Você está na página 1de 573

Copyright 2019 © Carlie Ferrer

Todos os direitos reservados.


Nenhuma parte desta obra pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios
existentes sem autorização da autora. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei
n° 9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código
Penal.

Capa
Arte: Carlie Ferrer
Imagens: ©shutterstock.com

Revisão
Rayane Marqueli
Sinopse
A melhor amiga da Ayla e o irmão do Eros
precisam contar sua louca história de amor.

Sabrina sempre teve o pé no chão quando


se trata de amor, preferindo vivê-lo em livros,
onde não pode machucá-la. Sincera demais,
direta e racional, jamais pensou que cairia de
amores por alguém, ainda mais o pior ser
existente na terra: o egoísta, mimado e ex-amor
da sua melhor amiga, Martim Reymond. Quando
ele a convence a ajudá-lo a se tornar uma pessoa
melhor, ela tem certeza que o fará desistir na
primeira noite, ao invés disso, acaba cada dia
mais íntima e apegada a ele.

Tim está completamente perdido.


Acreditava estar em busca de uma bela história
de amor, quando foi atropelado por Sabrina e
suas palavras cruéis que o fizeram perceber que
precisa mudar muito para merecer um amor
como o de seu irmão. Cercado por mulheres que
dizem apenas o que ele quer ouvir, tem certeza
que a sincera e malvada Sabrina é a única capaz
de fazê-lo enxergar quem é de verdade. Mas
Sabrina claramente mal o suporta, e quanto
mais tenta enlouquecê-lo e fazê-lo afastar-se
dela, mais ele quer se aproximar e fazê-la gostar
dele.
Ela conhece seus piores defeitos.
Ele vê o seu pior lado.
E mesmo assim o sentimento que surge
entre eles não pode ser impedido. Mas será que
essa atração irresistível é mesmo amor?
Sabrina
Entrar em uma loja de noivas que reúne as
criações das mais famosas estilistas do país é
como entrar em um mundo mágico! Tudo aqui é
branco demais, tem muito brilho e toda
sofisticação disfarçada de simplicidade. É algo
tão fora da minha vida real, que tenho medo até
mesmo de tocar em algum vestido e ele se
desfazer em minha mão, fazendo-me assim ter
que pagar por algo caro demais que sequer vou
usar.
Em pensar que jamais pensei em me casar!
Nem mesmo quando namorei o traste do Nando!
E bem, olhando a minha vida desde o traste não
me parece que serei eu a me casar um dia. Não
que eu fique decepcionada por isso. Sempre fui
muito pé no chão e racional quando se trata de
sentimentos. Até mesmo meu lado fofo e
romântico pensa antes de sentir, de forma que
amor para mim tem graça nos outros. A vida da
Ayla, minha melhor amiga, por exemplo, é
minha novela favorita! Mas jamais viveria um
amor como o dela.
Observo os vestidos em fila pelas vitrines,
enquanto espero minha melhor amiga se vestir.
Toco a manga bufante engraçada de um quando
a atendente me pergunta: — Você também quer
experimentar?
— Ah, não obrigada! Não vou me casar —
recuso imediatamente.
— Muitas mulheres experimentam mesmo
sem estar noivas, dizem que traz sorte — ela
insiste estendendo diante de mim um vestido
lindo, sem mangas bufantes e colado ao corpo.
— Não, obrigada. Eu nem tenho namorado,
na verdade, estou encalhada. Há muito tempo, a
vida toda. É triste, eu sei — concluo quando vejo
a expressão horrorizada dela. — Enfim, não
quero experimentar, não tenho esse tipo de
ilusão.
— Entendi — ela diz se afastando.
Ayla surge deslumbrante com um vestido
tão lindo, que sequer parece minha amiga, a
garota maluca e sensível que adotei três anos
atrás. Apesar do quão linda está, algo em seu
rosto não reflete o brilho do vestido maravilhoso
que usa.
Ela observa outros vestidos em busca de
algo melhor, e não sei como dizer a ela que não
haverá um vestido mais bonito. Não enquanto
seu medo do passo que está dando estiver
dominando-a como está. E não a julgo por
temer, Eros é complicado demais, é necessário
amá-lo muito para ficar com ele. Mas é o tipo de
amor que vale a pena.
É aí que ele surge: a pior espécie de homem
que existe. O irmão do futuro marido da minha
melhor amiga, Martim Reymond. O traste por
quem ela foi apaixonada por longos e sofridos
três anos. O homem insensível que nunca
correspondeu seus sentimentos até o dia em que
ela se apaixonou pelo irmão dele, e ele
simplesmente não aceitou ter perdido sua
afeição.
Ele tenta convencê-la a desistir do
casamento, apresenta motivos para que ela não
se sinta obrigada a casar-se com um homem que
ele acredita não amá-la. Tenta manipulá-la e
convencê-la a ser ela quem vai desistir de tudo e
deixar Eros na mão. Mas entendo seu jogo, ele
diz que Eros não precisa mais se casar. E mesmo
assim insiste que Ayla desista de tudo, o que
indica que Eros quer se casar, mesmo não
precisando. E ele está tentando fazer Ayla
desistir do casamento para que Eros fique
decepcionado com ela. Vou juntando dentro de
mim um ódio imenso por esse ser, mas é quando
ele tenta declarar um amor que nunca sentiu na
intenção de confundi-la, que perco a paciência.
— Ayla, eu posso dar a você muito mais do
que ele teria dado. Posso cuidar de você como
sempre, e dar o amor que você merece. — Ele
insiste e ao ver que não está adiantando, joga
baixo. — Eu não tenho medo do que sinto. Você
precisa me ouvir!
Para mim chega! Não dá para ter certeza
sobre quem é vilão e quem é mocinho em nossa
vida, mas a simples dúvida já é o bastante para
que alguém não tenha que fazer parte dela.
Entro na frente dele, impedindo que toque Ayla,
coloco minhas mãos sobre seus ombros e sinto
tanta raiva dele que quase poderia queimá-lo
apenas com meu toque. Seus olhos surpresos
buscam os meus e o empurro para longe da
minha amiga.
— Agora chega! Quem você pensa que é
para vir até aqui e dizer essas coisas para ela? —
grito assustando-o. — Você é um idiota e egoísta
que por três anos a feriu sem se importar e a
tratou como um caso de caridade! E agora quer
dizer que a ama? Você a vê verdadeiramente
apaixonada por seu irmão, sabe que ela é sua
única chance de cura e tenta tirar isso deles? —
Ele abre a boca para responder, mas nada sai.
Minhas palavras o estão atingindo. — Acaso o
despeito que você chama de amor é mais
importante do que o que eles sentem?
— Sabrina... — ele tenta me interromper,
mas falha em sua resposta porque sabe que
estou certa.
— Você vem comigo, Martim! Não vai se
aproximar dela, está passando da hora de termos
uma conversa!
Seguro sua mão grande demais com
minhas duas mãos, e o guio para fora da loja sob
o olhar atento das vendedoras. Saímos para a
rua cheia do centro e solto sua mão, já
começando a gritar: — Você não tem o menor
direito de vir aqui quando ela está escolhendo
seu vestido de noiva e tentar convencê-la a
deixar seu irmão na mão! Se ele quisesse
cancelar o casamento, o teria feito. Você tentar
manipulá-la para que seja ela a desistir é
ridículo, e baixo!
— Não era o que eu estava fazendo —
responde nervoso olhando em volta, as pessoas
que param para nos observar.
— E o que você estava fazendo então?
Dando uma opção melhor a ela? Você se acha
mesmo tão melhor assim do que ele? Você está
bem enganado! Você não é nem mesmo gente,
Martim Reymond, o que diz sentir por ela está
longe de ser amor!
Ele segura minha mão e diz baixinho em
um tom ameaçador: — Podemos conversar em
um lugar privado? Não precisamos desse
escândalo no meio da rua.
— Você está com vergonha? — grito ainda
mais alto soltando minha mão da sua. — Mas de
tentar atrapalhar seu irmão você não tem
vergonha nenhuma!
— Sabrina, venha comigo — pede
segurando minha mão de novo, e só faço gritar
ainda mais alto.
— Me solta!
Ele estende as mãos e avisa às pessoas
curiosas à nossa volta que não estava me
machucando. Então, do nada decide ir embora.
Vai até seu carro Audi sport e abre a porta do
carona.
— Isso! Foge mesmo! Seu covarde! O pior
tipo de homem é aquele que é fraco demais para
ouvir verdades!
O olhar que lança a mim quando se vira em
minha direção pode ser descrito como assassino,
caminha a passos largos até onde estou, avalia
meu rosto calando os insultos que eu gritaria a
seguir e sem qualquer aviso, se abaixa diante de
mim e agarra meus joelhos jogando-me sobre
seus ombros como um homem das cavernas.
— Seu boçal, o que está fazendo?
Ele me joga em seu carro, me prende com o
cinto de segurança e tranca a porta, travando-a.
Dá a volta como se não tivesse feito nada demais
e senta-se ao meu lado.
— Isso é sequestro! Seu maluco! Lunático!
Ele liga o som do carro a um volume de
estourar os tímpanos e entendo que não adianta
gritar, e dirigindo como um louco, me leva por
lugares que passam rápido demais pela janela
para que eu possa identificar. Por fim, ele entra
em um condomínio residencial, sem qualquer
barulho externo e desliga o rádio enquanto
procura um lugar para parar o carro. Vai
subindo uma rua e a vista da cidade lá embaixo
vai ficando cada vez mais linda.
Não tenho certeza de porquê Martim
Reymond está nos guiando em seu carro até um
lugar mais calmo onde possamos conversar,
onde eu possa colocá-lo em seu devido lugar,
para ser mais exata. Mas imagino que seja pela
vergonha que sentiu por meu pequeno ataque.
Mas bem, tenho motivos para odiá-lo. Por anos o
vi se fingir de bonzinho com minha amiga,
alimentar os sentimentos que ela tinha por ele e
então ignorá-la. Agora, quando está fazendo de
tudo para atrapalhar seu casamento com o
homem a quem ela realmente ama, alguém
deveria fazê-lo enxergar o tamanho do seu
egoísmo, e que o que sente por Ayla está muito
longe de ser amor.
Amor não pode ser tão egoísta.
Ele para o carro em uma rua vazia, e por
alguns segundos apenas observo a linda vista da
cidade lá embaixo.
— Fale o que você queria gritar no meio da
rua — pede olhando para baixo.
O observo confusa por ele estar disposto a
me ouvir, quando não consegue nem mesmo
olhar-me nos olhos.
— O que quer que eu diga, Martim? Você
aceitou vir comigo por vontade própria porque
teve vergonha do que eu estava dizendo a você.
Porque teve vergonha de saber que eu estava
certa. Você não a ama.
— Você está enganada! Eu a amo! Apenas
percebi isso tarde demais!
Seus olhos finalmente encontram meu
rosto, tentando me convencer desse sentimento
que nem ele tem certeza que sente.
— Se você a amasse, não estaria tentando
atrapalhar a felicidade dela. Se a amasse, a
deixaria com o homem a quem ela realmente
ama. Se você a amasse de verdade, jamais
tentaria manipulá-la como tem feito.
Sua expressão confusa e irritada apenas me
dá munição para que eu continue a falar.
— Sou expectadora de vida dela, sou como
seu diário humano, ela me conta tudo. E tudo o
que foi inocente demais para perceber em você,
eu percebi desde o começo.
— Sabrina, você como sua amiga deveria
aconselhá-la, Eros irá feri-la. Ele não pode amar.
Ela vai ficar por anos alimentando um
sentimento que jamais será correspondido e vai
se ferir!
— Como você fez? Você acha que ele é igual
a você?
— Estou tentando protegê-la!
— Uau! Um super-herói, senhoras e
senhores! Como podemos chamá-lo? Já sei!
Senhor Ego. Talvez, super egoísmo! Achei um
melhor...
— Chega, saia do meu carro! — grita ferido
por minhas palavras, irritado por não conseguir
me manipular como achou que faria.
— Saio, agora mesmo! — Tiro o cinto de
segurança e abro a porta, mas antes de descer,
faço o que tentei fazer em frente a loja e ele não
deixou. — Você é um babaca, egoísta e vaidoso
que não suporta a possibilidade de ver o seu
irmão feliz, quando você não é capaz. Você vive
de relacionamentos vazios, de pessoas ainda
mais vazias e é o que você merece, porque você
atrai o reflexo do que você é. É por isso que ele
tem o amor dela. É por isso que se continuar
assim, vai receber apenas o seu desprezo. Pode
me deixar aqui sozinha quando sabe que não
tenho como ir embora, mas ainda assim vai
saber que estou certa sobre você.
— Você está errada em tudo! Ele irá feri-la!
— insiste com uma convicção que só pode ser
forçada. Não é possível que seja mesmo tão cego,
que realmente acredite que está certo.
— Ele a ama! Foi você quem entrou na loja
dizendo que ele não tem mais motivos para se
casar com ela. É você quem bate na tecla de que
ele é incapaz de sentir, então por que ele quer se
casar? Por que propôs isso a ela? Simples! Ele a
ama! Não pode admitir a si mesmo ainda porque
pode ser assustador para ele por conta do
passado de vocês, mas também não pode abrir
mão dela. Você é o melhor amigo dele, não é
possível que seja tão cego!
Quando penso que estou conseguindo fazer
com que ele entenda, ele me prova mais uma vez
que é um verdadeiro asno.
— Quer saber? Você é má! É uma
mulherzinha amarga e azeda! Você não tem
namorado, não é? Não tem ninguém que a ame.
— Na verdade, tenho uma lista deles!
Todos me amam, e são muitos mesmo — minto
com tanta convicção que posso até enxergar os
nomes dessa lista de meus admiradores.
— Saia do meu carro, dona da razão. Não
sou obrigado a ouvir nada de você. Você não me
conhece, não sabe nada sobre mim.
Desço do seu carro e bato a porta com toda
força, rindo do palavrão que ele grita.
— Você que não se conhece, babaca! —
grito para a poeira que o carro joga sobre minha
cara quando ele sai cantando pneus.
Olho as mansões nas ruas abaixo de mim,
estamos em algum condomínio de riquinhos.
Tateio o bolso e nem sinal do celular, nem da
bolsa.
— Parabéns, Sabrina, como é que você vai
embora? Esse babaca! Como é que você pôde se
apaixonar por alguém como ele, Ayla? Você é
mesmo maluca!
Falando sozinha, vou descendo as ruas e
passando pelas mansões, não há ninguém a
quem eu possa perguntar onde estou e como saio
daqui. De repente, ouço o barulho de um carro
em alta velocidade e o babaca que me deixou
aqui sozinha, freia o carro a centímetros de mim.
Abre a porta do carona e olha entediado seu
celular.
Empino o nariz, descruzo os braços e passo
direto, mas ele vai me seguindo devagar, com a
porta aberta, sem me pedir para entrar.
— Uma hora você vai se cansar — é tudo o
que diz.
— Escroto! Babaca! Idiota! Imbecil! Pra me
trazer aqui me levantou nos braços e jogou
dentro do carro, mas para me levar embora, não
é homem o suficiente para olhar pra minha cara.
Canalha! Escória! Por isso vai ficar para titio. Vai
ver os dez filhos que Ayla e Eros terão e
continuará dizendo a ela que Eros irá feri-la.
Ridículo! — vou ralhando enquanto desço sendo
seguida de perto por seu carro silencioso e sua
porta aberta que vez ou outra bate em mim, me
irritando ainda mais.
— Não estou à sua disposição. Você não vai
entrar, não é? — pergunta impaciente.
Sequer me dou ao trabalho de responder.
— Boa sorte para ir embora então! — diz e
acelera o carro, forçando a porta a bater e
sumindo de vista em uma esquina.
— Babaca! — grito como uma louca. —
Tomara que caia com esse carro em uma lagoa,
seu imbecil!
A raiva me toma e sem ter em quem
descontá-la, bato os pés no chão como uma
menina birrenta gritando com esse idiota que
me trouxe até aqui e me abandonou.
— Acabou o show? — uma voz assustada
soa atrás de mim e encaro um Tim dividido
entre rir e sair correndo com medo do meu
ataque.
Assinto, ajeitando meu cabelo alaranjado
em seu lugar.
— Ótimo! Vamos embora.
Assim como fez para me trazer até aqui, ele
me joga sobre seus ombros como se eu não
pesasse mais do que um saco de arroz e me joga
em seu carro. Fecha a porta e dá a volta,
arrancando com ele em seguida. Não dizemos
nada um para o outro durante o percurso,
sequer olho sua cara nojenta. Ele para o carro
em frente a confeitaria onde eu trabalhava antes
de ir para a empresa dele, e pergunta: — Aqui
está bom para você?
— Claro que não! Se vai me dar uma
carona, faça isso direito! Me deixa na minha
casa.
Ouço-o resmungar sobre o quanto sou
folgada, mas mantenho meus braços cruzados e
minha expressão fechada, fazendo caretas para
seus resmungos mentirosos.

— Entregue — diz sem olhar para mim


quando para na porta da minha casa.
— Não espere um agradecimento —
respondo descendo do carro. — Mas, eu vou
esperar o seu agradecimento. Faça o seguinte,
senhor super-herói, apenas observe a maneira
como Eros olha para ela. Esqueça você e preste
atenção nisso. Você vai perceber que não é nem
de perto o grande homem que pensa que é, então
venha me dizer obrigada por eu ter sido gentil e
sincera com você, seu babaca!
Bato mais uma vez a porta do seu carro e
ao invés de entrar em casa, vou até a casa de
Ayla, pegar minhas coisas e contar o quanto esse
ex amor da vida dela é idiota!
Tim
Algumas semanas
depois...
— Não importa o que você tenha que fazer,
Murilo, convença-o a nos ajudar. Diga a ele que
a Sampaio Inc. está falindo, que se o ajudar, você
consegue para ele um emprego aqui. Diga
qualquer coisa que ele queira ouvir, mas chegue
até essas imagens. Um jovem inocente será
condenado por um capricho da sua ex patroa,
Murilo, um jovem que é seu amigo. Não se
esqueça disso!
Encerro a ligação com a certeza de que
dessa vez vou finalmente colocar as mãos nessas
imagens e provar a inocência do Ulisses. Em
pensar que esperei que este fosse mesmo o seu
destino, parar atrás das grades por roubo. Estive
por muito tempo alerta para o caso de Ayla pedir
ajuda por seu irmão, e quando isso aconteceu,
foi uma armação porque ele estava nos
ajudando. De forma que é minha
responsabilidade, mais do que isso, minha
obrigação, tirá-lo de lá.
Meu celular apita pela terceira vez uma
mensagem, desta vez é Lorena, a recepcionista
da Reymond. Rolo a tela observando as fotos das
três mulheres que me mandaram mensagens
hoje e escolho uma delas. Acabar com a regra
idiota que proibia relacionamentos entre
funcionários da empresa foi a única coisa
sensata que meu irmão fez por amor.
— Hoje é você, Lorena, terei tempo para as
outras duas — escolho combinando um horário
com ela por mensagem, quando um resmungo
próximo demais me faz levantar os olhos até ela:
a bruxa!
Ela deposita a xícara com o café que pedi
de má vontade e vira-se sem olhar meu rosto,
mas finge um espirro onde entendo a palavra
idiota antes de sair pela porta.
Sabrina Lima é, sem dúvidas, talentosa na
cozinha, os lanches na empresa melhoraram cem
por cento desde sua chegada, mas é uma pessoa
cruel, convencida e metida a dona da razão. E
desde o dia em que deu um belo nó na minha
cabeça, não consigo olhar em seus olhos. É como
uma magia, por mais que eu tente, algo me
impede e acabo desviando o olhar.
Provavelmente, algum feitiço dela, tenho certeza
que é bruxa!
E cada vez que a vejo, mesmo que de longe,
me lembro de cada uma das suas malditas
palavras. Cada acusação, e cada deboche. Porque
em parte, ela estava certa. O meu amor por Ayla
me cegou a ponto de não enxergar o óbvio: Eros
a ama. Acabei fazendo o que essa bruxa mandou
e indo até a casa dele poucos dias depois de falar
com ela, e confirmei, como ela havia alertado, na
maneira como Eros olhava para Ayla, como se
movia ao redor dela, como a tocava e sorria para
ela, que ele a amava de verdade. Aquilo que
julguei ser impossível, que interpretei como uma
maneira de tê-la sem pesar sua consciência,
nada mais era do que uma medida desesperada
dele para tê-la para sempre. E funcionou. Ele
admitiu para si mesmo, para ela e para quem
quiser ouvir que a ama. Desde então estou
tratando de manter-me afastado dela.
Não sou apaixonado pela esposa do meu
irmão. Não sou apaixonado por ninguém. Mas
realmente acreditei que fosse.
A tela do celular acende e o rosto da minha
mãe aparece, depois de tantos anos, isso ainda é
estranho para mim, ter seu contato e ver seus
olhos negros na tela me faz sentir aquele medo
irracional que me toma às vezes. O medo de ser
como ela. Afasto esses pensamentos que são
culpa dessa bruxa da Sabrina e combino um café
da manhã com a mamãe.

Finalmente, a ligação que tanto esperava


nesses últimos dias vem, seguida das imagens
das câmeras de segurança da Sampaio Inc. que
provam a inocência de Ulisses das acusações de
roubo. Dou a notícia a Ayla por telefone e
procuro Eros para contar a ele, mas ele não está
mais em sua sala. Ayla também não está então
imagino que estão juntos e que ela vai contar a
ele a boa notícia. Quando estou voltando para
minha sala, avisto Lorena conversando animada
com Sabrina. Não olho o rosto da bruxa, mas
Lorena exibe um sorriso de satisfação e conta a
ela sobre nosso encontro de hoje à noite.
Curioso, acabo observando o rosto de
Sabrina, e ela faz uma careta, como se Lorena
estivesse dizendo algo nojento a ela. Ao passar
por elas, seguro sua mão e a provoco: — Posso
reservar a cama para você amanhã, se quiser,
Sabrininha.
Ela observa minha mão na sua com uma
careta ainda maior e olha em meus olhos ao
responder: — Nem que você fosse o último
homem do planeta! Eu iria para Marte, procurar
um marciano, mas jamais ficaria com você.
Desvio meus olhos dos seus nessa magia
estranha que ela lançou sobre mim, e não
permito que isso me abale ao responder: — Você
só diz isso porque sabe que não faz meu tipo.
Seu sorriso é tão bonito, que por um
minuto me pego confuso com sua mudança.
— Esse foi um dos melhores elogios que eu
poderia ter recebido. Muito obrigada, senhor
Reymond! — Puxa a mão da minha e se afasta
satisfeita como se fosse a inatingível última
bolacha do pacote.
— Feiticeirazinha convencida!

Lorena observa atenta o enorme quarto, e


seu olhar não demora a cair sobre a cama no
centro dele. Ela se aproxima da janela e aprecia
por um curto tempo a vista da cidade abaixo de
nós, o que de alguma maneira me incomoda.
Elas sempre fazem isso, ignoram o presente que
é uma vista como essa! Comenta a falta de
móveis no ambiente, mas não me dou ao
trabalho de explicar que este não é o quarto
onde durmo. É apenas meu quarto de visitas.
Tira a blusa enquanto me observa e sua
expressão curiosa passa para maliciosa em
segundos. A ajudo a tirar o sutiã, e quando
nossas bocas se tocam, meu telefone toca.
— Desculpe, querida.
Observo a tela e é Ayla, ela pergunta se vi
Eros em algum lugar, e desliga rapidamente,
mas parece preocupada. Jogo o pequeno
aparelho sobre o criado-mudo ao meu lado e
quando meus lábios tocam os de Lorena, ele toca
de novo.
— Você pode desligar isso? — pergunta
irritada.
— Claro! Farei isso, desculpe.
Desta vez é minha mãe, e esperei por
tantos anos suas ligações, que atendo, irritando
ainda mais a bela mulher diante de mim.
— Não posso falar agora, mãe!
— Filho, se você vir o Eros, por favor avise.
— Ayla já me disse isso. O que está
havendo?
— Não tenho certeza, ela parecia bem
nervosa ao telefone.
— Coisas de casal. Se eu o vir aviso. Vou
desligar agora, está bem?
— Você está com uma mulher aí, não está?
Pondero o quão estranho é falar disso com
minha mãe.
— Não tenho certeza se quero falar sobre
isso com a senhora.
— Ah, meu filho! Cada dia uma mulher?
Onde acha que vai chegar assim?
— Mamãe, eu realmente não posso
responder essa pergunta. Vou desligar, está
bem? Nos vemos amanhã pela manhã.
Encerro a ligação, desligo o telefone e
finalmente tiro o bico emburrado da minha
recepcionista com um beijo sem maiores
interrupções.
Na manhã seguinte, deixo Lorena em sua
casa e vou direto até a empresa. Estou ligando
para Eros desde que acordei, mas ele não atende,
Ayla também não. Mamãe enviou uma
mensagem desmarcando o café da manhã e
também não atende. Sinto que alguma coisa
aconteceu.
Vou direto até a copa pegar um café
quando vejo Sabrina, ela fala ao telefone com
Ulisses e presto atenção à sua conversa.
— Você não fez por mal, Uli, Ayla sabe
disso. Ela está sofrendo agora, mas não está com
raiva de você, ela vai falar com você assim que o
Eros aparecer, não se preocupe.
Deixo o café de lado e a observo. Seus olhos
contêm bolas pretas em volta e sua expressão é
cansada e triste. Assim que desliga o telefone e
esconde o rosto nas mãos, me aproximo meio
sem jeito.
— Sabrina, o que houve? Eros ainda não
apareceu? O que aconteceu com a Ayla?
Seus olhos cansados pousam nos meus e
ela não diz nada por algum tempo. Parece
confusa e pensativa, e quando desvio nosso olhar
e repito a pergunta, aproxima-se de mim e pede:
— Há algumas coisas que preciso contar a você,
podemos ir a outro lugar?
— Claro!
A guio ao estacionamento e entramos em
meu carro. A levo não muito longe, em um café
pequeno e reservado no centro. Ela sequer
escuta as perguntas da atendente, conversa
sozinha baixinho e parece esquecer que estou
aqui. Faço o pedido por ela e espero que comece
a me contar o que houve.
— Eros está bem? O que aconteceu? —
pergunto depois que os cafés são servidos e ela
ainda não fala em um tom alto o suficiente para
que eu entenda.
— Tudo bem, eu vou te contar — diz
finalmente parecendo cansada demais. — Eros
não voltou para casa esta noite, provavelmente
ele não voltará por agora, e provavelmente ele
não vai querer vê-lo tão cedo. E isso é culpa de
todos nós. Mas você é o único que pode fazê-lo
enxergar a verdade, e ver o quão ridículo tudo o
que ouviu soa...
— Do que você está falando?
Ela olha para os lados e respira fundo.
— Na noite em que trabalhamos na casa do
Eros, naquela festa, como garçonetes, Ulisses
roubou um objeto de valor do quarto dele. Ayla
entrou na casa do seu irmão na tarde seguinte
para devolver, mas foi pega por ele lá dentro. Ela
então, para proteger o Uli, disse ao Eros que
estava apaixonada por ele.
Solto a colher que tinha na mão e de
repente tudo faz sentido. O amor repentino dela
por ele. A declaração corajosa quando tinha uma
imagem tão diferente dela. Mas aí me lembro do
casamento deles, de quantas vezes ela repetiu
para mim que o amava e a certeza que vi em seus
olhos, o amor que vi neles. Nada disso podia ser
fingimento.
— Mas ela se apaixonou de verdade por ele,
não é? — pergunto e Sabrina confirma.
— De algum jeito, Melissa descobriu isso.
Ela ficou sabendo da briga entre você e o Eros
por causa dela, e buscou até atingir seu objetivo.
Fez uma armadilha, procurou o Ulisses e disse
que ia retirar as queixas contra ele, caso ele lhe
desse alguma informação útil sobre o romance
entre Ayla e você. Uli não sabia que você já havia
conseguido as provas para libertá-lo. Ele entrou
no jogo dela.
— Ele contou a ela sobre a pequena
mentira de Ayla.
— Mais do que isso. Ele também disse que
Ayla era apaixonada por você e que vocês saíram
algumas vezes. Ele é só um menino assustado,
disse coisas que pensou que ela quisesse ouvir,
para que ela pensasse que ele era seu aliado. E
então contaria tudo a você quando ela retirasse
as queixas e ao Eros, para que soubessem que
inventou tudo.
— Eros estava ouvindo, esta foi a
emergência que ele teve ontem, não é? Melissa
armou para que ele escutasse.
Ela apenas confirma com a cabeça e
imediatamente tento ligar para meu irmão, mas
seu celular está desligado.
— Tim, ele está confuso e é compreensível
dado o seu medo de amor, é compreensível pelo
passado de vocês. Mas você pode procurá-lo e
fazê-lo enxergar o quanto é ridículo acreditar
que você e ela são amantes! Quer dizer, por que
ele acreditaria em algo assim? Apesar de tudo
vocês são melhores amigos! Você precisa
encontrá-lo!
Como um baque, minha ficha cai e minhas
ações ridículas cobram seu alto preço. A maneira
como eu vinha agindo com Ayla, tentando
afastá-la dele, ameaçando-o para que se
afastasse dela. Indo contra seu casamento e
repetindo um sentimento que acreditava sentir.
Meus ciúmes exagerados e o fato de eu tê-lo
abandonado por causa dela, tudo isso é o que faz
com que ele acredite em toda baboseira que
ouviu. Em seu lugar, eu também acreditaria, por
que não?
— Tim? Você está me ouvindo?
— Não, Sabrina, desculpe. Eu não posso
ajudar — digo levantando-me.
— Como não pode? Você precisa tentar!
Você deve isso a eles!
— Ele não vai me ouvir, não vai querer me
ver, a culpa é minha.
— Do que está falando?
— Sinto muito, não posso ajudar.
Saio da cafeteria e escuto seus gritos que
não a deixe ali sozinha, e sequer pego meu carro.
Vou andando pelo centro, tentando organizar
meus pensamentos, tentando encontrar uma
solução para tudo isso. Chego a um ponto de táxi
e sem ter muita certeza de onde ir, entro nele. Eu
preciso pensar em um jeito de resolver isso.

Após várias horas pensando, cheguei à


conclusão de que Eros vai se acalmar. E vai vir
me cobrar sobre isso. Pedir explicações, me
acusar, qualquer coisa. Então poderei dizer a ele
que é mentira. Que meus ciúmes por sua mulher
eram apenas egoísmo meu, e que Ayla não cedeu
a nenhuma das minhas tentativas por amor a
ele. Vi a noite chegar e passar e o sol nascer do
alto dessa mesma rua, o lugar em que venho
sempre que preciso pensar. Sinto-me cansado,
esgotado, mas preciso encontrá-lo. Passo na
minha casa e tomo um banho rápido para me
manter acordado, e vou direto até a empresa. Ele
deve aparecer hoje, deve vir a empresa e preciso
estar aqui para recebê-lo. O procuro primeiro
em sua sala, mas ele ainda não voltou. Entro em
minha sala e Louisa fala alguma coisa, mas não a
escuto. Lembro-me então de Sabrina. Mais uma
vez, a deixei sem ter como ir embora, já que saiu
apenas com o celular na mão e nenhuma bolsa.
— Sabrina já chegou? — pergunto
interrompendo o que estava falando e a
expressão de Louisa é de choque.
— Sim, senhor, por quê? Se quer algo da
cozinha eu mesma posso pegar.
— Não precisa.
Levanto-me e a deixo ali, encontro Sabrina
com o celular na mão, digitando algo e a
preocupação ainda está ali.
— Alguma notícia do Eros? — pergunto e
ela nega, sem levantar o rosto em minha direção.
— Eu a deixei lá ontem, me desculpe.
Ela apenas dá de ombros.
— Como você fez para ir embora?
— Chamei um Uber. Mas não tinha
dinheiro para pagar a corrida, então peguei com
sua namoradinha de ontem, você deve a ela,
aliás. Eu disse que você ia pagar.
Sento-me diante dela procurando em seu
rosto qualquer indício da sua maldade, mas mal
consigo vê-lo quando está focada em seu celular.
— Temos duas recepcionistas e dois
seguranças na porta. Você não podia ter pegado
o dinheiro com qualquer outro que não fosse a
Lorena?
Seu olhar enfim pousa no meu, e ela tenta
conter um sorriso.
— Podia, mas que graça teria? Você vai ter
que descer lá, pagar sua querida Lorena a
corrida que eu fiz, e explicar a ela porque
estávamos em um café caro no centro da cidade.
Eu não podia dizer muita coisa, então disse
apenas que estávamos juntos, mas você ficou
indisponível para me trazer. Acho que ela não
ficou muito feliz. Enfim, foi melhor para ela, ela
não seria sua companhia dessa noite mesmo,
não é?
Sorrio. Ela está encontrando um meio de
me castigar. Acho que é a primeira vez que uma
mulher realmente desgosta tanto de mim.
— Na verdade, estava pensando em repeti-
la algumas vezes. Mas como você a afugentou,
talvez você vá servir.
— Não se refira a uma mulher com a
palavra talvez nunca mais, Reymond. Mulher
nenhuma merece não ser sua certeza. Na
verdade, eu agradeceria se você sequer voltasse a
se referir a mim.
Ela se levanta e seguro sua mão.
— Onde você vai?
— Ver a Ayla.
— Eu a levo.
— Melhor não, ela não quer ver ninguém —
diz e se solta da minha mão.
A sigo pela empresa e entro com ela no
elevador.
— Eu irei levá-la — insisto.
— Não, obrigada. Você é uma péssima
escolha de carona, tem mania de me levar aos
lugares e me deixar lá depois.
Sorrio. Apesar da angústia que tenho desde
que conversamos ontem, e do quão difícil será
olhar Ayla e dizer o que estou indo dizer, ela me
faz rir.
— Eu vou com você, Sabrina. O motivo do
Eros ter acreditado nessa baboseira sou eu. A
culpa por isso é minha. Preciso me desculpar
com a Ayla.
Ela me observa por um tempo procurando
a verdade em minhas palavras e parece enxergá-
la, pois concorda.
— Tudo bem, você vem comigo. Ela vai me
matar, mas preciso ver você pedindo desculpas.
Acho que não o verei assumindo a culpa por algo
nunca mais.
— Fale logo o que você quer tanto falar —
autorizo derrotado.
— Não queria dizer nada — retruca
olhando em meu rosto, mas sorri e diz
sonoramente: — Eu avisei!
Descemos do elevador e vamos até a casa
do meu irmão. Ayla abre a porta e tenho o
segundo baque em menos de vinte e quatro
horas ao ver seu rosto. Os olhos inchados e sem
vida, a confusão presente neles e a dor. Ela nos
recebe sem qualquer vontade, e enquanto
conversamos, seus olhos sequer buscam a
direção de onde estamos. Parece tão perdida que
me sinto cada vez mais culpado. Nada disso
estaria acontecendo se eu não tivesse sido um
babaca com ela. Com Eros, principalmente. Ele
poderia ficar bravo em um primeiro momento
por sua mentirinha inocente, talvez tivesse
medo, mas então buscaria a mim. Pediria meus
conselhos e eu diria a ele que isso não significou
nada. Que ela o ama nitidamente,
enlouquecidamente. Que ele não tem o que
temer. Mas ele não virá até mim. Não irá até
ninguém. E a culpa é minha.
Tentamos animá-la, convencê-la a ficar uns
dias na casa de sua avó para que se distraia, mas
ela não quer sair da casa. Não quer estar ausente
caso ele apareça, ela tem esperanças de que ele
vai aparecer. E peço aos céus que realmente
apareça.
Uma tempestade está se formando
enquanto tento ligar para Eros, mas seu telefone
permanece desligado. Por quanto tempo mais
ele vai se esconder? Observo as fotos do
casamento deles, e duas fotos em particular
chamam minha atenção. A primeira é da
bruxinha metida e seu vestido rosa. Ela saiu ao
lado da mamãe em uma foto, por algum motivo
a câmera estava focada mais nela do que na
mamãe. Tem um sorriso sereno que esconde
completamente seu temperamento insuportável.
Mais parece uma boneca, com o cabelo ruivo
preso em uma trança elegante em volta de sua
cabeça e os traços finos de seu rosto delicado.
Segura o buquê que Ayla deu a ela e observa as
flores com admiração.
— De boca fechada, você é mesmo muito
bonita, bruxinha — admito para mim mesmo.
A segunda foto é da mamãe, e essa é a mais
difícil de encarar. A mulher que retornou às
nossas vidas depois de tantos anos não é a
mesma que saiu dela. Não tem o brilho
apaixonado de suas alucinações, nem a tristeza
de seus amores não correspondidos. Parece
alguém vazia, perdida. Observo meu rosto no
espelho e constato que infelizmente, me pareço
mais a Atena de antes. A Atena dos vários erros.
A Atena do egoísmo. Embora não seja minha
mãe biológica, Atena deixou em mim inúmeras
marcas, manias, ensinamentos. Em Eros ela
deixou o medo do amor. Em mim, pensava que
era a vontade de vivê-lo. Mas vendo o estrago
que causei agora, começo a perceber que
infelizmente não foi só isso.
Acordo com uma ligação da minha mãe no
meio da madrugada. Pressinto que não pode ser
coisa boa, e levanto-me imediatamente ao ouvi-
la.

Chego ao hospital junto com Sabrina, nos


encontramos por caso na portaria. Perguntamos
por meu irmão e somos guiados até a sala de
espera onde Ayla está com minha mãe. Sabrina
corre até ela e a abraça, mas Ayla parece apenas
rezar baixinho. Sabrina senta-se ao seu lado e faz
o mesmo que a amiga, rezando com ela,
segurando suas mãos.
— Mamãe, como ele está?
— Foi um acidente tão feio, Tim! Ele podia
ter morrido, é um milagre que não tenha.
— Vai ficar tudo bem — confirmo
abraçando-a enquanto ela me explica sobre a
cirurgia pelo qual está passando. Uma cirurgia
na cabeça, muito arriscada.
Aproximo-me de Ayla quando ela se
levanta e seguro suas mãos.
— Ele vai sair dessa logo, logo.
— Eu tive que assinar — diz baixinho,
assustada como se tivesse cometido um crime. —
Eles precisavam da minha assinatura para fazer
a cirurgia, eu tive que assinar.
— Eu sei, você fez a coisa certa. Qualquer
um de nós teria assinado. Está tudo bem, vai dar
tudo certo.
Ela assente, e a abraço porque parece fraca
demais para manter-se de pé. Mamãe chora
abraçada a Sabrina e só consigo pedir que ele
acorde, que saia dessa e venha tirar satisfações
comigo. Prometo que quando se acalmar nem
irei zombar dele por ter acreditado que eu tinha
um caso com sua mulher. Preciso que ele
sobreviva.
Passamos a noite no hospital, não
conseguimos convencer mamãe nem Ayla a
comerem nada. Tento ligar para o último
número do meu pai, mas não chama mais. Me
surpreendendo completamente, Ayla me dá o
número certo dele e diz que conseguiu com tio
Olavo, então ligo para ele, que não atende. Envio
uma mensagem contando por alto o que
aconteceu e deixo em suas mãos a decisão de
voltar ou não.
A cirurgia demora várias horas, estamos
aflitos e ansiosos. A médica finalmente vem nos
dar alguma notícia, de que a cirurgia acabou,
correu tudo bem conseguiram retirar todos os
fragmentos da moto sem maiores danos, e
precisam esperar que ele acorde para
confirmarem que tudo está bem, mas estão
confiantes no sucesso da cirurgia.
Um alívio imenso nos toma, e chamo
Sabrina em um canto.
— Leve a Ayla pra casa. Ela não dorme há
três dias, parece que não come também. Vou
ficar aqui, faça com que ela durma.
Ela concorda e convence Ayla com muita
dificuldade a ir embora. Mamãe se recusa a ir
com elas e fica comigo, enquanto esperamos que
Eros acorde.
E apenas quando a noite chega, quando
retorno ao hospital após um cochilo durante a
tarde é que nos damos conta de que ele não vai
acordar. De tudo o que os médicos dizem a única
coisa que se fixa em minha mente é palavra
coma. Meu irmão entrou em coma.
Sabrina
— A culpa disso é minha — ouço Martim
repetir baixinho, completamente perdido ao
receber a notícia sobre o coma de seu irmão.
Surpreendentemente, Ayla parece calma.
Se apega a uma fé inabalável de que ele vai
acordar em breve, que vai ficar tudo bem. Se
ajeita na cadeira da sala de espera e sei que não
adiantará insistir para que volte comigo para sua
casa. Ela vai ficar aqui, vai morar aqui se for
preciso.
Sento-me ao seu lado e seguro sua mão nas
minhas.
— Lembra do que você me disse quando
nos conhecemos? Quando te contei a história da
minha mãe?
Ela parece confusa, mas confirma, e repito
apenas para ter certeza que se lembre disso.
— Você disse: às vezes não entendemos
porque passamos por certas coisas na vida,
porque não temos que entender. Temos que
aprender, melhorar e crescer com tudo o que
vivemos, pois somos frágeis demais. Mas Aquele
que pode cuidar de nós em cada momento, Ele
vê muito além do que vemos e Ele sabe
exatamente o que está fazendo. Lembra-se
disso?
Ela assente e aperta minha mão, um pouco
do peso em sua expressão se esvaindo. Despeço-
me dela e a deixo aqui, perto do marido dela,
onde quer ficar. Sei que rapidamente vai ganhar
a simpatia das enfermeiras, médicos e pacientes
deste lugar. Esta é Ayla.
Avisto Tim do lado de fora, andando de um
lado para o outro, repetindo a mesma sentença
sobre sua culpa. O deixo ali, ele não é da minha
conta e chamo um táxi. Mas mal viramos a
esquina, peço que o carro pare e desço correndo
até Tim.
Aproximo-me e paro na sua frente. Seus
olhos não buscam os meus, como sempre, se
focam em meu rosto, em qualquer ponto dele
que não seja meus olhos. Seguro seus ombros e
peço: — Olha para mim, Martim.
Finalmente seus olhos encontram os meus.
— Não é hora pra você se perder! Não é
hora para sair de si e se culpar! Agora não é o
momento de pensar em você! Você tem uma
notícia muito difícil para dar à sua mãe, você
tem que cuidar da mulher do seu irmão, porque
deve isso a ele. Elas serão fracas, mas você não
pode ser! Você me entendeu? Ao menos por
agora, pare o mundo que gira ao seu redor e gire
ao redor de quem precisa de você!
Ele fica um tempo ainda olhando em meus
olhos, mas por fim assente. Segura minhas mãos
tirando-as de seus ombros e parece mais calmo.
— Entendi, Sabrina. Eu entendi. Vou ser
fraco só por esta noite, amanhã vou ser
exatamente o que elas precisam que eu seja.
— Ótimo!
Tiro minhas mãos das suas e volto
correndo até o táxi. Eu deveria cobrar dele esta
corrida que vai ficar mais cara por sua culpa!

Mamãe ainda está acordada quando chego,


e as flores que eu havia negligenciado sobre a
mesa, estão agora em um vaso com água.
— Isso não é hora de você estar acordada —
brinco observando seu cabelo castanho naquela
trança perfeita que só ela é capaz de fazer. Ela se
levanta da poltrona e vem em minha direção. —
E você precisa parar de salvar as flores que o
Ulisses manda para mim. Depois ele vem aqui,
as vê sobre a mesa e pensa que estou dando
esperança a ele.
— Você maltrata o pobre menino —
comenta divertida. — Como está nossa menina?
E o marido dela?
Conto a ela o que aconteceu, e ela leva as
mãos à cabeça, inconformada.
— Pobre Ayla, o quanto mais essa criança
terá que sofrer?
Ela se afasta com meu silêncio e me jogo
em nosso pequeno sofá, cansada demais para
fazer qualquer coisa. Logo, mamãe se aproxima
com uma xícara fumegante de chá.
— Fiz isto para você. Vai te acalmar, tome
um pouco e depois vá tomar um banho, você
precisa descansar também, querida.
Ela estende a xícara e espera que eu a
pegue por não ter certeza de onde estou, devido
à falta de som dos meus movimentos, uma vez
que quase não sou capaz de me mover. Pego a
xícara de sua mão e a guio para sentar-se ao meu
lado.
— Por que você não me conta do seu chefe?
— pede para me distrair.
— Acabei de contar, dona Denise — ralho,
porque essas perguntas estão se tornando um
hábito.
— Não o da Ayla, o irmão dele. Aquele a
quem você odeia.
— Eu não odeio ninguém, mamãe.
Ela mantém um sorrisinho bobo no rosto, e
espera por meu relato ansiosa.
— Tudo bem! — cedo. — Mas é a última
vez, você desenvolveu uma espécie de paixonite
por ele, sabia?
— Apenas me conte sobre ele, Sá.
— Estava lá, babaca como sempre. Ficou
desnorteado quando soube sobre o coma do
irmão. Ele se culpou muito, e deve ter motivos
para isso. Então tive que sacudi-lo, trazê-lo de
volta à realidade. Disse a ele que não é hora para
ser egoísta, que ele precisa ser forte para cuidar
da mãe dele e da Ayla. Acho que funcionou, mas
com ele nunca se sabe.
Espero que ela vá defendê-lo ou dizer que
fui fria demais, nessa mania que ela tem desde
que contei a ela sobre nossa primeira briga, de
defendê-lo. Mas ela me surpreende
completamente ao mudar de assunto
repentinamente.
— Seu pai ligou. Ele queria parabenizá-la
pelo emprego.
Essa é nova! Ele nunca acompanha nada da
minha vida, sequer posso imaginar como soube
do meu emprego.
— Acho que está um pouco atrasado, estou
neste emprego há mais de dois meses.
Ela sorri.
— Na verdade, ele queria te parabenizar
pelo emprego na confeitaria. Ficou sabendo
agora. Ou se lembrou de ligar agora, não sei.
Observo o rosto lindo da minha mãe,
contendo um sorriso e acabo rindo com ela.
— Uau! Ele bateu recorde de atraso dessa
vez.
— Será que ele acha que você ainda usa
aqueles coques que você fazia?
— E aparelho! Com certeza ele acha que
uso aparelho!
Passamos um tempo rindo do que a vida
trouxe a nós e vou dormir mais calma graças à
minha mãe.

Acordo com a sensação estranha de estar


sendo observada. O celular apita seu toque
estridente. Precisa ser bem alto, no nível de
quase tirar minha alma do corpo, senão eu não
desperto. Mas de repente o barulho para
sozinho, o que faz meu coração dar um salto e
minha respiração ficar mais leve. Alguém o
desligou. Abro um olho apenas, bem devagar,
temendo o perigo e dou de cara com um par de
olhos castanhos brilhando sobre mim.
— Ulisses! Puta que pariu! O que está
fazendo aqui?
Levanto-me rapidamente e esfrego os olhos
para ter certeza que não é um pesadelo, mas ele
sorri como se não fosse nada demais estar
sentado na minha cama observando-me dormir.
— Sua mãe me deixou entrar para acordá-
la. Quero saber se é seguro ir até o hospital ver a
Ayla, se ela não vai me expulsar.
— Você não poderia ter me ligado para
perguntar? Ou ter batido na porta e me acordado
como disse que ia fazer? Aliás, nunca acorde
uma mulher, a menos que a vida de alguém
dependa disso.
Passo por ele e saio do quarto, ele vem
imediatamente atrás de mim.
— Nunca mais entre em meu quarto, e se
eu dormisse sem roupa?
— Eu não teria tanta sorte — responde. —
Você sabe a maldição da minha família, somos
azarados. Maya encontrou a supercola da vovó
ontem e foi tentar abrir com a boca para fazer
sua lição de casa, acabou com os lábios colados.
Foi uma confusão.
— Ah, meu Deus, como ela está?
— Viva — responde como se isso fosse
resposta o suficiente. Mas já estou acostumada
ao seu jeito.
— Vá ver sua irmã, e suma da minha frente
— ordeno.
Ele assente, despede-se da mamãe e sai,
mas volta pouco depois e com um sorrisinho
idiota no rosto diz: — Você colocou minhas
flores em um vaso dessa vez. Avancei um nível.
— Não avançou nível nenhum! Foi a minha
mãe! Você me ouviu? — grito para a porta, mas
ele já sumiu de vista. — Viu o que você fez? —
pergunto para ela que apenas ri enquanto toma
seu café.
Pela primeira vez, chego mais cedo à
empresa. Culpa do Ulisses e sua paixonite
esquisita. Pelo menos descubro que ele é o
melhor despertador que uma mulher pode ter,
me fez levantar mais rápido do que qualquer
som estridente faria. Não chegou quase ninguém
e preparo o café dos funcionários sem açúcar e o
meu café bem doce, enquanto envio uma
mensagem a Ayla. Coloco o avental, e deixo o
forno aquecendo enquanto separo as massas dos
pãezinhos que havia deixado prontas no
congelador.
Enquanto eles assam, pego uma xícara de
café e decido ir até o terraço, mas ao passar pela
sala do Martim, o vejo cochilando sobre sua
mesa. Bem, não é da minha conta, ele que durma
ali desconfortável e acorde com uma senhora dor
nas costas. Só que mais uma vez, quando o
elevador abre, ao invés de entrar nele e cuidar da
minha vida, dou meia volta e vou acordar o
babaca.
— Você devia cuidar da sua própria vida,
que já anda bagunçada demais, Sabrina — ralho
comigo mesma, não ouvindo meu conselho,
como sempre.
Bato na porta, mas isso não o desperta.
Então entro, chamando seu nome baixinho para
que não se assuste. Ele sequer se move e posso
jurar que até solta um ronco. Dou tapas leves em
seus braços, bato mais forte na mesa, chamo seu
nome mais alto, mas ele não acorda. Não dorme
há dias, deve estar mesmo exausto. Minha única
saída é despertá-lo na base da força. Puxo seu
cabelo e grito em seu ouvido: — Martim!
Ele acorda assustado e bate a mão na
minha xícara, virando-a em mim. Grito com o
líquido quente e abro os botões da blusa para me
secar e quando o observo, o babaca está
admirando meus seios. Percebendo que foi pego
no flagra, levanta-se da cadeira e se espreguiça.
— Bela maneira de acordar um homem.
Bem bonita mesmo.
— Isso! Zomba da única pessoa que teve a
boa vontade de vir aqui para acordá-lo! Na
próxima eu o deixo aí, roncando que nem um
leitão pra todo mundo ver.
Dou a volta pela mesa, mas ele impede que
eu passe pela porta, entrando na minha frente.
— Preciso da sua ajuda, Sabrina.
— Não, obrigada.
Tento passar por ele, mas ele permanece
ali, e quando olho seus olhos, engulo as
grosserias que ia dizer porque posso sentir o
quanto está perdido.
— Preciso que você me ajude. Por favor —
pede olhando-me de volta, é estranho ter seus
olhos focados nos meus, ele os desviou tantas
vezes, que demoro um pouco a raciocinar
quando o faz agora.
— Do que você precisa?
— Que você me ajude a melhorar. Meu
irmão está em coma e a culpa é minha. Minhas
atitudes egoístas levaram todos nós ao que
estamos vivendo agora. Não quero mais ser
assim.
Afasto-me dele, tomando cuidado com
minhas palavras para não ser fria demais, como
minha mãe diz que sou.
— Tim, a culpa neste caso é relativa. Você
não estava pilotando a moto, ou dirigindo o
caminhão. Não fez cair a tempestade daquela
noite e nem fez com que o Eros ouvisse o que
ouviu daquela maneira. Ayla teve culpa por não
ter contado sobre essa mentirinha antes. Eros
teve culpa por não dar a ela a oportunidade de se
explicar e por pilotar numa tempestade daquela.
Uli teve culpa por ter sido ingênuo e linguarudo.
Melissa teve culpa porque é Melissa e é sempre
culpada. Você entende? Há muita culpa aqui,
cada um tem sua parcela, o fato é que não vale a
pena se prender a isso agora. Você parece
horrível, por que não vai pra casa descansar?
— É disso que estou falando. Preciso que
você me ajude.
Ele tenta segurar minhas mãos, mas me
afasto.
— Eu não entendo que tipo de ajuda você
quer. O que quer que eu faça?
— Me escute, me aconselhe, brigue comigo.
Seja a bruxa que você foi nas vezes em que
conversamos, porque você consegue me atingir
de algum jeito.
Ele me chamou do quê?
— A bruxa? É assim que você quer a minha
ajuda?
Ele se afasta confuso, percebendo que falou
demais.
— Desculpe, isso saiu sem querer.
— Mas é assim que você me chama pelas
costas?
— Dentre outras coisas. Duvido muito que
você me chame por nomes carinhosos pelas
minhas costas.
Abro a porta de sua sala para deixá-lo só,
como ele merece, mas me defendo antes: — Não
falo de você pelas costas, o que tenho que dizer,
digo na sua cara! E não posso ajudá-lo, mas
existem muitas pessoas que podem. Você só
precisa encontrar uma, pagar a ela e tirar uma
hora do seu tempo algumas vezes na semana.
Ele arregala os olhos antecipando de forma
completamente errada o que vou sugerir a ele.
— Uma terapeuta! Você precisa de uma
terapeuta, uma psicóloga, algo assim! Eu não ia
dizer prostituta, meu Deus! Essa hora da manhã!
Saio revoltada com sua mente suja logo tão
cedo e seus apelidos idiotas para mim. Bruxa!
Uma pessoa tão boa como eu! Esse ridículo!

Ao final do expediente, estou finalizando a


limpeza da cozinha, quando ele entra. Senta-se
em uma mesa e me observa em silêncio.
Seguindo seus gestos, finjo que ele não está ali,
termino meu serviço, tiro o avental e vou em
direção ao armário pegar minha bolsa. Quando
me viro, o encontro aqui, perto de mim olhando-
me em silêncio. Quase me sinto em um filme de
terror. Passo por ele e espero o elevador, ele para
ao meu lado.
Não sei o que mais me incomoda, esse
silêncio irritante ou essa perseguição absurda.
Entramos juntos e perco a paciência quando
flagro seus olhos sobre mim de novo.
— O que você quer?
— Por favor, Sabrina, me ajude.
— Martim, eu não posso consertar o seu
caráter! Não faço milagres, sinto muito!
— Você acha que não tenho mesmo
salvação, não é?
Entendo que está abatido, que sinta-se
culpado pelo que aconteceu ao irmão, que esteja
em uma crise existencial por ter se dado conta
da pessoa horrível que é, mas por que eu? Ele
não podia ter procurado um amigo para se
apoiar nele?
— Acho que todo mundo tem defeitos. Você
tem vários. Por que se incomodar agora?
— Porque não quero ser essa pessoa. Quero
ser digno de viver um amor como Eros viveu.
Não posso fazer isso sozinho.
O elevador abre e escapo, mas dou meu
último conselho a ele.
— Ótimo! Que bom que quer mudar, ser
uma pessoa melhor, belíssima decisão! Procure
uma igreja, procure Jesus, Ele é o melhor
caminho. Boa noite!
Penso em sair correndo, quando ele diz
algo que me faz parar: — Obrigado por ter sido
sincera comigo, você foi a única pessoa a ser
assim, a dizer o que eu precisava ouvir. Você
disse que eu a agradeceria, mas bem, você nunca
foi gentil. Então obrigada por ter sido sincera.
Sorrio, recordando que disse a ele que diria
exatamente essas palavras para mim quando
percebesse que não é nem de longe a pessoa que
pensou que fosse.
— De nada. Minha sinceridade está à sua
disposição, mas não serei sua terapeuta. Passar
bem, senhor Reymond.
Afasto-me devagar e o escuto dizer
baixinho que não quer ser como sua mãe. Não
volto para trás desta vez, caminho até o ponto de
ônibus, sento-me ali e tento não deixar que essa
última frase me faça sentir culpada. Ayla sempre
diz que não custa ajudar alguém que precisa de
ajuda, mas estamos falando do Tim! Não há
sinceridade no mundo que conserte os defeitos
dele! Nem tenho paciência com ele! Eu nem
gosto dele! Mal o suporto. Por que eu?
Perdida em questionamentos não vejo o
ônibus passar e ainda dou tchau a ele, quando
vejo sua traseira virando a rua na esquina. Mais
uma hora inteira aqui até que outro passe. O
Audi para à minha frente e a porta do carona é
aberta. Levanto-me apenas para dizer que não
vou entrar e agradecer, mas noto os olhos
vermelhos dele e algo dentro de mim me faz ir
contra meus próprios conselhos de novo quando
entro na droga do carro!
— Você não devia entrar aqui, Sabrina —
ralho comigo mesma e noto de soslaio o vinco
em sua testa, achando-me louca.
Ele não diz nada enquanto passamos pelo
centro. Uma música soa baixa e triste em seu
carro repetidas vezes, uma combinação que está
me deixando para baixo. Começando a me sentir
deprimida, desligo o rádio e seus olhos buscam
os meus. Se focam em mim esperando uma
explicação e para não ter que dizer que detesto
músicas tristes, acabo soltando o que vem
martelando em minha mente desde que nos
despedimos na empresa.
— Você disse que não quer ser como sua
mãe. O que quis dizer?
Ele desvia o olhar e demora um pouco a
responder. Não insisto. Talvez tenha dito sem
querer, ou tenha dito tão baixo para que eu não
ouvisse. Mas tenho uma audição aguçada, o que
posso fazer?
— Por anos ela viveu como uma criatura
apaixonada — responde finalmente, quando
estamos quase chegando à minha casa. — Tão
feita de amor, nos ensinando coisas sobre o
amor que jamais saíram da nossa mente. Mas o
amor que ela pregava, o que tanto falava com
seus olhos sonhadores não era nem sequer
parecido ao que ela mostrava. Todas as vezes em
que nos abandonou por amor. Em que feriu
nosso pai por amor. Todo esse sentimento que
vinha e ia embora sem qualquer explicação até
perceber que o verdadeiro amor esteve ali o
tempo todo. Que ao invés de uma mulher de
vários amores, ela foi apenas uma covarde que
teve apenas um amor e teve medo de vivê-lo.
Quando Ayla me contou a história dos pais
deles, pensei mesmo que Atena fosse uma
mulher egoísta e na verdade, fria. Quando a
conheci, mudei completamente de ideia. Tim e
Eros ficaram tão felizes por tê-la de volta após
tantos anos, que sequer passou pela minha
cabeça que pudessem ter tido mágoa dela em
algum momento. Mas o que sinto na voz de Tim
é essa mágoa. Uma mágoa que ele vem
carregando por anos.
— A noite em que se despediu de mim é o
que mais tem me assombrado nas últimas
semanas — continua. — Mamãe me chamou em
seu quarto, quando há dias não falava com
ninguém. Ela carregava seu anel de noivado
pendurado em uma corrente no pescoço, vivia
com ele nas mãos. Me disse que não suportava
olhar-se no espelho porque enxergava agora
quem ela realmente era, uma covarde. Eu já
sabia disso, e disse isso para ela.
Ele me olha procurando acusação por sua
atitude, e parece surpreso ao não encontrar nada
disso em meu olhar.
— Eu disse: mãe, você não consegue viver
um amor que não seja o papai porque você o
ama, sempre amou, por isso nunca o deixa de
verdade, por isso nunca fica com ele. Você fala
de amor, mas não sabe nada sobre ele ao que
parece — confessa pausadamente, ainda
buscando a acusação em meus olhos.
— E o que ela disse?
— Lembro-me que ela me olhou
assombrada que eu tivesse tal percepção apesar
de todo oposto que pregou em nossos ouvidos
desde sempre. E no dia seguinte ela partiu, se
internou em uma casa de repouso e não deixou
nem mesmo endereço. Descobrimos onde estava
um tempo depois, mas ela nunca quis nos
receber lá. Penso que muito disso tem a ver com
sua covardia, a falta de coragem em olhar em
nossos olhos e assumir o quanto falhou. Ela fez
isso em uma carta. Não era a mesma coisa.
— Você ainda guarda muita mágoa dela,
não é?
Ele nega com a cabeça, surpreendendo-me.
— Por anos eu a culpei por ter destruído a
nossa família, por ter destruído meu pai. Mas
depois, senti tanto a falta dela que deixei de
culpá-la. Quem além dela sabe a dor que sentiu
por todos esses anos? E de todos os que pagaram
por seus erros, ela, sem dúvidas, é quem paga o
preço mais caro. Mas há algo pior em tudo o que
ela fez. E é isso o que realmente me assusta.
— O que pode ser pior do que isso?
Ele para o carro em frente a minha casa e
não parece disposto a responder.
— Obrigado por me ouvir, Sabrina.
Ele destrava as portas, mas me recuso a
descer.
— Nem pensar! Você começou, agora
termine! O que é pior no que ela te fez?
Seus olhos pousam em mim curiosos.
— Tim, por favor, sou muito curiosa, não
faça isso comigo! Além do mais, não poderei
ajudá-lo se não souber como você se sente.
Um sorriso surge em seu rosto afastando
um pouco da tristeza antes presente nele.
— Você vai me ajudar então?
— Eu não disse isso.
— Neste caso, é melhor você ir, boa noite,
Sabrina.
— Chantagista! Você fez tudo de caso
pensado! — resmungo descendo do seu carro,
mas preciso mesmo saber o que há de pior do
que tudo o que me contou, então entro em seu
carro de novo e bato a porta, fechando-a.
Ele sequer solta um palavrão desta vez,
apenas fecha os olhos, se controlando.
— Tudo bem, digamos que eu vá ajudá-lo.
Talvez. Só um pouco. Me conte.
— Você dá sua palavra? — pergunta
estendendo o mindinho em minha direção.
— Que ridículo! Quantos anos temos, dez?
— questiono, mas toco seu mindinho com o meu
e eles se cruzam.
Ficamos assim enquanto ele conta o que o
está assustando tanto.
— Naquele dia em que Ayla estava
experimentando os vestidos e você me disse
todas aquelas coisas, eu sequer consegui dormir,
suas palavras ficaram martelando em minha
mente por horas e horas. E percebi que tudo o
que você me acusava se encaixava tão bem na
pessoa que era minha mãe. As mesmas atitudes,
mesmos pensamentos.
Ele para de falar de novo e solta nossos
dedos. Parece tão angustiado de repente e não
sei o que fazer para acalmá-lo.
— Fale, pode falar qualquer coisa, você não
vai me surpreender. Estou te ouvindo, eu não
irei julgá-lo — prometo.
Ele se vira no banco e segura minha mão,
concentrando-se nela enquanto fala.
— Temo que vá ter também o mesmo fim.
É como uma história se repetindo diante dos
meus olhos e não acredito que eu tenha sido tão
cego para não ter percebido isso. Não acredito
que a essa altura da vida, depois de anos
pensando que estava buscando o verdadeiro
amor, sequer sei quem sou quando estou
apaixonado. As coisas que fiz com Ayla e com
meu irmão, a maneira como agi, por egoísmo,
justificando meus erros como amor. Exatamente
como ela. Você pode não acreditar, mas nunca
tive a intenção de feri-la, menos ainda ao Eros.
Ele é meu melhor amigo. Tudo o que fiz foi por
amor. Eu realmente pensei que a estava
protegendo, que o estava corrigindo, pensei que
estava certo. E desde aquela conversa me
pergunto que tipo de pessoa eu sou.
Sem perceber, uso a mão livre para tocar
seu rosto. Toco de leve, temendo sua reação e o
levanto, fazendo com que olhe em meus olhos.
Seus olhos estão cheios, ele está mesmo
tentando não desabar, como me disse que faria.
Eu deveria dar mais uma bronca nele, e forçá-lo
a ser forte, mas não é o que faço.
— Você pode não saber quem é agora, mas
a resposta para isso está em suas mãos. Quem
você quer ser, Tim? Quais defeitos pode aceitar?
Quais qualidades deve fortificar? O que acha que
precisa mudar em você? Essas respostas estão
em você, só cabem a você. Você pode ser
diferente se achar necessário. Pode ser como
você quiser a partir do momento em que decidir
isso. Não se prenda a erros, aprenda com eles e
deixe-os no passado. Seja melhor, você
consegue.
— Você acha? — pergunta baixinho e sinto
vontade de abraçá-lo, como um menino, e
acalmá-lo. Mas dessa vez me contenho. Solto seu
rosto e tiro minha mão da sua.
— Eu tenho certeza — respondo.
Ele sorri, um sorriso tão lindo que me pego
rindo de volta. Em seguida, ele desce do carro e
dá a volta, abrindo a porta para mim. Passo por
ele sem olhá-lo porque ainda tenho essa vontade
de abraçá-lo, então apenas digo boa noite e entro
em casa sem olhar para trás.
Minha mãe se levanta quando me ouve
chegar.
— Oi, filha, como foi seu dia? Prometo que
hoje não vou perguntar por seu chefe — brinca.
— Que bom, mamãe, que bom!
Tim
Observo essa pequena bruxa entrar em sua
casa sem olhar para trás e por alguns segundos
apenas me sinto aliviado, mais do que confuso,
pela confissão que fiz a ela. Achei que esses
fossem mais sentimentos egoístas de uma pessoa
que só pensa em si mesmo, e que a forma como
vi minha mãe por tantos anos fosse algo frio, em
comparação a dor que ela e papai viveram. Achei
que o dia em que desabafasse esses sentimentos
com alguém, receberia em troca todas as
acusações que carrego em minha mente por tê-
los sentido, mas não havia qualquer julgamento
nos olhos dela. Nem na maneira como falou
comigo. Ela não me achou um monstro egoísta
ou não teria voltado para o carro querendo ouvir
o que eu tinha a dizer.
E isso de alguma forma me faz sentir
melhor. E me faz sentir confuso. Por que disse
essas coisas a ela? Ela me acusou de ter
planejado deixá-la curiosa para então chantageá-
la, mas não foi o que aconteceu. Despejei tudo o
que guardei para mim por tantos anos, até
mesmo as coisas que nunca tive coragem de
contar nem mesmo ao Eros.
— Só pode ser bruxa! — deduzo baixinho.
— Tim? O que está fazendo aqui? — A voz
de Ulisses me impede de entrar no carro e o
avisto aproximar-se com algumas flores na mão.
— Oi, Uli. Só vim trazer a Sabrina, já estava
de saída.
Ele arqueia as sobrancelhas e embora exiba
um sorriso amigável, parece preocupado.
— Sei, o chefe dando carona, certo? Você só
está sendo legal? Ou vocês estavam em algum
outro lugar e você a trouxe em casa depois?
— O quê? Uli não entendi nada do que você
disse.
— Por que você a trouxe para casa? —
pergunta finalmente e percebo o que o está
preocupando, ele está com ciúmes.
Preciso segurar o riso. Nosso pequeno Uli é
apaixonado pela melhor amiga da irmã. Me
pergunto se Sabrina sabe disso e se sabe, o que
ela acha.
— Ela perdeu o ônibus e ia esperar uma
hora até que passasse outro. Eu apenas fui
gentil. Não foi nada demais.
Ele sorri aliviado e me pego rindo dele.
— Que bom!
— Por que esse interesse, Ulisses? —
pergunto para provocá-lo.
— Não, nada demais, só curiosidade. Ela é
amiga da minha irmã, Ayla não está aqui, estou
apenas observando-a.
Entro no carro e quando estou prestes a
sair, Uli surge na janela.
— Mas fique longe dela.
Levo um susto e sequer entendo o que
disse.
— Da Sabrina — explica. — Eu a amo, ela é
minha, vamos nos casar, fique longe dela.
— Ela sabe disso?
— Claro! Não sou covarde! Eu assumo
meus sentimentos.
— Muito bem. E o que ela acha?
— No começo ela não me dava a menor
bola. Mas agora, até está guardando as flores que
trago para ela quase todos os dias. Estou
vencendo-a pelo cansaço.
Não consigo segurar o riso. Com certeza
isso será uma ótima munição contra essa
pequena bruxa, caso ela me irrite.
— Bem, boa sorte, amigo. Não se preocupe
comigo, não estou interessado na sua garota.
— Ótimo! Você não teria chance, de toda
forma. Ela meio que te odeia.
— Eu sei.
— Então boa noite.
Despeço-me dele e arranco com o carro
finalmente, apesar do quão cansado me sinto,
vou ao hospital. Chego pouco antes do fim do
horário de troca de turno e me permitem entrar
já que Ayla não atende o celular para ir embora.
A pego dormindo na cama com Eros.
Ela se assusta quando entro e quase cai na
sua tentativa de descer rapidamente, mas sorri
aliviada ao se dar conta que sou eu.
— Você me assustou.
— Acho que você não tem permissão para
dormir assim, na cama com ele.
— Quem disse isso? Ele é meu marido,
claro que posso dormir com ele — responde com
um sorriso.
— Vá para casa, Ayla. Deixa que eu passo a
noite aqui.
Ela nega com a cabeça enquanto se levanta.
— Não posso. Mas preciso de um café,
daqui a pouco a Milla, uma enfermeira, virá me
chamar para fazer de toda forma. Então você
pode ficar com ele enquanto faço um café novo,
mas voltarei logo depois.
Seguro sua mão quando tenta passar por
mim e noto seus olhos cansados e as olheiras
abaixo deles.
— Você está exausta, precisa mesmo
descansar. Não é nada demais, eu posso ficar, só
tome um banho e durma um pouco, vai te fazer
bem.
— Você não parece muito melhor do que
eu, sinto dizer.
— Sou mais forte do que imagina. Vá
descansar, Ayla.
— Obrigada, mas na verdade o melhor
lugar onde eu posso estar é com ele. Não vou
descansar dormindo em uma cama em que ele
não esteja. Está tudo bem, não é nenhum
sacrifício ficar aqui.
Ela solta minha mão e sai do quarto e me
sento na cadeira onde ela deveria estar sentada,
ao invés de dividir a pequena cama com ele.
Observo o rosto estranho diante de mim.
Há hematomas e cortes, seus lábios estão
inchados e seu cabelo foi raspado para a
cirurgia.
— Você não vai gostar de se olhar no
espelho quando abrir os olhos, irmão. Está
parecendo aquele boneco do soldado que
destruiu aos oito anos. Você devia abrir logo os
olhos. Ayla está muito cansada, ela não irá
deixá-lo, então volte para nós e deixe essa
menina descansar. Você tem dado muito
trabalho a ela.
Observo o teto do hospital e o movimento
pela enorme janela, seguro a mão de Eros e volto
a falar com ele.
— Não sei se você pode me ouvir, mas eu
nunca saí com sua mulher sem que você
soubesse. Não tivemos um caso, nunca tivemos,
ela nem me deu bola. Aliás, você ia adorar os
foras memoráveis que ela me deu. Ela o ama
tanto! Olha que filho da puta sortudo você é,
vamos, abra esses olhos e aproveite o amor que
você ganhou de presente.
Ele sequer se mexe, solto sua mão e ela cai
ao lado da cama como se não tivesse vida. Exceto
pelo barulho da maquininha ao seu lado, ele
parece sem vida. Afasto esses pensamentos e me
levanto, quanto mais isso irá durar?
Ayla volta pouco depois e me estende um
copo de café. Se ajeita na cama com Eros, e
percebo que ela sentirá frio. Despeço-me dela e
vou a uma loja de conveniência vinte e quatro
horas mais próxima. Tenho a sorte de ter
esquecido de tirar minha etiqueta de
acompanhante ao deixar o hospital, de forma
que passo sem problemas pela recepção ao
voltar. Abro a porta devagar dessa vez e ela está
dormindo. Jogo a manta que comprei sobre ela e
apago a luz do quarto torcendo para que ela
realmente consiga descansar, já que pelo visto
terei outra noite em claro.

Já se passou uma semana desde a conversa


com a pequena bruxa e desde então, temos
apenas nos cumprimentado pela empresa.
Preciso de sua ajuda, mas Eros tem que acordar
primeiro para que eu possa então me concentrar
em mim. Ando tão cansado e tenho dormido tão
mal, que pela terceira vez nego o pedido de Julia,
a assistente do RH, por uma noite divertida.
No final da tarde, chego à copa e encontro
Sabrina com fones no ouvido dançando feito
uma maluca enquanto limpa as mesas. Fico
parado observando-a, ela canta desafinada uma
música agitada e mexe o corpo de uma forma
estranha. Pouco depois, ela se vira em minha
direção e leva um susto ao me ver aqui.
— Você quer me matar? — pergunta
irritada.
— Você não pode ouvir música em horário
de trabalho, sabia?
Ela faz uma careta, mas guarda
imediatamente o fone no bolso do avental.
— Sinto muito — diz. — Você quer um café?
— Por favor.
Sento-me em uma mesa e ela surge pouco
depois com duas xícaras de café, me entrega a
minha e se senta com a sua em uma mesa ao
lado.
— Para de palhaçada, senta aqui comigo —
peço e ela sorri enquanto se levanta e senta-se
diante de mim. — Ainda temos um trato, certo?
— Claro, o que fizemos de mindinho. O que
você quer?
— Agora nada, eu acho. Preciso que me
ajude, mas você terá que sair comigo para isso.
Ela deposita a xícara sobre a mesa com
força desnecessária e me observa nem um pouco
feliz com a notícia.
— Não vou sair com você. Você quer que eu
banque a terapeuta, certo? Não me importo de te
ouvir e te julgar, já que está me dando esse
poder. Não me importo de te aconselhar, nem de
servir de seu diário humano. Mas não tenho que
sair com você para isso.
— Não podemos conversar sobre certas
coisas na empresa, Sabrina. Além do mais,
preciso de você para mais do que isso.
Ela abre a boca para responder, quando
alguém esbarra em uma cadeira atrás de mim.
Julia está aqui e ouviu nossa conversa, com
certeza interpretando tudo de maneira errada.
Sabrina leva as mãos à testa, mas não parece
realmente irritada.
Quando Julia sai, sem dizer uma palavra
para mim ou para ela, Sabrina aponta o dedo
para mim.
— Agora, para todos na empresa, serei
mais um nome na sua listinha — acusa de forma
dramática.
— O que tem isso?
— Passei meses consolidando minha
imagem de mulher confiante e repleta de amor
próprio que não cai na lábia de um cafajeste
como você — responde como se estivesse me
contando o que comeu no almoço, ao invés de
me ofender.
— Sinto muito por quebrar sua imagem de
mulher inatingível — provoco com um sorriso.
— Você não sente nada! Se veio aqui
desabafar, faça isso rápido! Não vou ficar depois
do horário ouvindo você, apenas para que saiba.
Também não vou atrasar meu serviço para ser
seu diário. Você terá poucos minutos por dia.
— Eu sou seu chefe, sou eu que faço o seu
horário.
— Você é chefe da Sabrina copeira, não da
Sabrina diário humano. Se me der horas de folga
na empresa, irei usá-las para descansar e não
para ficar te ouvindo.
Olho seus olhos marrons e a desafio:
— Você é muito chata, sabia? É por isso
que está solteira. Aliás, é por isso que o seu
maior pretendente é o irmão caçula da sua
melhor amiga. Quantos anos o Uli tem mesmo?
Na certa ele não tem experiência suficiente com
mulheres para distinguir como você é chata,
afinal ele mal saiu das fraldas.
Ela leva as mãos ao rosto claramente
envergonhada, confirmando minha teoria de que
não é muito a favor dos sentimentos do irmão da
sua amiga.
— Como você soube disso?
— Ele veio me ameaçar naquela noite,
depois que a deixei em casa. Disse que você é
dele e que vão se casar. Também disse que você
sempre guarda as flores que ele leva quase todos
os dias. Um garoto inspirador, nosso Ulisses.
— Ele vai ver onde vou enfiar essas flores a
partir de agora — murmura baixinho e não
consigo conter a gargalhada que me escapa
diante de sua expressão envergonhada, seu rosto
vermelho, quase no mesmo tom de seu cabelo e
os palavrões baixinhos que solta.
Ela abre a boca para me ofender, com toda
certeza, mas por algum motivo a fecha sem dizer
nada. Ao invés disso, me observa curiosa e
espera pacientemente que eu fique sério e foque
minha atenção em seu rosto para finalmente
falar: — Que curioso, não é?
— O quê?
— Que você esteja rindo assim de gargalhar
quando disse hoje cedo para a pobre da Julia
que há dias não consegue nem mesmo sorrir.
Seguro sua mão enquanto um sorriso
teimoso surge em meu rosto.
— Se está insinuando que sou mentiroso,
sinto desapontá-la. Desde o acidente, as únicas
vezes em que consegui sorrir foram com você.
Ela tira a mão da minha imediatamente.
— Por que você está me dizendo isso?
— Longe de mim ser gentil com você! — Me
corrijo conseguindo com que um sorriso
também surja em seu rosto. — Só disse isso
porque é a verdade. Mas na maioria do tempo
você é mesmo muito chata, convencida e
irritante. E uma bruxa.
Ela se levanta sem se ofender com o que
penso dela e responde enquanto se afasta com as
xícaras: — Meu nome do meio é espelho.
— O que isso quer dizer?
— Que apenas reflito para as pessoas
exatamente o que elas são comigo. Se você me
acha tudo isso que disse, o problema está em
você e não em mim.
Ela consegue me calar por longos seis
segundos, enquanto a observo admirado.
Levanto-me para deixar o refeitório, mas a
respondo enquanto faço isso: — Bela maneira de
jogar seus defeitos pra cima dos outros. Muito
boa mesmo!
Ela ri e saio do refeitório sentindo-me de
alguma maneira mais leve.

Quando saio da empresa, uns dias depois,


sinto-me faminto e cansado. Penso em ir direto
pra casa dormir, mas a fome fala mais alto e
decido ir comer algo. O problema é que não
quero fazer isso sozinho. Ligo para mamãe, mas
ela está na casa de Sofia, a avó de Ayla,
ajudando-a com algumas costuras. Penso em
ligar para Tulio, ou Nico e sua esposa Selina,
mas acabo enviando uma mensagem para
Sabrina, ao vê-la ainda no ponto de ônibus.
Estou cansado e faminto. Vc me disse
para sair um pouco, pensei em ir comer
algo, mas não tenho companhia.
Infelizmente, tenho passado tempo
demais sozinho comigo mesmo. Será que
vc me acompanha?

Vejo quando ela pega o celular da bolsa e lê


a mensagem. A careta que faz não pode ser um
bom indício. Ela digita algo por um bom tempo
até enfim guardar o celular. Espero por um texto
enorme com uma desculpa qualquer, mas me
surpreendo com sua resposta.

Não.

Apenas isso. Sem qualquer justificativa ou


desculpa.

Nem mesmo vai justificar sua


resposta?

Mando de volta e rapidamente sua resposta


chega.

Não sabia que isso era uma questão


de prova.

Em seguida, sua justificativa.


Resposta correta: não.
Justificativa: nem vc aguenta sua
companhia, por que eu deveria aguentar?

Jogo o celular no banco de trás e arranco


com o carro, parando-o na sua frente. Abro a
porta do carona e a vejo revirar os olhos. Então
respondo a pergunta feita em sua justificativa: —
Porque você deu sua palavra que me ajudaria
com isso. O quanto vale a sua palavra, Sabrina?
— Com certeza não vale esse sacrifício —
responde, mas entra no carro.
A levo até um restaurante mais próximo a
empresa, fazemos o pedido e assim que a
garçonete se afasta, ela pergunta: — Como você
quer que eu te ajude hoje?
— Use seus instintos de bruxa e me
responda algo. Já estive em mais
relacionamentos do que é possível contar, por
que não encontrei uma pessoa especial? Onde
estou errando nisso?
— Não preciso dos meus instintos de bruxa
para saber isso. É difícil achar especial algo que
você tem em abundância. Tudo acaba se
tornando mais do mesmo.
— Está dizendo que devo sair com poucas
mulheres?
Ela ri da minha expressão horrorizada.
— Estou dizendo que devia sair mais com
mulheres que realmente o interessem. Não
apenas pela aparência, mas pelo conteúdo. Você
pode sair com vinte mulheres que o distraiam.
Ou com uma que divirta, emocione e intrigue
você. Pode sair com dez apenas por sexo casual,
e nenhuma delas vai passar de mais um sexo
casual. Ou pode sair com uma com quem irá
além do sexo, que vai te deixar saciado por
muito mais tempo de muitas outras maneiras.
A garçonete se aproxima e deposita as
entradas sobre a mesa. Peço uma taça de
Cabernet para Sabrina e ao servir a taça, a
garçonete propositalmente encosta seu quadril
em meu braço. Sabrina tenta esconder o sorriso
e finjo não ter notado enquanto a bela mulher se
afasta.
— Enfim, acho que algumas pessoas são
feitas para o casual — comenta para me
provocar.
— Você tem namorado, Sabrina? Tem
alguma paixão?
— Eu tenho muitos pretendentes, ok? Não
é só o Ulisses! — responde irritada.
— Eu imagino que tenha.
Ela arqueia uma sobrancelha apenas,
avaliando-me confusa.
— Você está sendo sarcástico?
— Não! Desta vez não! Você é uma mulher
muito bonita, Sabrina. Seria estranho se não
tivesse uma fila de pretendentes atrás de você.
Ela sorri e seu rosto atinge um tom
vermelho adorável.
— Obrigada. Não, não tenho namorado e
menos ainda uma paixão.
— Então você é mais uma pessoa se que
contenta com o casual — provoco.
— Não, porque não estou em busca de
amor, então não me importo quando o casual
esbarra em mim por aí. Mas o meu casual não é
como o seu. Não basta ter um pênis no meio das
pernas para ser elegível.
— Que grosseria! — finjo estar ofendido. —
Como então eu deveria escolher uma
companhia?
Ela mastiga lentamente enquanto pensa,
completamente absorta à avaliação minuciosa
que faço dela. Desde seus olhos marrons, de
cílios espessos curvados, às maçãs delicadas do
rosto, ao nariz levemente arrebitado e o queixo
pequeno. À boca delicada e perfeitamente
moldada. Um conjunto belíssimo emoldurado
por seu cabelo alaranjado, que apesar de muito
bonito, parece fora do lugar na delicadeza de sua
beleza.
— De que tipo de mulher você gosta? —
pergunta forçando-me a me concentrar de novo
no meu prato ao invés de seu rosto.
E quando seus olhos marrons curiosos se
concentram em mim, penso bem no que
responder para não ouvir seus julgamentos.
— Doce, inteligente e de bom coração.
Ela deixa o garfo sobre a mesa e apoia o
queixo nas mãos, observando-me atentamente,
em busca de algo.
— Quero que me responda a verdade, Tim.
— Quem disse que estou mentindo? Está
vendo como você já tem seus pré-julgamentos
prontos sobre mim?
Ela estende um dedo e começa uma
contagem.
— Vamos ver onde está a docilidade na
Lorena, que na festa de aniversário do Eros,
disse à Ayla que ela estava horrorosa com o
vestido que usava. — Estende então o segundo
dedo. — Vamos procurar a inteligência na Julia,
que semana passada comprou um bilhete de
loteria “premiado” de um cego na rua e chorou
por horas quando se deu conta que o bilhete era
do ano passado e ela perdeu cinquenta reais
nesse golpe. — Levanta o terceiro dedo. — E não
podemos esquecer o bom coração da Louisa,
aquela...
— Já entendi! — A interrompo contendo a
risada que quer escapar. — Se você for seguir
essa contagem vamos ficar aqui até amanhã.
— Então seja sincero. O que te atrai em
uma mulher?
— Beleza! Se ela for assim — desenho com
as mãos a silhueta de um corpo — adoro. Assim
também, e assim. — Vou desenhando diversas
formas de corpos femininos que me atraem
enquanto ela me encara com uma careta
engraçada. — Como vou saber de que tipo de
mulher eu gosto, bruxinha? Geralmente é só isso
que eu reparo.
— Não me surpreende — responde com um
sorrisinho acusador. — Vamos lá, seja mais
criativo. Você está em busca do amor da sua
vida, certo? Feche os olhos e pense no que
gostaria de ver nessa pessoa. Como seria a
mulher que o encantaria?
— Fina, comportada — começo, mas me
lembro das trapalhadas da Ayla que me atraíram
e entendo que isso não é verdade. — Vou
começar de novo.
Fecho os olhos e recomeço:
— Decidida, inteligente, isso é mesmo
verdade. Eu queria que ela fosse delicada, mas
não frágil, que me desse vontade de cuidar dela
embora ela não precisasse disso. Tímida, do tipo
que vai corar quando eu disser como ela está
linda. Sincera, que não tenha medo de dizer o
que preciso ouvir, e surpreendente, que me deixe
constantemente sem palavras e me faça admirá-
la ao invés de formular uma resposta quando me
provocar. Eu gostaria que ela tivesse olhos
acesos, nada de olhos apagados, nada de olhar
em direções opostas, olhos grandes, que
olhassem para mim com toda luz. E uma boca
delicada. Que me fizesse perder horas do meu
sono repassando em minha mente o contorno de
seus lábios, o contorno de seu rosto suave.
Abro os olhos de repente e encontro aqui,
olhando para mim com esses olhos marrons
acesos, o rosto que acabei de descrever. Viajar
nas feições dela acabou me influenciando.
Observo seu sorriso admirado e o brilho em seus
olhos enquanto espera que eu diga mais. E dou
isso a ela.
— Mas esse cabelo alaranjado não combina
— comento baixinho, mas de alguma forma ela
escuta.
Seu rosto atinge um tom vermelho e ela
desvia os olhos para baixo, completamente sem
graça.
— Acho que está tarde, podemos ir agora?
— pede já se levantando e demoro um pouco a
entender o que acabou de acontecer e me mover
para acompanhá-la.

A alcanço na porta, já vestindo seu casaco


enquanto observa a rua.
— Eu posso ir de táxi. Você precisa
descansar.
— De jeito nenhum! Eu a trouxe, irei levá-
la.
Ela abre um enorme sorriso e finalmente
olha para mim.
— Como se você se importasse com isso.
Geralmente quando vou a algum lugar com você,
preciso me virar para ir embora.
Levanto a mão assumindo a culpa.
— Culpado, pequena bruxa. Mas isso não
vai mais acontecer, prometo. Sempre irei deixá-
la segura e tranquila na porta da sua casa.
Ela dá um passo para mais perto de mim e
seus olhos marrons parecem maiores quando
fala de forma ameaçadora: — Cuidado, tipinho,
um homem que não honra sua palavra não pode
ser considerado um homem.
— Eu honro tudo o que prometo —
confirmo tocando de leve seu rosto, apenas para
sanar minha curiosidade sobre a textura de sua
pele, mas ela se afasta tão rápido em direção ao
carro, que sequer consigo confirmar o quão
macio seu rosto é.

— Que romântico! Seu namorado está te


esperado na porta. Mas acho que não tem flores
hoje — provoco ao parar o carro na porta de sua
casa e avistar Ulisses sentado ali esperando por
ela.
— Hoje não é meu dia — resmunga
baixinho.
— Eu ouvi isso, sua ingrata! O jantar nem
foi assim tão ruim.
— Fale por você — responde descendo do
carro. — Você foi você. Eu não fui eu. Pratiquei o
exercício da paciência, e parece que vou
continuar a praticá-lo.
— Eu não estava dando em cima de você, se
é a isso que está se referindo.
Ela revira os olhos e bate a maldita porta.
Ela sempre bate a maldita porta! Arranco com o
carro e durante todo o caminho até minha casa,
me pego pensando o que posso ter feito durante
o jantar para ter dado a impressão de que estava
dando em cima dela. Até que me dou conta que
além de acariciar seu rosto sem qualquer
desculpa, a descrevi quando me perguntou o tipo
de mulher por quem espero me apaixonar.
Me pego rindo sozinho no carro. E eu nem
fiz isso de propósito.

— Acorde, Eros. Já são três semanas, cara,


até quando vai ficar com isso?
Ayla entra no quarto com sua mochila e
uma expressão cansada. Observa Eros ainda
imóvel e o brilho de seu olhar apaga.
— Todos os dias eu entro aqui esperando
encontrá-lo acordado — explica.
— Eu também. Mas não vai demorar para
termos essa agradável surpresa.
Ela concorda e deposita suas coisas sobre a
cadeira, tirando o que precisa ficar no frigobar e
arrumando a bagunça que se encontra ali.
— Preciso falar com você, querida. A
senadora está sendo bastante compreensiva por
conta da situação do Eros, mas ela não vai
esperar para sempre por seu projeto. Além dela,
há clientes que não estão sendo compreensivos.
Eros assinou três contratos antes do acidente,
alguém precisa cumpri-los.
— Vou cuidar do projeto da senadora,
posso acompanhar as obras por vídeo, confio na
equipe que o Eros havia designado, é a empresa
do primo de vocês, não é?
— Pedirei ao Nicholas para ir pessoalmente
para lá então, e coordenar essas obras ele
mesmo.
— Os outros projetos, peça aos arquitetos
da Reymond para fazer. Tem mais dois lá que eu
saiba.
— Eles tentaram, os clientes não aceitaram.
Disseram que o que fizeram não se parece em
nada com o que foi prometido por Eros. Temo
que algum deles nos processe.
Ela se senta e observa meu irmão
atentamente, esperando que acorde.
— O que você quer que eu faça? — pergunta
finalmente.
— Os projetos. Ao menos tente. Uma ideia
a mais antes de termos que recorrer a arquitetos
de fora. Há mais uma coisa, alguém precisa
acompanhar a administração da empresa, estou
cuidando pessoalmente disso, contratei mais
uma assistente para me ajudar no jurídico, mas
tio Olavo insiste que só quem pode responder
por Eros, é a esposa dele.
Ela me olha assustada.
— O que isso significa? Eu não sei
administrar uma empresa, Tim.
— Eu sei, não é o que estou pedindo. Não
sou presidente da Reymond, Ayla, e na verdade
também sou péssimo em administração. Tenho
muito trabalho, não posso resolver problemas de
projetos com clientes, problemas no RH, não
posso apresentar propostas, nem acompanhar a
obra do governo ou da senadora. Nem mesmo a
do prefeito, do seu projeto. Você precisa fazer
isso. Quatro dos projetos que estão em
andamento agora são seus, Monteiro não quer se
responsabilizar por eles, você precisa fazer isso.
Eu sinto muito.
Ela parece tão cansada de repente e me
sinto péssimo por adicionar mais esse peso à
situação nada fácil que está passando agora.
— Tudo bem, amanhã irei até a Reymond,
vou verificar as anotações dele, os projetos que
estão parados e tentar fazer algo. Mas não sou
ele, não sou brilhante e experiente como ele, eles
podem não gostar do que vou fazer também.
— Precisamos tentar, sinto muito mesmo.
Prometo ajudá-la no que for preciso.
Deixo o hospital sentindo-me ainda pior do
que estava quando cheguei. Conversei com
Alexandra, a médica de Eros, ele já deveria ter
acordado. Não há nada de errado com ele de
forma que só nos resta esperar. Essa noite,
decido dormir na casa da mamãe, há dias não
nos vemos e sinto falta dela. Tenho vontade de
contar a ela como me sinto e que Sabrina está
me ajudando, mas temo que isso vá magoá-la
mais do que me beneficiar por colocar para fora,
então deixo para lá e digo a ela que está tudo
bem.
Então mando uma mensagem para a
pequena bruxa:
Não fui egoísta esta noite.

Logo, vem sua resposta.

Que bom!

Isso é tudo que tem a me dizer?

Acaso você quer um prêmio?

Na verdade, eu merecia. Eu até


poderia te dar algumas opções para que
vc me presenteie, opções que seriam
divertidas para nós dois.

Ela demora cerca de seis minutos a


responder. Já espero o texto me chamando de
canalha, cafajeste ou algo do tipo, mas o que
responde é completamente inesperado.

Vc poderia. Mas foi vc quem disse


que não faço seu tipo. Com a quantidade
enorme de defeitos que vc tem, imagino
que não vá querer adicionar mentiroso a
quota.

Porra! Vc sequer sabe brincar. É


chata pra caralho!

Ela não responde mais e vou dormir


irritado por ter me deixado no vácuo.
Sabrina
Chego à empresa na segunda de manhã um
pouco atrasada por culpa do Ulisses, em um dia
me faz chegar mais cedo e no outro me atrasa.
Aquele estrupício veio tirar satisfações sobre
minhas saídas com meu chefe logo pela manhã.
Eu sequer estava acordada. Para piorar, ele
decidiu “me perdoar” apesar de eu não ter dito
uma palavra a ele, e ainda me fez uma “serenata”
cantando desafinadamente uma música de corno
que detesto.
Eu realmente odeio músicas tristes. De
triste, já basta minha situação financeira. E
amorosa. E profissional. Enfim, nada de músicas
tristes para mim.
E o pior é que agora estou com um trecho
da música melosa na cabeça, repetindo sem
parar.

“Não finja que eu não tô falando com você.


Eu tô parado no meio da rua.
Eu tô entrando no meio dos carros Sem
você a vida não continua”

Não avisto o chefe em sua sala e passo


rapidamente para que ele não se dê conta da
hora que estou chegando, entro na copa na
ponta dos pés, sentindo-me quase vitoriosa,
quando o vejo em uma mesa tomando um café
que alguém fez para ele. À sua frente está Julia e
imagino que ela deve ter feito seu café. Abaixo a
cabeça e passo direto por eles indo deixar
minhas coisas no armário.
Retorno pouco depois já com o avental e
sem olhar em minha direção, Tim ralha: — Está
atrasada.
— Bom dia para o senhor também, querido
chefe.
Ele sorri e se levanta, mas Julia se levanta
também e segura sua mão, exigindo uma
resposta.
— Você não disse nada sobre hoje à noite.
Está de pé?
Observo de rabo de olho e vejo os olhos
dele pousados em mim.
— Sinto muito, Julia, com meu irmão
internado não tenho cabeça para nada
ultimamente. Fica para uma próxima.
— Mas eu posso te distrair. Posso fazê-lo
relaxar, ao menos por uma noite.
— Obrigado, mas não — responde
secamente e deixa a copa.
Observo imediatamente que ele esqueceu o
celular sobre a mesa e seco as mãos na intenção
de devolvê-lo a ele, porém, sou barrada por
Julia, que com cara de poucos amigos observa-
me dos pés à cabeça.
— A culpa disso é sua! O que você fez com
ele?
— Não sei do que está falando.
— Ele saiu com um monte de mulheres
daqui e sempre quis mais, então desde que saiu
com você, nunca mais quis outra. O que você fez
com ele?
— O irmão dele está em coma. Isso não tem
a ver comigo.
— Mas com você ele continua saindo.
Estendo as mãos e dou de ombros,
irritando-a ainda mais.
— O que posso fazer? Posso te garantir que
você não vai me ver atrás dele pedindo por sua
atenção. Ele sai comigo porque quer. É ele quem
me procura, nem adianta acumular sua
invejinha sobre mim, vá descontar isso nele.
Ela desiste e sai da copa quando noto
Louisa parada ali.
Vou até a mesa pegar o celular de Tim
enquanto ela fala, como quem não quer nada: —
É melhor você ficar na sua, doceira. Está
querendo seguir o mesmo caminho da sua
amiguinha e estou de olho em você. Conquistar o
chefe rico e se dar bem. Não vai ser tão fácil pra
você. Não consegui impedir a Ayla, mas você não
vai me tomar o Tim de maneira nenhuma!
— Não sabia que ele tinha dono — é tudo o
que digo e tento passar por ela, que não permite.
— Mas ele tem. Ele passou mais noites
comigo do que com qualquer outra daqui! — fala
com orgulho e preciso me segurar para não rir.
— Uau! Você merece um troféu! Qual seria
sua inscrição? Já sei! Louisa Rezende, a mulher
mais usada pelo chefe.
Ela dá um passo em minha direção
completamente irritada e olho em seus olhos,
provocando-a a continuar com isso.
— Tim não vai ter o mesmo fim que o Eros.
Você não vai fazer com ele como a sua
amiguinha, que conquistou o chefe rico e deu um
jeito de se casar com ele para então matá-lo.
Apesar de ser sempre um pouco crítica com
as pessoas, de ser meio maluca e ter tanta
dificuldade em mentir, eu nunca entrei em uma
briga. Não acredito que violência resolva alguma
coisa e sempre defendi isso. Até agora. Até essa
vaca falar da minha amiga. Solto o celular do
chefe no chão e Louisa se assusta com o baque, é
distração o suficiente para que eu desça a mão
em cheio em seu rosto. O estalo da minha mão
em sua pele é ainda mais alto do que o barulho
do baque do celular.
— Nunca mais fale da minha amiga! —
grito e pulo sobre ela agarrando seus cabelos,
mas dedos fortes conseguem abrir os meus e
logo, dois braços agarram minha cintura e me
afastam dessa mal-amada.
— Fica calma! Sabrina, se acalma! — Tim
grita tentando me conter e Louisa começa a
chorar em um teatro dizendo que a agredi do
nada.
As pessoas começam a se aglomerar na
copa e Andrea ajuda Tim a me conter, repetindo
que não vale a pena.
— Ela é louca! Uma selvagem,
descontrolada! Você precisa demiti-la agora
mesmo, Tim! — Louisa grita fazendo-se de
vítima.
— Você não viu nada! Fale dela de novo e
vai ver o quanto posso ser descontrolada! —
ameaço.
— Parem você duas! — Tim grita calando o
falatório à nossa volta, o choro falso de Louisa e
a voz doce de Andrea tentando me acalmar. —
Eu já estava aqui Louisa, voltei para buscar o
telefone e ouvi o que você disse. Se eu ouvir você
dizendo o nome da minha cunhada de novo, irei
mandá-la para a rua!
— Mas, Tim, eu não fiz nada, foi ela que...
— Eu sei o que vi, Louisa! Esse teatro é
desnecessário. O recado está dado. Não é você
que passa as noites dormindo em uma cama de
hospital há mais de um mês por ele, então não
tem nenhum direito de falar dela. Isso vale para
todos vocês. Não quero ninguém falando da
minha família, eu fui claro? Voltem ao trabalho!
Ele olha para mim finalmente, minha raiva
começando a se esvair, pega minha mão em um
aperto forte demais, o que me faz pensar que
está irritado por minha reação, e me guia entre
as pessoas.
— Você vem comigo! Não permitimos
agressões nesta empresa, Sabrina.
E ainda vou ser demitida! Por culpa dessa
vaca!
Entramos em sua sala e ele tranca a porta e
fecha as persianas, nos dando privacidade sem
as paredes de vidro expostas.
— Não me importo se vai me demitir! Faria
tudo de novo! E teria feito mais se você não
tivesse interrompido.
Ele está de costas, mexendo em algo em
um armário, e quando se vira, está rindo.
— Eu sei que faria. Você é bem brava. E eu
pensando que era calma e controlada.
Fico completamente confusa enquanto ele
se aproxima de mim e segura minhas mãos,
virando-as para verificar se há algum
machucado. Também avalia meu rosto e suas
mãos grandes o seguram com facilidade entre
elas.
— Olha só, você venceu a briga. Como se
sente?
— Não estou no clima para brincadeiras.
Você vai me demitir?
— Hoje não — responde tirando um spray
de dentro da maleta de primeiros socorros que
pegou no armário e o estendendo a mim. — Mas
você precisa cortar essas unhas se for continuar
brigando na empresa, bruxinha.
Observo em seu pulso os arranhões que fiz
nele enquanto tentava me soltar. Estão bem
feios. Seguro sua mão e jogo o spray gelado,
observando seu rosto para ver se sente dor, mas
ele apenas me observa de volta. Não parece
incomodado, então continuo. Faço isso nas duas
mãos e, completamente sem graça, me desculpo.
— Sinto muito por isso, e pelo seu celular.
Você pode descontar o conserto dele no meu
salário, já que não vai me demitir.
— Não quebrou. E eu não cobraria de você,
se fosse o caso. Você fez bem. Louisa merecia
esse tapa há muito tempo, pensei que Ayla
acabaria por fazê-lo, e confesso que estou bem
surpreso por ser você a descontrolada entre as
duas.
— Bem, se eu não fosse louca não seríamos
tão amigas.
— Acho que não. Você está bem?
Confirmo com a cabeça enquanto ele ajeita
meu cabelo desgrenhado, e essa sua atenção
comigo me incomoda. Dou um passo para trás,
saindo de seu alcance e sento-me em uma
cadeira.
— A culpa foi sua, sabia? — digo enquanto
ele se senta em sua cadeira de frente para mim e
quase rio de sua cara assustada.
— Foi minha por quê?
— Tudo começou quando você deu um fora
na Julia. Ela veio colocar a culpa em mim, acha
que estamos saindo, por culpa sua, claro. Então
a Louisa ouviu o que a Julia disse e veio em
seguida defender o que é dela. A briga começou
assim.
Espero por seu pedido de desculpas por ter
feito com que Julia pensasse que sou mais uma
em sua lista, ou ao menos por ter saído com
Louisa, porque quem em sã consciência aturaria
aquela lá? Mas ele apenas ri. Aquele riso
cafajeste e convencido que odeio.
— Três mulheres brigando por mim. Mas
não posso dizer que isso nunca aconteceu antes.
— Jura? Agora entendo como você
seleciona suas mulheres, pela falta de amor
próprio. Por que você deu um fora na Julia?
Quer dizer, você tem feito isso há semanas, não
só nela. É por causa do Eros ou isso era só uma
desculpa para não ser rude?
— Eu não me importo em ser rude,
Sabrina. Ainda não sou esse tipo de homem.
Disse apenas a verdade. Não posso sair com
alguém, me divertir e relaxar enquanto meu
irmão está dormindo sem previsão de acordar. A
culpa foi minha. E por mais que você diga que
isso é relativo, eu sei da minha parcela. Estou
tentando lidar com ela, mas não posso viver
como se nada tivesse acontecido.
— Você não está fazendo isso. Pelo
contrário, até pensou em mudar. Você devia sair
com ela, sair com alguém. Distrair a cabeça,
relaxar, descansar um pouco. Não há nada que
possamos fazer pelo Eros agora, além de rezar. E
infelizmente ele não vai acordar mais rápido se
você parar sua vida junto com a dele.
Ele parece tão sentido e confuso! Olha para
a mesa por um tempo, enquanto brinca com os
dedos da mão. E quando fala, não olha de volta
para mim.
— E onde está a justiça se eu viver minha
vida enquanto ele não vive a dele?
— Mas ele vive a dele. Ele está vivo! A
situação dele é temporária. Ele pode acordar
amanhã, semana que vem, ano que vem, mas vai
acordar. Você acha que é errado que você viva
sem ele?
Ele assente, se recosta em sua cadeira e
cobre os olhos com as mãos, claramente
cansado.
— É muito difícil mudar! Quando você age
de maneira errada porque escolheu este
caminho e decide mudar, é fácil, porque você
sabe exatamente o que não fazer. — Seus olhos
encontram os meus e enxergo um menino nele,
um menino perdido tentando se encontrar. —
Mas quando você erra achando que está fazendo
a coisa certa, é difícil demais! Porque não sei o
que é errado ou não! Não tenho um manual,
nenhum parâmetro, me sinto perdido!
— Tudo bem, eu brinco com isso de diário
humano, mas façamos assim então, você me
conta tudo o que tem medo de falar com alguém,
seus pensamentos, vontades, como você se
sente. Eu vou te falando o que considero errado
ou não até você ter um parâmetro. Você quer
assim?
— É, eu quero assim — um sorriso surge
em seu rosto e sua expressão vai se suavizando.
— Mas Tim, somos diferentes, temos
opiniões diferentes e muito do que eu considerar
errado, pode não ser errado para você. Então por
mais que eu diga a minha opinião, tente não se
perder nisso.
— Não a deixarei me influenciar demais,
não se preocupe. De toda forma, não acho que
aja algo bom em minhas opiniões que mereça ser
salvo, Sabrina. Talvez eu precise ser refeito.
Começo a me dar conta do quanto o
acidente de Eros, e a condição dele, mexeram
com Tim. Além da culpa que ele carrega, além do
medo de perder o irmão, isso realmente mexeu
com ele. O fez se enxergar de outro jeito, acho
que o fez ver a vida de outro jeito. Como se ela
fosse curta e frágil demais, e ele tivesse pouco
tempo para se redimir.
— Vejo você à noite então? — pergunta.
— Para quê?
— Conversarmos.
Por mais que eu tenha dito a ele que pode
desabafar comigo, de repente essa não me
parece uma boa ideia, ao menos não esta noite,
não quando seus olhos perdidos ainda estão
vívidos em minha mente. Talvez amanhã,
quando eu não estiver tão propensa a ser
boazinha com ele.
— Hoje não posso — respondo finalmente.
— Pode ser amanhã?
— Claro! Pode ser amanhã!
Levanto-me e antes de abrir a porta, ele
orienta: — Saia de cabeça baixa e finja que levou
a bronca do século, por favor. Se souberem que
sequer adverti você, na semana que vem não
haverá uma parte do rosto da Louisa sem uma
marca de mão.
— Isso não seria ruim — respondo, mas
faço como pediu e até finjo chorar enquanto
passo rapidamente até a copa. — Ah, Ayla, estou
há tempo demais convivendo com você.

Ao final do expediente, recuso a oitava


ligação de Ulisses enquanto espero o elevador.
Louisa para ao meu lado e não consigo esconder
o sorriso ao ver a marca de dois dos meus dedos
em seu rosto.
— Vou cuidar pessoalmente de fazer com
que ele demita você — fala olhando para a porta
do elevador, mas suas palavras são direcionadas
a mim.
— Acho que não. Ele sequer brigou comigo,
ainda me disse que você merecia esse tapa há
muito tempo. Ele faltou beijar minhas mãos em
gratidão por eu tê-la acertado.
Ela me lança seu olhar em chamas e seu
rosto todo está vermelho.
— Você é uma mentirosa!
— Esse não é um dos meus defeitos. Se não
acredita em mim, vá perguntar a ele.
As portas do elevador abrem e ela entra,
aperta o botão desesperadamente para que as
portas se fechem. Bruna, a nova secretária de
Tim, e eu, somos obrigadas a esperar o próximo.
Quando desço do elevador, avisto Tim
conversando com Louisa na recepção. Ele tem
alguns envelopes na mão e não parece prestar
atenção ao que ela fala. Finjo mexer no celular e
consigo ouvir o que está dizendo.
— Por favor, Tim, me deixa explicar. Quero
me desculpar com você, me redimir. Só te peço
uma chance, me deixa acompanhá-lo ao
restaurante que você reservou, apenas esta noite.
Penso que ele vai negar, mas então me
lembro do quão perdido estava e da outra noite
em que disse que tem passado tempo demais na
companhia dele mesmo. E me ocorre que ele vai
aceitar a proposta dela apenas para ter com
quem falar. Talvez ele resolva ouvir meu
conselho e sair para se divertir com ela após o
jantar. E não que me importe com quem ele sai
ou o que ele faz, mas essa lambisgoia não! Não
mesmo!
Visto meu casaco rapidamente, e os
alcanço antes que ele responda. Passo meu braço
pelo seu e estendo um sorriso.
— Estou pronta, chefe, podemos ir.
Louisa está completamente em choque,
enquanto Tim apenas me observa com um
sorriso. Ele se despede de Lorena e Marcos, na
recepção, e de Louisa.
— Hoje não, Lou.
Então pega minha mão e me guia até o
estacionamento. Não diz nada enquanto
caminhamos até seu carro e fico esperando suas
piadas para eu poder me explicar, mas tudo o
que faz é sorrir. Sorri enquanto abre a porta do
carro para mim e a fecha devagar, impedindo
que eu a bata. Sorri enquanto dá a volta e senta-
se em seu lugar. Sorri enquanto coloca o cinto e
me ajuda a prender o meu, já que por algum
motivo não consigo encaixar no lugar. E sorri ao
arrancar com o carro.
— Babaca! — ralho, e ele continua sorrindo.

Assim que o carro para, Tim me avalia por


algum tempo, ainda com o sorriso irritante
estampado no rosto e decido explicar meus
motivos para que não ache que vou mesmo me
tornar mais uma de sua lista.
— Vamos descer ou ficar aqui nos olhando
a noite toda? — pergunto irritada.
— Você disse que não podia sair comigo
hoje. Me pergunto o que a fez mudar de ideia.
— Não quis dar o gostinho à Louisa de sair
com você depois de tentar me ameaçar alegando
que você é dela. Foi mesmo pra mostrar que ela
não é tão importante quanto pensa.
Penso que vai se chatear por eu tê-lo usado,
mas ele apenas ri ainda mais.
— Uau! Você é mesmo bastante sincera!
Podia ter dito que sentiu pena de mim e mudou
de ideia, seria mais gentil.
— Gentileza não é uma das minhas
qualidades. Além do mais, não tenho pena de
você, tenho pena de quem trabalha o mês inteiro
e não recebe o suficiente para pagar suas contas.
Mamãe me ensinou a nunca ter pena de gente
rica — tento esconder a risada que quer escapar
por sua careta e ele acaba percebendo que o
estou provocando.
— Claro, gente rica não tem problemas —
concorda abrindo a porta do carro.
Abro a minha também, e ao descer, trombo
com tudo nele, que me ampara para que eu não
caia.
— Eu ia abrir a porta para você — explica.
— Por quê? Eu sou capaz de abrir uma
porta.
— Eu só queria ser cavalheiro.
— Desde quando? Você me pega nos
ombros e me joga dentro do carro geralmente,
me deixa onde vamos, geralmente, para que esse
cavalheirismo agora?
— Quando eu encontrar a mulher certa,
quero ser perfeito para ela. Estou apenas
treinando.
— Entendi, você quer me usar de cobaia —
finjo estar irritada, mas ele não cai na minha. —
Bem, perfeição não é o que uma mulher procura,
ninguém é perfeito.
Fecho a porta de seu carro e ele continua
parado à minha frente como um poste,
impedindo-me de passar.
— O que uma mulher procura então? —
pergunta confuso.
— Uma lista de coisas. Uma delas, lealdade.
Ele dá um passo para o lado e finalmente
avisto o restaurante que ele reservou. Mal posso
acreditar nesse golpe infeliz do destino. Tim
entra no Rossi’s e diz seu nome enquanto não
consigo me mover. Decidindo entre sair
correndo e desaparecer ou chamá-lo para irmos
para outro lugar, acabo escolhendo a primeira
opção. Viro-me e saio andando. Não corro, para
não chamar atenção, mas caminho a passos
rápidos, até virar uma rua e então desacelero,
crente que Tim vai olhar para trás, se dar conta
que eu sumi e comer seu jantar sozinho. Claro
que não é o que acontece, ele surge de repente
na minha frente, visivelmente preocupado e
confuso.
— Onde você está indo? — pergunta.
— Procurar por você. Me perdi, acredita?
Ele me avalia um pouco antes de pegar
minha mão, guiando-me de volta para o maldito
restaurante.
— Parei o carro exatamente em frente a
porta do restaurante, como você pode ter se
perdido?
Consigo soltar minha mão quando nos
aproximamos de novo da entrada.
— Eu sou assim, bastante lerda. Não quero
entrar aí — confesso, mas ele não me ouve, ou
finge não ouvir e entra no restaurante. Chamo
por ele sem pisar no lugar, que me olha confuso
por eu estar ainda do lado de fora do elegante
estabelecimento.
— Venha, nossa mesa está pronta — ele diz
voltando a segurar minha mão, como se isso
facilitasse tudo e tento me soltar.
— Não, podemos ir a outro lugar? Eu não
gosto deste.
— Como assim não gosta? Sabrina, é
impossível que alguém não goste deste lugar!
Além do mais, esperei três semanas por uma
mesa aqui, não vamos a outro lugar — decreta
impaciente.
— Sabe uma coisa que mulheres gostam,
Martim? Quando os homens as ouvem! Não vou
entrar neste lugar, podemos ir ou não?
— Você já trabalhou aqui? — pergunta
tentando entender minha recusa.
— Não, só não quero entrar aí, podemos ir
agora?
— Não, não podemos. Até você me explicar
o que exatamente está acontecendo, não vamos a
lugar algum! Eu já paguei por esta reserva, você
tem noção de quanto custa uma reserva em um
lugar como este? É claro que não tem!
Sinto-me extremamente ofendida por sua
arrogância, e ele percebe isso, pois se cala na
mesma hora e abaixa a cabeça, arrependido.
— Sinto muito, Sabrina. Eu não quis ser
um idiota. Isso é algo que o velho Tim diria,
podemos ir onde você quiser.
Ele tenta segurar minhas mãos, mas o
afasto e é tarde demais. Olimpo me encara com
um sorriso amoroso e braços abertos. Ele sai do
restaurante em minha direção e me abraça, não
me dando a chance de recusar seu gesto
carinhoso.
— Ah, menina! Como você cresceu! Quase
não a reconheci com essa cor de cabelo. Você
está tão linda!
— Obrigada, Olimpo.
— Por que não disse que viria? Eu teria
reservado a melhor mesa para você, Sabrina. Seu
pai...
— Na verdade, eu já estava de saída. Foi
bom te ver, Olimpo.
— Mas, como assim? Você não vai entrar?
Não vai dar uma palavrinha com...
— Não! Não posso, obrigada! Fica pra uma
próxima! Até mais, Olimpo.
Consigo controlar a tremedeira que quer
me tomar, viro-me e saio andando para qualquer
lugar longe daquele restaurante. Atravesso ruas,
e mais ruas, ouço barulhos à minha volta. Penso
em como seu restaurante estava lotado enquanto
mamãe passou tanto aperto! Continuo
caminhando deixando que o vento frio entre
pelo casaco fino até que uma mão me puxa para
trás e um carro passa em alta velocidade a
poucos centímetros de mim. Tim me abraça
assustado e só então me dou conta de que ele
veio me seguindo até aqui.
— O que há com você?
— Nada! Volte para o restaurante, para sua
reserva muito cara, e me deixa ir embora.
— Acredite, eu faria isso. Mas você vai ser
atropelada na próxima esquina. Andou dez
quarteirões sem olhar nenhum sinal, Sabrina, o
que aconteceu? Quem é o homem que a abraçou
lá?
— Ninguém que seja da sua conta. Eu estou
bem. Vou chamar um táxi daqui mesmo, então
você volta para o restaurante e não perde sua
reserva cara.
Pego o celular para chamar um táxi, mas
ele o tira da minha mão.
— Por que a gente não conversa? Me conta
o que está acontecendo.
Tudo o que quero é ir pra casa, quero
abraçar minha mãe e deixar que ela faça essa
raiva que sinto passar. Tento pegar o celular da
mão dele, mas ele se nega a me devolvê-lo, o que
me deixa ainda pior.
— Sabrina, fale comigo.
— Não! Não tenho que falar com você, nós
não somos amigos!
— Podemos ser. Você sabe muito mais de
mim do que qualquer outra pessoa, talvez eu
possa saber sobre você também.
— Não é difícil saber sobre você, Martim. É
só um cara mimado que sequer descobriu quem
é. É só mais um babaca que tem tudo de mão
beijada, é idiota e egoísta e não sabe como agir
quando suas atitudes tem consequências. Essa
crise que você está passando é bem merecida!
Você entrou nela sozinho, devia se virar sozinho
ao invés de pedir ajuda a alguém que você mal
conhece! Sabe o que sua necessidade da minha
opinião o torna? Um fraco! Sequer pode arcar
com seus erros sozinho! Como você acha que vai
mudar assim? Vai ser sempre a merda do
riquinho cafajeste e idiota! Assim que seu irmão
acordar e ficar bem, você vai me ignorar porque
não me importo com o preço de uma merda de
reserva e voltar sua atenção para as mulheres
sem cérebro que você pega! Então nem devia
perder seu tempo fingindo que se importa com o
que estou sentindo. Você não se importa com
nada que não seja do seu mundinho e eu não
faço parte dele!
Ele não me responde. Respiro fundo e
quando busco seu rosto, quase desmonto. Ele
parece destruído. Seus olhos estão focados no
nada, meu celular pende em sua mão e o tiro
dela sem a menor dificuldade. Por alguns
segundos ele fica assim, completamente parado,
os olhos cheios e mais nenhuma expressão. Vira-
se de costas sem olhar para mim e volta por
onde viemos.
Imediatamente, sinto-me culpada por
descontar nele. Este é um enorme defeito que
tenho, não sei o que fazer quando acumulo raiva.
Geralmente eu explodo, coloco para fora, e tudo
passa. Mas não pude desta vez. E isso ficou
acumulado em mim. E foi demais desta vez. O
simples risco de ver meu pai tirou
completamente minhas bases. O pior é que nada
do que disse a ele é verdade, apenas fui maldosa.
Volto a andar devagar, tentando me
concentrar em ir embora, mas com os
pensamentos longe.
— Por que fiz isso com ele? Por que ele
tinha que me trazer justo no Rossi’s? Tantos
restaurantes na cidade!
Estou caminhando há algum tempo,
quando uma buzina soa próxima demais e avisto
o carro de Tim. Ele abre a porta do carona e
entro, me escondendo do frio.
— Tim, eu...
— Não fale comigo, Sabrina. Irei deixá-la
na sua casa, eu prometi que não a deixaria ir
embora sozinha mais, apenas isso. Não quero
conversar.
Ele liga o som do carro em uma música
triste muito alta e desisto de falar com ele.
Apenas troco a música para uma agitada porque
o que menos preciso agora é de uma música
triste me deixando ainda mais para baixo.
Ele para o carro em frente a minha casa e
sequer olha para mim.
— Tim... — tento falar, mas ele solta seu
cinto de segurança e quase sobe em cima de
mim, abrindo a porta para que eu desça. Volta
ao seu lugar, coloca o sinto e acelera o carro,
praticamente me mandando descer.
Entendo que não vai adiantar nada tentar
falar com ele agora. Desço do carro e fecho a
porta bem devagar na esperança que ao menos
sorria por eu não tê-la batido desta vez, mas não
funciona. Tão logo fecho a porta, ele arranca
com o carro e dirigindo como um louco,
desaparece de vista.

A mão da minha mãe acaricia meu cabelo,


enquanto minha cabeça repousa em seu colo.
Como sempre, sua voz calma acalma minha
alma.
— Há injustiças muito piores na vida, do
que seu pai ter um restaurante badalado, filha.
Há muitas outras injustiças. Isso não é nada.
Deixa que ele tenha a vida dele, o dinheiro dele,
isso não nos afeta — diz como se não doesse nela
a traição, o abandono, o sufoco que passamos
por anos quando ele simplesmente sumiu.
— É o seu dinheiro, não é justo, mãe! Ele
ao menos deveria dividir uma parte disso com
você, ao menos deveria devolvê-la o que você
deu a ele — defendo minha mágoa.
— Mas aí é que está, filha. Eu dei o
dinheiro a ele, ele não o roubou. Não foi um
empréstimo, foi um favor. Logo, ele não tem que
me devolver nada.
— O bom senso diz que sim. E para que
você deu a ele todo seu dinheiro? Mãe, às vezes
tenho vontade de segurá-la pelos ombros e te
sacudir!
Ela demora um tempo a responder, mas
quando o faz, não consigo encontrar nada de
mágoa, acusação ou rancor em sua voz.
— Eu pensei que ele realizaria seu sonho,
faria o curso que tanto queria e voltaria. Pensei
que uma esposa na minha condição e uma filha
pequena pudessem ser peso demais para ele. Eu
era muito jovem e muito iludida, Sabrina. São
tolices que cometemos por amor. Mas se não as
cometemos, não aprendemos a lição.
— Eu não precisei cometer qualquer
burrada por amor para saber essa lição. Seu
exemplo me basta.
— Por falar nisso, o que vai fazer a respeito
do seu chefe?
— O que eu poderia fazer? — De repente o
aperto em meu peito volta e me sinto culpada
por tê-lo magoado por nada.
— Se desculpar. Veja bem, você teve a mim
para acalmá-la quando chegou em casa.
Pronto! Dificilmente ele foi até o
apartamento da mãe ser acalmado. Dificilmente
ele foi para qualquer lugar, senão sua casa,
remoer tudo o que disse como confessou ter feito
na outra vez em que fui grossa com ele. A
diferença é que na outra vez ele mereceu.
Contrariada, levanto-me e visto um casaco,
pego minha bolsa e ligo para minha melhor
amiga.
— Você pode descer até a entrada do
hospital e me ouvir por cinco minutos? —
pergunto temendo não ser uma noite boa para
ela.
— Por que você ainda pergunta? Eu levo o
café?
— Claro! O seu, não quero esse sem açúcar
do hospital.
— Você traz os pãezinhos então — ordena.
— Ayla, onde vou achar pães a essa hora?
— Se vira! A sessão de emergência é sua.
Não funciono com fome.
— Tudo bem.
Volto para dentro de casa enquanto o
motorista espera e pego os pãezinhos e bolo que
mamãe já havia feito. Esses devem servir.

Enquanto quase congelamos sentadas em


um banco frio na calçada, conto a Ayla tudo o
que aconteceu desde que ela se mudou para esse
hospital, exceto a parte em que acertei a vaca da
Louisa, porque não quero ter que explicar o
motivo de eu tê-la acertado. Ayla não precisa de
nem uma grama a mais de peso além do que está
carregando.
— Poxa! Você foi desnecessariamente
cruel! — acusa.
— Eu sei disso, não é isso o que quero
ouvir.
— Você foi má e muito babaca também.
— Ayla!
— Você tem que saber disso! Tudo bem, vá
pedir desculpas a ele — ordena e volta a tomar o
café como se tivesse me dito para fechar o zíper
do casaco. Seus olhos pousam em mim e ela
franze o cenho, fazendo um gesto com a mão
para que eu me apresse.
— O quê? Quer que eu faça isso agora? —
pergunto confusa.
— É claro! Não vou ficar a madrugada toda
nesse frio repetindo o quanto você foi
desnecessariamente má. Vá se desculpar.
— Posso fazer isso na segunda. O vejo
todos os dias na empresa.
— Você chegou na sua casa e tinha com
quem desabafar, mas ele chegou na casa dele, e
vai passar a noite...
Minha consciência pesa e me pergunto
porque tenho uma melhor amiga se não foi
capaz de aliviar minha consciência com meia
dúzia de palavras apenas, ao invés de me fazer
sentir ainda mais culpada.
— Tudo bem! Você é a pior melhor amiga
que alguém poderia ter! — acuso levantando-me
irritada.
— Sabrina, você não é assim. Eu te
conheço, você vai voltar para sua casa e passar a
noite em claro remoendo tudo o que disse, vai se
sentir péssima, porque essa não é você. Resolva
isso e tenha um resto de noite com a consciência
tranquila. Você está me olhando assim, com essa
cara torcida, mas sabe que vai até a casa dele se
desculpar.
— Não tenho o endereço — rebato e cruzo
os braços.
— Eu vou voltar para perto do meu marido,
enquanto faço o sacrifício de te mandar o
endereço por mensagem. Aliás, estou chamando
um carro para você. Me ligue, não importa a
hora em que sair de lá e me conte como foi.
— Você só está interessada na fofoca —
provoco conseguindo com que ela sorria.
— Uma vez na vida eu posso ser a
expectadora, certo, minha protagonista
preferida?
— Ridícula!
E nem cinco minutos depois, estou em um
carro indo para a casa do meu chefe, e alguma
coisa dentro de mim me diz que isso não vai
acabar bem.
Peso todas as possibilidades durante o
caminho, ele pode não ter voltado para sua casa.
Pode estar acompanhado, o que na verdade seria
ótimo, tiraria meu peso da consciência já que ele
teria conseguido se distrair. Ou ele pode nem
mesmo me receber e me deixar sentada,
congelando em sua porta, na calçada como um
cão abandonado, até que o dia amanheça e ele
saia, porque eu vou falar com ele antes de
dormir, Ayla está certa. Meu sono é sagrado e
não quero perdê-lo quando posso me desculpar.
Se for preciso, ficarei até o dia nascer na sua
porta.

— Que maravilha, São Pedro!


Uma chuva fina começa a cair congelando
meu corpo todo, e tenho a impressão que meus
órgãos também. Observo a rua bonita e a casa
diante de mim e me dou conta que foi neste
condomínio que ele me trouxe para
conversarmos na outra vez. É o condomínio
onde ele mora. Bato na porta torcendo para que
não seja pirracento como eu, porque se a
situação fosse contrária, eu o deixaria na chuva
congelando até a manhã nascer para então ouvi-
lo. Principalmente porque a chuva parece
aumentar cada vez mais.
Finalmente a porta abre e um Tim confuso
me deixa entrar.
— Ainda bem que você não é rancoroso —
comento batendo o queixo e observo a enorme
sala muito aconchegante com uma lareira
elétrica que deve servir para alguma coisa.
Corro até ela tentando me aquecer, e meus
ouvidos captam a música triste que soa no
ambiente. Uma garrafa de vinho está em uma
mesa próxima a lareira com uma taça pela
metade. Localizo o home teather, pego o
controle e desligo a música, então volto para
perto da lareira.
Tim passa por mim e se senta na poltrona
onde estava, voltando a beber seu vinho como se
eu nem estivesse aqui.
— O que aconteceu com aquilo de ser
cavalheiro? — pergunto esperando que me
forneça uma coberta, ou ao menos uma tolha.
— Eu pensei em tirar sua roupa quando a vi
tão molhada, mas acho que não seria
exatamente um ato de cavalheirismo — responde
olhando-me nos olhos, tentando me irritar.
— Tudo bem, não me importo de pegar
uma pneumonia por sua causa.
Ele sorri, dura apenas dois segundos, mas
já considero uma vitória. Me concentro na
lareira que me aquece muito devagar e falo de
uma vez: — Tim, eu vim até aqui porque preciso
mesmo falar com você. Sei que não quer me
ouvir, mas vai. Eu não disse aquelas coisas por
mal. De verdade. Eu só quis feri-lo, porque fui
idiota. Eu não estava bem e descontei em você,
quis que não estivesse bem também. Eu sinto
muito. Não penso nada do que disse a você.
Ele não diz nada e quando olho para trás,
ele não está aqui. O babaca saiu e me deixou
falando sozinha!
— Idiota! Mereceu cada coisa que eu disse
— começo a ralhar sozinha quando ele surge com
uma toalha, um roupão e uma coberta.
— Você disse alguma coisa? — pergunta
contendo muito mal o sorriso.
— Vou ter que me desculpar tudo de novo?
A decepção deve estar estampada em meu
rosto, pois ele o avalia por um tempo e vejo que
quer sorrir.
— Se isso for difícil para você, então não é
sincero — responde jogando algo que me ouviu
dizer a Mônica, na empresa, na semana passada.
— Tire essa roupa, bruxinha.
— Você não está bravo comigo? — pergunto
enquanto tiro o casaco molhado.
— Bravo? Não. Magoado, com certeza.
— Eu sinto muito — digo olhando em seus
olhos.
— Eu sei, se não sentisse não viria até aqui
essa hora da noite com uma chuva dessas. Mas
isso não é o bastante, Sabrina. Você pegou
pesado.
— Juro que não penso de verdade nada do
que disse.
— Não pareceu, pareceu que você tinha
tudo muito bem definido — ele me gira e abre os
botões da blusa que uso, a seguro com os braços
para não ficar despida diante dele, enquanto ele
junta minha roupa molhada e observa minha
calça. — Tire isso.
— Há um lugar privado onde eu possa tirar
toda essa roupa?
Ele gira o dedo ao nosso redor, indicando a
sala onde estamos.
— Este é um lugar privado.
— Há um lugar privado de você onde eu
possa tirar toda essa roupa?
Ele sorri, não conseguindo conter e em
parte sinto-me aliviada por não estar mais com
aquele olhar destruído de mais cedo.
— Você está com vergonha de se despir
diante de mim? — provoca observando meu
corpo minunciosamente.
— Não, só não estou com vontade de fazê-
lo.
A cara de decepção que faz quase chega a
ser engraçada.
— É a primeira vez que uma mulher não
quer tirar a roupa para mim nesta casa. Você
pode ir ali, a porta cinza à esquerda.
— Galinha — ralho baixinho enquanto me
afasto.
— Eu ouvi isso! Não é legal insultar a
pessoa com quem você veio se desculpar.
— Esse insulto foi sincero, não tenho que
me desculpar por ele — respondo ainda mais
baixinho.
— Eu ouvi isso também!
Tiro toda a roupa molhada e visto o
roupão, saio do lavabo e ele me estende a
coberta, me enrolo nela, pego sua garrafa de
vinho e tomo um gole para aquecer. Então paro
diante dele.
— Eu realmente não penso nada do que
disse, sei ser cruel quando quero. O que eu fiz foi
desnecessário, mesquinho e me torna uma
pessoa horrível. Eu não poderia dormir com a
culpa.
Ele apenas me observa e bebo mais um
pouco do vinho porque meus órgãos ainda
parecem congelados.
— Chega com isso, tudo bem? — diz
tirando a garrafa da minha mão. — Quero você
sóbria.
— Você me desculpa?
— Você tem certeza que não pensa nada do
que disse? Porque não temos que transformar
isso em um círculo, Sabrina. Sei que você mal
me suporta, sei que é um sacrifício ter que me
ajudar e que só o está fazendo porque é boa
demais para dizer não. Se há alguma dúvida em
você quanto ao que estamos fazendo, prefiro que
você se afaste. Eu a perdoo e não nos falamos
mais.
Se ele está disposto a afastar a única pessoa
com quem conversa, a ferida que causei a ele é
pior do que eu pensei. Seguro sua mão porque
ele sempre faz isso quando quer me acalmar.
— Eu tenho certeza. Quero ajudar você.
Sinto muito por ter sido babaca. Você me
desculpa?
Ele não responde, seus olhos continuam
presos aos meus quando segura minhas mãos de
volta e me puxa. Nossos corpos se encostam com
um pequeno baque e seus olhos estão fixos na
minha boca. De repente sinto-me nervosa,
minhas mãos formigam e quando sua boca toca
meu rosto, perto demais da minha boca, afasto-
me dele e vou até a garrafa de vinho. Tomo um
gole enquanto ouço seu riso baixinho.
— Se você queria me beijar é porque me
desculpou, não é? — pergunto.
— Eu não ia beijar você, isso é, só se você
quisesse.
— Você me desculpou, que bom! Posso
dormir tranquila agora. Vou embora.
Pego minha bolsa e caminho até a porta,
ele não vem atrás de mim e entendo o motivo
quando a abro. A chuva fina transformou-se em
uma tempestade que não permite que eu veja
um palmo à minha frente. Volto a fechar a porta
e o encaro, detestando o sorrisinho idiota que ele
mantém no rosto.
— Você tem um quarto de hóspedes onde
eu possa ficar só até amanhecer?
Ele ri alto com minha pergunta e não
entendo o motivo. Me guia pelas escadas até o
último quarto do corredor. O quarto é enorme e
muito bonito! Há uma cama box no centro, uma
televisão enorme em um painel iluminado sobre
uma lareira elétrica. Uma porta que deve ser do
banheiro, ou do closet e algo que chama
completamente minha atenção: um lado da
parede é todo de vidro, e como a casa fica no
alto, a vista lá fora seria linda se a chuva não
estivesse impossibilitando qualquer visão.
Aproximo-me da enorme janela tentando
enxergar, mas não vejo nada.
— A vista aqui deve ser incrível, não é?
— Acho que você adoraria. Talvez consiga
vê-la pela manhã. Mas confesso que a noite é
ainda mais bonita. Há muitas luzes, as da cidade
e as das estrelas.
Aproximo-me da enorme cama e há tantos
travesseiros sobre ela, que eu poderia
tranquilamente jogá-los no chão e dormir
confortável apenas sobre eles. Sento-me
enquanto ele me observa e há algo em seu rosto,
um certo incômodo que não entendo.
— Este não é o quarto de hóspedes — diz
finalmente. — É o meu quarto.
Levanto-me imediatamente e observo a
enorme cama atrás de mim com uma careta. E
eu me sentei nela! Ele parece ler meus
pensamentos, pois um sorriso surge em seu
rosto adivinhando o rumo que tomaram.
— Eu prefiro dormir no quarto de hóspedes
— peço irritada.
— Acredite, bruxinha, você vai preferir
dormir aqui.
Não quero ser grossa com quem está me
dando abrigo em uma noite chuvosa, mas me
aproximo dele e insisto: — Não vou me sentir
confortável dormindo aqui. Você tem um quarto
de hóspedes, certo?
— Você não quer ser mais uma na minha
cama, então? — provoca.
— Eu nunca vou ser mais uma em nada
seu.
— Tudo bem, venha comigo.
Ele pega minha mão e me guia até o
primeiro quarto do corredor. Olho em volta o
elegante quarto e, além de uma cama box
imensa, um criado-mudo, e alguns espelhos, não
há mais qualquer móvel aqui, apesar do espaço
grande. Talvez por ser tão vazio, o quarto pareça
frio e impessoal. Cruzo os braços sentindo frio e
tento não demonstrar que não gostei muito do
quarto.
— Está bom para você este quarto? —
pergunta.
— Está ótimo!
Aproximo-me da cama e toco o lençol de
seda frio, olho para meu anfitrião que ainda tem
um sorrisinho irritante de alguma piada interna
que não fez questão de compartilhar, e pergunto:
— E se seu hóspede tiver roupas? Onde ele as
deixará? Não há armários aqui, nenhum lugar
onde se possa guardar pertences.
Seu sorrisinho irritante muda para um
sorriso carregado de malícia. Ele se aproxima de
mim lentamente e o fato de estarmos tão
próximos a uma cama e da chuva forte que cai lá
fora, me deixa desconfortável.
— Na verdade, não hospedo ninguém aqui.
Este é o quarto em que trago as minhas acom...
Cubro sua boca com a mão e sinto seu
sorriso em meus dedos.
Mal a descubro, ele continua:
— Não há armários porque só uso este
quarto para tran...
Cubro novamente sua boca e dessa vez ele
ri.
— Não preciso de detalhes — advirto
enquanto seus olhos estão sobre meu rosto e ele
arranha meus dedos com os dentes. — Não
quero dormir aqui, posso dormir no sofá. Assim
que o dia amanhecer irei embora.
Ele tira minha mão da sua boca com
cuidado e aproxima o rosto do meu, falando em
meu ouvido: — Sinto muito, bruxinha, mas
ninguém dorme no meu sofá de couro italiano.
Reviro os olhos e me afasto, ele estende
uma mão e me dá duas opções: — Você pode
dormir neste quarto, onde todas as outras
mulheres dormiram, ou pode dormir comigo, na
minha cama, onde ninguém mais dormiu. O que
prefere?
Olho a cama atrás de mim, sua mão
estendida e esse sorriso malicioso e irritante e
não é difícil tomar uma decisão.
— Prefiro morrer.
Passo por ele que me segue com uma
risada alta, pega meu cotovelo quando estou
prestes a descer as escadas e me guia de volta
pelo corredor até seu quarto. Ele some pela
porta enquanto tanto enxergar as luzes que ele
citou através da chuva, mas mesmo quando os
raios clareiam lá fora, não é possível ver nada.
Pouco depois, ele retorna com uma blusa dele e
um short para que eu vista, ajeita a cama e
acende a lareira.
— Tim, já que você está acostumado a
dormir no seu quarto do sexo, você pode dormir
lá e me deixar dormir aqui, não é? — tento como
quem não quer nada, com a voz mais doce que
consigo.
— Não sei, está uma noite fria e naquele
quarto não tem lareira — comenta de costas para
mim, mas quando se vira em minha direção, tem
um sorriso no rosto. — Você tem tanto medo
assim de ficar perto de mim, Sabrina?
— Não é por medo, eu não me sentiria
confortável. Meu sono é sagrado, não gosto de
dividi-lo com ninguém.
— Se você quiser tomar um banho quente,
e eu aconselho que faça isso depois da chuva que
tomou, o banheiro é por ali. Você vai passar pelo
closet para chegar nele, há calcinhas novas na
terceira gaveta à esquerda. E escovas de dente na
embalagem na mesma gaveta.
— Por que você tem calcinhas novas? —
pergunto arrependendo-me em seguida.
Ele se aproxima de mim tão rápido, que
não dá tempo de eu prever o que fará e me
afastar.
— Porque tenho o costume de rasgar
algumas, quando estou acompanhado.
Seus olhos negros parecem incendiar todo
meu corpo de repente, ele toca uma mecha do
meu cabelo, enrolando-a em seu dedo e minha
cabeça gira. Provavelmente efeito das taças de
vinho que tomei. Seu rosto se aproxima do meu
vagarosamente, mas recupero a sanidade a
tempo, afastando-me num rompante. Entro na
porta que ele indicou e acho na gaveta um
verdadeiro estoque de calcinhas. Ele está parado
atrás de mim observando minha reação.
— Você é precavido. E um cafajeste
também!
— Sou apenas atencioso — defende-se.
— Obrigada, Tim, você pode ir. Boa noite.
— Está me expulsando do meu quarto?
— Sim, estou! Vamos, saia!
Giro seu corpo e o empurro até a porta do
quarto, mas ele se vira de repente e me abraça.
Fico completamente imóvel enquanto ele fala
baixinho: — Eu não sei o que a deixou nervosa a
ponto de não querer entrar naquele restaurante,
Sabrina, mas eu sinto muito por não tê-la
atendido quando você me pediu para irmos
embora. Prometo que da próxima vez não
pedirei um motivo, apenas vou atender você.
— Por quê? — Seus braços à minha volta
não me incomodam tanto quanto a confusão que
se instala em minha mente por sua tentativa de
me confortar.
— Porque você não é assim. O jeito como
falou comigo não combina com o que vi de você
até agora. E pra você ter reagido assim, algo ali a
machucou muito, não foi?
Assinto, deixando claro que não vou falar
nada sobre isso, mas ele não insiste. Acaricia
meu rosto e se afasta, fechando a porta atrás de
si. E sinto-me confusa sobre sua atitude, sobre
sua percepção e respeito. Sou muito curiosa, e se
a situação fosse contrária eu insistiria que ele me
dissesse o que o machucou, mas ele não foi
assim. Ele respeitou meu silêncio.
De repente a porta é aberta e ele entra,
penso que esqueceu alguma coisa, mas seus
olhos estão fixos nos meus. Concluo então que
ele vai sim querer saber o que exatamente
aconteceu lá e depois da maneira como o tratei,
ele tem esse direito, só que me sinto cansada
demais para tocar neste assunto agora. Ele coça
a barba procurando uma melhor maneira de
tocar no assunto. Mas me surpreende
completamente quando confessa: — Sinto muito,
eu preciso fazer isso.
Antes que eu possa entender do que está
falando, ele se aproxima a passos rápidos de
mim, segura meu rosto entre suas mãos e me
beija. E ele sabe como beijar uma mulher! Suas
mãos passeiam por meu cabelo, fazendo uma
pressão gostosa na nuca enquanto seus lábios
dominam completamente os meus. Sua língua
invade minha boca sem pedir passagem, e
preciso apoiar meus braços em seu peito para
me equilibrar. Então seus braços descem por
meu corpo e se prendem em minha cintura,
puxando-me mais de encontro ao seu corpo, ele
aprofunda o beijo e passo meus braços por seu
pescoço, em busca de equilíbrio.
Caminhamos devagar em direção a cama, e
quando a sinto tocar minhas pernas, me dou
conta do que ele está fazendo, está me
seduzindo, exatamente como faz com todas as
mulheres que traz aqui. Tento empurrá-lo e ele
entende, pois se afasta um pouco,
interrompendo o beijo, a respiração acelerada
como a minha, ainda me mantendo em seus
braços. Passeia o rosto pelo meu, sua barba
espessa arranhando minha pele e diz com a voz
grave e baixa: — Boa noite, bruxinha, tenha bons
sonhos.
Então ele se afasta de repente e fecha a
porta atrás de si.
Aturdida, visto a roupa que ele me deu e
me enfio sob as cobertas, fito o teto tentando
entender como fui deixar que ele me beijasse
assim. Ajeito os travesseiros ignorando seu
cheiro e adormeço sem encontrar uma resposta.
Tim
Deixo o café da manhã pronto e olho pela
quarta vez o relógio na cozinha, são quase onze e
meia da manhã e ela ainda não acordou. Por
algum motivo, sinto-me ansioso para que
desperte. Embora possa antecipar a conversa
que teremos sobre eu não beijá-la nunca mais.
Me pego sorrindo em antecipação, pois ela
correspondeu ao meu beijo com o mesmo desejo
com que a beijei.
Sabrina é uma mulher linda, inteligente,
confiante e sincera. Um pacote completo. A
presença dela tem me ajudado de maneiras que
sequer sei descrever nas últimas semanas, e
acredito que vamos nos tornar bons amigos um
dia. Mas bem, nunca tive amigas tão bonitas.
Aliás, nunca tive uma amiga assim, que fosse de
uma forma tão próxima, e ao mesmo tempo, tão
distante. Algo apenas baseado em amizade. E
por mais que esteja buscando me tornar uma
pessoa melhor, há muito do velho Tim em mim.
Incluindo o desejo por ela, uma mulher bonita
demais, próxima demais a mim. Por isso o beijo
na madrugada. Apenas para matar a
curiosidade.
Mas confesso que foi maravilhoso.
Entediado, decido acordá-la. Abro devagar
a porta do quarto e a vejo em frente a parede de
vidro, admirando a vista do condomínio onde
moro e a lagoa abaixo. Ela sequer nota minha
presença. Usa uma blusa preta minha que parece
enorme nela e tem o cabelo alaranjado preso
apenas de um lado em um coque torto, enquanto
a outra parte está solta.
— Sabrina? — chamo e ela se vira com um
sorriso imenso no rosto.
— Essa vista é incrível! Se eu morasse em
um lugar como este, passaria todos os meus dias
em frente a essa janela! — comenta animada.
— Sabia que você ia gostar.
Curiosamente, ela é a primeira mulher que
repara de verdade na vista. Também, a primeira
que dormiu neste quarto.
— O café está pronto, você está com fome?
Ela assente e se despede da vista, seguindo-
me escada abaixo até a cozinha. Mal terminamos
o café, ela me olha de maneira mais séria e me
preparo para o que sei que vai falar. Vai me dizer
que não podemos fazer mais isso, e vou
responder que não pretendia mesmo fazer de
novo. Mas então ela me surpreende ao
perguntar: — Por que você me beijou?
Seus olhos marrons estão focados em mim
e não me preparei para responder essa pergunta.
— Você me pediu desculpas antes de fazê-
lo, o que quer dizer que sabia que não devia fazer
isso, mesmo assim fez. Como se fosse uma
necessidade. Por quê?
Penso no que posso responder a ela, e dizer
que foi porque estava curioso de repente não
parece ser exatamente verdade. Parece uma
resposta vazia demais para dar a ela.
— Meu Deus, Sabrina! Acabei de acordar,
não me faça perguntas profundas a essa hora!
Pensei que você viria com o discurso sobre não
podermos mais fazer isso, não que fosse querer
saber o motivo.
— Eu vou chegar nesta parte, você sabe que
não vamos mais fazer isso. Não sou sua
amiguinha de foda, Tim, não sou nem mesmo
sua amiga.
— Vamos nos tornar bons amigos, Sabrina.
Eu sinto isso.
— Pode ser. Mas não coloridos. Nós não
vamos misturar as coisas, nunca mais me beije
de novo.
Assinto. Abro a boca para dizer o que
ensaiei a manhã toda, mas nada sai. Não consigo
olhar seus olhos, esse rosto delicado e perfeito e
dizer que não vou mais fazer isso.
— Prometo tentar — respondo com um
sorriso que claramente a irrita.
— Não é o bastante. Você não respondeu a
minha pergunta. Por que você me beijou?
Encaro esse rosto delicado, que parece
mais irritado do que curioso e simplesmente não
sei a resposta. Foi curiosidade, foi porque ela
estava perto demais, foi por desejo e por muitos
outros motivos que eu não poderia enumerar.
Após pensar algum tempo, dou de ombros,
desistindo de encontrar uma resposta.
— Você quer uma resposta racional para
algo que fiz por desejo. Sinto muito, Sabrina,
mas não tenho uma resposta certa para esta
pergunta.
Percebo algo semelhante a decepção em
seu semblante, mas some tão rápido que não
tenho certeza se estava mesmo ali. Ela desvia os
olhos dos meus, como se nada tivesse
acontecido.
— Então vou adivinhar seu motivo —
provoca.
— Não vai ser difícil — confesso.
Finalmente ela sorri, tenta esconder, mas
vejo em seu rosto que não está brava com a
situação, apenas está se precavendo.
— Você me beijou porque sou mulher e
estava perto demais de você. Sem motivo que
justifique, apenas você sendo você.
— Também, mas faltou dizer que foi
também porque você é muito linda e eu estava
ficando louco de curiosidade sobre seu beijo.
Seu rosto atinge aquele tom vermelho que
adoro e ela fica sem graça, desvia os olhos dos
meus e se levanta, procurando sua roupa.
— Molhada no chão do lavabo,
provavelmente, onde você a deixou — digo para
irritá-la.
Ela solta um palavrão e sai resmungando
que sou incompetente. E aproveito para ir à
secadora pegar a roupa que lavei e coloquei para
secar. Pouco depois ela volta com cara de poucos
amigos e estendo a roupa para ela.
— Que perfume você usa? — pergunto
enquanto ela puxa as peças da minha mão.
— Nenhum, perfumes me dão alergia —
responde o que tenho certeza que é uma
mentira, antes de voltar ao lavabo para se vestir.
É claro que usa algum perfume, um
delicado, não é doce demais e é bem suave. Um
que não conheço, e tenho certo conhecimento
sobre perfumes femininos.
Pouco depois, passa por mim vestida, e
sequer olha para mim quando diz “obrigada pela
estadia e tchau” nem me dando a chance de levá-
la em casa.
Ayla finalmente voltou à empresa esta
manhã. A expressão cansada e desconfiada é um
reflexo perfeito do que guarda dentro de si. O
cansaço pelo segundo mês em que tem vivido
naquele hospital e o medo do que a aguarda à
frente da empresa no lugar de Eros. Enquanto
Andrea a abraça e diz palavras de carinho para
acalmá-la, Sabrina me puxa em um canto
preocupada.
— Se a Louisa ousar falar com a Ayla
qualquer coisa ao menos parecida com o que
disse aquele dia, não respondo por mim. Eu juro
que a mato!
Quero rir de seu olhar assassino e sua
preocupação, mas seguro sua mão e decido
apenas tranquilizá-la.
— Não se preocupe, ela foi muito bem
avisada. Sequer vai chegar perto da Ayla.
As pessoas começam a se aproximar de
Ayla para cumprimentá-la, a grande maioria
com palavras de carinho, dizendo que Eros logo
vai acordar, que tudo vai ficar bem. E me sinto
aliviado pela boa recepção, pois sei que este é
um passo difícil demais para ela.
— É tão estranho voltar aqui sem ele —
comenta enquanto caminhamos até a sala dele,
que será dela por enquanto.
— Você quer dizer que é difícil, não é?
Também foi assim para mim, ainda é, na
verdade, não querendo desanimá-la. Mas vamos
pensar positivo, na próxima vez que voltar aqui,
você virá com ele.
Ela sorri e observo Louisa conversando
com Raquel, assim como algumas pessoas em
volta delas que fazem caretas quando Ayla passa.
Convocamos uma reunião onde explico que até
que Eros se recupere, Ayla estará à frente da
empresa e que precisará do apoio de todos nós
para isso. É aí que Raquel abre a boca para dizer
o que Louisa não pode dizer por estar muito bem
avisada: — E o golpe deu mesmo certo, vai se
sentar na cadeira do chefe.
Ayla dirige a ela um olhar cansado apenas e
sequer responde, deixando a sala. Lanço a
Louisa meu olhar de advertência, porque sei que
isso partiu dela, e pego Sabrina pelo braço, a
arrastando para fora da sala antes que essa
pequena reunião acabe em caso de polícia.
— Você precisa se controlar! — ralho com
ela. — Vai deixar a Ayla pior se perder o
controle.
— Eu sei! Apenas por isso não acertei um
tapa na cara daquela lá também. O que é isso,
agora? Louisa está recrutando seguidores?
— É o que parece.
Ela se solta do meu aperto e parece muito
séria quando me adverte: — Eu vou matá-la.
Estou apenas te avisando de antemão, vou matar
a Louisa e não vai demorar.
— Eu a demitiria se pudesse, Sabrina, mas
a tia dela é minha empregada em casa. Prometi
ajudá-la, a tia tem muita esperança neste
emprego. Só posso demiti-la se ela desobedecer
ao meu aviso.
Ela cruza os braços como se desconfiasse
da minha palavra.
— E de repente você é tão bonzinho, não é?
— O que quer dizer esse tom de ironia em
sua voz?
— Você não se preocupou com a pobre tia
quando levou a sobrinha vaca dela pra cama! Em
nenhuma das vezes!
Não consigo impedir o sorriso que surge
em meu rosto, o que parece deixá-la
completamente sem graça.
— Você está com ciúmes, Sabrina?
Ela parece tão indignada que gagueja antes
de conseguir formular uma resposta. E antes que
o faça, avisto um movimento pelo canto do olho.
Vejo Louisa parada na frente de Ayla, algumas
pastas estão no chão entre elas, e deixo Sabrina
para verificar o que está havendo. Ayla apenas se
abaixa e pega os papéis e Louisa foge antes que
eu consiga alcançá-la. Se ela jogou esses papéis
de propósito, vai se ver comigo. Sabrina ajuda
Ayla a pegá-los e a segue até a sala de Eros, onde
os outros dois arquitetos da empresa a
aguardam para que concluam dois projetos
atrasados. Embora Sabrina não seja assistente
de Ayla, não deixa a sala dela e quando vejo pela
parede de vidro sua expressão tornando-se cada
vez mais zangada, decido acompanhar a reunião.
Não queria ter que fazer isso, queria deixar
Ayla livre, sem sentir que está sendo vigiada,
mas parece que algumas pessoas não entendem
a posição dela aqui. Monteiro, um de nossos
arquitetos, está sendo desagradável com ela
propositalmente. Ao término da reunião, nada
está esclarecido, pois ele se recusou a ajudar. E
Ayla pede que a deixemos sozinha para que
possa fazer os esboços dos projetos conseguidos
por Eros.

Uma rodinha de funcionárias está


concentrada na copa quando me aproximo.
— Meninas, quem de vocês quer ser
assistente da Ayla por esses dias? É só até o Eros
voltar.
Todas se oferecem e estou prestes a
escolher Lorena, quando me lembro de Sabrina
ter comentado que ela foi hostil com Ayla na
festa do Eros, então encaro Sabrina, em um
canto, lavando algumas xícaras e ela entende
onde quero chegar. Aproxima-se e observa cada
uma delas, então diz: — Eu vou ser a assistente
dela, não se preocupe.
Concordo com um gesto de cabeça, e
Lorena protesta baixinho quando me viro para
deixar a copa: — Claro! Vai pelo mesmo caminho
da amiga assassina, daqui a pouco está com o
outro chefe e algum acidente acontece com ele.
Lanço um olhar para Sabrina, lembrando-a
que deve se controlar para que esse tipo de coisa
não chegue aos ouvidos de Ayla e anoto o
segundo nome na minha folha.

Ao final da tarde, aproximo-me de Bruna,


minha segunda assistente e entrego a ela a folha
com os nomes de Lorena e Raquel.
— Bruna, vá ao RH e diga a Andrea para
providenciar as demissões dessas duas
funcionárias. Não as quero aqui amanhã mais.
Não deixe ninguém ficar sabendo, tudo bem?
Ela assente e vai imediatamente cumprir
minha ordem. Quando me viro, Sabrina está
aqui observando-me.
— Quais os nomes naquela folha?
— Lorena e Raquel — respondo baixinho.
Um sorriso lindo surge em seu rosto e ela
me abraça, num gesto inédito dela. Afasta-se
rapidamente ao perceber que estamos sendo
observados, mas o sorriso ainda está ali. Um
sorriso carregado de alívio.
— Obrigada — diz baixinho e se vira para ir
até Ayla, mas seguro sua mão.
— Sabrina, é melhor que Ayla não saiba
disso.
Ela assente e solta a mão da minha indo até
sua amiga.

Quando chegamos ao quarto de Eros, Ayla


se aproxima e chama por ele, como sempre, mas
ele não tem qualquer reação. Ela coloca suas
coisas sobre a poltrona ao lado da cama e tento
mais uma vez fazê-la mudar de ideia: — Por que
você não vai pra casa esta noite? Apenas esta
noite. Descanse, tome um banho demorado e
durma um pouco.
— Não precisa, eu tenho dormido bem —
garante e parece pensativa logo depois. — Eles
acham que eu fiz isso, não é? Acham que me
casei com ele e dei um jeito de apagá-lo —
comenta olhando para a mão de Eros na sua.
— Ninguém acha isso, apenas a Louisa, é
coisa dela. Você conhece a Louisa e sua maldade,
não tem que se preocupar.
— Eu terei que ir à empresa mais vezes?
É nítido que não quer fazer isso, e sinto-me
culpado por não poder ajudá-la mais.
— Acho que sim, sinto muito, Ayla. Os
clientes adoraram a planta que você fez, mas
você sabe, isso é apenas o primeiro passo, você
precisa terminar este projeto. Foi como eu havia
dito a você, você e Eros são bem parecidos. Você
captou o que ele havia prometido a eles muito
bem.
— Que bom!
Ela se levanta e não olha em meus olhos ao
passar por mim.
— Vou fazer um café, trago para você?
— Por favor.
Assim que a porta se fecha atrás dela, me
certifico que nenhuma enfermeira está passando
pelo corredor e sento-me na cama, ao lado do
meu irmão. Chamo seu nome baixo uma vez,
mais alto na segunda e o sacudo na terceira.
— Acorda! Abra esses olhos! Eros, espero
ao menos que esteja ouvindo tudo o que
acontece à sua volta e esteja ciente do que ela
está passando por você, enquanto você foge!
Abra esses olhos e a enfrente! Me enfrente!
Chega de fugir!
— Não é culpa dele — a voz de Ayla diz
atrás de mim. — Esqueci meu celular e a Atena
vai me ligar daqui a pouco. Ela liga todos os dias
no mesmo horário.
Ela pega o aparelho na bolsa e me sinto
envergonhado em olhar em seus olhos após a
pequena bronca que dei em Eros.
— Também não é culpa sua, Tim. Você
parece cansado demais, devia sair um pouco.
Você devia chamar o Nico e o Tulio, estiveram
aqui ontem e parecem tão mal quanto você. Vá a
algum lugar onde costumavam ir, bebam um
pouco, conversem, vai fazer bem a vocês.
— Não podemos sair e beber como se tudo
estivesse bem.
— Tudo está bem. Ele está vivo! A
gravidade do acidente que teve, ele poderia... Ele
vai acordar em breve, não há motivos para parar
sua vida enquanto isso não acontece. Não
precisamos de dois Reymond apenas
sobrevivendo, não é?
Seguro sua mão e sorrio para tranquilizá-
la.
— Ayla, meu irmão tem tanta sorte por tê-
la!
— Me prometa que vai sair! Atena está
muito preocupada com você, não precisamos dar
a ela mais preocupações, certo?
— Certo, sua pequena chantagista. Prometo
que vou fazer isso.
Ela sorri e deixa o quarto, mas volta
segundos depois e me adverte: — Se for brigar
com ele, por favor tome cuidado. Ele está com o
acesso na mão e é doloroso para colocar de novo
caso saia. Não o sacuda, tudo bem?
Sorrio, sentindo-me um menino travesso.
— Tudo bem, Ayla, não irei mais sacudi-lo.
Ela se afasta e me pego rezando baixinho
para que tudo isso acabe logo.

Quando a sexta-feira chega, as coisas estão


mais calmas. Ayla veio a empresa a semana toda
e quase toda resistência que haviam
demonstrado a ela no começo da semana, não
existe mais. Exceto uns três funcionários que
estou observando, todos a obedecem e respeitam
como sua superior. Ajudou bastante os projetos
iniciados por ela, que foram aprovados pelos
clientes que haviam assinado com Eros, o que
fez com que ela ganhasse o respeito de muitos
aqui dentro.
Mas ainda estou de olho na Louisa, estou
esperando um deslize para colocá-la em seu
devido lugar. Porém, ou ela está mesmo
mantendo distância da Ayla como ordenei, ou
está fazendo tudo pelas minhas costas. E este
pode ser o motivo de Sabrina estar circulando
em volta de Ayla como um guarda-costas. Está
tão junto da minha cunhada que sequer consegui
encontrá-la sozinha durante a semana para
conversarmos. E uma parte minha sente falta da
sinceridade afiada dela.
Uma mensagem de Nico me pega
totalmente de surpresa. Embora tenha
prometido a Ayla e a mamãe que iria chamar os
rapazes para um descanso, ainda não senti
vontade de fazê-lo. Então eles o fizeram
primeiro. A mensagem de Tulio chega logo
depois, quase idêntica a de Nico, marcando o
encontro no barzinho de sempre, próximo a
empresa. Acabo confirmando para cumprir
minha promessa. Aproveito a deixa e desisto de
esperar Sabrina ficar sozinha para chamá-la para
sair. Entro na sala onde ela e Ayla comentam
sobre um revestimento e digo: — Vou sair com
os rapazes hoje, Ayla, como prometi. E Sabrina,
talvez você pudesse vir comigo, para você sabe,
me dar conselhos.
— Haverá mulheres nesse bar? — pergunta
sem desviar os olhos do laptop à sua frente.
— Sim. Algumas. Muitas, na verdade.
— Tudo bem.
Ela aceita tão rápido que por alguns
segundos fico observando-a, ao que ela faz uma
careta ao se dar conta da minha descrença.
— Eu ia de qualquer jeito, Tulio já tinha me
convidado — explica.
— Tulio? Meu amigo Tulio? Quando ele a
convidou?
— Quando eu liguei para ele e dei a ideia de
ele convidar você para sair hoje.
— Então isso é coisa sua. Entendi. Desde
quando você e o Tulio se conhecem?
Ela me olha impaciente e não diz nada,
Ayla também tem os olhos cravados em mim, e
me sinto de repente sendo avaliado pelas duas.
Então apenas dou de ombros e saio da sala, mas
volto pouco depois apenas para confirmar.
— Ele virá buscá-la ou você pode ir
comigo?
— Eu vou com você, se não for agir dessa
maneira estranha no caminho.
Concordo e passo o resto do dia tentando
me lembrar onde eles podem ter se conhecido.

A noite está mais fria do que nos últimos


dias, e tenho certeza que a pequena bruxa ao
meu lado sentirá frio com o casaco fino que está
usando. Ligo o rádio no carro porque ela está
olhando pela janela desde que entrou aqui,
deixando claro que não quer conversar. “O cacto
e o balão” está tocando no rádio, e não demora
trinta segundos para que ela mude a estação até
encontrar uma música eletrônica.
— Você não gosta de músicas românticas,
não é? — observo rindo.
— Não gosto de músicas lentas.
— Por que não? Você deve ser a primeira
mulher que não gosta de músicas assim,
melosas.
— Elas me deixam pra baixo. Não sei
explicar, a música fala muito comigo, e essas
músicas lentinhas me dão a sensação de tristeza,
acabo ficando triste. Por isso as detesto, música
tem que ser alegre, barulhenta, tem que deixar
meu espírito agitado e empolgado.
Observo seu sorriso contido, seu jeito sem
graça por ter confessado isso e começo a pensar
no quanto sobre ela ainda não sei. Ela é tão
direta e até sincera demais para falar sobre mim,
mas quase nunca se abre sobre ela.
— Então se o seu namorado for fazer uma
serenata para você... — ela me corta com uma
careta que me faz rir.
— Ele não seria meu namorado se pensasse
em uma ideia ridícula dessa!
— Você não faz o tipo romântica então. Que
pena!
Paro o carro no estacionamento do
barzinho e ela me olha curiosa.
— Que pena por quê?
— Quando você se apaixonar vai ser do tipo
melosa, romântica e todas essas coisas que
detesta. É sempre assim, o amor te vira do
avesso. Se eu fosse você, começaria a guardar de
boa vontade as flores que o Uli te manda.
— Ah, cale essa boca! — ralha descendo do
carro e batendo a maldita porta.

Nico e Selina estão na nossa mesa de


sempre, aproximo-me com Sabrina que os
cumprimenta como se os conhecesse. E então
me dou conta de onde ela conhece Tulio, o
casamento do Eros e da Ayla. Os cumprimento e
sou obrigado a aturar o olhar questionador de
Nico sobre mim. Ele desvia os olhos de mim
para Sabrina e um sorriso idiota surge em seu
rosto, imediatamente nego com a cabeça, o que
só faz aumentar seu sorriso. Tulio chega pouco
depois, parece sequer nos ver aqui, indo direto
até Sabrina. Ele beija sua mão e senta-se ao lado
dela, forçando-me a me apertar no banco
pequeno.
— Tulio, por que você não senta em outro
lugar? Puxa uma cadeira — peço.
— Ah, não, obrigado. Aqui está ótimo.
Os dois iniciam uma conversa sobre
receitas de bolos e descubro assim que ela
realmente ama cozinhar, e que é formada em
gastronomia. Jamais teria adivinhado isso.
Selina começa a conversar comigo, mas mal
presto atenção ao que diz, porque estou
concentrado no que Sabrina fala animadamente
com Tulio. E fico me perguntando por que ela
está se abrindo tanto com ele. Descobri mais
coisas sobre ela nessa última hora, do que nos
três meses em que temos convivido todos os
dias.
— Vocês já saíram juntos? — pergunto de
repente interrompendo Tulio. — Digo, depois do
casamento.
— Uma vez — ele confirma. — Mas essa
garota sabe ser difícil. Tirá-la de casa é quase um
milagre.
Eles voltam a conversar como se o resto de
nós não estivesse nessa mesma mesa, e apenas
quando ouço o nome de Eros é que consigo
prestar atenção ao que Nico está falando.
— Pensei que você fosse ficar calado, com
toda sua culpa a noite toda nesse canto, Tim,
mas parece que a amiga da Ayla conseguiu
distrai-lo da ausência do seu irmão.
Seu tom zombeteiro não passa
despercebido e noto que o filho de uma mãe está
segurando o riso.
— Nada me distrai da ausência dele,
infelizmente. Menos ainda o que está sugerindo,
Nico.
— Ele vai acordar logo — Selina diz
confiante.
— Tenho certeza disso — concordo, soando
realmente mais esperançoso do que me sinto na
verdade. — Então vocês estão se pegando desde
o casamento? — pergunto para Tulio e a
conversinha deles cessa.
— Não estamos nos pegando — Sabrina
responde calmamente. — Não sou um objeto
para ser pega. É horrível falar de uma mulher
como se ela fosse o relógio que você pega na
gaveta todas as manhãs.
— Estão em um relacionamento então? —
insisto.
— Amizade se qualifica como um
relacionamento, então sim.
— Você entendeu o que estou perguntando,
Sabrina, responda.
— Já respondi. Há uma mulher loira na
mesa da frente que não para de olhar para você.
Observo a bela mulher dando risinhos
enquanto me observa e volto o olhar para a ruiva
ao meu lado.
— O que quer que eu faça?
— Eu? Nada! Seja você! O que faria
normalmente? Vá e faça melhor.
— Conversar com ela, conhecê-la melhor,
certo?
Ela assente e deixo a mesa para conversar
com a mulher. Mas como eu posso conhecê-la
melhor em uma conversa de bar? Que tipo de
coisa poderia perguntar a ela? Dou meia volta e
pego Sabrina pela mão.
— Dança comigo?
Ela parece entender a confusão em meu
rosto, pois pede licença a Tulio e me acompanha.
Alguns casais dançam ao nosso redor, mas isso
não me impede de perguntar a ela: — Que tipo
de coisa eu perguntaria para conhecer alguém
melhor?
— Como eu vou saber? O que é importante
que a mulher da sua vida tenha? Vá e pergunte
sobre isso!
— Não posso me sentar ao lado dela e
dizer: oi, boa noite, você é sincera ou uma falsa?
Ela ri alto e se desculpa com o casal de trás,
em quem esbarramos.
— Acho que estamos lentos demais, a
música é agitada. Tim, não tenho um manual
para isso, não sou especialista em conhecer
mulheres. Apenas sente-se lá e tente conversar
antes de beijá-la, o assunto vai surgir, vão
descobrir coisas em comum e uma coisa leva a
outra. Você não tem que chegar já
traumatizando a pobrezinha. Aliás, me chamar
para dançar após insinuar que iria até ela, foi
uma péssima maneira de começar algo.
— Você estragou alguma coisa em mim,
Sabrina.
— Do que está falando?
— O Tim normal iria até ela e pronto, ele
não ficaria se perguntando o que falar ou como
agir, feito um adolescente bobo. Estou me
sentindo o Ulisses, daqui a pouco começo a te
mandar flores.
A careta dela é tão engraçada que me faz
rir.
— Você está pensando demais no que dizer
para não assustá-la, não é? Isso é um progresso,
Tim! Um progresso enorme, na verdade! Parece
que um pouco do seu egoísmo se foi.
Esbarramos em outro casal e a giro,
surpreendendo-a. Ela ri alto mais uma vez e se
sente um pouco tonta por conta dos coquetéis
que bebeu desde que chegamos.
— Você está bem? — pergunto segurando
seu rosto nas mãos para ter certeza de que pode
se manter de pé.
— Minha vez, amigo — a voz de Tulio me
faz soltá-la e ela segura a mão dele, rindo de algo
que ele diz enquanto volto para a mesa.
Por algum motivo, apesar de ter chamado
outra para dançar, a loira da mesa da frente
continua me olhando. E por algum motivo, não
tenho a menor vontade de conhecê-la melhor.
Não é ela, posso saber isso apenas observando-a.
Mesmo assim, algum tempo depois, ela se
aproxima da nossa mesa e pergunta se pode se
sentar. Conversa algo com Selina, mas sequer
presto atenção ao seu nome.
Ela pede meu telefone e o passo para ela,
normalmente eu a beijaria, no mínimo pegaria
seu telefone de volta e prometeria entrar em
contato, mas não faço nada disso. Agora que
estou focado em encontrar a mulher certa,
parece que não tem graça se sei que é a errada.
Ela deixa a mesa um tempo depois e Nico
tem um sorriso enorme direcionado a mim: —
Vivi para ver Tim Reymond dispensando uma
mulher bonita. Só posso imaginar um motivo
para isso.
— Eros é meu motivo — respondo.
— Vai se enganando, amigo. É exatamente
assim que começa uma paixão dessas de tirar
seu sono. Nas desculpas para não ficar com
outra.
— Isso é o que estou buscando, mas ainda
não a encontrei. E não foi uma desculpa, você
sabe.
Ele olha para a pista, Sabrina e Tulio estão
se aproximando da mesa, e Selina o adverte: —
Não é o momento para isso, amor. Deixe-o em
paz!
Sabrina vem direto até mim e aproxima-se
do meu ouvido para que ninguém mais ouça o
que vai dizer.
— O que aconteceu? Por que ela saiu daqui
tão rápido?
— Não era ela.
— Vocês conversaram, então? Você não
perguntou para ela se é uma falsa, não é?
— Não conversamos, não era ela, Sabrina,
eu soube apenas de olhá-la.
Ela parece confusa.
— O que exatamente não te agradou nela?
Olho seu rosto preocupado e a resposta que
vem em minha mente me assusta. Respiro fundo
clareando meus pensamentos e consigo então
responder.
— A roupa, brilhos demais, não gosto de
mulheres que saem para chamar atenção.
Ela parece tão decepcionada, que só posso
imaginar como reagiria se eu tivesse respondido
o que realmente veio à minha mente com sua
pergunta. Ela assente, como se não pudesse
esperar mais do que isso de mim e pelo resto da
noite não volta a falar comigo.
Quando decidimos ir embora, ela avisa que
vai com Tulio, só não me diz pra onde.

Deito na cama fria praguejando por não ter


acendido a lareira antes, a tempo de aquecer o
quarto antes de eu decidir dormir. Também,
nunca durmo a essa hora, tão cedo. É que não há
mais nada a fazer na minha casa. Meu celular
apita pela sexta vez uma mensagem de Tulio, ele
está mesmo interessado na Sabrina. Cansado de
ignorá-lo, respondo com o número do celular
dela, que sei que ele tem e em letras garrafais o
advirto:
FALE COM ELA, NÃO SOU A PORRA
DE UMA RECEPCIONISTA PRA FICAR
DANDO INFORMAÇÕES.

Quando meu celular toca, já o pego irritado


pensando ser Tulio com mais uma de suas
gracinhas, mas é mamãe. E ela me dá a noticia
de que Ayla teve um pequeno incidente no
hospital, mas passa bem. Visto-me
imediatamente e vou para lá.
Demora um pouco para que eu consiga
entrar, pois Ayla não está internada, e embora já
praticamente faça parte da equipe do hospital,
Sabrina está com ela, de forma que Eros tem, no
momento, duas acompanhantes quando não
devia ter nenhuma. Por fim, jurando ser o mais
breve possível em minha visita, consigo
permissão para vê-la por apenas dez minutos.
— Ayla, o que você...
Ela faz um sinal para que eu fale baixo e
aponta Sabrina dormindo desajeitada em uma
poltrona.
— Não foi nada demais, eu disse a Atena
para não o preocupar por nada. Estava fazendo o
café e a cafeteira explodiu. Mas não me
machuquei, não foi nada sério, apenas um corte
— explica mostrando o curativo no ombro.
— Por que essas coisas sempre acontecem
com você?
Ela dá de ombros e lança a Eros um olhar
melancólico.
— Vai passar assim que ele acordar. Mas
bem, acho que não vão me deixar fazer café aqui
por um bom tempo.
— Você não precisa de nada? Só me
deixaram ficar por dez minutos.
— Na verdade, eu gostaria que você a
levasse pra casa. Ela insistiu em ficar aqui
comigo caso algum incidente aconteça. Mas não
posso permitir que passe a noite desconfortável
como está.
Olho para a figura de Sabrina dormindo
profundamente apesar da posição
desconfortável e concordo.
— Na verdade, posso fazer uma lista com
mil outros incidentes que podem ocorrer com
você aqui, mas bem, nenhum que ela possa
impedir.
— Foi o que disse a ela.
— Vamos acordá-la?
— Boa sorte! Sabrina quando dorme,
desmaia. Tente acordá-la.
Aproximo-me e chamo seu nome baixinho,
depois um pouco mais alto e ela nem se mexe.
Então a pego nos braços e despeço-me de Ayla
confirmando que sei onde ela mora.
A acomodo no carro e fico pasmo com o
fato de ela não acordar apesar dos movimentos
que fiz com ela nos braços. Dorme com um
sorriso tímido, como se estivesse tendo bons
sonhos. E ao invés de levá-la até sua casa, acabo
levando-a à minha. Me ocorre que a família dela
provavelmente já sabe que ela vai dormir com
Ayla e talvez tenha um pai bravo que não vai
gostar de vê-la chegando tão tarde nos braços de
um desconhecido.
Subo as escadas devagar com medo que
desperte e a deposito na minha cama. Eu deveria
tê-la levado ao quarto de hóspedes, mas como na
outra noite, não parece certo acomodá-la lá. Tiro
seus sapatos, seus brincos e anéis e a cubro com
minha coberta. Acendo a lareira, troco de roupa
e deito-me ao seu lado. Não sou obrigado a
dormir em outro quarto numa noite fria, afinal,
estou fazendo um favor a ela.
Pela luz fraca da lareira, observo seu rosto
delicado, sorrindo do quanto ela parece serena
enquanto dorme, sequer lembra o furacão que é
quando está acordada, e adormeço mais rápido
do que gostaria.
De repente, um grito me acorda no susto e
algo bate repetidas vezes em mim. Um corpo
pula sobre o meu e unhas grandes demais
arranham meu rosto. Só preciso conseguir
acender a luz para que tudo se esclareça, mas
para isso, preciso tirá-la de cima de mim sem
machucá-la.
— Assassino! Sequestrador! Me solta! — ela
grita desesperada e a situação é tão incomum
que começo a rir. Rio alto, como não fazia há
semanas, e minha risada faz com que ela
reconheça minha voz, pois para de me bater e
permite que eu acenda a luz.
E meu riso some quando a vejo por cima de
mim, descabelada, o rosto tingido de vermelho, a
respiração acelerada, tão linda que não consigo
deixar de olhá-la. Seguro sua cintura para que
ela não saia de cima de mim e torço baixinho
que fique quietinha aqui enquanto explico a ela
como ela veio parar aqui.
Sabrina
Meu colchão de repente parece macio
demais! O cheiro da minha coberta é diferente,
delicioso, quase como um perfume masculino.
Algo quente e firme está sobre meus braços,
prendendo-me a um corpo igualmente quente e
firme. A respiração leve em meu pescoço me faz
abrir os olhos, mas está escuro demais para que
veja alguma coisa. Viro-me devagar e a única
coisa que consigo enxergar é um fogo baixo,
acho que de uma lareira. Mas de onde ela saiu?
Só então percebo que não estou no meu quarto e
pior, há alguém dormindo ao meu lado.
Fui sequestrada, como conseguiram me
pegar em um hospital? Isso é culpa do meu pai,
querem o dinheiro dele, tenho certeza!
Mexendo-me com todo cuidado, toco
levemente a pessoa ao meu lado e percebo que é
um homem. Um homem dormindo comigo.
Preciso respirar fundo algumas vezes. Não
arrisco descer da cama porque não é possível ver
nada do chão, não sei onde poderia pisar ou que
barulho poderia fazer, nem mesmo se há mais
alguém fora dessa cama. Procuro uma porta, ou
janela, mas não dá para ver nada. E
estranhamente, parece que conheço este lugar,
este colchão macio, o cheiro nas cobertas.
O homem ao meu lado se mexe,
imediatamente pulo sobre ele e começo a bater
em seu peito. Ele precisa saber que vou dar
trabalho caso me mantenha aqui contra a minha
vontade. Alcanço seu rosto e cravo as unhas com
o máximo de força que consigo. E o filho de uma
mãe assassino e sequestrador, começa a rir. E
então o som de sua risada me faz finalmente
entender a sensação de familiaridade com a
cama.
É Tim. Por algum motivo estou em seu
quarto, em sua cama, com ele.
Ele acende a luz e posso ver seu sorriso, os
olhos pequenos de sono e os arranhões
horrorosos que fiz nele. Quero perguntar como
vim parar aqui, quero socá-lo por estar na cama
comigo, mas suas mãos me prendem pela
cintura e minha voz parece não sair. Seu sorriso
some, ele me encara de maneira intensa, penso
que decidindo o que fazer comigo, uma vez que o
agredi, provavelmente de maneira gratuita.
— Juro que não sou agressiva
normalmente — defendo-me.
— Não parece. Você está constantemente
ameaçando bater em alguém. Ameaçando matar
também. E pelo ardor em meu rosto fez a mesma
coisa aqui do que fez em meu pulso aquele dia,
não é?
Concordo completamente sem graça.
— Está bem feio, na verdade — confesso
baixinho.
— Acho que já disse pra você cortar essas
unhas — ralha e isso me irrita.
— Bem, isso não teria acontecido se você
não estivesse deitado na cama comigo! O que
estava pensando? Aliás, como eu vim parar
aqui?
— Fui ver a Ayla no hospital, você estava
desmaiada toda torta em uma poltrona, ela me
pediu que te levasse para casa.
Olho em volta seu grande e elegante quarto
com uma careta.
— Isso aqui é a minha casa? A culpa desses
arranhões é sua! Você me sequestrou! — grito.
— Não é sequestro quando sua melhor
amiga me mandou trazê-la! — ele grita de volta.
— Esta não é a minha casa!
— Estava muito tarde e você não acordava!
Não quis arriscar arranjar briga com seu pai por
levá-la quase desmaiada à sua casa tão tarde,
você devia me agradecer!
— Eu não tenho pai! E essa desculpa é
ridícula!
Ele revira os olhos, tão irritado quanto eu
quando não tem o menor direito de se irritar
comigo, uma vez que me trouxe aqui sem o meu
consentimento.
— E como eu ia saber disso? A culpa por
isso é sua, por dormir feito uma pedra. Aliás, por
que você acordou? Ainda nem são quatro da
manhã! Volte a dormir!
Tento sair de cima dele, mas suas mãos
estão firmes em minha cintura.
— Tire as mãos de mim! Não vou dormir na
cama com você! Ficou maluco?
Ele me solta e se levanta, avaliando o rosto
no espelho e resmungando um palavrão.
— Você preferia que eu a tivesse levado
para o quarto de hóspedes? — pergunta ainda
avaliando os arranhões em seu rosto.
— Preferia que tivesse me deixado no
hospital!
— Ayla não me deu essa opção,
infelizmente! — responde olhando para mim
finalmente, não parece mais irritado, na
verdade, parece estar contendo um sorriso.
— Então que me levasse pra casa!
— Eu já disse porque não a levei!
— Só que não me convenceu!
Ele se aproxima rapidamente, parando seu
rosto a centímetros do meu, as mãos apoiadas
no colchão. Mas não cedo, o encaro de volta
deixando claro que ele está errado e não vou
ceder.
— Não se preocupe, Sabrina, eu só toquei
você o estritamente necessário.
— Então por que você deitou aqui comigo?
Por que não foi para o outro quarto?
— Porque estava frio, esta é minha cama e
não sou obrigado a sair dela!
— Você se aproveitou do meu sono!
Ele ri, avalia meu rosto que provavelmente
está vermelho pelo quanto estou irritada e se
afasta, abrindo a porta. Penso que vai para outro
quarto, quando ele diz: — Vou fazer um chá
calmante para você. Ninguém merece essa
gritaria nos ouvidos a essa hora da madrugada.
— Não vou beber nada do que você trouxer!
Ele some escada abaixo e me sinto
completamente irritada. Penso em ir embora,
mas ele está certo, são quase quatro da manhã e
eu teria que ser louca para sair a essa hora.
Penso então em ir para o maldito quarto de
hóspedes, mas só de imaginar o que ele já deve
ter feito lá!
Preciso convencê-lo a dormir em outro
quarto e me deixar aqui sozinha, mas como?
Então a ideia me vem, e é tão óbvia! Odeio
dividir cama, eu não durmo com ninguém,
nunca! Meu sono é sagrado e qualquer outra
pessoa perto demais de mim enquanto durmo,
me incomoda. Me enrolo então na coberta dele e
deito atravessada no meio da cama. De forma
que não vai caber ele aqui.
Fecho os olhos e finjo dormir quando ele
entra. Noto que seus passos se tornam mais
leves, ele está tentando não me acordar. Sinto
seu peso na cama, em lugares diferentes,
provavelmente procurando uma maneira de se
encaixar aqui. Logo, vai perceber que não tem
como e vai dormir em outro quarto para não me
acordar. Preciso conter meu sorriso da vitória.
O colchão volta a afundar perto de onde
está minha cabeça e de repente, o imbecil grita
no meu ouvido: — Sabrina!
Levanto-me assustada e prestes a matá-lo.
— Se eu estivesse mesmo dormindo... —
começo a ameaçar e ele ri.
Dá a volta na cama, pega a xícara no
criado-mudo e a estende para mim.
— Se estivesse mesmo dormindo, pelo que
percebi, não teria acordado. De forma que eu só
seria desagradável gritando em seu ouvido se
você estivesse me enganando.
Ele pega uma xícara para si e vai para
dentro do closet. Bebo o chá o mais rápido que
posso, queimando a língua no processo para
voltar ao meu plano anterior. Não importa se
estarei acordada, ele não vai me tirar da posição
em que vou me prostrar em sua cama.
— Você tem irmãos? — Tim pergunta de
dentro do closet.
— Não.
— Então é só você e sua mãe na sua casa? O
que houve com seu pai?
— Não quero falar disso agora e menos
ainda com você.
— Talvez você queira conversar um pouco
para se acalmar. Ou até que tenha sono
novamente.
— Não, obrigada. Eu sou bastante calma, e
na verdade já estou com sono.
Coloco a xícara sobre o criado e afago
minha língua com as pontas dos dedos, tentando
aliviar a sensação de queimado. Então volto a
me embrulhar na coberta e deito no meio da
cama.
— Quem você viu no restaurante aquela
noite que a fez fugir? — pergunta Tim voltando
ao quarto. Para quando vê a posição em que
estou e sorri.
— Ninguém, boa noite.
Ele se senta na ponta da cama e toma seu
chá devagar, o que me irrita. Ele devia queimar a
língua também.
— Agradeço seu cuidado comigo, Tim, mas
não era necessário. Sinto muito pelo seu rosto.
— Isso está ardendo pra caralho — diz de
maneira calma.
— Ficarão marcas lindas aí, provavelmente
— provoco e ele apenas sorri.
— Eu imaginei. Você sempre dá um jeito de
me marcar.
— Não sei do que está falando.
Fecho os olhos para que ele entenda que
estou com sono, mas quando ouço seus passos,
abro apenas um e o observo. Ele deposita a
xícara sobre o criado e muda o fogo da lareira
para um mais forte. Agradeço internamente
porque realmente está bem frio. Volta ao closet e
retorna com outra coberta e fecho os olhos,
satisfeita por ele ir para outro quarto. Mas sinto
seu peso na cama pouco antes de ele pedir: —
Deite-se como uma pessoa normal, ocupando
apenas um lugar na cama.
— Sinto muito, eu durmo assim —
respondo sem abrir os olhos.
— Mas você não estava dormindo assim
minutos atrás.
— Porque eu não sabia que estava em uma
cama. Agora que sei, vou dormir assim.
— Sabrina! Estou cansado, está frio, não
vai me caber aí se você continuar assim!
— Não posso fazer nada! Meu sono é
sagrado, eu durmo assim e não vou passar o
resto da noite em claro em uma posição que não
gosto só pra você caber na cama!
Por algum tempo ele fica em silêncio e
penso que está segurando o que quer me
responder para não ser rude. Também penso
que ele vai desistir de brigar na madrugada e
procurar outro quarto, mas ele levanta minhas
pernas de repente.
— O que está fazendo?
— Me ajeitando.
Ele deita na cama como se eu não estivesse
aqui, e deixa minhas pernas sobre sua barriga.
Espero um pouco para que ele perceba que o
peso das minhas pernas vai atrapalhá-lo de
dormir, mas isso não acontece. Fica tão quieto
que penso que até já dormiu.
— Não quero dormir com nenhuma parte
do meu corpo tocando você! — reclamo.
— Não é problema meu, você sabe onde
fica o outro quarto, e também sabe o que
acontece lá, se quiser ir para lá, vá. E se quiser
ficar, pode ficar. Pode dormir como quiser, até
no teto se quiser, eu vou dormir aqui. Boa noite!
— Mas...
Ele respira mais alto em um resmungo,
deixando claro que não vai mais conversar e
mantenho minha posição atravessada na cama
maquinando se tenho força nas pernas para
empurrá-lo para o chão assim que ele dormir,
mas infelizmente adormeço primeiro do que ele.

Tomamos café em silêncio, e mais uma vez,


queimo a língua na pressa para me livrar desses
olhos cravados em cada movimento meu. Ele
não disse muita coisa desde que acordamos, o
que sinceramente, agradeci, pois quando abri os
olhos, ele já estava acordado, eu ainda estava
atravessada no meio da cama e meus pés
repousados tranquilamente sobre seu pênis. O
sorrisinho idiota que ficou em seu rosto por
vários minutos após eu perceber isso e tirar
meus pés às pressas, foi como um decreto de
silêncio entre nós.
Ele fez o café em silêncio, ainda me
olhando com o sorrisinho idiota e eu segurei
cada provocação que vinha à minha mente
porque era o meu pé ali, perto demais de onde
não deveria.
Agora estamos aqui nos encarando nesse
silêncio que sei que será interrompido a
qualquer momento com uma piada sexual em
seu tom irritante de zombaria.
— Vou levá-la em casa — ele diz e concordo
para não ter que respondê-lo que não precisa. —
Isso é, se você já quiser ir embora.
— E por que eu ia querer ficar aqui? —
Arrependo-me da pergunta assim que ela me
escapa. Caí em sua provocação.
— Talvez para terminar o que você
começou.
— Não sei do que está falando — respondo
olhando em volta, sua cozinha pequena, porém
muito bem equipada. Uma cozinha dos sonhos.
— Estou falando sobre o seu pé, sobre o
meu pau e os movimentos...
— Não fiz movimento nenhum! E pode ter
certeza que se um dia alguma parte do meu
corpo tocar em você de novo, não vai ser nada
prazeroso pra você.
Seu sorriso aumenta enquanto ele se
levanta e faço o mesmo, dando as costas a ele e
indo pegar minha bolsa. Mas o escuto dizer
baixinho: — Isso porque não é agressiva.
Desta vez não caio no seu joguinho, abro a
porta e o espero já perto de seu carro, entro
quando ele o destrava e no momento em que ele
abre a boca para me dizer para tomar cuidado
com a porta, a bato com toda força.
Ele se senta ao meu lado e não dá partida.
Após alguns segundos, contra a vontade, o
encaro em busca do que o está atrasando, e seus
olhos, mais uma vez, estão fixos em mim.
— Sabrina, eu realmente gostaria se você
ficasse um pouco mais.
Entendo pela maneira como fala que não
está brincando, nem fazendo qualquer
insinuação sexual. Parece que se sente sozinho.
— Você devia passar uns dias com sua mãe.
Ela também deve se sentir sozinha.
— Eu não disse que eu... — começa a se
defender, mas desiste. Dá de ombros e arranca
com o carro.

Quando chegamos em frente a minha casa,


agradeço a carona e desço rapidamente, mas por
algum motivo que não entendo, ele desce atrás
de mim e me acompanha até a porta de entrada.
Agradeço novamente sem olhar para seu rosto e
entro, fechando a porta praticamente na sua
cara. Então ouço a voz da minha mãe do lado de
fora e abro a porta antes que a catástrofe
aconteça, mas já é tarde demais.
— Quem é você? — ela pergunta em um
tom de voz sério demais que não é o seu normal.
— Prazer, sou Tim, o chefe da Sabrina. Vim
apenas dar uma carona a ela até em casa.
Ela toca sua mão estendida com facilidade
e abre um sorriso daqueles que não mostra a
qualquer pessoa. Realmente acredito que minha
mãe tem uma paixonite pelo meu chefe.
— Sou Denise, mãe da Sabrina.
— É um prazer conhecê-la, Denise — ele diz
e beija a mão dela e já posso me preparar para
ouvir falar sobre ele por pelo menos uma
semana.
— Então você a trouxe em casa outra vez,
como você é atencioso!
— Não foi nada demais, sua filha não me
causou qualquer incômodo.
— Claro que não, imagino que não seja
nenhum incômodo quando está tão interessado
nela!
— O quê? — ele pergunta assustado e passo
pela porta imediatamente.
— Eu vi como você falou dela, o brilho nos
seus olhos, a trouxe até a porta. Você precisa ser
cego para não ter visto isso.
— Eu não... — ele gagueja e me enfio entre
eles, guiando mamãe para dentro de casa.
— Obrigada pela carona mais uma vez,
chefe.
Empurro mamãe para dentro de casa e ela
ri tanto quando entramos, que desisto da bronca
que daria nela.

A tarde na empresa está chata como não


estava há dias. Ayla não veio hoje por conta do
incidente com a cafeteira, foi forçada pela
médica a descansar um pouco e aceitou passar
uma tarde com as irmãs. O que não considero de
jeito nenhum como descanso. Liah e Maya
sabem como esgotar toda energia de qualquer
adulto.
Estou então enfurnada nessa copa desde
que cheguei de manhã, e estranhamente, Tim
não veio tomar seu café. Geralmente, sempre
que volta do almoço, ele vem direto até aqui em
busca de um café fresco, mas isso não aconteceu
hoje. Penso que deve ter tanto trabalho que
sequer teve tempo e decido levar para ele uma
xícara do café que acabei de passar.
Entro em sua sala e ele desvia os olhos dos
meus quando me vê. Deposito a xícara sobre a
mesa e ele agradece ainda sem olhar para mim,
uma mudança de atitude bem estranha, mas não
questiono nada. Mais tarde, Louisa começa a
encher por conta de algum contato que Ayla
deveria ter feito com um cliente e abandono meu
posto para fazer a tal ligação e calar a boca dessa
conversada. E enquanto faço a ligação da mesa
da própria Louisa, Tim aparece com Bruna,
dando algumas ordens às duas assistentes. Se
mais cedo seus olhos não se voltaram a mim em
momento nenhum, desta vez eles não me
deixam.
Enquanto converso com o cliente, noto
seus olhos sobre mim, o encaro de volta e ele
continua me olhando. Mas é de uma maneira
diferente, estranha até. Como se estivesse
buscando a resposta para o sentido da vida em
mim. Franzo o cenho questionando o que está
vendo aqui, mas ele apenas desvia os olhos e
entra em sua sala. E enquanto explico a Louisa
as condições para o contrato do cliente, ele abre
a porta de sua sala e volta a me observar. Pouco
depois entra sem dizer uma palavra.

Estou conversando com Alan, um dos


seguranças, sobre tipos de café quando Tim
aparece na copa. Se serve de um café e me
observa pelo canto do olho. O olho de volta e
rapidamente aproximo-me de um espelho para
ver o que há de errado em meu rosto que ele
tanto olha, mas não há nada. Quando o encaro
de novo, ele sorri e deixa a copa, deixando-me
curiosa. E eu odeio ficar curiosa.
Sei que ele está cavando isso, mais uma das
suas provocações, desta vez uma provocação
muda, esperando que eu caia.
— O que ele acha que vou fazer? Invadir
sua sala e perguntar que caralho ele viu em
mim? — pergunto a mim mesma. — É
exatamente o que vou fazer!
Decidida, bato em sua porta e entro. Ele
para o que está fazendo no laptop e me olha,
parecendo um pouco preocupado.
— O que você tem hoje? Por que está me
olhando desse jeito estranho?
Ele precisa de um bom tempo para pensar
na resposta, o que me preocupa. Levanta-se de
sua cadeira e se aproxima de mim tão sem graça,
que começo a realmente ter medo de sua
resposta. O filho de uma mãe vai me demitir!
Aposto! E nem sei o que fiz agora! Ele se recosta
em sua mesa, de frente para mim e
completamente sem graça, diz mais baixo do que
seu tom de voz normal: — Sua mãe disse que
estou interessado em você.
Não entendo onde está o problema na
brincadeira da minha mãe e ele me encara,
esperando alguma reação. Quando percebe que
não terei nenhuma, explica melhor: — Ela disse
que viu isso nos meus olhos, no brilho deles
quando falei de você. Isto é, ela viu que estou
apaixonado por você apenas olhando para mim.
Não sei bem que tipo de reação ele espera
que eu tenha, ou o que está se passando em sua
mente, mas antes de rir como desejo fazer,
preciso confirmar algo.
— E? Você está preocupado com isso?
— Não consigo parar de pensar nisso.
Com muito esforço, seguro a risada que
quer me tomar e aproximo-me dele. Olho em
seus olhos preocupados, nossos rostos a poucos
centímetros um do outro e digo pausadamente
para que ele entenda: — A minha mãe é cega.
A expressão surpresa e incrédula dele é tão
engraçada, que eu teria uma crise de riso se não
começasse a entender a profundidade de sua
preocupação, e começasse a me preocupar
também.
— Como assim cega?
— Cega, do tipo que não enxerga. Ela é cega
desde os cinco anos de idade, quando teve uma
retinoblastoma diagnosticada tarde demais. O
que estou dizendo é que ela não viu nada nos
seus olhos, porque ela não pode ver! Estava
brincando com você.
De repente ele começa a rir. Eu deveria
fazer o mesmo, afinal é minha vez de rir da cara
dele, mas não consigo. Seu riso é tão aliviado,
que me pergunto se ele realmente ficou horas do
seu dia pensando nisso com toda a preocupação
que estava ali em seus olhos quando entrei nesta
sala.
Quando seu riso começa a cessar e ele me
encara, o advirto de forma bem clara, pois esse
tipo de situação não pode voltar a acontecer.
— Mas é bem preocupante que você tenha
perdido tantas horas pensando sobre isso.
Ele fica sério de repente e assente,
desviando os olhos dos meus.
— Presta atenção nisso, Tim, você não está
apaixonado por mim e não vai se apaixonar por
mim, certo? É um risco que não corremos.
Ele concorda imediatamente.
— Claro que não! Não se preocupe, não sei
porque entrei nessa neura, mas este é um risco
que não corremos. Não vou me apaixonar por
você, Sabrina.
— Que bom! Porque você me assustou.
— Pode ficar tranquila — garante com tanta
certeza, que me sinto mais calma ao deixar sua
sala. E só então consigo rir da cara de desespero
dele.

Tento falar com Ayla o dia todo, hoje ela


teve folga na empresa, merecidamente, pois teve
que acompanhar de perto as obras de um de
seus projetos durante a semana, somando isso a
passar a noite no hospital com Eros e suas
tentativas de encontrar o pai dele, está
realmente exausta. Talvez isso explique porque
não me atende em nenhuma das treze vezes em
que ligo para ela, e só me responde com uma
mensagem dizendo que está tudo bem e que
descansou bastante. E isso é o indicio de que
está mentindo. Desde o acidente ela nunca
descansou, nem um dia sequer, não parece capaz
de fazê-lo.

QUER QUE EU VÁ ATE AÍ? VC


PRECISA CONVERSAR UM POUCO? SE
DISTRAIR?

Envio e pouco depois chega sua resposta.

NÃO PRECISA. ESTOU COM EROS,


ESTÁ TUDO BEM. NOS VEMOS AMANHÃ
NA EMPRESA.

Assim que meu expediente acaba, vou


direto até o hospital. Não a encontro no quarto
com Eros, onde ela sempre fica. Percorro o
hospital procurando por ela, mas também não
está na cantina fazendo o café para as
enfermeiras e Alexandra, a médica responsável
por Eros, me conta que não a viu hoje.
Tento ligar novamente, mas seu telefone
está desligado. Busco em todo hospital até que
me dou conta do único lugar onde ainda não
olhei: a capela.
Ayla está sentada em um banco com a
cabeça baixa, penso que está rezando, mas o
movimento de seus ombros indica outra coisa.
Jogo-me ao seu lado no banco e ela enxuga as
lágrimas que não queria que eu visse.
— O que foi, Ayla? A médica disse alguma
coisa ruim?
Ela nega com a cabeça.
— Eu disse para você não vir — ralha
baixinho.
— Eu li, mas não quis obedecer, você sabe,
nunca fiz isso, não vou começar agora.
Ela até tenta sorrir, mas não consegue.
— Já são três meses, não é? — tento e o
jeito como me olha prova que o problema é
exatamente esse.
— O que eu estou fazendo aqui, Sabrina? —
pergunta enquanto novas lágrimas descem de
seus olhos. — Já se passaram três meses, ele vai
acordar de repente e me mandar embora. Você
entende isso?
Seu olhar busca qualquer coisa que possa
distrai-la, mas não consegue se focar em nada.
— Ele vai se zangar por me ver aqui. Ele
assinou o divórcio, eu também assinei, eu
deveria... Por que ainda estou aqui?
Ela para de falar a abaixa a cabeça. Estendo
os braços e ela permite que a abrace enquanto
chora baixinho. Choro com ela, porque isso me
dói tanto! Porque não é justo! Para nenhum dos
dois!
— Eu tenho que ir embora? — me pergunta
incapaz de buscar em meu rosto a resposta.
— Claro que não, minha amiga! É aqui que
seu coração está, onde mais você estaria?
— E o coração dele? Onde fica nessa
história?
— Onde mais você acha que o coração dele
está, Ayla? Se ele pode sonhar enquanto dorme,
com quem você acha que ele sonha? Você diz
isso, mas quem ele vai procurar assim que abrir
os olhos?
— Eu não sei.
É
— Você! É você que ele vai procurar! Ayla,
nada do que é realmente bom, vem fácil. Até
aqui foi tudo fácil demais, você não acha? Ele
cuidou de você, a amou e protegeu, respondeu a
cada um dos seus planos malucos, enfrentou o
medo de amar, foi sempre como você quis que
fosse. Foi sempre mais do que você esperava que
fosse. Infelizmente, agora é a hora difícil. É a
hora de lutar, não de desistir. Se ele acordar e
mandá-la embora... — Não sei mais como
convencê-la de que está fazendo a coisa certa.
Porque realmente há esse risco, de ele abrir os
olhos e dispensá-la. Depois do que acompanhei
da história dos dois, nem quero imaginar que
algo assim vá acontecer. Um amor como o deles
não merece esse final. Mas não posso jurar a ela
que vão ficar juntos quando há esta
possibilidade. E não sei como explicar que ela
deve se arriscar a isso, que deve ficar com ele
mesmo com uma chance tão grande de perdê-lo
depois.
Mas não preciso dizer mais nada. Ela para
de chorar aos poucos, e quando volta a falar, sua
voz parece bem mais calma.
— Se ele acordar e me mandar embora, eu
terei feito a minha parte por nós dois! — Ela se
afasta, olhando-me com esperança renovada nos
olhos. — Eu só queria colocar isso para fora, só
queria ouvir de mais alguém que não sou maluca
por ainda estar aqui. Por vir aqui todas as noites.
Uma hora eu vou ter que aprender a dormir sem
ele, não é?
— Não enquanto pudermos adiar, tudo
bem? Você está certa em estar aqui, não é um
conhecido que está nesta cama, é o seu marido!
O homem a quem você ama, o homem que
cuidou de você inúmeras vezes. Enquanto o seu
coração disser que você deve ficar, não importa o
que os outros pensam, você fica.
Ela assente e aperta minhas mãos, um
sorriso surgindo em seu rosto cansado.
— Claro que sim! Eu fico!
— Mas, se o seu coração te mandar ir,
Ayla...
— Ele não vai mandar, você sabe que não.
Sabrina, um dia você vai amar assim, esse tipo
de amor que te completa de uma maneira que
você enfrenta o mundo para não ser só uma
metade de novo.
Bato na madeira repetidas vezes, o que a
faz rir de verdade.
— Vamos parar de rogar praga na melhor
amiga, por favor? Estamos em uma capela, se
um anjo desinformado fala amém, eu mato você.
— Não me ameace em uma capela.
Ninguém é feliz sem amor.
— Quem disse isso? Além do mais, não é
legal você rogar essas pragas na amiga que vai
dividir seu fardo com você.
— Do que você está falando?
— Enquanto você estiver cansada demais,
vou ficar aqui com você. Vou conversar com a
Alexandra, a gente dá um jeito, mas vou dormir
com você aqui, assim a gente conversa durante a
noite, assiste uns filmes naquela tela enorme que
está naquele quarto parada e o tempo vai passar
mais rápido. Talvez isso não te ajude em nada,
mas talvez faça ser mais fácil, a gente tenta.
— Mas e o seu trabalho?
— Vamos trabalhar, como você tem feito
nesse último mês. Vou ser sua sombra, Ayla, dia
e noite do seu ladinho.
Ela volta a me abraçar, e se levanta em
seguida.
— Venha, preciso fazer o café das
enfermeiras. Ah, e Sabrina, você é a melhor
amiga que alguém poderia ter na vida. O
universo pode aprontar tudo comigo, mas ele foi
generoso com as pessoas com quem me
presenteou.
— Não me faça chorar, sua vaca! Vamos
logo a esse café.
Assim, vejo minha amiga sorrindo de novo
pelo resto da noite que passamos acordadas
falando besteira e irritando as enfermeiras.

Essa rotina dupla com Ayla está me


deixando com uma aparência semelhante a dela:
a de um zumbi. Olheiras cercam meus olhos, não
consigo prestar atenção em nada na primeira vez
em que escuto e meu corpo parece pesar dez
vezes mais. Estou tão cansada nas últimas duas
semanas, que sequer retoquei a raiz do cabelo,
de forma que agora tenho uma mistura de
castanho com alaranjado.
Carmen, a nova recepcionista, se serve de
um café enquanto tagarela sobre a felicidade de
trabalhar na Reymond, o quanto gostou de Ayla,
e, principalmente, de Tim. Ela fala tanto de Tim,
que cochilo sentada por alguns minutos e sonho
com ele. Desperto com sua voz quando entra na
copa e enfia os dedos na minha costela, quase
me derrubando da cadeira.
— Seu imbecil! — ralho irritada e ele fica
rindo. — Obrigada por me acordar e me desculpe
a grosseria, chefe — corrijo-me sob o olhar
espantado de Carmen.
Ele pega sua xícara de café de depois do
almoço e um copo com água. Enfia dois dedos no
copo de água e os agita na frente do meu rosto,
molhando-me de propósito.
— O que você está...
— Acorde, bela adormecida! Você tem uma
reunião com Ayla em dez minutos.
— Ela consegue sem mim.
— Consegue, mas o Monteiro vai estar lá
e...
— Já acordei!
Levanto-me imediatamente e vou beber
um café como o deles, sem qualquer açúcar, para
acordar de verdade. Monteiro é um dos
arquitetos da empresa, um completo babaca que
desafia Ayla o tempo inteiro e tenta passar a
perna nela. Adoro as reuniões em que ele está,
porque ver sua careca quase tingida de vermelho
como o rosto cada vez que o irrito, é minha
principal diversão atualmente.
Enquanto tomo minha xícara de café de pé,
pois a cadeira parece confortável demais, ouço a
conversa entre Carmen e Tim.
— Abriu um pub há quatro quadras daqui,
você viu? — ela pergunta em um tom de voz
diferente do que estava usando comigo minutos
atrás.
— Não, não tenho saído muito. Mas ouvi
falar algo a respeito. Acho que é uma rede do
Rio, que se estendeu para cá, não é?
— Sim! Estou ansiosa em ir lá, mas a fila de
espera é de quase um mês! Talvez você sendo
quem é consiga duas entradas.
Sua voz é manhosa e arrastada, ela está
forçando para parecer sexy. Observo pelo canto
do olho e ela abriu os dois primeiros botões da
blusa. Está descaradamente dando em cima
dele. Olho para ele imediatamente e ele está
absorto em sua xícara de café, sequer repara no
decote dela. Viro-me então para observar a cena,
quero ver se ele vai fazer as perguntas certas
para conhecê-la um pouco mais, ou se vai levar a
conversa no teor sexual como antes. Também
quero ver sua reação quando perceber que ela
está exibindo os seios para ele.
Quando o olhar de Tim foca nos seios de
Carmen, se fixam ali, exatamente como achei
que faria.
— Posso tentar para você, se quiser. Você
quer para quando?
— Pensei que poderíamos ir juntos hoje,
você sabe, final de semana. Poderíamos nos
distrair um pouco.
— Ah!
Seus olhos se desviam dos seios dela e se
concentram em seu celular enquanto responde:
— Infelizmente não posso. Se quiser as entradas
me avise que as consigo para você. Você pode ir
com outra pessoa.
Ela está tão atônita quanto eu.
Completamente sem graça, despede-se dele e
deixa a copa, então ocupo seu lugar quase
instantaneamente.
— O que deu em você? — pergunto curiosa.
— Por que a dispensou assim?
Ele deixa o celular sobre a mesa e foca os
olhos em mim, repara a raiz castanha do meu
cabelo e sorri.
— Você não devia mais pintar o cabelo. A
cor natural dele é mais bonita. Quer dizer, você
fica linda de qualquer jeito, mas seu rosto é
delicado demais para esse alaranjado que usa.
— Quem está pedindo conselhos de um
cabeleireiro?
Ele ri alto e tamborila os dedos na mesa
enquanto me observa.
— Tim, me responda, estou curiosa.
— Você sempre está curiosa.
Seus olhos se desviam dos meus e ele volta
a mexer no celular, mas me responde.
— Simples demais para mim.
— Como assim?
— A maneira como se comporta, como fala,
o jeito dela. — Seus olhos buscam os meus, e se
desviam rapidamente. — Não serve para mim.
Me sinto tão desapontada com sua resposta
que sequer consigo formular a minha. Parece
que ele não mudou nada! Ainda o mesmo
homem mesquinho e egoísta de antes. Não há
necessidade de uma resposta. Levanto-me e o
deixo sozinho, sem comentar o quão ridículo é
sua seleção de mulheres.
— Tomara que fique sozinho! — digo
baixinho ao deixar a copa e ainda o escuto rir.

No sábado, sinto-me extremamente


cansada, Ayla pede pela terceira vez que eu não
vá ao hospital aos finais de semana ao menos,
mas conheço minha amiga o suficiente para
saber que está fazendo isso apenas pelo meu
bem, mas que ainda precisa da minha presença
lá. Acho que ela está com medo da hora em que
Eros acordar. Com medo de ele mandá-la
embora.
Por este motivo, não só vou passar a noite
com ela em pleno sábado, como também vou
passar a tarde. Têm sido divertido, na verdade.
Conhecemos muitas pessoas, ouvimos muitas
histórias pelos quartos do hospital. E Ayla está
criando um projeto para o setor de oncologia
infantil que estou amando. Mas algumas
histórias que ouvi me fizeram perceber que
minha vida é vazia. Não trabalho no que amo,
não consigo perdoar quem me magoou, não fiz
ainda nada de relevante por alguém. Se eu
morresse hoje, que legado deixaria? Eu sequer
vivi o amor que Ayla tanto roga que vou viver. É
como se, apesar dos meus vinte e sete anos, não
tivesse vivido absolutamente nada.
Chego ao hospital no horário de almoço e
Ayla está lendo algo, jogada na poltrona com os
pés apoiados sobre a cama de Eros. Ela tenta me
convencer a ir embora, mas nada do que faz
funciona. Por fim, dá-se por vencida e junta-se a
Eros na cama para que eu me sente na poltrona.
— O que você estava fazendo na sua folga
que não foi pra casa da sua avó? — pergunto.
— Procurando o pai do Eros.
— Funcionou?
— Ainda não.
— Você não quer estar aqui quando ele
acordar, não é?
Por alguns segundos ela fica
completamente parada. Depois, deixa o livro na
cama e me observa. A culpa preenche seus olhos
quando ela nega com a cabeça.
— Se não quer estar, por que você vem?
— Eu quero estar onde ele está. Mas não
quero passar por tudo isso para quando ele abrir
os olhos, olhar para mim com a mesma mágoa e
me mandar ir embora, você entende?
— Por isso você me quer aqui, não é? Você
prefere que ele me veja primeiro, que eu
converse com ele para então você se aproximar.
Ela assente, ainda esperando uma bronca
minha.
— Se você estiver em um ambiente com mil
pessoas mais, ele vai abrir os olhos e buscar você
— aviso.
— Então vai se lembrar da sua última noite
e me mandar embora.
— É possível. Mas vai saber que esteve em
coma por meses, que poderia ter morrido e
entender que quase a teria perdido de verdade.
Talvez não seja na hora exata em que ele abrir os
olhos, afinal, ele vai acordar em uma cama de
hospital e descobrir que dormiu por meses, vai
ficar confuso provavelmente. Mas, assim que ele
digerir tudo...
— Vai esquecer a mágoa idiota que sente e
não vai permitir que você se afaste dele, Ayla — a
voz de Tim completa minha frase e Ayla sorri
para nós dois, a esperança renovada novamente
em seus olhos.
— A luta não vai acabar quando ele abrir os
olhos, é o que vocês estão dizendo.
— O que é a vida sem luta? Não teria graça,
não é mesmo? — Tim brinca depositando um
beijo na testa dela, vem em minha direção e faz o
mesmo.
Seus lábios tocam minha testa por tempo
demais e o afasto, não o olhando de volta, pois
ainda estou decepcionada com ele.
— Então, você também se mudou para cá,
não é? — ele pergunta ainda olhando para mim.
— O que meu irmão tem que consegue manter as
duas funcionárias mais lindas da Reymond à
disposição dele?
Sua voz tem um tom brincalhão, mas não
quero brincar com ele. Não gostaria de nem
mesmo voltar a falar com ele.
— Provavelmente, aquilo que você nunca
terá — penso ter falado baixo, mas os olhos dele
estão sobre mim e os de Ayla também, então
completo minha resposta: — Caráter.
Seus olhos se demoram nos meus
buscando uma resposta que não encontrará. Por
fim, ele sorri, e não entendo como pode achar
engraçado um defeito tão triste como esse.
— Quer jantar comigo? Acho que
precisamos conversar, quero dizer, alguma coisa
vai mal se minha coach de vida acha que não
tenho solução.
— Claro! Me pega às oito na minha casa.
Ele parece surpreso por eu ter concordado
tão rapidamente, a dúvida em seus olhos é um
indício de que desconfia que vou fazer alguma
coisa. E ele está certo, eu vou mesmo. Vou
convencê-lo a desistir da minha ajuda. Vou
ensiná-lo que não se descarta uma pessoa por
motivos tão bobos. As pessoas vão além da
roupa que vestem e os lugares que frequentam.
Depois de meses ouvindo seus desabafos e
tentando orientá-lo em algo, a maneira como ele
continua agindo só mostra que estou perdendo
meu tempo. Ele não vale o esforço.

À tarde, vou para casa me arrumar para o


jantar. Será um jantar inesquecível para ele.
— Por que você dispensou a garota do bar
mesmo? Porque não gostou das roupas
chamativas, vamos ver o que tenho em neon.
Você não vai querer falar comigo nunca mais
depois desta noite, Martim Reymond.
Tim
A decepção nos olhos dela ainda me
assombra, mesmo horas depois. A maneira fria
como disse que o que falta em mim é caráter só
confirma que tem me evitado desde ontem de
propósito. E pior do que ver a única pessoa com
quem tenho desabafado desistir de mim, é
perceber que sinto a falta dela. E embora a
conheça há tão pouco tempo, a conheço o
bastante para saber que há algo por trás da
maneira fácil como aceitou jantar comigo,
mesmo tentando me evitar.
Chego à sua casa cedo demais e fico no
carro esperando o tempo passar para que ela se
apronte. Vejo Ulisses se aproximar de sua porta
com duas rosas na mão, e Denise o deixa entrar.
Nem cinco minutos depois, ele sai parecendo
meio assustado, e este é o primeiro sinal de que
alguma coisa está errada. Imediatamente, desço
do carro sem me importar com quantos minutos
faltam para as oito e bato em sua porta.
Sua mãe a abre e antes que eu diga alguma
coisa, ela sorri.
— Tim, não é? Como vai você?
— Como a senhora sabe que sou eu?
— Seu cheiro. Sou ótima em guardar cheiro
das pessoas, reconheço a maioria delas assim.
Vejo que ela busca a mão que eu deveria ter
estendido e a toco imediatamente.
— Entre, querido. Não sei o que a Sabrina
está aprontando, ela me disse apenas que vai
jantar com você, mas Ulisses foi embora rápido
demais após vê-la, então está aprontando algo.
Mas bem, nada que o faça desistir dela, eu
imagino.
Mais uma vez essa brincadeira sobre o
quanto estou interessado em Sabrina, e como
não posso expressar em palavras o quanto estou
fantasiando com sua linda filha, tento me
defender: — Não tenho esse tipo de interesse na
sua filha, Denise, eu...
— Eu sei bem o tipo de interesse que você
tem por ela, não precisa me explicar.
Não entendo se está sendo irônica ou
inocente e me sinto tão sem graça que não
consigo responder. Não é preciso, Sabrina
aparece em seguida e ralha com a mãe: — Mãe,
quer parar de pegar no pé dele? Vamos, chefe?
Quando meus olhos buscam a voz dela,
quase caio para trás. Sabrina tem os cabelos
alaranjados em ondas estranhas, uma faixa de
glitter florescente adorna seu rosto, a
maquiagem parece toda em neon, não tem uma
parte de seu rosto que não esteja acesa. A blusa é
verde demais e o casaco tem paetês brilhantes. É
tanta informação que não consigo assimilá-las
todas de uma vez.
— Como estou? — pergunta dando uma
voltinha diante de mim.
— Acesa, no mínimo. E maluca, com toda
certeza.
— Acesa? Nunca ouvi esse elogio antes —
responde com um sorriso enorme e se despede
da mãe.
— Não foi bem um elogio — explico, mas
ela ignora, pega sua bolsa e pega minha mão,
guiando-me porta afora.
Ligo o rádio e uma música lenta começa a
tocar, imediatamente, ela a troca para uma
dançante, o que me faz rir.
— Você e a música lenta — comento para
puxar assunto, pois sinto falta de ouvir sua voz.
— Continuamos não nos dando bem. Você
não está incomodado por eu me vestir de uma
maneira mais alegre, não é?
— Alegre não é a palavra que eu usaria para
descrevê-la, lindinha. — Ela se vira no banco
encarando-me. — Acho que até mesmo sua mãe
conseguiu ver a luz que está emanando de você
agora — provoco.
Ela ri, uma risada deliciosa que dura
pouquíssimo tempo. Logo, se controla, como se
fosse errado rir e se ajeita no banco,
aumentando o som para que não conversemos
mais.

Paro em frente ao restaurante e entrego a


chave ao manobrista. Corro para abrir a porta
para ela, mas não dá tempo, ela sai sozinha e
bate a porta. Olha para mim com falsa culpa no
rosto e se desculpa com um cinismo que me faz
rir. A guio para dentro do restaurante e, como
não podia deixar de ser, todos a olham.
Impossível não olhar. Por onde passamos
pescoços se viram para observá-la. Nos
sentamos de frente um para o outro e a observo,
tentando entender onde quer chegar vestindo-se
assim.
— O que foi? — pergunta ao perceber que
não consigo deixar de olhá-la.
— Nada. É só que você parece um carro
alegórico de uma drag queen.
Percebo que ela quer sorrir, mas se
controla, focando-se no cardápio à sua frente. O
garçom nos serve duas taças de Sauvignon e
Sabrina praticamente vira a dela.
— Não é legal você criticar a roupa de uma
mulher. Uma pessoa deve se vestir como se sente
bem, sem ter que se preocupar em agradar aos
outros.
— Não a critiquei em momento algum,
bruxinha. Apenas disse a verdade, você está
completamente brilhante! Mas continua linda.
— Você me acha linda vestida assim? —
pergunta espantada, logo disfarça a surpresa e
estende um dedo me repreendendo: — Não é
legal mentir assim para uma mulher, há uma
diferença entre elogio e falsa bajulação, acredite,
uma mulher percebe essas coisas.
— Acho que o excesso de brilho que está
usando, está ofuscando sua vista, minha querida.
Meu elogio não foi falso, você é linda, pode usar
um saco de batatas e vai continuar linda.
Seu rosto provavelmente está vermelho,
como fica sempre que recebe um elogio, mas não
é possível ter certeza com tanta cor espalhada
por ele. Ela escolhe o que quer comer, também
faço o meu pedido, e um sorriso se estende em
seu rosto enquanto esperamos. Um sorriso que
me deixa apreensivo, até mesmo um pouco
assustado.
— O que você está tramando? — pergunto
por fim.
— Eu? Nada! Nem sabia onde a gente
vinha, como poderia tramar alguma coisa?
— Por que você não me fala sobre o
restaurante? Quem você viu no Rossi’s? — tento
e sua expressão confiante vacila por um
momento, quando certa tristeza toma seus
olhos.
— Não vi ninguém.
— Sabrina, somos amigos. Você pode me
contar o que quiser.
— Não somos amigos, Tim. Você é meu
chefe e é cunhado da minha melhor amiga,
apenas isso. Não é porque aceitei ouvi-lo de vez
em quando, que também vou me abrir a você
esperando que entenda.
A entrada é servida e ela começa um
verdadeiro show. Chama o garçom alto demais e
pergunta qual talher deve usar para o caldo, o
garçom mostra o certo a ela, e ela simplesmente
não sabe segurá-lo. Deixa-o cair no prato, o
garçom troca seu prato imediatamente e
enquanto espera, ela começa a encarar as mesas
vizinhas, observando e comentando o que há no
prato delas.
Assim que o jantar é servido, o show piora.
Ela derruba o talher duas vezes, finge não saber
comer a carne servida, faz perguntas demais
sobre ela ao garçom e finaliza pedindo arroz,
feijão e um ovo frito. O garçom parece
horrorizado e eu perdi completamente minha
fome. Não entendo o que está tramando. Claro
que ela sabe usar esses talheres, ela sabe até
mesmo cozinhar as coisas que foram servidas
esta noite, estudou para isso. Todo esse show foi
planejado.
Quatro meses atrás, se ela fizesse qualquer
uma dessas coisas na mesa comigo, rapidamente
a levaria embora, mas esta noite, enquanto a
observo tentando decifrá-la, só consigo me
sentir fascinado por ela. Não entendo o que está
tramando, não me importa a maneira como se
veste ou como segura um simples talher. Não me
importa nem mesmo que tenha insultado o chef
da noite, apenas quero desvendá-la. Que lição
está tentando me dar?
— Você parece tão calmo! — provoca
enquanto espera que o garçom traga seu novo
pedido.
— Diferente do chef. Você estudou
gastronomia, imagina a reação dele quando o
garçom entrar na cozinha dizendo que você
trocou a comida perfeitamente elaborada dele
por arroz com ovo. Acho que você acabou com a
noite dele.
Seu rosto fica tão vermelho que é possível
perceber, apesar da maquiagem berrante.
— Você não está envergonhado?
— Na verdade, estou curioso. Por que está
agindo assim? Sei que você planejou tudo isso,
sei que sabe até mesmo cozinhar tudo o que te
foi servido, Sabrina. O que você quer?
— Você não está bravo?
Então tudo isso foi uma tentativa de me
irritar, mas por quê?
— Não, por que estaria?
— Não foi tudo simples demais para você?
— Não entendo onde você quer chegar com
isso, mas vamos esclarecer uma coisa, tudo
bem? Você pode subir em cima desta mesa e
tirar a roupa colorida que usa e mesmo assim
vou continuar aqui, jantando com você até que
nós dois estejamos satisfeitos. Você está agindo
assim para ir embora? Podia ter dito não ao meu
convite.
— Eu não entendo! — diz levantando-se.
— Onde você vai?
— Me desculpar com o chef, já volto.
Ela sai correndo e me pego rindo de sua
loucura. Ainda não entendo o que planejava, o
que quis me ensinar, porque quer me afastar,
mas entendo o fascínio que sinto por ela e
preciso mesmo me policiar sobre isso. Parece
que quanto mais estranha, irritadiça e maluca
ela é, mais gosto de ficar com ela.
Pouco depois ela volta, o garçom atrás dela
tem um sorriso enorme enquanto a segue com o
pedido que havia feito primeiro. Seja o que for
que ela usou como desculpa, o convenceu, pois
ele não para de sorrir para ela. Ela termina o
jantar rapidamente, e ganha sobremesa por
conta da casa.
— Você o enfeitiçou, não é?
— Quem? — pergunta observando-me.
— O chef, depois de recusar a comida e
invadir sua cozinha, ele ainda te mandou
sobremesa por conta da casa. Não importa o que
disse a ele, você o enfeitiçou. O fez gostar de
você.
— É claro, eu tenho esse poder — concorda
sorrindo.
— Eu sei bem que você o tem, você não
imagina o quanto eu sei.
Ela deixa a colher de lado e apoia o rosto
nas mãos enquanto me observa.
— Você não dispensou a Carmen por ela ser
simples demais? Como pode então sentar-se
aqui comigo, depois da minha brilhante atuação
de uma pessoa simples demais e não estar
envergonhado?
— Então é disso que se trata todo esse
show? Você me interpretou de maneira errada,
Sabrina.
Ela nega com a cabeça.
— Não, eu sou ótima em interpretação,
você a rejeitou por ser pobre.
— Eu não tive interesse em sair com ela
porque ela não tinha nada demais que chamasse
a minha atenção. A maneira como deu em cima
de mim, a conversa, o jeito como agiu, tudo
simples demais. Tudo igual a todas as outras
antes dela. Não foi você quem disse que eu devo
buscar algo diferente? Algo especial?
Ela parece tão fora da casinha, que não
entendo o motivo de isso tê-la incomodado
tanto!
— Então, quando você disse simples, foi no
sentido de não ser especial e não por ser pobre?
— Sendo muito sincero com você, talvez
alguns meses atrás eu poderia tê-la dispensado
por este motivo. Eu poderia dispensar você em
uma noite como esta por este motivo. Mas não
sou mais assim. Acho que consigo pensar
primeiro antes de agir ou falar qualquer coisa
com outra pessoa, ao menos eu tento muito fazer
isso. Então, se estivéssemos em um encontro
desastroso, onde você agisse como agiu e eu
fosse o mesmo Tim de antes, com os mesmos
critérios frívolos, eu a levaria em casa e apenas
não te ligaria mais. Não sei o que você esperava
que eu fizesse, mas não ia humilhá-la em público
deixando-a aqui.
Ela parece completamente sem graça por
seu julgamento errado e espero seus olhos se
focarem nos meus para confessar: — E sendo o
Tim de agora, achei todo esse seu show
intrigante. Estou a noite toda tentando
desvendá-la, você me fascina.
— Tim...
— Se não quer que eu preste atenção
demais em você, não chame tanto a minha
atenção.
— Não vou mudar meu jeito para te
agradar menos. Minha intenção era afastá-lo,
não fazê-lo prestar atenção em mim.
Concordo e peço a conta.
Enquanto esperamos o manobrista trazer o
carro, ela fica com a cabeça baixa, pensativa,
talvez envergonhada.
— Não consigo decifrá-la com toda essa
maquiagem. Você realmente foi longe para me
irritar.
Ela sorri, seus olhos buscam os meus e
torna a dar uma voltinha com sua roupa
colorida.
— Eu posso criar tendência — defende-se.
— Deus abençoe que não. Somos amigos
então, certo?
— Não, não somos amigos — responde
convicta.
— Ótimo, você disse que não queria ser
minha amiga colorida, de forma que eu não
poderia beijá-la em uma noite como esta. Mas,
se não é minha amiga...
— Não significa que você tenha que me...
Seguro seu rosto nas mãos e a calo com um
beijo. Ela se assusta num primeiro momento,
mas não há resistência quando apoia seu corpo
no meu e me permite beijá-la, correspondendo
com o mesmo desejo que dou a ela. Seu rosto se
encaixa tão perfeitamente em minhas mãos, seus
cabelos macios envolvem meus dedos enquanto
a mantenho perto, e sua boca delicada se molda
perfeitamente à mercê da minha. Seu beijo tem
gosto de baunilha, da sobremesa que comemos,
é gelado e quente ao mesmo tempo.
O manobrista chama minha atenção para
entregar a chave, e nem mesmo tento impedi-la
de entrar no carro e bater a maldita porta. Assim
que me sento ao seu lado, ela se vira no banco
com seu tom de voz de reprimenda.
— Tim...
— Eu sei, não posso beijá-la novamente.
Não o farei, não se preocupe.
— Não confio na sua palavra — responde
esperando que eu faça um juramento de não
tocá-la mais.
— Mas você não tem outra escolha.
Irritada, ela se vira para a janela e liga o
rádio em um volume quase ensurdecedor.
Também não fala comigo quando a deixo em
casa, e ignora minha carona até o hospital,
pegando um táxi enquanto finge não me ouvir
chamá-la.

Duas batidas na porta da minha sala me


fazem desviar os olhos do maldito contrato que
avalio minuciosamente há quase duas horas. A
cabeça loira de Louisa surge e com um sorriso
me avisa: — Sabrina está dormindo de novo no
meio do expediente. Nem mesmo o café da tarde
ela fez.
Volto a atenção ao contrato na tela acesa
diante de mim e ordeno: — Vá e faça o café você.
E tome cuidado para não acordá-la.
— O quê? — ela praticamente grita. — Você
sequer vai adverti-la?
— Não, não vou. Apenas faça o que mandei.
— Isso é ridículo! Não é profissional e nem
justa a preferência que você dá a ela! Os
funcionários com certeza começarão a falar.
Levanto-me imediatamente e ela se afasta,
arrependida por ter me confrontado. Passo por
ela e me dirijo à copa, onde a pequena bruxinha
está desmaiada sobre a mesa. Alguns
funcionários estão por ali cochichando e fazendo
barulhos aleatórios para acordá-la.
— Não que seja da conta de nenhum de
vocês, mas ela está exausta por estar
acompanhando minha cunhada e meu irmão
todas as noites. Portanto, caso entrem aqui e a
vejam dormindo, peguem o que vieram pegar e
saiam. Não quero que ninguém a acorde,
entenderam? Espero que muitos de vocês se
lembrem que quando a situação foi do lado de
vocês, sempre fomos condescendentes e
generosos, e espero o mesmo de vocês agora.
Eles assentem e apenas Louisa continua
com a expressão irritada e incrédula.
— Você, como chefe, não pode tirar nossa
hora de lazer para que uma funcionária durma
em seu horário de trabalho. Não importa o
motivo. É aqui o único lugar que temos para nos
distrair em nossas pausas — reclama e vejo que
recebe o apoio de outro funcionário.
— Tudo bem, então.
Levanto a cabeça de Sabrina da mesa com
cuidado, ela resmunga algo enquanto passo seus
braços por meu pescoço. Ela abre os olhos
aturdida e a acalmo.
— Sou eu, está tudo bem, me abrace e volte
a dormir.
Ela faz o que pedi, apoia o rosto no meu
ombro, aperta os braços em volta do meu
pescoço e dorme. A pego no colo e a levo para
minha sala. A deposito sobre o pequeno sofá e
deixo que durma por toda a tarde. Agora
ninguém pode reclamar que ela está
atrapalhando o descanso dos outros
funcionários. Agora ninguém pode reclamar de
nada.

Nico vem me fazer uma visita algum tempo


depois. Ele entra na minha sala falando alto, e
faço um sinal para que baixe o tom da voz. Ele
observa curioso Sabrina dormindo no pequeno
sofá, e o levo até o terraço para conversarmos
em paz. Depois de quase uma hora dele me
zoando por ter uma funcionária dormindo na
minha sala, me passa as contas que veio trazer e
vai embora. Quando volto à minha sala, Sabrina
não está mais. Mas há uma bandeja com alguns
biscoitos e um café fresco, junto a um bilhete:
obrigada =.
Guardo o bilhete no bolso, pego o café e
volto ao meu trabalho.

Uma confusão de pessoas está aglomerada


em frente ao elevador na hora de ir embora.
Falam alto demais para que eu entenda o que
está havendo e algumas arriscam descer todos os
lances de escada até a saída ao invés de pegarem
o elevador. Ao me aproximar, noto Sabrina
deitada no chão, conversando alto com a porta
do elevador e só então reparo que o elevador está
enguiçado, a porta está apenas da metade para
baixo.
— O que está fazendo aí, Sabrina? Você por
acaso é alguma técnica em manutenção de
elevadores?
— Estou tentando acalmá-la, seu babaca! —
responde sem nem olhar em minha direção.
— Acalmar quem?
— Eu! — a voz de Ayla vem de dentro do
elevador e imediatamente me deito ao lado de
Sabrina.
— Ayla, como você ficou presa aí? Quem
mais está aí com você?
— Estou sozinha, é claro! Com quem mais
o universo faria uma coisa dessas?
Pego o celular e ligo imediatamente para o
responsável pela equipe de manutenção, que me
informa que só pode chegar em algumas horas.
Dispenso os funcionários para que desçam de
escada, tiro o terno, desabotoo as mangas da
camisa e abro alguns botões para me sentir mais
confortável. Então me sento ao lado de Sabrina,
ainda estirada no chão.
— Você podia trazer um café para nós dois,
o que acha? Acho que vamos ficar um bom
tempo aqui — peço.
— Você também vai ficar? Por quê?
Por algum motivo a expressão surpresa e
incrédula dela me machuca.
— É a mulher do meu irmão ali dentro,
Sabrina, por que eu não ficaria? Que ideia é essa
que você tem de mim?
— Tudo bem, não precisa se irritar. Já
entendi que você provavelmente é melhor do
que penso que é — provoca se levantando.
— Provavelmente? De que provas mais
você precisa?
Seus olhos se focam em meus lábios e ela
sorri, um sorriso que nunca havia visto em seu
rosto. Ele atinge aquele tom de vermelho e
entendo que sua resposta não seria algo rude ou
sincero demais. Ela flertou comigo.
Levanto-me imediatamente e ela sai
correndo, gritando que já volta com o café.
— Estou com fome! — Ayla grita de dentro
do elevador.
— Vou dar um jeito de abrir essas portas o
suficiente para passar algo pra você comer, tudo
bem?
Coloco toda minha força nas portas,
amaldiçoando-me por não ir à academia desde o
acidente de Eros. E apenas quando um
segurança chega para me ajudar, conseguimos
abrir uma brecha maior na porta. A vejo
sentada, com uma expressão entediada, mas
sorri quando me vê.
— Ainda bem que você não é claustrofóbica
— brinco.
— Você também? Sabrina disse a mesma
coisa, o que vocês esperam? Que eu agradeça por
não entrar em pânico aqui?
— O que mais você pode fazer, querida?
— Resmungar! — responde e começa uma
falação sem fim com o universo, nem mesmo
consigo entender tudo o que fala, mas cessa
apenas quando Sabrina joga comida dentro do
elevador para ela.

Três longas horas depois a equipe de


manutenção finalmente chega. Sabrina e eu nos
afastamos para que possam fazer seu trabalho e
continuamos esse jogo de nos olharmos e
desviar, como dois adolescentes. Confirmo que
ninguém está prestando atenção em nós dois e
me aproximo dela rapidamente, sem que ela
perceba. Prendo seu corpo entre a parede e o
meu corpo, e ela me olha alarmada.
— Quais provas você quer do quanto
melhorei?
— Você ficou louco?
Ela olha para os lados em pânico e tenta
me empurrar em vão. Seguro sua mão e a levo
até meus lábios, mordiscando seus dedos de
leve.
— Tim, para com isso! Você não pode vir
com esse joguinho de sedução pra cima de mim,
ou juro que não falo mais com você.
Apesar do desespero em sua voz, não cedo.
Observo mais uma vez que ninguém está
prestando atenção em nós dois e aproximo meu
rosto do seu, falando em seu ouvido para que
não escutem.
— Me pareceu que era isso o que você
queria, quando não teve uma resposta para
minha pergunta e fixou seus lindos olhos na
minha boca, mais cedo. Tomei isso como um
pedido.
— Mas não era! Eu apenas me lembrei que
da primeira vez em que o julguei mal você
aproveitou minha confusão mental para me
beijar, foi por isso que olhei para sua boca.
— Isso ainda me parece um pedido.
— Não sou as mulheres com que você sai,
então não pense que sabe me ler, Martim.
Também não vou cair no seu jogo de sedução,
você está perdendo seu tempo.
Encaro seus olhos em chamas e a
expressão irritada e sorrio.
— Acho que tenho um problema. Quanto
mais você disser não, mais vou querer beijar
você.
Ela sorri quase me fazendo perder a cabeça
e realmente beijá-la aqui, na frente de toda
equipe de manutenção e alguns seguranças.
— Não é um problema meu. A gente não
tem na vida tudo o que quer, é uma pena, não é?
— Ah, Sabrina...
Deixo que ela me empurre e se afaste e não
me aproximo enquanto esperamos o resgate de
Ayla porque não posso responder por mim caso
chegue perto demais dela de novo.

Assim que Ayla é resgatada do elevador,


pega o celular e faz uma ligação, então vem até
mim e parece ansiosa demais.
— Tim, você pode nos levar ao hospital
agora?
Concordo, e não deixo de notar o olhar que
troca com Sabrina, que parece entender do que
se trata sua ansiedade.
E se eu fizesse a menor ideia do motivo,
não as teria trago. Assim que chegamos ao
hospital, Ayla aproxima-se de um homem com
cabelo grisalho e porte alto. Ela se apresenta
enquanto observo Sabrina parecendo tensa
demais ao meu lado. E só quando o homem
chama meu nome o reconheço, é o meu pai.
O rosto ainda é o mesmo, e embora a pele
esteja visivelmente mais bronzeada, nota-se que
os anos passaram pelas marcas de expressão que
seu rosto traz agora. Ele me estende os braços e
se aproxima, dando-me um abraço receoso. O
abraço de volta e sinto-me confuso. Como ele
veio parar aqui? Quem conseguiu falar com ele?
Não preciso pensar muito para entender, Ayla o
encontrou. Fez isso pelo Eros. Talvez faça
mesmo bem a ele, mas não parece fazer nenhum
bem a mim.
— Você está bem? — pergunto a ele que
assente, falando sobre o estado de Eros. Quando
Tom Reymond me pergunta como estou, olho
para minha cunhada apreensiva ao seu lado. —
Estou indo, Ayla, qualquer novidade, por favor
me avise.
Dou as costas a eles e saio do hospital. Não
posso falar com ele agora. Estou tentando
pensar antes de dizer qualquer coisa que possa
magoar alguém, e tem dado certo, mas não
consigo quando se trata de algo que me magoa
também. Chego ao meu carro sentindo um
aperto incomum no peito, uma espécie de falta
de ar. Assim que destravo a porta, Sabrina
aparece correndo. Penso que veio pedir que volte
e converse com meu pai, mas me surpreendo
completamente por seu verdadeiro motivo.
— Você está indo pra casa? — Assinto e ela
pede: — Posso ir com você?
Eu devia dizer não, pois não estou no
melhor dos humores e quero mesmo ficar
sozinho. Mas olho seu rosto preocupado e não
consigo dizer não. Pego sua mão, a guio até a
porta do carona e a abro para ela, que entra com
uma careta ofendida.
— Eu não ia bater sua porta agora.
— Com você nunca se sabe — justifico.
Ela não tenta falar nada no caminho até
minha casa, o que agradeço internamente, pois
meus pensamentos parecem desorganizados
demais para que eu consiga conversar agora. O
que eu deveria sentir com a volta dele? Como
deveria tê-lo recepcionado? Fui frio demais?
Condescendente demais com o que fez comigo?
São tantas coisas passando por minha cabeça e
um aperto tão chato no peito, que começo a
pensar não ter sido uma boa ideia trazer Sabrina
esta noite. Não preciso dos seus julgamentos
agora.
Quando descemos do carro, ela tem o
cuidado de não bater a porta, o que me faz rir, e
percebo que talvez precise sim de seus conselhos
agora.
Entramos em silêncio e me sento na
poltrona, tentando organizar meus pensamentos
de forma que não pareça um caso perdido ao
perguntar a ela o que preciso perguntar. Ela me
observa por um tempo, dando tempo para que
eu fale algo, e por fim vai até minha garrafa de
vinho da outra noite, vai a adega e pega uma
taça, servindo-me em seguida. Localiza o
controle da lareira e a acende. Como se fosse de
casa. Como se soubesse que minha rotina é essa
em dias como esse.
Ela parece perceber o quão confuso estou
por sua atitude, pois senta-se de frente para mim
e explica: — Você estava magoado comigo na
outra noite e quando cheguei aqui, estava
sentado aí, em frente a lareira, tomando desse
vinho e ouvindo uma música triste. Agora você
claramente está chateado, chegou e sentou-se aí.
Pensei que era o que faria se eu não estivesse
aqui para forçá-lo a se acalmar antes de falar
qualquer coisa.
— Você se esqueceu da música triste —
brinco.
— Não suporto música lenta, por favor não
me torture.
— É verdade. Nem mesmo as românticas.
— Não sou romântica. Você tem mágoa do
seu pai também, não é?
Bebo um longo gole de vinho antes de
responder sua pergunta e foco minha atenção no
fogo à minha frente, sendo covarde e escolhendo
não encarar sua expressão de acusação com o
que vou dizer.
— É errado me sentir pior do que melhor
com ele aqui? É egoísmo meu guardar essa
mágoa depois de tanto tempo? Quer dizer, são
anos sem vê-lo, estamos passando por uma
situação terrível com Eros e eu deveria ser mais
adulto e perdoá-lo?
— Perdoar não é uma obrigação, Tim.
— Mas estou sendo egoísta, não estou? O
que quer dizer que você estava certa, sou uma
causa perdida.
Viro o resto do vinho e ela imediatamente
me serve mais. Estendo a taça a ela antes de
tomá-la, e ela bebe um pouco, devolvendo-me
logo depois.
— Por que você não me diz exatamente por
que tem mágoa dele?
— Atena foi embora. Ela foi uma mãe
maravilhosa para mim, mesmo eu não sendo
filho dela, até que enlouqueceu e nos deixou. E
tudo bem, eu não tinha mãe antes, o que tive
dela foi um presente inesperado, de toda forma.
Apesar da mágoa que guardo por ela, eu sou
grato a ela por me ter como filho, sempre serei.
Ela assente e pega a taça da minha mão,
sentando-se no braço da poltrona onde estou.
— Mas ele é meu pai, Sabrina. Sangue do
meu sangue. Ele deveria ser a família que não
pode ir embora, a família que fica por mim. E
mesmo assim foi fácil demais para ele nos deixar
e ir. Atena estava louca quando foi embora,
médicos e mais médicos a medicavam, mas ele
não. Ele tomou uma decisão estando sóbrio,
lúcido, racionalmente capaz. Ele não voltou nem
mesmo quando ela enlouqueceu tempos depois e
também foi embora. Ele não deveria ter
pensando em mim? Em Eros? Eros era um
menino perdendo a mãe e onde estava o pai
dele? E agora ele aparece anos depois, quatro
meses depois do filho dele estar em coma e devo
chamá-lo de pai e dizer que o amo? Que está
tudo bem e pronto?
— Como você se sente com a volta dele?
— Confuso. Irritado. Magoado. Tudo
menos feliz. Talvez eu tenha desligado os
sentimentos por ele em mim. Talvez esse seja eu,
frio o bastante para não amar o próprio pai.
Ela abaixa a cabeça e parece tão triste, que
entendo que estou indo longe demais.
— Você pode ser sincera. Pode dizer que
sou egoísta demais e não tenho mais jeito.
— Eu não ia dizer isso — responde olhando
em meus olhos. — Sinto muito que esteja assim,
não era o momento para ter um baque desses.
Você já carrega a culpa pelo Eros, seu irmão não
acorda, sua cunhada não vive, sua mãe parece
instável com tudo o que tem acontecido e você
sequer lidou ainda com a mágoa que tem por ela.
Não era hora do seu pai voltar e trazer todos
esses sentimentos negativos à tona. Eu sinto
muito que tenha que enfrentar o mundo todo de
uma vez.
Olho em seus olhos em busca da
pegadinha, da mentira ali, mas não há. E ela não
é assim, eu sei disso. Ela me diria a verdade
independentemente da situação em que me
encontro. Está sendo sincera. Ela realmente me
entende e eu esperava tanto por suas acusações
que não sei como lidar com sua compreensão. Só
sei que isso de alguma forma me acalma.
— Você não desligou seus sentimentos por
seu pai, você poderia ter recusado seu abraço e
jogado na cara dele tudo o que sentiu ao vê-lo,
mas não fez isso. Você o abraçou, foi cordial com
ele e guardou para si as coisas ruins que sentiu.
Pensou nele antes de descarregar o que estava
tomando você. Logo, acho que você tem salvação
— brinca e bagunça meu cabelo com um sorriso
tímido.
— Se você diz isso sou obrigado a acreditar.
— Não é egoísmo sentir-se magoado. As
pessoas a quem amamos deveriam pensar
melhor antes de tomar decisões que nos
machucam, porque em algum momento elas
terão que arcar com as feridas que nos causam.
Nem todas as feridas podem ser remediadas,
mas Tim, algumas não precisam doer para
sempre. Você não tem que ter pressa. Minha
mãe sempre diz que o perdão não é algo que
você escolhe dar, é algo que você sente
necessidade de dar. Você vai sentir na hora que
tiver que sentir. Enquanto isso, quem causou a
ferida deve tratar de tentar saná-la. Você só
precisa permitir.
Há tanta dor na maneira calma como fala
comigo, como se soubesse exatamente do que
está falando, como se tentasse acreditar nessas
palavras. Seguro sua mão delicada nas minhas e
não olho seu rosto para não desencorajá-la a
falar.
— Você também tem mágoa de alguém, não
é? É o seu pai?
Ela demora um pouco, mas responde.
— É. Por isso disse que você tem salvação,
porque se você não tiver, quer dizer que também
não tenho.
— Ele também foi embora e deixou você?
— Ele foi. É isso, somos gêmeos de pais
ruins.
Sorrio. Levanto-me para encher a taça de
novo e a observo no braço da poltrona,
parecendo tão perdida quanto eu, ainda assim
está aqui tentando me acalmar. Jogo-me na
poltrona e torno a segurar sua mão para que não
se afaste.
— Obrigado por estar aqui. Obrigado por
vir comigo e não me julgar antes de me ouvir.
Você me acalma.
— Droga, Tim, contei meu maior segredo a
você, agora somos amigos.
Sorrio e beijo sua mão.
— Somos oficialmente amigos? — pergunto
e ela assente. — Você me dá sua palavra?
Ela sorri, olhando-me desconfiada. E
parece tão linda com o reflexo da lareira em seus
olhos marrons, que de repente é difícil demais
não tocá-la.
— Acho que estou começando a me
arrepender, mas sim, te dou minha palavra.
Somos amigos agora.
— Isso torna as coisas um pouco mais
difíceis. Um pouco mais interessantes também
— confesso.
— Que coisas?
— É que se fizermos amor esta noite, isso
tornará você minha amiga colorida, o que você
disse que não queria ser. Seria mais fácil se não
fôssemos amigos.
Seu sorriso dura um segundo, assim como
a surpresa em seu rosto. Ela se recompõe tão
rápido, que me faz rir, me faz esquecer de
porque está aqui e de tudo mais o que deveria
estar me preocupando agora.
— Uma pena termos ficado amigos assim,
em cima da hora, e você ter que cancelar seus
planos! — comenta alto demais, falhando em seu
tom de ironia costumeiro.
Não consigo desviar meus olhos dos seus,
nem desfazer o sorriso bobo que se estende em
meu rosto.
— Passe a noite comigo hoje — peço.
— Nem pensar.
— Não vou seduzir você, só farei com você
o que quiser que eu faça, Sabrina.
— Ótimo! Quero que me deixe ir embora.
— Preciso que você fique comigo para eu
me sentir bem.
— Você parece muito bem! Está até
sorrindo.
— Este sorriso é você. Se você for, a
escuridão volta.
Ela tomba a cabeça com um sorriso tão
lindo, que preciso mesmo me controlar para
convencê-la a ficar, ao invés de beijá-la agora e
fazê-la fugir em seguida.
— Adorei seu lado poeta, você devia
investir nessa carreira. Mas não, não posso ficar,
não é uma boa ideia.
— Porque você tem medo de acabar na
cama comigo, ou porque hoje você está
suscetível demais a mim?
Ela se assusta com minha observação e
tenta se afastar, mas não permito. Calmamente
seguro sua cintura, notando que ela mal respira
enquanto me observa.
— Tem dias que você parece mais inclinada
em ser legal comigo. São dias em que sorri mais,
é doce, compreensiva e sempre nesses dias, você
foge de mim. Me evita o máximo que pode.
Ultrapassei limites com você hoje, e ao invés de
me mandar para o inferno e se afastar, você foi
doce e brincalhona. Hoje é um desses dias, não
é? Em que você não consegue ser má comigo.
— Às vezes, você me confunde e me faz
querer ficar perto de você. Quando percebo isso,
eu me afasto. Porque você não merece a Sabrina
boazinha geralmente.
Sorrio.
— Eu realmente amo a sua sinceridade. E
adoro a Sabrina má, não precisa ser boazinha
comigo.
— Você disse que não ia me seduzir.
— Não é o que estou fazendo. Mas se você
sentiu...
— Eu vou embora agora — avisa de repente
levantando-se, mas não permito que se afaste
demais, a puxo pela mão para meu colo e a beijo
antes que ela impeça.
Dura apenas um segundo. Nossos lábios se
tocam com desespero e ansiedade, e no segundo
seguinte viro a taça de vinho em sua roupa e ela
se afasta, gritando pelo líquido frio em seus
seios. Há uma mancha enorme em sua blusa, e
ela tenta limpar a barriga, o que indica que o
líquido escorreu.
— Sinto muito. Suba, vá se lavar, pegue
algo quente e seco para vestir. Eu a levo em casa
depois.
— Você bebeu demais, eu vou trocar de
roupa e vou embora de táxi. Mas você pode
pagar o táxi se quiser, porque você mora muito
longe.
Concordo e ela sobe as escadas enquanto
corro até a cozinha e quase enfio a cabeça
debaixo da água fria. Porque imaginar o líquido
vinho escorrendo por seus seios e barriga é
demais para mim.

Ouço o barulho do chuveiro ao subir as


escadas e percebo que ela está no meu quarto, no
meu banheiro, nua.
Se eu for até ela, posso convencê-la a fazer
amor comigo. Se eu for até ela, acabo de uma vez
com esse desejo louco que ela desperta em mim.
E em seguida ela vai fugir e vai me evitar por
muito tempo. Talvez não seja mais a minha
bruxinha conselheira por isso.
Saber que está nua neste momento a uma
porta de distância de mim torna injusta a
balança que tenho nas mãos. Ela pende para um
lado. Ela me faz querer abrir essa porta. O som
do chuveiro cessa e minha mão para sobre a
maçaneta da porta do banheiro. Abro ou não
abro? O quanto posso resistir a esse desejo que
sinto por ela? O quanto doerá se eu perdê-la
depois?
De qualquer jeito eu perco. De qualquer
jeito eu ganho. A decisão está tomada.
Sabrina
A água quente de nada serve para
organizar meus pensamentos descoordenados.
Meu corpo ainda formiga em ansiedade, e meu
ar demora a voltar ao normal.
— O que está havendo com você? É do Tim
babaca que estamos falando. O homem tem uma
lista, Sabrina, uma lista de mulheres que
passaram em sua cama. Você quer se tornar a
próxima? — lembro a mim mesma, sabendo,
como sempre, que quase nunca escuto meus
próprios conselhos.
Talvez seja uma boa hora para começar.
Isso mesmo! Primeiro, preciso sair desta casa o
mais rápido possível. Tim estava certo, este é um
dia em que estou suscetível a ser legal com ele.
Ele é um homem muito bonito, com os olhos
negros, a barba por fazer, o cabelo caindo sobre
os olhos e o sorriso cafajeste. É ainda mais belo
sendo sincero e se abrindo como fez a pouco. E
sabe ser sedutor sem o menor esforço.
E eu sou uma humana, uma reles mortal
que não transa há muito tempo e,
definitivamente, não é imune à sedução dele.
— Não sou imune àqueles olhos apertados,
procurando a resposta para todas as suas
perguntas em mim, meu Deus! Também não sou
imune àquele sorrisinho idiota surpreso, ou
admirado quando o faço rir em um momento de
tristeza. Ah, meu Deus! Não sou imune a quase
nada nele!
Desligo o chuveiro e me seco rapidamente.
Visto a lingerie de costas para a porta, mas não
preciso olhar para saber que ele está aqui.
Passou pelo closet e está dentro deste banheiro
comigo. E estou quase nua.
Minha respiração parece pesada demais, e
meus movimentos se tornam mecânicos. Ao
invés de vestir a blusa que escolhi dele, com a
maior rapidez possível para escapar, estou
fazendo isso o mais devagar possível. Mas não é
de propósito. Não consigo me mexer rápido
quando a tensão que me toma pesa cada um dos
meus movimentos.
Ele passa por mim e se recosta na
banheira, avaliando meu corpo descoberto
minuciosamente. Não me concentro na maneira
como está me olhando, porque não sou de ferro.
Deixo que olhe meu corpo nessa minha
incapacidade de me mover como uma pessoa
normal, mas bem, não sou nenhuma garotinha
que precisa se esconder. Mesmo porque não há
nada demais à mostra. Passo a blusa preta pelos
braços e ela gruda em meu corpo meio molhado.
Então reúno toda minha coragem para olhar em
seus olhos.
— Você é incrivelmente linda! Uma visão e
tanto, Sabrina!
Sua voz baixa e rouca não ajuda em nada
na tarefa árdua de recuperar meus sentidos.
— Tim, nós bebemos demais.
— Você está ressaltando isso porque a
culpa do nosso quase beijo foi da bebida? Ou
porque quer uma desculpa para não fazermos
amor agora?
O banheiro está um pouco nublado pelo
banho quente recém tomado, ainda assim sou
capaz de sentir seus olhos sobre mim, o fogo que
vem deles, o desejo dele. De repente parece que
entendo todas aquelas mulheres da lista. Ele é
quase irresistível. Tem uma aura de poder e
sedução quase palpáveis.
— É disso que estou falando. Bebemos
demais para qualquer coisa. Acabamos de passar
ao estágio amigos, não vamos meter os pés pelas
mãos.
— Antes de entrar neste banheiro, sabendo
que a encontraria nua, eu pensei muito, Sabrina.
Eu tinha uma pequena balança nas mãos. Se eu
entrasse, levaria você pra cama e saciaria de uma
vez toda essa loucura que você desperta em mim.
E então a perderia depois. Se eu não entrasse,
ainda teria a melhor amiga que já tive ao meu
lado, e continuaria a desejá-la mais do que
qualquer outra coisa que já desejei na vida. Foi
bem difícil tomar uma decisão.
— Você entrou — observo com um fiapo de
voz enquanto ele se levanta e vem até mim
devagar.
— Entrei, quando essa noite passar você vai
dizer que fui falho, fraco, e talvez seja verdade. —
Ele acaricia meu rosto de maneira tão delicada,
apenas a ponta do dedo em um toque leve e
delicioso. — Mas quero que a decisão fique com
você. Se você me disser que vai me deixar
completamente depois, não irei tocá-la mais.
Mas, se me disser que há uma chance, por
menor que seja, de fazermos isso e eu não perdê-
la, Sabrina...
— Eu vou fugir depois, não quero ser mais
uma na sua lista. Se você me tocar agora, eu vou
ceder, porque você fez isso, você me seduziu.
Mas eu vou fugir, me conheço o bastante para
saber disso. Mesmo que eu não queira, mesmo
que você me procure, não serei mais sua amiga.
Demorei a considerá-lo meu amigo, Tim, porque
amigo é algo valioso demais para mim. Um
amigo é alguém por quem eu morreria. Alguém
com quem dividiria a minha vida. Se
ultrapassarmos essa barreira...
— Não seremos mais amigos — ele
completa e se afasta.
— Você precisa me dar sua palavra que não
vai mais fazer isso. Você teve sua prova, eu
gritava aos quatro cantos que era imune a você, e
não sou. Claramente não sou, mas não me toque
assim mais.
— Não posso te prometer isso — responde
dando as costas a mim.
E eu realmente odeio essas respostas
vagas. Odeio essas indecisões. Porque sei que ele
vai fazer de novo, eu vou ceder na próxima, e vou
perder alguém a quem aprendi a amar como
amigo.
— A culpa não é só minha! — diz de repente
virando-se para mim, claramente irritado. —
Você é linda demais, é forte e delicada, é esperta
e segura. Você tem uma luz que me atrai como
um ímã, um sorriso que me deixa sem ar e o fato
de sermos amigos, não me faz deixar de enxergá-
la como a mulher linda que você é, sinto muito.
Seus olhos buscam os meus e há um
conflito presente neles. O mesmo que está
presente em minha mente. E antes que um de
nós ceda, saio do banheiro e visto minha calça.
Ele vem atrás de mim e escuto sua voz antes
mesmo de vê-lo aproximar-se.
— Tudo bem, se é tão importante para
você, se é o único jeito de mantê-la na minha
vida, não farei mais isso. Ao menos, vou tentar
muito não fazer. Mas...
Espero sua conclusão e ela não vem. Então
me viro para ele, encorajando-o a terminar a
frase.
— Mas o quê? Sou curiosa, você sabe disso.
Complete o que ia dizer!
Ele sorri. Aproxima-se devagar parando a
centímetros de mim. Tão perto que a blusa que
usa toca a blusa que estou usando. Tão perto,
que a malícia em seus olhos é quase um toque
nos meus.
— Mas preciso de um último beijo se não
poderei beijá-la mais — completa rapidamente e
no segundo seguinte suas mãos se prendem em
minha cintura e seu corpo toca o meu por
completo. Sua boca alcança a minha e sua língua
me toma sem piedade.
Correspondo porque não tenho escolha.
Mas se tivesse ainda assim corresponderia,
apenas este beijo, porque é uma despedida. Uma
despedida da coisa mais quente e intensa que já
senti. Sua boca domina a minha com desespero,
e apenas quando o ar começa a nos deixar, ele
diminui o ritmo do beijo, mordiscando meu
lábio inferior e sugando-o em seguida.
Estou completamente mole e aturdida. Ele
se afasta devagar e passa por mim como se não
estivesse nem um pouco afetado pela
intensidade do beijo. Claro que não está! Toda
essa intensidade está nele, é ele. Todos os beijos
dele devem ser assim. Por isso essas garotas
nunca deixam de procurá-lo, por isso elas o
disputam.
— Fique aqui, está tarde — diz e não me
viro para olhá-lo.
— Eu não acho que...
— Eu vou dormir lá embaixo.
— Tudo bem, boa noite.
Ele fecha a porta e não responde. E me jogo
sobre a cama finalmente respirando de novo.

Todas as manhãs, preciso de um


despertador no volume máximo para despertar.
Tem que ser no susto, na grosseria, ou não
acordo. Mas não nesta. Acordo ao menor
barulho dentro do quarto e mantendo-me
quietinha, embolada na coberta, abro apenas um
olho me situando, e vejo Tim. Ele está em seu
closet, a porta aberta, apenas de cueca,
procurando algo para vestir. Meu sono se vai
rapidamente enquanto observo em detalhes suas
costas definidas e o bumbum grande. Por que
um homem precisa de um bumbum desses?
Ele se vira e fecho os olhos, segurando para
conter o sorriso por quase ter sido pega
admirando-o. Não ouço passos, não tenho
certeza se posso abrir os olhos. Resmungo algo
fingindo me mexer, pois caso eu seja pega,
poderei fingir que acordei agora. Abro apenas
um olho e ele está de frente agora, vestindo uma
blusa. Seu torso é coberto por poucos pelos,
muito bem divididos. Ele é mais magro do que
Eros era antes do acidente, ainda assim definido.
Os pelos acompanham os músculos de sua
barriga e descem por um caminho...
Fecho os olhos antes que seja pega e fico
quietinha. Pouco depois, ouço seus passos, deve
ter terminado de se vestir. Sinto seu perfume
quando ele se aproxima, acaricia meu cabelo
bem de leve para não me acordar e de repente
grita no meu ouvido: — Levanta! Sei que está
acordada me espionando em silêncio, que bela
oportunista você é!
— Te espionando? Só nos seus sonhos —
respondo levantando-me enquanto ele ri. — Eu
preciso ir embora, não tenho roupa para ir
trabalhar e não vou chegar lá com suas roupas
ou vão pensar...
— Que você é mais uma da minha famosa
lista — completa debochado. — Às vezes penso
em perguntar a você quem está fazendo essa
lista para mim.
— Engraçadinho.
Vou ao banheiro e lavo o rosto
rapidamente. Pego um pente dele e dou um jeito
no cabelo, percebendo que a raiz castanha agora
já alcança meus olhos. Esse cabelo desbotado e
colorido está mesmo terrível. Minha blusa tem
uma mancha horrorosa de vinho e preciso ir
embora com a blusa dele.
Aproximo-me enquanto ele calça os
sapatos, sentado na cama e estendo minha blusa
diante de seus olhos.
— Olha o que você fez.
— Sinto muito, eu te compro uma nova.
— Não precisa. Já peguei uma nova —
comunico e desço para fazer um café rápido,
nessas maquininhas que odeio mesmo, apenas
para garantir que estarei acordada ao chegar em
casa e ser interrogada por minha mãe astuta
sobre o motivo de eu ter passado a noite na casa
do meu chefe de novo.
— Então você roubou minha camisa? —
pergunta divertido entrando na cozinha.
— Não, você me devia uma, eu peguei uma.
Isso não é roubar.
Ele se senta ao meu lado e me observa com
um sorriso.
— Por que você não tem namorado?
Quase engasgo com o café quente por sua
pergunta repentina.
— Falando de blusas... — brinco e ele sorri
ainda mais. — Porque não! — Seus olhos se
focam nos meus esperando que fale a verdade. —
Apenas não tenho. Tem que haver um motivo
para isso?
— Você é linda e louca. Uma combinação
perigosa demais para não ter mais alguém além
do Uli interessado em você. Claro, estou me
esquecendo do Tulio, ele também está bastante
interessado em você — completa com uma
careta.
— Eu sou interessante, já entendi. O que
posso dizer? As pessoas que se interessam por
mim não são tão interessantes quanto eu —
brinco dando uma piscadela para ele.
— Sabe o que observei? Você não dormiu
atravessada na cama esta noite.
— Uau! Como você muda de assunto! —
Levanto-me antes que seja pega na minha
mentira inocente e pego minha bolsa. —
Adoraria ficar aqui batendo papos aleatórios
com você, chefinho, mas tenho que ir.
— Eu irei levá-la. Claro, se você prometer
que não vai bater a porta do meu carro.
— Se alguém te escuta falar assim, vai
pensar que minha mãe não me deu educação —
resmungo e ele me segue rindo.
Mas não destrava o carro quando me
aproximo dele, ao invés, abre a porta para mim e
me espera entrar para então fechá-la. Logo que
se senta ao meu lado, observo: — Uma mulher
louca torna um homem cavalheiro. Guarde esta
reflexão do dia.
Ele ri alto arrancando com o carro.
— Vou chegar bem atrasada — comento
observando a hora.
— E vai tomar uma advertência — ele
responde em um tom de voz sério.
— Atreva-se a me advertir! Eu fui na sua
casa para ajudá-lo, seu ingrato! Fiquei lá porque
você jogou vinho em mim ao me agarrar. Me
advirta que eu te denuncio!
— Por que você não acredita em amor?
— Por que você está mudando tanto de
assunto hoje?
Ele sorri antes de responder, os olhos em
nenhum momento se desviam da estrada à sua
frente.
— Estou falando do máximo de coisas
possíveis, porque esta manhã você está
suscetível a mim como nunca esteve, bruxinha.
Está num bom humor admirável!
Volto em minha mente desde o instante em
que acordei, buscando um meio de desmenti-lo,
mas ele está certo. Desde quando acordo de bom
humor?
— Foi culpa da boxer — comento baixinho
e ele solta uma risada que me prova que não foi
tão baixinho assim. Rapidamente, respondo sua
pergunta para mudarmos de assunto. — Eu
acredito em amor. Sou a melhor amiga/diário
humano de Ayla Reymond. E também sou amiga
do Eros. Impossível não acreditar em amor
depois de acompanhar esses dois.
— Então por que você não quer vivê-lo?
— Não é que eu não queira. Tudo bem, até
um tempo atrás eu realmente não queria. É que
eu vi o amor, ele tira sua capacidade de escolha,
eu trabalhei muito para me tornar a pessoa que
sou hoje. Para lidar com meus medos, culpas,
defeitos e qualidades. E não queria mesmo
perder tudo isso porque alguém de repente me
faz sentir diferente do que sempre fui e faz ser
melhor para mim ser outra pessoa.
— Você falou no passado. Mudou de ideia
quanto a isso? Está em busca de um amor
também? — pergunta olhando para mim pela
primeira vez desde que saímos de sua casa.
— Sim e não! Não posso dizer que estou
pelas ruas acenando e chamando o cupido, mas
não vou mais surtar se isso acontecer.
— Tem a ver com as pessoas que você
andou visitando no hospital? Ayla disse que você
ficou muito mexida com algumas delas.
Assinto e viro-me para frente. Encerrando
o assunto.
— Percebeu que está velha demais e nunca
foi amada? — ele provoca com um sorriso.
— Percebi que estou velha demais e nunca
amei. Eu deveria passar por isso uma vez, para
depois poder odiar isso ou não. Para ter minha
liberdade de escolha. Não há uma escolha
quando você não sabe o que há nos dois lados da
balança que está segurando.
— O amor não faz você mudar assim,
Sabrina. Ele não tira suas escolhas, as coisas que
aprendeu, a pessoa que você é. Ele intensifica
tudo o que sabe, aprofunda tudo o que sente,
aumenta sua percepção de tudo. Você não deixa
de ser você, apenas se torna uma você mais
completa. Vai amar as mesmas músicas que
amava antes e mais algumas. Vai gostar dos
mesmos filmes e mais alguns. Vai enfrentar
alguns medos, em contrapartida, ganhar novos.
Vai entender mais sentimentos que vivem
dentro de você, que você desconhecia, e se
conhecer mais. Não é que você mude, é que você
se conhece.
Observo seu perfil e me lembro de sua
busca por esse amor que tanto quer viver.
Depois de um passado como o dele, de uma
família tão problemática em amor como a dele,
me surpreende que ele tenha tanta estima por
um sentimento que nas mãos erradas pode ser
tão destrutivo.
— Você já se apaixonou? — pergunto.
— Não assim. Não para perder meu sono.
— Você parece estar ansioso para deixar de
dormir.
Ele sorri.
— Você não está? Trata-se de uma coisa
óbvia. Amor verdadeiro é algo raro, quase
ninguém o vivencia. Claro, todo amor é
verdadeiro ao seu modo, mas este amor que
estamos falando, não é para todo mundo. Eros
foi escolhido, Ayla foi merecedora. Não é uma
punição, é uma recompensa.
Estou tão concentrada na paixão com que
ele fala sobre esse sentimento, que quando meu
celular toca, levo um susto. Paramos em um
sinal e vejo o nome de Tulio na tela, Tim
também vê. Ele desliga antes que eu atenda e
envia uma mensagem. Rapidamente digito uma
resposta. Tim não diz mais nada o resto do
caminho, apenas quando chegamos à minha
casa.
— Obrigada pela carona, chefe. Nos vemos
daqui a pouco na empresa.
— Sabrina, eu não disse essas coisas sobre
amor para você ir correndo procurá-lo em
qualquer um, tudo bem?
Fico tão confusa que apesar da porta já
estar aberta, não saio do carro.
— Não sei do que você está falando.
— O amor não é para qualquer um. Não é
qualquer pessoa que irá senti-lo por você. Não
adianta marcar encontros e trocar mensagens
com a pessoa errada.
— Você está falando do Tulio?
— Estou falando de qualquer um que possa
te mandar mensagens a essa hora da manhã.
Você não procura o amor assim, ele a encontra.
— Não estou procurando o amor assim, e o
que é isso agora? É errado trocar mensagens
com ele, mas não é errado falar de amor com
você?
Ele sorri, a careta que estava em seu rosto
se desfazendo.
— Cada um tem seus meios para procurar o
amor, Tim.
Seu sorriso some e ele me encara
impaciente.
— Desça, você vai se atrasar demais se
ficarmos com essa conversação sem sentido —
ordena.
— Com você pode?
— Não entendi sua pergunta — responde
desviando os olhos dos meus.
— Você entendeu sim! Estou liberada para
procurar esse amor em você?
Ele abre a boca para responder, mas o
advirto antes: — Pense bem no que vai
responder, Tim. Já tivemos essa conversa
quando você entrou em pânico pela brincadeira
da minha mãe no outro dia, lembra-se? Fizemos
um acordo.
Ele volta a sorrir, olha em meus olhos e
ainda acaricia meu rosto antes de falar.
— Não vou responder então, Sabrina.
Agora desça do meu carro.
Desço como ele ordena, e antes que ele
complete a ordem que eu não bata a porta, a
bato com toda força e me sinto vitoriosa.

Ao final do expediente, ligo para Ayla


apenas para ter certeza que ela não precisa de
companhia. Desde a chegada de Tom Reymond,
Ayla parece melhor. Ele tem passado um bom
tempo com ela, contando histórias de sua vida, e
de seu amor do passado. Apesar do final
desastroso que sua história de amor teve, de
alguma forma ela fez com que Ayla tivesse mais
esperança em um final feliz para a história dela.
— Tem certeza que pode ficar sozinha? Eu
não me importo em ir, você sabe.
— Tenho, Sabrina, obrigada. Estou bem,
estamos bem. Estou lendo Jane Austen para ele.
— Ele deve saber todos esses livros de cor,
mas tenho certeza que se pode te ouvir, está
adorando passar esse tempo ouvindo histórias.
— Vá descansar e não se preocupe comigo,
Sabrina. Aliás, e o Tulio? Ele veio aqui hoje e
disse que não consegue falar com você. Pensei
que fosse sair com ele. Você perdeu o interesse?
— Não, eu ia. Quer dizer, eu vou. Eu vou
retornar, ele só me ligou em horários
inoportunos, foi por isso.
— Sei...
— O que é essa voz de desconfiança, agora?
Aliás, você não devia me irritar. Vai precisar de
mim em algumas semanas, querida. Vai precisar
de mim grudada em você feito uma sombra.
— Ah, a maldição dos dois meses.
— Essa mesma! Eros era sua sorte, ele
dormiu e você ficou desprotegida. Veja bem,
você explodiu a cafeteira do hospital quando
tinha dois meses que ele estava dormindo, ficou
presa no elevador aos quatro. Coincidência? Não
para você, amiga! Nos seis meses estarei
grudada em você o tempo todo.
— Sabrina, bata em uma madeira agora
mesmo, o universo saber ser sádico, se ele
entende que isso é um joguinho estarei ferrada.
— Já estou batendo, nada acontecerá aos
seis meses.
— Eros vai acordar antes disso.
— Eu sei! E ele é sua sorte. Nada vai
acontecer.
— Te odeio! — grita e desliga o telefone e
me pego rindo por quase cinco minutos por ter
conseguido assustá-la.
Maldição dos dois meses! Só mesmo a Ayla
para cair nessa.

Enquanto procuro a chave perdida entre o


milhão de coisas espalhadas na minha bolsa,
noto pelo canto do olho uma sombra se
movendo ao meu lado. Levo um susto, mas é
apenas Uli.
— Merda, Uli! Por que está aqui no escuro?
— Estava esperando você.
— Não podia fazer isso dentro da minha
casa, ou no mínimo na calçada como uma pessoa
normal?
— Você me veria e eu queria vê-la sem ser
visto.
— Para que? — pergunto impaciente por
minha chave que não aparece.
— Seu chefe anda te dando carona quase
todos os dias, não é? Eu só queria ver isso.
Encaro o moleque ao meu lado, Ulisses é
uma cópia fiel de Ayla. O mesmo cabelo
castanho, o mesmo furo no queixo, que agora
contém uma leve penugem, os mesmos olhos
inocentes e uma queda enorme por amores
proibidos.
— Não namoraria um homem que ficasse
controlando com quem eu chego em casa —
comento irritada, quando minha mãe abre a
porta acabando com minha guerra com a bolsa.
Ulisses entra atrás de mim e a
cumprimenta. Entro no quarto e tiro a jaqueta,
jogando-a junto com a minha bolsa sobre a
cama. Quando vou tirar a blusa, noto Ulisses de
olhos arregalados me encarando.
— Quer me dar licença?
— Você está se sentindo sozinha? — grita
enquanto o empurro para fora do quarto e fecho
a porta. — Ayla não está presente nos últimos
meses. Você procurou outro amigo, e eu entendo
isso, mas tinha que ser ele?
— Qual o problema com ele? — grito de
dentro do quarto.
— Um homem, Sabrina! Pior, um homem
bonito e rico! Por que não arrumou outra amiga
pobre e desastrada? Ou um amigo do trabalho,
pobre e feio? Por que seu chefe?
Abro a porta segurando o riso e encaro sua
careta engraçada.
— Quer jantar comigo hoje? — pergunto e
seus olhos brilham, mas ele tenta se controlar.
— Claro! Onde você quer ir?
Pego sua mão e despeço-me de mamãe que
está debaixo de sua manta, estirada no sofá
ouvindo sua novela.
— À casa da sua avó. Estou com saudade da
comida da tia Sofia.
— Isso não é jantar com você! — reclama,
mas me segue até sua casa.

— Boa noite, família, tome tia Sofia, guarde


essa criança dentro da sua casa com as outras,
ele anda me importunando.
Sofia se aproxima de Ulisses e o acerta com
um tapa na orelha, fazendo as gêmeas rirem.
— Ulisses, Sabrina é uma mulher e você é
um moleque! Deixe a pobrezinha em paz!
— Não é justo! Vocês não me deixam
crescer! Ulisses só serve para aprontar! Ulisses
ainda é um moleque! Como vou crescer se vocês
me olham como se eu tivesse cinco anos? — grita
se rebelando.
Sofia e eu o encaramos entre surpresas e
segurando o riso. E Sofia pisca para mim antes
de respondê-lo.
— Muito bem, você está certo! Sabrina, por
que não damos uma chance ao nosso
homenzinho de mostrar que cresceu? Você sai
com ele amanhã para jantar?
Faço uma careta, mas Sofia está segurando
o riso, então decido entrar na dela.
— Claro! Veja bem, Ulisses. Estou te dando
a chance da sua vida comigo, escolha bem onde
vai me levar e o que vamos fazer, porque se você
falhar...
— Vai deixar a Sabrina em paz de uma vez
por todas! — Sofia completa e percebo o medo
que toma seus olhos.
Penso que ele vai dar para trás e desistir,
mas me surpreende completamente quando uma
esperança toma seu rosto e ele assente, cheio de
si.
— Vai ser a melhor noite da sua vida! —
promete antes de subir correndo ao seu quarto.
Encaro Sofia com a comida entalada na
garganta.
— O que você fez comigo? — questiono.
— Não, querida, não se preocupe. Ele vai
desistir antes da hora.

Na noite seguinte, ao encerrar o horário de


trabalho, vejo no celular doze mensagens de Uli.
Respondo a última, confirmando que estou indo
para casa e até penso em dar uma desculpa, pois
estou bastante cansada, mas são doze
mensagens de um adolescente animado, acabo
ficando com pena. Mesmo porque, que mal vai
fazer jantar com o irmão mais novo da minha
melhor amiga?
Estou esperando o ônibus quando o Audi
de Tim para na minha frente. Aproximo-me da
janela e ele diz: — Você quer ir comer alguma
coisa?
— Sinto muito, não posso. Tenho um
encontro.
— É mesmo? Com quem? Estou
perguntando como seu amigo, claro.
— Claro! — concordo segurando o riso. —
Um homem do meu bairro. Um amigo de anos
da minha família, minha mãe insistiu, a mãe
dele também, você sabe, não tive como dizer
não.
Ele olha para o volante um tempo, e
pergunta: — E o que esse homem faz que não
veio aqui buscar você?
— E me ver bagunçada desse jeito depois
de um dia inteiro de trabalho? Não mesmo! Eu
pedi a ele que me buscasse na minha casa.
— E onde vocês vão?
— É surpresa.
— Você detesta surpresas que eu saiba.
— Mas vou deixar passar essa por conta
daquela nossa conversa, lembra? Você disse pra
eu deixar o amor me encontrar, estou seguindo
seus conselhos.
Ele abaixa a cabeça e anda com o carro,
encostando-o próximo a calçada. Desce em
seguida.
— Então, você tem um encontro. Está
nervosa?
— Assustada, na verdade — respondo com
toda sinceridade.
— É alguém que a deixa assim, com medo?
— Ele me deixa constantemente apavorada.
Ele procura em meus olhos a mentira, mas
não estou mentindo, então assente desanimado.
— Em uma escala de zero a dez, quais você
acha que são as chances de esse cara ser o amor
da sua vida?
— Como é que eu vou saber? Além do mais,
você é um amigo muito curioso! Eu não
pergunto o que você faz com as suas noites, onde
vai, com quem vai. Nunca perguntei quem
frequenta aquele seu quarto do sexo, por
exemplo!
Ele sorri e se aproxima, e eu devia saber
que sempre que se sente relaxado demais assim
comigo, é um perigo eu permitir que ele se
aproxime.
— Não é um quarto do sexo, este é um
termo frio demais, não acha?
— Como você o chama então? Você só vai
lá para fazer sexo. Além de uma cama o que mais
há lá?
— Lembranças — responde aproximando-
se mais.
— Ridículo!
— É meu quarto de hóspedes. Sou um
amigo curioso e você uma amiga ciumenta.
— Hóspedes... quando eu dormi na sua
casa você sentiu vergonha de me colocar para
dormir lá, não chame de quarto de hóspedes.
— Eu coloco meus hóspedes para
dormirem lá. Não coloquei você porque achei
que ficaria mais confortável na minha cama.
Acho que você aprovou a ideia.
Seus olhos negros têm aquela puxadinha
no canto de quando está sorrindo
constantemente, e geralmente quando estão
assim, os meus estão semicerrados pelo quanto
ele me irrita.
— Essa conversa está chata e meu ônibus
chegou. Boa noite, amigo.
Ele observa o ônibus parar e dou um passo
em direção a porta de entrada, quando ele
segura meu braço com firmeza e deposita um
beijo no meu pescoço. Sua barba arranha minha
pele com força, provocando um leve ardor e
quase perco o ar. Mas, bancando a forte, o
encaro com uma careta e subo no ônibus
mantendo o bico de quem não gostou da sua
atitude. Apenas quando o ônibus se afasta e não
posso mais vê-lo, é que toco o pescoço voltando
a respirar.

Ulisses já me espera na sala quando chego


e prometo me arrumar em dez minutos. Meu
guarda-roupa está aquela zona de sempre e será
impossível conseguir uma roupa decente nesse
tempo.
— Também, onde ele poderia me levar? No
cachorro quente da esquina, com certeza, não
preciso me arrumar — converso comigo mesma
quando ele responde irritado do corredor: — Eu
ouvi isso! Vamos a um barzinho, sua ingrata!
— Foi mal! — desculpo-me e para provar
uma teoria, pego a roupa que já está separada.
A que acabei de lavar e passar e por acaso
está pendurada ao invés de embolada com as
outras. A roupa que usei para ir no jantar com
Tim. A blusa verde neon e a calça em paetês nas
laterais. Não passo a maquiagem berrante, mas
estou tão acesa com essa roupa que me pergunto
como tive coragem de sair com ela.
Assim que apareço na sala, Ulisses perde a
fala. Ele abre a porta e despede-se de minha
mãe, saindo irritado.
— Um homem sempre deve elogiar uma
mulher que se veste unicamente para sair com
ele, sabia? — ralho.
— Ah, sinto muito. Você está linda,
Sabrina.
— De verdade? Você não acha exagerada
minha roupa?
— De verdade, você está ótima! — responde
tentando conter a careta e preciso segurar meu
riso.
— Você não prefere que eu mude? —
insisto.
— Não! Você está ótima!
— Ah, Uli, você tem tanto a aprender!
Desço os degraus até a rua e ele se
aproxima de uma bicicleta, monta nela e me
chama com um sorrisinho idiota no rosto.
— Venha, meu amor, suba aqui comigo.
— Você está falando sério? Não podemos ir
andando? — questiono quase voltando correndo
para dentro da minha casa para me esconder
debaixo da cama para sempre.
— Vai ser mais rápido assim. O que foi?
Agora só anda de carro sport?
— Segura essa língua, seu moleque! —
ralho e aproximo-me pensando como vou me
encaixar nessa coisa.
Sento sobre o quadro duro e o joelho de
Ulisses fica batendo na minha perna o caminho
todo, enquanto eu claramente o desequilibro.
Durante todo o percurso, vou falando palavrões
baixinhos e reclamando comigo mesma,
enquanto Ulisses se intromete na minha
conversa particular sempre com seus pitacos
errados.
Ele dá duas voltas pelo mesmo quarteirão e
enquanto rezo para não ser vista nesse quadro
de bicicleta feito uma adolescente com um
moleque nove anos mais novo do que eu, xingo
Sofia mentalmente. Ela vai me ouvir por isso!
— Por que você está dando voltas? —
pergunto finalmente ele se dirige até o bar da
esquina da minha casa. — Isso não é um
barzinho, é o bar da esquina!
— Um barzinho! Por acaso ele é grande?
— O que vamos fazer aqui, com esses
homens bêbados gritando truco, Ulisses?!
Comer torresmo cabeludo e linguiça?
— Foi por isso que eu a trouxe aqui. Você
tem andado demais com seu novo melhor amigo
riquinho, e quero que se lembre das suas raízes.
A Sabrina que amo jamais reclamaria por vir a
um simples bar.
— Então você ama uma Sabrina que nunca
existiu, querido! Porque não consigo imaginar
uma situação da minha vida em que eu ficaria
feliz por vir amassando a minha bunda nesse
quadro de bicicleta a um bar de truco! Pensa,
Uli, quando você me viu aqui?
Ele pensa um pouco e conforme seu rosto
vai ficando vermelho, percebo que entendeu.
— Isso não é nada a sua cara — admite
cabisbaixo.
Monto de novo no quadro da bicicleta.
— Vamos, me leve ao cachorro quente da
outra esquina.
Ele sobe na bicicleta e tagarela o caminho
todo que a culpa foi do Toni, seu amigo do curso,
que disse que ele devia me fazer viver as coisas
boas da pessoa que sou de verdade. Que assim
eu desconsideraria tudo o que riquinho pode
estar fazendo por mim.
Enquanto comemos cachorro quente,
algumas pessoas nos olham e cochicham sobre a
minha roupa. Realmente não me incomoda, não
que eu aprove o look que estou usando, ou goste
dele. Ele é mesmo terrível. Mas elas não sabem
disso. Talvez eu gostasse mesmo de sair acesa
pelas ruas e qual o problema com isso?
Enquanto tomo um pouco do refrigerante, vejo
Ulisses quase enfiando o lanche todo na boca.
— O que está fazendo? Que pressa é essa?
— pergunto curiosa.
— Coma rápido para sairmos de perto
dessas pessoas. Estão todas olhando pra você.
Seguro o riso ao ver o quão vermelho seu
rosto está.
— Você está com vergonha de mim? —
grito de repente levantando-me.
Ulisses arregala os olhos e tenta segurar
minha mão.
— Sabrina, isso não é hora para os seus
shows, eu entendi seu recado, já entendi. Vamos
comer devagar.
— Não foi você que disse que tenho que me
lembrar das minhas raízes e voltar a ser eu?
Quando saímos juntos que eu não tenha dado
um show por alguma coisa?
— Não essa parte, não precisa lembrar essa
parte. Você está equilibrada ultimamente.
Ninguém está rindo da sua roupa. Sabrina...
— Seu monstro! — grito em um teatro. —
Me traz até aqui no quadro da bicicleta para rir
da minha roupa? Por que então me tirou de
casa? Juntei todo dinheiro que tinha para
comprar isso por você! Você me feriu, Ulisses,
profundamente!
Termino de tomar o refrigerante enquanto
ele quase afunda na cadeira e saio andando até a
bicicleta. Ele me segue imediatamente, e não diz
nada quando me sento.
Ao chegarmos ao quarteirão da minha
casa, há um pequeno morro que ele claramente
não consegue subir comigo sentada na bicicleta.
— Sabrina... não consigo...
Desço da bicicleta e resolvo enfim falar
com ele.
— Você me conheceu assim, Ulisses.
Quantas vezes já me viu dando o que você chama
de show quando alguém ou alguma situação me
incomoda? É o meu jeito de lidar com as coisas.
— Eu sei, você sempre faz isso.
— Ayla nunca se importou com isso,
porque é minha amiga.
— Porque é louca como você.
— Que seja! Se você acha que está
apaixonado por uma maluca, não é então tão
maluco quanto ela? Ou o quê? Você acha que
pode me mudar? Que vou me comportar, e
segurar minhas explosões como uma pessoa
normal?
— Eu não pensei muito nisso — responde
cabisbaixo.
— Quando você se apaixonar por alguém,
antes de se declarar, repare bem os defeitos
dessa pessoa, porque se tiver algum que você
não pode lidar, nem comece um relacionamento
que só irá machucá-los, entendeu? Se você
estiver disposto a ficar com alguém de quem
você gosta, então aprenda a aceitar a pessoa
como ela é. Mesmo que seja uma maluca.
— Entendi porque você usou essa roupa. E
entendi que eu sou um moleque — aceita
envergonhado.
— Exatamente.
— Vou deixar você em paz, Sabrina.
— Muito obrigada.
— Ao menos por enquanto.
— Como assim?
— Só é possível aprender errando. Acabei
de aprender uma lição. Na próxima vez que
sairmos não irei me envergonhar da sua roupa
nem das suas maluquices. Cresci um ano esta
noite — diz e acaricia meu queixo com os olhos
brilhando.
— Ah, meu Deus, você é parente da Ayla?
Pare já com essa ilusão! Você não cresceu nada!
— Tenho um jeito de te mostrar que sim,
quando você...— ele para de falar e observa
alguma coisa à nossa frente. Sigo seus olhos e
Tim está ali, recostado em seu carro com um
sorriso imenso no rosto.
Nos aproximamos dele, que logo provoca:
— Um amigo de anos que te apavora, eu deveria
saber — fala baixo no meu ouvido ao fingir me
cumprimentar. — Boa noite, Uli. Como foi o
encontro de vocês?
Escondo o rosto nas mãos enquanto ele
fala animado de como cresceu um ano com esse
nosso lanche. De como as pessoas riram da
minha roupa e do pequeno show que eu dei.
— Uli, chega! Vá pra casa! Está tarde para
você estar na rua! — ordeno antes que ele acabe
com o que resta da minha dignidade.
Ulisses revira os olhos enquanto Tim tem
um sorriso imenso e zombeteiro no rosto.
— Não sou mais uma criança! Quando você
vai entender isso, Sabrina?
Ele olha de mim para Tim e larga a
bicicleta, aproximando-se de mim.
— Você vai entender isso agora — diz e
segura meu rosto, beijando minha boca.
O beijo dura dois segundos, um pelo susto
que levo e o segundo para dar tempo de eu
reagir, mas no terceiro ele é tirado de mim e
antes que eu possa entender o que está
acontecendo, Tim acerta o nariz dele com um
soco.
Ulisses cai no chão gritando e me ajoelho
ao seu lado. Seu nariz sangra e ele parece sentir
muita dor.
— Você ficou maluco? Quebrou o nariz
dele!
Tim parece tão confuso quanto eu. Ajuda
Ulisses a se levantar desculpando-se sem parar
por sua agressão. O ajeitamos no banco do carro
e o levamos imediatamente ao hospital.

Ele é atendido assim que chegamos, talvez


pela quantidade de sangue em sua blusa. Ayla
nos encontra na portaria e entra com ele,
enquanto Tim e eu ficamos na recepção. Ele
parece realmente arrependido e confuso.
— Por que você fez isso? — pergunto
tentando mesmo não mostrar acusação no tom
da minha voz.
— Eu não sei! — responde olhando em
meus olhos e vejo que está sendo sincero. — Ele
tocou você, a beijou! Achei que essa noite toda
não passasse de uma brincadeira para você, mas
então ele a beija!
— Foi uma brincadeira! Ulisses é um
moleque, me pegou desprevenida, não precisava
disso. Eu mesma ia acertá-lo com um belo tapa!
Você me atrapalhou!
De repente toda a confusão some de seu
semblante e ele ri, parecendo aliviado.
— Então o pobre Ulisses ia apanhar de
qualquer jeito esta noite.
— Eu não ia quebrar o nariz dele! —
defendo-me.
— Tem certeza? Porque olhe bem meu
rosto, Sabrina, suas unhas ainda estão bem
marcadas aqui. Você é quase uma assassina.
— Por que, Tim?
Ele segura meus ombros e parece cansado
ao responder.
— Ele tocou você, eu fiquei com raiva e bati
nele. Eu não bati no Ulisses, Sabrina. Bati no
cara que ousou tocar você. Não me pergunte o
motivo, ou irei respondê-la com a verdade e você
pode não gostar dela.
Engulo em seco e me afasto, freando o
rumo que meus pensamentos querem tomar.
Então sorrio para ele e brinco: — Então agora
você é sincero. Acho que você é desses amigos
que protegem as amigas, então — comento com
um sorriso encontrando um motivo mais fácil e
deixando claro que não quero ouvir sua verdade.
Isso seria perigoso demais.
— Acho que sou. Cuidado com quem você
deixa tocá-la quando eu estiver por perto. Pelo
visto perco a cabeça muito rápido.
Abro a boca para responder, quando Ayla
retorna e empurra Tim.
— Por que é que você bateu no meu irmão?
— Ayla, eu posso explicar... — ele tenta,
mas ela está realmente nervosa.
— Ele é uma criança! Olha o seu tamanho e
olha o dele! Você não se envergonha?
— Ele agarrou a Sabrina! — Tim responde
enquanto ela o acerta.
— Ah, por favor! Ulisses é magro como um
bambu, ela o derrubaria em cinco segundos!
— Ele não me deixou chegar no três! —
explico.
Tim continua tentando se explicar
enquanto Ayla continua a colocá-lo em seu lugar
por ter agredido seu irmão mais novo. Sento-me
em uma cadeira e apenas rio enquanto observo
meu chefe grandalhão baixando a guarda para
minha amiga pequena. E afasto de vez da mente
qualquer motivo oculto que justifique sua
reação.
Tim
Ayla se acalma assim que Ulisses, com um
enorme e sincero sorriso, diz que está tudo bem
e que me perdoou. Mais uma vez, reforço meu
pedido de desculpas e, para que minha cunhada
não fique me olhando pelo canto do olho como
se eu fosse um assassino, prometo ajudá-lo a
conseguir um emprego na empresa de Nico e
Tulio.
Sabrina está calada de pé perto da porta,
observando tudo em silêncio, sorri timidamente
para Ulisses quando seus olhos a encontram, e
em nenhum momento desde a nossa conversa,
olha para mim. Mas não é como se eu quisesse
seus olhos marrons acusadores sobre mim
agora. Estamos em um silêncio constrangedor e
seguro, onde ambos sabemos porque agi como
um maluco e ambos escolhemos ignorar e fingir
que o motivo não foi esse.
Desde nossa conversa na recepção tenho
evitado olhá-la de frente, mais uma vez, um
covarde fugindo de sua punição. Sei que estou
errado em tudo, em agredir Uli, em ir atrás dela
saber como foi seu encontro, em não ter
coragem de encará-la agora e admitir que o
motivo que me levou a bater no irmão da minha
cunhada foi ciúmes. Em minha defesa, ela é
imprevisível, e claramente não está interessada
na minha resposta verdadeira.
Finalmente, ela sai da porta e senta-se na
cama ao lado de Ulisses. Segura sua mão e sorri
de uma maneira tão doce, como nunca a vi sorrir
antes, e até mesmo isso me causa uma pequena
irritação que deve ser monitorada. O que caralho
está acontecendo comigo?
— Uli, você foi corajoso esta noite, depois
de tudo o que passamos, você me beijar daquele
jeito, devo confessar, conseguiu me surpreender.
Um sorriso enorme se estende no rosto de
Ulisses, ele resmunga por conta da dor e diminui
em seguida o tamanho do sorriso, mas o brilho
em seus olhos esperançosos não pode ser
controlado.
— Então, vamos fazer isso de novo? Você
vai me dar uma chance?
O sorriso doce dela se torna seu sorriso
natural, e espero ansioso que ela vá acabar com
ele, pois conheço bem esse sorriso Sabrina.
— Claro! Vou te dar uma chance, uma
chance de manter seu nariz no lugar, porque se
você ousar me beijar de novo... — Ela aperta seu
nariz de leve, mas é o suficiente para ele perder
toda cor e parecer em pânico. — Enfim, você já
sabe. Nunca mais faça isso.
Ele assente cabisbaixo e a enfermeira entra
no quarto. Ela ajeita os travesseiros de Ulisses e
informa que ele já vai receber alta. A fratura em
seu nariz foi leve, graças a Deus. O doutor o
medicou, mas ainda assim ele parece sentir dor
quando sorri demais, ou se move bruscamente.
Estou completamente absorto no curativo que
ocupa metade de seu rosto quando Sabrina
pigarreia e esbarra em meu braço, apontando a
enfermeira. Só então me dou conta que a jovem
mulher de branco tem um sorriso voltado a mim,
e enrola uma mecha do cabelo em seus dedos.
— Desculpe, você falou comigo? —
pergunto sem graça.
É
— Você é o irmão do Eros, não é? É Martim
Reymond.
— Sim, sou eu.
— Você é amigo da minha colega de quarto
— comenta com uma voz carregada de segundas
intenções.
Ela tem os cabelos vermelhos, mais
vibrantes que os de Sabrina, um batom vermelho
demais nos lábios grandes e olhos pequenos e
inexpressivos.
— Vocês saíram juntos uma vez, há alguns
meses, ela não parou mais de falar de você —
insiste.
— Eu já saí com algumas garotas bem
legais. Que bom que ela guarda boas lembranças
de mim — respondo cordialmente e a surpresa
no rosto de Sabrina quase me faz rir.
— Meu turno acaba em dez minutos e
infelizmente não estou de carro esta noite. Se
você quiser vê-la de novo, ou me conhecer
melhor... ou vê-la outra vez enquanto me
conhece melhor, estarei disponível.
Sabrina tem a boca aberta, talvez não seja
acostumada a como mulheres descomplicadas
são diretas. E ao invés de memorizar o belo rosto
da ruiva diante de mim, me pego prestando
atenção à reação dela. A encaro por alguns
segundos e sua expressão normaliza, ela tenta
esconder o sorriso incrédulo enquanto faz um
gesto negativo com a cabeça. Seus enormes
olhos marrons desviam o foco do chão para mim
e de volta ao chão, enquanto espera minha
resposta.
Olho a bela mulher diante de mim
esperando uma resposta e sequer preciso pensar
para dá-la. Ela não me atrai. Uma mulher tão
bonita, tão disponível, não me atrai. Não tem os
olhos marrons em chamas, a delicadeza no
formato do rosto, o atrevimento nem o fogo da
verdadeira mulher que me enlouquece. Eu
deveria mesmo sair com essa enfermeira e tirar
essa bruxinha linda da cabeça, mas realmente
não quero fazer isso. Leio o nome da ruiva no
crachá e a respondo.
— Para ser sincero com você, Dafne,
provavelmente eu não me lembro da sua amiga.
Saí com muitas mulheres, cada uma especial ao
seu modo, mas poucas foram inesquecíveis. Se
saímos só uma vez, ela não foi uma delas.
Ela parece em choque e continuo:
— Você é uma mulher linda e decidida, mas
ultimamente estou adorando uma mulher
complicada. Dessas que você tem que correr
atrás até quase enlouquecer. — Faço uma pausa
para que Sabrina tenha tempo de processar o
que eu disse. — Sinto muito, agradeço seu
interesse, mas não tenho a intenção de conhecê-
la melhor.
A enfermeira dá um passo com uma
expressão furiosa em minha direção, mas parece
desistir e se dirige à porta.
— Espero que não tenha ficado chateada.
Eu não tenho costume de deixar na mão
mulheres bonitas, então não sou bom nisso.
Ela sorri, a raiva em seus olhos se esvaindo
completamente, me avalia dos pés à cabeça
antes de responder: — Não estou chateada, é
uma pena que não queira me conhecer melhor,
mas se mudar de ideia, sabe onde me encontrar.
Então ela se vai e imediatamente Sabrina
está diante de mim, contendo um sorriso e
claramente curiosa.
— O que há de errado com ela? Ela estava
de uniforme! — afirma como se eu fosse louco e
revira os olhos por minha expressão confusa. —
Uniforme, de enfermeira, isso não é meio que
um fetiche masculino?
Sorrio em resposta e ela perde a paciência.
— Enfim, é muito bonita e refinada. Por
que você não foi com ela?
— Não é ela que eu quero levar pra casa,
Sabrina — respondo sem pensar e ela engole o
que ia dizer, fica completamente sem graça e sei
que está prestes a me repreender, então me
adianto. — Ela não é bonita o bastante.
Por alguns segundos ela me encara
completamente sem reação. Por fim, parece
voltar a si, e não está nada satisfeita com meu
motivo para ter dispensado e bela enfermeira.
— Você está subindo seu nível então? —
pergunta desviando os olhos dos meus, mais
uma vez aquela expressão decepcionada em seu
rosto.
— Sempre foi alto. Mas ultimamente,
preciso admitir que nunca esteve tão lá em cima.
— Você é um convencido, e um grosso! A
maneira como falou com ela...
— Estou apenas tentando ser sincero.
Algumas pessoas aguentam ouvir a verdade —
provoco e vejo seu rosto se tingir de vermelho.
— Algumas pessoas não são tão bonitas por
dentro a ponto de valer a pena ouvir suas
verdades. Não devia se mostrar tanto, Tim.
Dou de ombros e ela deixa o quarto,
enquanto Ayla me observa sem entender nada,
mas sai logo atrás da amiga. E espero pelo
próximo passo dessa bruxinha, vai me dar
alguma lição, tenho certeza disso. Só preciso
esperar que o dia amanheça e convidá-la para
jantar. E claro, me preparar para o que ela vai
aprontar.
E me dá um pouco de medo o quanto estou
animado em descobrir qual será a performance
da vez.
Aproximo-me de Ulisses e me despeço
dele, desculpando-me mais uma vez. Quando
viro as costas para ir embora, ele pergunta: —
Você está apaixonado por ela, não está?
Olho seu semblante preocupado e o
curativo enorme no rosto.
— Por quem?
Ele revira os olhos impaciente, uma mania
que herdou da irmã.
— Pela Sabrina, você está apaixonado por
ela.
— Não, Ulisses, Sabrina é minha
funcionária e minha amiga. Não tenho nenhum
sentimento romântico por ela — garanto.
Um sorriso se estende em seu rosto,
seguido de um resmungo pela dor, ainda assim
não diminui o sorriso.
— Sabe Tim, é por isso que ela vai me
escolher no final. Se ficar em dúvida entre você e
eu, escolherá a mim. Porque eu não tenho medo
de assumir o que sinto, o que faz de mim mais
maduro do que você.
Abro a boca para respondê-lo, mas não
tenho uma resposta. Esse moleque me tirou as
palavras. Viro as costas e saio do quarto,
sentindo-me mais confuso do que já me lembro
de ter estado. Ao invés de ir para a casa, vou
para o quarto de Eros. Ayla ainda não está aqui,
o que indica que Sabrina ainda não foi embora.
Sento-me em sua cama grato por nossa
privacidade.
— Como eu sei se estou apaixonado por
alguém? Ou se estou me apaixonando?
Espero a resposta de alguém que só tem
dormido nos últimos cinco meses.
— Para quem estou perguntando? Você
negou o que sentia pela Ayla até depois do
casamento.
Fito o teto e me certifico mais uma vez que
ninguém está por perto.
— Talvez você possa me ajudar em algo que
sei que é muito bom. Como eu faço para não me
apaixonar por uma pessoa?
O rosto sereno com a barba por fazer
permanece o mesmo, ele não se move, não dá
qualquer sinal, e preciso tanto de uma resposta
que penso estar sonhando quando a escuto.
— Se ele soubesse essa resposta, eu não
estaria aqui agora, Tim.
Viro-me para trás e Ayla está parada na
porta com um sorriso cansado.
— Você tem razão. Ayla, sinto-me perdido,
preciso de respostas, Eros as daria, mas ele não
está. — Seus olhos buscam o chão e ela dá de
ombros, não me prometendo que ele estará em
breve como sempre faz. — Talvez você possa ser
meu Eros — brinco e ela sorri.
— Por quem você está se apaixonando?
— Não vamos começar por aí. Só posso
dizer que é uma pessoa totalmente proibida, não
posso me apaixonar por ela. Como eu evito isso?
Ela leva as mãos à boca em choque.
— Ela é casada?
— Meu Deus, não!
— Então por que é proibida?
— Porque é maluca! Não me faça
perguntas, me dê respostas!
Ela tem um sorriso zombeteiro enquanto
me avalia e temo que tenha dado uma pista clara
demais sobre quem é essa minha quase paixão.
— Você, o babaca por quem fui apaixonada
sem resposta por longos três anos quer que eu te
diga como não se apaixonar por alguém?
Encaro seu belo rosto, o sorrisinho que
agora nem tenta esconder e sinto-me derrotado.
— Merda! Você está certa! O que há de
errado conosco?
— Atena diria que não dá para evitar ou
causar o amor. Ele te encontra, ele te escolhe, na
hora em que ele quiser, do jeito que ele quiser.
Se você tem dúvidas sobre o que sente, então
não está apaixonado.
Levanto-me sentindo-me leve de repente.
Tão leve que prendo minha cunhada em um
abraço apertado.
— Você é demais, Ayla Reymond! Juro que
o Eros vai voltar para o coma assim que sair dele
se ousar magoar você. Preciso ir agora, tenha
uma boa noite.
Ela assente e quase escapo ileso, mas antes
de passar pela porta a escuto dizer: — Mas, se
suas dúvidas são apenas uma desculpa porque
você tem medo de assumir o que sente, você está
ferrado.
— Quer saber? Tomara que o Eros lhe dê
muito trabalho! Boa noite, Ayla!
Saio irritado do quarto, mas escuto sua
risada e minha irritação diminui um pouco
porque pelo menos a fiz rir.
Mal termino de almoçar e já mando uma
mensagem para minha nova melhor amiga. Se
estou certo sobre suas pequenas lições, ela vai
aceitar jantar comigo esta noite. E por mais que
não saber o que vai aprontar me cause um pouco
de medo, estou disposto a tudo para passar mais
tempo com ela.

Quer jantar comigo hoje?

Envio, sua resposta vem cerca de vinte


minutos depois, o que não é um bom sinal. Ela
pensou bastante antes de responder. Ou
planejou a lição do século, ou não sabia se valia a
pena me dar uma lição. Espero muito que não
seja a segunda opção.

Ok.

Te pego às oito.

Não precisa, me manda o endereço e


o encontro lá.

Respondo com o endereço de um


restaurante japonês e sorrio aliviado. Se ela não
quer que eu a veja antes de ser tarde demais, é
porque vai me dar a lição do século. Essa é
minha garota!

À
Às oito em ponto, estou na porta do
restaurante japonês, ao invés de esperá-la lá
dentro, como uma pessoa normal. Um táxi para
próximo e finalmente ela desce. E preciso
mesmo controlar a risada que quer escapar de
mim quando a vejo. Sabrina usa um óculos
quadrado marrom que ocupa metade de seu
rosto, tem os cabelos de duas cores presos em
um coque de vovó, com alguns fios soltos
enrolados em cachos estranhos. Usa uma saia
claramente maior do que suas pernas que fica
arrastando no chão conforme ela anda e uma
blusa de mangas de crochê, com enormes
girassóis bordados nela. Não usa qualquer
maquiagem e nenhuma joia. A expressão é
fechada, como se fosse mesmo uma senhora
mal-humorada e irritadiça.
— Boa noite, Reymond — cumprimenta
falando alto demais e dá uma voltinha lenta
diante de mim. — O que achou da minha roupa?
— Horrorosa! Nem mesmo a Ayla usaria
algo assim. Vamos entrar?
Ela encara confusa meu sorriso e se faz de
ofendida.
— Que grosseria, Reymond!
— Estou apenas sendo sincero, meu anjo.
Estendo a mão para ela, que a toca irritada,
e antes que dê um passo para dentro do
restaurante, a puxo em um abraço e beijo o
canto da sua boca.
— Que bom que está aqui — digo baixinho
em seu ouvido.
Ela dá um pulo para trás e parece tão
assustada, que preciso me segurar para não rir.
Rapidamente se recompõe, ajeita a roupa após
meu abraço repentino e entra no restaurante
sem esperar por mim. E só descubro que ela está
usando uma sapatilha que combina
perfeitamente com sua blusa, quando ela levanta
a saia que a cobria para tirá-la e entrar no
restaurante.
— Olha só, você está usando sapatos —
provoco e vejo que segura o riso.
O garçom nos manda sentar em almofadas
de frente um para o outro, mas assim que ele se
afasta, jogo a minha almofada ao lado da dela e
me sento o mais próximo possível dela.
— O que está fazendo?
— Esse óculos enorme que está usando
esconde metade do seu rosto, mas ressalta seus
olhos. Eu já te disse que amo seus olhos?
Ela engasga com o chá que está tomando e
me observa confusa. Mas não diz mais nada
enquanto comemos. Aproveito para tocá-la o
máximo possível, quero dar um nó em sua
mente como ela constantemente faz comigo.
Quero que se sinta perdida para que assuma seu
jogo. Beijo sua mão diversas vezes, coloco
comida em sua boca, e aproveito para tentar
beijá-la. Elogio seus lábios bem desenhados e
seu sorriso mais de uma vez. Por fim, seguro sua
mão enquanto come a sobremesa e brinco: —
Sabe o que dizem sobre mulheres que usam
saias tão longas? Que elas escondem o paraíso.
Ela solta a mão da minha e avalia a saia
horrorosa que usa antes de perguntar,
completamente perdida: — Você está flertando
comigo?
— Não entendo a surpresa, sempre faço
isso com você. Estou disposto a vencê-la pelo
cansaço.
— Você não está entendendo. Está
flertando comigo vestida assim? Quer dizer que
a minha aparência agrada você?
Finjo observá-la dos pés à cabeça e me dar
conta da roupa que está usando, percebo que ela
espera ansiosa minha resposta e tento não sorrir
antes de dá-la.
— Você se vestiu assim para parecer feia?
Porque não está funcionando. Já lhe disse uma
vez e vou repetir, você pode usar um saco de
batatas e ainda assim continuará linda, ainda
assim ficarei com você por todo jantar, ainda
assim vou cantar você até que se canse e vá para
a cama comigo.
— Martim, ontem você disse...
— Que dispensei a enfermeira porque ela
não era bonita. Então você veio no que chama de
feia para que eu perca meu interesse por você,
não é? Esta é sua lição da noite?
— Na verdade sim! E você está
atrapalhando tudo.
Giro sua almofada deixando-a de frente
para mim, seus olhos acesos destacados por esse
óculos enorme estão focados nos meus.
— Sabrina, eu poderia te dar mil respostas
diferentes agora, e te dizer o quanto você é linda,
não importa o que use ou vista, mas vou ser mais
direto... — Encaro seus lindos olhos ansiosos e
ela está a ponto de me pedir que fale logo o que
vou dizer, mas quero mesmo prolongar isso. —
Podemos conversar em outro lugar?
Sei que ela quer dizer não. A noite não saiu
como ela havia planejado e ela se sente
desconfortável com toda minha atenção, posso
sentir isso. Mas, como sempre, a curiosidade em
saber o que vou falar vence, e ela acaba
concordando. Satisfeito por finalmente tê-la
dobrado de algum jeito, a levo direto até minha
casa. Sorrio de seu olhar desconfiado quando
percebe onde estamos e mais ainda quando
recusa a taça de vinho que estendo a ela.
A guio até a poltrona onde quase nos
beijamos na outra noite, mas ela prefere ficar de
pé, o que mostra que está mais nervosa do que
eu havia imaginado. Espero que seus olhos se
foquem nos meus e tiro o óculos enorme que usa
porque não quero nada entre nossos olhares
agora.
— Você se decepcionou comigo nas últimas
três vezes em que me viu dar um fora em
alguém, então vou repetir o que disse a essas três
mulheres, só que dessa vez, não vou parar a frase
antes da resposta completa.
Ela parece ainda mais confusa.
— O que quer dizer com isso?
— Dei um fora na Julia porque ela era
simples demais, não era especial e cativante
como você. A mulher do restaurante usava
roupas coloridas e ainda assim não tinha metade
da sua luz e a enfermeira ontem não é linda, de
tirar o fôlego, como você.
Sua boca está aberta e ela não tem
qualquer reação. Dou um passo para mais perto
dela, nossos corpos se tocando enquanto
concluo: — Nenhuma delas é interessante como
você. Nenhuma delas despertou meu desejo
como você. Parece que elas, e nenhuma outra
mulher, chegam aos seus pés para mim. Acho
que temos um problema, Sabrina.
— Eu... nós... eu não quis dizer nós... eu...
Corro a ponta do dedo por seu braço, por
baixo da manga larga da blusa que usa, ansioso
por tirar essa peça de seu corpo.
— Estou louco por você. A desejo tanto, que
isso quase se tornou uma obsessão. Nada mais
tem graça, e você pode agir como todas as outras
mulheres que eu dispensar, ainda assim será a
mulher que eu quero. A única mulher que eu
quero.
Ela engole em seco e dá um passo para
trás, tentando se proteger.
— Você me trouxe para a sua casa...
— Porque espero que esta noite acabe na
minha cama. Espero fazer amor com você até
que essa obsessão passe. Espero mesmo que isso
me ajude a manter nossa amizade sem ficar te
imaginando nua todo o tempo.
Ela abre a boca, incerta sobre o que dizer e
aproveito seu lapso para segurá-la pelos braços e
puxá-la de encontro ao meu corpo outra vez.
Minha boca toma a sua com pressa, seus lábios
pequenos correspondem com a mesma paixão e
imediatamente começo a tirar a blusa que usa.
Preciso tê-la nua!
Mas ela se afasta, como se o juízo voltasse
de repente e estende um dedo para mim,
pedindo um momento para se recompor.
— Não vou transar com você, Tim. Não vou
ser mais uma na sua lista.
— Quem liga pra essa lista, Sabrina? Quem
a está contando? Quem se importa com ela?
Somos dois adultos que se querem ao ponto de
quase enlouquecer, você está entranhada em
minha mente de uma maneira que me tira
completamente o juízo.
Ela dá outro passo para trás, embora sua
recusa não chegue até seus olhos, que me olham
desejosos.
— Você me quer, Sabrina? Você quer fazer
amor comigo?
— Não se trata disso! Você tem uma
mulher diferente a cada noite e eu não quero ser
mais uma!
— Você não será mais uma em nada! Você é
única! Ainda não entendeu isso? Se você me
disser que não quer fazer isso eu vou levá-la até
sua casa e me afastar de você, mas se você me
quer, Sabrina... — faço uma pausa para controlar
meu desespero. — Se você me quer ao menos um
pouco do tanto que eu te quero, nós vamos fazer
amor agora. Não importa nenhuma lista
existente na sua cabeça, não importa o que os
outros vão pensar, eu vou pegar você pra mim.
— Eu não sou um objeto pra você...
— Ainda assim vou pegar você. Olha para
mim, seja a super sincera Sabrina e responda!
Você quer fazer isso?
Quando ela abre a boca, temo que vá dizer
exatamente isso, que seu medo em ser “mais
uma” a trave ao ponto de desistir do que
poderíamos viver juntos. Mas ela fecha a boca
sem uma resposta clara, e responde com um
gesto de cabeça, enquanto seus olhos passeiam
por minha boca. Responde que sim.
Imediatamente a puxo de volta para perto de
mim e nossas bocas se encontram com
desespero. Passeio minhas mãos por seu corpo
com a fome que sinto dela, cravando-as abaixo
de sua bunda e a suspendo. Ela se encaixa em
mim com as pernas e subo as escadas
rapidamente até meu quarto.
Abro a porta como um louco e a deito
devagar sobre a cama, suas pernas ainda em
volta do meu quadril, nossas bocas ainda se
tocando, afasto nossos corpos o bastante para
tirar sua roupa, o que faço rapidamente
enquanto ela tenta tirar a minha.
— Passei a noite toda ansioso em tirar isso
de você — confesso e ela sorri, um sorriso
diferente, quente, entregue, um sorriso que me
deixa sem fôlego por alguns segundos. — Ah,
Sabrina...
Nossas línguas se encontram enquanto tiro
seu sutiã, e desço a língua por seu pescoço até
alcançar seu seio. Suas unhas passeiam por
minhas costas e seus gemidos me deixam cada
vez mais louco, enquanto beijo cada centímetro
de pele exposta em seu corpo. Quando estou
louco para estar dentro dela, é sua vez de provar
minha pele, o que faz devagar, de uma maneira
intensa e torturante. O coque que havia em seu
cabelo se transforma em uma massa de fios
castanhos e alaranjados sobre minhas coxas e
gentilmente cravo minha mão neles para trazê-la
de volta para mim. Ela monta sobre mim e a giro
na cama para finalmente penetrá-la. Apesar de
me sentir ansioso, louco e faminto por ela, faço
isso devagar, porque quero apreciá-la, quero
senti-la, quero tudo dela. Como se houvéssemos
combinado, ficamos parados, nos olhando,
nossos corpos unidos e então nos movemos
juntos. Prendo suas mãos ao colchão enquanto a
domino e seus gritos são o combustível certo
para que eu vá cada vez mais fundo.
E quando ela monta sobre mim de novo, e
posso ver seu corpo enquanto nos movemos, o
prazer estampado em seu rosto é a coisa mais
linda que já vi na vida. Uma vez não vai bastar,
uma noite não vai bastar. Estou mesmo ferrado.

Estamos quase adormecendo, nus,


agarrados um ao outro, quando ela parece levar
um susto. Se move na cama e deita-se
atravessada, como gosta de dormir, com as
pernas sobre as minhas. Adormece tão rápido,
que nem temos tempo de conversar. Seguro sua
mão e em seguida durmo também.
Quando acordo, Sabrina não está na cama.
Visto-me rapidamente e a encontro na cozinha,
usa a roupa horrorosa da outra noite enquanto
faz uma omelete com um cheiro delicioso.
— Bom dia! Tem de tudo na sua cozinha!
Isso parece um reality show culinário! Estou nas
nuvens! — comenta animada.
— Todo o meu trabalho durante a noite e
você está nas nuvens por causa da minha
cozinha. Onde foi que eu errei, Sabrina?
Seu sorriso é tão leve e tão gostoso, que
quero agarrá-la agora mesmo. Mas assim que me
aproximo, ela se afasta, servindo a omelete nos
pratos sobre a bancada.
— Você podia ter pego uma blusa minha,
ficaria mais confortável — comento.
— Não podia. Não vamos mais fazer isso,
Tim.
— Do que você está falando?
— Nós tínhamos esse tesão acumulado e foi
bom colocar isso para fora, foi realmente muito
bom! — Seu rosto atinge um adorável tom
vermelho. — E nós conseguimos, conseguimos
fazer isso sem estragar nossa amizade. Nós
transamos, matamos a curiosidade. Agora
seremos apenas amigos.
Ela fala com uma calma, como se isso fosse
tão certo para ela enquanto não faz o menor
sentido para mim.
— Você não gostou, então?
— Foi o melhor sexo da minha vida —
responde sinceramente deixando-me ainda mais
confuso.
— Então por que não vamos mais fazer
isso? Nós temos uma conexão deliciosa, Sabrina.
— Eu sei, mas não vou ser sua amiga
colorida.
— Se é por causa dessa lista...
— Não é! É por minha causa. Eu adorei a
noite passada, estava a ponto de enlouquecer
por você, e ficamos tão fora de controle que
sequer nos lembramos da camisinha, Tim. E eu
não sou assim, não sou a mulher que perde o
controle e tem um P.A., você entende? E eu tomo
remédio, não precisa ficar com essa cara sobre a
camisinha.
— A minha cara não tem a ver com a
camisinha, Sabrina, tem a ver com essa
conversa. O que é a merda de um P.A.?
Ela parece tão sem graça, que fico ainda
mais curioso.
— Um pênis amigo — responde baixinho.
Rio alto, o que deixa seu rosto
praticamente em chamas.
— Pois esta me parece uma definição
excelente do que podemos ter. Amigos coloridos,
amigos de sexo, posso ser seu P.A., o que há de
errado com isso?
— Não sou assim, o erro está nisso.
— Você não era assim, porque nunca houve
a necessidade em ser assim, mas agora é
diferente, Sabrina. Você estava lá também, não
venha me dizer que não quer mais.
— Não se trata do que eu quero.
— É exatamente disso que se trata.
— Tim, não vamos mais fazer isso, ok?
Vamos ser amigos, sou sua coach de vida, e
apenas isso. Se você insistir vou me afastar de
você.
Sorrio enquanto observo seus lindos olhos
se desviando dos meus.
— Tudo bem, se você quer assim.
Ela suspira aliviada e termina seu café.
— Você não vai me vencer pelo cansaço —
avisa antes de pegar sua bolsa e sair pela porta.
— Vamos ver se não, minha linda, vamos
ver.

A semana passou com nossas trocas de


olhares e meu desejo por ela, mais uma vez, a
ponto de me enlouquecer. Mas, para que ela não
fuja, estou tentando me conter. Sendo o amigo, o
bom chefe, sem piadas sexuais. Convidando-a
para jantar todas as noites, embora ela tenha
recusado todos os convites. Mas considero isso
uma vitória, não sai comigo porque sabe onde o
jantar vai acabar. Ainda está vulnerável a mim.
Na semana seguinte, estou pronto para
levá-la para jantar de surpresa. Vou fazê-la ir ao
hospital, então oferecer uma carona depois, e
levá-la para jantar comigo. A chamo até minha
sala com a desculpa de que Ayla parecia triste
quando falei com ela ao telefone mais cedo, e
vejo a preocupação que toma seu rosto.
— Vou ligar para ela, algo pode ter
acontecido desde que nos falamos pela última
vez, mas é estranho, ela me ligou há uma hora,
não parecia triste.
— Talvez não queria te preocupar —
insisto.
— Isso seria bem a cara dela.
— Pensei em dar uma passada lá ao sair
daqui. Quer ir comigo? Assim vemos como ela
está.
— Eu vou adorar se você for lá, por favor
me mande notícias. Eu não posso ir com você.
Ela desvia os olhos dos meus e se levanta
para sair da sala e isso soa como um alarme em
minha cabeça.
— Por que não? — Ela me encara
impaciente prestes a me dar uma resposta
atravessada, mas a tranquilizo: — Estou
perguntado como seu amigo.
— Você não sabe ter uma amiga mulher. Eu
vou sair para jantar hoje.
Dá mais um passo em direção a porta e me
levanto.
— Com quem? Sou seu amigo, você pode
me dizer, certo?
— Não! Além do mais, não é ninguém
especial. Só um jantar de amigos, com um amigo
que não fica me fazendo perguntas como você.
Passar bem, Tim, vá ver a Ayla e me dê notícias.
Ela sai, batendo a porta ao passar e de
repente minha pressão parece ter caído. Ou
subido demais. Não sei dizer exatamente o que
me deixa tão tonto e ao ponto de entrar em
pânico. O barulho infernal do meu celular não
seve para me acalmar e atendo sem nem mesmo
verificar quem é.
É Tulio, e assim que começa a falar, meu
sangue parece ferver.
— Sei que você é um mané, que nunca me
ajuda com a gostosa da Sabrina, mas finalmente
vamos sair hoje, por favor, vocês são amigos, me
fala onde posso levá-la.
Acho que meu ar está todo preso na
garganta. Tem um bolo nela e nada mais passa.
Vou morrer sufocado.
— É com você que ela vai sair hoje à noite?
— Sim, irmão. Finalmente, sim! Para de ser
um babaca e me ajuda só dessa vez, Tim. Onde
eu a levo?
Estou a ponto de mandá-lo ir à merda,
quando a ideia me ocorre. A ideia perfeita para
um jantar desses dois.
— Ao Rossi’s, é um restaurante famoso e a
comida lá é simplesmente perfeita. Leve-a até lá,
ela vai gostar.
— Você é um gênio! Mas como vou
conseguir uma mesa em cima da hora?
— Se vira! Você tem contatos, Tulio, dá seu
jeito.
— Vou fazer isso, valeu, irmão.
Desligo o celular sentindo toda minha ira
se esvair, mas algo ainda incomoda em meu
estômago. Por que depois da noite que tivemos
ela ainda vai sair com ele? O que está buscando
nele que não encontrou em mim?
De volta ao trabalho antes que enlouqueça,
pego os documentos que Bruna devia ter levado
ao RH, mas não encontro Bruna em lugar
nenhum, então levo eu mesmo. Estou pedindo o
mínimo de coisas possíveis a Louisa, pois sei que
esta é uma terrível punição a ela pela maneira
como olha para Ayla e pelas provocações com
Sabrina, embora Sabrina sempre se defenda da
melhor maneira possível.
Chego ao RH e enquanto converso com
Andrea, uma foto em seu computador chama
minha atenção, ela está com a ficha de Sabrina
aberta.
— Ayla me pediu para mudar a função dela,
já que está trabalhando como sua assistente,
assim ela vai receber mais do que recebe como
copeira — Andrea explica.
Concordo sentindo-me envergonhando por
não ter pensando nisso antes, e é aí que o nome
completo dela na tela chama minha atenção e
aos poucos me dou conta da merda que fiz.
— Sabrina Lima Rossi, o sobrenome dela é
Rossi? Isso está certo, Andrea?
Ela assente confusa e sinto o chão sumir
sob os meus pés aos poucos.
— Andrea, como se chama o pai dela?
Como ele se chama?
Não preciso ouvir sua resposta para saber
que Antônio Rossi, o famoso chefe do Rossi’s, é o
pai a quem ela não suporta. E é por isso que ela
detesta aquele lugar.
— Merda! O que foi que eu fiz?
Corro até minha sala e pego o celular, ligo
para Tulio, mas o imbecil não atende. Tento
mais de dez vezes até ligar para Sabrina. Essa é a
parte mais difícil, pois terei que contar a ela que
descobri seu segredo, que fui um idiota e egoísta
mais uma vez, ela vai se decepcionar comigo e
desta vez com razão. Mas preciso fazer isso, ou
ela irá se ferir esta noite por minha causa.
Mas Sabrina tem o telefone desligado. Ligo
para Nico que confirma que Tulio a buscou na
empresa, foram direto ao restaurante. Tento
ligar para o imbecil mais uma vez, e ele não
atende. Pode estar dirigindo, o que significa que
não chegaram ao restaurante ainda. Saio como
um louco para tentar impedi-lo antes que seja
tarde demais.
Sabrina
O sorriso pelo ciúme exagerado do meu
chefe e amigo, murcha assim que avisto Tulio
recostado em seu carro, esperando por mim. Só
mesmo a Ayla para me meter em uma dessas! O
cumprimento com dois beijos no rosto e finjo
ignorar o quão perto da minha boca seus lábios
pousam, e ao ter o cuidado de não bater a porta
de seu carro, me pego sorrindo pensando que se
fosse o carro sport de Tim, eu com certeza a teria
batido.
Tim... Preciso. Parar. De. Pensar. Nele.
— Controle-se, Sabrina! — ralho baixinho
comigo mesma e começo a prestar atenção à
conversa de Tulio.
— Sei que você só está saindo comigo
porque quer aquela vaga para o Ulisses, certo?
Ainda assim estou muito feliz por finalmente
você ter aceitado um convite meu.
— Desculpe, Tulio. Toda minha energia é
altamente sugada no trabalho, quando saio
daqui não quero ir a lugar nenhum que não seja
minha cama.
— Não se preocupe, eu entendo. Você
trabalha muito, certo?
— Na verdade não é o serviço em si que me
suga, são as pessoas más.
Ele me avalia pelo canto do olho com um
sorrisinho de lado.
— Você é a protagonista que sofre nas mãos
das vilãs, então?
— Ah, não, não mesmo. Na vida eu sou
expectadora. Se você me perguntar algo intenso
que eu tenha vivido, não vou ter uma resposta. A
não ser que você conte ser conselheira da Ayla, é
uma emoção sem fim.
Ele sorri e liga o rádio baixinho, uma
música lenta começa a me dar agonia. Quando
volta a falar, sua voz é baixa e mais calma,
exatamente como as mulheres que tentam dar o
bote em Tim.
— Vou levá-la a um lugar muito especial
esta noite, Sabrina. Então espero que possamos
falar sobre mais do que a vaga do Ulisses no
escritório.
De repente sinto-me uma presa à mercê de
uma fera, prestes a levar um bote e não consigo
conter a risada. Simplesmente me escapa pelos
lábios uma gargalhada sem fim. No começo,
Tulio ri também, confuso sobre minha crise
repentina, mas logo parece impaciente, irritado
até. Ele fica sem graça e aumenta o volume do
carro, o que cessa completamente minha risada.
— Homens e mulheres agem exatamente
da mesma maneira quando vão dar o bote —
comento de repente e ele me encara confuso.
— Como?
— Você está tentando dar o bote em mim,
agiu exatamente igual as mulheres que dão em
cima do Tim. É como se vocês seguissem um
padrão.
— É um padrão que você aprova? —
pergunta de repente.
— Não! Eu prefiro ser surpreendida, posso
abaixar essa música?
A letra fala sobre alguém que não vai
encontrar outra pessoa no mundo como a que
perdeu e de toda dor que está passando sem essa
pessoa, acompanhada de uma voz doce demais e
uma melodia de arrepiar os cabelos da bunda, e
por mais que eu queira agir como uma pessoa
normal e não desligar o rádio no carro dos
outros, o faço, respirando aliviada quando o
silêncio preenche o pequeno espaço.
— Já que não quer ouvir música, preencha
o silêncio, senhorita Sabrina. Fale-me sobre
você.
Sempre detestei essa parte. Essa coisa de
sair em um encontro e ter que passar um
currículo da minha vida amorosa e cotidiana
como se isso fosse possibilitar que um estranho
me conhecesse.
— Não gosto de músicas lentas, não gosto
de sair em encontros, tenho uma tatuagem com
a inicial do meu nome logo acima da bunda que
fiz de rebeldia aos quatorze anos e esse não é um
jantar romântico.
— Uma tatuagem? — Seu sorriso acaba me
fazendo rir também. — Uau! Você tem que se
amar muito para tatuar seu próprio nome na
bunda.
— É só a inicial, e é acima da bunda. De
qualquer forma, quando perguntam eu digo que
quer dizer sexo.
Ele ri alto e segura minha mão quando
paramos em um sinal.
— Vamos fazer um trato, senhorita sexo. Se
eu a surpreender esta noite, você vai sair comigo
para um não-encontro.
Quero ser sincera e dizer que isso não vai
acontecer, mas de repente começo a me
perguntar porque não. Faço isso por nada,
porque sei muito bem a resposta, e uma pequena
crise de pânico se instaura em meu peito,
tornando minha respiração pesada e minha
mente uma panela de pressão prestes a explodir.
— Tenho certeza que irei surpreendê-la —
ele continua totalmente alheio ao meu ataque de
pânico ao seu lado.
Ele para o carro em uma rua quieta demais
e me guia até a rua movimentada do bairro,
onde estão a maioria dos restaurantes. Vamos
passando um por um, e começo a me preocupar
conforme nos aproximamos do restaurante do
meu pai. Mas bem, eu não teria tanto azar a
ponto de dois homens diferentes me levarem
justo ali quando não foram nem mesmo
encontros românticos, não é?
Quando Tulio estende a mão com um
sorriso enorme no rosto para que eu entre no
Rossi’s, meu mundo para por um segundo. O
encaro sentindo-me a própria Ayla, que vive às
turras com o universo.
— Você deu sorte a ela e se virou contra
mim, seu maldito! — ralho baixinho, deixando o
homem diante de mim completamente confuso.
— Vamos entrar? — ele insiste e antes que
eu possa dizer que preciso ir embora, o pior
acontece, Antônio Rossi me vê e vem apressado
em minha direção.
Minhas pernas travam, minhas mãos soam
e rapidamente ele me prende em um abraço
desajeitado, em seguida observa meu cabelo com
uma careta mal disfarçada e finge estar
emocionado por me ver. Como se não soubesse o
meu endereço. Como se tivesse sido proibido de
me ver nos últimos cinco anos.
— Filha, que bom vê-la aqui! Se tivesse me
avisado que viria eu teria reservado a melhor
mesa para você. Como você está? Quem é o seu
amigo?
Túlios se apresenta, mas não escuto o que
dizem porque um zumbido alto em meus
ouvidos parece me deixar surda.
— Eu preciso ir — digo de repente
interrompendo a conversa dos dois.
Os olhos do meu pai se desviam para mim
e não o olho de frente, ele não merece isso. Ao
invés, olho o interior do restaurante lotado, e a
imensa fila esperando uma mesa no hall.
Enquanto minha mãe, que não enxerga, passa o
dia todo sozinha por não termos condições de
pagar alguém para ajudá-la e fazer companhia a
ela. Enquanto eu tive que abandonar meu sonho
para não ser parecida demais com ele. Ele
construiu seu legado enquanto nos destruiu, à
base das nossas lutas. E nunca mais foi um pai
para mim.
— Filha, entre, fique só um pouco. Preciso
falar com você sobre uma conta...
— Estou indo! — falo mais alto e saio
andando.
Entro na primeira rua, depois na seguinte,
e em outra. Ando depressa, sentindo-me
perdida, uma sensação de impotência que odeio.
Olho para trás e Tulio não está me seguindo,
ainda bem. Sento-me numa calçada de uma rua
deserta, certifico-me que ninguém está se
aproximando e choro.
Mamãe me mandou perdoar. Ela já o
perdoou, como ela pôde? Como ela fez? Além de
não viver nada de especial em minha vida, ainda
serei alguém carregada de rancor? Pego o celular
para ligar para ela, sua voz poderá me acalmar e
me levar de volta para casa agora, mas a porcaria
do celular está desligado. Há momentos em que
eu só queria que alguém me pegasse no colo e
me dissesse que tudo vai ficar bem. Que fosse
convincente e me fizesse sentir que nada vai dar
errado de novo.
— Oi, meu anjo — a voz cautelosa de Tim
surge pouco antes de seus braços me rodearem.
Ele me puxa sem o menor esforço para o seu
colo e choro baixinho em seu ombro.
Quero perguntar como ele me encontrou,
se estava me seguindo, o que está fazendo aqui,
mas apenas choro.
— Vai ficar tudo bem, bruxinha. Não
precisa chorar, amanhã a gente coloca uma
bomba no restaurante do seu pai e fica tudo
certo. Claro, vamos nos certificar de que
ninguém esteja lá primeiro, vamos apenas
destruir este lugar para que você não se
machuque mais, tudo bem?
— Onde vamos conseguir uma bomba? —
pergunto contendo as lágrimas.
— Eu farei uma para você, é claro! Você
está duvidando das minhas habilidades
terroristas?
Em meio as lágrimas, sorrio. O abraço de
volta, conseguindo parar de chorar, mas não saio
imediatamente dos seus braços porque me sinto
segura aqui.
— Não vamos mais falar besteira, se um
anjo desinformado passa e diz amém...
Ele sorri, deposita um beijo terno em
minha testa e segura meu rosto nas mãos.
— Como você está? Quer que eu a leve a
algum lugar?
— Me leva pra casa, por favor.
— Tudo bem, mas primeiro eu preciso me
desculpar com você.
Não entendo o motivo uma vez que ele está
sendo meu herói esta noite. Seus dedos passeiam
por meu cabelo e rosto e ele diz baixinho, seus
olhos fixos nos meus parecem ter medo.
— Eu aconselhei o Tulio a trazê-la aqui
hoje.
Demora cerca de dez segundos para minha
ficha cair e eu entender o que ele disse.
— O quê?
Levanto-me imediatamente e ele faz o
mesmo.
— Por que você faria uma coisa dessas?
Você viu como fiquei na outra noite! Você sabe
que ele é meu pai!
— Eu só descobri sobre isso há poucos
minutos, eu juro! Mandei que ele a trouxesse
aqui porque sabia que isso acabaria com o jantar
de vocês.
— Isso é golpe baixo! Como você pôde?
— Sinto muito, Sabrina, este sou eu. Sou
egoísta, lembra-se? Meto os pés pelas mãos, eu
machuco as pessoas, é isso que eu faço.
Pego minha bolsa na calçada e começo a
andar para longe dele, mas ele me segue.
— Eu não pensei direito, foi no calor do
momento, ele me ligou pedindo dicas de onde
poderia te levar e eu estava me perguntando por
que você ia sair com ele!
Não respondo, porque isso não é desculpa.
— Eu fiquei louco! Fiquei com ciúmes! Foi
sem pensar, eu tentei consertar isso assim que
fiz, eu liguei pra ele, liguei pra você, e vim atrás
de vocês na esperança que chegasse antes e
conseguisse dizer a ele para não fazer isso. Eu
sinto muito, Sabrina.
— Eu não sou sua namorada para você
sentir ciúmes!
— Eu sei! Isso faz de mim ainda mais louco
e egoísta.
— Para de diminuir a si mesmo, porque eu
quero fazer isso e você não deixa! Você é louco e
egoísta! E um idiota! Um babaca! Não acredito
que você fez isso, você me decepcionou, Tim!
— Qual é a novidade? Não é o que eu
sempre faço? — sua voz soa mais distante de
mim e paro de andar.
Olho para ele que está parado, parecendo
tão perdido quanto eu, mas minha raiva não vai
se esvair assim. Abro a boca para repetir tudo o
que disse exatamente aqui umas semanas atrás,
aquelas mesmas palavras que o feriram tanto,
porque ele me feriu e preciso que sangre
também. Mas ele fala primeiro, e a sinceridade
em suas palavras me deixa sem reação.
— Agora é diferente. Eu sou o egoísta e
mimado, que quer toda atenção e não se
preocupa com mais nada, e isso não era um
problema na maioria das vezes, mas agora é.
Agora eu feri você. A última pessoa no mundo a
quem eu queria fazer qualquer mal. Todo mundo
erra, eu sei, mas meus erros sempre ferem
outras pessoas. Hoje foi você, e eu olho para
você agora, para toda essa dor nos seus olhos e
nem sei te dizer o quanto eu sinto, Sabrina.
— Deveria, mesmo. O que você fez foi
ridículo.
Ele se aproxima de mim e não quero que
chegue perto demais, mas não consigo impedir
que o faça. Fico parada, a cabeça baixa, os olhos
ardendo, o coração sangrando e o corpo
esperando que seus braços quentes me deixem
segura de novo.
— Não sei lidar com ciúmes — confessa. —
Não sei lidar com dividir você com outro, mesmo
ciente que você não é minha propriedade, não
sei fazer isso. Sabrina, eu acho que estou...
Cubro sua boca de repente e ele parece tão
assustado quanto eu. Não tenho qualquer noção
do que estou fazendo, apenas sei que ele não
pode dizer essas palavras de maneira nenhuma.
— Onde está a merda do seu carro? Me tira
aqui — peço de repente, afastando-me dele.
Ele assente e me guia até seu carro, abre a
porta para mim, mas deixa que eu a bata quando
entro. Sequer vejo onde está me levando
enquanto vamos, não dizemos nada o caminho
todo. Mas ele coloca uma playlist de música
eletrônica e minha raiva vai passando enquanto
as batidas agitadas vão penetrando minha
mente. Infelizmente, a mágoa não passa com a
raiva, e ela é a mais perigosa das duas.
Ele entra no condomínio onde mora e me
preparo para esmagá-lo por pensar em sexo
quando acabou de me ferir, mas ele sequer passa
perto de sua casa. Ao invés, sobe a mesma rua
onde conversamos na primeira vez, para o carro
onde não há ninguém mais que possa nos ouvir,
onde a cidade está abaixo de nós com toda sua
beleza, inalcançável sob nossos pés.
Desço do carro e observo as estrelas,
comparando-as às luzes da cidade lá embaixo.
Ele desce em seguida, não se aproxima demais, o
que agradeço internamente, e diz: — Eu ia dizer
que estou aprendendo agora a ter uma amiga
mulher e você é quem está me ensinando.
— O quê?
— Era o que eu ia dizer naquela hora em
que você surtou e cobriu minha boca. Mas desde
então estou me perguntando o que você pensou
que eu fosse dizer.
Um sorriso se entende em seu rosto, e meu
cérebro traiçoeiro trava.
— Não estou falando com você! —
respondo como uma adolescente.
— Que maduro da sua parte!
— Falou o homem com barba na cara que
faz juramentos de dedinho.
Ele faz um gesto negativo com a cabeça
enquanto tem um sorrisinho irritante no rosto.
Como se soubesse de mim melhor do que eu, e
me reprovasse.
— Eu não ia dizer que te amo — diz de
repente mantendo o sorrisinho irritante.
— Eu não esperava que dissesse isso. Por
que esperaria? De onde saiu isso agora?
— Então por que cobriu minha boca?
— Porque você estava falando demais! E eu
só queria sair dali. Agora que estou longe de
tudo, você pode ir. Quero ficar sozinha. — Quase
sorrio diante da minha desculpa perfeita.
Ele assente, mas ao invés de ir embora
senta-se recostado a uma árvore.
— Eu venho aqui quando quero pensar.
Quando quero ficar sozinho, também. Ou
quando estou muito cansado ou chateado.
— Está tentando dizer que mora aqui?
Porque se não mora, deveria.
Ele sorri, mas não cedo, não sorrio de
volta. Sento-me recostada à outra árvore, de
frente para ele, mas distante o bastante para
conseguir não olhar seus olhos.
— A vista daqui, o contraste céu e cidade,
luzes de cima, luzes de baixo, o silêncio, até
mesmo o vento frio, sempre refrescam minha
mente — justifica-se.
Ficamos um tempo em silêncio e tento
fazer com o que o vento frio tire da minha mente
a mágoa imensa que sinto.
— Eu não ia dizer que te amo, porque você
surtaria se eu dissesse — ele volta de repente a
esse assunto, e tento mesmo não cair nessa e não
respondê-lo, mas a curiosidade sobre a
afirmação que deixou no ar, me vence.
— O que isso quer dizer? Que você não ia
dizer, mas ama?
— Não posso responder a essa pergunta.
— Você sabe que detesto ficar curiosa! Você
acabou com a minha noite e devia estar me
adulando para perdoá-lo e não me irritando —
advirto.
— Você está certa — responde sorrindo e
aguardo o que vai dizer, mas ele não diz mais
nada. Penso até que dormiu recostado na árvore.
— Martim!
— Você cobriu a minha boca quando achou
que eu fosse dizer isso, porque não queria ouvir
isso, e agora quer saber se eu diria isso. Você é
um tanto confusa, sabia?
Ele está certo. Não quero ouvi-lo dizer isso,
mas detesto não saber se era o que ele ia dizer.
— Você está dando um nó na minha
cabeça! — ralho confusa. — Quer me deixar
sofrer em paz? Você pode ir agora! Me trouxe
aqui, não fez mais do que sua obrigação, agora
vá!
— Este era meu lugar antes de ser seu.
— Que maduro! — reclamo.
— Falou a mulher que cobre a boca de um
homem porque não tem maturidade para ouvir
um eu te amo. Você já ouviu isso antes, Sabrina?
Alguém já disse que a ama?
— Claro! Inúmeras vezes! Eu tenho
maturidade para lidar com isso. Tenho a
quantidade certa de frieza, loucura e doçura para
lidar com isso.
Ele ri alto em resposta.
— Alguém tirando o Uli? — provoca.
— Você chegou aos quarenta e cinco do
segundo tempo e acha que conhece toda a
partida, querido! Nos conhecemos há poucos
meses, nos tornamos amigos há poucas
semanas. Você não sabe nada sobre a minha
vida!
— Você tem razão, mais uma vez. Então
por que você não me conta? O que aconteceu
com o seu pai? Preciso saber o tamanho da
bomba que vou preparar.
— Ele nos deixou — respondo sem pensar,
então percebo seu jogo. Ele me fez falar sobre
algo que eu não queria.
Paro de falar e observo a cidade lá
embaixo, espero por sua provocação ou
insistência, mas elas não vêm. Ele também
observa a cidade abaixo de nós e fica em silêncio.
Não tenho a menor noção de quanto tempo
passa até que meu traseiro comece a ficar
dormente. O frio está quase insuportável e nós
dois estamos aqui num silêncio necessário. Pelo
menos até agora.
— Eu tinha quatro anos, meu pai havia
acabado de se formar em gastronomia. Ele
queria fazer uma pós em Paris, mas claro, não
tinha condições. Ainda tinha uma mulher cega e
uma filha pequena. Ele não ajudava muito a
mamãe porque estava sempre ocupado com a
faculdade e ela cuidou de mim sozinha, mesmo
sem enxergar quando eu era bebê.
Não consigo segurar o sorriso orgulhoso, e
ele também sorri.
— Então a mamãe tinha um dinheiro
guardado que recebeu de herança de seu pai. Era
tudo o que ela tinha, morávamos de aluguel e
eles procuravam uma casa com um preço justo
que pudessem comprar com esse dinheiro. Mas
o meu pai a convenceu a emprestar o dinheiro a
ele para que pudesse fazer o curso em Paris.
Prometeu que voltaria em breve, abriria seu
próprio restaurante e eles comprariam uma casa
melhor e teriam a vida dos sonhos.
“Mamãe deu a ele o dinheiro todo, aceitou
calada que seu marido fosse ficar dois anos
sozinho em outro país e deixá-la com uma filha
pequena, para que ele fosse atrás de seus sonhos.
Mas, como você pode imaginar, ele nunca
voltou. Aos poucos, perdemos o contato dele.
Trocou de número, de residência, até mesmo de
curso. Mamãe tentou de tudo para contatá-lo,
mas não obteve sucesso.”
“Um dia, alguns anos depois, ele voltou ao
país, abriu o seu restaurante, e mesmo com
tantos estados diferentes para viver, fez isso
aqui, na cidade onde moramos, o mais perto
possível para que pudéssemos encontrá-lo. Ele
voltou casado com uma mulher francesa. Nunca
nos procurou. Mamãe foi atrás dele, por mim,
então voltou para a casa e me disse que algumas
pessoas não nascem com o belo dom de serem
pais, e que infelizmente ele era uma dessas
pessoas. Que eu não deveria me chatear, pois
quem perdia era ele, e que ela seria meu pai,
minha mãe e minha melhor amiga sempre.”
“O que doeu mais não foi vê-lo abrir mão
da gente como se não fôssemos nada. O que
doeu foi ele ter esfregado em nossa cara seu
dinheiro, seu sucesso, enquanto passávamos
aperto, sem nunca ter nos oferecido ajuda. Sem
ter tido ao menos a decência de devolver o
dinheiro da minha mãe. Ele não é bom, não é
pai, não é fiel, honesto, nem tem o menor senso.
Então por que eu deveria perdoá-lo? Ele nunca
nem mesmo nos pediu perdão.”
— Você não deveria perdoá-lo — ele
responde um tempo depois. — Uma amiga linda
e sábia me disse que o perdão não é algo que
você escolhe dar, é algo que você sente que
precisa dar. E cabe à pessoa que a feriu correr
atrás de corrigir isso. Não é sua obrigação. Não
se martirize.
— Martim, eu realmente não acredito que
você ouviu alguma coisa do que eu disse a você
nesses últimos meses — brinco para quebrar o
clima.
— Você não acreditaria no quanto de você
eu guardei em mim nesses últimos meses,
Sabrina.
Seus olhos estão nos meus e não posso
desviá-los porque está frio demais até mesmo
para mover as pálpebras.
— Você não está apaixonado por mim, não
finja que está.
— É divertido vê-la com medo. E é
ultrajante também. Por que eu não poderia amar
você?
— Porque eu nunca te amaria de volta. Na
verdade, você deveria se apaixonar por mim,
seria meio que uma vingança pelos três anos em
que a Ayla sofreu por você.
Ele abre um sorriso enorme e se levanta.
— Essa história teria um final feliz? Você se
apaixonaria por mim no final e ficaríamos juntos
após meus três anos de sofrimento? — pergunta
me estendendo a mão.
— Não, sinto muito, não sou uma
protagonista. Eu sou expectadora.
Parece triste dizer isso, mas quando me
levanto e ele passa a blusa que usava por meus
ombros, segura meu rosto em suas mãos geladas
e sorri, sei que dirá algo que vai quebrar o drama
da minha declaração.
— Você está melhor do que eu, querida. Eu
sou o vilão. — Abro a boca para defendê-lo, mas
ele não permite. — Veja onde você está nesta fria
madrugada. E por culpa de quem você está aqui.
Cabisbaixo, me guia até seu carro. Fecha a
porta com cuidado, mas eu não ia batê-la agora,
estou quase congelando e com muita dificuldade
em me mover. Quando se senta ao meu lado,
respondo sua pergunta.
— Estou aqui por minha culpa, e por sua
gentileza. Você me trouxe para me ajudar, mas
quem mantém a ferida aberta dentro de mim
sou eu mesma. Você não me atingiria se eu já
tivesse resolvido isso.
A maneira como ele me olha é tão doce,
que por um momento espero mesmo que ele me
beije. Talvez isso possa aquecer o frio que
carrego na alma. Mas ele não o faz, liga o carro
depois de segundos com esse olhar doce voltado
a mim.
— Porém, se você tiver um episódio de
ciúmes desse de novo, viremos aqui por minha
escolha, e eu irei jogá-lo ladeira abaixo. Somos
apenas amigos. Eu fui bem clara? — advirto
aproveitando o silêncio para que ele entenda
bem essa parte.
Seu sorriso surge e ele concorda com a
cabeça.
— Você foi claríssima, meu anjo. Não se
preocupe, não me apaixono por mulheres loucas
— provoca. — Mas vou te levar para a minha
casa e você vai dormir de conchinha comigo
agora.
Penso que faz parte da provocação, mas ele
está sério.
— Por quê?
— Porque está frio, estou congelando e
você me aquece como nada mais.
— Tim, você ouviu o que eu disse, certo?
— Sim, eu ouvi, você é assustadora às
vezes. Mas... — Seu olhar pousa no meu de novo
e há tanto calor nele, que me sinto aquecer quase
que instantaneamente. — Vale a pena correr o
risco, às vezes.
Sorrio de volta, sei que não devia, mas não
consigo evitar. Ele arranca com o carro enquanto
tenho uma conversa séria comigo mesma.
Preciso me policiar, Martim Reymond é um
perigo! Ele sabe como me atingir, como me
envolver em seu joguinho de sedução e me
derrota no meu território com facilidade. Vai vir
com essa conversa de amor eterno e tudo mais,
iremos para a cama incontáveis vezes, e na
semana seguinte estarei arrasada por ter me
apaixonado por ele, enquanto ele procura sua
próxima vítima. Ele pode estar mudando, pode
não ser a pessoa terrível que julguei que fosse,
mas é o que vai acontecer se eu continuar a cair
em suas provocações.
— Dormir de conchinha, você caiu de
adolescente à uma criança birrenta — provoco,
mas ele não me responde, e me deixa tempo
demais sozinha com meus pensamentos que não
deixam de circular em volta dele.
Aceito de bom grado a taça de vinho que
me estende quando chegamos, me sento em uma
poltrona diferente daquela onde teremos
lembranças, mas ele pega minha mão, guiando-
me escada acima, até o seu quarto. Só vamos
dormir de conchinha, isso não é nada demais. E
eu posso deitar atravessada na cama e pedir que
ele saia, sei que ele vai me atender. Ele não vai
tentar fazer sexo esta madrugada. Mas e se ele
tentar?
— O que vou fazer? Posso dizer não, mas
vou conseguir?
— O que disse? — ele pergunta sem olhar
para trás enquanto andamos pelo corredor.
— Não é com você, é comigo mesma, não se
intrometa. — Abaixo o tom da voz e observo
meus pés enquanto o sigo. — Claro que vou
conseguir e claro que ele não vai tentar nada. Ele
quer dormir de conchinha, é uma criança, o
pobrezinho. Relaxa, Sabrina.
Ele está rindo quando entramos em seu
quarto, mas não comenta nada sobre minha
conversa íntima. Começo finalmente a relaxar,
deposito a taça de vinho vazia ao lado da sua
sobre o criado-mudo, enquanto ele me estende
uma toalha e uma blusa para que eu tome um
banho quente e fique mais confortável. Não há
qualquer insinuação sexual em seus gestos e
olhares, apenas um amigo cuidando do outro.
Tiro minha roupa gelada, ansiosa por um
banho quente em seu chuveiro maravilhoso e
quando pego as peças em sua mão, seu olhar
sobre mim é como o fogo.
— E você achando que eu daria o sinal —
comenta com a voz tão baixa que quase não o
entendo.
Ele dá um passo em minha direção,
parecendo faminto de repente, e só então me
dou conta que estou nua diante dele. Eu dei o
passo para o sexo que temi tanto que ele desse.
— Eu não... — tento me explicar, mas sua
boca cala a minha com um beijo voraz.
E, como pateticamente estava prevendo,
não posso impedi-lo. Nem quando ele me aperta
em seus braços por alguns segundos, nem
quando me pega no colo e me leva até o tão
sonhado chuveiro. Nem quando tira a roupa
devagar, perto demais de mim, enquanto a água
quente corre por seu corpo, com seus olhos
intensos cravados nos meus.
Ele está completamente nu, observo
minuciosamente seu corpo molhado, as coxas
musculosas, a barriga definida, os poucos pelos
cobertos por gotas de água, assim como a barba
que ele usa para arranhar meu ombro e pescoço.
Seu corpo guia o meu até a parede atrás de mim,
sem tocar demais, o que me deixa ainda mais
ansiosa por seu toque. Seus braços cercam
minha cabeça, pousados na parede, prendendo-
me no pequeno espaço entre eles, e sua boca
toma a minha fazendo-me derreter.
Seu corpo prende o meu à parede fria, um
contraste delicioso com a água quente que nos
cobre. Seu peito pressionando meus seios, suas
mãos deixam a parede para se cravarem em meu
traseiro, e é ele quem me guia por seu corpo,
enquanto me preenche completamente. A
parede fria escorrega por minhas costas, seu
corpo firme acaricia minha barriga e seios, a
água quente me relaxa e aquece por cima. E por
baixo, ele me enlouquece como só ele é capaz de
fazer.
Estamos na julgada conchinha um tempo
depois, nus, cobertos e aquecidos. Estou quase
adormecendo enquanto seus braços me cercam,
sequer me lembro de como vim parar aqui. E me
sinto tão aconchegada, como nunca me senti!
Meus olhos pesam, não dizemos nada enquanto
o sono me toma. E de repente, ele fala em meu
ouvido um pouco alto, trazendo-me de volta do
sono delicioso.
— Achei que você só dormisse atravessada
na cama.
Merda! Resmungo bastante, por que ele
teve que se lembrar disso? Sussurro em
concordância algo que espero que tenha sido
possível de compreender e me movo com tanta
dificuldade para me sentar! Lanço a ele um olhar
irritado antes disso e me jogo atravessada na
cama, roubando sua coberta quente e apoiando
minhas pernas com força desnecessária sobre
seu membro, o que o faz rir.
Então o sono me abandona, não me sinto
mais aconchegada e começo a pensar sobre meu
pai. Por que será que ele nunca, em nenhuma
ocasião, procurou me ver desde que voltou?
Sempre fui eu quem foi atrás dele. Viro-me de
um lado ao outro na cama, e quando penso que
não vou conseguir dormir, sinto-me
aconchegada de novo e adormeço.

Acordo feliz por ter afinal conseguido


dormir sem ele, apenas para cair do cavalo no
primeiro segundo do dia. Estou em seus braços,
na maldita conchinha. O que significa que só
dormi porque o infeliz me puxou de volta para a
posição original em que estávamos. Mas bem,
ainda bem que ele fez isso, pois não teria gostado
de passar uma noite em claro vivendo em minha
mente um verdadeiro drama familiar mexicano.
Levanto-me e visto uma roupa dele, e então
estou no meu lugar preferido: sua cozinha.
Cantarolo desafinada enquanto o bolo assa e de
repente duas mãos puxam minha cintura e sua
barba arranha meu pescoço quando ele deposita
um beijo nele.
Nem tenho tempo de me soltar antes que
ele me gire em seus braços, deixando-me de
frente para seu belo e descansado rosto.
— Então, posso jogá-la sobre esta bancada
e comê-la agora, ou você virá com aquele
papinho de não fazermos mais isso? — pergunta
com um sorriso atrevido que me deixa sem
raciocínio por longos segundos.
— Querido, — respondo com a voz doce e
baixa, o que faz seu sorriso aumentar
consideravelmente — foi a nossa despedida. Tire
as mãos de mim e vá tomar o seu café.
Ele me solta e joga um croissant na boca,
senta-se enquanto o sirvo e comenta
despreocupado: — Você está se tornando
previsível.
— Ótimo! Tomara que assim você me
escute.
— Não fui eu quem tirou a roupa ontem à
noite.
— Não era bem um convite para sexo no
banho.
— Para mim era. Tanto que você não
recusou.
— Não sou do tipo que recusa sexo quando
ele já está nas preliminares. De qualquer forma,
foi nossa despedida. E isso é sério. Foi uma boa
despedida.
— Não precisa ser. Podemos ser amigos
coloridos, podemos fazer isso mais vezes, é tão
bom ficarmos juntos, Sabrina!
Olho seu rosto sério e seus olhos pidões e
quase sorrio.
— Não podemos.
— Você está nos colocando em um ciclo
vicioso onde você diz que não faremos de novo,
aí eu corro atrás de você como um louco e nós
fazemos de novo. Então você diz que não
faremos de novo...
— Meus motivos para não ser sua amiga
colorida mudaram, Tim — confesso sendo
sincera. — Infelizmente para nós dois, são mais
fortes agora, e mais claros. Acho que vamos ter
certa dificuldade de pararmos isso, então estou
me afastando.
Por alguns segundos, ele parece aflito, abre
a boca algumas vezes para contestar, mas nada
sai. Depois, parece indignado, chega a se
levantar para vir até mim, mas desiste. Por fim,
está resignado, assente com um gesto leve de
cabeça e volta a se sentar, tomando seu café com
calma, o que me deixa desconfiada. E muito
curiosa. O que será que se passou em sua mente
durante esse conjunto de segundos em que
pensou em agir e nada fez?
— Tudo bem — diz por fim.
E é tudo o que diz.

Ele me leva em casa e depois à empresa,


mantendo seu semblante sério de patrão.
Conversa apenas coisas do trabalho, aceita numa
boa meu afastamento, o que me surpreende.
Mostra seu amadurecimento. E também me
irrita. Mas escolho ignorar essa parte. Tão logo
descemos do elevador e caminhamos cada um
em direção ao seu posto, ele diz como se
estivesse falando do trabalho, em um tom leve,
alto e descontraído.
— Tudo bem, não é como se eu fosse tentar
seduzi-la para fazê-la mudar de ideia sobre
transar comigo.
— O quê? — pergunto em choque enquanto
olho para os lados e como eu temi, as pessoas
próximas nos ouviram.
— Não se preocupe, meu anjo. Não faremos
mais, eu entendi. Tenha um lindo dia no
trabalho — deseja pouco antes de me pegar
desprevenida e dar um beijo no canto da minha
boca, na frente de todo mundo e depois sair
andando até seu escritório, dando bom dia aos
funcionários como se não tivesse feito nada
demais.

— Ele enlouqueceu de vez. Tome cuidado,


Sabrina — alerto a mim mesma enquanto
preparo o café, sozinha na copa.
Alguns funcionários entram aos cochichos
e sei que o assunto da vez sou eu. Eles pegam
seus cafés e pouco depois Tim entra. Não me
dirige a palavra, senta-se com Bruna e repassa
alguns documentos enquanto apenas ela toma
café. Seu tom sério, centrado e profissional, me
faz relaxar aos poucos. Foi apenas uma
provocação, ele não parece mais um louco.
Aliviada, recolho as xícaras deixadas pelos
funcionários que estão saindo da copa e quando
passo pela mesa onde meu chefe está, ele
derruba um guardanapo e abaixa-se para pegá-
lo, subindo a mão por toda extensão da minha
perna, no caminho de volta. O contato da ponta
de seus dedos com minha pele me causa arrepios
e dou um pulo para trás assustada. Ele sorri,
como se não fosse nada demais enquanto se
levanta e deixa a copa com Bruna, que sequer
percebeu o que ele fez.

Todo meu esforço é exigido para que eu


consiga esperar longos dois minutos antes de ir
atrás dele em sua sala. Sinto minhas mãos
tremerem enquanto bato na porta e entro em
seguida, sem esperar por sua permissão. Ele está
em um pequeno sofá, ao lado de uma luminária
elegante, lendo algum papel. Mas desvia os olhos
cansados para mim assim que entro. Sua
expressão é a mesma de desde que saímos de sua
casa mais cedo, a de um chefe.
— Pois não, senhorita Sabrina, deseja algo?
Pisco os olhos aturdida por sua atuação, e
ainda assim ele mantém a pose.
— O que pensa que está fazendo, Tim?
— Não sei exatamente a que você se refere.
— Não se faça de sonso agora! Não me
provoque! Você falou em um tom alto demais
sobre estarmos transando e depois passou a mão
na minha perna no meio do refeitório! Alguém
poderia ter visto! Não foi isso o que combinamos
esta manhã!
Ele não diz nada. Levanta-se com toda pose
de chefe, vai até as persianas e as abaixa de uma
vez, deixando a sala privada.
— O que está fazendo agora? — grito e
corro até as persianas, subindo-as novamente.
Quando olho seu rosto, ele está sorrindo.
Parado a centímetros de mim, completamente
relaxado e sorrindo. Eu vou matá-lo. É isso, vou
matá-lo agora mesmo!
— Saquei qual é o seu jogo.
— Duvido muito — ele tem a cara de pau de
provocar.
— Você quer acabar com a minha neura
sobre a sua lista, deixando claro para todos aqui
que dormimos juntos. Por isso falou sobre nós
em voz alta e depois passou a mão na minha
perna. E agora quer fechar as persianas. Para
que todos saibam que estamos transando e
assim eu não surte por alguém saber que estou
na sua lista.
Ele continua sorrindo enquanto meu
cérebro gira a mil por hora.
— Não vai funcionar, Martim, porque este
não é o motivo de eu não querer ser sua amiga
colorida!
Vagarosamente e com uma elegância que
me irrita, ele desce de novo as persianas.
— Não as suba! É minha sala e é uma
ordem! — ordena e paro no ar minhas mãos
prestes a nos deixarem visíveis de novo. — Este
não é o meu plano. Quando falei sobre não
tentar seduzi-la o fiz em um tom normal de uma
conversa, não falei alto demais. Você queria que
eu sussurrasse?
— De preferência!
— Vou me lembrar disso na próxima vez. O
guardanapo caiu na copa, eu fui pegá-lo e me
desequilibrei. Você estava por perto e me apoiei
em você, apenas isso. Não foi nada sexual. E
estou fechando as persianas porque você está
vermelha feito um tomate e parece prestes a
explodir. Nas vezes em que te vi assim você
agrediu alguém, inclusive a mim, então estou
apenas protegendo-a para que ninguém veja o
que vai fazer comigo agora e não chamem a
polícia para você.
Estou tão aturdida com a rapidez com que
pensou em tantas desculpas, que fico sem
reação. E ele tem tirado minha reação tantas
vezes nas últimas semanas, que me sinto uma
tonta diante dele. Quem ele pensa que é?
— Sabrina, eu entendi sua decisão e a
respeito. Toda essa provocação está em sua
cabeça. Você pode voltar a respirar como uma
pessoa normal, agora. E trabalhar como uma
funcionária normal, tudo bem? Não há nada
demais acontecendo aqui, pare de se preocupar.
— Tudo bem — concordo derrotada porque
de repente ele me parece sério demais,
confiante, calmo. Não deve estar fingindo. E eu
pareço uma louca sutando por pouca coisa. —
Devo agradecê-lo?
— Não é necessário. Volte aos seus
afazeres.
Assinto e dou um passo em direção a porta,
quando ele me puxa pela mão e sua boca toma a
minha no mesmo segundo. O beijo é tão voraz, e
tão intenso, que quando ele me solta, sinto-me
bamba. Demoro cerca de quinze segundos para
recuperar a sanidade e explodir de novo.
— O que você está fazendo?
— Apenas me despedindo. Foi só isso, uma
despedida.
— Já nos despedimos pela manhã!
— Não desse jeito. Agora estou em paz, vou
memorizar este beijo e deixá-la em paz.
Olho em seus olhos à procura da
pegadinha. Procuro em seu rosto o menor sinal
da provocação, mas não há nada. Apenas um
homem sério, meio triste, até, melancólico e
resignado. Tanto que nem consigo pensar em
nada para responder sua última promessa.
Sentindo-me derrotada, apenas confirmo com a
cabeça e saio de sua sala, mas converso comigo
mesma enquanto passo pela porta: — Sinto que
ele está me dobrando. Constantemente me
dobrando.
E posso jurar ter ouvido sua risada, mas
quando volto para trás para pegá-lo no flagra,
ele está sério e resignado como antes.
— Estou ficando louca.

A reunião com o babaca do Monteiro está


dez minutos atrasada e há oito estou ouvindo-o
reclamar da falta de profissionalismo da Ayla.
Tento ligar pela sexta vez, mas a chamada só cai
na caixa postal. Dez minutos depois, quando
Monteiro está prestes a ir embora, peço a ele
mais uma chance e decido procurá-la.
Ayla não está em lugar algum, ao invés
dela, avisto Louisa conversando com uma novata
e sorrindo como se houvesse ganhado na loteria.
Os pelos do meu braço se arrepiam e pressinto
que algo está errado, mas não é como o dom da
Ayla ou suas brigas constantes com o universo. É
mais como conhecer a Louisa e sua maldade e
conhecer a Ayla e sua má sorte, então penso na
data. Confiro no celular que hoje fazem
exatamente seis meses do acidente do Eros.
— A maldição dos dois meses é verdadeira!
Valha-me Deus, é verdadeira! Ayla! — grito por
minha amiga pela empresa afora e, sem
conseguir encontrá-la, decido procurar Tim.
Temos que achar a Ayla, com certeza ela precisa
de nós.
Ayla
— Hoje começa o sexto mês. O dia mal
nasceu, então ainda dá tempo de você abrir esses
olhos, ser o anjo da sorte que era e me livrar da
maldição dos dois meses dessa vez. Eros... —
Dou pequenos tapas em seu rosto, mas exceto os
movimentos que causo nele, ele não se move. —
Talvez eu devesse ficar aqui hoje, quietinha, do
seu lado. Quem sabe o universo não interprete a
sua presença como um amuleto da sorte?
Feliz por ter encontrado a solução, sento-
me na poltrona e vou ler um livro. O sol nasce,
meu café é servido na sala esta manhã e começo
a pensar que deu certo. Ligo para Tim e aviso
que não irei à empresa hoje e tudo parece tão
bem, que de repente sinto medo.
Para me precaver, não faço o café das
enfermeiras, não atendo o pedido das minhas
pequenas de levá-las ao cinema, fecho a janela
do quarto de Eros para o caso de uma chuva
repentina começar seguida de raios e trovões e
não fico perto de nenhum objeto pontiagudo.
Então eu deveria me sentir segura, mas por
que não me sinto?
Volto para perto de Eros, ele precisa
acordar. Ele é minha sorte, é minha proteção, eu
preciso dele. Monto sobre ele na cama que estou
habituada e o ameaço.
— Se você estiver me ouvindo, quero que
saiba que tem exatos dez segundos para abrir
esses solhos! Vou contar até dez e desligar seus
aparelhos. Você me ouviu? Vou despachar você!
Dez, nove, oito, sete... — minha ameaça não
funciona, ele ainda não se mexe e me dou por
vencida. — Tudo bem, estou mentindo, não
tenha pesadelos por minha culpa. Você não está
sobrevivendo por aparelhos. Você está bem! Só
não quer abrir os olhos. Às vezes eu acho que
você tem tanta sorte por poder simplesmente
ficar aí dormindo!
Desço de sua cama e volto para minha
leitura. Primeiro, analiso bem o livro para
confirmar que nada nele pode me ferir. Eu até
poderia provocar o universo dizendo o quanto
me precavi hoje, mas não irei fazê-lo, porque
tenho amor à minha vida.
É quase fim de tarde quando meu celular
toca e, ao ver o nome de Tim na tela, meu
estômago tem aquela reação ruim, os pelos do
meu braço se eriçam e me sinto levemente
enjoada. Vai acontecer. Eu não me livrei.
— Olá, Tim, aconteça o que acontecer não
vou sair desse hospital hoje.
— Hum... sinto muito, querida, mas acho
que você se esqueceu da reunião sobre a basílica.
Você precisa vir.
— Tim, não! A maldição dos dois meses!
— Ayla, isso é coisa da Sabrina para irritá-
la. Não existe qualquer maldição. Você quer que
eu a busque?
— É claro! Ao menos não vou sofrer nada
sozinha, sem ofensas.
Ele apenas ri do outro lado da linha e
enquanto o espero, começo a calcular tudo que
pode dar errado em um dia marcado para a
tragédia, no caminho até um edifício de vinte e
seis andares. São coisas demais!

Enquanto Tim não chega, faço a barba de


Eros e me parabenizo por não cortá-lo nem um
pouco desta vez. Eu não a tiro, apenas a aparo,
porque quando ele acordar não quero que esteja
muito diferente de como estava quando sofreu o
acidente, para que não seja ainda mais difícil se
habituar à passagem de tempo. Tom chega assim
que termino de limpar seu rosto, e por algum
motivo, parece emocionado.
Conversamos mais um pouco sobre suas
viagens e me recuso a fazer o café que ele tanto
gosta, explicando que hoje é o dia da maldição, o
que apenas o faz rir. Mas tudo bem, melhor que
meu sogro pense que sou maluca do que me
arriscar fazendo o café e explodindo algo de
novo.
Quando Tim chega e percebe a presença do
pai, é nítida sua mudança de postura. Ele parece
rígido de repente e desconcertado. Cumprimenta
o pai com um leve gesto de cabeça e me apressa
para irmos à empresa, alegando estarmos
atrasados, o que sei que não estamos. Não
entendo o que está havendo, mas o ajudo.
Confirmo que estamos atrasados e deixo Tom
com Eros, seguindo Tim rapidamente até seu
carro.
— Então... — começo a puxar assunto —
conseguiu se resolver com sua paixão
misteriosa?
Um sorriso surge em seu rosto, desses de
ponta a ponta pouco antes de ele responder algo
completamente contrário à sua reação.
— Não. Ela não quer mais dormir comigo,
terminamos antes mesmo de começar.
— Que bom que isso o deixa feliz, então.
— Ah, não, não deixa. Me deixa destruído,
na verdade. Amo dormir com ela. Mas bem, isso
também me dá a chance de deixá-la ainda mais
maluca do que já é.
— Não entendi, achei que o fato de ela ser
maluca fosse exatamente o que a tornasse
proibida para você.
— Ah não, sua loucura é como um
afrodisíaco para mim. É sua sensatez que me
afasta dela. Preciso destruir seu juízo e
poderemos então ficar juntos.
Quanto mais ele fala, menos eu o entendo.
— Tim, você tem dormido bem? Tem se
alimentado direito? Está tudo funcionando na
sua cabeça? Porque estou começando a achar
que a loucura dessa sua paixonite é contagiosa.
— Você está certa! Loucura é mesmo
contagiosa — concorda ligando o rádio em
seguida e começo a temer que será meu estranho
e recém-maluco cunhado quem vai me
proporcionar a terceira maldição dos dois meses.

Quando as portas do elevador se abrem e


piso no chão firme da Reymond, abro um
sorriso. Tim não foi o causador da catástrofe, e
uma vez aqui dentro, nada mais acontecerá. De
forma que só voltarei a correr riscos quando
estiver indo embora, do lado de fora, mais tarde.
Até lá, posso respirar em paz.
Mas minha paz dura meros cinco segundos
antes da cara nojenta da Louisa surgir diante de
mim com a expressão azeda de sempre. Espero
que faça a reclamação diária ou a indireta de
sempre, mas, de má vontade diz: — Tem um
homem te esperando no terraço.
— Que homem?
— Não sei, não sou sua secretária.
— Vá até lá e peça a ele para vir aqui se
quiser falar comigo, não irei encontrá-lo lá em
cima — peço.
Eu é que não vou procurar terraço no dia
exato da maldição.
— Como eu disse, não sou sua secretária. E
nem adianta procurar sua secretária porque ela
foi embora mais cedo.
Algo me diz que isso está mal contado,
Sabrina sabe sobre a reunião que teremos e
jamais perderia a oportunidade de importunar o
Monteiro quando ele for babaca comigo, então
onde ela poderia ter ido?
— Tudo bem, obrigada — respondo indo
em direção a sala, mas Louisa me impede
entrando na minha frente.
De má vontade revela quem é o homem
que me espera lá em cima.
— O homem que a aguarda lá em cima é o
senador Farias. Está com a mulher dele.
Provavelmente quer pedir algo grande, só estou
te falando isso porque sei que essa empresa vai
de mal a pior sob sua administração e não quero
ficar desempregada.
— Quanta nobreza sua me dizer isso,
Louisa. Você devia receber um aumento!
Seus olhos brilham por um segundo, mas
logo percebe a ironia em meu tom de voz e sai
batendo os pés.
Me dirijo até a sala de Eros e deixo minhas
coisas lá, então subo até o terraço para
convencer o senador e sua esposa a termos essa
conversa na sala do Eros, e não no terraço.
Os materiais de construção que na última
vez tomavam quase todo o chão não estão mais
aqui, e a obra no terraço está completa. É um
lugar tão bonito e agradável que não faz sentido
fazer qualquer reunião dentro de uma sala. O sol
que até poucos minutos brilhava alto e forte não
existe mais, e o tempo está se fechando.
— Senador Farias, como o senhor está?
Procuro por ele, mas não o encontro em
lugar nenhum. Chamo mais alto enquanto
procuro o mais distante possível da beirada, mas
não há ninguém aqui. Volto para trás para matar
Louisa, aquela vaca má, quando percebo que a
porta está trancada. Tento mais uma vez e nada,
está mesmo trancada.
— A vaca dos infernos me trancou aqui! —
grito irritada batendo os pés feito a criança que
não sou há uns bons seis meses. — Louisa! Sua
cria do demo, eu vou matar você! Abra essa
porta! Sua vaca invejosa! Abra essa porta agora
mesmo!
Percebo que não vai adiantar gritar e bater,
ninguém vai me ouvir. Por que cargas d’água
deixei a bolsa com o celular na sala? Acaso não
sei que quando algo está para acontecer preciso
estar sempre com o celular para pedir ajuda?
Sem ter o que fazer, sento-me em uma
poltrona confortável até que alguém sinta minha
falta e me encontre aqui. Mas nem trinta
minutos depois um estrondo é ouvido do céu.
Penso que nem devia olhar para cima, mas o
faço e sou cumprimentada com uma gota fria no
meio da minha testa. Seguida de muitas outras
gotas e mais um estrondo no céu. O clarão do
raio vem logo em seguida e me levanto
desesperada.
— Eu vou morrer eletrocutada por um raio.
Volto para a porta e bato nela.
— Louisa! Sua bruxa desalmada, abra essa
porta!
Rapidamente estou ensopada, congelando
e o pior são os malditos raios que parecem estar
perto demais do topo de um prédio alto repleto
de árvores.
— Árvores atraem raios? Minha mãe dizia
que sim, eu vou morrer aqui! Socorro!
Olho para os lados, mas por conta da chuva
quase não enxergo nada, fico o mais distante
possível das árvores e lastimo com o universo.
— Sério isso, universo? Sério mesmo? A
chuva repentina não era uma provocação!
Ando de um lado a outro tentando me
aquecer e é aí que avisto movimento no terraço
do prédio ao lado. O terraço ao lado possui uma
cobertura cercada de vidro e um homem toma
uma taça de algo enquanto observa a chuva.
Subo em cima da poltrona e agito os braços
chamando por ele, mas ele não me nota.
Completamente contra a minha vontade, vou
para mais perto da beirada, o mais próximo
possível dele e grito.
Ele jamais vai me ouvir, o barulho da chuva
nos vidros deve estar bem alto para ele. Busco
algo que possa usar para chamar sua atenção e o
que encontro não vai acabar muito bem, mas
não tenho escolha. Com a sorte que tenho, vou
ficar nesta chuva até a noite, ninguém vai me
procurar aqui e vou morrer de hipotermia antes
do nascer do sol. Quando Eros acordar, virá até
aqui e encontrará uma placa com meu epitáfio:
“Aqui jaz Ayla Marins Reymond, quase
arquiteta, péssima esposa, derrotada pelo
universo”.
Não tenho escolha. Miro bem o vidro ao
lado do que o homem está para não acertá-lo e
torço que ele seja blindado para que faça apenas
barulho sem realmente danificá-lo. Giro o braço
com o máximo de força que consigo e arremesso
a pedra. O que acontece depois é uma verdadeira
catástrofe. Se eu temia um arranhão no vidro do
prédio vizinho, o universo riu com deboche da
minha cara. No momento em que a pedra atinge
o vidro há um barulho e todo o vidro some. Ele
se espatifa em milhões de pedacinhos e cai,
voando vidro em todas as direções.
— Ah, meu Deus, eu matei alguém lá
embaixo.
Espero a chuva de cacos parar e corro até a
beirada, mas não há ninguém na calçada entre
os dois prédios. Então me arrisco a olhar para
cima. O homem segura a taça estupefato e me
encara como se estivesse prestes a me matar. O
que realmente deve estar.
— Boa tarde, vizinho, tudo bem? Me
desculpe por isso, eu só queria chamar sua
atenção. Preciso de ajuda, estou presa aqui.
Sua expressão ainda é tão fechada que
temo que ele não vá me ajudar.
— E está chovendo — justifico meu ato de
vandalismo.
Finalmente o vizinho se mexe, não me diz
nada e temo que vá me deixar morrer congelada
aqui, mas cerca de cinco minutos depois, a porta
é aberta e Tim e Sabrina surgem preocupados.
Sabrina me prende em seus braços quase
me derrubando.
— Aqui está você! Que susto você me deu!
Te procuramos em todos os lugares, o Tim a
trouxe aqui, mas então você despareceu. Por que
não me ligou para tirá-la? Aliás, o que está
fazendo aqui? Como ficou presa?
Tim avalia o estrago no prédio vizinho
enquanto conversa com alguém, desculpando-se
e tenho certeza que é o vizinho. Tim promete
arcar com todos os custos do novo vidro,
promete um projeto para o terraço e por fim,
meu vizinho se dá por satisfeito.
Consigo me soltar do aperto de Sabrina e
ela sorri quando verifico se não quebrou
nenhum osso meu.
— Minha bolsa e celular ficaram na sala do
Eros — explico.
— Não estão lá. Eu estava lá agora pouco
com o Monteiro e o Matias te esperando para a
reunião, não havia nada seu lá — Sabrina
responde e então me dou conta de tudo.
— Aquela vaca me paga!
Ando a passos largos até o elevador,
Sabrina e Tim tentam entender meu raciocínio,
mas nem sou capaz de falar coisa com coisa.
Ensopada e pronta para matar, ando decidida
até a mesa da Louisa, abro a porta abaixo dela e
lá está a minha bolsa.
— Você teve mesmo que ser tão amadora?
Inventar algo para me mandar ao terraço para
então me trancar lá! Então você pegou a minha
bolsa para ninguém perceber que eu estava aqui
e o que viria depois? Esperava que eu morresse
congelada lá em cima? Porque no momento em
que eu saísse de lá viria atrás de você!
— Não sei do que você está falando.
— Não se faça de sonsa agora porque estou
prestes a matá-la!
Imediatamente ela se levanta da cadeira e
recorre a Tim, gritando comigo: — Ela é louca!
Uma maluca! Está me ameaçando! Você está
vendo!
— Sente-se agora mesmo porque você vai
me ouvir! — grito de volta.
— Não vou ouvir nada do que tem a dizer,
sua maluca!
Abro a boca para responder de novo
quando me dou conta do mais importante dessa
confusão toda de assumir a empresa do Eros.
— Quer saber? Eu não preciso disso —
respondo baixinho, com um sorriso que
claramente a deixa assustada. — Qual o intuito
de ficar aqui gritando com você, certo? —
Finalmente sua expressão relaxa, posso ver o
brilho da vitória refletido em seus olhos, uma
pena que vou acabar com ele. — Louisa, você
está demitida.
Ela demora cerca de dez segundos para
processar o que eu disse e o risinho da vitória
sumir de seu rosto.
— O que disse? Você não tem autoridade
para me demitir.
— Ah, não? Então como a estou demitindo?
Junte suas coisas e dê o fora daqui!
Falo com tanta calma, que isso parece
deixá-la louca. Ela começa a gritar coisas
ininteligíveis enquanto me seco com a toalha que
Bruna conseguiu para mim. Assim que para sua
gritaria e cala a boca por dois segundos, repito a
ordem.
— Você tem dez minutos para deixar esta
empresa, ou vou acessar a câmera de segurança
dos elevadores e provar que você me trancou no
terraço. Então você tomará uma justa causa.
— Você não pode...
— É senhora! Eu sou sua superior, me
respeite! Aliás, eu era. Saia desta empresa agora
mesmo ou eu irei tirá-la e você não vai gostar de
como vou fazer isso.
Ela olha para Tim aos prantos.
— Tim, você não pode permitir...
— Você estava mais do que avisada, Louisa.
Trancá-la lá fora com uma chuva dessas? Você
ficou maluca? Junte suas coisas e saia, e
agradeça a Ayla por ainda ser generosa e não lhe
dar a justa causa que você merece.
Derrotada, ela começa a juntar as coisas
enquanto vou trocar de blusa. Andrea tinha uma
blusa reserva que me serviu bem. Assim que
volto para conferir se Louisa foi embora, a avisto
indo em direção ao elevador com uma pequena
caixa nas mãos.
— Mais alguém aqui quer acompanhá-la?
Mais alguém tem qualquer problema com a
minha gestão? Não vou me opor se alguém aqui
quiser fazer este trabalho em meu lugar,
qualquer pessoa melhor qualificada, porque eu
realmente não sou. Alguém? Alguém quer vir
fazer isso melhor do que eu? Alguém quer
assumir a responsabilidade por todos esses
funcionários sabendo que basta uma falha para
que eles percam?
Encaro Monteiro, mas ele se acovarda e
não diz nada.
— Meu marido está em coma, não estudei
para ser a responsável por uma empresa como
esta e preciso de toda ajuda. Todos nós
precisamos, porque essa empresa também é de
vocês. Se eu falhar, vocês pagam. Então temos
que ser unidos e nos ajudar, quem não está de
acordo com isso pode ir agora. Porque a partir
de agora não vou mais tolerar nenhum tipo de
piada de mau gosto, ofensa, acusação velada e
desrespeito por nenhum de vocês. Se eu der uma
ordem, se eu precisar de um favor, é pra vocês
cumprirem como se fosse o chefe pedindo, eu fui
clara?
Todos concordam e estou prestes a voltar
para a sala de Eros, quando escuto algo que
Louisa diz: — O caminho mais fácil para a
presidência, um coma bem conveniente do seu
marido...
Nem tenho tempo de dar uma resposta,
embora tamanha maldade nem merecesse uma,
pois Sabrina se solta dos braços de Tim, que nem
sei porque a estava segurando e pega Louisa
pelos cabelos.
— Repete o que você falou na minha cara,
sua cobra!
Ela crava as unhas no rosto de Louisa, que
grita e cai no chão. Então Tim consegue segurá-
la pela cintura. A afasta de Louisa, a joga sobre
os ombros e a leva rapidamente até sua sala.
Nunca vi Sabrina reagir assim, o que me faz
pensar que Louisa insistia nisso.
Corro até a sala de Tim e me certifico de
que Sabrina está bem. Então pego minha bolsa e
saio daqui. Preciso ir embora, preciso ir embora
de tudo isso.

Chego ao hospital sentindo-me tão


cansada, a calça molhada grudada em minhas
pernas. O cabelo em uma bagunça molhada, e o
rosto molhado, mas não da chuva que ainda cai.
Sento-me ao lado de Eros, não me importando
em molhar sua cama e imploro: — Abra esses
olhos! Eu não aguento mais! Eu não sou você,
não sou forte como você, saia daí e vá enfrentar
seus problemas. Abra os olhos!
Ele não se meche, ele nunca se meche.
— O que estou fazendo aqui, Eros?
Devíamos estar divorciados, devíamos estar
longe um do outro, talvez esteja dormindo
porque não quer me ver e talvez possa me ouvir
e eu esteja impedindo você de abrir os malditos
olhos! O que você quer que eu faça? Você quer
que eu vá para a casa? É isso? Então eu vou! Eu
cansei! Estou indo pra casa!
Levanto-me da cama e começo a juntar
minhas coisas em uma bolsa que já mora no
hospital comigo.
— Eu não queria estar aqui quando você
abrir os olhos mesmo. Que diferença vai fazer
para você?
Junto tudo e chamo a enfermeira, mas é
Alexandra, a médica dele, quem aparece.
— Estou indo embora. Qualquer novidade
sobre ele, por favor me avise.
Ela assente, observa a cama molhada e
minha roupa encharcada.
— Eu posso tê-lo molhado um pouco —
confesso envergonhada.
— Não há problema, querida. Mas por que
você está indo embora?
— Porque eu cansei, estou desistindo,
cansei. Ele não vai me querer aqui quando
acordar, se é que ele vai acordar.
— Se é o que você quer, eu realmente acho
que você tem que ir descansar um pouco, tirar
uns dias para dormir em uma cama, com suas
irmãs barulhentas. Vai te fazer bem. Mas você
não está desistindo, você está aqui todos os dias
há seis meses, Ayla. Alguém que faz isso nunca
desiste. Só tire as férias que você precisa.
Não respondo, porque no momento não
tenho forças para nada. Jogo a bolsa pesada no
chão, sento-me ao lado dele na cama. Eu deveria
estar em uma discussão calorosa com o universo,
mas não tenho força nem mesmo para isso. É
como se a culpa fosse desse homem deitado
nessa cama, completamente imóvel, exceto o
movimento leve de seu peito ao respirar. A culpa
é dele por não abrir os olhos para resolvermos
nossos problemas e ficarmos juntos. É dele por
ser minha sorte e me deixar desprotegida, a
mercê do universo assim. É dele porque está
com a parte mais fácil desse maldito acidente.
— Adeus, Eros. Espero que se recupere
logo, que fique bem e seja feliz. Você não vai
mesmo voltar para mim, não é? Mesmo que você
abra os olhos agora. Uma vez, você colocou a sua
vida em minhas mãos, e eu não fiz bom uso
desse presente, eu sinto muito. Estou
devolvendo a sua vida a você, espero que faça
melhor uso dela.
Sei que devo me levantar e ir embora, mas
até mesmo isso parece difícil demais.
— Se você pudesse me ouvir, me dar forças
como antes, se estivesse aqui comigo... — solto
sua mão para ir embora, mas ele segura a minha
antes que eu possa me levantar.
Penso estar vendo coisas, mas ele está
mesmo segurando minha mão, a está segurando
com força.
— Doutora!
Alexandra imediatamente se aproxima e
examina Eros. Olha seus olhos, chama seu
nome, confere o monitor e chama a enfermeira.
Não tento tirar minha mão da sua, porque essa
foi sua resposta. Ele está aqui, está comigo. Ele
vai acordar.
Ele não volta a se mexer, a não ser sua mão
ainda segurando a minha. Não atende, não
responde, não abre os olhos. Mas sua mão está
aqui. Alexandra explica que esse tipo de reação é
um ótimo sinal, que ele está tentando acordar, o
que é maravilhoso. Ele está tentando voltar pra
mim.
— Ayla, você pode ir agora, prometo ficar
de olho nele e avisá-la se houver qualquer
mudança em seu quadro.
Abro um sorriso para ela.
— Não vou a lugar algum, doutora. Meu
marido precisa de mim, meu lugar é aqui ao lado
dele. Ele vai abrir os olhos, eu sei que vai.
Alexandra concorda e deixa o quarto, me
mandando tomar um banho quente antes que
pegue um resfriado e pela primeira vez em
meses tenho certeza que tudo vai dar certo.
Tim
Baixo as persianas mais uma vez, enquanto
Ayla se certifica de que Sabrina está bem. Segura
seu rosto nas mãos, olha as mãos dela, e exceto
alguns fios de cabelo da Louisa presos aos seus
dedos, Sabrina não sofreu um arranhão. Como
poderia quando pegou Louisa tão desprevenida?
— Sabrina, o que aconteceu com você?
Você nunca reagiu assim — Ayla pergunta
cautelosamente.
— Na verdade, eu já dei um tapa na cara ela
uma vez, quando ela disse algo parecido —
confessa envergonhada.
— Foi um belo tapa — defendo minha
bruxinha encrenqueira.
— É isso o que as pessoas pensam? Que eu
causei isso ao Eros? Mesmo depois de todos
esses meses?
— É claro que não, ninguém aqui acha que
você tem superpoderes, querida. Como você
poderia causar um acidente tão grave? — tento
animá-la.
Ayla assente, abraça Sabrina agradecendo a
ela pela defesa e se vai. Sei que isso vai ficar em
sua cabeça, a culpa, mais uma vez, por este
acidente. Encaro Sabrina sentada sobre minha
mesa com a blusa torta, o cabelo desgrenhado e
praticamente soltando fogo pelos olhos. Quando
seus olhos em chamas encontram os meus,
chego até ela em dois passos, seguro seu rosto
pequeno em minhas mãos e a beijo. A beijo
devagar, saboreando seus lábios, brincando com
sua língua, sentindo suas mãos deslizarem por
meu torso. Então ela me empurra e desce da
mesa.
— O que você está fazendo? — pergunta
irritada.
E devo confessar que ultimamente adoro
vê-la tão irritada perguntando o que estou
fazendo. É meu novo passatempo preferido.
— Só me despedindo.
— De novo? Você já se despediu esta
manhã! — lembra indignada.
— É verdade, eu tinha me esquecido.
Ela me encara esperando qualquer sinal de
provocação, mas permaneço sério então ela
revira os olhos e sai da sala irritada, e só então
me permito rir.
— Vamos ver quem vai dar lições em quem
agora, bruxinha.

A notícia de que Eros segurou a mão da


Ayla é tão bem-vinda, como um sinal dos céus
para termos esperança. Um sopro de força que
todos nós necessitávamos agora. Mamãe tem
pesquisado tanto sobre pessoas em coma em
acidentes parecidos com o dele, e os casos que
viu, um ano, dois, três ou mais, não nos davam
muita esperança.
Chego ao hospital na manhã seguinte com
as esperanças renovadas. Eros não está sozinho,
pelo contrário, impossível estar mais
acompanhado. Além de Ayla, que mora aqui com
ele, também estão Sabrina, Sofia e as gêmeas.
Sabrina usa um vestido que mais parece uma
blusa bem brande de ombros baixos. Usa uma
bota, brincos enormes e está maquiada. Seu
cabelo de duas cores está preso daquele jeito
estranho, metade em um coque e a outra metade
solta. Ela tenta me ignorar quando entro, mas
não permito. Abraço Ayla, pego Liah e Maya no
colo, beijo a cabeça de Sofia e a rodopio e então
ela está diante de mim, me alertando com os
olhos sobre o que vou fazer com ela.
— Sabrina — cumprimento em um tom de
voz cordial e estendo a mão diante dela com a
expressão séria.
Completamente confusa e um tanto
aliviada, ela corresponde o cumprimento. Viro-
me para Eros, ainda dormindo na cama, mas sei
que ele se mexeu e sei que logo vai voltar.
— Achou que não ia ganhar um abraço
também? — pergunto a Sabrina virando-me
mais uma vez em sua direção e a prendo em
meus braços. Preciso me controlar para não
afundar o rosto em seu pescoço e sentir o cheiro
delicioso de sua pele, porque ouço as risadas das
meninas e sei que estão nos observando. — Se eu
não fizesse isso elas poderiam desconfiar —
explico em seu ouvido.
— Cala a boca! — responde e me afasto dela
com um sorriso.
Sofia se despede de Eros e de mim e Ayla
vai acompanhá-las até a portaria. Sofia e Sabrina
vão levar as gêmeas a algum lugar. Despeço-me
delas com o mesmo entusiasmo com que as
cumprimentei e assim que fico sozinho com
Eros, sento-me ao seu lado na cama.
— Como vai, irmão? Está chegando a hora,
você vai abrir esses olhos em breve. Então se
estiver me ouvindo quero que saiba que nunca
houve nada entre Ayla e eu, assim que percebi
que você realmente a amava, desisti dela. Acorde
se lembrando que Melissa armou, Ulisses
mentiu e você foi cruel e injusto com a pessoa
que mais o ama nessa vida. E olha que nem
estou falando de mim e sim da Ayla. Acorde
disposto a cuidar dela, irmão, a remediar tudo o
que ela tem passado, ouviu? Quem dera você
abrisse os olhos na minha presença! Já seria um
príncipe para ela quando ela o visse.
Seguro suas mãos e as aperto, tento fazer
com que ele reaja de alguma maneira, como Ayla
fez, mas nada funciona.
— Que sorte você tem, irmão. Para algumas
pessoas o amor é menos complicado do que para
outras, você sabia? Você tem mesmo muita
sorte.

Pela primeira vez o domingo parece


incrivelmente chato e lento. Estou ansioso que a
segunda chegue, ansioso em voltar para a
empresa, ansioso por algo que não consigo
identificar o que é.
A segunda finalmente chega e sou um dos
primeiros a chegar à Reymond. Vou direto até a
copa, mas Sabrina ainda não chegou. Deixo a
porta da minha sala aberta para poder observar
melhor. Alguns funcionários vão chegando,
todos falam sobre a melhora de Eros e a
demissão de Louisa. E a maldição dos dois
meses da Ayla. Depois de demitir Louisa e
desafiar qualquer um aqui a fazer seu papel, Ayla
conquistou merecidamente o respeito de cada
funcionário aqui. Percebo que falam dela com
simpatia, admiração, pena. Mas não mais com
hostilidade e acusações.
Sabrina chega em seu horário e passa pela
minha sala sem olhar para dentro, em seguida,
dá alguns passos para trás e observa o interior
da sala. Demora a perceber que ao invés da
minha cadeira, estou em uma poltrona próxima
a porta e quando o faz, seu rosto atinge aquele
adorável tom vermelho por ter sido pega no
flagra. Ela me dá bom dia com um sorriso
amarelo e sai rapidamente. E preciso esperar
longos cinco minutos para ir atrás dela.

Ela está pegando algo no armário abaixo da


pia, me certifico que ninguém está olhando e
passo a mão em sua traseira. Ela se levanta em
um pulo e me olha irritada, e quando percebe
que sou eu, sua irritação parece dobrar.
— O que está fazendo?
— Amo ouvi-la perguntar isso nesse tom,
minha bruxinha, como foi o seu final de semana?
Sento-me em uma mesa e alguns
funcionários chegam, então ela termina o café e
responde em um tom profissional e amigável.
— Foi ótimo senhor, e o seu?
— Entediante, cruelmente lento e solitário.
— Que pena! — responde colocando minha
xícara de café diante de mim na mesa, então
senta-se junto com as duas funcionárias que
chegaram e vai tomar o seu café.
— Por que seu final de semana foi tão
chato, senhor Tim? — Bruna pergunta curiosa.
— Minha amiga colorida preferiu levar
crianças ao cinema do que fazer amor comigo —
respondo com os olhos fixos em Sabrina, que
engasga na mesma hora e queima a língua com o
café quente.
Mais quente do que seu café, são seus olhos
em chamas cravados em mim. As meninas riem
sem graça e se instala um silêncio que sei que ela
vai quebrar. Está se controlando, mas vai me
responder.
— Talvez você não seja tão bom assim, já
que ela preferiu passear com crianças a dormir
com você. Você devia se achar menos —
responde fazendo-me rir.
Mas Bruna e Carmen chamam sua atenção
e Carmen tenta remediar a provocação de
Sabrina.
— Ou o senhor poderia conseguir outra
amiga colorida, senhor.
Encaro Sabrina como que considerando o
desafio.
— Isso também. Mas gosto dessa amiga
colorida em questão. É boazinha, calma,
centrada e muito dócil.
— Acho que essa sua amiga colorida e tão
obediente é imaginária — Sabrina provoca mais
uma vez, arrependendo-se em seguida, e não
consigo controlar o sorriso que se estende em
meu rosto.
— Não, ela vai fazer um jantar para mim
esta noite — respondo convicto e ela arqueia as
sobrancelhas curiosa. — Vamos acabar o jantar
na minha cama, do meu quarto, e vou garantir
que ela não prefira nenhum outro passeio que
não seja comigo.
As meninas riem, seus rostos coram,
Carmen lança piscadelas que finjo não ver e
abana as mãos como se sentisse calor. E Sabrina
está travada. Nenhuma resposta engraçadinha,
nenhuma pergunta, apenas me encara sem
qualquer reação. Isca lançada, posso ir agora.
Durante toda a tarde, Sabrina passa por
minha porta aberta centenas de vezes. Vai de um
lado a outro, e nunca entra. Almoço lá dentro,
faço as reuniões do dia lá dentro, não vou mais à
copa, nem mesmo na hora do café da tarde.
Pensei que a veria apenas na hora de irmos
embora para que ela tentasse me tirar alguma
coisa, mas ela entra pela porta pouco depois do
horário do café, com uma bandeja nas mãos.
— O senhor não saiu da sala hoje, pensei
que estivesse com fome e cansado.
— Obrigado, Sabrina, estou sim. Este café é
muito bem-vindo.
— Você está com algum problema? Quer
conversar sobre algo? — pergunta baixinho ao
me servir o café.
— Não é algo que eu possa falar com você,
infelizmente, Sabrina. Mas obrigado pela
preocupação.
Ela assente e caminha até a porta, mas
para ali, demora alguns segundos, penso que em
um conflito interno antes de voltar para trás e
sentar-se no pequeno sofá junto comigo.
— Tudo bem, você venceu, quem vai
encontrar hoje?
Preciso controlar meu sorriso.
— Sabrina, a curiosa — respondo tomando
o café.
— Tim, por favor, não faça isso comigo.
Com quem você vai jantar?
— Estive pensando e você estava certa
quando disse que somos amigos e que eu não
podia me intrometer em sua vida amorosa. Você
disse que eu não sei ter amigas mulheres, e está
certa. Mas estou tentando aprender. Então vou
começar por essa sua lição, estamos afastados,
certo? Logo, não te perguntarei sobre seus
encontros, e não te contarei sobre os meus.
Ela se levanta desanimada.
— Que bom que você decidiu me ouvir!
Muito bom mesmo! Apenas se lembre que o jogo
pode virar e eu quero ver você vir atrás de mim
querendo saber da minha vida amorosa depois!
Ela se vira, mas a impeço de sair da sala.
— Tudo bem, não vou dizer nomes porque
você a conhece. Mas é alguém muito especial
para mim, Sabrina. Alguém essencial em minha
vida.
— Tipo uma ex? — pergunta fingindo que
não se importa.
— Não, é mais como uma futura. Não sei,
mas algo me diz que meu futuro inteiro se
resumirá a ela, então...
— Você achou o seu grande amor então,
não é?
— Muito cedo para responder. Mas
imagino que a raiva em sua voz seja felicidade
por eu estar tão perto — provoco.
Ela bate palmas com um sorriso enorme,
carregado de ironia.
— Pura felicidade! Meus parabéns! Boa
sorte pra ela.
Então sai pisando duro e bate a porta com
um estrondo ao sair. A abre imediatamente e se
desculpa. Então torna a batê-la e se vai.

Preparo tudo o que ela vai precisar para


fazer o jantar, e deixo sobre a bancada e a ilha na
cozinha. Me certifico de fechar todas as cortinas,
para que ela não possa ver nada aqui dentro pelo
lado de fora, e deixar a porta dos fundos aberta.
Coloco uma música baixa, porém agitada,
preparo taças e o melhor vinho da adega, sento-
me na nossa poltrona e espero.
Não demora para que o sensor de presença
do acendedor da cozinha ative e Sabrina seja
dedurada. A encontro tentando se esconder,
desesperada, vira-se de um lado ao outro até
decidir ir embora, mas não permito que passe
pela porta.
— Boa noite, Sabrina.
Ela estaca, não se vira em minha direção.
— Boa noite, Tim, estava de saída.
— O que você está fazendo aqui?
— Vim para conversarmos, achei que você
estava meio preocupado hoje, só queria saber se
está bem — mente ainda de costas para mim.
— É mesmo? Acaso esqueceu-se do meu
jantar esta noite?
— Ah, era esta noite?
Estou me esforçando muito para segurar o
riso. Esperava por suas desculpas, mas não
esperava o que faz a seguir.
— Tudo bem, detesto mentiras vou dizer a
verdade. — Ela se vira de frente para mim, mas
seus olhos se concentram na cesta de frutas
sobre a bancada ao meu lado. — Vim saber quem
é o grande amor da sua vida. Você não me deu
qualquer pista, fiquei muito curiosa.
— O que você sentiu foi apenas
curiosidade? — insisto.
— Sim! Apenas isso! — responde de modo
desafiador, finalmente olhando em meus olhos.
Como eu quero beijá-la agora mesmo!
— Eu te dei todas as pistas sobre quem
estaria aqui esta noite, Sabrina. Só faltou eu te
dizer o nome dela.
— Você ficou louco? Não quis me dizer
nada!
Tiro a bolsa de seu ombro e a deposito em
um banco, pego sua mão e a guio ao meio da
cozinha. Coloco o avental em seu pescoço e a
giro para amarrá-lo. Quando a giro de volta ela
está confusa, olhando de mim para o avental em
seu corpo.
— Já que está aqui e veio sozinha, de tão
boa vontade, por que não faz um jantar para nós
dois? Estou ansioso em provar o tempero da sua
comida, a julgar pelos cafés da manhã que faz,
deve ser maravilhoso.
— Mas, e a sua companhia?
Sorrio para ela, que percebe que o tempo
todo a companhia era ela.
— Você está me decifrando, Tim, isso está
perdendo a graça — reclama prendendo o cabelo
e lavando as mãos em seguida.
— Agora é que está ficando bom, meu anjo.
— Vejamos o que você tem aqui.
Ela revira a geladeira para complementar o
que eu havia deixado para ela, toma uma taça de
vinho da minha mão e enquanto conversamos,
faz um dos melhores jantares que já comi na
vida.
— Você deveria estar em um restaurante, é
talentosa demais para ser copeira, Sabrina.
— Obrigada, para ser sincera eu gostava da
confeitaria. Não do chefe, nem do salário ou
carga horária, mas do ambiente. Servíamos
almoço, foi uma ideia minha. No começo o Carlo
achou um absurdo, era uma confeitaria, mas deu
muito certo. Ele ganhou um bom dinheiro com
isso. Eu gostava de cozinhar lá, sem a pressão de
uma cozinha profissional, com clientes
satisfeitos, sobremesas, doces. Eu tinha
liberdade de inventar doces, Ayla era a rainha
dos bolos, e eu dos doces em geral.
— Mas um restaurante de verdade, com
uma equipe que você comandasse, não lhe
agradaria?
Ela nega com a cabeça.
— Eu sei, você vai dizer que sou tola por
querer algo tão menor.
— Eu não ia dizer isso. Eu deveria ter me
formado em administração ou arquitetura e
seria eu o presidente da Reymond agora, mas eu
tinha paixão por leis, quem entende?
— Cada um com suas loucuras.
— Você não quer um restaurante grande
porque não quer ser parecida com seu pai —
afirmo e ela me observa em silêncio por um
tempo antes de balançar a cabeça, concordando.
— Também pinta o cabelo de vermelho porque
quando está castanho, fica parecida demais com
ele.
Ela dá de ombros.
— Apesar de tudo ele é meu pai, sou
fisicamente parecida com ele, não posso lutar
contra isso. Sou moralmente diferente dele e
esta é a parte que posso escolher.
— Você ficaria linda com penas coloridas
na cabeça, ou careca com uma tatuagem tribal
enorme no couro cabeludo, mas esse vermelho
não combina com você. Você fica linda, fica
vibrante e atrevida, mas o castanho te deixa
delicada, acompanha a delicadeza do seu rosto.
Tudo em você foi cuidadosamente moldado por
Deus, Sabrina, não devia tentar esconder isso.
Ela fica em silêncio, seus olhos em mim são
indecifráveis. Ela nunca me olhou da maneira
como está olhando agora e não sei dizer se isso é
bom ou ruim.
— Eu não quis me intrometer nem dizer
como você deve se pentear, não é um conselho
de um cabeleireiro, foi só uma observação.
— Eu sei, relaxa. Eu preciso ir agora, está
ficando tarde — diz levantando-se.
— Fica — peço levantando-me também.
— Tim, eu... espera! Você disse na copa que
seu jantar acabaria na cama! Você já estava
esperando que eu fosse aparecer, cozinhar e
ainda transar com você!
Sorrio, não consigo conter.
— Presunçoso!
— Eu disse que você está se tornando
previsível.
— Você vai ver onde vou enfiar sua opinião
sobre mim — responde irritada e dá um passo
em direção a porta, mas a puxo pela mão e a
beijo.
Ela me empurra em seguida, com o rosto
vermelho e o dedo em riste em direção ao meu
rosto.
— Para de me beijar!
— E só uma despedida — defendo-me.
— Mas estamos nos despedindo há uma
semana!
— O que posso fazer? Eu sou ruim com
despedidas.
Sinto que ela quer rir, mas consegue
segurar e se acalma.
— Já dissemos adeus, ok? Para de me
beijar!
— Você tem razão.
— Sempre que você diz que tenho razão, faz
algo oposto do que eu estou dizendo — acusa e
me encara esperando o que vou fazer, mas não
faço nada.
Por fim ela se dá por vencida e pega sua
bolsa, então ajo antes que ela saia.
— Vou parar de beijar você, vamos nos
despedir da maneira certa, então.
Antes que ela possa responder, a pego pela
cintura e a deposito sobre a ilha. Jogo sua bolsa
no banco e tiro minha blusa, beijando seu
pescoço devagar enquanto tiro a dela. Seu
sorriso derrotado é tão lindo, que o cubro de
pequenos beijos, o som da sua risada aquecendo
meu peito de uma maneira estranha, completa.
Quando ela passa os braços por meu pescoço e
me beija de volta, sinto como se houvesse
mesmo ganhado na loteria.
— Quero deixar claro que só vou fazer amor
com você agora, porque eu quero isso e não
porque você me manipulou para isso, tudo bem?
— avisa.
— Foi você quem disse que nós não vamos
conseguir parar isso. Como sempre, você está
certa. Não dá, Sabrina, não vamos parar.
— Tim...
Cubro sua boca com a minha, calando-a
por hora.
— Agora não, amor. A gente se enrola nesse
círculo vicioso depois, agora só quero ter você.
Ela assente e desabotoa minha calça
enquanto abocanho seu seio e nos perdemos
completamente um no outro.
Estamos na empresa na tarde seguinte
quando Nico e Tulio chegam. Eles me encontram
na copa, meu novo lugar preferido dessa
empresa. Há mais alguns funcionários por perto
e apenas por isso Sabrina está longe de mim
nesse momento. Tulio vai até ela cumprimentá-
la antes de falar comigo e sei que devo muitas
desculpas a ele.
— Senhorita sexo, como vai? Você recebeu
minhas flores? — Tulio pergunta a ela
arrancando um sorriso enorme, antes de abraçá-
la.
Levanto-me imediatamente, nem sei o que
estou fazendo, mas me aproximo dos dois.
— Senhorita sexo? Apelido curioso, esse —
comento como quem não quer nada.
— É um lance nosso — Tulio responde de
má vontade, avaliando-me como um falcão.
— Um lance de vocês, sei... tem a ver com a
tatuagem de s que você tem na bunda? —
pergunto e Sabrina fica sem reação. Seu rosto se
torna escarlate, ela não parece nada feliz quando
deixa a bandeja sobre a pia e sai batendo os pés.
Imediatamente, olho à nossa volta, mas
todos os funcionários já haviam saído,
estávamos apenas nós quatro aqui.
— Olha só quem não sabe sentir ciúmes —
provoca Nico com um sorriso enorme.
— Merda!
— Qual é o lance de vocês, Tim? Porque
parece que ela não está interessada em mim.
Nem mesmo no restaurante caro que a levei ela
quis entrar. Vocês estão juntos? — Tulio
pergunta.
— Não, eu sinto muito, Tulio, preciso te
contar algo. — Sentamo-nos em uma mesa, me
certifico que ainda estamos sozinhos e de todas
as coisas que poderia dizer a ele, escolho dizer a
verdade. — Eu sabia que ela não gostaria
daquele lugar, ela o odeia, na verdade, eu sabia
disso. Mandei vocês para lá de propósito.
— Que piada é essa? Por que você fez isso?
Está interessado nela?
— Como você deve ter percebido, estamos
dormindo juntos. Amigos coloridos, essas coisas.
Ele concorda, como se o mundo de repente
fizesse sentido para ele.
— Sabrina não é como essas garotas que
você está costumado a usar, Tim — ameaça.
— Nem como as que você está acostumado.
Não é assim com ela. Não irei machucá-la.
— Mas não é um compromisso também, é
só sexo.
— Sim, mas isso já é o bastante para que
você se afaste dela.
Ele sorri, encara Nico pensativo, sei que vai
ceder, somos amigos apesar de tudo, mas então
ele me pergunta: — Só me diz uma coisa, irmão.
Isso começou antes ou depois daquela noite no
bar quando eu te disse claramente que estava
louco por ela?
Mais uma vez, dizer a verdade vai me
colocar em maus lençóis, mas não posso mentir.
— Depois.
— Quem foi desleal aqui então, Tim?
Vamos fazer o seguinte, vocês não têm nada, nós
não temos nada, o que eu quero com ela é um
compromisso, vai além de sexo. Então quem
conquistá-la primeiro, fica com ela. Se ela se
apaixonar por mim, você some de perto dela.
— Não vamos apostar os sentimentos de
uma pessoa, Tulio, você está ficando louco.
— Você só está com medo de perder, Tim,
porque sabe que não é capaz de amar. Ficou a
vida toda gritando aos quatro ventos que
procura um amor, enquanto amanhecia cada dia
com uma mulher diferente. Você não sabe sentir
isso, não saberia nem mesmo reconhecer se
sentisse isso. Vamos ver quem ganha, Tim,
vamos ver.
Ele pega a jaqueta que havia depositado
sobre uma mesa ao lado e vai embora e não sei o
que fazer. Reconheci a mágoa na voz dele, mais
uma vez fui o egoísta e babaca. Mais uma vez feri
alguém por pensar em mim primeiro.
Os olhos de Nico estão sobre mim e de
repente ele está rindo.
— O que foi que você achou de tão
engraçado aqui, Nico?
— Você lembra quando Eros estava
apaixonado pela Ayla, mas ainda não havia
assumido isso? Você o colocava em pânico,
ameaçando conquistá-la primeiro do que ele.
Agora é sua vez. Vai passar com o Tulio por tudo
o que ele passou com você. Como a vida é
engraçada, não é mesmo?
— Não estou apaixonado por ela. E um dos
meus melhores amigos está puto comigo, isso
não tem graça.
— Você está apaixonado. O que foi aquela
cena de ciúmes, então?
— Não foi nada, apenas estamos dormindo
juntos. Aquela cena foi coisa de macho babaca.
Ele assente com seu sorrisinho afetado.
Penso que vai me deixar em paz sobre este
assunto, mas é Nico, o romanticamente feliz
Nico.
— Selina está grávida — anuncia
quebrando a tensão que nos rodeava.
— Sério? Parabéns, cara! Eu quero ser
padrinho!
— Até pode ser, mas primeiro feche seus
olhos.
Estranho seu pedido, mas obedeço.
— Agora pense na coisa mais linda que já
viu na sua vida. Uma coisa que o faça perder o
ar, que o anime, empolgue, envolva.
O rosto dela me vem antes mesmo que ele
termine sua ordem.
— Agora olha nos meus olhos, os olhos do
seu quase irmão, e me diga que essa coisa não foi
a Sabrina, Tim.
Abro os olhos e seus olhos estão cravados,
perscrutando os meus. Nem tento negar.
— Você está apaixonado! Eu avisei!
— Fale baixo, Nico! Ela pode ouvir!
Me certifico que ela não está por perto, e
como não tenho Eros para me aconselhar e não
posso falar sobre isso com Ayla, decido dar o
braço a torcer e perguntar para ele. Começo a
formar em minha mente tudo de errado que há
com ela, todas as razões pelas quais esse
sentimento que ele enxerga, e que temo, não
existe.
— Não é nada disso que você está
pensando. É só uma amizade colorida, e sim,
estou em busca de um amor, mas não é a
Sabrina. Ela é mesmo linda e muito interessante,
mas tem umas manias estranhas.
Ele se aproxima curioso e olho em volta,
certificando-me que ela não está ouvindo.
— Ela não escuta música lenta. Nunca. Se
você for fazer uma serenata para ela, tem que
fazer isso pulando e gritando ou ela não irá ouvi-
la. Ela não gosta de dormir com outra pessoa, ela
chama isso de não dividir o sono, mas isso é
sério, ela dorme atravessada na cama, não dá
para dividir cama com ela. E claro, todos os
pijamas dela brilham no escuro. Além do mais,
ela tem alergia a perfumes. Não importa o quão
fraco seja.
— Isso é normal — ele a defende.
— Não é! Como ela pode ter aquele cheiro
delicioso se não usa perfume? Ela também tem
mania de prender apenas metade do cabelo. Não
consigo entender a lógica disso, uma parte lá em
um coque e a outra completamente solta. Sem
falar que ela consegue assistir televisão de
cabeça para baixo.
— O quê? — Nico pergunta e não consegue
mais segurar a risada.
— Eu sei, é estranho. Ela é estranha. E é
viciante, aquela feiticeirazinha!
— Só tenho uma pergunta, Tim, como você
fez para dormir com ela? Quer dizer, se ela
dorme atravessada na cama, onde estava você?
Entendo que ele está tirando uma com a
minha cara, mas respondo assim mesmo,
sentindo-me de repente preocupado demais com
a resposta.
— Na cama com ela, onde mais? Ela
dormiu atravessada por cima de mim.
Ele ri ainda mais alto.
— E você conseguiu dormir assim?
— Ah, sim. E bem, muito bem. Bem como
não dormia há anos.
— Ah, meu amigo, Sabrina até pode ser
estranha, mas você é mais estranho do que ela, e
está apaixonado. Todas essas manias que está
dizendo não passam de desculpas.
— Droga! Tinha esperança que você fosse
dizer outra coisa!
— Não, você não tinha. Você sabe que a
ama, não sei o que está esperando para dizer isso
a ela.
Sorrio.
— Ela não vai querer ouvir isso. Há muito
mais manias estranhas nela. — Ele me encara e
decido ser sincero. — Há muito mais manias
estranhas que me fascinam nela. Pavor de uma
declaração de amor é uma delas. Preciso
encontrar outro meio de mostrar isso a ela.
Ele se levanta sorrindo.
— Você e a Sabrina serão padrinhos do
meu filho, claro, com a Ayla e o Eros. Mas sabe o
que é ainda mais engraçado? Como você aceitou
rápido que está apaixonado, Tim, rápido demais!
Até parece que já sabia disso!
Sabrina entra nessa hora, não sei se ouviu
o que ele disse. Despede-se de Nico e pega suas
coisas, ela havia pedido permissão para sair mais
cedo porque vai acompanhar a mãe a uma
consulta. Tento falar com ela, mas ela diz que
está atrasada. Porém, não vou deixar que fique
nem mais um minuto com essa mágoa nos olhos.
Sei o quanto ela odeia sentir-se assim. Pego
minhas coisas rapidamente e entro no elevador
com ela.
— Achei que fecharia a porta antes de eu
entrar por não querer me ver agora — confesso.
— Eu realmente deveria. Você ultrapassou
todos os limites, Martim.
— Então voltei a ser Martim — comento
desanimado.
— Tem razão, deveria ser senhor Reymond.
— E agora você vai dizer que não vamos
mais fazer isso.
Ela me encara, e há um medo em seus
olhos que nunca havia visto presente ali. Sabrina
é forte, maluca, segura de si. Jamais a vi com
medo. E a culpa é minha, estou envolvendo-a em
meu jogo, conhecendo-a mais, conquistando-a.
Eu a estou tirando de sua zona de conforto.
— Você não precisa dizer, porque isso é
óbvio, Sabrina. Eu sinto muito, se ajuda em algo,
ninguém além de nós quatro ouvimos a besteira
que eu disse.
— Mas você sabia disso? Você olhou antes
de falar para se certificar que mais ninguém
ouviria que estamos transando? Se certificou que
mais ninguém sairia dali pensando que estou
transando com vocês dois?
Há esperança em seus olhos, esperança que
eu diga que sim, que sabia que estávamos
sozinhos e só fiz isso para irritar Tulio. E abro a
boca para confirmar suas suspeitas, mas não
consigo. Derrotado e envergonhado, nego com a
cabeça. E o fato de ela ainda se surpreender por
eu decepcioná-la me machuca.
— Não seria da conta de ninguém se
tivessem ouvido, sabe? Mas me machuca que
você não tenha tido essa consideração.
— Eu sei. Eu deveria ter tido, eu deveria
não sentir ciúmes de você o tempo todo e ser
mais seu amigo do que seu amante.
— É, você deveria.
As portas do elevador abrem e ela desce
sem esperar por mim.
— Deixe-me levá-la. A levo até sua casa,
pegamos sua mãe e vamos à clínica.
— Não, obrigada.
— Por favor, Sabrina.
— Não! — responde categoricamente e se
dirige ao ponto de ônibus.
Corro até o estacionamento, pego meu
carro e consigo chegar antes do ônibus até ela.
— Venha, entre, irei levá-la.
Ela finge nem me ver, mas o ônibus para
atrás de mim e buzina para que eu saia.
— Não vou arrancar daqui até que esteja
comigo dentro do carro, Sabrina, estou
avisando!
Ela revira os olhos e se aproxima da janela
— Você tem ideia do quanto é irritante?
— Entre, por favor. É muito importante
para mim deixá-la segura agora.
Ela parece surpresa por eu ter percebido
seu medo, e ainda mais confusa quanto a entrar
no carro. Sua decisão é tomada pelos passageiros
que querem tomar o ônibus, e praticamente
gritam que ela entre na droga do carro. Ela entra
contra a vontade, mas não consigo segurar o
sorriso.
— Você está sempre causando — provoco.
— Qual a desculpa agora, Tim? Você ficou
com ciúmes, e me magoou porque é isso o que
você faz, você magoa as pessoas.
— Você já decorou o meu discurso.
— Decorei a sua desculpa, é o que quer
dizer. Todo mundo erra, quase todo erro que
cometemos machuca alguém. Isso não é
desculpa para que você erre sempre. Dizer que é
isso o que você faz não te dá carta branca para
continuar fazendo, você entende isso?
Não consigo respondê-la porque não tenho
respostas. Ela está certa. Mesmo que tente
acertar, erro e muito, principalmente com ela. E
sempre digo que este sou eu, mas é assim que
tenho que ser? Essa parte minha que quer tanto
ser melhor não deveria se policiar mais e errar
menos?
— Prometo a você que não usarei isso como
desculpa nunca mais — digo e ela parece se
acalmar um pouco.
— Então me surpreenda, qual a desculpa
agora?
— O filho de uma mãe te chamou de
Senhorita Sexo. Na minha cabeça vi vocês dois
na cama, você como uma professora dando aulas
a ele, com uma régua na mão ordenando: me
chama de senhorita. Por isso o apelido. E eu
perdi a cabeça.
Paro em um sinal e a encaro, ela me olha
de boca aberta segundos antes de cair na risada.
Ela ri tanto que não consigo confirmar se minha
teoria está certa. A cena fica se repetindo na
minha cabeça e a bruxa ao meu lado rindo
incontrolavelmente.
— Que bom que a minha aflição a diverte
tanto, senhorita!
Ela para de rir e começa a cantarolar. E não
faz qualquer menção de esclarecer essas imagens
que estão gravadas em minha mente como se eu
realmente as tivesse visto.
— Quantas vezes vocês transaram?
— Você não quer saber isso — responde.
— Tantas assim? Mesmo depois que nós
começamos a ficar juntos? Sabrina, eu não
consegui mais desejar nenhuma mulher desde
que beijei você, e você conseguiu ir pra cama
com outro homem?
Ela me encara séria, o riso sumindo de seu
rosto.
— Você está falando sério? Achei que fosse
uma desculpa rapidamente formulada para
justificar seu erro do dia, mas você está mesmo
surtando com isso?
— Estou mesmo surtando com isso —
admito.
— Tulio e eu nunca transamos, Tim.
— Então como ele sabe sobre o s?
— Eu contei a ele.
— E por que você contaria algo assim? Isso
não é íntimo demais?
— Tudo bem, saí com ele para aquele jantar
que você arruinou porque a Ayla me pediu que
conversasse com ele sobre a vaga que você
conseguiu para o Uli. Ele marcou um jantar com
a Ayla, mas ela não pôde ir porque o Eros teve
febre naquela noite, então me pediu que fosse no
lugar dela. Tulio queria que fosse um jantar
romântico, mas eu detesto essa coisa de
encontros e de ficar falando sua altura, peso,
time e signo, isso não ajuda ninguém a conhecer
outra pessoa.
— Então você contou coisas únicas, que o
ajudariam a conhecê-la de verdade. Quer dizer
que você concordou com o encontro romântico.
Você gosta dele?
— Eu contei algumas coisas que você já
sabe, e você sabe não porque eu falei, mas
porque convivemos o suficiente para que você
percebesse essas coisas. E a última coisa que
disse a ele foi que o jantar não era um encontro.
Paro o carro na porta da casa dela, e insisto
que ela chame sua mãe para que eu possa levá-
las. Denise me cumprimenta com o sorriso de
sempre, apesar de não poder me ver, quando a
ajudo a sentar-se no carro, diz que estou cada
dia mais apaixonado, e começo a pensar que a
bruxa mãe enxerga além da visão que não tem.
Sabrina conversa com a mãe coisas banais,
sobre o supermercado da semana, Sofia e as
gêmeas, a recuperação de Ulisses, e espero uma
brecha para tirar essa dúvida que está me
matando.
— Você gosta dele, Sabrina?
Ela olha para a mãe e para mim, mas
parece perceber que não vou me acalmar até
ouvir essa resposta e desiste de brigar.
— Gosto, Tim. Você quer que eu seja
sincera?
— Você sempre é.
— Ótimo! Se eu não conhecesse você,
provavelmente estaria com ele.
— Você está dizendo que gosta dele, mas
gosta mais de mim do que dele?
De repente tenho medo de sua resposta. De
repente ela parece sem coragem de me
responder. E de repente, ouvimos um suspiro
exasperado e alto demais atrás de nós.
— Ela está dizendo que não gosta dele
porque gosta de você, é com você que tem
dormido nas últimas semanas, acorda, filho! —
responde Denise nos deixando completamente
constrangidos.
Ficamos em silêncio e logo, outro suspiro
exasperado de Denise preenche o silêncio pouco
antes de ela voltar a falar.
— Vocês ficaram constrangidos? Me
desculpem, eu não queria me intrometer, mas
não entendo essa dificuldade de dizer que gosta
dele, filha. É só dizer! Martim, ela gosta de você.
E você, Martim, quanta insegurança! Para um
casal que está dormindo junto há tanto tempo
vocês estão parecendo dois adolescentes.
— Mãe, chegamos! Já pode parar de falar
agora! — Sabrina fala rapidamente saindo do
carro e tirando a mãe quase à força. — Pode ir,
Tim, não precisamos de carona na hora de ir
embora, muito obrigada.
As duas somem e me pego rindo sozinho
dentro do carro. Agi sim como um adolescente,
nunca me apaixonei desse jeito antes e preciso
dar um jeito de convencer Sabrina que estou
perdidamente apaixonado por ela.

Apesar do que ela diz, espero até que saiam


para levá-las em casa. Fico dentro do carro
quando saem da clínica, deixo que Sabrina me
veja, mas não vou até ela porque não quero
sufocá-la. Quero que ela escolha se quer minha
carona. Ela faz um gesto negativo com a cabeça
ao me ver, mas tem um sorriso no rosto e vem
com Denise até mim. Denise não comenta mais
sobre o assunto anterior, provavelmente porque
levou uma bronca da Sabrina. Mas o que disse
ajudou, porque durante o trajeto até sua casa,
Sabrina sorri para mim.

Ajudo Denise a descer do carro, e Sabrina


fica para se despedir de mim. Assim que tenho
certeza que a mãe dela não está ouvindo, começo
a falar.
— Sabrina, eu...
— Espera! Ela ainda pode ouvir. A perda da
visão aguçou os outros sentidos dela,
principalmente a audição. Deixe-a entrar em
casa.
Denise sorri enquanto abre a porta
confirmando que ouviu o que a filha disse.
Quando os olhos marrons de Sabrina pousam
em mim de novo, tenho permissão para falar.
— Eu não queria magoá-la, sinto muito.
Prometo que vou ser mais cuidadoso a partir de
agora. Se você quer que isso entre a gente fique
em segredo, então ficará.
Ela assente, abre a boca para responder,
mas a corto: — Se vai dizer que não há nada
entre a gente vou jogá-la nesse carro e te
lembrar tudo o que temos. — Ela sorri. — Para
de negar isso, Sabrina. Além do mais, você me
torturou hoje e sabe disso.
— Você não pode ter ficado mesmo tão
sentido com isso. Quer dizer, ciúmes bobos de
amiga, de uma amiga colorida, acho que é
normal, mas você parecia...
— Em pânico. O que você viu em mim foi
medo de perder você.
— Quando eu disse que gosto dele, quis
dizer como amigo. Não tenho interesse
romântico nele, nem sexual, nem nada assim.
— Você podia ter explicado isso duas horas
atrás e teria me poupado de toda tortura.
— Podia, mas não teria graça.
— Vem pra minha casa comigo.
Seu celular chama e vejo um número na
tela. Não há um contato salvo na agenda, e ela
recusa a ligação. Não sem antes fazer uma careta
para o número, ela sabe quem é, está recusando
porque quer evitar e é seu pai.
— Hoje não, nos vemos depois, tudo bem?
— Tudo bem, meu anjo.
Beijo o canto de sua boca e entro no carro,
mas ela parece tão perdida na calçada, que desço
de novo. Não preciso pedir, mantenho meus
olhos nela, esperando que ela entenda que estou
aqui por ela, e ela entende.
— Vou pegar meu pijama e avisar a mamãe.
— Um pijama neon?
— Claro, se não acender no escuro, para
que serve um pijama?
Sorrio enquanto ela entra, ciente que esse
calor que sinto no peito por ela aceitar ir comigo,
é amor. Ciente que preciso encontrar um meio
de mostrar isso a ela, e mais ciente ainda que
não vai ser nada fácil.
Sabrina
Mais uma manhã em que acordo sentindo-
me aconchegada, quentinha e protegida, apenas
para descobrir que estou na cama dele, no
quarto dele, em seus braços. Viro-me com
cuidado e observo seu rosto sereno enquanto
dorme, tranquilo assim, sem toda a culpa que
carrega, ele quase parece feliz. Dificilmente
Martim Raymond está feliz. Ao menos desde o
acidente de seu irmão, desde que resolveu ser
uma pessoa melhor. É como se ter consciência
fosse um peso, como se ser alguém melhor fosse
uma luta diária. E talvez realmente seja.
O dia está nascendo lá fora e fico alguns
minutos quietinha, observando-o dormir.
Aqueles pensamentos confusos sobre a maneira
como tem me decifrado e me dobrado nos
últimos dias até tentam preencher minha mente,
mas não deixo essas neuras entrarem. Não a essa
hora da manhã. Não quando não estou acordada
o suficiente para debater com elas.
Levanto-me um pouco depois, encontro
minha escova de dente num canto do armário.
Por algum motivo ele a guardou desde a
primeira vez em que a usei aqui, visto uma
camisa dele que não cobre quase nada e desço
para fazer seu café da manhã.
Observo a linda e equipada cozinha de Tim
e um suspiro me escapa. Ele ficaria muito
irritado se eu dissesse que meu cômodo
preferido em sua casa é sua cozinha e não seu
quarto?
Começo a preparar os mais deliciosos ovos
mexidos que ele vai ter o prazer de comer na
vida, quando a campainha toca. Estaco onde
estou sem saber o que fazer, será que devo abrir?
Quem pode ser a essa hora? E se for alguém da
empresa e me vir aqui com as roupas dele? Pior,
me vir quase sem roupas!
— Por que é que você não colocou o short,
Sabrina?
Feito uma barata tonta, penso se devo abrir
a porta, ou me esconder. Corro para um lado,
depois o outro, e dou de cara com o rosto
confuso de Tom Reymond me encarando pelo
vidro da porta da cozinha. Ao invés de agir como
uma pessoa normal e abrir a porta, abaixo-me e
me escondo atrás da ilha. Será que ele me viu?
Ele dá duas batidas leves e grita: —
Sabrina, você pode abrir para mim?
Merda! Ele me viu! E agora?
— Sabrina? Está tudo bem aí? — ele grita lá
de fora e finalmente me canso de pagar mico.
Levanto-me puxando o máximo que
consigo a blusa para baixo, torcendo que cubra
ao menos a cor da minha calcinha e abro a porta
para ele. Vou andando de costas para que ele não
tenha qualquer vislumbre da minha bunda.
— Bom dia, senhor Reymond.
Ele sorri, avaliando-me divertido.
— De onde saiu esse senhor? É Tom para
você, querida. A culpa é minha por aparecer sem
avisar, eu sinto muito. Se eu avisasse, Tim não
me receberia, ele tem me evitado.
— Imagina! Sente-se, eu vou acordá-lo.
— Fico feliz que você e ele estejam...
— Transando! Só estamos... — Meu rosto
queima tanto, que penso que irei derreter a
qualquer momento e me transformar em um
ponto de larva fumegante no chão. — Enfim, eu
vou acordar o seu filho.
Vou andando de costas e ele gentilmente
foca seu olhar no teto, então aproveito a deixa e
saio correndo.

Pulo sobre Tim como uma louca e ele


acorda assustado, me abraçando enquanto
choramingo.
— O que aconteceu, por que você está
assim?
— Seu pai apareceu aqui e me viu nesse
estado. Para piorar pensei que ele fosse dizer que
sou sua namorada e esclareci que estamos
transando. Onde eu estava com a cabeça?
Cubro o rosto com as mãos, mas escuto sua
risada.
— Ah, Sabrina, só mesmo você para de dar
uma notícia dessas e me fazer rir assim mesmo.
Olha para mim, meu anjo.
Ele tira minhas mãos do meu rosto e beija
minha testa.
— Não é da conta dele com quem estou,
você entende? Ele também não vai dizer isso a
ninguém, não é nada demais.
— No mínimo ele vai te mandar arrumar
alguém normal para passar suas noites.
Ele sorri e beija meu rosto.
— Bom dia, minha linda. Você está muito
linda com esse coque frouxo e minha camisa.
Passeio minhas mãos por seu peito e peço
manhosa: — Desça até lá e converse com ele.
Então só venha aqui quando ele for embora para
que eu não tenha que vê-lo de novo, pode ser?
— Eu estava prestes a te pedir que fosse até
lá e dissesse a ele que não conseguiu me acordar,
e que muito provavelmente não vou acordar hoje
— confessa envergonhado.
— Eu poderia fazer isso por você, mas
morreria de vergonha. Ele quase viu minha
bunda! — Ele ri, a tristeza em seu rosto se
esvaindo completamente. — Além do mais, você
é um homem ou um rato?
Ele suspira e se levanta.
— Eu sou um gato. Fique aí na cama, essa
conversa vai ser breve, eu volto logo.
Ele vai até o banheiro e depois desce de
cara fechada para encontrar o pai. Assim que ele
sai, me visto rapidamente e desço atrás dele.
Não quero ver Tom tão cedo, mas quero saber
como será a reação de Tim ao pai. E ela não
podia ser mais fria. Ele mal responde o que Tom
pergunta, deixa claro de maneira educada que
não vai começar a dividir sua vida com o pai a
esta altura e o desencoraja a aparecer de novo.
Também recusa seu convite para um almoço ou
um jantar, e a voz de Tom no final da conversa é
de partir o coração.
Ouço quando ele se despede de Tom, e não
acredito que vou ver Tom de novo tão cedo,
quando ainda está vívida em sua mente que eu
me escondi atrás da ilha e fingi não estar lá,
quando era óbvio que ele estava me vendo. Passo
pela porta da frente e o espero. Rapidamente ele
surge caminhando desanimado e sorri para
mim.
— Tchau, querida. Nos vemos qualquer dia
desses.
— Tom, eu queria falar com você, se não se
importa.
Me aproximo dele olhando o chão para que
ele não veja a vergonha em meus olhos, e digo o
que preciso dizer: — Você o deixou. Não importa
seus motivos, a dor que estava sentindo, o que
precisava fazer, não importa. Você deixou seus
filhos, para ele é só isso que vai importar.
— Eu percebi isso. E sabia que eles não
estariam muito felizes comigo quando nos
víssemos de novo, mas não pensei que ele
guardaria tanta mágoa. Mas claro, isso é
compreensível, e inevitável.
— Sabe, a gente sofre quando alguém que
amamos nos machuca. A gente leva essa dor até
onde dá, a gente evita essa pessoa, evita pensar
sobre ela, finge que ela não existe, mas ela está
ali em algum lugar no coração da gente, pronta
para surgir de novo. Até que chega um ponto em
que a gente não tem mais essa pessoa. Passa o
tempo, vem pessoas novas, experiências novas,
dores novas, essa pessoa quietinha em seu
cantinho vai diminuindo, diminuindo e some.
Então essa pessoa não tem mais qualquer poder
sobre a gente, porque já não há nem mesmo
mágoa. É nesse ponto que você vai perder o seu
filho. Pode não parecer, mas a mágoa que ele
tem de você é sua chance de tê-lo de volta,
acredite em mim, seria pior se ele não a tivesse.
Seus olhos estão cheios quando encontro
coragem de olhá-los. Segura minhas mãos com
um gesto de carinho e assente.
— Tenho que reconquistar sua confiança.
— Sim, você tem. E não vai ser fácil. Há
dores que não amadurecem dentro da gente, elas
nos fazem agir como crianças. Apagar um pai é
uma delas.
— Você está dizendo que ele não vai agir
com a razão, nem com maturidade, não é?
Assinto.
— Obrigado, filha. Eu vou fazer o
impossível para sair desse cantinho onde ele me
guarda. Que bom que meu filho tem alguém tão
especial como você.
— Ah, não, não estamos juntos, nós só... —
dessa vez consigo calar a boca antes de repetir a
besteira de mais cedo, e isso o faz rir.
— Você se preocupa demais para quem não
tem sentimentos por ele, sabia?
— Eu sou muito boazinha, com todo
mundo. Faria isso por qualquer pessoa —
defendo-me.
Um sorriso se estende em seu rosto e ele
beija minhas mãos despedindo-se.
— É claro que é. Até mais, Sabrina.

Quando volto para dentro da casa, Tim já


está no banho. Termino o café rapidamente e
falo sobre qualquer besteira que não seja o seu
pai, até que esteja sorrindo e brincando comigo
sem a dor que estava em seus olhos quando saiu
do banho.

O clima na empresa está tão diferente


desde a saída de Louisa, que posso jurar ter
ouvido alguns colegas trabalharem cantando.
Minha protagonista preferida está radiante
desde a possível melhora de Eros. Ela está
finalizando uma maquete 3-d quando entro em
sua sala. Comento sobre o grande favor que vou
fazer a ela no final de semana, e ela larga o
laptop para ficar me encarando.
— O que foi? O que você está vendo em
mim?
— Você está diferente, Sabrina. Parece
radiante.
— Sempre fui radiante, você conhece
alguma pessoa mais feliz da vida do que eu?
Ela me encara e eu a encaro. Ela sorri.
Sorrio de volta. Ambas sabemos ser dramáticas.
— O que você está insinuando, Ayla?
Desembuche.
— Você está transando, sua vaca! E não
está me contando com quem! É o Tulio? Achei
que ele não fazia seu tipo.
— Achei que você estivesse semimorta
desde o acidente do Eros, e não estivesse
prestando atenção ao que acontece à sua volta
fora daquele hospital.
Ela cruza os braços desconfiada.
— Sempre tenho tempo para prestar
atenção na minha protagonista.
— Não sou protagonista, você é. Tem até
um príncipe encantado.
— Você é minha expectadora e eu sou a
sua. Te dei anos de um drama para acompanhar.
Depois te dei uma história maluca sobre uma
mentirinha de nada, te dei a história do amor da
minha vida, e mais drama com o acidente dele.
Eu sou um show de tv completo! Você está me
deixando na seca! Vou trocar de canal, eu juro!
Onde está a Andrea? Vou ser expectadora de
vida dela.
— Não se atreva a me substituir! Sinto
muito, amiga. Meu show é mesmo um cocô. Vou
dar um jeito de agitar as coisas um pouco mais.
Então conto a ela sobre a saída com Tulio e
o desastre de ver meu pai. Não conto que foi Tim
quem armou para que isso acontecesse, porque
não quero falar de Tim. Eu nem saberia o que
falar dele. Quando ela volta o assunto para o
brilho que está enxergando em meus olhos, viro
o interesse de volta para ela.
— Você sim parece radiante. Você pediu
um sinal e o universo ter deu um. Ele pode
acordar a qualquer momento, como está com
isso?
Funciona, ela faz uma careta por eu estar
mudando de assunto e faz um gesto de que ainda
vai me pegar, mas responde minha pergunta e
aceita que não quero falar sobre minhas
aventuras sexuais.
— Feliz, em pânico e mais feliz. Ele pode
acordar e não querer me ver, pode me mandar
embora, quem sabe o que vai fazer? Mas eu tive
uma resposta, eu vou ter paciência.
— Acho bom, porque não gosto de histórias
sem finais felizes.
Voltamos a falar sobre a empresa, comento
sobre o quanto Matias, um dos arquitetos daqui
tem olhando diferente para ela, mas ela acha que
é coisa da minha cabeça, e assim consigo desviar
dela a atenção voltada a mim.

À noite, estou fazendo o jantar quando


uma mensagem chega em meu telefone:
Boa noite, filha. Precisamos
conversar.

A deleto no mesmo instante e a ignoro


completamente. Acho que meu pai está indo
para aquele ponto onde nem mesmo mágoa
sentirei dele, e espero ansiosa por isso.

Estou sonhando com um belo castelo, em


um reino pequeno, preso em uma televisão. Eu
sou uma criada, que espera a bela princesa
acordar para vesti-la em seu lindo vestido. Penso
que este é o vestido mais lindo que já vi. A
princesa demora demais, então abro a porta de
seu quarto, há uma cama vazia e um espelho
enorme. O vestido em minha mão é perfeito para
meu tamanho. Me olho no espelho com a peça
nas mãos e tudo faz sentido. Eu sou a princesa.
Sinto-me confusa enquanto o visto eu mesma e
minha aparência é surpreendente. Eu sou
mesmo uma princesa. Só precisei olhar-me no
espelho e despir as roupas de criada.
De repente, barulhos estranhos surgem em
meu quarto, a voz masculina de alguém me
desperta no susto. Sento-me sonolenta e Ulisses
está aqui, diz alguma coisa enquanto vem em
minha direção. Esfrego os olhos confusa
enquanto tento despertar.
— Uli, o que você está...
Minha pergunta é cortada quando ele grita
e vem para cima de mim de repente. Grito
também sem entender o que está acontecendo.
Ele cai com a cara em meus seios, e permanece
assim. Levanto-me rapidamente e quase o lanço
ao chão no processo.
Noto que ele tropeçou em um sapato. O
idiota tropeçou em um sapato e caiu com a cara
nos meus seios. Para completar, a porta é aberta
e mamãe entra com uma vassoura, lançando-a
para todos os lados.
— O que está acontecendo? Sabrina! Quem
machucou você?
Ela acerta meu braço com a vassoura,
minha cabeça e a cabeça de Uli.
— Mamãe, pare com isso! Abaixa isso!
Ela me acerta na cabeça de novo e começo
a rir. Ulisses tem uma crise de riso e o
acompanho. Rimos tanto, que mamãe para de
dar vassouradas pelos ares e espera para saber o
que aconteceu. Mas não conseguimos contar.
Ulisses está vermelho de vergonha, meu braço,
cabeça e seios estão doloridos e não
conseguimos parar de rir.
Depois de tudo explicado e do café da
manhã, Ulisses me acompanha até a calçada. Ele
comenta sobre seu pequeno incidente com um
sorriso. Sorrio de volta, até que ele estraga tudo:
— Sabe, eu acordei sentindo que devia te falar
isso hoje. Não que você já não saiba disso, mas
vou dizer assim mesmo. Sabrina, eu te...
Enfio um pedaço do pão de queijo em sua
boca e vou andando sem olhar para trás.

Durante todo o trajeto até a empresa, me


peguei rindo como uma boba de toda a cena em
meu quarto. Saio do elevador ainda rindo,
mamãe como uma louca com a vassoura para
todos os lados ficará para sempre em minha
memória. Me pego rindo de novo quando
esbarro com tudo em alguém. Tim me segura
rodeando meu corpo com seus braços,
prendendo-me a ele com a desculpa de não me
deixar cair.
— Você está bem? — pergunta sem me
soltar.
— Sim, senhor, obrigada. Pode me soltar
agora?
Ele se afasta de má vontade enquanto as
pessoas à nossa volta nos observam.
— Posso saber o motivo da sua felicidade
esta manhã, senhorita? — pergunta curioso.
— Claro! O senhor não vai acreditar, mas
acordei esta manhã com um homem em meus
seios. Foi tão engraçado! Claro que depois
vieram as vassouradas na cabeça, ainda estou
dolorida delas, ainda assim foi muito engraçado.
Vou rir disso o dia todo.
Ele parece completamente confuso e o
deixo assim, seguindo para a copa,
imediatamente ele vem atrás de mim. Disfarça
para que ninguém perceba e finge beber água
enquanto se aproxima.
— Você teve alguma espécie de sonho
erótico? Um sonho selvagem e meio estranho?
— Não, por que pergunta?
Ele respira fundo, desabotoa o primeiro
botão da blusa, como se estivesse sufocado por
ela e se aproxima mais.
— Então você teve um sonho erótico,
apenas, desses tórridos. Gritou demais e
assustou sua mãe, e aí ela entrou no quarto com
vassouradas.
Abro um sorriso que o faz sorrir também.
— Não! Mas quase isso. O homem em meus
seios não foi sonho, mas mamãe entrou no
quarto a vassouradas porque gritamos demais.
— O quê? — ele praticamente grita. — De
que homem você está falando? Como foi isso?
Algumas funcionárias entram na copa e
aponto para elas dando de ombros. Então o
deixo ali e vou cuidar dos meus afazeres,
enquanto meu querido chefe parece vermelho,
avaliando-me como se eu fosse mesmo uma
bruxa. Ele tenta falar algo por três vezes, antes
de desistir por medo de me envergonhar e voltar
à sua sala curioso.
— Evolução, senhoras e senhores, evolução
— comento animada para mim mesma.

Na hora do almoço, Tim sai e demora cerca


de três horas para voltar. Quando o faz, vai
direto até a copa, onde estou respondendo
alguns e-mails da Ayla. A copa está um pouco
cheia, ele se serve de um café enquanto conversa
de pé com as meninas do RH. Há um sorriso em
seu rosto que chama minha atenção. Ele chega a
assoviar quando para de falar. O que aconteceu
com ele?
Bruna se aproxima sem graça para pedir
permissão para sair mais cedo, e ele a libera no
mesmo instante, com uma alegria que está
causando uma pulga atrás da minha orelha.
— Não se preocupe, querida — ele diz a ela.
— Está uma tarde linda! Vá resolver suas coisas
e se não der para voltar hoje, não tem problema.
Ele termina o café e deixa a copa, não sem
antes me dar um sorriso que mais parece uma
propaganda de pasta de dentes e me forço a
esperar uns dez minutos antes de ir até ele
descobrir o que aconteceu.
— Onde você foi hoje? — pergunto
entrando em sua sala.
— Olá, Sabrina, como está seu dia?
— Não me enrola.
— Fui almoçar com uma mulher, linda por
sinal. Fascinante. E sincera. Você sabe como
aprecio mulheres sinceras.
Cruzo os braços e o encaro. Não pergunto
nada, espero que ele diga o que está louco para
dizer.
— Ela me contou uma história
superengraçada, acredita?
— É mesmo? É por isso que você está rindo
feito um bobo?
— Sim, claro que sim. Sente-se vou contá-la
a você.
— Não precisa, estou bem de pé.
Seja quem for a mulher linda e sincera que
o fez rir tanto, já não gosto dela.
— Ela me contou que estava tranquila em
sua casa esta manhã, quando de repente ouviu
gritos do quarto de sua filha. Imediatamente ela
pegou uma vassoura para ajudá-la, mas acabou
acertando mais a própria filha, do que o neto
quase adolescente da vizinha que tropeçou em
um sapato e caiu com a cara bem nos seios dela.
Sento-me de uma vez na cadeira
completamente estarrecida.
— Você foi almoçar com minha mãe?
— Fui sim.
— Só para saber quem amanheceu em
meus seios hoje?
— É claro, querida, você ia me torturar com
isso por longas horas.
— Você foi almoçar com minha mãe?
— Você está parecendo um disco arranhado
agora, está tudo bem?
Levanto-me indignada.
— Tim! Não acredito que você se deu a
todo esse trabalho só para descobrir isso! Você
está louco?
— Estou louco por você, achei que isso
estivesse muito claro, Sabrina.
Ele me pega tão desprevenida com essa
afirmação, que gaguejo em resposta e não
consigo pensar em nada. Acabo saindo de sua
sala com um “boa noite e até mais, senhor”,
mesmo sendo tarde e posso ouvir sua risada
enquanto fecho a porta com todo cuidado.

Quando meu celular apita uma mensagem,


penso ser de novo meu pai. E me lembro que já
deveria ter bloqueado seu número, eu o tinha
feito, mas Ayla me deu uma bronca sobre eu ser
sensata e madura para me meter na vida dela,
mas não fazer isso com a minha própria vida.
Respondi que todo mundo sabe que é mais fácil
cuidar da vida dos outros, mas bem, desbloqueei
o número esperando o momento em que eu seria
uma pessoa madura e sensata. Além de esse
momento ainda não ter chegado, acho que estou
mais perto de me tornar uma adolescente de
novo, já que quero bloqueá-lo outra vez.
Olho a mensagem por alto, mas não é do
meu pai, é de Tulio.

Olá, Sabrina, tudo bem? Podemos


conversar hoje? É muito importante.

Claro! Que horas você quer me ligar?

Na verdade, pensei em conversarmos


pessoalmente. É importante demais para
ser dito por telefone.
Ou ele está morrendo ou descobriu um
super podre meu e vai me chantagear.
— Pensa, Sabrina, o que você fez de tão
errado?
Ou então, o que é pior do que uma
chantagem, quer falar sobre Tim. Sim, é isso. Vai
me dizer que Tim não é o cara certo para mim, o
que já estou cansada de saber e me contar
podres dele que vão deixar até os cabelos da
minha bunda, arrepiados. Com certeza é a
terceira opção.

Quando o turno acaba e desço na frente de


Tim evitando que me veja, encontro Tulio me
esperando na recepção enquanto conversa com
um segurança. Ele tem um buquê de rosas
vermelhas na mão, exatamente igual ao que me
mandou recentemente como pedido de
desculpas pela escolha do restaurante. Me
estende sorridente e parece tão calmo, que penso
que não é nenhuma das três opções que calculei.
— Te trouxe essas flores.
— Ah, obrigada — respondo pegando o
buquê de sua mão.
— Seja sincera, você gosta de flores, certo?
Eu não errei ao trazê-las.
— Não, eu gosto. Mas não precisa ser
sempre rosas vermelhas, existem tantos outros
tipos de flores e vocês só trazem rosas
vermelhas. — Observo o olhar assustado do
segurança e inseguro dele e percebo que estou
falando muito mais do que devia. Eles pedem
que eu seja sincera, mas não aguentam a
sinceridade. — Não querendo ser grossa, eu amei
as flores, foi muita gentileza, obrigada.
Então ele está sorrindo e sinto que estou
perdoada.
— O que você queria me dizer?
— Podemos ir jantar em algum lugar?
Assim podemos conversar mais tranquilamente.
Não sei como dizer não quando ele já está
aqui, com algo importante a me dizer e me
trouxe flores. Abro a boca para concordar
quando Tim aparece. Os dois se cumprimentam
com um gesto de cabeça que não parece muito
amigável e Tulio deposita sua mão no meu braço
de maneira um pouco rude, puxando-me para
perto dele.
— O que você está fazendo? — pergunto
para ele confusa.
— É comigo que você sair hoje, ele não tem
que se aproximar.
Encaro Tim, que sorri com a resposta de
Tulio, cruza os braços e espera. Ele sabe que vou
agir, está mesmo me decifrando. Solto meu
braço do aperto de Tulio e devolvo as flores com
a mesma delicadeza com que me puxou.
— Não sou sua propriedade para você
decidir quem pode ou não se aproximar de mim!
Eu não disse que aceitava e você sabe que Tim e
eu estamos dormindo juntos, então não é legal
vir até aqui com flores, me convidar para sair e
tentar marcar território comigo na frente dele. O
que você quer?
Ele fica tão desconcertado, que assim que
me acalmo sinto pena dele.
— Sinto muito — diz arrependido. — Eu me
esqueço como você é realmente sincera.
— Ainda que eu não fosse. Não foi uma
atitude legal e eu poderia guardar isso para mim,
mas não deixaria de ser babaquice da sua parte.
Tim se aproxima e estende a mão a Tulio,
eles se cumprimentam então como adultos e
amigos, o que eles são. Olha para mim e já me
preparo, porque se ele me beijar na porta da
empresa, na frente de seu amigo como um cão
marcando com xixi o seu pedaço, eu vou
descontar minha ira nele. Com ele não tenho
pena de ser grossa.
— Boa noite, Sabrina — diz depositando
um beijo carinhoso em minha mão e vai para o
estacionamento.
Duas coisas me deixam sem palavras para
respondê-lo quando faz isso: uma, sua atitude
madura e sensata, não me reclamou para ele,
não tentou me dar ordens nem me usar para
provocar Tulio. Por mais difícil que tenha sido
para ele não dizer nada, ele não disse, pensou
primeiro em mim. E a segunda, a maneira como
me olhou, o medo presente em seus olhos. Nós
não temos um relacionamento, mas dormimos
juntos regularmente. Eu não gostaria de
encontrá-lo com uma mulher na recepção e
saber que ele está de saída com ela. Ele também
não deve ter gostado.
— Não posso jantar com você, Tulio, sinto
muito. Você quer me dizer o que veio dizer?
Ele assente, entendendo a situação e não
tenta forçar nada. O acompanho até as poltronas
da recepção e pego de volta minhas flores. Ele se
senta ao meu lado e não de frente para mim e
segura minha mão livre quando diz a última
coisa que eu esperava que ele fosse dizer: —
Sabrina, eu estou apaixonado por você.
Eu cobriria sua boca se uma mão minha
não estivesse presa entre suas mãos frias e a
outra não estivesse segurando o buquê.
— Eu tentei te conhecer melhor, deixar que
você me conhecesse, mas você sempre fez jogo
duro comigo. Valorizo isso, você sabe o que quer
e não precisa perder seu tempo, mas não teria
uma chance, por menor que seja, de você
realmente me conhecer melhor?
Ninguém nunca se declarou assim para
mim. Não sei como reagir. Engasgo antes de
conseguir responder, minha mente se embaralha
e só consigo pensar em Tim dizendo que eu não
tenho maturidade para ouvir eu te amo.
Realmente não tenho.
— Tulio, eu não sinto o mesmo que você, é
como você disse, mal o conheço. Você também
não tem como saber que me ama, você também
mal me conhece.
— Eu tenho certeza, Sabrina. Você é linda,
divertida, diferente. Você é fascinante.
— Eu, sinceramente não sei o que te dizer.
— Você só precisa dizer sim — insiste,
aproximando-se mais de mim no banco e
levando minha mão até seu peito.
Se sua intenção era que eu sentisse as
batidas de seu coração, não funciona, pois
apenas sinto a textura de sua blusa de lã e mais
nada.
— Dizer sim ao quê?
— A namorar comigo. Você quer namorar
comigo?
Tiro minha mão da sua delicadamente e
deposito as rosas sobre a mesinha de centro
perto de nós. Então seguro suas mãos.
— Tulio, você é muito legal e bonito, mas
não tenho esse tipo de interesse em você, eu
sinto muito.
— Você poderia tentar — sugere.
— Não poderia.
— Por que você está com o Tim, não é?
Assinto, sei que o melhor seria dizer que
não, mas a verdade é que é o único motivo de eu
não ter saído mais vezes com o Tulio. Tulio não
tem aquele sorriso safado que me irrita e aquece,
não me faz querer matá-lo e beijá-lo ao mesmo
tempo. Ele não me decifra nas pequenas coisas
como Tim. Seu toque não é como o dele, e eu
sempre, sempre escuto as batidas do coração de
Tim quando o toco. É uma coisa boba para se
pensar, mas é o que penso.
— Obrigado pelo seu tempo, eu acho —
desiste desanimado.
Ele se levanta e pego as flores sobre a
mesinha, estendendo-as a ele.
— Você não prefere dar para outra pessoa?
A noite ainda não acabou.
Ele concorda e pega as flores da minha
mão, e posso jurar tê-lo ouvido dizer que o Tim
venceu, ao se afastar.

Se uma declaração tão direta e repentina


como a de Tulio me deixou aturdida durante
todo o caminho até minha casa, é porque eu não
estava preparada para o que encontraria ao
chegar lá. Assim que viro na minha rua, perto da
minha casa, algo chama minha atenção. Há uma
faixa enorme pendurada entre duas árvores em
frente à minha casa e minhas vizinhas curiosas
já estão em suas portas observando-a, rindo e
comentando.
— Que isso não seja para mim — peço
baixinho enquanto me aproximo e enfim consigo
ler a mensagem.
Mas não preciso lê-la para saber que é para
mim. Há uma foto de Ulisses nela, para quem
mais esse imbecil colocaria uma faixa tão
colorida na rua senão para mim?

Sabrina, percorri caminhos e trilhas em


busca de um grande amor, e quando achei que
só haveria solidão, eis que encontrei você. Meu
eterno amor. Quer namorar comigo? Ulisses.

Fico parada tentando entender o que fiz de


errado para que dois homens malucos
resolvessem se declarar na mesma noite. Parece
algum tipo de piada do universo. Solto o cabelo
para esconder meu rosto, porque todas as
minhas vizinhas agora acham que sou um papa
anjo. Vou andando em direção a minha casa,
quando Ulisses surge do nada, estava como
sempre, sentado atrás de uma moita.
— Então, o que você achou do meu pedido?
— pergunta esperançoso.
— Você não precisa assinar se já colocou
uma foto sua — respondo.
— Isso é tudo o que tem a dizer?
— Ulisses, você não vai querer ouvir o que
eu tenho a dizer.
— Claro que quero! Preciso da sua
sinceridade para amadurecer o suficiente para
você, amor.
E todo mundo resolveu precisar da minha
sinceridade.
— Tudo bem, vou ser sincera. Você tem
dezenove anos! É um moleque, está saindo da
adolescência, você mal percorreu o caminho da
sua casa até a minha e até pouco tempo eram
apenas duas ruas de distância! Não houve
caminhos e trilhas para você ainda, e você nem
tem ideia do que é solidão! Isso é uma frase de
um homem de cinquenta anos que teve três
casamentos fracassados e encontrou uma
novinha, entendeu?
Ele abaixa a cabeça derrotado e tenta mais
uma vez.
— Se eu tivesse escolhido outra frase,
então.
— Não faria diferença, para começar você
devia ter usado palavras que saíssem do seu
coração. Isso aí não é sincero. E mesmo que
tivesse feito isso, eu diria não, porque você sabe
que não estou apaixonada por você!
Sinto estar sendo dura demais com dele,
mas ele precisa entender isso de uma vez por
todas! Ulisses é um rapaz bonito, deveria estar
curtindo a vida com as adolescentes da idade
dele e não me perseguindo como um maluco.
Ele assente, e quando penso que entendeu
diz: — Vou pensar em outra maneira de te pedir
em namoro.
— Ulisses! Não me peça mais em namoro!
— Então assim que assinarem minha
carteira no escritório vou te pedir em casamento.
— Eu mato você, eu juro, estou falando
sério. — De repente sinto-me em pânico com o
que pode fazer para me pedir em casamento,
quando um simples pedido de namoro culminou
em uma faixa colorida na rua.
Viro-me para entrar em casa e me afundar
em minha cama antes que mais alguém resolva
me pedir em namoro, mas Ulisses diz, com tom
de desprezo: — Ayla não vai perdoar você por
isso, sabia?
— Por isso o quê? Não querer me casar com
o irmão pirralho dela?
— Por estar saindo com o cara por quem
ela foi apaixonada. Não sei como é com vocês
meninas, mas existe um código de honra,
Sabrina. Uma pessoa não fica com um ex de um
grande amigo. Você a está traindo, e ela não vai
perdoar você.
Penso em mil coisas para responder, como
“Ayla é casada com Eros e completamente
apaixonada por ele”, ou “nunca houve nada
entre Ayla e Tim”, mas desisto. Não tenho que
dar satisfações, nem explicações a ele, as teria
que dar a Ayla, no entanto. Dou boa noite a ele e
entro em casa.
— Mãe, você não vai acreditar na noite que
eu tive.
— A faixa estava muito bonita, bruxinha —
a voz de Tim me surpreende e ele surge vindo da
cozinha com minha mãe a tiracolo. — Estou
curioso para saber qual das duas declarações
mais a agradou.
— O que você está fazendo aqui?
— Você não achou mesmo que eu ficaria
tranquilo na minha casa enquanto você jantava
com um cara que ia pedi-la em namoro, achou?
E olha que me surpreendi ao encontrar a faixa.
Sorrio. Deveria brigar com ele por estar
aqui sem me avisar, mas não vou.
— Então, como foi ouvir um eu te amo pela
primeira vez? — provoca.
— Eu tirei de letra.
— Sério? Você não gaguejou? Não tentou
cobrir a boca dele para ele não dizer nada? Foi
tudo tranquilo assim?
— Não foi sincero, então foi fácil de
assimilar.
— Meu Deus, Sabrina, juro que pensei que
você ficaria para sempre comigo nessa casa, mas
dois em uma noite? Me conte, de qual deles você
gosta mais? — minha mãe pergunta entre
assustada e divertida.
— Você é um fofoqueiro! — acuso Tim, que
apenas sorri.
Seus olhos estão sobre mim, avaliando
minha resposta, um sorriso está pregado em seu
rosto e parece tão bonito dentro da minha casa,
ao lado da minha mãe, que só faço sorrir de
volta. É como se olhar para ele fizesse meu corpo
descansar da noite estranha.
— Apesar da idade, do Uli. Você sabe, ele já
tem intimidade com meu quarto, com meus
seios, posso esperar uns dez anos e então não
será tão ridículo ficar com ele.
— Os dez anos não são para que os vizinhos
não comentem — Tim provoca.
— Não, são para que ele cresça.
— Mas a declaração dele foi bastante
madura, demonstra uma experiência de vida
completa — continua provocando.
— Cala essa boca!
Nós rimos e ele se aproxima cauteloso.
— Eu já havia preparado algo para você
esta noite, se soubesse que seria tão agitada teria
feito isso amanhã, mas não dá para cancelar,
você pode ir a um lugar comigo?
Assinto, subo ao meu quarto e tomo um
banho, junto algumas coisas e despeço-me de
minha mãe indo com ele.

Ele fica calado durante todo o caminho e


tenho a impressão de sentir certa preocupação
nele. Ele disse que preparou algo para mim e por
mais que tente, não faço a menor ideia do que
possa ser. Ao invés de irmos para sua casa,
vamos direto até o seu lugar de pensar. Adoro a
vista de lá, mas fico desanimada por não ser um
jantar o que ele preparou porque estou mesmo
com fome.
Porém, quando ele para o carro lá em cima
minha boca abre sem aviso prévio. Há uma mesa
pequena, duas cadeiras e velas. Há luzes
penduradas nas duas árvores que cercam o
lugar. Há uma mesa com panelas e um cheiro
delicioso e um chef que mal posso acreditar estar
vendo de perto. Tim abre a porta e eu desço no
automático. Aproximo-me do chef sentindo-me
tremer.
— Chef Greco, é um prazer conhecê-lo.
Ele me estende a mão, e além de ser super
gentil, ainda me convida para conhecer sua
cozinha. Tim me guia até a mesa e enquanto me
sento, seguro sua mão.
— Como você trouxe o chef Luigi Greco até
aqui? Como sabia que ele é meu chef preferido?
— Você disse isso uma vez, disse ao Tulio,
na verdade, quando falavam sobre sua
faculdade, e eu ouvi. Ele é meu amigo, me devia
um favor, não foi difícil trazê-lo aqui.
— Tim, eu nem sei o que te dizer.
— Isso é uma coisa boa, não é? Porque você
sempre tem algo a dizer, acho que estou com um
pouco de medo.
— Obrigada — respondo apertando sua
mão e olhando em seus olhos, e ele sorri
aliviado.
A comida, como já era de se esperar, está
maravilhosa. Além de agir como uma tiete e tirar
uma foto com o chef e seu prato, me divirto com
as histórias que ele conta sobre as experiências
que teve quando ainda não era conhecido. Ele
me conta um segredo de suas famosas massas, e
conta como ficou devendo um favor a Tim,
quando meu amigo colorido o livrou de um
processo de um concorrente que havia copiado
uma de suas receitas através de um ex-
funcionário dele. Tim conseguiu provas do roubo
e salvou a reputação do meu chef preferido.
Quando estamos quase terminando de
comer, o chef me dá instruções de como aquecer
a sobremesa e vai embora. E me sinto tão
extasiada que nem sei o que dizer. Conheci um
ídolo, o céu está lindo, estrelado e brilhante, a
cidade abaixo de nós nos presenteia com suas
luzes, sem nos perturbar com o barulho que não
pode ser ouvido daqui de cima, as luzes da lua,
das velas e dos pendentes pendurados nas
árvores tornam o clima aconchegante e relaxante
e a presença de Tim...
— Obrigada por isso.
— Não agradeça ainda, você vai aquecer
essa sobremesa porque eu não entendi nada do
que o Greco disse.
Sorrio, termino a sobremesa e nos sirvo.
Ele coloca sua cadeira ao lado da minha, passa
sua jaqueta por meus ombros e me recosto nele
enquanto comemos. Ele me beija entre uma
colher e outra do delicioso sorvete com banana
flambada. O momento não poderia ser mais
perfeito. Acabamos a sobremesa, fico recostada
nele tranquila, aquecida, admirando as luzes,
quando ele começa a rir.
— Por que você está rindo?
— Por que você acha que preparei tudo isso
para você esta noite?
— Porque você quer me levar para a cama e
pensou em me adular um pouco antes?
— Isso também, mas não é a razão
principal.
Encaro seu rosto esperando que diga, já
ansiosa por saber qual é o seu motivo.
— É engraçado, se eu soubesse que sua
noite seria tão agitada, não faria isso hoje, mas
estou preparando esta noite há dias e o Greco
não poderia vir em outra.
— Você já me deixou relaxada da noite
estranha que estava tendo.
— Que bom! — Ele parece tão aliviado que
começo a me preocupar. — Sabrina, eu fiz tudo
isso e a trouxe aqui para dizer que estou
perdidamente apaixonado por você.
Do jeito que estou, recostada em seu peito,
segurando sua mão, olhando em seus olhos,
continuo. Por alguns segundos não me mexo,
espero que perceba que não caí em sua
pegadinha, mas como isso não acontece, começo
a rir. Esses malditos fizeram algum tipo de
aposta, só pode.
Afasto-me dele rindo, ele se levanta e vai
para perto da árvore, recosta-se nela e me
observa.
— Posso saber qual é a graça? — pergunta
um tempo depois.
— Você acha mesmo que vou cair nessa?
Vocês combinaram isso, não é? De se declararem
para mim.
Ele sorri de volta, mas seu sorriso não é
sincero. É aquele tipo de sorriso que a gente
mostra quando quer chorar.
— Tim, para com isso. Primeiro o Tulio
com as flores, então o Uli com a faixa e você com
o jantar, se vocês fizeram uma aposta, devo dizer
que você venceu.
— Eu a conheço melhor do que qualquer
um, Sabrina. Não apostaria algo assim com
ninguém, porque não seria justo.
Levanto-me também e me aproximo dele,
ainda rindo de sua tentativa, querendo que ele
confesse como esses três se encontraram e como
tiveram essa ideia absurda de se declararem.
— Isso foi uma pegadinha, então. Você
disse que eu não saberia lidar com uma
declaração e resolveu fazer um teste. Me fez
passar por três declarações em um único dia
para me deixar em pânico.
Ele não responde, me olha tão sério que
começo a me preocupar. O sorriso some do meu
rosto conforme me aproximo mais dele.
— Você disse que foi fácil lidar com a
declaração do Tulio porque não foi sincera.
Então olha nos meus olhos agora, Sabrina.
Obedeço. Olho seus olhos castanhos
derretidos, tão focados em mim, como se
pudesse me ver além das roupas que uso e da
pele que cobre meu corpo.
— Olha pra mim, meu anjo. Você pode ver
a verdade em minhas palavras. Sabrina, eu te...
Cubro sua boca imediatamente e o sinto rir
em meus dedos. Após alguns segundos tiro a
mão da sua boca com o coração aos pulos, sem
saber como agiria se ele dissesse mesmo isso,
olhando em meus olhos, com toda sua verdade.
Mal me afasto dele, ele tenta de novo: —
Sabrina, eu estou completamente a...
Volto para trás e pulo sobre ele, quase o
derrubo, mas consigo cobrir sua boca.
— Não diga! — peço.
Ele sorri ainda mais em minha mão.
Assente, e me faz pensar que desistiu de dizer.
Mas, assim que solto sua boca, ele segura
minhas mãos e me prende a ele, tento me soltar,
mas ele é bem mais forte do que eu. Nossas
bocas quase se tocam na posição em que
estamos e não há como evitar seus olhos nos
meus quando diz: — Eu amo você! Pode cobrir
minha boca quantas vezes quiser, mas você sabe
o que eu sinto, Sabrina. Eu te amo.
Meu coração acelera de tal jeito, que penso
que vai sair voando por minha boca a qualquer
momento. Um formigamento se inicia na ponta
dos dedos do meu pé e vai subindo por todo meu
corpo. Minha respiração se torna pesada, e meu
corpo todo parece ligado na tomada.
— Você não precisa ouvir isso para saber.
— Tim, você não... você não pode me dizer
isso... você não me ama.
Solto minhas mãos das suas e seguro seu
rosto.
— Você está confuso. Está passando por
um momento difícil, e a pessoa mais próxima a
você sou eu. Você quer viver um grande amor,
como seu irmão, e justamente nesse momento
nós nos aproximamos. Nós temos essa química
deliciosa, essa amizade necessária para nós dois,
essa intimidade que às vezes chega a ser
desconcertante, mas isso não...
Ele pega minhas mãos e as beija, calando-
me. Acaricia meu rosto, e a maneira como está
me olhando quase me faz derreter.
— Se há alguém que sabe reconhecer um
amor, Sabrina, este alguém sou eu. Filho de
Atena e Tom, irmão do Eros, lembra-se? Estive
buscando por isso e tudo o que você disse, a
química, a amizade, a intimidade fazem parte
desse sentimento. Eu não estou confuso, posso
provar isso para você. Eu durmo e acordo
pensando em você, se você sorri para mim, então
nada mais pode me aborrecer durante todo o
dia. O mundo inteiro some quando eu te beijo, e
eu adoro cada segundo que passamos juntos, eu
memorizo tudo o que você diz, cada olhar
diferente que tem, cada sorriso diferente. Eu a
conheço até mesmo do avesso. Cada segundo do
meu dia gira em torno de você.
Sorrio, suas palavras parecem aquecer
minha alma. Mas é o Tim aqui. O homem que
tem um passado tão conturbado, um presente
ainda mais conturbado, que se culpa pelo coma
do irmão, que tentou tirar o amor dele há poucos
meses. O homem que está em busca de redenção
e que viu em mim, desde o primeiro instante,
uma chance de se redimir, um porto onde se
apoiar. Apesar de me sentir flutuar quando seus
dedos passeiam delicadamente por meu rosto, e
de amar o jeito como me olha e cada palavra que
diz, é o Tim. O homem que me dobra com
facilidade, que me envolve em seus jogos e me
decifra como ninguém. O único homem que
pode me fazer amá-lo com tudo de mim e pode
me destruir depois.
Depois que o Eros acordar, depois que eles
fizerem as pazes, quando tudo estiver bem,
quando seus pais forem de novo embora, ele vai
voltar para a vida que tinha, não vai ter mais a
culpa, e sim um milhão de oportunidades de
encontrar um amor que ele na verdade, nunca
procurou. Depois que eu estiver ainda mais
apegada a ele, ele vai me deixar por perceber que
estava em um momento delicado quando pensou
me amar, quando perceber que não precisa de
mim para descobrir quem é. Ele também já
achou que amava a Ayla uma vez, e não mediu
esforços para tirá-la de seu irmão. Ele,
definitivamente, não sabe reconhecer um amor.
Ele me encara, esperando que eu diga
alguma coisa, e meu medo do que vai ser de mim
depois é bem maior do que a vontade de fingir
que nada vai dar errado e aproveitar isso
enquanto posso.
— Quem disse que é amor? — pergunto
desafiando-o. — Você está confuso, fragilizado,
carregado de culpa. Eu sou sua tábua de
salvação, sua única amiga. O que você sente é
tesão, carinho, gratidão, costume, mas não é
amor.
Seus dedos que acariciavam meu rosto
caem ao lado de seu corpo, ele assente, nada feliz
por minha resposta. Sequer pensa no que eu
disse, ele parece conformado.
— Eu sabia que você ia dizer isso. Porque
eu disse isso a mim mesmo desde a primeira vez
em que beijei você, eu procurei um milhão de
motivos para justificar essa fascinação, que não
fosse amor. Até cansar de lutar comigo mesmo e
admitir sem medo que te amo.
— Tim...
— Não tem problema, meu anjo, você não
precisa acreditar em mim agora. Você
provavelmente tem medo que eu seja egoísta e
imaturo, como sempre, e você está certa. Como
eu disse antes, você não precisa ouvir isso da
minha boca, Sabrina, porque eu posso mostrar a
você. A única coisa que eu te peço é que não me
afaste agora.
— Que susto! Achei que você também ia me
pedir em namoro — confesso voltando a
respirar.
Ele sorri.
— Não ia, porque nós já estamos juntos.
— Não como em um namoro.
— Tem certeza? Porque nós dormimos
juntos, você cozinha na minha casa, tem escova
de dente, calcinhas e pijamas neon lá. Eu sequer
olho para outra mulher e você não tem coragem
de sair com outro homem por minha causa. O
que isso parece para você?
— Uma amizade colorida — respondo
fazendo-o rir.
— Por que você está sempre em negação?
Você vai me dar trabalho, não é?
— Não vou afastar você, eu gosto do que
temos, da nossa AMIZADE COLORIDA —
destaco bem nosso relacionamento para que ele
entenda que não vou acreditar em seu amor
falso.
— Não vai me afastar porque você não
conseguiria, porque você sabe que a amo, porque
você está com medo de me amar de volta.
Porque você precisa estar comigo tanto quanto
preciso estar com você. Talvez eu precise mais de
você do que você de mim, admito isso, mas eu
sinto como você se entrega, Sabrina. Eu a
conheço. Só preciso mostrar a você.
O abraço de repente porque isso tudo
parece demais para eu aguentar sozinha. Eu sei
que ele está confuso, sei que vai me dizer em
breve que se confundiu, ainda seremos amigos,
vamos parar o sexo delicioso conforme ele voltar
a se interessar por outras mulheres, eu sei de
tudo isso. Tenho o pé no chão quando se trata de
amor. Mas suas palavras, o tom da sua voz, o
jeito como me olha, como eu quero isso!
— Não basta um jantar como este e uma
noite como esta, com um chef italiano que é o
seu ídolo, não basta a declaração de amor mais
sincera que você vai ouvir na sua vida, eu ainda
terei que convencê-la de que estou falando a
verdade. Isso é que dá se apaixonar por uma
maluca.
Afasto-me e o empurro, fazendo-o rir.
— Procure uma mulher normal, então.
— Uma mulher normal pularia no meu
pescoço e diria que me ama assim que visse as
velas sobre a mesa.
— Então podemos presumir que você gosta
de ter trabalho.
— Podemos afirmar que eu gosto de você.
Dar trabalho faz parte de você, então sim, eu
amo ter trabalho. Mas isso vai ser divertido,
posso envergonhá-la um pouco no processo, mas
lembre-se que qualquer coisa que eu fizer será
necessária, será pelo nosso amor.
O encaro esperando a pegadinha, mas ele
está sério.
— Martim Reymond, você me faça passar
vergonha e vai ver o que vou fazer com tudo o
que você diz sentir por mim.
— Bem, eu acabei de te dar a chance de ser
uma pessoa normal e aceitar minha declaração e
o meu amor, mas não! Você tem que ser Sabrina!
Não há problema, mas vai ser do meu jeito,
querida. Vem aqui.
Ele me beija e até mesmo seu beijo é
diferente, é mais seguro, mais quente, ainda
mais gostoso. Arrumamos tudo e descemos para
sua casa, começo a pensar que eu deveria ir para
a minha casa, para me proteger, mas quando vou
dizer isso a ele, ele joga um cubo de gelo no
decote da blusa que uso e o pega de novo com a
boca. Gaguejo um pouco quando seus olhos
buscam os meus e ele pergunta: — O que você
estava dizendo?
— Tira essa roupa — respondo mudando de
ideia.

Quando vamos dormir, até tento ficar


atravessada na cama, mas ele não deixa,
prendendo-me junto ao seu corpo.
Quando acordo, ele já saiu. Tinha um café
da manhã marcado com sua mãe, mas me deixa
um bilhete sobre o travesseiro junto com a chave
do seu carro para que eu vá trabalhar.
— Olha só você, me emprestando o carro
sport. É exatamente assim que se conquista uma
mulher, Martim, você está de parabéns.
Pego o bilhete e o leio:

Minha amada, espero que


tenha um lindo dia. Eu te amo, e
quero deixá-la avisada que agora
que admiti isso para mim mesmo,
sinto que não poderei me
controlar perto de você. Sorria
para mim e a beijarei. Olhe para
mim e irei abraçá-la. Me
provoque e vou tirar sua roupa e
te fazer minha não importa onde
estejamos nem quem esteja por
perto. Porque eu não tenho mais
medo de assumir o que sinto,
apenas para que saiba. Não farei
disso um segredo.
Ass: seu futuro marido
— Você vai guardar segredo sim! — grito
sozinha. — E o que é isso? Não poderei olhá-lo,
sorrir e nem falar com você? Vamos ficar como
dois cachorros grudados o dia todo na frente de
todo mundo? Não mesmo! Não é assim que se
conquista uma mulher, Martim!
Rodo a casa gritando, mas ele realmente já
saiu. E enquanto entro em seu carro e fecho a
porta com todo cuidado, começo a rir. Ele
pretende me ganhar do jeito dele, pelo cansaço.
E embora isso deva ser apavorante e ridículo,
não consigo evitar sorrir. Porque ele vai se
esforçar por mim, e se o que sente for mesmo
uma confusão pelo momento que está passando,
então não vai resistir ao esforço. Mas, se talvez
esse sentimento for de verdade...
— Não pense nisso, Sabrina. Ele vai expor
você, prepare as armas para acabar com ele se
isso acontecer. Isso aí! Sabrina está em guerra.
Vamos ver quem vai dobrar quem, Martim
Reymond.
Tim
Despeço-me de mamãe quando
terminamos o café e penso em ligar para
Sabrina, apenas para ter certeza que meu carro
sobreviveu a ela, mas decido não fazê-lo. O
intuito de deixá-la com ele é mostrar o quanto
confio nela, não conta se eu ficar perguntando se
ele está bem. A menos que seja para irritá-la.
— Sabe, Tim, é curioso — mamãe comenta
observando-me atentamente.
— O que é curioso?
— Tomamos o café da manhã, conversamos
por cerca de vinte minutos e nesse tempo, você
disse o nome da Sabrina doze vezes. O que está
havendo entre vocês?
Volto a me sentar e encaro os olhos negros
curiosos de Atena. Nunca fui bom em mentir
para ela, então nem tento.
— Ela é o amor da minha vida. Mas antes
disso, era apenas minha amiga colorida. E antes
disso, estava me ajudando a ser uma pessoa
melhor após o acidente... antes disso ela me
odiava.
Mamãe sorri. Segura minha mão com seu
jeito carinhoso enquanto busca arrancar de mim
mais do que quero contar. Ela sempre foi assim.
— Você ainda se culpa pelo acidente, não é?
— A culpa foi minha, mesmo depois que ele
acordar, tiver filhos e ficar tudo bem, ainda terei
a culpa. Você não estava aqui, não viu o que fiz
com ele.
— Quando vocês eram pequenos, você já
era assim, de assumir a culpa. Eros fazia uma
coisa errada e eu nunca conseguia corrigi-lo
porque você assumia a culpa. Você sempre a
assumia.
— Não foi assim depois que foram embora,
eu abri mão de qualquer consciência. A prova
disso é o Eros. Eu mudei muito, mãe, você não
me reconheceria.
Levanto-me para ir para a empresa, mas
ela continua falando.
— Você se escondeu, é o que quer dizer.
Transformou-se em um homem completamente
oposto ao garoto que era, por que, filho?
Abro a boca para responder, para dizer que
por causa dela. Não por culpa dela, mas por
consequência dela. Por ser parecido demais a
ela. Quero dizer os fantasmas que me
assombram sobre nossas semelhanças, mas sei
que isso irá feri-la. Apenas por isso seguro
dentro de mim o que queria falar, respiro fundo
para não dizer que esse amor errado dela e do
meu pai não marcou somente aos dois, que eles
deveriam ter sido mais responsáveis e menos
sensíveis, pois tinham dois filhos que se
espelhavam neles. Dou de ombros como se não
fizesse ideia da reposta.
— Quem sabe? Pessoas mudam.
— Ayla disse que você não tem passado
muito tempo com seu pai.
— Não tenho. E não vou passar, tenha um
bom dia, mãe.
Dou dois passos em direção à porta, mas
volto para trás e a alerto: — Ah, sobre a Sabrina,
ela não me ama de volta, não quer namorar
comigo então, até que eu a convença, não
comente nada sobre isso com ninguém.
— Até que a convença? Tem certeza que
este é o caminho certo?
— Situações extremas exigem medidas
extremas. A conheço o bastante para saber que é
o único meio, ela não quer ser bajulada, quer ser
convencida que o que sinto é verdadeiro.
Ela sorri, assente e confirma com a
aprovação em seu olhar que estou no caminho
certo.

Sabrina me olha desconfiada quando chego


à Reymond. Pego meu café enquanto converso
ao telefone com a assistente de um cliente da
empresa e a observo. Ela desvia os olhos de
mim, não me dirige a palavra e age como se eu
não estivesse aqui, o que me faz rir. Está com
medo do bilhete que deixei a ela. Quando
ficamos apenas nós dois na copa, deposito a
xícara de café na pia e a advirto: — Se continuar
me ignorando irei abraçá-la até que converse
comigo.
Ela olha em volta e fala baixo:
— O que você quer que eu faça então? Não
posso falar com você, sorrir para você ou olhar
para você. Agora está dizendo que também não
posso ignorar você.
— Admita que me ama e fica tudo bem,
bruxinha.
Ela sorri e cruza os braços me desafiando.
— Até parece! Posso ser meio louca e muito
corajosa, mas jamais me apaixonaria por você,
Tim. Você sabe bem disso.
— Como está o meu carro?
Seu sorriso aumenta.
— Eu sabia que você ia perguntar isso. Ele
está inteiro, lindo, sem nenhum arranhão, eu
acho. Exatamente como você o deixou. Você veio
em outro carro, então como vai levar seu carro
embora?
— Não vou, você vai.
— Não posso levá-lo para minha casa, não
tenho garagem. Meu bairro é perigoso, não
posso deixá-lo do lado de fora.
— Então o leve para a minha — respondo
indo em direção a saída da copa. Ela me segue
dizendo algo que nem escuto, pois viro-me para
trás e a prendo em meus braços quando seu
corpo bate com tudo no meu. — Vou te dar a
última chance, Sabrina.
Seus olhos estão arregalados e ela tenta se
soltar em vão. Por fim, aceita que sou mais forte
do que ela e me encara apreensiva.
— O que você quer?
— Fica comigo. Nem vou pedir que admita
que me ama, mas admita que sabe que eu amo
você, diz que vai ficar comigo, que vai namorar
comigo, casar comigo e eu a solto.
— Acaso se eu não disser você vai ficar aqui
para sempre me prendendo em seus braços?
— Se você não disser eu vou beijar você.
Aqui, na porta da copa onde qualquer um pode
nos ver.
Ela arregala os olhos preocupada.
— Se você fizer isso vou me afastar de você
e esse nosso lance de amizade colorida acaba —
ameaça.
— Eu disse que não vou esconder o que
sinto.
— Você pensar que está apaixonado por
alguém não significa que possa beijar essa
pessoa.
— Você está certa — admito soltando-a, e
preciso segurar o riso diante seu sorrisinho
convencido de vitória. — Mas significa que posso
contar para quem eu quiser o que sinto por ela.
— Comporte-se, Martim, aqui dentro você
é o chefe, nada mais do que o chefe.
Os seguranças entram para seu horário de
café e sorrio em resposta. Quando sinto que está
calma e segura de que não vou fazer nada,
respondo: — Tudo bem, meu amor. — E saio
rapidamente sem nem mesmo conferir sua
expressão surpresa e assassina.
Consigo evitá-la por toda a tarde, mas na
hora de irmos embora, enrolo até que ela saia.
Tenho a sorte de entramos somente nós dois no
elevador. E as portas mal se fecham quando ela
começa: — Você ficou louco? Me chamou de
amor na frente de dois funcionários!
— O que tem isso? — respondo prestando
atenção ao meu celular como se não fosse nada
demais.
— Como o que tem isso? Combinamos que
você não ia expor o que temos.
Deixo o celular e a encaro. Seu rosto está
vermelho, e está tão irritada que posso sentir
palpitações em seus lindos olhos.
— Eu não expus o que temos, Sabrina, não
disse que você está transando comigo enquanto
tenta se convencer que não me ama. Eu te
chamei de amor, o que indica que você é meu
amor. Eu disse que não vou esconder o que
sinto.
Volto minha atenção ao celular e ela o toma
da minha mão.
— Não se faça de desentendido! Não quero
que você diga o que pensa que sente para
ninguém. Nem que ninguém descubra que
dormimos juntos, uma coisa leva à outra, você
sabe disso!
Tomo o celular de sua mão e paro o
elevador. Ela dá um passo vacilante para trás
quando me aproximo, até não ter para onde ir, e
ficamos o mais perto possível um do outro.
— Está dizendo que não quer o meu amor?
Entendo com isso que você não me quer, e se
você não me quer, o que estamos fazendo,
Sabrina? Por que estamos dormindo juntos?
Depois você se cansa, encontra outro e vou ficar
destruído amando você.
Ela abre a boca e não responde, resmunga
algo sobre eu espionar seus pensamentos, mas
não consigo entender com clareza o que diz.
Espero muito que isso dê certo, porque se ela
realmente não sente nada por mim, vai aceitar o
que vou dizer e terei o dobro de trabalho para
desfazer a ideia que vou sugerir.
— Você está com medo, eu vejo isso. Como
eu amo você, quero que se sinta segura, e acho
que o mais sensato é não dormirmos mais
juntos, até que você se sinta segura de novo.
Seus olhos estão nos meus e começo a suar.
Ela não diz nada por um tempo, demora tanto a
responder que penso que vai mesmo concordar e
terei dado um enorme tiro no pé. Sabrina tem
medo, mantém o pé no chão porque não quer se
arriscar a voar, talvez a ameaça de perder o lance
confortável que temos seja o bastante para que
ela entenda que precisa de mais do que isso. Ou
talvez, e temo muito que seja este o caso, isso
sirva para ela entender que nossa amizade
colorida deve chegar ao fim.
Depois de pensar bastante com seus olhos
cravados nos meus, ela se dá por vencida.
Suspira e abaixa os ombros, ela vai concordar.
Faz até um biquinho quando responde: — Mas
eu gosto de dormir com você.
Ela me olha de um jeito tão doce, que não
consigo seguir meu plano. Seguro seu rosto nas
mãos e admito baixinho: — Eu amo dormir com
você, minha bruxinha.
Então a beijo. Nossos lábios se encontram
e tudo o que quero é que ela vá para minha casa
e fique comigo esta noite. O elevador desce de
novo, nos dando um susto. Ela me empurra
rapidamente e ajeita o cabelo e a roupa e não
consigo segurar o riso. As portas se abrem e Alan
pergunta preocupado: — Tiveram algum
problema no elevador, senhor?
— Tivemos, obrigado por resolver, Alan.
Ela não diz nada até o estacionamento,
quando avisa: — Vou levar seu carro até sua casa
e você me leva depois na minha, pode ser?
— Claro, meu anjo.
Ela entra no meu sport, enquanto entro no
SUV e a observo dar a partida. Só preciso
convencê-la a ficar na minha casa, porque de
jeito nenhum vou levá-la até a dela.

Ela está na cozinha quando acordo, o café


da manhã está quase pronto, mas ao invés de
usar uma blusa minha, já que é sábado e ela não
vai sair desta casa agora, usa as roupas do dia
anterior.
— Bom dia! — digo beijando-a.
— Fiz panquecas, você gosta?
— Amo, e amo você.
Ela pisca aturdida e finge não ter ouvido
nada. Me serve as panquecas, coloca os xaropes
sobre a bancada e senta-se de frente para mim.
— Tim, eu sou obrigada a acreditar no que
você diz? — pergunta de repente.
— Não! Por que pergunta isso?
— Porque você deixou claro que ou eu
aceito o seu amor ou perdemos nossa amizade
colorida e não quero viver com esse medo. Se
esta é uma condição sua, esclareça e terminamos
isso agora mesmo.
— Não dá para fazer joguinhos com você.
— Não tenho paciência para isso. Seja
direto.
— Mais do que eu fui? Eu te amo, quero
namorar você, quero me casar com você, não
posso ser mais direto do que isso. O que não
entendo é porque você acha tão impossível que
seja amor. Por que não seria, Sabrina?
— Porque você não tem como ter certeza
disso.
— Claro que tenho! Sou um adulto, não um
adolescente bobo.
— Estava sendo adulto quando disse a Ayla
que estava apaixonado por ela e tentou tirá-la do
seu irmão?
Mais uma vez, meus erros se voltando
contra mim.
— Isso foi passado, você sabe o quanto
tenho tentado ser melhor.
— Não se trata do seu erro, mas dos seus
sentimentos. Sua percepção de amor não é
confiável. Tim, olhe para nós, meus pais, os seus,
Ayla e Eros, que exemplo bom e saudável nós
temos? Não temos percepção de amor, nós não
conhecemos isso. Meu pai abandonou minha
mãe e levou todo dinheiro dela, a relação dos
seus pais acabou com um fugindo de tudo e uma
ficando maluca, o amor da Ayla e do Eros os
levou a um quarto de hospital. Como você sabe
que o que você sente é diferente? Que não vamos
ter um final parecido? Porque eu tenho certeza
que você não sabe!
Não respondo imediatamente porque
começo a entender sua relutância em viver isso.
Começo a entender as camadas que construiu
por proteção e o quão profundas são nela. Ela se
levanta, entendendo que não tenho uma
resposta, e seguro sua mão quando passa por
mim.
— Eu sei que o que sinto por você é
diferente de tudo o que já senti na vida. Eu sei
que se eu tivesse que ficar sem você, não
sobreviveria, Sabrina. Se vamos sofrer com isso,
onde vamos acabar, eu realmente não sei. Não
há como saber. Mas eu posso te prometer que
jamais irei machucá-la premeditadamente.
Posso te garantir que meu compromisso é cuidar
de você e fazê-la feliz. Talvez esse amor acabe
um dia? Duvido! Talvez você não me ame de
volta? É um risco. Mas estou disposto a arriscar.
Você vale a pena, Sabrina. Eu arriscaria
qualquer coisa por você.
A maneira doce como me olha, o jeito como
sua mão livre acaricia meu rosto são indícios de
que ela quer acreditar. Ela quer viver isso.
— O meu medo, Tim, é que uma vez você
me disse que o amor é uma recompensa. Mas
não existe recompensa sem luta.
A puxo para meu colo e beijo seu pescoço.
A aperto em meus braços para deixá-la segura.
— Então vamos lutar. Não importa o que
enfrentaremos, a vida é feita de lutas. Por tudo a
gente luta, Sabrina. Por tudo o que realmente
queremos. Então que seja assim, vamos lutar. A
gente faz o que for preciso porque a recompensa
vale a pena.
Ela fica caladinha, quietinha em meus
braços. Acaricio seu cabelo enquanto a sinto
acalmar. Uma ideia vai se formando em minha
mente. Talvez seja um primeiro passo, um
primeiro grande passo para ela. Será um passo
difícil, eu sei, mas será um passo em direção a
esse amor que ela não se permite sentir.
— Não vou mais te chantagear com nosso
sexo, eu prometo.
Ela sorri e se afasta, saindo do meu colo.
— Então era uma chantagem? O que você
queria? Dizer para pararmos e eu responder que
te amo só para não perder seu corpo?
— Não estou entendendo essa
incredulidade em sua voz. Não é qualquer corpo.
É isso tudo aqui, Sabrina! Você não viveria sem
isso tudo — brinco abaixando as calças o que a
faz rir alto. E aceito levá-la para sua casa porque
preciso ter uma conversa difícil. Uma conversa
que a levará ao primeiro passo.

O restaurante está fechado e bato na porta.


O homem que me atende repete a informação de
que ainda não abriram, mas insisto que preciso
falar com Antônio Rossi, quando questionado
sobre quem sou, respondo categoricamente: —
Sou o namorado da filha dele.
Antônio me recebe com um sorriso,
procura por Sabrina e parece desanimado por
não vê-la ao meu lado. Ele me guia até seu
escritório, uma sala pequena nos fundos da
luxuosa cozinha.
— Está tudo bem com ela? Aconteceu algo
na confeitaria? Ela não tem atendido minhas
ligações.
Ele tosse um pouco, não parece muito bem,
mas isso não é da minha conta.
— Sabrina não trabalha em uma confeitaria
há quase um ano, senhor Rossi. Ela trabalha na
Reymond Arquitetura. Ela é assistente da CEO.
— Ela deixou a confeitaria? Pensei que
gostasse de cozinhar.
— Ela gosta, por isso se formou em
gastronomia, o que ela não gosta é de ser
parecida com o senhor.
Ele parece irritado por minha afirmação.
Seu semblante amigável some e uma careta
ocupa o lugar do sorriso de antes.
— O que você quer aqui, Martim?
— Não é obvio? Vim por ela. Estou aqui
porque amo a sua filha, mas ela não estará
pronta para viver esse amor até que resolva esse
passado com você. Ela não acredita no meu
amor, nem que possamos ser felizes, e por que
acreditaria, não é mesmo? Qual exemplo de
amor e felicidade ela teve em casa?
— Você não é ninguém para me julgar! Foi
muito difícil deixá-las! Foi a coisa mais difícil
que fiz na vida!
— Mas não pareceu. Para ela, você é um
monstro. Por que não disse a ela o quanto foi
difícil pegar o dinheiro da mãe dela e sumir?
— Olha aqui, seu moleque! Quem você
pensa que é para vir ao meu restaurante me
dizer essas coisas? — grita levantando-se.
— Eu sou o futuro marido da sua filha e
tenho todo direito de estar aqui porque sou eu
que estou lidando com as feridas que você
causou a ela! Sou eu que a escuto chorar, eu que
enfrento a muralha que ela construiu em volta
de suas emoções por sua causa, então você vai se
sentar aí e vai me ouvir!
Penso que ele vai chamar os seguranças e
me tirar à força, mas não é o que faz. Abatido,
cai pesadamente sobre a cadeira, toma um
pouco de água, respira fundo algumas vezes e só
então se dirige a mim.
— Sente-se, diga o que tem para me dizer.
Escuto sua versão dos fatos, seus sonhos,
sua paixão pela culinária, as oportunidades que
teve, a culpa por ter deixado a mulher cega, os
julgamentos que sofreu por isso, e como foi mais
fácil livrar-se da culpa arrumando outra esposa e
fingindo que seu passado não existia. Eu tenho
um milhão de acusações para ele, um milhão de
perguntas sobre seu egoísmo, sua ganância e sua
deslealdade. Mas quem sou eu para julgar os
erros dos outros?
A dor que vejo em seus olhos é sincera.
Sabrina e Denise sofreram com tudo o que ele
fez, mas ele também sofre. Não saiu impune
como Sabrina pensa. Quando termina de contar
tudo, inclusive o motivo que o trouxe de volta à
sua cidade natal, tenho perguntas que não estão
cobertas por julgamentos.
— Por que você não a procurou mais vezes?
Entendo tudo o que você disse, mas você voltou.
Ela tinha doze anos, você teve tempo para fazer
parte da vida dela, por que não quis?
— Vergonha, olhar para Sabrina é um
lembrete do quão egoísta eu sou. É um lembrete
de todos os meus erros, e Denise, Denise é o
amor da minha vida. Não posso mais vê-la.
— Agora entendo o medo da Sabrina de
amor. O amor não é desculpa para tantos erros e
toda essa covardia, mas não estou aqui para
discutir isso. A vida vai cobrar isso de você uma
hora ou outra, Antônio. Estou aqui porque
preciso que você se desculpe. Diga a ela como se
sente, peça perdão, trate de curar as feridas que
você causou. Acredite em mim, se eu pudesse
curá-las faria isso sem pensar duas vezes, mas
não posso. Só você pode. Então não sei como
você vai fazer, mas resolva isso.
Ele assente. Parece perdido e entendo
perfeitamente como se sente.
— Por onde começo? Ela nem me atende.
— Não sei, devolvendo o dinheiro da
Denise, por exemplo.
— Que dinheiro?
— O que você pegou dela para viajar.
— Mas eu já devolvi! Dei a Denise metade
do valor desse restaurante, todas as pensões
atrasadas e o dinheiro que ela me emprestou.
Todo mês eu deposito metade do que ganho aqui
para ela.
— Como assim? Ela sabe sobre isso?
— Claro que sabe!
— Você tem certeza? Antônio, Denise e
Sabrina passaram por muitas dificuldades
financeiras nos últimos anos. Denise não tem
uma acompanhante porque elas não têm
condições de pagar. Elas vivem mal, em um
bairro perigoso. Sabrina acredita que você
roubou sua mãe, não pensaria assim se você
tivesse devolvido o dinheiro a ela.
Ele se levanta e procura em uma gaveta de
um armário algum papel.
— Eu tenho certeza, tenho os
comprovantes. Eu abri uma conta em nome da
Sabrina assim que voltei ao país. Mandei para
Denise todos os dados da conta em seguida.
Ele encontra os comprovantes da conta
bancária. Inclusive o saldo, Sabrina tem mais
dinheiro do que poderia imaginar. A conta está
em nome dela.
— Como você deu a Denise os dados da
conta?
— Enviei uma carta.
— Você deixou na caixa de correio dela?
Ele assente.
— Deixei na casa em que estavam morando
quando voltei. Acho que elas se mudaram depois
disso.
— Denise é cega! Pode ter pegado a
correspondência e jogado fora! Sabrina era uma
criança, ela mesma pode ter feito isso. Pode ter
visto seu nome no envelope e o jogado fora, você
pensou nisso?
Levanto-me com o extrato atualizado em
mãos e ele parece aturdido.
— Você está dizendo que por todos esses
anos as duas acreditam que eu as roubei? Que
estou aqui ganhando dinheiro e elas passando
dificuldades? Por isso ela me odeia! Por isso
minha filha me odeia! Me ajude a resolver isso.
Por favor, me ajude!
— Vou fazer o possível, Antônio. Vou
contar sobre isso para a Sabrina, e para a mãe
dela. Não sei se será o suficiente para aplacar a
mágoa que ela carrega, mas com certeza irá
ajudá-lo. O resto é com você. E eu realmente
conto com você. Não quero perder sua filha,
Antônio. Você também precisa me ajudar.
Saio do Rossi’s pensando em uma melhor
maneira de contar a Sabrina sobre isso. Não vai
ser fácil para ela. Por um lado, vai descobrir que
o pai não é o monstro que ela pensou que fosse,
mas por outro, vai ter que assimilar que por
tantos anos foi injusta com ele.

Chego à sua casa e Denise abre a porta.


Abre um sorriso ao reconhecer que sou eu.
— Martim, entre querido. Como você está?
— Bem, Denise eu preciso falar com você e
a Sabrina. Ela está?
Sabrina surge das escadas e parece confusa
ao me ver, mas sorri e me cumprimenta com um
abraço.
— O que está fazendo aqui?
— Sente-se, meu anjo. Eu preciso te
mostrar uma coisa.
Noto o pequeno vinco em sua testa, ela está
apreensiva por meu tom sério. Denise senta-se
ao lado da filha, e começo pelo final, porque se
eu contar a ela que fui procurar seu pai, vai se
zangar comigo e pode não ouvir o que tenho a
dizer.
— Sabrina, o seu pai devolveu a vocês o
dinheiro que sua mãe deu a ele.
Ela parece confusa e é Denise quem fala.
— Não precisamos desse dinheiro agora.
Eu não o estou cobrando.
— Ele não devolveu agora, devolveu há
quinze anos, quando voltou da França. Ele não
apenas devolveu o dinheiro que você deu a ele,
Denise, como deu a vocês metade do valor do
restaurante dele nessa época.
— Isso é impossível! — Denise insiste em
choque.
— Mas é verdade. Ele abriu uma conta
nessa época, colocou todo esse dinheiro e todo
mês, durante todos esses anos, ele dá a vocês
metade do que lucra no restaurante.
Sabrina se levanta, seus olhos estão cheios
e ela não acredita no que estou dizendo. Estendo
a ela o papel em minhas mãos.
— A conta está em seu nome, Sabrina. Há
quinze anos, ele deixou os dados dessa conta na
caixa de correio da casa em que moravam, e por
todo esse tempo pensou que vocês estivessem
usufruindo dele.
— Isso é ridículo! Ele nunca fez isso!
— Olha o papel na minha mão, amor. É
verdade.
Ela o pega da minha mão, sinto-a tremer
quando o faz, então a abraço e espero que ela
leia. Quando vê o valor que tem atualmente,
arqueja em espanto.
— Você está dizendo que tudo isso é nosso?
— Sim, amor. Tudo de vocês.
Denise, que estava há algum tempo em
silêncio assimilando a notícia, levanta-se,
procura Sabrina e segura a mão da filha.
— Ele mandou você nos dizer isso ao invés
de vir ele mesmo? Nós não queremos esse
dinheiro, você vá até ele, Martim e diga que
obrigada, mas não vamos aceitar. Não
precisamos de nenhuma esmola.
Sabrina me encara preocupada e senta-se
com a mãe.
— Mãe, não é esmola, esse dinheiro é seu
por direito, foi o acordo de vocês, não foi? Você
investiu nele para que lucrasse com ele depois.
— Não, Sabrina, não quero um centavo
dele! Devolva esse dinheiro e não se atreva a
mexer nele! Ele não pode comprar a pobre
mulher cega para calar sua consciência. Não
funciona assim.
Sabrina assente. Estende o papel a mim e
encerra o assunto.
— Obrigada, Tim, mas você a ouviu. Não
queremos esse dinheiro. Aliás, como você
descobriu sobre ele?
Opa!
— Não fica brava, amor.
— O que você fez?
Ela se afasta da mãe e me olha de um jeito
tão assustador, que temo que eu vá sair de sua
casa com novos arranhões.
— Fui procurar o seu pai.
— Por quê?
— Porque você não vai acreditar no meu
amor e nem me amar de volta enquanto não
resolver isso com ele. Sabrina, não se chateie, eu
precisava fazer isso. Ele é seu pai! Você não é
obrigada a perdoá-lo, sabemos disso, mas ele é
obrigado a tentar conseguir o seu perdão! Eu
queria entendê-lo. Saber porque desistiu de
vocês, saber se a ama, se está disposto a lutar
por você. Eu só fiz isso para protegê-la.
— Eu não acredito, Tim! — grita irritada. —
Como você pôde ir falar com ele sem minha
permissão? Quem disse a você que quero que ele
me peça perdão? Eu não quero nada dele!
De repente, ela para de falar e parece
lembrar-se de algo. Depois, sorri para mim, a
raiva se esvaindo como se houvesse sido
arrancada com a mão.
— Sabrina, você está bem?
— Na verdade, eu fiz a mesma coisa. Fui
falar com o seu pai, disse a ele para remediar o
que causou a você antes que seja tarde.
— Você o quê?
— Você não pode ficar bravo porque você
também fez isso!
— Fiz isso porque amo você, qual o seu
motivo?
— Eu fiz porque eu... — ela para de gritar e
sorri. — Você quase me pegou nessa. Mas fiz isso
porque sou uma pessoa do bem que queria
ajudar um amigo. Eu não quero que ele me peça
perdão, na verdade, não faz diferença. Eu me
sinto rejeitada quando tenho contato com ele e
isso ainda dói. Mas não sinto falta dele, eu não o
amo mais assim, entende? Não é como você,
ainda há amor entre você e seu pai, Tim, vocês
têm esperança, eu não tenho mais. Não há mais
amor, não há sequer respeito entre nós. Deixe-o
onde ele está, ele não me faz falta.
Assinto, é um direito dela não remexer no
passado, é um direito dela apagar de sua vida
alguém que fez questão de ser apagado. Mas
então observo Denise, ela chora calada,
quietinha no sofá. Aponto para ela e Sabrina
entende o que quero dizer quando a observa.
Denise precisa que ele se desculpe, isso não está
resolvido para ela. Ela se senta ao lado da mãe e
segura sua mão.
— Deixe que ele decida se virá nos pedir
perdão ou não — Sabrina responde para que
Denise ouça. — Vou pegar um copo de água para
você, mamãe.
Assim que ela se afasta, Denise estende a
mão e a seguro, aproximando-me dela.
— Não deixe, Tim. Não o deixe voltar à
nossa vida. Eu não quero isso. Quero que
Sabrina o perdoe, apenas ela. Convença-a a ir até
ele e resolver isso, não o deixe voltar para perto
de mim.
— Eu entendo, Denise, posso fazer isso se
você realmente quiser. Mas Sabrina precisa
perdoá-lo, Denise. Ela precisa sentir essa
necessidade. Eu a amo, você sabe disso, mas ela
não. Não está disposta a arriscar, não quer
acreditar no que sinto e nem me amar de volta
por causa disso. Ela precisa resolver isso para ser
feliz. Vocês duas precisam.
Ela assente. Sabrina retorna com a água e
senta-se ao lado dela, enquanto ela a bebe
devagar. Por fim, diz: — Se ele quiser se
desculpar, deixe que ele venha, Martim. E
Sabrina, você deveria ficar com esse dinheiro,
você trabalha demais, perde tantas
oportunidades de uma vida melhor com o
talento que tem! E você está certa, esse dinheiro
é nosso por direito. Está em seu nome, você
deveria usá-lo.
— Não, mamãe. Nós não precisamos dele.
Você tem seu benefício, eu trabalho, somos só
nós duas, não nos falta nada. Não precisamos de
luxo.
Denise aperta minha mão e entendo sua
mensagem. Ela quer que Sabrina use o dinheiro
do pai, quer que a filha tenha uma vida melhor.
Apenas por isso está disposta a aceitar Antônio
Rossi de novo em sua vida, pelo bem da filha.

Sabrina e eu caminhamos pelo centro


algumas horas depois. Denise queria ficar um
pouco sozinha, imaginei que a cabeça da minha
bruxinha estaria uma confusão a esta altura,
então a convidei a ir ao supermercado comigo.
Deixei o carro o mais distante possível dele de
propósito, para que pudéssemos caminhar um
pouco e talvez assim ela se abra e conte como se
sente com as descobertas sobre seu pai.
— Você está me levando ao mercado para
que eu escolha suas compras, já que só eu
cozinho na sua casa, não é? — comenta um
tempo depois.
Sorrio, aproximo-me um pouco mais,
andando ao seu lado, toco seu braço algumas
vezes, devagar para que não se assuste quando
eu segurar sua mão. Quem sabe não consiga
caminhar com ela de mãos dadas pelo centro?
— Isso foi uma indireta? Acredite, eu sei
cozinhar. Vou fazer um jantar para você e vou
calar sua boca!
— Essa eu quero ver.
— Como você se sente?
— No momento, curiosa sobre sua
promessa.
— Você sabe do que estou falando.
Ela assente e nada diz. Não insisto, ela vai
falar no tempo dela.
— Eu estou bem. Você não acha curioso?
Que tenhamos tido a mesma ideia para ajudar ao
outro?
— Não acho curioso, estamos em sintonia,
eu sempre soube disso.
Toco seu braço novamente e desço o toque
até sua mão. Então seguro a sua mão e ela não
percebe enquanto me responde: — Claro! Por
que estamos muito apaixonados — zomba.
— Completamente. Vai me falar o que
pensa a respeito do que descobriu sobre seu pai?
— Estamos em sintonia, não é? Me diga
você, então — desafia.
— Você se sente confusa porque ele é
menos merecedor da sua mágoa do que pensou
que fosse, se sente injusta porque isso poderia
ter sido esclarecido antes com uma simples
conversa. Ele não deu esse passo, mas você
também não. E se sente errada por ainda assim
achar que ele merece o gelo que tem de vocês, já
que isso não o absolve da maioria dos erros que
cometeu. Mas o absolve do erro que mais a
machucou, porque você pensou que ele estava
exibindo suas conquistas enquanto vocês
passavam necessidades, e não foi assim.
Ela para de andar e me encara em choque.
— Você está mesmo lendo minha mente.
— Você me deixou entrar.
Ela nega com a cabeça.
— E fácil para você projetar o que sinto,
porque é fácil se colocar no meu lugar. Sua
situação não é muito melhor do que a minha.
Assinto e ela sorri aliviada.
— Não sei como me sentir sobre isso, Tim.
É tudo o que você disse. Estou confusa,
sentindo-me errada, rancorosa demais, talvez.
Muito apegada a mágoas antigas, mas ainda
sinto que não seria justo perdoá-lo e vivermos
como se ele nunca tivesse ido embora.
— Você pode chorar, Sabrina. Sua mãe o
fez, colocou para fora, acho que você também
deveria.
— Eu não preciso. Não quero chorar. Não
pense que pode ler minha mente, Martim, isso
foi um truque barato. Você não sabe o que sinto
agora — desafia com um sorriso.
— No exato minuto eu não faço a menor
ideia, mas daqui alguns segundos você estará
surpresa e confusa ao se dar conta que estamos
realmente namorando.
— Somos amigos, Tim, não estamos em um
relacionamento sério.
— Não? Então por que estamos andando de
mãos dadas pelo centro?
Ela nega com a cabeça, mas olha para baixo
e vê nossas mãos unidas. Ela as separa
imediatamente, completamente confusa.
— Que horas isso aconteceu?
— Amor, estamos andando assim por todo
esse tempo. Você está tão habituada ao meu
toque que nem se deu conta. Coisa de casal.
Ela me lança um olhar afiado como
resposta e vai andando na frente.
— Vou ficar de olho em você, Reymond,
com os dois olhos.

Após as compras, vamos carregando


sacolas pesadas por todo caminho de volta e ela
resmunga: — Grande ideia deixar o carro do
outro lado do centro! Você deveria carregar tudo
isso sozinho!
— Não teríamos tantas sacolas se você não
tivesse pegado o supermercado inteiro!
— Você quer uma mulher que faça um
jantar maravilhoso para você, e ainda leve os
ingredientes? Mão de vaca!
— É minha vez de fazer o jantar, não vou
precisar de metade do que você comprou aqui —
defendo-me.
— Então não vai ficar bom.
Viramos uma esquina em busca de um
atalho que ela conhece, e quase esbarramos em
uma senhora. Ela sorri e nos olha curiosa: — Há
quanto tempo vocês são casados?
Abro a boca para responder, mas Sabrina o
faz primeiro: — Não somos, sou a cozinheira
dele, e ele é um péssimo chefe.
A observo pelo canto do olho e está
segurando o sorriso.
— Ela é minha esposa, é maluca, não se
assuste — respondo e a senhora sorri,
acreditando na minha palavra.
— Ah, bom! Sei reconhecer um casal
apaixonado de longe, achei que pela primeira vez
em setenta e três anos eu havia me enganado.
Que bom que não foi o caso, muita felicidade aos
dois.
A senhora se vai e um sorriso fica pregado
em meu rosto. Sabrina me encara com uma
careta e joga as sacolas que carrega em mim.
— Você vai carregar tudo isso sozinho para
parar com esse sorrisinho idiota!
— As sacolas vão cair, eu não sou um polvo,
caso não tenha notado. Não vá na frente, me
ajude, você ouviu a senhorinha, estamos muito
apaixonados.
Ela deixa tudo em minhas mãos e vai
andando, e como podia prever não tenho dedos
suficientes para carregar tudo, então solto as
sacolas com um baque no chão. Sabrina para
onde está e quando olha para trás para ver o que
aconteceu, a puxo pela cintura e a beijo. Ela se
assusta, mas cede, passa os braços por meu
pescoço beijando-me de volta. Beijo seu pescoço
e seus ombros em seguida e a mantenho em
meus braços.
— É tão ruim ficar tanto tempo perto de
você sem tocá-la direito — confesso.
— Você jogou toda a compra no chão
apenas para me beijar? — Assinto e ela sorri. —
Depois eu que sou a maluca.
— Minha cunhada, uma mulher muito
sábia, disse que loucura é contagiosa.
Ela ri alto e segura meu rosto em suas
mãos.
— Coitadinho de você! Devia escolher
melhor suas companhias. Vamos juntar essas
coisas.
Após juntarmos tudo, continuamos
andando enquanto levo sozinho todas as sacolas,
e ela vai rindo na minha frente. De repente seu
riso cessa. Estamos diante da confeitaria onde
ela e Ayla trabalhavam e há uma placa de passa-
se o ponto na porta.
— Seu Carlo está vendendo a confeitaria,
por que será?
— Talvez não esteja dando movimento.
— Impossível! Ela está sempre cheia, olhe
agora, tem muitos clientes.
Passo por ela para seguirmos o caminho,
mas ela continua parada e noto a tristeza em
seus olhos.
— Está tudo bem? Você está triste com a
venda da confeitaria?
— Não, não é isso. Trabalhei aí por anos,
aprendi muita coisa. Eu...
— Você queria uma confeitaria como essa
ao invés de um grande restaurante, não é? Por
que você não usa o dinheiro que seu pai
depositou e a compra?
Ela nega com a cabeça e volta a andar.
— Não vou colocar as mãos naquele
dinheiro. Não seria justo, eu o culpei todos esses
anos pela falta dele, não posso simplesmente
aceitá-lo se ainda não consigo perdoá-lo,
entende? Estaria sendo hipócrita.
Não respondo porque as palavras me
fogem. Qualquer pessoa no lugar dela usaria o
dinheiro para realizar um sonho. É o dinheiro
dela, afinal de contas. É seu por direito. Mas não
ela. Ela poderia fingir que perdoou o pai e que
está tudo bem, mas não vai fazer isso. Ela é tão
justa e correta, que de repente meu peito parece
cheio e só quero beijá-la de novo. Jogo as sacolas
no chão mais uma vez e ela me olha alarmada: —
Tim, o que você está fazendo?
Adoro quando ela pergunta isso nesse tom.
Eu realmente a adoro. Chego até ela em dois
passos e a puxo pela cintura novamente, meus
lábios tomam os seus no segundo seguinte e nos
perdemos em um beijo repleto de admiração e
paixão. Quando nos afastamos, com a respiração
acelerada e esse ímã que existe entre nós nos
puxando de volta um para o outro, digo baixinho
em seu ouvido: — Você é incrível, sabia?
Ela se afasta com um sorriso e abaixa-se
para pegar as sacolas.
— Eu vou ajudá-lo com isso ou não vamos
chegar ao seu carro hoje.

Queria ter trazido Sabrina para a casa


comigo esta noite, mas ela precisava ficar com a
mãe. Ao chegar à minha casa prevendo as horas
que vou passar sozinho neste lugar enorme, me
surpreendo com a cabeça da mamãe na porta de
entrada. Parro o caro aqui mesmo e desço, indo
ao seu encontro.
A sirvo com um suco enquanto nos
sentamos nas cadeiras da área externa, próximo
a piscina. Ela observa a noite, o céu turvo e
aprecia o vento frio que balança seus cabelos.
Tem algo a me dizer, é assim que age
quando vai falar de alguma coisa difícil. É
impressionante o quanto me lembro de seus
gestos, seus hábitos, o quanto ainda a conheço
apesar de tantos anos longe um do outro.
— Pode falar, mãe. O que a trouxe aqui?
— Você não foi sincero comigo, Martim.
Quando perguntei a você por que fez questão de
se tornar alguém tão diferente do que era, você
disse que não sabia, mas não era o que queria
dizer. Eu vi em seus olhos, você queria me dizer
mais. Preciso saber o que era.
— Foi impressão sua, mãe. Por que motivo
eu iria mudar de propósito? Não faz o menor
sentido.
Ela busca meus olhos e os desvio.
— Você vai dormir aqui hoje, não é? Está
tarde para ir embora e eu adoraria sua
companhia — mudo de assunto.
— Você não quer passar tempo com seu pai
porque tem mágoa dele, não é?
Deixo o copo de suco sobre a mesa e decido
ser o mais sincero possível. Por dentro, sinto
uma vontade enorme de dizer tudo a ela, sobre o
quanto ela me machucou também, mas isso não
serviria de nada. Preciso guardar isso para mim
mesmo.
— Você me julga? Ele era meu pai e foi
embora sem pensar duas vezes quando as coisas
ficaram difíceis. Só que elas não estavam difíceis
só para ele, mãe. Para mim e o Eros também. E
ele pensou em seu coração partido e nada mais,
ele não pensou em nós.
Ela segura minha mão sobre a pequena
mesa.
— Tudo o que seu pai fez, ele ter ido
embora, não buscar notícias, não entrar em
contato, foi culpa minha, Tim. Eu o destruí. Ele
nem suporta olhar para mim, e tem motivos.
— Você não era a única pessoa que ele
deveria amar aqui, mãe. Não justifica desistir
das duas outras pessoas que ele amava por causa
de uma.
— Você está apaixonado, acredito que pela
primeira vez na sua vida, não é? Como você se
sentiria se Sabrina fizesse com você o que eu fiz
com seu pai?
Dou de ombros.
— Nem tenho como imaginar. Agora
conheço esse amor que ele sentia, mas não sou
pai, não conheço o amor de um pai, não estou
apto a entendê-lo.
— Mas está a julgá-lo?
— Por que você o defende?
— Porque eu também fui embora, Tim. E
foi isso o que você não me contou, não é? Que
você também me culpa porque eu também o
deixei. Eu posso não ter seu sangue, mas eu sou
sua mãe. Fui desde o primeiro momento em que
coloquei os olhos em você, então eu deveria ter
tido a mesma responsabilidade que o seu pai por
você.
— Não sei o que você quer ouvir mexendo
nisso, Atena. Isso ficou no passado. Deixe no
passado.
— Você deve me chamar de mãe! E deve
falar comigo o que sente, porque eu sou sua
mãe! — grita.
— Está certo, você quer ouvir? Minha
mágoa por você não é pelo abandono, e sim pelo
que você fez comigo! Você estava louca, mãe!
Não tinha outra saída, eu entendi isso quando
me apaixonei. Eu também enlouqueceria se
perdesse quem eu amo. Mas foi o que você fez
antes disso. As coisas sobre amor que falava, seu
egoísmo, sua maldade, as mentiras. Justificando
amor para encobrir todos os seus erros, como se
isso fosse normal, eu achei que era normal! Eu
me tornei assim! Alguém frio, egoísta, que faz o
que quer protegido por paixões que eu pensei
sentir. Eu tentei tomar a noiva do meu irmão nas
vésperas do casamento, você sabia disso?
Ela está em choque. Atena Reymond, a
mãe do egoísmo está em coque com o meu
egoísmo.
— E quando olho no espelho tudo o que
vejo é você. Eu sou o reflexo do que você era,
você foi o exemplo que eu tive, você me ensinou
tudo de errado que sei. Eu sou adulto e deveria
tomar minhas próprias decisões, mas é difícil
quando se está sozinho, é difícil quando tudo o
que eu tive na vida de exemplo foi você!
Ela abaixa a cabeça aos prantos e tudo
acaba como eu achei que acabaria. Não me fez
bem algum colocar isso para fora. E fez muito
mal a ela. Tento dizer que estou superando isso,
que não quero culpá-la por meus erros. Que
quero voltar a ser seu filho, o Tim que assumia a
culpa, mas não consigo. Não quando a vejo
deitada sobre a mesa aos prantos.
— Fique, mãe. Durma aqui esta noite, nós
podemos conversar pela manhã.
A deixo ali e arrumo um quarto para ela,
vou para o meu e passo uma das piores noites da
minha vida.
Quando acordo, procuro por ela, mas não
está mais. Sei que dormiu aqui porque arrumou
a cama do seu jeito, com o capricho de sempre.
Tento ligar, mas seu telefone está desligado.
Enquanto dirijo até o apartamento onde está
morando penso em como deve estar se sentindo.
Papai não quer vê-la, e ela errou tanto no
passado, deve carregar esse peso agora. Sei
porque carrego o peso por cada erro que cometi.
Ela não precisava de um filho egoísta jogando
sobre seus ombros os próprios erros.
Ela não está em casa e continua com o
celular desligado. A procuro então no hospital.
Ela deve ter ido falar com Eros.

Ela não está no hospital, e Ayla também


não. O que indica que passou aqui e Ayla foi com
ela. Ligo para Ayla que confirma que está com
ela, e está tudo bem, diz para eu não me
preocupar, mas se Atena tirou Ayla do hospital
em um domingo, não está nada bem.
Sento-me na poltrona, ao lado de Eros e
choro.
— Abra esses olhos, irmão. Preciso de você.
Só você vai entender a merda que fiz agora,
vamos, esteja aqui comigo. Eros, por favor,
acorde.
A porta é aberta e tento esconder as
lágrimas para que Ayla não as veja, mas não é
Ayla.
— Sabia que ia encontrá-lo aqui — diz
Sabrina baixinho.
— Você sabe o que eu fiz?
— Ayla me contou apenas que sua mãe está
muito triste, e que tiveram uma conversa difícil.
Ela me pediu para encontrá-lo. Eu ia para sua
casa, mas pensei que estaria aqui.
Não respondo e ela se aproxima. Senta-se
na cama de Eros, de frente para mim.
— Sabia que estaria aqui porque estamos
em sintonia.
Sorrio em meio as lágrimas e a encaro.
— Fui egoísta, cruel e joguei sobre ela a
culpa por todos os meus erros. Como um
adolescente rebelde. Fui ridículo, Sabrina. Não
era necessário machucá-la assim. Eu não me
sinto melhor depois de ter dito tudo o que
sentia, então para que eu disse? Em troca de que
a machuquei? Ela tem um filho em coma há
meses! Um marido a quem não vê há anos e que
não quer vê-la. A única família que ela podia
contar agora era eu, e o que eu fiz?
— Não acredito que vou te dizer isso, mas
todo mundo erra, Tim. Está aí a diferença, você
vê?
Nego com a cabeça.
— O arrependimento. Esta é a diferença.
Você pode cometer erros e mais erros e saber
que está errado, mas passar por isso muito bem,
ou pode cometer erros que o fazem chorar e se
arrepender, é nesse ponto que você aprende.
Não se culpe tanto, vocês são família, famílias
sempre brigam. Veja meu exemplo, briguei com
minha mãe na adolescência, eu era bem rebelde,
e fiz uma tatuagem na bunda. Claro que me
arrependi assim que tive que tirar a roupa para
um garoto, mas o que podia fazer?
Sorrio.
— Eu amo essa tatuagem.
— E eu amo que você esteja arrependido e
que tenha pensado tanto em como ela se sentiu
com isso, ao invés de como você se sente. Você
não me falou como se sente desde que entrei
aqui, está preocupado com sua mãe.
Dou de ombros sentindo-me cansado
demais.
— O que, então? Mereço um troféu por
perceber que fui idiota?
— Na verdade, você merece.
Ela se levanta e senta-se no meu colo,
aninha minha cabeça em seu peito e me agarro a
ela. Ela me acalma, me faz ficar centrado, alerta.
Ela faz esse peso sumir, a dor desaparecer e tudo
ficar melhor.
— Você é mesmo uma bruxa!
— Por que essa ofensa gratuita?
— Não é uma ofensa. Na primeira vez que
nos falamos você lançou um feitiço em mim que
não me permitia olhar para você. Depois, lançou
outro que não me deixa tirar os olhos de você.
Ela sorri, sinto seu sorriso em minha testa,
onde seus lábios estão pousados.
— Ainda não achei o elogio nisso. Continuo
sento taxada injustamente de bruxa.
— Eu te amo, minha bruxinha. Você tem
essa magia que ninguém mais tem, e me faz ficar
bem com um toque. Me faz ficar louco com um
olhar e feliz com um sorriso. Não venha me dizer
que isso não é magia.
— Você está melhor agora? — pergunta
baixinho.
— Muito melhor! Eu sempre fico bem com
você.
Sinto-a sorrir, ela aperta os braços em volta
do meu corpo e fecho os olhos contemplando o
presente que recebi. Eros não foi o único, de
alguma forma, eu também fui digno de um amor
como esse.

Na tarde seguinte, chego no horário


marcado ao meu encontro secreto. Carlo
Boaventura já me espera com olhos
esperançosos e falsa bajulação. Me explica que
está vendendo a confeitaria porque sua filha está
doente no interior e precisa ir ficar ela. Sabrina
jamais aceitaria um presente como este, embora
bem o merecesse. E apenas por isso pago um
pouco mais caro em troca de um favor de Carlo.
— Você entendeu, certo Carlo? Vai dizer a
Sabrina que não vendeu a confeitaria, apenas a
arrendou. Vai dizer a ela que ela tem que pagar
esse arrendamento a cada trimestre. Vai dar a
ela esta conta que estou te passando para que
faça os depósitos e não vai entrar em contato
com ela mais.
— Eu entendi, Reymond. Não se preocupe,
da minha boca Sabrina nunca descobrirá que
você comprou a confeitaria para ela. Temos um
acordo?
Aperto sua mão selando nosso acordo
enquanto preparo tudo paras os trâmites legais
da compra da confeitaria. Só preciso fazer com
que Sabrina assine isso sem ler, e ela será a dona
do seu pequeno sonho.
Sabrina
Ao me deixar em casa, Tim desce para
despedir-se. Parece menos triste do que quando
o encontrei, ainda assim precisa de uma longa
conversa com sua mãe para que tudo fique
realmente bem. Ele me abraça por um longo
tempo e não dizemos nada. Nós fazemos bem
um ao outro, tão bem que às vezes palavras nem
precisam ser ditas, é como se elas fossem
sentidas.
Quando saio de seus braços ele me beija.
Um beijo tão carregado de sentimentos, que por
um segundo sinto-me assustada. Afasto-me dele
confusa, e quando meus olhos encontram os
seus amedrontados por eu ter me afastado, cedo.
Eu o beijo desta vez. E pela primeira vez reparo
como nossos corpos se encaixam tão
perfeitamente, como seus braços me prendem ao
seu corpo sem necessidade, pois eu jamais iria
querer me afastar dele. Pela primeira vez
percebo que nada mais existe quando ele me
beija.
Nos despedimos e vejo seu carro ir embora
enquanto aconselho a mim mesma a tomar
cuidado. Por que tenho tanta dificuldade em
ouvir meus próprios conselhos? São conselhos
tão bons!
Duas batidas na porta nem dez minutos
depois que entro, me fazem pensar ser Tim
novamente. A abro com o maior dos sorrisos e
não há ninguém. Procuro um pouco e avisto
Ulisses sentado na calçada. Não está escondido
em seu cantinho como sempre, desta vez ele
quer ser visto.
Sento-me ao seu lado e ele não diz nada, o
que é curioso. Ulisses, assim como Ayla,
geralmente fala demais.
— Está tudo bem, Uli?
Quando ele vira o rosto em minha direção,
percebo lágrimas descendo por seus olhos.
— O que houve, Ulisses? O que aconteceu?
Sua avó está bem? As meninas? É algo com a
Ayla?
Ele nega com a cabeça e seu silêncio está a
ponto de me deixar louca. Finalmente, ele diz: —
É algo comigo. Eu vi, Sabrina. Vi você e o Tim se
beijando agora pouco.
— Ah, é isso.
Começo a pensar em como convencê-lo a
guardar segredo, mas então entendo o motivo da
sua tristeza.
— Eu sinto muito, Ulisses. Sinto mesmo.
— O que há de errado comigo, Sabrina? Eu
poderia perguntar a você se é por que ele é rico,
mas sei que isso apenas a ofenderia.
— Eu o acertaria com um belo tapa se me
perguntasse algo do tipo. Não há nada errado
com você, Ulisses. Mas faz parte da vida, nem
sempre a pessoa que você amar, vai amá-lo de
volta, porque a reciprocidade de um sentimento
não é uma obrigação.
— Isso não é justo. Eu mereço você muito
mais do que ele. Ele nem assume o que sente,
Sabrina. Está apaixonado por você e sequer
assume isso! Que idade ele tem, afinal?
Passo os braços por seus ombros magros
para consolá-lo.
— É dolorido que o amor não aconteça
sempre em par, mas é o que vai fazer você
reconhecer o seu verdadeiro amor quando
encontrá-lo. Não sou eu, Uli, não é alguém por
quem você vai precisar mudar. É alguém que vai
amá-lo de volta.
— Você já contou para a Ayla?
— Não há o que contar, não está
acontecendo nada demais, é só um rolo.
— Não é o que parece. Você brilha perto
dele, nunca vi você assim.
— Não vou te explicar o que exatamente
nele está me fazendo brilhar — digo baixinho
para mim mesma.
— Se eu fosse mais velho você ficaria
comigo?
— Talvez. Provavelmente. Se fosse bem
mais velho.
De repente a expressão machucada some e
um sorriso surge em seu rosto e me sinto
dividida entre aliviada e preocupada.
— Então, daqui uns dez anos eu teria
alguma chance com você?
— Você sabe que não se trata apenas disso.
— Mas eu teria? Já vou ser um homem com
caminhos e trilhas, se eu procurá-la terei alguma
chance com você?
Seus olhos castanhos têm o brilho da
esperança e não sei como dissipá-la.
— Você está supondo que nunca vou me
casar, nem encontrar o amor da minha vida e em
dez anos ainda estarei aqui, solteirona, certo? Se
for este o caso, sim, você teria chance comigo.
Ele se levanta com um sorriso imenso, e
como um menino satisfeito com uma promessa,
enxuga as lágrimas.
— Dez anos passam voando! Eu vou te
procurar, Sabrina, e vamos viver um lindo
romance. Até lá.
Ele sai andando e me levanto confusa com
sua lógica de raciocínio.
— Ei, eu vou te ver antes de dez anos,
certo?
— Vai, minha amada! Não vou deixar você
em paz! Adeus!
Ele sobe na bicicleta que carrega desde que
se mudaram para o bairro vizinho, que ainda é
bem perto da minha casa, e some.
Mamãe abre a porta e pergunta se está
tudo bem.
— Tudo bem, mãe, mas eu preciso
urgentemente encontrar uma namorada para o
Ulisses. É isso! Preciso encontrar uma namorada
para ele!

A operação namorada para o Uli começa


com tudo na segunda de manhã. Com um bloco
de notas observo as mulheres na empresa,
descarto as que usam aliança, as que não
prestam e as que tem o passado duvidoso. Vai
saber quem entre elas é uma assassina. Estou na
mesa, na copa, prestando atenção em Michelle, a
estagiária da Andrea quando Ayla surge do nada
e me dá um susto.
— O que você está olhando? — pergunta
curiosa sentando-se comigo.
— Estou procurando uma namorada para o
seu irmão.
Ela franze o cenho, mas entende tudo
rapidamente e sorri.
— Por que você não pensou nisso antes?
Tipo, três anos antes?
— Não sei! Quanto constrangimento eu
teria sido poupada! A culpa é sua! Me deixou
presa na sua vida e esqueci da minha. Você acha
que vai funcionar?
— Eu não deveria ajudá-la porque você é
uma ingrata! Mas sim. Qualquer mulher dando
atenção a ele vai desviar sua paixão para ela, isso
é fato.
— E você diz isso por experiencia própria —
provoco e ela me acerta um tapa na cabeça. —
Ayla! Você tem que se expressar de uma forma
não física! Eu ainda vou processar você!
— Para de choramingar que vou salvar sua
sanidade agora, querida. Bruna, ela faz o estilo
do meu irmão e deve ter a idade dele.
De repente é como se fogos de artifício
explodissem ao meu redor. E não tem a ver com
a entrada de Tim na copa, e sim com a brilhante
ideia da Ayla. Finjo não o ver enquanto ele se
serve de um café.
— É claro! Bonita, legal, meiga e não
entrou na seita da Louisa, mesmo que ela tenha
se esforçado, porque ela gosta de você. Ela é
perfeita. Ayla, eu te amo!
— Então me conta com quem você está
transando.
Tim escolhe justo este momento para
sentar-se conosco na mesa e ao ouvir a pergunta
da Ayla, se desequilibra e vira a xícara de café
nele mesmo. As pessoas se aglomeram em volta
dele rapidamente e ele sai entre elas, deixando-
me preocupada.

Preciso esperar um pouco e ter certeza que


ele está sozinho em sua sala para ver se está
bem. Entro sorrateiramente e ele está sem
camisa, ao telefone com algum cliente enquanto
Bruna olha para baixo envergonhada ao ver o
chefe sem roupa. Eu gosto dessa menina!
— Senhor Reymond — chamo quando ele
encerra a ligação — só vim saber se o senhor está
bem.
— Vou me sentir melhor se você se sentar
aqui do meu lado — responde com um sorriso de
lado e Bruna me olha de boca aberta e um
sorriso no rosto.
— Estou indo, senhor Tim, eu não vi nada,
não ouvi nada e não sei de nada — diz saindo da
sala com um olhar em minha direção que diz: eu
sabia!
— O que você está fazendo? Ela vai contar!
— Não vai, você a ouviu. Ela não ouviu
nada, não sabe de nada, vem aqui. — Estende a
mão com sua voz manhosa e me aproximo mais
disposta a bater nele do que a confortá-lo.
Pego sua mão e sento-me ao seu lado e
assim, sem fechar as persianas o imbecil me
beija. Levanto-me em um pulo e ele está
tranquilo sorrindo.
— Sabrina, você precisa relaxar. Mas antes,
pode dizer minha frase favorita, vai.
— O que você está fazendo? Você ficou
louco? A persiana está aberta. Se você quer que
todos saibam que estamos transando suba em
uma mesa e grite isso!
— Posso fazer isso? — pergunta empolgado.
— Não!
Ele se levanta rindo, e vagarosamente fecha
as persianas sob os olhares atentos dos três
funcionários que estão em frente à sua parede.
Depois aproxima-se de mim como um menino
travesso. Brinca com meu cabelo de duas cores e
só consigo me concentrar em seu peitoral
despido. Desvio meu olhar para reencontrar
meus pensamentos e quando abro a boca para
adverti-lo, ele me pega de uma vez, suas mãos se
cravam em minha traseira, e me deposita sobre
sua mesa sem o menor esforço. Se encaixa entre
minhas pernas e seu sorriso é tão safado, que
não consigo reagir.
— O que você ia dizer? — provoca falando
baixinho em meu ouvido.
— Tim... — minha voz não passa de um
sussurro, fecho os olhos enquanto toco seu peito,
brinco com os pelos presentes ali, sua língua
passeia por meu pescoço e sobe até meu queixo.
E quando seus lábios buscam os meus,
duas batidas na porta me fazem empurrá-lo para
longe e dar uma cambalhota na mesa, caindo
sobre sua cadeira, e me escondo ali embaixo.
Vejo suas pernas que permanecem
paradas, a porta é aberta e voz de Nico preenche
o ambiente.
— Você está trabalhando pelado, cara? O
que é isso? Tudo para conquistar o amor da sua
vida?
Eles se cumprimentam e Tim abaixa-se,
rindo ao me ver escondida de quatro debaixo de
sua mesa.
— É melhor você sair daí, bruxinha, essa
visão está me perturbando um pouco. E o Nico já
sabe que amo você.
Levanto-me sem graça, enquanto limpo o
joelho e ajeito o cabelo, e Nico ri tanto, que mal
entendo o que diz, mas é algo como: — Eu soube
disso primeiro do que ele.
— Só por curiosidade, Sabrina — Tim
chama quando estou prestes a sair de sua sala de
fininho. — Se fosse um funcionário, sabendo que
os funcionários a viram entrar aqui e me viram
fechar a persiana, por que você se escondeu?
Qual desculpa eu daria para você ter sumido
aqui dentro?
Nico continua rindo e dou de ombros.
— Não sei, ninguém podia nos ver na
posição em que estávamos, só pensei nisso.
— Você precisa superar esse seu medo de
saberem que estamos juntos, Sabrina. Vou
ajudá-la com isso.
Torno a fechar a porta e lanço a ele meu
melhor olhar ameaçador.
— Não se atreva a me ajudar com isso!
Você entendeu, Martim?
Ele mantém um sorriso no rosto, o peitoral
descoberto e uma expressão relaxada e divertida.
— Você deu uma cambalhota em cima de
uma mesa e caiu de quatro. Vou me lembrar
disso nos momentos oportunos.
— Você ouviu o que eu disse?
— Eu ouvi, amor. Fique tranquila, não irei
ajudá-la.
Abro a porta e sumo dali já calculando o
que vou fazer com ele se me fizer passar
qualquer vergonha na tentativa de me ajudar.

Chego em casa animada por ter encontrado


um par perfeito para Ulisses. Até tentei falar
com Bruna, consegui perguntar apenas se é
solteira, pois Carmen logo se aproximou curiosa
sobre meu lance com o chefe e tive que me
afastar. Mas amanhã sem falta irei convencê-la a
um encontro às escuras com meu futuro ex
pretendente.
— Mãe, cheguei! Levei dez minutos para
achar a chave na minha bolsa, por que você não
abriu a porta?
A encontro na sala, seus olhos estão cheios,
e há alguém sentado de frente para ela.
Aproximo-me mais para perceber que é meu pai.
Seus cabelos já estão grisalhos, há anos não o
via, exceto no Rossi’s aquela noite, mas ele
estava com touca e chapéu de cozinheiro na
ocasião.
— Oi, Sabrina. Eu estava esperando você
chegar — diz assim que me vê.
Sorrio cordialmente em resposta e sento-
me ao lado da minha mãe.
— Está tudo bem? — pergunto a ela, que
assente.
— Vocês precisam conversar, eu já disse
tudo o que tinha a dizer — ela diz levantando-se,
mas está tão nervosa que tropeça na mesa de
centro que sempre soube que está ali.
A guio até seu quarto, ela pega algumas
roupas e diz que irá tomar um banho e pede que
eu tenha paciência e o escute antes de dizer
qualquer coisa.
Desço as escadas devagar, nunca achei que
este momento chegaria, que eu teria que me
sentar e ouvir sua versão de atitudes que não
tem como ter qualquer desculpa. Mas o faço.
Porque a mamãe pediu, porque o Tim pediu.
Sento-me de frente para ele e deixo que fale.
— Você é linda, Sabrina! Quando era
pequena, era a cara da sua mãe, e agora se
parece tanto comigo!
— Apenas na aparência.
— Não, em mais do que isso, você se
formou em gastronomia. Você tem o dom para
seguir meus passos, podia trabalhar comigo no
restaurante e...
— Pai, você quer dizer alguma coisa? Estou
preocupada com a mamãe, preciso ir ficar com
ela, diga o que veio dizer — tento não soar
grosseira, falo em uma voz mansa e sorrio ao
final, ele entende que toda essa conversa pai e
filha é desnecessária. Ela não cabe na situação
em que estamos agora.
Então ele me conta seu lado da mesma
história que conheço a vida toda. E como eu
previa, é exatamente igual à que eu já sabia.
Exceto após sua volta, essa era a parte obscura
em minha mente, e são os pontos que ele
esclarece.
— Eu não procurei vocês porque não ia
aguentar de tanta vergonha.
— Eu procurei você. Eu queria um pai, te
procurei umas cinco vezes quase implorando
que você me desse um pouco de atenção, eu não
estava julgando você, qual foi sua dificuldade em
ser meu pai?
— Vergonha. Arrependimento. Eu mal me
aceitava depois de tudo o que fiz, não consegui
aceitá-la, minha filha. Não sabe como me
arrependo.
Ele diz então sobre o dinheiro que pensou
que estivéssemos usando, e antes que eu possa
atacá-lo de novo, ele mesmo admite: — O que
não teria acontecido se eu tivesse ido até vocês e
tivesse dado os dados da conta em suas mãos, se
tivesse dito cara a cara que estava devolvendo o
dinheiro a vocês, dando a parte que lhes
pertencia. A culpa disso foi minha.
Ele tem os olhos vermelhos, pergunta por
minha mãe mais de uma vez, e não mente em
sua versão dos fatos. Ele não tenta amenizar
seus erros, nem justificá-los. Assume que errou,
que se arrependeu e não foi corajoso o suficiente
para corrigi-los até ser tarde demais. E por isso
ele tem um ponto ao seu favor, por isso ele tem
de volta um pouco do meu respeito.
— Espero que você possa me perdoar um
dia, filha. Que possa vir trabalhar comigo, se não
quiser isso, sei que trabalha com seu noivo, que
possa passar ao menos algum tempo comigo.
Meu noivo. Eu vou matar o Tim!
— Você me perdoa?
Olho seus olhos cheios, é como olhar os
meus próprios olhos. Somos tão parecidos!
Entendo sua dor, porque Tim me ensinou a
perdoar mais fácil, me ensinou a dor de alguém
que carrega erros, mas mesmo assim não me
sinto pronta para ser sua filha agora.
— Eu realmente gostaria de dizer tudo
bem, pai. Gostaria de abraçá-lo agora e passar
mais tempo com você, mas não consigo. Eu te
entendo, eu também te devo desculpas, pois o
julguei até por coisas que você não havia feito, e
sinto muito. Não vou usar o seu dinheiro pelo
mesmo motivo que me impede de dizer sim a
sua pergunta agora. Eu não o perdoo. Eu não o
odeio mais, nem o desprezo ou nada assim.
Apenas não sinto aqui dentro vontade de
conviver com você, eu sinto muito.
Uma lágrima desce por seus olhos, ele
assente com um sorriso triste.
— Martim me disse que você é muito
sincera. Eu admiro isso, você se tornou o oposto
de mim e isso é muito bom. Você não é obrigada
a me perdoar, filha. E o dinheiro é seu, não está
condicionado ao seu amor.
— Obrigada, mas prefiro não mexer nele.
Pode pegá-lo de volta, foi nobre da sua parte o
que fez, mas agora é um pouco tarde.
— Eu entendo. Realmente entendo. Caso
você mude de ideia, ou sinta aí dentro que pode
me ver de novo, você sabe onde me encontrar.
Estarei sempre esperando por você, Sabrina.
Assinto, ele se levanta e o acompanho até a
porta. Minha garganta se aperta e meu peito
parece cheio, meus olhos ardem, mas não quero
chorar como ele. Ele se despede mais uma vez
antes de sair pela porta. Mal a fecho e as
lágrimas descem, não consigo segurar dessa vez.
Fico quietinha, encostada à porta, pensando se
agi errado. Pensando se esse aperto que sinto é o
sinal de que fui apenas orgulhosa e não sincera.
— É normal essa dor, meu amor — mamãe
diz descendo as escadas. — É o peso do rancor,
da mágoa. Você não o perdoou, não é?
— Ainda não estou pronta.
— Tudo bem, você não tem que estar
pronta agora. Mas esse peso que está sentindo
ficará aí até que esteja pronta, minha filha. Você
acha que consegue conviver com isso?
Nego com a cabeça e a abraço. Ela não
precisa de uma resposta.
— Você o perdoou? Como conseguiu?
— Na verdade, não. Tê-lo por perto foi mais
difícil do que eu pensava. Por anos eu bloqueei o
que sentia por ele, tudo o que sentia, e foi tão
fácil! Mas ele abriu essa porta, e eu não soube
lidar com tudo o que saiu dela. Eu não o perdoei,
mas ele tentou, isso tem que contar, não é?
Assinto em seus braços.
— Quem sabe um dia?
Ela concorda, passando as mãos por meus
cabelos.

Nessa noite, ao me olhar no espelho, vejo o


reflexo dele, as lágrimas em seus olhos, o
arrependimento. Saio apressada antes que a
farmácia feche. Eu não preciso ser diferente
dele, não tenho essa obrigação. Nós somos
diferentes e pronto. A aparência que tenho, se é
igual a dele ou não, não quer dizer nada. Pintar o
cabelo não vai mudar seu nome na minha
certidão de nascimento, ele é meu pai. E somos
diferentes, graças a Deus, somos.
Pinto o cabelo de um tom o mais próximo
possível ao meu tom castanho natural,
finalmente dando adeus ao cabelo desbotado de
duas cores. Aproveito para cortá-lo um pouco, e
ao me olhar no espelho após secá-lo, vejo meu
pai no reflexo. Mas tudo bem, esta sou eu, tenho
essa aparência e vou aceitar isso, logo poderei
olhar no espelho e enxergar apenas a mim
mesma.
Me certifico de que minha mãe já está
dormindo e ligo para Ayla.
— Tem lugar para uma chorona na sua
poltrona esta noite? — pergunto.
— Sempre tem lugar onde eu estiver para
você, venha, vou fazer o café e conseguir os
pãezinhos.
— Tá bom, te amo.
— Eu também te amo, agora venha que
estou mesmo ficando preocupada.

Na manhã seguinte, todos na empresa


elogiam meu cabelo novo, e agradeço vezes
seguidas. Bruna está absorta em alguns papéis
enquanto Carmen tagarela com ela sobre alguma
fofoca, e fico de longe, a observando. Planejando
como posso me aproximar e convencê-la a
aceitar sair com Uli. Estou apoiada no batente da
porta, abaixada, escondidinha, com meu bloco
de notas em mãos, quando de repente uma mão
toca meu ombro e levo um susto.
— O que você está fazendo escondida aí? —
a voz de Tim me faz ficar de pé envergonhada.
— Estou procurando uma namorada para o
Uli. Assim, ele vai viver a vida dele e me deixar
em paz. Eu escolhi a Bruna, o que você acha
dela?
O encaro, mas ele está de boca aberta,
olhando para mim. Aos poucos, um sorriso surge
em seu rosto, e seu olhar surpreso se torna
aquele olhar quente que adoro.
— Tim! Tim! — Agito a mão em frente aos
seus olhos repetidas vezes.
— Você está linda!
Ouvi esse elogio diversas vezes, dos meus
amigos aqui da empresa e consegui sorrir e
agradecer, mas o elogio dele, o jeito como me
olha e seu tom de voz me fazem enrubescer e
quase derreter nessa parede.
— Obrigada.
— Você é a coisa mais linda que eu já vi na
vida, Sabrina.
Meu coração acelera a tal ponto, que levo
as mãos ao peito numa falha tentativa de segurá-
lo. Meu pulso acelera e minhas pernas parecem
leves, parecem querer se mover em direção a ele.
— Para de me olhar desse jeito — peço
baixinho.
— Por quê?
— Porque você está me fazendo derreter.
— Eu a seguro. Te prendo em meus braços
e não vou deixá-la cair. — Ele dá um passo em
minha direção e volto a mim, conseguindo
desviar meus olhos dos seus.
— Martim, comporte-se!
— Hoje você vai dormir na minha casa —
avisa em um tom desnecessariamente alto ao se
afastar, e percebo Bruna com um sorriso
olhando em minha direção e Carmen com uma
careta.

Bruna está tranquila após seu almoço e não


existe momento mais perfeito para me
aproximar. Sento-me ao seu lado, me certifico
que estamos sozinhas na copa, e tento: — Bruna,
preciso falar com você.
— É sobre seu namoro com o chefe?
— Não! E não existe nada entre a gente.
— Vocês fingem muito mal! Aliás, ele nem
tenta. Você quer manter isso às escondidas por
algum motivo, mas não está funcionando. Vocês
não precisam falar, Sabrina, o jeito como se
olham os entrega.
Abro um sorriso e respiro fundo.
— Está vendo! É de uma pessoa sensível
como você que eu preciso! Eu tenho um amigo,
ele tem a sua idade, é lindo, divertido e trabalha
na empresa do Nico e do Tulio. Ele está solteiro,
em busca de um amor, você bem podia sair com
ele.
Ela sorri de volta, mas minha esperança
murcha quando nega com a cabeça.
— Não, obrigada. Parece interessante, mas
já fui a dois encontros desses e não deu certo.
Ela tenta se levantar, mas a puxo de novo
para baixo.
— Bruna, você não pode perder essa
chance! Estou falando de um cara realmente
bonito e legal. Olha como ele é!
Mostro uma foto de Ulisses e ela parece
gostar do que vê. Ainda assim, me devolve o
celular e nega com a cabeça.
— Estou estudando e trabalhando aqui.
Não tenho tempo para um namorado.
Mais uma vez, a seguro impedindo que se
levante, e seu olhar agora é desconfiado.
— O que você quer, Sabrina?
— Tudo bem, vou te dizer a verdade, ele é
obcecado por mim e preciso que arrume uma
namorada e me deixe em paz.
— Ah, você quer passar a obsessão dele
para outra pessoa, isso sim!
— Não! Você não entendeu! Ele é muito
legal, não merece sofrer por eu não corresponder
aos seus sentimentos.
— Então por que não fica com ele? Você
disse que não está com o chefe, pelo que sei está
encalhada.
— Não seja desagradável, garota! E te
escolhi à dedo. Não estou mentindo! Não fico
com ele porque tem a sua idade. Eu sou uma
década mais velha que vocês, me sinto uma tia
cometendo um pecado perto dele. Não posso, ele
me lembra o quão velha estou. Bruna, por favor.
Seu olhar ainda é desconfiado, mas
percebo que ela está ponderando se me ajuda ou
não.
— Estou falando do Ulisses, o irmão da
Ayla.
— Ah, aquele que foi preso para ajudar
Eros e Tim há alguns meses? — Seus olhos
brilham quando confirmo. — Ele é tão corajoso!
Eu poderia dizer que na verdade ele não
sabia que seria preso e que no momento de ser
corajoso, foi um tapado e falou o que não devia,
provocando a briga do século entre nosso casal
favorito, mas não digo isso, claro.
— Ele mesmo! Como eu disse! Lindo,
divertido, corajoso e muito gentil! Você não
precisa fingir que gosta dele, nem nada assim, só
saia com ele, conheça-o e se realmente gostar
dele, vocês podem dar certo.
— Tudo bem, marque algo e me avise, vou
quebrar essa para você.
Ela sai animada e agora tem a parte mais
difícil do meu plano. Convencer o Ulisses a sair
com ela.

No final da tarde, Tim convoca uma


reunião. Não faço ideia do que se trata, porque
Ayla não está mais, e três funcionárias
engraçadinhas vêm me perguntar o que o chefe
quer falar, com se eu tivesse obrigação de saber.
— Como você não sabe? Não sai da cama
dele e não sabe?
— Não falamos de trabalho na cama —
provoco e essas recalcadas, todas elas já
passaram pela cama dele, saem emburradas.
Só falta essa fofoca da gente estar junto se
espalhar, e formar-se uma espécie de motim
aqui dentro, por todas as mulheres que
passaram pela cama dele, para me destruir.
Enquanto a sala de reunião vai enchendo, vou
observando cada uma que entra para contar
quantas estariam nesse motim e começo
realmente a ficar preocupada.
— Boa tarde, queridos colegas. Convoquei
vocês aqui hoje, porque tenho visto por todo o
dia grupinhos formados pelos cantos, com
burburinhos a meu respeito. Não que a vida
pessoal de um chefe seja da conta de qualquer
funcionário, mas nos considero uma família
aqui. Há meses enfrentamos uma grande luta
juntos, sei que cada um de vocês está dando o
seu melhor e sou grato por isso.
As pessoas batem palmas enquanto ainda
estou contando quantas mulheres haveria no
motim. Mas bem, não preciso me preocupar, só
Bruna sabe sobre nós, ainda assim não confirmei
nada, e ela não parece que vai contar alguma
coisa. Relaxo e bato palmas prestando atenção
no chefe.
— Minha vida pessoal, desde que a regra
que proibia relacionamentos aqui dentro caiu,
esteve na boca de todos vocês e com razão. Eu
admito que dei motivos para que fosse assim.
Então reuni vocês aqui hoje, porque a partir de
agora não quero que seja assim. Como devem ter
percebido eu mudei bastante meu envolvimento
com vocês e não há mais motivos para que
fiquem especulando sobre com quem estou ou
não.
Bato palmas sozinha dessa vez, orgulhosa
por ele colocar um fim nessas fofocas antes que
realmente me atingissem.
— Estou perdidamente apaixonado por
uma única mulher e ela não gosta dessa
exposição, desses falatórios, e está certa! É nossa
vida pessoal, não é da conta de vocês.
Congelo, alguns olhares se voltam a mim e
miro o chão, fingindo não os estar vendo.
Torcendo que essa reunião acabe antes que ele
dê qualquer pista sobre quem é essa mulher que
ele pensa amar. É aí que ele diz a última coisa
que pensei que fosse dizer: — Eu, Martim
Reymond, estou apaixonado por Sabrina Lima, e
para ser sincero não estamos juntos porque ela
não quer nada comigo. E isso se deve a eu ter
saído com a maioria das mulheres presentes
aqui.
O falatório se inicia, todo mundo está me
olhando, e quero matá-lo. O que deu nele?
Escondo o rosto nas mãos querendo derreter
realmente e sumir daqui, mas não é possível.
Andrea dá dois tapas no meu ombro me
cumprimentando por ter fisgado o solteiro mais
cobiçado da empresa, e aperto ainda mais as
mãos em meu rosto.
— Agora eu preciso provar a ela que a amo
de verdade, que não vejo nenhuma mulher além
dela e percebi, ao vê-la tão linda esta manhã, que
não podia mais guardar isso para mim mesmo.
Então é isso, eu te amo, Sabrina. Mesmo quando
você tenta se esconder nas próprias mãos. Ainda
vou conquistar você. E vocês, parem de falar
sobre nós e me ajudem. Reunião encerrada.
Os homens se aproximam dele para
parabenizá-lo e tento sair de fininho, mas uma
aglomeração de mulheres me circula
perguntando como consegui fisgar o chefe, o que
fiz com ele, se ele é romântico e sou obrigada a
descobrir os olhos e responder todas as
perguntas enquanto guardo meu instinto
assassino para esse filho de uma mãe!

Estou terminando de juntar minhas coisas


para ir embora, quando Alan se aproxima com
um sorriso.
— O que foi, Alan?
— O chefe mandou dizer que te ama.
Eu o encaro, ele me encara de volta, tem
um sorriso bobo no rosto e sai andando como se
tivesse acabado de acender a tocha olímpica.
Bruna entra em seguida com um girassol nas
mãos.
— Você recebeu uma flor de algum
pretendente? Bruna, nós temos um acordo!
— Ah, não. Não mesmo. É para você.
A pego sorrindo.
— Por que você está me dando uma flor?
Ficou tão feliz assim por eu desencalhá-la?
— Nem vou me sentir insultada, e não sou
eu que a estou dando a você. O chefe mandou
entregar a você e dizer que te ama.
— Não diga!
— Ele é tão romântico!
Penso em ir até a sala dele confrontá-lo,
mas seu motivo é óbvio. Ele disse que ia me
ajudar com minha paranoia sobre guardarmos
segredo, e que maneira melhor de me forçar a
enfrentá-la do que escancarando para todos o
que sente por mim? Se eu for até sua ala
estaremos sob os olhares de todo mundo, de
forma que sua sala se tornou um lugar proibido
para mim.
Como então eu irei matá-lo?
Ele para o carro no ponto de ônibus e me
escondo atrás do meu cabelo, mas do jeito dele,
faz aquele escândalo chamando meu nome e
entro no carro para que as recepcionistas parem
de me olhar com sorrisinhos atravessados.
— Viu o que você fez? Todas agora sorriem
para mim como monstros de filme de terror
enquanto planejam me matar para terem você
de volta!
Ele ri alto.
— Isso saiu melhor do que eu imaginava.
— Melhor? O que você imaginava? Quer
saber? Nem me conta. Eu prefiro nem ouvir sua
voz!
Ligo o rádio bem alto e não conversamos
até minha casa para que eu não surte. Tudo pelo
bem da minha sanidade. Quando chegamos, até
penso em descer nesse silêncio que decretei e
não falar com ele, mas precisamos mesmo
esclarecer as coisas. Ele desliga a música e me
encara, mas sinto-me tão exposta, pisando em
um terreno que me é desconhecido, tenho um
pressentimento que é um terreno minado e
acabarei por explodir qualquer hora dessas, e
não sei como expressar isso. Não sei como dizer
de uma maneira que ele entenda. Eu não
acredito em seu amor, mas quero acreditar e isso
me assusta.
— Você está realmente brava pelo que fiz,
não é? — ele puxa conversa.
Nego com a cabeça, brava não chegaria
nem perto.
— Sabrina, você está reagindo de maneira
exagerada.
Viro-me em sua direção e ele se cala.
— Você ficou louco! Não consigo trabalhar
em paz porque toda hora alguém vem me dizer
que você me ama!
— Não é curioso que todos saibam disso
menos você?
— Não é! Eles não o conhecem como eu!
— Eu disse a você que não ia esconder o
que sinto, Sabrina. E não disse que estamos
juntos, disse o contrário disso, não expus você.
Mas o que eu sinto é meu, e é meu direito
extrapolar isso quando está grande demais para
ficar aqui dentro. Eu poderia fazer isso dizendo a
você cada vez que te vejo o quanto eu te amo,
mas você nunca quer ouvir. Foi minha única
saída, você me levou a isso.
— Tim, você não entende! Está sendo
egoísta mais uma vez! Você me expôs sem minha
permissão. É o seu sentimento, mas é
relacionado a mim. Você alterou drasticamente
meu ambiente de trabalho e não tinha o direto
de fazer isso! Você me colocou em uma situação
onde me obriga a aceitar o que você diz sentir,
mas não seria mais fácil se preocupar em porque
não quero acreditar nisso?
Ele fica calado, minhas palavras parecem
finalmente entrar em sua mente. Não diz nada
por um tempo. Parece que nem vai dizer. Não sei
se está se dando conta do erro que cometeu, ou
se está apenas com seu ego ferido por eu o estar
recusando.
— Nem a Ayla sabe sobre nós, você sabia?
Eu não contei isso à minha melhor amiga! Era
um segredo, será que era tão difícil para você
entender que eu queria manter isso em segredo?
— Era! — ele grita em resposta e posso ver
que está realmente ferido. — Era porque não
entendo o motivo! Você tem o direito de não me
amar de volta, não é obrigada a aceitar o que
sinto, mas estamos juntos, Sabrina. Não estamos
brincando aqui! Quando toco você, quando
fazemos amor, eu sinto! Cada segundo que
passamos juntos eu te amo mais! E se você não
sente absolutamente nada então não entendo o
que estamos fazendo. O que estamos fazendo?
Desta vez eu não tenho resposta.
— Me desculpa se a coloquei em uma
situação difícil, mas estamos falando de você.
Você é a pessoa mais centrada que conheço e por
mais que o mundo diga que você me ama, você
não vai aceitar se não for o que sente.
— Não se trata disso...
— Se trata do que então? Você quer que eu
entenda o problema? Então me diga! Sei que sou
o cara errado para você, Sabrina, eu sei que não
te mereço! Você acha que não penso nisso
quando a vejo dormindo na minha cama? Que
não sei que você merecia alguém melhor, alguém
que com certeza não irá feri-la? Mas você me
escolheu, por algum motivo você está comigo, e
não é só sexo, eu sei que não! Então me diz por
que essa repulsa de que saibam que eu te amo?
Eu sou tão ruim assim? Porque não posso
acreditar que você se importa de verdade com o
que os outros pensam, você não é assim. É o que
você pensa, Sabrina. É isso que a impede de
acreditar em mim, e eu sinceramente não achei
que você se machucaria tanto só porque todo
mundo sabe o que eu sinto. E não consigo
entender isso. Você quer me explicar?
Ele me olha e nego com a cabeça. Meu
coração está apertado, meus olhos ardem, quero
abraçá-lo e dizer que estou ficando louca e nem
sei mais o que sinto, mas a razão diz que devo
manter os pés no chão. É um terreno minado,
preciso me proteger.
Ele destrava a porta, mas não consigo abri-
la. Quero dizer algo a ele, algo que o conforte,
que o acalme, algo que o faça entender que não é
a pessoa ruim que pensa que é. Algo que não o
faça não desistir de mim.
O que está acontecendo comigo? Não se
trata disso? De ele ser a pessoa errada, e seus
sentimentos não serem sinceros, então não seria
melhor para nós dois se ele desistisse?
— Não sei mais o que estamos fazendo —
ele diz baixinho antes de abrir a porta e sair do
carro. Ele dá a volta e abre a minha.
Não olha no meu rosto quando desço e
entendo que está desistindo. Ele está desistindo
de mim.
Corro até minha casa, tentando segurar as
lágrimas, porque sua desistência me machuca.
Mas como sempre, não acho a maldita chave no
meio da Nárnia que se esconde na minha bolsa.
Fico uns dez minutos revirando-a como uma
maluca, já estou praticamente sacudindo a bolsa
e gritando com ela quando noto que Tim se
aproxima. Fico completamente parada quando
ele segura minha mão.
— Deixe-me resolver isso para você — pede
ainda sem olhar em meus olhos.
— Você vai achar minha chave com
mágica? — provoco.
— Você sabia, Sabrina, que o amor é algo
que te completa até mesmo nas pequenas
coisas? Como perder a chave todos os dias.
— O amor vai achar minha chave? Boa
sorte para ele.
Ele sorri, mas é um sorriso triste, aproxima
a mão com um chaveiro da minha bolsa e a
chave imediatamente gruda nele. É um ímã. Ele
me estende a chave e meu sorriso incrédulo o faz
sorrir de volta. O faz sorrir de verdade.
— Até mesmo nas pequenas coisas —
repete. — Acho que vou dar a você um chaveiro
para que essa única chave solitária não suma
mais aí dentro.
— Pode me dar um desse de ímã — sugiro e
ele me encara. Penso em convidá-lo para entrar,
mas ele dá um beijo na minha testa e vai embora
sem dizer uma palavra mais. E esse beijo soa
como um adeus.

No sábado de manhã, acordo feliz por não


precisar ir à empresa, não precisar ficar ouvindo
cada funcionário daquele lugar vir a mim em
diferentes horários para dizer que Tim me ama.
Não vou precisar ouvir Amélia, uma senhora já
de idade que ficou duas horas falando na minha
cabeça sobre pervertidos regenerados e como
esses são os mais fiéis quando se apaixonam.
Isso claro, baseado em toda sua experiência com
livros de romance.
E então vem aquele medo de que não veja
mais Tim. Não o meu Tim. Verei o chefe frio e
cafajeste de sempre, cada noite com uma mulher
e quem poderá julgá-lo? E não mais aquele
homem que me decifra, me entente, me enrola
com facilidade. Que me toca como ninguém
jamais fez e me confunde como mais nada é
capaz.
Estou terminando de tomar o café,
planejando ir passar o dia com Ayla, pensando
em uma maneira de contar a ela que o homem
com quem tenho saído é Tim. Temendo de
repente que ela se sinta traída por conta do
sentimento que teve por ele por tantos anos.
Pego o celular para avisar a ela, e ao invés disso,
ligo para ele. Só quero saber se está bem. O
telefone chama até cair, talvez ele não queira
falar comigo. É quando a campainha toca. Tim
sorri ao me ver, usa uma camiseta leve e uma
bermuda. Tem o cabelo bagunçado e óculos
escuros e carrega uma bolsa de viagem nas
mãos.
Ele vai embora.
— Para onde você vai? — pergunto
preocupada.
Ele sorri, entra em minha casa sem ser
convidado, me beija sem que eu possa impedi-lo
e deposita a bolsa de viagem no chão. Então diz
com um sorriso: — Bom dia, meu amor.
Sorrio de volta. Ainda temo que ele vá para
longe por um tempo, mas não parece estar mal, e
menos ainda ter desistido de mim.
— Achei que tivesse desistido de mim —
confesso.
— Você ficou feliz ou triste por isso?
— Fiquei arrasada — confesso e seu sorriso
é tão lindo, que por algum motivo o comparo ao
sol em um dia de chuva. Observo sua mala e
cruzo os braços, curiosa. — Qual é o seu próximo
passo?
— Você vai enlouquecer com ele —
promete.
— Onde você está indo com essa mala?
— Para o seu quarto.
Demoro alguns segundos para entender,
não faço ideia do que quer dizer e ele sorri da
minha confusão.
— Bom dia, Tim, querido — mamãe
cumprimenta surgindo atrás de mim. — Você
trouxe?
— Bom dia, mãe, trouxe como
combinamos.
— Desde quando você chama minha mãe
de mãe?
— Eu já reservei um lugar no guarda-roupa
dela para você — mamãe avisa a ele como se eu
nem estivesse aqui.
Ele agradece e sobe as escadas e só aí
entendo o que está havendo. O espaço vazio
repentinamente em meu guarda-roupa era para
ele. Subo correndo atrás dele e o vejo abrir a
mala, pegar suas roupas e colocá-las uma por
uma dentro do meu guarda-roupa. Ele observa
meu quarto e parece gostar do que vê. Fico
estacada, olhando sua cara de pau sem conseguir
me expressar.
— Não vai dizer minha frase favorita
daquele jeitinho irritado que adoro? — provoca.
Olho para ele, para as roupas em sua mão,
para dentro do meu guarda-roupa, e sento-me
na cama. Ele para de guardar as roupas e se
ajoelha diante de mim, segura minha mão
preocupado.
— Você está bem? Achei que estaria
gritando comigo enquanto eu guardasse as
roupas, seu silêncio não pode ser um bom sinal.
— Você está se mudando para cá?
— Não, amor. Estou deixando algumas
roupas aqui para dormir aqui com você de vez
em quando.
— Como? Tim! Você não pode trazer uma
mala de roupas, ter seu lugar no meu armário e
chamar minha mãe de mãe sem me consultar!
Seu sorriso é calmo em contraste com o nó
confuso na minha cabeça.
— Se eu dissesse a você: Sabrina, eu te
amo, sinto sua falta, não durmo quando você
não está e quero que passemos mais noites
juntos, portanto, venha morar comigo, você iria?
Minha respiração falha e preciso me
controlar para responder.
— Claro que não!
— Foi o que pensei, então eu venho.
Algumas noites aqui, algumas noites lá, só
preciso ter você toda noite, meu anjo.
Me sinto tão irritada, e ao mesmo tempo
tão aliviada que começo a rir. Eu deveria matá-
lo, deveria tirar essas suas roupas e atirá-las
escada abaixo por ele forçar um relacionamento,
mas não o faço. Não faço porque pensei que ele
ia me deixar e me sinto aliviada que ao invés
disso esteja tentando se aproximar mais. Ele
conseguiu me deixar em choque, sem reação,
sem palavras e quase sem pensamentos
coerentes.
Ele termina de arrumar suas roupas
tranquilamente e senta-se ao meu lado.
— Tim, nós não estamos namorando,
somos apenas amigos. O que você está fazendo?
— Eu sei, mas também sei que o que temos
é a única coisa boa na minha vida, sei que você
também gosta de ficar comigo. E sei que se eu a
pedir em namoro você vai dizer não, então o que
espera que eu faça, Sabrina? Nós fazemos amor,
somos fiéis um ao outro, nos apoiamos em tudo,
andamos de mãos dadas pela rua, o que somos
então?
— Amigos coloridos. E andar de mãos
dadas pela rua foi armação sua.
— Tudo bem, somos amigos coloridos —
concorda derrotado. — Mas somos amigos
coloridos que tem roupas um na casa do outro.
Sorrio.
— Não somos não, junte essas roupas e as
leve.
— Podemos negociar isso. Como foi
convencer o Uli a sair com a Bruna?
— Não deu muito certo, ele se sentiu
ultrajado por eu insinuar que ele deveria
conhecer outra pessoa.
Seu sorriso aumenta enquanto ele brinca
com meus dedos. E não acredito que eu esteja
realmente cogitando deixar suas roupas aqui,
como se fôssemos namorados.
— Façamos um acordo, eu o convenço a
sair com a Bruna e você deixa minhas roupas
aqui — pede me desafiando.
— Você devia dizer não, Sabrina. Isso é um
truque, primeiro são as roupas no seu armário
depois estarão morando juntos sem você se dar
conta. É do Tim que estamos falando, Sabrina,
ele sabe como te dobrar — resmungo e ele sorri
enquanto me decido.
Mas claro, nunca ouço meus conselhos,
então toco sua mão estendida e seu sorriso em
resposta é tão lindo, que me sinto melhor por
fazê-lo tão feliz assim.
— Que bom que você nunca escuta seus
próprios conselhos — diz antes de me beijar.
Estou atordoada com o passo que estamos
dando, não sei mais o que estou fazendo. Eu sei
que deveria dizer não a essa loucura, mas não
quero dizer. Mais uma vez, por ele, não estou
ouvindo a razão.
— Preciso que você venha comigo — pede
de repente e segura minha mão.
Ele vai me guiando escada abaixo enquanto
pergunto onde estamos indo. Sua resposta me
faz travar e sentar-me na escada com a cabeça
entre os joelhos, o estômago revirando e o medo
se instaurando em cada terminação nervosa.
— É uma surpresa! — foi o que ele disse.
— Não, Tim, para com isso. Você se
declarou para mim na frente de toda empresa,
trouxe roupas e as deixou no meu armário, o que
pode ser sua surpresa? Não me diga que vamos a
algum lugar onde um casamento surpresa está
armado porque juro que mato você!
Ele ri alto.
— Jamais pensaria em uma coisa dessas,
mas valeu pela ideia, bruxinha. Não é nosso
casamento ainda, vamos fazer isso com você de
acordo e ansiosa por isso. Agora venha comigo.
Deixo que ele me guie, ele também faz isso
com minha mãe. Nos leva até seu carro e vai
cantarolando enquanto ignora minhas infinitas
perguntas sobre onde estamos indo. Paramos
então em frente a confeitaria do seu Carlo. Noto
que não há mais uma placa de passa-se o ponto e
sorrio, na esperança que ele tenha mudado de
ideia. Então entendo o que Tim está fazendo. Ele
percebeu isso, sabia que eu ficaria feliz e me
trouxe aqui para alegrar meu dia.
Entramos na confeitaria que está fechada
hoje, estranhamente Carlo parece já estar nos
aguardando. Ele cumprimenta Tim, de quem
sempre puxou o maior saco, e sorri docemente
para mim e minha mãe. E isso me deixa em
alerta. Carlo nunca foi uma pessoa gentil. Ainda
mais depois que Ayla e eu viemos aqui e o
obrigamos a atender as gêmeas, elas quase o
enlouqueceram, e toda vez que me viu depois
disso, só se dirigiu a mim com insultos
sussurrados.
Ele estende uma pasta que Tim pega. Tim
parece nervoso e começo a ficar nervosa
também. Ele confere os papéis e sorri para Carlo,
então finalmente resolve me explicar o que está
havendo aqui.
— Sabrina Lima, meus parabéns, a partir
de agora você é a dona da confeitaria.
Ele me estende os papéis, mas não consigo
me mover para pegá-los.
— Que brincadeira é essa, Tim?
— Carlo está arrendando a confeitaria para
você. Ele precisa ir para o interior com certa
urgência e vendê-la se mostrou difícil na crise
atual.
— Alina está doente — seu Carlo explica,
falando sobre sua filha.
— Sinto muito. E como seria isso?
— Você me paga um valor para fecharmos
o negócio, e então pequenas prestações a cada
trimestre. Não será difícil, você vai vender o
suficiente para pagá-las. Ao fim do valor
estabelecido, a confeitaria é sua.
Isso parece bom demais para ser verdade.
Pego os papéis da mão de Tim e meu sorriso
some quando vejo o valor da entrada.
— Eu não conseguiria essa entrada —
comento desaminada.
Tim me olha com um sorriso confiante,
como se fosse tão fácil conseguir um valor alto
assim, e antes que insista que eu use o dinheiro
do meu pai, já nego essa possibilidade.
— Não vou usar o dinheiro dele.
— Eu sei que não, sabia que diria isso —
Tim responde e volta a ficar nervoso. — Sabrina,
eu paguei ao Carlo o valor da entrada.
Nos olhamos por alguns segundos
enquanto espero que ele diga que será meu
sócio, ou algo assim, mas ele não diz. Então
entendo que está me dando este valor.
— Não posso aceitar.
— É para a Denise. Eu poderia entrar como
sócio por isso, mas não tenho interesse, então a
entrada que dei é a parte da Denise da
sociedade. E você paga as prestações para
bancar sua parte. Você não se importa, não é,
Denise?
Isso não foi combinado, percebo como
minha mãe fica surpresa, emocionada, sem
saber o que dizer. Por fim, ela assente, penso que
vai dizer que não pode aceitar, mas o que diz é:
— Deus o abençoe, meu filho, claro que aceito!
Foi uma armação dele. Dar a parte para
minha mãe de forma que eu não possa recusar.
Tim sorri abraçando mamãe, e ela está tão feliz!
Carlo me mostra onde devo assinar e assino,
meio no automático, minha ficha ainda não caiu.
Ele se despede de nós e me entrega as
chaves. Então se vai. Fecha a porta atrás de si
enquanto mamãe anda por todo espaço
conhecendo-o, tocando em tudo, sentindo
cheiros. Fico parada, no meio da loja, com os
papéis na mão, sem saber o que pensar.
Tim se aproxima cauteloso, para ao meu
lado e diz baixinho: — Parabéns, meu amor. É
bom vê-la realizando um sonho.
— Nem sei por onde começar.
— A gente dá um jeito. Estarei sempre aqui
com você, vou ajudá-la no que for preciso,
Sabrina. Sabemos que você vai se sair muito bem
aqui. É sua casa, não é?
Assinto, lágrimas descendo por meus
olhos. Deposito a pasta com os papéis sobre uma
mesa e o encaro. Ele tem um sorriso satisfeito e
um brilho nos olhos que pode ser reflexo dos
meus próprios olhos. Ando até ele e o abraço.
— Eu não sei como te agradecer.
— Não precisa, amor. Não fiz isso por sua
gratidão, fiz por sua felicidade.
Ele me abraça de volta e me sinto tão feliz
que chega dar medo. Ligo imediatamente para
Ayla e ela berra comigo ao telefone, leva uma
bronca da enfermeira e promete estar aqui para
me ajudar em vinte minutos. Olho de novo o
lugar onde trabalhei por tantos anos e não
acredito que este lugar é meu.
Este lugar é meu.
Tim
Ulisses está concentrado em um arquivo
repleto de números quando me aproximo.
Sento-me ao seu lado e ele demora um pouco a
perceber que estou aqui. Quando percebe, a
expressão preocupada toma seu rosto.
— Tim, o que faz aqui? Está tudo bem com
minha irmã?
Assinto, tranquilizando-o.
— Se não é pela Ayla, está aqui pela
Sabrina, não é?
Assinto mais uma vez. Ele fecha o laptop e
me encara, aborrecido antes mesmo de eu dizer
o que tenho a dizer.
— Tomei coragem e me declarei para a
Sabrina, Ulisses. Estou te contando isso porque
uma vez você me disse que gosta dela, e eu te
disse que não estava em seu caminho, mas meus
sentimentos mudaram desde então. Não foi
proposital.
— Vocês estão juntos, então?
Nego com a cabeça e percebo o sorriso que
ele tenta disfarçar.
— Sabrina me conhece muito bem, é minha
melhor amiga, ela não quer acreditar no meu
amor fácil assim. Estou aqui porque quero ser
justo com você. Sabrina me desafiou a sair com
uma mulher, para um jantar, um encontro, essas
coisas. Se eu gostar dela, Sabrina saberá que
meus sentimentos são falsos.
Um sorriso enorme surge em seu rosto.
— Por isso ela queria que eu saísse com
alguma colega dela. É um teste!
— Sim, achei que seria justo que você
soubesse o que ela está planejando.
— Valeu, cara. Sabrina sempre foi assim,
tão desconfiada! Deve ter algum ex que a
machucou muito.
Ele me olha e seu sorriso aumenta ainda
mais, quando finge não querer dizer o que diz: —
Tim, nós dois sabemos que você não vai
conseguir sair com uma mulher e não se
interessar por ela. Essa aposta é minha.
— Eu aceito o desafio, Ulisses. Mas com
uma condição, nós dois temos que nos esforçar
para que o encontro seja agradável para a outra
pessoa. Não vale dar uma noite ruim a alguém,
certo?
— Fechado.
Tocamos nossas mãos e o deixo ali com a
certeza que vai passar no teste. Me sinto um
pouco culpado por enganá-lo, mas Sabrina está
certa, ele precisa viver sua juventude e deixá-la
em paz.

À noite, ao contar à Sabrina sobre meu


plano brilhante, ela sorri surpresa. Enquanto
jantamos na minha casa, uma expressão
divertida de culpa toma seu rosto. É final de
semana e a noite do encontro entre Bruna e
Ulisses.
— Você sabe que há uma chance de ele
continuar apaixonado por você, não sabe? Se for
o caso, acabamos de piorar a obsessão dele —
advirto.
— Não há, ele não me ama, só fui a única
mulher perto dele quando seus hormônios
estavam a mil. Se a Bruna for amável e gentil, ele
vai gostar dela. eu o conheço bem.
— Não sei não, você não é muito boa em
identificar a verdade quando alguém se declara
para você, há coisas que você escolhe não ver —
provoco e funciona.
— Não brinque comigo, Tim. Me sinto mal
por estar enganando-o. É por uma boa causa,
mas ele acha que você está em um encontro
agora.
— Eu não estou? Onde você acha que esse
jantar vai acabar? — Ela sorri. — Por falar em
jantar você não comentou nada sobre a comida.
— Você reclamou, mas usou tudo o que eu
comprei — decreta.
— Estavam aí, não vi mal algum em usá-
las. Qual a minha nota, chef?
Ela mastiga lentamente um pedaço da
tilápia, depois, vagarosamente prova mais um
pouco da sopa de abóbora e sua expressão é tão
séria, que penso que irá me detonar.
— Na verdade, isso está uma delícia. Se foi
mesmo você quem fez, estou surpresa.
— Se foi mesmo eu? A essa altura você já
devia estar acostumada a eu calar a sua boca,
querida.
Ela sorri, deixa a colher de lado e me olha
de um jeito diferente, aquele jeito de quando
tem medo de algo, o mesmo jeito que me olhou
na nossa última discussão sobre eu ter revelado
meus sentimentos à empresa.
— Eu não penso que você é o homem
errado para mim, Tim. Eu não acho que exista
alguém certo para alguém, acho que o amor faz
tudo dar certo. Eu odiei ver você com medo,
achando que não era digno de mim e essas
coisas, mas eu sou apenas uma pessoa, como
você. Sou alguém que erra, muito medrosa,
como você está descobrindo, às vezes pé no chão
demais. Mas não estou acima de você em nada.
Não pense que você é indigno de alguém, nem
tente melhorar por outra pessoa. Você mudou
tanto! E fez isso por si mesmo, não poderia
haver motivo mais nobre.
— Você foi a minha força, Sabrina. Eu
provavelmente teria me afundado em culpa, mas
não teria mudado nada se não fosse você. Eu
sequer seria capaz de reconhecer meus erros se
não fosse você. Esse é um dos motivos de eu
amá-la tanto!
Seu sorriso é doce, mas o medo ainda está
presente em seus olhos.
— Eu sei o quanto você é grato, e esse é um
dos motivos de eu achar que você está
confundido seus sentimentos.
A observo por um tempo enquanto ela
volta a comer. Ela tem medo, tem todas as
razões do mundo para isso, acha que estou
enganado mais uma vez, como fiz com a Ayla,
ainda assim está aqui. Ainda assim não consegue
se afastar. Ainda assim fez questão de me dizer
que não é melhor do que eu, que está ao meu
alcance. Será que ela percebe que enquanto diz
que não acredita no que sinto, me pede que
prove isso a ela?
— Por que você acha que não merece ser
amada, Sabrina?
Ela para o movimento com a colher no ar e
me encara confusa.
— Você não acha que o sentimento do
Ulisses é verdadeiro, não acreditou no Tulio e
teima em não acreditar em mim. Por quê?
Ela dá de ombros como se fosse a coisa
mais simples do mundo.
— Conheço bem todos vocês, tenho o pé no
chão, e o universo está fazendo a maior hora
com a minha cara — sorri ao final, o que me faz
pensar que está apenas fugindo da verdadeira
resposta.
— Entendo, não é problema, tenho todo
tempo do mundo para convencê-la.
— Boa sorte — responde voltando a comer.

Estamos escovando os dentes juntos,


quando meu celular toca. Desde nossa conversa
no jantar estou maquinando o que mais posso
fazer para convencê-la de que não estou confuso
com o que sinto, que aliás, é a única certeza que
tenho na vida.
Vejo o nome de Ulisses na tela e atendo no
viva-voz para que Sabrina também escute, faço
um sinal para que fique em silêncio.
— Ulisses, e aí, cara? Como foi sua noite?
Ele finge uma tosse e demora um pouco a
responder, quando o faz, é de maneira evasiva.
— Legal, foi bem legal e a sua? Está com a
mulher aí na sua casa?
Sorrio e Sabrina esconde o rosto nas mãos.
— Não. Eu dei um bolo nela, Ulisses, sei
que não foi o que combinamos, mas não fazia
sentido conhecer outra pessoa, sabe?
— Hum — é tudo o que responde.
Mais uma vez, finge uma tosse e o
encorajo: — Mas me fale sobre seu encontro,
você não deu à minha pequena Bruna uma noite
ruim, não é? Ela é uma garota muito legal.
— Não! Claro que não! Na verdade, não sei
como dizer isso, mas eu meio que gostei dela.
— Com assim meio que gostou? Ou você
gostou ou não gostou!
— Eu gostei. Eu gostei dela, nós vamos sair
de novo.
Seguro o riso e Sabrina cobre a boca com a
mão.
— Mas e seu amor pela Sabrina?
— Ela nunca vai me corresponder mesmo,
talvez esteja na hora de passar esse amor
adiante. Mas você não deveria fazer o mesmo,
ela gosta de você. Não vai assumir nunca, vai te
dar muito trabalho, mas gosta.
Sabrina revira os olhos com meu sorriso e
afasta-se, sentando-se sobre a cama.
— Obrigado, Ulisses. Fico feliz que você
tenha gostado dela, está em boas mãos. Cuide da
Bruna, como eu disse, é uma ótima menina.
— Pode deixar. Boa noite, Tim.
Encerro a ligação e Sabrina corre e pula
sobre mim rindo.
— Deu certo! Adoraria voltar à empresa
para saber da Bruna tudo o que aconteceu.
— Você pode ir lá quando quiser, sabe siso.
Ela me solta e faz dois coques no cabelo,
um de cada lado, como a princesa Lea, de Guerra
nas estrelas.
— Não estamos sendo malvados demais?
Me sinto como se o tivesse manipulado.
— Você não o fez gostar dela nem pediu a
ela para fingir que gostou dele. Você armou um
encontro às escuras com os dois que deu certo,
isso não é manipular.
Ela assente, tentando se convencer disso.
— Você provavelmente está certo.
Um dos coques se desfaz e ela o refaz
rapidamente. O outro, permanece firme.
— E você se livrou da paixonite esquisita do
irmão caçula da sua amiga, deveria estar mais
feliz.
Ela sorri.
— Não se trata só disso. Mas de vê-lo feliz.
Amar alguém que não corresponde não deve ser
legal.
O coque se desfaz de novo e ela torna a
fazê-lo.
— Pior do que isso, é amar alguém que você
nem tem ideia do que sente — solto sem querer e
seus olhos buscam os meus imediatamente. —
Você não sabe se a pessoa vai esbarrar em uma
esquina qualquer com outro homem no dia
seguinte, e será ele o amor dela, porque você não
tem ideia se há algum sentimento por você nela.
Você não sabe se ela vai simplesmente se cansar
de dormir na sua cama e romper isso, ou se ela
vai levando um relacionamento que para ela não
passa de uma diversão, até você estar apegado
demais, para então ela se dar conta disso e dizer
adeus. É uma montanha russa amar alguém
assim.
Ela abre a boca para dizer algo, mas nada
sai.
— É por isso que cada momento é tão
importante. Nunca sei se é o último. Por isso
quando fazemos amor, amo cada pedaço de você
com tanto cuidado. Eu nunca sei se é a última
vez que irei tê-la assim.
O coque se desfaz de novo e seus olhos
estão cheios. Mais uma vez, ela abre a boca e
nada sai. Tem medo de dizer o que quer dizer. Só
não sei se esse medo é de me magoar ou de se
magoar. Ela desiste de consertar o coque que
não fica e entendo o segredo de sua mania
estranha. Sorrio ao desvendar algo novo nela.
Dou um passo em sua direção e ela tenta dizer
alguma coisa.
— Tim, eu... eu...
Acaricio seu rosto de leve.
— Está tudo bem, você não tem que dizer
nada.
— Eu me sinto confusa — diz assim mesmo.
— Como se estivesse em um campo minado.
Aqui onde estou parada é seguro, mas se eu der
um passo...
— Então eu vou retirar todas essas bombas
do seu caminho, até que se sinta segura para dar
todos os passos que quiser dar.
Seguro suas mãos e subo meus dedos pela
lateral dos seus braços. Beijo o topo de sua
cabeça enquanto tiro a blusa que usa devagar.
— Eu não quero deixar você — confessa
baixinho pouco antes de eu capturar seus lábios.
Nos beijamos como se fosse mesmo uma
despedida. Seu corpo se recosta ao meu em
busca de refúgio e o meu corresponde
prendendo-a ainda mais a ele. Protegendo-a de
tudo lá fora, das bombas que teme, do medo que
carrega, impedindo-a de me deixar. Quero
marcá-la para mim, fazer com que entenda que
não temos mais saída, nós nos pertencemos.
Para sempre.
Ainda que um campo minado, é um
caminho sem volta.
Ela tira minha blusa tão logo nossos lábios
se afastam, suas mãos ansiosas passeiam por
meu corpo, contornam cada músculo, se
prendem no cós da minha calça. Seguro seu
rosto pequeno em minhas mãos grandes e olho
em seus olhos em chamas.
— Eu te amo.
Não espero que diga nada, ela não precisa
pensar agora no que poderia responder. A ajudo
a tirar minha roupa e a pego no colo. O short de
seda neon que usa sendo a única coisa que me
impede de estar dentro dela. A jogo na cama me
deliciando com sua risada, mordisco de leve seu
pescoço, saboreando sua pele quente enquanto
ela ri. Ela morde meu lábio quando alcanço sua
boca, brinca com ele em seus dentes e devolvo a
carícia em seus seios, com os dedos.
Beijo cada centímetro de seu corpo, gravo
seus gemidos, a maneira gostosa como sussurra
meu nome repetidas vezes, até tirar esse short
que é meu único impedimento. Então estou
dentro dela, suas pernas circulam meu quadril e
a prendo em meus braços. Nossas bocas se
encontram com paixão desesperada,
incontrolável, nunca é o bastante.
Fazemos amor no nosso ritmo, não é lento
demais, não é forte demais, é nossa dança
sincronizada, nossos movimentos conjuntos,
nossos corpos se conectando muito mais do que
sou capaz de explicar. É sua maneira de se
entregar a mim sem qualquer medo ou reserva,
deixando que as bombas explodam, explodindo
junto com elas. Explodimos juntos, presos um ao
outro, sustento seu corpo no meu, seus braços se
prendem em meu pescoço e ficamos assim. Por
segundos, minutos, horas, nem sei. Só sei que
este é o lugar exato onde deveríamos estar.

Sei que Sabrina vem à empresa esta tarde,


e essa é a desculpa que uso para recusar mais
um convite do meu pai para um almoço. A de
que estou esperando alguém importante na
Reymond. Os funcionários estão reunidos na
copa terminando seus almoços quando me sirvo
de um café. Faço uma careta, ainda não
contratamos uma nova copeira desde que
Sabrina saiu da empresa, mas sei que nenhuma
outra fará um café como o dela.
— Algum problema, senhor Tim? —
Carmen pergunta ao ver minha expressão de
desgosto enquanto observo a xícara como se ela
fosse um Alien.
Pelo canto do olho, avisto Sabrina
cumprimentado Andrea, ela chegou. Puxo uma
cadeira e me sento com as meninas, abandono a
xícara com o café amargo sobre a mesa junto a
um suspiro profundo e longo. Todos os olhares
na copa estão sobre mim agora.
— O café não é mais o mesmo. A vida aqui
não é mais a mesma, está tudo tão sem graça! —
Apoio meu queixo na mão sobre a mesa e todas
as meninas fazem o mesmo.
— Tadinho do senhor — Bruna comenta.
— Saudade do café da Sabrina, não é? —
Amélia pergunta preocupada.
Assinto e suspiro novamente.
— É tão ruim dizer a alguém que a ama e
ela correr para o próximo emprego em seguida.
Como se quisesse ficar o mais longe possível de
você, sabe? Estou desolado desde que ela se foi.
As meninas lamentam comigo e acariciam
minha mão, meu cabelo e ombro. Estou cercado
por elas quando noto Sabrina parada, de braços
cruzados nos observando. Assim que meus olhos
encontram os dela, as meninas a notam, Bruna
me deixa parar ir até ela imediatamente.
— Sabrina, você não tem pena? Olha como
o deixou!
— O pobrezinho nem consegue mais tomar
um café sem lamentar sua ausência — outra
funcionária a acusa.
— Não se faz uma coisa dessas a um
homem bom desses!
Assinto, meus olhos ainda nos dela que
está de boca aberta, sem saber o que dizer. Ela
levanta as mãos, calando quem quer que
estivesse falando no momento e olha para mim
segurando um sorriso.
— Você venceu, nem vou duvidar mais que
você consegue calar a minha boca. Você faz isso
frequentemente.
— Sabrina! Sol da minha vida! Razão do
meu despertar, quanta saudade de você! — As
meninas suspiram enquanto me levanto e
Sabrina leva uma mão ao rosto, rindo.
— Quer parar com essa cena?
Levo minha mão ao peito de forma
exagerada.
— Você se diverte em me machucar, não é?
Tudo bem, pode me ferir à vontade, eu sou seu
para isso.
As meninas suspiram ainda mais alto, a
olham com olhares zangados e ela deixa a bolsa
sobre uma mesa rendendo-se.
— Tudo bem, não quero machucá-lo, tudo
isso é porque você quer um café, não é?
Assinto e ela sorri em resposta. Pede
licença as meninas e vai em direção a pia. Mas
um café não é tudo o que quero dela.
— O café não é tudo o que que quero —
confesso.
Ainda de costas, ela dá de ombros.
— Não vou fazer bolo, pães de queijo nem
nada sim, não tenho muito tempo. Vai ter que se
contentar com o café.
— Viram como ela é grossa? — reclamo e as
meninas concordam.
Aproximo-me devagar e tento de novo: —
O que quero de você não vai levar nem vinte
segundos. Quero um café.
— Já estou fazendo.
— E um beijo — informo pouco antes de
puxá-la pela mão e cobrir sua boca com a minha.
Meus braços contornam sua cintura, prendendo-
a a mim para que não fuja. Não que ela pudesse
ter tal reação, apesar de corresponder ao meu
beijo, conforme vou diminuindo o ritmo e a
solto, ela está estacada. Como imaginei que
ficaria por eu beijá-la em público.
As meninas suspiram alto enquanto saem
uma por uma para nos dar privacidade.
— Tudo para você é um show, não é?
— Você está aqui para se certificar que a
Bruna não vai magoar um cara que era
apaixonado por você, enquanto o meu amor você
nega. Era o mínimo que eu podia fazer para me
sentir um pouco melhor.
— Como você é cara de pau! E eu achando
que você não ia mais me surpreender deixando-
me boquiaberta.
— Estou definhando pelos corredores dessa
empresa, tomando esse café amargo e sentindo
sua falta, você devia ter um pouco mais de
consideração.
— Tim, você passa mais tempo na
confeitaria do que aqui.
— Você não está surtando por eu tê-la
beijado em público — comento provocando-a.
— De que adiantaria? Desisto de tentar
corrigi-lo.
— Como estão as coisas para a abertura da
confeitaria?
Meus braços continuam em volta de sua
cintura, e ela continua colada a mim, sem ao
menos se dar conta do quão próximos estamos
enquanto conversamos.
— Está tudo pronto, será mesmo nesse
sábado, e estou com um pânico enorme de
ninguém aparecer e tudo o que vou fazer
estragar.
— Isso não vai acontecer. Você é
incrivelmente talentosa, meu anjo, aquela
confeitaria estará sempre cheia.
— A água ferveu, solte-me para eu terminar
o seu café, seu bebê chorão.
Com muito custo a deixo, ela vai passar o
café enquanto a provoco.
— Como você é chata! Sequer sabe
aproveitar os braços do seu futuro marido à sua
volta. Eu estava acalmando você, sabia?
Ela sorri.
— Sabia, funcionou, a propósito. Tome o
seu café e me deixa falar com a Bruna.
— Não posso ir com você?
— É uma conversa de meninas.
— Sou muito bom em conversas de
meninas.
— Você não pode, Tim.
— Você sempre me maltrata! Sua pequena
e malvada bruxa! — falo mais alto para que as
meninas que nos observam da porta escutem, e
Sabrina revira os olhos antes de pegar sua bolsa
e me abandonar aqui.
Imediatamente, elas me cercam com
palavras de carinho prometendo que ainda vou
domar essa bruxinha que tanto amo.

Finalmente chegou o grande dia da


Sabrina, é a abertura da confeitaria sob sua
direção. Ela passou as últimas semanas
montando um novo cardápio, novos doces,
bolos, opções de almoço e lanches. Ela e Ayla
deram duro durante todo o dia ontem
redecorando o local. O resultado ficou realmente
incrível. Elas encheram o pequeno ambiente
com luzes, almofadas e ambientes onde se é
possível tirar lindas fotos. Sabrina teve o cuidado
de incluir internet no estabelecimento, assim
como tomadas próximas às mesas onde os
clientes podem carregar seus celulares. Ela foi
brilhante e tem tudo para que essa confeitaria
seja o sucesso que ela merece.
Estou um pouco atrasado por uma causa
justa, a confeitaria inaugurou às nove da manhã,
e me deu um pouco de trabalho convencer todos
os funcionários da Reymond a acordarem cedo
em seu dia de folga. Mas os convenci. Há uma
quantidade razoável de pessoas circulando pela
nova confeitaria quando chegamos. Ayla está no
caixa atendendo pedidos enquanto Ulisses
atende algumas mesas. Como a vida é curiosa!
Pouco mais de um ano atrás eu vinha aqui para
ver a Ayla, Sabrina estava sempre escondida
atrás do caixa e Ulisses só aparecia para
aprontar. Como todos mudamos desde então!
Sabrina sorri ao me ver, noto que ainda
está tensa com sua abertura, são quase dez e ela
terá ainda muitas horas do dia até que feche a
confeitaria e perceba que foi um sucesso. Paro
na entrada e deixo que meus convidados entrem.
Sabrina abre um daqueles sorrisos que me deixa
sem fôlego, de quando sorri emocionada,
incrédula em algo, enquanto os funcionários vão
entrando, e lotando o pequeno espaço. Eles a
cumprimentam e entregam a ela as variadas
rosas que comprei e pedi que entregassem, todas
contém um cartão escrito: Sabia que você
conseguiria, eu te amo.
Ela segura as dúzias de rosas coloridas
enquanto eles se acomodam e conferem o
cardápio. Ela passa por eles com as rosas em
mãos e vem até mim. Para diante de mim e há
um brilho em seus olhos cheios que adoro ver
neles. A movimentação de pessoas lá dentro com
certeza vai atrair mais e mais clientes.
— Obrigada por trazer todos eles aqui,
obrigada por... — sua voz some e seus olhos
dizem mais do que qualquer palavra. De repente,
ela me abraça. Segura todas as rosas com um
braço e passa o outro à minha volta. A prendo
em meus braços e a sinto suspirar recostada a
mim. Ela sabe como me desarmar sem o menor
esforço, ela faz valer a pena cada pequeno
sacrifício que faço por ela.
— Só não beijo você agora porque preciso
contar para a Ayla primeiro — confessa.
— Você vai dizer a ela? — Ela assente. — O
que exatamente você vai dizer?
— Que você é o cara com quem tenho
transado — responde, mas sorri ao olhar minha
expressão decepcionada. — Vou dizer que
estamos juntos.
— Que estamos namorando?
— Não força.
— Ela vai ver essas rosas.
— Você não assinou nenhum dos cartões.
— Algum funcionário pode contar a ela.
— Duvido que ela tenha tempo de
conversar com algum deles, mas você está certo,
preciso contar a ela o quanto antes.
— Você sabe que assim que disser isso em
voz alta para sua melhor amiga, isso será oficial,
não sabe? Estaremos namorando.
Ela nega com a cabeça e divide as rosas em
duas mãos.
— Você nunca me fez um pedido.
Então entra na confeitaria e me deixa aqui,
com o sorriso mais bobo e mais alegre que me
lembro de ter dado no último ano. Ela acabou de
me dizer do seu jeitinho que vai dizer sim. Ela
vai aceitar meu pedido.
A confeitaria fica lotada, uma pequena fila
se forma do lado de fora e isso dura por horas. A
maioria dos funcionários já foi embora, de forma
que está lotada agora por clientes curiosos e
apaixonados pelos doces de Sabrina. Avisto
Denise em um canto, a pego pela mão quando
Ulisses diz que ela quer falar comigo e vamos
caminhar um pouco pela praça próxima à
confeitara.
— Há tanto tempo não sentia minha filha
tão feliz como está hoje, obrigada por isso,
querido.
— Não precisa agradecer. Não sei se fui
claro o bastante com você, mãe, mas pretendo
me casar com sua filha.
Ela ri.
— Você foi bastante claro e sou
completamente a favor dessa união.
— Então por que você queria falar comigo?
— Sobre a confeitaria. Conheço Carlo há
anos, tempo o suficiente para saber que ele
estava nervoso em nosso último encontro,
quando passou os papéis à Sabrina. Ele estava
mentindo. Eu só não sei se ele a está enganando,
ou se é você.
A ajudo a sentar-se em um banco e observo
o rosto curioso de Denise Lima. Já sei de quem
Sabrina herdou sua esperteza.
— Se eu contar a você, Denise, você terá
que guardar um segredo da sua filha. Tem
certeza de que quer isso?
Ela assente imediatamente, sem sequer
pensar antes a respeito.
— Quero estar preparada para proteger a
minha filha de qualquer coisa, Tim. Uma mãe
faz qualquer coisa pelo filho, quase nunca é fácil.
Você pode me dizer, não vou contar a ela, mas
estarei pronta quando ela descobrir, porque ela
vai. Seja o que for, ela vai descobrir.
Por um segundo, temo esse momento.
Espero poder contar a ela antes que descubra.
— E comprei a confeitaria pra Sabrina,
Denise. Não existe arrendamento.
— Como não? E o valor que ela irá
depositar a cada trimestre?
— A conta em questão está em nome dela.
Todo o dinheiro que ela depositar, será dela. É
seu fundo para um passo maior. Assim que ela
entender que deu conta da confeitaria, que não
será igual ao pai dela por terem a mesma paixão,
vai querer trabalhar em um restaurante grande,
comandar uma cozinha, você sabe.
Ela concorda com a cabeça, ainda em
silêncio.
— Esse dinheiro é para que ela compre seu
próprio restaurante um dia.
Ela procura minha mão e a aperta ao
encontrá-la.
— Querido, suas intenções são lindas, mas
não faça isso com uma mentira. Ela vai descobrir
quando for depositar o dinheiro. Pode não ser na
primeira vez, pode não ser na segunda, mas ela
vai. Isso não vai acabar bem. Você tem um
exemplo em casa, olhe a Ayla e o seu irmão onde
acabou.
Suas palavras me causam um aperto
enorme no peito, de repente não tenho mais
certeza de estar fazendo a coisa certa.
— Você está certa, eu vou contar a ela.
— Obrigada, querido. Por tudo o que tem
feito.
Voltamos à confeitaria e por toda a tarde
procuro uma maneira de dizer a Sabrina o que
fiz. Ela não vai ficar nada feliz. Está tão feliz com
o sucesso que está tendo, meio maluca correndo
de um lado a outro, com um avental enorme
fazendo doces e mais doces. Vejo a satisfação em
seus olhos. Se eu contar que o dinheiro que
bancou tudo isso é meu, ela vai recusar, vai
acabar com seu sonho por orgulho, eu sei que
vai. Não posso fazer isso agora.
É fim de tarde, a conferira ainda está
lotada quando Antônio Rossi aparece. Ele e um
homem que reconheceu Sabrina na noite em que
fomos ao Rossi’s, vêm direto até mim me
cumprimentar, logo, acham Sabrina e seu amigo
vai até ela, parabenizá-la e ajudá-la na cozinha.
Sabrina sorri timidamente para o pai, e ambos
sabemos que é o máximo de contato que terão
hoje.
Antônio parece preocupado ao sentar-se
em uma mesa comigo. Pede um café forte e se
debruça sobre a mesa para dizer algo que
aparentemente apenas eu posso ouvir.
— Nesses últimos dias tenho pensando
bastante em algo, Martim. Tenho estado muito
casando ultimamente. Consegui fazer meu
nome, um restaurante de sucesso, muito
dinheiro, mas não faz sentido continuar me
matando de trabalhar naquela cozinha sem
usufruir de tudo o que consegui.
Assinto, não entendo onde essa conversa
vai chegar, mas deixo que fale.
— Estou pensando em passar o restaurante
para a Sabrina. É minha única filha, é uma chef
também, é natural que o passe a ela. Talvez
assim ela me perdoe e se aproxime de mim, o
que você acha?
— Acho uma péssima ideia. Sabrina não vai
ver isso como um gesto de carinho, vai ver isso
como uma forma de chantagem. Um restaurante
renomado em troca de seu perdão. Talvez veja
como uma forma de exibição sua. Você vem à
pequena confeitaria dela e em seguida lhe dá um
super restaurante.
Ele parece em choque, tenta se explicar,
mas o corto.
— Não penso isso, Antônio. Mas é o que ela
vai pensar. É o que vai parecer para uma filha
magoada que está se esforçando pelo momento
certo de perdoá-lo, você vai pôr tudo a perder,
não faça isso.
— Você está errado! Ela teria que ser burra
para recusar um legado desses! Meu restaurante
tem nome, tem estrelas, é reconhecido
internacionalmente, nenhum pai dá um presente
desses a um filho. Ela seria privilegiada. Por que
iria preferir correr atrás de algo que posso dar a
ela de mão beijada?
— Você conhece tão pouco a sua filha!
Sabrina precisa do seu próprio caminho,
Antônio. Ela não precisa de um restaurante
enorme, quando nunca trabalhou em uma
cozinha profissional para ouvir comparações
sobre seus pratos e os do pai dela. Não precisa
levar adiante o seu negócio, o seu império. Prove
o que a sua filha fez aqui e verá que ela é capaz
de construir o próprio império. Ela precisa do
seu próprio caminho, já passou tempo demais
tentando não ser parecida a você.
Ele prova um dos doces que Ulisses nos
serviu e a surpresa em seu olhar me irrita um
pouco. Comemos em silêncio por um tempo, até
ele ver Denise. Decide ir embora assim que ela
entra com minha mãe, como se vê-la o
machucasse mais do que pode suportar. Ele
procura pelo amigo, e diz antes de ir atrás de
Sabrina: — Eu sei o que é melhor para minha
filha, apesar de tudo, eu sei. Você está errado e
vou provar isso.
Então ele vai até Sabrina, elogia seu talento
com doces, se diz orgulhoso dela e entendo o que
Sabrina sempre disse sobre sermos egoístas
usando o amor como desculpa. O pai dela está
sendo nesse momento, buscando a paz da sua
consciência sem se importar em atropelá-la no
caminho.
Os olhos negros de minha mãe pousam nos
meus entre a confusão de pessoas aqui dentro,
sorrio para ela, que retribui. Nos falamos apenas
uma vez desde nossa discussão ridícula, quando
liguei e ela me pediu um tempo para processar
tudo o que eu havia dito. Ela nem me deixou
dizer que deveria esquecer tudo o que eu disse.
Talvez me escute agora.
— Mãe, eu...
Ela me abraça. Me aperta em seus braços e
não parece ter qualquer mágoa pelas coisas
horríveis que disse a ela.
— Vamos esquecer isso, tudo bem? — pede.
— Mas você precisa saber, eu disse tudo da
boca para fora, mãe.
— Não, você não disse. Disse tudo o que
estava guardado em você, não se sinta culpado, a
culpa disso foi minha. Seu pai e eu erramos
muito como pais, mais ainda do que erramos
como casal. Nós erramos em tudo, você sempre
esteve certo, eu sou uma completa inapta
quando se trata de amor.
— Não fale besteira, Atena. Tudo o que sei
sobre amor aprendi com você, as coisas boas e
ruins, mas são muito mais coisas boas, sabe? Eu
poderia ter escolhido o caminho certo antes, não
fazer isso foi um erro meu, e não seu.
Ela torna a me abraçar, encerrando o
assunto.
— Você precisa falar com seu pai.
— Um dia. Hoje não.
Ela assente e ficamos abraçados enquanto
conversamos, ela só me deixa quando sua filha
preferida fica livre do caixa, então enche um
pratinho com salgados e vai alimentar Ayla.
Sabrina tem um sorriso de satisfação quando
encontro seu rosto, está feliz por mim, por
minha mãe. Assim como estou feliz por seu
sucesso. E de repente o medo de perdê-la ao
contar a verdade sobre a confeitaria é como um
presságio de que algo vai dar errado.
Levei algumas semanas para encontrar o
momento perfeito, planejar o passo perfeito e
comprar o símbolo perfeito. Sabrina me deu a
deixa na abertura de sua confeitaria, e claro que
não perderia essa oportunidade. Temos nos visto
pouco desde então, ela tem se cansado muito
com a confeitaria, e eu, com a Reymond.
Dormimos juntos quase todos os dias, mas nas
últimas duas semanas ao menos, deixei que
tivesse seu tempo, seu sono, e espero que tenha
sentido minha falta como senti a dela.
Nesta noite, tive a ajuda de Denise. Ela
tirou Sabrina da confeitaria antes que fechasse, a
obrigou a descansar um pouco e me deu a brecha
que eu precisava sozinho lá dentro para preparar
tudo. As luzes que Sabrina e Ayla espalharam
por todo ambiente foram substituídas por velas,
as mesas foram guardadas em um canto e
apenas uma permaneceu no centro da
confeitaria, abrigando o grande passo que
daremos hoje. A caixinha com o delicado
presente está sobre ela, cercada por pétalas de
rosas vermelhas. Optei por não enrolar demais,
Sabrina sabe o quanto a amo, não preciso repetir
isso, nem criar todo um clima que a deixara
ansiosa, receosa, talvez. Pensei em apenas
surpreendê-la e então ir direto ao ponto: quero
que ela seja oficialmente minha.
Enquanto espero que chegue, após minha
ligação dizendo que precisamos conversar, meu
coração está aos pulos. Me pego sorrindo como
um menino, quem diria que um dia eu estaria
assim, receoso, ansioso, por causa de uma
mulher?
Duas batidas na porta me fazem abrir a
passagem pequena e ela entra já curiosa sobre
minha chamada misteriosa. As luzes estão
apagadas, exceto uma vela apenas acesa sobre o
caixa.
— O que está havendo? Por que aqui não
tem luz? Será que esqueci de pagar a conta? —
pergunta preocupada.
— Até parece, você é tão organizada com
essas coisas. Venha, amor, me dê sua mão.
— Tim, o que está acontecendo?
A guio até perto da mesa, ela percebe que
há algo nela e espero que o truque que usei faça
mesmo as velas acenderem todas de uma vez,
como vi na internet. Ela toca as pétalas sobre a
mesa com um sorriso, até se dar conta da
pequena caixinha no centro dela. Lança a mim
um olhar cauteloso esperando por minha
aprovação, o que faço com um gesto de cabeça.
Ela pega a caixinha e a encara, tentando vê-la
direito apesar da pouca luz, e nesse momento,
como eu planejei, todas as velas se acendem,
uma por uma, em segundos.
A confeitaria torna-se iluminada, as várias
velas todas acesas, Sabrina sorri encantada.
— Como você fez isso?
Apenas sorrio de volta. Ela então observa a
pequena caixa vermelha nas mãos. Mas não faz
qualquer sinal de que vai abri-la. Parece estar
com tanto medo!
— Você não vai abrir? — pergunto
cauteloso.
Ela abre devagar a pequena caixa, sua boca
abre quando vê o anel em seu centro. É um anel
pequeno, de ouro branco, enfeitado com uma
pedra composta por vinte e um diamantes. É
algo simples, singelo, belo e único. A peça foi
feita para ela. Eu sabia que se desse algo caro
demais poderia assustá-la, por isso optei por
algo mais belo do que caro, ainda assim único.
Ela admira o anel ao retirá-lo da caixinha.
Toca sua pedra e sorri. Mas então, ao invés de
colocá-lo no dedo e pular sobre mim, sua
expressão se torna pesada. Ela guarda o anel na
caixinha e a estende a mim.
— O que significa isso?
— O que você acha? A estou pedindo em
namoro. Vou fazer um pedido dessa vez, com um
anel, para que não tenha dúvidas.
— Mas nós não conversamos sobre isso —
responde com um sorriso. — Você é louco, sabia?
— O que mais precisa ser dito, Sabrina?
Nós já estamos juntos há meses! Isso é apenas
uma oficialização do que temos. É o primeiro
passo, você vai ser minha esposa em breve, não
temos que adiar isso tudo mais do que o
necessário.
— Mas isso é um anel de namoro, certo?
Não é um noivado, nem nada assim.
Sorrio em resposta e seguro sua mão
gelada, tranquilizando-a.
— Isso é um anel de compromisso. Nós
temos dividido nossas vidas, nossas camas como
se vivêssemos juntos, Sabrina.
— Mas não vivemos.
— É só um detalhe. É isso o que esse anel
representa, o passo a seguir. Vem morar comigo,
aceite de uma vez o que sinto, o que você sente e
seja minha. Não me deixe mais com medo de
perder você a cada instante, Sabrina.
Seus olhos deixam os meus de volta para a
pequena caixa em sua mão. Após algum tempo
em que espero ansioso sua resposta, ela estende
a caixinha de volta a mim.
— Não posso aceitar isso, Tim.
Seus olhos não buscam os meus dessa vez,
se focam em outras coisas, ela não tem coragem
de dizer não olhando para minha cara.
— Por que não?
— Porque isso foi repentino demais!
— Você me disse para pedi-la em namoro.
— Não disse!
— Disse, Sabrina! No dia da abertura da
confeitaria.
Ela parece se lembrar e leva a mão livre à
cabeça, consternada.
— Não foi o que eu quis dizer, eu só
brinquei com você, para deixar as coisas mais
leves. Estávamos carregados de sentimentos e
emoções e eu quis brincar, não foi um empurrão
para você fazer isso, eu sinto muito.
Ela me estende de novo a caixinha, mas
não a pego.
— Você ouviu o que disse? Estávamos
carregados de sentimentos e emoções, do que
mais você precisa?
— Preciso estar segura.
— E por que não está? Onde estou
errando? Sabrina, nós não poderíamos estar
mais juntos do que estamos.
— Então por que você quer estragar isso?
Você não entende que não estou pronta para
ficar sem você?
Finalmente seus olhos buscam os meus.
— Mas não é isso o que estou pedindo,
estou pedindo que viva comigo, que se case
comigo, que divida todo o resto da sua vida
comigo.
Me sinto impotente diante de seu olhar
obstinado, ela não vai aceitar e não posso
entender o motivo de sentir tanto medo. Não é
ela quem diz que mudei? Não é ela quem diz que
sou digno dela? Então por que não pode aceitar,
eu não entendo!
— Tim, estamos indo rápido demais! Você
busca um amor, e vive por ele, mas eu não sou
assim. Eu gosto de você, de ficar com você, mais
do que é seguro, para ser sincera. Mas eu tento
mesmo me controlar, porque ainda não confio
no que você sente. E não acho que esteja
mentindo para mim, só acho que você pode estar
confuso.
— Sabrina, eu sou bem grandinho para
saber se o que sinto é passageiro ou real.
— Não, você não é.
— Se isso é por causa da Ayla, pela
declaração que fiz a ela...
— Sim, é por isso! Eu estava lá, você jurou
o mundo a dela, estava desesperado que ela não
se casasse com o Eros, você disse que a amava,
que daria sua vida a ela, e na semana seguinte
você percebeu que nunca a amou.
— Isso é diferente agora.
— Diferente em quê? A mesma convicção
que vejo nos seus olhos agora, eu vi naquele dia,
Tim. Tim, olhe para nós, o que vimos o amor
fazer com quem amamos. Sei que eu deveria ser
mais corajosa e menos racional, mas não
consigo. Eu não consigo desligar esse aviso
interno de que vou acabar como a minha mãe,
sozinha, chorando por um amor que nunca mais
irei viver porque de uma das partes não era real.
Você pode estar confuso, mas eu não. Você me
dobra com facilidade, me deixou viciada na sua
presença, dependente de você para ficar bem e
não quero ser assim. Então eu me descuido por
um segundo e estarei apaixonada por você, o
Eros acorda, vocês fazem as pazes, sua vida
entra nos eixos, você vai descobrir que não é a
pessoa horrível que pensa que é e esse
sentimento que você tem por mim vai sumir
como o que tinha pela Ayla sumiu.
— Nem vou te dizer que não é a mesma
coisa, nem vou perguntar de que provas mais
você precisa. Sabrina, todo amor é um risco.
Mesmo que você me ame loucamente, quem me
garante que você não vai se cansar um dia?
Conhecer alguém que mereça mais o seu amor,
decidir seguir um sonho qualquer longe de mim,
ou apenas não querer estar mais em um
relacionamento. Pessoas são imprevisíveis,
sentimentos mudam, nenhum de nós dois tem
garantia aqui, você entende? Estou entregando
tudo de mim a alguém que quer manter os pés
no chão, quem de nós dois você acha que está
correndo o maior risco?
Ela abaixa a cabeça e não responde.
— Sabrina, você me conhece o suficiente
para saber que o que sinto por você é real. Você
está tentando negar isso para se proteger, mas
você sabe. Tanto sabe, que ainda está comigo, se
arriscando de uma maneira que não queria, mas
está. Você sabe que não pode me deixar ir
porque é de verdade. Olha nos meus olhos e diz
que não é isso, olha para mim, diz que não
acredita e juro que não vou mais insistir nisso.
Seus olhos encontram os meus e ela nega
com a cabeça, se recusando a dizer o que peço.
Ela sabe que a amo, ela acredita nisso.
— Se você sabe que é real, por que tem
tanto medo?
— Eu tenho medo de você. E tenho medo
do que você me faz sentir. Eu tento encontrar
um ponto de equilíbrio em tudo o que sinto, mas
ele não existe. Você me desequilibra. Eu me
sinto confusa, porque eu preciso de você como
preciso do ar, mas eu sei que não deve ser assim,
eu sei que vai acabar mal. E eu não deveria estar
segura ao seu lado? Eu tenho medo porque você
me manipula. Eu tenho medo que esses
sentimentos confusos que tenho sejam fruto da
sua manipulação e também não sejam reais.
— Eu não entendo.
Ela deposita a caixinha sobre a mesa e
segura minhas mãos.
— Tim, desde que nos aproximamos você
cuidou para que eu ficasse com você. Seja como
sua amiga, seu diário humano, sua companheira
de cama. Sempre que você me quis, eu estive ali,
mesmo que não fosse um passo seguro para
mim. Você se declarou para mim e por mais que
eu tenha dito para esperarmos, que eu não
confiava no seu sentimento, você o declarou para
toda empresa, levou suas roupas para minha
casa, se aproximou da minha família, criou
situações em que eu dependeria de você, e eu
nunca fui consultada.
— Eu só agi assim porque você jamais daria
o primeiro passo, Sabrina.
— Será que não? Será que eu não sentiria
sua falta e buscaria você? Será que não seria eu a
separar o seu espaço no meu armário um dia? A
levar minhas coisas para sua casa? Como vamos
saber? Você não me deu esse tempo.
— Porque eu te amo! Estou cheio com esse
amor, em cada poro, em cada célula, eu quero
me cobrir de você, onde eu estiver, por todos os
lados, você deve estar. Não tem graça sem você,
nada tem graça. Você não vai entender isso se
não me ama de volta.
Tiro minhas mãos das suas sentindo-me
derrotado.
— Tim, você me manipulou desde sempre
para aceitar o que você queria. É isso o que me
faz ter medo, eu não tenho controle sobre você,
eu não controlo nem mesmo o modo como você
me faz sentir, eu sou uma marionete nas suas
mãos. Você faz comigo o que quer. Eu sei disso,
a razão grita isso e ainda assim não consigo
evitar.
Sorrio. Olho para seus olhos em pânico, o
medo em seu rosto, e apenas sorrio.
— Isso não se chama manipulação, se
chama relacionamento. Sabe Sabrina, essa
desculpa poderia servir para qualquer outra
pessoa, mas não para você. Estamos falando de
você! Você é decidida, pé no chão, racional. É
esperta demais para ser manipulada por
qualquer pessoa. Você se deixou acreditar que eu
a estava manipulando, que eu estava decidindo
que ficaríamos juntos, porque foi mais fácil para
você do que acreditar que tudo o que vivemos
juntos foi vontade sua. É mais fácil para você
achar que está aceitando o que eu quero, do que
admitir que é o que você quer também. Você
culpa o meu amor por cobri-la, porque não quer
aceitar que também me ama. Que o que te toma
e te faz ficar comigo e ir contra sua razão, não
sou eu, mas é o que você sente. É o seu amor que
te faz ficar comigo apesar do seu medo. Ninguém
mais a faria ir contra sua razão se você não
quisesse, mas que saber? Que seja assim. Talvez
eu só esteja falando bobagens. Talvez eu não a
conheça tão bem quanto pensei. Vou esperar seu
tempo, ou não, talvez estejamos perdendo
tempo.
Sopro algumas velas e acendo a luz.
Termino de apagá-las enquanto Sabrina está
parada em frente a mesa, em silêncio. Não sei se
minhas palavras a atingiram, se vai continuar
negando o que sente e dizendo que não acredita
em mim. O que sei é que não posso mais me
expor assim. E nem forçá-la a nada.
— Eu te amo, te disse isso mil vezes, tentei
te mostrar do meu jeito porque não existe o seu
jeito para essas coisas. Pensei que estivéssemos
mais próximos a cada dia, mas se tudo isso que
vivemos não passou de manipulação para você,
então claramente estou errado. Você não está
um passo mais perto de assumir o que sente do
que estava quando me declarei a você na
primeira vez. Então estou aqui, dedicando cada
hora dos meus dias a você, e não está servindo
para nada. E amo estar com você, mas você está
certa. Tenho que pensar no que você sente
também. E se você realmente não me ama, então
deve ser um saco essa minha necessidade de
ficar com você.
— Não é — diz baixinho olhando em meus
olhos.
Espero que diga mais alguma coisa, que
diga que estou certo, que ela sente isso de volta e
não é coisa da minha cabeça, mas ela não diz.
— Não posso lutar contra seu medo, só
você pode, mas claramente você não quer. Não
vou mais impor o meu amor a você, Sabrina.
Prometo que não, eu desisto.
Saio pela porta tentando não pensar no que
acabei de fazer. Tentando ignorar essa sensação
de que minha vida foi embora. Tentando conter
os tremores de desespero que me tomam
enquanto entro no meu carro, porque nada mais
parece importar além dela.
Vou direto pra casa escolhendo beber e
dormir ao invés de pensar sobre isso. Eu não
tenho o que pensar, eu a amo, ela não. Eu estava
errado. Ela teria me dito naquele momento se
sentisse alguma coisa por mim, mas não disse.
Não sente. Provavelmente eu mereço isso,
mereço amar assim alguém que não vai me amar
de volta, eu mereço carregar essa ferida, então
que ela me leve de uma vez. Não vou lutar contra
isso, nem contra ela, nem a machucar de
maneira nenhuma. Não vou implorar que me
corresponda, se tudo o que fiz por ela não foi o
suficiente para ela me amar de volta, nada será.
Aqui dentro, uma voz me diz que não posso
desistir, que não vou conseguir, mas minha
razão me diz que devo. Agora vou ser como ela,
mais racional, menos sentimental. Por que não?
Há alguém cochilando em minha porta
quando chego, penso ser a mamãe, embora
tenha dado a chave da casa para ela. Esta noite
eu não queria qualquer companhia, mas a luz do
carro acorda a pessoa, não tenho para onde
fugir.
Desço ali mesmo, desistindo de levar o
carro até a garagem, pronto para convencer
minha mãe de que estou bem quando a pessoa
que eu menos esperava ver sorri para mim.
— Martim, quanto tempo!
— Grazi, o que está fazendo aqui?
— Eu vim pelos velhos tempos. Nunca mais
nos falamos, eu voltei para o país, para a cidade.
Pensei em procurá-lo. Fiz mal?
Não quero ser descortês com aquela que foi
minha primeira e, provavelmente, única
namorada na vida. O único relacionamento
consensual sério que tive, o que Eros julgava que
eu teria dado o anel de nossa mãe se ela o tivesse
deixado comigo. Apenas pelo que vivemos, a
convido a entrar. Guardo a dor que estou
sentindo no findo do primeiro copo enquanto
escuto sua história e seu pedido de ajuda.
Sabrina
“É mais fácil para você achar que está
aceitando o que eu quero, do que admitir que é o
que você quer também.”
“Você culpa o meu amor por cobri-la,
porque não quer aceitar que também me ama.”
“É o seu amor que te faz ficar comigo
apesar do seu medo.”

Cada frase fica se repetindo em minha


mente uma e mais uma vez. Minhas pernas
querem ceder, meu coração parece sangrar, até
mesmo respirar dói agora e não entendo o que
foi que me tornei. Em que momento permiti que
ele entrasse desse jeito em meu coração, em
minha cabeça, em minha alma? Porque parece
que agora que ele se foi, não fica mais nada.
Eu deveria fechar a porta e ir embora
agora. Talvez jogar todas essas belas pétalas de
rosas no lixo, virar a página, como sempre fiz,
mas não consigo. Eu não consigo me mover.
Meu celular toca em algum lugar aqui, há sons
de carros passando na rua e o crepitar do fogo de
uma única vela que ele deixou acesa. Vou até ela
finalmente saindo esse estupor estranho e a
apago. Ao voltar, avisto a pequena caixa com o
anel mais lindo que eu já vi dentro dela. Pego a
pequena peça e a coloco no meu dedo.
— Isso parece certo, Sabrina. Isso deveria
estar aqui. O que você está fazendo?
Pela primeira vez ouço meu próprio
conselho.
Não posso ficar sem ele, no que eu estava
pensando? Ele estava certo em cada coisa que
disse sobre mim. Estaca certo sobre minha
covardia, minhas desculpas, minha falta de
esforço. Não entendo em que momento ele
passou a me conhecer mais do que eu mesma,
mas aconteceu.
Suas palavras mais uma vez me vêm à
mente: “O amor não faz você mudar assim,
Sabrina... Você não deixa de ser você, apenas se
torna uma você mais completa... Vai enfrentar
alguns medos, em contrapartida, ganhar novos.
Vai entender mais sentimentos que vivem
dentro de você, que você desconhecia, e se
conhecer mais. Não é que você mude, é que você
se conhece.”
E neste momento, ele me conhece muito
melhor do que eu mesma.
Pego o primeiro táxi que surge
rapidamente e vou todo o caminho pensando em
como me desculpar, em como fazê-lo não
desistir de mim. Em como dizer a ele que eu o
amo com tudo de mim. Minha cabeça gira com
mil coisas diferentes, o medo ainda me diz que
devo dar a volta e ir pra casa, me manter no meu
lugar seguro e solitário, mas dessa vez o medo
não vai ditar o que tenho ou não que fazer. Tanto
tempo temendo que o amor me limitasse
enquanto permitia que o medo fizesse isso.
Tim deve estar sentando em sua poltrona
favorita, em frente à lareira, apesar da noite não
estar tão fria, com sua taça de vinho,
despedaçado por dentro e a culpa é minha. Ele
pode ter cometido todos os erros do mundo, e
desde sempre o estive julgando por eles,
baseando minha confiança no que fez aos outros,
mas comigo ele não errou. Comigo ele foi um
bom chefe, um bom amigo, irritante, às vezes,
mas o melhor amante. Comigo ele sempre foi
sincero. E eu não fui com ele.
Vou direto até a porta dos fundos porque
dificilmente ele a tranca, apesar de seu carro
estar estacionado na frente da casa e não na
garagem, aos fundos, e entro. Uma música suave
e triste soa no ambiente, avisto seu cabelo negro
na poltrona que eu sabia que ele estaria, a taça
de vinho em sua mão e a lareira acesa.
Sorrio.
— Tim, eu preciso... — chamo entrando na
sala, e é aí que me dou conta que ele não está
sozinho.
Na poltrona ao lado há uma mulher. Seus
olhos verdes me inspecionam minuciosamente
enquanto Tim vem até mim. Ela se levanta
também, tem uma taça de vinho na mão, cabelos
negros volumosos, a pele morena e usa um
vestido provocante.
— Sabrina, o que faz aqui? — ele pergunta
surpreso, parando diante de mim.
— Eu vim... eu... — Meus olhos deixam
finalmente a bela figura e se focam nele. — Eu
não sabia que estava acompanhado, desculpe.
Ele olha para a bela mulher que agora me
observa com certa ameaça nos olhos, ou talvez
seja apenas coisa da minha cabeça, e de volta
para mim.
— Não é o que você está pensando. Esta é
Graziela, ela é uma amiga de longa data, já
trabalhou na Reymond comigo. Estava fora do
país nos últimos anos e acabou de voltar. Então
veio me fazer uma visita.
A mulher se aproxima e passa a mão pelo
braço de Tim, marcando seu território como um
cão. Eu realmente detesto essas cosias. Detesto
que tenha uma mulher com as garras nele, e
detesto sentir tanto ciúme a ponto de prejudicar
meu raciocínio. Esse ciúme me faz agir como
uma boba, olhando-a sem qualquer reação.
É ela quem dá o primeiro passo, estende a
mão que não está segurando Tim diante de mim.
— Prazer, sou Grazi, ex-namorada do Tim e
você é?
Como não consigo responder, nem segurar
sua mão. Tim me apresenta.
— Grazi, esta é a Sabrina, ela é minha... —
ele corta a frase no ar, abaixa a cabeça e a
completa: — amiga.
Meus olhos encontram os dele e quero
matá-lo. Sou sua amiga? Então me dou conta
que fui eu que exigi isso dele, eu que repeti isso
nos últimos meses como um mantra, a culpa por
ele estar com outra tão tarde em sua casa é
minha.
Toco sua mão finalmente, apertando mais
do que devia e cruzo os braços, irritada.
Eu sou sua amiga, ela a ex-namorada. Por
que fez questão de mencionar isso?
— Sinto muito incomodar vocês, eu
precisava falar com você, mas podemos nos falar
amanhã. A sua amiga quer que eu a acompanhe
até a casa dela? — ofereço tentando esconder
meu ciúme.
Tim sorri, e a amiga cheia de garras é quem
responde.
— Eu não tenho uma casa aqui ainda.
Voltei hoje e vendi meu apartamento para
bancar minha estadia em Londres quando fui
para lá — ela explica.
— Eu a levo a um hotel então — insisto.
— Eu não tenho uma reserva. Na verdade,
tinha pensado em ficar aqui se você não se
importar, Tim. Ao menos por alguns dias.
O encaro boquiaberta e seu sorriso só faz
aumentar.
— Que inconveniente! — reclamo um
pouco alto demais, pela careta dela e o sorriso
dele.
Ele disfarça e tira as garras dela de seu
braço, vai até a garrafa de vinho e enche a taça,
então a estende a mim.
— Claro, você pode fixar o tempo que
precisar, Grazi.
Quero bater nele! Quero segurá-lo pelos
cabelos e perguntar o que pensa que está
fazendo, mas que direito eu tenho? O que sinto
por ele não me dá o direito de pensar que é meu.
Então tomo a taça que ele me oferece de sua mão
e a viro de uma vez.
— Devagar com isso, meu anjo — adverte
tirando-a da minha mão já vazia.
Sorrio. O vinho fazendo minha cabeça
girar.
— Então está tudo resolvido, a ex fica na
sua casa! Para qual quarto você vai levá-la? Quer
saber? Nem quero saber. Boa noite para vocês e
seus quartos de hóspedes malditos!
Tim se desculpa com ela enquanto saio
pela mesma porta em que entrei. Ele me alcança,
posso ouvir sua risada enquanto segura meu
cotovelo. Ele me gira deixando-me de frente
para ele e segura meus braços para que eu não
me afaste.
— Onde você vai? O que veio fazer aqui?
— Tanto faz! Você não precisa de mim
aqui, sua amiguinha com garras te fará
companhia, eu sabia que ia acabar assim. Ela é a
próxima da lista, eu fui mais uma na sua lista,
mais uma na sua cama, que idiota eu fui.
Tento me soltar de seu aperto, mas ele não
permite.
— Do que você está falando, Sabrina?
— Onde ela vai dormir?
— Que diferença isso faz?
— Toda! — grito. — No seu quarto do sexo?
Nós sabemos o que acontece lá. Na sua cama?
Você disse que só eu dormia na sua cama!
— Você ficou tonta? Tão rápido!
— Não estou tonta! Tire suas mãos de mim!
Ele me solta, seu sorriso ficando cada vez
maior, acompanhando a dor em meu peito. Ele
vai passar a noite com ela. Enquanto estarei
chorando na minha cama em posição fetal.
Como eu já havia previsto, se apaixonar é uma
merda!
A porta da frente abre e a senhorita garras
aparece. Olha a proximidade entre Tim e eu com
uma careta.
— Está tudo bem aí? Você precisa de
alguma coisa, Martim?
— Tudo bem, Grazi, você pode tomar um
banho se quiser, deixe as malas na sala que eu
subo com elas depois. Há um quarto pronto,
minha mãe dorme nele de vez em quando, é a
segunda porta do corredor, você pode se
acomodar lá.
Ele não a mandou para o quarto do sexo,
nem para o quarto dele. Sorrio, sentindo-me
vitoriosa.
— Você vai a algum lugar? — ela pergunta
para ele, olhando-me de cara feia.
— Vou apenas levar minha amiga em casa.
Isso é, se ela não se importar.
Seus olhos buscam os meus e praticamente
me lanço sobre ele.
— Estou tonta, você precisa me levar.
— Não vou demorar — promete a ela
enquanto me joga nos ombros e me deposita no
carro.
Fico observando a cara fechada dela
enquanto ele sai com o carro e alguma coisa me
diz que essa mulher vai me dar trabalho. Está
aqui porque quer reatar com o ex e eu sou seu
empecilho. Bem, não mais. Fui eu quem
terminou com ele. Fui eu quem recusou seu anel,
ele não tem mais qualquer relacionamento
comigo. O que eu fiz?
Resmungo ao seu lado no carro, durante a
viagem silenciosa, quero chorar, mas meus olhos
queimam e as lágrimas não saem.
— O que você foi fazer na minha casa,
Sabrina? — ele pergunta um tempo depois.
— Além de atrapalhar sua noite?
— Você atrapalhou a minha noite mais
cedo, na confeitaria. Acredite em mim, nada vai
me machucar mais do que isso.
Viro-me no banco e o encaro seu perfil. A
barba que amo quando roça minha pele, os
lábios que me fazem pegar fogo, até as mãos que
constantemente buscam um pedaço meu.
— Sinto muito.
— Você foi lá se desculpar?
— Também.
— Não quero suas desculpas. Você não tem
que se desculpar por dizer o que pensa, não é?
— Não.
Quero dizer tantas coisas, dizer que o amo,
que estou em pânico com essa mulher em sua
casa, que ele deveria dormir comigo esta noite,
mas nada sai. Minha cabeça gira, meu peito dói e
só quero chorar. Viro-me pra frente de novo e
tudo o que me vem à mente é essa mulher em
sua casa.
— Pensei em ficar aqui — a imito com uma
vozinha anasalada. — Ela não tem dinheiro para
pagar um hotel?
Ele me olha de relance e sorri.
— Eu sou a ex dele — a imito de novo. —
Por que ela me disse isso? Por que não dizer que
é sua amiga? Eu não gosto dela.
— Ela é uma boa pessoa, Sabrina.
— Ela foi o seu primeiro amor, não foi? A
única namorada que você teve.
Ele assente.
— Por que vocês terminaram?
— Porque eu a pedi em casamento e ela foi
embora para Londres no dia seguinte.
Eu poderia começar todo o discurso que se
forma em minha mente sobre o quanto ela não
vale nada, mas então sua confissão recai em
mim. Ele me pediu em namoro e olha onde isso
terminou. Eu não fui muito melhor do que ela
com ele.
— Tim...
— Eu não a amava, estava muito
apaixonado, mas não era nada comparado ao
que sinto por você, então não machucou tanto.
Eu superei rápido, é o que quero dizer.
Tiro o cinto e tento segurar sua mão.
— Tim...
— Se você não tem nada para me dizer,
pode descer. Estamos na sua casa.
Olho pela janela a minha casa atrás de mim
e não quero descer. Não quero que ele volte para
ela. Por que não consigo dizer que o amo e pedir
que fique comigo? Por que não consigo?
— Você quer me devolver esse anel? —
pergunta quando fico tempo demais de boca
aberta sem conseguir dizer nada, ao notar o anel
em meu dedo. — O protejo com o braço
imediatamente e nego com a cabeça. — Então o
que você quer?
— Eu quero que você entre e durma comigo
— confesso.
Ele parece surpreso no primeiro momento.
Observa-me por alguns segundos que parecem
interináveis. Eu só preciso que ele desça e fique
comigo. Então ele leva as mãos ao rosto, como se
fosse difícil demais para ele tomar uma decisão.
— Você não pode, não é? Não pode deixar a
sua ex sozinha na sua casa.
— Eu não posso, meu anjo — confirma,
virando-se de frente para mim no banco. — Mas
é porque não posso mais fazer isso. Você tem
todo o poder de me destruir, Sabrina, e não
posso mais deixar. Não posso mais nos manter
nesse círculo vicioso, você entende? Ser o amor
da sua cama não é suficiente para mim. Isso
entre a gente acabou.
— Mas eu...
— Desça, meu bem. Vá para sua casa, deite-
se em sua cama e descanse.
Volto a me ajeitar no banco, meus olhos
ardem mais do que posso suportar, ligo o rádio e
uma música agitada está tocando, mas ela não
combina com meu espírito. Mudo a estação para
uma música lenta. As lágrimas descem por meus
olhos enquanto me preparo para descer. O que
mais eu deveria fazer?
Eu deveria dizer que o amo. Mas está
doendo tanto que não consigo. Não consigo dizer
nada quando abro a boca, só consigo sentir essa
dor. Por que o amor dói? Por que não é mais
fácil que duas pessoas se comuniquem quando
compartilham de um sentimento tão íntimo?
Meus ombros sacodem com a dor, ela está
me tomando e as mãos de Tim me tocam de
repente.
— Ei, o que foi? Por que você está
chorando? Sabrina...
Ele me puxa para seus braços, seu cheiro
delicioso preenche meus sentidos, o calor da sua
pele é tudo o que eu preciso agora, mas não
assim. Não quando ele pensa que estou
brincando com ele. Não quando eu não consigo
dizer que o amo.
Afasto-me dele e desço do seu carro. Corro
até minha casa, reviro a maldita Nárnia em
busca da chave, mas minha mãe me salva
abrindo a porta. Então passo por ela e vou até
meu quarto. Jogo-me sobre minha cama e choro.
Choro até que não suporte mais, até que não
existam mais lágrimas. Choro por tudo. Cada
coisa parece me machucar agora, como se eu
nunca tivesse estado tão frágil. Porque nunca
estive. Porque o amor tem esse poder sobre
mim, ele me deixa frágil. Anoto isso em um
caderno qualquer, o amor não é a coisa linda que
Tim pinta.
Mamãe tenta falar comigo, mas desiste
quando digo que Tim não vai voltar. Ela
entende. E assim que consigo parar de chorar,
ligo para Ayla. Não é a maneira certa de contar a
ela, mas preciso dela.
— Sabrina, por que está me ligando essa
hora? O que foi?
— Você pode chorar comigo?
— O que aconteceu?
— Não quero falar.
— Está doendo tanto assim?
— Nunca doeu tanto. Eu não sei o que
fazer.
— Estou indo aí.
— Não! Por favor não saia de perto dele, eu
quero ficar sozinha. Mas não sozinha, você
entende?
— Por que a gente não canta?
— Isso! A música de corno, vamos cantar
ela.
— Tudo bem, Sabrina, você sabe que estou
aqui e seja o que for você vai encontrar um jeito
criativo de resolver, porque essa é você. Agora
comece a cantar pra eu saber de qual música de
corno você está falando.
Respiro findo e começo:
— “E se eu despir minha alma será que
também te excita? Às vezes o amor se disfarça
embaixo dos lençóis, reflita.”
Ayla me companha em seguida, então
cantamos uma música, e outra, e outra. Ela não
para nem quando alguém no hospital chama sua
atenção. E acabo adormecendo.

Alguns dias depois, não tive qualquer


notícia de Tim. Ele não me ligou, não votou à
confeitaria e como não trabalho mais na
Reymond, não o tenho visto. De forma que o que
mais dói no momento é a saudade que sinto
dele. Não tenho tido apetite, não tenho dormido
direito, não consigo me concentrar em um filme
sequer e só escuto músicas tristes. E ele disse
que o amor não me mudaria. Mentiroso!
— Sabrina, você me traz outro desse
brigadeiro, por favor? — pede Maya com seus
olhinhos pidões tirando minha concentração da
fossa em que me encontro.
— Não conte para a Ayla, mas você faz
doces melhor do que ela — confessa Liah.
Sirvo mais brigadeiros às duas enquanto
finjo não ouvir meu celular tocar pela sexta vez
hoje. É o meu pai, mais uma vez. Ultimamente
não tenho tido vontade de conversar com
ninguém, exceto Ayla e minha mãe. Ajuda o fato
da Ayla passar algumas horas de seu dia comigo
na confeitaria, e de minha mãe trabalhar
comigo. Também contratamos uma caixa para
ajudar a mamãe.
Atena surge com Sofia, e enquanto a avó
deaAyla vai à cozinha falar com minha mãe,
Atena e eu nos sentamos à mesa com as gêmeas.
— Como você está, querida? Parece muito
cansada — Atena comenta preocupada.
— Cansada, é essa transição da empresa
para a aconfeitaria, estou cozinhando sozinha e
cuidando da loja. Eu fico um pouco cansada.
Quero perguntar se ela tem falado com
Tim, se a ex com garras ainda está hospedada na
casa dele. Se ele a mudou de quarto, mas não sei
como puxar assunto. Ainda bem que ela o faz
por mim.
— Nas últimas vezes em que estive com o
Tim ele falou muito de você. Vocês estão bem
próximos, não é?
Escondo o rosto nas mãos querendo
chorar. Como conto a ela que estraguei tudo?
— Nos tornamos bons amigos — é o que
digo.
— Acho que meu filho não sabe disso,
então.
Seus olhos buscam a verdade nos meus.
— Não sei do que está falando.
— Cada vez que nos falamos, a cada dez
palavras dele, nove são o seu nome.
Um sorriso involuntário surge em meu
rosto, mas percebo os olhos de Liah sobre mim e
disfarço.
— Você tem falado com ele esses dias?
Digo, na última semana?
Passeio o dedo pela mesa, na intenção de
não demonstrar o quanto estou ansiosa por sua
resposta. E o quanto a temo também.
— Sim, nos falamos ontem, eu jantei com
ele e com a tal amiga dele.
— Então ela ainda está na casa dele? Essa
criatura pretende morar com ele ou quê? Atena,
você bem podia indicar um bom hotel para ela,
eu consigo um bem barato se o problema dela
for dinheiro! — Atena está sorrindo quando
finalmente paro de falar, então preciso me
corrigir. — Enfim, tanto faz. Disse isso para o
caso de ela o estar incomodando.
— Acho que ele não está incomodado.
— O que ele disse? Eles voltaram então? —
minha voz soa tão chorosa que Liah se certifica
que não estou mesmo chorando.
— Acalme-se, querida. Como eu estava
dizendo, jantamos juntos ontem. Ele não parou
de falar de você, da sua comida, das suas manias
estranhas, do sucesso da abertura da confeitaria.
A tal Graziela até tentou mudar de assunto, mas
eu só precisava dizer Sabrina e ele se acendia
como uma árvore de natal falando de você sem
parar.
Sorrio.
— Você não gosta da ex dele — observo.
— Digamos que gosto muito mais da atual
— responde piscando para mim. — Não sei, não
que eu a conheça o bastante para saber quem é,
mas ela me parece estranha, como se tivesse
garras prontas para serem cravadas no meu
filho.
— Atena você é minha gêmea de
pensamento! Por que ela ainda está lá?
— Se a incomoda tanto, peça a ele que a
mande embora.
— Não posso, eu terminei tudo com ele.
Quer dizer, eu nunca estive apaixonada e isso
está fritando meu cérebro. Não consigo
raciocinar direito, eu não sei o que fazer.
Ela segura minha mão que agora quase
fura um buraco sobre a mesa, sua voz é calma e
maternal ao dizer: — Aprendi recentemente que
não sou tão boa com amor como pensei que
fosse, mas eu sou boa em sofrer por ele. Você
está indo por esse caminho também. Há coisas
que são simples de serem resolvidas, Sabrina. Eu
poderia te dar um milhão de conselhos sobre o
que fazer, mas nenhum deles vai importar.
Porque você vai fazer o que seu coração pedir e
nada mais. Então pare de fingir que não pode
ouvi-lo.
— Esse foi um bom conselho.
Assim que Atena e Sofia vão embora, após
as gêmeas convencerem a avó a deixá-las ficar
um pouco mais mexendo no tablet que Eros deu
a elas. Liah se aproxima com seus pequenos
olhos verdes avaliadores.
— Você e o Tim estão namorando —
comenta.
— E você não pode contar isso a ninguém.
Promete de dedinho.
Estendo meu dedo diante de Maya que
sorrindo, cruza seu dedinho com o meu e o beija
em seguida prometendo manter segredo. Mas
claro que com Liah, a gêmea má, não seria tão
fácil.
— O meu silêncio terá um preço — Liah
decreta quando estendo o dedo diante dela.
— Jura? Você tem quantos anos, Liah,
vinte? Você não tem idade para chantagear
ninguém.
— Não me superestime, querida.
— Você quis dizer subestime.
— Isso.
— O que você quer?
— Brigadeiros de graça todos os dias.
Mesmo quando a vovó disser que não podemos
comer.
— Tudo bem, eu forneço os brigadeiros e
você fornece o seu silêncio eterno.
— Eu juro juradinho — responde
finalmente cruzando o dedinho com o meu.
Assim como Maya, ela o leva a boca e beija.
Então me abraça com um sorriso enorme de
quem saiu vitoriosa de uma negociação difícil.
— Você é a gêmea má, sabia? — comento
para provocá-la.
— Eu sou a gêmea esperta.
— Nem tanto, poderia ter pedido qualquer
coisa que eu daria, e você pediu brigadeiros.
Ela dá de ombros saindo do meu colo.
— É o que estou com vontade de comer
agora, e estarei pelos próximos dias. Eu vivo o
momento.
— De onde você tirou isso, pirralha?
— De um livro de romance no quarto da
Ayla. Estou aprendendo a ler, eu não te contei
antes, não é?
Levo as mãos ao rosto e me levanto à
procura do meu celular. Preciso ligar para Ayla,
Liah não pode ter acesso aos livros de romance
da irmã. Enquanto a ligação chama, Liah tem
seus olhinhos sorridentes cravados em mim.
— Liah, cuidado com os livros da sua irmã!
Você com acesso à leitura é um perigo pra
humanidade. Alô, Ayla, você precisa recolher
seus livros da casa da sua avó urgentemente!

Seguindo o conselho de Atena, escuto meu


coração. Acordo com uma saudade tão grande de
Tim, que só começo a pensar na desculpa para
estar onde estou depois que já entrei no elevador
da Reymond.
— O que posso dizer a ele? Por que é tão
difícil dizer que o amo se eu já sei disso?
Assim que saio do elevador, dou de cara
com a ex com garras, ela está sentada na mesa
que era da Louisa, e avalia alguns papéis
concentrada.
— Eu só posso estar tendo um pesadelo.
— Sabrina, que bom vê-la! — Andrea me
cumprimenta me prendendo em seus braços,
mas logo nota onde meu olhar se fixou e me guia
até a copa.
— O que ela está fazendo aqui? — pergunto
a Andrea.
— É a nova assistente do chefe.
Meu peito reage como se houvesse levado
uma cutucada, a dor chega a ser física.
— Desde quando?
— Poucos dias. — Bruna responde
entrando na copa. — Eles são amigos de longa
data, o chefe disse. Mas ela disse que são
namorados. Ninguém entendeu nada porque
todo mundo sabe que ele está com você.
— Pare de falar, Bruna, eu vou morrer.
Sento-me em uma cadeira e sinto o chão
sob os meus pés se desfazer. Onde isso vai
parar?
— Ela não é boa pessoa, Sabrina, —
comenta Andrea. — Eu a conheci da primeira vez
que trabalhou aqui, é ambiciosa e meio malvada.
Tim tinha uma amiga muito próxima aqui
dentro na época, ela era casada, eram apenas
amigos. Mas a Grazi não descansou enquanto
não a colocou na rua. Ela fez com o que o Tim
cortasse qualquer contato com a amiga. Ela o
privava de ver qualquer mulher, o afastou dos
amigos e até do irmão. Depois foi embora e o
deixou arrasado. Logo ele se recuperou e se
transformou nesse Tim que você consertou.
— Isso não é nada bom — comento
sentindo a respiração pesada, o peito ainda mais
pesado, a cabeça começando a doer.
Conversamos por mais alguns minutos e
decido ir embora. Não adianta tentar falar com
ele aqui, não com ela por perto. E preciso de algo
nosso, um momento só nosso, onde eu possa
agir como uma maluca na tentativa de controlar
meus pensamentos e sentimentos. Onde ele
possa me entender sem interferência.
Andrea me acompanha até o elevador, e a
ariranha com garras ainda sorri para mim
quando passo por ela. Não é um sorriso
amigável, ou eu estou com tanto ciúme que estou
imaginando que ela me mostrou os dentes ao
invés de sorrir.
— Eu vou ficar louca — observo baixinho
enquanto Andrea ainda fala.
Me despeço dela quando escuto o elevador
e ao me virar para ir embora, trombo com tudo
em Tim. Ele me segura em seus braços e espera
eu me equilibrar. Seu sorriso é tão lindo quando
nossos olhares se encontram! Seus olhos têm
aquele brilho que o deixam ainda mais belo e seu
cheiro me acalma instantaneamente.
— Você está bem? — pergunta ainda com
um sorriso bobo no rosto.
Apenas assinto. Estou com tanta saudade
dele que nem sou capaz de falar.
— O que está fazendo aqui?
— Eu vim... — tento, mas qual era a
desculpa mesmo? Desde quando os olhos dele
são tão lindos assim? E seu sorriso?
— Tim, que bom que voltou! — a voz da
ariranha chama sua atenção, quebrando o
contato dos nossos olhos. — Você precisa revisar
isso com urgência.
Ele me solta, olha para mim por um tempo
e depois para o papel que a ariranha exibe diante
dele.
— Você já está indo?
Assinto, sorrio para Andrea e passo por ele,
mas ele segura minha mão.
— Você está com muita pressa? Pensei que
já que está aqui poderia fazer um café e talvez...
— Claro! Eu faço um café para você, você
vem comigo para a copa?
Ele observa mais uma vez o papel que a
insistente ariranha quase enfia em seu rosto e o
pega da mão dela.
— Eu já vou analisar isso, Grazi, obrigado.
Então deposita a mão em meu ombro e me
guia até a copa.
Senta-se em uma mesa e passa os olhos
pelo papel enquanto preparo o café, e como eu
havia imaginado, não há nada de errado com o
documento.
— Então, sua amiga vai morar na sua casa?
— pergunto como quem não quer nada.
— Ela irá embora em breve, assim que
achar um bom apartamento.
— Tem tantos na cidade! Ela ainda não
achou nenhum? Tem certeza que está
procurando?
Ele sorri. Deixa o papel de lado e seus olhos
buscam os meus enquanto sirvo o café e me
sento com ele.
— O que você veio fazer aqui, bruxinha?
Quem diria que ouvir esse apelido que
antes me irritava tanto, iria me deixar tão feliz?
Abro a boca para responder, quando a ariranha
surge. Ela fala sobre o contrato, sobre outro
contrato, sobre uma reunião que eles têm em
meia hora, destacando que irá acompanhá-lo em
cada segundo. Acho que não é impressão minha,
ela quer mesmo me irritar. Tomo o café
pausadamente prestando atenção ao que diz e
como age em volta dele, e então olho para ele,
enquanto a responde, toma seu café e seus olhos
se mantém fixos em mim. Sorrio, ele sorri de
volta.
Assim que a ariranha para de falar por um
segundo, ainda que seu assunto não esteja
terminado, interrompo.
— Tim eu vim aqui convidá-lo para jantar.
Ele se surpreende com meu convite e
minha interrupção.
— Quando?
— Amanhã à noite.
— Onde devo encontrá-la?
Nego com a cabeça.
— Eu irei buscá-lo, onde está a chave do
seu carro sport?
Ele sorri, é um sorriso tão grande e tão
quente, que me sinto aquecer imediatamente.
Como se toda preocupação em minha cabeça
sumisse de repente. Tira a chave do bolso e a
deposita em minha mão.
— Você adora esse carro — observa.
— Adoro tudo que tem a ver com você —
respondo sem pensar e sinto meu rosto queimar
quando seus olhos se fixam em minha boca e seu
sorriso aumenta.
— Você vai me levar para casa esta noite
então, certo?
— Claro, eu te dou uma carona! —
confirmo.
— E para mim também! — a ariranha se
intromete na conversa sentando-se entre mim e
Tim, fazendo questão de manter suas mãos na
frente de nossos olhos, de forma que nosso
contato visual é mais uma vez quebrado. — Eu
gostaria de provar sua comida, Sabrina, o Tim a
elogia tanto! Será que eu poderia ir amanhã
também?
Encaro essa mulher que vem trabalhar com
roupas tão ousadas e sorrio docemente.
É
— Não, querida, sinto muito. É um jantar
para dois.
Seu sorriso fingido praticamente cai. A
careta que faz em seguida seria engraçada, se
não fosse assustadora. Uma pena que Tim não a
esteja vendo, pois, seus olhos ainda buscam meu
rosto.
— Mas o Tim não pode me deixar sozinha
em plena sexta à noite — tenta olhando para ele.
— É só uma noite, Grazi, vá ver seus
amigos, sua família, saia um pouco também.
Me incomoda que ele precise dar
satisfações de suas noites para ela. Me despeço
dos dois e vou embora em seu carro. Preciso
planejar tudo, ele planejou as duas noites mais
lindas que já tive, preciso estar à altura.
A loja ao lado da confeitaria está fechada,
consigo o telefone do dono e o convenço a alugá-
la por apenas uma noite para mim. Decido o
cardápio, encomendo as velas e com a ajuda da
minha mãe, carregamos uma mesa e duas
cadeiras para lá. Termino de limpar enquanto
mamãe fecha a confeitaria e acabo me atrasando
para buscar Tim.
Penso que ele já deve ter ido embora, já
que estou no mínimo meia hora atrasada, mas
ele está sentando em frente a Reymond
conversando e rindo com a ariranha. Respiro
fundo ao parar o carro e buzinar para que
entrem. Tim abre a porta de trás para ela e até
isso me incomoda. Ele se senta ao meu lado e me
desculpo pelo atraso, ele observa a poeira em
meu rosto, o nó torto no cabelo, o macacão sujo
e apenas sorri.
— O que você estava fazendo? — pergunta
curioso.
Antes que eu tenha a chance de responder,
a ariranha começa a falar. Ela comenta como
quem não quer nada sobre um jantar que foram
com Nico e Tulio, depois sobre uma noitada dos
dois em Veneza em uma viagem a trabalho, ela
envolve Tim em lembranças e mais lembranças
enquanto deixa claro para mim que a história
dos dois vai além de um mero conto. Foi algo
forte, foi além das paredes da empresa, além das
paredes do quarto dele, e ela está disposta a
fazê-lo reviver cada segundo dessa história.
Ela desce do carro sem ao menos se
despedir quando chegamos e eu devia prever
que havia um motivo para isso. Desço com Tim
para nos despedirmos, explico que estava
reformando um lugar sem dar maiores detalhes
e por isso o cabelo e roupa tão sujos. Quero
beijá-lo agora e dizer que o amo, mas quando
dou um passo para mais perto dele, Graziela
surge na porta da frente usando apenas um robe
de seda que deixa o contorno de suas tetas
perfeitamente à mostra. Claramente ela não usa
nada por baixo dele.
— Tim, o chuveiro do meu quarto não está
esquentando, você pode me ajudar? — pede com
uma voz manhosa.
— Já vou, Grazi — ele responde olhando-a
rapidamente e volta o olhar para mim.
A ariranha some pela porta e começo a me
desesperar. Eu sei bem onde essa ajuda vai
acabar.
— Você está bem? — Tim pergunta
preocupado com minha expressão.
Assinto, ele então me dá um beijo na testa
e me deseja boa noite, indo em direção as
escadas. Juro que não penso, só sei que ele não
pode entrar lá. Não com essa ariranha seminua
esperando por ele. Eu sempre fui tão racional,
que sentimento é esse que queimou meu
cérebro? Sem conseguir pensar, apenas ajo. Me
jogo em suas pernas e as seguro, praticamente
sento em seus pés e abraço suas pernas. Ele se
desequilibra e cai.
Olha para mim assustado, penso que vai
me achar mesmo uma louca e desistir de vez,
mas ele ri. Ri alto, cobre os olhos com o braço e
ri. Acabo rindo também. O quão ridículo é isso?
Por que não posso olhar para ele e dizer que o
amo apenas? Por que o ciúme me trava tanto?
Solto suas pernas e ele se senta, eu
continuo sobre seus pés e não pretendo sair até
que a ariranha se contente com um banho frio.
— Isso tudo é para que eu não olhe o
chuveiro dela?
— Ah, por favor! Quantos banheiros há
nessa casa? Ela não pode tomar banho em
outro?
— Sabrina, você está com ciúme de mim?
Dou de ombros, olhando para os lados
enquanto escuto sua risada.
— Ei, olhe para mim e responda — ele
insiste.
Olho seus olhos divertidos e assinto, rindo
com ele da minha confissão.
— Eu nunca senti ciúmes antes, não me
julgue! — ralho.
— Não estou, meu anjo. Achei que você não
fosse uma amiga ciumenta.
— Não sou, mas descobri que sou...
— Tim, você não vem? — Graziela ariranha
me interrompe antes que eu consiga me
declarar. — O que houve? Você está bem?
Ela vem em direção a ele, mas ele estende a
mão, fazendo-a parar onde está.
— Estou bem, não há necessidade de vir até
aqui, Grazi. Há cinco banheiros nessa casa, você
pode tomar banho em qualquer outro, por favor.
Ela observa um pouco mais a estranha
cena, Tim e eu no chão, enroscados, próximos
demais um do outro. Então sai cabisbaixa e fico
observando a janela do quarto de Tim, porque
sei que é lá que essa vaca vai tomar banho.
Assim que ela acende, aponto para ela, Tim
segue com o olhar a direção do meu dedo.
— Ela é perigosa! — aviso.
Ele ri alto e se levanta, rompendo nosso
contato. Me ajuda a levantar e ainda tem um
sorriso no rosto quando pergunta: — O que você
estava dizendo?
— Nada, eu te falo amanhã no jantar, pode
ser?
Ele assente. Deposito um beijo no canto de
sua boca e me despeço dele. Entro no carro, faço
a volta e até o momento em que saio de seu
quintal, ele ainda está parado no mesmo lugar
olhando para mim.

Vou ao hospital na manhã seguinte falar


com Ayla. Não posso fazer um jantar romântico
para Tim e pedi-lo em namoro sem que minha
melhor amiga saiba disso. Já escondi demais
isso dela, e temo que vá ficar realmente chateada
quando se der conta que esse tempo todo a
pessoa a quem tenho tentado esconder é o ex
amor de sua vida. As palavras de Ulisses voltam
para me assombrar enquanto caminhamos até o
elevador.
Pedi a ela que conversássemos lá embaixo,
no nosso cantinho de sempre do lado de fora.
Ela olha para os lados e parece preocupada com
algo.
— Ayla, você está bem?
— A maldição dos dois meses — é tudo o
que diz.
— É hoje?
Talvez eu deva cancelar o jantar para ficar
de olho em minha amiga e suas turras marcadas
com o universo.
O elevador para em nosso andar, mas por
algum motivo, as portas não abrem. Esperamos
um pouco e ele vai embora. Pouco depois, o
elevador ao lado para e as portas abrem com um
barulho estranho.
— Acho que não quero entrar em um
elevador com você no dia da maldição — aviso.
— Então vamos pelas escadas — ela sugere
já indo em direção a porta da escadaria.
Pegamos a portinha ao lado e vamos
descendo enquanto ela me pergunta o que
preciso dizer.
— Tem a ver com sua crise de choro na
outra noite? — pergunta curiosa e confirmo.
— Sim, pare de fazer perguntas e preste
atenção nesses degraus! — ralho, mas é tarde
demais.
Quando estou terminando de dizer isso, ela
some da minha frente ao escorregar e cai com o
pé em uma posição estranha.
— Ayla!
Corro até ela e verifico que com toda
certeza seu pé está quebrado. Tento levantá-la,
mas ela sente muita dor, então corro de volta
pelas escadas para pedir ajuda.
Ayla é medicada, seu pé é engessado e uma
bolsa com roupas e coisas para as próximas duas
semanas é colocada no quarto de Eros. Ela tem
que fazer repouso, e nem por um segundo pensei
que o faria em outro lugar que não fosse ao lado
do marido dela. E agora a entendo muito melhor
do que antes. Eu faria a mesma coisa se a
situação fosse contrária. Volto para casa quando
Atena chega para ficar com ela e praticamente
me manda ir embora, e até penso em cancelar o
jantar, mas encontro com Tim na entrada do
hospital e ele diz que está ansioso por esta noite.
Então decido fazer tudo e contar à minha amiga
depois.
Detesto essa situação pois parece que estou
escondendo algo dela de propósito, e não que foi
difícil aceitar isso até para mim mesma, para que
só então eu pudesse contar a alguém.

Tudo está pronto na loja ao lado. Corro até


em casa antes de fechar a confeitaria para me
arrumar. Verifico mais uma vez o jantar assim
que volto para a loja, dispenso mamãe que me
deseja boa sorte e estou prestes a fechar a
confeitaria quando alguém entra.
Observo Graziela Ariranha avaliando
minha confeitaria sem entender o que está
fazendo aqui. Cruzo os braços e espero que diga
algo, ela sorri aquele sorriso falso e continuo
esperando. Por fim, perco a paciência.
— Graziela, querida, achei que você não
havia sido convidada para este jantar.
— Só vim te dar um aviso, doceira. Martim
Reymond é meu! Eu fui o seu primeiro amor e
serei o único. Estou disposta a qualquer coisa
para tê-lo de volta e nem você, nem ninguém vai
me impedir de conseguir isso, eu fui clara?
Sorrio em resposta, o que parece irrita-la.
— Bem clara, ficou claríssimo o quão louca
você está. Tim nunca foi e nunca será seu. Se
andar seminua por sua casa não foi o bastante
para ele olhar para você, já deveria ter entendido
que isso não vai acontecer.
Seu sorriso em resposta deveria me
assustar, é o sorriso genuíno de uma verdadeira
bruxa.
— Meu único empecilho no momento é
você, não é um grande empecilho, já que vocês
mal se falam. E o Tim tem esse defeito, ele gosta
de contato. Ainda bem que eu estou lá todas as
noites para consolá-lo por cada vez que ele olha
o telefone e seu pequeno empecilho não ligou.
Essa é a chave do carro dele? — pergunta
apontando a chave sobre o balcão.
— O que você quer, Graziela? Se veio me
ameaçar sinto dizer que não vai fazer a menor
diferença para mim. A menos que o próprio Tim
diga que não quer nada comigo, eu estarei com
ele. Você não me assusta.
— Onde você irá levá-lo esta noite?
— Não é da sua conta.
Fecho as portas de acesso da loja, e entro
na cozinha para pegar minha bolsa e casaco, é aí
que a bruxa age. Sempre que vou fechar a
confeitaria, tranco a porta da cozinha por fora e
levo a chave. Fazia isso mesmo quando era
apenas uma funcionária aqui, pois é lá que fica a
salinha do cofre. No momento em que entro no
cômodo, a ariranha tranca a porta por fora.
Imediatamente, começo a bater.
— Sua maluca, o que pensa que está
fazendo?
— Fica calma, Sabrininha. Imagine você a
reação do nosso Tim quando eu buscá-lo em seu
carro ao invés de você, levá-lo para jantar e
contar a ele que nós duas combinamos isso. Que
você foi sua amiga e armou esse jantar para que
nós dois fizéssemos as pazes porque você não
compartilha os sentimentos dele. Ele vai ficar
desolado! E claro! Vai atender o pedido da
amada dele. É o seu fim, Sabrina.
— Graziela, não faça isso! Abra essa porta,
eu vou chamar a polícia! Graziela!
Busco minha bolsa e procuro o celular, mas
ele ficou sobre o balcão, ao lado da chave. Volto
a bater na porta e gritar como uma maluca, mas
sei que ninguém irá me ouvir. A confeitaria está
fechada, exceto a porta de funcionários.
Ninguém vai me ouvir aqui.
Sento-me no chão enquanto como os
brigadeiros da manhã seguinte. Uma dúzia
deles.
— Ela vai ficar com meu Tim. Devem estar
jantando agora e eu presa aqui. Ele vai ficar tão
sentido! Vai achar que essa foi minha resposta
final, que a cosia importante que eu queria dizer
a ele era adeus.
Então me levanto e fico andando de um
lado a outro.
— Tim, você tem que ser muito burro para
cair da lábia dela. Você me viu corroer em
ciúmes, eu não a mandaria no meu lugar!
Então a crise de choro.
— Estar apaixonada é muito ruim! Por que
você fez isso comigo, Martim? Por que você não
me encontra aqui? Que amor é esse incapaz de
me rastrear?
E por fim, me dou conta que nesse
momento os dois estão em um jantar, em algum
restaurante caro, provavelmente algum onde
tenham lembranças lindas. Ele está ferido
demais comigo e ela vai aproveitar disso para se
aproximar dele. Então me dou conta que a vilã
malvada armou para mim. Ela armou para
separar o casal principal, como em uma novela.
E eu sou a protagonista.
— Eu sou a protagonista! — admito com
espanto. — Tim é meu príncipe encantando e a
vilã vai vencer justo na novela da minha vida.
Que merda!
Constatar que sou a protagonista dessa vez
e não a expectadora como sempre, faz o que
sinto por ele ser mais fácil. Faz tudo fazer
sentido. Exime todos os meus medos bobos. Era
para ser assim, exatamente como foi, tínhamos
que nos aproximar daquele jeito, ele tinha que
ser tão safado e atencioso como foi, e eu...
— Eu poderia ter sido menos medrosa.
Pobre Ayla, sou uma protagonista derrotada.
Então recomeço a chorar.
Não sei há quanto tempo estou aqui
dentro, imaginando o final feliz daqueles dois.
Imaginando o que vou fazer no momento em
que receber o convite de casamento deles. O
show que vou dar quando o padre perguntar se
há alguém contra que fale agora ou se cale para
sempre. Posso me imaginar invadindo seu
casamento, entendendo que eu nunca seria a
noiva, me convertendo na real vilã da minha
própria novela.
— Estou ficando louca. Os dois estão juntos
agora, estão fazendo amor na cama dele e meu
cheiro vai sumir de lá. Eu vou sumir dele.
Ligo o rádio velho que fica na cozinha e
deixo nas músicas lentas internacionais. Sento-
me nas escadas e fico aqui, imaginando a noite
maravilhosa que Tim vai ter com outra mulher.
O amor deveria ser mais do que ter medo e
sentir dor. Deveria ser como uma luz que se
acende quando o outro precisa e o guia direto até
seu par. Deveria ser o alívio para momentos
como esse.
— Sabrina, você está aqui?
Será que estou mesmo ficando louca?
— Sabrina!
Levanto-me imediatamente, desligo o rádio
para ser ouvida e bato na porta.
— Tim! Estou aqui! Me ajude!
Ele destranca a porta e a abre e quase caio
em seus braços.
— O que aconteceu? O que está fazendo aí?
Apenas o abraço sem conseguir responder.
— Você já jantou? Já acabou o seu jantar?
Ele segura meu rosto, certificando-se de
que estou bem antes de responder.
— Eu não jantei. Na verdade, vim atrás de
você por isso, eu não entendi nada, Sabrina.
Você me dá um fora, então aparece na minha
casa e tem crises e ciúmes da minha ex. Depois
você me chama para esse jantar e manda a
Graziela no seu lugar? Isso não fazia sentido! Ela
me buscou na empresa, achei que era algum
plano maluco seu para dar uma lição nela,
apenas por isso fui com ela. Mas então ela me
levou ao único restaurante que você jamais me
levaria e eu soube que havia alguma coisa
errada.
— Ela te levou ao Rossi’s? — pergunto aos
gritos e ele confirma.
Então caio na gargalhada. Rio tanto, que
meu corpo chega a dobrar. Coloco para fora toda
a tensão, o medo, a tristeza nessa risada. Ele me
encara como se eu fosse louca.
— Sinto muito, Tim. Juro para você que
achei que estariam nus na sua casa agora. Eu já
estava planejando invadir seu casamento.
Passo por ele e bebo um copo de água.
— Mas Tim, ela o levou ao Rossi’s. — Volto
a rir. — O universo definitivamente vai com a
minha cara.
Ele está parado, tem um sorriso no rosto
com a minha reação estranha. Paro diante dele
tentando me acalmar, o que não é uma tarefa
fácil com esses olhos cravados em mim, esse
cabelo negro meio molhado e essa barba bem-
feita me lembrando a sensação de tê-la entre
minhas pernas.
Seu sorriso some e o meu também.
— O que está acontecendo, Sabrina? Por
que você a mandou em seu lugar? O que quis
dizer?
— Não, eu não mandei. Você está com
fome? Vamos ao jantar e vou te explicar tudo.
Ele nega com a cabeça.
— Não, vamos parar com isso. O que você
quer de mim, Sabrina? O que foi toda essa noite?
Suas crises de ciúmes, esse jantar, o que é tudo
isso?
Posso ver em seus olhos o quanto está
cansado.
— Tim, eu posso explicar.
— Você não faz ideia de como minha mente
está agora, eu achei que a veria em um jantar
onde você me diria a verdade sobre como se
sente, e de repente você não aparece. Você está
aqui presa e rindo como uma louca, você está
brincando comigo?
— Não! Eu sabia que minhas maluquices
ainda iam me prejudicar — ralho comigo
mesma.
— Sabrina, eu sinto muito a sua falta. Só
que não aguento mais isso! Por favor, não
brinque comigo assim.
Seguro suas mãos na tentativa de acalmá-
lo.
— Respire, Tim, por favor se acalme. Eu
não mandei aquela ariranha no meu lugar. Ela
veio aqui e me trancou aqui dentro, pegou a
chave do seu carro e me mandou ficar longe de
você. Disse que estaria lá para consolá-lo quando
dissesse a você que eu armei um jantar para os
dois.
Ele parece em choque.
— Graziela não faria isso. Eu fui sincero
com ela, disse que nunca vai haver nada entre
nós, eu disse a ela que amo você.
Sorrio com sua resposta.
— Você disse? Bem, o que você acha que
uma bruxa rejeitada é capaz de fazer? Ela veio
tirar satisfações comigo. Tim, eu não preciso de
muito para que você saiba que estou dizendo a
verdade. O que faz mais sentido para você? Eu
armar um jantar para vocês dois ou ela ter sido a
vilã da nossa história?
Ele solta as mãos das minhas e por um
segundo temo que não vá acreditar em mim.
Que vá me chamar de mentirosa e achar que
armei tudo isso para prejudicar sua preciosa
ariranha. Mas então ele se senta e assente.
— Graziela armou isso. Então onde você ia
me levar?
— Você está com fome? — pergunto
estendendo a mão para ele.
Ele pensa um pouco antes de responder.
— Senhorita, eu estou faminto — responde
finalmente tocando minha mão.
Seguro firme sua mão e o guio porta afora
até a porta ao lado. Entramos na loja vazia e
reparo bem seu rosto quando vê a mesa ao
centro, as velas, as flores.
— Eu ia trazê-lo aqui. Mas a comida esfriou
a essa hora, eu vou aquecer tudo de novo.
Corro até o fogão improvisado e aqueço a
comida, acendo as velas da mesa e apago a luz.
As velas espalhadas dão o toque especial que
precisamos. Sirvo a comida e nos sentamos de
frente um para o outro. Ele apenas me observa.
— Coma, por favor. Depois e vou te explicar
tudo, mas vamos comer.
Ele assente e nos serve. Observa a caixinha
com o anel sobre a mesa e repara que ele não
está em meu dedo, isso parece machucá-lo.
Comemos em silêncio, nos observando o tempo
todo. Ele fala apenas para elogiar a comida.
Acontece o mesmo com a sobremesa. E
conforme ela vai acabando me sinto nervosa.
Está chegando a hora de ser sincera com ele e é
um pouco difícil colocar para fora um
sentimento. As palavras se atropelam em minha
mente e não sei bem por onde começar.
— Sabrina, eu amo você. A amo como
nunca amei nada na vida, a amo mais do que
palavras são capazes de expressar, eu te amo!
Nada tem graça sem você, é como se você tivesse
se tornado a razão de tudo e eu amo que seja
você a minha razão. Eu te amo e dou a você o
direito de fazer o que bem entender comigo, mas
não brinque com meus sentimentos. Se você não
pode me amar de volta, eu entendo, acredite, eu
realmente entendo. Mas não faça joguinhos. Não
finja estar com ciúmes, não marque jantares, se
você não pode me amar de volta, se não vai me
amar com tudo o que tem, apenas me deixe em
paz.
Ele se levanta e me levanto também. Sei
que este é o momento de dizer que o amo, mas
as palavras não saem. Cubro o rosto com as
mãos pensando em como se diz a alguém o que
você sente, quando o que você sente é grande
demais para que você mesmo entenda. Como
explicar racionalmente um sentimento tão
irracional?
Ele se vira para ir embora e parece que
nada vai sair da minha boca. Até que uma coisa
sai.
— Meu nome do meio é espelho.
Ele para onde está, de costas para mim.
Vira-se devagar.
— O que você disse?
— Meu nome do meio é espelho, para tudo
isso que você disse, é o meu reflexo. Você é o
meu reflexo. Isso não está saindo como deveria.
Eu quero dizer que tudo o que você disse sentir é
o que sinto. Você tem de mim todo amor que me
dá, eu não sei como dizer que eu...
Ele se aproxima a passos rápidos, seus
olhos estão cheios e seu sorriso me faz perder o
fôlego. Segura meus braços e posso jurar que
suas mãos estão tremendo, como as minhas.
— Você está tentando dizer que me ama?
— Isso! Muito! Muito mesmo! Eu não sei
como dizer isso, mas não me deixe. Não desista
de mim, eu não vivo sem você. Eu vou aprender
como dizer isso, eu vou te mostrar isso, mas por
favor, não vá embora agora.
Ele segura meu rosto nas mãos. Uma
lágrima desce por seu rosto.
— Então diga, diga isso para mim — pede
baixinho e tudo se torna fácil.
— Eu te amo. Martim Reymond, eu te amo.
— Mas e o campo minado?
— Deixe-o, não me importam as bombas
que encontraremos no caminho se estivermos
caminhando juntos. Não temos que ser perfeitos,
só temos que estar juntos. Você quer namorar
comigo?
Ele sorri e me beija. Sua boca encontra a
minha enquanto seus braços me prendem ao seu
corpo. Seu beijo é lento, intenso, carregado de
amor. E eu senti tanto sua falta, falta de seus
toques, beijos, de seus braços, que me perco
nele. Deixo que me leve onde quer, como quer.
Deixo que me guie até o chão, que repita
baixinho em meu ouvido o quanto me ama.
Fecho os olhos e sinto. E o que sinto é tão forte
que me faz sair de mim. Mas como ele disse não
é para me sentir alguém diferente, e sim me faz
sentir completa como jamais estive. Quanto mais
ele diz que me ama, mais eu o amo.
E por esse momento, por esse sentimento,
por esses toques e sua voz sussurrando em meu
ouvido, compreendo que vale a pena qualquer
coisa. Qualquer medo, qualquer obstáculo, um
amor como esse é a maior recompensa que eu
poderia ter.
Tim
Uma vida valeria a pena apenas por este
momento, por ver seus olhos em chamas
conectados aos meus, por ver seus lindos lábios
pronunciarem o que mais quis ouvir na vida. Ela
me ama. Está pronta para assumir isso sem
qualquer medo agora. A guio devagar até o chão,
meu corpo cobrindo o seu, minha boca tocando
sua pele em cada lugar que alcança. Eu senti
tanto a falta dela que quase enlouqueci. Estico a
mão e pego a pequena caixinha sobre a mesa. A
abro com a boca e tiro de lá o anel que deveria
estar em seu dedo desde sempre.
— Agora, você é minha. Seremos um só,
não importa o que aconteça. Me prometa,
Sabrina — peço quando seus olhos se focam na
peça em minha mão.
Ela estende a mão com um sorriso, seus
olhos buscam os meus quando assente.
— Eu prometo.
Coloco o anel em seu dedo e meus lábios
nos seus em seguida. Suas mãos entram em meu
cabelo e brincam em minha nuca, mordo seu
lábio como resposta. O chão é frio e
desconfortável, talvez eu devesse levá-la para
outro lugar, mas não consigo tirar minhas mãos
dela agora.
— Eu tiro sua roupa ou a levo daqui para
outro lugar? — pergunto baixinho mordiscando
o volume de seus seios sobre a roupa.
— Tira minha roupa — responde com
dificuldade.
Seu desejo é uma ordem. Tiro minha
camisa e suas mãos ávidas passeiam por meu
corpo. Desabotoo seu vestido rapidamente,
minha boca tocando cada pedaço de pele
revelada, o puxo por seus ombros e seu corpo vai
ficando exposto para mim. Afasto-me apenas o
suficiente para deixá-la nua, assim como a mim.
Quando nossos corpos se tocam de novo não há
chão frio, nem desconfortável, há a maciez de
seu corpo, o calor de sua pele, seus lábios em
meu pescoço, suas mãos em meu cabelo e
minhas mãos tocando-a onde mais preciso estar.
Ela sussurra meu nome em desalento antes
de explodir em minha mão, e grita quando a
penetro devagar. Suas pernas me prendem
fazendo com que meus movimentos atinjam
mais fundo nela, meus dentes brincam com sua
pele, seus gritos se misturam às declarações de
amor que faz, e ela é tão minha que dessa vez
não preciso ir devagar. Não preciso ter medo de
que seja a última vez. A posiciono de costas para
mim, seus joelhos e mãos apoiando seu corpo no
chão, e posso tê-la como sempre quis, com o
desespero que ela me desperta, com a força que
irá tirar seus sentidos. Seus gritos aumentam,
seus braços cedem, nossos corpos suam e se
unem cada vez mais.
Quero dizer que a amo, mas as palavras
não saem. Da minha boca apenas gritos
escapam. Quero que venha comigo, que perca os
sentidos de uma vez, contorno seu corpo colado
no meu e a toco. E quando é demais para eu
suportar, quando não poso mais adiar, ela vem
comigo. Seu corpo cedendo, levando-me junto,
nossos gemidos se misturando e nossos corações
agitados no peito. Deito sobre ela, seu pequeno e
delicado corpo protegido pelo meu.
Ela descansa embaixo de mim e seguro sua
mão antes de perguntar: — Ainda tem
sobremesa?
Sua risada gostosa é o suficiente para
aquecer meu coração e todo meu corpo mais
uma vez.

Sabrina se mexe em meus braços antes de


abrir os olhos. Parecia tão cansada que não quis
acordá-la antes. Seus olhos marrons quentes se
focam nos meus, e ela sorri. Um sorriso tão doce
que tenho certeza que nada mais vai estragar
esse dia. Acordar com ela em minha cama é
sempre a melhor maneira de começar o dia.
— Bom dia, meu amor. Você tem dormido
tão bem nos meus braços de conchinha ao invés
de atravessada na cama — observo.
Seu sorriso se torna travesso.
— Não durmo atravessada na cama, eu não
sou louca. Foi só uma desculpa para convencer
você a não dormir comigo. Não deu muito certo.
Sorrio com sua travessura e beijo sua testa
e seios. Ela se mexe rapidamente e se levanta.
— Onde você vai? — pergunto quase
choroso.
— Fazer o seu café da manhã.
Ela toma um banho rápido, veste uma
roupa minha e para na porta antes de descer
para me avisar: — Você pode ficar na cama se
quiser, mas assim que eu vir sua amiguinha, vou
colocá-la para fora aqui. Apenas para que saiba.
Então fecha a porta atrás de si e me levanto
imediatamente.
Sabrina está abaixada quase dentro da
geladeira guardando alguns ingredientes da
maneira que acha mais fácil para pegá-los
depois. Está praticamente coberta pela porta e é
por isso que Grazi não a vê quando entra na
cozinha.
— Bom dia, Tim. Que horas você voltou?
Não o vi chegar ontem. Você simplesmente foi
embora do restaurante, levou o carro, nunca
imaginei que faria uma coisa assim. Está tudo
bem?
Deposito a xícara sobre a mesa e encaro a
bela mulher diante de mim, Graziela tem uma
expressão quase magoada no rosto, como se
fosse mesmo uma vítima da minha grosseria na
noite passada.
— Você precisa se desculpar com a Sabrina,
Graziela.
— Eu? Por quê? Você a viu? O que ela te
disse?
Antes que eu possa responder, Sabrina
bate a porta da geladeira e sorri para Graziela,
então volto ao meu café, ela dá conta disso.
— Bom dia, Graziela, querida. Não se
preocupe, eu só disse a ele a verdade. É bom que
você esteja aqui, porque eu queria muito falar
com você.
Ela dá a volta pela bancada e para bem na
frente de Graziela. Então sou obrigado a deixar a
xícara e ficar de prontidão para segurá-la caso
Graziela a aborreça.
Noto que o olhar de Grazi observa as
roupas que Sabrina usa, e sua careta mal pode
ser escondida. Como eu não percebi antes suas
reais intenções? Será que estava tão concentrado
em Sabrina, que nem via mais outras pessoas ao
meu redor?
— Eu quero que você saia da casa do meu
namorado, Graziela. Não é legal você ficar aqui
sozinha com ele, você entende, certo?
Graziela parece ultrajada com o pedido de
Sabrina.
— Claro que não entendo! Tim, você não
vai dizer nada? Essa maluca está tentando me
colocar na rua!
— Não seja dramática! — respondo. — Você
tem para onde ir, tem família, amigos, dinheiro.
Passou da hora de ter seu lugar, Grazi,
reconstruir sua vida aqui. Sabrina está certa,
somos amigos, mas essa situação é incômoda
para ela e não quero incomodá-la.
Graziela parece não acreditar em minhas
palavras. Se não tivesse feito todo esse joguinho
e trancado Sabrina na confeitaria, eu juraria que
está mesmo ferida por minha atitude. Ela se dá
por vencida, lança a Sabrina um olhar
ameaçador e se vira para sair, mas a impeço: —
Mais uma coisa, Graziela, você tem que se
desculpar com a Sabrina.
— O quê? Por que eu teria que fazer uma
coisa dessas?
— Você precisa mesmo perguntar?
— Você está cego, Tim, está completamente
perdido nessa mulherzinha. Ainda vai acordar e
levar um tombo bem feio, estou avisando!
— Se você não se desculpar, Graziela, irei
demiti-la da Reymond! Vou entender que você é
alguém capaz de trancar uma pessoa de
propósito, mentir para mim e tentar me
manipular sem qualquer remorso por isso, então
não poderei mais confiar em você. A decisão é
sua.
Ela sai batendo os pés, mas volta pouco
depois com suas malas. Aproxima-se de Sabrina
e se desculpa.
— Eu sinto muito, Sabrina. Isso não vai
mais acontecer. — Vem em minha direção e não
olha em meus olhos ao falar comigo — sinto
muito, Tim. Você pode confiar em mim, foi um
erro que não irá se repetir.
— Ótimo!
Ela sai arrastando as malas e Sabrina passa
o dia comigo na cama, vendo filmes, falando
besteira e fazendo amor. Para que eu seja o
homem mais feliz do universo, só falta meu
irmão abrir os olhos.

A semana passou voando, Ayla não tem


vindo à empresa, porque está de molho por
conta do pé quebrado. Agora não sai do hospital
nem por um segundo. Clara, a cozinheira do
Eros, é quem leva comida para ela todos os dias,
além, claro, de todas as visitas que recebe por ser
tão querida e divertida.
— Quais são as chances de ele acordar
agora e ainda cuidar do meu pé? — brinca
enquanto comemos o almoço trazido por Clara.
— Quem sabe? Nunca diga nunca, querida.
— Sabe, você está diferente — comenta
observando-me. — É como se você de repente
brilhasse, e não parasse mais de brilhar.
— Sabe, acho que esse monte de
analgésicos que você tem tomado estão afetando
sua visão, maninha. Você devia aproveitar que
está aqui e consultar um oftalmologista.
Ela sorri.
— Você está apaixonado. De verdade dessa
vez.
— Estou sempre apaixonado — respondo e
mudo de assunto para que Sabrina não seja
descoberta antes de contar a verdade a melhor
amiga.
Ao deixar Ayla, fico me perguntando por
que será que Sabrina ainda não contou a ela
sobre nós. O que pode estar esperando? Ao
passar pelo setor de oncologia do hospital avisto
alguém que não deveria estar ali. Dou a volta e
observo mais atentamente para confirmar o que
estou vendo, mas não é engano.
Espero na portaria que ele desça para
descobrir o que está havendo, enquanto rezo que
não seja o que estou pensando. Quando Antônio
Rossi surge abatido ao lado da esposa, sua
conversa de passar o restaurante para Sabrina
começa a fazer sentido. Ele se assusta ao me ver,
mas não tenta me evitar, sabe que não
adiantaria. Diz algo a esposa e vem até mim.
— O que está acontecendo, Antônio?
Ele nega com a cabeça, parece procurar as
palavras certas para explicar o que está havendo,
como se houvesse uma maneira certa de contar
algo assim.
— É agressivo demais, o tumor que tenho.
Se espalhou rapidamente, não há nada que
possam fazer. Nem todo dinheiro do mundo
poderia me salvar agora.
— Do que está falando?
— Tenho pouco tempo de vida, Martim, um
mês, um pouco mais se eu me cuidar bem. Eu
vou morrer.
Busco alguma palavra que possa consolá-
lo, mas essa também não existe. Então o abraço.
Dura poucos segundos, ele passa as mãos pela
cabeça, nervoso e imito seu gesto porque isso vai
destruir Sabrina.
— Você precisa me prometer que não vai
contar nada para minha filha. Não quero que me
perdoe por pena.
— Antônio, não me peça uma coisa dessas!
Eu sinto muito mesmo por sua situação, mas
você precisa pensar nela também. Sabrina
jamais vai se perdoar se você morrer sem que
vocês tenham feito as pazes. Você vai tirar a paz
dela para sempre. Não faça isso, converse com
ela, seja franco. Você precisa contar a ela.
— Eu não posso! Ela vai pensar que tentei
me aproximar porque estava morrendo!
— Não importa! Você não pode se esconder
e deixá-la com a culpa. Antônio se coloque no
lugar dela. Se algo tivesse acontecido a ela
quando você foi embora, como se sentiria?
Isso finalmente o faz pensar. Ele observa a
esposa que o aguarda a certa distância, parece
tão cansado de discutir sobre qualquer coisa, que
cede, para meu alívio.
— Tudo bem. Me dá uns dias e vou contar a
ela. Deixe-me contar isso do meu jeito, rapaz.
Concordo, não poderia negar tal pedido.
Nos despedimos sem eu ter certeza se será a
última vez que nos veremos, e entendo que a
vida é algo tão frágil e imprevisível! Um homem
jovem, famoso, talentoso, uma carreira
brilhante, uma vida inteira pela frente e tudo
interrompido assim. Penso em Eros há oito
meses nessa cama de hospital, sem sabermos se
vai acordar um dia, se vai se recuperar. A vida
pode ir embora no segundo seguinte a esse que
você desperdiça não fazendo nada.
De repente sinto necessidade de ver
Sabrina, abraçá-la, tocá-la, senti-la por perto. Ao
invés de levar os trabalhos de Ayla para a
empresa, vou direto a confeitaria. O trabalho
pode esperar um dia, abraçar a mulher que amo
e ressaltar o que sinto, não.

Duas semanas se passaram e Antônio


ainda não contou a Sabrina sobre sua situação.
Pego o celular pronto para ligar para ele, quando
meu pai aparece. É a primeira vez que vem à
Reymond desde sua volta e sei que isso se deve
ao fato de não querer invadir meu espaço. Ele se
senta e conversa sobre Ayla e Eros, sobre
algumas viagens que fez, e até tento prestar
atenção e não ser grosseiro, mas minha cabeça
está distante demais de tudo o que diz.
De repente reparo o silêncio, e ao olhar
meu pai, ele está me avaliando calado.
— Parei de falar há dez minutos, quando
me dei conta que você não estava me ouvido —
comenta divertido.
— Sinto muito.
— O que o está afligindo tanto?
Nunca pensei em contar algum problema
ao meu pai, justo a ele. Mas para quem mais eu
poderia contar?
— O pai da Sabrina tem poucas semanas de
vida. Descobri isso há algumas semanas quando
o flagrei no hospital. Ele não queria contar a ela
no início, mas me prometeu que o faria. Sabrina
e o pai não se falam, ele a abandonou quando era
pequena e ela não consegue perdoá-lo.
Ele assente, recebendo uma indireta que
não tive intenção de mandar.
— Sua namorada jamais se perdoaria se o
pai morresse sem que fizessem as pazes.
Assinto.
— Estou em uma situação em que não sei o
que fazer. Ele me disse que contaria, mas o prazo
está se esgotando e ele ainda não disse nada.
Porém, me sinto horrível em ligar para alguém
que sabe que vai morrer e pressioná-lo a fazer
algo que não quer fazer. Eu não sei o que fazer. É
como se eu tivesse que protegê-la disso, mas não
pudesse.
Meu pai fica em silêncio por um tempo.
Quando fala, não tenho certeza se está se
referindo a Sabrina e Antônio, ou a nós dois.
— Você acha que abandono é um erro que
um filho pode perdoar um dia?
— Acho que a Sabrina iria perdoá-lo mais
cedo ou mais tarde.
— E você?
— Sinceramente, pai, eu não faço ideia.
Noto a tristeza em seu rosto com minha
resposta. Ele se levanta e me levanto também
para acompanhá-lo até o elevador.
— Me passe o contato do pai da Sabrina.
Vou ter uma conversa de pai para pai com ele,
tentar convencê-lo a fazer a coisa certa.
— Você acha que vai funcionar? —
pergunto esperançoso.
— Acho que sou o único que entende
exatamente o que ele sente sobre a filha, então
sim, tem grandes chances de funcionar.
Passo o contato a ele que entra no elevador
e se vai, e nem tenho tempo de agradecer por
essa grande ajuda.

Desde que Sabrina pediu a Grazi que saísse


da minha casa, nossa amizade esfriou
consideravelmente. No trabalho nos vemos o
tempo todo, mas ela está sempre com a
expressão fechada, estressada, cordial apenas, e
não fala comigo mais do que o estritamente
necessário. Até essa manhã. Desde que cheguei
Graziela sorriu para mim, mais vezes do que fui
capaz de contar. Me trouxe o café algumas vezes,
e cuidou pessoalmente de coisas que nem eram
de sua responsabilidade.
Eu deveria estar satisfeito por seu ódio ter
passado, mas me sinto apreensivo. Como se
sentisse que algo vai acontecer. Sabrina não tem
vindo à empresa por conta do trabalho na
confeitaria e nos vemos todas as noites, na
minha casa ou na dela.
Estou desde que meu pai foi embora
esperando que ligue para qualquer novidade
sobre Antônio, quando vejo Sabrina. Ela não me
disse que viria aqui hoje, mas fico feliz por poder
vê-la um pouco durante a tarde. Da minha sala,
vejo que conversa com alguém e segura algum
papel na mão. Sua expressão não é das
melhores. Parece confusa e magoada.
Levanto-me imediatamente e, ao constatar
que a pessoa com quem está falando é Graziela,
algo dentro de mim entra em alerta. Aproximo-
me a passos rápidos e reconheço o papel na mão
dela. O que não entendo é como Graziela
descobriu sobre isso.
— Oi, amor — digo tentando abraçá-la, mas
ela se afasta.
— Isso é alguma brincadeira? — pergunta
estendendo o papel diante do meu rosto.
Olho para Graziela que mantém um sorriso
no rosto e de volta para minha namorada
realmente sentida com o que descobriu.
— Você não deveria descobrir isso dessa
maneira.
— E como eu descobriria? Porque
claramente você não pretendia me contar. Como
essa conta pode estar em meu nome? Tim, o que
está acontecendo?
— Venha comigo, eu vou explicar a você.
A guio até minha sala enquanto busco uma
melhor maneira de contar algo que ela não
deveria ter descoberto. Ontem Sabrina fez seu
primeiro depósito do arrendamento da
confeitaria. Eu recebi um alerta dobre o depósito
porque sou eu que monitoro a conta por
enquanto, e deve ser por esse alerta que Graziela
tomou ciência dessa conta.
— Graziela chamou você aqui, não foi? —
pergunto e ela assente.
Cai pesadamente sobre a cadeira e observa
o papel. Não parece irritada, nervosa, não grita
nem me acusa de nada. Parece profundamente
decepcionada, como nunca esteve antes comigo.
— Eu comprei a confeitaria do Carlo. Pedi a
ele que dissesse a você que era um
arrendamento porque sabia que você não
aceitaria se eu a desse a você. A conta em que
você depositou o dinheiro, está em seu nome. Eu
a passaria a você quando o momento chegasse.
— Quando que momento chegasse?
— O momento em que você vai se dar conta
que é capaz, vai passar a confeitaria e abrir seu
próprio restaurante. Esse dinheiro é para isso. E
você teria pago seu restaurante com seu próprio
dinheiro, então não poderia recusá-lo.
— E aí, quando esse dia chegasse você me
contaria sobre o seu presente absurdo!
— Sabrina, eu fiz isso porque te amo! —
insisto aproximando-me dela, mas ela se levanta
e nega com a cabeça.
— Não fez! Você fez isso para se sentir bem.
Se fosse por mim você teria me contado. Você
não me deixaria fazer planos, mudar minha
rotina, criar pratos, decorar um lugar que eu
pensei ser meu, sabendo que eu o devolveria
depois. É cruel encher alguém de sonhos que
você sabe que serão despedaçados!
— Mas você não tem que devolver nada! É
sua! É um presente que dei a você! Não a quero
de volta, Sabrina.
— Mas você não podia ter me escondido
isso! Tim! Não estamos falando sobre a bolsa da
estação, nem sobre uma noite romântica em um
jantar caro, é um negócio! Uma loja, um ponto,
um trabalho! Você se dá conta que fica difícil
confiar em você quando faz algo tão grande pelas
minhas costas? Que vou desconfiar de qualquer
coisa boa que aconteça na minha vida a partir de
agora?
— Sabrina, não faz sentido o que está
dizendo! Eu amo você e tenho condições de
cuidar de você, qual o problema com isso? A
confeitaria era seu sonho, você me disse isso, é
errado poder dar algo que a pessoa que você ama
quer tanto e fazer isso?
— Não! Mas é errado fazer isso mentindo
para ela! Você tem ideia do medo em que me
encontro cada vez que fecho o caixa no final da
noite de não conseguir pagar a prestação
seguinte?
— Você não aceitaria se eu tivesse avisado!
É ridículo estarmos discutindo sobre isso.
— Tim, você mentiu para mim! Não
importa qual seria minha reação, nem suas boas
intenções, você mentiu! Achei que estivesse se
esforçando para não fazer mais isso, mas olha
só!
Respiro fundo quando ela joga o papel
sobre a mesa e pega sua bolsa.
— Você vai me falar o valor que custou a
loja e vou pagá-lo a você. Ou isso, ou eu deixo a
loja hoje mesmo.
— Tudo bem, vou fazer isso. Sabrina, me
desculpe, eu sinto muito.
— Você não sente, você acha que a mentira
foi bem justificada e que era para um bem
maior, você estava até esse minuto defendendo
sua atitude, você não sente, Tim. E é isso que
mais me machuca, podemos ter muitos defeitos,
podemos superar muitas coisas juntos, mas
mentira? Relacionamento nenhum sobrevive
sem confiança, Tim.
— Do que você está falando? Você está
brava, é seu direito estar com a cabeça quente,
não fale besteiras.
— Tem razão, melhor não conversarmos
agora.
Ela sai da sala e a sigo, penso em algo que
possa dizer para que se acalme, mas não há
nada, ela está certa. Eu não me arrependo da
mentira, ela foi necessária. Mas de repente
começo a perceber que havia outras opções,
como a que ela sugeriu, por exemplo. Eu poderia
ter oferecido comprar a confeitaria e deixar que
ela me pagasse mensalmente, ela teria aceitado
algo assim. Eu poderia ter me tornado seu sócio,
eu entraria com o dinheiro e ela com o trabalho,
ela com certeza aceitaria isso. Mas a primeira
saída que busquei foi a mentira.
Ela entra no elevador e entendo que não
devo ir atrás dela agora. Quando seus olhos
cheios pousam nos meus, vejo a dúvida neles.
Será que ela pode confiar em mim? Será que vou
mentir sempre que julgar necessário?
— Quando posso te ligar? — pergunto,
derrotado.
— Você não pode, eu te ligo.
Assinto. As portas começam a se fechar e
tudo o que consigo dizer, é: — Se cuida, meu
anjo.
Volto para minha sala sentindo-me
derrotado. Mais uma vez, meus defeitos tirando
Sabrina de mim, dessa vez nem eu tenho certeza
que é algo que possa ser consertado. Talvez ela
não possa mesmo confiar em mim. Pensar em
confiança, me faz lembrar de Graziela. A chamo
até minha sala, e odeio o sorriso brilhando sem
seu rosto e a maneira sensual como se senta
diante de mim, como se eu estivesse prestes a
parabenizá-la ao invés de demiti-la.
— Então você armou tudo isso — constato
irritado comigo mesmo por não a ter demitido
antes, quando trancou Sabrina na confeitaria.
— Não me olhe com essa decepção, Tim.
Olhe só para você, querendo ser o mocinho
quando na verdade sempre será o vilão. Você é
como eu, o que fez escondendo a conta da sua
queridinha, prova isso. Nós escolhemos o
caminho mais fácil. Nós não medimos esforços
para conseguir o que queremos.
A reprovação em meu olhar é o suficiente
para enfurecê-la.
— Você vai mesmo me julgar como se fosse
tão melhor do que eu? Fizemos a mesma coisa,
Tim! Você mentiu para ela e eu armei pra você.
Entre nós dois estou mais certa, pois só disse a
ela a verdade, não foi? Por que você não aceita
de uma vez que é como eu? Que somos perfeitos
juntos!
— Você está louca, Graziela. Eu deveria ter
percebido antes, quando você apareceu do nada,
se instalando em minha casa e se insinuando
para mim, eu deveria tê-la cortado li mesmo.
— Mas não o fez. E não o fez porque não
achava que voltaria para sua querida garota
boazinha, então aceitaria quem você é e ficaria
comigo. Tim, você está cego por essa menina!
Precisa abrir os olhos e enxergar que a pessoa
certa para você sou eu! Somos iguais! Ela é uma
puritana que recusa um presente tão bom como
o que deu a ela, que sequer agradece o seu
sacrifício.
— Ela é uma pessoa boa, confiável, que não
tem o costume de mentir e abomina isso. Como
toda pessoa de bem. Eu errei nessa história, eu
tenho que me redimir com ela.
Seu sorriso é tão frio e me lembra de tantos
momentos que passamos juntos. O mesmo
sorriso cínico, a mesma certeza que os fins
justificam os meios, a mesma falta de
consciência. Por um lado, isso me mostra a
pessoa que era e que sou agora, e me mostra que
estou sim diferente. Eu mudei.
— Você poderia ficar comigo, eu o
abandonei, eu sei, fui infantil. Mas estou
arrependida. Você não precisaria de máscaras ao
meu lado, não precisaria mudar quem você é,
porque eu o amo mesmo com seus defeitos. Eles
jamais me afastariam de você. Eu realmente não
sei o que você vê nessa garota!
— Tudo o que eu nunca vi em mulher
nenhuma! Ela é sim diferente de mim e graças a
Deus por isso, porque ela me ensina a ser
alguém bem melhor. Ela tira o meu melhor lado,

É
e é por isso que a amo. É por isso que é com ela
que vou me casar um dia. É ao lado dela que vou
passar toda minha vida.
Seu sorriso cínico some, o que vejo em seus
olhos é a mesma raiva contida de sempre.
Graziela sempre foi assim. Me pergunto se era
esse cinismo que as pessoas viam nos meus
olhos ao olhar para mim. Era isso o que Sabrina
via quando nos aproximamos?
Graziela se levanta, ajeita o cabelo e limpa
as falsas lágrimas em seu rosto.
— Você ainda vai abrir os olhos e vir
rastejando atrás de mim, Martim. E não vai
demorar até se cansar de bancar o príncipe
encantado com aquela sem sal. Então
conversaremos.
Ela se vira para deixar a sala, mas ainda
não acabei com ela.
— Graziela, você está demitida! Arrume
suas coisas e saia daqui agora mesmo.
— Você não pode fazer isso! — grita vindo
em direção à mesa. — Você acabou de me
contratar, isso vai manchar a minha carteira,
você não pode!
— Não quero você na minha vida, não
quero mais nenhum contato com você. Junte
suas coisas, saia por aquela porta e não volte
nunca mais!
— Olha só você, está mesmo disposto a ser
o mocinho. Eu vou sumir da sua vida, mas vou te
deixar avisado, Tim. Não vai funcionar. Você
nunca vai ser o príncipe que pensa porque no
momento em que seu irmão morrer, vai se dar
conta que a culpa foi sua, e vai entender que
você nasceu para ser assim. Não há redenção
para pessoas como nós.
Ela se vira e sai da sala e só consigo pensar
que mais uma vez acabei sozinho. Ao menos
desta vez, com as convicções certas. Sabrina não
vai se livrar de mim fácil assim, não enquanto eu
puder evitar.

A semana passa e nenhum contato dela


chega. Isso é completamente novo para mim.
Sabrina é explosiva, transparente, sincera. Ela
não é do tipo que se esconde sem dizer o que
sente e guarda isso para si mesma. Esse seu
sumiço está a ponto de me deixar louco. Como
um homem perdidamente apaixonado, às vezes
tenho dificuldade em entender até que ponto
posso ir para reconquistá-la, até que ponto vai
meu direito de lutar por ela, sem que ele se
transforme em impor a ela o que quero.
Talvez eu vá aprender isso com o tempo,
com os erros, com as desculpas. Ou talvez nunca
vá aprender. Amar é complicado demais! O que
sei é que não posso ficar parado esperando que
ela decida me perdoar.
Apenas por isso apareço em sua confeitaria
uma semana depois de nos falarmos. Seus olhos
marrons acendem quando me vê, ela para o que
está fazendo e vem até mim. Tem olheiras abaixo
dos olhos e uma expressão cansada no rosto.
— O que está fazendo aqui? Achei que
tivéssemos combinado que eu entraria em
contato.
— Não estou aqui como seu namorado
apaixonado e arrependido, Sabrina, e sim como
seu senhorio. Ou você aceitou o meu presente
dado de todo coração e não quer mais pagar por
ele?
Ela quase sorri, sinto isso.
— Você veio me cobrar, então.
— Claro! Você me deve muito.
— Sente-se. Quer um café?
— Eu adoraria, senhorita Lima, obrigado.
Sento-me e ela ainda me observa por um
tempo antes de me servir o café que estou
morrendo de saudade de tomar. Entrego a ela
um papel sobre o valor final da loja, a parte que
é de sua mãe e o que ela me deve, que é uma
parte pequena.
— Vou pagar a você todo o valor da loja,
inclusive a parte da minha mãe.
— A parte da sua mãe foi um presente dado
a ela. Eu fui sincero com ela na ocasião, disse
que a estava presenteando e ela aceitou. Não
acho que vai querer devolver o presente agora,
vai mãe?
— Ah, não! Não mesmo! — Denise
responde de trás do balcão e Sabrina revira os
olhos.
— Então isso é tudo o que te devo? —
pergunta irritada.
— Sim, amor. Isso é tudo o que me deve. A
Graziela foi demitida, por falar nisso.
Funciona, um sorriso surge em seu rosto,
ela o disfarça em seguida e assume de novo a
expressão séria de mulher de negócios.
— Como você pretende que eu pague esse
valor? — pergunta, e meu sorriso a faz sorrir de
volta. Ela não consegue segurar. — Estou falando
sério.
— Posso te dar um milhão de ideias. Estava
torcendo que você me perguntasse isso.
— Vamos falar sério, Tim, não seja babaca.
Levanto-me de uma vez e a cerco. Nossos
rostos tão próximos que ela prende a respiração.
— Eu sou um babaca, Sabrina. Mas eu te
amo de verdade. Lembre-se disso. — Deposito
um beijo em sua testa e me despeço de Denise
saindo da confeitaria.
Então envio uma mensagem a ela:

Pague como quiser. Ainda estou


esperançoso.

Posso imaginar seu sorriso gostoso e


culpado ao ler a mensagem.

Mais três dias se passaram e o contato que


tive de Sabrina foi a divisão que fez de como me
pagará a confeitaria e o pedido pelo número da
minha conta. O que claro, não respondi para
forçá-la a vir até mim. Mas é Sabrina, e
joguinhos com ela nunca funcionam, então não
tive outra saída a não ser segui-la. Ela veio ao
mercado, bem cedo, o sol ainda nem nasceu,
comprar coisas para a confeitaria. A estou
seguindo desde então. Não faço questão de ser
discreto, ela me viu desde o primeiro instante,
quando fui praticamente atropelado por um
carrinho de sacos de farinha de trigo.
— Você está bem? — perguntou
preocupada ao me ver levantar do chão.
— Bem, meu amor. Estou ótimo.
— Então pare de me seguir.
Claro que não obedeci. Ela é uma excelente
negociadora, convence os comerciantes a
baixarem o preço para ela, pechincha muito e
alguns reviram os olhos apenas por vê-la
aproximar-se. Sorrio. Tenho um orgulho enorme
dela e não preciso esconder isso. Seu carrinho ao
final da pequena excursão parece pesado demais
para que carregue, então a sigo mais de perto,
até me aproximar o bastante para tirá-lo de sua
mão e empurrá-lo para ela.
— Tim, você não pode ficar me seguindo!
— Não estou mais, agora estou andando do
seu lado. Isso não é perseguição.
— Mas você não pode...
— Eu sinto sua falta, Sabrina, preciso vê-la,
o que mais poderia fazer?
Ela não diz nada enquanto andamos. Levo
o carrinho direto até o meu carro e ela não
discute ao entrar nele. Não bate a porta, o que
me faz rir. Ao deixá-la na confeitaria, desço com
as compras apara ajudá-la. Não insisto mais, ela
precisa do seu tempo para me perdoar, e
entendo isso. É uma pena que seja tão ruim com
perdão.
— Você está entregue. Só preciso que me
responda uma coisa, Sabrina.
Seus olhos estão focados nos meus, e vejo
neles a mesma saudade refletida nos meus.
— Você sente a minha falta?
Ela assente.
— E sinto muito a sua falta.
Sorrio.
— A gente se vê, amor. Qualquer coisa que
você precisar, me liga.
— Na verdade, eu preciso da sua conta.
— Depois eu passo — respondo saindo da
loja.
— Depois quando?
— Quando eu a seguir de novo amanhã de
manhã.
— Você não pode me seguir de novo! —
grita da porta enquanto entro em meu carro.
— Onde você vai amanhã? — pergunto
antes de arrancar.
— Na feira dos confeiteiros, às duas horas.
Não se atrase — avisa entrando para a
confeitaria e o sorriso que se estende em meu
rosto permanece nele por toda tarde.

Desligo o telefone ao final da tarde


satisfeito com meu plano maluco. Bem, para
reconquistar uma maluca, nada normal
funcionaria. Sorrio ao constatar que estou me
tornando tão louco quanto dela. Fora do
convencional. Até mesmo nessa minha tentativa
desesperada de voltarmos a dormir juntos,
porque não aguento mais de saudade do seu
corpo sob o meu. Decido ir para casa mais cedo,
passar um tempo com Ayla e Eros no hospital,
talvez. Sei que meu pai tem ido muito lá, e por
isso estava evitando, mas bem, são meus irmãos
ali, não vou deixar de vê-los porque não quero
um contato maior com meu pai.
Estou a ponto de sair da empresa quando
meu celular toca e é Antônio.
— Martim, eu fiz o que pediu, vim até a
casa dela para dizer a verdade, mas ela não quer
falar comigo. Disse que não quer falar sobre
perdão agora, não há mais nada que eu possa
fazer. Na verdade, eu não me sinto muito bem.
— Onde você está?
— Aqui, em frente à casa dela ainda, estou
sentado na calçada, não estou bem.
— Antônio, estou indo. Não saia daí.
Ligo para uma ambulância a caminho do
estacionamento e nem vejo quantos sinais
vermelhos ultrapasso para chegar a Sabrina
antes que o pior aconteça.
A ambulância chega junto comigo, a sirene
atraindo algumas pessoas da vizinhança para
fora de suas casas. Antônio está caído na
calçada. Me aproximo dele às pressas, Denise
abre a porta de sua casa e grito para ela: —
Denise, chame a Sabrina! Agora! Antônio, como
se sente? Você já será socorrido, vai ficar tudo
bem — prometo.
— Diga a Sabrina — pede baixinho — o que
fiz com ela e a mãe dela, a vida me cobrou. Diga
a ela. Eu paguei pelo que fiz, ela pode me
perdoar.
— Você vai dizer, Antônio, aguenta mais
um pouco.
— Pai! — o grito dela vem da porta. Ela
corre até onde estamos, se joga ao lado do pai e
não entende o que está havendo.
Ele tenta falar com ela, tenta dizer alguma
coisa, mas parece fraco demais. Fecha os olhos
com um sorriso no rosto, não sei se por ela ter
vindo, por vê-la chorando por ele, ou por
perceber a real preocupação dela ao vê-lo caído.
Os paramédicos se aproximam, e imediatamente
a puxo para meus braços. Eu sei o que vão dizer.
Antônio Rossi acaba de falecer.

Os dias que se seguem são tristes e


sombrios. Conto a Sabrina sobre a doença de seu
pai, sobre o dia em que descobri e o pedido dele
que o deixasse dar a notícia. Ela se sente
culpada, como achei que se sentiria. Se sente
mal por não o ter perdoado, por não o ter sequer
ouvido uma última vez. Se sente mal por ter
ficado cerca de dez minutos conversando com
ele antes de sua morte e não ter permitido que
ele dissesse a palavra perdão.
Ela sente a necessidade de perdoá-lo, mas
acha que é tarde demais.
Quando chego ao enterro de Antônio,
avisto Ayla ao lado de Denise. Isabelle, a esposa
de Antônio chora sozinha em um canto. Minha
mãe, Sofia, Ulisses e Bruna, todos estão aqui
com Denise, mas Isabelle parece sozinha. Ayla
também percebe isso, pois se pendura em suas
muletas e vai até ela, se apresenta e fica ao lado
da viúva. Sabrina não está. Ela não vem.
Vou imediatamente à sua casa. Não espero
que abra a aporta, pulo uma janela e subo até
seu quarto. Posso ouvi-la chorar baixinho. Entro
sem bater, ela está sentada na cama, de pijama,
chorando. Sento-me ao seu lado e ela se joga em
meu colo, a mantenho assim, aninhada em meu
peito, dentro dos meus braços, onde posso
protegê-la. A tarde se vai, passos podem ser
ouvidos no andar de baixo, minha mãe abre a
porta, sorri para mim e a fecha atrás de si.
Ficamos no escuro, sozinhos, enquanto ela chora
baixinho. Para de chorar um tempo depois,
ainda fica em meus braços, e parece cansada
demais. Pego seu celular e os fones de ouvido
sobre o travesseiro, escolho uma música agitada
e coloco em seu ouvido. Ela sorri. Funcionou.
Quando ela adormece decido ir ver Denise.
A deposito com cuidado sobre a cama, e quando
estou saindo do quarto, ela diz baixinho: — Tim,
onde você vai?
— Vou ver sua mãe e já volto, meu amor.
— Não, peça a ela para vir deitar aqui
comigo, ela deve estar muito mal, precisa de
mim. E você, vá procurar o seu pai, perdoe-o,
Tim. Tanto faz o que ele fez, não importa. Vocês
estão vivos, bem, saudáveis, é ridículo guardar
mágoa. Vá até ele e o perdoe antes que seja
tarde. Você não quer se sentir como me sinto
agora.
Assinto. Volto e deposito um beijo em seu
cabelo, ajeito a coberta sobre seu corpo que
parece pequeno demais, e vou ver Denise, que
logo sobe para dormir com a filha.

Chego em casa destruído. Eu poderia ter


evitado tudo isso, poderia ter evitado a dor que
ela está sentindo agora. De repente começo a
questionar tudo. Eu não devia ter contado a ela?
Não devia tê-lo feito quando vi que Antônio não
o faria? Por que esperei tanto tempo? E ela nem
pareceu me culpar por isso, mas vai. Quando a
tristeza passar, a raiva vai assumir seu lugar e
ela vai me culpar com razão.
Tomo um banho rápido e desço para a sala,
quando ouço as batidas na porta.
— Pai? Está tudo bem?
Ele entra em minha casa cabisbaixo e
triste. Quando fala, me surpreende
completamente: — Você não podia ter feito
nada, filho. Eu conversei com ele muitas vezes,
por dias caminhamos juntos, ele sabia que
estava errado, ele foi apenas covarde. Eu o levei
a casa dela naquela tarde, ele estava bem, era um
de seus melhores dias, nós não pensamos que...
enfim, a culpa não foi sua. Essa era uma decisão
apenas dele, você o teria magoado
profundamente se tivesse contado a ela, e não
evitaria a dor que está sentindo agora. Ela se
culparia por tê-lo perdoado tarde demais. É uma
culpa que ela precisa carregar, ela precisa
enfrentar e você não podia ter evitado isso.
Olho a imagem do meu pai, o mesmo belo
homem de que me lembrava, com cabelos
grisalhos e uma expressão cansada. O homem
que um dia foi meu maior ídolo, a quem venho
tentando apagar nos últimos anos,
principalmente, nos últimos meses. Sabrina está
certa, o que estou fazendo?
— Eu sinto muito, pai — digo quando as
lágrimas me tomam e ele me abraça.
Não precisamos de mais palavras. É
ridículo não perdoá-lo. É ridículo que ele não me
perdoe por ter agido como uma adolescente
magoado. É muito melhor estar nesse abraço
sem qualquer mágoa. Um peso é retirado dos
meus ombros, um peso que eu nem sabia que
carregava. Meu pai passa a noite na minha casa,
enquanto volto para casa de Sabrina. E a notícia
que dou a ela a faz sorrir de verdade.

Duas semanas depois, decido colocar meu


plano maluco em ação. Sabrina e eu não estamos
separados, mas não estamos juntos. Ela já voltou
a sorrir, ajudou bastante Ayla tê-la levado para
conversar com alguns idosos abandonados no
hospital. Ela entendeu muito sobre perdão,
sobre erros que não podemos evitar, sobre
colocar nossos sentimentos acima dos
sentimentos dos outros às vezes, e que isso nem
sempre é ruim, mas algumas vezes necessário.
Parece mais calma, aos poucos está voltando ser
ela. É uma culpa que irá carregar para sempre,
mas entende que não há mais nada que possa
fazer.
Nessa noite, com a ajuda de Denise,
fazemos Sabrina voltar para casa mais cedo. Eu
adoraria tirá-la dessa casa, pois sei que cada vez
que passa por sua porta vê a imagem de seu pai
caído na calçada. Mas um passo de cada vez. Me
preparo debaixo da árvore, atiro uma pedra em
sua janela, e nada. Pouco depois, atiro outra, e
mais outra.
Finalmente ela abre a janela irritada.
— Quem está... — suas palavras morrem
quando me vê.
Um pequeno sorriso surge em seu rosto,
mas some assim que vê os músicos ao meu lado.
Noto que começa a entrar em pânico, então
mando que comecem.
O dj coloca a batida e começo a cantar,
meio desafinado, alto demais, dançando junto
com os músicos.
— “You're the light, you're the night.
You're the color of my blood. You're the cure,
you're the pain. You're the only thing I wanna
touch. Never knew that it could mean so much,
so much.”
Ela sorri ao reconhecer a música e
acompanha o ritmo com palmas. Então
continuo: — “You're the fear, I don't care. Cause
I've never been so high. Follow me to the dark.
Let me take you past our satellites. You can see
the world you brought to life, to life.So love me
like you do, lo-lo-love me like you do. Touch me
like you do, to-to-touch me like you do. What
are you waiting for?”
Seu sorriso é tão grande, como não via em
seu rosto há semanas.
— O que você está esperando? — repito o
último verso cantado quando desisto de pagar
tanto mico e ela ri alto.
Some da janela e logo aparece na porta.
Corre até mim e pula em meus braços.
— Você achou um jeito de fazer uma
serenata para mim.
— Sem música lenta, mas com muito do
que sinto retratado na letra — explico.
— Eu te amo, Tim.
— Eu também te amo, Sabrina. Por favor,
vem dormir comigo, vou ficar louco se não
fizermos amor esta noite.
— Então tudo isso é pelo sexo! — brinca
fingindo-se de ultrajada.
— Claro que é pelo sexo, por que mais
seria?
A beijo com tanta saudade, que demoro a
soltá-la.
— Promete que não vai mais mentir para
mim? — pede.
— Não posso, amor. Infelizmente tenho
muitos defeitos ainda. Mas prometo que nunca
irei machucá-la deliberadamente, então quando
eu o fizer sem querer, você precisa ter paciência
e me ensinar, tudo bem? É como você disse uma
vez, não importa as bombas no caminho se
caminharmos juntos. Você disse que as aceitaria
para ficar comigo.
— Eu aceito — confirma baixinho beijando-
me de novo.
E o mundo está quase em seus eixos de
novo. Ao menos meu coração está exatamente
onde deveria estar.
Ayla
Hoje é mais um triste mêsversário para
nós. Dez meses do acidente, dez meses em que
Eros está em coma. Me pergunto se faremos
uma festa de um ano desse acidente, dois, três.
Se estarei aqui de cabelos brancos esperando
que ele acorde. Quanto tempo mais ele precisa
dormir?
Observo o sol nascer pela janela de seu
quarto no hospital, e sinto tanta saudade dele,
que me sinto melancólica hoje.
— Você tem ideia de quantos nascer do sol
você perdeu em dez meses? — pergunto a ele já
sabendo que não haverá resposta.
Organizo as coisas para o dia, hoje voltarei
à empresa depois de tirar o gesso. Talvez seja
bom para distrair minha cabeça desses
pensamentos tristes de que essa é minha nova
vida e eu deveria aceitá-la de uma vez ao invés
de esperar ansiosamente que volte a ser como
antes.
— O que você está esperando, Eros? Você
pode abrir os olhos agora, estou cansada! Se
você não quiser me ver depois disso, se for
descontar em mim cada dia que perdeu e a culpa
pelo acidente, tudo bem! Eu aceito! Eu prometo
ter paciência, prometo ficar do seu lado, mas
abra esses olhos!
Ele não se move, como sempre.
Sento-me na poltrona, onde passei a noite.
Esta noite não quis dormir com ele, não sei, acho
que está passando da hora de me acostumar a
isso.
Uma mensagem apita em meu celular,
ainda nem são seis da manhã, e é Sabrina.

Maldição dos dois meses, na última


você quebrou o pé, estou indo aí.

Respondo.

Sem ofensas, mas você não ajudou


muito na última vez. O que tiver que
acontecer, acontecerá.

Logo, sua resposta.

Ayla, se for pra você morrer atingida


por um raio hoje, então morreremos
juntas. Estou indo até aí.

Irei para a empresa hoje.

Nada disso, você vem para a


confeitaria comigo. Vai te fazer bem bater
uns bolos pra variar.
Você só está interessada em minha
mão de obra gratuita.

Uma mão lava a outra. É para isso


que amigas servem.

Guardo o celular e fico mais um tempo


observando meu marido, o amor da minha vida
em seu sono tranquilo. Tranquilo demais. Me
aproximo dele, chego a boca bem perto do seu
ouvido e grito: — Acorda! Você não pode dormir
tranquilo quando estou correndo risco de vida!
Abra os olhos! Anda!
Uma enfermeira entra correndo e me lança
seu olhar irritado, me desculpo e volto a me
sentar enquanto ela diz que ele vai acordar.

Espero o sol estar forte lá fora, tomo o café


da manhã, e só então aceito ir com Sabrina para
a confeitaria. Tim vai me buscar lá e me
acompanhar à Reymond onde também ficará de
minha babá. Sabrina desce com minha bolsa, e
decido me despedir de Eros mais uma vez. Subo
em sua cama, uma perna em cada lado de seu
corpo enquanto a médica ri da minha tentativa.
— Hoje é o dia da maldição dos dois meses,
décimo mês que você está aí. Se estiver me
ouvindo, abra esses olhos o quanto antes! Dois
meses atrás eu quebrei meu pé, Eros, não vou
tentar me proteger dessa vez. Abra esses olhos e
me proteja, essa função é sua desde que nos
casamos. Você me prometeu. Você ouviu? Abra
esses olhos antes que um raio caia na minha
cabeça!
Desço de cima dele e seguro sua mão para
não parecer grossa demais.
— Por favor.
Então saio do hospital e sigo Sabrina em
seu carro alugado até a confeitaria. Ela e Denise
retiram todas as facas do meu alcance, me
depositam em uma mesa em um canto onde
nada pode me ferir, segundo elas. Conferem que
não parece que vai chover hoje e parecem mais
calmas após duas horas que estou aqui
conversando fiado em segurança.
Por fim as convenço a me deixarem ir à
cozinha, desligam todos os fornos como se eu
fosse uma criança travessa e desastrada. Bem, às
vezes parece que sou, e faço alguns bolos,
matando a saudade desse tempo onde eu não
tinha um amor em coma para me preocupar.
Onde eu me preocupava em pagar o aluguel e
não ser despejada, em colocar juízo na cabeça do
Ulisses. Me pego rindo dessas lembranças.
— Bom dia, irmã mais linda do mundo! —
Ulisses cumprimenta me agarrando pouco
depois.
— Que felicidade é essa? — pergunto
desconfiada e ele dá de ombros.
É Sabrina quem descobre o motivo de seu
sorriso.
— Você e a Bruna fizeram... — comenta
divertida e o rosto do meu irmão se tinge
completamente de vermelho.
— Ulisses! Você usou camisinha? —
pergunto.
— Querem parar vocês duas? Sabrina,
espero que isso não a chateie. Eu amava você,
mas você é complicada demais.
Sabrina leva as mãos ao peito de forma
dramática.
— Eu vou tentar superar, Ulisses. É uma
dor imensa ser trocada por alguém normal, mas
vou superar.
Ele fica ainda mais irritado e desiste de
falar conosco.
— Quer saber? Vocês nunca falam sério, é
por isso que o Eros não abre os olhos, para não
ter que lidar com você! — diz saindo da cozinha.
— Acho que ele ficou zangado — comento.
— Nem parece que transou ontem! —
Sabrina grita e escutamos seu palavrão lá de
fora.
Sabrina me ajuda com os recheios, mas
quando Denise grita lá de fora que Tim chegou,
ela impede que eu saia, segurando minha mão.
— Eu preciso te contar uma coisa, Ayla.
— Tem a ver com o cara com quem você
está saindo há algum tempo, não é?
Ela assente.
— Eu me sinto péssima em não ter contado
isso antes, é como se estivesse escondendo algo
de você, e você é minha expectadora de vida.
— Sabrina, não importa. Nós dividimos
tudo, se há algo que você ainda não sente
vontade de dividir é um direito seu. Sei que você
vai fazer isso na hora certa, eu entendo.
— Então eu posso não fazer isso hoje? É
que estamos com a cabeça longe, preocupadas
com essa maldição, você se importa?
— Não, podemos falar sobre suas noitadas
depois.
Ela sorri e me abraça, e me deixa
finalmente ir ao encontro de Tim para fazer meu
trabalho.

Ao final da tarde, com tudo em andamento,


algo me diz para voltar para o hospital.
Aproveito que Tim está em uma reunião e
deixou Andrea como minha babá e digo a ela que
está tudo bem. Não vai acontecer nada hoje, e
que preciso voltar para o hospital.
Dentro do elevador os pelos do meu braço
eriçam, minhas pernas de repente ficam moles e
meu coração acelera. Vai acontecer. Espero o
elevador parar, desligar, explodir, qualquer
coisa, mas nada acontece. Além da sensação de
que algo vai acontecer, há uma outra sensação,
esta desconhecida. Como um formigamento no
estômago e no peito, como uma antecipação de
uma coisa boa.
Avisto o táxi parado do outro lado da rua e
me certifico que o sinal está aberto para
pedestres antes de pisar na rua. E tudo acontece
rápido demais! O barulho de um carro freando
soa alto e paro onde estou. Um carro vem
rodopiando pela pista, ele não vai conseguir
parar, ao invés de sair correndo como uma
pessoa normal, eu travo. Minhas pernas não se
movem, eu vou morrer.
O carro dá a última volta, prestes a me
acertar, vem em minha direção e para a
centímetros de mim, tão perto que meu vestido
encosta nele. Minha respiração volta aos poucos.
O motorista desce aturdido, as pessoas se
aglomeram ao nosso redor e sorrio. Eros
acordou. Só pode ter acordado.
Meu telefone toca alguns minutos depois e
me apresso em atendê-lo. É Alexandra.
— Ayla, preciso que volte para cá, querida.
Seu marido acordou e está perguntando por
você.
Desligo sem conseguir dar uma reposta. As
pessoas perguntam se estou bem e as abraço
emocionada.
— Meu marido voltou! Ele voltou! Ele me
salvou!
Atravesso o resto da rua e pego o táxi. Eros
finalmente voltou para mim.

Pela primeira vez entro no hospital


sentindo-me leve, emocionada, com um sorriso
que teima em ficar em meu rosto. As
enfermeiras e médicos que encontro pelo
caminho me parabenizam, todos sabem sobre
Eros. A porta de seu quarto está fechada, e meu
coração parece dar um salto antes de eu abri-la.
Nesse momento eu nem me lembro que ele pode
rejeitar minha presença, que ele provavelmente
ainda tem mágoa, pois o que aconteceu é recente
na cabeça dele. Não penso em nada quando abro
a porta e o vejo de olhos abertos. A enfermeira
me leva até o corredor em silêncio e explica que
ele não está enxergando, mas que é algo
momentâneo e vai precisar da minha ajuda
nesse período de recuperação. Também me pede
para tomar cuidado para que ele não fique
agitado.
Entro novamente no quarto e o observo
sentado, movendo os dedos entediado, os olhos
negros que amo finalmente abertos. De repente
ele para de se mexer, como se soubesse que
estou aqui, como se pudesse me sentir. Abro a
boca para dizer alguma coisa, avisar que estou
aqui, mas nada sai. Ao invés disso corro até ele e
me lanço sobre seu corpo. As lágrimas caem, de
alegria dessa vez.
Quero dizer que ele me salvou, que não via
a hora de tê-lo de volta, mas toco seu lindo rosto
e as palavras simplesmente não saem. Ele
deposita a mão sobre a minha e fecha os olhos,
um sorriso tímido em seu rosto, sentir sua mão
sobre a minha de novo é melhor do que eu
poderia descrever.
— Como você se sente? — pergunto por
fim, baixinho.
— Confuso — responde.
— Posso te ajudar com isso. O que você
quer saber?
Espero que vá perguntar sobre a empresa,
seus pais, o acidente, as novidades do que
aconteceu nesses últimos dez meses. Mas
quando ele pergunta, meu coração parece se
partir em mil pedacinhos.
— Por que você está aqui? Por que vem
todas as noites?
Não sei como responder a isso, não
entendo que tipo de pergunta é essa. Por que
mais eu estaria aqui? Não é obvio que é porque
eu o amo? Tento tirar minha mão do seu rosto,
mas ele continua segurando minha mão, aperta
meus dedos para que eu não me afaste.
— Eu não durmo sozinha — respondo
enfim.
— Achei que tivéssemos nos divorciado, é
disso que estou falando, Ayla. Os papéis do
divórcio se perderam no acidente?
De tudo o que ele poderia perguntar, essa
com certeza foi a coisa mais cruel. Preciso me
conter para não demonstrar o quanto está me
machucando, afinal de contas ele acordou! Eu
disse que teria paciência, que entenderia se o
fizesse com toda mágoa de mim, por isso tento.
— Na verdade, não. Quando o hospital me
ligou e cheguei aqui com sua mãe, eles me
entregaram seus pertences. Tive que assinar uns
papéis para você passar por uma cirurgia
arriscada. Foi horrível! E me deram os papéis do
divórcio, eles sobreviveram a tudo. Estavam bem
protegidos na sua jaqueta.
Ele pensa no que eu disse antes de
perguntar: — Então você não é mais minha
mulher?
— Você quer deixar de ser babaca? — ralho
levantando-me e afastando nosso contato.
— Ayla, o que combinamos? — Guta, a
enfermeira, chama minha atenção.
Então respondo o que ele quer ouvir, e
presto atenção à sua reação a isso.
— Sim, nos divorciamos. Na verdade, me
casei de novo no mês passado. E estou
esperando um filho do meu marido.
A cara que faz é tão engraçada que me pego
rindo baixinho. Ele se senta ereto na cama, sua
respiração se torna pesada, abre a boca para
dizer alguma coisa, mas nada sai. O monitor ao
seu lado apita sem parar e Guta me lança um
olhar irritado seguido de mais uma reprimenda.
— Ele dormiu por muito tempo, está
descansado, ele aguenta umas pegadinhas —
justifico minha brincadeira e o vejo respirar
fundo. A cor volta ao seu rosto e ele se recosta
outra vez na cama.
Um sorriso mal disfarçado surge em seu
rosto ao constatar minha mentira.
— Você não se casou de novo, não é? —
pergunta para confirmar que estou mesmo
brincando.
O mesmo Eros de sempre, tentando não
sentir para se proteger, e com medo de perder o
que sente.
— Não, você não resistiria — respondo e
um sorriso lindo surge em seu rosto. Dessa vez
ele nem tenta disfarçar. — Os papéis estão
guardados, Tim perguntou por eles, seu amigo
advogado perguntou por eles e eu disse que não
os assinamos.
O sorriso permanece ali, acho que sem ao
menos se dar conta, ele levanta a mão
procurando por mim. Sento-me ao seu lado e
novo e ele toca meu braço, acaricia minha pele e
devolvo o carinho em seu rosto. Ainda não posso
acreditar que ele está acordado. Ele toca minha
mão novamente e a tira de seu rosto. Percebo o
momento exato em que guarda o que sente em
um canto da mente e volta a ser o Eros
precavido, fechado.
Não entendo o seu jogo. Não entendo se
me quer ou não por perto. Minha mão ainda está
na sua, ele a aperta para que eu não me afaste. E
de repente, ele deposita minha mão sobre o
colchão e a solta, cruzando suas mãos sobre a
barriga para não me tocar mais.
— Assim que você se recuperar, os entrego
a você. Os papéis do divórcio — prometo
percebendo que o que sente por mim não é o que
quer sentir. E isso não pode ser uma coisa boa.
Ele inicia uma conversa amigável, pergunta
por sua família, a empresa, sorri quando conto
que demiti Louisa, ele busca minha mão no
colchão e parece se assustar quando a toca,
soltando-a em seguida. Eu deveria estar feliz por
parecer ainda ter algum sentimento por mim
nele, não deveria?
Falamos sobre coisas banais, até que ele
pergunta: — Por que você está aqui, Ayla?
Dizer que é porque quero dormir com ele
não vai adiantar. Dizer que é porque eu o amo e
quase morri junto com ele, também não.
— Porque eu prometi — digo. — Na nossa
primeira noite juntos, eu disse a você que nunca
o deixaria. E eu cumpro minhas promessas. Você
vai me mandar embora quando se recuperar, e
irei. Mas não quebrarei minha promessa porque
não terá sido uma escolha minha— confesso.
Pela primeira vez respondendo isso a mim
mesma.
Afasto-me dele e me pergunto se eu deveria
ir embora agora, deixar que Atena fique com ele.
Talvez ele prefira assim.
— Você precisa voltar à empresa, você é
folgado até como marido, fica aí dormindo
enquanto tenho que fazer seu trabalho. Não
aguento mais aquele lugar — brinco tentando
disfarçar o quão perdida estou, quando ele
deveria ser minha luz.
Atena e Tim chegam logo depois, aviso a
Tom para vir mais tarde, pois Atena está aqui e
ele não quer vê-la. Então saio do quarto e os
deixo a sós. Quando está indo embora, Atena
pergunta se quero que ela fique e digo que é
melhor perguntar ao Eros, então ela responde:
— Ele com certeza vai preferir você, querida.
Tom decide não vir porque os médicos não
querem que Eros se agite demais. E mais uma
vez estou neste quarto, como tenho estado nas
últimas trezentas noites. Mas dessa vez é
diferente. É como se fosse um lugar novo, não é
meu lar, não sou habituada a ele. Eros
permanece acordado até altas horas da noite e
fico em silêncio na poltrona. Não sei se ele quer
que eu esteja aqui, então não me atrevo a me
anunciar.
Estou absorta em um livro quando ele fala:
— Você está dormindo ou fez algum voto de
silêncio?
Ele sabe que estou aqui.
— Não estou dormindo, só não estou com
vontade de falar com você, você sabe. Não está
merecendo minha atenção hoje.
Ele sorri e largo o livro de lado para olhar
para ele.
— A culpa foi sua, você me disse que se
casou com outro homem e está esperando um
filho dele.
— E você me perguntou por que ainda não
nos divorciamos e o que estou fazendo aqui. A
diferença é que a minha parte foi brincadeira.
Ele não tem resposta para isso. Meus olhos
pesam e espero que ele durma para que eu possa
me deitar com ele na cama sem que ele veja. Só
que ele não quer dormir. Fica me perguntando
sobre seu time, sua banda, os filmes que
lançaram, o que aconteceu nas séries que
acompanha, sobre cada funcionário da empresa.
Sobre os projetos novos. Minha voz já soa baixa
demais e arrastada e ele parece cem por cento
ligado. Se me dissessem vinte e quatro horas
atrás que eu estaria torcendo que Eros Reymond
dormisse, eu chamaria a pessoa de louca. Mas
estou fazendo exatamente isso.
— Eros, você não quer dormir?
— Não! Dormi por meses, vou ficar dias
acordado.
— Que bom!
Acabo cochilando na poltrona, mas acordo
com sua voz. Ele está me chamando. Respondo
baixinho e olho para ele, mas está dormindo.
Todo torto na cama, os olhos fechados, mexendo
a cabeça de um lado ao outro. Está tento um
sonho.
— Ayla, fique. Por favor, fique — repete
sem parar enquanto o observo.
Meu coração bobo aquece imediatamente,
um sorriso brota em meu rosto e me ajeito na
cama ao seu lado. Ele passa os braços por meu
corpo como se fosse natural e respira em meu
cabelo.
— Estou aqui, meu amor. Eu não vou a
lugar nenhum você pode dormir agora.
Então ele dorme sem mais interrupções.
E assim seguimos por mais alguns dias em
que ele fica internado. Ele dorme tarde demais, e
durmo com ele sempre que chama meu nome
nas madrugadas. Quando acorda, é frio e quente,
me quer por perto e não quer. Me confunde ao
me afastar e me dá esperanças quando me
procura de novo. Nesses dias em que estamos
aqui, ele acordou todas as manhãs perguntando
por mim.
Ele passa por algumas sessões de
fisioterapia, apenas para alongar os músculos
que ficaram por tempo demais parados. Faz
mais um monte de exames e ainda não voltou a
enxergar. Ainda assim Alexandra dá alta a ele,
pois está ótimo e não tem mais porque
permanecer no hospital. Aviso a Clara para
preparar algo delicioso para que ele coma, e pela
primeira vez nos últimos nove meses estou
pisando de novo na casa dele. Na nossa casa.
— O que mudou aqui? — pergunta
enquanto anda cauteloso por sua sala. Deve ser
horrível não poder ver sua própria casa depois
de tantos meses fora dela.
— Nada. Eu não estava aqui, estava na
minha casa, na casa da minha avó — explico.
— Por que você não ficou aqui? Se estava
brincando de ser minha mulher, poderia ter
ficado.
Demoro a processar sua pergunta porque
nem sei dizer o quanto seu tom, sua pergunta e o
fato de ter feito isso sem querer me machucam.
Seria melhor se ele fosse um babaca porque quer
me ferir, mas perceber as coisas frias que diz
sem se dar conta que o está fazendo é muito
pior. Está me afastando mesmo sem querer.
— Porque você não estava — respondo
finalmente. — Nesses últimos dez meses quase
não estive em um lugar onde você não estivesse.
Brincar de ser sua esposa, me feriu mais do que
posso expressar em palavras, Eros.
— Ayla... — chama meu nome arrependido,
estendendo a mão para que eu o toque, mas não
o faço.
Coloco a bengala em sua mão para que
possa se guiar pela casa, mando que Clara tome
conta dele quando é mais uma vez um babaca,
dizendo que estou livre para ir embora a
qualquer momento. Deixando claro que ele não
precisa de mim. E me recolho em um quarto
qualquer esperando que isso passe.
Uma mensagem de Sabrina chega pouco
depois, quando estou deitada em um quarto de
hóspedes olhando para o teto. Dando a Eros o
tempo sozinho que ele quer.

Vai ser difícil no começo, lembra-se?


Vai ser trabalhoso. Tenha paciência, o
que não estava ao seu alcance, você já
conseguiu, o resto você dá conta.

Me apego às suas palavras e deixo que a


dor saia. Eu dou conta. O impossível já
aconteceu, ele acordou, o resto eu dou um jeito.

— Quer tomar um banho? — pergunto


entrando em seu quarto algumas horas depois.
Noto o sorriso que ele tenta disfarçar ao
concordar e o guio até o banheiro deixando-o
enquanto escolho algo que possa vestir.
De repente um barulho alto vindo do
banheiro me faz correr desesperada até ele. Ele
faz uma careta engraçada, como um menino
pego no flagra ao derrubar a bengala no vidro do
box do banheiro. Preciso segurar o riso por sua
posição em estátua esperando uma bronca.
— Venha, vou colocá-lo debaixo da água —
ofereço e ele recusa minha mão quando o toco.
— Não preciso da sua ajuda para isso —
insiste.
— Tudo bem, vou chamar a Clara para te
ajudar com isso, então. Ela vai adorar vê-lo nu.
Ele se vira para trás de uma vez e sua mão
toca meu seio. Se aconchega nele. Como se não
tivesse ciência do que está fazendo, ainda um
menino travesso, ele pede: — Me ajude, Ayla,
por favor.
Nós dois seguramos o riso enquanto tiro
minha roupa para entrar com ele sob a água, e
ele sente meus movimentos, pois parece tenso ao
perguntar: — O que está fazendo?
— Tirando a roupa. Não tenho roupas aqui,
então não posso me molhar.
— Você não disse que ia ficar aqui comigo
até eu melhorar? — pergunta parecendo
assustado, num tom acusador de alguém que
sente medo.
— Eu vou, mas vou usar suas roupas. Você
nem vai saber, não vai ver mesmo — brinco e um
sorriso lindo surge em seu rosto.
— Também vai usar minhas cuecas? —
provoca me fazendo rir alto.
— Aquelas branquinhas? Com certeza!
Amo aquelas cuecas!
— Eu sabia!
Seguro sua mão e entramos sob a água,
nossos corpos se tocam no espaço pequeno, o
contato de sua pele com a minha parece acender
cada centímetro da minha pele. Tudo começa a
formigar, meu coração acelera, de repente sinto-
me quente. Não consigo parar de observar a
água descendo por seu corpo nu e tudo o que
quero é abraçá-lo e deixar que nossos corpos
conversem unidos sob essa água.
Estou quase tremendo quando vou passar o
sabão sobre o seu corpo, mas isso parece ser
demais para ele. Ele me impede me pedindo que
espere do lado de fora do box. Não quer minha
companhia. Espero que termine o banho, o
ajudo com a roupa e deixo-o sozinho, como ele
tanto quer.
A noite esfriou bastante e um chuva forte
se anuncia sem o menor pudor. Clara está
fechando as janelas da casa e se despede em
seguida, indo deitar em um quarto de hóspedes,
pois está com medo de pegar a chuva no
caminho até sua casa. Quando a chuva chega,
sorrio, pois apesar do escândalo dos trovões, é
uma chuva leve, dessas que dura a noite toda e
refresca o clima imediatamente.
Entro no quarto dele e ainda está acordado.
Jogo uma manta sobre ele, ele sabe que estou
aqui, mas não diz nada. Não me pede para ficar,
não pergunta por onde estive. Fecho a janela
para que o vento frio para de entrar e acendo a
lareira. Me preparo para ir dormir com Clara,
quando vejo a minha cama ali, com um espaço
enorme para mim. E estou tão cansada de ficar
longe dele! Ele que me mande sair.
Subo na cama e me aconchego do lado que
costumava dormir antes de tudo ruir.
— O que está fazendo, Ayla? — ele
pergunta, como achei que faria.
— Não durmo sozinha.
Ele demora um pouco a responder, e não
tenho coragem de olhar em seu rosto para ver o
desgosto ali por eu estar tão perto.
— Ayla, há mais três quartos nesta casa,
você pode...
— Eu não durmo sozinha! — repito
deixando claro que não vou passar uma noite em
claro por conta do egoísmo dele.
— Isso não é problema meu!
— Dane-se, vou dormir aqui! Se estiver
achando ruim venha até aqui e me tire! —
desafio e me atrevo a olhar seu rosto, ele está
sorrindo. — Eu vou embora, Eros, assim que
você voltar a enxergar. Vou sumir da sua vida, eu
prometo. Mas esta noite, e todas as noites
enquanto eu estiver aqui, eu vou dormir com
você na cama. Isso não está em discussão —
aviso esperando que negue, mas ele não o faz.
Ele toca o rosto, franze o cenho ao perceber
a barba feita, está um pouco mais baixa do que
ele deixava normalmente, mas não está rala.
— Eu fiz — explico. — Cortei seu cabelo,
suas unhas e fiz sua barba algumas vezes. Cortei
você nas primeiras, ainda bem que você não viu.
Ele segura o riso e não diz nada. Ele está
aqui comigo, na nossa casa, na nossa cama,
acordado. E ainda assim nunca me pareceu tão
distante. Ele não me quer por perto, aceita
minha companhia porque é cavalheiro demais
para me expulsar, mas o faria se pudesse. É
como se eu tivesse sido apagada da memória do
seu coração. Ele ri de mim, brinca comigo, se
esquece às vezes que tem que me odiar, mas
nunca é com aquele amor que ele falava, nunca
com o carinho com que me tocava. Nunca
preocupado em cuidar de mim, nem um pouco
sequer.
De repente o peso desses últimos dias
desde que acordou parece demais para eu
suportar. Tento controlar as lágrimas, fico
quieta, fingindo dormir, quando ele fala de
repente: — Eu sonhei com você. Lembro-me de
você, de coisas que não vivemos, mas são vívidas
em minha mente.
— Foram sonhos bons? — pergunto
baixinho quando ele não parece disposto a
contar como foram esses sonhos.
— Foram sonhos lindos. Mas foram isso,
sonhos.
Mais uma vez me afastando mesmo sem
perceber. Como se isso já estivesse tão enraizado
em sua mente! Eu sou passado para ele, isso é
certo.
— Eu não espero nada de você, Eros! Não
espero seu perdão, nem seu amor pela metade.
Não espero nada! Você não precisa ser cruel e
idiota como está sendo! — explodo.
— Não tive a intenção, me desculpe.
Fico quieta respirando fundo para me
acalmar. O meu Eros, aquele que me amava, me
prenderia em seus braços e me faria dormir com
ele. Ele me acalmaria com sua voz doce e seus
toques suaves, mas não esse. Não esse que quer
distância de mim.
— Como você fez para dormir nesses meses
todos? — pergunta quando estou prestes e
desistir e deixá-lo sozinho em sua cama.
— Eu dormia com você, já te disse.
— Você não se contentava em estar sob o
mesmo teto apenas, você se apossava do meu
corpo. Não havia um pedaço de pele em mim
que não tivesse um pedaço da sua pele.
Não há acusação em sua voz, apenas
curiosidade.
— Eu dormia com você, sobre você, chame
como quiser.
Ele sorri.
— Como exatamente era isso em um
hospital?
Tenho a impressão que está fazendo isso,
está tentando me fazer deitar com ele para me
acalmar, mas não tenho como ter certeza. Toco
sua mão receosa, esperando que me impeça e me
afaste, mas ele me puxa para seus braços. Me
cerca com seus braços rapidamente para que eu
não saia. Me prendo a ele, isso era tudo o que
queria que ele fizesse. É o meu Eros aqui, o
homem que me ama. Tomo posse de seu corpo,
colando nossos corpos o máximo que consigo e
ele permite.
— Eu dormia assim.
— E dava certo? Você conseguia dormir?
Assinto e ele me abraça mais forte, sua mão
acaricia meu cabelo onde ele deposita um beijo.
Toca seu comprimento e volta a acariciá-lo. Pela
primeira vez em dez meses me sinto protegida.
Pela primeira vez nesse tempo todo, estou
segura, no meu lugar preferido, em paz,
respirando seu cheiro, cercada por seus braços.
Ele continua me acariciando e depositando
beijos leves em minha cabeça, e um sorriso
prega em meu rosto porque entendo que não
importa o quanto ele tente me afastar, eu vou
lutar por esse amor. Mesmo que tenha que lutar
sozinha.
— Durma, meu bem, descanse — pede
usando a maneira carinhosa como sempre me
chamou e entendo que não vou lutar sozinha.
Ele pode não se dar conta do que está fazendo,
pode estar agindo apenas por saudade, mas ele
vai lutar por nós. Quando o momento chegar,
quando sua mágoa passar, eu sei que vai.
Sabrina

Um mês depois...

— Bom dia, tia Sofia, onde está a Ayla? —


pergunto ao chegar à casa de Sofia, e a expressão
preocupada dela ao apontar para o quintal, me
faz entender que assim como Eros, Ayla também
está destruída.
Nunca vi um casal mais cabeça dura que
esses dois. Depois de dez meses em coma, de
acordar no que todos chamaram de milagre,
Eros ficou alguns dias sem conseguir enxergar, e
ao recuperar a visão escondeu isso da esposa,
para que ela não o deixasse. Como era de se
esperar pela trajetória de mentirinhas de nada
entre eles, Ayla o deixou por isso. Agora nenhum
dos dois parece conseguir viver direito.
Encontro Ayla sentada no muro, ao invés
de na cadeira e me empoleiro nele ao lado dela.
Conversamos sobre algumas coisas e quero
contar a ela que estou com Tim, não aguento
mais tirar o anel cada vez que a vejo para que
não perceba.
— O que pode ser pior do que não poder
mais dormir sem o seu ex-marido a quem você
ainda ama loucamente? — ela pergunta
desaminada e não posso mais segurar a língua
dentro da boca.
— Se apaixonar pelo ex amor da vida da
sua melhor amiga — espero um tempo para que
processe o que acabei de dizer. Ela não dorme há
alguns dias e não parece estar prestando
atenção.
Finalmente o faz. Arregala os olhos e me
olha de boca aberta, parece estar acordada.
— Você está apaixonada pelo Tim?
Não entendo em seu tom de voz se é uma
acusação, não sei se existe esse código de honra
entre meninas, e começo a entrar em pânico.
— Me desculpa! Tem sido muito difícil
consertá-lo e muito trabalhoso! Mas por fim está
se tornando uma pessoa tão linda!
— Sabrina! — Ela me abraça de repente
com um sorriso que há dias não via em seu
rosto. — Pensei que nunca a veria apaixonada!
Você já disse a ele como se sente? O que ele
disse? Desde quando se sente assim por ele? Por
que não me contou isso antes?
Levanto suas pálpebras que insistem em se
fechar para que possamos terminar essa
conversa.
— Você não está brava? — pergunto.
— Eu? Eu não! Por que estaria?
— Você o amou por longos três sofridos
anos.
De repente parece estranho me lembrar de
quantas noites passamos com ela falando
apaixonadamente daquele a quem eu amo agora.
— Não amei, foi uma paixão apenas, eu só
amei uma pessoa, ainda amo e vou amar para
sempre. Mas vou começar a chorar se falarmos
dela, então falemos de você. Sabrina, ninguém
melhor do que você para “consertá-lo” como
você diz. E é notável o quanto ele mudou por
você. Amiga, estou tão feliz por vocês!
Ela volta a me abraçar e me sinto tão
aliviada que nem sei descrever. É tão bom ter
uma amiga que não me julga pelo segredo que
escondi, pela pessoa por quem me apaixonei,
que apenas está aqui por mim! Ayla é como
minha irmã, a metade da minha alma
maluquinha e desastrada.
— Ele sabe do que sinto, na verdade, ele
ficou meses tentando me conquistar — confesso.
— Bem, se você não fosse teimosa e birrenta,
seríamos da mesma família.
E dizer isso a faz pensar em Eros, sua
expressão murcha, seus olhos enchem e preciso
dar um jeito de ajudar esses dois a se resolverem
o mais rápido possível.

Chego à Reymond e avisto pela parede de


vidro Eros em sua sala perdido em sua mesa. Ele
olha fixamente para um ponto da mesa
enquanto alisa uma gravata. Sei que teve uma
reunião importante hoje, sobre um projeto
iniciado pela Ayla. E sei que pensou nela em
cada segundo de uma reunião que ela deveria
estar participando. Bato em sua porta e ele me
manda entrar.
Sento-me diante dele, que ansioso espera
notícias dela.
— Não vou dar notícias dela para você, se
quiser saber dela, ligue e pergunte.
— Ela não me atenderia.
— Então sente-se aí e desista.
Ele pega uns papéis e os entrega a mim.
— Você pode dar isso a ela? Ela volta a
estudar em duas semanas. Do jeito que tem a
cabeça nas nuvens vai se esquecer disso.
— Você não viu nada! Ayla nem tem vivido
mais, parece um zumbi, uma mera sombra da
garota cheia de luz que você conheceu.
Seus olhos enchem e ele para o movimento
de arrumar a gravata com a culpa estampada nos
olhos negros.
— Não diga uma coisa dessa, Sabrina. Não
sei mais o que fazer para consertar isso.
— Eros, vocês se amam. Não faz sentido
estarem separados depois de tudo que
enfrentaram. Ela pode estar chateada, mas e
daí? Vá até ela, faça com que ela o veja, mate
essa saudade que vocês dois sentem, a convença
aos poucos.
— Na verdade, está chegando o dia do
nosso aniversário de casamento. É irônico, não
é? — pergunta, mas não espera uma resposta. —
Não, não é. É triste. Enfim, pensei em fazer algo
nesse dia, como um novo recomeço. Você acha
que funcionaria?
Assinto. Tim entra em seguida e me
cumprimenta com um beijo, sentando-se ao meu
lado.
— Você poderia usar a ideia da Sabrina,
Eros. Armar um casamento surpresa — Tim
provoca e faço uma careta para ele, mas quando
olhamos Eros, ele está completamente parado,
pensando em algo.
De repente dá um grito e se levanta
agitado.
— É isso! Vocês são brilhantes! Um
casamento surpresa.
— Vocês já são casados — lembro.
— Não deu muito certo esse casamento,
nós estragamos tudo, eu estraguei tudo. Um
casamento novo, um recomeço. Não pode dar
errado dessa vez, nós nos conhecemos muito
mais dessa vez, vamos entrar nisso abertos,
sabendo como somos quando erramos, quando
amamos, quando nos perdemos. É isso!
Começamos então a planejar o casamento
do século, o segundo casamento entre Ayla e
Eros e torço que isso dê certo. Que minha amiga
sensível e romântica se encante com essa atitude
e o perdoe, que aceite se casar com ele e viva o
amor que ela merece viver.

Quando vamos para a casa de Tim, percebo


que continua pensativo e calado enquanto faço o
jantar. Sinto-me tão cansada esses dias! A
confeitaria, Ayla, Tim e tudo isso tem me
esgotado. Tim parece perceber, pois me manda
sentar e assume o fogão, preparando algo rápido
e delicioso. Comemos em silêncio, o que não é
normal. Geralmente disputamos quem fala mais
durante o jantar.
— Tim, está tudo bem? — pergunto um
tempo depois.
— Sim.
— Você parece meio aéreo.
— Estava pensando no Eros e nesse
segundo casamento.
Minha mão para no ar o movimento de
levar a colher à boca e meu estômago parece
embrulhar de repente.
— É que eles se amam tanto e você mesma
vive dizendo que não faz sentido que não vivam
esse amor a cada segundo. Que é ridículo que
estejam dormindo separados.
— Ainda bem que dormimos juntos quase
todos os dias — respondo com um sorriso
amarelo.
Ele sorri da minha reação.
— Mas não somos casados. Se fôssemos,
você poderia sair daquela casa pequena e viver
aqui comigo.
— Eu não poderia deixar minha mãe
sozinha.
— Ela poderia vir com você. Há um quarto
no andar de baixo. Algumas mudanças de
móveis e ela poderá circular pela casa
tranquilamente.
Começo a me sentir nervosa. A colher
treme na minha mão derrubando seu conteúdo,
e sorrindo com uma calma que me irrita, Tim
limpa a sujeira que faço.
— Estamos namorando há pouco tempo.
Você viu o que aconteceu com Ayla e Eros, ouviu
o que ele disse. Não adianta apressar as coisas.
Temos que nos conhecer melhor.
— Há algo sobre você que ainda não sei? —
pergunta.
— Espero que sim! Deus me livre ser
totalmente previsível!
Ele ri alto. Segura minha mão gelada
tentando me acalmar.
— Amor, posso conhecê-la do avesso, ainda
assim se tem algo que você não é, é imprevisível.
Por exemplo, se eu ajudasse o Eros com o
casamento e de repente armasse algo parecido...
— Eu mataria você. E estou falando sério.
— Levanto-me indignada. — Você já me fez
assumir que o amo, fez eu me apaixonar do jeito
que eu disse que nunca me apaixonaria, me fez
admitir isso, pedir você em namoro, usar um
anel, dormir na sua casa quase todos os dias,
aceitar suas roupas no meu guarda-roupa,
contar isso para minha melhor amiga e ouvir
músicas lentas! Não vai me fazer casar com você
após poucos meses de namoro! Um passo de
cada vez!
— Tudo bem, respire — pede calmamente.
— Você está me deixando nervosa. Amanhã
estaremos casados, depois de amanhã eu
engravido e minha vida nunca mais será a
mesma.
— Tudo bem, eu disse uma vez que nos
casaríamos quando você estivesse de acordo com
isso e vou cumprir. Se acalme.
Sento-me de novo e volto a comer, os olhos
fixos nele que vez ou outra ri de mim.
— Por que está me olhando assim, Sabrina?
— Se você armar um casamento surpresa
para mim, eu vou fingir um desmaio no altar e
estrangular você na primeira oportunidade —
ameaço.
— Você fala da boca pra fora. Mas não vou
fazer isso, eu prometo.
— Você não é do tipo que desiste de algo
quando quer muito. Eu sou a prova disso, você
me dobrou direitinho.
Seu sorriso é tão grande que sorrio e volta.
— Tudo bem, eu nem quero me casar por
agora, foi só uma ideia maluca, se acalme.

Nessa noite, estamos aconchegados vendo


algo na televisão, quando passo minhas unhas
por sua barriga, brincando com ele. Começo a
contar e antes de chegar no três, ele joga o corpo
sobre o meu e segura minhas mãos ao lado da
cabeça.
— Você está me provocando, senhorita?
— Eu? Eu não! Você que é um pervertido.
— Então eu sou mesmo, porque vou tomar
você agora e não vai ser na gentileza.
— Vai ser na brutalidade? — provoco
fingindo temer. — Então faça.
Sua boca toma a minha do seu jeito voraz,
sua língua me dominando, tirando meu ar. Ele
belisca meus mamilos e é tão intenso que quase
me perco ali mesmo. Como prometeu, não é com
gentileza e calma que tira minha roupa e me
toca. Sua boca não me acaricia, ela me toma.
Seus braços me prendem a ele como se eu
estivesse prestes a escapar. E quando está dentro
de mim diz em meu ouvido: — Não vejo a hora
de me casar com você.
Não tenho tempo de reagir a isso porque
ele me toma do jeito dele, selvagem, bruto,
arrancando qualquer pensamento da minha
cabeça.
Dormimos logo depois, exaustos.

Na manhã seguinte, saio antes que ele


acorde para as compras para a confeitaria e fico
o resto do dia com medo que ele arme mesmo
um casamento surpresa.

Dois dias depois, volto à Reymond, procuro


por Tim, mas está concentrado em algo em sua
sala, então passo de fininho e entro na sala do
Eros.
— Ei, Sabrina, queria mesmo falar com
você, tudo bem?
Sinto meu coração parar e dar uma
cambalhota sem seguida.
— Por que você queria falar comigo?
Espera, deixa eu me sentar.
Sento-me e tomo seu copo de água sobre a
mesa.
— Ele fez isso, não fez? Tim vai armar um
casamento surpresa pra gente junto com o seu.
Eros, estou avisando desde agora que vou fingir
um desmaio e estragar seus planos. Convença-o
a desistir.
Eros está rindo e tenta me acalmar:
— Ele não armou nenhum casamento
surpresa para vocês, se acalme, mulher.
— Então o que você queria falar comigo?
— Percebi esta manhã que há uma loja
desocupada ao lado a confeitaria. É um ponto
muito bom, não é?
Assinto.
— É uma loja enorme! E muito bem
localizada.
— Entrei em contato com o número na
placa e estou pretendendo alugá-la. Gostaria que
você fosse vê-la comigo.
— Para que você quer uma loja?
Ele dá de ombros e penso que é algo sobre
a empesa. Algum depósito, algo assim.

Ele chama Tim e vamos os três ver a loja.


Tim fica rindo o caminho todo e tenho a
impressão que está aprontando alguma coisa,
mas não pergunto mais para não parecer uma
louca na frente do Eros. Chegamos à loja e ao
entrarmos, começo a rir também, foi aqui que
tudo aconteceu. A noite mágica, o pedido de
namoro, a gente fazendo amor no chão.
Eros para exatamente onde nosso ato
desesperado de amor aconteceu e pergunta: — O
que você acha desse lugar?
— Como você sabe? — pergunto assustada
e ouço a gargalhada de Tim ao meu lado.
— Amor, ele está falando da loja em si, do
ponto. Não desse lugar específico onde estamos
parados.
Eros tem a testa franzida e tenho uma crise
de riso ao me dar conta que não tem como ele
saber o que fizemos aqui.
— É um lugar ótimo, bem espaçoso, bem
localizado, para que você o quer?
— Bem localizado o suficiente para um
restaurante?
Meu ar falha por um segundo. Assinto e ele
sorri.
— Então tenho um favor a te pedir,
Sabrina, você seria minha sócia? Eu alugo a loja,
monto o restaurante e você cozinha.
— Também quero entrar nesse negócio —
Tim pede levantando o dedo.
— Uma cozinha de verdade? Tipo, eu ser a
chef comandando uma cozinha?
Eles assentem e Tim segura minha mão,
me dando coragem.
— Amor, você dá conta. Você é incrível,
tem talento nato, vai tirar isso de letra. Mesmo
porque podemos quebrar essa parede e uni-lo à
confeitaria, você poderia tomar conta dos dois
lugares. Contrataremos uma equipe grande e
preparada, pessoas que irão ajudá-la.
— Isso é melhor do que casamento —
confesso sem querer e Tim ri.
— Você não vai me fazer mudar de ideia
sobre o casamento, mas tudo bem, um passo de
cada vez. Vou te pedir em casamento de novo no
mês que vem.
— Ainda vou dizer não. Mas sobre o
restaurante a resposta é sim.
Estou assustada em assumir algo tão
grande, mas com Tim do meu lado sinto que vai
dar certo. A confeitaria está indo muito bem,
praticamente dobramos seu faturamento nos
últimos dois meses, talvez eu possa mesmo fazer
isso.

Mamãe está andando de um lado a outro


esta noite. Atena está calma, sentada em nosso
pequeno sofá, rindo do nervosismo da minha
mãe.
— Mãe, você vai fazer um buraco no chão
desse jeito.
— Você tem certeza que essa roupa está
boa? Não faço isso há tantos anos!
A campainha soa e ela dá um pulo, nos
fazendo rir.
— Você quer relaxar, dona Denise? Você
está linda! E o Gilberto é muito legal, está
tentando sair com você há semanas! Vai dar
tudo verto, apenas se divirta.
Atena diz algo parecido, conserta o cabelo
dela e a leva até a porta para advertir Gilberto a
ser gentil e cuidadoso com sua amiga.
Mamãe terá seu primeiro encontro em
anos, com um cliente assíduo da confeitaria, que
claro, vai lá tantas vezes por causa dela. É a
primeira vez que a vejo tão animada, preocupada
em se arrumar corando ao falar de alguém, e é
lindo ver isso.
Atena se serve de um café e se senta
comentando sobre o plano de Eros. O que não
diz, mas entendo que quer dizer é que verá Tom
nesse casamento. Finalmente irão se encontrar.
— Ele é tão bonito! — digo para provocá-la.
— Quem?
— O Tom, meu querido sogro. Tem um
sorriso lindo, é um doce de pessoa e é um coroa
muito bonito. Se eu gostasse de mais velhos...
Ela me atira uma almofada.
— Não brinca comigo, Sabrina. Meu
coração vai parar amanhã, estou sentindo. Se
não fosse pela felicidade dos meus filhos eu
jamais aceitaria participar de algo assim.
— Vai dar tudo cerro. O amor reinará. Ele
vencerá.
— Para de brincar comigo! — ralha
atirando outra almofada. — Pare ou vou
convencer o Tim de que você está ansiosa para
se casar também.
— Vira essa boca, Atena, credo! Parei!
Amanhã conversamos quando você desmaiar ao
ver seu amor de cabelos grisalhos.
Ela esconde o rosto nas mãos como uma
adolescente apaixonada e confirmo que o amor
deixa a gente sem idade mental. Zera tudo. Nos
transformamos em amor apenas, agindo com o
coração em situações tão bobas. Que sentimento
extraordinário é o amor.

O segundo casamento de Ayla e Eros foi a


coisa mais linda que já vi na vida. Compara-se
apenas ao primeiro casamento deles. Ayla é, pela
segunda vez, a noiva mais linda que já vi. Os dois
estão felizes, apaixonados, unidos e brinco que
vão dormir por uma semana ao invés de
aproveitarem a lua de mel pelo tempo que
ficaram separados parecendo dois zumbis.
Claro que minha felicidade só foi possível
quando percebi que não era um casamento
duplo. Mas também senti uma pontada de
decepção ao perceber isso. Pela primeira vez na
vida me imaginei vestida de noiva, carregando
um buquê de rodas brancas, encontrando o
homem que amo em seu traje mais belo
esperando por mim. E então juramos nosso
amor perante Deus no altar.
Sacudo a cabeça assustada com o rumo dos
meus pensamentos, eu nunca, nuca mesmo,
pensei em me casar. Tim definitivamente precisa
parar de falar em casamento comigo.

Nas últimas semanas tenho me sentido


cansada ao extremo, quase preguiçosa. Tim tem
cozinhado todos os dias e estou comendo tanto,
que me assusta. Estamos em seu quarto em uma
noite estrelada, quando algo me vem à mente.
Assim, do nada, sem qualquer aviso prévio nem
motivo. Sento-me na cama de repente e encaro
Tim.
— Ei, o que houve? Que cara é essa? —
pergunta preocupado.
— Que dia é hoje, Tim? Em que mês
estamos?
Ele parece confuso com minha pergunta e
olha no celular. Quando ele confirma a data,
tomo o aparelho de sua mão para ter certeza.
— Merda! Merda! Merda!
Levanto-me imediatamente e ele se levanta
também, assustado. Visto um roupão por cima
da camisola neon e pego minha bolsa.
— Onde você vai a essa hora vestida assim?
Sabrina, o que está havendo?
— Me espera aqui, eu já volto.
Desço correndo e pego seu carro. Preciso
respirar fundo o caminho todo até a farmácia. O
atendente me encara preocupado com minha
vestimenta, mas não tenho tempo para isso.
— Um teste de gravidez, por favor.
Ele arregala os olhos e um sorriso surge em
seu rosto.
— Entendi, a senhora acabou de perceber
que está atrasada, não é?
Assinto.
— Nunca atrasei antes, mas não deve ser
nada, não é?
— Quem sabe? Se achasse que não é nada
não viria aqui a essa hora, com essa vestimenta,
não é mesmo?
Faço uma careta prestes a chorar.
— É mesmo — concordo.
— A senhora não vai desmaiar, não é? Leve
esse teste e faça na sua casa, ao lado do seu
marido, vai se sentir melhor.
Tomo a sacola de sua mão e volto para casa
de Tim no automático. Ele está me esperando na
sala, parece aliviado quando chego e me segue
escada acima fazendo perguntas enquanto
converso com o universo.
— Eu disse para não apressarmos as coisas.
Você está errando de amiga, deu paz a ela e se
virou para mim? Isso é uma brincadeira! Não vai
dar nada! É coisa da minha cabeça.
— Sabrina, do que você está falando?
Tiro o teste de gravidez da sacola e os olhos
de Tim quase saltam.
— Você...
— Não! Que dizer, não sei ainda, eu estou
atrasada, me dei conta disso hoje, é um teste
para termos certeza que não é nada.
Ele sorri, seus olhos enchem como se eu já
estivesse com um exame de sangue positivo em
mãos.
— Tim, pode não ser nada.
— Você tem comido demais, dormido
demais, está sensível demais quando fazemos
amor. Você está grávida.
— Não! Não sabemos!
Entro no banheiro e faço o teste. Enquanto
aguardamos a maldita tirinha acender começo a
resmungar.
— Eu só queria ir devagar, nada de
casamento agora, imagina um filho? Você não
vai fazer isso comigo, universo, querido. Você vai
com a minha cara, eu sei que vai!
Duas tirinhas acendem. Pego o teste e o
sacudo, mas as duas tirinhas continuam lá. Olho
para Tim prestes a desmaiar e ele me abraça,
com o maior sorriso que já vi em seu rosto.
— Você está grávida, amor.
— A culpa é sua! — acuso.
— Não posso negar isso.
— Você disse que ia me pedir em
casamento esse mês de novo.
— E agora você dirá sim. Tem ideia de
como estou feliz?
— Eu estou em pânico!
Ele me abraça mais forte e me recosto em
seu corpo.
— Mas não há motivos, meu amor. Você
carrega uma criança que vai nascer com pais que
se amam, que vão amá-lo mais do que tudo. Ele
vai ter avós, avô, tios, todos babando por ele.
Você já parou para pensar em como essa criança
será afortunada? — Ele segura meu rosto, está
tão feliz que parece injusto eu ficar triste com
algo que o ilumina assim. — Amor, vamos dar
conta. Estaremos juntos em cada passo, seremos
pais maravilhosos e sei disso porque eu amo
você. Amo tudo o que você faz. Vamos ter um
pedacinho nosso, seu rosto lindo, minhas
manias, seu temperamento, já pensou nisso?
Afasto-me dele e toco a barriga. Não é justo
não amar um pequeno ser que não tem culpa dos
meus planos fracassados.
— Eu só queria ir devagar, um passo de
cada vez. A gente atropelou tudo — choramingo.
Quando olho para Tim ele está ajoelhado
na minha frente. Tem um anel em seu dedo e
todo amor em seu olhar.
— Sabrina, quer ser minha para todo
sempre, assinar meu sobrenome e viver comigo?
— O que ganho em troca?
— Todo amor do mundo. Prometo fazê-la
feliz a cada dia, meu amor.
Sorrio. Não acredito que isso esteja
acontecendo.
— Quer se casar comigo? — pergunta
finalmente e não parece errado quando
respondo.
— Sim, eu quero. Mas desde quando está
com esse anel?
Ele sorri, coloca o anel em meu dedo e o
beija, beija minha barriga e em seguida minha
boca. Me pega no colo e vamos para a cama,
então deixo para pensar que vou ser mãe no dia
seguinte. Deixo para surtar com isso no dia
seguinte.

Ayla e Eros são as primeiras pessoas para


quem contamos sobre a gravidez e o casamento.
Os dois estão discutindo algum projeto na sala
deles quando entramos e Tim diz que tem uma
notícia importante para dar.
— Estamos grávidos — contamos, Eros
grita em comemoração, ele e Tim se trombam
como dois babacas e ficam dando pulos pela
sala.
Já Ayla me encara divertida e ao
aproximar-se de mim, cai na risada. Ri tanto,
que não consegue nos parabenizar e não entendo
o motivo de tanta graça. Até que ela explica: —
Um passo de cada vez, não é? Parabéns pelo
grande passo. Agora entendo como sua lógica
funciona. — E volta a rir.
— Não ria, sua vaca! Não tem graça, estou
em pânico!
Ela para de rir e me abraça.
— Você não está, não. Está radiante, é a
melhor coisa que poderia ter te acontecido, você
só pega no tranco, Sabrina. Até mesmo a sua
felicidade vem na base da força.
Ela abraça Tim e ele, junto com Eros, saem
gritando pela empresa que serão pai e tio.
— Sabe, você devia engravidar junto
comigo — sugiro.
Seu sorriso some, seus olhos parecem se
perder e por fim, concorda me surpreendendo.
É
— É, eu devia. Uma pena que meus passos
sejam mesmo um de cada vez.
Eros entra na sala nesse exato momento e
respondo a provocação de Ayla: — Eros, Ayla
também está grávida — brinco.
Ele a abraça enquanto ela grita.
— Não estou! Não estou!
Então ele sai gritando pela empresa que
também ser pai e Ayla me lança seu olhar
ameaçador.
— Você vai dar sua criança para ele agora!
Sua vaca!
— Vou me casar em dezesseis semanas, não
me estresse! Como vamos preparar um
casamento em tão pouco tempo?
— Vamos conseguir, com um passo de cada
vez.
Sorrio, mas ela me abraça de novo e
promete: — Você vai ter o casamento mais lindo
que já viu na vida, Sabrina. Vamos preparar tudo
e vai dar certo, é sua história, minha
protagonista preferida, você não merece menos
do que um casamento perfeito.
— Você está certa, vai dar tempo, nós
vamos conseguir.
— Claro que vamos!
Ouvimos Eros gritar e ser parabenizado e
ela revira os olhos, irritada.
— É sério, você vai dar essa criança para
ele!
E sai chamando por ele e desmentindo sua
notícia.
Chega então a hora de contarmos à minha
mãe. Ela é a pessoa para quem estou realmente
tremendo por contar algo assim. Sei que fui
muito bem planejada, mamãe me teve quando já
tinha quatro anos de casada, ela pesou cada
situação possível antes de colocar um bebê no
mundo e sei que esperava o mesmo de mim. Não
sei como vai reagir a um pequeno acidente.
Ela se senta em um sofá quando Tim diz
que precisamos contar algo e nos sentamos em
outro, de frente para ela. Tim me olha esperando
que eu comece e sei que sou eu que tenho que
fazer isso.
— Mae, nós... Tim e eu vamos... — ao invés
de dizer ser pais, o que sai é:— vamos nos casar.
Imediatamente ela leva as mãos ao rosto e
pergunta: — Ah, meu Deus, você está grávida?
— Mãe! Por que soube disso?
— Você está? Ele não a convenceria tão
rápido a se casar, estão esperando um filho?
— Estamos, Denise, vamos ter um bebê. E
vamos nos casar — Tim confirma e minha mãe
se levanta. Parece estar tremendo, procura por
mim com as mãos no ar e me aproximo dela
segurando-as.
— Estou aqui, mãe.
Primeiro ela me abraça, quando se afasta,
está chorando. Desce as mãos por meus braços e
toca minha barriga, fala com ela: — Ei bebê, é a
vovó aqui! A vovó só queria dizer que te ama
muito!
Ela deita a cabeça na minha barriga e
quando vejo também estou chorando. Olho para
Tim que também tem os olhos cheios. Ele vem
até nós e nos abraça. É estranho como algo não
planejado pode completar tanto a gente.
Chega então a hora de contar a Atena. Tim
sabe que ela vai amar a notícia, que vai se tornar
uma avó superprotetora e parece até ansioso
para dizer a ela. Atena está costurando um
vestido de noiva quando chegamos ao seu
apartamento. Nunca tinha vindo aqui, é um
apartamento pequeno, mas muito luxuoso. Bem
decorado, ela tem ótimo gosto, com um espaço
na cobertura para seu ateliê. Fica longe da
agitação da cidade, no meio de árvores e
montanhas em um lugar tão gostoso que nem dá
vontade de ir embora.
— Agora entendo porque você não quis
morar com Tim nem Eros — comento e ela sorri.
— Vocês estão bem? Parecem diferentes, o
que houve?
Espero Tim contar, mas ele não consegue.
As palavras não saem e ele segura minha mão
me pedindo ajuda. Vejo que Atena se preocupa
ao perceber que ele está prestes a chorar e trato
logo de acalmá-la.
— Atena, vim te informar que você tem
exatas doze semanas para criar e confeccionar o
vestido de noiva para uma mulher grávida mais
lindo que você já fez.
Ela pisca confusa, observa Tim e suas
lágrimas e então se dá conta.
— Ah, meu Deus! Meu Deus!
Ela abraça o filho primeiro, chora com ele,
mas parece tão feliz que não consegue ficar
parada. Me abraça em seguida, beija minha
barriga, anda de um lado para o outro, batendo
palmas e sorrindo.
— Um bebê! Não se preocupe, vou fazer o
vestido mais lindo que você já viu. Será uma
honra, minha filha! — Volta a me abraçar e a
Tim. — Você já contou ao seu pai?
— Ainda não o vimos.
— Eu posso dar a notícia?
— Claro, mãe! Como quiser.
Ela pega o telefone imediatamente e liga
para Tom, comprovando que a relação dos dois
está bem melhor. Enquanto chama ela diz: — Se
for menino eu vou escolher o nome, será de um
deus grego.
— Combinado. Se for menina, minha mãe
escolhe — respondo e fazemos um acordo.

O tempo passou tão rápido, que ao me


olhar no espelho nem posso acreditar. Minha
barriga é bem pequena, apesar de já estar de
vinte e quatro semanas de gestação, minha
garotinha é tímida e gosta de se esconder. Uso
sempre roupas que evidenciam a barriga,
ansiosa que todos saibam que minha pequena
está aqui.
O vestido que Atena confeccionou para
mim é mesmo o vestido mais lindo que já vi. Eu
disse a ela que não queria nada espalhafatoso,
nem de princesa, nada assim. Queria algo como
vi no meu sonho, naquele em que me dei conta
que não era a criada, e sim a princesa. Descrevi
para ela o que vi, e levando em conta minha
necessidade de mostrar a barriga sempre, ela fez
o vestido mais perfeito que eu poderia imaginar.
Ele é de um tecido leve com um brilho leve,
como seda. É de saia longa, mas não rodada, tem
a manga curta e o busto destacado. Há um cinto
de prata abaixo do busto, evidenciando minha
barriga. Deixamos meu cabelo solto, para o lado,
preso com um arranjo de flores brancas. E
escolhemos a basílica projetada por Ayla, o
nosso é o primeiro casamento realizado aqui. A
lista de espera para se casar aqui já alcança dois
anos, antes mesmo de ela estar pronta. Foi o
presente de Ayla, o lugar é tão lindo que quando
viemos conhecê-lo sequer tivemos palavras para
agradecer a ela.
Atena me avisa que todos os convidados já
chegaram e escuto a música que toca indicando
que os padrinhos podem entrar. Não escolhemos
muitos, Bruna e Ulisses, Ayla e Eros e Andrea e
Tulio. Liah entra com as flores antes de Maya,
com as alianças. Liah queria levar as alianças,
mas tivemos medo que nos chantageasse na nora
de entregá-las, por isso a gêmea boazinha ficou
com a função.
Quem me leva ao altar é Tom, meu sogro.
Ele me entrega a Tim e pede que ele cuide muito
bem de suas vidas. Meu noivo está tão lindo em
seu traje claro! Ele me observa por longos
minutos, mesmo após a cerimônia começar e o
que vejo em seus olhos é mais uma certeza de
que estamos fazendo a coisa certa. Apesar da
música lenta, já que Ayla não permitiu que a
marcha nupcial fosse trocada, é mesmo a
cerimônia mais linda a que já fui. Acho que é
tudo mágico quando é com a gente. Choro a
cerimônia quase toda, choro quando ele coloca a
aliança no meu dedo, quando nos beijamos,
quando recebemos uma chuva de arroz. Ele
carrega um lenço no bolso e seca meu rosto o
tempo todo.
— Aqui, minha chorona mais linda — diz
enquanto faz isso pela décima vez.
— É culpa da bebê, ela me deixa chorona —
explico.
— É claro que é. Ela está fazendo de nós
dois uns chorões.
— Tim, eu te amo, vou te amar para
sempre. Obrigada por não ter desistido de mim.
— Só se eu fosse louco para desistir da
minha vida. Você é e sempre será a razão de
tudo, Sabrina, você é a razão mais linda,
extraordinária e perfeita que alguém poderia ter.
Seguro seu rosto e o beijo. E a bebê dá um
chute na barriga compartilhando nosso
momento.

3 meses depois...

Ayla não estava brincando quando


concordou que deveria engravidar junto comigo.
Um mês depois de eu ter me casado, ela se
formou na faculdade e anunciou sua gestação.
Estava ainda de quaro semanas, na ocasião.
Agora, dois meses depois, tenho uma barriga tão
grande, que mal consigo me mover. Minhas
costas doem, meus seios estão enormes e roupa
nenhuma me cabe. Ainda ando encurvada para
trás, o que é ridículo. Tim e eu viemos com ela
para a ultrassom que poderá revelar o sexo de
seu bebê, Atena fez com ela o mesmo acordo que
fez comigo. Se for um menino, ela escolhe o
nome, um deus grego. Se for uma menina, se
chamará Sara, como se chamava a mãe da Ayla.
— Você sabe que podem ser gêmeos, não é
— provoco antes de entramos na sala.
Ela arregala os olhos e Tim ralha comigo.
— Amor, não seja cruel assim, podem ser
trigêmeos. Quantos gêmeos há na sua família,
Ayla?
Eros parece prestes a desmaiar e Ayla não
está muito diferente dele. Ela encara Eros séria.
— Há muitos gêmeos na minha família —
diz em pânico.
— Trigêmeos também? — ele praticamente
grita.
Ela assente, e os rostos deles parecem ficar
verdes de repente.
— Estamos brincando com vocês,
acalmem-se — pede Tim.
Mas então, quando estávamos ansiosos
para ver o sexo do bebê, mesmo sendo cedo para
isso, eis que vem a notícia que estávamos
prevendo. O médico não precisa dá-la. Quando
ele diz que vai colocar o coração para que
possamos escutar, é nítido o som de duas
batidas.
— Vocês estão esperando gêmeos — ele diz
mesmo assim.
— Gêmeos? São dois, certo? — Eros
confirma fazendo-me rir em meio as lágrimas.
— Sim, até onde pudemos ver, são dois. Se
há um terceiro, ele não tem coração — brinca o
médico conseguindo tranquilizá-los.
Eles estão meio em choque com a
confirmação de gêmeos, ligam para Sofia e
Atena. Sofia diz que sabia que seriam gêmeos, e
não conseguimos ver o sexo dos bebês.
Na hora de descermos, Ayla e eu entramos
no elevador na frente dos rapazes, pois quero ir
ao banheiro que fica três andares abaixo, Ayla
também. Estou com uma dorzinha persistente e
chatinha, quero me certificar de que está tudo
bem. Estamos falando sobre o que achamos
serem os bebês quando algo acontece. Um
líquido vaza por minha perna e Ayla parece em
choque ao se dar conta.
— Sabrina, sua bolsa...
Nesse momento o elevador dá um
solavanco e para. O painel desliga e Ayla
desesperadamente aperta o botão de
emergência. Uma dor infernal me toma e abaixo-
me gritando. Ayla grita junto comigo e aperta
desesperada o botão que parece não funcionar.
Ela então pega o celular a liga para Tim.
— Tim, tenho duas notícias. O elevador
parou com a gente e o painel apagou e a
segunda... — Grito nessa hora, não consigo
controlar. — Você ouviu, seu bebê vai nascer no
elevador comigo.
Ela desliga logo após os gritos dele e abaixa
ao meu lado segurando minha mão.
— Será que dói mais se forem gêmeos? —
provoco entre uma contração e oura.
— Sua vaca! Tomara que sofra! Não quero
mais ter bebês, como eu os tiro daqui?
Começo a rir, logo, ela também ri, segura
minha mão quando a contração vem.
— Os meninos devem estar loucos lá em
cima— comento.
— Não mais do que eu aqui dentro,
acredite, não quero fazer seu parto.
— Também não quero que você o faça.
Respondendo sua pergunta, entrou tem que sair,
dobro de filhos, dobro de dor, ahhhhhhhhh!
Ela leva a mão livre à barriga e perde a cor.
— Pelo amor de Deus, respire. Se você
desmaiar aqui comigo eu mato você! — imploro.
De repente o elevador anda, desce um
pouco e as portas abrem, Tim e Eros estão nos
esperando, Tim me ajuda a levantar e avisa que
meu médico já está nos aguardando na
maternidade. Vamos todos para lá, minha mãe,
Atena e Tom já estão lá quando chego. Ulisses e
Sofia chegam depois. E três horas depois, depois
de quase me matar de tanta dor, vem ao mundo
a luz da minha vida, minha pequena Alanis. Ela
tem os meus olhos, o nariz do pai, o sorriso dele,
e o meu queixo. Seguro essa pequena em meus
braços, Tim parece tão bobo com ela que sequer
tenta pegá-la. E mais uma vez, nós dois
choramos. O choro mais feliz que poderíamos
ter. Um pedaço nosso, que será nosso para
sempre, que vamos criar e educar, que vamos
amar acima de tudo, uma prova viva e linda do
amor que temos.
— Vamos fazer mais desses — ele sugere
quando a pega nos braços a primeira vez.
— Um passo e cada vez, amor — peço e nós
dois rimos. Mas ele concorda: — Um passo de
cada vez. Ano que vem estaremos aqui de novo.
Abro a boca para negar, mas ele me olha
sorrindo e acabo rindo. Que seja o que Deus
quiser.

Fim
Sabrina
Seis meses depois
Seguro a mão de Maya e Liah corre na
frente, vira-se para trás a cada segundo
perguntando onde virar. Finalmente elas
avistam Ayla deitada em uma cama e Maya se
solta da minha mão correndo com Liah até ela.
Elas abraçam a irmã e observam nos berços ao
lado os pequenos Sara e Apolo. Ayla teve um
menino e uma menina, a melhor forma de fechar
a fábrica, segundo ela. Eles nasceram ontem,
após apenas uma hora em trabalho de parto.
Acabou que o nascimento de dois, foi metade da
dor do de um.
Maya pede para segurar um deles e Eros
gentilmente coloca Apolo em seu colo, já Liah
tem a carinha fechada olhando os meninos. Ela
também age assim com Alanis, nunca pega
minha pequena de boa vontade.
— O que foi, meu amor? — Ayla pergunta
alisando seu cabelo.
— Agora vocês têm mais bebês. Um dia
éramos os bebês e agora não somos mais nada —
diz sentida, com os olhinhos cheios.
— Você sempre será o meu bebê, Liah.
Você e a Maya, os outros bebês são meus filhos e
sobrinha, mas só vocês são minhas irmãs.
Ela ainda não parece convencida. Então
tento: — Sabia que eles vão amar mais vocês do
que a gente? Alanis e Sara vão querer ser como
vocês, vão imitar vocês em tudo. Vão fazer tudo
o que vocês fizerem. E Apolo, com certeza vai se
apaixonar por uma de vocês.
O sorriso dela é radiante.
— Eu vou poder mandar neles? — pergunta
animada.
— Claro! Você vai ser a tia deles! — Eros
confirma.
— Eu sou tia deles! Que legal! — Maya
comenta animada.
— Você quer segurar a Sara agora? —
pergunta Ayla a Liah.
— Sara, como a mamãe. Eu quero segurá-
la, acho que ela é minha preferida. Eu vou
ensinar a ela tudo que sei.
Ela se senta recostada em Ayla e Eros
coloca a pequena em seu colo.
— Que bom que posso gostar deles, eles são
tão fofinhos! Sabrina, depois eu posso pegar a
Alanis também? Também vou ser tia dela?
— Claro, princesa! Você também vai
mandar nela.
— Que bom! Três discípulos.
— Acho quer isso é meio perigoso — brinca
Tim fazendo-nos rir.
— Não mais do que Ayla tendo filhos
gêmeos para criar, amor. Não mais perigoso do
que isso.
— Que o universo me dê uma trégua — ela
responde.
— Amém — respondemos em uníssono
Tim, Eros, Liah, Maya e eu.
5 anos depois...
É o aniversário de cinco anos dos gêmeos.
Crianças correm para todos os lados, sento-me
em uma cadeira quando vejo o cabelo marrom
de Alanis sumir atrás de uma árvore e aviso a
Tim: — Você vai atrás dela. É uma divisão de
filhos, estou com um na barriga, você cuida da
que está fora dela.
— Eu coloquei um filho aí dentro, isso não
conta?
— Conta, vai cuidar da que eu sofri para
colocar para fora, já que em dois meses eu vou
sofrer para colocar esse para fora também.
— Não há argumentos contra isso —
concorda indo atrás de Alanis.
Ayla senta-se ao meu lado com um prato de
morangos com chantilly e divide comigo.
— Você sabe que vou me vingar, não é?
— Ayla, não seja essa pessoa.
Ela sorri. Quando ela ganhou os gêmeos a
fiz rir um pouco e um ponto acabou
arrebentando. Foi muito engraçado, Eros ficou
super confuso já que seu parto foi normal e
tivemos que explicar que ela ganhou pontos em
outros lugares.
— Passaram dois aqui, o que você
esperava? — ela gritou para ele e até hoje
repetimos isso.
— Eu não fui a responsável por seu ponto
ter arrebentado, seu médico foi incompetente —
defendo-me.
— Ele vai fazer seu parto, vou dizer que
disse isso dez minuto antes.
— Você é uma vaca! Por que foi esperta e
teve dois de uma vez? Agora tenho que passar
por isso sozinha. Você bem podia engravidar
comigo.
Ela bate na madeira desesperadamente,
começa aquele tic de não conseguir para de bater
na madeira.
— Vira essa boca, Sabrina, se um anjo
desinformado fala amém, podem vir três. Você já
me imaginou com cinco filhos?
Sorrio, mas não posso ajudá-la a parar seu
tic porque minha barriga não me permite dobrar
o corpo. Grito por Eros e ele vem socorrer a
esposa.
Em seguida, Tim surge com Apolo
chorando no colo, e Alanis está praticamente
arrastando Sara pela mão.
— Alanis bateu nele — Tim avisa.
— Filha, por que você fez isso?
— Porque ele empurrou a Sara. Ninguém
mexe com minha amiga.
Apolo estende os bracinhos a Ayla e gruda
na mãe enquanto Sara está pregada em Alanis.
Pouco depois, Apolo para de chorar e abraça
Sara. Em seguida, abraça Alanis e beija o rosto
dela, quase se pendurando nela por ser maior do
que ele.
— Você me perdoa? — pede e ela sorri,
corando.
— Devemos nos preocupar com isso? —
Tim pergunta.
— Não, eles são primos — Eros responde.
Olho para Ayla, que me olha de volta.
— Nossas filhas serão melhores amigas
para sempre — dizemos juntas.
— Sara é incrivelmente afortunada por ter
uma Sabrina em sua vida — ela diz.
— Alanis também, Sara é tão parecida com
você, que Alanis terá que continuar tomando
conta dela. Que sorte a dela, não poderia ter um
suporte melhor na vida do que uma Ayla mirim.
— Ainda vou te denunciar para o obstetra
— ela diz.
— Vaca!
Pegamos morango nas vasilhas, lotamos de
chantilly e comemos felizes com as vidas
perfeitas que temos. Depois que tive minha filha,
aprendi a me perdoar pelo que aconteceu ao
meu pai, posso errar como filha, como ser
humano, até mesmo como mãe, é assim que vou
aprender. Mas ensino a Alanis o poder de
perdoar sempre, e digo que essa foi a lição que o
vovô deixou para ela. O Reymond Gourmet é um
sucesso, e como Tim prometeu, eu dei conta.
Nós fizemos dar certo, mesmo com uma filha
pequena, mesmo com a empresa, mesmo com o
casamento. Mamãe se casou com Gilberto,
morou por poucos meses com a gente, assim que
peguei o jeito com Alanis, ela foi viver sua vida,
mas nos vemos quase todos os dias. Atena e Tom
se casaram novamente, vivem no apartamento
dela, ele assumiu um cargo na Reymond e os
dois finalmente vivem o amor que deveriam ter
vivido há anos. Ayla e Eros dispensam
comentários. Nunca vi minha amiga tão feliz por
tantos anos seguidos. Sara é como ela,
desastrada e maluquinha, Apolo é como o pai,
um doce de menino, gentil e cavalheiro. Tim e eu
nos mudamos para uma casa no alto do
condomínio onde ele vivia, tem um quintal
grande para as crianças. Eros construiu uma
casa linda perto da nossa, projetada por ele e
Ayla, e as crianças estão sempre juntas.
Tim corre atrás dos meninos enquanto
Eros tenta molhá-los e quando ele sorri para
mim, sinto que o mundo inteiro some e apenas
ele existe. Meu amor, meu eterno amor. Erramos
e aprendemos todos os dias, mas as bombas em
nosso caminho nunca nos param, nunca nos
separam, estamos ficando ótimos em desarmá-
las. Não há mais um campo minado, há um
caminho florido, com alguns percalços, é
verdade, mas uma estrada em sua maior parte
feliz. Os percalços? Eles valem a pena. Tudo com
ele vale a pena. O pequeno dentro de mim chuta,
como se concordasse com meus pensamentos, e
fecho os olhos agrad ecendo a Deus, ao destino,
ao universo a sorte imensa que tive.
Dedicatória
Dedico este livro para minhas betas e
amigas lindas, que tiveram toda disposição e
paciência, que me fizeram começar, desenvolver
e concluir este livro. Sem vocês Tim e Sabrina
não estariam aqui. Obrigada por tudo Maria
Rosa, Ellah, Jennifer, Joseania, Alexandra,
Adriele e Maria Augusta.
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus, por mais uma
obra concluída, por sua misericórdia e paciência,
por me iluminar sempre e por cada bênção
alcançada.
Aos meus pais e irmãos, minha base em tudo,
obrigada por torcerem por mim sempre, por me
apoiarem e acreditarem.
A Dani e Rayane, pela irmandade eterna, por
cada dia, cada mensagem, cada áudio e cada
sonho compartilhado.
A Maria Rosa Morais, minha amada amiga, por
tudo sempre, amo você até o infinito! Nada
aconteceria sem você e obrigada por dividir cada
sonho comigo. E ao seu pequeno príncipe Rafael,
porque não posso citar Maria Rosa, sem citá-lo.
A Ellah Castro, por ser a pessoa mais maluca...
ops! A pessoa mais amável que conheço. Te
adoro, minha vaquinha! Obrigada por tudo
sempre!
A Ellen Souza, minha irmã de alma, obrigada
por tantos anos de amizade, e por todos os anos
que virão. Te amo! E a Gleici, obrigada pelo
carinho sempre!
A Bia Tomaz, estou com tanta saudade de você,
amiga! Obrigada pela amizade, pela paciência,
por existir! Te amoooo!
A Jennifer Torres, por cada segredo
compartilhado e por ter me ajudado quando
surtei com esse livro. Te adoro, mulher!
A Adriele Oliveira pela força, amizade e carinho
sempre! Por cada vez que me incentivou, saiba
que pode contar sempre comigo!
A Amanda Lopes (PARABÉNS PRA
VOCÊEEEEEE) toda felicidade sempre,
obrigada por todo carinho e força. Te adoro, sua
gringa!
A Cleidi Natal e ao mô, Paulo, muito obrigada
pelos puxões de orelha, conselhos, carinho e
amizade sempre! Adoro vocês!
A Maria Augusta, obrigada por seu carinho e
apoio, e pelas palavras lindas ao ler este livro!
A Tatiana Pinheiro, porque amo ter seu nome
aqui. E te adoro demais!
À essa turminha linda que tem acompanhado
Tim e Sabrina no Wattpad comigo, meu eterno
obrigada, vocês são a base, a força, o vento que
me sobra sempre para frente, obrigada por tudo!
São muitos nomes pra eu conseguir citar, sei que
não vou citar todas, mas a todas vocês que leem
ele pelo Wattpad, muito obrigada! Rozzy Lima,
Milla C., Ana Claudia, De Santos, Autora_Can,
Mandy, Marcela, Larissa, Michelly, Rosinha,
Renata, Escarlete, Arella, Naiara, Agatha,
Afrodite, Jessica, Alexandra, Denise, Sabryna,
Rosa, Kezia, starLucy, Cegathi, Rayssa, Joice,
Ellen, Mayara, Erika, Patricia, Tnia, Heloise,
Shirlei, Geisa, Barbara, Thamires, Marcia,
Beatriz, Bellattrix, Raisinha, Julia, Lanny,
Mariana, Janaina, Leocadia, Natalia, Charlene,
Lind, Elie, Tau_ana, Luciana, Becca, Clicila.
Gesselma, Jssica, Micyndi, Jessika, Josiane,
Ariana, Marina, Rozi, Ericanet, Juju, Alessandra,
Amanda, Thami, Larissa Ramos, Giovana,
Priscila, Dani, Kaliana, Resla, Cacau, Viviane,
Liana, Thais, Ariadne e Kim.

Às amoras lindas do meu grupo do zap, obrigada


sempre! Pretinha, Gil, Nessah, Dany, Erika,
Emilene, Fabiana, Flavia, Jeh, Rosa, Larih,
Thais, Lais, Danny, Xanda, Solange, Amanda,
Erica, Aysha, Helena, Thamara, Mony, Taty,
Patricia, Babi, Josiane, Joyce, Kehry, Camila,
Adriana, Tati, Ana Viviane, Emanuela, Andreia,
Jessica, Duda, Vanessa, Luana, Grazyela, Isabel,
Deia, Lehty, Nayara, Adriana, Andréa, Atília,
Aparecida, Lih, Raissa, Lua, Deize, Ana Lúcia,
Jheniffer, Rhe, Gabriela, Ana, Danielle, Nete,
Andreia e Vania.
A essas pessoas tão especiais que amo de
montão: Alinne, Rosiane Conrado, Natalia
Assunção, Mah Rina, Brenda Fernandes, Nayara
Martins, Erica Nogueira, Babi Restani, Sara
Rodrigues, Tati e Bernardo, a mamis Eliane,
Nadia, Iandra, Erika, Camila, Thamires,
Nathalia, Shirley Nonato, Suelem, Juliana,
Olivia, Thay, Marizinha, Mya, Jaque, Fernanda,
Daniele, Luzhya, Christiane, Marlene, Nanda,
Kétleen, Ana Cristina, Alsira, Myriam, Evelyn e
Deborah, Simone, Erica, Silvana, Cleudenice,
Alessandra, Joseane, Joice, Jaysa, Larissa, Jis,
Karina, Paula, Shirlei, Marcela, Patricia, Tania,
Mercia, Veronica, Ericarla, Ale, Walquiria,
Graziela, Marlene, Denise, Carem Daniela,
Bianca Patacho, Aline Silva, Cinthia Pires, Carol,
Aline Mendes, Vanessa Fiorio, Nathalia Pinto e
haise Ewbank.
A essas leitoras lindas que enchem de emoção no
IG: Maria Lisboa, Mayara Alvez, Sarah Brunas,
Natalia Martins, Patrizia, Beatriz, Rayane, Joyce,
Liana, Rosangela, Deiva, Cissy, Ana Claudia,
Kimberly, Taay, Angela, Geovana, C.Vicente, Jak
Sakamoto, Erica, Deyse, Gabriela, Ititay, Jux,
Shirlleyane, Luciana e cada uma que comenta,
lê, indica, me manda mensagem e me enche de
carinho, obrigada!
A essas autoras lindas, companheiras e amigas
que amo de paixão: Middian Meireles, Ana Paula
Vilar, Thais Martins, Alc Alves, Ali Graciotte,
Camila Moreira, Andriana Quintela, Mia Klein,
Jo Magrini, Cristina Melo, Thatyanne Tenorio,
Debora Gomes e Lethy Friederich.
E aos meus divos da literatura Yule Travalon e
G.R. Oliveira.
E a esses blogs e Ig’s maravilhosos, muito
obrigada pelo apoio sempre! Shippa esse livro,
Livros do coração, Luiza Literárias, Leio e não
nego, JheNa Literário, ebooksdaThata,
Livros_romancehot, Paginas_marcadas,
livros_e.leituras, Lunáticas por romance,
amorliterario5, cantinho.daleitura2019,
lerporamor_, themundodeanne, livrosdacaren,
meuqueridoromance, booksand.foods,
amantede15, compulsivaporromances,
leitora.senhorita,d, leiturasdahopejoy,
resenha_book, themagicofbooks_,
umviciochamadolivro, estantedaroberta,
leituras_da_kali, ps_amolivros, caixa.postal,
cataolivro, eunicelima752, páginas_marcadas_,
loveandsomebooks, lleituraslari, uniterario,
tracinhadelivros, leitorosamg, contandoeuconto,
friend_reader, lendocomasu,
blogumaemummilhao, lerinterando,
crazy_readers, 100livroslidos.
E a você que leu este livro, obrigada
imensamente por seu apoio!
Próximo lançamento

Doutor Gyn
Mackenzie Wells decidiu perder a virgindade.
Fundadora do Clube das Virgem Sem Querer, vê
todas as suas amigas se acertando no amor e ela
ficando para trás, o único membro de um clube
falido. Ela faz uma divertida pesquisa e escolhe o
candidato. O plano perfeito, o momento perfeito,
o cara quase perfeito. Ela só espera que seu
grande azar no sexo não interfira dessa vez.
Porém, para desespero de Mackenzie, encontra o
homem realmente perfeito onde menos espera:
num consultório. E ele é nada mais, nada menos,
do que seu novo ginecologista.

Lindo, charmoso, divertido e muito experiente,


se torna rapidamente o sonho de consumo dela.
Ela só não contava que ele fosse casado, e o pior,
que sua esposa fosse uma maluca, que acha que
ela está tendo um caso com ele e começa a
persegui-la.

Mais uma vez o azar de Mackenzie interferindo


em seus planos.

Gabriel Gynlard está tentando se livrar de um


grande erro, seu casamento com a mulher mais
louca, psicótica e assustadora que já conheceu. O
que ele menos precisava era conhecer a jovem e
inocente Mackenzie e se apaixonar tão
perdidamente por ela. Agora, ele não é mais o
alvo das maluquices da quase ex-mulher,
Mackenzie é, e ele não sabe o que fazer para
protegê-la e ainda por cima convencê-la a ficar
com ele assim mesmo. Entre um jogo de seduzi-
la e conquistá-la, percebe que sabe menos de
amor do que poderia ter imaginado.
Contato com a autora
Facebook:
https://www.facebook.com/carlieferrerautora/
Wattpad:
https://www.wattpad.com/user/Carlie_Ferrer
Site: http://carlieferrers.wix.com/autora
E-mail: carlieferrers@gmail.com
IG: https://www.instagram.com/carlie.ferrer/?hl=pt-br
Confira outras obras da autora na Amazon:
http://migre.me/ua38C

Você também pode gostar