o que se vê, é
que os destinos da VARIG, estiveram sempre ligados a um emaranhado de forças políticas,
ligadas ao poder do Estado, que não só influenciaram sua trajetória bem sucedida, nos
momentos nacionalistas do desenvolvimento econômico brasileiro, como também decretaram
seu fim, nos momentos neoliberais, globalizantes, desse mesmo desenvolvimento econômico.
O envolvimento do governo Lula no desfecho final da empresa tem sido incansavelmente
noticiado e discutido no país. Desde as denúncias de ingerência da Casa Civil no processo de
venda da VarigLog para a Volo do Brasil, quando já haviam suspeitas de que os sócios
brasileiros eram “laranjas” do fundo Matlin Patterson, onde até mesmo os slots (autorização
de pousos e decolagens) e hotrans (horários de vôos), ambos patrimônios da União, teriam
sido indevidamente vendidos, 17 passando pela compra da “Nova Varig” pela VarigLog, 18 até
o pedido feito a Gol pelo presidente Lula, para que comprasse de volta a empresa da

13
Renan Antunes de Oliveira. “Varig: jogo...”, op. cit., p. A12.
14
Idem
15
Idem
16
Renan Antunes de Oliveira. “Gol quer rotas estrangeiras”, Jornal do Brasil, 26 de março de 2007, p. A6.
17
Geralda Doca. “Procuradoria critica atuação da ANAC na venda da empresa”, O Globo, 6 de julho de 2008, p. 34.
18
“Gol atende Lula e compra a VARIG”, Jornal do Brasil, 29 de março de 2007, p. A2.
22

VarigLog. Um longo caminho, onde não só o Estado brasileiro esteve envolvido como, o que
é ainda pior, acusado de defender os interesses de empresas estrangeiras de reputação
duvidosa, como é o caso do fundo Matlin Patterson, tendo em vista sua estratégia de atuação
no mercado, comprando empresas em dificuldades por preços aviltantes, para saneá-las
19
depois, às custas de forte redução dos gastos e revendê-las como recuperadas, por preços
muito mais altos. No caso da “Nova Varig”, mais de dez vezes o valor desembolsado na
compra, num período inferior a um ano. Na coluna “Opinião do Editor”, do Jornal do Brasil,
o seguinte comentário seria feito por Augusto Nunes, a respeito do desfecho da VARIG:

Com a compra da VARIG pela Gol providenciou-se o prego derradeiro no caixão de


uma empresa que já foi o símbolo mais vistoso do Brasil no exterior. O enterro se consumou
graças a espertas (e suspeitas) parcerias privadas. Mas foi encomendado pelo governo. [...] E
permanece a pergunta essencial: Quem lucrou, e continua lucrando, com o assassinato da
VARIG? 20

Nesta dissertação a pergunta que se pretende reverberar é: como a cultura da “VARIG


Grande” e a mudança no relacionamento entre os setores público e privado, em meio a
desregulamentação da aviação comercial brasileira, sob forte influência dos preceitos
neoliberais, entraram em rota de colisão? Pode-se considerar que na resposta a esta pergunta
estará embutida a principal contribuição da presente dissertação a este tema, já bastante
pesquisado nos meios acadêmicos, porém com vertentes de análises distintas. O foco, por isso
a importância de rever-se a história da empresa, em alguns aspectos de forma mais detalhada,
está na construção de sua estrutura administrativa e de sua cultura, disseminada interna e
externamente, e incompatível com a realidade político-econômica instaurada no país na
década de 1990.

19
Vagner Ricardo. “Compra da empresa reaviva tese de conspiração”, Jornal do Brasil, 18 de abril de 2007, p. A2.
20
Augusto Nunes. “Negócio Suspeito”, Jornal do Brasil, 29 de março de 2007, p. A3.
23

1 O NEOLIBERALISMO E A SUBVERSÃO DAS RELAÇÕES


ECONÔMICAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Após diversas leituras este estudo constatou que grande parte da crítica ao
neoliberalismo presente no mundo no final do século XX em autores como H. J. Chang e
Stiglitz (ganhador do Prêmio Nobel de Economia, em 2001), eram uma revisão das críticas já
desenvolvidas no início desse século por autores como E. Carr e K. Polanyi, que por sua vez
eram também uma revisão de críticas semelhantes desenvolvidas um século antes por G. F.
List. Tanto naqueles tempos quanto hoje, o que observa-se é apenas uma troca de atores,
porém o script, distribuído para atuação dos países na arena internacional, é exatamente o
mesmo, isto é, a expressão da frase “chutando a escada”, relembrada por Chang, em 2002, em
seu livro homônimo, cuja publicação original, foi feita por List, em 1841, no seu livro
“Sistema Nacional de Economia Política”, transcrita a seguir:

É nisso que reside o segredo da doutrina cosmopolítica de Adam Smith [...]. Toda nação
que, por meio da adoção de taxas protecionistas e de restrições à navegação estrangeira,
conseguiu aumentar sua força manufatureira e sua navegação a tal ponto que nenhum outro
país é capaz de manter livre concorrência com ela, nada melhor e mais sábio pode fazer do que
atirar para longe essas escadas que serviram para construir sua própria grandeza, apregoar às
outras nações as vantagens e benefícios do livre comércio, e declarar, em tons penitentes, que
até aqui andou por caminhos errados, e só agora, pela primeira vez, conseguiu descobrir a
verdade. 21.

Friedrich List (1789-1846) era economista político e via no liberalismo uma regra de
manutenção da assimetria. Foi um dos críticos ferrenhos à Escola Clássica do século XIX,
contrapondo, em seus trabalhos, o coletivismo de Estado ao individualismo de Adam Smith e
Ricardo. Alemão, viveu entre a Primeira e a Segunda Revolução Industrial, no momento em
que a Inglaterra se destacava como líder do sistema internacional, apregoando a superioridade
do livre mercado, enquanto os EUA, defendido por List na citação a seguir, se destacavam nas
políticas industriais protecionistas em oposição ao sistema britânico:

Nas atuais condições do mundo toda nação grande deve procurar as garantias para a
continuidade da sua prosperidade e independência, antes de qualquer outra coisa, mediante o
desenvolvimento independente e uniforme de seus próprios poderes e recursos [...] as
restrições à liberdade de comércio não são tanto invenções de mentes meramente
especulativas, mas antes conseqüências naturais da diversidade de interesses e dos anseios das
nações por independência ou ascendência de poder [...]. As tentativas que têm sido feitas por

21
George Friedrich List. Sistema Nacional de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 249.
24

nações individuais no sentido de introduzir liberdade de comércio [...] mostram-nos que dessa
maneira se sacrifica a prosperidade das nações individuais sem que haja benefícios para a
humanidade em geral, servindo exclusivamente para o enriquecimento da nação dominante do
ponto de vista industrial e comercial. 22

Defendendo países como EUA, França e Alemanha, que em 1841, assumiam o papel
da busca pelo desenvolvimento, que hoje é desempenhado por países como Brasil e Índia, List
declarava que “os dispositivos protecionistas (dos mesmos) se originavam do esforço natural
das nações para atingirem sua prosperidade, independência e poder, ou das guerras e da
23
legislação comercial hostil das nações manufatureiras predominantes” (naquela época, a
Inglaterra).
Um século depois, isto é, na primeira metade do século XX, E. Carr e K. Polanyi,
desenvolviam críticas semelhantes ao liberalismo econômico. Nesse momento, já havia
transcorrido a década de 1920, quando as tentativas, após o fim da Primeira Guerra Mundial,
para reorganizar o mundo em bases liberais, como fora o século XIX, não vingaram e as
teorias da Escola Neoclássica (1874), também não davam mais conta do que estava
acontecendo. A década de 1920 terminou marcada pela crise de 1929, que se estendeu por
toda a década de 1930, terminando apenas com o início da Segunda Guerra Mundial. Os
efeitos negativos atingiram todo o mundo, principalmente a partir da lei Smoot-Hawley de
1930, assinada pelo presidente norte-americano Herbert Hoover, que aumentavam o nível de
protecionismo da economia norte americana, a despeito do protesto de mais de trinta países.
24
Tal decisão gerou uma reação em cadeia de protecionismo em todo o mundo. O comércio
internacional despencou e as exportações de produtos agrários e minérios, de países da
América Latina, tais como café, trigo e cobre, caiu de 1,2 bilhões de dólares em 1930 para
335 milhões de dólares em 1933, aumentando para apenas 660 milhões de dólares em 1940.
Nos Estados Unidos, a crise atingiu seu ápice em 1933. Nesse ano, o novo presidente
Franklin Delano Roosevelt, juntamente com o congresso americano, aprovou uma série de
medidas conhecidas como New Deal ("Novo Acordo"). Essas políticas econômicas foram, em
1935, racionalizadas por Keynes em sua obra clássica “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da
Moeda”, cuja proposta é de que haja investimento do poder público tanto no controle anti-
cíclico das taxas de juros, quanto na produção de pleno emprego, levando a criação de
demanda 25 e essa se tornaria a agenda dominante no mundo da época, levando muitos países
à recuperação econômica. Alguns pouco industrializados aceleraram a industrialização, como

22
Ibidem, p. 85.
23
Idem, p. 127.
24
Charles P. Kindleberger. The World in Depression 1929-1939, Berkley: University of California Press, 1972, p. 294.
25
John M. Keynes. The General Theory, New York: Harbinger Edition, 1964, capítulos II e III.
25

o Brasil, devido à crise dos cafeicultores paulistas e à Revolução de 1930, quando teve início
um grande processo de modernização econômica, com Getúlio Vargas. John Maynard Keynes
(1883-1946), como britânico, participou e muito influenciou nos resultados da Conferência de
Bretton Woods.
Nos EUA, somente com a entrada do país na Segunda Guerra Mundial, gerando uma
produção industrial intensa, acabaram-se os efeitos negativos da Grande Depressão. Durante a
Segunda Grande Guerra seria escrita a importante obra do húngaro Karl Polanyi (1886-1964),
“A Grande Transformação”, gerando enorme impacto nas ciências sociais em todo o mundo.
No Brasil esta obra passou a ser muito citada na atualidade em função do desgaste das
doutrinas neoliberais, cujos debates criaram um paralelo com os argumentos desenvolvidos
pelo autor. Polanyi analisou a revolução liberal que dominou o mundo no século XIX,
marcada por um intenso progresso econômico. O liberalismo econômico, nas palavras de
Polanyi, era representado por um mercado de trabalho, pelo padrão-ouro e pelo livre-
26
comércio. No entanto, esse livre comércio, já ao final da década de 1870, encontraria
também o seu final quando da utilização do padrão-ouro pela Alemanha, marcando “o início
de uma era de protecionismo e de expansão colonial”. Para Polanyi, a função principal do
intervencionismo foi exatamente tentar proteger o homem e a natureza que passaram a ser
tratados como mercadorias, bem como a organização produtiva capitalista, que também se viu
ameaçada pelas mudanças no nível de preço, devido à maneira como se organizava o sistema
monetário. Surgia assim, em seu ponto de vista, a necessidade de “bancos centrais e de gestão
do sistema monetário, para manter as manufaturas e outras empresas produtivas a salvo do
perigo que envolvia a ficção da mercadoria aplicada ao dinheiro”. Decidiu-se na Inglaterra
que se o ouro era usado como dinheiro, as notas de banco deveriam representar ouro e o
fornecimento de moeda deveria ser por intermédio do Banco da Inglaterra..Nascia assim o
padrão-ouro. 27
Polanyi defendia também que não havia nada de natural em relação ao laissez-faire,
pois

os mercados livres jamais poderiam funcionar deixando apenas que as coisas seguissem o
seu curso, [...] as manufaturas de algodão [...] foram criadas com a ajuda de tarifas protetoras
de exportações subvencionadas e de subsídios indiretos dos salários, o próprio laissez-faire foi
imposto pelo Estado. Os anos trinta (1830) e quarenta (1840) presenciaram [...] um aumento
enorme das funções administrativas do Estado, dotado agora de uma burocracia central capaz
de executar as tarefas estabelecidas pelos adeptos do liberalismo. 28.

26
Karl Polanyi. A Grande Transformação, As Origens da Nossa Época, Rio de Janeiro: Editora Campus, 1980, p. 141.
27
Idem, p. 36, 138, 139 e 141.
28
Idem, p.144.
26

Naquele século, o livre comércio foi inicial e unilateralmente adotado pela Inglaterra,
mais precisamente em 1846, quando da revogação das “Corn Laws”, seguida, entre 1860 e
1880, por outros países europeus. Na década de 1860, na Inglaterra, o liberalismo econômico
era total: “Em 1848, a Grã-Bretanha tinha 1.146 produtos tributáveis; em 1860, não mais que
48, dos quais doze eram tarifas sobre bens de luxo ou supérfluos”. 29 No entanto, esse regime
de livre-comércio, duraria pouco, pois na década de 1880, alguns fabricantes britânicos em
dificuldade começariam a reivindicar proteção. Esse número cresceria mais ainda no início do
século XX, devido à concorrência com os produtos alemães e norte-americanos, que levariam
ao fim da primazia industrial inglesa, confirmada em 1932, com a adoção de tarifas em larga
escala. 30
A única exceção a esse domínio do livre comércio do século XIX eram os EUA, que
31
mantinham suas altas barreiras tarifárias, defendidas desde Alexander Hamilton (1757-
1804), um importante economista norte-americano para quem a

concorrência estrangeira e a ‘força do hábito’ impediriam as novas indústrias [...] de se


desenvolverem nos EUA, a menos que a ajuda governamental compensasse os prejuízos
iniciais. 32

No século XIX, os EUA foram não somente os grandes defensores e praticantes do


protecionismo no mundo, como também a fonte intelectual das principais idéias a respeito.
Muitos intelectuais e políticos norte-americanos não aceitavam as doutrinas do livre
comércio, defendidas pelos economistas clássicos britânicos, tendo Thomas Jefferson tentado
(em vão), inclusive, impedir a publicação do livro “Principles”, de Ricardo, nos EUA. 33
Pela lei tarifária de 1816, quase todos os produtos manufaturados norte-americanos
ficaram sujeitos a tarifas de cerca de 35%, chegando a tarifa média próxima dos 40%, em
1820, e assumindo oficialmente este valor médio, em 1832, em função de uma nova lei
tarifária. O ferro e os produtos têxteis tinham tarifas ainda mais altas, o primeiro entre 40% e
45% e os segundos 50%. Acrescente-se a este fato o alto custo do transporte marítimo na
época, que tornavam as tarifas norte-americanas, ao comércio internacional, ainda maiores
que as européias. 34.

29
Ha-Joon Chang. Chutando a Escada, São Paulo: UNESP, 2002, p. 47.
30
Idem, p.48.
31
George Friedrich List. Sistema Nacional de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 34.
32
Ha-Joon Chang, Chutando a Escada, op. cit., p. 3 e 50.
33
Idem, p. 63.
34
Idem, p. 52 e 53.
27

Segundo Chang, a vitória de Abraham Lincoln, em 1860, só foi possível graças ao


apoio do seu partido ao forte protecionismo em prática. Em 1864 houve novo aumento de
tarifas, para atender as despesas da Guerra de Secessão (1861-1865), mantendo-se esses
níveis tarifários mesmo após o fim da guerra:

a vitória do Norte, na Guerra de Secessão, permitiu aos Estados Unidos continuarem sendo
os mais obstinados adeptos da proteção à indústria nascente até a Primeira Guerra Mundial, e
mesmo até a Segunda
Durante todo o século XIX até a década de 1920, a economia dos EUA foi a que mais
rapidamente cresceu no mundo [...]. Os dois melhores vinte anos de performance do
crescimento do PIB per capta no período 1830-1910, foram 1870-1890 (2,1%) e 1890-1910
(2%). 35

Somente ao final da Segunda Guerra Mundial, assumida a supremacia industrial


absoluta dos EUA, foi que este país, a exemplo do já difundido e praticado pela Inglaterra no
século XIX, adotou e passou também a difundir o livre mercado, embora nunca nos mesmos
moldes radicais ingleses. 36
Para Polanyi, diferentemente do que defende a teoria econômica liberal, o grande
progresso da humanidade no século XIX baseava-se num pacto político internacional e
intervencionista e num sistema financeiro orquestrado pelo padrão ouro, “único pilar
remanescente da economia mundial tradicional” no início do século XX, quando a volta ao
sistema do século XIX parecia, no início da década de 1920, o único caminho a seguir e que a
paz só seria restaurada se fosse restaurado o sistema monetário internacional. Na opinião de
Polanyi foi exatamente pelo fracasso desse esforço de volta ao passado que emergiu a abrupta
transformação dos anos 1930: “o abandono do padrão-ouro pela Grã Bretanha, os Planos
Qüinqüenais na Rússia, o lançamento do New Deal (nos EUA), a Revolução Nacional-
Socialista na Alemanha, o colapso da Liga”.. das Nações e uma seqüência de crises
monetárias. Em todos os lugares via-se o dinheiro estável como a necessidade suprema da
sociedade humana..Tornando-se, assim, aparente, na sua visão,

a distinção entre as 1ª e 2ª Guerras Mundiais. A primeira ainda era fiel ao tipo do século
dezenove - um simples conflito de poderes [...]. A última já faz parte do levante mundial. 37

Às vésperas da Segunda Grande Guerra, em 1939, seria publicada a importante obra


“Vinte Anos de Crise, 1919 – 1939” de Edward H. Carr, um importante acadêmico e
diplomata britânico, que participou da Conferência de Paz de Versailles. Carr é considerado o

35
Ibidem, p. 54, 56, 57-59.
36
Idem, p. 58.
37
Polanyi, op. cit., p. 39-41, 43 e 46.
28

precursor dos estudos de Relações Internacionais e nessa obra o autor procurou desenvolver
uma análise do cenário internacional do entre - guerras, com importantes críticas ao chamado
livre-mercado, como exemplificado na seguinte declaração: “O ‘laissez-faire, tanto nas
relações comerciais internacionais, quanto nas entre capital e trabalho, é o paraíso do
economicamente forte. O controle estatal, seja sob a forma de legislação protetora, ou de
38
tarifas protecionistas, é a arma de legítima defesa invocada pelo economicamente fraco”.
Carr criticava os que ele chamava de utópicos, considerando que os mesmos pregavam

a doutrina da harmonia de interesses [...] vestindo seu próprio interesse com o manto do
interesse universal, a fim de impô-lo ao resto do mundo.

Sendo que, desta vez, não era mais a Inglaterra a protagonista central das críticas e sim
os EUA, de McKinley, quando da anexação, através de “auxílio divino”, das Filipinas, ou de
Woodrow Wilson, “confiante na identidade da política americana com a justiça universal
(afirmando) que ‘os Estados Unidos atacaram o México (em 1914) para servirem a
humanidade’”. 39 Seguindo essa linha de pensamento Carr complementaria:

A supremacia, dentro da comunidade, do grupo privilegiado pode ser, e freqüentemente é,


tão esmagadora que, de fato, em certo sentido seus interesses são os da comunidade, uma vez
que seu bem-estar necessariamente traz consigo algumas medidas de bem-estar para os outros
membros da comunidade, e seu colapso poderia levar ao colapso da comunidade como um
todo [...] a mesma análise pode ser aplicada às relações internacionais. 40

Durante a Segunda Guerra Mundial (1944), outra importante obra foi escrita
analisando o liberalismo econômico e com conclusão oposta à de Carr e, principalmente de
Polanyi, que foi “O Caminho da Servidão”, de Friedrich Hayek (1899-1992), um dos
expoentes da "Escola Austríaca de Economia". Seu argumento se baseia na idéia de que o
coletivismo, presente na época na Alemanha e em várias outras partes do mundo, levaria à
servidão da humanidade, por ser uma negação da natureza humana, cujo valor supremo deve
ser a liberdade individual. Hayek focou acentuadamente suas análises e críticas no
planejamento econômico praticado pelo socialismo, por considerar que a economia é um
sistema demasiado complexo para ser planejado por uma instituição central e que deve
evoluir espontaneamente.

38
Edward Hallet Carr. Vinte Anos de Crise: 1919-1939, Uma Introdução ao Estudo das Relações Internacionais. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2001, p. 80.
39
Idem, p. 100 e 103.
40
Idem, p. 106 e 107.
29

Outra perspectiva de Hayek, contrária à de Polanyi, diz respeito às causas da crise


econômica vivida pela civilização ocidental na década de 1930. A tese de Polanyi é de que a
origem do cataclisma foi “a tentativa utópica do liberalismo de estabelecer um sistema de
mercado auto-regulável”, focando a verdadeira origem na ascensão e queda da economia de
mercado, o que estende até o século XIX a responsabilidade das crises que levaram à Segunda
41
Guerra Mundial. Para Hayek, como na citação a seguir, a responsabilidade estava centrada
no afastamento dos

princípios liberais do século XIX. Estes, a geração jovem mal os conhece [...] não temos
direito de nos considerarmos superiores a nossos avôs neste ponto; e nunca deveríamos
esquecer que fomos nós, os homens do século XX, e não eles, que provocamos esta
desordem.” 42

Muitas das suas idéias foram seguidas por Margareth Thatcher na Inglaterra e dois
fatos exemplificam o quanto Hayek foi admirado pelos governos neoliberais da Inglaterra e
dos EUA: em 1984, ele foi condecorado como membro da “Order of the Companions of
Honour” pela rainha Elizabeth II, durante o mandato da Primeira Ministra Margareth Thatcher
e, em 1991, George H. W. Bush concedeu a Hayek a “Presidential Medal of Freedom”, a mais
alta condecoração civil dos EUA, por ter o mesmo “revolucionado a intelectualidade mundial
e a vida política”. 43
Essas duas homenagens registram a importância crescente das idéias liberais na
Inglaterra e nos EUA, desde a década de 1970, mais precisamente desde seu início, que foi
marcado pela crise econômica internacional, causada pelo aumento dos preços do petróleo,
pelo abandono unilateral dos EUA do sistema de taxas de câmbio fixas de Bretton Woods e
44.
por vários outros ciclos de oscilação de commodities. O fim do padrão-ouro permitia a
desvalorização do dólar e o conseqüente aumento das exportações norte-americanas e
representava o fim do compromisso dos EUA de arcar com os custos financeiros assumidos
em Bretton Woods.
Os economistas liberais acreditam no funcionamento espontâneo do mercado, o
chamado mercado auto-regulado e que, segundo Polanyi, é a “fonte e matriz do sistema
econômico e político modernos”. 45 Acreditam também que a harmonia entre os Estados possa
ser alcançada através dos benefícios de uma divisão internacional do trabalho baseada no

41
Polanyi, op. cit., p. 47.
42
Friedrich A. Hayek. O Caminho da Servidão, Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1999, p. 214.
43
The University of Chicago, in http://www.uchicago.edu/about/accolades/presidential.shtml, acessado em 29/09/2008.
44
Dani Rodrik. Estratégias de Desenvolvimento para o Novo Século, in ARBIX, Glauco. Brasil, México, África do Sul,
Índia e China: diálogo entre os que chegaram depois. São Paulo: UNESP, 2002, p. 48.
45
Robert Gilpin. The Political Economy of International Relations. Princeton: Princeton University Press, 1987, p. 15.
30

princípio das vantagens comparativas, defendida por David Ricardo (1817), e que a
interdependência econômica possa criar as bases para a paz e cooperação entre os Estados.
Tais considerações são totalmente criticadas e rejeitadas pelos economistas nacionalistas, que
procuram destacar a questão do poder, isto é, do fundamento político existente por trás da
interdependência econômica. Destacam também a natureza conflituosa que o mesmo produz
nas relações econômicas internacionais, como um mecanismo de domínio de uma sociedade
sobre a outra, gerando o aumento da vulnerabilidade nacional. 46
Um bom exemplo desse mecanismo de domínio ocorreu exatamente durante as
negociações da dívida externa dos países em desenvolvimento, nas décadas de 1980 e 1990,
que ficavam condicionadas à implantação do receituário neoliberal, transformando, segundo
47
Stiglitz, o empréstimo numa ferramenta política. Muitas políticas econômicas domésticas
dos países em desenvolvimento passaram a ser elaboradas nas negociações da Organização
Mundial do Comércio (OMC) e muitas mudanças ocorreram no comércio internacional a
partir de decisões unilateralmente tomadas pelos países desenvolvidos, como o
descompromisso dos mesmos para honrar os acordos de commodities previamente assumidos
48
e que visavam garantir aos países em desenvolvimento preços estáveis e justos. Tal fato
reflete um importante fenômeno ocorrido no cenário internacional na última década e meia,
que foi o crescimento do poder e da autoridade das instituições de Bretton Woods, o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o General Agreement on Tariffs and
Trade (GATT) / OMC, nos assuntos econômicos e sociais, em paralelo a perda, por parte das
Nações Unidas, da sua influência política e operacional nesses mesmos assuntos. 49
Levando-se em consideração que o diretor do FMI é sempre europeu e que o diretor
do Banco Mundial é sempre norte-americano, aliás, os EUA são o único país com poder de
veto, já pode-se medir o nível de representatividade dessas instituições e o quanto de isenção
lhes falta na defesa dos interesses comerciais e financeiros dos países industriais mais
avançados. Aliás, a principal conseqüência comercial da Rodada Uruguai foi exatamente a
vitória dos países desenvolvidos do Ocidente ao forçarem a liberação do comércio para os
produtos que exportavam sem diminuir a proteção daqueles setores “nos quais a concorrência
dos países em desenvolvimento poderia representar uma ameaça às suas economias”. 50

46
Ibidem, p. 12 e 15.
47
Joseph E. Stiglitz. A globalização e seus malefícios, a promessa não cumprida de benefícios globais, São Paulo: Futura,
2002, p. 73.
48
Martin Khor. Globalization, Global Governance And Development, in CHANG, Ha-Joon. Rethinking Development
Economics. London: Anthem Press, 2003, p 530 e 532.
49
Idem, p 529-530 e 532.
50
Stiglitz, “A globalização e seus malefícios…”, op. cit., p. 39, 46 e 93.
31

Aliás, sobre esta questão dos subsídios, a seguinte análise de Hobsbawm é muito
interessante, exatamente por trazer a discussão para o aspecto cultural que move países como
França e Alemanha:

Os franceses e, em menor medida os alemães, lutaram para manter os vastos subsídios a


seus camponeses, não apenas porque os agricultores representavam votos vitais, mas por mais
ineficiente e não competitiva que fosse, iria significar a destruição de uma paisagem, de uma
tradição, de uma parte do caráter da nação. 51

A observação acima reforça o ponto de vista quanto à distância existente entre a


prática e o discurso dos países desenvolvidos, melhor dizendo, a distância entre a prática
interna desses países e o discurso externo, voltado para os países em desenvolvimento, para
que estes adotem posturas de mercado mais abertas e globalizadas, menos voltadas, portanto,
para suas características históricas e culturais internas, o que remete à seguinte colocação de
Stiglitz:

a alta tecnologia nas guerras modernas é projetada para excluir o contato físico: soltar
bombas a uma altura de 15 mil metros garante que ninguém ‘sinta’ o que faz. A gestão
econômica moderna é semelhante: aboletados em um hotel de luxo, é possível impormos
políticas a respeito das quais pensaríamos duas vezes se conhecêssemos as pessoas cujas vidas
talvez estejamos destruindo. 52

Ainda na linha das contradições, Ha-Joon Chang segue afirmando que, desde o século
XVIII, a Grã Bretanha, estabelecendo-se como poder econômico supremo no mundo,
procurou provar a superioridade das políticas de livre-mercado, porém, “ao contrário da
história oficial do capitalismo, todos os atuais países desenvolvidos se utilizaram ativamente
de tarifas, subsídios e outras medidas de intervenção, principalmente no início do seu
desenvolvimento econômico (e) todos praticaram proteção às suas indústrias nascentes”. 53
Pode-se ratificar o acima exposto com a seguinte citação de List, sobre as declarações
dos ministros ingleses de Jorge I, ao proibirem (em 1721) a importação de tecidos de algodão
e seda da Índia:
é evidente que uma nação só pode tornar-se rica e adquirir poderio exportando seus
próprios bens manufaturados, e importando de fora matérias-primas e gêneros de primeira
necessidade. A Inglaterra seguiu essa política até hoje, e por segui-la tornou-se rica e
poderosa; esse princípio é o único válido para uma nação que há muito tempo está civilizada e
que já conseguiu levar sua própria agricultura a alto grau de desenvolvimento. 54

51
Eric Hobsbawm. Era dos Extremos, O Breve Século XX 1914-1991, São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 415.
52
Idem, p. 52.
53
Ha-Joon Chang. “The Market, The State and Institutions in Economic Development”, in Ha-Joon Chang. Rethinking
Development Economics, op. cit., p 42.
54
List, op. cit., p. 230.
32

Esta citação demonstra o que já se sabe sobre o desenvolvimento inglês, isto é, como a
Inglaterra soube desenvolver o seu poderio, desde o século XV, da mesma forma como os
EUA também o souberam, a partir do século XIX. E mais, como, posteriormente,
“esqueceram-se” disso.
Na França, durante a Restauração, Villèle, Primeiro-ministro francês (1821-1828),
recebeu a visita de George Canning, ministro das relações exteriores da Inglaterra, cujo
objetivo era convencer os franceses da excelência das medidas de livre comércio tomadas
pelos ingleses. A resposta dada por Villèle a Canning foi a seguinte:

Se a Inglaterra, no estado avançado em que se encontra sua indústria, permite agora


maior concorrência estrangeira do que anteriormente, é porque essa política atende aos
interesses específicos da Inglaterra. Acontece que, nesse momento, atende aos interesses da
França garantir às suas manufaturas, que ainda não atingiram desenvolvimento perfeito,
aquela proteção que lhes é indispensável para se desenvolverem.... 55

Uma postura, de certa forma, de retorno ao período pré-revolucionário, dado que com
a Revolução e com Napoleão as políticas de laissez-faire imperaram. Chaptal, estadista
francês, complementava:

Uma boa legislação alfandegária constitui o baluarte da atividade manufatureira. Essa


legislação deve aumentar ou diminuir as taxas de importação de acordo com as circunstâncias
[...] protege as artes e as indústrias ao nascerem até que se tornem suficientemente fortes para
resistir à concorrência estrangeira....56

No entanto, essa postura de Villèle e de Chaptal não foram as predominantes na


França do século XIX, que acabou adotando as políticas do laissez-faire até a Segunda Guerra
Mundial, tendo tido, nas palavras de Nye, citado por Chang, um regime comercial mais liberal
do que o da própria Grã-Bretanha, mesmo entre 1840 e 1860 (“supostamente o início da etapa
de pleno amadurecimento do livre-cambismo na Inglaterra”), e o que muitos autores
consideram “a causa principal da relativa estagnação industrial (da França) no século XIX”. 57
Outro exemplo que vale a pena ser citado é o da Bélgica, que graças à sua
superioridade tecnológica, foi uma das economias menos protegidas durante grande parte do
século XIX, no entanto, e como todas as demais nações hoje desenvolvidas, viveu no início de
seu processo de industrialização, até a década de 1850, grande proteção tarifária para as
indústrias nascentes, algumas com tarifas oscilando entre 30% e 60%, como o algodão, lã e
linho, e outras, como o ferro, com tarifas em torno de 85%. O mais assustador de tudo é

55
Ibidem, p. 251.
56
Idem, p. 252.
57
Ha-Joon Chang. Chutando a Escada, op. cit., p. 70.
33

quando constatamos a recomendação dos livre-cambistas modernos aos países em


desenvolvimento para que as suas tarifas sejam baixas e uniformes, na ordem de 15% a 25%
(o Brasil, quando firmou o acordo com a OMC, baixou sua tarifa trade-eighted de 41% para
27%), com o agravante de que “hoje a defasagem de produtividade entre os países em
desenvolvimento e os desenvolvidos é muito maior do que a existente entre os países mais e
menos desenvolvidos de outrora”. 58
Seja como for, com a consciência capitalista de que não há espaço para todos no topo
da pirâmide, pelo menos não com o mesmo nível de consumo e desperdício de hoje, a história
dos países que buscam o desenvolvimento se resume sempre no anseio de querer ascender,
enfrentando o mesmo histórico discurso dos países desenvolvidos de que para isso deveriam
se dedicar às suas vocações naturais, produzindo produtos primários. Isto é, de acordo com o
princípio das vantagens comparativas defendidas por Ricardo, mantendo-se sempre na
periferia. A interpretação para tal conduta se resume em: após atingido o topo da pirâmide, é
preciso lá se manter, bem como diminuir as chances dos que até lá também querem chegar. O
objetivo passa, então, a ser a criação de novas regras de ascensão, estipulando-se metas e
comportamentos a serem perseguidos pelos países que estão na busca, e que precisam
acreditar que desta forma chegarão ao desenvolvimento tão almejado.
Na década de 1980, refletindo um grande poder das instituições financeiras
internacionais, deu-se a inversão da política econômica nos países em desenvolvimento, e isso
não se processou de forma gradual. No que diz respeito à presença do Estado na economia, a
59
prioridade passava a ser enxugar de imediato “o Estado e não torná-lo mais eficaz”, assim
como a pregação da necessidade de abertura de mercado, como uma proposta de
despolitização do mesmo. Para Chang, tal proposta, na melhor das hipóteses era contraditória
e, na pior, desonesta, uma vez que, na sua opinião, o mercado nada mais é do que uma
60
construção política. Esse ponto de vista é também compartilhado por Stiglitz, quando este
analisa o que para o FMI é considerado política e o que é considerado economia: uma
classificação de acordo com o que eles se dispõem a fazer, como as privatizações, definidas
como economia, e o que eles não se dispõem a fazer, como a reforma agrária, definida como
política. 61 Ponto de vista também defendido por Rodrik:

58
Ibidem, p. 81, 97, 118 e 120.
59
Rodrik, op. cit., p. 44.
60
Ha-Joon Chang. “The Market, The State And The Institutions…”, op. cit., p. 51 e 54.
61
Joseph E. Stiglitz. “Globalización, Organismos Financieros Internacionales y las Economías Latino-Americanas”, in La
democracia en América Latina Hacia una democracia de la ciudadanía y de los ciudadanos, Contribuciones para el debate,
Programa De Las Naciones Unidas Para El Desarrollo (PNDU), Buenos Aires: Alfaguara S.A., 2004, p. 422.
34

a economia de mercado depende de uma ampla ordem de instituições extramercado que


desempenham funções regulatórias, estabilizadoras e legitimadoras. Uma vez que essas
instituições são aceitas como parte e parcela de uma economia baseada no mercado, as
dicotomias tradicionais entre mercado e Estado ou laissez-faire e intervenção passam a ter
menos sentido. Esses não são modos rivais de organizar as questões econômicas de uma
sociedade; são elementos complementares que tornam o sistema sustentável. 62

E Gilpin vai além, ao afirmar que os profundos efeitos produzidos nas relações sociais
e no sistema político pelo capitalismo são fruto desses mecanismos de mercado e que “o
mercado certamente constitui um caminho para alcançar e exercer o poder, e o Estado pode
ser, e é usado, para obter riqueza. Estado e mercado interagem para influenciar a distribuição
63
de poder e riqueza nas relações internacionais”, chegando à hierárquica divisão
internacional do trabalho, que reordena a sociedade em centros dinâmicos e periferias
dependentes. List, já no século XIX, possuía pontos de vista muito semelhantes quando
afirmava que

o poder político não somente assegura à nação o aumento de sua prosperidade por meio do
comércio exterior e das colônias estrangeiras, mas também lhe garante desfrutar de
prosperidade interna [...]. A Inglaterra obteve força política por meio de suas leis de
navegação; e pela sua força política conseguiu chegar a ponto de estender seu poderio
manufatureiro sobre outras nações. 64

O Brasil pode ser considerado uma dessas nações que esteve sob a órbita inglesa e,
durante o século XX, foi para a órbita norte-americana, sob a qual atravessou a “década
perdida” de 1980, quando essas idéias de separação entre política e economia começaram a se
implantar na América Latina. Segundo Eli Diniz, no Brasil, “entre os anos 80 e 90 as equipes
técnicas dos vários ministros responsáveis pelos sucessivos programas de estabilização
65
econômica gozaram de alto grau de insularidade burocrática”, o chamado enfoque
tecnocrático, que privilegia a primazia do saber técnico, com uma pretensa postura de
depolitização das decisões econômicas. Graças a essa característica as reformas prescritas
pelo Consenso de Washington, especialmente no âmbito econômico, puderam ser fielmente
encampadas pelo governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), o primeiro presidente
eleito no país após vinte e nove anos sem eleições presidenciais, e que soube muito bem se
utilizar deste discurso para legitimar as decisões de sua equipe econômica, fundindo os três
ministérios da área econômica em um único ministério chamado “superministério”, da

62
Rodrik, op. cit., p. 61.
63
Gilpin. op. cit., p. 11 e 16.
64
List, op. cit., p. 129.
65
Eli Diniz. Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de uma Nova Ordem no Brasil
dos Anos 90, DADOS-Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Volume 38, no 3, 1995, p. 393.
35

66
Economia, Fazenda e Planejamento. Em seguida, o governo Fernando Henrique Cardoso
adotaria a mesma prática.
Fatos como esses nos remetem à seguinte citação de Peter Evans a Waterbury:
“Quando a liberalização, privatização e outras políticas associadas ao neoliberalismo foram
implementadas, foram de fato os dirigentes governamentais que formaram o núcleo do ‘time
das mudanças’ que fez a mudança possível, tornando a teoria neo-utilitarista do Estado ainda
mais difícil de sustentar”. 67 Ainda segundo Evans,

no mundo contemporâneo, as alternativas não são intervir ou não intervir. A intervenção


do Estado é um fato. A pergunta apropriada não é ‘o quanto’, mas ‘que tipo’.
Debates estéreis sobre a ‘quantidade’ de intervenção dos Estados devem ser substituídos
pelo debate sobre as diferentes formas de envolvimento e seus respectivos impactos.
Collor, com talento de mídia e convincentes afetações neoliberais,
[...] desdenhou a construção de uma verdadeira parceria, revelando uma ‘aversão liberal ao
capitalismo organizado’.
Finalmente, é claro, a paixão aparente de Collor pela reforma neoliberal era combinada
com um nível de corrupção sem precedentes no Brasil, sabotando assim tanto a legitimidade
do Estado quanto a sua eficiência.
Mas a combinação de ataque neoliberal e corrupção tradicional deixaram profundas
feridas no já problemático Estado brasileiro. 68.

Sua adesão ao Consenso de Washington incluía até mesmo a postura que viria a ser
assumida na Rodada Uruguai, de alinhamento às posições norte-americanas referentes às
questões agrícolas e aos temas normativos de serviços e propriedade industrial. A Rodada
Uruguai terminou em 1994, já no governo Itamar Franco, porém sua estratégia de ação seguiu
exatamente os ditames do governo anterior.
É inegável que ao final dessa Rodada as exportações brasileiras de alguns produtos
primários obtiveram grandes vitórias, porém, o país terminou por abrir seu mercado de
serviços, incluindo-se o da aviação, sem alcançar a principal expectativa dos países em
desenvolvimento à época e pela qual lutam até hoje, que é a contrapartida de redução
substancial dos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos, assim como a abertura desse
69
setor e do setor têxtil. Sem contar com o fato de que a questão das patentes significa mais
um engessamento no já tão atrofiado desenvolvimento tecnológico dos países periféricos e
que, na prática, significa aumentar as distâncias entre os que produzem tecnologia e os que
precisam dela para se desenvolver. A inclusão da propriedade industrial na OMC foi mais um
golpe de mestre de quem sabe muito bem “chutar a escada”, conforme Chang, esquecendo-se

66
Alexandra de Mello Silva e Dora Rocha. Marcílio Marques Moreira, Diplomacia, Política e Finanças, de JK à Collor, 40
Anos de História. Depoimento ao CPDOC – FGV. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 266.
67
Peter Evans. Autonomia e Parceria: Estados e Transformação Industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004, p. 56.
68
Idem, p. 35-36 e 98-100.
69
Khor, op. cit., p. 537.
36

de que um dia, exatamente no início do processo de industrialização de cada um dos atuais


países desenvolvidos, quando legislações desse tipo eram impensadas, muito de espionagem e
contrabando industrial se praticou, ou foi oficialmente estimulado e autorizado entre as partes.
Com relação à abertura de mercado, essa é uma questão tão vital para a economia de
um país que, até mesmo, em Adam Smith, um dos precursores da economia liberal clássica,
encontramos essa preocupação:

Sem dúvida, muito sofreria o empresário de uma grande manufatura, o qual, no caso de ser
o mercado interno subitamente aberto à concorrência estrangeira, fosse obrigado a abandonar
seu negócio [...]. Exige assim a justiça que, em atenção a tal interesse, mudanças desse gênero
nunca sejam introduzidas súbita, mas lenta e gradualmente, e após demorada advertência.
Precisamente por isso, os legisladores, se fosse possível que suas deliberações sempre se
orientassem, não pela clamorosa importunidade de interesses facciosos mas por uma
consideração global do bem geral... 70
.
Adam Smith foi um pensador crítico do absolutismo, do colonialismo e do
mercantilismo de sua época, que se utilizavam de medidas protecionistas para estimular a
exportação. Smith via na liberdade de mercado a solução para a irracionalidade do ser
humano, assim como na concepção individualista, isto é, na valorização da liberdade
econômica individual, o alcance da situação “ótima”. Quanto mais livre o indivíduo para
atingir sua riqueza melhor para o social, pois, em sua concepção, o interesse coletivo só pode
ser alcançado a partir da liberdade individual. O modelo por trás dessa ideologia defende que
as forças de mercado conduzem a economia a resultados eficientes, como se fosse guiada por
uma espécie de “mão invisível”. Nas palavras de Stiglitz,

uma das grandes conquistas da economia moderna é mostrar como e sob quais condições a
colocação de Smith é correta. Acontece que essas condições são extremamente restritivas. Na
verdade, progressos mais recentes na teoria econômica, que ironicamente ocorreram durante o
período da busca mais implacável das políticas do Consenso de Washington, demonstram que
toda vez que as informações são imperfeitas e os mercados incompletos, ou seja, sempre e
principalmente nos países em desenvolvimento, a mão invisível funciona de maneira ainda
mais imperfeita. 71

E complementa: forçar um país em desenvolvimento a abrir o seu mercado interno à


concorrência de produtos importados de países mais ricos é uma política que pode ter
72
conseqüências desastrosas tanto do ponto de vista econômico quanto do social, com o
aumento sistemático do desemprego. Isso foi o que, aliás, acabou acontecendo com o mercado

70
Adam Smith. A Riqueza das Nações, Volume I. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 391.
71
Stiglitz, “A globalização e seus malefícios…”, op. cit., p. 108.
72
Idem, p. 43.
37

de trabalho da aviação civil brasileira, após a adoção do receituário neoliberal no seu


funcionamento.
No período conhecido como Era de Ouro do capitalismo, principalmente nas décadas
de 1960 e 1970, quando o nacionalismo econômico predominou no mundo, os países em
desenvolvimento tiveram taxas de crescimento econômico sem precedentes e, segundo
Rodrik,

a lista de países com esse recorde invejável vai muito além do habitual punhado de
suspeitos do Extremo Oriente [...] inclui doze países sul-americanos, seis do Oriente Próximo
e do Norte da África e até quinze da África Subsaariana. 73

No entanto, nas décadas seguintes o que se viu, na América Latina, por exemplo, foi
uma deterioração da sua posição internacional relativa e absoluta, em conseqüência dos
ditames neoliberais, inclusive no Brasil, expressa nas baixas taxas de crescimento. Em termos
mundiais e, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de
1996, em setenta países em desenvolvimento os níveis de renda daquele ano foram menores
do que os índices das décadas de 1960 e 1970, e o que é ainda pior, o declínio econômico na
maior parte desses países tem sido mais longo e mais profundo que durante a Grande
depressão da década de 1930, da qual os países ricos conseguiram sair em quatro ou cinco
anos, enquanto a “década perdida” de 1980 ainda persiste para centenas de milhões de pessoas
em muitos países da Ásia, África e América Latina. 74
Com relação ao comércio em geral, após a adoção das principais medidas ditadas pelo
Consenso de Washington, a balança comercial da América Latina saiu de uma situação
superavitária nos anos 1980 (quase 30 bilhões de dólares em 1989) para um déficit de 18
75
bilhões em 1994. Durante o auge do intervencionismo estatal nas décadas de 60 e 70,
afirma Chang, tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento, cresceram a uma
média de 3% em termos per capta, por ano. Durante a era do neoliberalismo, décadas de 80 e
90, essa taxa nos países desenvolvidos foi de 2,2%, e nos países em desenvolvimento 1,5%,
devendo-se esse valor ao rápido crescimento dos países do leste e Sul da Ásia, principalmente
China e Índia, que não seguiram as prescrições neoliberais nesse período. Na América Latina
essa taxa caiu para 0,6% e na África Subsaariana caiu para -0,7%. 76

73
Rodrik, op. cit., p. 46.
74
Khor, op. cit., p. 526.
75
Luis Fernando Ayerbe. Neorealismo e Política Externa na América Latina. São Paulo: Editora Unesp, 1998, p 39.
76
Ha-Joon Chang. The Market, The State and Institutions …”, op. cit., p 46.
38

Em meio a esse quadro, Fernando Henrique Cardoso assumiu a presidência do Brasil


(1995-2002) declarando exatamente “seu projeto de encerrar a Era Vargas, referindo-se ao
modelo de desenvolvimento de Industrialização por Substituição de Importações (ISI) e à
prática intervencionista do Estado, e com isto dando continuidade ao projeto que desde
77
Collor, começara a ser implementado...” e mantendo o mesmo discurso equivocado com
relação à Globalização, que confunde fins com meios. Rodrik é que esclarece essa questão
quando diz que:

A integração à economia mundial deve ser encarada como um instrumento para alcançar o
crescimento econômico e o desenvolvimento, não como um objetivo supremo.
Simplesmente não há prova de que a adoção da liberalização do comércio está
sistematicamente associada a taxas de crescimento mais elevadas
O fato de praticamente todos os países avançados de hoje terem promovido o crescimento
por trás de barreiras tarifárias, e só posteriormente as reduziram, decerto oferece uma pista. 78

Exatamente naquele momento, 1996, Kenichi Ohmae, a expressão radical do


receituário neoliberal, publicava seu famoso livro “O Fim do Estado Nação”, onde declarava
que estes teriam perdido “seus papéis como unidades significativas de participação na
economia global”, tornando-se “pouco mais que atores coadjuvantes”, bem como “uma
unidade organizacional antinatural, até mesmo disfuncional”. Para Ohmae a função
tradicional de “intermediário” dos Estados-Nações tornava-se, em grande parte,
desnecessária, “uma vez que as qualificações para participar do fórum global e para delinear
as soluções globais começam a corresponder não às fronteiras políticas artificiais dos países,
mas às unidades geográficas mais focalizadas” e também porque as estratégias das
corporações multinacionais já não mais seriam moldadas e condicionadas por razões de
Estado. 79 O que representaria o fim da soberania nacional.
Hoje, passadas quase duas décadas da prescrição amarga do Consenso de Washington,
e das idéias difundidas no mundo a partir dele, com os mercados globais, e não as prioridades
internas ditando as regras, podemos dizer que o Brasil e o restante da América Latina

não viram cumprir a expectativa de crescimento econômico. As conseqüências continuam


danosas: o desemprego aumentou, assim como os índices de violência urbana, os salários
foram drasticamente reduzidos e a riqueza se concentrou ainda mais. Na esteira do consenso,
virou anacronismo falar em políticas protecionistas e, sobretudo, em soberania nacional. 80

77
Letícia Pinheiro. Política Externa Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p 60.
78
Rodrik, op. cit., p. 68 e 69.
79
Kenichi Ohmae. O Fim do Estado Nação. São Paulo: Campus, 1996, p. 5, 6, 10,19-21.
80
Roberto Candelori. O Consenso de Washington e o Neoliberalismo, in
www1.folha.uol.com.br/folha/educação/ult305u11503.shtml, acessado em 18/09/2008.
39

E “como explicar, realmente, que o ‘Terceiro Mundo’ que está dando certo seja aquele
81
que não seguiu as prescrições neoliberais do FMI e do Banco Mundial?” Inclusive com
grande crescimento do padrão de vida para dezenas de milhões de pessoas?
No caso do Brasil, por exemplo, as medidas que antecederam o Consenso de
Washington produziram burocracia, corrupção e muito desperdício, porém com uma taxa de
crescimento anual em torno de 7%, que levou o país a ser, por algum tempo, o oitavo maior
país industrial do mundo não comunista. A certa altura, o setor público brasileiro era
responsável por cerca de metade do Produto Interno Bruto e representava dezenove das vinte
maiores empresas. 82 Aliás, o foco na questão da corrupção e do desperdício ajudou em muito
à crescente desilusão com o Estado, que se tornou endêmica na América Latina durante as
décadas de 80 e 90. Aparatos estatais inchados, segundo Evans,

eram alvos óbvios para os latino-americanos tentarem compreender as raízes da


estagnação escondida atrás da crise que os confrontava. Infelizmente, em vez de tentar separar
o que o Estado podia fazer e o que seria pouco provável que fizesse e, então, focalizar as
mudanças institucionais que iriam melhorar seu desempenho, os críticos simplesmente
demonizaram o Estado.
É a insuficiência de burocracia que prejudica o desenvolvimento, e não sua prevalência. 83

Em países como a Coréia do Sul, a burocracia conseguiu se preservar como um corpo


de elite, onde os concursos públicos têm sido usados há mais de mil anos (desde 788),
conferindo legitimidade às iniciativas do Estado, sem contar que apenas cerca de 2% daqueles
que prestam concurso são efetivamente aceitos, mesmo tendo vindo, assim como no Japão,
das melhores e mais prestigiadas universidades do país. Uma verdadeira elite, o que por sinal
também vigora em Cingapura, onde os salários dos funcionários públicos são 110% dos
salários do setor privado em funções equivalentes. Contudo, temos que concordar com Evans
quando o mesmo afirma ser uma tarefa desanimadora estabelecer uma organização
burocrática capacitada na maioria dos Estados do Terceiro Mundo. Isso sem contar o quanto o
termo “Burocracia” tornou-se pejorativo. 84

Enquanto os primeiros-ministros japoneses indicam apenas dezenas de dirigentes e os


presidentes dos EUA indicam centenas, os presidentes brasileiros indicam milhares (de 15 mil
a 100 mil, pela estimativa de Schneider). Não é de surpreender que o Estado brasileiro seja
conhecido como um grande cabide de empregos, preenchidos com base em relações pessoais
em vez de competência e, conseqüentemente, inapto em seus esforços desenvolvimentistas. 85

81
Paulo Nogueira Batista. O Consenso de Washington A visão neoliberal dos problemas, Programa Educativo Dívida
Externa- Pedex, Caderno Dívida Externa, no 6, setembro de 1994, p. 39.
82
Hobsbawm, “Era dos Extremos…”, op. cit., p. 344.
83
Evans, op. cit., p.51 e 71.
84
Idem, p. 70-71, 84 e 93.
85
Idem, p. 95.
40

Mas, chegamos ao final do século XX, e os defensores do liberalismo, como o próprio


John Williamson, afirmam que se a adoção do mesmo não deu certo foi porque as reformas
estavam incompletas e algumas da “primeira geração” haviam sido abandonadas. Faltava a
chamada “segunda geração de reformas”, que envolvem o fortalecimento das instituições, que
permitem extrair todas as vantagens das reformas de primeira geração. “Embora as reformas
dos anos 1990 estivessem na direção certa, poderiam ter sido proveitosamente levadas bem
mais adiante”. 86
Hoje, a questão que passou a ocupar o centro dos debates sobre políticas de
desenvolvimento é a do “desenvolvimento institucional” ligado ao slogan da “boa
governança”. O receituário atual centraliza nas mudanças institucionais o segredo do sucesso
e mais que isso, esse receituário, como um elixir mágico, garante que a verdade se esconde
nas instituições dos países desenvolvidos e que somente elas serão capazes de levar os países
em desenvolvimento e, portanto, carentes dessas mesmas “sólidas” instituições, “ao paraíso”.
O pior, no mais curto espaço de tempo possível, quando mesmo nos países hoje
desenvolvidos essas mesmas instituições levaram décadas ou gerações para se
desenvolverem.
Em primeiro lugar, as instituições são um reflexo da história vivida por uma nação.
Elas se desenvolvem ou são adotadas em função das necessidades espontaneamente sentidas
nos momentos adequados para suas implantações. Portanto, não pode haver certeza de que o
que é bom e funciona em um país, mesmo um país desenvolvido, possa, num passe de
mágica, ser, da mesma forma, bom para outro país. Quem garante que, segundo Rodrik, “um
modo particular de governança corporativa, de sistema de seguridade social ou de legislação
do mercado de trabalho, seja o único tipo compatível com uma economia de mercado em bom
87
funcionamento?”. O mesmo podemos dizer com relação ao Estado que, nas palavras de
Peter Evans,

não pode ser reduzido a uma agregação de interesses de indivíduos em cargos de poder, à
soma vetorial de poderes políticos ou à expressão condensada de alguma lógica de
necessidade econômica. Os Estados são produtos históricos de suas sociedades, mas isso não
significa que sejam meros peões no jogo social de outros atores. Mesmo que sejam moldados
por estes, os Estados devem ser tratados como instituições e atores sociais em si, com poderes
de influir no curso das mudanças econômicas e sociais. 88

86
John Williamson. Depois do Consenso de Washington. São Paulo: Saraiva, 2004, p 5 e 270.
87
Rodrik, op. cit, p. 63 e 67.
88
Evans, op. cit, p. 44.
41

Com relação às supostas, e tão difundidas, punições dos investidores internacionais...


Como explicar o enorme volume de investimentos que a China vem recebendo, a despeito de
possuir muito poucas dessas chamadas “boas instituições”. O que os investidores
89
internacionais buscam é mercado e crescimento econômico, o que os países latino-
americanos nas últimas décadas de liberalismo econômico não conseguiram apresentar. A
China, segundo Stiglitz, começou a derrubar suas “barreiras comerciais 20 anos após ter
90
iniciado a marcha rumo ao mercado” e Rodrik, em sua análise sobre como a América
Latina, em comparação com o Leste Asiático, lidou com a abertura econômica, chega à
interessante conclusão de que a principal diferença entre essas duas regiões não está no fato
da primeira ter-se mantido fechada (ISI), enquanto a segunda se integrava à economia
mundial, mas na incapacidade da primeira administrar sua abertura e lidar com as turbulências
dessa economia mundial

[...] a experiência de desenvolvimento dos últimos cinqüenta anos revela outro fato
impressionante: os países de melhor desempenho são os que se liberalizaram parcial e
gradualmente. É claro que a China se destaca nesse aspecto à medida que seu sucesso, desde
1978, se deve a uma estratégia baseada nas vias duplas, no gradualismo e no experimento.
Com exceção de Hong Kong, que sempre foi um paraíso do laisser-faire, todos os outros
casos de sucesso, no Extremo Oriente, trilharam caminhos de reformas gradualistas. A Índia,
que foi muito bem nos anos 90, também liberalizou só parcialmente 91

Na verdade, segundo Chang, não há um modelo de desenvolvimento industrial


92
“tamanho único”, e nós acrescentaríamos que essa premissa vale para a promoção do
desenvolvimento como um todo e não somente para a industrialização. O importante é a
busca e implementação de políticas econômicas próprias, que favoreçam tal conquista, como
fizeram, por exemplo, os EUA no século XIX, e que exemplificamos com as seguintes
palavras de Spiegel, citado por Stiglitz: “Na época, os intelectuais norte-americanos tinham a
convicção de que ‘um país novo exigia uma economia nova, baseada em políticas
institucionais e em condições econômicas diferentes da do Velho Mundo’”. 93.
Em diversas nações do Leste e Sudeste Asiático, deu-se ênfase à educação elementar,
à assistência básica à saúde e à conclusão de reformas agrárias eficazes no início do processo,
de um modo que não foi possível, por exemplo, no Brasil, país cuja qualidade do ensino
público básico vem caindo a cada ano, seguindo exatamente a lógica dos entusiastas do

89
Ha-Joon Chang, “Institutional development in historical perspective”, in Ha-Joon Chang, “Rethinking Development…”, op
cit., p. 517.
90
Stiglitz, “A globalização e seus malefícios…”, op. cit., p. 92.
91
Rodrik, op. cit. p. 52 e 64.
92
Ha-Joon Chang. Chutando a Escada, op. cit., p. 116.
93
Idem, p. 62.
42

mercado que recomendam aos países em desenvolvimento à adoção do livre mercado até
mesmo para a educação básica. Na opinião de Khor, talvez a mais importante e mais difícil
tarefa das políticas de desenvolvimento de países como o Brasil seja exatamente decidir o
interface entre a política doméstica e a economia mundial:

Se, como, em que extensão, em quais setores, e em qual seqüência, integrar a economia e a
sociedade doméstica com a economia e a sociedade internacional.
Uma taxa de integração muito rápida, ou integração em áreas erradas e na forma errada,
pode ser perigoso ao invés de proveitoso. 94

Desta forma, com relação aos autores, críticos ou defensores do liberalismo


econômico, foi possível observar que ao invés de argumentos novos, na maioria deles o que
temos são argumentos que já foram debatidos antes e hoje se apresentam com uma roupagem
nova, adequada à realidade atual, e se referindo a países distintos. Porém, com scripts de
atuação no cenário internacional muito parecidos com os que já foram encenados no passado.
Logo no início da década de 1970, quando as primeiras luzes eram lançadas sobre as
tendências liberais, premiava-se Friedrich von Hayek com o “recém-criado (1969) Premio
Nobel de Economia”, em 1974, e o ultra-liberal Milton Friedman, em 1976. Segundo
Hobsbawm, a batalha entre Keynesianos e neoliberais, que tinha início no mundo, naquele
momento,

não era nem um confronto puramente técnico entre economistas profissionais, nem uma
busca de caminhos para tratar de novos e perturbadores problemas econômicos. [...] Era uma
guerra de ideologias incompatíveis. Os dois lados apresentavam argumentos econômicos. Os
Keynesianos afirmavam que altos salários, pleno emprego e o Estado de Bem-estar haviam
criado a demanda de consumo que alimentara a expansão, e que bombear mais demanda na
economia era a melhor maneira de lidar com depressões econômicas. Os neoliberais
afirmavam que a economia e a política da Era do Ouro impediam o controle da inflação e o
corte de custos tanto no governo quanto nas empresas privadas, assim permitindo que os
lucros, verdadeiro motor do crescimento econômico numa economia capitalista, aumentassem.
95

Esse debate consumiu muitas publicações e um dos fortes argumentos utilizados pelos
Keynesianos cita como exemplo exatamente o governo Reagan, famoso adepto do
conservadorismo fiscal (orçamentos equilibrados) e do monetarismo de Friedman que, a
despeito do discurso externo, não exitou em usar métodos Keynesianos para tirar o país da
depressão de 1979-82, quando aumentou extraordinariamente os gastos militares gerando, em
conseqüência, um gigantesco déficit para os EUA. Outro argumento, bastante citado também,
diz respeito a outra característica inquietante e contraditória com o discurso liberal, presente

94
Khor, op. cit., p. 527-528.
95
Hobsbawm, “Era dos Extremos…”, op. cit., p. 398-399.
43

não só nesse governo, como também no ultra-conservador governo de Margareth Thatcher, o


perfil nacionalista que nutre e cultiva internamente a desconfiança pelo mundo externo.
Segundo Hobsbawm:

No fim do Breve Século XX, os países do mundo capitalista desenvolvido se achavam,


tomados como um todo, mais ricos a mais produtivos do que no início da década de 1970, e a
economia global da qual ainda formavam o elemento central estava imensamente mais
dinâmica. Por outro lado, a situação em regiões particulares do globo era consideravelmente
menos cor-de-rosa. Na África, na Ásia ocidental e na América Latina cessou o crescimento do
PIB per capita. A maioria das pessoas na verdade se tornou mais pobre na década de 1980, e a
produção caiu durante a maior parte dos anos da década nas duas primeiras dessas regiões, e
por alguns anos na última ( UN World Economic Survey, 1989, pp.8 e 26) . Ninguém duvidou
seriamente de que, para essas partes do mundo, a década de 1980 foi de severa depressão. 96

Com o agravante de que o início do processo de afastamento do Estado da economia,


principalmente por serem estes (os governos) considerados os maiores empregadores
individuais, os chamados “empregadores de último recurso”, coincidia com o momento
econômico em que a produção passava a dispensar “seres humanos mais rapidamente do que
97
a economia de mercado gerava novos empregos para eles”, tudo isso acelerado pela
competição global. Até nos países desenvolvidos, ao final de pouco mais de uma década, era
visível o crescimento da miséria.

Em qualquer noite de 1993 em Nova York, 23 mil homens e mulheres dormiam na rua ou
em abrigos públicos [...]. No Reino Unido (1989), 400 mil pessoas foram oficialmente
classificadas como ‘sem teto’ (Human Development, 1992, p. 31). Quem na década de 1950,
ou mesmo no início na de 1970, teria esperado isso?
O reaparecimento de miseráveis sem teto era parte do impressionante aumento da
desigualdade social e econômica da nova era.
[...] para não falar do candidato a campeão mundial de desigualdade econômica, o Brasil.
Nesse monumento de injustiça social, os 20% mais pobres da população dividiam entre si
2,5% da renda total da nação, enquanto os 20% mais ricos ficavam com quase dois terços
dessa renda (1992). 98

Sobre, especificamente, o caso brasileiro, agora na opinião de Bresser-Pereira, houve,


na verdade, de 1980 a 1995, falta de uma estratégia nacional de desenvolvimento, tendo a
política macroeconômica do país, a partir de 1995, subordinado-se, “integralmente, aos
ditames da ortodoxia convencional originária em Washington: a ‘estratégia’ econômica do
país passou a ser ditada pelo exterior. Nunca os formuladores brasileiros de política
econômica foram tão elogiados por Washington e Nova York quanto nos últimos 12 anos” 99
(de 1995 a 2007). Esta citação ilustra bem as décadas de 1980 e 1990, no Brasil, quando

96
Ibidem, p. 395 e 402.
97
Idem, 1995, p. 404.
98
Idem, p 396-397.
99
Luis Carlos Bresser-Pereira. Novo Desenvolvimentismo e Ortodoxia Convencional, in Eli Diniz. Globalização, Estado
e Desenvolvimento, Dilemas do Brasil no Novo Milênio. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 64.
44

pesquisamos as mudanças ocorridas na aviação comercial como um todo, a partir do


neoliberalismo, do final do século XX, quando a desregulamentação do mercado doméstico
norte-americano passou a servir de modelo para a inicial “flexibilização” do mercado
brasileiro, na década de 1980, e a posterior desregulamentação da década de 1990, criando na
VARIG, uma crise financeira intransponível.
De um ponto de vista teórico, um conceito importante a considerar e, aliás, estampado
no título desta dissertação, é o que aqui se denomina cultura da VARIG Grande. Na verdade,
tal conceito é idéia central, combinada a eventos históricos que ainda se desenrolam ao longo
do tempo vivido, como neoliberalismo, globalização, desregulamentação, estado mínimo,
desnacionalização, etc. A cultura da VARIG Grande se pode aqui definir como um corpo de
crenças e idéias incorporadas ao longo da história daquela companhia aérea e a tal ponto
cristalizadas, que não se pôde delas descolar no momento em que, talvez, se fizesse
necessário, isto é, quando da crise que lhe deu fim.
A VARIG grande representa simultaneamente dois aspectos culturais que não são de
todo divergentes: a cultura empresarial, de um lado, e, de outro, a da comunidade
representada por todos os funcionários que, em principio, pela “verticalização” usualmente
posta em prática na empresa, acreditavam poder ascender até os mais altos postos de comando
ou nela se perpetuar. O conceito de cultura empresarial vai além dos limites da História, pois
consiste também em idéia muito valorizada na área da economia e da administração de
empresas. Mas, certamente, se aproxima do sentido de campo simbólico, concebido por
Bourdieu, em que o viés da cultura empresarial se apresenta como um fenômeno social
100
comum, incluindo-se o panorama geral da História. De qualquer modo, o escopo desta
dissertação não deve privilegiar aqui a cultura empresarial em si mesma, embora esteja
presente no texto. O que se tem em mente é dar relevo ao espírito coletivo incutido desde os
primórdios da VARIG, de que ela era, antes de tudo, uma empresa de espírito público, para os
interesses dos brasileiros, que comungava com os mais altos objetivos do Estado na maior
parte dos governos.
A cultura da VARIG grande é quase uma inversão daquilo que se tem como usual no
Brasil, onde tradicionalmente as classes dominantes costumam privatizar o público, desde
priscas eras, como certa vez registrou Raimundo Faoro.101 A VARIG, ao contrário, seria uma
empresa privada imbuída de uma aura pública, solidamente arraigada em seu espírito
comunitário. Sendo ou não um mito, cultivado com insistência ao longo dos anos, isso serviu

100 Ver Pierre Bourdieu, O poder simbólico, Rio de Janeiro, Bertrand, 2006.
101 Raimundo Faoro, Os donos do poder, v. 1, Porto Alegre, Globo, 1976, passim.
45

como motivação do sprit de corps reinante na empresa, especialmente o de pertencimento a


um grupo social muito distinto, com funções sociais desempenhadas em nível de excelência.
Se assim for, por certo que tal formação mítica serviu ao propósito discursivo, que foi buscar
no quadro dos acontecimentos externos uma boa parte de seu conteúdo. Isto ocorreu, por
troca, no momento do nacionalismo desenvolvimentista de Vargas e, mais tarde, durante o
Brasil Grande, dos tempos do “milagre brasileiro”, já sob o autoritarismo do regime militar
nos anos 60 e 70. Por certo aqui se aplica o conceito de cultura proposto por Chartier, que a
concebe enquanto prática, sugerindo para seu estudo as categorias de representação e
102
apropriação, que bem se aplicam no caso. Ele sugere que o social só faz sentido nas
práticas culturais, e as classes e grupos só adquirem alguma identidade nas configurações
intelectuais que constroem, nos símbolos de uma realidade representada. Facilmente
constatada, trocas simbólicas como aquelas, transitando do público ao privado, ocorrem como
constante fator de permutações culturais, constantes nas sociedades humanas, como atestam
obras importantes que trataram do assunto, entre as quais algumas de Bourdieu. 103
Pode-se dizer, de outro modo, que até certo ponto a crise da VARIG se deu em meio
ao choque de duas concepções culturais. De um lado, a persistência da companhia aérea em
prosseguir em seu recorte cultural de empresa privada de espírito público. De outro, a cultura
empresarial implantada com o neoliberalismo, baseada na maximização dos resultados do
investimento de capital, de redução ao mínimo necessário da mão de obra, sendo esta mesmo
instável na garantia dos empregos. A VARIG, ao contrário, sempre procurou garantir os
empregos, quase a reproduzir o sistema público, porque a cultura da empresa era de sentido
comunitário, essencialmente. Além disso, como tal recorte cultural a tornava quase como um
complemento do serviço público, ela se tornou suspeita de se ter beneficiado de proteção do
Estado ao longo dos anos. Quando a presidência Fernando Collor de Mello iniciou o processo
de privatização no Brasil deu azo que surgisse a questão da “privatização” da companhia
aérea “de bandeira”. Assim, a crise que levou ao desaparecimento da VARIG se pode tributar,
de um ponto de vista imediato, a desregulamentação e a perda da proteção às empresas
nacionais brasileiras. Mas, de um ponto de vista conjuntural, se pode dizer que ela se deu pelo
choque de duas culturas bastante distintas, uma fundada no espírito público, a outra na
maximização do privado, de qualquer sorte, ambas inconciliáveis.

102 Roger Chartier, A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1990.

103
Dentre as de Bourdieu, ver, especialmente, A economia das trocas simbólicas, São Paulo, Perspectiva, 2007.
46

Por fim, ressalte-se que tais quadros culturais que se desenrolam quase sob nossos
olhos, ao tempo presente, que não se fazem desvendar tão facilmente, com tanto de suas
fontes ainda por se revelar, muitas delas gozando do status suspicaz das fontes da Internet, ou
então, fazendo parte das memórias pessoais, que ora se coletam, indispensáveis à
reconstituição da intrincada crise da VARIG grande e de sua cultura. 104

104
Denis Rolland, “Internet e história do tempo presente: estratégias de mémória e mitologias políticas”, Tempo, Rio de
Janeiro, nº 16, p. 59-92.
47

2 A REGULAMENTAÇÃO DA AVIAÇÃO CIVIL EM FACE À SUA


CONJUNTURA HISTÓRICA

2.1 - Aviação civil - o início da sua regulamentação internacional

O primeiro fórum internacional para regular as operações internacionais de aviação foi


a Conferência de Paris em 1919, onde algumas regras foram estabelecidas para a atividade
aeronáutica entre países, com destaque para a vitória da posição Britânica, que defendia a
soberania do espaço aéreo de cada nação. 105 Nesse mesmo ano, durante a Conferência de Paz
de Paris as delegações de EUA e Inglaterra comprometeram-se formalmente a estudar as
relações internacionais. O nascimento da disciplina de Relações Internacionais ocorreu na
Universidade de Gales, em 1920, portanto diretamente associada, assim como a Conferência
de Paris para a Aviação, à recém finalizada Primeira Guerra Mundial. A partir deste momento
diversas companhias aéreas começaram a surgir no mundo, principalmente na Europa, cujas
linhas, ao começarem a ser estabelecidas, já se mostravam importantes instrumentos das
relações de poder entre os países.
No Brasil, as primeiras companhias aéreas começaram a surgir na segunda metade da
década de 1920 e, já com Getúlio Vargas no poder, durante a década de 1930, tiveram um
grande impulso de crescimento graças a forma como Vargas conduziu a política externa
brasileira com os centros hegemônicos emergentes da época, principalmente EUA e
106
Alemanha, a chamada “eqüidistância pragmática”, estudada por Gerson Moura. Num
primeiro momento a presença alemã foi marcante e decisiva, cedendo espaço para a influência
norte-americana, a partir da política de barganha de Getúlio Vargas, durante a Segunda
Guerra Mundial.
O ano de 1944 foi um ano-chave de acordos entre os países aliados, tendo em conta o
iminente fim da guerra. Os EUA assumiam a liderança mundial e nesse mesmo ano
convocaram, para Chicago, um importante fórum para a aviação civil. Os americanos queriam
aproveitar-se da superioridade de sua indústria aeronáutica, que só encontrava competidores

105
Respício Antônio do Espírito Santo Júnior. “Organizando o Transporte Aéreo Internacional”, in
http://200.189.169.141/site/arquivos/dados_fatos/observatorio/TransporteAereoInternacional.pdf, acessado em 19/02/2009, p.
2.
106
Gerson Moura. Autonomia na Dependência A Política Externa Brasileira entre 1935 e 1942, Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1980, p.63.
48

na Inglaterra e na URSS, esta última fora da concorrência do mercado ocidental. A


importância deste fórum, dentre outros fatores, devia-se às grandes transformações
tecnológicas ocorridas no setor, como o advento do radar, dos motores a jato, das cabines
pressurizadas de grande porte etc e, também, a uma iminente sobra de aeronaves, pilotos,
aeródromos e infra-estrutura, que com a guerra haviam-se espalhado pelo mundo.
Constatava-se a necessidade de atualização dos acordos até então existentes, pois a partir
daquele momento a aviação deixava de ser vista apenas como um símbolo de prestígio e
107
poderio militar e assumia o papel que até hoje ela desempenha no mundo: um importante
fruto e instrumento de integração mundial em todos os níveis, além do papel político
representado pela bandeira dos países pintada na fuselagem dos aviões.
A Convenção de Chicago (1944) revogou as deliberações anteriores e deu início a
regulamentação, partindo de três objetivos principais: adaptação das normas já existentes às
necessidades criadas com a evolução do transporte aéreo; criação da International Civil
Aviation Organization (ICAO), organismo responsável pelas questões técnicas e
estabelecimento de direitos comerciais. Na conferência de Chicago mais uma vez saiu
vitoriosa a posição britânica, que defendia a necessidade de um forte controle nas atividades
aéreas, derrotando, assim, a proposta dos EUA para um “acordo multilateral” de natureza
ampla e liberal. Cinqüenta e quatro países assinaram a Convenção de Chicago, entre eles o
108
Brasil que, desde 1947, passaria a integrar o 1º Grupo do Conselho da ICAO. Naquele
momento, o tráfego aéreo no Brasil representava cerca de dez por cento de todo o tráfego
existente nos EUA e devido a fatores como a importância da malha ferroviária européia e a
destruição que a Segunda Guerra provocou naquele continente, o Brasil atingia, segundo
Luciano Ribeiro,

o segundo lugar no mundo da aviação civil, em número de passageiros transportados,


extensão das rotas, intensidade de tráfego, número de vôos, enfim, em todos os parâmetros
empregados para avaliar o setor.
Nos dias atuais, embora seja pequena a participação da América do Sul no Transporte
Aéreo Internacional mundial (4%), o Brasil é detentor de mais de 50% deste tráfego... [da
América do Sul]. 109

O transporte aéreo internacional foi institucionalizado através dos Acordos bilaterais e


o Sistema de Chicago fundou-se no tripé: ICAO, ESTADO e International Air Transport

107
Espírito Santo Júnior, op. cit., p. 2.
108
Idem, p. 3.
109
Luciano R. Melo Ribeiro. Traçando o Caminho dos Céus, o Departamento de Aviação Civil – DAC 1931-2001, Rio de
Janeiro: Action Editora, 2002, p. 61 e 194.
49

110
Association (IATA). A partir desta conferência foi possível a assinatura do primeiro
grande acordo bilateral, o Acordo das Bermudas, de 1947, celebrado entre os EUA e a Grã-
Bretanha. Este acordo tem servido como modelo para os demais acordos bilaterais firmados
111
desde então pelos demais países e baseados sempre no princípio da reciprocidade. Vale
ressaltar que acordos bilaterais são sempre firmados entre governos e não entre companhias
aéreas, desta forma, deve-se levar em conta não somente o interesse dos usuários e das
empresas, mas também do país. 112

Os acordos bilaterais visam estabelecer: (1) a capacidade e/ou as freqüências, desta forma
limitando a oferta de assentos e o espaço disponível para cargas; (2) as localidades a serem
servidas; (3) as empresas aéreas que estarão autorizadas a realizar os serviços regulares entre
os países; e (4) as tarifas ou a banda tarifária a serem praticadas pelas empresas autorizadas.
113

Essas limitações, consideradas fundamentais, à época, eram conseqüências da


realidade mundial devido à Guerra Fria, em que o controle do fluxo de pessoas, bens e
serviços era considerado vital. A Convenção de Chicago procurava garantir para a aviação
comercial um desenvolvimento seguro e sistemático, com igualdade de oportunidades e
reconhecimento da sua importância estratégica no mundo, como enunciado no texto do
Preâmbulo desta Convenção: “Considerando que o desenvolvimento futuro da aviação civil
internacional pode contribuir poderosamente para criar e conservar a amizade e a
compreensão entre as nações e os povos do mundo, mas que seu abuso pode transformar-se
em ameaça ou perigo para a segurança geral...”. Vale ainda ressaltar que essas limitações,
impostas pelos primeiros acordos, começaram a ruir exatamente no final da década de 1970,
114
coincidindo sua vigência, portanto, com o auge da Guerra Fria no mundo e com o
intervencionismo, e seu fim, com o início do processo de desregulamentação, iniciado pelas
empresas norte-americanas no seu mercado doméstico (liberação de rotas, freqüências e
equipamentos, para quaisquer empresas aéreas, existentes ou mesmo novas).
A IATA, fórum responsável pelas questões comerciais, foi fundada em Havana, em
abril de 1945, com 57 membros de 31 nações, a maioria da Europa e da América do Norte.
Atualmente, ela conta com mais de 270 membros oriundos de todas as partes do mundo.

110
Expedito Albano Silveira. “A Globalização e os Acordos Bilaterais”, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, 2000, p.
1. In: Seminário Modernização do Transporte Aéreo da Gazeta Mercantil, mar 2000. Disponível em:
<http://www.sbda.org.br/revista/Anterior/1696.htm>. Acesso em: 30/01/2006.
111
Espírito Santo Júnior, op. cit., p. 3.
112
Andréa Duschesne. “Abertura pode expor aviação nacional”, entrevista com Walterson Caravajal, Jornal do Commércio,
5 de agosto de 1991, p. 16.
113
Espírito Santo Júnior, op. cit., p. 3.
114
Idem, p.. 4.
50

Como podemos observar, a regulamentação da aviação civil internacional, a partir da


Conferência de Chicago, em 1944, coincide com a “regulamentação” para o funcionamento
do sistema capitalista internacional, ocorrido na Conferência de Bretton Woods, nas
montanhas de New Hampshire, também nos EUA, em julho do mesmo ano, onde estiveram
presentes representantes de 44 países, incluindo o Brasil. Em Bretton Woods foram criados o
FMI, o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e discutido o que,
posteriormente, seria o GATT.
No Brasil, o reflexo desses movimentos regulatórios da aviação civil ocorreu em 1949,
quando foi criada, pelo presidente Dutra, a Comissão de Estudos Relativos à Navegação
Aérea Internacional (CERNAI), órgão subordinado ao Ministério das Relações Exteriores, 115
“de assessoramento do Ministro da Aeronáutica, incumbido de estudar, planejar, orientar e
116
coordenar os assuntos relativos à aviação civil internacional”, mantendo apoio contínuo e
permanente à Delegação brasileira junto à ICAO.
A CERNAI foi estruturada por uma comissão composta por civis e militares do
Ministério da Aeronáutica e de um representante do Ministério das Relações Exteriores, com
o objetivo de estabelecer princípios que norteassem as negociações de Acordos Aéreos. Desde
sua criação estabeleceu-se que o resultado dos estudos e pareceres elaborados pela CERNAI e
que requeressem ação junto aos governos estrangeiros e organizações internacionais seriam,
após a aprovação do Ministro da Aeronáutica, encaminhados à apreciação do Ministro das
Relações Exteriores para as devidas providências. Em agosto de 2004 foi revogado o decreto
que criou a CERNAI e hoje a ANAC, aprovada em 2005 e implantada em 2006, possui cinco
superintendências, sendo uma delas a Superintendência de Relações Internacionais,
responsável pelas atribuições da antiga CERNAI. Contudo, entre a criação da CERNAI, em
1949, e seu fim, em 2004, uma longa história se passou e iremos revê-la através da história da
própria VARIG.

115
Decreto no 27.353 de 20 de outubro de1949, Cria a comissão de estudos relativos a navegação aérea
internacional, in Site do Senado Federal, acessado em 19/02/2009.
116
Decreto nº 74.470, de 28 de agosto de 1974, Reorganiza a Comissão de Estudos Relativos à
Navegação Aérea Internacional - CERNAI, aprova seu Regulamento e dá outras providências, in Site do Senado Federal,
acessado em 20/02/2009.
51

2.2 - A aviação civil brasileira: história da VARIG e de sua proximidade com


Estado

A história da VARIG se confunde com a história da aviação comercial no Brasil. A


VARIG nasceu, em 07 de maio de 1927, da junção de duas iniciativas, a do imigrante alemão
Otto Ernst Meyer, ex-oficial da Força Aérea Alemã, que desejava criar uma empresa aérea no
Rio Grande do Sul e a do grupo Condor Syndikat, de Berlim, com quem Meyer se associou,
em novembro de 1926, quando buscava na Alemanha, aeronaves e tripulações adequadas para
117
a nova empresa. O Grupo Condor Syndikat, era um Consórcio de estudos criado pelo
governo alemão, objetivando a venda de aeronaves produzidas naquele país e não uma
empresa operadora. Já a Lufthansa, era uma empresa aérea alemã, criada em 1926 e com
participação no Consórcio Condor Syndikat, sua subsidiária, do qual assumiu a administração
em 30 de novembro de 1926. 118
Meyer em sua viagem à Alemanha assinou um acordo para a compra do hidroavião
“Atlântico” (anexo B), ficando acordado, também, que seriam efetuados vôos demonstrativos
no Brasil, para estímulo ao empreendimento. Em janeiro de 1927, o governo brasileiro
concedeu ao Condor Syndikat uma licença de um ano para operar em território nacional, nas
linhas Rio de Janeiro-Rio Grande; Rio Grande-Santa Vitória do Palmar e Rio Grande-Porto
Alegre, conhecida como a Linha da Lagoa, por sobrevoar a Lagoa dos Patos. 119
O primeiro vôo ocorreu no dia 27 de janeiro de 1927 do Rio de Janeiro, onde o avião
se encontrava em revisão, para Porto Alegre, com dois passageiros, um deles Otto Ernst
Meyer, e os vôos sobre a Lagoa dos Patos ocorreram sob contrato de fretamento com Meyer,
por três meses. 120 “Este cuidava de tudo pessoalmente, desde a conquista de acionistas para a
empresa que pretendia fundar até o preparo de vôos, propaganda, entendimentos com
121
autoridades, organização de rede de representações”, etc, O primeiro vôo do Condor, sob
122
fretamento de Meyer foi em 03 de fevereiro de 1927. O bilhete (anexo C) assinado por
Berta, funcionário contrato por Meyer desde fevereiro daquele ano, isto é, antes mesmo da

117
Frank Ribeiro. “Persistência é que decidiu criação em 1927”, Jornal do Brasil, 07 de maio de 1987, p. 20.
118
“Bericht betr. Condor Syndikat - Versuchskonsortium - , Berlin (genannt “Alt”)”, p. 5. Cópia de documento do acervo do
Arquivo da Lufthansa, localizado na cidade de Colônia, doada em 1995, pelo então Chefe do citado arquivo, Sr. Werner
Bittner, ao Sr Harro Fouquet, data provável, 1929 e “De homens e idéias, os cinqüenta nos da Fundação Ruben Berta”, São
Paulo: Prêmio, 1996, p. 53.
119
Aviso n° 60/G (M.V.O.P.) de 26 de janeiro de 1927, D.O. de 27-1-927, Coletânea de Legislação Aeronáutica, organizada
e anotada pela Divisão Legal da Diretoria de Aeronáutica Civil, abrangendo o período de 1882 a 1949, 1955. Departamento
de Imprensa Nacional, Divulgação n° 730 – 928, p. 44.
120
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’ com vista ao 35º aniversário da PIONEIRA”, 05
de abril de 1962, p. 3. Documento assinado pelo autor.
121
“Vôo mais alto a trajetória segura”. Visão, 07 de julho de 1967, p. 20.
122
“Varig, o Brasil na era dos gigantescos jatos comerciais”, Tendência, Rio/São Paulo, julho de 1974, no 10, p. 4-12.
52

constituição da empresa, é para um vôo do Condor Syndikat, no dia 20 de maio de 1927.


Aliás, Berta, assim como Meyer atuava em várias frentes, desde a limpeza do escritório à
escrita da sociedade. 123 (anexo D).
Meyer iniciou sua luta para a formação de uma empresa aérea no início da década de
1920, assim que chegou ao Brasil, mas somente em 1926, após contatos com o então
deputado Alberto Bins, futuro prefeito de Porto Alegre e um dos primeiros subscritores da
VARIG e membro do seu primeiro Conselho Fiscal, foi que suas iniciativas começaram a
gerar resultados, obtendo do presidente do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros, ainda em
1926, a garantia de isenção fiscal, por quinze anos, para as empresas de aviação que se
estabelecessem no Estado, pelo prazo de dois anos, a contar da data da lei (Lei no 413, de 01
124
de dezembro de 1926). A união do grupo Condor, que além do avião forneceu também
pilotos e mecânicos, com Meyer já indicava a forte influência alemã na formação inicial da
VARIG. Dentre os 550 acionistas (anexo E) que subscreveram as primeiras ações, a maioria
era também de origem germânica. O grupo Condor Syndikat, de Berlim, além de tornar-se
detentor de 21% das ações da VARIG, quantia esta representada pelo hidroavião “Atlântico”,
com o qual a VARIG iniciou suas operações, também manteve operações independentes em
território brasileiro. 125
Em 09 de março de 1927, o Ministério de Viação e Obras Públicas outorgou à
Compagnie Génerale d’Enterprieses Aéronautiques, Lignes Latécoère, com sede em Paris,
uma autorização especial, semelhante à concedida ao Condor Syndikat, por prazo não
superior a um ano. Os franceses construíram também alguns aeroportos, como o da Praia
126
Grande, próximo a Santos, que chegou a ser utilizado pela REAL. Já os norte-americanos
participaram inicialmente desta disputa através, da NYRBA, empresa que mais tarde se
chamaria PANAIR do Brasil.
Em 10 de junho de 1927, através do decreto presidencial 17.832, foi concedida à
VARIG, a primeira autorização para uma empresa nacional de aviação iniciar suas operações.
Em 15 daquele mês, findo o contrato de fretamento feito por Meyer com o Condor Syndikat
de Berlim, o avião Atlântico (anexo F), bem como seu piloto e mecânico de bordo foram

123
“Vôo mais alto a trajetória segura”, op. cit., p. 23.
124
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 1 e 5.
125
Idem, p. 6 e “VARIG 75 anos”, Publicação Interna, 2002, p 10.
126
Aviso n° 197/G, (M.V.O.P.), 09 MAR 1927, "Coletânea de Legislação Aeronáutica...", p. 44-45 e “Um vôo lendário na
rota da Aéropostale”, livro patrocinado pela TAM, traduzido do texto de Patrick Baudry, maio de 2000, IPSIS Gráfica e
Editora e Depoimento de Harro Fouquet à autora desta dissertação, março e maio de 2009, em São Paulo. Harro Fouquet foi
Diretor Assistente de Tráfego e Vendas da Real e ingressou na VARIG, em 1961, como Superintendente de Planejamento,
quando esta comprou a Real. Harro Fouquet é membro do Conselho de Administração da VARIG, de quem foi também
diretor até se aposentar, em 1993.
53

127
transferidos para a VARIG e no dia 22 de junho ocorria o primeiro vôo regular da
companhia, exatamente na “Linha da Lagoa”. 128 O segundo avião, apelidado de “Gaúcho” foi
adquirido em novembro de 1927.129
Em 1º de dezembro de 1927 constituía-se a empresa brasileira Syndicato Condor Ltda,
com sede no Rio de Janeiro, e quatro sócios, dois alemães, Max Sauer e Fritz Hammer, este
último idealizador e um dos sócios fundadores do Condor Syndikat (Berlim) e dois
brasileiros, o Conde Ernesto Pereira Carneiro, dono do Jornal do Brasil e uma empresa de
representações do Rio de Janeiro, chamada Herm Stoltz & Cia. O decreto de concessão, nº
130
18.075, foi assinado em 20 de janeiro de 1928 e a empresa Syndicato Condor iniciou suas
operações com hidroaviões, ligando o Rio de Janeiro ao nordeste brasileiro e a Porto Alegre.
Embora com nomes similares, as duas eram empresas distintas e a Syndicato Condor, do Rio
de Janeiro, nunca possuiu participação acionária na VARIG, embora tenha feito diversas
131
propostas para assumi-la. Esta empresa, operando com aviões de fabricação alemã, teve
um rápido crescimento e, em 1934, já havia inaugurado o prolongamento dos vôos Rio-Porto
Alegre até Montevidéu e Buenos Aires.
Já a empresa Condor Syndikat, de Berlim, após subscrever capital da VARIG, entrou
em liquidação na Alemanha, em 01 de julho de 1927, e suas atividades foram assumidas, no
Brasil, pela Lufthansa. O processo estendeu-se por vários anos, mas não afetou a continuidade
das operações que, em janeiro de 1928 passaram para a Syndicato Condor Ltda, do Rio. A
Condor brasileira continuou arrendando aviões da Lufthansa e recebendo dela apoio,
sobretudo nas áreas operacional e técnica. 132
Ao terminar o ano de 1927 com duas empresas aéreas nacionais, a VARIG e a
Syndicato Condor, o Brasil, na aviação, equiparava-se, como pioneiro, aos demais países
avançados do mundo na formação das grandes companhias aéreas que cruzariam os céus do
século XX, tendo, inclusive já aprovado, através do Decreto Nº 16.983, de 22 de julho de
1925, o primeiro “Regulamento para os Serviços Civis de Navegação Aérea”. 133 As primeiras
empresas de aviação começaram a surgir na Europa, ao final da Primeira Guerra Mundial,

127
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 7.
128
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 29.
129
“VARIG 75 anos”, op. cit., p. 15.
130
Decreto n° 18.075, de 20 de janeiro de 1928, “Coletânea de Legislação Aeronáutica...”, op. cit., p.47 e “Contracto Social
da Sociedade Mercantil por Quotas de Responsabilidade Limitada – Syndicato Condor, Limitada”, Rio de Janeiro, 01 de
Dezembro de 1927, p. 1-7. Consta da brochura “Início da Aviação Comercial no Brasil”, documentário, ilustrado, datado
provavelmente de 1952, sob os auspícios da Varig.
131
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 7.
132
Bericht betr. Condor Syndikat, op. cit., p. 12-17.
133
Decreto n° 16.983, de 22 de julho de 1925, "Aprova o regulamento para os serviços civís de navegação aérea, “Coletânea
de Legislação Aeronáutica...”, op. cit., p. 13 a 25.
54

como foi o caso da holandesa KLM, em 07 de outubro de 1919, voando para suas colônias na
África e na Ásia e, no mesmo ano, da alemã Deutsche Luft-Reederei que iniciou um serviço
diário, em 05 de fevereiro de 1919, entre Berlim e Weimar. 134 Na América do Sul a primeira
empresa aérea foi também fundada em 1919, a SCADTA, atual AVIANCA, que só iniciou
135
suas operações regulares em 19 de setembro 1921. Em 02 de abril de 1924, foi fundada a
136
British Airways, com o nome de Imperial Airways e, em janeiro de 1926, a Lufthansa. 137
Em 1927, no mesmo ano, portanto, do nascimento da VARIG e da Syndicato Condor, nasceu
a norte-americana Pan Am, e a Air France, só seria criada em 1933, mesmo ano de fundação
da Viação Aérea São Paulo (VASP).
No Brasil, o dia 30 de dezembro de 1929, marcaria o início da trajetória de uma
empresa que buscou sempre construir uma imagem fortemente atrelada à imagem do Brasil e
parceira da política de seus governantes, naquele época estaduais, pois a empresa ainda era
regional. Neste dia, o hidroavião “Atlântico” da VARIG levou Getúlio Vargas, juntamente
com Meyer, em viagem secreta, para o Rio de Janeiro, onde Vargas apresentaria sua
plataforma como candidato de oposição a Júlio Prestes. Esta foi a última viagem do
“Atlântico” com passageiros, pois na partida, e sem que os ocupantes soubessem, ele já
apresentava uma deformação no casco, que lhe fora fatal. Tanto que a volta de Vargas a Porto
Alegre, também em companhia de Meyer, se deu em outro hidroavião, o “Guanabara”,
arrendado pela VARIG devido ao problema do “Atlântico”. 138
Nesse ano de 1929 já haviam começado as negociações da VARIG com o governo do
estado do Rio Grande do Sul para que este assumisse uma participação societária na empresa,
bem como com o Syndicato Condor, representante no Brasil do Condor Syndikat de Berlim,
139
sobre a revenda dos hidroaviões “Atlântico” e “Gaúcho”. Em 24 de abril de 1930,
portanto, antes da Revolução, de outubro de 1930, que mudaria a vida do país e muito
influenciaria no desenvolvimento da aviação comercial, Oswaldo Aranha ainda estava à frente
da Secretaria do Interior do Rio Grande do Sul, e a VARIG conseguiu firmar contrato com o
governo deste Estado. Através deste contrato, segundo Adroaldo Mesquita da Costa, (anexo
G) presidente do Conselho Fiscal da VARIG, na época, e ministro da Justiça e Negócios
Interiores, no governo Gaspar Dutra,

134
Bill Gunston, Editor in Chief .“Chronicle of Aviation”, London: Chronicle Communications Ltda, 1992, p. 168.
135
R. E. G. Davies. Lufthansa an Airline and it´s aircraft, New York: Paladwr Press, 1984, p. 207 e 212.
136
Idem, p. 173.
137
Idem. p. 19.
138
Geraldo Tollens Link. Na Esteira do Irma, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p. 76-81.
139
Relatório Anual da Diretoria da S.A. Empreza de Viação Rio Grandense VARIG, relativo ao anno social de 1930, para ser
apresentado a Assembléia Geral Ordinária dos Acionistas de 1931, p. 15.
55

O Governo cederia, pelo prazo de 20 anos, com opção por mais 20, o campo de Gravataí,
para uso e administração da VARIG; lhe forneceria recursos financeiros, no montante de
399:000$000, para acabamento deste, a construção de um hangar e respectivas instalações
essenciais e, finalmente, lhe poria à disposição até 186.000 dólares, para que lhe adquirisse 4
aviões terrestres de passageiros de tipo Junkers F.13, com motor WASP comercial de 420
HP, 2 aviões de correio e carga Junkers W 34 e 2 aeroplanos KLEMM, para instrução. A
VARIG, por sua vez, se obriga a adquirir do Governo, 2 dos 4 aviões Junkers F.13, de sua
propriedade, mediante a entrega de 1050 de suas ações, assumiria a conservação dos 6 aviões
deste e manteria uma escola de aviação, em que poderia ele matricular anualmente, a título
gratuito, até 10 alunos, da Brigada Militar. 140

Ficou estabelecido também que o governo do Rio Grande do Sul compraria da


empresa Condor Syndikat sua participação de 21% na VARIG, cuja transferência foi efetuada
em 06 de junho de 1930, juntamente com os dois hidroaviões, que retornavam assim ao
141
Consórcio Condor. Naquela data a VARIG já havia decidido, segundo consta no seu
Relatório Anual do exercício de 1930, não mais operar com hidroaviões, pois os mesmos
142
limitavam o crescimento de suas linhas, principalmente para o interior do estado. Quando
o “Atlântico” retornou da viagem ao Rio, já danificado, foi devolvido ao Condor que o
manteve, como sucata, em um hangar na Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, 143 e
a LH designaria, então, a empresa Syndicato Condor, do Rio de Janeiro para fazer o acerto de
144
contas com a VARIG. Já o hidroavião “Gaúcho” passou a fazer parte da frota da
Lufthansa. 145
Após deflagrada a Revolução, quando Oswaldo Aranha já assumira o Ministério da
Justiça, no Rio de Janeiro e Flores da Cunha a Intervenção Federal no Rio Grande do Sul,
começou o périplo da VARIG para obter do governo provisório desse Estado a concretização
do que havia sido acordado anteriormente. A história revelaria, mais tarde, ter sido este
interventor um traidor de Getúlio Vargas, o que poderia justificar a dificuldade imposta pelo
mesmo para honrar o compromisso de Oswaldo Aranha com a VARIG. Flores da Cunha
chegou a autorizar apoio aos constitucionalistas de São Paulo e a fornecer armas para a
preparação de um levante no Rio Grande do Sul, tendo traído, inclusive a estes, ao autorizar
que as tropas preparadas para apoiar os constitucionalistas marchassem contra eles. 146
Por conta dessa dificuldade encontrada no novo governo gaúcho, a VARIG esteve
próxima de encerrar suas atividades, tendo inclusive alugado um avião por alguns meses, 147 e

140
Adroaldo Mesquita da Costa. “Recordando”, documento sem data, assinado pelo autor, p. 1.
141
“Relatório Anual da Diretoria da S.A. Empreza de Viação Rio Grandense...”, op. cit., p. 15.
142
Idem, p. 14.
143
Geraldo Tollens Link, op. cit., p.112.
144
Bericht betr. Condor Syndikat, op. cit., p. 18.
145
R. E. G. Davies, op. cit. p. 21.
146
Ari Schneider. 1932: Uma história de luta, traição e mortes, O Estado de São Paulo, 07 de julho de 2002, p. A10-A11.
147
“Relatório Anual da Diretoria da S.A. Empreza de Viação Rio Grandense...”, op. cit., p. 15.
56

Adroaldo Mesquita da Costa foi quem conseguiu de Flores da Cunha o cumprimento do


contrato, após envolvimento de Borges de Medeiros e Oswaldo Aranha junto ao interventor,
para que este não permitisse o encerramento da empresa. Em 19 de março de 1931, Oswaldo
Aranha escreveu uma carta a Flores da Cunha, de onde destacamos o seguinte trecho:

Como representante do governo, ainda na Secretaria do Interior, assinei um contrato com a


VARIG, em que os interesses da Companhia foram esquecidos em favor do Estado e da
Revolução. Peço-te agora que o cumpras, honrando, assim, o meu compromisso e salvando da
falência iminente uma entidade que tão assinalados benefícios tem trazido ao Rio Grande.
Refiro-me não só aos decorrentes do alcance econômico e comercial do serviço aéreo, mas
sobretudo dos que não poderemos jamais esquecer, os benefícios prestados, durante a
preparação revolucionária. Os dirigentes da empresa sempre estiveram na intimidade da
conspiração e foi sempre com a mais decidida solicitude que se prestaram a todas as ligações.
Nada, por certo, os autorizava a supor que o Governo do Estado se negaria a cumprir o que
assinara por meu intermédio. Seria um crime desamparar a VARIG, Flores, quando seu
reerguimento está nas tuas mãos e ela reclama do Governo, apenas o cumprimento de um
compromisso. 148

Ainda foi preciso aguardar sete meses até que, em 23 de outubro de 1931, o governo
gaúcho, através do Decreto No 4.880, mediante a aquisição de 1.050 ações, 149
passou a ser o
acionista majoritário da VARIG, em substituição ao Condor Syndikat. Desta forma, dava o
Estado continuidade ao apoio inicial e ratificava a consciência existente na época de que a
aviação era um investimento que requeria, naquele momento, subsídios governamentais e que
150
foram mantidos até 1968, pelo Governo Federal. No ano seguinte, quando da Revolução
Constitucionalista em São Paulo, contra o governo de Getúlio Vargas, a VARIG, mais uma
vez marcaria seu apoio ao presidente, ao suspender todo o seu tráfego aéreo, para poder ajudar
na repressão ao movimento, cedendo seus aviões e tripulantes aos governos estaduais e
federais.151
Seguindo um início operacional relativamente parecido nascia, em 04 de novembro de
1933, fundada por empresários paulistas, a Viação Aérea São Paulo, Vasp. Contudo, nos anos
de 1934 e 1935, quase paralisou suas atividades, sendo socorrida pelos governos do Estado e
do Município da Capital, passando o Estado à condição de acionista majoritário e
152
administrador. Contudo, a partir de 1946, a Vasp não conseguiu acompanhar o ritmo de
crescimento dos principais concorrentes, em especial a Real, devido, principalmente, a
escolha de equipamentos de vôo inadequados (bimotores ‘Scandia’, incapazes de competir
com os ‘Convair’, escolhidos por três congêneres) e sua condição de empresa estatal, que

148
Adroaldo Mesquita da Costa, op. cit., p. 4.
149
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 8.
150
Carlos Maranhão. “Playboy entrevista Hélio Smidt”, Playboy, São Paulo, Julho 1989, p. 53.
151
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 9.
152
Aldo Pereira. Breve História da Aviação Comercial Brasileira, Rio de Janeiro: Europa Empresa Gráfica e Editora, 1987, p.
184 e 185.
57

153
levou-a a padecer, várias vezes, dos efeitos da falta de continuidade administrativa.
Segundo Monteiro:

ao garantir a continuidade de suas operações via participação estatal, Varig e Vasp


confirmavam, por um lado, o significado político estratégico da atividade, já demonstrado
através dos vínculos entre as demais empresas, Sindicato Condor e Panair do Brasil, com seus
respectivos países (e, por outro lado), as dificuldades técnicas envolvidas, que incluíam não só
o domínio da tecnologia aeronáutica, mas também fatores impossíveis de ser controlados, mas
que afetavam diretamente as operações, como as condições meteorológicas, e que geravam
custos aparentemente acima da capacidade financeira da iniciativa privada. A participação do
Estado, neste sentido, parecia condição necessária para o desenvolvimento do setor. 154

Outra condição necessária para o desenvolvimento do setor era a criação de órgãos


governamentais que o regulassem e, em 22 de abril de 1931, através do decreto de lei n.º
19.902, foi criado o Departamento de Aeronáutica Civil (DAC), órgão subordinado ao
Ministério de Viação e Obras Públicas. No ano seguinte, em 06 de janeiro de 1932, o decreto
20.914 estabeleceu que competiria, exclusivamente ao Governo Federal, regular a aeronáutica
civil em todo o pais, por intermédio do DAC. Em 1938, seria publicado o primeiro Código
Brasileiro do Ar e em 1941 o DAC passaria à subordinação do Ministério da Aeronáutica,
155
criado naquele ano, pelo decreto de lei n.º 2.961, com um braço civil, representado pelo
DAC e outro militar. Assim permaneceu até 2001, quando foi extinto e transformado no
Comando da Aeronáutica (COMAER), subordinado ao Ministério da Defesa, pela medida
provisória n.º 2.216-37 de 31 de agosto de 2001, no governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso. 156
Nesse contexto de criação dos primeiros órgãos governamentais reguladores, isto é, no
início da década de 1930, a política aeronáutica brasileira foi estabelecida. A VARIG, ainda
uma empresa regional, já servia a quase todo o território do Rio Grande do Sul com aviões
157
terrestres e iniciava as negociações para a transferência do capital acionário do governo
gaúcho e dos acionistas pioneiros para uma fundação de funcionários. Enquanto isso a Vasp e
a Condor já buscavam “vôos mais altos”. Em 1937, a Vasp, a Condor e a Pan American
Airlines solicitaram autorização ao governo brasileiro para uma rota Rio de Janeiro-Assunção.
Oswaldo Aranha, embaixador do Brasil em Washington, se posicionou a favor dos interesses
norte-americanos, enquanto o Tenente Coronel Eduardo Gomes era a favor de uma empresa

153
Harro Fouquet. Texto sobre a história da Cruzeiro do Sul, Panair do Brasil, Ponte Aérea, Real, Transbrasil, Varig e Vasp,
março de 1996, a pedido do Itaú Cultural para o Módulo do Transporte Aéreo no Brasil.
154
Cristiano Fonseca Monteiro. A dinâmica política das reformas para o mercado na aviação comercial brasileira (1990-
2002), Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, do Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 64.
155
Coletânea de Legislação Aeronáutica, op. cit., p. 356-359.
156
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p.13 e 82.
157
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 15.
58

brasileira fazendo este percurso, mesmo sob influência alemã e “não aceitava o fato do
governo brasileiro ter revogado o Artigo 06 do Decreto 24.572 de 04/07/1934, para favorecer
uma empresa estrangeira”. 158 Este episódio nos evidencia uma situação bastante freqüente no
governo Vargas, naqueles tempos, a forte influência tanto dos EUA, quanto da Alemanha, nos
diversos escalões do governo.
Em 19 de agosto de 1941, pelo Decreto no 3.523, a empresa Syndicato Condor teve
seu nome trocado para Serviços Aéreos Condor Ltda, em cumprimento a uma exigência legal
159
que designava a denominação sindicato a organizações de classe. Na VARIG, que desde
1931 se expandia, tendo o Governo Gaúcho como acionista majoritário, os dirigentes
passavam a se preocupar com o interesse que a empresa, com todo o seu potencial, começava
a despertar no mercado, tanto de grupos privados brasileiros, quanto estrangeiros. Temia-se,
também, que viesse a ser estatizada, pois havia no discurso governamental idéias vinculadas
ao nacionalismo econômico. O estado do Rio Grande do Sul chegou perto de assumir a
presidência da empresa, como acionista majoritário, quando Otto Ernst Meyer, devido ao
clima “anti-germânico” que prevaleceu no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial se
afastou da empresa. O interventor Cordeiro de Farias chegou a indicar Érico de Assis Brasil
para suceder a Meyer, entretanto com a morte inesperada de Assis Brasil, os acionistas
aprovaram o nome de Ruben Berta, em 1941. 160 A idéia de criar uma fundação acabava com
esses temores, uma vez que o patrimônio das fundações está legalmente protegido. “A
161
fundação é patrimônio personalizado pela finalidade a que se destina”, por isso seus bens
são inalienáveis. Foi, inclusive, criado um dispositivo que previa que, no caso de estatização
ou dissolução da empresa, o patrimônio deveria ser utilizado para assegurar os compromissos
com seus empregados, garantindo o cumprimento dos benefícios e pensões de que se tornasse
162
devedora. Desta forma, é possível compreender a estratégia criada recentemente para
“venda” da VARIG, isto é, foi preciso separá-la, de maneira que com a FRB-PAR ficassem
apenas as dívidas. A nova lei de Recuperação Judicial, promulgada em fevereiro de 2005,
tendo sido a VARIG a primeira a utilizá-la, em junho daquele ano, prevê a possibilidade de
“isolamento” de uma parte operacional da empresa, que tenha condições de sobreviver se for

158
Claudia Musa Fay. “Crise nas alturas: a questão da aviação civil”, Tese de Doutorado em História, Porto Alegre:
PPGH/IFCH/UFRGS, 2001, p. 26 e 27.
159
Aldo Pereira, op. cit., p. 119.
160
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 61.
161
Jussara Maria Gonçalves. Ruben Berta: a experiência de socialização através de uma Fundação de Funcionários.
Dissertação de Mestrado em Sociologia, Porto Alegre: PUC-RS, 1987, p. 69 e 61.
162
Estatuto da Fundação Rubem Berta, artigo 1º, p. 1.
59

163
isolada das dívidas e obrigações do conjunto, para que sejam renegociadas, sem que a
empresa pare suas atividades. Assim, criou-se a Unidade Produtiva VARIG, a “Nova Varig”,
vendida, em 2006, para a VarigLog e, em 2007, para a Gol.
Na VARIG, o processo de transferência do capital acionário do governo gaúcho e dos
acionistas pioneiros para uma fundação de funcionários foi concluído em 07 de dezembro de
164
1945, pelas mãos do então presidente da empresa Ruben Berta. Sobre a criação da
Fundação, Ruben Berta elaborou um discurso, em 1966, no qual acrescentava à preocupação
com os funcionários, argumento sempre divulgado pela empresa, outra preocupação, voltada à
perpetuação do empreendimento, onde declarava:

[...] administradores americanos e europeus, que não se sintam fascinados pelas idéias que
pomos em prática. Alguns cogitam seriamente em copiar o sistema, e os pedidos de
esclarecimentos são constantes, pois todos os que têm problemas de sucessão nos seus
estabelecimentos, sentem que estes não repousam sobre estacas sólidas e por isso terminam
dentro do mesmo conflito: que fazer com a casa, depois de desaparecerem os fundadores -
quem perpetuará seus princípios? 165

Nesse discurso ficava nítida a preocupação quanto à proteção do patrimônio, que se


pensava ficaria mais seguro caso previamente estabelecido sob o gerenciamento de uma
fundação, com claras regras de comando e sucessão, que visavam a perpetuidade do
empreendimento. Desta forma, em 1944, com a criação da Fundação, a VARIG passou,
teoricamente, a pertencer aos seus próprios funcionários, através de um processo pelo qual os
acionistas e o governo gaúcho, após duplicação do capital, doaram-no à chamada Fundação
dos Funcionários da VARIG, que assim passava a deter 50% do capital, isto é, a maioria dos
166
votos. Em 1966, com a morte de seu fundador, ela foi rebatizada como Fundação Ruben
Berta (FRB). Essa iniciativa, à época, representava idéias consideradas socialmente muito
avançadas, porém, só anos mais tarde, incorporadas à legislação dos países mais adiantados.
167 168
Esse foi, na opinião de Hélio Smidt, presidente da VARIG na década de 1980 e,
169
também, sobrinho de Ruben Berta, o processo que mais marcou a personalidade da
VARIG. Todos os discursos da empresa a partir do momento da criação da Fundação
buscavam ratificar essa imagem, assim descrita por Ruben Berta:

163
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit. e Lei no 11.101, de 09 de fevereiro de 200, Nova Lei de Falências, Editora
Revista dos Tribunais, 2005, Artigo 60, p. 71. “Separação da ‘Unidade Produtiva isolada do devedor’”.
164
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 35.
165
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas que constituem a base da Fundação dos Funcionários da VARIG”,
Porto Alegre, dezembro de 1966, p. 23.
166
Idem, p. 20.
167
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 18.
168
.“Os Vôos da VARIG”, Senhor, São Paulo, 24 de julho de 1985, p.5.
169
“Hélio Smidt: Homem da Aviação Comercial Brasileira/89”, Guia Aeronáutico, Janeiro de 1990, p.19.
60

... Impossíveis teriam sido esses juros compensadores sem um sacrifício constante de todo
o pessoal que serve à companhia [...]. Esse pessoal merece mais do que lhes temos dado e
estamos dando. Merece, pelo menos, um amparo bem mais completo do que lhe proporciona a
Caixa de Aposentadoria e Pensões [...]. Parece-nos imprescindível alargar agora as bases deste
entendimento tácito, dando aos que produziram o direito de participar desse trabalho e de
deliberar sobre as cousas que pertencem ao destino comum [...]. A diretoria sugere que se
duplique o capital atual, dando das novas ações uma porcentagem substancial, em forma de
doação, a uma Fundação de Funcionários da VARIG, a qual se ocupará de promover o bem-
estar social e completar duma maneira essencialmente prática as deficiências da atual
previdência social.... 170

Nesse, como em todos os discursos proferidos ao longo da história da VARIG,


buscava-se divulgar que havia na criação da FRB uma grande preocupação social, que na
prática, acabou por desenvolver no quadro funcional, devido ao aspecto assistencial da
empresa para com os empregados e seus dependentes, um sentimento de segurança e
estabilidade, que seriam uma de suas principais marcas. A FRB possuía os seguintes serviços
assistenciais:

• Médico;
• Odontológico;
• Nutricional;
• Auxílio Medicamentos;
• Auxílio Aposentadoria e Pensões;
• Auxílio Ensino;
• Auxílio Médico-Hospitalar;
• Auxílio Exames Laboratoriais;
• Auxílio Exames Radiológicos;
• Auxílio Aparelhos Reabilitantes;
• Auxílio Funeral;
• Programações Sociais;
• Programações Esportivas;
• Programações Culturais;;
• Convênio com Supermercados;
• Convênio com Seguradoras;
• Convênio com Farmácias;

170
“Atos da Constituição da Fundação Ruben Berta, Ata da Assembléia Geral de Acionistas”, 29 de outubro de 1945,
Publicação Interna da Empresa, dezembro de 1975, p. 4 e 5.
61

• Convênio com Hotéis;


• Alimentação (cesta básica);
• Empréstimos;
• Financiamentos;

Os benefícios listados acima foram, ao longo dos anos, reforçando os laços e


fortalecendo os vínculos entre a empresa e a família dos funcionários que, por extensão,
passavam a desenvolver o mesmo sentimento de orgulho e de afeição já desenvolvido pelos
próprios funcionários. A FRB funcionava como um imenso “guarda-chuva”, uma verdadeira
rede de proteção e amparo, uma vez que sua presença era sentida em quase todos os
momentos da vida dessas pessoas, desde o trabalho ao lazer, desde as comemorações,
empréstimos e cuidados com a saúde até os auxílios funerais. Há sessenta anos passados o
efeito de segurança que causava era muito forte, muito mais que nos anos que antecederam
sua dissolução, quando se destacava pelos benefícios que oferecia aos empregados.
Ruben Berta permaneceu na presidência até a morte, em 14 de dezembro de 1966,
mesmo ano, aliás, da morte de Otto Ernst Meyer, em 17 de fevereiro, 171 (anexo H) deixando,
porém, bastante consolidada no grupo, a idéia de que a VARIG deveria ser muito mais do que
uma simples organização e que seus valores, todos muito bem sedimentados ao longo dos
anos, tanto interna quanto externamente, precisavam ser preservados, pois representavam a
própria empresa, sua “alma” (se é que podemos assim nos referir), sua mais importante
herança, responsável pela perpetuação da marca, assim descrita por Fernando Hupsel, em
1989:

[...] Mesmo que possa não parecer, há, ainda, na VARIG, aquele simbolismo dos
tempos iniciais [...], 172

que se mantiveram porque tinham uma “função ideológica e política” de penetração e


representação, de acordo com o conceito de “poder simbólico” de Bourdieu, assim analisado
por Sérgio Miceli:

O trajeto de Bourdieu visa aliar o conhecimento da organização interna do campo


simbólico, cuja eficácia reside justamente na possibilidade de ordenar o mundo natural e social
através de discursos, mensagens e representações, que não passam de alegorias que simulam a

171
Biografia de Otto Ernst Meyer, Porto Alegre, 01 de maio de 1966, Documento interno da empresa, p. 3.
172
Fernando Hupsel. “Respeitamos a VARIG”, Guia Aeronáutico, novembro de 1989, p. 6.
62

estrutura real de relações sociais, a uma percepção de sua função ideológica e política e
legitimar uma ordem arbitrária em que se funda o sistema de dominação vigente. 173

Dentre esses valores simbólicos alguns se destacaram como verdadeiros


compromissos da empresa para com a sociedade, como:

• a busca pela qualidade, nos mínimos detalhes;


• a contribuição com o desenvolvimento do país;
• a identificação de sua imagem com a do país;
• a necessidade de preservação dos ideais iniciais;
• a valorização da experiência – peso positivo do fator antiguidade;
• o destaque pela excelência, sofisticação e modernidade;
• a divulgação da postura de servir acima de tudo;
• a valorização do ser humano, principalmente de seus funcionários;
• a assunção do papel de representante do país no exterior;
• a postura de parceira política dos governos brasileiros;
• a disseminação do sentimento de orgulho pela grandeza da empresa;
• a valorização da integração entre os funcionários (a “família VARIG”);
• a valorização da cultura da empresa e de todo o seu simbolismo;
• a disseminação do sentimento de posse da empresa, tanto interna (entre os
funcionários), quanto externamente (entre os brasileiros);

A FRB foi criada em plena Segunda Guerra Mundial, em cujo contexto ocorreu a
regulamentação da aviação civil no mundo (1944) e no Brasil (1949). O desenrolar desta
guerra muito influenciou o panorama brasileiro da aviação comercial, principalmente em
função do acordo de aviação militar, concluído em 1944, entre Brasil e EUA, para uso dos
aeroportos brasileiros. Já nesse ano, os EUA ajudaram a construir duas bases militares, uma
no Paraná e outra no Rio Grande do Sul. Através desse acordo os EUA adquiriram o direito
de ocupação dos aeroportos estratégicos no Brasil por dez anos, o que só não ocorreu devido à
resolução da ONU de 1946, recomendando a imediata retirada de forças armadas estacionadas
em Estados-Membros. Mesmo assim os norte-americanos só saíram em 1947. 174

173
Pierre Bourdieu. A Economia das Trocas Simbólicas, São Paulo: Perspectiva, 2007, p. XIV.
174
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 37.
63

Desta forma, vale aqui discorrer um pouco sobre o desenrolar da participação direta do
Brasil na Segunda Guerra, o que começou a se esboçar em 1942, mesmo ano em que a
VARIG cruzava, pela primeira vez, os limites do Rio Grande do Sul, ao inaugurar sua
175
primeira linha internacional para Montevidéu. Em janeiro de 1942, ocorreu a Conferência
do Rio, organizada pelos EUA, com o objetivo de restringir as atividades do Eixo nas
repúblicas americanas e, durante essa conferência, foi declarado o rompimento de nossas
relações com esses países. Logo em seguida, foram assinados acordos militares com os EUA,
176
inclusive um acordo secreto político-militar, em maio. Iniciava-se aí um período de
relações especiais com o governo norte-americano que, naquele momento, necessitavam do
Nordeste brasileiro como parte do sistema de defesa hemisférico, tanto em função das rotas
do Atlântico Sul para África e Oriente Médio, como para controlar a costa leste e norte da
América do Sul.
Logo após o final da Conferência do Rio, os EUA desenvolveram programas
destinados a impedir qualquer tipo de atividade econômica dos países americanos com Japão,
Itália e Alemanha. Desenvolveram, inclusive, uma lista negra dos colaboradores do Eixo,
visando à implementação de controle sobre os indivíduos constantes dessa lista, incluindo a
177
eliminação de linhas aéreas do Eixo que operavam no Brasil. Como conseqüência desse
programa, pode-se citar o afastamento de Otto Ernst Meyer da presidência da VARIG, como
já mencionado e a assinatura, em 1946, do primeiro Acordo Bilateral de Transporte Aéreo do
Brasil, exatamente com os EUA. 178
Outra conseqüência foi a trajetória da empresa, Syndicato Condor, do Rio de Janeiro,
que por ter dois sócios alemães e forte ligação à Alemanha, através da Lufthansa, foi
nacionalizada, em 1942 e, em 16 de janeiro de 1943, teve seu nome novamente trocado, desta
vez para Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul Ltda, sem mais referências, portanto, ao termo
Condor. Seus dirigentes e funcionários alemães já haviam sido afastados, muitos presos,
tendo seu antigo consultor jurídico, o advogado José Bento Ribeiro Dantas assumido a
179
presidência da empresa. Naquela época, as três maiores empresas nacionais, a Syndicato
Condor, a VARIG e a Vasp, sofriam bastante influência alemã, contudo, enquanto a
Syndicato Condor já possuía muitas rotas para o interior do país, principalmente no nordeste,

175
“VARIG 75 anos”, op. cit., p. 16.
176
Eugênio Vargas Garcia. Cronologia das Relações Internacionais do Brasil, Rio de Janeiro: Contraponto, Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, 2005, p.156.
177
Gerson Moura. O Brasil na Segunda Guerra Mundial: 1942-1945, in J.A. Guilhon de Albuquerque (org.), Sessenta Anos
de Política Externa Brasileira (1930-1990), Volume I Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 98.
178
Antônio Henrique Browne Pereira do Rego. “Tendências da Aviação Civil no Brasil”, Revista Brasileira de Direito
Aeroespacial, no 44, setembro de 1989, p.17.
179
Aldo Pereira, op. cit., p. 120 e 122.
64

a VARIG e a Vasp eram ainda pequenas empresas regionais, provavelmente por este motivo
foram menos pressionadas. A VARIG só começou a voar para o Rio de Janeiro e São Paulo
após a nacionalização da Condor. 180
Devido à derrota da Alemanha na guerra, com seu território sendo ocupado
militarmente pelas forças aliadas (EUA, URSS, Inglaterra e França), e a perda da soberania
sobre seu espaço aéreo, a Lufthansa acabou sendo extinta. Após a formação da República
Federal da Alemanha, “Alemanha Ocidental”, a soberania foi recuperada e, em 1955, uma
nova empresa sem nenhum vínculo com a anterior, mas também denominada “Deutsche
181
Lufthansa A.G.” iniciou suas operações. Por essa razão, no Brasil, ao final da guerra, a
Alemanha perdia aquela ascendência que possuía sobre a aviação nacional, no início de suas
operações. No seu lugar assumia a liderança os EUA, com seus DC-3 e C-47, muito utilizados
durante o conflito para o transporte de cargas e tropas. Esses equipamentos passaram a ser
vendidos a preços irrisórios e a VARIG comprou uma grande frota de aviões Douglas DC-3.
182
Naquele momento, praticamente todas as companhias aéreas do mundo adquiriram esses
equipamentos. Segundo relato de Hélio Smidt, no Brasil, esses aviões eram comprados
diretamente do representante do Tesouro dos EUA, em Natal, onde estavam parados. 183
Com a vitória dos países aliados, incluindo-se nesse grupo a URSS, novos ventos
começam a soprar no mundo e no Brasil. O anúncio oficial do estabelecimento de relações
diplomáticas entre Brasil e URSS ocorreu ainda em abril de 1945, graças à visita do
Secretário de Estado norte-americano a Vargas, abordando a necessidade de reconhecimento
deste país pelo Brasil, que desde 1917 não o havia formalizado. Como conseqüência desses
novos tempos Vargas concedeu anistia a presos políticos, permitiu a organização de novos
partidos e o PCB saiu da ilegalidade. Em 26 de setembro, no Brasil, o embaixador norte-
americano pronunciou um discurso em que mencionou a “marcha regular para a democracia
constitucional no país” e, em 29 de outubro, Vargas renunciou e foram convocadas eleições
presidenciais, vencidas por Eurico Gaspar Dutra. Teve início, assim, o primeiro período
(1946-1951), dentro da política externa brasileira, conhecido como de “alinhamento
automático” aos EUA, dentro do paradigma intitulado por Letícia Pinheiro de “americanismo
ideológico”. Esse paradigma só iria se repetir na política externa brasileira, segundo a autora,
no governo Castello Branco (1964-1967). 184

180
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 22, 23 e 210.
181
R. E. G. Davies, op. cit. p. 65-66.
182
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 17.
183
“Os Vôos da VARIG”, op. cit., p. 5.
184
Letícia Pinheiro. Traídos pelo Desejo: Um Ensaio sobre a Teoria e a Prática da Política Externa Brasileira
Contemporânea, Rio de Janeiro, Contexto Internacional, volume 22, no 2, 2000, IRI/PUC-Rio, p. 310.
65

No setor econômico reinava o modelo “nacional-desenvolvimentista”, onde o Estado


exercia um papel preponderante e as grandes armas eram o protecionismo e os subsídios
fornecidos às empresas que operavam no país. A Aviação Civil, como em todos os países, foi
considerada “estratégica” para os interesses nacionais brasileiros e, em 21 de outubro de 1946
foi publicado o Aviso 96 do Ministério da Aeronáutica, informando que somente as empresas
com administração efetiva de brasileiros e com, no mínimo, 51% de capital nacional
poderiam executar tráfego aéreo com os EUA. A Pan Am, antecipando-se a esse Aviso, já
havia, desde 14 de setembro de 1946, transferido o controle acionário da Panair do Brasil
185
(52%) para as mãos de brasileiros e, em função da importância desta empresa na
construção do “gigantismo” da VARIG, a sua trajetória no Brasil será analisada no capítulo
2.2.2.

2.2.1 – O boom que fez a aviação “decolar”

O fim da Segunda Guerra Mundial representou para a aviação comercial o início de


um verdadeiro boom, inclusive no Brasil. Em menos de nove anos, cerca de duzentos
aeroportos e aeródromos foram construídos e o número de aviões de transporte foi
186
multiplicado por dez, de tal modo que, segundo depoimento de Pereira do Rego, entre
1945 e 1954 foram concedidas pelas autoridades aeronáuticas “nada menos que 62
autorizações de funcionamento e se em 1948 eram 148 as localidades servidas pelo transporte
aéreo doméstico, em 1956, esse número atingia a cifra de 346 cidades atendidas”. 187
De todas as empresas aéreas inauguradas no Brasil, entre 1945 e 1950, a que alcançou
maior sucesso foi a Real, estabelecendo-se solidamente nas linhas entre o Rio de Janeiro, São
Paulo e Curitiba. A VARIG, a reboque desse momento, também se expandia, comprando, em
1952, a Aerogeral, que voava para o nordeste brasileiro, 188 inaugurando, em 02 de agosto de
189
1955, sua rota para Nova York e adquirindo, em 1961 a Real. Com essa diversificação de
rotas domésticas e internacionais a empresa conseguiu obter, entre 1955 e 1961, um aumento
190
de 220% no número de passageiros transportados. No mesmo ano em que a VARIG

185
Aldo Pereira, op. cit., p. 328.
186
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p.47 e 78..
187
Pereira do Rego, op. cit., p.16.
188
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 66.
189
R. E. G. Davies, p. 456.
190
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume II, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 5.
66

iniciava sua trajetória rumo a outros hemisférios, nascia, em 05 de janeiro de 1955, sob o
comando do seu fundador e acionista controlador Omar Fontana, a Sadia S.A. Transportes
Aéreos, cuja denominação, em 1972, foi trocada para Transbrasil S.A. Linhas Aéreas.
O grande crescimento da aviação brasileira durante a Segunda Guerra Mundial não se
deu apenas na área de serviços, mas também no segmento industrial, com produção de
motores, aviões leves e, inclusive, de aviões militares para o governo, com fábricas instaladas
no Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Essas fábricas, ao final da guerra, seriam
obrigadas a encerrar suas atividades em função da oferta de aviões dos EUA, doados ou
vendidos a preços irrisórios para escoar a grande produção norte-americana durante a guerra e
também para que essa iniciativa brasileira não tivesse futuro. Os EUA, em função da
destruição sofrida pelos países europeus, se mantiveram líderes absolutos da produção
191
aeronáutica, principalmente de aviões para longo percurso. Esse grande crescimento da
aviação no Brasil logo após a guerra se deu exatamente por ser um país de dimensões
continentais, com uma infra-estrutura de transporte de superfície bastante precária. Nessa
época o país vivia um processo de modernização econômica intenso, voltado para o
desenvolvimento industrial por substituição de importações, que buscava, dentre outros
objetivos, a auto-afirmação internacional do país e não era do interesse norte-americano
permitir o crescimento da concorrência.
No início desse boom da aviação, ao final da Segunda Guerra, Eurico Gaspar Dutra foi
eleito Presidente da República, representando um extremado setor dirigente conservador, que
alimentava ilusões quanto ao prolongamento da considerada “relação especial” vivida pelo
país com os EUA, durante a guerra. Dutra foi, inclusive, o primeiro presidente brasileiro a
fazer uma viagem em caráter oficial aos EUA, em 1949, mesmo ano em que era criada a
192
Escola Superior de Guerra, inspirada no National War College, e a CERNAI vinculada ao
Ministério da Aeronáutica. Durante seu governo tinha início no mundo, com a Doutrina
Truman (1947), a Guerra Fria e seu confronto ideológico radical, que através da corrida
armamentista, muito influenciou o desenvolvimento aeronáutico da década de 1950,
principalmente com o desenvolvimento dos primeiros aviões a jato, que entraram em
operação na maioria das empresas aéreas entre 1958 e 1960, período em que a frota aérea
comercial brasileira já era a segunda no mundo, em número de aviões. A VARIG foi a
primeira empresa nacional a receber um avião a jato, o Caravelle, que passou a operar em

191
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 59-63, 85 e 223.
192
Eugênio Vargas Garcia, op. cit., p. 167.
67

193
dezembro de 1959, na rota de Nova York. Os aviões a jato, além do aumento da
velocidade, encurtando distâncias, aumentavam, também, em 50%, a oferta de assentos, o que
associado a criação da classe turista, ocorrida em 1952, barateava ainda mais as passagens. 194
Ainda em 1947, alimentado pelo clima de confrontação recém instaurado e pela
esperança de que algum “Plano Marshall” pudesse contemplar o território brasileiro, o
governo Dutra colocou o Partido Comunista na ilegalidade e rompeu as recém iniciadas
(1945) relações diplomáticas com a URSS, mesmo contra a vontade dos EUA, que, por
solicitação do Itamaraty, passaria a ser o representante de nossos interesses junto àquele país.
195
Tal atitude foi típica de quem queria “ser mais realista do que o próprio rei”. Tal postura
aconteceu muitas vezes na história brasileira e mais recentemente, quando do fim da VARIG,
Solange Paiva Vieira, diretora-presidente da ANAC, referindo-se à situação da empresa,
declarou (informação verbal) sentir orgulho pelo governo brasileiro não ter usado “dinheiro
196
público para recuperar empresas privadas”, isto é, orgulho pelas autoridades aeronáuticas
brasileiras terem seguido, à risca, a cartilha neoliberal norte-americana, penalizando todo um
segmento econômico nacional, enquanto o governo dos EUA socorria, com dinheiro público,
como aliás, sempre o fez, os setores privados, que com a recente crise, corriam o risco de
falência naquele país.
Após a Segunda Guerra Mundial, foi profundamente amarga a frustração brasileira
diante do diálogo de surdos que passou a existir entre o Brasil e os EUA, cuja política externa
mantinha-se fiel a crença de que a única questão relevante para os EUA na América Latina
era a da segurança, em função da ameaça comunista. Os EUA ignoraram completamente os
anseios de desenvolvimento, infra-estrutura e industrialização expressos, na década e meia
que se seguiu ao final da Segunda Guerra Mundial, pelos países da região. Para agravar ainda
mais esta situação não nos esqueçamos que devido ao estreitamento das relações econômicas
entre Brasil e EUA, ocorrida durante a Segunda Guerra Mundial, esse país se transformou em
nosso principal mercado tanto para exportação quanto para importação, aumentando
consideravelmente a dependência brasileira. 197
Segundo Rubens Ricupero, as teorias da Comissão Econômica para a América Latina
e o Caribe (CEPAL), que surgiram naquele momento, eram exatamente a “expressão

193
Aldo Pereira, op. cit., p.330..
194
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 86, 111 e 116.
195
Eugênio Vargas Garcia, op. cit., p. 164.
196
Programa Espaço Aberto, entrevista com Solange Paiva Vieira, diretora-presidente da ANAC, na TV Globo News.
Entrevista concedida à Míriam Leitão, em 08 de março de 2009. “Uma Análise do Setor Aéreo Brasileiro”.
197
Alexandra de Mello e Silva. Desenvolvimento e Multilateralismo: Um Estudo sobre a Operação Pan-Americana no
Contexto da Política Externa de JK. Contexto Internacional, Volume 14, no 2; Rio de Janeiro: IRI-PUC/RJ, julho-dezembro
de 1992, p. 212.
68

198
ideológica dessa divergência”. A teoria do subdesenvolvimento, elaborada pela CEPAL,
de industrialização por substituição de importações, com forte concentração do Estado na
economia, alcançou grande sucesso na América Latina devido à, então, política norte-
americana para a região. Os EUA, segundo Gerson Moura, viam a CEPAL

como uma intrusa nos assuntos hemisféricos [...], uma instância que escapava ao controle
da Organização dos Estados Americanos (OEA) e, portanto, da liderança mais imediata dos
EUA. 199

Para este país a América Latina deveria manter-se como fornecedora de matérias-
primas e importadora dos produtos industrializados norte-americanos, o que dificultava ainda
mais as relações, principalmente devido à crescente deterioração nos termos de troca entre
produtos primários e manufaturados.
A CEPAL foi criada em 1948, como um órgão especializado das nações unidas, cuja
teoria, que acabou funcionando como uma alternativa para os países da região, desenvolveu-
se, sobretudo, mediante a análise de agregados macroeconômicos, em uma abordagem muito
próxima à dos modelos de crescimento keynesianos que proliferaram a partir dos anos 40,
porém, já abandonados internamente nos EUA, desta época. Os autores da CEPAL defendiam
a corrente de que a industrialização apoiada pela ação do Estado seria a solução para a
superação do subdesenvolvimento latino-americano. No Brasil, em particular, o sucesso dessa
política ocorreu não só entre policy makers, mas também entre empresários e, ao longo do
tempo, no meio acadêmico, atingindo o auge durante os anos 50 e 60, quando as idéias e os
técnicos da CEPAL estiveram no centro dos debates e, muitas vezes, das decisões
econômicas. 200
O mundo, na década de 1950, já vivia um relativo degelo na confrontação Leste-Oeste,
paralelo ao início da recuperação das economias japonesas e européias, o que representava,
naquele momento, não só para o Brasil, como para todos os países subdesenvolvidos, uma
abertura no leque das oportunidades comerciais. Os EUA deixavam de ser a única opção. No
Brasil, já no segundo governo Vargas (1951-1954), o “consenso ideológico anticomunista da
201
Guerra Fria” se desintegrava, cedendo lugar a um forte nacionalismo econômico, com a
criação do BNDES e da Petrobrás e na aviação, a Panair contrariava seus acionistas norte-

198
Rubens Ricupero. O Brasil, a América Latina e os EUA desde 1930: 60 Anos de uma Relação “Triangular”, in J.A.
Guilhon de Albuquerque, op. cit., p. 24.
199
Gerson Moura. "Avanços e Recuos: a política exterior de JK, in Ângela de Castro Gomes (org), O Brasil de JK, Rio de
Janeiro, Editora FGV (CPDoc), 1991, p. 29.
200
Renato Perim Colistete. “O desenvolvimentismo cepalino: problemas teóricos e influências no Brasil”, Scielo do Brasil,
Estudos Avançados, volume 15, no 41, São Paulo, Janeiro-Abril de 2001, s/p.
201
Rubens Ricupero, op. cit., p. 24.
69

americanos tentando adquirir aviões ingleses. Segundo Harro Fouquet (informação verbal), a
Panair, por se voltar, prioritariamente, aos serviços internacionais e por ter sido afetada por
dissensões internas, acabou abrindo mão de importantes posições no campo doméstico. 202
Já as demais companhias aéreas nacionais, incluindo-se a VARIG, que seguia uma
política estratégica de empresa voltada para os interesses nacionais, assumiam a operação de
rotas muitas vezes deficitárias, logicamente recebendo subsídios e atendendo a demandas
governamentais e sociais diversas, desde apelos pelo desenvolvimento econômico do país,
passando por afirmações políticas, até a integração cultural. Tal posicionamento se
enquadrava perfeitamente à política adotada pelo Estado brasileiro com relação à aviação
comercial como um todo. A lei 1815 de 1953, criada, portanto, durante o segundo governo
Vargas, ratifica esta conduta:

ART. 1º - São consideradas de interesse público as Empresas Nacionais concessionárias


de linhas regulares de navegação aérea, na forma da legislação vigente
ART. 2º - Com exceção do Imposto de Renda ficam as mesmas Empresas isentas do
pagamento de todo e qualquer imposto federal e bem assim de direitos e taxas de importação
e de previdência social e do imposto de consumo relativos a aeronaves montadas ou
desmontadas e peças respectivas, motores e respectivas peças, gasolina apropriada, óleos e
lubrificantes especiais, pneumáticos de aviões, aparelhos rádio-telegráficos usados na viação,
instrumentos de navegação aérea, aparelhos salva-vidas para aeronaves, postes, material e
ferramentas para faróis e demais apetrechos para sinalização de aeródromos e hangares e
oficinas reparadores. 203

Segundo Mônica Hirst, Vargas assumia um compromisso de cunho mais nacionalista,


visando consolidar bases de autonomia para a nação. Esse segundo governo Vargas viveu
momentos muito diferentes do governo Vargas anterior, cuja conjuntura interna, devido à
ditadura, e a externa, devido à Segunda Guerra Mundial, lhe ofereciam muito mais
mobilidade e liberdade de ação. Na democracia, reinante no segundo governo Vargas,
surgiam no país novos atores interessados em participar das decisões governamentais em
política externa, como o Legislativo, as diversas classes empresariais e a própria opinião
pública, que se mostrava mais presente e interessada nesses assuntos. 204 A grande dificuldade
de relacionamento de Vargas com os EUA vinha, primeiramente, da política adotada por este
país para a América Latina, que privilegiava as questões de segurança às de desenvolvimento.
Em segundo lugar, vinham as medidas econômicas de cunho nacionalista de Vargas,
destacando-se a regulamentação das remessas de lucro das empresas estrangeiras, bem como a
criação da Petrobrás, uma empresa com participação majoritária do Estado e responsável pela

202
Harro Fouquet. “Texto sobre a história...”, op. cit..
203
Informação disponível no site do Senado Federal.
204
Mônica Hirst. A Política Externa do Segundo Governo Vargas, in J.A.Guilhon de Albuquerque, op. cit . p. 211-212.
70

205
exploração e refino do petróleo nacional, uma atividade cujas empresas norte-americanas
tinham grande interesse em investir no Brasil. Para os EUA, citando Alexandra de Mello e
Silva,

somente um “mundo aberto” e interligado, livre dos nacionalismos exacerbados e dos


regionalismos e “esferas de influência”, que haviam caracterizado o período entre guerras,
poderia garantir a paz e a estabilidade mundiais [...] um projeto fortemente associado ao
crescimento e à internacionalização da economia americana, cuja demanda por mercados
externos era crescente, seja em termos de exportações e investimentos ou de acessos a
matérias-primas. 206

O segundo governo Vargas, além de ter que lidar com uma forte instabilidade interna,
não conseguiu consolidar, segundo Mônica Hirst, seu projeto de política externa, que era a
“reativação de um alinhamento negociado com os EUA”, aos moldes do que fora vivido na
década de 1940. O fim trágico desse governo, em 24 de agosto de 1954, deu início a uma
207
nova fase na política externa brasileira, já desiludida com as possibilidades de ganhos
econômicos a partir de um alinhamento automático, como em Dutra, ou mesmo negociado,
como em Vargas. Esse alinhamento só viria a ocorrer novamente, segundo Hirst, no governo
“golpista” pós-64.
Operavam no Brasil, em 1948, cinqüenta e seis empresas aéreas. Logicamente que
essa oferta exagerada, isto é, esse testemunho brasileiro de livre concorrência, não poderia se
perpetuar, uma vez que o excesso de oferta não era compatível com a demanda real existente
no país e, em 1953, o número de empresas já seria reduzido para trinta e duas, chegando, em
1958, à apenas seis consórcios de empresas aéreas e, em 1959, a dois grupos. Na década de
1950, todas as rotas internacionais no país eram subvencionadas pelo governo, uma vez que
para a política externa, na época, a presença de aeronaves nacionais nos céus e nos aeroportos
de outros países era muito importante, como representante da política estratégica do governo,
208
aliás, uma prática comum nos demais países, naquele momento. O mercado era bastante
liberalizado, com uma concorrência acirrada. Só no litoral brasileiro operavam doze
empresas, que colocavam a segurança, na interpretação de alguns especialistas, em segundo
plano, justificando, assim, o grande número de acidentes. 209
Como conseqüência, havia “excesso de concorrência nos setores economicamente
saudáveis, o que significou concentração no litoral; nas rotas de maior demanda com baixo

205
Mônica Hirst, op. cit., p. 218.
206
Alexandra de Mello e Silva. “Desenvolvimento e Multilateralismo...”, op. cit., p. 211.
207
Mônica Hirst, op. cit . p. 229.
208
Claudia Musa Fay, op. cit. p. 173, 80-83.
209
Aldo Pereira. Breve História da Aviação Comercial Brasileira, apud Claudia Musa Fay, op. cit. p. 73 e 151.
71

aproveitamento das aeronaves; má qualidade dos serviços, gerando desperdício e guerra


tarifária, apesar dos aumentos forçados pelos ‘déficits’ apresentados”. As companhias
menores faliam, ou eram compradas pelas de maior porte. Isto foi, nas palavras de Pereira do
Rego, uma verdadeira “desregulamentação com os moldes da época. Podemos afirmar com
segurança – o Brasil teve na sua aviação civil, a começar pelo ambiente doméstico, uma
política de ‘livre concorrência’, excesso de competição, deixando agirem as ‘forças de
210
mercado’”. Havia liberdade para constituição de novas empresas, para o licenciamento de
novas linhas e aquisição de aeronaves até que, em 1958, foi feita uma revisão na
regulamentação existente visando evitar a competição ruinosa e que assegurasse a estabilidade
econômica das empresas. 211
A segunda metade da década de 1950 foi marcada, no Brasil, primeiramente, pela crise
política que se instalou com o suicídio de Vargas e, em seguida, pelo governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1961), cuja política externa, embora muitas vezes analisada como de
alinhamento aos EUA, já indicava algumas mudanças em direção a uma maior autonomia e,
que poderia já ser reflexo das próprias mudanças que ocorriam na política mundial naquele
momento. O alinhamento a um dos blocos da Guerra Fria passava a ser questionado nas
relações internacionais, através dos movimentos de descolonização na Ásia e na África, e pela
Conferência de Bandung, em 1955. Até mesmo a não coesão total dentro dos blocos
começava a surgir, com destaque para a Crise de Suez e a Crise da Hungria, em 1956.
Com Juscelino Kubitschek teve início o Programa de Metas, que consistia em
investimentos em cinco setores: Energia, Transportes, Alimentos, Indústrias de Base e
Educação. Este programa foi considerado por Gerson Moura o mais completo plano de
investimentos planejados da economia brasileira até àquela data. Uma conjugação de esforços
do capital privado nacional e estrangeiro, bem como do setor público, visando um rápido
crescimento econômico do país. Com a construção de Brasília e as enormes distâncias entre
esta e as demais capitais brasileiras, o transporte aéreo assumiu destaque na função
integradora com a capital federal, onde o uso do avião era enfatizado como instrumento de
comunicação e progresso. A abertura de novos mercados passou a ser também uma meta, que
justificava o reatamento das relações, pelo menos comerciais, com a Alemanha Oriental em
1956 e com a URSS, em 1959. Exatamente nesse ano as relações bilaterais Brasil e EUA
registravam momentos de grande tensão, incluindo-se aí a ruptura com o FMI, ocorrida em
junho de 1959, em decorrência do Brasil não aceitar as pressões dessa instituição e do

210
Pereira do Rego, op. cit., p.16.
211
Claudia Musa Fay, op. cit. p. 69-73 e 143.
72

Departamento de Estado norte-americano para a adoção de medidas de estabilização


monetária que, segundo o governo, comprometeriam as metas de crescimento projetadas para
212
o país. Este momento político econômico brasileiro foi totalmente distinto do que o país
experimentaria ao final do século.
A política de substituição de importações seria ainda mais aprofundada no Plano de
Metas, incluindo-se nela o setor de bens de capital, com investimentos maciços também em
infra-estrutura e bens intermediários. Para isso permanecia no país a necessidade de aportes
de recursos em larga escala, o que foi favorecido pela “Instrução 113”, da SUMOC. Essa
instrução facilitava a entrada de capitais, máquinas e equipamentos estrangeiros, bem como a
remessa de lucros. Contudo, a política norte-americana para o país mantinha-se a mesma
desde o final da Segunda Guerra Mundial. A saída buscada por JK foi a formulação da
Operação Pan-Americana (OPA), aproveitando o desgaste causado pelo fracasso da visita do
vice presidente norte-americano Richard Nixon a vários países latino-americanos, em 1958.
Na prática, o que JK buscava, com a sua proposta de uma nova forma de
relacionamento entre os países da América, através de um programa multilateral inovador,
eram os tão necessitados recursos para a execução do seu arrojado Plano de Metas e a
colocação do Brasil numa posição de liderança na América Latina, uma vez que acentuava a
natureza multilateral de sua política. Os EUA rejeitaram totalmente o desenvolvimentismo
que estava por trás das propostas brasileiras, pois a eles interessava a manutenção de
abordagens bilaterais. Apenas ao final do governo Eisenhower (1960) houve algum tipo de
receptividade às propostas da OPA. Porém, até àquele momento, o diálogo de surdos se fez
presente entre Brasil e EUA, embora, desta vez, com maior cautela e habilidade por parte do
governo norte-americano, uma vez que com o início da política de “coexistência pacífica”
(1956/1957), a URSS iniciava também uma política de ajuda econômica aos países
subdesenvolvidos, tendo, inclusive, o vice-presidente soviético efetuado uma visita a Cuba no
início de 1960.
A partir de 1961, com Jânio Quadros no Brasil e com Kennedy nos EUA, o governo
norte-americano já tinha uma nova proposta para a América Latina e esta se chamava
213
“Aliança para o Progresso”, desenvolvida a partir das teorias de W. W. Rostow, sobre as
etapas do desenvolvimento econômico, que pressupõe que todos os países passam pelas
214
mesmas etapas de crescimento. A proposta da “Aliança para o Progresso” era alimentada

212
Gerson Moura. "Avanços e Recuos...”, op. cit., p. 23-27, 30-31
213
Idem, p. 31-35.
214
W.W. Rostow. Etapas do Desenvolvimento Econômico, Rio de Janeiro: Zahar, 1971, capítulo II.
73

pela percepção interna norte-americana de que uma “nova Cuba” não poderia surgir no
continente e de que deveria haver uma mudança radical na política norte-americana para a
215
região que, desde o início da década de 1950, vivia grandes transformações sociais e
políticas, que se refletiam no crescimento urbano e na formação de uma burguesia industrial.
Esse novo quadro social criava exatamente o mercado de que a aviação civil sempre se
alimentou e que, embora crescente, não conseguiria evitar a crise que, a partir da segunda
metade da década de 1950, acometeu a aviação comercial no Brasil.
Nessa época, alianças operacionais começaram a se formar entre as empresas, como
em 1956, entre a Vasp e a VARIG, para enfrentar a concorrência crescente da Real e uma das
saídas criativas foi a criação da Ponte Aérea Rio-São Paulo. Uma idéia inovadora,
216
considerada o primeiro acordo operacional doméstico da história da aviação. Esta era a
rota doméstica mais aquecida do país e, em fins de 1958, sete empresas operavam, ao todo,
217
286 vôos semanais em cada sentido, com 39% de participação da Real. A ponte aérea foi
um pool entre VARIG, Cruzeiro do Sul e VASP, criado em 06 de julho de 1959, como uma
ferramenta mercadológica para, além de enfrentar a Real, reduzir custos e otimizar as
operações, através da padronização dos serviços. 218
Nessa época, tiveram início também para todas as empresas aéreas brasileiras os
graves problemas operacionais, incluindo a necessidade de renovação das frotas, pois àquela
altura os equipamentos comprados ao final da Segunda Guerra Mundial já precisavam ser
substituídos, segundo Cláudia Fay “a segurança da subvenção fez com que as empresas se
lançassem em ambiciosos planos de reequipamento, muito acima de sua capacidade e acima
219
das necessidades de mercado”. Havia também os problemas financeiros, em função de
dívidas e da inflação, em conseqüência do grande endividamento externo gerado pelo Plano
de Metas de JK. Jânio teve que adotar medidas para controle da inflação, que envolveram o
fim dos subsídios às importações e uma desvalorização cambial de mais de 100%, atingindo,
em cheio, o transporte aéreo comercial, bastante dependente da importação de combustível,
equipamento aeronáutico e seguro, bem como no aumento de seus custos em dólar.
Somava-se a esses fatos uma sucessão de acidentes aéreos, que traziam o item
segurança para os debates. Entre 1959 e 1962 ocorreram 26 acidentes envolvendo companhias
220
aéreas brasileiras Com a introdução dos jatos, diversas localidades, por falta de condições

215
Alexandra de Mello e Silva. “Desenvolvimento e Multilateralismo...”, op. cit., p.229-230.
216
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 36.
217
Guia Aeronáutico, dezembro de 1958, primeira contra-capa.
218
“Os Trinta Anos da Ponte Aérea”, Guia Aeronáutico, julho de 1989, p. 29.
219
Claudia Musa Fay, op. cit. p. 127 e 157.
220
Idem, p. 167 e 168.
74

operacionais, deixaram de ser servidas pela aviação e o governo mantinha, mesmo assim, a
subvenção para a compra dessas aeronaves, bem como para as operações internacionais. Tal
quadro levou a uma intensificação da regulação estatal, em 1961, quando se tornaram
intensas, no Ministério da Aeronáutica, as discussões sobre a criação de uma empresa
internacional única, a Aerobrás. Nesse ano ocorreu a I Conferência Nacional de Aviação
Comercial (CONAC), em Petrópolis, de 27 de novembro a 08 de dezembro de 1961,
conhecida como “Conferência do Castelo” e sob a coordenação do DAC e do Sindicato
Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA), com a participação limitada apenas às empresas
filiadas ao sindicato. Ocorreram mais quatro Conferências como esta, em 1963, em 1968, em
1986 e em 1991. A I CONAC terminou com as seguintes recomendações:

• Estímulo a fusão e a associação de empresas aéreas, visando reduzi-las a duas


nas Linhas internacionais e a três nas domésticas.
• Estimulo a especialização das empresas nos serviços aéreos oferecidos, com
vista a maior eficiência.
• Incentivo a fusão de serviços comuns, com vista a redução dos custos de
operação.
• Repúdio ao monopólio - estatal ou privado. 221

Com relação à recomendação para fusão e associação de empresas aéreas, merecem


destaque os acontecimentos que antecederam à I CONAC, e que culminaram com a aquisição,
pela VARIG, do Consórcio Real-Aerovias. Nessa transação a VARIG absorveu da Real 6.500
funcionários, 222 “as dívidas, o passivo trabalhista e os compromissos para aquisição de vários
223
aviões”. Este episódio ratifica a postura política da empresa de oportunismo e de parceria
com o governo. Já em 1960, em função da importância da rota de Nova York, Ruben Berta
decidiu transferir a cúpula da VARIG e da Fundação de Funcionário Varig para o Rio de
Janeiro, instalando-se provisoriamente, num prédio situado na esquina da rua Santa Luzia
com Av. Rio Branco, até que o prédio que a empresa estava construindo na ala oeste do
aeroporto Santos Dumond ficasse pronto. Mesmo não sendo mais a capital federal, a empresa
estaria mais perto dos principais acontecimentos do país. 224 Em abril de 1961, Berta fez uma
apresentação a Jânio Quadros sobre, especificamente, o transporte aéreo internacional,
discorrendo sobre as empresas brasileiras que nele operavam: VARIG, Panair e Real, e
levantando questões sobre as dificuldades enfrentadas pelas mesmas, bem como possíveis
soluções para a crise do setor. Nesta exposição ele buscou destacar a eficiência da VARIG,

221
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, Ministério da Aeronáutica, Departamento de Aviação Civil,
maio de 1997, p. 44.
222
“Voando há 63 anos”. Rosa dos Ventos, no 100, 1990, p. 9.
223
Harro Fouquet. “Texto sobre a história...”, op. cit..
224
Rubens Bordini, op. cit., p. 259.
75

suas pretensões em termos de expansão de rotas, a precariedade da situação da Real, e


diversas análises, refutando a criação de uma nova companhia para as rotas internacionais.
Sua proposta alternativa era de uma fusão de operações entre a VARIG e a Panair, que ele
considerava: “Exequível entre a VARIG e PANAIR. Difícil com REAL, essa pretendendo
igualdade de situação.” Berta destacou as contribuições positivas da VARIG e da Panair para
a sociedade e os resultados negativos da operação da Real. E mais, conclui com as seguintes
recomendações:

O eventual emprego dos Boeings 707 e DC-8 nas linhas da REAL aumentaria a
capacidade de utilização dos quaro aviões existentes e reforçaria as possibilidades do seu
pagamento, avalizado pelo Tesouro Nacional
Deve favorecer-se a fusão futura das operações VARIG e PANAIR no campo
internacional, enquanto que a REAL concentrar-se-ia no setor doméstico, visto serem menores
as suas possibilidades de ação no setor internacional. 225

Ao falar dos Boeings 707, da VARIG, e dos DC-8, da Panair, nas linhas da REAL, ele
estava sugerindo que esses equipamentos poderiam ser melhor utilizados caso assumissem as
linhas operadas pela Real, isto é, que essas linhas deveriam sair da Real para uma operação
fusionada da VARG e da Panair. A fusão não ocorreu, mas no mês seguinte, com a absorção
pela VARIG de metade da Aerovias, uma das propostas de Berta se concretizaria. A compra
da Real foi efetuada em duas etapas, em maio e em agosto de 1961 e também em função de
duas “ofertas”, a primeira feita por Linneu Gomes, dono e presidente do Consórcio, que
procurou Ruben Berta, apesar da rivalidade existente entre ambos e ofereceu-lhe sociedade na
Aerovias Brasil. Nessa primeira etapa a VARIG adquiriu 49% das ações da Aerovias, em
poder da Real, assumindo assim os vôos internacionais do Consórcio. Na segunda etapa
Ruben Berta teria sido convocado por Jânio Quadros que lhe disse: “Berta, a Real está falida,
e seis mil aeroviários e aeronautas vão perder seus empregos, quando ela cessar suas
atividades. Eu não posso deixar essa gente e suas famílias ao desamparo! Só vejo duas
soluções: ou a VARIG compra a Real, ou eu crio a Aerobras!”. 226
O Consórcio Real-Aerovias-Nacional, em 1958, já havia se transformado na maior
empresa aérea brasileira e sul-americana. Com 116 aeronaves, ela aparecia em sétimo lugar
no ranking da IATA, relativo ao ano de 1957, sendo superada apenas pela American, United,
227
TWA, Eastern, PanAm e Air France. No início da década de 1960 era maior do que a

225
“Exposição ao Exmo. Snr. Presidente da República Dr. Jânio Quadros sobre Transporte Aéreo Internacional”, VARIG,
abril de 1961, p. 10-16, 20 e CONCLUSÕES.
226
Rubens Bordini, op. cit., p. 260 e 261.
227
Guia Aeronáutico, dezembro de 1958, p. 10-11.
76

própria VARIG 228 e sua aquisição foi sempre justificada como tendo sido em atendimento “a
229
um apelo do ex-presidente Jânio Quadros”, que logo em seguida renunciaria, em 25 de
agosto de 1961. Essa compra foi efetuada sem que nem, ao menos, fosse feita uma auditoria,
230
“que mostrasse qual era, em algarismos, seu verdadeiro estado pré-falimentar”. . Com sua
compra a VARIG assumiu cerca de cinqüenta por cento do volume do tráfego doméstico e
231
sessenta por cento das linhas internacionais brasileiras, isto é, dobrou as suas rotas
232
domésticas e quadruplicou a sua quilometragem internacional, “tornando-se a maior
empresa aérea brasileira, em extensão e densidade de linhas, em quantidade de funcionários, e
em quantidade de aviões”. 233
A compra da Real permitiu à VARIG, com a absorção de seu qualificado quadro
funcional, uma rica experiência, tanto profissional, quanto cultural, passando a ter, por
exemplo, pela primeira vez, um setor responsável pelo planejamento dos vôos e rotas, setor
este já existente na Real e absorvido pela VARIG quando, até então, esta função era exercida
pessoalmente por seu presidente Ruben Berta, um homem bastante centralizador. Uma
reportagem de julho de 1961, (anexo I) disse a respeito dele:

Quem entra em qualquer uma das agências da VARIG ou no escritório central, sente sua
presença no ar, no ambiente, em seus auxiliares (diretos e indiretos). Todos chamam-no de
Velho, porque ele é um pai. Preocupa-se pessoalmente por cada funcionário e suas famílias.
Possui uma memória prodigiosa. 234

O próprio Berta reconhecia esta fama: “Acusam-nos de vez em quando de ter impresso
à VARIG um tom personalista.” 235
A Real era uma empresa paulista, com uma cultura distinta da gaúcha VARIG e o
reconhecimento da importância de seu quadro funcional veio, através do convite de Ruben
Berta, para que vários daqueles profissionais fossem incorporados, em conjunto, ao Colégio
Deliberante da Fundação de Funcionários da VARIG, o centro de poder da organização, tendo
alguns, inclusive, assumido, mais tarde, cargos de direção na empresa. Em 1989, 45 deles, de
um total de 465 integrantes, ainda faziam parte do Colégio Deliberante. No entanto, por não
terem sido eleitos, como os demais membros, e por não terem origem no quadro de carreira da

228
“Os Vôos da VARIG”, op. cit., p. 6.
229
Fundação dos Funcionários da VARIG. Negócios do Exercício de 1961. 18º Assembléia Geral Ordinária do Colégio
Deliberante. Documento Interno da Empresa, p. 18.
230
Rubens Bordini, op. cit., p. 263.
231
Fundação dos Funcionários da VARIG. Negócios do Exercício de 1961, op. cit., p. 18.
232
Frank Ribeiro. “Horizontes cresceram com atuação de Berta”, Jornal do Brasil, 07 de maio de 1987, p. 20.
233
Rubens Bordini, op. cit., p. 263.
234
Léa Brenner. Rubem Berta em Campo de Vôo, Revista do Globo, no 798, de 8 de julho a 21 julho de 1961, p. 28.
235
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 30.
77

própria VARIG, eram tratados como “oriundos”, inclusive nos documentos internos da
empresa, como, por exemplo, no Relatório do Exercício daquele ano, em que todos esses
funcionários, na listagem dos membros do Colégio Deliberante, tinham um asterisco ao lado
do seu nome, com a seguinte observação:

As datas de admissão dos funcionários readmitidos e oriundos de outras empresas, aqui


consideradas, são aquelas a partir das quais o funcionário passou a prestar serviços à VARIG,
contando, por isso, como tempo para efeito de direitos na FUNDAÇÃO e de votos somente
esse tempo, conforme determinação da Presidência. 236

O Comandante Rubens Bordini, vice-presidente da VARIG, quando da incorporação


do Consórcio Real Aerovias, foi destacado para atuar junto àquela empresa, na fase de fusão
com a VARIG e, posteriormente, escreveu:

[...] a linha São Paulo - Tóquio com o avião L-1049H. Era uma linha inútil, onerosa, sem
passageiros, pois a competição que já existia das empresas americanas através do Oceano
Pacífico, voando B-707 e DC-8, era demais para a despreparada Real. Mas a Real operava em
péssimas condições! Seus aviões estavam sujos e mal cuidados, faltavam peças de reposição
para os mesmos, a empresa devia dinheiro para todo mundo, e não havia nem ao menos uma
simples máquina de escrever, que não estivesse penhorada na Justiça, como garantia de
dívidas não pagas. Os tripulantes da Real nem usavam mais uniformes em serviço, pois eles é
que os tinham de pagar, e como não recebiam salários há alguns meses, voavam a paisana!
Além dos problemas econômico-financeiros do Consórcio Real, o grupo de diretores da
VARIG, que passou a administrar essas empresas, teve que enfrentar uma outra dificuldade:
havia um sentimento generalizado de hostilidade do funcionalismo da Real para com a
VARIG e seu pessoal. Todos eles, em geral, viam na VARIG, sua tradicional e antiga rival,
um ‘feitor de escravos’ que vinha agora fazê-los trabalhar em proveito próprio. Achavam que
a VARIG vinha explorá-los e colocá-los em planos secundários, em suas funções e carreiras.
A VARIG os ‘comprara’! Esse sentimento era palpável em todos os setores da Real, e foi com
muito trabalho, dedicação, sacrifício e exemplos, que o pessoal da VARIG conseguiu,
gradativamente, vencer essa desconfiança e granjear aos poucos a boa vontade, cooperação e,
afinal, plena e entusiástica colaboração de todos. Logo em seguida à compra da Real, ficou
patente que havia funcionários em demasia. Aquele aglomerado de pequenas e médias
empresas em que se constituía o Consórcio, tinha trazido para a Real todos os aeronautas e
aeroviários que haviam sido refugados pelas empresas maiores, através de anos de seleção, por
serem incompetentes ou indesejáveis, e que, agora, ali estavam novamente. 237

Ao ler este depoimento do então vice-presidente da VARIG, a despeito de qualquer


conclusão, uma coisa fica evidente: a péssima avaliação feita pelo comprador sobre a sua
recente aquisição. Os termos utilizados para descrever a empresa recém adquirida, bem como
o seu quadro funcional, são assustadores e, de certa forma, contrastam com a formação do
Colégio Deliberante da Fundação de Funcionários da VARIG em 1989, quando quase dez por
cento dos membros eram ainda oriundos desse Consórcio, e todos convidados. Percebe-se, na
leitura do texto, uma grande dificuldade no quadro funcional, tanto da Real quanto da própria
VARIG, de aceitação da outra parte.

236
Relatório do Exercício de 1989 da FRB, p. 31 e 32 e Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit..
237
Rubens Bordini, op. cit., p. 263 e 264.
78

Sempre houve na VARIG um certo corporativismo e um provincianismo, que


remontavam às suas origens históricas gaúchas, como pode ser depreendido do seguinte
trecho de uma antiga carta de Ruben Berta, de 14 de maio de 1947, endereçada aos gerentes
da empresa em Pelotas, Rio Grande, Bagé, Santa Maria, Passo Fundo e Cachoeira:

Entrementes, a Savag assinou contrato de tráfego mútuo e representação com a Aerovias.


A Aerovias é agora dominada por banqueiros paulistas, com todos os característicos do
imperialismo paulista no Brasil. Por óra, essa força se expande para o Interior Paulista.
Secundàriamente, a Aerovias tenta obter articulação no Rio Grande do Sul. Nossa posição em
toda essa luta está clara: A Varig representa exclusivamente os interesses do Rio Grande do
Sul. Como Rio Grande, portanto, contra o imperialismo paulista, ou quem com ele se alie,
como agóra o fez a SAVAG! [Grifo do autor] 238

Um provincianismo que, anos mais tarde, já começava a ser combatido pelo próprio
Ruben Berta quando, de certa forma, mediante o crescimento da empresa, buscava abri-la a
valores mais universais, provavelmente por perceber que essa característica poderia um dia
liquidar a empresa. Um exemplo desta postura “mais aberta” de Berta pode ser retirada do
seguinte trecho de seu discurso de 1966, já citado:

Líderes não se inventam, contudo. Estamos preparando-os, na proporção em que surjam,


se revelem na própria empresa, ou possamos captá-los fora, com as mesmas concepções de
vida.
Ainda falta fazer: Criar no Colégio (Deliberante) um Senado, Formar mais líderes; Deixar
entrar e absorver talento novo; Melhorar o mecanismo de acesso por capacidade aos postos
superiores da empresa, às classes mais baixas da nossa tribo [...]. 239

Nesse discurso Ruben Berta demonstrava sua preocupação com a formação dos novos
líderes da empresa e que esta se mantivesse aberta a entrada de novos talentos e ao acesso dos
mesmos aos cargos mais elevados. Erik de Carvalho, que viria a substituí-lo na presidência,
após sua morte, poderia ser considerado um exemplo prático dessa preocupação de Berta, que
bem conhecia as características da empresa que presidia. Erik de Carvalho, preparado por
Berta para lhe suceder, era carioca e, em 1955, quando ainda funcionário da Panair, foi
convidado por Berta para trabalhar na VARIG ocupando, inicialmente, as funções de Diretor-
Assistente, depois de Diretor-Representante, até que, em 1960, foi nomeado a Vice-
Presidente. De certa forma, essa “oxigenação” causava “desconforto” na empresa, chegando a
pairar, em 1967, com sua chegada à presidência, um receio de que houvesse dissidência na
240
companhia por ele não ser gaúcho, nem funcionário de carreira da empresa, como eram

238
Ruben Berta. Carta, de 14 de maio de 1947, endereçada aos gerentes da empresa em Pelotas, Rio Grande, Bagé, Santa
Maria, Passo Fundo e Cachoeira, referente ao tráfego mútuo SAVAG/AEROVIAS.
239
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 28, 29 e 35.
240
“Esboço biográfico", enviado pelo Secretário Geral da FRB aos membros do Colégio Deliberante após a AGE realizada
em 30 DEZ 1966.
79

seus outros dois vice-presidentes, José Rochedo e Harry Schuetz. 241 Ruben Berta já conhecia
tal dificuldade, como declarado em seu discurso de dezembro de 1966:

Nosso substituto já existe; o problema é terem confiança nele, na hora em que for
preciso. Se nele não tivéssemos fé e esperança, não o teríamos escolhido e indicado o posto,
no princípio, contra a opinião de não poucos dos nossos companheiros, alguns muito a mim
chegados desde os primórdios da VARIG. Iludem-se, entretanto, os que querem nosso
substituto feito cópia nossa. 242

E após sua morte, em julho de 1967, quando Erik de Carvalho já havia assumido a
presidência, uma reportagem da revista Visão, ao descrever a trajetória, na aviação brasileira,
do novo presidente, nem sequer citava o nome Panair, já extinta desde 1965:

Erik de Carvalho, cuja existência tem sido dedicada à aviação comercial no Brasil. Nascido
em 1913, começou a trabalhar em transporte aéreo aos dezessete anos em modestas funções e,
após atingir a alta administração da empresa em que trabalhava, foi convidado em 1955, por
Rubem Berta, a ingressar na Varig, como diretor-assistente. 243 [grifo nosso].

Erik de Carvalho ficou na presidência da VARIG até fevereiro de 1979, quando teve
que se afastar para uma cirurgia da qual não se recuperou. Contudo, ao contrário de Ruben
Berta, não preparou um sucessor. Seu vice-presidente, Harry Shuetz, o substituiu
interinamente até a eleição, em abril de 1980, do gaúcho Hélio Smidt, sobrinho de D. Vilma,
244
viúva de Ruben Berta. Smidt, funcionário de carreira desde 5 de fevereiro de 1945,
marcaria a “volta a origem” da empresa, uma espécie de “restauração”, preparando o gaúcho
Rubel Thomas, seu vice-presidente, para sucedê-lo que, por sua vez, teve Carlos Willy
Engels, outro gaúcho, como seu sucessor (de abril de 1995 a janeiro de 1996, apenas). Caso
Erik de Carvalho houvesse “preparado” um sucessor, as futuras lideranças da VARIG,
provavelmente, seriam outras, pois ele, por diversas vezes, havia vetado o nome de Rubel
Thomas, homem da confiança de Hélio Smidt, nas eleições para o Colégio Deliberante da
FRB. O próprio Rubel Thomas sairia da presidência, em 1995, por divergências com a FRB.
Ruben Berta, no início da década de 1960, viveu momentos bastante distintos.
Revendo os acontecimentos do início dessa década para a VARIG, desde a tentativa de
comprar a Panair, em 1960, até a aquisição da Real, em 1961, passando pela exposição de
Ruben Berta a Jânio Quadros, sugerindo a fusão de empresas de operação internacional, foi
possível entender o quanto da influência de Berta havia nos resultados da I CONAC,

241
“Vôo mais alto a trajetória segura”, op. cit., p. 23.
242
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 29.
243
“Vôo mais alto a trajetória segura”, op. cit., p. 23.
244
Guia Aeronáutico, janeiro de 1990.
80

inclusive, pode-se considerar que, a partir desta primeira conferência, fortaleceram-se “os
laços entre poder público, especialmente o DAC, e as empresas”. 245 Um aspecto institucional
que passou a ter grande peso no desempenho do setor, destacando-se a criação da Rede de
Integração Nacional (RIN), um programa de subsídios, isto é, suplementação financeira do
governo às empresas aéreas que operassem nas rotas de médio e baixo potencial de tráfego,
com pequena viabilidade econômica. Iniciava-se, também, em território brasileiro, segundo
Malagutti, “o regime de competição controlada, em que o governo passou a intervir,
pesadamente, nas decisões administrativas das empresas (aéreas), seja na escolha de linhas, no
reequipamento da frota, no estabelecimento do valor das passagens etc”.246 Fase essa que
durou até o final da década de 1980.
Essa política seguia as mesmas características que sempre estiveram presentes,
segundo Eli Diniz, na construção das relações entre Estado e empresariado durante o processo
de industrialização brasileiro, através de laços muitas vezes informais. Esses chamados “laços
informais”, a VARIG soube muito bem como construir, primeiramente, em âmbito regional,
como já descrito em seus anos de formação e, posteriormente, graças ao seu presidente Ruben
Berta, em âmbito nacional, que soube aproveitar, os momentos oportunos, para conquistar
espaço e expandir as operações da empresa. Desde a eleição de Juscelino Kubitschek, a
VARIG passou a ser a responsável pelo transporte dos presidentes em suas viagens
internacionais e essa escolha, por ser a mesma uma empresa privada, num mercado
competitivo (não nos esqueçamos que a Panair foi quem transportou a seleção brasileira de
futebol, nas copas de 1958, na Suécia, e de 1962, no Chile) tinha um grande peso,
representando confiança e ao mesmo tempo “um reconhecimento automático desta, como
símbolo de representação nacional”. 247 A iniciativa de Berta foi decisiva neste episódio. Após
a eleição, Juscelino Kubitscheck resolveu fazer uma longa viagem ao exterior, incluindo EUA
e diversos países da Europa, para estabelecer contatos políticos antes de iniciar seu governo.
Berta, antecipando-se à concorrência, ofereceu a viagem, que foi aceita pelo presidente. 248
Outro exemplo, anterior a este, foi a obtenção da concessão para a rota de Nova York,
como demonstra o seguinte relato de Nero Moura, Ministro da Aeronáutica no segundo
governo Vargas: “Em um dos primeiros despachos que tive com Getúlio, o presidente disse:

245
Monteiro. “A Dinâmica Política...”, op. cit., p. 80.
246
Antônio Osller Malagutti, Evolução da Aviação Civil no Brasil, 2001, p. 5, Site da Câmara dos Deputados, Consultoria
Legislativa, Estudos e Notas Técnicas, Segurança Pública e Defesa Nacional, acessado em 02/03/2009.
247
Xausa, cit., p. 35.
248
Claudia Musa Fay, op. cit., p.121.
81

‘O Berta ajudou muito na campanha, e eu gostaria que você olhasse com simpatia as
pretensões da Varig, atendendo-as com boa vontade’”. 249
Já havia, naquele momento, insatisfação com relação à operação da Aerovias para
Miami, com bimotor e com vôos constantemente atrasados ou cancelados. A Panair não havia
250
se candidatado para não concorrer com a Pan Am e a Cruzeiro do Sul, que já possuía a
concessão da rota desde 2 de outubro de 1947, tendo realizado, inclusive, entre 1948 e 1949,
trinta vôos experimentais Brasil - Estados Unidos, só a operaria com subsídios, negados, na
251
época, pelo governo. Segundo Harro Fouquet (informação verbal), faltou à Cruzeiro, em
vários momentos de sua história,“disposição e ousadia para disputar espaços e empreender
252
‘vôos mais altos’”, exatamente aquilo que não faltou às lideranças da VARIG. Ruben
Berta, percebendo tudo isso, propôs-se a assumir a rota sem subvenção, encomendou o Super
253
G Constellation e criou a Diretoria de Serviço de Bordo, para enfrentar em alto nível a
concorrência da Pan Am. (anexo J)
O governo brasileiro resolveu, então, retirar da Cruzeiro do Sul e conceder à VARIG,
em 1952, 254 sua primeira rota de longo percurso. O surpreendente é que, em 17 de agosto de
1950, já havia sido promulgada a lei 1.181, estabelecendo subsídios às companhias aéreas nas
rotas internacionais pelo prazo de cinco anos. A VARIG, no entanto, só inaugurou sua rota
para Nova York em 1955, quando, a princípio, esse prazo de cinco anos já teria vencido.
Porém, naquele mesmo ano, em 19 de dezembro de 1955, seria editada a lei 2.686,
prorrogando por mais cinco anos, a partir da data retroativa de 01 de julho de 1955, o regime
255
de subvenções de que tratava a lei 1.181, e a VARIG passou a voar com subvenção para
Nova York, desenvolvendo um serviço de alta qualidade, que lhe permitiu adquirir
experiência em rotas de longo percurso e construir uma imagem positiva perante o mercado,
fatores imprescindíveis para sua expansão internacional nas décadas seguintes e que lhe
ajudaram a enfrentar as intenções desenvolvidas posteriormente no Ministério da Aeronáutica
para a formação de uma Aerobrás. Essa empresa internacional única já representava uma
prática, na maioria dos países, principalmente europeus, onde era, em geral, uma estatal.
Dessa lógica, excluíam-se, logicamente, os EUA. Tal idéia foi intensamente combatida pelos
empresários brasileiros, principalmente, na II CONAC, realizada de 2 a 13 de dezembro de

249
Ibidem, p. 106.
250
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 105.
251
Aldo Pereira, op. cit., p.124.
252
Harro Fouquet. “Texto sobre a história...”, op. cit..
253
“Vôo mais alto a trajetória segura”, op. cit., p. 23.
254
Aldo Pereira, op. cit., p.124.
255
Informação disponível no site da Câmara dos Deputados.
82

1963, que reafirmaria as recomendações da I CONAC, dentre elas a fusão de empresas para
reduzir as operadoras no mercado internacional, bem como a manutenção do regime de
256
competição controlada e condicionada ao interesse publico. O Brasil assumia, assim, um
modelo próprio, afastando-se tanto da empresa de bandeira estatal européia, quanto da multi-
designação de empresas privadas, do modelo norte-americano. Uma postura bastante
independente, como era, naquele momento, a característica governamental.
O governo Jânio Quadros representou o início da Política Externa Independente no
Brasil, imediatamente evidenciada pelas seguintes posturas: providências para o reatamento
das relações diplomáticas com a URSS, restabelecidas, já com Goulart, em 23 de novembro;
restabelecimento, em 31 de março, das relações diplomáticas com a Hungria e com a
Romênia, interrompidas desde a Segunda Guerra Mundial; envio de uma missão especial à
Europa Oriental buscando aproximação comercial, cultural e científica com os países
socialistas daquela região; inauguração de várias embaixadas na África; viagem do vice-
presidente João Goulart à China, em missão comercial, dentre outras. Em comunhão com o
257
espírito de aproximação do Brasil às nações afro-asiáticas, Berta apresentaria a Jânio
Quadros, em abril de 1961, o plano de expansão das rotas da VARIG, incluindo três cidades
258
no continente africano. Nesse momento, os EUA se viam às voltas com a revolução
cubana e eram obrigados a assistir a condecoração de Ernesto Che Guevara, líder dessa
revolução, com a Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul, maior comenda do governo
brasileiro. Jânio Quadros já havia se colocado contrário a qualquer tipo de intervenção
estrangeira em Cuba quando, em 17 de abril de 1961, fracassou o ataque apoiado pelos EUA à
Baía dos Porcos. Logicamente, tal volúpia de ações não poderia passar em branco e Jânio, não
resistindo às pressões conservadoras, renunciou, apenas sete meses após sua posse. Assumiu
João Goulart o governo, sob um regime parlamentarista e com forte oposição interna à sua
Política Externa Independente, principalmente após a abstenção brasileira na votação final na
OEA pela expulsão de Cuba, em 1962. Crescia também as críticas de “anti-americanismo”,
atribuídas ao governo e reforçadas pelo envio à Cuba, em outubro de 1962, durante a famosa
“Crise dos Mísseis”, do general Albino Silva, chefe da Casa Militar da Presidência, para
oferecer, nas palavras de Eugênio Vargas Garcia, “a Fidel Castro, os bons ofícios do governo
brasileiro na questão”. 259

256
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, op. cit., p. 44.
257
Eugênio Vargas Garcia, op. cit., p. 183-187.
258
“Exposição ao Exmo. Snr. Presidente da República...”, op. cit., p. 20.
259
Eugênio Vargas Garcia, op. cit., p. 183-187.
83

Como conseqüência, aumentou a instabilidade política no país, a partir de atividades


secretas da CIA, de movimentos conservadores e do apoio norte-americano a esses
movimentos de desestabilização. Podemos citar um relatório confidencial da embaixada dos
EUA que, em 04 de março de 1964, descrevia “os militares brasileiros como fator essencial
na estratégia para conter os excessos de esquerda do governo Goulart” e, também, o envio de
uma força tarefa da marinha norte-americana para a costa brasileira, no mesmo dia em que
ocorreu o golpe militar, 31 de março de 1964, que derrubou João Goulart, golpe este
responsável por grandes mudanças no cenário da aviação brasileira e na VARIG. Uma das
primeiras providências no campo da política exterior foi romper relações diplomáticas com
Cuba, retrocedendo nas políticas anteriormente adotadas com relação à China e à África. A
reaproximação com os EUA foi imediatamente confirmada pela assinatura, em junho de 1964,
de acordo de empréstimo do governo norte-americano ao Brasil no valor de US$ 50 milhões
e, em janeiro de 1965, o FMI nos concederia um crédito de US$ 125 milhões e a Aliança Para
260
o Progresso outro, no valor de US$ 23 milhões. Iniciava-se assim, segundo Letícia
Pinheiro, na política externa brasileira, um segundo período de “americanismo ideológico”.
Ruben Berta, como empresário, não fazia distinções ideológicas nas suas articulações
com o meio político e se saía, em geral, muito bem com todos. “Foi acusado de socialista pela
direita, de reacionário pela esquerda. Anticomunista radical, foi igualmente um apaixonado
nacionalista,” 261 fatores de identidade que podem tê-lo ajudado junto aos militares. Por outro
lado, segundo Harro Fouquet (informação verbal), foi convidado por João Goulart para o
262
Ministério da Agricultura, por ser um “apaixonado defensor da interiorização do
desenvolvimento econômico”, do cerrado brasileiro, tendo inclusive iniciado um projeto
263
agropecuário pioneiro, a Agrobrás. Após a renúncia de Jânio Quadros, o episódio de
retorno de Jango ao Brasil, também teve o envolvimento da VARIG. Segundo Rubens
Bordini, Jango chegou a Porto Alegre, vindo de Montevideo, num Caravelle da VARIG. A
empresa também transportou, em sigilo, os ministros General Kruel do Exército e Walter
Moreira Salles, da Fazenda, para uma reunião com Jango, em Porto Alegre, assim como
arquitetou a sua ida para Brasília. 264 Para Leonel Brizola Berta concedeu um passe, prática de
cortesia aos governadores gaúchos para voar na VARIG sem precisar de um bilhete de
265
passagens, instituída na empresa, em assembléia de 07 de maio de 1932. No entanto, sua

260
Eugênio Vargas Garcia, op. cit., p. 191-192.
261
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 23.
262
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit.
263
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 19.
264
Rubens Bordini, op. cit., p. 273-275.
265
Otto Ernst Meyer, “Dados a respeito da criação e fundação da ‘VARIG’...”, op. cit., p. 9.
84

postura de aproximação com o governo não diminuiu com o golpe militar, pelo contrário.
Berta procurou se aproximar dos líderes militares, buscando evitar a criação da Aerobrás,
sobre a qual ele era totalmente contrário, tendo-se destacado, inclusive, no papel de opositor,
principalmente nas CONAC’s de 1961 e 1963. Em dezembro de 1962, ele enviou aos
funcionários da empresa um texto intitulado “Essa é a Sua Companhia”, de onde destaca-se o
seguinte trecho:

[...] A VARIG de 1945 a 1962 cresceu 160 vezes. [...] Esse patrimônio, infelizmente, está
sendo rondado por inimigos, os quais dele procuram apossar-se [...] como se os grandes
empreendimentos pudessem ser construídos sem trabalho e sacrifícios. [...] Não se pode
ganhar mais trabalhando menos [...]. Não pense em estatização. Terminaria você nivelado e
sem horizontes, a concorrer para afundar o país em mais déficits ainda [...]. 266

Essa aversão de Berta à possibilidade de que o patrimônio da empresa pudesse ser


estatizado era já algo antigo, que remontava à criação da Fundação de Funcionários da
VARIG, em 1944, quando parte considerável do capital da empresa pertencia ao governo do
estado do Rio Grande do Sul e Berta, com o mesmo temor, propôs a formação da Fundação.
Na década de 1950, ele mandou publicar e divulgar para toda a VARIG a Encíclica Rerum
Novarum do Papa Leão XIII, conhecida, nas palavras de Berta, como a Encíclica sobre as
Condições das Classes trabalhadoras, e considerada,

a mais completa resposta da Igreja Católica ao ‘Capital’, de Marx, ou a qualquer outra


forma de comunismo ou socialismo puro [...] indispensável para a compreensão da filosofia
que adotamos no nosso trabalho.

Berta considerava-a uma coleção de ensinamentos sobre vários dos problemas


modernos, e complementou:

para nós só a terceira forma de associação é justa: a sociedade em que ao próprio trabalho
não só pertence o lucro, mas que passa a ser também a proprietária do capital, a fim de que a
aplicação do proveito, o crescimento da empresa e outros sejam ditados somente pelo interesse
dos que trabalham, forma, porém, que do comunismo ou do socialismo puro tem uma vasta
diferença: a de preservar o incentivo no indivíduo e não destruir sua liberdade de ação, assim
como a igualdade de oportunidades para subir por acumulação de bens, na escala social [...] a
sociedade dos trabalhadores assume logicamente, também, o governo e risco do capital e passa
a ser responsável pelo sucesso da companhia industrial [...]. 267

Desta forma, explicava ele, seu ponto de vista com relação à possibilidade de criação
de uma Aerobrás, estatal. No entanto, e na prática, este papel de uma “Aerobrás”, privada,

266
Ruben Berta. “Uma Organização Brasileira a Serviço da Aviação Comercial do Mundo”, Publicação Interna, Dezembro
de 1962, p. 1.
267
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 15, 16 e 18.
85

viria a ser assumido exatamente pela VARIG, em um futuro bem próximo, com o fim da
268
Panair, quando os opositores da VARIG já a chamavam de “Bertabrás”. E num futuro um
pouco mais distante, quando da aquisição da Cruzeiro do Sul, em 1975, quando a empresa
assumiria a totalidade das rotas internacionais brasileiras. Com a morte de Ruben Berta, Erik
de Carvalho, que o sucedeu, comemoraria, em 1967, os quarenta anos da VARIG em plena
“decolagem” da empresa e do mercado brasileiro de aviação, com a imprensa noticiando:

Em 1964, o déficit das empresas aéreas elevou-se a 20,3% em relação à sua receita, em
1965, caiu para 12,4%; e, em 1966, para apenas 8,3%. Tudo isso, sem sacrifício de seus
usuários: o aumento de tarifas, que em 1964 fôra de 160%, restringiu-se a 30% em 1965, e não
passou de 12% em 1966. Tampouco houve aumento nas subvenções do Governo: elas foram
cortadas em 9,2% em 1964 e em 6,9% e 4,5% nos anos seguintes. 269

Nesse clima ocorreu a III CONAC, de 5 a 12 de agosto de 1968, considerada de


grande importância por ter criado o Manual Único de Tarifas para as empresas nacionais,
buscando, exatamente, evitar a chamada concorrência predatória. A partir dessas três
conferências, realizadas na década de 1960, foi possível fixar uma Política de Aviação Civil,
com ênfase à reedição e à aprovação do Código Brasileiro do Ar, de 1966, e às suas
atualizações posteriores. 270 O resultado da III CONAC foi o seguinte:

• Maior ênfase ao repúdio aos monopólios.


• Estímulo a privatização de empresas.
• Estabelecimento de políticas de tráfego, aeroportuária, tarifária, de reequipamento e
econômico-financeiras, com sugestões específicas para cada área.

A aviação se expandia no mundo todo e, devido ao desenvolvimento tecnológico que


previa a entrada em serviço dos chamados equipamentos “wide- body” (fuselagem larga), o
Ministério da Aeronáutica constituiu, em 1967, a Comissão Coordenadora do Projeto
Aeroporto Internacional (CCPAI), que definiu a necessidade urgente de implantação de dois
aeroportos de classe internacional, um no Rio de Janeiro e outro, em São Paulo, cidades que
somadas concentravam 90% do tráfego internacional do Brasil. Em São Paulo esse tráfego era
operado pelo aeroporto de Congonhas, inaugurado em 1936, para substituir o Campo de
271
Marte, que se alagava em enchentes. No Rio, ex-capital da República, onde havia uma

268
Saladino. O Caso Panair..., op. cit.
269
“Vôo mais alto a trajetória segura”, op. cit., p. 20.
270
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, op. cit., p. 44.
271
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit.
86

grande concentração da Aeronáutica, desde a Base Aérea de Santa Cruz e do Campo dos
Afonsos, esse tráfego era operado pelo aeroporto do Galeão, inaugurado em 1952, onde
operava também o Parque de Aeronáutica. A comissão definiu que o principal aeroporto
internacional seria o do Rio de Janeiro, que acabou sendo inaugurado, dez anos mais tarde,
em 1977.
O aeroporto de São Paulo, devido aos debates que se desenvolveram a respeito da
localização e da responsabilidade pela execução das obras, se estaduais ou federais, só foi
inaugurado em 1985, quase dez anos depois, por iniciativa do então Ministro da Aeronáutica,
Brigadeiro Délio Jardim de Mattos. 272 Sendo São Paulo a principal cidade do Brasil, tornava-
se curiosa a escolha do aeroporto do Rio de Janeiro para ser o principal do país,
principalmente porque Congonhas já tinha se tornado, em 1958, o primeiro aeroporto
brasileiro a ultrapassar a marca de cem mil movimentos de aeronaves, com uma demanda
crescente tanto no segmento doméstico, quanto no segmento internacional. Essa realidade só
foi modificada em função das restrições das pistas de Congonhas aos equipamentos Boeing
707 e DC-8, operados pelas empresas aéreas nos vôos internacionais de longo percurso, a
273
partir de 1960, levando as operações internacionais para Viracopos, em Campinas. De
qualquer forma, “embarcando” nessa decisão de fazer do Galeão o principal aeroporto do
país, a VARIG daria início também a um ousado projeto, o da construção de um complexo
industrial, situado ao lado deste aeroporto, cuja inauguração da primeira etapa ocorreu no
mesmo ano em que o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (AIRJ) foi inaugurado, isto é,
1977. Nas décadas seguintes a empresa cresceria ainda mais sua estrutura operacional na
região do aeroporto, com a inauguração do “Catering”, sua cozinha industrial de bordo, dos
simuladores, da área de treinamento e da sede da FRB.
Esta decisão, tanto do Ministério da Aeronáutica, quanto da VARIG, se confirmariam
equivocadas nos anos seguintes. A inauguração do Aeroporto Internacional de São Paulo,
Guarulhos, em 1985, quase dez anos depois do AIRJ, proporcionou alívio a uma situação de
demanda reprimida, gerada pela localização do Aeroporto Internacional de Campinas, cerca
de 100 Km distante da cidade de São Paulo. Guarulhos tornou-se o primeiro aeroporto
brasileiro e sul-americano a superar a marca de dez milhões de passageiros por ano, refletindo
assim a importância econômica da cidade de São Paulo. Como resultado, as empresas aéreas
estrangeiras passaram a centralizar em São Paulo a administração das suas atividades no

272
Harro Fouquet. “Considerações sobre a infra-estrutura aeroportuária de São Paulo”, agosto de 2007, documento entregue a
diversas autoridades do setor, em outubro de 2007, como o Ministro da Defesa, o Comandante da Força Aérea, o Governador
José Serra e o Prefeito Gilberto Kassab, p. 5.
273
Idem, p. 2.
87

274
Brasil. Para a VARIG, cuja sede e toda estrutura operacional encontrava-se no Rio,
aumentavam ainda mais os custos com manutenção e logística operacional.
Na década de 1970, quando estes projetos do Ministério da Aeronáutica e da VARIG
estavam sendo desenvolvidos, a relação da empresa com o governo manteve-se a mesma das
décadas anteriores. No governo Médici (1969-1974), o principal objetivo da política
econômica era o fortalecimento relativo do Brasil no cenário mundial, o projeto de “Brasil
Potência”, não cogitando qualquer tipo de questionamento à ordem internacional vigente. Na
conjuntura internacional abria-se um cenário de multipolaridade, permitindo, inclusive, uma
relação mais “natural” e menos ideologizada com os EUA, devido, principalmente, ao
aumento do poder de barganha brasileiro. O país se “sentia” mais seguro com relação às suas
potencialidades e realizações de crescimento e diversificação industrial. Nesse contexto
nasceria a Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer), em 19 de agosto de 1969. Uma
iniciativa do Estado na indústria de aviação, buscando suprir uma carência de equipamento
adequado ao segmento regional brasileiro, que desde a metade da década de 1950, devido à
grande evolução ocorrida no tamanho das aeronaves, começou a sair das rotas da aviação
comercial.
Com a Embraer seria desenvolvido nosso primeiro avião regional, o EMB-110
Bandeirante, adequado ao transporte de cargas e de passageiros. Ainda dentro dessa iniciativa
de participação do Estado na indústria de aviação seria instituída, em 1973, a Empresa
Brasileira de Administração Aeroportuária (INFRAERO), com a finalidade de implantar,
administrar, operar e explorar, industrial e comercialmente, a infra-estrutura dos aeroportos,
275
a partir de receita própria, gerada pela prestação de serviços como armazenagem de carga
aérea, concessão de espaços comerciais nos aeroportos, tarifas de embarque, pouso e
permanência de aeronaves e serviços de comunicação e auxílio à navegação aérea. A criação
da Embraer e da Infraero pelos governos militares, demonstrando incentivo à indústria
nacional de aviação, aproxima esse período a outro importante período da aviação brasileira,
que foi o da ditadura Vargas, quando algumas indústrias de aviação, como já citado, foram
também instaladas no país.
Nas vantagens estratégicas de permanecer aliada ao governo, naquele cenário de
multipolaridade da conjuntura internacional, “embarcava” a VARIG, inaugurando seu
276
primeiro vôo para o continente africano, em 21 de junho de 1970, para Johannesbourg, e

274
Ibidem, p. 6.
275
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p.132.
276
Relatório Anual de Administração da VARIG 1970, p.20.
88

como pode ser depreendido da seguinte declaração publicada no Relatório Anual da empresa
de 1971:

Em toda a sua profundidade, é esse reconhecimento extensivo ao nosso Governo que,


desde a salvadora Revolução de março de 1964, achava-se voltado para a inadiável obra de
criar, no Brasil, as condições básicas e autênticas para o desenvolvimento sócio-econômico,
em ritmo acelerado e auto-sustentável, como síntese perfeita da ‘grande tarefa nacional’ que
HOJE a todos os brasileiros cabe executar. E em meio a este panorama de uma Nação que
procura desenvolver-se à altura da grandeza de seu território, de sua tradição e de seu povo,
não poderia a Varig faltar com seu esforço e colaboração em sua importante área de atividade:
o transporte aéreo. 277

A política de “realidade tarifária”, adequando as tarifas aos custos das empresas, isto é,
transferindo para os passageiros a cobertura dos custos, e que vigorava desde a II CONAC
(1963), mantinha-se como prática corrente, possibilitando uma redução das subvenções de
caráter operacional e das destinadas ao reequipamento. 278 Os órgãos governamentais visavam
uma política de crescimento com concentração de renda e soberania nacional. Como grande
parte dos usuários da aviação comercial no Brasil eram executivos e burocratas, viajando a
serviço, tal política permitia às empresas, que não competiam por tarifas, uma margem maior
de manobra.
Estudos comparativos realizados na época entre as tarifas internacionais na América
do Sul, nos EUA e na Europa, demonstravam que a média das tarifas sul-americanas era
menor que a das concorrentes norte-americanas e européias, 279 isso se tornava uma vantagem
adicional para a VARIG, na concorrência com as empresas estrangeiras, principalmente nas
passagens adquiridas fora do Brasil, pois lhe permitia focar, ainda mais que nos vôos
domésticos, seus diferenciais de concorrência no aspecto qualidade, para passageiros de poder
aquisitivo muito mais alto, que adoravam a idéia de pagar menos por um serviço melhor.
Naquele momento, o intervencionismo e o protecionismo constituíam uma orientação
comum a todos os países novos e eram de grande interesse à nova burguesia emergente, assim
como aos países já industrializados que viam a possibilidade de “reinstalar-se através de
280
filiais ou de investimentos de capital”. Tal política levou esses novos países
industrializados a uma grande dependência tecnológica e financeira, que se, por um lado,
gerou crescimento, por outro, não se revelou como um fator de desenvolvimento, mesmo no
Brasil depois de 1964, quando os governos militares decidiram abandonar a política de

277
Relatório Anual de Administração da VARIG 1971, p.5.
278
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 243.
279
K.M.V. Costa, “An Investigation of the Likely Impact of Current Trends in Air Transport Regulation on South America”,
Cranfield Institute of Technology, College of Aeronautics, M. Sc. Thesis, September 1989, p. 131 e 157.
280
Bernard Droz & Anthony Rowley. História do Século XX, Volume 3, Lisboa: Dom Quixote, 2000, p. 326.
89

substituição de importações e optaram por privilegiar as multinacionais, levando ao “milagre


brasileiro”.
Vale ressaltar que esse processo de internacionalização da economia através das
multinacionais esteve sempre relacionado, durante toda a década de 1960 e de 1970,
diretamente ao advento de regimes militares, não só no Brasil, como em toda a América
281
Latina. Nesse período, o Brasil recebeu cerca de um quinto do conjunto dos investimentos
realizados pela OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, no
282
Terceiro Mundo. A economia estava a todo vapor e, é lógico, que isso se refletia na
demanda por passagens aéreas. Lembremo-nos que a aviação civil foi uma das responsáveis
pela inovação decisiva da chamada “Era de Ouro” do capitalismo no mundo em geral: o
processo transnacional de manufatura, representado pela globalização, e que só foi possível
graças à revolução nos transportes e nas comunicações. 283
No Brasil, houve um grande crescimento do PIB e de outros indicadores econômicos,
principalmente durante a fase do “milagre econômico”, de 1969 a 1973, com controle, ainda
que temporário, da inflação. E foi exatamente nas décadas de 1960 e 1970 que a VARIG
viveu seu período de grande prosperidade. Em 1968 seria também inaugurada a rota para o
Japão, e a empresa colecionaria seguidos resultados positivos no seu balanço, com
crescimento da frota, rotas, funcionários, faturamento, entre outros, chegando à década de
1970 como a maior empresa (patrimônio líquido mais lucro) privada de capital brasileiro, a
maior empresa da América Latina e a maior empresa aérea do mundo de capital privado, fora
284
dos EUA. Para registrar esse crescimento da economia do país, de suas empresas de
aviação, bem como do alinhamento da VARIG às políticas governamentais que permitiram
tais resultados, a seguinte declaração, juntamente com o gráfico a seguir seriam publicados no
Relatório Anual da empresa de 1971:

No que pesem eventuais arranhões e descompasso na aplicação dessas diretrizes básicas, o


saldo foi, ainda assim, altamente positivo, como testemunham, de forma irrefutável, os
resultados operacionais alcançados pelo conjunto das empresas de transporte aéreo que, de
prejuízos acumulados até 1966, da ordem de CR$ 59 milhões, passaram a totalizar lucros da
grandeza de CR$ 117 milhões. Mas, essa auspiciosa reação setorial – aviação comercial –
jamais seria possível não fora a firmeza e o acerto da política econômico-financeira que
constitui a base do Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, a qual assegurou,
em 1971, o alto índice de 11,3% de crescimento do PIB, após três anos consecutivos na faixa
de 9%, pari-passu com a regressão constante do processo inflacionário. 285

281
Luis Fernando Ayerbe. Neorealismo e Política Externa na América Latina. São Paulo: Editora Unesp, 1998, p. 27.
282
Sônia de Camargo. A Integração do Cone Sul, in J.A. Guilhon de Albuquerque, op. cit., p. 155.
283
Eric Hobsbawm. Era dos Extremos…”, op. cit., p. 275.
284
“Posição da VARIG no mundo”. Rosa dos Ventos, no 59, 1977, p. 11.
285
Relatório Anual de Administração da VARIG 1971, p.6.
90

Gráfico 1

Fonte: Relatório de Administração da VARIG do Exercício de 1971

Esse crescimento da VARIG refletia sua capacidade de aproveitamento das


oportunidades, acompanhando, assim, o bom momento da economia brasileira, bem como da
aviação nacional, que por sua vez, acompanhava uma tendência mundial. O lucro líquido da
VARIG em 1973, Cr$ 178.681 milhões, foi 110% superior ao de 1972. 286 Segundo a IATA, a
aviação civil no mundo, até 1973, quando ocorreu a primeira crise do petróleo, teve taxas de
crescimento de dois dígitos graças, dentre outros fatores, à introdução de novas tecnologias,
principalmente nos equipamentos, como os wide bodies que surgiram nos anos 60. “Eles
trouxeram maiores velocidades, maior tamanho, melhor custo por unidade e, como resultado,
tarifas reais mais baixas. Combinado com aumentos reais nas rendas e mais tempo para lazer,
o efeito foi uma explosão na demanda por viagens aéreas”. Essa demanda mudava a realidade
original baseada em empresários, burocratas ou ricos, exigindo também mudanças no serviço
287
e nas tarifas. Nesse momento de crescimento e após longos estudos, a VARIG, em 01 de
dezembro de 1972, firmou o compromisso de compra dos seus primeiros wide bodies, os DC-
10, que começariam a ser entregues em 1974 e representavam um gigantesco investimento de
US$ 110 milhões, que além das aeronaves abrangia também equipamentos de oficina,
simulador de vôo, outros componentes materiais e treinamento de tripulantes e técnicos.

286
“Varig, o Brasil na era dos gigantescos jatos comerciais”, op. cit, p. 6.
287
Informativo Eletrônico da IATA, apud Monteiro, Cristiano Fonseca: A trajetória da Varig do nacional-
desenvolvimentismo ao consenso neoliberal. Estudo de caso sobre as relações entre empresa e sociedade. Rio de Janeiro:
Dissertação de Mestrado em Sociologia, 2000, PPGSA/IFCS/UFRJ, p. 77-78.
91

Graças às excelentes condições econômicas da empresa, o financiamento foi totalmente


garantido pelo European-American Banking Corporation e pelo Eximbank. 288
Tais resultados eram bastante comemorados no Brasil e nesse mesmo ano de 1971 a
VARIG realizou, mediante a emissão de novas ações preferenciais, o aumento do seu capital
social, obtendo com isso um reforço do capital de giro, que por sua vez, aliviou as
necessidades de crédito, bem como seu custo financeiro. Vale ressaltar também que a política
de subvenção às operações já vinha sendo reduzida pelo governo desde 1966, tendo sido
completamente abolida nas linhas internacionais a partir de 1970, quando foi mantida apenas
nas linhas de integração nacional, mesmo assim representando, em 1971, apenas 0,00004 da
receita de tráfego da empresa, 289 e cessando, completamente, a partir de 1972. 290
Porém, o tempo passou e a conjuntura, tanto brasileira quanto mundial, mudou. Nas
décadas seguintes vieram as crises. Muitas por sinal. Desde as do petróleo, com perfil
mundial, até a da dívida externa, com perfil sul-americano, passando pela crise brasileira do
modelo nacional-desenvolvimentista, que logicamente se refletia no mercado da aviação e,
especificamente, na VARIG, que nele se espelhava. Isso, sem falar nos valores liberais que
ressurgiam com toda força sob a roupagem do neoliberalismo, e que trazia a reboque a
desregulamentação, o afastamento do Estado da economia, a abertura de mercado, enfim, a
globalização. Como isso se refletiu na aviação comercial brasileira? Como a VARIG viveu
tudo isso? De que forma sua crise se insere nessa realidade? Ao final de 1974, devido ao
grande aumento no preço do combustível, poucas foram as empresas de aviação comercial,
grandes ou pequenas que conseguiram apresentar lucro. A VARIG foi uma dessas poucas,
encerrando o exercício com um lucro líquido de aproximadamente CR$ 147 milhões, apenas
17,5% inferior ao lucro de 1973. Contudo, sua rentabilidade em relação à receita operacional,
caiu de 13,7% em 1973 para 6% em 1974. O combustível que em 1973 representava 32% do
custo direto passou em 1974 a representar 47%. E, mais uma vez, sua alta administração
aproveitou a conjuntura para manter seu discurso de apoio às políticas do governo,
aproveitando também para relembrar os problemas vividos pela aviação nacional no início da
década de 1960, antes, portanto, da adoção dessas políticas que a levaram à liderança do
mercado:

Do acerto dessa política, o melhor testemunho está no fato de, após a crise de energia, os
governos e empresas de outras bandeiras se haverem defrontado com a única alternativa de
passar a respeitar a dura realidade dos fenômenos econômicos – que por certo não se afinavam

288
“Varig, o Brasil na era dos gigantescos jatos comerciais”, op. cit., p. 10.
289
Relatório Anual de Administração da VARIG 1971, p. 22 e 24.
290
Relatório Anual de Administração da VARIG 1974, p. 25.
92

com a anterior competição desenfreada, oriunda de um excesso de capacidade que desaguava


na fantasia tarifária, fruto de uma preocupação crônica de lotar os aviões a qualquer preço,
numa concorrência ruinosa e suicida. 291

Em 1972, realizou-se no Rio de Janeiro o Seminário de Transporte Aéreo


Internacional (STAI), com o objetivo de "estudar as bases da política aeronáutica brasileira de
transporte e traçar diretrizes, visando a expansão ordenada e eficiente da participação da
bandeira brasileira no transporte aéreo internacional". Num momento em que o principal
interesse da política governamental era o projeto “Brasil Potência”, a tônica desse Seminário
era bastante nacionalista, em defesa da participação das empresas brasileiras de aviação no
mercado internacional, vistas como representantes dos interesses do país no exterior, bem
como o estabelecimento de uma parceria Estado-Empresas, que facilitasse o atingimento
dessas metas. As seguintes recomendações ratificam muito claramente esta perspectiva e o
quanto a conduta da VARIG buscava essa identificação:

• Participação ativa e eficiente nos Organismos Internacionais de Aviação Civil,


em defesa dos interesses nacionais.
• Participação da bandeira brasileira no transporte aéreo internacional, com
direitos e oportunidades proporcionais ao tráfego gerado pela economia
brasileira.
• Assegurar a capacidade de competição, no mercado internacional, às empresas
de bandeira brasileira, através do aprimoramento de seus padrões de eficiência.
• Considerar medidas para evitar a competição ruinosa entre os transportadores
brasileiros.
• Resguardar os legítimos interesses econômicos dos transportadores.
• Preservar o regime de iniciativa privada e o da designação de apenas duas
empresas brasileiras para exploração do transporte aéreo internacional.
• Fazer com que a presença de bandeira brasileira, no transporte aéreo
internacional, contribua para o crescente prestígio internacional do Brasil.
• Desenvolver a infra-estrutura aeronáutica, de acordo com os padrões
internacionais.
• Atingir alto nível de entendimento e colaboração entre os transportadores
nacionais e entre estes e o Estado, a fim de aumentar a capacidade de
participação da bandeira brasileira no transporte aéreo internacional.
291
Relatório Anual de Administração da VARIG 1974, p. 24 e 25.
93

Esse seminário viria a influenciar, positivamente, o estabelecimento da legislação


complementar e a efetiva participação das empresas brasileiras no transporte aéreo
internacional. Como conseqüência, editou-se também o Decreto n° 72.898, de 09 de outubro
de 1973, que, finalmente regulamentava o Regime de Concessões e Autorizações no
Transporte Aéreo Doméstico e Internacional, por um período de quinze anos. Esta
regulamentação estava suspensa desde 1955, quando as últimas concessões haviam sido
assinadas, pelo prazo de cinco anos. 292
Como o principal foco, naquele momento, eram as questões de natureza econômica, o
293
ministro da fazenda Delfim Neto alcançou grande projeção na arena internacional,
privilegiando os interesses da burguesia estatal brasileira e crescendo também o papel do
Estado como instância reguladora. Um fato representativo dessa política viria exatamente da
Petrobrás, cujo presidente, durante o governo Médici, General Ernesto Geisel, seria o futuro
presidente do país. O governo Geisel (1974-1979) iniciou-se marcado pela crise econômica
internacional, causada pelo aumento dos preços do petróleo (o Brasil importava, nesta época,
294
80% do seu consumo ), pelo abandono unilateral dos EUA do sistema de taxas de câmbio
fixas de Bretton Woods e por vários outros ciclos de oscilação de commodities. O fim do
padrão-ouro permitia a desvalorização do dólar e o conseqüente aumento das exportações
norte-americanas e representava o fim do compromisso dos EUA de arcar com os custos
financeiros assumidos em Bretton Woods. Essa crise não permitiria mais ao Brasil a
manutenção do mesmo ritmo de crescimento do governo anterior (entre 1968 e 1973 a
295
economia brasileira cresceu a uma taxa média de 11,5% ) e impôs uma necessidade de
mudança nesse processo de crescimento, que não poderia parar de forma alguma, pois nele se
baseava a legitimidade do regime. 296
Nascia assim o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que buscava
aumentar a produção de bens de capital, superar a insuficiência tecnológica e diminuir a
dependência de insumos básicos. Logicamente, a necessidade de grandes investimentos fez
com que o país aumentasse ainda mais seu endividamento externo, favorecido graças à
manutenção da alta liquidez do mercado financeiro internacional. Por outro lado, essa política
objetivava também o fortalecimento das empresas nacionais em detrimento das estrangeiras,

292
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, op. cit., p. 46.
293
Letícia Pinheiro. Unidades de Decisão e Processo de Formulação de Política Externa durante o Regime Militar in J. A.
Guilhon de Albuquerque, op. cit., p. 461.
294
Letícia Pinheiro. Política Externa Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p.44.
295
Sônia de Camargo. A Integração do Cone Sul, op. cit., p 155.
296
Letícia Pinheiro, Política Externa Brasileira, op. cit., p.44.
94

297
mantendo, na aviação, o papel de destaque da VARIG, que crescia, comprando a Cruzeiro
do Sul, em 1975. A Cruzeiro do Sul, correndo risco de paralisação devido a uma situação
econômico-financeira bastante abalada, teve sua maioria acionária adquirida pela FRB. A
princípio o governo havia recomendado sua venda, preferencialmente, à Transbrasil ou à
VASP, 298 e a revista Guia Aeronáutico, de fevereiro de 1975, chegou a anunciar:

A Secretaria de Imprensa da Presidência da República distribuiu, a 22 de janeiro, nota


oficial sobre a fusão Cruzeiro-Transbrasil contendo, na íntegra, as seguintes informações: ‘1.
Diante das dificuldades que, particularmente em face da crise de combustível, vem
enfrentando a viação comercial, internacionalmente, o governo achou necessário reforçar a
estrutura empresarial do setor, no país. Para esse efeito, os estudos técnicos realizados, sob a
coordenação do Ministério da Aeronáutica, com participação dos Ministérios da área
econômica, levaram a conclusão da conveniência, entre outras alternativas sugeridas, de uma
associação entre a Cruzeiro do Sul e Transbrasil’. 299

No entanto, todas as tentativas que visavam a composição com outras operadoras em


300
dificuldade fracassaram e, em 22 de maio de 1975, a Cruzeiro foi adquirida pela FRB e,
301
segundo Hélio Smidt, sob concordância expressa do Ministério da Aeronáutica. Um
empréstimo de 256 milhões foi obtido junto ao Banco do Brasil, para ser amortizado em doze
302
anos, sem correção monetária, facilitando, desta forma, a aquisição. Cruzeiro e VARIG
303
passaram a operar juntas, embora como empresas independentes, totalizando 53,4% da
oferta nacional. Desta forma crescia ainda mais o domínio do Grupo VARIG. Em decorrência
desse fato e para manter o equilíbrio entre as principais empresas do mercado doméstico, foi
publicada a Portaria 088/GM-5, distribuindo cotas entre as empresas e designando à Varig-
Cruzeiro a participação máxima de cinqüenta por cento, que na prática, em 1978, chegava a
no máximo 45,2%. 304 Por razões comerciais, a designação “Cruzeiro do Sul” nos vôos só foi
retirada em 1992. 305
Em 1975, após a compra da Cruzeiro do Sul pela FRB, as propagandas veiculadas na
imprensa são mais um exemplo do provincianismo presente na estrutura da VARIG. Como
quando da compra da Real, as colocações registravam uma postura de superioridade da

297
Miriam Gomes Saraiva. “Política Externa, Política Interna e Estratégia de Desenvolvimento: o Projeto de Brasil Potência
Emergente (1974-1979)”, Sociedade em Debate, volume 3, no 4, Pelotas/RS: Universidade Federal de Pelotas, Novembro de
1997, p. 21-24.
298
“Concorrência Interna de Bandeira nos Vôos Internacionais é Perniciosa para o País”, Depoimento de Hélio Smidt,
Espaço Aéreo, Ano 7, no 1, Janeiro-Fevereiro 1986, s/p.
299
“Fusão Cruzeiro-Transbrasil na Palavra do Governo”, Guia Aeronáutico, fevereiro de 1975, p.9.
300
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 133.
301
“Concorrência Interna de Bandeira...”, op. cit., s/p.
302
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 267.
303
“VARIG – CRUZEIRO – RIO-SUL Suas Histórias”. Publicação Interna da Empresa, abril de 1983, s/p.
304
Relatório Anual de Administração da VARIG 1978, p. 9.
305
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p. 8.
95

compradora em relação à Cruzeiro, exemplificadas nos textos a seguir, publicados na revista


Guia Aeronáutico:

Tudo o que a Varig sabe a respeito de voar com você, ela está contando a Cruzeiro. E a
Cruzeiro, tudo que sabe, também está contando a Varig. Ao entrar num avião da Cruzeiro,
você vai sentir, em cada detalhe, a presença do serviço Varig. Nos aviões da Varig, o melhor
da Cruzeiro também está presente. A soma das duas deu a você maiores opções em horários,
em roteiros de férias ou de negócios, e proporciona conexões imediatas para qualquer ponto
do Brasil ou do exterior. Varig ou Cruzeiro? E só escolher. (anexo K)

Somando técnica, Toda união é uma soma. Unidas, Varig e Cruzeiro somaram técnica.
Uma ganhou a experiência, os conhecimentos profissionais, os recursos humanos e a Força de
trabalho da outra. O que uma sabia, agora a outra também esta sabendo. Engenheiros e
mecânicos da Cruzeiro têm agora todo o ‘know-how’ dos engenheiros e mecânicos da Varig.
E vice-versa. Quando duas empresas se somam, ambas ganham muito mais. Para oferecer a
você. 306 [Grifo meu]. (anexo L)

Percebe-se nas seguintes frases “Engenheiros e mecânicos da Cruzeiro têm agora todo
o ‘know-how’ dos engenheiros e mecânicos da Varig”, “Tudo o que a Varig sabe a respeito
de voar com você, ela está contando a Cruzeiro” e “Ao entrar num avião da Cruzeiro, você vai
sentir, em cada detalhe, a presença do serviço Varig” a intenção de transmitir uma idéia do
quanto a Cruzeiro, muito mais do que a VARIG, passava a ganhar com a união das duas
empresas.
Para a alta administração da empresa, quando a VARIG passou a ser a única designada
para serviços internacionais, a partir de 1975, essa situação era conseqüência de um processo
histórico, em que a “fragilidade do sistema anteriormente adotado causou os insucessos
307
econômicos sucessivos do Grupo Real, da Panair, e mesmo da Cruzeiro”. Contudo, a
despeito da citada “fragilidade” do sistema anterior, é inegável a capacidade da VARIG de se
articular e ocupar os espaços deixados pelas demais empresas, como na absorção de slots
(direito de pousos e decolagens por hora), de mão-de-obra qualificada, know how
desenvolvido, equipamento, etc. Isso aconteceu desde quando se candidatou a voar para Nova
York, até a compra da Cruzeiro, consolidando desta forma seu “destino” de grandeza, em
comunhão ao “destino” brasileiro, que até aquele momento continuava ascendente.
Como conseqüência da criação da Embraer, em 1969, foi criado o Sistema Integrado
de Transporte Aéreo Regional (SITAR), através do Decreto 76.590, de 12 de novembro de
1975. O crescimento do tamanho das aeronaves tornava-as também incompatíveis com os
campos de pouso espalhados pelas pequenas localidades brasileiras, fazendo com que o
número de cidades regularmente servidas por linhas aéreas caísse de um total de 400 em

306
Guia Aeronáutico, capas de maio e agosto de 1976.
307
“Concorrência Interna de Bandeira...”, op. Cit., s/p.
96

308
1957, para cerca de apenas 75, em 1975. Cobria-se, assim, esse espaço de demanda
permitindo, ao mesmo tempo, introduzir no mercado nacional os aviões Bandeirantes,
lançados em 1971, e com boa aceitação no mercado internacional. 309
Desta forma, nasciam cinco novas empresas aéreas, todas subsidiadas pela União:
Nordeste, atendendo a Bacia do São Francisco; a Rio-Sul, na região do centro-sul do país; a
TABA, na Bacia Amazônica; a TAM, no Centro-Oeste e a Votec, na Bacia do Tocantins-
Araguaia. A Rio Sul foi fundada em 24 de agosto de 1976, como um consórcio da VARIG
com a Top Táxi Aéreo, com participação do grupo Atlântica-Boa Vista e da Sul América
Seguros que, mais tarde, vendeu sua participação para a FRB e para a Cruzeiro. Desta forma,
310
a VARIG passou a deter dois terços das ações, registrando, na prática, sua entrada nesse
promissor setor da aviação regional e demonstrando, mais uma vez, sua capacidade de
aproveitar as oportunidades do mercado.
Como no mercado internacional, desde 1975, o grupo era o único responsável pela
operação de todos os vôos, foi, também, o único a sofrer com a decisão governamental que,
em 1976, através do decreto 1.470, estabeleceu que todo cidadão brasileiro viajando para o
exterior, com exceção de Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, deveria depositar doze mil
311
cruzeiros no Banco do Brasil. Tal medida gerou uma acentuada redução na venda de
passagens internacionais, e o crescimento do tráfego, que entre 1973 e 1975 tinha apresentado
312
um índice de 17,7%, caiu em 1976 para 2,4% e em 1977 foi negativo 1,7%. O índice de
aproveitamento nas linhas internacionais caiu de 67% para 63%, exatamente quando este
313
mercado já representava 70% da receita operacional da empresa, e a mesma começava a
receber os equipamentos DC-10, recém adquiridos para as rotas internacionais. O primeiro
chegou em 1974 e os demais nos anos seguintes, quando a rentabilidade das linhas
314
internacionais com relação à receita de tráfego refletia um prejuízo de 0,3%. O ritmo de
expansão no transporte de carga foi também desacelerado como reflexo das restrições
315
impostas às importações e a empresa começava a acusar a defasagem tarifária,
principalmente nas linhas para os EUA, como um dos causadores desse prejuízo. O Governo
norte-americano, diferentemente do brasileiro e dos europeus, mostrava-se extremamente

308
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 10.
309
Malagutti, op. cit., p. 5.
310
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 123 e 128.
311
Idem, p. 119.
312
Relatório Anual de Administração da VARIG 1977, p. 10.
313
Relatório Anual de Administração da VARIG 1976, p. 9, 15.
314
Relatório Anual de Administração da VARIG 1977, p. 16.
315
Relatório Anual de Administração da VARIG 1976, p. 15.
97

lento no reconhecimento dos problemas causados pelo aumento do combustível que, em 1977,
cresceu no Brasil 77%, enquanto no exterior situava-se em 41%. 316
A saída encontrada foi o aumento do seu capital social em 45%, buscando fortalecer o
“capital próprio” para “manter em nível adequado o grau de endividamento da empresa, além
de proporcionar maiores recursos para a satisfação dos investimentos em andamento, dentre
os quais destacava-se as obras de infra-estrutura técnico-operacional no Aeroporto
Internacional do Rio de Janeiro”. E seu discurso de apoio ao governo, que embora criando
restrições aos vôos internacionais criava-lhe, também, apoio financeiro, mantinha-se o
mesmo:

[...] junho de 1976, quando foi baixado o Decreto-Lei No 1470, que estabeleceu restrições
a viagens para o Exterior, com elevados propósitos que reconhecemos, em face da difícil
conjuntura cambial, e com os quais devemos todos colaborar. Assim, desejamos deixar aqui
registrado o nosso reconhecimento ao apoio do Governo Federal para a viabilização do
fortalecimento da estrutura financeira da VARIG, através do aumento de seu capital social,
seja pelo financiamento concedido pelo BNDE, seja pelos estudos para aquele fim conduzidos
pela Investimentos Brasileiros S.A. (IBRASA). A participação do Consórcio de Bancos de
Investimento (Unibanco-Nacional-Itau), [...] merece igualmente especial destaque. 317

Ainda em 1976, em 26 de março, foi inaugurado pelo presidente Ernesto Geisel o


aeroporto Eduardo Gomes, em Manaus, no mesmo dia em que também inaugurou o Tropical
Hotel Manaus, pertencente à Companhia Tropical de Hotéis, cujo controle acionário foi
adquirido pela VARIG em julho do mesmo ano, registrando, no relatório anual da empresa, o
recebimento, embora de forma descompassada, de “incentivos fiscais aprovados para a Cia
Tropical de Hotéis da Amazônia”. 318
No governo Geisel, no plano interno, ocorria um aumento da participação do Estado
319
na economia com forte centralização das decisões nas mãos do presidente e um novo
paradigma se formava nas relações externas brasileiras, o chamado “Pragmatismo
Responsável”, considerado por especialistas o que continha a política mais adequada para
320
consolidar o projeto de “Brasil Potência”, iniciado no governo anterior. Um dos destaques
principais para a implantação dessa política foi exatamente a grande aproximação existente
entre o presidente e o seu ministro das relações exteriores Azeredo da Silveira, 321 cujas idéias

316
Relatório Anual de Administração da VARIG 1977, p. 16.
317
Relatório Anual de Administração da VARIG 1976, p. 9 e 25.
318
Idem, p. 27.
319
Miriam Gomes Saraiva, op. cit., p.27.
320
Maria Regina Soares de Lima e Gerson Moura. Brasil-Estados Unidos: o “pragmatismo” em questão. Trabalho
apresentado em seminário sobre o “Brasil e a nova ordem internacional”, Friburgo, 1-3 de dezembro de 1978, p. 27.
321
Letícia Pinheiro. “Unidades de Decisão...”, op. cit., p. 463.
98

eram bastante influenciadas pelas teses do “congelamento do poder mundial” de Araújo de


Castro, marcadas pelo confronto Norte/Sul. 322
O objetivo, mais uma vez, continuava o mesmo que sempre norteou a política externa
brasileira, a busca pelo desenvolvimento e o aumento do poder nacional na arena
internacional, desta vez imprimindo uma “independência” ainda maior frente aos EUA. A
conduta dessa política chegou a gerar uma crise político-diplomática entre os dois países, com
destaque para a denúncia dos acordos de cooperação militar com os EUA e a assinatura do
323
acordo Nuclear Brasil-Alemanha de 1975. Houve também ampliação da participação
brasileira nos fóruns multilaterais, em oposição ao governo Médici.
Em 1977, devido às restrições impostas às viagens ao exterior e às importações, bem
como a defasagem tarifária, o prejuízo nas linhas internacionais da VARIG chegaria a CR$ 16
milhões, coincidindo esse prejuízo com os vultosos investimentos considerados, na ocasião,
por seu alto escalão, como de caráter prioritário, no Aeroporto Internacional do Rio de
Janeiro, referentes às novas instalações técnico-operacionais, nas quais já haviam sido
aplicados, até àquela data, 31 de dezembro de 1977, cerca de CR$ 451,8 milhões, 324 estando
previsto, até o término das obras, em 1980, um gasto total da ordem de CR$ 2 bilhões, com
325
recursos internos da empresa. Aproveitando o momento político favorável, bem como,
tentando contornar estas dificuldades, várias campanhas publicitárias foram estabelecidas pela
empresa no exterior, como seminários econômicos, nos EUA e na Europa, onde cerca de
novecentos empresários estiveram presentes em Hamburgo, na Alemanha. Foi igualmente
importante a participação nos diversos eventos promovidos pelo Ministério das Relações
Exteriores nas Américas, na África e Oriente Médio, no Sudeste da Ásia e Oceania, bem
como na Europa Oriental, objetivando estimular o tráfego comercial para o Brasil ao mesmo
tempo em que selava uma importante parceria com o governo. Esses eventos acabaram sendo
responsáveis por um aumento de vendas na ordem de US$ 44 milhões em 1978, levando as
linhas internacionais a saírem do prejuízo de 1977 para um índice de 5,1% de rentabilidade
em 1978, com o índice de rentabilidade total da empresa atingindo a marca de 9,4%. 326
Essa intensa campanha publicitária do Brasil no exterior continuou em 1979, quando
filmes produzidos pela VARIG sobre o país foram exibidos em 53 seminários, atingindo um
público de 3.976 participantes com capacidade de geração de tráfego para o Brasil, incluindo-

322
Miriam Gomes Saraiva, op. cit., p. 29 e 32.
323
Letícia Pinheiro, “Política Externa Brasileira”, op. cit., p. 48.
324
Relatório Anual de Administração da VARIG 1977, p. 17.
325
Relatório Anual de Administração da VARIG 1979, p. 14.
326
Relatório Anual de Administração da VARIG 1978, p. 18 e 20.
99

se canais de televisão. No exterior atingiu-se um total de 1.431 apresentações, enquanto no


327
Brasil esse número chegou a 746. Essa parceria produtiva da empresa com o governo nos
remete à Eli Diniz, para a qual no Brasil, em toda a história da sua industrialização que
antecedeu a fase neoliberal, isto é, desde Getúlio Vargas, quando começou a vigorar a política
de substituição de importações, a meta sempre foi a de criar uma burguesia nacional forte:

A empresa nacional ocupava um espaço bem demarcado entre os demais agentes


dinâmicos da economia (como as multinacionais e as empresas estatais). Em outros termos,
esta empresa tinha um significado econômico, ocupava uma posição reconhecida e cumpria
um papel político enquanto integrante do pacto de sustentação da estratégia de
desenvolvimento em vigor. 328

Saindo do setor terciário e traçando um paralelo desse discurso com o setor


secundário, no caso específico da VARIG, a assertiva é total. Ela sempre se colocou e foi
tratada por todos os governos anteriores como tendo um significado econômico, ocupando
uma posição reconhecida, no país e no exterior, e cumprindo um papel político, enquanto
integrante do pacto de sustentação da estratégia de desenvolvimento em vigor. Contudo, ao
final da década de 1970, uma nova política começaria já a surgir na aviação comercial, a
partir da chegada dos preceitos neoliberais no mundo desenvolvido e que começavam a se
refletir na aviação através das mudanças do mercado doméstico norte-americano. Até àquele
momento, dentro do paradigma nacional desenvolvimentista brasileiro, a VARIG havia
crescido e construído sua marca. Na década seguinte, acreditando na força dessa marca e, a
despeito das primeiras mudanças neoliberais que começavam a surgir tanto no mundo quanto
no Brasil e que já eram alardeadas pela imprensa, como na reportagem abaixo da Veja, a
empresa cresceria ainda mais, com investimentos, inclusive, na manutenção da sua cultura.

Um turista inglês que resolva passar férias longe de casa, por exemplo, em Bangcoc, na
Tailândia, distante uns 11.000 quilômetros de Londres, vai desembolsar 739 dólares, ou algo
como 90.000 cruzeiros. Para ir do Rio de Janeiro a Londres, percurso um pouco inferior ao do
inglês que vai a Bangcoc, ele teria de gastar, pelas tarifas vigentes até o final da semana
passada, exatos 2.142 dólares, praticamente três vezes mais. A diferença entre as tarifas
cobradas acima e abaixo da linha do equador sempre existiu, mas ficou gritante a partir de
1977, quando uma áspera concorrência entre as empresas de aviação começou a fazer
despencar em queda livre os preços das passagens, especialmente nas rotas que cruzam o
Atlântico Norte.
As empresas, com isso tudo, ganharam mais passageiros, mas do ponto de vista financeiro,
a guerra tem sido um desastre, não só nos Estados Unidos como também na Europa [...]
As companhias americanas estão indo a falência e, com elas, todas as européias. 329

327
Relatório Anual de Administração da VARIG 1979, p. 16.
328
Eli Diniz, Empresariado e Políticas Públicas: Novas Tendências no Limiar de um Novo Milênio, p 6; in
http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/elidiniz_empresariado_e_politicas_publicas.pdf, acessado em 22/04/2009.
329
“Na carona da crise”, Veja, no 692, 09 de dezembro de 1981, p. 106, 109, 112, 114, 116.
100

Nessa mesma reportagem Hélio Smidt declarou: “Felizmente para nós, essa pirataria
toda não teve passagem no Brasil.” E a reportagem ainda afirmou sobre a VARIG:

Contando com o escudo protetor representado pelo DAC, a empresa não teve o
embaraço de se ver atirada num mercado de preços livres. Única empresa privada brasileira
de expressão internacional, a Varig [...] tem seus interesses naturalmente confundidos com
os do governo. Ao governo compete defender a bandeira nacional e em transporte aéreo essa
bandeira é a Varig. Por conta destas relações especiais, quando se estabelece uma tarifa, e o
DAC tem plenos poderes para isso, inevitavelmente ela reflete a conveniência da Varig. A
guerra de tarifa reduziu os preços das passagens, mas deixou muitas empresas em péssima
situação, um caminho que o Brasil seguramente não vai tomar.

O que Hélio Smidt e a reportagem da Veja não contavam é que era só uma questão de
tempo, aliás, pouco tempo, para aquela “pirataria” ocorrer também no Brasil, que acabaria
tomando o mesmo “caminho”, e o que é pior, sem que a VARIG estivesse preparada para
absorvê-lo.
Nesta parte do capítulo ressaltou-se, através do relato da história da VARIG, desde o
início de suas operações até o final da década de 1970, como esta empresa construiu seu
“império”, principalmente o quanto sua cultura de parceria com os governos e de
representante desses governos foi sendo sedimentada ao longo dessa construção. Buscou-se,
também, destacar a responsabilidade administrativa da empresa no resultado final, alcançado
graças, dentre outros fatores, a presença sempre atenta de suas lideranças junto ao Estado
brasileiro, no período em que essa proximidade fazia toda a diferença, isto é, o período
nacional-desenvolvimentista da economia no Brasil. No entanto, o relato deste capítulo estaria
incompleto se nele não fosse incluída a história da Panair do Brasil, desde seu nascimento até
seu fim, quando suas linhas foram transferidas para a VARIG e para a Cruzeiro do Sul.

2.2.2 – O caso PANAIR

Em 17 de março de 1927, mesmo ano de fundação da Pan Am, o coronel da marinha


norte-americana Ralph O’Neil fundou a Nyrba – New York Rio Buenos Aires Lines Inc,
cujos vôos regulares começaram a operar em 1º de agosto do mesmo ano, entre Montevidéu e
Buenos Aires. Buscando obedecer à legislação brasileira, O’Neil criou a NYRBA do Brasil,
que pelo Decreto n° 19.079, de 24 de janeiro de 1930, recebeu concessão para operar em
101

330
território nacional. A Nyrba, porém, não tinha apoio do governo norte-americano e a Pan
Am, que já havia recebido antes da NYRBA autorização para operar linhas no Brasil, 331 era a
empresa que realmente gozava de prestígio junto a Washington. A Pan Am foi a companhia
designada pelo seu governo para levar, através da penetração aérea, a bandeira norte-
americana às regiões mais diversas do planeta e seu prestígio era traduzido por subsídios, com
os quais a Nyrba não podia contar, e que lhe fizeram muita falta em 1929, quando do crack da
Bolsa de Nova York. Como resultado, a Nyrba passou a ser controlada pela Pan Am e no
Brasil, essa mudança se refletiria através da troca de nome quando, em 17 de outubro de
332
1930, a empresa passou a se chamar Panair do Brasil, uma subsidiária da Pan Am, com
100% do capital norte-americano. Apenas em 1942, “coincidindo com o momento em que a
333
importância estratégica brasileira começava a diminuir no cenário internacional,” suas
ações começaram também a ser vendidas para brasileiros e a empresa passou a concentrar
seus esforços no estabelecimento de linhas para a Europa e Oriente Médio.
O posicionamento da política governamental, neste caso a norte-americana, junto a
Pan Am, foi definitivo no tempo de vida da Nyrba do Brasil, bem como no futuro sucesso da
Panair do Brasil, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, quando esta empresa,
transcendendo o papel de uma simples companhia aérea, construiu diversas bases estratégicas
em território brasileiro. Essa foi uma política adotada pelo governo norte-americano, para
diminuir a possibilidade de atrito com os militares brasileiros, inicialmente contrários a
presença de tropas estrangeiras em território nacional. 334 Já o fim desta empresa, por sua vez,
esteve diretamente ligado ao das políticas do governo militar brasileiro.
Em 02 de março de 1931 iniciaram-se os primeiros vôos de passageiros, da Panair do
Brasil, entre Belém e Rio de Janeiro, mesmo ano em que o Ministério de Viação e Obras
Públicas fixava um prazo de dois anos para que as aeronaves nacionais fossem tripuladas por
brasileiros. Contudo, em 1935, com 81 aeronaves operando no país, apenas três pilotos eram
335
brasileiros natos e foi nesse ano que um vôo da Panair foi comandado, pela primeira vez,
por um piloto brasileiro. No ano seguinte, a Panair inaugurou sua sede e seu hangar de
manutenção no aeroporto Santos Dumond e, em 1941, começou a se voltar para as rotas

330
Coletânea de Legislação Aeronáutica, op. cit., p. 53.
331
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 37.
332
Alejandra Saladino. O Caso Panair: silêncios e enquadramentos no Marimbás Air Force, in XXVIII Encontro Anual da
ANPOCS, 2004, Caxambu. XXVIII Encontro Anual da ANPOCS, 2004, v. 1, p. 66-66.
333
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 30.
334
Idem, p.24 e 35.
335
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 159.
102

internacionais, enquanto a VARIG, a Real, a Vasp, a Lóide e a Cruzeiro (na época, Serviços
Aéreos Condor) mantinham-se focadas no espaço doméstico brasileiro.
Durante a Segunda Guerra Mundial, as duas grandes empresas aéreas brasileiras eram
a Condor e a Panair, apoiadas, respectivamente, por Alemanha e EUA, os dois inimigos do
conflito, tendo a Panair podido se beneficiar, já desde 1941, das políticas governamentais
brasileiras e norte-americanas da época. Enquanto a Condor não conseguia obter peças de
reposição para seus aviões alemães, a Panair não tinha qualquer problema com relação à sua
frota, além do grande benefício obtido com a política estratégica norte-americana e seus
interesses no Nordeste do Brasil. Em função dessa estratégia o governo brasileiro autorizou a
Panair, em 1941, a construir, operar e manter aeroportos nas cidades de São Luiz, Fortaleza,
Belém, Natal, Recife, Maceió e Salvador. Nesse período, equipamentos de rádio-comunicação
aeronáutica foram também instalados pela Panair em grande parte do território nacional. 336, e
nas rotas do Brasil para a Europa ela era imbatível, pois, diferentemente das suas concorrentes
européias, recém saídas da guerra, e graças a sua ligação com a Pan Am, não tinha dificuldade
para se equipar.
No início da década de 1960 ocorreram graves problemas operacionais e financeiros,
para todas as empresas aéreas brasileiras. No caso da Panair, somou-se a esses fatos uma
sucessão de acidentes aéreos. Os dois mais graves em 1962, no Galeão e na selva amazônica,
337
próximo a Manaus. Embora com grande patrimônio, a empresa já não era mais líder
absoluta do setor. “Por isso, após detalhados estudos, longas negociações com a Pan
American e esclarecimentos com o Ministério da Aeronáutica, em 1961, o grupo Miranda-
338
Simonsen comprou a maioria das ações da Panair do Brasil”. Nesse momento havia no
Ministério da Aeronáutica uma preocupação de que se configurasse um monopólio caso o
controle acionário da Panair passasse para a VARIG, proprietária já de algumas ações, desde
1955, já tendo, inclusive, tentado comprá-la sem sucesso. 339
Em função das turbulências políticas no país, a situação política da Panair se tornava
cada vez mais crítica e em 1964, com o golpe militar, os ventos começaram a mudar o rumo
da empresa. Logo após o golpe, em 09 de abril de 1964, foi assinado o Ato Institucional
número 1 (AI-1), suspendendo as garantias constitucionais e atingindo a candidatura à

336
Ibidem, p. 121.
337
R. E. G. Davies, op. cit., p. 487.
338
Saladino. op. cit..
339
Rubens Bordini. Céus Desconhecidos, 1996, Livraria e Editora Magister Ltda, p. 260.
103

presidência do então senador Juscelino Kubitschek, cuja perseguição acabou se estendendo


aos seus apoiadores, entre eles Rocha Miranda e Simonsen. 340
Em 15 de abril o presidente Castello Branco foi eleito presidente, pelo Congresso
Nacional e começava, no país, um período de intensa atuação da presidência da república nos
negócios de política externa. Castello Branco, um notório representante da Escola Superior de
Guerra, berço da Doutrina de Segurança Nacional, foi responsável pela predominância no
341
governo das teses defensivas ligadas ao conceito de segurança coletiva e dos Círculos
Concêntricos, com propósitos eminentemente defensivos. Uma das principais características
desse conceito de segurança coletiva pairava exatamente sobre a disposição até de se
sacrificar, se preciso fosse, o ideal de soberania nacional em caso de ameaça comunista
342
(soberania limitada), o mal principal que rondava o mundo naquele momento, na ótica
governamental, e que dava suporte e justificativa à “revolução militar” recém ocorrida. Na
política externa, voltava o “alinhamento automático” aos EUA.
Celso da Rocha Miranda, presidente da Panair e também seu maior acionista, era um
343
empresário muito próximo a Juscelino Kubitscheck. Mário Wallace Simonsen, por sua
vez, era o homem mais rico e um dos mais influentes do Brasil, dono de mais de 40 empresas,
dentre elas a mais famosa companhia de aviação do País, a Panair, a emissora de televisão de
maior sucesso, a Excelsior, a maior empresa de exportação de café do país, a Comal, num
344
período em que o café respondia por dois terços das exportações nacionais, dono também
da Companhia Melhoramentos, do Banco Noroeste, entre outras. Além disso, era amigo de
Juscelino Kubitscheck, de Jânio Quadros e de João Goulart e considerado, pelos militares, o
345
homem do “esquema Jango” de comunicações, passando a sofrer muitas pressões de
grupos econômicos ligados à exportação de café, à TV e à aviação. Como conseqüência, logo
após o decreto de falência da Panair, Simonsen morreria em Paris, em fevereiro de 1965, aos
56 anos, vítima de um enfarte. 346
No café, Simonsen disputava espaço com o banqueiro Walter Moreira Salles, que
segundo Aldo Pereira, era o “homem do Chase Manhattan Bank no Brasil”, que lhe cortou os
créditos internacionais. Na aviação, desde a compra da Panair, sofria pressão por parte de
Ruben Berta, o mesmo que em viagem secreta transportou Walter Moreira Salles a Porto

340
Saladino. op. cit..
341
Carlos Estevam Martins. A Evolução da Política Externa Brasileira na Década 64/74. Estudos Cebrap, no 12, 1975, p.57.
342
Idem, p. 62.
343
Ivan Martins. “O caso na ditadura”, disponível no site da ISTOÉ Dinheiro, acessado em 24/04/2009.
344
Ivan Martins. “Um empresário que ninguém quer lembrar”, disponível no site da ISTOÉ Dinheiro, acessado em
24/04/2009.
345
Ivan Martins, O caso na ditadura, op. cit., s/p.
346
Ivan Martins. Um empresário que ninguém quer lembrar, op. cit., s/p.
104

Alegre, em 1961, para se encontrar com Jango, e que tomou junto ao Chase Manhattan Bank
um empréstimo, em 1963, garantido pelo governo brasileiro, para liquidar as dívidas da linha
do Japão, concedida à Real. Esse empréstimo teria sido, para Aldo Pereira, “a causa principal,
se não a única”, que levou o Governo brasileiro a cancelar as autorizações concedidas à
Panair do Brasil, pois transferindo as linhas internacionais para a VARIG, esta teria
aumentada sua receita em dólares podendo assim saldar as dívidas junto ao Chase. 347
Contudo, deve-se considerar o fato de que o grupo Rocha Miranda-Simonsen
representava no Brasil a indústria aeronáutica européia, forte concorrente da indústria norte-
americana, tendo, inclusive, apresentado “ao promissor mercado brasileiro consumidor de
aviões o moderníssimo e revolucionário Sud-Aviation Caravelle, orgulho da indústria
aeronáutica francesa. Estavam previstos dezesseis Caravelle, quatro para cada uma das quatro
grandes empresas, Panair, Cruzeiro, Vasp e VARIG”.

Os principais fabricantes europeus de equipamento aeronáutico eram representados no


Brasil por firmas ligadas ao grupo Simonsen. A Wasim (Walace Simonsen – Suiça)
representava no Brasil a Sud Aviation (França), fabricante dos aviões Caravelle, por
intermédio da firma Bracorep (Impex-Schneider). A sociedade Comercial Anglo-Brasileira de
Motores – Brasmoto – representava a British Aircraft Corporation e o famoso grupo britânico
Rolls-Royce. 348

Simonsen também ajudou João Goulart em sua viagem de retorno ao Brasil:

Em agosto de 1961, quando Jânio renunciou e a direita tentou impedir a posse de seu vice,
Simonsen engajou-se ao lado da legalidade, arranjando inimigos entre militares e
conspiradores civis. Jango se encontrava na Ásia e disseminou-se a lenda de que ele voltara ao
Brasil em um avião da Panair. Não foi assim. DINHEIRO apurou que o dono da Panair estava
em Londres quando soube que se tramava contra a posse de Jango. Imediatamente mandou
Max Rechulsky, seu mais importante executivo na Europa, interceptar o vice-presidente em
sua viagem de retorno da China, para pô-lo a par dos fatos. O encontro deu-se em Zurique.
Dali, em vez de seguir para Londres, como era seu plano, Jango voou para Paris com
Rechulsky. Hospedou-se no Príncipe de Gales, ao lado do escritório da Wasin. ‘No nosso
escritório ele fez dois telefonemas, um para Santiago Dantas e outro para Juscelino’, contou
Rechulsky à DINHEIRO. ‘A conta de Jango em Paris foi paga pelo nosso escritório. Não me
recordo do montante exato, mas foi bastante’. 349

De qualquer forma, isso não agradou ao governo. Desde os primeiros anos de


operação da Panair que Eduardo Gomes lhe tinha pouca simpatia, por considerá-la uma
empresa “testa-de-ferro” da Pan Am no Brasil, que a tratava como uma empresa de segunda
categoria, equipando-a, inclusive, com seus aviões antigos, sempre que adquiria aviões novos.
A imagem da Panair junto a Eduardo Gomes piorou ainda mais no início da década de 1950,

347
Aldo Pereira, op. cit., p. 331-332.
348
Idem, p. 330-331.
349
Ivan Martins. Um empresário que ninguém quer lembrar, op. cit., s/p.
105

quando, ao estabelecer novas rotas para a Europa, a empresa reduziu suas linhas domésticas,
inclusive linhas de penetração na Amazônia, consideradas, portanto, importantes para a
integração nacional. Havia também suspeitas de irregularidades ocorridas durante sua
transferência para o grupo Miranda-Simonsen, quando as ações foram vendidas por um preço
cinco vezes maior do que o valor nominal das mesmas. 350
Sendo assim, no dia 10 de fevereiro de 1965, através de um despacho oficial assinado
pelo então ministro da aeronáutica, Brigadeiro Eduardo Gomes, todas as linhas da Panair
foram suspensas, e suas rotas internacionais transferidas para a VARIG e as rotas domésticas
transferidas para a Cruzeiro do Sul. Se houve planejamento, o mesmo havia dado certo, pois
naquela noite, a VARIG assumiu todas as operações da empresa suspensa. Segundo Aldo
Pereira, “Tal façanha foi, sem sombra de dúvida, fruto de cuidadosa preparação, que não
podia ter sido feita em algumas horas”, 351 opinião também partilhada por Ron Davies. 352
No dia seguinte, a Panair entrou com um pedido de concordata e cinco dias depois, no
dia 15 de fevereiro, esse pedido foi transformado em falência, com a justificativa de que sem
353
voar a empresa não teria como saldar suas dívidas. Segundo Daniel Leb Sasaki, o
brigadeiro Eduardo Gomes foi pessoalmente à Sexta Vara Civil do Rio de Janeiro, para
mandar decretar a falência da empresa. Juntamente com a falência foram confiscadas as
instalações, as aeronaves e outros bens, sobretudo suas agências no exterior. A alegação
oficial era de que a empresa devia à União e a fornecedores, embora documentos daquele ano
indicassem que entre as companhias aéreas nacionais, a Panair era a que detinha a menor
dívida com o Governo Federal, além do fato de possuir recursos suficientes para pagar suas
dívidas, o que lhe permitiria transformar a falência em concordata. Contudo, os militares
estavam decididos: quando, em 1969, a Panair se dispôs a pagar suas dívidas à vista, o
governo, para garantir que a mesma não voltasse a voar, baixou novo decreto-lei, o de número
669, proibindo que companhias aéreas pedissem concordata, incluindo os casos em curso, isto
354
é, o da Panair. Quarenta anos depois, em fevereiro de 2005, e visando a situação da
VARIG, foi sancionada uma nova Lei de Falências, para incluir as companhias aéreas,
criando, assim, a figura da “Recuperação Judicial”.
Não coincidentemente, no ano seguinte à falência da Panair, através do Decreto-Lei no
32, de 18/11/66, ocorreu a substituição do “Código Brasileiro do Ar” de 1938. O objetivo

350
Claudia Musa Fay, op. cit., p. 26, 58, 97 e 207.
351
Aldo Pereira, op. cit., p. 331.
352
R. E. G. Davies, op. cit., p. 488.
353
Ivan Martins, “O caso na ditadura”, op. cit., s/p.
354
Daniel Leb Sasaki, Pouso forçado: a historia por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar, Rio de Janeiro:
Record, 2005.
106

divulgado seria aprimorar o código anterior, quanto à política de transporte aéreo e de


utilização de aeroportos. Através desse Decreto-Lei, duas empresas privadas foram
designadas para a concessão das linhas internacionais. A Varig assumiu as rotas de longo
alcance (Estados Unidos, Europa e Ásia), e a Cruzeiro do Sul, as rotas para o Caribe e
América do Sul. Percebia-se, desta forma, que, embora abrindo o mercado brasileiro para as
multinacionais em geral, havia, no governo militar, para o mercado da aviação, uma
preocupação em preservar as empresas nacionais, que continuavam, a ser consideradas
estratégicas e, portanto, deviam seguir uma política de orientação nacionalista.
Historicamente falando, no que se refere à “paixão nacional”, as imagens da Panair e
da Varig se confundem, cada uma a seu tempo, como de orgulho nacional. Na “era” Panair,
era ela a empresa aérea mais admirada do Brasil, por trazer avanços e novidades e por instituir
“o seu padrão de serviços e de operação, - o famoso Padrão Panair - tornou-se um paradigma
de qualidade, um símbolo nacional de perfeição”. 355 Ela foi a responsável pela popularização
do transporte aéreo no país e foi quem transportou a seleção brasileira de futebol, nas copas de
1958, na Suécia, e de 1962, no Chile. Por outro lado, desde a eleição de Juscelino Kubitschek,
passou a ser a VARIG a responsável pelo transporte dos presidentes em suas viagens
internacionais. Já na década de 1960 iniciava-se a “era” VARIG, dando início a muitas
publicações com o seguinte teor: “A marca VARIG tornou-se sinônimo de aviação entre
brasileiros e paradigma de qualidade entre passageiros do mundo inteiro. Mais que isso: é um
dos símbolos do Brasil mais respeitados no exterior”.356
A Panair, dentre as empresas que à época atuavam no país, era a mais conhecida.
Detinha pelo menos 10% do mercado aeroviário, 357 a maior extensão de linhas domésticas do
mundo e o maior número de linhas operando do Brasil para a Europa, África e Oriente Médio.
Além de suas rotas internacionais, foram também concedidos à VARIG, parte de seu
patrimônio, como aeronaves, oficinas de revisão, rede de agências no exterior, inclusive
funcionários. O que, associado à anterior compra do Consórcio Real, transformou a VARIG
na empresa de aviação número um do país, a “empresa de bandeira do Brasil”, que é o nome
dado as companhias aéreas, oficialmente designadas pelos governos para representar seus
países no exterior. A maioria das nações, com exceção dos EUA, optou por ter apenas uma
empresa de bandeira, isto é, com direito oficial de representação externa. Nesse momento, foi
358
a ela atribuído o papel de principal instrumento da política aeronáutica brasileira e a

355
Fernando Hupsel. “Paulo Sampaio”, Guia Aeronáutico, julho de 1992, p. 8.
356
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 6.
357
Ivan Martins, O caso na ditadura, op. cit..
358
Relatório Anual de Administração da VARIG 1970, p. 20.
107

mesma, aproveitando as oportunidades conjunturais, manteve seu discurso de alinhamento às


políticas governamentais, comportando-se como aliada e representante dessa política para o
mundo. As seguintes declarações da empresa bem ratificam esta postura:

• [No Relatório Anual de 1967]: o ano de 1967 caracterizou-se como aquele em que o transporte
aéreo brasileiro começou a colher os frutos da corajosa reformulação da política aeronáutica
brasileira, traçada e implantada pelo Governo da Revolução de 1964, após cuidadosamente
equacionar seus problemas básicos. 359
• [No Relatório Anual de 1970]: destaca-se a VARIG como aquela que mais atua no patriótico
esforço de integração nacional, além de apresentar a maior rêde e volume de tráfego na área da
Sudene. 360
• [No Relatório Anual de 1972]: Prosseguimos – ainda uma vez em perfeita sintonia com os
objetivos do Governo da Revolução – na humana tarefa de Integração Social, através dos
inúmeros serviços assistenciais e sociais prestados [...]. 361

Desde o início do período militar, Ruben Berta já havia procurado se aproximar ainda
mais do governo, desenvolvendo o argumento de “empresa a serviço do país”, discurso e
política seguidos pelas administrações posteriores e que consolidaram o que Maria Regina
Xausa considerou a causa do sucesso da VARIG: sua capacidade de ter-se tornado muito mais
362
uma instituição do que uma mera organização empresarial. Opinião esta partilhada por
Fernando Hupsel, que escreveu: “A VARIG, para bem dizer, não é, apenas, uma empresa de
aviação, uma companhia aérea ou, muito menos, um negócio. Muito mais do que tudo isto,
ela é uma instituição.” 363 Aliás, o primeiro a defender este ponto de vista foi o próprio Berta
que dizia: “A VARIG é muito mais que um empreendimento comercial, é uma instituição.”
364

Em 1967, o segundo presidente militar, Costa e Silva, assumiu o poder. Nesse período
e, nas palavras de Estevam Martins, ocorria na política externa a “substituição dos conceitos
de defesa coletiva e soberania limitada pelos conceitos de segurança nacional e soberania
365
nacional”. O principal fundamento da política externa passava a ser os interesses da
burguesia nacional, demonstrando assim que o nacionalismo não tinha sido totalmente
abandonado. Isso reforçava a posição de liderança que a VARIG havia assumido no país logo
após a “falência” da Panair, e a VARIG soube muito bem aproveitar esse papel de empresa
líder do mercado nacional de aviação e parceira do projeto governamental de um “Brasil
Grande”. O seguinte trecho é do seu relatório anual de administração do ano de 1968:

359
Relatório Anual de Administração da VARIG 1971, p. 6.
360
Relatório Anual de Administração da VARIG 1970, p. 22.
361
Relatório Anual de Administração da VARIG 1972, p. 13.
362
Maria Regina de Moraes Xausa. A Importância das Instituições e o Desafio à Liderança Institucional. O Caso VARIG,
Porto Alegre, Dissertação de Mestrado, UFRGS/Faculdade de Ciências Econômicas, p. 33.
363
“VARIG, Um exemplo”, Guia Aeronáutico, outubro de 1983, p. 4.
364
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 39.
365
Carlos Estevam Martins, op. cit., p.70.
108

Com mais aviões, mais vôos e em contínua expansão, a Varig também está em ritmo de
Brasil grande. Transportando mais passageiros, movimentando mais carga, e muito
especialmente levando a todos os quadrantes nacionais e internacionais o irreversível
progresso da nação brasileira. 366

2.3 A marca VARIG e sua cultura

A trajetória da VARIG desde sua fundação, em 1927, coincide largamente com o


início do processo de modernização econômica vivido pelo Brasil, dentro do paradigma
nacional-desenvolvimentista, inaugurado por Getúlio Vargas, um gaúcho, assim como a
VARIG. Na década seguinte à sua criação, o Rio Grande do Sul ocuparia o terceiro lugar
dentre os estados mais industrializados do país. Começava aí a trajetória de uma empresa que
se caracterizou pela capacidade de construir uma imagem sempre fortemente atrelada à
imagem do Brasil e com “mania” de grandeza, tendo, inclusive, já nascido grande, embora
regional, como uma empresa de capital aberto, com 550 acionistas.
O Grupo VARIG chegou a ter, em 1989, no auge da sua “grandiosidade”, vinte e cinco
empresas diferentes, uma controladora, a FRB, uma empresa líder a VARIG S. A., e vinte e
três subsidiárias, atuando nos segmentos de transporte aéreo, hotelaria e turismo,
agropecuária, financeiro, comunicações e serviços, com quarenta mil funcionários e um
faturamento anual de US$ 2,3 bilhões. 367
Em sua dissertação de mestrado, Maria Regina Xausa buscou desenvolver uma análise
defendendo que a VARIG, além de grande, já teria nascido como uma instituição, voltada
para atender as expectativas e necessidades da comunidade onde estava inserida. Essa
“instituição” teria assumindo um significado social amplo, responsável pela construção da
“cultura VARIG”, forte e presente nos comportamentos de seus dirigentes e nas estratégias
administrativas por eles adotadas. Este significado social assumido pela empresa pode ser,
perfeitamente, depreendido da sua missão, assim estabelecida pelo fundador Meyer: “A Varig
foi criada para servir. Ela será parte de todo o avanço feito no caminho para o grande futuro
deste país e de suas realizações; levará, com grande dignidade, a bandeira brasileira muito

366
Relatório Anual de Administração da VARIG Exercício 1968, última página, s/n.
367
Tão Gomes Pinto. “Um Vôo de US$ 6 Bilhões”, Executive News, no 6, junho de 1990, p. 41.
109

368
além das fronteiras nacionais.” Repare que só na referência à missão da empresa,
inicialmente estabelecida, a palavra “grande” aparece duas vezes.
De um quadro comparativo entre as organizações e as instituições, destaca-se a seguir
três características, que consideradas de especial relevância dentro do perfil institucional
VARIG:
1) Nas organizações, as canalizações das energias humanas são centradas no
cumprimento de tarefas (eficiência), enquanto nas instituições são centradas na sobrevivência
organizacional;
2) Nas organizações, a reação às mudanças apresenta características normais,
peculiares aos processos, enquanto nas instituições a reação é emocional e intensa, encarada
como uma ameaça à integridade institucional;
3) Nas organizações, a liderança tem o papel de garantir, com eficiência, o
cumprimento dos objetivos, utilizando processos racionais, lógicos e previsíveis, enquanto
nas instituições é influenciada por variáveis políticas, com o papel de garantir a sobrevivência
institucional. Tem a característica de ser carismático e de tornar-se um estadista, utilizando
processos racionais e emocionais, lógicos e ilógicos, trabalhando com a intuição. 369
Partindo dessas considerações, propomo-nos, neste capítulo, a partir da história da
VARIG e dos acontecimentos críticos dessa história, destacar a sua cultura, em que
características como “grandeza”, “missão de servir da grande ‘família VARIG’” e
“alinhamento aos governos”, foram repetidamente afirmadas e reforçadas, permitindo-lhe
construir uma imagem de “empresa a serviço do país”, como expresso nas declarações a
seguir, tanto de seus dirigentes, quanto de publicações de destaque nacional. Nestas citações,
todos os grifos são meus:

1 ) A VARIG é uma organização concessionária de serviços públicos [...], embora


tomando a forma de Sociedade Anônima, não é um empreendimento comercial strictu sensu,
antes o interesse da coletividade lhe merece a maior consideração possível, sempre com vistas
voltadas para o objetivo de servi-la, antes de servir-se; 370
2 ) A VARIG não é um empreendimento comercial somente. É, sobretudo, uma tentativa
sociológica de resolver o problema do homem, como indivíduo, dentro do progresso material,
sem deixar que este reduza aquele ao nível da máquina e o coisifique [dentre outros motivos,
por pertencer a uma fundação de funcionários]; 371
3) O mundo aprendeu a ver na VARIG a imagem do Brasil moderno. 372
3 ) A Varig é hoje realmente uma companhia em franca expansão, da qual se pode
orgulhar o Brasil [...]. É uma empresa que pode concorrer e vantajosamente, com qualquer

368
Frase do fundador da empresa, “VARIG 75 anos”, op. cit., p 34.
369
Xausa, op. cit., p. 28 e 31.
370
“Princípios que governam o Empreendimento”, documento interno da empresa, apud Xausa, op. cit., Anexo I.
371
“Um Gaúcho plantou a bandeira em Nova York”. Visão, São Paulo, 26 de julho de 1957, p.22, apud Xausa, op. cit., p. 110
e Claudia Musa Fay, op. cit., p. 176.
372
Propaganda da empresa na capa do Guia Aeronáutico, maio de 1966.
110

companhia estrangeira no gênero, no que toca a eficiência econômica de todos os seus


serviços. É um motivo de júbilo para um país ter uma Varig a seu serviço; 373
4 ) Hora de Brasil. Momento de Progresso. Tempo de Varig. A Varig registrou, em 1969,
uma expansão à altura do novo ritmo do progresso brasileiro. Frota, serviços, linhas, escalas,
toda estrutura foi ampliada e renovada dentro de seu lema de bem servir ao Brasil e ao
usuário. As suas aeronaves levam um BRASIL MAIOR a 81 cidades brasileiras e a 22
cidades no exterior. 374 [Letras maiúsculas originárias do texto]; (anexo M)
5 ) Atuando como importante fator para o fortalecimento da economia nacional, pari
passu com a crescente projeção do Brasil no cenário mundial, a Varig apresentou em 1970
uma receita internacional correspondente a 94 milhões de dólares, os quais, se ausente
estivesse a bandeira brasileira, teriam sido carreados por empresas de outros países; 375
6 ) Integrado no processo de desenvolvimento do Brasil, a Varig participa agora,
ativamente, da sua expansão industrial, promovendo, através de seus aviões especiais de carga,
o fluxo mais rápido e seguro das mercadorias; 376
7 ) Na qualidade de presidente da companhia, esta é a primeira vez que estou me dirigindo
a todos vocês, integrantes da grande família VARIG [...]. A VARIG tem sabido honrar o
seu passado e as suas tradições prosseguindo no mesmo caminho do progresso e do
desenvolvimento [...]. A VARIG nasceu para servir ao Brasil e ao usuário. E deste lema
jamais se afastou [...] reafirmo a nossa confiança nos altos destinos da nossa empresa [...]; 377
8 ) Em consonância aos interesses nacionais, a empresa tem procurado estender seus
serviços a novos mercados, onde são exemplos a recém abertura de linhas para países da
África, América Central e Caribe, atendendo também os interesses de nossa diplomacia e
de nosso comércio exterior; 378
9 ) Graças à colaboração desses funcionários, ao apoio irrestrito das autoridades, à
participação inconteste dos Agentes de Viagens e, principalmente, à preferência de nossos
milhões de passageiros, hoje podemos dizer que a VARIG vem cumprindo seu maior
compromisso, ostentando a nossa bandeira com orgulho de ser brasileira, ajudando a colocar
nosso país na sua justa e merecida posição de Nação competente e competitiva [...]; 379
10 ) Vale destacar, aqui, o permanente esforço de ‘marketing’ que a empresa vem
empreendendo ao longo dos anos, no sentido de desenvolver, cada vez mais, o tráfego turístico
e comercial para o Brasil, colocando sempre em primeiro lugar os interesses do país e
depois a venda dos seus serviços; 380
11 ) VARIG 60 anos servindo ao Brasil. [Anúncio da Tribuna da Imprensa
homenageando os sessenta anos da VARIG]; 381
12 ) [...] Achamos que a empresa pertence mais ao nosso país do que a nós
mesmos. Por isso, não faremos nada que venha eventualmente trazer prejuízo ao país.
Deixamos até de voar para certos países, apesar de termos acordos bilaterais ; 382
13 ) [...] pontos de contato para o brasileiro que está viajando. [...] São pontos por
este mundo onde vai cheirar, falar e sentir VARIG-Brasil. [Depoimento do ex presidente da
empresa Hélio Smidt, se referindo as lojas e postos de venda da VARIG espalhados pelo
mundo]; 383
14 ) Ele foi o pai (Santos Dumont). Ela é a mãe VARIG, pioneira, primeira
empresa de transporte aéreo do país. Em comum, pai e mãe tem uma coisa: sua contribuição
para manter sempre bem alto o nome e o prestígio do Brasil [...]. [Homenagem feita pela
TEXACO à VARIG]; 384
15 ) A palavra VARIG, na verdade, poderia ser acrescentada aos
dicionários de português, já que, em cinco décadas de uso, veio a significar não apenas uma
empresa de aviação, mas uma maneira de viver, ultrapassando a lenda de Santos Dumont.
[Editorial da Revista Rosa dos Ventos no ano de comemoração dos cinqüenta anos da
empresa]; 385
16) [...] Para qualquer um de nós, para o cidadão comum, para a nação brasileira por
extensão, a VARIG não é, apenas, uma empresa de transporte aéreo, uma empresa como outra

373
“Informe JB, Varig e Custo”, Jornal do Brasil, de 13 de setembro de 1969, p. 10.
374
Relatório Anual de Administração da VARIG 1969, p. 14.
375
Relatório Anual de Administração da VARIG 1970, p.20.
376
Rosa dos Ventos, no 41, 1970, p. 19.
377
“Mensagem à Família VARIG”, Rosa dos Ventos, no 70, 1980, p. 1.
378
“Concorrência Interna de Bandeira...”, op. cit. s/p.
379
“Dito e Feito”, Anúncio publicado no Jornal do Brasil, 07 de maio de 1987, p. 21.
380
“Promovendo o Brasil, VARIG: desde 1927”. Folheto institucional comemorativo aos 60 anos da empresa, VARIG S/A,
1987.
381
Anúncio, Ícaro, no 34, 1987, p.146.
382
Carlos Drumond. “O Pouso do D’Artagnan”, Senhor, São Paulo, 29 de fevereiro de 1988, p. 68.
383
Idem, p. 69.
384
Anúncio, Ícaro, no 34, 1987, s/p.
385
Editorial da Rosa dos Ventos, no 59, 1977, p. 3.
111

qualquer. Ela está ligada aos destinos da Pátria, aos interesses nacionais. É um patrimônio
de todo o País. A sua missão é muito importante, bastando dizer que é a porta-bandeira do
Brasil nos céus do mundo. Em qualquer lugar [...] onde opera, a VARIG marca, com seu
prestígio, com sua categoria, com sua classe, sua qualidade, a presença de um Brasil
dignificante, progressista, que se faz merecedor de respeito, de admiração [...]. Daí
justificar-se que haja um interesse especial pela VARIG, um acompanhamento sincero, um
sentimento de zelo, uma atenção permanente. [...] A VARIG é, sobretudo, brasileira, é de cada
um de seus funcionários, de suas famílias e de todos nós. Temos de nos interessar por ela.
Afinal é a Nossa VARIG; 386
17) [...] A VARIG é uma empresa forjada na filosofia da valorização do homem. Desta
filosofia, nunca se afastou, mesmo porque ela tem sido a razão primordial de seu grande
sucesso, do seu êxito, a explicação primeira de sua ininterrupta ascensão. [...] o grande
investimento da Varig está no homem. No respeito que dedica ao seu funcionário, no ensino,
no treinamento, na mentalização, no preparo técnico, no apuro profissional, na especialização.
Mas, não é só isso. Há, também, uma preocupação constante pelo bem estar de seus
empregados, pela saúde, pelo lazer, pelas necessidades de assistência social [...]; 387
18 ) [...] A VARIG contribuiu, pioneiramente, para levar o desenvolvimento ao
território nacional e representa hoje a mais dignificante imagem do Brasil no exterior.
Eleita por estrangeiros, orgulho de brasileiros; 388
19 ) Viajar é dar liberdade à imaginação. [...] E pronto: estamos falando da
VARIG. Há 61 anos a Rosa-dos-Ventos e o Ícaro desenhados na fuselagem azul e branca de
suas aeronaves evocam fantasias, transportam emoções, despertam saudades, criam
expectativas [...]. Ao lado desses símbolos há um outro. Tem a forma retangular, é verde e
amarelo e recheado de estrelinhas. Besteira negar [...] O que sentimos? Sim, isso mesmo.
Orgulho. Eis ali, afinal, ao lado de Pelé, dos pilotos da Fórmula 1 e das nossas mulheres,
aliás, assíduos clientes, um produto que o resto do planeta conhece e respeita. E que deu
certo; 389
20) Mas, não tenham dúvida de que, no bojo, no íntimo, de cada integrante da VARIG, de
um modo ou de outro, há, ainda, este sentimento de orgulho, por pertencer a uma empresa que
se tornou, no curso dos tempos, um exemplo de organização, um símbolo mundial no seu setor
de atuação. O Brasil precisa da VARIG, tanto internamente, como nas suas relações com o
mundo; 390
21 ) Quero afirmar, e de público, que já tendo viajado por incontáveis empresas
aéreas e dos mais diversos países, me sinto orgulhoso de ser brasileiro por causa da
VARIG; 391
22 ) Acreditamos basicamente em duas coisas: no Brasil e no produto
VARIG. Nós achamos que a VARIG é um excelente produto, com excelente imagem. Essa
imagem, que é decorrente da qualidade do nosso serviço, é uma das nossas preocupações; 392
23 ) A VARIG vem cumprindo ao longo desses anos um compromisso
assumido com o país: quando uma empresa brasileira faz sucesso no exterior, quem faz
sucesso é o Brasil; 393
24 ) A marca VARIG tornou-se sinônimo de aviação entre brasileiros e
paradigma de qualidade entre passageiros do mundo inteiro. Mais que isso: é um dos
símbolos do Brasil mais respeitados no exterior; 394

Sobre a história recente da VARIG, cuja dramática crise vem sendo, há anos,
acompanhada com pesar por toda população brasileira, deve-se constatar que, a despeito de
todos os erros que foram levantados pela imprensa especializada sobre os equívocos
gerenciais de sua alta administração, a possibilidade de sua falência mobilizou a nação,
gerando um sentimento de perda, principalmente pelo que ela e sua marca sempre

386
Fernando Hupsel. “Diálogo”. Guia Aeronáutico, Fevereiro de 1989, p. 6
387
.Idem.
388
Ayrton, Baffa. “A Nossa VARIG 62 Anos Depois”, Guia Aeronáutico, Fevereiro de 1989, p. 17.
389
Carlos Maranhão, op. cit., p. 41.
390
Fernando Hupsel. “Respeitemos a VARIG”. Guia Aeronáutico, Novembro de 1989, p. 6.
391
“O que o ‘Trade’ Pensa de Hélio Smidt”, Guia Aeronáutico, fevereiro de 1990, p. 10.
392
“Um Vôo de US$ 6 Bilhões”, op. cit., p. 41.
393
“VARIG 75 anos”, op. cit., p. 6.
394
Idem.
112

representaram no ideário brasileiro: um símbolo nacional e uma referência respeitada do


Brasil no exterior. Como seria, guardando as devidas proporções, a Coca-Cola ou a Disney
para os norte-americanos. Uma referência que gerava orgulho, levando os brasileiros, em
viagens internacionais, a se sentirem muitas vezes mais à vontade, acolhidos e “em casa”,
dentro de uma loja da VARIG, do que nas dependências de uma embaixada brasileira. Aliás,
em 1989, quando ainda era a “VARIG Grande”, que vendia 18.500 passagens internacionais
por mês e dispunha de 142 lojas no exterior, essa rede de representação era “50% maior do
que o total das embaixadas que representam o Brasil ao redor dos cinco continentes.” 395
Esse sentimento de perda é tão forte que, recentemente, Míriam Leitão, diga-se de
passagem, uma forte representante das idéias neoliberais no Brasil, em 08 de janeiro de 2009,
entrevistando a economista Solange Paiva Vieira, Diretora Presidente da ANAC, fez a
seguinte declaração (informação verbal):

A sensação que eu tenho quando viajo para o exterior é de que eu passei por um
rebaixamento depois do fim da VARIG, porque com a VARIG a gente chegava e tinha slots
melhores, tinha local de check-in melhor, tinha local de pouso melhor, tinha um pessoal mais
treinado prá atuar no mercado internacional, e aí a gente perdeu tudo isso. O consumidor
brasileiro que viaja para o exterior perdeu qualidade de vôo [...]. Você, como especialista no
assunto, acha que foi um erro deixar a VARIG quebrar? [...] Que a gente perdesse patrimônio,
não teria uma outra solução que a gente conservasse esse patrimônio, ainda que tirasse a
empresa dos então proprietários, mas mantendo esse patrimônio que tinha construído, porque a
VARIG tinha sido uma das fundadoras da IATA, então, portanto, ela tinha privilégios, que a
gente perdeu como passageiros, 396

A esta pergunta tão surpreendentemente conservadora de Míriam Leitão, Solange


Paiva respondeu:

Não [...]. Em linhas gerais, teoricamente falando, foi bom pro país deixar a VARIG
quebrar, no sentido não da aviação em si, mas é uma maturidade difícil de alcançar de deixar
uma empresa tão querida um patrimônio tão importante, que tinha uma qualidade de serviço
que ninguém discute que era de primeira e a gente não vê no Brasil e nem no exterior uma
empresa com uma qualidade de serviço desta, talvez uma Qantas australiana [...] que é muito
elogiada, mas eu acho que é uma maturidade não usar dinheiro público, porque [...] talvez
sejam 10 milhões de brasileiros que andam de avião. Quando a gente vê um governo
interferir, colocar capital público numa empresa, a gente está falando em imposto que todos
os brasileiros pagam, então, por princípio em não gosto muito da idéia do governo estar
comprando empresas, estar interferindo no setor [...]”.

Nesta resposta, totalmente neoliberal, Solange não poupa elogios a inegável qualidade
da VARIG e do quanto ela era querida e Miriam Leitão, mesmo após o categórico não da
diretora-presidente da ANAC, concluía: “Eu concordo inteiramente com você sobre usar
dinheiro público, mas que dói, dói. Ainda sinto saudade!”.

395
Carlos Maranhão, op. cit., p. 41.
396
Programa Espaço Aberto, entrevista com Solange Paiva Vieira, op. cit..
113

Não nos esqueçamos do poder de slogans como “A Nossa VARIG” (anexo N) e


“Acima de Tudo Você”, veiculados na imprensa de uma forma tão intensa que todo brasileiro
acreditava na mensagem dos mesmos, agindo a bordo e nos aeroportos como se fosse
realmente dono da VARIG, não admitindo atrasos e desserviços, uma vez que os mesmos
eram incompatíveis com a imagem de excelência que todos associavam à empresa e à
expectativa de qualidade com que esperavam ser atendidos. A divulgação e manutenção dessa
imagem de excelência na prestação de serviços eram, aliás, uma das principais preocupações
dos dirigentes da empresa, como declarou, em certa ocasião, seu ex presidente Hélio Smidt:

Uma preocupação contínua, obsessiva até, com a busca da qualidade na prestação de


serviços. Eu quero a perfeição. Talvez seja difícil de alcançá-la, mas eu não posso aceitar um
objetivo menor [...]. Quando eu falo em perfeição, não estou pensando no Moet et Chandon
servido aos nossos passageiros na classe Premium, antes da decolagem, em taças de cristal
imaculadamente limpas, à temperatura de 7 graus. Estou pensando em como cada um dos
28.000 passageiros diários da VARIG será atendido no momento da reserva, em uma das
nossas 170 lojas no Brasil e 142 no exterior [...]. 397

Reparem que nessa declaração Hélio Smidt deixa claro que a estratégia de
competitividade da empresa estava concentrada no diferencial de qualidade e não no preço,
através do qual passou a ser disputado o mercado, a partir da década de 1990. Daí pode-se já
entender uma das grandes dificuldades da empresa, no início do processo de
desregulamentação do mercado brasileiro, em ter que se adaptar aos novos tempos neoliberais
quando, para garantir preços competitivos, passava a ser necessário focar, acima de tudo, nos
custos, o que implicava, também, em cortes nesse padrão de excelência tão orgulhosamente
ostentado. Aliás, o aspecto custo, devido à política de “Realidade Tarifária”, vigente desde
1963, não era a principal preocupação da VARIG, porém, essa entrevista de Hélio Smidt foi
em 1989, quando dez anos de desregulamentação já eram uma realidade nos EUA e o mundo,
inclusive o Brasil, já viviam claros movimentos de adesão, e a política de “Realidade
Tarifária” já tinha virado passado.
Com relação ao comportamento exigente do brasileiro para com a empresa, o mais
interessante, e que merece destaque, é o fato desse comportamento do brasileiro, enquanto
“passageiro VARIG”, ser completamente diferente do comportamento desse mesmo
brasileiro, enquanto cidadão, que não se importa tanto quando as leis não são cumpridas,
quando um plano econômico falha, quando a promessa dos políticos vira discurso de
campanha ou quando uma propaganda não é de todo verdadeira. A VARIG era vista como
uma parte do Brasil que deu certo, gerando assim diversos sentimentos, dentre eles o de quem

397
Carlos Maranhão, op. cit., p.42.
114

reconhece o verdadeiro valor da empresa, o que isso representava em termos de capacidade de


realização e, acima de tudo, a percepção do quanto era importante sua preservação para a
auto-estima da nação. Deve-se considerar, também, que esse sentimento de orgulho que
envolvia até bem pouco tempo os brasileiros, está diretamente ligado à imagem construída
pela VARIG de atrelamento da sua marca à própria imagem do país, postura não só
incentivada como também “utilizada” por diversos governos ao longo da história da empresa.
A imagem de qualidade e de confiança que a marca inspirava na população, também a tornava
interessante para os governos, principalmente enquanto aliada e propagadora de suas
políticas.
Durante todo o processo de negociação e compra da VARIG, tornou-se incontestável o
peso da sua marca. Em 2004, a marca VARIG ainda era incluída na lista anual das “Marcas de
Confiança” da Seleções Reader´s Digest, pertencente a The Reader´s Digest Association, 398 e
para ratificar este fato vale citar o resultado da pesquisa realizada pela empresa nova-iorquina
Zagat Survey, que anualmente elabora um ranking das melhores companhias de aviação do
mundo, a partir dos critérios conforto, comida, serviços e site. A última pesquisa divulgada foi
referente ao ano de 2007 e surpreendeu-nos constar, entre as 64 empresas listadas, o nome
VARIG, provando que sua marca sobreviveu à decadência da própria empresa, que, desde
Junho de 2006, não voava mais para os EUA. No item “conforto”, considerado pelos
pesquisadores como o principal, a VARIG ficou na frente de empresas como Iberia,
Aerolineas Argentinas, China Southern, USAirways, Olympic Airlines, Air China, Egypt Air,
Aeroflot e Air India. No item “serviço”, o segundo item em importância da pesquisa, deixou
para trás United, Iberia, Alitalia, Air China, Egypt Air, Olympic, Air India e Aeroflot. 399 Em
2003, pouco tempo antes de tudo acabar, ela ainda era escolhida, pela World Travel Awards, a
400
melhor companhia aérea da América do Sul, e nesta última pesquisa de 2007 da Zagat,
nenhuma outra empresa aérea brasileira foi sequer citada. Vale ressaltar, também, que em
1990, a VARIG se situava entre as dez melhores do mundo numa pesquisa realizada pela
própria Zagat Survey. 401
Esse inegável reconhecimento de qualidade ratificava, segundo Xausa, a chamada,
relação de significado assumida pela Varig, tanto para seus empregados, quanto para o país, e
para justificar a importância dessa relação de significado a autora cita um estudo de Peters e
Waterman Junior, sobre a performance de sessenta e duas empresas norte-americanas de

398
Relatório Anual de Administração da VARIG 2004, p. 15.
399
Pesquisa disponível no site da Zagat Survey, acessado em 03/06/2009.
400
Relatório Anual de Administração da VARIG 2003, p. 18.
401
Rosa dos Ventos, no 102, 1990, p.2.
115

reconhecido alto padrão, em que um dos itens de destaque entre elas foi exatamente a
existência de um sólido conjunto de valores que norteava a ação de todos os envolvidos com
essas empresas, “traduzindo-se em uma verdadeira cultura ou ideologia empresarial”,
levando-os à conclusão de que “quando os valores e a cultura são fortes em uma empresa, os
indivíduos automática e espontaneamente se identificam com os objetivos da mesma,
passando a assumi-los como se fossem seus próprios objetivos e a lutar por eles como se
lutassem por suas metas pessoais”. 402
A simbiose que esse processo desenvolve é facilitada pelas horas de exposição, pois é
na empresa, que durante a maior parte do dia, o funcionário deposita suas energias,
construindo expectativas e buscando o sentido de sua vida, assim como o faz na religião, na
família ou em outras instituições, como na seguinte análise de Bleger:

O ser humano encontra nas distintas instituições um suporte e um apoio, um elemento de


segurança, de identidade e de inserção social ou de pertença. A partir do ponto de vista
psicológico, a instituição forma parte da personalidade e na medida em que isto ocorre, tanto
como a forma em que isto se dá, configuram distintos significados e valores da instituição para
os distintos indivíduos ou grupos que a ela pertencem [...]. Desta maneira, toda instituição não
é só um instrumento de organização, regulação e controle social, mas também, ao mesmo
tempo, é um instrumento de regulação e de equilíbrio da personalidade. 403

Em conseqüência, a estrutura informal acaba preponderando sobre a formal, dentro e


fora da empresa. Um bom exemplo seria o “prestígio” e a credibilidade que, muitas vezes, era
atribuído aos seus funcionários, em que para contratos de aluguéis, obtenção de crédito em
lojas e de vistos de entrada em países cujo ingresso é restrito, valia muito mais a marca
VARIG no contra-cheque, do que o valor do salário líquido mensal. Para complementar o
peso da marca no contra-cheque havia a data de admissão na carteira funcional, reforçando a
imagem de estabilidade. Algo muito mais valorizado no passado do que nos dias atuais, como
pode-se depreender das seguintes palavras de Ruben Berta, em 1966: “Damos estabilidade,
404
antes de riqueza, pois é aquela que os entes humanos na maioria procuram, não esta”. Era
característico, do quadro funcional, ter muitos anos de trabalho na companhia e isso significa
décadas, onde ter mais de vinte, trinta, ou quarenta anos de serviço era considerado uma
normalidade, ou mais que isso, uma expectativa. Tornando-se comuns frases do tipo: “Sair
prá que? Todos os que saíram querem voltar”.

402
Xausa, op. cit., p. 12 e 14.
403
José Bleger. Psico-higiene e Psicologia Institucional, Porto Alegre: Artes Médicas, 1984, p. 55, apud Xausa, op. cit.,
p.136.
404
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 35.
116

Eram muito comuns, também, as histórias de funcionários que ingressavam ainda


adolescentes, como office-boys e que chegavam à aposentadoria, com cargos na alta
administração. A própria história profissional de Berta sedimentava esta expectativa. Pode-se
dizer até que chegava a ser uma meta entrar na empresa e dela não mais sair. O mesmo
espírito presente nos funcionários de empresas estatais. Basta dizer o orgulho com que se
emolduravam e eram pendurados de forma bem visível, nos locais de trabalho, os diplomas
comemorativos dos 10, 25, 35 e 40 anos de trabalho, entregues a seus empregados. Os
funcionários com 40 anos de empresa eram presenteados com um relógio Rolex de ouro,
fabricado na Suíça a pedido da VARIG.
Frases como “a aviação é uma cachaça, vicia e não se larga mais”; “aviação é uma
doença incurável”, “aviação é que nem casamento” e tantas outras, faziam parte desse
universo. Um bom exemplo dessa característica de perpetuação encontrava-se no topo da
pirâmide do seu quadro funcional. Até completar 62 anos de existência a VARIG tinha tido
apenas cinco presidentes que, com exceção de Harry Schuetz, interino, deixaram o cargo com
mais de dez anos nessa função. Nos escalões mais baixos dessa pirâmide, trabalhar na VARIG
acrescentava às suas vidas um valor adicional. Consideremos o privilégio que era, para um
funcionário comum, poder viajar para qualquer lugar do mundo, voado pela companhia,
pagando apenas 10% do preço da passagem, já nos primeiros anos de casa. Para os jovens que
estavam iniciando sua vida profissional, isso era vivenciado como uma benção, sem
considerar que esse valor, com o tempo, caía para 5%, chegando à simbólica taxa de US$ 30,
a princípio na classe Econômica dos vôos e, posteriormente, nas classes Executiva e Primeira.
O desejo de viajar para lugares no mundo não voados pela empresa era também possível de
ser realizado graças aos acordos firmados com as congêneres, que na maior parte das vezes,
concedia o bilhete de graça. Sem contar os descontos ou cortesias oferecidos pelas cadeias de
hotéis aos funcionários VARIG em diversas partes do Brasil e do mundo. Levando-se em
consideração que o critério para a concessão dessas vantagens era apenas o tempo de casa,
sem considerar a função ou o salário, pode-se imaginar o que isso representava na base da
pirâmide funcional. Uma oportunidade imperdível de conhecer lugares jamais sonhados pela
sua classe social de origem e que passava a valorizá-lo ainda mais por conta disso. Sem
dúvida, essas oportunidades acabavam gerando um sentimento de gratidão e um alto grau de
comprometimento para com a empresa e o trabalho.
A condição para ser um membro do Colégio Deliberante, que controlava a FRB era,
primeiro, ter mais de dez anos de casa, ter cargo de chefia e ser eleito por uma assembléia
geral, após indicação da presidência, a partir de fatores como dedicação, lealdade, mérito,
117

405
competência e antiguidade. O peso dos votos era proporcional ao tempo de serviço,
justificando a freqüência com que se ouviam frases do tipo: “Eu amo a VARIG” ou “Ele (a)
só pensa na VARIG, respira VARIG”. Essa última sendo ouvida muitas vezes dos familiares,
como queixas ciumentas de quem tinha constantemente que “dividir” seus parentes com a
empresa. O termo “a família VARIG”, bastante utilizado para representar a integração entre
os funcionários, foi adotado por Ruben Berta, inspirado na obra “Contrato Social” de Jean
Jacques Rousseau, que ele considerava a base das democracias modernas, para quem “a
família é a norma primitiva das sociedades políticas”. Foi a partir de suas reflexões sobre esta
obra, bem como sobre a Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, que Berta
desenvolveu toda uma justificativa filosófica para a criação da Fundação de Funcionários da
VARIG, onde Berta destacava

cada um, dando-se a todos, a ninguém se dá, e como em todo o sócio adquire o mesmo
direito que sobre ele o outro lhe cedeu, ganha o equivalente de tudo quanto perde, e mais
forças para conservar o que tem.
o que o homem perde pelo contrato social, é a liberdade natural, e um direito sem limites a
tudo que o tenta e pode atingir; ganha, em compensação, a liberdade civil, e a propriedade de
tudo que possui.
de primeiro que ninguém habite o terreno; em segundo lugar, que se ocupe só a quantidade
necessária à subsistência; em terceiro, que se tome posse dele, não por uma vã cerimônia, mas
pelo trabalho e cultura.
[...] sinalar a cada povo um sistema particular de instituição, que seja o melhor, não talvez
em si mesmo, mas para a sociedade a que se destina. Esse é o caso preciso também da
Fundação, onde há que inovar para o bem. O que nos importa nela não são formas abstratas de
convivência, mas justas e bem aceitas pela sociedade que formamos, dentro dos postulados
gerais do Contrato Social, que é em princípio a base da carta de constituição de nossa
Fundação.
O ‘contrato social’ de Jean Jacques Rousseau é uma peça mestra (para) a formação de
sociedades justas e com democracia prática. Aqui nos limitamos a enunciar os principais
ensinamentos desse pensador, Mas também é preciso estender-se mais sobre isso para
compreender a sociedade política que a Fundação de Funcionários da VARIG, a maneira pela
qual deve formar legislação. Os princípios que devem prevalecer no Colégio Deliberante
quando toma deliberações. E aí, pois, tínhamos encontrado a base da sociedade política justa
que tanto nos interessava, a regra de administração legítima e segura, de que fala Jean Jacques
Rousseau, para ordenar o formigueiro humano. 406

E complementava, “por ela (a Encíclica) o ‘Contrato Social’ se fortalecia como regra


segura e legítima de administração, recebendo a confirmação moral da Igreja, organismo
vigilante contra as injustiças de qualquer natureza, para a sociedade do trabalho que
407
pretendíamos formar”. Desta forma, ficava clara a complementaridade, segundo Berta,
entre os trabalhos de Rousseau e de Leão XIII na formação da Fundação dos Funcionários da
VARIG.

405
Atos de Constituição da Fundação Ruben Berta, Publicação Interna, dezembro de 1975, p. 6.
406
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 5, 6, 11, 13, 14
407
Idem, p. 16.
118

O termo “a família VARIG” se tornou, com o tempo, muito mais literal do que se
possa imaginar, tal a quantidade de casais, ambos funcionários VARIG, ou a quantidade de
casos de irmãos, pais, filhos e até netos trabalhando contemporaneamente na companhia.
Tornava-se comum o conceito de que ter um emprego na VARIG era um grande investimento
de futuro. Em 1991, já no desenrolar das mudanças neoliberais na aviação brasileira, a
presidência da VARIG ainda afirmava:

Mesmo nas ocasiões mais difíceis para a economia nacional – como a que estamos
atravessando – conseguimos, até agora, evitar a redução de nossa força de trabalho. A união de
todos em torno dos objetivos da Empresa gerou a formação de um grupo solidário, que vem
sendo denominado, com propriedade, a ‘família Varig’. Muitos são os que conosco trabalham
desde o início de suas vidas profissionais, chegando a ultrapassar os 40 anos de serviço.
Alguns nasceram sob as asas protetoras da Varig, porque pais e/ou avós estavam entre os
pioneiros da aviação comercial. Há os que vieram depois, unindo-se ao nosso ideário. Há os
que estão chegando, para fazer o mesmo. Há os que ainda virão… É o nosso dever integrá-los
à nossa causa [...]. 408

Como ilustração, vale citar também o comentário do jornalista Luis França: “Eu
conheço certas pessoas que trabalham na VARIG e sentem muito orgulho nisso, não somente
pelo status, vantagens e mordomias que a empresa oferece, mas principalmente pelo mito, que
409
acabou sendo criado em torno da companhia aérea mais importante do Brasil”. A VARIG
conquistou um grande valor na sociedade brasileira, e essa sociedade passou a estender esse
valor a todos os que pertenciam ao grupo VARIG. E o uso aqui da palavra pertencer não foi
ocasional, pois era exatamente um sentido de pertencimento que reinava em seu quadro
funcional. Já na admissão, o funcionário novo recebia um manual de introdução à empresa,
onde se lia: “Você, agora, é um dos nossos. Seja bem-vindo! Tudo indica que você tem as
aptidões para integrar a grande família VARIG, constituída de dezenas de milhares de
trabalhadores de todos os níveis que, irmanados por um ideal comum, formam a força de
trabalho desta vitoriosa organização”. 410 Vê-se, assim, que esse sentido de pertencimento não
era apenas um sentimento, mas fazia parte da política oficial na empresa. Aliás, muito mais do
que nos documentos oficiais, era na rotina do dia-a-dia que os valores da empresa eram mais
disseminados e mais naturalmente absorvidos, como tão inerentes ao corpo empresarial, que
nem chegavam a ser conscientemente percebidos.
A cultura empresarial, de forma geral, se expressa através dos seus valores, que devem
ser mantidos vivos na mente das pessoas para que possam garantir sua perpetuação. Isto se dá

408
Rosa dos Ventos, no 107, 1991, p. 2.
409
Luis França, Entrevista com o Diretor da VARIG Oswaldo Trigueiros Junior, Interview Business, no122, 1988, apud
Xausa, op. cit., p.137.
410
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 91.
119

através da variedade das formas que o tornam familiar; assim como da intensidade da sua
manifestação; da importância adquirida para os indivíduos e da naturalidade com que penetra
na rotina, facilitando a assimilação e, principalmente, a transmissão entre as gerações. Como
exemplos simbólicos da VARIG estavam, além do seu logotipo, uma rosa-dos-ventos, os
brindes distribuídos a bordo, principalmente as nécessaires e a caneta dourada das classes
Premium e Executiva, que denotavam status para os passageiros. Era muito comum também,
embora não permitido, o hábito de levar consigo uma “lembrancinha” do avião, como copos,
talheres, guardanapos de tecido, até mesmo pratos, xícaras, mantas e até mesmo a revista de
bordo Ícaro e qualquer coisa que tivesse registrado o logotipo da VARIG. Em pesquisa
realizada em 1988, constatou-se que 50% dos leitores da Ícaro a levavam consigo no
411
desembarque e em 1989, a empresa chegava a repor diariamente duzentas dúzias de
talheres, isto é, 2.400 peças, ou uma para cada onze passageiros. 412
As histórias na VARIG tinham um grande significado. Por ser uma empresa com
décadas de existência, seus “causos” reforçavam sua cultura e o sentimento de identidade nas
pessoas. As histórias, como as relacionadas à criação da empresa e da FRB, eram
constantemente veiculadas nos filmes e nas publicações internas, até nas campanhas
publicitárias externas, principalmente nas datas comemorativas. Elas, em geral, envolviam o
culto às personalidades importantes que se destacaram na companhia, principalmente a figura
de seu ex-presidente Ruben Berta. Os mais de 900 tipos de cursos oferecidos pela empresa no
413
Brasil e no exterior serviam, principalmente, para reforçar e transmitir os valores que
compunham sua cultura, gerando motivação e interesse no quadro funcional que com eles se
envolviam. A avaliação de desempenho, sistema pelo qual se media o quanto o desempenho
de cada funcionário estava de acordo com os valores estabelecidos pela companhia,
funcionava como um importante medidor e calibrador. As mudanças de nível para
recebimento de benefícios, em função do tempo de casa, assim como os ligados aos processos
seletivos para entrada e promoção dentro da empresa, eram bastante divulgados, aumentando
o valor da conquista em função da dificuldade do processo. Pode-se citar as cerimônias de
entrega dos diplomas de antiguidade, dos prêmios por reconhecimento profissional e a
cerimônia de Natal, quando grandes festas, com distribuição de presentes para os filhos dos
funcionários, eram aguardadas o ano inteiro. A FRB promovia muitos eventos esportivos,
artísticos, shows, feiras, colônias de férias para os filhos dos funcionários, contribuindo para a

411
Carlos Drumund. “A mais lida nas nuvens”, Senhor, 29 de fevereiro de 1988, no 362, p. 61.
412
Carlos Maranhão, op. cit., p. 45.
413
Carlos Moraes. “Afinal Qual é o Segredo”, Ícaro, no 34, 1987, p.50.
120

integração do grupo e consolidação dos valores da empresa junto também as famílias. O


simbolismo disseminado nos objetos, nas histórias, nas rotinas, nos eventos, enfim, exerciam
um poder de cumplicidade dentro da empresa, que a despeito das diversas insatisfações
existentes no dia a dia, o sentido de pertencimento era mais forte, como o próprio Berta já
havia dito “Não há muitas sociedades assim no mundo. Defendei a vossa com unhas e dentes,
se alguém vos tentar tirá-la, mas brigando de dentro para fora, não entre os muros da
414
fortaleza, uns com os outros.” Esse discurso de Berta e o reflexo do mesmo num quadro
funcional que jamais o tinha ouvido nos remete ao conceito de “poder simbólico” de
Bourdieu, que “é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a
cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o
exercem”, e ainda que “as relações de força objetivas tendem a reproduzir-se nas relações de
força simbólicas, nas visões do mundo social que contribuem para garantir a permanência
415
dessas relações de força.” Sérgio Miceli ao prefaciar Bourdieu, analisando seus estudos
teóricos, foi-nos muito esclarecedor sobre este aspecto cultural interno da empresa:

Importam muito pouco os pontos internos de conflito e antagonismo, pois os


mecanismos integradores propiciam recursos práticos e simbólicos (ritos e mitos)
suficientemente eficazes a ponto de compensarem, no plano interno de sua organização, os
desequilíbrios que acaso venham a surgir como resultado dos contatos e trocas que se
efetuam entre agentes situados em posições sociais assimétricas. [...] o caráter arbitrário que
marca qualquer modalidade traz consigo tamanho poder de inscrever seu selo no mais ínfimo
objeto, regra ou valor que, pela mesma razão, consegue envolver os agentes em
representações, crenças e símbolos concordes com o arbitrário instituído.
Os discursos, os ritos e as doutrinas constituem não apenas modalidades simbólicas de
transfiguração da realidade social, mas, sobretudo ordenam, classificam sistematizam e
representam o mundo natural e social em bases objetivas e nem por isso menos arbitrárias.
416

Os ambientes na VARIG, a despeito das muitas instalações da empresa, espalhadas


pelo Brasil e pelo mundo, eram muito característicos da sua marca. Ambientes de
atendimento ao público eram, em geral, clássicos. Ambientes internos eram, em geral,
austeros. Porém, em todos era comum encontrar maquetes de aviões, seu logotipo, revistas
brasileiras e quadros destacando as belezas naturais do Brasil. Estas apareciam também em
destaque no interior dos seus aviões, cujas poltronas, antes da adoção da nova imagem
corporativa, em 1996, embora discretas, eram nas cores amarela, laranja ou verde com
estampas de vitórias régias. O valor dado à antiguidade podia ser percebido na exposição de
peças antigas que eram preservadas, algumas em destaque, por fazerem parte da sua história.

414
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 35.
415
Pierre Bourdieu. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 8 e 145.
416
Pierre Bourdieu. A Economia das Trocas Simbólicas, op. cit., p. XXVI e LX.
121

Até um museu foi construído em Porto Alegre, ratificando esta importância. Sobre o reflexo
de tudo isso nos funcionários, vale a pena registrar a seguinte citação de Xausa a Max Pagés:

A organização, na sua realidade econômica e política, propõe aos indivíduos uma imagem
de força e de poder: o porte da organização, seu caráter mundial, sua eficácia, seus objetivos
de conquista [...] constituem uma imagem de onipotência que favorece a projeção de sonhos
individuais de onipotência. 417

Essas características acabam por tornar as instituições:

mais resistentes às mudanças do que as simples organizações [e que] as pessoas lutam pela
manutenção das mesmas como se estivessem investindo em suas próprias estabilidades e
sobrevivência. Desta forma as possibilidades de mudança são vistas, institucionalmente, como
ameaças à integridade das empresas, enquanto que, individualmente, são percebidas como
possibilidades de descaracterização de suas próprias personalidades 418

Considerando-se o quanto do acima exposto era presente na VARIG, formava-se,


ainda, entre o funcionário e a empresa, uma certa relação de dependência, uma vez que esta
lhe supria quase todas as necessidades, gerando-lhe, até, um relativo imobilismo e
acomodação. O desejo de perpetuação tira dos indivíduos a agilidade e iniciativa necessárias
para enfrentar as mudanças rápidas do mundo. No quadro dirigente da VARIG tal
característica era ainda mais marcante, por estarem eles, em geral, há mais tempo embebidos
dessa cultura. Na década de 1980, os primeiros sinais neoliberais na aviação já eram uma
realidade e a alta administração da VARIG agia como se eles não tivessem capacidade para
abalar uma estrutura tão sólida como a da empresa que representavam. No decorrer da década
de 1990, esses sinais neoliberais que já sopravam fortemente no mundo, há mais de uma
década, na VARIG, soavam como furacões, tal o solavanco causado em suas estruturas
pesadas, que acabaram por desmoronar na primeira década do século XXI. Neste momento,
valores antes sólidos na empresa, tais como tempo de serviço, deixavam de ser uma qualidade
para se tornarem, de forma antagônica, sinônimo de ineficiência, incapacidade,
desatualização, a própria representação do que podia se chamar de retrógrado.

417
Max Et Al Pagés. O Poder das Organizações:a dominação das multinacionais sobre os indivíduos. (L’emprise de
l’organization, 1987), São Paulo, Atlas, 1987, apud Xausa, op. cit., p.147.
418
Xausa, op. cit., p. 24.
122

3 A DESREGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DOMÉSTICO NORTE-


AMERICANO E A “FLEXIBILIZAÇÃO” DA AVIAÇÃO CIVIL NO BRASIL

3.1 Em meio à crise da dívida externa, a introdução dos preceitos neoliberais

Ao analisarmos a tabela a seguir, constataremos que o mundo, em geral, nas décadas


de 1960 e 1970, viveu um crescimento constante e, em média, mais acentuado nos países em
desenvolvimento do que nos países desenvolvidos. Ao iniciar a década de 1980, a situação se
reverteu de duas formas: o crescimento geral diminuiu acentuadamente, e graças à grave crise
da dívida externa, as taxas dos países em desenvolvimento, tornaram-se menores que as taxas
dos países desenvolvidos. A exceção foram os países do Sul da Ásia, que na década de 1980
não interromperam o crescimento das décadas anteriores.

Tabela 1

Taxa de Crescimento Anual por Região (%)


1960-69 1970-74 1975-79 1980-84
Mundo 5,3 4,9 4,4 1,9

Países Desenvolvidos 5,2 4,3 4,0 1,9


América do Norte 4,8 4,1 4,7 2,2
Europa Ocidental 4,6 4,1 3,2 1,0
Japão 10,2 5,4 5,1 3,7

Países em Desenvolvimento 5,5 6,8 5,6 0,8


América Latina 5,2 6,6 5,0 0,4
África do Norte 5,7 5,4 9,1 1,7
Restante da África 4,3 5,9 2,7 -1,1
Oriente Médio 7,7 10,6 5,4 -1,9
Sul da Ásia 3,7 1,5 4,0 4,6

Fonte: CNUD - UNCTAD, Relatório de Comércio e Desenvolvimento/1986419

No Brasil, ao final da década de 1970, iniciava-se o governo Figueiredo (1979-1985)


quando ocorreu o segundo choque do petróleo. Nessa época o Brasil era, dentre os países em

419
K.M.V. Costa, “An Investigation of the Likely Impact of Current Trends in Air Transport Regulation on South America”,
Cranfield Institute of Technology, College of Aeronautics, M. Sc. Thesis, September 1989, p. 10.
123

desenvolvimento, o maior importador desse insumo e some-se a este fato a alta das taxas
internacionais de juros e a deterioração dos termos de intercâmbio. Os países em
desenvolvimento entravam em crise.
O Brasil sofreu bastante com a estagnação da economia e com a hiperinflação, que em
1983, chegava a 200%. A partir deste ano, já sob orientação do FMI, diversas medidas
internas fiscais e monetaristas foram adotadas: redução do déficit fiscal do setor público,
420
redução do crédito, desvalorização do câmbio, juros altos e contração dos salários.
Abandonava-se assim a estratégia desenvolvimentista, gerando, em conseqüência, a redução
do crescimento do PIB e experimentávamos três planos de estabilização econômica: Plano
421
Cruzado, em 1986; Plano Bresser, em 1987 e Plano Verão, em 1989. Em janeiro de 1987,
a dívida externa brasileira atingia US$ 103 bilhões, um total equivalente a um terço do PIB.
422
Na América Latina como um todo, essa crise foi marcada pela moratória mexicana de
1982, e pela do Brasil, de 1987, quando os empréstimos tornaram-se impagáveis e os países
passaram a exportar capital para os países desenvolvidos, gerando não só uma extensa fuga de
423
capitais da região , como um verdadeiro pânico no sistema bancário ocidental, que chegou
a beira do colapso. Esse colapso só não aconteceu devido ao fato de os três grandes devedores
latino-americanos não terem agido em conjunto. Sobre isso, Hobsbawm declarou: “Esse foi
provavelmente o momento mais perigoso para a economia mundial capitalista desde 1929”. E
“só no início da década de 1990 encontramos o reconhecimento, como, por exemplo, na
Finlândia, de que os problemas econômicos do presente eram de fato piores que os da década
de 1930”.424 Especificamente no Brasil, o processo de crescimento que o país vivia nas
décadas anteriores foi estancado e, logicamente, isso se refletiu na demanda por passagens
aéreas.
Na época, toda essa crise foi, em grande medida, atribuída aos empréstimos “pouco
produtivos”, assumidos pelos países da região. Contudo, a irresponsabilidade principal estava
fora do alcance dos países latino-americanos. Segundo Paulo Roberto Almeida:

Ela resultou, basicamente, da decisão, adotada desde 1979 pela administração do Federal
Reserve dos EUA, de aumentar fortemente as taxas de juros, como forma de garantir um

420
Délcio Machado de Lima, A Política Econômica Externa e a Política Doméstica: A Crise da Dívida Externa Brasileira no
Final do Século XX. Niterói, Dissertação de Mestrado em Ciência Política, UFF, 2008, p.77 e 79, mimeo.
421
Letícia Pinheiro. Política Externa Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 51.
422
Délcio Machado de Lima, op. cit., p.78.
423
Paulo Roberto Almeida, “O Brasil e as Crises Financeiras Internacionais 1929 – 1999”, Múltipla, Brasília, 1999, p. 77
e 78.
424
Eric Hobsbawm. Era dos Extremos, O Breve Século XX 1914-1991, São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 394 e
412.
124

aporte de recursos externos para compensar os seus desequilíbrios comerciais e os sucessivos


déficits públicos enfrentados por esse país. 425

Vale ressaltar também que, ao final da década de 1970, ao contrário da URSS, cujos
aliados se mantinham na sua dependência, os EUA viam seus principais aliados, já naquele
momento, transformarem-se em economias de ponta, como no caso do Japão e da
Comunidade Européia, que somados eram 60% maiores que a economia norte-americana. 426
No Brasil, em função da crise da dívida externa que se agravou a partir de 1982,
fortaleceu-se a presença do setor econômico na agenda internacional. O país buscava nas
negociações da dívida com os credores internacionais exatamente um tratamento diferenciado
(naquele momento, outros quarenta países lhe faziam companhia) e um dos argumentos
utilizados buscava exatamente salientar a especificidade do caso brasileiro, cujos recursos
externos tinham sido utilizados produtivamente. Outra crise também importante nesse período
no mundo era a crise da América Central, que obrigava o Brasil a se pronunciar sobre uma
área na qual possuía poucas afinidades, interesses e intimidade histórica, tendo que assumir
posições que o colocavam numa posição de confronto com os EUA, o que não era do
interesse do governo brasileiro, devido às negociações da dívida externa.
O governo Figueiredo foi também contemporâneo da grande virada que começava a
acontecer nos países desenvolvidos rumo ao neoliberalismo e que avançaria, posteriormente,
pelo mundo subdesenvolvido. Tudo começou com Margareth Thatcher na Grã-Bretanha, em
1979, seguida por Ronald Reagan, nos EUA (1981-1989) e Helmut Kohl (1982-1998) na
427
Alemanha Ocidental, todos líderes ferrenhos das idéias neoliberais. Vale ressaltar que,
entre 1960 e 1980 os economistas neoliberais ganharam alguns prêmios Nobel, dando já uma
formatação mais científica ao neoliberalismo que, naquele momento, começava a tomar as
428
universidades norte-americanas. Desta forma, a década de 1980 iria testemunhar
importantes mudanças estruturais na economia do mundo, com o aumento, contraditoriamente
ao discurso, de medidas protecionistas por parte dos países desenvolvidos, gerando
429
desaceleração do comércio mundial. Iniciava-se aí, também, o conflito interno norte-
americano entre as grandes corporações que defendiam o livre comércio na esfera

425
Almeida, op. cit., p 77.
426
Hobsbawm, “Era dos Extremos...”, op. cit., p 247.
427
T. Biersteker. “O Triunfo da Economia Neoclássica no Mundo em Desenvolvimento: Convergência de Políticas e
Fundamentos da Governança na Ordem Econômica Internacional”, in James Rosenau e E. Czempiel (org.), Governança sem
Governo: Ordem e Transformação na política Mundial. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e Brasília:
Editora da UnB, 2000, p. 164.
428
José Luiz Fiori. “Consenso de Washington”. Palestra proferida no Centro Cultural Banco do Brasil, em 4 de setembro de
1996, s/p..
429
Pinheiro, “Política Externa Brasileira”, op. cit., p. 50.
125

internacional e o capital nacional que, contrariamente, lutava por legislações protecionistas


para defender-se.
Robert Gilpin, afirma que “mesmo durante o governo Reagan, que dizia inspirar-se no
laissez-faire, o receio de que ocorresse desindustrialização (nos EUA) e de que os japoneses
assumissem o controle de setores estrategicamente importantes da economia, levou à adoção
430
de leis de controle de entrada de IDE” (Investimento Direto Estrangeiro) no país, e como
ilustração desse ponto de vista segue-se uma esclarecedora citação de Expedito Albano
Silveira:

A formulação de qualquer política sempre objetiva vencer dificuldades e obter vantagens


econômicas. É o retrato da competitividade de cada país, no cenário internacional. É o
chamado custo / benefício. O liberalismo e o protecionismo são faces da mesma moeda,
brandidos segundo os interesses de cada um [...]. 431

Durante a década de 1980 “as companhias multinacionais, os avanços tecnológicos e a


liberalização econômica (desregulamentação e privatização) transformaram radicalmente o
mundo dos negócios internacionais”. Ocorreu uma verdadeira internacionalização da
economia mundial, quando os EUA passaram a ser, em termos de IDE “a principal economia
432
hospedeira do mundo, além da maior economia de origem desses investimentos”, que
deixavam de ser predominantemente matérias-primas e manufaturas e passavam a ser
investimentos na área de serviços, graças, principalmente, a revolução vivida pelo mundo no
setor da informação.
No caso brasileiro, desde o início da crise, a administração da dívida externa deixou de
ser somente um problema de mercado financeiro internacional, para tornar-se a principal
questão da diplomacia econômica brasileira. Os governos da época eram fortemente criticados
porque aceitavam passivamente todo o peso do ajustamento, sem nem ao menos negociar com
os credores a redução da dívida. Desta forma crescia na imprensa, no Congresso e nos meios
acadêmicos a defesa à moratória, que acabou acontecendo em 1987, no governo Sarney que,
desde 1985, não desejava um acordo com o FMI que pudesse implicar numa política
433
econômica recessiva. A moratória, no entanto, durou apenas alguns meses, pois, nesse
mesmo ano, o Brasil voltou a efetuar o pagamento da dívida. Sarney (1985-1990)
representava para o Brasil a importância de ser o primeiro presidente civil após o golpe de

430
Robert Gilpin. The Political Economy of International Relations. Princeton: Princeton University Press, 1987, p. 224.
431
Expedito Albano Silveira. “A Globalização e os Acordos Bilaterais”, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, 2000, p.
1. In: Seminário Modernização do Transporte Aéreo da Gazeta Mercantil, mar 2000. Disponível em:
<http://www.sbda.org.br/revista/Anterior/1696.htm>. Acesso em: 30/01/2006.
432
Gilpin, op. cit., p. 223-224.
433
Délcio Machado de Lima, op. cit., p.129.
126

1964, num momento em que, paralelamente, ao ressurgimento de alguns elementos básicos da


democracia liberal, como o pluripartidarismo, as eleições diretas e a liberdade de imprensa,
restringia-se o acesso e a participação da nação às decisões econômicas do governo, como nos
programas de estabilização e nas reformas liberais. Para implantar o conceito do
“enfraquecimento” do Estado na economia era preciso seu “fortalecimento político”, através
do fortalecimento do Executivo, por meio do insulamento burocrático e o instrumento prático
utilizado eram os decretos-leis, transformados em medidas provisórias pela Constituição de
1988. Esta era uma ferramenta que aumentava o “desequilíbrio institucional no tocante à
articulação entre os poderes e à baixa efetividade dos mecanismos de controle e de cobrança
externos”, estimulando as trocas clientelistas e o loteamento dos principais cargos da
434
administração pública. Este reforço do papel do Executivo em detrimento dos outros
poderes, já era uma característica que vinha desde os governos militares, contudo, invocava-
se, como justificativa, o caráter grave e emergencial daquele momento, em que o
endividamento e a situação econômica dos países subdesenvolvidos, altamente dependentes
da produção e exportação de matérias-primas, era dramática. No governo Sarney, em preço
real, a cotação do petróleo era inferior a de antes de 1973 e as cotações das matérias-primas
435
eram as mais baixas em um século, comparável aos níveis praticados em 1932-1933.
Apresentava-se como solução para esses problemas a conquista da competitividade no
mercado global e a conquista da confiabilidade necessária para atrair investidores externos.
436
Durante toda a década de 1980, os EUA eram o maior Estado credor do mundo,
exercendo, no Brasil, uma forte pressão sobre o governo Sarney, devido às leis brasileiras de
437
informática e de patentes. Em março de 1989, os EUA, liderando os países do G-7,
reconheciam a total impossibilidade de alguns países honrarem o pagamento da dívida, e
lançavam o Plano Brady, que acabou sendo a solução para a crise e que nada mais era que a
securitização da dívida, proposta por Bresser Pereira, em 1987, e rejeitada pelo então
secretário do tesouro americano, James Baker. Esse plano representava a constatação
inevitável da necessidade de uma mudança na forma de tratamento do problema da dívida:
refinanciamento; reconversão; alongamento dos prazos de amortização; aplicação de algum
tipo de desconto no valor nominal ou real e recompra dos títulos com desconto pelos
devedores, especialmente para os países mais pobres e altamente endividados, cuja

434
Eli Diniz. Globalização, Reformas Econômicas e Elites Empresariais, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p.26-27
e 57.
435
Michel Beaud. História do Capitalismo de 1500 aos nossos dias. São Paulo: Brasiliense, 1999, p 392.
436
Gilpin, op. cit., p. 305.
437
Pinheiro, “Política Externa Brasileira”, op. cit., p. 51.
127

probabilidade de não pagarem a dívida era muito alta era muito alta, caso os descontos não
fossem concedidos.
Somente em 1990, já no governo Collor, é que o Brasil iria renegociar a dívida
externa, dentro do contexto do Plano Brady. Em junho de 1991, Collor “visitou Washington,
onde convidou o presidente George Bush a “encerrar o capítulo das disputas comerciais e dos
problemas da dívida externa e comunicou que sua viagem marcaria o fim de uma fase
amadorística e romântica nas relações com os EUA”. Em 15 de abril de 1994, já no governo
Itamar Franco, o país conseguiu, finalmente, a renegociação sem a participação do FMI. A
partir dessa data a dívida passou a ser administrada pelo Brasil, dentro das possibilidades da
economia nacional, deixando de ser considerada, como nas décadas anteriores, um problema
crucial da nossa economia. Essa crise brasileira, da década de 1980, era também uma crise
regional, inserida no contexto de uma grande transformação política tanto na América do Sul,
onde o restabelecimento da democracia ocorria em quase todos os países, quanto no mundo,
indo da morte do secretário-geral do Partido Comunista da URSS, Leonid Brejnev, em
novembro de 1982, ao fim da própria URSS, em dezembro de 1991. A liberalização do
regime soviético, a partir de 1985, com Gorbatchev, e o abandono progressivo do comunismo
na Europa, culminando com o desaparecimento da URSS, produziram a mais radical
transformação no sistema de relações internacionais desde o final da Segunda Guerra
Mundial. Naquele momento, na interpretação de Theotônio dos Santos, “os EUA vêem a
URSS aliar-se à Alemanha e abrir-se à Comunidade Européia, fortalecida pela valorização do
marco alemão. Aparentemente há um sentimento unânime no mundo de que a queda do muro
de Berlim foi um fortalecimento geopolítico dos EUA e de sua aliança ocidental-capitalista.
Creio que é o começo do fim desta aliança”. Ainda segundo Santos, como conseqüência desta
nova conjuntura mundial, os EUA se viram forçados a reforçar sua posição hemisférica,
adotando três iniciativas:

• O North American Free Trade Agreement (NAFTA) (ampliação das fronteiras


norte-americanas com o Canadá em 1988 e o México em 1992);
• A “Iniciativa do Caribe” (reforço da posição de hegemonia no Caribe com
investidas na Nicarágua, Guatemala, El Salvador, Jamaica e Guiana);
• A “Iniciativa das Américas” (1990 - tentativa de incorporação do Mercosul e do
Bloco Andino, através de uma zona de livre-comércio hemisférica). 438

438
Theotônio dos Santos, “O Neoliberalismo como Doutrina Econômica”, 1999, disponível no site da Revista Econômica
da UFF, acessado em 01/06/2009.
128

Nesse contexto, em 1989, reunidos em Washington, no International Institute for


Economy, uma instituição que reúne grandes nomes tanto do país quanto do exterior,
funcionários do governo dos EUA, dos organismos internacionais, políticos, intelectuais e
economistas latino-americanos, dentre eles Marcílio Marques Moreira, embaixador do Brasil
439
nos EUA, na época, discutiam um conjunto de reformas essenciais para que “a América
Latina saísse da década que alguns chamaram de perdida, da estagnação, da inflação, da
recessão, da dívida externa”440 e do desemprego. O objetivo, segundo eles: a retomada do
caminho do crescimento. Nascia assim o Consenso de Washington. Tratava-se de uma
iniciativa visando alcançar resultados projetados para a economia interna e externa dos EUA.
Internamente precisavam baixar os juros e diminuir o déficit fiscal. Externamente precisavam
conter o déficit comercial, aumentando as exportações norte-americanas. Para que esse
objetivo fosse atingido era preciso gerar uma significativa desvalorização do dólar, buscando
superávits comerciais, principalmente com os novos países industriais, como o Brasil. 441

As recomendações originais de Williamson cobrem dois aspectos básicos: do lado


macroeconômico, as políticas devem ser prudentes do ponto de vista fiscal e cambial; do lado
micro, ou estrutural, considerações de eficiência e produtividade devem ser privilegiadas
(abertura, privatização, reforma tributária e financeira, estímulo à concorrência e defesa do
direito de propriedade). Essa segunda parte da agenda foi a que mais espaço ocupou no debate
e a que tipicamente é identificada com o neoliberalismo. 442

Segundo Paulo Nogueira Batista, as propostas do Consenso de Washington


convergiam “para dois objetivos básicos: por um lado, a drástica redução do Estado e a
corrosão do conceito de Nação, por outro, o máximo de abertura à importação de bens e
443
serviços e à entrada de capitais de risco”. Até as renegociações da dívida externa, naquele
momento uma prioridade para os países latino-americanos, passavam a ficar condicionadas à
implantação do receituário do “Consenso” e o novo ambiente econômico global aplicava um
choque sistêmico nos países em desenvolvimento, obrigando-os a “escolher entre associar-se
444
à economia mundial ou manter-se à sua margem”. Entre 1989 e 1990, uma onda de

439
Alexandra de Mello Silva e Dora Rocha. Marcílio Marques Moreira, Diplomacia, Política e Finanças, de JK à Collor, 40
Anos de História. Depoimento ao CPDOC – FGV. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 229.
440
Fiori, op. cit., s/p.
441
Santos, op. cit., p. 147.
442
Pedro Pablo Kuczynski e John .(org.). Depois do Consenso de Washington: retomando o crescimento e a reforma na
América Latina. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, prefácio à edição brasileira, p. VIII.
443
Paulo Nogueira Batista. O Consenso de Washington A visão neoliberal dos problemas, Programa Educativo Dívida
Externa- Pedex, Caderno Dívida Externa, no 6, setembro de 1994, p. 26.
444
Citação de T. Biersteker a Robert Gilpin em “O Triunfo da Economia Neoclássica no Mundo em Desenvolvimento:
Convergência de Políticas e Fundamentos da Governança na Ordem Econômica Internacional”, in James Rosenau e E.
Czempiel (org.), op. cit., p. 156.
129

liberalização política e econômica varria a Europa Oriental e o aumento do protecionismo já


era uma ameaça, inclusive em função da intensificação dos processos de regionalização. Vale
ressaltar também que quando do surgimento do Consenso de Washington o mundo vivia o fim
da Guerra Fria e os EUA ascendiam a uma posição sem precedentes, como única potência
mundial, assegurada pela sua singular força militar, econômica, comercial e tecnológica e
logo em seguida ocorria a adesão do socialismo espanhol e francês ao neoliberalismo.
Desde a década de 1970, também os países capitalistas avançados da Europa já viviam
uma crise de governabilidade associada, segundo alguns analistas, às dificuldades da social-
democracia européia, devido ao esgotamento das condições de viabilidade do welfare state,
cuja expansão não permitia mais aos governantes manter o antigo atendimento. 445 Tudo isso,
gerava um cenário mundial perfeito para ratificar as propostas desse “Consenso” e
desmoralizar o modelo de desenvolvimento, a partir das idéias da CEPAL 446 que, há décadas,
influenciava as políticas latino-americanas. Naquele momento, as classes dirigentes latino-
americanas “esqueciam-se” completamente que a gravíssima crise econômica que
enfrentavam tinha raízes externas, plantadas no final da década de 1970 e início da década de
1980, como a alta dos preços do petróleo, a alta das taxas internacionais de juros e a
deterioração dos termos de intercâmbio, e passavam a agir como se a responsabilidade fosse
apenas dos fatores internos de cada país. Responsabilizavam as equivocadas políticas
nacionalistas que adotavam e as formas autoritárias de governo que praticavam. Partindo
desse discurso argumentavam, como única solução para os problemas da região, as reformas
neoliberais, apresentadas sempre como propostas modernizadoras, contra o anacronismo de
suas estruturas econômicas e políticas, 447 exatamente como foi feito no governo de Fernando
Collor de Mello (15 de março de 1990 a 2 de outubro de 1992).
A década de 1990 começava e o Consenso de Washington estava inserido num
contexto mais amplo que nessa década envolveria os países em desenvolvimento, e que era a
adoção de reformas neoliberais generalizadas. Segundo Bhagwati, as mudanças mais
simbólicas desse processo foram exatamente:

“a implantação da doutrina neoliberal no Brasil durante o governo de Fernando Henrique


Cardoso, um dos expoentes da teoria da dependência até os anos 80; o ingresso do México,
tradicionalmente antiamericano, no North American Free Trade Agreement (Nafta); e o

445
P. C. Schmitter, e G. Lembruch, (eds). 1979, Trends Toward Corporatist Intermediaion. Beverly Hills e Londres, Sage
Publications apud Eli Diniz, Eli Diniz. “Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de
uma Nova Ordem no Brasil dos Anos 90”, DADOS-Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Volume 38, no 3, 1995, p.
391.
446
Paulo Nogueira Batista, op. cit., p. 10.
447
Idem, p. 9.
130

deslocamento da Índia, antigo baluarte do protecionismo e da regulamentação para uma


economia aberta e liberal”. 448

O contexto geral era marcado pelo fim da Guerra Fria, quando o cenário mundial
passava a oferecer um único modelo, dito liberal-democrático, de organização política e os
EUA se tornavam, segundo E. Hobsbawm “um império ideológico, (aspirando) a transformar
o mundo a sua própria imagem e semelhança”. 449 O que incluiu a disseminação das práticas e
políticas econômicas neoliberais, isto é, a adoção pelo mundo do capitalismo nos moldes
norte-americanos.
Na década de 1990, segundo Gilpin, os EUA viveram seu mais longo período de
crescimento ininterrupto e constante, enquanto a Europa Ocidental estava às voltas com altos
níveis de desemprego e o Japão vivia uma crise financeira, após a explosão de sua “bolha” de
especulação financeira e imobiliária, no início dos anos 1990. Para a maioria dos
observadores e dirigentes norte-americanos o sucesso econômico desse país, na época, devia-
se a

a desregulamentação, a privatização e a constante redução da inferência do governo na


economia abriram caminho para uma economia americana mais enxuta e conseqüentemente
capaz de se reafirmar plenamente [...]
Argumentam que o desempenho superior da economia americana na década de 1990 e a
relativa debilidade das economias de modelo estatizante da Ásia do Pacífico, entre elas o
Japão, assim como dos sistemas de Estados previdenciários da Europa continental,
transformaram a economia americana de mercado no modelo para o resto do mundo. 450

E complementando o pensamento de Gilpin, acima descrito, Rodrik, ao comparar os


tipos de capitalismo americano, japonês e europeu, critica exatamente essa afirmação de que o
modelo de capitalismo norte-americano deveria ser considerado referência para o mundo:

O estilo norte-americano de capitalismo é muito diferente do japonês. E ambos diferem do


Europeu. E, mesmo na Europa, há grandes diferenças entre os arranjos institucionais, por
exemplo, da Suécia e da Alemanha.
Com os baixos índices de desemprego, as elevadas taxas de crescimento e o florescimento
cultural, a Europa foi o continente a ser imitado durante boa parte da década de 1970; nos anos
80, de consciência comercial, o Japão passou a ser o exemplo escolhido; e o decênio de 1990
foi o do modelo norte-americano de capitalismo livre e solto.
A evidência da segunda metade do século XX é a de que nenhum desses modelos domina
claramente os outros. Seria um erro alçar o capitalismo de estilo norte-americano como
modelo para o qual o resto do mundo deve convergir. 451

448
Ha-Joon Chang. Chutando a Escada, São Paulo: UNESP, 2002, p. 33.
449
Eric Hobsbawm. “Primer Mundo y Tercer Mundo después de la Guerra Fría”, Revista de La Cepal, no 67, 1999, p. 10.
450
Gilpin, op. cit., p. 432 e 424.
451
Dani Rodrik. Estratégias de Desenvolvimento para o Novo Século, in ARBIX, Glauco. Brasil, México, África do Sul,
Índia e China: diálogo entre os que chegaram depois. São Paulo: UNESP, 2002, p.62 e 75.
131

Em uma entrevista sobre o lançamento de seu livro “Os Exuberantes Anos 90”,
Stiglitz fez uma análise crítica sobre a participação dos EUA no processo de globalização
desencadeado a partir da década de 1990 e declarou:

[...] Nós, os EUA, plantamos as sementes de nossa destruição, os problemas dos anos 90.
Não conseguimos criar um equilíbrio entre o papel do Estado e o mercado, e puxamos a
globalização para a direção errada. Os EUA impeliram outros países a comandar suas
economias da mesma maneira, com muitos erros. Um dos temas do livro é como os interesses
corporativos e financeiros nos induziram [os EUA] a liderar o processo de globalização de
forma desequilibrada. Após o fim da Guerra Fria tivemos a oportunidade de criar uma nova
ordem global e, na verdade, nós o fizemos com a visão ditada pelo mundo empresarial e
financeiro. Por isso, só tivemos acordos globais ruins, tais como propriedade intelectual e a
Rodada Uruguai. Claramente isso teve um grande impacto no resto do mundo. 452

Para a aviação comercial brasileira, pelo menos no que se refere a múltipla-


designação, autorização para que mais de uma empresa de um determinado país possa voar
em um mercado estrangeiro específico, o modelo adotado foi o norte-americano e não o
japonês ou o europeu. Copiou-se apenas, sem qualquer consciência do quanto a aviação
comercial brasileira estaria se desestruturando e conseqüentemente prejudicando a economia
nacional. O resultado é que hoje o mercado doméstico no Brasil é ainda mais concentrado que
antes da “flexibilização” adotada. Aliás, o exemplo norte-americano, uma década após a sua
experiência de desregulamentação, já demonstrava essas mesmas características de
manutenção da concentração.
Pesquisa feita pela ANAC indica que, em junho de 2007, a TAM e a GOL detinham
86% do mercado doméstico e, dentre outros problemas causados por esta concentração, um
estudo de Alessandro V. M. de Oliveira demonstra que a malha aérea brasileira tem,
atualmente, nos quinze principais aeroportos do país uma concentração de cerca de 70% dos
453
vôos. Já o mercado internacional está hoje nas mãos das empresas estrangeiras, quando
antes era de domínio total da VARIG, uma empresa 100% brasileira.

3.2 A “flexibilização” da aviação comercial brasileira em plena “década


perdida”.

Na aviação comercial, ao final da década de 1970, a competição controlada pelo


Estado começava a desaparecer nos EUA. Os primeiros movimentos neoliberais da economia

452
Stiglitz. “Entrevista”, O Globo, 3 de novembro de 2003, p. 17.
453
Fernando Exman. “Governo quer fim do Duopólio TAM e Gol”, JBonline, 11 de novembro de 2007, s/p.
132

mundial começavam a repercutir neste setor, através do chamado processo de


desregulamentação. Esse processo foi, antes de tudo, um processo de redistribuição de poder
normativo e não deve ser entendido como uma absoluta ausência de normas, mas sim como a
454
retirada do Estado do poder de regular, isto é, a permissão para que a oferta e as tarifas
fossem determinadas pelas próprias empresas, a partir das chamadas “forças do mercado”.
Desta forma, podemos definir regulamentação no transporte aéreo como sendo a intervenção
do governo nessa indústria, que vale dizer sempre ocorreu, exatamente por ser esta uma
atividade de caráter global, com importância crucial nas comunicações domésticas e
internacionais, levando a maioria dos governos no mundo a participarem não só como
reguladores, mas também como investidores ou, simplesmente, subsidiadores da operação,
principalmente devido a importância sempre atribuída às companhias aéreas nacionais na
questão da soberania, e de sua característica de serviço de utilidade pública.
Em 1977, EUA e Grã-Bretanha, através do chamado acordo de "Bermudas II",
acordaram abrir reciprocamente seus mercados, com maior número de companhias operando
entre ambos os países, estabelecimento de "novas tarifas", etc, e, mesmo tendo havido, à
época, resistência dos representantes das empresas aéreas dos demais países, esse acordo veio
a repercutir na aviação internacional de forma definitiva. O próximo acordo do gênero seria
entre a Grã-Bretanha e a Holanda, em 1984, aliás, para a Holanda, por suas características de
pequena extensão territorial e, portanto, pequeno mercado interno, ter o mercado dos outros
países abertos à sua atuação era realmente muito interessante. Porém, antes disso, em 24 de
outubro de 1978 foi assinado nos EUA o “Airline Deregulation Act”, que dava início ao
processo de desregulamentação no maior mercado doméstico do mundo, o norte-americano,
455
seguido do mercado canadense e, gradualmente, o dos demais mercados, embora com
cautela pela maioria dos países europeus, que procuraram manter suas empresas de bandeira,
como é o caso da Air France, Alitalia, Iberia, Lufthansa, etc. As empresas norte-americanas
começaram a “questionar a falta de competição do mercado internacional e os privilégios das
456
empresas aéreas estatais européias, asiáticas e latino-americanas”, gerando um movimento
expansionista, cuja intenção era levar para o mercado internacional a mesma
desregulamentação vivida pelo mercado norte-americano e canadense, o que, de certa forma,

454
José da Silva Pacheco. As Tendências do Transporte Aéreo no Mundo Atual, Revista Brasileira de Direito
Aeroespacial, no 50, agosto de 1990, p. 7.
455
K.M.V. Costa, “An Investigation of the Likely Impact of Current Trends in Air Transport Regulation on South
America”, Cranfield Institute of Technology, College of Aeronautics, M. Sc. Thesis, September 1989, p. 2 e 3.
456
Respício Antônio do Espírito Santo Júnior. “Organizando o Transporte Aéreo Internacional”, in
http://200.189.169.141/site/arquivos/dados_fatos/observatorio/TransporteAereoInternacional.pdf, acessado em 19 de
fevereiro de 2009, p. 4.
133

não era muito difícil, devido as já naturais características de interdependência do transporte


aéreo.
As ferramentas tecnológicas (aviões, equipamentos e softwares), principalmente de
controle e comercialização (surgimento dos Sistemas Computadorizados de Reservas - CRS)
e as estratégias administrativas e econômico-financeiras utilizadas pelas empresas aéreas
(surgimento dos programas de fidelidade, da classe executiva, da prática de code-share e das
primeiras alianças estratégicas mundiais), combinadas com o início da internacionalização de
457
bens e serviços, pintaram para a aviação um novo quadro, ajudando o mercado a dar os
primeiros passos rumo à desregulamentação. Na América do Sul houve grande resistência. Os
governos locais, na maioria ainda ditaduras militares, naquele momento, alegavam questões
de interesse nacional, que justificavam sua natureza de “serviço público”. Lembremo-nos que
o nacionalismo era, por um lado, uma característica bastante presente nesses governos
militares, que começavam a sair de cena, e por outro lado, um aspecto bastante criticado pelas
doutrinas neoliberais que começavam a ascender, pregando o internacionalismo.
Tecnicamente falando, o crescimento do tráfego aéreo ocorre, em geral, em função de
três fatores:

• competitivos (outros meios de transporte);


• técnicos (adequação dos equipamentos de vôo) e
• econômicos, estes muitíssimo ligados à própria economia e desenvolvimento dos
países.

A complexidade desses fatores na América do Sul, somados às características


geográficas da região, tais como a grande concentração oceânica do Hemisfério Sul, sua
grande extensão territorial, extensão esta, inclusive, de seus muitos acidentes geográficos
(floresta Amazônica, Cordilheira dos Andes, etc), isolando os principais centros entre si,
assim como o isolamento dos principais centros desenvolvidos do mundo, deveriam exigir,
das autoridades locais, políticas públicas específicas para as necessidades de cada país ou
bloco de países, outra tendência que se delineava na época no mundo, e que se concretizou na
região com o Mercosul. No caso dos grandes centros brasileiros, por exemplo, são necessárias
cerca de dez horas de viagem, em média, para se chegar aos principais centros populacionais e
desenvolvidos do mundo, localizados no Hemisfério Norte. A título de comparação, saindo-se

457
Ibidem.
134

do aeroporto de Hong Kong, com apenas cinco horas de vôo cobre-se um terço da população
do planeta. Na década de 1980, com relação ao volume de tráfego, a travessia do Atlântico
Sul e do Atlântico Médio representava cerca de 5% do total mundial de passageiros-
quilômetros internacionais, enquanto a travessia do Atlântico Norte representava 28%. Este
fato já indicava a significativa diferença entre a importância relativa das rotas do Atlântico
Médio e Sul para as empresas latino-americanas, em comparação com as empresas norte-
americanas e européias. Do ponto de vista das empresas latino-americanas, as rotas para a
América do Norte e para a Europa representavam, respectivamente, 54% e 36% do seu
tráfego internacional, enquanto, para a Europa, por exemplo, o tráfego para a América Latina
representava apenas 6% do tráfego internacional daquele continente. Um valor insignificante,
comparado a importância do tráfego entre a Europa e a América do Norte, 34%, e dentro da
Europa, 29%, enquanto o tráfego entre os países latino-americanos não chegava a 1% do total
mundial. 458 Levando-se em consideração apenas o tráfego de/para os EUA, enquanto para as
empresas norte-americanas o Atlântico Sul representava apenas 5% do faturamento, para as
459
empresas brasileiras esse percentual era de 60%. Sem contar com o poder do mercado
doméstico norte-americano, o maior do mundo. Essas informações já indicam a diferença de
poder entre as partes, principalmente para enfrentar períodos de retração de demanda e de
“guerra tarifária”. Focando apenas no mercado brasileiro, em 2001, sua participação no
tráfego mundial era de apenas 1,5%. 460
Outro importante fator de distinção da América do Sul, que muito influencia nos
custos operacionais das linhas aéreas, é que do Cone Sul para a Europa e os EUA os vôos
precisam ser programados com partidas noturnas, para maior descanso dos passageiros e
melhor aproveitamento dos horários diurnos nas chegadas, tanto no rumo norte quanto no
rumo sul. Contudo, este tipo de operação, por não comportar mais de uma programação por
dia e manter as aeronaves ociosas, um dia inteiro, até sua operação de retorno, aumentam os
custos com taxas aeroportuárias e diminuem as despesas de aquisição, isto é, quanto maior for
a utilização dos equipamentos, maior será a diluição dos custos. Qualquer análise ou mudança
nos marcos regulatórios da aviação comercial na América do Sul deveria levar em
consideração, além das características específicas, descritas acima, o papel que essa atividade
desempenha no continente e sua contribuição para o desenvolvimento econômico e social da

458
International Air Transport Association, apud K. M. V. Costa. An Investigation of the Likely Impact of Current
Trends in Air Transport Regulation on South America, Cranfield Institute of Technology, College of Aeronautics, M. Sc.
Thesis, September 1989, p. 14, 15 e 16.
459
Andréa Duschesne, op. cit., p. 16.
460
Relatório Anual de Administração da VARIG 2001, p. 5.
135

461
região, antes de buscar, simplesmente, sua adequação aos mecanismos das tendências
globais, com a adoção de fórmulas alheias. Contudo, as mudanças que começaram a se
processar na década de 1980 e se intensificaram nas décadas seguintes, ignoraram tais
aspectos.
Como os organismos regulatórios internacionais sempre foram fortemente
influenciados pelos EUA, logicamente que os movimentos de desregulamentação neste país
não tardariam a gerar mudanças também nas regras e no comportamento dos organismos
regulatórios de cada nação. No Brasil, que desde a década de 1960, vivia a política de
competição controlada, graças a situação calamitosa testemunhada na época pelas empresas
de transporte aéreo, o primeiro resultado foi, devido pressão da Vasp e da Transbrasil, um
seminário, realizado em julho de 1982, na CERNAI, para analisar a Política do Transporte
462
Aéreo Internacional Brasileiro. Como conseqüência desse seminário foram assinadas as
portarias no 249/GM5, de 07 de março de 1983, do Ministério da Aeronáutica, e no 108/SPL,
de 01 de julho de 1983, do Departamento de Aviação Civil, autorizando a Transbrasil e a
Vasp a executarem serviços aéreos internacionais não regulares, os chamados vôos charter,
para transporte de passageiros, carga e mala postal. O argumento era de que este tráfego
suplementar deveria gerar um benefício ao país, atendendo a mercados não servidos pelas
transportadoras regulares de bandeira. Na prática essas mudanças já geravam uma certa
concorrência entre as empresas nacionais, uma vez que ao levar, por exemplo, um vôo para
Orlando, nos EUA, ou para Nice, na França, parte desse tráfego deixaria de ser transportado
pela VARIG via Miami ou Paris, respectivamente, sem contar com a autorização para que as
congêneres internacionais pudessem programar, reciprocamente, mais vôos para o Brasil. 463
O segundo resultado veio nesse mesmo ano com a implementação de vôos noturnos
com tarifas reduzidas em trinta por cento, gerando, pela primeira vez no transporte aéreo
464
doméstico brasileiro, incentivo à competição entre as empresas. O resultado seguinte,
também no mercado doméstico, foi a criação dos chamados “Vôos Direto ao Centro”. Com a
inauguração do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em janeiro de 1985, grande parte das
ligações domésticas sairiam de Congonhas, levando as empresas a solicitarem ao DAC
autorização para operar um novo serviço com vôos ligando os aeroportos centrais das cidades
de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. Esses vôos foram inaugurados em

461
K. M. V. Costa, op. cit., p. 7, 9 e 3.
462
Luciano R. Melo Ribeiro. Traçando o Caminho dos Céus, o Departamento de Aviação Civil – DAC 1931-2001, Rio de
Janeiro: Action Editora, 2002, p. 136.
463
“Concorrência Interna de Bandeira nos Vôos Internacionais é Perniciosa para o País”, Depoimento de Hélio Smidt,
Espaço Aéreo, Ano 7, no 1, Janeiro-Fevereiro 1986, s/p.
464
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 127.
136

1986, pelas empresas regionais Rio-Sul, TAM e VOTEC, sendo muito bem recebidos pelo
público que viajava a negócios. Outra mudança importante, ocorrida na mesma época, foi a
substituição, em 1986, do Código Brasileiro do Ar pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei
nº 7.565 de 19 de dezembro de 1986, e que refletia o neoliberalismo através da abertura do
mercado internacional, agora de vôos regulares, às demais empresas aéreas brasileiras. Tema
este bastante discutido na IV CONAC, realizada de 22 de setembro a 01 de outubro de 1986,
e que contou, pela primeira vez, com a participação de todos os segmentos empresariais da
Aviação Comercial, bem como representantes do Congresso Nacional, órgãos federais e
estaduais e entidades privadas. Suas principais recomendações foram:

• Manutenção do regime de competição controlada.


• Reformulação do regime de concessões e autorizações para o tráfego aéreo
internacional.
• Utilização dos Aeroportos de Congonhas e Santos Dumont por aeronaves a reação
para os serviços de ponte aérea e outras ligações.
• Reformulação do Sistema de Transporte Aéreo Regional (SITAR).
• Manutenção do regime de negociações multilaterais para desenvolvimento das
tarifas internacionais.

Como conseqüência, o Ministro da Aeronáutica publicaria a Nota Ministerial


001/GM-5/AMD, que baixava instruções permitindo a todas as empresas de Transporte Aéreo
Regular Nacional acesso às Linhas Internacionais, 465 porém, com algumas salvaguardas para
466
as concessões na época já mantidas pela Varig e Cruzeiro. A justificativa dada para a
reformulação do regime de concessões internacionais era de que a mesma objetivava, através
da concorrência, levar à redução do preço das passagens, gerando o ingresso, nesse mercado,
das camadas mais baixas da sociedade. As demais empresas aéreas nacionais comemoravam
tal decisão, uma vez que viam nas rotas internacionais a possibilidade de acesso a receita em
dólares, considerada crucial num momento de defasagem das tarifas domésticas, como aquele.
Logicamente, a posição da VARIG era contrária, como pode ser depreendido do seguinte
depoimento de seu presidente Hélio Smidt, na época:

465
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, Ministério da Aeronáutica, Departamento de Aviação Civil,
maio de 1997, p. 45.
466
Harro Fouquet. “A recuperação e o fortalecimento da Varig são muito importantes para o país: eis algumas das razões
(pró-memória)”, documento escrito em janeiro de 2003 e entregue, na época, ao Ministério da Aeronáutica.
137

O transporte aéreo internacional se caracteriza pela necessidade de vultosos investimentos


para seu desenvolvimento. Elevados compromissos financeiros, (grande parte em moeda
estrangeira) têm que ser mobilizados para a aquisição de aeronaves, turbinas e peças
sobressalentes, instalações e equipamentos de tecnologia avançada [...]. Enormes
investimentos são necessários para a implantação e funcionamento da rede de atendimento
comercial em escala mundial, incluindo inúmeras cidades não operadas diretamente pela
empresa. Entretanto, variações da conjuntura econômica, social e política dos países onde a
empresa opera tem grande impacto nos resultados econômicos de suas atividades. Por tais
razões, o transporte aéreo internacional tem tido tradicionalmente rentabilidade inferior ao
doméstico. Neste cenário, somente empresas muito bem estruturadas, firmemente apoiadas no
transporte doméstico lucrativo e operando uma rede internacional extensa, disseminada por
regiões geográficas diversificadas poderão absorver os impactos mencionados [...]. Num
critério puramente aeronáutico, não se verifica a vantagem ou a conveniência de um país
designar várias de suas empresas aéreas para serviços internacionais. A grande maioria dos
países, e disso é exemplo a quase totalidade daqueles com que o Brasil mantém relações
aeronáuticas, adota o sistema de designação única. Mesmo o fato de um país manter duas ou
mais empresas designadas para a operação de linhas internacionais não significa,
necessariamente, maior força competitiva. Os EUA, exemplo clássico de designação múltipla,
têm visto a constante queda na participação de sua bandeira no mercado com o Brasil.... 467

Hélio Smidt assumiu a presidência da VARIG em 1980, na fase inicial do processo de


desregulamentação norte-americana e num ano brasileiro de maxidesvalorização da moeda,
ocorrida em dezembro de 1979, com escalada inflacionária e constante alta nos preços dos
insumos básicos que geraram uma elevação de custos sem precedentes na história da indústria
do transporte aéreo. Contudo, e de uma forma muito parecida com o que viria a acontecer dez
anos mais tarde, em 1990, quando a presidência seria assumida por Rubel Thomas, Smidt
declarou, no Relatório Anual da empresa, não só a manutenção dos vultosos investimentos no
reequipamento da frota, como declarou também que esse programa deveria ser acelerado por
serem aquelas aeronaves de maior economicidade. Tratava-se de aviões wide-body DC-10-30,
468
Boeing 747-200B e AIRBUS A-300B4, responsáveis por um alto endividamento, que só
para a aquisição de seis DC-10-30 já alcançavam US$ 320 milhões, em empréstimos a longo
469
prazo, obtidos no exterior. Em 1981, três Boeing 747, dois DC-10 e um Airbus seriam
entregues pelos fabricantes e a presidência, a despeito da acentuada recessão que se abatia
sobre a maioria dos países industrializados, gerando estagnação no tráfego de passageiros e
cargas, comemorava sua excelente posição competitiva frente às operadoras de outros países,
que se refletia em um aumento de 9,5% na demanda de passageiros e 5,3% na demanda de
carga. Em 1982 a empresa mantinha seu clima otimista frente à melhoria de rentabilidade,
concluindo, com um consórcio de empresas japonesas uma operação de 46.853,4 milhões de
ienes (equivalentes na data de fechamento a US$ 186 milhões), pelo prazo de quinze anos e a
juros fixos, o financiamento dos três Boeings 747 adquiridos. 470 Outra prova dessa confiança

467
“Concorrência Interna de Bandeira...”, op. cit., s/p.
468
Relatório Anual de Administração da VARIG 1980, p. 2.
469
Relatório Anual de Administração da VARIG 1979, p. 14.
470
Relatório Anual de Administração da VARIG 1981, p. 6 e 20.
138

foram os grandes investimentos iniciados na década de 1970 e mantidos na década de 1980 e


que levaram à inauguração, ainda em 1980, 471 do maior e mais moderno parque industrial de
manutenção aeronáutica do Hemisfério Sul, prestando serviços especializados a outras
empresas aéreas nacionais e estrangeiras com oficinas de manutenção homologadas,
inclusive, pela Federal Aviation Agency, dos EUA, e pela Joint Aviation Authorities, da
Comunidade Européia, 472

com credenciamento idêntico por parte do Registro Aeronáutico Italiano [...] e do


Japanese Civil Aeronautic Board, 473

do DNA - Direción Nacional de Acronavegabilidad (Argentina) e do certificado DOA


da Tailândia. Suas oficinas recebiam periodicamente, para manutenção, turbinas estacionárias
General Eletric, de plataformas marítimas da Pemex, companhia estatal petrolífera do
México, assim como turbinas General Eletric (GE) de vasos de guerra da Marinha brasileira.
Também naquele ano de 1980, ocorreria o lançamento do primeiro terminal de
computador produzido pela empresa, o Terminal VARIG (TEVAR 8001). Esse projeto teve
início em 1978, como solução para a crise que atingia as empresas aéreas brasileiras, no final
da década de 1970, devido à lei de reservas de mercado que proibia a importação de
determinados equipamentos eletrônicos, como terminais de vídeo e impressoras utilizados
pelos sistemas de reservas de passagens. Essa iniciativa a empresa já conhecia desde sua
formação, quando devido ao grande atraso tecnológico do país na época, procurou equipar-se
para a revisão e manutenção de suas aeronaves, além da criação de escolas técnicas para
474
formação de pessoal especializado, o que muito lhe ajudou durante a guerra, quando
precisou fabricar, em suas próprias oficinas grande número de equipamentos para os aviões.
A mesma iniciativa pode ser registrada quanto ao desenvolvimento de sondagens
meteorológicas, serviços de telecomunicações e instalação de usinas elétricas. 475
Ao final da década de 1970, a implantação de um sistema de reservas tinha caráter
prioritário, pois com a introdução na frota de equipamentos como os DC-10, Boing-747 e
AirBus, a oferta de lugares crescia, acompanhada pelo aumento na demanda de passageiros. A
sobrecarga nos setores de reservas só poderia ser solucionada com a implantação de um

471
Rosa dos Ventos, no 101, 1990, p. 9.
472
“VARIG 75 anos”, Publicação Interna, 2002, p 29.
473
Carlos Drumond de Andrade. “Senhor Piloto”, Senhor, no 362, 29 de fevereiro de 1988, p. 58.
474
“Vôo mais alto a trajetória segura”. Visão, 07 de julho de 1967, p. 22.
475
Léa Brenner, op. cit., p. 28.
139

476
sistema de reservas automatizado, que embora já funcionasse na empresa desde 1974,
demandava para sua expansão, da instalação de novos e numerosos equipamentos. De início,
a empresa recorreu à indústria nacional, sem sucesso, levando-a a decisão de desenvolver seu
próprio hardware de reservas. Até 1992 haviam sido produzidos 8.492 terminais de vídeo;
5.502 impressoras, para impressão de bilhetes, cartões de embarque e cópias em geral; 76
microcomputadores compatíveis com a linha IBM, 372 controladoras, 2.090 “fones de
477
ouvido” e outros equipamentos. Os terminais de vídeo chegaram a ser arrendados por
congêneres do porte da British Airways, Japan Airlines, Alitália, Flying Tigers, Eastern
Airlines e Aerolineas Argentinas, totalizando vinte e sete empresas. O total geral de
equipamentos produzidos pela VARIG chegou, em 1989, a marca de 11.181. 478
Graças ao sucesso do projeto TEVAR, a empresa pode, em 1981, lançar o Projeto Iris,
que demandaria um investimento da ordem de US$ 100 milhões, para colocar a VARIG em
condições de competir com os gigantes internacionais norte-americanos e europeus no que se
refere à informatização de seus serviços. O Sistema Integrado de Reservas Interline (Sistema
Iris), funcionava com um mainframe da IBM, um computador IBM 4341, em constante
atualização e, em janeiro de 1982 a empresa já possuía 960 terminais de vídeo, instalados nas
lojas e escritórios do Brasil e do exterior. 479 Esses

investimentos na informatização da área comercial exigiram recursos acumulados da


ordem de US$ 68 milhões, incluindo desde a fabricação própria de terminais, controladoras,
impressoras de bilhetes e de cartões de embarque, distribuidoras automáticas de chamadas –
ACD, até a aquisição de computadores de novíssima geração e treinamento de pessoal. 480

Em 1991, dez anos depois de sua implantação, o sistema já operava com um


computador de quarta geração, um IBM – 3090, modelo 20, com 6000 terminais espalhados
pelo mundo, mais de 1200 agências de viagens conectadas ao mesmo, alcançando 80 cidades
no país e 91 no exterior. 481
Em 1983, em meio a um mar de grandes investimentos e inaugurações, a VARIG teria
que enfrentar um decréscimo no transporte de passageiros (5,3%) e cargas (3,2%), tanto no
setor doméstico quanto no internacional, associado à maxidesvalorização do Cruzeiro e a um

476
Guia Aeronáutico, dezembro de 1975, p. 9.
477
Superintendência Geral de Produção Industrial: Relatório de Atividades. VARIG, Porto Alegre, 15/09/1992, apud Maria
Regina de Moraes Xausa. A Importância das Instituições e o Desafio à Liderança Institucional. O Caso VARIG, Porto
Alegre, Dissertação de Mestrado, UFRGS/Faculdade de Ciências Econômicas, p .233.
478
“Tevar Faz dez anos, Rosa dos Ventos, no 99, 1990, s/p.
479
“VARIG inaugura novo sistema de reservas”, Guia Aeronáutico, Janeiro de 1982, p. 22.
480
Relatório Anual de Administração da VARIG 1989, p. 9.
481
VARIG Reformulação Administrativa - US$ 6 Bilhões na Renovação da Frota - Sistemas Mercúrio e Iris Amigo -
Segurança e Medidas Contra Fraudes, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, maio-agosto de 1990, no 50, p.23.
140

processo inflacionário crescente, que chegaria em 1985 a 235%, 482 expressando, contudo, sua
confiança “na manutenção da política de realidade tarifária estabelecida pelas autoridades,
condição fundamental para assegurar a auto-suficiência do transporte aéreo em bases
483
industriais”, considerada pela empresa, em 1984, juntamente com o aumento na demanda
de carga e passageiros nas linhas internacionais, e a redução do custo do combustível, a razão
pela qual a empresa conseguiu obter, naquele ano, resultados satisfatórios. Com relação às
inaugurações, em 1984, seria a vez do Catering, o maior complexo de serviço de bordo da
América Latina, instalado no AIRJ, com capacidade para produzir 20.000 pratos por dia. O
Catering objetivava atender aos vôos VARIG e de congêneres que voavam para o Brasil, um
mercado estimado em doze milhões de dólares/ano e dominado na época em 90% pela norte-
484
americana Marriott. Ele ocupava 17.800 metros quadrados, num prédio de três andares e
subsolo, com dezenas de câmaras frigoríficas, cozinhas, depósitos, adegas, laboratórios de
microbiologia, salas de instrução e de palestras e diversos equipamentos criados
especialmente para ele. Todos os ambientes eram refrigerados, inclusive o depósito de lixo,
com música ambiente, vista para o exterior, tornando-os mais iluminados e agradáveis. 485
Ainda nesta década, um moderno centro de treinamento foi criado no Rio e seus
cursos cobriam diversas áreas, como manutenção, operações de vôo, serviços de bordo,
tráfego e vendas, administração e outros setores, oferecendo cursos técnicos e
comportamentais para os seus funcionários e de congêneres. Desde a década de 1950 a
VARIG utilizou-se dos chamados simuladores de vôos, para treinamento dos seus pilotos e de
pilotos de outras empresas, em diversos tipos de aeronaves, e foi a segunda empresa aérea do
mundo a utilizar o método Computer Based Training (CBT), com avançados programas para
treinamento da tripulação. A formatura da primeira turma de pilotos civis formados pela
486
VARIG aconteceu já em 1936. Em 1986 a VARIG gastou, só com treinamento, cerca de
trinta milhões de cruzados e, em 1987, novos investimentos foram efetuados na compra de
487
simuladores de vôos, que custavam até quatorze milhões de dólares. Em 1989, dois novos
terminais de carga da empresa foram instalados no AIRJ e em Guarulhos. Somente o terminal
de cargas do Rio (TECA), instalado dentro do complexo planejado para o AIRJ, custou à
VARIG US$ 15 milhões, 488 num momento em que o movimento de cargas dos aeroportos da

482
Relatório Anual de Administração da VARIG 1985, p.4.
483
Relatório Anual de Administração da VARIG 1983, p. 7 e 9.
484
“Boa Viagem, Bom Apetite”, Exame, 10 de junho de 1987, p.54.
485
Frank Ribeiro. “No serviço, a base do sucesso”, Jornal do Brasil, 07 de maio de 1987, p.19.
486
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 25 e 27.
487
Frank Ribeiro. “Um mimo e tanto. Varig festeja seus 60 anos se dando presente de US$ 1,2 bilhão”, Jornal do Brasil, 07
de maio de 1987, p. 19.
488
“Novo Terminal de Carga da VARG”, Guia Aeronáutico, agosto de 1989, p. 8.
141

Grande São Paulo (Viracopos, Guarulhos e Congonhas) já era maior que o movimento de
cargas dos aeroportos do Rio (Galeão e Santos Dumond). Essa diferença ainda aumentou. O
crescimento do volume de carga dos aeroportos do Rio, de 1984 a 2006, decresceu 46%,
enquanto o volume em São Paulo cresceu 291%, levando os aeroportos de São Paulo a marca
de 52% do total de cargas movimentadas nos aeroportos da Infraero. 489 Mais um exemplo do
erro estratégico à que a VARIG foi induzida, ao construir sua base técnica no Rio, enquanto o
centro de tráfego era em São Paulo.
A grandiloqüência das décadas anteriores mantinha-se fortemente presente na empresa
a despeito dos movimentos liberalizantes indicando mudanças a vista, como quando a política
de “Realidade Tarifária”, tão importante para a indústria de aviação, foi abandonada pela
Nova República. José Sarney, ainda vice-presidente, no seu primeiro dia como presidente em
exercício, após a internação de Tancredo Neves, assinou o decreto 91.149, submetendo os
490
ajustes de preços ao Ministério da Fazenda, registrando, assim, e logo no primeiro
momento, essa característica que seria ainda mais marcante no Brasil naquela década e nas
seguintes, a ascendência do Poder Executivo sobre o Poder Legislativo brasileiro,
principalmente. Esse poder sobre os preços só se encerraria em 27 de junho de 1991, quando
as tarifas domésticas saíram do controle de preços exercido por aquele Ministério que, com
491
Collor, passou a chamar-se Ministério da Economia. O discurso da empresa, a despeito
dessa significativa mudança da política presidencial do país, mantinha-se fiel a sua
característica básica de alinhamento aos governos, declarando em seu Relatório Anual:

O advento da Nova República, com a decisão de buscar o desenvolvimento social através


do crescimento da economia, criou perspectivas altamente positivas, em especial para o
transporte aéreo doméstico. O recente Programa Econômico do Governo nos deixa convictos
de estarmos no início de uma nova fase de crescimento, a qual, dentro de um clima de
estabilidade econômica, possibilitará o correto e racional planejamento das atividades a médio
e longo prazo. 492

Para agravar ainda mais a situação, em 28 de fevereiro de 1986, tinha início o


congelamento de preços imposto pelo Plano Cruzado que, a longo prazo, traria sérias
conseqüências, vindo a ser tratado pelas empresas aéreas como sendo a origem primeira da
grande crise de endividamento vivida por elas até os dias de hoje. A partir da Nova República
e do Plano Cruzado, o neoliberalismo começava a se refletir, também, na perda gradativa do

489
ACI, Airport Council International, 2006, apud Harro Fouquet. “A problemática do sistema aeroportuário da região
metropolitana de São Paulo”, janeiro de 2008, p. 5 e 6.
490
Decreto nº 91.149, de 15 de março de 1985, disponível no site do Senado Federal.
491
“Governo libera os preços das passagens de vôos domésticos”. O Globo, 28 de junho de 1991, p. 20.
492
Relatório Anual de Administração da VARIG 1985, p. 14.
142

poder das autoridades aeronáuticas perante as autoridades econômicas do governo, como as


do Ministério da Fazenda, focadas no combate à inflação, no pagamento da dívida externa e
nos demais ajustes econômicos. No entanto, naquele ano de 1986, dando continuidade aos
bons resultados alcançados em 1985, o crescimento da demanda seria de 16% nas linhas
internacionais e de 29,7% nas linhas domésticas, atingindo índices até então inéditos, e
gerando uma taxa média de aproveitamento de 71%, uma das maiores já alcançadas em toda a
vida da empresa. Só no doméstico este índice alcançou a marca de 77%. E o Relatório Anual
da companhia registrava:

Nosso sentimento de confiança, cada vez mais, nas potencialidades do país, nos impele
a perseguir os principais objetivos que são: o de expandir receitas internas – fator de
exportação (portanto, internas ao país, e não à empresa exclusivamente) – bem como renovar
a frota e melhorar a infra-estrutura interna.493

Um discurso que, refletindo os resultados imediatos do Plano Cruzado, em nada,


demonstrava que o momento era muito mais de cautela, do que de euforia, assim como nas
declarações publicadas na imprensa, no ano seguinte, quando a VARIG comemorava sessenta
anos de existência:

O reforço agora anunciado pelo seu presidente, Hélio Smidt, tem por objetivo a
viabilização dos planos assumidamente ambiciosos que a empresa traçou para este final de
década e para os próximos 10 anos. Até o início dos anos noventa, por exemplo, ela pretende
que suas rotas façam a circunavegação da Terra, em vez dos atuais dois terços do percurso.
Mas Smidt coloca quase como ponto de honra para a companhia a meta de levá-la a realizar
nos próximos dez anos tanto quanto nas suas primeiras seis décadas de operação. Ou seja: até
1997 a Varig terá de transportar [...] o dobro do que conseguiu nos últimos 60 anos [...].
Excesso de otimismo? Parece que não. Os dados estatísticos de que a empresa dispõe e que
Hélio Smidt costuma brandir para calçar seus planos de crescimento indicam, realmente, que a
aviação comercial brasileira ‘ainda está engatinhando’ e tem pela frente muito espaço para
voar. 494

Smidt baseava-se, provavelmente, no crescimento de 80% que os dezoito milhões de


passageiros, causaram na aviação comercial brasileira em 1986, por conta da euforia do Plano
Cruzado, levando-o a declarar que esse mercado experimentaria um boom tão logo houvesse
no país uma convergência de fatores como a estabilidade econômica e uma melhor
distribuição de renda. Além da expectativa de crescimento ainda maior do tráfego aéreo, havia
também a expectativa de que a receita da empresa cresceria com o aumento na prestação de
serviços a terceiros, como de reparos e manutenção de aeronaves e fornecimento de refeições
de bordo. 495 No entanto, essa estabilidade econômica ainda demoraria quase uma década para

493
.Relatório Anual de Administração da VARIG 1986, p. 16, 17 e 21.
494
Frank Ribeiro, op. cit., p. 19.
495
Idem, p. 19.
143

chegar, enquanto a melhor distribuição de renda, até hoje não chegou. Antes disso, os
primeiros sinais já estavam presentes, e naquela época chegaria à aviação comercial brasileira
o neoliberalismo econômico, através da chamada “flexibilização”. Sua meta de se igualar ou
mesmo superar os feitos de Meyer, Berta e Erik de Carvalho, jamais seriam alcançadas.
Pode-se perceber que a alta administração da empresa, durante a presidência de Hélio
Smidt, um contemporâneo de Rubem Berta e, também seu sobrinho e admirador, a despeito
de todos os ventos neoliberais que já sopravam no mundo da aviação, principalmente nos
EUA, e de todas as mudanças regulatórias que o mercado brasileiro já começava a viver nessa
direção, acreditou que, provavelmente, a melhor forma de manter a VARIG na liderança
desse mercado seria investindo em reforçar sua grandeza. Daí todos os vultosos investimentos
mantidos e efetuados e que tornaram sua estrutura ainda mais complexa. Toda essa
complexidade acabou por pesar demais durante a década liberal de 1990, quando a
concorrência nacional apresentava estruturas muito mais leves, enxutas e flexíveis e a
concorrência internacional, muito mais pesada, esmagava a VARIG. Nas palavras de José da
Silva Pacheco, o movimento de desregulamentação que, naquele momento, já sacudia todo o
mundo,

ocasionou o fenômeno da internacionalização do transporte aéreo, com os


macrotransportadores, a ponto de estarem todos os continentes sob seu impacto, à procura de
modos de compatibilizar a atuação das empresas nacionais com a nova problemática, na
próxima década. No plano interno de cada país, tendem os governos a estimular o
fortalecimento das suas empresas, a fim de assegurar-lhes o enfrentamento com as macro-
transportadoras. 496

No entanto, no Brasil, o que se via era exatamente um movimento oposto. Ao


contrário do que se passava na Europa e em outros países, enfraquecia-se a única empresa, à
época, transportadora internacional, ao gerar internamente uma concorrência entre as
nacionais, permitindo, desta forma, que as chamadas mega-transportadoras estrangeiras
dominassem diversos mercados, até então sob a total liderança da VARIG, forte, inclusive,
nas vendas geradas no exterior. O Relatório Anual da empresa de 1989 registrou que cerca de
497
44% da receita total de vôo daquele ano haviam sido geradas no exterior. Lembremo-nos
também que, para agravar esse quadro, o crescimento de poder do Ministério da Fazenda e a
conseqüente perda relativa de poder do Ministério da Aeronáutica, através do DAC,
representava, na prática, a perda relativa de poder das empresas aéreas, tal o vínculo existente
entre as partes, desde o início da década de 1960. O decreto 91.149, que submeteu os ajustes

496
José da Silva Pacheco, op. cit., p. 9.
497
Relatório Anual de Administração da VARIG 1989, p. 9.
144

de preços das passagens aéreas ao Ministério da Fazenda, criou, inclusive, um conflito


legislativo, pois o artigo 193, do Código Brasileiro de Aeronáutica determinava que o
estabelecimento das tarifas eram uma responsabilidade da autoridade aeronáutica:

Art. 193. Os serviços Aéreos de transporte regular ficarão sujeitos às normas que o
Governo estabelecer para impedir a competição ruinosa e assegurar o seu melhor rendimento
econômico podendo, para esse fim, a autoridade aeronáutica, a qualquer tempo, modificar
freqüências, rotas, horários e tarifas de serviços e outras quaisquer condições da concessão ou
autorização. 498

A euforia experimentada em 1986, quando o crescimento da taxa de passageiros


transportados em relação a 1985 foi de 19,5%, daria lugar a amargos resultados em 1987,
quando essa mesma taxa foi negativa 3,7%, 499 devido a uma conjuntura econômica recessiva,
quando houve a desvalorização da moeda e foi estipulado um empréstimo compulsório 500 na
compra de passagens aéreas internacionais, na compra de combustíveis e de automóveis.
Soma-se a isso, as perdas cambiais, decorrentes das operações de financiamento sob a forma
de leasing em yens, graças à sua contínua valorização em relação ao dólar, que elevaram as
501
dívidas na moeda japonesa em 142%. Logicamente tais medidas levaram à retração de
demanda, causando um prejuízo, pelas suas proporções, até então inédito na história da
companhia. 502
Durante a constituinte de 1988, cresceu o movimento para a retirada do controle da
aviação civil do âmbito militar. O país acabava de sair de uma ditadura militar de mais de
vinte anos e a sociedade, como um todo, reivindicava o afastamento dos militares da vida
civil e, por extensão, o Estado, sob o controle militar ou não, da vida econômica. Os
trabalhadores, cujos sindicatos, durante a ditadura, foram emudecidos, ansiavam por
participação política e o sindicato dos aeronautas defendia o afastamento da aeronáutica, por
considerá-la defensora dos interesses das empresas, afirmando que havia no país um
503
monopólio privado, que não era de interesse da Nação, nem do povo. Essa colocação,
bastante freqüente na época, de que havia no país um monopólio da VARIG, foi contestada,
muitas vezes, pelo seu presidente Hélio Smidt, com o argumento de que a empresa, na

498
Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, Código Brasileiro de Aeronáutica. Substitui o Código Brasileiro do Ar,
Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Artigo 193, in
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L7565.htm
499
Relatório Anual de Administração da VARIG 1987, p. 7.
500
Carlos Drumond. “O Pouso do D’Artagnan”, Senhor, São Paulo, 29 de fevereiro de 1988, p. 68.
501
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume II, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 9,
502
Relatório Anual de Administração da VARIG 1987, p. 12.
503
Cristiano Fonseca Monteiro. A dinâmica política das reformas para o mercado na aviação comercial brasileira (1990-
2002), Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 111.
145

verdade, teria, seguramente, vinte e oito concorrentes estrangeiras como a Aerolineas


Argentinas, a Lineas Aereas Bolivianas, a Lufthansa, a Swissair, a Ibéria, a TAP etc. Desta
504
forma como seria possível falar em monopólio? O outro argumento utilizado pelos
aeronautas para o afastamento do Ministério da Aeronáutica era o fato de o Brasil ser um dos
poucos países do mundo a ter um sistema unificado, que ao invés de considerar a aviação civil
505.
como de interesse público, considerava-a uma questão de segurança nacional. Esse
discurso, de certa forma, refletia também as tendências neoliberais, pois para essas, questões
de soberania e “questões de segurança nacional” já começavam a ficar ultrapassadas.
Ninguém poderia imaginar que quinze anos mais tarde, depois do atentado terrorista de 11 de
setembro de 2001, a aviação comercial passaria, no mundo todo, e principalmente nos EUA, a
ser uma das mais importantes “questões de segurança nacional”. Contudo, devido à forte
pressão da aeronáutica junto aos parlamentares, essa campanha dos aeronautas acabou não
tendo sucesso naquele momento.
Outro grande problema que a aviação comercial brasileira viveu na década de 1980,
foi a defasagem, a partir de 1983, entre a inflação, o preço do querosene de aviação e o
aumento no preço das passagens, principalmente a partir de 1985, com a transferência para o
Ministério da Fazenda do Controle no Ajuste de Preços. As empresas aéreas chegaram em
506
1989 a uma situação bastante crítica, com um prejuízo de 13,6%. O congelamento das
tarifas, que havia provocado uma defasagem média de 60% durante o Plano Cruzado, gerou
grandes prejuízos operacionais para as companhias. Segundo dados do DAC, entre 1987 e
1989 o prejuízo acumulado do setor foi de US$ 3,1 bilhões 507 e as empresas não conseguiam
superar, ou mesmo atingir, nos vôos, o índice de aproveitamento rentável, o chamado break-
even. Isto é, o ponto de equilíbrio, a partir do qual as receitas começam a superar os custos da
operação. Na tabela abaixo, observa-se que, nos anos de 1989 e 1990, a rentabilidade dos
vôos só era alcançada mediante índices de aproveitamento altíssimos, chegando a 80% de
ocupação nos vôos domésticos, em 1989.

504
Carlos Drumond. “O Pouso do D’Artagnan”, op. cit., p. 63.
505
Monteiro, “A Dinâmica Política das Reformas...”, op. cit., p. 98.
506
Anuário Estatístico da ANAC.
507
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 52.
146

Tabela 2
BREAK-EVEN (%)
Ano Doméstico Internacional Total
1979 60 66 62
1980 64 61 63
1981 65 59 62
1982 66 60 63
1983 67 59 63
1984 54 61 58
1985 61 63 62
1986 70 63 66
1987 65 62 64
1988 65 63 64
1989 80 74 78
1990 71 74 72
Fonte: ANAC - Anuário Estatístico

Legalmente, a política de “Realidade Tarifária” terminou em 1989, com o início da


política de “Flexibilização Tarifária”, considerada, pelo Ministério da Aeronáutica,

o primeiro passo na transição gradual de um regime de preços fixados pelo governo para
uma situação que, coerentemente, com a política geral do Governo baseada nos princípios do
pensamento liberal, privilegie as livres forças de mercado como instrumento adequado na
busca da eficiência e do equilíbrio. 508

Nesse ano haveria também a abertura da rota Santos Dumond-Congonhas à TAM e a


Rio-Sul, até então uma exclusividade da Ponte Aérea. 509
O Relatório Anual da VARIG, do ano de 1989, mostra que, a despeito do processo
inflacionário, houve crescimento do PIB, com reflexos na aviação através de expressiva
evolução de seus índices de tráfego de passageiros (17,9%) e carga (15,1%) e um
aproveitamento médio dos vôos em torno de 71% tanto nos vôos internacionais, quanto nos
domésticos. Contudo, todo esforço de vendas era anulado. Os preços dos principais insumos
perdiam relação com a receita produzida, devido à

demora prolongada na correção das tarifas aéreas domésticas e da manutenção de um


câmbio oficial aplicável às tarifas aéreas internacionais fora da realidade econômica do país.
[como conseqüência] Os resultados ficaram aquém do que seria razoável esperar para o
necessário atendimento dos maciços investimentos em equipamento de vôo e infra-estrutura
técnico-operacional, visando seu indispensável desenvolvimento. 510

508
Ministério da Aeronáutica, Departamento de Aviação Civil. “Aviação Civil, Política Para os Serviços de Transporte Aéreo
Comercial do Brasil”, março de 1992, p. 13.
509
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 23.
510
Relatório Anual de Administração da VARIG 1989, p. 13 e 21.
147

Afinal a companhia nessa década de1980 havia efetuado grandes investimentos, no


seu Parque Industrial de Manutenção, no Sistema Iris, em aeronaves, no Catering, nos
Terminais de Carga, nos Centros de Treinamento, etc, o que aumentava mais ainda a
defasagem entre receitas e despesas no seu balanço contábil. A despeito desse quadro, a alta
administração da empresa mantinha um discurso otimista para o ano de 1990,

diante do clima de confiança e credibilidade que inspira o advento do novo Governo e da


expectativa de cenários mais estáveis na economia, na política e nas relações sociais.
Projetamos assim, para este ano, um crescimento de 6% no tráfego global, com reflexos de 8%
a 9% na produção da receita total em termos reais, comparada com a do exercício anterior. 511

No entanto, seria exatamente a partir deste “novo Governo”, com as políticas


neoliberais sendo efetivamente aplicadas à aviação comercial, que a empresa entraria num
processo até então inédito em sua história, chegando, literalmente, quase à beira do fim,
quando somente pela sua marca, os futuros interessados em sua compra passariam a lutar.
Nesse mesmo mês e ano, de 30 a 31 de março, portanto mais de uma década após o início da
experiência de desregulamentação do mercado doméstico norte-americano, quando suas
pressões começaram a varrer o mundo, inclusive o Brasil, ocorreria no Rio de Janeiro, um
importante seminário internacional sobre o futuro do transporte aéreo na América Latina.
Estiveram presentes cerca de 200 convidados especiais, dentre eles representantes da
Comissão Européia de Aviação Civil (CEAC), da Comissão Latino-Americana de Aviação
Civil (CLAC), da IATA, do Federal Aviation Administration (FAA), dos EUA, do
Department of Transportation (DOT), também dos EUA e representantes de companhias de
transporte aéreo latino-americanas. O seminário foi aberto pelo Diretor Geral do DAC,
Tenente-Brigadeiro Waldir Pinto da Fonseca que dizia:

Temos a impressão que o transporte aéreo está no limiar de uma nova era. Há algum
tempo algumas palavras chaves vêm nos acompanhando: desregulamentação, com os seus
efeitos imediatos em termos de capacidade e preços; liberalização; privatização; subsídios;
mega empresas e muitas outras. Esse visível amadurecimento no setor está a exigir
alternativas. 512

E o presidente do conselho da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), Sr.


Kotaíte complementava:

511
Ibidem, p. 21.
512
Waldir Pinto Fonseca, “Seminário Internacional sobre o Futuro do Transporte Aéreo na América Latina”, Revista
Brasileira de Direito Aeroespacial, no 44, setembro de 1989, p.7.
148

Com a introdução da desregulamentação nos EUA há mais de dez anos, vários países
ofereceram maior flexibilidade a suas companhias aéreas para competirem em termos de
tarifas, capacidade e serviço.
Entretanto, a julgar pela experiência doméstica norte-americana, um meio internacional
mais competitivo, possivelmente aumentará os riscos para muitas linhas aéreas [...].
Um número crescente de companhias aéreas está formando alianças com outros
transportadores de modo a aperfeiçoar a penetração de mercado, a fazer ligação com outros
fluxos e dificultar oportunidades a novos concorrentes.
Aliança deste tipo podem representar um passo intermediário visando a criação dos ‘mega-
transportadores’, tendo por objetivo minimizar os riscos, poderia levar a uma situação de
oligopólio, o que reduziria a concorrência. 513.

As previsões do Sr. Kotaíte refletiam exatamente o que havia acontecido nos EUA,
naquela década e muitas lições deveriam ter sido tiradas daquela experiência. Durante a
euforia da fase inicial de desregulamentação naquele país centenas de novas companhias
aéreas foram criadas. Para poderem competir no mercado muitas empresas, nas palavras de
Fonseca,

reduziram o serviço de bordo ao mínimo necessário, desmistificando a idéia de que


transporte aéreo é transporte de luxo. Com isso, companhias como a ‘People Express’,
operando com lucro marginal, conseguiram oferecer assentos a preços jamais imaginados, o
que desencadeou uma ‘guerra de tarifas’.
A euforia da desregulamentação passou e o mercado americano acomodou-se a essa
nova situação.
...a maioria dessas companhias não conseguiu resistir à pressão econômica exercida pelas
chamadas ‘Big Four’ [United, American, Delta, Eastern] e faliu. Estudos realizados pela Air
Transport Association mostram que em 1978, quatro companhias detinham 58,9% do
mercado doméstico americano; em 1988, quatro companhias ainda detinham 57,2%. 514

Sendo assim, constata-se um quadro típico de manutenção da concentração de


mercado. E nesse mesmo Seminário Fonseca declarou: “Hoje flexibilidade (grifo original) é a
palavra-chave e as companhias preferem antes adaptar a frota existente às imposições criadas
515
pela nova situação do que investir em novos equipamentos”. Contrariamente a esse
movimento, em Janeiro de 1990, Hélio Smidt anunciou uma série de investimentos em novos
equipamentos, como o recebimento do primeiro de quatro aviões B767-300 de última geração
já encomendados e que chegariam ainda naquele ano. A justificativa apresentada era a de que
uma empresa do porte da VARIG tinha a necessidade e a obrigação de “manter sua frota em
516
perfeita sintonia com a evolução tecnológica”. Em 1991 chegariam as primeiras unidades
dos aviões MD-11 e, em 1992, seria a vez dos moderníssimos B747-400. Os planos eram de,
até o ano 2000, a ampliação da frota da VARIG atingir aproximadamente 75 novos jatos,
entre os mais modernos e avançados do setor. Em março, Hélio Smidt faleceu e Rubel

513
A. Kotaíte, “Seminário Internacional sobre o Futuro do Transporte Aéreo na América Latina”, Revista Brasileira de
Direito Aeroespacial, no 44, setembro de 1989, p. 9.
514
Fonseca, op. cit., p. 14 e 15
515
Idem, p. 15.
516
Rosa dos Ventos, no 99, 1990, p. 2.
149

Thomas assumiu a presidência da VARIG, informando que sua maior preocupação seria a de
dar continuidade administrativa à obra de seu antecessor, implantando inovações “segundo
um cronograma previamente elaborado”. 517 Muitos investimentos realmente aconteceram, ou
melhor, continuaram acontecendo e as dívidas durante a década cresciam. A concorrência,
anteriormente insignificante, reduzia cada vez mais a sua participação nos mercados,
principalmente os internacionais. Esses grandes investimentos que quando feitos elevavam
ainda mais a imagem de grande empresa que a VARIG ostentava, agregando valor à mesma,
acabaram sendo todos vendidos nas décadas seguintes, quando o neoliberalismo não lhe
permitiria mais esse tipo de organização vertical. Havia a ilusão de que essas unidades de
negócio sobreviveriam sem a VARIG. Não se levava em conta que o sucesso das mesmas
estava atrelado, de certa forma, a existência da própria VARIG. Custos fixos, como por
exemplo, de escritório e pessoal, eram contabilizados na estrutura de contas da VARIG e não
na estrutura de contas dessas subsidiárias.
Com tudo isso, acreditava-se que a VARIG sobreviveria. Ninguém, naquele momento,
poderia imaginar que aquela grande empresa construída ao longo de décadas e transformada
num verdadeiro e complexo império nas décadas de 1970 e 1980, viria a ruir, como pode-se
depreender do seguinte trecho de encerramento do discurso de Fonseca:

É preciso, porém, que não nos esqueçamos que, se por um lado, a desregulamentação do
transporte aéreo e a conseqüente criação de um ambiente mais competitivo, trariam benefícios
para o consumidor em termos de tarifas mais baratas e uma maior diferenciação do produto,
por outro lado a competição num país em desenvolvimento, onde os custos operacionais
realizados em moeda forte têm de ser repassados ao consumidor em moeda fraca, o que faz
com que as companhias operem próximas ao custo marginal, poderia ter resultados
desastrosos, com o inevitável monopólio e sobrevivência da mais forte. 518

A mais forte neste caso era a VARIG, quando, na verdade, das três companhias
brasileiras existentes na época (VARIG-2006, Vasp-2005 e Transbrasil-2001), até a VARIG
ruiu, ou melhor, dela só restou a marca, adquirida por outra empresa. E vindo ao encontro das
convicções de Fonseca, agora com relação à Informática, que na década de 1980 tornou-se
uma importante ferramenta estratégica de comercialização, Kotaíte assim prosseguiu em sua
análise:

É também evidente que os sistemas de distribuição de produtos tendo por base os vários
usos dos sistemas de reservas por computadores terão uma importância vital, permitindo às
companhias aéreas uma concorrência com êxito.

517
Rubel Thomas, “Nítida Compreensão dos Problemas da Companhia”, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, no
50, agosto de 1990, p. 23.
518
Fonseca, op. cit., p. 15.
150

Existe uma disparidade cada vez mais crescente entre as linhas aéreas dos países
desenvolvidos e a de muitos, mas não todos, os países em vias de desenvolvimento como
resultado do processo obtido na tecnologia de informação. Os avanços na área dos sistemas de
reservas por computadores (CRS) colocam as companhias aéreas numa situação de difícil
decisão relativa à distribuição de seus produtos. 519

Esse, com certeza, seria outro grande e dispendioso investimento que a VARIG teria
que desenvolver na década de 1990, através da sua associação ao Sistema Amadeus. Kotaíte
concluiria, então, seu discurso afirmando que devido a um grau muito maior de incertezas do
que aqueles vistos no passado e à maior velocidade das mudanças nos fatores que influenciam
as condições de mercado, a flexibilidade e a rapidez da resposta em relação à essas condições
520
seriam elementos extremamente importantes para as companhias aéreas. Elementos estes
que, em nossa opinião, muito influenciaram, chegando mesmo a dificultar, a sobrevivência da
VARIG. Sua grandiosidade, cultura e características administrativas não lhe permitiam tanta
flexibilidade e rapidez. Um bom exemplo desta cultura tradicional era o fato de que os vôos
internacionais da empresa tinham o Rio de Janeiro, cidade da sede da VARIG, como principal
portão de saída e chegada e não São Paulo, que era a principal cidade do país. Apenas em
1989, após sessenta e dois anos de existência da companhia, essa política comercial começaria
a mudar quando, em 06 de junho, tiveram início as operações de vôos diretos para Europa e
EUA partindo de São Paulo. 521 Ainda sobre este tema Rubel Thomas declarou:

Existia sim uma pequena ciumeira entre as bases de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto
Alegre. Quando, por exemplo, eu defendi o incremento de serviços intercontinentais em
Guarulhos em detrimento dos vôos originários no Galeão, ouvi muitas críticas. ‘Ah, esse
pessoal de São Paulo’. Nada disso, até porque sou gaúcho! Mas o fato é que o grosso do
mercado estava aqui e está aqui. São Paulo representa 35% da economia nacional.522

Com relação à sua dramática crise, acompanhada com pesar por toda população
brasileira, pode-se dizer que esta grande e admirada empresa foi vítima de sua própria
história, devido à sua cultura e estilo empresarial, compatíveis com o período nacional-
desenvolvimentista brasileiro anterior, porém não mais com o processo de relações
econômicas neoliberais. Foi, também, vítima do quadro desejado e planejado no exterior, o
movimento expansionista norte-americano do seu processo doméstico de desregulamentação
e o Consenso de Washington, assim como do quadro brasileiro, isto é, das diversas políticas
governamentais que, como conseqüência, se delinearam a partir da adoção desses preceitos
neoliberais, pintando um quadro para a aviação nacional que se reflete nos dias de hoje.

519
Kotaíte, op. cit., p. 10.
520
Idem, p. 11.
521
Guia Aeronáutico, julho de 1989, p. 52.
522
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, disponível no Jetsite, acessado em 20/03/2009.
151

Esse quadro, devido à grande internacionalização da economia, da produção à


comercialização, intensificada nas últimas décadas do século passado, principalmente com a
derrubada das barreiras geográficas para a livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e
informações, através da intensificação dos processos de regionalização, é reflexo de um
movimento que, na opinião de Espírito Santo Júnior, responde à seguinte questão: “por que o
transporte aéreo internacional, um dos mais eficazes e importantes agentes catalisadores desta
integração mundial, deve permanecer vinculado a acordos de natureza limitada, que
estabelecem fronteiras geográficas?” 523
Esta questão, freqüentemente discutida pelos neoliberais, está diretamente relacionada
ao termo “Céus Abertos”, levantado pela primeira vez pelos EUA na Convenção de Chicago,
em 1944, e que esse país só conseguiu colocar em prática em 1992, através do chamado
acordo de "Open Skies", quando os governos dos Estados Unidos e da Holanda assinaram o
pacto que desregulamentava e liberalizava os vôos entre os dois países. Esse acordo foi,
posteriormente, estendido para a Comunidade Européia, em 1997, portanto, somente quando
esta Comunidade podia já, comercialmente, comparar-se com a realidade norte-americana.
Vários Estados unidos na Europa justificariam, então, a multi-designação, isto é, diversas
empresas aéreas operando vôos internacionais, com os acordos para a operação dessas
empresas, representantes dos diversos países europeus, sendo tratados de forma regional e não
mais por cada país isoladamente. Aliás, sobre essa política de “Céus Abertos”, Mário José
Sampaio já havia escrito, em 1991: “no campo de relações internacionais, os Estados Unidos
tentaram impor uma política denominada de céus abertos, mas diversos países protestaram
524
porque é difícil equilibrar forças de um potencial totalmente desigual.” Tanto é que
somente ao final da década de 1990, quando essas “forças” poderiam ser melhor equilibradas,
foi que a Comunidade Européia aceitou essa política.
Era uma tendência irreversível. Tudo indicando, segundo Silveira, a inauguração dos
chamados “serviços internacionais”, isto é, a divisão do mercado em empresas “de primeira
classe”, responsáveis por operações globais e as de “segunda classe”, responsáveis pela
alimentação do sistema. Implicando, segundo ele, a assinatura de um acordo Multilateral
Global, pelo menos para as áreas mais dinâmicas do transporte aéreo internacional. 525

523
Espírito Santo Júnior, op. cit., p. 4.
524
Fernando Hupsel. “Desregulamentação”, Guia Aeronáutico, junho de 1991, p. VI.
525
Expedito Albano Silveira. “A Globalização e os Acordos Bilaterais”, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial,
2000, p. 1. In: Seminário Modernização do Transporte Aéreo da Gazeta Mercantil, mar 2000. Disponível em:
<http://www.sbda.org.br/revista/Anterior/1696.htm>. Acesso em: 30/01/2006.
152

Ao analisarmos a história da aviação civil no mundo, com seus principais acordos e a


formação das suas principais instituições representativas, não podemos deixar de constatar a
sua importância estratégica para a integração dos países, através dos processos econômicos e
sociais que permeiam suas relações. Para que estas instituições e acordos fossem firmados,
desde o início ficou claro que os interesses deveriam ser gerais, garantindo assim a
operacionalização do sistema.
Hoje, após a adoção dos preceitos neoliberais na aviação, constata-se que a imposição
dos interesses das empresas mega-transportadoras se impuseram, refletindo o poder
desproporcional dos países onde estão localizadas. Atualmente, no Brasil, não há qualquer
empresa que possa concorrer com as estrangeiras que voam para o país, como ocorria com a
VARIG até a década de 1990. Aparentemente, o Brasil parece acomodado numa situação de
país que aceitou a posição subalterna de possuir apenas empresas de “segunda classe”,
responsáveis, segundo Silveira, pela “alimentação do sistema”.
153

4 A DÉCADA DE 1990: A DESREGULAMENTAÇÃO DA AVIAÇÃO CIVIL NO


BRASIL E O GOLPE DE MISERICÓRDIA NA VARIG.

4.1 As mudanças no cenário da aviação brasileira

Desde a década de 1930, quando teve início no Brasil o processo de industrialização


por substituição de importações, até o início das reformas liberalizantes no final da década de
1980, predominou no país um tipo de relacionamento empresa-Estado, em que os empresários
atuavam, juntamente com os técnicos do governo, nos diversos “órgãos de natureza consultiva
e deliberativa inseridos na burocracia estatal”. 526 A partir do governo Collor esta estrutura foi
desmontada, reduzindo-se assim os espaços de interlocução entre burocracia estatal e as
empresas privadas, reforçando-se, segundo Eli Diniz, o estilo tecnocrático de gestão, com
governos controlados por círculos de especialistas. Esta realidade acentuou o chamado
“enclausuramento burocrático das decisões”, já em prática desde a instauração da Nova
República, quando vários programas governamentais de estabilização e ajuste foram tentados
e esbarraram todos no mesmo gargalo. Este gargalo não se encontrava no âmbito da
formulação, mas no da questão da viabilidade política dos mesmos, e que envolvia a
capacidade de articular coalizões e alianças que fornecessem sustentabilidade. A partir do
início da década de 1990, outra característica dos Governos teria destaque. Era a tendência a
considerar que a maioria eleitoral obtida nas urnas podia ser interpretada como uma delegação
total de poderes, exacerbando a prática do governar por decreto, passando por cima das
527
instituições. No governo Fernando Henrique Cardoso essa prática foi levada ao extremo.
Desde o início dos anos 80, a sociedade brasileira já vivia uma crise de múltiplas dimensões,
cuja principal expressão foi a crise do Estado, fundamentalmente, associada, segundo Eli
Diniz, ao “esgotamento das condições de financiamento do antigo padrão de
industrialização.” 528 Contudo,

526
Eli Diniz. Empresário, Estado e Democracia: uma avaliação dos dois primeiros anos do governo Lula, in Márcia Ribeiro
Dias e José Manuel Santos Pérez (org.), Antes do Vendaval Um diagnóstico do governo Lula antes da crise política de 2005,
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, p. 22.
527
Eli Diniz. “Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de uma Nova Ordem no Brasil
dos Anos 90”, DADOS-Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Volume 38, no 3, 1995, p. 387, 394, 396 e 397.
528
L. Sola. (1993), “Estado, Transformação Econômica e Democratização no Brasil”, in L. Sola (org), Estado, Mercado, e
Democracia. São Paulo, Paz e Terra, apud Eli Diniz, “Governabilidade, Democracia...”, op. cit., p. 385.
154

Entre seus fundamentos estruturais, situa-se o lento desgaste da matriz político-


institucional que moldou a ordem estadista sob cuja égide evoluiria a industrialização
substitutiva de importações. Eis porque a crise que o País enfrenta não pode ser vista apenas
como resultado dos impasses associados aos sucessivos choques externos que marcaram a
última década. De forma similar, as interpretações que privilegiam as causas internas,
desconsiderando os requisitos da inserção na nova ordem mundial, dão origem a visões
unilaterais, calcadas no pressuposto da autonomia de Estados nacionais, considerados
enquanto entidades insuladas e, portanto, imunes aos efeitos da globalização. Tal desgaste
atingiria as formas prevalecentes de articulação Estado-Sociedade, a dinâmica das relações
capital-trabalho, o padrão de administração do conflito distributivo e, sobretudo, a modalidade
de relacionamento entre os setores público e privado. 529

Como conseqüência, houve um deslocamento da ação empresarial do Executivo para o


Legislativo, através da formação dos chamados lobbies e, posteriormente, ocorreu o
surgimento das agências reguladoras, para mediar e suprir essa relação entre o público e o
privado, com a postura neoliberal, que privilegia a primazia do saber técnico e a redução do
Estado para se alcançar as virtudes do mercado sendo ainda mais acentuada.

4.2 A aviação civil durante a presidência de Fernando Collor de Mello

Ao buscar afastar o Estado dos setores produtivos, o discurso neoliberal defende a


idéia de que existe neutralidade nas forças de mercado, que sozinhas são plenamente capazes
de conduzir a economia a um estado de coisas o mais próximo possível do ideal, isto é, que
tais mudanças na atuação do Estado, a partir de mentalidades consideradas “modernas”
poderão permitir a conquista desse ideal. Desconsidera-se completamente o fato de que tais
mudanças são, na prática, conduzidas pelas forças políticas que regem o Estado. No Brasil,
quando da posse de Fernando Collor de Mello e da adoção imediata dos preceitos neoliberais,
a principal crítica passava a ser a concentração de renda, cuja responsabilidade era atribuída à
política desenvolvimentista dos governos militares, inclusive a forte presença do Estado na
economia, com seus mecanismos ditos clientelistas de relação com o setor privado. A aviação
era vista como uma atividade elitista, preocupada em atender as exigências das camadas mais
altas da sociedade, solidária, portanto, à política concentradora de renda do governo e também
bastante usuária desses mecanismos clientelistas.
Fernando Collor de Mello foi eleito presidente da República em 1989, contudo, antes
mesmo de sua posse foi a Washington, em Janeiro de 1990, para se encontrar com o
presidente Bush (que retribuiria a visita ao final daquele ano), com o secretário do Tesouro,

529
Eli Diniz, “Governabilidade, Democracia...”, op. cit., p. 386.
155

Nicholas Brady e com os dirigentes do FMI e do Banco Interamericano de Desenvolvimento


(BID), Michel Camdessus e Enrique Iglesias, respectivamente. Sua visita buscava demonstrar
que as intenções eram acabar com a confrontação na relação Brasil-EUA e nesse aspecto, o
encontro foi tão positivo que, fora do protocolo, Bush o convidou para uma sessão de cinema
e um pequeno jantar íntimo na Casa Branca. Desta forma consolidar-se-ia a adesão do Brasil
aos ditames neoliberais recém instituídos pelo Consenso de Washington, em novembro de
1989, e de total conhecimento de Collor que, já nesta visita, falava sobre a inserção do Brasil
no Primeiro Mundo, sobre modernidade e sobre sua disposição de resolver o problema das
patentes, através de mudanças no Código de Propriedade Industrial. 530
Quando estuda-se a política externa brasileira ao longo dos diversos governos e a
forma como esta política variou com relação aos EUA, principalmente no século passado, não
pode-se deixar de considerar as análises de Sombra Saraiva, para quem a política externa
brasileira sempre esteve subordinada às elites políticas do Brasil e à “busca obsediante do
531
desenvolvimento nacional.” Desta forma, buscando parceria ou uma maior autonomia, o
que vê-se nessa política com os EUA é sempre a incansável busca pelas oportunidades de
desenvolvimento que poderiam advir ou não desta relação. Isto não foi diferente com Collor,
cuja política externa na sua fase inicial, objetivou alinhar-se às posições e valores do Primeiro
Mundo, afastando-se, assim, do paradigma consolidado desde Geisel. 532
Em 30 de julho de 1990, o presidente, durante seu discurso de abertura da Convenção
Geral de Tráfego e Vendas da VARIG, em Brasília, declarava que estávamos vivendo um
momento de aceleração do tempo histórico, com mudanças no Brasil e no ambiente
internacional, um processo do qual só iriam se beneficiar aqueles que soubessem integrar-se
ao sentido das transformações. No caso brasileiro, segundo ele, a dificuldade seria ainda
maior porque teríamos que recuperar o atraso que nos separava das sociedades mais
533
adiantadas. Nesse discurso Collor deixava claro não só a importância daquele momento
histórico, mas também o atraso da sociedade brasileira que, logicamente, segundo ele, deveria
espelhar-se nas sociedades mais adiantadas. Desta forma, assumia um profundo alinhamento
aos EUA, com o qual se dispunha a negociar, bilateralmente, uma revisão a fundo da
legislação brasileira, também sobre informática, tendo, inclusive, enviado ao Congresso

530
Alexandra de Mello Silva e Dora Rocha. Marcílio Marques Moreira, Diplomacia, Política e Finanças, de JK à Collor, 40
Anos de História. Depoimento ao CPDOC – FGV. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 225, 227-229, 237 e 239.
531
José Flávio Sombra Saraiva (org). Relações Internacionais Dois Séculos de História Entre a Preponderância Européia e a
Emergência Americano-Soviética (1815-1947), Volume I, Brasília: IBRI, 2001, p. 54.
532
Flávia de Campos Mello. “Diretrizes da Redefinição da Política Externa Brasileira na Década de 90”. XXIV Encontro
Anual da ANPOCS, de 23 a 27 de outubro de 2000, GT 13-Política Internacional, p. 6.
533
“Presidente quer mais concorrência no setor”, Gazeta Mercantil, 31 de julho de 1990, p. 13.
156

534
Brasileiro, projeto de lei encampando as principais reivindicações norte-americanas. Em
1995, já no governo Fernando Henrique Cardoso, e após uma complexa tramitação no
Congresso Nacional, seria, enfim, aprovado esse novo Código de Propriedade Intelectual. 535
Collor, com base em recomendações do Banco Mundial, introduziu profunda
liberalização do regime de importações, com um programa de abertura unilateral do mercado
brasileiro, eliminando todos os obstáculos não-tarifários, com redução acelerada das barreiras
tarifárias e sem buscar contrapartidas para os produtos brasileiros nos mercados externos. 536
De 1990 a 1994 as alíquotas do imposto de importação saíram de uma média de 44% para
14%, 537 e segundo Eli Diniz,

(a) agenda do governo [...] se torna cada vez mais restritiva e adquire maior rigidez em
torno das metas de estabilização e ajuste fiscal [...] a meta de fundar uma nova ordem,
simbolizada pela proposta de desmonte da Era Vargas, transforma-se em bandeira política da
coalizão dominante. A primazia da orientação neoliberal e a instauração de um modelo
econômico centrado no mercado fizeram-se acompanhar de um projeto ambicioso de
inauguração de uma nova institucionalidade. 538

Pode-se dizer que Collor estava, naquele momento, juntamente com outros líderes
latino-americanos, lendo a primeira edição de uma cartilha ultrapassada, que resolveram nos
vender. O mundo desenvolvido ocidental, que já vivia a experiência neoliberal há mais de
uma década, iniciava um questionamento generalizado sobre o neoliberalismo. O próprio
vice-presidente do Banco Mundial, em 1991, Attila Karaosmanoglu ressaltava a importância
da ação governamental nos países recentemente industrializados do Leste Asiático, os
chamados NIC’s, para o crescimento industrial acelerado na região, 539 e segundo Rodrik

Mesmo no Chile, o paradigma da orientação para o mercado, o sucesso nas exportações a


partir de 1985 dependeu de uma ampla série de políticas governamentais, inclusive subsídios,
isenções fiscais, esquemas de desconto de direitos aduaneiros, pesquisa de mercado oferecida
pelo poder público e iniciativas públicas de fomento à expertise científica. 540

No entanto, no Brasil, as idéias liberais começavam a ser adotadas. No setor específico


da aviação comercial, a partir de 1990, foram estabelecidas as primeiras iniciativas no sentido
da “flexibilização” do setor, tais como a autorização para que outras empresas brasileiras

534
Paulo Nogueira Batista. O Consenso de Washington A visão neoliberal dos problemas, Programa Educativo Dívida
Externa- Pedex, Caderno Dívida Externa, no 6, setembro de 1994, p. 21.
535
Alexandra de Mello Silva e Dora Rocha, op. cit., p. 239.
536
Paulo Nogueira Batista, op. cit., p. 21 e 22.
537
Luiz Alberto Muniz Bandeira. Da tríplice aliança ao Mercosul 1870-2003 conflitos e integração nacional na América
Latina, Brasil Argentina e EUA, Editora Revan, 2003, p. 488.
538
Eli Diniz. “Empresário, Estado e Democracia...”, op. cit., p. 12 e 13.
539
Peter Evans. Autonomia e Parceria: Estados e Transformação Industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004, p. 49.
540
Dani Rodrik. Estratégias de Desenvolvimento para o Novo Século, in ARBIX, Glauco. Brasil, México, África do Sul,
Índia e China: diálogo entre os que chegaram depois. São Paulo: UNESP, 2002, p. 70.
157

assumissem rotas internacionais, com a conseqüente abertura de linhas para outras empresas
estrangeiras. Primeiramente, inauguraram-se novos vôos para os Estados Unidos e,
posteriormente, alguns vôos para a Europa. A utilização do termo flexibilização ao invés de
desregulamentação era considerada, pelas autoridades aeronáuticas, mais apropriada, pois,
embora vários movimentos passassem a ser feitos no sentido da abertura do mercado, tantos
outros dispositivos bastante intervencionistas continuavam a vigorar, como no caso da
distribuição de linhas domésticas. A utilização do termo “flexibilização”, buscava distinguir
as mudanças que começavam a ser introduzidas no mercado brasileiro, com as que ocorreram
nos EUA nas décadas anteriores. Já em 1989, no seminário citado no capítulo anterior sobre o
futuro do transporte aéreo na América Latina, o Coronel Pereira do Rego, chefe de gabinete
do presidente da CERNAI, teria afirmado sobre o tema:

O governo [...] controlando a atividade sem uma interferência exagerada e defendendo os


legítimos interesses do usuário. Este seria o cenário ideal. A flexibilização, sem exageros,
deverá ser conduzida de maneira equilibrada. Isto significa evitar a demasiada interferência
governamental mantendo o controle apenas ao mínimo necessário. 541

Em 21 de março daquele ano (1989), fora celebrado um novo acordo bilateral entre o
Brasil e os Estados Unidos, substituindo o anterior de 1946. Em 11 de dezembro de 1991, já
542
no governo Collor, esse acordo seria promulgado, com a seguinte justificava para a
substituição do antigo acordo:

[...] promover um sistema de transporte aéreo internacional baseado na competição justa


e construtiva entre as empresas aéreas. 543

Esse acordo foi um marco na Política do Transporte Aéreo Brasileiro, influenciando


tanto o campo doméstico quanto o internacional. No Campo doméstico passava a ser adotada,
pela primeira vez, o conceito de “banda tarifária”, constituindo um precedente que justificaria,
a partir da V CONAC, todas as bandas tarifárias domésticas. No campo internacional o
acordo admitia a possibilidade de realização de vôos charter entre esses países, e o Governo
544
brasileiro admitia a “multi-designação”. Na prática, ele passava a permitir que quatro
empresas executassem serviços de carga e passageiro, estipulando duas empresas para a costa

541
Antônio Henrique Browne Pereira do Rego. “Tendências da Aviação Civil no Brasil”, Revista Brasileira de Direito
Aeroespacial, no 44, setembro de 1989, p.17.
542
Luciano R. Melo Ribeiro. Traçando o Caminho dos Céus, o Departamento de Aviação Civil – DAC 1931-2001, Rio de
Janeiro: Action Editora, 2002, p. 137.
543
Acordo sobre Transportes Aéreos Brasil e Estados Unidos. Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, no 67, 1995, p. 41-
51.
544
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 137 e 140.
158

leste, e duas para a costa oeste norte-americana, até então exploradas apenas pela VARIG e
pela Pan Am. Naquele momento, a diferença de poder entre as empresas brasileiras e as norte-
americanas era tanta que apenas uma comparação entre o tamanho dos mercados no Brasil e
nos EUA, já nos leva a questionar que tipo de “competição justa e construtiva” seria aquela
citada no acordo. Enquanto no Brasil o número de passageiros do transporte aéreo por ano era
em torno de 18 milhões, isto é, 12% da população brasileira, nos EUA esse número girava em
torno de 600 milhões, o que representava 2,5 vezes o tamanho de sua população.
A V CONAC, realizada em outubro de 1991, foi palco de um amplo debate entre todas
as forças atuantes no Sistema de Aviação Comercial, com participação dos Sindicatos de
Aeronautas e Aeroviários, tendo sido de fundamental importância para o futuro da aviação
civil no Brasil e para as mudanças que viriam a se processar naquela década. Foram formados
quatro comitês para abordar, separadamente, o Transporte Aéreo Nacional, o Não-Regular, o
Regional e o Internacional. A partir de suas conclusões foi elaborado o chamado “Livro
Branco”, divulgado pelo Aviso 001/GM5/004 do Ministério da Aeronáutica, estabelecendo a
“Política para os Serviços de Transporte Comercial do Brasil” e que oficializou a "Política de
Flexibilização do Transporte Aéreo", caracterizada, em síntese, pela

progressiva liberalização dos mecanismos normativos até então utilizados. Esta


liberalização se traduziu, concretamente, na eliminação das barreiras de entrada de novas
empresas no mercado, na eliminação das áreas de exploração exclusiva, no caso específico das
empresas regionais, e na redução do controle sobre as tarifas, introduzindo um sistema de
monitoramento através da definição de uma banda tarifária. 545

Este livro continha as seguintes diretrizes:

[...] deve ser lembrado que as empresas brasileiras precisam competir com congêneres
estrangeiras que possuem, em sua maioria, estrutura técnica, operacional, financeira e
gerencial muito mais consistente. Muitas destas empresas gozam de privilégios garantidos
pelos governos de seus países de bandeira. Dessa forma, a autoridade aeronáutica, visando
preservar o equilíbrio de oportunidades e condições justas de concorrência [...] deverá
MANTER A POSTURA DE RESGUARDO DO MERCADO DA AVIAÇÃO CIVIL
BRASILEIRA.” [grifo original do documento]. 546

Contudo, a década de 1990, e contrariamente ao expresso no parágrafo anterior,


caracterizou-se exatamente pela adoção da prática da “multi - designação” em diversos
mercados internacionais. No caso do mercado norte-americano, oito empresas regulares
receberam autorização para operar. Quatro brasileiras e, reciprocamente, quatro norte-

545
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, Ministério da Aeronáutica, Departamento de Aviação Civil,
maio de 1997, p. 31.
546
Ministério da Aeronáutica, Departamento de Aviação Civil. “Aviação Civil...”, op. cit., p. 27.
159

americanas, gerando um excesso de oferta visível. Para o mercado suíço, por exemplo, não
havia demanda que justificasse a operação simultânea de VARIG, Vasp e Transbrasil, como
chegou a ocorrer. 547 Mesmo no mercado doméstico o número de empresas novas cresceu das
cinco já existentes em 1991 para quatorze em 1996. Outras importantes mudanças no mercado
doméstico e decididas na V CONAC, seriam implantadas pelas seguintes portarias, de 15 de
setembro de 1992:

• N° 686/GM5, que regulamenta os pedidos de autorização ou concessão para

exploração dos Serviços Aéreos Públicos;

• N° 687/GM5, que reestrutura o Sistema de Transporte Regular;

• N° 688/GM5, que estabelece as Linhas Aéreas Especiais;

• N° 689/GM5, que dispõe sobre os Serviços da Ponte Aérea Rio-São Paulo;

• N° 690/GM5, que fixa o coeficiente do adicional tarifário; 548

Este conjunto de Portarias se traduziu, concretamente, na

extinção das áreas geográficas de operação e de exploração exclusiva, no caso específico


das empresas aéreas regionais; eliminação das barreiras à entrada de novas empresas aéreas no
mercado; criação do sistema de linhas aéreas especiais, ligando os aeroportos centrais do Rio
de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte e desses aeroportos a Brasília; flexibilização gradual
das regras de concessão de linhas aéreas domésticas, ou seja, do controle da oferta; e redução
do controle sobre as tarifas aéreas. 549

550
As linhas aéreas especiais poderiam ser operadas por aeronaves a jato e somente
por empresas de âmbito regional. A exceção era a ponte-aérea Rio-São Paulo, que seria
explorada, prioritariamente, por companhias de âmbito nacional, no tradicional pool Varig,
Vasp e Transbrasil. 551 Todas essas foram decisões que geraram aumento acentuado na oferta,
num momento de retração de demanda, e que, mais uma vez, acirrava a concorrência. Entre

547
Depoimento de Harro Fouquet à autora desta dissertação, março e maio de 2009, em São Paulo. Harro Fouquet foi Diretor
Assistente de Tráfego e Vendas da Real e ingressou na VARIG, em 1961, como Superintendente de Planejamento, quando
esta comprou a Real. Harro Fouquet é membro do Conselho de Administração da VARIG, de quem foi também diretor até se
aposentar, em 1993.
548
IV Plano de Desenvolvimento do Sistema de aviação civil, op. cit., p. 31.
549
Venâncio Grossi. “Aviação Civil e a Transição do Atual Modelo”, disponível no site da Revista Brasileira de Direito
Aeroespacial, Palestra apresentada no seminário "Modernização do Transporte Aéreo", Gazeta Mercantil, março de 2000.
Acessado em: 23/03/2009.
550
Harro Fouquet. “Considerações sobre a infra-estrutura aeroportuária de São Paulo”, agosto de 2007, documento entregue a
diversas autoridades do setor, em outubro de 2007, como o Ministro da Defesa, o Comandante da Força Aérea, o Governador
José Serra e o Prefeito Gilberto Kassab, p. 36-39.
551
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 141.
160

552
1991 e 1992, o total de passageiros domésticos transportados caiu 20,79%. E a imprensa
publicou:

mais uma ‘guerrinha’ que surge no horizonte, trazendo, é lógico, benefícios para o usuário
que terá mais e melhores opções ao seu dispor, embora o fato aumente sensivelmente a
concorrência entre as companhias aéreas que vão, em um momento difícil de recessão e queda
nas vendas, disputar, todas o mesmo mercado. A mais importante revolução na área,
entretanto, coube a Rio-Sul, que adquiriu dois novos e moderníssimos Boeing 737-500, o
primeiro deles chegando ao Brasil no dia 6 de outubro, como anunciou o presidente da
companhia, Fernando Pinto. Trata-se de um jato de última geração, lançado pela Boeing o ano
passado, do mesmo tamanho do 200 só que equipado com as turbinas do 300. E ao invés dos
132 assentos oferece só 108, o que se traduz em muito mais conforto para os passageiros. 553

Com essa medida as empresas regionais ganharam novo fôlego. Segundo dados do
DAC, o total de pax/km (medida que equivale a quantidade de passageiros multiplicada por
quilômetros voados) transportados cresceu de 687 milhões em 1992 para 1,25 bilhão em
1995, um incremento de 82% 554 e Fernando Pinto, que começou a presidir a Rio-Sul naquele
mesmo ano de 1992, declarou que a empresa passou a ganhar muito dinheiro. O lucro da Rio-
555
Sul chegou a ser, em alguns anos, de 20% sobre o seu faturamento, levando-a, em 1995, a
adquirir a Nordeste. No mesmo ano em que a VARIG, no processo de privatização da Pluna,
adquiriu 25% de participação nessa empresa aérea uruguaia, assumindo o gerenciamento da
556
mesma. Esse movimento da VARIG, aliás, não era isolado. A TAM também assumiu o
controle da Lapsa e da Arpa e a Vasp passou a controlar a Lloyd Aéreo Boliviano e a
Empresa Ecuatoriana de Aviación. Esse era um movimento generalizado das empresas
brasileiras, que buscavam, assim, aumentar suas escalas de operação na América do Sul. 557
Um ano antes, da V CONAC Collor já havia iniciado sua atuação nesse setor
privatizando a Vasp. O leilão, de apenas dez minutos, ocorreu em 04 de setembro de 1990, e o
vencedor, e único participante, foi o consórcio VOE-Vasp, composto pelas empresas Canhedo
de Brasília e 3.500 empregados da companhia aérea estatal. Os 40% restantes permaneceram
558
nas mãos do governo de São Paulo. Wagner Canhedo, era um empresário radicado em
Brasília há 31 anos, tendo ali prosperado, segundo Fernando Hupsel

assimilando, muito hem, a proximidade e a convivência com o poder [...]. A verdade é que
o Sr. Wagner Canhedo chega a presidência da Vasp num momento propício para estas
incursões. O país está com uma nova política governamental, o próprio ministro da

552
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 53.
553
Roberto Luiz. “Uma nova ‘guerra’ no ar”, Guia Aeronáutico, outubro de 1992, p. 14.
554
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 13.
555
Fernando Pinto. Entrevista concedida por telefone a Ginfranco Beting do Jetsite, acessado em 19/03/2009.
556
Relatório Anual de Administração da VARIG 1995, p. 11.
557
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 39.
558
“Vasp é vendida por CR$ 3,3 bi. Jornal O Globo, 5 de setembro de 1990, p. 29.
161

Aeronáutica vai a Vasp e diz que os céus estão a sua disposição, e as privatizações tornaram-
se um elemento de apoio e de incentivo as novas realizações. Certo, ou errado, o fato é que o
Brasil adotou uma nova política no transporte aéreo, aquela denominada de
‘desregulamentação’, tudo em nome dos ‘novos tempos’, mas que, na realidade, é uma volta
aos tempos passados.. 559

No ano seguinte, quando o grupo comprador não honrou o débito assumido e a dívida
passou ao Tesouro Nacional, avalista da operação, todo o processo de venda foi bastante
discutido no país, em função do financiamento ter sido obtido por Canhedo, segundo os
560
jornais, com recursos públicos. Os mesmos recursos públicos que o neoliberalismo
condena que sejam aplicados nas atividades econômicas e que, em 1992, portanto no início da
implantação do receituário neoliberal no Brasil, já geravam uma investigação da Polícia
Federal. Além dessa investigação, foi criada também uma CPI na Câmara de Deputados
devido, inclusive, ao envolvimento de Canhedo com Paulo César Farias e Zélia Cardoso de
Mello:

O empresário Wagner Canhedo, dono da Vasp, foi indiciado criminalmente ontem na


Polícia Federal acusado de ‘obter financiamento mediante fraude’. Para a PF, o
refinanciamento da dívida da empresa com o Banco do Brasil – US$ 276 milhões –, violou a
lei federal 7.976/89, que autoriza operações do gênero apenas para estatais e Tesouros
Públicos. Canhedo já havia comprado a Vasp, transformando-a em grupo privado, quando
renegociou a dívida. Canhedo negou que o verdadeiro dono da Vasp seja Paulo César Farias.
‘O PC e eu somos amigos desde 1969, sempre trocamos cheques, mas nunca devi a ele mais
de US$ 2 milhões disse. Hoje não devo mais nada’. 561

No entanto, o delegado federal José Orsomarzo Neto, responsável pelas investigações


sobre a venda e privatização da Vasp, decidiu indiciar também o empresário alagoano Paulo
César Farias por prática de corrupção, ao tentar pressionar o presidente da Petrobrás Luiz
Otávio Motta Veiga a fechar negócios com a Vasp para a venda de combustíveis a preços que
562
prejudicariam a estatal. Com relação ao envolvimento de Zélia Cardoso de Mello, a
imprensa noticiou:

O ex-secretário da Fazenda Nacional Geraldo Gardenalli afirmou ontem à CPI da Vasp


que a ex-ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello pediu ‘atenção especial’ à
negociação da dívida da empresa com o Tesouro Nacional porque tinha interesse no sucesso
da privatização da companhia aérea. 563

559
Fernando Hupsel. “O fenômeno Canhedo”, Guia Aeronáutico, maio de 1991, p. VI.
560
Sílvia Faria. “Vasp: Canhedo não paga dívidas e já aflige credores”, O Globo, 30 de junho de 1991, p. 47.
561
“Canhedo indiciado pela PF em inquérito”. O Estado de São Paulo, 11 de novembro de 1992, p. 5.
562
“PC vai ser indiciado no inquérito da Vasp”, Jornal do Brasil, 12 de novembro de 1992, p. 8.
563
“Gardenalli acusa Zélia”, Jornal do Brasil, 12 de novembro de 1992, p. 8.
162

No entanto, essa CPI, segundo Monteiro, em função da forte pressão dos envolvidos,
acabou sendo ofuscada pela CPI que levou ao impeachment do presidente. 564
O passo seguinte das autoridades à privatização da Vasp seria, então, autorizar que
esta e a Transbrasil explorassem rotas para o exterior, passando, naquele momento, de dois
para seis o número de empresas a disputar o mercado, a princípio, norte-americano. No
decorrer da década de 1990, esse número cresceria ainda mais, passando para oito, com a
entrada da TAM no mercado internacional, em 1998, quando o Brasil passou a ser o único
país no mundo, além da Inglaterra, a receber as quatro maiores companhias aéreas
565
americanas, Delta, Continental, American Airlines e United Airlines. Lembre-se que para
cada empresa nacional voando para o exterior, pela regra da reciprocidade dos acordos
bilaterais, o governo brasileiro é obrigado a autorizar o mesmo número de empresas
estrangeiras voando para seu território. Isso sem contar com o agravante da retração da
demanda devido às mudanças econômicas instituídas pelo Plano Collor, naquele momento, e
em todas as demais crises, dos momentos seguintes.
A privatização da Vasp marcaria uma nova etapa na vida desta empresa, que passava a
adotar estratégias bastante agressivas. Wagner Canhedo, contrastando com uma postura
relativamente cautelosa das demais empresas, naquele período inicial de abertura, empenhou-
se, politicamente, na defesa de uma liberalização radical do mercado e um exemplo desta
postura seria sua reação ao novo acordo bilateral Brasil-EUA. No final de abril de 1991, a
CERNAI alterou alguns pontos do acordo aéreo entre o Brasil e os EUA, para entrar em vigor
a partir do mês de julho daquele ano. Ficou estabelecido que a Transbrasil, que já operava
566
uma linha para Miami, ganhava o direito de manter um vôo também para Nova York, ea
Vasp poderia voar para as cidades de Los Angeles, San Francisco e Houston, contudo, esta,
contrariamente às outras duas empresas, não concordaria com essa divisão, reivindicando que
as três pudessem ter acesso a todo mercado norte-americano. Rubel Thomas, presidente da
Varig, declarou na ocasião que a entrada no Brasil das grandes empresas norte-americanas
não assustava a VARIG, acostumada com a concorrência nas linhas internacionais das 31
maiores empresas aéreas do mundo. No entanto, declarou: “Não há lugar para tanta gente,
567
alguém deverá quebrar, e tenho certeza de que não seremos nós”. Hoje, contrariamente a
esta declaração, constatamos que as três empresas brasileiras envolvidas “quebraram”.

564
Cristiano Fonseca Monteiro. A dinâmica política das reformas para o mercado na aviação comercial brasileira (1990-
2002), Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, do Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 142.
565
Thales Guaracy. “Festa de Promoções”, Veja, 25 de março de 1998, p. 110.
566
“Batalha nos Ares”, Veja, 15 de maio de 1991, p.76.
567
Idem, p.76.
163

Em visita a Embraer, em maio de 1991, Canhedo chegou a declarar que pensava em se


candidatar também a dono da fábrica, caso o governo levasse adiante a idéia de privatizá-la 568
e, em um almoço no Rio de Janeiro com empresários do setor, afirmou que seu objetivo era
abocanhar pelo menos metade do mercado nacional até o final daquele ano. Sua estratégia
seria, primeiro, atacar de frente a Transbrasil e depois de abatê-la partir para cima da TAM. O
passo seguinte seria atacar o mercado internacional da VARIG. Em 15 de maio de 1991, a
revista Veja publicou uma propaganda da Vasp nos seguintes termos

[...] estamos assumindo publicamente o compromisso de a cada dia fazer da Vasp a


melhor companhia aérea. E, em cinco anos, a maior do Brasil. 569

Para isso, nesse mesmo mês, Canhedo começou programando, com autorização do
DAC, vôos nas principais rotas da Transbrasil, 15 minutos antes ou 15 minutos depois dos
vôos desta, levando a Transbrasil a perder mais de 40% da sua clientela. Em seguida, solicitou
ao DAC autorização para voar nas rotas que ligam os aeroportos de Congonhas, em São
Paulo, a Brasília, Curitiba e Belo Horizonte, rotas consideradas o “filé mignon” da aviação
regional brasileira e voadas pela TAM. Desta vez 30 minutos antes dos vôos da TAM. A
justificativa apresentada pela Vasp para toda essa ampliação no número de vôos no mercado
570
interno era que eles entendiam que havia no país uma “demanda reprimida”. Além disso,
571
passou a oferecer descontos de até 50% no preço das passagens. O apoio do DAC às
estratégias comerciais da Vasp foi explicitamente confirmado em uma reportagem de 09 de
maio de 1991 no jornal Folha de São Paulo, intitulada “Para o DAC, concorrência da Vasp é
saudável”:

O Departamento de Aviação Civil (DAC) do Ministério da Aeronáutica concluiu que a


Vasp não está praticando concorrência predatória com as outras companhias aéreas. O DAC
analisou as acusações feitas pela VARIG e Transbrasil contra a Vasp e divulgou parecer no
qual afirma que ‘não foi consubstanciada a prática de competição ruinosa’. 572

Canhedo, se aproveitaria do fato, publicando, no mesmo jornal, em 09 de junho de


1991, um anúncio de quase uma página inteira, onde repetia a reportagem do dia 09 de maio,
acrescentando:

568
Ibidem, op. cit., p.76.
569
Veja, 15 de maio de 1991, p. 52 e 53.
570
“Para DAC, concorrência da Vasp é saudável”, op. cit..
571
Hugo Studart. “Agora, Vasp quer abocanhar mercado da TAM”, Folha de São Paulo, 11 de junho de 1991, p. 3-4.
572
“Para o DAC, concorrência da Vasp é saudável”, Folha de São Paulo, 07 de junho de 1991, p.3-3.
164

Desde que a Vasp decidiu seguir as leis da economia de mercado, o Brasil tem ouvido
cada vez mais a palavra concorrência. Embora concorrência seja uma coisa com a qual muitas
empresas neste país não estão acostumadas, é ela que faz com que as empresas do primeiro
mundo sejam grandes empresas e o primeiro mundo seja o primeiro mundo. Ao emitir esse
parecer favorável a essa livre concorrência, um parecer ao nosso ver histórico, o DAC age de
maneira absolutamente compatível com um país que tenta se abrir para o mundo. É justo que a
Varig queira ser a melhor, mas não é justo que ela queira ser a única. 573

A imprensa também apoiava as recentes mudanças no mercado da aviação no Brasil,


declarando: “As empresas brasileiras estão lutando na rota da livre concorrência, oferecendo
descontos, comprando mais aviões, e tudo isso é muito bom para o viajante.” 574 Em maio de
1991, após a liberalização das tarifas, o mercado iria testemunhar outra inédita concorrência
entre as companhias aéreas no Brasil. Vasp, VARIG/Cruzeiro e Transbrasil reduziram seus
575
preços e criaram dezenove tipos diferentes de promoções. A flexibilização tarifária seria
possível graças às faixas de descontos terem passado a ser autorizadas pelo DAC em limites
cada vez maiores, dando início ao que ficou conhecido como “guerra tarifária”. Essa “guerra”,
iniciada pela Vasp, gerou para as empresas acentuadas perdas no primeiro semestre de 1991,
levando-as, posteriormente, a um acordo para limitação da oferta de serviços e das
promoções.
A estratégia agressiva da Vasp não resistiu à realidade do mercado brasileiro, onde a
tal “demanda reprimida” não se confirmava. O balanço da indústria da aviação no mercado
doméstico em setembro de 1991 mostrava que a VARIG/Cruzeiro tinha tido um índice de
ocupação de assentos de 48%, a Vasp de 47% e a Transbrasil de 42% quando,
tradicionalmente, o índice de ocupação era de 59% a 60%. 576 Como resultado, já no segundo
semestre de 1991, Canhedo “jogava a toalha” propondo uma trégua entre as empresas aéreas,
a começar pelo cancelamento dos vôos com horários superpostos e a tentativa de um acordo
577
operacional com a Transbrasil. O desfecho daquela estratégia agressiva de Canhedo
ratificava o que todos que entendiam do assunto já diziam à época, isto é, que na aviação,
antes de qualquer investimento ou adoção de estratégias, é necessário prudência, assim como
conhecimento do funcionamento das operações, uma vez que os custos, além de altos, não
suportam “jogadas” muito arriscadas. Trata-se de um negócio complexo, com grandes
investimentos de infra-estrutura. Contudo, lembremo-nos que essa postura excessivamente
agressiva, destemida e vaidosa de Wagner Canhedo estava, por outro lado, “na moda” e
bastante afinada com o discurso do presidente Fernando Collor. Ambos acreditavam que

573
Anúncio da Vasp na Folha de São Paulo, 9 de junho de 1991, p. 3-5
574
“Batalha nos Ares”, op. cit., p. 76.
575
“Para o DAC, concorrência da Vasp ...”, op. cit., p. 3-3.
576
Sônia Resende, “Nenhum concorrente assusta a Varig”, O Globo, 07 de setembro de 1991, p.22.
577
“Transbrasil e Vasp fazem acordo contra a ociosidade”, Folha de São Paulo, 6 de setembro de 1991, p.3-10
165

tinham chegado para mudar. Que a liberalização do mercado era a solução de todos os males
brasileiros, que suas posturas eram um reflexo do que havia de mais moderno no mundo dos
negócios dos países desenvolvidos e que o passado “conservador” precisava ser
definitivamente varrido da economia brasileira.

É preciso recriar a cultura da competição em certos nichos do empresariado brasileiro para


que o país avance. A sociedade brasileira está mudando, despertando para a verdadeira
economia de mercado. Mas a velha sociedade, nos estertores, resiste. O que a Vasp está
fazendo é simplesmente competir. Para isso inova, cria, moderniza-se [...]. Ao ampliar a
oferta, instituindo novos horários e servindo a novos destinos a Vasp rompe velhas
convenções que mantinham a oferta rígida para otimizar demanda. Era uma política
autofágica. 578

O depoimento de Canhedo, acima, reflete bem a postura de alguém que, naquele


momento, buscava afinar o seu discurso com o do presidente do país. Collor, em julho de
1990, já havia declarado: “Vamos guardar do passado apenas o que for positivo, livrando-nos
definitivamente dos preconceitos, dos provincianismos, da desconfiança em relação ao
progresso, do comodismo, das proteções cartoriais”. 579 Ambos, porém, Canhedo e Collor, não
precisaram de muito tempo prá descobrir que agindo sozinhos, contra tudo e contra todos, não
chegariam muito longe, principalmente porque o que estava por trás de seus discursos e
atitudes não tinha qualquer relação, de fato, com o desenvolvimento do país.

O discurso do empresariado brasileiro, naquele momento, ecoava uma postura também


a favor da livre concorrência, afinal socialismo era coisa do passado e ninguém queria parecer
retrógrado, falando em protecionismo. Desde 1989, a alta administração da VARIG
discursava a favor do livre mercado e da menor ingerência do Estado na aviação. Rubel
Thomas, na época, vice-presidente da VARIG, durante o seminário sobre o Futuro do
Transporte Aéreo na América Latina, atribuía “os problemas da aviação comercial regional à
‘excessiva ingerência do Estado na economia, sufocando a criatividade e reduzindo o poder
580
mobilizador das leis do mercado’”. Seu discurso era bastante comum entre os empresários
da época, que esperavam com a retirada do Estado da economia alcançar maior espaço no
processo decisório. O que eles não sabiam era que com a saída dos militares e a entrada dos
primeiros ditos governos democráticos liberais a situação de exclusão seria ainda maior, com
um reforço do distanciamento Estado-sociedade. Por outro lado, Thomas no mesmo discurso
e

578
Wagner Canhedo Azevedo. “Cortina de Fumaça”, Folha de São Paulo, 07 de junho de 1991, p. 3-2.
579
“Presidente quer mais concorrência no setor”, op. cit., p. 13.
580
Rosa dos Ventos, no 95, 1989, p.6.
166

focalizando o ‘impacto sobre o mercado latino-americano das tendências liberalizantes


dos países mais desenvolvidos [concluía que] necessitamos manter o desenvolvimento de
nossa aviação comercial, porém [...] mantendo permanente cuidado e preocupação em evitar o
excesso de capacidade oferecida, o qual, sabemos por experiências históricas, provoca a
competição predatória e pode levar à destruição do sistema de transporte aéreo existente 581.
[Exatamente o que veio a acontecer].

Dentro dessa consonância, pode-se também citar o alinhamento claro do discurso do


presidente Fernando Collor ao discurso do Consenso de Washington, quanto à incansável
utilização do termo “modernismo”, que para os formuladores do Consenso é a própria adoção
do livre mercado. Vale lembrar a força que este presidente buscava imprimir a sua imagem
“jovial e moderna”, relacionando-a a uma nova fase que estava sendo inaugurada para o país.
Collor soube muito bem associar sua imagem ao discurso neoliberal, utilizando seu
temperamento vaidoso e sua personalidade dinâmica como ferramentas de propaganda
daquela tão difundida necessidade de mudança.

O Construtivismo, surgido pela primeira vez em 1989, diz que o mundo é socialmente
construído. Todos os construtivistas admitem a intersubjetividade da linguagem e

põe a análise do discurso, e mais especificamente das regras e normas que organizam e
regem o discurso, como central na análise dos eventos sociais em geral [...], 582

o que pode facilmente ser observado, quando analisa-se a pronta adoção, pelas elites
latino-americanas, do discurso neoliberal do Consenso de Washington.
Noam Chomsky afirma que todo sistema de dominação cria o seu próprio discurso. No
Brasil, parte da classe dominante, fortemente influenciada pelos ventos que sopravam do
hemisfério norte, já fazia suas reivindicações quanto à menor intervenção do Estado na
economia. A adoção do Consenso de Washington e do Neoliberalismo ratificava e dava
consistência teórica ao discurso pré-existente. Na América Latina como um todo, contribuiria
também para a pronta aceitação do diagnóstico e da proposta neoliberal a existência de um
grande número de economistas e cientistas políticos formados em universidades européias e,
principalmente, norte-americanas. Alguns desses profissionais viriam a ocupar posições de
comando em seus países de origem, como Salinas de Gortari, no México e Domingo Cavallo,
na Argentina. 583 Sem contar a forte ligação existente entre os ministros de finanças e diretores

581
Ibidem.
582
João Pontes Nogueira e Nizar Messari. Teoria da Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005, p.168.
583
Paulo Nogueira Batista, op. cit., p. 5.
167

584,
de bancos centrais com as comunidades financeiras internacionais, como é o caso do
economista brasileiro Armínio Fraga, que foi presidente do Banco Central do Brasil de março
de 1999 a janeiro de 2003, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Antes de
assumir este cargo no Brasil Armínio Fraga concluiu o doutorado em Economia pela
Universidade de Princeton, lecionou na Escola de Assuntos Internacionais da Universidade de
Colúmbia e ocupou, durante seis anos, o cargo de diretor-gerente da Soros Fund Management
LLC, em Nova York, uma empresa fornecedora de serviços e estratégias de investimentos
para diversos fundos de investimentos mundiais.
Na VARIG, em abril de 1990, um mês após a chegada de Collor à presidência (15 de
março de 1990), falecia seu presidente, Hélio Smidt, já há uma década no poder, exatamente a
década de 1980, caracterizada para aviação nacional, como a década da transição, em que
esta, no Brasil e no mundo, uma atividade altamente regulada, ensaiava seus primeiros passos
rumo à desregulamentação, vivida com intensidade na década seguinte. Hélio Smidt, um fiel
representante de um passado de glórias e conquistas da VARIG, dotado, como seus
antecessores, de grande carisma, presidiu-a como se esse passado nunca fosse acabar, como se
as primeiras mudanças não estivessem já acontecendo, e não viveria para testemunhar as
radicais transformações que o mercado e, conseqüentemente, a VARIG iriam viver nos anos
seguintes. A VARIG que ele recebeu era uma grande aeronave em vôo ascendente e ele bem
sabia que não se freia um wide body, como aquele, impunemente. Ademais, como permanecer
grande, num mercado internacional de gigantes, freando o crescimento?
Seu substituto, aliás, por ele preparado para isso, foi seu vice-presidente, Rubel
Thomas (1990-1995). A ele caberia enfrentar a realidade daquele “vôo”, num país com uma
inflação de 1.782% ao ano, que atingiu, em 1993, uma taxa de 2.708 %, ou 3% ao dia.
Segundo seu depoimento a empresa chegaria a perder 150 milhões de dólares até conseguir
convencer o governo a indexar as receitas internacionais, enquanto a receita doméstica era
585
mantida em moeda nacional. Além das dificuldades internas do país, havia também as
dificuldades internacionais. Durante seu mandato a indústria da aviação enfrentaria uma grave
crise provocada pela Guerra do Golfo, iniciada em 02 de agosto de 1990 e que causaria “à
aviação comercial mundial (serviços regulares) prejuízos da ordem de US$ 20.4 bilhões,
incorridos nos exercícios de 1990 a 1994”,586 inclusive pelo temor propagado de atentados

584
Joseph E. Stiglitz. A globalização e seus malefícios, A promessa não cumprida de benefícios globais. São Paulo: Futura,
2002, p. 46.
585
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, disponível no Jetsite, acessado em 20/03/2009.
586
Harro Fouquet. “A recuperação e o fortalecimento da Varig são muito importantes para o país: eis algumas das razões
(pró-memória)”, documento escrito em janeiro de 2003 e entregue, na época, ao Ministério da Aeronáutica, p. 13.
168

terroristas contra aviões e aeroportos. Com Thomas, a VARIG iniciaria uma reformulação de
acordo com as novas tendências de gestão empresarial, onde o discurso em voga era, como já
dito, o da modernidade e o da ruptura com o passado. Um bom exemplo desse discurso “da
moda” seria dado por Pereira do Rego, Chefe de Gabinete do Presidente da CERNAI:

Em torno destas duas palavras chave – atualização e modernização – é que reside o


objetivo brasileiro de fazer face às tendências e manter a sua posição privilegiada até aqui
conseguida (espontânea ou planejada). Faz-se necessário agora a preparação para o futuro,
flexibilizando e modernizando. O Sistema de Aviação Civil brasileiro já se libertou dos laços
que o cingiam ao passado. Resta o desprendimento para flexibilizar certos princípios básicos
de política, de uma maneira gradual.... 587

Com relação à modernidade, seu discurso era plenamente coincidente com a “auto-
imagem” da VARIG. Porém, no que se refere à ruptura com o passado, ele era
diametralmente oposto ao que a cultura da companhia sempre pregou. Havia entre todos um
orgulho com relação à História de sucesso da empresa. Seus dirigentes do passado eram vistos
como “líderes” de uma saga de construção, cuja trajetória de crescimento era constantemente
repetida, desde o fundador Meyer, passando pelo venerado Berta, até Hélio Smidt, que
durante seu mandato concluiu e inaugurou grandes obras. Numa empresa cujos líderes são
constantemente reverenciados, não é de se estranhar, segundo Wladimir Rabelo Maia, a
grande monopolização e centralização existente

na Alta Administração, gerando, muitas vezes, uma estrutura rígida e inflexível [onde]
não é comum a prática de delegação de poderes, nem mesmo para o pessoal que, por atuar na
linha de frente, muitas vezes precisa demonstrar flexibilidade para resolver eventuais
problemas e em geral não dispõe da necessária liberdade para decidir e agir com a rapidez
esperada pelo cliente externo. 588

Somando-se a esta questão da monopolização de poderes, e servindo para agravá-lo,


estava o

problema crônico da ineficácia e da ineficiência da comunicação na VARIG. Os canais de


comunicação operam com baixa freqüência e abertura, dificultando a visibilidade entre os
diferentes níveis e áreas da empresa, o que termina por transformar a informação confiável em
algo escasso e disputado, favorecendo a prática de geração de rumores e boatos entre os
funcionários. 589

587
Pereira do Rego, op. cit., p.17.
588
Wladimir Rabelo Maia. “Visão Varig 2001 – Proposta de Futuro Centrada na Qualidade Total, Dissertação de Mestrado,
COPPE / UFRJ, Engenharia de Produção / Qualidade, abril de 1994, p. 89.
589
Idem, p. 89.
169

Nas décadas anteriores “a Varig havia verticalizado todas as suas operações. Tudo era
feito internamente. De manutenção ao catering”.590 E dentre as tendências “modernas” da
época, uma era terceirizar, para focar no objetivo fim. O que a empresa começou a fazer em
todas as áreas consideradas possíveis, naquele momento. 591
Dentro do discurso, já citado de Thomas, de que sua maior preocupação seria dar
continuidade administrativa à obra de seu antecessor, a manutenção dos investimentos em
equipamentos não foi questionada, o que representava, só na compra de 64 novas aeronaves, a
cifra de US$ 6 Bilhões em dez anos, visando atender a um “crescimento de demanda”
592
estimado, naquele momento pela empresa, em 6% ao ano. Provavelmente em função de
nos dez anos anteriores àquela data, o crescimento da demanda regular internacional ter sido
593
na faixa de 8% ao ano para o mundo e de 6,4% para a América Latina e Caribe. Era o
começo de uma nova etapa para a VARIG e para o Brasil, com Thomas comemorando, após
dois períodos adversos, um resultado positivo de CR$ 1,1 Bilhão, com as ações da empresa
alcançando um nível de lucratividade da ordem de 8.187%, superando com larga margem a
inflação do período e colocando a ação

“VARIG PP” entre os investimentos mais rentáveis do ano anterior. Ainda dentro desse
clima de otimismo, Thomas anunciava uma possível associação com “um poderoso grupo
argentino de empresários privados (banqueiros e construtores), para juntos, participarem do
processo de privatização da Aerolíneas Argentinas’. 594

Tudo isso, porém, ocorria em meio a uma retração real na demanda brasileira, como
conseqüência do Plano Brasil Novo de Collor, que manteve bloqueada, por um longo período,
grande parte da poupança nacional, atingindo em cheio o mercado da aviação, principalmente
o do turismo, considerado uma atividade supérflua e que acabou sendo um dos segmentos de
consumo mais afetados. 595
Collor, aliás, esteve presente na convenção geral de tráfego e vendas da Varig. Um
evento que, embora interno à empresa, foi realizado, não coincidentemente, em Brasília, em
julho de 1990. Além de Collor também estiveram presentes os ministros Sócrates Monteiro,
da Aeronáutica e Zélia Cardoso de Mello, da economia quando Rubel Thomas declarou, com
relação à abertura do mercado, como em outros depoimentos já citados, que a competição

590
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, op. cit..
591
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p.12.
592
“Um Vôo de US$ 6 Bilhões”, op. cit., p. 40.
593
Kotaíte, op. cit., p. 9.
594
“O novo presidente da VARIG”, capa do Guia Aeronáutico, maio de 1990, p. 44.
595
“O ovo ou a galinha”, editorial do Guia Aeronáutico, abril de 1990, p.4.
170

596
internacional não o assustava, antes o estimulava e mesmo em meio às mudanças
implantadas por Collor, a presidência da empresa insistia em manter um discurso “aliado” ao
597
do governo, elogiando, em seu Relatório Anual, as “corajosas atitudes” do presidente e,
também mantendo, internamente, seus programas de investimento. Até mesmo descer a rampa
598
do Palácio do Planalto Thomas fez ao lado de Collor, um ritual instituído em clima de
espetáculo pelo Presidente da República.
Internamente, na Diretoria Técnica da VARIG, já havia sido lançado, desde 1989, o
599
programa MUDE, buscando através da participação dos funcionários, inclusive com
premiações, sugestões de mudanças para a companhia, que a ajudassem a enfrentar a crise
iniciada com as primeiras mudanças da política governamental na década de 1980. Contudo,
era um programa que buscava mudanças nos processos, objetivando economia e resultados.
Em junho de 1990, a revista Executive News, uma publicação da Ícaro Editora, que
também publicava a revista Ícaro, a conhecida revista de bordo da VARIG, escreveu a
seguinte reportagem sobre a administração Collor de Mello, destacando na capa as figuras de
Collor (“O Brasil decola para uma economia moderna”) e de Rubel Thomas (“Rubel Thomas:
a Varig ano 2000”):

O Brasil está diante de um comandante muito especial, corajoso física e politicamente,


voluntarioso. Em muitas situações nós acreditamos que uma dose extra de coragem e
vontade não prejudica. Somos um país que vive adiando o seu grande destino, [...] Collor
deve ser incluído entre os otimistas, daqueles irrecuperáveis. Esse tipo de gente é que move
as nações e o mundo. Isso tudo está embutido nesse plano Collor. Trata-se de modernizar
este país, trazê-lo finalmente ao contemporâneo. 600 [anexo O]

Por trás dessa postura da VARIG pode-se supor duas hipóteses: a dificuldade que seus
dirigentes sentiam em aceitar a mudança explícita no tratamento do governo para com a
empresa, não mais vista e tratada como “parceira” política, ou uma tentativa de manutenção
de uma realidade histórica de relacionamento que não mais soava possível. Na administração
de Rubel Thomas, assim como em todas as anteriores e posteriores, a postura de grande e
sólida empresa, representante oficial do país na aviação comercial se manteve e a seguinte
mensagem, enviada por Thomas aos seus funcionários em 1990, confirma o que todos
acreditavam que seria eterno: "A Varig enquanto grande empresa brasileira e líder latino-
americana é ímpar no contexto mundial; definitiva e constantemente tem que entrar com o seu

596
Rubel Thomas, “Nítida Compreensão dos Problemas da Companhia”, Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, no 50,
agosto de 1990, p.23.
597
Relatório Anual de Administração da VARIG 1990, p. 24.
598
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit..
599
“Mude...”, Rosa dos Ventos, no 95, 1989, p. 7.
600
Tão Gomes Pinto, “P.S.”, Executive News, no 6, junho de 1990, p. 66.
171

necessário gigantismo, que lhe exige crescimento constante para que seja garantida sua
sobrevivência" 601. Até o antigo discurso quanto à necessidade de preservação das tradições da
empresa continuava ainda a ser proferido:

Trabalhar pela VARIG sempre foi um bom investimento. [...]. Mesmo nas ocasiões mais
difíceis para a economia nacional, como a que estamos atravessando, [...] é nossa missão
preservar os instrumentos de trabalho desta empresa, defender-lhe o patrimônio e,
principalmente, conservar-lhe as tradições, para legar às novas gerações um empreendimento
sólido, capaz de enfrentar as vicissitudes do futuro, os embates do mercado, o choque do
progresso…. 602

Repare que nos discursos acima a tônica era de quem percebia mudanças no país e no
mundo, porém acreditando que a VARIG conseguiria passar pelas mudanças conservando seu
perfil tradicional. Nem sequer cogitava-se que a empresa precisaria passar por mudanças
estruturais, precisaria rever sua cultura e o que é ainda pior, rapidamente. Em um momento de
pleno domínio das idéias neoliberais no mundo ocidental, era ainda desta forma conservadora
que se comportava a alta administração da empresa, como também registrado no seguinte
depoimento do vice-presidente de administração e recursos humanos da VARIG, em março
de 1991: “A VARIG é, e deverá continuar a ser, uma empresa austera; uma empresa sem
dono, sem a figura do capitalismo feroz; uma empresa voltada para o atendimento da
perspectiva do cliente e do seu empregado”. E nessa mesma entrevista, ao falar sobre seu
ingresso na empresa em 1956, registrou:

[...] Aí vem muito do que eu chamo de identidade: eu entendo que uma empresa tem que
ter uma ‘cara’, uma identidade. Que identidade, para mim, tinha a VARIG? Uma empresa
sólida, [...] bem sucedida, [...] séria, disciplinada, [...] em que a liderança teve um papel
fundamental. [...] Esta identidade, esta cara respeitosa, esta cara se transmitia. [...] Este
respeito nós tínhamos pela figura do Sr. Berta. [...] Ele fazia com que a gente se dedicasse.
[...] Eu estou há vinte anos como diretor, [...] o poder sempre foi alguma coisa que a gente
buscava no sentido de atender bem os destinos da organização. [...] Fundamentalmente
foram estas duas coisas que deram sustentação: disciplina interna e ‘desambição’ dos
homens, ao longo de sua trajetória histórica, e é muito importante porque isto faz com que o
sentido de equipe, de família, seja preservado. São dois fatores culturais. 603

Não pode-se garantir que ainda houvesse na prática, quando da entrevista acima, essa
mesma disciplina, liderança e desambição dentro da estrutura administrativa da empresa,
porém é inegável que, como fatores culturais fortes, esses valores ainda faziam parte do
discurso e do ideário de seus dirigentes, principalmente, como no exemplo citado, após vinte

601
Mensagem dirigida aos aeronautas da empresa pela respectiva gerência, no início de 1990, apud Monteiro. “A Dinâmica
Política...”, op. cit., p. 126.
602
Rubel Thomas. “Se Permanecermos Unidos...”, Rosa dos Ventos , 1991, no 107, p. 2.
603
Maria Regina de Moraes Xausa. A Importância das Instituições e o Desafio à Liderança Institucional. O Caso VARIG,
Porto Alegre, Dissertação de Mestrado, UFRGS/Faculdade de Ciências Econômicas, p 119 e 121.
172

anos exercendo a função de diretor, o que já denota um forte sentido de perpetuação.


Contudo, o próprio Ruben Berta, que ajudou a erigir essa história, já havia declarado,
inclusive repetindo Tomaso de Lampedusa:

‘Para que as coisas fiquem como estão, é preciso que elas mudem’. Os membros do
transporte aéreo internacional, que não aprenderem isso em tempo, farão o papel dos
Bourbons, na França: foram decapitados porque insistiram em não aprender nada, e a não
esquecer nada. Como o mundo passou por cima deles, também passará por sobre nós, se não
tivermos o descortínio de prover em tempo os contra-remédios. 604

No Relatório Anual Consolidado do Grupo VARIG do ano de 1990, apesar do


reconhecimento de inúmeras dificuldades, como o agravamento do quadro inflacionário e
recessivo, quando se tangenciou a hiperinflação, e a forte redução de liquidez devido ao Plano
Brasil Novo, assumia-se que a política sistemática de investimentos do grupo havia sido
mantida, uma vez que era voltada para a expansão das atividades, para o aprimoramento da
competitividade e consolidação da estrutura, assim assegurando a produtividade e a qualidade
605
dos serviços da empresa. No Relatório anual da VARIG referente ao exercício de 1990, a
empresa ainda afirmava: “a tentativa americana de exportar a desregulamentação só tem tido
sucesso muito restrito”. Isso era dito a despeito das mudanças já processadas no Brasil e já
sentidas por todos, pois nesse mesmo Relatório seria também registrado:

Tal ambiente, caracterizado por rápidas e imprevistas mudanças, recomendava e


recomenda a necessidade de [...] manter-se a VARIG suficientemente ágil e flexível para
adaptar-se com rapidez às modificações, sem sacrificar seus principais objetivos. Assim, a
Administração da Empresa concentrou justamente seus esforços no sentido de preparar-se para
enfrentar tais desafios. Primeiro, através de uma reestruturação administrativa em sua direção
com vistas a uma gestão em colegiado, de participação e co-responsabilidade, à
descentralização, à indispensável velocidade nas decisões e na execução [...] guiada por uma
histórica e proverbial fé inabalável nos destinos do País e em nossa força de trabalho.
606

Percebe-se, assim que a administração Thomas já começou descentralizada, com uma


reestruturação administrativa que implantava a gestão em colegiado, de participação e co-
responsabilidade. Algo inédito, até então, afinal a VARIG tinha tido, sempre, um
“comandante”. No Relatório Anual de 1990, embora afirmando que a política norte-americana
de exportação da desregulamentação não tinha tido sucesso, ficava claro, pelas rápidas
mudanças já processadas no Brasil que mais mudanças viriam e que a VARIG deveria ser ágil
o suficiente para enfrentá-las, sem, contudo, deixar de evocar sua “histórica e proverbial fé

604
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas que constituem a base da Fundação dos Funcionários da VARIG”,
Porto Alegre, dezembro de 1966, p. 33.
605
Relatório Anual Consolidado do Grupo VARIG 1990, p.4 e 7.
606
Relatório Anual de Administração da VARIG 1990, p. 5.
173

inabalável nos destinos do País”. A administração, após registrar índices de rentabilidade


negativos, em 1990, tanto nas linhas domésticas (-4,0%), quanto nas internacionais (-2,1%) e
reconhecer que as medidas de ajuste econômico adotadas pelo Governo tinham provocado
uma redução do PIB de cerca de 4,6%, gerando expressiva queda no tráfego de passageiros e
de carga, que chegou, no segundo trimestre a ser quase 30% menor em relação ao igual
período do ano anterior, afirmava que seu objetivo, ao implantar uma gestão em colegiado,
607
era aumentar a velocidade nas decisões e na execução. No entanto, os sucessivos
resultados negativos, podiam já ser um indicador de que eles já haviam começado a perder as
rédeas do processo e nessas horas, em geral, é melhor dividir as responsabilidades, o que seria
ainda mais acentuado, em 1994, quando da abertura do “Conselho de Administração à
participação de experientes líderes empresariais não vinculados aos quadros da
Companhia”,608 (GE e MacDonnel Douglas, seus principais credores), 609
e em 1995, com a
criação do Conselho de Curadores.
Naquele momento, dez anos após ter implantado o Sistema Iris, em 1981, o mercado
brasileiro se abriu à informática, e isso se refletiu na VARIG por grandes investimentos, na
610
ordem de US$ 80 milhões, realizados na informatização da área comercial. Outro grande
investimento nessa área foi sua associação ao Sistema Amadeus, em maio de 1992, um dos
sistemas europeus de distribuição, com capacidade para informar horário de mais de 700
empresas aéreas, disponibilidade de reservas em mais de 325, além de armazenar 5,2 milhões
611
de itinerários distintos, com quase 33 milhões de conexões possíveis. Saía, então, o Iris e
entrava o Amadeus para distribuição interna na empresa. Por outro lado, para distribuição
externa, junto aos agentes de viagens do mundo inteiro, tornava-se uma exigência inadiável a
associação a todos os sistemas de distribuição existentes, isto é, manter seus vôos
programados em todos eles, com um custo novo, não só para a VARIG, mas para todas as
companhias aéreas existentes. Tornava-se, assim, impossível, a sobrevivência no mercado de
uma empresa de aviação, sem a sua associação a um desses sistemas, visto o alcance dos
mesmos junto aos principais vendedores, que eram as agências de viagem e a enorme
dimensão tecnológica que o desenvolvimento de tais produtos exigia, tornando essa
empreitada inviável para uma empresa de um país como o Brasil.

607
Relatório Anual de Administração da VARIG 1990, p. 5, 11, 15 e 24.
608
Relatório Anual de Administração da VARIG 1994, p. 7.
609
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume II, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 7.
610
Wladimir Rabelo Maia, op. cit., p. 9.
611
Francelino José. “Varig lança Amadeus Brasil”, Guia Aeronáutico, fevereiro de 1994, p. 10.
174

O Amadeus, que foi desenvolvido pela Lufthansa, Ibéria, Air France e SAS, era
concorrente de outro sistema europeu, o Galileu, desenvolvido pela British Airways, Swissair,
Alitália e KLM. Por sua vez, esses dois sistemas europeus eram concorrentes de quatro
grandes sistemas norte-americanos: o Sabre, da American Airlines; o Apolo, da United
Airlines; o Worldspan, da TWA, Northwest e Delta Airlines e o System One, da Texas Air e
612
EDR, uma subsidiária da G.M. A partir do surgimento desses mega-sistemas, de
propriedade das também mega-transportadoras, a venda de contratos de participação se tornou
uma nova, importante e vultosa fonte de divisas para essas mega-transportadoras
proprietárias. Nesse momento de grandes investimentos tecnológicos, estavam também
613
presentes, nos desembolsos, o sistema de yield management, implantado em 1996, para
gerenciamento da rentabilidade dos vôos, que assim como os sistemas de distribuição,
representavam aquisições vultosas, inadiáveis e cujo desenvolvimento era impraticável para
empresas como a VARIG.
No início de 1992, após um cenário econômico adverso vivido em 1991, com
agravamento da recessão, elevação dos indicadores de inflação, altas taxas de juros e retração
do mercado, com os índices de aproveitamento dos vôos chegando a 58% no doméstico e
614
65% no internacional, a presidência já reconhecia que sua estrutura humana e material
615
havia crescido muito, na expectativa de um aumento da demanda que não se confirmou,
inclusive com o término da Guerra do Golfo não trazendo a “esperada normalização dos
negócios e do turismo internacional à sua expressão anterior”. Reconhecia-se também que
crescia na indústria, em escala mundial, uma tendência para a redução do número de
transportadoras, principalmente nas rotas internacionais, enquanto que no segmento
doméstico, “a disputa acirrada por fatias de demanda em retração acabou por comprometer os
616
resultados da indústria, a nível mundial. Em palestra aos funcionários, em abril de 1992,
Thomas anunciou um prejuízo, em 1991, de toda a indústria de aviação mundial em torno de
US$ 4 bilhões de dólares, 617 atingindo as empresas de forma diversa, em função da ajuda que
as mesmas conseguiram obter de seus governos. Os prejuízos, em dólares, por ele
enumerados, foram:

• Japan Airlines, 64 milhões.

612
“VARIG Reformulação Administrativa...”, op. cit., p. 23.
613
Relatório Anual de Administração da VARIG 1996, p. 4.
614
Relatório Anual de Administração da VARIG 1991, p. 13.
615
Rubel Thomas, Vídeo da Palestra proferida em Porto Alegre para os funcionários da VARIG, abril de 1992.
616
Relatório Anual de Administração da VARIG 1991, p.4 e 24.
617
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p. 4.
175

• American Airlines, 240 milhões.


• Delta, 275 milhões.
• United Airlines, 494 milhões.
• Pan American, falência.
• Midway, falência.
• Eastern Airlines, falência.
• Nos EUA, havia mais quatro empresas em concordata.
• Lufthansa, 250 milhões.
• Air France, 127 milhões, com aporte do governo de 510 milhões.
• Ibéria, 497 milhões, com aporte do governo de 1,2 bilhões.
• Tap, 41 milhões, com ajuda de 246 milhões em aumento de capital e 238 milhões
em subvenções.

Reconhecia-se a existência de uma recessão mundial, com estagnação dos negócios na


indústria e no comércio. Contudo, no Relatório Anual da VARIG, do ano de 1991, embora
admitindo que a empresa enfrentasse um nível de prejuízo “sem precedentes”, mantinha-se o
mesmo discurso otimista com relação ao futuro, justificando assim, mais uma vez, a
manutenção dos investimentos previstos, inclusive porque nessa mesma palestra citada acima,
Thomas já havia falado sobre o poder das grandes empresas americanas e européias operando
no mercado brasileiro, todas com Boeing 747-400 ou MD-11:

O quadro de involução patrimonial, causado por um nível de prejuízo sem precedentes na


história da companhia, impõe uma análise, abrangente e descompromissada, de todos os
aspectos essenciais de nossa atividade. É evidente que os planos de investimento das empresas
de transporte aéreo são formulados com base em projeções de crescimento da demanda em
períodos de médio e longo prazo, não se justificando alterá-los na essência se,
transitoriamente, ocorrer reversão de expectativas. Nessa linha, acreditamos que o atual
período recessivo da economia brasileira, com seus desdobramentos tanto no plano doméstico
como internacional, se encontra em estágio final, devendo ceder lugar a um período de
estabilidade seguida de retomada de crescimento, ambos no correr de 1992. 618

Uma das confirmações práticas desse discurso otimista seria a inauguração, em 15 de


janeiro de 1993, de uma longa e custosa rota para Bangkok e Hong Kong, via África do Sul, a
primeira rota para aquela região totalmente abaixo da linha do Equador. Para viabilizar sua
nova rota, a Varig investiu US$ 145 milhões na compra de um novo B747-400 e,
aproximadamente, US$ 400 mil na montagem de seus escritórios em Bangkok, sem falar em

618
Relatório Anual de Administração da VARIG 1991, p. 24.
176

619
todas as demais despesas. A seguinte justificativa para esta empreitada seria publicada no
Relatório Anual da empresa e que confirma a insistência de sua alta administração em não
contentar-se apenas com o aproveitamento das oportunidades de negócio, mas acima de tudo,
manter-se em sintonia com o governo: “Esse continente, que o Ministro Fernando Henrique
Cardoso define como ‘foco prioritário da política externa brasileira’, vem apresentando um
invejável potencial de crescimento econômico e abrindo para o Brasil novas oportunidades de
intercâmbio comercial”. 620 Essa linha, no entanto, não sobreviveria à avalanche que se abateu
sobre a empresa na década de 1990, sendo descontinuada em 1998. 621
Naquele momento voar para os “Tigres Asiáticos”, era a meta de todas as empresas
internacionais. A rota de maior densidade de tráfego do mundo, em 1995, foi Hong Kong-
622
Taipei, e no Brasil, a Vasp já tinha iniciado sua rota para Seoul, em reciprocidade com a
Korean Air, e registrando, em 1993, segundo o gerente de rotas internacionais da companhia,
623
Valdemir Gibin, uma ocupação de 100%. Aliás, essa era uma rota que a VARIG nutria
como sua, porque já mantinha, há muitos anos, um escritório de vendas naquela cidade,
quando a mesma foi concedida à Vasp. Por outro lado, em paralelo a inauguração da rota de
Hong Kong, ocorreu uma redução gradativa de 50% na oferta da empresa, iniciada desde
dezembro de 1991 e, que mesmo assim, continuou mantendo o aproveitamento de seus vôos
na faixa de 50%. 624
A empresa continuava acreditando que seu diferencial de ganho poderia estar na
qualidade dos seus serviços, que por tanto tempo a destacou no mercado e investia em
programas nessa área, como em 1990, com o Programa Qualidade Total e o lançamento do
Slogan: “SUA EXCELÊNCIA O CLIENTE VARIG, na certeza de que nossa competitividade
625
e desenvolvimento dependerão, cada vez mais, da qualidade do serviço prestado”, e, em
1991, com o programa “TQC – COMPROMISSO VARIG COM A QUALIDADE”. 626
Contudo, em 1992, o esperado crescimento econômico não veio e repetiu-se na
aviação comercial o mesmo mau desempenho do ano anterior, desta vez com um prejuízo
líquido de CR$ 4 trilhões e com a empresa registrando em seu Relatório Anual a
irracionalidade econômica que havia contaminado a atividade do transporte aéreo no plano
internacional:

619
Maurício Rabello. “O que vai ser o vôo da VARIG para Hong Kong”, Guia Aeronáutico, janeiro de 1993, p. 6.
620
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p. 5.
621
Relatório Anual de Administração da VARIG 1998, p. 5.
622
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 134.
623
Maurício Rabello. “A verdade sobre os vôos internacionais da Vasp”, Guia Aeronáutico, abril de 1993, p 14.
624
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, op. cit..
625
Relatório Anual de Administração da VARIG 1990, p. 5 e 19.
626
Relatório Anual de Administração da VARIG 1991, p. 4.
177

Estamos convictos de que, depois de avaliarem, em seus próprios balanços, os pesados


custos desse tipo de política suicida, as grandes empresas norte-americanas – incentivadoras e
exportadoras da irracionalidade tarifária, serão obrigadas a refrear seus ímpetos de dominação
a qualquer preço do mercado mundial, buscando de novo comportar-se como entidades
econômicas [...].

A American Airlines, que iniciou suas operações no Brasil em 02 de julho de 1990,


era a maior companhia aérea dos cinco continentes, com 953 aeronaves e voando para mais de
300 cidades em todo o mundo. Em 1992, ela transportou um total de 86.007.078 passageiros,
o que significava uma media diária de 234.992 pessoas. Como resultado da inauguração de
sua linha para o Brasil, em 1993, esta região já tinha se transformado na região
proporcionalmente mais rentável da sua rede mundial e a empresa já transportava, segundo
dados do DAC de 1992, 24% do movimento de passageiros entre Brasil e Estados Unidos,
enquanto as companhias brasileiras, juntas, transportavam 56% no chamado Rumo Norte e
57% no Rumo Sul. 627
No dia 1º de fevereiro de 1992, a United Airlines, naquele momento a mais
internacionalizada companhia aérea dos Estados Unidos, voando para o maior número de
destinos fora do território norte-americano, começou a operar nas linhas Nova York-Rio de
Janeiro-Buenos Aires, e Miami-Rio de Janeiro-São Paulo, ocupando o espaço da Pan Am,
com dois vôos diários. Passados pouco mais de seis meses o número de vôos diários já havia
628
dobrado e um exemplo marcante da sua chegada ao mercado brasileiro e que já denotava
quem é que tinha, realmente, mais poder, se deu com as publicações da revista Guia
Aeronáutico. Desde sua edição inaugural, em 1947, que as propagandas de capa desta revista
especializada em aviação eram predominantemente da VARIG. Na década de 1990 este posto
foi assumido pela United, que passou a ter sua imagem estampada nas publicações da revista
desde então. (anexos P, Q, R, S).
É importante lembrar que quando os primeiros movimentos efetivos de abertura
chegaram à aviação brasileira, isto é, no início da década de 1990, a VARIG era já uma
gigante estrutural: ela operava 45 cidades fora do Brasil, em 33 países, com 170 pontos de
venda no país e 142 no exterior, (chegou a ter, em 1993, 157 lojas no Brasil e 198 no exterior
629
) localizados em 64 diferentes países, nos 5 continentes e todos ligados por um sistema
computadorizado de reserva de passagens, servindo, inclusive, 16 escalas domésticas que não

627
Maurício Rabello. “A maior companhia aérea do mundo”, Guia Aeronáutico, abril de 1993, p. VI e “American bate record
na rota Brasil – EUA”, Guia Aeronáutico, agosto de 1993, p. 2.
628
Maurício Rabello. “Como está a United no Brasil”, Guia Aeronáutico, dezembro de 1992, p. 8 e “United e sua
internacionalização”, Guia Aeronáutico, maio de 1993, p. 14 e “American bate record na rota Brasil – EUA”, op. cit., p. 2.
629
Relatório Anual de Administração da VARIG 1993, p. 6.
178

eram operadas por nenhuma outra companhia aérea, o que representava um importante fator
de desenvolvimento regional. 630 A principal rota do país, a ponte aérea entre Rio de Janeiro e
São Paulo, era ainda operada num sistema de pool entre VARIG, Vasp e Transbrasil, sendo a
VARIG a proprietária dos aviões Electra, utilizados nas operações, com a Vasp e a
Transbrasil pagando pela utilização dessas aeronaves. Os índices de aproveitamento dos vôos
nessa rota eram altíssimos, tendo chegado, a empresa, a registrar, em 1978, uma média
85,1%. 631
Com relação, especificamente, ao mercado internacional, o grande e rápido
incremento de oferta que se deu nesse momento inicial de abertura ia de encontro à longa
trajetória construída pela VARIG no exterior, dando início ao desmoronando do seu sucesso
na conquista desse mercado, que foi, desde o início, gradativamente desenvolvido, em função
da velocidade de crescimento da demanda, assim como do aproveitamento das oportunidades
conjunturais de cada época, como quando da aquisição da Real e da Cruzeiro, ou das rotas da
antiga Panair. Para isso vale a pena rever esse caminho, que se iniciou com a linha para
Montevidéu, a primeira linha internacional da empresa, inaugurada em 1942.
Em outubro de 1946, o Ministério da Aeronáutica promovia a distribuição das linhas
aéreas internacionais brasileiras da seguinte forma:

• Aerovias Brasil: Miami e New Orleans


• Cruzeiro do Sul: Buenos Aires e Nova York
• Panair do Brasil: Europa
• VARIG: Montevidéu 632

Em 1953, houve o prolongamento da linha da VARIG de Montevidéu até Buenos


Aires, mesmo ano em que o governo brasileiro garantiu à empresa o direito de voar para Nova
Iorque em linha regular, o que só aconteceu em 1955. Em 1961, com a incorporação do
Consórcio Real-Aerovias, foi aberta uma rota para o Pacífico, até Los Angeles, com escalas
em Lima, Bogotá e México e uma linha para Miami, passando pela costa leste da América do
Sul. Em 1965, o governo brasileiro atribuiu à VARIG a responsabilidade de executar os
633
serviços da Panair nas suas rotas para a Europa, que foram também ampliadas com o

630
“Hélio Smidt: Homem da Aviação...”, op. cit., p.20.
631
Relatório Anual de Administração da VARIG 1978, p. 8.
632
“Concorrência Interna de Bandeira nos Vôos Internacionais é Perniciosa para o País”, Depoimento de Hélio Smidt,
Espaço Aéreo, Ano 7, no 1, Janeiro-Fevereiro 1986, s/p.
633
“VARIG 75 anos”, Publicação Interna, 2002, p. 17, 19 e 21.
179

tempo, como a linha de Copenhague, inaugurada em 1968, mesmo ano em que a VARIG
inauguraria sua rota para o Japão, via Lima, México e Los Angeles. Em 1975, com a
aquisição da maioria acionária da Cruzeiro do Sul pela FRB, acrescia-se ao grupo as rotas da
América do Sul, que assim assumia a totalidade dos vôos internacionais no Brasil. O quadro a
634
seguir exemplifica muito bem esse crescimento gradativo da participação da VARIG nos
mercados internacionais até as vésperas do grande salto quando da aquisição das linhas da
Panair, em 1965.

Tabela 3

Participação das Empresas Brasileiras nos Mercados Internacionais


1954 1956 1960 1963
Cruzeiro do Sul 5,8% 5,0% 5,0% 4,0%
Panair do Brasil 61,5% 38,7% 32,4% 43,3%
Nacional 0,5%
Real Aerovias 29,0% 33,2% * 24,3% *
VARIG 3,2% 23,1% 38,3% 52,7% **

*Real-Aerovias-Nacional
**Após ter assumido o Consórcio Real-Aerovias-Nacional 635

Nas décadas seguintes, o crescimento internacional continuou gradativo, consolidando


a participação estável da empresa nas novas rotas:

• 1970: Johannesburg, Luanda e Bogotá;


• 1972: Genebra;
• 1973: Porto, México e Bogotá;
• 1982: Maputo;
• 1983: Santo Domingo;
• 1984: São Jose e Abdjan;
• 1986: Montreal e Toronto;
• 1987: Barcelona;
• 1988: Cabo Verde;
• 1989: Georgetown;

634
“Concorrência Interna de Bandeira ...”, op. cit., s/p.
635
“Concorrência Interna de Bandeira ...”, op. cit., s/p.
180

• 1990: Chicago;
• 1992: Nagoya;
• 1993: Bangkok e Hong Kong;
• 1994: Atlanta;
• 1996: Orlando, Córdoba e Rosário;
• 1997: Washington;
• 2000: Munique. 636

Tabela 4

Participação da VARIG no Mercado


da
América do Norte
Ano % TTL de Empresas

1969
54 5

1971
56 4
1972
54 4
1974
52 4
1985
50 6
1988
40 6
1989
45 7
1992
40 12
1993
37 12
1994
33 12
1995
32 12
1999
26 10
Fonte: Relatórios Anuais de Administração da
VARIG

Analisando especificamente as rotas da América do Norte, o quadro acima demonstra,


exatamente, a consolidação da participação da VARIG nessas rotas, a partir da expansão de
suas linhas, que até a metade da década de 1980, quando ocorreu a abertura do mercado à
Vasp e a Transbrasil para operação de vôos charter, mantinha-se igual ou superior a 50%. A
partir daí sua participação começou a decrescer, acentuando-se ainda mais no decorrer na
década de 1990, com a multi-designação.

636
Relatórios Anuais de Administração da VARIG.
181

Nessa década o empresariado brasileiro, em geral, constatava que as estratégias das


autoridades governamentais tinham mudado. E agora o que fazer? Sob a égide do
neoliberalismo, fielmente adotado pelos governos deste período, o empresariado nacional
deixava de ser tratado como protagonista na nova ordem econômica, bem como perdia o papel
político ao qual se acostumou a desempenhar no antigo modelo. “Sob a égide das novas
diretrizes pró-mercado é a lógica concentradora das grandes corporações transnacionais que
comanda a nova ordem econômica, cuja prioridade é a inserção-integração das economias
637
nacionais numa estrutura de poder de escopo transnacional” e a situação vivida, à época,
pela VARIG se enquadrava perfeitamente nesta análise de Eli Diniz. Repentinamente o
mercado brasileiro de aviação se abriu à concorrência das grandes empresas estrangeiras, a
princípio às americanas, operando com custos menores e maior eficiência do que a maioria
dos seus competidores estrangeiros e, posteriormente, nas rotas européias e asiáticas, dividiu a
participação entre empresas brasileiras, de uma forma predatória e no caso do mercado norte-
americano, desconsiderando que as empresas nacionais não poderiam dispor de igualdade de
condições. Sobre isso assim se pronunciava Walterson Caravajal:

Com a designação de três empresas brasileiras para operarem os Estados Unidos, virão
três americanas e, geralmente, vêm as de maior poder [...] qualquer uma delas é pelo menos
seis vezes maior do que a Varig. Eu diria que a indústria do transporte aéreo é
tradicionalmente de rentabilidade baixa. Sendo assim, é preciso ter a convicção de que a
operação precisa se dar com aproveitamento alto e nível de tarifa adequado. Do contrário, não
é a concorrência que pode comprometer a sobrevivência, mas o próprio mercado internacional
em sua competição. 638

Com o agravante que o início desse processo ocorreu em plena recessão, sem que o
governo nem ao menos dotasse o país de um mecanismo de salvaguardas contra práticas
desleais do mercado externo e de pré-condições necessárias para lidar com a concorrência
desigual. Ao contrário disso, Collor desconsiderou as necessidades normais de ajustamento de
importantes setores da economia nacional, como o da aviação civil, as novas condições de
competição.
Na VARIG, à medida que a crise se aprofundava, passava a haver um ajustamento na
linguagem da empresa, percebida pelos pronunciamentos e pelas novas posturas políticas de
seus líderes. Essas novas posturas refletiam as mudanças estruturais por que passava o país a
partir dos postulados neoliberais introduzidos no mercado da aviação. A grandiloqüência
inicial de Rubel Thomas, no início da década, foi perdendo força. Os resultados financeiros e

637
Eli Diniz, “Empresariado, Estado...”, op. cit., p 6.
638
Andréa Duschesne, op. cit., p. 16.
182

639
a satisfação dos clientes passaram a ser a prioridade, e sempre associados à
“modernidade”.
O momento que o país vivia era marcado pela intensificação do processo de abertura
comercial que exigia da empresa novas mudanças. E ela assumiu repensar seus valores, para
poder se ajustar “ao ambiente mutante da atividade empresarial moderna”, com a convicção

de que até o final dos anos 90, o número de empresas aéreas estará reduzido mediante
fusões, aquisições, ou pela simples incapacidade de permanência no mercado daquelas que
não estiverem adequadamente armadas, em termos de capacitação tecnológica e financeira,
para essa luta de gigantes. A nível empresarial, quer a VARIG ser uma empresa moderna,
produtiva, profissionalizada, descentralizada, com maior autonomia de decisão em todos os
escalões [...]. 640

As mudanças foram tantas, que hoje pode-se acrescentar: Nem a “gigante” VARIG
conseguiu permanecer no mercado. E com essas constatações a empresa entrava num
processo de redefinição da sua missão “oficial”, que desde a proposta de Otto Ernst Meyer,
seu fundador, tinha-se mantido inalterada, como sendo:

A Varig foi criada para servir. Ela se orgulha do privilégio de servir ao nosso Rio Grande
do Sul e à Pátria brasileira. Assim, ela sempre terá de sofrer com todos os apertos que sofre a
nação. Mas ela também tomará parte em todos os progressos na estrada rumo ao grande futuro
do país, nas recompensas alcançadas e levando com dignidade o pavilhão nacional muito além
das fronteiras. Tenho a inteira convicção de que a VARIG, graças ao alto espírito de
responsabilidade de seu elemento humano, saberá caminhar sempre pela trilha do progresso.641

No Relatório Anual da Empresa, publicado em 1993 e referente ao exercício de 1992,


seria divulgada sua nova missão: “Efetuar, com excelência, o transporte aéreo, suprindo a
necessidade das pessoas de se relacionarem social, cultural e economicamente em escala
global, e contribuir significativamente para o desenvolvimento do país e do turismo a nível
mundial”. Logo a seguir, o texto complementa:

São nossas metas e compromissos permanentes o melhor serviço para os clientes, o lucro
para os acionistas, o incentivo ao desenvolvimento pessoal e profissional dos nossos
colaboradores, a interação com a comunidade, visando ao bem comum e à preservação
ambiental e, sem ufanismo, ser fator de peso para a integração e o progresso do Brasil, cuja
bandeira desejamos dignificar e tornar cada vez mais presente nos mercados internacionais. 642

639
Monteiro, Cristiano Fonseca: A trajetória da Varig do nacional-desenvolvimentismo ao consenso neoliberal. Estudo de
caso sobre as relações entre empresa e sociedade. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em Sociologia, 2000,
PPGSA/IFCS/UFRJ, p. 95.
640
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p. 2 e 3.
641
“De homens e idéias, os cinqüenta nos da Fundação Ruben Berta”, São Paulo: Prêmio, 1996, p. 58.
642
Relatório Anual de Administração da VARIG 1992, p. 3.
183

Embora não se perceba uma ruptura com os valores do passado, ganhou destaque, na
nova missão, a preocupação de ajuste aos novos tempos, onde “servir” e “progresso”
deixavam de ser a tônica, incluindo-se aí o uso da expressão “sem ufanismo”. Dentro de uma
perspectiva global, o transporte aéreo em si ganhou destaque, bem como o lucro dos
acionistas, refletindo assim uma efetiva preocupação com um mercado mais aberto,
competitivo e globalizado. Ainda em 1993, a empresa publicou: “É Hora de Mudar, o
Presidente está à frente do processo de mudança”. Tratava-se do lançamento de mais um
programa, intitulado “Visão, Valores e Missão”, desta vez indo mais fundo e difundindo a
necessidade de que a sua cultura fosse reavaliada, permitindo mudanças que modernizassem
643
sua mentalidade empresarial. Contudo, em outubro desse mesmo ano de 1993, sua
administração circulava uma publicação interna intitulada “A VARIG Somos Nós”,

Assim como tem sido importante projetar a VISÃO que temos do futuro, a mesma atenção
e um esforço ainda maior precisam ser dedicados ao fortalecimento dos VALORES que, no
passado, contribuíram para que a VARIG seja, hoje, uma Empresa de reconhecido destaque no
cenário da Aviação Comercial. Os princípios divulgados nesta publicação ultrapassam os
limites da estrutura organizacional formal, pois constituem a verdadeira essência da cultura
VARIG; 644 [O grifo é original do texto].

Essa publicação chegava a ser uma contradição, pois nela, a despeito de todas as
mudanças implantadas no mercado e das mudanças embrionárias internas descritas acima,
procurava-se ainda fortalecer, entre os funcionários, a idéia de que a sobrevivência da
empresa dependeria, em grande parte, dos seus valores e da sua cultura. Nela divulgava-se sua
nova Missão, Valores, Visão, Compromisso e Macro-objetivos, indicando um olhar
preocupado com o futuro, mas ao mesmo tempo preso ao passado. Claramente a empresa
experimentava movimentos que variavam entre a percepção da necessidade de mudanças e a
preocupação quanto à perda de sua identidade histórica.
Ainda sobre o exercício de 1993, em função dos sucessivos resultados negativos, a
dívida da empresa chegou a cerca de US$ 3 bilhões, o dobro do valor registrado em 1989, 645
e seu balanço, mais uma vez, apresentou prejuízo (-US$ 97 milhões), contudo, 74,5% menor
que o prejuízo registrado em 1992. Nesse ano foi lançado o Consórcio de Viagens VARIG e
desenvolvido o projeto para lançamento em janeiro de 1994 do “Smiles”, o programa de
milhagem da VARIG, considerado uma importantíssima ferramenta de vendas e, sem

643
“É Hora de Mudar”, Rosa dos Ventos, no 115, 1993, p. 5 e Relatório Anual 1993, p. 12.
644
Rubel Thomas, “A VARIG Somos Nós”, Publicação Interna da Empresa, outubro de 1993.
645
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume II, op. cit., p. 9.
184

trocadilho, a empresa novamente registrava, com um discurso “sorridente”, seu otimismo no


futuro menos “regularizado” do país:

Ora, temos a convicção de que o Brasil atravessa um período claramente identificável


como de transição nos planos políticos e econômico, mas extraordinariamente promissor, em
direção a uma economia menos dirigida, mais aberta, mais competitiva e mais previsível, na
qual, após repetidas e frustradas tentativas, se criem finalmente as condições para que o país
explore e desenvolva suas reais potencialidades. 646

A “questão da mudança dos valores culturais normalmente levanta resistências


significativas, por parte dos vários segmentos da Organização. Isto porque o momento da
mudança é um momento de ruptura, de transformação, de criação, o que envolve sempre risco
647
das alterações nas relações de poder.” Esta citação de Fleury explica exatamente a
instabilidade percebida nos quadros da VARIG, a partir dos primeiros movimentos de
mudança dos valores culturais, no início da década de 1990, quando, para “tranqüilizar a
família Varig” e diminuir o volume de boatos que começaram a circular pela empresa,
inclusive a respeito da saída do presidente, Rubel Thomas, em abril de 1992, realizou três
palestras, juntamente com todo quadro de diretores, nas bases de São Paulo, Rio de Janeiro e
Porto Alegre, com o comparecimento de um grande número de funcionários. No Rio a
freqüência ficou em torno de quatro mil participantes. Nessas palestras, Thomas buscou
relembrar ao funcionalismo os mecanismos instituídos pela fundação para eleição da
presidência, bem como colocá-los a par das medidas que estavam sendo tomadas, desde a
renegociação das dívidas, corte de pessoal, redução na oferta, parcelamento de salário,
descentralização administrativa, redução dos níveis gerenciais, venda de subsidiárias, até
estudos para venda da Rede Tropical de Hotéis, afirmando, no entanto, que os valores e
princípios básicos da empresa, como austeridade, disciplina e lealdade, precisavam ser
mantidos, com a consciência de que o sucesso do passado não garantiria o sucesso do futuro.
Nessas palestras Thomas já começava a reconhecer o “peso” da empresa e a necessidade de
reduzir-se a ociosidade, afirmando que somente empresas leves e de baixo custo conseguiriam
sobreviver. 648
Frente a essas questões, foi aprovado pela presidência, em julho de 1993, um plano
oficial, de âmbito corporativo chamado “Plano Diretor da Qualidade”, buscando amplas e
profundas mudanças, a começar pelo topo da empresa, onde se buscava transformar

646
Relatório Anual de Administração da VARIG 1993, p. 16.
647
Wladimir Rabelo Maia., op. cit., p. 96.
648
Rubel Thomas, Vídeo da Palestra proferida em Porto Alegre para os funcionários da VARIG, abril de 1992.
185

• A visão departamental em visão global do negócio;


• A Gerência autoritária por uma Gerência participativa;
• O Gerente controlador de rotinas e de pessoas em Gerente agente de mudanças;
• A ênfase na estabilidade, em busca de aprimoramento contínuo;
• O suporte dos subordinados ao chefe, em suporte dos chefes aos subordinados;
• As decisões e ações baseadas em emoções , “achismos” e intuições, em decisões
baseadas em fatos e dados. 649

Acima de tudo era necessário permitir aos profissionais uma visão mais sistêmica de
toda a companhia e assim formar líderes melhor preparados. Era comum encontrarem-se
dirigentes que, em geral, desde o ingresso na companhia, haviam ascendido sempre dentro da
mesma área, isto é, muito especializados e com visão pouco abrangente do todo da
organização. Havia também, em função das grandes transformações do momento, a
necessidade de tornar a empresa mais ágil, simplificando os processos decisórios. Não dava
mais para adiar. Níveis hierárquicos foram reduzidos nas gerências médias e, obviamente,
essa não foi uma fácil tarefa, por ir totalmente de encontro à cultura da empresa. O seguinte
trecho de um documento interno da VARIG intitulado “Princípios que governam o
empreendimento” confirma esta característica cultural:

[...] quanto maior a liberdade de cada um, tanto mais forte deve ser a autoridade para
conter eventuais inconveniências. Essa a razão pela qual a estruturação da autoridade dentro
da companhia é essencialmente vertical e absoluta. 650

Quatro anos após o início do “Plano Diretor da Qualidade” viria, em setembro de


1997, a confirmação do quanto ainda era arraigado na empresa a questão da autoridade e da
verticalidade. Em setembro deste ano, iniciou-se outro projeto intitulado “Modelo de Gestão”,
objetivando definir as competências comportamentais dos gerentes da empresa, após seus
diretores terem sido avaliados por setenta e sete gerentes, sendo constatado que a principal
característica comportamental dos mesmos era a de desenvolver pessoalmente os trabalhos,
esperando que seus subordinados seguissem seus exemplos. Aliás, sempre fez parte da
linguagem da empresa referir-se aos seus presidentes como estando no “comando” da mesma.
Uma linguagem militar, especificamente da Aeronáutica e que na VARIG, por ser uma

649
Wladimir Rabelo Maia, op. cit., p. 42, 90, 91 e 96.
650
“Princípios que governam o Empreendimento”, op. cit..
186

empresa de aviação, onde a autoridade e o poder do comandante do avião era um fato,


estendê-la aos seus presidentes acabou virando um hábito. 651
Todo esse movimento de mudanças acabou gerando alterações nas relações de poder,
que vieram a se concretizar na Assembléia Geral Extraordinária da FRB, em 1995, com a
modificação de uma prática vigente na mesma desde 1945, quando foi criada. A Assembléia
de Acionistas que criou a FRB, em 1945, estabeleceu que o cargo de presidente da Fundação
deveria ser desempenhado cumulativamente com o de Diretor Presidente da Companhia.
Desde o início, o poder supremo da Fundação foi exercido pelo “Colégio Deliberante”,
integrado por funcionários ativos da empresa, eleitos pelos membros do “Colégio”, não
podendo seu número de componentes exceder de 1% a 1,5% do efetivo funcional da
652
companhia. Já a citada assembléia de 1995, durante a gestão de Rubel Thomas, aprovou
um novo estatuto social da entidade. Thomas, naquele momento, já vinha obtendo pouco
apoio interno, o que lhe causava dificuldades para administrar. Tomou, então, e segundo ele, a
“iniciativa de democratizar” mais o poder na empresa, propondo dividi-la com um Conselho
653
de Curadores. Ele só não contava com o fato de que seria ele o primeiro cair, quando o
Colégio Deliberante criou e elegeu o primeiro Conselho de Curadores da Fundação, cujos sete
membros teriam mandato de três anos, com os mais votados ocupando os cargos de
654
Presidente e Vice Presidente do colegiado. Hierarquicamente, o Colegiado estaria acima
do Conselho de Curadores, contudo seu presidente e vice-presidente seriam os curadores mais
votados (anexo T). Thomas, que esperava ser eleito, nesta Assembléia para o Conselho de
Curadores, não foi e acabou sendo afastado da presidência pelos eleitos, e substituído por
Carlos Willy Engels. 655 Engels, com menos de um ano no poder, pediu demissão, juntamente
656
com o presidente do Conselho de Administração Edgard de Araujo, sendo substituído por
Fernando Pinto, na época, presidente da Rio-Sul. Isso era algo, até então, inédito na longa
história da empresa, onde havia quase um consenso de que o posto máximo da companhia era
um cargo vitalício. Sobre a nova estrutura assim se pronunciou Harro Fouquet (informação
verbal):

651
Giuseppe Maria Russo. “A Importância da Organização do Aprendizado e do Gerente-Educador: a Varig no limiar do
século XXI”, dissertação de mestrado, Faculdade de Educação, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, UFRJ, 1998, p. 32,
39 e 45.
652
Harro Fouquet. “Momentos de decisão. A Recuperação da VARIG e a necessária definição de nova política para o
transporte aéreo internacional do Brasil”, maio de 2006, p. 7.
653
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, op. cit.
654
“Os Administradores da Fundação Ruben Berta”, disponível no site da fundação, acessado em 20/03/2009 e no Relatório
Anual da Varig de 1994.
655
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit..
656
Wladimir Rabelo Maia, op. cit., p. 15.
187

O Conselho de Curadores exerce – através da “holding” FRB-Par Investimentos S.A. – o


papel de acionista controlador da(s) sociedade(s), nomeando ou destituindo, por exemplo, os
membros dos respectivos Conselhos de Administração. A separação entre as funções de
“acionista controlador” e de executivo da(s) empresa(s) nem sempre foi observada, o que deu
margem a situações de conflito de interesses e, inclusive, a freqüentes mudanças na alta
administração. 657

Fernando Pinto também sairia da empresa, em 16 de maio de 2000, em função de


divergências com a Fundação, ou melhor, com a FRB-PAR, a acionista controladora do
grupo. Numa entrevista a Gianfranco Beting, questionado sobre as circunstâncias que levaram
à sua saída da companhia, Fernando Pinto responderia que a FRB ao passar a ser uma holding
passava também

a ser um órgão político. E com muita força. A minha leitura é que a FRB achou que era
hora dela exercer maior poder de decisão sobre o futuro da empresa. Mas o Conselho de
Curadores, talvez por haver discordado de algumas ações minhas, deve ter decidido que o
melhor era buscar outra pessoa. 658

A tal democratização da empresa começava a gerar uma “guerra” interna pelo poder.
As novas regras estabeleciam que até três dos sete curadores poderiam acumular cargos no
Conselho de Administração ou na administração direta da VARIG e de qualquer empresa do
659
grupo. Desta forma alguns dos membros do Conselho de Curadores (o acionista
controlador da sociedade) continuavam exercendo cargos executivos na empresa, em funções,
às vezes, subalternas a de executivos que não faziam parte deste conselho, gerando crises de
autoridade, por se comportarem como curadores em situações em que eram apenas executivos
subalternos. Criava-se, assim na VARIG uma situação que Ruben Berta em seu famoso
discurso, já citado, de 1966, já previra:

Não estamos preparados para este teste e que jamais nossa sociedade cometa o erro de
partir-se em juntas, é o conselho que damos. Intervenha nisso o Senado que vamos propor,
para que os nossos sucessores na VARIG só sejam sempre eleitos por esmagadora maioria,
para governarem com tranqüilidade e sem facções.
Para que nunca o Colégio dispare, incontrolável, num rumo louco, cremos que dentro dele
deveríamos criar uma espécie de Senado, talvez composto dos trinta homens mais antigos na
escala hierárquica do Colégio, mais os diretores e superintendentes a ele pertencentes, com
poder de veto sobre as deliberações do Colégio [...]
A Fundação pode suportar um pobre presidente durante anos; a VARIG não resistirá a um
amador por doze meses, sem cair nas mais sérias dificuldades materiais e, por extensão, em
divergências com o Governo a respeito da maneira como deve ser executado o serviço público
das concessões, como vimos no caso da Panair do Brasil.
Mas quando o vínculo social afrouxa, e o Estado enfraquece, quando principiam a sentir-
se os interesses particulares, e as pequenas sociedades a influir na grande, o interesse comum
se altera, acha opositores, e não reina mais nos votos a unanimidade; a vontade geral não é a

657
Harro Fouquet. “Momentos de decisão..., op. cit., p. 7
658
Fernando Pinto. “Entrevista concedida por telefone...”, op. cit..
659
“De homens e idéias...”, op. cit, p. 120.
188

de todos, agitam-se contradições e debates, e o melhor parecer não voga sem disputas, até que
a sociedade política entra em ruína ou subsiste apenas por uma forma vã e fantástica. 660

Este novo estatuto social da entidade representaria uma importante mudança na


conduta da companhia. Rubel Thomas já havia anunciado em palestras na empresa, em 1992,
que os boatos sobre sua suposta saída eram obra de algum “irresponsável”, levando-nos a
interpretar, assim, a formação das tais “facções”, condenadas por Berta. Um Senado na
estrutura da FRB poderia ser a saída para o problema que se formava. Até a presidência de
Hélio Smidt, com a empresa crescendo, mesmo em meio a crises, a autoridade suprema foi
mantida de forma personalista. Com as grandes mudanças da década de 1990, e os prejuízos
aumentando, a autoridade não podia ser mais confiada a um único homem. E, em publicação
interna da empresa, comemorativa dos cinqüenta anos da FRB, em 1995, a reforma estatutária
seria justificada da seguinte forma:

[...] coube ao Colégio Deliberante da Fundação, por longo tempo, o papel de ratificar
decisões da alta administração da empresa, mais do que discuti-las, sobretudo no período em a
VARIG voava serena e soberana. Na nova e difícil conjuntura, tornou-se indispensável um
envolvimento maior da Fundação no processo de ajustamento da VARIG para torná-la mais
ágil e produtiva, afinal, é seu patrimônio que está em jogo. O desafio maior que se coloca hoje
à instituição, porém, mais do que ajudar a empresa a superar dificuldades conjunturais, é
mostrar que o modelo fundacional pode adequar-se às novas exigências de competitividade
numa economia global.
adequar o organograma da instituição à necessidade de maior participação na gestão da
VARIG no presente e no futuro. Seu eixo estava na criação de um Conselho de Curadores,
uma antiga idéia de Ruben Berta, que o chamou de “senado”, para exercer em colegiado as
funções até então atribuídas ao presidente e ao vice-presidente. 661

Percebe-se no texto acima que a possibilidade desse tipo de gestão sob o qual a
VARIG sempre esteve submetida, já começava a ser posto em check e a grande preocupação,
além da descentralização das decisões, tornava-se, também, manter a própria existência da
Fundação. Como conseqüência dessa nova conduta, pode-se citar exatamente a mudança com
relação à estabilidade de décadas, até então experimentada por seus dirigentes e que não mais
ocorreria. Até 1995, isto é, durante sessenta e oito anos, a VARIG teve apenas seis
presidentes, um dos quais era “vice-presidente em exercício, que somente completou o
mandato do titular, licenciado por problema de saúde irreversível. Outros dois presidentes
662
faleceram durante o mandato” e todos, a exceção de Rubel Thomas, ficaram mais de dez
anos na função. Já de 1995 até sua venda para a VarigLog, em 2006, a VARIG teve dez

660
Ruben Berta. “Discurso sobre as doutrinas filosóficas...”, op. cit., p. 9, 10, 14, 27.
661
“De homens e idéias...”, op. cit., p. 116 e 119.
662
Harro Fouquet. “Momentos de decisão..., op. cit., p. 7.
189

presidentes. As mudanças externas no mercado, somadas às mudanças políticas internas na


VARIG, não geraram bons resultados.
Outra mudança dramática, nesses cinco anos de mandato de Thomas, foi a redução de
25% do quadro funcional, isto é, a demissão de 7.500 empregados e a moratória junto aos
seus credores, quando o presidente da empresa teve que ir a Brasília para explicar ao governo
a situação que a mesma vivia. Segundo Thomas, Itamar Franco lhe teria dito: "Não se
preocupe, Rubel. A Varig é um patrimônio nacional. Ela é a nossa embaixada no mundo",
dando-lhe ordens imediatas para que falasse com Fernando Henrique Cardoso, à época
ministro da fazenda, e depois com o BNDES, para que linhas de crédito fossem abertas. 663
“Em julho de 1994, com a implantação do Plano Real, as tarifas aéreas básicas,
definidas pelo DAC, deixaram de ser atualizadas com base na variação da planilha de custos e
664
passaram a ser reajustadas anualmente a partir de índices gerais de preços” e a VARIG,
graças à estabilização econômica, comemorava a retomada do “caminho da operação
665
rentável.” O Resultado Operacional do exercício de 1994 foi de R$ 315.282 mil, num ano
em que a IATA também comemorava um crescimento de 10% no volume de passageiros e
cargas. Esperançosa, a empresa desenvolveu um enérgico processo de reestruturação
operacional, administrativa e financeira, com redução de 3.586 postos de trabalho, redução do
número de diretores e de níveis hierárquicos, fechamento de trinta e nove escritórios,
localizados em cidades não servidas pela empresa, os chamados “off-line”, retirada de nove
equipamentos da frota, cancelamentos e alterações de rotas, decisão de abertura do Conselho
666
de Administração (08 de novembro de 1994) e terceirização do Catering. A reestruturação
financeira permitiu um acordo, que abrangeu credores brasileiros e estrangeiros, com a
participação de consultores financeiros e empresas de consultoria internacional
667
especializadas. Em 1995, ocorreria nova redução de funcionários (7.089), de lojas, de
níveis hierárquicos e diretores, a efetivação da abertura do Conselho de Administração e a
aprovação de um novo estatuto social para a Fundação Rubem Berta, com a criação e eleição
do Conselho de Curadores.
Essas mudanças culminariam com a mudança da presidência da empresa e a adoção de
um discurso ainda mais moderno, só que desta vez, e também em sintonia com o discurso do
novo presidente da República, explicitamente rompendo com o passado. Já sob a presidência

663
Rubel Thomas. Entrevista concedida a Gianfranco Beting, op. cit.
664
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 15.
665
Relatório Anual de Administração da VARIG 1994, Documento anexo denominado Demonstrações Contábeis, p. 4.
666
Relatório Anual de Administração da VARIG 1994, p. 7.
667
Harro Fouquet. “A recuperação e o fortalecimento da Varig..., op. cit., p. 16.
190

de Fernando Pinto na VARIG, quando já governava o Brasil Fernando Henrique Cardoso,


seria lançada, em 1996, a nova pintura nos aviões. A política da “nova imagem corporativa”,
668
que era a própria materialização dessa ruptura com o passado em busca de uma nova
cultura empresarial, que deveria “traduzir-se, também, em sinais externos de imediata
visibilidade”, procurando “o rejuvenescimento dos próprios símbolos de identificação da
669
VARIG”, nos aviões, nos pontos de venda e em todos os elementos que compunham a
imagem visual da VARIG, transmitindo, assim, uma mensagem de modernidade. 670 O slogan
“A Nossa VARIG”, referente àquela velha empresa que havia acompanhado, com suas
marcantes campanhas publicitárias, diversas gerações, cedia espaço ao slogan “A Nova
VARIG”, isto é, uma nova empresa, uma nova liderança, uma nova imagem. Tudo que
pudesse, enfim, transmitir rejuvenescimento, inclusive de seus quadros funcionais, em todos
os escalões. O valor da experiência cedia espaço ao valor da ousadia da mudança.

4.3 A desregulamentação durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso

O primeiro governo Vargas (1930-1945) se caracterizou, segundo Eli Diniz, por


implementar um

Novo modelo de Estado, caracterizado por vasto poder de intervenção na ordem


econômica e social
Nos marcos de um processo de centralização política e administrativa que conduziu ao
extremo fortalecimento do Executivo e ao governo por decreto-lei, institucionalizando-se o
monopólio burocrático sobre as decisões.
De acordo com o modelo Varguista, o Executivo federal tornou-se o centro político-
institucional do país.
O legado institucional varguista [...] não foi desmontado com a queda do Estado Novo. É
preciso lembrar que a redemocratização do país, no período pós-1945, não afetou de forma
substancial o centralismo administrativo e o estilo de gestão introduzidos por Vargas. 671

Com o golpe de 1964, as características acima descritas acentuaram-se ainda mais,


levando à visão idealizadora do Executivo como o responsável por conduzir as
transformações necessárias para a modernização da sociedade. Visão que se manteve no país,
inclusive no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), que, contraditoriamente,

668
Relatório Anual de Administração da VARIG 1996, p. 5.
669
Relatório Anual de Administração da VARIG 1995, p. 7.
670
Relatório Anual de Administração da VARIG 1996, p. 5.
671
Eli Diniz. Globalização, Reformas Econômicas e Elites Empresariais, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p.32, 33 e 36.
191

caracterizou-se por tornar prioritária na agenda pública a meta de sepultamento da Era


Vargas, com o abandono do estadismo e do nacional-desenvolvimentismo. Este processo já
havia sido anteriormente iniciado por Collor, através da execução de um programa de
reformas orientadas para o mercado levando, inclusive, ao desaparecimento de empresas
emblemáticas do período desenvolvimentista. O desmonte deste sistema implantado por
Vargas, de extremo fortalecimento do Executivo, não fez parte das prioridades nem de Collor,
nem de Fernando Henrique. Muito pelo contrário. Nunca, até então, os decretos-leis, que com
a Constituição de 1988 passaram a se chamar medidas-provisórias, foram tão utilizados. Ao
final do primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso já havia emitido quase o triplo da
672
soma de todas as medidas provisórias editadas nos governos anteriores. O insulamento
burocrático foi ainda mais intensificado, com papel de destaque para o Ministério da Fazenda,
o Banco Central, o Tesouro Nacional e o BNDES.
No governo Fernando Henrique ocorreu também o enfraquecimento dos sindicatos,
eliminando, assim, um dos principais focos de resistência ao poder empresarial. A esquerda se
retraía no mundo todo e o discurso modernizante do governo surgia como o único caminho
673
capaz de inserir o país na ordem mundial globalizada, entendida como um modelo de
políticas uniformes e fora do controle das autoridades locais. Trata-se de uma visão
determinista, que reduz o poder dos Estados-nações perante as “forças incontroláveis” do
mercado mundial hegemônico, onde só existiriam duas alternativas a “adesão incondicional”
ou o “atraso irremediável.” Aliás, esse discurso, que reforçava a inexistência de outros
caminhos e opções, fazia parte da ideologia da globalização, cujo cerne era eliminar as
674
iniciativas nacionais. O Brasil, embora adotando esse discurso no setor econômico,
buscava, na área de política externa, como um “global player”, “promover uma atuação
internacional protagônica”, expressa no conceito da busca da “autonomia pela integração”, 675
através de uma perspectiva mais institucionalista, que promovesse o respeito às regras do jogo
internacional. Com relação aos EUA, já em 1995, iniciou-se uma busca de melhores relações
bilaterais, favorecidas pela política de estabilização macroeconômica, apreciada por
Washington, pela adesão do Brasil ao Missile Technology Control Regime (MTCR) e, em
1998, ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), configurando, assim, uma maior
aproximação sem alinhamento automático. 676

672
Ibidem, p. 44 e 89.
673
Eli Diniz. “Empresário, Estado e Democracia...”, op. cit., p. 15, 17 e 18.
674
Eli Diniz. “Globalização, Reformas Econômicas...”, op. cit., p.17, 19, 20.
675
Flávia de Campos Mello, op. cit., p. 13 e 16.
676
Tullo Vigevani, Marcelo F. de Oliveira e Rodrigo Cintra. Política externa no período FHC: a busca de autonomia pela
integração, Tempo Social, USP, volume 15, no 2, novembro de 2003, p. 32 e 42-43.
192

No tocante à aviação comercial no Brasil, provavelmente, em função da crise política


vivida pelo país durante o processo de “impeachment” do presidente Collor, houve uma certa
redução no ritmo da desregulamentação, contudo, no governo Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002), novas mudanças estruturais aumentariam ainda mais a concorrência. Fernando
Henrique, ao contrário de Collor, podia contar com uma numerosa base parlamentar, cerca de
74% das cadeiras, um percentual que se manteve durante quase todo o seu primeiro mandato,
677
e que lhe garantia estabilidade e segurança para a aprovação de sua agenda de mudanças.
Todas vistas e tratadas como um reflexo dos novos tempos, quando a modernidade se fazia
presente na figura de especialistas, em geral jovens, atuantes e respeitados no exterior.
Na VARIG, que sempre seguiu a cartilha do governo, desde a posse de Fernando Pinto
na presidência, em 1996, que isso tinha virado “oração”. Presidente, diretores e diversos
outros profissionais, em geral jovens e vindos de outras empresas, eram convocados para
enfrentar uma dívida de 2,4 bilhões de dólares. 678 O quadro funcional precisava ser motivado
(o índice de pontualidade da empresa naquele ano pode ter sido um reflexo: 97% nos vôos
domésticos e 94% nos vôos internacionais) e as influências do passado precisavam ser
removidas. Principalmente as culturais e para exemplificar tal mudança, pode-se citar a
resposta do diretor comercial da empresa à seguinte pergunta, publicada na revista Rosa dos
Ventos, em 1997: “Que contribuição a nossa empresa poderá oferecer para o incremento do
turismo no Nordeste? R: Eu inverteria esta pergunta. Qual a contribuição que o Nordeste
poderá oferecer para o incremento das vendas da Varig?” Não era mais a VARIG a serviço do
país, mas sim o país a serviço da VARIG. E mais: “Vamos ser uma empresa global, que cada
vez mais pensa o mercado mundial, que vai ter o inglês como a segunda língua fluente, vai ser
líder na América do Sul, vai ser rentável e terá uma marca cada vez mais forte. Teremos um
corpo funcional profissionalizado, com uma produtividade semelhante à verificada
mundialmente e com uma cultura voltada ao resultado.” Vê-se que a empresa deixava de se
afirmar brasileira, para se afirmar global e com uma nova cultura voltada agora para o
679
resultado e não mais para o cliente ou para o país. Um resultado cada vez mais difícil de
ser alcançado, face as mudanças, cada vez mais avassaladoras.
No mercado doméstico, durante o ano de 1996, diversas empresas receberam
concessões para explorar o transporte aéreo regular no segmento regional: Total Linhas
Aéreas; Transportes Aéreos Presidente; Rico Linhas Aéreas; Brasil Central Linha Aérea. Em

677
Eli Diniz. “Globalização, Reformas Econômicas...”, op. cit., p.102.
678
Fernando Pinto. “Entrevista concedida por telefone...”, op. cit..
679
Rosa dos Ventos, no 157, 1997, p. 5, apud Monteiro. “A trajetória da Varig...”, p. 101.
193

1997, seria a vez da Itapemirim Transportes Aéreos Regionais e, em janeiro de 1998, pela
Portaria 05/GM5, houve a liberação dos vôos das linhas especiais, criadas em 1991, para
qualquer companhia. A TAM e a Rio-Sul, até então empresas regionais, passavam a competir
em todo o território nacional. A TAM, que nasceu da empresa Taxi Aéreo Marília no início
dos anos sessenta e entrou no SITAR em associação com a Vasp, em 1980, tinha-se
transformado no Grupo TAM, sendo a TAM Transportes Aéreos Regionais a empresa líder.
680
. Em 1996, a TAM deixou o perfil de empresa regional e foi, durante a década, aumentando
sua participação no mercado doméstico até superar o Grupo VARIG. Em 1997, a TAM já
681
tinha dobrado o número de passageiros, chegando a quase meio milhão de pessoas. Até o
transporte oficial do presidente da República em viagens intercontinentais, sob
responsabilidade da VARIG desde 1965, passaria para a TAM, quando Fernando Henrique
Cardoso a contratou para este serviço. Quem primeiro rompeu com essa prática foi Fernando
Collor, quando, logo após as eleições, realizou seu “giro” pelo mundo em aviões fretados,
inclusive um de fabricação russa (IL-56). 682
Em 1997, após vários resultados negativos consecutivos, a VARIG apresentou em seu
683
balanço anual um resultado positivo de R$ 27.837,00. O “novo” estaria dando certo? E
ainda dentro do discurso da modernidade incluía-se a globalização e, já enquadrada nesse
espírito, a VARIG ingressou, em outubro de 1997, na Star Alliance, um acordo operacional
entre grandes empresas. À época: Air Canada, Lufthansa, SAS, Thai Airways, United Airlines
e VARIG. Hoje são 17 empresas associadas e a VARIG dela não mais participa. A Star
684
Alliance era considerada a maior aliança de companhias aéreas do mundo, uma aliança de
alcance verdadeiramente global, com o objetivo de maximizar recursos, através da integração
das malhas de vôos, dos sistemas de reservas e dos programas de milhagens das companhias
associadas.
Com a crise econômica mundial, desencadeada em 1997, a VARIG foi obrigada a
iniciar outro processo de reestruturação e dentro desse processo foram assinados contratos
com a IBM e com SITA, no valor de US$ 400 milhões, estabelecendo uma parceria
estratégica na área de Tecnologia da Informação, incluindo a transferência para a IBM de
todos os processos da área de informática e para a SITA a operação dos serviços de rede de
voz e dados, objetivando, segundo Fernando Pinto, reduzir as despesas da empresa com

680
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 130 e 142-143.
681
Thales Guaracy, op. cit., p. 115.
682
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit...
683
Relatório Anual de Administração da VARIG 1997, p. 18.
684
“VARIG 75 anos”, op. cit., p 6.
194

685
informática e melhorar sua rentabilidade. Terceirizar estava na moda. Também em 1997,
outro importante marco da aviação comercial seria transposto. A Comunidade Européia e os
Estados Unidos assinaram um tratado de “Open Skies”. Era uma tendência irreversível. Tudo
indicando, segundo Expedito Albano da Silveira, a inauguração dos chamados “serviços
internacionais”, isto é, a divisão do mercado em empresas “de primeira classe” (responsáveis
por operações globais) e as de “segunda classe” (responsáveis pela alimentação do sistema).
Isso implicaria, segundo ele, a assinatura de um acordo Multilateral Global, pelo menos para
as áreas mais dinâmicas do transporte aéreo internacional. 686
No plano doméstico, naquele momento, a disputa era cada vez mais acirrada, exigindo
constantes ações, mudanças e inovações para a captação de novos clientes e incentivo ao
turismo interno. A VARIG lançou o programa “Voa Brasil”, oferecendo vôos diários durante
a madrugada, com uma média de 50% de desconto em todos os assentos, levando as tarifas
aéreas a equipararem-se às tarifas dos ônibus-leito. Uma passagem aérea entre São Paulo e
Recife passou a custar, em dezembro de 1997, R$ 197, enquanto a passagem rodoviária
687
custava R$ 134. O objetivo era atrair a população das classes C e D, que vinham sendo
favorecidas pelo Plano Real. Essa campanha gerou uma guerra tarifária em plena alta
temporada do início das férias de verão, algo até então incomum e conseqüência da nova
portaria baixada pelo DAC, em 18 de dezembro de 1997, permitindo o aumento para 65% da
margem de descontos nas passagens aéreas domésticas, que até aquela data não poderia
688
ultrapassar 50%. Em contra-ataque, a Vasp lançou o “Tarifácil”, com descontos de até
60% e a TAM, que nunca havia oferecido descontos, criou a “tarifa light”, com redução de
20%, 30% e 50%. 689
Para a VARIG a administração desse nível agressivo de desconto se tornou possível
graças a outro importante e vultoso investimento da empresa, implantado em 1996, o sistema
para gerenciamento da rentabilidade dos vôos, o Yield Management System, que desde a
década anterior já era utilizado pelas companhias norte-americanas, e que permitia a oferta de
classes variadas, com tarifas diferenciadas e em quantidades que também variavam por
vôo/data. Inclusive, no Relatório Anual de 1996, a presidência já havia creditado a esse

685
“Parcerias levam ao aperfeiçoamento”, Guia Aeronáutico, outubro de 1997, p. 10.
686
Silveira, op. cit., p. 3.
687
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume II, op. cit., p. 25.
688
“Varig prevê faturamento de US$ 3,2 bi este ano” e “Transbrasil também reduz preços de vôos”, Jornal do Commércio,
19 de dezembro de 1997, p. A-8 e Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 15.
689
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 32.
195

sistema parte da responsabilidade pela recuperação na receita dos vôos registrada a partir de
junho daquele ano. 690
Na semana seguinte a essa nova portaria do DAC, seria introduzida outra mudança no
mercado. As operadoras de vôos charter ficaram desobrigadas de vender passagens vinculadas
a pacotes turísticos e, em janeiro de 1998, os descontos em relação aos valores das tarifas
regulares desses serviços, que até então, estavam limitados a 65%, foram também liberados,
691
aumentando a oferta e, conseqüentemente, a concorrência com as empresas regulares.
Logo em seguida, em fevereiro, foram também liberados para qualquer companhia aérea os
vôos entre os aeroportos centrais do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. 692
E a VARIG “mordia a isca” do liberalismo, passando a concorrer com sua subsidiária Rio-
Sul. “Em 45 anos de aviação eu nunca vi coisa assim”, declarava à Revista Veja, o empresário
Omar Fontana, dono da Transbrasil, que, seguindo o movimento geral, baixava seus preços
em até 45%. Omar se referia às sucessivas quedas nos preços das passagens aéreas, em que os
descontos de 60% eram aplicados a vôos operando em qualquer hora do dia e para qualquer
destino doméstico. Ao mesmo tempo em que os preços caíam, as empresas aumentavam
também o número de vôos em plena baixa temporada. 693
Essa declaração “assustada” de Omar Fontana refletia as radicais mudanças no
mercado da aviação, porém, o setor industrial do país também estava “revoltado”, após uma
década de reformas liberais, como pode-se perceber na seguinte declaração de Roberto
Nicolau Jeha, então secretário-geral da FIESP, em agosto do mesmo ano: “Estamos de
joelhos. Nós somos uma raça em extinção. O industrial brasileiro está acabando e não temos
mais dignidade. Estamos sendo conduzidos ao matadouro e cantando vivas à modernidade.”
694

Enquanto Omar Fontana se mostrava assustado e Roberto Nicolau Jeha se sentia de


joelhos, a presidência da VARIG declarava, também em 1998, no seu Relatório Anual
referente ao Exercício de 1997:

Acreditamos, ademais, que a flexibilização da atividade de transporte aéreo no mercado


interno, com maior liberdade de fixação de tarifas e com a alternativa de operar linhas
estratégicas a partir dos aeroportos centrais nas maiores cidades, gera novas oportunidades
de crescimento, para as quais nossa empresa está se preparando [...]. 695

690
Relatório Anual de Administração da VARIG 1996, p.4.
691
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 66.
692
“Transbrasil também reduz preços de vôos”, Jornal do Commércio, 19 de dezembro de 1997, p. A-8.
693
Thales Guaracy, op. cit., p. 110 e 112.
694
Florência Costa. “Lula divulga proposta de política industrial e empresário da FIESP critica o governo”, O Globo, 19 de
agosto de 1998, p. 5.
695
Relatório Anual de Administração da VARIG 1997, p. 22.
196

Um discurso de quem de “cima” da sua histórica realeza, não admitia perder a


majestade, nem a identificação, também historicamente desenvolvida, com o discurso do
governo brasileiro. Aliás, além da manutenção daquela tão marcante conduta da VARIG,
havia em Fernando Pinto, outra característica que o ligava aos dirigentes do passado, era o seu
carisma junto ao quadro funcional. O problema é que, além de todas as dificuldades
conjunturais, enfrentadas por sua administração, havia outra a ser enfrentada. Com a criação
da FRB-PAR, a liderança da VARIG deixou de ser absoluta. O fato é que para a aviação
comercial brasileira como um todo, o ano de 1998, foi um ano revolucionário. As promoções
começaram exatamente pelo setor de onde menos se esperava tal movimento, que era a Ponte
Aérea. Uma iniciativa da TAM, que em março de 1998, após obter autorização do DAC,
aumentou o número de freqüências de seis para vinte e três vôos semanais, reduzindo a tarifa
de R$ 158,34 para R$ 119,00. 696 Segundo a concorrência, a TAM tentava assim compensar a
entrada das demais empresas nos aeroportos centrais de Congonhas, Santos Dumund e
Pampulha, restritos, até então, à TAM e a Rio-Sul. 697 Segundo Luciano Melo Ribeiro

como resultado, de fevereiro a agosto houve um aumento de vinte e cinco por cento no
número de passageiros embarcados em vôos domésticos, tanto no segmento nacional quanto
no regional. Somente no mês de julho, 250 mil novas pessoas viajaram de avião, passageiros
que nunca haviam entrado em uma aeronave. 698

Segundo informações da Embratur, desde a implantação do Plano Real, com a


estabilização da economia, o número de brasileiros viajando a turismo já havia crescido 30%.
Esse fato tornou possível a realização do sonho das viagens para uma nova camada da
população, graças aos pacotes turísticos, oferecidos pelas empresas de fretamento e que
699
incluíam as passagens aéreas, hotéis e excursões, em condições muito mais acessíveis. A
própria Embratur, visando redução nas tarifas e aumento de ofertas, em função da competição
entre as companhias, passou a pressionar o governo federal para acelerar o processo de
desregulamentação do setor. No Brasil, em função do problema da concentração de renda, é
pequena a participação das viagens de turismo na demanda total do setor, onde a maior parte
dos passageiros, 74%, é composta por executivos de alto poder aquisitivo. 700

696
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 33.
697
Thales Guaracy, op. cit., p. 110
698
Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 146.
699
Roberto Luiz. “Turismo quer preços competitivos e não suicidas”, Guia Aeronáutico, abril de 1995, p. 14.
700
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 14 e 58.
197

No entanto, depois da euforia veio a inadimplência e não foram poucas as agências de


viagens que diminuíram e até mesmo encerraram as suas atividades. “Nunca se gastou tanto.
Nunca se compraram tantos pacotes turísticos e tantas passagens aéreas, sendo a maioria paga
através de cheques pré-datados ou com cartão de crédito”. O problema chegou a atingir 41%
das empresas do setor. O percentual de atrasos nos pagamentos que era de 2,5% passou para
6,3%. 701 E novas empresas de vôos charter continuavam surgindo, como a Fly Linhas Aéreas,
a Via Brasil e a Nacional Transportes Aéreos e todas deixaram de operar a partir da crise de
2001.
Os resultados da VARIG do ano de 1998 frustraram as melhores expectativas
desenvolvidas pela alta administração, que teve que enfrentar um resultado operacional (- R$
298 milhões) fortemente agravado pelos encargos financeiros (R$ 266 milhões). Nesse
Relatório a empresa afirmava que na raiz do seu processo de descapitalização estava o
congelamento imposto pelo Governo às tarifas domésticas, no período 1989/94, depositando
suas esperanças na ação de indenização que estava sendo movida contra a União, com
sentença favorável em primeira instância, desde março de 1993 e com jurisprudência já
estabelecida pela vitória da Transbrasil em ação semelhante. Em 1999, o quadro seria ainda
pior devido a abrupta mudança na política cambial do país, processada logo no primeiro mês
do ano, causando um enorme impacto no endividamento e no custo operacional das empresas
de transporte aéreo (combustível, aluguel de aeronaves, etc), cujos recursos e insumos são
cotados em dólares. Esses problemas foram mais agravados pela forte contração na demanda
que chegou, nos meses seguintes, a 14% no tráfego doméstico, e 26% no internacional. Tais
acontecimentos levaram a VARIG a uma completa reestruturação operacional e financeira. Os
nove membros do Conselho de Administração da Empresa foram substituídos, 702 a oferta foi
reduzida em 20% no internacional e 17% no doméstico e a frota diminuída em 14 aeronaves.
Nas operações domésticas, cujas receitas são em Real, mas grande parte das despesas são em
dólar, os mesmos níveis de descontos oferecidos até 1998 não puderam ser mantidos e o DAC
autorizou, em junho de 1999, um aumento de 10,9% no preço das passagens domésticas. 703
Entre março e junho de 1998, o número de freqüências na rota Rio-São Paulo passou
de 36 para 74, um aumento de 105%, levando a participação do pool da ponte-aérea na rota a
704
cair de 83% para 40,54%. Como conseqüência, em 1999, a Ponte Aérea, como sistema
unificado, chegaria ao fim. A Varig criou um sistema integrado com as aeronaves da Rio-Sul

701
Ruth Maria. “Turismo teve inadimplência Record em 1996”, Guia Aeronáutico, dezembro de 1996, p. 16.
702
Relatório Anual de Administração da VARIG 1998, p. 3-4 e 10 e Relatório Anual, 1999, p. 8 e 9
703
Monteiro. “A trajetória da Varig...”, op. cit., p.88.
704
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 23.
198

e a Ponte Aérea foi oficialmente extinta como um pool de empresas. Os bilhetes podem até
ser endossados, mas não são mais automaticamente aceitos. 705 E mesmo em meio a toda essa
crise, a VARIG ainda conseguiria receber várias premiações naquele ano, como a de melhor
companhia aérea da América Latina, América Central e Caribe, outorgada pela Official
Airline Guide (OAG) Airline of the Year e a de melhor companhia aérea da América Latina,
outorgada pela International Airline Passenger Association (IAPA) e pela World Travel
Awards, eleição feita por 21.000 agentes de viagem de 195 países. Receberia também o
prêmio de melhor transportadora de carga aérea das Américas no Século XX, pela Air Cargo
Américas International Congress and Exhibition e melhor transportadora de carga aérea no
Brasil, pela quinta vez consecutiva, pela Editora Update, Revista Global.
A década de 1990 chegava ao fim e após dez anos de práticas neoliberais introduzidas
no mercado brasileiro de aviação, não tão desregulamentado quanto o norte-americano, mas
guardada as devidas proporções de volume e poder, bastante “flexibilizado”, deparávamo-nos
com muitas das conseqüências experimentadas pelos norte-americanos ao final da década de
1980. Portanto, os mesmos 10 anos de experiência foram necessários para que muito do que
aconteceu lá se repetisse por aqui. A despeito do quanto seria mais adequado desenvolver
soluções apropriadas à nossa realidade, a cópia pura e simples das soluções alheias já
mostrava os equívocos das “certezas” iniciais. Bastava para aqueles que acreditavam que a
cópia era o ideal, aprender com a experiência dos EUA, que no início do processo de
liberalização brasileiro já estava disponível para quem quisesse ver. No início da década de
1990, o que se observava no mercado norte-americano de aviação podia ser traduzido como
concentração. Na primeira fase do processo de desregulamentação daquele país pode-se dizer
que havia livre concorrência entre as empresas, contudo, na fase de consolidação do processo,
após várias fusões e aquisições, aquele mercado passou a ser tão concentrado quanto ao final
da década de 1970. Principalmente com o desenvolvimento dos chamados hubs, aeroportos
que funcionam como centros de conexões de determinadas companhias aéreas, que lá
706
concentram suas operações. No Brasil, no início desse novo século, a mesma situação de
concentração de mercado, com o duopólio TAM / Gol, pode ser observada.
Em 2003, o prêmio Nobel Joseph Stiglitz concedeu uma entrevista ao jornal O Globo,
a respeito da economia norte-americana, onde dizia:

705
Relatório Anual de Administração da VARIG 1999, p. 6.
706
K.M.V. Costa, “An Investigation of the Likely Impact of Current Trends in Air Transport Regulation on South America”,
Cranfield Institute of Technology, College of Aeronautics, M. Sc. Thesis, September 1989, p. 145.
199

Nós herdamos muitas regulamentações ultrapassadas, da década de 30. Era evidente que
precisávamos mudar as leis, mas também adotávamos com freqüência o mantra da
desregulamentação. Logo, nos desfizemos de muitas regulamentações, quando na verdade
deveríamos ter nos perguntado quais eram as leis necessárias à nova era. 707

Criando um paralelo desta análise de Stiglitz com a situação da aviação comercial no


Brasil, pode-se questionar: Será que o mesmo não teria acontecido no Brasil? Será que os
raciocínios simplistas “maior concorrência, maior eficiência” ou “menos Estado e mais
mercado”, não estão sendo levados longe demais? Será que não faltou enxergar melhor a
realidade e as especificidades brasileiras?
Durante toda a década de 1990, a imprensa, seguia apoiando as radicais mudanças no
mercado da aviação no Brasil, declarando:

Por décadas a fio, as grandes companhias ditaram os preços como bem entenderam, numa
relação de lucrativa promiscuidade com o Departamento de Aviação Civil, o DAC, controlado
pelo Ministério da Aeronáutica. Nessa época, a única competição entre empresas era para ver
quem recebia mais favores do governo, que tinha plenos poderes na concessão de linhas e
usava dessa prerrogativa para beneficiar quem mais o interessava. [...] Quem pagava o pato
por esse clima de compadrio entre empresas e o governo eram os passageiros. [...] O dado
decisivo da mudança foi a abertura promovida pelo governo, que em tempo recorde,
praticamente liberou o mercado. [...] Permitiu-se que as empresas fizessem seus próprios
preços, dando os descontos que quisessem. Por fim, multiplicaram-se as concessões de novos
vôos para todas companhias. Em resumo, criou-se a situação de todos contra todos.
Funcionou. 708

E a pergunta que nos resta é: Funcionou para quem? Porque para a gigante e
imponente VARIG ficava cada vez mais difícil fazer frente a concorrentes nacionais, cujas
estruturas organizacionais eram tão menores e que também não carregavam as dívidas e
prejuízos herdados das tantas crises brasileiras e mundiais das décadas passadas. Por mais
enxugamento que a empresa fizesse em sua estrutura de custos, com os chamados cortes de
supérfluos, nunca chegaria a simplicidade da estrutura dessas novas empresas. E pensar que
apenas uma década antes esses supérfluos eram muito valorizados e faziam toda a diferença
no atendimento e no padrão de excelência, tão orgulhosamente ostentados pela empresa e
valorizados pelo público.
O pior do apoio da imprensa estava exatamente na insistência em defender a
desregulamentação do mercado brasileiro, comparando-o ao mercado norte-americano e aos
resultados vantajosos por eles experimentados, como o fato do número de passageiros naquele
país ter dobrado de volume e como se isso pudesse ser medido apenas em função do processo
de desregulamentação iniciado ao final da década de 1970. Em 1998, enquanto nos EUA eram

707
Stiglitz. “Entrevista”, op. cit., p. 17.
708
Thales Guaracy, op. cit., p. 110.
200

vendidos por ano uma média de dois bilhetes de passagens para cada cidadão norte-
americano, no Brasil esse número alcançava a triste média de menos de um oitavo de bilhete
por pessoa. O poder de uma empresa como a United Airlines era tanto que ela chegava a
parcelar em dez prestações, sem juros, de US$ 101, uma passagem para Nova York. Com
apenas US$ 1395 podia-se ir a Europa com escala de alguns dias nos EUA, ou por US$ 1188
ir a Honolulu, conhecendo duas cidades no Canadá. E a imprensa ainda declarava: “A
vantagem é que, no mundo inteiro, esse tem sido um vôo sem volta atrás”. 709

4.3.1 As conseqüências das políticas neoliberais na aviação civil brasileira


em uma década

Em junho de 1991, Wagner Canhedo concedeu o seguinte depoimento:

Custa crer [...] que pessoas inteligentes, como se supõe serem aquelas que escrevem
editoriais nos jornais, sintam-se tão afetadas pelo receio provinciano da eventual exposição do
mercado brasileiro às empresas americanas. Ora, o mercado americano é muito maior do que o
brasileiro. Se o nosso está se abrindo a elas, o delas está se abrindo a nós por força do contrato
de reciprocidade. Só teremos a ganhar com aquele imenso mercado. 710

Em 2000, ao final de uma década, no entanto, os números do mercado internacional


demonstravam exatamente o contrário. Enquanto toda a capacidade autorizada pelos acordos
bilaterais era utilizada pelas congêneres estrangeiras, pelo lado brasileiro, como mostra o
quadro seguinte, 711 essa capacidade era subaproveitada.

Tabela 5

Número de Empresas Operando em 2000


Acordos Bilaterais Brasileiras Estrangeiras
Brasil-EUA 105 vôos / semana por Bandeira 57 105

Brasil-
Europa 98 vôos / semana por Bandeira 67 98

Brasil-Ásia 13 vôos / semana por Bandeira 7 13


709
Ibidem, p. 113, 115 e 116..
710
Wagner Canhedo, “Cortina de fumaça”, Folha de São Paulo, 07 de junho de 1991, p. 3-2.
711
“Mercado Internacional”, documento interno da VARIG, novembro de 2000, p. 14.
201

Na prática, isso significa dizer que as empresas brasileiras só mantiveram


programados aqueles vôos que podiam operar com um mínimo de aproveitamento viável. Por
outro lado, as empresas estrangeiras, em função da importância marginal do nosso mercado
para elas, preocupavam-se, principalmente, em garantir sua total presença. No caso da
VARIG, nas rotas internacionais mantidas, a média de aproveitamento na década de 1990, foi
a mesma praticada na década de 1980, isto é, 68%. A VARIG, que era líder absoluta do
mercado e voava, em 1990, para 45 cidades no exterior, passou a voar, em 1999, para apenas
712
26 cidades, cancelando sua presença nas rotas que davam prejuízo em função do baixo
aproveitamento (excesso de oferta) ou em função do mix tarifário praticado não permitir
cobrir os custos operacionais (“guerra” de tarifas). 713.
Das seis maiores empresas do mundo em número de passageiros transportados, todas
norte-americanas, quatro passaram a voar para o Brasil. A política adotada desde 1990
favoreceu completamente as empresas estrangeiras, principalmente as norte-americanas,
fortalecidas por sua hegemonia econômica, economia de escala, pelo advento do custo Brasil
e pela divisão da concorrência. 714 Somente na questão da economia de escala, a vantagem das
empresas norte-americanas era imensa. Em 1996 os EUA geraram cerca de 60% do total de
715
embarques realizados no mundo e isso lhes permitia operar com uma média de
aproximadamente 150 funcionários por avião, caso da American Airlines e da United
Airlines, enquanto as européias operavam com uma média de 200, como é o caso da British
Airways e da Ibéria e as asiáticas com um número bem maior. A Singapore operava com
cerca de 350 funcionários por avião e a Cathay Pacific, com 250. A VARIG equiparava-se
com as européias, numa média de 205 funcionários por avião. 716
O gráfico, a seguir, 717 destaca a enorme superioridade das empresas norte-americanas
sobre as brasileiras, no que se refere ao volume de tráfego, oito anos após a abertura do
mercado brasileiro, que passou de duas para oito empresas operantes, saindo de uma oferta de
cinqüenta freqüências semanais, na década de 1980, para duzentas freqüências semanais em
1998. 718

712
Relatório Anual de Administração da VARIG 1999, s/p.
713
Anuário Estatístico da ANAC.
714
“Mercado Internacional”, op. cit., p. 3.
715
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 130.
716
Idem, p. 75 e volume II, op. cit., p. 29.
717
“Mercado Internacional”, Volume I, op. cit., p. 13.
718
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, op. cit., p. 34.
202

Gráfico 2

Empresas Americanas X Brasileiras


Tráfego Doméstico + Internacional
( 1998 - Milhões)

175,2

Fonte: World Air Transport Statistics – 1998

Esta enorme superioridade do mercado norte-americano, ao final de quase duas


décadas de abertura, considerando-se a abertura gradual da década de 1980, com a introdução
dos vôos charter, e a abertura radical da década de 1990, com a multi-designação, resultou,
como pode ser observado no quadro a seguir, numa acentuada queda de participação da
VARIG, que em 1980 era em torno de 92% e, em 2000, amargava a irrisória taxa de 21% de
participação.
203

Gráfico 3

Fonte: Anuário Estatístico da ANAC (Origem Brasil)

A mesma queda pode ser também observada, na década de 1990, nos mercados
europeus, citando-se como exemplo, os mercados de Portugal, Espanha, França e Itália,
destacados no quadro a seguir:

Gráfico 4

Participação da VARIG nos Mercados Europeus

Fonte: Anuário Estatístico da ANAC (Origem Brasil)

Na Europa os países optaram por fortalecer suas empresas de bandeira, através da


manutenção da mono-designação, diferentemente da opção das autoridades brasileiras. Como
204

conseqüência, a participação da VARIG, nesse mercado, caiu consideravelmente. Os


719
próximos gráficos exemplificam esta situação na Europa, onde LH é o código IATA da
Lufthansa, assim como RG da VARIG, VP da Vasp, BA da British Airways, TR da Transbrasil, IB da
Ibéria e TP da TAP.

Gráfico 5
ALEMANHA

45% 45% 40%


35%
LH
LH
RG 13%
RG
VP

1990 1999

Gráfico 6
INGLATERRA

58% 55%
42%
34%

BA RG BA RG 11%
TR

1990 1998

719
“Mercado Internacional”, op. cit., p. 6.
205

Gráfico 7

ESPANHA

42% 38%
38%
29%
I RG I 16%
B B RG
V
P
1994 1999

Gráfico 8

PORTUGAL

(Fonte: IATA / MIDT – Market Information Data Tape.)

A experiência, em todos os mercados, demonstrou que a participação de várias


empresas brasileiras competindo no mercado internacional diminuiu a força da empresa
pioneira, a VARIG, e não acrescentou ganhos substanciais àquela nova operadora. Vale
observar que do lado da concorrência européia, com a manutenção da mono-designação,
720
fortaleceu-se o desempenho das empresas designadas daqueles países, e o gráfico abaixo,
sobre a lucratividade das empresas brasileiras no mercado internacional, negativa em todo o
período, com exceção do ano de 1994, ratifica o quanto essa estratégia foi equivocada.

720
Ibidem, p. 7.
206

Gráfico 9

Fonte: Anuário Estatístico DAC

Ainda há a importantíssima questão do desemprego, que na década de 1990, diante do


novo paradigma neoliberal que se impôs na aviação, teve uma perda de quase doze mil postos
de trabalho, representando uma redução de 29%, como demonstra a tabela seguinte. Trata-se
de um verdadeiro retrocesso quando comparado às décadas de 1970 e 1980, quando houve
crescimento no emprego de 37% e 27%, respectivamente. Isso tudo sem falar nos empregos
indiretos. Só a VARIG, em 1990, direta e indiretamente, representava mais de cem mil
pessoas. 721

721
Rosa dos Ventos, no 99, 1990, p. 2.
207

Tabela 6

Empregados na Indústria de Aviação (1970-1999) *


Ano Empregados
1970 21.421
1972 21.625
1976 27.214
1979 29.422
1980 31.117
1982 34.122
1986 38.736
1989 39.559
1990 40.346
1992 37.814
1996 29.538
1999 28.490
* Empresas Nacionais
Fonte: ANAC - Anuário Estatístico

4.3.2 Os novos desafios da VARIG e da aviação civil brasileira no novo


século

Na VARIG, o ano 2000 se iniciava com um discurso de Sinergia, sendo instituído o


Comitê Permanente de Sinergia, do qual participavam os presidentes, diretores e gerentes das
três transportadoras, VARIG, Rio Sul e Nordeste, que embora sob controle acionário comum
e com políticas de vendas únicas, mantinham suas estruturas administrativas separadas,
722
inclusive com estratégias de marketing independentes. Ocorreria a constituição, em 20 de
janeiro de 2000, da VarigLog, uma empresa de cargas e logística, com uma nova dimensão de
723
atendimento global e, em 28 de janeiro de 2000, seria efetuada uma cisão parcial da
VARIG, com o seguinte registro efetuado em seu Relatório Anual:

[...] sendo vertidas parcelas de seu patrimônio e de seu passivo exigível para duas novas
companhias, VARIG Participações Em Transportes Aéreos S.A. (VPTA) e VARIG
Participações Em Serviços Complementares S.A. (VPSC). O resultado mais imediato dessa
iniciativa do acionista-controlador (FRB-Par) é que a VARIG, S.A (Viação Aérea Rio-

722
Relatório Anual de Administração da VARIG 1999, p. 9.
723
Relatório Anual de Administração da VARIG 2000, p. 43.
208

Grandense) não tem mais subsidiárias – transferidas para as holdings recém criadas [...]. A
VARIG, a partir da cisão, fica apenas com as atividades ligadas ao transporte aéreo.” 724

Isto quer dizer que a VARIG foi desmembrada em três empresas, a VARIG,
propriamente dita, tendo como subsidiárias a VarigLog (desde 2000) e a VEM (desde 2001), a
VPTA englobando a Rio Sul, a Nordeste e a Rotatur (empresa constituída para operação de
vôos charter) e a VPSC englobando a empresa Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo
(SATA), o Amadeus Brasil e a Rede Tropical. Todas as três sob controle da holding FRB-
PAR. E o otimismo, bem como os elogios às medidas governamentais se mantinham:

Acima de tudo, num setor de atividade tão sensível ao quadro conjuntural, como o nosso, é
auspicioso verificar que os ‘janeiros’ de 1999 e 2000 diferem radicalmente. O cenário que se
desenha agora é o de um país que administrou competentemente a crise, resguardou a
estabilidade da moeda, financiou o déficit em conta corrente com o saudável ingresso de
volumoso investimento externo, manteve o ritmo das reformas da constituição, progrediu no
rumo de um ajuste fiscal, deteve o crescimento da dívida líquida do setor público em relação
ao PIB, sinalizando, assim, objetivamente, a retomada do crescimento. Tenho certeza de que,
vitoriosa na adversidade, a VARIG saberá também ganhar o momento, em benefício do país,
de seus acionistas e de todos os que aqui trabalham [...] 725

A mensagem acima, escrita em 2000, no Relatório Anual da Empresa sobre o


exercício de 1999, já não foi mais assinada por Fernando Pinto, afastado da presidência,
naquele ano, pela acionista-controladora, FRB-PAR. Em seu lugar, assumiu Ozires Silva,
dando início, assim, a uma interminável troca de nomes nesta cadeira. Ozires Silva ficaria
ainda na empresa por mais três anos e, sua gestão coincidiria com o início da desaceleração da
economia norte-americana e mundial, que somados aos atentados terroristas de 2001,
agravariam muito mais a situação das empresas de transporte aéreo. No caso da VARIG, que
há mais de uma década já vinha administrando crises e resultados negativos, o ano de 2001
foi ainda mais difícil. Esperava-se alguma atitude por parte do governo brasileiro que,
percebendo a situação gravíssima vivida pela indústria, pudesse, pelo menos, diminuir a
magnitude das dificuldades, a exemplo do que, naquele momento, era praticado pelas
autoridades norte-americanas. Estas, na política alheia, pregavam o afastamento do Estado da
Economia, exatamente o que as autoridades brasileiras, disciplinadamente, já vinham
implantando na sua aviação comercial, há uma década. No entanto, em seu próprio território,
quando consideram importante para o bem estar da economia nacional, como é o caso do
transporte aéreo, visto como essencial, não hesitam em socorrer a iniciativa privada, como

724
Relatório Anual de Administração da VARIG 1999, p. 10.
725
Idem, p.3.
209

fizeram após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, ou como em muitas outras


situações de crise, a exemplo da vivida no ano de 2008.
A ajuda norte-americana às empresas aéreas daquele país se deu na forma de ofertas
alternativas

de subsídios diretos às empresas, garantias para o levantamento de empréstimos,


suspensão temporária de impostos e modificações das legislações relativas aos custos de infra-
estrutura e aos de segurança nos aeroportos, oferecendo apoio adicional para a cobertura dos
novos níveis de seguros de responsabilidade civil..726

Tudo feito com amplo apoio da opinião pública e do setor econômico do país. Por
outro lado, no Brasil, o quadro das dificuldades estruturais das empresas, que clamavam por
apoio governamental, incluía:

• Impostos bastante mais altos do que os que afetam nossos concorrentes


internacionais;

• Custos de operação da infra-estrutura em geral maiores do que os


encontrados em países que ostentam as melhores empresas do setor;

• Combustíveis e lubrificantes que, onerados pela tributação, aumentam


significativamente os custos operacionais;

• Compras financiadas dos aviões importados (praticamente a totalida-


de) mais onerosas, com prazos menores do que aqueles conseguidos
pelas concorrentes americanas e européias;

• Estoques de peças de reposição os quais, devido às nossas conhecidas


dificuldades para importação, são mais altos do que, por exemplo, as
empresas norte-americanas e européias (pátrias dos usuais fornecedores
de equipamentos e componentes aeronáuticos). 727

Além dos fatores apresentados acima e da acentuada queda na demanda, as empresas


brasileiras ainda tinham que lidar, no setor doméstico, com acentuados aumentos de oferta,
inclusive, pelo surgimento de novas empresas que se concentravam exatamente nos mercados
de maior movimento e rentabilidade. Em 2001, a GOL, dentro de um conceito até então novo
no Brasil, o das “LCC”, Low Cost Carriers, que oferecem tarifas reduzidas em função do
corte de “supérfluos” operacionais. Contudo, contrastando com a política praticada pelas
LCCs norte-americanas e européias, que costumam concentrar suas operações em aeroportos
de menor movimento, mais distantes dos grandes centros e, em conseqüência, com tarifas
aeroportuárias menores, a Gol procurou desenvolver sua malha partindo dos aeroportos
centrais, principalmente Congonhas. O sucesso foi tão estrondoso que em fins de 2002 ela já

726
Relatório Anual de Administração da VARIG 2001, p. 5.
727
Idem, p.6.
210

detinha a terceira posição no mercado doméstico. 728.Empresas como a Gol, em texto assinado
por Ozires Silva,

[...] não influenciadas por fatores do passado, estão se mostrando capazes de ocupar
espaços no mercado e induzir os passageiros a conseguir suas viagens, pela via atrativa de
passagens a preços mais baixos. [...] elas passaram a ser vistas como uma solução nova que
deveria ser copiada pelas tradicionais marcas presentes no mercado. Entretanto os problemas
estruturais que dificultam o trabalho das operadoras mais antigas estão presentes e, se nada se
alterar, elas mesmas, as novas, poderão sofrer em futuro não muito distante dificuldades
semelhantes de resultado e de liquidez. 729

Na VARIG, em mais um movimento de reestruturação, seria criada, em outubro de


2001, a partir de uma de suas “Unidades de Negócios”, a VEM, que através de serviços
prestados à VARIG e à congêneres conseguiu apresentar, em 2003, um faturamento bruto 8%
superior ao ano de 2002. E Ozires Silva, a exemplo das presidências anteriores da VARIG,
também encerraria mais um exercício elogiando, em seu Relatório Anual, os novos
regulamentos flexíveis e modernizados introduzidos pelas autoridades brasileiras:

As empresas brasileiras estão tecnológica e operacionalmente equipadas para uma jornada


vitoriosa [...]. Para que tudo isso possa acontecer, o setor conta com a colaboração de uma
força de trabalho de alto nível e competente, de perspectivas animadoras propiciadas por
posturas promissoras das autoridades que, por via de novos regulamentos flexíveis e
modernizados ofereçam perspectivas de maior competitividade às empresas nacionais. 730

Contraditoriamente ao elogio acima, em 2002, após registrar o elevado endividamento


da companhia, Ozires admitia que “na atual conjuntura da aviação comercial brasileira é
forçoso reconhecer a necessidade de construção e consolidação de um novo marco regulatório
da atividade, capaz de fortalecer e aprimorar o desempenho da indústria do transporte aéreo
731
no país”. Nesse ano o Brasil, às vésperas das eleições presidenciais, vivia momentos de
incerteza que se refletiam numa acentuada desaceleração dos investimentos produtivos,
gerando redução ainda maior numa demanda, que desde os atentados terroristas de 2001, já
era drástica em todo o mundo, e segundo a IATA, principalmente nos bilhetes com premium
yield, gerados pelo mercado das viagens corporativas e já indicando uma mudança na
estratégia das empresas. No Brasil, a despeito dessa visível redução na demanda, ainda havia,
por conta de um acirrado processo competitivo, crescimento na oferta em cerca de 3,6%, e
significativa redução nos preços das passagens, graças a liberdade tarifária introduzida

728
Monteiro. “A Dinâmica Política...”, op. cit., p. 40.
729
Relatório Anual de Administração da VARIG 2001, p.5.
730
Idem, p. 6.
731
Relatório Anual de Administração da VARIG 2002, p. 3.
211

732
naquele ano. Buscando diminuir ainda mais os custos ocorreria, em setembro de 2002, a
733
integração operacional da VARIG, Rio-Sul e Nordeste e os resultados domésticos
passaram a ser rateados entre as três empresas, proporcionalmente à participação das mesmas
nas rotas. 734
Os atentados terroristas nos EUA, em 2001, geraram, também, acentuado aumento nos
custos, sobretudo com segurança, combustíveis e seguro para todas as empresas, levando a
IATA, em outubro de 2002, a divulgar a seguinte nota na imprensa:

Somente m 2002, as empresas membros da IATA desembolsaram acima de US$ 5 bilhões


para cumprir novas exigências de segurança. A IATA tem, repetidamente, demandado que os
governos assumam suas responsabilidades e insisto para que as empresas sejam isentas destes
custos. O governo deve implementar e pagar pela segurança da aviação civil. 735

Nos EUA, Canadá e na maioria das nações européias essa ajuda foi substancialmente
efetiva, enquanto no Brasil, segundo o Relatório Anual da VARIG referente ao ano de 2002,
foi extremamente irrelevante, num quadro agravado, ainda mais, pela elevada carga tributária,
que atinge 34% da receita, enquanto nos EUA não passa de 7% e na Europa de 15%.
Contudo, a despeito de tantas dificuldades e em meio a tantas crises internas e externas a
736
empresa, naquele ano, ainda conseguiria ganhar mais seis prêmios internacionais, que,
contudo, em nada mudariam seu nível de endividamento e seus resultados operacionais, ainda
mais agravados em 2003, com a guerra no Iraque.

4.4 O governo Luís Inácio Lula da Silva e o fim da VARIG

Em 2003, quando Lula chegou à presidência no Brasil, sua política externa, na opinião
de Alcides Costa Vaz, embora sem configurar “uma ruptura direta com nenhuma das
dimensões centrais da política exterior” do governo Fernando Henrique Cardoso, e nem
introduzindo, tampouco, “elementos inéditos em relação a outros períodos históricos”,
procurou imprimir uma conotação crítica a respeito da condução e dos resultados obtidos por
seu antecessor no campo diplomático, após o declínio do nacional desenvolvimentismo do

732
Ibidem, p. 5 e 6.
733
Relatório Anual de Administração da VARIG 2003, p. 3.
734
Depoimento de Harro Fouquet..., op. cit..
735
Relatório Anual de Administração da VARIG 2002, p. 5.
736
Idem, p. 5 e 6 e 8 e Relatório Anual de Administração da VARIG 2003, p.11.
212

737
final dos anos oitenta. No mercado da aviação, nenhuma mudança se processou nas
políticas anteriormente adotadas e, em 2003, com a queda no volume de tráfego em relação ao
ano anterior, a situação da VARIG já era muito grave, a despeito das medidas de retração da
oferta. Havia, naquele momento uma crise generalizada na aviação mundial, que aceleraria
ainda mais suas perdas, principalmente pela total falta de apoio e de ajuda efetiva por parte
das autoridades brasileiras, que diferentemente do que se passava em outros países, preferiam
analisar o quadro como sendo um problema meramente empresarial, desconsiderando a
importância estratégica da atividade para a política e a economia do país. Enquanto no Brasil
nenhuma ação efetiva de ajuda era desenvolvida para ajudar na recuperação desse importante
patrimônio nacional que era a VARIG, nos demais países desenvolvidos a ação direta dos
governos em socorro às suas companhias aéreas de atuação internacional não cessava.

Apoio direto através de participação acionária e aportes de capital ou através de programas


de ajuda ao setor, patrocinados por governos ou ainda, pela preservação de mercados internos
com vista a melhoria econômica do segmento internacional. Como efeito, no mercado
internacional, a concorrência passa a representar não apenas os interesses econômicos das
empresas individualmente mas também as orientações sócio-políticas das regiões ou países de
origem. No Brasil, porém, ainda não houve orientação política semelhante. Além disso, as
empresas de transporte aéreo têm suportado custos superiores ao das empresas internacionais
com as quais competem diretamente. 738

A VARIG continuava tentando, como através da unificação das malhas das empresas
do grupo, VARIG, Rio Sul e Nordeste, o que gerou uma economia da ordem de R$ 214
milhões, devido à redução das estruturas de apoio, porém, mediante a gravidade do quadro,
nenhuma medida tomada gerava os resultados necessários, levando-a a admitir que o seu nível
de endividamento era desproporcional à sua capacidade de geração de caixa. Naquele
momento, 50% de toda a dívida da empresa era com o Governo Federal, através do PAES, o
programa de parcelamento especial de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social. Esse
montante, somado à dívida junto ao Aerus, representavam 2/3 de toda a sua dívida e ambas
estruturadas a longo prazo. 739
No Brasil, em 2004, o crescimento de 5,2% no PIB, reflexo de uma expansão da
economia mundial, impulsionada, sobretudo, pelo alto nível de crescimento da economia
chinesa, e da retomada da expansão da economia norte-americana, não seria, como de fato
não foi, suficiente para mudar a situação da VARIG, que naquele momento declarava uma

737
Alcides Costa Vaz. “O Governo Lula: uma nova política exterior?” in Clóvis Brigagão e Dimício Proença Junior (org.). O
Brasil e os novos conflitos internacionais, Rio de Janeiro: Gramma: Fundação Konrad Adenauer, 2006, p. 90.
738
Relatório Anual de Administração da VARIG 2003, p. 4.
739
Idem, p. 11 e 15.
213

necessidade premente de recapitalização, depositando suas esperanças na Lei de Recuperação


de Empresas, mais conhecida como Nova Lei de Falências (no 11.101), aprovada naquele ano
e promulgada em 09 de fevereiro de 2005, 740 e à qual acabaria recorrendo, em 17 de junho de
2005, juntamente com a Rio Sul e a Nordeste. Para tal foram contratadas as consultorias
Lufthansa Consulting e UBS, para assessorar na elaboração do Plano de Recuperação. A
primeira na reestruturação operacional e a segunda na parte financeira. 741
Em 19 de outubro de 2005 foi realizada uma Assembléia Geral de Credores, na qual o
BNDES apresentou uma proposta para a criação de uma Sociedade de Propósito Específico
(SPE), com a finalidade de adquirir as ações representativas do capital da VarigLog e da
VEM, com a garantia de concessão de apoio financeiro aos investidores que assumissem o
controle acionário dessa SPE. A TAP transportes Aéreos Portugueses foi escolhida e, em 09
de novembro de 2005, as ações da VarigLog e da VEM foram transferidas para a TAP.
Segundo o jornal Folha de São Paulo, a TAP só teria efetuado essas compras porque sua
intenção era comprar a própria Varig no futuro, mas acabou ficando apenas com a VEM, com
uma estrutura considerada inchada na época e muito dependente da manutenção dos aviões da
742
Varig. Acreditava-se que essas empresas conseguiriam sobreviver mesmo sem a estrutura
da VARIG sobre a qual se apoiavam. No entanto, em 11 de janeiro de 2006, sem que fosse
declarado o motivo, “a VARIG S.A., exercendo a opção garantida no Contrato de Opção de
Compra de Ações e Outras Avenças, concluiu negociações com a Volo Brasil para que esta
adquirisse as ações da Varig Logística S.A., anteriormente alienadas a Aero LB Participações
S.A. (TAP).” 743 Com esse texto, constante de seu Relatório de Vendas de 2005, registrava-se
o início de um processo controverso, envolvendo empresas estrangeiras, a partir do qual
muito se publicou nos jornais e pouco de fato foi esclarecido a respeito do fim da VARIG.
Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, que as pressões políticas, já iniciadas
no governo Collor, se intensificaram para a retirada dos militares do controle sobre o setor e
para a criação de uma agência civil, o que acabou ocorrendo com a criação da ANAC, em
setembro de 2005, já no governo Lula (2003-2010). Pressionava-se também por mudanças
legislativas que concedessem autorização às empresas aéreas estrangeiras para operar rotas
nacionais em vôos de origem internacional, os chamados vôos de cabotagem, bem como, por
aumento na participação acionária de grupos estrangeiros em empresas brasileiras, limitado

740
Relatório Anual de Administração da VARIG 2004, p. 3, 4 e 13. e Relatório Anual de Administração da VARIG 2005, p.
3.
741
Relatório Anual de Administração da VARIG 2005, p. 3
742
Janaína Lage e Maeli Prado, “TAP procura comprador para a VEM”, Folha de São Paulo, 14 de janeiro de 2008,
disponível no site http://www.aerovirtual.org/forum/index.php?showtopic=101691, acessado em 17/03/2009.
743
Relatório Anual de Administração da VARIG 2005, p. 3 e 4.
214

pela legislação em 20%, como descrito na seguinte reportagem do Jornal do Commércio de


1997: “Duas propostas apresentadas nesse sentido são o aumento do percentual máximo de
capital estrangeiro nas empresas brasileiras e o aproveitamento interno das aeronaves
744
estrangeiras em solo brasileiro.” Sobre os vôos de cabotagem assim se pronunciou o
Brigadeiro Mauro Gandra, ex-Ministro da Aeronáutica, ex-Diretor Geral do DAC e ex-
Presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias:

A cabotagem é um tipo de tráfego que em todos países tem sido operado por suas
empresas respectivas. A União Européia propôs aos Estados Unidos um acordo para
exploração recíproca do tráfego de cabotagem. Seria de um lado o mercado doméstico
americano, do outro o mercado europeu, tomados esses países europeus como se constituíssem
uma federação. A idéia, longe de concretizar-se, não conta tampouco com o entusiasmo
yankee [...]. 745

Provando que a política norte-americana sempre foi a de forçar a “abertura comercial”,


para a penetração de suas empresas nos mercados dos outros países, mas jamais abrir o maior
mercado doméstico do mundo, o seu, às empresas estrangeiras.
Sobre a participação acionária de grupos estrangeiros em empresas brasileiras, embora
legalmente ainda não tenha ocorrido, na prática, a venda da VarigLog, em janeiro de 2006,
para a Volo do Brasil, empresa constituída em 2005 pelo fundo norte-americano Matlin
Patterson, exatamente para “driblar o limite legal de participação de estrangeiros em empresas
746
aéreas”, tornou-se polêmica, gerando diversas discussões a respeito do quanto a legislação
brasileira pode ter sido desrespeitada nessa transação. O Código Brasileiro Aeronáutico no
artigo 181 determina:

A concessão somente será dada à pessoa jurídica brasileira que tiver:

I Sede no Brasil;

II Pelo menos 4/5 (quatro quintos) do capital com direito de voto,


pertencente a brasileiros, prevalecendo essa limitação nos eventuais
aumentos do capital social;

III Direção confiada exclusivamente a brasileiros. 747

A Volo do Brasil foi uma sociedade formada, inicialmente, “entre o chinês Lap Chan,
748
do fundo americano Matlin Patterson, da Volo Logistics, e três brasileiros”, Marco Audi,

744
“Comissão estuda liberação de charter”, Jornal do Commércio, 12 de dezembro de 1997, p. A-8.
745
Artigo publicado no jornal O Globo, apud Luciano R. Melo Ribeiro, op. cit., p. 194.
746
“Compra aprovada com atraso”. Jornal do Brasil, 29 de março de 2007, p. A3.
747
Cláudio Magnavita. “VarigLog: Justiça procura chinês”, Jornal do Brasil, 10 de abril de 2008, p. A20.
748
Henrique Gomes Batista e Leila Suwwan. “Venda da Varig...”, op. cit..
215

749
Luís Eduardo Gallo e Marcos Michel Haftel. Contudo, um desentendimento entre os
investidores em 2008, revelou a existência de um “contrato de gaveta” firmado entre as partes
que permitia ao fundo Matlin Patterson assumir o controle da companhia, contrariando o
750
Código Brasileiro de Aeronáutica. Esse fato se confirmou quando o juiz José Paulo
Magano, em sentença emitida no processo que afastou os três brasileiros da sociedade,
afirmou:

Os autores-reconvindos [Marco Audi, Luís Eduardo Galo e Marcos Michel Haftel] foram
inseridos na sociedade pela ré-reconvinte [Volo Logistics LLC e Lap Wai Chan] a fim de, a
princípio, permitir o cumprimento do art. 181 do Código Brasileiro de Aeronáutica. Os
autores-reconvindos não ingressaram com aporte financeiro. A sugestão que se tira do quadro
é que a ré-reconvinte, em conluio com os autores reconvindos, fez isso para, a princípio, e data
vênia, burlar o referido artigo e assim conseguir a concessão. 751

Desta forma, ao afastar os três brasileiros da sociedade, mesmo admitindo que a


formação da mesma possa ter tido como objetivo apenas burlar a lei, o juiz transformou o
chinês Lap Chan no primeiro estrangeiro a possuir e gerir uma empresa aérea no país.
No início desse processo, após ter comprado a VarigLog, o chinês Lap Chan, diretor
da Matlin Patterson, chegou a fazer uma oferta de US$ 100 milhões pela compra da VARIG,
o que acabou não acontecendo em função da postura contrária dos credores da empresa. Nessa
época já havia sido criada a Unidade Produtiva VARIG, a “Nova Varig”, graças à nova lei de
falências, para recuperação judicial de empresas, sancionada em fevereiro de 2006. Naquela
época, acreditava-se que, com a nova lei, seria possível a renegociação das dívidas da
companhia, cujos credores eram, na maioria, empresas estatais como a Infraero e a BR
Distribuidora. A publicação dessa nova lei chegou a gerar euforia no mercado de ações,
752
levando os papéis preferenciais da VARIG a subir, num único dia, 14,29%. Contudo, e
empresa não se “recuperou”.
Em julho de 2006, a sociedade denominada Trabalhadores do Grupo Varig (TGV)
753
ofereceu, num leilão, seus créditos trabalhistas como forma de pagamento. Um montante
de R$ 1.010 bilhão (US$ 449 milhões) foi oferecido, menos da metade do valor inicialmente
definido pelo Tribunal do Rio de Janeiro, que era de US$ 860 milhões. 754 Havia, inclusive, a
intenção de injetar na companhia 20% das contribuições depositadas no fundo de pensão

749
Cláudio Magnavita. “VarigLog...”, op. cit.
750
Geralda Doca. “Procuradoria critica atuação da ANAC...”, op. cit., p.34.
751
Cláudio Magnavita. “VarigLog...”, op. cit.
752
“Varig: Nova lei de falências atrairá investidor”, Jornal do Brasil, 11 de fevereiro de 2005, p. A18.
753
Cláudio Magnavita. “VarigLog...”, op. cit
754
“Varig: empresas desistem de apresentar propostas e só TGV avança”, disponível no site Portugal Digital -
Brasil/Portugal, in www.portugaldigital.com.br, acessado em 17/03/2009.
216

755
Aerus, (R$ 150 milhões). A princípio a proposta foi homologada pela Justiça. De acordo
com o juiz da 8ª Vara Empresarial, Luiz Roberto Ayoub, responsável pela recuperação
judicial da VARIG, a TGV havia prestado os esclarecimentos necessários, recebendo um
prazo até o dia 23 de julho para depositar um sinal de US$ 75 milhões, previsto no edital de
venda da companhia, e necessário, naquele momento, para cumprir garantias exigidas pelo
juiz Robert Drain, da Corte de Nova York. Caso contrário, uma liminar que vinha protegendo
a VARIG contra a perda de pelo menos 25 aeronaves arrendadas poderia ser derrubada. 756
A assessoria da Varig havia divulgado que cinco empresas teriam interesse na compra
da empresa, mas dúvidas quanto às garantias de que o comprador não herdaria dívidas antigas
às teriam afastado do leilão. 757 A TGV foi o único grupo a apresentar oferta pela VARIG no
leilão e a principal exigência da Justiça fluminense era a comprovação da origem dos
recursos. Os esclarecimentos apresentados pela TGV não foram considerados suficientes, nem
o depósito exigido foi efetuado, desta forma a vitória não foi aceita pela Justiça. Doze horas
após o leilão, o governo determinaria, inclusive, a intervenção e liquidação do Aerus. 758 Com
a anulação desse leilão outro foi marcado e, menos de 48 horas depois, Lap Chan arremataria
a "nova" Varig, através da VarigLog, única empresa habilitada a participar daquele leilão,
pelo preço mínimo de US$ 24 milhões, o correspondente a R$ 52.324 milhões, pelo câmbio
759
da época, isto é, muito menos do que os US$ 100 milhões anteriormente oferecidos por
ele.
Sobre a TGV ou NV Participações, a imprensa pode estar levando a opinião pública a
interpretações equivocadas, pois o mesmo, constantemente veiculado nos meios de
comunicação como sendo um “grupo de trabalhadores da VARIG”, teria, na verdade, uma
dimensão bastante distinta e muito mais reduzida. Segundo Armando Levy, a origem deste
grupo remonta a 2001, quando ex-funcionários da Varig, a maioria pilotos demitidos da
empresa, articularam,

a tomada do controle das associações de pilotos, comissários e mecânicos da VARIG, em


estreita associação com consultorias de empresas com nomes como GGR Finance e Invest
Partners [que] assinaram contratos com o TGV e a Varig pelos quais se comprometem a
conseguir recursos para a Varig mediante a cobrança de porcentagens que variam de 2,5% a
10% [...]. Assim que a Bovespa tomou conhecimento de que a única proposta era a do TGV, a
cotação das ações da Varig despencou 60% em um único dia. Chegou-se a dizer que se tratava
de um ‘preconceito contra os trabalhadores da Varig’, uma afirmação que menospreza a

755
Renan Antunes de Oliveira. “Rombo do Aerus vai acabar com a União”, Jornal do Brasil, 26 de março de 2007, p. A6.
756
“Justiça aceita venda da Varig para trabalhadores por R$ 1 bi”, disponível no site do Forum Contato Radar, acessado em
17/03/2009, in http://forum.contatoradar.com.br,
757
“Varig: empresas desistem de apresentar propostas...”, op. cit.
758
Renan Antunes de Oliveira. “Rombo do Aerus “, op. cit., p. A6.
759
Ana Paula Grabois. “VarigLog arremata Varig em leilão por US$ 24 milhões”, in
http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/valor/2006/07/20/ult1913u53946.jhtm, acessado em 17/02/2009.
217

inteligência do pessoal da Bovespa. Como os investidores lêem a Gazeta Mercantil, eles já


sabiam que os grupos que se articulavam à sombra da TGV eram consultorias que estavam
manobrando para obter comissões com a venda da empresa [...]. O que acontece quando a
imprensa se omite e passa a cobrir um evento com um grau de profundidade zero, sendo
iludida e manipulada, a ponto de chamar de "trabalhadores" um grupo de consultores
interessados em lucrar com a crise da Varig? 760

Pouco mais de oito meses depois, em março de 2007, a "Nova Varig” seria vendida
761
para a GOL, por R$ 660 milhões e Constantino de Oliveira Junior, diretor da Gol,
declararia ao Jornal do Brasil que, seis meses antes, o presidente Lula já havia lhe pedido
762
para comprar a VARIG, isto é, logo após a mesma ter sido arrematada pela VarigLog.
Levando-nos, numa viagem no tempo, a recordar quando Ruben Berta, em 1961, declarava
que o presidente Jânio Quadros havia lhe pedido para comprar a Real, também em estado
falimentar. Outro fato, bastante relevante nesse processo, e que merece destaque, foi a compra
da “Nova Varig” pela VarigLog, em julho de 2006, depois de ter sido aprovada, por
unanimidade, pelo Cade, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, no mesmo dia em
que era anunciada a compra da “Nova Varig” pela Gol. 763

No entanto, enquanto a “Nova Varig” e uma pequena parte de seu quadro funcional
eram absorvidos pela Gol, a empresa VarigLog, de propriedade do fundo Matlin Patterson e
da Volo Logistics, e seus funcionários testemunhavam, desde 2006, decisões administrativas
assustadoras e que evidenciavam as manobras anteriormente arquitetadas para a sua
aquisição. Após o afastamento dos sócios brasileiros, o presidente da VarigLog, João Luis
Bernes de Souza, ex diretor da VARIG e que teria dado o lance para a aquisição da mesma em
leilão, foi sumariamente demitido por Lap Wai Chan, sem ter nenhuma cláusula do seu
contrato respeitada. A malha da empresa começou a sofrer uma redução brutal, com a
suspensão de todos os vôos internacionais 764 e o fundo Matlin Patterson promovia

o seqüestro de aeronaves de sua propriedade e alugadas sob a forma de leasing, resultando


no encolhimento abrupto da frota da VarigLog. As aeronaves foram alugadas a concorrentes
que passaram a fazer as mesmas rotas que pertenciam a empresa brasileira. 765

E mais, Wai Chan assinaria, em abril de 2008, uma correspondência autorizando a


transferência do saldo total da conta da VarigLog na Suíça, US$ 86 milhões, para a conta da

760
Armando Levy. “A imprensa e a crise da Varig”, disponível no site Observatório da Imprensa, acessado em 17/03/2009,
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=387IMQ002 e Gazeta Mercantil "Varig, a caminho de se tornar
a Enron do Brasil", 5de junho de 2006, coluna "Opinião"
761
“Gol atende Lula...”, op. cit., p. A2.
762
Idem.
763
“Compra aprovada com atraso”, op. cit., p. A3.
764
Cláudio Magnavita. “Dinheiro serviria para pagar dívidas e salários atrasados”, Jornal do Brasil, 10 de abril de 2008, p.
A20.
765
Cláudio Magnavita. “Juiz ordena bloqueio de ações da Gol”, Jornal do Brasil, 12 de abril de 2008, p. A19.
218

Volo Logistics, no JP Morgan Private Bank. Esses dólares, oriundos da venda da “Nova
Varig” deveriam, segundo Cláudio Magnavita e, de acordo com decisão judicial, serem
repatriados e aplicados na recuperação da companhia aérea. Iniciava-se, assim, uma forte
apreensão de que viesse a acontecer com a VarigLog o mesmo que acabara de acontecer com
outra empresa de aviação do grupo nos EUA, a ATA Airlines, que entrara em concordata,
após demissão de dois mil funcionários e cancelamento de cinqüenta vôos. 766
A correspondência de Lap Wan Chan autorizando a transferência do saldo total da
conta da VarigLog na Suíça foi encaminhada a justiça, e gerou uma sentença do juiz José
Paulo Magano, da 17ª Vara Cívil, onde o mesmo afirmava que

tendo em vista a gravidade dos fatos, suportados em documentos que afrontam a ordem
judicial, defiro o requerido fixando multa de um milhão de dólares por ato de
descumprimentos e determino que se oficie a Polícia Federal apreendendo o passaporte e
impedindo a viagem, devendo Lap Wai Chan apresentar-se a este juízo [...].

No entanto, segundo Márcio Chaer, assessor de imprensa da Matlin Patterson na


767
época, Lap Chan já estaria fora do país quando desta determinação do juiz Magano, que
também viria a determinar o bloqueio de todas as ações da Gol pertencentes à VarigLog, no
valor de R$ 160 milhões. 768
Ainda segundo Magnavita, outro agravante deste episódio seria a suspeita de que a
ordem para transferência no banco suíço teria “sido transmitida pelo aparelho de fax do
próprio advogado da Matlin Patterson no Brasil, e ex-advogado da VarigLog, o Escritório
Teixeira Martins & Advogados, já que a cópia enviada pelo Lloyds consta esta assinatura
769
eletrônica e o horário de transmissão 23h05”. Este envolvimento do escritório Teixeira
Martins & Advogados seria mais um capítulo deste já tão confuso desfecho da VARIG.
Logo após o vazamento na imprensa da correspondência de Lap Wan Chan
autorizando a transferência do saldo total da conta da VarigLog na Suíça, vários outros
documentos referentes a venda da VarigLog para a Volo do Brasil, em 2006, começaram a vir
a tona em investigações no Senado, revelando um verdadeiro confronto entre a recém-criada
ANAC, através da figura de sua diretora na época, a Sra. Denise Abreu e Roberto Teixeira,
compadre do Presidente da República, cujo escritório de advocacia representava os interesses
dos compradores. A compra da VarigLog pela Volo do Brasil ocorreu em janeiro de 2006 e,
em 16 de junho, Denise Abreu suspendeu o processo alegando que faltavam “documentos que

766
Cláudio Magnavita. “Chinês ignora justiça e viaja ao exterior ”, Jornal do Brasil, 11 de abril de 2008, p. A20.
767
Cláudio Magnavita. “VarigLog...”, op. cit., p. A20.
768
Cláudio Magnavita. “Juiz ordena bloqueio...”, op. cit., p. A19.
769
.Cláudio Magnavita. “Operação de US$ 17 milhões contraria juiz”, Jornal do Brasil, 10 de abril de 2008, p. A20.
219

comprovassem que o capital estrangeiro da Volo seria restrito a 20%, como manda a lei. Mas,
em 23 de junho, o ex-procurador-geral da ANAC, João Ilídio de Lima Filho, minimiza as
exigências e a venda é aprovada”. Todo esse processo veio à tona, segundo reportagem do
Jornal do Brasil, de junho de 2008, quando Denise Abreu afirmou que Valeska Teixeira
Martins, afilhada do presidente Lula e advogada da Volo do Brasil, utilizava-se “da
proximidade com o presidente para obter vantagens e acelerar procedimentos”. Denise Abreu
também acusava a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, de interferir em favor da
aprovação do negócio. Por outro lado, o escritório de advocacia de Roberto Teixeira acusou
Denise Abreu de ter interesses em quebrar a VARIG e favorecer as empresas competidoras.
Este citado confronto ocorreu tanto na aquisição da VarigLog, quanto na aquisição posterior
da VARIG pelo mesmo grupo. 770
Em meio a esse festival de contradições que envolveram o desfecho da VARIG, o
seguinte comentário de Armando Levy publicado na Gazeta Mercantil e já anteriormente
citado, pode ser esclarecedor:

[...] O despreparo da Justiça, da imprensa e do governo federal no enfrentamento de


grupos bem assessorados por advogados e consultores está criando as condições para a
fabricação de uma monumental fraude envolvendo a Varig e os enormes recursos que a
empresa tem a receber, que podem terminar nas mãos de pessoas que não têm interesse na
salvação da empresa [...]. A crise da Varig, no entanto, evidenciou que a imprensa brasileira
pode ser facilmente manipulada por grupos de interesses com objetivos fraudulentos [...]. As
instituições brasileiras, entre elas a Justiça, a imprensa e o governo federal, precisam
demonstrar que estão à altura do país e atuar para que o desfecho da crise da Varig não
beneficie apenas alguns em detrimento de toda a sociedade. 771

O que nos resta hoje constatar é a grande ausência da bandeira brasileira, representada
por uma empresa nacional, na maioria dos mercados internacionais do transporte aéreo. As
conseqüências da crise da VARIG e de sua saída desses mercados geraram muitas perdas para
o país. O Rio de Janeiro, sede operacional da companhia, registrou grandes perdas com a
saída da VARIG do mercado. No caso do aeroporto internacional Tom Jobim, o AIRJ, onde a
VARIG mantinha sua base de operações, sendo responsável por 42% do movimento dos vôos
domésticos e internacionais, o número de passageiros em vôos internacionais semanais (um
total de 150), somente em 2006, caiu de 237,2 mil, em janeiro, para 159,6 mil em outubro. 772
Em junho do mesmo ano, portanto antes da venda da “Nova Varig” para a VarigLog,
segundo reportagem do jornal O Globo, 35 empresas teriam realizado 1.715 vôos mensais

770
Henrique Gomes Batista e Leila Suwwan. “Venda da Varig...”, op. cit..
771
Armando Levy. “A imprensa e a crise da Varig”, op. cit., s/p..
772
Geralda Doca e Henrique Gomes Batista. “Galeão pode voltar a receber vôos de conexão”, O Globo, 20 de maio de 2007,
p. 32.
220

para o exterior. Em março de 2007, apenas oito meses depois, 36 companhias realizaram
2.063 vôos mensais, uma alta de 20,3%. No entanto, até o ano de 2006 apenas de 40% a 50%
das passagens internacionais eram de companhias estrangeiras, em 2007, esse percentual já
estava por volta de 75%. 773
Ainda segundo o jornal O Globo, em 2006 o Brasil comprou US$ 1.228 bilhão de
passagens aéreas de empresas internacionais, o que representou 4,6% do total de importação
de serviços desse ano, em que a VARIG deixou de oferecer 1.2 milhão de assentos em vôos
internacionais. Hoje, citando como exemplo apenas o mercado dos EUA, a participação
brasileira diminuiu drasticamente. Segundo Solange Paiva Vieira as empresas norte-
americanas, em 2009, continuam operando com toda a capacidade autorizada, 126 vôos
774
semanais , enquanto a TAM, única empresa brasileira voando neste mercado, opera apenas
com 30 vôos semanais. Em resumo: o país perdeu representatividade, e a exemplo do que já
havia acontecido com o sistema de transporte marítimo, passou, também no transporte aéreo,
a gerar, com essa perda, receita para os cofres estrangeiros.

773
Geralda Doca e Henrique Gomes Batista. “Brasileiro viaja mais por estrangeiras”, O Globo, 20 de maio de 2007, p. 32.
774
Acordo Bilateral Brasil-EUA, disponível no site da ANAC, acessado em 06/03/2009.
221

5 CONCLUSÃO

Revendo a história da VARIG e, conseqüentemente, a crise que a empresa viveu nas


últimas décadas, verifica-se uma relação muito ampla entre esta história e a política adotada
pelo Estado brasileiro para a aviação e para a própria VARIG. Quando da posse de Fernando
Collor de Mello, com a adoção de uma postura de rompimento com as políticas de governos
anteriores e, a partir da constatação do atrelamento da imagem da VARIG à imagem do país e
das políticas governamentais pretéritas, a empresa passou a ser vista e tratada como uma das
representantes deste passado, que precisava ser superado. Sua imagem ficou, de certa forma,
bastante colada à imagem que, na época, imprimia-se as empresas estatais, vistas como
gigantescas e ineficientes. Vale lembrar que na maioria dos países, o papel de “empresa de
bandeira”, papel este desempenhado oficialmente pela VARIG junto ao país, desde 1965, era
designado a uma empresa estatal, como são, por exemplo, a Alitalia e a Air France. O
seguinte trecho de uma reportagem da revista Veja, de 1998, exemplifica muito bem esta
associação: “A Varig, que ainda luta para sair do gigantismo herdado de seus tempos de
quase-estatal, somente no ano passado conseguiu ter um lucro de 27 milhões de reais, ainda
pequeno para seu faturamento de 3,4 bilhões, depois de anos no vermelho”. 775
Contudo, embora com essa forte imagem de empresa com características de empresa
estatal, ela não o era. Nem para receber grandes investimentos governamentais, o que tudo
indica não seria a proposta dos governos Collor, Fernando Henrique Cardoso e Lula, nem
para ser privatizada. Por outro lado, sua cultura institucional e suas dívidas, acumuladas ao
longo das duas últimas décadas, lhe dificultavam a adaptação às novas exigências do livre
mercado e às novas regras de distanciamento do Estado. Relembrando a explicação de Paulo
Nogueira Batista para o Consenso de Washington, anteriormente citada:

a drástica redução do Estado [...], o máximo de abertura à importação de bens e serviços


e à entrada de capitais de risco, 776

e confrontando esta explicação com as características históricas e operacionais da


VARIG, pode-se constatar o quanto essas características a enquadravam e tornavam-na alvo,
naquele momento, das reformas neoliberais ditadas pelo Consenso de Washington. Sua

775
Thales Guaracy, op. cit., p.114.
776
Paulo Nogueira Batista. O Consenso de Washington A visão neoliberal dos problemas, Programa Educativo Dívida
Externa- Pedex, Caderno Dívida Externa, no 6, setembro de 1994, op. cit., p. 14.
222

imagem comercial de empresa de bandeira e sua postura estratégica, bastante atrelada a das
políticas do Estado brasileiro, se confundiam com a imagem de uma empresa estatal e seu
“monopólio” das rotas internacionais era, na verdade, um empecilho à entrada de mais
empresas norte-americanas, que para cá desejavam voar e que, em função, dos direitos de
reciprocidade, só poderiam ter acesso ao mercado brasileiro quando outras empresas
brasileiras fossem autorizadas a voar nessas rotas.
Ao analisar a história da VARIG, em paralelo à história da política externa brasileira
com os EUA, tal a influência deste país no desenvolvimento da aviação civil no Brasil foi
possível observar em que diferentes graus a política externa norte-americana conseguiu
influenciar cada um dos períodos, em função da maior ou menor autonomia dos diversos
governos brasileiros a esta política específica. Pôde-se assim, constatar, que, durante o
primeiro governo Vargas, até o início da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial,
como um reflexo da política varguista, denominada por Gerson Moura de “Eqüidistância
Pragmática”, a influência norte-americana foi, durante todo o período, dividida com a
influência alemã. A partir desse momento, passando por Dutra e chegando a década de 1950,
o liberalismo econômico, nos moldes norte-americanos, manteve-se bastante presente na
aviação brasileira, mesmo durante o segundo governo Vargas e o governo JK, quando a
política externa brasileira em relação aos EUA, diferentemente do governo Dutra, esteve mais
próxima da autonomia. Por outro lado, durante os governos militares, de um forte
americanismo, a política governamental para a aviação foi bastante protecionista, nacionalista
e concentradora, mantendo-se assim até a década de 1980, quando os preceitos neoliberais
começaram, lentamente, a penetrar no transporte aéreo nacional, associados às diversas
medidas governamentais, que naquela década de crise tentavam conter a inflação e
administrar a dívida externa, como foi o congelamento de tarifas. O início da década de 1990,
para a aviação brasileira, veio reeditar o período iniciado com Dutra, em que a política
americanista do governo se refletiria nas políticas aeronáuticas.
Em paralelo a essas análises conjunturais, o presente estudo buscou também ressaltar a
construção dentro da VARIG de uma cultura muito própria, que associava provincianismo,
tradicionalismo e grandiosidade a uma especial habilidade de seus dirigentes, de aliarem-se ao
Estado brasileiro, porque brasileiro, buscando atingir uma meta, que durante o período
nacional desenvolvimentista da economia do país, encontrou eco nos seus diversos governos,
que era levar a VARIG e o BRASIL a atingirem a grandeza que o “destino manifesto” de
ambos ditava. Não resta dúvida que as idéias neoliberais, colocadas em prática no Brasil a
partir de Fernando Collor de Mello, na década de 1990, geraram mudanças radicais no
223

mercado da aviação, que levaram a VARIG a passar também por mudanças de grande
envergadura. Contudo, o grande destaque deste momento, a despeito de todas as dificuldades
operacionais impostas, foi a distância, que a partir de Collor, e ainda mais acentuadamente, a
partir de Fernando Henrique Cardoso, a VARIG teve que manter do Poder Executivo, a qual
ela sempre teve aceso, primeiramente a nível regional e, posteriormente, a nível nacional.
Como parceira das políticas governamentais a VARIG confiou, investiu e cresceu. Desde sua
participação na Revolução de 1930, chegando aos grandes investimentos em infraestrutura no
complexo AIRJ, que não se concretizou como principal aeroporto do país. Contudo, não
sobreviveu às muitas crises (mundiais, regionais e nacionais) e às muitas políticas
governamentais, que insistiram em tratar a sua sobrevivência como um problema meramente
de incapacidade administrativa, não assumindo, em nenhum momento, a co-responsabilidade
no processo, muito menos a devida importância que a empresa merecia receber.
Hoje, nas palavras de Michel Beaud, estamos vivendo numa sociedade que muitos
especialistas chamam de “pós-industrial”. Um capitalismo de serviços, de mercadorias
imateriais, dentro da

internacionalização [...] do mundo e das nações, através da dinâmica dos


capitalismos nacionais dominantes. 777

Dentro desse contexto, analisar as questões da VARIG e condená-la apenas por suas
estratégias, irresponsabilidades gerencias e/ou administrativas, seria incorrer em grande
equívoco. O Estado brasileiro, como se viu, é um ator central nesse processo, primeiro como
incentivador do desenvolvimento e da nacionalização desse serviço, inicialmente dominado
pelas origens norte-americanas da Panair do Brasil e alemães do Sindicado Condor e da
VARIG, ambas “absorvidas”, de formas diferentes pela VARIG, depois como incentivador da
“desnacionalização” do transporte aéreo internacional brasileiro, através do seu alinhamento
às doutrinas neoliberais dos “capitalismos nacionais dominantes”.
A co-responsabilidade do Estado na formação e no crescimento da VARIG, com
Vargas, é indiscutível. Essa mesma co-responsabilidade do Estado no gigantismo da empresa
fica clara quando revê-se os processos de compra da Real e da Cruzeiro do Sul, e o processo
de absorção das linhas da Panair. Embora não tão claramente se identifique a forma e os
mecanismos por trás desses processos, percebe-se a atuação determinante do Estado em
momentos diferentes da história do país, com líderes governamentais distintos e, até mesmo

777
Michel Beaud. História do Capitalismo de 1500 aos nossos dias. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 396.
224

antagônicos, como Jânio Quadros, no caso da Real Aerovias, e os governos militares, no caso
da Panair e da Cruzeiro do Sul. Essa atuação decisiva se manteve presente no início da crise,
ainda com Sarney, e na intensificação do processo de queda, com Collor e Fernando Henrique
Cardoso, até chegar ao derradeiro fim, representado pela participação do governo Lula.
Esse percurso nos remete ao conceito de governança, desenvolvido para explicar a
capacidade dos governos de formular e implementar as políticas públicas adequadas à
778
realidade do seu país, o que requer presteza e eficiência tanto na formulação quanto na
capacidade de obter adesão que garanta o sucesso da sua política. No caso da aviação
comercial brasileira, os momentos de maior regulação e ingerência governamental foram
aqueles da ditadura Vargas e da ditadura militar, quando o nacionalismo esteve bastante
presente. No período posterior à Segunda Guerra Mundial, desde o governo Dutra até o início
da década de 1960, o que se viu foi uma liberalização da atividade, num mercado bastante
desregulamentado. Durante a década de 1980, e de forma gradual, a desregulamentação
começou a se implantar novamente, acompanhando o processo de abertura política do país. Já
na década de 1990, ela se completou, demonstrando, assim, longos períodos intercalados de
regulamentação e desregulamentação. Quanto à governança, como poderíamos classificar a
capacidade do Estado brasileiro de formular e implementar as políticas públicas adequadas
para que a aviação comercial atendesse a realidade do país? As sérias crises vividas por esse
mercado ao final dos dois períodos de liberalização dos serviços, já indicam que essa política,
pelo menos na forma como foi implementada, e não sabemos se existe outra forma de
“liberalização”, não é adequada para a realidade do Brasil.
A VARIG, como a companhia aérea mais antiga deste país, foi testemunha e
participante de todo este processo, através de uma clara postura de empresa aliada ao Estado,
uma característica que tanto facilitou seu crescimento, quanto agilizou o seu fim. Sua
estrutura de poder pesada e arraigada às realidades pretéritas dificultou a adaptação necessária
às mudanças impostas pelo próprio Estado, num momento histórico incompatível com o que
os antigos dirigentes da VARIG se habituaram a viver. Até Érik de Carvalho a proximidade
com o Estado brasileiro trouxe muitas vantagens, de Hélio Smidt em diante essa postura
passou a ser muito mais uma insistência da empresa do que uma possibilidade. O Estado
começava a demonstrar outros interesses que custaram a ser percebidos por sua
administração. Sua saída do mercado serviu a muitos desses interesses, menos o da nação

778
C. Conaghan e J. Malloy. Unsettling statecraft, democracy and neoliberalism in Central Andes. Pittsburg, University of
Pittsburgh Press, 1994, apud Eli Diniz. Globalização, Reformas Econômicas e Elites Empresariais, Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2000, p.29.
225

brasileira. Eu diria até, que sua cultura, construída e solidificada em bases nacionais-
desenvolvimentistas, era mesmo incompatível com o mundo neoliberal globalizado, não
porque neoliberal ou globalizado, mas porque não mais nacionalista. Onde aquele fácil e,
segundo Eli Diniz, “informal” acesso à cúpula dirigente do país tinha-se acabado. Algo de um
passado nacional, considerado ultrapassado.
Um “gigantismo empresarial” que espelhava um “gigantismo brasileiro” e que insistia,
na década de 1980, em continuar crescendo, mesmo quando o Brasil já tinha freado seu
crescimento e no mundo da aviação todos os indicadores neoliberais apontavam o caminho
contrário. Exatamente nessa década considerada “perdida” a empresa se tornou ainda mais
robusta, um verdadeiro império que almejava dominar todas as etapas do negócio. Um
crescimento que exigiu grandes investimentos e endividamentos, num momento de graves
crises mundiais (o segundo choque do petróleo), regionais (da dívida externa) e nacionais (do
nacional-desenvolvimentismo). Será que os sinais nacionais e internacionais já não indicavam
uma rota de colisão? Como um gigante sobrevive em meio à escassez?
E aí pode-se refletir a respeito do quanto a economia e, por conseguinte, a vida das
empresas de um país de Terceiro Mundo é influenciada pelos processos globais da economia
mundial. Com certeza seria imprudente pensar a crise da VARIG sem considerar sua história
e a sua associação com as diversas políticas governamentais, durante os mais de oitenta anos
de existência da empresa. Seria também impossível analisar sua trajetória sem levar em conta
que esta é uma empresa que foi fundada em um país do Terceiro Mundo, cuja história, desde
os primórdios coloniais até os dias de hoje, continua sendo escrita com caneta importada e
com grande percentual do script desenvolvido no exterior, para um elenco de atores, que
embora nacionais, em determinados períodos dessa história assumem uma autonomia
consideravelmente comprometida com os interesses internacionais.
Deve-se também lembrar que uma empresa de oitenta anos testemunhou muitos
momentos de seu país e que se sobreviveu foi certamente devido a sua capacidade de se
adequar a esses momentos e as vicissitudes de cada um deles. A VARIG cresceu muito em
consonância ao crescimento brasileiro. E continuou investindo nesse crescimento, por apostar
num futuro que não chegou. Sua auto-imagem de grande e forte empresa nacional não lhe
permitiu enxergar com a devida clareza a também grande mudança que o final do século
testemunhava e avaliar, no momento certo, isto é, durante ainda a década de 1980, os riscos
que seu negócio corria, caso as novas características do mercado norte-americano de aviação
se tornassem uma realidade mundial, o que a história já indicava com forte probabilidade.
226

A década de 1990 veio confirmar para a VARIG o que a década anterior já indicava.
Muitas mudanças internas foram tentadas, muitas reestruturações foram efetivadas, mas a
velocidade dos acontecimentos externos eram sempre maiores que a sua capacidade de se
adaptar a eles e às novas políticas governamentais, principalmente.
Presentemente, após a adoção dos preceitos neoliberais na aviação, constata-se que a
imposição dos interesses das empresas mega-transportadoras se impuseram, refletindo o
poder desproporcional dos países onde estão localizadas. Atualmente, no Brasil, não há
qualquer empresa nacional que possa concorrer com as estrangeiras que voam para o país,
como ocorria com a VARIG até a década passada. Aliás, os principais serviços ligados a
aviação estão também nas mãos de estrangeiros. O serviço de bordo, um dos orgulhos da
VARIG através do seu Catering, está hoje nas mãos da Sky Chief, subsidiária da LSG Sky
Chief, pertencente ao grupo Lufthansa e da Gate Gourmet, subsidiária do grupo Sair, que
779
controla a Swissair. Os serviços de apoio às operações dos aeroportos, como limpeza dos
aviões, manuseio de cargas e bagagens etc, os chamados ground handling, antes executados
em sua maioria (90%) pela SATA, empresa do grupo VARIG, em recuperação judicial desde
03 de fevereiro de 2009, está hoje, também, nas mãos de estrangeiros. Como a TAM tem seu
próprio serviço de handling, a Suissport, subsidiária do grupo espanhol ferrovial, tem hoje
64% de participação nesse mercado.780 A VEM, o maior complexo de manutenção de
aeronaves da América Latina, antes da VARIG, hoje pertence à TAP. A oficina de motores,
desde o início da década foi transferida à GE. A maior empresa de carga do grupo, a
VarigLog, em recuperação judicial desde março de 2009, está sob controle estrangeiro, que só
a estão operando devido liminar da justiça, uma vez que a legislação brasileira não autoriza
empresas de aviação nacionais sob propriedade de estrangeiros. O Centro de Treinamento,
que sempre foi uma referência em termos de tecnologia de ponta, sendo a VARIG a única
empresa da América do Sul a possuir simuladores de vôo, 781 ainda restou, porém disfuncional
e totalmente desatualizado.
Aparentemente, o Brasil parece acomodado numa situação de país que aceitou a
posição subalterna de possuir apenas empresas de “segunda classe”, responsáveis, nas
palavras de Expedito Silveira, pela “alimentação do sistema”, pelo menos os números assim
nos demonstram. Segundo Solange Paiva Vieira, diretora-presidente da ANAC, em entrevista
datada de 08 de janeiro de 2009 (informação verbal):

779
Análise Setorial Transporte Aéreo, Volume I, Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, agosto de 1998, p. 105.
780
Idem, p. 102.
781
Relatório Anual de Administração da VARIG 2001, p. 10.
227

É do mercado doméstico que as companhias brasileiras vivem e não do mercado


internacional. [...] 90% do faturamento da Gol-VARIG é mercado doméstico e 70% do
faturamento da TAM é mercado doméstico. 782

No entanto, em 1999, cerca de 60% das receitas de vôo da VARIG eram ainda
auferidas nas linhas internacionais, quando o número de cidades por ela servida no exterior já
783
tinha sido reduzido, após várias reestruturações, para apenas 26. Dez anos antes, em 1989,
784 785
quando ainda voava para 43 cidades no exterior, esse percentual era de 73,6%, . Esses
números representam, na prática, a ausência das empresas brasileiras no mercado de vôos
internacionais, que parece não preocupar as autoridades aeronáuticas do país. Isto significa,
por exemplo, dobrar a distância entre o Brasil e o continente asiático. Para que o mercado
brasileiro alcance este importante pólo de crescimento da economia mundial, sem a
participação das empresas brasileiras, é obrigado a fazê-lo por uma empresa asiática ou via
conexão em alguns dos principais aeroportos ou centros de operações de vôos das empresas
européias ou norte-americanas que para cá voam, os chamados hubs.
A segunda metade do século XX testemunhou a destruição de todo o sistema de
transporte de superfície no Brasil, ferroviário, marítimo e rodoviário. Nas últimas décadas
desse século acreditava-se que o transporte aéreo era o único ainda organizado. Contudo,
antes mesmo da virada do milênio, acabamos presenciando no sistema de transporte aéreo
brasileiro exatamente o que já havia ocorrido nos demais, e nos questionando, como poderá o
país continuar crescendo e participando desse mercado globalizado, sem uma política pública
clara e responsável a respeito de sua infra-estrutura de transportes? A visível e crescente
dependência estrangeira do transporte aéreo internacional no Brasil hoje está inserida numa
problemática muito mais ampla, que se traduz na falta de vontade política do Estado para
administrar, com competência e firmeza, as diretrizes que irão viabilizar o real crescimento do
país ou, no caminho contrário, sua crescente dependência.

782
Programa Espaço Aberto, entrevista com Solange Paiva Vieira, diretora-presidente da ANAC, na TV Globo News.
Entrevista concedida à Míriam Leitão, em 08 de março de 2009. “Uma Análise do Setor Aéreo Brasileiro”.
783
Relatório Anual de Administração da VARIG 1999, s/p.
784
Relatório Anual de Administração da VARIG 1989, p. 9.
785
Maranhão, Carlos. “Playboy entrevista Hélio Smidt”, op. cit., p. 55.
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O Estado de São Paulo

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Revista do Globo

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Tendência

Veja

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Anac - www.anac.gov.br
Câmara dos deputados - www.camara.gov.br
FOLHAonline - www.folha.uol.com.br
Forum Contato Radar - www.forum.contatoradar.com.br
Fundação Ruben Berta – www.rubenberta.org.br
Globo.com – www.video.globo.com
ISTOÉ Dinheiro - www.terra.com.br/istoedinheiro
JBonline – www.twitter.com/jbonline
Jetsite - www.jetsite.com.br
Observatório da Imprensa - www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br
Portugal Digital - www.portugaldigital.com.br
Presidência da República - www.planalto.gov.br
Revista Brasileira de Direito Aeroespacial - www.sbda.org.br
Revistas Eletrônicas FEE - www.revistas.fee.tche.br
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Senado Federal - www.senado.gov.br


The University of Chicago - www.uchicago.edu
Universidade Federal Fluminense - www.uff.br
Uol - www.noticias.uol.com.br
Zagat Survey - www.zagat.survey

ENTREVISTA

FOUQUET, Harro. Entrevista concedida à autora desta dissertação. São Paulo,


mar/maio 2009. Harro Fouquet foi Diretor Assistente de Tráfego e Vendas da Real e
ingressou na VARIG, em 1961, como Superintendente de Planejamento, quando esta
comprou a Real. Harro Fouquet é membro do Conselho de Administração da VARIG,
de quem foi também diretor até se aposentar, em 1993.
241

APÊNDICE - Cronologia

• 1919 - Conferência de Paris. O primeiro fórum internacional para regular as operações


internacionais de aviação;
• 1919 - Conferência de Paz de Paris. Quando as delegações de EUA e Inglaterra
comprometeram-se, formalmente, a estudar as relações internacionais;
• 1919 - (05 de fevereiro). As primeiras empresas de aviação começaram a surgir na
Europa, como foi o caso da alemã Deutsche Luft-Reederei;
• 1919 - (07 de outubro). Fundação da empresa holandesa KLM;
• 1919 - Fundação da primeira empresa aérea Sul-americana, a SCADTA, atual
AVIANCA, que só iniciou suas operações regulares em 19 de setembro 1921;
• 1920 - Nascimento da disciplina de Relações Internacionais, na Universidade de
Gales;
• 1924 - (02 de abril de 1924). Fundação da British Airways, com o nome de Imperial
Airways;
• 1925 - (22 de julho). Aprovação do Decreto Nº 16.983. O primeiro Regulamento para
os Serviços Civis de Navegação Aérea no Brasil;
• 1926 - (janeiro de 1926). Fundação da Lufthansa;
• 1927 - Fundação da Pan Am;
• 1927 - (janeiro). O governo brasileiro concedeu ao Condor Syndikat uma licença de
um ano para operar em território nacional, nas linhas Rio de Janeiro-Rio Grande; Rio
Grande-Santa Vitória do Palmar e Rio Grande-Porto Alegre, conhecida como a Linha
da Lagoa, por sobrevoar a Lagoa dos Patos;
• 1927 - (03 de fevereiro). Ocorreu o primeiro vôo do Condor Syndikat, sob fretamento
de Otto E. Meyer;
• 1927 - (09 de março). O governo outorgou à Compagnie Génerale d’Enterprieses
Aéronautiques, Lignes Latécoère, com sede em Paris, uma autorização especial,
semelhante à concedida ao Condor Syndikat, por prazo não superior a um ano;
• 1927 - (17 de março). Fundação da Nyrba – New York Rio Buenos Aires Lines Inc;
• 1927 - (07 de maio). Fundação da VARIG;
• 1927 - (10 junho). Foi concedida à VARIG, a primeira autorização para uma empresa
nacional de aviação iniciar suas operações;
242

• 1927 - (15 junho). Findo o contrato de fretamento feito por Meyer com o Condor
Syndikat de Berlim, o avião Atlântico, bem como seu piloto e mecânico de bordo
foram transferidos para a VARIG;
• 1927 - (22 de junho). Ocorreu o primeiro vôo regular da VARIG, exatamente na
“Linha da Lagoa”;
• 1927 - (01 de julho). A empresa Condor Syndikat, de Berlim, entrou em liquidação na
Alemanha e suas atividades foram assumidas, no Brasil, pela Lufthansa;
• 1927 - (novembro). Aquisição pela VARIG do segundo avião, apelidado de “Gaúcho”;
• 1927 - (1º de dezembro). Constituição da empresa brasileira Syndicato Condor Ltda,
com sede no Rio de Janeiro, e quatro sócios, dois alemães, Max Sauer e Fritz
Hammer, este último idealizador e um dos sócios fundadores do Condor Syndikat
(Berlim) e dois brasileiros, o Conde Ernesto Pereira Carneiro, dono do Jornal do
Brasil e uma empresa de representações do Rio de Janeiro, chamada Herm Stoltz &
Cia;
• 1928 - (20 de janeiro). Assinatura do decreto de concessão para a empresa Syndicato
Condor, do Rio de Janeiro, iniciar suas operações;
• 1928 - (janeiro). As operações da Condor Syndikat, de Berlim, passaram para a
Syndicato Condor Ltda, do Rio;
• 1929 - (30 de dezembro). O hidroavião “Atlântico”, da VARIG, levou Getúlio Vargas,
juntamente com Meyer, em viagem secreta, para o Rio de Janeiro, onde Vargas
apresentaria sua plataforma como candidato de oposição a Júlio Prestes;
• 1930 - (24 de janeiro). A empresa NYRBA do Brasil, criada para obedecer à
legislação brasileira, recebeu concessão para operar em território nacional;
• 1930 - (24 de abril). A VARIG firmou contrato com o governo do Rio Grande do Sul
que assumiu, assim, participação societária na empresa;
• 1930 - (06 de junho). O governo do Rio Grande do Sul comprou da empresa Condor
Syndikat sua participação de 21% na VARIG e os hidroaviões foram devolvidos;
• 1930 - (17 de outubro). A empresa Nyrba do Brasil passou a se chamar Panair do
Brasil, uma subsidiária da Pan Am, com 100% do capital norte-americano;
• 1930 - (outubro). Revolução de 1930;
• 1931 - (22 de abril). Criação do Departamento de Aeronáutica Civil (DAC), órgão
subordinado ao Ministério de Viação e Obras Públicas;
243

• 1931 - (23 de outubro). Data em que o governo gaúcho, através do Decreto No 4.880,
mediante a aquisição de 1.050 ações, passou a ser oficialmente o acionista majoritário
da VARIG, em substituição ao Condor Syndikat;
• 1932 - Durante a Revolução Constitucionalista em São Paulo, contra o governo de
Getúlio Vargas, a VARIG, mais uma vez, marcaria seu apoio ao presidente, ao
suspender todo o seu tráfego aéreo, para poder ajudar na repressão ao movimento,
cedendo seus aviões e tripulantes aos governos estaduais e federais;
• 1933 - Fundação da Air France;
• 1933 - (04 de novembro). Fundação, por empresários paulistas, da Viação Aérea São
Paulo, Vasp;
• 1935 - A Vasp foi socorrida pelos governos do Estado e do Município de São Paulo,
passando o Estado à condição de acionista majoritário e seu administrador;
• 1938 - Publicação do primeiro Código Brasileiro do Ar;
• 1941 - Criação do Ministério da Aeronáutica, passando o DAC a representar o braço
civil deste ministério;
• 1941 - A Panair começou a se voltar para as rotas internacionais, enquanto a VARIG,
a Real, a VASP, a Lóide e a Cruzeiro (na época, Serviços Aéreos Condor) mantinham-
se focadas no espaço doméstico brasileiro;
• 1944 - Os EUA assumiram a liderança mundial e convocaram, para Chicago, um
importante fórum para a aviação civil, a Convenção de Chicago, que revogou as
deliberações anteriores e deu início a regulamentação;
• 1944 - (julho). Conferência de Bretton Woods, nas montanhas de New Hampshire, nos
EUA. “Regulamentação” para o funcionamento do sistema capitalista internacional;
• 1945 - Fundação da IATA, fórum responsável pelas questões comerciais da aviação,
em Havana;
• 1945 - (29 de outubro). Vargas renunciou e foram convocadas eleições presidenciais,
vencidas por Eurico Gaspar Dutra;
• 1945 - (07 de dezembro). Criação da Fundação de Funcionários da VARIG, através da
transferência do capital acionário do governo gaúcho e dos acionistas pioneiros para
esta fundação de funcionários;
• 1945 - Fim da II Guerra Mundial. Boom na aviação. Entre 1945 e 1954, foram
concedidas pelas autoridades aeronáuticas nada menos que 62 autorizações de
244

funcionamento. Se em 1948 eram 148 as localidades servidas pelo transporte aéreo


doméstico, em 1956, esse número já atingia a cifra de 346 cidades atendidas;
• 1946 - Início do governo Dutra (1946-1951);
• 1947 - Teve início no mundo, com a Doutrina Truman, a Guerra Fria e seu confronto
ideológico radical, que através da corrida armamentista, muito influenciou o
desenvolvimento aeronáutico da década de 1950, principalmente com o
desenvolvimento dos primeiros aviões a jato, que entraram em operação na maioria
das empresas aéreas entre 1958 e 1960;
• 1947 - Assinatura do primeiro grande acordo bilateral, o Acordo das Bermudas,
celebrado entre os EUA e a Grã-Bretanha. Este acordo tem servido como modelo para
os demais acordos bilaterais firmados desde então pelos demais países;
• 1948 - Criação da CEPAL como um órgão especializado das nações unidas. A teoria
do subdesenvolvimento, elaborada pela CEPAL, de industrialização por substituição
de importações, com forte concentração do Estado na economia, alcançou grande
sucesso na América Latina devido à, então, política norte-americana para a região;
• 1949 - Foi criada, pelo presidente Dutra, a Comissão de Estudos Relativos à
Navegação Aérea Internacional (CERNAI), órgão subordinado ao Ministério das
Relações Exteriores, de assessoramento do Ministro da Aeronáutica, incumbido de
estudar, planejar, orientar e coordenar os assuntos relativos à aviação civil
internacional;
• 1949 - Dutra foi o primeiro presidente brasileiro a fazer uma viagem em caráter oficial
aos EUA;
• 1949 - Criada a Escola Superior de Guerra, inspirada no National War College;
• 1951 - Início do segundo governo Vargas (1951-1954), quando o consenso ideológico
anticomunista da Guerra Fria se desintegrava, cedendo lugar a um forte nacionalismo
econômico, com a criação do BNDES e da Petrobrás;
• 1952 - A VARIG compra a Aerogeral, que voava para o nordeste brasileiro;
• 1953 - lei 1815 de 1953: ART. 1º - São consideradas de interesse público as Empresas
Nacionais concessionárias de linhas regulares de navegação aérea, na forma da
legislação vigente; ART. 2º - Com exceção do Imposto de Renda ficam as mesmas
Empresas isentas do pagamento de todo e qualquer imposto federal e bem assim de
direitos e taxas de importação e de previdência social e do imposto de consumo
relativos a aeronaves montadas ou desmontadas e peças respectivas, motores e
245

respectivas peças, gasolina apropriada, óleos e lubrificantes especiais, pneumáticos de


aviões, aparelhos rádio-telegráficos usados na viação, instrumentos de navegação
aérea, aparelhos salva-vidas para aeronaves, postes, material e ferramentas para faróis
e demais apetrechos para sinalização de aeródromos e hangares e oficinas reparadores;
• 1954 - (24 de agosto). Suicídio de Vargas;
• 1955 - (05 de janeiro). Sob o comando do seu fundador e acionista controlador, Omar
Fontana, nasceu a Sadia S.A. Transportes Aéreos;
• 1955 - (02 de agosto). A VARIG inaugurou sua rota para Nova York;
• 1955 - Conferência de Bandung. Movimentos de descolonização na Ásia e na África.
O alinhamento a um dos blocos da Guerra Fria passava a ser questionado nas relações
internacionais;
• 1956 - Crise de Suez e Crise da Hungria. A não coesão total dentro dos blocos
começava a surgir;
• 1956 - Início da política de “coexistência pacífica” entre EUA e URSS (1956-1957);
• 1956 - Governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), cuja política externa, embora
muitas vezes analisada como de alinhamento aos EUA, já indicava algumas mudanças
em direção a uma maior autonomia;
• 1956 - Vasp e VARIG formaram uma aliança operacional para enfrentar a
concorrência crescente da Real;
• 1958 - Foi feita uma revisão na regulamentação aeronáutica existente no país, visando
evitar a competição ruinosa e assegurar a estabilidade econômica das empresas. Na
década de 1950, todas as rotas internacionais no país eram subvencionadas pelo
governo. O mercado era bastante liberalizado;
• 1959 - (06 de julho). Criação da ponte aérea, um pool entre VARIG, Cruzeiro do Sul e
Vasp, como uma ferramenta mercadológica para enfrentar a Real;
• 1959 - (dezembro). Entrou em operação, na rota de Nova York, o primeiro avião a jato
da VARIG, o Caravelle, tendo sido ela a primeira empresa brasileira a adquirir um
equipamento a jato;
• 1959 - Vitória da Revolução Cubana;
• 1961 - Com a construção de Brasília e as enormes distâncias entre esta e as demais
capitais brasileiras, o transporte aéreo assumiu destaque na função integradora com a
capital federal;
246

• Entre 1955 e 1961, com uma grande diversificação de rotas domésticas e


internacionais, a VARIG conseguiu obter um aumento de 220% no número de
passageiros transportados;
• 1961 - O grupo Miranda-Simonsen comprou a maioria das ações da Panair do Brasil;
• 1961 - Início do governo Kennedy nos EUA;
• 1961 - Início do governo Jânio Quadros no Brasil, inaugurando a Política Externa
Independente, que se refletiria na aviação através da adoção de um modelo próprio,
que se afastava tanto da empresa de bandeira estatal européia, quanto da multi-
designação de empresas privadas, do modelo norte-americano;
• 1961 (abril). Berta fez uma apresentação a Jânio Quadros sobre o transporte aéreo
internacional, onde buscou destacar a eficiência da VARIG, a precariedade da situação
da Real, e diversas outras análises, refutando a criação de uma nova companhia para
as rotas internacionais;
• 1961 - (maio e agosto). A VARIG adquire o Consórcio Real-Aerovias;
• 1961 - (agosto). Renúncia de Jânio Quadros;
• 1961 - (setembro). João Goulart assumiu o governo, sob um regime parlamentarista e
com forte oposição interna à sua Política Externa Independente;
• 1961 - (27 de novembro a 08 de dezembro). I Conferência Nacional de Aviação
Comercial (CONAC), em Petrópolis, conhecida como “Conferência do Castelo”;
• 1963 - A VARIG tomou, junto ao Chase Manhattan Bank, um empréstimo, garantido
pelo governo brasileiro, para liquidar as dívidas da linha do Japão, concedida
inicialmente à Real;
• 1963 - (2 a 13 de dezembro). II CONAC, onde ocorreu forte combate à formação de
uma empresa internacional única, a Aerobrás, que já representava uma prática na
maioria dos países, principalmente europeus, onde era, em geral, uma estatal;
• 1964 - (31 de março). Golpe militar que derrubou João Goulart. Golpe este
responsável por grandes mudanças no cenário da aviação brasileira e na VARIG;
• 1965 - (10 de fevereiro). Através de um despacho oficial assinado pelo então ministro
da aeronáutica, Brigadeiro Eduardo Gomes, todas as linhas da Panair foram suspensas,
e suas rotas internacionais transferidas para a VARIG e as rotas domésticas
transferidas para a Cruzeiro do Sul;
• 1965 - (fevereiro). Após a falência da Panair, Simonsen morreu em Paris, aos 56 anos,
vítima de um enfarte;
247

• 1965 - Com a falência da Panair, a VARIG se transformou na “empresa de bandeira do


Brasil”, que é o nome dado as companhias aéreas, oficialmente designadas pelos
governos para representar seus países no exterior;
• 1966 - (17 de fevereiro). Morte de Otto Ernst Meyer;
• 1966 - (18 de novembro). Substituição do “Código Brasileiro do Ar” de 1938, através
do Decreto-Lei no 32. A VARIG assumiu as rotas de longo alcance (Estados Unidos,
Europa e Ásia), e a Cruzeiro do Sul, as rotas para o Caribe e América do Sul;
• 1966 - (14 de dezembro). Morte de Ruben Berta;
• 1967 - Erik de Carvalho assumiu a presidência da VARIG, comemorando os quarenta
anos da empresa em plena “decolagem” da mesma e do mercado brasileiro de aviação;
• 1967 - O Ministério da Aeronáutica constituiu a Comissão Coordenadora do Projeto
Aeroporto Internacional (CCPAI), que definiu a necessidade urgente de implantação
de dois aeroportos de classe internacional, um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo,
cidades que somadas concentravam 90% do tráfego internacional do Brasil;
• 1968 - (de 5 a 12 de agosto). Nesse clima de euforia ocorreu a III CONAC,
considerada de grande importância por ter criado o Manual Único de Tarifas para as
empresas nacionais, buscando evitar a chamada concorrência predatória;
• 1969 - O governo, para garantir que a Panair não voltasse a voar, baixou o decreto-lei
no 669, proibindo que companhias aéreas pedissem concordata, incluindo os casos em
curso, isto é, o da Panair;
• 1969 - (19 de agosto). Criada a Embraer. Uma iniciativa do Estado na indústria de
aviação, buscando suprir uma carência de equipamento adequado ao segmento
regional;
• 1972 - A Sadia S.A. Transportes Aéreos teve sua denominação trocada para
Transbrasil S.A. Linhas Aéreas;
• 1972 - (01 de dezembro). Nesse momento de crescimento a VARIG firmou o
compromisso de compra dos seus primeiros wide bodies, os DC-10;
• 1972 - Realizou-se, no Rio de Janeiro, o Seminário de Transporte Aéreo Internacional
(STAI), visando à expansão ordenada e eficiente da participação da bandeira brasileira
no transporte aéreo internacional. Num momento em que o principal interesse da
política governamental era o projeto “Brasil Potência”, a tônica desse Seminário era
bastante nacionalista, com o estabelecimento de uma parceria Estado-Empresas, que
facilitasse o atingimento dessas metas;
248

• 1973 - Dentro do espírito de participação do Estado na indústria de aviação, foi


instituída a Empresa Brasileira de Administração Aeroportuária (INFRAERO), com a
finalidade de implantar, administrar, operar e explorar, industrial e comercialmente, a
infra-estrutura dos aeroportos;
• 1973 - O lucro líquido da VARIG, Cr$ 178.681 milhões, foi 110% superior ao de
1972. Segundo a IATA, a aviação civil no mundo, até 1973, quando ocorreu a
primeira crise do petróleo, teve taxas de crescimento de dois dígitos graças, dentre
outros fatores, à introdução de novas tecnologias, principalmente nos equipamentos,
como os wide bodies que surgiram nos anos 60;
• 1974 - Início do governo Geisel (1974-1979), marcado pela crise econômica
internacional, causada pelo aumento dos preços do petróleo. O Brasil importava, nesta
época, 80% do seu consumo. Abandono unilateral dos EUA do sistema de taxas de
câmbio fixas de Bretton Woods;
• 1975 - Assinatura do acordo Nuclear Brasil-Alemanha, que juntamente com a
denúncia dos acordos de cooperação militar com os EUA, geraram uma crise político-
diplomática entre os dois países, em função do novo paradigma que se formava nas
relações externas brasileiras, o chamado “Pragmatismo Responsável”, que imprimia
uma “independência” ainda maior frente aos EUA;
• 1975 - (22 de maio de 1975). A Cruzeiro do Sul foi adquirida pela FRB, totalizando
53,4% da oferta nacional. Um empréstimo de 256 milhões foi obtido junto ao Banco
do Brasil, para ser amortizado em doze anos, sem correção monetária;
• 1975 - (12 de novembro). Foi criado o Sistema Integrado de Transporte Aéreo
Regional (SITAR), através do Decreto no 76.590, permitindo introduzir no mercado
nacional os aviões Bandeirantes, lançados em 1971 pela Embraer;
• 1976 - (26 de março). Inauguração, pelo presidente Ernesto Geisel, do aeroporto
Eduardo Gomes, em Manaus, no mesmo dia em que também inaugurou o Tropical
Hotel Manaus, pertencente à Companhia Tropical de Hotéis, cujo controle acionário
foi adquirido pela VARIG em julho do mesmo ano;
• 1976 - (24 de agosto). A Rio Sul foi fundada como um consórcio da VARIG com a
Top Táxi Aéreo, com participação do grupo Atlântica-Boa Vista e da Sul América
Seguros que, mais tarde, vendeu sua participação para a FRB e para a Cruzeiro. Desta
forma, a VARIG passou a deter dois terços das ações;
249

• 1976 - O Decreto no 1.470 estabeleceu que todo cidadão brasileiro viajando para o
exterior, com exceção de Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, deveria depositar doze
mil cruzeiros no Banco do Brasil;
• 1977 - Inauguração do aeroporto internacional do Rio de Janeiro, definido pela
Comissão Coordenadora do Projeto Aeroporto Internacional (CCPAI), para ser o
principal aeroporto internacional do país;
• 1977 - “Embarcando” nessa decisão de fazer do Galeão o principal aeroporto do país,
a VARIG daria início ao projeto de construção de um complexo industrial, situado ao
lado deste aeroporto, cuja inauguração da primeira etapa ocorreu também em 1977;
• 1977 - EUA e Grã-Bretanha, através do chamado acordo de "Bermudas II", acordaram
abrir reciprocamente seus mercados, com um maior número de companhias, novas
tarifas etc;
• 1978 - (24 de outubro). Desregulamentação: a retirada do Estado do poder de regular.
Assinatura nos EUA do “Airline Deregulation Act”, que dava início ao processo de
desregulamentação no maior mercado doméstico do mundo, o norte-americano,
gerando um movimento expansionista, cuja intenção era levar para o mercado
internacional a mesma desregulamentação vivida pelo mercado norte-americano e
canadense;
• 1979 - Início do governo Margareth Thatcher na Grã-Bretanha. Grande virada que
começava a acontecer nos países desenvolvidos rumo ao neoliberalismo;
• 1979 - Iniciou-se o governo Figueiredo (1979-1985), quando ocorreu o segundo
choque do petróleo. Nessa época o Brasil era, dentre os países em desenvolvimento, o
maior importador desse insumo. A partir deste ano, já sob orientação do FMI, diversas
medidas internas fiscais e monetaristas foram adotadas. Abandonava-se assim a
estratégia desenvolvimentista;
• 1979 - Decisão da administração do Federal Reserve dos EUA de aumentar fortemente
as taxas de juros, como forma de garantir um aporte de recursos externos para
compensar os seus desequilíbrios comerciais e os sucessivos déficits públicos
enfrentados por esse país;
• 1980 - (abril). Eleição do gaúcho Hélio Smidt, sobrinho de D. Vilma, viúva de Ruben
Berta, para a presidência da VARIG, marcando, assim, uma espécie de “volta as
origens” da empresa;
250

• 1980 - Lançamento do primeiro terminal de computador produzido pela empresa, o


Terminal VARIG, (TEVAR 8001);
• 1980 - A VARIG inaugurou o maior e mais moderno parque industrial de manutenção
aeronáutica do Hemisfério Sul;
• 1981 - Início do governo Ronald Reagan (1981-1989), nos EUA;
• 1981 - Na VARIG, lançamento do Projeto Iris. Sistema Integrado de Reservas
Interline (Sistema Iris);
• 1982 - Início do governo Helmut Kohl na Alemanha Ocidental (1982-1998);
• 1982 - A VARIG concluiu, com um consórcio de empresas japonesas, uma operação
de 46.853,4 milhões de ienes (equivalentes na data de fechamento a US$ 186
milhões), pelo prazo de quinze anos e a juros fixos, para o financiamento dos três
Boeings 747 adquiridos;
• 1982 - Moratória mexicana;
• 1982 - (julho). Seminário realizado na CERNAI para analisar a Política do Transporte
Aéreo Internacional Brasileiro;
• 1983 - Concedida autorização para a Transbrasil e a Vasp executarem serviços aéreos
internacionais não regulares, os chamados vôos charter;
• 1984 - Inauguração do Catering da VARIG, o maior complexo de serviço de bordo da
América Latina, instalado no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (AIRJ);
• 1984 - Acordo de abertura do mercado de aviação entre a Grã-Bretanha e a Holanda.
Para a Holanda, por suas características de pequena extensão territorial e, portanto,
pequeno mercado interno, ter o mercado dos outros países abertos à sua atuação era
muito interessante;
• 1985 - Inauguração do aeroporto internacional de São Paulo, em Guarulhos;
• 1985 - Início do governo Sarney (1985-1990). O primeiro presidente civil após o golpe
de 1964;
• 1985 - (março). José Sarney, ainda vice-presidente, no seu primeiro dia como
presidente em exercício, após a internação de Tancredo Neves, assinou o decreto no
91.149, submetendo os ajustes de preços no país ao Ministério da Fazenda;
• 1985 - Liberalização do regime soviético, a partir de Gorbatchev;
• 1986 - (28 de fevereiro). Início do congelamento de preços imposto pelo Plano
Cruzado;
251

• 1986 - Criação dos chamados “Vôos Direto ao Centro”. Vôos ligando os aeroportos
centrais das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba;
• 1986 - (22 de setembro a 01 de outubro). IV CONAC;
• 1986 - (19 dezembro). Substituição do Código Brasileiro do Ar pelo Código Brasileiro
de Aeronáutica, Lei nº 7.565. Abertura do mercado internacional, agora de vôos
regulares, às demais empresas aéreas brasileiras;
• 1987 - Lançamento do Plano Bresser no Brasil;
• 1987 - Moratória brasileira, que durou apenas alguns meses, pois, nesse mesmo ano, o
Brasil voltou a efetuar o pagamento da dívida;
• 1987 - Desvalorização da moeda e introdução de um empréstimo compulsório na
compra de passagens aéreas internacionais, na compra de combustíveis e de
automóveis;
• 1988 - Os decretos-leis foram transformados em medidas provisórias pela Constituição
de 1988;
• 1988 - Durante a constituinte cresceu o movimento para a retirada do controle da
aviação civil do âmbito militar. O país acabava de sair de uma ditadura militar de mais
de vinte anos e a sociedade reivindicava o afastamento dos militares da vida civil e,
por extensão, o Estado, sob o controle militar ou não, da vida econômica;
• 1989 - Lançamento do Plano Verão no Brasil;
• 1989 - Dois novos terminais de carga da VARIG foram instalados no AIRJ e em
Guarulhos;
• 1989 - Terminou, legalmente, a política de “Realidade Tarifária”, com o início da
política de “Flexibilização Tarifária”;
• 1989 - Abertura da rota Santos Dumond-Congonhas à TAM e a Rio-Sul, até então
uma exclusividade da Ponte Aérea;
• 1989 - (março). Os EUA, liderando os países do G-7, reconheciam a total
impossibilidade de alguns países honrarem o pagamento da dívida, e lançavam o
Plano Brady;
• 1989 - (21 de março). Celebrado um novo acordo bilateral entre o Brasil e os Estados
Unidos, substituindo o anterior de 1946. Este novo acordo foi promulgado em 11 de
dezembro de 1991, já no governo Collor. Na prática, ele passava a permitir que quatro
empresas executassem serviços de carga e passageiro, estipulando duas empresas para
252

a costa leste, e duas para a costa oeste norte-americana, até então exploradas apenas
pela VARIG e pela Pan Am;
• 1989 - (de 30 a 31 de março). Ocorreu, no Rio de Janeiro, um importante seminário
internacional sobre o futuro do transporte aéreo na América Latina;
• 1989 - (novembro). Nascia o Consenso de Washington, em meio a uma onda de
liberalização política e econômica na Europa Oriental e ao fim da Guerra Fria;
• 1989 - Surge o Construtivismo, afirmando que o mundo é socialmente construído.
Todos os construtivistas admitem a intersubjetividade da linguagem e põe a análise do
discurso, e mais especificamente das regras e normas que organizam e regem o
discurso, como central na análise dos eventos sociais em geral;
• 1989 - Lançamento na VARIG do programa MUDE, buscando, através da
participação dos funcionários, sugestões de mudanças para a companhia, que a
ajudassem a enfrentar a crise iniciada com as primeiras mudanças da política
governamental na década de 1980. Um programa que buscava mudanças nos
processos, objetivando economia e resultados;
• 1990 - (janeiro). Fernando Collor de Mello, antes mesmo de sua posse, foi a
Washington, para se encontrar com o presidente Bush, com o secretário do Tesouro,
Nicholas Brady e com os dirigentes do FMI e do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), Michel Camdessus e Enrique Iglesias, respectivamente;
• 1990 -. Início do governo de Fernando Collor de Mello (15 de março de 1990 a 2 de
outubro de 1992);
• 1990 - (abril). Falecimento de Hélio Smidt;
• 1990 - Rubel Thomas assumiu a presidência da VARIG (1990-1995);
• 1990 - (02 de julho ). Início das operações no Brasil da American Airlines, a maior
companhia aérea dos cinco continentes naquele momento;
• 1990 - (30 de julho). O presidente Collor, durante seu discurso de abertura da
Convenção Geral de Tráfego e Vendas da VARIG, em Brasília, declarava que
estávamos vivendo um momento de aceleração do tempo histórico;
• 1990 - (02 de agosto). Guerra do Golfo gerando uma grave crise que causaria à
aviação comercial mundial (serviços regulares) prejuízos da ordem de US$ 20.4
bilhões, incorridos nos exercícios de 1990 a 1994;
• 1990 - (04 de setembro). Privatização da Vasp em leilão. O vencedor, e único
participante, foi o consórcio VOE-Vasp, composto pelas empresas Canhedo de
253

Brasília e 3.500 empregados da companhia aérea estatal. Os 40% restantes


permaneceram nas mãos do governo de São Paulo;
• 1990 - Reestruturação administrativa na direção da VARIG com vistas a uma gestão
em colegiado;
• 1990 – Lançamento, na VARIG, do Programa Qualidade Total, na certeza de que a
competitividade e o desenvolvimento dependeriam, cada vez mais, da qualidade do
serviço prestado;
• 1991 - Lançamento do programa TQC – COMPROMISSO VARIG COM A
QUALIDADE;
• 1991 - O mundo desenvolvido ocidental, que já vivia a experiência neoliberal há mais
de uma década, iniciava um questionamento generalizado sobre o neoliberalismo. O
vice-presidente do Banco Mundial, Attila Karaosmanoglu, ressaltava a importância da
ação governamental nos países recentemente industrializados do Leste Asiático, os
chamados NIC’s, para o crescimento industrial acelerado na região;
• 1991 - Prejuízo de toda a indústria de aviação mundial, em torno de US$ 4 bilhões de
dólares;
• 1991 - (maio). Após a liberalização das tarifas, o mercado testemunhou outra inédita
concorrência entre as companhias aéreas no Brasil. Vasp, VARIG/Cruzeiro e
Transbrasil reduziram seus preços e criaram dezenove tipos diferentes de promoções;
• 1991 - (junho). Collor visitou Washington, onde convidou o presidente George Bush a
encerrar o capítulo das disputas comerciais e dos problemas da dívida externa e
comunicou que sua viagem marcaria o fim de uma fase amadorística e romântica nas
relações com os EUA;
• 1991 - (outubro). A V CONAC foi palco de um amplo debate entre todas as forças
atuantes no Sistema de Aviação Comercial, com participação dos Sindicatos de
Aeronautas e Aeroviários, tendo sido de fundamental importância para o futuro da
aviação civil no Brasil e para as mudanças que viriam a se processar naquela década;
• 1991 - (dezembro). Fim da URSS;
• 1992 - Assinatura do acordo de "Open Skies", entre os governos dos Estados Unidos e
da Holanda, para desregulamentar e liberalizar os vôos entre os dois países,
posteriormente, estendido para a Comunidade Européia, em 1997;
254

• 1992 - Investigação da Polícia Federal, quando também foi criada uma CPI na Câmara
de Deputados sobre o envolvimento de Canhedo com Paulo César Farias e Zélia
Cardoso de Mello, na compra da Vasp;
• 1992 - (1º de fevereiro). Início das operações no Brasil da United Airlines, naquele
momento a mais internacionalizada companhia aérea dos Estados Unidos, voando para
o maior número de destinos fora do território norte-americano;
• 1992 - (abril). Para “tranqüilizar a família Varig” e diminuir o volume de boatos que
começaram a circular pela empresa, inclusive a respeito da saída do presidente, Rubel
Thomas realizou três palestras, juntamente com todo quadro de diretores, nas bases de
São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre;
• 1992 - (maio). Associação da VARIG ao Sistema Amadeus;
• 1993 - Lançamento do Consórcio de Viagens VARIG;
• 1993 - Lançamento de mais um programa, intitulado “Visão, Valores e Missão”, desta
vez indo mais fundo e difundindo a necessidade de que a sua cultura fosse reavaliada,
permitindo mudanças que modernizassem sua mentalidade empresarial e a empresa
publicou: “É Hora de Mudar, o Presidente está à frente do processo de mudança”;
• 1993 - (julho). Lançamento na VARIG de um plano oficial, de âmbito corporativo
chamado “Plano Diretor da Qualidade”, buscando amplas e profundas mudanças, a
começar pelo topo da empresa;
• 1994 - (janeiro). Lançamento do “Smiles”, o programa de milhagem da VARIG;
• 1994 - (15 de abril). No governo Itamar Franco o país conseguiu, finalmente, a
renegociação da dívida, sem a participação do FMI;
• 1994 - (julho). Implantação do Plano Real no Brasil;
• 1994 - As tarifas aéreas básicas, definidas pelo DAC, deixaram de ser atualizadas com
base na variação da planilha de custos e passaram a ser reajustadas anualmente a partir
de índices gerais de preços;
• 1994 - Decisão de abertura do Conselho de Administração da VARIG à participação
de experientes líderes empresariais não vinculados aos quadros da Companhia;
• 1994 - A empresa desenvolveu um enérgico processo de reestruturação operacional,
administrativa e financeira, com redução de 3.586 postos de trabalho, redução do
número de diretores e de níveis hierárquicos, fechamento de trinta e nove escritórios,
localizados em cidades não servidas pela empresa, os chamados “off-line”, retirada de
255

nove equipamentos da frota, cancelamentos e alterações de rotas e terceirização do


Catering;
• 1995 - Nova redução de funcionários (7.089), de lojas, de níveis hierárquicos e
diretores. Efetivação da abertura do Conselho de Administração;
• 1995 - Assume a presidência do país Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), que
caracterizou-se por tornar prioritária na agenda pública a meta de sepultamento da Era
Vargas, com o abandono do estadismo e do nacional-desenvolvimentismo;
• 1995 - No governo Fernando Henrique Cardoso, e após uma complexa tramitação no
Congresso Nacional, seria, enfim, aprovado o novo Código de Propriedade Intelectual;
• 1995 - Assembléia Geral Extraordinária da FRB que aprovou um novo estatuto social
da entidade com a Criação do Conselho de Curadores, cujos sete membros teriam
mandato de três anos, com os mais votados ocupando os cargos de Presidente e Vice
Presidente do colegiado;
• 1995 - Rubel Thomas foi afastado da presidência da VARIG pelos curadores eleitos e
substituído por Carlos Willy Engels que, com menos de um ano no poder, pediu
demissão, juntamente com o presidente do Conselho de Administração Edgard de
Araujo;
• 1996 - Fernando Pinto assumiu a presidência da VARIG, com a adoção de um
discurso ainda mais moderno, só que desta vez, e também em sintonia com o discurso
do novo presidente da República, explicitamente rompendo com o passado;
• 1996 - Seria lançada a nova pintura nos aviões. A política da “nova imagem
corporativa”, que era a própria materialização dessa ruptura com o passado em busca
de uma nova cultura empresarial, de rejuvenescimento dos próprios símbolos de
identificação da VARIG;
• 1996 - Implantação do sistema de Yield Management na VARIG;
• 1997 - Liberação dos vôos das linhas especiais, criadas em 1991, para qualquer
companhia. A TAM e a Rio-Sul, até então empresas regionais, passavam a competir
em todo o território nacional;
• 1997 - Com a crise econômica mundial, a VARIG foi obrigada a iniciar outro processo
de reestruturação;
• 1997 - A Comunidade Européia e os Estados Unidos assinaram um tratado de “Open
Skies”;
256

• 1997 - A VARIG lançou o programa “Voa Brasil”, oferecendo vôos diários durante a
madrugada, com uma média de 50% de desconto em todos os assentos, levando as
tarifas aéreas a equipararem-se às tarifas dos ônibus-leito;
• 1997 - (setembro). Iniciou-se outro projeto intitulado “Modelo de Gestão”,
objetivando definir as competências comportamentais dos gerentes da empresa;
• 1997 - (outubro). A VARIG ingressou na Star Alliance, a maior aliança de
companhias aéreas do mundo. Uma aliança de alcance verdadeiramente global, com o
objetivo de maximizar recursos, através da integração das malhas de vôos, dos
sistemas de reservas e dos programas de milhagens das companhias associadas;
• 1997 - (18 de dezembro). Nova portaria do DAC permitindo o aumento para 65% da
margem de descontos nas passagens aéreas domésticas, que até aquela data não
poderia ultrapassar 50%;
• 1997 - (dezembro). As operadoras de vôos charter ficaram desobrigadas de vender
passagens vinculadas a pacotes turísticos;
• 1998 - O Brasil passou a ser o único país no mundo, além da Inglaterra, a receber as
quatro maiores companhias aéreas americanas, Delta, Continental, American Airlines
e United Airlines;
• 1998 - (janeiro). Os descontos em relação aos valores das tarifas regulares dos vôos
charter, que até então, estavam limitados a 65%, foram também liberados;
• 1998 - (fevereiro). Liberados, também, para qualquer companhia aérea, os vôos entre
os aeroportos centrais do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília;
• 1998 - (março). Uma iniciativa da TAM na Ponte Aérea foi aumentar o número de
freqüências de seis para vinte e três vôos semanais, reduzindo a tarifa de R$ 158,34
para R$ 119,00;
• 1998 - (entre março e junho). O número de freqüências na rota Rio-São Paulo passou
de 36 para 74, um aumento de 105%;
• 1999 - (janeiro). Abrupta mudança na política cambial do país, causando um enorme
impacto no endividamento e no custo operacional das empresas de transporte aéreo
(combustível, aluguel de aeronaves, etc), cujos recursos e insumos são cotados em
dólares;
• 1999 - Uma completa reestruturação operacional e financeira na VARIG. Os nove
membros do Conselho de Administração da Empresa foram substituídos, a oferta foi
257

reduzida em 20% no internacional e 17% no doméstico e a frota diminuída em 14


aeronaves;
• 1999 - A Varig criou um sistema integrado com as aeronaves da Rio-Sul e a Ponte
Aérea foi oficialmente extinta como um pool de empresas;
• 2000 - (20 de janeiro). Constituição da VarigLog, uma empresa de cargas e logística,
com uma nova dimensão de atendimento global;
• 2000 - (28 de janeiro). Efetuada uma cisão parcial da VARIG: vertidas parcelas de seu
patrimônio e de seu passivo exigível para duas novas companhias, VARIG
Participações Em Transportes Aéreos S.A. (VPTA) e VARIG Participações Em
Serviços Complementares S.A. Isto é, a VARIG foi desmembrada em três empresas, a
VARIG, propriamente dita, tendo como subsidiárias a VarigLog (desde 2000) e a
VEM (desde 2001), a VPTA englobando a Rio Sul, a Nordeste e a Rotatur (empresa
constituída para operação de vôos charter) e a VPSC englobando a SATA, o Amadeus
Brasil e a Rede Tropical. Todas as três sob controle da holding FRB-Par;
• 2000 - (16 de maio). Fernando Pinto sai da presidência da empresa;
• 2000 - Instituído na VARIG o Comitê Permanente de Sinergia, do qual participavam
os presidentes, diretores e gerentes das três transportadoras, VARIG, Rio Sul e
Nordeste;
• 2000 - Assumiu a presidência da empresa Ozires Silva, dando início a uma
interminável troca de nomes nesta cadeira. Ozires Silva ficaria ainda na empresa por
mais três anos;
• 2001 - (31 de agosto). O Ministério da Aeronáutica foi transformado no Comando da
Aeronáutica (COMAER), subordinado ao Ministério da Defesa;
• 2001 - (11 de setembro). Atentados terroristas nos EUA;
• 2001 - (outubro). Na VARIG, em mais um movimento de reestruturação, seria criada,
a partir de uma de suas “Unidades de Negócios”, a VEM-VARIG Engenharia e
Manutenção;
• 2001 - Surge a GOL, dentro de um conceito até então novo no Brasil, o das “LCC”,
Low Cost Carriers, que oferecem tarifas reduzidas em função do corte de “supérfluos”
operacionais;
• 2002 - (setembro). Buscando diminuir ainda mais os custos, ocorreu a integração
operacional da VARIG, Rio-Sul e Nordeste e os resultados domésticos passaram a ser
258

rateados entre as três empresas, proporcionalmente à participação das mesmas nas


rotas;
• 2003 – Início da guerra do Iraque;
• 2003 - Início do governo Lula (2003-2010);
• 2005 - Criação da Volo do Brasil, empresa constituída pelo fundo norte-americano
Matlin Patterson, exatamente para driblar o limite legal de participação de estrangeiros
em empresas aéreas. A Volo do Brasil foi uma sociedade formada, inicialmente, entre
o chinês Lap Chan, do fundo americano Matlin Patterson, da Volo Logistics, e três
brasileiros, Marco Audi, Luís Eduardo Gallo e Marcos Michel Haftel;
• 2005 - (09 de fevereiro). Promulgação da nova lei de Recuperação Judicial, que prevê
a possibilidade de “isolamento” de uma parte operacional da empresa, que tenha
condições de sobreviver se for isolada das dívidas e obrigações do conjunto, para que
sejam renegociadas, sem que a empresa pare suas atividades;
• 2005 - (17 de junho). Juntamente com a Rio Sul e a Nordeste, a VARIG recorreu a Lei
de Recuperação de Empresas;
• 2005 - (setembro). Criação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC),
implantada em 2006;
• 2005 - (19 de outubro). Foi realizada uma Assembléia Geral de Credores, na qual o
BNDES apresentou uma proposta para a criação de uma Sociedade de Propósito
Específico (SPE), com a finalidade de adquirir as ações representativas do capital da
Varig Logística S.A. e da Varig Engenharia e Manutenção S.A. (VEM), com a
garantia de concessão de apoio financeiro aos investidores que assumissem o controle
acionário dessa SPE;
• 2005 - (09 de novembro). VarigLog e VEM foram vendidas para a Aero-LB,
sociedade controlada pela TAP, por um grupo de brasileiros e pelo magnata luso-
chinês Stanley Ho;
• 2005 - (dezembro). O primeiro plano de recuperação foi concluído quando a
Assembléia Geral de Credores criou a figura do administrador judicial, do gestor
judicial interino e da Unidade Produtiva VARIG, que passou a ser conhecida como a
“Nova Varig”;
• 2006 - O segundo plano de recuperação definiu o que seria efetivamente separado;
• 2006 - (11 de janeiro). Sem que fosse declarado o motivo, a VARIG S.A., exercendo a
opção garantida no Contrato de Opção de Compra de Ações e Outras Avenças,
259

concluiu negociações com a Volo Brasil para que esta adquirisse as ações da Varig
Logística S.A., anteriormente alienadas a Aero LB Participações S.A. (TAP);
• 2006 - (16 de junho). Denise Abreu suspendeu o processo de compra da VarigLog
pela Volo do Brasil, alegando que faltavam documentos que comprovassem que o
capital estrangeiro da Volo seria restrito a 20%, como manda a lei;
• 2006 - (23 de junho). O ex-procurador-geral da ANAC, João Ilídio de Lima Filho,
minimiza as exigências e a venda da VarigLog é aprovada;
• 2006 - (julho). A sociedade “Trabalhadores do Grupo Varig” (TGV) ofereceu, num
leilão, seus créditos trabalhistas como forma de pagamento para compra da “Unidade
Produtiva VARIG”. Como os esclarecimentos apresentados pela TGV para a
comprovação da origem dos recursos não foram considerados suficientes, nem o
depósito exigido foi efetuado, a vitória no leilão não foi aceita pela Justiça;
• 2006 - (julho). O governo determinou a intervenção e liquidação do Aerus;
• 2006 - (20 de julho). Ocorreu a alienação da “Unidade Produtiva VARIG” para a
VarigLog;
• 2006 - No caso do aeroporto internacional Tom Jobim, o AIRJ, onde a VARIG
mantinha sua base de operações, sendo responsável por 42% do movimento dos vôos
domésticos e internacionais, o número de passageiros em vôos internacionais
semanais (um total de 150), somente em 2006, caiu de 237,2 mil, em janeiro, para
159,6 mil em outubro;
• 2007 - (março). Pouco mais de oito meses depois, a "Nova Varig” seria vendida para a
GOL, por R$ 660 milhões;
• 2007 - No mesmo dia em que era anunciada a compra da “Nova Varig”, pela Gol, foi
aprovada, por unanimidade, pelo Cade, Conselho Administrativo de Defesa
Econômica, a compra da “Nova Varig” pela VarigLog, ocorrida em julho de 2006;
• 2007 - Até o ano de 2006 apenas de 40% a 50% das passagens internacionais eram de
companhias estrangeiras, em 2007, esse percentual já estava por volta de 75%;
• 2008 - Um desentendimento entre os investidores da empresa Volo do Brasil revelou a
existência de um “contrato de gaveta” firmado entre as partes, que permitia ao fundo
Matlin Patterson assumir o controle da companhia, contrariando o Código Brasileiro
de Aeronáutica;
• 2008 - Após o afastamento dos sócios brasileiros, o presidente da VarigLog, João Luis
Bernes de Souza, ex diretor da VARIG e que teria dado o lance para a aquisição da
260

mesma em leilão, foi sumariamente demitido por Lap Wai Chan, sem ter nenhuma
cláusula do seu contrato respeitada;
• 2008 - (abril). Wai Chan assinou uma correspondência autorizando a transferência do
saldo total da conta da VarigLog na Suíça, US$ 86 milhões, para a conta da Volo
Logistics, no JP Morgan Private Bank. Esses dólares, oriundos da venda da “Nova
Varig” deveriam, segundo Cláudio Magnavita e, de acordo com decisão judicial,
serem repatriados e aplicados na recuperação da companhia aérea;
• 2008 - Documentos referentes a venda da VarigLog para a Volo do Brasil, em 2006,
começaram a vir a tona em investigações no Senado, revelando um verdadeiro
confronto entre a recém-criada ANAC, através da figura de sua diretora na época, a
Sra. Denise Abreu e Roberto Teixeira, compadre do Presidente da República, cujo
escritório de advocacia representava os interesses dos compradores;
• 2009 - No mercado dos EUA, a participação brasileira diminuiu drasticamente. As
empresas norte-americanas continuam operando com toda a capacidade autorizada,
126 vôos semanais, enquanto a TAM, única empresa brasileira voando neste mercado,
opera apenas com 30 vôos semanais;
• 2009 - (03 de fevereiro). A SATA, empresa do grupo VARIG, entrou em recuperação
judicial;
• 2009 - (março). A VarigLog entrou em recuperação judicial.
261

Anexo A - Propaganda da empresa na versão em inglês do Relatório Anual de


Administração do Exercício de 1968.
262

Anexo B - Hidroavião Atlântico

Anexo C - Bilhete assinado por Ruben Berta, para um vôo do Condor Syndikat, no dia 20
de maio de 1927.
263

Anexo D - Cópia do “Relatório da Directoria da S.A. Empreza de Viação Rio


Grandense VARIG, relativo ao anno social de 1930, para ser apresentado à
Assembléia Geral Ordinária dos Acionistas de 1931”, com a indicação de Rubem
Berta como “Guarda-Livros”.
264

Anexo E - Cautela de uma das primeiras Ações da VARIG, de número 383. As


assinaturas são do Diretor Gerente Otto Ernst Meyer e do Diretor Técnico R. C. von
Clausbruch.
265

Anexo F - Livro “Diário” da VARIG com o lançamento referente à aquisição do


hidroavião “Atlântico”
266

Anexo G - Foto de 1952, onde se destacam algumas personalidades envolvidas na


fundação da VARIG como Otto Meyer, Alberto Bins e Adroaldo M. da Costa.
267

Anexo H – Foto de Ruben Berta e Otto E. Meyer no 25º aniversário da VARIG.


268

Anexo I - Foto em close de Ruben Berta na capa da Revista do Globo, de julho de 1961.
269

Anexo J - Propaganda na revista Guia Aeronáutico de junho de 1957.


270

Anexo K - Capa da revista Guia Aeronáutico de agosto de 1976.


271

Anexo L - Capa da revista Guia Aeronáutico de maio de 1976.


272

Anexo M - Propaganda no Relatório Anual de Administração da VARIG sobre o


Exercício de 1969.
273

Anexo N - Reportagem de capa da revista Guia Aeronáutico de maio de 1989.


274

Anexo O - Capa da revista Executive News de junho de 1990.


275

Anexo P - Capa da revista Guia Aeronáutico de maio de 1966.


276

Anexo Q - Capa da revista Guia Aeronáutico de dezembro de 1975.


277

Anexo R - Capa da revista Guia Aeronáutico de dezembro de 1992.


278

Anexo S - Capa da revista Guia Aeronáutico de agosto de 1993.


279

Anexo T - Estrutura Organizacional da Fundação Ruben Berta, divulgada no


Relatório Anual de Administração da VARIG sobre o Exercício de 1998.
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