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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


INSTITUTO DE HISTÓRIA

VICENTE GIL DA SILVA

Planejamento e organização da contrarrevolução preventiva no Brasil: atores e articulações


transnacionais (1936-1964)

Rio de Janeiro

2020
VICENTE GIL DA SILVA

Planejamento e organização da contrarrevolução preventiva no Brasil: atores e articulações


transnacionais (1936-1964)

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História Social do Instituto de História
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em História Social.

Orientador: Prof. Dr. Renato Luís do Couto Neto e


Lemos.

Rio de Janeiro
2020
FOLHA DE APROVAÇÃO

Tese de doutoramento apresentada ao Curso de Doutorado do


Programa de Pós-graduação em História Social do Instituto de
História da UFRJ como parte dos requisitos necessários à obtenção
do título de doutor em História Social.

Aprovada por:
____________________________________________________________
Prof. Dr. Renato Luís do Couto Neto e Lemos - Presidente
____________________________________________________________
Prof. Dr. Mathias Seibel Luce
____________________________________________________________
Profª. Drª. Virginia Maria Gomes Fontes
____________________________________________________________
Prof. Dr. Pedro Henrique Pedreira Campos
____________________________________________________________
Prof. Dr. Demian Bezerra de Melo
RESUMO

Este trabalho detalha o processo de construção de “interesses associados” entre brasileiros e


norte-americanos. Expõe a organização e planejamento do governo dos Estados Unidos para ação e
intervenção na América Latina e, mais especificamente, no Brasil, especialmente ao longo da década de
1950 e início dos anos 1960. Paralelamente, apresenta um histórico da atuação de grupos e indivíduos
brasileiros que, entre os anos de 1936 e 1964, lutaram, com apoio internacional, para combater o
comunismo. A partir de pesquisa documental, defende a tese de que as ações dos atores brasileiros e
norte-americanos, em grande medida sigilosas, foram guiadas por uma perspectiva
contrarrevolucionária preventiva articulada transnacionalmente.

Palavras-chave: Anticomunismo; Contrarrevolução preventiva; Ações encobertas; Controle


social; Relações Brasil-Estados Unidos.
ABSTRACT

This dissertation analyzes the making of “associated interests” between Brazilians and North
Americans. It also examines the organization and planning of the US government intervention in Latin
America, particularly in Brazil, during the 1950’s and the beginning of the 1960’s. Besides, it presents a
detailed account of the activities of Brazilian groups that waged its battles against communism with
international support between 1936 and 1964. This dissertation is essentially an empirical research,
based on US and Brazilian sources, and argues that the actions of the Brazilian and US players, largely
executed in secrecy, were guided by a preventive counterrevolutionary perspective articulated
transnationally.

Keywords: Anticommunism; Preventive counterrrevolution; Covert actions; Social control;


US-Brazil relations.
RESUMEN

Este trabajo detalla el proceso de construcción de “intereses asociados” entre brasileños y


estadounidenses. Expone la organización y planificación del gobierno de los Estados Unidos para la
acción e intervención en América Latina, con énfasis en Brasil, especialmente durante la década de
1950 y principios de los 1960. Además presenta una historia de la actuación de grupos e individuos
brasileños que, entre los años de 1936 y 1964, lucharon, con apoyo internacional, para combatir el
comunismo. Basado en una investigación empírica, defiende la tesis de que sus acciones, en gran
medida ejecutadas en secreto, fueron guiadas por una perspectiva contrarrevolucionaria preventiva
articulada transnacionalmente.

Palabras clave: Anticomunismo; Contrarrevolución preventiva; Acciones encubiertas; control


social; Relaciones Brasil-Estados Unidos.
CIP - Catalogação na Publicação

da Silva, Vicente Gil


dS586p Planejamento e organização da contrarrevolução
preventiva no Brasil: atores e articulações
transnacionais (1936-1964) / Vicente Gil da Silva.
- Rio de Janeiro, 2020.
910 f.

Orientador: Renato Luís do Couto Neto e Lemos.


Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Instituto de História, Programa de Pós
Graduação em História Social, 2020.

1. Anticomunismo. 2. Contrarrevolução preventiva.


3. Ações encobertas. 4. Controle social. 5. Relações
Brasil-Estados Unidos. I. Neto e Lemos, Renato Luís
do Couto, orient. II. Título.

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos


pelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283.
Para Laura

“Pra você guardei o amor”, Nando Reis, 2009.


AGRADECIMENTOS

Ao Renato, com quem aprendi muito em uma disciplina do doutorado e nos encontros de
orientação, nos quais sempre me estimulou a aprofundar a pesquisa, com sugestões pertinentes.
A María E. Mudrovcic, minha orientadora na Michigan State University, por toda a assistência
antes e durante o período nos Estados Unidos. Boa parte desta tese não teria sido feita se não fosse pelo
apoio dela.
Aos meus colegas do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) da UFRJ, que me
apoiaram assumindo as minhas obrigações docentes no Instituto durante meu período de afastamento.
À Comissão Fulbright Brasil, cujo suporte foi muito importante para a realização desta
pesquisa. Ao PPGHIS, à UFRJ, UFAC e UFRGS, pela minha formação como estudante, professor e
pesquisador. À direção da Special Collections Research Center da Biblioteca Joseph Regenstein da
Universidade de Chicago, pela concessão do prêmio Robert L. Platzman Memorial Fellowship, que me
permitiu realizar a pesquisa nos acervos da instituição. Agradeço pela assistência de todas as
arquivistas da Joseph Regenstein Library, especialmente a Eileen Ielmini. Um auxílio-viagem
concedido pela Harry S. Truman Library também foi importante para a realização dessa pesquisa.
Agradeço ao apoio da equipe da biblioteca, particularmente a Samuel Rushway.
Meu agradecimento especial aos arquivistas das instituições norte-americanas, cujo apoio e
paciência foram importantes no processo da pesquisa. Menciono apenas alguns deles: Joel Minor (Olin
Library, Washington University in St. Louis), Valoise Armstrong (Eisenhower Library), Renee Papous e
Tom Rosenbaum (Rockefeller Archive Center), Carol Leadenham (Hoover Institution), Joan Gosnell
(DeGolyer Library, Southern Methodist University), Carla Braswell (Nixon Library) e especialmente
“O Renegado”, do Arquivo Nacional de College Park, o único a acreditar na possibilidade de existência
de indícios sobre operações encobertas no Brasil em coleções de outras agências governamentais.
O trabalho em arquivos brasileiros foi igualmente importante. Meu agradecimento especial à
equipe do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, particularmente a Joyce Campos, e a Jaqueline
Lima e Tessali Nakamura, por toda a assistência que ofereceram, e a Sônia N. de Lima, do IHGB do
Rio de Janeiro, por seu empenho em reabrir o fundo José Carlos de Macedo Soares, inacessível ao
público por mais de quarenta anos. Agradeço também a atenção de Gustavo Q. Tarelow (Museu
Histórico da Faculdade de Medicina da USP) e da equipe do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Alguns pesquisadores e professores se colocaram à disposição para me oferecer orientações e
dicas de pesquisa. Faço um reconhecimento a Stéphanie Roulin (Université de Fribourg, Suíça), pelas
informações e documentos gentilmente compartilhados. Agradeço também a Brodwyn Fischer (The
University of Chicago), pelo apoio e pelas sugestões importantes de pesquisa, a Rafael R. Ioris
(University of Denver) e a John Prados, que me deu algumas dicas valiosas sobre o funcionamento da
CIA e orientações para buscar informações sobre as operações da agência.
A Bill Holland, filho de Henry F. Holland, pelo envio dos arquivos pessoais de seu pai. À
família Marelius, especialmente a Preston Lauterbach, pela gentileza de conceder informações sobre a
história de Donald C. Marelius. A Sarah, pois o que valeu foi o esforço. À família de David Beaty III,
que gentilmente enviou as memórias de Clarence Dauphinot, Jr. A Doris Hasslocher, pelo envio dos
arquivos pessoais de seu pai. Ao professor José Vieira da Cruz (UFAL), pelo envio de materiais de
pesquisa. A professora Carla S. Rodeghero (UFRGS), pelo fundamental apoio no processo seletivo das
bolsas de pesquisa nos EUA.
Os encontros com as amigas Elaine de Almeida Bortone e dona Terezinha foram especiais.
Trocamos ideias sobre a pesquisa e demos risadas. E assim vamos continuar! A prima Júlia Musta
esteve presente em todos os momentos da escrita, e deixou tudo mais leve.
Essa tese não teria sido possível sem o apoio da Laura, pura paciência, inteligência, amor e
carinho. Ela é a “mão invisível” por trás das coisas boas dessa tese e da minha vida.
LISTA DE SIGLAS

ACEN Assembly of the Captive European Nations


ABCC Associação Brasileira de Cultura Convívio
ACRJ Associação Comercial do Rio de Janeiro
ACSP Associação Comercial de São Paulo
ADC Associação Democrática Cristã
ADESG Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra
AFL American Federation of Labor
AID Agency for International Development
AIFLD American Institute of Free Labor Development
AIOC Anglo-Iranian Oil Company
ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio
ANRJ Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
ARA American Republics Administration
BAC Business Advisory Council
BCIU Business Council for International Understanding
BIS Bureau de Imprensa Sindical
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
CAEPE Curso de Altos Estudos de Política e Estratégica
CAMDE Campanha da Mulher para a Democracia
CAS Controlled American Source
CBA Cruzada Brasileira Anticomunista
CBEL Comitê Brasileiro da Europa Livre
CCC Comando de Caça aos Comunistas
CDP Comitê Consultivo de Emergência para a Defesa Política do Continente
CEAS Centro de Estudos e Ação Social
CEAS Centro de Estudios y Acción Social
CEC Campanha de Educação Cívica
CED Committee for Economic Development
CENIMAR Centro de Informações da Marinha
CFR Council on Foreign Relations
CGT Comando Geral dos Trabalhadores
CGTB Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros
CIA Central Intelligence Agency
CIAS Comité Internacional D’Action Sociale
CIB Centro Industrial Brasileiro
CICYP Consejo Interamericano de Comercio y Producción
CIDC Confederação Interamericana de Defesa do Continente
CIE Centro de Informações do Exército
CIESP Centro das Indústrias
CIEX Centro de Informações do Exterior
CIG Central Intelligence Group
CIO Congress of Industrial Organizations
CLA Council for Latin America
CLC Centro de Liderança Cívica
CNC Confederação Nacional do Comércio
CNI Confederação Nacional da Indústria
CNP Conselho Nacional de Petróleo
CNTC Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio
CNTI Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria
CNTT Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte
COB Chief of Base
CONCLAP Conferência Nacional das Classes Produtoras
CONCLAP Conselho Superior das Classes Produtoras
COS Chief of Station
CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
CPOR Centro de Preparação de Oficiais da Reserva
CSN Conselho de Segurança Nacional
CTEF Conselho Técnico de Economia e Finanças
DASP Departamento Administrativo do Serviço Público
DCM Deputy Chief of Mission
DD/P Deputy Director of Plans
DET Departamento Estadual de Trabalho
DHBB Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro
DFSP Departamento Federal de Segurança Pública
DOPS Delegacia de Ordem Política e Social
DOS Divisão de Orientação Social (SESI)
DPC Departamento Político Cultural do Itamaraty
DPS Divisão de Polícia Política e Social
DSB Defesa Social Brasileira
ECA Economic Cooperation Administration
ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
EIA Entente Internacionale Anticommuniste
ELD Escola de Liderança Democrática
EME Estado-Maior do Exército
EMFA Estado-Maior das Forças Armadas
ESG Escola Superior de Guerra
FAC Frente Anticomunista
FAS Fundo de Ação Social
FBI Federal Bureau of Investigation
FC Division of Foreign Activity Correlation
FEB Força Expedicionária Brasileira
FGV Fundação Getúlio Vargas
FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FIRJAN Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
FOA Foreign Operations Administration
FOIA Freedom of Information Act
FPAM Frente Popular Anticomunista de México
FRUS Foreign Relations of the United States
FSO Foreign Service Officer
FSR Foreign Service Reserve
FSS Foreign Service Staff
GAAT Acordo Geral de Comércio e Tarifas
GAP Grupo de Ação Patriótica
IAA Instituto do Açúcar e do Álcool
IADC Inter-American Development Comission
IBAD Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IBRD International Bank for Reconstruction and Development
IBC Instituto Brasileiro do Café
IBEC International Basic Economy Corporation
ICA International Cooperation Agency
ICFTU International Confederation of Free Trade Unions
ICT Instituto Cultural do Trabalho
IDORT Instituto de Racionalização do Trabalho
IEL Instituto Euvaldo Lodi
IESE Instituto de Investigaciones Sociales e Económicas
IFS Instituto de Formação Social
IGEP Informations Générales et Publicité
ILARI Instituto Latino-Americano de Relações Internacionais
INR Bureau of Intelligence and Research
IPES Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
JCI Junta Coordenadora de Informações
LAB Liga Anticomunista do Brasil
LADC Latin American Development Committee
LAIC Latin American Information Committee
LDN Liga de Defesa Nacional
LNSP Liga Nacionalista de São Paulo
MAC Movimento Anticomunista
MMC Movimento Militar Constitucionalista
MRE Ministério de Relações Exteriores
MSD Movimento Sindical Democrático
MTIC Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
MUT Movimento Unificado dos Trabalhadores
NAM National Association of Manufacturers
NFTC National Foreign Trade Council
NIA National Intelligence Authority
NSC National Security Council
OCB Operations Coordinating Board
OCI Office of Current Intelligence
OCIAA Office of the Coordinator of Inter-American Affairs
OCR Office of Central Reference
OEA Organização dos Estados Americanos
OISP Overseas Internal Security Program
ONU Organização das Nações Unidas
ONI Office of Naval Intelligence
OPC Office of Policy Coordination
OPS Office of Public Safety
ORIT Organización Regional Interamericana de Trabajadores
OSO Office of Special Operations
OSP Organização Sindical Paulista
OSS Office of Strategic Services
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
OWI Office of War Information
PCB Partido Comunista do Brasil
PDC Partido Democrata Cristão
PFIAB President’s Foreign Intelligence Advisory Board
PGT Partido Guatemalteco do Trabalho
PL Partido Libertador
PL Proclaimed List of Certain Blocked Nationals
PPS Policy Planing Staff
PRP Partido de Representação Popular
PSB Psychological Strategy Board
PSD Partido Social Democrático
PSP Partido Social Progressista
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PTN Partido Trabalhista Nacional
REL Rádio Europa Livre
PWD Psychological War Division
SAAT South American Assessment Team
SEI Serviço de Estudos e Investigações
SEI Sociedade de Estudos Interamericanos
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SEPES Société d’Études politiques, économiques et sociales
SESC Serviço Social do Comércio
SESI Serviço Social da Indústria
SESP Serviço Especial de Saúde Pública
SIDE Secretaría de Inteligencia del Estado
SIE Servicio de Informaciones del Ejército
SFICI Serviço Federal de Informações e Contrainformações
SHAEF Supreme Headquarters Allied Expeditionary Forces
SNI Serviço Nacional de Informações
SIRENA Sistema Rádio Educativo Nacional
SIS Special Intelligence Service
SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito
TFP Tradição, Família e Propriedade
UCF União Cívica Feminina
UDN União Democrática Nacional
UGC United Geophisical Company
UIPD União Internacional Pro Deo
UNE União Nacional dos Estudantes
UNRRA United Nations Relief and Rehabilitation Administration
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USIA United States Information Agency
USIAC United States Interamerican Council
USIE United States Information and Education Exchange
USIS United States Information Service
USOM United States Operations Mission
USPOLAD United States Political Adviser for Germany
OSS Office of Strategic Services
WFTU World Federation of Trade Unions
WH Western Hemisphere Division
WPB War Production Board
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

TABELAS

Tabela 1 – Composição das missões diplomáticas dos EUA no Brasil, 1953-


1960………………………………………………………………………………………………... 130
Tabela 2 – Oficiais da CIA nas missões diplomáticas dos EUA no Brasil, 1949-
1966………………………………………………………………………………………………... 157
Tabela 3 – Nome, designação oficial, local e período de atuação dos agentes do FBI no Brasil,
1940-1966.………………………………………………………………………………………… 184
Tabela 4 – Diplomatas do MRE alunos da Escola Superior de Guerra, 1951-1959..…………….. 323
Tabela 5 – Integrantes da SEI, 1958-1964………………………………………………………... 394
Tabela 6 – Evolução dos programas de rádio A Semana em Revista, do IBAD (1960-1963)
……………………………………………………………………………………………………... 459
Tabela 7 – Integrantes, colaboradores e apoiadores do IBAD, 1959-
1964………………………………………………………………………………………………. 484

GRÁFICOS

Gráfico 1 – Número total de oficiais das missões diplomáticas dos EUA no Brasil, 1936-1964… 131
Gráfico 2 – Evolução do número identificado de oficiais da CIA nas missões diplomáticas dos
EUA no Brasil, por ano de chegada, entre 1947 e 1964…………………………………………... 161
Gráfico 3 – Evolução do número identificado de oficiais da CIA nas missões diplomáticas dos
EUA no Brasil, por período, entre 1947 e 1964…………………………………………………… 162

FIGURAS

Figura 1 – Campanha da LBDD, janeiro de 1947………………………………………………... 258


Figura 2 - Rede da CIAS em meados da década de 1960................................................................ 414
SUMÁRIO

Introdução………………………………………………………………………………………… 22

PARTE I – O PLANEJAMENTO DA GUERRA FRIA NA AMÉRICA LATINA……………….. 29

1. Um plano de ação para a América Latina e para o Brasil………………………………... 31


1.1 Indefinição do governo Truman sobre forma de atuação na América Latina…………. 31
1.2 O governo Eisenhower se depara com os problemas da América Latina……………... 38
1.3 Planejamento da guerra psicológica e de propaganda…………………………………. 41
1.4 O Plano Básico de Operações contra o Comunismo na América Latina……………… 47
1.5 O programa 1290-d……………………………………………………………………. 53
1.6 O Plano Básico de Operações para o Brasil…………………………………………… 57
1.6.1 Antecedentes…………………………………………………………………. 58
Primeira versão do Plano Básico de Operações para o Brasil e as eleições de
1.6.2
1955…………………………………………………………………………... 65
1.6.3 Reformulação do Plano para o Brasil em 1956………………………………. 67
1.6.4 Aprovação do Plano Básico de Operações para o Brasil…………………….. 78

2. Formuladores e executores da política do governo dos Estados Unidos para a América


Latina………………………………………………………………………………………... 82
2.1 Agentes do Departamento de Estado: os embaixadores dos Estados Unidos no
Brasil…………………………………………………………………………………... 82
2.2 Os oficiais do Departamento de Estado em Washington……………………………… 102
2.3 A seção política da embaixada dos Estados Unidos no Brasil………………………… 122

3. Oficiais da CIA e do FBI na América Latina e no Brasil…………………………………. 133


3.1 A transição SIS/FBI para a CIA……………………………………………………….. 133
3.2 O papel da CIA na formulação e execução da política externa dos Estados
Unidos…………………………………………………………………………………. 139
3.3 Um perfil dos oficiais da CIA na América Latina……………………………………... 144
3.4 Oficiais da CIA no Brasil (1948-1966)………………………………………………... 153
3.5 Os Legal Attachés do FBI no Brasil no período pós-guerra…………………………... 183

PARTE II – O FORTALECIMENTO DAS ARTICULAÇÕES TRANSNACIONAIS…………… 189


4. Relações Brasil-Estados Unidos: o surgimento de “interesses associados”……………... 191
4.1 O Pan-americanismo e a constituição de um front de guerra comercial, político e
psicológico…………………………………………………………………………….. 197
4.2 O OCIAA, o front econômico e o planejamento do pós-guerra………………………. 206

5. A “paz social” do pós-guerra……………………………………………………………….. 230


5.1 Repressão às greves……………………………………………………………………. 235
5.2 O maior inimigo dos comunistas………………………………………………………. 239
5.3 A chegada do “reforço estrangeiro” ao “grupo de Macedo Soares”…………………... 260
5.4 O setor anticomunista do SESI………………………………………………………... 264

6. As múltiplas frentes anticomunistas……………………………………………………….. 271


6.1 A campanha do “grupo de Jacy Magalhães” contra o nacionalismo………………….. 279
6.2 O “grupo” anticomunista de Wladimir Lodygensky…………………………………... 284
6.2.1 Os exilados do Leste Europeu e suas relações com os anticomunistas
brasileiros…………………………………………………………………….. 286
6.2.2 Um sistema de inteligência anticomunista no gabinete do ministro da
Guerra………………………………………………………………………... 292
6.2.3 A cruzada anticomunista do “grupo de Canrobert” durante o governo
Vargas………………………………………………………………………… 298
6.2.4 O almirante Pena Boto e a Cruzada Brasileira Anticomunista………………. 300
6.2.5 Os contatos do FBI…………………………………………………………… 305
6.2.5.1 O escritor romeno…………………………………………………... 305
6.2.5.2 O espancador Borer………………………………………………… 307
6.2.6 Outras relações da Cruzada Brasileira Anticomunista……………………….. 308
6.2.7 O coronel romeno…………………………………………………………….. 311
6.2.8 Os anticomunistas no Itamaraty e na Escola Superior de Guerra……………. 314
6.2.9 Os “entreguistas” e os associados de Nelson Rockefeller…………………… 331
6.3 Articulações anticomunistas transnacionais…………………………………………... 352

PARTE III – O PLANEJAMENTO POSTO EM PRÁTICA: DO GOVERNO JUSCELINO


KUBISTCHEK AO GOVERNO JOÃO GOULART……………………………………………... 354
7. Os primeiros passos para a implementação do plano de operações contra o 355
comunismo no Brasil………………………………………………………………………...
7.1 Colaboração entre a embaixada norte-americana e o Ministério das Relações 355
Exteriores………………………………………………………………………………
7.2 Apoio norte-americano às polícias políticas e aperfeiçoamento das estruturas de
inteligência no Brasil………………………………………………………………….. 365
7.3 Origens e atividades da Sociedade de Estudos Interamericanos (SEI)………………... 387
7.4 Publicações da SEI…………………………………………………………………….. 397
7.5 A rede de apoio classista da Sociedade de Estudos Interamericanos………………….. 403
7.6 A família Lodygensky e a embaixada americana……………………………………… 408

8. A “ação democrática” contra o comunismo e o nacionalismo…………………………… 416


8.1 A onda nacionalista……………………………………………………………………. 416
8.2 A mobilização dos empresários norte-americanos através do USIAC………………… 426
8.3 A mobilização dos empresários norte-americanos no Brasil………………………….. 431
8.4 O Conselho Superior das Classes Produtoras (CONCLAP)…………………………... 438
8.5 A criação do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD)………………………. 443
8.6 Primeiras ações do IBAD……………………………………………………………… 457
8.7 A CIA e o IBAD……………………………………………………………………….. 467
8.8 O financiamento das atividades do IBAD……………………………………………... 473
8.9 Membros e apoiadores do IBAD………………………………………………………. 484

9. Uma ação continental em defesa dos interesses da “livre empresa”……………………... 490


9.1 Os comitês USIAC-USIA no Brasil…………………………………………………… 496
9.2 O “grupo da Deltec”…………………………………………………………………… 499
9.3 O Latin American Information Committee (LAIC)……………………………………. 513
9.4 Críticas dos empresários norte-americanos às políticas da administração Kennedy
para a América Latina…………………………………………………………………. 525
9.5 Em busca de maior coordenação e unidade: a criação do Council for Latin America
(CLA)………………………………………………………………………………….. 533
9.6 O Latin American Development Committee (LADC)…………………………………. 538
9.7 Relação do LADC e do CICYP com o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(IPES)………………………………………………………………………………….. 545

10. O complexo IPES/IBAD/SEI em ação………………………………………………….. 555


10.1 Governo Kennedy: o crescimento das operações encobertas…………………………. 558
10.2 SEI/ GLC/ GEC: o planejamento de operações táticas………………………………... 566
10.3 Articulação do complexo SEI/IPES/IBAD com as Forças Armadas………………….. 573
10.4 A relação de militares brasileiros com representantes do governo dos Estados
Unidos…………………………………………………………………………………. 578
10.5 Ações no campo estudantil…………………………………………………………….. 585
10.6 Ações do complexo IPES/IBAD/SEI no âmbito sindical……………………………... 594
10.6.1 Os cursos de formação……………………………………………………….. 595
10.6.2 Criação do MSD e da REDETRAL………………………………………….. 602
10.6.3 Apoio de organizações estrangeiras………………………………………….. 608
10.6.4 Avaliação dos resultados……………………………………………………... 611
10.7 A SEI e as organizações cívicas de mulheres………………………………………….. 614
10.8 O complexo SEI/IPES/IBAD e os intelectuais………………………………………... 619
10.8.1 A Associação Brasileira de Cultura Convívio ……………….………………. 620
10.8.2 A revista Cadernos Brasileiros……….……………………………………….. 622

11. O ataque final contra a ordem constitucional de 1946…………………………………… 630


11.1 O planejamento da intervenção nas eleições de 1962…………………………………. 638
11.2 Uma delicada operação de contrainteligência…………………………………………. 658
11.3 Prontos para o golpe…………………………………………………………………… 675
11.4 Valeu a pena?…………………………………………………………………………... 691

Conclusão…………………………………………………………………………………………. 694
Anexos – Fichas.………………………………………………………………………………….. 701
Referências………………………………………………………………………………………... 795
22

INTRODUÇÃO

Inicialmente, meu projeto de pesquisa tinha como objeto a seção brasileira do Congresso pela
Liberdade da Cultura (CLC) – uma iniciativa do governo norte-americano, apoiada pela Central
Intelligence Agency (CIA), que buscava afastar os intelectuais do comunismo – e sua publicação no
Brasil, a revista Cadernos Brasileiros. Esse projeto havia sido elaborado a partir da leitura da obra
Quem pagou a conta?, de Frances Stonor Saunders, a primeira autora a publicar uma análise sobre o
CLC fundamentada em extensa pesquisa empírica. Considerando-se que os arquivos da seção brasileira
do CLC estão depositados na Biblioteca Joseph Regenstein, da Universidade de Chicago, meu primeiro
objetivo era consultar essas fontes, a fim de apresentar um histórico das atividades promovidas pelo
grupo brasileiro e realizar uma análise sobre os textos publicados na revista, identificando sua
contribuição para o que Sauders e alguns outros autores chamam de “Guerra Fria Cultural”.
Contudo, as dificuldades para obtenção de uma bolsa que viabilizasse a consulta aos arquivos
do CLC em Chicago acabaram mudando os rumos da pesquisa e ampliando significativamente o seu
escopo. Num primeiro momento, aprofundou-se a busca, em acervos brasileiros, sobre as trajetórias de
vida dos diretores de Cadernos Brasileiros. Nessa etapa, um aspecto chamou a atenção: dois editores
da revista estiveram relacionados a outras duas operações da CIA no Brasil. O jornalista e escritor
romeno Stefan Baciu, editor da publicação entre 1959 e 1962, estava vinculado ao Comitê Brasileiro da
Europa Livre (CBEL), filiado ao Free Europe Committee, uma organização anticomunista de fachada
da CIA, criada em 1949, em Nova York, para influenciar grupos de emigrados da Europa Oriental,
como instrumento de combate à União Soviética. Por sua vez, o bacharel em direito Vicente de Paulo
Barretto, diretor-assistente de Cadernos Brasileiros entre 1962 e 1970, era secretário (entre 1960 e
1962) da revista Ação Democrática, publicada pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD),
outra organização que, há bastante tempo, era acusada de ser um braço de ação da CIA no Brasil.
Diante dessas informações, o passo seguinte foi a realização de uma busca por maiores
informações sobre operações da agência de inteligência norte-americana no Brasil. Após contato com
familiares de Ivan Hasslocher, diretor do IBAD, tive acesso à sua autobiografia não publicada, na qual
ele reconhece que a entidade era uma operação da CIA. Entretanto, a revelação de Hasslocher não era
suficiente para apresentar um histórico mais detalhado sobre o IBAD e outras possíveis ações da
agência no Brasil. Em vista disso, consultou-se a bibliografia relacionada ao tema. Mas não foi
23

encontrado nenhum trabalho (em português, inglês ou espanhol), que identificasse a existência de ações
encobertas da CIA no Brasil. Havia, contudo, uma boa quantidade de memórias de ex-oficiais da
agência norte-americana – entre elas, a de Philip Agee, que trabalhou na América Latina – e uma
historiografia anglo-saxã que discutia iniciativas da CIA na Europa, que forneceram elementos para
uma compreensão inicial da sua lógica de operação.
Quando, finalmente, obtive bolsas de pesquisa (da Comissão Fulbright Brasil, da Biblioteca
Joseph Regenstein e da Bilioteca Presidencial Harry S. Truman) para consultar arquivos nos Estados
Unidos, decidi aproveitar a oportunidade para consultar uma maior quantidade de acervos, e não apenas
o da seção brasileira do CLC. Nessa imersão realizada em arquivos norte-americanos – descritos a
seguir – ficava cada vez mais clara a importância tanto de identificar a existência de ações da CIA no
Brasil, quanto de entendê-las na sua complexidade, encarando-as como um dos meios disponíveis para
a execução da política externa norte-americana. A pesquisa evidenciava que a CIA era a agência
responsável pelas operações encobertas do governo dos Estados Unidos, mas não era uma atiradora
solitária: ela fazia parte de uma lógica de planejamento e execução de ações que incluía a participação
de outras agências governamentais. Diante disso, o desafio era compreender não apenas como operava
a CIA, mas qual era a lógica de organização do governo norte-americano em seu processo de
elaboração e execução de políticas, especialmente para o Brasil e para a América Latina. Muitos
documentos que poderiam esclarecer aspectos importantes da pesquisa seguem inacessíveis ao público.
Isso dificulta, especialmente, o estudo de ações encobertas realizadas pela CIA, tornando necessário
explorar as “brechas” existentes no sistema de censura governamental, que permitem reunir indícios e
vestígios, para produzir uma pesquisa sobre o assunto. Um dos caminhos é a pesquisa em acervos
privados. Para suprir lacunas, também foram buscadas informações já reveladas sobre as operações da
agência em outros países da América Latina.
Após o levantamento das informações – por fontes documentais e bibliográficas – relacionadas
ao planejamento norte-americano, foi possível constatar, entre outras coisas, a participação de atores
privados em sua elaboração – entre estes, destacavam-se empresários com investimentos na América
Latina – e a utilização de canais não-governamentais (indivíduos e grupos civis de países estrangeiros)
para sua implementação. A partir dessa avaliação, tornou-se necessário identificar quais foram os
grupos civis brasileiros alvos da política estadunidense para o país. E, consequentemente, um dos focos
da pesquisa passou a ser a forma como os grupos brasileiros uniram suas forças com os interesses
norte-americanos para atingir objetivos em comum.
24

Como veremos, o anticomunismo foi um dos elementos justificadores dessa aproximação. É


importante esclarecer que os inimigos combatidos por esses grupos/indivíduos/instituições não eram
apenas o marxismo-leninismo, o bolchevismo, o modelo soviético e seus defensores ao redor do
mundo. Como Fischer (2016) observou com relação ao anticomunismo nos Estados Unidos, este se
colocou, de modo frequente, a serviço do pensamento econômico defensor do laissez-faire e da
supressão da organização sindical, assim como de outras atividades sociais, políticas e econômicas que
pudessem afetar os interesses políticos e empresariais dominantes:

Oposição a doutrinas e organizações radicais de esquerda originadas na Europa


certamente forneceram uma razão para o antirradicalismo [nos Estados Unidos].
Contudo, o anticomunismo se tornou um elemento importante na política norte-
americana muito antes das revoluções socialistas que fortaleceram o movimento
comunista internacional. (…) O anticomunismo tinha surgido muito antes,
especialmente como resposta às tensões domésticas que cresceram em importância
enquanto a economia norte-americana rapidamente se industrializava no final do
século XIX. Essas tensões tiveram um papel importante no aparecimento e sustentação
do anticomunismo porque as mesmas ações e retórica foram utilizadas para reprimir
organizações radicais nacionais (indigenous) e anarquistas e, posteriormente, partidos
comunistas que eram mais cosmopolitas em sua composição e orientação. Essas
organizações e movimentos radicais foram difamadas e atacadas indiscriminadamente
até que o surgimento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas subsumiu outras
linhas da esquerda radical e simplificou a cruzada contra e esquerda como sendo uma
luta contra o comunismo (internacional) (FISCHER, 2016, p. xvi).

Da mesma forma que ocupou papel central no debate político interno dos Estados Unidos, o
anticomunismo teve importância fundamental na política externa daquele país, já que a “ameaça
comunista” foi, em inúmeras ocasiões, utilizada como justificativa para a atuação norte-americana
contra governos que adotaram posturas nacionalistas nos campos político e econômico. Ao longo da
tese, ficará evidente que diversos grupos e indivíduos que representavam obstáculos ou ameaças aos
grupos aqui estudados foram classificados de modo pouco rigoroso como comunistas ou como agentes
a serviço do comunismo – em alguns momentos, anticomunistas notórios foram acusados de serem
comunistas.
Assim, um dos objetivos desta tese é apresentar um histórico da atuação de grupos e indivíduos
brasileiros que, entre os anos de 1936 e 1964, lutaram, com apoio internacional, para combater o
comunismo e outras organizações de esquerda, de modo amplo. Busca-se explicar como esses grupos
25

surgiram e planejaram as suas ações, como agiram politicamente, como construíram as suas
articulações transnacionais e como efetivaram suas lutas contra os comunistas e as forças populares em
geral, para preservar a sua dominação de classe. O outro objetivo é apresentar um histórico da
organização e do planejamento norte-americano para ação e intervenção na América Latina e, mais
especificamente, no Brasil. O marco temporal inicial da tese, 1936, foi escolhido em função da criação
do Serviço de Estudos e Investigações (SEI) do Itamaraty, a primeira organização anticomunista
brasileira que estava articulada com as principais entidades congêneres europeias do período, tanto
civis quanto governamentais, que será apresentado no capítulo 5. A adoção de 1964 como o marco final
justifica-se pelo fato de que muitos dos indivíduos e grupos que estavam mobilizados desde a década
de 1930 se desarticularam ou passaram a atuar de outras formas depois do golpe empresarial-militar, o
que será observado nos capítulos finais. A escolha de um recorte temporal mais abrangente decorreu da
proposta de melhor compreender a riqueza de experiências e o real significado da atuação destes
indivíduos e grupos.
Esta pesquisa defende a tese de que as ações dos indivíduos e organizações em questão, que se
apresentavam como anticomunistas, foram necessariamente transnacionais, de caráter preventivo e
destinadas a exercer controle social. Em outras palavras, a sua atuação foi guiada por uma perspectiva
contrarrevolucionária preventiva articulada transnacionalmente. Isoladas de seu contexto internacional
e de uma escala temporal mais abrangente, essas iniciativas poderiam parecer mera reação a uma
conjuntura de crise política. Contudo, a percepção de um “anticomunismo reativo” esconde que as
ações desses atores visavam, essencialmente, conter, regular ou destruir a possibilidade de organização
dos trabalhadores, desde a sua raiz, buscando afastar o fantasma de uma revolução, mesmo que ela não
estivesse surgindo efetivamente no horizonte. Como identificado por Florestan Fernandes, as profundas
transformações das estruturas socioeconômicas que vinham ocorrendo no Brasil desde as primeiras
décadas do século XX, que levaram à formação de um novo proletariado urbano, concentrado nas
grandes cidades, levaram a burguesia brasileira a perceber os riscos que sua dominação classista
poderia vir a sofrer:

Nunca chegou a existir uma situação pré-revolucionária tipicamente fundada na


rebelião antiburguesa das classes assalariadas e destituídas. No entanto, a situação
existente era potencialmente pré-revolucionária, devido ao grau de desagregação, de
desarticulação e de desorientação da própria dominação burguesa, exposta
ininterruptamente, da segunda década do século à ‘revolução institucional’ de 1964, a
26

um constante processo de erosão intestina 1 (FERNANDES, 1976, p. 322 apud


LEMOS, 2014, p. 118).

Como destacou Renato Lemos, é razoável trabalhar com a hipótese de que, entre 1920 e 1964,
“o conjunto da burguesia tomou (…) a direção do processo político nacional e lhe deu rumo
contrarrevolucionário preventivo”:

Contrarrevolucionário, não porque percebesse em seu horizonte uma efetiva ameaça


revolucionária, mas porque, em todo o período, várias experiências históricas
indicaram que o seu permanente estado de desunião belicosa constituía um elemento
necessário, ainda que não suficiente, para configurar-se uma situação revolucionária.
Preventivo, porque era preciso evitar o surgimento de elementos que, articulando-se
com os necessários, formassem um conjunto suficiente para a configuração de uma
situação revolucionária (LEMOS, 2014, p. 119).

É importante destacar que esta tese não pretende recontar ou apresentar uma nova análise sobre
o período da história brasileira a que se refere. Diante dos prazos para sua conclusão, deu-se prioridade
à apresentação, de forma narrativa, das informações encontradas na pesquisa empírica, em detrimento
de uma discussão mais aprofundada à luz da bibliografia relacionada ao tema – que ficou reservada
para um momento posterior. Também é necessário observar que, evidentemente, a pesquisa foi guiada
por certos pressupostos teóricos. Durante o processo de análise dos documentos e estruturação dos
capítulos da tese, a referência fundamental foi a obra de René Dreifuss, 1964, A conquista do Estado:
ação política, poder e golpe de classe. De modo mais amplo, a pesquisa foi guiada por uma perspectiva
analítica (e teórica) de orientação marxista. Com base nela, estabeleceram-se dois pressupostos básicos
para esta tese: 1) a atuação dos grupos anticomunistas brasileiros respondia a interesses de dominação
de classe; 2) a política norte-americana para a América Latina refletia a necessidade de eliminação dos
obstáculos existentes a sua expansão imperialista.
O texto está dividido em três partes. A primeira, com três capítulos, descreve o planejamento da
política norte-americana para a América Latina e para o Brasil e o perfil dos agentes que contribuíram

1 As evidências da falta de consenso entre as frações das classes dominantes brasileiras “se manifestaram nas crises que
marcaram todas as sucessões presidenciais em seguida ao governo do presidente Eurico Dutra (1946-1951), algumas das
quais beiraram a guerra civil, como as de 1954-1955 e 1961, e outra se resolveu por meio de golpe de 1964” (LEMOS,
2014, p. 118).
27

para sua formulação e execução. A segunda parte, também com três capítulos, apresenta os indivíduos e
grupos brasileiros que foram o público-alvo dessas políticas e as suas articulações internacionais. A
terceira parte, com cinco capítulos, discute os impactos do planejamento norte-americano para o Brasil,
com a criação de novas organizações que desempenharam um papel fundamental na derrubada do
governo de João Goulart em 1964. A divisão da tese em três partes se explica pela necessidade de
identificar como foram sendo construídas, ao longo do tempo, as relações e as articulações
transnacionais, buscando demonstrar como os diferentes grupos e atores realizaram trocas de
experiências entre si.
Para a elaboração desta tese, foram utilizados documentos pertencentes a 10 instituições
arquivísticas brasileiras2, 21 norte-americanas3 e uma suíça4, além de documentação disponível em
sítios eletrônicos de agências governamentais dos Estados Unidos 5. O acervo da Library of Congress e
da biblioteca da Michigan State University também constituem uma parte importante das fontes
consultadas, assim como o acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A
pesquisa de arquivo no Brasil foi realizada entre 2014 e 2016. E, nos Estados Unidos, entre 2017 e
2018. Ao longo da pesquisa, planilhas foram elaboradas para organizar da melhor forma possível toda a
documentação consultada e facilitar o fichamento dos arquivos. Esse processo, fundamental para a
preparação da estrutura da tese, foi realizado entre 2018 e 2019. A escrita da tese teve início em maio
de 2019, sendo finalizada em janeiro de 2020. A tradução de todos os documentos apresentados no
texto é minha.
Para as citações dos documentos, com o objetivo de “limpar” o texto e tornar a leitura menos
árida, optou-se pela indicação, entre parênteses, apenas do tipo de arquivo citado (memorando, carta,

2 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), Arquivo
Público Mineiro (APM), Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (AN),
Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro
(CPDOC/FGV), Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB Rio de Janeiro), Museu Histórico da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo e a biblioteca da Escola Superior de Guerra do Rio de Janeiro.
3 Bancroft Library (University of California at Berkeley), Butler Library (University of Columbia, Nova York), Young
Library (Smith College, Northampton, MA), Olin Library (Washington University in St. Louis, MO), Dwight D.
Eisenhower Presidential Library and Museum (Abilene, KS), George A. Smathers Library (University of Florida,
Gainesville, FL), Lauinger Library (Georgetown University, Washington, DC), Hoover Institution (Stanford University, Palo
Alto, CA), Joseph Regenstein Library (The University of Chicago), John F. Kennedy Presidential Library and Musem
(Boston, MA), Lyndon B. Johnson Presidential Library and Museum (Austin, TX), Richard M. Nixon Presidential Lybrary
and Museum (Yorba Linda, CA), Lilly Library (University of Indiana, Bloomington, IN), Michigan State University Library
(East Lansing, MI), Alexander Library (Rutgers University, New Brunswick, NJ), DeGolyer Library (Southern Methodist
University, TX), Rockefeller Archive Center (Tarrotown, NY), Elmer L. Andersen Library (University of Minnesota, MN),
The University of Texas at Austin Library, Beinecke Library e Sterling Memorial Library (Yale University, New Haven, CT)
e National Archives at College Park (MD).
4 Bibliothèque de Genéve (Genebra).
5 Da CIA (https://www.cia.gov/library/readingroom/home) e do FBI (https://vault.fbi.gov/).
28

relatório, etc.) e a data de sua produção. Nas Referências, ao final da tese, constam as informações
completas do documento – por quem foi produzido, a quem foi enviado, sua localização nas
instituições arquivísticas de origem, etc. – organizados em ordem cronológica (data destacada em
negrito). As citações de livros, artigos, teses e dissertações seguem o sistema autor-data 6, também com
o objetivo de reduzir o número de notas de rodapé, que foram utilizadas exclusivamente para apresentar
maiores informações sobre o tema tratado em cada parte do texto. A tese também apresenta algumas
fichas sobre temas específicos (por exemplo, o golpe de 1954 na Guatemala) e sobre indivíduos
importantes para o objeto da tese, sobre os quais não se localizaram obras de referência mais
completas, ao menos em português.
Algumas entrevistas foram realizadas com familiares de agentes norte-americanos e brasileiros
envolvidos com organizações descritas nesta tese. O texto apresenta trechos de apenas duas dessas
entrevistas (nos capítulos 2 e 3), que ajudaram a esclarecer aspectos relevantes da trajetória de dois
importantes oficiais de governo dos Estados Unidos. Alguns indivíduos, diretamente envolvidos em
operações da CIA no Brasil e com organizações brasileiras que receberam apoio do governo norte-
americano, aceitaram conceder entrevistas com o nítido propósito de “saber o que eu sabia”, buscando
manter o controle sobre as informações de sua vida no passado. Outros indivíduos, inicialmente,
aceitaram conceder entrevistas, mas depois deixaram de responder aos e-mails enviados. Também
foram realizadas entrevistas com autores norte-americanos que estudaram operações da CIA, em busca
de orientação sobre o tema e sobre a forma de obtenção de documentação sobre as atividades da
agência. Os arquivos pessoais de Ivan Hasslocher e de Henry F. Holland, enviados por seus familiares,
também foram utilizados na elaboração da pesquisa. A autobiografia, não publicada, de Clarence
Dauphinot, foi obtida com os familiares de David Beaty III.

6 Quando na citação não constar a página do livro em questão, trata-se de uma obra em formato eletrônico (geralmente e-
books em extensão EPUB), que muitas vezes não apresenta numeração de páginas, mas que permite fazer a busca pelo
termo desejado utilizando-se o atalho Ctrl F.
29

PARTE I – O PLANEJAMENTO DA GUERRA FRIA NA AMÉRICA LATINA

Após a Segunda Guerra Mundial, com a emergência dos Estados Unidos como potência global
hegemônica, a administração de Harry S. Truman (1945-1953) assumiu tarefas ambiciosas, como a
reconstrução da Europa e do Japão, o combate às revoluções na China, Indochina e Sudeste Asiático e a
contenção da expansão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Nesse contexto, a
América Latina parecia ficar em segundo plano. Para Williams (2017, p. 916), por exemplo, a região
era “uma arena periférica à disputa maior entre Leste e Oeste” 7. Mas Joseph e Spenser (2008, p. 9)
consideram “míopes” essas abordagens historiográficas que diminuem a importância da região para os
Estados Unidos naquele período. Grandin (2002, p. 426), afirmando que a “guerra fria mudou
radicalmente a América Latina”, destaca que ela não começou, no continente, apenas em 1959, com o
triunfo da revolução cubana, nem em 1954, quando ocorreu a intervenção na Guatemala que derrubou
o governo de Jacobo Árbenz: a guerra fria na América Latina iniciou “logo após a Segunda Guerra
Mundial, quando movimentos em defesa de mudanças econômicas e políticas varriam o continente”:

Os ditadores foram depostos em todo o continente e os governos legalizaram o


sufrágio e os sindicatos. Em graus variáveis de país para país, a urbanização, a
industrialização e o crescimento demográfico criaram uma classe média emergente e
um operariado urbano que se uniram a estudantes, intelectuais e, em alguns casos, a
um campesinato militante. Tais coligações geraram tanto a demanda de uma
reestruturação democrática quanto a força social necessária para implementá-la. (…)
No entanto, o regime político e econômico internacional, que emergiu logo depois da
Segunda Guerra Mundial, reduziu substancialmente a expectativa de vida das
democracias do pós-guerra. (…) 1947 marcou o início de uma reação em âmbito
continental. No Peru e na Venezuela, os governos eleitos foram depostos por golpes
militares. (…) Embora tenha assumido formas específicas em cada nação, a coalizão
contrarrevolucionária emergente geralmente era patrocinada pela classe dos
proprietários rurais, pelos militares, pela hierarquia eclesiástica e por capitalistas
manufatureiros e industriais que, anteriormente, podiam ter favorecido a reforma, mas
agora aspiravam à estabilidade a fim de atrair investimento externo (GRANDIN, 2002,
pp. 15-17).

7 No Brasil, Carlos Fico considera que os anos 1950 foram marcados pela “desimportância estratégico-militar da América
Latina” (2008, p. 20) para os EUA, afirmando que, após a Segunda Guerra Mundial, “a maior modificação” da política
norte-americana ocorreu apenas com a “implantação do regime socialista em Cuba”, em abril de 1961 (Id., p. 23).
30

Como observam Bethell e Roxborough (1997, p. 24), se “a política dos Estados Unidos no final
da guerra e no imediato pós-guerra foi marcada pela hesitação, confusão e divisão” e “os formuladores
sêniores da política de Washington” demonstraram pouco interesse e até mesmo ignorância sobre a
América Latina, isso não significa que o governo Truman tenha sido mero espectador dos
acontecimentos políticos do continente. E durante a administração Eisenhower (1953-1961), como
veremos a seguir, o reconhecimento da importância da região para os interesses dos Estados Unidos
levou à elaboração de um planejamento voltado a orientar a atuação do governo norte-americano no
continente. Na primeira parte desta tese, abordaremos os detalhes desse planejamento e analisaremos o
perfil dos indivíduos e agências envolvidos em sua elaboração.
31

CAPÍTULO 1 – UM PLANO DE AÇÃO PARA A AMÉRICA LATINA E PARA O


BRASIL

O comunismo se alimenta mais de mentes vazias do que de barrigas vazias.


– U.S. Doctrinal Program, PSB D-33/2, 05/05/1953.

Nós não devemos menosprezar a América Latina. Afinal de contas, ela é o nosso
quintal.
– Richard M. Nixon, Vice-Presidente dos Estados Unidos, 10/03/1955.

Há uma grande onda de governos populares apoiados por povos que na prática não têm
capacidade de se autogovernar e, de fato, são como crianças neste aspecto.
– John F. Dulles, Secretário de Estado, 19/06/1958.

1.1 Indefinição do governo Truman sobre a forma de atuação na América Latina

Em 1945, Spruille Braden, embaixador norte-americano na Argentina, liderou uma campanha


para evitar que Juan Domingo Perón fosse eleito presidente daquele país, denunciando os dirigentes
militares argentinos como simpatizantes do nazismo (MACDONALD, 1980). Esse tipo de intervenção
ostensiva gerava polêmicas. No final de 1944, Nelson Rockefeller, que ocupava o cargo de secretário
de Estado adjunto para assuntos das repúblicas americanas (Assistant Secretary of State for American
Republic Affairs)8, já havia se manifestado favoravelmente a um entendimento com Perón,
argumentando que as intervenções norte-americanas repercutiam negativamente na América Latina e
que a comunidade de empresários dos Estados Unidos não temia o general argentino (MACDONALD,
1980, p. 384).
John M. Cabot, conselheiro da embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires, foi outro que
manifestou preocupações. Embora não duvidasse do suposto “caráter fascista” do recém-eleito governo
de Perón, afirmava que “muitas outras pessoas no mundo” discordavam dessa caracterização. Por isso,

8 Nelson Aldrich Rockefeller era neto do magnata John D. Rockefeller, que fez fortuna, no final do século XIX, com a
exploração de petróleo. Dedicando-se à política desde cedo, viria a ser governador do estado de Nova York e vice-presidente
dos Estados Unidos. Durante a Segunda Guerra, foi coordenador do Office of Inter-American Affairs. Entre 1944 e 1945 foi
Secretário de Estado adjunto (seria substituído em outubro de 1945 por Spruille Braden, que permaneceu no cargo até junho
de 1947). As relações de Nelson Rockefeller com a América Latina serão analisadas com maior detalhe na Parte II desta
tese.
32

afirmava não acreditar que fosse possível “justificar medidas coercitivas, mesmo multilaterais, com
base nas provas nebulosas” de que Perón estaria “tramando algo”. Observando que, “pelo menos na
forma, o Brasil era mais fascista do que a Argentina” 9, e que em vários outros países da região havia
“censura de imprensa e repressão mais graves do que as existentes na Argentina”, Cabot questionava:

Eu sei que oficiais do governo dos Estados Unidos estiveram envolvidos na derrubada
de Arnulfo Arias10, então, nós podemos nos arrogar alguma virtude? Nós estamos
violando seriamente as leis argentinas ao contribuirmos com a ADI11 e, se em qualquer
momento as autoridades argentinas resolverem investigar esta situação, nós estaremos
envolvidos em um escândalo muito desagradável. (…). Nós estabelecemos em muitos
aspectos uma quinta coluna na Argentina, similar àquelas que os alemães tinham aqui
no início da guerra; nós temos informantes pagos dentre os oficiais do governo. Assim
como os alemães, nós também estamos mantendo uma equipe numerosa,
principalmente para espionar (snooping). Nós claramente encorajamos a derrubada do
atual regime que nós havíamos reconhecido como legítimo. Por isso, acho que
devemos seguir combatendo o nazismo. Minha questão é que nós não deveríamos
impor medidas duras e repressivas tão extremas a ponto de serem contraprodutivas
(Carta, 17/11/1945).

Cabot não questionava a intervenção em assuntos internos de outros países. Ele se preocupava
com a repercussão negativa dessa intervenção, caso isso viesse a público, e considerava importante
avaliar os custos políticos que isso criaria para os Estados Unidos. Em outra carta, de outubro de 1945,
ele deixou ainda mais clara a sua opinião sobre o assunto:

Estou inclinado a questionar se qualquer medida coercitiva de nossa parte teria o efeito
desejado. (…). Porém, eu tenho pensado em outra possibilidade, a qual discuti apenas
9 Naquele momento, o Brasil vivia os últimos dias da ditadura do Estado Novo (1937-1945), já com Getúlio Vargas deposto
e às vésperas de uma eleição presidencial.
10 Referência ao ex-presidente do Panamá, cujo governo foi deposto no final de 1941.
11 Durante a banca de defesa desta tese, o professor Mathias Luce levantou a hipótese de que a sigla ADI signifique
Argentinian Democratic Initiative, sendo possivelmente uma referência à Unión Democrática, coalizão de partidos e
movimentos (reunindo conservadores, radicais, socialistas e comunistas) que lançou José P. Tamborini como candidato à
presidência, para enfrentar o então coronel Perón, nas eleições de 1946. Segundo Rapoport (1997, p. 115-6), Spruille
Braden, naquele momento Secretário de Estado Adjunto de Assuntos do Hemisfério Ocidental, “apoiou ativamente” a
Unión Democrática. Pouco antes das eleições argentinas de 1946, “instigado por Spruille Braden”, o Departamento de
Estado “tentou desacreditar Perón publicando o Livro Azul”, no qual constariam supostas “evidências” da ligação de Perón
com o nazismo. Mas a campanha antiperonista teve um efeito contrário ao esperado, e acabou servindo como combustível
para a candidatura de Perón, que denunciou a tentativa de interferência dos Estados Unidos em assuntos internos da
Argentina utilizando o slogan “Perón ou Braden”. Isso colaborou para a vitória do militar argentino nas eleições daquele
ano.
33

com o Coronel King12. Acho que, se formos realmente agir contra as forças que
atualmente controlam a Argentina, eu acredito que o meio mais efetivo provavelmente
seria fornecer armamentos para os membros das forças de oposição, já que eles têm
organização suficiente para agir contra o atual regime. O Coronel King duvida que
seriam necessários tanques e aviões; o melhor seriam armamentos leves, se houver
suprimento suficiente. Ele está convencido, no entanto, de que somente uma ou duas
pessoas em todo o país devem saber de onde realmente vêm as armas. Afinal de contas,
nós temos sido acusados por democratas e supostos democratas de fornecer armas para
governos ditatoriais. Por que então seria imoral fornecer armas para uma organização
democrática quando a nossa própria segurança está em jogo? (Carta, 22/10/1945).

A política intervencionista de Spruille Braden foi oficialmente abandonada pelo Departamento


de Estado no final de 1948, após um prolongado debate que culminou na publicação de uma declaração
que descartava “o uso da força como instrumento de mudança política” 13. Em junho daquele mesmo
ano, o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSC) aprovou a instrução NSC 16,
reconhecendo que o governo norte-americano tinha tomado medidas para o “intercâmbio de
informações sobre atividades comunistas” e criado “canais para garantir o aumento do fluxo de
informações” com os governos da América Latina. A instrução orientava o governo a “encorajar
medidas para reduzir a ameaça comunista nas Américas, mas sem entrar em acordos anticomunistas
com outras repúblicas americanas” (Instrução NSC 16, 22/09/1950).
O não comprometimento do governo norte-americano com um programa coerente de combate
ao comunismo na América Latina gerava polêmica entre oficiais do Departamento de Estado. O chefe
da divisão de assuntos brasileiros do Bureau of Inter-American Affairs (ARA), DuWayne G. Jackson,
foi um dos que expressou descontentamento. Em uma carta enviada para Herschel V. Johnson,
embaixador dos Estados Unidos no Brasil, ele comentou:

Vários meses atrás eu conversei duas ou três vezes com Kenneth Oakley, o oficial do
ARA que está dedicando boa parte de seu tempo à analise das atividades comunistas na
América Latina. Ken achava que o governo poderia tomar certas medidas para
desmascarar a propaganda comunista na América Latina, especialmente naqueles casos
em que os governos locais, por razões políticas e outras, não estavam em condições de
estabelecer uma oposição crítica ativa a esta campanha contra os assim chamados

12 Referência a Joseph Caldwell King, assistente do adido militar na embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires, que
se tornaria chefe da divisão de hemisfério ocidental da CIA entre 1952 e 1964. King é um personagem importante desta
tese, como será visto nos próximos capítulos.
13 Sem nenhuma surpresa, tal posição não impediu o reconhecimento das ditaduras militares instaladas no Peru e na
Venezuela em 1948, após a deposição de governos democraticamente eleitos (RABE, 1988, p. 14).
34

interesses capitalistas norte-americanos que estavam dispostos a invadir os nossos


vizinhos e obter o controle de valiosos recursos naturais. Depois de discutir isso com
Ken, eu estava inclinado a pensar que alguma coisa deveria ser feita no Brasil,
especialmente após o seu telegrama secreto n. 1263, de 16-12-1948, no qual você
afirma: ‘O presidente [do Brasil] refere-se à persistente propaganda veiculada na
imprensa brasileira e outros meios emanada de fontes comunistas hostis aos Estados
Unidos’. Nós dois reconhecemos os fatores que tornam impossível ao governo
brasileiro combater ou suprimir essa propaganda, e foi sua a ideia de que talvez o
programa Voz da América poderia ser utilizado para denunciar essa propaganda (…).
Como você sabe, nossa política na Europa foi por algum tempo de reconhecimento
realista da propaganda comunista e em todas as oportunidades nós nos opusemos
vigorosamente a ela. Por outro lado, em relação à América Latina, as opiniões estão
divididas se deveríamos nos opor ativamente à propaganda comunista ou se
deveríamos ignorá-la com base na ideia de que ela não é tão séria quanto na Europa e
que nossa oposição poderia causar embaraços aos governos latino-americanos (Carta,
23/08/1949).

De acordo com Schmitz (1999), o Council on Foreign Relations (CFR)14 também analisou, no
início de 1949, a questão do comunismo na América Latina. O seu Study Group on Inter-American
Affairs, do qual fazia parte Edward G. Miller – que viria a ser Secretário de Estado Adjunto para
Assuntos Interamericanos (Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs) entre junho de 1949
e dezembro de 1952 – esperava que o Departamento de Estado assumisse a responsabilidade de
prevenir o estabelecimento de “regimes totalitários” no continente 15. Segundo o relatório elaborado
pelo grupo, o objetivo de estabelecer uma democracia constitucional em cada país latino-americano não
poderia ser alcançado da noite para o dia. Era previsível que o progresso em relação a esse fim seria
interrompido por revoluções, golpes de estado e ditaduras. Diante da necessidade de um longo período
14 Dreifuss (1986, p. 33), assim se refere ao CFR: “panteão do mundo dos negócios da política, das finanças, da
universidade e da imprensa norte-americana, foi um verdadeiro precursor das elites orgânicas, como uma das primeiras e
mais significativas tentativas de reunir industriais, banqueiros, militares e burocratas de Estado, intelectuais e figuras de
destaque da mídia num novo formato político e intelectual, que David Rockefeller chamaria de ‘casamento de cérebros e
dinheiro’ e Joseph Kraft denominaria de ‘Escola para Estadistas’”. Seu propósito, “numa perspectiva de poder internacional,
era o de analisar, formular, acompanhar e avaliar iniciativas e diretrizes estratégicas (privadas ou públicas) indispensáveis
para sustentar a crescente projeção do capitalismo norte-americano” (Id., p. 34)
15 Respondendo à questão levantada nos debates, sobre o significado dessa afirmação para a relação dos Estados Unidos
com Somoza, o líder do grupo, Francis Adams Truslow, advogado nova-iorquino, afirmou que a ditadura nicaraguense era
apenas um regime autocrático. O totalitarismo, por sua vez, seria a combinação de um regime autocrático com o controle
absoluto da vida econômica, citando o comunismo como exemplo. Depois de elaborar esse raciocínio, Truslow afirmou:
“nós nos recusamos a cooperar com totalitarismo”, mas “com ditaduras nós iremos” trabalhar (SCHMITZ, 1999). Em 1952,
ano de eleições presidenciais nos Estados Unidos, o CFR criou um grupo de estudos sobre “Political Unrest in Latin
America”, liderado pelo ex-secretário de Estado adjunto, Spruille Braden, com o objetivo de “formular uma nova política
para a América Latina, a ser recomendada à nova administração”. Segundo Schmitz, o study group do CFR concordou com
a conclusão expressa por um de seus membros: “se todo país latino-americano tivesse um Somoza [ditador da Nicarágua],
não haveria necessidade de discutir a agitação política nesses países. É preciso lembrar que poucos países americanos estão
prontos para a democracia” (“Second Meeting of Discussion Group on Political Unrest in Latin America,” 18 November
1952, Records of Groups, CFR. Documento citado por Schmitz, 1999).
35

de educação e desenvolvimento político, recomendava-se aos Estados Unidos o “exercício da paciência


e da tolerância com relação a essas manifestações lamentáveis mas inevitáveis”, desde que elas não
envolvessem a segurança continental ou a “infiltração totalitária”16.
Um memorando do Departamento de Estado de janeiro de 1950, sem autor identificado,
reconhecia as limitações da política norte-americana para a América Latina, que seriam decorrentes das
transformações organizativas e administrativas pelas quais estava passando o ARA. Essas modificações
tinham iniciado na segunda metade do ano de 1949 17. O mesmo documento reconhecia a existência de
um “sentimento dos latino-americanos de que, desde o final da guerra, os Estados Unidos estavam
preocupados somente com outras partes do mundo e se mostravam desinteressados pelos assuntos
hemisféricos”18. Mas o memorando minimizava a influência comunista na região, afirmando que nos
seis meses anteriores, “a penetração comunista” não parecia ter obtido grandes conquistas na América
Latina. O autor não identificado acreditava que “a influência comunista em sindicatos de trabalhadores
vinha perdendo terreno continuamente” (Memorando, 04/01/1950)19.
Thomas C. Mann, Vice-Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos entre 1950
e 1953, era um dos que defendiam que a América Latina era “da maior importância para os Estados
Unidos, por motivos de segurança, política e economia” 20. Mann considerava que existiam três

16 Os documentos citados por Schmitz (1999) são os seguintes: “Study Group Reports, Inter-American Affairs,” 7 February
1949, Records of Groups, Council on Foreign Relations, New York e CFR, Study Group on Inter-American Affairs,
“General Observations on Inter-American Relationships,” 10 February 1949, Miller Papers, Box 3, Harry S. Truman
Presidential Library.
17 Na verdade, todas as estruturas do Executivo norte-americano estavam sofrendo transformações naquele período,
seguindo a proposta elaborada pela Comissão Hoover (oficialmente, Comission on Organization of the Executive Branch of
the Government), liderada pelo ex-presidente Herbert Hoover, que apresentou 273 recomendações de mudanças
administrativas no governo.
18 Em 1951, o general Pedro Aurélio de Goés Monteiro, então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, era um dos
personagens brasileiros saudosistas dos tempos da política de boa vizinhança do governo Roosevelt. Enviado por Getúlio
Vargas a Washington em uma missão sigilosa para tratar da recusa brasileira em enviar tropas para a Guerra da Coreia
(1950-1953), Góes Monteiro escreveu uma carta ao ex-ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, queixando-se dos
novos tempos: “A situação aqui é bem diferente da de dez anos atrás, relativamente ao nível de confiança e atração entre o
Brasil e os Estados Unidos. Estes já nos conhecem de sobra e, como entidade viva individual ou coletiva que raciocina e
entende, prefere o que ainda não conhece bem do que aquilo que vai conhecendo demasiadamente. Suponho que os
vestígios da nossa anterior influência junto a este país se estejam apagando, a não ser, naturalmente, ao trato rígido e na
troca de negócios. Fora disso, nossas particularidades, bem reconhecidas, não são bem compreendidas e não podemos
esperar, no futuro, um tratamento especial, salvo se acontecer qualquer coisa que possa modificar favoravelmente nossa
posição. (…). O Dean Acheson é um inglês de Oxford e, em geral, dá uma importância muito insignificante aos latino-
americanos. (…) O [George C.] Marshall (…) tem um apreço muito relativo por nós e só para o caso de podermos servir aos
Estados Unidos. Assim são os demais. (…). De uma maneira geral os militares norte-americanos simpatizam conosco (…).
O mesmo não se dá nos círculos políticos e financeiros. Somos vistos com frieza, prevenção e até desconfiança. A boa
vontade é muito restrita” (Carta, 03/08/1951).
19 De acordo com Rabe (1988, p. 18), a administração Truman não desenvolveu um Plano Marshall para a América Latina
porque confiava na eficácia do capitalismo e não identificava uma ameaça comunista no continente.
20 Em memorando para Charles S. Murphy, conselheiro do presidente Truman, Mann esclarecia que a região representava,
em 1950, 35% das importações dos Estados Unidos, com um valor aproximado de 2,9 bilhões de dólares. Dela provinham
36

problemas básicos afetando as relações dos Estados Unidos com a América Latina. O primeiro deles
eram as “demandas populares por reformas imediatas”, que produziriam “instabilidade, fraqueza e
demagogia”. O segundo, “uma grande disparidade de riqueza e poder entre os Estados Unidos e a
América Latina” que, ao lado de “velhos preconceitos” estaria mantendo vivo o “antiamericanismo” e
estimulando o “nacionalismo econômico”21. O terceiro problema seria o comunismo, que exploraria os
outros dois problemas em seu favor.
Mann propunha que os Estados Unidos encorajassem políticas provenientes da América Latina
que apoiassem a norte-americana, dando crédito aos latino-americanos para o exercício de liderança
quando o fizessem “com qualidade”. Para Mann, “a não-intervenção” não significava que os norte-
americanos deveriam “ficar sentados, com os mãos entrelaçadas” caso “um regime claramente
comunista” fosse estabelecido no hemisfério. Caberia a eles “deter o desenvolvimento da
irresponsabilidade e do nacionalismo extremo e a crença latino-americana de serem imunes ao
exercício do poder dos Estados Unidos”. Mann acreditava que a “distribuição de favores deveria ser
limitada a poucos estados latino-americanos”, sendo realizada de modo “encoberto (covertly), para não
despertar uma sólida oposição da América Latina”. Mann era também favorável à realização de uma
campanha de propaganda encoberta, para conscientizar os latino-americanos sobre o perigo
representado pela União Soviética. Em resumo, na avaliação de Mann, seria preciso

Proteger os legítimos direitos dos investimentos dos Estados Unidos na área,


defendendo-os contra o abuso e a discriminação que são resultado do nacionalismo
extremo. Nas instâncias em que os Estados Unidos pretendem exercer pressões, isto
deve ser feito não apenas com habilidade por parte do Departamento [de Estado], mas
também com a cooperação dos interesses dos empresários, que têm sido discriminados
com ataques públicos e ameaças contra investimentos externos, despertando
preconceitos nacionalistas e dificultando os acordos de negociação (Memorando,
11/12/1952).

uma parte considerável de materiais estratégicos para a indústria norte-americana. Ao mesmo tempo, os países latino-
americanos haviam comprado naquele período 2,7 bilhões de dólares em produtos norte-americanos, absorvendo cerca de
44% das exportações totais de automóveis, 40% das exportações em produtos têxteis e de produtos de ferro e aço
manufaturados, e 30% das exportações de maquinários. No final de 1950, os investimentos privados dos EUA na América
Latina tinham atingido o valor de 6 bilhões de dólares, enquanto 4,6 bilhões foram investidos em outras regiões do mundo
(Memorando, 11/12/1952).
21 O nacionalismo já se configurava como um problema para o imperialismo estadunidense desde o início da Guerra Fria.
Segundo Ayerbe (2002, p. 81), “a preocupação dos Estados Unidos em relação à América Latina no início da guerra fria se
concentra especialmente nas posturas nacionalistas de alguns governos e movimentos que visualizam uma perspectiva
equidistante da influência do país como base para qualquer política de afirmação nacional. A maior preocupação é com a
disponibilidade dos recursos naturais da região em caso de guerra com a União Soviética e a eventualidade de um boicote
de governos, sindicatos e demais movimentos, em que a infiltração de ideias antiamericanas possa ser decisiva”.
37

George F. Kennan, o famoso formulador da influente “doutrina de contenção” da União


Soviética, considerado “um pilar da política externa do século XX” (GADDIS, 2014), também propôs
ao governo Truman uma abordagem mais contundente contra o comunismo na América Latina. Em um
memorando enviado ao secretário de Estado, Dean G. Acheson, em março de 1950, o então conselheiro
do Departamento de Estado observava que, apesar de “não haver nenhuma probabilidade séria” de que
os comunistas pudessem “chegar ao poder pela opinião da maioria” na América Latina, eles haviam
conquistado posições importantes na região, “suficientemente formidáveis para interferir
extensivamente no desenvolvimento de nossas relações em tempos de paz”.
Para Kennan, a situação no hemisfério não parecia estar melhorando, e qualquer ameaça mais
séria na região, “uma guerra civil, na melhor das hipóteses, ou uma tomada do poder pelos comunistas,
na pior”, significaria uma “quebra de nossa confiança política em escala mundial”. Ele recomendava
que fossem realizados “estudos intensos e unificados sobre o movimento comunista na América Latina,
para conhecer claramente as suas várias ramificações”, e que fossem elaboradas “medidas coercitivas”
que impressionassem os governos com relação ao “perigo de uma atitude excessivamente tolerante de
atividades antiamericanas”. Estas medidas coercitivas deveriam ser aplicadas, segundo Kennan, de
maneira cuidadosa, para evitar que “fossem exploradas pelos inimigos dos Estados Unidos como atos
de intervenção ou imperialismo ou meios ilícitos de pressão”. Na avaliação de Kennan, os métodos
para exercer a influência norte-americana na América Latina deveriam ser muito mais refinados:

(…) Nós nos privamos da possibilidade de intervenção pela força (...) nos assuntos
domésticos das nações latino-americanas. Ao mesmo tempo, a extensão de nossos
compromissos econômicos no hemisfério, aliada à extensão das atividades
antiamericanas inspiradas pelos comunistas, significam que é fundamental que
tenhamos um sistema de técnicas e instrumentalidades mais efetivo do que os até agora
existentes, através dos quais nossa influência possa continuar a ser exercida nos países
latino-americanos. Obviamente, estas devem excluir a intervenção militar, ou ameaças
de intervenção, e as formas mais brutas de pressões diplomáticas que possam ser
exploradas contra nós, psicologicamente e em termos propagandísticos, pelos
comunistas. Como isto pode ser feito? Ao invés de uma política delegada em
Washington para uma série de agências governamentais, cada uma delas seguindo uma
política independente nos países latino-americanos, nós devemos defender a existência
de uma única política para cada um dos países da região, adaptadas às nossas atuais
relações com eles, orientando as atividades de todas as agências do governo, sem
exceção. (…). O que eu estou propondo aqui não é nada mais do que a aplicação da
‘diplomacia total’ na América Latina. (…). Eu recomendaria que a divisão apropriada
do Departamento [de Estado] preparasse um paper para o Conselho de Segurança
Nacional que, se aprovado, teria como efeito que todas as agências, sem exceções,
38

incluindo aquelas que normalmente consideram suas funções como puramente técnicas
e não suscetíveis à influência de diretrizes políticas, para aceitarem a linha política
aprovada e conduzirem suas relações com os países latino-americanos, observando a
discrição e o sigilo oficiais, e terem suas atividades guiadas por estas diretrizes
(Memorando, 29/03/1950).

Não foi possível determinar qual foi a influência de Kennan sobre a política dos Estados Unidos
para a América Latina. Mas é interessante notar que o indivíduo responsável pela formulação da mais
importante doutrina da política externa norte-americana do pós-guerra demonstrou interesse pela
conjuntura política da América Latina no início da década de 1950, destacando a necessidade de
reelaboração da política dos Estados Unidos para a região. Tanto Kennan quanto Thomas Mann
perceberam que as ações encobertas (ver capítulo três) eram um instrumento útil para evitar críticas às
intervenções dos Estados Unidos na política da América Latina. Mas apenas Kennan sugeriu que este
instrumento deveria ser utilizado a partir de uma doutrina clara, pensada especificamente para a
realidade do continente americano. Tal planejamento não ocorreu durante o governo Truman, que
deixaria para o presidente Eisenhower “dilemas e questões não resolvidas nas relações
interamericanas” (RABE, 1988, p. 25).

1.2. O governo Eisenhower se depara com os problemas da América Latina

Dois meses depois da posse do presidente Eisenhower, o Conselho de Segurança Nacional


aprovou uma declaração preliminar dos planos e intenções de sua política para a América Latina,
expressa na instrução NSC 144/1, de 6 de março de 1953. Considerando que existiria uma tendência,
na América Latina, à consolidação de regimes nacionalistas apoiados por demandas populares que
reivindicavam melhorias em suas condições de vida, recomendava-se que o governo norte-americano
reconhecesse a importância da melhoria das condições de vida da população como instrumento para
deter o impulso à radicalização do nacionalismo. Era também indicado que os Estados Unidos
estimulassem a construção de uma “solidariedade hemisférica” em fóruns internacionais como a
Organização das Nações Unidas (ONU) e promovessem a “salvaguarda do hemisfério” através de uma
“maior utilização da Organização dos Estados Americanos (OEA)”, abstendo-se de realizar
39

“intervenções unilaterais explícitas” sempre que fosse possível. Além da valorização das ações
multilaterais, buscavam-se outras medidas econômicas e militares para a consolidação dos interesses
dos EUA na América Latina, tais como a padronização da organização militar latino-americana em
termos de treinamento, doutrina e equipamentos, de acordo com preceitos norte-americanos 22. Para
atingir esses objetivos, um desafio fundamental do governo era “reduzir e eliminar a ameaça comunista
interna e outras formas de subversão antiamericanas”, além de garantir o acesso a matérias-primas
essenciais à “segurança dos Estados Unidos”(Relatório, 06/03/1953).
O temor com relação ao comunismo na América Latina era alimentado por um relatório
alarmante produzido pela CIA (Central Intelligence Agency) e apresentado por seu diretor, Allen W.
Dulles, ao NSC, em fevereiro de 1953, que teria deixado Eisenhower “profundamente transtornado”
(Memorando, 18/03/1953). Segundo a apresentação feita por Dulles, a situação na América Latina
estava se “deteriorando não apenas em termos de cordialidade das relações com os Estados Unidos,
mas também em termos econômicos e políticos”. O cenário seria semelhante ao de movimentos
revolucionários da Ásia, que tendiam ao “nacionalismo econômico, regionalismo, neutralismo e à
crescente influência comunista”. O caso da Guatemala era considerado particularmente preocupante: a
“infecção comunista” no país estaria atingindo o nível de uma grave crise23.

22 A propósito, consultar VENERONI (1971).


23 Em outubro de 1944, na Guatemala, “uma revolução deflagrada a partir de protestos urbanos pôs fim a uma das mais
prolongadas e repressivas ditaduras da América, inaugurando uma década de mudanças sem precedentes, inclusive uma
ambiciosa reforma agrária” (GRANDIN, 2004, p. 15). Governados por presidentes democraticamente eleitos – Juan José
Arévalo (1945-1951) e Jacobo Árbenz Guzmán (1951-1954) – os guatemaltecos gozariam de “liberdade e esperanças
inéditas”. A classe média que assumiu o poder, “empenhada em levar a cabo as promessas de democracia e
desenvolvimento”, promoveu a convicção de que “um Estado intervencionista podia transformar a Guatemala em uma
nação democrática moderna” (Id., p. 21). No mesmo período, o partido comunista – Partido Guatemalteco do Trabalho
(PGT) – crescia aceleradamente (“de menos de cem filiados em 1950 para cinco mil em 1954”) e obtinha “apoio expressivo
sempre que apresentava candidatos às eleições locais ou nacionais”. Mas, segundo Grandin (p. 30), “apesar de sua
importância, o PGT não era senão parte de um universo democrático mais amplo”. E, embora sua autoridade crescente na
política guatemalteca “suscitasse ansiedade em alguns oficiais, a influência do partido nunca chegou a ameaçar a autonomia
das Forças Armadas” (Id., p. 39). Segundo Grandin (2004, p. 27-28), inicialmente, “os estudiosos que buscavam responder
por que os Estados Unidos intervieram na Guatemala em 1954 concentraram-se na ameaça que a reforma agrária
representou para os interesses econômicos norte-americanos, particularmente para a United Fruit Company. Ulteriormente,
porém, os historiadores passaram a enfatizar a influência crescente do (…) PGT (…) sobre a sociedade guatemalteca e sobre
Jacobo Árbenz”, atribuindo à United Fruit um papel periférico na decisão tomada pelo governo Eisenhower de combater
Árbenz. “Segundo essa perspectiva”, afirma Grandin, “os Estados Unidos nem desprezavam o tipo de nacionalismo
terceiro-mundista incorporado pelo presidente guatemalteco, (…) nem se mobilizaram em defesa de interesses econômicos
privados”. O “anticomunismo da guerra fria” e a avaliação precisa da força do PGT teriam sido os principais responsáveis
pela mobilização dos agentes norte-americanos. Grandin considera que esse debate, em última instância, “é duvidoso e
serve para dissimular o fato de que não se pode separar o anticomunismo da guerra fria da economia política da guerra fria”.
Kinzer e Schlesinger (1982, p. 97) afirmam que a United Fruit estabeleceu uma frente lobista e uma campanha de relações
públicas habilmente executada por Edward Bernays, Thomas Corcoran e Spruille Braden, com o objetivo de convencer o
público e o governo norte-americanos sobre a necessidade de intervir na Guatemala. Para maiores detalhes sobre essa
intervenção, ver a FICHA sobre a Guatemala, em anexo.
40

A instrução NSC 144/1, respondendo a essas preocupações, apresentou uma análise sobre os
principais problemas que os Estados Unidos teriam que enfrentar na América Latina, considerando-os
consequência direta das mudanças sociais que resultaram dos processos de independência dos países
latino-americanos no século XIX. Sem promover “o mesmo tipo de revolução política, social e
econômica” que havia ocorrido quando os Estados Unidos conquistaram sua independência da
Inglaterra, esses processos teriam mantido “os padrões políticos, sociais e econômicos” que eram
equivalentes aos atingidos por “Portugal e Espanha na época medieval”. Naquele momento, metade do
século XX, a América Latina estaria “passando por um período de reajustamento básico entre as
classes”:

Cárdenas no México, Arévalo na Guatemala, Figueres na Costa Rica, Gaitán na


Colômbia, Betancourt na Venezuela, Haya de la Torre no Peru, Ibañez no Chile, Perón
na Argentina, Vargas no Brasil e Grau em Cuba, todos conquistaram o poder por terem
prometido mudanças. E mesmo quando algumas destas personalidades, tais como
Betancourt, desapareceram da cena política, eles deixaram nas massas uma memória
de conquistas que apresentam uma séria e contínua ameaça aos governos mais
conservadores que assumiram a presidência (Relatório, 06/03/1953).

Esse processo de “reajustamento” gerava instabilidade política: as demandas populares por


reformas sociais apresentavam desafios que as classes dirigentes latino-americanas não estariam
preparadas para enfrentar. Os governos da região seriam ainda “imaturos, irresponsáveis e idealistas”,
“inadequadamente treinados para conduzir os assuntos de governo de modo eficiente” e “sem a
disposição necessária para combater os extremistas, incluindo comunistas, dentro de seu próprio
governo”. Diante das pressões por mudanças sociais com resultados rápidos e concretos, esses
governos apresentariam “uma intensa preocupação com problemas domésticos em detrimento das
preocupações com suas responsabilidades internacionais”, tentando resolver os problemas com “atos
sensacionais e irresponsáveis”(Relatório, 06/03/1953).
Para os estrategistas estadunidenses, a principal questão que se colocava era: como influenciar
estas mudanças que ocorriam nas sociedades latino-americanas para que elas tomassem a direção por
eles desejada? A manifestação do secretário de Estado John F. Dulles 24 em uma reunião do Conselho de

24 John F. Dulles era irmão do diretor da CIA, Allen W. Dulles. Falaremos sobre ambos no próximo capítulo.
41

Segurança Nacional, em 1958, demonstra como essa preocupação se manteria presente durante a
década de 1950:

O fato mais significativo que nós devemos reconhecer é que em boa parte do mundo e
certamente na América Latina tem havido, em anos recentes, uma grande onda de
governos populares apoiada por povos que na prática não têm capacidade para se
autogovernarem, e de fato são como crianças neste aspecto. (…) quando a nossa
república foi fundada, nossos Pais Fundadores perceberam que levaria um tempo
considerável antes que os novos Estados Unidos pudessem praticar com segurança a
democracia direta. Por esta razão nossos presidentes eram eleitos não pelo sufrágio
direto, mas através de mecanismos do colégio eleitoral. Ao contrário do nosso
exemplo, muitos estados latino-americanos estão dando um salto em direção a
autogovernos irresponsáveis direto de um status semicolonial. Isto cria para os
comunistas a situação ideal para explorar. Consequentemente (…) a política para a
América Latina (…) não deve se concentrar apenas nos problemas concretos
envolvidos em nossa relação. Deve também tentar descobrir por quais meios nós
podemos mover-nos, tomar o controle, ou guiar o movimento de massas em direção à
democracia em muitas das repúblicas latino-americanas (Memorando, 20/06/1958,
Itálicos meus).

1.3 Planejamento da guerra psicológica e de propaganda

John F. Dulles lamentava que os norte-americanos estivessem “desesperançadamente muito


atrasados em relação aos soviéticos em termos de desenvolvimento de controles sobre as mentes e
emoções de povos não-sofisticados” (unsophisticated peoples) (Memorando, 20/06/1958). Mas a
verdade é que as operações de guerra psicológica tinham sido amplamente desenvolvidas e utilizadas
pelo governo dos Estados Unidos durante a década de 1950. Scott Lucas (1996, p. 300) chega a afirmar
que “qualquer estudo sobre o processo de formulação de políticas dos Estados Unidos que ignore as
estratégias psicológicas é tão incompleto quanto aquelas que omitem as decisões presidenciais ou
conspirações militares”.
As expressões “guerra psicológica”, “guerra de propaganda”, “guerra política” e “informação”
eram frequentemente empregadas como sinônimos pelos estrategistas norte-americanos. Segundo
Osgood (2006, p. 8), o interesse por estes temas surgiu no período de entreguerras (1918-1939), quando
eram considerados um instrumento importante, acessório às operações militares. Porém, com o início
42

da Guerra Fria, guerra psicológica passou a ser definida como qualquer tipo de ação não-militar com o
objetivo de influenciar a opinião pública de acordo com os interesses da política externa norte-
americana, “uma fórmula abrangente que representava os mais diferentes tipos de intervenção em
assuntos internos de países amigáveis e hostis”. Em outras palavras, “uma guerra travada por todos os
meios que não apenas os militares”.
Em 1962, o termo propaganda foi definido em documento oficial do governo norte-americano
como “qualquer tipo de informação, ideias, doutrinas, ou apelos específicos que sirvam de apoio aos
objetivos nacionais25, destinados a influenciar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de
quaisquer grupos com o objetivo de beneficiar aquele que a promove, seja direta ou indiretamente”.
Guerra psicológica, por sua vez, seria “o uso planejado da propaganda e outras ações psicológicas
tendo como objetivo principal influenciar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos
estrangeiros hostis para atingir os objetivos nacionais [dos Estados Unidos]” (Telegrama circular,
12/07/1962).
Ainda na administração Truman, visando uma integração mais efetiva das ações psicológicas
promovidas por vários setores do governo, foi criado o Psychological Strategy Board (PSB). Em 1952
o PSB produziu um documento intitulado “Programa Doutrinário dos Estados Unidos”, que previa
diversas atividades com objetivos de curto, médio e longo prazo (Projeto, 12/05/1953)26. O programa
era apresentado como um “ataque planejado e sistemático” contra um sistema doutrinário hostil (o da
União Soviética). Esse ataque ocorreria através de uma defesa positiva da “filosofia básica” norte-
americana e deveria ser destinado a “grupos especificamente definidos, não às massas”. Esse público-
alvo era composto pelos “altos oficiais de governo, jornalistas, professores, estudantes e líderes
empresariais progressistas” estrangeiros e por “qualquer indivíduo interessado ou capaz de utilizar
conceitos de natureza doutrinária”. No interior desse público-alvo deveria ainda ser delimitado um
grupo menor, através do qual seriam obtidos os resultados desejados:

O alvo principal e mais efetivo é o grupo mais limitado de pessoas que são capazes e
interessadas em manipular mentalmente problemas doutrinários e fazer seus próprios
julgamentos, tentando persuadir outras pessoas a modificar suas próprias doutrinas

25 A expressão “objetivos nacionais” foi elevada ao patamar de conceito pela doutrina de segurança nacional em escala
internacional já na década de 1950. Para uma elaboração pioneira que se tornaria referência no âmbito da Escola Superior
de Guerra brasileira, consultar SILVA (1966).
26 Uma análise sobre este programa doutrinário, focada na atração de grupos da esquerda anticomunista, pode ser vista em
CHAVES, 2015.
43

originais. Este grupo é o alvo principal uma vez que é capaz de ser efetivamente
influenciado. É este grupo o que mais provavelmente dará continuidade e efetividade
à abordagem doutrinária iniciada pelo esforço [norte] americano, de uma maneira
que pareça uma criação autóctone (native development) (Projeto, 12/05/1953, Itálicos
meus).

De acordo com o “programa doutrinário”, as “mentes articuladas, desenvolvidas”, poderiam ser


encontradas em “todas as profissões e grupos sociais”, mas geralmente eram identificadas entre “os
membros da elite” que, “em suas tarefas do dia a dia”, utilizariam “a mente desenvolvida como sua
ferramenta principal”. Trabalhar com essa elite intelectual seria importante para os norte-americanos,
considerando-se que:

Um grupo relativamente pequeno de indivíduos, através do uso de seu poder


intelectual, deixa sua marca e influência ao formar, ou pelo menos predispor, atitudes e
opiniões dos formadores de opinião em uma determinada área. Esta elite intelectual
recebe parte de sua doutrina do ambiente tradicional no qual se desenvolve, mas
também recebe partes de sua doutrina de influências externas, particularmente de
caráter intelectual, com as quais entra em contato. O programa doutrinário é o esforço
conscientemente planejado para colocar esta elite em contato com materiais
estimulantes que irão interpretar as ideologias das elites de modo a preparar estes
intelectuais a aceitarem uma atitude favorável ou predisposta à filosofia concebida
pelos planejadores do programa doutrinário [norte-americano](Projeto, 12/05/1953,
Itálicos meus).

Eisenhower, ainda antes de tomar posse, vinha sendo informado sobre os desafios da guerra
política e psicológica por seu conselheiro, C. D. Jackson 27, que considerava haver uma “disputa

27 Charles Douglas Jackson, conhecido por C. D. Jackson, era conselheiro de Eisenhower para temas de guerra política e
psicológica. De acordo com Saunders (2008, p. 165-6), Jackson foi “um dos mais influentes estrategistas secretos da
América”. Formado em Princeton, ele era filho de um rico industrial que importava mármore e pedras da Europa, e fez
viagens extensas pela Europa, “cultivando contatos que se revelariam um recurso valioso em anos posteriores”. “Em 1931,
ingressou no império da Time Life de Henry Luce como executivo de propaganda”. Durante a Segunda Guerra Mundial, “foi
um dos principais especialistas em guerra psicológica dos Estados Unidos, trabalhando como subchefe do Escritório de
Informações de Guerra no Além-Mar, na África do Norte e no Oriente Médio, e depois como subchefe da Divisão de Guerra
Psicológica (PWD) do SHAEF (Quartel-General Supremo da Força Expedicionária Aliada), que estava sob o comando de
Eisenhower. Depois da guerra, C. D. Jackson voltou para a Time Life, onde se tornou vice-presidente da revista Time. Em
1951, foi convidado a participar de um estudo patrocinado pela CIA, que recomendava a reorganização dos serviços de
informação norte-americanos. Isso o levou a se tornar diretor ‘externo’ de operações clandestinas da Agência, através da
Campanha pela Verdade e do Comitê Nacional por uma Europa Livre, do qual se tornou presidente. (…). Foi por influência
de C. D. Jackson que Eisenhower foi convencido a contratar uma empresa de relações públicas durante sua campanha
eleitoral, o que o tornou o primeiro candidato presidencial a fazê-lo. (…). Tão logo entrou na Casa Branca, em janeiro de
1953, (…), Eisenhower fez uma nomeação especial para sua equipe: C. D. Jackson deveria ser o assessor especial do
44

fratricida” entre as diferentes agências do governo norte-americano responsáveis pelas iniciativas nesse
campo. Ele atribuía essa disputa à “falta de uma orientação política clara para a condução da guerra
fria” contra a União Soviética (Memorando, 17/12/1952). Em dezembro de 1952, C. D. Jackson
recomendou que o novo governo estabelecesse um comitê para conduzir um estudo abrangente sobre as
capacidades norte-americanas no campo da guerra psicológica e elaborar propostas para subsidiar os
futuros programas desenvolvidos nessa área. Seguindo essa orientação, em janeiro de 1953, logo após
assumir a presidência dos Estados Unidos, Eisenhower criou o The President’s Committe on
International Information Activities, conhecido como Comitê Jackson28.
A principal conclusão do comitê foi a de que existia uma grande lacuna entre o trabalho de
formulação dos objetivos gerais da política norte-americana nesse campo e o de detalhamento das
ações necessárias para efetivá-los (Relatório final, 30/06/1953). Julgando que o PSB não era mais a
estrutura adequada para supervisionar as operações psicológicas, o comitê sugeriu a organização de um
Conselho Coordenador de Operações (Operations Coordinating Board – OCB), vinculado ao Conselho
de Segurança Nacional. Em janeiro de 1954, em função da situação política da Guatemala, foi criado,
na estrutura do OCB, o Working Group on Latin America29.
Até esse momento, a elaboração de políticas para a América Latina era uma prerrogativa
exclusiva do Departamento de Estado. O antecessor do OCB, o PSB, tinha se dedicado integralmente
ao planejamento de operações para Europa e Ásia. No Conselho de Segurança, que eventualmente
criava grupos ad hoc para formulação de políticas para a Ásia e a Europa, o mesmo não ocorria com
relação à América Latina. Entretanto, no início de 1954, crescia a percepção de que as relações com a
América Latina estavam se deteriorando, e o OCB recebeu o encargo de refletir sobre os problemas da
região (Manuscrito, 10/07/1963). De acordo com Edward P. Lilly30, foi a Conferência da OEA,

presidente para a Guerra Psicológica, cargo este que fez dele um ministro não oficial da propaganda, com poderes quase
ilimitados”.
28 O nome é uma referência a William H. Jackson, sócio da firma de investimentos J. H. Whitney & Company e ex-vice-
diretor da CIA, que assumiu a liderança do comitê. Com um marcante perfil empresarial, era integrado pelo próprio C. D.
Jackson e Robert Cutler, futuro conselheiro de segurança nacional de Eisenhower. Os demais integrantes eram Roger M.
Kyes, executivo da General Motors e Vice-Secretário de Defesa dos Estados Unidos; Sigurd S. Larmon, presidente da
Young & Rubicam, uma das maiores empresas do ramo de publicidade e propaganda dos Estados Unidos, amigo pessoal e
um dos coordenadores da campanha presidencial de Eisenhower, Gordon Gray, diretor do PSB entre 1950 e 1952,
presidente da University of North Carolina e futuro secretário adjunto de defesa para assuntos de segurança internacional
(1955-1957); Barklie McKee Henry, banqueiro nova-iorquino associado a várias fundações privadas, John C. Hughes,
executivo de Wall Street, ex-coordenador do escritório nova-iorquino da OSS durante a Segunda Guerra Mundial e amigo
íntimo de Allen Dulles, então diretor de operações da CIA (PARRY-GILLES, 2002, p. 147).
29 Em agosto de 1953, o Conselho de Segurança Nacional tinha autorizado o uso de “ações encobertas” contra o governo da
Guatemala (CULLATHER, 1999, p. 37).
30 Professor de História da Universidade Loyola em Chicago e da Catholic University of America em Washington, D.C. Em
1944, tornou-se Diretor Assistente do Office of War Information (OWI), um dos órgãos de inteligência do governo dos EUA
45

realizada em Caracas em março de 195431, “que ofereceu ao OCB o meio para espalhar seus tentáculos
coordenadores sobre as operações relacionadas à América Latina” (Manuscrito, 10/07/1963). O
primeiro estudo do Working Group on Latin America, de 16 de março de 1954, intitulado
“Recomendações para lidar com certos problemas psicológicos básicos para os Estados Unidos em
Caracas”, citado por Lilly, criticava o desinteresse dos governos latino-americanos em relação ao
problema da “defesa conjunta do mundo livre contra o perigo comunista” e apresentava sugestões para
explorar as possibilidades de aprovação das propostas norte-americanas durante a conferência. As
recomendações do OCB foram adotadas e exploradas pela delegação dos Estados Unidos em Caracas.
E o que é ainda mais importante: esse envolvimento do OCB com o tema da Guatemala teve impactos
institucionais nas estruturas decisórias do governo Eisenhower. Os problemas da América Latina, de
acordo com Lilly, “passariam a ser considerados como alta prioridade por cada agência do governo”
(Manuscrito, 10/07/1963).
Os integrantes do Working Group, ao se depararem com a falta de informações sobre o
comunismo na América Latina, propuseram a elaboração de um plano de ação para a região, com a
definição de atribuições específicas para cada agência do governo. Esse trabalho ajudaria a verificar se
os objetivos previstos nas políticas aprovadas pelo NSC estavam sendo cumpridos. Auxiliaria também
a melhorar a coordenação entre os escritórios centrais das diversas agências do governo envolvidas

durante a Segunda Guerra Mundial. A pedido do Joint Chiefs of Staff, grupo de militares seniores responsável por assessorar
a Casa Branca e outras agências em temas militares, produziu um livro sobre a história e teoria das operações psicológicas
dos EUA entre 1941 e 1951. Em 1952 tornou-se assessor do NSC, designado para trabalhar junto ao PSB. Após a dissolução
do PSB, foi nomeado secretário executivo adjunto do OCB. Com a extinção do OCB pelo governo Kennedy, Lilly retornou
para sua função de assessor do NSC, onde permaneceu até 1965. No início dos anos 1960, Lilly preparou uma versão
ampliada de sua história das operações psicológicas dos EUA, incluindo um capítulo sobre a história do OCB (MANNING,
2004, p. 172).
31 Em março de 1954, o Departamento de Estado aproveitou a realização da Conferência Interamericana da OEA, em
Caracas, para fazer uma denúncia contra o governo da Guatemala. Buscando apoio multilateral para uma intervenção no
país da América Central, o secretário de Estado, John Foster Dulles, liderou pessoalmente a delegação norte-americana. A
resolução patrocinada pelos EUA, que buscava dar legitimidade jurídica às operações encobertas da CIA, condenava as
atividades do movimento comunista internacional, identificando-as como uma intervenção nos assuntos americanos;
declarava que o domínio ou o controle de qualquer país americano pelo movimento comunista internacional constituiria
uma ameaça ao continente e demandaria consultas entre os países do sistema interamericano; recomendava que cada um dos
países do continente controlasse as atividades e movimentações dos agentes comunistas, realizando a troca de informações
pertinentes. Apesar de ter recebido 16 votos favoráveis e apenas um contrário (Guatemala) – México e Argentina se
abstiveram – a aprovação da resolução não foi tranquila e envolveu debates acalorados. As objeções se concentravam em
três pontos: possibilidade de violação dos princípios estabelecidos para as relações interamericanas; as reformas sociais e
econômicas seriam melhor garantia contra a penetração comunista do que medidas políticas; a resolução deveria ser dirigida
contra todas as formas de totalitarismo. Apesar da maioria das delegações ter indicado concordar com os Estados Unidos, no
que se refere à ideia de que o comunismo era uma ameaça ao continente, algumas consideravam que tal ameaça era apenas
potencial, não corrente. Os norte-americanos receberam forte apoio do Brasil, Colômbia, Peru e Cuba. O setor de
inteligência do Departamento de Estado avaliava que, apesar de sua aprovação, a Resolução XCIII tinha sido recebida sem
entusiasmo na América Latina, não sendo boas as perspectivas para sua efetiva implementação (Relatório nº 6556,
08/06/1954).
46

com ações de política externa e seus representantes nas missões diplomáticas dos Estados Unidos na
América Latina. O plano deveria ser elaborado e aprovado por todas as agências que estivessem
envolvidas com seus objetivos, as quais se comprometeriam a enviar relatórios periódicos sobre o
progresso das ações a elas atribuídas. A proposta foi aprovada em julho de 1954.
De acordo com um memorando assinado por Scott C. Lyon, o plano de ação para a América
Latina originou-se da preocupação de Henry F. Holland – Secretário de Estado Adjunto para Assuntos
Interamericanos entre março de 1954 e setembro de 1956 – com a “aparente falha dos governos latino-
americanos em avaliar a gravidade da ameaça representada pelo comunismo internacional e seu
resultante fracasso na adoção de medidas efetivas para controlar as atividades comunistas”. Segundo
Lyon, no período em que o plano foi elaborado, “a ênfase soviética na coexistência pacífica 32” teria
levado muitos governos latino-americanos a uma maior “complacência” com o comunismo. Esperava-
se que o plano funcionasse como “um guia que visava estimular uma consciência sobre essa ameaça e
uma determinação para desenvolver medidas e capacidades efetivas para combatê-la” (Memorando,
02/12/1955).
Nesse mesmo período, o Conselho de Segurança Nacional aprovou um Statement of Policy
(NSC 5432/1) no qual foram declarados os objetivos e cursos de ação dos Estados Unidos com relação
à América Latina (Statement of Policy, 03/09/1954). Reconhecendo a importância de auxiliar os países
da região a reverter as tendências que ofereceriam “oportunidades para a penetração comunista”, o
Conselho determinava que o governo desse maior ênfase aos seus programas na América Latina, a fim
de fortalecer a segurança do continente33.

32 “Na segunda metade da década de 1950, o cenário internacional (…) começou a passar por importantes transformações.
A competição entre EUA e URSS pelo controle de áreas de influência em todo o planeta permanecia, mas começou a
adquirir nova feição, entrando numa fase que ficou conhecida como de ‘coexistência pacífica’. A ‘coexistência pacífica’ se
originou, principalmente, de mudanças internas na própria URSS, com a morte do autocrático Joseph Stalin, em 1953, e a
ascensão de Nikita Kruschev. Além de promover um início de liberalização interna – a chamada "desestalinização" –,
Kruschev procurou deslocar o conflito entre as superpotências do plano puramente militar para as áreas econômica e
tecnológica. (…). Mas a idéia de uma ‘coexistência pacífica’ se originou também do reconhecimento, por ambas as
superpotências, de que o conflito aparentemente irreconciliável que as separava dificilmente poderia ser resolvido apenas
pela via militar, tendo em vista o potencial letal, para toda a humanidade, do arsenal nuclear detido por ambas. Uma outra
alteração no sistema internacional que contribuiu para a flexibilização da Guerra Fria foi o aprofundamento da
descolonização afro-asiática. O nascimento de dezenas de novos Estados independentes na Ásia e na África implicou o
surgimento de uma nova categoria de nações” (CPDOC-FGV, 2002).
33 Para mais informações sobre os objetivos e resultados da NSC 5432/1, ver Relatório do OCB, 23/02/1955.
47

1.4. O Plano Básico de Operações contra o Comunismo na América Latina

Diferentes versões preliminares do plano, que foi denominado Outline Plan of Operations
Against Communism in Latin America (Plano Básico de Operações contra o Comunismo na América
Latina), foram produzidas entre dezembro de 1954 e abril de 1956. Analisarei a sua versão final,
arquivada na Biblioteca Eisenhower (Plano, 18/04/1956) e ainda parcialmente censurada34, utilizando,
de forma complementar, a versão aprovada pelo OCB no final de novembro de 1955, que foi
comentada pelo Subsecretário de Estado Herbert Hoover, Jr. O documento, que contém suas anotações
feitas a lápis, não apresenta nenhuma tarja de censura (Anexo ao Memorando, 02/12/1955). Dele serão
retiradas as menções feitas à CIA.
Como mencionado anteriormente, o objetivo do Outline Plan era colocar em prática um
“programa integrado e concertado” para a execução de “políticas contra o comunismo na América
Latina”. Ele apresentava os cursos de ação que haviam sido desenvolvidos para “aumentar a
consciência sobre a ameaça do comunismo internacional e para estimular os governos e o povo latino-
americanos a apoiar medidas efetivas de controle e restrição das atividades comunistas”. Para facilitar
sua consulta, tornando-o efetivamente operacional, o documento foi dividido em três colunas: na
primeira constavam as instruções aprovadas pelo NSC, brevemente descritas; na segunda, as ações a
serem executadas a partir dessas instruções; na terceira coluna, as agências encarregadas pela execução
dessas ações. Inicialmente, o Outline Plan tinha recebido a classificação de ultrassecreto. Ele foi
posteriormente classificado como documento secreto, para que pudesse ser distribuído às agências
integrantes do OCB. Fora de Washington, o acesso ao plano era restrito aos chefes das missões
diplomáticas norte-americanas, ou, na ausência destes, do oficial de mais alta graduação na carreira
diplomática.
Os elaboradores do plano reconheceram a eficácia contra o comunismo de alguns programas e
políticas que o governo norte-americano já vinha realizando na América Latina, listando as ações que
tinham obtido maior impacto: a) Consultas prévias e rotineiras com os governos latino-americanos
sobre temas a serem debatidos na ONU e outros fóruns internacionais; b) Contato direto entre as
embaixadas norte-americanas e os governos locais para informar sobre eventos e atividades comunistas
e sobre transporte de materiais estratégicos para o bloco soviético e para a distribuição de análises

34 A versão publicada na coleção Foreign Relations of the United States (FRUS) também está incompleta.
48

relacionadas ao comunismo; c) Atividades dos EUA na área trabalhista 35; d) Programas efetivos de
propaganda de autoria identificada e não-identificada sobre o comunismo, tais como os da United
States Information Agency (USIA); e) Assistência financeira emergencial concedida à Guatemala e à
Bolívia e programas de cooperação técnica na região; f) Planejamento na área de defesa mútua,
cooperação militar e treinamento e assistência financeira reembolsável militar; g) Outros métodos
disponíveis de cooperação contra o comunismo incluindo apoio de inteligência às embaixadas norte-
americanas.
O plano demandava cautela e discrição na aplicação das ações previstas na América Latina.
Alertava que “esforços de persuasão, aplicação de pressões e oferecimento de incentivos” poderiam,
“em determinadas circunstâncias, ter efeitos prejudiciais”. Era importante que os oficiais norte-
americanos tivessem consciência de que o nacionalismo era “um poderoso fator na região,
frequentemente expresso na forma de antiamericanismo”, e de que subsistiriam ainda “temores
relacionados ao ‘imperialismo yankee’ e à ‘diplomacia do dólar’”. O plano também advertia que seria
necessário levar em consideração a inveja e o ressentimento de muitos latino-americanos com relação
ao tamanho e ao poder dos Estados Unidos. Aos oficiais norte-americanos caberia demonstrar “o vigor
e a desenvoltura da política e da tecnologia”, assim como o “alto nível de moralidade e democracia” de
seu país.
Eles deveriam fazer “o máximo esforço para associar comunismo com subversão” e conseguir
obter o reconhecimento de que isso era um problema que atingia a todos os países da América Latina,
não apenas os Estados Unidos. O comunismo, de “caráter destrutivo, fraudulento, subversivo e brutal”,
representaria “uma ameaça contínua” e muitas vezes poderia ser “disfarçado com uma coloração
protetora nacionalista” e pela cooperação com outros grupos ou causas que faziam oposição aos
Estados Unidos. A ação comunista, que era descrita como “encoberta e aberta”, priorizaria a “ação de
grupos locais, incluindo as ‘frentes de libertação nacionais’, particularmente dependentes da União
Soviética em termos financeiros, propagandísticos e de mobilidade”. Os estrategistas norte-americanos
consideravam que as promessas do comunismo eram “plausíveis”, embora “fraudulentas”, sendo
“direcionadas prioritariamente às aspirações dos trabalhadores, estudantes e juventude, intelectuais e
educadores, mulheres e trabalhadores rurais”. Eles previam um aumento das atividades do bloco
soviético e dos comunistas na América Latina, que seriam beneficiados pela expectativa de absorção do
35 Tinha destaque o papel cumprido pela política de adidos trabalhistas, que operavam junto às embaixadas e consulados da
América Latina, atuando como “instrumento de consolidação da hegemonia norte-americana” (AFONSO, 2011). Era
também relevante a atuação de organizações como a American Federation of Labor (AFL) e o Congress of Industrial
Organizations (CIO). Ver, a propósito, MORRIS (1967) e CORRÊA (2013).
49

excedente de produtos oriundos da América Latina, pelo desejo de aquisição de tecnologia de ponta e
armamentos modernos, e, principalmente, pelos “esforços da Argentina, do Brasil e do México, para
desenvolver seus recursos petrolíferos sem a participação de investimentos estrangeiros privados”36.
Os planejadores norte-americanos declaravam buscar “evitar a histeria sobre o comunismo na
América Latina”, abordando o problema sob uma “perspectiva adequada” à totalidade dos objetivos
dos Estados Unidos na região. Eles queriam fornecer “uma oportunidade vital para o desenvolvimento
espontâneo de ações locais de responsabilidade não-atribuível” e se preocupavam com a “grande falta
de compreensão” sobre a ameaça comunista pelos países latino-americanos, mesmo quando estes
possuíam legislações que colocavam o comunismo na ilegalidade, o que dificultava, segundo sua
análise, a realização de ações efetivas para eliminá-lo.
Além das questões que impactavam as relações dos Estados Unidos com os governos latino-
americanos, o plano dava importância a iniciativas de influência sobre grupos da sociedade civil, com o
objetivo de estimular, “nos partidos políticos, Igreja 37, Forças Armadas, sindicatos, estudantes e
juventude, intelectuais e educadores, empresários, mulheres, trabalhadores rurais e grupos-chave
locais”, por meio de “todas as ações de autoria identificada e não-identificada, com apoio de
inteligência”, uma compreensão sobre a “natureza subversiva, conspirativa, fraudulenta e brutal da
ação comunista, e de seu propósito básico de servir à intervenção do bloco soviético às custas do bem-
estar do povo de seu país”. Esperava-se que esse público, posteriormente, disseminasse essa
“compreensão” junto ao “público em geral dos países latino-americanos”.
Essa atuação junto à sociedade civil, justificada como consequência da “proscrição de
intervenções unilaterais ostensivas”, deveria ser realizada pela USIA, Departamento de Estado, ICA
(International Cooperation Agency), Departamento de Defesa, Departamento de Trabalho,
Departamento de Comércio e Departamento de Tesouro, com apoio da CIA. A USIA também seria
responsável, com apoio do Departamento de Trabalho, Departamento de Defesa, Departamento de

36 Um estudo produzido pelo INR (Bureau of Intelligence and Research, vinculado ao Departamento de Estado), intitulado
“Comunismo na América Latina”, afirmava que o os comunistas na América Latina tinham o mesmo objetivo da União
Soviética, que era enfraquecer os Estados Unidos. De acordo com o estudo, a principal tática utilizada pelos comunistas
para atingir os seus fins seriam as “frentes de libertação nacional”, tática adotada por todos os partidos comunistas latino-
americanos. Baseados em alianças com diversos grupos, os comunistas estariam buscando consolidar um programa amplo
de reformas que poderia corresponder às reais aspirações da população. Segundo o documento, como os comunistas nunca
teriam sido obrigados a colocar suas ideias à prova na América Latina, já que eles “quase perenemente estavam na
oposição”, conseguiam criar uma imagem de “campeões invencíveis das aspirações latino-americanas”. O INR considerava
que, “com a destruição do regime dominado pelo comunismo de Árbenz na Guatemala”, os novos grandes centros de
atividade comunista encontravam-se no Brasil e no Chile. Estudo, “Communism in Latin America”, preparado pelo INR,
18/04/1956, anexo ao Outline Plan (Plano, 18/04/1956).
37 Hoover Jr. sublinhou a palavra Igreja e fez uma anotação: “fortalecer” (Anexo ao Memorando, 02/12/1955).
50

Estado e CIA, pela tarefa de estimular “através de canais de responsabilidade atribuível ou não-
atribuível”, tendências, grupos ou ações espontâneas que defendam qualquer um dos objetivos
previstos no Outline Plan, incluindo o de “persuadir grupos e indivíduos na América Latina a se
afastarem do comunismo”.
Com relação à área sindical, os Estados Unidos estavam dispostos a “encorajar os governos
latino-americanos a adotar leis e políticas para aprofundar o desenvolvimento de um movimento de
trabalhadores livres do controle comunista”. Recomendava-se que esses governos fossem incentivados
a “prevenir discretamente” que os comunistas assumissem o controle dos sindicatos. Como apoio, os
Estados Unidos (através do Departamento do Trabalho, Departamento de Estado e ICA, com apoio da
USIA) trabalhariam para fortalecer os seus programas voltados à construção de um “sindicalismo
livre”.
Além de manter o programa de treinamento de técnicos trabalhistas, o governo norte-americano
continuaria levando lideranças sindicais para visitas aos Estados Unidos, onde teriam a oportunidade de
“ver como os sindicatos podem ser independentes, democráticos e efetivos”, aprendendo a “detectar a
influência e as atividades comunistas no movimento sindical” e sendo convencidos “dos interesses e
entendimentos mútuos entre os trabalhadores dos EUA e de seus países”. Era previsto que os governos
latino-americanos também seriam encorajados a estabelecer acordos – de preferência com a
colaboração de sindicatos – para o treinamento de trabalhadores, que incluísse educação sobre “a
natureza e práticas do comunismo”, buscando o “desenvolvimento contínuo de lideranças sindicais
capazes e inteligentes”38.
Orientava-se as agências norte-americanas a estimular as companhias privadas dos EUA que
empregavam latino-americanos a desenvolver e manter relações de trabalho exemplarmente
democráticas, conduzindo suas operações de modo a evitar as acusações comunistas de exploração
capitalista ou de “imperialismo yankee”. Essas agências também deveriam trabalhar para “estimular a
consciência” de que sob o sistema de livre empresa a economia poderia ser “desenvolvida de modo
mais rápido do que por qualquer outro meio”. À USIA, à ICA, ao Departamento de Estado e ao
Departamento de Comércio cabia alertar aos latino-americanos que “qualquer tentativa de aplicar a
doutrina econômica soviética” colocaria em risco o progresso econômico de seus países.
Os governos latino-americanos deveriam ser incitados (pelos Departamentos de Estado e de
Defesa) a prevenir, de todo modo, “a extensão da influência militar do bloco soviético na América

38 Para maior aprofundamento, ver MORRIS (1967), AFONSO (2011) e CORRÊA (2013).
51

Latina”, evitando a compra de equipamentos militares ou a designação de conselheiros ou missões


militares. Para uma maior aproximação com os governos latino-americanos, previa-se o convite a
“oficiais civis e militares de prestígio” para que visitassem os Estados Unidos, “de maneira sistemática,
por períodos curtos” para “observar as operações e atividades” do país. Durante tais viagens, os agentes
norte-americanos deveriam instruir esses visitantes sobre as possibilidades de ação contra o
comunismo.
Outro item relevante do plano dizia respeito ao treinamento de “oficiais militares latino-
americanos em operações de contrainteligência, com ênfase em detecção de atividades comunistas” e
apoio ao “estabelecimento de organizações militares de contrainteligência efetivas na América Latina”.
A agência responsável por esta tarefa era o Departamento de Defesa, com o apoio da CIA. Também era
previsto o estímulo à utilização, pelos governos latino-americanos, “das cotas das academias de
treinamento norte-americanas”, com o objetivo de “exercer uma grande influência política” sobre “o
maior número possível de oficiais civis e militares da América Latina”. Esperava-se que esses oficiais
pudessem ser “doutrinados” com a metodologia norte-americana, acostumando-se com o modo de vida
daquele país e também com sua “orientação anticomunista”39.
Uma das ações previstas era o incentivo à adoção, pelos governos latino-americanos, de
medidas para a identificação das atividades e recursos financeiros dos divulgadores da propaganda do
movimento comunista internacional e daqueles indivíduos que agissem em seu nome. Considerava-se
que o meio mais efetivo para tanto seria um “contínuo intercâmbio bilateral ou multilateral de
informações entre os governos”, tarefa que ficaria a cargo do Departamento de Estado, apoiado pela
USIA e pela CIA. O governo norte-americano já estava desenvolvendo um programa que designava
“oficiais de ligação” para cada capital latino-americana, com o objetivo de “trabalhar com o
intercâmbio de informações sobre as atividades comunistas” que, até então, era realizado de maneira
informal40.

39 Para uma análise sobre o tema, ver VENERONI (1971).


40 Como mencionado anteriormente, a Resolução XCIII, aprovada na Conferência de Caracas em março de 1954, já previa
o estabelecimento de um intercâmbio de informações sobre o comunismo entre os governos latino-americanos e os Estados
Unidos. Mas existiam dúvidas sobre a forma de instrumentalizar o procedimento. Entre março e agosto de 1954, oficiais do
Departamento de Estado escreveram uma série de memorandos com sugestões. Alguns consideraram a utilização de canais
da Organização dos Estados Americanos (OEA). Outros recomendaram que representantes latino-americanos
permanecessem um período nos Estados Unidos, onde dariam início ao intercâmbio. Henry F. Holland se posicionou
defendendo que, primeiramente, fosse desenvolvido um programa de resistência interamericana ao comunismo. Apenas
depois disso é que deveria ser iniciada uma aproximação bilateral com os outros países do continente (Memorando,
26/08/1954).
52

Ao mesmo tempo, o Departamento de Estado assumia a responsabilidade pela designação de


um oficial para trabalhar, em tempo integral, na coordenação de um programa de combate ao
comunismo na América Latina41, e pela criação de uma unidade com a atribuição de “examinar as
informações sobre comunismo desenvolvidas pelas agências de inteligência, selecionar as informações
úteis e disponibilizá-las aos governos latino-americanos”. O oficial do Departamento de Estado seria
responsável por “preparar um estudo básico sobre o comunismo em cada uma das repúblicas
americanas, a ser atualizado semestralmente”. Com isso, esperava-se que o governo norte-americano
fosse capaz de “intensificar os esforços para identificar os centros nervosos, linhas de comunicação e
recursos financeiros do aparato comunista na América Latina”, a fim de adotar medidas que fossem
capazes de enfraquecê-lo. Nessa tarefa o Departamento de Estado contaria com o apoio da CIA.
Outra ação atribuída ao Departamento de Estado, apoiado pela USIA, pelo Departamento de
Defesa e pela CIA, era a realização de esforços para convencer os latino-americanos de que o
comunismo era um “movimento conspirativo subversivo” que representava “uma ameaça distinta e
separada ao Estado, seu governo e seus líderes”, não podendo assim ser encarado “como apenas mais
um integrante da oposição política”42. Os Estados Unidos deveriam “encorajar a adoção de qualquer
legislação ou medidas executivas” com o objetivo de: a) Ilegalizar o comunismo e os partidos
comunistas; b) Excluir os comunistas da possibilidade de disputar e de possuir qualquer cargo civil ou
militar no governo ou em partidos políticos, sindicatos de trabalhadores rurais e urbanos, instituições de
ensino públicas e privadas, ou em qualquer outro setor essencial; c) Exigir o registro e o controle de
viagens, recursos financeiros, comunicações e outras atividades dos comunistas; d) Definir e punir a
subversão como abrangendo as atividades comunistas que visassem à derrubada do governo; e)
“Limitar apropriadamente”, em tempos de paz e guerra, as atividades dos representantes diplomáticos e
comerciais do bloco soviético;43 f) Prender e confinar os comunistas prontamente em caso de guerra.
Isto poderia incluir o desenvolvimento de leis semelhantes às vigentes nos EUA.
Estavam presentes no plano propostas para dificultar ou impedir a movimentação de comunistas
dentro e fora do continente, assim como a realização de encontros políticos comunistas ou
“influenciados” pelo comunismo. Os governos latino-americanos deveriam ser instados “a desencorajar

41 John Calvin Hill, cuja trajetória será apresentada no capítulo 8, foi nomeado Assistente Especial sobre Comunismo no
ARA, no início de 1956.
42 Os itálicos representam as frases sublinhadas a lápis por Herbert Hoover, Jr. As frases sublinhadas mostram a
importância de caracterizar o comunismo como uma força estrangeira a fim de convencer os representantes de governos
latino-americanos a adotarem medidas para combatê-lo (Anexo ao Memorando, 02/12/1955).
43 Nas cópias dos planos disponíveis na Biblioteca Eisenhower e na coleção FRUS, este item está totalmente censurado, ao
contrário da cópia disponível no Arquivo Nacional de College Park.
53

ou prevenir a realização de encontros ou conferências comunistas ou de fachada comunista em países


latino-americanos e a presença de seus cidadãos nesses encontros”. Deveriam também ser pressionados
a “adotar regulamentos de emissão de passaportes” que permitissem negar “a emissão de vistos de
entrada na América Latina a pessoas de nacionalidade soviética” ou que se acreditasse estarem
“viajando em nome dos interesses do comunismo”.
Previa-se o desencorajamento das relações diplomáticas, militares e de qualquer outra natureza
entre o bloco soviético e os governos latino-americanos, convencendo estes últimos de que a URSS e
seus satélites faziam uso de suas missões diplomáticas “com objetivos subversivos, intervencionistas e
de direção das atividades comunistas locais”. Outra ação de grande importância – que também seria
prevista no programa 1290-d, analisado a seguir – era “reforçar o aparato de segurança público e
encoberto44 dos governos latino-americanos responsáveis por manter a vigilância e o controle das
atividades comunistas e pelo combate ao comunismo”. O Departamento de Estado e a ICA ficariam
encarregados da execução destas ações, contando com o apoio da USIA, do Departamento de Defesa e
da CIA45.

1.5. O programa 1290-d

Enquanto redigia o Outline Plan of Operations against Communism in Latin America, o OCB
estava envolvido na elaboração de outro plano com importantes repercussões para a região. Em
dezembro de 1954, a subcláusula “d” da NSC Action 129046 havia requerido ao OCB um relatório
sobre o “estado e adequação” dos programas em andamento para “o desenvolvimento das forças
policiais” com o objetivo de “manter a segurança interna e destruir a eficácia do aparelho comunista
nos países do mundo livre vulneráveis à subversão”(Memorando, 22/12/1954). O investimento na
preparação e aparelhamento das forças policiais era visto como um modo de evitar que os Estados
Unidos se vissem obrigados a apoiar ações militares ou, no limite, desembarcar suas próprias tropas
44 Os termos “ostensivo e encoberto (overt and covert)” aparecem censurados nas versões do plano disponíveis na
Biblioteca Eisenhower e na coleção FRUS, ao contrário da cópia disponível no Arquivo Nacional de College Park.
45 Interessante observar que o Subsecretário de Estado Herbert Hoover, Jr., destinatário desta cópia do Outline Plan,
escreveu a lápis, ao lado deste item: “fortalecer as operações da CIA (strengthen CIA operations)” (Anexo ao Memorando,
02/12/1955).
46 A NSC Action 1290-d deu origem a um programa policial que passou a ser conhecido por toda a burocracia da segurança
nacional dos Estados Unidos como o “Programa 1290d” (HUGGINS, 1998, p. 95). Em 1957 o programa mudou de nome e
passou a ser chamado Overseas Internal Security Program (OISP).
54

“nos países vulneráveis”47. A lógica preventiva servia à preservação da imagem do governo norte-
americano e evitava maiores custos políticos48. Seguindo esse raciocínio, o vice-presidente presidente
Richard M. Nixon observou, em uma reunião do NSC realizada em março de 1955, a importância de
adotar precauções na América Latina, afirmando que seria melhor prevenir os problemas do que
remediá-los (an ounce of pound is worth a pound of cure). Ele também alertou o NSC que, embora os
assuntos latino-americanos pudessem parecer de menor importância, o Conselho jamais deveria
menosprezar os acontecimentos da região. Esta, afinal, seria o “próprio quintal” norte-americano,
oferecendo um potencial enorme, tanto para o bem quanto para o mal, dependendo da condição de
estarem as pessoas certas ou erradas no comando desses países. Nixon chamou atenção para os fatos
ocorridos na Guatemala, que teriam sido muito piores “se tivessem ocorrido no México ou em Cuba”.
“Nós nunca devemos esquecer”, observou, “que, se um desses países sucumbir ao controle comunista,
será muito difícil reverter este quadro” (Memorando, 11/03/1955).
Para realizar o estudo encomendado pelo Conselho de Segurança ao OCB sobre os programas
de desenvolvimento das forças policiais, em fevereiro de 1955 foi formado o NSC 1290-d Working
Group, que apresentou um relatório final em novembro de 1955 . Os integrantes do grupo de trabalho 49
concluíram que “não havia um programa coordenado de assistência aos países vulneráveis à subversão
comunista” que fosse capaz de “desenvolver ou melhorar a eficácia das suas forças de segurança
interna” com o objetivo de “conter a subversão”. Eles identificaram a inexistência de uma definição
clara das responsabilidades entre as agências do governo dos Estados Unidos que deveriam levar
adiante tal programa (Relatório, 23/11/1955).

47 Durante a campanha presidencial de 1952, Eisenhower já havia prometido um “novo estilo” para sua política externa. A
“maior parte da carga de responsabilidade pela contenção dos primeiros passos da expansão comunista” seria colocada
“sobre os ombros dos próprios países vulneráveis”. Nos primeiros anos de seu governo, definiu-se que, ao invés de agir
como os franceses – que, segundo o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Arthur Radford, permaneciam em uma
longa guerra no Vietnã porque tinham relutado em treinar qualquer vietnamita – os norte-americanos preparariam as “forças
nativas do ‘Vietnã livre’ para lutarem por sua própria conta”. (HUGGINS, 1998, p.93)
48 Albert R. Haney (ver FICHA sobre a Guatemala), oficial da CIA que trabalhou por muitos anos na elaboração das
políticas norte-americanas relacionadas à segurança pública de outros países, observou que o Overseas Internal Security
Program era “um esforço modesto em termos de custo e de pessoal. Se for aplicado efetiva e adequadamente, pode, no
longo prazo, provar-se uma contribuição substancial para a redução da assistência financeira em geral, tanto militar quanto
econômica. Esta economia nunca poderá ser quantificada em termos de dólares se comparada ao custo de procedimentos de
prevenção de incêndio ou de uma vacina se eles se provarem exitosos. Economia e interesses de segurança podem ser mais
facilmente garantidos a partir de uma ação preventiva precoce, antes que a ameaça de subversão se torne séria” (Paper,
14/07/1957).
49 Integrado pelos seguintes membros: Douglas MacArthur II, do Departamento de Estado, presidente do grupo; general
Walter W. Wensinger, do Departamento de Defesa; general J. D. Balmer, da CIA; general Robert W. Porter, Jr. (FOA); e
Livingston Satterwhaite, do OCB.
55

O estudo baseou-se em dezoito países, quatro deles latino-americanos (Bolívia, Brasil, Chile,
Guatemala)50, e avaliou não apenas a capacidade de suas forças policiais e militares, mas também seus
sistemas jurídicos e legislativos, assim como a existência de apoio interno aos programas de segurança
pública. Tal como o Outline Plan, o relatório do NSC 1290-d Working Group expressava a convicção
de que os governos dos países estudados não eram capazes de avaliar corretamente a extensão do
problema da subversão comunista, cabendo aos Estados Unidos “fomentar o entendimento sobre a
ameaça subversiva” e também uma “vontade nacional” de combatê-la.
O relatório apontava que, na maioria dos casos analisados, “as forças policiais não possuíam a
competência técnica para lidar com a subversão, especialmente em suas formas mais avançadas”. Em
alguns países o treinamento policial “não precisaria expandir-se para além do treinamento de um
número limitado de especialistas em antissubversão”, mas em outros seria necessário “um programa
mais abrangente, incluindo administração policial e ciência forense”. Os estrategistas norte-americanos
se preocupavam com a possibilidade de que o governo dos Estados Unidos pudesse ser associado, pela
opinião pública, “ao apoio a sistemas policiais corruptos e autoritários manipulados por políticos
locais”. Por isso, recomendava-se que os programas fossem executados com precaução e cuidado, para
minimizar eventuais críticas.
Os membros do Working Group consideravam que deveriam ser realizados estudos mais
aprofundados sobre as capacidades antissubversão das forças policiais dos países da América Latina
incluídos no programa 1290-d. De forma geral, seus serviços de investigação se demonstravam
“deficientes em técnicas e equipamentos modernos necessários para reconhecer e combater as
atividades encobertas dos comunistas”. Determinou-se que “especialistas em polícia” conduzissem
pesquisas e elaborassem recomendações específicas para a assistência dos Estados Unidos (Relatório,
23/11/1955).
Além do NSC 1290-d Working Group, o Regional Working Group for the American Republics
on NSC 1290-d51, criado em abril de 1955, analisou a organização das polícias de Brasil, Bolívia, Chile

50 Os demais eram: Grécia, Afeganistão, Irã, Iraque, Paquistão, Síria, Burma, Camboja, “Vietnã ‘livre’ [do Sul]”, Indonésia,
Coreia, Laos, Filipinas e Tailândia.
51 Os integrantes do Grupo de Trabalho Regional eram William L. Krieg, do Departamento de Estado; coronel J. C. Murray
do Departamento de Defesa; Wallace S. McCall, da Foreign Operations Administration (FOA); e um membro da CIA, cujo
nome está censurado no documento original. Krieg foi conselheiro da embaixada dos Estados Unidos na Cidade da
Guatemala (1953-1955) durante o golpe que derrubou o governo de Arbenz em junho de 1954. Antes disso, trabalhou em
vários postos diplomáticos na Europa e América Latina. Em março de 1955, tornou-se assistente especial do secretário de
Estado adjunto para Assuntos Interamericanos, Henry Holland. Em julho de 1956, tornou-se diretor adjunto do Office of
Inter-American Regional Political Affairs. Em 1958, foi designado conselheiro da embaixada dos Estados Unidos em
Santiago, Chile (Cf: https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1955-57v06/persons, acessado em 06 julho 2019). O
coronel J. C. Murray era reconhecido como “um dos pensadores e escritores mais importantes dos fuzileiros navais, além de
56

e Guatemala, redigindo relatórios com recomendações específicas para cada um desses países,
considerados os mais suscetíveis à subversão comunista na América Latina 52. O relatório sobre o Brasil
foi aprovado pelo OCB em 16 de novembro de 1955. Suas duas primeiras páginas eram dedicadas à
análise do crescimento do Partido Comunista do Brasil (PCB) cujo registro tinha sido cassado em 1947.
Os redatores do relatório explicavam esse crescimento como “resultado de uma vigorosa campanha
quantitativa de recrutamento, aliada à atitude tolerante do governo em relação ao comunismo”.
Consideravam que, embora o PCB não tivesse condições, naquele momento, de tomar o poder pela
força, o movimento tinha “capacidade de se identificar com o crescente sentimento nacionalista”,
possuindo a “habilidade de influenciar o nacionalismo para seus próprios fins”:

Os votos influenciados pelo nacionalismo são um poderoso estímulo a políticos


personalistas que acreditam que o apoio comunista pode ser usado e do qual podem se
livrar facilmente. O perigo é que o poder político, federal ou estadual, possa cair nas
mãos de pessoas que tolerariam a expansão da influência comunista. Este perigo é em
parte o resultado de uma compreensão inadequada entre muitos oficiais do governo da
extensão da ameaça comunista e das medidas corretivas que deveriam ser adotadas
contra ele. Nesta atmosfera, o Partido Comunista do Brasil floresceu, dobrando o seu
número de membros nos últimos dois anos e tornando-se o maior e mais rico partido
comunista na América Latina. Este infiltrou-se nos governos federal e local em todos
os níveis, assim como em organizações de trabalhadores e na mídia. O programa do
partido, modelo para outros partidos latino-americanos, tem como meta a derrubada do
presente governo, com objetivos imediatos de estimular e explorar os
descontentamentos populares e o nacionalismo antiamericano, através de alianças com
outros grupos. O partido defende a luta armada e divulgou publicamente a intenção de
formar destacamentos armados em caso de um golpe ‘reacionário’ (Relatório,
16/11/1955).

O documento observava que, em função da organização federativa do país, os estados tinham


total autoridade sobre as suas polícias, o que impedia que o Exército fosse empregado para a
manutenção da ordem sem o seu consentimento. O relatório apresentava como grande deficiência a
“inexistência de uma agência de inteligência federal capaz de lidar com o comunismo em escala

ser um experiente comandante de tropas (GREENE, 1965, p. 65).


52 De acordo com a classificação dos formuladores do programa 1290-d, a situação na Bolívia era considerada “perigosa”,
assim como as do Afeganistão, Burma, Camboja, Indonésia e Síria. Em situação “potencialmente perigosa”, estariam Brasil,
Chile, Grécia e Paquistão. Em situação “contida, mas passível de vigilância”, Guatemala, Iraque, Coreia, Filipinas e
Tailândia. Somente dois países eram considerados em “situação crítica”: Vietnã e Laos. Em um primeiro momento, foram
elaborados planos específicos para 18 países, após uma seleção feita a partir da análise da situação de 44 países.
57

nacional” e de “um repositório central de informações sobre grupos subversivos” 53. O relatório
reconhecia que a seção trabalhista e as outras seções da Divisão de Polícia Política e Social eram
lideradas por “oficiais de polícia competentes, que tentavam combater o comunismo”. Mas lamentava
que elas, na prática, tivessem pouca autoridade fora do Distrito Federal. Sua única função em escala
nacional era a coleta das informações oriundas das várias organizações policiais dos estados, atividade
que também era considerada limitada pela separação de atribuições das polícias estaduais e a polícia
federal54.
Outro problema destacado pelo relatório era a falta de “competência na preparação de
evidências para apresentação aos tribunais” que poderiam ser atribuídas, em parte, às limitações
orçamentárias, que dificultavam a seleção, treinamento e retenção de oficiais competentes.
Diagnosticava-se também que todas as organizações policiais sofriam “de uma séria falta de transporte
motorizado e equipamentos de comunicação”. Embora isso não impedisse que as polícias militares
fossem capazes de “lidar com qualquer distúrbio provocado pelos comunistas”, a situação era
considerada preocupante. As forças policiais brasileiras deixavam a desejar “em termos de número de
efetivos, treinamento e eficiência, mesmo considerando-se padrões latino-americanos” (Relatório,
16/11/1955).

1.6 O Plano Básico de Operações para o Brasil

No mesmo período em que a OCB elaborava o Outline Plan para a América Latina e os grupos
de trabalho 1290-d estudavam as forças de segurança do Brasil, um outro grupo foi destacado para
elaborar o Outline Plan of Operations for Brazil (Plano Básico de Operações para o Brasil)55. Uma

53 O documento identifica que o “Conselho de Segurança Nacional do Brasil era a principal agência responsável por temas
relacionados à segurança e à inteligência”, mas oito linhas e meia estão censuradas no documento original antes desta
informação. Sobre o CSN, ver DHBB, verbete temático.
54 Seguem-se doze linhas censuradas após este comentário no documento original. Como veremos nos próximos capítulos,
a criação de uma agência federal de inteligência e a centralização das medidas de combate ao comunismo tornaram-se
alguns dos temas mais importantes da política norte-americana para o Brasil durante o governo de Eisenhower.
55 O plano começou a ser elaborado no início de março de 1955 por William L. Krieg, Sterling J. Cottrell e G. Richard
Monsen do Departamento de Estado, Katherine Keany, da USIA, o coronel Thomas E. Holland e o major Henry Taylor, do
Departamento de Defesa, Walter Bauer (FOA), Robert W. Bean (Departamento do Tesouro), Albert J. Powers
(Departamento de Comércio) e Arnold Steinbach (Departamento de Trabalho), e um integrante da CIA, cujo nome está
censurado. Alguns desses integrantes também faziam parte do Grupo de Trabalho sobre América Latina do OCB (Minuta,
17/06/1955).
58

primeira versão do plano foi aprovada em 26 de julho de 1955, prevendo atividades e objetivos
relacionados à conjuntura das eleições de outubro seguinte. A versão final, aprovada em 27 de junho de
1956, excluiu as atividades voltadas exclusivamente para o período pré-eleitoral e incluiu as principais
linhas de ação que deveriam ser adotadas com a confirmação da posse de Juscelino Kubitschek, que
ocorreria em fevereiro de 1956.

1.6.1 Antecedentes

No final de março de 1955, o secretário de Estado, John F. Dulles, enviou para as embaixadas
norte-americanas no Irã, Grécia, Filipinas, Coreia do Sul, Iraque, Afeganistão, Paquistão, Vietnã,
Camboja, Tailândia, Birmânia, Bolívia, Guatemala, Chile, Venezuela, Costa Rica e Brasil, um
telegrama circular informando que o OCB estava realizando estudos preliminares sobre os desafios do
combate às tentativas comunistas de subversão dos governos desses países 56. O Departamento de
Estado esperava que os embaixadores fizessem recomendações sobre o tema, destacando “os melhores
oficiais de sua equipe para preparar a resposta” solicitada pelo OCB (Telegrama circular, 23/03/1955).
O embaixador no Brasil, James C. Dunn, atribuiu essa tarefa a William C. Trimble 57, que
elaborou o documento intitulado “Possibilidades da assistência dos Estados Unidos para aumentar a
efetividade das capacidades brasileiras no combate à subversão comunista”. Trimble analisou as táticas
adotadas pelo PCB, concluindo que existiam “elementos favoráveis e desfavoráveis para a causa
comunista” no Brasil. As desvantagens estariam relacionadas ao “status de ilegalidade” do PCB,
“ignorância e falta de responsabilidade de seus militantes médios”, e a consequente “falta de disciplina,
principalmente entre os quadros de militantes comuns do partido”. Por outro lado, Trimble considerava
que os comunistas gozavam de uma “moral geralmente boa” e sua propaganda “era praticamente
irrestrita”. Isso possibilitaria “uma atmosfera propícia de recrutamento” para os comunistas diante da

56 Poucos meses depois, foi descartada a elaboração de planos para Venezuela e Costa Rica.
57 William Cattell Trimble formou-se em História na Universidade de Princeton em 1930. Um ano depois entrou para a
carreira diplomática, passando pelos seguintes postos: Sevilha (Espanha), Estônia, Argentina, México, Islândia, Londres,
Haia e, a partir de março de 1954, no Brasil, onde era o segundo oficial no comando da embaixada do Rio e ganhou o título
de ministro, a segunda maior gradação da carreira diplomática norte-americana. Trimble permaneceu no Brasil até setembro
de 1956, quando foi transferido para Bonn, então capital da República Federal Alemã. Entre 1959 e 1962, tornou-se
embaixador dos Estados Unidos no Camboja. Em 1962 tornou-se diretor do Escritório de Assuntos da Costa Oeste Africana
e do Mali do Departamento de Estado e, logo em seguida, vice-diretor de Assuntos Africanos do Departamento de Estado.
Aposentou-se em 1968 (The New York Times, 01/07/1996).
59

realidade de “rápido crescimento das classes trabalhadoras”, da “inflação, do baixo padrão de vida da
maioria da população, do alto grau de analfabetismo e de injustiça social, e das fraquezas e falhas do
governo para enfrentar o problema comunista”. Trimble acreditava que, “se as condições sociais do
país piorassem e a situação política continuasse tensa”, o PCB poderia “continuar a crescer em tamanho
e influência” (Despacho diplomático, 12/05/1955).
Trimble demonstrava preocupação com a “atitude tolerante demonstrada por [Getúlio] Vargas
com relação ao comunismo entre 1951 e 1954”. Isso, aliado ao “oportunismo político predominante”
no Brasil, criaria uma situação que favoreceria a “penetração comunista”. A situação poderia ficar ainda
pior caso o resultado das eleições presidenciais de outubro de 1955 “produzisse outro regime ao estilo
de Vargas”. Na opinião do diplomata norte-americano, que atribuía ao PCB a capacidade de
“influenciar a política governamental e corromper a opinião pública”, a manutenção da herança
varguista representaria um grande trunfo para os comunistas. Estes estariam demonstrando capacidade
de identificar os seus interesses com os dos setores nacionalistas, o que criaria sérios problemas ao país,
sobretudo no que se refere ao “desenvolvimento dos grandes recursos naturais, particularmente o
petróleo”. Não haveria perspectiva de melhora da situação política do país “a não ser que um enérgico
presidente anticomunista fosse eleito”. “Se os elementos políticos e econômicos nocivos
(unwholesome) que governaram o país nos últimos vinte anos retornarem ao poder nas eleições
presidenciais deste ano”, afirmava o diplomata norte-americano, referindo-se aos herdeiros do
varguismo, “será difícil medir o quanto será estimulada uma eficiente atividade anticomunista”.
A aliança dos comunistas com os nacionalistas poderia levar ao “crescimento da agitação de
massas e, consequentemente, da instabilidade social, agravando os problemas políticos e econômicos e
dificultando ainda mais a sua solução”. Trimble identificava a existência de uma “perda de confiança
pública na autoridade constituída”, a qual não parecia dar sinais de que poderia ser restaurada
facilmente, o que seria mais um fator a auxiliar “o crescimento do movimento comunista”. Além disso,
os comunistas estariam recebendo apoio de “políticos não comunistas inescrupulosos”, que
endossavam a sua propaganda e cooperavam com os agitadores “na exaltação do descontentamento
popular”, em busca de apoio a suas candidaturas durante as eleições. Isso criava a possibilidade,
conforme Trimble, de que o poder político, estadual ou federal, pudesse “cair nas mãos de pessoas que
certamente tolerariam ou mesmo encorajariam a rápida expansão da influência comunista no país”.
Na avaliação de Trimble, o governo Vargas tinha demonstrado “pouca ou nenhuma consciência”
de que “o movimento comunista, embora proscrito, ainda constituía uma ameaça ao Brasil”. Em
60

encontros com oficiais norte-americanos, Vargas e João Café Filho – vice-presidente da República –
teriam afirmado que “o comunismo no Brasil não era um grande problema” e sua solução dependeria
de “melhorias na situação econômica do país”. Para o diplomata norte-americano, “este tipo de visão
falaciosa” era típica “entre os mais altos escalões da política brasileira e da administração pública, com
a possível exceção das Forças Armadas”. Concluindo que, apesar da importante influência das
condições econômicas, a causa primária do crescimento do comunismo no Brasil seria o movimento
comunista internacional em si, ou, localmente, o Partido Comunista do Brasil, Trimble afirmava que as
medidas mais efetivas contra tal ascendência seriam aquelas que atacassem diretamente o “problema do
comunismo”. Entre elas, destacava:

(…) propaganda e outras táticas de guerra política visando desacreditar os comunistas,


ação policial e judicial para aleijar (cripple) e fechar os seus órgãos de imprensa e
organizações de fachada, pressões políticas para desalojá-los de posições de influência
no governo e em outros setores de influência sobre a opinião pública (imprensa, rádio,
cinema, etc.), assim como prisão e indiciamento dos líderes comunistas para dificultar
o seu trabalho clandestino, e quaisquer outras medidas que possam diminuir a
influência comunista e tornar mais difícil para o partido levar adiante as suas
atividades (Despacho diplomático, 12/05/1955).

Trimble, na mesma linha do relatório do programa 1290-d sobre o Brasil, apresentado


anteriormente, afirmava que um dos problemas com relação ao combate ao comunismo no Brasil
relacionava-se à organização federativa do país, o que permitia uma grande margem de autonomia dos
estados frente ao governo federal. Isso “tornava necessário levar em consideração as atitudes dos vários
governos estaduais em relação à ameaça subversiva”, o que variava bastante, e avaliar as forças de que
eles dispunham “para combater o comunismo”. Se alguns governadores demonstravam uma atitude
complacente, outros estariam dispostos a utilizar “medidas repressivas contra as atividades comunistas,
controlando-as efetivamente” como o general Cordeiro de Farias em Pernambuco 58 e o governador do

58 O general Cordeiro de Farias, um dos responsáveis pela criação da Escola Superior de Guerra, sobre a qual falaremos no
capítulo seis, assumiu, em dezembro de 1952, o comando da Zona Militar Norte, em Recife. Em 1954, candidatou-se ao
governo de Pernambuco com apoio do Partido Social Democrático (PSD) e dos partidos Democrata Cristão (PDC) e
Libertador (PL), com o objetivo de poder desencadear no Nordeste, caso fosse necessário, um movimento contra Getúlio
Vargas. Eleito, exerceu seu mandato até dezembro de 1958, quando assumiu a presidência da Comissão Mista Brasil-
Estados Unidos, em Washington, dedicando-se à renovação do acordo militar entre os dois países (DHBB, verbete
biográfico).
61

Rio Grande do Sul (Ildo Meneghetti 59). Em São Paulo, estado decisivo no cenário nacional, embora o
governador Jânio Quadros não fosse considerado pró-comunista, estaria “envolvido em campanhas de
muitas organizações de propaganda de fachada comunista”. Trimble acreditava que Quadros, se
assumisse uma postura anticomunista, “provavelmente se alinharia às políticas federais”. Mas, se
adotasse uma “atitude liberal (laissez-faire) em relação ao comunismo”, ele “recairia no oportunismo
político”60.
A atuação da Divisão de Polícia Política e Social (DPS) – vinculada ao Departamento Federal
de Segurança Pública (DFSP) – foi bem avaliada por Trimble. Levando em consideração os “padrões
latino-americanos”, ele a considerava “efetiva na tarefa de acompanhar o movimento comunista no
Distrito Federal”61: possuindo “agentes de penetração” no PCB, que forneciam relatórios sobre planos e
atividades comunistas, a DPS, de modo geral, conhecia as “organizações de fachada” e estava “bem
informada sobre a infiltração comunista em sindicatos de trabalhadores”. Mas, “apenas
ocasionalmente” seria capaz “de detectar os movimentos dos oficiais mais importantes do partido”, que
viviam e operavam clandestinamente. E tinha muita dificuldade em se manter atualizada sobre os
movimentos deles, de forma contínua. As “viagens de agentes comunistas dentro e fora do país” não
eram tão bem contempladas quanto as atividades locais do Partido Comunista. Caso fosse autorizada, a
DPS teria capacidade de promover a detenção, em larga escala e de modo eficiente, de “personalidades
e grupos comunistas” no Rio de Janeiro. Faltaria, contudo, “motivação e apoio oficial para tal ação”. A
polícia política de São Paulo também era considerada eficiente. A do Rio Grande do Sul seria “liderada
59 Engenheiro e empresário da construção civil, Meneghetti ingressou na vida pública em 1947. Foi nomeado prefeito de
Porto Alegre em 1948, durante o governo Dutra (1946-1951). Permaneceu no cargo até janeiro de 1951, ano em que
derrotou Leonel Brizola, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), nas eleições municipais. Em 1954 foi eleito governador do
Rio Grande do Sul (pela coligação formada por PSD, União Democrática Nacional (UDN) e Partido Libertador), derrotando
o candidato do PTB, Alberto Pasqualini. Em 1962 foi novamente eleito governador, em candidatura lançada pela coligação
Ação Democrática Popular. Foi um dos signatários do manifesto lançado em 1963 por governadores contrários ao governo
Goulart. Seu irmão, Mário Meneghetti, foi ministro da Agricultura entre 1956 e 1960, no governo de Juscelino Kubitschek
(DHBB, verbete biográfico).
60 Trimble julgava que a efetividade das polícias brasileiras no combate ao comunismo variava conforme a atitude pessoal
dos governadores e a prosperidade econômica local. Ele considerava que em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul,
“as forças policiais eram relativamente eficientes, e suas seções anticomunistas razoavelmente efetivas”. Mas, “em estados
mais atrasados”, “a polícia era de calibre menor”. Com relação às polícias militares estaduais, ele observou: “em caso de
uma emergência nacional, a primeira lealdade [das polícias militares] provavelmente será para com o governador do seu
estado, e não às autoridades federais”. Por isso, avaliava: “é possível que em uma disputa política entre autoridades
estaduais e federais, a polícia militar poderá alinhar-se contra o governo federal”. Em uma situação de “desordem” que
permitisse aos comunistas “se aliarem com grupos não-comunistas, a atitude individual dos governadores estaduais, o grau
de controle exercido sobre eles e sobre as polícias militares pelo governo federal” seria “de importância crucial”. Em casos
de “desordens civis maiores”, se as polícias militares forem incapazes de contê-las, ainda que estas se mantivessem leais ao
governo federal, Trimble considerava possível que as Forças Armadas fossem convocadas.
61 Trimble também expressou admiração pelo trabalho do chefe da seção trabalhista da DPS: “Borer é um oficial de polícia
competente e um dos homens mais bem informados no Brasil em questões sobre comunismo” (sobre Cecil Borer, ver
capítulo seis).
62

por um diretor competente e experiente”. Embora faltassem informações sobre as polícias políticas de
outros estados “para permitir uma avaliação acurada” de seu trabalho, Trimble acreditava que, no geral,
elas não seriam comparáveis às três já mencionadas (DF, SP e RS).
As “autoridades policiais e militares” estariam preocupadas “com a falta de uma agência de
inteligência capaz de lidar com o comunismo em escala nacional”. No julgamento de Trimble, a
Segunda Seção da Secretaria do Conselho de Segurança Nacional (CSN), responsável pela coleta e
transmissão de informações de inteligência, era “liderada por um coronel do Exército que não tinha
muita experiência com o trabalho de inteligência”. Sua equipe seria composta por “cinco ou seis
oficiais júnior relativamente inexperientes oriundos das três forças armadas”. A Seção não “se envolvia
diretamente com operações de inteligência e não fornecia muito do trabalho de equipe necessário para
uma iniciativa nacional de inteligência”. Trimble observou que o CSN tinha considerado apresentar ao
Congresso uma proposta de legislação autorizando a criação de um serviço nacional de inteligência, a
ele subordinado, responsável pelo combate ao comunismo em escala nacional. No entanto, diante das
dificuldades de obtenção de apoio no Congresso para a aprovação do projeto, o Conselho estaria
considerando criar essa agência por meio de um decreto do Executivo. O diplomata norte-americano
não se demonstrava otimista com relação à possibilidade de sucesso dessa proposta, mas avaliou que,
caso a agência fosse criada, ela provavelmente seria liderada por um oficial do exército. “Suas funções
possivelmente incluiriam ações de contra-ataque (countermeasures) aos comunistas, especialmente no
campo da guerra psicológica, e de coleta de inteligência”, observou Trimble.
O Congresso brasileiro, ao não aprovar “uma legislação anticomunista adequada”, também
estaria prejudicando o indiciamento dos comunistas, já que haveria uma “tendência do Judiciário a
julgar casos de atividades subversivas em bases excessivamente jurídicas” (on excessively legalistic
grounds). Os juízes pareciam “não se dar conta do significado e escopo das atividades subversivas
comunistas, decidindo casos frequentemente com base no que aparenta ser a estrita construção da lei”.
Os indiciamentos eram igualmente prejudicados, segundo Trimble, pela “falta de experiência e
treinamento de autoridades policiais na obtenção e preparação de evidências”.
As Forças Armadas do país tinham, de forma geral, uma orientação anticomunista, apresentando
boa capacidade de combater uma possível “subversão armada”. Na opinião de Trimble, as lideranças do
Exército poderiam divergir quanto a questões de política interna, mas estariam unidas em oposição ao
comunismo (o que veremos no capítulo seis). E a Força Aérea era uma “garantia contra movimentos
subversivos armados de larga escala”, “muito pouco infiltrada por comunistas”. A Marinha também
63

possuiria “pouca ou nenhuma infiltração de comunistas” e seu chefe de operações navais, almirante
Carlos Pena Botto, era líder da Cruzada Brasileira Anticomunista” (também apresentada no capítulo
seis).
Encerrando seu relatório, Trimble acautelava que a luta contra o comunismo no Brasil só
poderia ser vencida “pela educação do público brasileiro no sentido de uma percepção sobre o perigo
do movimento comunista não apenas no seu próprio país, mas no mundo todo”. Para que esse resultado
fosse obtido, o governo brasileiro precisaria estar “disposto a empreender uma longa e difícil
campanha”. Os Estados Unidos, sozinhos, não poderiam “resolver o problema comunista no Brasil”.
Contudo, através do “uso cuidadoso de sua influência e de seu poder econômico”, poderiam “tentar
induzir (induce) os brasileiros a perceber a magnitude do problema e visualizar meios para contê-lo”.
Os norte-americanos, na conclusão do diplomata, deveriam, assim, estar “prontos para suprir com
conselhos práticos e assistência especializada os esforços do governo brasileiro” (Despacho
diplomático, 12/05/1955).
O relatório produzido por Trimble possivelmente foi elaborado tendo como referência um
memorando intitulado “Cursos de ação dos Estados Unidos – Brazil”, enviado à embaixada dos
Estados Unidos no Rio de Janeiro em 25 de abril de 1955 (Memorando, 25/04/1955). Muito
provavelmente este era o estudo preliminar a que se referia o Secretário de Estado John F. Dulles no
telegrama mencionado anteriormente (Telegrama circular, 23/03/1955). O documento de dez páginas
tinha uma estrutura semelhante à do Outline Plan of Operations Against Communism in Latin America
e apresentava a abordagem básica da política norte-americana para o Brasil, em suas várias frentes –
militar, política, econômica e psicológica62.
Em termos políticos, os objetivos eram “encorajar a predominância de governos e grupos” que
fossem “amigáveis aos Estados Unidos” e se opusessem ao comunismo, sendo “efetivos na supressão
da infiltração comunista”. Esses grupos e governos também deveriam ser “ativos no apoio das políticas
dos Estados Unidos na ONU e em outras organizações internacionais”, além de “comprometidos com o
princípio da solidariedade hemisférica na luta entre Leste e Oeste”. Na frente psicológica, o objetivo
era “convencer o governo e o povo de que os interesses nacionais brasileiros são melhor servidos pela
cooperação íntima com os Estados Unidos” e “que o comunismo é o seu inimigo mortal e deve ser

62 Não serão aqui analisados os aspectos militares e econômicos desse memorando. Convém observar que a abordagem
apresentada nesta tese não esgota todas as interpretações possíveis deste e de tantos outros documentos citados ao longo do
texto.
64

repelido”, desenvolvendo “um entendimento sobre a democracia [norte] americana e uma simpatia
pelos ideais democráticos” (Memorando, 25/04/1955).
Diversos cursos de ação foram sugeridos no documento para a realização desses propósitos. Na
frente política, o Departamento de Estado deveria garantir uma “relação próxima entre a embaixada no
Rio de Janeiro e oficiais apropriados do MRE” para estimular um “apoio contínuo do Brasil às políticas
norte-americanas na ONU e em outras organizações” e promover o “entendimento sobre a posição dos
Estados Unidos em relação à influência soviética”, apontando “os perigos da infiltração e subversão
comunista para a estabilidade do Brasil e a sua segurança nacional”. A USIA, além de se encarregar das
atividades em apoio aos objetivos psicológicos mencionados acima, deveria “ajudar a criar uma atitude
favorável à revogação (repeal) dos aspectos monopolistas das leis da Petrobrás” que impediam a
participação de companhias e capital estrangeiros no desenvolvimento dos recursos de petróleo
brasileiros.
Outra recomendação importante do documento era a expansão das operações da CIA no Brasil
“para combater a crescente atividade comunista, particularmente antes das eleições presidenciais de
outubro” de 1955 (Memorando, 25/04/1955). De acordo com um dos raros documentos da CIA em que
não estão censuradas as informações sobre suas atividades no Brasil, a agência já tinha trabalhado para
a “exposição e eliminação” (exposure and elimination) de candidatos comunistas nas eleições gerais –
que renovaram governos estaduais, parte do Senado, a Câmara dos Deputados e as Assembleias
Legislativas – realizada em outubro de 1954, pouco depois do suicídio de Getúlio Vargas:

Os mecanismos (mechanisms) brasileiros na juventude e entre os estudantes, grupos


de imigrantes, imprensa, rádio, empresários, propaganda direta e ações de campo
contribuíram para a criação de um clima político favorável à execução pelo governo
brasileiro de suas primeiras ações anticomunistas vigorosas. O comunismo pode vir a
se tornar um importante tema durante a campanha para as eleições presidenciais de
1955. Estes grupos foram instrumentais na destruição (destroying) da mencionada
Conferência da Mulher e tiveram algum sucesso no torpedeamento (torpedoing) das
campanhas de comunistas que buscavam eleger-se com credenciais de partidos legais
(Memorando, 14/01/1955, Itálicos meus)63.
63 Há evidências de que, em março de 1953, os norte-americanos já se preocupavam com as eleições de outubro de 1954. O
conselheiro da embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Walter N. Walmsley, Jr., enviou uma carta ao vice-
secretário adjunto de Assuntos Interamericanos, Robert F. Woodward, solicitando que seu conteúdo – e o do material que
seguiria “por outra agência” – fosse discutido com os assessores de Woodward, com representantes da seção de inteligência
do Departamento de Estado (INR), “e talvez com o pessoal que trabalha próximo à reflecting pool” (referência à antiga sede
da Diretoria de Inteligência (DD/I) da CIA, que ficava próxima à Reflecting Pool, famoso ponto turístico da cidade de
Washington, D.C.). Walmsley afirmava que havia “amplas evidências, tanto ostensivas quanto encobertas ( overt and
covert), de que o objetivo imediato dos comunistas brasileiros era influenciar as eleições para o Congresso marcadas para
65

1.6.2 Primeira versão do Plano Básico de Operações para o Brasil e as eleições de 1955

Entre maio e julho de 1955, três relatórios especiais (Special status report) foram produzidos
pelo OCB em atenção à conjuntura pré-eleitoral brasileira. Eles foram incorporados ao plano aprovado
no final de julho de 1955 64. A análise apresentada no documento criticava a “ineficiente liderança da
administração de Café Filho”, que havia se recusado “a pressionar por medidas legislativas para
modificar o legado do nacionalismo econômico de Vargas”. Desaprovava a política nacionalista para o
“desenvolvimento dos recursos brasileiros, sobretudo o petróleo”, que levaria “a uma crescente
intervenção e propriedade estatal”, resultando em “ineficiência e corrupção” que desencorajavam “os
investimentos de capital estrangeiro”. Além disso, o documento constatava um “agudo e crescente
estado de tensão política e social resultante do reagrupamento das forças varguistas e de seus esforços
para retornar ao poder” nas eleições de outubro daquele ano. Considerando que os comunistas “tiravam
proveito” de todas as questões possíveis para “fortalecer sentimentos antiamericanos, expandir a
intervenção governamental na vida econômica e criar dissensão social” (social dissension), infiltrando-
se em todos os níveis do governo, nos sindicatos de trabalhadores e nas forças armadas, os norte-
americanos também temiam o fortalecimento dos laços do PCB com as massas. Diante dessa
conjuntura, o plano aprovado pelo OCB listou três objetivos imediatos: 1) que o Brasil tivesse uma
nova administração “responsável e capaz de encarar e lidar com os muitos problemas” do país; 2) evitar
que o país “afundasse” (to keep Brazil’s head above water) até que a nova administração tomasse
posse; 3) depois disso, garantir que o Brasil atingisse “algum tipo de equilíbrio econômico”. O plano
previa que as relações dos Estados Unidos com o Brasil “seriam muito difíceis” enquanto esses três
objetivos não fossem realizados (Plano, 26/07/1955).

outubro próximo” (Carta, 12/03/1954). É possível que Nelson Rockefeller também tenha participado da elaboração do
Outline Plan of Operations for Brazil, assim como das táticas a serem adotadas para as eleições de 1955. Naquela época ele
era assessor de Eisenhower para temas de segurança nacional e chefe do Policy Coordination Group, criado em março de
1955 por Eisenhower para supervisionar e aprovar operações secretas no interior da estrutura do OCB. Rockefeller tinha
contato diário com o diretor da CIA, Allen Dulles. Contudo, essa relação não parecia ser tranquila. Já no segundo semestre
de 1955, Rockefeller considerou a abolição do grupo, o que ocorreu em dezembro daquele ano. Segundo Rockefeller, a CIA
estava repassando poucos detalhes de suas operações (PRADOS, 2006, p. 150). Um memorando escrito pelo assessor de
Rockefeller, Stacy May, relata sua conversa com Horace S. “Pete” Craig, oficial da CIA, da “Equipe de Projetos Especiais”
(Special Projects Staff) do OCB. Craig teria lhe informado que “ainda não havia designado ninguém para examinar a
questão do tipo de assistência que seria necessária ao Brasil antes das eleições de outubro” de 1955, mas que iria entrar em
contato com o novo oficial que a CIA tinha designado para tratar de temas latino-americanos no OCB (Memorando,
12/07/1955). Voltaremos a abordar a atuação de Rockefeller com relação ao Brasil, nesse período, no capítulo seis.
64 Esta informação consta na folha de rosto que encaminhava a cópia dos relatórios especiais (Relatório, 16/06/1955).
66

Um memorando da OCB, também de julho de 1955 – que relatava as ações referentes às


instruções da NSC 5432/1, mencionada anteriormente – informa que estava sendo executado no Brasil
um “programa cuidadosamente elaborado” com o objetivo de “desacreditar e também combater a
propaganda pré-eleitoral comunista, particularmente sobre temas econômicos” (Memorando,
21/07/1955)65. Os estrategistas norte-americanos consideravam ser impossível determinar até que ponto
a influência dos Estados Unidos poderia ser exercida com eficiência sobre a situação política brasileira,
sendo necessário “acompanhar de perto a situação”. Alguns cuidados eram requeridos:

Nós devemos ter sempre presente a natureza altamente volátil do nacionalismo


brasileiro e portanto evitar qualquer ação que indique que os Estados Unidos
favorecem um candidato em detrimento de outro, especialmente agora, quando as
linhas políticas ainda não foram claramente definidas. Nós também devemos continuar
a seguir esta política até o estágio final da campanha, embora não devamos hesitar em
refutar declarações antiamericanas caso os Estados Unidos se tornem um tema da
campanha (Plano, 26/07/1955).

Os norte-americanos estavam insatisfeitos com a “desorganização e falta de unidade dos setores


moderados-conservadores” durante a campanha para as eleições, em um cenário que era “propício para
a exploração de sentimentos populares”. O relatório do OCB de junho de 1955 lamentava o fato de não
existir, até aquele momento, “nenhum candidato cuja eleição fosse claramente favorável aos interesses
dos Estados Unidos” – embora a candidatura de Kubitschek, por exemplo, não fosse “claramente
desfavorável”. E afirmava que, caso houvesse um “reagrupamento das forças moderadas, oferecendo a
oportunidade de apoio a um candidato favorável, com uma razoável chance de sucesso”, deveria ser
considerado “o provimento de um apoio discreto e apropriado” (Relatório, 14/06/1955).
O plano para o Brasil apresentava avaliações sobre os candidatos à presidência. Juscelino
Kubitschek “possivelmente seguiria uma linha marcadamente nacionalista, particularmente se [João]
65 Segundo o relatório, esse programa de propaganda era executado pela USIA. Mas era comum a colaboração entre essa
agência e a CIA, conforme o relato de G. Lewis Schmidt, chefe adjunto da USIA no Brasil entre 1956 e 1958. De acordo
com Schmidt, “a CIA decidiu que alguma coisa deveria ser feita” para combater a propaganda comunista. Como resultado
disso, “eles [da CIA] orquestraram conosco um grande programa” de “propaganda cinza” (Entrevista, 08/02/1988).
Santomauro (2015, p. 188-9) apresenta um relatório produzido pelo USIS do Rio de Janeiro, enviado em outubro de 1954 a
diversas agências governamentais, que “tinha como motivação explícita preparar o posto local para ação contra as
articulações políticas pré-eleitorais de quadros do Partido Comunista Brasileiro, que tentava ampliar seu leque de alianças,
também entre os partidos não comunistas brasileiros, como o PTB”. O documento tinha classificação confidencial
“principalmente por causa das razões que explicavam sua motivação, isto é, o trabalho do USIS no Rio para influenciar as
articulações políticas internas, minando a estratégia comunista”. Sobre “propaganda cinza”, consultar FICHA sobre
propaganda em anexo.
67

Goulart [candidato a vice-presidente na mesma chapa] e antigos seguidores de Vargas exercessem uma
influência considerável sobre ele”. O general Juarez Távora poderia “ser capaz de obter uma boa
quantidade de apoio”, embora os militares ainda não tivessem se comprometido com a sua candidatura,
enquanto outros elementos conservadores não confiariam nele “em função de suas inclinações semi-
socialistas e sua postura messiânica”. Adhemar de Barros (Partido Social Progressista – PSP) era
elogiado por afirmar que iria defender uma “plataforma liberal para aumentar a exploração dos recursos
naturais brasileiros”, sendo qualificado como um “astuto e inescrupuloso político que poderia angariar
um apoio considerável”. Outras possíveis candidaturas, como as de Plínio Salgado (que participou do
pleito pelo Partido de Representação Popular – PRP), do general Canrobert Pereira da Costa, de
Osvaldo Aranha e de Auro de Moura Andrade, não eram consideradas viáveis em termos eleitorais.
O item 27 do documento recomendava que fossem observados de perto “os desenvolvimentos
preparatórios às eleições presidenciais a serem realizadas em outubro”, cujo resultado seria “muito
importante para os Estados Unidos”. Afirmando que “o caráter e a afiliação de vários dos pré-
candidatos” inspiravam “pouca confiança”, o plano indicava as medidas a serem tomadas caso
parecesse que “os interesses norte-americanos” seriam “seriamente ameaçados pela eleição de algum
dos candidatos”. Tais medidas (todas censuradas no documento), só deveriam ser tomadas sob
determinação clara do Departamento de Estado e do embaixador (Plano, 26/07/1955).

1.6.3 Reformulação do Plano para o Brasil em 1956

Passada a eleição presidencial e a crise que a sucedeu em novembro de 1955, o OCB começou a
reformular o Outline Plan of Operations for Brazil66. Dois encontros entre representantes do governo
norte-americano e do recém-eleito governo brasileiro, que ocorreram entre janeiro e fevereiro de 1956,
seriam decisivos nesse processo. O primeiro aconteceu antes mesmo da posse de Kubitschek, no dia 06
de janeiro de 1956. Em visita aos Estados Unidos, o presidente eleito, acompanhado do embaixador do
Brasil em Washington, João Carlos Muniz, do diplomata Barbosa da Silva e de Roberto Campos 67,
66 Para uma análise da crise que se sucedeu à a confirmação da eleição à presidência da chapa Juscelino Kubitschek-João
Goulart em outubro de 1955, ver CARLONI (2012).
67 Conforme Oliveira (2018), Roberto Campos, diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE),
preparou um plano de ação para a viagem de Kubistchek. A estratégia principal do plano era adequar o desenvolvimento
brasileiro à política norte-americana para a América Latina. Como a região era foco da exportação do capital privado
estadunidense, o governo brasileiro deveria, para buscar a cooperação econômica de Washington, se comprometer a
68

participou de um encontro de três horas de duração, realizado em Washington DC, com o Secretário de
Estado, John F. Dulles, e com o Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos, Henry F.
Holland. De acordo com o memorando descritivo da reunião, redigido pelo próprio Holland, após as
gentilezas inicias, os presentes trataram sobre a “questão do comunismo” (Primeiro Memorando,
06/01/1956).
Kubitschek havia se preparado para a discussão. Antes de viajar aos Estados Unidos, ele se
encontrou com os ministros das Relações Exteriores, José Carlos de Macedo Soares (ver FICHA em
anexo), da Guerra, Henrique Teixeira Lott68 e da Fazenda, José Maria Alkmin, para poder ter a
condição de “afirmar com autoridade a posição do governo brasileiro com respeito ao comunismo”. O
novo presidente estaria “mais preocupado com a infiltração do comunismo no governo” do que com a
“possibilidade de que os comunistas se expandissem pelo país”. Na reunião com o secretário de Estado
norte-americano, Kubitschek garantiu que os Estados Unidos poderiam estar seguros de que ele estava
determinado a criar progresso econômico no Brasil e que sua administração seria contrária ao
comunismo. Afirmou também que os comunistas brasileiros “eram muito hábeis e ativos na frente de
propaganda”, tendo sido capazes de “convencer um setor significativo do povo da falácia de que o
desenvolvimento da indústria de petróleo por empresas estrangeiras era prejudicial ao Brasil”.
John F. Dulles, por sua vez, afirmou que existiam “quantidades substanciais de capital dos
Estados Unidos que se alegrariam” em vir para o Brasil “e fazer a sua contribuição para o
desenvolvimento do país sob termos e condições aceitáveis aos brasileiros”. Mas observou que esses
investidores esperariam “garantias de justo tratamento e segurança contra expropriações”. Kubitschek
respondeu que “daria boas vindas à participação do capital [norte] americano no desenvolvimento do
Brasil”, acrescentando que “um dos motivos de sua viagem aos Estados Unidos era inspirar confiança
aos empresários [norte] americanos”. Por fim, ressaltou que, ao contrário do que muitas pessoas
pensavam, “ele não seria persuadido ou influenciado a reinstalar ou perpetuar o tipo de ditadura que
existia sob o governo de Vargas”, um compromisso que ele havia assumido desde a sua campanha, feita
em “bases democráticas”.
Henry Holland também pediu a palavra, chamando a atenção para um aspecto do comunismo
que deveria preocupar Brasil e Estados Unidos de forma mútua: seu caráter de “conspiração
internacional, bem organizada e bem financiada, existente para propósitos subversivos e de

estimular os investimentos privados e combater a inflação. Além disso, Kubistchek também teria que, no mínimo,
demonstrar-se disposto a rever a política do petróleo que atribuía o monopólio de sua exploração à Petrobrás.
68 Para uma biografia de Lott, ver verberte biográfico (DHBB). Para maior aprofundamento, ver CARLONI (2009).
69

inteligência”. Segundo Holland, “o Brasil, o México, os Estados Unidos e alguns outros dos maiores e
mais poderosos países americanos” eram “os principais objetivos dos comunistas”:

Dentro dos nossos territórios estão localizados os centros nervosos que dirigem as
operações desta conspiração internacional em todo o continente. Consequentemente,
nós temos a responsabilidade, não apenas em relação ao nosso problema doméstico
com o comunismo, mas também enquanto membros da organização interamericana, de
combater uma organização comunista internacional que existe no hemisfério (Primeiro
Memorando, 06/01/1956).

Holland defendeu a necessidade de combater o comunismo em três frentes: econômica,


ideológica e técnica. Esta última era considera por Holland a mais importante:

Você combate o comunismo como uma ideologia ou filosofia quando você se move na
frente econômica e ideológica. Porém, você não constrange de nenhum modo uma
organização subversiva internacional de espiões e agentes subversivos quando você se
move nestas duas primeiras frentes. Para inibir e destruir (hinder and destroy) esta
conspiração internacional, é necessário privá-la da sua habilidade de movimentar
pessoas, fundos, informação e obstruir seu acesso aos meios de publicidade, sem os
quais ela não pode existir efetivamente enquanto uma conspiração internacional. Eu
disse que julgávamos muito conveniente que os nossos governos coordenassem
intimamente seus esforços nessa frente técnica para derrotar e destruir essa
organização subversiva de espiões internacionais (Primeiro Memorando, 06/01/1956,
Itálicos meus).

Na mesma data, 06 de janeiro de 1956, teve prosseguimento a reunião entre representantes dos
dois governos, com Henry Holland novamente liderando as discussões, que versaram sobre questões
econômicas. Além de Kubitschek, João Carlos Muniz, Barbosa da Silva e Roberto Campos, também
estavam presentes Egydio da Câmara Souza e Maury Gurgel Valente, ambos da embaixada do Brasil
nos Estados Unidos. Pelo lado norte-americano, além de Holland, compareceram o embaixador Dunn,
Jack C. Corbett, do Bureau of Economic Affairs, Maurice M. Bernbaum, diretor do Office of South
American Affairs do Bureau of Inter-American Affairs, e Frank G. Wisner, o chefe da Diretoria de
Planos (DD/P) da CIA (Segundo Memorando, 06/01/1956).
70

Holland apresentou a posição do governo estadunidense, que estaria disposto a “ajudar o


desenvolvimento econômico brasileiro”. Esse auxílio se daria sob a forma de: “expansão do comércio
entre os dois países”; aumento do “investimento privado doméstico e estrangeiro, considerando os
amplos recursos brasileiros”, o que dependeria “em larga medida das oportunidades oferecidas pelo
governo e de garantias adequadas de segurança”; “créditos oficiais, onde necessário, para suplementar
os investimentos privados, do Eximbank e do BIRD” 69; “assistência técnica”. Essa posição foi
posteriormente expressa por Holland, de forma ainda mais clara, ao embaixador James C. Dunn.
Conforme o secretário de Estado Adjunto, seria “da maior importância persuadir o Brasil a admitir a
iniciativa privada na indústria do petróleo”, questão que estaria relacionada à “política básica” dos
Estados Unidos, “contrária ao financiamento governamental da substituição da iniciativa privada pela
estatal”, o que era, segundo Holland, a “realidade generalizada na América Latina” (Carta, 20/02/1956).
Após ouvir a exposição sobre as intenções do governo estadunidense, na reunião de
Washington, Kubitschek declarou acreditar que “o desenvolvimento econômico era um meio efetivo de
combater o comunismo”, indicando que “a sua administração planejava dar a mais alta prioridade a um
programa dessa natureza” (Segundo Memorando, 06/01/1956). Kubitschek também afirmou ter
esperança de que “as grandes oportunidades oferecidas pelos recursos minerais brasileiros iriam atrair
investidores privados, e assegurou que ele iria fazer todo o possível para criar um clima adequado de
investimentos”. Enfatizou, contudo, que “alguma coisa deveria ser feita prontamente e que o Brasil
poderia não ser capaz de esperar o período de tempo necessário para satisfazer os investidores
privados”. Holland se limitou a responder que seria muito mais fácil conquistar apoio do povo e do
Congresso estadunidense para a assistência ao Brasil “se ficasse claro para eles que as propostas
apresentadas pelo Brasil eram parte de um programa global e coordenado com a finalidade de atacar os
problemas econômicos em uma escala ampla”70.
No final da tarde do dia 06 de janeiro de 1956, a reunião seguiu com discussões sobre o
comunismo, com a presença dos mesmos representantes brasileiros e norte-americanos que
participaram das conversas sobre temas econômicos. De acordo com um memorando produzido pela
embaixada brasileira em Washington traduzido para o inglês, Holland trouxe Frank G. Wisner 71 para
69 Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD, na sigla em português).
70 As negociações entre Brasil e Estados Unidos durante o governo JK, no campo das finanças internacionais, são
analisadas por Oliveira (2018). Sua pesquisa oferece explicações para a posterior deterioração dessa relação que parecia
promissora em 1956.
71 Não há nenhuma menção na literatura sobre a trajetória de Wisner – por exemplo, THOMAS (2006), SAUNDERS
(2008), PRADOS (2006) – a suas atividades relacionadas à América Latina. Mas isso não significa que ele não tenha se
envolvido em questões latino-americanas, como demonstra a exposição feita por ele na reunião de janeiro de 1956. Não
deixa de ser significativo o fato de o responsável pelo setor de atividades clandestinas da CIA ter estado presente nesse
71

"explicar em detalhes" o tema da "coordenação técnica" de combate ao comunismo entre os dois


países72 (Quarto memorando, 06/01/1956). Respondendo a um questionamento feito por Kubitschek
sobre quais seriam as recomendações específicas dos norte-americanos sobre esse tema, Wisner
explicou que a contenção do comunismo deveria ser feita através de uma "abordagem internacional",
com base em um programa que iniciaria com uma "ampla troca de informações relacionadas a técnicas
anticomunistas" entre os dois países. Após a concordância dos brasileiros presentes com relação à
proposta apresentada por Wisner, o chefe do setor de atividades clandestinas da CIA ressaltou que o
Brasil deveria criar uma organização "com plena autoridade para lidar com o problema comunista".
Citando a experiência norte-americana como exemplo, Wisner enfatizou a necessidade de que a
organização mantivesse um mesmo quadro de pessoal "independentemente de mudanças de governo" e
que o seu diretor "teria de ser alguém de total confiança do chefe de Estado, a quem ele deve ter acesso
direto e irrestrito". Wisner também sugeriu que fosse realizado um "intercâmbio de um número
limitado de experts para treinamento nos EUA ou no Brasil". Ele ainda esclareceu que, embora fosse
importante monitorar as atividades comunistas "para desmembrar (disrupt) as suas estruturas
organizativas", esta não seria uma medida suficiente para deter o comunismo. Era necessária também
uma "efetiva ação para alertar a população sobre os objetivos do comunismo e suas manobras", o que
exigiria a criação de um "aparato efetivo para a troca de materiais entre os dois países" para ser
utilizado como propaganda de combate ao comunismo. Wisner encerrou sua exposição afirmando que
iria "examinar este e outros aspectos do problema comunista depois da posse de Kubitschek" (Terceiro
memorando, 06/01/1956)73.
Em resposta, Kubitschek mostrou-se preocupado com a infiltração comunista no Brasil,
especialmente na área da exploração de petróleo e outros minerais. Na opinião do presidente eleito, os
comunistas eram "incansáveis" em sua campanha de defesa do monopólio estatal da exploração das
riquezas minerais do Brasil, a ponto de terem sido capazes de criar na opinião pública a ideia de que

encontro com o presidente eleito do Brasil. Sobre Wisner e o DD/P, ver capítulo três.
72 Este memorando foi recentemente liberado para consulta pública, três anos depois de minha solicitação encaminhada
através da Lei de Acesso à Informação dos EUA. O documento, de cinco páginas, segue com tarjas de censura cobrindo
cerca de meia página, sessenta e quatro anos após a sua produção. Em algumas passagens o nome de Wisner é censurado,
mas em outras ele é apresentado sem tarjas de censura. Às vezes o sistema norte-americano de censura mostra-se
ineficiente.
73 Este memorando foi recentemente liberado para consulta pública, três anos depois de minha solicitação encaminhada
através da Lei de Acesso à Informação dos EUA. Cerca de trinta linhas do documento (de um total de quatro páginas)
seguem censuradas. Da mesma maneira que o memorando produzido pela embaixada brasileira e traduzido para o inglês,
em algumas passagens o nome de Wisner é censurado, mas em outras o seu nome é apresentado. No capítulo 7, veremos
que o Brasil criou uma organização “para lidar com o problema comunista”, o SFICI (Serviço Federal de Informações e
Contrainformações).
72

"qualquer governo que permita a exploração destas riquezas pelo capital estrangeiro seria 'entreguista'".
Wisner afirmou que um "tratamento técnico" sobre esse tema seria capaz de obter resultados razoáveis,
mas que seria necessário adotar "medidas educacionais” – ou seja, de propaganda - para "facilitar a
ação técnica". Kubitschek sugeriu que "um intercâmbio de ideias entre as autoridades competentes de
ambos os países" seria o modo mais adequado para colocar em prática um programa de combate aos
comunistas, indicando uma preferência à ida de uma missão norte-americana ao Brasil como o melhor
meio para "alertar a opinião pública brasileira sobre o problema". Logo após essa fala de Kubitschek,
cerca de trinta linhas do documento aparecem com tarja de censura. Na sequência, a seguinte
declaração de Kubitschek: "o presidente eleito aprovou esta ideia e prometeu colocá-la em ação depois
de sua posse". Ele concordou que uma "contracampanha" anticomunista seria necessária, e solicitou ao
embaixador norte-americano para lembrá-lo sobre esse tema logo após a sua posse (Quarto
memorando, 06/01/1956)74.
Dois dias depois de participar dessas reuniões em Washington, Kubitschek foi recebido em
Nova York por Nelson Rockefeller, que organizou um coquetel em sua homenagem. A recepção foi
realizada no número 810 da Quinta Avenida, em Manhattan, endereço de um triplex com 30 quartos
pertencente ao anfitrião, a poucos metros do Central Park. A lista de convidados era tão reduzida que o
evento pode ser considerado exclusivo. Além de Kubitschek e dos irmãos David e Nelson Rockefeller,
estiveram presentes Osvaldo Penido, secretário pessoal do presidente eleito, João Carlos Muniz,
embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Hugo Gouthier, cônsul geral do Brasil em Nova Iorque,
Berent Friele e Allen W. Dulles, diretor da CIA (Memorando, 05/01/1956).
Não foi possível encontrar registros dos assuntos discutidos durante esse coquetel, mas é
possível que alguns acordos tenham sido estabelecidos nesse encontro informal. Ocasiões festivas e
privadas também eram oportunidades utilizadas pelos representantes do governo para trocar ideias e
informações, conhecer pessoas ou estreitar laços entre conhecidos, e mesmo para firmar acordos ou
resolver determinados problemas pendentes. Segundo Ambrose (apud KINZER, 2012, p. 314),
Eisenhower, por exemplo, se mantinha informado e fortalecia um controle estrito sobre as atividades da
CIA também em coquetéis, na privacidade do Oval Office. Oficialmente, ele mantinha distância e não
deixava seu nome em documentos que pudessem implicá-lo em operações como a que derrubou o
governo do Irã. No mesmo sentido, Talbot (2015, p.319) afirma que a política “cada vez mais

74 No capítulo 7, veremos que o embaixador James C. Dunn e o presidente Kubitschek, já empossado, reuniram-se entre
março e abril de 1956 para discutir detalhes sobre a implantação do projeto de combate ao comunismo no Brasil.
73

militante” de Eisenhower em relação ao primeiro-ministro congolês, Patrice Lumumba 75, “tomou forma
em coquetéis, em ambientes semelhantes a clubes tais como o Instituto África-América e o Council on
Foreign Relations”.
Quanto a Allen Dulles, Saunders (2008, p. 150) relata que o diretor da CIA costumava resolver
certos problemas “fora dos canais regulares”, convocando reuniões em boates ou hotéis de Nova York.
Tantos eram os encontros organizados dessa forma, registrados em documentos oficiais do próprio
governo norte-americano, que Saunders chegou a se perguntar: “quantas campanhas da Guerra Fria
terão sido travadas a partir de quartos de hotel?”. Grose (1994, p. 376) também narra o episódio de um
coquetel realizado na casa de Allen Dulles, onde se discutiu qual seria o plano mais efetivo para
derrubar o presidente Arbenz, na Guatemala, em 1954. Como Saunders, podemos questionar: quantas
campanhas da Guerra Fria na América Latina terão sido elaboradas em coquetéis regados a dry martini,
whisky e gim tônica?
Em fevereiro de 1956, um novo encontro, desta vez oficial, foi determinante para fortalecer o
compromisso conjunto de brasileiros e norte-americanos para combater o comunismo no Brasil. Os
representantes do governo dos Estados Unidos que vieram ao país para a cerimônia de posse de
Kubitschek participaram de uma reunião no Palácio de Catete 76. De acordo com a ata da reunião,
Kubitschek foi o primeiro a fazer uso da palavra. Esclareceu que havia reunido os seus ministros para
colocá-los a par do que ele havia conversado nos Estados Unidos com Henry Holland e o embaixador
Dunn sobre a “questão da ação mútua de combate à expansão comunista no hemisfério”. Kubitschek
relatou que, durante o encontro em Washington, a conclusão a que se havia chegado é que “o
comunismo não pode ser combatido apenas por esforços oficiais de contraespionagem e propaganda,
mas que medidas econômicas para melhorar as condições de vida eram necessárias”. Para tanto,
conforme Kubitschek, “seria necessário o valor de 1 bilhão e duzentos milhões de dólares em bens de
capital (capital equipment) parar levar adiante o seu programa de desenvolvimento econômico”. O
75 Em junho de 1960 ocorreram as primeiras eleições livres da República Democrática do Congo, que havia conquistado a
independência após décadas de dominação colonial da Bélgica. Patrice Lumumba, um dos líderes do Movimento Nacional
Congolês, que lutou pela libertação da dominação colonial do país, foi escolhido primeiro-ministro da recém fundada
república. Em janeiro de 1961, Lumumba foi preso, torturado e assassinado por líderes da oposição local, que contavam
com o apoio da CIA e do serviço secreto britânico e belga. A propósito, ver GERARD e KUKLICK, 2015.
76 Além do embaixador James C. Dunn, estavam presentes William C. Trimble e Robert W. Dean, da embaixada norte-
americana, o vice-presidente Richard M. Nixon, o secretário Henry F. Holland e o diretor do Office of South American
Affairs do Departamento de Estado, Maurice M. Bernbaum. Foram recebidos pelo presidente Kubitschek, seus ministros da
Guerra, Henrique D. T. Lott, da Aeronáutica, Vasco Alves Secco (DHBB, Verbete biográfico), da Marinha, Antônio Alves
Câmara Jr. (DHBB, Verbete biográfico), e das Relações Exteriores, José Carlos de Macedo Soares (ver FICHA em anexo).
Presentes também, pelo MRE: Edmundo Penna Barbosa da Silva, chefe do Departamento Econômico e Consular, José
Augusto de Macedo Soares, chefe de gabinete do ministro das Relações Exteriores, Luiz Bastian Pinto e Murilo Carvalho
(Ata, 10/02/1956).
74

presidente brasileiro relatou que havia herdado débitos de curto prazo que precisariam ser renegociados
para um prazo maior do que vinte anos, de modo a evitar a “asfixia dos esforços de governo para
melhorar a posição financeira e econômica do país” (Ata, 10/02/1956).
Em resposta, o vice-presidente norte-americano, Richard Nixon, disse que a assistência
econômica dos Estados Unidos “dependia de aprovação do Congresso”, que seria “influenciado
principalmente por duas considerações: a estabilidade do governo e a possível influência do
comunismo militante no país”, considerando que isso poderia afetar a segurança dos Estados Unidos. O
vice-presidente acrescentou que seria importante que o governo brasileiro adotasse medidas claras para
“combater a inflação e a influência comunista”. Seguindo o debate, Henry Holland “apresentou um
resumo da estratégia comunista desde a morte de Stálin”, observando que a “coexistência pacífica”, que
a ela se seguiu, buscaria, na realidade, “enfraquecer e dividir o mundo livre” enquanto o comunismo
consolidava seus ganhos, fortalecia sua organização e se infiltrava em governos livres, “com o objetivo
maior de renovar a política estalinista de conquista”. Diante disso, Holland fez as seguintes
observações:

Seria construtivo que estabelecêssemos um contato constante para controlar, debilitar


e destruir o organismo oculto e secreto de espionagem e subversão. Foi por isso que
declaramos ao senhor presidente, em Washington, que, no dia em que desejarem,
estaremos dispostos a estabelecer um intercâmbio de informes muito reservados e
secretos sobre o movimento e atividades dessa organização mundial internacional
(…). Baseado em nossa experiência, julgo que o método melhor e mais prático para
combater a organização de espionagem e subversão – que é o aspecto mais perigoso do
comunismo – é estabelecer uma organização, como já fizemos em outros países, que se
encarregue de um plano técnico e profissional para cortar os músculos e tendões do
organismo secreto do comunismo (…). Cremos que a cooperação internacional é a
arma mais eficaz para destruir esse organismo internacional. E, se o governo brasileiro
decidir estabelecer uma organização dessa índole ou designar um funcionário com o
qual possamos estabelecer esse contato, estamos dispostos a manter um intercâmbio
de informações para ajudar o adestramento de técnicos e de profissionais no Brasil
que sejam capazes de lutar, num plano técnico e profissional, contra esses agentes.
(Ata, 10/02/1956, Itálicos meus).

As palavras de Holland soaram como música aos ouvidos do Ministro das Relações Exteriores.
A ideia de estabelecer uma ligação direta entre os dois governos para o combate ao comunismo foi
recebida com aprovação por Macedo Soares, que propôs, esperando a concordância do presidente, o
75

estabelecimento de uma “organização rigorosamente secreta” no MRE para fazer “essa coordenação
técnica entre os dois países”77. Os ministros da Guerra e da Aeronáutica apresentaram algumas
divergências com relação ao melhor método para implantação do “intercâmbio de informações
sigilosas” entre os dois países, apontando uma possível “disputa interministerial pela questão da
jurisdição” à qual seria submetida a iniciativa.
Kubitschek opinou que o órgão não deveria ser secreto, mas Macedo Soares alertou que
inicialmente isso seria necessário. Lott ponderou que os trabalhos da organização seriam secretos. Mas
depois, “para poder agir com maior facilidade, seria interessante que tivesse outra fachada”. O
Brigadeiro Vasco Alves Secco defendeu que a organização deveria “ser um órgão no nível do Conselho
de Segurança Nacional”, recomendando que fosse solicitada a “cooperação dos Estados Unidos na
formação de homens para essa busca de informações”. O ministro da Aeronáutica informou que já
havia pedido aos “Estados Unidos que mandassem alguns oficiais do FBI”, mas não tinha recebido
cooperação.
Eric C. Wendelin78, conselheiro de assuntos políticos da embaixada dos Estados Unidos no Rio
de Janeiro que fez o registro da reunião, relatou que os ministros e o presidente Kubitschek
“demonstraram um sincero interesse na possibilidade de uma efetiva cooperação entre os dois governos
nestas e em outras questões relacionadas”. Wendelin teve a impressão de que “o ministro Macedo
Soares e o general Lott estavam mais preparados para uma aceitação imediata do programa de mútua
cooperação para combater o comunismo do que o presidente Kubitschek”. Mas ele “parecia estar mais
disposto a delegar questões sobre segurança para os seus ministros militares, em particular Lott” (Ata,
10/02/1956).
Contando com o respaldo do governo brasileiro, os norte-americanos, sem esperar pela
aprovação final do Outline Plan of Operations for Brazil, começaram a dar encaminhamento aos

77 A trajetória anticomunista de José Carlos de Macedo Soares, que será apresentada nos capítulos cinco e sete, explica a
razão de sua imediata adesão à proposta norte-americana.
78 Eric Carl Wendelin era diplomata de carreira do Departamento de Estado. O embaixador Dunn confiava nas suas
capacidades para liderar a Seção Política da embaixada, pois ele já conhecia o trabalho de Wendelin “quando ele estava na
embaixada de Madrid no momento em que estourou a guerra civil espanhola” (1936-1939) e quando ambos trabalharam
juntos na Divisão de Assuntos da Europa Ocidental do Departamento de Estado. Dunn afirmou “considerar em alta estima
as habilidades” de Wendelin (Carta, 11/07/1955). Nascido em 1905, Wendelin era formado pela Brown University,
ingressando na carreira diplomática em 1931. Teve passagens pelo Canadá, Cuba e Espanha, até passar à Divisão de
Assuntos da Europa Ocidental do Departamento de Estado em 1937. Em 1941, foi designado para Buenos Aires e, no início
de 1944, para a Divisão de Assuntos Rio Pratenses. A partir de junho de 1945, serviu como oficial de ligação do
Departamento de Estado com o chefe norte-americano do Counsel for Prosecution of Axis Criminality. Entre 1948 e 1950
foi chefe da Divisão de Assuntos Políticos da embaixada em Berlim. Em 1951, foi primeiro secretário da embaixada em
Ancara, na Turquia, até ser oficialmente designado para o Brasil em dezembro de 1955, onde permaneceu até o final do ano
de 1958 (USA, Biographic Register, 1961, p. 754).
76

acordos firmados nas reuniões de janeiro e fevereiro de 1956. Seis dias após o encontro no Palácio do
Catete, o secretário de Estado informou a várias missões diplomáticas estadunidenses o resultado das
negociações que tinham sido feitas não apenas com o governo do Brasil, mas também com os do
Uruguai, Paraguai e Argentina, relativos ao intercâmbio de informações sobre atividades comunistas
(Telegrama circular, 08/02/1956) 79.
Em abril de 1956, John F. Dulles, que havia solicitado “alta prioridade ao programa de
implementação da Resolução de Caracas”, recebeu de Holland a informação de que acordos tinham
sido firmados com 14 países latino-americanos. Estes já haviam designado oficiais de ligação para
realizar o intercâmbio de informações com os Estados Unidos. Holland também relatou que
“desdobramentos encorajadores” tinham ocorrido no Brasil e na Argentina, onde “relações um tanto
mais técnicas” estavam sendo desenvolvidas. O Secretário de Estado Adjunto esclareceu essa
afirmação:

Cada um desses governos designou uma pessoa bem qualificada, com a qual nossos
representantes deverão trabalhar sobre questões comunistas. Na Argentina, esse
indivíduo lidera a unidade anticomunista do aparato de segurança como um todo
(overall security apparatus), e o que foi indicado pelo Brasil foi designado para chefiar
uma organização similar, que o presidente concordou em estabelecer. Discussões foram
feitas pelos nossos representantes com esses indivíduos e com outros oficiais-chave,
incluindo os presidentes dos dois países, que expressaram seu desejo de ter o benefício
de nosso aconselhamento nessas questões e de trabalhar intimamente conosco. Fiquei
tão impressionado com os relatórios de nossos representantes descrevendo a
cordialidade e a vontade de cooperar demonstradas pelos oficiais argentinos e
brasileiros, incluindo os dois presidentes, que solicitei à agência do governo
responsável que encaminhasse um relatório especial diretamente à Casa Branca
(Memorando, 11/04/1956)80.

A coordenação de esforços no combate ao comunismo abria um novo canal para o exercício de


pressão sobre a administração Kubitschek, a fim de que esta adotasse medidas repressivas. Exemplo

79 No telegrama, John F. Dulles destacou que o Secretário Adjunto, Henry Holland, tinha considerado “vários meios de
implementar a Resolução de Caracas para estimular cada país a tomar medidas efetivas” contra o comunismo. Para os
postos diplomáticos do Rio de Janeiro e de Buenos Aires eram também enviados os acordos que satisfaziam esses objetivos
e que não deveriam ser copiados. A mensagem de Dulles sugere a existência de especificidades no caso das tratativas feitas
com Brasil e com a Argentina, as quais serão apresentadas no capítulo sete.
80 Possivelmente Holland se referia ao SFICI no Brasil e à SIDE na Argentina, conforme veremos no capítulo 7. A agência
do governo norte-americano a que se refere Holland era a CIA, pois, se a iniciativa fosse vinculada a qualquer outra agência
governamental, não haveria problema em mencioná-la expressamente. Maiores informações sobre o apoio da CIA à
organizações da inteligência argentina serão apresentadas no capítulo sete.
77

disso ocorreu em maio de 1956, quando uma edição do jornal The New York Times – segundo a qual
uma coalizão de “oportunistas da esquerda e da direita” havia aprovado um projeto de lei relacionado
às rebeliões que se sucederam às eleições de outubro de 1955 81 – incomodou o Secretário de Estado,
John F. Dulles. O problema, para os norte-americanos, era que as negociações feitas no Congresso para
aprovar o projeto de lei poderiam estender a anistia aos comunistas. Dulles considerava que isso “seria
muito embaraçoso e poderia prejudicar a atmosfera favorável” que existia no Brasil naquele momento
em que o país estava “preparado para iniciar discussões e negociações econômicas” (Telegrama,
09/05/1956). Ele recomendou que o embaixador Dunn abordasse Kubitschek diretamente, “para
demonstrar a importância de impedir a aprovação da proposta de anistia aos comunistas e a nossa
grande preocupação frente a uma reação pública desfavorável aqui, se a proposta não for impedida”.
Um dia depois de receber essa instrução de Dulles, Dunn comunicou a Washington que havia
“apresentado a questão a Kubitschek” e estava seguro de que o presidente estava “determinado a barrar
a medida de anistia beneficiando os comunistas”. Apesar da proposta ter amplo apoio no Congresso, a
“administração poderia ser capaz de barrá-la no Senado” (Telegrama, 10/05/1956).
O Segundo Secretário da embaixada norte-americana, Robert W. Dean, elaborou um estudo
sobre o tema, que foi enviado a Washington. Segundo Dean, a proposta de uma anistia irrestrita “não
poderia ser considerada insincera, nem atribuída apenas à influência comunista”. Existiria no Brasil
uma “falha generalizada” em “reconhecer o real perigo dos comunistas brasileiros como agentes
subversivos leais a um poder estrangeiro” levando a uma “tendência de minimizar os perigos do
comunismo”. Como exemplo, Dean citou a postura de Jânio Quadros, governador de São Paulo, que
teria afirmado não apoiar a restrição da anistia “de acordo com ideologias partidárias”, mesmo aquelas
que tinha a “obrigação moral de combater, em nome da preservação dos valores da fé democrática”.
Outro exemplo de “pensamento confuso” (confused thinking) apresentado por Dean foi um discurso de
Campos Vergal, do PSP de São Paulo, na Câmara dos Deputados, que teria afirmado: “nós somos
adversário dos comunistas, mas reconhecemos na campanha comunista uma base ideológica e em seu
líder uma batalha por um ideal”. Dean se impressionava com o fato de que “mesmo um porta-voz de

81 De acordo com notícia do jornal Última Hora (02/03/1956), no início de março de 1956, o deputado federal Tarcilo
Vieira de Melo (PSD), líder da maioria na Câmara, apresentou um projeto de decreto legislativo concedendo anistia a todos
os que se envolveram nas rebeliões de novembro de 1955, que visavam impedir a posse do Kubistchek. Na mesma sessão
em que Vieira de Melo apresentou este projeto, o deputado Sérgio Magalhães (PTB) apresentou outra proposta de decreto
legislativo concedendo anistia ampla e irrestrita “a todos os crimes de natureza política independentemente da data de 11 de
novembro”, que contava com assinatura de outros quatro deputados: Rogê Ferreira e Aurélio Viana (PSB), Aarão Steinbruck
(PTB) e Ernesto Saboia (UDN). A partir daí, houve um intenso debate na Câmara sobre o tema e uma campanha dos
comunistas e outros setores da esquerda em favor da aprovação da anistia ampla e irrestrita.
78

um partido de antigos fascistas brasileiros” era capaz de defender a anistia irrestrita (Despacho
diplomático, 14/05/1956).

1.6.4. Aprovação do Plano Básico de Operações para o Brasil

Em 21 de junho de 1956, Henry Holland comunicou ao Subsecretário de Estado, Herbert


Hoover Jr., que a revisão do plano de operações para o Brasil seria aprovada em poucos dias pelo OCB.
Segundo Holland, o documento salientaria que as relações entre os Estados Unidos e o Brasil deveriam
“ser o pilar (keystone) da política dos Estados Unidos na América Latina” (Memorando, 21/06/1956). A
versão do plano que será analisada a seguir, aprovada em 27 de junho de 1956, é a que está disponível
no Arquivo Nacional de College Park (Plano, 27/06/1956) e apresenta menos tarjas de censura, em
comparação à versão disponível na Biblioteca Eisenhower 82.
O plano apresentava considerações sobre a conjuntura política brasileira: a nova administração
do país seria “promissoramente mais dinâmica e provavelmente menos nacionalista do que suas
predecessoras”, a despeito de “seu programa e orientação ainda não serem totalmente conhecidos”. A
“abordagem nacionalista no desenvolvimento dos recursos, sobretudo o petróleo”, tendia a prejudicar o
desenvolvimento do país com a exclusão do capital estrangeiro. A economia brasileira era “viável, mas
sujeita a periódicas crises relacionadas à inflação interna”, com “grandes flutuações nos ganhos em
câmbio estrangeiro”. Em larga medida, isso decorreria “da intervenção governamental no mercado de
câmbio estrangeiro e no preço do café”. Existiria no Brasil um “sentimento geral” de que os Estados
Unidos tinham abandonado o país no final da Segunda Guerra, particularmente na questão de
empréstimos intergovernamentais, relegando-o a um “status de amigo de segunda classe”. Por fim,
além de o Brasil ser alvo de “tentativas intensificadas de penetração econômica e diplomática do bloco
soviético”, os comunistas estariam intensificando a exploração dos “temas fomentadores de
sentimentos antiamericanos” e apoiando a “expansão do estatismo e a criação de conflito social”.

82 O Outline Plan of Operations for Brazil seguiu o mesmo formato do Outline Plan of Operations Against Communism in
Latin America. Dividido em três colunas, apresenta excertos das resoluções previstas na instrução 5432/1 do Conselho de
Segurança Nacional, os cursos de ação correspondentes e as agências e departamentos responsáveis por sua execução. O
OCB observou que o plano não abrangia todas as atividades ou programas das agências dos Estados Unidos, mas incluía os
maiores, particularmente aqueles que requeriam coordenação inter-agências.
79

O Brasil era considerado “uma fonte confiável de matérias-primas necessárias para a economia
dos Estados Unidos, na guerra e na paz”. Era preciso estimular, entre os brasileiros, o entendimento e o
apoio ao sistema de iniciativa privada, promovendo um clima favorável aos investimentos e ao
comércio exteriores. Em termos militares, os objetivos do plano eram garantir o apoio brasileiro em
caso de guerra, e assegurar que o exército brasileiro tivesse capacidade de defender o território do país
contra a sabotagem e a subversão comunistas. Além disso, esperava-se estimular nos militares
brasileiros a “disposição em fornecer bases militares, recursos estratégicos e forças equipadas e
treinadas para cumprir seu papel na defesa hemisférica”. Em relação ao movimento sindical, esperava-
se contar com “movimento sindical democrático, basicamente anticomunista e antitotalitário, tanto em
suas bases quanto em suas lideranças”.
Uma recomendação importante era a de “implementar agressivamente (aggressively implement)
todos os cursos de ação presentes no Outline Plan of Operations Against Communism in Latin
America”. Para atingir os objetivos de longo prazo do plano, seus executores deveriam buscar a
“cooperação com grupos locais amigáveis”, caracterizados como “opostos ao comunismo, efetivos na
supressão da infiltração comunista, ativos no apoio das políticas dos Estados Unidos em organizações
internacionais” e “comprometidos com os princípios de solidariedade hemisférica na luta entre Leste e
Oeste”. O plano também apresentava objetivos imediatos para o Brasil: o primeiro era encorajar a
“aceitação pelo novo governo da sua responsabilidade de enfrentar os problemas econômicos
brasileiros”. O segundo objetivo era estimular o novo governo brasileiro a realizar um controle interno
efetivo do comunismo, cooperando assim para o enfrentamento “da ameaça comunista em seu front
internacional”. Os Estados Unidos ofereceriam apoio à nova administração de Kubitschek para que ela
cumprisse tais metas, ressaltando que “sempre que possível e desejável”, esse apoio deveria “ser
utilizado como um meio para atingir objetivos específicos dos Estados Unidos”.
Uma das atividades previstas no plano83 era “uma vigorosa campanha destinada a conscientizar
o povo brasileiro sobre os perigos do comunismo e criar uma atmosfera hostil em relação a este”,
expondo e tornando “inefetivas as atividades comunistas em todos os setores da sociedade”. A
campanha também deveria “induzir e auxiliar o governo brasileiro a tomar medidas para destruir o
partido [comunista] dentro do Brasil” (to take effective steps to destroy the party within Brazil)84. A
83 Onze páginas do documento são ocupadas com a descrição das ações previstas para o Brasil e das agências responsáveis
por sua execução. Não analisadas apenas as que correspondem ao objeto desta tese.
84 Esta era a aplicação prática da política constante no parágrafo 6 da instrução 5432/1 do NSC: “Intensificação da ação
contra a penetração comunista. A) Os Estados Unidos devem encorajar, a partir de consultas, o intercâmbio prudente de
informações e outros meios uma ação individual e coletiva contra o comunismo e outros tipos de subversão antiamericanas
ou intervenção em qualquer um dos estados americanos” (Plano, 27/06/1956).
80

execução desta ação caberia ao Departamento de Estado, Departamento de Trabalho (através dos
adidos trabalhistas da embaixada), USIA e ICA, com apoio de uma agência cuja sigla está censurada no
documento, ou seja, da CIA.
Para atingir os objetivos das atividades de informação ou propaganda, relacionados ao parágrafo
11 da instrução NSC 5432/185, foram apresentadas dez ações. Duas delas previam o estímulo à
divulgação de propaganda por meio de entidades civis. Propunha-se a expansão da “produção de
pôsteres e panfletos, atribuível a entidades locais de boa fé (local bona fide attribution), para ampla
distribuição entre grupos militares e setores-chave dos trabalhadores rurais e urbanos”. Seis ações
diziam respeito ao aperfeiçoamento das comunicações entre os serviços do USIS do Rio de Janeiro e de
São Paulo, buscando ampliar a circulação de materiais de propaganda nos diversos meios utilizados
pela USIA no Brasil. A agência deveria intensificar seus esforços para “demonstrar a interdependência
econômica” entre Brasil e Estados Unidos, criando também “uma compreensão da ameaça representada
pela infiltração comunista”, a fim de “criar e despertar oposição a suas atividades”.
Ao mesmo tempo, seria necessário “começar a desenvolver uma consciência da necessidade de
ação política responsável, sobretudo para encorajar a remoção das restrições ao uso do capital privado
no desenvolvimento dos recursos naturais do país”. No que se refere ao objetivo de “aumentar a
estabilidade e o desenvolvimento econômico” do Brasil, o plano recomendava um “programa brasileiro
de medidas legislativas e administrativas fundamentais”, sem especificar quais seriam elas. Alertava
que a disposição dos norte-americanos para discutir com a presidência Kubitschek a natureza dos
problemas econômicos e financeiros brasileiros, e as soluções adequadas para resolvê-los, precisava ser
expressa com cuidado, “para não encorajar os brasileiros a esperarem uma ação favorável” antes que
demonstrassem “alguma evidência de progresso em sua iniciativa de aplicação de medidas corretivas”
de “sua inteira responsabilidade”.
O plano ressaltava que toda assistência que os Estados Unidos pudessem fornecer ao Brasil
deveria estar relacionada aos objetivos que esperavam atingir no país. O Departamento de Estado e o
Departamento do Tesouro eram as agências responsáveis por estas ações, com apoio da agência cujo
nome está censurado. Outra ação descrita no documento era o desenvolvimento e aplicação de planos
para “persuadir o Brasil a abrir a indústria de petróleo a empresas privadas estrangeiras”. Essa

85 O parágrafo 11 da instrução NSC 5432/1 previa que os Estados Unidos deveriam “expandir e tornar mais efetivos os
programas de informações e de intercâmbio cultural e educacional”, focados nos “problemas psicológicos específicos de
cada um dos países da região, com o objetivo de alertá-los sobre os perigos do imperialismo soviético e comunista e outras
formas de subversão antiamericana”.
81

iniciativa deveria ser implementada de “forma não-atribuível aos Estados Unidos”86. A USIA e o
Departamento de Estado seriam as agências responsáveis por esta ação, com apoio da agência cujo
nome está censurado (Plano, 27/06/1956).
Outra ação planejada era o encorajamento dos militares brasileiros a continuar eliminando
elementos comunistas das forças armadas87, e também a “exercer sua influência sobre o governo” para
que este adotasse medidas de prevenção à infiltração e subversão comunista nas esferas federal,
estadual e municipal. No que concerne à segurança interna do Brasil, deveriam ser adotadas as medidas
previstas no relatório de 1955 referente ao programa 1290-d: ações para melhorar a eficiência e a
coordenação entre as polícias estaduais e federal; estímulo e auxílio ao estabelecimento de uma
Academia Nacional de Polícia no Brasil; auxílio ao treinamento de oficiais de polícia nos Estados
Unidos; financiamento de visitas de oficiais do alto escalão da polícia brasileira aos Estados Unidos,
para fins de orientação; por fim, uma ação que se encontra totalmente censurada na cópia disponível do
relatório. A cargo dessas ações estavam o Departamento de Estado e a ICA, com apoio da agência cujo
nome está censurado no documento. As ações recomendadas para aumentar a segurança interna do
Brasil estavam fundamentadas na premissa de que “os Estados Unidos sozinhos” não poderiam
“resolver o problema comunista no Brasil”. Diante disso, “com o uso cuidadoso de sua influência e
assistência”, deveriam “fazer todo o esforço para induzir (induce) os brasileiros a adotarem medidas
anticomunistas efetivas” (Relatório, 16/11/1955).

86 Santomauro (2015, pp. 191-2) apresenta exemplos de estudos realizados pela USIA no Brasil em 1954 e 1955 para
avaliar a influência comunista na campanha em defesa da exploração estatal do petróleo. De acordo com Santomauro,
algumas dessas pesquisas foram financiadas em segredo pela ESSO do Brasil.
87 Sobre o tema, ver LEMOS, Renato. “A aliança empresarial-militar no Brasil: anticomunismo e segurança nacional
(1949-1964). In: BRANDÃO, Rafael; CAMPOS, Pedro; LEMOS, Renato (Org.). Empresariado e ditadura no Brasil. No
prelo.
82

CAPÍTULO 2 – FORMULADORES E EXECUTORES DA POLÍTICA DO GOVERNO


DOS ESTADOS UNIDOS PARA A AMÉRICA LATINA

Se os Estados Unidos quiserem sobreviver, o tradicional conceito norte-americano de ‘jogo


limpo’ deve ser reconsiderado.
- Relatório do Comitê Doolitle, 1954.

Nossos presidentes tinham o dever e o direito de proteger o nosso país contra as ameaças à
nossa segurança. Afinal de contas, nós nunca renunciamos à Doutrina Monroe.
- Embaixador John M. Cabot, 1979.

Diante da escala e da diversidade de nossos esforços, é fácil perder de vista o nosso objetivo
mais urgente: ganhar a Guerra Fria.
- Henry F. Holland, 1961.

A execução das ações previstas nos planos de operações do governo Eisenhower, conforme
visto no capítulo anterior, era de responsabilidade de diversas agências governamentais. Neste capítulo
será analisado o papel desempenhado pelos representantes do Departamento de Estado na formulação e
na execução dos objetivos da política norte-americana, a partir da análise do perfil de alguns de seus
mais importantes oficiais, não apenas dos indivíduos responsáveis por questões latino-americanas em
Washington, mas também dos embaixadores e alguns dos principais analistas políticos da embaixada
do Rio de Janeiro durante o governo de Eisenhower.

2.1. Agentes do Departamento de Estado: os embaixadores dos Estados Unidos no Brasil

James S. Kemper (1886 – 1981), empresário do ramo de seguros, foi o primeiro embaixador dos
Estados Unidos no Brasil nomeado pela presidência Eisenhower, oficialmente designado em agosto de
1953. Embora não fosse um embaixador de carreira, Kemper estava longe de ser um desconhecido no
Brasil e na América Latina. Sua companhia, Lumbermens Mutual Casualty, fundada em 1912 em
Chicago, vendia seguros de acidentes de trabalho a empresas. Mais tarde, a companhia mudou de nome
e passou a se chamar Kemper Insurance Group. A carreira de negócios de Kemper foi considerada
83

“uma das mais exitosas na história das companhias de seguros”. Ele também era reconhecido como um
“defensor de melhores relações hemisféricas”, tendo sido um dos fundadores do Consejo
Interamericano de Comercio y Producción (CICYP), sobre o qual falaremos no capítulo quatro,
presidindo a entidade entre 1941 e 1944 (foi também presidente de sua Comissão Executiva entre 1947
e 1949). Kemper foi ainda presidente da seção norte-americana do CICYP, o United States Inter-
American Council (USIAC), entre 1941 e 1947, e da American Chamber of Commerce. Em 1949, ele
foi condecorado pelos governos do Brasil e do Equador em reconhecimento ao seu papel de destaque
nas relações interamericanas (Recorte de jornal, 25/07/1953).
Kemper era próximo a alguns dos mais destacados representantes do Partido Republicano. Ele
era amigo pessoal e conselheiro privado dos presidentes William Taft (1909-1913) e Herbert Hoover
(1929-1933). Também colaborou na campanha presidencial de Eisenhower, em 1952, e tinha relações
próximas com Richard Nixon e com o senador Barry Goldwater, ícone da direita norte-americana. De
acordo com o jornal The New York Times, na época em que Kemper foi escolhido para a embaixada do
Rio de Janeiro, ele tinha o mesmo perfil de outros dois cidadãos privados que também foram
designados para “altos postos diplomáticos dos Estados Unidos”: todos eram considerados
“republicanos convictos” e com uma “trajetória de destaque no setor privado” (The New York Times,
17/06/1953). A nomeação de Kemper como embaixador dos Estados Unidos no Brasil foi
representativa de um perfil comum a vários dos principais formuladores e executores da política norte-
americana para a América Latina durante o período Eisenhower: eram, em sua maioria, indivíduos
associados à defesa de interesses privados e que defendiam a adoção de políticas governamentais de
combate às forças populares e ao comunismo.
Kemper, embora tivesse o perfil desejado pelo governo Eisenhower, não teve vida fácil à frente
da embaixada do Rio de Janeiro. Na opinião de alguns membros da administração Eisenhower, ele não
estava se demonstrando capaz de trazer os resultados esperados pelo governo norte-americano. John M.
Cabot (1953-1954), secretário adjunto de Estado de assuntos interamericanos, criticou o trabalho que
vinha sendo feito por Kemper, sete meses após o empresário de Chicago ter assumido o cargo de
embaixador no Brasil. Em uma carta ao secretário de Estado John F. Dulles, Cabot avaliou que Kemper
tinha “modos bruscos e era indiscreto”, o que fazia “decrescer a sua utilidade como embaixador”,
criando “antipatia ou ao menos a perda de respeito e prestígio entre brasileiros proeminentes”. Cabot
opinou que a “permanência de Kemper no cargo seria infeliz, do ponto de vista de nossas relações com
o Brasil” (Carta, 31/03/1954).
84

Demonstrando sua falta de preparo para a diplomacia, Kemper havia conseguido a façanha de
ser criticado antes mesmo de desembarcar no Brasil, quando concedeu uma entrevista em que teria
afirmado que o Brasil era “um país de grandes oportunidades”, possuindo “recursos tremendos”,
principalmente “minérios, grandes jazidas de petróleo e talvez urânio” (Diário de Notícias,
14/07/1953). Menos de um mês depois, o jornal Imprensa Popular, do PCB, publicou uma crítica às
declarações do embaixador, qualificando-as como parte do “Plano Kemper”, que visaria a “pilhagem de
nossa terra” (Imprensa Popular, 09/08/1953). Essa indiscrição de Kemper criou um desgaste
indesejável à imagem dos Estados Unidos. Tornando a situação mais complicada, o suicídio de Getúlio
Vargas, em agosto de 1954, provocou um desgaste ainda maior à imagem dos Estados Unidos no
Brasil. Protestos populares, que resultaram em ataques à embaixada do Rio e ao consulado de Porto
Alegre, foram alguns dos problemas que se seguiram à morte do presidente brasileiro.
Algumas atitudes públicas de Kemper neste período foram tão “inoportunas” a ponto de
provocar a ira de setores conservadores da sociedade brasileira. Um exemplo disso foi uma entrevista
que ele concedeu, em um hotel de Boston, no dia 24 de outubro de 1954, na qual criticou a política do
governo brasileiro com relação ao café, que foi seguida por uma baixa do preço da mercadoria na bolsa
de Nova York. A reação dos cafeicultores brasileiros foi imediata. Em reunião da junta administrativa
do Instituto Brasileiro do Café (IBC), realizada um dia depois da entrevista de Kemper, a insatisfação
com a repercussão das declarações do embaixador norte-americano não poderia ter sido mais explícita.
O título da cobertura da reunião feita pelo jornal Última Hora foi eloquente: “Pedida a retirada do
embaixador norte-americano”, clamaram os empresários do café, que exigiram que o governo brasileiro
declarasse Kemper como persona non grata (Última Hora, 25/10/1954).
A reportagem ainda mencionou que os cafeicultores brasileiros não acreditavam que o
embaixador norte-americano tivesse sido vítima de “inadmissível ingenuidade” em suas declarações.
Ao contrário, “teria agido como homem de negócios, prevalecendo-se de sua condição de diplomata”.
Uma reportagem de O Jornal afirmou “não ter dúvidas” de que a “desastrosa entrevista” de Kemper foi
dada “em um momento de infeliz inspiração”. Segundo o periódico, o chanceler brasileiro Raul
Fernandes demonstrou “estranheza” com relação à postura do embaixador estadunidense, e iria exigir
esclarecimentos do governo dos Estados Unidos sobre o tema (O Jornal, 26/10/1954). Em editorial, o
Correio da Manhã considerou que a postura de Kemper foi “impertinente e deselegante” (Correio da
Manhã, 26/10/1954). Apesar das tentativas de explicações de Kemper sobre o caso, publicadas em
jornais brasileiros logo após as críticas dos representantes do IBC, o estrago já havia sido feito. O
85

desgaste de Kemper já era realidade, levando o Departamento de Estado a acelerar a busca por um
novo embaixador para o Brasil.
O escolhido para substituir Kemper foi o experiente embaixador de carreira James Clement
Dunn (1890 - 1979). No entanto, ele precisou ser convencido a vir para o Brasil. Sua aposentadoria já
era iminente, e seria difícil que alguma proposta para assumir um posto fora da Europa viesse a
convencê-lo a adiar o seu afastamento da carreira diplomática. Mas o próprio secretário de Estado
Dulles se encarregou da tarefa de persuadir Dunn a assumir a embaixada do Rio de Janeiro. Sete dias
após o suicídio de Vargas, Dulles enviou uma carta a Dunn e, ciente de que ele “não estava muito
inclinado a aceitar o serviço no Brasil”, insistiu:

Quero fazer um apelo pessoal para que você considere a possibilidade de passar um
ano ou dezoito meses no Rio. Esta sugestão deve ser mantida em absoluto sigilo neste
momento, já que nem eu nem o Presidente comunicamos Kemper sobre o tema. Porém,
eu penso que a situação no Brasil exige especificamente uma pessoa com as suas
habilidades e o seu tipo de experiência. A morte de Vargas criou muitos problemas. A
situação econômica é precária. (...). Como você sabe, o Brasil tem sido por muito
tempo e em muitos sentidos o nosso melhor e mais dependente amigo do sul, e nós
queremos manter as coisas desse jeito. Você prestaria um serviço público valioso se
você estiver disposto a aceitar esta missão. Eu sei que isto envolve sacrifícios, mas
também envolve desafios e interesse, e uma oportunidade de acrescentar um outro
capítulo distinto em sua trajetória. Por favor, pense com carinho e simpatia sobre isso.
(Carta, Dulles para Dunn, 31/08/1954).

Dunn era parte de um seleto grupo de elite de embaixadores dos Estados Unidos 88, apesar de ter
uma origem mais humilde que a de alguns de seus pares (ele ajudava seu pai, que trabalhava como
pedreiro, enquanto estudava arquitetura). Iniciou sua carreira diplomática como assistente do adido
naval da embaixada de Havana, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), passando logo em
seguida a trabalhar no Departamento de Estado na função de auxiliar de escritório. Após o final da
Primeira Guerra, viveu quatro anos entre a Espanha e o Haiti, até ser transferido para Bruxelas, em
1924. Foi nessa época que Dunn casou-se com uma das herdeiras do grupo Armour, uma das maiores
indústrias de enlatados e frigoríficos dos Estados Unidos, passando a “adquirir as finanças e também as
vestimentas e o comportamento de um diplomata da velha escola” (WEIL, 1978, p. 46). Esta foi

88 Quando o título de Embaixador de Carreira foi criado pelo Departamento de Estado, em 1955, Dunn foi um dos quatro
primeiros diplomatas a recebê-lo. Segundo seu obituário, publicado no jornal The Washington Post (14/04/1979), Dunn era
considerado “um dos maiores embaixadores de nosso tempo”.
86

caracterizada por Weil (Id.) como um “clube de classe alta” (upper-crust club), composto por
“cavalheiros cristãos”, “horrorizados com a revolução bolchevique e as agitações sindicais”, “próximos
às famílias reais europeias, com as quais partilhavam uma visão de mundo conservadora e
anticomunista”.
Weil (Ibid., p. 80) afirma que a rápida ascensão de Dunn no Departamento de Estado durante os
anos 1930 foi resultado em grande medida de seu casamento com Mary Armour, cuja riqueza teria
permitido que o casal comprasse “uma propriedade vizinha à embaixada britânica” em Washington
D.C., passando então a ser aceito como “um membro íntimo do clube do serviço exterior, mesmo que
sua carreira no estrangeiro fosse insignificante até aquele momento”. Em 1930, Dunn afastou-se do
serviço diplomático para se tornar um oficial do setor de protocolo do Departamento de Estado,
servindo como conselheiro técnico em assuntos de conferências internacionais, uma área de atuação
caracterizada por Weil como “uma forma muito comum de diplomacia free-lance à época dos governos
de Hoover e Roosevelt”. Dunn logo se tornou chefe da Divisão de Conferências Internacionais do
Departamento de Estado.
Nesse período ele ficou conhecido como “o organizador de eventos da Capital” – Washington,
D.C. – “dando conselhos sobre como altos oficiais deveriam se vestir, quem estava acima de quem na
hierarquia diplomática, e organizando os salões dos eventos com muita propriedade” (STAPLETON &
MCCREADY, 2010, p. 105). Com base em sua experiência como chefe da divisão de conferências,
Dunn orientou Cordell Hull, nomeado secretário de Estado em 1933 89, em relação às rotinas da
diplomacia, “sobre a qual Hull nada sabia”, de acordo com Weil (1978, p. 81). Ele também apresentou
o secretário de Estado à vida social de Washington, desconhecida por Hull, que havia feito sua carreira
profissional no sul do país. A relação próxima com Hull é outro fator que explicaria sua rápida ascensão
no Departamento de Estado, conforme Weil (Id.)90.
De acordo com Mistry (2014, p. 54-5), Dunn era um “símbolo dos oficiais conservadores do
serviço exterior céticos com as reformas do New Deal91 e intolerante com regimes de esquerda”. Sua

89 Hull permaneceria à frente do Departamento de Estado até 1944.


90 Em 1932, Dunn serviu como secretário geral da delegação norte-americana na Conferência do Desarmamento de
Genebra. Em 1933, ele foi secretário de Hull na Conferência de Montevidéu, durante a qual foi anunciada a famosa
“política de boa vizinhança” do governo Roosevelt. Em 1934, tornou-se assistente especial de Hull. Entre 1935 e 1937,
Dunn tornou-se chefe da Divisão de Assuntos da Europa Ocidental do Departamento de Estado, diretamente envolvido com
discussões na Liga das Nações. Ainda em 1937 passou a ser conselheiro político de assuntos europeus do secretário de
Estado Cordell Hull, cargo que ocupou até 1944, servindo em vários comitês sobre inteligência, planejamento político e
assistência financeira (WEIL, 1978, p. 81-2).
91 Em 1932, a economia dos Estados Unidos havia chegado à mais profunda decadência em sua história moderna. Um
exército de veteranos de guerra desempregados acampou e marchou rumo a Washington, D.C. O desemprego atingia cerca
de 25% da população. De fato, parecia que o mundo inteiro havia chegado em um estado de ruína. Diante desta crise,
87

visão política era “conservadora e anticomunista”, com uma “notória disposição a apoiar ditadores
europeus de direita” no período entreguerras. Sua postura conservadora consolidou-se durante o
período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando Dunn foi considerado por setores liberais
norte-americanos como um dos “principais arquitetos” de uma “política pró-Vichy” 92 no Departamento
de Estado (WEIL, 1978, p. 125).
No imediato pós-guerra, Dunn assumiu um papel de destaque como representante do
Departamento de Estado em assembleias da ONU e outros organismos internacionais, sendo
considerado um “subsecretário de Estado no exterior, um Super-Embaixador” pela revista Time (apud
MISTRY, 2014, p. 55). Em 1946, foi designado embaixador na Itália, onde desempenhou um papel
importante na primeira operação encoberta executada pela CIA, com apoio do Departamento de Estado
e da Casa Branca, durante as eleições italianas de 1948, visando impedir a vitória dos comunistas. Ele
também participou de outras ações sigilosas na Itália e na França – onde foi embaixador entre 1952 e
1953 – para “reduzir o poder dos partidos comunistas” desses dois países 93. Dunn também foi
embaixador na Espanha entre 1953 e 1955, sendo um dos responsáveis pelo reatamento das relações
diplomáticas com a ditadura do general Franco. Foi oficialmente designado como embaixador para o
Brasil em março de 1955 (STAPLETON e MCCREADY, 2010, p. 103-5). Sem dúvida, na visão
predominantemente conservadora da administração de Eisenhower, Dunn reunia todas as credenciais
necessárias para assumir o posto de embaixador em um país considerado fundamental para os
interesses norte-americanos.

Franklin D. Roosevelt aceitou a sua nomeação como candidato à presidência pelo Partido Democrata, comprometendo-se
com um novo pacto (New Deal) para o povo americano. Entre os elementos deste novo pacto estavam incluídos o aumento
de obras públicas, apoio governamental à política de preços agrícolas, financiamento público de aluguéis e créditos
hipotecários, diminuição da jornada de trabalho, previdência social, restauração do comércio internacional, reflorestamento
dos campos, etc. Ao assumir a presidência em 1933, Roosevelt trabalhou com o Congresso na aprovação de leis sobre todas
estas medidas que, ao final dos anos 1930, incluíam também seguridade social pública para idosos, desempregados e
indenizações por acidentes de trabalho, apoio à sindicalização, garantia de depósitos de seguro desemprego, etc. Para
maiores informações sobre o New Deal, ver RAUCHWAY (2008).
92 No início de 1940, o exército de Hitler invadiu o território francês. Em junho deste ano, as tropas alemãs entraram em
Paris e impuseram uma derrota militar ao exército francês. A partir de então, o presidente francês Albert Lebrun designa o
marechal Philippe Petáin – herói da Primeira Guerra Mundial – como chefe de governo, como parte de um acordo
transitório com os alemães visando o armistício. Este acordo transitório, encarado como um passo prévio a um tratado de
paz com os alemães que nunca se concretizou, dividiu o território francês em uma zona ocupad a (que incluía a região
central e norte da França) com sede em Paris (sob dominação nazista) e uma zona “livre” mediterrânea ao sul do rio Loire,
com capital provisória em Vichy, centro turístico famoso internacionalmente por suas águas termais. O governo francês
“livre” passou a ser oficiosamente conhecido como regime de Vichy, e se esperava que este governo encontrasse um “modo
de convívio digno” com o regime nazista, capaz de reestabelecer um “regresso à normalidade”. Mas, na prática, o que
rapidamente se concretizou foi uma “colaboração de Estado” entre Petáin e Hitler e um “colaboracionismo radical das
organizações fascistas que pululavam” na zona ocupada pelos alemães (REGGIANI, 2010).
93 Sobre a atuação de Dunn na Itália do pós-guerra, ver Mistry (2014). Sobre o papel de Dunn na Itália e na França, ver
Brogi (2011) e Kisatsky (2005).
88

James C. Dunn assumiu seu posto no Brasil em março de 1955 e nele permaneceu até julho de
1956, quando foi substituído por Ellis Ormsbee Briggs (1895-1976). Este era filho de um empresário
que havia migrado do estado de Wisconsin para a Costa Leste, onde fez fortuna (PAGEDAS, 2006, p.
93). Em 1921, graduou-se em Inglês e História no Dartmouth College, uma das oito integrantes da Ivy
League, a elite das universidades norte-americanas, ingressando no serviço diplomático em 1925
(PAGEDAS, 2006, p. 94). Briggs trabalhou nas embaixadas do Peru e de Cuba antes de ser designado
para a Divisão de Repúblicas Americanas do Departamento de Estado, em 1937, que era então chefiado
por Cordell Hull94.
Briggs permaneceu em Washington até 1940, quando assumiu funções na embaixada de
Santiago, Chile95. Transferido para Havana em 1941, ocupou o segundo cargo de maior importância na
embaixada96. Em 1944 esteve à frente da embaixada norte-americana na República Dominicana. Em
1945 foi promovido a embaixador e nomeado diretor da divisão de American Republic Affairs (ARA)
do Departamento de Estado. Esteve no cargo entre setembro de 1945 e a metade de 1947, trabalhando
com o secretário adjunto Spruille Braden e com Thomas Mann. Depois desse período no Departamento
de Estado, foi embaixador no Uruguai e na Tchecoslováquia. Em 1952, em plena guerra da Coreia
(1950-1953), foi designado embaixador em Seul. Por seus serviços nesse período, recebeu do
presidente Eisenhower a Medal of Freedom. Em 1955 foi transferido para a embaixada de Lima, no
Peru. Um ano depois, substituiu James C. Dunn, no Rio de Janeiro (BRIGGS, 1998)97.

94 Segundo Briggs (1998, p. 122), o Secretário Hull tinha real interesse pelos assuntos da América Latina, mas não se
importava em deixar a resolução dos problemas de rotina, assim como as questões fundamentais do continente, serem
resolvidas pelo Subsecretário Sumner Welles, que era “simpático a muitas das aspirações latino-americanas”. Junto a
Welles, atuava Adolf Berle, que lidava com as questões econômicas e de comunicação da América Latina, assumindo
também posteriormente atribuições no campo da segurança. As tarefas diárias, contudo, eram coordenadas por Laurence
Duggan. Duggan e Briggs, segundo este último, tinham divergências profundas em suas “visões sobre a humanidade em
geral e assuntos de relações exteriores, em particular”: “Larry preocupava-se constantemente com as massas oprimidas” e
suspeitava “que as empresas americanas no exterior eram as exploradoras do povo”. Briggs, por sua vez, defendia a tese de
que “o oprimido” sofria por sua “indolência, incompetência ou falha em aproveitar as oportunidades” (BRIGGS, 1998, p.
404).
95 “Ocupado com os preparativos para ir ao Chile, não levei a sério os rumores que circulavam através da fábrica de fofocas
da capital, afirmando que o jovem milionário republicano [Nelson Rockefeller] havia oferecido seus serviços à Casa
Branca, preferencialmente para atuação na América Latina. A notícia da nomeação de Nelson Rockefeller para o recém-
criado cargo de coordenador de assuntos interamericanos (Coordinator of Inter-American Affairs), quando chegou ao Chile
algumas semanas depois, me surpreendeu”. A descrição de trabalho do OCIAA, “na medida em que era inteligível, parecia
duplicar as funções da Division of American Republics Affairs do Departamento de Estado”. Segundo Briggs, a equipe do
coordenador incluía vários jovens que haviam tentado entrar, sem sucesso, no serviço de relações exteriores. E “poucos
deles demonstravam simpatia pelo que descreveram como os métodos antiquados da diplomacia” (BRIGGS, 1998, p. 132).
96 Em 1942, o cargo de embaixador em Cuba foi ocupado por Spruille Braden, cuja atuação intervencionista na Argentina
em 1945 já foi mencionada no capítulo anterior. A partir desse momento, Briggs e Braden tornaram-se amigos. Voltariam a
trabalhar juntos em Washington, poucos anos mais tarde. Briggs tinha grande admiração por Braden, como deixa registrado
em suas memórias (BRIGGS, 1998).
97 Do Brasil, Briggs partiu para a Grécia. Depois disso, aposentou-se.
89

Briggs considerava que o governo norte-americano tinha perdido, no período pós Segunda
Guerra Mundial, uma “única e esplêndida” oportunidade de abordar a questão da expropriação na
América Latina, defendendo a proposição de que a tomada da propriedade privada de estrangeiros só
seria legítima se houvesse pronta e adequada compensação. A oportunidade perdida tinha sido única, na
avaliação de Briggs, porque no término das hostilidades, em 1945, a maioria dos “vizinhos” se
encontrava solvente pela primeira vez – “e alguns deles pela última”: “Eles estavam todos com fome de
capital, e esse capital estava disponível apenas através dos Estados Unidos”. Mas, para o
descontentamento de Briggs, “nada foi feito”:

Seguiu-se um período de deriva. O Secretário [de Estado] Marshall estava preocupado


com a reconstrução europeia, a intransigência soviética e o Extremo Oriente. Ele tinha
pouco tempo para os Good Neighbors [Bons vizinhos]. [O Secretário] Dean Acheson,
apesar de todo o seu brilhantismo em muitos aspectos, também adotou uma postura
muito negligente com a América Latina, para cujos problemas ele confessava ter pouco
estômago. (…) John Foster Dulles, (…), era um grande defensor do princípio da força
dos contratos (was a strong sanctity-of-contracts man) e poderia ter feito muito para
defender os direitos dos investidores privados. Em vez disso, Dulles permitiu-se
endossar, sob o pretexto de proteger esses interesses, um dos projetos mais
equivocados – o "programa de garantia de investimentos” – que mais prejudicou do
que protegeu as empresas norte-americanas na América Latina (BRIGGS, 1998, p.
139).

Uma reportagem da Time Magazine escrita por William Krehn descreveu Briggs como um
“jovem impossível que lembrava vagamente Groucho Marx e defendia convicções políticas
repugnantes” (apud BETHELL, 1991, p. 49). Em seu livro de memórias, Briggs defende a opinião de
que a política norte-americana para a América Latina entre os anos 1930 e o início da década de 1960
mostrou uma tendência à burocratização, que resultava, segundo ele, da influência de convicções
liberais (no sentido norte-americano) de integrantes de diferentes governos. Ele se demonstrou um
firme opositor tanto da burocracia do Departamento de Estado quanto da influência liberal, que teria
acabado com a “decência” da política dos Estados Unidos para a América Latina98.

98 Para Briggs, as três primeiras décadas do século XX representaram o auge da “decência” da política estadunidense para a
América Latina. As intervenções militares norte-americanas no Caribe durante este período, por exemplo, não teriam sido
motivadas por nenhum objetivo específico de dominação: “Quando nós interviemos no Caribe era para consertar algo que
os nativos não tinham capacidade de resolver, e nós saímos do país o mais rápido possível. Durante a intervenção, o povo do
país tinha uma comida melhor, mais liberdade, uma saúde melhor, e mais dinheiro do que se dispunha antes da chegada dos
Mariners, ou depois da saída deles” (BRIGGS, 1998, p. 9). O antiliberalismo de Briggs marcou sua abordagem com relação
90

Brigss foi substituído, na embaixada dos Estados Unidos no Brasil, por John Moors Cabot
(1901-1981), em julho de 195999. Cabot era membro de uma das mais ricas e tradicionais famílias da
costa leste dos Estados Unidos, conhecida por sua devoção religiosa. Seu pai, Godfrey L. Cabot,
fundou, em 1882, a Cabot Corporation, empresa que viria a se tornar uma das maiores indústrias
químicas dos Estados Unidos no século XX (The New York Times, 10/06/1995). John Cabot graduou-se
em Harvard (1923) e Oxford (1925). Um ano depois, entrou para a escola de formação da carreira
diplomática. Em 1959, quando foi designado para trabalhar no Brasil, ele já contava com uma
experiência de 30 anos de carreira, a maior parte dela em países latino-americanos 100. Ele também tinha
experiência de trabalho no Departamento de Estado, em Washington101.
Os documentos pessoais e os diários de Cabot102 demonstram que ele era um convicto
anticomunista e defensor da iniciativa privada como solução para os problemas da América Latina.
Revelam também sua proximidade com os mais importantes empresários norte-americanos com
interesses na América Latina e com influentes homens de negócios e políticos latino-americanos, além
de uma grande impaciência com aqueles que não partilhavam de sua firme crença de que o modelo
capitalista dos Estados Unidos era o grande exemplo a ser seguido. Ele se referia aos brasileiros como
“crianças”, “imaturos” e “irresponsáveis” (Diário, entradas de 13/08/1959, 17/11/1959 e 20/08/1960).

ao governo de Ramón Grau San Martín, que assumiu, interinamente, o governo de Cuba, logo após o golpe que derrubou a
ditadura de Gerardo Machado (presidente de Cuba entre 1925 e 1933). Segundo suas memórias, Grau não era bem aceito
pela embaixada dos Estados Unidos em Havana, liderada por Jefferson Caffery (que seria embaixador no Brasil entre 1937
e 1944): “se livrar do governo provisório de Grau” havia se tornado “claramente a prioridade” das articulações da
embaixada. A questão para Briggs era como “mobilizar homens, dinheiro e ideias”, sem dar a impressão de que o governo
norte-americano estava por trás das iniciativas para derrubar Grau (que acabou sendo deposto em 1934) (BRIGGS, 1998, p.
88-9).
99 Embora fosse um diplomata experiente, Cabot não foi a primeira opção para a embaixada do Rio de Janeiro. No início de
março de 1959, o senado norte-americano havia aprovado o nome de Ann Clare Booth Luce como embaixadora para o
Brasil, mas após uma discussão pública com um senador, ela desistiu de assumir o cargo. Luce era escritora e política,
casada com o dono do grupo Time Life, Henry Luce. Ela havia sido embaixadora na Itália entre 1953 e 1956, onde ficou
famosa por sua defesa pública de um implacável programa de combate aos comunistas italianos, “um exemplo da
arrogância e de intromissão [norte] americana em assuntos internos de outros países” (BROGI, 2012, p. 269). Com a
desistência de Luce, Cabot foi então indicado por Briggs para sucedê-lo na embaixada do Rio de Janeiro (BRIGGS, 1964, p.
146). Sobre a discussão de Luce com um senador americano, ver The New York Times, 10/10/1987.
100 Seus postos na região incluíram Peru (1927-1928), República Dominicana (1929-1931), México (1931-1932), Brasil
(1932-1935), Guatemala (1939-1941), Argentina (1945-1946) e Colômbia (1957-1959).
101 Onde serviu como Assistant Chief da Divisão de Repúblicas Americanas (1942-1943), chefe da Divisão de Assuntos do
Caribe e América Central (1944-1945) e secretário de Estado adjunto para assuntos interamericanos (1953-1954). Seus
outros dois postos diplomáticos foram a Suécia, entre 1954 e 1957, e a Polônia (1961-1965), quando se aposentou (USA,
The Biographic Register 1964, p. 134).
102 Os originais de seu diário e seus documentos pessoais encontram-se na biblioteca Edwin Ginn, da Fletcher School of
Law and Diplomacy, pertencente à Tufts University, localizada em Medford, estado de Massachusetts. Cópias
microfilmadas de seu diário e documentos pessoais estão disponíveis nas bibliotecas presidenciais Dwight D. Eisenhower,
John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson. Os seus arquivos diplomáticos – que não se encontram em sua coleção de
documentos pessoais – estão disponíveis no Arquivo Nacional de College Park.
91

Suas memórias publicadas também revelam um racismo indisfarçável. Cabot explica, por exemplo,
porque Augusto Frederico Schmidt, conselheiro do presidente Kubitschek, o irritava tanto: “metade
negro e metade judeu, ele tenta disfarçar o seu colossal complexo de inferioridade com uma arrogância
agressiva” (CABOT, 1979, p. 114).
Entretanto, ele demonstrava ter consciência da força do nacionalismo e das demandas por
transformações sociais na América Latina no período pós-guerra. Assim, como vários outros
representantes do governo Eisenhower, reconhecia a importância de influenciar os rumos das mudanças
pelas quais a região estava passando, de acordo com os interesses da política norte-americana, mas não
considerava sábio ignorar a sua necessidade. Em um discurso proferido durante seu mandato como
secretário de Estado adjunto para assuntos interamericanos (1953-1954) 103, ele reconheceu que “a
reforma social” estava “na ordem do dia” na América Latina” e ela poderia “acontecer por uma
revolução ou por uma evolução”. Os elementos reacionários, que existiam “em todos os países deste
hemisfério”, que não queriam reformas sociais, estavam dispostos, segundo Cabot, “a fechar a válvula
de escape, esperando estourar a caldeira” (CABOT, 1979, p. 85). Ele era claramente favorável à
intervenção nos assuntos internos dos países da região:

O eterno problema de nossos amigos do sul é que eles se ressentem de qualquer tipo de
interferência em seus assuntos internos, mas frequentemente eles criam uma bagunça
tão grande (they get themselves into such a mess) que eles precisam apelar para a nossa
ajuda. O que nos restaria fazer quando uma política econômica tola acaba em desastre,
como na Bolívia? O que nos restaria fazer quando uma ditadura corrupta é ameaçada
pelo comunismo? Nós evitamos que a Guatemala fosse por água abaixo através de uma
intervenção encoberta. Cuba se tornou comunista pela usual trapaça comunista, e o
Chile estava seguindo o mesmo rumo (CABOT, 1979, p. 89).

Na avaliação de Cabot, os Estados Unidos deveriam utilizar-se das operações encobertas como
o principal instrumento de interferência na política dos países da América Latina. Durante seu período
como secretário de Estado adjunto, sua postura com relação à Guatemala não foi diferente. Cabot, em
suas memórias, relata que o então diretor da CIA, Walter Bedell Smith, havia sugerido que a solução
para a Guatemala era “a derrubada do governo de Arbenz”, por meio de uma estratégia semelhante à
utilizada para derrubar o presidente iraniano em 1953 – pois “o golpe contra o governo de Mossadegh
no Irã havia sido orquestrado pela CIA e pelo serviço secreto britânico” e na época “o envolvimento do
103 Em 1954, foi substituído nesse cargo por Henry F. Holland, sobre quem falaremos mais adiante neste capítulo.
92

governo [norte] americano não havia se tornado público”. Depois de muito examinar sua consciência
(after much soul-searching), Cabot teria dito a Bedell Smith que “um golpe organizado pela CIA era a
única solução” contra o governo de Arbenz. Ele alega que não sabia “e nem queria saber” dos detalhes
do planejamento da operação da CIA, mas revela que estava “em contato constante com um agente do
ARA designado como oficial de ligação com as outras agências envolvidas no planejamento das
ações”104. A principal preocupação de Cabot era “manter em segredo qualquer envolvimento dos
Estados Unidos no golpe que estava sendo planejado” (CABOT, 1979, p. 90)105.
Ele também defendeu as ações da CIA em outros países latino-americanos. Conforme Cabot,
“nossas ações no Chile entre 1970 e 1973 (ou talvez devêssemos retroceder até 1964)” claramente “se
baseavam em considerações de segurança”: “nós interviemos nos assuntos internos do Chile, para
prevenir a ascensão de um governo que, embora mal representasse um terço dos eleitores chilenos,
havia sido eleito democraticamente, e que claramente se demonstrava contra tudo aquilo que
defendíamos”. Cabot admitiu que as ações da CIA eram ilegais, “mas apenas no sentido de que eram
violações de tratados”: “nossos presidentes tinham o dever e o direito de proteger o nosso país contra as
ameaças à nossa segurança: afinal de contas, nós nunca renunciamos à Doutrina Monroe” (CABOT,
1979, p. 148). Para defender as ações intervencionistas do governo estadunidense na América Latina,
Cabot também recorria ao argumento de que apenas uma minoria da população da região era favorável
à democracia :

Os críticos da CIA reclamam quando nós fornecemos verbas para promover a


democracia na luta contra o comunismo, mas silenciam quando o comunismo tenta
tomar o controle de um país (...). Há uma torrente de críticas quando nós fazemos
qualquer coisa que possa beneficiar uma ditadura direitista, mas nada dizem quando
nós tentamos ajudar um país a se livrar do comunismo. Embora muitas pessoas na
América Latina defendam corajosamente ideais democráticos, é duvidoso que elas
sejam maioria. Quando eu era secretário de Estado adjunto, três chefes de governo –
Getúlio Vargas no Brasil, Carlos Ibañez no Chile e Velasco Ibarra no Equador – foram
eleitos democraticamente, ainda que no passado tivessem sido ditadores em seus
países. (...). O povo dos Estados Unidos acredita na democracia, apesar de suas

104 Trata-se de Raymond G. Leddy (que será apresentado mais adiante), à época chefe da divisão de assuntos da América
Central no Departamento de Estado.
105 A derrubada do governo de Arbenz seria plenamente justificada, na visão de Cabot: “Para aqueles que deploram o golpe
na Guatemala, considerando-o como uma derrubada “imoral” de um governo eleito “democraticamente”, eu responderia
que Arbenz somente foi eleito porque Aranha – que do contrário claramente viria a ser eleito – foi assassinado, que o
governo de Arbenz fez inúmeros esforços para derrubar governos dos países vizinhos, e que a Guatemala se encaminhava
para um rumo que a teria tornado uma ameaça à nossa segurança nacional, como foi o caso de Cuba” (CABOT, 1979, p.
91). Ver FICHA sobre Guatemala.
93

limitações. (...). Mas às vezes nós esquecemos que, para outros povos, com diferente
educação política, a democracia pode não ser a melhor forma de governo. Nós vimos o
que aconteceu no Uruguai [referindo-se a 1973], tido como um grande exemplo de
democracia na América Latina. O país simplesmente foi à falência como resultado do
povo ter votado a favor de tantos benefícios para si, e os militares tiveram de agir para
tentar remediar os estragos (the military moved in to try to pick up the pieces). O
mesmo aconteceu na Argentina [referindo-se a 1976], onde o governo, eleito por
maioria esmagadora, perdeu o controle da situação (CABOT, 1979, p. 150-1).

Cabot ficou no Brasil até agosto de 1961, quando foi substituído por A. Lincoln Gordon (1913-
2009), o primeiro embaixador indicado pela administração de John F. Kennedy (1961-1963) para o
Brasil. Gordon, que ficou no Brasil até 1966, tinha um perfil diferente do de seus antecessores.
Formado em economia pela Harvard University, com doutorado na mesma área na Universidade de
Oxford, Inglaterra, ele não era um embaixador de carreira. Contudo, teve uma importante experiência
de trabalho junto a agências internacionais e governamentais 106. Em 1948, Gordon trabalhou na
embaixada de Paris, “junto à reduzida equipe que administrava o Plano Marshall” 107, como principal
assessor de Averell Harriman, importante empresário, embaixador e político do Partido Democrata,
influente nos governos de Roosevelt e Truman. Junto a Harriman, ele também colaborou nas
articulações políticas que transformaram a OTAN108 em uma aliança militar. Neste período, Gordon
trabalhou ao lado do também economista Richard Bissell, futuro diretor dos serviços clandestinos da
CIA, de quem se tornou um amigo muito próximo.
Smith (2015, p. 2-3) considera Gordon “uma das mais importantes figuras entre o elenco de
servidores públicos coadjuvantes anônimos que contribuíram para o milagre da mobilização da
Segunda Guerra Mundial, a reconstrução da Europa do pós-guerra e a estrutura de segurança atlântica”.
Em 1951, ele foi convidado para trabalhar na seção econômica da embaixada dos Estados Unidos em
106 Em 1945, Gordon trabalhou na War Production Board (WPB), responsável por tarefas que visavam readaptar a
economia de guerra dos Estados Unidos, ao final do conflito internacional. Defensor do New Deal, “Gordon tinha convicção
da necessidade de manter um papel proeminente do governo para lidar com os problemas relacionados à reconversão da
economia para uma base civil” (SMITH, 2015, p. 85). Logo em seguida, teve uma rápida passagem pela Comissão de
Energia Atômica da ONU, mas em função de desentendimentos entre os membros americanos da comissão, afastou-se dela.
107 Em 1948, temendo a “exploração da ameaça interna e externa dos comunistas” frente a uma Europa devastada pela
guerra, o governo norte-americano lançou um plano de reconstrução econômica para a Europa, nomeado em alusão ao
Secretário de Estado George C. Marshall. Sanahuja (1999, p. 10) sustenta que “a ajuda externa dos Estados Unidos, devido
a suas origens e condicionantes históricos e ideológicos, foi subordinada primordialmente a interesses de segurança nacional
derivados do contexto da Guerra Fria, concretamente buscando objetivos diplomáticos e estratégicos de curto prazo,
sustentando regimes autoritários simpáticos aos EUA, e financiando conflitos armados em áreas periféricas ao confronto
Leste-Oeste”.
108 A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi criada em 1949 como uma aliança militar dos países do
centro capitalista, unidos contra a “ameaça militar soviética”. Hobsbawm (1994, p. 237) caracteriza a OTAN como “uma
aliança militar antissoviética que era um complemento lógico do Plano Marshall”.
94

Londres, onde permaneceu até 1955. Aceitando um convite para dar aulas na escola de negócios de
Harvard, Gordon redirecionou as suas preocupações de trabalho e pesquisa para os problemas do
desenvolvimento político e econômico do Terceiro Mundo 109. Em Harvard, ele estabeleceu uma boa
relação com seu colega, Henry Kissinger, ligado à escola de governo da universidade e com quem
havia trabalhado no WPB. Gordon era professor efetivo, mas tinha autorização para prestar assessoria
de pesquisa a empresas privadas. Entre 1955, ano em que inicia seu magistério em Harvard, e 1961,
quando voltaria a trabalhar no governo, ele também prestou assessoria e participou de pesquisas e
discussões de influentes think tanks norte-americanos110.
Gordon ganhava 15 mil dólares anuais – equivalente a cerca de 135 mil dólares, em valores
atualizados – suplementado por salários pagos por cursos de verão ministrados em Harvard. Mas uma
parte significativa de sua remuneração vinha de serviços de consultoria encomendados por empresas
norte-americanas, muitas delas com investimentos na América Latina (SMITH, 2015, p. 211). Os seus
documentos pessoais, disponíveis na Biblioteca Presidencial Kennedy, deixam evidente seu
envolvimento com questões relacionadas a interesses privados na América Latina e no Brasil e
demonstram o profundo conhecimento que Gordon tinha sobre o tema111.

109 Após o seu período na embaixada de Londres, Gordon, de acordo com seu biógrafo, chegou a uma encruzilhada em sua
carreira. Ele era velho demais para ingressar no serviço exterior e havia ficado muito tempo distante da universidade. Não
via, naquele momento, condições de conseguir um emprego no governo compatível com sua experiência e com uma
remuneração que cobrisse as despesas escolares de seus quatro filhos. Gordon então resolveu escrever para Bissell (quando
este já havia ingressado na CIA), que tinha uma trajetória parecida com a dele, para pedir conselhos com relação aos rumos
de sua carreira. Em janeiro de 1954, Gordon recebeu de Bissell uma extensa carta, que teve um impacto importante em sua
vida. Ele chamava a atenção de Gordon para uma mudança na política exterior dos Estados Unidos, cujo foco estava
mudando “da Europa para a periferia, que se tornou o principal cenário da Guerra Fria”. A periferia, continuava Bissell, “era
um terreno fértil para a subversão comunista”, e a União Soviética tentaria estender a sua influência para os países do
Terceiro Mundo. De acordo com Smith (2015, p. 205), “as indicações da carta de seu amigo Bissell clarificaram o
pensamento de Gordon”: “a carta de Bissell não apenas ajudou Gordon a dar o passo imediato necessário em sua carreira,
mas também reforçou uma nova direção em seu pensamento”.
110 Entre 1956 e 1958, Gordon foi convidado por Kissinger para integrar a equipe responsável pela análise econômica do
Special Studies Project, uma iniciativa da Rockefeller Brothers Fund chefiada por Kissinger. Gordon esteve vinculado ao
painel denominado “Economia internacional e objetivos sociais e estratégia”, tendo sido o responsável pela elaboração de
um paper intitulado “Assistência econômica e política comercial como instrumento de estratégia nacional” (Economic Aid
and Trade Policy as an Instrument of National Strategy) (Paper, Lincoln Gordon, 18/05/1958). Gordon demonstrou-se
contrariado com o relatório final elaborado pelos outros integrantes do painel. Em uma conversa telefônica com o líder do
seu painel, ele criticou seus colegas: “o relatório não aborda os principais problemas colocados para a política americana,
não toca no problema real da América Latina, que é o seu ressentimento da dominação econômica [norte] americana,
flutuação dos preços e imperialismo econômico de corporações inteiramente pertencentes a americanos. Nós sequer
fazemos a mínima alusão a esse problema” (Transcrição de conversa telefônica, 03/06/1958). Gordon se recusou a assinar o
relatório final elaborado pelos outros integrantes do painel. Ele também participou de outros grupos de discussão do CED,
do CFR e das fundações Ford e Rockefeller. Nelson Rockefeller costumava reunir especialistas de áreas distintas para
elaborarem estudos sobre problemas específicos, para municiar a sua atuação política nos Estados Unidos e no exterior.
Maiores detalhes sobre estes grupos de análise serão apresentados no capítulo 9.
111 Seguem alguns dos títulos das disciplinas ministradas por ele em Harvard: “O desenvolvimento do Brasil; O Brasil e o
mercado internacional de café; Desenvolvimento econômico do Brasil e o problema dos transportes; Influência do capital
nacional e internacional no desenvolvimento do Brasil; além de outros seminários com especialistas sobre Brasil e América
95

Como pesquisador da realidade econômica do Brasil e de outros países sul-americanos, ele


realizou duas longas viagens pela região, a serviço da Fundação Ford, e também para realizar trabalhos
de pesquisa remunerados por empresas, entre 1959 e 1960. Nesse período, ele visitou Chile, Argentina,
Peru, Uruguai e Brasil. De acordo com Smith (2015, p. 219), as pesquisas de Gordon sobre o Brasil
focavam no papel dos investimentos privados externos na indústria automotiva brasileira e em políticas
de promoção de um clima favorável aos investimentos privados estrangeiros. Ele era crítico da
abordagem de Eisenhower para a América Latina, particularmente em relação ao pouco apoio do
presidente republicano a um projeto de reformas sociais profundas na América Latina. Ele era
“partidário da ação governamental vigorosa” para a aplicação deste projeto pelos governos da região,
vista como um complemento fundamental para a criação de um ambiente propício à iniciativa privada.
Em função desta sua defesa do papel do Estado no desenvolvimento econômico, Gordon foi convidado
por Adolf Berle para integrar a Força Tarefa sobre Problemas Imediatos da América Latina do governo
Kennedy112. Em 19 de agosto de 1961, ele foi oficialmente designado embaixador dos Estados Unidos
no Brasil (USA, Biographic Register, 1963, p. 171)113.
No início da década de 1960, outro servidor de carreira do Departamento de Estado
desempenhou um papel tão ou mais importante que Lincoln Gordon no Brasil. Embora não tenha
recebido oficialmente a designação de embaixador, Niles Woodbridge Bond (1916-2005) assumiu a
chefia da missão diplomática dos Estados Unidos no Brasil no período de transição entre a saída de
Cabot e a chegada de Gordon. Nascido no estado de Massachusetts, Bond se graduou na University of
North Carolina, em 1937. Ele seguiu seus estudos na Fletcher School of Law and Diplomacy da Tufts
University em Medford, Massachusetts, onde recebeu o título de mestre em 1938. Logo em seguida,
Bond ingressou no serviço exterior. Seu primeiro posto diplomático foi em Havana, Cuba, entre 1939 e
1940. Depois disso, foi transferido para Tóquio, permanecendo no Japão até o ataque a Pearl Harbor.
Preso pelos japoneses no início da guerra, Bond retornou aos EUA em agosto de 1942. Entre 1942 e
1945, Bond foi vice-cônsul em Madrid (USA, Biographic Register, 1966, p. 50).

Latina. Entre as firmas para as quais Gordon prestou serviços de consultoria, constam a United Fruit, Whirpool Corporation,
General Electric, Scott, Foresman and Co., A. D. Little & Co., Goodrich International Rubber, Southern Peru Corporation,
Marcona Mining, Caterpillar, Esso Petroleum Co., American & Foreign Power (para a qual fez um estudo sobre “A situação
da energia elétrica no Brasil”), Esso Standard do Brasil, Du Pont Co. do Brasil e a filial brasileira da General Foods Corp.
Informações extraídas das caixas de documentos pessoais de Lincoln Gordon, disponíveis na Biblioteca John Kennedy.
112 Sobre este tema, ver SILVA (2008) e GONÇALVES (2016).
113 É interessante observar que, antes de sua designação oficial à chefia da embaixada do Rio de Janeiro, Gordon proferiu
uma palestra na Escola Superior de Guerra em 18 de julho de 1961, conforme seus documentos pessoais (Discurso,
18/06/1961).
96

Durante seu período na Espanha, Bond trabalhou junto a Willard Beaulac, um dos grandes
nomes do serviço exterior da época, particularmente no que se refere a assuntos hispânicos, que o
recrutou para uma organização de inteligência que não tinha nome: "nunca teve um nome, para evitar
que as pessoas falassem sobre isso", relatou Bond. Ela teria sido criada, segundo Bond, por William
Donovan, chefe da OSS114, para "fazer coisas que a OSS deveria estar fazendo, mas não estava
fazendo". De acordo com seu relato, um general norte-americano reformado, Jean Grombach, foi o
líder da organização clandestina, cujo escritório era registrado na cidade de Nova York, na rua West
57th. Em Madrid, ela era composta apenas por Bond, Beaulac, um almirante reformado cujo nome
Bond não se recordava, e uma secretária:

BOND: Nós tínhamos nossos próprios códigos [de comunicação] e nos


comunicávamos com o quarto membro do grupo base, que estava no Departamento de
Estado. Nós enviávamos telegramas para ele com os nossos códigos, que ele sabia
decifrar. Ele então os decodificava e os enviava para a rua West 57th. O Departamento
de Estado sabia de tudo, mas não conseguia decifrar nossas mensagens. Eu me mantive
envolvido com esta organização até mais ou menos 1954. Eu estava em Seul depois da
Guerra da Coreia quando eu recebi ordens para queimar todos os nossos códigos,
arquivos e todas as coisas desse tipo. (...). Eu tinha contato com vários europeus (que
não se conheciam entre si) que tinham acesso a fontes germânicas na Holanda, França
e Alemanha, com as quais eu me encontrava em Lisboa. Eles me repassavam
informações sobre o que os alemães estavam fazendo nestas áreas. Mas nós também
estivemos envolvidos com a conspiração (plot) contra Hitler.
PERGUNTA: Isto ocorreu em 20 de julho de 1944.
BOND: Sim, isso foi quando a operação estourou (blew up). Nós estávamos
preparando a operação, eu acho, cerca de um ano antes de ela acontecer. O meu
envolvimento… o chefe da Lufthansa na Espanha, em Madri, Otto John, era um dos
membros do grupo que estava conspirando contra Hitler. Enquanto chefe da Lufthansa,
ele podia viajar entre Madri e Berlim sem nenhum problema, sem custos e sem chamar
atenção sobre ele mesmo. O contato dele em Madri era o chefe do departamento
germânico do Ministério de Negócios Estrangeiros da Espanha. Este, por sua vez, era
um amigo muito próximo a mim. (…). Otto John disse a meu amigo do Ministério de
Negócios Exteriores da Espanha que ele queria estabelecer contato com os EUA para
colocá-los a par do que os conspiradores alemães estavam fazendo. O chefe do
departamento de assuntos germânicos do Ministério de Negócios Exteriores da
Espanha falou sobre a minha pessoa a Otto e disse: “você pode fazer isso através dele”.
(…). Essa foi uma das coisas loucas em que essa pequena organização sem nome se
envolveu. A única referência a esta operação de inteligência que não tinha nome estava
na parte de trás dos envelopes enviados à rua West 57th. Nós fomos instruídos a nos
referirmos à OSS sobre a organização como “o lago” (the lake), e à nossa própria
114 A OSS (Office of Strategic Services) foi um dos serviços civis de inteligência dos EUA criados durante a Segunda
Guerra Mundial, responsável por atividades de coleta de informação e espionagem, operações de guerra de propaganda e
guerra psicológica, operações paramilitares, sabotagem e destruição. A organização operou entre 1942 e 1945. Sobre a
trajetória de William J. “Bill” Donovan, ver WALLER, 2011.
97

organização como “a laguna” (the pond). Estas eram as únicas regras de que me
lembro. Mas era emocionante e interessante. Nós nunca soubemos quem mais fazia
parte daquilo. Nunca houve uma lista de que alguém sabia sobre a existência dela. Eu
ainda não sei. Mais tarde, eu era o único em Tóquio e na Coreia que era parte da
organização, disso tenho certeza (Entrevista, Niles Bond, 14/04/1998). 115

Em 1948, Bond mudou-se para Berna, Suíça, por um breve período. Em 1949 ele foi designado
como assistant chief da Divisão de Assuntos do Nordeste Asiático do Departamento de Estado, onde
ficou encarregado das questões relacionadas à Coreia. No final de 1949, viajou à Coreia do Sul para
fazer um levantamento sobre as necessidades militares da região, no qual "Bond apoiou ativamente a
expansão das capacidades militares sul-coreanas" (GROEN, 2010, p. 92). Ele e um tenente-coronel dos
EUA eram os integrantes da equipe de pesquisa, e escreveram em seu relatório o seguinte:

A Equipe de Levantamento ficou particularmente impressionada pela excepcional e


premente urgência relacionada às necessidades de assistência militar da República da
Coreia em função da presença em suas fronteiras (situadas a menos de 50 km da
capital Seul) de um agressivo regime comunista dominado pela União Soviética, que

115 A organização clandestina de inteligência da qual Bond era membro ficou conhecida como Pond. Sua história era
praticamente desconhecida até o início dos anos 2000, quando dezenas de documentos foram retirados do local onde vivia o
líder da organização, John Grombach, pela CIA, que reteve os arquivos até o ano de 2010 e os encaminhou para o Arquivo
Nacional dos Estados Unidos, estando hoje disponíveis ao público. Um ex-historiador da CIA, Mark Stout (2018), escreveu
textos com base nestes arquivos antes que eles fossem encaminhados ao Arquivo Nacional. Segundo ele, a Pond “conduziu
operações clandestinas de espionagem para o governo dos EUA entre 1942 e 1955” e foi uma das “mais incomuns
organizações da história do governo. Ela se desenvolveu completamente fora das estruturas normais de governo, utilizou-se
de todas as coberturas (cover) normais e estruturas de comunicação operadas normalmente pelas organizações de
inteligência, e nunca esteve sob nenhum tipo de controle de Washington”. A filosofia interna da organização baseava-se no
conceito de “super-segurança” (super-security), um nível de sigilo maior do que o adotado pela própria CIA, de acordo com
Stout. Embora alguns operativos da organização fossem funcionários do governo dos EUA – como no caso de Niles Bond e
do embaixador Willard Beaulac –, a Pond preferia não ter conexões visíveis com o governo americano. Conforme Strout, o
modus operandi da organização empregava “o clássico método indireto dos britânicos e germânicos, isto é, o uso de grandes
organizações internacionais de negócios, empresas proeminentes e profissionais como o núcleo dos sistemas, redes e células
de agentes e observadores que, por sua vez, recrutavam agentes diretos e informantes”. Entre as empresas que forneciam a
fachada para operações da Pond consta a Philips (Holanda), “que ajudou a financiar a Pond e colaborou com suas
operações”, tendo sido “uma boa associada da Pond com subsidiárias em todo o mundo, oferecendo acesso a locais
interessantes”. Outras companhias também forneceram a cobertura de fachada para a Pond: Chase Manhattan Bank,
American Express Co. e Remington Rand (CBS News, 29/07/2010). O Departamento de Estado foi “um parceiro vital das
operações da Pond ao longo de toda a existência do grupo”. Embora a Pond não tivesse relações com o setor de inteligência
do Departamento de Estado, “durante a guerra o ponto de contato diário no Departamento [de Estado] era a Division of
Foreign Activity Correlation [FC – a ser apresentada no capítulo 3], que se reportava durante a Segunda Guerra Mundial ao
secretário de Estado adjunto Adolf Berle, que permaneceu um aliado de Grombach por muitos anos”. Em 1951, uma reunião
foi realizada no escritório de Berle (que não estava mais no governo), contando com a presença de Allen Dulles (na época
diretor adjunto de planos da CIA), Lyman Kirkpatrick (assistente do diretor da CIA), de um representante do Departamento
de Estado e de Grombach. Ficou decidido que a Pond prestaria serviços como contratista da CIA. Essa reunião é descrita no
diário de Berle (Entradas dos dias: 01/03/1951, 22/03/1951, 06/04/1951 e 12/04/1951).
98

está publicamente comprometido com a destruição daquela república por tropas


armadas (Telegrama, 25/01/1950).

Durante o período em que trabalhou com questões coreanas no Departamento de Estado, Bond
desenvolveu suas habilidades de "negociação" com líderes políticos estrangeiros 116. Ele trabalhava
diretamente com Dean G. Rusk, à época Secretário de Estado Adjunto de Assuntos do Extremo Oriente,
que mais tarde se tornaria Secretário de Estado do governo Kennedy. Segundo Bond, havia uma disputa
muito grande entre o Departamento de Estado e o Pentágono em relação à Coreia, impedindo a
formulação de uma política consistente do governo dos EUA para o país asiático. Ele conta que, em
função dessa disputa, foi encarregado pelo NSC de elaborar o rascunho final de uma instrução política
sobre a Coreia, “porque o pessoal no Departamento [de Estado] e no Pentágono se odiava”,
estabelecendo que os EUA iriam instalar um governo na Coreia do Sul sem a realização de eleições
(Entrevista, 14/04/1998). Em julho de 1950, Bond se tornou primeiro secretário da embaixada em
Tóquio, trabalhando na equipe de William J. Sebald, conselheiro político do chefe das tropas do
Comando das Nações Unidas, general Douglas MacArthur. Cumpriu essa função por dois anos,
tornando-se logo em seguida conselheiro da embaixada de Tóquio. Entre 1953 e 1954, ocupou o
mesmo cargo na embaixada da Coreia do Sul. Entre 1954 e 1955, foi diretor adjunto da representação
norte-americana no Conselho de Assuntos Políticos e de Segurança da ONU. Em 1956, foi transferido
para Roma, onde permaneceu até 1958:

Eu era conselheiro de assuntos políticos, o número três no ranking oficial, abaixo


apenas do embaixador e do chefe adjunto de missão (Deputy Chief of Mission – DCM).
Eu era o chefe da seção política e também o contato com a CIA. Eles eram parte da
seção política mas, é claro, eles não iriam admitir isso internamente. Pode-se dizer que
o elemento CIA da embaixada estava, mas não era, da seção política da embaixada.
Nós tínhamos problemas para descobrir o que a CIA estava fazendo porque nós
tínhamos um chefe de estação e um subchefe que se dedicavam a nos deixar sem saber
no que eles estavam metidos. O único jeito de saber… Eu tinha encontros diários com
a seção política e a CIA finalmente enviou Bill [William] Colby [chefe de estação da
CIA] para Roma, que era da opinião de que nós só deveríamos saber o estritamente

116 Em uma reunião com representantes da Economic Cooperation Agency (ECA) e do Departamento de Estado sobre a
situação política da Coreia – em que se discutia, entre outros assuntos, as dificuldades de relacionamento com o líder da
Coreia do Sul, Syngman Rhee –, Bond pediu a palavra e sugeriu uma linha de ação: “O sr. Bond indagou se não seria útil
ameaçar o governo coreano [do Sul] com a interrupção do envio de assistência militar. Ele explicou que o presidente Rhee,
como um velho revolucionário, entendia mais de munição do que de investimentos em capital, e que tal ameaça pode atingir
mais diretamente os principais obstáculos à estabilização” (Memorando, 15/03/1950).
99

necessário sobre as atividades da CIA. (…). Eu não tinha nada a ver com isso, mas um
dos meus melhores amigos no Ministério de Negócios Estrangeiros da Itália costumava
me contar histórias sobre pegar malas de dinheiro da CIA e coisas do tipo no final dos
anos 1940. Eu tenho certeza de que isso ainda ocorria enquanto eu estava lá
(Entrevista, 14/04/1998).

Em junho de 1959, John M. Cabot, embaixador no Brasil, telefonou para Bond convidando-o
para ser o chefe adjunto da missão diplomática dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, “o número 2 da
embaixada”117 (Entrevista, 1998). Permaneceu nessa posição até março de 1963, quando foi designado
pelo Secretário de Estado, Dean Rusk, para chefiar o Seminário Interdepartamental “Problemas de
Desenvolvimento e Segurança Interna”, promovido pelo Departamento de Estado, AID, USIA e
Departamento de Defesa. Bond permaneceu em Washington por nove meses. No programa do curso
estavam incluídas palestras, discussões e trabalhos em grupo, com cursos de duração de um mês para
oficiais das agências integrantes das missões diplomáticas no exterior. O objetivo do seminário,
segundo Bond, era “preparar as pessoas para lutar contra o comunismo em vários países
subdesenvolvidos, fornecendo uma alternativa àquilo que os comunistas ofereciam na forma de ajuda e
simpatia espiritual”, isto é, “o ensino de técnicas e métodos de guerra não convencional”
(unconventional war)118. Em janeiro de 1964, ao final do seminário sobre contrainsurgência, Bond

117 Em julho de 1959, ele foi oficialmente designado como ministro conselheiro da embaixada. Ele assumiu a chefia da
embaixada do Rio de Janeiro quando Cabot deixou o cargo no início de agosto de 1961. Durante a crise político-militar
provocada pela renúncia de Jânio Quadros à presidência, em agosto de 1961, Bond era o “número 1 da embaixada”. Ele
considera que, durante essa crise, “o Brasil esteve muito próximo de uma guerra civil”. E acrescentou: “os militares
divididos em qualquer crise política no Brasil significa perigo”.
118 De acordo com a ementa do seminário, o objetivo do curso era “familiarizar os oficiais civis e militares mais
importantes que servem nos países em desenvolvimento, especialmente naqueles onde a insurgência é ativa ou incipiente,
com a política, doutrina e capacidades dos EUA aplicáveis à prevenção e derrota da subversão inimiga e da insurgência
subversiva, através do exame de: fatores políticos, econômicos, sociais e psicológicos que produzem a dissidência e a
insurgência inimiga dos interesses dos EUA; a natureza da ameaça interna e externa; os conceitos estratégicos envolvidos na
modernização e na defesa interna; a disponibilidade do uso dos recursos norte-americanos no apoio aos esforços de
governos locais para prevenir ou derrotar a insurgência subversiva; as doutrinas e técnicas operacionais para a aplicação e
integração destes recursos no nível da equipe de campo (country team) (…). Os participantes estudarão as origens da
insurgência assim como as técnicas disponíveis para derrotar a insurgência subversiva; aprenderão tanto quanto possível
sobre as contribuições únicas e indispensáveis de todos os braços operacionais que a política norte-americana pode fornecer
ao country team para prevenir e derrotar a insurgência inimiga aos interesses dos EUA; (…); irá analisar métodos através
dos quais os recursos dos EUA podem auxiliar os governos locais para aumentar a sua aceitação entre os “setores críticos”
(estudantes, juventude, elites, intelligentsia) e fortalecer a coesão social do povo através de programas destinados a eliminar
as lacunas entre os centros urbanos, o governo e o campo (ações cívicas, desenvolvimento comunitário, reforma agrária)”
(Programa de estudos, Seminário de contrainsurgência, março-abril de 1963). Havia uma bibliografia obrigatória do curso,
que incluía autores da “teoria da modernização” (Galbraith, Millikan, Pye e Rostow) e os escritos de Mao Tsé-Tung e Che
Guevara sobre a guerra de guerrilhas, entre outros livros. Como explicou o próprio Bond em um artigo escrito para uma
revista do Departamento de Estado, “o curso aborda três assuntos principais: primeiro, a natureza do processo de
modernização, particularmente as vulnerabilidades produzidas pela compulsiva urgência de muitos países subdesenvolvidos
em passarem do estágio de sociedades tradicionais, frequentemente feudais para o de nações modernas da noite para o dia;
100

solicitou, segundo o seu depoimento, ser designado para trabalhar no consulado de São Paulo
(Entrevista, 14/04/1998). Como será visto no capítulo 10, Bond desempenhou um papel fundamental,
tanto na crise de agosto de 1961, quanto no golpe de 1964.
A cidade de São Paulo, o grande centro industrial do Brasil, tinha uma importância tão grande
ou mesmo maior para os interesses norte-americanos do que a do Rio de Janeiro. Por consequência, a
escolha do cônsul geral de São Paulo e dos demais servidores do consulado era cuidadosa. Na maior
parte dos casos, os chefes do consulado geral possuíam título de ministro conselheiro ou embaixador,
os mais altos da hierarquia do Departamento de Estado. Richard P. Butrick, que foi cônsul-geral em
São Paulo entre 1955 e 1959, afirmou em entrevista que “São Paulo provavelmente era o consulado
mais importante no mundo”, não apenas em razão do tamanho da cidade. A comunidade de empresários
norte-americanos de São Paulo era uma das mais importantes bases de apoio da representação
diplomática dos Estados Unidos no Brasil, como será visto nesta tese, sobretudo a partir do início dos
anos 1960119.
Daniel McCoy Braddock, cônsul em São Paulo entre dezembro de 1961 e janeiro de 1964, teve
uma destacada atuação durante sua passagem pelo consulado, especialmente junto à comunidade de
empresários norte-americanos. Nascido no Arkansas em 05/04/1906, Braddock se graduou no Kenyon
College em 1926, e obteve o título de mestre na l’Ecole Libre des Sciences Politiques de Paris em
1928. Logo em seguida, ingressou na carreira diplomática120. Em setembro de 1957, foi transferido para
Cuba, com o título de ministro conselheiro – na hierarquia do Departamento de Estado, um grau
inferior apenas ao do embaixador (USA, Biographic Register, 1966, p. 56). Em Havana, Braddock
vivenciou o período final da ditadura de Batista e a tomada do poder pelos revolucionários liderados
por Fidel Castro. Em abril de 1959, ele escreveu um longo telegrama para o Departamento de Estado,
sugerindo cursos de ação a serem adotados pela administração Kennedy para “ganhar a confiança do
governo revolucionário, fortalecer os elementos anticomunistas no país, e enfraquecer as influências

segundo, os meios através dos quais os comunistas buscam exacerbar e explorar estas vulnerabilidades para seus próprios
fins; e terceiro, os recursos disponíveis aos EUA para ajudar as nações emergentes a sobreviverem às provações da transição
com as suas aspirações nacionais e sua liberdade intactas” (Artigo, Niles W. Bond, janeiro de 1963).
119 “Eu não tenho muita coisa de excepcional para falar sobre São Paulo”, contou Butrick, “a não ser que havia muitos
interesses de negócios americanos lá. Eu era muito próximo à Câmara Americana de Comércio, eu participava de todos os
encontros” (Entrevista, Richard P. Butrick, 25/03/1993).
120 Que incluiu passagens por Medan, na Indonésia (1929-1931), Barcelona (1932-1935), Caracas (1936-1939) e Porto
Alegre (1940-1945). No início de 1945, tornou-se subchefe da Divisão de Assuntos Brasileiros do Departamento de Estado.
Entre 1946 e 1947, atuou na Divisão de Assuntos de Política Comercial do Departamento de Estado. Em julho de 1948, foi
transferido para Madri, onde permaneceu até julho de 1951. Em maio de 1952, foi designado conselheiro da embaixada de
Manilla, nas Filipinas, onde trabalhou até 1954. Em 1955, mudou-se para a Birmânia, onde trabalhou até o início de 1957
(USA, Biographic Register, 1966, p. 56).
101

comunistas”. É interessante destacar algumas das recomendações de Braddock em relação a Cuba,


porque elas são muito semelhantes à abordagem que o governo norte-americano iria adotar com relação
às forças favoráveis e contrárias ao presidente Goulart, especialmente aquelas representadas no estado
de São Paulo. Merecem destaque as seguintes sugestões:

(…). 2. Os oficiais da embaixada e líderes da comunidade de empresários americanos


devem estabelecer um esforço conjunto (concerted effort) para desenvolver aliados
dentro dos ministérios e agências do governo. A simpatia pode ser expressa com as
metas básicas do governo, tais como o programa agrário, a eliminação da corrupção,
industrialização, etc., mas ao mesmo tempo, educadamente mas com firmeza, enfatizar
a ideia de que o crescimento do comunismo é algo que não deve ser tolerado já que, no
final das contas, irá destruir a revolução e provocar um incalculável sofrimento ao
povo cubano. 3. Tentar isolar Castro das influências comunistas a seu redor. Uma
campanha de imprensa poderia ser estimulada para expor os comunistas em posições
de importância. 4. Expor as atividades comunistas na imprensa de Cuba, dos EUA e do
mundo livre. 5. Fortalecer os elementos anticomunistas existentes em seus esforços
contra o comunismo. Alvos: governo; Forças Armadas; sindicatos; imprensa,
escritores, rádio e TV, partidos políticos e grupos de ação; Igreja; estudantes. (…). 12.
Expandir consideravelmente o programa de viagens de líderes [aos EUA] para fornecer
a eles uma imagem mais precisa sobre os EUA do que aquela retratada pelos
comunistas e seus simpatizantes (Despacho diplomático n. 1159, 14/04/1959).

Braddock foi o último oficial norte-americano a deixar a ilha caribenha em 1961, depois que o
governo cubano rompeu as relações diplomáticas com os Estados Unidos (The Washington Post,
30/11/1979). Possivelmente não foi por acaso que ele acabou sendo escolhido para chefiar o consulado
geral de São Paulo, no momento em que grupos de ação política, sobretudo empresariais, iniciavam
publicamente as suas atividades no Brasil. Sua atuação em Cuba, assim como sua experiência prévia no
Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial, devem ter contribuído para sua nomeação.
102

2.2 Os oficiais do Departamento de Estado em Washington

Os principais cargos executivos da administração Eisenhower foram ocupados por empresários


e representantes de interesses privados121. Boyle (2005, p. 17) explica que o presidente americano
defendia a “visão fundamentalmente conservadora de que a iniciativa privada e o livre mercado eram a
base da prosperidade nacional americana”. Sua filosofia pessoal refletiu-se na escolha de seus
principais assessores e também dos integrantes dos comitês de aconselhamento do presidente
relacionados a questões de inteligência e segurança nacional122. O Comitê Dootille, formado para
aconselhar o presidente sobre questões de inteligência e para monitorar as atividades clandestinas da
CIA, foi um dos maiores exemplos da marca empresarial e anticomunista do governo Eisenhower.
Além do líder do grupo James Doolittle, um oficial reformado da Aeronáutica, o comitê era integrado
por William D. Pawley123, amigo pessoal de Eisenhower, ex-embaixador no Peru e no Brasil no final
121 Por exemplo, George M. Humphrey, secretário do tesouro, foi presidente da Hanna Mining Corporation, empresa com
forte presença no Brasil e onde trabalhou por mais de trinta anos (KAPURIA-FOREMAN, 1996, p. 212). Charles E.
Wilson, CEO da General Motors, foi secretário de Defesa entre 1953-1957. Foi substituído por Neil H. McElroy, CEO da
Procter & Gamble. A proximidade de Eisenhower com empresários era também evidente em seu círculo mais íntimo de
amizades. O presidente americano gostava de passar férias e frequentar festas com um pequeno grupo de homens de
negócios autointitulado “A Gangue”. Entre os seus amigos estavam o proprietário do jornal New York Herald Tribune e
presidente da Coca Cola William E. Robinson, além de banqueiros, financistas e lobistas. “A Gangue costumava jogar
bridge e golfe e praticar tiro ao prato, e durante os churrascos preparados pelo presidente, ofereciam conselhos sobre
política e economia” (BESCHLOSS, 2014). Beschloss, um especialista em biografia de presidentes, afirma que Eisenhower
se afastou de seus amigos militares logo após o final da Segunda Guerra Mundial, tendo se tornado “suscetível aos encantos
da elite do poder financeiro” norte-americano (BESCHLOSS, 2014).
122 O magnata Nelson Rockefeller foi seu conselheiro sobre temas de segurança nacional por dois anos. Robert Cutler, o
principal de seus assessores, era um ex-militar que havia também trabalhado em um escritório de advocacia que defendia
interesses de empresas, além de ter sido presidente do Old Colony Trust, uma divisão do First National City Bank of Boston
(SHINKLE, 2018). John J. McCloy, conselheiro de Eisenhower, em 1953 fazia parte do conselho diretor do Council of
Foreign Relations, era diretor do Chase Manhattan Bank, e trustee da Fundação Rockefeller (GENDZIER, 2006, p. 150).
Vários dos comitês formados durante a administração Eisenhower eram integrados por empresários e indivíduos próximos a
interesses corporativos, como o Comitê Jackson (apresentado no capítulo anterior) e o President’s Foreign Intelligence
Advisory Board (PFIAB), criado por Eisenhower para supervisionar as atividades das agências de inteligência do governo
(ABSHER et all, 2010).
123 De acordo com um biógrafo, Pawley era “uma mistura de Indiana Jones com Donald Trump”, que “muito jovem havia
se tornado milionário, perdeu tudo, voltou a ficar milionário e seguiu acumulando riqueza considerável, ao mesmo tempo
em que servia como um influente conselheiro de todos os presidentes americanos, de Franklin D. Roosevelt a Richard
Nixon”. Pawley era um “conservador republicano ferrenho, que acreditava que os Estados Unidos estavam cedendo terreno
para o comunismo e estavam sendo arrebatados pela ‘onda do socialismo” (CARROZZA, 2012, p. 10). Ele foi um dos
grandes exemplos de fanatismo anticomunista, chegando ao ponto de testemunhar contra Spruille Braden, outro fervoroso
anticomunista, acusando-o de simpatizante do comunismo em uma comissão de investigação do Senado americano (Id., p.
128). Durante seu período como embaixador no Brasil, entre 1946 e 1948, Pawley estava muito preocupado com o
desmantelamento do serviço de inteligência do FBI (a ser apresentado no capítulo 3), que estava sendo transferido para a
recém criada CIA, escrevendo, em uma carta a J. Edgar Hoover (diretor do FBI), que ele “havia feito todo o possível”
enquanto estava em Washington “para a manutenção do serviço do FBI”. Pawley teria persuadido J. Edgar Hoover a manter
dois de seus agentes no Brasil com licença oficial de afastamento, que passaram a ser pagos “com dinheiro do próprio bolso
de Pawley” (Ibid., p. 139). Pawley era um “entusiasta das ações encobertas, intimamente ligado aos serviços de inteligência
103

dos anos 1940, e William B. Franke, secretário da Marinha e dono da firma de contabilidade Franke,
Hannon & Withey de New York (Biografia, US Navy). Em seu relatório final de 69 páginas, os
integrantes do comitê definiram com clareza a importância das atividades de inteligência para a defesa
dos interesses americanos:

Em função de os Estados Unidos ainda serem relativamente novos nessa área [da
inteligência], e porque nossos opositores são um Estado policial em que a disciplina
social e as medidas de segurança foram construídas e mantidas em alto nível por
muitos anos, as informações úteis que nós estamos obtendo ainda não correspondem às
nossas necessidades. Para que realmente corresponda aos objetivos da política
nacional, um importante requisito é que exista uma organização agressiva e efetiva
responsável por operações encobertas psicológicas, políticas e paramilitares mais
impiedosas do que aquelas feitas pelo inimigo. Não se deve permitir que ninguém
atrapalhe a consecução pronta, eficiente e segura desta missão. Para aplicar esta
política, atingindo os padrões mínimos de segurança nacional, e considerando a
conjuntura mundial, duas coisas devem ser feitas. Primeiro, as agências encarregadas
por lei pela coleta, avaliação e distribuição de inteligência devem ser fortalecidas e
coordenadas no maior grau possível. Esta é uma preocupação básica do NSC e deve
ser cumprida de acordo com as instruções de política nacional. (…). A segunda
consideração é menos tangível mas igualmente importante. Agora ficou claro que nós
estamos encarando um inimigo implacável cujo objetivo é a dominação mundial por
todos os meios e à qualquer custo. Não há regras nesse jogo. Normas até agora
aceitáveis de conduta humana não se aplicam mais. Se os Estados Unidos quiserem
sobreviver, os tradicionais conceitos norte-americanos de ‘jogo limpo’ (fair play)
devem ser reconsiderados. Nós devemos desenvolver uma efetiva espionagem e
contraespionagem e destruir nossos inimigos através de métodos mais engenhosos,
sofisticados e efetivos do que aqueles empregados contra nós. Pode ser necessário que
o povo norte-americano tenha de ser familiarizado com essa realidade, que entenda e
apoie essa filosofia fundamentalmente repugnante (Relatório final, 30/09/1954).

Herbert Hoover Jr. (1903-1969), sobre o qual existe pouca informação reunida, foi outro
importante membro da administração Eisenhower bastante identificado com interesses privados.
Subsecretário de Estado entre 1954 e 1957, ele era filho de Herbert C. Hoover, engenheiro de minas
que prestou serviço a várias companhias de petróleo britânicas e americanas e, mais tarde, tornou-se
presidente dos Estados Unidos (1929-1933). Hoover Jr. graduou-se em engenharia na Universidade de
Stanford, na Califórnia, em 1928. Trabalhou por dois anos como engenheiro de comunicações da
Western Air Express. Entre 1931 e 1934, exerceu a mesma função na Trans World Airlines. Durante

norte-americanos” (Ibid., p. 80). No final dos anos 1950, ele se envolveu em articulações oficiais e extraoficiais visando a
derrubada de Castro em Cuba.
104

esse período, desenvolveu equipamentos eletrônicos e de rádio para a descoberta de poços de petróleo.
Foi fundador da United Geophysical Company (UGC) na Califórnia, em 1935, uma companhia que
empregava mil trabalhadores e que faturava 7 milhões anualmente em contratos firmados com
governos de vários países. Entre 1940 e 1947, Hoover Jr. patenteou vários equipamentos de localização
de poços de petróleo (INGHAM, 1983, p. 615).
Em 1936, ele assumiu a presidência da Consolidated Engineering Corporation of California,
que se tornou uma importante empresa contratista do governo norte-americano durante a Segunda
Guerra Mundial, passando a fabricar instrumentos para medir trepidações em aeronaves e navios.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Hoover não só era presidente de duas grandes companhias e
diretor de várias outras, mas também prestava assessoria aos governos da Venezuela, Brasil, Chile, Peru
e outros países na área do petróleo. Em 1943, por exemplo, o presidente venezuelano Isaías Medina
Angarita contratou Hoover para assessorá-lo na negociação de contratos de petróleo com governos
estrangeiros. Hoover foi o responsável por modificar grande parte da legislação venezuelana
relacionada ao petróleo, que se tornou modelo para outros países nos anos seguintes. Em 1944, o xá do
Irã Mohammad Reza Pahlavi também contratou a empresa de Hoover para assessorá-lo nas
negociações de novas concessões de exploração de petróleo. Em 1952, ele foi o organizador de um
fundo secreto de campanha em apoio à candidatura de Richard Nixon à vice-presidência dos Estados
Unidos – Nixon viria a ter de explicar em rede nacional de rádio e televisão a origem dos recursos deste
fundo, em um episódio famoso que ficou conhecido como o Checkers speech (INGHAM, 1986, p.
615).
Hoover Jr. teve uma trajetória marcada também pela colaboração com o organismos de
inteligência do governo dos Estados Unidos, a começar pelo Special Intelligence Service (SIS) do FBI,
o serviço de inteligência do governo dos Estados Unidos no continente americano durante a Segunda
Guerra Mundial124. O SIS possuía Special Agents, funcionários de carreira do FBI que trabalhavam
124 De acordo com Batvinis (2014, p. 106-7), “a ideia de uma operação norte-americana de espionagem no exterior surgiu
no início de 1940 com um turbilhão de reuniões em Washington que se seguiram à invasão da França pela Alemanha,
quando oficiais subitamente ficaram preocupados com a potencial ameaça germânica e italiana aos governos latino-
americanos”. No início de junho de 1940, as outras agências de inteligência de guerra do governo americano e o FBI
chegaram a um acordo sobre “o escopo, atividades e jurisdição da coleta de informações americana no exterior”. Adolf
Berle, secretário adjunto de Estado, “encaminhou o assunto ao presidente, que expediu uma ordem verbal altamente secreta
criando o primeiro serviço norte-americano de espionagem no exterior, definindo as regiões do mundo que seriam de
responsabilidade da inteligência do Exército e do FBI”. A instrução de Roosevelt, de 24 de junho de 1940, atribuiu ao FBI
“a coleta de informações de inteligência no hemisfério ocidental a pedido do Departamento de Estado, com o Exército
sendo responsável pela Europa, África e a zona do Canal do Panamá e a Marinha cobrindo a região da Ásia e do Pacífico
Ocidental”. Assim, em julho de 1940, J. Edgar Hoover, diretor do FBI, criou o Special Intelligence Service (SIS), que
operou entre 1940 e 1947. De acordo com a história oficial do SIS produzida pelo FBI em 1947, o auge das operações do
serviço de inteligência foi atingido em outubro de 1943, quando operavam nas Américas 583 oficiais e mais 94 funcionários
105

junto às missões diplomáticas dos Estados Unidos, envolvidos com inúmeras atividades de
inteligência125. Mas também contava com “funcionários especiais” (Special Employees), “cidadãos
norte-americanos recrutados nos Estados Unidos que possuíam tino comercial e disposição para
colaborar com o FBI” (BATVINIS, 2014, p. 112).
De acordo com Batvinis, os Special Employees eram contratados para viajar pela América
Latina com seus nomes verdadeiros e como representantes das empresas a que estavam realmente
associados. Sua função era localizar potenciais informantes (sources) e colocá-los em contato com os
Special Agents. Hoover Jr. foi um Special Employee do SIS: a demanda pelos avançados métodos
sismográficos de exploração geofísica fornecidos pela empresa que ele presidia, a United Geophisical
Company (UGC), para localização de novos depósitos minerais e de petróleo na América Latina,
fornecia uma excelente fachada para os agentes secretos. Além disso, “o nome Herbert Hoover”
garantia “credibilidade instantânea” (BATVINIS, 2014, p. 112-3). Durante a guerra, Hoover Jr.,
conforme Batvinis, disponibilizou para uso do FBI “a sua enorme propriedade próxima a Los Angeles,
repleta de antenas de rádio”. Ele teria recebido uma licença para outra estação de rádio em Washington,
DC, “que também se revelou útil para o FBI”.126

em Washington em funções administrativas – sem contar os inúmeros informantes que colaboravam com o SIS (FBI, 1947).
125 Os principais Special Agents recebiam o título diplomático oficial de “Legal Attaché”, para esconder sua real
vinculação com o FBI e manter em sigilo as suas reais atribuições como oficiais de inteligência. As missões desses agentes
incluíam monitoramento das atividades políticas dos países do Eixo na região, assim como dos interesses comerciais de
empresas alemãs e italianas, coleta de informações sobre governos, grupos políticos e indivíduos locais, treinamento das
polícias locais (para o qual foram designados agentes de ligação específicos do FBI com as polícias da região), estudos
sobre os recursos minerais, atividades de contrainteligência e contraespionagem, recrutamento de informantes e agentes, etc.
De acordo com o estudo feito pelo FBI, em 1943 havia 349 “Special Agents atuando no exterior, todos trabalhando sob a
cobertura do Departamento de Estado” (FBI, 1947). Voltaremos a abordar o SIS/FBI nos capítulos três e quatro.
126 A vinculação de Hoover Jr. com as atividades do SIS/FBI não aparece em nenhum dos materiais publicados pelo FBI e
outras fontes primárias e secundárias consultadas para esta pesquisa. Em entrevista com o autor desta tese, Raymond J.
Batvinis esclareceu que “um amigo que trabalhou para o SIS em Buenos Aires e na Cidade do México” repassou a ele “uma
das poucas cópias (quase) completas de uma lista de homens e mulheres que serviram como oficiais e informantes do
SIS/FBI”. Ainda segundo esclarecimento de Batvinis, “a lista também apresenta os números identificadores que o SIS
atribuía a esses agentes e informantes, e em muitos casos os seus encargos na América Latina, com seus respectivos
períodos de serviço”. “Esta lista”, completou, “claramente identifica Herbert Hoover, Jr. enquanto um membro do SIS, com
um número SIS próprio”. Em contato por e-mail, Batvinis também descreveu o perfil de Hoover Jr.: “o jovem Hoover Jr.
tinha um grande interesse em comunicações de rádio, e mais tarde ele se formou na universidade com o título de engenheiro
de minas, o que o tornou útil para o programa SIS/FBI. Ele tinha extensas conexões empresariais na América Latina na área
de escavações de recursos naturais e inventou novas tecnologias para localização de importantes minerais que anteriormente
não era possível localizar. O FBI se aproximou de Hoover Jr. para que este fornecesse uma fachada para os agentes do FBI
que precisavam ter acesso à regiões remotas da América Latina sem levantar suspeitas, e a empresa de Hoover, assim como
o nome ‘Herbert Hoover’, forneceu um excelente escudo. Eu não tenho evidências específicas, mas sem dúvida Hoover
repassou seus contatos com líderes políticos e empresários latino-americanos para o FBI no cumprimento de sua missão
pelo SIS” (Entrevista, 01/11/2018 e 08/11/2018). Batvinis é PhD em História pela Catholic University of America (2002),
professor do Institute of World Politics de Washington, D.C. e professor visitante da George Washington University da
mesma cidade. Ele trabalhou por 30 anos como Special Agent do FBI em questões de contrainteligência e contraterrorismo,
e dirigiu cursos no FBI sobre o tema após a sua aposentadoria, no início dos anos 2000. Também administra um site focado
em estudos sobre o FBI (https://fbistudies.com).
106

A empresa de Hoover Jr. prestou serviços ao governo Vargas sobre questões de petróleo. Em
1940, o periódico O Jornal (07/03/1940) noticiou que o Conselho Nacional de Petróleo (CNP) havia
acabado de assinar um contrato com a UGC, “grande organização americana dirigida por Herbert
Hoover Jr. e possuidora de um dos melhores aparelhos técnicos do mundo para a localização científica
de terrenos petrolíferos”. Em julho daquele ano, Hoover Jr. veio ao Brasil para supervisionar o início
dos estudos de prospecção de petróleo na região do recôncavo baiano. Quando questionado por um
repórter do Correio da Manhã (03/07/1940) se ele também viria tratar sobre assuntos de natureza
política, ele respondeu: “o político é meu pai, não eu”.
Embora não tenham sido encontradas informações sobre como Hoover Jr. operava enquanto
agente do SIS/FBI, algumas fontes norte-americanas apresentam indícios sobre o modo como ele
estava atuando para tentar influenciar a política brasileira com relação ao petróleo, obtendo lucros
particulares e, ao mesmo tempo, colaborando na consolidação de interesses estatal-privados norte-
americanos. Em fevereiro de 1941, ele sugeriu ao Office of the Coordinator of Inter-American Affairs
(OCIAA – cujo trabalho será analisado no capítulo quatro), que o presidente do CNP, general Júlio
Caetano Horta Barbosa127, fosse convidado para fazer uma viagem aos Estados Unidos (Carta,
07/05/1942). Em agosto de 1941, o OCIAA foi informado de que o departamento de vendas no exterior
da Standard Oil tinha encaminhado à sua filial no Brasil um telegrama em que afirmava ter sido
“informada confidencialmente” sobre a possível visita do general Horta Barbosa àquele país. De acordo
com o telegrama, o propósito dessa visita era “discutir previsões de suprimento e necessidade de
racionamento”, mas também se esperava que o general, ao observar as conquistas da indústria do
petróleo nos Estados, se tornasse “mais favorável ao desenvolvimento de contratos no Brasil com
companhias estrangeiras” (Telegrama, 21/08/1941).
A sugestão da visita aos Estados Unidos havia sido aprovada, mas com a ressalva de que o
convite oficial ao general brasileiro não poderia partir de Hoover Jr., “que estava tentando obter um
contrato de exploração para a sua empresa com a aprovação do Conselho Nacional de Petróleo”. A
melhor estratégia seria que o convite fosse feito oficialmente pelo American Petroleum Institute e pelo
coordenador de assuntos sobre petróleo do Departamento de Estado (Carta, 07/05/1942). De acordo
com um relatório produzido pelo OCIAA, a visita do general Barbosa aos Estados Unidos ocorreu em
julho de 1942. Foi organizada pelo departamento comercial e financeiro do Departamento de Estado.
Acompanhado por Hoover Jr., o general brasileiro visitou representantes de empresas petrolíferas em

127 Para uma biografia de Horta Barbosa e informações sobre o Conselho Nacional de Petróleo, conferir Verbete
biográfico, DHBB.
107

Nova York, na Filadélfia e em Houston. Ele também se reuniu com representantes do governo em
Washington e Nova York. Durante toda a sua estadia nos Estados Unidos, Barbosa Horta foi
acompanhado pelo adido para questões de petróleo da embaixada do Rio de Janeiro. O relatório do
OCIAA observava que, embora não tivesse sido realizada nenhuma tratativa oficial com o presidente
do CNP, provavelmente “acordos sobre petróleo [seriam feitos] no futuro próximo pelo governo
brasileiro”. Considerava-se que a viagem do general Barbosa viria a ter “uma relação direta com esses
acordos” (Relatório, “Project Progress Report”, s/d).
Logo após a Segunda Guerra Mundial, Hoover Jr. manteve intensa atividade política em defesa
de interesses privados, executada sempre de modo discreto e sigiloso, com apoio do governo norte-
americano e de parte das elites locais dos países onde atuou. Em 1947, seu nome foi sugerido por Allan
Dawson, do Departamento de Estado, ao embaixador dos Estados Unidos no Brasil, William D.
Pawley, para fornecer assessoria aos brasileiros envolvidos na elaboração de uma legislação sobre o
petróleo128. Segundo Dawson, o Departamento de Estado entendia que o melhor recurso para “elaborar
uma legislação adequada” (sound petroleum legislation) era empregar um escritório ou indivíduo com
experiência, para “atuar como consultor dos brasileiros” implicados no trabalho, limitando a atuação da
embaixada a contatos informais129.
Dawson comentou com Pawley que, por experiência própria, sabia que os serviços de Arthur
“Duke” Curtice e “Herb” Hoover, Jr. tinham sido inestimáveis na Venezuela, onde ajudaram a elaborar
uma legislação que foi satisfatória tanto para o governo venezuelano quanto para o conjunto de
empresas petrolíferas que operavam naquele país (Carta, 25/02/1947) 130. No Brasil, contudo, Curtice e
Hoover encontrariam maiores dificuldades. Em junho de 1947, depois de ler uma cópia do projeto de
lei elaborado pelo comitê131, Hoover Jr. informou confidencialmente à embaixada norte-americana que
não tinha condições de trabalhar com o texto na forma em que ele se encontrava. Na sua opinião,
128 A exploração do petróleo foi um dos temas debatidos pela Assembleia Nacional Constituinte, em 1946. A Constituição
promulgada naquele ano “admitia a participação de capitais privados estrangeiros, desde que integrados em empresas
constituídas no Brasil”. Em fevereiro de 1947, o presidente Eurico Gaspar Dutra “designou uma comissão encarregada de
rever as leis existentes à luz da nova norma constitucional” e “determinar as diretrizes para a exploração do petróleo,
produto cujo consumo crescia rapidamente no país” (“Petrobras 50 Anos”, CPDOC-FGV, 2003). A comissão era presidida
por Odilon Braga. Dela também faziam parte o coronel Artur Levi, representante do Estado-Maior do Exército no Conselho
Nacional do Petróleo, e os engenheiros Glycon de Paiva, Avelino Inácio de Oliveira, Antônio José Alves de Sousa e Rui de
Lima e Silva. Seu trabalho resultou no anteprojeto do Estatuto do Petróleo, enviado ao Congresso em 1948 (BRAGA,
verbete biográfico, DHBB).
129 Dawson comentou que a embaixada poderia exercer “alguma influência, discretamente” e ainda deixar em aberto a
possibilidade para que o Departamento de Estado, e ela própria, viessem a adotar uma posição formal, caso o resultado da
elaboração da lei não saísse como esperado (the Embassy can exercise some influence discreetly and still leave the way
open for the Department and itself to take a formal position should the drafting turn out badly) (Carta, 25/02/1947).
130 Além de atuarem na Venezuela (Telegrama, 02/12/1942), Hoover e Curtice também assessoraram os governos do Irã
(Telegrama, 20/05/1944) e Peru (Ofício, 10/12/1948).
108

nenhuma empresa norte-americana estaria disposta a operar sob tal legislação. Ela seria “inocente” em
muitas de suas provisões, indicando que seus autores não tinham informação sobre as políticas,
economia e métodos de operação da indústria de petróleo, e não estaria seguindo o “padrão de outras
legislações latino-americanas”. Hoover Jr. afirmou esperar que o projeto pudesse ser revisado e
considerava que ele e Curtice precisariam de cerca de duas semanas para completar seu estudo e
preparar um relatório para os brasileiros a quem estavam assessorando (Ofício, 26/06/1947).
O trabalho acabou se estendendo por seis semanas. Nesse intervalo, Hoover e Curtice
“renovaram velhos contatos”. Depois de passar um mês analisando o projeto inicial, eles elaboraram
um memorando de cem páginas, com sugestões de alterações, que seriam submetidas ao presidente do
Conselho Nacional do Petróleo, general João Carlos Barreto 132. Na opinião de Curtice, expressa a Allan
Dawson em uma reunião no Departamento de Estado, para que o Brasil aprovasse uma “legislação
satisfatória” com relação ao petróleo, seria necessário convencer os líderes do exército (general Góes
Monteiro, general Obino e “cinco ou seis outros”) que eram nacionalistas. Curtice achava que esse
trabalho não poderia ser feito pelo embaixador. Ele acreditava que apenas alguém como o secretário de
Estado, George Marshall, ou o secretário da Marinha, James Forrestal133, nos quais os generais
brasileiros tinha completa confiança e cujo prestígio respeitariam, poderia convencê-los de que não
poderiam realizar a exploração do petróleo sem o conhecimento técnico de empresas estrangeiras
(Memorando, 21/08/1947)134.
Poucos anos mais tarde, no governo Eisenhower, Hoover Jr. foi designado assessor especial
sobre assuntos internacionais de petróleo pelo secretário de Estado John Foster Dulles. Em agosto de
1953, logo após o golpe que derrubou o primeiro-ministro Mossadegh do Irã, ele se dirigiu àquele país
como enviado especial do governo norte-americano para dirimir os conflitos entre a Anglo-Iranian Oil
Company (AIOC, que detinha o monopólio da exploração do mineral na região) e o governo iraniano.

131 O presidente da comissão, Odilon Braga, enviou cópia do projeto para Daniel de Carvalho, do Comitê de Planejamento
Industrial do presidente Dutra, que logo a repassou a Hoover e Curtice, “conselheiros do comitê”. Seu conteúdo não teria
sido tornado público e nenhuma cópia teria sido repassada às companhias norte-americanas ou à embaixada dos Estados
Unidos (Ofício, 26/06/ 1947). Daniel de Carvalho era também ministro da Agricultura e acionista da Companhia Nacional
de Gás Esso, subsidiária da Standard Oil no Brasil (verbete biográfico, DHBB).
132 O relatório foi entregue a Daniel de Carvalho, do Comitê de Planejamento Industrial, que o repassaria ao comitê.
Apesar de as sugestões feitas por Hoover e Curtice terem sido bem recebidas por Carvalho, ele explicou que não tinha
autonomia para tomar decisões em relação à questão do petróleo e a questão seria submetida ao general Barreto
(Memorando, 21/08/1947).
133 Forrestal, que logo se tornaria secretário da Defesa, naquele momento estava no Brasil, chefiando a delegação dos
Estados Unidos à Conferência do Rio de Janeiro (Inter-American Conference for the Maintenance of Continental Peace and
Security) (Memorando, 21/08/1947).
134 O projeto (“Estatuto do Petróleo”) que acabou sendo encaminhado ao Congresso pelo governo Dutra em 1948, acabou
não sendo aprovado. Não sabemos o quanto ele teria assimilado a tentativa de influência feita por Hoover Jr. e Curtice.
109

Para cumprir suas funções, Hoover Jr. recebeu um “mandato abrangente” que lhe permitia “inclusive
encontrar meios de prover apoio financeiro ao xá" (PETERSEN, 2000, p. 29). Sua participação nessas
negociações foi considerada importante para os interesses norte-americanos na região. Segundo as
memórias de Kermit Roosevelt, operativo da CIA em Teerã durante o golpe que depôs Mossadegh em
1953, seu amigo Hoover Jr. esteve "profundamente envolvido" com a questão iraniana (ROOSEVELT,
1979, p. 48). Conforme Petersen (2000, p. 24),

Hoover foi capaz de estabelecer um acordo entre as grandes companhias de petróleo


que operavam no Oriente Médio para que diminuíssem a produção e abrissem espaço
para o petróleo iraniano, prevenindo uma guerra de preços e perda de fatias de
mercado. (...). Hoover estabeleceu um consórcio de companhias de petróleo para
substituir a AIOC. No novo consórcio, as companhias americanas Exxon, Mobil,
Texaco and Gulf receberam 40% da nova divisão (...). Para conquistar a participação de
companhias americanas de petróleo no novo consórcio, a administração [Eisenhower]
garantiu imunidade às empresas em relação a ações judiciais antitruste .135

De acordo com Gendzier (2006, p. 150), o governo Eisenhower estava sujeito à influência das
empresas petroleiras em razão da existência de uma “efetiva integração entre os interesses corporativos
e políticos”:

Na administração Eisenhower, o influente Business Advisory Council (BAC)136, cujas


origens estavam relacionadas ao New Deal, era integrado por representantes da
Standard Oil of California e pela Standard Oil of New Jersey. Em 1953, o vice-diretor
do BAC, Eugene Holman, era presidente da Standard Oil of New Jersey. Sete dos
consultores do NSC em 1953 incluíam diretores da Standard Oil (New Jersey),
Monsanto Chemical, Pacific Gas and Electric, relacionada com a Standard Oil of
California e dirigida por James B. Black, um diretor da Shell. O OCB, que monitorava
as políticas do NSC através de grupos interagências e o uso de fundos secretos,
representava alguns destes mesmos interesses. Em 1953, Herbert Hoover, Jr., Robert
Anderson e Nelson Rockefeller já serviam no OCB.137
135 A intervenção de Hoover no Irã, apoiada pelo Departamento de Estado, obrigou a companhia britânica de petróleo a
"aceitar um papel menor", restando-lhe a fatia de 50% (ETGES, 2013, p. 64).
136 O BAC era um órgão de assessoria sobre questões econômicas vinculado ao Departamento de Comércio dos Estados
Unidos, criado em 1933 pelo presidente Roosevelt.
137 Ainda conforme Gendzier (2006, p. 150), “John Foster Dulles (...) foi membro da Sullivan and Cromwell, a prestigiosa
firma de advocacia à qual seu irmão Allen Welsh Dulles também pertenceu. Entre os seus maiores clientes estava a Standard
Oil of New Jersey. Antes de sua designação como secretário de Estado, Dulles foi presidente do conselho da Carnegie
Endowment for International Peace e da Fundação Rockefeller (...). Robert Anderson foi secretário da Marinha (1953-
1954), secretário adjunto de defesa (1954-1955) e secretário do tesouro (1957-1960). Com um histórico de trabalho na área
110

Hoover foi designado subsecretário de Estado em outubro de 1954, permanecendo no cargo até
fevereiro de 1957. Nesse período, por diversas vezes ele assumiu o cargo de secretário de Estado em
exercício, em função dos afastamentos de John Foster Dulles para tratamentos de saúde. Uma de suas
funções enquanto subsecretário de Estado era presidir as sessões do OCB. Não foi possível encontrar
muitas evidências sobre a atuação de Hoover Jr. no OCB, a não ser aquelas apresentadas no capítulo
anterior. Essa ausência de informações sobre as atividades de Hoover, em comparação com as de outros
agentes do Departamento de Estado, pode ser explicada, em parte, por seu perfil discreto, com atuação
sempre feita nos bastidores138. Chega a ser irônico que Wayne Jackson, assistente do diretor da CIA
Allen Dulles, tenha reclamado que Hoover Jr. tinha uma inclinação a tratar de temas importantes em
segredo. Referindo-se ao papel do subsecretário de Estado como líder do OCB, Jackson reclamava que
“cooperação e trabalho em grupo não eram o estilo de Hoover Jr.” (Estudo histórico, 1973, p. 30).
Outro membro da administração Eisenhower vinculado à defesa de interesses de empresas de
petróleo norte-americanas era Henry Finch Holland (1912-1962), que foi secretário de Estado adjunto
de assuntos interamericanos entre 1954 e 1956, a quem já nos referimos no capítulo anterior. Nascido
em Brownsville, estado do Texas, uma cidade na fronteira com o México, com uma forte cultura
hispânica, Holland “cresceu em uma família que passava por privações”. Seu pai, era “um advogado
sem grande expressão profissional” (Entrevista com Bill Holland, 2018) . Em 1929, Henry Holland
completou sua formação secundária na Sewanee Military Academy, no estado do Tennessee. Em 1936,
formou-se em Direito na University of Texas School of Law, passando a atuar como advogado em San
Antonio, Texas (The Houston Post, 09/08/1954). Durante a Segunda Guerra, ingressou no
Departamento de Estado como Foreign Service Auxiliary, uma carreira criada durante aquele conflito,
para aumentar a quantidade de servidores nas missões diplomáticas dos Estados Unidos. Ele trabalhou
na embaixada da Cidade do México, desempenhando funções de assessor em questões econômicas e
trabalhistas. Durante seu período na capital mexicana, Holland aperfeiçoou seu conhecimento da língua
espanhola, tornando-se fluente no idioma. Logo após a guerra, ele voltou para Houston, iniciando uma
carreira de sucesso no escritório de advocacia Baker, Botts, Andrews and Shepherd, uma das maiores
firmas norte-americanas do ramo. A sua insistência para que o escritório abrisse uma filial na Cidade do
do petróleo e das finanças, Anderson havia sido conselheiro e gerente da W.T. Waggoner Estate of Texas, presidente da Mid-
Continent Oil and Gas Association, membro do BAC (1956-1960) e trustee do Committee on Economic Development
(CED), entre 1956 e 1957, e além de outras funções corporativas era membro do conselho da empresa de Rockefeller
American Overseas Investing Co., do Hanover Bank of New York e da Missouri-Pacific Railroad. Ele também foi membro
do National Petroleum Council e diretor do American Petroleum Institute”.
138 Na Hoover Institution, entidade que leva o nome de seu pai, ex-presidente dos Estados Unidos, a coleção de
documentos pessoais de Hoover Jr. se resume a uma única caixa, com documentos que pouco ajudam a entender a sua real
importância na política americana.
111

México foi atendida. Em 1947 ele voltou à capital mexicana, onde “utilizou suas conexões locais para
facilitar o trabalho da nova firma” (DELAZAY e GARTHS, 2002, p. 49).
A experiência de Holland no México deu início a uma carreira fortemente marcada pela defesa
de interesses de empresas privadas. O escritório no qual trabalhava foi considerado um dos grandes
exemplos de “intermediários entre as empresas multinacionais e o Estado”, responsável por “estender e
desenvolver o mercado nas técnicas e conhecimentos especializados sobre direito empresarial” e
representar uma “aliança entre o capital social da América Latina e o capital jurídico do Norte”
(DELAZAY e GARTHS, p. 88). Holland passou a dirigir as atividades do escritório voltadas para a
América Latina. No México, ele teve como sócios dois advogados mexicanos que haviam estudado em
Harvard: Fausto R. Miranda e Eduardo Prieto López. Em pouco tempo, os três jovens profissionais
“rapidamente desenvolveram uma bem-sucedida prática advocatícia com empresas da área de
mineração, petróleo, alimentos e equipamentos agrícolas”:

Seu mais importante trabalho foi ajudar a estabelecer joint ventures entre
multinacionais dos Estados Unidos e interesses mexicanos. A Nabisco se uniu à
Famosa, uma companhia mexicana. A Union Carbide Mexicana assimilou companhias
mexicanas, vendendo ações ao público mexicano (...). A Kimberly-Clark de México
seguiu o mesmo caminho, assim como a John Deere e a Monsanto. Em todas essas
iniciativas os advogados (...) auxiliaram as companhias a adaptarem-se às leis
mexicanas e a cumprir as leis locais de investimentos estrangeiros (LIPARTITO e
PRATT, 1991 , p. 197-8).

Em 1953, Holland recusou o convite que lhe havia sido feito para assumir o cargo de secretário
de Estado adjunto de assuntos interamericanos, considerando-se inexperiente para assumir a tarefa, de
acordo com seu depoimento à revista Time Life. Mas, no início de janeiro de 1954, ele teria recebido
uma carta do presidente Eisenhower insistindo para que ele aceitasse a nomeação, “com o
entendimento de que permaneceria dois anos e depois voltaria à advocacia” (Time Life en español,
25/02/1957). Ele foi, finalmente, empossado em fevereiro de 1954, quando tinha 33 anos de idade, a
duas semanas do início da Conferência de Caracas. Um ano após deixar o cargo de secretário adjunto,
Holland fazia uma avaliação positiva da política do governo Eisenhower em relação à América Latina:
112

Quando Eisenhower tomou posse, ele estava disposto a adotar uma nova abordagem
para nossas relações com nossas repúblicas irmãs, a fim de assegurar que essas
relações, por mais cordiais que fossem, não ficassem à deriva. O presidente queria
prever os problemas e resolvê-los antes que eles se agravassem demais. (...).
Característico de sua personalidade foi o primeiro passo que deu o presidente: solicitou
que fosse feito um estudo completo das relações interamericanas, o primeiro exame
integral de nossas relações com o resto do hemisfério que havia sido realizado até
então. (...). Vislumbramos uma união mais estreita do que aquela que existia até então
(...), uma união que fosse além do conceito sadio de boa vizinhança. (...).
Vislumbramos uma comunidade com uma segurança interna garantida por um sistema
que assegurasse a solução pacífica das disputas que surgissem entre seus membros
dinâmicos e progressistas. (...). Já havia passado a época, se é que alguma vez existiu,
em que um Estado americano podia ignorar os problemas que afetavam o bem-estar de
qualquer outro Estado do continente. Este é o conceito de bom sócio. (...). Durante o
governo de Eisenhower se conservou e se aperfeiçoou a estrutura do sistema
interamericano de defesa que basicamente já era bom. A América está hoje mais segura
porque nos últimos quatro anos nossos governos tomaram medidas positivas para
reduzir a atividade soviética no hemisfério (Time Life en español, 25/02/1957. Itálicos
meus).

Enquanto exerceu o cargo de secretário de Estado adjunto, Holland foi um firme opositor da
utilização de empréstimos de governo a governo como meio de promoção do desenvolvimento
econômico. Ele acreditava que a solução para a estabilidade econômica da América Latina era o
incremento do comércio com os Estados Unidos e dos investimentos privados, os quais ele julgava
serem a melhor fonte de capital para a região. Para Holland, promoção da iniciativa privada e
anticomunismo eram dois elementos indissociáveis e indispensáveis à política norte-americana para a
América Latina. Ele considerava que esta política era necessária especialmente para os maiores países
da América do Sul, no caso, Argentina, Brasil e Chile. Em julho de 1956, ele entendia que os Estados
Unidos estavam vivendo uma fase decisiva na relação com estes países:

Este é um período extremamente importante de nossas relações com estes três países.
O curso das nossas relações nos próximos meses irá modelar consideravelmente as
nossas relações futuras não apenas com estes três países, mas com toda a América
Latina. (...). Se a Argentina, o Brasil e o Chile seguirem um linha anticomunista, pró-
Estados Unidos e pró-iniciativa privada, então a estabilidade da América Latina estará
garantida. Por outro lado, se um desses países se desviar deste caminho, então
poderemos enfrentar uma calamidade na região. (...). A Argentina aderiu à resolução
anticomunista desde que o novo governo assumiu o poder no país. Aderiu também ao
Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial. Estabeleceu um mecanismo
efetivo e íntimo de ligação conosco no combate ao comunismo. A nova administração
de Kubitschek e Goulart era vista com reservas, mas vários fatores (...) contribuíram
113

para deixar o cenário bem diferente daquilo que temíamos. (...). A situação no Chile é
menos crucial, mas extremamente importante. (...). Há uma chance de que o Chile
possa se tornar o exemplo de autodisciplina e iniciativa privada exitosas alcançados
pela Venezuela e Peru no passado (Memorando, 11/07/1956).

Um episódio marcante na trajetória de Henry Holland foi a sua oposição à intervenção dos
Estados Unidos na Guatemala, em 1954, mencionada em muitas narrativas sobre o golpe contra o
governo de Árbenz139. Mas a análise de sua trajetória indica que essa oposição não ocorreu em função
de uma crítica à interferência dos Estados Unidos nos assuntos internos de outros países, ou por uma
discordância com relação à percepção de que Árbenz representaria um perigo para a região. Sua
oposição à derrubada do presidente guatemalteco se deveu muito mais a sua preocupação com as
repercussões negativas de uma possível exposição do papel do governo dos Estados Unidos na
promoção do golpe.
Assim, sua crítica era dirigida aos meios empregados. Mas Holland concordava com os
objetivos da intervenção. Ele defendia a busca por aliados nas elites locais latino-americanas, sobretudo
empresários e outros indivíduos influentes, para tornar mais efetiva – e menos aparente – a ação do
governo norte-americano, acreditando que isso garantiria resultados mais duradouros 140. As frequentes
visitas que realizava a diversos países da América Latina desde a década de 1940 tinham ensinado a
Holland os limites das ações baseadas apenas em chantagens políticas e coerção explícita. Negociar era
a rotina de Holland e, nessa tarefa, nada poderia ser mais contraproducente do que a arrogância.
Tal como outros estrategistas norte-americanos, Holland demonstrou consciência do papel que
os Estados Unidos deveriam cumprir em um cenário de transformações sociais na América Latina. Em
um artigo escrito em 1961, ele argumentava que as massas latino-americanas seriam decisivas para o
139 O planejamento e a execução do golpe contra o presidente guatemalteco foram liderados pelo escritório central da CIA,
e não pelo setor que, a princípio, deveria ser o responsável por isso, ou seja, a Divisão de Hemisfério Ocidental ( Western
Hemisphere Division, WH na sigla em inglês). A maior parte dos autores costuma apenas citar que o diretor desta divisão, o
coronel J. C. King, não liderou o processo em função de divergências com o coronel Haney, que viria a comandar a
operação, e que Henry Holland se opunha à intervenção. Como exemplos disso, GROSE (1994), ROSITZKE (1977),
SMITH (1976) e HERSH (2000).
140 Segundo depoimento de Robert F. Woodward, que era então o vice secretário de Estado adjunto de assuntos
interamericanos, Holland telefonou para ele no final de março de 1954 dizendo que, ao tomar conhecimento de “uma
conspiração sendo desenvolvida pela CIA para derrubar o governo de Árbenz na Guatemala”, avisou a John F. Dulles que
estava considerando pedir demissão de seu cargo como secretário adjunto, pois ele não tinha assumido aquela posição “para
lidar desse jeito com as relações com a América Latina”. Woodward teria dissuadido Holland, argumentando que ele deveria
tentar “persuadir o Secretário de Estado a resolver a situação de Árbenz de alguma outra maneira que não fosse um ataque
militar patrocinado pela CIA”. Dulles teria dado um ano para que Holland “resolvesse o problema”. Holland realizou uma
série de encontros com diplomatas latino-americanos em Washington e em países da América Central, buscando construir
uma base local de apoio à intervenção no país. Mas o golpe acabou se consumando em junho de 1954, frustrando as
tentativas de Holland de “resolver o problema” da Guatemala (Entrevista, 05/05/1987).
114

“mais urgente objetivo norte-americano – ganhar a Guerra Fria”. Porém, ele reconhecia que os
benefícios do sistema de livre empresa e de governo representativo haviam sido negados às massas,
criando a “sensação de que a satisfação de suas aspirações viria apenas através de uma mudança na
ordem estabelecida, no ‘sistema’”. Holland também reconhecia os limites da ação do governo norte-
americano na região, cuja propaganda em defesa da iniciativa privada, na sua opinião, não se mostrava
suficiente. Por isso, ele defendia a necessidade urgente de mudanças na imagem da empresa privada,
uma iniciativa que deveria ser liderada pelas elites empresariais norte-americanas na região, para
“educar as massas e convencê-las de que, na América Latina, o sistema de livre empresa evoluiu para
um estágio diferente, oferecendo melhores perspectivas de satisfação de suas aspirações comparadas ao
comunismo” (Paper, Henry Holland, abril de 1961)141.
O envolvimento de Holland com a iniciativa privada gerou acusações de que ele estaria
utilizando os contatos feitos durante seu período no Departamento de Estado em benefício próprio. A
polêmica se tornou pública quando, em janeiro de 1960, o jornal New York Post publicou uma notícia
sobre o tema (New York Post, 03/01/1960). Mas as críticas a Holland não se resumiram àquelas
veiculadas pela imprensa norte-americana. No Departamento de Estado, o questionamento sobre a
atuação de Holland motivou críticas de John M. Cabot. Em uma carta dirigida a seu irmão Thomas,
John Cabot manifestou suas reservas com relação ao advogado texano:

Estou cada vez mais incomodado com o que eu creio ser a relação da operação
TB&C142 na Argentina com Henry Holland. Eu nunca gostei particularmente da
maneira pela qual Henry, imediatamente após deixar o cargo de secretário adjunto,
buscou oportunidades de negócios a partir de contatos que ele fez enquanto oficial de
governo. Suas atividades na Venezuela parecem ter sido interrompidas pela queda de
Perez Jimenez. Eu sigo recebendo indicações que sugerem que as suas atividades na
Argentina provavelmente irão provocar um aumento das críticas públicas nos Estados
Unidos. Eu penso que, diante disso, se nós temos atualmente qualquer relação com
Henry, seria melhor tomarmos cuidado para garantir que isto não venha à público
(Carta, John M. Cabot para Thomas D. Cabot, 11/02/1960).

Segundo o relato de Milton Eisenhower, irmão do presidente dos Estados Unidos, Holland tinha
ajudado a delinear, na segunda metade de 1956, um plano para reformular a política norte-americana

141 Segundo cartas de Holland a empresários norte-americanos anexas ao seu paper, ele foi publicado em uma revista do
Committee on Economic Development (CED).
142 Não foi possível determinar o sentido desta sigla.
115

para a América Latina, com o fortalecimento da Organização dos Estados Americanos (OEA), entre
outras medidas. Quando Holland “subitamente pediu demissão do cargo em setembro de 1956”, Milton
ficou “frustrado”: “ele [Holland] estava em contato com todos os nossos embaixadores em todos os
países da região e estava melhor preparado do que nenhum outro para a tarefa” de aplicar a nova
política norte-americana para o subcontinente. O irmão do presidente Eisenhower esclareceu o motivo
do pedido do afastamento de Holland: “ele simplesmente não podia mais bancar financeiramente a sua
permanência no governo”. Ainda assim, a pedido de Milton, Holland continuaria oferecendo conselhos
sobre questões latino-americanas – “mas ele não tinha mais uma voz influente sobre estes temas” no
governo (EISENHOWER, 1963, p. 204).
Alguns meses antes de sua renúncia, Holland tinha entrado em contato com seu amigo de longa
data, Roy Richard Rubottom, convidando-o para ser o seu vice-secretário adjunto. Rubottom aceitou o
convite e, com o afastamento de Holland, assumiu interinamente o cargo de secretário de Estado
adjunto de assuntos interamericanos, a partir de setembro de 1956, uma situação que se prolongou por
9 meses, até ser empossado oficialmente na função. Rubottom permaneceu no cargo até abril de 1960,
quando foi designado embaixador dos Estados Unidos na Argentina.
Rubottom (1912-2010) nasceu na mesma cidade que Holland (Bronwnsville, Texas), em uma
família de origem modesta, que administrava uma pensão na casa onde viviam. Desde a adolescência,
teve aulas de espanhol. Aos 20 anos, graduou-se na Arnold School of Government da Southern
Methodist University em Dallas, Texas, com estudos voltados para a área de América Latina. Para
pagar seus estudos, ele trabalhou em um cinema da cidade, vendendo ingressos, pipocas, doces e
desempenhando funções de lanterninha. Logo após a sua graduação, ele trabalhou como fiscal de
sinalização da rede ferroviária do oeste do Texas. Mas, um ano depois, voltou à academia, ingressando
em uma fraternidade da Southern Methodist University, da qual em pouco tempo passou a ser o
presidente e que o contratou para ser o editor do jornal estudantil da universidade. “Eu estava quebrado,
não tinha dinheiro pra nada”, contou Rubottom em seu livro de memórias. Mas as coisas melhoraram
quando ele recebeu uma bolsa de mestrado para estudar questões latino-americanas, passando a ganhar
1.100 dólares anuais, somando-se a bolsa de mestrado e a remuneração de editor do jornal. “Possuir o
título de mestre com 21 anos de idade abriu muitas portas para mim”, relembrou Rubottom. Aos 23
anos de idade, passou a ser vendedor de fornos domésticos. Um ano depois, vendia equipamentos de
prospecção de petróleo para uma companhia texana. Aos 25 anos, foi contratado como assistente do
116

decano da faculdade onde ele havia se formado, ingressando no programa de doutorado seis meses
depois (RUBOTTOM, 2011, p. 12-24).
Em agosto de 1941, Rubottom ingressou na carreira militar, vinculado ao setor de inteligência
da Marinha. Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, em dezembro de 1941, ele foi enviado ao sul
do México, onde trabalhou com o abastecimento de água, mantimentos e combustível de navios
americanos que se dirigiam à base naval de San Diego, na Califórnia. Por dois anos, a sua função era
manter contato com a PEMEX, petroleira estatal mexicana, para garantir a disponibilidade de
combustível para os navios americanos. Em 1943, foi designado adido naval da embaixada de
Assunção, no Paraguai, exercendo a função por um ano. “Minha função era ficar de olho nos alemães,
que tinham interesses comerciais no Paraguai”, afirmou Rubottom. Com o final da guerra em 1945,
prestou concurso para a carreira diplomática e, enquanto aguardava os resultados dos exames,
trabalhou, por dois anos, como vice-presidente do State National Bank, no Texas. Aprovado o seu
ingresso no serviço exterior, ele foi enviado à Colômbia (1947-1949). Em seguida, tornou-se diretor de
assuntos mexicanos do Departamento de Estado (1950-1952). Em 1953, foi diretor da USOM (United
States Operations Mission, responsável por assuntos econômicos e de segurança pública) da embaixada
de Madrid, até se tornar secretário de Estado adjunto de assuntos interamericanos, no final de 1956.
Comparado a outros agentes do Departamento de Estado, Rubottom não tinha a mesma
experiência pessoal de envolvimento com interesses privados. Mas ele havia sido responsável por
diversas negociações comerciais e econômicas em sua carreira diplomática, além de ter experiência em
questões de inteligência. Além disso, ele demonstrava ter consciência da importância econômica da
América Latina para os interesses privados norte-americanos. Quando perguntado sobre a razão que
levou os Estados Unidos a não propor um equivalente ao Plano Marshall para a América Latina no pós-
guerra, Rubottom respondeu:

A América Latina nunca sofreu nenhum ataque militar, e ela já estava sob uma grande
hegemonia econômica dos Estados Unidos. Os defensores da realização de negócios a
partir do setor privado, ao invés da assistência de governo a governo, certamente eram
fortes em Washington. Os oponentes de um Plano Marshall para a América Latina
ocupavam as posições mais influentes na divisão econômica do Departamento de
Estado e também no Departamento de Tesouro. Não sei se a América Latina merecia
um Plano Marshall, mas fico pensando se nós não deveríamos ter proposto um plano
117

parecido, oferecendo uma quantia pequena, para objetivos de relações públicas


(Entrevista, 03/02/1990)143.

Seu comprometimento com o combate ao comunismo não deixava nada a desejar ao de Holland
e Hoover Jr., possuindo uma dimensão religiosa marcante. Rubottom foi criado em uma família
anglicana devota e construiu vínculos próximos com círculos cristãos nos países onde trabalhou como
representante de seu governo. Na Colômbia, por exemplo, ele atuou como oficial de ligação entre
missionários norte-americanos, que enfrentavam dificuldades com a agitação política vivida no país, e
o governo colombiano144. Na Espanha, ele e sua esposa organizavam a escola dominical da igreja
anglicana em Madrid, a qual frequentavam “todos os domingos” (RUBOTTOM, 2011, p. 81). Talvez a
influência da igreja sobre a ditadura do país tenha sido um dos motivos de Rubottom considerar o seu
período na Espanha como “o melhor de sua vida”. Em suas memórias, o diplomata americano explicou
as razões do apoio dos Estados Unidos à ditadura liderada por Francisco Franco (1939-1975):

A experiência demonstrou repetidamente que uma política de hostilidade em relação a


ditadores não obtém sucesso. Geralmente ela tende a fortalecer o ditador e leva a
medidas retaliatórias. Para fortalecer o processo democrático, os Estados Unidos
devem encorajar ditadores como Franco a estender maiores liberdades políticas nos
seus países. Estes métodos produzem resultados lentamente, mas são os únicos que
podem ter sucesso no final das contas (RUBOTTOM, 2011, p. 76-7).

Rubottom reclamava das críticas formuladas por parte da mídia estadunidense sobre a política
dos Estados Unidos em relação à Espanha. “Às vezes eu sinto que os jornalistas nos Estados Unidos
estão sempre tentando puxar o nosso tapete”. Afinal de contas, o país ibérico “estava ao nosso lado na
Guerra Fria, a Espanha era vigorosamente anticomunista”. Rubottom considerava Franco “um ditador

143 Ele também reconhecia o papel que empresas norte-americanas tinham cumprido na América Latina. Sempre
preocupado com a repercussão política que os interesses privados poderiam ter sobre a imagem do governo dos Estados
Unidos, ele relatou que a United Fruit, por exemplo, “ajudou a criar a ideia de repúblicas bananeiras, tirando vantagem dos
países da América Central” (Entrevista, 03/02/1990).
144 Rubottom serviu na embaixada de Bogotá no início de um período conhecido como La Violencia na história do país.
Segundo Hilton (2009, p. 81), La Violencia (com letras maiúsculas) “foi uma época que misturou terror oficial, sectarismo
partidário e políticas de terra arrasada que resultaram da confluência da crise da república cafeeira, da debilidade do Estado
central e da concorrência pelos direitos de propriedade, principalmente no eixo do café. Esse período se distingue pelo
‘terror concentrado’, utilizado para suprimir as políticas populares radicais e canalizar os crescentes conflitos raciais-étnicos
e de classe entre as vias do bipartidarismo.” “Os missionários tinham tantos problemas”, recordava Rubottom, “e eu passava
tanto tempo com eles que acabei ganhando o apelido de adido eclesiástico” (RUBOTTOM, 2011, p. 42).
118

severo e duro”, mas ele não considerava que o general demonstrasse “tanta brutalidade assim às
pessoas que se opunham a ele” (RUBOTTOM, 2011, p. 81). Na verdade, ele considerava que parte da
visão crítica sobre Franco resultava de uma suposta “abordagem tendenciosa” da imprensa norte-
americana sobre o papel do general durante a guerra civil espanhola (1936-1939):

Quando eu era muito jovem, antes de entrar para a carreira diplomática, eu me dei
conta pela primeira vez do papel do jornalismo e do cinema na influência sobre o
pensamento do público americano durante a guerra civil espanhola. Mais tarde vivi na
Espanha e ouvi os dois lados da história. Lá eu nunca vi um jornalismo tão tendencioso
quanto o da revista Time e outras publicações daquela época. Porque na minha cabeça
não tinha dúvidas de que a Espanha republicana era vermelha, comunista, vermelhos
apoiados pelos soviéticos, por mais brutal, má e repressiva que fosse a ditadura de
Franco. Ainda assim, tenho certeza de que haveria um governo comunista na Espanha
se as forças republicanas tivessem vencido. Isso aconteceu comigo quando eu tinha
meus vinte anos. Eu não sabia nada sobre a Espanha, exceto aquilo que eu lia. Mas eu
tinha um mestrado em relações internacionais. Eu lia boa literatura quando eu podia.
Eu tenho a impressão de que eu estava sofrendo uma lavagem cerebral e que o público
americano também estava sofrendo uma lavagem cerebral (Entrevista, Roy R.
Rubottom, Jr., 13/02/1990).

Rubottom também avaliava que anticomunismo e defesa da iniciativa privada eram duas faces
da mesma moeda. Durante a sua gestão como secretário adjunto foi criado o Inter-American
Development Bank, que na sua opinião garantiria “maior ênfase em investimentos de capital privado na
América Latina, e consequentemente promoveria o progresso econômico da região”. Ele reconhecia
que havia “questões problemáticas” na América Latina, a exemplo das ditaduras da região. “O povo da
República Dominicana”, lembrou Rubottom, “sofria sob a ditadura brutal de Rafael Trujillo desde
1930, enquanto o seu líder acumulava uma enorme fortuna”. Porém, “Trujillo acolhia muito bem a
iniciativa privada norte-americana e mantinha uma política exterior pró-Estados Unidos, que apoiavam
o seu anticomunismo como exemplo para a América Latina”. Anastacio Somoza da Nicarágua era um
“ditador, apoiado pelos Estados Unidos, mas ardoroso anticomunista”. Rubottom julgava que o
governo estadunidense “havia administrado bem os problemas” com os ditadores da América Central:
“é preciso lembrar que a principal questão para os Estados Unidos naquela época era conter a ideologia
comunista, o que implicou na formação de alianças com líderes cujas táticas nós não apoiávamos”
(RUBOTTOM, 2011, p. 100-2). Em um discurso proferido na Câmara Americana de Comércio de
119

Miami, em janeiro de 1958, ele explicou com mais detalhes a harmonia entre anticomunismo, defesa da
iniciativa privada e segurança interna:

Cada vez mais os empresários [norte] americanos se dão conta de que as relações
públicas são uma parte vital de suas operações. Eles reconhecem que a comunidade de
negócios norte-americana no exterior é também um alvo dos agentes do comunismo
internacional (...). Os agentes comunistas buscam desacreditar os empresários norte-
americanos, menosprezar os produtos norte-americanos, incitar críticas em relação aos
métodos financeiros norte-americanos e criar problemas nos sindicatos. Ainda que os
industriais norte-americanos estejam na vanguarda das modernas relações industriais,
os agentes comunistas sempre tentam promover greves ou violência contra elas. É
animador notar uma maior consciência da comunidade de empresários dos Estados
Unidos sobre a necessidade de que seus representantes absorvam a cultura que garante
que eles aprendam mais rápido a entenderem e se ajustarem ao ambiente no qual eles
operam no exterior. (...). A iniciativa privada norte-americana tem muito do que se
orgulhar, incluindo o seu papel na vanguarda contra o comunismo nas Américas e em
outros lugares. De fato, a sua melhor referência é o alto nível de nossa economia e as
últimas contribuições a outras nações do mundo que se basearam em nosso sistema de
capitalismo popular [people’s capitalism]. (...). Há um outro fator que pode ser uma
contribuição revolucionária para o progresso cívico e a democracia social no
hemisfério. (...). Nós reconhecemos a necessidade de manter forças adequadas para a
promoção da segurança interna e para a defesa mútua do hemisfério. O problema para
cada país, obviamente, é determinar o quanto é necessário gastar para estes propósitos.
(...). Os gastos com capacidades industriais produtivas privadas melhoram as condições
de vida, consequentemente ajudando a desenvolver uma fundamental e duradoura
imunidade contra a subversão comunista. (...). Eu estou convencido de que a ameaça
cancerígena [cancerous threat] à vida nacional de cada uma das 21 repúblicas
americanas é uma clara mostra de que o comunismo é o mais perigoso inimigo das
nossas mais belas tradições nacionais (Discurso, Richard R. Rubottom, 14/01/1958).

O principal desafio enfrentado por Rubottom à frente das questões latino-americanas do


Departamento de Estado foi a revolução cubana de 1959. Paterson (1994, p. 151) considera que o
secretário adjunto “moldou” a política norte-americana em relação a Cuba, embora não tenha tido
sucesso em prevenir a revolução e, depois, em retirar Fidel Castro do poder. De acordo com Paterson,

O secretário adjunto Rubottom, enfrentando hostilidade do Congresso todas as vezes


em que ele testemunhava em comitês, lutou em várias frentes para controlar o
problema cubano. Rubottom começou a desencorajar outras nações a vender armas
para Cuba. Ele tentou apaziguar [o embaixador dos EUA em Cuba Earl E. T.] Smith até
o momento em que a política sobre armas dos Estados Unidos pudesse ser modificada.
120

Ele agiu para silenciar as críticas públicas [norte] americanas sobre as relações dos
EUA com o regime de Batista para garantir ao Congresso que os Estados Unidos
estavam honrando o princípio da neutralidade. Rubottom alertou as forças armadas dos
Estados Unidos para evitar incidentes que pudessem ser interpretados como apoio dos
Estados Unidos ao governo cubano. Ele pressionou o governo de Batista a convocar
eleições realmente livres. Finalmente, Rubottom moldou a política dos Estados Unidos
para bloquear a vitória do Movimento 26 de julho. Ele falhou em todos os casos
(PATERSON, 1994, p. 151).

Em suas memórias, Rubottom relata que, entre janeiro e fevereiro de 1960, ele recebeu
autorização de Eisenhower para produzir um memorando com recomendações sobre a política dos
Estados Unidos em relação a Cuba, o qual foi aprovado pelo presidente em março. A execução da
política nele apresentada se tornou responsabilidade da CIA, segundo Rubottom, que afirma ter
refletido sobre sua recomendação ao governo para intervir em outro país, se perguntando se isso não
seria uma violação do princípio de não-intervenção que os Estados Unidos defendiam oficialmente. O
problema, na sua opinião, é que “os latino-americanos, em dois anos de negociações, simplesmente
mostraram que não estavam dispostos a enfrentar a ameaça à sua própria segurança, nem a fazer o que
era preciso junto com os Estados Unidos, para nos protegermos de Castro”. Isto, conforme Rubottom,
foi a “razão primária” que o fez pensar que “a segurança dos Estados Unidos tinha de vir em primeiro
lugar, porque o acordo de não-intervenção foi em larga medida negado pelo outro acordo de segurança
coletiva”, com o qual os latino-americanos “não se comprometeram e não fizeram nada”
(RUBOTTOM, 2011, p. 130).
Em abril de 1960, Rubottom foi transferido para a embaixada de Buenos Aires, sendo
substituído no cargo de secretário de Estado adjunto por Thomas Clifton Mann (1912-1999). Assim
como Holland e Rubottom, Mann nasceu no Texas, na cidade de Waco, separada do México pelo Rio
Grande, e teve uma educação bilíngue em inglês e espanhol. O jovem Mann seguiu a carreira de seu pai
e se formou em Direito, atuando no escritório de advocacia da família. Em 1942, seu ingresso no
exército americano foi negado em função de um problema de visão. Porém, de acordo com Allcock
(2018), “suas capacidades linguísticas e treinamento na área do Direito o habilitaram a lutar em um
outro tipo de guerra – o combate à ameaça econômica do Eixo na América Latina”. Conforme
depoimento de Mann, citado por Allcock, ele foi enviado a Montevidéu para “aconselhar a embaixada e
o governo uruguaio sobre como congelar os créditos de comércio alemães e japoneses”. Ainda durante
a guerra, voltou a Washington para “avaliar indivíduos suspeitos de colaboração com o inimigo e, se
121

necessário, congelar os seus recursos nos Estados Unidos, declarando-os inimigos nacionais”
(ALLCOCK, 2018).
A experiência de Mann durante a Segunda Guerra Mundial deu início à sua longa trajetória de
envolvimento em esforços de guerra econômica em nome do governo dos Estados Unidos. Em 1945,
ele assumiu, como chefe da divisão de assuntos do Rio da Prata do Departamento de Estado, uma
função que envolvia “monitorar nazistas refugiados na Argentina e solicitar a sua deportação”. Em
seguida, trabalhou como assessor do então secretário de Estado adjunto de assuntos interamericanos,
Spruille Braden. Em 1947, foi transferido para a embaixada de Caracas, para “auxiliar nas disputas
relacionadas a contratos de petróleo entre o governo venezuelano e corporações norte-americanas”. De
acordo com Allcock, a abordagem de Mann nessas negociações buscava “apoiar os investimentos
estadunidenses, mas não às custas de um prejuízo às relações” com os países latino-americanos. Em
janeiro de 1950, ele assumiu a chefia da Divisão de Assuntos da América Central do Departamento de
Estado. No final do ano, seria promovido a vice-secretário de Estado adjunto de assuntos
interamericanos, durante a gestão do secretário adjunto Edward E. Miller (ALLCOCK, 2018).
Com a eleição de Eisenhower, Mann continuou ocupando cargos de importância, tornando-se
“um dos mais influentes experts em América Latina”. Contudo, ele teve algumas divergências com
setores do governo em decorrência de sua defesa de um programa de assistência financeira à América
Latina, que na sua opinião poderia render bons frutos aos Estados Unidos. A orientação hegemônica
desses setores do governo era diferente: “o princípio fundamental era ‘comércio e não assistência’
(trade not aid), uma política que consistia em grande medida em ignorar os apelos por uma assistência
financeira maior, ao mesmo tempo em que eram encorajadas oportunidades de negócios para
empresários americanos” (ALLCOCK, 2018).
Mann foi transferido para a Grécia, onde ficou entre 1954 e 1955. Logo depois, em novembro
de 1955, foi designado embaixador em El Salvador 145. Em setembro de 1957, ele retornou a
Washington para assumir o cargo de secretário de Estado adjunto de assuntos econômicos. No início de
1960, se tornou secretário de Estado adjunto de assuntos interamericanos, ficando no cargo até o início
da transição para o governo Kennedy. Estes dois últimos momentos serão analisados mais adiante. Por
enquanto, é importante ressaltar que, de acordo com Allcock (2018), a carreira de Mann foi, como um
145 Durante o seu período em San Salvador, Mann demonstrava preocupação com o nível de miséria e com a baixa
diversificação econômica do país, propondo a Washington programas de longo prazo para minorar os problemas da
república centro americana, buscando assegurar a estabilidade política do país em favor dos interesses norte-americanos.
Porém, conforme Allcock (2018), “Washington frequentemente relembrava Mann que seu papel como embaixador não era
resolver as históricas desigualdades em El Salvador, mas sim garantir os interesses americanos, isto é, comércio,
estabilidade e oportunidades de investimentos”.
122

todo, “consistente”: “preocupado principalmente com os interesses dos Estados Unidos e, como muitos
de seus contemporâneos durante a Guerra Fria, ele era um anticomunista convicto que acreditava na
indústria privada e no comércio internacional”, embora também fosse partidário de “iniciativas de
assistência financeiras que pudessem ter um efeito de longo prazo na América Latina e do
estabelecimento de práticas de negócios mais justas por parte dos empresários americanos”.

2.3 A seção política da embaixada dos Estados Unidos no Brasil

A seção política da embaixada dos Estados Unidos no Brasil reunia diplomatas do


Departamento de Estado e oficiais da CIA (a serem apresentados no próximo capítulo), responsáveis
pela coleta e análise de informações de inteligência e pela elaboração de recomendações de ação
relacionadas a questões políticas do país. Algumas destas tarefas também poderiam ser cumpridas por
outros diplomatas lotados na embaixada, responsáveis por questões econômicas, consulares ou
administrativas, mas geralmente elas correspondiam aos oficiais da seção política. Devido à
importância estratégica de São Paulo, o consulado geral dos Estados Unidos na capital paulista também
dispunha de oficiais – do Departamento de Estado e da CIA – exclusivamente dedicados ao trabalho
com questões políticas, embora em menor número que a embaixada do Rio de Janeiro. Outros postos
diplomáticos dos Estados Unidos no Brasil também dispunham de oficiais responsáveis por questões
políticas, mas estas funções geralmente ficavam a cargo dos chefes de missão (o cônsul) e dos
operativos locais da CIA.
Conforme visto no primeiro capítulo, o planejamento do governo Eisenhower previu um
aumento da importância das atividades de inteligência, incluindo as operações encobertas, em apoio às
ações voltadas ao combate ao comunismo na América Latina. Em consequência disso, a relevância
atribuída ao trabalho nesta área traduziu-se não apenas no fortalecimento da presença de oficiais da
CIA na seção política da embaixada do Rio de Janeiro e em outras de suas missões diplomáticas no
Brasil (o que será apresentado no próximo capítulo), mas também na escolha do perfil dos
representantes do Departamento de Estado vinculados à seção política. A análise de suas trajetórias,
especialmente daqueles lotados na embaixada do Rio de Janeiro e no consulado de São Paulo, revela
123

que foram enviados ao Brasil apenas diplomatas com grande experiência em análise de política e
inteligência.
Caso emblemático foi a designação de Robert Prather Joyce (1902-1984), em junho de 1956,
para a função de conselheiro político da embaixada do Rio de Janeiro. Um dos responsáveis pela
construção das estruturas de inteligência do governo dos Estados Unidos, Joyce nasceu na Califórnia,
cursou a escola de Direito da Yale University e fez um mestrado na École Libre des Sciences Politiques
de Paris. Entrou para o serviço diplomático em 1928, trabalhando em diversos países ao longo de sua
carreira de mais de 40 anos: Xangai (1928-1930), La Paz (1932-1933), Cidade do Panamá (1933-
1936), Belgrado (1938-1939), Havana (1940-1942) (USA, Biographic Register, 1958, p. 347). Em
função de sua experiência em Belgrado, Joyce teve sua candidatura de ingresso à OSS aceita no final
de 1942, e passou a receber o treinamento para atuar em atividades clandestinas na Europa durante a
Segunda Guerra Mundial:

Fui ensinado a manejar uma carabina M-1 e um revólver Colt 45, a realizar
transmissões e recepção em código Morse, técnicas de combate corporal (um joelhaço
na região da virilha e um golpe de karatê direto no pomo-de-Adão, etc.), uso de tinta
invisível de caneta, técnicas de violação de correspondência, lançamento de granadas
de mão, uso de corda explosiva Primacord, cápsulas de dinamite e explosivos
plásticos, técnicas de propaganda clandestina146, técnicas de desinformação estratégica,
meios de recrutar e trabalhar com agentes duplos ou triplos, leitura de mapas, e um
sem fim de outras coisas (Memórias, 1979).

Logo após o encerramento da guerra na Europa, Joyce assumiu o lugar de Allen W. Dulles em
Berna, na Suíça, onde o futuro diretor da CIA havia liderado as operações da OSS voltadas ao sul da
Europa. “Meu trabalho em Berna”, lembrou Joyce, “era fazer uma transição ordenada das operações de
longo alcance de Allen Dulles durante a guerra, garantindo uma relação decente com seus agentes e
recursos, preservando as relações que ele havia cultivado com importantes autoridades suíças” e
principalmente, “estabelecer as bases para operações de inteligência no futuro”. Seu desempenho na
Suíça foi considerado excelente e, como resultado disso, ele foi transferido para Washington para
trabalhar no Central Intelligence Group (CIG, que será apresentado no próximo capítulo). Joyce
explicou qual foi a sua principal função no grupo:

146 No original, “black propaganda”, um termo de conotação racista, tanto no original quanto na tradução. Por isso, optou-
se pela tradução “clandestina”, que expressa o real sentido deste tipo de propaganda ilegal.
124

Foi-me explicado que uma nova legislação estava sendo elaborada para a criação de
um serviço nacional de inteligência e que o acobertamento diplomático (diplomatic
cover) para as suas futuras operações no exterior seria de considerável importância.
Meu trabalho foi negociar com o Departamento de Estado os arranjos para este
acobertamento: um espaço modesto em salas das embaixadas e legações, utilização de
códigos e mensagens independentes (dos embaixadores e ministros), mantendo o
direito do chefe da missão de monitorar o tráfego destas mensagens quando assuntos
políticos estivessem envolvidos, mas não o tráfego de mensagens relacionadas a
operações e movimentos de agentes secretos, mecanismos para estabelecer elos de
ligação entre a futura agência de inteligência nas missões diplomáticas no exterior
com os representantes dos serviços locais de inteligência nos países onde atuamos, e
os títulos oficiais para disfarçar a presença dos agentes da CIA. (Este acobertamento
não existia em governos de outros países, nem mesmo para outros serviços de
inteligência operando em capitais estrangeiras). Mas estes títulos de fachada serviam
para disfarçar (fuzz-up) as suas reais funções nas embaixadas e legações e as
atividades concretas destes oficiais nas nossas missões diplomáticas. Por uma feliz
coincidência isto aconteceu em um período – final do verão de 1946 e início da
primavera [no hemisfério norte] de 1947 – em que quatro divisões regionais do
Departamento de Estado eram chefiadas por amigos pessoais meus, todos eles com o
cargo de secretário de Estado adjunto, e o chefe da unidade de inteligência do
departamento com o qual trabalhei era Frederick B. Lyon, um grande amigo meu de
muitos anos. Todos estes homens estavam convencidos, como oficiais veteranos do
serviço diplomático, que os Estados Unidos deveriam ter uma instituição de
inteligência permanente e de carreira. (...). Fui enviado para uma viagem a dezoito
países da Europa e da Ásia, encarregado de explicar aos chefes das missões os
principais aspectos do novo National Security Act, particularmente os arranjos do
acobertamento diplomático do pessoal da CIA em nossas missões (Memórias, 1979.
Itálicos meus).147

Em janeiro de 1949, Joyce foi convocado a trabalhar no Policy Planning Staff (PPS), do
Departamento de Estado, tornando-se o principal assessor de seu diretor, George F. Kennan. De acordo
com suas memórias não publicadas, a sua principal função no PPS era

Fornecer diariamente orientação política e controle, de acordo com as instruções


políticas nacionais, ao setor de operações clandestinas da CIA, conforme as instruções
do NSC. Esta seção, o Office of Policy Coordination (OPC)148, era liderada pelo meu
bom amigo e colega dos tempos da OSS durante a guerra, Frank G. Wisner. Eu era o
único oficial do serviço diplomático com seis anos de experiência na área de
inteligência. Além disso, eu conhecia todos os integrantes da seção de Wisner,
incluindo Tracy Barnes, Desmond Fitzgerald, Carmel Offie e Richard Helms (...).
Como membro do PPS, eu estive no centro das mais importantes questões de

147 Este esquema de acobertamento da presença de oficiais da CIA nas missões diplomáticas estadunidenses é importante
para a análise feita no próximo capítulo.
148 A criação do OPC será apresentada no próximo capítulo.
125

planejamento de políticas e, por isso, eu atuei como oficial de ligação de Kennan com
a CIA. (...). Desempenhei esta função como oficial de ligação por quatro anos. (...). A
OPC recebia orientação política e controle de um representante do Departamento de
Estado (eu), um do de Defesa, e um outro do Estado-Maior das Forças Armadas ( Joint
Chiefs of Staff). (...). Nós sempre estávamos de acordo quando dávamos o OK para o
OPC, ou quando dizíamos ‘não’, ou que iríamos consultar os oficiais superiores para
autorização de operações de maior importância. Nós nos reuníamos por várias horas,
uma vez por semana, no escritório de Frank G. Wisner. Nós dividíamos as nossas
responsabilidades em três áreas geográficas, nas quais nós tínhamos mais anos de
experiência. (...). Eu fiquei responsável pela Europa Central, Balcãs e pelas poucas
operações propostas para a América Latina (Memórias, 1979).

Em dezembro de 1952, Joyce foi transferido para a embaixada de Paris. Depois disso, foi
designado como cônsul nível 0-1 no Rio de Janeiro, em junho de 1956, tornando-se o número dois da
embaixada, abaixo apenas do embaixador Briggs, com quem ele já havia trabalhado em Havana, no
início de 1940149. Muito provavelmente, Joyce foi enviado ao Brasil para colaborar na supervisão e
acompanhamento do início da era das operações encobertas no Brasil, de acordo com o estabelecido
nos planos de operações do governo norte-americano. Porém, no final de 1956, uma grave doença o
obrigou a se afastar de suas funções, permanecendo em tratamento por quase um ano. Ele lamentou ter
passado apenas quatro meses no Brasil, mas registrou algumas interessantes impressões sobre a
embaixada do Rio de Janeiro:

A residência da embaixada era enorme. Nela trabalhavam pelo menos uma dúzia de
empregadas domésticas e um casal de jardineiros. Havia missões militares e navais
especiais, assim como adidos com uma enorme equipe, uma seção consular e uma
econômica grandes, e uma considerável estação local da CIA, e assim por diante, neste
paraíso parkinsoniano. Tenho a dizer, em minha defesa, que nem mesmo o mais
talentoso animador de picadeiro (ringmaster) conseguiria coordenar aquele circo, com
um pessoal que desfrutava um tipo de vida muito confortável (Memórias, 1979).

Ainda que Joyce tenha permanecido no Brasil por pouco tempo, o simples fato de alguém como
ele ter sido designado para trabalhar no país é significativo. Isso não apenas revela a importância que o
Brasil tinha para os objetivos da política norte-americana, mas também o tipo de trabalho que se
149 Em Cuba, Joyce tinha ajudado o escritor Ernest Hemingway a organizar um “serviço de informações” para identificar
atividades nazistas: Hemingway chamou esse “serviço” de “Crook Factory”. Era um grupo de detetives, informantes e
conspiradores, composto por uma “estranha variedade de sacerdotes e garçons, jogadores de jai alai e prostitutas,
pescadores comerciais e membros de clubes”, todos leais a Hemingway (BRIGGS, 1998, p. 173).
126

esperava que os oficiais políticos da embaixada desempenhassem para a consolidação desses objetivos.
Um oficial com o perfil de Joyce, que “era mais CIA do que a própria CIA” (THOMAS, 2006, p. 40),
não viria para o Brasil como mero observador dos acontecimentos políticos do país: esperava-se um
papel muito mais ativo, relacionado, sobretudo, a operações secretas de inteligência.
Joyce foi substituído por outro experiente diplomata, William Charles Affeld, Jr. (1906-1985).
Em 1931, depois de se graduar na escola de negócios da University of Minnesotta, ele entrou para o
serviço diplomático dos Estados Unidos, passando por Singapura (1932-1934), Bremen (1935-1936),
Kobe (1937-1939) e Cidade da Guatemala (1941-1943). Em abril de 1945, Affeld se tornou conselheiro
de assuntos políticos sobre Alemanha (USPOLAD) do Comando Supremo das Forças Expedicionárias
Aliadas (SHAEF), em Berlim. Em outubro do mesmo ano, foi designado cônsul em Hamburgo. Entre
1946 e 1949, trabalhou vinculado ao setor de inteligência do Departamento de Estado, até ser
transferido para Salzburg, em setembro de 1949. Em seguida, mudou-se para Viena (1951-1953) e,
após a derrubada do governo de Arbenz, em julho de 1954, voltou para a Guatemala, onde permaneceu
até o final de 1956. Affeld foi oficialmente designado para trabalhar no Brasil em maio de 1957 (USA,
The Biographic Register, 1963, p. 3.).
Ainda em junho de 1956, um outro experiente oficial do Departamento de Estado, com
trajetória focada apenas em assuntos latino-americanos, foi designado para trabalhar no Brasil.
Raymond Gregory Leddy (1912-1976), nascido no estado de Nova Iorque, estudou na escola de Direito
da Fordham University e ingressou no FBI em 1938 (USA, The Biographic Register 1966, p. 311). Em
julho de 1942, foi designado Legal Attaché150 da embaixada de Havana, permanecendo em Cuba até
pelo menos outubro de 1943 (Telegrama, 16/10/1943).
Em 1944, Leddy serviu na Espanha como oficial da OSS, onde permaneceu até o final da guerra
(Entrevista, Sam Olden, 2015). Em 1946, ele foi um dos três integrantes de um comitê do CIG, no qual
desempenhava um “cargo de alto nível”, responsável por coordenar a reestruturação do sistema de
inteligência nas Américas após a desativação do SIS/FBI 151 (Memorando, 18/07/1946). No início de
1948 Leddy ingressou na CIA e se tornou chefe das operações do OPC na América Latina (MORLEY,
2008, p. 50), sendo um dos responsáveis “pela construção do sistema operacional da CIA na América
do Sul” (CORSON, 1977, p. 356) 152. Em setembro de 1948, Leddy foi transferido para Caracas,
“supostamente para inspecionar poços de petróleo em Maracaibo”, de acordo com depoimento de seu
150 O papel dos oficiais do FBI na América Latina durante a Segunda Guerra Mundial e no período pós-guerra será
apresentado nos capítulos 3 e 4.
151 O SIS/FBI será apresentado nos capítulos 3 e 4.
152 De acordo com depoimento do próprio Leddy concedido a William R. Corson (1977).
127

filho, George S. Leddy (Entrevista com o autor, 14/03/2018) 153. Na verdade, Leddy liderava “a luta
contra o comunismo nas nascentes operações da CIA na Venezuela” (MORLEY, 2008, p. 50).
Em 1952, Allen Dulles, diretor da CIA, teria solicitado a transferência de Leddy para o
Departamento de Estado, onde ele passou a ser “um grande defensor das operações da CIA”
(MORLEY, 2008, p. 61)154. Entre 1953 e 1955, Leddy assumiu a chefia da divisão de assuntos da
América Central e do Panamá no Bureau of Inter-American Affairs, onde “ajudou a tornar realidade a
política que mais tarde viria a ser chamada de ‘mudança de regime’, que destrói uma incipiente
tradição democrática em favor do clientelismo e do caos” (Id.). De acordo com um memorando do
diretor da divisão de hemisfério ocidental da CIA, J. C. King 155, Leddy se tornou, em agosto de 1953,
“o homem líder no [Departamento de] Estado”, ou seja, ele seria o elemento de ligação com a CIA
durante o planejamento para a derrubada do governo de Árbenz na Guatemala (Memorando,
27/08/1953).
J. C. King descreveu que, em uma reunião na qual estiveram presentes 23 representantes do
Departamento de Estado, apenas Raymond Leddy se mostrou “favorável à ação” contra o presidente
guatemalteco (Memorando, 10/09/1953). Em uma das reuniões semanais da operação PBSUCCESS
(ver FICHA sobre a Guatemala), das quais Leddy participava, ele declarou que “talvez fosse necessário
assumir mais riscos" em relação às ações contra a Guatemala. Quando questionado sobre o que
significaria assumir maiores riscos, Leddy respondeu que seria conveniente reconsiderar a proposta,
feita pelo ditador nicaraguense, Anastasio Somoza, em 1952, de “eliminar de 15 a 20 líderes do
governo de Árbenz com os pistoleiros (pistoleros) treinados por Trujillo”. No entanto, ele ressaltou que
deveriam ser tomadas todas as precauções para executar a operação PBSUCCESS através de “todos os
meios não-atribuíveis aos Estados Unidos”, pois a “opinião de altos escalões do Departamento de
Estado era que um ato atribuível aos Estados Unidos iria prejudicar nossas relações com os países
latino-americanos por 50 anos” (Memorando, 09/03/1954).
Além de seu envolvimento direto com o planejamento da operação PBSUCCESS, Leddy
também desempenhou um importante papel como mediador de conflitos de interesses de empresas
norte-americanas com governos de países da América Central, durante o seu período como chefe da
divisão de assuntos referentes a essa região no Departamento de Estado. Em maio de 1955, o vice-
153 George S. Leddy é PhD em Development Policy and Ecology na University of California at Berkeley. Atualmente é
Adjunct Professor do Los Angeles Community College District. Leddy nasceu em Washington, DC, viveu em Buenos Aires
e por mais de 20 anos na Cidade do México. Reside na Califórnia desde 1974.
154 As informações que Morley apresenta sobre Leddy baseiam-se em uma entrevista feita com um colega – cujo nome
Morley não revela – de Leddy, com quem este trabalhou no Departamento de Estado.
155 A ser apresentado no próximo capítulo.
128

presidente da United Fruit Company, Sam Baggett, relatou a Leddy que “a companhia estava muito
aborrecida (very upset) com algumas dificuldades na República Dominicana relacionadas à violação de
contratos de investimentos de longo prazo da empresa pelo governo do país”. Em resposta, Leddy
solicitou a Bagg que este preparasse um memorando sobre a situação, que viria a ser discutida com
“oficiais apropriados do Departamento de Estado” (Memorando, 24/05/1955).
Em julho de 1956, Leddy tornou-se, ao mesmo tempo, primeiro secretário da embaixada de
Buenos Aires e do Rio de Janeiro, em uma função itinerante (roving assignment), com duração de um
ano. Não foi possível determinar qual foi o motivo dessa nomeação e quais eram as atribuições
específicas desse cargo. No entanto, levando-se em consideração a experiência de Leddy em operações
secretas de inteligência, é razoável supor que ele estava encarregado de cumprir alguma tarefa sigilosa
nos dois países. Seu filho, George Leddy, observou: “essa missão de meu pai no Brasil e na Argentina
foi mais um exemplo de como ele atuava nessa fronteira difusa entre o Departamento de Estado e a
CIA, colaborando com ambas ao mesmo tempo” (Entrevista com o autor, 14/03/2018). Na Argentina,
de acordo com o embaixador Willard L. Beaulac, Leddy trabalhava “com questões de petróleo” (Carta,
30/11/1956). Quanto às suas atividades no Brasil, não foi possível encontrar nenhum documento no
qual seu nome fosse citado156. Depois desse período que viveu entre o Brasil e a Argentina, Leddy foi
transferido para a embaixada do México, em julho de 1957.
O Brasil parecia mesmo ser um local para onde eram enviados diplomatas “pesos pesados”. Em
abril de 1957, William J. Mazzocco tornou-se vice-diretor da United States Operations Mission
(USOM) no Brasil. Nascido em 1914, ele era formado em economia pela University of Portland, com
mestrado na Georgetown University. Durante a Segunda Guerra Mundial, em função de sua fluência
em italiano e francês, trabalhou no setor de comunicações da inteligência da Marinha americana, entre
1942 e 1946. Entre 1949 e 1957, foi um dos administradores do Plano Marshall, sendo diretor dos
programas de comércio e indústria do plano em Roma e especialista em integração econômica em
Paris. Mazzocco permaneceu no Brasil por dois anos (The Washington Post, 17/08/2004).
Outro diplomata com experiência em questões de inteligência que trabalhou no Brasil foi
Robert Hale Shields. Nascido na Califórnia em outubro de 1911, Shields obteve um PhD em História
pela University of California at Berkeley em 1936. Trabalhou como historiador do Departamento de
Guerra dos Estados Unidos entre 1945 e 1946, até ingressar como analista na Divisão de Pesquisa

156 Indícios sobre a atuação de Leddy no Brasil serão apresentados no capítulo sete. Seu filho, George relatou: “Minha mãe
contava que meu pai viajava muito entre Buenos Aires e Rio de Janeiro, mas nós morávamos em Buenos Aires. Nós nunca
moramos no Rio de Janeiro” (Entrevista com o autor, 14/03/2018).
129

sobre Repúblicas Americanas (DRA) do Departamento de Estado. Sua primeira experiência no exterior
foi no Rio de Janeiro, onde permaneceu entre 1948 e 1951, para trabalhar como representante do DRA
(USA, Biographic Register 1966, p. 642). Um dos chefes de Shields em Washington elogiou o seu
trabalho, afirmando que seus relatórios eram “excelentes e extremamente úteis, tanto que o embaixador
[Herschel] Johnson solicitou a permanência de Shields como adido de pesquisa no Brasil por mais um
ano” (Memorando, 28/06/1949). Em 1951, Shields recebeu um prêmio do Departamento de Estado
pelos excelentes serviços prestados. Em 1952, voltou para Washington, passando a integrar o
Intelligence Advisory Group (Minutas, CIA, 24/08/1954), que reunia representantes das agências
governamentais civis e militares responsáveis por questões de inteligência, função que cumpriu até
novembro de 1954, quando foi transferido para o Paraguai. Em setembro de 1957, Shields foi
transferido para o Rio de Janeiro, onde permaneceu até novembro de 1962. Em 1959, Eric C. Wendelin
(outro experiente diplomata, cujo trabalho foi elogiado pelo embaixador Dunn, conforme visto no
capítulo anterior), afirmou que Shields era um oficial “muito qualificado, responsável por acompanhar
e produzir relatórios sobre as atividades comunistas ostensivas” (Memorando, 17/08/1959).
Robert William Dean foi um dos mais importantes oficiais de inteligência do Departamento de
Estado relacionado a temas brasileiros. Nascido no estado de Illinois em 1920, Dean fez mestrado em
Relações Internacionais na Universidade de Chicago e foi um estudante intercambista na USP, no início
dos anos 1940. Em seguida, alistou-se na Marinha e lutou no front do Pacífico durante a Segunda
Guerra Mundial. Em 1949, ingressou no serviço diplomático, servindo, fora de Washington,
praticamente apenas no Brasil durante as décadas de 1950 e 1960. Trabalhou também no INR (setor de
inteligência do Departamento de Estado) entre 1957 e 1959, e foi oficial de ligação do Departamento
de Estado com o Pentágono, entre 1961 e 1962. Entre fevereiro de 1963 e junho de 1965, retornando ao
Brasil, foi primeiro secretário da embaixada de Brasília. Mas Dean esteve no Brasil no segundo
semestre de 1962 como chefe de uma “equipe especial” do Departamento de Estado para acompanhar
e produzir relatórios diários sobre as eleições de outubro de 1962 – maiores detalhes sobre este tema
serão apresentados no capítulo 10. Importante observar que Dean era casado com uma irmã do
empresário e político brasileiro Herbert Levy (membro da Ação Democrática Parlamentar e do IPES), e
falava português fluentemente (USA, Biographic register, 1966, p. 129; Obituário, 2014; Entrevista,
1999; Carta, 30/11/1961)
A tabela abaixo apresenta o número de integrantes das missões diplomáticas dos Estados
Unidos no Brasil (embaixada do Rio de Janeiro e consulados de Belém, Manaus, São Luís, Belo
130

Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Salvador, Santos e São Paulo) durante o período do governo
Eisenhower (1953-1961), elaborado de acordo com a lista do serviço exterior (USA, Foreign Service
List), publicada pelo Departamento de Estado. A tabela apresenta os oficiais do Departamento de
Estado lotados na seção política da embaixada do Rio de Janeiro – os operativos da CIA neste setor
serão apresentados no próximo capítulo. Foram incluídos também os diplomatas responsáveis por
questões políticas do consulado geral de São Paulo, os adidos econômicos (economic attachés) e
demais oficiais do Departamento de Estado – responsáveis por questões consulares, administrativas,
comerciais, etc. – de todos os postos diplomáticos dos Estados Unidos no Brasil. O Departamento de
Defesa aparece na figura dos adidos militares (military attachés), composto por representantes das
forças armadas. A tabela também apresenta o número de representantes da Foreign Operations
Administration (FOA), que em 1955 passou a ser chamada de International Cooperation
Administration (ICA), e da United States Information Agency (USIA).

Tabela 1. Composição das missões diplomáticas dos Estados Unidos no Brasil, 1953-1961
Total de Seção Política (RJ Military Economic
Ano USIA FOA/ICA Demais Oficiais
Oficiais e SP) Attachés Attachés
1953 118 24 7 2 20 - 65
1954 178 26 7 -157 17 72 56
1955 185 26 8 2 15 83 51
1956 217 30 7 2 20 101 57
1957 252 26 6 4 24 105 87
1958 252 29 6 6 21 120 70
1959 263 28 6 4 23 128 74
1960 271 29 6 5 20 123 88
Fonte: US Foreign Service List (1952-1961).

A análise da tabela demonstra que o número de integrantes das missões diplomáticas dos
Estados Unidos no Brasil praticamente não parou de crescer no período do governo Eisenhower, exceto
entre 1957 e 1958, quando o número total de oficiais se manteve igual. A agência que mais cresceu foi
a FOA (mais tarde, ICA). Mas a seção política da embaixada do Rio de Janeiro, onde estavam lotados

157 Neste ano, apenas os membros da FOA são descritos como responsáveis por temas econômicos.
131

todos os responsáveis por análise de questões políticas e de inteligência, trabalhando com títulos
diplomáticos diversos (Political Officer, Attaché, Vice-Consul, Special Assistant to the Ambassador,
etc.), e os analistas políticos do consulado de São Paulo, embora não representassem a maioria dos
integrantes das missões diplomáticas, tinham uma significativa importância do ponto de vista
qualitativo. A maior parte dos oficiais responsáveis por estas questões tinha uma longa trajetória de
experiência em análise política anteriormente à sua chegada ao Brasil. Eram eles os principais
encarregados de fornecer as informações mais importantes sobre a política e a economia do país ao
embaixador, que posteriormente eram encaminhadas ao Departamento de Estado (e outras agências
governamentais) e serviam como subsídio importante para o processo de tomada de decisões em
Washington. Os exemplos dos oficiais acima apresentados – Robert P. Joyce, Raymond G. Leddy,
Robert H. Shields e William J. Mazzocco – são representativos da importância atribuída ao trabalho da
seção política.
O gráfico abaixo mostra a evolução do número total de oficiais das missões diplomáticas dos
EUA no Brasil entre os anos de 1936 e 1964, período de tempo abarcado nesta tese, com base nas
informações disponíveis na lista do serviço exterior do Departamento de Estado.

Gráfico 1. Evolução do número total de oficiais das missões diplomáticas dos EUA no Brasil (1936-1964)
400 366 366

350

300 271
263 261 284
252 252
Número total de oficiais

250 217

200 178 185

150 128
106 101
93 89 118
86 87
100 73 77 79
57
38 38 45
50 24 30
25
0
36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64
19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19

Ano

Fonte: US Foreign Service List (1936-1964)


132

O gráfico mostra um aumento significativo do número total de oficiais das missões


diplomáticas dos EUA no Brasil em três momentos distintos. O primeiro deles durante a Segunda
Guerra Mundial, especialmente no ano de 1943. O segundo, a partir do início do governo Eisenhower:
entre 1953 e 1954, o número de oficiais dispara, mantendo-se estável ou com leve crescimento até o
final de seu mandato, em 1961. Este crescimento é consequência direta do planejamento norte-
americano, conforme visto no capítulo 1, que passou a considerar a América Latina, e em especial o
Brasil, de interesse fundamental para a política exterior dos EUA. O terceiro momento deu-se com a
eleição de John F. Kennedy: o número de oficiais cresceu entre 1961 e 1962, disparando entre 1962 e
1963 e mantendo-se estável entre 1963 e 1964, já sob a presidência de Lyndon B. Johnson. É
importante ressaltar que o número total de oficiais apresentados no gráfico acima representam apenas
aqueles funcionários do governo oficialmente vinculados às missões diplomáticas dos EUA, cujos
nomes aparecem descritos na lista do serviço exterior do Departamento. No entanto, conforme veremos
no próximo capítulo, havia um número de oficiais norte-americanos a serviço do governo de seu país
que não estavam ostensivamente ligados aos postos diplomáticos dos EUA no Brasil. Seus nomes,
portanto, não aparecem na lista do serviço exterior.
Além disso, há um outro aspecto fundamental dos oficiais lotados na Seção Política da
embaixada. Boa parte deles eram na verdade representantes da Central Intelligence Agency (CIA),
embora a sigla da agência não seja mencionada nas listas do serviço exterior. A CIA era uma das
agências governamentais responsáveis pela elaboração e execução da política exterior norte-americana,
conforme visto no capítulo anterior. Seus operativos representavam quase a metade dos oficiais
integrantes da seção política da embaixada do Rio de Janeiro e cerca de 30% dos oficiais políticos do
consulado geral de São Paulo. Como identificar quem eram os representantes da CIA nas missões
diplomáticas dos Estados Unidos e demais informações sobre a atuação da agência no Brasil será tema
do próximo capítulo.
133

CAPÍTULO 3 – OFICIAIS DA CIA E DO FBI NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL

Tenho de admitir que se trata da única área do mundo onde, por mais que eu odeie reconhecer
isso, a alegação da propaganda comunista de que os Estados Unidos é um poder imperialista
explorador não pode ser facilmente negada. (…). Eu nunca prestei nenhuma atenção à América
Latina, mas muita gente prestou e ficou rica nesse processo.
- Joseph Burkholder Smith, ex-oficial da CIA, 1976.

Ser um espião no Brasil em 1960 era mais ou menos como ser um corretor de Wall Street nos
anos 1980 ou um hippie em Woodstock: você não sabia o que ia acontecer depois, mas sabia
que estava no lugar certo e na hora certa.
- Bina Cady Kiyonaga (esposa do oficial da CIA Joseph Y. Kiyonaga), 2000.

3.1 A transição SIS/FBI para a CIA

Em 20 de setembro de 1945, o presidente Truman decidiu abolir o Office of Strategic Services


(OSS), o serviço de inteligência civil responsável pelas atividades clandestinas do governo dos Estados
Unidos na Europa, África e Ásia durante a Segunda Guerra Mundial. A dissolução da OSS ocorreu em
meio a um debate sobre os rumos da inteligência americana em tempos de paz, envolvendo diversas
agências e departamentos do governo. Truman e seus assessores não questionavam a necessidade de
um serviço de inteligência no país, mas não concordavam com aqueles que defendiam que a OSS
deveria ser mantida após o final da guerra. Assim, entre 1945 e 1947, existiu um debate sobre a criação
de um novo sistema de inteligência dos Estados Unidos para atuação no exterior.158
No final de 1945, Truman criou a National Intelligence Authority (NIA), composta pelos
secretários de Estado, da Guerra e da Marinha, para elaborar os princípios básicos do sistema nacional
de inteligência e coordenar as atividades secretas do governo no exterior. Em janeiro de 1946, o
presidente dos Estados Unidos instituiu o Central Intelligence Group (CIG), organismo de apoio ao
NIA, e também o cargo de Director of Central Intelligence, que respondia diretamente ao NIA. Em
julho de 1946, uma instrução política do NIA ampliou as atribuições do Director of Central
Intelligence, que passaria a ser o responsável por conduzir todas as operações do governo na área de
inteligência no exterior. A partir de então, teve início um lento processo de transferência de funções do
158 O FBI já estava encarregado das tarefas de inteligência doméstica. Sobre o debate relacionado à criação da CIA, ver
RANELAGH (1986, pp. 93-109), IMMERMAN et all (2006, pp. 3-14), WARNER (1996) e JEFFREYS-JONES (2003).
134

Special Intelligence Service (SIS) do FBI, que desde 1941 era responsável pelas atividades de
inteligência do governo dos Estados Unidos no continente americano, para o CIG (Instrução n. 5,
08/07/1946).
A transferência de responsabilidades do FBI para o CIG gerou preocupações em setores do
governo, relacionadas a uma possível interrupção abrupta das atividades de inteligência até a
consolidação completa do processo de transição. Jack D. Neal, chefe da Division of Foreign Activity
Correlation (FC) do Departamento de Estado, em carta a Joseph A. Panuch, assistente do secretário
adjunto de Estado para assuntos administrativos, temia a diminuição das atividades de espionagem de
seu governo com esta transferência de responsabilidades, especialmente em um período em que
“muitas das repúblicas americanas estavam organizando eleições nacionais” e passando por um
“reajustamento de seus assuntos internos às condições do pós-guerra, enfrentando algum tipo de
influência de grupos minoritários”159. “Uma interrupção abrupta das atuais operações em nossas
missões diplomáticas seria lamentável”, afirmou Neal. Ele destacou que os Estados Unidos não
poderiam se desfazer “do lastro de atividades e recursos que foram cuidadosamente construídos ao
longo de seis anos”, alertando que o Departamento de Estado não poderia se esquecer da importância
das “relações construídas entre o Legal Attaché [SIS-FBI] e as forças policiais e organizações de
inteligência nos países da região”, que na sua opinião deveriam ser “mantidas e ampliadas em nosso
favor”. Neal também recomendou que deveria ser mantida a rede de cerca de “três mil informantes
confidenciais ativos e outras fontes de informação” na região (Memorando, 17/07/1946).160
O Departamento de Estado era um dos setores do governo mais preocupados com a desativação
do SIS/FBI. O assistente do diretor do FBI, Edward A. Tamm, relatou que “o embaixador [no Brasil
William D.] Pawley, Spruille Braden e vários outros representantes do Departamento de Estado se
opunham fortemente à retirada do FBI” (Memorando, 10/08/1946). O secretário de Estado em
exercício, Dean Acheson, expressou que havia “um grande perigo de que a excelente organização do
FBI na América Latina” pudesse se desintegrar “antes da chegada do pessoal do CIG”, o que
significaria um “grande abalo para a efetividade de nosso trabalho de inteligência na América Latina,
que levaria muitos anos para ser recuperado” (Memorando, 05/08/1945) . Para evitar o risco de uma
paralisação abrupta das atividades de inteligência no exterior, o CIG e o FBI formaram comitês

159 Para maiores informações sobre este período, ver BETHELL e ROXBOROUGH (1996).
160 Este memorando é um dos arquivos reunidos em uma publicação de documentos oficiais, disponível no sítio eletrônico
da CIA (https://www.cia.gov/library/readingroom/home), em formato PDF e contendo 87 páginas, intitulada “ South and
Central America turnover FBI to CIA”.
135

próprios161, cujos integrantes deveriam se reunir com o objetivo de fazer a “transição mais coordenada e
ordenada possível”, evitando “lapsos nas operações” e assegurando “a continuidade na produção de
inteligência”. Ambos os comitês também deveriam debater quais eram “os recursos (assets) do FBI na
América Latina e quais deles poderiam ser transferidos para o CIG”, já que “tomaria muito tempo
começar tudo do zero, desde o recrutamento e treinamento de oficiais competentes até a montagem de
instalações apropriadas” (Memorando, 18/07/1946). A partir de então, o CIG e o FBI estabeleceram um
acordo prevendo uma metodologia e um calendário do processo de transferência de responsabilidades
sobre as atividades de inteligência na América Latina162.
O Departamento de Estado desempenhou um papel importante na transição do SIS/FBI para o
CIG, ao fornecer títulos diplomáticos para os representantes do serviço de inteligência com o objetivo
de esconder as reais funções cumpridas por eles nas missões diplomáticas dos Estados Unidos. Esta
cobertura do Departamento de Estado já tinha sido feita para os operativos do SIS/FBI, que atuavam
oficialmente junto às missões diplomáticas na América Latina com os títulos de “assistente especial do
embaixador”, “legal attaché” ou “civil attaché”163. O general Henry S. Vandenberg, diretor do CIG,
solicitou a Spruille Braden, secretário de Estado adjunto de assuntos interamericanos, que “as
designações de attaché” fossem asseguradas “para a designação do pessoal em suas respectivas
missões diplomáticas” na América Latina (Memorando, Vandenberg para Braden, 1946).
No início de janeiro de 1947, Vandenberg comunicou ao secretário de Estado, James F. Byrnes,
que todos os acordos feitos com o FBI estavam sendo executados conforme o planejado. Informou
também que Frederick B. Lyon, diretor do Office of Controls do Departamento de Estado, e Jack D.
Neal, chefe da Division of Foreign Activity Correlation (FC) do Departamento de Estado, “trabalharam
de perto com os representantes do CIG na implementação dos arranjos visando o estabelecimento das
responsabilidades de inteligência do CIG na América Latina”. Lyon e Neal, de acordo com Vandenberg,
tinham “não apenas familiaridade com as atividades de inteligência do FBI na América Latina”, mas
também estavam “totalmente informados sobre os planos do CIG para garantir as operações de

161 O comitê do CIG era formado por três indivíduos: Stephen B. L. Penrose, ex-OSS, e dois ex-oficiais do SIS/FBI,
William Doyle e Raymond G. Leddy (apresentado no capítulo anterior). Sobre William Doyle como ex-oficial do SIS/FBI,
cf. HERSH (2001, p. 226). Sobre a transferência de Leddy do SIS/FBI para o CIG, ver MORLEY (2008, p. 19, 50).
162 O memorando contendo as informações referentes a este calendário e metodologia, anexado a muitos dos documentos
sobre o tema disponíveis no arquivo “South and Central America turnover FBI to CIA”, encontra-se totalmente censurado.
163 Em dezembro de 1942, o cônsul dos Estados Unidos no Recife, Leo J. Callanan, enviou um relatório ao embaixador
Jefferson Caffery elogiando o trabalho do agente especial do FBI William M. Wheeler, Jr. Callanan encaminhou em anexo
uma carta do oficial do FBI em que este explicou o motivo de ter escondido a sua real função para um adido naval do
consulado: “a principal razão para não revelar a minha identidade ao adido naval é o desejo do [Federal] Bureau [of
Investigation – FBI] de não divulgar o fato de que nossos agentes estão trabalhando sob a cobertura ( cover) do
Departamento de Estado” (Carta, 16/10/1942).
136

inteligência na área” (Carta, 03/01/1947). De acordo com Lyon, Vandenberg afirmou que achava
imprescindível a roupagem oferecida pelo Departamento de Estado aos novos oficiais de inteligência,
ainda que isto pudesse causar problemas:

O General me disse que ele era o primeiro a reconhecer os riscos inerentes a qualquer
sistema de acobertamento (cover) do Departamento de Estado. Ele disse, entretanto,
que em sua opinião haverá vários casos em que será imperativo ter este tipo de
acobertamento. Ele me disse que iria tentar garantir que fosse solicitado o menor
número possível de pedidos de acobertamento. Ele sugeriu que o melhor seria que ele
fosse autorizado a fazer todos os pedidos diretamente a mim, e não através de outros
canais do Departamento [de Estado]. Eu expliquei a ele sobre as nossas dificuldades
em obter do Departamento este tipo de cobertura. Ele parecia ter consciência das
complicações e obstáculos. Ele me disse que tinha ideias bem precisas sobre o
procedimento adequado para lidar com o trabalho do CIG (Memorando,
01/07/1946).164

O processo de transição entre o FBI e o CIG na América Latina estendeu-se entre junho de 1946
e maio de 1947, acompanhado da substituição dos oficiais de inteligência nas missões diplomáticas dos
Estados Unidos na região (FBI, 1947)165. Porém, antes do encerramento das atividades do FBI, decidiu-
se pela manutenção do programa de ligação com as forças policiais locais, uma das principais
iniciativas do SIS/FBI durante a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de “manter vínculos no
futuro com as forças policiais e outras autoridades governamentais na Cidade do México, em Havana e

164 O parágrafo 5 da instrução política número 5 da National Intelligence Authority já previa que os departamentos de
Estado, Guerra e da Marinha disponibilizariam ao diretor do CIG “fundos, pessoal, instalações e outras assistências
necessárias para a execução das funções previstas nesta instrução” (NIA Directive No. 5, 08/07/1946). De acordo com
Becker (2017, p. 9), “Jack Neal e Frederick B. Lyon lideravam a Division of Foreign Activity Correlation (FC) no
Departamento de Estado para processar as informações sigilosas de inteligência política coletadas pelas agências
governamentais dos Estados Unidos”. Conforme Stuart (1949, p. 410), “o trabalho feito pela Division of Foreign Activity
Correlation era tão secreto que nem mesmo o secretário de Estado estava informado sobre alguns de seus trabalhos”.
165 O History of the SIS Division é uma publicação produzida pelo FBI, dividida em cinco volumes, cada um com mais ou
menos quatrocentas páginas, no ano de 1947. Alguns autores indicam que houve conflitos durante esta transferência de
responsabilidades entre as duas agências. Ranelagh (1986, p. 114), por exemplo, destaca que, após a criação da CIA, os
oficiais da nova agência de inteligência que chegavam para substituir os do FBI se deparavam com “arquivos queimados e
com a ausência dos oficiais do FBI”, que deveriam permanecer por algum tempo nas missões diplomáticas oferecendo
orientação para o recém-chegado representante da CIA e repassando a ele os contatos e recursos de inteligência construídos
durante a atuação do SIS. Becker (2017, p. 42), baseado em depoimentos de ex-oficiais diplomáticos, também relata a
destruição de arquivos feita pelo FBI, uma decisão que teria sido tomada em Washington e que pode ser explicada por
conflitos entre o FBI e a CIA.
137

no Rio de Janeiro” (Id.)166. A decisão de manter oficiais de ligação com as polícias na América Latina
resultou da avaliação positiva sobre a eficácia do programa durante a Segunda Guerra Mundial.167
Em 26 de julho de 1947, Truman editou o National Security Act, autorizando a criação da
Central Intelligence Agency (CIA) e do National Security Council (NSC) como órgãos de
aconselhamento do presidente sobre questões de segurança nacional. Inicialmente, a nova legislação
não previa o envolvimento da CIA com operações encobertas, restringindo suas atividades à coleta de
informações de inteligência. No entanto, cinco meses depois, em dezembro de 1947, durante a segunda
reunião do NSC, chegou-se à conclusão de que “a URSS estava conduzindo uma intensa campanha de
propaganda dirigida contra os Estados Unidos, empregando medidas psicológicas, políticas e
econômicas”. Os estrategistas do NSC avaliaram que os Estados Unidos não estavam empregando
“medidas sólidas e coordenadas para conter esta propaganda”, e reconheceram que nenhuma das
agências governamentais tinha autorização formal e estrutura suficiente para enfrentar a União
Soviética. Assim, o NSC autorizou a CIA a “fornecer ao secretário adjunto de assuntos públicos as
informações de inteligência necessárias” para conter a propaganda comunista (Memorando,
09/12/1947). Em um anexo do National Security Act, intitulado NSC 4-A, o NSC decidiu que “as
atividades de inteligência do governo dos Estados Unidos no exterior” deveriam ser “suplementadas
por operações psicológicas encobertas”. Para “garantir sigilo e evitar duplicação de esforços”, o NSC
determinou que a CIA deveria conduzir essas operações para “conter as atividades soviéticas”, pois
estas seriam “uma ameaça à paz mundial e à segurança ou destinadas a desacreditar os Estados Unidos
em seus esforços de promoção da paz e da seguranças mundiais” (Memorando, 17/12/1947).
Em 18 de junho de 1948, uma nova instrução política, intitulada NSC 10/2, substituiu a
instrução NSC 4-A, autorizando a criação do Office of Special Projects, que em seguida mudou de
nome para Office of Policy Coordination (OPC). Foi esta instrução política que esclareceu quais seriam
as atividades a serem executadas pela CIA e apresentou uma definição sobre o que era uma “operação
encoberta”:

Operações encobertas são entendidas como todas as atividades conduzidas ou


patrocinadas por este governo contra Estados ou grupos estrangeiros hostis ou em
apoio a Estados ou grupos estrangeiros, mas planejadas e executadas de modo que
qualquer responsabilidade do governo dos Estados Unidos não seja evidente a pessoas
166 De acordo com o estudo histórico sobre o SIS/FBI, foram também mantidos oficiais de ligação com as polícias locais
em Madri, Paris, Londres e Ottawa.
167 Para maiores informações sobre as atividades do SIS/FBI durante a guerra, ver capítulo 4.
138

não autorizadas e que, se reveladas, o governo dos Estados Unidos possa


plausivelmente negar qualquer responsabilidade por elas. Especificamente, estas
operações devem incluir quaisquer atividades encobertas relacionadas a: propaganda,
guerra econômica, ação direta preventiva, incluindo sabotagem e anti-sabotagem,
demolições e medidas de evacuação, subversão contra Estados hostis, incluindo
assistência a movimentos de resistência clandestinos, guerrilhas e grupos de
refugiados, e apoio a elementos autóctones anticomunistas em países ameaçados do
mundo livre. Tais operações não devem incluir conflitos armados através de forças
militares reconhecidas, espionagem, contraespionagem, e atividades de desinformação
(deception) e cobertura em operações militares (NSC Directive on Office of Special
Projects, 18/06/1948).

Uma outra instrução política fundamental para as operações da CIA foi aprovada no ano de
1949. O Central Intelligence Agency Act de 1949 permitia à agência operar de acordo com mecanismos
administrativos e fiscais confidenciais, livrando-a de regulações a que todas as outras agências
governamentais estavam submetidas. A agência estava autorizada a “proteger os recursos (sources) e
métodos de inteligência de serem divulgados sem autorização” e a “organização, funções, nomes,
títulos oficiais, salários ou números de funcionários empregados pela agência”. Relacionado a isso, o
Escritório de Gerenciamento e Orçamento (Office of Management and Budget), vinculado à Casa
Branca, não precisava apresentar relatórios ao Congresso sobre as finanças da CIA (Seção 6, 50 U.S.C.
Sec. § 3507, CIA Act 1949,). A agência também poderia “determinar a admissão de um estrangeiro nos
Estados Unidos para residência permanente de acordo com os interesses da segurança nacional ou
quando essencial ao cumprimento de missões de inteligência nacionais”, sem necessidade de submeter
o estrangeiro à observância de “inadmissibilidade de ingresso de acordo com regulações e leis de
imigração” (Seção 7, 50 U.S.C. Sec. § 3508, CIA Act 1949). Além disso, os montantes disponíveis para
a Agência poderiam ser gastos “desconsiderando-se as disposições das leis e regulações relacionadas às
despesas de fundos do governo” e também para objetivos de “natureza confidencial, extraordinária ou
emergencial” (Seção 8, 50 U.S.C. Sec. § 3510, CIA Act 1949).
O OPC tinha a responsabilidade de planejar e executar as atividades clandestinas acima
descritas168. Seu chefe, desde a sua criação até o final de 1958, foi Frank Gardiner Wisner, apresentado
no primeiro capítulo. A CIA também contava com uma divisão responsável pela coleta de informações
de inteligência, ou espionagem, chamada Office of Special Operations (OSO), que não se envolvia em
ações encobertas. Em 01 de agosto de 1952, o diretor da CIA Walter Bedell Smith criou uma nova
divisão interna da CIA, denominada Directorate of Plans, resultando na fusão do OPC e da OSO. Esta
168 Para maiores detalhes sobre as atividades do OPC, ver THOMAS (2006) e Saunders (2008).
139

divisão passou a ser dirigida por Wisner, nomeado diretor adjunto de planos (Deputy Director of Plans,
conhecido pela sigla DD/P ou serviços clandestinos – Clandestine Services) da CIA, centralizando
todas as atividades clandestinas da agência (Memorando, 10/08/1952). Esta foi a organização interna
básica da CIA durante as décadas de 1950 e 1960.

3.2 O papel da CIA na formulação e execução da política externa dos Estados Unidos

Conforme visto no capítulo 1, a Central Intelligence Agency (CIA) foi uma das agências
governamentais que participou da elaboração dos planos de operações contra o comunismo para a
América Latina e para o Brasil. A agência também estava encarregada de executar ações previstas em
ambos os planos, em colaboração com outros departamentos do governo, sob a supervisão do OCB. A
documentação produzida por este órgão apresenta uma característica peculiar, raramente encontrada em
outros arquivos produzidos pelos governos do período de Truman a Kennedy. Ela não apenas esclarece
os objetivos que se esperava atingir a partir de determinada instrução dos órgãos responsáveis pela
elaboração de políticas de segurança nacional, mas também aponta as agências que deveriam executar
as políticas previstas, assim como o seu público-alvo local. Também são apresentadas informações
importantes sobre os processos de produção e circulação de documentos entre as diversas agências do
governo, as relações entre elas, as discussões internas que colaboraram para a elaboração de
determinada política, e também as divergências existentes entre diferentes setores do governo.
Dentre as muitas abordagens possíveis a partir da análise da documentação apresentada no
capítulo 1, existe uma questão, escassamente explorada até agora, que revela aspectos fundamentais
tanto dos processos de planejamento quanto de execução da política dos Estados Unidos para a
América Latina durante a Guerra Fria: a importância atribuída pelos estrategistas norte-americanos à
dimensão da inteligência. Embora existam inúmeras pesquisas acadêmicas, investigações jornalísticas e
memórias publicadas por ex-agentes sobre o tema nos Estados Unidos e em países europeus 169, no

169 Para citar apenas alguns dos mais famosos analistas norte-americanos, John Prados (2006), Evan Thomas (1996),
McCoy (2003) e Goldman (2016). Na Grã-Bretanha, inúmeros trabalhos de Richard J. Aldrich (organizador, por exemplo,
da série Studies in Intelligence da editora Routledge), Hugh Wilford (2013), e Saunders (2008). Na Suíça, Ganser (2005).
Na Holanda, Gilles Scott-Smith e Hans Krabbendam (2003). No site do Arquivo Nacional de College Park há uma lista de
vários trabalhos relacionados à área de inteligência produzidos com base em pesquisas de arquivos disponíveis na
instituição: https://www.archives.gov/research/alic/special-collections/taylor-collection.html. Acesso em 19 jul 2019.
140

Brasil este tema é praticamente ignorado, sobretudo nos trabalhos da área de história 170. Mas a
relevância do papel da inteligência – que não se resume às atividades da CIA – para a política externa
dos Estados Unidos no período da Guerra Fria171 já se tornou um consenso para a historiografia anglo-
saxã.
Um historiador do Departamento de Estado, William Z. Slany, coordenou uma das publicações
da coleção Foreign Relations of the United States (FRUS) sobre a emergência das estruturas de
inteligência do governo norte-americano durante o governo Truman (1945-1953). Após consultar
milhares de documentos oficiais, Slany concluiu que era “nítido que as instituições e operações de
inteligência tornaram-se um elemento de importância crescente na formulação e execução da política
exterior norte-americana na administração de Truman e em administrações presidenciais subsequentes”
(SLANY, 1996). Os organizadores de uma outra publicação do FRUS sobre o tema concluíram que,
“em 1955, a comunidade de inteligência, durante a presidência de Eisenhower, foi um agente muito
mais importante, com uma burocracia mais robusta, do que era sob o presidente Truman no final dos
anos 1940” (SUSSER, 2007, p. V).
As atividades desempenhadas pela CIA foram um importante instrumento para consolidar os
objetivos da política exterior dos Estados Unidos no período da Guerra Fria. Downie (2000, p. 160)
concluiu que “a CIA influenciou a política americana de contenção do comunismo soviético” entre
1946 e 1950. John Prados (2006, p. xiv), um especialista no tema, considera que as operações
encobertas da CIA foram “um grande instrumento de política” dos Estados Unidos: sucessivos
governos norte-americanos “utilizaram-se da agência a serviço dos objetivos de suas políticas
externas”. Johnson (1991, p. 17) esclarece que, para conter o comunismo, os Estados Unidos utilizaram
“todos os instrumentos de governo à sua disposição, não apenas os corpos diplomáticos e os mariners,
mas também as ações encobertas da CIA – a mão invisível das intervenções secretas”. De acordo com
Jeffreys-Jones (2003, p. 83), as décadas de 1950 e 1960 foram a “época dourada das operações
encobertas” da CIA. A política de segurança nacional da administração Eisenhower, por exemplo,
“dependeu não apenas do aumento de sua capacidade nuclear e o aumento dos gastos militares, mas
também do aumento das responsabilidades do braço encoberto da CIA” (Id.).

170 Em outras áreas, como na Ciência Política, existem algumas poucas pesquisas realizadas há bastante tempo, com uma
abordagem diferente da proposta nesta tese. Há também alguns poucos trabalhos publicados por militares e civis brasileiros
que trabalharam em setores da inteligência brasileira.
171 Sem dúvida, o papel da inteligência nos Estados Unidos era relevante mesmo antes da Guerra Fria, por exemplo,
durante a Segunda Guerra Mundial. Sobre isso, ver WALLER (2011). David S. Foglesong (1995) analisa as ações
encobertas do governo dos EUA durante a guerra civil na Rússia, entre 1917 e 1920. Um analista defende que a inteligência
e as “atividades encobertas” são instrumentos da política exterior norte-americana desde o século XVIII (CARTER 2000).
141

A CIA participava das reuniões e dos grupos de trabalho do OCB, com destacada participação
de seu diretor Allen W. Dulles. Wayne G. Jackson172, assistente especial do diretor da CIA, afirma que
“o trabalho com o OCB era uma das maiores tarefas assumidas por [Allen] Dulles” (Estudo histórico,
vol. III, 1973). O diretor da CIA havia se tornado um membro efetivo do OCB para “coordenar e
incluir as ‘operações psicológicas’ nas atividades da política exterior dos Estados Unidos”. Ainda
segundo Jackson, as opiniões apresentadas por Allen Dulles nas reuniões do OCB eram “informativas e
valorizadas pelos outros membros do OCB”. Além disso, “ele disponibilizava recursos para o OCB que
poderiam ser utilizados para propósitos não convencionais, de acordo com sugestões oriundas de outros
integrantes [do OCB]” (Id.).
De acordo com Jackson, considerando que a principal função do OCB era coordenar as ações
para a consecução de políticas nacionais, “praticamente todos os representantes da CIA nos grupos de
trabalho da OCB vinham da equipe da Diretoria Adjunta de Planos (DD/P) e das divisões de
operações”. Os oficiais da CIA integrantes do OCB, portanto, eram vinculados ao setor de
planejamento e execução das operações clandestinas da CIA. Em outras palavras, o envolvimento da
agência não se resumia apenas à coleta de informações e à formulação de relatórios de inteligência
sobre a conjuntura dos países onde atuava. Nos planos de operações do governo estadunidense, a CIA é
apresentada como a agência que deveria apenas prestar “apoio” a quase todas as ações previstas 173.
Porém, em função da natureza sigilosa das suas operações, é muito provável que ela tenha, na verdade,
assumido um papel de maior relevância do que se presume que seja uma tarefa meramente de apoio.
Como não foi apresentada nenhuma definição do que seria exatamente o “apoio” que a CIA deveria
prestar às atividades previstas no plano, é razoável supor que a agência assumiu o protagonismo de
algumas destas ações.
Os procedimentos burocráticos de segurança da informação adotados pelo OCB ajudam a
esclarecer algumas questões sobre o envolvimento da agência de inteligência nos planos de operações
do governo dos Estados Unidos. De acordo com Wayne Jackson, havia um “problema delicado”

172 Wayne Gridley Jackson nasceu em Lucerne, Suíça, em 1905. Formou-se na Yale Law School em 1929. Trabalhou no
escritório de advocacia Carter, Ledyard & Milburn, de 1929 a 1941, quando então entrou para a Departamento de Estado.
Em 1951, foi recrutado por William H. Jackson, então vice-diretor da CIA, para se transferir para a agência e trabalhar
como assistente de Allen Dulles, então diretor adjunto de operações (também conhecido como serviços clandestinos) da
CIA. Entre 1953 e 1956, foi assistente especial de Allen Dulles (nesta época, já diretor da CIA), agindo como oficial de
ligação com a OCB e com o grupo NSC 5412, que será apresentado mais adiante neste capítulo (Estudo histórico, vol. 1,
1973).
173 Como afirma Ayerbe (2002, p. 80), “a CIA passa a ser responsável por dois objetivos da política externa que assumem
crescente destaque na guerra fria: informação e ação encoberta”, de acordo com instruções políticas oriundas do NSC.
Ayerbe é um dos poucos autores no Brasil a reconhecer a importância da atuação da CIA na formulação e na execução da
política norte-americana.
142

relacionado a “questões de segurança e instruções básicas sob as quais os representantes da CIA agiam
e que não permitiam discutir nem revelar o tipo de ações em que eles se envolveriam”. Para contornar
este problema, os oficiais da CIA participavam normalmente das discussões gerais dos grupos de
trabalho do OCB. Porém, quando se viam obrigados a esclarecer algo sobre as atividades de sua
agência, eles o faziam apenas através de “declarações gerais das ações que a CIA se comprometeria a
realizar em apoio às atividades dos departamentos e agências que não realizavam ações encobertas”,
sem fornecer maiores detalhes. Estas declarações gerais, descritas em documentos chamados de
“anexos encobertos”, “ficavam em mãos do diretor da CIA”, até que fosse encaminhado a algum dos
diretores do OCB (Estudo histórico, vol. III, 1973). Assim, os integrantes de outras agências do OCB
tinham apenas ciência de que a CIA se comprometeria com determinadas ações, mas desconheciam
detalhes sobre qual seria a natureza e a extensão deste envolvimento. Apenas os membros do conselho
do OCB poderiam ter acesso aos anexos encobertos que, mesmo assim, continham apenas declarações
gerais sobre o envolvimento da agência, provavelmente sem revelar detalhes operacionais e objetivos
esperados das ações.
Uma outra dificuldade para determinar o nível de envolvimento da CIA com as atividades do
OCB é o fato de que parte das discussões do organismo não era feita em reuniões formais (Estudo
histórico, vol. III, 1973)174. Havia outras medidas de segurança adotadas para manter o sigilo em

174 De acordo com Jackson, Allen Dulles “frequentemente falava em reuniões de almoço sobre as ações que a CIA
pretendia executar, tal como descritas nos anexos encobertos”. No entanto, “após os primeiros meses, nenhum registro
escrito foi feito das discussões realizadas nas reuniões de almoço”. Ainda assim, segundo Jackson, “as reuniões de almoço
eram especialmente valiosas” para a troca de ideias com membros do OCB sobre as atividades da CIA (Estudo histórico,
vol. III, 1973). Alguns procedimentos adicionais de segurança foram adotados para permitir a discussão e o registro por
escrito sobre o papel da CIA na elaboração dos planos de operações, com o objetivo de melhorar a coordenação das
responsabilidades de cada uma das agências envolvidas no planejamento das políticas. Segundo Elmer B. Staats, diretor
executivo do OCB, as trocas de informações sobre aspectos operacionais das atividades da CIA seriam “obtidas através de
oficiais de ligação estabelecidos apenas para este fim. As atividades da CIA são em muitos casos formuladas em apoio às
políticas desenvolvidas pelo Departamento de Estado, em outros casos, do Departamento de Defesa. Ambos já designaram
oficiais especialmente para este fim, cujas funções são assegurar a orientação política apropriada para a CIA em suas
operações. Os membros da CIA integrantes de grupos de trabalho do OCB deverão encarregar-se de entrar em contato com
os representantes designados pelo Departamento de Estado ou de Defesa, com os quais eles podem discutir a atividade
específica da CIA que esteja envolvida com as competências do grupo de trabalho. (…). Nas reuniões dos grupos de
trabalho, deve ser feito um esforço para apresentar apenas oralmente as informações, e apenas em termos gerais, sem fazer
referência a operações específicas, nomes de pessoas ou organizações, etc. Apenas quando for relevante, informações sobre
os recursos (assets) da CIA em determinada área podem ser apresentadas e somente em termos gerais. Se um membro de
um grupo de trabalho acredita que o fato de a CIA estar envolvida em algum tipo de operação, ou mesmo que a CIA está
envolvida em alguma operação específica, é de significado especial em termos de segurança, ele não deve fazer nenhuma
menção disso ao grupo de trabalho. Ainda que os representantes da CIA nos grupos de trabalho do OCB possam contribuir
nas discussões com sugestões e comentários sobre os relatórios a serem submetidos ao OCB, estes não podem mencionar
nenhuma das atividades da CIA. (…). O representante da CIA irá preparar um relatório resumido sobre as atividades da
agência relacionadas àquelas que competem ao grupo de trabalho, encaminhando-o para o diretor da CIA, que se
encarregará de submetê-lo ao OCB da maneira a seguir descrita: quando um relatório de um grupo de trabalho está sendo
debatido pelo conselho do OCB, o representante da CIA no conselho do OCB irá, em termos gerais e dentro dos limites
143

relação às atividades da CIA. Uma delas era fazer referências indiretas à agência de inteligência,
procurando não mencioná-la explicitamente em nenhum documento 175. Caso um oficial da CIA
participasse de uma reunião, era preciso omitir a sua vinculação com a agência de inteligência e
encaminhar as atas através de um agente de ligação do Departamento de Estado com a CIA176.
Durante a maior parte da década de 1950, o fato de o secretário de Estado e o diretor da CIA
serem irmãos permitia maior flexibilidade à aprovação de operações encobertas. Como afirmou o
oficial da CIA E. Howard Hunt (1977, p. 499), “uma conversa entre os dois substituía semanas de
debates intra e extra-agências”. Representantes indicados pelo presidente Eisenhower para elaborar um
relatório sobre as atividades da CIA haviam notado – com preocupação e em tom crítico – a relação
próxima entre o OCB e a agência de inteligência. De acordo com o relatório, uma vez que as operações
da CIA eram apresentadas, “a aprovação final dada a qualquer projeto (em reuniões de almoço
informais do grupo seleto do OCB) pode ser descrita, na melhor das hipóteses, como pro forma”
(SCHLESINGER, 1996, p. 455-6). O relatório também destacou que “com uma horda de oficiais
espalhados pelo mundo”, as “operações encobertas” da CIA estavam exercendo uma “influência

apropriados de segurança, informar oralmente aos outros membros do conselho sobre a essência do relatório resumido, ou
irá informar o oficial de ligação designado para esta função quando apropriado; quando o relatório de um grupo de trabalho
for encaminhado pelo diretor executivo ao OCB, antes da apreciação do relatório pelo OCB, um resumo será enviado aos
membros do OCB para ser lido antes da reunião em que o relatório será discutido. Os membros que receberem estes
resumos serão orientados a limitar o seu acesso a eles apenas ao que seja estritamente necessário ( a strict need-to-know
basis). Eles também serão orientados a retornar os resumos para a CIA depois de os terem lido. O diretor da CIA estará
preparado para responder questões ou ampliar o resumo do relatório na reunião de almoço anterior à realização da reunião
do OCB (Memorando, 22/04/1954). De acordo com um relato de um representante do conselho do OCB, R. P. Creenshaw,
Jr., “oficiais de operações da CIA” teriam demonstrado “um interesse especial no plano [de operações contra o comunismo
na América Latina]” (Memorando, 13/12/1955).
175 Por exemplo, Spencer M. King, assistente especial de Henry Holland, relatou a seu chefe que, em outubro de 1955,
ainda não havia tido uma evolução muito grande no “projeto de incrementar o intercâmbio de informações sobre o
comunismo com as outras repúblicas americanas além de nosso fornecimento da prometida lista de itens já intercambiados
com a outra agência”. King ainda mencionou que o material que serviria como base para um discurso a ser proferido por
Holland estava pronto: “a outra agência disse que este material foi preparado com o objetivo de torná-lo disponível para
outros governos como parte do intercâmbio” (Memorando, King para Holland, 11/10/1955. Itálicos meus). Outro artifício
utilizado era fazer alusões à localização geográfica da sede da CIA em Washington. Em uma carta enviada ao vice-secretário
de Estado adjunto de assuntos interamericanos Robert F. Woodward, o conselheiro da embaixada dos Estados Unidos no
Rio de Janeiro, Walter N. Walsmley, Jr., explicou que o assunto so que ele queria tratar estava sendo enviado em forma de
carta, e não em despacho diplomático, para que Woodward e seus assistentes pudessem discuti-lo “com o pessoal do INR e
talvez com o pessoal que trabalha próximo à reflecting pool” (Carta, 12/03/1953). A reflecting pool é um famoso ponto
turístico da cidade de Washington, DC, próximo à antiga sede da Diretoria de Inteligência (DD/I) da CIA.
176 Em fevereiro de 1961, Robert M. Sayre, oficial do Bureau of Inter-American Affairs, alertou as secretárias de Adolf A.
Berle, à época chefe da Task Force on Latin America do governo Kennedy, que ele “estava trabalhando com material
altamente confidencial”. Ele informou que não era permitido “receber ou enviar nenhum documento ultrassecreto (top
secret)” sem seu conhecimento. Além disso, nenhum documento poderia “identificar uma pessoa como sendo da CIA” se
isto pudesse ser evitado: “em qualquer documento que o sr. Berle deseje enviar à CIA deve constar como destinatário ‘ARA
– Mr. Devine’, pois “o sr. Devine garantirá que o documento chegue ao lugar certo” (Memorando, 20/02/1961). Frank J.
Devine era o agente de ligação do Bureau of Inter-American Affairs com a CIA durante o governo Kennedy. Sobre isso, ver
capítulo 9.
144

significativa, quase unilateral na atual formulação de nossa política externa”. Ao final de 1956, quando
o relatório foi encaminhado ao presidente Eisenhower, recomendou-se um maior controle sobre as
atividades da agência, tendo em vista, entre outros fatores, os “métodos informais e um tanto
exclusivos” utilizados no encaminhamento de projetos secretos da CIA (Id.).

3.3 Um perfil dos oficiais da CIA na América Latina

O perfil inicialmente dominante dos principais diretores da CIA, especialmente do setor de


serviços clandestinos, era da elite da Costa Leste, formados em universidades pertencentes à Ivy
League, com laços muito próximos a interesses privados. Nesse aspecto, a CIA manteve o caráter de
sua predecessora no período da Segunda Guerra Mundial, a OSS. Segundo a caracterização apresentada
por Saunders (2008, p. 49-50), os integrantes da OSS foram recrutados do “coração do establishment
empresarial, político, acadêmico e cultural dos Estados Unidos”, formando uma verdadeira “corporação
de elite, que provinha das mais poderosas instituições e famílias da América”. Com o desmantelamento
da OSS, muitos destes agentes voltaram à vida civil, mas alguns deles pressionaram o governo pela
criação de um serviço permanente de inteligência. Com a criação da CIA, “foi essa elite histórica (…)
que deu um passo à frente (…) para preencher as fileiras da agência recém-criada” (SAUNDERS,
2008, p. 51). Evan Thomas (2006, p. 9), que estudou a trajetória dos quatro “melhores homens” (the
very best men) – em referência a quatro dos mais importantes fundadores dos serviços clandestinos da
CIA (Frank Wisner, Desmond Fitzgerald, Tracy Barnes e Richard Bissel) – afirma que “os altos
escalões da CIA foram preenchidos com indivíduos de Wall Street, muitos dos quais veteranos da OSS,
egressos de prestigiosas universidades da Costa Leste”.
Os irmãos John F. Dulles, secretário de Estado, e Allen W. Dulles, diretor da CIA, “embora não
fossem eles mesmos plutocratas, passaram a vida servindo à plutocracia”. Com “décadas de trabalho
defendendo os interesses das maiores corporações multinacionais americanas”, os irmãos Dulles
estavam entre os “missionários que desenvolveram a ideia de globalismo empresarial – o que eles e
outros fundadores do Council on Foreign Relations chamavam de ‘internacionalismo liberal’”. Eles
acreditavam “piamente que o que beneficiava as empresas e seus clientes seria benéfico para todo
145

mundo”, e agiam com base em “uma convicção de que eles eram instrumento do destino, e em um
senso reflexivo de lealdade à elite de negócios que os tornou ricos” (KINZER, 2013, p. 115-117).
Frank G. Wisner foi outro famoso exemplo de “lealdade à elite de negócios” dos Estados
Unidos. Nos anos 1930, Wisner, formado em Direito pela University of Virginia, trabalhou em Nova
York como advogado de empresas de Wall Street. Sua família era uma das mais ricas do Estado do
Mississippi, dona de madeireiras na região. Durante a Segunda Guerra Mundial, Wisner era chefe da
Divisão de Informações Secretas da OSS. Após a guerra, ele seguiu no serviço de inteligência militar e,
logo em seguida, passou ao Departamento de Estado,

Onde havia continuado a dirigir o que era praticamente seu grupo pessoal de serviço
secreto, composto por uma sucessão de labirintos escondidos nas profundezas da
burocracia governamental. (…). Foi esse grupo que veio então a se fundir com a CIA,
sob as ordens do Escritório de Coordenação Política, ou OPC. (…). Sob o comando de
Wisner, o OPC tornou-se o componente da CIA que crescia com mais rapidez. (…). A
partir de 1950, o OPC cresceu como uma hidra. O total de funcionários passou de 302
em 1949 para 2.812 em 1952, e mais de 3.142 contratados no exterior. Nesse mesmo
período, seu orçamento elevou-se de 4,7 milhões de dólares para 82 milhões de
dólares. Um dos fatores que contribuíram para essa expansão foi um arranjo
organizacional que criou uma demanda interna de projetos. As atividades do OPC não
eram programadas em torno de um sistema financeiro, mas de projetos (SAUNDERS,
2008, p. 56-7).

Segundo Thomas (2006, p. 179-180), Wisner, chefe do DD/P da CIA entre 1951 e 1958,
construiu um “império subterrâneo, com mais de cinquenta estações clandestinas pelo mundo, centenas
de programas de operações encobertas e com um ‘fundo de reserva’ de 100 milhões de dólares sem
necessidade de prestação de contas” (unvouchered funds). De acordo com entrevista de Thomas
Braden, chefe do setor de organizações internacionais da CIA, concedida a Saunders, “Wisner trouxe
um lote completo de fascistas depois da guerra, umas pessoas realmente execráveis. Podia fazê-lo
porque era poderoso” (SAUNDERS, 2008, p. 56). Edgar Applewhite, subinspetor geral da CIA, em
depoimento a Saunders, afirmou que a equipe de Wisner “arrogava-se um poder completo, sem nenhum
precedente inibidor. Eles podiam fazer o que quisessem, desde que a ‘autoridade superior’, como
chamávamos o presidente, não o proibisse de maneira expressa” (Id., p. 56).
Na estrutura interna da CIA, o setor responsável por questões americanas era a Divisão de
Hemisfério Ocidental (Western Hemisphere Division – WH), subordinada ao DD/P de Wisner e
146

chefiada por Joseph Caldwell King, ou coronel J. C. King, entre 1952 a 1964 177. King teve como vice-
diretores Raford “Ray” W. Herbert178 e Rudolph E. Gomez179. King foi substituído em março/abril de
1964 por Desmond Fitzgerald. Nos anos seguintes, a WH foi chefiada por William Broe (1965-1972),
Theodore Shackley (1972-?) e David Atlee Phillips (1975-?). Em 1960, a Divisão do Hemisfério
Ocidental era dividida em cinco seções180. Durante a década de 1950, a WH era a única divisão do
DD/P que não se localizava nos edifícios da Reflecting Pool, em Washington. Philip Agee (1976, p. 99-
100) sentia que a divisão era menosprezada pelo restante do departamento, vista como um feudo de J.
C. King e uma fraternidade de ex-oficiais do FBI transferidos para a CIA em 1947, quando esta tomou
conta do trabalho de inteligência realizado pelo FBI na América Latina.
J. C. King nasceu no estado de New Jersey em 05/10/1900, filho de um empresário da indústria
farmacêutica. De acordo com um curriculum vitae escrito por ele próprio em 1942, de 1918 a 1923
King estudou na academia militar de West Point, em Nova York. Entre 1925 e 1927, fez diversas
viagens à Europa, Oriente e México, para estudar idiomas, uma experiência que lhe permitiu aprender a
falar fluentemente espanhol, russo e alemão. King trabalhou por um ano na empresa de seu pai, a King
Chemical Co. (vendida à American Cyanamid em junho de 1929) em New Jersey, como vice-
presidente e gerente geral. Em 1930, ele foi contratado pela Johnson & Johnson para ser o chefe do
Departamento para a América Latina da empresa, trabalhando em sua sede nos Estados Unidos. Um
ano depois, foi enviado à Buenos Aires como representante especial da empresa, onde permaneceu até
1932. Em 1933, tornou-se representante especial da Johnson & Johnson no Brasil 181. A partir de 1934,
177 De acordo com Smith (1976, p. 331), King foi o “chefe de divisão mais longevo da história da CIA”.
178 Maiores informações sobre Herbert adiante. Não foi possível determinar com exatidão o período em que Raford se
tornou vice-diretor da WH, pois a CIA até hoje não liberou documentos sobre a hierarquia e estrutura internas da WH.
Porém, com base nas informações disponíveis no Biographic register (1961, p. 314), Herbert deve ter se tornado vice-
diretor da WH da CIA a partir de dezembro de 1960, quando foi transferido da estação da CIA de Santiago do Chile para
Washington.
179 Nascido no estado do Arizona em 27/05/1915, Gomez cresceu em Los Angeles, frequentou o St. Mary’s College na
Califórnia e a Georgetown University, formando-se em Direito na University of Miami Law School. Durante a Segunda
Guerra Mundial, serviu na Europa com o exército e com a OSS, ingressando em 1947 na CIA,na qual aposentou-se em
1973. Durante seus anos de trabalho na agência de inteligência, Gomez serviu em Lisboa (12/1946-8/1948), Havana
(12/1950-12/1952), Buenos Aires (12/1952-7/1957), Santiago do Chile (10/1960-03/1965) e Lisboa (08/1969-1973). Seu
período como vice-diretor da WD/CIA deve ter sido entre agosto de 1957 e setembro de 1960, quando ele estava lotado no
“Departamento” em Washington, de acordo com o Biographic Register (1973, p. 139). Ver também obituário, The
Washington Post, 12/02/1999.
180 A Seção 1 se encarregava do México e da América Central; a 2, do Caribe; a 3, da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru,
Bolívia, Antilhas Holandesas (Aruba e Curaçao), Guiana Inglesa e Suriname; a Seção 4 se encarregava do Brasil; a 5, do
Uruguai, Paraguai, Argentina e Chile. Os assuntos relativos a Cuba eram então centralizados em uma seção especial
(AGEE, 1976).
181 J. C. King mudou-se para o Brasil com a esposa e filhos em 1932, representando a Johnson & Johnson. Em São Paulo,
frequentou reuniões do Rotary Clube (Correio Paulistano, 06/01/1939 e 16/09/1939). Durante as décadas de 1930 e 1940,
além de viajar com frequência a Buenos Aires, King conheceu diversos pontos do território brasileiro (seu nome aparece em
algumas listas de passageiros de companhias aéreas que eram então publicadas em jornais).
147

ele foi promovido a vice-presidente da Johnson & Johnson da Argentina, desempenhando


simultaneamente o mesmo cargo no Brasil. Em 1937, tornou-se presidente da Johnson & Johnson da
Argentina e presidente da companhia no Brasil. A partir de 1942, King prestou serviços como consultor
não remunerado junto ao Office of the Coordinator for Inter-American Affairs (OCIAA) no Brasil –
sobre o qual falaremos no próximo capítulo182. Entre 1943 e 1946, ele foi assistente do adido militar em
Buenos Aires (Carta, 27/10/1942). Foi promovido a tenente-coronel (lieutenant colonel) em outubro de
1944 e em fevereiro de 1946 foi dispensado do serviço militar como tenente-coronel, tendo sido
agraciado com menção honrosa (Memorando, 29/12/1949).
De acordo com um documento oficial da CIA, King “trabalhou como agente de inteligência por
aproximadamente três anos na Argentina” entre 1943 e 1946 (Memorando, 24/01/1951) 183. Poucos anos
mais tarde, depois de se afastar da Johnson & Johnson, ele procurou a Força Aérea dos Estados Unidos
e lhe foi oferecida a oportunidade de voltar ao trabalho de inteligência como adido militar. Contudo, ele
preferia uma participação mais ativa e procurou a CIA. Em janeiro de 1951, ele foi nomeado Chefe de
Estação (Memorando, 24/01/1951). Em 1952, aos cinquenta anos de idade, dos quais treze vividos na

182 No início de 1942, quando foi selecionado pelo OCIAA para dirigir um projeto de saneamento na região amazônica –
pensado para incrementar a produção de borracha durante a Segunda Guerra –, J. C. era visto como alguém que conhecia
aquela área como poucos (Telegrama, 24/03/1942; Memorando, 18/04/1942). Em abril de 1942, pendente a aprovação do
“Amazon project”, J. C. foi nomeado consultor sem remuneração junto ao OCIAA e partiu para Belém do Pará, em viagem
privada, tendo, ao final dessa expedição, elaborado um relatório (Telegrama, 08/04/1942; Carta, 21/03/1942). Como o
projeto acabou não sendo aprovado, em outubro de 1942 King enviou uma carta para Berent Friele, responsável pelo
OCIAA no Brasil e em ligação direta com Nelson Rockefeller, informando que estava se voluntariando para o serviço
militar no teatro de guerra europeu e que tinha enviado uma carta pessoal para o General Eisenhower oferecendo seus
serviços. Estava, ao mesmo tempo, pedindo ajuda a seus amigos em Washington e esperava que Nelson Rockefeller pudesse
falar com o secretário da guerra, Henry Stimson, informando-lhe que havia um ex-aluno de West Point na América do Sul
ansioso para voltar a usar seu uniforme. Na mesma carta, J. C. anexava seu currículo e destacava sua vontade ilimitada de
trabalhar e lutar (Carta, 27/10/1942). Ele já havia se voluntariado em dezembro de 1941, mas fora informado de que seus
serviços tinham sido considerados de mais valor em sua capacidade civil do que militar, devido ao curto período que tinha
passado no exército e relativamente longo período que viveu em países estrangeiros. Atendendo ao pedido de King, Nelson
Rockefeller conversou com autoridades do Exército e posteriormente informou Friele de que eles não tinham interesse em
seus serviços. Essa informação foi repassada por Friele a King no início de 1943 (Carta, 14/01/1943). Finalmente, em junho
de 1943, King foi nomeado assistente do adido militar em Buenos Aires, atuando como oficial de inteligência.
183 Não foi possível encontrar maiores detalhes sobre as atividades de King na Argentina durante a Segunda Guerra
Mundial. Uma indicação sobre elas foi apresentada no capítulo 1, onde foi descrito que King discutiu com John M. Cabot a
possibilidade de apoio, na forma de envio de armamentos, a forças antiperonistas na Argentina. Holt (2007, p. 315-8)
menciona que King “era encarregado de questões especiais de inteligência no escritório do adido militar” em Buenos Aires.
Uma das operações em que o futuro chefe de divisão da CIA esteve envolvido foi relacionada ao “desenvolvimento de
canais especiais” com agentes japoneses na Argentina, com os quais King “se reunia secretamente”.
148

América Latina184, J. C. King se tornou chefe da Divisão de Hemisfério Ocidental da CIA 185. Em
agosto de 1948, quando pediu afastamento do cargo de Diretor-Presidente da Johnson & Johnson em
função de suas constantes viagens ao exterior, sua saída foi lamentada pelos demais diretores da
empresa. Paulo Álvaro de Assumpção186 fez o seguinte comentário, registrado em ata:

Na qualidade de mais velho Diretor desta Companhia e particular amigo do sr. Joseph
Caldwell King, quero dar o meu testemunho de sua grande dedicação e dos incontáveis
serviços prestados durante os longos anos [em] que presidiu os destinos desta empresa.
Todos nós sentiremos a sua ausência, mas como bem disse o atual Presidente,
esperamos que os seus conselhos não nos faltarão no momento oportuno (Ata, Correio
Paulistano, 02/10/1948)187.

Da mesma forma como a CIA herdou o seu caráter da OSS, com integrantes que tinham um
perfil elitista e empresarial, a CIA na América Latina recebeu a herança da atuação do programa SIS do
FBI. O serviço de inteligência dos Estados Unidos na América Latina durante a Segunda Guerra

184 A maior parte do tempo no Brasil, um ano no Uruguai e viajando constantemente à Argentina. King permaneceu
vinculado à Jonhson & Jonhson do Brasil, com endereço residencial em São Paulo (Rua Santa Isabel, 290, 5º andar), pelo
menos até o início de 1950, quando seu nome ainda aparecia como Diretor Conselheiro da empresa (DOSP, 18/10/1933;
28/01/1937; 03/06/1950). King ainda estava vinculado à Johnson & Johnson da Argentina em dezembro de 1949, de acordo
com a correspondência trocada (em papel timbrado da empresa) com o empresário norte-americano Sherlock Davis,
conselheiro geral do United States Cuban Sugar Council, que o considerava como “o gentleman melhor informado que eu
conheço sobre todos os tópicos relacionados à Argentina em particular e à América Latina em geral” (Carta, 15/11/1949).
185 De acordo com Kramer (2006, p. 151), o chefe da divisão de América Latina da CIA (quando ainda não havia sido
criada a divisão de hemisfério ocidental) antes de King foi Willmoore Kendall. Kramer afirma que Kendall não conhecia
nada sobre a América Latina, não falava espanhol nem português, e não possuía nenhuma rede de relações na região. Ainda
conforme Kramer, Kendall foi chefe da divisão de América Latina da CIA entre 1948 e 1949, permanecendo no cargo por
aproximadamente um ano e meio, até pedir demissão.
186 Paulo Alvaro Assumpção era sobrinho e enteado de Domingos Teixeira de Assumpção (sua mãe se casou em segundas
núpcias com o irmão de seu pai). Entre os filhos de Domingos, destacaram-se Erasmo Teixeira de Assumpção (presidente do
Banco Comercial de São Paulo e diretor da Companhia Nacional de Seguros – ver FICHA de José Carlos de Macedo
Soares) e Antonio de Carlos Assumpção (presidente da Associação Comercial de São Paulo). Paulo Alvaro foi presidente da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) entre 1934 e 1937, vice-presidente em 1938 (o presidente era
Roberto Simonsen) e “diretor sem cargo” em 1940, 1941, 1943 e 1945, ainda na gestão de Simonsen (não pesquisamos
datas posteriores). Participou, como delegado da FIESP, da fundação da Confederação Industrial do Brasil (CIB), da qual foi
vice-presidente em 1935 (sob a presidência de Euvaldo Lodi). Foi eleito deputado federal em 1934 e teve seu mandato
interrompido com a instauração do Estado Novo (DHBB, Verbete biográfico; Correio Paulistano, 17/03/1928; 06/04/1935;
13/02/1936; 28/01/1937; 13/01/1938; 09/01/1941; 24/01/1940; 12/01/1943; 10/01/1945 ).
187 Que relações King manteve no Brasil depois de ingressar na CIA? Elas abriram portas para as ações da agência?
Embora não seja possível responder conclusivamente a estas perguntas, é razoável supor que a rede de relações de agentes
públicos e privados dos países onde King morou e trabalhou representando os interesses de sua empresa certamente não
deve ter sido desprezada como possível recurso (na acepção de asset da CIA) a ser utilizado ou influenciado pela agência.
Esta tese apresenta vários exemplos sobre como o governo norte-americano, também através da CIA, procurou influenciar
as elites empresariais e militares da América Latina, dois grupos com os quais J. C. King tinha relações próximas, em
função de sua experiência prévia a seu ingresso na CIA.
149

Mundial apoiou-se extensamente nos contatos e recursos da comunidade norte-americana de


empresários com investimentos na América Latina. O principal motivo para a criação do serviço
clandestino de inteligência do FBI foi, como já visto, a necessidade de combater os interesses
comerciais e políticos dos países do Eixo na região. As suas atribuições eram a “obtenção de todos os
tipos de informações econômicas, industriais, financeiras e políticas”, com ênfase nas “operações de
indivíduos e corporações no hemisfério ocidental que agissem contra os interesses do governo dos
Estados Unidos”. Para cumprir estas funções, o principal instrumento utilizado foram as empresas
norte-americanas com atuação na América Latina, que forneceram cobertura para disfarçar as
atividades de inteligência do governo estadunidense na região. Conforme a história do SIS produzida
pelo FBI, “decidiu-se alistar os serviços de companhias americanas bona fide com filiais ou conexões
latino-americanas que, como um ato patriótico, estavam dispostas a oferecer a utilização de seus nomes
como fachada (cover) e cooperar com o SIS do FBI” (FBI, 1947). A partir de reuniões realizadas em
Nova York foi

Obtida a cooperação de importantes executivos de várias companhias comerciais (...)


para fins de treinamento dos operativos do SIS na área de atuação particular das
companhias, para que eles agissem lógica e razoavelmente como se fossem
representantes destas empresas na América Latina. O número de empresas que se
colocou à disposição para colaborar expandia-se constantemente, oferecendo uma
cobertura lógica para os operativos do SIS em todos os estratos possíveis da vida latino-
americana, com a finalidade de proporcionar a oportunidade para a coleta de
informações de inteligência de todos os meios possíveis. (...) deu-se preferência a
empresas cujos negócios consistiam na venda de produtos tais como [seguem-se duas
linhas censuradas]. A oportunidade de utilizar este tipo de ‘serviço’ de empresas norte-
americanas demonstrou-se o mais flexível para as finalidades do SIS. O representante
do FBI tinha uma ótima oportunidade de fazer perguntas sobre vários assuntos sem
levantar suspeitas. (...) o interesse destas empresas em colaborar com o FBI foi tão
grande, e os arranjos feitos para tanto foram tão fáceis, que (...) as companhias
expressaram com grande satisfação os resultados alcançados com a atuação dos
representantes do SIS. (...). É interessante notar que, ao adotar as empresas como
fachada para os objetivos do FBI, os agentes em muitos casos trabalharam tão
entusiasticamente a ponto de se tornarem indispensáveis a essas empresas, sendo
considerados recursos vitais para elas (FBI, 1947) .

Embora muitos nomes de empresas e empresários norte-americanos colaboradores do SIS


permaneçam até hoje censurados no estudo histórico produzido pelo FBI, é possível conhecer alguns
150

deles em outros documentos oficiais do governo estadunidense. No início de 1942, o Departamento de


Estado havia solicitado que as suas missões diplomáticas na América Latina sugerissem nomes de
empresários norte-americanos que trabalhavam na região para atuarem como intermediários, ficando
responsáveis por levar e trazer documentos com informações confidenciais de inteligência entre as
embaixadas na região e Washington. De acordo com a descrição da solicitação do Departamento de
Estado feita pelo encarregado de negócios da legação dos Estados Unidos no Haiti, John Campbell
White, o intermediário seria responsável por

Entregar cartas lacradas e telegramas cifrados para que eu as encaminhe ao


Departamento [de Estado], na mais estrita confidencialidade. Tenho o entendimento de
que o ‘intermediário’ deve ser um cidadão americano, com conexões no mundo dos
negócios e relações pessoais que permitam 1) que ele possa ser chamado
frequentemente à missão [diplomática] sem levantar suspeitas sobre suas visitas, 2) que
as visitas do ‘mensageiro’ (o agente secreto) [do FBI] também não levantarão suspeitas
(Carta, 08/04/1942)188.

Considerando-se o perfil de Hoover Jr., apresentado no capítulo anterior, e o estudo histórico do


FBI, é possível afirmar que não apenas o SIS utilizou-se dos empresários norte-americanos para as suas
atividades de inteligência, mas também que os homens de negócios estadunidenses se beneficiaram dos
recursos oferecidos pela estrutura de espionagem de seu país na América Latina. Essa relação íntima de
empresários norte-americanos com operações de inteligência de seu governo manteve-se após a criação
da CIA. Joseph B. Smith, um oficial que ocupou funções importantes nos serviços clandestinos da CIA
nos anos 1950 e 1960, escreveu em suas memórias ter ouvido o seguinte relato de um colega seu, então
chefe da seção de propaganda da equipe de ações encobertas, quando esta estava organizando
operações contra Cuba:

188 No Rio de Janeiro, de acordo com uma carta do embaixador Jefferson Caffery, “W. B. James, da Standard Oil Company
do Brasil, foi designado como intermediário entre os centros de inteligência e a embaixada”. Caffery acrescentou que James
“trabalhou como homem de ligação por mais de um ano entre a Standard e a embaixada, o que significa que ele nos visitava
diariamente” (Carta, 04/04/1942). Na Guatemala, o indicado foi “Charles A. Kidder, gerente da Grace and Co., que
frequentava a sede da legação [dos Estados Unidos na Cidade da Guatemala] por outras razões, e assim sua presença não
levantaria suspeitas” (Carta, 20/03/1942). No Chile, “H. A. Arnold, diretor da Telephone Company”, que seria capaz de
“fazer o trabalho sem chamar atenção e manter segredo sobre o assunto” (Carta, 17/04/1942). Na Costa Rica, “L. Morton
Blumberg, gerente da Republic Tobacco Company” (Carta, 08/07/1942). Em Honduras, “Samuel R. Linton, da West India
Oil Company”, era considerado um homem “confiável, discreto e que faria estas transações no mais estrito sigilo” (Carta,
31/03/1942).
151

A primeira coisa que você precisa entender (...) é a natureza particular da nossa [da
CIA] Divisão de Hemisfério Ocidental. O coronel J. C. King, chefe da divisão,
destaca-se por ter sido o único chefe de divisão nos serviços clandestinos que se
manteve nessa função desde que este setor da CIA foi criado. A razão disso é o caráter
particular de nossa relação com a América Latina. Tenho de admitir que se trata da
única área do mundo onde, por mais que eu odeie reconhecer isso, a alegação da
propaganda comunista de que os Estados Unidos é um poder imperialista explorador
não pode ser facilmente negada. As empresas norte-americanas têm enormes
investimentos na América Latina, e a política do governo dos Estados Unidos parece
ser a de que a proteção desses interesses deve guiar todas as nossas ações na América
Latina. O coronel King foi adido militar em Buenos Aires durante a guerra e ele tem
muitas relações na região. Entre elas, a relação próxima que ele desenvolveu com o
FBI. Como você sabe, o FBI foi responsável por operações de contrainteligência contra
os nazistas na América Latina durante a guerra. Quando nós [CIA] passamos a existir,
eles [FBI] resistiram em se retirar [da América Latina]. O coronel King foi capaz de
convencer diversos oficiais a se juntarem a ele, e ele dirigiu a sua divisão quase
inteiramente com homens do FBI. Todos eles são próximos a líderes empresariais
estadunidenses e latino-americanos. Eles também são próximos às forças policiais e
às organizações locais de inteligência (SMITH, 1976, p. 323-4. Itálicos meus).

Um outro relato de Smith ajuda a entender a importância dos interesses empresariais para as
atividades da CIA na América Latina. Convidado para chefiar a seção de propaganda da WH no início
de 1960, após quase uma década de trabalho nos serviços clandestinos da Divisão do Extremo Oriente
da CIA, Smith relata que, logo no início de sua nova função na agência, precisou tomar conhecimento
sobre o significado da América Latina para os interesses dos Estados Unidos. Ao ler sobre as
estatísticas oficiais do governo em relação aos investimentos norte-americanos na região, ele entendeu
o que haviam lhe dito sobre "J.C. King e seus amigos empresários":

Em 1960, o investimento privado [norte] americano na América Latina chegava a 8


bilhões. O total dos investimentos privados [norte] americanos na Europa era menos de
5,5 bilhões. Descobri que um quarto de todas as exportações [norte] americanas iam
para a América Latina, e um terço de nossas importações vinham de lá. Dos setenta
materiais considerados estratégicos durante a Segunda Guerra Mundial, trinta eram
produzidos em grande quantidade nos países ao sul dos Estados Unidos. Noventa por
cento de todos os cristais de quartzo, dois terços do antimônio, metade da bauxita e do
bério, um terço do chumbo, um quarto do cobre que nós precisávamos vinham destes
países. Zinco, tungstênio, manganês, petróleo e minério de ferro também existiam em
grande quantidade na América Latina. Dois itens, não materiais estratégicos, mas que
eram mantimentos de todos os lares [norte] americanos, como o café e o açúcar, (…),
quase tudo o que se consumia desses dois produtos nos Estados Unidos vinha de
nossos vizinhos do hemisfério. Como qualquer outra pessoa nascida e criada no
Nordeste dos Estados Unidos, eu nunca dei muita atenção para a América Latina. (...).
152

Eu fui educado para pensar que a Europa era a única área fora dos Estados Unidos de
grande interesse para a América [do Norte]. A Segunda Guerra Mundial e nove anos
nos Serviços Clandestinos [da CIA] me fizeram conhecer a Ásia. Agora eu estava
aprendendo que a América Latina, economicamente falando, era de importância muito
maior em comparação a essas duas partes do mundo. Eu nunca prestei nenhuma
atenção à América Latina, mas muita gente prestou e ficou rica nesse processo
(SMITH, 1976, p. 328-9. Itálicos meus).

Por estas razões, Smith considerava que “a política [norte] americana e as atividades da CIA na
América Latina eram moldadas pelos interesses e investimentos dos empresários [norte] americanos”
(SMITH, 1976, p. 373).
E. Howard Hunt, um dos três oficiais da CIA que trabalharam na América Latina e publicaram
memórias189, explica um dos aspectos importantes da aproximação com os empresários norte-
americanos na América Latina. Designado para trabalhar como operativo da agência na Cidade do
México em 1951, Hunt (1974, p. 73-4) conta que a sua primeira atividade na capital mexicana foi a
aproximação a “um líder empresarial norte-americano”. Ele explicou como este contato inicial era útil
para os objetivos da agência: “eu checava com o escritório central da CIA em Washington aqueles que
eu identificava como potencialmente úteis. Se o seu histórico era OK, eu pedia permissão para contatá-
lo e recrutá-lo como informante”. Uma vez recrutados, os informantes “sugeriam outros americanos ou
mexicanos que não apenas seriam úteis, mas que se acreditava estarem dispostos a uma aproximação”.
Assim, afirmou Hunt, “em um pequeno espaço de tempo eu adquiri um grande número de recursos
(assets) no México”.
A relação entre empresários e a CIA na América Latina permitia que muitos de seus operativos,
agentes e informantes fossem recrutados do setor privado. Alguns exemplos disso serão apresentados
adiante e nos próximos capítulos. Também houve casos em que importantes oficiais da CIA tiveram
uma carreira de destaque no mundo dos negócios após a sua aposentadoria. Um exemplo disso foi
Raford Watson Herbert, que trabalhou para o SIS/FBI a partir de 1940 e ingressou na CIA logo após o
final da guerra. Herbert trabalhou como oficial da CIA nas embaixadas da Argentina, Uruguai, Brasil
(como será visto adiante) e Chile. Em 1965, Herbert encerrou sua carreira no governo como secretário
adjunto da Divisão de Hemisfério Ocidental da CIA, passando a atuar no setor privado, tornando-se
presidente da Swift-Armour S. A. da Argentina190, entre 1965 e 1970. Entre 1972 e 1977, ele foi diretor
da Ethiopian Livestock Development Company em Addis Abeba (The Washington Post, 22/06/2008).
189 Os outros dois foram Philip Agee e David Atlee Phillips.
190 Seu irmão Francis L. Herbert era diretor da Swift Armour S.A. do Brasil nos anos 1960.
153

Outro exemplo foi Robert Reynolds, engenheiro e oficial da CIA que trabalhou no México, Argentina,
Bolívia e Brasil (como será visto adiante). Após a sua aposentadoria do governo em 1968, seguiu
carreira como consultor na área de energia para a América Central e Caribe191.

3.4 Oficiais da CIA no Brasil (1948-1966)

Como identificar um oficial da CIA entre os muitos funcionários de uma missão diplomática
dos Estados Unidos? Em 1974, um ex-oficial do Departamento de Estado, John D. Marks, escreveu um
artigo, publicado na revista Washington Monthly, intitulado “Como identificar um fantasma” (How to
spot a spook). O artigo, posteriormente publicado em um livro editado por Agee e Wolf (1978), foi o
primeiro a utilizar, em texto publicado, os dados do US Foreign Service List (Lista do serviço exterior)
e do Biographic Register (Registro biográfico), ambos produzidos pelo Departamento de Estado, para
identificar os oficiais da CIA que trabalhavam nas missões diplomáticas dos Estados Unidos. Pouco
tempo depois, outros autores, entre eles o próprio Agee, passaram a adotar a mesma metodologia
empregada por Marks, identificando dezenas de representantes da agência e descrevendo algumas das
funções por eles desempenhadas no exterior.
De acordo com Marks, o Departamento de Estado, por determinação presidencial, ficou
responsável por “alojar e esconder” (housing and hiding) a CIA nas missões diplomáticas dos Estados
Unidos192. Tal medida teria sido necessária diante da relutância da CIA em estabelecer uma sede própria

191 Um breve currículo de Reynolds aparece no sítio eletrônico do The National Security Archive, que promoveu em 2001
um seminário alusivo aos 40 anos da invasão estadunidense à Baía dos Porcos/Batalha de Girón. A entidade, formada em
1985, é vinculada à George Washington University, reunindo jornalistas e acadêmicos que pesquisam temas relacionados à
política externa do governo norte-americano. Através da lei de acesso à informação dos Estados Unidos (FOIA), a entidade
também atua formulando solicitações de liberação de documentos oficiais do governo inacessíveis à pesquisa pública,
disponibilizando em seu sítio eletrônico milhares de arquivos sobre vários temas, inclusive a atuação da CIA na América
Latina. Para as informações sobre Reynolds, ver https://nsarchive2.gwu.edu/bayofpigs/delegation.html. Acesso 01 setembro
2019.
192 Como visto acima, o Departamento de Estado de fato colaborou para camuflar a presença de oficiais do CIG,
predecessor da CIA, nas missões diplomáticas norte-americanas com a outorga de títulos diplomáticos, durante o processo
de desativação do SIS na América Latina e sua posterior substituição pelo CIG/CIA. Um memorando escrito por John M.
Cabot para o Secretário de Estado John F. Dulles também apresenta indícios sobre este esquema de acobertamento dos
operativos da CIA. Cabot, à época secretário de Estado adjunto de assuntos interamericanos, reclamou da diminuição de
recursos financeiros destinados ao Departamento de Estado que estava sendo discutida pelo governo naquele momento.
Dentre as consequências deste processo, ele destacou que “o orçamento de outras agências” não havia sofrido redução, e
chamou a atenção de Dulles para as dificuldades de “esconder o real caráter de parte do pessoal alocado” nas missões
diplomáticas dos Estados Unidos caso o corte no orçamento viesse a diminuir a presença de oficiais do Departamento de
Estado nas missões diplomáticas dos Estados Unidos (Memorando, 06/06/1953).
154

no exterior, separada da embaixada, justificada pelo temor de exposição das atividades da agência.
Assim, as missões diplomáticas dos Estados Unidos, e algumas bases militares no exterior, deveriam
fornecer o acobertamento necessário para os operativos da agência de inteligência. Além disso, o
Departamento de Estado conferia “respeitabilidade aos operativos da agência, oferecendo a eles uma
roupagem legitimadora, com os mesmos títulos e o mesmo cartão de visitas dos diplomatas legítimos,
que permitiam acesso aos círculos governamentais no exterior”. Protegidos pela imunidade diplomática
oferecida pelo Departamento de Estado, poderiam “recrutar indivíduos locais como agentes da CIA
para fornecer informações secretas e, especialmente no Terceiro Mundo, para colaborar nas
manipulações de assuntos internos destes países feitas pela agência” (MARKS, 1978, p. 30-5).
O Departamento de Estado publicava regularmente dois documentos importantes, o Foreign
Service List193 e o Biographic Register194. A comparação das informações apresentadas nestas duas
publicações permite desvendar os nomes dos verdadeiros oficiais da CIA sob a cobertura oficial do
Departamento de Estado, com base no método apresentado por Marks. O primeiro aspecto importante a
ser considerado está relacionado à “busca pela pureza na carreira do corpo diplomático dos Foreign
Service Officers (FSO – Oficiais do serviço exterior)”, que seria, de acordo com Marks, uma exigência
dos “diplomatas reais para aceitar trabalharem com a CIA”. Isto significa que os oficiais da CIA não
poderiam ter o mesmo “plano de carreira” de um diplomata normal: os operativos da agência de
inteligência receberiam o título de Foreign Service Reserve (FSR – Oficiais da reserva do serviço

193 Esta lista foi publicada anualmente pelo Departamento de Estado por décadas, apresentando os nomes, títulos oficiais,
período de permanência e cidades onde serviram os oficiais das agências governamentais norte-americanas no exterior.
194 O Biographic Register apresenta informações resumidas dos oficiais que serviram nos postos diplomáticos no exterior,
geralmente informando o ano e local de nascimento, formação universitária, estado civil, empregos fora do governo,
participação na Segunda Guerra Mundial, cargos assumidos em alguma agência do governo em Washington e os postos
diplomáticos no exterior onde o oficial trabalhou ao longo de sua carreira. Com relação aos oficiais da CIA, o Biographic
Register apresenta apenas as informações de indivíduos que trabalhavam sob a cobertura oficial (official cover) do
Departamento de Estado ou outra agência governamental em uma determinada missão diplomática dos Estados Unidos no
exterior, com um título específico concedido a eles (attaché, secretary, political officer, counselor, vice consul, etc.), mas
não menciona ações clandestinas desempenhadas por oficiais da CIA no exterior que não estavam vinculados diretamente às
missões diplomáticas. Este tipo de operação era feita por oficiais que tinham um deep cover (disfarce, infiltrado), que
geralmente se passavam por cidadãos privados (empresários, acadêmicos e outras funções de fachada). Estas ações
clandestinas, aprovadas pelo escritório central da CIA, tinham autorização formal do Departamento de Estado e da Casa
Branca e conhecimento dos embaixadores dos Estados Unidos. Mas, em razão dos riscos envolvidos nestas operações, que
poderiam expor o papel desempenhado pelo governo norte-americano, decidia-se que era preferível que o oficial não tivesse
nenhuma ligação ostensiva com a missão diplomática norte-americana no país onde atuava. Assim, os oficiais designados
para estas operações não trabalhavam diretamente vinculados à missão diplomática estadunidense, embora fossem
supervisionados pelo chefe da estação local da CIA ou um oficial da agência designado para este fim. Para uma discussão
oficial da CIA sobre o deep cover, ver um artigo da revista Studies in Intelligence da CIA, “Principles of deep cover:
cardinal considerations in placing covert personnel abroad in quasi-permanent private citizen positions”, escrito por C. D.
Edbrook. Disponível no Electronic Reading Room da CIA:
https://www.cia.gov/library/readingroom/document/0000608982. Acesso 01 setembro 2019. Mais adiante neste capítulo
serão apresentados indícios sobre a atuação de dois operativos deep cover da CIA no Brasil.
155

exterior) ou Foreign Service Staff (FSS – Oficiais da equipe do serviço exterior), mas não o de FSO 195.
Porém, como destaca Marks, havia diplomatas legítimos, tanto do Departamento de Estado quanto de
outras agências governamentais, que tinham o título de FSR ou FSS. Assim, “para separar o joio do
trigo”, é preciso realizar a leitura do Foreign Service List do país e do ano em questão. As letras
apresentadas na terceira coluna da lista, da esquerda para a direita, identificam o nível da carreira em
que os oficiais se encontram. Assim, por exemplo, a seção referente aos oficiais norte-americanos no
Brasil em 1962 apresenta John H. Crimmins, John T. Fishburn e Emerson I. Brown como oficiais FSO.
Os três podem ser praticamente eliminados como possíveis oficiais da CIA, simplesmente por terem a
designação de FSO, de acordo com Marks (Id.).
Mas apenas as informações presentes no Foreign Service List não são suficientes para “separar
o joio do trigo”. É preciso comparar a designação do oficial que consta no Foreign Service List com as
informações sobre o seu currículo presentes no Biographic Register. A leitura deste documento
confirma que Crimmins, Brown e Fishburn tiveram uma longa carreira como diplomatas, sem nenhuma
interrupção nem afastamento para trabalhar em algum outro departamento ou agência do governo,
indicando que eles de fato eram vinculados à agência oficialmente apresentada – Crimmins e Brown ao
Departamento de Estado, e Fishburn, ao Departamento de Trabalho, servindo no Brasil como adido
trabalhista.
De acordo com Marks, o Foreign Service List fornece uma pista importante para a identificação
dos oficiais da CIA. Entre todas as funções que um oficial qualquer poderia realizar em uma missão
diplomática – produção de relatórios e análises econômicas, comerciais, atividades administrativas,
entre outras –, a de produção de relatórios de assuntos políticos era geralmente considerada como a
mais importante. Os oficiais FSR “quase nunca assumiam as funções políticas mais importantes” da
missão diplomática. Assim, onde um FSR aparece na lista como responsável por alguma função
política, é muito provável que a CIA estivesse utilizando a função para esconder a real vinculação do
oficial com a agência de inteligência. Com relação ao Biographic Register, Marks aponta “uma dica
quase infalível” para identificar um oficial da CIA: se a trajetória de um oficial incluir passagens pelo
Department of Army, Department of Navy ou Department of Air Force, “você pode apostar que ele ou
ela realmente trabalham para a CIA”. Além disso, Marks aponta que “grandes períodos de afastamento”
dos oficiais em questão para funções não identificadas, e mesmo a ausência de seu nome e currículo em

195 Em suas memórias, o ex-oficial da CIA E. Howard Hunt (1974, p. 69) confirma esta observação de Marks: enviado pela
CIA para trabalhar no México, ele relata que começou os preparativos de sua viagem “delineando planos de atuação e
encaminhando a sua designação no Departamento de Estado como oficial do Foreign Service Reserve”.
156

uma ou mais das edições do Biographic Register – exceto nos casos de aposentadoria – são indícios de
que o indivíduos estava trabalhando em alguma função designada pela CIA (Ibid.).
Considere-se o caso de Donald C. Marelius, oficial FSR-3 que chegou à embaixada do Rio de
Janeiro em 1958. Marelius era o oficial de maior nível comparado aos outros oficiais FSR da
embaixada na mesma época – em uma gradação que vai de 8 a 1, sendo o grau 1 o topo da carreira. Na
mesma época, Joseph W. Reidy era um oficial FSR-5, uma gradação um pouco menor que a de
Marelius. Analisando os currículos de Marelius e Reidy presentes no Biographic Register, percebe-se
que ambos apresentam interrupções em suas carreiras, durante as quais não estiveram lotados em
nenhuma missão diplomática dos Estados Unidos, mas sim no Department of Army – Marelius entre
1954 e 1958, Reidy, entre 1948 e 1957. Isto indica que durante este período ambos trabalharam, na
verdade, em alguma função do escritório central (Headquarters) da CIA em Washington, ou em alguma
outra missão especial no exterior, sem estarem oficialmente vinculados à embaixada.
Ainda de acordo com Marks, em relação aos oficiais com título de FSS, existiam as mulheres
que trabalhavam como secretárias das embaixadas, sobre as quais não é possível afirmar nada
conclusivo, uma vez que o Departamento de Estado não disponibilizava muitas informações sobre elas.
Além das secretárias, também havia os oficiais que, em algum momento de sua trajetória, passavam de
FSS a FSR. Isto indica, segundo Marks, que o oficial em questão era da CIA, pois esta não era uma
mudança típica na carreira dos diplomatas do Departamento de Estado (Ibid.). Tomando como exemplo
o caso de Lawrence M. Sternfield, oficial da embaixada do Rio de Janeiro entre 1957 e 1962, o
Biographic Register aponta que ele passou três anos trabalhando como analista do Departamento de
Comércio, entre 1951 e 1954. Em agosto de 1956, ele foi designado como adido FSS-7 para trabalhar
na embaixada de Santiago do Chile, chegando ao Brasil em abril de 1957 com o mesmo título. Mas, em
julho de 1959, enquanto atuava no Brasil, sua designação mudou para FSR-5.
Pouco tempo depois da publicação do texto de Marks e do livro de Philip Agge (Dentro da
Companhia), o governo dos Estados Unidos deixou de publicar o Foreign Service List e o Biographic
Register, confirmando a validade da metodologia por eles apresentada para identificar os oficiais da
CIA vinculados às missões diplomáticas norte-americanas. Atualmente, este método pode ser explorado
com base em inúmeros outros documentos oficiais do governo estadunidense liberados a partir dos
anos 1970 e por outras fontes primárias e secundárias não-governamentais, indisponíveis à época em
que Marks e Agee publicaram seus textos.
157

Segue abaixo uma lista de oitenta oficiais da CIA vinculados às missões diplomáticas dos
Estados Unidos no Brasil entre 1947 (ano de criação da CIA) e 1964, elaborada a partir dessa
metodologia. Ela apresenta os títulos oficiais concedidos pelo Departamento de Estado aos oficiais da
CIA (attaché, assistant attaché, political officer, vice-consul, political assistant e economic officer) para
disfarçar a sua presença nas missões diplomáticas, com seu respectivo nível na carreira (FSR ou FSS),
além do período de permanência e da cidade onde trabalharam. Foram encontradas provas adicionais
de vinculação à CIA para setenta e seis dos oitenta oficiais, a partir de fontes diversas – documentos
produzidos por agências do governo dos Estados Unidos, arquivos privados norte-americanos,
obituários, reportagens de revistas e jornais, livros de memórias de ex-oficiais da CIA e entrevistas com
familiares de representantes da agência que atuaram no Brasil. A tabela também apresenta o nome de
dois oficiais da CIA que não estavam vinculados ao Departamento de Estado, mas à ICA/AID, James
L. McMahon e e Robert D. Van Winkle. Não estão incluídos os oficiais da CIA que atuaram no Brasil
sob deep cover – conforme visto na nota de rodapé 194 acima –, cujos nomes não aparecem na lista do
serviço exterior e no registro biográfico.

Tabela 2. Oficiais da CIA nas missões diplomáticas dos EUA no Brasil (1947-1964)

Nome Designação oficial/Cidade Período


Henry Evans Thomas, III Attaché, FSS-6, Rio de Janeiro 22/05/1947 – 09/1951
Gardner B. Macpherson Assistant Attaché, FSS-4, Rio de Janeiro 20/03/1947 – 09/1949
John B. Brady Assistant Attaché, FSS-7, Rio de Janeiro 21/07/1949 – 05/1952
Collins D. Almon Attaché, FSS-4, Rio de Janeiro 20/08/1952 – 06/1956
Raford W. Herbert Attaché, FSS-4, Rio de Janeiro 06/12/1949 – 1953
Vice Consul, FSS-8, Rio de Janeiro 01/02/1950 – 03/1952
Alfred A. Pease Vice Consul, FSS-8, São Paulo 18/04/1952 – 03/1953
Attaché, FSR-3, Rio de Janeiro 28/06/1956 – 06/1957
Edward R. Gaul II Attaché, FSS-6, Rio de Janeiro 23/07/1951 – 1953
Edward J. Boston Assistant Attaché, FSS-9, Rio de Janeiro 25/10/1951 – 1953
Richard W. Rastetter Attaché, FSS-4, Rio de Janeiro 17/09/1952 – 04/1956
David L. Gilsinn Vice Consul, FSS-7, São Paulo 29/08/1952 – 12/1956
Vice Consul, FSR-11, São Paulo 08/02/1952 – 08/1954
Stuart D. Burton
Vice Consul, FSR-5, Curitiba 18/03/1962 – 06/1964
158

Assistant Attaché, FSS-7, Rio de Janeiro 13/11/1953 – 08/1956


Attaché, FSR-5, Rio de Janeiro 01/05/1960 – 07/1960
Thomas J. Barrett, Jr.
Attaché, FSR-4, Brasília 21/08/1960 – 09/1964
Attaché, FSR-3, Porto Alegre 09/05/1965 – 07/1967
Vice Consul, FSS-8 Rio de Janeiro 04/09/1952 – 08/1956
C. Harlow Duffin
Vice Consul, FSS-6, Porto Alegre 13/07/1957 – 11/1958
David W. Smyser Political Officer, FSR-2, Rio de Janeiro 01/12/1955 – 12/1958
Robert E. Whedbee Attaché, FSR-4, Rio de Janeiro 04/12/1955 – 11/1957
Robert D. Gahagen Political Officer, FSR-4. São Paulo 27/10/1955 – 03/1959
Robert W. Heavey Attaché, FSS-4, Rio de Janeiro 20/11/1955 – 07/1957
William L. Smith Assistant Attaché, FSR-5, Rio de Janeiro 01/12/1955 – 06/1956
Walter Trenta Political Officer, FSR-5, Recife 04/08/1955 – 10/1957
Vice Consul, FSS-9, São Paulo 01/02/1955 – 06/1957
Louis V. Ebert, III Assistant Attaché, FSR-7, Brasília 15/04/1962 – 07/1962
Economic Officer, Vice Consul, FSR-7, Belém 19/08/1962 – 11/1964
Burton Stewart Miller Economic Officer, Vice Consul, FSR-5, São Paulo 12/05/1955 – 1957
Political Assistant, FSS-11, Rio de Janeiro 10/11/1955 – 11/1960
George T. Colman, Jr.
Political Officer, Vice Consul, FSR-7, Porto Alegre 25/12/1960 – 03/1963
John R. Young, Jr. Attaché, FSR-4, Rio de Janeiro 05/01/1956 – 1957
Robert P. Bouchard Attaché, FSR-6, Rio de Janeiro 08/11/1956 – 02/1959
John B. Perkey, Jr. Vice Consul, FSR-6, São Paulo 16/07/1956 – 08/1961
Political Officer, Vice Consul, FSR-5, São Paulo 07/02/1956 – 10/1960
Wesley L. Laybourne
Vice Consul, FSR-5, Porto Alegre 15/04/1962 – 07/1965
Lawrence M. Sternfield Attaché, FSR-5, Rio de Janeiro 21/04/1957 – 11/1961
Joseph W. Reidy Attaché, Second Secretary, FSR-5, Rio de Janeiro 26/07/1957 – 09/1959
Carlton A. Rood Special Assistant to Ambassador, FSR-4, Rio de Janeiro 19/11/1957 – 1960
Philip F. Snare Consul, FSR-5, Recife 02/07/1957 – 1959
Political Officer, FSR-6, Rio de Janeiro 30/06/1957 – 07/1958
Comer W. Gilstrap
Vice Consul, FSR-6, Porto Alegre 13/07/1958 – 02/1961
Political Officer, FSR-7, São Paulo 22/08/1957 – 11/1959
Richard D. Van Winkle Public Safety Advisor, AID, R-5, Recife 01/1963 – 09/1963
Public Safery Advisor, AID, R-4, São Paulo 09/1963 – 1965
Donald C. Marelius Political Officer, FSR-3, Rio de Janeiro 30/04/1958 – 10/1963
Assistant Attaché, Political Assistant, FSR-7, Rio de
Walter J. O’Lone 23/07/1958 – 1963
Janeiro
Claris R. Halliwell Political Officer, FSR-6, Rio de Janeiro 05/03/1958 – 09/1963
159

Robert E. Jones Attaché, FSR-6, Rio de Janeiro 04/12/1958 – 1961


Arthur T. Kamm Political Officer, FSR-5, Rio de Janeiro 28/05/1958 – 1960
Michael Marchese Jr. Political Officer, FSR-7, Rio de Janeiro 15/10/1958 – 1960
Economic Officer, FSR-5, São Paulo 30/04/1958 – 03/1960
Paul A. Maggio
Attaché, FSR-4, Rio de Janeiro 16/08/1964 – 09/1966
Richard S. Sampson Consul, FSR-4, São Paulo 22/02/1959 – 10/1962
Maurice J. Gremillion Political Officer, FSR-4, Recife 13/12/1959 – 04/1962
Jack M. Forcey Attaché, Political Officer, FSR-7 15/11/1959 – 08/1962
Victoria W. Mathews Political Officer, FSR-7 30/07/1959 – 1962
Vice Consul, FSR-7, São Paulo 27/12/1959 – 06/1963
John W. Hennessy
Vice Consul, FSR-6, Salvador 21/07/1963 – 1965
Political Assistant, FSS-11, Rio de Janeiro 28/08/1959 – 02/1962
Charles L. Acree, Jr.
Political Officer, Vice Consul, FSR-8, Recife 12/04/1962 – 09/1963
Vice Consul, FSR-7, São Paulo 08/01/1959 – 05/1961
Lawrence C. Laser
Vice Consul, FSR-6, Belo Horizonte 01/04/1962 – 06/1964
James N. Lawler Political Officer, FSR-8, Rio de Janeiro 13/10/1960 – 02/1963
James L. McMahon Public Safety Advisor (ICA), FSR-4, Rio de Janeiro 08/03/1960 – 09/1962
Starr M. King Jr. Political Officer, FSR-6, Rio de Janeiro 26/06/1960 – 10/1962
Joseph Y. Kiyonaga Consul, FSR-5, São Paulo 28/04/1960 – 12/1963
Harry W. Wells Science Attaché, FSR-2, Rio de Janeiro 04/01/1960 – 1962
Herman J. Jelinek Commercial Officer, FSR-3, São Paulo 12/12/1960 – 08/65
Robert L. Fambrini Vice Consul, FSR-7, Salvador 02/06/1961 – 10/1963
Brendan A. Burns, Jr. Attaché, Political Officer, FSR-5, Rio de Janeiro 03/09/1961 – 05/1963
Thomas A. Brady Political Officer, FSR-5, Rio de Janeiro 23/07/1961 – 08/1966
Political Assistant, FSS-11, Rio de Janeiro 13/09/1961 – 02/1964
Charles R. Cookson
Attaché, FSR-7, Brasília 01/03/1964 – 1967
Political Officer, FSR-7, Rio de Janeiro 18/07/1961 – 11/1963
Leonard Whistler
Vice Consul, FSR-6, Porto Alegre 08/12/1963 – 06/1966
Political Officer, FSR-8, São Paulo 02/02/1961 – 04/1964
Lee G. Mestres
Vice Consul, FSR-7, Recife 26/04/1964 – 07/1965
Gardner H. Hathaway Attaché, FSR-4, Rio de Janeiro 20/09/1962 – 09/1965
Timothy J. Desmond Attaché, Political Officer, FSR-5, Brasília 15/04/1962 – 08/1967
Robert Reynolds Political Officer, FSR-4, São Paulo 08/07/1962 – 09/1966
L. Keith Gardiner Political Officer, FSR-7, Rio de Janeiro 02/11/1962 – 10/1966
Antonio L. Neves Attaché, FSR-6, Rio de Janeiro 17/07/1962 – 08/1966
160

Russell S. Hibbs Attaché, Political Officer, FSR-6, Rio de Janeiro 08/07/1962 – 09/1965
Arthur P. Frizzell Political Officer, FSR-4, Recife 31/01/1962 – 04/1964
Albert M. Clearman Political Assistant, FSR-4, Rio de Janeiro 11/03/1963 – 1967
Calvin M. Smyth Consul, FSR-5, São Paulo 29/01/1963 – 04/1965
John O. Lawrence Attaché, FSR-4, Rio de Janeiro 04/06/1963 – 04/1965
Robert D. Gahagen Attaché, FSR-3, Rio de Janeiro 28/04/1963 – 09/1969
Vernet L. Gresham First Secretary, FSR-2, Political Officer 17/03/1963 – 04/1967
Lawrence A. Penn Political Officer, FSR-8, Rio de Janeiro 01/11/1963 – 05/1966
David L. Yelton Political Assistant, FSR-4, Rio de Janeiro 11/03/1963 – 08/1965
Lewis P. Achen Political Officer, FSR-5, São Paulo 23/12/1963 – 1965
Political Assistant, FSS-7, Rio de Janeiro 16/07/1963 – 11/1965
Thomas E. Carroll
Political Officer, FSS-6, São Paulo 19/12/1965 – 04/1966
Political Officer, Consul, FSR-5, São Paulo 13/10/1963 – 08/1964
Gil M. Saudade
Consul, FSR-5, Curitiba 27/09/1964 –
Robert L. Fambrini Vice Consul, FSR-6, Belo Horizonte 15/03/1964 – 07/1967
Joaquin B. DeCastro Political Assistant, FSS-4, Rio de Janeiro 02/07/1964 – 12/1969
Walter C. D’Andrade Vice Consul, FSR-8, Recife 16/10/1964 – 02/1967
Stephen F. Creone Political Officer, FSR-5, Recife 01/02/1964 – 06/1966
Donald K. Kanes Political Officer, FSR-7, São Paulo 28/02/1964 – 02/1966
Fontes: AGEE, Philip. Dentro da Companhia; US Department of State, Foreign Service List (edições de 1948 a 1973); US
Department of State, Biographic Register (edições de 1948 a 1973); NACP (RG 59, 84 e 286, várias coleções); Kennedy
Assassination Records; CIA Electronic Reading Room; Obituários (jornais New York Times, Washington Post, etc.); Revista
Covert Action e Counter Spy; entrevistas (família de Donald C. Marelius).

O gráfico abaixo mostra a evolução do número identificado de oficiais da CIA nas missões
diplomáticas dos EUA no Brasil por ano de chegada ao país, entre 1947 e 1964.
161

Gráfico 2. Evolução do número identificado de oficiais da CIA nas missões diplomáticas dos EUA no Brasil, por ano de
chegada, entre 1947 e 1964
12
11

10
9

8
8
7 7 7
Número de oficiais

6 6 6
6

4
4 4

2 2 2
2
1
1

0
1947 1949 1950 1951 1952 1953 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964
Ano

O gráfico, somado às informações da época de chegada ao Brasil dos oficiais da CIA


apresentados na tabela acima, permite visualizar um crescimento do número de operativos da agência
no final do ano de 1955, coincidindo com o período em que tanto o Plano de operações contra o
comunismo na América Latina quanto o plano para o Brasil já estavam elaborados e aprovados em sua
versão preliminar, conforme visto no capítulo 1. Em 1956, ingressaram três novos oficiais da agência
no Brasil, somando-se aos oficiais que haviam chegado entre 1953 e 1955 e que permaneceram no país.
O número de novos oficiais da CIA chegados ao Brasil manteve-se estável entre 1957 e 1961, mas
disparou no início do governo Kennedy, especialmente no ano de 1963. Assim como ocorreu em
relação ao número total de oficiais nas missões diplomáticas dos EUA no Brasil apresentados no
capítulo 2, a quantidade de operativos da CIA aumentou em 1955, como reflexo do planejamento norte-
americano analisado no capítulo 1, e entre 1961 e 1964 – o significado deste aumento nesse período
será abordado nos capítulos finais desta tese.
162

Gráfico 3. Evolução do número identificado de oficiais da CIA nas missões diplomáticas dos EUA no Brasil, por período,
entre 1947 e 1964
50

45 43

40 38

35
29
Número de oficiais

30
25
25
19
20

15
10 10
10
4
5

0
1947-1949 1950-1953 1952-1954 1955-1956 1957-1958 1959-1960 1961-1962 1963-1964
Período

O gráfico acima demonstra que o número de oficiais identificados da CIA no Brasil não parou
de aumentar durante os governos de Eisenhower e Kennedy. O primeiro aumento expressivo deu-se
entre 1955 e 1956, em consequência da importância atribuída às atividades da agência de inteligência
pelos formuladores da política norte-americana. O número de oficiais da CIA nos postos diplomáticos
dos EUA seguiu aumentando ao longo do governo de Eisenhower. Durante a administração de
Kennedy e no período inicial do governo Johnson, houve um aumento significativo dos operativos da
CIA no Brasil. Não por coincidência, o crescimento mais expressivo deu-se entre 1963 e 1964, no
período imediatamente anterior ao golpe contra Goulart, ocorrido em março/abril de 1964 – maiores
detalhes sobre isso serão abordados nos capítulos finais da tese.
De acordo com as informações disponíveis no Biographic Register, dos setenta e sete oficiais
identificados da CIA que atuaram no Brasil entre 1947 e 1964, trinta e seis participaram da Segunda
Guerra Mundial. Um pequeno número de oficiais trabalhou no Office of Strategic Service (OSS), mas
não foi possível encontrar informações precisas sobre quais foram as funções cumpridas por estes
163

oficiais durante a guerra. Sessenta e seis indivíduos tinham formação universitária, sendo dezesseis
deles em universidades de elite integrantes da Ivy League, e treze fizeram pós-graduação. Chama
atenção que, destes sessenta e seis oficiais com diploma universitário, quatorze fizeram sua graduação
na Foreign Service School ou na Law School da Georgetown University, em Washington, D.C. Trinta e
quatro tinham experiência no setor privado previamente ao seu ingresso na CIA. Enquanto
representantes da agência de inteligência, vinte e seis serviram em postos diplomáticos fora da América
Latina, enquanto quarenta e três trabalharam apenas em países latino-americanos – considerando as
funções diretamente vinculadas às missões diplomáticas dos Estados Unidos e que aparecem, portanto,
na lista do serviço exterior e no registro biográfico. Apenas dez indivíduos haviam servido no FBI
durante a Segunda Guerra Mundial. Quanto à região onde nasceram os oficiais, a maior parte (trinta e
quatro) era oriunda de estados da Costa Leste, seguido por Meio Oeste (vinte e cinco), Sul (nove),
Costa Oeste (seis), Canadá (1), Havaí (1) e um italiano naturalizado norte-americano.
Estes dados indicam que o perfil dos oficiais da CIA que serviram no Brasil era muito próximo
àquele de seus representantes que serviram na Europa196. O padrão de recrutamento de agentes que
atuaram no Brasil, na maior parte dos casos, selecionou indivíduos com formação universitária, com
uma porcentagem considerável de egressos da Ivy League, da Georgetown University e pós-graduados.
A maior parte deles nasceu na Costa Leste, uma região considerada como mais progressista e liberal em
comparação com o sul dos Estados Unidos, por exemplo, de onde vieram apenas nove destes oficiais.
Os indivíduos do Meio Oeste, na maior parte dos casos, nasceram nos estados de Illinois, Michigan e
Indiana, que até o final dos anos 1970 estavam entre os mais industrializados do país, e não nos estados
predominantemente agrícolas da região, considerados mais atrasados em termos de valores culturais.
Em resumo, os agentes da CIA que trabalharam no Brasil durante o período considerado eram jovens
(entre 25 e 30 anos) com boa formação universitária e provavelmente “liberais” – segundo o conceito
norte-americano. Em tese, não tinham um perfil típico de um conservador sulista do Alabama ou do
Kansas, mas sim uma trajetória muito parecida a de Philip Agee, cujas memórias demonstram que ele
era um jovem de classe média e com formação em uma boa universidade.

196 A maior parte das memórias de ex-oficiais da CIA caracterizam seus representantes na América Latina como
predominantemente marcados por um perfil supostamente menos “refinado” em comparação aos oficiais que atuaram na
Europa. O ex-operativo da CIA Philip Agee (1976, pp. 99-100), conforme apresentado acima, descreve que a Western
Hemisphere Division (WH) da CIA era a única divisão do DD/P que não se localizava nos edifícios da Reflecting Pool, em
Washington D.C. Agee sentia que a divisão era menosprezada pelo restante do departamento, vista como “um feudo de J. C.
King e uma fraternidade de ex-oficiais do FBI transferidos para a CIA em 1947, quando esta tomou conta do trabalho de
inteligência realizado pelo FBI na América Latina”. Ainda conforme Agee, a WH era “tratada pejorativamente como
‘divisão de galochas’”.
164

O preconceito de alguns ex-oficiais do governo norte-americano com relação aos representantes


da CIA que atuavam na América Latina resultava, em grande medida, da percepção negativa que se
tinha em relação ao histórico de atuação do FBI durante a Segunda Guerra Mundial. Robert P. Joyce
(apresentado no capítulo anterior) resumiu esta visão ao afirmar em suas memórias não publicadas que
os “agentes especiais do FBI, apesar de suas credenciais aparentemente impressionantes, na verdade
estudaram em escolas provincianas e sectárias, em cursos noturnos, nenhuma delas com prestígio
acadêmico” (Memórias, 1979). O ex-oficial da CIA E. Howard Hunt (1974, p. 68) afirma que “quase
todos os chefes de estação da CIA ao sul do Rio Grande eram ex-agentes do FBI que serviram na
região durante a Segunda Guerra Mundial”. “Agentes da lei por excelência”, explica Hunt, “estes
recauchutados (retreads) do FBI coletavam informação através de agentes de ligação com os
departamentos locais de polícia e estavam desacostumados com o conceito de ‘ação encoberta’ tal
como descrito nos estatutos da OPC”. “Em muitos casos”, concluiu Hunt, “eles eram hostis” às “ações
encobertas”. Outro operativo da CIA, Richard M. Bissell, Jr. 197 (1996, p. 83), afirma que J. C. King
“personificava a antiga abordagem do FBI, que se concentrava quase exclusivamente na espionagem, e
não era especialmente amigável à filosofia da ação encoberta”.
Na verdade, embora o legado das atividades de inteligência do FBI construído durante a
Segunda Guerra Mundial tenha sido importante para o trabalho da CIA na América Latina, parece
equivocado exagerar a influência dessa herança sobre a atuação da agência de inteligência norte-
americana, pelo menos no caso do Brasil. Ao contrário do que afirma Hunt, a maior parte dos chefes da
estação local da CIA no Rio de Janeiro, entre 1948 e 1966, não havia sido do FBI. Entre 1949 e o final
do ano de 1956, esses chefes, muito provavelmente, foram Raford W. Herbert (1949-1953) e Collins D.
Almon (1953-1956), caso o critério de senioridade e experiência na região definisse quem eram os
chefes de estação, a partir dos dados presentes no Biographic Register198. Ambos haviam sido oficiais

197 Bissell é um dos “quatro melhores” homens, expressão utilizada por Evan Thomas (1996) para caracterizar os quatro
fundadores do serviço clandestino da CIA nos anos 1950. Bissell era graduado em Yale, onde, nos anos 1930, lecionou
economia. Durante a Segunda Guerra Mundial, tornou-se diretor executivo de envio marítimo de suprimentos para as
operações de guerra das tropas norte-americanas na Europa. Em 1946, lecionou economia no Massachusetts Institute of
Technology (MIT). Dois anos depois, voltou a trabalhar para o governo, desta vez como um dos diretores da Economic
Cooperation Administration (ECA), agência responsável pelo planejamento e execução do Plano Marshall. No final dos
anos 1940, trabalhou como assistente de Allen Dulles na CIA. No final do ano de 1958, tornou-se chefe do DD/P da
agência, e ficou famoso por ter sido considerado o principal responsável pelo fracasso da invasão da Baía dos
Porcos/Batalha de Girón, em abril de 1961. Meses depois do episódio, pediu demissão da agência ( The New York Times,
08/02/1994).
198 Agee e Wolf (1978, p. 56) destacam que “alguns poucos nomes de maior gradação descritos no Biographic Register não
eram chefes de estação, especialmente na Europa”, de acordo com listas publicadas pela revista Counter Spy na década de
1970.
165

do SIS/FBI em diferentes países da América Latina durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto,
entre 1956 e 1966, nenhum dos outros chefes da estação local da CIA havia sido oficial do FBI.
Além disso, é um equívoco caracterizar a atuação do FBI e posteriormente da CIA junto às
forças policiais e aos órgãos locais de inteligência como se fosse algo limitado ou problemático. Na
verdade, ambas as agências enfatizaram a aproximação a estes setores porque, pelo menos no caso
brasileiro, as elites militares (e também as civis), sobretudo os seus representantes que exerciam
funções de comando nos diferentes órgãos da repressão do país, eram intimamente ligadas à elite
empresarial local e à comunidade de empresários norte-americanos no Brasil. Nas partes II e III desta
tese serão apresentados vários exemplos de articulações locais de uma elite empresarial-militar (com
auxílio de outras frações de classe) que, ao longo de quarenta anos, promoveu uma ação política
consciente para evitar que os setores operários e populares se organizassem politicamente no país.
Assim, ao contrário de ser uma suposta limitação, a proximidade do governo estadunidense a estes
setores no Brasil era resultado de uma análise política certeira, que identificou corretamente as
principais frações de classe locais capazes de influenciar os mecanismos de controle social no país e
colaborar na busca pela consolidação hegemônica dos Estados Unidos no maior país latino-americano.
A suposta falta de familiaridade ou o rechaço às “ações encobertas” pelos líderes da CIA que
atuavam na América Latina também deve ser problematizada. A análise de algumas das atividades da
CIA no Brasil – e em outros países latino-americanos – ao longo dos anos 1950 e início da década de
1960 revela que a agência liderou muitas operações deste tipo. Nas partes II e III serão apresentadas
algumas operações da agência no Brasil e na América Latina, indicando que muitas delas tiveram um
impacto significativo sobre a política local e, pelo menos no que diz respeito ao aspecto da “negação
plausível”, elemento tão importante para as “ações encobertas” do governo dos Estados Unidos, pode-
se considerar que foram exitosas. Ao contrário do que aconteceu com muitas das operações lideradas
pela CIA na Europa e na Ásia no mesmo período, aquelas lideradas na América Latina por J. C. King
conseguiram ocultar com bastante eficiência o papel desempenhado pelo governo dos Estados Unidos.
Nos casos em que esse envolvimento veio a público – o golpe contra o governo de Arbenz na
Guatemala em 1954 e a invasão à Baía dos Porcos (ou batalha da praia Girón, como é chamada pelos
cubanos) em 1961 – King não estava no comando.
O provável chefe de estação da CIA no Brasil nos primeiros anos de atuação da CIA foi Raford
“Ray” Watson Herbert. Nascido em 11/03/1915, estudou na Southwestern University e também na
Georgetown University. Entre 1936 e 1943, trabalhou no FBI e, em julho de 1943, foi enviado à
166

Argentina como operativo do SIS, passando por Mendoza, Rosario e Buenos Aires, onde trabalhou até
1945. Foi designado attaché em Montevidéu em janeiro de 1947, permanecendo no Uruguai até
setembro de 1949. Em dezembro do mesmo ano, seguiu para o Rio de Janeiro, ainda como attaché
nível FSS-3. Entre 1954 e 1955, foi transferido para o Departamento de Defesa, ou seja, ele
desempenhou alguma função determinada pelo escritório central da CIA, não estando diretamente
vinculado a nenhuma missão diplomática dos Estados Unidos. Em novembro de 1955, designado
oficial FSR-2, partiu para Santiago do Chile, onde permaneceu até 1960 (Biographic register, 1961, p.
314). A coleção FRUS registra a participação de Herbert em reuniões em que foram discutidas medidas
a serem tomadas contra a eleição de Salvador Allende em 1964, identificando-o como “diretor adjunto
da Divisão de Hemisfério Ocidental da CIA”199.
Entre 1953 e 1956, o chefe de estação da CIA do Rio de Janeiro foi possivelmente Collins D.
Almon. Nascido em 19/03/1917, formou-se pela Universidade do Alabama em 1939. Entre 1940 e
1946 ele serviu no Departamento de Justiça, leia-se, no SIS/FBI na América Latina, e entre 1946 e
1947 no exército. Em janeiro de 1947, foi transferido para o Paraguai como attaché, um dos títulos
diplomáticos mais comuns conferidos pelo Departamento de Estado aos oficiais da CIA. Em fevereiro
de 1947, estourou uma guerra civil no país, conhecida como a Revolução dos pynandí. De acordo com
Grow (1988, p. 139), “o governo Truman rapidamente enviou um agente especial da CIA, Collins D.
Almon, para reunir informação sobre a participação comunista na guerra civil”. Almon e outras fontes
americanas informaram que, embora estivesse “longe de ser uma revolta dominada por comunistas”,
estes estariam exercendo uma “influência considerável sobre as fileiras rebeldes” 200. Em março de
1949, ele foi transferido para a Guatemala. Entre 1951 e 1952, dedicou-se à advocacia privada. Mas,
em agosto de 1952, foi despachado para o Rio de Janeiro como oficial FSS-4, permanecendo no Brasil
até meados de 1956 (Biographic register, 1959, p. 1933).
David Warner Smyser foi, possivelmente, o chefe da estação da CIA no Rio de Janeiro entre
dezembro de 1955 e o início de 1958 201. Nascido em 23 de setembro de 1901 no estado da

199 A indicação da função de “Ray” Herbert consta na seção “Persons”, página XXXVIII. Ver FRUS, 1964-1968, Volume
XXXI, South and Central America; Mexico.
200 Mora e Cooney (2007, p. 119) também registram a presença de Almon como oficial da CIA no Paraguai.
201 Smyser foi designado como o oficial de ligação da embaixada do Rio de Janeiro com o Itamaraty no programa de
intercâmbio de informações sobre o comunismo previsto na Conferência de Caracas e determinado pelo plano de operações
contra o comunismo na América Latina do governo estadunidense (Despacho diplomático, 26/12/1956). Em abril de 1956,
referindo-se ao mesmo tema, o embaixador James C. Dunn comunicou que havia “designado seu principal representante do
CAS” como oficial de ligação do programa (Telegrama n. 1493, 25/04/1956). CAS (Controlled American Source) é um
acrônimo utilizado para se referir à CIA, podendo identificar tanto o destinatário de algum documento (a estação local da
agência em alguma missão diplomática) quanto alguma atividade ou organização autóctone considerado um recurso (asset)
da CIA. Este acrônimo é de uso corrente em documentos oficiais, não apenas os produzidos pela CIA. Embora a agência
167

Pennsylvania, ele obteve diploma em engenharia pela University of Michigan em 1925. Entre 1929 e
1948, trabalhou na Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras, subsidiária local da
American Foreign Power202, onde exerceu várias funções de gerência – assistente do vice-presidente e
do diretor-geral (Prontuário Arquivo Nacional; Biographic Register 1959, p. 675). Entre 1948 e 1950,
trabalhou no Departamento de Empréstimos do Banco Mundial (Biographic register, Id.; World Bank,
2014, p. 27). Entre 1950 e 1955, seu nome consta no Biographic Register como “oficial executivo do
Departamento de Defesa”, quer dizer, ele estava exercendo funções como oficial da CIA.
Uma delas foi a de membro do Working Group on Internal Security and Communism in the
American Republics (Grupo de Trabalho sobre Segurança Interna e Comunismo nas Repúblicas
Americanas). Segundo John C. Dreier, representante dos Estados Unidos na Organização dos Estados
Americanos (OEA), o grupo foi formado em julho de 1953 para “recomendar e formular propostas para
a programação da [Conferência] de Caracas” e também para “formular a posição dos Estados Unidos,
incluindo resoluções que nós possamos submeter em quaisquer itens da programação da conferência,
propostos por nós ou por outros governos, sobre o tema do comunismo” (Memorando, 08/07/1953).
Dreier se tornou o chefe da delegação estadunidense na Conferência de Caracas de 1954. Em uma
carta enviada a David W. Smyser, Dreier o identificou como membro da “Central Intelligence Agency”
e também como um dos integrantes do grupo de trabalho (Carta, 03/02/1954).
Um memorando de maio de 1955 demonstra que Smyser participou de uma reunião em que
foram debatidos importantes assuntos sobre a conjuntura econômica e política do Brasil.
Compareceram à reunião o secretário do Tesouro George Humphrey, o subsecretário do Tesouro
Randolph Burgess e o secretário adjunto do Tesouro Andrew Overby. Representando o Departamento
de Estado, o secretário Henry F. Holland, Rollin S. Atwood e Sterling J. Cottrell, ambos do Office of
South American Affairs. Compareceram também o coronel J. C. King e David Smyser, ambos da CIA.
Foram discutidas as perspectivas para as eleições de outubro de 1955 e a crise financeira do país. A
conclusão do encontro foi que seria necessário “acompanhar muito cuidadosamente a situação política
do país” e também “oferecer o mínimo de auxílio financeiro necessário apenas para manter o Brasil

não tenha disponibilizado nenhum documento explicando o significado desta sigla, ela é citada em inúmeras pesquisas
acadêmicas, em documentos disponíveis no sítio eletrônico da CIA e em pelo menos uma publicação oficial do
Departamento de Defesa (COLLINS, 1991). Um memorando oficial da CIA, referindo-se a uma operação da agência no
início da década de 1950 em Munique, Alemanha, confirma que um determinado documento relacionado a esta operação
"deveria ser mantido com tarjas de censura, pois o sigilo da frase 'Controlled American source' foi comprometido, por ter
tido seu significado associado à Central Intelligence Agency (continued classification is based on the facts that the phrase
'controlled American source' has been compromised as meaning Central Intelligence Agency) (Memorando, 16/04/1980).
202 Smyser é um exemplo de que os operativos da CIA na América Latina eram recrutados também do setor privado,
conforme apresentado acima.
168

respirando” (Memorando, FRUS, 24/05/1955)203. Em 01 de dezembro de 1955, Smyser foi designado


“political officer” – um dos títulos de fachada conferidos pelo Departamento de Estado para esconder a
verdadeira agência governamental à qual o indivíduo está vinculado –, nível FSR-2, para trabalhar na
embaixada do Rio de Janeiro. Smyser permaneceu no Brasil até dezembro de 1958 204 (Biographic
Register 1959, p. 675).
O sucessor de Smyser na estação local da CIA no Rio de Janeiro foi, possivelmente, Donald
Charles Marelius. Marelius nasceu na região oeste do estado do Colorado, em 01 de junho de 1914. De
acordo com depoimento de seus filhos e netos205, ele era o mais velho dos três filhos da família. Seu pai
Charles Marelius, um imigrante sueco, trabalhava como carteiro. Sua mãe, Cornelia, havia emigrado da
Dinamarca e morreu em 1922. Donald era muito próximo de seu irmão Edward A. Marelius, que
também trabalhou na CIA206. Donald sempre estudou em escolas públicas, e em 1934 ingressou na
University of Utah, onde se formou em Letras, com ênfase em inglês e espanhol. Em 1940, ele obteve o
diploma de mestrado em francês pela University of California at Los Angeles (Edward Marelius, Anne
Porter e Preston Lauterbach, entrevista com o autor, 07/12/2018 e 01/08/2019).
Com o início da Segunda Guerra Mundial, Marelius alistou-se no exército, mas não foi
aprovado nos exames médicos. Foi então contratado pelo Departamento de Estado e enviado como
vice-cônsul para trabalhar no consulado de Vigo, Espanha, em novembro de 1942 207. Após esse período

203 Embora a CIA fosse uma das agências responsáveis pelo planejamento da política externa norte-americana, conforme
apresentado acima, chama a atenção que Smyser tenha não apenas participado da formulação das políticas, mas também se
tornado um dos seus principais executores enquanto chefe de estação da CIA no Brasil.
204 De acordo com as memórias não publicadas de Ivan Hasslocher, chefe do IBAD, a serem apresentadas no capítulo 8,
“Dave” Smyser esteve no Brasil em algumas oportunidades depois de sua saída oficial do Brasil, para cumprir funções em
nome da CIA.
205 Edward Marelius, Anne Porter e Preston Lauterbach (filhos e neto de Donald C. Marelius, respectivamente), entrevista
com o autor, 02/12/2018 e 01/08/2019.
206 De acordo com o Biographic Register (1966, p. 345), Edward A. Marelius serviu na embaixada de Nova Déli entre
1957 e 1960, e em Estocolmo, a partir de 1965.
207 Vigo era uma cidade portuária neutra, e lá Marelius se envolveu em atividades de inteligência, principalmente em
operações de interceptação de comunicações de rádio (Preston Lauterbach, entrevista com o autor, 01/08/2019). De acordo
com Messenger (2014, p. 61), "em Vigo, Donald Marelius encontrava-se com muitos integrantes da colônia germânica para
obter informações e tomar depoimentos, os quais ele encaminhava para a embaixada”. Nessa época, os serviços de
inteligência norte-americanos e britânicos estavam conduzindo operações para identificar empresários alemães, membros da
Gestapo e agentes da Abwehr e da SD para repatriá-los à Alemanha. Messenger (Id.) relata que Marelius " monitorou o ex-
cônsul alemão em Vigo, Richard Kindling, o chefe de propaganda Gustav Kruckenberg, e o ex-diretor da Escola Germânica,
Otto Habnicht". Ainda segundo Messenger (p. 81-2), "informações de inteligência obtidas em interrogatórios de outros
nazistas baseados na Espanha eram fornecidas a Donald Marelius, que se encarregava de dar o encaminhamento necessário
a partir dessas informações”. Com base nisso, Marelius, em Vigo, “conseguiu fazer uma busca e entrevistar Karl Bock,
suposto chefe da Abwehr em Vigo e nas regiões vizinhas”. Marelius também interrogou, em dezembro de 1945, “os dez
membros mais importantes do regime nazista que ainda residiam na região vizinha da Galícia, porto de La Coruña”. Depois
de encontrar-se com muitos membros da colônia germânica da região, Marelius “apelou à embaixada [dos EUA na Espanha]
para expandir a sua lista” de pessoas a serem repatriadas, para evitar que "qualquer núcleo pudesse se tornar no futuro um
foco pan-germanista". Ainda conforme Messenger (p. 105), na primavera de 1946, os Estados Unidos iriam disponibilizar
169

na Espanha, Marelius teve uma passagem por Belize, entre 1946 e 1947, e San Salvador, entre 1947 e
1948. Segundo depoimento de seus familiares, ele teria sido recrutado pela CIA em função de suas
habilidades com línguas e seu envolvimento com operações de inteligência na Espanha durante a
Segunda Guerra Mundial. Seus familiares não sabem exatamente como se deu este processo de
recrutamento, tampouco quando isso aconteceu. Mas é provável que ele já fosse oficial da CIA quando
foi enviado para Bogotá, em julho de 1949, onde permaneceu até o início de 1952 208. Em março deste
ano, foi transferido para Santiago, possivelmente como chefe da estação local da agência. Conforme
depoimento de seus familiares, Marelius certa vez teria dito que ele havia sido “chefe de estação em
todos os locais” por onde ele havia passado. Entre 1954 e 1958, transferiu-se para o “Department of
Army”. Em seguida, foi oficialmente designado para trabalhar no Brasil, em 30 de abril de 1958
(Biographic register, 1966, p. 340).
No Rio de Janeiro, a família Marelius (Donald, Catherine, sua esposa, e seus três filhos)
instalou-se em um apartamento na avenida Lineu de Paula Machado, número 171, próximo à Lagoa
Rodrigo de Freitas. Os filhos do casal Marelius estudavam na Escola Americana. A família
praticamente convivia apenas com os membros da comunidade norte-americana da cidade. Catherine
nunca trabalhou fora de casa, mas era uma grande anfitriã (entertainer), organizando todas as festas
oferecidas pelo casal, à qual compareciam colegas da embaixada e personalidades da elite política,
militar e econômica local. “Todos os convidados bebiam até cair, mas o casal Marelius bebia muito
pouco, e isso devia facilitar o trabalho de tirar informações das pessoas”, disse Preston Lauterbach, 42
anos, que foi criado por seus avós Donald e Catherine. Lauterbach não sabe exatamente qual era o nível
de conhecimento que sua avó Catherine tinha das atividades de Marelius, mas ela sabia que ele
trabalhava na embaixada e provavelmente “era a esposa ideal de um oficial da CIA”, como descreveu
Lauterbach209.
Anne e Edward, filhos do casal, relataram que sabiam que Donald trabalhava para o governo
norte-americano, mas só souberam que ele era oficial da CIA muito mais tarde. Anne se lembra de seus

uma frota de navios para transportar alemães da Espanha para a Alemanha. Em Vigo, mesmo antes da divulgação desta
iniciativa americana, Donald Marelius relatou que a polícia espanhola tinha visitado pessoalmente os alemães para
“informá-los sobre esta opção e que ele havia oferecido suas informações de inteligência sobre residentes germânicos à
polícia para ajudá-los a cumprir esta tarefa". Marelius expressou sua frustração com o fato de alguns alemães “não terem
sido incluídos na lista de repatriamento porque nenhum indivíduo ou autoridade da Espanha estavam pressionando por
isso”. De acordo com Marelius, “os germânicos em Vigo simplesmente negavam o seu envolvimento com a espionagem
nazista, acusando os alemães que já haviam deixado a Espanha”. Ele concluiu que “maiores esforços de sua parte seriam
inúteis"(MESSENGER, 2014, p. 106).
208 Anne Porter e Edward Marelius, entrevista, Id..
209 Preston Lauterbach, entrevista, Id.
170

pais participando de muitas ocasiões festivas em várias embaixadas no Rio de Janeiro, incluindo a
recepção organizada durante a visita presidencial de Eisenhower ao Brasil, ocorrida em fevereiro de
1960. Anne ainda relatou que algumas festas “eram verdadeiros encontros de gala, aos quais o casal
Marelius comparecia muito bem vestido, e onde tocavam bandas com 3 ou 4 músicos, com coquetéis e
petiscos à vontade”.210
Preston Lauterbach lembra apenas de um nome com quem seu avô relatou se encontrar com
frequência: Preston Stevens, diretor da Coca Cola no Brasil. Lauterbach contou que o Brasil foi o lugar
preferido por onde passou o casal Marelius, e ressaltou que Donald “não gostou nada de sair do Brasil”.
Após a sua aposentadoria, Marelius manteve móveis e outras lembranças do Brasil em sua casa na
Califórnia, muitos livros sobre política brasileira, e discos de música brasileira, especialmente MPB e
bossa nova. Lauterbach disse que seu avô se referia a Kubitschek “favoravelmente”. Marelius foi
removido do Brasil oficialmente em outubro de 1963. Lauterbach relatou que seu avô explicava a sua
saída do Brasil “como parte de uma mudança maior pela qual a CIA estava passando”, mas não soube
precisar muito bem o que foi essa mudança. Após saírem do Brasil, eles voltaram a McLean, estado da
Virginia, onde ele continuou a trabalhar na sede da CIA em Langley. Seu filho Ed lembra que seu pai
atuou como oficial de ligação da CIA com a Marinha dos Estados Unidos.211
Donald C. Marelius se aposentou em 1973. Retirado, pintou inúmeros quadros, retratando
paisagens da Espanha, do Chile e do Brasil. Quadros bonitos, segundo seu neto Preston, pintados em
um estúdio que ele construiu em sua garagem. Ele também gostava muito de jardinagem. “Don era
muito gentil, muito calmo, e nunca levantou a voz para mim, não era racista, coisa que era muito
comum aos homens brancos da época dele”, contou Preston. Ele acrescentou que seu avô “era apoiador
do Partido Democrata e de Kennedy, mas nos anos 1980 apoiou Reagan”. Marelius um dia disse a
Preston que “nós fizemos coisas antidemocráticas em nome da democracia". Ele também relatou que
seu avô dizia que o trabalho na CIA era muito estressante, “uma verdadeira panela de pressão". “Ele foi
envelhecendo muito por causa do trabalho na CIA, mas era um ótimo ouvinte, por isso, um ótimo
recurso (asset) da CIA”, na opinião de Preston. Com relação à sua partida do Brasil, seu neto relatou
que, apesar de ele não ter gostado de sair do país, porque gostava muito daqui, “até certo ponto foi um
alívio, porque a pressão do trabalho no Brasil era muito grande, meu avô me contou”.212

210 Anne e Edward Marelius, entrevista, Id.


211 Preston Lauterbach, entrevista, Id.
212 Id.
171

Marelius foi substituído na chefia da estação da CIA no Rio de Janeiro possivelmente por
Vernet Lamar Gresham. Nascido no estado do Mississipi em 30 de julho de 1914, em 1936 Gresham
graduou-se na Louisiana State University. A partir daquele ano, trabalhou como repórter (em local e
empresa não identificados). Em 1941, ingressou no Exército norte-americano. Entre 1943 e 1950,
Gresham atuou apenas na América Latina: de 1943 a 1945, como assistente do adido militar na
embaixada de Quito, no Equador; entre junho de 1945 e 1947, desempenhou a mesma função em Cuba,
quando tornou-se tenente-coronel. No início de março de 1947, Gresham, com a designação FSS-8, foi
transferido para a embaixada de Buenos Aires, Argentina. Dois anos depois, já como oficial FSS-6, foi
transferido para Lima, no Peru, onde permaneceu até 1950 (Foreign Service List, 1943, p. 16; 1944, p.
16; 1945, p. 14; 1946, p. 14; Biographic Register, 1967, p. 213). Entre 1951 e 1952, trabalhou como
corretor (broker) de uma empresa produtora de arroz, não identificada no Biographic Register. Em
novembro de 1952, Gresham voltou a trabalhar oficialmente para o governo estadunidense, como adido
(FSS-4) na embaixada de Bangkok, capital da Tailândia, posto que ocupou até junho de 1955. Entre
1955 e 1958, esteve vinculado ao "Department of Army" como "oficial de assuntos estrangeiros". Nessa
época, era certamente um oficial da CIA, mas é possível que tenha ingressado na agência em momento
anterior. Em junho de 1958, quando Gresham foi designado para servir como political officer, nível
FSR-3, na embaixada de Jacarta, sua carreira parece ter atingido um outro patamar. Muito
provavelmente, ele foi o chefe da estação da CIA na capital da Indonésia, entre junho de 1958 e
dezembro de 1961. O indício de que ele esteve à frente da estação está presente na Foreign Service
List: Gresham era o oficial de menor gradação entre o pessoal da embaixada com a designação “FSR” –
à exceção do adido trabalhista (Biographic Register, 1967, p. 213).
Embora faltem informações sobre as atividades de Gresham na Indonésia, é possível avaliar a
importância da posição que ele possivelmente ocupava. A Indonésia, entre 1949 e 1957, sob o governo
nacionalista de Sukarno, era uma "próspera democracia parlamentar" (SIMPSON, 2008). Mas o
crescimento do partido comunista (PKI) naquele país era motivo de preocupação para os estrategistas
do governo estadunidense. Nas eleições de 1955, os comunistas alcançaram quase 17% dos votos,
tornando-se a quarta maior força partidária do país. Entre 1954 e 1959, o número de membros do
partido aumentou de 200 mil para um milhão e meio 213. Para conter o PKI, a administração Eisenhower
deu início à "maior e mais desastrosa operação encoberta da Guerra Fria" (Id., 2008) – que teria sido
mantida em segredo até mesmo para o embaixador dos EUA em Jacarta –, fornecendo,

213 No início dos anos 1960, o PKI era o maior partido comunista do mundo, sendo apenas menor que o soviético e o
chinês (SIMPSON, 2008).
172

clandestinamente, apoio material a grupos políticos locais, incluindo armamentos, com o objetivo de
derrubar Sukarno do poder. Em janeiro de 1958, o governo Eisenhower interveio na Indonésia,
fornecendo apoio aéreo a rebeldes oposicionistas armados, dando início a uma sangrenta mas curta
guerra civil no país. Alguns meses depois, com apoio bélico da URSS, Sukarno conseguiu sufocar a
rebelião.
Foi nesse período, junho de 1958, que Gresham chegou à Indonésia. A partir daquele momento,
de acordo com documentação das administrações Eisenhower e Kennedy consultadas por Simpson
(2008), o principal objetivo de curto prazo da política estadunidense para o país era a contenção dos
comunistas, recorrendo a "todos os meios necessários e apropriados" e criando "bases para medidas
políticas repressivas justificáveis". Para oficiais de governo e cientistas sociais norte-americanos que
contribuíram para a formulação de políticas voltadas à Indonésia, o apoio às forças armadas daquele
país era a estratégia mais adequada para conter o partido comunista indonésio e a "deriva à esquerda"
do governo Sukarno, construindo as bases de uma "modernização econômica e política" (Ibid., 2008).
Esperava-se que, uma vez eliminada a ameaça do PKI, um regime militar pudesse criar as bases para
um desenvolvimento econômico que seria a melhor esperança para a estabilidade de longo prazo na
Indonésia.
Na interpretação de Simpson (2008), os Estados Unidos pretendiam, apenas dois anos depois da
desastrosa intervenção encoberta na Indonésia, provocar um conflito (clash) entre as Forças Armadas e
o PKI, supondo que o Exército indonésio derrotaria o oponente que era bem organizado, mas
desarmado e basicamente indefeso. De acordo com Robinson (2018, p. 96), os militares eram vistos
como a única "força anticomunista confiável". Por isso, os estrategistas norte-americanos consideravam
que era preciso encorajá-los a "desempenhar um papel mais direto na política", em aliança com setores
civis. Para tanto, os EUA colocaram em prática um amplo programa de assistência financeira aos
militares da Indonésia. A estratégia era "deliberadamente divisiva, por princípio". Visava aumentar as
divisões políticas e conflitos internos, dos quais o Exército "pudesse ter quase a certeza de que sairia
vitorioso". O objetivo era favorecer a criação de um ambiente político em que os militares tivessem
"incentivo e forte motivação para agir" (Id., p. 96).
Os programas de assistência financeira dos EUA não visavam apenas fortalecer os militares,
mas também criar um apoio civil para as ações das forças armadas. Na avaliação de Roosa (2006, p.
184), o exército indonésio seguiu "a sua própria versão da estratégia gramsciana: conquistar pontos
estratégicos da sociedade civil antes de se lançar à conquista do Estado". Com esse fim, o Exército
173

criou jornais, grupos culturais e organizações civis que cumpriam o papel de partidos políticos e
sindicatos, buscando "espelhar" as atividades desempenhadas pelo PKI. Tais iniciativas recebiam o
apoio encoberto do governo estadunidense (ROBINSON, 2018, p. 99). E Vernet Gresham, enquanto
chefe da estação local da CIA, certamente participou da aplicação – e talvez também da elaboração –
desta política dos EUA para a Indonésia. Como esperado, ele provavelmente desempenhou as suas
funções de modo discreto, já que seu nome não é citado em nenhuma das fontes sobre a Indonésia a
que tivemos acesso.
Um dos motivos para a designação de Gresham como chefe da CIA no Brasil – oficialmente em
março de 1963 – pode ter sido a sua experiência com a aplicação de uma política muito semelhante
àquela que se pretendia desenvolver no Brasil naquele período. Seu retorno à América Latina ocorreu
no mesmo momento em que a Divisão de Hemisfério Ocidental (WH) da CIA passava por profundas
modificações, depois do fracasso da invasão à Baía dos Porcos/Batalha de Girón, em Cuba, em abril de
1961 (AGEE, 1976, p. 324) Nesse período, funcionários experientes da Divisão do Extremo Oriente da
agência, como o seu ex-chefe Desmond "Des" FitzGerald214, Edward Lansdale215 e Joseph B. Smith
214 De acordo com Thomas (2006, p. 285-6), FitzGerald foi transferido para a WH em função de desentendimentos
ocorridos entre ele e o Secretário de Defesa do governo Kennedy, Robert McNamara, com relação ao Vietnã. FitzGerald, no
entanto, era considerado "o principal expoente das ações encobertas" da CIA, e foi convidado em dezembro de 1962 a
assumir as operações anti-Cuba da agência, que passariam a ser coordenadas por uma nova divisão interna chamada Special
Affairs Staff, criada em janeiro de 1963 em substituição à antiga Task Force W chefiada pelo general Lansdale (Id., p. 291).
Entre março/abril de 1964 e junho de 1965, FitzGerald foi chefe da WH da CIA. A partir de então, tornou-se chefe do DD/P
da agência. Formado em Harvard, FitzGerald era advogado de um famoso escritório de advocacia de Nova Iorque antes de
seu ingresso na CIA, ocorrido em 1951. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu no Exército norte-americano em Burma,
Índia e China. Foi chefe de estação da CIA no Japão e nas Filipinas, na primeira metade dos anos 1950, e diretor da Divisão
do Extremo Oriente da agência entre 1956 e 1962 (Obituário, The Washington Post, 24/07/1967).
215 Em 1961, Lansdale tornou-se chefe da Força Tarefa W (Task Force W), responsável pela implementação da Operação
Mongoose, que visava derrubar Fidel Castro do poder em Cuba, conforme será visto no capítulo 10. Lansdale havia sido um
executivo de uma empresa de publicidade em San Francisco, Califórnia. Após o seu ingresso na CIA, ele foi encarregado
pela agência, em 1950, para liderar as operações contrainsurgentes dos EUA nas Filipinas. Parte do plano de Lansdale
incluía dar uma “cara local” aos interesses norte-americanos no país. Por isso, ele escolheu um político local, Ramon
Magsaysay, para liderar a campanha contrarrevolucionária nas Filipinas, buscando promovê-lo, através de ações de
propaganda, a Ministro de Defesa, para que ele se tornasse, assim, o líder militar da campanha contra os Huks (como era
chamado o grupo insurgente comunista local). Lansdale trabalhou nas Filipinas como conselheiro pessoal de Magsaysay.
Mas Lansdale tinha consciência de que uma vitória definitiva sobre a guerrilha exigiria não apenas um esforço militar, mas,
fundamentalmente, uma estratégia de ação política. Assim, ele supervisionou uma massiva campanha de interferência nas
eleições regionais de 1951 e nas presidenciais de 1953, e instituiu um programa de “desenvolvimento comunitário” como
instrumento para conter a insurgência. Para tanto, os serviços clandestinos da CIA, sob a liderança de Lansdale, criaram nas
Filipinas uma organização civil local para interferir nas eleições, cujo nome, ironicamente, era Movimento Nacional por
Eleições Livres, conhecido por seu acrônimo NAMFREL, ostensivamente chefiado por três veteranos de guerra filipinos.
Magsaysay acabou sendo eleito presidente em 1953, aumentando a repressão sobre a guerrilha comunista. A estratégia de
intervenção liderada por Lansdale foi considerada um modelo de sucesso (BOOT, 2018, p. 75-82). Após seu êxito nas
Filipinas, Lansdale passou a ser considerado um especialista em guerra psicológica. Para maiores informações sobre a
trajetória de Lansdale, ver MCCOY (2009) e BOOT (2018). É importante ressaltar que a estrutura para uma intervenção
encoberta em eleições de outros países já existia desde 1948, quando o NSC aprovou um programa secreto de interferência
nas eleições italianas desse ano. Sobre este tema, ver BROGI (2011) e MISTRY (2014). Para estudos de caso sobre as ações
de “desenvolvimento comunitário” de agências de governo norte-americano, ver IMMERWAHR (2015), MCCOY (2009),
174

(citado acima), entre outros, passaram a atuar na WH (AGEE, 1976, p. 414; SMITH, 1976, p. 373-4).
Gresham permaneceu no Brasil entre março de 1963 e abril de 1967. Ou seja, era o provável chefe da
estação da CIA no Brasil no período em que ocorreu no golpe contra o presidente João Goulart216.
Mas, afinal, o que fazia um chefe de estação da CIA? Os chefes de estação (COS, na sigla em
inglês) tinham a função de “manter, criar e explorar a infraestrutura” disponível para a CIA em um
determinado país. A influência exercida pela CIA na vida política local – partidos políticos, associações
cívicas, grupos estudantis, sindicatos, mídia, militares e agências governamentais do país-alvo – podem
ser descritas como “uma rede com o chefe de estação em seu centro”. No início da década de 1960, a
política exterior dos Estados Unidos, tanto em seus aspectos ostensivos quanto encobertos, era
administrada e executada em um determinado país através do country team (equipe de campo). Este era
chefiado pelo oficial de maior gradação do posto diplomático (geralmente um embaixador, mas poderia
ser um ministro, cônsul, ministro-conselheiro, etc., no caso de um país em que a principal
representação diplomática dos EUA não tivesse o status de embaixada) e pelos demais oficiais de
maior nível na hierarquia do serviço exterior, incluindo o chefe de estação da CIA. A tarefa do country
team era coordenar da melhor forma possível a implementação da política americana. À CIA, por sua
vez, cabia o papel de implementar os aspectos clandestinos da política exterior. O chefe de estação era
encarregado de supervisionar a “utilização das técnicas e métodos das ações encobertas e a rede de
contatos que tornam possível a sua utilização” 217. Em nações onde a presença norte-americana era
maior, como no caso do Brasil, uma equipe adicional de oficiais da CIA, chamados de Chefes de Base
(COB, na sigla em inglês), podia ser necessária para dar conta das atividades da agência (COUNTER
SPY, 1975).
Joseph Yoshio Kiyonaga serviu na base da CIA de São Paulo entre abril de 1960 e dezembro de
1963. Nascido no Havaí em outubro de 1917, ele era filho de japoneses que imigraram para a ilha

MCCOY e SCARANO (2009), BRIGGS (2002) e LIGHT (2003).


216 Não sabemos quais foram as atividades de Gresham em seu período como chefe da estação da CIA no Brasil, entre
março de 1963 a abril de 1967. Mas cabe destacar que, além de seu envolvimento com o IBAD – a ser apresentado no
capítulo 8 –, ele é um dos três oficiais da embaixada do Rio de Janeiro identificados nas comunicações telefônicas com o
Departamento de Estado ocorridas no dia 01 de abril de 1964, quando a movimentação para o golpe contra Goulart já havia
iniciado. Nas transcrições dessas conversas, disponíveis na Biblioteca Presidencial Lyndon B. Johnson e na coleção Foreign
Relations of the United States (FRUS), Lincoln Gordon é identificado como embaixador (ambassador) e John Gordon Mein
como ministro (minister), enquanto Gresham é identificado apenas como "Mr. Gresham", sem qualquer menção a seu título
diplomático oficial de fachada, e muito menos à real função por ele desempenhada na missão diplomática norte-americana.
As menções ao nome de Gresham aparecem em FRUS, 1964-1968, Volume XXXI, South and Central America; Mexico,
documentos 201 (“Teleconference between the Department of State and the Embassy in Brazil”, comunicação telefônica
realizada às 15 horas), e 203 (“Teleconference between the Department of State and the Embassy in Brazil”, realizada às
20:30 horas), ambas de 01/04/1964.
217 A importância do trabalho em equipe do country team será retomado no último capítulo.
175

estadunidense no início do século XX – pouco depois de os EUA arrebatarem-na da Espanha na Guerra


Hispano-Americana. Ele estudou na Universidade do Havaí (1935-1940) e, após o ataque a Pearl
Harbor, ocorrido em dezembro de 1941, foi um dos responsáveis pela criação do Batalhão 442, um
corpo de voluntários integrado apenas por nissei havaianos, de acordo com as memórias escritas por
sua esposa Bina Cady Kiyonaga (KIYONAGA, 2000, p. 52). Terminada a guerra, ele estudou na escola
de direito da University of Michigan e, em 1949, fez um mestrado na School of Advanced International
Studies (SAIS) da universidade Johns Hopkins – onde fez um curso sobre “guerra psicológica” com
Paul M. A. Linebarger, considerado a principal referência nos Estados Unidos sobre o tema. Kiyonaga
foi recrutado para a CIA provavelmente por indicação de Linebarger, de acordo com o depoimento de
Bina (Id., p. 115-6).
Após o seu ingresso na CIA em 1949, Kiyonaga passou seis meses em período de treinamento.
Entre as muitas habilidades exigidas de um operativo da agência, ele aprendeu “métodos de vigilância,
disfarces, interceptação telefônica, tiro ao alvo (no claro e no escuro), comunicação clandestina,
sabotagem, uso de sinais para comunicação secreta, perseguição, fuga e batidas de carro” (Ibid., p. 75).
Mas, segundo Bina, “o mais importante treinamento era relacionado à guerra psicológica e ações
encobertas”, no qual os operativos “aprendiam como ganhar acesso e influenciar líderes
governamentais importantes, técnicas para plantar editoriais ou artigos favoráveis em jornais, e
aspectos de guerra econômica”. Entretanto, ela destaca que não são apenas “os truques de disfarce que
fazem um espião”, mas também “a sua habilidade em administrar pessoas”:

As pessoas mais importantes a serem administradas eram os agentes (...). Selecionar e


recrutar um agente era crucial. Antes de recrutado, um agente em potencial tinha de ser
cuidadosamente investigado. Histórico da família (...) e detalhadas avaliações
psicológicas eram feitas para descobrir influências não visíveis e vulnerabilidades. (...).
Uma vez que um agente era recrutado, a questão do controle sobre ele era crucial e
permanente. A sua informação tinha de ser corroborada, sua boa fé checada, e sua
cooperação, mantida sob sigilo. (...). Eu acho que, em última análise, o que torna um
espião excepcional é a sua habilidade de inspirar confiança. E as pessoas, fossem
agentes ou colegas de trabalho, confiavam em Joe [apelido de Joseph] (KIYONAGA,
2000, p. 76).
Mostrando um profundo conhecimento sobre detalhes da história da CIA, Bina confirma alguns
dos artifícios utilizados para disfarçar a presença de um operativo da agência entre o pessoal
diplomático no exterior. Ela explica que “geralmente os operativos da Agência tinham títulos
diplomáticos de fachada [cover job titles] para mascarar a sua real função”. Havia “dois tipos de
176

disfarce [cover]: os oficiais (fornecidos pelo Departamento de Estado, Forças Armadas, etc.) e os não-
oficiais, ou disfarce ‘deep cover’ (em indústrias, universidades, etc.)”. Ela destaca que era fornecida aos
operativos da agência “uma posição governamental inócua: quanto mais inócua soasse, tanto melhor”.
O objetivo disto era fazer com que o disfarce fosse “tão chato (boring) ou vago que, em um coquetel,
quando você mencionasse que você trabalhava, digamos, no ‘gabinete de contabilidade do governo’, os
olhos de seu companheiro de festa imediatamente começassem a buscar uma companhia mais
interessante”. No Japão, primeiro posto de Joseph no exterior, o “seu disfarce humilde era um ‘civil do
Departamento de Defesa’”. Na verdade, ele era chefe de operações da CIA em Atsugi, uma base naval
da Força Aérea dos Estados Unidos próxima a Tóquio, entre 1951 e 1953 (Id., p. 85).
Em 1954, Joseph foi transferido para Tóquio, onde “liderava ações políticas 218 e de propaganda
da estação local da agência” (Ibid., p. 115-6). Uma das principais ações políticas da CIA no Japão foi o
apoio ao Partido Democrático Liberal (LDP, em sua sigla em inglês), “para conter o crescente poder
dos partidos comunista e socialista no Japão”. Bina explica que “graças, em parte, aos recursos sem fim
da CIA, o LDP passou a governar o país por 38 anos”. Joseph também tinha “um ótimo contato com
um jurista da Corte Suprema do Japão”, que teria ajudado o operativo da CIA “com informações sobre
economia e política”. Havia ainda o “ex-presidente da Universidade Keio, que também participava dos
encontros entre Joe e o jurista”. Um ministro de governo se mostrou “inestimável para o fornecimento
de inteligência econômica a Joe”, informa Bina (Ibid., p. 126-7).
Bina teve um papel importante no trabalho de seu marido. Cansada da vida de segredos e
ausências prolongadas, ela tomou a iniciativa de organizar festas em sua casa com o objetivo de
facilitar o recrutamento de possíveis agentes219:

218 De acordo com Philip Agee (1976, p. 78-9), as operações de ação política faziam parte das atribuições da Equipe de
Operações Psicológicas e Paramilitares (conhecida pela sigla PP) da CIA e eram “destinadas a provocar a adoção, por um
governo estrangeiro, de uma determinada política diante do comunismo (…). Estas operações e manobras muitas vezes
envolvem promoções por intermédio da formação e orientação de carreiras de políticos estrangeiros, através dos quais a
política e as ações governamentais desejadas podem ser alcançadas. Ao inverso, estas medidas não raro incluem ações que
visam a neutralizar os políticos que promovem medidas governamentais locais indesejáveis com relação ao comunismo”.
Agee explica que as operações de ação política originaram-se “na França e na Itália, nos idos dos anos 1940”, e identifica
que os “elementos humanos óbvios nestas operações são os partidos, os líderes políticos e os militares, embora agentes de
outras operações PP – incluindo trabalhistas, estudantis e juvenis e mídia – sejam convocados para trabalhar em alvos
específicos de ação política. Com a finalidade de obter investigações políticas, assim como de desenvolver o relacionamento
com agentes de ação política em potencial, as bases [da CIA], na maioria, mantêm programas ininterruptos de ajuda a
políticos da oposição e também aos partidos governamentais”. Agee ainda esclarece que a aproximação a agentes da política
local não costumava ser difícil, uma vez que os operativos da CIA, “sob cobertura diplomática nas embaixadas, têm acesso
natural aos seus objetivos durante festas, coquetéis, recepções, clubes e outras situações que os colocam em proximidade
com as pessoas em que estão interessados”.
219 Em texto publicado na revista Covert Action (1978), o ex-oficial da CIA James Wilcott descreve em detalhes a sua
experiência no recrutamento de um agente no Japão.
177

Tóquio e eu estávamos nos dando bem. Joe e eu também, mas eu não conseguia
conviver com o fato de que enquanto Joe estava tentando conter o comunismo, eu
estava... fazendo compras? Não foi exatamente este o tipo de companheirismo com o
qual eu sonhava. Eu não queria trabalhar para a Agência (um espião por família estava
de bom tamanho), mas eu pensei que eu poderia fazer alguma coisa para ajudar Joe.
Decidi começar a aprender alguma coisa sobre a cultura local e me misturar com os
japoneses. Talvez, nesse processo, eu poderia iniciar alguns contatos para Joe. (...). Eu
decidi organizar um jantar em nossa casa. (...). Era aí onde eu poderia ser de alguma
utilidade para o trabalho de Joe, organizando o cenário para a verdadeira trama de sua
missão: recrutamento de agentes. Estes jantares eram uma importante extensão do dia
de trabalho de Joe, uma oportunidade, de uma forma mais descontraída, com um
cenário confortável, para cultivar contatos em potencial. A experiência tinha de ser
perfeitamente discreta, privada, adaptando-se ao nível de sofisticação do contato-alvo.
(Lutar contra o comunismo era uma tarefa complicada – alguém tinha de planejar o
menu). Me inspirei em algumas ideias de um restaurante local, e as adaptei à nossa
casa. (...). Joe e eu recebíamos os nossos convidados na sala de estar, que decorei
inspirada em um típico jardim japonês, para alguns coquetéis. Na hora do jantar,
empregadas vestidas com quimonos nos acompanhavam até o jardim. Cada um dos
convidados recebia uma gaiola de bambu com lamparinas para iluminar o caminho,
que possuía lanternas japonesas espalhadas pelo trajeto. Ao chegar ao ‘setor japonês da
casa’, as portas de correr se abriam e revelavam uma mesa tradicionalmente japonesa,
com um piso de tatame, e arranjos florais japoneses. Os convidados tiravam seus
calçados, e nós oferecíamos sandálias. (...). Tudo era uma preparação para o grande
momento do jantar. A maior parte da culinária japonesa se concentra no visual e nos
métodos de servir a comida. Nosso chef japonês ficava atrás da mesa, onde ele
cozinhava e servia a refeição: sashimi, sopas apimentadas, tempura, arroz, gaikao,
carne de fogo coreana, filé de peixe com molho teriyaki e gergelim. Cabiam dez
pessoas em nossa mesa. (...). Nós geralmente convidávamos outro casal da Agência.
(...). Eu nunca soube que tipo de recrutamento Joe planejava quando ele pedia para que
eu organizasse um jantar. Ele cuidaria do recrutamento, eu cuidaria do jantar – e
organizaria o cenário para uma noite agradável e especial em nossa casa. Às vezes,
geralmente semanas depois, Joe indicava se o jantar havia atingido o resultado
esperado ou não. Ele nunca me dizia qual convidado tinha sido recrutado ou não. (...).
Esses jantares eram importantes, mas eu não diria exatamente divertidos. Eles eram
calculados demais com base em sua agenda secreta (KIYONAGA, 2000, p. 130-5).

Depois de um período trabalhando no escritório central da CIA em Washington, Kiyonaga foi


transferido para a base da CIA de São Paulo, em abril de 1960. Bina considera que “ser um espião no
Brasil em 1960 era mais ou menos como ser um corretor de Wall Street nos anos 1980 ou um hippie em
Woodstock: você não sabia o que ia acontecer depois, mas sabia que estava no lugar certo e na hora
certa”. Conforme sua esposa, Joseph “era o segundo no comando da base da CIA em São Paulo” e
“seu disfarce: oficial do Departamento de Estado, um cônsul”. Ela ressalta as vantagens que um título
diplomático oficial oferecia ao trabalho de seu marido, entre elas “a aceitação imediata no país”,
“melhores oportunidades para recrutar agentes”, “placa de carro diplomática e imunidade”, o que ela
178

considerava como “algo muito útil, porque a polícia podia oferecer a você um colchão maior na cela”.
Apesar do “caos político” que o país vivia, Bina considerava que este era um “ambiente ótimo para um
espião" (Ibid., p. 155). Ela acreditava que seu marido havia sido “feito sob medida para atuar no
Brasil”, já que “fazia todo o sentido para a CIA enviar uma família católica para o maior país católico
do mundo e o que mais defende a família”. Também fazia todo o sentido para a agência “enviar um
nipo-estadunidense para São Paulo, a maior comunidade de japoneses fora do Japão” (Ibid., p. 156).
O casal Kiyonaga e seus quatro filhos moravam na rua Conselheiro Zacarias, no bairro Jardim
Paulista, e se tornaram sócios do Clube Paulistano. Bina explica que “ser sócio de um clube não era
apenas uma diversão, era também uma necessidade do trabalho de Joe”, pois em um clube “você
encontra um seleto grupo da elite brasileira relaxando com a sua família” e tinha acesso a “magnatas do
mundo dos negócios, pesos-pesados do governo, políticos influentes e jornalistas inteligentes, todos ao
alcance de uma partida de tênis, seguida de um banho de piscina”. Uma das tarefas de Joseph foi a
tentativa de “formar um partido democrático popular no Brasil, para funcionar como uma salvaguarda
contra o comunismo”. Ele buscou auxílio do “Partido Democrata Cristão (PDC), da comunidade
japonesa e da igreja católica”, mas o projeto não teve êxito, conforme Bina (Ibid., p. 161-2)220.
Bina destaca que “os brasileiros estavam sempre prontos para uma festa”. Por isso, “se Joe
quisesse ter sucesso em recrutar agentes no Brasil”, era necessário “aumentar o volume, regular o baixo
e o agudo da vitrola e botar o som na caixa”. Assim como havia feito no Japão, Bina se encarregou de
organizar festas para colaborar com o trabalho de seu marido:

Cada festa era meticulosamente planejada como se fosse uma operação militar.
Primeiro, Joe organizava uma lista de convidados. Ele não explicava por que ele queria
convidar um físico nuclear brasileiro, junto com um gerente de uma companhia
telefônica ou um professor de ciência política, ou mesmo se alguns dos convidados já
eram agentes, recrutas em potencial ou meramente simpáticos aos Estados Unidos.
Algumas vezes o objetivo de Joe era que outros criassem relações das quais ele, por
sua vez, tiraria vantagem. Digamos, um empresário americano e o ministro de finanças
juntos na fila do buffet seria vantajoso para todo mundo. Se Joe não recrutasse o
ministro brasileiro, ele poderia recrutar o empresário estadunidense, grato pela
vantajosa e informativa amizade com o ministro. (...). Joe insistia em convidar pessoas
que estavam dentro e fora do governo. (...). Acho que a CIA tinha uma postura mais
ambiciosa que o Departamento de Estado, que organizava festas apenas com gente do
governo. (...). Meu papel era garantir a química entre os convidados. Muitos homens
de negócios? Era só colocar um pintor nipo-brasileiro vencedor da Bienal de Veneza

220 Na parte III será apresentado o esforço do recurso (asset) da CIA, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD),
de influenciar o PDC.
179

entre eles. (...). Eu contratava uma florista e nossa casa se transformava em um jardim
italiano, uma ilha tropical ou outro ambiente qualquer, dependendo da ocasião. Os
cozinheiros preparavam um menu especial para a ocasião, e os músicos tocavam seus
instrumentos no jardim de inverno. O repertório variava, da música internacional a
Tom Jobim e Jorge Ben. (...). Joe me passava um resumo dos convidados, sua posição,
onde estudaram, filhos, etc. (...). Normalmente eu socializava com as esposas. Eu fazia
perguntas sobre a família – qualquer informação poderia ajudar no esforço de
recrutamento de Joe. Ernesto Jr. queria muito estudar planejamento urbano nos Estados
Unidos? Talvez uma bolsa pudesse ser arranjada. Conseguir bolsas de estudo de
universidades norte-americanas para filhos de contatos importantes era um dos
recursos preferidos da CIA. (...). Joe sempre acompanhava os convidados até a porta
do carro. Não era apenas uma questão de educação, era uma questão de bom
recrutamento. (...). Depois da festa, Joe me perguntava coisas. A esposa do ministro
falou algo sobre a viagem do marido dela para a China? (...). Ela mencionou algo sobre
o motivo da hospitalização dele no mês passado? (KIYONAGA, 2000, p. 163-5).

Joseph Kiyonaga era muito bem relacionado. Seus contatos o levavam para “pescar pintado no
Rio Araguaia” (Ibid., p. 166), enquanto sua esposa participava de organizações de caridade. Estas
instituições também eram um ambiente para buscar informações e contatos que depois seriam
repassados ao seu marido. “Eu coloquei uma jovem esposa de um operativo da CIA no comitê de
arrecadação de roupas para os cegos – o marido da diretora da instituição era um político influente”,
contou Bina (Ibid., p. 166). Para ela, nenhuma oportunidade era perdida no esforço de colaborar com o
trabalho de seu marido:

E lá estava eu, servindo em comitês organizadores de instituições de caridade e


participando de almoços de mulheres – desempenhando o papel convencional de uma
mulher – e, ao mesmo tempo, eu estava direcionando o fruto de meus esforços para a
mais inesperada finalidade – ajudar o meu marido espião. É isso que você faz enquanto
uma esposa da CIA – você mantêm seus olhos e ouvidos atentos, até mesmo em eventos
comuns, como um chá realizado na escola de seu filho (KIYONAGA, 2000, p. 169).

Bina não revela os nomes dos agentes recrutados por Joe, mas oferece pistas importantes sobre
a identidade de alguns deles e também o método de recrutamento utilizado por seu marido. Ela
menciona que ele teria recrutado “um representante de um dos maiores estúdios de filmes de
Hollywood no Brasil”221, mas ressalta que “o ponto forte” de seu marido era “recrutar figuras políticas

221 Possivelmente Bina se refere a Harry Stone, estabelecido no Brasil desde 1954 como representante da Motion Pictures
Association. Em 1995, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, disse ser “um lobista”, e foi descrito como “o homem
180

e jornalistas”. Mas esta não era uma tarefa simples: “chegar até eles exigia um cuidadoso trabalho de
base – você não pega simplesmente o telefone e os convida para jantar”. Ela relata que seu marido
tinha um caderno, mantido no cofre de seu escritório, com informações sobre pessoas de cada um dos
países em que eles moraram. “Para cada homem e mulher que ele tinha como alvos de recrutamento,
ele tinha uma foto, nome, endereço, telefone, e todas as informações biográficas possíveis”, contou
Bina, que afirmou nunca ter lido estes cadernos, embora eles tivessem “um tremendo impacto” na vida
do casal (Ibid., p. 170).
Bina Kiyonaga destaca que Joseph tinha “muitos contatos valiosos na comunidade de
empresários americanos”. O recrutamento rendia ótimos resultados, na opinião de Bina, pois alguns de
seus integrantes “estavam tão dispostos a colaborar que eles ajudavam a recrutar agentes que eram
empregados seus”. Alguns empresários recrutados “serviam como 'go-betweens' (mensageiros): eles se
encontravam com os agentes, assim estes não eram vistos em contato direto com o operativo da CIA”.
Em outras ocasiões, estes agentes “faziam 'entregas', deixando algum material em um lugar
previamente combinado para ser coletado pelo contato designado”. Bina relata que seu marido “era
muito cauteloso com essas operações, pois elas envolviam riscos e a possibilidade de expor um
importante empresário”. Ela também destaca que muitos dos empresários recrutados “raramente
aceitavam compensação, eles se voluntariavam, pois seus interesses eram duplos: proteger seus
negócios no Brasil e ajudar o governo estadunidense” (p. 170-1). Um dos ambientes preferidos de
Joseph na tarefa de recrutar agentes e buscar informações era a igreja católica:

O melhor agente de Joe era um padre deputado federal, que mais tarde se tornou
senador. O padre “Marco” era vital para manter Joe a par do que acontecia no Congresso
brasileiro. Ele também preparou algumas propostas ao Congresso, relacionadas
principalmente às relações com Cuba. Apesar de sua posição política, o padre aceitava
uma remuneração modesta. Ele vivia em condições de pobreza, e era o único
responsável pelo sustento de seus pais. (...). O padre “Ricardo” era alto, atraente e
solitário. Eu comecei com ele uma longa conversa sobre a educação católica no Brasil
na escola de meus filhos, e o convidei para jantar em casa. (...). Eu sei que o padre
Ricardo se tornou um agente valioso, mas não sei que serviços ele prestava. (...). Joe
parecia passar metade de sua vida profissional na igreja. (...). Ele se encontrava com um
agente, ligado ao líder do PCB de São Paulo, no confessionário da capela da Alameda
Franca, no Jardim Paulista. Ele se ajoelhava na frente do confessionário e conversava
com o padre agente. (...). Joe nunca viu a cara deste agente (KIYONAGA, 2000, p. 172-
3).

mais poderoso da indústria do cinema na América Latina” e que “falava pouco”, embora aparecesse muito. O jornal citou
que o cineasta Glauber Rocha “o chamava de agente da CIA”, mas Stone respondeu com risos (Folha de São Paulo,
11/07/1995). Moniz Bandeira (2010, p. 183) afirma que “o Itamaraty, em agosto de 1962, sabia que Harry Stone,
representante da Motion Pictures no Brasil, era agente da CIA”.
181

Bina relata que em 1962 teve início “a maior das operações de Joe no Brasil”. Ela conta que um
oficial reformado do Exército havia comparecido ao consulado de São Paulo dizendo-se líder de “um
grupo de militares e empresários que trabalhavam clandestinamente para derrubar Jango [Goulart]”.
Joseph começou a se encontrar com o grupo, mas ele logo ficou desconfiado de que o verdadeiro líder
da organização não aparecia entre os membros do grupo, e exigiu saber quem era o real chefe dela. Um
dos contatos de Joseph no grupo escreveu em um papel o nome do general Olympio Mourão Filho 222 –
o contato do operativo da CIA era parente do general brasileiro. A partir disso, de acordo com o relato
de Bina, “Joe se encontrou com o general em uma praça, onde ele caminhava com seus dois cachorros
bullmastiffe”. Os dois teriam desenvolvido “uma afinidade natural”, pois ambos “eram do exército e
vinham de origens humildes”. O general teria solicitado “armas e dinheiro, especialmente armamentos
leves”. Porém, “Joe pensava que o que eles precisavam era dinheiro e um selo de aprovação para o que
eles estavam fazendo”. Assim, “uma vez que o golpe se concretizasse, eles precisariam de apoio e
reconhecimento dos EUA”.
Ela também relata que “Mourão não precisava de conselhos militares, mas lhe faltava know-
how político, que Joe forneceu”. Joseph teria se tornado, desse modo, “um confidente e um canal” para
a atuação do general. Ele teria ajudado a “aperfeiçoar a organização de inteligência ligada ao general”.
“Suponho que ele deve ter discutido tudo isso com seus superiores e recebido o OK para trabalhar com
Mourão”, ressaltou Bina, acrescentando que “Vernon Walters colaborou” neste processo. Ela ainda
afirmou lembrar de Mourão Filho frequentando a residência dos Kiyonaga, e também de ter participado
de encontros na casa do general, nos quais Maria, esposa de Mourão Filho, “enrolava meus cabelos
com bobs, enquanto Mourão e meu marido planejavam um golpe” (Ibid., p. 180-1).223

222 O general Mourão Filho escreveu um livro de memórias, mas não fez referência direta a sua relação com grupos
empresariais, atendo-se somente à conspiração militar. Ver MOURÃO FILHO (1978).
223 Dreifuss (1987, p. 376- 380) cita vários empresários de quem o general Mourão Filho buscou aproximar-se, entre 1962
e 1963, todos com líderes do IPES, principalmente de São Paulo. Não foi possível determinar se o general aproximou-se ou
era representante de algum outro grupo empresarial na época. Mas, considerando os elementos apresentados nesta tese, a
avaliação de Dreifuss sobre o papel do general Mourão Filho na conspiração que levou à derrubada de Goulart em 1964
parece ser altamente provável: “parece que o general Mourão Filho se transformou, de maneira involuntária, em parte de
uma manobra diversionista”, ou seja, o general acabou atraindo para si todas as atenções do movimento conspirativo civil-
militar, se transformando no seu líder ostensivo, enquanto nos bastidores as articulações e ações mais importantes do
movimentos eram realizadas pelo IPES: “ao general Mourão Filho seria permitido um papel conspiratório ativo e eficaz, na
medida em que contribuísse para o esforço geral de insuflar sentimentos antigovernistas entre os militares, sem prejudicar o
impulso principal do movimento empresarial-militar. Suas atividades, portanto, teriam de ser rigorosamente controladas
pelo IPES (DREIFUSS, 1987, p. 379).
182

Uma outra informação relevante é apresentada nas memórias de Bina Kiyonaga. Ela relata a
existência de um operativo da CIA que não era oficialmente ligado à embaixada, trabalhando sob deep
cover. De acordo com ela,

Às vezes os operativos da CIA se passavam por “empresários”. Na verdade, um dos


operativos mais exitosos da CIA no Brasil foi um ‘empresário’. Joe trabalhava
intimamente com ele. Este homem servia como um exemplo perfeito de como deveria
ser um oficial deep cover. “Mike” aprendeu a falar português fluentemente, fez uma
profunda imersão na cultura brasileira, passando até mesmo a andar de moto ao invés
de usar um carro. Ele construiu seu negócio a partir do zero. Como todos os outros
vendedores, ele se provou melhor vendendo seu próprio produto do que recrutando
agentes. Ainda assim, apesar de sua agenda cheia de transações de negócios, festas, e
partidas de golfe, ele conseguiu recrutar alguns agentes. “Mike” focava no mundo dos
esportes. Ele era especialmente efetivo no recrutamento de estrelas do futebol
brasileiro (que viajavam pelo mundo) e membros de delegações de esportes da Cortina
de Ferro que visitavam o país. Mike também estava envolvido com um agente, russo
branco de longa data, que estava muito bem relacionado à enorme comunidade
europeia de São Paulo. O russo era um anticomunista convicto. Ele liderava a sua
própria iniciativa que envolvia muitas viagens para a Europa e para vários países
latino-americanos. Em essência, a missão do agente era vender nesses países e no
Brasil a ideia de ativismo político. Ele fazia isso através de uma operação educacional,
cujo objetivo era introduzir princípios democráticos em programas de escolas e
propagandear estes ideais através de seminários e debates públicos – tudo orquestrado
por ele (KIYONAGA, 2000, p. 171-2).224

O operativo da CIA que se passava por empresário, citado por Kiyonaga, não foi o único caso
de um oficial da agência que trabalhava sob deep cover no Brasil225. De acordo com Evan Thomas
(2006, p. 323-4), “Tim Hogan, formado em Andover e Yale”, operou no Brasil sob deep cover,
organizando “fazendeiros e grupos sindicais contra os comunistas”226: “A nossa ação política operava

224 No capítulo 7 será apresentado o referido agente “russo branco” e a sua organização.
225 Em suas memórias, o embaixador Pio Corrêa (1995, p. 655-6) explica que “todos os serviços de informação do mundo,
não só os dos Estados comunistas, costumam manter em outros países duas classes de agentes principais. Uns são os
‘residentes legais’, isto é, oficialmente acreditados como funcionários dos seus respectivos países – sob a cobertura de
cargos diplomáticos ou consulares, ou de funções de adidos militares, comerciais, ou culturais. Esses viajam com
passaportes diplomáticos, constam das Listas Diplomáticas dos países junto aos quais são acreditados, e gozam em geral de
imunidades diplomáticas. A outra categoria é a dos ‘residentes ilegais’, que, como o nome indica, não têm cobertura oficial,
são clandestinos. Podem ser cidadãos do país para o qual trabalham, do país onde operam, ou de terceiro país”.
226 Informações obtidas a partir de depoimento de Hogan concedido a Thomas (2006, Id.). Moniz Bandeira (1978, p. 447-)
fez uma comparação entre o número de norte-americanos que desembarcaram no Brasil entre 1941 e 1971, com base em
dados oficiais do Anuário Estatístico do Brasil, produzidos pelo IBGE. Conforme o autor, cerca de 4968 norte-americanos,
“conforme as estatísticas oficiais de desembarque”, chegaram ao Brasil apenas em 1962, “sob os mais diferentes disfarces
(religiosos, comerciantes, Corpos da Paz, etc.), “batendo todos os recordes de imigração originária dos Estados Unidos e
superando quase todos os números registrados durante os anos da Segunda Guerra Mundial, quando eles, oficialmente,
183

através da Igreja Católica”, contou o operativo da CIA, que garantiu nunca “ter sentido necessidade de
ter uma arma” durante o período em que atuou no Brasil. “Eu realmente sentia que eu estava na
fronteira, defendendo o nosso território contra as forças subversivas”, finalizou Hogan.

3.5 Os Legal Attachés do FBI no Brasil no período pós-guerra

Os oficiais da CIA e do Departamento de Estado não foram os únicos responsáveis pelas


atividades de inteligência do governo dos Estados Unidos no Brasil. Além dos adidos das forças
armadas (que não são objeto deste estudo), havia também os Legal Attachés (LEGAT) do FBI, que
faziam parte da “comunidade de inteligência” das missões diplomáticas norte-americanas no período
pós-guerra. Apesar da dissolução do SIS em 1947 e de suas atividades terem sido absorvidas pela CIA
no mesmo ano, o final da Segunda Guerra Mundial não marcou o fim das atividades internacionais do
FBI. Ao contrário, o FBI desenvolveu uma rede de escritórios de Legal Attachés em alguns postos
diplomáticos dos Estados Unidos na América Latina, Europa, Ásia e África. A jurisdição de atuação do
FBI, desde a Segunda Guerra Mundial até hoje, nunca se restringiu apenas ao território dos Estados
Unidos227.
As operações internacionais do FBI no período pós-guerra eram conduzidas pelo seu Programa
de Legal Attachés, que se instalavam junto às missões diplomáticas dos Estados Unidos. O adido do
FBI era um membro formal da equipe diplomática, embora os nomes dos seus representantes não
apareçam na US Foreign Service List. Tudo indica que a presença dos LEGAT era mantida em sigilo:
“desde o início, o programa LEGAT foi silencioso, e seus membros eram conhecidos internamente
como a Máfia Mórmon, porque a quantidade de agentes mórmons era desproporcional” (GRAFF,
2011). Não foi possível encontrar referências narrando a história da atuação dos LEGAT. As

instalaram suas bases militares no Nordeste” do Brasil. Em 1963, o ingresso de norte-americanos baixou para 2.463, “mas
ainda assim era maior maior que a média de chegadas em todos os anos anteriores e posteriores”. A massiva entrada de
norte-americanos no Brasil coincide com o período de auge das operações do governo americano no Brasil contra o governo
de Goulart. O autor também destaca notícias da imprensa da época, que registraram o grande número de norte-americanos
chegando ao Brasil entre 1962 e 1963, a maior parte deles para a região Nordeste. Moniz Bandeira considera essa “invasão
silenciosa do Brasil”, sobretudo no Nordeste, como preventiva: “caso eclodisse uma insurreição no Nordeste, como temiam
[os EUA], ou o governo de Goulart se inclinasse decididamente para a esquerda, tornar-se-ia muito mais fácil para os EUA
intervirem de dentro, sustentando focos de resistência, de antiguerrilha, e mesmo justificarem, se necessário, o
desembarque de marines, a pedido ou para salvar vidas americanas” (itálicos de Moniz Bandeira).
227 O sistema LEGAT é coordenado pela Divisão de Operações Internacionais do FBI. Sobre isso, consultar o sítio
eletrônico do FBI: https://www.fbi.gov/about/leadership-and-structure/international-operations.
184

informações do sítio eletrônico do FBI também não explicam quais foram exatamente as atividades
desenvolvidas por seus representantes no exterior228. A tabela abaixo apresenta os nomes e o período de
atuação dos agentes do FBI no Brasil, no período de 1940 a 1966:

Tabela 3. Nome, designação oficial, local e período de atuação dos agentes do FBI no Brasil (1940-
1966)
Local Nome Função Período
Rio de Janeiro William J. Bradley Legal Attaché (em 1943) 31/05/1941 – 11/1944
Theodore A. Xanthaky Special Assistant to the Ambassador 1942
Heber M. Clegg Legal Attaché 28/02/1945
29/06/1945 –
Sam J. Papich Assistant Legal Attaché
15/11/1945
Charles E. McNabb Legal Attaché -1946
William S. Crawford Legal Attaché - 01/1945
John A. Mehos - -
George A. Van Noy - -
Ronald J. Sundberg Clerk - 1945
Don H. Walther Office of the Legal Attaché 30/03/1945 -
Stanley H. Russo Office of the Legal Attaché 30/03/1945 -
Rolf L. Larson Oficial de ligação com o DOPS 1945 -
Harold E, White Assistant Legal Attaché 04/08/1945 -
Hobart H. Rockwell - 1945 -
William M. Wheeler, Jr. Legal Attaché 1948 -
Martin Carlsen Legal Attaché 1951 – 1956

228 No sítio eletrônico do FBI que reúne os documentos liberados pelo Bureau (FBI Vault), foi encontrado um telegrama do
Legal Attaché Martin Carlsen, relatando uma visita ao Brasil da cantora e artista Josephine Baker. Carlsen, baseado em uma
notícia do jornal O Globo anexada ao telegrama, estava preocupado com a repercussão política da visita de Baker, já que ela
teria a “intenção de formar uma seção no Rio de Janeiro da Associação Mundial contra a Discriminação Racial e Religiosa
(World Association Against Racial and Religious Discrimination)” (Carta, 04/09/1952). O periódico O Jornal noticiou, em
agosto de 1952, que “o senhor Martin Carlsen, da embaixada dos Estados Unidos”, havia comparecido a uma exposição de
pintura e gravura norueguesa realizada no salão do Ministério da Educação no Rio de Janeiro ( O Jornal, 16/08/1952). Parte
da escassez de informações sobre a atuação dos LEGAT pode ser explicada pelo fato de o governo estadunidense,
particularmente o Departamento de Justiça e o FBI, não ter liberado os arquivos sobre este tema. Para se ter uma ideia, em
junho de 2018, solicitamos ao FBI, através da Lei de Acesso à Informação dos Estados Unidos, a liberação de arquivos
produzidos pelo órgão relacionados às atividades comunistas no Brasil entre 1940 (início das atividades do SIS) e 1966. De
acordo com a resposta enviada pelo chefe da Divisão de Gestão da Informação do FBI, “foram localizadas
aproximadamente 22.340 páginas de documentos potencialmente relacionadas ao tema”, com o custo total aproximado de
650 dólares para reprodução dos arquivos. Um segundo pedido foi encaminhado solicitando arquivos referentes ao tema no
período entre 1948 e 1966, resultando em 950 páginas de documentos, que ainda não foram liberadas (outubro de 2019).
185

Edward S. Sanders229 Legal Attaché 10/1959 – 09/1965


Sam Papich Assistant of the Consul 15/12/1942 -
Tom David - 1942 -
John O’Connor - 1942 -
Louis H. Padgett, Jr. -
São Paulo
Richard W. Allen - -
Joseph E. Gauzens Clerk - 05/04/1945
Vincent J. Ascherl Clerk - 04/1945
Stanton Brown Consul 26/09/1952 - 12/1955
Recife William M. Wheeler, Jr. - 18/12/1945
Curitiba William P. McVay Assistant of the Consul 1942 -
James L. Byrd - 1944
Porto Alegre
Stanley R. Russo -
Natal Hobart H. Rockwell -
Fontes: US Department of State Foreign Service List; SIS History; FBI Vault; National Archives at College Park (RG 84,
UD2133, box 5 (folder Rio de Janeiro, 1942,030-123), box 23 (folder 1945, 000-702, 1 of 4); Kennedy Assassination
Records, Society of Former Agents of the FBI (Interview, Edward S. Sanders; William J. Bradley).

Um relatório de junho de 1962, produzido por um comitê que reunia integrantes de diferentes
departamentos do governo dos Estados Unidos, apresenta um histórico das ações de apoio às forças de
segurança pública de diversos países, revelando alguns aspectos sobre as atividades do programa
LEGAT. Os integrantes do comitê descreveram que o FBI havia oferecido “considerável assistência
técnica e treinamento às polícias estrangeiras”, confirmando a atuação de representantes do FBI em
Ottawa, Bonn, Berna, Paris, Londres, Manila, Madrid, Roma, Cidade do México e Rio de Janeiro
(Relatório, 11/06/1962).
Os representantes do FBI nestes países mantinham “contatos com as polícias e as agências de
segurança nestas capitais e em aproximadamente 35 países adjacentes” e uma “relação de cooperação
com a equipe da embaixada”, à qual estavam vinculados “com o título oficial de Legal Attaché”. Estes
oficiais estavam encarregados do “intercâmbio de informações com oficiais estrangeiros” e
participavam de “programas de treinamento policial” no exterior, nos quais forneciam informações
sobre o “funcionamento das agências de segurança dos Estados Unidos, material técnico, palestras e
apoio técnico em questões policiais”. Os redatores do documento informaram que os representantes do

229 Responsável por Brasil, Argentina e Uruguai, mas sediado no Rio de Janeiro.
186

FBI trabalhavam com base em uma “ampla e constante troca de informações com as agências de
segurança de países estrangeiros” (Relatório, 11/06/1962).
Embora não tenha sido possível determinar qual teria sido o impacto das atividades dos LEGAT
no Brasil, é possível afirmar que elas eram conduzidas no mais absoluto segredo e acompanhadas com
interesse pelo escritório central do FBI em Washington. Em novembro de 1961, uma equipe formada
por membros de diversas agências governamentais, o South American Assessment Team (SAAT)230,
visitou o Brasil. Um dos dois representantes do FBI na equipe, Sam J.Papich 231, já havia sido Legal
Attaché no Brasil, permanecendo no país entre 1942 e 1947 (ver tabela acima). Em uma carta enviada
ao Departamento de Estado, Clarence A. Boonstra, diplomata e líder da equipe, reclamou da
desorganização da equipe da embaixada do Rio de Janeiro, e afirmou que “a única coisa que nós
conseguimos foi oferecer ao sr. Papich e ao sr. Ferris [o outro oficial do FBI] uma oportunidade para
eles darem uma boa olhada nas coisas em que eles tinham particular interesse”. Ele acrescentou,
mantendo o tom enigmático para não revelar qual era o objetivo do FBI na equipe, que, “no caso da
Venezuela, eu acho que o sr. Papich e o sr. Ferris ficaram bem impressionados com o trabalho que está
sendo feito” (Carta, 22/11/1961)232.
Em uma entrevista, o Legal Attaché no Rio de Janeiro entre 1959 e 1965, Edward S. Sanders,
apresenta uma versão diferente sobre as suas atividades em comparação ao que atestam outras fontes
oficiais do governo estadunidense, inclusive o próprio FBI. De acordo com ele, “o único interesse” que
o FBI tinha no país estava relacionado a “criminosos que poderiam ter escapado para o Brasil”. A

230 O SAAT era composto por representantes do Departamento de Estado, Defesa, AID, FBI, CIA e CINCARIB, e visitou
todos os países da América do Sul entre novembro e dezembro de 1961 para avaliar “a situação da segurança interna e a
ameaça comunista, assim como as capacidades das forças de segurança locais para enfrentar estes perigos e as
possibilidades para a assistência dos Estados Unidos” na região (“Report and Recommendations”, 10/01/1962).
231 De acordo com o jornal The Washington Post, “Sam J. Papich cresceu em Montana, e trabalhou em minas de carvão
antes de ingressar na Northwestern University em Chicago. Ele foi jogador profissional de futebol americano, antes de seu
ingresso no FBI. O sr. Papich trabalhou na América Latina por um tempo, envolvido com várias tarefas. Mais tarde, ele se
tornou o oficial de ligação do FBI com a CIA. A sua reputação era a de um homem honesto e sincero, com um alto grau de
competência e um apetite insaciável por trabalho. Acima de tudo, em uma área repleta de inveja , intrigas e falsidades, ele
tinha a confiança da CIA e o respeito de seus diretores” (Obituário, The Washington Post, 10/10/1971).
232 O Departamento de Estado e a CIA demonstravam interesse por relatórios produzidos pelo Legal Attaché do Rio de
Janeiro. Em uma carta de agosto de 1962 enviada ao secretário de Estado adjunto de assuntos interamericanos Edwin
Martin, o embaixador Lincoln Gordon referiu-se a “um relatório do Legal Attaché”, que não havia sido enviado a
Washington “diretamente pelos canais do Departamento de Estado”, solicitando a Martin avisasse a “JC [J. C. King] que o
texto da mensagem [do relatório] refere-se a um pedido feito pelo encarregado de negócios” da embaixada (Carta,
13/08/1962). Em resposta, Martin afirmou estar “perplexo com a demora em encaminhar um documento tão importante em
um momento tenso como este para nós, o qual você recebeu em Salvador como se fosse uma questão rotineira”, e reclamou
de só ter recebido “um sumário do documento encaminhado por JC”, indicando que houve alguma falha de segurança na
circulação do documento no Brasil e no seu encaminhamento a Washington (Carta, 22/08/1962). Não há referência alguma
sobre qual era o assunto do documento, mas é possível observar que o relatório produzido pelo Legal Attaché continha um
tema de interesse do chefe da divisão de hemisfério ocidental da CIA e do Departamento de Estado.
187

missão de Sanders seria, por conseguinte, estabelecer um “tratado de extradição entre os Estados
Unidos e o Brasil” para transferir os criminosos em fuga. Apesar de sua recusa em revelar as suas reais
atividades no Brasil, Sanders afirmou que ele havia sido enviado a Cuba no início de 1959, encarregado
de “manter o diretor do FBI informado sobre as atividades de subversão e espionagem relacionadas à
segurança interna dos Estados Unidos”, a partir de atividades “coordenadas com oficiais cubanos”.
Porém, em outubro de 1959, Sanders foi transferido para o Brasil – não há explicações para o fato de
ter ficado tão pouco tempo em Cuba –, onde permaneceu até se aposentar, em 1965. Ele esclareceu que
a sua área de jurisdição incluía o Brasil, a Argentina e o Uruguai, exigindo dele viagens constantes
entre os três países. Sanders afirmou que, “depois de pouco tempo” no Brasil, ele havia estabelecido
“contatos muito bons com os principais chefes da DFSP no Rio de Janeiro”233.
Pouco tempo após a sua chegada ao Brasil, Sanders conheceu uma oficial da embaixada do Rio
de Janeiro, com a qual viria a se casar pouco tempo depois. Ela se chamava Victoria W. Mathews, e era
na verdade uma oficial da CIA trabalhando na estação local do Rio de Janeiro com o título de “political
officer”234. Victoria Wondolowski Mathews (depois, Victoria W. Sanders), nasceu em 11/09/1921 em
Worcester, estado de Massachusets. Ela foi atleta profissional de patinação no gelo, sendo uma das
fundadoras do famoso grupo Ice Capades, criado em 1940, que fazia apresentações artísticas nos
Estados Unidos e no exterior. Formou-se pela escola de negócios da Universidade de Miami em 1956 e,
logo em seguida, foi recrutada para trabalhar na CIA. Um dos motivos de seu interesse para a CIA foi a
sua aptidão com línguas, de acordo com Edward Sanders: “ela falava seis línguas, entre elas, russo,
polonês e francês”. Ela já havia tido uma passagem pelo Brasil, em 1946, trabalhando como secretária
de uma companhia aérea. Atuou no Brasil como oficial da CIA entre 1959 e 1962, quando foi
transferida para a Bélgica (USA, The Biographic Register 1960, p. 497; Sarasota Herald Tribune,
02/03/2005). Em 1966, Edward Sanders aposentou-se do FBI e permaneceu no Brasil, trabalhando
como consultor de multinacionais norte-americanas (Entrevista, 02/01/2004).

233 “Interview of the Special Agent of the FBI Edward S. Sanders (1940-1965), by Jack O’Flaherty”, 02/01/2004.
Entrevista gentilmente enviada por Lauren Sidney, Collections Manager do National Law Enforcement Museum de
Washington, D. C.
234 A informação de que Matthews era oficial da CIA está censurada na transcrição da entrevista de Sanders.
188

PARTE II – O FORTALECIMENTO DAS ARTICULAÇÕES TRANSNACIONAIS

A estratégia expansionista, anticomunista e antinacionalista planejada pelos norte-americanos na


década de 1950 precisava contar com pontos de apoio na América Latina. Evidentemente, se fosse
simplesmente imposta, a presença estadunidense nos assuntos internos dos demais países do continente
seria fortemente repelida como ingerência externa. Diante dessa afirmação, faz-se necessário analisar
quais foram, no Brasil, as pessoas e organizações que ajudaram a formular e/ou implementar essas
estratégias de ação. Contudo, antes de analisarmos os grupos que serão objeto de atenção especial na
terceira parte desta tese – SEI/IBAD/IPES – faremos uma investigação sobre as importantes
aproximações entre brasileiros e norte-americanos no contexto da Segunda Guerra Mundial, que
abriram espaço para o protagonismo dos Estados Unidos na América Latina. Essas relações serão
apresentadas em seu desenvolvimento, adotando como referência as seguintes observações feitas por
René A. Dreifuss:

As colunas sociais nos mostram as classes dominantes em seus momentos de lazer e


prestígio, às vezes lançando farpas políticas ou pessoais sobre este ou aquele em
particular. As páginas econômicas dos jornais e as análises de revistas e livros nos
acostumam a vê-los e entendê-los atuando e agindo na esfera da produção. Os artigos
de um ou de outro empresário nos dão uma ideia do que seria o mundo de seus sonhos
e da imagem que fazem da realidade. Mas será que sabemos a respeito do jogo mais
profundo e sutil dos poderosos? Como é que os indivíduos dominantes numa sociedade
se organizam e desenvolvem a luta política, destinada a perpetuar seus privilégios ou
conquistar novas posições? Como desarmam e cooptam, anulam e liquidam seus
adversários ou neutralizam e desviam as questões em pauta? Como é que uma classe
traduz suas capacidades estruturais (o predomínio econômico na esfera da produção,
sua formação intelectual e seu acervo cultural, suas ligações pessoais e vínculos
familiares ampliados) em capacidades político-organizacionais? (…) A questão de
exercício do poder de uma classe não se esgota com a história de confabulações e
conchavos, de eleições e diretrizes de governo, nem a luta política é só aquela
ostensiva, que se trava nos partidos e através destes ou das mobilizações militares e de
rua. Estes são somente alguns dos recursos e momentos da política. Luta das mais
importantes é aquela que se trava durante o preparo para a ação, pela potencialização
dos atores, na “normalidade”, no dia a dia da intervenção ‘fria’ e persistente no conflito
de classes, na ação diária, constante, sistemática, nos campos ‘frios’ da política. (…)
para lutar, é necessário, obviamente, ter ou adquirir os meios (ou impedir o adversário
de consegui-los) e esses meios são os mais diversos. (…) Tanto podem ser discursos e
panfletos, dinheiro, artigos de imprensa ou imagens de televisão, passeatas e
corrupção, quanto pressões individuais, interferência nas instituições, cassetetes
policiais ou mobilizações militares. Essas armas de combate, no sentido mais amplo da
189

imagem, (…) costumam ser usadas no contexto de um esforço mais ou menos


deliberado, que comporta planejamento e um plano de ação como parte de uma visão
estratégica. Esta visão por sua vez, engloba, determina, e requer campanhas, manobras,
ajustes de curso, isto é, o uso refletido e audaz dos recursos táticos. (…) Ao nos
referirmos às noções de estratégia e táticas políticas, portanto, estamos apontando para
a capacidade de certos agentes coletivos de visualizar objetivos globais e de
operacionalizar a condução das ações requeridas em todos os campos para alcançar
suas metas, face à resistência de forças sociais e políticas adversas (DREIFUSS, 1986,
p. 21-23).
190

CAPÍTULO 4 – RELAÇÕES BRASIL-ESTADOS UNIDOS: O SURGIMENTO DE


“INTERESSES ASSOCIADOS”

Eu senti que se o setor privado não assumisse uma posição e não desse início aos
trabalhos, ninguém faria nada.
- Nelson Rockefeller, 1946.

A intensa cooperação política, econômica e cultural existente entre as nações latino-


americanas e sua grande irmã da América do Norte oferece hoje um novo modelo para
as relações internacionais.
- João Daudt d’Oliveira, 1944.

Na década de 1930, segundo Moura (1980), mesmo após a crise de 1929, era tão grande a
capacidade produtiva da economia norte-americana, que sua capacidade competitiva sobrepassava as
demais potências capitalistas. Para sua expansão, era necessário:

1º) ligar-se a outras economias no plano internacional para assegurar sua própria
recuperação e crescimento; nesse sentido a América Latina seria um elemento-chave
em virtude de seu papel de fonte de matérias-primas e mercado para a exportação da
indústria pesada americana, assim como área proveitosa para investimento (…); 2º)
defender a política do livre-comércio, capaz de abrir-lhe as portas dos mercados
191

mundiais para os manufaturados e matérias-primas que exportava 235 (MOURA, 1980,


p. 54-55)

Na mesma época, a consolidação do Estado nazista lançava a Alemanha novamente no cenário


internacional, em busca de sua elevação à categoria de potência mundial. Nesse contexto, a América
Latina foi palco de uma guerra comercial, que era também uma “acirrada disputa política e ideológica”
entre Alemanha e Estados Unidos. Os dois países constituíram os “polos de dois sistemas políticos,
duas ideologias e duas práticas comerciais antagônicas; de um lado, via-se o autoritarismo
antiparlamentar, nacionalista, protecionista; de outro, a liberal-democracia, o internacionalismo livre-
cambista”. Na “elaboração de uma ideologia política” capaz de aproximar os “interesses dos eventuais
aliados aos do centro hegemônico”, os EUA levavam vantagem: “o pan-americanismo se mostrou mais
capacitado a ganhar as classes dominantes do que a ideologia nazifascista”. Para impedir a influência
europeia na América Latina e responder às necessidades de recuperação da economia norte-americana,
o governo Roosevelt (1933-1945) decidiu suspender a adoção dos métodos coercitivos da política

235 De acordo com Davis (1921), no início de 1914, quando os Estados Unidos estavam enfrentando “uma daquelas
recessões periódicas caracterizadas pelo declínio de consumo”, os principais líderes empresariais do país perceberam que as
indústrias de manufatura norte-americanas tinham chegado a um ponto em que podiam produzir mais do que aquilo que
podia ser consumido no mercado doméstico, e a “necessidade de mercados externos se tornou muito real, muito evidente”.
Mas os Estados Unidos não estavam ainda em condição de expandir seu comércio exterior: “A maioria de nossos
fabricantes não tinha simpatia pelo desenvolvimento de operações no exterior. O governo, também, se interessava
principalmente pelos problemas domésticos. O exportador norte-americano se deparava com quase total falta de tonelagem
estadunidense, com serviço de comércio governamental pouco equipado e mal alojado (under-equipped and poorly-housed),
e com tratados de comércio de natureza incerta”. Por isso, antes que pudesse ocorrer qualquer expansão do comércio
exterior, duas condições precisavam ser satisfeitas: “o país, como um todo, precisava ser educado sobre a necessidade do
comércio exterior para assegurar a prosperidade doméstica; meios precisavam ser encontrados para remover obstáculos
legais e comerciais”. No mesmo sentido, Parrini (1969, p. 1) afirma que, em 1916, as lideranças políticas e empresariais dos
Estados Unidos já tinham chegado à conclusão de que, para conseguir comercializar os bens e serviços que a economia
norte-americana estava produzindo, eles precisariam mudar as leis referentes ao comércio e investimento internacional. A
expressão “Portas Abertas” (Open Doors) traduzia, de forma abreviada, esse objetivo. Para conseguir atingi-lo, esses líderes
tinham que criar, simultaneamente, políticas que iriam: (1) solucionar conflitos de interesse nos Estados Unidos – entre
banqueiros e donos de indústrias, importadores e exportadores, indústria e agricultura; (2) construir um sistema de comércio
internacional que permitisse a superação dos negócios britânicos pelos norte-americanos; (3) criar novos meios
institucionais para assumir a tarefa de estabilização política que a Grã Bretanha assumia sozinha antes de 1914. Ainda
conforme Parrini, em 1917, o vice-presidente do Bank of California, C. K. McIntosh, expressou claramente a premissa com
a qual concordavam as lideranças políticas e empresariais norte-americanas: “nós vamos produzir mais do que o nosso
mercado doméstico será capaz de absorver e (…) então nós precisamos ou diminuir nossa produção e deixar de empregar
parte da população, ou encontrar mercados para o excedente”. Segundo McIntosh, para atingir esse objetivo com sucesso, os
grupos empresariais norte-americanos precisavam deixar de “lutar entre si pelas ameixas que caíssem” e “aprender a
plantar, por esforços cooperativos, mais árvores de ameixa”, para que pudessem “compartilhar o maior rendimento” (Id., p.
2). Um dos espaços de construção desse esforço conjunto foi o National Foreign Trade Council (NFTC), criado em 1914, a
partir de um encontro convocado pela American Manufacturers’ Export Association, pela American Asiatic Association e
pela Pan-American Society of the United States, que reuniu em Washington cerca de quatrocentos líderes da indústria,
propaganda, agricultura, setor bancário e setor de transportes (DAVIS, 1921).
192

intervencionista que prevalecera nos anos anteriores, privilegiando negociações diplomáticas e


colaboração econômica e militar (Id., p. 55- 58).
Moura (1980, p. 65-66, itálicos do autor) observa que “os Estados Unidos tinham necessidade
de obter apoio e fazer alianças para constituir seu sistema de poder”. E o Brasil, por “seus recursos e
sua posição no continente”, “tinha uma importância vital para o sistema norte-americano”. Isso lhe
conferiu um “poder de barganha” que, embora limitado, “permitiu a negociação do alinhamento a partir
de 1941/42”. Desde o início do governo Roosevelt, o Departamento de Estado insistia com o governo
Vargas sobre a necessidade de se chegar rapidamente a um acordo comercial que levasse à redução de
tarifas sobre produtos norte-americanos no Brasil. Conforme Moura (1980), “a oportunidade de
conversações concretas ocorreu quando da ida de Oswaldo Aranha, ex-Ministro da Fazenda, para os
Estados Unidos como embaixador do Brasil”:

O governo brasileiro entrou relutantemente nas conversações. É verdade que Aranha as


favorecia, mas no Brasil Vargas se defrontava com dois grandes problemas: de um
lado, uma delegação alemã em giro pela América Latina oferecia novas e grandes
perspectivas de comércio para matérias-primas brasileiras e desejava fazer um acordo
formal sobre a matéria. Por outro, configurava-se uma divisão interna no próprio
governo, com uma corrente poderosa advogando o comércio compensado com a
Alemanha e de outra defendendo o livre-comércio. (…) No final de 1934, o governo
brasileiro achava-se em conversações simultâneas com o governo americano em
Washington e com o governo alemão no Rio de Janeiro. (…) se, de um lado, um
acordo formal com a Alemanha acarretaria má vontade e represálias do governo
americano contra o Brasil, de outro, era impossível ao Brasil interromper
repentinamente o comércio já volumoso que mantinha com a Alemanha e Itália. A
alternativa mais conveniente parecia ser a assinatura do tratado livre-cambista com os
Estados Unidos sem abdicar explicitamente do comércio compensado com a Alemanha
(MOURA, 1980, p. 75-76).

O tratado com o Estados Unidos foi aprovado “após a intervenção enérgica do poder executivo
brasileiro, em resposta à intervenção igualmente enérgica do governo norte-americano”236 (MOURA,

236 Segundo Moura (1980, p. 88), o governo norte-americano “acenou com a perda de vantagens usufruídas pelos produtos
brasileiros no mercado norte-americano”. O poder executivo brasileiro, por sua vez, “usou todo o seu poder de persuasão e
pressão sobre as lideranças políticas e mesmo sobre a liderança do empresariado envolvido no episódio”, sem deixar de
“reconhecer os interesses industriais ao recusar-se a assinar um tratado livre-cambista sem restrições”. Para Moura (1980, p.
89), o tratado “era inevitável diante do poder norte-americano e das necessidades de recuperação econômica centralizadas
na defesa do café”. Entretanto, ele “não proibia formalmente os acordos bilaterais e o comércio compensado, que se
inscreviam nas proposições industrialistas e nacionalistas da época”. Para maiores detalhes sobre o acordo e suas
negociações, ver também Ribeiro (2017).
193

1980, p. 88, itálicos no original). No primeiro semestre de 1936, o Brasil retomou conversações com a
Alemanha, levando à assinatura de um “ajuste comercial de compensações”, contemplando produtos
como o algodão, café, cítricos, couros, tabaco e carnes, “que atendiam aos interesses de produtores do
Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Nordeste” 237. A fim de evitar conflitos com os
Estados Unidos, foram estabelecidas “quotas para as exportações brasileiras e restrições às importações
de produtos manufaturados alemães” (MOURA, 1980, p. 88-90, itálicos no original). Em dezembro de
1936, o Subsecretário de Estado norte-americano, Sumner Welles, passou pelo Rio de Janeiro 238,
acompanhado de alguns técnicos, e manteve conversações com autoridades brasileiras a propósito das
negociações comerciais com a Alemanha:

Os americanos atacaram o ajuste em dois planos: o dos princípios – no qual


defenderam mais uma vez o livre-comércio, visto como a mola propulsora da
recuperação do comércio internacional – e o plano imediato – no qual constatavam
uma queda sensível das exportações americanas para o Brasil e um aumento das
importações brasileiras na Alemanha, atribuindo esses fatos ao acordo germano-
brasileiro de junho. (…). Algumas sugestões americanas foram acatadas em princípio,
mas a dimensão mais significativa das conversações foi a ausência de qualquer pressão
ou ameaça de represália sobre o comércio exterior brasileiro. A tática da delegação
norte-americana se caracterizou pela tentativa de envolvimento e compromisso: Welles
ofereceu recursos ao governo brasileiro para a constituição de um Banco Central, com
vistas à regularização da situação monetária. (…). Ao aproximar-se o vencimento do
prazo de vigência do ajuste Brasil-Alemanha, o governo americano voltou à carga. Em
maio de 1937, o Departamento de Estado insistiu nos prejuízos que o ajuste causava
aos Estados Unidos e sugeriu que o Brasil fizesse um novo acordo com a Alemanha em
moldes liberais. Em junho, o governo brasileiro prorrogou por três meses o ajuste,
enquanto se estudava uma fórmula que resguardasse os interesses americanos.
Temendo ou imaginando represálias, o Embaixador Oswaldo Aranha insistiu na ida do
Ministro Sousa Costa aos Estados Unidos para debater com as autoridades americanas
a questão do comércio germano-brasileiro, resultando daí a missão Sousa Costa
(junho/julho de 1937), que também tratou de outras questões, especialmente a dívida
externa brasileira e a criação de um Banco Central no Brasil. (…). A missão Sousa
Costa foi considerada uma vitória brasileira. Oswaldo Aranha, que aceitava
integralmente a tese americana do livre-comércio, reconheceu que Sousa Costa

237 Como explica Ribeiro (2017), o chamado comércio de compensação era uma “modalidade de intercâmbio bilateral em
que os saldos comerciais de um país só poderiam ser usados para importar mercadorias do outro país – economizando
divisas na realização dos pagamentos das trocas comerciais. Os saldos das exportações brasileiras para a Alemanha ficavam
depositados em uma conta especial em uma moeda chamada Aski, mais conhecida como marcos de compensação. Através
desses ajustes comerciais, os alemães se comprometiam em adquirir uma determinada cota de produtos brasileiros que não
encontravam colocação fácil no mercado norte-americano; além de café, os alemães comprometiam-se com a aquisição de
algodão, cacau, couros, babaçu, entre outros produtos. Esta modalidade de comércio permitiu à Alemanha tornar-se o
segundo país em volume de trocas comerciais, suplantando a Inglaterra e chegando a ficar pouco atrás dos Estados Unidos”.
238 Retornava da Conferência Interamericana de Consolidação da Paz (realizada em Buenos Aires, 1936, depois de
encerrada a Guerra do Chaco entre Bolívia e Paraguai).
194

conseguiu convencer os americanos da necessidade do comércio compensado com a


Alemanha (…). Por que razão o Brasil só ganhou, sem quase nada ceder? (…). Em
termos amplos, para o governo Roosevelt o que estava em jogo na Missão Sousa Costa
não era apenas o enfrentamento da competição comercial alemã ou a obtenção de
ganhos econômicos imediatos; o essencial era garantir sua influência global sobre o
Brasil, e para assegurá-la o governo Roosevelt fechou os olhos à aplicação rígida do
livre-comércio, não deu ouvidos à totalidade das reclamações de exportadores,
investidores e banqueiros norte-americanos, além de conceder facilidades financeiras
ao país que ampliava então continuamente seu comércio com o adversário europeu dos
Estados Unidos. Naquele momento, o Brasil já não era apenas um parceiro econômico
para os Estados Unidos mas uma peça importante na constituição de seu sistema de
poder (MOURA, 1980, p. 92-96, itálicos no original).

As concessões feitas “indicam que não existia uma hegemonia absoluta dos Estados Unidos
sobre o continente em geral e o Brasil em particular” e que a “preeminência americana” requeria um
“esforço ativo para sua consecução” (MOURA, 1980, p. 98). Também para o governo alemão, que se
encontrava em “preparação acelerada para a guerra, o Brasil era importante como mercado e fonte de
matérias-primas”:

Evidentemente um aumento de influências políticas e ideológica era sempre


favorecido, mas os objetivos econômicos são de tal modo prioritários que eventuais
humilhações políticas são absorvidas sem maiores reações (...) 239. O importante era
manter e ampliar o intercâmbio comercial com o Brasil: daí as vantagens que o
governo alemão oferecia em termos de manufaturados a preços baixos, ampliação do
mercado para os produtos primários brasileiros (MOURA, 1980, p. 97-98, itálicos no
original).

Ribeiro (2017) considera que a manutenção de laços com os Estados Unidos e com a Alemanha
pelo governo brasileiro, linha diplomática denominada “equidistância pragmática” por Moura (1980),
pode ser vista como uma “expressão, no nível das relações internacionais, das disputas entre as diversas

239 Segundo Moura (1980, p. 111), entre o governo brasileiro e o alemão havia “um acordo tácito de que as dificuldades
políticas não deveriam prejudicar os acertos econômicos. Os problemas políticos daquele momento eram os seguintes: do
lado brasileiro havia a reclamação de que o nazismo procurava influenciar a população de origem alemã do sul do Brasil,
além da pretensão do governo alemão de proteger ‘minorias alemãs e organizar o partido nazista em nosso país’. Do lado
alemão, havia queixas contra as leis de assimilação dos estrangeiros em território brasileiro promulgadas pelo governo em
1938, bem como a proibição de propaganda de partidos políticos estrangeiros. Contra essas disposições bateu-se
veementemente o embaixador alemão, Karl Ritter, que acabou sendo declarado persona non grata pelo Itamarati; algo
idêntico passou-se com o embaixador brasileiro em Berlim. Poucos meses depois, as relações diplomáticas se
normalizaram”. Entre 1936 e 1939, o comércio entre Brasil e Alemanha cresceu sem interrupção (MOURA, 1980, p. 112).
195

frações da classe dominante brasileira cujos interesses, naquela conjuntura, dividiam-se entre uma e
outra potência imperialista”:

Enquanto perdurou esta equidistância pragmática havia espaço para a construção de


um discurso e de um projeto com traços mais fortemente nacionalistas – o que foi
ainda mais acentuado a partir do golpe que instaurou o Estado Novo e a nova Carta
Constitucional. Alguns pontos da nova Constituição previam a progressiva
nacionalização de uma série de setores da economia, como as jazidas minerais, as
quedas d’água, outras fontes de energia, os bancos, as companhias de seguros, entre
outras áreas. Portanto, o não-alinhamento exclusivo com um dos dois sistemas
internacionais de poder em construção – ou, sob outro ponto de vista, a tentativa de se
alinhar aos dois – criava uma brecha no meio das disputas entre as duas potências para
os intentos mais nacionalistas do governo brasileiro de então. (…) se havia algum
“imperialismo” ao qual o Brasil deveria se alinhar era ao seu próprio, segundo Vargas,
cujo objetivo principal era integrar o mercado interno nacional e expandir as suas
fronteiras econômicas. Importante destacar que desde meados da década de 1930,
figuras de destaque dentro do governo Vargas (como Oswaldo Aranha) sustentavam
que o Brasil deveria, naquela tensa conjuntura de disputas entre as nações, buscar uma
posição privilegiada na América da Sul através da expansão comercial sobre os países
da região. Desta forma, os tons nacionalistas dos discursos e do projeto de
desenvolvimento então esboçados por Vargas devem ser entendidos levando em conta,
além dos determinantes econômicos e políticos internos, a conjuntura internacional que
permitia a tão destacada pela historiografia “barganha” de Vargas com os Estados
Unidos e a Alemanha, além das próprias pretensões políticas e econômicas na América
do Sul – o que recorrentemente foi fonte de tensões, especialmente, com a Argentina.
Com o início do conflito aberto em 1939, a equidistância até então cultivada pelo
governo se quebra e progressivamente o Brasil caminha para o alinhamento com o
bloco dos Aliados, afastando-se de vez do Eixo. Portanto, nesta nova conjuntura em
que ficou cada vez mais clara para o Brasil a inevitabilidade de sair da posição de
neutralidade, os intelectuais do governo tiveram que adaptar os projetos de
desenvolvimento econômico e de proeminência na América do Sul à esfera de
influência norte-americana, promovendo o prelúdio do processo de associação entre
desenvolvimentismo e imperialismo. (…) A linha política dominante durante o governo
Vargas buscou sustentar a neutralidade até o ponto em que possível fosse, assim que o
conflito mundial se iniciou na Europa. Porém, com o avançar do conflito, redundando
em restrições à manutenção do intercâmbio comercial com a Alemanha – somados às
crescentes pressões internas e externas para que o Brasil se posicionasse a favor dos
Aliados –, o Brasil foi preparando a sua entrada na órbita geopolítica dos Estados
Unidos. A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados teve
impactos nas mais diversas esferas da realidade histórica de então; as Forças Armadas,
o regime político do Estado Novo e o Estado brasileiro, a economia capitalista e até a
cultura sofreram transformações oriundas daquela conjuntura de guerra (RIBEIRO,
2017. Itálicos no original).
196

4.1 O Pan-americanismo e a constituição de um front de guerra comercial, político e


psicológico

Em 1938, já existia na Europa a convicção de que haveria uma guerra. Washington, além de
identificar a necessidade de “preparar-se com urgência no plano econômico, político e militar para o
confronto”, sentia a necessidade de “eliminar a influência comercial, político-ideológica e militar da
Alemanha” na América Latina (MOURA, 1980, p. 114). Conforme Lübken (2003), o público norte-
americano, assustado com o espectro de uma invasão alemã na América Latina – que poderia, segundo
essa percepção, resultar em um ataque aos Estados Unidos – apoiava a ampliação do “perímetro de
defesa” proposta pelo presidente Roosevelt em diversas declarações. Devido aos novos métodos de
ataque, especialmente o uso de aviões, todas as ameaças, do Canadá à Patagônia, deveriam ser
consideradas ameaças aos Estados Unidos. O governo Roosevelt, nesse cenário, estava decidido a
ampliar a cooperação política e militar interamericana240.
Como ressaltou Moura (1980, p. 129), “para o sistema de poder em constituição, importava
exercer algum tipo de controle ou influência sobre a totalidade e cada dimensão da vida social,
econômica e cultural de seus aliados subordinados”. Nesse processo de consolidação do domínio norte-
americano na América Latina, “o pan-americanismo teve um papel saliente enquanto ação diplomática
e ofensiva ideológica”. Dito de outro modo, os ideais do pan-americanismo corporificaram a “ideologia
internacionalista” do “sistema de poder americano nascente”. Essa ideologia “suplantava a ideia de
defesa nacional dos Estados Unidos e acentuava a solidariedade entre as nações americanas e o respeito
à sua soberania, em nome de um objetivo maior: a defesa hemisférica contra o inimigo externo”
(MOURA, 1980, p. 136). Não por acaso, destaca Moura (1980, p. 135), “as conferências
interamericanas ganharam novo alento no período da disputa EUA versus Alemanha na década de 1930
e início da década de 1940”. Nelas, “apesar de algumas resistências, os EUA foram assegurando sua
hegemonia” no continente.
Como já não era considerado legítimo invocar um “direito unilateral de intervenção protetiva” a
ser exercida em nome do continente pelos Estados Unidos – os países latino-americanos não tinham
nenhuma inclinação a abandonar a “doutrina da não-intervenção” –, desenvolveu-se, naquele período, a
240 Moura (1980, p. 114) acrescenta: ao mesmo tempo, o governo norte-americano se preocupava em conter as “iniciativas
de caráter nacionalista que repontavam frequentemente em algumas nações” do continente e “poderiam perturbar a
realização de seus objetivos”. Temia-se “especialmente que se alastrasse o exemplo mexicano de nacionalização de
empresas norte-americanas durante o governo Cárdenas”.
197

ideia de “intervenção coletiva” para prevenir invasões “extra-hemisféricas” (FALK, 1961). Ao mesmo
tempo, um novo processo de consulta entre os países americanos, a ser realizado através de reuniões
dos ministros das Relações Exteriores, foi instituído241. Na primeira reunião de ministros (Panamá,
1939), realizada após o início da guerra na Europa, foram criados dois órgãos consultivos: a Comissão
Interamericana de Neutralidade242 e o Comitê Consultivo Econômico e Financeiro Interamericano
(Inter-American Financial and Economic Advisory Committe), com sede em Washington D. C.243
(ARRIGHI, 2004, p. 49 e 134 e ATKINS, 1997).
Paralelamente, o governo norte-americano buscava ideias para formular uma nova estratégia
econômica e política para o continente. Em junho de 1940, Roosevelt enviou um memorando aos
secretários de Estado, Comércio, Tesouro e Agricultura, solicitando que analisassem um documento
intitulado Hemisphere Economic Policy. Recebido das mãos de Nelson Rockefeller por Harry Hopkins,
Secretário de Comércio, o documento defendia que a posição internacional dos Estados Unidos deveria
ser protegida por meio de medidas econômicas que fossem “competitivamente efetivas contra as
técnicas totalitárias”. Além disso, o documento apontava que a segurança da nação e sua posição
econômica no hemisfério deveria ser estabelecida no interior de um quadro de cooperação e
interdependência econômica hemisférica. Sugeria também, em um pequeno parágrafo, que, ao lado do
programa econômico, um intenso programa de relações culturais e educacionais deveria ser criado. A
administração dessas ações deveria ser feita não apenas pelo governo norte-americano, mas também
por representantes do setor privado. O documento sugeria que essa integração dos interesses privados
com as agências governamentais poderia ser obtida através da nomeação de um comitê
interdepartamental e um grupo consultivo proveniente do setor privado. Os esforços deveriam ser
coordenados por um dirigente com acesso direto ao presidente Roosevelt244 (ROWLAND, 1947).

241 Pela Conferência Interamericana de Consolidação da Paz (Buenos Aires, 1936) e pela VIII Conferência Pan-Americana
(Lima, 1938).
242 Formada por sete especialistas em Direito Internacional e com sede no Rio de Janeiro (em 1942 se tornaria a Comissão
Jurídica Interamericana).
243 Composto por vinte e um especialistas em economia, representantes de cada uma das repúblicas americanas. O comitê
deveria estudar e fazer recomendações sobre formas de resolução dos problemas econômicos, financeiros, de comunicação e
transporte (especialmente marítimo) decorrentes da guerra. Sua sessão inaugural ocorreu em novembro de 1939.
244 O documento foi elaborado pelo grupo composto por conselheiros de Nelson Rockefeller, também conhecido como “A
Junta”, que se reunia desde 1938, debatendo suas preocupações com o crescimento dos investimentos alemães e italianos na
América Latina e buscando encontrar uma forma de lidar com o crescente nacionalismo no continente, antes que se tornasse
mais difícil reverter as tendências socialistas identificadas na região (COLBY e DENNETT, 1995, p. 94-95). O grupo era
comandado por Beardsley Ruml, antigo colaborador da família Rockefeller e amigo do Secretário de Comércio, que era um
dos mais próximos assistentes de Roosevelt. Essas relações abriram as portas para que Nelson Rockefeller entrasse no
governo. Para maiores informações sobre a “Junta”, ver Reich (1996, p. 174-188).
198

Em agosto de 1940, o governo dos Estados Unidos decidiu criar uma agência para trabalhar
com as questões interamericanas. Ela foi instituída por meio de uma ordem executiva do Conselho de
Defesa Nacional (Council of National Defense), como um órgão a ele subordinado. Inicialmente
denominada Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations between the American
Republics, foi posteriormente conhecida como Office of the Coordinator of Inter-American Affairs
(OCIAA) ou Office of Inter-American Affairs (OIAA)245. Seu diretor, que seria chamado de
Coordinator, era instruído a cooperar com o Departamento de Estado, mas tinha relação direta com o
presidente, a quem deveria enviar relatórios e recomendações. O cargo acabou sendo ocupado por
Nelson Rockefeller (ROWLAND, 1947)246.
A ordem do Council of National Defense que criou o OCIAA definiu que o Coordenador
deveria integrar, como presidente (Chairman), o Inter-Departmental Committe on Inter-American
Affairs, do qual também fariam parte o presidente do Export-Import Bank e representantes dos
departamentos de Estado, Agricultura, Tesouro e Comércio, assim como representantes de outras
agências e departamentos que fossem considerados necessários para analisar e relacionar entre si as
propostas do governo referentes à defesa hemisférica e às relações comerciais e culturais 247. Na
primeira reunião desse comitê interdepartamental, Rockefeller afirmou que a criação do OCIAA
representava uma reorientação do problema da América Latina como um todo, sob o ponto de vista da
defesa nacional, aspecto que deveria ser levado em consideração pelo comitê em todas as atividades
(Meeting, 27/08/1940)248.

245 Em português, alguns autores se referem a essa agência como Birô/Escritório de Coordenação das Relações Comerciais
e Culturais entre as Repúblicas Americanas ou Birô/Escritório do Coordenador de Assuntos Interamericanos. Aqui
utilizaremos a sigla OCIAA. Em seus poucos anos de existência, o OCIAA, além de coordenar “agências estatais e privadas
norte-americanas na compra de excedentes de produção e materiais estratégicos latino-americanos” e participar de “outras
iniciativas de caráter econômico”, atacou problemas ligados à saúde pública e nutrição e concentrou seus melhores esforços
no campo da informação, desenvolvendo rapidamente uma complexa operação de influência exclusiva sobre os meios de
comunicação de massa no sul do continente (MOURA, 1986, p. 22). Para maiores informações sobre essas atividades,
consultar Rowland (1947), Tota (2000), Rabelo (2006), Monteiro (2012), Locastre (2017) e Valim (2017).
246 Os primeiros passos para a organização da nova agência ocorreram ainda em agosto de 1940. Rockefeller levou para o
OCIAA alguns de seus homens de confiança, como Carl Spaeth, que se tornou seu Assistente Executivo, e Joseph
Rovensky, vice-presidente do Chase National Bank e membro da “Junta”, que lideraria a Seção de Comércio e Finanças da
agência.
247 Ver Order establishing the Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations between the American
Republics em Rowland (1947, p. 280). De acordo com Rivas (2002, p. 45), Rockefeller via as relações culturais entre os
países americanos como um importante campo de atuação, mas essa não era a sua preocupação principal. O memorando
elaborado pela Junta para o secretário Hopkins listava as relações culturais como uma nota de rodapé ao programa
econômico proposto.
248 Moura (1986, p. 20) chama atenção para essa informação, explicando que o OCIAA “não era uma mera extensão de
programas de colaboração interamericana já existentes”, tratando-se de “uma agência coordenadora de esforços, ligada à
segurança nacional dos Estados Unidos”.
199

Nesse mesmo período, o Departamento de Estado e o FBI 249 trabalhavam para a criação do
Serviço Especial de Inteligência (Special Intelligence Service – SIS) para rastrear as atividades nazistas
na América Latina250. Em junho de 1940 a autorização para criação do SIS/FBI foi concedida pelo
presidente Roosevelt, por telefone, e relatada em um memorando assinado pelo secretário de Estado
Adjunto, Adolf Berle251. De acordo com Huggins (1998, p. 69), passaram-se dois anos até que a criação
do SIS se tornasse pública. Por algum tempo, ele atuou sem comunicação formal ao Congresso dos
Estados Unidos e a muitos dos governos da América Latina, onde rapidamente buscou estabelecer sua
presença:

(…) o FBI não proporcionou quase nenhum treinamento formal para o trabalho de
inteligência do SIS (…). Talvez tenha sido por isso que, apenas quatro meses após sua
criação, Hoover conseguiu ter agentes secretos do SIS no Brasil, Argentina, Chile,
Colômbia, México e Cuba (…). (…) os agentes do SIS, ‘com a ajuda de brasileiros’,
instalaram um escritório do ‘Serviço Secreto’ (…) no Rio de Janeiro, à Avenida
Presidente Wilson, no centro da cidade – supervisionados pelo adido cultural norte-
americano. (…) Como parte de suas atividades (...), os agentes do SIS colaboravam
com a polícia política (...) da capital federal em interrogatórios de suspeitos de
espionagem (HUGGINS, 1998, p.69-71)252.
249 Em 1935, no governo Roosevelt, o Bureau of Investigation (BOI), criado em 1908, foi reorganizado como uma agência
independente dentro do Departamento de Justiça, sendo denominado Federal Bureau of Investigation (FBI). Roosevelt
atribuiu ao FBI o trabalho de investigação criminal e também de contrainteligência. J. Edgar Hoover foi seu diretor por 48
anos, entre 1924 e 1972 (BECKER, 2017).
250 No final da década de 1930, alguns diplomatas e adidos norte-americanos na América Latina tentavam organizar uma
coleta clandestina de informações. Segundo Webb (2005), os relatórios desses “pioneiros” enviados a seus superiores em
Washington tiveram um papel importante no sentido de alertar sobre as deficiências (de pessoal e recursos) e a necessidade
de ações de inteligência na região.
251 Quando assumiu, no início de 1940, a responsabilidade pelas questões de inteligência (intelligence affairs) no
Departamento de Estado, Adolf Berle, segundo Webb (2005), começou a pressionar por uma resposta interdepartamental à
ação dos países do Eixo na América Latina. Em maio de 1940, Berle conversou com Hoover sobre a conveniência de
criação de um serviço especial de inteligência sob o controle do FBI para coletar informações sobre atividades subversivas
no “hemisfério ocidental”. Depois de diversas reuniões entre Hoover, Berle e chefes dos setores de inteligência do Exército
e da Marinha (ONI e G-2), chegou-se a um acordo sobre a criação de tal serviço, seu escopo de atuação, jurisdição e
atividades. Segundo Becker (2017), em 1936 Roosevelt já tinha instruído Hoover a coordenar a coleta de informações de
inteligência com o Departamento de Estado, a inteligência da Marinha (Office of Naval Intelligence – ONI, criada em 1882),
e a Divisão de Inteligência Militar do Departamento de Guerra (War Department’s Military Intelligence Division, às vezes
chamada de G-2, criada em 1885). Em 1940, Berle negociou o acordo que limitava a atuação do FBI ao “hemisfério
ocidental”. A Marinha se responsabilizava pelo Pacífico e o Exército controlaria as operações na Europa, África e na zona
do Canal do Panamá. Embora o acordo tenha atribuído ao FBI a responsabilidade de coletar informações nas Américas,
adidos do Exército e da Marinha, bem como os diplomatas do Departamento de Estado, continuaram a fazer esse trabalho. A
competição por informantes, que às vezes serviam a mais de uma agência, causou conflitos contínuos. Webb (2005)
considera que a cooperação entre o FBI e o Departamento de Estado, representada pela relação cordial de J. Edgar Hoover e
Adolf Berle, foi a base dos bons resultados da ação do SIS-FBI.
252 Em 1943, o programa de ligação com as polícias abrangia “muitos dos principais países da América Latina”. Em cada
um desses países, o principal agente do SIS/FBI trabalhava junto à embaixada norte-americana, com o título de Legal
Attaché, ou Adido Legal, disfarçando sua vinculação com o FBI. Isso garantia maior liberdade para o desempenho de suas
funções clandestinas. Os Legal Attachés comandavam o trabalho tanto de agentes encobertos quanto daqueles que
200

Segundo Hilton (1983, p. 281), diante da preocupação de identificar e localizar espiões alemães
no Brasil, “os agentes diplomáticos, consulares e militares dos Estados Unidos, sob a hábil direção do
embaixador [Jefferson] Caffery e com assistência do SIS”, estavam “especialmente alertas para as
atividades dos súditos do Eixo”:

Com a intensificação da crise na Europa, Caffery mergulhou na tarefa de combater a


influência comercial e política do Eixo, estabelecendo o que jactanciosamente rotulava,
em 1941, de “uma admirável organização de publicidade e propaganda”, cultivando
oficiais brasileiros cuja posição sobre assuntos internacionais era ambígua, refreando
assessores militares norte-americanos que se mostravam às vezes menos
compreensivos diante da sensibilidade brasileira e defendendo vigorosamente maior
assistência militar e econômica ao governo de Vargas. Caffery tinha um assistente
particularmente eficiente chamado Elim O’Shaughnessy, um secretário de 33 anos de
idade, que servia de ligação com o FBI e com a policia brasileira e que, até 1941,
construiu uma rede de contatos que muito facilitava a tarefa de contraespionagem. “O
Sr. O’Shaughnessy tem feito um magnífico trabalho em descobrir agentes inimigos e
suas atividades subversivas”, escreveria um funcionário do Departamento de Estado.
“Conhece pormenorizadamente as organizações de espionagem inimigas e a polícia e o
serviço secreto brasileiros... Tem dirigido com mão hábil o trabalho do FBI no Brasil”
(HILTON, 1983, p. 282-283).

Huggins (1998, p. 72) afirma que o embaixador Caffery era “extremamente influente nos
círculos policiais brasileiros” e “chegara a recomendar a admissão, promoção e demissão de pessoal da
polícia do Rio de Janeiro”:

Por exemplo, em 1942, quando Alcides Etchegoyen tornou-se o chefe do DOPS,


depois da renúncia forçada de Filinto Müller como diretor desse órgão, o embaixador
Caffery insistiu que o novo chefe de Polícia demitisse imediatamente “dez pró-
nazistas” que eram funcionários de seu departamento de polícia no Rio de Janeiro.
Caffery relacionou para Etchegoyen “um núcleo de quinze funcionários para sua

representavam oficialmente o FBI (que eram os que trabalhavam com as polícias locais) (FBI, 1947). No Rio de Janeiro,
dois investigadores da polícia brasileira foram designados para trabalhar com o oficial local de ligação ( liasion agent) do
FBI (FBI, 1947). Becker (2017, p. 42) considera que a presença do FBI na América Latina durante a Segunda Guerra
Mundial “formou a base para práticas de longo prazo que sobreviveram ao período da guerra, particularmente em relação
aos programas de assistência às polícias direcionados contra as esquerdas”. Ele também enfatiza que, durante a guerra, o
SIS/FBI não atuou apenas em países com presença significativa de alemães ou japoneses, ou com importância geopolítica
ou estratégica para os Estados Unidos. Era o caso do Equador, estudado por Becker, que, mesmo sem nunca ter sido alvo
das redes alemãs de espionagem, recebeu quarenta e cinco agentes. Isso porque em 1943, com o declínio da ameaça nazista,
J. Edgar Hoover, o diretor do FBI, “deslocou o foco de todo o seu aparato de inteligência internacional para sua principal
obsessão”, que era o comunismo.
201

polícia política”, nos quais o embaixador confiava. (…) Etchegoyen seguiu seu
conselho e logo depois chegou a dar à embaixada dos Estados Unidos o poder de
coordenar todo o trabalho de contraespionagem no Brasil, até que o próprio
Etchegoyen pudesse organizar uma força policial confiável (…). O passo seguinte de
Etchegoyen foi buscar a ajuda do FBI para a instalação de “uma Polícia Nacional de
acordo com os padrões do FBI”, tendo, para isso, o major [Odylio] Denys, assistente
de Etchegoyen no comando, solicitado o apoio do embaixador norte-americano. (…) O
agente do FBI escolhido para auxiliar Etchegoyen em seu projeto foi Rolf Larson,
membro do SIS, que vinha trabalhando no Brasil desde 1941 (HUGGINS, 1998, p.
72)253.

O controle das atividades de alemães, italianos e japoneses na América Latina foi ampliado em
1942, com a criação do Comitê Consultivo de Emergência para a Defesa Política do Continente (CDP),
durante a Terceira Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, realizada no Rio de
Janeiro, pouco tempo depois do ataque japonês a Pearl Harbor 254. Garcia-Amador (1985) afirma que o

253 Larson, que tinha vivido na Argentina entre 1937 e 1940 como missionário mórmon, montou uma rede secreta de
informantes no Brasil, que incluía mórmons como ele. Larson também estabeleceu uma rede de contatos na polícia. Um
desses contatos era Plínio Brasil Milano, o chefe da polícia política do Rio Grande do Sul, estado que, em função de sua
grande população de descendentes de alemães e italianos, e também por fazer fronteira com Uruguai e Argentina, tinha
importância no trabalho de contraespionagem. Em 1943, Plínio, que considerava que o Brasil precisava de “uma polícia
política em nível federal, nacionalmente articulada, segundo os padrões do FBI”, foi convidado a visitar a academia de
treinamento do FBI em Washington, D. C., “símbolo internacional de modernidade e profissionalismo no trabalho policial
investigativo”. A expectativa do FBI, segundo Huggins, era de que ele retornasse dessa viagem aos Estados Unidos com a
influência e prestígio necessários para convencer o governo das vantagens de instituir no Brasil uma organização como o
FBI. Quando voltou ao Brasil, no final de 1943, Plínio Brasil Milano solicitou que o FBI instalasse uma escola de
treinamento policial no Rio de Janeiro. Contudo “não é possível determinar, hoje, o papel de Plínio na escola de polícia
administrada pelo FBI. (…) ele nem sempre estava no Rio de Janeiro e frequentemente viajava para fora do país em
atividades secretas de contraespionagem”. Depois de sua morte, durante uma operação de contraespionagem no Uruguai, “a
escola de formação policial do FBI junto ao DOPS do Rio de Janeiro prosseguiu com palestras proferidas por Rolf Larson”.
Elas cobriam os seguintes tópicos: espionagem, contraespionagem, atividades da Quinta Coluna e sabotagem, observação e
vigilância e técnicas de interrogatório. Depois de passar quase cinco anos no Brasil, Larson foi transferido para a Bolívia,
com o objetivo de “instalar uma escola de atividades de inteligência da polícia, criar uma polícia secreta civil e reorganizar a
polícia nacional boliviana”. Posteriormente foi transferido para o Arizona, “onde chefiou o ‘esquadrão comunista’ local do
FBI (HUGGINS, 1998, p. 73-76).
254 Naquele momento “chegaram a seu ápice os esforços estadunidenses para coordenar políticas por todo o continente de
forma a consolidar sua posição anti-Eixo nas relações internacionais” (MOURA, 2012, p. 82). O governo norte-americano
exigiu que fossem rompidas as relações entre as Repúblicas Americanas e os países do Eixo. Conforme Moura (Id., p. 84),
“a delegação estadunidense havia preparado uma proposta de resolução que dizia que a Conferência concordava com o
imediato rompimento de relações, mas Argentina e Chile se opunham, por motivos diferentes. Os argentinos não aceitavam
a natureza imperativa da proposta porque seu governo dependia de um equilíbrio doméstico muito delicado e queria manter
uma posição de neutralidade na guerra. O governo chileno, por sua vez, temia que o rompimento de relações fosse
interpretado como um estado de guerra, uma situação que ele estava ansioso por evitar tendo em vista a possibilidade de
ataques japoneses à costa chilena”. O governo brasileiro, por sua vez, buscava não se opor à Argentina: “[Getúlio] Vargas,
[Oswaldo] Aranha e os outros representantes brasileiros na Conferência se esforçaram ao máximo para chegar a uma
fórmula política na questão do rompimento de relações com o Eixo que também fosse aceitável aos representantes
argentinos” (Ibid., p. 92). Moura (Ibid., p. 93) também relata que “durante a Conferência, o general Dutra, ministro da
Guerra, e o general Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército, haviam argumentado pela continuidade das relações
diplomáticas com as potências do Eixo”, acreditando que as forças brasileiras não estavam preparadas “para garantir a
defesa do território no caso de consequências militares do rompimento de relações diplomáticas”. Ao final da reunião, o
202

“sistema de defesa política” do continente americano já tinha sido criado em 1936, a partir de uma
resolução aprovada na Conferência de Buenos Aires. Sua finalidade era, através do fortalecimento da
segurança interna de cada país, contra-atacar o perigo das ideologias e atividades nazifascistas que
estariam ameaçando as instituições democráticas. Tal sistema teria sido instituído na Primeira Reunião
de Consulta, em 1939, e desenvolvido nas duas reuniões seguintes (Havana/1940 e Rio de
Janeiro/1942). Sua origem derivaria da noção de que as “atividades subversivas incompatíveis com a
democracia” eram diretamente ajudadas ou instigadas por “potências extracontinentais”, constituindo
um “ato de agressão política” ou “agressão de caráter não-militar”255.
Spaeth e Sanders (1945, p. 6) sustentaram que, mesmo sem sofrer nenhuma agressão militar até
dezembro de 1941 (ataque a Pearl Harbor), os países americanos já vinham sendo objeto de uma
“ofensiva política e psicológica bem planejada”, levada a cabo por nacionais dos países do Eixo,
missões diplomáticas, culturais e financeiras, organizações comerciais e de transporte. Assim, quando
os governos americanos decidiram romper relações diplomáticas com o Eixo e criaram o Comitê
Consultivo que recomendaria o modo pelo qual se levariam a cabo as ações de defesa política para a
proteção individual e coletiva do continente, teriam respondido a uma “necessidade imperativa de ação
prática”, diante da eficácia e do alcance da “agressão política” que vinham sofrendo (Id., p. 9-10).
O Comitê de Defesa Política (CDP), composto por sete membros, teve sua sede estabelecida em
Montevidéu256. Seu programa de maior sucesso, segundo Friedman (2012, p. 314), foi o que reuniu e
publicou evidências de atividades nazistas na América Latina, especialmente no Chile e na Argentina
(países que não tinham rompido relações com o Eixo em janeiro de 1942). Além disso, o CPD produzia
relatórios sobre o estado da “segurança interna de cada país, incluindo registro e vigilância de
estrangeiros, entrada e saída de estrangeiros, controle de organizações e propaganda estrangeiras,

presidente Vargas tinha obtido dos Estados Unidos asseverações suficientes para neutralizar a oposição militar. No último
dia da Conferência, ele anunciou o rompimento de relações com o Eixo.
255 Essas atividades subversivas foram caracterizadas na Resolução nº XVII da Terceira Reunião de Consulta (Rio de
Janeiro) e em memorando a ela anexo. Entre elas, destaca-se: divulgação de propaganda, espionagem, sabotagem, desordem
pública e qualquer outra atividade desenvolvida com o objetivo de afetar a estrutura política de um país.
256 Os membros eram nomeados pelos governos da Argentina, Brasil, Chile, Estados Unidos, México, Uruguai e
Venezuela. O representante uruguaio era Alberto Guani, vice-presidente da República, que foi eleito presidente do comitê
(SPAETH e SANDERS, 1945, p. 13-14). Inicialmente, o Brasil enviou a Montevidéu o diplomata Mário de Pimentel
Brandão, que foi substituído pelo General Góes Monteiro no final de 1943. Também fizeram parte do comitê os diplomatas
Manoel Pio Corrêa Jr., Arthur dos Guimarães Bastos, Arnaldo Boulitreau Fragoso, Acir do Nascimento Paes, Álvaro
Teixeira Soares e Pedro Leão Velloso, entre outros.
203

proteção de portos e instalações e controle de comunicações internacionais” 257. Na avaliação de


Friedman, sua principal missão era:

Encorajar governos latino-americanos relutantes a colaborar com um programa de


origem norte-americana, voltado à expulsão de cidadãos do Eixo para internamento
nos Estados Unidos, iniciado imediatamente após o bombardeio de Pearl Harbor. O
secretário de Estado Cordel Hull expressou frustração com a relutância de muitos
governos da região em seguir as orientações de Washington sobre a deportação de
alemães, japoneses e italianos identificados pelas agências de inteligência dos EUA
como subversivos em potencial258. Como delegado dos EUA, ele escolheu Carl B.
Spaeth (...)259 (FRIEDMAN, 2012, p. 314).

Um dos principais colaboradores do comitê era o jurista alemão emigrado Karl Loewenstein.
Logo depois da criação do CDP, ele foi convidado por Spaeth a se reunir ao Departamento de Justiça
dos Estados Unidos (que trabalhava em conjunto com o Departamento de Estado para assessorar a
257 O relatório do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, referente ao ano de 1942 informava: “Têm sido amplas e
produtivas as atividades da Comissão Consultiva, que se orienta pelos mais tenazes propósitos de afastar do Continente
americano os riscos decorrentes da propagação de ideologias exóticas e das atividades de agentes subversivos. Nesse
sentido, através de frequentes reuniões, levou já a cabo importante trabalho de vigilância e controle de atividades suspeitas.
Várias recomendações foram aprovadas pela Comissão e postas em prática pelas autoridades brasileiras encarregadas de
dar-lhes execução” (MRE, 1944, p. 12-13). Manoel Pio Corrêa considerava importante o trabalho do CDP: “Mesmo (...)
para aqueles países americanos cuja beligerância permaneceu no plano teórico e jurídico, o período da Segunda Guerra
Mundial acarretou um singular estímulo ao fortalecimento dos laços continentais e despertou, com surpreendente rapidez e
veemência, um inegável sentimento de solidariedade, fazendo subitamente da União Pan-Americana, até então foro de
debates, um instrumento de ação. As reuniões de Consulta dos Chanceleres Americanos realizada em Panamá, em Havana e
no Rio de Janeiro tomaram com rapidez medidas eficazes para proteger a segurança do Hemisfério, inclusive contra as
infiltrações ideológicas nazistas. Um Comitê de Emergência para a Defesa Política do Continente elaborou e coordenou as
medidas para combater a ação do inimigo nos campos de espionagem, da sabotagem e da guerra psicológica: nesse órgão
tive a honra de ser primeiro o Assessor, depois o Substituto do titular brasileiro, General Pedro Aurélio de Góis Monteiro”
(CORREA, 1973).
258 De acordo com Friedman (Id., p. 315), a principal declaração do CDP sobre o combate à subversão do Eixo foi a
Resolução XX, aprovada em junho de 1943, que pedia a internação de cidadãos perigosos do Eixo em países vizinhos,
quando as instalações locais fossem inadequadas. Redigida no Departamento de Estado e apresentada pelo representante
norte-americano no comitê, ela representou um endosso retroativo das políticas norte-americanas já em andamento.
Friedman (2005) afirma que, entre 1941 e 1945, o governo dos Estados Unidos organizou a prisão, deportação e
internamento de mais de quatro mil alemães que viviam na América Latina, levando-os para prisões criadas no Texas e
Louisiana, entre outros lugares.
259 A essa altura, Spaeth, que chegou a ser coordenador adjunto no OCIAA, já não fazia mais parte do círculo de Nelson
Rockefeller. Sobre o rompimento de suas relações, ver Reich (1996, p. 233-235). Segundo Friedman (2012, p. 314), no
CDP, Spaeth, “ao contrário de alguns oficiais mais antigos do Departamento de Estado que lidavam com as questões latino-
americanas, (...) se preocupava mais em alcançar as metas políticas dos EUA do que [em] evitar interferências nos assuntos
latino-americanos. O secretário de Estado adjunto Adolf Berle temia que, se o CDP se tornasse conhecido como uma criação
dos Estados Unidos, perderia sua eficácia, mas Spaeth lhe respondeu que o único perigo era a inação. Em correspondência
com o departamento, ele relatou sua prática de utilizar a cooperação de delegados de outros países para apresentar suas
propostas, a fim de que elas não parecessem ter se originado nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, tentava impedir a
introdução de propostas elaboradas pelos latino-americanos”.
204

representação norte-americana). No cargo que assumiu, Loewenstein ajudou em pesquisas e elaboração


de medidas legislativas contra a subversão na América Latina (GREENBERG, 2014, p. 190). Não
estando apenas preocupado com os “súditos do Eixo”, em 1943 o jurista elaborou relatórios, que foram
amplamente lidos, instando o Departamento de Estado a expandir aos comunistas sua ação de
“restrição preventiva de direitos”:

"Evidentemente", ele escreveu algumas semanas após a batalha de Stalingrado, a


vitória potencial da União Soviética sobre os nazistas "é um problema político de
primeira magnitude (...) que pode afetar a [nossa] segurança interna. É de se esperar
que, com a União Soviética ocupando um lugar de destaque entre os vencedores, o
apelo missionário do bolchevismo, atualmente subjugado por razões táticas, surja
novamente. A legislação interna dos vários estados do [Hemisfério Ocidental], se
orientada para a preservação dos processos democráticos”, deve ser preparada com
antecedência (GREENBERG, 2014, p. 197).

Segundo Greenberg, esse feroz anticomunismo de Loewenstein não passou despercebido:

Tanto os diplomatas dos EUA quanto os latino-americanos tinham pouca simpatia pelo
comunismo e estavam dispostos a planejar a extensão das estruturas do CDP para um
futuro confronto com os bolcheviques. De fato, seguindo os comentários de
Loewenstein, o delegado dos EUA Laurence Knapp e o presidente do CDP, Alberto
Guani, pediram aos seus governos que começassem a elaborar planos para enfrentar o
comunismo do pós-guerra no Hemisfério Ocidental. Apesar de a União Soviética ser
um aliado na Europa, eles alegaram, o comunismo global poderia muito bem emergir
como uma força desestabilizadora e subversiva no futuro, buscando fazer incursões na
América Latina (GREENBERG, 2014, p. 197).

Essas preocupações continuaram presentes entre os membros do Comitê de Defesa Política


depois da guerra, quando ainda não havia sido definido o futuro da organização. Em fevereiro de 1947,
antes de partir para Montevidéu e reassumir sua posição no comitê, o general Góes Monteiro
confidenciou ao embaixador norte-americano no Brasil, William Pawley, que sua intenção era
“trabalhar em proximidade com os representantes dos Estados Unidos como tinha feito no passado”.
Ele acreditava que os Estados Unidos eram o único país que poderia fornecer soluções para muitas das
dificuldades daquele período, sendo o comunismo a principal delas. Afirmava não haver dúvidas de que
205

muitos nazistas indesejáveis ainda permaneciam no continente, mas que seria difícil repatriá-los. E,
embora considerasse a repatriação desejável, achava que não era algo tão importante, considerando que
isso afetava uma quantidade relativamente pequena de indivíduos. Sua opinião era a de que o CDP
deveria dedicar a maior parte de seu tempo aos problemas do comunismo (Airgram, 04/02/1947).
No mês seguinte, o representante norte-americano no comitê, Pierre de Boal, observou que, de
maneira geral, a maioria dos membros do comitê era fortemente a favor da organização de alguma
defesa política interamericana contra a “infiltração e ações perturbadoras da ordem por parte dos
soviéticos”260. Mas a organização não teve suas funções readequadas ao pós-guerra e acabou sendo
dissolvida em novembro de 1948, por resolução do conselho da Organização dos Estados Americanos
(OEA) (FRIEDMAN, 2012, p. 315).

4.2 O OCIAA, o front econômico e o planejamento do pós-guerra

O controle das atividades dos “súditos do Eixo” também interessava ao OCIAA, dirigido por
Nelson Rockefeller, que inicialmente também atuou no campo da “guerra econômica”. Já na primeira
reunião de seu Comitê Executivo, em agosto de 1940, foi discutido o envio de uma missão às
repúblicas americanas para investigar “atividades subversivas” na região (ROWLAND, 1947).
Segundo Hilton (1983, p. 274), “Rockefeller enviou uma missão confidencial, que incluía o chefe da
seção latino-americana do FBI à América do Sul para investigar os representantes locais de firmas
norte-americanas”. No início de 1941, Rockefeller comentou com o embaixador brasileiro em
Washington, Carlos Martins, que a missão descobrira que muitos desses representantes eram
“reconhecidamente simpatizantes e até dedicados à causa dos países totalitários”, sendo que vários
eram suspeitos de espionagem. Uma das tarefas urgentes de Rockefeller era, assim, eliminar o perigo
potencial”261.

260 As posições estimadas eram as seguintes: “membro brasileiro a favor, membro peruano provavelmente a favor, membro
chileno pessoalmente a favor, mas pode ser contido por algum medo da atitude do governo chileno sobre o assunto. (...)
Membro venezuelano a favor, embora a atitude de seu governo não seja conhecida, membro uruguaio (Dr. Carbajal
Victoria) fortemente a favor, membro mexicano provavelmente pessoalmente oposto” (Ofício de Pierre de Boal,
06/03/1947).
261 Em fevereiro de 1941, o OCIAA preparou um comunicado à imprensa sobre essas ações: “O coordenador de relações
comerciais e culturais entre as repúblicas americanas anunciou hoje que, como medida de defesa, seu escritório havia
realizado e completado a primeira fase de um estudo contínuo sobre a representação dos negócios dos Estados Unidos nas
outras repúblicas americanas. O estudo foi realizado em cooperação com o Departamento de Estado, Comércio e outras
206

O OCIAA ajudou a elaborar a Proclaimed List of Certain Blocked Nationals (PL), que ficou
também conhecida como “Lista Negra”, “uma relação de indivíduos e empresas conectados a pessoas e
nações do Eixo, a serem bloqueados em nome dos interesses da defesa nacional” (QUINTANEIRO,
2005)262. Conforme Cramer e Prutsch (2006), o OCIAA desempenhou um papel considerável na
eliminação de empresas de aviação pertencentes ou operadas por nacionais do Eixo na América Latina.
Também compilou e analisou dados que serviram para orientar operações que impediam a exportação
de minerais estratégicos e outros produtos para o Eixo. O comitê local de coordenação do OCIAA no
Brasil ajudou, em conjunto com a embaixada norte-americana,

A identificar empresas que deveriam ser incluídas na “lista negra”, além de estabelecer
as necessidades essenciais de importação do Brasil, de matérias-primas a peças de
reposição, para ajudar o país a produzir os bens necessitados pelos EUA com urgência.
A avaliação das necessidades de importação e as investigações sobre a propriedade das
empresas envolvidas foram difíceis, mas permitiram à OCIAA examinar
profundamente o potencial econômico e as estruturas de propriedade do Brasil. As
áreas de competência da divisão brasileira, no entanto, mudaram ao longo do tempo, já
que outras agências de guerra concorrentes assumiram várias de suas funções,
particularmente em áreas relacionadas à “lista negra” (...) 263. Do final de 1942 até 1945,
portanto, o principal campo de ação da Divisão foi a diplomacia pública (public
diplomacy)264. Esta era uma das principais tarefas desde o início, mas a intensidade de

agências governamentais interessadas. Esse estudo identificou que, em certos casos, empresas norte-americanas na América
Central e do Sul tinham a seu serviço agentes envolvidos ou contribuindo para atividades antiamericanas. (…) O Escritório
do Coordenador [OCIAA] está apresentando a situação aos chefes das empresas americanas e, por meio dessa apresentação,
o governo [dos Estados Unidos] está buscando, e confia que receberá, a cooperação das empresas americanas para os
seguintes objetivos: (1) A substituição de agentes ou funcionários de uma empresa norte-americana ou de suas afiliadas nas
repúblicas americanas, que sejam identificados como contribuintes ou participantes de atividades antiamericanas. (2) A
realização de sua publicidade através de empresas dos Estados Unidos, de tal maneira que a receita derivada dessa
publicidade não seja usada para promover a propaganda antiamericana (…). (Statement by Nelson A. Rockefeller”,
07/02/1941).
262 Com essas ações, “pretendia-se debilitar a economia das potências inimigas, desorganizando as redes de distribuição de
seus produtos e cortando o abastecimento de sua indústria. Para fechar o cerco, proibiram-se as companhias estadunidenses
de negociar com os bloqueados e tê-los como representantes. Se transgredissem, eram acusadas de violar a ordem de
congelamento. Esta exigia, de nativos e firmas de países inimigos, licença do Tesouro, concedida por curtos períodos caso
afastada qualquer suspeita de favorecimento ao Eixo. Renová-la demandava relatórios detalhados, podendo ser exigidas
demissões e a reorganização da empresa. Refinava-se o esforço de racionalização da burocracia norte-americana, cujo
dilema era assegurar a eficácia do controle sem prejudicar os seus nacionais. A denominação ‘empresas totalitárias’, criada
com claro apelo ideológico, foi aplicada aos estabelecimentos ‘total ou parcialmente alemães, italianos, russos ou espanhóis
em pessoal, propriedade ou controle, e antiamericanos em simpatia, ou que se engajam em atividade inimiga dos interesses
de alguma ou de todas as repúblicas americanas” (QUINTANEIRO, 2005).
Maiores detalhes sobre os impactos da “lista negra” no Brasil são apresentados por Quintaneiro (2009) e Marques (2015).
263 Entre 1941 e 1942 a maioria das operações de guerra econômica foi assumida por outras agências do governo norte-
americano, como o Board of Economic Warfare (BEW). Mas o OCIAA continuou atento aos nacionais e simpatizantes do
Eixo, particularmente no setor de mídia e comunicação (CRAMER e PRUTSCH, 2006)
264 Segundo Cramer e Prutsch (2012, p. 19), se o OCIAA estivesse em operação hoje, empregaria os termos diplomacia
pública (public diplomacy) e relações públicas (public relations) para explicar sua missão. O primeiro termo foi cunhado na
207

seus programas de propaganda e cultura aumentou acentuadamente durante a guerra


(PRUTSCH, 2012, p. 259).

Atendendo ao desejo de Roosevelt de organizar um programa de “propaganda”, Rockefeller,


conhecedor do campo das “relações públicas”, desenvolveu um programa de informação com o
objetivo de divulgar as realizações culturais, econômicas, científicas e tecnológicas norte-americanas
(RIVAS, 2002, p. 47). Como bem resumiu Moura (1986, p. 11), o Brasil, a partir de 1941, “foi
literalmente invadido por missões de boa vontade americanas, compostas de professores universitários,
jornalistas, publicitários, artistas, militares, cientistas, diplomatas, empresários etc. – todos empenhados
em estreitar os laços de cooperação com brasileiros – além de múltiplas iniciativas oficiais”. O “pacto
cultural” que resultou dessa presença norte-americana “não foi aleatório, mas obedeceu a um
planejamento cuidadoso de penetração ideológica e conquista de mercado”, sendo “parte integrante de
uma estratégia mais ampla, que procurava assegurar no plano internacional o alinhamento do Brasil (e
da América Latina) aos Estados Unidos”.
Esse planejamento fica claro na ata da reunião do Policy Committe da Divisão de Relações
Culturais do OCIAA, realizada em 27 de setembro de 1940, no Rockefeller Plaza, em Nova Iorque,
com a presença de Henry Luce (criador das revistas Time-Life e Fortune) e Nelson Rockefeller.
Rockefeller explicou nesse encontro quais eram suas intenções ao criar e comitê: ele queria que um
grupo de homens “não envolvidos nos mecanismos do programa cultural” ajudassem a formular sua
filosofia básica. Em sua opinião, os Estados Unidos não possuíam uma filosofia clara a respeito de suas
relações com o hemisfério e tal filosofia seria necessária para que os projetos do governo fossem
realizados de forma mais eficaz. O verdadeiro problema do comitê, acreditava Rockefeller, era
encontrar algo que substituísse o “novo modo de vida” divulgado pelos fascistas. O único conceito que
os norte-americanos estariam tentando “vender” naquele momento era o da “democracia”, o que não

década de 1960, ajudando o governo norte-americano a distinguir seus programas de atividades culturais e de informação no
exterior das atividades de propaganda, que já tinham naquele período adquirido conotações negativas. O termo public
diplomacy logo se tornou parte da terminologia oficial para descrever as atividades da USIA (United States Information
Agency). Em contraste com a “diplomacia tradicional”, que busca atingir fins políticos interagindo com governos
estrangeiros e seus representantes, a diplomacia pública é dirigida às sociedades estrangeiras como um todo. No âmbito
doméstico, essa relação entre o governo e o público nacional é realizada por atividades de “relações públicas”. As atividades
do programa de informação do OCIAA, segundo Rivas (2002, p. 47), se tornaram importantes para Rockefeller, que lutou
para mantê-las na agência quando foi criado o Office of War Information, em 1942. De acordo com Valim (2017, p. 27), as
atividades de propaganda desenvolvidas pelo OCIAA nos Estados Unidos e na América Latina “estavam intimamente
associadas aos estudos desenvolvidos pelo The Rockefeller Center, em Nova York”, considerado um “centro de excelência
em comunicação e propaganda”, que reunia, desde a década de 1930, “alguns dos maiores especialistas em propaganda dos
Estados Unidos” e “estudiosos das mais diversas áreas, como psicologia, comunicação, história, ciência política e cinema”.
208

estava sendo pensado do ponto de vista da América Latina. E o único “tema básico” então existente era
o conceito um tanto vago de “boa vizinhança”. Henry Luce opinou que um novo tema deveria surgir da
necessidade de expansão americana (the necessity for America to expand). Expansão, segundo ele, não
no sentido militar, mas do comércio e de ideias importantes para os norte-americanos: “até a Guerra
Mundial (…) nós estávamos preocupados com a expansão dentro de nosso próprio país e sentíamos, de
modo geral, que o desenvolvimento do mundo não era nosso trabalho. “Agora”, concluiu Luce,
“percebemos que o mundo estava se aproximando de nós e era essencial espalhar nosso modo de vida”.
Rockefeller opinou que esse conceito poderia ser apresentado à América Latina como “Os princípios de
Bolívar e Washington”. Robert Caldwell, que dirigia a divisão cultural, concordou que a ideia das
“Novas Fronteiras” era vital do ponto de vista norte-americano, mas que esse conceito, assim como o
de democracia, teria pouco significado para os latino-americanos. Ele sugeria que nas relações com os
latino-americanos fossem enfatizadas as noções de negociação justa (fair dealing) e ajuda mútua. Outro
presente à reunião (Arthur Jones, ligado às ações filantrópicas da família Rockefeller), concluiu, pelas
falas anteriores, que o “tema básico” tinha três lados: (1) o conceito de “expansão positiva” apresentado
por Henry Luce, que substituía a ideia então prevalente de proteção do que se tinha (protection of what
we have); (2) o conceito ético apresentado por Caldwell; (3) a ideia da vitalidade e possibilidades de
crescimento da “nossa civilização” (Ata, 27/09/1940).
Desde o início dos trabalhos do OCIAA, segundo Rowland (1947, p. 246), o coordenador tinha
ciência da necessidade de representação da agência nas repúblicas americanas, mas essas “organizações
de campo” só foram formalmente criadas a partir de agosto de 1941. Antes disso, em abril de 1941,
Edward H. Robbins, assistente de Rockefeller e responsável pela relação do OCIAA com o
Departamento de Estado (liasion officer), tinha visitado os principais países da América do Sul,
conversando com lideranças das colônias norte-americanas que representavam associações de imprensa
e das câmaras norte-americanas de comércio, e também com funcionários das embaixadas dos Estados
Unidos. Em junho de 1941, depois de passar pelo Brasil, Robbins escreveu um memorando
considerando a possibilidade de se utilizar as colônias norte-americanas na América Latina como um
meio para realização dos programas do OCIAA, aproveitando o conhecimento desses cidadãos
americanos sobre as condições locais dos países onde residiam. Robbins sugeria que essas organizações
fossem financiadas pelos grupos de empresários norte-americanos locais e pelo governo dos Estados
209

Unidos e atuassem com apoio das missões diplomáticas norte-americanas de cada país. Deveriam
contar com uma equipe e equipamentos para ajudar nos trabalhos (Relatório, 06/06/1941)265.
Levando em consideração essas observações, em maio de 1941 Nelson Rockefeller afirmou, em
uma reunião do comitê executivo do OCIAA, que era desejável ter representantes da agência nas outras
repúblicas americanas. Em julho, Robbins escreveu um memorando sugerindo que organizações
autônomas fossem inicialmente criadas no Brasil, Argentina, Chile e Peru. Em agosto, o Departamento
de Estado concordou com a ideia central e aceitou a proposta de que o OCIAA pagasse o salário dos
secretários executivos dessas unidades que seriam compostas por cidadãos norte-americanos que
viviam na América Latina (ROWLAND, 1947, p. 247)266. Na sequência, John C. McClintock,
representando o OCIAA, viajou para o Brasil e outros países da América do Sul, em companhia de um

265 Robbins afirmava que era necessário ter uma diplomacia ativa e uma organização eficaz em cada país para combater a
máquina de propaganda do Eixo, que estaria prejudicando o trabalho que a “Política da Boa Vizinhança” vinha tentando
desenvolver. Segundo seu relatório, essa propaganda negativa contra os Estados Unidos e a Grã Bretanha também tinha o
objetivo de criação de um NACIONALISMO (caixa alta utilizada no original) em cada país, buscando afetar os interesses
do capital estrangeiro, basicamente norte-americano e britânico. Robbins avaliava que essa propaganda era duplamente
eficaz e bem-sucedida por causa da extraordinária capacidade das organizações envolvidas, que seriam centralmente
controladas pelas embaixadas alemãs. As embaixadas e os escritórios consulares estariam trabalhando com a total
cooperação das colônias alemãs, das quais dependeriam para o trabalho de base e apoio financeiro. Os membros dessas
colônias, segundo Robbins, tinham conhecimento da situação política no interior dos países e estavam em constante
associação com jornais, estações de rádio e cinemas, além de se relacionarem com universidades e sociedades culturais.
Diante dessa análise, o relatório apresentou a conclusão de que os “elementos do Eixo” tinham a mais eficiente, melhor
informada e melhor organizada máquina existente na América do Sul, empregando todo mecanismo disponível a fim de
atingir seus objetivos (Relatório, 06/06/1941).
266 Um acordo formal foi assinado por Nelson Rockefeller e pelo Secretário de Estado, Cordell Hull, em 16 de agosto de
1941: “O Escritório do Coordenador expressou a necessidade de ter representantes qualificados no campo local de atuação
(in the field), para administrar e supervisionar as várias atividades realizadas nas outras repúblicas americanas (…).
Reconhece-se que essa supervisão é altamente desejável, para garantir a execução adequada dos acordos feitos com
organizações locais, para obter o gasto mais efetivo de fundos e para garantir que as pessoas e grupos que recebem ajuda
financeira compreendam e sigam as políticas acordadas pelo Coordenador e pelo Departamento de Estado. (…)
Organizações locais, como institutos culturais, comitês de cidadãos americanos ou outros grupos auxiliados pelo
Coordenador ou pelo Departamento para trabalhos especiais, serão utilizados ou estabelecidos como agências totalmente
independentes, não relacionadas ao governo dos Estados Unidos. Em cada capital ou outro centro apropriado, o Escritório
do Coordenador [OCIAA] e o Departamento selecionarão um cidadão ou cidadãos americanos, e não funcionários do
Governo dos Estados Unidos, que, sob a orientação e supervisão do chefe de missão, ajudarão na coordenação e supervisão
das atividades da colônia americana, aconselhando sobre o uso dos fundos do coordenador em sua comunidade. (…) Na
mesma data, Rockefeller informou ao presidente Roosevelt sobre a assinatura do acordo, comentando que esperava que as
novas unidades da agência cumprissem uma “função vital”, pelas seguintes razões: elas seriam compostas por lideranças das
comunidades norte-americanas em cada capital, fornecendo representação local ao programa interamericano do governo
Roosevelt; os grupos locais que seriam criados, em função de seu caráter não oficial, estariam em posição de realizar
diversas tarefas que o governo norte-americano oficialmente não poderia executar (the local groups to be established will,
from the un-official character of their organization, be in a position to carry out a variety of tasks in the other American
republics which the United States Government officially could not do); seja no combate à propaganda do Eixo, na promoção
das políticas comerciais decididas pelo governo dos Estados Unidos, ou no fortalecimento dos laços culturais entre as
repúblicas do “Hemisfério Ocidental”, esses grupos dariam o direcionamento local, sob a orientação do OCIAA e do
Departamento de Estado; o apoio dos cidadãos norte-americanos residentes nas outras repúblicas americanas daria efetiva
representação às políticas do governo dos Estados Unidos, se contrapondo aos “esforços subversivos” de grupos similares
organizados pelos alemães e pelos italianos em cada país (ROWLAND, 1947, p. 248).
210

representante do Departamento de Estado, John C. Dreier, para estabelecer as unidades da agência


(field units) na América Latina. Como observou Moura (1986, p. 23), não foi difícil para o OCIAA
“mobilizar a ‘comunidade americana de negócios’ nos Estados Unidos e na América Latina para a
solidariedade hemisférica”, obtendo a colaboração dos empresários no front de guerra comercial,
político e psicológico.
A primeira divisão do OCIAA na América do Sul foi criada no Rio de Janeiro, após uma
reunião de McClintock, Dreier e o embaixador Jefferson Caffery, com lideranças da colônia americana
no Brasil e Berent Friele267, que havia sido enviado recentemente ao país como representante especial
do Coordenador, encarregado de supervisionar as atividades do OCIAA que já tinham sido iniciadas268:

Seis homens que representavam "a melhor amostra (cross-section) possível da colônia
americana no Rio" aceitaram o convite do embaixador Caffery para servir sem
remuneração como núcleo de um "comitê de coordenação". O presidente da filial local
da Câmara de Comércio dos Estados Unidos (United States Chamber of Commerce)
[Earl Givens] foi nomeado seu presidente (…) 269. (…) McClintock explicou a esses

267 Berent Friele havia ingressado no OCIAA em 2 de dezembro de 1940, assumindo a direção da Seção de
Desenvolvimento Comercial (ROWLAND, 1947). Ele nasceu em 1895, na Noruega. Seu pai era um dos donos da empresa
Friele & Sons, que atuava no comércio do café. Em 1912, depois de terminar seus estudos, Berent passou a trabalhar em
Hamburgo, na Alemanha, em uma empresa também envolvida no comércio de café. Durante a Primeira Guerra, mudou-se
para o Brasil, ainda trabalhando para essa empresa alemã. Posteriormente, criou sua própria empresa, em Santos (SP),
Trabalhando no Brasil, Friele aperfeiçoou seu conhecimento sobre o cultivo do café e sobre o comércio internacional desse
fruto. Em 1918, foi contratado pela The Great Atlantic and Pacific Tea Company (A&P), para realizar compras de café para
a empresa. Em 1919, Friele criou a American Coffee Corporation (ACC) como subsidiaria da A&P (Rockefeller Archive
Center, Biographical Note). Nas duas décadas seguintes ele se tornou “o mais poderoso e conhecido comprador de café do
mundo” (the most powerful and knowledgeable coffee buyer on earth) (PENDERGRAST, 2010, p. 148). Em 1920, Friele se
casou com Jenny Muller-Camps, no Rio de Janeiro. Segundo Tota (2014), Friele “falava português fluentemente e fez
muitos amigos aqui, em especial entre os cafeicultores”. Em 1929, se tornou presidente da ACC e, em 1934, da American
Brazilian Association, nos Estados Unidos. Seu trabalho no OCIAA marcou o início de sua amizade com Nelson
Rockefeller, que se prolongaria pelo resto de suas vidas. Em 1958, quando foi eleito governador de Nova York, Rockefeller
designou Friele seu assessor para assuntos internacionais, posição que este último manteve quando Nelson se tornou vice-
presidente dos Estados Unidos, na década de 1970 (Rockefeller Archive Center, Biographical Note).
268 Até meados de 1941, uma campanha publicitária pró-Estados Unidos vinha sendo realizada no Brasil, sob a
coordenação do embaixador Jefferson Caffery, efetivada por meio da imprensa brasileira, com o apoio da comunidade
estadunidense no Brasil, do Publicity Committee do OCIAA e da Câmara Americana de Comércio no Rio de Janeiro
(VALIM, 2017, p. 52).
269 Earl C. Givens era também gerente da General Electric S.A. Os outros membros do comitê eram: Wingate M. Anderson
(Standard Oil Brazil), Frank P. Powers Jr. (Panair do Brasil) Harry F. Covington (Cia. Expresso Federal), James F. Callery
(Cia Nacional de Cimento Portland) e Carl Kincaid (VALIM, 2017, p. 53). O texano Kincaid chegou ao Brasil em 1929,
como advogado da Standard Oil, depois de já ter vivido no México e na Argentina. No Rio de Janeiro, desenvolveu
importantes conexões, inclusive com o advogado Richard Paul Monsen, o primeiro norte-americano a ser licenciado para
exercer a advocacia corporativa no Brasil e um dos fundadores da Câmara Americana de Comércio no Rio de Janeiro (sendo
seu presidente em 1926). Kincaid abriu seu próprio escritório de advocacia em 1932, tendo como sócios os advogados
brasileiros Rodrigo Otávio de Langgaard Meneses Filho, que tinha “imenso capital social”, e o jovem João Pedro Gouvêa
Vieira (KRISHNAN et al., 2015). O pai de Rodrigo Otávio Filho foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e
ministro do STF entre 1929 e 1934 (DHBB, Verbete biográfico, ). O outro sócio de Kincaid, Gouvêa Vieira, ao longo de sua
211

homens a estrutura do OCIAA, suas realizações até aquele momento e sua necessidade
urgente de assistência voluntária para o desenvolvimento de um programa consistente
(strong program), particularmente no campo da informação, e sugeriu maneiras pelas
quais o novo comitê poderia ser útil não apenas ao OCIAA, mas também às
embaixadas e ao esforço geral de guerra. As atividades propostas (que seriam
apresentadas de forma semelhante aos outros comitês de coordenação posteriormente
formados) indicavam que os principais objetivos do sistema de comitês de
coordenação, conforme previsto naquele momento, eram: (1) Fornecer orientação local
na adaptação do programa do OCIAA às condições locais de cada uma das repúblicas
americanas. (2) Fornecer uma verificação rápida da eficácia do programa do OCIAA
em cada país. (3) Executar programas do OCIAA que não pudessem ser gerenciados
com eficiência pelos representantes diplomáticos dos Estados Unidos ou que
precisassem da assistência das comunidades locais, tanto americanas quanto nacionais,
para a execução adequada. As atividades contempladas pertenciam tanto ao campo
econômico quanto ao de guerra psicológica (ROWLAND, 1947, p. 248-249) 270.

vida desenvolveria intensa atividade política e empresarial (DHBB, Verbete biográfico,). O escritório Kincaid Mendes
Vianna é ainda hoje um dos mais importantes do Brasil (KRISHNAN et al., 2015).
270 Conforme Valim (2017, p. 54-55), os “participantes do desembarque do Office no Brasil” debateram formas de
financiar as atividades do OCIAA no Brasil, levando em consideração as limitações impostas pela legislação nacional (o
Decreto-Lei n.º 383 de 18 de abril de 1938 e o artigo 116 da Constituição de 1937), que impunham limites às atividades de
estrangeiros no país: “A saída encontrada, e que possivelmente já vinha sendo considerada antes que o grupo fosse formado,
foi transferir fundos para as contas particulares dos ‘seis notáveis’ [membros do comitê coordenador]. Assim poderia burlar
as leis brasileiras e financiar os trabalhos de propaganda no Brasil até que outros canais fossem encontrados. O Office
avaliava que sendo civis e ao receberem remessas de dinheiro individualmente, correriam pouco risco de serem flagrados
infringindo as leis brasileiras e, consequentemente, serem presos ou expulsos do país. As transações seriam intermediadas
pelo corretor de câmbio estadunidense Herbert Horn[e] que, a partir de Nova York, enviaria o dinheiro em moeda brasileira
em seis partes, que reunidas financiariam as atividades do novo comitê no Rio de Janeiro”. Segundo Valim, o dinheiro
enviado através de Horne não poderia aparecer nos registros contábeis da seção brasileira. Herbert George Horne já tinha
negócios no Brasil desde a década de 1920 (WILEMAN’S BRAZILIAN REVIEW, 1925). Na década de 1930, era
“Tesoureiro Honorário” da Câmara Americana de Comércio no Rio de Janeiro (ALMANAK LAEMMERT, 1930). A ata da
segunda reunião do comitê de coordenação do OCIAA no Rio de Janeiro, realizada em setembro de 1941, não menciona o
seu nome, mas informa que “um corretor local completamente confiável” tinha sido chamado para consulta e que ele
poderia lidar com a transferência de fundos, realizando pagamentos em dinheiro no Rio que correspondessem a depósitos
feitos em Nova York (Minutas do segundo encontro, 04/09/1941). Além dessas operações, para não infringir a proibição de
que organizações estrangeiras fizessem propaganda política em território brasileiro, decidiu-se que “as atividades do Office
no Brasil formalmente funcionariam como a de um subcomitê” da Câmara Americana de Comércio no Rio de Janeiro
(VALIM, 2017, p. 56): “nos comunicados internos, o grupo formado para dar início às atividades do Office no Brasil era
chamado de Coordinating Committe of the American Chamber of Commerce for Brazil. A longa denominação explicitava
uma parceria fundamental: os fundos orçamentários da Brazilian Division passariam a ser gerenciados pela câmara de
comércio mediante uma conta bancária chamada “Holly” no National City Bank, onde os valores seriam depositados em
pequenas parcelas pelo State Department (…). Os depósitos em valores menores eram feitos para não chamar a atenção das
autoridades brasileiras (…). Após quase um ano de atividades do Office no Brasil, em junho de 1942, o problema das
remessas de dinheiro para a Brazilian Division voltou à tona. As autoridades estadunidenses teriam manifestado uma “grave
preocupação” quanto ao envio de fundos pela conta Holly. Para o escritório central do Office, em Washington, DC, ela
envolveria ‘uma flagrante violação das leis cambiais locais, e do Decreto-Lei n.º 383”. Além da Holly, outras contas tinham
sido criadas em nome de dois funcionários do OCIAA no Brasil (Frank Nattier e Pierce Archer III). No final de 1942, a
divisão brasileira foi reconhecida pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil como uma instituição oficial do governo
norte-americano, o que pôs fim a essa transferência de fundos intermediada pela Câmara Americana de Comércio ( Id., p.
58-62).
212

Foi definido que Berent Friele continuaria como representante direto do Coordenador no Brasil,
trabalhando em colaboração com o comitê de coordenação e com o embaixador, sendo-lhe atribuído o
título de "Diretor da Divisão Brasileira" do OCIAA (ROWLAND, p. 248). A divisão brasileira,
segundo Valim (2017, p. 63), era considerada a mais importante subsidiária da agência na América do
Sul. A sede da divisão ficava no Rio de Janeiro, mas representações foram criadas em outras cidades:
São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Belém, Curitiba, Porto Alegre, Natal, Fortaleza, Recife,
Florianópolis, Vitória e Manaus (estas últimas capitais tinham escritórios, mas não comitês regionais
formalizados). Em Santos foi criado um escritório administrado pelo comitê de São Paulo e em Pelotas
(RS) foi criado um subcomitê coordenado pelo de Porto Alegre. Nas demais cidades, os trabalhos eram
conduzidos pelos consulados norte-americanos271.
A Comissão Interamericana de Fomento (Inter-American Development Commission –
IADC)272, cuja atuação se relacionava à do OCIAA no que se refere a questões comerciais, econômicas

271 Conforme Valim (2017, p. 64), antes da descentralização da divisão brasileira, o escritório criado no Rio de Janeiro
esperava “encontrar ‘colaboradores’ estadunidenses nas capitais acima mencionadas para trabalharem de maneira próxima
aos consulados dos Estados Unidos. Um amplo levantamento foi realizado em todo o Brasil acerca de indivíduos
proeminentes (preferencialmente de nacionalidade estadunidense) em sete áreas: construção; gerenciamento de
trabalhadores; saneamento e saúde; produção agrícola; gestão de negócios; finanças e ‘profundo conhecimento do país’. Os
nomes selecionados entre dezenas de possíveis colaboradores tinham qualificações em mais de uma das áreas indicadas e
eram tidos como excepcionalmente influentes”. Arnold Tschudy foi escolhido para a direção do comitê de São Paulo. Ele
era executivo da General Motors Company no Brasil e presidente da Câmara Americana de Comércio em São Paulo. Os
demais membros eram: Cecil M. P. Cross (cônsul dos Estados Unidos em São Paulo), G. P. Harrington (Presidente em
exercício da General Motors), A. W. K. Billings (Vice-presidente da Light and Power Co.), C.E. Croke (Goodyear Tire and
Company), K. Van Pelt (American Manufactures Representative), C. R. Varty (National City Bank of New York) e W. J.
Williamson (Gerente da N. W. Ayer-Son S.A). Recentemente foram realizadas pesquisas sobre alguns desses subcomitês do
OCIAA no Brasil. Conferir Kanaan (2016), Silva (2018), Mello (2018) e Lemos (2019).
272 A comissão foi instituída no primeiro semestre de 1940 para facilitar o trabalho do Comitê Consultivo Econômico e
Financeiro Interamericano (Inter-American Financial and Economic Advisory Committe), criado na Primeira Reunião de
Ministros das Relações Exteriores, realizada no Panamá em 1939, como mencionado anteriormente. Composta por cinco
membros indicados pelo comitê, o objetivo da IADC era promover a formação e o financiamento, com capital misto
(estadunidense e latino-americano), de empreendimentos que levassem ao desenvolvimento de novas linhas de produção na
América Latina. Esses empreendimentos deveriam se dedicar à exploração de recursos minerais, ao cultivo e comércio de
produtos agrícolas e comerciais, e ao estabelecimento de desenvolvimento de plantas industriais. À comissão competia
elaborar estudos técnicos, reunir informações básicas, estabelecer contatos entre as partes interessadas e fornecer
recomendações (RESOLUÇÃO XIII do Comitê Consultivo Econômico e Financeiro Interamericano, 15/01/1940). Três dos
membros da comissão – Renato Azevedo (Lloyd Brasileiro), Carlos Campbell del Campo (Conselheiro Comercial da
Embaixada Chilena) e Rafael Oreamuno (ex-Cônsul da Costa Rica em Nova York) – foram escolhidos a partir de uma lista
proposta pelos países latino-americanos. Cabia ao governo dos Estados Unidos designar os dois membros restantes. Um
deveria ser funcionário do governo. O outro, um empresário com interesse e experiência no comércio interamericano e em
questões financeiras. Foram sugeridos os nomes de Edward Noble, Subsecretário de Comércio, e de George W. Magalhaes,
da Westinghouse Electric Company (Memorando de Sumner Welles, 18/04/1940). Os membros indicados pelo comitê
foram convidados por Sumner Welles para se reunirem em Washington em junho de 1940, a fim de organizar a Comissão de
Fomento. Nesse encontro também estiveram presentes: Emilio Collado (Economic Adviser, Division of American Republics,
Departament of State), Laurence Duggan (Chief, Division of American Republics, Department of State), John C.
McClintock (Bureau of Foreign and Domestic Commerce), Warren Lee Pierson (presidente, Export-Import Bank), entre
outros. Edward Noble foi eleito presidente da Comissão (“Report of Activities”, 18/02/1942.). Em novembro de 1940 ele
seria substuído por Nelson Rockefeller. O secretário executivo do IADC, John C. McClintock, seria também diretor
213

e financeiras273, também vinha se dedicando a criar comissões nacionais. Desde o final de 1940, dois
membros da IADC, Rafael Oreamuno e George W. Magalhaes, vinham realizando visitas aos países da
América do Sul e América Central, em viagens financiadas pelo OCCIA, para ajudar na criação das
comissões locais, que foram organizadas com apoio dos ministérios de Relações Exteriores de cada
país274. A primeira comissão nacional de fomento foi criada no Brasil, em dezembro de 1940 275. Uma
nota distribuída à imprensa pelo OCIAA divulgou seu surgimento:

Cinco lideranças brasileiras do meio financeiro e empresarial (Brazilian business and


financial leaders) irão constituir o primeiro dos vinte e um conselhos nacionais a
serem criados pela Comissão Interamericana de Desenvolvimento, anunciou o seu
presidente, Nelson Rockefeller, no dia 29 de dezembro. (…) Os membros da nova
Comissão Brasileira de Fomento Interamericano são: Leonardo Truda, (…)
presidente276; Valentim F. Bouças, (…) vice-presidente277; Alvaro Catão, diretor
Compania Costeira; Heitor Freire de Carvalho, gerente da Paulista Railway; José

executivo do OCIAA.
273 Como foi observado por Joseph Rovensky em setembro de 1942, "a estreita associação da Comissão Interamericana de
Desenvolvimento com o Escritório do Coordenador naturalmente resultou em uma impressão generalizada de que não há
distinção entre as duas organizações". Àquela altura, o Departamento de Estado estava preocupado em estabelecer uma
distinção entre o trabalho da comissão, que era uma organização internacional, e o OCIAA, que era uma agência do governo
dos Estados Unidos (Memorando, 10/09/1942).
274 Participando de uma reunião do Inter-Departmental Committee on Inter-American Affairs, em junho de 1941,
Oreamuno explicou que, para a organização das comissões nacionais, o primeiro contato foi feito com o governo de cada
país, pois não seria possível trabalhar efetivamente sem esse apoio. Assim, foi solicitado a cada governo que fornecesse uma
lista de candidatos para integrarem as comissões (Minutas, 03/06/1941). Elas foram compostas por cidadãos proeminentes
dos círculos financeiros e industriais e por representantes do governo: “em seus propósitos orientadores e em seus métodos
de ação, o sistema de comissões constitui um novo ponto de partida na cooperação internacional de ordem prática. Traz
empresas privadas, representadas pelas comissões nacionais, com a assistência dos governos nacionais, para o campo da
colaboração internacional direta” (IADC, 1944).
275 As comissões nacionais de fomento foram organizadas na seguinte ordem: Brasil 23/12/1940, Ministério das Relações
Exteriores/Argentina: 07/02/1941, Banco Central/Uruguai: 20/02/1941, Ministério das Relações Exteriores/ Paraguai:
28/02/1941, Ministério das Relações Exteriores/Chile: 20/03/1941, Ministério das Relações Exteriores/ Bolívia: 26/03/1941,
Ministério das Relações Exteriores/Peru: 09/04/1941, Ministério das Relações Exteriores/ Equador: 18/04/1941, Ministério
das Relações Exteriores/Colômbia: 29/04/1941, Instituto de Fomento Industrial/ Venezuela: 21/05/1941, Ministério das
Relações Exteriores/Panamá: 02/09/1941, Ministério das Relações Exteriores/ Costa Rica: 13/09/1941, Ministério das
Relações Exteriores/Nicarágua: 18/09/1941, Ministério das Relações Exteriores/ Honduras: 22/09/1941, Ministério das
Relações Exteriores/El Salvador: 26/09/1941, Ministério da Fazenda/Guatemala: 03/10/1941, Ministério de
Fomento/México: 21/10/1941, Secretaria de Relações Exteriores/Cuba: 12/11/1941, Ministério das Relações
Exteriores/Haiti: 21/11/1941, Departamento de Relações Exteriores/ República Dominicana: 23/11/1941, Secretaria de
Relações Exteriores (Relatório de atividades, 18/02/1942).
276 Truda foi colega de faculdade de Getúlio Vargas. Fundou e dirigiu o Diário de Notícias, de Porto Alegre, apoiador da
campanha da Aliança Liberal (1929-1930) no Rio Grande do Sul. Em novembro de 1930, foi nomeado diretor do Banco do
Brasil. Em dezembro de 1931 assumiu a presidência da Comissão de Defesa da Produção do Açúcar. Foi o organizador e o
primeiro presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), criado em junho de 1933. Em julho de 1934 foi nomeado
presidente do Banco do Brasil, cargo que deixou de ocupar em 1937, com o advento do Estado Novo. Foi membro do
Conselho Federal de Comércio Exterior entre 1939 a 1940. Chefiou a primeira Missão Econômica Brasileira, realizada em
1940, visando promover o intercâmbio comercial com vários países da América. Também foi o organizador e primeiro
diretor da Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil, criada em maio de 1941 (Verbete CPDOC-FGV).
214

Nabuco, advogado278 (…). José Jobim, do serviço consular brasileiro, foi designado
secretário executivo pelo ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, que foi
fundamental para a garantia do funcionamento da Comissão (The Department of State
Bulletin, 1941).279

277 Bouças começou sua vida profissional como office boy na Companhia Docas de Santos, empresa em que trabalhava seu
pai, Francisco Bouças. Entre 1911 e 1917, ainda em Santos, foi contador da firma Correia Magalhães e Companhia,
vendedor da Nacional Cash Register Co. e representante da Boston Belting Co. Em 1917, tornou-se representante no Brasil
da International Business Machines Corporation (IBM) – função que exerceria até 1949 – e fundou a Companhia de
Serviços Hollerith, que passou a alugar máquinas da IBM no Brasil. Em 1931, foi nomeado secretário-geral da Comissão de
Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados e Municípios, subordinada ao então ministro da Fazenda Osvaldo Aranha,
cabendo-lhe a tarefa de organizar um serviço completo de controle da dívida externa dos estados e municípios. Entre janeiro
e junho de 1933, Bouças participou das negociações com o governo norte-americano sobre a dívida externa e, na sequência,
fez parte da delegação brasileira à Conferência Mundial Monetária e Econômica, realizada em Londres. Nesse mesmo ano,
representou o governo brasileiro e o Banco do Brasil no acordo comercial e financeiro celebrado com o Conselho Nacional
de Comércio Exterior dos Estados Unidos. Em 1934, viajou aos Estados Unidos para tentar aumentar a exportação de café
para esse país. Em 1936, fundou a revista O Observador Econômico e Financeiro, da qual foi também diretor. Em julho de
1937, Valentim Bouças participou da “Missão Sousa Costa”, que esteve nos Estados Unidos para negociar questões
pendentes com o governo norte-americano. Em novembro desse mesmo ano, foi nomeado secretário-técnico do Conselho
Técnico de Economia e Finanças (CTEF), órgão técnico e consultivo do Ministério da Fazenda, cargo que exerceria até
falecer (em dezembro de 1964). A partir de 1938, exerceu o cargo de consultor técnico do Conselho Federal de Comércio
Exterior, onde eram intensos os debates sobre a política econômica do país. Em 1939, participou do X Congresso das
Câmaras Internacionais de Comércio, realizado em Copenhague, atuando corno presidente da representação brasileira. Em
1940, Bouças assumiu a função de diretor da International Telephone & Telegraph (ITT) Corporation. Em 1941, assumiu a
vice-presidência da International Business Co. de Delaware, cargo que manteria até 1949. Em 1942, tornou-se diretor
consultivo da Coca-Cola Refrescos S.A e foi delegado à III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das
Repúblicas Americanas, no Rio. Entre 1942 e 1945 colaborou com a Coordenação de Mobilização Econômica – criada
quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo (Verbete CPDOC-FGV).
278 Filho mais novo do líder abolicionista Joaquim Nabuco, José Thomaz nasceu em Londres, em 1902, quando seu pai era
embaixador do Brasil na Inglaterra. Seu irmão, Maurício Nabuco, também era diplomata. José Thomaz era casado com
Maria do Carmo de Melo Franco, filha de Afrânio de Melo Franco, diplomata e jurista, e irmã do senador Afonso Arinos,
um dos redatores do manifesto inaugural da UDN. Nabuco entrou na Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Rio de
Janeiro aos 16 anos e se tornou especialista em direito comercial. No final da década de 1920, “estagiou numa das maiores
law firms de Wall Street” (O Globo, 14/01/1994; Jornal do Brasil, 23/01/1994). Foi contratado (em data não informada)
pelo escritório do advogado norte-americano Carl Kincaid (integrante do comitê coordenador vinculado ao OCIAA, como
visto anteriormente), ao qual permaneceria associado por quase cinquenta anos (KRISHNAN et al., 2015)
279 Ainda durante a presidência de Leonardo Truda, que faleceu em julho de 1942, José Mendes de Oliveira Castro e Ary
Torres passaram a integrar a comissão (Report on IADC achievements, s/d). Ary Torres era engenheiro formado pela Escola
Politécnica da atual Universidade de São Paulo (USP). Em 1928, tornou-se diretor do Laboratório de Ensaio de Materiais
(LEM) da Politécnica, transformando-o no maior centro de pesquisas tecnológicas da América do Sul. O LEM foi
transformado em Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo e Ary Torres nomeado seu diretor. Em 1940
foi nomeado membro da Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional. Integrou, com Edmundo Macedo Soares e
Guilherme Guinle, a delegação que viajou aos Estados Unidos para negociar com o Export and Import Bank um empréstimo
para a construção da usina siderúrgica de Volta Redonda (RJ). Em abril de 1941, ao se realizar a assembleia de constituição
da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), foi eleito vice-presidente da empresa, cargo que ocupou até 1942. Foi
presidente da Associação Brasileira de Cimento Portland e da Federação Brasileira de Engenheiros e diretor da Associação
Comercial de São Paulo. Esteve vinculado à direção e ao conselho de diversas empresas. Em 1952, Ary Torres se tornaria o
primeiro presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) (Verbete biográfico CPDOC-FGV). No
segundo semestre de 1942, Valentim Bouças assumiu a presidência da Comissão Brasileira de Fomento Interamericano e
215

Berent Friele, quando veio ao Brasil, em julho de 1941, como representante do OCIAA,
também representava a IADC280. Um dos objetivos de sua viagem era se reunir com a Comissão
Brasileira de Fomento Interamericano para obter informações sobre seus planos, atividades e
problemas e estudar meios pelos quais ela poderia ampliar sua utilidade (Programa de viagem,
30/06/1941)281. Assim, desde sua chegada ao Brasil, Friele, à frente da divisão brasileira do OCIAA,
atuou como interlocutor de Nelson Rockefeller não apenas junto ao governo brasileiro e à colônia
norte-americana, mas também junto às principais lideranças empresariais brasileiras daquele período 282.
Fortalecendo essa atuação de Friele, algumas das atividades desenvolvidas pela divisão brasileira do
João Daudt d’Oliveira, então vice-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), passou a fazer parte da
comissão, como vice-presidente. Em 1944, além de Bouças e Daudt, Mendes de Oliveira, José Nabuco, Freire de Carvalho e
Ary Torres permaneciam na comissão. Nessa data, eram também membros: José Garibaldi Dantas, Silvado Bueno
(Secretário Executivo) e Renato de Lacerda Lago (representante do MRE) (List of members, 01/05/1944). Interessante
destacar que, em dezembro de 1942, o vice-presidente da comissão de fomento, Daudt d’Oliveira, foi eleito presidente da
ACRJ e fez de Valentim Bouças, presidente da comissão, vice-presidente da ACRJ (Jornal do Comércio, 24/12/1942).
280 Uma carta de Nelson Rockefeller, em português, com alguns erros, dirigida a Leonardo Truda, esclarecia as atribuições
de Friele: “Tenho a honra de vos presentar ao Sr. Berent Friele, portador de esta, que esta fazendo um viajem pelo Brazil
como representante especial da Comissão de Fomento Interamericano. O Sr. Friele e acompanhado por seu ajudante, o Sr.
Frank E. Nattier, Jr. Em qualidade de presidente da Comissão Interamericana de Fomento muito lhe agradeceria outorgara
ao Sr. Friele toda a oportunidade para consultar com os membros da Comissão Brasileira de Fomento Interamericano.
Naturalmente, o Sr. Friele lhe explicara os desenvolvimentos efetuados pela Comissão central em Washington” (Carta,
10/07/1941).
281 Em maio de 1941, em reunião do Inter-Departmental Committee on Inter-American Affairs, composto por
representantes do OCIAA, Friele entre eles, e dos departamentos de Estado, Comércio, Agricultura, Tesouro e do Export-
Import Bank, entre outros, Nelson Rockefeller colocou em discussão algumas sugestões para que as comissões nacionais
operassem efetivamente. Ele achava fundamental que elas fossem mantidas interessadas e ativas. Foi proposto que a IADC
entrasse em contato com cada uma das comissões nacionais, sugerindo: (1) que cada uma selecionasse um bom projeto para
recomendar à Comissão em Washington, DC (2) que cada uma considerasse a conveniência de realizar uma pesquisa
projetada para indicar áreas potenciais de desenvolvimento, a magnitude do financiamento envolvido, etc. O objetivo seria o
de experimentar um arranjo operacional que demonstrasse como a comissão poderia funcionar melhor através de seus
conselhos locais. A experiência adquirida ajudaria a planejar programas mais amplos. Para a realização das pesquisas locais,
acreditava-se, as comissões conseguiriam informação através das agências governamentais e especialistas nacionais. Na
ausência destes, as comissões poderiam solicitar apoio à IADC, que enviaria técnicos norte-americanos. Rockefeller
também colocou em discussão a sugestão de que se promovesse o esforço de realização de uma pesquisa geral em dado
país, ao qual seria enviado um considerável número de técnicos, a fim de estudar a sua situação em conjunto com
especialistas locais. O país a ser estudado teria que ser cuidadosamente escolhido e a pesquisa só poderia ser realizada a
partir de sua própria iniciativa. Warren Pierson, do Export-Import Bank, aconselhou que se tomasse cuidado com essa
proposta, pois os latino-americanos não gostariam de ser estudados sob um microscópio por estrangeiros. Na reunião do
Inter-Departmental Committee realizada em 03/06/1941, da qual também participaram Rafael Oreamuno e George W.
Magalhaes, da IADC, este último, quando perguntado se as comissões nacionais solicitariam assistência técnica ou se
considerariam que isso estava sendo imposto a elas, Oreamuno respondeu que os latino-americanos, sem dúvida alguma,
queriam assistência técnica e fariam solicitações por meio das comissões nacionais de fomento. (“Minutes of the Meeting of
the Inter-Departmental Committee on Inter-American Affairs”, 20/05/1941 e 03/06/1941).
282 Uma carta, com remetente não identificado, enviada para Nelson Rockefeller em setembro de 1941, relatava o bom
trabalho de Friele e Frank Nattier no Brasil, não apenas para o OCIAA, “mas para o governo dos Estados Unidos como um
todo”: “eles estabeleceram a mais satisfatória relação com a embaixada, fizeram contatos muito valiosos com os mais
importantes oficiais do governo brasileiro, sem criar inveja ou inimizades, seja entre o residentes norte-americanos ou entre
os brasileiros. (…) O embaixador Caffery me disse privadamente que está muito feliz com a presença de Berent (...)” (Carta,
01/09/1941). Em dezembro, McClintock também elogiaria o trabalho de Friele: “(…) estou mais do que convencido de que
ele fez um trabalho absolutamente notável no Brasil e que ele é hoje o norte-americano mais importante para toda a relação
Brasil-Estados Unidos” (Memorando, 18/12/1941).
216

OCIAA acabaram coordenando o trabalho conjunto de brasileiros e norte-americanos. É o caso dos


Trainee Selection Committees, criados no Rio de Janeiro e em São Paulo para analisar a concessão de
bolsas através do Inter-American Trade Scholarship283, que reuniam membros norte-americanos dos
comitês de coordenação do OCIAA e empresários e “técnicos” brasileiros membros da Comissão
Brasileira de Fomento Interamericano e de associações das “classes produtoras”284.
A cooperação transnacional entre esses grupos foi especialmente intensa em 1942, ano cujo
início foi marcado pela realização da III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores,
no Rio de Janeiro, já mencionada anteriormente. Naquele momento, o governo norte-americano se
preocupava em “salvaguardar o fornecimento de recursos essenciais ao esforço de guerra dos Estados
Unidos” e estava disposto “a se comprometer não somente a fornecer armas, mas também outros tipos
de equipamento de que o Brasil precisava”. Poucos dias depois da conferência do Rio, o governo
brasileiro enviou a Washington o ministro da Fazenda Souza Costa, para acelerar a aquisição e
despacho de armamentos estadunidenses para o Brasil, e para finalizar certos acordos econômicos e
financeiros (MOURA, 2012, p. 93).285

283 O programa de bolsas foi criado pelo OCIAA em agosto de 1941. Teria resultado de um pedido feito no início de 1941
por um grupo de empresários norte-americanos, com o objetivo de reforçar a “política de boa vizinhança”. A unidade
estabelecida dentro do OCIAA era encarregada de criar as operações necessárias para selecionar, supervisionar, orientar e
colocar estagiários na indústria. Para a seleção de candidatos, comitês de seleção foram criados em vinte países da América
do Sul e América Central. Diversas agências governamentais norte-americanas e instituições privadas colaboravam com as
atividades. Em 1942, a unidade do OCIAA teve seu nome alterado para Inter-American Training Administration. Em junho
de 1943, deixou de ser uma unidade do OCIAA para se transformar em uma divisão da Comissão Interamericana de
Desenvolvimento (IADC). Diante de planos para a ampliação de seus serviços, para que estes não fossem direcionados
apenas ao continente americano e para que permanecessem sendo executados depois do final de guerra, em 1944 foi
transformada em uma instituição privada, a International Training Corporation, Inc. Em 1947, diante da falta de apoio
financeiro, ela foi liquidada (“History, objectives, functions and operations”, 19/06/1944. Ofício de Elliot Hanson,
21/03/1947).
284 Em 1944, o comitê brasileiro era composto por Earl C. Givens (membro do comitê coordenador do OCIAA), José
Garcia Pacheco de Aragão e Ary F. Torres Filho (membros da Comissão Brasileira de Fomento Interamericano). O comitê
regional para o Rio de Janeiro tinha como membros: Euvaldo Lodi (presidente da Confederação Nacional das Indústrias),
Dulcídio A. Pereira (professor na Escola Nacional de Engenharia) e Manoel Ferreira Guimarães (vice-presidente da
Associação Comercial do Rio de Janeiro). O comitê regional para São Paulo era composto por Arnold Tschudy (membro do
comitê coordenador do OCIAA em São Paulo), Rubens de Melo (diretor da Federação das Indústrias de São Paulo e seu
representante no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI), Ruy Fonseca (diretor da Associação Comercial
de São Paulo), J. de Assis Ribeiro (diretor da General Electric, S/A) e Luiz Cintra do Prado (professor na escola de
engenharia da Universidade de São Paulo). As ações administrativas eram centralizadas na divisão brasileira do OCIAA.
(Ofício, 01/09/1944; Memorando, 29/09/1944; Carta, 07/12/1945.)
285 O presidente do Export-Import Bank, Warren Pierson, estava no Rio de Janeiro durante a III Reunião dos Ministros das
Relações Exteriores e suas negociações com as autoridades brasileiras eram consideradas “da mais alta importância para o
esforço de guerra britânico-americano” pelo Secretário de Estado, Cordell Hull. Ele “apresentou ao governo brasileiro um
plano que contemplava: 1) a abertura da mina de minério de ferro de Itabira [MG] e melhorias à estrutura ferroviária para
transportar o minério até Vitória; 2) um empréstimo para capacitar a Ferrovia Central do Brasil a transportar grandes
quantidades de minério de manganês e de ferro até o porto do Rio de Janeiro, e para melhorar este porto”. Apesar de
aceitarem as propostas de Pierson, as autoridades brasileiras as condicionaram ao sucesso da missão de Souza Costa
(MOURA, 2102, p. 101).
217

A delegação brasileira chefiada por Souza Costa, que viajou aos Estados Unidos em fevereiro
de 1942, era composta por Leonardo Truda, Valentim Bouças, João Daudt d’Oliveira e Garibaldi
Dantas286. Até meados de março, essa missão celebrou um conjunto de acordos que ficaram conhecidos
como os Acordos de Washington (CORSI, 1997) 287. Do Rio de Janeiro, Friele aconselhou Nelson
Rockefeller a manter contato próximo com a missão econômica brasileira, especialmente com o
ministro Souza Costa e com Valentim Bouças, que tinha sido sempre “extremamente cooperativo” 288.
Friele também recomendava que toda atenção possível fosse devotada a Décio Moura, assistente
pessoal de Oswaldo Aranha, e a João Daudt d’Oliveira, apresentado como um “amigo muito próximo”
do presidente Vargas289 (Carta, 04/02/1942).
Depois da assinatura dos Acordos de Washington, uma “missão técnica” foi organizada pelo
Board of Economic Warfare, em colaboração com o War Production Board, o Departamento de Estado
e o OCIAA, para estudar as condições da indústria brasileira e a possibilidade de melhorá-las
(COOKE, 1944; MOURA, 2012)290. A Missão Técnica Mista Brasil-Estados Unidos era composta por
doze técnicos norte-americanos, das áreas de metalurgia, transporte, produção têxtil, energia elétrica,
petróleo e economia, liderados por Morris Cooke, e cerca de cem brasileiros (COBBS, 1992, p. 45) 291.

286 Dantas era chefe da agência do Ministério da Agricultura no Estado de São Paulo (Correio Paulistano, 13/01/1942).
287 De acordo com Corsi (1997), “para administrar e ‘levar a bom termo’ esse conjunto de acordos comerciais, foi criada,
em 25 de julho de 1942, pelo Decreto-Lei 4523, a Comissão de Controle dos Acordos de Washington, que tinha como
Presidente o Ministro da Fazenda e como Diretor Executivo Valentim Bouças”. A nomeação de Bouças, com interesses
particulares “firmemente ligados ao capital norte-americano”, constitui, para Corsi (Id.), “um forte indício de grande
influência e do controle norte-americano na execução desses tratados”.
288 Em Washington, Dantas, Bouças e Daudt participaram de uma reunião especial da IADC. Depois da reunião, foram
convidados para um almoço organizado por Rockefeller no Metropolitan Club, ao qual também compareceram o
embaixador Carlos Martins e o ministro Souza Costa (Minutas, 10/02/1942).
289 Segundo a biografia de Daudt d’Oliveira, escrita por seu neto Rodrigo Daudt (2015, p. 169-170), a partir desse encontro
em 1942, Daudt e Rockefeller “iniciaram uma sólida e duradoura amizade”. Sempre que vinha ao Brasil, Nelson
Rockefeller ia à casa de Daudt ou a seu sítio em Teresópolis (RJ). Durante a guerra, a aproximação de Daudt se
intensificava não apenas com Rockefeller, mas com outros empresários norte-americanos. De acordo com Oliveira (2017),
em sua primeira gestão como presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, que se iniciou em dezembro de 1942,
ele não poupou esforços para se aproximar “dos Estados Unidos e de seu empresariado”: “Ainda na primeira reunião de
diretoria sob sua presidência, formalizou o ingresso de três empresários estadunidenses [Earl Givens, Wingate Anderson e
Stephen Danforth], ligados ao comércio exterior com o Brasil, eleitos por assembleia geral para ingressar no Conselho
Diretor da ACRJ. (…)”. Segundo Daudt, a presença dos empresários no corpo de diretores da entidade contribuiria para
demonstrar “‘estreita intercompreensão continental’ entre o Brasil e os EUA”. Givens e Anderson, como informado
anteriormente, eram membros do comitê coordenador do OCIAA no Brasil.
290 Como visto anteriormente, a utilidade desse tipo de missão já tinha sido debatida em maio de 1941, em reunião do
Inter-Departmental Committee on Inter-American Affairs, presidido por Nelson Rockefeller, quando avaliavam formas de
organizar o trabalho das comissões nacionais de fomento interamericano.
291 No Brasil, o trabalho da missão norte-americana contou com a colaboração da Coordenação da Mobilização
Econômica, órgão criado pelo Decreto-Lei nº 4.750, de 28 de setembro de 1942, e chefiado por João Alberto Lins de Barros
(MOURA, 2012, p. 136). De acordo com Hirst (1982), a equipe brasileira era integrada por Valentim Bouças, Eugênio
Gudin, Ary Frederico Torres, Garibaldi Dantas, Hélio Macedo Soares, Gileno de Carli, Silvio Fróes de Abreu, Edmundo
Macedo Soares e Silva, Glycon de Paiva, Othon Leonardos, Heitor Freire de Carvalho, Napoleão Alencastro Guimarães,
Yedo Fiuza, Mariano Ferraz e Euvaldo Lodi, entre outros. Harold Cecil Poland também colaborou com os trabalhos
218

A “Missão Cooke”, como ficou conhecida, “produziu um relatório extenso a respeito das condições
industriais brasileiras, suas necessidades e potencialidades”, elaborando também “um quadro bem
preciso das condições dos trabalhadores no Brasil dos anos quarenta” (MOURA, 2012, p. 305). Seu
trabalho, conforme Baer (2002, p. 62-63), foi o primeiro esforço de “pesquisa analítica e sistemática
jamais realizado em relação à economia brasileira visando à formulação de um programa de ação”:

A Missão Cooke recomendou a expansão da indústria siderúrgica, que proporcionaria a


base para o desenvolvimento de uma indústria de bens de capital, o desenvolvimento
de indústrias de papel e madeira e a futura expansão de instalações para produção
têxtil, tanto para o consumo interno quanto para o mercado de exportação. A tarefa de
industrialização, de acordo com o relatório da missão, deveria ser deixada a cargo do
setor privado, ao mesmo tempo em que o governo deveria concentrar-se no
planejamento industrial em geral, desenvolvendo recursos de crédito industrial e
proporcionando instrução técnica. O efeito conclusivo da Missão Cooke foi o de
esclarecer alguns dos problemas de desenvolvimento enfrentados pelo país na época,
tendo exercido pouca influência direta sobre políticas imediatas 292 (BAER, 2002, p.
63).

Contudo, segundo afirma Corsi (2006), as discussões e as propostas por ela elaboradas tiveram
importante repercussão naquele período, servindo como referência para os debates realizados no I
Congresso Brasileiro de Economia, realizado no final de 1943, no Rio de Janeiro. O congresso,
“promovido pelos setores vinculados ao mercado interno, particularmente por setores do comércio e da
indústria, foi organizado para discutir propostas de políticas mais adequadas ao país naquele momento
e as formas de implementá-las”293:

(MISSÃO TÉCNICA, 1949).


292 Ainda segundo Baer (2002, p. 63), “pela primeira vez, a economia era analisada sob um ponto de vista regional,
dividindo o país em três regiões distintas (Nordeste/Leste, Norte/Centro e Sul) cujas características econômicas eram
diferentes o bastante para justificar programas de desenvolvimento significativamente diversos. Uma das conclusões
importantes a que a missão chegou foi a de que deveria ser realizado um esforço para desenvolver o Sul do país, visto que
essa região tinha as melhores condições para um rápido crescimento econômico. Supunha-se que, a partir de um núcleo de
desenvolvimento nessa área, este se espalharia, inevitavelmente, a outras regiões. A missão indicou uma série de fatores
(hoje tão familiares a economistas desenvolvimentistas) que constituíam obstáculos ao crescimento industrial: um sistema
de transportes inadequado, um sistema de distribuição de combustível retrógrado, falta de recursos para investimentos
industriais, restrições ao capital estrangeiro, restrições à imigração, instalações inadequadas para treinamento técnico e uma
capacidade subdesenvolvida para a geração de energia, e assim por diante”.
293 Segundo Oliveira (2017), a iniciativa de realização do congresso foi lançada no começo de 1943, por Daudt d’Oliveira
e pelo Conselho Diretor da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). Em julho de 1943, “Daudt viajou para São
Paulo e procurou dialogar com membros da indústria e do comércio da capital paulista, buscando apoio para a realização do
congresso. Foi primeiramente recebido pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Lá, fez um longo discurso,
enfatizando a colaboração do Estado com as classes produtoras, a conjuntura de guerra e as restrições necessárias para uma
efetiva colaboração com os aliados e, por fim, apresentou o convite para que o empresariado do comércio paulistano
219

Seus organizadores queriam dar ao evento um caráter de universalidade, que era


compreendido como a expressão do ponto de vista das autodenominadas "classes
produtoras", pois nele estariam representados os mais diversos setores do
empresariado. Assim, seus articuladores buscavam dar ao encontro uma feição
nacional e apresentar suas propostas como o interesse geral do país. (…) A presidência
do Congresso coube a João Daudt d’Oliveira e a vice-presidência, a Euvaldo Lodi,
presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A Comissão de Redação das
Propostas, a mais importante das nove comissões em que se dividiram as discussões,
era presidida por Lodi e sua maioria era de representantes da indústria e do comércio.
O mais importante líder industrial da época, Roberto Simonsen, também dela
participava (...). A pauta do Congresso era bastante abrangente, abarcando quase todos
os aspectos da economia brasileira, que foram discutidos em oito comissões O centro
das discussões foi a questão da industrialização como saída para o Brasil. A liderança
da burguesia industrial procurou apresentar uma proposta de política econômica
centrada na industrialização, em torno da qual buscou articular os demais setores da
sociedade (CORSI, 2006)294.

Segundo a avaliação de Corsi (2006), naquele momento, em que “já se vislumbrava o fim da
guerra e a necessidade de discutir a nova ordem econômica internacional a ser construída”, “certos
representantes da burguesia industrial e comercial” tinham “ razoável percepção” dessa “nova ordem
internacional emergente, pelo menos no tocante às relações entre países industrializados e em
desenvolvimento”. Assim, “rediscutir a inserção do país na economia mundial passou a ser uma tarefa
premente”. Estavam em jogo “questões vitais para a industrialização”: “a relação com o capital
estrangeiro, a política aduaneira, o grau de abertura da economia nacional, o papel do Estado na
economia e as políticas de fomento ao crescimento econômico”.
Nos Estados Unidos, as preocupações com a nova ordem que emergiria no pós-guerra já tinham
levado “um grupo de industriais de excepcional formação intelectual e profissional” e membros da
comunidade acadêmica a criar, em 1942, o Committe for Economic Development (CED) (DREIFUSS,
1986, p. 40-41)295. A organização, que “nasceu com o intuito de preparar de imediato a transformação

comparecesse ao congresso. Também foi recebido na FIESP em sessão extraordinária de diretoria. Na ocasião, Roberto
Simonsen teceu elogios à proposta de Daudt, confirmando o apoio da entidade à iniciativa (…). (…) com a presença
expressiva do empresariado paulista e de outras regiões do país, o CBE foi realizado entre os dias 25 de novembro de 18 de
dezembro, no Rio de Janeiro, no Palácio Tiradentes”.
294 Corsi (2006) considera que o congresso “foi um momento de articulação dos setores das classes dominantes favoráveis
à industrialização”, uma “tentativa de expor uma visão alternativa às ideias que enfatizavam a vocação agrária do país e a
necessidade de uma economia aberta, que ainda tinham muita força à época”. Ele “trouxe de maneira mais aberta para fora
dos aparelhos de Estado as discussões sobre a política econômica até então bastante restrita aos conselhos, às comissões e
aos institutos corporativos” (OLIVEIRA, 2017).
295 Segundo Whitham (2013), o CED, criado em setembro de 1942, foi “o grupo de planejamento de negócios mais
conhecido a emergir nos Estados Unidos na década de 1940. (…) o CED foi uma fusão de figuras importantes do mundo
empresarial e acadêmico que rapidamente se estabeleceu no centro dos principais debates sobre o futuro econômico do país.
Isso incluía principalmente a arquitetura financeira de Bretton Woods e o inovador Plano Marshall, do qual o diretor do
220

pós-bélica da economia norte-americana e a sua adaptação à base civil”, foi uma “experiência inédita
nos anais do capitalismo norte-americano”:

As preocupações centrais de seus membros, ainda durante a formação do CED, eram


três: (1) evitar, após o fim da guerra, uma crise econômica que reeditasse a depressão
de 1929-1934; (2) esvaziar as articulações sociais reformistas; (3) incorporar técnicas
de planejamento reguladoras e alocadoras de âmbito nacional que viabilizassem o
complexo capitalismo moderno e que eram rejeitadas à época por amplas parcelas do
empresariado. A primeira decorria da constatação da “ameaça que o desemprego
massivo e as mobilizações políticas subsequentes (…) representavam para a ordem
vigente, podendo gerar profundos deslocamentos e mudanças incontroláveis”, que
tornariam vulnerável o já frágil equilíbrio político. O segundo item exigia dos
empresários “que se adiantassem a outros grupos e setores (como os sindicatos, as
pequenas e médias empresas, certos interesses agrários e, especialmente, os tecnocratas
reformistas do New Deal)”. (…) os empresários do CED estavam predispostos a
participar da arena política e do processo do policy-making econômico como “efetiva
ponta de lança de um verdadeiro projeto político” que procurava incorporar “não só as
próprias elites, como também outros segmentos da sociedade” (DREIFUSS, 1986, p.
41-42).

Dois meses depois da criação do CED, Nelson Rockefeller planejou uma aproximação da
Comissão Interamericana de Fomento e seu sistema de comissões nacionais com a nova organização. O
rascunho de um memorando de Rockefeller para Sumner Welles, de dezembro de 1942, fornece mais
detalhes sobre essa operação:

Este memorando tem o objetivo de confirmar nossa conversa da quinta-feira passada


em seu escritório, com a minha presença e a do Sr. Oreamuno, do Sr. Penteado e do Sr.
McClintock, durante a qual descrevemos a você um programa de planejamento para a
Comissão Interamericana de Fomento (…), a ser executado em cooperação com o
recém-criado Committee for Economic Development [CED]. O plano que foi acordado
nessa reunião é o seguinte: (…) A Comissão Interamericana de Fomento deve formar
imediatamente uma comissão nacional nos Estados Unidos (…). A comissão norte-
americana trabalhará em estreita colaboração com o Committee for Economic
Development, desenvolvendo um programa de planejamento econômico e
desenvolvimento para o pós-guerra nas outras repúblicas americanas, que será

CED, Paul G. Hoffman, acabou sendo o executor. Após a guerra, o CED se tornou o principal representante do liberalismo
corporativo americano e um defensor do "internacionalismo esclarecido" (enlightened internationalism). Para Dreifuss
(1986, p. 53), o CED ajudou a assegurar a “hegemonia política-militar e a supremacia econômica dos Estados Unidos sobre
o bloco ocidental e suas zonas de equilíbrio”, tendo um “papel decisivo na criação de elites orgânicas congêneres na Europa,
Austrália e Japão, além de suas áreas imediatas”.
221

integrado à pesquisa e planejamento atualmente em desenvolvimento pela indústria


americana sob a direção do Committee for Economic Development. Depois que discuti
esse assunto com você na quinta-feira, tive a oportunidade de participar de uma
reunião do conselho de administração (board meeting of the trustees) do Committee for
Economic Development, momento em que o plano acima mencionado foi discutido
com eles. O conselho expressou grande entusiasmo e autorizou (voted to empower) o
seu presidente a nomear um comitê para o desenvolvimento do hemisfério. Esse
comitê deveria ser selecionado em conjunto com a Comissão Interamericana de
Fomento e seria composto pelos mesmos membros de nossa comissão nacional de
fomento. Dessa maneira, podemos garantir a máxima cooperação e acesso a todas as
pesquisas e outras instalações do Committee for Economic Development à Comissão
Interamericana de Fomento, sem nenhum custo 296. (…) O Sr. Wayne Taylor, que
acompanha esse assunto com o Sr. Jones no Departamento de Comércio, me disse,
depois da reunião do conselho de administração, que o Sr. Eric Johnston, Presidente da
Câmara de Comércio dos Estados Unidos e membro do Committee for Economic
Development, seria convidado a aceitar a presidência [da comissão norte-americana de
fomento]. Isso nos dará excelentes laços com a indústria americana e é particularmente
oportuno, considerando que o Sr. Johnston está planejando viajar para a América do
Sul em fevereiro, (...). (…) Esperamos que, antes da partida do Sr. Johnston, tenhamos
elaborado todos os planos para o programa e preparado as instruções impressas, para
que ele possa ser explicado em detalhes [às demais comissões nacionais] e um
tremendo impulso possa ser dado ao trabalhos 297. Também surgiu a possibilidade de
obtermos os serviços do Sr. William Benton, Vice-Presidente da Universidade de
Chicago e Vice-Presidente do conselho de administração do Committee for Economic
Development, como diretor em tempo integral do programa para a comissão de
fomento norte-americana (Memorando, 17/12/1942).

296 Em janeiro de 1943, em reunião do Inter-American Economic and Financial Advisory Committee, Rafael Oreamuno, do
IADC, observou que, depois do estabelecimento do sistema interamericano de comissões de fomento, ficou evidente que, a
fim de se levar adiante os planos de industrialização nacional, seria necessário levar em consideração: a) a participação do
capital norte-americano, sozinho ou em combinação com capitais nacionais; b) os serviços de técnicos ou especialistas
norte-americanos; c) a aquisição de máquinas, equipamentos e outros produtos da indústria estadunidense. Segundo
Oreamuno, as severas restrições que o governo dos Estados Unidos precisou impor, em função da guerra, à produção e
exportação de máquinas e produtos não requeridos para fins bélicos, logo depois da criação do sistema de comissões,
naturalmente alterou seu programa de atividades. Contudo, o período de emergência ofereceria oportunidades para a
realização de investigações e pesquisas que serviriam como base para o planejamento de programas de desenvolvimento
industrial no futuro próximo. Diante disso, a IADC tinha considerado oportuno organizar a comissão norte-americana de
fomento interamericano, solicitando ao Committee for Economic Development (CED) que estabelecesse uma relação com
ela. Em função dessa aproximação, o Board of Trustees do CED teria decidido formar, como parte de sua organização, um
comitê interamericano, cujos membros seriam os mesmos da comissão de fomento presidida por Eric Johnston. Dessa
forma, esclareceu Oreamuno, uma relação direta estava sendo estabelecida entre o sistema interamericano de comissões de
fomento e o CED, com a finalidade de estudar os complexos problemas de ordem social e industrial que, como era possível
antecipar, resultariam da guerra. Também era intenção do CED e do IADC, segundo Oreamuno, colocar seus meios e
recursos de estudo e pesquisa à disposição um do outro (Discurso, 28/01/1943).
297 No mesmo memorando para Welles, Rockefeller relatou que a IADC estava “explorando a possibilidade de criar uma
empresa sem fins lucrativos, cujo estoque seria de propriedade da comissão norte-americana de fomento interamericano”.
Tal empresa “executaria o programa de pesquisa e planejamento para o pós-guerra com fundos fornecidos pelas empresas
norte-americanas” (Memorando, 17/12/1942).
222

A comissão norte-americana do IADC acabou sendo criada em janeiro de 1943. Eric Johnston
foi confirmado como seu presidente e William Benton como vice298. Em fevereiro, Johnston realizou a
viagem mencionada por Rockefeller em seu memorando. No Brasil, entrevistado pelo jornal Correio
da Manhã, ele declarou:

Nem por um momento devemos esquecer a amizade que une os nossos povos e
trabalhar para que ela aumente e frutifique. Hoje mesmo tive uma conferência com a
Comissão Brasileira de Fomento, presidida pelo sr. Valentim Bouças. Teremos muitas
outras conferências. Precisamos achar, e acharemos, novos meios para aumentar a
cooperação entre os nossos países. É esta a minha missão aqui (Correio da Manhã,
18/02/1943)299.

No ano seguinte, foi organizada a Primeira Conferência de Comissões de Fomento


Interamericano (First Conference of Commissions of Inter-American Development)300, realizada em
Nova York, no hotel Waldorf Astoria, entre os dias 09 e 18 de maio, com apoio da Câmara de Comércio
dos Estados Unidos, da National Association of Manufacturers (NAM)301, do National Foreign Trade
Council (NFTC), da Sociedade Pan-Americana e do Committee for Economic Development (CED).

298 Os outros membros eram: Randolph Burgess (National City Bank of New York), Earl A. Emerson ( Armco International
Corporation), Wilson L. Hemingway (American Bankers’ Association) Thomas McCabe (Scott Paper Company) e James S.
Kemper (Presidente do comitê norte-americano do Conselho Permanente de Associações Americanas de Comércio e
Produção – CICYP) (Lista de membros, 01/05/1944).
299 Em abril de 1943, um memorando da divisão brasileira para Nelson Rockefeller informava que, especialmente depois
da visita de Eric Johnston, a comissão brasileira de fomento se mostrava ativamente interessada em desenvolver um
programa positivo de ação para colaboração industrial no pós-guerra com a comissão norte-americana e com grupos
industriais privados dos Estados Unidos. A comissão ainda não tinha debatido uma das questões levantadas por Johnston,
referente aos métodos através dos quais o capital norte-americano e a participação técnica norte-americana na indústria
brasileira seriam favoravelmente recebidos, protegendo adequadamente a posição das empresas e investidores estrangeiros.
Mas os membros da comissão, segundo o relato encaminhado a Rockefeller, indicavam ter consciência da importância de
estabelecer uma posição clara sobre esse ponto, em relação ao qual o apoio oficial do governo poderia ser obtido. Maior
atenção seria dada ao assunto em reuniões futuras (Memorando, 21/04/1943)
300 Reich (1996, p. 258) afirma que a conferência logo se tornou uma celebração da figura de Nelson Rockefeller: “Orador
após orador o encheram de elogios. A Sociedade Pan-Americana o presenteou com uma medalha de ouro, em
reconhecimento a seus esforços pela unidade e cooperação interamericana”. Apesar da satisfação que esse reconhecimento
trouxe para Nelson Rockefeller, ele sabia que esse momento de triunfo acompanhava o fim do OCIAA: “Ele assistia a
conferência adotar uma resolução seguida da outra, sabendo que ele e sua agência não teriam poder para implementar
nenhuma delas” (Id., p. 259).
301 Criada em 1895, a NAM esteve “no centro de todas as maiores disputas políticas que modelaram a política econômica
dos EUA”, “trabalhando em conjunto com o governo dos EUA e instituições internacionais para moldar o capitalismo do
século XX nos EUA e no mundo” (DELTON, 2020, p. 1-2). A entidade desempenhou um papel fundamental para “obstruir e
dissolver as conquistas dos sindicatos de trabalhadores” (FISHER, 2016, p. 136), e foi uma das principais organizações
representantes do “movimento conservador” norte-americano (PHILLIPS-FEIN, 2009). Pearson (2017) demonstra como a
NAM, entre outras organizações patronais, aperfeiçoaram a “arte de furar greves (strikebreaking) e de destruir os sindicatos
(union-busting)” nas primeiras décadas do século XX.
223

Depois da conferência, Nelson Rockefeller enviou uma carta ao presidente (chairman) do CED, Paul
Hoffman, agradecendo seu apoio:

Gostei tanto de ter tido a chance de vê-lo outro dia e não consigo expressar o quanto
todos gostaram do almoço que você ofereceu aos delegados. Causou uma tremenda
impressão neles e eles ficaram fascinados ao ouvir sobre o trabalho que você vem
fazendo. Muitos deles falaram sobre isso desde então, e acho que não há dúvida de que
trabalhos de caráter semelhante serão iniciados em muitos países (Carta, 20/05/1944).

Nessa conferência, a Comissão Brasileira de Fomento foi representada por Valentim Bouças,
Ary Torres e José Kafuri (IADC, 1944) 302. João Daut d’Oliveira não esteve presente, mas, poucos
meses depois liderou a delegação brasileira que participou da International Business Conference,
realizada em Rye, Nova York, entre os dias 10 e 18 de novembro de 1944, patrocinada por quatro
organizações empresariais: a seção norte-americana da Câmara Internacional de Comércio, a Câmara
de Comércio dos Estados Unidos, presidida por Eric Johnston (membro do CED e da comissão norte-
americana da IADC, como visto acima) a National Association of Manufacturers (NAM) e o National
Foreign Trade Council (NFTC) (The International Business Conference, 1944). Ao retornar ao Brasil,
Daudt fez uma conferência na ACRJ, relatando aos seus diretores e associados o que tinha ocorrido nos
Estados Unidos:

O exame do programa dos trabalhos – declarou – pôs logo em foco a relevância dos
problemas a serem debatidos, todos eles decisivamente relacionados com o futuro
econômico do Brasil: investimento de capitais, industrialização de áreas novas,
iniciativa particular, matérias-primas e gêneros alimentícios; relações monetárias entre
as nações, transportes, carteis, política comercial. (…) O ilustre presidente da
Confederação Nacional da Indústria, meu prezado amigo Dr. Euvaldo Lodi,
prontificou-se a partir conosco. O eminente Dr. Roberto Simonsen, da Federação das
Indústrias de São Paulo, na impossibilidade de prestar-nos pessoalmente as luzes dos
seus conhecimentos e da sua experiência, integrando a delegação, forneceu-nos
excelentes subsídios e mandou-nos ainda como representante da prestigiosa
agremiação que dirige, o Dr. Mariano Ferraz. De Porto Alegre veio o valoroso
presidente Alberto S. de Oliveira, da Federação das Associações Comerciais do Rio

302 Bouças, em julho do mesmo ano, ainda integrou a delegação brasileira à Conferência Monetária e Financeira das
Nações Unidas, realizada em Bretton Woods, Estados Unidos. Da delegação, presidida pelo ministro Arthur da Souza Costa,
também participaram: Francisco Alves dos Santos Filho, Eugênio Gudin, Vitor Azevedo Bastian e Otávio Gouvea de
Bulhões. Aguinaldo Boultreau Fragoso era o secretário-geral e Roberto de Oliveira Campos, secretário (Barreiros, 2009).
224

Grande do Sul. A Associação Comercial de São Paulo credenciou o ilustre técnico


patrício, professor Ari Torres. A do Rio de Janeiro designou o nosso colega Artur de
Lacerda Pinheiro. Coube ao Instituto de Economia da Casa de Mauá fornecer dois
consultores técnicos de notória competência – o seu ilustre diretor Luiz Dodsworth
Martins, e o Dr. Gileno De Carli. Ainda seguiram o dr. Hugo Napoleão, consultor
jurídico do Banco do Brasil, e o dr. Romulo de Almeida, designado observador pelo
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Nos Estados Unidos incorporaram-se a
nós o Cônsul Aluisio Guedes de Bittencourt, da Embaixada do Brasil, e [José] Garrido
Torres, do Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Nova York.
(…) Falando-vos com isenção de ânimo, serenidade e franqueza sobre os resultados da
Conferência de Rye, direi que ela conseguiu o seguinte: 1º – inaugurou um novo
processo de mútuo entendimento e colaboração, buscando fórmulas de conciliar os
interesses entre os representantes dos produtores e chefes de empresa de todo o mundo.
(…) 3º – facilitou a atenuação das pretensões nacionalistas exageradas, pela
necessidade de apresentá-las e ajustá-las em comum. (…) 5º – formulou um manifesto
que traduz os pontos de vista gerais dos homens de negócios quanto aos problemas
econômicos na organização do mundo no após-guerra. (…) 303 (Jornal do Brasil,
11/01/1945).

Durante o encontro de Rye, Daudt d’Oliveira se dirigiu ao plenário da conferência como


representante do Conselho Interamericano de Comércio e Produção – CICYP (ver FICHA em anexo),
cuja seção brasileira tinha sido recentemente criada, sob sua presidência:

Senhores: A Comissão Executiva do Conselho Permanente me honrou com a grata


responsabilidade de enviar sua mais calorosa adesão à Conferência Internacional de
Negócios e de lhes apresentar um resumo de suas aspirações sobre os temas da Agenda
da Conferência de Rye. O resumo será entregue ao presidente desta reunião. Devo
declarar que estas pesquisas do Conselho Permanente fazem parte de um programa
303 Em janeiro de 1945, Frank Nattier informou a Nelson Rockefeller que já tinha conversado diversas vezes com Daudt
d’Oliveira depois de seu retorno dos Estados Unidos e que ele estava muito satisfeito com os resultados da conferência de
Rye: “Ele já deu alguns passos aqui para dar seguimento às conclusões de Rye. (…) Após várias conferências com o
presidente (…), ele iniciou sua campanha para a implementação das conclusões de Rye realizando um discurso importante
em uma reunião aberta da Associação Comercial, no dia 10 de janeiro. É difícil imaginar como um homem de expressão
pública como ele poderia manifestar com maior intensidade sua disposição de manter relações de amizade com os Estados
Unidos. Ao mesmo tempo, seu discurso apresentou uma franca análise de muitos dos problemas econômicos do Brasil
advindos da guerra. (…) A resposta dos empresários brasileiros também foi entusiasmada e a imprensa deu ampla atenção
ao discurso”. Na mesma carta, Nattier comentou com Rockefeller que tinha também debatido bastante com Daudt sobre as
conversas que este último teve com Rockefeller em relação à reorganização da comissão brasileira de fomento. Valentim
Bouças também tinha conversado sobre o tema com Nattier “umas duas ou três vezes”. Nattier se dizia contente com uma
visita futura de Rafael Oreamuno, que ajudaria a debater a questão com a comissão brasileira: “Uma comissão bem
constituída certamente estaria em posição de obter bons resultados na promoção das relações econômicas entre os Estados
Unidos e o Brasil. No entanto, a tensão entre as diversas correntes econômicas está crescendo diariamente aqui, e a
comissão dificilmente deixaria de sentir suas repercussões. Contudo, seria uma pena perder a contribuição da comissão por
esse motivo, especialmente porque ela pode ser a entidade que está em melhor posição para proteger os muitos interesses
norte-americanos afetados, evitando que eles caiam no redemoinho de conflitos entre divisões econômicas locais. Espero
que, com a ajuda de Oreamuno, a comissão encontre alguma fórmula viável para seu funcionamento” (Carta, 18/01/1945).
225

para a ação econômica no pós-guerra, tal como foi exposto nas Conferências
Interamericanas de Comércio de Montevidéu [1941], Santiago do Chile [1942] e Nova
York [1944]. Nasceram de trabalhos conjuntos e de acordos recíprocos dos homens de
empresa das nações americanas, e configuram uma via para a solução dos problemas
econômicos mundiais cujo significado não podem ser ignorados. O Conselho
Permanente representa um vínculo de solidariedade entre cento e quatorze
organizações da agricultura, mineração, indústria e comércio das vinte e duas nações
do hemisfério ocidental. Nós, os americanos, cremos unanimemente que esta ação
servirá para estimular e guiar o esforço e a iniciativa dos homens de negócio, à luz das
atuais e das futuras condições de intercâmbio mundial. Em nossa tarefa de
colaboração, começamos a colher os resultados do nosso trabalho no Conselho
Permanente, e compreendemos que apenas uma ação unida e coordenada por parte do
comércio e da indústria pode nos ajudar a resolver nossos problemas econômicos e a
consolidar a prosperidade internacional. (…) Permitam-me, senhores, referir-me agora
aos resultados da Conferência Internacional de Negócios. Em outros tempos, teria sido
estranho realizar, durante uma guerra, uma reunião de homens de negócios para
estabelecer os fundamentos de um novo sistema econômico internacional, capaz de dar
base firme a uma paz estável. Essa teria sido uma tarefa para políticos, homens de
Estado e diplomatas; nunca para homens ocupados com as tarefas da produção e da
distribuição da riqueza. Hoje, contudo, uma conferência como esta é um acontecimento
natural, que simboliza uma nova mentalidade e oferece pontos de vista distintos,
adaptáveis às presentes condições mundiais. Os dirigentes das classes produtoras se
reúnem, hoje, conjuntamente com os homens de Estado, os economistas e os
sociólogos, reunindo todos sua experiência comum, seus conhecimentos, suas
convicções, seus temores e suas previsões. (…) Esta guerra mudou o curso dos
interesses e objetivos dos povos de tal forma, que seria vão pensar que as coisas
continuarão sendo como eram antes. (…) O mundo está dividido em dois grandes
grupos de nações. Algumas já desenvolveram sua economia. Seu maior problema é
melhorar a distribuição da renda nacional entre seus habitantes (…). Outras, cuja
economia se encontra ainda em estado embrionário, tendem principalmente ao
crescimento de sua renda nacional, de maneira a poder melhorar o padrão médio de
vida da população. Se fosse alcançado um entendimento completo entre os dois
grupos, suas necessidades seriam mutuamente satisfeitas. A fórmula da boa vizinhança
econômica entre os dois grupos seria então a que se traduza em colaboração e
entendimento recíprocos. (…) A intensa cooperação política, econômica e cultural
existente entre as nações latino-americanas e sua grande irmã da América do Norte
oferece hoje um novo modelo para as relações internacionais. Esta unidade não implica
ameaça nem hostilidades para ninguém. Pelo contrário, nosso desejo é difundir a todos
os países do mundo o espírito de fraternidade que une as Américas, nas quais não há
disputas territoriais, nem conflitos econômicos, e onde as fronteiras, ao invés de isolar
as nações, abrem suas portas a todos os homens de boa vontade. (…) (Discurso del
Señor João Daudt d’Oliveira, Boletim Informativo CICYP, Dezembro 1944).

No período em que a Conferência de Rye foi realizada, Nelson Rockefeller, “o grande defensor
da unidade das Américas”, ainda estava vinculado ao governo norte-americano. Mas a América Latina
226

vinha perdendo importância no planejamento do Departamento de Estado304. Em setembro de 1945,


deixando seu cargo de secretário de Estado Adjunto, Rockefeller retornou para Nova York 305 “não
menos determinado” a dar continuidade à colaboração entre Estados Unidos e América Latina que ele
tinha se dedicado a construir durante a guerra:

Não havia mais ninguém no governo com quem jogar (to play ball), então ele decidiu
formar seu próprio time. Como as atividades públicas e privadas de Rockefeller
sempre estiveram interligadas e sua riqueza lhe permitia manter um grupo de
assessores (an entourage), a maioria dos principais funcionários do OCIAA deixou o
governo com ele. Para Rockefeller, as distinções entre as operações do governo e as
dos cidadãos privados não eram rígidas, invioláveis, ou talvez nem mesmo
completamente compreensíveis. (…) Ele e outros homens que o cercavam se moviam
fácil e frequentemente entre as esferas pública e privada 306. (…) Entre (…) [setembro]
de 1945 e [junho] de 1946, o grupo desenvolveu plano para uma organização que
levaria adiante os tipos de programas que o OCIAA tinha gerido, menos os das
divisões cultural e de propaganda. Apesar de o governo norte-americano não ter extinto
o OCIAA no final da guerra, o Departamento de Estado e o Congresso tinham
restringido seu orçamento e o escopo de suas responsabilidades ao mínimo. Onde o
governo não fosse agir, organizações privadas atuariam. (…) “Eu senti”, Rockefeller
afirmaria mais tarde, “que se o setor privado não assumisse uma posição e não desse
início aos trabalhos, ninguém faria nada”307. (…) A solução criada por Rockefeller foi

304 De acordo com Tota (2014), “depois das eleições de novembro de 1944, em que Franklin D. Roosevelt foi eleito pela
quarta vez consecutiva, o presidente fez uma reforma no gabinete e nos quadros políticos. (…) O secretário de Estado,
Cordell Hull, que se encontrava doente, pediu demissão e foi substituído por Edward Stettinius, executivo da U.S. Steel. O
subsecretário de Estado para Assuntos Latino-Americanos, Sumner Welles, havia deixado o cargo algum tempo antes. Essas
mudanças foram importantes para a carreira política de Nelson Aldrich Rockefeller. Ele estava em férias no Caribe quando
foi chamado com urgência para se apresentar em Washington. Stettinius disse que o presidente Roosevelt queria que ele
assumisse o cargo deixado vago por Welles. No posto anterior, ele já havia acumulado um grande capital político com os
países do subcontinente; agora multiplicaria várias vezes esse capital como subsecretário de Estado para Assuntos Latino-
Americanos. Embora subordinado à autoridade do secretário de Estado, o cargo equivalia ao de um ministro de Estado
responsável pelas relações com os vizinhos do Sul. Como a Europa e a Ásia ganhavam mais importância na política externa
americana, Nelson estava praticamente sozinho nesse jogo diplomático com a América Latina”.
305 “Com a anuência do pai e alguma relutância dos irmãos, voltou a dirigir o Rockefeller Center. O Museu de Arte
Moderna, o MoMA, ficou (…) também sob sua direção. Toda essa movimentação talvez o ajudasse a esquecer o golpe que
sofrera com a demissão do Departamento de Estado. Mesmo assim, acompanhava atentamente, de longe, por meio de fontes
de confiança, o que ocorria na subsecretaria que havia sido seu feudo. Spruille Braden, o ex-embaixador na Argentina que
tomou seu lugar, estava preocupado em desmontar tudo o que restara do Office. Para Nelson e para muitos ex-funcionários
de Roosevelt, esse era um sinal de que a equipe de Truman estava abandonando a política da boa vizinhança” (TOTA,
2014).
306 Segundo Tota (2014), “foi o velho amigo Beardsley Ruml, o mentor da sua entrada no governo em 1940, que instigou o
Nelson dinâmico, irrequieto e cheio de ideias a não esquecer projetos que eles chamavam de ‘uma próxima conspiração’. A
ideia era simples: se o governo não dava a devida atenção aos vizinhos do Sul, que o grupo de amigos se organizasse para
ajudar os países latino-americanos. Esse foi o primeiro passo para realizar uma nova investida no Brasil, agora por meio da
iniciativa privada. A reforma das dependências dos andares que abrigavam os escritórios da família, o room 5600, como era
conhecido, criou também o espaço para acomodar os colaboradores da ‘conspiração’”.
307 Nelson também estava envolvido com o Council for Inter-American Cooperation, criado em fevereiro de 1945 como
uma entidade não governamental mantida por contribuições de indivíduos e empresas privadas, com o objetivo de reunir as
contribuições de organizações empresariais, culturais, de trabalhadores, educacionais e cívicas que, de um forma ou de
227

uma organização chamada American International Association for Economic and


Social Development (AIA)308. (…) Depois que a American International Association
foi constituída, em julho de 1946, o grupo planejador percebeu que deveria separar os
projetos que poderiam vir a gerar lucro daqueles que nunca teriam fim lucrativo.
Rockefeller inicialmente resistiu à ideia de criar uma segunda empresa, com fins
lucrativos, mas o advogado John Lockwood explicou que não existiam outras
alternativas legais. (…) Em 09 de janeiro de 1947 foi instituída, sob as leis do estado
de Nova York, a International Basic Economy Corporation (IBEC)309 (COBBS, p. 55-
58).

outra, pudessem cooperar com a construção de uma “compreensão interamericana permanente” (OIAA, 1945). No
Rockefeller Archive Center, o fundo com os papeis pessoais de Nelson Rockefeller (FA348) contém diversas pastas
referentes a esse conselho, cobrindo o período de 1945 a 1952 (catálogo disponível em:
https://dimes.rockarch.org/FA348/contents, acessado em novembro de 2019), as quais não foram consultadas para esta
pesquisa. De acordo com o catálogo online do fundo com arquivos do National Foreign Trade Council (NFTC), do Hagley
Museum and Library, University of Pennsylvania (disponível em: http://hdl.library.upenn.edu/1017/d/pacscl/HML_2345;
acessado em novembro de 2019), esse conselho foi criado em 1944 para promover “a compreensão mútua e as trocas
culturais” entre a América Latina e os Estados Unidos. Nelson Rockefeller teria sido fundamental para a criação do
conselho, atuando como chairman, trustee e diretor entre 1944 e 1953. Também foi o responsável por fornecer a sede do
conselho (9 East 67th Street em Nova York). Em 1948, de acordo com o catálogo, houve uma fusão do Council for Inter-
American Cooperation com a recém-criada Western Hemisphere Division do NFTC. Essa divisão ficou responsável pela
promoção do comércio na América Latina, com apoio de agências governamentais interamericanas, contatos da indústria e
governos da América Latina e outros grupos. O conselho foi formalmente “absorvido” (consolidated into) pelo NFTC entre
1965 e 1966, sendo dissolvido em 1968. Em 1946, Berent Friele foi descrito na imprensa brasileira como presidente do
Conselho de Cooperação Interamericana, que atuaria como “complemento ao programa do Escritório Internacional de
Assuntos Culturais e Informativos do Departamento de Estados e do programa do Departamento de Comércio” ( Diário
Carioca, 28/06/1946 e 03/09/1946; O Jornal, 17/08/1946 e 15/11/1946).
308 A tradução do certificado de incorporação da AIA foi publicada no Brasil, no Diário Oficial da União, em 18/04/1947.
Nesse documento consta que eram os seguintes os objetos para os quais a companhia foi organizada: “Baseados na fé de
que temos na dignidade e no mérito inerentes ao indivíduo e na capacidade e desejo de aperfeiçoamento próprio dos seres
humanos de qualquer nacionalidade, raça, credo ou cor e convictos que estamos de que o bem-estar de cada uma das nações
e de cada pessoa no mundo atual se encontra intimamente ligado ao bem-estar e às possibilidades do aperfeiçoamento de
todos os povos do mundo, esta Associação se organiza para o fim de promover o próprio progresso e um padrão melhor de
vida de par com a mútua compreensão e cooperação entre os povos de todo o universo. Para esse fim poderá penetrar nos
domínios da agricultura, utilização e conservação de terras, saúde pública, salubridade, literatura, indústria, comércio e
demais setores que ela determinar”. Como seus diretores são elencados: Nelson A. Rockefeller, Berent Friele, Wallace K.
Harrison, Francis A. Jamieson e John E. Lockwood. Segundo Silva (2009), a AIA “desenvolveu projetos de cooperação
técnica, principalmente em agricultura e conservação do solo, além de programas pró-saneamento e alfabetização. Fundada
em julho de 1946 e extinta em 1968, teve atuação no Brasil e na Venezuela. Além disso, com algumas iniciativas mais
isoladas, atuou na China e Índia e em outros países da América Latina na década de 1960. No Brasil, a atuação da AIA em
programas de assistência técnica em agricultura ocorreu entre 1946 e 1961, sendo que entre 1961 e 1968 esta agência
passou a enfatizar o desenvolvimento de atividades relacionadas à pesquisa no cerrado e a criação de uma agência de
desenvolvimento e colonização, acompanhando o contexto da expansão territorial para o Brasil central e a construção de
Brasília”.
309 A tradução do certificado de incorporação da IBEC foi publicada no Diário Oficial da União, em 15/12/1947, junto
com o Decreto n.º 24. 067, assinado pelo presidente Dutra e pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Morvan Dias
Figueiredo, que autorizou seu funcionamento no Brasil. No certificado de incorporação informa-se: “Nós, abaixo assinados,
pretendendo associarmo-nos com outros para o fim de promover o desenvolvimento econômico de várias partes do mundo,
o aumento da produção e a disponibilidade de gêneros, objetos e serviços de utilidade à vida e à existência de seus povos,
melhorando deste modo o seu padrão de vida, e convencidos de que esses objetivos poderão ser atingidos por meio de uma
companhia que se dedique a cumpri-los e a empregar os processos e recursos modernos, resolvemos organizar, assinar,
confirmar e arquivar o presente certificado para constituir uma sociedade anônima nos termos do art. 2º da Lei de
Sociedades Anônimas do Estado de Nova York”. Os diretores da IBEC eram os mesmos da AIA: Nelson A. Rockefeller,
Berent Friele, Wallace K. Harrison, Francis A. Jamieson e John E. Lockwood. Conforme Cobbs (1992, p. 141), os dois
228

Segundo Tota (2014), Rockefeller “achava que os Estados Unidos deveriam encontrar os meios
mais rápidos e eficazes de combater o comunismo, em especial na vizinha América Latina”. Se o
governo parecia, num primeiro momento, disposto à conciliação, “Rockefeller tomaria suas próprias
medidas”310. Seu anticomunismo teria “raízes profundas” e, “embora obsessivo”, seria “ilustrado,
pensado e articulado”: “por algum tempo ele circulou com um exemplar de O capital embaixo do braço
e citava algumas passagens de Marx”. Ele também “achava que tinha conhecimento sobre o
materialismo dialético e instrumental teórico suficiente para enfrentar líderes sindicalistas comunistas
ou simpatizantes, fellow travelers, na expressão costumeira na época”. Dentro dessa perspectiva, a
“AIA e o IBEC nasceram para ‘converter’ o capitalismo num sistema mais humano, arma eficaz contra
o comunismo” – ou, podemos afirmar, um sofisticado instrumento contrarrevolucionário preventivo.
Eram, assim, “alguns dos refinados armamentos de uma ‘guerra psicológica’ anunciada, usados de
forma pioneira por Nelson Aldrich Rockefeller”. Compunham uma “política ofensiva (...) típica do
auge da Guerra Fria, embora ela mal estivesse começando”.

maiores projetos iniciados por Nelson Rockefeller no Brasil, através do IBEC, foram a empresa de sementes híbridas de
milho (Agroceres), fundada em 1947, e o Fundo Crescinco, criado dez anos depois (o qual abordaremos mais adiante). A
relação entre AIA e IBEC é assim apresentada por Colby e Dennett (1996, p. 216): “Enquanto as equipes da AIA
promoviam a criação de frangos, Nelson criava com a IBEC uma empresa de ração para aves. Enquanto as equipes da AIA
divulgavam as virtudes dos fertilizantes químicos, a IBEC vendia fertilizantes. Enquanto a AIA encorajava o uso de
sementes mais produtivas, a IBEC criava e vendia sementes híbridas”.
310 Lembrando que as fundações pertencentes à família Rockefeller, especialmente a Fundação Rockefeller e a Rockefeller
Brothers Fund, foram componentes importantes da máquina da Guerra Fria dos Estados Unidos, não apenas no
fornecimento de quadros, mas também com o financiamento de projetos oficiais e sigilosos de diferentes governos norte-
americanos.
229

CAPÍTULO 5 – A “PAZ SOCIAL” DO PÓS-GUERRA

É tempo que os homens do comércio, da indústria e da agricultura, colocados acima


das paixões, tracem os rumos econômicos que deverão orientar os homens de Estado
que visem promover o bem do Brasil.
- João Daudt d’Oliveira, 1945.

Como nos encontramos neste após-guerra em condições novas no mundo e no Brasil,


assistimos também ao imperialismo, particularmente ao imperialismo norte-americano,
adotar novos meios de expansão e exploração.
- Osvaldo Peralva, 1948.

Macedo Soares foi, sem dúvida, um dos nossos homens públicos que melhor
compreendeu o perigo comunista, tendo tomado, a devido tempo, medidas capazes de
exercer uma obra preventiva eficiente.
- Embaixadora Odette de Carvalho e Souza, s/d.

Em março de 1945, João Daudt d’Oliveira viajou a São Paulo, com o objetivo de obter a adesão
do empresariado daquele estado à proposta de reunir representantes das “classes produtoras” em
debates sobre a organização do país a partir do fim da guerra (OLIVEIRA, 2017). Em discurso
realizado na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), afirmou:

Aos homens do comércio, da indústria e da agricultura de nossa geração não se aplica a


apóstrofe que há cinquenta anos queimava na palavra de Rui Barbosa: “As classes
conservadoras, as que representam o capital e o trabalho, a produção e a riqueza, a
paciência e a força, cruzaram os braços”. (…). Duas guerras mundiais e profundas
transformações econômicas, sociais e políticas verificadas nestes últimos vinte anos
levaram-nos a reagir (…). Nossa marcha agora segue o ritmo do século e procura
acompanhar o padrão dos povos adiantados, notadamente o dos Estados Unidos. (…).
É tempo [de] que os homens do comércio, da indústria e da agricultura, colocados
acima das paixões, tracem os rumos econômicos que deverão orientar os homens de
Estado que visem promover o bem do Brasil. Para a definição desses propósitos
convocamos hoje as classes produtoras de todo o país para uma assembleia a realizar-
se na capital da república. Do estudo do conjunto dos problemas econômicos
brasileiros (…), formaremos um manifesto. Por ele nos dirigiremos à Nação, expondo
o que pretendemos e o que desejamos ver aqui realizado para que tenhamos uma pátria
forte e feliz, num regime verdadeiramente democrático (Jornal do Brasil, 04/03/1945).
230

A Primeira Conferência Nacional das Classes Produtoras (CONCLAP) acabou sendo realizada
na cidade de Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro, em maio de 1945, quando a vitória dos
Aliados já parecia certa311. No discurso de abertura da conferência, a qual presidiu, João Daudt citou,
segundo Oliveira (2017), a “Carta da Paz Industrial”, um documento com sete princípios que foi
“elaborado por representantes do comércio, da indústria e dos trabalhadores estadunidenses para
garantir a prosperidade ao empresariado e o emprego aos trabalhadores”. O documento foi assinado por
Phillip Murray, presidente do Congress of Industrial Organizations (CIO), William Green, presidente
da American Federation of Labor (AFL), e Eric Johnston, presidente da Câmara de Comércio dos
Estados Unidos e da Comissão Norte-americana de Fomento e membro do CED, como vimos no
capítulo anterior312. Divulgado em abril de 1945, o pacto chamou a atenção de Daudt d’Oliveira, que o
apresentou como “um exemplo a ser seguido pelos países atrasados” (OLIVEIRA, 2017) 313. Além de
Daudt d’Oliveira, compunham a mesa diretora da conferência: Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi, Iris
Meinberg e Brasílio Machado Neto. Luiz Dodsworth Martins foi o secretário geral (WANDERLEY,

311 Essa vitória coincidiria com o fim do Estado Novo e o restabelecimento das eleições no Brasil. No mesmo período em
que era realizada a I CONCLAP, foi concedida anistia aos condenados por crimes políticos – Luís Carlos Prestes entre eles
–, fundado o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em outubro de
1945 o Partido Comunista do Brasil (PCB) foi legalizado.
312 O pacto foi ironizado pelo jornal The Militant (21/04/1945): "É a paz industrial para o período pós-guerra!", gritavam
as manchetes de primeira página do CIO News de 2 de abril (...). (…) Philip Murray proclamou com júbilo o fato de que ele
e William Green, à frente da AFL, tinham assinado uma “carta de paz” com Eric Johnston, presidente da Câmara de
Comércio dos EUA. Os surpresos membros do CIO e da AFL foram informados de que seus líderes, depois de meses de
encontros secretos com Johnston, e sem nenhuma consulta prévia aos membros das associações, concordaram em cancelar
todos os enfrentamentos contra seus chefes (…) (profiteering, labor-hating bosses). Ainda mais surpreendentes foram as
condições dessa ‘trégua’. Os trabalhadores deveriam reconhecer o ‘direito sagrado’ que um punhado de capitalistas teria de
controlar a economia norte-americana e seus recursos para sempre (…). Os empregadores generosamente concordaram - em
palavra – a reconhecer o direito de barganha coletiva – um direito que eles supostamente já deveriam respeitar pela
legislação”.
313 É importante ressaltar que a defesa da “conciliação de classes” não era uma novidade para a burguesia brasileira.
Weinsten (2000, p. 101), por exemplo, menciona a realização, em janeiro de 1943, de um “banquete de confraternização”,
organizado por sessenta e três sindicatos de São Paulo, que tinha Roberto Simonsen e Morvan Dias Figueiredo, da FIESP,
como convidados de honra. O objetivo do encontro era homenageá-los por seus esforços em nome da “cooperação
harmônica entre trabalho e capital”.
231

2018). As conclusões da CONCLAP foram reunidas na Carta Econômica de Teresópolis 314 e em um


documento complementar, conhecido como Carta da Paz Social315, divulgado em janeiro de 1946316:

Neste documento, encontra-se a gênese das instituições patronais de aprendizagem e


serviço social criadas em 1946, a saber: [Serviço Social da Indústria] SESI 317, [Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial] SENAC e [Serviço Social do Comércio]
SESC318. A primeira medida descrita na Carta dizia respeito à colaboração entre
"empregados e empregadores" através "de uma obra educativa [...] que consiga
314 Conforme Wanderley (2018), a Carta Econômica de Teresópolis apresentou recomendações ao governo em todos os
aspectos de política econômica, descrevendo as aspirações dos “três ramos das atividades produtoras” quanto “à
organização do governo e participação do capital estrangeiro”. Um de seus tópicos, referente à “democracia econômica”,
trazia a seguinte afirmação: “à democracia política, que é a vocação dos brasileiros, deve corresponder uma verdadeira
democracia econômica. Esta só se completa com o desenvolvimento paralelo de todos os setores da produção, de todas as
regiões e de todas as atividades. Deve ser organizada com o preparo das leis, das instituições, do aparelhamento
administrativo, e com a cooperação dos capitais e da técnica das nações amigas, notadamente de nossos aliados norte-
americanos”. Segundo Aldo Baptista Franco, secretário da Seção Brasileira do Conselho Interamericano de Comércio e
Produção (CICYP), exemplares da Carta de Teresópolis foram distribuídos entre os participantes da reuniões do conselho
realizadas em Montevidéu e Buenos Aires no final de 1945, que contaram com a participação de representantes de 133
entidades internacionais, “merecendo de alguns os elogios mais entusiásticos” (Revista do Comércio, dezembro 1945, p.
85).
315 Segundo Oliveira (2017), a Carta da Paz Social foi divulgada no mesmo dia em que a primeira direção da Confederação
Nacional do Comércio (CNC) foi empossada. A criação da confederação já tinha sido prevista em 1939, pelo decreto-lei
1.402, que regulava a associação sindical, mas ela foi instalada apenas em setembro de 1945. A CNC foi inicialmente
coordenada por uma junta diretiva provisória, da qual Daudt d’Oliveira fazia parte. Em dezembro de 1945, a confederação
elegeu sua primeira diretoria: João Daudt d’Oliveira (ACRJ), presidente; Brasílio Machado Neto (ACSP), vice-presidente;
Caetano de Vasconcelos (Federação do Comércio de Minas Gerais), vice-presidente; Rafael de Oliveira Alves (Federação
do Comércio Varejista do Nordeste Oriental), vice-presidente.
316 No mesmo período ocorria o Primeiro Congresso Sindical dos Operários de São Paulo. Segundo French (1995, p. 151),
“o clima geral de protesto e de expectativa entre os operários industriais de São Paulo levou (…) a uma onda de greves que,
no auge, em fevereiro e março [de 1946], envolveu talvez 100.000 operários na região metropolitana de São Paulo. No
ABC, pelo menos 10.000 operários, a quinta parte da mão de obra total, aderiu a esse surto de militância industrial (...)”. As
greves no ABC “foram parte de uma onda crescente de greves no município de São Paulo e no Brasil urbano geral – entre as
quais uma greve de bancários de âmbito nacional, iniciada a 27 de janeiro (...)” (Id., p. 160). Para a FIESP (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo), os responsáveis pelas greves eram o Partido Comunista e seus “agitadores
profissionais”, e não as difíceis condições econômicas reconhecidamente enfrentadas pelos operários (Ibid., p. 163).
Segundo French (1995, p. 166), “a preparação dos sindicatos para greves posteriores foi contrabalançada por uma ofensiva
dos empregadores para impedir a agitação operária mediante medidas repressivas ostensivas”. Em São Caetano, em
fevereiro de 1946, o subdelegado Eduardo Gabriel Saad aplicou táticas policiais para intimidar os operários da Cerâmica
São Caetano, de Roberto Simonsen, e da Louças Adelinas, “cujos dissídios estavam marcados para o final do mês”:
“soldados da força pública começaram a revistar os operários nas ruas e invadiram as sedes locais do PCB e do MUT, em
busca de armas”.
317 Conforme Souza (2012), “em julho de 1946 o Marechal Eurico Dutra, em resposta a pressões pessoais de Roberto
Simonsen e Morvan Dias de Figueiredo, líderes da FIESP e da CNI, assinou um Decreto criando o Serviço Social da
Indústria – SESI com o objetivo, em longo prazo, de combater o reaparecimento de organizações autônomas entre as classes
trabalhadoras e construir, no seio do operariado urbano, uma base ideológica e de comportamento político em consonância
com uma sociedade industrial capitalista. O SESI foi criado dentro do espírito de conciliação entre as classes sociais,
conforme propunha a Carta de Teresópolis”. O decreto-lei n.º 9.403 atribuiu à Confederação Nacional da Indústria (CNI),
presidida por Euvaldo Lodi, o encargo de criar o Serviço Social da Indústria (SESI), para “estudar, planejar e executar direta
ou indiretamente, medidas que contribuam para o bem-estar social dos trabalhadores na indústria e nas atividades
assemelhadas, concorrendo para a melhoria do padrão geral de vida no país, e, bem assim, para o aperfeiçoamento moral e
cívico e o desenvolvimento do espírito de solidariedade entre as classes”.
232

fraternizar os homens, fortalecendo neles os sentimentos de solidariedade e confiança".


A ênfase para lidar com as desigualdades econômicas recaía prioritariamente na
atuação via educação e serviços sociais. A relação entre a desigualdade e as bases
materiais da existência expressas em suas condições econômicas (baixos salários,
problemas com saúde, alimentação, transporte) era naturalizada como um problema
típico da civilização industrial, devendo ser minimizado com o auxilio do governo e
dos empresários. Todas as medidas sugeridas sinalizavam a interferência, a longo prazo
e de maneira sistematizada, nas áreas de educação e assistência social, objetivando
resolver o problema da "questão social" visando garantir a "paz social" que o capital
precisava para se reproduzir enquanto sistema e modo de vida. A opção dos
empresários por uma intervenção lenta e eficaz difere das soluções de pura repressão e
desrespeito, burlando a legislação trabalhista e social, prática tão comum nas décadas
anteriores. O que estava em discussão era um projeto para “adaptar” e “ajustar”
contingentes de trabalhadores às novas relações sociais de produção exigidas pelo
desenvolvimento capitalista no Brasil. (…) Para formar a juventude trabalhadora que o
Brasil necessitava para alavancar o desenvolvimento industrial seria necessário ir além
da formação técnica; seria necessário fundar novas bases de comportamento: hábitos e
costumes que se adequassem ao tempo e espaço industriais (SOUZA, 2012, itálicos
meus).

O SESI, “em termos estruturais, (…) organizou-se em núcleos regionais, tendo por eixo dois
tipos de atividades”: aquelas diretamente relacionadas com suas finalidades (serviços assistenciais,
lazeres, educação popular, etc.) realizadas em Centros Sociais localizados em bairros operários; e
atividades complementares (estudos e pesquisas econômico-sociais, preparação de técnicos, etc.),
desenvolvidas pelo Departamento Nacional. Apesar de “essas atividades aparentemente não se
[diferenciarem] de outras relativas às primeiras experiências do Serviço Social, ou daquelas definidas
no âmbito do SENAI”, as “práticas sociais desenvolvidas no âmbito do SESI” seriam caracterizadas
pela “radicalização na sua utilização como instrumento de contraposição à organização autônoma da
classe operária e de luta política anticomunista” (SOUZA, 2012, itálicos meus):

318 O decreto-lei n.º 8.621, de 10 de janeiro de 1946, atribuiu à Confederação Nacional do Comércio (CNC) o encargo de
organizar e administrar escolas de aprendizagem comercial, organizando, para esse fim, o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC). Em setembro de 1946, o decreto-lei n.º 9.853 atribuiu à confederação o encargo de
criar e organizar o Serviço Social do Comércio (SESC), “com a finalidade de planejar e executar direta ou indiretamente,
medidas que contribuam para o bem estar social e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias, e, bem
assim, para o aperfeiçoamento moral e cívico da coletividade”. Daudt d’Oliveira afirmou que a Confederação Nacional do
Comércio tinha solicitado ao governo a “criação de um serviço idêntico ao iniciado pelo SESI na Indústria”, considerando
que, sendo “a classe dos comerciários uma das mais numerosas do país, a melhoria de seu padrão de vida deveria refletir-se
favoravelmente na economia nacional e contribuir de modo sensível para o aumento do bem-estar de toda a coletividade”.
Com objetivos amplos, os serviços do SESC incluíam orientação médica, creches e atividades de lazer. Em discurso
realizado na inauguração da primeira unidade do SENAC, no distrito federal, Daudt d’Oliveira afirmou que “os serviços
sociais, como os de aprendizagem do comércio e da indústria”, constituíam as “fórmulas práticas através das quais os
homens de negócio brasileiros” vinham procurando “trazer o seu quinhão de esforço à edificação de uma sólida paz social à
nossa pátria”. O objetivo não era “estabelecer círculos isolados de solidariedade humana, mas adotar uma atitude
sistemática de combate aos males” que estariam “retardando o progresso do nosso povo” (OLIVEIRA, 2017).
233

O potencial financeiro da instituição, assim como seus serviços assistenciais – a


começar pelo de alimentação, que é o primeiro a ser desenvolvido com maior
amplitude –, serão utilizados para a sustentação e articulação de lideranças sindicais
pelegas comprometidas com a campanha anticomunista no interior do movimento
operário. Da mesma forma, serão utilizados para incentivar e coordenar o surgimento
de movimentos com essas mesmas características (SOUZA, 2012).

Em 1948, Euvaldo Lodi manifestou a opinião de que, com a criação do SENAI e do SESI, “a
indústria brasileira deixou de ser um organismo mercantil e francamente utilitário”, se transformando
“em centro de estudos e, ao mesmo tempo, em campo de aplicação prática da experiência na renovação
dos métodos de produção e na preparação psicológica para a formação não apenas quantitativa do
trabalho, senão também qualitativa”319. O SESI, especificamente, tinha o papel de influenciar o “estado
de espírito” dos trabalhadores (LODI, 1948, p. 30-31, apud SOUZA, 2012). Como afirma Souza
(2012),

Diferentemente do SENAI320, que tinha uma imagem "neutra", técnica, o SESI sempre
foi, desde o início, uma organização ideológica confessa. Embora não apoiasse
abertamente determinados candidatos ou partidos políticos, seus fundadores
pretendiam que ele divulgasse uma certa visão de ordem no Brasil do pós-guerra e
difundisse sua própria doutrina social. Esses objetivos eram expressos abertamente em
suas atividades educacionais, cujos programas estavam impregnados de orientação
ideológica (…).

Essa “função ideológica do SESI” era afirmada sem hesitação por Lodi:

319 Weinstein (2000) considera que a criação do SENAI, em 1942, e do SESI, em 1946, representou o ponto culminante das
aspirações preexistentes de membros da burguesia industrial, que buscavam reorganizar os processos de trabalho e a
organização industrial, assim como as relações de trabalho. A esse respeito, ver FICHAS do Instituto de Racionalização do
Trabalho (IDORT) e Liga Nacionalista de São Paulo (LNSP).
320 De acordo com Souza (2012), “os primeiros cursos do SENAI tinham como objetivo a formação intensiva de operários
adultos face às demandas do ‘esforço de guerra’. Mas, além de ensinar habilidades básicas para o trabalho na indústria –
como operar tornos mecânicos, fundição em cunho, ajuste de máquinas, solda e leitura de desenho técnico –, eles arrolavam
atividades suplementares oferecidas através de palestras sobre higiene, medicina preventiva e nutrição”. Em São Paulo, a
direção das atividades didáticas desenvolvidas nas escolas do SENAI foi entregue a Roberto Mange, fundador e diretor de
honra do IDORT (ver FICHA). Mange se preocupava com a “socialização dos aprendizes” e queria “fazer do SENAI não só
uma escola, mas um local de socialização de seus alunos”. Por isso, a partir de 1945, ele colocou em cada escola um
assistente social que coordenava “atividades de educação física, recreação e discussão de temas de moral e cívica”
(SOUZA, 2012).
234

(…) No sistema por nós idealizado como Serviço Social da Indústria a cargo dos
patrões, com o espírito e a finalidade que lhe presidiram à organização, se encontra a
possibilidade única de eliminar a mentalidade hostil e ríspida (…) (e que constitui o
primeiro e maior perigo de nosso tempo) e ver estabelecida a concórdia social entre
patrões e operários. Porque a obra por nós empreendida não é propriamente assistência
de ajuda para saciar a fome, ou para fazer com que os trabalhadores produzam mais, e
sim para incutir-lhes a consciência de seus deveres de cidadãos ativos na comunidade
brasileira, e resolvam, com a união de suas próprias forças (e não contra as forças dos
patrões), os problemas que interessam à Nação (LODI, 1953, p. 19 apud SOUZA,
2012).

Em síntese, afirma Souza (2012), o SESI “surge como resposta do empresariado à nova
conjuntura e correlação de forças que se inaugura com a desagregação do Estado Novo e a liberalização
do regime, favorecendo o crescimento do movimento operário”321. Essa organização “materializa o
espírito ultraconservador do empresariado, explicitado em seu objetivo estatutário de ‘destruir os
elementos propícios à germinação de ideologias dissolventes’, através de uma ação política, ideológica
e repressiva que se apoiava na base material fornecida pelos equipamentos assistenciais”.

5.1 Repressão às greves

Os industriais paulistas, durante as ondas de greves do início de 1946, tinham buscado apoio do
novo governo de Eurico Gaspar Dutra “para a fixação de limites rígidos para as novas liberdades recém
consquistadas pelos operários”. Em meados de fevereiro daquele ano, a Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo aprovou o envio de uma delegação à capital federal:

A delegação da FIESP chegou ao Rio de Janeiro a 19 de fevereiro de 1946, para


solicitar ‘medidas governamentais’ contra as greves em andamento. Liderados por
Morvan Dias de Figueiredo322, (…) voltaram a bater na tecla do valor da ordem e da

321 Conforme French (1995, p. 177), “em 1945, o establishment militar, econômico e político do Brasil mostrara-se
impotente para deter a maré popular. A explosão democrática havia feito desaparecer grande parte do passado repressivo, ao
mesmo tempo [em] que prometia uma ordem radicalmente nova”. A “revolta popular generalizada, simbolizada pelo
getulismo popular e pela greve, fez com que, assim que ultrapassada a turbulenta crise da sucessão [de Getúlio Vargas],
houvesse um empenho para impor restrições a essas novas forças”.
322 Em outubro de 1946, Morvan Dias de Figueiredo seria nomeado ministro do Trabalho, Indústria e Comércio – mesmo
mês em que se tornou acionista da Companhia Nacional de Gás Esso, subsidiária da Standard Oil no Brasil. Ele permaneceu
235

disciplina. Quanto ao direito de greve, ‘sem dúvida uma conquista de nossa época’,
afirmaram eles que não podia ‘ser invocado em detrimento dos legítimos interesses do
país’. A reação do presidente Dutra e do Ministro do Trabalho, Octacílio Negrão de
Lima, um banqueiro, foi calorosa, e a delegação regressou para São Paulo confiante de
que seria tomada alguma providência para atender as suas reivindicações. (…) A 15 de
março, Dutra baixou o Decreto-Lei nº 9.070, regulamentando o direito de greve. Essa
medida adotou a posição dos industriais e criou a base legal para a ação do governo
contra praticamente todas as greves. (…) Essa medida antigreve permaneceria como a
lei do país pelos vinte anos seguintes, apesar da garantia formal do direito de greve
constante da constituição democrática finalmente promulgada em 1946 pela
Assembleia Constituinte. O PCB e os líderes sindicais criticaram violentamente esse
“decreto fascista”. Embora não tivesse sido empregado imediatamente, o decreto era
uma indicação clara da lealdade de Dutra aos industriais que o apoiavam: era o
símbolo de um compromisso governamental muito mais amplo de cortar as asas do
movimento operário (FRENCH, 1995, p. 171).

no ministério até setembro de 1948 (Verbete biográfico – CPDOC-FGV). Segundo a ata da assembleia de constituição da
Companhia de Gás Esso, a Standard Oil era a maior acionista da empresa, com 75.000 ações subscritas. Morvan Figueiredo
era um dos 44 acionistas brasileiros que subscreveram 500 ações cada (entre estes estavam também João Daudt d’Oliveira,
Daniel Serapião de Carvalho – ministro da agricultura no governo Dutra –, Olavo Egídio de Souza Aranha, Joaquim
Monteiro de Carvalho, Horácio Klabin, José Hermírio de Moraes e Mariano Marcondes Ferraz). Nove acionistas
subscreveram 250 ações cada; um subscreveu 150; cinco subscreveram 100 ações cada; dois acionistas subscreveram 50
ações. Na mesma assembleia, foram eleitos os diretores da companhia: Hortêncio Lopes (diretor presidente), Paul Keith
Thompson (diretor gerente), Paulo Carvalho Barbosa (diretor secretário), Edwin Phillip George Broming (diretor
tesoureiro), Harold Stoutland Wilson, João Daudt d’Oliveira, José da Silva Oliveira (diretores). O diretor presidente teria a
remuneração anual de Cr$ 60.000,00. Para os demais diretores, a remuneração seria de Cr$ 24.000,00 ( Diário Oficial da
União, 26/10/1946). Em 1948, o jornalista comunista Osvaldo Peralva, abordou a constituição da ESSO na revista
Problemas, editada pelo PCB e dirigida por Carlos Marighella: “(…) podemos verificar em nosso país, ao lado dos velhos
métodos da penetração imperialista, métodos novos serem postos em prática, nestes últimos tempos, especialmente a partir
da Segunda Guerra Mundial. Se bem nos houvéssemos empenhado numa guerra justa, formando nas fileiras das Nações
Unidas, a verdade é que mesmo neste lado, de par com o caráter antifascista e patriótico da luta dos aliados, desenvolvia-se
também a atividade das forças reacionárias mundiais com objetivos nitidamente expansionistas. Como nos encontramos
neste após-guerra em condições novas no mundo e no Brasil, assistimos também ao imperialismo, particularmente ao
imperialismo norte-americano, adotar novos meios de expansão e exploração. (…) temos vários casos típicos da aplicação
no Brasil da técnica do investimento conjunto ou sociedade de economia mista, conforme é mais conhecida. Isso se verifica
tanto no domínio particular, como no domínio estatal. No domínio particular, o exemplo mais frisante é o da Companhia
Nacional de Gás Esso — cujo principal incorporador é a Standard Oil e que conta, entre seus acionistas, com os srs. Daniel
da Carvalho, ministro da Agricultura, Morvan Dias de Figueiredo, ministro do Trabalho, Fernando de Melo Viana, vice-
presidente do Senado, e Manoel Guilherme da Silveira Filho, presidente do Banco do Brasil. (…). Os capitais norte-
americanos, investidos sob a forma de sociedade mista, como que se naturalizam, adquirem carta de cidadania brasileira
através do casamento com o capital nacional, gozando os mesmos direitos e vantagens, ficando ainda protegidos contra
quaisquer discriminações. Envolvem também na rede dos seus interesses setores da burguesia até então hostis ao
imperialismo, vítimas que eram de sua concorrência. Estes setores ficam então neutralizados ou mesmo colocados
diretamente contra o movimento de libertação nacional, sendo assim ganhos e utilizados pelo imperialismo em seu
propósito de colonização de nossa terra. Os objetivos dos expansionistas norte-americanos são ilimitados. (…). Tais são
alguns dos novos métodos e traços característicos da penetração do imperialismo ianque no Brasil, facilitada pelo atual
governo de negocistas e de traição nacional. É escusado acentuar que em tais sociedades os capitais ianques sendo mais
fortes, acabam por dominar os organizações em que penetram. E essa penetração, cada dia mais profunda e mais larga,
tende a dominar rapidamente toda a vida econômica e política de nossa pátria, se contra isso não se erguer em tempo um
vigoroso movimento organizado das forças patrióticas brasileiras, movimento inclusive de denúncia sistemática, na base de
fatos concretos, sobre os propósitos colonizadores dos monopolistas de Wall Street” (PERALVA, 1948).
236

Durante o ano de 1946, “o governo nacional, o interventor federal em São Paulo e os industriais
do estado” adotaram “uma política consistentemente repressiva, na tentativa de desmobilizar o
sindicalismo do após-guerra com seu modo renovado de militância” (Id., p. 177)323. Em junho de 1946,
o interventor em São Paulo, José Carlos de Macedo Soares, do PSD, “começou uma pressão ainda mais
forte sobre os sindicatos e a esquerda, quando os ferroviários da estrada de ferro Sorocabana entraram
em greve”:

A polícia invadiu a sede estadual dos comunistas na capital e soldados foram postados
nas principais estações de trem do ABC durante três semanas. (…) Houve ainda outras
agressões policiais a sindicatos de centro-esquerda no ABC durante o mês de julho.
(…) Quatro dias depois das prisões em Santo André [de duas lideranças sindicais] o
delegado interino Saad324 e quatro subordinados invadiram a sede do PCB em Santo
André durante uma reunião pública. Os comunistas ali reunidos recusaram-se a aceitar
o ultimato de Saad para que obtivessem permissão policial para futuras reuniões
fechadas, citando dispositivos legais que exigiam autorização prévia apenas para
reuniões na rua. Não obstante, ordens semelhantes foram emitidas para o sindicato dos
metalúrgicos, e Saad postou policiais na entrada do salão do sindicato. Até mesmo os
operários que frequentavam a justiça trabalhista local para acompanhar seus dissídios
tinham que passar pelos policiais armados na entrada, numa clara tentativa de intimidar
os membros ativistas do sindicato. (…) No domingo, 22 de setembro de 1946, o PCB e
outras organizações locais convocaram o povo para uma comemoração da nova
Constituição na estação ferroviária central de Santo André. Agindo desse modo, o PCB
local desafiava uma ordem do DOPS que proibia o comício, ato esse que o partido
encarava como restrição aos direitos democráticos. Vinte militantes que preparavam a
reunião foram presos e o caminhão de som do PCB foi confiscado (FRENCH, 1995, p.
181- 184).

323 A associação entre a polícia e os industriais paulistas tinha um longo histórico. Como destaca Emília Viotti da Costa
(1982), a repressão ao movimento operário na Primeira República é amplamente documentada. As associações criadas pelos
industriais “com o intuito de defender seus interesses comuns, aumentar a produtividade do trabalho e neutralizar a
resistência operária (…), exerciam vigilância sobre os líderes operários e mantinham frequentes contatos com a polícia”.
Em 1921, um memorando do Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem informava a seus associados que, qualquer um
deles que “quisesse se livrar de um ‘agitador’ nada mais tinha a fazer do que se comunicar com o Centro”, que
“providenciaria imediatamente para que aquele elemento perigoso ‘fosse afastado da fábrica pela polícia e identificado’”.
Em 1923, em tom similar, uma circular do Centro solicitava aos seus associados o envio do “nome, residência, sinais
característicos etc.”, de operários em tecidos “que lhe fossem apontados como mentores de sua classe”. Preocupado com a
possibilidade de que uma greve dos gráficos se estendesse às indústrias têxteis, o Centro se propunha, com essas
informações, a fazer com que “o operário apontado desaparecesse por algum tempo, até que passasse a atmosfera de
agitação”.
324 Eduardo Gabriel Saad era “especialista do DOPS em questões trabalhistas”. Em meados de 1946 foi promovido de
subdelegado de polícia em São Caetano a delegado de polícia interino em Santo André. No final do ano, se tornou chefe do
Departamento Estadual de Trabalho (DET), que em agosto tinha assumido as responsabilidades, pessoal e instalações da
Delegacia Regional do Trabalho, órgão federal (fazendo de São Paulo o único estado não submetido à supervisão do
Ministério do Trabalho). Foi demitido do órgão em abril de 1947, quando Adhemar de Barros assumiu o governo de São
Paulo, substituindo o interventor Macedo Soares (FRENCH, 1995, p. 166, 181, 183, 190 e 211). No mesmo ano, Saad
assumiu a chefia da Divisão de Orientação Social (DOS) do SESI (WEINSTEIN, 2000, p. 155).
237

É interessante observar que esse período de forte mobilização do movimento operário coincidiu
com o início das operações da AIA e IBEC, de Nelson Rockefeller, no Brasil. Em agosto de 1946, a
imprensa registrou um encontro de Berent Friele com o interventor Macedo Soares:

Representantes da American International Association for Economic Social


Development, estiveram, ontem, reunidos no gabinete de trabalho do interventor
Macedo Soares, a fim de trocar ideias a respeito da nova Fundação Agrícola de Nelson
Rockefeller, a ser introduzida no Brasil, em grande escala, devendo iniciar-se em São
Paulo, para incrementar a nossa economia com a produção racional, em todos os
setores da atividade agrícola e pecuária. Como representantes da referida organização,
compareceram à reunião os srs. Berent Friele, Kenneth J. Kadow, W. Jackson e L. C.
Heilbronner (…). (…) o sr. Berent Friele expôs ao chefe do governo, em suas linhas
gerais, o importante plano, que consiste na instalação, em nosso estado, com as
facilidades que o governo puder proporcionar, de empresas que serão formadas
exclusivamente com o capital nacional, apoiadas, entretanto, se necessário for, com
capital da organização, empresas essas que iniciarão a cultura racional dos mais
variados produtos agrícolas, com a assistência de técnicos americanos (…). O mesmo
sucederá em relação aos setores da pecuária. Importa notar, conforme declarações do
sr. Berent, que a exploração de cada atividade será feita com elementos nacionais, até o
ponto em que estes estejam em condições de prosseguir sem a assistência da
organização. (…) Entrando em detalhes o orador sugeriu o aproveitamento da Fazenda
Monte D’Este, que pertence ao governo federal e situada nas proximidades de
Campinas, para a instalação dos primeiros trabalhos, tornando-se esta fazenda modelo
para todo o estado. Nela serão instalados trabalhos agrícolas inteiramente mecanizados,
empregando todo elemento nacional capaz de assimilar os conhecimentos técnicos que
ali forem introduzidos a fim de que, mais tarde, se tornem aptos a desenvolver, em suas
próprias fazendas, tais métodos. (…) Nessa, como nas demais, pretende a organização
realizar culturas racionais em larga escala de soja, frutas, sementes de cereais em geral,
milho híbrido e distribuição de sementes. Além disso, a criação racional e em grande
escala de porcos, aves e gado bovino. O plano prevê instalação de frigoríficos para
conservação de frutas e fornecimento ao mercado em qualquer época do ano. (…) Será
cuidadosamente encarado o problema dos adubos. (…) Os representantes da
organização Rockefeller declararam, no decorrer da reunião, que já entraram em
entendimentos com diversos industriais e representantes de entidades de classe, a fim
de averiguarem o seu interesse na formação de empresas brasileiras constituídas
sempre com capital nacional e apoiadas, quando necessário, pelo capital da
organização” (O Jornal, 16/08/1946)325.

325 Pouco tempo depois, em novembro de 1946, o interventor de São Paulo receberia o próprio Nelson Rockefeller e sua
comitiva, que incluía Friele: “Prende-se sua viagem à organização de fazendas experimentais e pequenas empresas agrícolas
para auxiliar o desenvolvimento da agricultura no estado de São Paulo. Veio, igualmente, com o objetivo de lançar os
fundamentos de um amplo sistema de cooperação intercontinental, para colocação de maior número possível de utilidades e
serviços necessários à elevação do nível de vida da população brasileira. Viaja ainda em função do Museu de Arte Moderna,
de Nova York, do qual é presidente, devendo, portanto, entrar em contato com os círculos artísticos de S. Paulo. No
aeroporto de Congonhas, o sr. Nelson Rockefeller foi recebido pelo representante do governo estadual e por numerosas
figuras representativas dos círculos americanos em S. Paulo, assim como personalidades do mundo econômico, financeiro e
industrial da capital” (O Jornal, 23/11/1946).
238

5.2 O maior inimigo dos comunistas

O interventor José Carlos de Macedo Soares, liderança do PSD paulista (que reunia Brasílio
Machado Neto e Roberto Simonsen em seus quadros), era também um empresário e importante
representante das “classes conservadoras”326. Participante ativo das organizações da burguesia paulista
que foram precursoras do SESI, como a Liga Nacionalista de São Paulo (ver FICHA em anexo), em
1946 Macedo Soares já possuía um longo histórico de enfrentamento aos comunistas. Na década de
1930, quando foi ministro das Relações Exteriores e da Justiça, ele tinha se transformado em um dos
mais relevantes, senão o principal, expoente do anticomunismo no Brasil.
Um marco fundamental dessa trajetória foi seu encontro com o advogado suíço Théodore
Aubert, em 1932. Naquele ano, a convite do presidente Getúlio Vargas 327, Macedo Soares chefiou as
delegações brasileiras à Conferência do Desarmamento 328 e à XVI Conferência Internacional do
Trabalho, realizadas em Genebra. Aubert (ver FICHA em anexo), que tinha participado da criação da
Union civique suisse (UCS) em 1918 e da Fédération patriotique suisse (FPS) em 1919 (ver FICHA
em anexo), dirigia a Entente Internacional Anticomunista (EIA) 329. Criada em 1924, a Entente já era

326 Macedo Soares (ver FICHA em anexo), tinha sido diretor da Cia. Paulista de Artefatos de Alumínio, do Banco de São
Paulo (entre 1918 e 1924) e da São Paulo Companhia Nacional de Seguros de Vida, entre outras empresas. É considerado
um dos mais destacados dirigentes da história da Associação Comercial de São Paulo, da qual foi eleito presidente em 1923,
quando ela ainda era um órgão representativo dos industriais paulistas. Foi diretor da FIESP entre 1940 e 1945, participando
como seu representante do Primeiro Congresso Brasileiro de Economia, realizado no Rio de Janeiro, em 1943 (já
mencionado no capítulo anterior).
327 Macedo Soares foi apoiador da Revolução de 1930, tendo liderado a comitiva que recepcionou Getúlio Vargas em São
Paulo, quando este se dirigia ao Rio de Janeiro para ocupar a presidência da república. O secretariado revolucionário do
governo provisório paulista foi formado em reunião na casa de Macedo Soares, a quem coube a pasta do Interior (ver sua
FICHA em anexo).
328 O segundo delegado brasileiro era o diplomata Raul do Rio Branco. Edmundo Macedo Soares e Silva, primo de José
Carlos de Macedo Soares, o acompanhou como seu assistente militar (Diário Carioca, 31/12/1931 e 12/01/1932).
329 Em junho de 1924, Aubert organizou, em Paris, uma reunião com delegados de diferentes organizações europeias.
Nesse encontro, eles decidiram constituir uma “Entente Internacional” voltada ao combate de grupos subversivos, sendo o
principal deles a III Internacional comunista (Comintern). A Entente também se dedicaria a defender os “princípios da
ordem, da família, da propriedade e da pátria”. A organização do trabalho era confiado a uma Secretaria (Bureau)
permanente em Genebra, que deveria promover a criação de centros nacionais antibolcheviques, aos quais transmitiria
informações sobre a organização, os projetos e atividades do governo de Moscou e do Comintern. Em poucos anos, a
Entente Internacional Anticomunista criaria uma rede de correspondentes na maioria dos países europeus. Com isso, a “Liga
Aubert” se tornou o grupo mais importante e mais longevo entre aqueles que se dedicaram à luta anticomunista na primeira
metade do século XX (CAILLAT, 2007). O médico russo Georges Lodygensky e Théodore Aubert gerenciavam o trabalho
da Secretaria permanente, que era composta por personalidades da elite conservadora de Genebra: Aubert garantiu a
colaboração do coronel Alfred Odier, que fazia a ligação com o Estado Maior do exército suíço, do advogado Jacques Le
Fort, do banqueiro René Hentsch, do diplomata e historiador Lucien Cramer, do coronel Guillaume Favre e do ex-ministro
suíço em Roma, Georges Wagnière. Este último, assim como Cramer e Favre, era também membro do Comitê Internacional
da Cruz Vermelha (ver FICHA da EIA em anexo).
239

conhecida por algumas autoridades brasileiras desde 1925, quando Raul Paranhos do Rio Branco –
ministro plenipotenciário do Brasil em Berna, na Suíça, e filho do Barão do Rio Branco, o “patrono da
diplomacia brasileira” – se aproximou da organização e criou laços de amizade com Aubert330.
Rio Branco ia com frequência à secretaria da EIA, em Genebra, para pegar cópias de
documentos que enviava ao governo brasileiro, e aproveitava cada ocasião que surgisse para colocar
representantes do Brasil – diplomatas, funcionários do governo, etc. – em contato com Aubert
(LODYGENSKY, 2009, p. 325-326). Foi o que ocorreu com Carlos da Silva Reis, que em 1926 partiu
para a Europa com o objetivo de realizar uma “viagem de inquérito” e também participar de uma
reunião da EIA331. Reis – que tinha representado o Brasil na II Conferência Internacional Sul-
Americana de Polícia332 e chefiara a 4ª Delegacia Auxiliar do Distrito Federal333 – em 1925 tinha
passado a trabalhar no gabinete do ministro da Justiça, Afonso Pena Júnior (O Paiz, 16/09/1925).
O empenho de Raul do Rio Branco na luta anticomunista era antigo. Desde 1917 ele vinha
alertando o governo brasileiro a respeito das “precauções” que deveriam ser tomadas para “proteger o
Brasil contra as repercussões do movimento comunista”334:

330 José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, foi ministro das Relações Exteriores de quatro governos:
Rodrigues Alves (1902-1906), Afonso Pena (1906-1909), Nilo Peçanha (1909-1910) e Hermes da Fonseca (1910-1914). Seu
filho, Raul do Rio Branco, entrou no serviço do Ministério das Relações Exteriores em 1895 e se fixou em Berna em
outubro de 1912.
331 De acordo com Hilton (1991), a missão de Carlos Reis era secreta (undercover mission): estudar os métodos das
polícias estrangeiras para lidar com a subversão. Ele visitou Paris, Berlim, Estocolmo e Berna, estabelecendo contatos com
autoridades policiais e organizações anticomunistas privadas. Sua viagem também incluiu visitas a algumas capitais da
América Latina (Ofício, 26/03/1926 e Cartas de Raul do Rio Branco, 17/10/1926 e 21/10/1926).
332 A conferência foi realizada em Buenos Aires, em fevereiro de 1920, “com o objetivo principal de encontrar uma
fórmula eficiente de colaboração entre as polícias dos países ali reunidos, para dar início à ‘obra de solidariedade sul-
americana’” (SETEMY, 2013). A informação de que Reis foi um dos delegados do Brasil encontra-se em Hilton (1991).
333 Nesse período, Carlos Reis foi apelidado de “Major Metralha”. A Seção de Ordem Política e Social da 4ª Delegacia
Auxiliar investigava e controlava associações operárias, anarquistas e comunistas, além de brasileiros e estrangeiros que
atuavam no movimento operário (SANTOS, 2006 e MENDONÇA, 1998). Romani (2011) afirma que a 4ª Delegacia
Auxiliar, criada em novembro de 1922, no governo Artur Bernardes, tinha autonomia suficiente para vigiar toda a sociedade
da forma que bem entendesse, tendo iniciado a prática política de infiltração de agentes policiais dentro dos sindicatos e
associações operárias. Só no ano de 1923, segundo Santos (2006), a 4ª Delegacia fez o levantamento dos antecedentes de
mais de 16 mil indivíduos suspeitos de crime político. Romani (2011) considera que, naquele período, foi gestado um plano
estratégico de vigilância e controle social e consolidado um esquema repressivo articulado em grande escala, que se
reapresentaria de modo cada vez mais intenso em momentos futuros da história nacional.
334 “Naquele estudo do sovietismo que, bem contra meu gosto, ocupou grande parte da minha atenção desde os tempos do
então Ministro do Exterior Dr. Nilo Peçanha [1917] – que se dignou a encará-lo com certo interesse – a minha única
preocupação foi proteger a minha terra contra as remotas repercussões daquele colossal seísmo [sismo] social (o mais
considerável e devastador que tenha registrado a história sem mesmo exceptuar a revolução francesa). Os meus receios a
esse respeito chegaram às vezes a me aparecerem como prematuros ou exagerados. Tive, porém, a intuição de que era
necessário, de que era indispensável levar adiante essas informações (…). De fato, entre os colegas, consegui saber que
apenas dois ou três tinham se interessado pela mesma questão. Entre eles limito-me a citar os Srs. Moniz de Aragão e
Guilhobel. Agora já não é mais tempo de raciocinar: o incêndio não está às portas, já tem foco aceso dentro da nossa casa.
(…)” (Ofício nº 6, 31/03/1928).
240

Dediquei ao estudo desta questão o melhor do meu tempo nestes dezesseis anos, não
desprezando qualquer fonte de informação e cheguei a estas conclusões: O movimento
comunista erradamente considerado como novidade posterior à guerra mundial por
muita gente pouco informada é apenas na realidade uma fase recente de uma tendência
antissocial que data da mais remota antiguidade. Ele é uma reminiscência do estado de
comunismo primitivo que em todas as raças precedeu o desabrochar da civilização.
(…) A força principal da ideia comunista não é feita atualmente do valor próprio de sua
dialética nem do número e da decisão de seus adeptos, mas sim da covardia, da
estupidez insigne e da cupidez mal inspirada dos elementos capitalistas inconscientes
que ela explora até a hora de os trucidar. (…) na própria Rússia (…) ele não teria
conseguido manter-se senão poucas semanas não fossem os avultados subsídios que os
dirigentes e aproveitadores do comunismo russo obtém sucessivamente dos diversos
povos capitalistas. Porque comunismo reduzido às suas próprias forças é um regime
que consome, destrói e esteriliza sem produzir e que portanto o seu fim por inanição é
fatal quando reduzido unicamente aos seus próprios recursos. Entretanto,
contrariamente às concepções da era liberal, as massas não são conduzidas pelo
raciocínio, mas sim pela paixão (…), depois de destruídas as anteriores fés religiosas,
filosóficas e políticas não resta dúvida hoje, que dominada pela lei do número
(princípio básico da democracia) a evolução social, eliminadas todas as elites (aliás tão
decadentes) encaminha-se de modo cada vez mais decidido para a anarquia que é
sempre o termo final da demagogia. (…) Todos os governos que continuam a se reger
pelos preceitos desde já falidos do liberalismo degenerado do século XIX vão sendo
arrastados cada vez mais pela decomposição do princípio de autoridade que resulta da
infiltração socialista. (…) Outras nações nas quais o instinto de conservação está
menos obliterado, conseguiram, na hora do desmoronamento final, salvarem-se quando
tiveram a sorte de encontrar um condutor enérgico, como para a Itália este discípulo de
Bonaparte que é Mussolini, ou na Alemanha este servil imitador de Mussolini que se
chama Hitler. (…) Expus em tempo útil, já há anos, ao governo um plano racional de
defesa contra a pavorosa ameaça. (…). Limito-me a dizer que ele fora elaborado com a
colaboração do perito mais acreditado do mundo atual em matéria de luta contra o
comunismo, Maître Théodore Aubert, de Genebra, e lembrarei apenas que este plano
comportava antes de qualquer outra medida a criação oficial ou oficiosa de um centro
nacional anticomunista, em comunicação seguida com a Entente de Genebra e a
colaboração estreita de todos os governos e polícias latino-americanas (…)335. (…)
Remeti, de 1923 a 1927, ao Itamaraty duas volumosas caixas, um arquivo de base para
documentar este centro brasileiro anticomunista. (…) A única pessoa de
responsabilidade de quem logrei encontrar compreensão desta pavorosa ameaça foi o
ilustre Cardeal D. Sebastião Leme [da arquidiocese do Rio de Janeiro], que me disse
anos atrás ter promovido ele mesmo a criação na sua diocese de 300 centros
anticomunistas336. (…). Nestas condições (…) não me resta (…) senão abdicar entre

335 Para maiores detalhes sobre este plano, ver FICHA “Plano anticomunista sul-americano” em anexo .
336 Além de um fervoroso anticomunista, Sebastião Leme era também um expoente da luta “contra o fortalecimento do
Estado laico, o avanço do protestantismo, a inércia do grupo católico e pela recondução da Igreja ao centro das decisões
políticas nacionais”. Para essa missão, contou com o apoio de Jackson de Figueiredo, criador da revista “A Ordem”, em
1921, e do “Centro Dom Vital”, em 1922 (PEREIRA, 2015). Em 1931, o Centro Dom Vital, já sob direção de Alceu
Amoroso Lima, decidiu “estudar as possibilidades de uma organização do operariado católico brasileiro em sindicatos
profissionais informados pelo espírito da doutrina social da Igreja”. Os projetos elaborados por uma comissão do Centro
Dom Vital foram submetidos à aprovação do Cardeal Leme e, a partir disso, foi fundada a Confederação Nacional dos
Operários Católicos (CNOC) (A Ordem, n.º 33, novembro 1932). Em 1937 foi fundado, como “associação coligada” do
Centro Dom Vital, o “Secretariado Econômico Social”, ao qual a CNOC ficou agregada. A direção do Secretariado coube ao
padre jesuíta Leopoldo Brentano (Boletim da Coligação Católica Brasileira, ano IV, n.º 12, Dezembro de 1937). Em 1932,
241

mãos de mais hábeis ou mais felizes esta obra de defesa social. A Liga de Defesa
Nacional, chefiada por este ilustre sábio e grande patriota que é o Professor Fernando
Magalhães337, assim como este ativo patriota e homem de bem que aprendi a conhecer
na pessoa do eminente chefe da Delegação do Brasil à Conferência do Desarmamento,
o sr. Embaixador José Carlos de Macedo Soares, demonstraram vivo interesse para esta
questão (Ofício nº 33, 09/03/1934. Itálicos meus).

De fato, Macedo Soares assumiu, com o mesmo fervor de Raul do Rio Branco, a linha de frente
da luta anticomunista no Brasil, estabelecendo contatos frutíferos e duradouros com a EIA, a partir de
1932338. Diferentemente daquele diplomata, que vivia há décadas na Suíça, Macedo Soares se
encontrava em condições de liderar essa cruzada no país, sem depender da boa vontade do governo de
turno. Fosse em São Paulo, onde sempre esteve envolvido com as principais instituições e iniciativas da
ele tinha dado início à fundação de círculos operários no Rio Grande do Sul. Quando Alceu Amoroso Lima conheceu sua
obra, sugeriu ao Cardeal Leme que convocasse Brentano para o Rio de Janeiro, a fim de realizar um trabalho em nível
nacional. A partir desse chamado, em 1937 o padre jesuíta promoveu o Primeiro Congresso Nacional Circulista. “Do Rio de
Janeiro, o Pe. Brentano comandou a difusão dos Círculos Operários por todo Brasil, integrando ao movimento circulista
inúmeras iniciativas dispersas de assistência aos trabalhadores, especialmente no Rio, São Paulo, Ceará e Belo Horizonte”
(ÁVILA, 1991, p. 55 e 82). Sobre os Círculos Operários, ver SOUSA (2002).
337 Em 1933, Rio Branco comunicou ao ministro das Relações Exteriores que tinha participado da reunião anual dos
representantes dos centros anticomunistas da EIA: “Desde o início, assisti regularmente a estas sessões a título privado,
visto como os nossos sucessivos governos pareciam desinteressar-se completamente destas questões. Este ano, julgando-me
autorizado pelo interesse recentemente demonstrado pelo governo da nossa regeneração política, e atendendo à ação da Liga
de Defesa Nacional [ver FICHA em anexo], cujo presidente me fizera a honra de apelar para a minha colaboração, julguei
que era do meu dever acompanhar os trabalhos desta sessão, com maior razão ainda do que antes. Fi-lo desta vez no meu
caráter oficial de Ministro do Brasil na Suíça” (Ofício nº 28, 12/10/1933).
338 Durante a Conferência do Desarmamento, Macedo Soares organizou uma reunião com os representantes da América
Latina presentes em Genebra, na qual Théodore Aubert teve a oportunidade de lhes apresentar as preocupações da EIA com
as ações do Comintern na América Latina. A pedido de Macedo Soares, Aubert redigiu um memorial com o objetivo de
demonstrar a urgência de um acordo intergovernamental contra a “intervenção soviética” (LODYGENSKY, 2009, p. 328;
Carta de Aubert para Macedo Soares, 28/05/1932). É possível que esse encontro tenha impressionado os latino-americanos.
Em maio de 1932, o diplomata Alberto Jorge de Ipanema Moreira, embaixador no Peru (entre 1931 e 1936), informou ao
Itamarati que tinha sido chamado ao Ministério das Relações Exteriores peruano de onde foi informado que o governo
queria “reunir em Lima, quanto antes, uma Conferência de Representantes das Repúblicas sul-americanas para combinar
medidas uniformes de prevenção, perseguição e repressão do comunismo” (Ofício nº 45, 14/05/1932). A ideia, contudo, não
era nova. Em 1930, Jorge Latour, embaixador do Brasil em La Paz, na Bolívia, enviou ao Itamarati um projeto de
convenção, não aprovado, que teria sido concebido pelas Chancelarias de La Paz e Santiago, “parece que com o
conhecimento de Lima”. Latour defendia a necessidade de “entendimento com outras chancelarias sul-americanas para uma
ação comum contra a infiltração audaciosa do bolchevismo”, que estaria se “implantando fortemente em todas as
Repúblicas jovens” da América Latina. E afirmava: “Já é por demais evidente a organização e propaganda do comunismo,
dirigida pela Terceira Internacional com dinheiro de Moscou, para que me detenha em tal assunto. No que convém insistir é
na necessidade de empregar meios mais amplos do que a simples repressão policial, atualmente o único adotado. Nem a
Sociedade das Nações, nem os Governos das grandes potências, nem outra qualquer organização internacional, oficial ou
particular (as que existem são meramente platônicas) conceberam um sistema racional e amplo de combate ao comunismo
e aos seus métodos” (Ofício nº 293, 08/11/1930). Em julho de 1932, Aubert enviou a Macedo Soares um projeto de Tratado
Internacional, que teria sido solicitado por este último: “Eu não afirmo ter sido capaz de elaborar um modelo de tratado; eu
pensei que seria especialmente útil para você ter um texto cobrindo tanto quanto possível todos os elementos da ação
bolchevique e indicando os meios que nos apareceram até agora como os mais eficazes para combatê-la oficialmente e no
plano internacional. Paralelamente, o trabalho não oficial ou privado de propaganda é obviamente indispensável" (Carta,
07/07/1932).
242

burguesia paulista no campo ideológico, fosse no Rio de Janeiro, onde viria a ocupar, nas décadas
seguintes, cargos no governo e em outras instituições de relevância nacional (ver sua FICHA em
anexo), Macedo Soares encontraria inúmeros apoiadores para sua ofensiva anticomunista 339. Ao seu
lado, Odette de Carvalho e Souza estaria constantemente presente.
Filha do cônsul brasileiro em Genebra, Carlos de Carvalho e Souza, que mantinha contato com
a EIA por recomendação de Raul de Rio Branco (LODYGENSKY, 2009, p. 326), Odette foi nomeada
arquivista da delegação brasileira à Conferência do Desarmamento em 1932. Segundo Rio Branco, “ela
entrou em relações com Maitre Théodore Aubert” que fazia dela “o mais elevado conceito, assim como
fez o Exmo. Senhor Embaixador Macedo Soares, muito interessado também na obra de defesa do
Brasil contra o comunismo”. Macedo Soares, “tendo sabido apreciar o raro valor desta senhora, como
qualidade e capacidade de trabalho, encarregou-a de mantê-lo em contato com a ‘Entente’ de Genebra”
quando ele retornou ao Brasil, no final de 1932 (Ofício nº 24, 09/07/1933).
Voltando a São Paulo logo depois da Revolução Constitucionalista (julho-outubro de 1932),
Macedo Soares integrou a Chapa Única por São Paulo Unido. Composta por 22 candidatos, a chapa foi
organizada pelas forças políticas paulistas tradicionais para concorrer às eleições para a Assembleia
Nacional Constituinte, que seria instalada no final de 1933. Ao mesmo tempo, Macedo Soares ajudava
a EIA a abrir espaços para sua atuação no Brasil, com a criação da Cruzada Nacional Anticomunista
(CNA – ver FICHA em anexo) em janeiro de 1933. Não está claro se ele participou da organização da
Cruzada, mas não há dúvidas de que a apoiou340.
Depois de eleito deputado, Macedo Soares foi nomeado, em julho de 1934, ministro das
Relações Exteriores do governo constitucional de Getúlio Vargas (1934-1937), eleito indiretamente
pelos constituintes. Ele trouxe Odette de Carvalho e Souza de Genebra, onde ela estava colaborando
com a EIA, para trabalhar na secretaria do Ministério 341. Em novembro de 1934, dando continuidade às
ideias que já tinham sido discutidas em 1932 por Macedo Soares e Théodore Aubert, o secretário geral

339 Não há dúvida de que, entre esses aliados, estavam também alguns representantes da igreja católica. Segundo Rosa
(2011), Macedo Soares tinha uma relação bastante próxima com o Cardeal Sebastião Leme.
340 Boris de Pothiekin, em carta escrita para Théodore Aubert, informou que havia conversado com Macedo Soares, a
quem teria pedido ajuda, no dia em que ele tinha visitado a Cruzada (Carta, 16/01/1933). Além disso, o órgão oficial da
Cruzada, um semanário intitulado A Bandeira, em sua primeira edição, afirmou que o seu programa tinha sido “traçado por
S. Exa. o dr. Macedo Soares, em Genebra, quando, durante a conferência sobre o desarmamento, reuniu, no seu domicílio,
todos os diplomatas e conselheiros técnicos dos países sul-americanos, para demonstrar, depois de largo estudo sobre a
propaganda comunista nos países da América Latina, que não somente era dever de todos ficarem de sobreaviso,
especialmente os governos, mas que se devia organizar uma contraofensiva enérgica” (A Bandeira, 26/01/1933).
341 Inicialmente ela foi contratada como arquivista de 3ª classe. Em fevereiro de 1936, se tornaria cônsul de 3º classe. Em
1956 seria promovida a ministra de primeira classe, se tornando a primeira embaixadora do Itamaraty e primeira
embaixadora de carreira do mundo (FRIAÇA, 2018).
243

do MRE enviou ao consultor jurídico do Ministério um projeto de acordo internacional contra o


comunismo. Seu teor era seguinte:

(…) As altas partes contratantes, considerando: Que os órgãos executivos da


Internacional Comunista, o Governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e
seus agentes estão rigorosamente submetidos aos Estatutos da Internacional
Comunista, e visam, em território dos outros Estados, a execução do programa adotado
pela Internacional Comunista no seu 6º Congresso mundial, realizado em Moscou em
1928; (…) Que os partidos e organizações comunistas dos países vizinhos se auxiliam
mutuamente de modo permanente; (…) Convém: I - Em prestar-se, mutuamente,
auxílio e apoio para a execução dos dispositivos legislativos previstos a seguir (…) e
exequíveis mediante acordos de aplicação judiciária e policial; em estabelecer, para
esse fim, uma estreita ligação entre os respectivos órgãos de cada Estado, coordenar
suas atividades e comunicar entre si todas as informações relativas à ação dos agentes
da I.C. e da U.R.S.S. II – Em não estabelecer relações diplomáticas ou comerciais com
a U.R.S.S.; em tomar medidas necessárias para eliminar em seus respectivos Estados
todo comércio de importação ou exportação com os Soviets. (…) IV – Em introduzir
nas suas respectivas legislações as disposições necessárias para que: a) Sejam punidos
pela lei: 1. A propaganda comunista ou em favor da U.R.S.S., considerando-a
ameaçadora para a segurança do Estado. 2. Os atos preparatórios dos crimes e delitos
contra o Estado, incorrendo na mesma pena que a própria infração ou tentativa. 3. Os
atos preparatórios, a tentativa e a execução de crimes e delitos, cometidos no
estrangeiro ou contra o Estado legislador, ou no território deste Estado contra um
Estado estrangeiro. b) Sejam extraditados, a pedido do Estado contratante, os autores
de atos preparatórios, tentativa ou execução de crimes e delitos, cometidos para a
execução do programa ou dos Estatutos da I.C., ou em virtude de decisões de órgãos da
I.C. ou da U.R.S.S. C) Seja declarado incompatível com a qualidade de membro ou
aderente de um grupo afiliado à I.C. ou à U.R.S.S., o mandato de magistrado ou de
funcionário público (Ofício Moniz de Aragão, 11/10/1934)342.

342 O setor de Serviços Políticos e Diplomáticos do Itamaraty, que também foi consultado sobre o projeto, fez a seguinte
análise: “(…) Chamado a opinar (…) sobre o Projeto Sintético de tratado a ser oferecido pelo Governo brasileiro aos demais
governos da América, os Serviços Políticos e Diplomáticos, pesando bem a responsabilidade que lhes incumbe ao emitir sua
opinião a respeito, pedem licença para divergir do mesmo. (…) julgamo-lo inexequível e talvez mesmo imprudente. Ainda
há pouco, a 17 de Setembro passado, por 38 votos contra 3 e 7 abstenções era aprovada a entrada da U.R.S.S. para a Liga
das Nações. (…) nenhum país americano votou contra, 5 se abstiveram e 8 votaram a favor. Diante do exposto, será lícito
esperar que esses mesmos países (…) possam aderir a um pacto que é uma verdadeira declaração de guerra a uma grande
potência, cuja presença, no mais ilustre cenáculo do mundo, foi considerada indispensável. Poderão esses países adotar em
Genebra uma política e fora de Genebra outra política? (…) E o que dizer dos países que como os Estados Unidos da
América e o Uruguai mantêm relações diplomáticas com a U.R.R.S? (…) Não nos parece possamos tirar nenhum proveito,
procurando criar e liderar no Continente uma corrente antimarxista. Achamos, entretanto, que a nossa atividade nesse
sentido se deve exercer em um raio de ação mais modesto, porém muito mais eficaz pelo combate das doutrinas extremistas
dentro do nosso território (…). O que devemos fazer é impedir, por todos os meios ao nosso alcance, que a propaganda
bolchevista se faça, sob as nossas vistas tolerantes, na imprensa, no parlamento, na cátedra das escolas e universidades.
(…)” (Ofício de Carlos da Silveira Martins Ramos, 03/11/1934).
244

Nos meses subsequentes, o Itamaraty esteve envolvido nos trabalhos de elaboração da Lei de
Segurança Nacional (ver FICHA em anexo), sancionada em abril de 1935, participou da campanha
contra a Aliança Nacional Libertadora, “previu e preveniu as autoridades competentes, com a devida
antecedência”, sobre a “revolução comunista” de novembro de 1935 e a presença de Luís Carlos
Prestes no Brasil343. De acordo com Hilton (1986, p. 151-152), no início de dezembro de 1935, quando
o representante diplomático da Alemanha no Brasil, Arhur Schmidt-Elskop, procurou o ministro
Macedo Soares para “se congratular com ele pela vitória sobre os rebeldes” comunistas, este último
informou que

Pretendia incumbir Moniz Aragão 344 de entrar em contato com os órgãos alemães
apropriados para conseguir material sobre as “maquinações comunistas”, uma ideia
que Berlim resolveu estimular. Quando Moniz chegou a Berlim, estabeleceu, de fato,
contato com a Gestapo [Geheime Staatspolizei, polícia secreta nazista criada em 1933],
que começou a lhe fornecer informações sobre atividades e planos do Comintern em
relação ao Brasil – ou pelo menos o que achava serem planos do Comintern. (…) O
Führer [Adolf Hitler] deu sua bênção a essa colaboração quando conversou com Moniz
após a cerimônia de entrega de credenciais no dia 29. Referindo-se “às vantagens da
organização mundial de uma entente defensiva contra a invasão rubra de Moscou”,
Hitler declarou que a experiência da Alemanha no ramo poderia ser de utilidade ao
Brasil e que este país teria “o seu mais decidido apoio” a esse respeito. Foi fácil então
para o diplomata brasileiro combinar com a Gestapo a transmissão regular de
informações ao Brasil sobre as atividades do Comintern. “No sentido de poder enviar a
Vossa Excelência informações seguras para melhor podermos estabelecer aí a nossa
defesa contra o comunismo, já obtive uma ligação com a Geheime Staatspolizei e com
os elementos da organização alemã à qual está afeta a repressão da propaganda da III
Internacional neste país” [o Antikomintern], escreveu Moniz para Macedo Soares em 4
de fevereiro. “De ambas obtive promessa de que me seriam fornecidos todos os
elementos de informação no que se refere ao trabalho comunista no Brasil e na
América do Sul”345.

343 Conforme Odette de Carvalho e Souza, o Itamaraty: “(…) colaborou nos trabalhos de elaboração da Lei de Segurança
Nacional, sancionada em 4 de abril de 1935, e teve sua atuação elogiada pelo relator da Lei na Câmara, deputado Henrique
Bayma [da bancada paulista]; (…) ajudou a desmascarar “em tempo oportuno” as verdadeiras intenções daquele
“pretendido partido político” [Aliança Nacional Libertadora]” (Memorial, 28/01/1936). Para maiores detalhes sobre a ANL
e sobre a participação do Itamaraty, sob comando de Macedo Soares, e dos demais representantes da burguesia paulista na
articulação das ações repressivas de 1935-1936, ver FICHA sobre a Lei de Segurança Nacional em anexo.
344 José Joaquim de Lima e Silva Moniz de Aragão começou a trabalhar no Itamaraty em 1908, como auxiliar de gabinete
do ministro das Relações Exteriores, Barão do Rio Branco. Entre 31 de julho e 06 de novembro de 1934 foi secretário geral
interino do MRE e em dezembro de 1935 assumiu a chefia da legação brasileira em Berlim, elevada a embaixada em 1936.
Moniz Aragão permaneceu na Alemanha até outubro de 1938. Foi substituído por Cyro de Freitas Valle, que ficou no posto
entre agosto de 1939 e janeiro de 1942.
345 Maiores detalhes sobre o papel do Itamaraty na repressão ao movimento comunista de 1935, ver FICHA em anexo.
245

Hilton (1986, p. 157-159) afirma que, no início de 1936, Moniz Aragão discutiu com altos
funcionários do ministério das Relações Exteriores da Alemanha a ideia de um entendimento entre a
Gestapo e o Polícia Política do Distrito Federal, posteriormente informando ao Itamaraty que

Autoridades policiais nazistas haviam abordado a possibilidade de um “acordo secreto”


com o DOPS, visando o combate mais eficiente ao comunismo. Sugeriram, inclusive,
que o Rio de Janeiro aproveitasse os Jogos Olímpicos para colocar em sua delegação
desportiva “alguns agentes secretos de nossa polícia e de confiança do nosso Governo,
a fim dos [sic] mesmos entrarem em contato com a Gestapo e verificarem como é feito
na Alemanha o serviço de defesa da ordem pública e social (...)”, informou Moniz. (…)
No Rio de Janeiro havia (…) uma crescente receptividade [à ideia de um acordo entre
as polícias]. Em setembro [de 1936], Filinto Müller [Chefe de Polícia do Distrito
Federal] fez uma visita ao embaixador Schmidt-Elskop (…). Müller declarou ao
diplomata alemão que a colaboração anticomunista deveria ser ainda mais íntima e
sugeriu que a Gestapo enviasse um especialista ao Rio de Janeiro para trabalhar com a
polícia carioca “e eventualmente também com as autoridades policiais argentina e
uruguaia”346. Aparentemente, a Gestapo não enviou o agente pedido por Müller 347, mas
Berlim resolveu convidar o capitão Miranda Correia, chefe do DOPS [da DESPS], para
visitar a Alemanha348. Schmidt-Elskop endossou a medida com entusiasmo, avisando o
Auswärtiges Amt [Ministério das Relações Exteriores da Alemanha] de que esse oficial
do Exército sempre se mostrara “enfaticamente amistoso em relação à Alemanha e
compreende e saúda a nossa atitude antissemita”. (…) Em um aviso ao Auswärtiges
Amt, Moniz de Aragão explicou a missão do capitão. “O capitão Miranda Correia
346 De acordo com Cancelli (1994, p. 87-88), “os serviços que o tenente-capitão Cláudio Alvarenga vinha prestando na
Embaixada de Berlim, junto à polícia alemã, eram insuficientes para ambos os lados, já que o capitão desconhecia em
detalhes os serviços de informação e o combate ao comunismo”.
347 Conforme Rose (2001, p. 95), o envio de um representante oficial da Gestapo ao Brasil, como desejava Müller, foi
rejeitado pelo Palácio do Catete, ou seja, pelo governo brasileiro.
348 Entre maio de 1933 e fevereiro de 1937, quando foi exonerado a pedido, o capitão Affonso Henrique de Miranda
Correia (ou Correa), esteve à frente da Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS), criada em janeiro de
1933. A delegacia era subordinada ao Chefe de Polícia do Distrito Federal (que entre abril de 1933 e julho de 1942 foi o
capitão Filinto Müller). Miranda Correia esteve diretamente envolvido com as prisões das lideranças comunistas no final de
1935 e início de 1936, sendo apontado por Rose (2001, p. 97) como um dos principais torturadores de Arthur Ewert (que
nunca se recuperou dos maus tratos sofridos na prisão). De acordo com Magalhães (2012), o advogado Heráclito Sobral
Pinto chegou a invocar a Lei de Proteção aos Animais para tentar “estancar a covardia contra o alemão”. Miranda Correia e
seu colega Francisco Julien tinham boa relação com a embaixada norte-americana no Brasil, que tinha pleno conhecimento
dos métodos aplicados pela polícia brasileira. “Descrevendo Miranda Correia e Julien como ‘dois jovens extrem[mente]
capazes’, o embaixador norte-americano quis que seu governo recompensasse esse dois capitães do DOPS pelos serviços
prestados à Embaixada dos Estados Unidos (…). Como explicou o embaixador, esses oficiais haviam ficado ‘tão
convencidos da importância essencial de seus esforços em rastrear as atividades comunistas que, à falta de recursos oficiais
disponíveis, muitas vezes haviam penhorado objetos de sua propriedade para poder continuar’. (…) O embaixador Gibson
instava o Departamento de Estado a dar, tanto a Julien quanto a Miranda Correia, ‘o máximo de estímulo possível’ (isto é,
providenciando para que visitassem os Estados Unidos) (...)” (HUGGINS, 1998, p. 54-55). Rose (2001, p. 95) afirma que
Julien e Miranda Correia foram convidados pelo governo norte-americano a visitar o país, “mas o único que viajou foi
Julien, que visitou a Academia do FBI em Washington, além dos departamentos das polícias de Chicago e da cidade de
Nova York”. Contudo, segundo Cancelli (1994, p. 88), Miranda Correia viajou aos Estados Unidos nos primeiros meses de
1937, antes de seguir para a Alemanha, em março daquele ano. De acordo com Cancelli (1994, p. 90), naquele país ele seria
secretamente condecorado com a Ordem da Primeira Classe da Cruz Vermelha por Heinrich Himmler, comandante militar
da SS (Schutzstaffel). Sobre a viagem de Miranda Correia, ver também Seitenfus (2003).
246

estimaria poder estudar a organização do serviço de contraespionagem na Alemanha,


bem como os meios empregados pelo Exército alemão para combater a propaganda e a
infiltração comunista em suas fileiras”, declarou. “De uma maneira geral, o Governo
brasileiro estimaria que o capitão Miranda Correia pudesse estudar, durante sua estada
na Alemanha, tudo que diz respeito ao combate e desarticulação da propaganda
comunista”. Em meados de abril, ao final da estada de Miranda Correia na Alemanha,
o embaixador, extremamente satisfeito, participou ao Itamaraty o sucesso da missão.
“A Polícia Secreta preparou um programa especial de visitas e inspeções, tendo
franqueado (…) as suas instalações, mesmo as mantidas em sigilo, mostrando-lhe,
também, os seus sistemas, métodos e práticas especializados na luta anticomunista”,
escreveu. “Não faltaram visitas às Escolas de Polícia e de Tiro, aos fichários especiais
de espionagem e de contraespionagem, laboratórios para fabricação de documentos
falsos, passaportes, fotografias, tintas e carimbos”. Para Moniz, a missão especial do
policial brasileiro representava um grande passo no sentido de entendimento com a
Gestapo, desde muito por ele advogado. “Especializada, como certamente ela é, na
repressão ao comunismo e à espionagem, uma ação em comum com a referida
organização, orientada sobre bases seguras, não poderá deixar de produzir efeitos
sumamente benéficos na luta contra a ação vermelha no nosso país” 349.

349 Conforme Huggins (1998, p. 55), o “acordo internacional entre o Brasil e a Gestapo alemã para perseguir e capturar
‘indesejáveis’ políticos e monitorar ‘movimentos perigosos para o Estado’” tinha outros signatários: “o Serviço Secreto
Britânico e outras organizações de segurança europeias e latino-americanas”. Hugh Gibson, o embaixador norte-americano
no Brasil, tinha, segundo Huggins, “plena consciência da colaboração do governo dos Estados Unidos nesse acordo com a
Gestapo alemã, tanto quanto tinham, no Brasil, Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra (e, de 1946 a 1951, Presidente do
Brasil), Góes Monteiro, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas brasileiras [que poucos anos depois viria a representar
o Brasil no Comitê de Defesa Política do Continente contra a “infiltração nazista”, como visto anteriormente](…). [Em
1945] (…) o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Oswaldo Aranha – sem admitir plenamente a existência de tal
acordo – afirmou (...) que, no final da década de 1930, ‘as relações entre (…) [o Brasil] e a polícia nazista foram melhores
do que deveriam ter sido para os interesses do Brasil’” (Id., p. 56). Em 11 de setembro de 1945, Aguinaldo Boulitreau
Fragoso, encarregado de negócios da embaixada brasileira em Washington, procurou o Departamento de Estado para
perguntar se as autoridades em controle da Alemanha ou o governo norte-americano pensavam em dar maior publicidade ao
acordo secreto entre a Gestapo e a polícia política de treze nações para o combate ao comunismo e movimentos “perigosos
para o Estado”, cuja existência tinha sido denunciada pelo jornal Washington Star no dia anterior. Segundo o relato do
oficial com quem Fragoso conversou, o brasileiro “admitiu livremente que tal acordo, com efeito, existiu e se demonstrou
útil para as autoridades brasileiras”. Ele teria expressado o desejo de que as autoridades responsáveis não se sentissem
compelidas a publicar todos os detalhes do acordo, incluindo os nomes das autoridades brasileiras que participaram daquele
pacto, argumentando que tal publicidade não seria usada para nenhum propósito construtivo, mas apenas como munição
política na dura campanha presidencial que estava ocorrendo no Brasil. Fragoso afirmou que qualquer revelação de nomes
provavelmente envolveria o então Chefe de Polícia, Felinto Müller, e os generais Góes Monteiro e Gaspar Dutra. Ele
também informou que tal acordo provavelmente deveria ter recebido a aprovação pessoal do presidente Vargas, embora ele
não tivesse confirmação (he did not know for a fact) de que Vargas tenha sido consultado (Memorando, 11/09/1945).
Boulitreau Fragoso tinha entrado na carreira diplomática em 1934, mesmo ano em que se tornou oficial de gabinete do
ministro Macedo Soares (portanto, atuando ao lado de Odette de Carvalho e Souza). Em 1936 foi designado segundo
secretário da legação brasileira em Berna (Suíça). Em 1942 voltou a assumir o cargo de oficial de gabinete do ministro das
Relações Exteriores (que, nessa época, era Osvaldo Aranha). Em 1944 se tornou primeiro-secretário na embaixada de
Washington. Em 1946 passou a integrar a Comissão Consultiva de Emergência para a Defesa Política do Continente. Era
casado com Corina Efigêna Pessoa, filha do general Pantaleão Pessoa, que foi chefe do Estado-Maior do Exército entre
1935 e 1936 (Verbete biográfico CPDOC-FGV). Seu filho, João Carlos Fragoso, também se tornou diplomata. No final da
década de 1960, ele assumiu a diretoria executiva do CIEX, o Centro de Informações do Exterior, “estrutura clandestina
criada em 1966, no âmbito do MRE, para funcionar como serviço secreto voltado à busca encoberta de informação e
interlocução com os serviços de inteligência estrangeiros” que foi um dos “pilares da colaboração do MRE com o aparelho
repressivo” da ditadura (BRASIL, 2014).
247

Miranda Correia ficou à disposição do Ministério das Relações Exteriores até outubro de 1937.
Durante esse período, ele permaneceu na Europa, aprofundando o contato previamente estabelecido
pelo embaixador brasileiro com o Antikomintern, uma organização criada em 1933 e vinculada a
Joseph Goebbels, o infame ministro de propaganda nazista 350. Em novembro de 1936, Moniz Aragão já
tinha enviado um observador, o secretário Glauco Ferreira de Souza, à 1ª Conferência Internacional
Secreta Anticomunista, realizada em Feldafing, organizada pelo Antikomintern e outras organizações
anticomunistas europeias (ver FICHA da EIA). Ferreira de Souza, segundo o embaixador brasileiro,
acompanhou “todas as discussões travadas naquela reunião, que se revestiu da maior importância, tanto
pela natureza de seus trabalhos, como pelas diretrizes assentadas para combater a ação comunista
mundial”351.
Em maio de 1937, quando Miranda Correia entrou em contato com o Antikomintern,
informando que disporia de dois meses para se dedicar especificamente a essa organização
anticomunista, um de seus representantes registrou a opinião de que os anticomunistas europeus tinham
finalmente encontrado uma pessoa capaz de levar adiante a ideia de estabelecer um escritório ou
secretariado central anticomunista para toda a América do Sul e garantir também a participação de um

350 Presidida pelo escritor Adolf Ehrt, o Antikomintern apresentava-se publicamente como uma organização privada. Era,
contudo, submetida a uma divisão do Ministério Nacional para Esclarecimento Público e Propaganda do III Reich,
Abteilung Referat II, voltada ao combate do bolchevismo nas esferas doméstica e internacional. A divisão era dirigida por
Eberhard Taubert, um dos mais próximos colaboradores do ministro Joseph Goebbels. Seu objetivo era construir um
movimento internacional contra o bolchevismo sob a liderança da Alemanha. O Antikomintern não empregava agentes para
trabalhar no exterior nem estabelecia escritórios em países estrangeiros, mas buscava formar vínculos com agências e
organizações similares, através das quais pudesse disseminar sua propaganda. No início de 1935, a organização já possuía
uma extensa rede de conexões na Europa, tendo relações próximas com a organização de Théodore Aubert (ver FICHA da
EIA) (WADDINGTON, 2007, p. 99-101 e LAQUEUR, 1965, p. 176).
351 O relatório elaborado pelo representante brasileiro trazia as seguintes informações: “No Congresso do Partido Nacional
Socialista do Reich, realizado em Nuremberg em setembro desse ano, a Alemanha anunciou ao mundo a inauguração da
etapa definitiva da luta contra o comunismo, encarado sobre todos os seus aspectos, morais, materiais e internacionais. A
finalidade imediata do verbo marcial dos chefes da Alemanha foi, indubitavelmente, a de lançar um repto ostensivo aos
sovietes, a fim de produzir na França um efeito catalítico no pacto franco-russo, como também provocar uma entente com a
Itália, sob bases precisas e definidas, para a formação de uma frente única antissoviética no mundo. Pregou, assim, o Reich,
(…) a cruzada contra o comunismo, compreendida nessa acepção a influência endêmica e epidêmica desse flagelo mundial.
(…). A ideia da convocação da Primeira Conferência Internacional Secreta Anticomunista, realmente a primeira do gênero,
não é, pois, senão um corolário lógico da cruzada encetada pelo Reich. O órgão que estabeleceu as bases da sua realização,
seus fins e programa, é o Anti-Komintern de Berlin, o instituto oficioso alemão especializado em propaganda anticomunista,
que teve, como era de prever, o apoio e a cooperação das demais instituições que desenvolvem atividades análogas, a
Entente Internationale contre la IIIº Internacionale [EIA], a Comissão Pro-Deo, a União Mundial das Mulheres contra o
Bolchevismo e a Guerra, todas de Genebra, a Organização Anticomunista ‘National Herstel’, da Holanda, o Comitê
Anticomunista de Belgrado, a Liga Anticomunista, de Viena, o Instituto de Pesquisas Científicas sobre o Comunismo, de
Varsóvia, e a Liga Húngara para a Luta contra o Bolchevismo, de Budapeste. (…) Dezoito países enviaram delegações, a
saber: Alemanha, Argentina, Áustria, Bolívia, Brasil, Bulgária, Espanha, EUA, Holanda, Hungria, Itália, Japão, Noruega,
Polônia, Portugal, Suécia, Suíça e Iugoslávia”. A EIA e Comissão Pro-Deo, organizações com as quais Raul do Rio Branco,
José Carlos de Macedo Soares e Odette de Carvalho e Souza possuíam forte ligação, como já afirmado, foram representadas
na Conferência por Jacques Le Fort, Georges Lodygensky (Lodygensky Senior), Wladimir Lodygensky (Lodygensky
Junior) e René Henstch (Ofício n.º 359, 21/11/1936).
248

latino-americano no Congresso Mundial – cuja realização tinha sido debatida na conferência secreta de
1936 (Anotação, 05/05/1937)352.
No Brasil, Odette de Carvalho e Souza também trabalhava para que essas relações estabelecidas
com os europeus ajudassem a organizar a luta anticomunista na América do Sul. Um passo importante
tinha sido dado ainda no início de 1936, quando foi criado no Itamaraty o Serviço de Estudos e
Investigações (SEI). Em memorial elaborado para o ministro Macedo Soares, Carvalho e Souza
explicou os seus objetivos:

Cumprindo as ordens de Vossa Excelência, tenho a honra de expor os motivos que


militam a favor da criação de uma seção especial junto aos serviços do Itamaraty, para
tratar da obra de repressão ao comunismo, mediante o estudo especializado da doutrina
marxista, métodos de propaganda bolchevista, sua infiltração no nosso país e meios de
combatê-la de maneira prática e eficiente. Conquanto o trabalho de investigação
pareça, a primeira vista, de competência exclusiva da polícia, pode, entretanto, o
Itamaraty prestar, também sob aquele aspecto, relevantes serviços à ação policial,
conforme já tem comprovado múltiplas vezes. (…) (…) O Itamaraty mantém constante
e estreita ligação com as Instituições Internacionais incumbidas do combate ao
comunismo. São preciosas as informações que as mesmas prestam ao mundo inteiro,
podendo, assim, a seção especializada reunir e coordenar as mesmas, para transmiti-las
às autoridades mais diretamente interessadas, notadamente, à Polícia e aos Ministérios
militares. O mesmo deverá fazer com as informações que recebe das nossas missões
diplomáticas e consulares no exterior, bem como com as que lhe são fornecidas pelas
missões diplomáticas e consulares acreditadas junto ao nosso governo (Memorial,
28/01/1936).
352 Segundo Cancelli (1994, p. 89-90), Miranda Correia esperava que, depois dessa viagem à Alemanha, uma eventual
vitória de Armando Salles de Oliveira nas eleições presidenciais programadas para 1937, pudesse assumir o cargo de Filinto
Müller (Chefe de Polícia do Distrito Federal). Mas os planos podem ter sido modificados pela instauração do Estado Novo,
em novembro de 1937. Nesse mês, Miranda Correia voltou ao serviço ativo no Estado-Maior do Exército (EME), cujo chefe
era o General Góes Monteiro. Permaneceu no EME até outubro de 1938 (Diário Carioca, 26/10/1937; Verbete biográfico
CPDOC-FGV). Em 1939 foi identificado por R. M. Scotten, encarregado de negócios da embaixada norte-americana no
Brasil, como chefe do Serviço de Inteligência do Exército: “A polícia brasileira estabeleceu, através do capitão Miranda
Correia, o antigo chefe da seção anticomunista da polícia brasileira e atualmente chefe do serviço de inteligência do
exército, um trabalho de cooperação (a close working arrangement] com o Bureau anticomunista alemão [Antikomintern] e
está consequentemente bem informado sobre o assunto. Capitão Miranda Correia recentemente passou mais de um ano na
Alemanha, estudando seus arquivos e métodos. O capitão Miranda Correia confidencialmente relatou à embaixada sua
opinião de que o Comintern vai utilizar agentes comunistas norte-americanos em qualquer tentativa de reconstruir a
organização comunista neste país, em função da relativa facilidade com que os norte-americanos conseguem entrar no
Brasil” (Ofício n.º 1201, 15/03/1939). Em julho de 1944 integrou a Artilharia Divisionária (AD-1) da 1ª Divisão de
Infantaria Expedicionária (1ª DIE) da Força Expedicionária Brasileira (FEB), sendo designado chefe de polícia do
grupamento do general Osvaldo Cordeiro de Farias. Retornando ao Brasil em julho de 1945, permaneceu à disposição do
EME a partir de outubro seguinte. Entre março de 1946 e novembro de 1947 foi adido militar junto à embaixada brasileira
em Santiago do Chile. Em janeiro de 1949 tornou-se membro da comissão encarregada de elaborar o anteprojeto de
regulamento da Escola Superior de Guerra (ESG) – criada em outubro de 1948 com o envolvimento de seu amigo, o general
Cordeiro de Farias. Permaneceu na ESG entre outubro de 1949 e julho de 1952. Passou para a reserva em 1953. Quando
faleceu, em 1961, era general de Exército (Diário Carioca, 26/10/1937; Correio da Manhã, 22/07/1961; Verbete biográfico
CPDOC-FGV).
249

No início de 1937, quando Macedo Soares já não era mais o ministro das Relações Exteriores 353,
Carvalho e Souza, que permanecia como adida ao gabinete do ministro Mário de Pimentel Brandão 354,
informou a seus superiores que o SEI tinha começado a funcionar, sob sua chefia, em fevereiro de
1936. Desde então, tinham se multiplicado “os serviços prestados pelo Itamaraty à causa
anticomunista”. Essa afirmação poderia ser atestada por Macedo Soares, por Hildebrando Accioly –
ex-chefe dos Negócios Políticos e Diplomáticos, que tinha se tornado Secretário Geral do MRE –,
assim como pelas autoridades militares e policiais (Ofício, 18/01/1937) 355. À frente do SEI, Carvalho e
Souza tinha participado do I Congresso dos Secretários de Segurança Pública e Chefes de Polícia,
organizado por iniciativa do ministro da Justiça, Vicente Rao. Realizado entre 20 de outubro e 05 de
novembro de 1936, no Distrito Federal, pouco tempo depois da deportação de Olga Benário e Elise
Ewert para a Alemanha, o encontro debateu temas como a entrada e expulsão de estrangeiros do Brasil,
repressão à propaganda extremista, intercâmbio de informações entre as polícias estaduais, etc.
(SETEMY, 2013).
Em junho de 1937, quando Macedo Soares assumiu o ministério da Justiça e Negócios
Interiores356, Odette de Carvalho e Souza foi posta a sua disposição, atuando como sua secretária e
auxiliar de gabinete. Durante o curto período de sua gestão naquele Ministério (junho a novembro de
1937), Macedo Soares criou mais um Serviço de Estudos e Investigações (SEI) – sobre o qual não
sabemos maiores detalhes357. O ministro e Odette ainda trabalharam para a criação da Defesa Social
Brasileira (DSB), uma “entidade apolítica”, cujo objetivo, conforme seu estatuto, era “defender a
353 A saída de Macedo Soares do Ministério das Relações Exteriores esteve relacionada às pretensões presidenciais de
Armando Salles de Oliveira (ver FICHA de Macedo Soares).
354 Pimentel Brandão tinha sido Secretário Geral do MRE na gestão de Macedo Soares. Assumiu interinamente o cargo de
ministro no final de 1936 e foi efetivado em 31 de agosto de 1937. Em março de 1938, deixou a chefia do Itamaraty para
assumir a embaixada brasileira nos Estados Unidos, em uma troca de postos com Osvaldo Aranha. Atuou, em dois períodos
distintos, junto à Comissão Consultiva para a Defesa Política do Continente, em Montevidéu. Foi embaixador na Espanha
entre 1944 e 1946 e na União Soviética, entre 1946 e 1947 (Verbete biográfico CPDOC-FGV).
355 Para maiores informações sobre o Serviço de Estudos e Investigações do Itamaraty, ver Hilton (1991), Negrão (2005) e
Setemy (2013).
356 Conforme anotações de Getúlio Vargas em seu diário, em 1937 ele ofereceu novamente a Macedo Soares o cargo de
ministro das Relações Exteriores, mas este declinou o convite. Vargas registrou ter lhe acenado com a pasta da Justiça, “que
não lhe desagradou, embora parecesse que na do Trabalho poderia fazer mais política do que na outra” (VARGAS, Getúlio.
Diário. Rio de Janeiro: FGV, 1995, v. 2, p. 48-49 apud CAMARGO, 2008)
357 Essa informação foi retirada de um documento que possivelmente foi escrito por Odette de Carvalho e Souza, intitulado
“A atuação do ministro Macedo Soares na obra de repressão ao comunismo”, arquivado no acervo do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) do Rio de Janeiro. Tal documento afirma que Macedo Soares foi, “sem dúvida, um dos
nossos homens públicos que melhor compreendeu o perigo comunista, tendo tomado, a devido tempo, medidas capazes de
exercer uma obra preventiva eficiente”. E transcreve um trecho do Relatório Geral apresentado na XIº Conferência da
Entente Internacional Anticomunista (EIA), realizada em Genebra, em maio de 1937, o qual se referia ao brasileiro: “Nós
gostaríamos de aproveitar esta ocasião para fazer uma homenagem ao Sr. M. Soares, ex-ministro das Relações Exteriores do
Brasil, que foi um dos pioneiros, não apenas da ação anticomunista em seu país, mas também da ação intergovernamental
que recentemente se desenhou por todo o continente”.
250

sociedade e a Constituição da República e combater, intensa e extensamente, o anarquismo e o


comunismo no Brasil” (Estatutos, 1937). Na reunião realizada para sua constituição, que ocorreu no
final de agosto de 1937, no edifício do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, foram empossados
os membros de seu conselho diretor. Eram eles: o ministro José Carlos de Macedo Soares, capitão
Filinto Müller (Chefe de Polícia do Distrito Federal), General Estevão Leitão de Carvalho (que era
então primeiro sub-chefe do Estado-Maior do Exército, chefiado pelo General Góes Monteiro),
Almirante Álvaro de Vasconcellos (presidente do Clube Naval), Capitão de Mar e Guerra Jorge
Dodsworth Martins, Major Edmundo Macedo Soares e Silva, Dr. José Duarte, Dr. Oscar Sant’Anna,
Capitão Severino Sombra e Odette de Carvalho e Souza (Ata, 30/08/1937) 358. Segundo o almirante
Álvaro de Vasconcellos,

A fundação da Defesa Social Brasileira foi encaminhada pelo eminente dr. José Carlos
de Macedo Soares, ministro da Justiça, que aceitou, com entusiasmo, a ideia recebida
de um grupo de patriotas conhecedores da existência em outros países de organizações
com fins idênticos – o combate à infiltração e ao terrorismo comunista – organização
destinada à defesa da sociedade e a auxiliar ao governo, quando necessário, na
manutenção da ordem e da paz da família brasileira, teve logo o apoio decidido dos
dois ilustres ministros militares, general Eurico Dutra e almirante Henrique Guilhem, o
que explica a presença de seis militares no seu conselho diretor, além do operoso sr.
capitão chefe de Polícia, que, de início, percebeu as possibilidades e vantagens da nova
instituição na tarefa de repressão ao comunismo. (…) (…) O combate será dado
continuamente; com as armas da inteligência, por uma incessante propaganda contra o
comunismo (…); (…) por um trabalho educacional (…); e, também, se necessário, o
combate será dado materialmente, quando o monstro pretender atemorizar a
população, impedindo que esta se deixe dominar pelo pânico e que os civis,
apavorados, se recolham e deixem o campo livre aos terroristas nos lugares em que a
ação do governo não possa, no primeiro momento, retomar a ordem; para essa sorte de
combate, a Defesa Social Brasileira pretende estender sua atividade a todos os núcleos
populosos do Brasil, fazendo com que, por meio de suas filiais, se congreguem, para
oportunamente, com diretrizes previamente fixadas, possam ficar aptos à repressão
violenta de qualquer tentativa de irrupção comunista, auxiliando as forças militares e
as policiais, cujos encargos naturais não lhes permitirão acudir prontamente à defesa
dos núcleos residenciais. O combate intelectual será preparado e levado a efeito por um
conselho técnico359 (…); os planos para o combate material, assim como sua execução,
358 O Almirante Álvaro Rodrigues de Vasconcellos, o General Estevão Leitão de Carvalho e o Major Edmundo Macedo
Soares e Silva, primo de José Carlos, fizeram parte da delegação brasileira à Conferência do Desarmamento, realizada em
Genebra, em 1932 (Diário Carioca, 12/01/1932). Como visto anteriormente, foi nessa oportunidade que Macedo Soares se
aproximou da EIA. Provavelmente, todos os membros da delegação tiveram a oportunidade de conhecer a organização
anticomunista suíça.
359 O conselho técnico era composto por: “General João Cândido Pereira de Castro Júnior, dr. Edmundo de Miranda
Jordão, dr. Rodrigo Octavio Filho, dr. Maurício Joppert, dr. Elmano Cardim, dr. Ricardo Xavier da Silveira, dr. Mário Paulo
de Britto, dr. Carlos Maul, dr. Bastos Tigre, dr. Octavio Rocha Miranda, cap. de mar e guerra Armando Trompowsky, comte.
Braz Velloso, comte. Edmundo Muniz Barreto, dr. Stanley Gomes, professor Ignacio Azevedo Amaral, comte. Zenithilde
251

estão a cargo de uma Junta Executiva (…) constituída (…) por elementos de grande
capacidade técnica para essa espécie de combate 360. Nos estados já está a defesa
começando a organizar as Juntas Executivas, com o mesmo objetivo que tem a do Rio,
que não impedirá, porém, que com elas funcionem centros de propaganda intelectual
(Diário Carioca, 30/10/1937, itálicos meus)361.

Um documento de setembro de 1937 explicava com maiores detalhes a proposta de atuação da


entidade:

A DSB, para atender ao fim precípuo de sua criação (…) terá sua ação enquadrada por
dois grandes planos, cujas linhas gerais serão desde já traçadas. (…) II) Objetivos dos
planos de ação. 1) Plano de ação O. (ofensivo) (…) Visa (…), inutilizando ou
neutralizando todos os esforços preparatórios de futura ação comunista ou anarquista,
destruir, ao máximo, as possibilidades de execução de um golpe daquelas correntes
destruidoras da nacionalidade. A perfeição deste plano e sua eficiente execução
constituirão as melhores garantias para reduzir o sacrifício, que o plano D (defensivo)
obrigatoriamente terá que exigir da Pátria. 2) Plano de ação D (defensivo): Este plano
visa a reação imediata e fulminante a qualquer golpe comunista ou anarquista, assim
que o mesmo tenha começado. Não permitindo que os comunistas ou anarquistas,
lançando terror nas cidades e vilas, reduzam à inação as suas pacíficas populações, a
fim de lhes ser possível, com pequenas porém ativíssimas minorias, conquistar o poder
e nele se consolidar, este plano tem como escopo: a) evitar o pânico nas populações das
cidades de vilas; b) permitir que as mesmas possam, sob comando e à mão armada,
reagir contra o terror espalhado pelos comunistas ou anarquistas; c) permitir que essa
reação possa durar o tempo necessário à intervenção das forças militares e policiais
fieis ao regime; d) permitir que as populações possam ajudar as forças militares e
policiais na tarefa de dominar a mazorca, pondo à disposição das mesmas fortes
contingentes de populares instruídos na técnica de combates no interior de localidades;
e) pôr elementos selecionados à disposição das autoridades para, depois de dominada a
mazorca, facilitar-lhes o rápido restabelecimento da normalidade. III) Plano de ação O.
(ofensivo). Para se atingir o fim proposto (…), este plano abrangerá: (…) c)

Magno Carvalho, dr. Jonathas Serrano, dr. Alceu Amoroso Lima, padre Leonel da Franca, prof. Barbosa de Oliveira, dr.
Hamilton Nogueira, dr. Mario de Andrade Ramos, dr. Luiz Augusto do Rego Monteiro, dr. Antonio Ferreira Braga, major
Raul Pinto Seidl, prof. Francisco de Avellar Figueira de Mello, dr. Gudesteu Pires, dr. Benjamin do Monte, desembargador
Edgard Costa, dr. Cesar Garcez, coronel Genzerico Vasconcellos, dr. Raul Machado, dr. Mario Alves, dr. Frederico de
Barros Barreto, comte. Alberto Lemos Bastos, dr. Armando Vidal, d. Stella Faro, d. Maria Eugenia Celso, dr. Jorge
Guimarães Sant’Anna” (Diário Carioca, 21/10/1937)
360 A junta executiva tinha os seguintes membros: “General Azeredo Coutinho, cap. de mar e guerra Aarão Reis, prof.
Dulcídio de Almeida Pereira, ten. cel. J. B. de Magalhães, cap. Castro e Silva, major Roberto Carneiro de Mendonça, comte.
J. Maria Magalhães de Almeida, cel, Costa Netto, comte. Benjamin de A. Sodré, cap. Miranda Corrêa [que estava
retornando da Alemanha], comte. Attila Aché, dr. Francisco Eduardo Magalhães, ten. cel. Isauro Regueira, dr. delegado
especial da Ordem Política e Social e cel. Ary Pires” (Diário Carioca, 21/10/1937, itálicos meus).
361 Um organograma desenhado a mão indicava que o conselho técnico, órgão de estudos, era composto por uma
secretaria, uma tesouraria e quatro centros: de propaganda e contrapropaganda, de informações, de estudos e de cooperação.
A junta executiva também tinha três centros, além de uma tesouraria e uma secretaria. Eram eles: centro de propaganda e
contrapropaganda, centro de investigações e sindicância e centro de defesa (Organização da Defesa Social Brasileira, 1937).
252

Sistematizado e racional funcionamento de um serviço de informações, o qual também


comportará espionagem e contraespionagem, a fim de: (…) 3) colher em suas malhas o
maior número de comunistas e anarquistas comungantes ou meramente simpatizantes,
e mantê-los sob severa e constante vigilância, que traga a DSB continuamente ao
corrente do andamento da preparação de golpe comunista ou anarquista 362. d)
Utilização de todos os meios de busca para a colimação dos fins propostos na letra c
acima, devendo, sempre que possível, ser aproveitadas as informações que os serviços
congêneres federais, estaduais e municipais queiram fornecer; e) Formação de células
em todas as repartições públicas e grandes estabelecimentos privados (particularmente
industriais, fabris e escolas), destinadas à vigilância e neutralização de elementos
comunistas, anarquistas ou suspeitos de tais, que neles estejam vivendo; f) Preparação
e instrução dos elementos populares da DSB de aptidão física, para o combate de ruas;
g) Organização da DSB, que permita a execução da letra f acima (vide esquema anexo)
[não localizado]. IV- Plano de ação D. (defensivo) (…) este plano compreenderá 3
partes essenciais e distintas: 1ª – Defesa das residências; 2ª - Defesa dos
estabelecimentos públicos e privados que constituam, por sua natureza (banco, usina,
fábricas, telégrafos, correios e estações de rádio, garagens, estações ferroviárias,
depósitos de materiais diversos, internatos colegiais, igrejas, etc.) objetivos certos de
assaltos comunistas ou anarquistas; 3ª – Cobertura e segurança do tráfego urbano e
suburbano (bondes, autos, caminhões e ônibus). Nota: na 2ª parte deverá ser encarada a
eventualidade de ações ofensivas para a reconquista dos estabelecimentos que
porventura tenham caído em poder dos comunistas ou anarquistas. (…) (Planos de
ação, 25/09/1937)363.

362 Em 1939, antes de assumir novo posto na Suíça, Odette de Carvalho e Souza comunicou ao chefe do Serviço de
Material do Itamaraty que estava retirando alguns itens privados da sala que ocupava desde 1936, assim como “um caixote e
alguns pacotes contendo o arquivo da Defesa Social Brasileira” (Autorização, 16/02/1939). Esse arquivo, acrescido de mais
informações nas décadas seguintes, em 1959 foi repassado a Manoel Pio Corrêa Jr., quando este assumiu a chefia do
Departamento Político e Cultural do Itamaraty: “Fez-me ela [Odette e Carvalho e Souza], quando assumi o departamento,
um precioso presente: um arquivo, compilado por ela no Ministério da Justiça, de indivíduos, nacionais ou estrangeiros,
envolvidos em atividades subversivas contra os interesses do Brasil, e de organizações ditas ‘de fachada’, entidades
encobrindo sob rótulos inocentes atividades inconvenientes”. Quando deixou o departamento, no final do governo
Kubistchek, “desconfiado (…) do que viria sob o governo seguinte”, Pio Corrêa deixou esse arquivo, “consideravelmente
aumentado, confiado a um oficial amigo, que fazia a ligação do então Serviço de Informações e Contrainformações (SFICI)
com o Itamaraty”. Esse oficial teria guardado o arquivo “sob a forma de vários caixotes e malas de aspecto inocente, em
casa de uma tia, que nunca soube o conteúdo daquela ‘bagagem’ de seu sobrinho”. Depois do golpe de 1964, Pio Corrêa
recuperou “aquele precioso acervo, que retornou ao Itamaraty” (CORRÊA, 1994, 580-581). Essa informação é relevante
porque Pio Corrêa era o secretário geral do MRE quando o Centro de Informações do Exterior (CIEX) foi criado, em 1966
(BRASIL, 2014).
363 É interessante observar que, enquanto a Defesa Social Brasileira, organizada com o apoio da cúpula militar, desenvolvia
seu plano de “ação defensiva” contra o comunismo, era divulgado ao público, em 30 de setembro de 1937, um plano de
ação que, segundo os jornais da época, tinha sido elaborado pelo Comintern para orientação de seus agentes no Brasil. O
documento, que teria sido apreendido pelo Estado-Maior do Exército, se referia à necessidade de “criar nos meios
revolucionários os reflexos para a violência útil e completa”, uma violência que deveria “ser planificada, deixando de lado
qualquer sentimentalismo”. Nos quarteis e nos navios, “cada oficial suspeito à revolução” deveria “ter um homem
responsável pela sua eliminação”. Todos os sargentos “com prestígio na tropa” e que fossem adversários, deveriam “ser
incluídos no plano de eliminação”. Nas campanhas proletárias e estudantis seria necessário “muita cautela, muita discrição e
habilidade para que as aparências” fossem as de “simples reivindicações naturais e merecedoras de amparo até mesmo das
autoridades”. Os elementos declaradamente comunistas não deveriam tomar parte ativa nesses movimentos, “quer liderando
às claras os mesmos, quer fazendo discursos em praça pública ou mesmo comparecendo às reuniões”. Tal missão deveria ser
atribuída aos “simpatizantes não suspeitados” do comunismo e aos indivíduos fáceis de serem “explorados pela sua ardência
e pela sua ignorância”. Contra o clero, meio onde o integralismo estaria “fazendo um progresso formidável”, a “técnica” a
ser utilizada seria a de “identificar o movimento integralista com o nazismo”, naquele momento “o maior perseguidor da
Igreja Católica”. O plano atribuído ao Comintern ainda cogitaria a criação de um “comitê de incêndios”, com o objetivo de
253

Esse programa, que se assemelhava ao das uniões cívicas europeias com as quais Théodore
Aubert, da EIA, esteve envolvido ao final da Primeira Guerra Mundial, não era uma novidade na
Argentina, onde uma guarda cívica, a Liga Patriótica Argentina (ver FICHA em anexo), tinha surgido
em 1919. Além disso, no final de 1936, tinha sido criada no país vizinho a Defensa Social Argentina 364,
que teria ajudado a organizar a Defesa Social Brasileira em 1937. Setemy (2013) revela que, poucos
meses depois da criação da organização argentina, Cesar Viale, um de seus membros, viajou ao Rio de
Janeiro com o objetivo de “realizar reuniões com autoridades brasileiras e negociar a formação de um
organismo similar no país”365. Depois de vir ao Brasil, Viale dirigiu-se ao Uruguai, buscando
atacar “casas de famílias, incendiando-as a fim de obrigar o Corpo de Bombeiros a agir em vários pontos, tornando-se inútil
como força militarizada para a defesa da ordem”: “os incendiários, dois ou três no máximo, disfarçados em mata-mosquitos
ou qualquer outro meio, entrarão na casa armados de material próprio, e de surpresa lançarão fogo à mesma”. Nos bairros,
“as massas” deveriam ser “conduzidas aos saques e às depredações, nada poupando para aumentar cada vez mais sua
excitação que deve ser mesmo conduzida a um sentido nitidamente sexual, a fim de atraí-las com facilidade; convencidos de
que todo aquele luxo que os rodeia – prédios elegantes, carros de luxo, mulheres, etc. – constituem um insulto à sua
sordidez e falta de conforto e que chegou a hora de tudo aquilo lhe pertencer sem que haja o fantasma do Estado para lhe
tomar conta” (Jornal do Brasil, 01/10/1937). A divulgação desse plano criou um clima favorável à decretação do estado de
guerra pelo governo Vargas: “A divulgação das últimas instruções do Komintern para o desenvolvimento das atividades
extremistas em nosso país encontrou o ambiente político na expectativa de nova decretação de medidas extremas em favor
do regime. A concessão do estado de guerra, por um prazo que se acredita será de sessenta dias, já não constituirá surpresa
para ninguém. (…) Sabemos que o Sr. Macedo Soares, embora a princípio tivesse discordado da adoção daquela medida,
acabou por aceitá-la, em face da gravidade da situação” (Jornal do Brasil, 01/10/1937). Hoje se sabe que o documento,
conhecido como “Plano Cohen”, foi escrito pelo então capitão integralista Olimpio Mourão Filho e repassado ao chefe do
Estado-Maior do Exército, general Góes Monteiro. Anos mais tarde, Mourão Filho, no comando da da 4ª Região Militar e
da 4ª Divisão de Infantaria do I Exército, sediados em Juiz de Fora (MG), iniciou o movimento de tropas que levou à
deposição do presidente João Goulart, em março de 1964. O manifesto que divulgou nessa oportunidade também recorria à
“ameaça comunista” como justificativa para sua ação golpista: “Faz mais de dois anos que os inimigos da Ordem e da
Democracia, escudados na impunidade que lhes assegura o Senhor Chefe do Poder Executivo, vêm desrespeitando as
instituições, enxovalhando as Forças Armadas, diluindo nas autoridades públicas o respeito que lhes é devido em qualquer
nação civilizada, e, ainda, lançando o povo em áspero e terrível clima de medo e desespero. Organizações espúrias de
sindicalismo político, manobradas por inimigos do Brasil, confessadamente comunistas, tanto mais audaciosos quanto
estimulados pelo Senhor Presidente da República, procuram infundir em todos os espíritos a certeza de que falam em nome
de um Estado estrangeiro, a cujos interesses imperialistas estão servindo em criminosa atividade subversiva, para traírem a
Pátria Brasileira, tão generosa e cavalheiresca. E o atual governo, a cujos projetos que negam a soberania do Brasil vêm
servindo essas organizações, dá-lhes até mesmo a faculdade de nomear e demitir ministros, generais e altos funcionários,
objetivando, assim, por conhecido processo, a desfazer as instituições democráticas e instituir, aberrantemente, o
totalitarismo que nega a Federação, a República, a Ordem Jurídica e até mesmo o progresso social. (...)” (PINTO, 2015).
364 Quando a Defensa Social Argentina foi criada, no final de 1936, o embaixador brasileiro em Buenos Aires enviou ao
ministro Pimentel Brandão, do MRE, notícias divulgadas pelos jornais daquele país. Elas informavam que os dirigentes da
organização argentina iriam solicitar “a colaboração efetiva de vários chefes militares já reformados, com o objetivo de
constituir um comando de defesa cidadão nos diferentes bairros da capital federal e nos subúrbios, para controlar os casos
de alteração da ordem pública” (SETEMY, 2013).
365 Em julho de 1937, Viale foi recebido pela diretoria da Liga de Defesa Nacional (ver FICHA em anexo). Segundo
noticiado no jornal Correio da Manhã, o argentino, que era juiz de Menores em Buenos Aires, se encontrava no Rio de
Janeiro “em viagem de recreio”. Viale foi apresentado à diretoria da Liga por seu presidente, o general Pantaleão Pessoa
(Correio da Manhã, 21/07/1937). Como mencionado anteriormente, o general era sogro do diplomata Boulitreau Fragoso,
oficial de gabinete de Macedo Soares entre 1934 e 1936 no MRE. Quando assumiu a presidência da Liga, em novembro de
1935, Pessoa era chefe do Estado-Maior do Exército (EME) – cargo que ocupou até fevereiro de 1936. Antes disso, tinha
sido chefe do gabinete militar do presidente Vargas, entre novembro de 1932 e maio de 1935. Segundo Hilton (1991) – que
teve acesso aos papeis pessoais de Pantaleão Pessoa através de sua filha, Corina Pessoa Fragoso – o general, para ficar a par
das atividades de possíveis conspirações contra o governo Vargas, organizou uma rede privada de inteligência. No início de
254

“desenvolver trabalhos semelhantes aos realizados no Rio de Janeiro, com o intuito de formar também
naquela capital um organismo similar, e assim empreender um trabalho de coordenação internacional
para a prevenção e repressão ao comunismo no continente” (SETEMY, 2013).
Os colaboradores do Antikomintern também consideravam que tinham contribuído para a
criação da Defesa Social Brasileira. Segundo um documento assinado por Dohms 366, ela era o resultado
do trabalho preparatório de dois anos feito pela organização nazista, que desde novembro de 1935, mas
especialmente a partir do início de 1937, vinha enviando, sistematicamente, material anticomunista aos
ministérios das Relações Exteriores, Marinha e Exército. Conforme Dohms, o capitão-tenente Eurico
Peniche, que seria “representante especial de combate ao comunismo no gabinete do Ministério da
Marinha”367, tinha expressado o seu agradecimento ao Antikomintern e informado que o material
enviado circulava regularmente entre os ministérios. Na análise de Dohms, esse contato tinha ajudado a
criar uma linha anticomunista importante no governo brasileiro (Dohms, 03/11/1937).
A Defesa Social Brasileira – cuja solenidade de instalação, presidida pelo Cardeal Sebastião
Leme, foi realizada no Palácio Itamaraty em 30 de outubro de 1937, poucos dias antes da saída de
Macedo Soares do Ministério da Justiça e da instauração do Estado Novo – foi dissolvida na metade do
mês de dezembro de 1937 (Diário Carioca, 31/10/1937). Anos mais tarde, Macedo Soares afirmaria
que a dissolução foi obra do governo ditatorial (Correio Paulistano, 07/01/1947). À época dos fatos, a
informação divulgada pela imprensa foi a de que o conselho diretor da DSB tinha tomado a decisão de

1935, ele teria criado uma organização secreta de oficiais militares, que utilizavam senhas e códigos especiais para se
comunicarem com ele no Palácio do Catete. Quando, na chefia do EME, assumiu o controle dos recursos de inteligência do
Exército, a eles acrescentou sua rede privada de informantes, que então incluía integralistas infiltrados na ANL e em células
do PCB. Segundo Mourelle (2015), a eficiência do general Pessoa no combate aos movimentos considerados subversivos à
ordem constituída no país foi repetidas vezes registrada por Getúlio Vargas em seu diário. À frente da Secretaria Geral do
Conselho de Segurança Nacional – cumprindo atribuição do cargo de chefe do gabinete militar da presidência da República
– trabalhou junto ao coronel Mário Ary Pires, que era o chefe de gabinete da secretaria, na regulação das funções e serviços
desse órgão criado em 1934. Mário Pires foi nomeado chefe de gabinete de Pantaleão Pessoa assim que ele assumiu a chefia
do EME. Conforme as memórias do general, na “intentona comunista” de 1935, o coronel “empenhou sua perspicácia e,
como trabalhador infatigável, cuidou desde as investigações até os atos da tragédia final” (PESSOA, 1971, p. 159 e 203).
Mário Pires, que era também membro da Liga de Defesa Nacional e esteve presente na reunião em que a organização
recebeu o argentino César Viale, viria a colaborar com a Defesa Social Brasileira, como informado anteriormente.
366 Não há maiores informações sobre Dohms nos documentos consultados. Mas existe a possibilidade de que se tratasse
de Hermann Dohms, pastor luterano de descendência alemã, nascido no Rio Grande do Sul. Isso porque, segundo Fernandes
(2015), o pastor gaúcho era membro do Antikomintern e se dedicava à defesa do Brasil contra o comunismo.
367 O capitão-tenente Eurico Peniche se tornou ajudante de ordens do Ministro da Marinha, Aristides Guilhem, em 1935.
Partiu para a Alemanha no final de abril de 1937, mesmo período em que Miranda Correia lá se encontrava, a fim de
“aperfeiçoar conhecimentos técnicos”. Foi substituído no gabinete do Ministro, onde servira como chefe do serviço de
imprensa, pelo comandante Sylvio Heck (Correio da Manhã, 25/04/1937, p. 7). Peniche regressou de sua viagem de estudos
em julho de 1938 (Jornal do Brasil, 13/07/1938, p. 6). Na década de 1950, estaria vinculado à Cruzada Brasileira
Anticomunista, organização comandada pelo almirante Penna Botto, como veremos adiante.
255

dar fim às atividades da organização, “considerando que as suas finalidades” constituíam, “no regime
constitucional vigente, “prerrogativas do Estado” (Diário Carioca, 15/12/1937).
Ao final da Segunda Guerra Mundial, durante o governo Dutra, uma organização semelhante à
Defesa Social Brasileira seria criada. Desta vez, contudo, nenhuma pretensão repressiva foi explicitada.
Como em 1937, a iniciativa provinha do Ministério da Justiça. Benedito da Costa Neto, do PSD
paulista, que tinha assumido a pasta em outubro de 1946 368, em 21 de dezembro do mesmo ano
anunciou à imprensa a fundação da Liga Brasileira de Defesa da Democracia (LBDD)369. Dias depois, o
interventor Macedo Soares presidiria, no palácio do governo de São Paulo, a reunião de instalação da
seção paulista dessa Liga370:

368 Benedito da Costa Neto tinha sido eleito deputado por São Paulo em 1945. Foi um dos deputados “mais influentes e
conservadores” na Assembleia Constituinte de 1946, durante a qual “teve papel-chave e intensa atuação”. Foi “um dos
principais responsáveis pela concretização das diretrizes programáticas e estratégicas do PSD na Constituinte” (Braga,
1998). Segundo Osny Pereira Duarte, citado por Braga (1998), Costa Neto “sabia de cor a Constituição dos Estados Unidos
da América, quis a adoção do preâmbulo dela na nossa Carta Magna e a cada passo opinava, contra ou a favor de qualquer
coisa, acrescentando que era a norma norte-americana. (...) Comandava com absoluta firmeza o plenário, onde a maioria
tinha os olhos fixos nele. Quando se levantava para aprovar, a maioria se levantava. Quando permanecia sentado, a maioria,
que durante as justificações ficava conversando sobre os mais variados assuntos, sem dar atenção ao que se estava
decidindo, também permanecia sentada. Costa Neto defendeu com absoluta fidelidade os interesses dos monopólios
estrangeiros e dos grandes empresários nacionais a eles ligados, bem como os privilégios do latifúndio (...)”. Como ministro
da Justiça, ele seria um dos principais articuladores da campanha pela liquidação do Movimento Unificador dos
Trabalhadores (MUT) e pela cassação do PCB (Braga, 1998). Segundo French (1995, p. 190), Costa Neto “defendia
publicamente que se proibisse a participação dos comunistas nas eleições” [estaduais] de 1947.
369 “O ministro da Justiça recebeu (…) os jornalistas com o fim de conceder-lhes uma entrevista coletiva, durante a qual
anunciou a fundação da Liga Brasileira de Defesa da Democracia. Inicialmente, declarou (…): - Os estatutos do órgão de
defesa da democracia, que acaba de ser criado, mostram que se trata de uma instituição particular, isto é, de natureza
rigorosamente extraoficial. Mas o governo não poderá deixar de aplaudir, estimular e auxiliar, no que for possível, esse
empreendimento que vai colocar a nação inteira na defesa do regime democrático, tal como estabelece a Constituição
Brasileira (…). O governo vem procurando, há tempos, alertar os líderes de todas as classes, especialmente os do trabalho,
sobre o perigo de certas ideologias. Conseguiu mesmo reuni-los algumas vezes, para mostrar-lhes que a tarefa do presidente
da República e seus ministros seria imensa sem o auxílio conjugado, metódico e sistematizado de todos os setores da
coletividade. (…) As reuniões a que me referi – prosseguiu o ministro da Justiça – realizaram-se no Palácio do Catete, neste
ministério e na Confederação da Indústria. (…)” (Diário de Notícias, 22/12/1946). No dia 23 de dezembro de 1946, em
encontro com William D. Pawley, embaixador norte-americano no Brasil, Costa Neto entregou-lhe uma cópia dos estatutos
da Liga. Segundo estes, A LBDD teria em cada capital de estado, ou território da União, um diretório regional e diretórios
municipais e distritais onde fossem criados. O “elemento principal das suas atividades” seria a “propaganda, conduzida com
perseverança, continuidade, energia e confiança no êxito”. Sua atuação seria exercida de duas maneiras: “ação preventiva e
catequese”, obedecendo às linhas gerais do programa da Liga. Nesse programa, destacam-se: a “divulgação sistemática (…)
da nossa legislação de previdência social, orientando as nossas massas de trabalhadores para o usufruto dos benefícios
legais no regime democrático”; e a “organização e propaganda da educação popular e profissional, apoiando e estimulando
todas as iniciativas desse gênero, mormente nos meios operários” (Estatutos da LBDD, anexos ao Ofício n.º 1334,
26/12/1946, itálicos meus).
370 Um seção foi criada em Boa Vista, capital do território do Rio Branco (atual estado de Roraima), ainda no final de
dezembro de 1946 (A Noite, 31/12/1946), presidida pelo major Durval Magalhães Coelho, governador interino. Poucos dias
depois foram criadas as seções do Maranhão e do Ceará (A Noite, 03/01/1946, 06/01/1947). No Território do Acre e no Pará
seções foram criadas em fevereiro de 1947 (O Liberal (PA), 05/02/1947; O Acre, 23/02/1947).
256

Abrindo os trabalhos da reunião, o interventor Macedo Soares acentuou que a alta


categoria das pessoas presentes 371 bem indicava que algo de muito importante estava se
passando e que, realmente aquela reunião se realizava para se cuidar de assunto que
interessa vitalmente à civilização brasileira (…). (…) o sr. Macedo Soares lembrou que
os Estatutos da Liga preveem a organização do Conselho Regional, constituído de 30
membros e que já se podia cogitar a escolha dos seus representantes. (…) Por
aclamação geral, foram aprovados os nomes indicados 372, tendo, em seguida, o sr.
interventor federal declarado que iria fazer a devida comunicação ao sr. ministro da
Justiça, interessado na instalação imediata dos trabalhos da Liga, em São Paulo 373. (…)
O sr. Soares considerou, então, eleito presidente do Conselho Regional da Liga de
Defesa da Democracia o sr. Edgard Baptista Pereira declarando que esse próprio
Conselho escolheria, depois, de acordo com os seus estatutos, os demais diretores.
Tomou a palavra, em seguida, o sr. Roberto Simonsen. Inicialmente enalteceu os
objetivos de tão importante instituição que ora se fundava em S. Paulo, para
comunicar, em seguida, que o Serviço Social da Indústria [SESI] já havia destacado
um grupo de educadores sociais para desenvolver trabalhos junto à Liga de Defesa da
Democracia no Rio de Janeiro. Nestas condições aquele Serviço colocará, também em
S. Paulo, uma centena de dedicados educadores sociais, perfeitamente enquadrados em

371 “O ato, que se revestiu de grande solenidade, contou com o comparecimento das seguintes pessoas: - cardeal d. Carlos
Carmelo de Vasconcelos Mota, arcebispo de São Paulo; desembargador Mario Guimarães, presidente do Tribunal de
Apelação; Sebastião Nogueira de Lima, presidente do Conselho Administrativo do Estado; brigadeiro Armando de Sousa
Melo Ararigboia, comandante da 4ª Zona Aérea; gal. Leitão de Carvalho; Edgard Batista Pereira, secretário de governo;
Francisco Cardoso, secretário da Agricultura; Plínio Caiado de Castro, secretário da Educação; Artur Piqueroby de Aguiar
Whitaker, secretário da Justiça; Pedro de Oliveira Ribeiro, secretário da Segurança Pública; Sinésio Rocha, secretário do
Trabalho; Sebastião Meireles Teixeira, secretário da Fazenda; Francisco Gayotto, secretário da Viação; deputado Ataliba
Nogueira, Roberto Simonsen, presidente da Federação das Indústrias; Brasílio Machado Neto, presidente da Federação do
Comércio; Godofredo da Silva Teles, da Comissão Executiva do PSA; Waldemar Ferreira, presidente da UDN; Mario
Penteado de Faria e Silva, representando o Partido de Representação Popular; Icaro Sidow, representando o PTB; Antonio
Carlos de Sousa Nogueira, representando o Partido Democrata Cristão; Antonio Moura Rezende, representando o Partido
Republicano; prof. Gabriel Rezende Filho, diretor da Faculdade de Direito; Jairo Ramos, presidente da Associação Paulista
de Medicina; Heitor Portugal, presidente do Instituto de Engenharia; Eduardo Pelegrini, presidente da Associação Paulista
de Imprensa; Iriz Meimberg, presidente da Federação das Associações Rurais do Estado de São Paulo; general Gaudie Ley,
comandante da Força Policial do Estado de São Paulo; Alberto Prado Guimarães, Angelo Parmigiani, presidente da
Federação dos Empregados no Comércio do Estado de São Paulo; José Maria Torres e Osvaldo de Arruda Camargo, pela
Arcesp; Cid Faria de Ognibene, Plínio de Assis, Ivete Tunia, Mirian Quental, Sebastião Barbosa de Almeida, Helio Hugo
Franco, Lucy Marx, Antônio Padua Reis, Osni França, Vera Barreti e Vicente Marotta Rangel, todos educadores sociais;
Cintra Gordinho, presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo; prof. Mendes da Rocha e Adriano
Marchini, da Escola Politécnica de São Paulo; Antonio de Azevedo Marques, presidente da Associação de Funcionários
Públicos do Estado de São Paulo; Hilário Freire, Felipe Meneses, presidente da Federação dos Círculos Operários Católicos
de São Paulo; Antonio Hermann Dias Menezes, José Carlos Pereira de Souza, diretor de “ A Noite”; Francisco Ribeiro da
Costa, Henrique Cardoso, Humberto Reis Costa, João Alfredo de Sousa Ramos, Aguinaldo Miranda Simões e Rui de
Azevedo Sodré, presidente do Instituto de Direito Social; Roberto Guimarães, J. R. Caldeira, presidente da Associação
Brasileira de Radio Difusão e Federação Paulista de Sociedades de Rádio. (…) (Correio Paulistano, 07/01/1947).
372 “O sr. Hilário Freire propôs, então, à aprovação dos presentes, os nomes que constituiriam aquele Conselho Regional,
em São Paulo: Srs. Edgard Baptista Pereira, Roberto Simonsen, Brasílio Machado Neto, Antonio de Queiroz Teles, Iris
Meinberg, Heitor Portugal, Alcides Costa Vidigal, José de Barros Abreu, prof. Gabriel de Resende Filho, prof. Celestino
Bourrol, Assis Chateaubriand, João Alfredo de Sousa Ramos, Eduardo Pelegrini, Filipe Ferreira de Meneses Junior, José
Rodrigues Caldeira, Osvaldo de Arruda Camargo, Altino Arantes, Valdemar Ferreira, José de Moura Resende, Mario
Cabrak, Antônio Ponsio Hipólito, Euclides Teles Rudge, Humberto Reis Costa, Decio Novais, José Carlos Pereira de Souza,
Flávio Aguiar Goulart, Vicente Melilo, padre Joaquim Horta, Mario Penteado de Faria e Silva.”
373 A comissão executiva nacional da LBDD era presidida polo historiador Pedro Calmon. Euvaldo Lodi e João Daudt
d’Oliveira estavam entre seus diretores, assim como os jornalistas Elmano Cardim, que tinha integrado a Defesa Social
Brasileira, e Herbert Moses, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (Diário de Notícias, 22/12/1946).
257

sua missão e capazes de promover a execução do programa da Liga. (…) O sr.


interventor Macedo Soares fez sentir aos presentes que a obra que ora se iniciava em
São Paulo já possuía raízes profundas em nossas lutas pela democracia, porquanto uma
instituição semelhante já se fundara em nosso país, tendo sido extinta pelo governo
ditatorial em 1937. Por coincidência muito feliz, encontrava-se perante o sr. general
Estevão Leitão de Carvalho, uma das grandes figuras do Exército Nacional, e que fora
um dos grandes apóstolos da Defesa Social Brasileira, a quem convidou para recordar
o que fora aquela antiga organização, cujos princípios se assemelham aos da atual
Liga, organizada pelo ministro da Justiça. O gen. Leitão de Carvalho fez interessante
histórico em torno da fundação e dos trabalhos (...) [da Defesa Social Brasileira],
criada sob os auspícios do sr. interventor Macedo Soares quando ministro da Justiça,
expondo a sua organização e demonstrando como fora extinta. (…) e fez votos para
que a atual sociedade encontre um ambiente propício à realização daquele programa
que a Defesa Social Brasileira sonhou e que desgraçadamente não pode realizar. Com a
palavra, hipotecaram solidariedade à Liga de Defesa da Democracia, em São Paulo, os
srs. Felipe de Menezes Júnior, presidente da Federação dos Círculos Operários do
Estado de São Paulo e o sr. Mário Penteado Faria e Silva, representante do Partido da
Representação Popular. (…) Por último s. emin. o cardeal Mota pronunciou expressiva
alocução, agradecendo, inicialmente, ao sr. Macedo Soares a gentileza da preferência
feita à sua pessoa (…). Concluiu fazendo votos para que a Liga de Defesa da
Democracia não só prospere, como consiga, também, de todos os partidos
democráticos do Brasil, a união democrática de defesa da frente única, contra o perigo
iminente que nos ameaça. Para defrontar o partido internacional, inimigo, cuja
organização passou a focalizar, o orador salientou que não era suficiente um
movimento, de um só partido nacional único. Agradeceu, mais uma vez, ao interventor
federal, e hipotecou a solidariedade da Igreja com a pátria, na defesa comum da
civilização cristã (Correio Paulistano, 07/01/1947).

Figura 1. Campanha da LBDD, janeiro de 1947.

Fonte: Diário Carioca, 18/01/1947.


258

Apesar de a LBDD ter sido lançada com ampla divulgação, seu trabalho não foi mais noticiado
nos jornais, não sendo possível afirmar se ela continuou tendo atuação, mesmo que não pública, ou se
foi extinta por algum motivo. É possível que a Liga tenha sido criada em função de preocupações com
a participação dos comunistas nas eleições de janeiro de 1947, podendo ter perdido seu propósito mais
imediato com o cancelamento do registro do PCB pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 07 de
maio de 1947374, ato que, como destaca French (1995, p. 225), “foi acompanhado de intervenções do
governo em sindicatos operários militantes”:

A 8 de maio de 1947, o governo emitiu o Decreto 23.046, declarando que os sindicatos


deviam manter-se “afastados de todos os movimentos políticos e sociais”. O decreto
estabelecia que as diretorias eleitas dos sindicatos deviam ser substituídas por juntas
nomeadas, caso a organização tivesse dado apoio à CGTB (…). “Sei que mais uma
vez serei rotulado de reacionário”, disse o Ministro do Trabalho, Morvan Dias de
Figueiredo, ao apresentar o Decreto 23.046, mas só seria possível manter a ordem
cassando aqueles “cuja única preocupação é agitar”. (…) Um dia após o Decreto (…),
as diretorias de trinta e seis sindicatos de São Paulo já haviam sido depostas. (…) Em
fins de agosto, estimativas oficiosas do Ministério do Trabalho indicavam que o
governo já havia intervido em 170 sindicatos com 300.000 membros – mais da terça
parte do total de membros de sindicatos. Em 10 de julho de 1947, a possibilidade de
recurso legal contra a ação do governo terminou com uma decisão do Supremo
Tribunal Federal brasileiro de que a autonomia sindical assegurada pela Constituição
de 1946 “não [era] um direito claro e irrestrito” (FRENCH, 1995, p. 224-5)

374 Nas primeiras eleições depois do final do Estado Novo, em dezembro de 1945, Yedo Fiúza, o candidato do PCB à
presidência, tinha obtido 10% dos votos. Como observa Wollmann (2019), esse resultado não era nada comparável aos 56%
obtidos pelo candidato eleito, Eurico Gaspar Dutra, “mas bastante significativos para um partido recém-saído da
ilegalidade”. Naquele pleito, O PCB ainda elegeu 15 deputados federais (entre os quais, Carlos Marighella, João Amazonas,
Maurício Grabois, Gregório Bezerra e Jorge Amado) e um senador, Luís Carlos Prestes, que participaram da Assembleia
Constituinte de 1946 (Braga, 1998). Já em março de 1946 duas denúncias foram apresentadas ao TSE, reclamando a
cassação do registro do PCB. O partido ainda conseguiu participar das eleições de janeiro de 1947, elegendo 46 deputados
estaduais, em quinze dos vinte e um estados da Federação. A maior bancada foi eleita no Distrito Federal, com 14
deputados. Em São Paulo foram eleitos 11 (Caio Prado Jr. entre eles), em Pernambuco foram 9 e, no estado do Rio de
Janeiro, 6 deputados (AFONSO, 2005; WOLLMANN, 2019). O crescimento da influência política dos comunistas e
progressistas em São Paulo, segundo French (1995, p. 213), fortaleceu “a convicção do presidente Dutra e de seus
correligionários poderosos de que era preciso uma ação decisiva para restaurar a disciplina e a hierarquia. O impulso
fundamental dessa contraofensiva conservadora, que coincidia com o início da Guerra Fria, era a tendência, que já vinha de
um ano, de colocar na ilegalidade o Partido Comunista. No início de maio de 1947, o governo Dutra exerceu uma pressão
intensa e declarada sobre o único juiz indeciso do Tribunal Superior Eleitoral, na tentativa de acabar com o empate de dois a
dois no tribunal. A 7 de maio de 1947, o juiz Francisco de Paula Rocha Lagoa anunciou finalmente seu voto favorável à
cassação do registro do PCB como partido político legal”. Em janeiro de 1948, todos os deputados eleitos pelo PCB tiveram
seus mandatos cassados.
259

Apoiando o aumento da ação repressiva governamental, organizações privadas – com a


colaboração de alguns dos mesmos indivíduos que vinham se dedicando à cruzada anticomunista
desde, pelo menos, a década de 1930 – continuavam trabalhando “em defesa da nação”. Essas
organizações ou grupos receberam novos estímulos depois da Segunda Guerra Mundial, quando
migraram para o Brasil alguns europeus que vinham lutando contra o bolchevismo desde a revolução
de 1917.

5.3 A chegada do “reforço estrangeiro” ao “grupo de Macedo Soares”

No período em que assumiu a Interventoria de São Paulo, Macedo Soares tinha voltado a contar
com os serviços de Odette de Carvalho e Souza. Durante a guerra, ela havia passado uma temporada na
Suíça, mas voltou ao Brasil em 1946, provavelmente disposta, em vista de seu histórico militante, a
retomar seu protagonismo na luta anticomunista375. Juntos, Macedo Soares e Carvalho e Souza
puderam abrir todas as portas – das delegacias da polícia política, dos círculos operários e de
organizações como o SESI, entre outras – para seus antigos contatos da Entente Internacional
Anticomunista, a família Lodygensky, que entre 1946 e 1952 deixou Genebra para se instalar no Brasil.
O primeiro a chegar no país foi Wladimir Lodygensky, no dia 1º de setembro de 1946
(“Prontuário de Estrangeiros”, ANRJ). Três meses depois, ele já estaria palestrando sobre “os princípios
fundamentais da organização industrial do após-guerra”, em atividade do Instituto de Organização
Racional do Trabalho – IDORT (ver FICHA em anexo) na capital paulista (O Estado de S. Paulo,
06/11/1946). Nascido em Kiev, então na Rússia, hoje capital da Ucrânia, em 28 de fevereiro de 1917
(calendário juliano) – no mesmo dia da primeira revolução que levou ao fim do domínio czarista dos
Romanov –, Wladimir tinha apenas sete anos quando seu pai, Georges Lodygensky, ajudou Théodore
Aubert a fundar a EIA376. Com dezenove anos, se tornou dirigente da seção de juventude criada pela

375 Carvalho e Souza permaneceu em Berna entre 1939 e 1945. Lotada na Secretaria do Itamaraty entre 1946 e 1949, ela
esteve à disposição da interventoria federal de São Paulo a partir de agosto de 1946. Em dezembro do mesmo ano se tornou
auxiliar de gabinete do ministro das Relações Exteriores, Raul Fernandes.
376 Georges Lodygensky, nascido em 1888 em Tver, na Rússia central, estudou na Academia Imperial Militar de Medicina
em São Petesburgo. Na Primeira Guerra Mundial, foi médico de regimento no front da Prússia Oriental e no front austríaco,
integrando a divisão caucasiana de cavalaria na Galícia. Atuou também no hospital da sociedade russa da Cruz Vermelha,
em Kiev. Nessa cidade, organizou, em 1919, um “Comitê Internacional de Socorro às Vítimas da Guerra Civil”. Nessa
guerra, que eclodiu em abril de 1918, sucedendo à revolução bolchevique, os brancos contrarrevolucionários eram chefiados
por generais czaristas e apoiados pelos “republicanos liberais” (os "cadetes"). Recebiam também o apoio das nações aliadas
260

Entente (ver FICHA em anexo). No prefácio de seu livro sobre “frentes de combate” na América
Latina, ele relatou essa iniciação:

Minha primeira experiência nesta longa luta data de 1936. Quando estudante de
engenharia química, em Genebra, fui selecionado para atuar como secretário em dois
seminários estudantis: um católico, sob a direção do ilustre P. Charles Journet,
sociólogo e filósofo de renome mundial, e outro protestante, orientado pelo sábio e
dinâmico Pastor de Saussure377. Eram esses seminários iniciativa de meu pai, médico e
líder incansável das lutas contra o comunismo. Neles e na subsequente ação estudantil,
adquiri a convicção de que a guerra moderna exigia de nós, os jovens de então, como
continua exigindo hoje em dia, uma nova forma de apostolado cristão com sólidos
conhecimentos da estratégia e das táticas do inimigo, além de uma indispensável
formação filosófica e social. Na Escola Militar e nos quatro longos anos de
mobilização durante a guerra, no exército suíço, tive a oportunidade de constatar o
extraordinário valor da formação cívica do povo helvético e dos requisitos de liderança
autêntica, imprescindíveis na guerra psicológica moderna e na luta contra a
desmoralização que a subversão se esforça em provocar 378. (…) (LODYGENSKY,
1966, p. 7-8).

beligerantes da Primeira Guerra Mundial: “Tropas inglesas, holandesas, americanas e japonesas desembarcaram tanto nas
regiões ocidentais (Crimeia e Geórgia) como nas orientais (com a ocupação de Vladivostok e da Sibéria Oriental). Seus
objetivos eram derrubar o governo bolchevique e instaurar um regime favorável à continuação da Rússia na guerra; seu
objetivo maior, porém, era evitar a propagação do comunismo na Europa, daí a expressão utilizada por Georges Clemenceau
(primeiro-ministro da França) de cordon sanitaire, uma barreira de segurança em torno da Rússia soviética” (COGGIOLA,
2017). Em 1920, depois da capitulação dos “brancos”, Georges Lodygensky se mudou com sua esposa e filhos para a Suíça,
assumindo a representação da antiga organização da Cruz Vermelha imperial russa em Genebra, junto às instituições
internacionais humanitárias. Em 1922 ele publicou um livro intitulado “Le terreur rouge” (O terror vermelho). Se
aproximou de Théodore Aubert em 1923, quando este assumiu a defesa de Maurice Conradi e Arcadius Polounine
(secretário do escritório da Cruz Vermelha czarista liderado por Lodygensky), acusados de assassinar o diplomata soviético
Vatzlav Vorovsky na cidade de Lausanne, na Suíça. Na Entente Internacional Anticomunista, Georges Lodygensky esteve
especialmente envolvido com a “mobilização das forças cristãs”, promovendo a criação da seção religiosa da EIA, a
“Comissão Pro Deo”, em 1933 (LODYGENSKY, 2009; ROULIN, 2009).
377 Nesse mesmo ano, 1936, Wladimir acompanhou seu pai na conferência secreta organizada pelo Antikomintern na
Alemanha, a que nos referimos anteriormente. O representante brasileiro presente na reunião informou em seu relatório que
Wladimir, a quem ele chamava de “Lodygensky Junior”, tinha apresentado os trabalhos da EIA com relação à juventude, no
combate à propaganda comunista, expondo a situação em que se encontravam os jovens na maioria dos países europeus:
“Impõe-se, afirmou o senhor Lodygensky Junior, a formação de chefes jovens, capazes de dirigirem a mocidade, levando-a
para o caminho do bem. O delegado italiano, Barão Basile, apoiou o senhor Lodygensky Junior e pediu aos seus colegas
[que] se interessem junto aos seus governos no sentido de ser estabelecido entre eles um plano de viagens internacionais
para a juventude (…). O dr. Bockhoff, em nome da juventude hitleriana, declarou estar inteiramente de acordo com as
opiniões emitidas pelos seus colegas, e que estudaria minuciosamente as propostas por eles feitas no sentido de se formar a
ação internacional da juventude contra o bolchevismo” (Ofício n.º 359, 21/11/1936).
378 De acordo com as memórias escritas por seu pai, Wladimir serviu por quatro anos como oficial de artilharia no Exército
suíço e, esporadicamente, como comandante de campos internacionais de refugiados. Em 1939, no início da guerra
soviético-finlandesa, o Estado-Maior do Exército Suíço teria decidido enviá-lo como observador à Finlândia, mas a missão
acabou não ocorrendo. Ainda assim, Wladimir viajou àquele país acompanhando seu pai, que cumpria missão para a EIA.
Depois de entrar em contato com o serviço de propaganda do governo finlandês, eles redigiram uma série de artigos e
comunicados que foram enviados aos principais representantes da EIA em Londres, Paris, Washington, Rio, Berlim, Roma,
Madri, etc. Wladimir se ocupava dos relatórios militares. Retornaram a Genebra em fevereiro de 1940 (LODYGENSKY,
2009).
261

Em 1946, Wladimir veio ao Brasil acompanhado por seu primo, Élie, filho de seu tio Alexandre
Lodygensky, que se juntaria a eles no ano seguinte. Alexandre – que, assim como Élie, em 1947 tinha
sido condenado à morte pelo tribunal de Chambéry, na França, em razão de suas atividades durante a
Segunda Guerra Mundial (ver FICHA da EIA) – chegou ao país com um visto de trânsito concedido
pelo Consulado brasileiro em Paris. Poucos meses depois, em fevereiro de 1948, lhe foi concedida,
pelo presidente da República, general Eurico Gaspar Dutra, a autorização de permanência definitiva no
Brasil379. O último a realizar sua mudança para São Paulo foi Georges Lodygensky, que deixou
Genebra em 1952380. Na última reunião da Secretaria Permanente da EIA, realizada em novembro de
1950, ele tinha informado aos demais presentes (Théodore Aubert, Gustave Hentsch, Lucien Cramer e
J. Martin) que, como um dos esforços que vinham sendo realizados para manter a organização
operante, tinha sido criada, no Brasil, uma “base de retaguarda” com arquivos atualizados (Une base
arrière a été créée avec des archives mises à jour)381. Lodygensky também comentou que estava
estudando, com seus “amigos brasileiros”, a possibilidade de reunir uma conferência intercontinental
de especialistas, que poderia ocorrer no Brasil, na Espanha (de Franco) ou em Portugal (de Salazar)
(LODYGENSKY, 2009, p. 531).
Em suas memórias, Georges Lodygensky escreveu que, depois da Segunda Guerra Mundial,
quando a “ação soviética-comunista” teria sido ampliada na América Latina, “alguns colaboradores
experientes da EIA” deram importante impulso à tomada de consciência, pelos homens de governo e
pelos militares, sobre o “verdadeiro escopo dessa ofensiva soviética”. Com isso, a resistência pôde ser
“organizada sobre bases mais sólidas”, indicando como foi “providencial o prolongamento do
movimento anticomunista criado por Aubert ao continente latino-americano, graças aos contatos que
ele soube estabelecer em Genebra com os eminentes diplomatas brasileiros” (LODYGENSKY, 2009, p.
327-328). Em 1952, as atividades dos irmãos Alexandre e Georges seriam denunciadas às autoridades
379 Seu desembarque ocorreu em novembro de 1947, no Rio de Janeiro (“Prontuário de Estrangeiros”, ANRJ).
380 Wladimir, Alexandre e Georges foram acompanhados por esposas e filhos. Alguns membros da família permaneceram
no Brasil, outros retornaram à Europa no final da década de 1960.
381 Georges Lodygensky (2009, p. 497-9) fez o registro de como o trabalho da EIA foi afetado pelas transformações
políticas do pós-Segunda Guerra: “Os centros nacionais nos países satélites da União Soviética naturalmente pararam de
funcionar. Nos países escandinavos, as correntes pró-soviéticas se fortaleceram e cresceu o medo do poderoso vizinho
comunista (…). A Áustria se encontrava em sua maior parte sob controle soviético. Nossos amigos italianos, tendo
pertencido nominalmente à ala moderada do partido fascista, atravessaram sem dificuldade os períodos mais conturbados da
guerra e do pós-guerra, mas foram incapazes de agir contra o Partido Comunista, cuja influência e arrogância aumentaram
enormemente após o armistício. A situação do Vaticano era singularmente complicada. Os regimes ditos fascistas da
Espanha e Portugal se mantiveram, mas seus dirigentes preferiram concentrar seus esforços na manutenção da ordem
interna (…). A Alemanha oriental ficou sob tutela comunista. (…) Na Bélgica, a SEPES não funcionava mais, seu diretor, o
comandante Spiltoir tinha saído do país (…). Nosso Bureau [em Genebra] continuou com suas atividades, mas em
condições cada vez mais difíceis, não apenas do ponto de vista político e moral, mas também financeiro”. A Secretaria da
EIA em Genebra encerrou suas operações em outubro de 1950 (Id., p. 534).
262

brasileiras, ironicamente, por um coronel do exército “branco” que vivia em São Paulo desde a década
de 1920382:

(…) Há certo tempo chegou a São Paulo um tal Sr. Alexandre Lodygensky, que logo
abriu escritório na Rua 7 de abril n. 282, 6º andar, onde exerce atividades misteriosas.
Dizem que edita livros anticomunistas, se é assim desperta suspeitas, pois o serviço é
feito com absoluto sigilo. Nos meios russos é sabido que Lodygensky e outro irmão
seu, trabalham por conta de uma certa organização chamada Liga Obert [sic]. Certo é
que nem o sr. Alexandre, nem o outro irmão George, desde que deixaram sua pátria,
jamais trabalharam, e não tem outros meios de vida, além da atividade política. Mas os
russos brancos sabem também, que apesar de suas atividades anticomunistas e as boas
referências que apresentam, os dois irmãos são suspeitos. Suspeitos, porque os fundos
de que dispõem provém de fonte desconhecida e, como se diz, provêm de certo
banqueiro russo Jacob Rubinstein, que por sua vez, utiliza fundos da antiga associação
de municipalidades russas, de origem revolucionária. Além do dinheiro de procedência
duvidosa, as atividades dos dois irmãos, em toda parte, foram seguidas de rixas e
divisão ideológica, servindo, portanto, não para reunir, mas para dividir as massas dos
emigrados políticos russos. É bom notar que, chegando em São Paulo, o Sr. Alexandre
Lodygensky, logo procurou dominar a colônia russa e em particular a igreja. Mas a
maior parte da antiga colônia não o acompanhou. Isso, porque, apesar de ser
anticomunista, por excelência, quer a paz social e está contra agitadores, mesmo
aqueles que trabalham disfarçados em anticomunistas. (…) O Sr. Lodygensky tem
como seus lugar-tenentes os Srs. Basilio Tchernochecoff e Paulo Sviatopolk-Mirsky. O
primeiro antigamente residia na França, onde tinha reputação duvidosa e era apontado
como pessoa suspeita. Durante a guerra foi colaborador dos alemães e apontado, pela
polícia francesa, como criminoso de guerra. O segundo é falso príncipe russo, o que
quer dizer impostor (…). Com esses dois ajudantes, agitadores por excelência, o Sr.
Lodygensky desenvolveu grande atividade para criar o clima de desconfiança (…).
Para seus fins políticos não revelados, o Sr. Lodygensky financia a organização sob o
nome: Conselho dos Russos Cristãos Ortodoxos, organização que não possui estatutos
legalizados (…). O secretário geral dessa organização é mesmo o Sr. Basilio
Tchernochecoff (…). Edita-se ainda um folheto mensal em russo intitulado Fidelidade,
que serve também para criar o clima de insegurança entre os elementos da colônia
russa e como meio de ataque contra os que não acompanham a orientação do citado
conselho. (…) Para manutenção da ordem democrática e da tranquilidade na colônia
russa, seria necessário que as autoridades fechassem as organizações pelo Sr.
Lodygensky fundadas, já que têm existência legal duvidosa. S. Paulo, 6 de abril de
1952. Coronel W. De Faezy, coronel do Estado-Maior Imperial Russo. (Ofício 2148,
21/06/1952).

382 De acordo com Ruseishvili (2016), em julho de 1921, o navio Aquitane atracou no porto de Santos, trazendo a bordo,
junto com famílias de camponeses espanhóis, “soldados e oficiais russos da tropa contrarrevolucionária sob comando do
coronel Alexandre Pavlovitch Braguin, que fazia parte do exército russo do general Petr Nikolaevitch Vrangel, evacuada da
Crimeia em novembro de 1920”. Em agosto de 1921, o navio Provence chegou ao mesmo porto, trazendo o restante dos
soldados russos que aguardavam, na Córsega, para viajar ao Brasil. Estavam sob o comando do coronel Vassily Faesy-
Ginsky.
263

5.4 O setor anticomunista do SESI

As atividades de Alexandre, Georges e Wladimir Lodygensky serão apresentadas em maiores


detalhes no capítulo 7. Por ora, interessa informar que elas também se articulavam com as atividades do
Serviço Social da Indústria (SESI) em São Paulo. O serviço possuía um “setor anticomunista”, a
Divisão de Orientação Social (DOS). Nesse departamento trabalhavam os “educadores sociais”, uma
categoria criada pelo SESI, segundo Weinstein (2000, p. 149), para lidar com as questões políticas ou
relacionadas ao ambiente de trabalho383. Eles seriam as tropas da linha de frente da guerra contra o
comunismo e da campanha pela “paz social”. Gabriel Saad, delegado de polícia que participou da
repressão a greves em 1946, como mencionado anteriormente, se tornou diretor da DOS em 1947.
Informações analisadas por Weinstein (Id., p. 162-3) sugerem que essa divisão trabalhou em conjunto
com os Círculos Operários católicos384 e com o DOPS e outros grupos policiais “para ‘remover’
383 O SESI também empregava assistentes sociais, que se envolviam com os problemas de natureza pessoal e doméstica
dos trabalhadores. Essas assistentes, no final da década de 1940, tinham quase todas sido formadas pela Escola de Serviço
Social e pelo Instituto de Serviço Social, em cursos cujos currículos davam ênfase à doutrina social cristã, ao
anticomunismo e à adaptação dos indivíduos à estrutura social vigente. Essas escolas eram ligadas ao Centro de Estudos e
Ação Social (CEAS) (WEINSTEIN, 2000, p. 148). Além de criar a Escola de Serviço Social, em 1936, o CEAS organizou
“uma série de eventos, estudos, reuniões e seminários tendo como objetivo central mobilizar o laicato, em especial as
mulheres católicas, para enfrentar os problemas sociais da época e difundir o Ensino Social da Igreja”. O centro “promoveu
atividades em parceria com a Liga das Senhoras Católicas” e “contribuiu para a organização dos centros operários” (SILVA,
2010). Fundado em setembro de 1932, o CEAS logo estabeleceu contato com a EIA. Em outubro de 1932, sua bibliotecária,
Gilda Lessa, enviou uma carta para a organização de Genebra, solicitando a esta o envio de suas publicações (Carta,
23/10/1932).
384 Em setembro de 1946, o Legal Attaché (FBI) da embaixada norte-americana no Rio de Janeiro, Sam J. Papich
(mencionado no capítulo 3), encaminhou ao embaixador a tradução de um discurso proferido no SESI no mês anterior, por
um “economista político bem conhecido e antigo conselheiro de Getúlio Vargas”, sobre o programa geral do Partido
Comunista. Papich informava que o SESI, que ele denominou “Seção dos Estudos Sociais e Industriais” ao invés de
“Serviço Social da Indústria”, criada pelo presidente Dutra para “resolver problemas trabalhistas e combater a infiltração
comunista”, promovia seu programa, em sua maior parte, através das organizações católicas de trabalhadores conhecidas
como Círculos Operários (Memorando, 16/09/1946). A cerimônia de instalação do conselho consultivo do departamento
regional do SESI em São Paulo, presidida pelo interventor Macedo Soares, teve a presença do cardeal-arcebispo Carlos
Carmelo de Vasconcelos Mota, que proferiu um discurso felicitando os empresários paulistas por seu mais novo
empreendimento: “(…) Ou nos unimos ou seremos aniquilados. Não há pessimismo nessa afirmativa, e esta cruzada que
hoje se inicia tão promissoramente é um grito de união (…). Ela nasce apoiada pelo governo do Estado de São Paulo, pelo
espírito compreensivo do embaixador José Carlos de Macedo Soares, que acima dos problemas da administração se ocupa
também com os problemas sociais, com os problemas nacionais, com os mundiais da hora presente. S. exc. disse
corajosamente que o inimigo comum valia-se do momento atual para mais se estender; esse inimigo da humanidade, e,
sobretudo, o inimigo de Deus, essa organização deve estar fora da lei. Pois bem: em lugar dela há o trono do amor cristão,
que felizmente está estabilizado dentro das consciências, dentro dos corações dos nossos concidadãos e, de um modo muito
sensível, nas leis sociais que regem presentemente os destinos da nossa pátria, sendo que elas estão coroadas por este
diadema magnífico, por este decreto que estabeleceu o SESI na legislação social brasileira. (...)” ( Correio Paulistano,
26/07/1946). Em 1946, um extenso relatório sobre as atividades anticomunistas no Brasil encaminhado pelo diretor do FBI,
J. Edgar Hoover, informava que “organizações construídas pela Igreja continuavam a travar a guerra contra os comunistas.
Através dos Círculos Operários, a Igreja está concentrando a expansão de suas atividades anticomunistas” (Memorando, J.
Edgar Hoover para Lyon, 11/07/1946).
264

elementos subversivos dos sindicatos e suprimir movimentos grevistas”. Essa colaboração teria se
intensificado em 1949 e 1950, com a retomada da “agitação operária”385.
O departamento regional do SESI em São Paulo também recebia apoio do consulado norte-
americano. Em julho de 1949, um de seus oficiais comunicou ao Departamento de Estado que a seção
de informações (USIE) do consulado na capital paulista vinha cooperando com o SESI e lhe
fornecendo material anticomunista (Memorando, 28/07/1949). No mês seguinte, Cecil M. P. Cross, o
cônsul norte-americano, corroborou essa informação, solicitando ao Secretário de Estado, George C.
Marshall, que o departamento reunisse o maior número possível de material anticomunista (pôsteres,
roteiros para rádio, gravações, filmes, etc.) e os enviasse a São Paulo (Carta, 23/08/1949). Em outubro
daquele mesmo ano, Cross informou ao secretário Marshall que, para contra-atacar as atividades “pró-
paz” dos comunistas, que vinham se intensificando, o consulado tinha decidido publicar e distribuir
clandestinamente cinco mil cópias de um panfleto e duas mil cópias de um pôster que foram elaborados
por sua seção de informações. Mil panfletos foram entregues ao chefe de polícia de Sorocaba (SP) e
mil cópias do pôster foram entregues à “Polícia Secreta de São Paulo”. Uma segunda impressão de
cinco mil panfletos foi paga pelo SESI, através de seu fundo secreto, e entregue a uma terceira parte
para distribuição (Carta, 10/10/1949).
Não conseguimos apurar como se organizava a possível articulação entre as ações
anticomunistas realizadas pelo departamento regional do SESI em São Paulo e o trabalho executado no
departamento nacional e no conselho nacional386 dessa instituição, por Jacy Montenegro Magalhães –
que era irmão do “tenente” Juracy Magalhães 387. Mas o que se sabe é que Jacy era bastante próximo das

385 Weinstein (2000, p. 163) pondera que nem todos os membros do conselho do SESI pareciam apoiar o modus operandi
de Saad. Rodolpho Ortenblad, diretor da instituição, modificou a sua estrutura organizacional em agosto de 1950,
transformando a DOS em uma subdivisão da Divisão de Assistência Social, o que levou Saad a pedir demissão. Segundo
Weinstein, os detalhes são imprecisos (cloudy), mas parece que alguns oficiais do SESI o consideraram culpado de algumas
irregularidades financeiras. Isso teria levado seu apoiador, José de Paula e Silva, a revelar que Saad tinha um “fundo
secreto” a sua disposição, endossado por lideranças da FIESP, cujo uso era reportado apenas a Roberto Simonsen, Morvan
Dias Figueiredo e Armando de Arruda Pereira. A modificação no status da DOS foi contestada por outros diretores do SESI.
Diniz Gonçalves Moreira, por exemplo, considerava que “serviços desse tipo, que requerem conhecimento especial e
contatos com grevistas, agitadores, etc., não podem permanecer subordinados a uma divisão com um caráter técnico tão
marcado como a Assistência Social”. Em função dos protestos, a DOS foi reunida à Divisão de Educação, formando a
Divisão de Educação Social e Orientação. Em 1952, o conselho decidiu reorganizar a DOS como uma divisão separada,
devolvendo a Saad o seu espaço (Id., p. 164).
386 O regulamento interno do SESI criou um Conselho Nacional (CN), um Departamento Nacional (DN) e administrações
regionais, com seus respectivos Conselhos Regionais (CRs) e Departamentos Regionais (DRs). No momento de
institucionalização do SESI, o Departamento Regional de São Paulo “exerceu importante papel de precursor, devido à
importância de sua malha industrial, bem como à prévia organização e atuação da FIESP. Ao longo de toda a história da
instituição, este regional nunca deixou de ser fator de mobilização e direcionamento, mas sua hegemonia foi especialmente
marcante nos primeiros momentos do SESI (...)” (SESI/DN, 2008).
387 Militar, participante da Revolução de 1930, Juracy Montenegro Magalhães se tornou interventor na Bahia em 1931 e foi
eleito governador em 1935. Renunciou ao cargo quando foi instaurado o Estado Novo, em novembro de 1937. Em 1943
265

lideranças do empresariado paulista. Em entrevista a Ângela de Castro Gomes, ele relatou como foi sua
trajetória no meio sindical, a partir de sua nomeação, em 1931, para o recém-criado Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio:

Fui revolucionário, como meus irmãos, Jurandyr e Juracy Magalhães, nos anos 1930.
Aos 18 anos, em 1927, era o homem de ligação entre os que conspiravam, em
Pernambuco e na Paraíba, para mudar o regime. Por temperamento, atuava mais nos
bastidores388. Em outubro de 1930, participei de combates, mas já no dia 24, quando
ainda se lutava na Bahia, vim para o Rio de Janeiro trabalhar com o Juarez Távora na
Delegacia do Norte. Aquilo que o Chateaubriand apelidou de “vice-reinado do Norte”.
Na ocasião, estudava Medicina, mas o que me interessava mesmo era a revolução. (…)
Trabalhava na secretaria da Delegacia do Norte e estudava. Vinha de bonde da Praia
Vermelha para a Cinelândia, descia, e ia para o Senado… (…) Quando Juracy tornou-
se interventor da Bahia, minha ação se ampliou, e eu passei a ter contato com os
ministérios da Saúde, da Educação e do Trabalho. Foi quando conheci Getúlio Vargas e
Lindolfo Collor. Até então, o único dinheiro que eu ganhava era o dos Correios, um
emprego pro rata – cobrindo férias de funcionários efetivos –, ficando frequentemente
sem nada, nem para comer... Graças a uma apresentação de Oswaldo Aranha, fui
nomeado para uma das seis vagas de Fiscal da Nacionalização do Trabalho, com a
função de zelar pela aplicação da chamada Lei de Sindicalização. Isso aconteceu no
segundo semestre de 1931. Fui o segundo fiscal a tomar posse (…). Minha área de
trabalho ia da avenida Rio Branco, a partir da rua Santa Luzia, até a praça Mauá, onde
se situavam a maior parte do grande comércio e muitos bancos. (…) O Ministério do
Trabalho foi o meu chão. (…) eu agia conforme os ensinamentos do meu pai,
trabalhando incansavelmente, sem desânimo. A intenção era implementar, fazer
cumprir a lei. (…) Lindolfo Collor, o primeiro ministro [do Trabalho], (…) depois que

frequentou a Command and General Staff School, em Fort Leavenworth, nos Estados Unidos. Em 1945 participou da
criação da União Democrática Nacional (UDN), compondo a comissão executiva do partido presidido por Otávio
Mangabeira. Pela UDN, foi eleito representante da Bahia à Assembleia Constituinte de 1946. Com a promulgação da
constituição, passou a exercer o mandato de deputado federal, concluído em 1951. Entre 1946 e 1947 foi presidente da
sociedade “Amigos da América” e participou ativamente da campanha anticomunista desenvolvida no país. Foi presidente
da Companhia Vale do Rio Doce entre 1951 e 1952. No início de 1953 foi nomeado adido militar em Washington. Foi
presidente da Petrobrás (criada em outubro de 1953) entre maio e setembro de 1954. Em outubro desse mesmo ano foi eleito
senador pela Bahia. Em 1955, Juracy cursou a Escola Superior de Guerra (ESG), foi eleito um dos vice-presidentes da UDN
e integrou a direção executiva da campanha eleitoral de Juarez Távora, candidato à presidência da república pela coligação
UDN-PDC (Partido Democrata Cristão). No Senado, esteve na linha de frente da oposição ao governo Kubistchek. Em 1956
foi transferido para a reserva no posto de general-de-divisão. Em 1957 foi eleito presidente da UDN. No ano seguinte foi
eleito governador da Bahia. Apoiador e participante do golpe de 1964, foi embaixador do Brasil em Washington entre junho
de 1964 e outubro de 1965 (“O que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil” foi uma de suas afirmações que se
tornou célebre). Retornando ao Brasil, assumiu o Ministério da Justiça. Nessa posição, participou da edição do Ato
Institucional nº 2 (AI-2), o qual permitia punições extralegais de adversários do regime (cujo julgamento passou a ser da
alçada da Justiça Militar), extinguia os partidos políticos existentes, estabelecia eleições indiretas para a presidência da
República e acrescentava limitações ao Poder Legislativo em benefício do Executivo. Em janeiro de 1966 deixou a pasta da
Justiça e assumiu a das Relações Exteriores, na qual permaneceu até janeiro de 1967 (final do governo Castelo Branco).
Ocupou diversos cargos em empresas nacionais e estrangeiras. Entre elas, a Deltec, sobre a qual falaremos nos próximos
capítulos (Verbete CPDOC-FGV).
388 Em outro momento da entrevista, Jacy Magalhães observou: “Algo que eu aprendi muito bem foi o trabalho de
coordenação: na hora precisa, o responsável por tudo não precisa aparecer” (GOMES, 2007, p. 123, itálicos meus).
266

presenciou os conflitos promovidos pelo Partido Comunista, em São Paulo, tomou


consciência de que a legislação social tinha por objetivo evitar esses embates e
promover a cooperação entre empregados e empregadores. (…) Por sorte,
estabelecemos contato com Euvaldo Lodi, um industrial mineiro, do setor de gusa,
cujos negócios haviam sido prejudicados por um acidente provocado pela Hime,
empresa concorrente, e que vinha travando uma intensa luta contra a reação do CIB
[Centro Industrial Brasileiro]. Foi com apoio do Lodi, no Rio, e dos irmãos Figueiredo
– Morvan e Nadir – em São Paulo, que conseguimos fincar as primeiras cunhas das
novas ideias do ministério entre os empregadores. (…) E o Lodi vai ser o vice-
presidente do CIB (...). O CIB ficava na rua Buenos Aires, bem no centro da minha
área de fiscalização, e eu ia lá constantemente. Quando assumiu a presidência já se
criara a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro e a Confederação Nacional da
Indústria estava em vias de se constituir. (…) Em São Paulo, (...) por intermédio (…)
[do interventor João Alberto] passei a me entender com o pessoal do DET
[Departamento Estadual do Trabalho] 389. Ia a São Paulo, não todo mês, mas com
frequência, ou alguém de lá vinha ao Rio. O órgão (…) era dirigido por Bandeira de
Melo. Mas a voz ativa, mesmo, era a de Clóvis Martins Carvalho (...). (...) através dele,
fizemos boas relações com os irmãos Figueiredo, aos quais já me referi; empresários
do ramo de eletromecânicos, eles eram donos de uma pequena fábrica próxima à
avenida Ipiranga. Financeiramente, Clóvis dispunha de muito mais verba do que nós, e
deu um impulso formidável ao sindicalismo patronal e de empregados. (…) Sempre fui
alérgico à polícia, e muito mais ligado ao ministro, pessoalmente... Embora quem se
encarregasse da ligação entre Ministério e a 4 a Delegacia Auxiliar – o DOPS – fosse
meu chefe, Luís Franco, que dirigia a Inspetoria do Trabalho. (…) A assessoria do
ministro assistia-o nos processos que chegavam ao gabinete. (…) Quando da posse de
Agamenon [Magalhães] no ministério, em julho de 1934, (…) [fui] nomeado oficial de
gabinete, responsável pela área sindical terrestre e por toda a fiscalização. Foi uma fase
de greves, todas desencadeadas pela Aliança Nacional Libertadora (…) Na chefia de
Polícia, Filinto Müller era muito amigo de Jurandyr, meu outro irmão; eu é que não
confiava nele! (…) No gabinete, minha função era essa: dirimir as greves. Quando
eclodiu a greve dos padeiros, eu e Filinto Müller nos estranhamos: ele se opunha à
nossa intervenção. Deixei-o falando sozinho e me dirigi à rua da Harmonia, sede do
sindicato, para encarar os comunistas. À minha chegada, a assembleia prorrompeu em
apupos; fui brindado com nomes muito bonitos... Também não dei atenção. Acabei
discutindo com o comitê de greve, e chegamos a um acordo com o sindicato patronal.
O movimento encerrou-se sem violência, ninguém foi preso. Foi uma grande vitória,
um feito histórico! Numa segunda investida, o pessoal de esquerda tentou mobilizar os
motorneiros da Light. De novo, eu fui pra dentro da assembleia. Desta vez, o problema
se resumia ao descumprimento da lei. As reivindicações eram justas e foram atendidas.
O terceiro round contra os “vermelhos” foi na greve do pessoal de transportes
terrestres e marítimos de Niterói, os empregados da Cantareira, de barcas e bondes.
Mais tarde, voltamos a nos enfrentar quando eles convocaram a greve da Central e da
Leopoldina, e nós botamos os trens para funcionar. Em todos esses embates, eu só
contava com o apoio da fiscalização: jamais chamei a polícia. Dentro dos sindicatos,
confrontavam-se os setores que atuavam segundo as diretrizes do Partido Comunista e
o pessoal não-comunista. Externamente, a pressão dos políticos era fortíssima. Mas, de
cada greve, eu extraía ensinamentos. Com a fiscalização, a verdade transparecia, e os
que haviam aderido supondo serem verdadeiros os argumentos da Aliança Nacional
Libertadora, logo se voltavam para nós. (…) [Em 1936 ou 1937] me afastei do
389 O DET foi criado em 1911 e reformado logo após a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC).
Continuou operando até 1952 (CHAVES, 2009).
267

gabinete. Hoje, acredito ter cometido um equívoco: atuando dentro do Ministério, com
seriedade e honestidade, quem sabe poderia evitar muitos desmandos. Voltei à
Fiscalização, ao meu cargo efetivo no Departamento Nacional do Trabalho (…). Nos
meses subsequentes, ainda cumpri uma derradeira missão política, acompanhando
Juracy a São Paulo, para uma tentativa de entendimento com Armando Salles. Meu
irmão queria que o governador de São Paulo retirasse a sua postulação à Presidência da
República – enquanto José Américo faria o mesmo – abrindo espaço a uma candidatura
militar. A de Dutra, naturalmente. Enfático, Juracy não via outra maneira de evitar o
golpe de Estado. Tudo debalde, pois passadas 24 horas daquele encontro, Getúlio já
sabia da conversa inteira, e enviou Vicente Rao a Armando Salles com a tarefa de
desautorizar e desmentir tudo o que fora dito. (…) Então, resolvi dar um basta na
política, e aceitei o convite de Virgílio de Melo Franco e Solano Carneiro da Cunha,
para fundar uma companhia de seguro, a Metrópole de Acidentes do Trabalho. (…) Fui
contratado como superintendente de produção. (…) meu cargo efetivo não acarretava
nenhum impedimento. Como fiscal do trabalho, eu tinha missões determinadas e as
cumpria. Só não podia exercer medicina do trabalho externamente, o que se tornou,
inclusive, proibido pela legislação do Estado Novo. (…) nas idas e vindas entre a
companhia de seguros e a fiscalização, eu me distanciei da política, e me tornei, de
certa forma, imune a ela. O golpe de Estado me parecia inevitável, e eu me sentia
impotente, não obstante tivesse contribuído para a criação do social-trabalhismo e para
implantação do sindicalismo nos estados do Sul 390 (GOMES, 2007, p. 107-135).

Jacy Magalhães também se envolveu com a Organização Sindical Paulista (OSP), criada em
1936. Descrita por ele como “uma ponte entre as lideranças patronais e de trabalhadores” 391, a OSP
teria estado “na origem de todo o sindicalismo paulista, tanto o patronal (...) como o de empregados”.
Dirigida por um conselho misto, a organização era presidida por Alberto Salles de Oliveira, irmão do
governador de São Paulo392. Segundo o Correio da Manhã (01/05/1945), Jacy permaneceu longo tempo
radicado nesse estado, vinculado ao Conselho Regional do Trabalho e mantendo “regular clínica”. Em
maio de 1945, ele foi transferido de volta para o Rio de Janeiro, sob protesto393.
390 Para maiores informações sobre Jacy Magalhães, ver sua FICHA em anexo.
391 Entre as atividades dessa organização, encontravam-se também as de cunho “educativo”: “Estão despertando grande
interesse as palestras cívicas, sociais e educativas que a Organização Syndical Paulista fará realizar para o nosso operariado,
a fim de chocá-lo ante a realidade dos fatos que agentes de ideologias exóticas querem, a todo custo, deturpar. A conferência
inaugural, a ser pronunciada (…) no salão nobre do Departamento Estadual do Trabalho [DET], promete atrair grande
assistência. (…) As nossas camadas proletárias necessitam, antes de tudo, de alguém que as esclareça sobre as manobras dos
que querem levá-las à desgraça. (…) Convenientemente esclarecido o nosso proletariado, nada poderemos temer dos
inimigos do Brasil” (Correio de S. Paulo, 28/10/1936). A OSP também editava uma revista, intitulada Marco, igualmente
“destinada à educação do operário”. A publicação, dirigida por Octacílio Tomanik e Fernando Callage era, segundo
comentários no jornal Correio de S. Paulo (09/09/1936), “repleta de leitura instrutiva, completando perfeitamente a função
educativa que se propõem realizar os sindicatos”.
392 Maiores informações sobre a atuação de Jacy Magalhães na OSP, ver FICHA em anexo.
393 O Diário Carioca (12/05/1945) publicou o seguinte telegrama de Jacy Magalhães (“oficial administrativo e antigo
inspetor do Trabalho”) para o ministro do Trabalho, Marcondes Filho: “O fato de estar eu trabalhando sinceramente na
campanha de democratização do Brasil, debaixo da bandeira Eduardo Gomes, deu motivo à minha transferência para o Rio,
ordenada pelo Ditador e gostosamente cumprida pelo senhor. Gostosamente digo, porque tenho procurado evitar que seus
elementos de confiança levem avante a campanha de greves, medida prévia para a concretização da permanência do Ditador
268

É possível que essa transferência não tenha sido concretizada e que Magalhães se encontrasse
em São Paulo à época da fundação do SESI 394. E, mais do que isso, em função das relações que
mantinha e das atividades que exercia naquele estado, é muito provável que Jacy Magalhães também
tenha participado da criação do SESI395. Mas, antes de atuar no seu departamento nacional, ele voltou a
ocupar um cargo no gabinete do ministro do Trabalho 396 – que, entre outubro de 1946 e setembro de
1948, como informado anteriormente, foi chefiado por Morvan Dias de Figueiredo. Deixando o
ministério, Morvan Figueiredo ocupou a presidência da FIESP, no lugar de Roberto Simonsen, que
faleceu em maio de 1948. Morvan Figueiredo também viria a falecer pouco tempo depois, em maio de
1950397.
no poder. (…) Incitadores do desassossego social são os elementos como o senhor, que não dão ordens aos seus
subordinados para acabarem de vez com essa campanha de ‘nós queremos’”.
394 Em maio de 1946 Juracy Magalhães esteve presente à reunião conjunta da diretoria e conselheiros do IDORT,
convocada para homenagear a memória de Armando de Salles Oliveira, presidente de honra do instituto, no 1º aniversário
de seu falecimento (O Estado de São Paulo, 16/05/1946).
395 Apesar de não termos encontrado nenhum estudo que aponte para a existência de uma relação entre as atividades da
OSP e aquelas que viriam a ser desenvolvidas pelo SESI, podem-se observar semelhanças entre algumas delas. Weinstein
(2000, p. 112-113), que não menciona a OSP, observa que o SESI, considerado uma criação de Roberto Simonsen e, em
menor extensão, de Morvan Dias Figueiredo, na verdade representou a realização de um velho (long-standing) projeto
industrialista. Mas a pesquisadora avalia que Simonsen, provavelmente, merece o crédito pela decisão de estruturar o SESI
à imagem do SENAI. Weinstein também reconhece que muitas das características do SESI eram diferentes das dos projetos
anteriores, refletindo a conjuntura histórica particular do momento em que foi criado.
396 A data em que começou a trabalhar no gabinete não foi identificada. Referências nos jornais aparecem a partir de 1947
(A Noite, 17/10/1947).
397 Conforme Leopoldi (2002, p. 52-53), na FIESP permaneceu existindo “a influência de Roberto Simonsen e de outros
líderes de sua geração, como Morvan Dias de Figueiredo e Armando de Arruda Pereira”, através de “Nadir Figueiredo,
irmão de Morvan, que, como ‘eminência parda’, conduziu a transição de uma geração a outra”. Nadir Figueiredo foi assim
descrito em uma reportagem de 2013 do jornal O Globo, que destacou o “elo da FIESP com o porão da ditadura”:
“Figueiredo era figura ímpar no empresariado paulista. Emergiu da Depressão de 1929 como proprietário de fábricas de
vidros, lâmpadas e aparelhos de iluminação na região metropolitana de São Paulo. Com o irmão Morvan (…) ajudara o
engenheiro e senador Roberto Simonsen a erguer o mais influente condomínio sindical do patronato brasileiro
(Fiesp/Ciesp/Sesi/Senai). Com a morte de ambos, nos anos 50, Figueiredo desfrutou como ninguém do controle político
dessas entidades. Dono de um sorriso enigmático, fala mansa e sempre a bordo de um terno escuro, elegeu todos os
presidentes da Fiesp durante três décadas, até 1980. (…) Jardineiro da dissimulação, distanciava-se com polidez de
jornalistas e pretensos biógrafos (…)”. Figueiredo, segundo a reportagem, tinha uma relação de confiança com Geraldo
Resende de Mattos, ligado à FIESP, que entre 1971 e 1978, frequentou “os andares do Dops onde funcionavam as seções de
Política e de Informação, três a quatro vezes por semana no final do expediente”: “Às vezes, [Mattos] passava mais tempo
lá do que na federação. Tinha 52 anos e estava há 28 no Serviço Social da Indústria (Sesi)”. Em 19 de abril de 1971, o “Dr.
Geraldo da Fiesp” fez uma visita atípica ao DOPS: “Durou dez minutos. Saiu às 18h 40m da delegacia onde imperava
Sérgio Paranhos Fleury, ícone da corrupção e da violência policial, a quem o comando militar dera proeminência na
máquina de repressão política. Fleury estava nas ruas, caçando terroristas que, quatro dias antes, assassinaram um diretor do
Centro das Indústrias (Ciesp). Antes da semana acabar, comandaria a aniquilação do Movimento Revolucionário Tiradentes,
integrante do consórcio guerrilheiro montado para a execução do empresário Albert Henning Boilesen. (…) O dinamarquês
Boilesen, de 54 anos, havia sido eleito na Fiesp/Ciesp com o aval de Nadir Figueiredo depois de chegar à direção do grupo
Ultra. Eram vizinhos no charmoso bairro Jardim América. Na manhã de quinta-feira, 15 de abril, foi emboscado ao sair de
casa. Metralhado, morreu na sarjeta. Ativo colaborador do Departamento de Operações Internas (DOI) do II Exército,
Boilesen se destacava nas reuniões da federação pela veemência na defesa da ajuda financeira e logística ao aparato de
repressão política. Dias antes de ser assassinado propôs a criação de um braço armado, civil, em apoio ao regime militar”.
Conservadores como Figueiredo sentiram-se desnorteados. O líder industrial decidiu ir à luta. E levou a Fiesp a uma
campanha em aliança com grupos ultrarradicais, como a medievalista Tradição, Família e Propriedade (TFP) (…)”. Nadir
269

A partir desse momento, a atuação de Jacy Magalhães passou a ser identificada com a de
Euvaldo Lodi, que presidiu a Confederação Nacional da Indústria até 1954 e faleceu em 1956.
Leopoldi (2002, p. 53), que, assim como Gomes (2007), entrevistou Jacy Magalhães no início da
década de 1980, se refere a ele como “assessor de Simonsen e Lodi na CNI”. Em janeiro de 1949, Jacy
Magalhães já era apresentado como representante do SESI, SESC e SENAI (Jornal do Brasil,
21/01/1949). Sua relação com essas instituições e com a Confederação Nacional da Indústria, da qual
se tornou diretor-executivo em 1958398, foi longeva: em 1975 ele assumiria a direção do Instituto
Euvaldo Lodi (IEL), criado em 1969 para “aproximar a universidade da indústria”, por um grupo de
empresários vinculados à CNI e ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) 399 (CARVALHO,
2009).

Figueiredo entregou ao sucessor de Geisel, o general João Batista Figueiredo, um “manifesto empresarial a favor do
regime”. Vencido, também “viu seu poder declinar na Fiesp. Saiu de cena em 1980, quando pela primeira vez saboreou a
derrota numa eleição da federação”. Geraldo Mattos acabou sendo demitido pela nova diretoria (O Globo, 10/03/2013).
398 Segundo um colunista do jornal Última Hora, “com a vitória do Senador Juraci Magalhães na Bahia e seu precipitado
lançamento como candidato ao Catete, a maioria udenista da CNI conseguiu pressionar, com êxito, no sentido da nomeação
do seu irmão, Jaci Magalhães, para o até então inexistente cargo de diretor-executivo da Confederação” (Última Hora,
19/11/1958). No SESI foi diretor da Divisão de Organização do Trabalho (Correio da Manhã, 27/08/1952), diretor da
Divisão de Administração do Conselho Nacional (ao mesmo tempo em que era chefe de gabinete do presidente da CNI –
Correio da Manhã, 27/01/1955) e diretor da Divisão de Estudos e Planejamento (Diário de Pernambuco, 09/08/1957).
399 O primeiro diretor geral do IEL foi o empresário Jorge Bhering de Mattos, que pertenceu aos quadros do IPES
(CARVALHO, 2009). Seu nome voltará a ser mencionado mais adiante.
270

CAPÍTULO 6 – AS MÚLTIPLAS FRENTES ANTICOMUNISTAS

A filosofia da Escola Superior de Guerra nasceu após a Segunda Guerra Mundial, quando se
percebeu que a segurança do país extrapolava o combate no campo de batalha.
- General Edmundo de Macedo Soares, entrevista, 1998.

Na verdade, nós estamos envolvidos em uma forma de guerra psicológica. Nosso melhor amigo
no Brasil é o Exército, que é quase totalmente pró-americano.
- Berent Friele, em reunião do CFR, 1953.

Nunca poderia se esperar que o povo brasileiro fizesse a coisa certa para si próprio na questão
do petróleo.
- Edmundo Barbosa da Silva, chefe do Departamento Econômico do MRE, 1955.

Na década de 1950, Jacy Magalhães – descrito por seus críticos como “espécie de espião e
provocador policial” (Última Hora, 26/05/1953) – fazia parte de um grupo anticomunista bastante
ativo, como demonstram as informações reunidas no acervo da representação diplomática dos Estados
Unidos no Brasil. Em março de 1952, quando apresentou sua campanha anticomunista a Alan K.
Manchester, cultural officer da embaixada norte-americana, ele informou que, junto a “outros”, estava
promovendo ações de contrapropaganda direcionadas ao exército, a lideranças sindicais e
trabalhadores, a professores, administradores e trabalhadores rurais (Memorando, 11/03/1952)400.
Magalhães, segundo Manchester, considerava que a ameaça comunista era uma questão séria e temia
que, no caso de um putsch, o exército se solidarizasse com os comunistas.
Ele também acreditava que Minas Gerais era o ponto crucial da luta, em função de sua posição
geográfica, e insistia que muitas pessoas, em altos cargos, eram comunistas ou simpatizantes do
comunismo: “Ele afirmou diversas vezes que, através de seus agentes, os quais colhiam informações
dos comunistas, ele tinha recebido informações que sustentavam sua tese de que a ameaça era real”.
Jacy também achava que a embaixada norte-americana deveria se envolver de forma mais ativa nessa
campanha, não deixando evidente sua participação nas ações (not with its trade mark on its actions),
mas anonimamente, através de canais brasileiros: “Ele me assegurou que existiriam canais brasileiros e

400 Conforme Manchester, foi Magalhães quem o convidou para um encontro: “Depois de ter sido recebido com cerimônia
por um pequeno grupo, fiquei sozinho com o sr. Magalhães. No início da conversa, que começou logo após o meio-dia, ele
comentou que havia organizado o almoço com um objetivo definido, que ele poderia ser uma "porcaria" ou um
empreendimento lucrativo para nós dois, o que ele esperava que acontecesse. Mais tarde na conversa, ele disse que iria
relatar o encontro e tudo o que fosse dito a seu oficial superior. Supus que ele se referisse a Euvaldo Lodi” (Memorando,
11/03/1952).
271

pessoas que apreciariam nossa cooperação”. Manchester relatou que Jacy Magalhães fez quatro
solicitações específicas:

(1) Ele deveria ser consultado antes que nós promovêssemos, através do nosso
programa de tradução, a publicação de qualquer livro sobre comunismo. (…) (2) Nós
deveríamos disponibilizar nossos recursos cinematográficos para uso de sua
organização. (3) Nós deveríamos aproveitar seus canais para a distribuição de livros,
panfletos, revistas e outros materiais. (4) Ele quer nossa ajuda em um projeto, ainda em
estágio confidencial. Ele está organizando uma campanha experimental em três áreas
de Minas Gerais, no Triângulo Mineiro, no Mato [Grosso] e no Oeste de Minas.
Unidades móveis com filmes serão enviadas a cada uma dessas áreas. Um programa
educacional sob a direção de [Francisco Gomes] Maciel Pinheiro completará a
exibição dos filmes. Ele quer tantos filmes, livros, etc. quanto possamos fornecer
(Memorando, 11/03/1952).

A solicitação de cooperação foi relatada ao conselheiro da embaixada norte-americana, Herbert


Cerwin, que a repassou ao embaixador, Herschel Johnson. Cerwin informou ter discutido o tema com
Ray Herbert (oficial da CIA, provavelmente chefe da estação local da agência, conforme visto no
capítulo 3). Ambos teriam concordado que “sob nenhuma circunstância a seção cultural da embaixada
deveria se envolver com a disseminação de material anticomunista”. Na opinião de Herbert, expressa a
Cerwin, Jacy Magalhães era “amigável e ansioso por cooperar”, mas era também um oportunista, que
poderia trocar seus aliados a qualquer momento. Por isso, Cerwin opinou negativamente sobre o pedido
de apoio feito a Manchester:

Eu não acho que ele [Jacy Magalhães] deveria conhecer ou ser familiarizado com
nenhuma propaganda cinza401 que nós possamos estar distribuindo ou com a qual
possamos estar trabalhando no Brasil (any gray material that we might be distributing
or working on in Brazil). (…). Minha impressão é a de que cabe aos brasileiros realizar
a campanha anticomunista no Brasil, a partir de seu ponto de vista, e que nós devemos
continuar trabalhando discretamente e nos bastidores, exceto quando a informação for
ostensiva (except with such information that is overt). (…) (…) Se você tiver objeções
ou considerar que estou sendo cauteloso demais, por favor me avise, mas eu acho que
deveríamos ser muito cuidadosos ao lidar com agências desse tipo. Eu reitero que, seja

401 Para a definição de “propaganda cinza”, ver ver FICHA USIA e Propaganda em anexo.
272

qual for a decisão, aquela função não deve ser executada pela seção cultural 402
(Memorando, 12/03/1952).

Em janeiro de 1953, o oficial de relações públicas da embaixada, William Wieland, passou um


final de semana no sítio de Jacy Magalhães, na serra fluminense. Ao longo das conversas, Jacy teria
enfatizado a necessidade de uma cooperação mais próxima entre o SESI e os norte-americanos no
combate ao comunismo no Brasil, onde a situação estaria “extremamente perigosa”. Conforme o relato
de Wieland,

Ele disse que todos os jornais estão infiltrados por comunistas, destacando as posições
particularmente estratégicas que eles ocupam no Diário de Notícias e no Correio da
Manhã. Ele descreveu a Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda como o jornal que
possui a maior influência sobre a classe média e particularmente entre as forças
armadas e grupos de estudantes. Ele disse que esse jornal tinha sido escolhido pelo
Conselho de Segurança Nacional para se transformar (to be developed into) no
principal veículo de imprensa na luta contra o comunismo no Brasil e pediu nossa
colaboração em apoio a esse jornal. Eu lhe contei que nós já estamos cooperando
intensivamente com a Tribuna da Imprensa e esperamos continuar a fazê-lo. Ele então
levantou a questão do apoio através de anúncios das empresas norte-americanas. Eu
expliquei que esse era sempre um problema delicado, mas que eu teria prazer de, em
minhas conversas com empresários norte-americanos, informá-los de que nós tínhamos
grande consideração pela Tribuna da Imprensa e, evidentemente, encorajaríamos as
empresas, sempre que oportuno, a anunciar nesse jornal. Eu expliquei, contudo, que
nós não poderíamos recomendar a essas empresas que sacrificassem outros jornais em
benefício da Tribuna. Eu então comentei que a organização dele estava em uma
posição muito melhor para recomendar publicações aos publicitários do que a
Embaixada. Eu ressaltei que, atualmente, a maioria das agências de publicidade são
dirigidas por brasileiros e que os negócios americanos no Brasil foram obviamente
afetados de forma severa pelas restrições à importação e outros obstáculos. Eu lhe
disse que, se ele quisesse, a qualquer momento, solicitar minha cooperação para
conversar com qualquer empresa, no que concerne à realização de anúncios na
Tribuna, eu ficaria feliz em ajudá-lo, caso as relações pessoais justificassem. Ele disse
que isso o deixava satisfeito403. Ele me contou que sua organização tem seus próprios
402 É importante destacar que Herbert e Cerwin, apesar das desconfianças que tinham em relação a Jacy, não eram
contrários a apoiar as suas iniciativas anticomunistas no Brasil. Eles apenas se opunham à ideia de que este apoio fosse feito
pela seção cultural da embaixada.
403 O jornal Tribuna da Imprensa foi fundado por Carlos Lacerda no final de 1949. Segundo Mendonça (2008), os recursos
necessários foram fornecidos por “grupos empresariais vinculados ao capital externo”. Desde o princípio, o jornal se
caracterizaria “como um veículo de divulgação de teses antinacionalistas e antipopulares”. Em 1955, a imprensa comunista
acusava Lacerda e seu jornal de serem orientados pelo escritório de advocacia Richard Paul Monsen (a quem já nos
referimos no capítulo 3), que teria sua equipe constituída por “vende-pátrias formados”. Entre eles, Alberto Torres Filho,
Fernando Cícero Veloso (genro de Bouças, para quem já trabalhou Lacerda na Hollerith) e Thomas Othon Leonardos, que
também seriam acionistas da Sociedade Editora Tribuna da Imprensa S.A. Veloso seria ainda diretor secretário da empresa.
Lacerda era caracterizado como “um dos testas-de-ferro mais bem pagos pelos trustes”: “Monsen não existe por si. Trabalha
273

“agentes” em cada grande jornal e em praticamente todos os jornais do Rio, São Paulo,
Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e outras cidades importantes. (…) Ele disse que
está planejando uma série de programas de rádio direcionados especialmente aos
seguintes grupos, para os quais ele também pretende orientar o restante de seu
programa: (a) militares, (b) estudantes, (c) trabalhadores, (d) mulheres, (e) intelectuais,
(f) classe média em geral. Ele falou que pretendia colocar esses programas
especializados em mãos de pessoas com experiência em cada campo, isto é, oficiais do
exército, estudantes, lideranças sindicais, etc., respectivamente, e cada um
especialmente educado em pensamento político (Memorando, 28/01/1953).

Essa formação política já vinha sendo promovida no Brasil, com qualificado apoio
internacional. Em agosto de 1952, o adido trabalhista da embaixada estadunidense, Irving Salert,
relatou ao Departamento de Estado ter recebido a informação de que o SESI, sob direção de Jacy
Magalhães, estava financiando a criação do Centro Brasileiro para o Realismo Social. Este centro seria
a divisão brasileira da Universidade Internacional de Roma 404, cujo reitor era o padre Félix Morlion405.
Salert tinha tomado conhecimento desse projeto através do padre Efrem Piccardi (“Efrem de Gênova”),
em benefício dos interesses de grandes trustes (…). Entre as companhias monopolistas norte-americanas no Distrito Federal,
em que os advogados do escritório Monsen aparecem como representantes figuram a RCA Victor, All American Cables,
Standard Electric, Coca Cola, Grant Advertising, Panair, United States Steel (Companhia Nacional de Mineração), Moore
McCormack, Chase Bank, Lone Star Cement (Companhia Nacional de Cimento Portland e Cimento Aratu), Helena
Rubinstein, Columbia Broadcasting System Inc, Standard Oil of California, etc. (…) Momsen garante a publicidade da
Tribuna da Imprensa e sempre foi seu sustentáculo. Financia suas campanhas e fornece-lhe material. (…) Não é por acaso,
portanto, que Lacerda defende sistematicamente os interesses norte-americanos contra o Brasil. Essa é a principal função
que lhe designou o imperialismo” (Imprensa Popular, 30/01/1955). De caráter antigetulista, a Tribuna da Imprensa também
teve Euvaldo Lodi como um de seus alvos, como relatou o jornal Última Hora, seu grande opositor – a respeito da
campanha de Carlos Lacerda contra o Última Hora, ver Delgado (2006) e Mendonça (2008).
404 De acordo com o padre Efrem, a Universidade Internacional de Estudos Sociais, amparada pela União Internacional
“Pro Deo”, foi criada em 1945, “na época em que a cristandade empenhava no plano social uma luta decisiva para
sobrepujar o materialismo marxista”. Seu objetivo era “formar quadros superiores, especializados no domínio das ciências
sociais e das técnicas modernas da organização e difusão do pensamento”. A universidade possuía três faculdades (de
Economia e Comércio, de Ciências Sindicais e de Ciências Políticas) e institutos superiores (de Línguas Estrangeiras, de
Ciências da Opinião Pública – compreendendo jornalismo, cinematografia, rádio-televisão, publicidade e relações públicas
– e o de Estudos Pedagógicos”. Ao lado das faculdades e institutos para a formação profissional, a universidade criou, por
meio de “uma união internacional de homens de estudo e homens de ação ‘Pro Deo’, um dinamismo cristão para a solução
dos problemas sociais, econômicos, políticos e culturais”. A essa “harmonização da ‘philosophia perennis’ com os métodos
modernos de ação social” se denominou “Realismo Social”. Para desenvolver o mesmo “movimento ideológico” em outros
países, foram criados Centros de Realismo Social na Colômbia, Peru e Brasil (Rio de Janeiro e São Paulo). A União
Internacional “Pro Deo” (UIPD), da qual o padre Efrem Piccardi era vice-presidente para a América Latina, buscava
difundir internacionalmente “o conhecimento e consequentemente a afirmação da Universidade”, operando no “plano
prático da utilização dos seus próprios métodos e técnicas”. A UIDP, conforme Efrem, teria uma “natureza genuinamente
espiritual, longe de ser uma organização bem como um movimento político”. As iniciativas que surgissem sob sua égide não
seriam, necessariamente, exclusividade da mesma, podendo fazer parte “das várias organizações já existentes, as quais
utilizando os métodos ‘Pro Deo’ e os especialistas formados conforme as técnicas da Universidade”, viriam a “praticamente
colaborar nos ideais comuns reciprocamente”. O padre alertava que uma “atuação de bem-estar social” não poderia ser
“duradoura e eficiente” se não se apoiasse em “uma maturidade difundida no povo, que garanta a unanimidade das
vontades”, o que, por sua vez, não seria possível “senão através de uma sistemática e orgânica formação de base popular e
de opinião pública”. Era “precisamente sobre este plano” que a UIDP trabalhava, “contribuindo para a formação de uma
vasta classe popular de novos dirigentes na opinião e vida pública” (Documentos de Efrem Piccardi, 1953).
274

a quem tinha sido designada a tarefa de criar o centro no Brasil. Salert acreditava que o apoio do SESI
a esse trabalho poderia torná-lo um importante instrumento na luta contra o comunismo no país406.
Conforme as informações fornecidas pelo padre Efrem, que estaria trabalhando em conjunto
com Magalhães no desenvolvimento do programa do centro, os cursos se iniciariam no dia 05 de
agosto, com cem estudantes cuidadosamente selecionados entre homens e mulheres, provenientes de
várias agências governamentais e ministérios, incluindo o do Trabalho, o da Guerra, da Aeronáutica, da
Fazenda, da Educação e da Agricultura, assim como membros influentes (key-members) da comunidade
industrial do Rio de Janeiro e adjacências (Foreign Service Despatch 198, 13/08/1952). Em outro
documento encontramos a informação de que, em 1952, “professores especializados, enviados de
Roma, ministraram cursos intensivos nos Centros de Realismo Social do Rio de Janeiro e de São Paulo
405 Em 1932, na Bélgica, Félix Morlion criou seu primeiro Centro de informação e de publicação Pro Deo (Centre
d’information et de publication Pro Deo) (CIP) – não há informações de que esse movimento tenha relação com o outro, de
mesmo nome, associado à Entente Internacional Anticomunista de Genebra, dirigido por Georges Lodygensky. Depois que a
Alemanha invadiu seu país, Morlion constituiu o centro internacional Pro Deo em Lisboa, em 1940. Com a ajuda de
William Donovan, chede do Office of Strategic Services (OSS) dos Estados Unidos, ele seguiu para Nova York, onde, a
partir de 1941, atuou através do Catholic International Press (CIP), que possuía um serviço de imprensa e um boletim
bimestral e realizava cursos sobre os princípios da democracia. Além de financiar o trabalho de Morlion durante a Segunda
Guerra, Donovan o ajudou a retornar a Roma, em 1944. Seguindo à libertação da cidade, a pedido do papa Pio XII, o padre
belga fundou, em novembro de 1944, uma estrutura de formação denominada Escola de Mídia de Comunicação de Massa
(School of Mass Communication Media), na qual se graduaram os principais integrantes dos “comitês cívicos” criados por
Luigi Gedda, presidente da Ação Católica italiana. Essa organização, com o apoio financeiro “discreto, mas abundante” do
governo estadunidense, teve papel crucial na vitória eleitoral da democracia cristã em 1948. Morlion, como figura
proeminente da campanha anticomunista que levou a essa vitória, chamou a atenção de Henry Luce (Time Inc.) e C. D.
Jackson (figura central da formulação da “guerra psicológica” nos Estados Unidos, citado no capítulo 1), que criariam uma
filial de seu movimento, a American Council for the International Promotion of Democracy under God. Na década de 1950,
milhares de dólares foram canalizados ao movimento Pro Deo, sob os cuidados da embaixadora norte-americana na Itália,
Clare Booth Luce, que era a esposa de Henry Luce. Na década de 1960, Morlion parece ter perdido o patrocínio da CIA,
como ocorreu com vários grupos anticomunistas europeus que surgiram logo ao final da Segunda Guerra (AUBOURG,
2006; SCOTT-SMITH, 2016).
406 O padre italiano comentou com o adido norte-americano que, apesar de seu trabalho receber todo o apoio de Jacy
Magalhães e Euvaldo Lodi, ele discordava da “abordagem negativa” de combate ao comunismo adotada pelos dois. Efrem
esperava poder influenciá-los, a fim de que o programa e as atividades do centro pudessem correr sem atritos ( run
smoothly). O currículo do curso intensivo sobre ativismo social do Centro Brasileiro de Realismo Social era o seguinte:
“Bases para o contra-ataque ao marxismo – I. Realidade social do Brasil (1. Situação político-econômica, prof. Euvaldo
Lodi; 2. Condições trabalhistas e sindicais, prof. Segadas Viana; 3. Legislação trabalhista; 4. Assistência social). II.
Investigação psicológica no campo trabalhista (1. Problemas do mundo do trabalho, prof. Angeletti; 2. Psicologia do mundo
do trabalho, prof. Efrem; Filosofia da opinião pública, prof. Efrem; Filosofia do realismo social, prof. Angeletti). III. A ação
comunista no mundo do trabalho (1. Utopia comunista, prof. Angeletti; 2. A organização comunista, prof. Girolamo; 3.
Métodos comunistas, prof. Efrem; 4. Propaganda comunista, prof. Girolano). IV – Contra-ataque à utopia marxista (para ser
usada nos campos cívico e trabalhista) – A. Como direcionar/dirigir (direct) a opinião pública (exercícios para a prática,
para uso nos campos cívicos e sindicais). I. Informação: dialética atual/nos dias de hoje; técnicas de informação; técnicas de
investigação psicológica. II. Propaganda (exercícios para a prática, para uso no campo social e cine-fórum): dialética do
slogan popular; técnicas do editorial; técnicas do debate; técnicas de cine-fórum; filmes para campanhas de opinião pública;
dialética antimarxista; B. Métodos de ação (exercícios e uso nos vários setores, a fim de difundir as ideias e filosofia social
do SESI). I. Infiltração: técnicas de infiltração; técnicas de movimento popular; meios de infiltração. II. Organização:
seleção de lideranças (heads); técnicas sindicais; criação de núcleos; propaganda oral; slogan; propaganda escrita (jornais
populares, posters); propaganda visual (filmes, panfletos); educação cívica (superação do complexo de inferioridade no
mundo do trabalho)”.
275

a cerca de 300 alunos brasileiros”, vários dos quais teriam se inscrito posteriormente na Universidade
em Roma (Ofício de Vicente Rao, 22/02/1954). Sabe-se também que, naquele mesmo ano, o “Frei
Efrem de Gênova” pronunciou cinco conferências para o DOPS de São Paulo (Boletim Informativo nº
96, 17/10/1952).
Em sua ação anticomunista, Jacy Magalhães coordenava esforços em múltiplas frentes, como
deixa claro o relato de Collins D. Almon, adido da embaixada norte-americana (na verdade, um oficial
da CIA, provavelmente chefe da estação da agência no Rio de Janeiro, conforme visto no capítulo 3),
que em outubro de 1952 foi convidado para uma reunião em seu escritório. Segundo a descrição feita
por Almon ao embaixador Herschel Johnson, Magalhães queria saber se tinha chegado a este último a
mensagem previamente enviada por Mário de Pimentel Brandão – que era então, novamente, secretário
geral do Ministério das Relações Exteriores407. No documento redigido por Almon, classificado como
Top Secret, não há detalhes sobre o conteúdo dessa mensagem. Ele apenas relembrou Johnson de que o
pedido em questão tinha sido transmitido pela “senhora Carlos Buarque de Macedo”408. E observou:

Pela maneira com que Magalhães falou sobre isso comigo (…) pareceu que tinha sido
solicitado a ele, assim como à Sra. Buarque de Macedo, que me passasse a mensagem.
Talvez a Sra. Buarque de Macedo tenha sido inicialmente escolhida para falar comigo
sobre o assunto porque ela fala inglês e assim não haveria chance de um mal-
entendido. A Sra. Buarque de Macedo vê Magalhães quase diariamente em conexão
com seu trabalho anticomunista. Quando eu falei a Magalhães que eu tinha lhe
informado sobre o pedido, ele afirmou que independentemente do que o ministro das
Relações Exteriores [João Neves da Fontoura] pudesse dizer a você, o Brasil não iria
enviar tropas para a Coreia neste momento. Ele disse que o ministro das Relações
Exteriores era um diplomata e que ele falaria em linguagem diplomática, mas que ele
tinha pouca influência no governo e não poderia sustentar tudo o que dizia. Magalhães
parecia estar expressando sua opinião pessoal quando disse que pressionar o Brasil
neste momento poderia inclusive levar à queda do governo Vargas. Ele disse que
Vargas era um de nossos melhores amigos no Brasil, acreditemos nisso ou não. Eu
mencionei o fato de que os comunistas, por um longo tempo, vêm fazendo propaganda

407 Como visto no capítulo anterior, Pimentel Brandão foi Secretário Geral do Itamaraty entre 1934 e 1936 (gestão Macedo
Soares) e Ministro das Relações Exteriores entre 1937 e 1938.
408 Maria Henriqueta Mendes de Almeida Buarque de Macedo era viúva do diplomata Carlos Buarque de Macedo, falecido
em abril de 1952 (A Noite, 05/05/1952). Ele tinha trabalhado na Secretaria Geral do Itamaraty com Pimentel Brandão, em
1935 e 1936. Foi seu auxiliar de gabinete no início de 1937, quando Pimentel Brandão assumiu o cargo de ministro,
substituindo José Carlos de Macedo Soares. Segundo o jornal A Noite (29/04/1952), Buarque de Macedo estava “servindo
na Rússia, quando do rompimento das relações diplomáticas do Brasil com a mesma. Grande combatente contra o
comunismo, publicou um trabalho sob este título: ‘Meu contato com Moscou’”. Em 1949, encontrava-se na Divisão Política
do MRE e, em 1951, na Seção de Segurança Nacional do Ministério. Maria Henriqueta, cujo apelido era Riette, teve seu
retrato pintado por Cândido Portinari em 1927 (https://artsandculture.google.com/asset/retrato-de-riette-mendes-de-
almeida/bQEKnSH-fR1XKg?hl=pt-BR). Ela era filha de Cândido Mendes de Almeida Filho, fundador da "Escola Técnica
de Comércio Cândido Mendes", hoje Universidade Cândido Mendes (MUSEU DA JUSTIÇA, 2016, p. 178).
276

diária sobre o tema do envio de tropas brasileiras para a Coreia e perguntei como tal
pedido por tropas neste momento poderia ter tais consequências. Ele respondeu que o
que é temido é uma solicitação pública (…) [que] colocaria o governo em uma situação
muito difícil. (…) Ao longo da conversa, Magalhães assegurou que ele e outros
brasileiros que não queriam apoiar o envio de tropas à Coreia neste momento não são
permanentemente contrários a essa proposta. Ele afirmou que o propósito da campanha
anticomunista encoberta que está sendo patrocinada pelo Conselho de Segurança
Nacional tem como objetivo mudar a opinião pública a fim de que, depois de um
período de seis meses, as tropas possam ser enviadas (Memorando, 04/11/1952).

Esse documento é relevante porque evidencia algumas das relações de Jacy Magalhães e sua
proximidade com os círculos governamentais. Afinal, atuar como porta-voz do secretário geral do
Itamaraty junto ao governo norte-americano não era uma das atribuições de seu trabalho no SESI ou na
CNI. Também não seria esperado que ele tivesse conhecimento de uma campanha encoberta vinculada
ao Conselho de Segurança Nacional (CSN) 409. Seu “grupo” anticomunista circulava nas instâncias de
poder que, em princípio, não estariam abertas a qualquer um. Nas conversas que manteve com William
Wieland, em janeiro de 1953, isso também fica claro:

Ele [Jacy] me surpreendeu sugerindo que a embaixada usasse sua influência para
persuadir a rádio Mauá a dar mais tempo para (…) [os seus] programas especiais,
dirigidos especialmente aos trabalhadores. Eu argumentei que ele tinha laços mais
próximos com o ministro do Trabalho [Segadas Vianna], e como a estação é uma
agência do Ministério do Trabalho, isso não deveria ser um problema para a sua
organização. Ele afirmou que a gerência da estação não dava muita atenção às ordens
do ministério. Eu sugeri que se apoiasse no peso do Conselho de Segurança Nacional.
Ele disse que faria isso, mas ainda esperava que nós utilizássemos nossas boas
influências. (…) Ele também se demonstrou preocupado com a falta de cinejornais
(newsreel) norte-americanos. (…) Ele falou que o Conselho de Segurança Nacional
estaria profundamente interessado em encontrar uma solução a fim de que cinejornais
norte-americanos fossem novamente projetados nos cinemas brasileiros, onde eles
foram uma valiosa arma no combate ao nazismo no passado e ao comunismo no
presente. Eu disse que analisaria a questão (Memorando, 28/01/1953).

Aparentemente, Jacy Magalhães planejava viajar aos Estados Unidos depois dessa conversa.
Wieland, em março de 1953, escreveu uma carta lhe apresentando a Clarence A. Canary, do Office of
409 Criado em 1927, como Conselho da Defesa Nacional (CDN), composto pelo presidente da República, pelos ministros
de Estado e chefes dos Estados-Maiores. Foi reorganizado em fevereiro de 1934, durante o governo provisório de Getúlio
Vargas, quando também foram criadas a Comissão de Estudos, a Secretaria Geral (dirigida pelo Chefe do Gabinete Militar
da Presidência) e as Seções da Defesa Nacional (essa expressão logo seria substituída por “Segurança Nacional”).
277

Inter-American Programs do Departamento de Estado, na qual informava que Jacy era considerado um
contato valioso para os norte-americanos:

(…) Ele controla toda a rede de propaganda do SESI, que tem alcance nacional e mais
dinheiro do que nós. No passado ele foi abertamente contrário à embaixada (…).
Recentemente ele se tornou mais cooperativo e é extremamente importante que lhe
transmitamos toda a aparência de amizade e cooperação. Como melhor fazê-lo eu
deixo para você decidir. Você pode querer apresentá-lo a algumas pessoas e mostrar
algumas de nossas operações lá (You might wish to introduce him around and show
him some of our operations there). Contudo, seria bom lembrar que, embora ele esteja
cooperando conosco pela primeira vez, em uma escala limitada, e declarando sem
sinceridade (paying lip-service) apoio às relações de amizade entre Brasil e Estados
Unidos, ele representa o grupo radical de extremo-nacionalismo (hard-core group of
extreme nationalist) no Brasil que encontra muito o que criticar a respeito das políticas
norte-americanas em geral e suas aplicações no Brasil. Se você quiser mais
informações, eu recomendaria que você entrasse em contato com Raford Herbert
[oficial da CIA] que era o assistente oficial do embaixador aqui [no Brasil] e que foi
transferido para sua matriz (home office) em Washington. Meu conselho é que você
seja extremamente cordial, transpareça confiança e amabilidade, faça o seu melhor
para imprimir em seu espírito um sentimento de amizade e, ao mesmo tempo, seja
constantemente cauteloso (Primeira carta, 12/03/1953).

Wieland também escreveu uma carta mais formal para Canary, com cópia para Jacy Magalhães.
Nela, informava a Canary que poderia entrar em contato com Magalhães na semana seguinte, através
da embaixada brasileira em Washington e, particularmente, através de seu irmão, o coronel Juracy
Magalhães, que lá ocupava o posto de adido militar (Segunda carta, 12/03/1953). Não temos maiores
informações sobre essa viagem nem sobre o que teria resultado dela. Mas chama a atenção uma
observação feita por Jacy Magalhães dois anos depois dessa possível visita a Washington, no encontro
em que propôs aos diplomatas norte-americanos uma colaboração 410 com relação à política brasileira
concernente à questão do petróleo – que ele caracterizou como uma “associação nas bases mais amplas
de políticas gerais” (an association on the broader basis of general policies). Nessa reunião, realizada
em agosto de 1955, estando novamente acompanhado da Sra. Buarque de Macedo 411, Magalhães
afirmou que seus contatos prévios com a embaixada dos Estados Unidos, através de “Mr. Herbert” e

410 Um deles era William C. Trimble que, no início de 1955, como visto no capítulo 1, tinha sido encarregado pelo
embaixador James Dunn de elaborar o documento que foi intitulado “Possibilidades da assistência dos Estados Unidos para
aumentar a efetividade das capacidades no combate à subversão comunista” (Despacho diplomático, 12/05/1955).
411 O ministro da embaixada Trimble observou sobre Henriqueta Buarque de Macedo: “pareceu ser altamente capaz e
inteligente e estar exercendo uma influência construtiva” (Memorando, 15/08/1955).
278

“Mr. Almon” – oficiais da CIA, como é bom lembrar – tinham sido de “natureza especial” (specialized
nature) (Memorando, 15/08/1955). Se ele esteve envolvido em alguma operação da agência no Brasil
naquele período, só uma pesquisa futura – e a necessária liberação de arquivos secretos – poderão
confirmar.

6.1 A campanha do “grupo de Jacy Magalhães” contra o nacionalismo

Em agosto de 1955, Euvaldo Lodi, atingido politicamente por sua associação a Vargas 412, já não
estava mais à frente da Confederação Nacional da Indústria 413. Para Jacy Magalhães, surgia uma
oportunidade para propor uma nova colaboração com os norte-americanos, envolvendo a questão do
petróleo no Brasil414. De acordo com o que ele relatou ao adido econômico da embaixada
412 No “segundo governo Vargas (1951-1954)”, Lodi, então deputado federal pelo PSD de Minas Gerais, tinha “livre
trânsito no gabinete presidencial” e participava das reuniões da Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI), um “braço
planejador” do Ministério da Fazenda responsável por formular um Plano Geral de Industrialização. Assim como Vargas,
Lodi também foi acusado de envolvimento no atentado contra Carlos Lacerda, da Tribuna da Imprensa, em agosto de 1954.
A pedido da filha do presidente, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, Lodi “contribuía para as despesas da guarda pessoal de
Vargas, chefiada por Gregório Fortunato” (em entrevista concedida a Maria Antonieta Leopoldi, Jacy Magalhães afirmou
“ter sido em várias ocasiões o portador das contribuições de Lodi para Fortunato”). “O inquérito civil para a elucidação do
‘crime da Toneleros’, no qual fora mortalmente atingido o acompanhante de Lacerda, um major da Aeronáutica, fora
transformado pelo Ministério da Aeronáutica em inquérito policial-militar. Sediado no Galeão – base militar da Aeronáutica
na Ilha do Governador, Rio de Janeiro – o inquérito sofreu pressões de políticos da UDN e de militares ligados a Lacerda.
Gregório Fortunato, sob tortura, confessou o nome de pessoas envolvidas com a guarda pessoal, implicando-as também
como mandantes no crime. Entre os acusados estava Euvaldo Lodi. Para não ser envolvido no inquérito, Lodi fugiu do Rio
de Janeiro. A partir desse episódio, Lodi passou a ser pressionado para se afastar de vez da Confederação Nacional da
Indústria” e da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN) (LEOPOLDI, 2002). Em setembro de 1954, Lodi foi
fortemente atacado na Tribuna da Imprensa: “Euvaldo Lodi – mentiroso, corruptor e um dos indiciados como mandante de
assassinos – concorre hoje à eleição da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro para se eleger representante no Conselho
da Confederação Nacional da Indústria que ele ainda preside. Dezoito representantes de outros tantos sindicatos vão votar
em chapa única – encabeçada pelo sr. Zulfo Malmann, candidato à presidência da Federação. (…) Existem dentro do
Conselho de Representantes da Federação alguns elementos que não estão ligados ao corruptor do SESI. (…) A parte sã do
Conselho de Representantes da Federação, aquela que não se deixou dominar por Euvaldo Lodi, votará em branco na
eleição de hoje. (…) Por outro lado, sabe-se que fora da Federação, articula-se um movimento de vulto entre industriais que
querem moralizar a classe, obrigando Lodi a deixar a profissão de líder à custa do dinheiro da própria indústria. Ao mesmo
tempo, procura-se o meio legal de providenciar a extinção do SESI, instrumento de coação, suborno e corrupção de Euvaldo
Lodi” (Tribuna da Imprensa, 02/09/1954). Na versão do jornalista Edmar Morel, Lodi “pagou bem caro a sua boa fé com
relação ao bando” de Jacy Magalhães – um grupo de “profissionais do anticomunismo que montaram o seu Q. G. no SESI”
e “promoveram as mais sórdidas infâmias” – “sendo intrigado com generais e arrastado ao processo de Toneleros” ( Última
Hora, 14/11/1956).
413 Na CNI, que presidiu entre 1938 e 1954, Lodi foi substituído por Augusto Viana Ribeiro, da Federação das Indústrias
da Bahia, que ocupou o cargo até 1956. Nesse ano, a presidência da confederação foi assumida por Lídio Lunardi, que se
manteve à frente da CNI até 1961 (Verbetes biográficos CPDOC-FGV). Como mencionado no capítulo anterior, Jacy
Magalhães continuou atuando junto à CNI, mesmo após o afastamento de Euvaldo Lodi.
414 Como resume Sodré (1999, p. 397-398), “nos últimos anos da primeira metade do século, surgiu no palco grave
problema nacional: o da exploração petrolífera. (…) enquanto a polícia do governo Dutra, nos velhos moldes
279

estadunidense, Robert P. Terrill, isso não teria sido possível quando a CNI e o SESI estavam sob a
liderança de Euvaldo Lodi: os esforços de Magalhães, e os de Pimentel Brandão (então secretário geral
do MRE), para mudar a orientação de Lodi em relação aos Estados Unidos, teriam sido atrapalhados
por suas ambições presidenciais415. Segundo Terrill, as ideias apresentadas por Magalhães aos norte-
americanos foram as seguintes:

1. O suprimento de petróleo é o maior problema do Brasil e a participação de empresas


estrangeiras é a solução. 2. O “plano” da embaixada, que envolve um ataque direto à
Petrobrás, não pode ter sucesso, independentemente do resultado das eleições ou do
apoio da “cúpula” das principais lideranças brasileiras. 3. Uma campanha sistemática,
conduzida através do grupo do Dr. Magalhães, para “desintoxicar” a opinião pública
brasileira é o pré-requisito essencial para qualquer progresso com relação à politica do

estadonovistas, espancava os que defendiam a tese da exploração estatal dos nossos recursos petrolíferos, a imprensa se unia
para sustentar as teses antinacionais de entrega desses recursos à exploração estrangeira”. Segundo Leopoldi (2002, p. 47-
51), no início da década de 1950, quando Getúlio Vargas assumiu a presidência, “a questão do petróleo havia assumido tal
magnitude na vida política e econômica do país, que dificilmente poderia ser ignorada. Havia então uma demanda crescente
do produto e seus derivados, que fazia com que esse item já ocupasse o primeiro lugar na pauta dos produtos importados”.
Desde o início de seu governo, “o locus da formulação da política do petróleo centrou-se na presidência – em especial na
figura de Getúlio Vargas e num grupo de técnicos da Assessoria Econômica”. Esta, ao preparar o projeto de criação da
Petrobrás, “tinha bem claros os seus objetivos finais: buscava formular uma política do petróleo, que seria conduzida pelo
Estado e tratava de criar uma empresa que entrasse em funcionamento ainda no governo Vargas. (…) A convicção de que o
Estado deveria ser o gestor da questão petrolífera vinha das diversas tentativas anteriores de convencer empresas nacionais e
estrangeiras a se lançarem na prospecção e exploração do petróleo dentro das regras estabelecidas pelo Estado. As
companhias estrangeiras só manifestavam interesse por concessões de grandes áreas, por tempo quase ilimitado, como se
dera em outros países da América Latina, enquanto que as empresas locais não dispunham de recursos para grande
empreendimento, nem conseguiam obtê-los no exterior, por pressão das refinarias estrangeiras”. O projeto de lei que foi
enviado ao Congresso no final de 1951, propondo a criação da Petrobrás como uma companhia de exploração de petróleo,
tentava se antecipar “às obstruções que viriam dos opositores”, “procurando dar à questão do petróleo uma conotação mais
técnica e menos política”. Assim, seu texto fugia “de qualquer referência ao monopólio da exploração do petróleo pelo
Estado; não (…) especificava qual seria o papel do capital estrangeiro no empreendimento, assim como não (…) discutia
como se daria a distribuição do petróleo e derivados – aí envolvidos os problemas de refino e da comercialização desses
produtos”. (…) “O projeto de criação da companhia de petróleo foi discutido quase dois anos pelas duas casas legislativas e
uma vez aprovado, em setembro de 1953, foi sancionado pelo presidente Vargas em 3 de outubro de 1953 (…). Durante seu
exame pelos parlamentares, aprofundou-se o debate em torno do petróleo na sociedade, extrapolando as discussões do
Congresso e da grande imprensa, em sua maioria contrária à criação da Petrobrás”. De acordo com Sodré (1999, p. 401),
depois que a Petrobrás tornou-se lei, só havia “um caminho para destruí-la, o interno, o administrativo”. Teria sido em
função disso que “um de seus inimigos”, Juracy Magalhães, o irmão de Jacy, foi nomeado seu primeiro presidente.
415 Leopoldi (2002, p. 52) afirma que “a discussão em torno da criação da Petrobrás representou um profundo divisor de
águas” nas entidades de classe empresariais. As entidades de comércio “se pronunciavam de forma integrada, contrárias ao
monopólio estatal do petróleo”, favorecendo “a participação de empresas estrangeiras em todas as atividades dessa área”.
Mas “nas da indústria e na CNI havia uma clara dissidência em relação a essas questões”: “em fins de 1952, a FIESP enviou
um telegrama ao presidente Vargas, no qual se posicionava contra o monopólio estatal e a ‘exclusão da iniciativa particular
na exploração do petróleo’”. Euvaldo Lodi apoiava a criação da Petrobrás, “mas não o seu caráter monopolista, proposto
pela UDN, e que acabou prevalecendo na votação final do projeto”. Ele defendia, “como sempre fizera, a existência paralela
de refinarias privadas”. A FIRJAN “criticava o monopólio estatal do petróleo”. Quando Zulfo Mallman assumiu sua
liderança, em 1954, a entidade se transformou “em um órgão de defesa do livre mercado do câmbio, da privatização nas
áreas do petróleo e da energia elétrica, e do estímulo à entrada de firmas e capitais estrangeiros nos país”. Ao lado da UDN,
foi “um órgão de combate às políticas dos herdeiros de Vargas” (Id., p. 76).
280

petróleo. 4) Deveria haver uma cooperação entre o Dr. Magalhães (e seu “grupo”), as
companhias de petróleo norte-americanas que têm representação no Brasil e a
embaixada416 (Memorando, 12/08/1955).

Terrill registrou sua concordância com a análise de que o petróleo era o principal problema
econômico do Brasil, assim como com a afirmação de que a CNI poderia fazer muito para influenciar
uma atitude pública “mais racional”. Na opinião de Terrill, a conclusão mais importante a ser retirada
desse encontro com Jacy Magalhães era a de que ele tinha feito uma “admissão tácita” de que a
Confederação Nacional da Indústria tinha promovido, no passado, uma política de monopólio nacional
com relação ao petróleo, mas estava querendo “mudar suas táticas naquele momento”, tentando
reverter a contrariedade da opinião pública à quebra desse monopólio. O adido norte-americano
também observou:

416 Campanhas contra politicas nacionalistas já vinham sendo feitas durante o governo Vargas. Conforme Sodré (1999, p.
399), o imperialismo montou, “à base de empresas de publicidade, gigantesca e persistente campanha antinacionalista,
visando impossibilitar a solução estatal do problema do petróleo”. Ainda segundo Sodré (1999, p. 403) em 1953, “quando as
emendas nacionalistas da Petrobrás eram votadas, sob regime de urgência, na Câmara, o total da publicidade paga e
distribuída por companhias americanas nos jornais, no rádio e outros veículos de propaganda oposicionista, foi de 3 bilhões
506 milhões e 200 mil cruzeiros”. A Esso Standard do Brasil foi a que mais contribuiu, com 28 milhões de cruzeiros. Sodré
(1999, p. 434) cita um trecho de uma reportagem de Genival Lacerda, na revista Brasil Semanal, de fevereiro de 1966, que,
por sua vez, se reporta a uma denúncia que tinha sido feita pelo jornalista Joel Silveira, na qual se afirma que a Standard
Oil/Esso Brasileira de Petróleo, “àquela altura dos acontecimentos [votação do projeto de criação da Petrobrás], reunia as
autoridades brasileiras (…) para dizer-lhes: 1) que não estava de acordo com a política de monopólio estatal do petróleo; 2)
que, se as autoridades insistissem na ideia, a companhia faria uma campanha de propaganda no montante de cinco milhões
de dólares; 3) que, caso a campanha não surtisse efeito, deporia o governo”. Sodré (1999, p. 400) ressalta que a campanha
de imprensa, de “proporções realmente extraordinárias”, buscava “demonstrar que os defensores da solução estatal eram
comunistas e, sendo os comunistas bandidos depravados não deviam ter direito a exteriorizar suas opiniões, antes deviam
ser rigorosamente punidos por isso. (…) Tendo o Clube Militar tomado posição na abertura dos debates sobre o problema
repelido nas ruas pela fúria policial – e, logo depois, adotado, pela sua Diretoria e pela sua Revista , a solução estatal, [entre
1951 e 1952] a imprensa mobilizada pelas agências de publicidade norte-americanas concentrou ali os seus fogos: dezenas
de militares tiveram suas carreiras cortadas, foram presos, processados, condenados, e alguns torpemente torturados (...)”.
Segundo o jornal Última Hora (19/11/1958), Jacy Magalhães foi “o responsável direto pela instituição de um serviço de
delação nas forças armadas, alimentado com o dinheiro do SESI, no qual inúmeros militares foram arrastados a processos
iníquos dos quais só a Justiça, muito depois, os absolveu”. De acordo com o que denunciou o jornalista Edmar Morel,
existia no SESI, “no tempo do sr. Euvaldo Lodi (…) uma arapuca conhecida como Divisão de Orientação Trabalhista,
dirigida pelo sr. Jacy Magalhães”. Este, “entre outras coisas, explorava largamente o nome de altos oficiais do Exército,
dizendo-se em ligação com eles e, portanto, detentor dos segredos do seu Serviço Secreto”. Morel, para quem “a tal divisão,
no fundo, não passava de uma sucursal da Delegacia de Ordem Política e Social”, afirmou que “a patuscada devorava mais
de 20 milhões de cruzeiros por ano, com verbas secretas para combate ao comunismo”. Esse dinheiro seria empregado
discricionariamente e sem prestação de contas, “uma vez que, revelado o seu destino, centenas de nomes de jornalistas,
oficiais reformados das Forças Armadas, médicos, pelegos e outros trapos seriam facilmente identificados, como reles
alcaguetes” (Última Hora, 14/11/1956).
281

As tréplicas do dr. Magalhães foram interessantes com relação à minha negação de


qualquer "plano" dos EUA envolvendo a Petrobras; ele disse: “deixe-me garantir que
eles têm (tal plano)”417. Com relação à minha afirmação de isenção de interesse por
parte da embaixada em colaborar com seu grupo em qualquer campanha de petróleo,
ele disse: "É claro que não, mas há outras pessoas", e apontou para o Sr. Walker
(Memorando, 12/08/1955).

Allen Walker, um dos presentes a essa reunião, apresentado no memorando que a registrou
como “consultor empresarial norte-americano”, já tinha estado no Brasil em novembro de 1953, para
tratar de queixas de exportadores dos Estados Unidos. Segundo os jornais da época, ele era “diretor da
divisão internacional do Washington Industrial Research Consultants” e representava um grupo norte-
americano de fabricantes de equipamentos industriais. Naquela oportunidade, expressou a opinião de
que “se o Brasil oferecesse um estímulo liberal e prático para um apropriado desenvolvimento de seus
recursos petrolíferos, poderia facilmente fazer subir suas exportações a mais de um bilhão de dólares
por ano” (O Globo, 19/11/953; Correio da Manhã, 20/11/1953). A visita que ele fez ao Brasil em 1955
não recebeu cobertura da imprensa. Dessa vez, ele teria vindo ao país a convite da CNI, segundo o
registro que Robert Terrill fez do segundo encontro realizado com Jacy, Walker e a Sra. Buarque de
Macedo, poucos dias depois do primeiro:

Diversos visitantes foram recebidos no escritório do dr. Jacy durante o curso de nossa
conversa e ele falou deles com grande estima. O primeiro foi, pelo que lembro, um Sr.
Figueiro, da associação de bancos (Bankers’ Association). Jacy fez vários elogios e
disse que ele era o “homem forte” do trabalho relacionado ao petróleo. O segundo
cavalheiro foi o sr. George Serlui, que é associado à Cia. Auxiliar de Viação e Obras.
(Nota 1: O Sr. Serlui tem origem holandesa e residiu nos Estados Unidos, onde duas de
suas filhas agora vivem. Ele pareceu ter boa relação com o dr. Jacy, mas não exercer
nenhuma importante influência direta sobre ele. Em uma conversa privada que se
seguiu ao encontro no escritório do dr. Jacy, o sr. Serlui me disse que ele tinha sido o
responsável por fazer com que a Associação convidasse o sr. Walker para visitar o
Brasil e que a performance deste tinha ultrapassado, e muito, as expectativas. Ele
sentia que as conversas de Walker com vários oficiais do governo brasileiro e
representantes do setor privado tinham sido altamente efetivas) 418. É a impressão deste
417 De fato, como visto no primeiro capítulo, uma das principais preocupações dos planejadores norte-americanos com
relação ao Brasil era o monopólio estatal da exploração de petróleo no país e eles expressaram claramente a necessidade de
criar “uma atitude favorável” à revogação desse monopólio da Petrobrás. Jacy Magalhães parecia ter informações a respeito
dessa orientação.
418 No dia da segunda reunião com Jacy Magalhães e Robert Terrill, Allen Walker também fez uma visita ao chefe do
Departamento Econômico e Consular do Ministério das Relações Exteriores, Edmundo Barbosa da Silva. Este, segundo
Terrill, era um grande inimigo (bitter enemy) da Petrobrás e teria comentado com Walker, de forma sarcástica, que nunca
poderia se esperar que o povo brasileiro fizesse a coisa certa para si próprio na questão do petróleo (Memorando,
282

redator neste momento que o dr. Jacy Magalhães organizou esta conversa e a anterior
com o objetivo de impressionar o sr. Walker com a seriedade de suas intenções no que
se refere à questão do petróleo no Brasil. A partir do que ele comentou comigo, eu
compreendi que medidas estavam sendo tomadas para manter Walker como um
homem de “relações públicas” nos Estados Unidos. Eu perguntei se ele teria
responsabilidades com relação à Confederação Nacional da Indústria ou com o
governo brasileiro; Jacy respondeu “ambos”. Eu também tive a impressão de que,
depois de retornar aos EUA, o Sr. Walker entrará em contato com os diretores das
companhias de petróleo norte-americanas para discutir as atividades de Jacy e,
possivelmente, solicitar apoio financeiro. Esse último ponto não foi mencionado, mas é
difícil não fazer essa inferência” (Memorando, 19/08/1955)

Nesse segundo encontro, realizado em 19 de agosto de 1955 – retomando algumas das ideias
que já tinha apresentado em 1953 a William Wieland, oficial de relações públicas da embaixada, o que
foi visto no capítulo anterior – Jacy Magalhães forneceu aos norte-americanos mais detalhes sobre a
operação de propaganda que se propunha a desenvolver:

O dr. Jacy considerava que os dois grupos-alvo mais importantes são os estudantes e os
militares, juntamente com a imprensa e o público brasileiro em geral. Técnicas
especiais deveriam ser usadas para abordar cada grupo. O primeiro passo, de acordo
com o dr. Jacy, será trabalhar com um grupo “militar”. Para isso, ele afirmou que tinha
conseguido, através de seus agentes, comprar todos os direitos de propriedade da agora
desaparecida publicação da “frente popular” conhecida como Unidade, que antes tinha
influência considerável e era controlada por comunistas. Essa revista mensal vai ser
distribuída gratuitamente para membros das Forças Armadas, do Judiciário, membros
do Congresso e profissionais (professional men). Quanto aos estudantes, o dr. Jacy
disse que não tinha planos no momento, mas recordou o trabalho que seu grupo
realizou no início de 1947, combatendo a influência comunista nas questões estudantis
brasileiras. Ele também foi vago com relação aos jornais, mas indicou que os
comunistas tinham feito um trabalho intensivo de infiltração que fornecia um bom
aprendizado. Era perceptível que o Dr. Jacy queria me falar tudo sobre seus planos,
mas em etapas sucessivas, esperando pelo menos uma aprovação tácita 419. (…) Ele
deixou claro que, apesar da conexão de seu irmão [Juracy Magalhães] com o general
Juarez Távora420, ele permanecia livre de laços com a campanha presidencial em curso

19/09/1955). Barbosa da Silva, apesar de ter apoiado a candidatura de Juarez Távora à presidência, acabou colaborando com
o governo de Juscelino Kubitschek e foi o responsável por organizar sua viagem aos Estados Unidos no início de 1956,
comentada no primeiro capítulo. Ele também fez parte da comitiva do presidente eleito (FARIAS, 2017, p. 235-240).
419 Terrill tinha a impressão de que Jacy Magalhães estava se esforçando para impressioná-lo com sua boa-fé, chegando a
mostrar-lhe uma série de cópias de cartas de recomendação, datadas de 1949, dirigidas ao presidente da CNI (Euvaldo Lodi)
por figuras proeminentes do exército. Entre elas, Magalhães teria feito referência especial ao general Canrobert Pereira da
Costa.
420 O general Juarez Távora, que era o candidato da UDN na eleição presidencial de 1955, tinha travado polêmica com o
general Júlio Caetano Horta Barbosa – líder da campanha pelo controle estatal da exploração do petróleo – em 1947, no
Clube Militar, a respeito da orientação a ser dada à política do petróleo no Brasil. Conforme Mundim (2015, p. 344), “se
283

e queria criar uma organização permanente para levar adiante o trabalho educativo
sobre o petróleo421 (Memorando, 19/08/1955).

6.2 O “grupo” anticomunista de Wladimir Lodygensky

Nenhum dos documentos que fazem referência ao “grupo” de Jacy Magalhães esclarece quem
seriam seus componentes. Os dois únicos nomes apresentados são os de Pimentel Brandão e de
Henriqueta Buarque de Macedo. Mas podemos recorrer a um dossiê produzido pela polícia política do
Rio de Janeiro, não sobre Jacy, mas sobre Wladimir Lodygensky, para tentar lançar luz sobre alguns
possíveis membros dessa rede. Isso parece razoável porque Lodygensky, como veremos nos próximos

pouco mais de dez anos antes, como ministro da Agricultura, [Távora] defendeu e criou os códigos de Minas e de Águas,
incorporando as riquezas do subsolo ao patrimônio da União, dessa vez defendia incisivamente a opinião de que era
necessário encarar o problema do petróleo tendo como premissa a ‘colaboração internacional’, ou seja, reforçar a alavanca
na economia brasileira. (…) O Brasil deveria entregar parte do controle da exploração do petróleo às empresas estrangeiras,
pelo menos de início. O seu argumento se baseava, também, em termos de estratégia militar. Afirmava que a entrega da
exploração do petróleo ao capital estrangeiro, que envolvia a adoção de tecnologia norte-americana, era ponto de garantia da
segurança do continente contra a ‘ameaça comunista’ e, no caso, elemento estratégico de preparação para a ‘guerra’ cuja
ameaça (...) [estaria] afligindo o mundo”. Em 1954, conforme Dhenin e Rodrigues (2017, p. 46), em conferência na Escola
Superior de Guerra, o general Távora afirmou que “o monopólio estatal e imediato, suprimindo-se qualquer participação da
iniciativa e do capital privados, nacionais ou estrangeiros, nas explorações petrolíferas” era “a fórmula preconizada por
alguns nacionalistas jacobinos, com o aplauso dos comunistas, e já adotada com a Petrobrás”.
421 Os memorandos escritos por Terrill, registrando seus dois encontros com Jacy Magalhães, Henriqueta Buarque de
Macedo e Allen Walker, foram encaminhados pelo embaixador James C. Dunn ao Secretário de Estado Adjunto, Henry
Holland. Este, por sua vez, os repassou ao Secretário de Estado em Exercício (Herbert Hoover Jr.). Segundo a interpretação
de Holland , os documentos indicavam que: a CNI tinha apoiado a legislação nacionalista do petróleo; a confederação tinha
agora a opinião de que o encorajamento aos investimentos de capital estrangeiro nesse campo eram necessários; a CNI
estava disposta a lançar uma campanha preparando a opinião pública brasileira para isso; e o dr. Magalhães estava mantendo
a embaixada informada sobre seus planos com o objetivo de obter, pelo menos, uma aprovação tácita. Holland também
explicou a Hoover Jr. que o sr. Walker, a quem se referiram os memorandos de Terrill, tinha conversado com ele (Holland)
no dia 31 de agosto, afirmando que os interesses empresariais brasileiros não estavam preparados para aceitar uma mudança
no “código do petróleo” e que existiam grandes oportunidades para os investimentos de capital estrangeiro sob o código da
forma como estava então escrito. Segundo Holland, essa opinião era totalmente contrária às impressões de Terrill (Ofício,
09/09/1955). Além desses memorandos sobre as conversas com Jacy Magalhães, Holland enviou para Hoover Jr. um
informe encaminhado por William Trimble, ministro conselheiro da embaixada no Rio de Janeiro, relatando que um “velho
amigo da Standard Oil” tinha sido abordado por Adhemar de Barros e Juscelino Kubitschek, que concorriam com Juarez
Távora nas eleições presidenciais de 1955, solicitando contribuição das empresas a seus fundos eleitorais. Trimble informou
a Holland: “Meu amigo assumiu a linha de que seria contrário à política da Standard tentar influenciar os resultados das
eleições e, além disso, que uma contribuição poderia contrariar a lei dos EUA. (…) Jimmie [Dunn] e eu consideramos
provável que uma abordagem equivalente tenha sido feita à Shell e, possivelmente, às pequenas empresas petrolíferas
estrangeiras. (…) O exposto acima, em conjunto com os relatórios recebidos de outras fontes, indica claramente que,
independentemente das declarações que Adhemar e Kubitschek possam fazer na campanha eleitoral em relação à política do
petróleo, cada candidato pretende alterar a legislação existente se eleito” (Carta, 16/08/1955). Holland comentou com
Hoover Jr. que todos essas movimentações poderiam constituir um rompimento da “bastante sólida frente oposicionista
brasileira” aos investimentos estrangeiros no desenvolvimento da exploração petrolífera, mas alertava que existiam alguns
pontos complicados (but there are some aspects of intrigue) (Ofício, 09/09/1955).
284

capítulos desta tese, atuava no mesmo campo e circulava no mesmo meio que Jacy Magalhães. E,
segundo a polícia, teria relação com este último, assim como com Eduardo Gabriel Saad, do SESI de
São Paulo (cujo trabalho foi mencionado no capítulo anterior). Além disso, a ligação de Jacy
Magalhães com nomes vinculados ao “grupo anticomunista” do Itamaraty 422 também remete às relações
de Lodygensky, já descritas anteriormente. Ou seja, o grupo de Jacy, entendido de forma ampla, pode
também ser o grupo de Lodygensky.
A análise desse dossiê – elaborado pela Divisão de Polícia Política e Social (DPS) do
Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) – precisa ser feita com cuidado, já que ele possui
alguns erros e contradições423. Contudo, o documento fornece, ao mesmo tempo, informações
preciosas, não disponíveis em outras fontes, que podem abrir caminhos para o aprofundamento das
pesquisas sobre a atuação de Jacy Magalhães, de Wladimir Lodygensky e de outros agentes
anticomunistas daquele período. Anunciadas as devidas cautelas, podemos dissecar a rede apresentada
pela investigação policial. Segundo esta, Lodygensky424 possuía relações com:

Dr. Jacy Magalhães – atualmente Diretor da Confederação N. das Indústrias 425. - Dr.
Antonio Ribeiro de Andrade – Delegado de Classe Especial de São Paulo e pessoa que
continua ligada ao trabalho de buscas de Informações. - Anselmo Páscoa –
Investigador do DOPS de São Paulo426. - Inspetor Cecil Borer – da Polícia Política do
D. Federal (afastado). - Inspetor José Vasconcelos – Da Divisão de Polícia Política do
DF (que disse: “de vez em quando Lodygenski aparece aqui com alguma coisa”). (…)
Lodygensky trabalhou com as seguintes pessoas, em atividades (anticomunistas); Raul
Fernandes; José Pereira Lyra (ao tempo do governo Dutra) 427; Álcio Souto; Adolfo
Berle Jr. (ex-embaixador no Brasil); coronel Joaquim Paredes; General Canrobert 428;
422 Neste caso, o grupo que teria alguma relação com José Carlos de Macedo Soares e Odette de Carvalho e Souza, em sua
incansável cruzada anticomunista. É o caso de Pimentel Brandão, que era o Secretário Geral do MRE quando foi criado o
SEI do Itamaraty, em 1936.
423 O documento reúne informações obtidas em diversos períodos, por diferentes agentes. Elas não são apresentadas como
um texto coeso, mas como uma soma de relatórios com qualidades distintas.
424 Roulin (2010) observou a existência de múltiplas variações da grafia do nome da família Lodygensky (Ladyjensky,
Lodigensky, Lodyzhenskii). O dossiê da DPS utiliza a grafia Lodygenski e menciona a existência de outras (Loddygensko,
Lowygensko, Lodychenscko, Lodygenske). Adotamos a grafia utilizada por Roulin (2010) e Caillat (2012), assim como
pelo próprio Wladimir, em seu livro “Frentes de combate en América Latina”(LODYGENSKY, 1966).
425 “Durante a gestão do Deputado Euvaldo Lodi na Confederação Nacional das Indústrias, ligou-se ao Dr. Jacy
Magalhães, com que ainda hoje mantém entendimentos – Info de Jun 1958” (Dossiê “Wladimir Lodygensky”, DPS, 1966).
426 “(…) sendo íntimo do agente de polícia paulista de nome Anselmo Páscoa, com quem era sempre visto – Info de Jun
1958” (Dossiê “Wladimir Lodygensky”, DPS, 1966).
427 Raul Fernandes, sobre quem falaremos adiante, foi ministro das Relações Exteriores do governo Dutra. Pereira Lyra foi
chefe do Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) entre 1946 e 1947 (Verbete biográfico CPDOC-FGV).
428 O general Álcio Souto foi chefe do gabinete militar do presidente Dutra, desde o início de 1946, até seu falecimento,
em setembro de 1948. O general Canrobert foi ministro da Guerra durante todo o governo Dutra (1946-1951). Entre 1937 e
1938, ele tinha sido chefe de gabinete de Dutra, quando este era o ministro da Guerra. E entre 1939 e 1942, foi chefe de
gabinete do Estado-Maior do Exército (EME) – chefiado pelo general Góes Monteiro. Joaquim Paredes, por sua vez, foi
285

Dr. Saad, da Federação da Indústria de S Paulo; (…) Júlio de Mesquita Filho, no


Estado de São Paulo, jornal do mesmo Estado; (…) Lodygenski esteve em ligações
com Hugo Borghi em São Paulo 429, fazendo também contatos com o Cardeal
Vasconcelos Mota (…). Está ligado ao Grupo do Movimento da Europa Livre, cuja
denominação certa é Centro Brasileiro da Europa Livre, dirigido pelo Sr. Spitzman
Jordan (…) [,] quem trouxe pela primeira vez ao Brasil o major Karol, do Exército
polonês, que colaborou com os exércitos aliados na última guerra e atualmente é chefe
de vendas da Organização Jordan, à Avenida Nilo Peçanha, 155, 4º, 5º e 6º andares. A
sala do major Karol é n. 516. Foi ainda Spitzman Jordan quem trouxe o jornalista e
escritor romeno Stefan Bassiu [Baciu], também do Centro Brasileiro da Europa Livre.
Na mesma ocasião e ainda sob os auspícios de Spitzman Jordan veio o alemão Jean
Valtin (Pseudônimo usado como autor do livro “No Fundo da Noite”). Jean Valtin
esteve no Brasil por 3 vezes, sendo que numa das vezes aqui esteve por mais de 1
ano430. Vladimir Lodygenski, Jean Valtin, Stefan Bassiu, o Major Karol, todos estes
(…) dirigiram e ainda dirigem o Serviço de Informações Anti-Comunista no Brasil.
(Informe datado de 23 jun 1958). (…) (Dossiê “Wladimir Lodygensky”, DPS, 1966).

6.2.1 Os exilados do Leste Europeu e suas relações com os anticomunistas brasileiros

O Centro Brasileiro da Europa Livre, a que se refere o dossiê da DPS, reunia exilados dos
países do Leste Europeu anexados pela União Soviética ao final da Segunda Guerra Mundial. Era

oficial de gabinete do ministro da Guerra, Canrobert Pereira da Costa, entre 1946 e 1950. Sua ações anticomunistas serão
analisadas ao longo deste capítulo.
429 Vinculado ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) de São Paulo, foi expulso do partido em 1947, pela direção nacional.
Junto a outros petebistas dissidentes, ingressou no PTN (Partido Trabalhista Nacional). Em 1948 foi nomeado secretário da
Agricultura pelo governador Ademar de Barros (Verbete biográfico, CPDOC-FGV).
430 De acordo com Fleming (2005), “Jan Valtin era o pseudônimo de certo Richard Julius Herman Krebs, nascido no norte
da Alemanha, provavelmente em 17 de dezembro de 1905, e que certamente morreu no dia de Ano Novo de 1951, em um
hospital na costa leste de Maryland”, nos Estados Unidos. Ele escreveu o livro Out of the Night, pretensamente uma
biografia, que foi publicado em Nova Iorque no início de 1941 e, até o final daquele ano, se tornou o mais vendido nos
Estados Unidos. Em 1942 o livro foi publicado no Brasil pela editora José Olympio, com o título Do Fundo da Noite (A
Noite, 06/05/1942). Não conseguimos identificar informações sobre eventual vinda de Krebs/Valtin ao Brasil. Há ainda
outra afirmação feita no dossiê da DPS sobre Lodygensky que também causa estranhamento: ao relacionar Lodygensky
(que, para o agente que redigiu essa parte do dossiê, era de “origem polonesa ou letoniana”) ao “agente internacional
Herberty Kucures, ou Cuckurus” – na verdade, Herbert Cukurs, o “carrasco” ou “matador de Riga” – que viveu no Brasil
entre 1946 e 1965, quando foi possivelmente executado pelo serviço secreto de Israel (Folha de São Paulo, 06/08/2006;
Superinteressante, 04/01/2016), o relatório da DPS afirma que Cukurs, “acusado pelos piores crimes contra a humanidade
pelos tribunais de Nuremberg, (…), condenado à morte na Europa, refugiando-se com o auxílio do Serviço Secreto
Americano, no Brasil”, teria chegado ao país juntamente com “Martin Borman”. Bormann, que tinha sido secretário
particular de Hitler, ainda estaria no Brasil até aquela data (junho de 1958), com nome desconhecido. O mistério sobre o
destino de Bormann ao final da Segunda Guerra não confundiu apenas a polícia brasileira. Somente no final da década de
1990 um exame de DNA confirmou que um cadáver encontrado na Alemanha em 1972 pertencia a ele: “Ao contrário da
lenda, (…) [Bormann] morreu com toda a probabilidade em 2 de maio de 1945. O homem visto no Paraguai, Espanha, Itália
e Rússia nas últimas cinco décadas deve ter sido um impostor ou, mais provavelmente, uma invenção da imaginação dos
escritores de ficção” (Independent, 04/05/1998).
286

ligado ao Comitê Nacional por uma Europa Livre (National Committee for a Free Europe Inc.), criado
nos Estados Unidos em maio de 1949, sob a presidência de Allen W. Dulles (futuro diretor da CIA):

(…) Aparentemente iniciativa de um “grupo de cidadãos norte-americanos”, (…) [o


comitê] constituía, na realidade, uma das fachadas mais ambiciosas da CIA. (…) tinha
como objetivo declarado “usar as muitas e variadas habilidades dos exilados
provenientes do Leste Europeu no desenvolvimento de programas que combatam
ativamente a dominação soviética”. (…) Como um dos pioneiros dessa organização
não governamental quase autônoma, Dulles entendia que o sucesso do programa norte-
americano da Guerra Fria dependia de “sua capacidade de parecer independente do
governo, de parecer representar as convicções espontâneas de indivíduos amantes da
liberdade”. (…) Com uma proliferação de comissões e subcomissões, diretorias e
conselhos administrativos, o Comitê gabava-se de um rol de membros que parecia o
Quem é Quem na América. A interligação era vital (…). Lá estavam (…) Henry Ford
II, presidente da General Motors; (…) C. D. Jackson, veterano da guerra psicológica e
executivo da Time-Life; (…) e Dwight D. Eisenhower. Havia negociantes e advogados,
diplomatas e administradores do Plano Marshall, executivos da propaganda e magnatas
das comunicações, diretores de cinema e jornalistas, sindicalistas e, é claro, agentes da
CIA – uma porção deles. (…) Decorrido apenas um ano de sua criação, esse núcleo de
operadores “privados” fizera o Comitê de Dulles pela Europa Livre (como ficou
conhecido) passar de seus “primórdios hesitantes para um programa amplo e bem
definido, com operações em escala muito substancial”. Ele era “um instrumento na
mão – oportuno e já bem formado” para perseguir a “vitória das ideias”.(…) Um
orçamento específico (…) foi reservado para a Rádio Europa Livre (REL), fundada em
Berlim em 1950, sob os auspícios do Comitê. Em poucos anos, a REL tinha 29
estações, que transmitiam programas de dezesseis línguas diferentes (…)
(SAUNDERS, 2008, p. 148-150).

Em setembro de 1952 o Diário Carioca anunciava a fundação da Associação Brasileira da


Europa Livre431, como um ramo da Associação Internacional da Europa Livre, informando que a sessão

431 Um comitê preparatório tinha sido criado já em dezembro de 1949, por iniciativa aparente dos próprios exilados que
viviam no Brasil: “Realizou-se a solenidade de inauguração do Comitê Preparatório da Europa Livre, entre nós, ontem
[15/12], na sede da A.B.I. Inaugurou a sessão solene o decano diplomático desses países, o ex-ministro da Tcheco-
Eslováquia no Brasil, o sr. Jan Reisser. Expondo as finalidades da nova entidade e apresentando seu programa de ação,
saudou o Brasil como país amante da liberdade e o primeiro, depois dos Estados Unidos, onde a ideia de um Comitê da
Europa Livre pôde ser realizado. A seguir convidou o sr. Conrad Rostan Wrzos, Presidente efetivo do Comitê Preparatório, a
saudar o embaixador João Neves da Fontoura, que aceitará a Presidência de Honra desse organismo. (…) A diretoria do
Comitê Preparatório da Europa Livre ficou assim constituída: presidente efetivo – jornalista Conrad Rostan Wrzos;
diretores: dr. Jan Reisser, ex-ministro da Tcheco-Esclováquia; sr. Stefan Shopoff, ex-ministro da Bulgária; coronel Stanislau
Kara, ex-Adido Militar da Legação da Polônia; coronel do exército romeno Edward Ressel; demais nacionalidades, para
posterior preenchimento. Como a viagem do presidente efetivo, sr. Conrad Rostan Wrzos, aos Estados Unidos, está marcada
para amanhã, foi aceita proposta do coronel Ressel, de distribuírem-se os cargos da diretoria depois do regresso do sr.
Wrzos. Foi aprovada a indicação, feita pelo Embaixador João Neves da Fontoura, do diplomata tcheco-eslovaco dr. Jan
Reisser para a presidência interina da organização” (Correio da Manhã, 16/12/1949). Em março de 1951 foram anunciados
novos nomes na composição do reestruturado Comitê da Europa Livre. Assis Chateubriand, diretor dos Diários Associados,
287

inaugural tinha contado com a presença de numerosas pessoas, incluindo cidadãos búlgaros,
estonianos, húngaros, letões, lituanos, poloneses, romenos, tchecoslovacos e ucranianos. O conselho
administrativo da associação era composto por Henryk Spitzman Jordan (presidente), Jan Reisser (vice-
presidente), Nicolas Horthy (1º vice-presidente)432, Nikolajev Alex (2º vice-presidente), coronel
Stanislaw Kara (secretário geral), tenente-coronel Eduard Ressel (tesoureiro geral), [Kristof]
Christopher Kallay (tesoureiro) e Mazai André (tesoureiro auxiliar). Para a presidência de honra foram
eleitos os senadores Assis Chateubriand, Napoleão Alencastro Guimarães, Arthur Bernardes Filho e
Hamilton Nogueira (Diário Carioca, 07/09/1952)433. Dias depois dessa cerimônia inaugural, os
dirigentes do Centro Brasileiro da Europa Livre (CBEL) foram à casa de Roberto Marinho, diretor-

foi apresentado como presidente, Henryk Spitzman Jordan como 1º vice-presidente e Jan Reisser como 2º vice-presidente.
O secretário-geral era João d’Orleans e Bragança – descendente da família real deposta no Brasil em novembro de 1889. O
coronel Ressel era o secretário-adjunto (O Jornal, 14/03/1951).
432 O almirante Nicholas Horthy foi regente da Hungria entre 1920 e 1944. Seu filho, que também se chamava Nicholas
Horthy, atuou como representante da Hungria no Brasil entre 1939 e 1942, quando regressou a Budapeste. Em 1949,
vivendo novamente no Brasil, ele concedeu entrevista defendendo seu pai da acusação de ter colaborado com Adolf Hitler:
“Eu não fui um traidor, nem meu pai. Quem estava de fora não podia compreender a nossa situação. Tivemos que escolher
entre ficar sob a espada de Dâmocles ou ser arrasados pelos ‘tank’ de Hitler. Éramos uma nação jovem, desmembrada de um
grande império, agimos procurando salvá-la da destruição. E agora, para o mundo, estamos marcados como se tivéssemos
sido nazistas. (…) A Hungria estava muito perto da Alemanha para poder escapar. Tivemos de fazer todas as concessões,
pensando que nos poderíamos salvar. Meu pai agiu contra os seus desejos de soldado e de antinazista. No fim da Primeira
Guerra conseguiu derrotar Bela Kuhn e seus comunistas. Mas diante da força de Hitler nada pôde fazer. (…) No entanto –
acrescentou – sob os olhos dos alemães lutamos ao lado dos aliados. De dentro do palácio do regente eu enviava
informações aos aliados. O nosso movimento clandestino sabotava de todas as formas os esforços dos boches [alemães, em
forma pejorativa]. Mesmo na iminência de Hitler ganhar a guerra – houve um minuto em que poderia ter conseguido a
vitória, mas não soube percebê-la – lutávamos pela liberdade. (…) Em outubro de 1944, depois de haver enfrentado os
soldados de Hitler, fui preso e enviado para um campo de concentração. Condenaram-me à morte, esses malditos nazistas.
Meses mais tarde, recolhiam-me a Dachau, onde encontrei Schusnig, Leon Blum, o filho de Molotov, Niemoeller e outros
150 líderes de diversas nacionalidades. (…) Quando as forças da democracia chegaram perto, os SS fugiram, deixando-nos
livres. (…) Lembro-me ainda do dia da libertação. (…)” (O Globo, 24/01/1949). O nome de Horthy, grafado erroneamente,
também era vinculado a Lodygensky pelo dossiê da DPS: “Wladimir Lodygensky é ainda ligado ao conhecido Príncipe
Herty, herdeiro do trono húngaro, dizendo ser ex-componente de um batalhão fantasma, conhecido por Exército do Gen.
Anders, cuja presença no Brasil foi várias vezes apontada por elementos do chamado Grupo Nacionalista Brasileiro – Info
de jun 1958” (Dossiê “Wladimir Lodygensky”, DPS, 1966). O general Wladyslav Anders, a que se refere o dossiê,
comandou as tropas polonesas constituídas por ex-prisioneiros da União Soviética que lutaram ao lado dos Aliados na
Segunda Guerra Mundial (The New York Times, 13/05/1970).
433 O estatuto do CBEL, que foi registrado em 10 de julho de 1953, sob a matrícula nº 2748, no Registro Civil das Pessoas
Jurídicas do Rio de Janeiro, indica como seus objetivos principais: “a) apresentar à opinião pública os verdadeiros valores
culturais dos povos que se acharem sob a influência da cultura materialista, que nada tem de comum com a secular tradição
desses povos, baseada nas fontes de cultura greco-latina e humanista; b) baseando-se nas verdadeiras origens históricas dos
países desviados das suas tradições, demonstrar que a filosofia emanada da dialética materialista ameaça não somente o
mundo livre, em geral, mas o Brasil em particular; c) dar assistência moral e material e orientação a profissionais – técnicos
ou intelectuais – refugiados daqueles países. Os meios que deverão ser utilizados para atingir o objetivo da associação serão
as conferências, rádio-emissões, artigos na imprensa, propaganda pessoal e publicações. Sua composição: presidente de
honra (pode ser mais de um, sem limite de número), sócios de honra e sócios ordinários”. Administrado por uma diretoria
composta por dois órgãos: Conselho Administrativo e Conselho Consultivo.
288

redator-chefe do jornal O Globo, convidá-lo para ser o presidente de seu Conselho Consultivo (O
Globo, 19/09/1952)434.
Henrik Spitzman Jordan, polonês, veio para o Brasil em 1939, no início da Segunda Guerra
Mundial. De acordo com o jornal O Globo (02/08/1967), Spitzman era um homem de grande fortuna na
Polônia, e no Brasil foi de industrial a banqueiro, gerenciando inúmeras companhias imobiliárias.
Também possuía empresas na França, na Argentina e Portugal 435. Segundo o dossiê da DPS, foi ele
quem “trouxe pela primeira vez ao Brasil o major Karol, do Exército polonês, que colaborou com os
exércitos aliados na última guerra e atualmente é chefe de vendas da Organização Jordan, à Avenida
Nilo Peçanha, 155, 4º, 5º e 6º andares”. Os policiais que fizeram o relatório provavelmente se referiam
ao coronel Stanislaw Kara, que também era membro do Comitê Brasileiro da Europa Livre, como visto
acima.
Segundo o jornal Diário de Notícias (16/07/1955), Kara, nascido em 1893, na Polônia,
ingressou em 1915 “nas legiões organizadas pelo Marechal Pilsudski” – considerado o “pai da
independência polonesa”, conquistada ao final da Primeira Guerra Mundial – “tornando-se um de seus
mais íntimos colaboradores”. Em 1918, como oficial do Estado-Maior polonês, ele teria sido
encarregado da estruturação do novo exército nacional e assumido a direção da Escola Militar em
Varsóvia. Teria também participado da defesa dessa cidade em 1920, em batalha entre as forças
militares da Polônia e as da União Soviética. Depois de colaborar por vários anos com o Departamento
de Estudos do Estado-Maior, assumiria o posto de adido militar junto aos governos da Letônia e da
Estônia, com sede na cidade de Riga. Na década de 1930, Kara foi cônsul geral da Polônia na França
(na cidade de Lille, entre 1932 e 1934, e em Paris, entre 1935 e 1939) e na Alemanha (em Berlim, até a
irrupção da guerra).
No segundo semestre de 1940, sob a cobertura de um posto oficial na Legação Polonesa em
Portugal, ele assumiu o comando da “Estação P” da inteligência polonesa (II Bureau, PGS) 436,
434 Em janeiro de 1954 o CBEL homenageou com uma “grande e bela festa de espírito e inteligência” os seus presidentes
de honra e o seu conselho consultivo. Em seu discurso, Jan Reisser afirmou: “A maior parte do nosso trabalho durante o ano
passado [1953] foi (…) feita graças à compreensão e generosidade do mundo jornalístico brasileiro. Os 10 volumes de
recortes que nosso secretário-geral, coronel Stanislaw Kara colecionou, mostram que nosso trabalho não foi insignificante.
Nesta oportunidade, cabe a mim, em primeiro lugar, agradecer ao ilustre dr. Roberto Marinho, primeiro por ter aceito o
convite para ser presidente de nosso Conselho Consultivo e, segundo, por manter no grande jornal que dirige uma linha
política clara (…), tornando-se assim um aliado dos mais poderosos aos nossos esforços” (Jornal do Brasil, 22/01/1954).
435 Para maiores informações sobre Spitzman Jordan, ver FICHA em anexo.
436 Em 1939, quando a Polônia foi dividida entre a Alemanha e a União Soviética, o exército polonês se reorganizou na
França, Romênia e Suíça, preservando a continuidade de seus trabalhos de inteligência. A emergência do Governo Polonês
no Exílio e a reconstrução das forças armadas demandou a criação de uma estrutura de inteligência apta a atuar nesse novo
ambiente político e militar. Em novembro de 1939, o Departamento de Inteligência que funcionava em Paris foi
reorganizado como II Bureau do Polish General Staff (PGS) pelo general Sikorski, comandante do exército polonês. Com a
289

localizada em Lisboa437. Em 1942, lhe foi atribuída a missão de fornecer informações aos
representantes do Office of Strategic Services (OSS) norte-americano. Kara (condinome “Professor")
permaneceu em Portugal até janeiro de 1944, quando veio para o Brasil como adido militar, passando a
supervisionar a célula de inteligência Sabanilla438 – que até então se reportava à célula “Salta”, também
localizada na capital brasileira e “chefiada, com excelentes resultados, pelo celebrado jornalista polonês
Conrad Wrzos439 (Spryciarz, agente n.º 1315), que atuava sob a cobertura de chefe do departamento de

queda da França diante da invasão nazista, em 1941, as autoridades civis e militares polonesas se transferiram para a
Inglaterra (PEPTONSKI e SUCHCITZ, 2005, p. 81). O general Sikorski e o restante do governo no exílio lá se
estabeleceram com todo o apoio do governo britânico. Em uma situação singular entre os diferentes governos no exílio que
se constituíram naquele período, tiveram permissão para manter seu serviço de inteligência de forma independente. Mas o
serviço de inteligência britânico (SIS) fornecia fundos, suprimentos e apoio logístico à inteligência polonesa, em troca das
informações que eles obtinham por meio de suas fontes clandestinas (BENNETT, 2005, p. 160). Em 1941 o chefe do II
Bureau do PGS visitou os Estados Unidos e negociou com William Donovan o estabelecimento de uma estação em Nova
York, assinando um acordo de cooperação entre os serviços especiais poloneses e os norte-americanos. Em 1942, com a
criação do Office of Strategic Services (OSS), a cooperação foi ampliada (CIECHANOWSKI, 2005b, p. 350).
437 Naquele momento, Lisboa era um dos pontos mais importantes para a inteligência polonesa na Europa. A Estação P,
chefiada por Stanislaw Kara, foi criada logo depois da invasão da França pela Alemanha e possuía oito oficiais de
inteligência. A estação tinha várias células de inteligência a sua disposição, inclusive na Espanha, Itália e Bélgica. As tarefas
da Estação “P” eram: conduzir ações de inteligência militar e política sobre a Alemanha, a Itália e França; estudar e preparar
resumos das informações divulgadas na imprensa; buscar e entrevistar pessoas viajando via Portugal para obter informações
de interesse; trabalho de contrainteligência para coletar informações sobre os países contra os quais a Estação organizasse
atividades de inteligência; realização de tarefas formuladas pelo comando e ligação com as Estações da Espanha, França,
Suíça e Hungria. A importância da península ibérica para a inteligência polonesa diminuiu consideravelmente com a
chegada das tropas aliadas à Normandia (França), em junho de 1944. Com isso, em outubro de 1944, a equipe da Estação P
foi reduzida pela primeira vez (CIECHANOWSKI, 2005a, p. 261-274). Lisboa também foi a cidade onde o padre Félix
Morlion, fugindo da Bélgica, constituiu, em 1940, o centro internacional Pro Deo, antes de seguir para os Estados Unidos
em 1941, como visto anteriormente.
438 A célula Sabanilla no Rio de Janeiro foi originalmente dirigida por Jan Schulz (também conhecido como Szulc,
“Jankowski”, agente n.º 5153), que no início de 1943 foi substituído pelo tenente Bohdan Pawlowicz (“Pedro”),
oficialmente o Adido Militar assistente no Rio de Janeiro. Uma rede de informantes foi organizada em São Paulo e no porto
de Santos (SP), onde eram fortes as influências alemãs e as comunistas. Trabalho de inteligência também foi realizado nos
estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e na parte oeste do Paraná, em grande medida sobre a base da comunidade
polonesa local. Cooperação com os britânicos e com os norte-americanos, que recebiam os relatórios de contrainteligência
poloneses (o que também ocorria no restante das Américas), era boa. (…) As atividades de Sabanilla envolviam Brasil, Peru
e Bolívia. Em Buenos Aires existia uma outra célula, chamada “Salvador”, estabelecida em janeiro de 1942. Ela
supervisionava células menores no Chile, Uruguai e Paraguai (CIECHANOWSKI, 2005b, p. 350-363).
439 Um dos grandes nomes do jornalismo polonês no período entreguerras, foi correspondente em cidades como Paris,
Londres e Nova York. Viajou por quase todo o mundo (esteve na Argentina na década de 1930), entrevistando chefes de
Estado, reis, generais e líderes famosos (como Pilsudski, em 1926), muitos dos quais se tornaram seus amigos pessoais. Seu
livro A quand la guerre?, publicado em Paris, em 1935, no qual ele “previu a Segunda Guerra Mundial para 1939”, foi
traduzido em diferentes idiomas, tendo sido um best-seller em 1935-1936. Chegou ao Brasil durante a Segunda Guerra
Mundial para dirigir a propaganda dos Aliados (O Globo, 01/04/1973). Chefiava a “Inter Allied Press Agency” organização
que existiu no Rio de Janeiro (O Jornal, 11/07/58). Segundo o jornalista Danton Jobim, Wrzos veio ao Brasil durante a
Segunda Guerra Mundial para colaborar com a embaixada da Inglaterra, sendo amigo e um dos homens de confiança de
Noel Charles, o embaixador britânico (JOBIM, 1973). Em janeiro de 1946 recebeu do governo brasileiro a Ordem Nacional
do Cruzeiro do Sul, no grau de Cavaleiro, pelos serviços prestados às forças aliadas entre 1942 e 1945 ( O Cruzeiro
11/05/1968). Permaneceu no Brasil após a guerra. Criou um serviço de informação jornalística com seção de Copyright, a
qual se dedicava à propaganda do Brasil no estrangeiro (JOBIM, 1973). Em abril de 1968 recebeu a comenda da Ordem
Nacional do Cruzeiro do Sul (sua terceira condecoração pelo governo brasileiro), como reconhecimento ao seu trabalho de
divulgação do Brasil (O Cruzeiro, 11/05/1968). Em 1974, dias após seu falecimento, o escritor e jornalista Austregésilo de
290

imprensa” (CIECHANOWSKI, 2005b, p. 350-363) – e que também seria um dos nomes envolvidos
com o CBEL no final da década de 1940, como visto acima.
Em 1945, enquanto Stalin, Roosevelt e Churchill estabeleciam acordos para o pós-guerra que
afetariam o futuro do governo polonês no exílio e seu exército (Armia Krajowa)440, no Rio de Janeiro o
coronel Kara se reunia com o ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra. Segundo informações
de Heber Clegg, oficial do SIS/FBI, durante a conversa o general teria afirmado que temia o efeito do
comunismo no Brasil, lamentando ser uma pena que o presidente Vargas não reconhecesse tal ameaça.
Teria também solicitado que, caso as forças polonesas viessem a ser desmobilizadas, 20.000 dos
habilidosos técnicos de seu exército e marinha fossem designados para auxiliar no treinamento das
forças brasileiras. Confome Clegg, a solicitação de Dutra chegou a ser enviada para o governo polonês
em Londres, mas a resposta foi negativa: o governo no exílio tinha então a intenção de manter suas
forças unidas, não podendo levar o pedido do general brasileiro em consideração (Memorando,
07/07/1955).
Ainda assim, muitos ex-combatentes poloneses permaneceram no Brasil. Incluindo o próprio
coronel Kara, que, além de se vincular ao Centro Brasileiro da Europa Livre, foi sócio fundador da
União Cultural dos Poloneses no Brasil e professor da Escola Superior do Estado-Maior (Correio da
Manhã, 15/07/1955; Tribuna da Imprensa, 15/07/1955). Em 1949, ele foi eleito membro do conselho
fiscal da sociedade por ações Distribuidores Unidos do Brasil S.A., que tinha Alfred Jurzykowski como
um de seus sócios441. Jurzykowski, que também era polonês, em 1953 traria a Mercedes Benz –
fabricante de automóveis alemã – para o Brasil. Sobre ele, o general Edmundo Macedo Soares e Silva,
vice-presidente dessa empresa entre 1960 e 1967 e primo de José Carlos de Macedo Soares, comentou:

Athayde lamentou que Wrzos tenha sido sepultado sem receber as homenagens de muitos de seus amigos e admiradores,
elogiando-o por ser um “homem digno e excelente amigo de extrema dedicação”, sendo um daqueles “cidadãos europeus
que a guerra trouxe ao Brasil e aqui, pelo seu trabalho, conquistaram renome e posição respeitável na sociedade” (Jornal do
Comércio, 27/09/1974).
440 Em julho de 1945, o oficial do SIS-FBI da embaixada norte-americana no Brasil relatou ter recebido informações de
que todas as comunicações entre a Legação Polonesa no Rio de Janeiro e o governo polonês no exílio, sediado em Londres,
tinham sido cortadas, pois os poloneses no Brasil antecipavam que o governo Getúlio Vargas logo iria reconhecer o novo
governo polonês (República Popular da Polônia). O relatório de Heber Clegg acrescentava: “Os poloneses daqui estão
prontos para ir para a clandestinidade (ready to go underground) e estão aguardando ordens da Europa. Foi afirmado que
existem 500.000 militares (servicemen) fora da Polônia que nunca irão se submeter ao novo governo dominado pelos
russos”. Segundo Clegg, os poloneses estavam desapontados com a Inglaterra, que teria assumido com eles um
compromisso de que, ao final da guerra, poderiam estabelecer seu próprio governo (Memorando, 07/07/1945).
441 A sociedade, constituída em 20 de dezembro de 1949, era integrada por: 1) Alfred Juzykowski, domiciliado em Nova
York; 2) Rudolf Rathads, americano, domiciliado em Nova York; 3) Mark Henry Marley, americano, residente no Rio de
Janeiro; 4) coronel Howard Williams, americano, domiciliado e residente no Rio de Janeiro; 5) Tadeusz Skowronski,
polonês, diplomata, antigo Ministro da Polônia no Brasil, domiciliado e residente no Rio de Janeiro; 6) Príncipe Olgierd
Czartoryski, polonês, domiciliado e residente no Rio de Janeiro; 7) Homan Poznanski, brasileiro naturalizado (Diário
Oficial da União, 18/02/1950).
291

[Jurzykowski era] (…) um polonês que lutou na Primeira Guerra como oficial da
reserva de cavalaria; lutou também na Segunda Guerra – tenho absoluta certeza de que
pertenceu ao lntelligence Service americano. Quando a guerra acabou, colou peças de
brilhantes e de pedras preciosas no corpo inteiro, vestiu uma roupa e fugiu para a
Áustria; de lá tomou um navio para a Inglaterra e depois para os Estados Unidos, onde
vendeu as joias. Já tinha algum dinheiro lá, fruto de suas atividades como representante
da Mercedes em Varsóvia. (…) Veio dar com os costados no Brasil e foi ao Góes –
como, eu não sei, nunca lhe perguntei – e o Góes me indicou para ajudá-lo (SILVA,
1998, p. 139).

O general Góes Monteiro – que tinha reassumido o Ministério da Guerra em agosto de 1945,
quando o general Dutra deixou o posto para concorrer à presidência da república – teve ainda contato
com outros exilados poloneses. Um deles foi o coronel Arczyl Bek Jedigaroff, que lhe apresentou a
ideia de criar uma unidade anticomunista, que funcionaria sob o disfarce de um escritório voltado a
encontrar vagas de trabalho para os imigrantes europeus no Brasil. Segundo informações reunidas no
início de 1947 por E. W. Ridings, adido militar assistente da embaixada norte-americana, o general
Góes Monteiro aceitou a proposta do coronel polonês, mas antes que pudesse levantar adiante qualquer
plano a respeito, ele foi enviado novamente ao Uruguai, para reassumir sua posição no Comitê de
Defesa Política do Continente (como visto no capítulo 4). Contudo, antes de viajar para Montevidéu,
Góes Monteiro repassou a proposta ao general Canrobert Pereira da Costa 442, que tinha assumido o
ministério da Guerra no final de 1946 (Relatório, 26/03/1947)443.

6.2.2 Um sistema de inteligência anticomunista no gabinete do Ministro da Guerra

442 Conforme entrevista do general Antônio Carlos Muricy ao CPDOC-FGV (1993, p. 204), o presidente Dutra “teve a
coragem de nomear como ministro da Guerra um general-de-brigada”: “Naquele tempo não havia general-de-exército. Era
só general-de-brigada e general-de-divisão. E não houve nenhum problema no Exército, tal a força moral do Canrobert. (…)
Ele tinha sido auxiliar do Dutra em várias ocasiões e merecia toda a confiança”. Muricy afirmava que Canrobert “era o
chefe espiritual, o que melhor congregava os militares do Exército”. Se ele não tivesse falecido, em 1955, “a história do
Brasil seria contada de outra maneira”. Conforme Muricy, ele, Bizarria Mamede, Golbery do Couto e Silva, Eduardo
Domingues de Oliveira e Newton Reis, formavam um grupo “muito chegado ao Canrobert”: “Este foi um grupo que depois
foi integralmente trabalhar na conspiração de 1964. Esta outra coisa que se precisa entender: esse grupo continuou mais ou
menos unido e apareceu quase todo em 1964” (Id., p. 296).
443 As informações foram obtidas pelo coronel Eugene W. Ridings através de diversas conversas com o general Canrobert e
membros de seu gabinete (Relatório, 26/03/1947).
292

O general Canrobert, de acordo com Ridings, aceitou a ideia geral, mas colocou oficiais
brasileiros à frente da organização, estabelecendo-a diretamente sob sua supervisão, em seu gabinete 444.
Esse “núcleo de um sistema de inteligência anticomunista” era separado da inteligência do exército
(G2). Sua missão era “descobrir e manter sob vigilância os objetivos e atividades dos comunistas no
Brasil”. Segundo Ridings, essa missão era mais ampla em escopo que a de outra seção especial do
gabinete do Ministro da Guerra, dirigida pelo coronel Pedro Geraldo de Almeida, que combatia o
comunismo entre os militares (Relatório, 26/03/1947)445.
Em janeiro de 1947, Góes Monteiro tinha falado sobre esse trabalho com o outro adido militar
assistente da embaixada norte-americana, o major Vernon Walters – que voltará ao Brasil em 1962. De
acordo com o relato de Góes Monteiro, a infiltração comunista no Exército brasileiro ainda não havia
assumido proporções sérias, e os comunistas ainda não haviam conquistado nenhum oficial acima da
patente de coronel. O general brasileiro teria colocado estes e outros oficiais em posições sem
importância, até que eles pudessem ser expulsos do Exército por meio da Lei de Segurança Nacional,
que naquele momento era discutida no Congresso. Em resposta a uma pergunta sobre nomes de oficiais

444 Segundo Muricy: “Ele [Canrobert] organizou o gabinete com meus amigos, tanto na Casa Militar quanto no Ministério
da Guerra. (…) Logo que eu fui para lá, o chefe-do-gabinete era o Sena Vasconcelos. Havia no gabinete uma série de
subseções. Na seção de informações e relações públicas, estava o Pedro Geraldo de Almeida. Nas ligações com o Estado-
Maior do Exército estava o Pedro Costa Leite, que era muito ligado ao Góes Monteiro e também já tinha trabalhado com o
Canrobert. O Canrobert foi muito chegado ao Góes, trabalhou várias vezes com ele; foi chefe-de-gabinete dele quando o
Góes era chefe do Estado-Maior do Exército e, se não me engano, quando era ministro também. Ele era chefe do Estado-
Maior do Góes quando houve o putsch integralista. (...) Havia, ainda: o Morais, que saiu; o Augusto Fragoso, mais tarde, o
Custódio dos Santos, que também não tinha curso de estado-maior, mas era um homem muito equilibrado. Estou
mencionando os primeiros... Depois vieram o Tubino, Antonio Jorge… (…) Tive uma grande felicidade, durante todo o
período em que fiquei do fim de 1947 a 1949 (…)” (MURICY, 1993, p. 210-214).
445 O general Pedro Geraldo de Almeida era oficial de gabinete de Góes Monteiro no Ministério da Guerra (Diário de
Notícias, 04/08/1945). Permaneceu no gabinete do novo ministro, Canrobert Pereira da Costa, até janeiro de 1951, quando
foi nomeado chefe da Comissão Militar brasileira em Washington DC e adjunto do adido militar à embaixada brasileira
nessa cidade. Anos mais tarde, Pedro Geraldo de Almeida seria o chefe do Gabinete Militar do presidente Jânio Quadros
(Verbete biográfico CPDOC-FGV). Conforme Muricy (1993, p. 221-222), Pedro Geraldo era “o homem encarregado da
parte de informações e, além disso, da parte de relações públicas. Era muito hábil, diplomata nato, de maneira que ele
preparava as recepções de uma maneira formidável. Ao mesmo tempo, ele estava em ligação com os órgãos de informação
que, naquele tempo, não eram estruturados como hoje. Naquele tempo, como normal, havia em cada comando um setor de
informações, que corresponderia à 2a. seção e que, no gabinete, era a E2, subordinada ao Pedro Geraldo. O setor
acompanhava os aspectos políticos e subversivos no Brasil. São os dois pontos que normalmente, num período de paz,
interessam aos dirigentes. E o Pedro Geraldo, diariamente, ia ao ministro e fazia um apanhado do que tinha acontecido no
Brasil, na parte política e na parte subversiva. Para isso, ele se baseava não só no que se chamava E2, mas também no
Estado-Maior do Exército, onde ele tinha contatos diários e que também lhe fornecia documentos. O Estado-Maior tem uma
seção de informações, de pesquisa. Esta seção fornecia informações ao chefe do Estado-Maior e ao ministro, através do
Pedro Geraldo, a não ser quando fossem casos muito graves, quando o chefe do Estado-Maior ia diretamente ao ministro
para expor os problemas mais graves, que são pessoais. (…) eu o chamava de Pedro Malasartes, porque ele tinha ideias,
preparava... Por exemplo, nessas coisas políticas que vão acontecer dentro do Brasil, em que o Canrobert vai tomar... ele
conseguia amenizar, controlar. Ele sabia. Mais tarde, veio para o gabinete um outro elemento que, para mim, era o mestre
dos mestres nesse assunto. Chamava-se Newton Fontoura de Oliveira Reis. O Newton Reis e o Golbery formaram, mais
tarde, uma dupla imbatível”.
293

considerados comunistas, ele afirmou que existiam dois coronéis envolvidos – Victor Cesar da Cunha
Cruz e Sampson da Nóbrega Sampaio. Góes Monteiro finalizou afirmando que “a seção secreta do
gabinete do Ministério da Guerra, dirigida pelo general Pedro Geraldo de Almeida, faz o controle dos
oficiais do exército suspeitos de serem simpáticos ao comunismo” (Relatório Secreto, 27/01/1947).
Em março de 1947 a organização ainda estava em seu estágio inicial de formação e, em função
disso, seus métodos de operação não estavam definidos. O adido norte-americano considerava que,
embora o papel exato de Jedigaroff nessa nova proposta não estivesse claro, era provável que ele
continuasse a ter algo a ver com ela, já que fazia visitas constantes ao gabinete do ministro da Guerra.
“Além disso”, comentou Ridings, “o ministro da Guerra, em uma conversa comigo, não fez nenhum
segredo sobre o fato de que ele estava usando Jedigaroff, mas ao mesmo tempo expressou dúvidas
sobre a sua lealdade”446 (Relatório, 26/03/1947).

446 Em 1949, os antecedentes de Jedigaroff foram requeridos à polícia do Distrito Federal pela Seção de Segurança
Nacional do Ministério da Justiça e pelo major Geraldo de Menezes Cortes, do Conselho de Segurança Nacional. Segundo o
Serviço de Informações da DPS/DFSP, Jedigaroff seria russo de nascimento e se apresentaria como coronel do ex-exército
imperial russo, “embora nunca tenha sido promovido a esse posto por nenhuma autoridade militar competente daquele país.
Depois do colapso do regime czarista foi admitido no exército polonês como coronel contratado (por ser estrangeiro), sendo
demitido por motivos de ordem administrativa militar do Ministério da Guerra Polonês”. Essa informação, podemos
especular, pode ter sido repassada à DPS por militares poloneses. O prontuário de Jedigaroff na polícia política brasileira
também afirma que ele chegou ao Brasil em 1941 e, em 1944, “entrou para o serviço do príncipe Roman Sangusko, em São
Paulo, como administrador e plenipotenciário dos seus bens, mas foi demitido e processado pela Justiça local por ter dado
vultoso desfalque. (…). Além desse caso, houve o roubo de uma caixa de joias dada em confiança a sua esposa pela filha do
príncipe, e que desapareceu, como alegaram perante a Justiça, durante uma viagem a Belo Horizonte”. Essa informação é
corroborada por notícias nos jornais da época (O Jornal, 23/10/1947 e Diário da Noite, 22/09/1948). Ainda segundo a DPS,
em 1947 “esteve empregado como administrador de uma das fazendas perto de Belo Horizonte, de propriedade do ex-
ministro Dr. Francisco Campos, onde também foram verificadas várias irregularidades. Para fugir de novo processo por
defraudação, procurou, segundo opinião dos que o conhecem, eliminar o ex-titular, serrando, ou mandando serrar os eixos
do seu automóvel; e quando este viajava para o Rio de Janeiro, deu-se um desastre na Estrada Rio-Petrópolis. O Dr. Campos
saiu ileso, mas ficaram feridas outras pessoas que viajavam em sua companhia”. Jedigaroff não teria sido processado por
falta de provas, mas foi demitido, fixando residência no Rio de Janeiro. O informe sobre Jedigaroff, elaborado em outubro
de 1949, afirma que “há um ano, mais ou menos, Jedigaroff conseguiu uma colocação como intérprete ou função parecida
na Ilha das Flores [RJ], onde passou a explorar os imigrantes e pessoas deslocadas de guerra, que ali se acham. Sob o
pretexto de auxílio para regularização de seus documentos junto às autoridades brasileiras, e facilitar a aquisição de
empregos bem remunerados, está extorquindo dinheiro dos homens (…)”. Por seu comportamento, Jedigaroff teria sido
demitido da função que ocupava na Ilha das Flores. Contudo, “conseguiu por intermédio do advogado Ruy de Carvalho,
chefe de Organização Internacional dos Refugiados – IRO, ocupar na mesma a função de intérprete com o salário de Cr$
2.500,00 mensal. Na IRO, Jedigaroff prossegue com os mesmos ardis, ludibriando imigrantes incautos aos quais promete
empregos inexistentes, podendo assim manter o padrão de vida que ora ostenta” (Prontuário – APERJ). Em fevereiro de
1951, ele foi identificado no jornal A Noite como Príncipe Jedigaroff, conselheiro da Organização Internacional para os
Refugiados (OIR) no Brasil, em registro de seu comparecimento ao aeroporto do Galeão, junto ao delegado e ao sub-
delegado da OIR no Brasil, para se despedir do delegado da OIR no Paraguai (A Noite, 24/02/1951). Segundo o jornalista
romeno Stefan Baciu (Tribuna da Imprensa, 15/07/1955), o coronel Stanislaw Kara também foi, “durante algum tempo,
funcionário da Organização Internacional dos Refugiados no Brasil (IRO), encarregado de ocupar-se dos exilados e
fugitivos que vinham da Europa ao Brasil, para aqui encontrar uma nova pátria”: “Foi nesta qualidade que o conheci, e aqui
devo deixar meu testemunho sobre a profunda humanidade com que esse homem triste e otimista, ao mesmo tempo, acolheu
a todos aqueles que fugiram da barbárie comunista”.
294

O diretor da “organização” era o major Joaquim Inocêncio de Oliveira Paredes447, assistido por
“um major Álvaro”. A equipe era composta por três oficiais e quatro homens alistados. Seu escritório,
que ficava na sala 801 do Ministério da Guerra, era “teatralmente decorado” (dramatically set up) com
“Tommy guns” – apelido da submetralhadora Thompson – nas prateleiras da parede, possuindo barras
em todas as janelas (Relatório, 26/03/1947).
Quando o major Joaquim Paredes deixou o gabinete do general Canrobert, em julho de 1950,
foi substituído pelo major Newton Fontoura de Oliveira Reis. Não sabemos informar se Newton Reis
assumiu as mesmas funções que seu antecessor exercia, ou seja, se esteve envolvido com o “núcleo de
inteligência anticomunista”. O general Muricy, que também trabalhava no gabinete do ministro da
Guerra, em entrevista ao CPDOC/FGV afirmou não recordar qual era a função de Reis no gabinete –
embora lembrasse com detalhes as funções exercidas por outros colegas. Mas, aparentemente, Reis
tinha o perfil adequado para esse trabalho. Ele e Golbery do Couto e Silva, o primeiro chefe do Serviço

447 Joaquim Paredes foi nomeado para a função de oficial de gabinete do ministro da Guerra em novembro de 1946 (Jornal
do Brasil, 05/11/1946). Em 1949 ele assumiu a presidência da União Geral das Escolas de Samba do Rio de Janeiro
(UGES), que tinha apoiado os comunistas na campanha eleitoral de 1947: “A primeira providência do novo presidente foi
acrescentar ao nome da entidade a palavra Brasil. Passou a chamar-se União Geral das Escolas de Samba do Brasil, nome
que, para o major, acabaria de vez com as piadinhas dos adversários, responsáveis pela versão de que a sigla UGES queria
dizer, na verdade União Geral das Escolas Soviéticas. A segunda providência foi dedicar o desfile de 1949 ao presidente da
República, general Eurico Gaspar Dutra”. O prefeito do Rio de Janeiro, Hildebrando de Araújo Góes e o delegado Cecil
Borer também já tinham resolvido “acabar com a farra dos comunistas”, formando “uma nova entidade das escolas de
samba, com a intenção óbvia de esvaziar” a UGES. “E assim nasceu, nos primeiros dias de janeiro de 1947, a Federação
Brasileira das Escolas de Samba, reunindo, inicialmente, várias escolas desconhecidas” (CABRAL, 2016). Em setembro de
1949, ainda no gabinete do ministro Canrobert, o major Joaquim Paredes foi “alvo de significativas homenagens [em função
de seu aniversário], por parte dos associados do Clube Militar da Reserva do Exército”: “Presentes ao jantar, representantes
de todas as classes sociais, generais, deputados, oficiais da ativa e da reserva de nossas Forças Armadas, jornalistas,
representantes de escolas de samba e inúmeros amigos do major, (…) usaram da palavra, inicialmente, os deputados João
Botelho e Tenório Cavalcanti (…). Em seguida falou o dr. Gabino Bezouro Cintra, delegado de Roubos e Falsificações, e
mais Cesar Moreno, representando as Escolas de Samba” (Correio da Manhã, 30/09/1949). O deputado Tenório Cavalcanti,
amigo do major Joaquim Paredes, era também chamado de “deputado pistoleiro". Ele costumava andar com uma
submetralhadora alemã, apelidada por ele de "Lurdinha", envolta em uma capa preta, sendo considerado um dos “mitos da
violência na Baixada Fluminense” (UOL notícias, 18/09/2016). Em dezembro de 1949, o major seria ainda homenageado
pela Federação Afro-Brasileira de Umbanda, sediada em São João de Meriti (RJ), com o título de presidente de honra, na
data em que a entidade estava comemorando seu primeiro aniversário de fundação. Na “reunião festiva” também estavam
presentes o deputado João Botelho e o diplomata Carlos Buarque de Macedo Soares – que, como visto acima, trabalhava
junto a Mário de Pimentel Brandão e fazia parte do “grupo anticomunista” do MRE. Na festa da federação Afro-Brasileira
de Umbanda, Buarque de Macedo falou sobre “o que é a Rússia na realidade” (Diário da Noite, 16/12/1949). Em fevereiro
de 1950, o jornal O Globo noticiou a existência de um inquérito policial-militar para investigar a conduta do major Paredes
e do delegado Bezouro Cintra: “Trata-se de um caso de espancamento. Um indivíduo, preso sob suspeita de furto de armas e
levado para a Delegacia de Roubos e Falsificações, foi ali espancado brutalmente. Impetrado ‘habeas corpus’ em seu favor,
a polícia removeu a vítima para o Ministério da Guerra. Ali, no Serviço Secreto, o detido também foi espancado (...)” ( O
Globo, 01/02/1950). Em julho, o major Paredes deixou a função de oficial de gabinete do ministro Canrobert, sendo
substituído pelo major Milton [Newton] Fontoura de Oliveira Reis (Diário Carioca, 21/07/1950). No mesmo ano, Paredes
foi candidato a deputado federal pelo PTN (Partido Trabalhista Nacional) e organizou uma passeata da União Geral das
Escolas de Samba do Brasil em apoio ao líder do partido, Hugo Borghi (que, de acordo com o dossiê da DPS, tinha relação
com Wladimir Lodygensky, como visto anteriormente) (O Globo, 12/08/1950). O delegado Bezouro Cintra exercia a chefia
do PTN no Distrito Federal (A Noite, 31/07/1950).
295

Nacional de Informações (SNI), criado em 1964448, eram, segundo Muricy (1993, p. 222) uma “dupla
imbatível” em “habilidade política”: “o grande mestre era Newton Reis. Ele tinha uma habilidade
imensa. Ele estava na missão militar brasileira no Paraguai, terminou o serviço e veio para o gabinete,
já no fim do período Canrobert”. Conforme Muricy, Golbery e Newton Reis eram, assim como ele,
bastante próximos do general Canrobert (Id., p. 296). Na década de 1950, os três estiveram vinculados
à Escola Superior de Guerra (ESG) – sobre a qual ainda falaremos449.
Embora o nome de Newton Reis não apareça no dossiê da DPS sobre Wladimir Lodygensky –
nem o de Golbery do Couto e Silva, com quem ele trabalharia na década de 1960, como veremos nos
próximos capítulos –, o documento elaborado pela polícia política do Distrito Federal apontava,
diretamente, relações de Lodygensky com o major Joaquim Paredes, com o general Canrobert, assim
como com o general Álcio Souto, chefe do gabinete militar de Dutra, e com José Pereira Lyra, chefe do
Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) entre 1946 e 1947 450 (Dossiê “Wladimir

448 Golbery do Couto e Silva atuou na ESG entre 1952 e 1955. Na década de 1960, depois de entrar para a reserva, esteve
envolvido com o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), sobre o qual discutiremos na Parte III desta tese, e com o
Serviço Nacional de Informações (SNI) criado em 1964 e do qual foi o principal organizador (Verbete biográfico CPDOC-
FGV).
449 “Eu já tinha saído quando ele [Newton] chegou [na] escola [ao longo de 1955]. Mas eu já tinha trabalhado com ele
anteriormente no gabinete do Canrobert” (MURICY, 1993, p. 323). Muricy, Newton Reis e Golbery mantiveram relações de
amizade ao longo da vida. Quando Reis faleceu, em 1970, foi homenageado pelos colegas de farda: “Vários amigos, colegas
e admiradores do General Newton Reis, que compareceram a seu enterro, externaram o seu pesar pela perda daquele oficial,
entre eles o General Bizarria Mamede, Ministro do Supremo [Superior] Tribunal Militar, e o próprio ministro do Exército,
General Orlando Geisel, que em recente portaria, elogiando o seu antigo auxiliar, disse, em certa altura, que o afastamento
do General Newton Reis, por força da enfermidade cardíaca que acabaria por vitimá-lo, interromperia ‘uma brilhante
carreira de soldado’ (…). Foi lembrada, igualmente, por todos, não só a sua atuação como oficial integrante da FEB [Força
Expedicionária Brasileira], mas também, ressaltou o General Murici, como ‘um dos baluartes da Revolução de 31 de
março’. (…) Estiveram presentes, entre outros, o ex-Ministro Juraci Magalhães, o sr. Jaci Magalhães, o escritor Adonias
Filho, (…) os generais Antônio Carlos da Silva Murici, Ernesto Geisel, Bizarria Mamede, Oscar Luiz, Siseno Sarmento,
Comandante do I Exército, Golbery do Couto e Silva (...)” (O Globo, 15/09/1970). A escritora Rachel de Queiroz,
comentado sua atuação em 1964, também deixa clara a existência desses laços de amizade: “através principalmente de
Adonias Filho, estabeleci muitas ligações com oficiais que participavam das mesmas nossas ideias. Os generais Newton
Reis, Herrera, Muricy, Golbery, Sizeno, todos amigos de Adonias. O nosso Adonias era uma espécie de general civil e tinha
contato com todas essas fardas. Note-se que ele, Adonias, havia muito tempo deixara para trás o integralismo e se tornara
um liberal como nós todos. (...) Quando foi se tornando mais aguda a situação de Jango, com as campanhas de Brizola para
presidente, eu escrevia muito sobre isso (...). Fazíamos conspiração mesmo: saber onde estava a tropa, o que tinha havido,
se o coronel fulano tinha se manifestado... (...) o lado político, de pregação, de jornalismo de combate, de artigos de
encomenda, de nos trazerem assuntos para a gente falar, isso era o nosso trabalho” (Trecho do livro de memórias Tantos
Anos, publicado em reportagem da Folha de São Paulo, 26/09/1998).
450 Em dezembro de 1947, Pereira Lyra assumiu a chefia do Gabinete Civil da Presidência da República. Permaneceu no
cargo até o término do mandato de Dutra (31/01/1951). Na DFSP, foi substituído pelo general Antônio José de Lima Câmara
(que tinha sido oficial de gabinete de Dutra quando este ocupou a pasta da Guerra, durante o Estado Novo): “Lima Câmara
inaugurou no Rio o serviço de radiopatrulha e se notabilizou pela violência com que reprimiu manifestações de estudantes e
trabalhadores e pela perseguição movida contra ativistas da esquerda, em especial do Partido Comunista Brasileiro, então
Partido Comunista do Brasil (PCB)” (Verbete biográfico, CPDOC-FGV). Entre janeiro de 1947 e dezembro de 1950, o
chefe da Divisão de Polícia Politica e Social (DPPS) foi o major Adauto Esmeraldo, “pessoa de confiança do general Lima
Câmara”. Ele voltaria ao cargo em 1954, já como tenente-coronel, após o suicídio de Getúlio Vargas, permanecendo até fins
de 1955 (REZNIK, 2004, p. 128) .
296

Lodygensky”, DPS, 1966). Existe, portanto, grande probabilidade de que Lodygensky tenha trabalhado
com esse núcleo de inteligência anticomunista criada pelo grupo próximo a Canrobert. É também
possível que essa colaboração tenha se mantido ao longo da década de 1950, já não mais a partir do
gabinete do ministro da Guerra, mas em outros espaços – talvez privados, talvez não (a própria ESG,
como veremos, pode ter sido um desses núcleos de operação).
Álcio Souto, chefe do gabinete militar de Dutra e Canrobert, ministro da Guerra, “dois homens
que o Exército admirava”, eram, de acordo com Antônio Carlos Muricy, amigos de longa data451, ambos
“muito chegados” ao general Cordeiro de Farias (que desde 1948 estava à frente do projeto da ESG)
(MURICY, 1993, p. 204-210). Segundo Gaspari (2014), o “germanófilo” Álcio Souto tinha enorme
prestígio com o presidente Dutra, o que lhe conferia “ponderável influência nos assuntos políticos”.
Como chefe do gabinete militar, ele exercia também a função de secretário-geral do Conselho de
Segurança Nacional e esteve envolvido com a sua reorganização em 1946, a qual levou à criação do
Serviço Federal de Informações e Contrainformações – SFICI 452. Segundo depoimento do general
Leônidas Pires Gonçalves453, Álcio Souto “era um anticomunista muito ativo e muito determinado” e
teria sido “um dos responsáveis pelo fato de o Partido Comunista ter saído outra vez da legalidade”, em
1947 (GONÇALVES, 2001).

451 “Eles entraram juntos para o Colégio Militar e para Escola Militar e juntos foram promovidos. (...) Um foi para o
Ministério da Guerra e o outro para a Casa Militar. Eram dois amigos, e eles foram levando amigos”. Segundo Gaspari
(2014), foi Álcio Souto quem retirou Ernesto Geisel “do anonimato e da rotina de cavalos e soldados”, levando-o para a
chefia da 1ª seção da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional. Em abril de 1947, Álcio Souto “mandou o major
Geisel para Montevidéu como adido militar, e provavelmente influiu na sua promoção a tenente-coronel, em junho de
1948”. Ele morreria quatro meses depois, aos 52 anos. Geisel ficaria em Montevidéu até 1950 (CASTRO e D’ARAÚJO,
2012).
452 Em 1946 foi criado, junto à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, ou seja, como um organismo
componente da estrutura do CSN, o primeiro órgão de informações brasileiro: o Serviço Federal de Informações e
Contrainformação (SFICI). Em 1941, quando era ministro da Guerra, o general Dutra já tinha enviado uma mensagem
secreta ao Ministro da Justiça interino, o diplomata Vasco Leitão da Cunha (que era chefe de gabinete do ministro titular,
Francisco Campos), falando sobre a necessidade de criação de um serviço secreto de informações. Segundo Roratto e
Carnielli (2006), o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) iniciou consultas para dar forma ao proposto
pelo general Dutra, tendo ouvido a Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional (SG/CSN) – que se manifestou
favoravelmente – e o Ministro da Justiça – que também demonstrou apoio e sugeriu que as atividades fossem atribuídas a
um serviço semelhante ao FBI. O estudo do DASP, contudo, concluiu que as funções propostas na mensagem do Ministro
da Guerra deveriam ser atribuídas à Polícia Civil do Distrito Federal, cuja reforma estava sendo estudada, propondo o
alargamento de sua jurisdição (que passaria a ser nacional) para as atividades de natureza política. O Ministro Leitão da
Cunha, ainda de acordo com Roratto e Carnielli (2006), não ficou satisfeito com a posição do DASP e tentou viabilizar,
junto ao presidente Vargas, a criação de um serviço de inteligência independente da polícia do distrito federal, apoiando-se
nos seus pareceres e nos da SG/CSN. Mas o DASP manteve sua oposição e, assim, o SFICI seria criado somente quando o
general Dutra assumiu a presidência.
453 O general Leônidas, que seria Chefe do DOI/CODI do I Exército no Rio de Janeiro durante o regime militar e ministro
do Exército no governo de José Sarney (1985-1990), foi ajudante-de-ordens de Álcio Souto quando este comandou a
Divisão Blindada no Rio de Janeiro. Em 1945, com Álcio Souto e seu então assistente, Ernesto Geisel, Lêonidas entrou no
Palácio Guanabara para informar a Getúlio Vargas sobre sua deposição (GONÇALVES, 2001).
297

Na nota que a comissão executiva do PCB divulgou em maio de 1946, denunciando “as
recentes e mais descaradas provocações policiais contra a existência legal do Partido Comunista”,
Álcio Souto foi acusado de integrar “um pequeno grupo de militares fascistas” que ainda ocupavam
“postos importantes na tropa e no aparelho estatal” e que tudo fariam “em seu desespero de vencidos,
por impedir ou barrar a marcha da democracia” no Brasil 454. Em julho de 1947 – quando, depois de
conseguir cancelar o registro do Partido Comunista, o governo enviou ao congresso o anteprojeto da
nova lei de segurança nacional (ver FICHA em anexo) – Álcio Souto foi acusado por Carlos
Marighella, que ainda exercia seu mandato de deputado, de ter desrespeitado a farda do exército455.

6.2.3 A cruzada anticomunista do “grupo de Canrobert” durante o governo Vargas

Na década de 1950, o general Canrobert foi uma das principais lideranças do setor das Forças
Armadas que fazia oposição ao governo Vargas, participando do movimento chamado Cruzada
Democrática, cuja criação foi assim anunciada pelo jornal Tribuna da Imprensa:

As altas patentes das classes armadas articulam-se para combater a infiltração


comunista no seu seio, principalmente no Exército, onde o ministro da Guerra [Estillac
Leal], considerado inocente útil ou criptocomunista, favorece a penetração dos
comunistas. Este movimento começou a tomar corpo desde os primeiros instantes da
454 A esses militares se juntariam, segundo a nota do PCB, “políticos reacionários e policiais de profissão, como J. C. de
Macedo Soares, Negrão de Lima, Pereira Lira, Oliveira Sobrinho e poucos mais.” “(…) todos igualmente sem nenhuma
influência ou prestígio popular, mas ativos na luta contra a democracia e ainda capazes, graças aos postos que ocupam, de
arrastar o governo em aventuras reacionárias e ditatoriais, visando a volta do fascismo, da censura, da violência contra o
povo e do terror policial” (Tribuna Popular, 08/05/1946).
455 Segundo Marighella, Álcio Souto teria falado ao 2º Batalhão de Infantaria sobre uma conspiração inexistente,
preparando o terreno para a apresentação da nova lei de segurança. O deputado comunista também afirmou que tal lei não
era “testemunho nem sinal de fortaleza do pequeno grupo de aventureiros militares fascistas, com os generais Eurico Dutra
e Álcio Souto procurando levar avante a sua miserável política de aniquilamento de nosso povo”, e sim um “sinal de
fraqueza”: “Depois de dois meses de lutas incessantes, de pressão em todos os sentidos para ver se podiam cassar os
mandatos dos parlamentares comunistas, lançam mão agora de outro recurso; aparecem, então, com uma lei desesperada,
com uma lei que é a negação de tudo que afirmávamos, de tudo que o povo brasileiro conquistou nestes dois anos de
legalidade, a partir de 1945, e de tudo que aqui declaramos quando votamos a Constituição de 1946” (Diário do Congresso
Nacional, 25/07/1947). A acusação contra Álcio Souto foi vista como uma ofensa ao exército pelo ministro da Guerra,
general Canrobert, que divulgou uma nota: “(…) O Exército Brasileiro, alheio às questões de partidarismo político, e que
vive honestamente entregue a seus labores profissionais, afirma, por meu intermédio, sentir-se orgulhoso de si mesmo, o
que importa dizer, com o seu corpo de generais e seus quadros em geral, onde o general Álcio Souto, pessoa visada
diretamente no caso em apreço, goza do mais elevado conceito, pelas suas qualidades morais e profissionais sobejamente
demonstradas através de longa folha de reais serviços ao país” (Diário de Notícias, 26/07/1947).
298

questão do Clube Militar456. Os oficiais generais do Exército estiveram naquele


momento mobilizados para, em seu contato com o ministro Estillac, encontrarem a
fórmula que terminasse com o foco de agitação que o Clube Militar representava.
Conseguiram, então, uma relativa vitória, depois de cansativa pressão sobre o general
Estillac e o governo (…). Naquele momento, os generais, que estiveram em grande
atividade, resolveram que todos se deveriam manter em silêncio, porém vigilantes,
aguardando novas providências que preservassem o Exército da deliberada incursão
comunista que estava em desenvolvimento. Ao contrário das novas providências
necessárias, viram os generais que o ministro Estillac Leal se preparava para permitir
maior infiltração de elementos comunistas nos corpos da tropa. (…) Deliberaram,
então, os generais democratas, que era necessário fazer-se pressão pública contra o
ministro da Guerra, levantando-se a questão da infiltração comunista nas classes
armadas (…). A oportunidade dessa ofensiva dos militares democratas foi marcada
para as solenidades de fim de ano. (…) Começou com o discurso do general Cordeiro
de Farias, no encerramento do Curso da Escola Superior de Guerra. (..) [Cordeiro] de
Farias iniciou assim uma verdadeira campanha. Não foi uma declaração isolada, foi a
manifestação de uma corrente, a corrente democrática, das classes armadas. (…)
Mobilizados os democratas contra a infiltração comunista nas classes armadas, (…)
reabre-se agora (…) a questão do Clube Militar. Nos primeiros meses do ano deverá
realizar-se a eleição para a presidência do Clube Militar. Organizam-se os democratas
para a luta, criando a Cruzada Democrática para que o Clube retome o seu caminho,
livrando-se dos comunistas457. (…) (Tribuna da Imprensa, 31/12/1951).

456 Segundo o verbete temático do CPDOC-FGV sobre a Cruzada Democrática, “as conferências pronunciadas no Clube
Militar nos anos de 1947 e 1948 pelos generais Júlio Caetano Horta Barbosa e Juarez Távora, o primeiro defendendo o
monopólio estatal do petróleo e o segundo a participação nesse ramo da indústria da iniciativa privada, incluindo capitais
estrangeiros, delinearam duas correntes distintas dentro das forças armadas, correntes essas que passaram a disputar a
diretoria do clube. Nas eleições de 21 de maio de 1950, o setor que lutava pelo monopólio estatal do petróleo — a chamada
ala nacionalista —, liderada pelos generais Newton Estillac Leal e Horta Barbosa, derrotou o grupo contrário, encabeçado
pelos generais Osvaldo Cordeiro de Farias e Emílio Ribas Júnior. A continuidade dos debates em torno da questão do
petróleo, agora já com a participação ostensiva do Clube Militar, atraiu para a gestão de Estillac a hostilidade dos partidários
da entrega da indústria petrolífera à iniciativa privada, que se mostravam alarmados com a extensão dos compromissos
políticos que o clube vinha assumindo. Além da questão do petróleo, a posição da instituição em relação à Guerra da Coreia,
expressa através de uma série de artigos publicados na Revista do Clube Militar contrários à intervenção norte-americana e
a um eventual envolvimento brasileiro no conflito, desagradava profundamente aos militares reunidos em torno de Cordeiro
de Farias, Juarez Távora e outros generais identificados com a liderança dos Estados Unidos. Esse grupo acusava a diretoria
do clube de seguir uma orientação política que afetava as obrigações internacionais do Brasil, colocando em xeque a
normalidade das relações do país com as diretrizes do sistema interamericano”.
457 “O manifesto da Cruzada lançou as candidaturas dos generais Alcides Etchegoyen, comandante da Artilharia da Costa e
chefe de polícia do Distrito Federal durante o Estado Novo, e Nelson de Melo à presidência e à vice-presidência do Clube
Militar, concorrendo contra a chapa Estillac Leal-Horta Barbosa, que tentava a reeleição. As eleições foram vencidas pela
Cruzada Democrática por 8.288 votos contra 4.489, O pleito foi acusado de irregular pelos adeptos de Estillac e Horta
Barbosa, que denunciaram a ocorrência de violências e arbitrariedades contra os cabos eleitorais nacionalistas. Os principais
órgãos da imprensa brasileira, como O Globo, O Estado de S. Paulo e os Diários Associados — grandes defensores da
entrada de capitais estrangeiros no país – deram completa cobertura às atividades eleitorais da Cruzada, ao mesmo tempo
em que promoveram cerrada campanha contra a corrente nacionalista. (…) aderiram publicamente à Cruzada Democrática
oficiais de grande prestígio como o brigadeiro Eduardo Gomes, (…) os generais Pedro Aurélio de Góes Monteiro, (...)
Juarez Távora, (…) Canrobert Pereira da Costa, Cordeiro de Farias e outros. Parte considerável dessa elite militar pertencia
aos quadros de direção da Escola Superior de Guerra (ESG) (…). Sob o controle da Cruzada, o Clube Militar abandonou o
seu tradicional comprometimento com a tese do monopólio estatal do petróleo (…). A atuação da Cruzada Democrática (…)
não se limitou ao Clube Militar. Principal elemento aglutinador da oposição ao presidente Vargas dentro das forças armadas,
o movimento tomou parte ativa na ofensiva antigetulista desencadeada em 1954” (Cruzada Democrática – Verbete temático
CPDOC-FGV).
299

Para Antônio Carlos Muricy, “uma das coisas graves da guerra revolucionária é o apoio que a
sociedade dá aos elementos que a vão destruir, na presunção de que a democracia, por si só, se
defende”. O problema, opinava o general, é que se não forem dados “elementos para ela se defender”, a
democracia “sucumbe”. Tal dificuldade de percepção faria com que “muita gente não fosse sentindo a
maré montante do comunismo”. No início de 1954, os coronéis, os “homens que estavam em contato
mais direto com os chefes militares”, julgando “haver necessidade de dar um alerta aos generais”,
elaboraram um memorial com o objetivo de, segundo Muricy, informar aos seus chefes que estavam
preocupados com o problema:

Naturalmente, há sempre um núcleo central que trabalha nisso. Esse núcleo central se
fixou em duas áreas: no Estado-Maior do Exército e na Escola Superior de Guerra.
(…) Éramos um grupo muito amigo. (…) Um belo dia, o Mamede veio do Estado-
Maior com o Golbery. Tinham conversado lá com os companheiros e tomaram a
decisão de fazer a redação do documento. Como sempre, o Golbery foi escolhido para
a redação. Ele era o grande redator da doutrina de segurança, que fazíamos dia a dia.
(…) O Golbery expôs o que ele tinha ouvido lá e chegamos à conclusão de que era
preciso escrever o documento. Então, debatemos ali, rapidamente, umas ideias e o
Golbery sentou e redigiu, de ponta a ponta, o Memorial dos Coronéis. (…)” (MURICY,
1993, p. 279-280)458.

O manifesto teve grande repercussão e contribuiu para a demissão dos ministros da Guerra,
general Ciro do Espírito Santo Cardoso, e do Trabalho, João Goulart, no início de 1954 (Manifesto dos
Coronéis – Verbete temático CPDOC-FGV).

6.2.4 O almirante Pena Boto e a Cruzada Brasileira Anticomunista

Outro militar que manifestava forte preocupação com a “infiltração comunista” nas Forças
Armadas era o almirante Carlos Pena Boto, subchefe do Estado-Maior da Armada 459. Em 1952, durante
um debate realizado na TV Tupi, ele declarou que “a campanha comunista nas classes armadas” ainda
458 Questionado por seu entrevistador se recordava quem estava presente no dia da redação, Muricy respondeu: “O
Mamede, o Golbery, eu e, se não me engano, o Newton Reis. Não sei se já há dados sobre isso. O fato é que eu me lembro
que o Golbery escreveu. Enquanto ele escrevia, conversávamos sobre outro assunto. Depois, nós debatemos, e o documento
foi ao Estado-Maior para que o pessoal de lá tomasse conhecimento” (MURICY, 1993, p. 279-280).
300

não tinha encontrado “um drástico corretivo” (Tribuna da Imprensa, 17/01/1952)460. Pouco tempo
depois, ele estaria à frente de uma nova organização, a Cruzada Brasileira Anticomunista, “uma
sociedade civil de âmbito nacional, devidamente registrada”, que se destinava “ao combate resoluto,
decidido, ostensivo ao comunismo” (Tribuna da Imprensa, 21/08/1952). Em 1953, questionado pelo
jornalista Galba Menegale sobre o surgimento da Cruzada, Pena Boto respondeu:

Esse movimento já tumultuava na cabeça de muita gente. Faltava ordená-lo, carecia,


apenas, de um impulso dirigido. E isso deflagrou de súbito, quando participamos de
duas mesas-redondas na televisão. A ausência de critério com que essas conversas se
realizaram, num ajuntamento heterogêneo, e até disparatado, pode significar que o
dedo de Moscou, espichado sobre o mundo, ali se introduziu também. (…) Mas isso
serviu, em todo caso, para cristalizar a ideia de reação. Organizamo-nos e passamos a
operar. (…) Reuni quarenta patriotas, dispostos a cooperar sob minha direção na luta
contra o comunismo. Seus nomes? Ah! não, é segredo, pelo menos por enquanto. (…)
(Flan: o jornal da semana, 19 a 25/04/1953).

A reportagem da revista Flan461 sobre Pena Boto e a Cruzada afirma que esta possuía um
serviço secreto “de ampla estrutura” e com “milhares de olhos”:

Técnicos de comprovada experiência no emprego sub-reptício de instrumentos de


sondagem, de olho implacável, como o dr. Jacy Magalhães 462, capazes de espremer aos

459 Em março de 1951, Pena Boto tinha sido conselheiro militar da delegação brasileira à IV Reunião de Consulta dos
Ministros das Relações Exteriores, realizada em Washington (Verbete biográfico CPDOC-FGV). As reuniões de consulta
antecedentes foram abordadas no quarto capítulo desta tese. De acordo com Faúndez (1969), o governo norte-americano
precisou convocar essa reunião depois de ter envolvido a Organização das Nações Unidas de maneira pouco usual
(Resolução “União Pró-Paz”) na guerra contra a Coreia. Na reunião de consulta realizada em março de 1951, ele conseguiu
obter a ratificação dessa resolução pelos outros governos das Américas.
460 Esse debate foi anunciado no jornal Diário da Noite (16/01/1952): “Promete revestir-se de aspectos sensacionais a
mesa-redonda que hoje (…) será reunida (…) na TV Tupi (…). O perigo comunista será focalizado através de sensacionais
depoimentos (…). Tomarão parte figuras como a do promotor Orlando Ribeiro de Castro (…) [e] do almirante Pena Boto,
do Estado-Maior da Armada, que falará sobre a infiltração dos comunistas nas Forças Armadas, notadamente na Marinha de
Guerra. (...)”.
461 O editor da revista era o jornalista Samuel Wainer, do jornal Última Hora. Muitas informações apresentadas na matéria
da Flan sobre a Cruzada de Pena Boto coincidem com as constantes em um relatório de autoria desconhecida depositado no
Fundo Getúlio Vargas do CPDOC-FGV (Relatório sobre a CBA, 1953).
462 O relatório de autoria desconhecida também menciona que Ribeiro de Castro teria um primo, de nome não revelado,
que teria acabado de realizar uma “importante viagem aos Estados Unidos, onde manteve conversações com personalidades,
explicando o que o era a Cruzada e quais os seus objetivos”. O “primo” teria “boas relações na embaixada norte-
americana”, sendo, ao que parecia, “o elemento de contato com os representantes dos Estados Unidos”. Esse “primo”
poderia ser Jacy Magalhães? Como vimos anteriormente, ele tinha uma viagem prevista para os Estados Unidos em março
de 1953 (mesmo período das reuniões da Cruzada descritas no relatório) e possuía boas relações com a embaixada.
301

olhos da Polícia o carnegão do marxismo escondido na profundidade das almas mais


cândidas – estão abnegadamente a serviço da Cruzada, orientando-lhe as atividades
secretas, com resultado que o almirante Pena Boto não se cansa de exaltar. Cada agente
opera no setor profissional em que se encontra. Esses brasileiros, ignorados ou, pior
que isso, mal julgados, taxados muitas vezes de interesseiros, de profissionais do
anticomunismo, ridicularizados com prefixo de espionagem (…), são beneméritos da
Pátria – exclama, pondo-se hirto, de pé, o chefe nacional da Cruzada anticomunista.
(…) E, incendiando-se de entusiasmo, abrindo assim um pouco as defesas do sigilo
que, na Cruzada, é a alma do negócio, passa a relatar a existência das células
comunistas arroladas pelo seu serviço secreto, numa devassa engenhosa pelas
repartições públicas e autarquias. (…) E debulha um rosário longo de células, recitando
o nome de cada uma, mais o número de agentes catalogados. Em todos os lugares há
espiões (…). (Flan: o jornal da semana, 19 a 25/04/1953).

A Cruzada estaria funcionando “de empréstimo, na sede da Federação dos Círculos Operários,
por deferência do padre Leopoldo Brentano”463, com reuniões sendo realizadas “no apartamento do
promotor Orlando Ribeiro de Castro”, que era então o secretário-geral da organização. Segundo o
relatório de autoria não identificada depositado no Fundo Getúlio Vargas do CPDOC-FGV, Ribeiro de
Castro era “antigo líder integralista” e teria “endereçado circulares assinadas por Plínio Salgado,
aconselhando os integralistas a ingressarem na Cruzada” (Relatório sobre a CBA, 1953).
Profundamente comprometido com a causa anticomunista, era o promotor à frente do processo
instaurado contra Luís Carlos Prestes em 1947, depois que o líder comunista conclamou “o povo a se
organizar para defender a independência nacional e a resistir à ilegalidade e ao arbítrio”. Em 1956, o
jornal comunista Tribuna Popular se manifestou sobre tal processo, que, depois de quase dez anos,
ainda não tinha sido concluído464:

O promotor não mudou. Desde o primeiro dia, até hoje, é o integralista Orlando
Ribeiro de Castro. O delirante representante do Ministério Público é um instrumento
da reação. A qualquer hora, está pronto para armar as mais grosseiras provocações.
Certa ocasião, deitou entrevista anunciando que Prestes se achava escondido a bordo
de um submarino soviético na Baía da Guanabara. Tamanho absurdo encontrou a
imediata repulsa de quantos acompanhavam o processo. (…) E as testemunhas de
acusação? Basta mencionar esse reles provocador internacional de nome Mihailovitch

Contudo, ainda seria necessário obter mais provas para poder chegar a uma resposta conclusiva (Relatório sobre a CBA,
1953).
463 Como veremos nos próximos capítulos, Wladimir Lodygensky também esteve envolvido com trabalho do padre
Brentano e dos Círculos Operários.
464 O promotor Ribeiro de Castro faleceu em 1956 (Tribuna Popular, 20/11/1956), mas o processo contra Prestes e seus
companheiros só foi arquivado em 1962 (PRESTES, 2011).
302

Granovski, cuja credencial – tão proclamada pelo integralista Orlando Ribeiro de


Castro – consistia em ter traído sua pátria 465. Tal indivíduo, em seu depoimento, acabou
confessando ter colaborado com os nazistas durante a invasão da União Soviética pelas
hordas de Hitler (Tribuna Popular, 03/01/956)

O que é interessante sobre este caso é que ele esclarece uma história “inusitada” descrita no
dossiê sobre Wladimir Lodygensky elaborado pela DPS/DFSP:

(…) na imprensa paulista [Lodygensky] foi inúmeras vezes acusado de chantagens


políticas, inclusive citado como sócio do Agente Secreto Internacional de nome
Janenski [possivelmente Granovski], que serviu no processo anticomunista instaurado
por Pereira Lira quando chefe de Polícia no Rio em 1947, contra o Partido Comunista,
processo este cognominado de “O processo do Submarino Soviético”. Na época
Janoski ou Janonski foi apontado como tendo inventado a história do submarino russo
na Guanabara, desmoralizando-se o processo em apreço, envolvendo e também
desmoralizando vários policiais, inclusive Borer e José Maria Sarmet. Este serviu
como testemunha para contestar as informações de Janonski e Lodygensky, por que o
nome de Lodygensky foi impedido de aparecer no processo, sob a alegação de
pertencer na época, aos Serviços Secretos de Segurança Nacional466. Assim alegando,
desejaram os comunistas identificar os informantes de tais serviços” (Dossiê
“Wladimir Lodygensky”, DPS, 1966, itálicos meus) .

Segundo o relatório sem autoria identificada (Relatório sobre a CBA, 1953), os antecedentes de
“Sirosky?” – possivelmente Granovski, como visto acima –, descrito como “oficial do exército russo”
que foi “envolvido no processo Prestes”, teriam sido fornecidos ao promotor pelo FBI, através da
Embaixada dos Estados Unidos”. O FBI, ainda de acordo com o relatório, também seria a fonte das
informações sobre “células comunistas existentes em órgãos estatais e paraestatais”: “A Cruzada dispõe
de listas nominais, conseguidas” – de acordo com o promotor Ribeiro de Castro – “por elementos do
FBI infiltrados no Partido Comunista. As ligações do FBI com a Cruzada são muito estreitas – nesse
ponto parece não caber discussão”.

465 Em 1948, o jornal A Noite tinha se referido a Granovski como um espião que tinha conseguido fugir “às perseguições
dos agentes do imperialismo bolchevista, refugiando-se no Brasil”, anunciando que ele iria narrar para os leitores do jornal
“pormenores inéditos sobre a vida interna na Rússia” (A Noite, 05/11/1948).
466 Sem maiores informações, resta especular que tal serviço poderia estar relacionado ao Serviço Federal de Informações e
Contrainformações (SFICI) ou à organização anticomunista criada no gabinete do general Canrobert.
303

A possível veracidade dessa afirmação é corroborada pela história oficial do SIS-FBI – rede de
inteligência criada durante a Segunda Guerra Mundial, já abordada no capítulo 4 desta tese – que
reconheceu ter realizado o monitoramento das atividades do PCB na década de 1940:

O Legal Attaché [oficial do FBI] informava o embaixador sobre as atividades


comunistas (...). Um exemplo disso foi o alerta antecipado feito ao embaixador Adolf
Berle pelo Legal Attaché de que os comunistas brasileiros planejavam intensificar os
seus ataques a Berle. (...). Outro exemplo da eficácia da ação do FBI ocorreu no final
de outubro de 1945 [na ocasião do decreto que ilegalizou o PCB], quando o Legal
Attaché era o único que sabia do paradeiro de Luis Carlos Prestes. (...). O
monitoramento técnico da sede do PCB feita pelos oficiais do FBI mostrou que Prestes
ainda se encontrava na cidade, e seu endereço temporário foi divulgado. Como
resultado dessa divulgação feita à embaixada e ao Departamento de Estado, o governo
dos Estados Unidos sabia do paradeiro de Prestes, enquanto os oficiais brasileiros
ainda tentavam encontrá-lo. (...). O vínculo mantido pelo FBI com a polícia brasileira
foi um recurso fundamental de informações sobre as atividades comunistas. O
monitoramento do FBI sobre o comunismo no Brasil não teria sido completo sem o
material obtido da polícia brasileira. Um exemplo da eficácia deste vínculo foi
resultado das agitações ocorridas entre 30 e 31 de agosto de 1946. Naquela época, a
polícia brasileira apreendeu todos os arquivos da sede do PCB e os levou ao
departamento de polícia para fotografá-los. Através das boas relações mantidas com a
polícia, os arquivos mais importantes, tais como a lista de filiados ao partido, foram
encaminhadas ao gabinete do Legal Attaché para fotografá-los antes de retornarem aos
arquivos da polícia brasileira. O recebimento destas informações representou um
inestimável acréscimo aos arquivos do SIS sobre o comunismo no Brasil (FBI,
1947)467.

Essa colaboração parece ter continuado a existir nos anos seguintes. Segundo a DPS/DFSP,
Martin Carlsen, o adido legal (agente especial do FBI) à embaixada norte-americana no início da
década 1950 (já mencionado no capítulo 3), mantinha contato com Wladimir Lodygensky:

Ao que se sabe, quando Wladimir veio para o Brasil, já estava ligado aos Serviços de
Informações dos EUA e suas atividades neste país vão se desenvolvendo de acordo

467 Os comunistas denunciavam essa atuação dos agentes norte-americanos: “(…) o antigo chefe do FBI no Brasil, o agente
Rolf Larson, agia abertamente na Polícia Central, sendo visto inclusive por alguns presos políticos que o encontraram de
óculos Ray-Ban e com as pernas em cima da mesa do espancador Boré [Borer], segundo o estilo de vida americano. Quando
denunciamos sua presença em nosso país, sua atuação como autoridade superior à do chefe de Polícia e até seu endereço e
telefone, o bando Larson fugiu para os Estados Unidos” (Imprensa Popular, 14/06/1951).
304

com as necessidades da Seção Política da Embaixada Americana no Rio 468. Quando


residia no Brasil, até agosto de 1955, o Sr. Martin Carlsen, Agente do FBI e Adido
Legal da Embaixada Americana no Rio, seus contatos com Wladimir eram quase
ostensivos e Martin visitava Wladimir em São Paulo. (…) (Info de jun 1958) (Dossiê
“Wladimir Lodygensky”, DPS, 1966).

6.2.5 Os contatos do FBI

O dossiê da DPS, como visto, também vinculava Lodygensky a Cecil Borer e Stefan Baciu. E
outro documento, de 1955 – uma série de relatórios intitulada, em anotação posterior, a lápis,
“Comunicado do MMC”469 – arquivado no Fundo Amaral Peixoto do CPDOC-FGV, aponta Borer e
Baciu como contatos do FBI:

(…) 4 - O Detetive Borer é o representante do FBI no Brasil, tem contato semanal com
um agente americano, encontrando-se na própria Polícia Central 470. 5 – O FBI tem no
Brasil, agindo aqui no DF, 3 agentes americanos, 2 russos, 2 ingleses e 2 argentinos;
(…) Estão hospedados em luxuosos hotéis de Copacabana como turistas [28/10/1955].
(…) 9 – Um dos agentes do FBI que faz a cobertura de Carlos Lacerda e é também
agente de ligação com os países da América do Sul, chama-se Stefan Baciu, é de
nacionalidade romena, foi criminoso de guerra 471 e se intitula redator da Tribuna da
Imprensa. É pago pela Embaixada Norte-Americana [07/11/1955] (Comunicado do
MMC, 1955).

6.2.5.1 O escritor romeno

468 Conforme apresentado no capítulo 3, na seção política da embaixada dos EUA estavam lotados os oficiais da CIA, além
dos oficiais do Departamento de Estado que trabalhavam com questões políticas e de inteligência.
469 O Movimento Militar Constitucionalista (MMC) foi articulado a fim de criar condições para garantir a realização das
eleições presidenciais em outubro de 1955, assim como assegurar a posse dos eleitos (Verbete temático CPDOC-FGV).
470 Em 1951, a imprensa comunista tinha acusado Borer de estar a serviço do FBI. Segundo o jornal Imprensa Popular
(14/06/1951), o embaixador Herschel Johnson teria requisitado ao presidente Vargas “diversos elementos de sua confiança”,
que seriam encarregados, “sob as ordens e o controle do atual adido do FBI”. Tais elementos seriam: o major Hugo
Bethlem, sobre quem falaremos no próximo capítulo, “o famigerado torturador Cecil Borer” e “um irmão de Juracy
Magalhães, de nome Jacy Magalhães, que se tornou conhecido pelos trabalhadores da Leopoldina, durante a última greve ali
verificada, por suas atitudes de policial e inimigo acérrimo dos grevistas, a serviço do Ministério do Trabalho”.
471 Nossa pesquisa não encontrou indícios de que Baciu tenha sido formalmente acusado de ter cometido crimes durante a
guerra.
305

De acordo com dossiê da DPS sobre Lodygensky, Stefan Baciu lideraria no Brasil, ao lado de
“Jean Valtin”, o “grupo de comentaristas e fornecedores de matéria anticomunista”. Baciu, que era
escritor e jornalista, chegou ao Rio de Janeiro em março de 1949, acompanhado de sua esposa, Mira
Élene Baciu472. Colaborou com os jornais Correio da Manhã e Diário Carioca473. Em 1953 começou a
trabalhar na Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda474. Ao relatar seus primeiros anos no Brasil, Baciu
afirmava ter passado por inúmeras dificuldades e zombava das acusações que lhe faziam em 1950:

(…) a imprensa esquerdista e comunista exigia a minha expulsão do Brasil, taxando-


me de “rebotalho fascista” e de “vendido à Esso Standard do Brasil” por causa dos
artigos que escrevia denunciando o comunismo. Cada vez que me acusavam de
perigoso agente financiado pela Esso, Mira e eu não podíamos deixar de sorrir e
comentar: “oxalá”. Afinal, não poucas vezes tínhamos apenas um ovo para o jantar, e
tínhamos que dividi-lo ao meio com uma bisnaga de pão, comprada na padaria Santa
Clara, de onde sentíamos sempre o perfume dos bolos e doces, que aspirávamos como
sobremesa (BACIU, 1982, p. 13-14).

Mas o fato é que, em algum momento da década de 1950, Baciu viria a ser financiado por fontes
norte-americanas. Não localizamos outros documentos que corroborem a informação de que ele
colaborava com o FBI. Mas seu envolvimento com a Associação Brasileira do Congresso pela
Liberdade da Cultura (ABCLC), criada em novembro de 1958, da qual era secretário-geral, e seu cargo
de redator-chefe na revista Cadernos Brasileiros, logo o colocariam na folha de pagamento da mais
importante operação encoberta da CIA no campo cultural475.

472 Baciu, que era poeta, se aproximou de vários intelectuais brasileiros, sendo bastante próximo de Manuel Bandeira e
Carlos Drummond de Andrade, que lhe dedicou um poema: “A kiss, un baiser, un bacio/ para a terra que o acolheu/ Assim
quis nosso Stefan Baciu/ saudar o Rio antigo e seu”.
473 Baciu afirmou, em seu livro sobre a Tribuna da Imprensa, ter chegado ao Brasil com uma carta de recomendação
escrita pelo primeiro-secretário da Legação do Brasil em Berna, Hygas Chagas Pereira, para Horácio de Carvalho Júnior,
diretor do Diário Carioca (BACIU, 1982, p. 10). Aos Diários Associados ele teria ido munido de uma recomendação de
Benjamin de Mendonça, gerente da agência comercial do Estado de S. Paulo, a quem ele se referia como seu “pai”
brasileiro (Id., p. 15).
474 “(…) pouco tempo depois de haver entrado na redação, fiquei encarregado da internacional da Tribuna da Imprensa.
Mantive-me no cargo, sem a colaboração de ninguém, de 1953 até o começo de 1962 (…). Desta maneira tive a
oportunidade de fazer, no correr dos anos, dezenas e dezenas de matérias sobre as ditaduras do mundo inteiro, com especial
destaque para as da Cortina de Ferro e da América Latina. (…) A infiltração soviética no regime do coronel Jacobo Arbenz
Guzmán, da Guatemala, a ditadura policial de Fulgêncio Batista y Zaldivar (…) e, mais tarde, a soviética de Fidel Castro em
Cuba – todos os tiranos e caudilhos latino-americanos foram combatidos na ‘velha Tribuna’. Por vezes o próprio Lacerda
intervinha no debate, como foi o caso da Guatemala (...)” (BACIU, 1982, p. 67-68).
475 A obra de referência sobre o Congresso pela Liberdade da Cultura é a pesquisa de Saunders (2008). As dificuldades
encontradas pelos norte-americanos para a criação de uma seção no Brasil serão mencionadas no último capítulo.
306

6.2.5.2 O espancador Borer

O outro indivíduo apontado como contato do FBI no Comunicado do MMC (1955) – e que teria
trabalhado com Lodygensky, segundo o dossiê da DPS476 – era o policial Cecil Borer, que ingressou na
Polícia do Distrito Federal na década de 1930, como integrante do “grupo móvel” de investigadores
destinados a missões secretas, que era contratado e supervisionado diretamente pelo então Chefe de
Polícia, Filinto Müller477. Em 1937, ele assumiu o cargo de investigador na Delegacia Especial de
Segurança Política e Social (DESPS). Quando esta foi transformada em Divisão de Polícia Política e
Social (DPS), em 1944, ele se tornou inspetor de polícia política, assumindo a chefia do Setor de
Fiscalização Trabalhista, “órgão encarregado de vigilância sobre o movimento operário” 478 (DUARTE e
ARAÚJO, 2013, p. 37).
Em 1954, foi chamado à Base Aérea do Galeão para interrogar Gregório Fortunato, acusado de
planejar o atentado da rua Tonelero contra Carlos Lacerda – que resultou na morte do major-aviador
Vaz, que o acompanhava479. Depois do suicídio de Getúlio Vargas, Borer organizou a proteção do jornal
de Lacerda, a Tribuna da Imprensa, contra a fúria dos manifestantes varguistas que já tinham tentado
atacar os prédios da embaixada norte-americana e da Standard Oil480. Em 1955, em função de sua
participação na tentativa de golpe contra a posse de Juscelino Kubitschek, foi afastado da DPS, ficando
476 “Trabalhou e mantém relações com o inspetor Cecil Borer – Info de Jun 1958” (Dossiê “Wladimir Lodygensky”, DPS,
1966).
477 Segundo Magalhães (2012), “o fortão Borer arremessava peso e disco no Fluminense” quando foi recrutado para a
Polícia Especial – cujos integrantes usavam quepes vermelhos e, em função disso, foram apelidados de “cabeça de tomate”
pelo “povaréu”. Em 1936, ele fez parte da equipe que “varejou o Rio até agarrar os comunistas Luis Carlos Prestes e Olga
Benário nos arredores do Méier”.
478 Em 1950, a atuação desse setor foi descrito na Tribuna da Imprensa, em crítica à “farsa das eleições sindicais”: “(…)
Exige-se, por exemplo, dos candidatos, um ‘atestado de ideologia’. Quem o fornece? A polícia. Em última análise, é o
investigador Cecil Borer, da ordem social, o encarregado de decidir quem será o líder sindical no Brasil. A isso, a essa
subversão da ordem legítima, chama-se defesa da ordem social… A um grupo de trabalhadores sindicalizados que foi buscar
o “atestado de ideologia”, o policial encarregado dessa benemérita missão prometeu concedê-lo desde que eles
concordassem em incluir na chapa dois investigadores. Coação de todo gênero, o medo, o constrangimento, a corrupção, a
violência, os recursos mais ignóbeis, estão sendo utilizados pelos agentes ministerialistas e pela polícia para obter eleições
sindicais sob medida (…). E o dinheiro do SESI fará o resto”. (...) (Tribuna da Imprensa, 06/06/1950).
479 “Na sexta-feira, à noite, o inspetor Cecil de Macedo Borer, do Setor Trabalhista da Divisão de Ordem Política e Social,
prestou depoimento na Polícia Técnica, esclarecendo como conseguira a confissão de Gregório Fortunato, após 23 horas de
interrogatórios ininterruptos. (...)” (Tribuna da Imprensa, 22/09/1954). Como mencionado no início deste capítulo, Euvaldo
Lodi foi um dos acusados por Fortunato durante esse interrogatório.
480 “Do aeroporto Santos Dumont, Carlos [Lacerda] deu telefonemas a fim de obter proteção policial para a Tribuna e teve
sorte de seu pedido chegar a Cecil Borer (…). Borer, por si só, decidiu que deveria mandar policiais para defender a
Tribuna. (…) a multidão, não podendo invadir o prédio, foi dispersada pela polícia enviada por Borer” (DULLES, 1992, p.
190). Em 1960, quando era governador, Carlos Lacerda convidou Borer para chefiar a Delegacia de Vigilância, e em 1963
transferiu-o para o Departamento de Ordem Política e Social – DOPS. Ele foi diretor do DOPS até janeiro de 1965
(DUARTE e ARAÚJO, 2013, p. 37-38).
307

lotado no Gabinete do Chefe de Polícia como Comissário de Polícia. Em 1955, Borer tinha sido
elogiado por William C. Trimble, da embaixada norte-americana, no relatório que este elaborou para
avaliar a capacidade de combate ao comunismo pelas instituições brasileiras: “Borer é um oficial de
polícia competente e um dos homens mais bem informados no Brasil em questões sobre comunismo”
(Despacho diplomático, 12/05/1955). Dois anos antes, o antecessor de Trimble na embaixada, Walter
N. Walmsley Jr., também elogiou o trabalho de Borer:

Ele tem uma longa experiência à frente da Seção Trabalhista [da DPS] e é capaz de
guardar uma grande quantidade de informações vitais de memória, de modo que ele é
indispensável, já que boa parte das informações sob seu poder não estão disponíveis
nos arquivos da Divisão [de Polícia Política]. Isto, junto à sua larga experiência e
conhecimento do trabalho anticomunista e sua memória fotográfica de comunistas
individuais, gera um apreço de suas habilidades por setores influentes das Forças
Armadas (…) (Despacho diplomático n. 596, 29/10/1953).

Conforme o relatório de autoria não identificada sobre a Cruzada Brasileira Anticomunista


(CBA), Borer era amigo do secretário-geral dessa organização, o promotor Orlando Ribeiro de Castro,
a quem conferia “livre acesso” à Delegacia de Ordem Política e Social do DFSP 481. Borer teria
fornecido “inúmeros informes” ao promotor e também lhe apresentado ao presidente da União
Nacional dos Estudantes (UNE)482.

6.2.6 Outras relações da Cruzada Brasileira Anticomunista

O relatório sobre a CBA e a já mencionada reportagem da revista Flan descrevem mais alguns
personagens ligados à organização do almirante Pena Boto:
481 Ribeiro de Castro teria igualmente “livre acesso aos Serviços Secretos das Classes Armadas”: “Certa feita, (…) [ele]
levou dois líderes sindicais ao Serviço Secreto da Marinha, mostrando a eles como funcionavam os trabalhos ali,
manuseando até fichas dos arquivos. Diz o promotor que só tem um organismo policial contra ele e a Cruzada: a polícia do
tenente Gregório, guarda-pessoal do presidente Vargas” (Relatório sobre a CBA, 1953).
482 Borer explicou, em entrevista, como recrutava informantes no meio estudantil: “Nas faculdades você tinha aqueles
rapazes que eram mais aplicados, politicamente mais desembaraçados. Tinham uma formação de liderança. Você fazia um
cerco, experimentava, pagava-lhe uma pensão pequena. Se você queria que ele ficasse do lado dos comunistas, você dizia: -
Olha, engrossa aí, porque quando for para eleição da UNE, ou diretório acadêmico, você vai e eu lhe dou os meios de você
se eleger. Então, dentro de pouco tempo, você cooptava” (DUARTE e ARAÚJO, 2013, p. 80).
308

Se o leitor não tem o que fazer, venha comigo ao apartamento do promotor Orlando
Ribeiro de Castro, assistir a uma sessão da Cruzada. Chegamos meia hora atrasados, e
a pequena sala já estava repleta. (…) O capitão Eurico Peniche, da Marinha, é aquele
que está ali no canto (…). Integralista da velha guarda, o Sr. Plínio Salgado tinha nele
um dos mais ativos e inflamados milicianos da Esquadra. E foi a ele a quem o Sr.
Felinto Muller, em 1937, incumbiu de ir à Alemanha ver de perto os métodos policiais
da Gestapo nazista483. (…) A sessão vai no meio quando chegam mais filiados: o
homem de olhar espantado é o Sr. Luis Migliora, presidente do Sindicato dos
Banqueiros do Distrito Federal, ex-integralista e que, em dado momento, toma a
palavra e informa que a partir de abril melhorará a sua ajuda financeira à Cruzada; e
aquele outro senhor, que entra de chapéu na mão e na ponta dos pés, é o Dr. Luís
Valente, que se diz conselheiro do ministro Segadas Viana e, por conseguinte, pessoa
de grande prestígio junto aos líderes sindicais do país. Diz-se mais dele que já
impugnou diretorias de sindicatos não simpáticas aos objetivos e aos processos da
“Cruzada”. Há três sacerdotes na sala: o mais idoso é o padre Leopoldo Brentano,
criador dos Círculos Operários, jesuíta de muita diligência e de sermão fácil. Seus
acólitos são os padres Pancrácio Dutra e Urbano Klaus 484. (…) O homem alto e magro,
fechado num “tran-chan” terno branco, é o Sr. Joaquim Coelho, de Niterói 485.
Vangloria-se de já ter dissolvido, lá do outro lado da baía, alguns comícios comunistas
(…)486 (Flan: o jornal da semana, 19 a 25/04/1953).

483 No capítulo anterior, mencionamos a viagem de Peniche à Alemanha e seu contato com o Antikomintern. O relatório
sem autoria identificada, sobre a CBA, assim o descreveu: “Da Marinha de Guerra, elemento reconhecidamente integralista,
ligado ao movimento de abril de 38. É categorizado junto à diretoria da Cruzada e apontado como homem experiente no
mundo da conspiração. Atualmente, trabalha no 5º andar do Ministério da Marinha”. Outros militares envolvidos com a
organização seriam os seguintes: Comandante Brochado, do corpo de fuzileiros navais; Brigadeiro Loyola; Humberto
Andrade, “tenente do exército, da ativa, muito inflamado, demonstrando possuir espírito altamente revolucionário. Louco
pelas soluções carbonárias. Mas é medroso (...)” (Relatório sobre a CBA, 1953).
484 De acordo com relatório de autoria não identificada, o promotor Ribeiro de Castro teria descrito o padre Leopoldo
Brentano como “professor de filosofia do cardeal Jaime Câmara e elemento prestigiadíssimo do clero brasileiro”, que teria
arrebanhado para a Cruzada “cerca de seiscentos padres, em todo o Brasil, e todos os Bispos”. Brentano teria acompanhado
Ribeiro de Castro em uma viagem “por todo o Triângulo Mineiro, numa fase de greves comunistas”. O padre Dutra é
descrito no relatório como “sacerdote que pontifica na Gávea e imediações, principal auxiliar do padre Leopoldo como
coordenador de operários”. E o padre Urbano Klaus como “gaúcho, jovem, secretário do padre Leopoldo Brentano”
(Relatório sobre a CBA, 1953).
485 Provavelmente Joaquim Miguel Vieira Ferreira, que viria a substituir o promotor Orlando Ribeiro de Castro na
secretaria-geral da Cruzada. Em 1950, Joaquim foi identificado como “investigador extra da polícia fluminense”, “lotado na
DOPS”. Teria então 23 anos de idade (A Noite, 25/05/1950). Em 1953, foi apontado como presidente da Legião
Anticomunista do Estado do Rio, que estaria, segundo o jornal A Noite, sofrendo ameaças: “(…) os legionários, trabalhando
com acerto, vêm se constituindo numa pedra no sapato dos indivíduos a soldo de Moscou. Tanto assim é que, ontem à noite,
através de Alba Ceque, que trabalha no serviço secreto daquela legião, foi Joaquim Miguel notificado de que a sede seria
invadida pelos “vermelhos”. Desde logo, acudiram ali numerosos legionários, que, durante a madrugada, aguardaram os
acontecimentos. Contudo, nada aconteceu. As autoridades do DOPS, através de seu setor especializado, designaram os
investigadores Solon e Jair, que ali estiveram também aguardando os acontecimentos” (A Noite, 01/12/1953). Quatro anos
depois, Joaquim Ferreira foi tratado como “secretário do almirante Pena Boto” pela Tribuna da Imprensa (30/07/1957).
Segundo Oliveira (2018), em 1958, ele publicou na Tribuna de Notícias, órgão oficial da Cruzada, um “recado particular”
aos “comunistas e inocentes-úteis do Estado do Rio de Janeiro”: “(…) Vocês nunca tiveram coragem de me desafiar para
um duelo, mas eu os desafio, um a um ou todos juntos (…). Enojado e com profundo asco, Joaquim Miguel Vieira Ferreira,
ou melhor, para vocês Joaquim Metralha”. Em 1959, Joaquim Ferreira foi denunciado, na própria Tribuna de Notícias, pelo
editor do jornal, José Nogueira, como “informante do Serviço de Informações da Marinha”. Para comprovar essa
informação, Nogueira divulgou um documento com a foto de Joaquim, assinado pelo almirante Roberto Teixeira de Freitas,
que era chefe do CENIMAR (Centro de Informações da Marinha) (OLIVEIRA, 2018).
486 Para maiores informações sobre a Cruzada Anticomunista Brasileira, o almirante Pena Boto e a crise sucessória de
1955, ver FICHA em anexo.
309

Outra colaboração importante recebida pela Cruzada de Pena Boto seria revelada em 1955, pela
própria organização, através da imprensa:

A Cruzada Brasileira Anticomunista sente-se na obrigação de comunicar ao povo


brasileiro o falecimento do coronel polonês Stanislaw Kara, oficial do exército polonês
no exílio (…). O ilustre extinto, batalhador incansável da causa da Democracia e das
liberdades humanas foi, em sua Pátria, um herói da luta contra o bolchevismo russo.
(…) A CBA teve, na pessoa do Coronel Kara, um colaborador que formava em sua
primeira linha um combatente de escol, um perfeito conhecedor e decifrador dos
intrincados problemas com que o comunismo pretende nos dominar e iludir. Seu
tirocínio, sua prática, seu conhecimento e sua vasta cultura foram totalmente postas a
serviço do Brasil, por intermédio da Cruzada Brasileira Anticomunista. (…) A bandeira
da CBA cobriu-se de luto pelo infausto acontecimento. Das boas sementeiras nascem
os bons frutos e estamos certos [de] que o exemplo do cel. Stanislaw Kara frutificará.
Quando estiverem dominadas e destruídas as forças satânicas do bolchevismo
internacional, quando estiverem libertos os povos russo e dos países da Cortina de
Ferro, serão convocados, para a chamada final os heróis dessa luta gloriosa e santa. E
quando chamarem o nome do Coronel Stanislaw Kara, ele responderá: PRESENTE (O
Jornal, 17/07/1955).

De fato, a luta da CBA era internacional. Em maio de 1954, o almirante Pena Boto participou de
um encontro anticomunista no México, o Primer Congreso contra la Intervención Soviética en
América Latina, promovido pela Frente Popular Anticomunista de México (FPAM), que contou com o
apoio da CIA para sua organização – inclusive para seleção e convite aos participantes do evento (ver
FICHA sobre a Guatemala em anexo). Nesse primeiro encontro foi criada uma “comissão permanente”,
com a tarefa de estabelecer contato com os diferentes grupos anticomunistas e preparar um segundo
congresso. Este, promovido pela CBA, ocorreu em agosto de 1955, no Rio de Janeiro. Seu principal
resultado foi a criação da Confederação Interamericana para a Defesa do Continente (CIDC), presidida
por Pena Boto (CASALS, 2019)487. Em 1972, a CIDC seria transformada na Confederação

487 Um terceiro congresso foi realizado no Peru, em 1957, e um quarto no ano seguinte, na Guatemala. Durante o terceiro
congresso, a delegação brasileira apresentou a proposta de organização de um Congresso Anticomunista Mundial
(lembrando que essa era uma proposta que o Antikomintern não conseguiu realizar na década de 1930, como visto no
capítulo anterior). Tal ideia teria agradado a Chiang Kai-Shek (líder do governo nacionalista chinês estabelecido em
Taiwan), que, por intermédio de seu representante presente no encontro, convidou os anticomunistas da América para se
reunirem em Taipei e discutir os planos de organização de um evento internacional. Em outubro de 1957, reunidos em
Taiwan, os representantes da CIDC e os da Liga Anticomunista dos Povos Asiáticos assinaram uma declaração conjunta que
os comprometia a realizar negociações com outras organizações anticomunistas (na Alemanha, França, Itália, etc.). O
congresso mundial acabou sendo realizado apenas em 1967, em Taipei, reunindo mais de quinhentos delegados. Foi
inaugurado por “um eufórico Chiang Kai-shek respaldado pela administração de Lyndon B. Johnson” e resultou na criação
da Liga Anticomunista Mundial (CASALS, 2019).
310

Anticomunista Latinoamericana (CAL)488. Segundo Ribeiro (2018), “a CAL contou com o


envolvimento de quadros da repressão ditatorial latino-americana”489. Há indicações de que o almirante
Pena Boto, falecido em 1973, permaneceu vinculado a essas redes internacionais até o início da década
de 1970490.

6.2.7 O coronel romeno

Assim como Stanislaw Kara, o coronel Edward Ressel – que teria integrado o Regimento da
Guarda Real da Cavalaria romena e, em 1944, teria trabalhado no gabinete do ministro da Guerra da
Romênia (O Jornal, 20/06/47) – foi mais um soldado da causa anticomunista que travou relações com
o almirante Pena Boto491. Ressel, além de estar envolvido nas atividades no Centro Brasileiro da Europa

488 No IV Congresso Mundial Anticomunista, realizado no México, em 1972, a CIDC seria transformada na Confederação
Anticomunista Latinoamericana (CAL), constituída como uma seção específica da Liga Mundial (CAÑÓN VOIRIN, 2017).
489 No congresso dessa confederação que foi realizado em 1977, a delegação brasileira foi composta por: Alfredo Buzaid
(ministro da Justiça entre 1969 e 1974, durante o governo Médici, “organizador do primeiro relatório oficial da ditadura
brasileira que procurou contestar as denúncias por violações aos Direitos Humanos praticadas pelo regime”); padre Heládio
Alvarez; Monsenhor José Ayrton Guedes; Monsenhor Geraldo Crescenti; Joaquim Vieira Ferreira, o Joaquim “Metralha”
(RIBEIRO, 2018).
490 Em 1971, uma carta do almirante a um amigo cubano, com comentários sobre a conjuntura internacional, foi divulgada
no Boletim do Bloco de Nações Antibolcheviques publicado em Munique, na Alemanha: “Hoje em dia, o que está levando
os Estados Unidos à destruição? (…) O Marxismo, com uma forte propaganda divulgada por todo o país, a falta de religião,
declínio da cultura e crescimento do materialismo; excesso de tecnologia (…). Além disso: decadência dos jovens por meio
de infiltração comunista a partir da “Students for a Democratic Society” dos “Black Panthers” dos “hippies” do
“Weathermen” a chamada “New Left”(…), que inclui escritores, jornalistas e principalmente aqueles envolvidos com
literatura, cinema, televisão, teatro e músicas desagradáveis. E, para piorar: abuso de drogas, crimes, roubos e uma
sociedade permissiva moldada por Marcuse, Sartre e suas conexões imundas (their filthy kinship). (…) algo deve ser feito,
urgentemente, para evitar que a escravidão destrua a liberdade (…). (…) o Brasil tem agora um regime anticomunista, mas
não forte o suficiente, e é por isso que criminosos são às vezes trocados pela vida de diplomatas sequestrados (...)”( ABN
Correspondence, 1971).
491 Pena Boto mantinha relações com o Centro Brasileiro da Europa Livre, do qual Ressel era o secretário-geral. Em
novembro de 1956, o CBEL, em colaboração com a União Metropolitana de Estudantes, organizou um encontro no
auditório do Ministério da Educação. Foram convidadas “personalidades da vida pública brasileira’, tal como o almirante
Pena Boto, que seria o responsável pela impressão e distribuição de aproximadamente dez mil cartazes com os emblemas
nacionais da Polônia e da Hungria, com a inscrição “Viva a vanguarda dos combatentes contra a dominação da União
Soviética”. Presentes também o almirante Amorim do Valle, o ex-ministro das Relações Exteriores, Raul Fernandes,
Ferdinando Miraglia (presidente da União Metropolitana dos Estudantes), Medeiros Neto, Neiva Moreira, “e muitos outros
deputados federais” (Carta, 03/11/1956). Em julho de 1957, depois de um “serviço religioso” oficiado pelo Monsenhor
Arruda Câmara, presidente do Partido Democrata Cristão (PDC), foi realizada uma marcha até a Câmara dos Deputados,
com bandeiras e cartazes, denunciando a situação da Hungria e das demais “nações cativas” europeias. Pena Boto e Ressel
foram dois dos participantes do evento que discursaram ao público (Relatório sobre “Public Meeting”, 07/07/1957).
311

Livre, também era membro do Comitê Nacional Romeno no Brasil e da Assembleia das Nações Cativas
no Brasil492.
Em setembro de 1959, ele foi identificado como “alto funcionário da Light”, em notícia sobre
um incidente que lhe tirou o movimento dos membros inferiores: “Sobre o acidente, apurou a
reportagem que o coronel Ressel foi ferido no momento em que o seu antigo companheiro de farda, o
coronel Kovanko, examinava uma arma, tendo esta disparado e o atingido acidentalmente” [na coluna
vertebral] (Jornal do Brasil, 02/09/1959). Uma outra versão sobre esse incidente com Ressel apareceu
na entrevista concedida pelo coronel reformado Luis Helvécio da Silveira Leite 493 a Argolo e Fortunato
(2004), em 1994. Perguntado sobre o comando da “Liga das Nações Cativas” que, segundo ele, “tinha
uns caras bons como o diabo”494, o coronel respondeu:

Eles tinham, ao menos, uma união muito grande. Eu conheci… havia uma senhora
romena casada com um coronel também romeno… e esse coronel era anticomunista.
Anticomunista de peso, porque, certa ocasião, ele estava sentado em um bar em Campo
Grande (Zona Oeste do Rio de Janeiro) e lhe deram uma rajada de metralhadora.
Pegou nas costas (e um dos projéteis) atingiu a coluna, por isso vive ainda hoje numa
cadeira de rodas495 (ARGOLO e FORTUNATO, 2004, p. 207).

Wladimir Kowanko que, na versão divulgada na imprensa à época dos fatos, teria sido o
responsável pelo “disparo acidental” que atingiu Ressel, era caricaturista do jornal Correio da Manhã
(Correio da Manhã, 04/12/1959). Polonês, ele “dizia ter passado por vinte campos de concentração da
492 Para maiores informações sobre os comitês nacionais de refugiados europeus, o Comitê Nacional Romeno no Brasil, a
Assembleia das Nações Cativas e o envolvimento de Edward Ressel com estas organizações, ver FICHA em anexo.
493 O coronel faleceu em 1995 e as declarações “foram tomadas pouco antes do agravamento do seu estado de saúde”.
Mesmo doente, o militar, que foi chefe do Centro de Informações do Exército (CIE) “demonstrou interesse em falar sobre
uma parte da sua vida e esclarecer (…) certos episódios observados nos bastidores do Serviço Nacional de Informações”
(ARGOLO e FORTUNATO, 2004, p. 10 e p. 75).
494 “Nós dispúnhamos da Liga das Nações Cativas, que tinha uns caras bons como o diabo! Lituanos, letões, estonianos,
poloneses… gente de todas essas nações aqui no Rio. Mas ela tinha ramificações em todos os lugares. Gente boa. Você
queria fazer umas falsificações, por exemplo, ingressos para o balé russo. Eles imprimiam bilhetes semelhantes aos do balé
russo e enchiam de gente o teatro” (ARGOLO e FORTUNATO, 2004, p. 205).
495 “O certo é que a senhora dele ia até o Centro de Informações do Exército [CIE]: dava algumas barbadas por lá. Disse-
me ela certa ocasião: E então, o senhor não pretende aparecer para conversar com o coronel? Fiz isso, fui até lá e ele ficou
muito satisfeito. Se animou e nos avisou sobre o Francês: Vem aí um rapaz que pertence à Liga das Nações Cativas. E ele
está com todo o conhecimento modernizado. Veio da Argélia, etc. Esse cara é um combatente extraordinário” (ARGOLO e
FORTUNATO, 2004, p. 207). Era Pierre Richell Pellegrin, “ex-major do exército colonial da França, expert em operações
especiais, perito na utilização de explosivos e considerado o grande incentivador das ações extremistas da direita realizadas
no Rio de Janeiro entre 1968 e 1970” (Id., p. 9). Segundo Gaspari (2017), saiu do CIE, criado em 1967, “a militância que
explodiria vinte bombas em teatros e livrarias” em 1968. O Centro foi “o cérebro e a mola da repressão da ditadura,
respondendo diretamente ao ministro do Exército”.
312

União Soviética” e, anistiado em 1941, teria emigrado para a Argentina e depois vindo para o Brasil.
Na década de 1950, ele ilustrou alguns livros para a CBA de Pena Boto, “uma série de aventuras de Zé
Caipira”, personagem que remetia a Luis Carlos Prestes (CANTARINO, 2011, p. 43). Em 1963, uma
reportagem sobre a morte – considerada suspeita – do jornalista José Nogueira, editor da Tribuna de
Notícias, órgão oficial da CBA 496, afirmou que ele, Nogueira, mantinha ligações com Kowanko e
Ressel (Última Hora, 23/07/1963). E outra reportagem, de 1962, identificou Ressel como um dos
financiadores de uma “ordem secreta” que seria mantida por Joaquim “Metralha” 497, o secretário da
Cruzada do almirante Pena Boto (Diário da Noite, 23/01/1962).
O coronel romeno possivelmente mantinha parte de suas atividades, as mais violentas, em
segredo. Mas outras se desenvolviam como campanhas públicas, realizadas com a participação de
diversas personalidades da sociedade carioca, pela qual Ressel era muito bem quisto. Por exemplo, em
outubro de 1952, um “chá-bridge” em benefício do Comitê de Socorro aos Refugiados Romenos,
dirigido por Ressel, foi organizado nos salões do antigo cassino do hotel Copacabana Palace, no Rio de
Janeiro, com a ajuda das embaixatrizes da Argentina, da Colômbia e da Espanha, entre outras senhoras
da sociedade carioca (Tribuna da Imprensa, 31/10/1952)498. Coroando sua integração à vida brasileira,
em março de 1963 ele iria receber, pelas mãos do governador Carlos Lacerda, o diploma de “carioca
honorário”, conferido pelo jornal O Globo (O Globo, 06/03/1963). Não é difícil compreender por que
tantas portas importantes se abriram para Ressel: quando ele chegou ao Brasil, em 1946, seu padrasto,
indivíduo muito bem integrado aos círculos da antiga aristocracia fluminense, era o ministro das
Relações Exteriores do governo Dutra.

496 Sobre o tema, ver a pesquisa de Oliveira (2018).


497 “Inspirada no capuz negro e nos métodos terroristas da Klu Klux Klan, existe e funciona no Brasil, com ramificações
nas principais cidades, uma sociedade que se intitula a si própria de ‘Maçonaria da Noite’ ou ‘Ordem Suprema dos Mantos
Negros’ que se guia pelo lema ‘Dominaremos os Infernos’ e enquanto isso vai realizando atos terroristas aqui na Terra,
tendo seu nome já claramente vinculado a dois atentados: o que se verificou contra a sede da UNE e o de que foi alvo a
Rádio Farroupilha. O presidente da estranha organização é ‘Joaquim Metralha’ suspeitado de haver metralhado a sede
estudantil (…) (Diário da Noite, 22/01/1962)
498 Em 1947, “um grupo de senhoras brasileiras organizou um Comitê de Socorro à Romênia, com permissão da Cruz
Vermelha Brasileira”. Sua presidência de honra coube à Baronesa do Bom Fim. Naquela data, a Comissão Executiva era
presidida por Lucie Fernandes (mãe de Edward Ressel). Eram vice-presidentes: Celina Guinle de Paula Machado e Maria
Cecília E. G. Fontes. 1ª secretária: Jerônima de Mesquita; 2º secretário: Eduardo Ressel; 1º tesoureiro: Ernesto G. Fontes; 2º
tesoureiro: Lígia Cesar de Andrade. Na comissão patrocinadora figuravam “nomes de personalidades destacadas de nossa
melhor sociedade que corresponderam imediata e generosamente ao apelo da Comissão Executiva” (O Globo, 14/07/1947).
313

6.2.8 Os anticomunistas no Itamaraty e na Escola Superior de Guerra

Raul Fernandes se casou, em terceiras núpcias, com Lucie Stroja Ressel em 1921. Ela era
prima-irmã de sua segunda esposa, Alexandrina Udrea, que tinha falecido três anos após o casamento
realizado em 1916, na Romênia499. Nascido em 1877 no interior do Rio de Janeiro, em 1898 Fernandes
se tornou bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo. Logo após a formatura, “iniciou em terras
fluminenses a vida prática de advogado, no escritório de seu irmão”, “causídico de nomeada”, que
advogava em Vassouras e Barra do Piraí. Em 1906, Raul Fernandes transferiu seu escritório para o
Distrito Federal, como advogado de Guinle & Cia – relação que se manteve por cinquenta anos. Seguiu
carreira política e diplomática500, sendo eleito deputado à Constituinte, em 1933, pela legenda do
Partido Popular Radical (PPR). Participou da comissão de redação da Constituição aprovada em julho
de 1934 e, na sequência, foi novamente eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro. Escolhido líder da
maioria no Congresso, foi importante articulador da aprovação da Lei de Segurança Nacional (ver
FICHA em anexo), no início de 1935.

499 Eram “ambas de uma família de militares. Aparentadas, em grau muito próximo, a Grigore Gafencu, que foi Ministro
dos Estrangeiros na Rumânia, Embaixador em Washington e em Moscou, ensaísta de renome europeu, e que se exilou em
Nova Iorque como chefe dos refugiados políticos (...)” (CARVALHO, 1956, p. 24). Lucie Fernandes esteve envolvida na
criação da Casa Romena, no Rio de Janeiro, fundada em 1953 pelos exilados romenos para funcionar como um “consulado
simbólico, já que não havia mais relações diplomáticas entre o Brasil e a Romênia”. No segundo ano de existência da Casa
Romena, seu filho, Eduardo Ressel assumiu s presidência da mntidade (MOTA, 2010, p. 832-837). O dossiê da DPS sobre
Wladimir Lodygensky também o vinculava a Lucie Fernandes: “(…) é ligado ainda à esposa de Raul Fernandes,
conhecidíssima por sua ‘habilidade diplomática”. E afirmava: “Vladimir Lodygenski, Jean Valtin, Stefan Bassiu, o Major
Karol, todos estes, sob a orientação do Ministro Mário Pires, do Ministério das Relações Exteriores, de Spitzman Jordan e
da senhora Raul Fernandes (natural da Romênia), dirigiram e ainda dirigem o Serviço de Informações Anti-Comunista no
Brasil.” (Dossiê “Wladimir Lodygensky”, DPS, 1966). Mário Ary Pires foi ministro do Superior Tribunal Militar entre 1946
e 1952. Como visto no capítulo 5, auxiliou o general Pantaleão Pessoa, na década de 1930, a organizar o Conselho de
Segurança Nacional (CSN) e sua Secretaria. Não está clara sua relação com a atuação do SFICI, criado em 1946, com
participação do general Álcio Souto, como visto anteriormente. Mas ele demonstrava conhecer o trabalho desse serviço. Em
um depoimento, analisado por Lúcio Sergio Oliveira, Mário Pires afirmava que “o SFICI, desde os anos 60, já se encontrava
muito bem estruturado, atendendo a inúmeros aspectos da realidade brasileira” (OLIVEIRA, Lúcio S. A História da
atividade de inteligência no Brasil. Brasília: ABIN, 1999, apud ANDRADE, 2014). Mais uma vez, as relações identificadas
pelo dossiê da DPS apontam para a existência de uma “zona nebulosa” de interação entre agentes públicos e privados nas
ações de repressão aos movimentos de esquerda no Brasil.
500 Foi vereador na Câmara Municipal de Vassouras entre 1901 e 1906 e deputado à Assembleia Legislativa do estado do
Rio de Janeiro entre 1903 e 1909. Eleito deputado federal em 1909, ocupou uma cadeira na Câmara durante três
legislaturas, até 1917. Em 1919 integrou a delegação chefiada pelo senador Epitácio Pessoa à Conferência de Paz de
Versalhes. De 1919 a 1920 representou o Brasil na Comissão da Liga das Nações, com sede em Paris, que tratou das
reparações de guerra. Foi delegado do Brasil nas assembleias da Liga das Nações em Genebra em 1919, 1920, 1921, 1924 e
1925. Em 1926, foi escolhido consultor jurídico do Tribunal de Justiça Internacional de Haia. De julho de 1926 a janeiro de
1927, foi embaixador do Brasil em Bruxelas. Em janeiro de 1928, chefiou a delegação brasileira à VI Conferência Pan-
Americana, em Havana (Verbete biográfico CPDOC-FGV).
314

Apoiador da candidatura de Armando Sales, em 1937, acabou fazendo oposição ao Estado


Novo. Em 1945, foi um dos fundadores da União Democrática Nacional (UDN), apoiando a
candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à Presidência da República. Depois de representar o Brasil
na Conferência de Paz, realizada em Paris, em 1946 501, Raul Fernandes se tornou ministro das Relações
Exteriores, permanecendo no cargo até o final do governo Dutra 502. Segundo Lourenço Neto (2014),
com a ascensão de Raul Fernandes ao Itamaraty, “Dutra pôde contar com um aliado inconteste”, em um
momento de “maior aproximação do Brasil com os EUA e de total convergência de nossa política
externa com a Doutrina Truman”503:

O anticomunismo virou o mote da política externa e interna. Ainda enquanto Ministro


de Vargas, Dutra já se destacava como um ferrenho anticomunista. Claramente também
foi essa a direção assumida pelo Itamaraty (…). (…) o alinhamento com os propósitos
dos EUA se confirma pela posição assumida pelo Brasil na defesa da criação da OEA
(Organização dos Estados Americanos) e na implantação do TIAR (Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca) 504. (…) O nosso mais importante e
501 Ressel, segundo relatou ao jornal O Globo (02/03/1963), quando fugiu da Romênia com sua esposa, em meados de
1946 – depois de ter sido incluído “na lista negra dos responsáveis pela revolução comunista, devido ao seu repúdio aos
regimes totalitários e em razão de seus ideais democráticos” – se encontrou com sua mãe e seu padrasto em Paris, onde Raul
Fernandes integrava a delegação brasileira à Conferência da Paz, chefiada pelo então ministro das Relações Exteriores, João
Neves da Fontoura. De acordo com a entrevista de Ressel, Neves da Fontoura, sem saber que ele já se encontrava a caminho
da França, tinha tentado obter do representante soviético na conferência, Viacheslav Molotov, permissão para que o enteado
de Raul Fernandes pudesse deixar a Romênia. Isso ajuda a explicar o motivo pelo qual, como foi visto anteriormente, em
1949, quando foram dados os primeiros passos para a criação do Comitê da Europa Livre no Brasil, de cuja diretoria Ressel
fazia parte, Neves da Fontoura foi escolhido seu Presidente de Honra.
502 A presença de Raul Fernandes no governo Dutra foi destacada por Dreifuss (1987, p. 28): “Embora o Marechal Dutra
tivesse sido eleito pelas máquinas políticas do PSD e do PTB e tivesse sido apoiado por Getúlio Vargas, ele mostrou logo de
início que suas ideias políticas diferiam grandemente das de seu predecessor (…). A mudança do rumo do governo (…) foi
caracterizada pelo fato de ele haver levado para o seu ministério figuras de destaque da UDN como, por exemplo, o
empresário Raul Fernandes (…). O governo do Marechal Dutra foi fortemente influenciado por empresários, os quais
ocuparam de maneira quase exclusiva os postos-chave na administração. (…) Organizações estatais foram desativadas e a
tendência para o nacionalismo e o desenvolvimento estatizante sofreu um retrocesso. Tanto o governo do Marechal Dutra,
quanto a UDN em particular, examinavam as possibilidades de travar um relacionamento especial com os Estados Unidos e,
consequentemente, a economia foi reaberta ao capital estrangeiro em condições muito favoráveis”.
503 Em março de 1947, ao se dirigir ao Congresso dos Estados Unidos, a respeito da situação na Grécia, onde havia a
ameaça de tomada de poder pelos comunistas, Truman apelou “em uma linguagem apocalíptica para uma nova era de
intervenção norte-americana”. Sua “convocação ideológica às armas” imediatamente passou a ser “cultuada como a
Doutrina Truman” (SAUNDERS, 2008, p. 40).
504 Conforme Moura (2012), em meados de 1947 o Departamento de Estado norte-americano convocou uma reunião “com
o propósito de formular um tratado multilateral para evitar atos ou ameaças de agressão contra qualquer república
americana”. O encontro foi realizado entre 15 de agosto e 2 de setembro daquele ano, em Petrópolis, Rio de Janeiro. O
cerne do tratado aprovado “era a afirmação de que ‘um ataque armado de qualquer Estado contra um Estado americano será
considerado um ataque contra todos os Estados americanos’”. Naquele momento, “o único inimigo em potencial era a União
Soviética, um ‘ator oculto’ durante a Conferência”: “Muitos delegados estavam completamente conscientes desta orientação
antissoviética implícita à reunião. Foi precisamente esta dimensão que permitiu à Argentina votar com os Estados Unidos e
aprovar o tratado. Tanto a delegação argentina quanto a brasileira queriam discutir ‘medidas contra o comunismo’ ou
‘atividades subversivas’ em âmbito continental e, neste sentido, o presidente Dutra apoiava fervorosamente as iniciativas do
315

reconhecido diplomata no período era Osvaldo Aranha, que tinha sido embaixador nos
EUA e ministro das Relações Exteriores durante o governo Vargas. Osvaldo Aranha,
contudo, tinha uma visão diferente do nosso alinhamento com os EUA. Aranha
defendia uma diplomacia mais independente e uma visão mais aberta e complexa da
situação internacional505. Contudo, a posição de Osvaldo Aranha conflitava com a
orientação do Itamaraty durante o governo Dutra, especialmente na gestão de Raul
Fernandes como chanceler. Advogado, conservador, político fluminense, Raul
Fernandes defendia a visão segundo a qual uma guerra entre ocidente e oriente era
inevitável, e talvez a única maneira de se evitar uma dominação socialista na Europa e
no Brasil deveria integrar uma “frente ocidental unida” em torno dos EUA. Isso
inevitavelmente significa seguir sem restrições o voto americano nas reuniões
internacionais. Essa recomendação foi feita explicitamente, por exemplo, no caso da
Reunião da ONU que examinou a situação na Palestina após a criação do Estado de
Israel. (…) Essa diferença de ideias entre Oswaldo Aranha e Raul Fernandes marcou a
diplomacia brasileira no pós-guerra. A delegação brasileira chefiada por Oswaldo
Aranha advertia que solidariedade não é servidão ao governo americano, enquanto o
Itamaraty considerava dever da delegação brasileira apoiar os Estados Unidos sem
qualquer restrição (LOURENÇO NETO, 2014).

Lourenço Neto (2014) comenta que a interpretação do conflito entre Raul Fernandes e Osvaldo
Aranha “como resultado do conservadorismo e provincianismo do primeiro em oposição a uma visão
mais cosmopolita e profissional de Osvaldo Aranha” seria “um tanto simplista”. Afinal, Raul Fernandes
“não era um neófito em termos de política internacional nem um indivíduo isolado que estivesse
impondo sua visão provinciana ao Itamaraty”506. O que ocorria é que ele “representava um grupo
Itamaraty”. Contudo, “um debate sobre atividades comunistas no continente deixaria claro que a razão oculta da conferência
era agir contra o poder soviético no continente. O conceito de ‘defesa hemisférica’ era de longe a melhor maneira de sugerir
a intenção política geral, sem, de fato, explicitá-la”. Durante a conferência, “como era de se esperar, a delegação brasileira,
chefiada por Raul Fernandes, colaborou estreitamente com o general George Marshall, secretário de Estado e chefe da
delegação estadunidense” (MOURA, 2012).
505 De acordo com Lourenço Neto (2014), a experiência internacional de Oswaldo Aranha o tinha levado “a perceber que
não haveria uma guerra global entre Estados Unidos e União Soviética”: “Caminhávamos para um período de convivência,
embora a mesma ainda fosse bastante tensa nos primeiros anos após a Segunda Guerra Mundial. (…) Além disso, na nova
configuração internacional o papel da América Latina ficou muito reduzido, estando a atenção dos EUA voltada para a
Europa e Ásia. Nesta conjuntura, talvez fosse mais proveitoso aproveitar a relativa negligência dos EUA com a América
Latina do que tentar ser um aliado automático no continente”.
506 Prova disso são as homenagens que Raul Fernandes recebeu quando completou 90 anos, em outubro de 1967: “As
homenagens (…) terão início (…) com uma sessão solene da Sociedade de Direito Internacional no Itamaraty, que o
homenageado presidiu por muitos anos e da qual é, atualmente, presidente honorário. (…) O embaixador Pio Corrêa, que se
encontrava na Argentina (…) veio de Buenos Aires especialmente para participar da reunião (…). A abertura da Sessão no
Itamaraty será feita pelo Ministro Magalhães Pinto, e o Ministro Afonso Arinos discursará, enaltecendo a obra de Raul
Fernandes como diplomata, jurista, político, internacionalista e pan-americanista. (…) No dia 27 (…) o Cardeal Dom Jaime
de Barros Câmara celebrará missa em ação de graças, na Candelária, pela passagem do 90º aniversário de nascimento de
Raul Fernandes, que será saudado com honras militares pelas três armas. No dia 30, em Washington, haverá uma sessão
solene no salão das Américas da União Pan-Americana, também para saudar o diplomata (…)” (O Globo, 23/10/1967). Raul
Fernandes, que faleceu pouco tempo depois dessas homenagens, no início de 1968, foi assim descrito por seu amigo
Eugênio Gudin: “O grande traço da personalidade de Raul Fernandes era, sem dúvida, sua extraordinária lucidez. Dentre
todos os homens públicos com quem convivi nestes 70 anos, nenhum conheci tão bem aquinhoado intelectualmente. (…)
Nossas relações de 35 anos começaram a estreitar-se no dia em que fui a seu escritório de advogado pedir um parecer sobre
316

político que era marcado por um anticomunismo quase paranoico que combinava muito bem com as
novas diretrizes da política externa dos EUA no início da guerra fria”507.
Essa relação de Raul Fernandes com os grupos anticomunistas mais radicais é evidenciada não
apenas pelas atividades de seu enteado, Edward Ressel – com as quais Fernandes e sua esposa também
tinham envolvimento508 – mas também por sua proximidade com a cônsul Odette de Carvalho e Souza.
Em 1946, depois de trabalhar com José Carlos de Macedo Soares, então interventor em São Paulo, ela

questão de uma companhia que eu então dirigia (…). Depois de ouvir minha curta exposição, declarou-me Raul que não
daria parecer, porque eu não tinha razão, por isso, por aquilo e por aquilo outro. Em resumo, arrasou-me definitivamente, eu
pobre rábula, ele grande advogado. (…) O Brasil perdeu em Raul Fernandes um verdadeiro estadista e uma alma de escol”
(O Globo, 12/01/1968).
507 Lourenço Neto (2014) observa: “Independentemente do juízo que se possa fazer sobre a gestão de Raul Fernandes à
frente do Ministério das Relações Exteriores, nossa questão é destacar que ela deixou marcas na nossa política externa e
interna, na medida em que reforçou a posição dos políticos e diplomatas brasileiros que na época acreditavam que a
prioridade máxima era o combate ao comunismo, ainda que isso significasse, por exemplo, solidariedade aos regimes de
Franco e Salazar. Mesmo durante os anos 50, quando a política de alinhamento automático com os EUA foi revista, a
doutrina anterior continuou influenciando alguns aspectos da nossa política externa e praticamente retornou durante a gestão
de Vasco Leitão à frente do Itamaraty, logo após o golpe de 1964. Portanto, acreditamos que investigar o grupo conservador
que se instalou no Itamaraty durante o governo Dutra contribui para entender melhor a trajetória da direita brasileira e suas
relações com o governo dos Estados Unidos”.
508 Na década de 1960, Raul Fernandes e seu amigo Eugênio Gudin fariam parte da Associação dos Amigos das Nações
Cativas (AANA), criada em 1964. Como visto anteriormente, Ressel era o representante da ACEN no Brasil. É interessante
notar que tal associação foi oficialmente criada no período em que a Assembleia das Nações Cativas, nos Estados Unidos,
passava por grandes cortes orçamentários e recebia cada vez menos apoio do governo norte-americano: “Ao primeiro dia do
mês de julho de mil novecentos e sessenta e quatro, à Avenida Presidente Wilson n.º 210, 9º andar, nesta cidade do Rio de
Janeiro, realizou-se (…) a reunião convocada para fundar-se a Associação dos Amigos das Nações Cativas (…), com a
presença dos signatários desta ata [Gustavo Corção Braga, José Eduardo do Prado Kelly, Guilherme Benjamin
Weinschenck, Carlos Bernardino Aragão Bozano, Raul Fernandes, Prudente de Morais Neto, Dulce Magalhães Neto,
Antônio Camilo de Oliveira, Alberto Barreto de Mello, Eugênio Gudin, Mons. Francisco Bessa, Carlos Povina Cavalcanti,
Carlos Guinle, Padre Francisco Leme Lopes]” (Ata de fundação, 30/09/1964). Prado Kelly (liderança da UDN, ministro da
Justiça no governo Café Filho, um dos passageiros do cruzador Tamandaré em 11 de novembro de 1955 e presidente do
Conselho Federal da OAB entre 1960-1962), que se tornaria ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) em 1965, foi
eleito secretário geral da AANA. Ele possuía relações prévias com o CBEL: o Centro Brasileiro da Europa Livre tinha
criado, em setembro de 1961, um “Comitê do Direito de Autodeterminação dos Povos”. Seu presidente era o advogado José
Thomaz Nabuco (ver capítulo quatro). Para vice-presidentes foram eleitos Austregésilo de Athayde, Hugo Borghi e Padre
Arthur Alonso, ficando a secretaria-geral com Cláudio Braga Costa. O comitê divulgou um manifesto que foi também
assinado por Prado Kelly, Hamilton Nogueira, Adauto Lúcio Cardoso, Hugo Borghi, Celestino Sá Freire Basílio, Vicente de
Paulo Barreto (ver último capítulo), Augusto Frederico Schmidt, [coronel] Danilo Nunes (ver capítulo 7), Elmano Cardim,
Carlos Rizzini, Cláudio Braga Costa, Carlos Bandeira de Mello, Fernando da Silveira Maciel e Padres Artur Alonso e
Fernando Bastos Ávila (A Noite, 19/09/1961; Jornal do Comércio, 27/09/1961).
317

passou a atuar no gabinete do ministro das Relações Exteriores, onde ficou até 1949 509. Nesse período,
o Brasil rompeu relações com a União Soviética. O episódio foi assim descrito por Moura (2012):

A ocasião surgiu com a publicação de um artigo no periódico soviético Gazeta


Literária, em 4 de outubro de 1947, em que Moscou atacava o presidente brasileiro. O
embaixador brasileiro em Londres achou que um protesto contra a publicação seria
danoso às relações soviético-brasileiras, mas o Itamaraty mandou uma nota severa ao
Ministério das Relações Exteriores soviético exigindo um pedido de desculpas e a
retirada do artigo, baseado no fato de que a imprensa soviética era completamente
controlada pelo Estado e, portanto, o artigo constituía uma afronta oficial e deliberada
contra o Brasil. As provas apontam para o fato de que o Itamaraty esperava que sua
“nota severa” fosse rejeitada pelos soviéticos, justificando assim o rompimento de
relações diplomáticas. Em 9 de outubro, o ministro Fernandes disse a um diplomata
estadunidense no Rio que “o Brasil tinha tudo a ganhar e nada a perder com o
rompimento de relações”. O embaixador britânico em Moscou considerou que não
havia motivo para romper relações e que o artigo estava sendo usado como pretexto
pelo governo brasileiro. O próprio Aranha reconheceu que o caso todo havia sido
conduzido com “o propósito deliberado de romper (relações) e não de obter
explicações (dos soviéticos)”.

O embaixador brasileiro em Moscou era Mário de Pimentel Brandão. Com ele trabalhava, como
visto anteriormente, Carlos Buarque de Macedo, cuja viúva, Henriqueta, acompanharia Jacy
Magalhães, do SESI, em reuniões na embaixada dos Estados Unidos no Brasil, na década de 1950.
Sobre o rompimento diplomático de 1947, o deputado comunista João Amazonas denunciou:

509 Durante a gestão de Raul Fernandes, o ministério das Relações Exteriores enviou “abundante correspondência
internacional” à Seção de Segurança Nacional (SSN) do Ministério da Justiça, que estava elaborando o anteprojeto de uma
nova Lei de Segurança Nacional – e que seria duramente criticado pelos comunistas quando encaminhado ao Congresso,
como vimos anteriormente (acusações de Marighella a Álcio Souto). A correspondência dava conta “não apenas do
movimento comunista internacional, mas da legislação comunista que estava sendo promulgada mundo afora”: “A
experiência internacional serviu, de um lado, para auxiliar a SSN e a polícia na elaboração de suas propostas; de outro, para
reforçar o ethos anticomunista que vinha se consubstanciando no mundo ocidental. Da vasta gama de documentação talvez
as mais significativas foram os atos do Congresso norte-americano, aprovando medidas restritivas ao funcionalismo público
e a criação da Central Intelligence Agency (CIA), em 1947” (REZNIK, p. 48). É possível que Odette de Carvalho e Souza
tenha contribuído, como fizera no passado, no trabalho de elaboração da legislação repressiva. Deixando a chefia do
gabinete de Raul Fernandes, ela assumiu o consulado do Brasil em Lisboa entre 1951 e 1955. Em 1956, retornaria ao Brasil
como chefe do Departamento Político e Cultural, quando José Carlos de Macedo Soares ocupou novamente o cargo de
ministro das Relações Exteriores. Em março de 1957, o segundo secretário da embaixada dos Estados Unidos no Rio de
Janeiro, Robert W. Dean (ver capítulos 2 e 7), comunicou ao chefe da estação local da CIA no Rio de Janeiro, David W.
Smyser (ver capítulos 3 e 7) que Edward Ressel “era muito próximo (very close) à embaixadora Odette de Carvalho e
Souza”, a partir de uma informação repassada a Dean por Edmundo Barbosa da Silva, chefe do Departamento Econômico
do MRE (Memorando, Dean para Smyser, 07/03/1957). Barbosa da Silva era um informante da embaixada dos EUA, como
será visto no próximo capítulo.
318

Estou argumentando no sentido de que o rompimento de relações entre o Brasil e a


União Soviética foi tramado por esse grupo que deseja arrancar do Parlamento os
comunistas brasileiros e tentar, assim, liquidar aqui o regime democrático. Derrotado o
Projeto Ivo D’Aquino [sobre a extinção de mandatos parlamentares] na Comissão de
Justiça do Senado, era preciso criar ambiente de terror e pânico, de intimidação dos
vacilantes, que permitisse levar adiante um projeto indigno de figurar nos anais de um
Congresso democrático. Rompidas as relações, no mesmo dia a capital da República
viveu horas de sobressalto sob regime de terror intenso. Jornais adquiridos com o
dinheiro do povo – caso raro em nossa terra – foram empastelados pela polícia e pelos
fascistas. Um órgão do Poder Legislativo, como a Câmara dos Vereadores da capital da
República, foi cercado, horas e horas, por conhecidos facínoras, e em praça pública
esse mesmo grupo de traidores adeptos das doutrinas nazistas, esse grupo de
criminosos impunes, maltratava e espancava, prendia e torturava homens e mulheres
do povo. Dois dias depois o projeto pulava, como que impulsionado por uma mola, do
Senado sem maiores discussões, sem levar em conta as emendas que haviam sido
apresentadas naquela Casa do Congresso: foi aprovado a toque de caixa porque os
reacionários sabem que o tempo trabalha contra eles (OLIVEIRA, 2011, p. 346-347).

Ao mesmo tempo, durante a gestão de Raul Fernandes foram dados passos importantes para a
aproximação Brasil-Estados Unidos: o início das primeiras tratativas para a Comissão Mista Brasil-
Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico510 e a criação da Escola Superior de Guerra (ESG).
Esta foi instituída como “um instituto nacional de altos estudos destinado a desenvolver e consolidar
conhecimentos relativos ao exercício de funções de direção ou planejamento da segurança nacional” 511.
Como outras escolas militares da América Latina – Academia de Guerra, no Chile; Escola Nacional de
Guerra, no Paraguai; Escola Superior de Guerra, na Colômbia; Escola de Altos Estudos Militares, na
Bolívia – a ESG foi inspirada no National War College norte-americano512 (FERNANDES, 2009).

510 A comissão, estabelecida em dezembro de 1949, teve suas recomendações e projetos publicados em 17 volumes em
1953-1954 (governo Vargas). Na equipe brasileira estavam os “tecnoempresários” Roberto Campos, Ary Frederico Torres,
Lucas Lopes, Glycon de Paiva e Valentim Bouças (DREIFUSS, 1987, p. 75). Para maiores informações sobre essa comissão
e seus resultados, ver Ribeiro (2012).
511 Definição presente no regulamento da ESG, elaborado por um grupo de militares liderado pelo general Oswaldo
Cordeiro de Farias, do qual participavam: Affonso Henrique de Miranda Corrêa (que, como visto no capítulo anterior, foi
delegado da polícia política na década de 1930 e, em missão à Alemanha nazista, estudou a organização do serviço de
contraespionagem e os meios empregados pelo Exército para combater a propaganda e a infiltração comunista em suas
fileiras), Sady Folch, Ismar P. Brasil, Celso A. de Macedo Soares Guimarães, Idálio Sardenberg e a Missão Militar
Americana, composta pelo Coronel William J. Werbeck, Coronel Aviador Alvord Van Patten Anderson Jr. e Capitão de Mar
e Guerra Lowe H. Bibby (ARRUDA, 2013).
512 Essa instituição foi criada em 1946 e logo se tornou um importante fórum para os influenciadores de políticas nos
Estados Unidos: “A forma como seu surgimento foi acompanhado pela imprensa demonstrava que o National War College
era algo novo e inovador (something new and innovative) e também que existia a expectativa de que seus frequentadores
iriam produzir grandes resultados. No imediato pós-guerra, generais, congressistas e outros servidores públicos participaram
dos debates e seminários da instituição estabelecida em Washington DC, em local próximo ao Capitólio e ao Pentágono. Em
agosto de 1946, George Kennan foi designado para assumir o posto de Deputy Commandant for Foreign Affairs, marcando
o apoio do Departamento de Estado à escola. Depois de sua contribuição ao National War College, Kennan assumiu o posto
de diretor de Policy Planning no Departamento de Estado (1947 e 1950)” (HARLOW e MAERZ, 1991). Como visto no
319

Edmundo Macedo Soares, que integrou o corpo permanente da escola, comentou o seu surgimento em
entrevista ao CPDOC/FGV:

Os Estados Unidos (...) aconselharam o Brasil a implantar essa escola. Essa é a origem
da Escola Superior de Guerra, que se inspirou no War College americano. O César
Obino era chefe do EMFA [Estado-Maior das Forças Armadas] e encarregou o
Cordeiro de Farias da tarefa513. Decidiu-se que a ESG deveria ficar subordinada ao
Estado-Maior das Forças Armadas, organismo encarregado do aperfeiçoamento de
oficiais (…). Para ajudar na implantação da Escola, em 1949, vieram três oficiais
americanos – o pessoal da ESG não gosta que se conte isso, mas é verdade. O coronel
do Exército Alvord von Patten Anderson Junior, um canadense naturalizado americano,
permaneceu no Brasil. Os outros dois – Lowe H. Bibby e William J. Werber – foram
substituídos. Quando cheguei à Escola em 1951, encontrei o Anderson, o contra-
almirante Charles Warren Wilkins e o coronel-aviador Andrews Thomas McCann. A
escola brasileira saiu um pouco diferente do War College americano, atendendo às
nossas peculiaridades. O curioso é que o Brasil teve essa escola muito antes de quase
todos os países europeus; a Argentina e outros países sul-americanos vieram abeberar-
se aqui para implantar as suas. A filosofia da Escola Superior de Guerra nasceu após a
Segunda Guerra Mundial, quando se percebeu que a segurança do país extrapolava o
combate no campo de batalha. Essas ideias chegaram aqui através da experiência
brasileira na guerra; os americanos tinham fornecido todo armamento e toda a doutrina
para a FEB [Força Expedicionária Brasileira], e por isso nos aconselharam também
depois que a guerra acabou. (…) Antes da ESG, entendia-se segurança nacional como
a defesa da pátria contra o inimigo externo; a partir dela a Doutrina de Segurança
Nacional passou a tratar dos inimigos externos e internos, aqueles que ameaçam a
consecução dos objetivos permanentes do país (SILVA, 1998, p. 129-130).

Antônio Carlos Muricy também falou sobre a escola ao CPDOC-FGV:

Assim que o general Canrobert passou ao Ministério da Guerra, eu tive o convite.


Aliás, o general Canrobert já tinha conversado com o Cordeiro. Eu e o Domingues,
dois oficiais-de-gabinete, fomos para a Escola Superior de Guerra. Eduardo
Domingues de Oliveira, um oficial de engenharia muito bom, depois ficou por muito
tempo na escola; assim como eu, integrou-se no corpo permanente da escola. Nós
chegamos na escola no seu segundo ano de trabalho, numa fase em que ainda não tinha
os seus objetivos perfeitamente definidos. Ela havia sido criada dentro de uma
filosofia, que surgiu depois da guerra de 39 e 45, em que se sentiu que o problema de
segurança extrapolava muito o campo militar. E, mais do que isso, extrapolando o

capítulo 1, Kennan foi um dos primeiros propositores de um planejamento de ação anticomunista norte-americana para a
América Latina.
513 Como informado anteriormente, Cordeiro de Farias era próximo de Álcio Souto (Chefe do Gabinete Militar de Dutra
até 1947) e de Canrobert Pereira da Costa, ministro da Guerra (1946-1951). Ver Muricy (1993, p. 210).
320

campo militar, envolvia todas as atividades do país, tanto na retaguarda quanto na


frente. Isso foi sentido em todo o mundo. Antes de organizar-se a escola, fizeram-se
contatos e estudou-se o que era feito na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos e na
Itália. Não sei até se na Argentina já se estava evoluindo. Eu não tive uma atuação
imediata nisso... No Brasil sentiu-se que o problema não poderia ficar circunscrito,
como em outros países, área diretamente ligada aos assuntos militares ou diplomáticos.
(…) era preciso, principalmente, criar métodos de trabalho. Esta foi uma das coisas que
mais me encantou: a escola fazia o seu esforço no trabalho em equipe. O trabalho
individual, o individualista, que [é] o da preferência do brasileiro, lá era absolutamente
colocado em segundo plano. (…) a escola, sendo um órgão que visava a preparação –
não a cultural, mas a filosófica – para a atuação nos altos escalões, precisava de
homens que soubessem viver em conjunto e, ao mesmo tempo, tivessem uma
compreensão dos problemas de segurança do país e dos problemas que envolviam os
diversos setores ligados à segurança. Mais tarde, vai-se verificar que o conceito de
segurança é tão amplo que não há atividade no Brasil que não tenha uma correlação
mais ou menos próxima da segurança. E aqui quero fazer, desde logo, uma declaração:
segurança não é isto que todo mundo diz por aí, que os jornais deformam e dão uma
ideia de polícia. Não [é] isso, absolutamente! Segurança é um conceito de permitir o
desenvolvimento com tranquilidade, vencendo oposições ao caminho que se quer
traçar. (…) No meu segundo ano na Escola Superior de Guerra, surge o conceito novo
de segurança, imediatamente depois da Segunda Guerra, com o envolvimento de toda a
nação no problema da luta514. Então, este [é] o ponto de partida. A escola tinha sido
criada procurando envolver todos esses problemas. E por isso ela se estruturava,
naquela ocasião, em três áreas – assuntos militares, econômicos 515 e diplomáticos –,
além da parte de organização da própria escola. (…) Eu fui situado no departamento de
assuntos militares, que era chefiado pelo Coronel Coelho Reis 516 (…). Na parte de
514 De acordo com Muricy (1993, p. 264), chegou-se à conclusão, nas “reuniões célebres do departamento de estudos”, de
que “o planejamento, do ponto de vista de segurança” poderia ser feito de várias formas, mas a “essencial, a inicial” era “o
fortalecimento do potencial nacional”: “Nenhum país pode se dar aventura de querer ser seguro se não tiver uma estrutura
forte. Um país fraco [está] sempre sujeito aos antagonismos externos, como nós chamamos em linguagem de doutrina de
segurança. É preciso enfrentá-los. Então, o problema inicial [era] fortalecer o potencial nacional. (…) Então, aparece a
necessidade de uma coisa que vai ser futuramente o SNI, como um órgão de busca de informações para o planejamento da
segurança, para que o chefe possa conduzir o país em segurança, vencendo os antagonismos externos ou internos. Então,
este o fundamento da segurança nacional. Muita gente não entende, e fala dela contando caraminholas”.
515 Conforme Dreifuss (1987, p. 78-80), muitos “tecno-empresários”, como Lucas Lopes, Roberto Campos, Eugênio Gudin
e Octávio Gouveia de Bulhões eram conferencistas assíduos na ESG: “O grupo da ESG compartilhava com os interesses
multinacionais e associados tanto a perspectiva quanto o sentido de urgência em transformar o ritmo e a orientação do
processo de crescimento em direção à criação de uma sociedade industrial capitalista. (…) A aproximação ideológica entre
os militares brasileiros e empresários e seus pontos de vista em comum quanto aos caminhos e meios que levariam ao
crescimento industrial foram traduzidos no acordo militar de 1952 entre o Brasil e os Estados Unidos. A seção 516 da sua
‘lei de Segurança Mútua’ expunha a necessidade de se encorajar ‘a eliminação de barreiras e de se proporcionar incentivos
para um aumento constante na participação da empresa privada no desenvolvimento dos recursos dos países estrangeiros
(…) [e] (…) desencorajar, na medida do possível e sem interferir na realização dos objetivos dessa lei, a prática de
monopólio e de cartel que prevalece em certos países (….)’. (…) Como uma instituição, a ESG incorporou dentro das
Forças Armadas normas de desenvolvimento associado e valores empresariais, ou seja, um crescimento cujo curso industrial
foi traçado por multinacionais e um Estado guiado por razões técnicas e não ‘políticas’. Este Estado seria estável por
intermédio do autoritarismo político incorporado na doutrina de segurança nacional. (…) A ESG, como centro nodular de
doutrinação para os militares de uma forma específica de desenvolvimento e segurança nacional baseados nas premissas do
capitalismo hemisférico, era também um instrumento para o estabelecimento de ligações orgânicas entre militares e civis,
tanto no aparelho estatal quanto nas empresas privadas”.
516 De acordo com Muricy (1993, p. 303), Antônio José Coelho dos Reis, depois de ser seu chefe no Departamento de
Estudos da ESG, foi comandante da Escola de Estado-Maior do Exército. No governo Café Filho, foi convidado pelo
ministro da Guerra, general Henrique Lott, para ser seu chefe de gabinete (Id., p. 305).
321

assuntos econômicos, o chefe era o Delso Mendes da Fonseca, um dos maiores amigos
do Cordeiro [de Farias]. Para lá também estava chegando o Edmundo Macedo Soares e
Silva, que tinha acabado de deixar o governo do estado do Rio (…) Havia ainda, na
parte de assuntos econômicos, o Fábio Macedo Soares Guimarães, um dos grandes
geógrafos do Brasil517. (…) a escola tinha por finalidade preparar elementos que
pudessem trabalhar nos altos escalões. E esses altos escalões se interpenetram. Havia,
desde o início, a ideia de que todos os ramos de atividade deviam estar representados
no corpo de estagiários. Os setores militares – Exército, Marinha e Aeronáutica – e do
Itamaraty eram obrigatórios e tinham um peso maior. Depois entravam os outros
ministérios e determinados órgãos públicos. Iam desde professores universitários até
chefes de polícia e delegados518. Tivemos fiscal de imposto de consumo, assim como
filósofo, e assim recebemos essa multidão de pensamentos 519 (MURICY, p. 237-242.
Itálicos meus).

De acordo com o regulamento da ESG, a ela concorreriam “oficiais de comprovada experiência


e aptidão, pertencentes às Forças Armadas do país” e “civis de notável competência e de atuação
destacada na formulação ou execução da política nacional, principalmente a exterior” (grifo nosso). A
direção da escola era realizada por um Comando – exercido por um oficial-general, assistido por um
oficial-general de cada Força e por um representante de categoria equivalente do Ministério das
Relações Exteriores520 – auxiliado por um Gabinete (Decreto nº 27.264 de 28/09/1949).

517 Fábio Macedo Soares Guimarães e Edmundo Macedo Soares e Silva eram primos de José Carlos de Macedo Soares.
Fábio trabalhava no IBGE, que foi muito tempo presidido por José Carlos (ver FICHA em anexo).
518 De acordo com Muricy, “todo mundo queria ir para a Escola Superior de Guerra, muitos para aprender e outros para
poder tirar vantagem. (…) Vi, dentro da escola, propostas como esta: ‘Só podem exercer tais e quais cargos aqueles que têm
curso da Escola Superior de Guerra.’ Naturalmente, através das conversas que pudéssemos ter com os chefes, íamos
cortando essa coisa monstruosa, de formar uma oligarquia de quem fez o curso da Escola Superior de Guerra. (...) Não se
deixar envaidecer pelas coisas tolas é outra virtude que muita gente não tem. Mas o fato é que a escola começou a adquirir
um nome duplo. Primeiro, de um grande centro de estudos. Segundo, de um estabelecimento para onde uma elite ia e que
dava, portanto, um status: ‘Eu tenho curso da Escola Superior de Guerra.’ Isso permitia, então, um relacionamento com
muita gente importante. Eu, por exemplo, conheço muita gente porque fiquei cinco anos na Escola Superior de Guerra.
Conheci, tive contato, privei, discuti com gente que foi tudo nesse Brasil” (MURICY, 1993, p. 291). Um desses
“estagiários” (como eram chamados os frequentadores dos cursos), foi Carlos Lacerda: “O Carlos Lacerda era um homem
de uma inteligência fora do comum, de uma capacidade fora do comum de convencer pela palavra. Ele conquistava as
pessoas pela sua capacidade multiforme de transmitir a sua vontade. Era verdadeiramente um líder. Ele tinha falhas, e mais
tarde mostrou essas falhas, mas foi adquirindo credibilidade nos meios que não eram do lado do Getúlio. E o fato dele ser
um arauto das ideias antigetulistas deu-lhe uma aura que conservou até 1964. (…) Tranquilo na atuação dentro da Escola
[Superior de Guerra], [Lacerda] evitava ser um debatedor intransigente. Raramente ele interferia nas conferências, para não
criar problemas. Ele estava muito na moda, era um homem que agitava a opinião pública e tinha o cuidado, então, de não
criar problemas” (Id., p. 290-291).
519 Contudo, como Dreifuss (1986, p. 80) destaca, a linha de pensamento adotada na escola, que “excluía teoricamente e
evitava praticamente qualquer transformação estrutural, permitindo no entanto uma modernização conservadora”, levava à
exclusão da “presença de representantes das classes trabalhadoras, ou mesmo das camadas intermediárias, no quadro de
professores convidados ou regulares da ESG. O argumento em prol do desenvolvimento era apresentado na ESG somente
por empresários, tecno-empresários, e, em menor escala, por políticos, assim como por convidados estrangeiros, tanto civis
quanto militares”.
520 Em suas memórias, Manoel Pio Correa Jr. informa que era capitão do Exército e explica que a ESG era subordinada ao
Estado-Maior das Forças Armadas, “mas mantida e gerida conjuntamente pelas três forças – Exército, Marinha e
322

Além de estar envolvido na administração da escola, o Ministério das Relações Exteriores


também foi representado no Curso Superior de Guerra (CSG) 521. Foram alunos da primeira turma, em
1950, da qual também fizeram parte os três membros da Missão Americana (William J. Werbeck,
Alvord Van Patten Anderson Jr. E Lowe H. Bibby), Eurico Gaspar Dutra (então presidente da
República), Canrobert Pereira da Costa (então ministro da Guerra), Alcides Etchegoyen, Affonso
Henrique de Miranda Corrêa, Henrique Geisel, Emilio Maurell Filho, Odylio Denys e Oswaldo
Cordeiro de Farias, Raul Fernandes (então ministro das Relações Exteriores), Cyro de Freitas Valle
(que era o secretário-geral do Itamaraty), Manoel Pio Corrêa 522, Jorge Latour, Lucillo Hadock Lobo,
Alberto Raposo Lopes, Aluizio Napoleão de Freitas Rego e Maurício Wellisch, todos diplomatas. Nos
anos seguintes, a ESG continuaria contando com a participação de alunos vinculados ao MRE.
A lista abaixo apresenta os nomes e funções desempenhadas na ESG e no MRE de diplomatas
que foram alunos do Curso Superior de Guerra entre os anos de 1950 e 1964.

Tabela 4. Diplomatas do MRE alunos da Escola Superior de Guerra (1951-1959)


Nome Função na ESG Função no MRE Turma
Ministro de Estado de Relações Exteriores
Raul Fernandes - 1950
(1946-1951)
Cyro de Freitas Vale - Secretário Geral (1949-1951) 1950
Integrante do Corpo de
Manoel Pio Correa Jr. Cônsul 1950
Estagiários (1950-1951)
Jorge Latour - Embaixador 1950
Lucillo Hadock Lobo Assessor da Divisão de Assuntos Embaixador, Oficial de gabinete do 1950
Internacionais (1949-1950); Ministro de Estado José Carlos de

Aeronáutica – e pelo Itamaraty. As quatro instituições forneciam o Corpo Permanente da Administração. Ao Itamaraty
cabiam um posto de Vice-Diretor e quatro vagas no Corpo de Estagiários. Ocupei uma delas na primeira turma” (PIO
CORREA, 1994, p. 338-339).
521 Criado logo no início dos trabalhos da ESG, com um período letivo de 40 semanas. A denominação do curso foi
mantida até 1984, quando foi alterada para Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE). As listas com os
nomes dos diplomados no curso estão disponíveis no sítio da Escola Superior de Guerra: <https://www.esg.br/a-
esg/diplomados> (acessado em novembro de 2019).
522 Pio Corrêa assumiria o Departamento Político e Cultural do MRE em 1960 e se tornaria Secretário Geral do Itamaraty
em 1966. Durante esse período, de acordo com Setemy (2013), “Pio Corrêa foi sete vezes nomeado ministro interino das
Relações Exteriores por ocasião das viagens do ministro Juracy Magalhães [irmão de Jacy Magalhães] em missão ao
exterior, o que lhe conferiu amplos poderes e liberdade para sistematizar e institucionalizar um serviço de informações
dentro do Itamaraty, o Centro de Informações do Exterior (CIEX), que em conjunto com a Divisão de Segurança e
Informações do Ministério das Relações Exteriores (DSI/MRE), permitiu que o regime estendesse o controle dos seus
inimigos para além das fronteiras territoriais do país utilizando-se de canais próprios da diplomacia e da rede de
informações interna e externa que se teceu em torno do Serviço Nacional de Informações (SNI)”.
323

Macedo Soares (1955-1958); Elemento de


ligação entre o MRE e o Congresso
Nacional (1955); Secretário-Geral-
Adjunto para Assuntos Americanos, 1963
Assistente do Comando (1962) a 1964. Chefe da Seção de Segurança
Nacional do MRE (1963). Representante
do MRE na Junta Coordenadora de
Informações do Conselho de Segurança
Nacional (1964).
Chefe interino da Divisão de
Alberto Raposo
Assuntos Internacionais (março Embaixador 1950
Lopes
1950)
Aluizio Napoleão de
- Embaixador 1950
Freitas Rego
Adjunto e Chefe da Divisão de
Maurício Wellisch Assuntos Internacionais (março Embaixador 1950
1951-abril 1952)
Frederico Chermont
- Embaixador 1951
Lisboa
Embaixador; Secretário Geral (1962-
Henrique Rodrigues
- 1963); Chefe da Seção de Segurança 1951
Valle
Nacional (1962-1963)
Jorge Emílio de
Assistente do Comando (1952) Embaixador 1951
Souza Freitas
Embaixador, Gabinete do Ministro de
Estado (1949-1950; 1954-1955); Chefe de
Mario Gibson
- Gabinete do Ministro de Estado (1961- 1951
Barboza
1962); Ministro de Estado de Relações
Exteriores (1969-1974)
Sérgio Affonso Chefe, Divisão de Assuntos Embaixador, Integrante do Departamento
1951
Corrêa da Costa Internacionais (1952) Econômico e Consular
Trajano Medeiros de
- Embaixador 1952
Paço
Hermes Rodrigues da
- Embaixador 1952
Fonseca Filho
Álvaro Teixeira
- - 1953
Soares
Embaixador, Oficial de Gabinete do
Adjunto da Divisão de Assuntos Ministro de Estado de Negócios da
José Augusto Prestes
Políticos do Departamento de Fazenda, José Maria Whitaker (1955); 1953
de Macedo Soares523
Estudos (1951; 1953) Chefe do Gabinete do Ministro de Estado
J. C. de Macedo Soares (1955-1958)
Lauro Escorel Adjunto do Departamento de Embaixador 1953

523 Filho do diplomata José Roberto de Macedo Soares e, portanto, sobrinho de José Carlos de Macedo Soares.
324

Estudo da Escola Superior de


Rodrigues de Moraes
Guerra (1953)
Nelson Tabajaras de
- Embaixador 1953
Oliveira
Embaixador, Seção de Segurança
Nacional MRE (1952); Chefe do
Vasco Leitão da
- Departamento Político e Cultural (1952- 1953
Cunha
1953); Ministro de Estado das Relações
Exteriores (1964-1966)
Oswaldo Tavares - - 1953
Carlos Sette Gomes Embaixador, Seção de Segurança
1954
Pereira Nacional do MRE (1951)
Embaixador, Secretário da Seção de
Segurança Nacional do MRE (1955);
Representante do Itamaraty no Grupo de
Jorge de Sá Almeida 1954
Trabalho para a organização do Serviço
Nacional de Informações, do Conselho de
Segurança Nacional (1955)
Mário da Costa
- Embaixador 1954
Guimarães
Alarico Silveira
- Embaixador 1955
Junior
Geraldo Eulálio do
- Embaixador 1955
Nascimento e Silva
Jurandyr Carlos
- Embaixador 1955
Barroso
Embaixador, Secretário da Comissão de
Roberto Luiz Emergência para a Defesa Política do
Assistente Interino do MRE junto
Assumpção de Continente (1943); Chefe da Divisão de 1955
Corpo Permanente (1957)
Araújo Assuntos Políticos da Escola Superior de
Guerra (1958)
José Carlos de Ministro de Estado de Relações Exteriores
- 1956
Macedo Soares (1955-1958)
Luiz de Souza
- Embaixador 1956
Bandeira
Assistente do Comando da Escola
Fernando Ramos de Superior de Guerra (1956);
Secretário Geral do MRE (1959-1960) 1956
Alencar Diretor do Curso de Mobilização
Nacional (1956)
Hélio de Burgos
- Embaixador 1956
Cabral
Luiz Octávio de
Morin Parente de - Embaixador 1956
Mello
325

Moacyr Ribeiro
- Embaixador 1956
Briggs
Paulo Henrique de
- Embaixador 1956
Paranaguá
Walder Lima
Embaixador 1957
Sarmanho
Frederico Meira de Assistente do Comando (1966-
Embaixador 1957
Vasconcellos 1969)
José Augusto Ribeiro - Embaixador 1957
Manuel Emílio
- Embaixador 1958
Pereira de Guilhon
Antônio Mendes Embaixador, Secretário Geral do MRE,
Assistente do Comando (1957) 1958
Vianna 1958-1959
Gil Guilherme
- Embaixador 1958
Mendes de Moraes
Miguel José Maria da
Corpo Permanente (1958); Chefe
Silva Paranhos
da Divisão de Assuntos Políticos Embaixador 1958
Cardoso do Rio
(1959)
Branco
Wagner Pimenta
Corpo Permanente (1958) Embaixador 1958
Bueno
Corpo Permanente (1958);
Paulus da Silva
Adjunto da Divisão de Assuntos Embaixador 1958
Castro
Políticos (1958)
Carlos Sylvestre de Assistente do Comando (1958-
Embaixador 1959
Ouro Preto 1959)
Décio Honorato de Embaixador, Secretário Geral do MRE
1959
Moura (1956-1958)
Frank de Mendonça
- Embaixador 1959
Moscoso
Representante do MRE junto ao
Miguel Franchini
Comando da ESG e Assistente do Embaixador 1959
Netto
mesmo Comando (1960-1961)
Fernando Ronald de
- Embaixador 1960
Carvalho
Sizinio Pontes
- Embaixador 1960
Nogueira
Ary Machado Pavão - Embaixador 1960
José Jobim - Embaixador 1962
Jorge de Oliveira
- Embaixador 1962
Maia
Benedito Rocque da - Embaixador 1963
326

Motta
João Augusto de
- Embaixador 1963
Araújo Castro
Milton Faria - Embaixador 1963
Quintino
- Embaixador 1963
Symphoroso Deseta
Luiz Gonzaga Lins
- Embaixador 1964
de Barros
Arnaldo Vasconcellos - Embaixador 1966
Othon do Amaral
- Embaixador 1966
Henriques Filho
Ronald Leslie
- Embaixador 1966
Moraes Small
Fontes: Ministério de Relações Exteriores, Departamento de Administração, Anuários de 1942 a 1965, disponíveis na
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; Escola Superior de Guerra, Lista de alunos do Curso de
Altos Estudos e Políticas Estratégicas (1950-1964). Disponível no sítio eletrônico da ESG: https://www.esg.br/a-
esg/diplomados. Acesso 29 novembro 2019.

Uma das importantes questões debatidas na ESG foi a organização do combate anticomunista
no Brasil, especialmente em seus aspectos relacionados a atividades de inteligência. Na turma do Curso
Superior de Guerra do ano de 1951, o trabalho do “Grupo X” apresentou um “esquema de execução de
um plano de contrapropaganda” e “um plano de preparação da opinião pública para assegurar o
cumprimento de nossos compromissos institucionais”, levando em consideração “a posição do Brasil
no grupo das nações democráticas” e a “propaganda desenvolvida entre nós pela corrente comunista”.
O referido grupo era integrado pelos seguintes alunos: coronel Edmundo de Macedo Soares e Silva,
coronel-aviador Teófilo Otoni de Mendonça (dirigente e relator do grupo), tenente-coronel Henrique
Geisel, tenente-coronel Antônio Carlos da Silva Murici, capitão de mar e guerra Sylvio Borges de
Souza Mota e professor Reynaldo Barros de Saldanha da Gama. Uma nota introdutória ao trabalho do
grupo apresentava uma proposta prática:

Ao lado do Conselho de Segurança Nacional, órgão planejador de controle por


excelência, achamos imprescindível que funcione, subordinada a ele, uma “Comissão
de Defesa e Propaganda da Democracia”, semelhante a que preconizou o grupo C 524 e à
que foi organizada, em 1937, sob a égide do Departamento de Justiça, com o nome de

524 Não foi localizado o trabalho do grupo C.


327

“Defesa Social Brasileira” 525. Esse órgão se destina ao lançamento e orientação da


campanha doutrinária que visa a informar o povo e criar nele uma compreensão nítida
e um sentimento vivo das vantagens e da necessidade de defesa do regime. Ao mesmo
passo, a campanha repressiva e tudo o mais que incumbir ao governo diretamente, será
realizado através dos elementos normais da administração pública (Trabalho de grupo
ESG, Grupo X, 1951).

O grupo reconhecia que “a nossa dependência econômica é muito grande em relação aos
Estados Unidos”. Diante disso, um “país economicamente pobre” como o Brasil teria de “compreender
essa circunstância e suportar, com coragem e inteligência, os ônus dela decorrentes” e buscar “não
impor a sua vontade unilateralmente, o que só é possível aos mais fortes”. O grupo também reconhecia
que o comunismo poderia ter sucesso no Brasil em função de vários fatores, mas “principalmente a
falta de esclarecimento da opinião pública sobre a posição internacional do Brasil e as vantagens do
regime democrático”. Para evitar o crescimento do comunismo no país, os integrantes do grupo
propunham um plano de combate “às atividades ilegal e doutrinária do comunismo”, para mostrar os
“seus verdadeiros desígnios”. Os princípios e técnicas a serem empregadas para a execução deste plano
– destinado a “nortear a contrapropaganda e a preparação psicológica da opinião pública” – deveriam
utilizar métodos que apelassem “não apenas à inteligência, isto é, à natureza racional do indivíduo”,
mas também “à sua emotividade”. Assim, “utilizando os símbolos que, pela associação fácil de ideias e
solicitação à emotividade, despertem os sentimentos e a compreensão dos grandes motivos da vida
numa democracia moderna”, deveriam ser criados slogans, frases ou canções que fossem capazes de
traduzir em termos simples as “abstrações morais e ideológicas” importantes para a defesa do regime.
Em outras palavras, a contrapropaganda deveria ser “afirmativa, positiva e desfraldar uma bandeira, no
sentido de criar a mística do regime democrático adotado pela Constituição de 1946”. Na avaliação do
grupo, o plano deveria ajustar-se a alguns princípios básicos:

1. A ação deve ser coordenada e subordinada e uma direção única; 2. A ação a


empreender deve abranger, simultaneamente, uma parte doutrinária e uma parte de
combate à atuação ilegal do comunismo; 3. A técnica comunista deve ser combatida
com técnica semelhante, desde que se enquadre dentro da lei; 4. A ação repressiva deve
ser enérgica e executada por pessoal convenientemente preparado para isso; 5. A
525 Destaque-se a importância da sobrevivência de relações pessoais, ideias e experiências de combate anticomunista do
período dos anos 1930 e 1940, tais como as representadas pela DSB (apresentada no capítulo 5), que incluía a participação
de muitos militares. É também importante ressaltar a experiência pessoal de Edmundo Macedo Soares e Silva, pois ele
próprio esteve presente na conferência de Genebra – também apresentada no capítulo 5 –, acompanhando seu primo José
Carlos, de quem era muito próximo, no momento em que este último fez a primeira aproximação com a EIA e, portanto,
com o trabalho dos Lodygensky.
328

campanha doutrinária não deve ter caráter oficial ostensivo; 6. A campanha doutrinária
deve atingir todas as camadas da população e visar especificamente a três níveis
intelectuais: o elementar, o médio e o universitário (superior); 7. A campanha
doutrinária deve evitar sectarismos filosóficos, políticos e classistas; 8. A campanha
doutrinária deve ser breve, intensa, constante e significativa; 9. A ação da propaganda e
da contrapropaganda deve, sempre que possível, apelar para as reações emocionais das
massas (Trabalho de grupo ESG, Grupo X, 1951).

Os princípios acima deveriam ser aplicados de acordo com as seguintes técnicas:

1. Combater ideias com ideias; 2. Empregar frequentemente a ironia ao lado da


argumentação de modo que sejam confundidos e contrariados os postulados
comunistas; 3. Organizar a contrapropaganda por grupos, isto é, empregando a técnica
das “frentes” utilizadas pelos comunistas; 4. Antecipar-se à exploração comunista no
exame e crítica de fatos que, evidentemente, serão desfigurados por eles no sentido de
sua propaganda; 5. Acompanhar vigilantemente a ação comunista para poder aparar os
golpes de sua propaganda com oportunidade; 6. Desmascarar as atividades
subterrâneas dos comunistas na propaganda de temas de caráter aparentemente
patrióticos (petróleo, etc.); 7. Utilizar todas as oportunidades para estar presente às
reuniões onde houver influência e propaganda comunistas e a fim de combatê-las com
argumentos ou pelo voto. 8. Opor-se vigorosamente a todas as tentativas de
descristianização da sociedade e de enfraquecimento dos foros de família; (…); 11.
Analisar sempre, cuidadosa e diariamente, todas as informações, notícias e informes
contidos nos meios normais de divulgação (jornais, revistas, panfletos, rádio, etc.) e
organizar respostas e comentários dentro dos princípios básicos estipulados, visando
atingir os objetivos superiores do plano; (…); 13. Utilizar todas as organizações,
entidades, pessoas e coisas para transmitir os ideais democráticos de nosso regime e
combater as ideias comunistas (…) (Trabalho de grupo ESG, Grupo X, 1951).

O grupo propunha que a repressão à “ação ilegal comunista e a de propaganda ostensiva”


deveria ser de caráter oficial. Já a campanha doutrinária deveria ser conduzida de modo “não oficial”,
organizada e executada de acordo com o plano geral, “por um órgão executor especial” que teria como
missão cumprir, sem cunho oficial, todas as diretrizes e ordens emanadas da Secretaria do Conselho de
Segurança Nacional (CSN) relativas à contrapropaganda doutrinária anticomunista e à preparação
psicológica do povo”, assegurando, assim, “o cumprimento de nossos compromissos internacionais”.
Considerava-se “de máxima importância” a criação deste organismo, que deveria ser uma “comissão ou
sociedade civil”, com equipe remunerada e trabalhando em tempo integral, com todos os “meios
indispensáveis para articular e desenvolver as ideias através das associações civis e religiosas que
329

aderirem à campanha”, fornecidos em parte pelo CSN e por “personalidades e entidades particulares”.
Para colocar o plano em prática, seria necessário “preparar o ambiente”, com a adoção de várias
medidas. Entre elas, uma reorganização do CSN, “inclusive quanto à possibilidade de utilizar civis de
reconhecido valor”, além de oficiais das Forças Armadas, restrição e controle das atividades das
representações diplomáticas de países do bloco soviético, unificação dos órgãos repressores em todo o
país, “instituir o registro domiciliar nos centros populosos”, “evitar a permanência de comunistas e
simpatizantes em postos chaves da administração”, “ampliar a legislação repressiva” e “interessar os
diretores e proprietários de empresas privadas na execução da campanha” (Trabalho de grupo ESG,
Grupo X, 1951).
Outro grupo do Curso Superior de Guerra de 1951 – “grupo Y” – elaborou um trabalho sobre o
mesmo tema. Suas propostas com relação a um plano de contrapropaganda e de preparação da opinião
pública são essencialmente as mesmas do grupo X, inclusive quanto ao fato de que as iniciativas não
deveriam aparentar ser de cunho oficial. No entanto, o grupo não tinha a mesma convicção sobre a
efetividade de uma entidade privada agindo em colaboração com órgãos estatais. O grupo Y defendia
que todo o plano deveria ser elaborado e executado por uma “Seção de Defesa do Regime” dentro da
Secretaria do Conselho de Segurança Nacional, de modo a atingir as Forças Armadas, “o magistério
oficial e particular, órgãos de chefia da administração pública, imprensa e órgãos de publicidade,
associações de classe, órgãos paraestatais, intelectuais e inocentes úteis, industriais e médicos,
populações rurais e mulheres”. Além disso, o grupo propunha que o plano deveria executar planos de
curto prazo e outros de longo prazo, “de caráter permanente”. Considerava-se fundamental o papel a
ser cumprido pelo Itamaraty, enquanto “fonte oficial das informações de onde sairão os temas para a
preparação da opinião pública”, e pela “maioria parlamentar, para exposição e defesa das teses que vão
servir ao preparo da opinião do povo brasileiro”. Com relação a este último ponto, os integrantes do
grupo recomendavam formar entre os “líderes dos partidos políticos que apoiam o regime uma
mentalidade de coesão patriótica e democrática a respeito dos assuntos que por serem de incontestável
interesse nacional não devem estar sujeitos às flutuações da política partidária”. Os integrantes do
grupo Y eram o coronel Delso Mendes da Fonseca, coronel Antônio José Coelho dos Reis, coronel
Júlio Américo dos Reis, coronel Jurandir de Bizarria Mamede, coronel Landry Sales e Maurício
Wellisch (MRE) (Trabalho de grupo ESG, Grupo Y, 17/08/1951).
Considerando-se o tema dos trabalhos dos grupos da ESG mencionados acima, é interessante
observar que, na entrevista ao CPDOC, o general Muricy deu a entender que o trabalho do SNI tinha
330

uma continuidade com o trabalho da ESG. Diante da pergunta “o senhor não acha que o IPES foi
exatamente uma adaptação daquela experiência que tinha sido desenvolvida na Escola Superior de
Guerra?”, ele respondeu: “Não, porque não era a mesma coisa. O SNI é. O Conselho de Segurança é,
mas o IPÊS não” (MURICY, 1993, p. 520).
Tendo em vista as relações apresentadas até agora, é possível pensar que setores relacionados à
ESG fossem integrantes do “grupo de Jacy”, e que este último poderia ser um representante daqueles
setores junto à embaixada norte-americana. A proximidade de Jacy com grupos militares, não apenas a
partir de seu irmão Juracy, mas também através de Juarez Távora, Newton Reis e outros, e a
semelhança entre os temas debatidos na ESG e aqueles apresentados por ele à embaixada americana
são indícios que permitem pensar nesta hipótese. Além disso, os militares e diplomatas da ESG tinham
de ser poupados do contato público com a embaixada norte-americana, devendo tomar todas as
precauções possíveis para não serem relacionados a interesses estadunidenses em razão das funções
públicas que desempenhavam. Dito de outro modo, seria conveniente aos militares receberem o apoio
dos EUA através de um porta-voz civil. Mas esta hipótese precisa ser confirmada por pesquisas futuras.

6.2.9 Os “entreguistas” e os associados de Nelson Rockefeller

Raul Fernandes – chamado de “avô do entreguismo” pela imprensa comunista, já que “de tão
longe” viriam “suas atividades de advogado das grandes empresas estrangeiras” 526 – ainda retornaria ao

526 A lista dos “dez maiores entreguistas” elaborada pelo jornal Imprensa Popular era composta por: Juarez Távora - “(…)
é ‘hors concours’. Não recebe dinheiro mas é um cruzado voluntário de Wall Street. (…) Fez conferências, escreveu a valer
e, sobretudo, usou e abusou do nome das Forças Armadas, o que continua a fazer até hoje. (…) No governo, Juarez (…)
sabota a Petrobrás (quer confiná-la aos poços do Recôncavo) (…) [e] trama, ao mesmo tempo, novos acordos com os norte-
americanos para a entrega de minerais raros e radioativos”; Eugênio Gudin - “(…) não é só um entreguista. É um professor
de entreguismo, utilizando com astúcia sua cátedra na Faculdade Nacional de Ciências Econômicas para envenenar
consciências. É um administrador da Bond and Share, presidindo pessoalmente a subsidiária de São Paulo. (…) Declarou
diferentes vezes, depois de Ministro, que a política da Petrobrás é um suicídio, e que o nacionalismo é uma praga”; Raul
Fernandes - “também da Bond and Share, como Gudin (…). Se Gudin é o economista, Fernandes é o ‘jurista’ da teoria da
‘órbita do colosso’, do ‘maravilhoso governo’ de Mr. Kemper [embaixador norte-americano]”; Chateubriand - “a si mesmo
denomina ‘entreguista número 1’. (…) Já declarou, na tribuna do Senado, que entregaria todo o Brasil à colonização
americana. (…) A cadeira de Chateubriand na imprensa e no rádio é o mais poderoso instrumento de divulgação dos trustes
em nosso país. Dela, entre outros, serviu-se Lacerda para iniciar, em 1947, a campanha entreguista do petróleo e a
propaganda do golpe de 24 de agosto (...)”; Café Filho - “não é o número um da lista, mas, de todos, é o que fez carreira
mais rápida. Em 1950, alguns imperialistas ainda o consideravam ‘suspeito’ ou ‘pouco firme’. (…)”; Cordeiro de Farias -
“Forma com Juarez [Távora] e [Eduardo] Gomes a tríade mais importante dos renegados dos movimentos de 1922 e 1924.
É um conspirador inveterado (…). É um dos generais que consideram que o Brasil não passa da ‘retaguarda’ dos Estados
Unidos e, nesse sentido, já se manifestou várias vezes, inclusive na Escola Superior de Guerra. Bate-se pela entrega do
331

MRE em 1954, depois do suicídio de Getúlio Vargas, durante o breve governo Café Filho. Este,
segundo Dreifuss (1987, p. 33), “apoiado por uma aliança informal de centro-direita entre empresários,
políticos da União Democrática Nacional (UDN) e do Partido Social Progressista (PSP), visava à
contenção das classes trabalhadoras e ao estímulo da penetração de interesses multinacionais” 527.
Durante essa segunda gestão de Raul Fernandes no MRE, que durou até novembro de 1955, o Brasil foi
visitado, em mais de uma oportunidade, por Henry Holland, que era então secretário de Estado adjunto
de assuntos interamericanos (já mencionado nos capítulos 1 e 2). A primeira visita, que ocorreu em
setembro de 1954, logo no início do governo Café Filho, foi assim comentada pela imprensa
comunista:

O governo brasileiro deve efetuar “reformas básicas” no que toca aos investimentos
estrangeiros, ao câmbio de divisas e ao nível de salários. Se não o fizer não poderá
contar com a “ajuda” norte-americana. Essas são as ordens que o subsecretário adjunto
dos Estados Unidos (…) traz para serem executadas pelo Sr. Café Filho. Não somos
nós que o dizemos, mas o New York Times, órgão autorizado a determinar a política a
ser seguida pelos sub-governos filiados a Wall Street. (…) Eis o que escreve o jornal
norte-americano, porta-voz dos trustes: (…) “o Brasil tem que corrigir as políticas
verdadeiramente desastrosas do extinto presidente Vargas quanto ao comércio e ao
trabalho. A pedra de toque é o petróleo. Não é nenhum exagero dizer-se que se o Brasil
modificar sua política nacionalista para o fomento de seus recursos petrolíferos
jacentes, sua economia poderia transformar-se”. (…) Holland já está no Brasil desde
ontem e começou a estabelecer contato com os membros da atual ditadura americana
para obter, sem maiores delongas, “a mais estreita cooperação possível em todos os
terrenos: político, econômico, militar e cultural”, segundo ele próprio declarou. (…)
(…) Não tardaremos a ver os efeitos dessa viagem, quando começarem a surgir as

petróleo, pela inversão maciça de capitais ianques, pela subordinação crescente do exército brasileiro ao comando norte-
americano. (...)”; João Neves da Fontoura - “(…) nem sempre foi um serviçal americano. (…) Presidente da Ultragás,
representava, consequentemente a Standard Oil (N. J.) no governo de então. (…); Carlos Lacerda - “(…) Favorável à
remessa de tropas brasileiras para a Coreia, ao intervencionismo norte-americano na Guatemala, no Brasil e em todo o
mundo. Sua posição é indefectivelmente a dos trustes.”; Paulo Bittencourt - “(…) dispõe de uma selecionada equipe
profissional com que pode contar um jornal reacionário no Brasil [Correio da Manhã]. (…) Suas campanhas, nos últimos
anos, confundem-se bastante com as de O Globo e dos Diários Associados. Assim no Petróleo, assim no Acordo Militar,
assim no rompimento de relações com as URSS. (...)”; Roberto Marinho - “(…) O importante em Marinho é sua dedicação
à desnacionalização do Brasil. (…) Politicamente, é como os outros da lista, embora mais covarde. (...)” ( Imprensa Popular,
06/02/1955).
527 A imprensa comunista assim se referiu ao governo Café Filho: “Estamos diante de um governo de traição nacional que
por ordem da embaixada americana vai buscar no antro das piores maquinações contra nossa independência, figuras
sinistras como Raul Fernandes, Eduardo Gomes, Juarez Távora, Eugênio Gudin e outros. ‘Chanceler policial’, chamava
ontem um vespertino ao ministro do Exterior do governo Café. O sr. Raul Fernandes é, entretanto, mais ainda que isto. Em
nenhuma outra emergência, a não ser numa situação resultante de um golpe contra o povo, poderia ser ressuscitada a figura
torva que em Bogotá defendeu a tese infame da alienação progressiva da soberania nacional, tão do gosto do Departamento
de Estado Americano e dos reacionários da UDN. (…) Os monopólios americanos exigem a participação nas empresas
estatais nacionais e o títere Café Filho lhes acena com essa possibilidade. Jornais são invadidos. O povo, que protesta,
continua a ser massacrado nas ruas (...)” (Imprensa Popular, 28/08/1954).
332

“reformas básicas” que, sob cada vez mais forte pressão, os norte-americanos nos
querem impor (Imprensa Popular, 09/09/1954).

A visita, contudo, era festejada em editorial do jornal Correio da Manhã:

Não poderia ser mais oportuna a visita que nos faz o sr. Henry Holland (…). Chega
para encontrar o Brasil mal saindo de uma grave crise política e dando os primeiros
passos para solucionar a crise econômica, ainda mais grave, pois de caráter
permanente. Esperamos que saiba ouvir e ver sem ideias preconcebidas. (…) O sr.
Henry Holland chega ao Brasil em hora de sentir com toda a acuidade um momento
alto da crise permanente da economia brasileira. Poderá sentir a sua fatalidade se
persistir o impasse e a imobilidade em que jazemos por culpa nossa e da política
esquemática e rígida adotada pelos Estados Unidos para com esta parte do mundo,
depois da última guerra (Correio da Manhã, 08/09/1954).

De acordo com o Correio da Manhã, a “oportunidade da visita” também foi salientada pelo
ministro Raul Fernandes. E, ao Secretário de Estado adjunto norte-americano, foi “pedido, em termos
francos, auxílio dos Estados Unidos na solução dos nossos problemas econômicos, inaugurando-se uma
nova fase nas relações dos dois países”:

(…) Desapareceu a dubiedade sempre presente na política externa do sr. Getúlio


Vargas. Desapareceu um dos fatores do nacionalismo demagógico responsável pelo
fracasso de iniciativas inadiáveis com a colaboração americana. Existe, pois, uma
atmosfera de lealdade e de boa vontade que não deve ter passado despercebida ao sr.
Henry Holland, e fortalecida pela definição de uma política de investimentos internos
austera e anti-inflacionária do novo ministro da Fazenda. (…) Existem obstáculos para
a inauguração dessa nova fase. O sr. Holland prefere não adjetivar de nova; seria um
ajustamento da política americana às necessidades latino-americanas. Nesse sentido, o
governo americano aumentaria os financiamentos oficiais, sem abandonar a tese
fundamental da prioridade dos capitais privados no financiamento dos projetos de
desenvolvimento econômico; os créditos oficiais se dirigiriam apenas aos projetos de
importância primordial, não suscetíveis de atrair capitais privados. A tese do governo
brasileiro ajusta-se a esses termos ao formular o nacionalismo esclarecido: admissão
livre de capital responsável, sem veleidades de hegemonia, assegurando o Brasil o
reembolso desses investimentos em juros e amortizações razoáveis. (…) Sem dúvida, a
atual orientação brasileira terá de traduzir-se na forma de uma legislação consentânea
com a atração do capital responsável. E, nesse particular, exige-se dos partidos
democráticos menos eleitoralismo e mais amor à elevação do padrão de vida do povo.
Por outra parte, não deveria a política americana ignorar a posição peculiar do Brasil
333

no continente. Não se aplicariam a um país de tanta importância econômico-militar


fórmulas estritamente econômicas. Há razões políticas que tornam inadmissível a
insegurança econômica do Brasil ante a ameaça russa. (…) (Correio da Manhã,
12/09/1954).

No início de 1955, Raul Fernandes enviaria a João Carlos Muniz, o embaixador brasileiro em
Washington, uma carta com preocupações semelhantes às que foram expressas nesse editorial do
Correio da Manhã:

(…) Estou aproveitando a relativa calma desses primeiros dias de janeiro para lhe
enviar algumas linhas sobre o problema sempre presente e inelutável das nossas
relações com os Estados Unidos. (…) Embora aprecie seu entusiasmo, eu não consigo,
infelizmente, compartilhar o otimismo de suas opiniões. Estou convencido de que
nossos amigos do norte estão se afastando ainda mais dos verdadeiros termos do
problema quando o examinam do ponto de vista puramente econômico-financeiro. (…)
Os Estados Unidos, que pelos desígnios do destino, carregam hoje o pesado fardo da
responsabilidade de defender a liberdade ao redor do mundo, não podem deixar passar
despercebido o sentido predominantemente político que uma situação econômica como
a nossa, com sérios problemas de longa data (long-ailing economic situation), deve
forçosamente assumir. (…) É exatamente em favor dos interesses norte-americanos
que deveria ser deixado claro para nossos poderosos amigos que a crise econômica
brasileira diariamente assume aspectos sociais mais graves; a tal ponto que – Deus nos
livre! – não se pode ignorar a possibilidade de que a questão chegue a uma situação
que leve à ruptura da ordem política, com consequências imprevisíveis. (…) Dólares
foram disponibilizados para a Itália em um momento decisivo da vida política daquele
país. A chamada “Doutrina Truman” salvou a Grécia e a Turquia do perigo iminente da
dominação comunista. E o plano Marshall levantou novamente as bases econômicas e
financeiras da Europa Ocidental. Isso trouxe lucro para os bancos americanos? Em
última análise, sim. Mas o objetivo imediato dessas medidas de emergência era a
segurança política do mundo livre. O nosso caso não diferiria muito dos exemplos que
eu mencionei. (…) Estas são as considerações que eu queria lhe apresentar e
recomendar que sejam repassadas, de acordo com seu julgamento, aos responsáveis
pela política externa norte-americana, especialmente nosso bom amigo Nelson
Rockefeller, para quem você deveria ler esta carta. (…) (Anexo ao Memorando “Visit
of Brazilian Ambassador”, 31/01/1955, itálicos meus).

Segundo relatou Nelson Rockefeller, a carta de Raul Fernandes lhe foi entregue pessoalmente
pelo embaixador brasileiro em Washington, no dia 20 de janeiro de 1955:
334

O embaixador Muniz entrou em contato comigo solicitando um encontro a fim de me


transmitir uma mensagem do ministro brasileiro das Relações Exteriores, Raul
Fernandes. Eu conheço o embaixador e o ministro há muitos anos. (…) Eu li a carta em
sua presença e afirmei que, pelo conhecimento, o presidente e o secretário de Estado
consideram que as tradicionais relações Estados Unidos-Brasil possuem a maior
importância e que existe toda a disposição da parte dele para manter esses laços (…).
Eu disse ao embaixador que eu considerava que o embaixador [James] Dunn, que logo
chegaria ao Brasil, poderia fazer muito, em vista de sua sabedoria, compreensão e
longa experiência nas relações internacionais, para ampliar o entendimento e a
cooperação entre os dois países (Memorando “Visit of Brazilian Ambassador”,
31/01/1955).

Rockefeller, que naquele momento ocupava o cargo de Assistente Especial do presidente


Eisenhower528, encaminhou a carta de Raul Fernandes para o secretário de Estado adjunto, Henry
Holland, e também elaborou uma resposta pessoal, com a ajuda de Berent Friele, seu colaborador de

528 Segundo Tota (2014), Rockefeller foi indicado para dirigir o Special Committee on Government Organization, criada
pelo presidente Eisenhower com o objetivo de promover mudanças na estrutura operacional do Executivo: “Em
Washington, para sugerir mudanças no recém-criado Departamento de Defesa, Nelson trabalhou com conselheiros famosos
na área militar, como George Marshall, antigo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas durante a guerra e ex-secretário
do Departamento de Estado do governo Truman. Foi depois das reformas propostas por Nelson que setores do governo
como a United States Information Agency ganharam importância, elegendo a cultura como potente arma na política externa
americana. Ele negociou com líderes sindicais, discutiu e promoveu estudos que tratavam de leis aos aposentados, reforma
do seguro social e do sistema educacional, sempre correndo o risco de ser criticado pela ala mais conservadora do GOP— o
Grand Old Party, como também é conhecido o Partido Republicano. (…) Ocupava-se em fazer andar suas propostas no
Congresso ao mesmo tempo em que realizava articulações para ser indicado como candidato de seu partido ao governo do
estado de Nova York. Nelson prosseguiu com suas atividades, mas sempre se defrontando com forte oposição da ala dos
políticos conservadores. Chegou a pensar em sair do governo de Ike [Eisenhower]. Não queria mais continuar no posto em
que tratava de problemas de saúde, aposentadoria ou escolas para crianças. Queria atuar mais de perto nos negócios
estrangeiros. Pouco depois, entretanto, o presidente Eisenhower criou outro organismo, típico da Guerra Fria, e convidou
Nelson para ocupar o cargo de assistente especial para Assuntos de Guerra Psicológica. Nelson criou vários think tanks, ou
grupos de estudo, e usou de todos os meios disponíveis para azeitar uma poderosa máquina de propaganda destinada a
convencer amigos e atacar inimigos. (…) Em agosto de 1954, Nelson Rockefeller, com o auxílio de seus assessores, sugeriu
planos estratégicos para o governo Eisenhower discutir em Genebra na primeira reunião de cúpula com a União Soviética
pós-Stálin. John Foster Dulles não suportava as “ideias” inovadoras que o grupo de Nelson produzia, e armava todo tipo de
obstáculo às iniciativas de Rockefeller. A perseverança e a teimosia dele acabaram por elaborar uma proposta que
Eisenhower incluiu na agenda a ser discutida na reunião de cúpula. Em julho de 1955, o presidente americano,
acompanhado de seu secretário de Estado, de Nelson Rockefeller e de um grupo de assessores, sentou-se diante da
delegação soviética, composta por Nikita Khruschóv, Molotov, o premiê Nikolai Bulganin e o marechal Zhukov, velho
companheiro de armas de Eisenhower. A reunião teve resultados insignificantes (…). De volta a Washington, Dulles
esperava livrar-se de Nelson. Achava que a capital americana era pequena demais para os dois. O jovem milionário ainda
teve tempo de organizar mais um grupo de estudos formado por acadêmicos e técnicos em inteligência, vários deles
oriundos da CIA. Entre eles estava Henry Kissinger, que começava a despontar para a carreira política em detrimento de sua
posição na Universidade Harvard. O produto desses encontros foi um documento intitulado Action Program for Free World
Strength, ou seja, mais um programa de propaganda e inteligência para deter o avanço do comunismo no “mundo livre”. Um
dos resultados mais evidentes de tal documento foi o imediato aumento de verbas da USIA (United States Information
Agency) para produção de materiais de propaganda. Foi por essa época que as bibliotecas brasileiras começaram a receber
doações de livros, todos bem traduzidos, sobre a sociedade, a cultura e a história dos Estados Unidos. Em dezembro de
1955, a convivência entre Nelson e funcionários do Departamento de Estado tornou-se muito difícil, e Eisenhower aceitou
seu pedido de demissão”.
335

longa data, que estava assumindo uma função temporária como consultor da FOA (Foreign Operations
Administration) no Brasil529 (Cartas, 03/02/1955 e 10/02/1955). Entre outras coisas, a carta de
Rockefeller para Raul Fernandes afirmava que a nomeação de seu “amigo mútuo”, Berent Friele, como
consultor no campo da assistência técnica, ajudaria a fortalecer os laços de amizade entre Brasil e
Estados Unidos (Carta, 14/03/1955). Em janeiro de 1956, quando já tinha deixado o governo
Eisenhower, Rockefeller sugeriu ao chefe de gabinete da Casa Branca, Sherman Adams, que Friele
fosse incluído na delegação norte-americana que compareceria à posse do presidente Juscelino
Kubitschek530:

(…) o embaixador Jimmy Dunn ficou entusiasmado com a ideia de ter Berent Friele
como delegado, quando eu discuti isso com ele. Harold Stassen nomeou o Sr. Friele
como seu conselheiro especial sobre o Brasil há apenas um ano. Ele primeiro trabalhou
com o pessoal de Harold, depois ajudou Jimmy Dunn a iniciar seus trabalhos quando
ele chegou ao Brasil como embaixador. Provavelmente não existe nenhum outro norte-
americano melhor informado ou mais popular no Brasil. (…) Durante a guerra, o Sr.
Friele dirigiu o programa de informações e assistência técnica para mim no Brasil, em
conexão com o trabalho do Office of Interamerican Affairs. Desde a guerra ele tem
trabalhado comigo em Nova York, em conexão com o trabalho de desenvolvimento na
América Latina. O presidente eleito Kubitschek é um velho amigo dele, com quem
estamos trabalhando desde 1950 em conexão com um programa de desenvolvimento
rural cooperativo, sem fins lucrativos, em Minas Gerais, estado do qual ele foi
governador. Eu acho que o Sr. Friele pode ser muito útil ao embaixador e à delegação
(…). Eu vou almoçar com Henry Holland hoje e tomarei a liberdade de mencionar para
ele essa sugestão (Carta, 11/01/1956. Itálicos meus) 531.

529 Estabelecida em agosto de 1953 para centralizar operações, controlar e dirigir todos os programas de assistência técnica
e econômica dos Estados Unidos, a FOA foi extinta em maio de 1955. Algumas de suas funções foram repassadas às
International Cooperation Administration (ICA), criada em junho de 1955. Em um memorando para o Secretário de Estado,
Nelson Rockefeller explicou a relação de Friele com a FOA: “Algumas semanas atrás, o governador Stassen [presidente da
FOA] falou comigo sobre a possibilidade do Sr. Berent Friele se tornar diretor regional da FOA para o Hemisfério
Ocidental. Mr. Friele tem estado associado comigo desde a guerra em empreendimentos empresariais e filantrópicos na
América Latina. Ele tem trabalhado principalmente no Brasil, onde ele agora reside. Depois de refletir, eu disse ao Sr.
Stassen que, diante da minha presente posição e da minha associação com Sr. Friele, eu não considerava tal nomeação
aconselhável. Ele então me perguntou se o Sr. Friele poderia assumir a posição de diretor da FOA no Brasil. Eu discuti essa
proposta com o Sr. Friele e nós achamos que, pelas mesmas razões, isso também não seria aconselhável. A possibilidade de
que o Sr. Friele atuasse como um conselheiro ou consultor da FOA sobre problemas brasileiros foi então discutida e, em
função de suas qualificações únicas, me pareceu que não haveria objeção. Contudo, depois de informar minha concordância
ao Sr. Stassem, eu discuti a questão com o embaixador Dunn, que expressou não identificar nenhuma objeção. (…) O Sr.
Friele encontrou com o governador Stassen na semana passada e será empossado como consultor da FOA nesta quarta. (...)”
(Memorando “FOA Regional Director”, 31/01/1955).
530 Uma aliança do PSD e do PTB, encabeçada por Juscelino Kubitschek e João Goulart, acabou derrotando o bloco de
poder associado a Café Filho.
531 Essa carta de Rockefeller foi escrita poucos dias depois de ele ter recebido Kubitschek em Nova York, em um coquetel
no qual Berent Friele estava presente (sobre essa recepção e a viagem de JK aos Estados Unidos no início de 1956, ver o
primeiro capítulo desta tese).
336

Além desse comentário de Rockefeller sobre o apoio de Friele ao início do trabalho do


embaixador James Dunn, alguns registros feitos por Friele ao longo de 1955 confirmam que sua
atuação no Brasil foi intensa naquele ano. Logo depois de chegar ao Rio de Janeiro, ele informou ao
diretor da FOA – em carta com cópia para Nelson Rockefeller – que já tinha entrado em contato com os
membros dessa agência no Brasil e com funcionários da embaixada norte-americana:

Eu procurei William C. Trimble, encarregado de Negócios, e discuti com ele e com


Robert P. Terrill, conselheiro econômico, a situação política e econômica no Brasil, que
é extremamente crítica no presente momento. (…) Não há dúvida de que nossos
esforços neste país terão que ser intensificados no futuro imediato para prevenir um
completo colapso, com possível desordem social, cuja culpa será atribuída aos Estados
Unidos pelos comunistas e nacionalistas (…). Eu espero que nas próximas semanas
(…) possamos criar um plano e recomendações específicas para consideração pela
FOA e outras agências do governo para reagir à presente tendência e criar uma
337

atmosfera de sentimentos amigáveis e confiança na cooperação dos Estados Unidos 532


(Carta, 17/02/1955).

No final de março, Friele comentaria:

Desde a chegada do embaixador [James Dunn], os brasileiros têm sido tranquilizados


com relação ao contínuo interesse e preocupação dos Estados Unidos com seus
problemas. Isso teve um excelente efeito psicológico. (…) Foi gratificante notar entre
oficiais do governo, jornalistas, empresários e outros com quem entrei em contato, uma
profunda consideração pelas nossas atividades e uma compreensão do fato de que a

532 Em maio de 1955, Friele apresentou uma proposta ao diretor da FOA, fazendo as seguintes considerações: “Mais de
oito meses se passaram desde o suicídio de Vargas. A eleição de um novo presidente e vice-presidente ocorrerá em 2 de
outubro. A grande questão é se haverá ou não a restauração de um regime sob o domínio do partido de Vargas, que é
antiamericano e ultranacionalista. Independentemente do resultado, há a necessidade de se criar uma opinião mais favorável
em relação aos Estados Unidos. (…) Felizmente, o recentemente nomeado ministro da Fazenda, José Maria Whitaker [que
substituía Eugênio Gudin], tem plena consciência das próprias deficiências brasileiras e está ansioso para contar com a boa
vontade e confiança dos Estados Unidos. (…) Seguem sugestões para um programa de ação imediata: 1) Proposta para a
solução do problema brasileiro com relação ao trigo. a) Uma oferta para disponibilizar trigo ao Brasil durante os próximos
três anos (…) em custo razoável a ser pago com café (…). b) Implementação do projeto nº 16 da Comissão Mista. Ele
envolve um empréstimo (…) quer seria a parcela em dólares das despesas de construção de estruturas de armazenamento
para o trigo no estado do Rio Grande do Sul. (…) 2) O problema do carvão. Estudos tem sido feitos sobre a possibilidade de
intercâmbio de carvão por certos minerais brasileiros. (…). 3) Aplicação industrial de energia atômica. O Brasil deveria ser
capaz de se beneficiar mais do que qualquer outro país dessa fonte de energia. Negociações já foram iniciadas entre os dois
países. Se um acordo pudesse ser anunciado no futuro próximo, isso certamente teria um grande impacto na opinião pública
e poderia contribuir para mudar a presente lei nacionalista do petróleo. 4) Modernização de aeroportos. (…) 5) Assistência
técnica. (…) Isso pode dar novo ímpeto a essa nova fase de nossos esforços cooperativos e diminuir o clamor por mais
empréstimos difíceis de serem justificados sob as atuais circunstâncias” (Memorando, 14/05/1955). Em novembro de 1955
o governo brasileiro acabou firmando um acordo com o governo norte-americano para a compra de trigo, como relatado
pelo então ministro das Relações Exteriores, José Carlos de Macedo Soares (ver FICHA) – que era diretor da Companhia
Nacional de Seguros de Vida, presidida pelo ministro José Maria Whitaker: “(…) coube-me firmar com os Estados Unidos
da América o importante acordo para compra de meio milhão de toneladas de trigo e outras quantidades de produtos
agrícolas americanos, mediante pagamento em cruzeiros, o que transformou uma operação comercial de rotina em
realização de grande alcance financeiro, pois uma parte substancial dos recursos criados pela operação serão cedidos por
empréstimo ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico a fim de incrementar os seus programas (…). Com isso, o
governo brasileiro consegue recursos em cruzeiros não inflacionários para complementar investimentos feitos com
utilização de equipamentos pagos em moeda estrangeira” (MRE, 1955). Outros acordos polêmicos foram firmados em
1955. Como Moniz Bandeira (1978, p. 376) descreveu, em 1956, já no governo JK, “o caso da energia atômica
transformou-se em escândalo. A Câmara dos Deputados constituiu uma Comissão de Inquérito para investigá-lo. O Estado-
Maior das Forças Armadas (EMFA) pronunciou-se contra os acordos firmados entre o Brasil e os Estados Unidos – o
Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil e o Acordo de Cooperação
para Uso Civil da Energia Atômica, a respeito dos quais o governo de Café Filho não o consultou. Kubitschek embargou a
realização do segundo ajuste para a troca de monazita por 500 mil toneladas de trigo, negociado ao tempo de Café Filho e
assinado no governo de Nereu Ramos, e aprovou as novas diretrizes da política nuclear brasileira. Posteriormente,
entretanto, ele concordou com a aquisição de 600 mil toneladas de trigo, por ano, permitiu a venda de 150 toneladas de
monazita aos Estados Unidos. As exportações de monazita, na verdade, nunca cessaram nem cessariam, ao que tudo indica.
(…) A sabotagem continuou impedindo que o Brasil equacionasse, independentemente dos Estados Unidos, o problema da
energia nuclear. E o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) utilizou os recursos provenientes das vendas
de trigo, no mercado interno, para financiar as subsidiárias das empresas americanas”.
338

autoajuda deve acompanhar qualquer assistência proveniente do exterior (Carta,


29/03/1955).

Em abril ele se reuniu com o ministro do Trabalho, Comércio e Indústria, Alencastro


Guimarães, do PTB, conforme relatou ao embaixador Dunn:

Através de um amigo em comum, fui informado de que Napoleão de Alencastro


Guimarães (…) estava ansioso para se encontrar comigo. Eu o conheço desde 1937 e o
vi bastante durante a guerra. Ele assumiu o ministério do Trabalho depois que Vargas
cometeu suicídio. Ele fez um excelente trabalho na manutenção da ordem interna,
especialmente na prevenção de greves e no combate a atividades comunistas nos
sindicatos533. O ministro perguntou se seria possível obter ajuda do governo norte-
americano para interromper a ação de agentes comunistas (running down communist
agents). Ele mencionou exemplos de como seu trabalho estava sendo dificultado pelo
que parecia ser absoluta sabotagem. Ele gostaria de estabelecer uma relação direta com
a embaixada para discutir esse problema (Memorando, 04/05/1955).

Não temos informações sobre o encaminhamento dado pela embaixada ao pedido. Mas sabemos
que Friele enviou cópia do memorando que relatava a conversa com Alencastro Guimarães para Nelson
Rockefeller, informando que o ministro estava a caminho do Japão, como chefe de uma delegação
comercial brasileira, e que poderia passar por Nova York e Washington antes de retornar ao Brasil: “Ele
está muito ansioso para vê-lo. Você o conhece bem. Ele era próximo do Presidente Vargas, mas rompeu
com Getúlio um ou dois anos atrás” (Carta, 23/05/1955). Rockefeller respondeu: “Vou aguardar
ansiosamente para encontrar Alencastro Guimarães quando ele voltar do Japão” (Carta, 01/06/1955). Se
esse encontro ocorreu, não conseguimos confirmar.

533 No início de 1955, o jornal Imprensa Popular relatou que o deputado Roberto Morena havia denunciado, na Câmara
Federal, “as ilegalidades praticadas pelo ministro Alencastro Guimarães contra os Sindicatos de Trabalhadores de Fiação e
Tecelagem de S. Paulo, no Sindicato dos Trabalhadores em Carris Urbanos do Distrito Federal, e ainda determinou a
suspensão da posse da diretoria eleita do Sindicato dos Empregados nos Estabelecimentos Bancários do Distrito Federal.
Para praticar tamanhas violências, acrescentou, valeu-se do famigerado atestado de ideologia, já revogado pelo Congresso, e
de dispositivos da Lei de Segurança (...)” (Imprensa Popular, 08/01/1955). Dias depois, as denúncias prosseguiam no
jornal: “Tomado de fúria contra as organizações sindicais, o ministro do Trabalho (…) anulou ontem mais dois pleitos
sindicais. Desta vez os atingidos foram o Sindicato de Mineiros de São Jerônimo (R. G. do Sul) e Sindicato dos
Trabalhadores em Carris de Maceió (Alagoas)” (Imprensa Popular, 16/01/1955). O próprio líder do PTB, Fernando Ferrari,
manifestava-se contra Alencastro Guimarães, afirmando que ele não representava o partido. Sobre o governo, Ferrari
declarava: “O governo do Sr. Café Filho é essencialmente antitrabalhista e antipopular, e traiu seu próprio compromisso
perante o povo de que seguiria a política do ex-presidente Vargas e, por esse motivo o PTB toma uma atitude de oposição
em face do mesmo” (Imprensa Popular, 11/02/1955)
339

Enquanto atuou como assessor da FOA no Brasil – fevereiro a agosto de 1955 – Friele também
se reuniu com o general Góes Monteiro534, com Valentim Bouças535, com o presidente Café Filho 536,
com o ex-governador de São Paulo, Lucas Garcez, e o candidato à presidência, Juscelino Kubitschek 537.
Segundo a imprensa, durante esse período Friele se afastou temporariamente das organizações em que
atuava como associado de Nelson Rockefeller – AIA e IBEC (O Jornal, 10/02/1955). Mas a distinção
entre a atuação pública e privada de Friele é bastante confusa. Em 26 de agosto de 1955, ele comunicou
ao diretor da ICA (International Cooperation Administration) – que tinha assumido as funções da FOA
em junho daquele ano, como informado anteriormente – que sua nomeação terminaria em 31 de agosto,
mas que o embaixador Dunn tinha deixado transparecer que gostaria de contar com o seu auxílio até o
534 Nessa época, Góes Monteiro era ministro do Superior Tribunal Militar. Ele viria a falecer pouco tempo depois, em
janeiro de 1956. Quando se encontrou com Friele, já enfrentava problemas de saúde. Ele se dizia preocupado com a situação
política, demonstrando pouca confiança em Juscelino Kubitschek, que lhe parecia estar nas mãos do PTB, partido que
estaria infiltrado por comunistas. João Goulart seria perigoso, mas existiriam outros ainda mais perigosos que ele no PTB,
na opinião do general. Ele também considerava que os comunistas estavam buscando dividir o exército e, que por isso, o
exército poderia não conseguir impedir o PTB de assumir o controle. Góes Monteiro, segundo Friele, acreditava que o PTB
queria “russianizar” o Brasil e transformá-lo em uma outra Guatemala ou outra Bolívia (Memorando, 26/04/1955).
535 Bouças, que no início da década de 1950 tinha integrado a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos de Desenvolvimento
Econômico, mencionada anteriormente no capítulo 4, em 1955 era secretário do Conselho de Economia e Finanças e
chefiou a delegação brasileira à reunião do GATT (Acordo Geral de Comércio e Tarifas) realizada em Genebra (O Jornal,
01/01/1955 e 24/02/1955) (Memorando, 08/06/1955).
536 O presidente expressou preocupação com a situação econômica do Brasil e com as atividades comunistas,
demonstrando interesse na possibilidade de receber assistência econômica dos Estados Unidos (Memorando, 07/06/1955).
537 Friele relatou esse encontro ao embaixador James Dunn: “Seguindo-se à visita de cortesia que Lucas Garcez fez a você
na tarde de segunda, 29 de agosto, eu fui convidado a dar uma passada em seu apartamento no Hotel Serrador, naquela
mesma noite, por volta das 22:30”. Como registrou Tota (2014), esse hotel, localizado na Cinelândia, era frequentado pela
elite política brasileira. Segundo Friele, Garcez estava muito contente com a conversa que teve com o embaixador norte-
americano e queria falar um pouco mais: “Quando eu cheguei ao Serrador, o Dr. Garcez estava sozinho em seu apartamento.
Depois se reuniu a nós Renato Costa Lima, que foi secretário de Agricultura quando Garcez foi governador do estado de
São Paulo. Costa Lima é meu amigo (close personal friend of mine) e um dos homens em quem Garcez mais confia”. De
acordo com Tota (2014), Costa Lima também era associado à IBEC, empresa de Nelson Rockefeller. Juscelino Kubitschek
também compareceu àquele encontro, chegando no quarto de hotel às 23:30. O objetivo de sua visita era reforçar tudo o que
já havia sido dito por Garcez a James Dunn. Kubitschek enfatizou os seguintes pontos, elencados por Friele: “1. Se eleito, e
ele parece não ter dúvida de que a sua política será de cooperação com os Estados Unidos, incluindo esforços para acabar
(stamp out) com atividades inspiradas por comunistas e antiamericanas no Brasil. 2. Ele está angustiado e irritado com
referências recentes em certos jornais que o acusam de ter assumido compromissos com os comunistas. Ele disse que
sempre foi um católico devoto e ninguém poderia ser mais anticomunista do que ele. 3. De acordo com o Dr. Kubitschek, os
comunistas decidiram apoiá-lo por uma única razão, que é o fato de não terem candidatura própria e considerá-lo menos
censurável que os outros candidatos. 4. Kubitschek ignora a existência de qualquer acordo que possa ter existido entre o
PTB e os comunistas em São Paulo. (…) 5. Kubitschek me assegurou que não compartilha as opiniões de Getúlio Vargas
com relação ao capital estrangeiro, que em sua opinião é indispensável para o desenvolvimento dos recursos brasileiros. Ele
deixou claro que imediatamente adotaria medidas para restaurar a confiança dos investidores estrangeiros e reformar as leis
que estão prejudicando o capital privado – estrangeiro ou doméstico. Ele fez referência especial ao problema do petróleo, o
qual ele espera resolver. 6. (…) Ele disse que seu primeiro ato como presidente eleito será visitar os Estados Unidos. 7.
Kubitschek confirmou a designação de Lucas Garcez como seu representante (liaison) em matérias referentes aos Estados
Unidos. Garcez no momento está reunindo materiais sobre as relações EUA-Brasil. Garcez foi instruído em minha presença
a planejar um programa para discussão em Washington. Ele me pediu para ajudar a aconselhar Garcez na preparação de sua
viagem. Um dos conselheiros financeiros de Kubitschek será Walter Moreira Salles. 8. Com a ajuda de Garcez eu consegui
impressionar Kubitschek sobre a importância de uma abordagem realista. Kubitschek está ciente das deficiências brasileiras
e do fato de que é preciso dar para receber (there must be give and take)” (Memorando, 31/08/1955).
340

início de outubro. E observou: “Isso eu estarei feliz em fazer em caráter estritamente pessoal, sem
nenhum status oficial, na esperança de ser útil a ele e a nosso governo durante o período crítico que
temos pela frente” (This I shall be happy to do entirely on a personal basis and without official status
in the hope of being useful to him and our Government during the critical period ahead). Ele, muito
provavelmente, se referia às eleições presidenciais que ocorreriam em outubro de 1955 (Carta,
26/08/1955)538.
Caberia perguntar: como Friele conseguia fazer distinção entre os interesses do governo norte-
americano e os das empresas nas quais ele atuava? Ou essa distinção não existia? E como os brasileiros
que se relacionavam com ele, políticos ou empresários, separavam o emissário da agência de
cooperação governamental do representante dos negócios de Nelson Rockefeller? 539 Juscelino
Kubitschek, por exemplo: enquanto foi governador de Minas Gerais, trabalhou com Berent Friele como
representante da AIA/IBEC. Durante sua candidatura à presidência, se encontrou com um Friele que
deixava de ser representante da ICA/FOA, mas permanecia auxiliando o embaixador James Dunn
durante o período eleitoral, servindo em caráter pessoal aos interesses do governo dos Estados Unidos.
Eleito presidente, JK foi recebido em Nova York por Nelson Rockefeller e Friele, já oficialmente
desvinculados do governo Eisenhower. Poucos meses depois, em abril de 1956, nos primeiros meses da
gestão JK, Friele viria ao Brasil na companhia de Nelson e seu irmão David Rockefeller, em negócios

538 Essas movimentações de Friele devem ser analisadas em conjunto com as preocupações e estratégias consideradas
pelos representantes do governo norte-americano com relação ao Brasil apresentadas no capítulo 1.
539 Entre a documentação referente ao período em que Friele atuou como consultor da FOA/ICA no Brasil, há uma lista –
sem data – de convidados para um jantar oferecido por Friele e sua esposa, que ilustra a interpenetração desses círculos de
relacionamento: Embaixador e Sra. James Clement Dunn, Sr. e Sra. William Trimble [da embaixada EUA], Sr. e Sra. Robert
Terrill [da embaixada EUA], Marechal Eurico Gaspar Dutra, Magnífico Reitor [da Universidade do Brasil] Dr. Pedro
Calmon, Embaixador Francisco D’Alamo Lousada e Sra., Embaixador Walter Moreira Salles, Professor Santiago Dantas,
Dr. Carlos Luz e Sra., Lucas Nogueira Garcez e Sra., Augusto Frederico Schmidt e Sra., Francisco Bocaiuva Catão
[presidente da Metalúrgica Forjaço], Deputado José Magalhães Pinto e Sra., Deputado Ranieri Mazzili e Sra., Dr.
Austregésilo de Athayde e Sra., Ministro [Plenipotenciário da Noruega no Brasil] Nils Anton Jorgensen e Sra., Sr. Erling
Lorentzen [empresário] e Sra., Dr. Joaquim Monteiro de Carvalho [empresário] e Sra., Deputado João Pacheco e Chaves e
Sra., Sr. Henrique de Botton [grupo Mesbla] e Sra., Sr. Luiz Simões Lopes e Sra., Sr. e Sra. Ted Keener, Sr. Luiz Lasaigne
[La Saigne, grupo Mesbla], Deputado Gustavo Capanema e Sra; Senador Apolonio Sales e Sra., Senador Assis
Chateaubriand, Deputado Horácio Lafer, Sr. João Dutra e Sra. (Lista de convidados, 1955).
341

privados540. Mas seriam, é claro, recebidos pelo presidente da república 541. Evidentemente, respondendo
à pergunta do início do parágrafo, era muito difícil que não houvesse alguma confusão entre as
fronteiras dos interesses públicos e pessoais para Friele, assim como para Nelson Rockefeller.
Seu irmão, David, de perfil mais discreto, não ocupou cargos públicos, mas também teve
atuação política, embora não tenha assumido nenhum cargo no governo. E, do mesmo modo que

540 “Chegaram, ontem à tarde, ao Rio, viajando num avião da Panair, os srs. Nelson e David Rockefeller. (…) chegaram
bem dispostos e comunicativos, abraçando efusivamente os amigos que os esperavam no Galeão. Falando à reportagem, o
senhor Nelson Rockefeller esclareceu que o objetivo de sua viagem ao Brasil poderia ser resumido numa tomada de contato
com as empresas subsidiárias da International Basic Economy Corporation (da qual é presidente), ou seja: Sementes
Agroceres S.A., Empresa de Mecanização Agrícola S.A. e Cargill Agrícola e Comercial S.A., além de rever velhos amigos
brasileiros. (…) Acompanhando os irmãos Rockefeller, viajaram no mesmo avião, Berent Friele, um dos diretores das
empresas de Rockefeller no Brasil (…) e Fred Johnson, que é um dos auxiliares de Rockefeller na Venezuela” ( Correio da
Manhã, 05/04/1956). Durante essa visita, Nelson Rockefeller anunciou planos para organização de uma rede de
supermercados no Brasil, segundo o jornal Correio da Manhã (14/04/1956): “(…) A companhia de gêneros alimentícios a
ser formada disporá de produção, transporte e distribuição próprios. Isto terá considerável importância no seu
funcionamento. Essa experiência, diga-se de passagem, já foi iniciada com êxito, pelo mesmo Nelson Rockefeller, em
diversos países da América Latina e provavelmente se estenderá a outros. (…) Nelson Rockefeller está entusiasmado com
seus próprios planos (…). Esse americano alto e simpático tem grandes esperanças nos supermercados. Quais as suas
vantagens? Podem ser assim apontadas: a) Facilitam às donas de casa a aquisição de mercadorias em excelente estado de
conservação, concentrando em um único local os produtos a serem vendidos. b) Asseguram ao produtor o escoamento de
sua safra, através da criação de um mercado estável e em face de necessidades sempre crescentes; c) O produtor terá a
garantia do pagamento imediato e de colocação segura de suas colheitas e produção; d) Baixam os preços dos gêneros não
só pelas facilidades mencionadas, como pela concorrência; f) Eliminam grande número de intermediários, os quais, pela
interferência, encarecem a mercadoria (…)”.
541 “Juscelino estava no terceiro mês de governo quando Nelson chegou pela oitava vez ao Brasil. O presidente
conferenciou longamente com o norte-americano, no Rio de Janeiro. Logo depois Rockefeller declarou: ‘Acredito no novo
presidente e em seu plano de governo, que, se for levado a cabo, sem dúvida representará mais um importante incremento
ao progresso deste grande país latino-americano’. (…) Juscelino, quando governador de Minas, deu continuidade, com
bastante entusiasmo, ao programa de extensão agrícola da ACAR, a Associação de Crédito e Assistência Rural. Presidente,
encomendou aos funcionários de Nelson um plano de extensão rural para todo o território nacional, dando origem à
ABCAR, a Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural, oficializada com a visita de Rockefeller em 1956. Nelson e
JK eram o retrato da moderna aliança interamericana. A elite brasileira aplaudia e incentivava as iniciativas do americano.
Na época, Assis Chateaubriand escreveu um editorial que pode ser lido como uma síntese do sentido da relação de Nelson
Rockefeller com o Brasil; mais precisamente, com a nossa intelligentsia, que, a essa altura, abandonava o modelo europeu,
em especial o francês, cuja língua e cultura eram tidas até então como representantes da verdadeira ‘missão civilizadora e
emancipadora’. (…) O recado que Chatô retransmitiu a seus leitores e adeptos estava em sintonia com a análise de que a
maneira antiga de as metrópoles dominarem a “periferia” desaparecera; a elite local deveria abrir os olhos, educar-se, para
produzir o progresso nas periferias, começando pelo campo, pela agricultura e, por capilaridade, passar a outros segmentos
da sociedade. Nada de nacionalismos imprevidentes e irresponsáveis, como eram rotulados os últimos dias de Vargas”
(TOTA, 2014). De acordo com Moniz Bandeira (1978, p. 391-393), o governo JK “representava a burguesia cosmopolita do
Brasil, interessada na industrialização a qualquer preço. O retraimento inicial dos Estados Unidos e, mesmo, sua oposição
ao Programa de Metas não impedia o fluxo de capitais privados. O sistema econômico brasileiro funcionava de forma a
atraí-los. (…) O processo de nacionalização da produção (a produção dentro do país) acelerou, no entanto, a
desnacionalização da indústria, a transferência dos centros de decisão para fora do país. Os capitalistas nacionais, a fim de
gozarem das mesmas vantagens que os estrangeiros, a eles se associavam. E assim se ampliava a faixa de poder dos
gerentes americanos (…) na economia e, consequentemente, na condução da política brasileira. É verdade que o Brasil
também recebeu da Europa importante volume de capitais. (…) Mas o rush dos capitais europeus, os alemães liderando, foi
igualmente um dos fatores que impeliram os Estados Unidos a incrementar os investimentos na indústria brasileira, a partir
de 1956, para manterem e consolidarem a sua hegemonia. (…) Os interesses privados dos Estados Unidos espalhavam-se,
342

Nelson, tinha os olhos voltados para os vizinhos do sul. Trabalhando no Chase Bank 542 a partir de 1946,
depois de ter servido ao exército norte-americano durante a Segunda Guerra 543, no final de 1947 ele
pediu para ser transferido para a seção da América Latina do Departamento de Negócios Estrangeiros
do banco:

A América Latina tornara-se uma região mais importante para o Chase, e meu
crescente interesse em seus negócios, sua cultura e sua arte havia crescido. Durante
uma segunda lua-de-mel depois de voltar da guerra, Peggy e eu viajamos por grande
parte do México e ficamos fascinados com a impressionante cultura pré-Conquista do

no Brasil, por numerosos setores de atividades, tais como bancos, companhias de investimentos, seguros, comunicações,
empresas imobiliárias, hotéis, cinemas, publicações, publicidade e agropecuária. Mas apenas nove ramos da indústria
(automobilística, distribuição de petróleo, vidros, cimento, energia elétrica, artefatos de borracha, produtos alimentícios e
farmacêuticos) absorviam ¾ dos capitais americanos (…) aplicados no Brasil”.
542 De acordo com David Rockefeller (2003, p. 135-137), embora o Chase fosse com frequência chamado de “banco
familiar” dos Rockefeller, ninguém da família teve “controle direto sobre o gerenciamento do banco até o final de 1929”,
quando seu tio, Winthrop Aldrich, filho do senador Nelson Aldrich, assumiu a presidência: “Wall Street e a comunidade
bancária americana respeitavam Winthrop, e o Chase prosperou durante os vinte anos de sua administração. Winthrop,
contudo, não fora treinado como banqueiro, e raramente se envolvia nas operações diárias do banco. Ele preferia o papel de
político dos negócios, e acabou sendo um proeminente porta-voz do setor bancário americano”. Em janeiro de 1953,
Winthrop Aldrich seria sucedido na presidência do Chase National Bank por John J. McCloy, advogado que, por mais de
uma década, antes da Segunda Guerra, foi sócio da “firma mais poderosa de Wall Street” (Cravath, Henderson and de
Gersdorff), trabalhando “estreitamente com vários bancos de investimento e grandes corporações”. Em fevereiro de 1947
ele tinha assumido a presidência do Banco Mundial, onde permaneceu por dois anos, até ser nomeado para o Alto
Comissariado Americano para a Alemanha Ocupada: “Trabalhando estreitamente com o chanceler Konrad Adenauer, Jack
[John McCloy] presidiu a criação do Estado da Alemanha Ocidental, seu rearmamento e sua inclusão na Aliança Ocidental.
Sua gestão foi um grande sucesso, e ele voltou aos Estados Unidos em julho de 1952 como uma figura bem conhecida e
muito respeitada” (Id., p. 167). A sucessão de McCloy, no início da década de 1960, seria marcada por uma luta entre David
Rockefeller e George Champion, “um dos banqueiros mais conhecidos e mais profundamente respeitados dos Estados
Unidos”, que duraria 15 anos: “Da perspectiva do conselho [diretor], George era a escolha lógica para CEO. (…) Eu tinha
poucas dúvidas de que a maioria do conselho teria agarrado a oportunidade de nomear George presidente e diretor executivo
se eu estivesse disposto a permanecer em uma posição subordinada. Para falar com franqueza, eu não estava. (…) [Eu]
estava convencido de que, se tivesse responsabilidade exclusiva, [George] (…) conduziria o Chase de tal forma que o
impediria de se tornar uma força séria no sistema bancário internacional. (…) O arranjo de dois CEOs foi a única alternativa
viável. (…)” (Ibid., p. 189-190).
543 Em sua autobiografia, David Rockefeller falou sobre esse período: “Os homens de minha geração referem-se com
frequência a sua experiência no serviço militar como boa ou ruim. Eu tive uma boa guerra. Fiquei confuso e apreensivo no
início, mas logo aprendi a me adaptar e a usar minhas habilidades recém-adquiridas com eficácia para o benefício de meu
país. Agora vejo os anos de guerra como um campo de treinamento inestimável e um lugar de teste para grande parte do que
eu faria mais tarde em minha vida. Entre outras coisas, descobri o valor de formar contatos com pessoas bem situadas
como uma forma de alcançar objetivos concretos. Este seria o início de uma rede que prosseguiria por toda a minha vida.
(…) Logo depois de voltar para casa, aceitei a oferta do meu tio Winthrop Aldrich de trabalhar no Chase. Não foi uma
decisão fácil, porque eu ainda estava muito interessado em trabalhar para o governo ou no setor beneficente. Discuti minhas
alternativas com várias pessoas, inclusive Anna Rosenberg, que achava que o Chase seria um treinamento útil por um ano
ou dois, mas que eu ‘não acharia desafiador o bastante para seguir carreira nele’. Anna estava errada. Na verdade, nos 35
anos seguintes, me dediquei à fascinante e pessoalmente recompensadora vida de banqueiro comercial. Durante aqueles
anos, tive várias oportunidades de servir como funcionário de gabinete ou em postos diplomáticos. Não aceitei nenhuma das
ofertas alternativas, não me arrependo, porque minha carreira no Chase me proporcionou um forte desafio e diferentes
formas, igualmente satisfatórias, de participar de assuntos cívicos e governamentais” (ROCKEFELLER, 2003, p. 133-134,
itálicos meus).
343

país, o período colonial turbulento e o vibrante espírito contemporâneo. Os planos


visionários de Nelson de ajudar o desenvolvimento econômico da América Latina
haviam estimulado minha imaginação. Depois de demitir-se do Departamento de
Estado em agosto de 1945, Nelson criou duas organizações [AIA e IBEC] (…) para
fornecer assistência técnica e capital financeiro para o desenvolvimento econômico e
diversificação da Venezuela e do Brasil. Fiquei tão envolvido por seus planos que pedi
a meu Comitê Curador uma incursão no principal para que eu pudesse investir um
milhão de dólares no IBEC. Por muitos anos, o IBEC foi um dos meus principais
investimentos pessoais. Em 1948 (…) fiz minha primeira viagem de negócios a meu
novo território. Fui às agências do Chase em Porto Rico, Cuba e Panamá, bem como às
operações de financiamento de comércio exterior do banco na Venezuela e no México.
(…) Voltei dessa viagem convencido de que o Chase podia aumentar muito a
abrangência de seus negócios. Relatei minhas observações em um memorando a
Winthrop Aldrich em março de 1948. (…) não havia dúvidas da necessidade de mudar
a forma como fazíamos negócios. Observei no mesmo memorando:
“Inquestionavelmente, as tendências em direção ao nacionalismo e tudo o que isso
acarreta estão aumentando na América Latina. Já passou o tempo em que nossos
vizinhos latinos tolerariam instituições americanas em seu solo sem que estas
estivessem dispostas a participar da economia local. Acredito que é do nosso interesse,
portanto, bem como de outros, que o Chase repense suas políticas com relação à
América Latina em geral (...)”. Para minha grande surpresa, meus superiores me
permitiram experimentar a variedade de serviços que oferecíamos e expandir nossas
operações na América Latina. (…) No final de 1949, as mudanças que introduzimos
nas agências do “sul” começaram a mostrar fortes resultados. (…) Em contraste com
minha experiência na Europa, a equipe de nossas agências no Caribe parecia ansiosa
por adotar novas ideias. Uma delas foi contratar e promover cidadãos dos países em
que operávamos, o que mandou uma importante mensagem à comunidade local sobre
nossa intenção de sermos um parceiro construtivo. Contratar pessoal qualificado local
foi uma política que o Chase começaria a adotar enquanto nos expandíamos
agressivamente em todo o mundo nas décadas seguintes. (…) Dois anos depois de me
unir à seção da América Latina e ajudar a melhorar nossos resultados caribenhos, fui
promovido a vice-presidente e assumi a responsabilidade por todas as nossas
atividades na América Latina. Com a maior rapidez que pude, embarquei em uma
viagem de seis semanas aos principais países da América do Sul para avaliar o
potencial que existiria para expandir os negócios. (…) A viagem de 1950 foi de muitas
formas um divisor de águas na minha vida. Eu via que o banco podia ser um
empreendimento verdadeiramente criativo – criativo no sentido que meu velho
professor Joseph Schumpeter544 definia o termo – e que a América Latina era o lugar
544 Em suas memórias, David Rockefeller relata que, concluindo sua graduação em Harvard, decidiu continuar naquela
universidade por mais um ano para fazer seu mestrado e começar seu estudo de economia com Joseph A. Schumpeter, “o
famoso economista austríaco”: “Após aquele ano, meu plano era frequentar a London School of Economics e em seguida
concluir meus estudos na Universidade de Chicago, de forma que eu adquirisse a formação mais ampla possível. O período
passado nas três universidades me daria a oportunidade de trabalhar com muitos dos maiores economistas do mundo. (…)
Comecei meu mestrado na época em que as ideias controversas de John Maynard Keynes, sobre a intervenção do Estado
para estimular a atividade econômica, provocavam um debate explosivo no meio profissional e em esferas mais amplas. Fui
mais influenciado naquele ano por Joseph A. Schumpeter. (…) [Ele] chegou em Harvard em 1932 e estava no meio da casa
dos cinquenta quando o conheci no outono de 1936. (…) em meados dos anos 1930 ele era um dos principais defensores da
tradição econômica neoclássica. (…) Depois de concluir meu primeiro ano de mestrado, decidi seguir para a London School
of Economics and Political Science [LSE] (…). Os economistas da LSE eram muito mais conservadores do que o resto da
faculdade. Na verdade, seus economistas compreendiam o principal centro de oposição na Inglaterra a Keynes e sua escola
de economia intervencionista de Cambridge. Meu orientador naquele ano foi Friedrich von Hayek (…). Hayek estava no
final dos trinta anos quando o conheci. Inquestionavelmente brilhante, ele carecia da centelha e do carisma de Schumpeter.
344

onde o desenvolvimento econômico poderia dar resultados espetaculares. (…) Aprendi,


depois de um breve conhecimento da América Latina, que o crescimento econômico
estava atrasado devido à falta de crédito de médio e longo prazo para financiamento de
capital de contrapartida. Embora houvesse algumas financeras que canalizavam os
fundos privados em novos empreendimentos, os bancos mercantis ou de investimento,
como os que são encontrados em profusão na Europa e nos Estados Unidos,
simplesmente não existiam. (…) Era uma área de verdadeira frustração para
empresários latino-americanos que queriam expandir e diversificar seus negócios, mas
careciam de recursos de capital para tanto. Aqui estava uma brilhante oportunidade
para o Chase (…). (…) criamos uma nova subsidiária chamada Interamericana de
Financiamento e Investimentos S.A., como uma joint venture com o IBEC, para
subscrever e distribuir papeis comerciais no Brasil. Recrutei 14 de nossos bancos
correspondentes no Brasil para se unir a nós como acionistas, e lançamos a nova
empresa no início de 1952 (ROCKEFELLER, 2003, p. 141-148).

O surgimento da Interamericana foi assim anunciado na revista O Observador Econômico


Financeiro:

Acha-se constituída e em pleno funcionamento a Interamericana de Financiamento e


Investimento S.A, empreendimento cujo propósito é o de promover a participação
pública em sociedades anônimas cuidadosamente selecionadas e cujas atividades sejam
fundamentais para o crescimento e o desenvolvimento da indústria e do comércio do
Brasil. Trata-se da iniciativa de um grupo financeiro constituído de destacados
elementos do Brasil e dos Estados Unidos, com um capital inicial de 50 milhões de
cruzeiros, 48% dos quais foram fornecidos por doze bancos brasileiros e os 52%
restantes supridos pelo Chase Bank e pela International Basic Economy Corporation
[IBEC]. Os doze bancos brasileiros que participam do grupo são os seguintes: Banco
Boavista, Banco do Comércio e Indústria de São Paulo, Banco Moreira Sales, Banco
Português do Brasil, Banco Brasileiro para a América do Sul, Banco Comercial do
Estado de São Paulo, Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais, Banco Cruzeiro do
Sul de São Paulo, Banco Mercantil de Niteroi, Banco Nacional do Comércio de São
Paulo, Banco da Província do Rio Grande do Sul e Banco Sul Americano do Brasil.
(…) De acordo com o prospecto, os serviços da nova companhia incluem assistência
na organização de novas firmas, com o fornecimento de capital através da venda de
Era um professor monótono, muito germânico e metódico. (…) Todavia, eu descobri que estava de pleno acordo com sua
filosofia econômica básica. Pessoalmente, era um homem muito gentil que eu respeitava muito. (…) Depois de um ano em
Londres, fiquei ansioso por voltar aos Estados Unidos para concluir meu doutorado na Universidade de Chicago, que se
gabava de ter os maiores economistas do mundo, inclusive luminares como Frank Knight, Jacob Viner, George Stigler,
Henry Schultz e Paul Douglas. (…) O fato de que meu avô tinha ajudado a fundar a universidade teve um papel secundário
em minha escolha. (…) A “escola de economia” de Chicago granjeou muita fama e notoriedade nos últimos cinquenta anos
por sua firme defesa do mercado e forte apoio ao monetarismo. Essas ideias estavam intimamente associadas a Milton
Friedman (…). Embora Friedman tenha mais tarde se associado aos professores Knight e Viner na cadeira de economia, não
tenho dúvida de que eles teriam resistido à classificação de membros da Escola de Chicago no sentido estreito dado
atualmente ao termo. Eles favoreciam a ‘mão invisível do mercado’ em detrimento da intervenção do governo como a
melhor maneira de sustentar o crescimento econômico, mas acredito que teriam se objetado ao desdenhoso repúdio de
Friedman à responsabilidade social corporativa” (ROCKEFELLER, 2003, p. 84-97).
345

títulos, assim como a distribuição de ações de companhias já estabelecidas que


requeiram capital adicional. (…)545

Em junho de 1952, junto à informação de que o ministro da Fazenda, Horácio Lafer, tinha
assinado a carta-patente através da qual o governo brasileiro autorizava a formação da Interamericana
de Financiamento e Investimentos S.A., eram divulgados os nomes dos membros da junta de diretores
da empresa (Ernesto G. Fontes, do Banco Português, Theodoro Quartim Barbosa, do Banco Comércio e
Indústria de São Paulo546, Barão de Saavedra, do Banco Boavista547, Eduardo da Silva Ramos, do Banco
Moreira Salles, Charles Emmett Waddell, da Anderson Clayton 548, e George E. Devendorf), de seu

545 Segundo o relato de David Rockefeller, a Interamericana “foi lucrativa durante seus dois primeiros anos de
funcionamento, mas depois caiu em um período de estagnação, quando a economia brasileira entrou em recessão”: “Jamais
conseguimos recuperar nosso impulso inicial. Houve pressão de dentro de nossa sede para cortar os custos e, apesar de meus
apelos para corrigirmos o problema e esperarmos por dias melhores, eu perdi a luta. Em 1956, o Chase vendeu sua
participação na Interamericana ao IBEC. Em retrospecto, não tenho dúvidas de que o conceito por trás da Interamericana
era bom, e nossos sócios brasileiros estavam entre os mais fortes bancos do país. Infelizmente, poucos no Chase tinham
interesse ou simpatia pela ideia. (…) Ironicamente, depois que o Chase desistiu da Interamericana, o IBEC a converteu em
um fundo mútuo, o Fundo Crescinco, o primeiro desse gênero na América Latina. A maioria de nossos sócios brasileiros
transferiu seus investimentos para a nova empresa, o que se mostrou enormemente lucrativo e ainda existe hoje em dia.
Muitos de nossos sócios originais brasileiros também criaram seus próprios bancos de investimento, uma indicação a mais
da validade de nosso conceito original. Infelizmente, o Chase mostrara inépcia com uma grande oportunidade. (…) Minha
introdução ao sistema bancário internacional foi agitada, repleta de vários sucessos e alguns fracassos. Mas seria necessária
mais uma década para que minhas preocupações com a expansão internacional e um gerenciamento e estrutura
organizacional mais sofisticados começassem a ser aceitas” (ROCKEFELLER, 2003, p. 148-149). Quando se tornou CEO
do Chase, na década de 1960, David Rockefeller se concentrou na internacionalização do banco. Ele acreditava que o outro
CEO do Chase, George Champion, teria continuado se opondo a seus esforços de ampliação dos negócios externos do
banco por toda a década de 1960, caso não tivessem ocorrido “duas mudanças fundamentais no ambiente global dos bancos
que literalmente obrigaram o Chase a subir no palco internacional”: a primeira envolveu “o custo e a disponibilidade de
fundos – o sangue vital do sistema bancário”; a segunda, “a expansão das maiores empresas do mundo para além de suas
fronteiras nacionais”. Como registra Rockefeller, “a competição entre bancos americanos e estrangeiros por esse novo ramo
multinacional foi intensa. Se o Chase queria manter sua posição de liderança em casa, tinha de competir no exterior pelos
negócios de corporações estrangeiras, mesmo que isso alienasse nossos bancos correspondentes no exterior, como previu a
velha guarda. (…) Estabelecer contato com os principais empresários e funcionários do governo nos países onde
desejávamos negociar era condição sine qua non para o Chase ter uma presença internacional efetiva. E isso significa que
minhas viagens ao exterior assumiram uma importância maior. Durante meus 35 anos no Chase, visitei 103 países; (…)
Também me reuni com mais de duzentos chefes de Estado e de governo, muitos dos quais passei a conhecer pessoalmente.
(…) Alguns observadores da época criticaram minhas inúmeras viagens (…). Eles não estavam entendendo nada. O motivo
para essas viagens era gerar negócios para o banco, e desde o início elas produziram importantes ligações com líderes
empresariais e políticos na Europa, América Latina, Oriente Médio, Ásia e África que eram essenciais para a expansão do
banco” (Id., p. 211-214, itálicos do autor).
546 Segundo Paulo Egydio Martins – ministro da Indústria e Comércio do governo Castello Branco (1966-1967),
governador de São Paulo indicado por Ernesto Geisel (1975-1979) –, Quartim Barbosa era, no início da década de 1960, “o
banqueiro mais representativo do Brasil”. O banco que ele presidia (Banco Comércio e Indústria do Estado de São Paulo),
“foi o banco da cafeicultura paulista” e sua “carta de funcionamento foi assinada por D. Pedro II” (MARTINS, 2007).
Conforme Tota (2014), Theodoro Quartim Barbosa era “íntimo associado de Nelson [Rockefeller]”.
547 Fundado por Guilherme Guinle, começou a funcionar em 1924.
548 A Anderson, Clayton and Company, fundada em 1904, nos Estados Unidos, por Frank E. Anderson, Monroe D.
Anderson e William Lockhart Clayton, era a maior exportadora mundial de algodão e outros produtos agrícolas. Ainda
assim, como observou um artigo do North American Congress on Latina America (NACLA, 1973), a empresa era pouco
346

diretor gerente (Elmer Granville Burland, que acabava de deixar a função de consultor financeiro do
Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) e de seu gerente-geral, George de Poncet
Washburne (O Jornal, 24/06/1952). Em 1954, Washburne foi eleito diretor-superintendente da
Interamericana e Richard Steere Aldrich Junior assumiu o cargo de diretor gerente 549 (Diário Oficial da
União, 23/06/1954).
Richard S. Aldrich Jr., primo em primeiro grau de Nelson e David Rockefeller, era vice-
presidente da IBEC e assumiu a liderança da companhia no Brasil na metade da década de 1950.
Elizabeth Cobbs, que entrevistou Aldrich, relata que ele afirma ter trabalhado para a CIA em alguns
momentos de sua carreira, mas não em operações realizadas no Brasil. Essa informação também foi
mencionada por Nelson Rockefeller na década de 1970, quando inquirido pelo Congresso norte-
americano, no processo de aprovação de seu nome para assumir da vice-presidência dos Estados
Unidos (COBBS, 1992, p. 175).
Aldrich (1923-1997), quinze anos mais jovem que seu primo Nelson (1908-1979) e oito anos
mais jovem que seu outro primo David (1915-2017), era filho do irmão de Abby, mãe dos irmãos
Nelson e David. Aldrich graduou-se em Yale em 1949, logo após voltar do palco europeu da guerra
(Obituário, 10/06/1997). Uma série de cartas trocadas entre Nelson Rockefeller e Aldrich – em que os
primos não escrevem a sigla CIA, referindo-se a ela como “organização” – indicam que este último
enviou um formulário para candidatar-se a trabalhar na agência, tendo sido recrutado provavelmente
durante seu período em Yale. Em uma das correspondências, Nelson revela que seu irmão David estava
intermediando a contratação de Aldrich pela CIA: “Brother Dave (…) é muito próximo (very close) à
organização. Ele está lidando com o assunto nas altas hierarquias [da CIA] através de um amigo
pessoal” (Brother Dave (...) is very close to the organization and is handling the inquiry at a high level
through a close personal friend) (Carta, Nelson para Aldrich, 20/11/1950). Meses depois, Aldrich
escreveu a Nelson: “Esta é a primeira vez que tenho tempo de sentar e escrever uma carta desde que
deixei a IBEC e me integrei à nova organização. Com a chegada de Tom Braden eu quase não sinto que
estive afastado” (with the arrival of Tom Braden, I hardly feel as if I had really left). Aldrich informou
que não iria servir à CIA no Brasil, embora não tenha especificado exatamente em qual país ele
cumpriria suas funções na agência (Carta, Aldrich para Nelson Rockefeller, 03/05/1951). Tom Braden
havia sido “um dos mais arrojados dirigentes do OSS” e foi recrutado por Allen W. Dulles logo que
este último ingressou na CIA como subdiretor de operações, em dezembro de 1950 (SAUNDERS,

conhecida pelo público (is little known to anyone outside the pages of the financial press).
549 Berent Friele participou dessa assembleia da Interamericana, representando a IBEC.
347

2008, p. 113). Assim, a carta de Aldrich de maio de 1951 sugere que ele havia servido na OSS durante
a guerra. Dias depois, Nelson respondeu a seu primo: “eu sei que Frank [provavelmente Frank Wisner]
espera você assim que você se familiarizar com seu trabalho básico” (Carta, Nelson Rockefeller para
Aldrich, 24/05/1951). Saunders (2008, p. 163) fornece mais detalhes sobre a relação de David
Rockefeller com a CIA, a partir de entrevista com Tom Braden:

Tão importantes quanto Nelson Rockefeller foi seu irmão, David. Ele controlava o
comitê de donativos da Fundação Chase Manhattan Bank, foi vice-presidente e depois
presidente do próprio banco, membro do Conselho de Relações Exteriores [CFR],
diretor do Comitê Executivo da Casa Internacional [International House] e amigo
pessoal e íntimo de Allen Dulles e Tom Braden. “Era frequente eu informar David,
semi-oficialmente e com a permissão de Allen, sobre o que estávamos fazendo”,
recordou Braden. “Ele era da mesma opinião que nós, e aprovava tudo que fazíamos.
Tinha o mesmo sentimento que eu de que a maneira de vencer a Guerra Fria era a
nossa maneira. Às vezes, David me dava dinheiro para fazermos coisas que não
estavam em nosso orçamento. Deu-me muito dinheiro para causas na França. Lembro-
me de que me deu 50 mil dólares para alguém que militava na promoção de uma
Europa unida entre grupos de jovens europeus. Esse sujeito me procurou com esse
projeto, e o relatei a David, e David simplesmente me deu o cheque de 50 mil dólares.
A CIA nunca entrou nessa equação”. Essas transações freelance deram um novo
sentido à pirataria governamental, e foram um subproduto inevitável da
semiprivatização da política externa norte-americana durante esses anos da Guerra Fria
(Grifo no original).

O nome de Aldrich voltará a ser mencionado no capítulo 9. Por ora, analisaremos apenas a
possibilidade de que George Washburne, que permaneceu à frente da Interamericana até 1957
(WORLD BANK, 1965, p. 13), mantivesse algum tipo de relação com os mais destacados
anticomunistas brasileiros.
Retomando o dossiê da Divisão de Polícia Política e Social (DPS) do Departamento Federal de
Segurança Pública (DFSP) sobre Wladimir Lodygensky, recordemos que foram reportadas ligações
desse indivíduo com o “Centro Brasileiro da Europa Livre, dirigido pelo Sr. Spitzman Jordan”. Este,
segundo a DPS, teria “um sócio nos EUA” que seria o responsável por “entrar com o dinheiro” e
garantir o financiamento que lhe faria “o Banco do Sr. Walter Moreira Salles”. Outra pessoa ligada a
esse grupo seria “Elmer Gamber Willer, americano e investidor” (indivíduo não identificado, poderia
ser Elmer Granville Burland, diretor da Interamericana): “Também Wladimir Lodygensky está ligado a
348

Georges Walshburn [George Washburne], investidor norte-americano e fundador da Empresa


Interamericana de Financiamentos S. A”.
Considerando que o dossiê também relaciona Lodygensky com Odette de Carvalho e Souza
(relação de existência comprovada, desde a década de 1930) e Raul Fernandes 550, o possível contato
dele com Washburne e outros associados da família Rockefeller não é uma suposição absurda. Além
disso, é importante recordar que o Centro Brasileiro da Europa Livre reunia não apenas exilados do
leste europeu – como o enteado romeno de Raul Fernandes, Edward Ressel, o militar polonês Stanislaw
Kara, o empresário polonês Spitzman Jordan, o húngaro Nicholas Horthy – mas também
personalidades brasileiras, como João Neves da Fontoura, Assis Chateaubriand e Roberto Marinho 551.
Neves da Fontoura era amigo de João Daudt d’Oliveira, que sempre manteve relações cordiais com
Nelson Rockefeller552. Assis Chateaubriand também mantinha contato com Nelson e com Berent Friele.
E não há dúvidas de que todas essas pessoas eram anticomunistas.
Em resumo, existe, de fato, a possibilidade de que os associados de Nelson e David Rockefeller
tenham, na década de 1950, colaborado com o Centro Brasileiro da Europa Livre, assim como com
outras organizações ou redes anticomunistas, como afirma o dossiê da DPS. Mas o que teria resultado
dessa colaboração, quais ações teriam sido apoiadas, ainda não foi devidamente esclarecido. Algumas

550 “(…) pontificado atualmente [1958] em ligação com SS do Ministério das Relações Exteriores, através de antigos
cooperadores do ministro Vicente Rau [Rao] e Raul Fernandes, íntimo colaborador de D. Odete de Carvalho e embaixador
Barbosa Lima. (…)” (Dossiê “Wladimir Lodygensky”, DPS, 1966).
551 Um memorando de Bernard Yarrow, vice-presidente do Free Europe Committee, identifica os “principais contatos” do
comitê no Brasil: “Dom Helder Câmara, coadjutor do arcebispo do Rio de Janeiro; Coronel Danilo da Cunha Nunes, ex-
chefe de polícia e deputado estadual, o coronel é um expert em atividades subversivas [a ser apresentado no próximo
capítulo]; Wladimir Lodygensky, anteriormente de nacionalidade suíça, hoje um cidadão russo e um rico industrial no
Brasil; Janos Lengyel, jornalista nascido na Hungria, correspondente do Correio da Manhã e de jornais americanos; Paulino
Ronay, escritor e professor nascido na Hungria com uma grande reputação entre intelectuais brasileiros; Kristof Kallay,
representante do Comitê Húngaro; Roberto Marinho, proprietário e diretor-geral de O Globo; sr. Spitzman Jordan,
presidente do Centro Brasileiro de Europa Livre; Miklos Boer, escritor dos editoriais do jornal O Estado de S. Paulo;
Fernando Bueno, procurador-geral do estado de São Paulo; Antônio Carlos Pacheco e Silva [a ser apresentado no último
capítulo], professor da Faculdade de Medicina da USP e dr. Emile Jordan, padre da ordem beneditina de São Paulo
(Memorando, Yarrow para Truitt, 04/05/1961).
552 Segundo a biografia de Daudt, escrita por seu neto, ele e Nelson Rockefeller “costumavam passar os finais de semana
no sítio de João, em Teresópolis” (DAUDT, 2015, p. 171). Sobre a relação de Daudt d’Oliveira com Neves da Fontoura, o
biógrafo afirma: “Nos domingos, toda a família se reunia para lanchar, acompanhados muitas vezes de amigos, como João
Neves e Paulo Hasslocher, também grandes amigos entre si”, mas que viriam a se afastar em certo momento. Conforme
Rodrigo Daudt (p. 225), “os dois tiveram uma briga feia”, mas João não quis se intrometer, e passou a recebê-los em
semanas alternadas. A amizade entre as famílias Daudt e Hasslocher passou por gerações. O pai de Paulo, Germano
Hasslocher, era amigo do tio de João Daudt – que ajudou a criá-lo quando seu pai faleceu ( Id., p. 17). E o filho de Paulo,
Ivan Hasslocher, o homem que esteve à frente do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) entre 1959 e 1963, era
amigo de um dos filhos de João, Felipe Daudt (Essa última informação foi fornecida pela filha de Ivan Hasslocher, em
entrevista ao autor desta tese).
349

pistas podem ser encontradas na apresentação sobre o Brasil que Berent Friele fez ao grupo do Council
on Foreign Relations (CFR)553 sobre “agitação política” na América Latina, em março de 1953554:

A população [brasileira] tem ficado cada vez mais ressentida com relação à inflação e
outros problemas que a vêm afetando, e Vargas tem se tornado consciente da situação
perigosa em que está colocando o país e a si mesmo. Não há nada que o apavore mais
do que o comunismo, mas ao mesmo tempo ele parece estar nas mãos dos comunistas,
e a infiltração em áreas sensíveis é séria. Nosso governo também demonstrou pouca
habilidade para lidar com essa situação. O Partido Comunista foi tornado ilegal no
Brasil, mas seus membros estão trabalhando clandestinamente com certa liberdade. A
propaganda comunista, dirigida especialmente a atingir os Estados Unidos, é efetiva e
provavelmente financiada por recursos externos. Não há perseguição política ou
censura no Brasil. A imprensa e outros canais de informação são completamente livres.
Não seria preciso muito esforço para mudar a opinião pública em nosso favor. Na
verdade, nós estamos envolvidos em uma forma de guerra psicológica. Nosso melhor
amigo no Brasil é o Exército, que é quase totalmente pró-americano. Os líderes
militares estão se tornando cada vez mais críticos de Vargas, e em função disso,
qualquer flerte seu com Perón resultará em fracasso. (…) Nós devemos começar uma
campanha de guerra psicológica. É necessário agir e trabalhar para superar os
comunistas (It takes action as well as works to outsmart the communists). Isso pode ser
alcançado sem desperdício de dinheiro (…) (Digest of Discussion, CFR, 18/03/1953)

De acordo com a ata da reunião do grupo de estudos do CFR, Friele, falando sobre as forças
internas no Brasil, afirmou que Confederação Nacional da Indústria (CNI), tinha a possibilidade de
taxar empregados e empregadores, usando os fundos para fazer propaganda (for outright propaganda
purposes): “Como uma organização política, ela tem uma grande influência e alguns de seus principais

553 Fundado em 1921, o CFR era um “panteão do mundo dos negócios, da política, das finanças, da universidade e da
imprensa norte-americana”, que foi “uma das primeiras e mais significativas tentativas de reunir industriais, banqueiros,
militares e burocratas de Estado, intelectuais e figuras de destaque da mídia num novo formato político e intelectual, que
David Rockefeller chamaria de ‘casamento de cérebros e dinheiro’ e Joseph Kraft denominaria de ‘Escola para Estadistas’.
(…) O propósito do CFR, numa perspectiva de poder internacional, era o de analisar, formular, acompanhar e avaliar
iniciativas e diretrizes estratégicas (privadas ou públicas) indispensáveis para sustentar a crescente projeção do capitalismo
norte-americano” (DREIFUSS, 1986, p. 33-34).
554 Nessa reunião estavam presentes: Spruille Braden, ex-Secretário de Estado adjunto, coordenador do grupo; Charles
Cumberland, Rutgers University; Kenneth Toepfer, Columbia University; Douglas H. Allen, Otis Astoria Corporation; H.
W. Balgooyen, American and Foreign Power Company, Inc.; Percy w. Bidwell, Council on Foreign Relations; Chester R.
Dewey, Grace National Bank; William Diebold Jr., Council on Foreign Relations; Berent Friele, International Basic
Economy Corporation (IBEC); C. H, Haring, Harvard University; John K. Jenney, E. I. du Pont de Nemours and Company;
Benjamin Luitweiler, Hayden, Stone and Company; Noel Sargent, National Association of Manufacturers; William Rylard
Scott, Remington Arms Company; Frank Tannenbaum, Columbia University; Edward Larocque Tinker, autor; Medley G. B
Whelpley, Industrial Development and Management; H. H. Whitman, The National City Bank; Philip D. Wilson, Lehman
Brothers; Bryce Wood, Social Science Research Council; Robert de Forest Boomer, Frederick E. Hasler, Joshua B. Powers e
Arthur P. Whitaker (Digest of Discussion, CFR, 18/03/1953).
350

membros são críticos de Vargas”. Respondendo a uma questão feita por um dos presentes, Friele
opinou que os norte-americanos deveriam “tentar trabalhar com Vargas ao invés de tentar removê-lo”:
“O exército restaurou a democracia através de um golpe, e eles ficariam muito hesitantes em fazer uso
da força uma segunda vez para obter mudanças na presidência”555.
Diante de outra pergunta, sobre quem assumiria o poder caso Vargas fosse “removido”, Friele
respondeu que seria o vice-presidente, Café Filho, por ele considerado suficientemente capaz (fairly
able), embora relativamente desconhecido fora do Brasil. Questionado sobre qual posição a indústria e
o governo norte-americano deveriam adotar em relação ao Brasil, ele afirmou que empréstimos
deveriam ser aprovados: “Contudo, temos que insistir para que o Brasil adote medidas para colocar a
casa em ordem. Mais cedo ou mais tarde, eles precisarão mudar sua legislação sobre o petróleo”. Em
outro momento da reunião, quando o grupo discutia se deveria elaborar um documento (draft
statement) que expressasse uma opinião conjunta sobre a América Latina, foram feitas as seguintes
observações:

O sr. Hasler ressaltou que todos os membros do grupo concordam que o comunismo e
o peronismo são perigosos. O que é desejável é obter informações sobre o que o
governo irá fazer para acabar com essa ameaça dupla (twin menace) aos Estados
Unidos. Alguém de Washington deveria ser convidado para vir ao grupo e discutir esse
problema. O sr. Hasler expressou a opinião de que tal convite não seria negado nem
ignorado. O sr. Balgooyen concordou que o Departamento de Estado não iria ignorar o
grupo se escutasse parte da discussão. O sr. Friele acrescentou que poderia ser útil
convidar também alguém da CIA 556. O sr. Luitweiler opinou que esse procedimento iria
evitar as dificuldades de estabelecer um consenso sobre as conclusões do grupo. O
representante do Departamento de Estado poderia ouvir todas as opiniões e formar a
sua própria (Digest of Discussion, CFR, 18/03/1953).

Não muito tempo depois, em setembro de 1955, enquanto acompanhava as eleições


presidenciais no Brasil, Friele comentou, em carta para Nelson Rockefeller:
555 “(…) Mr. Friele stated that we should try to work with Vargas instead of trying to remove him. The army restored
democracy through a coup, and they would ve very hesitant to use force a second time to obtain a change in the presidency ”
(Itálicos meus). Essa afirmação de Friele é interessante porque sugere que tentativas de “remoção de presidentes” não eram
completamente descartadas pelo grupo e poderiam ser consideradas caso a situação política demandasse tais ações. Por isso,
essa manifestação nos leva a questionar se houve envolvimento de investidores norte-americanos com interesses na América
Latina, dos quais Friele era um dos principais representantes, nas ações golpistas e/ou desestabilizadoras que ocorreram no
Brasil na década de 1950, as quais já foram mencionadas ao longo deste capítulo. Essa pergunta, por enquanto, permanece
sem resposta.
556 Recordando que a família Aldrich-Rockefeller, da qual Friele era um porta-voz, tinha vínculos estreitos com diretores
da CIA.
351

Nós temos boas relações (good contacts) com todos os candidatos [Juarez Távora,
Adhemar de Barros e Juscelino Kubitschek] e eu estou convencido de que a
cooperação norte-americana será bem recebida por qualquer um que estiver no poder
nos próximos cinco anos, período que sem dúvida se mostrará o mais crucial na
história recente do Brasil. De nossa parte, devemos contra-atacar implacavelmente as
atividades e objetivos comunistas que não dão sinais de mudança. Nosso maior
problema é influenciar a opinião pública por todos os meios e métodos à nossa
disposição (by every means and method at our disposal) a fim de que o presidente e o
governo tenham a coragem e a força para seguir uma política que sirva para o bem do
Brasil (to pursue a policy which is to Brazil’s best interest) (Carta, 28/09/1955).

6.3 Articulações anticomunistas transnacionais

Podemos especular que algumas ideias expressas por Berent Friele – que, como vimos,
assessorava o embaixador James Dunn e se movia pelos círculos econômico-financeiros e políticos
brasileiros com bastante desenvoltura – devem ter sido debatidas com esse grupo vinculado ao CBEL,
ou mais especificamente a Lodygensky e/ou Jacy Magalhães e sua rede de relações já descritas no
início deste capítulo. Inclusive, não seria precipitado desconfiar que o projeto apresentado por Jacy
Magalhães, em agosto de 1955, à embaixada norte-americana, de realização de uma “campanha
sistemática” para “desintoxicar” a opinião pública brasileira com relação à política do petróleo,
abordada anteriormente, tenha sido previamente debatida com Friele ou outros representantes dos
investimentos norte-americanos.
Diante do que foi exposto até este momento, fica evidenciado que a ação anticomunista no
Brasil, buscando impedir a organização do movimento operário e popular a partir de uma plataforma
revolucionária, envolveu articulações entre diversos setores sociais, sempre vinculados e apoiados
pelas forças – policiais e militares – da repressão, com influência ou apoio estrangeiro. Fica também
demonstrado que essa ação anticomunista se confunde, em muitos momentos, com uma pauta
antinacionalista, vinculada à defesa e promoção dos interesses do capital estrangeiro, especialmente o
norte-americano.
Com isso, podemos apontar a existência de um grupo bastante heterogêneo de pessoas que
estavam envolvidas em uma luta comum. Elas não participavam todas de uma mesma e única
organização, e provavelmente não concordavam entre si com todos os aspectos dessa cruzada
anticomunista. Mas certamente foram capazes de dialogar e estabelecer relações, tendo em vista os seus
352

objetivos compartilhados. São esses vínculos – de qualidade e duração diversa – que nos fornecem as
pistas que precisam ser exploradas, a fim de desvendarmos quais foram os interesses e atores ocultos
envolvidos na constituição da SEI, do IBAD e do IPES, as organizações que analisaremos nos capítulos
seguintes. Levando em consideração a existência prévia e bem capilarizada dessa rede anticomunista
no Brasil, construída ao longo de várias décadas, colocada à prova em momentos políticos distintos,
conseguiremos compreender melhor como essas três organizações supramencionadas foram capazes de
realizar, com tanta eficiência, o trabalho para o qual foram criadas.
353

PARTE III – O PLANEJAMENTO POSTO EM PRÁTICA: DO GOVERNO


JUSCELINO KUBISTCHEK AO GOVERNO JOÃO GOULART

Como vimos no primeiro capítulo, o início do governo de Juscelino Kubistchek foi marcado por
uma grande aproximação com o governo norte-americano, que acabava de finalizar seu planejamento
para atuação no Brasil. Nesta última parte da tese, analisaremos como os indivíduos e organizações
identificados nos capítulos anteriores atuaram nessa nova conjuntura, buscando esclarecer de que modo
isso influenciou o processo político que, oito anos depois, levaria à derrubada do presidente João
Goulart. Seguiremos, para tanto, os caminhos já traçados por Dreifuss (1987), que descreveu o
estabelecimento, naquele período, de “um novo bloco de poder multinacional e associado”, cuja
“influência sobre a sociedade brasileira e o Estado não foi mero reflexo da supremacia econômica de
que gozava quando do início da década de sessenta, mas o resultado de uma luta política empreendida
pela vanguarda desses novos interesses” (DREIFUSS, 1987, p. 481-482).
354

CAPÍTULO 7: OS PRIMEIROS PASSOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE


OPERAÇÕES CONTRA O COMUNISMO NO BRASIL

Os Estados Unidos devem deliberadamente combater o comunismo, mas nunca passar a


impressão de que é isso que está sendo feito.
- Jefferson Patterson, embaixador dos Estados Unidos em Montevidéu, 1957.

Consideramos que o comunismo e correntes semelhantes devem ser tratados segundo os


métodos aplicados pela moderna medicina em relação às doenças contagiosas: combate ao mal
por todos os meios disponíveis. Mas não basta o combate; urge a defesa prévia de nosso povo
contra essa infecção, reforçando sua constituição moral e cívica.
- Panfleto “Nossos motivos”, Sociedade de Estudos Interamericanos, 1958.

7. 1 Colaboração entre a embaixada norte-americana e o Ministério das Relações Exteriores

O governo dos Estados Unidos buscou, efetivamente, aplicar as políticas previstas em seu
planejamento para a América Latina e, especificamente, para o Brasil, sobretudo na área da repressão
ao comunismo, embora nem sempre tenham conseguido obter resultados com a rapidez esperada. A
documentação consultada indica que o governo Eisenhower (1953-1961) procurou estabelecer alianças
com indivíduos influentes no Brasil, visando consolidar os seus objetivos táticos e estratégicos. Entre
1956 e 1957, os norte-americanos estavam relativamente satisfeitos com a execução de sua política no
Brasil e com a colaboração do governo brasileiro, inclusive do presidente Kubitschek. Neste período,
uma das iniciativas conjuntas empreendidas pelas duas administrações foi o aperfeiçoamento das
estruturas de inteligência do Estado brasileiro. Nessa área, os oficiais norte-americanos contaram com o
apoio das polícias políticas locais e do Ministério de Relações Exteriores do Brasil – com os quais os
representantes de agências governamentais estadunidenses tinham relações próximas desde a década de
1940, conforme visto na parte II desta tese.
Em agosto de 1956, em um memorando sobre a aplicação do programa 1290-d, analisado no
capítulo 1, um assessor do subsecretário de Estado Herbert Hoover Jr. avaliava que, “considerando-se
as atitudes públicas e governamentais, aumentou o trabalho anticomunista das agências responsáveis”
do governo brasileiro. Confirmando a importância dos encontros entre representantes dos governos
norte-americano e brasileiro em janeiro e fevereiro de 1956, o assessor relatou que “a visita de
355

Kubistchek a este país, e o comparecimento de Nixon e Holland à posse do novo presidente” foram
utilizados para “impressionar os oficiais brasileiros sobre a importância que os Estados Unidos
atribuem à tomada efetiva de medidas para controlar as atividades comunistas”. Segue-se quase uma
linha inteira censurada no documento. Mas, logo após a tarja de censura, está escrito que “o presidente
Kubitschek concordou com um programa geral de cooperação nesta área”. Após mais uma linha inteira
censurada, o assessor concluía seu informe afirmando que “nos meses recentes viu-se um progresso
considerável da parte do governo brasileiro em combater as atividades comunistas” (Memorando,
16/08/1956).
Fora dos círculos governamentais, Nelson Rockefeller expressou sua satisfação com o trabalho
que vinha sendo realizado pelo embaixador James C. Dunn. Em uma carta enviada a Sherman Adams,
assessor do presidente Eisenhower, ele opinou: “nosso embaixador, Jimmy Dunn, está fazendo um
trabalho absolutamente excepcional” (an absolutely outstanding job). “Jimmy realmente entende e
genuinamente gosta do povo [brasileiro] e tem uma clara visão sobre os problemas e a importância das
relações entre Brasil e Estados Unidos”. Ele também lamentava que Dunn estivesse prestes a se
aposentar: “sua saída do Brasil seria muito lamentável (most unfortunate) neste momento do ponto de vista das
relações Brasil-Estados Unidos e em termos das várias considerações políticas internas importantes, tais como o
controle das atividades subversivas comunistas para o qual ele tanto tem contribuído (Carta, 28/05/1956,
itálicos meus).
De acordo com uma avaliação feita pelo Operations Coordinating Board (OCB), o Brasil se
demonstrava mais disposto do que outros grandes países da América Latina a colaborar com os Estados
Unidos. O presidente Kubitschek e o MRE eram considerados os atores que mais facilitavam a
consecução dos objetivos políticos previstos nos planos de operações do governo estadunidense 557. A

557 Em um resumo de informações preparadas a partir de relatórios feitos por diversas embaixadas norte-americanas na
América Latina sobre a eficácia do plano estadunidense de combate ao comunismo, o OCB apontava as diferenças de
receptividade dos governos da região em relação ao programa norte-americano. No que se refere ao curso de ação previsto
pelo OCB de garantir “contínua solidariedade dos latino-americanos com os EUA na ONU contra o comunismo”, afirmou-
se que o México “às vezes” apoiava os Estados Unidos “em votações sobre temas comunistas, mas muito mais por questões
políticas internas do que por uma aversão especial contra o comunismo”. Por outro lado, o Itamaraty cooperava “total e
efetivamente com a embaixada na contenção das ações soviéticas na ONU e outras organizações internacionais”, e os
oficiais do MRE com os quais a embaixada norte-americana mantinha “relações de trabalho próximas” estavam “alertas
sobre a ameaça comunista”. Com relação à percepção de que uma possível assistência econômica norte-americana estava
“atrelada à uma efetiva política anticomunista dos governos latino-americanos”, o OCB relatou não ver “motivo para os
Estados Unidos fazerem algo pelo México”, já que o país se recusava “a cooperar em muitas áreas”. Já o governo do Brasil
estava “totalmente consciente sobre o interesse dos Estados Unidos em relação à ameaça comunista e em uma efetiva
política doméstica anticomunista” e havia colocado em prática “várias medidas contra os comunistas”. Relatou-se também
que o adido trabalhista da embaixada do Rio de Janeiro desempenhava suas funções “em íntima colaboração com o governo
brasileiro em planos conjuntos para promover um movimento sindical livre do controle comunista” (Resumo de atividades,
setembro-dezembro 1956).
356

embaixada dos Estados Unidos encontrou no Itamaraty indivíduos predispostos a colaborar em


questões relacionadas ao combate ao comunismo. Oficiais da embaixada norte-americana costumavam
se referir a esses diplomatas como integrantes de um “grupo anticomunista do MRE” 558. Conforme o
registro de uma conversa entre Robert W. Dean, secretário da embaixada dos Estados Unidos, e Mario
Calabria, do MRE, este último teria afirmado: “o nosso grupo foi reforçado pela chegada da
embaixadora Odette de Carvalho e Souza, que é profundamente anticomunista (strongly
anticommunist) e tem acesso direto ao Ministro [Macedo Soares]”. Calabria acreditava que a relação
entre Carvalho e Souza e Macedo Soares seria “utilizada para a causa [anticomunista]”, e confirmou a
disposição de Macedo Soares em levar adiante a aproximação com os Estados Unidos no intercâmbio
de informações sobre o comunismo, destacando que “a embaixadora Carvalho foi convidada a ser a
oficial de ligação com a embaixada dos Estados Unidos e outras embaixadas em conexão com as
sugestões feitas pelo vice-presidente Nixon em sua visita” (Memorando, 04/04/1956, itálicos meus).
No final de 1956, o embaixador Ellis O. Briggs, que substituiu James C. Dunn em julho daquele
ano, demonstrou uma relativa insatisfação com os resultados do programa 1290-d, referente ao
“desenvolvimento de forças policiais”. Briggs destacava que, “do ponto de vista da subversão
comunista”, não haviam ocorrido mudanças em relação à segurança interna do Brasil ao longo do
primeiro ano de execução do programa. O embaixador ressaltou que as conclusões das análises do
OCB sobre a segurança interna no Brasil permaneciam válidas. Porém, enfatizou a necessidade de
reconhecer que a análise da conjuntura política brasileira não poderia ser tão otimista, levando-se em
consideração “a contribuição deles [dos comunistas] para o desenvolvimento de um sentimento
nacionalista extremo quanto ao tema da proteção da soberania brasileira em relação a seus recursos
naturais contra a exploração ou violação estrangeira”. “Esta campanha”, continuou Briggs, “em que os
Estados Unidos é o alvo número 1, tem criado sérios obstáculos para nossa cooperação com o Brasil”, e
o governo Kubitschek “não tem demonstrado real disposição de tomar uma atitude firme contra as
tendências ultranacionalistas; ao contrário, tem seguido um curso fraco e vacilante” (Despacho
diplomático, 26/12/1956). Quase uma página inteira desse documento está censurada. Mas as
informações que se seguem a essa parte são particularmente reveladoras sobre o cumprimento de uma
das principais metas da política norte-americana no Brasil:
558 Em um telegrama, o embaixador Briggs, referindo-se a Odette de Carvalho e Souza, afirmou que ela estava “à frente de
um grupo anticomuna (anti-commie) dentro do governo” (Telegrama n. 897, 15/01/1958). A embaixadora era considerada
por seus colegas como “a anticomunista número 2 no Brasil, atrás apenas do almirante Pena Botto”, de acordo com a
caracterização apresentada pelos embaixadores Henrique Freitas de Valle e Maury Gurgel Valente – que também podem ser
considerados integrantes do “grupo anticomunista do MRE” – em conversa com Ernest V. Siracusa, do Office of South
American Affairs do Departamento de Estado (Memorando, 17/01/1958).
357

Um programa [uma palavra censurada]559 iniciado pela embaixada ao longo deste ano,
que tem uma conexão direta com o programa 1290-d, é o estabelecimento de um
acordo com o governo brasileiro referente ao intercâmbio de informações sobre
atividades comunistas. Isto está relacionado com uma carta do secretário adjunto
Holland para o embaixador Dunn de 14 de maio de 1956 560. O primeiro secretário
David W. Smyser foi designado como oficial de ligação da embaixada, e a
embaixadora Odette de Carvalho e Souza, chefe do Departamento Político e Cultural
do Ministério de Relações Exteriores, foi designada como a oficial brasileira em
setembro de 1956561. A embaixadora Carvalho e Souza foi uma escolha feliz, já que ela
é uma dos poucas altas oficiais do governo brasileiro que possui uma real compreensão

559 Analisando o contexto da frase, muito provavelmente o termo censurado é a sigla da CIA.
560 Esta carta estava inacessível ao público, conforme aviso de retirada (withdrawal notice) que constava na pasta de
arquivos onde ela deveria estar disponível. Em dezembro de 2017 submeti um pedido de liberação do documento, de acordo
com a Lei de Acesso à Informação (Freedom of Information Act) dos Estados Unidos. O documento foi liberado após a
defesa da tese, ocorrida em fevereiro de 2020. A carta de 14 de maio de 1956 era uma resposta a uma correspondência
enviada por Dunn a Holland em 30 de abril de 1956, na qual o embaixador discutia a questão da nomeação do oficial
brasileiro que participaria do programa de intercâmbio de informações sobre o comunismo com a embaixada. O principal
trecho da carta – aproximadamente quatro linhas –, na qual Dunn expunha sua opinião sobre o assunto, segue censurada.
Mas ele expressou reservas em relação à nomeação de um oficial do Itamaraty para participar do programa, alegando que o
MRE não tinha a estrutura para trabalhar com a “disseminação de informação desse tipo entre os demais Ministérios do
governo brasileiro” e que estes não estariam dispostos a compartilhar com o MRE “informações sobre as atividades
comunistas que poderiam ser repassadas para nós”. A carta de Dunn também revela que “o coronel [Humberto] de Souza
Mello, nomeado como diretor da nova agência de segurança por Kubitschek, propõe criar [dentro da estrutura da nova
agência de segurança] uma seção de informação responsável por explicar ao público brasileiro a natureza e os objetivos do
comunismo internacional, referindo-se especialmente às atividades do Partido Comunista Brasileiro”. Ainda segundo a carta
de Dunn, “o coronel Souza Mello discutiu esta ideia longamente com CENSURADO” – aproximadamente dez linhas com
tarjas de censura (Carta, Dunn para Holland, 30/04/1956). A resposta de Holland segue com um parágrafo inteiro censurado
(aproximadamente 15 linhas), mas o secretário adjunto observou o seguinte: “me parece que no Brasil os nossos contatos
realmente produtivos são aqueles feitos CENSURADO [duas ou três palavras censuradas] que nós não devemos ficar muito
preocupados se os brasileiros nomearem um oficial do Ministério de Relações Exteriores para trabalhar com o intercâmbio
ostensivo da Resolução 93 [da Conferência de Caracas]. Eu sugiro que você nomeie um americano [ American] com maior
proximidade com a CENSURADO [uma ou duas palavras censuradas] apropriado da embaixada” (Carta, Holland para
Dunn, 14/05/1956).
561 Entre janeiro e agosto de 1956, o chefe do Departamento Político-Cultural (DPC) do Itamraty foi Everaldo Dayrell de
Lima. Em junho de 1956, em um memorando que descreve uma conversa que teve com Mário Calábria, chefe interino do
DPC, Robert W. Dean relatou que o brasileiro solicitou a continuidade do envio de uma série de comunicados – e também
de qualquer outro tipo de informação que a embaixada pudesse enviar ao MRE “em base ad hoc” – que Dayrell de Lima
estava recebendo da embaixada americana, relacionados a “certas manobras do comunismo internacional, sobretudo em
conferências internacionais” que seriam “inspiradas pelo comunismo”. Dean descreveu que havia revisado os arquivos da
missão diplomática americana e, “de fato, a embaixada em várias ocasiões encaminhou ao Itamaraty este tipo de informação
de acordo com instruções do Departamento de Estado”. Dean destacou que outro oficial da embaixada, George H. Owen,
lembrava “do procedimento que usualmente envolvia um contato direto de Bill Briggs e Everaldo Dayrell de Lima”
(Memorando, 13/06/1956). William “Bill” T. Briggs foi vice-cônsul em São Paulo entre 1949 e 1952. No final desse ano,
transferiu-se para a embaixada do Rio de Janeiro, onde permaneceu até o final de 1955. Entre abril de 1956 e agosto de
1958, Briggs era oficial de inteligência do Departamento de Estado. Em setembro de 1958, assumiu a chefia da Divisão de
Assuntos Brasileiros do Bureau of Inter-American Affairs, permanecendo no cargo até a metade do ano de 1960 (USA,
Biographic register, 1961, p. 85). No mesmo documento (Memorando, 13/06/1956), Robert Dean relata que Calábria
comunicou que o DPC havia encontrado “informação derrogatória” – ou seja, envolvimento em atividades comunistas –
sobre um indivíduo que desejava viajar à Finlândia para participar do Encontro Internacional de Jornalistas. Um telegrama
enviado pelo MRE a Helsinki confirmou “as suspeitas de que o evento era inspirado pelo comunismo”. De acordo com o
relato de Calábria, isto foi levado ao conhecimento de Kubitschek, “que prontamente concordou em cancelar uma ordem de
concessão de passaportes especiais para os delegados” brasileiros interessados em participar do evento. Como resultado
disso, ainda segundo Calábria, uma instrução interna foi aprovada pelo MRE “ordenando que todos os pedidos futuros de
passaportes especiais e todas as nomeações de delegados ou oficiais dos postos diplomáticos brasileiros no exterior fossem
358

dos objetivos e métodos comunistas e é profundamente interessada nas medidas para


combatê-lo (Despacho diplomático, Briggs para o Departamento de Estado,
26/12/1956).562

O embaixador Dunn havia definido o nome de David Smyser para esse trabalho em maio de
1956. Em telegrama enviado a Holland, ele comunicou que estava designando o seu “principal
representante CAS563 para atuar pela embaixada” no programa de intercâmbio de informações sobre o
comunismo (Telegrama, 25/04/1956). Isto significa que, do lado norte-americano, o chefe da estação
local da CIA no Rio de Janeiro (ver capítulo 3), David W. Smyser, seria o representante norte-
americano na relação estabelecida com Odette de Carvalho e Souza. A escolha de Carvalho e Souza
não foi casual, tendo em vista a sua trajetória de mais de trinta anos de experiência em atividades
secretas de inteligência e de estudos sobre o comunismo internacional – que incluiu a colaboração com
a EIA e o Antikomintern durante a década de 1930 – e sua proximidade com os ministros Raul
Fernandes e José Carlos de Macedo Soares, conforme visto na parte II564.
No Equador, Jaime Sanchéz Lemos, oficial da Casa Civil do governo, foi designado para
“colaborar com o sr. Ned Holman, funcionário da embaixada dos Estados Unidos, em cumprimento à

examinados pelo DPC antes de sua aprovação final”. O governo estadunidense não contava com o mesmo nível de
colaboração por parte dos mexicanos. Conforme o OCB, “os documentos de viagem de cidadãos mexicanos que viajam para
eventos comunistas” não eram controlados, pois “os mexicanos dizem que, em respeito à Constituição, eles não podem
confiscar estes documentos ou proibir as viagens de seus cidadãos”. A mesma situação ocorria com relação ao Chile, cujo
governo não confiscava “documentos de viagem de seus cidadãos”, apesar das pressões da embaixada, que fazia
“exposições sobre o assunto” para membros do governo chileno (Resumo de atividades, setembro-dezembro 1956). Mário
Calábria publicou suas memórias (CALÁBRIA, 2011), mas não citou nada relacionado à sua proximidade com a embaixada
norte-americana.
562 A título de comparação, o OCB informou que o México não havia aderido “às resoluções da conferência de Caracas”,
embora o embaixador norte-americano continuasse “com seus esforços para persuadir o governo a aderir a esta resolução”
(Resumo de atividades, setembro-dezembro 1956).
563 Conforme visto no capítulo 3, CAS (Controlled American Source) é um acrônimo utilizado para se referir à CIA.
564 O oficial que substituiu Odette de Carvalho e Souza na chefia do DPC foi Manuel Pio Correa Júnior que, conforme
visto no capítulo 5, recebeu dela uma coleção de fichas sobre comunistas brasileiros. Philip Agee (1976, p. 384) identificou
Pio Correa como um agente da CIA. Segundo Agee, em meados de 1964 o regime militar brasileiro estava pressionando o
governo uruguaio para recrudescer a sua postura com relação aos exilados brasileiros no Uruguai, mas havia certa
resistência do chefe da estação local da CIA em Montevidéu, Ned P. Holman, em empreender ações voltadas para este fim.
Agee acreditava que o envio de “mais dois agentes” brasileiros da CIA (Manoel Pio Correa Jr. e Lyle Amaury Tarisse da
Fontoura) pela sua estação do Rio de Janeiro ao Uruguai – já haveria um em Montevidéu, o adido militar Milton Câmara
Sena, que trabalhava na embaixada brasileira – era uma resposta a essa postura de Holman. Antes de sua chegada ao
Uruguai, Pio Correa trabalhava na embaixada do Brasil no México, país que possuía a estação da CIA mais ativa de toda a
América Latina, conforme demonstrado por Jefferson Morley (2008). Diante destes indícios, não se pode descartar a
hipótese de que Pio Correa tenha sido recrutado pela CIA como “agente de penetração” no MRE logo após o afastamento de
Odette de Carvalho e Souza da chefia do DPC. Como visto nos capítulos anteriores, Pio Corrêa também teve envolvimento
com a ESG, na década de 1950, e com o CIEX, centro de informações do MRE criado por sua iniciativa durante a ditadura.
359

resolução de Caracas” (Despacho diplomático, 06/06/1956)565. Holman, na verdade, era o chefe da


estação local da CIA em Quito (AGEE, 1976, p. 312-3). No Chile, o representante norte-americano era
“expert em comunismo, sabia como os comunistas trabalhavam na clandestinidade, falava espanhol
perfeitamente e tinha um longo treinamento no escritório do sr. Allen Dulles”, enquanto o representante
chileno seria o coronel Videla Vergara, ministro do interior (Memorando, 07/09/1956). No Peru,
Alfonso Mier y Teran, chefe da polícia judiciária, seria o responsável local pelo programa de
intercâmbio de informações sobre o comunismo junto a Paul P. Paxton, operativo da estação local da
CIA em Lima566. Em abril de 1956, o diretor da USIA, Theodore Streitbert, comunicou por telegrama,
aos postos da USIS na América Latina, o nome de alguns oficiais norte-americanos que haviam sido
designados para trabalhar nesse programa, todos eles operativos da CIA: na Colômbia, Edwin M.
Terrell567; na República Dominicana, Homer Brett, Jr.568; em Honduras, David R. McLean569; John G.
Heyn570, no Uruguai; Thomas A. Brady571, na Venezuela (Telegrama, 26/04/1956).

565 Em um relatório sobre os impactos do Plano Básico de Operações contra o Comunismo no Equador enviado ao
Departamento de Estado em setembro de 1956, Dustmann Jr., conselheiro da embaixada de Quito, descreveu que, entre
outras ações de sucesso, “uma campanha conjunta entre a embaixada e o USIS durante as eleições locais para que os três
candidatos presidenciais repudiassem o comunismo” havia sido “amplamente exitosa (largely successful)”. O candidato da
Frente Democrática Nacional “denunciou o comunismo depois que ele se encontrou com oficiais da embaixada e ouviu as
nossas preocupações”. O diplomata também relatou que “um programa encoberto de treinamento de lideranças sindicais”
havia sido iniciado no país com apoio da embaixada, inclusive com “assistência para infiltrar (assistance in infiltrating) uma
liderança sindical anticomunista no movimento sindical nacional” (Despacho diplomático n. 129, 06/09/1956). Para maiores
informações sobre a atuação da CIA no Equador, ver AGEE (1976).
566 Paul Paxton Philips, nascido em maio de 1931, graduou-se pela University of Pennsylvania e obteve título de mestre na
School of Advanced International Studies da mesma universidade. Ele havia trabalhado no setor privado, entre 1939 e 1942,
como representante na América Latina de um laboratório farmacêutico. Provavelmente recrutado pela CIA em 1949,
assumiu seu primeiro posto no exterior em San Salvador, em março de 1949, onde permaneceu até julho de 1951, passando
a ser “oficial de ligação” com o Departamento de Defesa – ou seja, estava trabalhando na CIA –, função que exerceu até o
início de 1954. Após, transferiu-se para Santiago do Chile, em maio de 1954, como “attaché” FSR-4 e, em janeiro de 1956,
foi designado para Lima, onde permaneceu até o início de 1959. Só voltou a ocupar um cargo em missões diplomáticas em
fevereiro de 1964, como political officer e depois “vice-cônsul” em Monterrey, no México. (USA, Biographic register,
1966, p. 417).
567 Em setembro de 1958, o embaixador dos Estados Unidos na Colômbia, John M. Cabot, enviou uma carta a Allen
Dulles, diretor da CIA, para elogiar “Ed Terrell, o seu [da CIA] representante local”. Cabot lamentava a saída de Terrell de
Bogotá, pois ele havia sido “muito útil, cooperativo e discreto em todas as suas atividades” desde que Cabot chegou na
Colômbia. “É sempre um prazer enorme quando nós temos relações tão boas e efetivas com um representante de outra
agência, e Terrell merece a mais alta recomendação”, finalizou Cabot (Carta, Cabot para Dulles, 05/09/1958). Agee e Wolf
(1978, p. 51) mencionam que Terrell foi chefe da estação local da CIA na Cidade da Guatemala, em 1974.
568 Em carta de condolências pela morte de John F. Dulles enviada a seu irmão Allen, o nome da agência à qual Homer
pertencia aparece censurado (Carta, Brett Jr. para Dulles, 24/03/1958). Ou seja, ele era da CIA.
569 Em publicação oficial da CIA sobre a operação de invasão à Baía dos Porcos/Batalha de Girón em Cuba, McLean é
identificado como oficial da Divisão de Hemisfério Ocidental da agência (Estudo histórico, volume 3, 12/1979).
570 Heyn é identificado como um oficial da CIA em um número da revista Studies in Intelligence (vol. 51, n. 1, 2007),
publicada pela agência de inteligência do governo norte-americano, disponível no site da agência:
https://www.cia.gov/library/readingroom/home. Acesso outubro 2019.
571 Nascido em dezembro de 1921 no estado de Montana, Brady graduou-se em direito pela George Washington
University. Foi Special Agent do FBI durante a Segunda Guerra Mundial na América Latina. Entre 1946 e 1951, trabalhou
em “agências do governo”. Foi “vice-cônsul” em San José da Costa Rica (1951-1953) e attaché em Caracas (1953-1958).
360

No Uruguai, a iniciativa norte-americana de estabelecer o programa de intercâmbio de


informações sobre o comunismo não teve o sucesso esperado. Após mais de um ano de tentativas de
implantação do programa, a embaixada de Montevidéu atribuiu as dificuldades encontradas à
resistência das autoridades uruguaias. Mas isso não impediu a missão diplomática estadunidense na
capital uruguaia de levar adiante o projeto de combate ao comunismo por outros meios:

Devem ser buscadas medidas que não requeiram ação do governo local. Já que a
embaixada não pode esperar dos membros da administração uruguaia uma ação em
comum contra o comunismo, deve-se concentrar esforços maiores em outros
caminhos, todos mais indiretos. Alguns deles podem provocar uma atitude mais
favorável do governo local. As mais importantes medidas envolvem o campo da
propaganda e o fortalecimento do movimento sindical. Os principais oficiais uruguaios
não apenas negam que haja um problema comunista no Uruguai como também
afirmam que o governo dos Estados Unidos e a embaixada preocupam-se
demasiadamente com o problema do comunismo no Uruguai e em outros países. Por
esta razão, os esforços dos Estados Unidos para combater o comunismo devem ser
mais indiretos. Em resumo, as medidas norte-americanas devem buscar de forma
ostensiva os seus próprios objetivos inerentes e não o seu verdadeiro objetivo de
eliminar os comunistas do Uruguai (ultimate objective of ridding Uruguay of
communists), ou pelo menos obstruir a sua ação. Se for enfatizado o verdadeiro
objetivo, as medidas em si podem ser rejeitadas e revelarem-se ineficazes. (...). Os
Estados Unidos devem deliberadamente combater o comunismo, mas nunca passar a
impressão de que é isso que está sendo feito. O Partido Comunista do Uruguai
publicou muitos de seus objetivos no país e isso já nos dá munição suficiente para
fazer propaganda contra eles. As medidas dos Estados Unidos podem ser efetivas
apenas se for evitada a impressão de que existe um programa planejado de combate
ao comunismo. (…). Nenhuma ação deve ser feita que deixe a impressão nas
lideranças sindicais locais de que a embaixada dos Estados Unidos está financiando
atividades anticomunistas (Despacho diplomático n. 103, 06/08/1956, itálicos meus).

O governo norte-americano não pretendia fornecer todo e qualquer tipo de informação para os
governos latino-americanos com os quais fossem estabelecidos acordos de intercâmbio. Uma instrução
do Departamento de Estado enviada a todos os seus postos diplomáticos na América Latina esclarecia
que o governo dos Estados Unidos estava preparado para considerar, “caso a caso e país a país”, o

Em julho de 1961, foi transferido para a estação local da CIA no Rio de Janeiro, como political officer FSR-4. Em abril de
1965, a oficial FSR-3 (ainda no Brasil), indicando que deve ter feito um bom trabalho no país e, por isso, foi promovido na
carreira de operativo da CIA. Brady permaneceu no Brasil até setembro de 1966 (US Department of State, Biographic
register 1968, p. 58). Em junho de 1966, “ladrões roubaram mais de 20 milhões de cruzeiros em joias da residência do
funcionário da embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Thomas A. Brady”, que morava na rua Tenente Arantes Filho, 380,
no bairro carioca da Gávea (Diário de Notícias, 05/06/1965).
361

encaminhamento de informações específicas de interesse para as autoridades locais, apenas quando isto
significasse “uma vantagem clara para os Estados Unidos”:

Dependendo das circunstâncias locais e de resultados satisfatórios por parte do


governo local, a informação a ser repassada inicialmente será restrita a estudos não-
sigilosos. (…). O Departamento [de Estado] espera que, com o passar do tempo, os
governos latino-americanos possam ser persuadidos a designar como seus oficiais de
ligação indivíduos de nível hierárquico elevado, experientes e influentes em seus
governos, e que sejam da confiança dos chefes de Estado e relacionados às agências de
segurança locais. Idealmente, devem ser pessoas que se reportem diretamente ao chefe
de Estado que dirija ou venha a dirigir organizações especiais de segurança
anticomunista. Naqueles países onde não existirem tais organizações, um dos objetivos
do programa [norte-americano] é estimular a sua criação (Instrução CA-1699,
23/08/1956. Itálicos meus).

Contudo, enquanto o governo estadunidense impunha restrições ao tipo de informação que iria
disponibilizar aos oficiais de ligação latino-americanos, aquelas recebidas por meio dos oficiais
brasileiros claramente não se resumiam a “estudos não-sigilosos”. Entre 1956 e 1958, David Smyser
teve acesso a uma detalhada “lista de fronts do PCB atualmente em atividade no país” (Memorando,
28/03/1956), a um “estudo completo sobre a atual situação dos julgamentos de líderes comunistas nos
tribunais do Rio de Janeiro, transmitido ao CAS Washington” (Despacho diplomático n. 770,
15/01/1958) e a um relatório contendo “um histórico sobre as atividades comunistas no norte do
Paraná” (Memorando, 12/09/1956). Embora não seja possível determinar se estas informações foram
encaminhadas a Smyser por Odette de Carvalho e Souza, elas demonstram o nível de conhecimento da
CIA sobre o movimento comunista no Brasil e o acesso a informações sigilosas dos órgãos de repressão
locais572.

572 Philip Agee (1976, p. 46-52) descreve a importância dos programas de ligação da CIA com serviços de inteligência de
países estrangeiros. Ele explica que estes programas eram parte integrante de uma das funções desempenhadas pela agência,
neste caso, as operações de Informações Estrangeiras, conhecidas pela sigla FI (Foreign Intelligence) ou pelo acrônimo
KUTUBE – cada operação e agente recebia um acrônimo específico de identificação. Estas operações eram “destinadas a
descobrir as possibilidades e intenções de forças estrangeiras, especialmente de governos inimigos ou inamistosos, em
relação aos Estados Unidos, e devem objetivar as informações sigilosas mais do que as de domínio público”. Agee esclarece
que geralmente estas informações eram obtidas de “agentes remunerados”, que podiam estar localizados “em níveis
elevados” do governo local, de “oficiais, funcionários ou colegas” que tenham acesso aos altos escalões da administração e
aos seus documentos sigilosos, ou ainda de “agentes de manutenção”, que prestam assistência às operações. Um tipo
comum de operação FI, ainda segundo Agee, era “consequência do relacionamento de trabalho entre a CIA e os órgãos de
segurança e informações de outros países. Os contatos com as entidades estrangeiras são conhecidos como operações de
ligação e a finalidade é o intercâmbio de informes, missões em grupo e a penetração no serviço secreto de outras nações. A
regra geral na troca de informações consiste em oferecer estritamente o necessário, nada mais do que o necessário. Mas
362

A relação privilegiada da embaixada do Rio de Janeiro, especialmente dos representantes da


CIA, com o MRE, permitiu ao governo norte-americano atingir certos objetivos de sua política com
maior facilidade. Um exemplo disso foi o apoio do Itamaraty à instalação de uma base militar norte-
americana na ilha de Fernando de Noronha, a cerca de 350 quilômetros ao largo da costa nordeste do
Brasil (DHBB, Verbete temático). Em uma carta enviada ao Departamento de Estado, o conselheiro da
embaixada, Robert P. Joyce, relatou o esforço de “persuadir os militares brasileiros a se unirem” aos
norte-americanos nos “pedidos para a instalação de uma base de mísseis teleguiados na ilha de
Fernando de Noronha”. Joyce afirmou que José Carlos de Macedo Soares, ministro das Relações
Exteriores, estava “completamente” do lado dos Estados Unidos “ao considerar o tema como de alta
prioridade para a defesa do hemisfério”. Ele também solicitou que Odette de Carvalho e Souza “fosse
protegida”, em função de um memorando relacionado ao tema produzido por ela, cuja distribuição
deveria ser limitada (Carta, 12/10/1956). Ao final desses esforços, o pedido para a instalação da base
militar norte-americana na ilha foi aceito pelas autoridades brasileiras573.
como o serviço estrangeiro exige, naturalmente, o intercâmbio, e quase sempre nos países menos importantes os informes
oferecidos são poucos e fracos, vem a segunda regra: conservar um bom lucro, ou seja, fazer a balança pender
favoravelmente para a Agência, em todas as transações. (…) nos países subdesenvolvidos e menos requintados as
organizações [locais de inteligência] não dispõem de habilidade e conhecimento, de know-how e capacidade técnica para
montar medidas de investigação e informações eficientes e satisfatórias. Assim, a base [da CIA] pode, em muitos casos,
optar pela montagem de operações conjuntas, bilaterais, ou levá-las adiante sem o serviço do lugar tomar o menor
conhecimento. (…). Finalmente, vem a questão da penetração da CIA nos serviços locais. Por muitas razões (das quais
nenhuma implica a proteção da própria agência), a doutrina operacional manda que se processe um esforço contínuo de
recrutamento de agentes controlados dentro dos serviços de ligação. Tais agentes, ou agentes em potencial ou em
perspectiva, são geralmente localizados por elementos da “companhia” designados para trabalhar com a organização do
lugar no intercâmbio de informações, treinamento dos seus subordinados, e agir na armação do esquema de operações do
serviço local, como apoio à CIA. Dessa forma, uma base da Agência pode manter um programa de troca de informações
simultaneamente, uma operação de extensão telefônica clandestina conjunta e um ou dois agentes estrangeiros em sua lista
de pagamento, como forma de penetração na entidade regional. Contudo, a penetração dos serviços de ligação é mais
propriamente uma função de contrainformações (AGEE, 1976, p. 50-2, itálicos meus). A importância da função da
contrainformação, ou contrainteligência, será de importância fundamental para os Estados Unidos entre 1962 e 1964,
conforme será apresentado no último capítulo.
573 Segundo Nascimento (2009), as negociações em torno da ilha de Fernando de Noronha basearam-se no artigo 1º, inciso
1º do Acordo de Assistência Militar de 15 de março de 1952: "O Ministro das Relações Exteriores brasileiro José Carlos de
Macedo Soares e o Embaixador norte-americano Elllis O. Briggs trocavam notas para o ajuste da ilha, a 20 de janeiro de
1957. No dia 13 de março, a fim de dar execução ao ajuste, era assinado pelo presidente da República, Juscelino
Kubitschek, sendo referendado pelos três ministros militares (da Marinha Antônio Álvares Câmara Jr, da Guerra Henrique
Teixeira Lott e da Aeronáutica Henrique Fleiuss), em forma de decreto (nº 41.142) a cessão da Ilha de Fernando de
Noronha. (...) Juscelino, Lott e Fleiuss desembarcaram em Fernando de Noronha, no dia 26 de junho de 1957 em visita
rápida de inspeção (...). Observavam detalhadamente as realizações norte-americanas para a construção da base. Assinado o
ajuste-decreto, em 13 de março de 1957, as obras realizadas pela empresa americana Johnes-Tompkins, sob a fiscalização
da marinha dos Estados Unidos, só foram concluídas em dezembro de 1958. Nelas, trabalharam cerca de 150 norte-
americanos e 250 brasileiros. Após a sua conclusão, o posto foi entregue à orientação da Força Aérea Norte-americana
(USAIF) (...). A operação do posto ficou a cargo de técnicos da Pan-American e da Radio Corporation of America (RCA).
(...)[A base era composta por] onze edifícios: centro de comunicações internas; alojamentos, refeitório e cassino; estação
transmissora; estação receptora; posto meteorológico; estação de tratamento d’água; sistema de localização de impactos dos
mísseis; estação de produção de energia elétrica; oficinas de reparação de viaturas e carpintarias; depósito d’água potável e
depósitos de gasolina e óleo". A base foi fechada no final de 1959, "devido ao programa de tecnologia dos balísticos superar
363

Um outro exemplo do apoio do MRE às demandas do governo norte-americano ocorreu em


1958, quando havia um debate entre setores do governo Kubitschek sobre uma possível aproximação
comercial entre o Brasil e a URSS. Em um telegrama do início de fevereiro daquele ano, o embaixador
Briggs relatou que Odette de Carvalho e Souza era contrária ao estabelecimento de relações comerciais
com o bloco soviético e que ela havia desempenhado “um papel importante no convencimento de
setores do governo inclinados a aceitar a proposta”. A diplomata brasileira preparou “uma detalhada
análise dos objetivos e táticas comunistas e os riscos à segurança” do Brasil caso o comércio com os
soviéticos fosse reestabelecido574. Briggs destacou que a influência de Carvalho e Souza foi
“significativa na mudança de atitude dos três ministros militares” e também do Conselho de Segurança
Nacional, que passaram a se opor à proposta por “razões de segurança” (Telegrama n. 1228,
11/02/1958).575
José Carlos de Macedo Soares também havia desempenhado um papel importante, junto a
Odette de Carvalho e Souza, na iniciativa de convencer “outros ministros, e particularmente os
militares”, na oposição à proposta de aproximação comercial entre o Brasil e a URSS. Na avaliação de
Eric C. Wendelin, conselheiro da embaixada, Macedo Soares e Carvalho e Souza obtiveram “sucesso
em uma escala surpreendente, especialmente com os militares, que ficaram impressionados com os
riscos de segurança aos quais o país estaria submetido com a presença de uma missão diplomática
soviética maior no Brasil”. Wendelin acrescentou que Macedo Soares teve apoio público da “Igreja, das
Forças Armadas, de importantes setores privados e da maioria da imprensa responsável” (Formulário,
03/03/1958)576.
O Departamento Político e Cultural não era a única divisão interna do Itamaraty disposta a
colaborar com os Estados Unidos em questões de combate ao comunismo. Em 1958, o encarregado de

a necessidade da base de rastreamento".


574 Odette de Carvalho e Souza já havia produzido uma análise sobre o mesmo tema em agosto de 1934, quando trabalhava
no gabinete do então Ministro das Relações Exteriores José Carlos de Macedo Soares (Texto, Odette de Carvalho e Souza,
31/08/1934).
575 Moniz Bandeira (1978, p. 387) já havia identificado o papel de Odette de Carvalho e Souza: “um grupo, liderado pela
embaixadora Odette de Carvalho e Souza, sabotava, dentro do Itamaraty, todas as iniciativas de aproximação dos países
socialistas”.
576 A boa relação do MRE com a embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro não era uma novidade do ano de 1956,
conforme visto na parte II. Em 1950, o então chefe do Departamento Político e Cultural, Henrique de Souza Gomes,
compareceu à embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro para consultar a posição norte-americana sobre uma
proposta feita pela Bolívia de realizar um encontro de ministros de relações exteriores de países sul-americanos para
discussão sobre atividades comunistas na região. Em resposta, o chefe da seção política da embaixada, Erwin P. Keeler,
informou que o governo norte-americano não achava adequada a realização do evento, ressaltando que seria mais
conveniente a “troca bilateral sigilosa de informações (quiet bilateral exchange of information)”. Souza Gomes respondeu
estar confiante de que o ministro das Relações Exteriores “estaria de acordo com estas orientações do Departmento [de
Estado]”, demonstrando disposição de colaborar com o governo norte-americano neste sentido (Telegrama, 08/07/1950).
364

negócios da embaixada estadunidense, Woodruff Wallner, em carta a Maurice M. Bernbaum, diretor do


Office of East Coast Affairs do Bureau of Inter-American Affairs, relatou a importância da colaboração
de Edmundo Pena Barbosa da Silva, chefe da Divisão Econômica do Departamento Econômico e
Consular577:

A embaixada se vê prejudicada para acessar informações confidenciais durante as


ausências de Edmundo. Quando ele está fora, os outros dois ministros do
Departamento Econômico do Itamaraty (Antonio Correa do Lago e Sergio Correa da
Costa), ambos genros de Osvaldo Aranha, demonstram profunda desconfiança em
discutir detalhes sobre o comércio soviético. Nós simplesmente não sentimos a mesma
confiança com eles em comparação com Edmundo. Assim, durante as últimas semanas
nós temos dependido mais de [Paulo] Poock Correa do Banco do Brasil do que do
setor econômico do Itamaraty para informações sobre possíveis acordos de comércio
com o bloco soviético. Isto não significa que eu não receba informações de Mendes
Viana de tempos em tempos (Carta, 06/11/1958).

7.2 Apoio norte-americano às polícias políticas e aperfeiçoamento das estruturas de


inteligência no Brasil

Conforme visto no capítulo 1, Kubitschek dirigiu-se aos Estados Unidos antes de sua posse
oficial como presidente do Brasil, em janeiro de 1956. Em Washington DC, o presidente eleito reuniu-
se com Eisenhower e alguns de seus principais representantes, e solicitou um empréstimo ao governo
estadunidense na tentativa de sanar a crise financeira do país. Contudo, durante o encontro com o
presidente norte-americano, Kubitschek “logo percebeu o nível das inquietações que animavam os
americanos”: Eisenhower “falou do combate ao comunismo e da necessidade de medidas de
segurança”, de acordo com o depoimento de Kubitschek concedido a Moniz Bandeira (1978, p. 374-
375). A expectativa de Kubitschek de obtenção de assistência financeira não se realizou em função da
insistência da administração Eisenhower de que um empréstimo de governo a governo, na remota
eventualidade de que viesse a ser concedido, somente se concretizaria caso o Brasil aderisse a um
efetivo programa de combate ao comunismo. De acordo com Moniz Bandeira (Id.), “Kubitschek

577 Barbosa da Silva liderou esta seção do MRE entre 1952 e 1961, sendo também membro da Seção de Segurança
Nacional do MRE (Verbete biográfico, DHBB).
365

estranhou a preocupação dos americanos com o que, conforme suas palavras, não constituía perigo
algum no Brasil, o comunismo”:

Foster Dulles, da mesma forma que Eisenhower, não acolheu seus argumentos em
favor de um programa de investimentos, para desenvolver o Brasil, como fundamental
à segurança do sistema. Ambos consideravam prioritárias as medidas de repressão. E
as divergências apareceram. Kubitschek queria capitais, fábricas, desenvolvimento.
Dulles reclamava coordenação no combate ao comunismo, entrosamento maior da CIA
com os serviços secretos brasileiros. Allen Dulles, diretor da CIA, compareceu a um
dos encontros com Kubitschek e o Secretário de Estado: meses depois, mandariam um
emissário ao Brasil insistir na questão.578

Apesar das divergências com o governo Eisenhower, a administração Kubitschek abriu as portas
para o aperfeiçoamento das estruturas federais de inteligência no Brasil, com o apoio do governo norte-
americano. A criação de um serviço federal de inteligência era um dos objetivos do Plano Básico de
Operações contra o Comunismo na América Latina, do Plano Básico de Operações para o Brasil e do
programa 1290-d. Conforme visto no capítulo 1, no início de 1956, setores do governo Kubitschek
haviam se comprometido a “cooperar na adoção de medidas para controlar atividades comunistas”
(Memorando, 16/08/1956). No governo Eisenhower, oficiais da CIA, da ICA e do Departamento de
Estado trabalharam em conjunto com agentes brasileiros para atingir este objetivo. Um dos resultados
desse esforço foi a reorganização do Serviço Federal de Informações e Contrainformações (SFICI), que
contou com o envolvimento direto da embaixada dos Estados Unidos e o apoio do presidente
Kubistchek e de setores de seu governo.
No início de abril de 1956, o embaixador James C. Dunn, em uma carta enviada ao secretário
adjunto Henry F. Holland, informou que tinha feito uma visita ao palácio do Catete, a pedido de
Kubitschek, com quem teve uma “interessante conversa”. Ele avisou ao secretário Holland que um
relatório sobre esta conversa chegaria rapidamente a Washington “por outros meios” (Carta,
04/04/1956)579. Embora Dunn não tenha mencionado que as conversas com Kubitschek se referiam à
578 Esta é uma análise post factum de Kubitschek, em entrevista concedida a Moniz Bandeira entre o final dos anos 1960 e
início da década de 1970. No entanto, à época dos fatos, conforme visto no capítulo 1, durante as reuniões com os
representantes do governo norte-americano ocorridas no início de 1956, Kubitschek afirmou várias vezes o perigo que os
comunistas representavam para o Brasil e a necessidade de uma ação em comum com os EUA para combatê-los.
579 Os “outros canais” de comunicação a que se referiu Dunn eram certamente aqueles utilizados pela CIA. Alguns dias
depois, Dunn novamente escreveu a Holland informando que ele “não havia feito nenhum registro” da conversa com
Kubitschek porque esta envolvia o tema sobre o qual Dunn e Holland estavam “discutindo já há algum tempo e tão
ansiosamente” estavam “tentando concretizar”, mas assegurou que Holland “receberia notícias sobre o assunto por outros
366

reorganização do SFICI, um outro documento, produzido pelo OCB, informava que, “como resultado
de conversas entre oficiais norte-americanos e o presidente brasileiro, foram delineadas medidas para
combater o comunismo” e que “uma nova agência estava sendo organizada no Brasil para este
propósito”. Além disso, o OCB também relatava que “um projeto de treinamento de oficiais de polícia”
estava sendo elaborado, “com especial atenção ao controle de comunistas” (Resumo de atividades,
setembro-dezembro 1956).
A discrição de Dunn ao tratar sobre o assunto revela não apenas que havia sido feito um acordo
secreto entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos com a clara finalidade de intensificar a
repressão aos comunistas no Brasil, mas também o esforço do embaixador norte-americano para manter
sua atuação sob o mais estrito sigilo. Era fundamental manter à sombra o papel do governo dos Estados
Unidos nesta iniciativa, evitando possíveis vazamentos de informações críticas à imagem do país. O
mesmo nível de sigilo foi mantido em outras duas cartas trocadas entre Dunn e Holland, que
certamente tratavam sobre o tema do acordo secreto estabelecido com o governo brasileiro. Em 15 de
junho de 1956, o embaixador americano estava às vésperas de sua aposentadoria, e já havia sido
estabelecido que ele deixaria o posto no Brasil no início do mês de julho. Mas Dunn desejava
encaminhar algumas questões importantes antes de sua saída do país:

Estou muito preocupado com a demora na chegada do homem que se encarregará das
atividades sobre as quais eu e você demonstramos tanto interesse na época da posse
[do presidente Kubitschek]. Nós conseguimos fazer com que o presidente se
interessasse pela questão e construísse o aparato necessário para este fim. Como você
sabe, o homem que se encarregará do trabalho aqui 580 esteve em Washington e retornou
há mais ou menos um mês atrás. Ele está completamente perdido sobre como montar a
sua organização e precisa muito de ajuda (he is completely at sea as to how to set up
his organization and badly needs some help). Estou bastante preocupado que ele, por
precisar de uma grande ajuda, recorra a [William] Bill Trimble e venha à embaixada
para vê-lo. Ninguém mais aqui parece ter nenhuma autoridade para agir com relação a
este assunto. Muitas coisas estão acontecendo no campo de atuação que tanto nos
interessa, e eu acho que é essencial que nós façamos a nossa parte no acordo sobre o
qual nós tanto insistimos. Eu ouvi falar que o homem de Washington chegará apenas
no final de julho. Isto me parece um modo muito casual de lidar com este trabalho tão
essencial. Talvez você possa usar a sua influência para acelerar a organização e

canais”, relatando o “sucesso” de suas conversas com o presidente sobre o tema. E finalizou dizendo que seria melhor que
ele não fizesse nenhum relatório diretamente a Holland sobre este assunto (Carta, 16/04/1956) A liberação do memorando
descritivo da reunião entre o embaixador Dunn e o presidente Kubitschek foi solicitada em dezembro de 2017, mas até o
momento, julho de 2020, não recebemos nenhuma resposta das autoridades competentes.
580 Conforme demonstrado na nota 560 deste capítulo, trata-se do coronel Humberto de Souza Mello, cujo nome é citado
em documento recentemente liberado.
367

execução deste plano que provoca em todos nós uma profunda preocupação (Carta,
15/06/1956).

A resposta do secretário de Estado adjunto levou menos de dez dias para chegar às mãos do
embaixador Dunn: “com relação à demora do homem que se encarregará da missão especial (special
assignment), estou informado de que ele chegará ao Rio no dia primeiro de julho”. Holland explicou
que a demora se devia à burocracia administrativa para sua nomeação no Departamento de Estado, mas
que “a questão do seu título” havia sido discutida com “Ellis Briggs, que concordou com a designação
que ele terá” (Carta, 25/06/1956). De acordo com o Biographic Register, o único oficial designado para
trabalhar na embaixada do Rio de Janeiro no dia primeiro de julho de 1956 foi Raymond G. Leddy,
cuja trajetória foi apresentada no capítulo três. Em função da longa experiência de Leddy em trabalhos
de inteligência – no SIS/FBI e na OSS durante a Segunda Guerra Mundial e como um dos construtores
do sistema de operações encobertas da CIA na América Latina –, podemos inferir que era ele o tão
aguardado “homem de Washington”, que viria ao Brasil para cumprir uma “missão especial”.
Considerando-se que sua nomeação durou apenas um ano, é muito provável que sua “designação
itinerante” (roving assignment), exercida simultaneamente nas embaixadas do Rio de Janeiro e de
Buenos Aires, tenha tido como objetivo o cumprimento de alguma tarefa específica nos dois países. No
Brasil, é possível que ele tenha sido o oficial norte-americano responsável pela orientação aos agentes
brasileiros na organização de um serviço de inteligência e contrainteligência.581
A pesquisadora Priscila Brandão (2002, p. 48-53) apresenta alguns outros detalhes sobre o apoio
do governo norte-americano à reativação do SFICI que, confrontados com as fontes norte-americanas,
ajudam a esclarecer aspectos importantes desse processo. Ela afirma que, em 1956, o presidente
Kubistchek havia indicado o “general Humberto Melo [sic] para ativar o SFICI”. Com base em um
depoimento do general Rubens Bayma Denys, informa que “haveria um compromisso do governo
brasileiro com o governo americano de se criar um serviço nos moldes da CIA”. Esta agência, segundo
Denys, “teria dado todo o apoio e assistência necessários à construção” de tal serviço no Brasil:

Quatro pessoas foram enviadas aos Estados Unidos em 1956 com a intenção de
compreender a estrutura e o funcionamento dos serviços de informações norte-
581 É possível que “o homem de Washington” seja a mesma pessoa a que se refere Kubistchek em seu depoimento a Moniz
Bandeira transcrito na citação acima, enviado ao Brasil, segundo Kubitschek, para tratar sobre as medidas de repressão ao
comunismo e o “entrosamento maior da CIA com os serviços secretos brasileiros”.
368

americanos: o coronel Humberto Souza Melo [sic] 582, o major Knack de Souza 583, o
delegado de polícia José Henrique Soares 584 e o então capitão Rubens Bayma Denys 585.
Participaram de reuniões no Departamento de Estado americano, na CIA e no FBI,
onde professores e instrutores os orientaram sobre o modo de organizar e montar um
serviço de inteligência (BRANDÃO, 2002, p. 48)

O mês de abril de 1956, época em que Dunn relatou o acordo feito com Kubitschek, coincide
com o período de nomeação de Mello, Knaack de Souza e Denys para o Conselho de Segurança
Nacional e do delegado Soares para trabalhar “nos setores de segurança pública no Rio de Janeiro”. O
coronel Humberto de Souza Mello, muito provavelmente, era “o homem” mencionado na carta de
Dunn para Holland, que se encarregaria do “trabalho” no Brasil – ou seja, comandaria o SFICI.
Conforme depoimento de Bayma Denys consultado por Brandão (2002, p. 49), a ideia inicial para
reativação desse órgão era “criar uma agência central nos moldes da CIA para, posteriormente, criar
uma agência operacional”, com atuação dentro do país apoiada por uma polícia federal e, “fora do país,
com o apoio do serviço diplomático”.
Nesse período, encontrava-se nos Estados Unidos o coronel Antônio Carlos da Silva Muricy,
mencionado no capítulo anterior. Depois de trabalhar no gabinete do ministro da Guerra, general

582 Até o final de março de 1956, Mello era chefe da seção de planejamento da Zona Militar do Leste (Correio da Manhã,
29/03/1956). Em abril de 1956 ele era “assistente-secretário do general Odylio Denys, comandante da Zona Militar do
Leste”. Uma festa foi organizada em sua homenagem, em função de sua “nomeação para o Conselho de Segurança
Nacional” (Jornal do Brasil, 17/04/1956). É interessante notar que esta nomeação ocorreu cerca de quinze dias após a data
do memorando em que Dunn havia relatado o seu encontro com o presidente Kubitschek. Conforme o DHBB, em 1958,
“paralelamente a suas atividades do CSN [Conselho de Segurança Nacional], participou do grupo de trabalho de preparação
e organização do curso de informações da Escola Superior de Guerra (ESG)”. Também “fez o curso da ESG em 1959,
tornando-se membro de seu corpo permanente nesse ano e no seguinte” (DHBB, Verbete biográfico). O general Gustavo
Moraes Rego Reis, que foi assessor de Ernesto Geisel quanto este ocupava a chefia do gabinete militar da presidência da
república durante o governo Castelo Branco (1964-1967), caracteriza Mello como "um radical intolerante" (CASTRO,
D'ARAÚJO e SOARES, 1994, p. 154). Elio Gaspari (2014) se refere ao general Humberto Mello como "ferrabrás da
repressão política", durante o período em que comandou II Exército, sediado em São Paulo, entre 1971 e 1974, envolvido
com a Operação Bandeirantes (Oban) e o Departamento de Operações Internas — Centro de Operações para a Defesa
Interna (DOI-CODI), que lideraram o combate às organizações de esquerda na cidade.
583 Geraldo Knaack de Souza (1912-1988) foi membro do Conselho Deliberativo da chapa encabeçada pelo general
Cordeiro de Farias para as eleições do Clube Militar realizadas em maio de 1950 ( Correio da Manhã, 10/01/1950). Em
junho de 1951, foi designado para fazer um curso na Escola de Comando e Estado-Maior de Fort Leavenworth, nos EUA
(Correio da Manhã, 05/06/1951). Em 18 de abril de 1956, foi designado para a Secretaria-Geral do Conselho de Segurança
Nacional (Correio da Manhã, 21/04/1956). Em dezembro de 1957, tornou-se tenente-coronel (Correio da Manhã,
27/12/1957).
584 O capitão José Henrique Soares era delegado do DOPS de Minas Gerais até abril de 1956, quando, “atendendo a
convite de Juscelino”, foi para o Rio “trabalhar nos setores de segurança pública” (Folha Mineira, 17/04/1956). Em julho de
1958 foi nomeado oficial do gabinete civil do presidente Kubistchek (O Jornal, 23/07/1958) e, em novembro de 1959,
tornou-se chefe de gabinete do coronel Luiz Ignácio Jacques Júnior, diretor do DFSP (Jornal do Comércio, 20/11/1959).
585 Denys “estava à disposição da secretaria geral do Conselho de Segurança Nacional entre abril de 1956 e fevereiro de
1957” (DHBB, Verbete biográfico).
369

Canrobert, e integrar o corpo permanente da ESG (debatendo a criação de um serviço de inteligência


anticomunista no Brasil), e brevemente comandar um Grupo de Artilharia de Costa em Niterói, durante
o ano de 1955, Muricy foi nomeado, no início de 1956, chefe da Comissão Militar Brasileira em
Washington586. Em seguida, por “conveniência do serviço”, foi nomeado adjunto do adido militar na
embaixada brasileira nos Estados Unidos587 (MURICY, 1993, p. 334). Sobre esse período, ele relatou:

(…) segui para Washington, assumi a chefia e passei dois anos e dois meses nos
Estados Unidos. O adido militar era o Machado Lopes, que já tinha sido meu
companheiro no Colégio Militar de Barbacena, comandante-aluno, quando eu estava
lá, em 1918. Mais tarde, nos reencontramos em várias circunstâncias, mas nunca
tínhamos estado perto. Fiz uma amizade cerrada durante a convivência com o
Machado Lopes. (…) A colônia brasileira era muito unida. As três armas e o meio civil
da colônia brasileira em Washington formaram um ambiente muito agradável. Vim a
conhecer pessoas de quem sou amigo até hoje. (…) Fiz inúmeras amizades no
Itamarati através da embaixada brasileira. (…) Passei dois anos de trabalho sério e
tranquilo. Washington é uma cidade maravilhosa. (…) Tive alguns contatos com os
militares americanos. Foram contatos muito cerrados. Eu tinha contato permanente
com um coronel – não me lembro o nome –, que era o chefe encarregado do material
no Pentágono. Eu tinha contato cerrado com alguns militares que também tinham
contato na embaixada. Entre eles, menos, mas com alguma relação, estava o [Vernon]
Walters, o Moura, que veio ser adido aqui588 (…). Eu estava em Washington, na
embaixada, quando o [Vernon] Walters voltou daquela célebre viagem com o Nixon
em que eles tiveram uma recepção tempestuosa. Em Caracas eles receberam
cusparadas. Eu e o Machado Lopes estávamos na embaixada quando o [Vernon]

586 “O Lott, muito organizado, estabeleceu oficialmente um critério para a ida de oficiais para o estrangeiro. Esse critério
incluía várias condições, entre elas, cursos, posições nos cursos, trabalhos efetuados, mais isso, mais aquilo. E o Estado-
Maior devia organizar a relação. Quando vi isso, não tive dúvida de que meu nome apareceria. E um belo dia eu recebi o
recado do general Coelho dos Reis, chefe do gabinete do Lott: ‘O ministro manda convidar você para ser o chefe da
Comissão Militar Brasileira em Washington." Eu disse: "Mas eu sou um adversário...Tomé [Coelho Reis], espere dez dias e
eu lhe dou uma resposta’. (…) Os outros companheiros disseram: ‘Não há dúvida nenhuma’. Então, dei a resposta positiva
ao Coelho dos Reis. Dias depois, saiu a minha nomeação para a chefia da Comissão Militar Brasileira em Washington. Essa
comissão é diretamente subordinada ao ministro. Ela não tem nenhuma interferência com nenhum outro órgão. Recebe
ordem direta do Ministro da Guerra ou através do seu chefe de gabinete e de mais ninguém. (…) Na mesma ocasião, foi
nomeado para a comissão o Ariel Paca de Oliveira, que era tenente-coronel. Eu era coronel. Eu ia ser chefe e ele subchefe.
(…) A função principal era fazer aquisições diretas de todo material necessário para o Exército e atender os oficiais no
exterior que não estivessem em função diplomática” (MURICY, 1993, p. 333-334).
587 “(…) eu tinha uma dupla função. Eu, então, frequentava o Clube dos Adidos Militares e tinha relação com vários
países. Fiz muito boa amizade com o adjunto francês, com o pessoal de Portugal... (...) Nós íamos constantemente à
embaixada portuguesa. Mas eu fugia. Essa coisa de recepção todo dia cansa” (MURICY, 1993, p. 342).
588 Moura “era de uma família portuguesa de Massachusetts, e a mulher dele, Jô, também. (…) Durante a guerra, ele foi
trabalhar conosco, como intérprete. Ele falava um português carregado... de Portugal. Mas com o convívio com brasileiros
desde 1944 – depois, ele veio para cá como adido, foi para os Estados Unidos, continuou em ligação com os brasileiros, foi
e veio – hoje o Moura fala o português como qualquer um de nós, como se tivesse nascido aqui. Inclusive, ele fez uma
brincadeira. Quando estava aqui, ele ia muito ao gabinete do ministro e ia fardado de oficial americano. Um dia, um
companheiro nosso, que não sei quem foi, disse-lhe: ‘Mas Moura, como que você vive fardado de oficial americano?’ E ele:
‘Não diz nada... isso aí [é] uma ligação que nós temos aqui no Brasil... com o governo americano... Então eu me disfarço...’"
(MURICY, 1993, p. 346).
370

Walters disse: "Muricy, a pior coisa do mundo é a gente ficar numa posição de sentido
sendo cuspido na cara." Ele estava com uma raiva danada… (MURICY, 1993, p. 340-
342).

Sabemos que Muricy mantinha boas relações com militares americanos, desde o período da
Segunda Guerra Mundial. Um documento de 1973, produzido pela CIA, afirma que Muricy tinha
repassado informações “fiel e precisamente” por um período de 27 anos (he has reported faithfuly and
accurately over a period of 27 years) (Cable, 17/01/1973). Apesar de ter afirmado, categoricamente,
que quando estava em Washington, nunca fez “política” (1993, p. 349), é difícil acreditar que ele não
tenha sido abordado por oficiais americanos para colaborar com a estratégia que estavam
desenvolvendo para o Brasil. Se, como visto no capítulo 1, o plano de operações contra o comunismo
na América Latina, elaborado em 1955, previa que, para uma maior aproximação com os governos
latino-americanos, deveriam ser feitos convites a “oficiais civis e militares de prestígio” para que
visitassem os Estados Unidos – “de maneira sistemática, por períodos curtos” para “observar as
operações e atividades” do país, aproveitando tais oportunidades para instruir os visitantes sobre as
possibilidades de ação contra o comunismo no continente –, podemos imaginar a importância que se
conferia aos contatos feitos com um militar com a trajetória de Muricy, que passou dois anos vivendo
naquele país, entre 1956 e 1958. Justamente no auge das articulações entre o governo brasileiro e o
norte-americano para a criação de um sistema de inteligência, tema que era familiar ao coronel
brasileiro. Não podemos ignorar que, a partir de 1958, retornando ao Brasil, ele ocuparia postos em
duas das regiões de maior interesse político para os anticomunistas naquele período: Pernambuco 589 e
Rio Grande do Sul. Depois de se envolver com a “crise da legalidade”, Muricy assumiu uma guarnição
em Natal, no início de 1962. Permaneceu no Nordeste até 1963, quando começou a “conspirar” contra
o governo de João Goulart590.
As fontes produzidas pelo governo estadunidense revela outros aspectos importantes do seu
apoio ao fortalecimento do aparato repressivo brasileiro. Em janeiro de 1958, o embaixador Briggs
enviou um telegrama ao Departamento de Estado contendo informações adicionais à documentação

589 “Quando estava me preparando para voltar, escrevi ao Pedro [Geraldo], com quem eu mantinha correspondência”.
Como visto no capítulo anterior, Pedro “Malasartes”, como Muricy o chamava, tinha sido o responsável, no gabinete do
general Canrobert, por identificar os comunistas no interior do Exército. Tinha, posteriormente, ocupado o mesmo cargo que
Muricy viria a ter pouco depois em Washington (chefe da Comissão Militar). Ambos tinham trabalhado juntos na ESG.
(MURICY, 1993, p. 345). Maiores informações sobre o período de Muricy em Pernambuco, ver FICHA em anexo.
590 Maiores informações sobre a atuação de Muricy no Rio Grande do Sul e sobre seu envolvimento com a crise da
legalidade e com a conspiração contra o governo de João Goulart, ver FICHA em anexo.
371

norte-americana sobre o SFICI, obtidas a partir de uma reunião realizada com membros do MRE na
qual foi discutida “a postura [do ministério] relacionada ao estabelecimento dessa organização”. Briggs
acrescentou que o memorando descritivo dessa reunião “e um memorando de 01 de dezembro de 1957”
intitulado “Sumário das recentes conversações com oficiais brasileiros relacionadas ao comunismo no
Brasil” deveriam ser lidos “em conexão” com a sua “recente troca de telegramas com Frank Wisner”.
Briggs ressaltou que “cópias desta documentação foram encaminhadas a ele [Wisner] através de outros
canais” e que ele esperava “ter outra conversa com o presidente [Kubitschek] sobre o tema e obter
esclarecimentos dele” (Carta, 22/01/1958). Não foi possível encontrar nenhum dos documentos a que
se referiu o embaixador Briggs, mas o envolvimento de Frank Wisner, chefe do DD/P da CIA, com
questões relacionadas ao SFICI indica que a relação estabelecida com o serviço de inteligência
brasileiro estava a cargo do setor de operações clandestinas da CIA, liderado por Wisner desde 1952,
conforme visto no capítulo 3. Wisner, como informado no capítulo 1, esteve presente às reuniões de
janeiro de 1956 entre representantes do governo do Brasil e dos Estados Unidos, na qual enfatizou a
necessidade de criação de uma agência de inteligência anticomunista no Brasil. Seu envolvimento com
questões relativas ao Brasil é outro indício da importância do país para os interesses da política exterior
norte-americana e da utilização do método das operações encobertas para a sua efetivação.
Em 1958, a embaixada norte-americana demonstrava não estar satisfeita com os resultados da
reativação do SFICI e com a suposta falta de iniciativa do governo brasileiro para endurecer as leis
repressivas no país. Em fevereiro daquele ano, Briggs enviou uma carta ao secretário de Estado
adjunto, Roy R. Rubottom, com uma análise sobre a conjuntura política e econômica brasileira feita por
ele e por outros dois importantes oficiais da embaixada – o diretor do USOM, Howard C. Cottam, e o
chefe local da USIA, John P. McKnight. Briggs, ao reclamar da demora na criação de estruturas
repressivas mais sólidas no Brasil, revelou, ao mesmo tempo, quais eram os reais objetivos da política
estadunidense relacionada a este tema:

Pelo menos no papel, o Brasil é altamente vulnerável à subversão comunista interna e


externa. O conceito de federação no campo político é levado a tal extremo que deixaria
atônito um [norte] americano de cem anos atrás, já que não apenas não existe uma
polícia federal de nenhum tipo como também não existem partidos políticos que
defendam uma política nacional bem definida. Em contraste com o campo econômico,
em que seu poder é considerável, o governo central tem muito pouca autoridade fora
do Distrito Federal em questões de segurança não-militar. O partido comunista é ilegal,
mas o comunismo é perfeitamente legal no Brasil, sua propaganda não é controlada, e
372

um comunista tem todo o direito enquanto indivíduo (não como um representante


proclamado do partido) a ter um cargo público em nível municipal, estadual e federal.
Não foram desenvolvidas medidas no serviço público brasileiro para impedir a
nomeação de funcionários comunistas, nem para a sua remoção ou isolamento de
posições importantes em serviços civis ou militares ou em profissões docentes. As leis
contra as atividades subversivas são praticamente inexpressivas. Não apenas não existe
uma polícia federal: não existe um mecanismo para centralizar em um só lugar as
informações relacionadas a pessoas suspeitas de atividades subversivas que permita às
polícias políticas dos vários estados e do Distrito Federal buscar assistência. Você com
certeza está sabendo dos mal sucedidos esforços aqui, nos últimos dois anos, para criar
uma modesta organização de contrainteligência em base nacional (Carta, 06/02/1958).

A avaliação de Briggs indica que o governo estadunidense buscava influenciar o fortalecimento


do aparato repressivo brasileiro com o objetivo de aprofundar as medidas de controle social no país.
Caso estas medidas desejadas pela administração Eisenhower fossem adotadas tal como descritas pelo
embaixador Briggs, o Brasil se tornaria um exemplo mundial de como sufocar sistematicamente grupos
sociais dissidentes sem alteração da fachada de um regime político democrático formal no país. No
entanto, o governo estadunidense sabia das dificuldades envolvidas na implantação das medidas
previstas em seu planejamento. Por isso, ao longo do ano de 1958, a embaixada do Rio de Janeiro
buscou outros meios e colaboradores locais para acelerar a execução de seu programa anticomunista.
Exemplo disso foi a relação estabelecida com o diretor do Departamento Federal de Segurança
Pública (DFSP), general Amaury Kruel591, e com o chefe de sua Divisão de Polícia Política e Social

591 Conforme Huggins (1998, p. 113), “o general Kruel foi uma sábia escolha para ajudar a introduzir um programa de
segurança pública no Brasil. Velho amigo dos Estados Unidos, em 1943 Kruel passara três meses em treinamento militar no
Forte Leavenworth, no estado do Kansas. Ele fez parte de um grupo de onze oficiais do exército brasileiro ali treinados,
aprendendo a ‘substituir os métodos franceses de luta pelos métodos dos Estados Unidos’ (…). O relacionamento de Kruel
com os Estados Unidos deve ter se tornado ainda mais estreito quando se tornou chefe da seção de inteligência da Força
Expedicionária Brasileira (FEB) (…) que participou com os Estados Unidos em sua campanha na Itália, na Segunda Grande
Guerra”. Antes de assumir a chefia do DFSP, em 11 de maio de 1957, Kruel era o comandante da Divisão Blindada da 1ª
Região Militar. Em junho de 1959, foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional para
apurar acusações de corrupção na DFSP, liderada por Geraldo de Menezes Côrtes (UDN). Após uma agressão física de
Kruel contra Côrtes, o chefe do DFSP pediu demissão do cargo em agosto de 1959. Em setembro de 1961, assumiu a chefia
do Gabinete Militar da Presidência da República, logo após a posse de João Goulart como presidente. Um ano depois foi
empossado como Ministro da Guerra. Em dezembro de 1963, assumiu o Comando do II Exército, em São Paulo, e viria a
desempenhar um papel importante nos primeiros movimentos militares de 31 de março de 1964 (Verbete biográfico,
DHBB). De acordo com Rose (2005, p. 233), em 1957, Kruel aprovou uma proposta feita por Cecil Borer (sobre o qual
falamos no capítulo 6), então lotado na chefia do policiamento de trânsito, que patrulhava as ruas da capital em
motocicletas, a qual teria resultado no Grupo de Diligências Especiais (GDE), que foi chefiada por Eurípedes Malta de Sá.
O restante da equipe era composta por Itagiba José de Oliveira, João de Deus Dorneles e Salvador Correa de Oliveira. A
nova unidade “tinha luz verde para eliminar todo e qualquer delinquente que circulasse pela cidade. Quando se decidia ir
atrás de um suspeito especifico a morte desse indivíduo já tinha sido decidida. Se a sua localização fosse conhecida,
Eurípedes pegaria uma grande sacola de compras na qual ele carregava uma metralhadora. Ele então reuniria seus homens e
eles dirigiriam para longe para assassinar o malfeitor. Com frequência os corpos eram despejados sem cerimonia na Baixada
Fluminense. Jornalistas eram algumas vezes notificados sobre o que iria acontecer e algumas vezes eles chegariam a
373

(DPS), o coronel Danilo Nunes592. Em março de 1958, em telegrama enviado ao Secretário de Estado, o
embaixador Briggs julgava que a proposta de Kruel de realizar o Segundo Congresso Nacional de
Polícias, prevista para maio de 1958, visando aumentar a coordenação das atividades de combate ao
comunismo, “não era a mais adequada para a implementação do OISP 593”. Ele relatou que “a
embaixada estabeleceu contato próximo com o general [Amaury] Kruel e com o coronel Danilo Nunes”
e que planos haviam sido feitos “para a visita deles a organizações de polícia e centros de treinamento
nos Estados Unidos no futuro próximo”. “Assim que eles retornassem”, acreditava Briggs, “as
discussões referentes à recomendação B594” iriam “naturalmente surgir” e eles poderiam “ser instigados
(they can be induced) a apoiar a ideia de criação de uma academia nacional de polícia” (Telegrama n.
1139, 08/03/1958).
Um despacho diplomático enviado ao Departamento de Estado em 31 de janeiro de 1958 sugere
que a visita de Kruel e Nunes aos Estados Unidos poderia acelerar o processo de coordenação entre as
atividades das delegacias de polícia política e social (DOPS) estaduais e as do DFSP. Esperava-se que
esta última fosse o órgão centralizador das atividades de repressão do país, com poder para além do
Distrito Federal. Kruel e Nunes viajaram para os Estados Unidos em abril de 1958, junto com o coronel
Eurico Coelho Quinan, do DFSP. Em 31 de março de 1958, o secretário adjunto Rubottom enviou um
memorando a Ernest Siracusa, Maurice Bernbaum e Henry Hoyt, todos do Bureau of Inter-American
Affairs do Departamento de Estado, descrevendo a agenda dos oficiais brasileiros durante a sua estadia
nos Estados Unidos. Neste documento, Rubottom também informou:

acompanhar Eurípedes e seus homens. No dia seguinte jornais do Rio iriam noticiar que outro bandido tinha sido tirado de
circulação”. Como afirma Huggins (1998, p. 114-5), “essa atividade dos esquadrões da morte estava em pleno florescimento
no Brasil, no momento em que os Estados Unidos ali ampliavam seu novo programa de treinamento policial. (…) os
registros demonstram que, ao invés de reprimir os esquadrões da morte, alguns consultores de segurança pública norte-
americanos de fato cooperaram com membros do governo brasileiro e com policiais locais envolvidos com esquadrões da
morte. A ajuda policial norte-americana dava sustentação à degenerescência do sistema policial brasileiro (...)”.
592 Nunes foi nomeado chefe da DPS em maio de 1957. Em telegrama para o secretário de Estado, o embaixador Dunn
afirmou que a embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro dependia “do DOPS para obter muitas informações”.
(Telegrama n. 95, 06/02/1956).
593 Overseas Internal Security Program, como passou a ser chamado o programa 1290-d a partir de 1957. A embaixada não
achava que esta coordenação pudesse ser efetivada a partir da realização de um encontro entre as polícias brasileiras, já que
este envolvia a aprovação de propostas que depois deveriam ser encaminhadas para a avaliação da Câmara dos Deputados.
“Dois projetos de lei autorizando um novo estatuto para o DFSP foram apresentados na Câmara dos Deputados, um em
julho de 1956, e o outro em março de 1957, e nenhuma atitude foi tomada pela Câmara sobre nenhuma das duas propostas”,
lamentavam representantes da embaixada (Joint Weeka n. 5, 31/01/1958).
594 Não foi possível encontrar o documento em que havia a referência a essa recomendação.
374

O propósito da visita é estimular o interesse do general Kruel nos métodos e técnicas


policiais dos Estados Unidos. Este é o primeiro passo de um objetivo mais amplo de
promover a segurança interna no Brasil através do fomento à coordenação mais
próxima entre as organizações de polícia no país e, finalmente, o estabelecimento de
uma academia nacional de polícia e, possivelmente, de uma agência nacional de
polícia. Recomenda-se uma atenção mais do que habitual (more-than-usual attention)
de sua parte para uma visita como essa em função da importância do general Kruel,
pessoalmente e por sua posição, e pelo papel que ele pode cumprir no desenvolvimento
de métodos policiais antissubversão e de segurança interna efetivas no Brasil
(Memorando, 31/03/1958).

A agenda prevista de Kruel e Nunes nos Estados Unidos seria intensa. Nos dias 14 e 15 de abril,
eles participariam de reuniões no Departamento de Estado e no FBI. Entre os dias 16 e 20, realizariam
visitas a departamentos de polícia nos estados da Pennsylvania e de Nova Iorque. No dia 21,
participaram de reuniões na ICA, no Pentágono, e em uma firma local empregada pela ICA para
fornecer treinamento policial595. O local da visita que seria realizada entre os dias 21 e 23 de abril
aparece censurado no documento, ou seja, Kruel e Nunes provavelmente visitariam instalações da CIA.
No dia 24, seria realizado o coquetel de despedida dos oficiais brasileiros. Estariam presentes o
conselheiro Henrique Rodrigues Valle e o secretário Maury Gurgel Valente, ambos da embaixada do
Brasil em Washington DC. Os representantes norte-americanos seriam Rubottom, Maurice Bernbaum e
Henry Hoyt, do Departamento de Estado, Alan J. Belmont (diretor adjunto da Divisão de Inteligência
Doméstica do FBI), o coronel Arthur E. Kimberling (diretor substituto da Divisão de Segurança Pública
da ICA), dois nomes que aparecem censurados, portanto, oficiais da CIA, e o diretor da Divisão de
Hemisfério Ocidental da CIA, o coronel Joseph Caldwell King (Memorando, 31/03/1958).
Não foram encontrados maiores detalhes sobre os encontros que Kruel e Nunes tiveram nos
Estados Unidos, mas o memorando descritivo de uma reunião realizada no Departamento de Estado
apresenta informações interessantes. Estiveram presentes no encontro Rubottom, Ernest Siracusa,
Kruel, Nunes e Quinan. Havia uma outra presença digna de nota: Joseph W. Reidy, descrito no
memorando como representante “da embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e oficial
acompanhante do General Kruel”. Na verdade, Joseph W. Reidy 596 era um operativo da estação local da

595 Huggins (1998, p. 104-6) analisa uma delas, a INPOLSE, “uma firma de fachada da CIA” sediada nos Estados Unidos
que oferecia treinamento a policiais estrangeiros.
596 Um memorando do início de junho de 1958 relata uma visita feita pelo chefe adjunto da divisão de América Latina da
Seção de Segurança Pública da ICA a Howard Cottam, conselheiro da embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e
Diretor da US Operations Mission (USOM) do Brasil. A sua visita tinha o objetivo de “esclarecer concepções equivocadas e
mal-entendidos” sobre o papel da ICA e a função do programa de segurança pública da agência. Em resposta, Cottam
afirmou que “pouco se sabia sobre as polícias, pois os srs. David W. Smyser e Joseph W. Reidy, assistentes políticos da
375

CIA no Rio de Janeiro, conforme visto no capítulo 3. O relato do encontro apresenta outros indícios
sobre o envolvimento da CIA e da disposição do governo Kubitschek em colaborar no combate
conjunto ao comunismo no Brasil:

O senhor Rubottom referiu-se ao papel do general na luta contra a subversão


comunista. (…). O general Kruel disse que Kubitschek tomou a decisão de aderir a
uma abrangente campanha anticomunista. (…). A ideia, disse Kruel, é manter uma
propaganda contínua contra os comunistas e o comunismo, como um prelúdio à
promulgação de uma legislação anticomunista que seria dirigida especificamente
contra os comunistas. (…). Esta legislação destina-se a aumentar a capacidade do
governo para lidar com os comunistas, para removê-los de cargos públicos, etc., e será
especificamente dirigida contra os comunistas. Assim, disse Kruel, os partidos de
oposição provavelmente não iriam se opor às medidas 597. (…). [O sr. Rubottom]
ofereceu a cooperação do governo dos Estados Unidos por meios apropriados e disse
que espera que a visita do general possa ter uma efetiva contribuição nesse sentido.
(…). Embora ele tenha se referido a elas brevemente, o sr. Rubottom não entrou em
detalhes sobre as várias instituições anticomunistas, as quais é nosso objetivo ajudar
os brasileiros a criarem. Ao invés disso, ele se resumiu a falar sobre o contexto geral
destas discussões que serão realizadas na CIA (Memorando, 14/04/1958, itálicos
meus).

Em seu regresso ao Brasil, o coronel Danilo Nunes concedeu uma entrevista na qual
demonstrou estar em harmonia com a pauta repressiva defendida pelo governo norte-americano. Ele
declarou que, durante sua visita aos Estados Unidos, procurou “tomar conhecimento das leis em vigor”
no país, “particularmente aquilo que interessava ao meu setor, a Segurança Nacional”. “Procurando
saber quais as leis de defesa do Estado”, Nunes tomou conhecimento de que, nos EUA, “para um
indivíduo poder ingressar no serviço público” era necessário que “não tenha sido e não seja

embaixada’, eram os únicos que contatavam e trabalhavam com as polícias” (Memorando, Herbert O. Hardin, 04/06/1958).
De acordo com um fichário de registros de atividades do ano de 1951 do diretor da CIA, disponível no sítio eletrônico da
agência, “a CIA de Frankfurt relata que Joseph W. Reidy, um oficial da equipe de operações baseadas na Alemanha contra a
Albânia, sofreu um colapso físico devido ao excesso de trabalho. Ele deve tirar um longo tempo de descanso e estará fora de
ação indefinidamente. Suas atribuições foram designadas para outro oficial” (Director’s Log, CIA, 05/09/1951).
597 Em abril de 1958 – não por acaso a mesma época em que Kruel e Nunes viajaram aos Estados Unidos – foi elaborado
um anteprojeto de lei de defesa prévia do regime pelo ministro de justiça, Eurico Sales. O presidente Kubitschek estava
“empenhado em ouvir os partidos políticos” e “outros órgãos encarregados da defesa nacional, como é o caso do Conselho
de Segurança Nacional, expressamente citado pelo presidente” (Correio da Manhã, 16/04/1958). A nova lei permitiria
“articular a defesa prévia do regime na luta contra o comunismo” (Última Hora, 14/04/1958). O ministro Sales reconhecia a
“existência de infiltração comunista” e manifestou “o pensamento de que se deve agir preventivamente, donde a
necessidade de uma legislação permanente, e não lei de exceção, que permita a defesa das instituições democráticas”
(Última Hora, 16/04/958). O projeto, no entanto, não parece ter sido levado adiante, pois o governo não dispunha de
maioria para aprovar a lei (Jornal do Brasil, 23/04/1958).
376

comunista”. Para comprovar isso, explicou Nunes, o candidato era obrigado a “fazer uma declaração de
que não pertenceu ou não pertence a uma série de organizações que as autoridades relacionam e que
são o Partido Comunista e as suas frentes legais”. “Caso o candidato declare que pertenceu a uma
dessas organizações, seu ingresso como funcionário é vetado”, prosseguiu Nunes, acrescentando que
“se a pessoa ao fazer tal declaração, nega, e mais tarde venha a ser descoberto, é processada por crime
de perjúrio, cuja pena, no caso de ser condenada, é de cinco anos de prisão” (Correio da Manhã,
07/05/1958).
Nunes destacou que os comunistas norte-americanos acharam “que isso era um abuso de
autoridade”, mas a Suprema Corte do país “deu razão ao governo achando que estavam as autoridades
procurando com isso acautelar os princípios democráticos do país”. “O que muito me chamou a
atenção”, disse o coronel, “é que na instrução ministrada aos policiais na América do Norte uma coisa é
observada com muito cuidado”: “quando um agente tem que enfrentar um marginal de alta
periculosidade, é preciso que saiba como agir”. Assim, prosseguiu o coronel, “se o indivíduo sacar uma
arma, o policial deverá estar em condições de atingi-lo primeiro para salvar a sua vida”. Nunes também
ficou encantado com a “aparelhagem técnica: essa pletora de meios faz com que o trabalho seja feito
com grande facilidade e de modo quase perfeito”, avaliou o coronel. Mas nada impressionou mais
Nunes do que a estrutura do FBI, considerada por ele como “uma organização modelar”, dispondo de
“material moderníssimo, dos melhores laboratórios e um fichário que funciona com cérebro eletrônico
e tem jurisdição federal”. Com esta estrutura, completou Nunes, “qualquer crime contra a segurança do
Estado é atribuição do FBI, de modo que a luta contra o extremismo é feita de uma maneira
centralizada, coordenada por um único organismo”. “Enquanto isso”, finalizou o coronel, “nós estamos
aqui e não temos uma Polícia Federal nem para combater o comunismo, havendo até reações de alguns
círculos, reações essas inexplicáveis” (Correio da Manhã, 07/05/1958).598
A notícia da visita de oficiais brasileiros aos Estados Unidos despertou interesse de
representantes do MRE em se aproximar da CIA, indicando mais um exemplo da disposição de oficiais
brasileiros em colaborar com o governo dos Estados Unidos no combate ao comunismo. Philip Raine,
oficial de assuntos políticos da embaixada do Rio de Janeiro, encontrou-se com o diplomata Antônio
Amaral de Sampaio, que afirmou ter se tornado “chefe de uma seção com cinco secretários

598 Moniz Bandeira (1978, p. 387) identificou, há mais de quarenta anos atrás, que “alguns elementos do próprio governo,
como o coronel Danilo Nunes, diretor da Divisão de Polícia Política e Social, promoviam o anticomunismo, anunciando a
misteriosa presença de submarinos soviéticos em águas do Brasil. O coronel Danilo Nunes chegou a entregar ao Itamaraty
um relatório, considerando inconveniente do ponto de vista da segurança nacional o restabelecimento de relações com a
União Soviética”.
377

subordinados a ele”, encarregada de “assuntos do Oriente Médio e temas de segurança nacional, além
de várias unidades relacionadas às colônias portuguesas”. Sampaio teria dito que

O coronel Danilo Nunes falou para ele [Sampaio] sobre a ótima recepção que ele e o
general Kruel receberam na CIA em Washington e acrescentou que esperava que fosse
possível para ele conhecer algumas das pessoas daquela agência em função das suas
responsabilidades relacionadas com os assuntos de segurança nacional no Itamaraty.
Eu [Raine] disse que se ele desejasse eu ficaria feliz em levar a sugestão dele à atenção
dos oficiais apropriados (Memorando, 29/09/1958)599.

Apesar de todo o esforço empreendido, parece que nem tudo aconteceu exatamente como
esperava o governo americano. Notícias de jornais sugerem que existiu uma disputa interna entre os
militares em relação ao Conselho de Segurança Nacional e sua relação com o SFICI. Esta talvez seja a
explicação para uma denúncia sobre este último órgão, veiculada no Correio da Manhã:

Está funcionando, há algum tempo no Brasil, uma polícia particular com todas as
características da Gestapo de Hitler. Orientada por um coronel que sonhou formar sua
própria milícia, vem ela tendo ação em todo o território nacional, com plenos poderes,
coberta por uma verba “fantasma”, afastada completamente do Conselho de Segurança
Nacional. Num prédio estranho ao Conselho, com um corpo de agentes escolhidos e
quebrando a própria hierarquia funcional, o “chefe” desta polícia tem se entendido
diretamente com o presidente da república. (…). O coronel Humberto de Melo [sic]
aproveitou-se do ambiente favorável no atual governo e resolveu formar sua própria
polícia particular (…). Criou, então, sua milícia e está operando em todo o Brasil,
seguindo pessoas, coligindo dados pessoais e indo de encontro ao texto de um recente
decreto assinado pelo presidente da república.(…) foi assinado o decreto criando o
Serviço Federal de Informações [sic] (S.F.I.C.I.) com a finalidade de congregar
informações e contrainformações fornecidas pelo Alto Comando do Exército,
Aeronáutica, Marinha e Itamaraty. Esse serviço não terá caráter operativo, isto é, não
poderá efetuar prisões nem investigar a vida de quem quer que seja. Limita-se a uma
interligação dos diversos órgãos. (…). O que está ocorrendo, no entanto, é bem
diferente do que diz o decreto. O coronel Humberto de Melo [sic] tinha ideias próprias.
Desejava dar caráter operativo ao serviço. Contra isto se antepôs o general Nelson de
Melo e o próprio coronel Chrisanto de Miranda Figueiredo, do Conselho de Segurança
Nacional. (…). Embora derrotado em seu ponto de vista, o coronel Humberto de Melo
[sic] está vitorioso. Está agindo sua polícia abertamente em todo o país, embora
ninguém saiba com que verba é mantida a super-polícia. Os informes coligidos por ela,

599 Não sabemos se Sampaio, de fato, buscou apoio da CIA. Mas o importante, sobre esse documento, é que ele sugere que
certos oficiais brasileiros, relacionados aos organismos repressivos estatais, sabiam como e onde buscar apoio para suas
atividades.
378

que deveriam ir às mãos do presidente da república (…) através do general Nelson


Melo que, por sua vez, deveria recebê-los do coronel Chrisanto, são levados
diretamente ao sr. Kubitschek pelo próprio cel. Humberto de Melo [sic]. O que esta
Gestapo já “apurou”, já “descobriu”, que “complôs” já foram desmascarados, não se
sabe. A verdade é que na criação do SFICI foi dado prazo de 60 dias para a elaboração
do regulamento pela Junta Coordenadora, quando então, teria início as reais funções do
serviço. E, enquanto não sai, a super-polícia do cel. Humberto continua agindo como
verdadeira Gestapo que é (Correio da Manhã, 10/10/1958).600

Embora não tenha sido possível identificar o que teria motivado a denúncia do jornal, trata-se
de um episódio que ilustra os conflitos internos existentes no governo brasileiro, os quais
possivelmente explicavam a insatisfação do governo norte-americano com os problemas relacionados à
criação de uma efetiva agência de inteligência e contrainteligência no Brasil – efetiva no sentido
desejado pela administração Eisenhower. Estas disputas internas locais talvez ajudem a explicar a
insistência do governo estadunidense em melhorar a coordenação entre civis e militares nas estruturas
do aparato repressivo brasileiro. Oficiais do Departamento de Estado e da ICA, assim como operativos
da CIA, acompanharam de perto as movimentações do governo Kubitschek para promover esta
aproximação. Outro exemplo disso foi a criação da Junta Coordenadora de Informações (JCI), em

600 Em setembro de 1959, o Correio da Manhã noticiou que o coronel Humberto Mello teria participado de “uma reunião
secreta” com o secretário de segurança pública, delegados do DOPS e membros do Exército em Belo Horizonte. Também
estiveram presentes o marechal Odylio Denys (comandante do 1º Exército) e o coronel Danilo Nunes (então secretário do
Conselho Coordenador de Abastecimento). Durante o encontro, o coronel Melo teria dito que “a revolução comunista está
em plena ascensão no país. O Brasil nunca esteve em sua segurança interna e sua projeção internacional tão ameaçadas e
periclitantes como agora. Um golpe de Estado no presente é a meta almejada pelos comunistas para assenhorear-se do poder
no Brasil, através de uma série de ações reivindicatórias e desmoralização do governo, bem como ação revolucionária
contra o regime, de infiltração em altos postos da administração pública e privada”. O coronel culpou a justiça “pelo
rejuvenescimento do comunismo no país ao anular os mandatos de prisão preventiva contra Luiz Carlos Prestes e vários
outros comunistas. Ele também identificou o nacionalismo como “a frente principal de atividades dos vermelhos, dirigida
no sentido de desmoralizar as instituições democráticas e as autoridades governamentais, para propiciar um ambiente a um
golpe de estado por meio pacífico”. Além disso, teria denunciado a existência de “infiltração dos comunistas na alta
administração pública, nas Forças Armadas e principalmente na imprensa”, esta última considerada pelo coronel como uma
“influência nociva que ameaça a segurança interna do país”. Ele criticou a “liberdade de imprensa, tida como uma das
conquistas democráticas, mas que se coloca contra a sobrevivência do regime”. Para o coronel, “o combate ao comunismo
depende da reestruturação de alguns ministérios e de intensa preparação da opinião pública, psicossocialmente”. De acordo
com o jornal, “a exposição do cel. Humberto Melo [sic] foi acompanhada de gráficos, mapas e esquemas do Serviço Secreto
do Exército e do Conselho de Segurança Nacional, obedecendo ao seguinte roteiro: comunismo internacional; introdução;
posição dos Estados Unidos; ligeira notícia sobre o comunismo na América Latina; penetração comunista na América do
Sul; comunismo no Brasil, linha política; tática e formas de luta; síntese da situação atual; possibilidades; combate ao
comunismo (Correio da Manhã, 03/09/1959).
379

dezembro de 1958601, sobre a qual a embaixada dos Estados Unidos estava muito bem informada, para
dizer o mínimo602.
O governo norte-americano também utilizou-se de outros meios para que Kubistchek adotasse
medidas ainda mais duras contra o comunismo. O secretário adjunto Rubottom visitou o Brasil em 11
de junho de 1958, trazendo uma mensagem de Eisenhower em resposta à carta enviada por JK, na qual
o presidente brasileiro havia proposto a criação da Operação Pan-Americana 603. A resposta de
Eisenhower tinha uma mensagem clara:

Como o senhor não adiantou um programa específico para fortalecer a compreensão


pan-americana, parece-me que nossos dois governos devem entrar em entendimento,
no mais breve prazo possível, no tocante às consultas a serem dirigidas aos demais
membros da comunidade pan-americana e à adoção imediata de medidas que
determinem, em todo o continente, uma reafirmação de devotamento ao pan-
americanismo (...). Existe uma vasta gama de assuntos a serem discutidos e analisados,
inclusive, por exemplo, o problema de uma execução mais completa da Décima
Conferência Interamericana, realizada em Caracas, em 1954 604. Considero este
assunto tão importante que estou dando instruções ao senhor Roy Richard Rubottom Jr.
(...) para entregar-lhe pessoalmente minha carta (…) (Correio da Manhã, 11/06/1958,
itálicos meus).605

601 O Decreto n. 45.040 de 6 de dezembro de 1958 aprovou o regulamento da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança
Nacional (CSN) e criou a JCI, que ficaria encarregada de municiar o CSN com “informações de interesse para a segurança
nacional” para que este realizasse os “estudos necessários”, capacitando o governo a “estabelecer as linhas de ação da
Política de Segurança Nacional”, que serviriam como base para a “elaboração do Conceito Estratégico Nacional”. A JCI
ficaria responsável pela obtenção destas informações “através dos órgãos da administração federal, estadual e municipal,
autárquicas, paraestatais e sociedades de economia mista”. A presidência da JCI ficaria a cargo do Secretário-Geral do
Conselho de Segurança Nacional, cargo que na época era ocupado pelo general Nelson de Melo. A JCI seria integrada “pelo
representante do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), e de cada Estado-Maior dos Ministérios Militares, dos
Ministérios Civis, do DFSP e pelo Chefe do SFICI” (Decreto n. 45.040 de 6 de dezembro de 1958).
602 Em abril de 1959, o chefe da estação local da CIA no Rio de Janeiro, Donald C. Marelius, enviou ao embaixador Cabot
uma “lista dos integrantes da Junta Coordenadora de Informações”, que havia sido obtida “na mais estrita
confidencialidade” de “um dos integrantes do SFICI”. De acordo com a lista, a JCI era composta pelos seguintes membros:
general Nelson de Mello (Conselho de Segurança Nacional); Antônio Mendes Viana (MRE); José de Almeida Rios
(Ministério da Educação); Iberê Gilson (Ministério de Finanças); Josias de Carvalho Argons (Ministério da Justiça);
Arnaldo Lopes Sussekind (Ministério do Trabalho); Antônio Augusto Xavier (Ministério da Saúde); Helius Munis Barreto
(Ministério dos Transportes); coronel Ernesto Geisel (Exército); capitão de fragata Frederico Gianini (Estado-Maior das
Forças Armadas); coronel Chrisanto de Miranda Figueiredo (Conselho de Segurança Nacional); coronel Humberto de Mello
(SFICI); coronel Danilo da Cunha Nunes (DOPS Rio de Janeiro) e Luiz Vieira (Ministério da Agricultura) (Memorando,
07/04/1959).
603 A Operação Pan-Americana foi um “programa multilateral de assistência ao desenvolvimento econômico da América
Latina, submetido pelo governo do presidente Juscelino Kubitschek à apreciação do governo dos Estados Unidos em 1958”
(DHBB, Verbete temático). Para uma discussão da Operação Pan-Americana, assim como sobre as dicussões político-
econômicas do projeto de desenvolvimento nacional da administração Kubitschek subjacente a ela, ver IORIS, 2014.
604 Como visto no capítulo 1, os EUA, durante esta conferência em Caracas, buscavam o apoio dos outros países latino-
americanas para uma ação conjunta contra a Guatemala e também um aumento das atividades anticomunistas em todo o
hemisfério. Para maiores detalhes, ver FICHA sobre a Guatemala em anexo.
380

Outro meio para pressionar o governo JK a ampliar o combate anticomunista no Brasil ocorreu
durante a visita do secretário de Estado John F. Dulles ao Brasil, em 04 de agosto de 1958. Moniz
Bandeira (1978, p. 383), baseado em notícias de jornais e em depoimento concedido a ele por
Kubistchek, relata que “uma série de divergências” surgiram nas conversas entre Kubitschek e Dulles.
Este último “reduzia todos os problemas da América Latina à luta contra o comunismo”, que
“constituía o primeiro item de sua agenda”. Segundo depoimento de Kubitschek, “ele [Dulles] queria a
adoção de maiores medidas de segurança, a coordenação dos serviços secretos, a oficialização da
espionagem da CIA no Brasil”. Ainda conforme o depoimento de Kubistchek a Bandeira, o presidente
brasileiro teria se recusado a assinar a minuta da declaração que Dulles havia preparado e trazido, pois
Kubitschek “não concordava com o seu conteúdo, (…), só ressaltando a necessidade de maiores
medidas de repressão, no combate ao comunismo” (BANDEIRA, 1978, p. 384).
A iniciativa norte-americana de apoio ao SFICI não foi um caso isolado na América Latina. Ao
contrário, o governo Eisenhower apoiou a criação ou o fortalecimento de organismos semelhantes em
outros países do continente, em cumprimento às determinações das instruções políticas do Plano Básico
de Operações contra o Comunismo na América Latina. Um exemplo disso foi o apoio à formação do
Biró de Represión Anticomunista (BRAC) em Cuba, uma organização governamental secreta
responsável pela vigilância e repressão ao comunismo 606. Henry A. Hoyt, responsável por assuntos
caribenhos no Bureau of Inter-American Affairs, chegou a se perguntar se não seria conveniente “o
605 Cabe destacar uma presença digna de nota na reunião entre Rubottom e membros do governo brasileiro. Ainda de
acordo com o Correio da Manhã (11/06/1958), Rubottom reuniu-se no Palácio das Laranjeiras com Kubistchek por duas
horas, “acompanhado pelo embaixador Ellis O. Briggs e de um assessor" – que a reportagem não identifica quem é. Logo
após a reunião, JK ofereceu um almoço a Rubottom, ao qual compareceram “Macedo Soares, o ministro José Maria Alkmin,
o sr. Vitor Nunes Leal, o embaixador Briggs, os srs. Lucas Lopes, Sebastião Paes de Almeida, o general Kruel, o sr. C. R.
Halliwell e os srs. Aluizio Napoleão e João Augusto de Araújo Castro, do Itamaraty". Claris R. Halliwell, mencionado no
capítulo 3, era um operativo da estação local da CIA no Rio de Janeiro. Seu nome voltará a ser mencionado no capítulo 8.
606 De acordo com as memórias do general Martin Diaz Tamayo, primeiro Diretor do BRAC, no último trimestre de 1955
ele foi convidado para um almoço no palácio presidencial cubano, no qual o presidente Fulgêncio Batista “informou que o
governo dos Estados Unidos solicitou a criação de um ‘Bureau Repressivo de Atividades Comunistas’ [que] seria um
organismo autônomo, e sua missão consistiria no fichamento e classificação dos comunistas de Cuba”. Ainda segundo
Tamayo, “interessaria ao Departamento de Estado que o presidente do BRAC fosse um general do Exército” (TAMAYO,
2017, p. 160-1). Tamayo (Id., p. 161-4) descreve com detalhes o treinamento que ele e mais três militares do BRAC
receberam na sede da CIA ainda em 1955. Um biógrafo do diretor da CIA Allen Dulles, baseado em entrevista feita com o
chefe da estação da CIA em Havana, William Caldwell, comenta que este havia solicitado que Dulles comparecesse a
Havana para auxiliar o governo de Batista na criação de um órgão de “contraespionagem tendo como alvo os subversivos
comunistas”. No domingo de páscoa de 1955, Dulles viajou a Cuba e se encontrou com Batista, que aceitou o apoio da CIA
para a criação do órgão (GROSE, 1994, p. 412). Lyman Kirkpatrick (1968, p. 162-6), inspetor geral da CIA durante as
décadas de 1950 e 1960, menciona em suas memórias o apoio da agência para o BRAC. Allen Dulles, em suas memórias,
também admite o apoio da CIA ao BRAC, lamentando cinicamente que “em alguns casos, especialmente na América do
Sul, um ditador utilizou um serviço de segurança interna treinado para combater o comunismo e o desvirtuou para algo
como uma Gestapo, caçando seus oponentes políticos locais. Isto aconteceu na Cuba de Batista” (DULLES, 1965, p. 214).
Schoultz (2009, p. 61) cita documentos oficiais de agências governamentais dos Estados Unidos demonstrando o apoio
norte-americano ao BRAC.
381

estabelecimento de uma organização em cada país [da América Central] similar ao BRAC de Cuba”.
Hoyt mencionou a disposição das agências de inteligência norte-americanas “em cooperar com o
BRAC de maneira discreta (in a quiet manner)”, e defendeu que uma organização similar ao BRAC
“poderia fazer um grande trabalho na luta contra o comunismo se ao mesmo tempo abordagens fossem
feitas nos altos escalões para assegurar o apoio integral do governo em questão” (Memorando,
11/01/1956).
Na Argentina, o governo norte-americano estabeleceu uma relação de “intercâmbio de
informações” que incluía três organismos governamentais do país. Isto foi possível em função da
escolha do major Roberto Arturo Shaw como o oficial de ligação local. Shaw estava ligado ao Servicio
de Informaciones del Ejército (SIE) e à Secretaría de Informaciones del Estado (SIDE) 607,
desempenhando ao mesmo tempo a função de elemento de ligação com o Ministério de Relações
Exteriores da Argentina. De acordo com o embaixador Willard L. Beaulac 608, “o major Shaw, em
função de seu histórico militar e suas conexões com as organizações locais de inteligência”, parecia
“exercer uma influência considerável e ser uma pessoa de importância no governo provisório”. O
oficial norte-americano designado para trabalhar junto ao major Shaw no intercâmbio de informações
sobre o comunismo foi o ministro conselheiro da embaixada Garret G. Ackerson, Jr (Despacho
diplomático n. 245, 13/09/1956). Apesar de Ackerson não ser um operativo da CIA, a agência de
inteligência norte-americana estava em contato direto com a SIDE. De acordo com um telegrama
enviado a Washington, Ackerson convocou o major Shaw para esclarecer se um anúncio oficial da
ditadura de Aramburu de que iria adotar medidas repressivas contra os peronistas também incluiria os
comunistas, pois “a SIDE havia dito ao CAS que não havia prova concreta de que os comunistas seriam
alvo desta perseguição”. Shaw respondeu que “sem dúvida os comunistas seriam alvo desta
perseguição” (Memorando, 26/12/1956)609.
607 Em setembro de 1955, um golpe de Estado derrubou o governo de Juan Domingo Perón na Argentina, dando início à
ditadura dos generais Lonardi e Aramburu. Em 20/01/1956, o general Aramburu criou por decreto a SIDE, substituindo o
seu antecessor, CIDE, criado por Perón em 1946. O decreto subordinava a SIDE diretamente à presidência da república e
autorizava a utilização de fundos secretos, sem necessidade de prestação de contas, para as suas operações (YOUNG, 2006,
p. 40).
608 Recorde-se que Beaulac, segundo depoimento de Niles W. Bond citado no capítulo 2, tinha experiência em operações
clandestinas de inteligência: ele fez parte da Pond, organização secreta de inteligência do governo americano existente entre
1942 e 1955.
609 Em reunião com o ministro de relações exteriores da Argentina, Luis A. Podestá, realizada no início de fevereiro de
1956, o secretário adjunto Henry Holland afirmou que o governo dos Estados Unidos iria estabelecer o programa de
intercâmbio de informações sobre o comunismo com todos os países latino-americanos, mas ressaltou que “uma cooperação
mais extensa estava sendo oferecida apenas para a Argentina e o Brasil” (Memorando, 02/02/1956). No início de fevereiro
de 1957, o Departamento de Estado e a CIA estavam planejando uma operação encoberta na Argentina. Rubottom escreveu
ao embaixador Willard L. Beaulac informando que havia tido um encontro com o “Coronel J. C. King e o sr. Frank
Holcomb”: “Como você deve estar sabendo (…) o sr. Holcomb está escalado para se tornar chefe de estação [da CIA] em
382

Outro objetivo da política norte-americana era aprofundar o seu nível de conhecimento sobre a
estrutura organizacional, administrativa e operacional do aparato repressivo brasileiro. Em setembro de
1959, uma equipe de pesquisa da ICA – agência responsável pelos programas de assistências às polícias
no exterior – formada por Joseph L. Lingo (ICA), Robert J. Weatherwax (CIA) 610 e Gerard J. Engert
(FBI), elaborou um detalhado estudo de 278 páginas sobre a estrutura do DFSP, contendo diversas
recomendações. A principal delas, apontada como “uma das maiores necessidades do DFSP” na
opinião da equipe, era realizar “uma reorganização baseada em princípios modernos de gestão e
administração policial”. Esta reorganização seria voltada para “promover uma maior coordenação entre
a ação policial no Distrito Federal e também para proporcionar meios de melhorar as relações entre o
DFSP e as agências de polícia dos vários estados”. A equipe da ICA elaborou uma proposta de
redefinição “da cadeia de comando e de linhas adequadas de autoridade” em toda a estrutura do DFSP.
Recomendou também “uma série de serviços” para melhorar as relações entre as polícias estaduais e o

Buenos Aires em um futuro não muito distante”. Nesse encontro, os três discutiram a conjuntura política da Argentina e o
que os Estados Unidos poderiam fazer para “influenciar a situação futura se isto (…) [fosse] desejável”. Rubottom achava
que “muita coisa poderia ser feita na Argentina de acordo com as propostas que eles [King e Holcomb] tinham em mente”,
indicando que “qualquer aumento das atividades da estação [da CIA]” exigiria, “é claro, um acréscimo de pessoal” (Carta,
11/02/1957). Em resposta, Beaulac comunicou que havia conversado “várias vezes com o Coronel King e o sr. Holcomb
sobre o que poderia ser feito na Argentina”: “o programa que nós discutimos tem a ver com levar informação à população
local” (Carta, 26/02/1957). Segundo uma publicação oficial da CIA, Frank Porteuous Holcomb (1917-1991) ingressou no
Office of Naval Intelligence em maio de 1941. Sete meses depois, foi enviado ao Marrocos como Assistant Naval Attaché,
“aprendendo por conta própria a arte da espionagem e sobre como mobilizar agentes em preparação à operação de invasão
do norte da África, no final de 1942”. Ao longo de 1943, “Holcomb formalmente ingressou na OSS, tornando-se integrante
da seção altamente secreta X-2, iniciando uma vida extremamente ativa como coordenador e executor das artes da
contrainteligência e da contraespionagem, primeiro na Argélia e depois na Sicília e na França”. Holcomb foi condecorado
por seu papel na “destruição de uma grande parte da rede de espionagem germânica” (USA, CIA, 2015). De acordo com
Ludwig (2011, p. 519), Holcomb, então vinculado à estação da CIA em Roma, foi um dos elaboradores de um plano para
“redução do poder do comunismo na Itália”, aprovado e coordenado pelo PSB, entre 1952 e 1953. Ele foi designado para
trabalhar em Buenos Aires em fevereiro de 1957 como oficial FSR-2, permanecendo no país até agosto de 1960 (USA,
Biographic register, 1966, p. 244). Não foi possível determinar qual teria sido o programa para “levar informação à
população local” na Argentina, mencionado pelo embaixador Beaulac. Mas um indício sobre isso aparece nas memórias do
ex-operativo da CIA Joseph Burkholder Smith, enviado à Buenos Aires sob o disfarce (deep cover) de um agente de
relações públicas contratado pelo exército argentino, vinculado ao Instituto de Estudios Científicos y Técnicos de las
Fuerzas Armadas, com o nome falso de Arthur H. Toohill. Segundo Smith (1976, 360-5), a sua maior atribuição em Buenos
Aires foi “coordenar um projeto de propaganda com orçamento de cem mil dólares anuais” realizado em conjunto “com a
mais importante agência de segurança do governo argentino, a SIDE”. Ainda conforme Smith, este programa era
considerado como “o melhor projeto deste tipo do mundo”, de acordo com uma avaliação interna da CIA. Smith relata que
um outro operativo da CIA viajou à Argentina em 1959 para auxiliar a SIDE na criação desse programa.
610 Philip Agee (1976, p. 114 e 117), ao descrever uma operação de treinamento técnico e fornecimento de equipamentos
para o setor de inteligência da Polícia Nacional do Equador feita pela estação local da CIA em Quito, já tinha informado que
Weatherwax era um oficial da CIA “sob cobertura da segurança pública” da ICA. Um documento oficial da CIA, liberado
em 2018, confirma essa informação de Agee: Robert J. Weatherwax escreveu um pequeno relatório em apoio ao pedido de
aposentadoria de um oficial da CIA, descrevendo algumas operações da agência em que ambos estiveram envolvidos
(Requerimento, Vitale, 1978).
383

DFSP, incluindo uma “academia nacional de treinamento policial” (Estudo, Lingo, Weatherwax e
Engert, 09/1959).611
Os representantes da CIA e da ICA tinham contatos muito próximos com alguns dos mais
importantes agentes brasileiros que ocupavam postos de destaque na administração da segurança
pública do estado de São Paulo no ano de 1959612. Os agentes da polícia brasileira se relacionavam com
dois operativos da CIA, Richard S. Sampson613 e Paul A. Maggio614.

611 A CIA tinha acesso direto a estudos feitos pelo ICA. Em março de 1958, Theo E. Hall, da divisão de segurança pública
da ICA, encaminhou sete cópias do estudo sobre a organização das polícias do estado de São Paulo – feito “de acordo com
os objetivos do programa de segurança pública da ICA” – a Joseph Peters, do Office of Central Reference (OCR) da CIA
(Carta, 11/03/1958). Para uma análise detalhada do estudo da ICA sobre as polícias de São Paulo, ver BATTIBUGLI (2006).
612 Joseph L. Lingo, da ICA, relatou que havia estado presente em uma “longa reunião no consulado geral de São Paulo”,
realizada no final de agosto de 1959, da qual participaram “os senhores Ralph Burton, Richard S. Sampson e o dr. Francisco
José de Nova, secretário de segurança pública do estado de São Paulo”. Após a reunião, Nova, Lingo, Burton e Sampson
visitaram “o quartel general da polícia militar de São Paulo, onde houve uma discussão sobre todo o programa [da ICA]
com o comandante geral e seus mais importantes assessores”. Em seguida, eles se dirigiram à sede da polícia civil, “onde
continuaram as discussões” sobre o projeto de apoio oferecido pela ICA às polícias paulistas. Naquele mesmo dia, visitaram
a escola de treinamento de polícia, “onde foram discutidas várias questões com o dr. José Cesar Pestana, recentemente
empossado como diretor da escola”. No jantar, os quatro se reuniram “com um grupo de importantes oficiais de polícia”. Na
noite seguinte, um jantar foi oferecido na casa de Francisco de Nova. Estiveram presentes, além do próprio Lingo, “o dr.
Antonio Ribeiro de Andrade (Delegado do DOPS), o professor Aparecida (conselheiro da polícia) e Paul A. Maggio (oficial
político do consulado de São Paulo)”. Lingo também informou que o operativo da CIA e diretor da Divisão de Segurança
Pública da ICA Byron Engle havia feito uma visita à São Paulo, acompanhado por Lingo, no início de junho de 1959. Engle
e Lingo foram recebidos no aeroporto “pelo vice-cônsul Richard S. Sampson e alguns dos mais importantes oficiais das
polícias de São Paulo”, dirigindo-se “imediatamente para o quartel general para uma reunião com o Dr. Francisco José de
Nova” (Relatório, 23-25/09/1959).
613 Richard S. Sampson, nascido no estado de Iowa em outubro de 1919, formou-se no Cornell College e graduou-se pela
Yale University em 1941. Entre 1942 e 1950, trabalhou em uma companhia aérea. Toda a sua carreira como operativo da
CIA no exterior deu-se em postos diplomáticos da América Latina: Buenos Aires (09/1950-02/1957), São Paulo (02/1959-
11/1962), Bogotá (08/1965-07/1968) e Montevidéu (08/1968-12/1970) (USA, Biographic register, 1971, p. 365). De acordo
com três documentos oficiais da CIA de fevereiro, março e maio de 1976, Sampson era chefe da Divisão de América Latina
da CIA – como passou a ser chamada a antiga Divisão de Hemisfério Ocidental da agência (Memorando, 10/02/1976;
Memorando, 10/03/1976; Memorando, 05/05/1976). Em função de sua longa experiência na Argentina previamente à sua
chegada a São Paulo, e por ser um oficial de nível FSR-4 (o mais alto entre os oficiais FSS e FSR do consulado de São
Paulo entre 1959 e 1962), é provável que Sampson fosse o chefe da base local da CIA na capital paulista neste período. De
acordo com o jornal Última Hora (22/04/1959), um coquetel de boas-vindas a Sampson e sua esposa foi organizado na casa
do seu colega da CIA, Paul A. Maggio, “na rua Atenas, 49”, no Jardim Europa (um dos bairros nobres da cidade). Os
presentes à festa dão uma ideia das relações entre os operativos da CIA de São Paulo e as elites civis e militares da cidade:
“o comandante do Segundo Exército e sra. Stenio Caio de Albuquerque, o comandante da Divisão de Infantaria e sra. Arthur
da Costa e Silva, o comandante da 4º Zona Aérea e sra. major-brigadeiro Armando de Sousa e Mello Ararigbóia, o diretor
do C.O.M.T.A. brigadeiro Anísio Botelho, o secretário da Viação e Obras Públicas e sra. brigadeiro J. V. Faria Lima, o
secretário da Segurança Pública e sra. Francisco da Nova, o chefe da Casa Civil do governador e sra. Américo Portugal
Gouveia, o cônsul-geral dos Estados Unidos e sra. Richard Butrick, o chefe do Estado-Maior da 4ª Zona Aérea e sra.
coronel Afonso Costa e os casais Edison Machado de Sant’Anna e Pedro Falcão”.
614 Paul Angelo Maggio, nascido em agosto de 1921 em Nova Iorque, serviu no exército americano durante a Segunda
Guerra Mundial. Após a guerra, graduou-se na George Washington University. Entre 1950 e 1958, era research analyst do
Department of Army (típica designação de um oficial da CIA). Em abril de 1958, foi designado oficial FSR-5 para o
consulado-geral de São Paulo. Voltou ao Department em abril de 1960, mas retornou ao Brasil para a embaixada do Rio
como “attaché” em agosto de 1964, onde permaneceu até setembro de 1967. (USA, Biographic register 1967, p. 350). De
acordo com o Correio Paulistano, Paul A. Maggio foi uma das “cerca de 300 pessoas” que compareceram a um jantar em
homenagem a Sylvio Beck, que completava “30 anos de bons serviços dedicados à aviação civil”. Entre os convidados,
384

Os estudos da ICA sobre as polícias brasileiras não se resumiram ao DFSP e às do estado de São
Paulo. Entre 1957 e 1960, a agência produziu relatórios e estudos detalhados sobre as polícias dos
estados de Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Alagoas, Santa Catarina,
Paraná, Bahia e Goiás. Ou seja, no final de 1960, o governo Eisenhower possuía informações
privilegiadas sobre a estrutura, funcionamento, efetivo, equipamentos, etc., das forças policiais dos
mais importantes estados brasileiros (Relatório, agosto de 1960).
Em resumo, entre 1956 e 1959, o governo norte-americano, em especial através da CIA,
conseguiu estabelecer relações com a maior parte dos serviços de inteligência dos mais importantes
países da América do Sul. No Brasil, a agência de inteligência norte-americana havia colaborado para o
fortalecimento do SFICI e com o aperfeiçoamento das capacidades repressivas das polícias brasileiras.
Os Estados Unidos, ao fornecerem apoio à reativação do SFICI, aprofundaram a sua intimidade com os
serviços de inteligência brasileiros, cujas relações, conforme visto em capítulos anteriores, remontam à
época da Segunda Guerra Mundial. Além disso, tinham proximidade com membros influentes do
Exército, com oficiais da cúpula das forças policiais e com civis que ocupavam cargos importantes na
administração da segurança pública, como no caso do estado de São Paulo. Também foram capazes de
construir uma sólida relação com oficiais do “grupo anticomunista” do Itamaraty, especialmente do
Departamento Político-Cultural, do Departamento Econômico e Consular e do gabinete do ministro
Macedo Soares. Possuíam também conhecimento detalhado sobre todo o aparato repressivo brasileiro –
das forças policiais dos mais importantes estados brasileiros, além do próprio DFSP, do SFICI, da JCI e
órgãos relacionados. Por último, mas não menos importante, a embaixada do Rio de Janeiro desfrutava
de acesso direto ao presidente Kubistchek, por meio do qual exercia pressões constantes para buscar a
execução prática do programa de ação anticomunista do governo Eisenhower.
O Brasil, apesar de ser um alvo prioritário da administração Eisenhower, não foi o único país a
conhecer a realidade desta política de combate ao comunismo. Os exemplos apresentados sobre outros
países indicam que o governo norte-americano promoveu uma intervenção silenciosa, em escala
continental, cuidadosamente planejada e executada, que lhe permitiu ter acesso a informações
importantes sobre a vida política dos países da região e também o estreitamento de relações com

“generais, coronéis, majores, cônsules, e até o clero”. Na festa, “notava-se a elegância das senhoras: brigadeiro Ararigbóia,
cônsul dos ‘States’ Paul Maggio, Edson Sant’Anna, coronel Azevedo, João de Moraes Barros”. ( Correio Paulistano,
04/04/1959). Em fevereiro de 1959, uma colunista do mesmo jornal noticiou que havia encontrado no aeroporto de
“Congonhas o cônsul norte-americano Paul Maggio, que estava esperando o sr. e sra. Donald C. Marelius, da embaixada
norte-americana do Rio, responsável pela seção política”(Correio Paulistano, 27/02/1959). Um documento da nomeação de
Maggio para o consulado de São Paulo está disponível no Electronic reading room da CIA (Nomeação para cargo, CIA,
20/06/1958).
385

agentes responsáveis pelos aparatos repressivos locais. A execução encoberta desta política trazia
vantagens para os Estados Unidos, como explicou Huggins (1998, p. 4-5):

O mais importante é que essa ajuda [a polícias estrangeiras], como instrumento de


política externa, tem a vantagem de se apresentar como forma relativamente benigna e
discreta de intervenção norte-americana. De fato, quando Washington vincula a ajuda a
polícias estrangeiras a lógicas menos violentas, menos corruptas e mais profissionais
(…) a imagem norte-americana no exterior pode ser (pelo menos de início) favorecida
por esse tipo de intervenção relativamente invisível. Em contrapartida, as incursões
militares que resultam na tomada pela força de um governo estrangeiro e na
reorganização de seus sistemas militar e policial, são formas extremamente visíveis da
intervenção norte-americana, frequentemente muito impopulares interna e
externamente, com consequências potencialmente graves para a política dos Estados
Unidos e sua imagem no mundo. A ajuda às polícias pode, tanto quanto uma
intervenção militar, alcançar muitos dos mesmos objetivos da política externa dos
Estados Unidos, embora pareça menos política enquanto se processa. (…). À medida
que os Estados Unidos treinam polícias estrangeiras, podem instalar infraestruturas de
informação e de controle social de outro tipo para a proteção e o fortalecimento de sua
posição frente ao país beneficiário, e maximizar sua posição dentro do sistema
internacional mundial. Isso torna a ajuda a polícias estrangeiras – quer isso seja
publicamente reconhecido ou não – fundamentalmente política, embora, é claro, esse
motivo subjacente à ajuda norte-americana a polícias estrangeiras não tenha, em geral,
sido divulgado (itálicos meus).615

O governo norte-americano buscou influenciar políticas governamentais através de ações


encobertas e ostensivas, não apenas no Brasil, mas em vários países da América Latina. Em muitos
momentos, no entanto, encontrou resistências e obstáculos. O caso do Uruguai, citado acima, revela a
tentativa de imposição de uma lógica estranha à realidade do país, ou pelo menos muito pouco
significativa na dinâmica política local. Porém, as resistências encontradas não impediram o governo
norte-americano de seguir em busca de seu objetivo: estimular a adoção de medidas anticomunistas
pelos governos da América Latina. A cada problema que surgia, os planejadores propunham novas
táticas para a consolidação de sua política, adaptadas às especificidades de cada país, sempre buscando
resguardar a imagem do governo dos Estados Unidos e neutralizar possíveis críticas.
Como foi demonstrado no capítulo 1, o planejamento da política externa norte-americana para o
subcontinente já previa eventuais resistências. Os estrategistas do governo Eisenhower as explicavam

615 Charles Maechling, que trabalhou com o planejamento de operações de contrainsurgência durante o governo Kennedy,
referindo-se aos programas de apoio às forças policiais, sentenciou: “até hoje, o OISP ainda é a maior declaração política
intervencionista já promulgada pela política americana” (MAECHLING, 1999).
386

com base na ideia de que os latino-americanos não eram capazes de perceber o real perigo representado
pelo comunismo. Seria tarefa dos Estados Unidos convencer os governos latino-americanos de que o
comunismo não podia ser considerado um movimento normal da política dos países da região, mas sim
uma doutrina exótica, imposta por “forças estranhas” à vida local. Para tanto, foram promovidos
acordos – no caso brasileiro, muitos deles feitos nos bastidores – e executadas atividades diversas, com
apoio de governos locais. Mas a política da administração Eisenhower não se resumia a essas relações
com órgãos e servidores públicos. Ela também incluía o apoio a entidades da sociedade civil que
defendessem os objetivos previstos no planejamento americano. Por isso, o período entre 1956 e 1964
no Brasil foi também marcado pelo apoio norte-americano a grupos civis anticomunistas – já existentes
ou criados naquela época.

7.3 Origens e atividades da Sociedade de Estudos Interamericanos (SEI)

Conforme visto no capítulo 1, o planejamento governamental norte-americano dava importância


a iniciativas que estimulassem, “nos partidos políticos, Igreja, Forças Armadas, sindicatos, estudantes e
juventude, intelectuais e educadores, empresários, mulheres, trabalhadores rurais e grupos-chave
locais” da América Latina, por meio de “todas as ações de autoria identificada e não-identificada, com
apoio de inteligência”, uma compreensão sobre a “natureza subversiva, conspirativa, fraudulenta e
brutal da ação comunista, e de seu propósito básico de servir à intervenção do bloco soviético às custas
do bem-estar do povo de seu país”. Esperava-se que esse público-alvo, posteriormente, disseminasse tal
“compreensão” sobre o comunismo junto ao “público em geral dos países latino-americanos” 616. A
Sociedade de Estudos Interamericanos (SEI) foi a principal organização civil no Brasil cujas atividades
se adequavam aos princípios previstos nos planos de ação do governo Eisenhower. Sua criação ainda é
cercada de mistério, em função do caráter secreto de suas operações e da dificuldade de acesso a
arquivos que permitam estabelecer claramente as origens da entidade. Ainda assim, a documentação

616 Essa atuação junto à sociedade civil, justificada como consequência da “proscrição de intervenções unilaterais
ostensivas”, deveria ser realizada pela USIA, Departamento de Estado, ICA, Departamento de Defesa, Departamento de
Trabalho, Departamento de Comércio e Departamento de Tesouro, com apoio da CIA. A USIA também seria responsável,
com apoio do Departamento de Trabalho, Departamento de Defesa, Departamento de Estado e CIA, pela tarefa de estimular
“através de canais de responsabilidade atribuível ou não-atribuível”, tendências, grupos ou ações espontâneas que defendam
qualquer um dos objetivos previstos no Outline Plan, incluindo o de “persuadir grupos e indivíduos na América Latina a se
afastarem do comunismo” (Memorando, 02/12/1955).
387

disponível, embora fragmentada, permite reconstruir partes de sua história e apontar a rede de relações
estatal-privadas, tanto nacionais quanto estrangeiras, que serviram de apoio a suas operações.
Na reunião realizada no palácio do Catete, em fevereiro de 1956, com a presença de Richard
Nixon, vice-presidente dos Estados Unidos, do secretário de Estado adjunto, Henry Holland, e de
membros do recém-empossado governo de Kubitschek (ver primeiro capítulo), Holland declarou que
seu governo estava disposto a apoiar “uma organização” que se encarregasse de “um plano técnico e
profissional para cortar os músculos e tendões do organismo secreto do comunismo”. O ministro das
Relações Exteriores, José Carlos de Macedo Soares, cuja dedicação à causa anticomunista foi
apresentada no capítulo cinco, foi o primeiro a afirmar que julgava “importante a unidade de ação entre
os Estados Unidos e o Brasil nesse combate”. Ressaltando achar “necessário o estabelecimento de um
organismo qualquer” que ficasse em “contato permanente com os órgãos dos Estados Unidos, a fim de
organizar um programa de ação conjunto de cooperação perfeita entre os dois países”, o ministro
declarou que desejava “criar no MRE uma organização rigorosamente secreta para fazer essa
colaboração e essa coordenação técnica entre os dois países”, esperando a aprovação do presidente JK
(Ata, reunião de 02/02/1956, anexa ao despacho diplomático n. 1003, 10/02/1956, itálicos meus).
Uma parte importante dessa coordenação consolidou-se com o programa de intercâmbio de
informações entre Odette de Carvalho e Souza e a CIA, conforme visto no início deste capítulo. Mas
havia outra possibilidade, implícita na declaração de Macedo Soares, que parece ter sido percebida pelo
general Henrique Teixeira Lott. O Ministro da Guerra declarou que lhe parecia melhor criar “um órgão
de caráter educacional ou outro qualquer, que pudesse disfarçar (cover) suas atividades reais, de
modo que pudéssemos agir com maior segurança”. Macedo Soares respondeu que o organismo
“inicialmente” teria “que ser secreto”, mas Lott esclareceu: “os trabalhos da organização serão
secretos; depois, para poder agir com maior facilidade, seria interessante que tivesse outra fachada”
(Id., itálicos meus)617.
É muito provável que, a partir dessa proposta, tenha sido criada a Sociedade de Estudos
Interamericanos, dirigida por Wladimir Lodygensky. Curiosamente, o nome com que a organização
ficou conhecida – SEI – remete ao nome do setor anticomunista (Serviço de Estudos e Investigações)
criado por Macedo Soares em 1936, no Itamaraty, com apoio de Odette de Carvalho e Souza, na sua
primeira gestão à frente do MRE (conforme visto no capítulo 5). A vinculação de Lodygensky com
Carvalho e Souza e Macedo Soares já foi apresentada nos capítulos cinco e seis. Mas existem mais

617 Exemplos de organizações com esse perfil não faltavam para inspiração. Na própria rede da Entente Internacional
Anticomunista (ver FICHA) do entreguerras, proliferavam entidades com esse caráter.
388

indícios de que a organização liderada por Lodygensky em 1956 estava, de alguma maneira, atrelada
aos planos que Macedo Soares tinha revelado aos norte-americanos em fevereiro daquele ano.
Em março de 1962, em uma das primeiras reuniões do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
(que será objeto dos capítulos 9 e 10) do Rio de Janeiro, o empresário Cândido Guinle de Paula
Machado, membro da comissão diretora da entidade, relatou que havia conhecido a Sociedade de
Estudos Interamericanos em São Paulo, e ficou impressionado com a “eficiência grande” da
organização. Conforme ele relatou aos seus colegas do IPES, a SEI de Lodygensky teria a seguinte
origem: “Itamaraty queria informações sobre movimentos sindicais do Ministério de Relações
Exteriores (Macedo Soares). Fornecida a Wladimir Lodygensky. Outro: Wladimir Pereira. Saímos (...)
sem compreender bem como funciona com tanta eficiência, muitos recursos. Boletim, informações
internacionais” (Ata, 27/03/1962, itálicos meus).
Também no ano de 1962, Jack Liebof, o adido trabalhista do consulado geral dos Estados
Unidos em São Paulo, interessado em saber o que era a SEI, sobre a qual teria ouvido “rumores
oriundos de diversas fontes” desde a sua chegada à cidade, em julho de 1961, foi em busca de
informações. Segundo apurou, a “SEI foi criada em 1958 618 com o objetivo principal de lutar contra o
comunismo e preservar a democracia no Brasil”, contando “entre seus membros fundadores com alguns
proeminentes oficiais do Ministério de Relações Exteriores de então” (Memorando, 02/02/1962, anexo
ao despacho diplomático n. 200, 13/02/1962).
Não foi encontrada nenhuma evidência conclusiva sobre o apoio do governo norte-americano à
criação da SEI. Mas sabemos que Wladimir Lodygensky esteve nos Estados Unidos no segundo
semestre de 1956, onde se encontrou com William A. Korns 619, um ex-oficial do Psychological

618 Enquanto sociedade civil registrada, conforme será apresentado mais adiante. Em seu livro de memórias, Georges
Lodygensky se refere a um dossiê produzido por ele intitulado “Diante do comunismo no Brasil, 1956-1964” (“ Face au
communisme au Brésil, 1956-1964”). A data inicial do dossiê é mais um indício que aponta para o ano de 1956 como o
início das atividades da SEI. O referido dossiê não se encontra junto aos documentos pessoais que serviram como base para
a publicação das memórias de Georges Lodygensky, mantidos na Hoover Institution. Através da professora Stéphanie
Roulin, da Universidade de Fribourg na Suíça, foi enviada uma pergunta a um dos filhos de Wladimir Lodygensky,
questionando qual teria sido o destino desse dossiê. Em resposta, um dos filhos de Lodygensky afirmou que o material,
guardado em uma pasta, foi extraviado em uma estação de trem na Europa.
619 Não foi possível encontrar muitas informações sobre a vida de Korns, mas um memorando produzido por ele, que
circulou por vários setores do PSB e da CIA, demonstra a sua consciência em relação a alguns princípios básicos de uma
operação encoberta que envolvia o apoio governamental estadunidense a entidades privadas. Korns afirmou: “nosso sistema
democrático proíbe qualquer grande arregimentação de atividades privadas. Em nosso objetivo de combater o desafio
soviético, nós certamente devemos desenvolver técnicas e canais melhores no uso de capacidades privadas, mas o objetivo
em mente não pode ser controle e direcionamento absolutos. Uma outra condição para o emprego efetivo de recursos
privados é a resolução da questão encoberto-ostensivo. Se existe alguma razão para acreditar que o rótulo ‘made in
América’ pode em algumas instâncias impedir o cumprimento de nossos objetivos a longo prazo, pode-se concluir que as
capacidades privadas devem ser utilizadas em base altamente seletiva” (Memorando, 04/06/1952).
389

Strategic Board (PSB) – apresentado no capítulo 1. Em carta enviada a seu colega Edmond L. Taylor,
casado com a irmã da esposa de Lodygensky e operativo da CIA620, Korns contou que havia almoçado
com Wladimir, com quem teve uma “conversa muito interessante”. Conforme relatou, “no final das
contas, ele [Lodygensky] não precisava de conselhos em relação a seus objetivos, pois já tinha alguns
excelentes contatos”. “Sobre a outra questão”, informou Korns, “eu arranjei um encontro dele com Pete
Craig621 e algumas pessoas da USIA. Ele pareceu muito satisfeito com as reuniões das quais ele
participou, e eu espero que algo bom resulte disso” (Carta, 24/09/1956). Em maio de 1957, Jacques
Aubert622, em carta a Taylor, mencionava que “o novo trabalho de Wladimir” exigia “visitas dos
Estados Unidos, muitas festas, muito ‘trabalho realmente fatigante’”. Como naquele ano Lodygensky,
que era engenheiro químico, tinha começado a trabalhar na Cyanamid Química do Brasil, subsidiária
de uma empresa norte-americana, a American Cyanamid, não fica claro a que “trabalho” Aubert estava
se referindo (Carta, 09/05/1957)623.
Já em 1958 as operações da SEI tinham despertado a curiosidade do adido trabalhista do
consulado de São Paulo, Benjamin Sowell, que a definiu como uma “organização anticomunista que
utiliza o nome como fachada” (this anticommunist organization which uses the name as a cover). E
acrescentou: “subentende-se que vários membros dessa organização são conhecidos dos oficiais
políticos624 e trabalhistas da embaixada”. Por isso, não enviaria “nenhum despacho escrito nesse
sentido” (Memorando, 29/08/1958, itálicos meus). Sowell e seu sucessor, Jack Liebof, parecem ter
620 Taylor foi correspondente do jornal Chicago Tribune em Paris durante os anos 1930. Em 1940, ele publicou o livro A
estratégia do terror. Segundo a nota biográfica de seus documentos pessoais disponíveis na Olin Library da Washington
University at St. Louis, seu livro “teve um papel importante em revelar a natureza e os métodos de guerra psicológica da
Alemanha nazista”. Como resultado disso, ele foi convidado a ingressar na OSS, onde trabalhou entre 1941 e 1946. No
período pós-guerra, trabalhou no departamento de comunicação da UNESCO, foi diretor de um estudo sobre “lideranças
democráticas estrangeiras” no CFR (1950-2), e diretor adjunto do Office of Plans and Policy do PSB (1952-3). Taylor
(WASHINGTON UNIVERSITY LIBRARIES, “Finding-Aid for the Edmond Taylor Papers). também era um operativo da
CIA desde 1951, de acordo com seus documentos pessoais. Ele era casado com Anna Verena de Sahlis (que também
trabalhou na OSS), irmã de Rose-Marie (Rosa) Lodygensky, esposa de Wladimir. Entre 1956 e a década de 1960, Korns e
Taylor trabalhavam juntos na Atlantic Features, uma agência com sede em Paris e Washington que produzia artigos para
serem publicados em jornais e revistas pelo mundo.
621 Horace S. “Pete” Craig, conforme visto no capítulo 1, era um operativo da CIA que trabalhava como chefe da Equipe
de Projetos Especiais (Special Projects Staff) do OCB. De acordo com documentos oficiais da CIA, em 1950 e 1951 Craig
era diretor adjunto de serviços especiais (Assistant Director for Special Services) da CIA (Minutas, 26/12/1950 e
02/01/1951). De acordo com uma publicação oficial do Permanent subcommittee on investigations of the Committee on
Government, do Senado dos Estados Unidos, “Horace S. Craig (1911-1963) trabalhou na CIA até 1958” (Testemunho,
Wiliam J. Morgan, 04/03/1954). Em 1959, já “afastado” da CIA, Craig trabalhou na coordenação da campanha de Nelson
Rockefeller para indicação à candidatura pelo Partido Republicano às eleições presidenciais de 1960 (a qual será
mencionada no capítulo 9).
622 Sobrinho de Théodore Aubert, casado com a irmã de Wladimir Lodygensky, também veio para o Brasil na década de
1950. Aparentemente, não estava envolvido com as atividades políticas de seu cunhado. Aubert e Taylor pareciam não
concordar com muitas das opiniões de Lodygensky, fazendo críticas a sua personalidade.
623 O acervo de Taylor é extremamente bem organizado, sem documentos incompletos. O único documento em que há
páginas faltando é esta carta de Aubert, justamente quando ele estava descrevendo qual seria o “trabalho de Wladimir”.
390

desconfiado que alguma agência do governo norte-americano apoiava a SEI, mas foram discretos o
suficiente para não deixar isso claramente registrado por escrito, redigindo seus memorandos com
muito cuidado625.
Mas a Divisão de Polícia Política e Social (DPS) do DFSP tinha uma opinião bem mais clara
sobre Wladimir Lodygensky. De acordo com o dossiê produzido pela DPS, já apresentado no capítulo
anterior, quando Lodygensky veio para o Brasil, em setembro de 1946, “já estava ligado aos serviços
de informações dos Estados Unidos e suas atividades nesse país vão se desenvolvendo de acordo com
as necessidades da Seção Política da embaixada americana no Rio”626. A DPS caracterizava
Lodygensky como “indiscutivelmente um agente” que não atuava “por própria conta e risco”: “embora
disfarçado, tem ‘escola’, foi muito bem treinado para a sua missão”. Para a DPS, não havia “a menor
dúvida de que se trata de um agente”, restando apenas “saber as suas ligações e a real finalidade de seu
trabalho”. A DPS registrou que “em outubro de 1956, Wladimir Lodygensky chegou a São Paulo
procedente de Nova York”627. Em novembro do mesmo ano, ele “viajou com destino aos Estados
Unidos e, em dezembro de 1956, desembarcou no aeroporto de Congonhas procedente de Paris”.
Conforme a DPS, após essas viagens,

Começou a tomar corpo e fórmula administrativa a Sociedade de Estudos


Interamericanos (SEI), que nada mais é do que um órgão clandestino de informações,
dirigido e subvencionado por um governo estrangeiro, que se propõe a estabelecer
fórmulas para a solução dos problemas dos países sul-americanos, pois a SEI opera em
toda a América do Sul” (Dossiê “Wladimir Lodygensky”, DPS, 1966, itálicos meus).

A SEI foi registrada em São Paulo como sociedade civil no dia 29 de julho de 1958. Nesse ano,
a entidade publicou um panfleto intitulado “Nossos motivos”, dizendo-se defensora do verdadeiro

624 Como eram conhecidos os oficiais vinculados à Seção Política da embaixada do Rio, tanto aqueles que representavam o
Departamento de Estado quanto os operativos da CIA.
625 Lodygensky, em um encontro com o adido Jack Liebof em maio de 1962, afirmou que “definitivamente não desejava
nenhum contato com o governo dos Estados Unidos”, ressaltando que “a SEI era uma operação brasileira e não iria ganhar
nada com este contato”. Liebof concordou dizendo que “a publicidade não tornaria mais fáceis as atividades da SEI”, e
perguntou logo em seguida “se a SEI havia informado a embaixada americana no Rio sobre suas atividades, incluindo
aquelas no campo sindical, para evitar qualquer mal-entendido”. Lodygensky respondeu que “ele supunha que a
‘inteligência americana’ sabia sobre as operações da SEI” (Memorando, 16/05/1962).
626 A seção política da embaixada norte-americana no Rio, conforme visto no capítulo 3, era onde estavam localizados os
oficiais da CIA.
627 Esta informação coincide com o período em que Wladimir esteve nos EUA, conforme demonstra a carta entre Korns e
Taylor citada acima.
391

nacionalismo, e não do “nacionalismo profundamente deturpado pela ação do comunismo


internacional”. Elogiava também a Operação Pan-Americana, uma iniciativa governamental que
representaria “uma tentativa séria para garantir que adquiram maior objetividade as relações políticas,
sociais e econômicas no hemisfério ocidental”. No entanto, destacava que o esforço do governo não era
suficiente, sendo necessária a “contribuição consciente e desinteressada dos intelectuais, homens de
negócio, estudantes e trabalhadores”. No panfleto, a SEI se autoproclamava “um grupo de nacionalistas
conscientes”, organizada enquanto “entidade cívica” em razão do “ambiente de confusão geral e da
progressiva deterioração da opinião pública”, resultante da “ação desagregadora de forças
antinacionais”. O objetivo da entidade seria “combater e derrotar as forças que desagregam a
nacionalidade”, com base em um “plano de ação construtivo”, visando “guiar as forças vivas nacionais
pelo caminho do bom senso” para a “edificação de uma democracia à altura de uma grande nação pan-
americana, civilizada e cristã”. A caracterização sobre o inimigo a ser combatido era bastante clara:

Consideramos que o comunismo e correntes semelhantes devem ser tratados segundo


os métodos aplicados pela moderna medicina em relação às doenças contagiosas:
combate ao mal por todos os meios disponíveis. Mas não basta o combate; urge – é
esse o nosso objetivo – a defesa prévia de nosso povo contra essa infecção, reforçando
sua constituição moral e cívica. Se muita gente inteligente, de bom caráter, entusiasta e
corajosa, termina vítima da infecção comunista, a responsabilidade provém do
ambiente de instabilidade moral, política e econômica, que se torna evidente no país,
não obstante os esforços de nossas autoridades e, fundamentalmente, pela inexistência
de um antídoto eficaz. A nossa missão precípua consiste em preparar, cristalizar e
disseminar esse poderoso antídoto na forma de uma doutrina nova, especificamente
brasileira, baseada em nosso progresso histórico, político, social e econômico,
conjugado às exigências do presente e do futuro. Aplicamos o nosso conhecimento das
ideias e métodos dos agentes do comunismo para o combate sistemático à sua obra de
desagregação. Visaremos, sobretudo, fortalecer a opinião pública, fornecendo-lhe
ideias, sugestões e programas realísticos e positivos, pois acreditamos que a mentira
comunista, em nosso meio, não medrará se tiver de enfrentar uma ideologia objetiva e
concreta, nacionalista e pan-americana, que represente a fé das novas gerações que não
desejam marchar nem para a esquerda nem para a direita, mas para a frente (Folheto,
“Nossos motivos”, SEI, 1958).

O “civismo” seria o elemento que mobilizaria as pessoas para uma ação preventiva contra o
comunismo no Brasil. Para atingir este objetivo, as diversas atividades promovidas pela SEI
englobavam três tarefas fundamentais, de acordo com uma publicação da entidade. A primeira delas era
a análise dos problemas econômicos e sociais e a promoção de um “estudo da psicologia dos diferentes
392

grupos que integram a nação brasileira”. A segunda era a “preparação e divulgação, em bases racionais,
das conclusões, programas e planos objetivos elaborados pelos diversos serviços” da entidade, por
meio de livros, folhetos, artigos em jornais e revistas, filmes, rádio e TV, conferências e cursos. Por
fim, seria necessário um trabalho de “relações públicas ligando entre si as organizações e todas as
pessoas que trabalham neste setor ou desejam colaborar com a SEI”. Os estudos da SEI incluíam
“planos de desenvolvimento econômico-social, cooperativismo, municipalismo e ruralismo, problemas
de intelectuais, universitários e estudantes em geral, problemas da indústria e comércio, problemas
operários, sindicalismo, etc.” (Folheto, “Nosso programa”, SEI, 1958).
Quanto à sua estrutura, a SEI possuía um Serviço de Informações Confidenciais e Boletins,
“editados quatro vezes por semana em português e duas vezes em espanhol”, um Serviço de Imprensa,
com a “distribuição de quatro artigos mensais em 500 jornais ou revistas em todo o país”, um Serviço
de Divulgação Popular, para distribuição de folhetos “a organizações e casas de família” e “cursos de
propagandistas”. A entidade era administrada por uma diretoria composta por um diretor-presidente,
um diretor tesoureiro e um diretor administrativo, que contavam com a ajuda de um secretariado geral.
Permitia a inclusão de sócios, que se dividiam em quatro grupos: o grupo de trabalho era constituído
por pessoas que se dedicavam “inteiramente às atividades do SEI”; o grupo de colaboração era
integrado por sócios que auxiliavam “de modo permanente ou temporário os elementos” do grupo de
trabalho; o grupo de representantes eram os sócios que representavam a SEI nos diferentes estados e
cidades do Brasil; por fim, o grupo de simpatizantes participava da “divulgação dos princípios da SEI e
popularização de seus estudos”, devendo contribuir com um valor anual de 100 cruzeiros. A SEI
considerava que havia numerosos “cidadãos de boa vontade e prontos a trabalhar”, mas que atuavam de
modo disperso e sem dispor “de meios para uma ação eficiente”. Assim, seu principal objetivo era
“fornecer estes meios de ação, mobilizar e unir as forças sadias da nação em torno de um programa de
renovação positivo, sem o que não podem ser derrotadas as forças da desagregação” (Folheto, “Nosso
programa”, SEI, 1958). Durante o encontro com o adido trabalhista do consulado norte-americano,
Jack Liebof, em 1962 (citado anteriormente), Lodygensky afirmou que “a equipe da SEI consistia de
40 a 50 pessoas”. O quadro abaixo, elaborado com base em fontes brasileiras e norte-americanas,
apresenta o nome de alguns dos integrantes da SEI entre 1958 e 1964:
393

Tabela 5. Integrantes da SEI, 1958-1964


Nome Profissão e histórico Função na SEI
Wladimir Lodygensky Engenheiro químico Diretor-Administrativo
Inspetor Regional do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE); Professor de Economia da USP;
Wladimir Pereira Presidente
ex-membro da Ação Integralista Brasileira (AIB);
filiado ao PSD de São Paulo
Advogado, Diretor do Departamento Jurídico da
Ruy Barbosa Baptista Pereira Solvay/Eletrocloro; ex assistente de protocolo e Integrante
rituais da Ação Integralista Brasileira (AIB)
Renato Maciel de Castro Advogado Diretor Tesoureiro
Pedro Weisecke - Integrante
Otávio Batista Filho Funcionário da American Cyanamid Integrante
Artur de Guimarães Melo - Integrante
Olavo Batista Filho Professor Integrante
Diretor Sindical da Delegacia Regional do Trabalho Diretor de atividades
Nelson Gouveia
de São Paulo sindicais
Pedro Wykoki Professor Integrante
Carlota Pereira de Queirós Médica, deputada, membro da Ação Católica Integrante
Representante no Rio de
Antônio de Mendonça Molina General do Exército
Janeiro
General do Exército; adido militar na Bolívia (1947-
1949); diretor do Divisão de Polícia Política e Social
Hugo Manhães Bethlem do DFSP (1951-2); chefe da representação Relação confidencial
diplomática brasileira na Bolívia (1952-1954) e no
Paquistão (1955).
Tenente-Coronel do Exército; membro do Instituto
Henrique Oscar Wiederspahn Integrante
Histórico-Geográfico do Rio Grande do Sul
Ângelo Simões Arruda Ex-dirigente da Ação Integralista Brasileira (AIB) Integrante
Jurista, ex-dirigente da Ação Integralista Brasileira
Miguel Reale Integrante
(AIB)
Deputado à Assembleia Constituinte (1935-7),
Ernesto de Moraes Leme membro da UDN, Reitor da USP (1951-1953), Integrante
Embaixador do Brasil na ONU (1954-1955)
Fontes: Memorando, 29/08/1958; Dossiê, DPS Rio de Janeiro, 1966; Protocolo n. 7285/59 e Informação n. 387,
05/08/1959; Prontuário, 27/08/1936; Dossiê, 05/11/1946; Relatório, 11/10/1962; Memorando, 02/02/1962; Correio
Paulistano, 02/09/1956; Entrevista, 21/10/1965; Entrevista, 05-09/05/2019; Pereira (2007).
394

O nome Sociedade de Estudos Interamericanos era estrategicamente “neutro”, servindo de


cobertura a uma grande variedade de atividades políticas. Sua fachada “educacional”, com sua
mensagem “interamericana”, criava uma imagem de respeitabilidade, permitindo a difusão de seu
ideário a um público mais amplo e facilitando a aproximação a outras entidades com as quais poderia
trabalhar. Para desenvolver todas as atividades previstas em seu programa e atingir o público-alvo
desejado, a SEI criou outras organizações, que contariam com uma equipe própria, distinta da direção
da SEI e responsável pela supervisão das suas atividades específicas. A relação da SEI com suas
suborganizações de fachada deveria ser mantida em sigilo, para dificultar ao máximo a identificação
dos reais vínculos entre elas. Seus dirigentes, de preferência, não precisavam saber da existência desta
relação, ou deveriam saber o mínimo possível.
Desse modo, a SEI atuaria como uma espécie de escritório central, responsável pelo controle
sobre as suas várias filiais, cada uma delas promovendo atividades voltadas a setores específicos. As
filiais, por sua vez, seriam responsáveis por aproximar-se de outras entidades que atuavam no mesmo
setor que elas, para as quais ofereceriam apoio na forma de “orientação técnica” 628. Este esquema
organizativo contribuía para preservar a SEI de uma possível exposição de suas reais atividades
secretas e de críticas oriundas de grupos opositores. As suas filiais seriam mais suscetíveis à exposição,
mas seria menor a probabilidade de que seus vínculos com a SEI fossem revelados. As relações
mantidas com organizações independentes da SEI, ainda que a questão do controle sobre elas fosse
mais complexa, também contribuíam para não levantar suspeitas sobre a entidade, uma vez que,
publicamente, as atividades políticas eram conduzidas por elas, e não pela SEI629.

628 De acordo com a descrição da SEI feita pelo adido trabalhista Jack Liebof, “a organização era altamente
departamentalizada, em que a equipe de um departamento sabia pouco sobre as atividades de outros departamentos”. Por
exemplo, Nelson Gouveia, líder das atividades sindicais da SEI, “sabia pouco sobre as finanças da organização”. Gouveia
afirmava que “a SEI acreditava que seu trabalho seria mais efetivo se fosse feito sem publicidade, evitando um contra-
ataque direto dos comunistas”. Ele declarou a Liebof que, “embora os comunistas soubessem da existência da SEI, eles não
tinham conhecimento pleno de todas as atividades da SEI e ainda não haviam tido a oportunidade de denunciá-la
publicamente”. A partir do ano de 1960, as principais atividades sindicais da SEI eram de responsabilidade do Bureau de
Imprensa Sindical (BIS), uma de suas suborganizações de fachada, que conduzia duas séries de cursos de formação, uma
para trabalhadores e outra para funcionários que exerciam funções de supervisão sobre os trabalhadores. Liebof informou
que “os cursos para trabalhadores eram conduzidos ostensivamente pela Federação dos Círculos Operários do Estado de São
Paulo”, acrescentando que “a SEI não quer que sejam conhecidas as suas relações com os Círculos Operários”. Na mesma
época, a SEI atuava também junto ao Movimento Sindical Democrático (MSD) de duas formas: “a partir de sua relação com
os Círculos Operários e através de outros dirigentes do MSD que eram secretamente afiliados diretamente à SEI mas não
com os Círculos Operários”. Desse modo, explicou Liebof, “muitos líderes do MSD sabiam da existência da SEI, mas
aqueles que não eram vinculados direta ou indiretamente à SEI não sabiam quais eram os líderes afiliados a ela”
(Memorando, 02/02/1962, anexo ao despacho diplomático n. 200, 13/02/1962). Maiores detalhes sobre a atuação sindical da
SEI e de outras entidades a ela vinculadas serão apresentados no último capítulo.
629 Enquanto uma entidade cuja atuação deveria ser conhecida apenas por um círculo restrito, a SEI seguia a mesma lógica
das operações da CIA, fundamentada em preocupações de contrainteligência, ou seja, de proteção de suas atividades contra
interferência externa e exposição pública. Como explica Philip Agee (1976, p. 53), referindo-se a essas preocupações da
395

Em 24 de julho de 1958, data em que a SEI foi registrada como entidade civil, em São Paulo,
também foi criada a Allset Sociedade Técnico-Comercial Ltda., igualmente dirigida por Wladimir
Lodygensky. De acordo com os estatutos de sua fundação, a Allset exerceria a sua atividade na
exploração de “serviços de publicidade técnica e promoção de vendas, corretagem, compra e venda de
materiais, produtos, embalagens e brindes destinados à promoção de vendas, consultas técnicas e
publicitárias”. A empresa tinha sede na rua João Adolfo, 118, sala 301, no centro de São Paulo, no
mesmo prédio onde se localizavam as dependências da SEI, que utilizava a sala 202. De acordo com o
adido trabalhista norte-americano, Benjamin L. Sowell, a Allset era “um escritório comercial que
fornecia serviços de secretariado, gravações, traduções e reproduções” (Memorando, 29/08/1958).
Segundo informações coletadas por investigadores do DOPS de São Paulo, sua finalidade era “proceder
a levantamentos e estudos sobre a vida social e econômica do país” (Relatório n. 377, 20/09/1959). Em
anúncios de jornal, o escritório da Allset no Rio de Janeiro oferecia serviços especializados “aos
modernos homens de negócio industriais e comerciantes”: “esteno-datilógrafas em várias línguas,
traduções e versões para qualquer idioma, gravações de conferências, mesas redondas e reuniões,
gravação em fita ou disco de discursos em festas e banquetes e transcrição de fitas gravadas” (O Globo,
22/12/1958)630.

CIA, “os disfarces protegem as operações, fazendo-as passar por algo legítimo e muito diverso do que em realidade são. A
fragmentação, ou seccionamento, reduz as oportunidades de expor uma única operação aos riscos de qualquer espécie que
ameaçam as adicionais. Um funcionário ou agente da CIA pode tomar conhecimento do que outro companheiro está
realizando somente se for absolutamente necessário e indispensável ao cumprimento e realização de sua própria missão”.
630 Levando-se em consideração a experiência de organizações anticomunistas europeias que Lodygensky trouxe consigo
para o Brasil, não se pode descartar a hipótese de que a Allset tenha sido uma fachada para as ações políticas da SEI.
Vejamos o exemplo de uma organização criada na Bélgica em 1925 por Jean Spiltoir, a Société d’Études Politiques,
Économiques et Sociales – Sociedade de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (SEPES) (ver FICHA sobre a EIA). Essa
associação sem fins lucrativos com sede em Bruxelas possuía, além de sua face pública, um Serviço de Documentação e
Informação confidencial. Spiltoir confiou a Carl Peters – chefe da seção da SEPES na Antuérpia que em 1923 tinha
trabalhado para a Sûreté militaire do exército belga como especialista em comunismo – a tarefa de estabelecer uma rede de
informantes. Esta deveria ser posta sob o comando de cerca de trinta inspetores, todos antigos agentes da Sûreté militaire ou
gendarmes aposentados. Peters se responsabilizou pelo monitoramento do porto de Antuérpia e elaborou “listas negras”
com o nome dos estivadores pertencentes ao Club des Marins Révolutionnaires. Ele também treinou equipes encarregadas
de roubar documentos na sede de organizações comunistas e sindicatos. As informações reunidas eram encaminhadas aos
órgãos oficiais e, conforme o caso, à Secretaria permanente da Entente Internacional Anticomunista em Genebra, ou a
outros de seus centros nacionais. Spiltoir também criou um “órgão de ação”, a Sûreté commerciale et industrielle
(Surcomin), uma sociedade anônima da qual ele detinha 94% das quotas, que fornecia às empresas o serviço de guardas
recrutados entre ex-policiais capazes de neutralizar as células comunistas. Um sub-serviço de ligação e de inspeção era
encarregado de manter contato entre as instituições, conduzir investigações externas e manter o “registro geral”, abastecido
por informações repassadas pelas próprias empresas, a fim de identificar os elementos considerados indesejáveis
(CAILLAT, 2012).
396

7.4 Publicações da SEI

Entre 1957 e 1958 (data aproximada), a SEI editou uma publicação intitulada Forja-se hoje o
nosso futuro. As 44 páginas do documento – com ilustrações e fotografias – descrevem as supostas
táticas adotadas pelos comunistas em vários setores: a “preparação da chegada ao poder”, “formação da
rede de agentes”, “formação de apoio de simpatizantes” e a “ofensiva diplomática e comercial” 631. De
acordo com o relato do adido trabalhista Benjamin L. Sowell, a SEI também foi responsável pela
distribuição de um panfleto de “autoria não atribuível chamado ‘Não se compra o Brasil por trinta
dinheiros’ e do ‘Manual de Polícia Política e Social’, escrito por Luiz Apolônio 632” (Memorando,
29/08/1958). Conforme um relatório anexado a um memorando de 1962 produzido pelo consulado de
São Paulo, a SEI publicava um “serviço semanal de imprensa”, que distribuía notícias para “350
jornais, 1.200 sindicatos de trabalhadores, grupos estudantis e de intelectuais, etc.”, e possuía um
serviço de radiodifusão de notícias chamado Luzes, que atingia “124 estações de rádio e 80 jornais
católicos”. Também trabalhava com “impressões de folhetos, pôsteres e panfletos”, “gravações de

631 O livreto inicia com um alerta: “quando o sol desponta no Atlântico, o povo brasileiro começa um novo dia em paz”.
Mas esta seria ilusória: “todas as manhãs, em nossa terra, milhares de homens levantam-se com o fito de dedicar o dia à
destruição sistemática da nossa paz e da nossa liberdade”. Os comunistas não estariam sozinhos em sua empreitada de
destruição da sociedade brasileira. Havia toda “uma classe de políticos incapazes, escritores e artistas desorientados,
professores universitários rancorosos” cujo trabalho consistia em “envenenar a nossa juventude com a mentira do paraíso
soviético”: “Na sua esterilidade espiritual e intelectual, incapazes de um ato de criação autenticamente brasileiro, positivo e
civilizado, só sabem oferecer à juventude as inépcias da doutrina comunista. (…). Já é tempo para que nas escolas,
universidades, organizações esportivas, nos quadros políticos e sociais, o dinheiro público não seja mal gasto em propagar a
má-fé sistemática e a destruição do nosso sistema de vida que justamente permite a toda essa gente viver às nossas custas.
(…). Sendo o Brasil o maior país latino-americano, é nosso dever construir o maior baluarte da defesa do continente, dando
exemplo de segurança social, econômica e política. Porque nosso nacionalismo é antes de tudo um nacionalismo pan-
americano e patriótico no qual morrem as vaidades e suscetibilidades jacobinas, das quais pretendem fazer uso os
comunistas. (…). Repudiamos a utopia comunista pseudomarxista, porque nosso bem máximo é a liberdade; nossa principal
arma é a opinião pública sadia; nosso método preferido é o trabalho planejado; nossa meta primordial é a liquidação da
miséria dos fracos, através da livre iniciativa dos fortes e graças a uma legislação modernizada. Nossa posição no conjunto
das nações é de grande nação ocidental, realmente democrática, pan-americana e cristã (Livreto, “Forja-se hoje o nosso
futuro” SEI, 1958).
632 Segundo Marcos Florindo (2012, p. 296), Apolônio foi “chefe do corpo de investigadores e do Serviço Secreto do
DEOPS, um dos principais quadros especializados da delegacia na repressão ao comunismo, chefe das equipes de
investigadores que trabalharam nas diligências principais contra o PCB nas décadas de 1930, 1940 e 1950, professor da
Academia de Polícia após findar sua longeva carreira de investigador”. Conforme Luciana Feltrim (2012, p. 95), o Manual
de polícia política e social “era voltado exclusivamente para capacitar os agentes do DOPS no reconhecimento das bases do
Partido Comunista, assim como treiná-los nas estratégias visando coibir e reprimir as atividades de militantes daquele
Partido em todo o território nacional”. Apolônio foi o responsável pelo interrogatório de Carlos Marighella, quando este foi
preso em uma operação policial em 1964, conforme as memórias do ex-dirigente do PCB (MARIGHELLA, 1994).
397

rádio-dramas” e promoção de “campanhas em jornal, rádio e televisão sobre assuntos políticos, como
nacionalismo, paz, Cuba, etc.” (Relatório anexo, 16/05/1962).633
A SEI possuía um serviço de produção de boletins reservados, editados em português 634 e
espanhol635, com tiragem de “cerca de três mil cópias” e “distribuídos apenas para altos oficiais do
governo, exército, igreja e líderes empresariais” (Relatório anexado ao Memorando de 16/05/1962).
Dois dos boletins encontrados, publicados em 1959, informam, logo abaixo de seu cabeçalho:
“confidencial – exclusivo para autoridades do Brasil e dos países latino-americanos” (Boletins nº 675,
08/1959 e nº 676, 08/1959)636. Solange de Deus Simões (1985, p. 28) menciona uma informação
importante sobre a SEI e a produção de seus boletins. De acordo com arquivos privados consultados
por ela637, a SEI “contava com a colaboração de eminentes paulistas, em especial professores, líderes
católicos, intelectuais que redigiam a matéria de seus boletins de informação e formação sobre a
‘infiltração comunista’ na América Latina”.
O cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, dom Jaime de Barros Câmara, era um dos que recebiam
as publicações da SEI. Em uma palestra veiculada na rádio Vera Cruz e transcrita no Jornal do Brasil,
633 Outras iniciativas da SEI serão apresentadas no último capítulo. É importante destacar que, na mesma época em que a
SEI começou a atuar, o USIS e a CIA intensificaram as suas atividades relacionadas à propaganda anticomunista, como
resultado do planejamento governamental apresentando no capítulo 1. Em entrevista, G. Lewis Schmidt, que havia sido
enviado ao Brasil como subchefe do USIS no Rio de Janeiro na metade do ano de 1956, relata que o “Brasil tinha um
partido comunista muito grande e influente”. Diante disso, “a CIA decidiu que alguma coisa deveria ser feita para combater
isso, e eles orquestraram conosco um programa bastante abrangente de pôsteres anticomunistas, inserções de artigos na
imprensa, etc., explorando as fraquezas do governo soviético, tal como revelado no discurso de Kruschev”. Ainda conforme
Schmidt, “havia uma colaboração ocasional entre o USIS e a CIA na chamada área de propaganda cinza – nunca na de
propaganda clandestina. A CIA tinha os seus meios de inserir materiais em certos veículos de mídia, e tinha canais de
distribuição não disponíveis para nós [do USIS]. Neste aspecto, nós montamos um esforço de larga escala que era para ser
sincronizado com a seção política da embaixada”. Seria muito improvável que a SEI não estivesse envolvida nestas
atividades.
634 O boletim em português era colorido em verde e amarelo e registrava o nome e endereço da entidade, não ultrapassando
duas páginas.
635 Segundo Ribeiro (2018), “muitos boletins de notícias da SEI foram recebidos pela repressão paraguaia durante os anos
de 1960”. Encontram-se arquivados junto aos documentos da Confederação Anticomunista Latinoamericana e da Liga
Anticomunista Mundial, no fundo documental que pertenceu a Antonio Campos Alum, “um delegado de polícia paraguaio”,
“membro da Dirección Nacional de Asuntos Técnicos (DNAT)”, “conhecido por praticar perseguição, prisão e tortura à
oposição latino-americana às ditaduras”. Esse fundo hoje pertence ao Archivo del Terror, em Assunção, Paraguai.
636 De acordo com uma carta ao leitor intitulada “SEI informa” anexa a um de seus boletins (de agosto de 1963), a SEI
afirmou que o seu boletim semanal estava entrando “em seu sexto ano de existência”, ou seja, eles eram publicados desde o
ano de 1957 (Carta circular n. 1/1963, 15/08/1963), mais um indício que corrobora a hipótese de que a SEI foi criada ao
longo do ano de 1956. O mesmo documento confirma que o boletim tinha como público-alvo prioritário as “autoridades”:
“durante todos estes anos temos nos esforçado em condições muito precárias e difíceis para prestar um serviço sistemático
às nossas autoridades e aos que lutam por um Brasil melhor”. Ressalte-se que o público-alvo e o conteúdo dos materiais de
propaganda da SEI coincidem com objetivos dos planos básicos de operações contra o comunismo do governo Eisenhower,
apresentados no capítulo 1, que previam apoio a “produção de pôsteres e panfletos, atribuível a entidades locais de boa fé
(local bona fide attribution), para ampla distribuição entre grupos militares e setores-chave dos trabalhadores rurais e
urbanos”.
637 Arquivos da União Cívica Feminina (UCF), organização cívica de mulheres criada pela SEI no início de 1962, a ser
apresentada no capítulo 10.
398

ele relatou que havia sido procurado “por uma comissão de estudantes, legitimamente preocupados
com as multiformes tentativas de infiltração comunista em sua classe”. Em seu discurso, o cardeal
confirmou as convicções dos estudantes, denunciando que o Congresso Mundial da Juventude, que
seria realizado naquele ano em Viena, era “de origem e finalidade comunista” e, por isso, quem dele
participasse, arriscaria se tornar “ao menos, simpatizante de uma ideologia ateia, antidemocrática e
falsa”. O cardeal destacou que um periódico da igreja chamado Notícias Católicas publicava, havia
mais de um mês, algumas “indicações dignas de meditação”. Por exemplo, a de que os soviéticos
haviam prometido pagar 1.250 passagens aéreas a jovens latino-americanos para participar do festival.
A fonte de tais “indicações” era o “boletim da SEI, a organização anticomunista brasileira” 638 (Jornal
do Brasil, 04/07/1959).
Os boletins da SEI também chegavam a autoridades policiais e destacados diplomatas
brasileiros. Em novembro de 1960, o boletim Resenha Semanal, produzido pelo Bureau de Imprensa
Sindical (BIS), uma das suborganizações de fachada da SEI, foi remetido ao coronel Luís Ignácio
Jacques Júnior, do DFSP (Boletim, 2-9 de novembro de 1960). Em março de 1961, Wladimir Pereira
enviou uma carta ao embaixador do Brasil em Cuba, Vasco Leitão da Cunha, dizendo que a diretoria da
SEI tinha “o grato prazer de iniciar (...) a remessa regular (...) dos seus Boletins Informativos” (Carta,
09/03/1961). A SEI também costumava enviar documentos ao Conselho de Segurança Nacional. Em
1962, a coluna “Ronda sindical” do jornal Última Hora noticiou: a “Sociedade de Estudos
Interamericanos (…) continua enviando documentos secretos ao Conselho de Segurança Nacional
denunciando líderes de classe que viajavam à União Soviética ou Cuba” (Última Hora, 21/02/1962).
Os boletins informativos da SEI, publicados desde 1957, apresentavam resumos de informações
sobre aspectos das atividades comunistas em vários países, não apenas no Brasil. Os temas
apresentados eram divididos de acordo com o país de onde provinham as informações 639. Em alguns
638 O catarinense Jaime de Barros Câmara substituiu o cardeal Leme na Arquidiocese do Rio de Janeiro em 1943: “dom
Jaime deu continuidade ao projeto iniciado por dom Sebastião Leme, do qual resultaria a criação da Pontifícia Universidade
Católica (PUC) do Rio de Janeiro”. Entre 1958 e 1963, “exerceu a presidência da CNBB em substituição a dom Carlos
Carmelo de Vasconcelos Mota, que ocupara o cargo desde a criação do órgão, em 1952”. Em 1964, esteve envolvido com a
oposição ao governo João Goulart (Verbete biográfico, DHBB). Não localizamos documentos que liguem Wladimir
Lodygensky a dom Jaime Câmara. Mas o dossiê da DPS, já mencionado, afirma que ele tinha contatos com o cardeal
Vasconcelos Mota (Dossiê “Wladimir Lodygensky”, DPS, 1966). A família Lodygensky tinha uma longa trajetória de
trabalho junto à igrejas cristãs, desde o período entreguerras, particularmente através da Comissão Pro Deo, um órgão da
EIA responsável por inúmeras atividades políticas na ofensiva internacional contra o “ateísmo comunista” no mundo
(ROULIN, 2010, p. 186-7).
639 Como exemplo: “Repercussões provocadas pela prisão de um agente comunista (Montevidéu)”; “A crise de Formosa e
o comunismo de guerra de Mao Tse Tung (Hong Kong)”; “As inelutáveis consequências que decorrem do estreitamento
entre a Argentina e a URSS (Buenos Aires)”; “Sumário de um relatório secreto (México)”; “Recrudesce a agitação nos
meios femininos (Viena)”; “A política sindical do governo e a CNTI (São Paulo)”; “Frente de mobilização popular
(Brasília)” (Boletins n. 1192 e 1195, 09/1963).
399

dos boletins encontrados, era abordado apenas um assunto, baseado em fontes estrangeiras, com o país
de origem das informações identificado no cabeçalho640. A SEI também editava boletins especiais,
aprofundando a análise sobre alguns temas641. Em maio de 1958, um boletim intitulado “Necessidade
de consolidação da opinião pública nacional através da difusão de exemplos positivos”, apresentava as
seguintes considerações:

(…) para lutar contra um oponente tão forte, insincero e habilidoso, é necessário que
este oponente seja bem conhecido, para descobrir como ele está camuflado e quais são
suas manobras. Devemos antes de tudo ter uma visão clara que nos permita descobrir
que o mundo vive em um estado de completa luta que se estenderá por um certo tempo,
com estratégias e táticas completamente novas, política e militarmente, totalmente
diferentes daquelas dos velhos tempos. Conhecer os aspectos dessas estratégias e
táticas é de suma importância para aqueles que estão preocupados em fortalecer a
segurança nacional no seu sentido mais importante. A apresentação constante dos
métodos e resultados do comunismo, embora absolutamente necessário, pode ser
muitas vezes cansativo. Reduzido a isso, o anticomunismo é contraproducente, até
mesmo ajudando táticas comunistas, que procuram desencorajar a opinião pública. No
mundo democrático, além das imperfeições e dos erros inerentes aos regimes de livre
iniciativa baseados no empreendedorismo humano, são inúmeras as conquistas sociais,
políticas, econômicas e humanas que têm uma realidade positiva e significativa a ser
disseminada. Para citar alguns exemplos, o caso do importante trabalho do primeiro
grupo genial do nosso exército no “polígono da seca”, a Ação Popular Cultural
(Sutatenza), da Colômbia642, o Sistema Rádio Educativo Nacional (SIRENA) no
Brasil643, o trabalho cooperativo realizado nas favelas por Dom Hélder Câmara no

640 Como exemplo: “Boletim SEI, n. 871, Santiago, Confidencial, Assunto: campanha do PC para as próximas eleições
parlamentares”; “Boletim SEI, n. 872, México, Confidencial, Assunto: crise no partido comunista do México; o organizador
de uma tentativa de assassinato de Trotsky é o novo chefe do partido”; “Boletim SEI, n. 873, Paris, Confidencial, Assunto:
intelectuais latino-americanos em Conackry e Pequim”; “Boletim SEI, n. 874, Genebra, Confidencial, Assunto: crise
permanente na agricultura chinesa” (Boletins n. 871 a 874, 12/1960).
641 Em maio de 1959, o boletim número 633 era “especial para as Forças Armadas” brasileiras, intitulado “resumo da
situação das Forças Armadas soviéticas” (Boletins n. 633, 05/1959). Outros dois boletins especiais apresentavam “algumas
reflexões sobre a guerra fria soviética e a situação atual” (Boletim especial n. 648, 06/1959) e uma análise sobre o
“seminário latino-americano de estudantes em Sucre, Bolívia, 4-23 de maio de 1959” (Boletim especial n. 653, 04/1959).
Esses boletins especiais, escritos em romeno, foram encontrados nos arquivos do Comitê Nacional Romeno mantidos na
Hoover Institution. A tradução para o romeno ficou a cargo do representante do comitê no Brasil, Edward Ressel, que
colaborava com o trabalho da SEI no país. Sobre Ressel, ver capítulo seis.
642 Maiores detalhes sobre esta organização serão apresentados no capítulo 10.
643 “Em 1957, tiveram início os cursos básicos do Sistema de Rádio Educativo Nacional (SIRENA), patrocinados pelo
MEC e dirigidos por [João] Ribas da Costa. Um ano depois da criação do SIRENA, 11 emissoras irradiavam cursos básicos
que visavam erradicar o analfabetismo, número que saltou para 47 emissoras em 1961”. O SIRENA foi extinto em 1963 e
incorporado à Rádio Educadora de Brasília. Já em 1949 Ribas da Costa tinha elaborado “um plano para a criação de escolas
radiofônicas, que visavam a alfabetização de adultos. A ideia era fazer uma grande cadeia de emissoras de onda média, sem
fins lucrativos, em algumas áreas do Nordeste, preferencialmente nas regiões com alta densidade demográfica, onde as
estações eram raras”. Em 1947, o sistema SENAC e SESC tinha lançado, em São Paulo, um programa com o “Universidade
no Ar”, “com o objetivo de atingir a classe operária do interior”. Nesse programa, “os professores liam suas lições ao
microfone e os alunos, reunidos em núcleos de recepção, ouviam a aula e depois debatiam sobre o assunto, sob orientação
de um professor-assistente. Depois das aulas, os estudantes recebiam textos, pelo correio, e faziam provas” (ANDRELO,
400

Brasil, o trabalho de renascimento social dos subúrbios de São Paulo realizado pelo
padre Marcondes Nitsch, etc. (Boletim especial n. 636, 05/1959).

Tanto os boletins informativos quanto os especiais apresentavam, ao seu final, uma conclusão
que sintetizava a visão política da SEI sobre o tema tratado e, dependendo do caso, oferecendo um
encaminhamento político prático para se contrapor à tendência avaliada como negativa 644. O apelo à
ação das autoridades era comum nos boletins da SEI645. Em um deles, que relatava “novos detalhes da
campanha comunista entre a juventude sul-americana”, constava uma orientação de “vigilância” sobre
professores:

2012).
644 Exemplo disso foi um relatório produzido por um dos seus “correspondentes” sobre a atuação de “agentes culturais
soviético-comunistas” na Escola de Teatro da Universidade da Bahia (atual UFBA). O “correspondente” teve acesso a um
relatório endereçado à “Associação Soviética da Amizade e Cooperação com os Países da América Latina” que apresentava
dados sobre dois professores norte-americanos que trabalhavam na escola, características de seu diretor e “numerosos
detalhes” sobre “os melhores caminhos para a infiltração de agentes comunistas e simpatizantes entre professores e
estudantes”. “Graças à ação dos simpatizantes comunistas”, informou o boletim, “foi possível introduzir no programa obras
do escritor comunista alemão Brecht”. O boletim chamava a atenção para o fato de que os comunistas apreciavam
“consideravelmente o valor propagandístico das peças de Brecht, com base nas experiências feitas na Argentina e no
Uruguai através dos teatros populares”. Havia também o perigo representado por dois advogados latino-americanos que
iriam contribuir com a escola para desenvolver o “teatro independente negro”, com o objetivo, segundo a avaliação da SEI,
de “semear o ódio entre os homens brancos e de cor”. A conclusão do boletim era clara e direta: “enquanto os políticos
propõem a reaproximação com os soviéticos, os agentes comunistas efetuam um trabalho de sapa, sem descanso, a fim de
minar as bases tradicionais da cultura e da política de nosso país” (Boletim nº 676, 08/1959). Um outro boletim, de junho de
1959, denunciava que um “agente do ‘comitê de segurança’ soviético” coordenava a ação da juventude comunista na
América Latina e havia sido encarregado dos “preparativos clandestinos, na América Latina”, para o Festival da Juventude
que seria realizado alguns meses depois em Viena, capital da Áustria. Os comunistas voltariam do encontro de Viena
“capazes de atuar ativamente na comunização da juventude sul-americana”, espalhando a sua mensagem subversiva no
Congresso Latino-Americano de Estudantes em Caracas, que seria realizado após o encontro de Viena. Como os boletins da
SEI eram voltados para um público composto por autoridades, que incluíam integrantes do aparato repressivo brasileiro, a
entidade se sentia à vontade para expressar a seguinte conclusão: “É indispensável que seja organizada uma lista detalhada
dos participantes do festival de Viena e anotados exatamente os elementos que já compareceram a outros congressos
idênticos ou que foram a Caracas em sua volta da capital austríaca. Dessa maneira a atividade dos mesmos poderá ser
fiscalizada no regresso ao país de origem” (Boletim n. 654, 06/1959).
645 Em maio de 1959, a organização alertava para o perigo representado por um programa da Rádio Moscou transmitido
para toda a América Latina. Detalhes técnicos sobre o alcance e o tipo de ondas emitidas pela rádio moscovita e
informações sobre os seus funcionários foram apresentados no boletim. De acordo com informação que consta no boletim, a
SEI possuía uma “rádio-escuta” em São Paulo, responsável pela captação dos programas da rádio Moscou – e certamente de
vários outros programas de rádio da região. A entidade demonstrava preocupação com a receptividade que um programa de
perguntas e respostas da rádio comunista supostamente havia alcançado em vários países da América Latina. Diante disso, a
SEI mais uma vez conclamava as autoridades à ação: “O plano setenal de Kruschev prevê uma enorme ampliação da rede
radiofônica, excelente instrumento da “guerra fria”, muito utilizada presentemente na Ásia, África e América Latina, onde
as populações, por sua inexperiência, mostram-se mais sensíveis à uma propaganda comunista “educativa”. A necessidade
de defender essas populações contra a ofensiva “cultural” soviética cria uma série de problemas de ordem técnica e
intelectual que precisam ser urgentemente solucionadas pelas autoridades” (Boletim, Rádio-escuta São Paulo, n. 534,
05/1959, itálicos meus).
401

Ainda são muito numerosos entre os dirigentes dos círculos governamentais e


eclesiásticos os que não se dão conta do imenso poderio da ofensiva “cultural” em
curso na América Latina. Desconhecem os amplos recursos utilizados, desde há algum
tempo, pelo mais cínico e implacável inimigo da cultura cristã. Esta última, para os
comunistas, deve desaparecer completamente. Torna-se imperiosa, por isso, uma
vigilância cuidadosa em torno dos professores que se deixam manobrar pelos
comunistas e ajudam a corrupção da juventude, não percebendo que a vitória do
comunismo representará a maior escravização intelectual e moral da nossa história
(Boletim n. 617, 03/1959).

A SEI cumpriu um papel importante não apenas na tentativa de aumentar a consciência das
autoridades brasileiras sobre o suposto perigo representado pelos comunistas, mas também de exagerar
e criar um clima de pânico em relação a essa ameaça. Seu público-alvo precisava ser convencido de
que o comunismo não era uma expressão autêntica da tradição política dos países integrantes da
“comunidade interamericana”. A entidade buscava atingir os mesmos setores de elite identificados
como alvos prioritários pelo planejamento norte-americano – a Igreja Católica, empresários, militares e
policiais. Além disso, os materiais de propaganda da SEI mostram indícios de que ela procurou atingir
e mobilizar estudantes e mulheres, ainda que, do ponto de vista organizativo, a entidade só tenha
efetivamente conseguido criar grupos voltados a esse público, ou influenciar organizações já existentes,
no início dos anos 1960 (como será visto no capítulo 10). Ou seja, a SEI não restringia as suas
atividades à mera divulgação e fomento de um ideário anticomunista. Acima de tudo, ela buscava
instigar e mobilizar o seu público-alvo para a ação, de acordo com a tradição cívica em que
Lodygensky tinha sido educado:

Para levar a cabo a contraofensiva que se impõe com tanta urgência e dramatismo em
todos os campos de batalha (…) é necessário fixar em termos inequívocos conceitos
construtivos e dar-lhes um nome, ou seja, alçar uma bandeira. (…) em termos de base
prática para a ação, reputamos indispensável realizar um esforço de síntese planejada
e ordenada, de construção lógica, cimentada por um conceito fundamental, de alto
poder aglutinante. Acreditamos que este conceito básico deve ser definido por uma só
palavra: CIVISMO (LODYGENSKY, 1966, p. 90, itálicos meus)646.

646 Recordando que, quando a Entente Internacional Anticomunista foi criada, em 1924, Wladimir Lodygensky tinha
apenas sete anos de idade. Ele cresceu, portanto, acompanhando o trabalho dessa entidade, cuja criação foi inspirada pela
atuação do advogado suíço, Théodore Aubert, na organização de “guardas cívicas” europeias (para maiores detalhes a
respeito do tema, ver as FICHAS sobre a EIA e sobre Aubert).
402

7.5 A rede de apoio classista da Sociedade de Estudos Interamericanos

Em junho de 1962, o adido trabalhista Jack Liebof mostrou-se positivamente impressionado


com o trabalho que vinha sendo realizado pela SEI, mas formulou algumas críticas que ajudam a
entender a orientação de classe dessa organização. Segundo sua avaliação, Lodygensky era uma pessoa
“inteligente, autoconfiante, enérgica, mas diplomática, de fortes convicções e poucos escrúpulos”.
Liebof não tinha “objeções à qualidade” dos materiais de propaganda produzidos pela SEI nem
questionava sua “resoluta postura anticomunista”. Ele avaliava que a entidade tinha “um papel
importante a cumprir na luta pela democracia no Brasil”. Porém, demonstrava reservas com relação ao
trabalho sindical realizado pela SEI, considerando que esta parecia “mais interessada em atacar o
comunismo do que em construir um movimento trabalhista democrático e independente”. Liebof
afirmou que “este tipo de abordagem puramente negativa” não era “suficiente em si mesma”: “para ter
sucesso, ela deve se aliar a medidas positivas voltadas ao fortalecimento essencial de instituições
democráticas, tais como os sindicatos de trabalhadores independentes”. O anticomunismo
“democrático” de Liebof se contrapunha à orientação ideológica da SEI, mas o adido trabalhista
reconhecia que seria difícil mudar a postura da entidade:

A SEI é uma organização financiada e orientada segundo interesses patronais (SEI is


an employer-financed and employer-oriented organization) que, por sua própria
natureza, são incompatíveis com a condução de treinamento de lideranças ou com a
construção de um movimento sindical forte e independente. Os candidatos para o
treinamento em liderança sindical são escolhidos pelos patrões. O seu diretor de
atividades sindicais [Nelson Gouveia] parece preferir um tipo fascista de movimento
trabalhista controlado pelo Estado647. (…). Tenho sérias dúvidas de que a SEI
realmente deseje sindicatos trabalhistas independentes livres do controle comunista,

647 Segundo Liebof, “o ponto mais relevante” de uma conversa que teve com Gouveia foi a sua “a orientação pessoal”.
Apesar de reconhecer nele um sujeito “inteligente e bem informado sobre São Paulo e o Brasil e sobre a conjuntura do
movimento sindical internacional”, Liebof ponderou que Gouveia “não tinha experiência em sindicatos e demonstrava uma
posição política claramente de centro-direita, gravitando em direção a uma forma de movimento sindical tutelada pelo
Estado de acordo com os padrões de Mussolini, Franco e Vargas”(Despacho diplomático A-200, 13/02/1962, itálicos meus).
403

governamental ou patronal648 (Despacho diplomático A-309, 14/06/1962, itálicos


meus).

Daniel M. Braddock, cônsul geral dos Estados Unidos em São Paulo, discordou da avaliação de
Liebof, afirmando não ver

Evidências de que a SEI utilize (…) os interesses dos patrões contra os interesses de
um movimento sindical livre. Deveria ser possível a união entre patrões e empregados
em uma causa comum contra o comunismo que visa a destruição da iniciativa privada
e dos sindicatos trabalhistas livres (Despacho diplomático A-309, 14/06/1962) 649.

Além de ser uma organização vinculada aos interesses empresariais, a SEI também tinha
relações próximas com setores das polícias e do exército brasileiros. O DOPS de São Paulo, por
exemplo, não via problemas na existência da SEI. De acordo com os delegados da polícia política
paulista, a SEI era “visceralmente anticomunista” e buscava “esclarecer e orientar a opinião de nossa
gente sobre os perigos que representa o comunismo internacional”, assim como esclarecer sobre “os
objetivos que almejam alcançar os senhores vermelhos da União Soviética e seus asseclas espalhados
pelos quatro cantos da terra” (Relatório, 20/09/1959). Recorde-se que Wladimir Lodygensky, de acordo
com o dossiê produzido pela DPS, teria trabalhado “em atividades anticomunistas” no “DOPS de São
Paulo com o delegado [Antônio] Ribeiro de Andrade 650, sendo íntimo do agente de polícia paulista de
nome Anselmo Páscoa, com quem era sempre visto”. O líder da SEI também teria relações com os

648 Liebof completou a avaliação do perfil de Gouveia relatando que ele havia sido “um funcionário da FIESP que mais
tarde foi integrado à equipe da Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo”, onde ele ainda trabalhava em 1962. Neste
mesmo ano, conforme Liebof, Gouveia integrava a “diretoria da Federação dos Círculos Operários do Estado de São
Paulo”, ao mesmo tempo em que era “diretor do BIS e de atividades sindicais da SEI”. “De todos estes empregos, ele
passava a maior parte do tempo dedicado ao BIS e à SEI”, escreveu Liebof, acrescentando que Gouveia “passou três meses
nos Estados Unidos com uma bolsa do programa Ponto IV [da ICA] em 1957” (Memorando, 02/02/1962, anexo ao
despacho diplomático n. 200, 13/02/1962).
649 Foram encaminhadas 10 cópias desse documento à CIA, um número muito maior do que as cópias encaminhadas a
outras agências. Sobre Braddock, ver capítulo 2.
650 Em 1948, Andrade foi delegado-chefe da seção de expulsandos da DEOPS São Paulo (DIETRICH, 2007, p. 180). Em
1950, tornou-se chefe do Serviço Especial de Vigilância da mesma delegacia (CARNEIRO, 2002, p. 111-2) e, em 1953, da
seção de estrangeiros (ZEN, p. 48, 2005). Em 1954, voltou a chefiar o Serviço Especial de Vigilância (WIAZOVSKI, 2008,
p. 186). Em entrevista a Marina Amaral, da agência A Pública, o ex-delegado do DOPS de São Paulo, José Paulo
Bonchristiano, relatou que Andrade era chefe do DOPS em 1962, e que este costumava recebê-lo em sua casa. “Sempre de
portas abertas, ficávamos lá, conspirando”, contou Bonchristiano (Entrevista, 09/02/2012), referindo-se à conspiração que
levou à derrubada do presidente Goulart em 1964. Andrade também foi o fundador da Associação dos Delegados de Polícia
do Estado de São Paulo (ADPESP), segundo informação do sítio eletrônico da instituição (História, ADPESP).
404

inspetores Cecil Borer e José Vasconcelos, da Divisão de Polícia Política do Distrito Federal, como
visto no capítulo seis (Dossiê “Wladimir Lodygensky”, DPS, 1966). Além disso, um dos integrantes da
SEI era Hugo Manhães Bethlem651 que, entre 1951 e 1952, foi diretor da DPS, em uma gestão que se
destacou pela repressão aos movimentos populares. Em 1953, o ministro conselheiro da embaixada do
Rio, Walter N. Walmsley, Jr., referiu-se ao major Bethlem como um “jovem e agressivo anticomunista,
que havia sido efetivo em seu trabalho anticomunista e fortemente apoiado por oficiais de carreira do
DOPS”, durante o período em que foi diretor da polícia política do Rio de Janeiro (Despacho
diplomático, 29/10/1953)652.
651 Seu pai, o general e engenheiro Agrícola da Câmara Lobo Bethlem, era um famoso professor de cursos preparatórios ao
ingresso às escolas e academias militares – tendo sido representante do Ministério da Guerra (à época chefiado por
Canrobert Pereira da Costa, durante o governo Dutra) na comissão que elaborou a Lei de Diretrizes e Bases da educação
nacional (Correio da Manhã, 27/07/1951) –, apoiador da candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência e
integrante da Cruzada Democrática (Diário Carioca, 12/03/1952). O primo irmão de Hugo, general Fernando Belfort
Bethlem, foi integrante da Força Expedicionária Brasileira (FEB), onde serviu como oficial de ligação junto à 1ª Divisão
Blindada americana, subordinada ao V Exército dos EUA, sob o comando do general Mark Clark. Também fez o curso de
cavalaria na escola militar de Fort Riley, nos Estados Unidos (DHBB, Verbete biográfico). Quando Hugo era chefe da DPS
da DFSP, Fernando chefiou a Polícia Especial – criada nos anos 1930 para ser a tropa de choque da Polícia Civil do Distrito
Federal (REZNIK, 2004, p. 69), considerada precursora do atual Batalhão de Operações Especiais (BOPE) carioca
(PACHECO, 2013). Entre 1954 e 1956, Fernando foi oficial de gabinete do Ministro da Guerra, marechal Henrique Teixeira
Lott (O Jornal, 30/10/1954; Jornal do Brasil, 20/05/1956). Em julho de 1960, tornou-se subcomandante e subdiretor de
ensino da Escola de Material Bélico do Exército no Rio de Janeiro (Correio da Manhã, 19/07/1960) e, em março de 1962,
instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) (Diário de Notícias, 15/03/1962). De acordo com o
verbete biográfico do CPDOC/FGV, Fernando Bethlem, “ao eclodir, em 31 de março de 1964, o movimento político-militar
que resultou na deposição do presidente João Goulart, participava das articulações e comandava a Escola de Material
Bélico”, tendo recebido “ordens para neutralizar, com os blindados com que era equipada a Escola, as poderosas unidades
da Vila Militar, no Rio de Janeiro, que se supunha fossem fiéis ao governo deposto”. Tanto Agrícola Bethlem como
Fernando Bethlem são identificados por Dreifuss (1981) como integrantes da rede de apoio militar do IPES e do IBAD.
652 Em maio de 1951, Bethlem e o delegado Cecil Borer auxiliaram na repressão à mobilizações de camponeses na região
do Triângulo Mineiro (A Voz Operária, 05/05/1951). Em junho do mesmo ano, Bethlem “dirigiu-se ao norte do Paraná para
colaborar na repressão aos agitadores” de Porecatu (O Globo, 25/06/1951). Bethlem teve “destacada ação no seio do
movimento escotista brasileiro” entre as décadas de 1930 e 1950 (Correio Paulistano, 20/08/1958). Em um artigo escrito
em 1939 para o periódico O Jornal, Bethlem pregava que o escotismo precisava no Rio de Janeiro “de uma boa propaganda
orientada no sentido de interessar as elites para que saibam o que é o escotismo (...). E isto eu digo porque o nosso problema
fundamental é o da criação de elites. É no chefe que reside o êxito do escoteiro. Só um chefe inteligente, capaz, moralizado,
forte, poderá levar com pleno êxito a missão de criar tropas escoteiras" (O Jornal, 10/02/1939). Bethlem fez treinamento na
escola de Estado-Maior do exército dos Estados Unidos em 1945, ocasião em que “aproveitou os momentos livres para
melhor conhecer a organização do movimento escoteiro daquela grande nação” (Jornal do Brasil, 20/06/1945). Segundo
entrevista ao Correio Paulistano, ele foi adido militar na Bolívia entre 1947 e 1949 (Correio Paulistano, 02/09/1956). Em
fevereiro de 1952, deixando a DPS, foi nomeado embaixador do Brasil na Bolívia. Segundo reportagem de O Jornal, a
nomeação de Bethlem tinha o objetivo de “estudar todos os aspectos das manobras dos líderes comunistas brasileiros, que
transformaram algumas zonas do território boliviano em esconderijos estratégicos”. Ainda segundo O Jornal, havia “um
perfeito encadeamento entre a ação dos comunistas bolivianos e brasileiros, e aqueles que exercem, com eficiência,
atividades protetoras em relação aos bolchevistas patrícios, escondendo-os das nossas autoridades em locais ainda não
descobertos pela polícia boliviana” (O Jornal, 03/02/1952). Trata-se do período da revolução boliviana de 1952, dirigida
pelo MNR, de orientação democrático-burguesa. Bethlem permaneceu na Bolívia até 1954, quando foi transferido para a
embaixada do Paquistão, regressando ao Brasil na metade do ano de 1955. Em 1956, servia no Comando Militar da Zona
Leste (Correio Paulistano, 02/09/1956). Bethlem aparece como responsável pelo programa “Conceito e preconceito”, da
TV-5, lançado em setembro de 1957 (Revista do Rádio, 28/09/1957). Ele era muito próximo ao marechal Lott e ao general
Stenio Caio de Albuquerque, com os quais costumava fazer reuniões “a portas fechadas” com líderes políticos paulistas. Em
maio de 1959, os três militares reuniram-se com o governador de São Paulo Carvalho Pinto, nos Campos Elíseos. Segundo
405

As atividades políticas da SEI já eram conhecidas dos órgãos de inteligência brasileiros desde
pelo menos o mês de junho de 1959. Nesta época, o general Waldemar Levy Cardoso, chefe de
gabinete do Ministro da Guerra Henrique Teixeira Lott, enviou um ofício à DPS/DFSP, a seu pedido,
solicitando informações sobre a SEI, especificamente em relação à “profissão, atividades e outros
dados pertinentes dos seus principais responsáveis” – Wladimir Pereira e Wladimir Lodygensky – ao
“conceito (idoneidade) da SEI”, às suas possíveis “ligações com a Cruzada Brasileira Anticomunista ou
outras entidades congêneres” e à “subvenções recebidas de órgãos governamentais ou de pessoas
físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras” – indicando que o general Lott desconfiava que as
atividades da SEI poderiam ter recebido algum tipo de apoio de governos ou entidades privadas
estrangeiras653. Em resposta, o coronel Luiz de França Oliveira, diretor da Divisão de Polícia Política e
Social da DFSP, encaminhou um informe descrevendo os resultados das investigações realizadas:

1. Wladimir Pereira, ex-membro da extinta Ação Integralista Brasileira, professor de


Economia Política da Escola de Filosofia de São Paulo, chefe de gabinete do sr.
presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, é um cidadão de princípios
morais e religiosos rígidos; dotado de alto grau de patriotismo e amor aos interesses
brasileiros; filiado ao PSD de São Paulo e desfrutando de um grande conceito nos
meios intelectuais e clericais do país. 2. Dada a sua formação moral e o pouco
conhecimento das artimanhas dos que militam em serviços de informações, cremos que
Wladimir Pereira possa ser, facilmente, ludibriado em seus propósitos. (..) 4. Wladimir
Lodygensky, em novembro de 1953 (…) empreendeu uma viagem por diversos países
sul-americanos, com objetivos indefinidos. Esteve na Europa, de onde regressou em
maio de 1956. Em outubro de 1956, Lodygensky chegou a São Paulo, procedente de
Nova Iorque. 5. Em novembro de 1956 Lodygensky viajou com destino aos Estados
Unidos e, em dezembro desse mesmo ano desembarcou no aeroporto de Congonhas,
procedente de Paris. (…) 7. Não nos resta dúvida alguma de que Lodygensky está a
serviço de algum governo estrangeiro. 8. Quanto ao conceito e idoneidade da SEI só
o relato do jornal Última Hora, o encontro foi realizado “a portas fechadas, nada transpirando da reunião, que teve a
duração de 58 minutos”. Interpelado, Lott respondeu que "nada de política" foi tratado na reunião com Carvalho Pinto
(Última Hora, 30/05/1959). Maiores informações sobre os vínculos de Hugo Bethlem com a SEI serão apresentados no
capítulo 8.
653 Não era a primeira vez que o general Lott demonstrava interesse nas atividades anticomunistas de membros da
comunidade de emigrados russos de São Paulo. Em fevereiro de 1951, Lott, comandante da Segunda Região Militar (São
Paulo), enviou um exemplar de um folheto intitulado Os falcões de Stálin de autoria de um militar russo, Wladimir Grievs.
O general brasileiro informou que Grievs havia chegado a São Paulo em 1949 e que servia “como contratado no
Departamento de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo”. Grievs também teria feito uma “palestra sobre a Rússia
no quartel da Força Pública do Estado de São Paulo”. Lott reconheceu que “várias ocorrências se têm verificado nesta
capital, nestes últimos meses, com cidadãos de nacionalidade russa, reconhecidos como anticomunistas”, mas acrescentou
que, embora demonstrasse reservas com relação à sinceridade “desses elementos estrangeiros no seu afã de cooperarem
conosco na campanha anticomunista”, ele não tinha razões para “repelir totalmente os informes e as conjecturas que
formam acerca de agentes soviéticos contra os chamados russos anticomunistas aqui residentes” e considerava que “o
concurso por eles oferecido pode ser recebido, dentro de determinados limites e com as necessárias reservas” (Ofício n. 86,
14-02-1951).
406

poderemos considerá-los quanto aos meios dos que militam nos serviços de
informações. 9. A SEI nada mais é do que um órgão clandestino de informações
manipulando grandes verbas. 10. As diretrizes políticas, religiosas, econômicas e
morais da SEI, aparentemente, são as melhores possíveis. Na realidade não podemos
saber quais são os verdadeiros objetivos desta sociedade. 11. Não há ligação da
diretoria da SEI com a direção da Cruzada Brasileira Anticomunista. 12. Os quadros
inferiores da SEI e os da Cruzada Brasileira Anticomunista intercomunicam-se e
trocam informações. 13. Faz parte do programa da SEI a absorção paulatina e
calculada de todas as sociedades congêneres, ficando ela como órgão diretor de cúpula.
14. A receita da SEI não é integrada por subvenção do governo brasileiro. 15. A
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo contribui para a receita da SEI com
uma pequena parcela.(…) 16. Ao que tudo indica, grande parte da receita da SEI
origina-se de organizações da América do Norte. (…). 23. Pelo exposto podemos
concluir que a SEI poderá imiscuir-se em assuntos internos do Brasil e, sob a capa do
combate ao comunismo, prejudicar os nossos verdadeiros interesses. (Informe n.
7285/59, 05/08/1959, itálicos meus.).

O informe enviado ao marechal Lott baseou-se em uma investigação encaminhada pelo chefe da
Seção de Controle das Atividades Antidemocráticas do Serviço de Investigações da DPS, detetive Nilo
de Oliveira. Este recomendou que um agente fosse enviado a São Paulo “para obter os maiores dados
possíveis sobre as atividades de Wladimir Lodygensky, inclusive a ligação do mesmo com o consulado
americano” (Informação, n. 387, 05/08/1959). Anos mais tarde, a DPS reafirmou as conclusões de
investigações passadas, sobre as atividades de Lodygensky:

[Lodygensky] É inteligente, novo, sabe conversar, mas é indiscutivelmente um agente,


não age por sua própria conta e risco. Recebe orientação para propor, sondar, mas não
decide. Tem muito cuidado em não se comprometer, fazendo promessas. Propõe, ouve,
mas não assenta cousa alguma. Vê-se, de logo, que embora disfarçado, tem “escola”,
isto é, foi muito bem treinado para a sua missão. Não há a menor dúvida de que se trata
de um agente. Resta-nos saber as suas ligações e a real finalidade de seu trabalho. A
obsessão de Wladimir em ligar-se com o clero e com órgãos e elementos das Forças
Armadas é uma prova insofismável de que a sua missão é outra, secreta e de
consequências imprevisíveis. Até hoje não se conhece de vista nem de nome qualquer
pessoa do ‘grupo financeiro’ a quem Wladimir se refere constantemente. Não há
dúvida [de] que a fábrica [sic] Allset onde Wladimir presentemente atua, faz parte do
plano secreto. As grandes quantias despendidas por Wladimir são outra interrogação.
Donde vem o dinheiro? Em novembro de 1953, Wladimir Lodygensky empreendeu
uma viagem por diversos países sul-americanos com objetivos indefinidos. Após esta
viagem WL esteve na Europa de onde regressou em maio de 1956. Em outubro de
1956 chegou a São Paulo procedente de New York. Em novembro de 1956 WL viajou
com destino aos USA e, em dezembro de 1956, desembarcou no aeroporto de
Congonhas procedente de Paris. Após essas viagens WL começou a tomar corpo e
fórmula administrativa a Sociedade de Estudos Interamericanos (SEI), que nada mais é
407

do que um órgão clandestino de informações, dirigido e subvencionado por um


governo estrangeiro, que se propõe a estabelecer fórmulas para a solução dos
problemas dos países sul-americanos, pois a SEI opera em toda a América do Sul. Só
se podem dizer coisas desfavoráveis sobre Wladimir Lodygensky. (…). Nas
investigações procedidas em torno do marginado, apuramos apenas o que abaixo se
relata, pois trata-se de pessoa de difícil observação, dada a sua personalidade astuta,
possuidor que é de muita vivacidade com percepção pronta de qualquer movimento ao
seu redor. Demonstra estar sempre em guarda contra qualquer verificação de seus
passos. Assim, os métodos normais de investigação rotineira não dão resultados no
caso em tela; somente com uma infiltração mais profunda junto às suas relações ou
meio de trabalho, é que poderiam fornecer dados mais completos sobre suas ideias e
suas reais ligações. Suas atividades são concentradas agora na Rua Avanhadava n. 234,
onde se situa a Sociedade de Estudos Interamericanos (Brasil) SEI. Nesses locais,
qualquer investigação é praticamente impossível, por que os empregados devem ser de
absoluta confiança e são muito espertos e fechados. Notável a movimentação do
marginado para o exterior. Parece que tem ligação com as suas atividades no SEI. Em
determinados círculos o marginado é considerado profissional do anticomunismo,
suscetível de mudança de orientação. Parece viver exclusivamente dessa atividade. Em
círculos militares, o seu trabalho é apreciado, por ora, não se entrando no mérito da
confiança que ele possa merecer, pessoalmente. Acredita-se que seja vigiado pelo
serviço secreto militar, como o é pelo DOPS. Suas repetidas viagens ao estrangeiro, em
especial à Suíça, permitem inferir relações com serviços secretos estrangeiros. Dada
sua condição de estrangeiro, está sujeito a processo de expulsão do país, por força de
suas atividades clandestinas, se não for enquadrado na lei de segurança nacional. Deve-
se salientar, ainda, que sua casa é verdadeira fortaleza, na qual ninguém é admitido,
para coisa alguma, a não ser estando ele presente e mediante prévia inspeção.
Malograram todas as tentativas para se entrar em sua residência. O marginado também
é pessoa difícil de ser seguida, dada sua extraordinária vivacidade, sendo que,
permanentemente, usa meios para despistar eventuais seguidores (Dossiê “Wladimir
Lodygensky”, DPS, 1966, sublinhado no original).

7.6 A família Lodygensky e a embaixada norte-americana

As atividades anticomunistas da família Lodygensky já eram de conhecimento do consulado


geral dos Estados Unidos em São Paulo, e por consequência da embaixada do Rio de Janeiro, desde o
início do ano de 1948. De acordo com um telegrama enviado ao Departamento de Estado, Wladimir
Lodygensky e seu tio Alexandre (ver capítulo cinco) foram ao consulado de São Paulo em janeiro
daquele ano para solicitar apoio a “um programa de combate ao comunismo através do monitoramento
e contrapropaganda das transmissões da Rádio Moscou e também de um programa de distribuição de
artigos, muitos dos quais tratariam das experiências pessoais de refugiados”. O cônsul Cecil M. P.
Cross informou que “havia pessoas do alto escalão [no Brasil] interessadas neste programa, incluindo o
408

cardeal e pessoas próximas ao presidente [Eurico Gaspar Dutra]”. Relatou também que os Lodygensky
disseram “representar a Entente Internationale Anticommuniste”, da qual “o embaixador José Carlos de
Macedo Soares era o representante nominal no Brasil” (Telegrama A-21, 28/01/1948).
Em resposta, o secretário de Estado George C. Marshall escreveu que “o consulado não deveria
identificar-se com esta proposta de um programa de monitoramento” e não poderia fazer nada que
passasse “a ideia de que o Departamento [de Estado] se interessa ou deseja encorajar os Lodygensky”
(Telegrama A-16, 17/02/1948).654 A embaixada norte-americana no Rio de Janeiro estava informada
sobre a atuação da família na EIA e da sua colaboração com o nazismo nos anos 1930 e 1940 655. Em
1951, em um memorando enviado ao consulado de São Paulo – os Lodygensky tinham feito contato
com ambas as missões diplomáticas656 – a embaixada comunicou que “o tema da Entente
Internationale Anticommuniste, que havia sido fundada em 1924 na Suíça e tinha recebido
financiamento dos alemães”, estava sendo avaliado. A embaixada também estava ciente de que
Alexandre Lodygensky era “procurado pelas autoridades francesas e acusado de ter trabalhado como
informante dos alemães” e de que a EIA estava trabalhando “intimamente com a Igreja Católica”. A
654 De acordo com Ludwig (2012, p. 252-9), logo após a Segunda Guerra Mundial, representantes das redes anticomunistas
do período entreguerras, como a EIA, a Comissão Pro Deo e o Antikomintern, também aproximaram-se do governo norte-
americano em busca de apoio para suas atividades, dirigindo-se a missões diplomáticas de cidades europeias. “Em 1947, as
autoridades americanas estavam potencialmente interessadas em todos os experts do anticomunismo” (LUDWIG, 2012, p.
254). A aproximação dos Lodygensky ao consulado norte-americano provavelmente esteve vinculada à movimentação de
seus antigos companheiros de combate nazifascistas que permaneceram na Europa, com os quais mantiveram contato após a
sua vinda para o Brasil, como veremos em seguida.
655 James C. Dunn, embaixador no Brasil entre 1955 e 1956, e Allen W. Dulles, diretor da CIA entre 1953 e 1961,
conheciam o trabalho da EIA. Em abril de 1932, Dunn foi o secretário geral da delegação norte-americana presente à
Conferência do Desarmamento de Genebra – como visto no capítulo cinco, foi durante esse encontro que José Carlos de
Macedo Soares conheceu o trabalho de Theodore Aubert e Georges Lodygensky. No final de abril de 1932, Théodore
Aubert enviou uma carta ao chefe da delegação dos Estados Unidos, Hugh Gibson – que viria a ser embaixador dos Estados
Unidos no Brasil entre 1936 e 1939 –, solicitando um encontro com ele. Gibson demandou a Dunn que preparasse uma carta
para sua assinatura, respondendo a Aubert que ele sabia “tudo sobre o caráter do trabalho” que vinha sendo realizado pela
EIA, e que o encontraria “tão logo seja possível” (Memorando, 24/04/1932). Gibson também solicitou que Dunn
conversasse com Allen Dulles, consultor jurídico dos Estados Unidos na conferência, “e com quem mais soubesse o melhor
a ser feito”, para saber se estavam de acordo com o chefe da delegação. Em resposta, S. Pinkney Tuck, conselheiro da
embaixada dos Estados Unidos em Bruxelas, informou que havia conversado com “o sr. Dunn, que referiu-se ao tema de
Maitre Theodore Aubert”, e com Allen Dulles, afirmando que “ambos haviam concordado” com a sua sugestão sobre como
Gibson deveria conduzir o assunto: “Eu tive um contato próximo e extraoficial em Genebra por quatro anos com Aubert.
Embora nós não possamos evitar ter uma grande simpatia pelo trabalho que a organização dele [Aubert] está fazendo, eu
acho que ele não é muito confiável com relação a temas de natureza confidencial. Ele pode, em outras palavras, fazer uso
político de qualquer carta que você escrever para ele, ainda que inócua. Eu sugiro, portanto, que você me autorize a entrar
em contato com ele por telefone, já que eu o conheço pessoalmente, e dizer a ele que você se alegraria em recebê-lo quando
a pressão do trabalho diminuir (Memorando, Tuck para Gibson, 26/04/1932)”.
656 Em 1951, Herbert Cerwin, da embaixada do Rio de Janeiro, enviou ao Departamento de Estado uma cópia de uma carta
recebida do consulado de São Paulo comunicando que os Lodygensky haviam novamente buscado apoio da missão
diplomática para as suas atividades anticomunistas. Cerwin anexou uma cópia de sua resposta ao consulado com “panfletos
enviados por eles [da EIA]” e um “relatório sobre a organização produzido pelo Special Assistant” da embaixada – uma
referência ao operativo da CIA. Martin Carlsen, Legal Attaché do FBI no Brasil, era um dos destinatários do memorando
escrito por Cerwin (Segundo Memorando, 31/10/1951).
409

orientação oficial da embaixada ao consulado era não se envolver com a Entente, mas, ao mesmo
tempo, demonstrar interesse em suas atividades. O consulado de São Paulo deveria acompanhar as
operações da EIA, comunicar os encontros que os líderes da organização pudessem ter com oficiais do
consulado em São Paulo e descobrir “através de quais canais” eles estavam “obtendo seus recursos,
mesmo que fossem limitados” (Primeiro Memorando, 31/10/1951).
O consulado, entretanto, apoiava a atuação do SESI, com o qual Wladimir Lodygensky tinha
envolvimento, como visto no capítulo cinco. Em julho de 1949, quando Marshall já não era mais o
secretário de Estado – tinha sido substituído por Dean Acheson no início daquele ano –, o consulado
informou ao Departamento de Estado que o USIE (United States Information and Education Exchange
program, precursor da USIA) vinha cooperando com o SESI nos oito meses anteriores, fornecendo
material anticomunista para a instituição657. Relatou também que tinha sido “informado pelo dr.
Armando de Arruda Pereira, diretor regional do SESI”, que esta organização estava publicando
“boletins anticomunistas, distribuindo-os a jornais, estações de rádio e a uma longa lista de pessoas
interessadas”. “Uma grande quantidade das informações que aparecem nestes boletins”, prosseguia o
relato feito pelo consulado, era “coletada por pessoas empregadas pelo SESI ou pela Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo, que monitoram as transmissões de rádio emitidas detrás da Cortina
de Ferro para o Brasil”. O consulado também comunicou que estava enviando em anexo dois dos
boletins publicados pelo SESI: Radiopress e Cristianismo e Comunismo totalitário (Memorando,
28/07/1949).
Cópias destes dois boletins foram encontradas no fundo Polícias Políticas do Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). O boletim Radiopress era assinado pelo Comitê A.D.C.
(Associação Democrática Cristã), entidade sediada em São Paulo e chefiada pelos irmãos Alexandre e
Georges Lodygensky (LUDWIG, 2004; 2011, p. 895-6)658. O referido comitê também era responsável

657 O único oficial da USIE no consulado de São Paulo no período era Joseph F. Privitera, que trabalhou no posto
diplomático entre novembro de 1948 e abril de 1950 como adido cultural. O período em que ele começou a trabalhar no
consulado coincide com o início da colaboração com o SESI e o fornecimento de material anticomunista para a entidade.
Nascido em fevereiro de 1914, Privitera era graduado e doutor em línguas românicas pela New York University, e foi
professor de línguas modernas da St. Louis University entre 1939 e 1944 (USA, Biographic register, 1958, p. 547). De
acordo com o Correio Paulistano, os “pormenorizados conhecimentos sobre a América Latina em geral e sobre o Brasil em
particular levaram o Coordenador de Assuntos Interamericanos [Nelson Rockefeller] a convidá-lo [Privitera] para realizar
uma série de conferências nos principais centros culturais dos Estados Unidos”. Ainda de acordo com o Correio Paulistano,
entre 1941 e 1944, Privitera atuou como comentarista sobre temas latino-americanos em várias rádios norte-americanas
(Correio Paulistano, 04/12/1948). No início de 1945, Privitera tornou-se diretor do departamento de inglês do Instituto
Brasil-Estados Unidos em São Paulo, a pedido do Departamento de Estado” (Correio Paulistano, 04/02/1945). Em
novembro de 1948 ele foi oficialmente designado como adido cultural do consulado dos Estados Unidos em São Paulo.
658 Ludwig consultou documentação produzida pelo Comité Paix et Liberté e indicou que o Comitê ADC e a família
Lodygensky integravam a rede internacional ligada à entidade anticomunista europeia.
410

pela publicação e distribuição dos boletins Cristianismo e comunismo totalitário (enviado ao


Departamento de Estado), além de outras publicações semelhantes, como Imprensa e comunismo, as
brochuras O polvo vermelho e seus tentáculos, Por que rompi com o regime soviético, As democracias
e os Estados totalitários, Aos meus camaradas trabalhadores e Por uma paz durável – Pela
democracia popular659. Em julho de 1949, a ADC enviou uma carta circular aos seus leitores na qual
dizia que havia recebido “numerosas cartas de agradecimento” pelos materiais produzidos pela
entidade, oriundas das “mais diversas regiões do país, das autoridades governamentais, das
organizações econômicas, sindicais, sociais e religiosas, assim como de numerosos particulares”. Nesta
carta, o comitê mencionou que produzia todos os boletins citados neste parágrafo (Carta circular, ADC,
julho 1949).
Para distribuir seu materiais anticomunistas, a ADC contava com a colaboração das lideranças
dos Círculos Operários Católicos, especialmente na cidade de São Paulo. Isso dava alcance nacional a
suas publicações660. Em novembro de 1953, o adido trabalhista da embaixada do Rio de Janeiro, Irving
Salert, enviou ao Departamento de Estado “três atraentes panfletos ilustrados divulgados pela
Confederação Nacional dos Círculos Operários Católicos como parte de sua campanha de educação e
propaganda de combate ao comunismo entre as classes trabalhadoras brasileiras” 661. Na opinião do

659 Em um boletim da Radiopress consta o seguinte aviso: “a reedição dos artigos publicados neste boletim, sem mencionar
a fonte, é permitida”. O mesmo aviso consta no boletim periódico Cristianismo e comunismo totalitário (Boletim
Radiopress, 20/07/1949, e Cristianismo e comunismo totalitário, n. 19, 1950).
660 Duas pesquisadoras demonstraram que os materiais produzidos pela ADC tinham circulação para além do estado de São
Paulo. Rosângela Assunção (2006, p. 91-101) afirma que a ADC “foi uma das organizações anticomunistas que se
destacaram” entre o final dos anos 1940 e a metade da década de 1950. Ela ressalta que “a ADC teve uma atuação intensa
junto à polícia política mineira”. A DEOP “foi abastecida mensalmente com uma edição produzida pela ADC do boletim
Imprensa e Comunismo”, além de outras publicações da entidade – por exemplo, a publicação Cristianismo e comunismo
totalitário. A autora concluiu que “a polícia política mineira, a quem as publicações foram endereçadas, não ficou imune ao
conteúdo anticomunista propagandeado pela ADC”. Ela identificou no “conjunto dos relatórios escritos pelas autoridades
policiais na década de 1950” uma estrutura discursiva “bem semelhante à estrutura adotada nas publicações da ADC”. A
polícia mineira, nesse sentido, foi influenciada pelas publicações, ao se apropriar do “conteúdo e das imagens
anticomunistas veiculadas pela ADC”, contribuindo para “formatar no leitor-policial a naturalização do imaginário
anticomunista, ajudando a fixar na corporação policial a ‘verdade’ sobre o comunismo e seus adeptos”. Cláudia Monteiro
(2013, p. 128), baseada em pesquisa no acervo do DOPS do Paraná, menciona que um grupo de imigrantes eslavos “foi
responsável pela distribuição do boletim periódico Cristianismo e comunismo totalitário produzido pela ADC”. Gustavo
Pereira (2014, p. 79-81), em sua pesquisa sobre a atuação dos Círculos Operários em Uberlândia, Minas Gerais, menciona a
existência de duas publicações da ADC no acervo do círculo da cidade – O veneno do bolchevismo e A Internacional
Comunista. Pereira explica que “os operários não tinham acesso à biblioteca do núcleo e à leitura das obras”, ou seja, “a
formação dos trabalhadores costumava ficar a cargo dos dirigentes” do círculo operário local. Ele afirma que os temas
tratados nas publicações da ADC – tais como o bolchevismo enquanto uma “doença psíquica e espiritual”, os bolcheviques
enquanto “pessoas desequilibradas psiquicamente ou moralmente defeituosas” – “eram debatidos nas formações e
assembleias do círculo com o intuito de elucidar aos trabalhadores o projeto comunista de destruição da moral cristã”.
661 Em um encontro com Salert, o padre Leopoldo Brentano (apresentado na parte II), diretor nacional dos Círculos
Operários, informou: “outros sete [panfletos] estão em preparação com uma meta esperada de distribuição de um milhão de
cópias pelos próximos meses em várias partes do Brasil”. De acordo com Salert, havia 293 núcleos dos Círculos Operários
no Brasil, que tinham planos de dar início a “cursos e escolas de treinamento” com a finalidade de “preparar lideranças
411

adido trabalhista, o material até então distribuído havia sido “efetivo, tendo recebido apoio
entusiasmado de muitos líderes sindicais que, por sua vez, distribuíram os panfletos aos integrantes de
seus sindicatos”. Os materiais encaminhados para o Departamento de Estado por Salert eram as
histórias em quadrinhos Zé Curioso662 e Comunistas contra o proletariado e o livreto intitulado O
operário no comunismo663 (Despacho diplomático n. 638, 12/11/1953). A história de Zé Curioso,
conforme a pesquisa de Santomauro (2015, p. 264-7), foi produzida pela United States Information
Agency (USIA) e atribuída à ADC664.
Um outro integrante da SEI, Hugo Manhães Bethlem, mencionado anteriormente, era também
um velho conhecido da embaixada do Rio de Janeiro. De acordo com um memorando escrito pelo
conselheiro Herbert Cerwin, em junho de 1951 o major Bethlem – então à frente da Divisão de Polícia
Política e Social da DFSP –, Richard M. Barr, Information Officer da embaixada dos Estados Unidos, e
Geoffrey Stow, da embaixada britânica, se reuniram para um jantar. Cerwin informou que Bethlem,
representando “o governo brasileiro”, estava “ansioso para trabalhar” com os norte-americanos e com
os britânicos “na distribuição de um panfleto mensal de combate ao comunismo” que ele se
encarregaria de produzir. O oficial da embaixada americana lamentou ter de deixar em suspenso o
apoio a essa iniciativa até que fundos adicionais estivessem disponíveis para manter a publicação
mensal, mas destacou que a embaixada iria “usar esse recurso [referindo-se ao major Bethlem] como

sindicais para o futuro, capazes de efetivamente combaterem a infiltração comunista nos sindicatos brasileiros”. Ainda
conforme Salert, os Círculos Operários eram “uma organização geralmente inativa, mas, com a atual injeção de sangue novo
(new blood) especialmente em São Paulo e Santos, há uma intensificação de suas atividades anticomunistas”. O adido
trabalhista não esclareceu quem teriam sido os indivíduos que injetaram sangue novo aos Círculos Operários, tampouco
como isto teria acontecido. Mas esclarecia que os Círculos Operários recebiam “apoio financeiro para sua campanha
anticomunista da Confederação Nacional do Comércio e da Confederação Nacional da Indústria” (Despacho diplomático n.
638, 12/11/1953).
662 A história de Zé Curioso narrava “a saga de um operário brasileiro que, por causa da propaganda comunista em sua
fábrica, queria conhecer a realidade russa pessoalmente”. Encantado com a vida na Rússia, ele decide permanecer no
paraíso comunista, mas acaba por “conhecer a verdadeira realidade soviética contada pela USIA, com precariedade nos
transportes, falta de liberdade e de condições de trabalho”. Revoltado contra o sistema soviético de trabalho, “Zé Curioso é
torturado e acaba em um campo de trabalho forçado” na Rússia (SANTOMAURO, 2015, p. 264-5).
663 Escrito por Expedito Claro, apresenta as condições de “injustiça, escravidão, miséria, fome, imoralidade e trabalhos
forçados que o comunismo deu ao operário” russo, situação explicada como decorrência de um “regime materialista sem
Deus e sem moral”. Na contracapa do material consta a referência à Confederação Nacional de Operários Católicos –
descrita com sede situada na praça Tiradentes, 87, no Rio de Janeiro.
664 Tratava-se, portanto, de uma iniciativa de “propaganda cinza” (ver FICHA sobre propaganda em anexo). A sigla ADC
também aparece ao final da outra história em quadrinhos, “Comunistas contra o proletariado” – que narra o levante do
proletariado alemão na zona de Berlim sob a influência de Moscou –, com identificação de caixa postal e cidade sede da
organização chefiada pelos Lodygensky. No entanto, não foi possível determinar se a entidade de fato a produziu a história
ou se a ela foi atribuída a autoria de material produzido pela USIA.
412

um método para distribuir certos panfletos” que eles não queriam que fossem “atribuídos à embaixada”
(Memorando, 21/06/1951)665.
Nos anos 1950, além de receber apoio norte-americano, a ADC também fazia parte da rede
transnacional de organizações anticomunistas vinculadas ao Comité Paix et Liberté, que seria
rebatizado como Comité Internacional D’Action Sociale (CIAS) em novembro de 1956666. Essa rede
possuía ramificações em todos os continentes. Criado em 1950 na França e na Alemanha Ocidental, o
comitê foi o responsável pela reativação de redes anticomunistas internacionais do período
entreguerras, particularmente as da Entente Internationale Anticommuniste (EIA) e do Antikomintern
de Berlim667. Os grupos integrantes do comitê eram liderados por agentes públicos e privados e foram
“utilizados pelos Estados Unidos em suas ações de guerra psicológica para reduzir a influência
comunista na Europa durante a guerra fria” (LUDWIG, 2014, p. 81-84) 668. A partir de 1955, a América
Latina foi representada no comitê pelo grupo mexicano Unión Cívica Internacional, liderado pelo
jornalista Guillerme Prieto Yeme, e pela Confederação Interamericana de Defesa do Continente, à qual
estava vinculado o almirante Pena Boto (apresentados na parte II). No entanto, segundo Ludwig (2011,
p. 895), “o elo mais interessante com o continente americano foi estabelecido no Brasil com o Comitê
ADC de São Paulo”. Para o autor, não havia dúvida de que Wladimir Lodygensky participava do ADC
e tinha relação com o CIAS.

665 Dois meses depois, Bethlem, Barr e Stow se reuniriam novamente. De acordo com o relato da conversa, Bethlem tinha
revisado suas ideias e pensava que o boletim deveria ser “livre da mácula da propaganda britânica ou americana”, devendo
“enfatizar as notícias do front anticomunista na América Latina”. O oficial britânico sugeriu que o major poderia “obter
assistência financeira do SESI, que recentemente havia criado um escritório para coordenar a publicidade anticomunista”.
Bethlem concordou com a ideia e disse que iria conversar com os responsáveis (Memorando, 20/08/1951).
666 Ludwig (2011) explica que o novo nome da entidade “revela tanto a vontade do comitê de camuflar a sua existência e
as suas atividades quanto a adaptação dos anticomunistas à détente” – fase da Guerra Fria, também denominada “distensão
ou, ainda, desanuviamento”, que surgiu tendo em vista “a busca de estabilidade, a definição de padrões toleráveis de
conflito e, ao mesmo tempo, a criação de canais para negociação” (MUNHOZ e ROLLO, 2015). Para um histórico do
CIAS, ver Gülstorff (2015).
667 Um dos principais líderes do Comité Paix et Liberté era o alemão Eberhard Taubert. De acordo com Ludwig (2011, p.
228-230), em 1931 Taubert, doutor em Direito pela Universidade de Heidelberg, foi presidente da Federação dos Juristas
Nacional-Socialistas, filiado ao Partido Nacional-Socialista e membro de apoio das SS e SA, as polícias especiais do regime
nazista. Ludwig afirma que Taubert, em 1931, com 24 anos de idade, havia se tornado um “nazista convicto e engajado, que
claramente escolheu o seu lado: o inimigo era o comunismo e, mais do que isso, o ‘judeu-comunismo’”. Em março de 1933,
quando da criação do Ministério de Propaganda liderado por Joseph Goebbels, ele foi nomeado diretor da divisão II do
ministério, responsável pela propaganda. No final do mesmo ano, tornou-se diretor do Antikomintern. Como visto no
capítulo 5, Wladimir Lodygensky e seu pai, em 1936, participaram da Primeira Conferência Internacional Secreta
Anticomunista, organizada pelo Antikomintern e realizada em Feldafing, na Alemanha.
668 “A rede demonstra como o anticomunismo e seus protagonistas se adaptaram às novas condições da Guerra Fria, ao
mesmo tempo em que preservavam certas continuidades do período entreguerras e da Segunda Guerra Mundial. Por outro
lado, ela foi prejudicada pela grande diversidade de diferentes situações nacionais. A ameaça do comunismo, as heranças do
passado, as tradições políticas e democráticas, o envolvimento de governos, assim como a natureza do engajamento dos
agentes anticomunistas – tudo muito diferente de um país para o outro – constituíam, ao mesmo tempo, limites à ação
internacional e impulsos ao processo de trocas” (LUDWIG, 2014, p. 91).
413

A criação da CIAS coincide com o período em que Wladimir Lodygensky esteve na Europa e
nos Estados Unidos, entre outubro e dezembro de 1956. De acordo com o dossiê produzido pela
DPS/DFSP, "após essas viagens começou a tomar corpo e fórmula administrativa a Sociedade de
Estudos Interamericanos (SEI)”. Não foram encontrados detalhes sobre a viagem de Lodygensky à
Europa nesse período. No entanto, Gülstorff (2015, p. 40-41), a partir de fontes produzidas pelo CIAS,
identifca a SEI como uma "organização amiga" da entidade anticomunista sediada na Alemanha
Ocidental. O quadro abaixo mostra a rede de entidades anticomunistas ligadas ao CIAS em meados da
década de 1960.

Figura 2. Rede da CIAS em meados da década de 1960

Organizações membro (em preto): Volksbund für Frieden und Freiheit (República Federal da Alemanha), Comité National
d’Information pour la Démocratie Française (França), CIAS – Comité Belge (Bélgica), Nationales Informationszentrum;
Comité Suisse d’Action Civique (Suíça), Comitati Civici (Itália), organização não identificada (Luxemburgo), Union Civica
International (México), Antikommunistiese Aksiekommissie (África do Sul), L’Institut anti-communiste pour la Liberté au
Congo (Congo), provável instituição estatal (Portugal), Common Cause (Grã Bretanha), Aktion junger Österreicher
(Áustria), Aktiv Frihed (Dinamarca), Folk og Forsvar (Noruega), The People’s Union – Peace and Freedom (Austrália),
organização não identificada (Japão).
Organizações amigas (em cinza escuro): Sociedade de Estudos Interamericanos (Brasil), organização não identificada
(Argentina), provável instituição estatal (Espanha), Baltiska Kommittén (Suécia), organização não identificada (Islândia),
Vrede en Vrijheid (Holanda), provável instituição estatal (Grécia), organização não identificada (Chipre).
Organizações em formação (em cinza escuro): organização não identificada (Paquistão), organização não identificada
(Índia), organização não identificada (Irlanda).
Fonte: GÜLSTORFF, 2015, p. 40.
414

De acordo com a caracterização de Gülstorff (2015, p. 42), as organizações relacionadas ao


CIAS eram autônomas. As entidades membro colaboravam constantemente entre si, no sentido de troca
de materiais de propaganda e de pessoal, mas sem obrigações maiores umas com as outras, enquanto as
organizações amigas cooperavam de modo mais esporádico com a rede. Mas é importante ressaltar que
a estrutura organizativa e as principais atividades do CIAS são muito parecidas com as da SEI.
Conforme Gülstorff (2015, p. 46), o CIAS operava basicamente em três áreas: produção e distribuição
de materiais de propaganda (incluindo uma equipe especializada em "relações públicas
anticomunistas"), monitoramento e vigilância de grupos comunistas e de esquerda (cujas informações
eram depois repassadas a autoridades públicas) e cooperação com outras organizações e indivíduos
anticomunistas (nacionais ou estrangeiras). Além disso, assim como o Itamaraty apoiava a SEI, o CIAS
era apoiado pelo Ministério de Relações Exteriores da Alemanha Ocidental (República Federal da
Alemanha), para o qual a organização anticomunista europeia enviava regularmente informações e
relatórios sobre as suas atividades (GÜLSTORFF, 2015, p. 13)669.
Através dessa rede, Lodygensky tinha contato com as principais formas de organização dos
anticomunistas no pós-guerra na Europa. Entre elas, a Société pour l’étude et la diffusion de documents
économiques et sociaux (SEDDES) e a Informations Générales et Publicité (IGEP), uma empresa de
publicidade, ambas criadas em 1950 por Pierre Rostini, um colaborador da seção francesa do comitê
Paix et Liberté, para gerenciar os fundos secretos direcionados ao comitê muito provavelmente pela
CIA e pela ECA (Economic Cooperation Administration) (LUDWIG, 2011, p. 895-6; CHARPIER,
2008). É impossível não identificar uma semelhança entre a SEDDES e a IGEP e Sociedade de Estudos
Interamericanos e a empresa de publicidade Allset Sociedade Técnico-Comercial Ltda. 670, criadas por
Wladimir Lodygensky poucos anos depois. A função da SEI, como canalizadora de fundos secretos,
será abordada nos capítulos seguintes.
As informações apresentadas acima demonstram que a família Lodygensky, logo após a sua
chegada ao Brasil, manteve a sua tradição de mobilização política anticomunista, desenvolvida em
décadas de atuação no período entreguerras na Europa. Ela criou uma organização (Comitê ADC), que
logo estabeleceu contatos e relações próximas com as principais entidades brasileiras que já estavam se
669 Ainda conforme Gülstorff (2015, p. 65-66), Brasil, Argentina e México foram os principais países-alvo do trabalho do
CIAS na América Latina. O autor identifica que o Comitê ADC, a SEI e o Centro de Educação Cívica (sucessor da SEI,
conforme será apresentado no último capítulo) estiveram conectados como "organizações amigas" do Comité Paix et
Liberté e de seu sucessor, o CIAS. Este último também colaborou com o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES, a
ser apresentado nos capítulos seguintes).
670 Como informado anteriormente, o objeto social da empresa era a exploração de “serviços de publicidade técnica e
promoção de vendas, corretagem, compra e venda de materiais, produtos, embalagens e brindes destinados a promoção de
vendas, consultas técnicas e publicitárias”.
415

mobilizando politicamente para combater o comunismo, a exemplo do SESI e dos Círculos Operários
Católicos. Além disso, a família Lodygensky estabeleceu contato direto com uma agência do governo
dos Estados Unidos (USIE) e com o consulado-geral norte-americano em São Paulo desde 1948. A
embaixada dos EUA no Rio de Janeiro seguiria em contato com Wladimir Lodygensky ao longo dos
anos 1950 e início da década de 1960. A partir de 1956, Wladimir Lodygensky, com apoio das redes
construídas por sua família e seus apoiadores locais e internacionais, dinamizou a sua atuação
anticomunista com a criação da SEI. Como vimos acima, fundamental neste processo foi o apoio de
José Carlos de Macedo Soares, Odette de Carvalho e Souza e do “grupo anticomunista” do MRE, que
abriram as portas para a família Lodygensky nos meios católicos, das polícias políticas, de setores do
Exército e de representantes de partidos e organizações políticas anticomunistas no Brasil. Os vínculos
transnacionais e locais da família Lodygensky, sempre mantidos em sigilo, foram decisivos para as suas
atividades anticomunistas no Brasil.
416

CAPÍTULO 8 – A “AÇÃO DEMOCRÁTICA” CONTRA O COMUNISMO E O


NACIONALISMO

O nacionalismo é produto de uma forte ressaca resultante da crença doutrinária


europeia de que o nacionalismo ou a propriedade estatal podem resolver todos os
problemas de um país.
- Adolf Berle, 1953.

É algo nobre receber dinheiro do exterior para salvar um país da destruição.


- Ivan Hasslocher, 1999.

Este capítulo narra a mobilização política de grupos de ação empresariais norte-americanos e do


governo dos Estados Unidos para combater o crescimento do nacionalismo e do comunismo na
América Latina, a partir de 1957. Serão apresentadas as origens de alguns desses grupos, seus
integrantes, as relações estabelecidas com grupos de empresários brasileiros, suas percepções sobre o
nacionalismo e o comunismo e as atividades em que estiveram envolvidos. Outro aspecto a ser
analisado é o papel do governo dos Estados Unidos no apoio a estes grupos, assim como a avaliação
feita pela administração Eisenhower em relação à percepção do perigo representado pelo nacionalismo
e o comunismo para os interesses privados norte-americanos. Na segunda parte do capítulo serão
discutidas as origens do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), seus objetivos, suas relações
e o apoio que recebeu do governo norte-americano.

8.1 A onda nacionalista

Entre o final de 1957 e o início de 1958, empresários norte-americanos demonstraram estar


preocupados com o crescimento do nacionalismo na América Latina e com os rumos do movimento
liderado por Fidel Castro em Cuba. Alguns desses “homens de negócio”, que já haviam trabalhado no
Departamento de Estado e tinham influência sobre a política de agências governamentais
estadunidenses, deram início a uma mobilização política para alertar a administração Eisenhower sobre
417

as consequências de uma possível deposição de Batista em Cuba, que poderia dar lugar a um governo
hostil aos interesses dos Estados Unidos671.
Adolf Berle672 e Spruille Braden673 foram dois dos agentes privados favoráveis a um
aprofundamento do combate ao nacionalismo e ao comunismo na América Latina desde o início do
governo de Eisenhower. O fato de terem trabalhado em importantes cargos do Departamento de Estado
relacionados a questões latino-americanas, além de terem sido embaixadores em países da região –

671 Motivos não faltavam para explicar o aumento das preocupações. Naquele momento, o nacionalismo se tornava, na
avaliação de Streeter (1994, p. 195), um fenômeno “galopante em toda a América Latina”: “no início de 1958, uma rebelião
popular na Venezuela provocou a derrubada do ditador Marcos Pérez Jiménez, tradicional aliado dos Estados Unidos.
Alguns meses depois, protestos contra a visita de Richard Nixon a Caracas colocaram em risco a vida do vice-presidente
norte-americano. Antes de sua visita à capital venezuelana, Nixon já havia sido hostilizado em outras capitais sul-
americanas, durante um tour realizado entre abril e maio de 1958 em diversos países da região. Em janeiro de 1959, as
forças de Castro tomaram o poder em Cuba. No mesmo ano, ocorreu uma revolta popular no Panamá, quando militares
norte-americanos impediram que uma bandeira panamenha fosse colocada na zona do canal do Panamá” (Id., p. 195-6).
672 Formado em Direito em Harvard, Adolf Berle Jr. e seu irmão Rudolf fundaram em 1919 um escritório de advocacia,
onde Adolf trabalhou até a sua morte, ocorrida em 1971. O escritório viria a ser um dos mais importantes da cidade de Nova
York, representando interesses de grandes empresas norte-americanas. Em colaboração com Gardiner E. Means, Berle
publicou o livro The modern corporation and private property, considerado “um dos mais influentes tratados econômicos
de seu tempo”. Berle também foi professor, por muitos anos, da escola de direito da Columbia University (Obituário, The
New York Times, 19/02/1971). Foi também um dos membros fundadores do Brain Trust, equipe que elaborou o projeto
político da candidatura de Franklin D. Roosevelt à presidência, em 1932. Entre 1938 e 1944, foi secretário adjunto de
Estado de assuntos latino-americanos, envolvido, conforme apresentado na Parte II, em questões de segurança e
inteligência, servindo como elemento de ligação entre o Departamento de Estado e o FBI. Ele era amigo íntimo de Nelson
Rockefeller, colaborando com ele em várias de suas iniciativas privadas e públicas, como atestam as anotações de seus
diários, que também revelam uma grande proximidade com J. C. King, diretor da CIA, com quem Berle se reunia
frequentemente, sobretudo em encontros privados. Era também um dos diretores da SuCrest, uma” das maiores refinarias de
açúcar da Costa Leste” dos Estados Unidos, com interesses em Cuba (COLBY E DENNET, 1996, p. 313).
673 Nascido em 1894 em Elkhom, estado de Montana, Spruille era filho do fundador da Braden Copper Company, que
iniciou explorações de cobre no Chile e posteriormente foi vendida para a Kennecot and Anaconda. Em função das
atividades de seu pai, Spruille passou a maior parte de sua infância próximo a minas. Entrou aos 16 anos na Yale
University’s Sheffield School. Graduando-se aos 20 anos, foi trabalhar no Chile, com mineração. Trabalhou também para a
Westinghouse, eletrificando as ferrovias chilenas. Retornou aos Estados Unidos em 1926, onde atuou em negócios que
variavam do setor imobiliário ao petróleo. Depois de contribuir com o fundo de campanha de Roosevelt, Braden se voltou
para a diplomacia na América Latina (JESSUP, 1946). Foi designado delegado à Conferência de Montevidéu, em 1933.
Representou os Estados Unidos nas negociações de paz envolvendo Bolívia e Paraguai (Guerra do Chaco). Foi embaixador
na Colômbia (1939-1942), em Cuba (1942-1945), e na Argentina (maio a setembro de 1945), quando organizou, com apoio
da oligarquia argentina, a oposição ao general Perón. Na embaixada da Colômbia, Braden estabeleceu uma espécie de
serviço de inteligência, para combater a “propaganda nazista antiamericana” (que, em sua maioria, segundo ele, era
publicada em Buenos Aires e distribuída na Colômbia pelos comunistas). Teria contado com a ajuda de um padre alemão e
de duas companhias de petróleo norte-americanas, Texas Co. e Richmond Oil Co. (Standard Oil of California), que deram
dinheiro para empregar os homens que faziam o serviço de inteligência (US CONGRESS, 1960, p. 280-289). Na embaixada
cubana, passou a contar com o apoio de agentes do SIS/ FBI, criado em junho de 1940. Paralelamente, a embaixada recebia
informações de um “serviço” organizado por Ernest Hemingway, com apoio de Robert P. Joyce (BRIGGS, 1998, p. 181) –
apresentado no capítulo 3. Seu principal auxiliar na embaixada era Ellis Brigg, que seria embaixador no Brasil em 1956. Em
1946, Braden foi descrito pela revista Life como alguém que claramente aproveitava a vida, gostava de pessoas, de beber
martínis e de dançar. Tinha praticado polo aquático em Yale e era pugilista amador. Casado com uma chilena, seu espanhol
era excelente. Braden conhecia a América Latina tão bem quanto os Estados Unidos. Suas palavras e opiniões eram claras,
seguras e fluentes (JESSUP, 1946). Na opinião de Dean Acheson, Secretário de Estado no governo Truman, Braden era um
homem que tinha “o físico, o temperamento e as táticas de um touro, lidando com os objetos de seus preconceitos por meio
de acusações vazias, precedidas de uma boa quantidade de poeira” (apud IMMERMAN, 1982, p. 126). Adolf Berle, apesar
418

Berle no Brasil, entre 1945 e 1946, e Braden em Cuba, Argentina e Colômbia, durante a Segunda
Guerra Mundial – possibilitou a eles um maior conhecimento sobre a realidade latino-americana, além
de um contato próximo com as elites locais, particularmente políticos e empresários. Desse modo, suas
vozes podiam ser ouvidas com mais facilidade em setores do governo norte-americano responsáveis
pela formulação de estratégias políticas para o continente.
Braden e Berle alertavam para os perigos do nacionalismo na América Latina desde 1953,
quando participaram do grupo de discussão do CFR intitulado “Instabilidade política na América
Latina” (mencionado nos capítulos 1 e 6). O grupo, presidido por Spruille Braden, foi criado com o
propósito de “formular uma nova política para a América Latina, a ser recomendada à nova
administração” do presidente Eisenhower674 (SCHMITZ, 1999). Berle foi convidado a escrever um
memorando para subsidiar as discussões do grupo. Nele, o ex-embaixador dos Estados Unidos no
Brasil argumentou que a instabilidade política na América Latina poderia ser explicada por três fatores
básicos: o fato de a América Latina “não ter se desenvolvido social e politicamente a ponto de
satisfazer as demandas das massas no século XX”; “uma herança de educação popular limitada”;
instituições políticas não “suficientemente desenvolvidas para garantir resultados para além da atuação
dos personalistas na política”. Uma das saídas para a “instabilidade e insegurança política” da região
tinha sido a implantação de ditaduras. Contudo, na opinião de Berle, “isto criava um grau ainda maior
de perigo, principalmente quando as ditaduras terminavam” (Memorando, 15/03/1953).
Berle considerava a onda “nacionalista” – ele escreveu nacionalista entre aspas – “perturbadora
e retrógrada”. Berle isentava os investimentos privados norte-americanos de qualquer responsabilidade

de considerar Braden um amigo, não queria ser associado a suas opiniões consideradas radicais (Idem). Uma das empresas
para qual Braden trabalhou ao sair do Departamento de Estado foi a United Fruit Company. Ele foi um dos responsáveis por
defender seus interesses na Guatemala, apresentando o caso ao público norte-americano e fazendo pressão sobre o governo
estadunidense (IMMERMAN, 1982). Em março de 1953, conforme Kinzer e Schlesinger (2005, p. 96-97), em um evento
no Dartmouth College, Braden acusou o governo Eisenhower de falhar no combate à tomada da Guatemala pelo
comunismo. Para Braden, a supressão do comunismo, mesmo que pela força, não constituiria uma intervenção nos assuntos
internos do país.
674 O grupo de discussão sobre “Instabilidade política na América Latina” era integrado pelos seguintes membros: Spruille
Braden (presidente); Charles C. Cumberland (secretário – Rutgers University); Kenneth Toepfer (relator – Columbia
University); Douglas H. Allen (Otis Astoria Corporation); H. W. Balgooyen (American and Foreign Power Company);
Percy W. Bidwell (CFR); Dudley B. Bonsal (Curtis, Mallet-Prevost, Colt and Mosle); Chester R. Dewey (Grace National
Bank); William Diebold, Jr. (CFR); George S. Franklin, Jr. (CFR); Berent Friele (IBEC); C. H. Haring (Harvard
University); John K. Jenney (E. I. du Pont de Nemours and Company); John C. McClintock (United Fruit Company); Dana
Munro (Princeton University); Noel Sargent (National Association of Manufacturers); William Ryland Scott (Remington
Arms Company); Oscar S. Strauss (American Smelting and Refining Company); Frank Tannenbaum (Columbia
University); Edward Lrocque Tinker (Escritor); Henry C. Wallich (Yale University); Medley G. B. Whelpley (Industrial
Development and Management); H. H. Whitman (The National City Bank); Langbourne M. Williams, Jr. (Freeport Sulphur
Company); Philip D. Wilson (Lehman Brothers); Bryce Wood (Social Science Research Council). Todos os memorandos e
atas das discussões do grupo apresentam um carimbo “confidencial” (Ata, CFR, 18/05/1953).
419

em relação aos problemas vividos na América Latina, embora reconhecesse que as populações da
região sofriam com a falta de condições básicas de vida. Ele afirmava que “as empresas estadunidenses
nos países latino-americanos geralmente criam um padrão mais alto de vida e civilização”. Ainda
assim, “isto não evitou que as companhias americanas virassem o alvo dos movimentos nacionalistas”.
Berle explicava o nacionalismo como expressão de “uma forte ressaca (heavy hangover) resultante da
crença doutrinária europeia de que o nacionalismo ou a propriedade estatal podem resolver todos os
problemas”. Para reverter esse cenário negativo, Berle recomendava “reavaliar” a questão da não-
intervenção nos países da região:

A discussão sobre não-intervenção está envolta em muito nonsense. Muitos latino-


americanos querem “não-intervenção” no sentido de ação militar, ou interferência
política indevida. Mas eles querem, e esperam, uma intervenção moral no sentido de
uma clara e vigorosa declaração do ponto de vista dos Estados Unidos, mesmo que
diga respeito ao problema doméstico mais explosivo. (…). Praticamente qualquer
político latino-americano entende perfeitamente que os Estados Unidos não podem
tolerar governos comunistas russos neste hemisfério, e entendem talvez melhor do que
muitos norte-americanos que os Estados Unidos precisam ser respeitados. Muitos
ficam impressionados com a forma como os Estados Unidos tratam o tema da não-
intervenção a ponto de não ousar dizer categoricamente que um governo comunista é
um governo inimigo, dominado de fora do hemisfério e portanto uma violação da
Doutrina Monroe e da Declaração de Lima. Eles ficam surpresos quando nós tratamos
a não-intervenção de modo a não ousar dizer categoricamente que corrupção é
corrupção. Gera-se desprezo, e não simpatia, quando os Estados Unidos, em nome da
não-intervenção, falha em reagir à propaganda antiamericana. Nós também somos um
membro dessa família, e é esperado que nós tornemos claros os nossos interesses. Nós
não temos de dizer isso com intimidações ou ameaças. Nós não temos de supor que nós
podemos governar outros países. Porém, muitos latino-americanos querem uma
liderança americana cordial, mas forte (Memorando, 15/03/1953) 675.

Em vários dos encontros do grupo, nos quais a situação de vários países era discutida (como
visto no capítulo 6, Berent Friele falou sobre o Brasil em uma das reuniões), Spruille Braden fazia
questão de deixar claro que as resoluções formuladas pela maioria “não expressavam totalmente as suas

675 Para combater o nacionalismo, Berle sugeriu uma “técnica utilizada pelo sr. Nelson Rockefeller com relativo sucesso na
Venezuela”: tratar este problema país por país, realizando conferências locais com representantes de cada um destes países.
Nestas conferências, Berle sugeriu a abordagem de seu amigo Rockefeller citando um exemplo: “A Costa Rica quer a glória
de operar a United Fruit, ou quer os rendimentos, os salários, os valores individuais que a United Fruit pode fornecer ao
governo e a um setor da população? Se nós pararmos com essa conversa generalizada e nos focarmos em casos específicos,
uma real solução pode resultar disso” (Memorando, Berle para o CFR, 15/03/1953). Dito de outro modo, Berle defendia a
importância de estabelecer alianças com as elites locais para que a influência norte-americana fosse mais efetiva.
420

próprias ideias, consideravelmente mais firmes” em comparação às de seus companheiros de grupo


(Memorando, 15/03/1953)676. Em julho de 1959, Braden prestou depoimento, no Senado norte-
americano, ao comitê que investigava a “ameaça comunista aos Estados Unidos no Caribe”, afirmando:

(…) A principal ameaça à nossa segurança, claro, é o comunismo e sua arma sempre
presente – o antiamericanismo. Mas essa ameaça é ajudada e exacerbada por outras
influências marxistas, pelo socialismo, pelo idealismo equivocado e nacionalismos não
saudáveis (unsound nationalisms), tudo o que, se não for erradicado em seu princípio,
converterá o Caribe em um lago vermelho (will convert the Caribbean into a Red
lake). Tão grave é a situação que eu rezo com todo o meu coração, corpo e alma, para
que os comunistas e seu mais útil instrumento até hoje (most useful tool to date), Fidel
Castro, sejam expulsos de sua posição de controle sobre Cuba (be ejected from their
control of Cuba). A não ser que isso seja feito em breve – muito em breve pelos
cubanos – os Estados Unidos e outras repúblicas americanas, para sua própria
segurança, podem ser lançados, contra sua vontade (catapulted against their will), a
realizar uma infeliz intervenção nos assuntos cubanos. Isso seria uma grande catástrofe
para o sistema interamericano e para os Estados Unidos (…) (BRADEN, 1960, p. 245).

Nesse depoimento, Braden também relatou que, em 1957, depois de diversas tentativas
frustradas de alertar o Departamento de Estado, tinha aproveitado um encontro com Terry B. Sanders,
diretor da Divisão de Assuntos Sul-Americanos do Departamento de Estado, para fazer chegar uma
mensagem aos altos escalões governamentais sobre a gravidade da situação cubana. Para ele, a recusa
em fornecer armas ao regime de Fulgêncio Batista, que vinha oferecendo um sólido suporte contra os
soviéticos e o comunismo, inevitavelmente convenceria o povo cubano de que os norte-americanos
estariam apoiando Fidel Castro. E essa interpretação levaria à sua vitória sobre Batista, dando o
controle da ilha aos comunistas. Segundo Braden, sua mensagem continuou sendo ignorada. Como
resultado, depois da revolução de 1959, os norte-americanos estavam tentando “fechar a porta do
estábulo depois de o cavalo já ter sido roubado” (trying to close the barn door after the horse has been
stolen) (BRADEN, 1960, p. 248-249).
Mas a administração Eisenhower tinha sim demonstrado preocupação com a situação em Cuba.
Em novembro de 1957, William A. Wieland (que havia trabalhado na embaixada do Rio de Janeiro,
676 O tópico inicial do grupo foi a situação política da Guatemala. Braden discordou dos membros que tentaram realizar
uma análise histórica das condições do país, fazendo uma distinção entre comunismo e nacionalismo. Para ele, o problema
era a subversão comunista, não uma distribuição de terra desigual. E considerava que a situação talvez estivesse chegando a
um ponto em que uma intervenção armada seria a única solução (IMMERMAN, 1982, p. 128). Nas discussões dos grupos,
Braden também observou que Anastasio Somoza, o ditador da Nicarágua (1937-1944, 1950-1956), tinha o crédito de ter
sido “consistentemente anticomunista” ao longo dos anos (SCHMITZ, 1999).
421

apresentado no capítulo 6), do Office of Caribbean and Mexican Affairs do Departamento de Estado,
telefonou a Adolf Berle avisando que iria a Cuba “para checar se algo poderia ser feito para levar a
revolta cubana a uma conclusão ordeira”. Em seu diário, Berle fez a seguinte anotação: “São as coisas
se complicando. Anti-intervenção é bom até certo ponto. Mas nós somos responsáveis por manter a
ordem no hemisfério muito além das propriedades, e uma política mais dura parece indicada” (Diário,
25/11/1957). Entre abril e junho de 1958, Berle se reuniu algumas vezes com Wieland e Rubottom,
discutindo os rumos da revolução na ilha caribenha e as estratégias para diminuir a crescente força do
movimento liderado por Castro, através de uma “solução intermediária” entre Batista e o líder
revolucionário: “nós devemos incentivar os relativamente poucos homens que oferecem alguma
esperança por um programa social honesto a Deus” (Diário, 02/03/1958).
Os principais organismos decisórios do governo Eisenhower, que vinham realizando debates
para formular estratégias de combate à “onda nacionalista” na América Latina, responsabilizavam “o
movimento comunista internacional” por sua eclosão (RABE, 1988, p. 114). Conforme Rabe (1988, p.
114-115), o governo americano acreditava que os comunistas latino-americanos estavam recorrendo a
uma estratégia de “agressão indireta”, junto a estratégias de frentes nacionais, aproveitando-se de
legítimas aspirações populares para despertar “sentimentos antiamericanos”. De acordo com a
avaliação do OCB, os comunistas tinham modificado sua tática de derrubar governos, dando ênfase a
métodos parlamentares. Como resultado disso, os partidos comunistas vinham conquistando “uma
aceitação crescente enquanto partidos políticos legítimos”, buscando cada vez mais alinhar-se a
elementos nacionalistas (Relatório, 26/11/1958)677. Em uma reunião do Conselho de Segurança
Nacional (NSC) de maio de 1958, comentou-se que o “ultranacionalismo nos países latino-americanos
não era um entrave para os Estados Unidos”. O problema real seria “o uso das forças nacionalistas feito
por seus expoentes irracionais”, ou seja, os comunistas. Conforme visto no capítulo 1, nesta mesma
reunião o secretário de Estado John F. Dulles avaliou que, diante da recente “onda de governos
populares” na região, “apoiada por povos que na prática não têm capacidade para se autogovernarem, e

677 O OCB, em relatório enviado ao NSC, informava que, apesar de alguns “acontecimentos encorajadores em vários
países, relacionados a formas mais representativas de governo”, continuavam existindo condições de “instabilidade política
e intensificação dos problemas econômicos na maioria dos países latino-americanos”. Entre os problemas identificados
estavam o “fracasso da contenção ao comunismo na maioria dos países” e “uma intensificação do ultranacionalismo e dos
sentimentos antiamericanos”. O relatório apontava que a instabilidade política “assolava” a América Latina e era o principal
fator que explicava a deterioração econômica de muitos países da região, especialmente Brasil, Chile, Colômbia e Peru. O
OCB avaliava que, “mesmo naqueles países onde ocorreram avanços em direção a formas mais representativas de governo”,
como Argentina, Colômbia e Venezuela, “a instabilidade política, as intrigas e as agitações aumentaram”. Além disso,
“conflitos civis em Cuba, Colômbia, Haiti e Paraguai deixam claro que a conquista da estabilidade política permanece um
objetivo de longo prazo para os interesses dos Estados Unidos” (Relatório, OCB para o NSC, 21/05/1958).
422

de fato são como crianças neste aspecto”, caberia aos Estados Unidos buscar meios para “tomar o
controle, ou guiar o movimento de massas em direção à democracia” na América Latina (Memorando,
20/06/1958).
O NSC não acreditava que as medidas a serem adotadas pelo governo para conter a onda
nacionalista na América Latina teriam resultados favoráveis imediatos. Havia consenso de que os
problemas enfrentados pelos Estados Unidos na região eram resultado de uma mudança histórica
profunda, que se tornou particularmente clara ao final da Segunda Guerra Mundial e cujos impactos
seriam sentidos ainda por muitos anos. Em novembro de 1958, o NSC explicava a magnitude dos
problemas a serem enfrentados na América Latina como resultado de uma “revolução de expectativas
crescentes”:

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a América Latina, assim como outras áreas
subdesenvolvidas, tem ambicionado cada vez mais a conquista de um padrão de vida
mais alto, de industrialização e outros símbolos de desenvolvimento econômico, maior
participação popular nos governos, e maiores liberdades civis. (…). [Estas aspirações
populares] têm sido aceleradas pela prática de líderes políticos, assim como pela
propaganda comunista, que as apresenta como metas exequíveis. (…). Porém, na
América Latina, estas aspirações cresceram muito mais rápido do que as possibilidades
práticas de concretizá-las com a velocidade desejada. (…). Como resultado desta
frustração, os latino-americanos tornam-se inevitavelmente mais sensíveis às ações dos
Estados Unidos, tendendo a julgar como obstrucionismo tudo aquilo que, a seu ver, não
contribui suficientemente para a conquista destas aspirações (Anexo B, 26/11/1958).

Nesta conjuntura, na visão das agências governamentais estadunidenses, a vitória da revolução


cubana aprofundou a certeza de que outras revoluções semelhantes eram inevitáveis. Para um oficial do
Departamento do Estado, caberia então aos Estados Unidos tentar direcionar os rumos das revoluções
na América Latina, não para evitar que elas acontecessem, mas para impedir que elas fossem
influenciadas pelo comunismo:

(…) com a vitória de uma revolução ‘popular’ esquerdista em Cuba no início do ano, é
provável o aumento da incidência de agitações que irão deixar para trás a dominância
conservadora das classes mais altas e instalar governos com base de massas. (…). Eu
acredito que a chamada “revolução de expectativas crescentes” tornará estas
revoluções inevitáveis em face da realização demasiadamente lenta dos desejos das
423

massas por melhorias no campo econômico, social e político. Ainda que estas
revoluções esquerdistas apresentem sérios problemas para os Estados Unidos, eu
acredito que elas se tornam intoleráveis apenas quando capturadas pela liderança
comunista, resultando em sua utilização como instrumento da União Soviética. (…).
Eu acredito que nós devemos fazer todos os esforços para assegurar que movimentos
revolucionários incipientes permaneçam livres da influência comunista. Penso que
devemos infiltrar estes movimentos para garantir que lideranças pró-americanas e não-
comunistas conquistem posições de influência. Nós devemos inserir secretamente no
interior destes grupos revolucionários [norte] americanos de descendência latina que
possam doutrinar e influenciar os núcleos revolucionários para longe do
direcionamento comunista (Memorando, 15/07/1959, itálicos meus).

Utilizando a expressão de Gambone (2001), uma das tarefas do governo estadunidense era
tentar “capturar a revolução”, no caso de ser impossível evitá-la. O governo Eisenhower concluiu que
um dos métodos para combater a onda nacionalista na América Latina era a intensificação do combate
ao comunismo, considerando que os comunistas se aproveitavam da causa nacionalista para exacerbar
“sentimentos antiamericanos”, agravando o quadro de instabilidade social, especialmente em condições
econômicas adversas. Em agosto de 1958, John Calvin Hill 678, assistente especial sobre comunismo do
Bureau of Inter-American Affairs, apresentou uma proposta para expor e isolar os comunistas dos
nacionalistas, intitulada Exposição das atividades comunistas relacionadas à América Latina. O
projeto previa a “criação de uma força-tarefa composta pelo Departamento de Estado, USIA e [uma

678 Nascido em 01/08/1921, no estado do Arkansas, Hill graduou-se na Princeton University em 1943. Logo em seguida,
serviu no exército dos EUA na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, permanecendo lá até 1946. Hill foi condecorado
duas vezes por seus serviços durante a guerra. Em 1947, ingressou no serviço exterior: Romênia (1947-1950), Trieste
(1950-1951), Guatemala (1951-1955 – Hill ocupou o cargo mais importante da seção política da embaixada no país e esteve
envolvido na conspiração para a derrubada de Árbenz em 1954) e Bangkok (1955-1957) (USA, Biographic register, 1966,
p. 64). Segundo uma entrevista de Richard R. Rubottom, ele havia solicitado que “alguém que entendesse sobre como o
comunismo é detrás da Cortina de Ferro” fosse designado para trabalhar como seu assessor no Bureau of Inter-American
Affairs. Assim, “foi designado um colega chamado John Hill”, servindo principalmente como expert em temas sobre
comunismo. Rubottom contou que Hill havia esclarecido “muitas coisas sobre as quais eu não tinha conhecimento naquela
época” (Entrevista, Rubottom, 1988). Em entrevista, o ex-embaixador Robert A. Stevenson, que entre 1957 e 1961
trabalhou no setor de inteligência do Departamento de Estado (INR) sobre assuntos cubanos, declarou que “todos nós
achávamos que haveria a possibilidade de trabalhar com [Fidel] Castro, exceto por John Calvin Hill, deus o tenha. Ele foi o
único”. Quatro dias após o assassinato do ditador Trujillo, Hill assumiu a chefia da missão diplomática dos EUA na capital
da República Dominicana (1961-1962). Sua passagem pela República Dominicana foi reconhecida pelo presidente
Kennedy, que entregou a ele um prêmio por serviços meritórios, em reconhecimento a seu trabalho nas negociações com o
novo governo do país caribenho. O prêmio de Kennedy o considerou como “um dos três melhores diplomatas de 1961”. Em
1962, foi transferido para Caracas, onde permaneceu até 1965. Posteriormente, trabalhou em Washington no Departamento
de Estado. Faleceu em 1973 (Obituário, 28/12/1973). Como especialista em temas sobre comunismo do Departamento de
Estado, Hill tinha contato muito próximo com a CIA. Em março de 1959, William T. Briggs, da seção de assuntos
brasileiros do Office of East Coast Affairs do Bureau of Inter-American Affairs, escreveu a Rubottom informando que
Odette de Carvalho e Souza chegaria a Washington em 8 de março, “para falar com você e outros oficiais do Departamento
[de Estado], principalmente com o Office of Near East Affairs” – naquele momento a embaixadora estava sendo transferida
para Israel – “assim como com alguns associados de John Hill” (Memorando, Briggs para Rubottom, 05/03/1959).
424

sigla censurada]” – ou seja, a CIA – “para executar um programa contínuo de exposição”. O grupo se
reuniria uma vez por semana em Washington para definir as ações a serem implementadas. A ideia
básica do projeto era “o que o governo americano poderia fazer ou estimular outros a fazer para
combater o comunismo na América Latina” em três frentes: “identificação, exposição e contramedidas”
(Memorando, Hill para Snow, 19/08/1958).
Hill considerava que “a exposição em si muitas vezes era a mais efetiva das contramedidas”,
pois ela “não apenas limitava a efetividade dos comunistas, mas também uma contínua exposição tende
a estabelecer um clima de opinião favorável, tanto entre o público em geral quanto nos meios
governamentais, a uma ação mais vigorosa”679. Assim, concluía Hill, “um efetivo programa de
exposição pode ser o segredo, no longo prazo, de uma política efetiva de reduzir a influência do
comunismo internacional na América Latina”. O material a ser publicado e “as operações especiais, se
necessário”, seriam feitas de modo “não diretamente atribuível ao governo dos Estados Unidos”,
evitando um tom que parecesse “estridente e declamatório, em favor de um material factual e
consistente capaz de tornar autoevidente o caráter conspirativo do comunismo internacional”. Hill
considerava de “fundamental importância que o programa fosse executado de um modo que a audiência
(…) [fosse] convencida, no longo prazo, de que este (…) [programa era] dirigido diretamente contra os
comunistas, e não contra os esquerdistas em geral”. Desse modo, “é importante evitar atacar os
comunistas por questões que eles ostensivamente têm em comum com outros e concentrar-se em suas
intenções, motivos e ações” (Memorando, 19/08/1958, itálicos meus).
Rubottom avaliou o projeto como sendo de “alto nível” (top match) e autorizou o seu início
imediato. Em setembro de 1958, a força-tarefa propôs os primeiros temas a serem abordados:
“atividades soviéticas no mercado de estanho”, “comunistas venezuelanos”, “sétimo congresso mundial
da juventude” e, para ser executado em outubro, “resultados das eleições brasileiras”. Com relação a
este último tema, o seu objetivo era “expor a derrota de candidatos proeminentes nas eleições do Brasil
que ostensivamente receberam apoio dos comunistas nas eleições de 03 de outubro” 680. Os integrantes
da força-tarefa consideravam que “a exposição do papel dos comunistas no resultado das eleições
brasileiras, junto à exposição do [suposto] pacto secreto entre PCB e PTB, teria impactos desejáveis no
período pré-eleitoral na Venezuela”. Em 16 de outubro, os integrantes da força-tarefa relataram que o
projeto de expor a derrota dos candidatos apoiados pelos comunistas no Brasil tinha tido uma “boa

679 Como será visto no último capítulo, esta foi uma estratégia muito utilizada pelo IBAD.
680 Em outubro de 1958 foram realizadas eleições gerais no Brasil, renovando governos estaduais, as assembleias
legislativas, a Câmara dos Deputados e uma parte do Senado.
425

evolução”, com histórias sobre os candidatos derrotados do PTB que supostamente se aliaram aos
comunistas sendo “publicadas em pelo menos 15 países” (Memorando, 16/10/1958).
Com relação a Cuba, segundo um historiador da CIA 681, no segundo semestre de 1958 a agência
já teria claro que a ditadura de Batista estava prestes a ser derrubada. Diante disso, “em conjunto com o
Departamento de Estado”, a CIA elaborou um plano sigiloso para influenciar Batista a “se retirar do
poder (bow out), de forma mais ou menos elegante” (gracefully), permitindo que “o governo do país
fosse tomado”, não por um candidato presidencial escolhido em uma eleição manipulada, “mas por
uma junta que convocaria eleições livres e democráticas” posteriormente. De acordo com o historiador
da agência,

Em uma viagem a Miami com o vice-secretário de Estado adjunto de assuntos


interamericanos, William P. Snow, e Henry F. Holland 682, ex-secretário de Estado
adjunto, o coronel J. C. King, chefe da divisão de hemisfério ocidental [da CIA],
encontrou-se com William D. Pawley 683 entre os dias 18 e 19 de novembro de 1958
para discutir um plano que enviaria Pawley a Cuba para se encontrar com Batista e
tentar convencê-lo a se retirar do poder com elegância. Pawley era um conhecido de
longa data de Batista, dos tempos em que dirigia a Cubana Airline. Em retribuição ao
apoio de Batista a uma junta militar amigável – nominalmente responsável por seu
afastamento –, os representantes do Departamento de Estado e da Agência
concordaram em dar proteção a Batista, seus amigos e colaboradores (…), e também a
seus ativos pessoais em Cuba. (…). Vários indivíduos foram indicados como possíveis
candidatos para a junta e, de acordo com King, o objetivo era que vários destes
membros tivessem suficiente poder político para enfraquecer o apoio a Castro (History
of the Bay of Pigs Operation, volume III, 1979).

681 Entre 1979 e 1984, o historiador da CIA Jack Pfeiffer preparou cinco volumes da Official history of the Bay of Pigs
operations (História oficial da operação da Baía dos Porcos), com base em documentos da CIA e do Departamento de
Estado, assim como outras fontes, em sua maioria inacessíveis ao público. Todos os cinco volumes foram desclassificados e
podem ser acessados no Electronic reading room da CIA: https://www.cia.gov/library/readingroom/home. A narrativa de
Pfeiffer enfatiza a influência do Departamento de Estado no planejamento e execução da operação e o importante papel
desempenhado por agentes privados – na maior parte empresários norte-americanos com investimentos na ilha caribenha –
em várias etapas das operações contra Cuba. Ao contrário da interpretação presente em muitas narrativas oficiais e
memórias de ex-operativos da agência, Pfeiffer isenta a equipe da CIA responsável pela operação do fracasso da invasão a
Cuba.
682 Interessante destacar que Holland, fora do governo desde a metade do ano de 1956, continuava participando de
discussões sobre a política dos EUA para a América Latina. Também cabe destacar a sua proximidade com J. C. King, com
quem teve contatos quase diariamente entre os anos de 1960 e início de 1962, conforme os registros de suas atividades
feitos por sua secretária (Henry F. Holland Daily Reports), enviados ao autor por Bill Holland, filho de Henry. Em
entrevista, Bill Holland contou que Pawley era amigo íntimo de Henry, e que Pawley pagou os estudos de Bill quando a
família Holland passou por dificuldades financeiras (Bill Holland, entrevista, 01/08/2018).
683 Pawley também havia sido embaixador, no Peru e no Brasil, logo após a Segunda Guerra Mundial (ver capítulo 2).
426

Logo após esse encontro em Miami, Pawley de fato assumiu a tarefa de levar tal mensagem a
Batista em Cuba. Chegando em dezembro a Havana, ele conduziu uma série de encontros com o
ministro de Relações Exteriores cubano, favorável à proposta norte-americana. Pawley a apresentou ao
ditador, que se recusou a entregar o poder a uma junta militar.

8.2 A mobilização dos empresários norte-americanos através do USIAC

Entre 1958 e 1959, essas preocupações com o nacionalismo e o comunismo na América Latina
levaram ao surgimento de uma mobilização política articulada pelos representantes dos setores mais
importantes da iniciativa privada norte-americana com investimentos na região. O governo dos Estados
Unidos forneceu importante apoio, disponibilizando recursos e know-how. O United States Inter-
American Council (USIAC), seção estadunidense do Conselho Interamericano de Comércio e Produção
(CYCIP, apresentado no capítulo 4, ver FICHA em anexo) 684, demonstrou-se disposto a unir forças com
o governo nesta ofensiva. Após o desastroso tour de Nixon pela América Latina no início de 1958, o
Comitê de Comércio e Investimentos do USIAC 685 divulgou um documento de onze páginas, elaborado
a partir de discussões feitas em uma reunião da entidade, realizada em 22 de setembro de 1958,
684 Criada em 1941, a seção norte-americana do CICYP era patrocinada pela Chamber of Commerce of the United States,
fundada em 1912 pela National Association of Manufacturers (NAM), criada em 1895, e pelo National Foreign Trade
Council (NFTC), fundado em 1914. Em 1949, o USIAC possuía cerca de duzentos membros, entre empresas comerciais e
industriais, bancos e companhias de seguro. Tinha, então, o mesmo endereço da Chamber of Commerce of the United States
(1615th H St. Washington, 6, DC), organização que também lhe fornecia o seu staff (JUDKINS, 1949, p. 458;
BRADFORD, 1947, p. 93). Na década de 1950, sua sede mudaria para Nova York. Em 1963, o então chairman do USIAC,
John Moore, vice-presidente da W. R. Grace & Co, falou sobre a organização, em uma sessão do Committee on Foreign
Affairs do Congresso norte-americano que analisava a ofensiva ideológica dos Estados Unidos na Guerra Fria: o USIAC “é
uma organização de 148 empresas norte-americanas e cinco indivíduos que possuem negócios nos países latino-americanos
ou com os países latino-americanos. Eu diria que ele inclui praticamente todas as empresas que possuem empreendimentos
na América Latina e talvez represente algo em torno de 75 a 80% dos investimentos estadunidenses na América Latina. (…)
entre nossos membros estão homens que passaram 20, 30, 40 anos residindo em países da América Latina, entre seu povo,
aprendendo a compreender sua cultura, suas aspirações e seus pontos de vista com relação a este país. Dessa maneira,
trazemos para nossa organização, eu acredito, um corpo de conhecimento bastante sofisticado. O USIAC é a seção norte-
americana de uma organização hemisférica chamada Conselho Interamericano de Comércio e Produção (…) com sede em
Montevidéu. Em cada país há uma seção correspondente de empresários que se dedicam aos mesmos objetivos que são a
base de estudo do seu comitê (MOORE, 1963).
685 O USIAC criou alguns comitês com o objetivo de formular as estratégias de sua atuação. Além do Comitê de Comércio
e Investimentos, havia também o Comitê sobre a Ofensiva Econômica Soviética na América Latina e o Comitê de Combate
ao Estatismo, liderado por H. Harold Whitman, vice-presidente do First National City Bank e vice-diretor do USIAC. Em
seu primeiro ano de atuação, grande parte do trabalho deste comitê foi executado por seu subcomitê editorial, dirigido por
Noel Sargent, secretário executivo do USIAC e representante do National Association of Manufacturers (NAM). De acordo
com um relatório das atividades do comitê, “foram selecionados um grande número de artigos para distribuição a vários
canais na América Latina, à razão de dois por mês” (Relatório, Comitê de Combate ao Estatismo, USIAC, 17/09/1958).
427

propondo a “imediata reavaliação das relações entre Estados Unidos e América Latina” e o
desenvolvimento de “um programa abrangente e efetivo”686. De acordo com o documento do USIAC, a
nova política para a América Latina deveria levar em consideração os seguintes fatores:

1. O povo latino-americano está em meio a uma efervescência política, econômica e


social passível de exploração por elementos e grupos inimigos de uma forma
democrática de governo. (…). 3. A extraordinária posição de riqueza e poder dos
Estados Unidos, e seu invejável padrão de vida, provocam, infelizmente, inveja e
ressentimento consideráveis, e uma expectativa de assistência financeira contínua e
substancial. (…). (…) 7. As repúblicas latino-americanas se tornaram um alvo
prioritário da propaganda comunista, que aproveita rapidamente qualquer oportunidade
para criar situações difíceis, intensificar problemas e aumentar as tensões. Onde quer
que seja, a responsabilidade pelos problemas latino-americanos é atribuída aos Estados
Unidos, e desconfiança e ressentimentos são criados contra os interesses dos
investimentos privados. 8. Existe um mal-entendido generalizado sobre os benefícios
dos investimentos dos Estados Unidos e das atividades das empresas e, apesar das
evidências em contrário, um sentimento de que isto constitui uma exploração injusta de
seu trabalho e seus recursos, resultando em extraordinários lucros para os Estados
Unidos. (…). (…) 11. O alto grau de analfabetismo em certos países da América
Latina, o baixo status econômico de grandes segmentos da população e a natureza
divisiva e emocional de sua política, agravada e induzida pelos comunistas, criam um
ambiente propício para atitudes e movimentos voltados a criar insatisfação,
desconfiança e aceitação da crença equivocada de que os Estados Unidos são os
responsáveis por suas dificuldades econômicas e políticas. O impulso intensificado e
acelerado dos povos por melhores condições de vida, o efeito das mudanças
educacionais e tecnológicas, o contínuo encurtamento das distâncias e o impacto das
comunicações resultam no extravasamento e na mistura dos problemas e aspirações
dos povos como se as fronteiras políticas e as barreiras econômicas não existissem
(Declaração de política, USIAC, 22/09/1958).

No final da década de 1950, a mais importante iniciativa conjunta dos empresários e do governo
dos Estados Unidos voltada para a América Latina foi a criação do Comitê de Ligação entre o USIAC e
a USIA (United States Information Agency). De acordo com uma carta enviada a todos os membros do
USIAC, assinada por seu diretor Henry W. Balgooyen – vice-presidente executivo da American and
Foreign Power que em 1953 fez parte grupo de discussão do CFR sobre “Instabilidade política na

686 O vice-diretor de operações para a América Latina da Sears, Roebuck and Co., Charles A. Meyer, em carta a Stanton R.
Pemberton, vice-presidente da American Overseas Finance Company, informou que o principal palestrante do encontro do
USIAC seria Thomas C. Mann, secretário de Estado adjunto de assuntos econômicos, “seguido pelo sr. Henry F. Holland,
ex-secretário de Estado adjunto de assuntos interamericanos, que irá falar conosco, eu espero, sobre as perspectivas do
petróleo na Argentina e no Brasil” (Carta, 12/09/1958). Como já demonstrado no capítulo 2 e acima neste capítulo, Holland,
mesmo fora do governo, continuava bastante ativo em sua luta anticomunista em defesa de interesses privados na América
Latina, com agentes públicos e privados, principalmente empresários.
428

América Latina”, conforme visto acima –, este comitê surgiu como resultado das discussões feitas
durante uma reunião da entidade realizada em New Orleans em 13 de março de 1959, à qual esteve
presente o diretor adjunto de política e operações da USIA, Saxton E. Bradford. O Comitê de ligação
tinha o objetivo de “trabalhar por uma maior coordenação dos esforços da iniciativa privada na
América Latina com os programas da USIA”. John K. Jenney, diretor geral do departamento
internacional da E. I. DuPont de Nemours & Co.687, foi escolhido para dirigi-lo. Os demais integrantes
do comitê eram William E. Barlow, presidente da revista Vision Inc., William H. Kelty, gerente das
edições internacionais da revista Reader’s Digest, William Ruder, presidente do conselho diretor da
Ruder and Finn Inc. e W. H. Conzen, gerente da divisão internacional da Schering Corp. O
representante da USIA no comitê era John P. McKnight, diretor das operações da USIA para a América
Latina688 (Carta, 03/04/1959).
A elite dos empresários norte-americanos reunida no USIAC sentia que teria muito a perder
caso não participasse ativamente das iniciativas para combater o nacionalismo e o comunismo na
América Latina. Em setembro de 1959, Sam H. Bagget, vice-presidente da United Fruit Company,
expressou este sentimento em uma reunião com oficiais do Departamento de Estado e vários
representantes dos investimentos açucareiros norte-americanos em Cuba: “a reforma agrária de Cuba
terá um alcance muito mais profundo se ela se tornar um modelo para outros países na América Latina”

687 Os irmãos DuPont, proprietários da empresa homônima, estiveram envolvidos ativamente, desde os anos 1930, em
campanhas contra os sindicatos de trabalhadores nos EUA e as políticas de proteção ao emprego e de seguridade social
criadas pelo New Deal, considerado por eles como “uma doutrina socialista com outro nome”. Sobre a atuação política da
DuPont junto ao movimento conservador dos EUA, ver PHILLIPS-FEIN, 2009.
688 Até janeiro de 1959, McKnight era o chefe do USIS da embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro. Ele teve um
papel importante na criação do IBAD, conforme será apresentado mais adiante neste capítulo.
429

(Memorando, 24/09/1959)689. De acordo com Spruille Braden, que era consultor e trustee do USIAC690,
em 1959 a organização encaminhou ao subsecretário de Estado, Christian Herter, uma denúncia contra
a reforma agrária implementada pelo governo revolucionário em Cuba, assim como as expropriações
de empresas norte-americanas realizadas no Brasil e na Bolívia. A declaração do USIAC exigia uma
ação imediata do governo norte-americano:

É opinião do USIAC que, a não ser que o governo dos Estados Unidos tome
imediatamente medidas efetivas para proteger os direitos de seus cidadãos, muitos
deles, e as corporações nas quais eles investiram suas economias, irão sofrer perdas
irreparáveis sob a lei de “reforma agrária”, e outros países ficarão tentados a seguir
este ultrajante (outrageous) precedente. Uma ação eficaz imediata pode salvar o nosso
governo de um sério constrangimento e prevenir que ele seja forçado a adotar medidas
mais desagradáveis subsequentemente. (…). Cidadãos de todos os setores da vida em
todos os países latino-americanos buscam posuir uma propriedade e investir as suas
economias em terras e bens imobiliários como um investimento primário. A reforma
agrária cubana atacou as próprias bases da riqueza individual dos povos latino-
americanos de todas as classes. Mesmo uma defesa indireta pelo governo dos Estados
Unidos de seus direitos de propriedade, em princípio, na opinião do Conselho, não
seria uma intervenção, mas teria um forte apelo na conquista do respeito e da amizade
destas pessoas (BRADEN, 1960, p. 280).

689 Presentes à reunião, William F. Oliver (presidente, American Sugar Refining Company), John A. Nichols (presidente,
Cuban American Sugar Company), B. Rionda Braga (presidente, Francisco Sugar Company), Michael J. P. Malone (Manati
Sugar Company), Frank G. Brown, Jr. (vice-presidente, Punta Alegre Sugar Corporation), Philip Rosenberg (presidente,
Vertientes-Camaguey Sugar Company), Warren Lee Pierson (diretor, Vertientes-Camaguey Sugar Company), W. Huntington
Howell (primeiro vice-presidente, West Indies Sugar Corporation), Lawrence Crosby (diretor, Atlántica del Golfo Sugar
Company). Representando o Departamento de Estado, Robert G. Murphy, Thomas C. Mann, Richard R. Rubottom e outros
(Memorando, 24/09/1959). B. Rionda Braga, Michael J. P. Malone e Lawrence Crosby terão um papel importante na
mobilização de um grupo de ação empresarial a ser apresentado no próximo capítulo. De acordo com um levantamento feito
pelo Departamento de Estado, apresentado em uma reunião de fevereiro de 1961, as empresas norte-americanas com
investimentos em Cuba tiveram perdas superiores a um bilhão e duzentos e cinquenta milhões de dólares com as
expropriações feitas pelo governo de Castro. Entre as empresas mais prejudicadas estavam a American & Foreign Power
(U$ 250 milhões), IT & T (U$ 50 milhões), refinarias de petróleo (U$ 125 milhões), Nicaro (mineradora de níquel de
propriedade americana, U$ 70 milhões), Moa Bay Mining (U$ 75 milhões), indústrias açucareiras (vinte e seis companhias
americanas expropriadas, com perdas de U$ 400 milhões), bancos (U$ 17 milhões), indústria de pneus (U$ 40 milhões),
Swift & Co. (U$ 10 milhões), Havana Docks Corp. (U$ 10 milhões), mais U$ 190 milhões de perdas em investimentos em
outras indústrias (Memorando, 01/02/1961). De acordo com Schoultz (2009, p. 99-100), a Atlántica del Golfo Sugar
Company, a maior empresa do ramo açucareiro operando em Cuba, perdeu 400 mil acres de terra com as expropriações do
governo revolucionário cubano. Para maiores informações sobre a lei de reforma agrária em Cuba e a reação dos
investidores americanos, ver Schoultz (2009, pp. 94-97).
690 “Eu sou trustee do U.S. Council of the Inter-American Council of Commerce and Production, uma organização de
importantes empresários das Américas, membros de algumas das maiores empresas nos Estados Unidos” (BRADEN, 1960).
430

Na reunião do USIAC que aprovou a declaração acima, realizada em junho de 1959, Braden,
baseado em sua longa experiência com a América Latina, buscou mostrar aos outros empresários
presentes “a realidade sobre o comunismo” na região:

Eu me lembro que o governo chileno, logo depois da Primeira Guerra Mundial, fez
algo aparentemente cruel e desumano. Na verdade, era a única coisa que podia ser
feita. Alguns comunistas – bolcheviques – começaram a provocar greves e insurreições
no Chile. O governo chileno prendeu seis ou sete de seus líderes (…). Os jornais
chilenos começaram a questionar: “Bem, qual o motivo de mantê-los na prisão?” O
governo respondeu: “a imprensa está certa. Vamos enviá-los a Valparaíso”. Eles
colocaram os bolcheviques em um barco a remo e o ataram a um rebocador, no auge
do inverno. Quando o rebocador chegou a Valparaíso, todo mundo disse “Oh! Que
frustrante!”. O piloto do rebocador se aborreceu e os bolcheviques desapareceram. Este
foi o êxodo mais rápido que já tinha sido visto no Chile. Os bolcheviques estavam
praticamente escalando os Andes ajoelhados para escapar do Chile. Todo mundo
protestou na época contra isso. Mas permitam-me assegurar a vocês que esta é a única
língua que um comunista entende, e nós devemos lembrar disso em todos os lugares
em que tivermos de lidar com eles (…). Hoje vocês leram sobre a situação no Equador.
(…) Há relatos de que até nove mil comunistas estão sendo infiltrados no país – isso é
possivelmente um exagero – mas certamente é verdade que alguns comunistas cubanos
foram enviados para lá para criar problemas. Eu acredito que a esperança que nós
podemos ter no caso do Equador – e, em certa medida, é uma esperança triste de
expressar, mas uma esperança – é o analfabetismo dos indígenas (the illiteracy of the
Indians), que os protege de serem pupilos dos comunistas. (…) Guatemala: Lá, como
vocês sabem, nós tivemos outra situação muito ruim. Agora, a história da Guatemala
nunca foi, ou raramente foi contada como realmente se desenvolveu através da tomada
gradual do poder por Arevalo, Árbenz e os comunistas. Contudo, em 1953 eu fiquei tão
preocupado que dei uma palestra em Darmouth [College] para alertar sobre o que
estava acontecendo na Guatemala. Agora, é claro, nós estamos sendo acusados na
América Latina por uma dita intervenção na Guatemala. Na verdade, o que aconteceu,
e aqui vocês podem acusar Tacho [Anastasio] Somoza de ser um ditador [na
Nicarágua], ou qualquer outro nome que vocês escolherem, mas graças a Deus por
Tacho, porque ele teve a coragem de pegar seu próprio dinheiro, fazer com que seu
embaixador em Washington saísse a comprar aviões e equipamentos para Castillo
Armas, e assim Castillo Armas pôde prosseguir. (…) Foi apenas a partir desse
momento que nós demos apoio a Castillo Armas 691. Claro, ocorreu uma sequência
infeliz, o assassinato de Castillo Armas e de Tacho Somoza. E há boas razões para
acreditar que os comunistas tiveram envolvimento nisso. (…) Deixem-me voltar a
Cuba. Esta organização, o U.S. Council of the Inter-American Council on Commerce
and Production [USIAC], teve um papel, em alguma medida. Eu tinha dado uma
entrevista em 1957, na qual eu me referi a [Fidel] Castro como um comunista ou um
fantoche dos comunistas – eu não sabia qual dos dois (…). Em nosso encontro [do
USIAC] dois anos atrás, em 04 de outubro de 1957, no Savoy Plaza, nosso palestrante
foi Terry Sanders, que é um dos meus old boys e um esplêndido oficial de carreira do
Serviço de Relações Exteriores (…). Eu chamei Terry para um canto naquele encontro

691 Ver FICHA sobre a Guatemala.


431

e disse: “Terry, eu acabei de receber a informação (…) de que nós notificamos Batista
de que vamos interromper o envio de armas para ele”. Aquilo significava não apenas as
armas e munições que o governo cubano tinha comprado com seu próprio dinheiro,
mas também aquelas que tinham sido recomendadas por nossas missões militares,
aéreas e navais. Eu disse, “Pelo amor de Deus, não façam isso. Por favor, diga às mais
altas instâncias do Departamento de Estado o que eu estou dizendo para você. É
impossível para nós permanecermos neutros nessa questão. O governo cubano tem nos
defendido nas Nações Unidas, com unhas e dentes. Eles são um governo amigo. Nós
os forçamos a comprar muitas dessas armas. Mas o que mais me preocupa, conhecendo
o povo cubano, é que eles vão interpretar nossa interrupção do envio de armas como
uma declaração de apoio a Castro, como se estivéssemos contra Batista. Se eles
fizerem isso, vocês colocarão Castro no poder; se isso acontecer, vocês terão o caos, os
comunistas vão capitalizar esse caos para assumir o controle de Cuba”. (…) Terry foi a
Washington e me escreveu para contar que tinha transmitido a mensagem a Dick
Rubottom e outros acima dele. Contudo, o fato é que nosso governo teve uma enorme
responsabilidade pela situação que hoje existe em Cuba. (…) O que nós vamos fazer?
Eu não sei. (…) Eu tenho algumas recomendações em mente. Mas levaria muito tempo
para falar sobre elas agora (…). Eu espero que meu relato a respeito do meu
conhecimento sobre o comunismo e minha preocupação de que vivemos hoje a pior
situação que eu já vi neste hemisfério, seja o suficiente para o momento. (BRADEN,
1960, p. 280-289).

8.3 A mobilização dos empresários norte-americanos no Brasil

No final de dezembro de 1957, Ellis O. Briggs, embaixador norte-americano no Brasil que,


como visto no capítulo dois, era amigo e admirador de Spruille Braden, escreveu um memorando no
qual traçou um prognóstico sobre o panorama do Brasil para o ano de 1958. Briggs relatou seu
descontentamento com a política do presidente Kubistchek e com a expansão do que ele chamou de
“vírus do nacionalismo” no país. De acordo com ele, o governo brasileiro teria “falhado” em: tomar
medidas efetivas contra o comunismo; “mexer na ferida da Petrobras” (to lance the Petrobras
carbuncle), aprovar legislação “facilitadora da expansão de companhias privadas de energia elétrica” e
“sobre energia atômica”. Frente a isso, Briggs recomendou que o governo norte-americano “reavaliasse
a sua política sobre o monopólio brasileiro do petróleo”, em função da previsão de que, em 1958, “o
apoio popular à Petrobras não diminuiria” (Despacho diplomático, 31/12/1957).
Briggs também antecipava um cenário político turbulento para o ano de 1958, “alimentado por
uma rica fauna política” que facilitaria o “crescimento do vírus do nacionalismo” e dos “campeões da
432

demagogia comunista e dos desprivilegiados”692. As eleições estaduais e para o Congresso, marcadas


para outubro de 1958, criariam ainda mais dificuldades para Kubitschek “governar efetivamente e
enfrentar o nacionalismo”. O embaixador avaliava que seria difícil para Kubitschek “resistir à tentação
de varrer para debaixo do tapete” as tensões políticas previstas. Na sua opinião, estas resultavam das
“inevitáveis dores crescentes de uma potência mundial emergente”:

Em 1980 o país terá 100 milhões de habitantes. O Sul, cuja capital econômica é São
Paulo, está explodindo (is bursting at the seams), com abundância de energia e
otimismo que nós associamos com o crescimento [norte] americano de quase um
século atrás. O Rio, asfixiado pela fumaça do seu trânsito, contribui pouco para o
progresso nacional. Apesar disso, a fronteira brasileira está se expandindo, com
homens em tratores, retroescavadeiras e aviões. Novos recursos estão sendo extraídos e
recursos velhos – como as araucárias do Paraná – estão sendo demolidos neste
processo. A distribuição de renda no Brasil é brutalmente desigual (grossly
inequitable). A maioria da população, especialmente do Rio de Janeiro em direção ao
Norte, possui algo apenas um pouco acima do nível de subsistência. A taxa de
analfabetismo é superior a 50%. Uma crescente consciência da insignificância de sua
existência poderia desencadear a revolução social que está latente desde que os
escravos foram libertados e o Império desmoronou, setenta anos atrás. A revolução
provavelmente não ocorrerá em 1958, mas os ingredientes estão aí, fermentando
perigosamente. Os comunistas encontraram uma arma formidável no nacionalismo
frustrado das pessoas articuladas, mas desencantadas. A liderança [norte] americana,
sempre vista como garantida no Brasil, está sendo questionada. Na arena internacional,
o Brasil observa com inquietude a luta que está se aprofundando entre o mundo livre e
o mundo escravizado. O povo brasileiro, ainda claramente ao nosso lado, está, no
entanto, reexaminando a sua atitude. No campo da economia, nossa colaboração é
menosprezada. (…). A liderança política no Brasil em 1957 foi instável, às vezes quase
inexistente. Considerando a herança recebida por Kubitschek, talvez a sua grande
conquista seja manter-se no poder. Seu caderno de estudos, embora abundantemente

692 A possibilidade de reestabelecimento de relações diplomáticas e comerciais do Brasil com a URSS, que estava sendo
debatida por setores do governo Kubitschek, era vista com cautela por Briggs. Embora ele avaliasse que não seria possível
aos Estados Unidos evitar que o Brasil estabelecesse relações com a URSS, seria possível “promover salvaguardas realistas”
para proteger os interesses norte-americanos. Briggs previa que a situação econômica do Brasil continuaria se deteriorando
em 1958, com aumento da inflação, manutenção de um “desenvolvimento econômico desequilibrado” e com um
esgotamento das reservas em dólares. Uma das consequências disso seria que “as galinhas voltariam em massa para o
galinheiro” (chickens will come crowding home to roost) e o “Tio Sam voltaria a ser convidado para arrumar o poleiro e
fornecer um novo ninho de ovos” (Uncle Sam will again be invited to tidy up the chicken-house and supply a new nest egg)
(Despacho diplomático, 31/12/1957).
433

ornamentado com rabiscos, registra poucos avanços 693 (Despacho diplomático,


31/12/1957, itálicos meus).

Com base nestas observações, Briggs formulou algumas recomendações para a política dos
Estados Unidos com relação ao Brasil. Para ele, seria favorável aos “interesses nacionais” dos Estados
Unidos continuar a apoiar política e economicamente este país de “potencial gigantesco”, no qual “os
investimentos totais dos Estados Unidos, públicos e privados”, excediam “dois bilhões de dólares”.
Briggs considerava “crucial à política americana” evitar que seus “inimigos” poluíssem “a reserva de
boa vontade” que ainda existia no Brasil. Com relação à política econômica, o embaixador defendia a
continuidade da “técnica da cenoura e do chicote”, como forma de “ajudar o Brasil a se ajudar” 694.
Quanto à política anticomunista do governo norte-americano, ele era favorável à continuidade dos
esforços norte-americanos para “encorajar a administração Kubitschek a estabelecer medidas efetivas
de combate ao comunismo per se, e de se proteger da subversão comunista” (Despacho diplomático,
31/12/1957).
Ellis Briggs não era o único oficial de governo preocupado com a conjuntura política do Brasil
naquele momento695. Em novembro de 1957, Henry A. Hoyt, do Bureau of Inter-American Affairs,
relatou estar “cada vez mais apreensivo com os acontecimentos no Brasil”, recomendando que algo
fosse feito “imediatamente”. Ele defendia o lançamento de uma campanha apresentando os comunistas
como “traidores do Brasil”, que deveriam “ser caçados e perseguidos” (hunted and persecuted) “pelos
próprios brasileiros”. Hoyt considerava que “os comunistas estavam embarcando no comboio do
nacionalismo e usando os temas nacionalistas para criar uma cisão entre os Estados Unidos e o Brasil”.
693 Briggs chegou a reconhecer alguns avanços nos primeiros dois anos do governo Kubistchek. Ele destacou que o
governo brasileiro havia aprovado uma nova regulação tarifária que “simplificava o sistema cambial”, uma legislação sobre
ferrovias que permitiria, “assim esperamos, uma reorganização eficiente da operadora estatal brasileira de trens” – em troca
da qual o Brasil “recebeu 100 milhões de dólares em créditos ferroviários do governo dos Estados Unidos” – e “planos de
estudo para a exploração do enorme potencial de ferro, manganês e bauxita do Brasil”. Mas, ao mesmo tempo, também
demonstrou sua impaciência com a demora do governo brasileiro para colocar em prática os planos de extração de recursos
minerais. Segundo Briggs, “ferro, manganês e bauxita são os ases que garantem dólares ao Brasil. A questão é: o Brasil
procrastinará tanto até que seus ases sejam batidos pela Marcha do Tempo?” (Despacho diplomático, 31/12/1957).
694 “Por exemplo, na avaliação sobre pedidos de empréstimos destinados para a àrea de energia, exigir ação prévia do
governo brasileiro em relação à legislação sobre os investimentos privados na área”. Além disso, Briggs recomendava um
“aumento da exploração de ferro, manganês e bauxita no Brasil por investidores privados americanos” (Despacho
diplomático, 31/12/1957).
695 A preocupação com a situação política do Brasil também se refletia fora dos círculos governamentais. No início de
1957, em carta a Nelson Rockefeller, Berent Friele explicou que iria viajar para o Brasil, mas antes iria passar em
Washington para falar com Douglas Dillon (Subsecretário de Estado), o secretário adjunto Roy R. Rubottom e Allen Dulles,
diretor da CIA. “A situação no Brasil está ficando cada dia mais crítica. Ellis Briggs indicou em recente carta enviada a mim
que ele gostaria de falar comigo. Seria útil saber qual é a visão em Washington [sobre a situação do Brasil] e o que pode ser
feito para enfrentar os problemas que teremos pela frente” (Carta, Friele para Nelson Rockefeller, 09/01/1957).
434

O oficial do Departamento de Estado declarava: “a nossa melhor defesa é o ataque, e nós devemos
tomar a ofensiva agora”. Na opinião de Hoyt, os esforços dos norte-americanos deveriam “conduzir os
comunistas o máximo possível para a clandestinidade na América Latina”. O secretário de Estado
adjunto, Roy Rubottom, depois de ler o memorando escrito por ele, anotou a lápis: “por favor, faça isso
imediatamente” (Memorando, Hoyt para Rubottom e Snow, 19/11/1957)696.
O governo dos Estados Unidos já estava se mobilizando, em colaboração com empresários
norte-americanos, para enfrentar a “onda nacionalista” no Brasil desde, pelo menos, agosto de 1958 697.
Nessa época, Aldo D’Alessandro698, diretor adjunto do USIA no Brasil, fez uma anotação – na folha de
696 O programa proposto por Henry A. Hoyt parece ter sido colocado em prática, especialmente através do jornal O Globo.
Em abril de 1958, John P. McKnight, então chefe do USIS na embaixada do Rio de Janeiro, relatou a Washington que “um
assistente sênior do USIS teve uma reunião de duas horas com Roberto Marinho (…) em que (...) discutiu os perigos
políticos representados pela libertação de [Luis Carlos] Prestes. Durante a conversa, o oficial do USIS ressaltou a Marinho
que “a imprensa estava dando ampla cobertura às declarações do líder comunista sobre política, questões internacionais,
dando a Prestes um novo prestígio e importância na política brasileira. O resultado desta conversa foi uma série de seis
editoriais em primeira página desmascarando Prestes como um agente do comunismo soviético e uma ameaça à estabilidade
política do Brasil. Os editoriais do sr. Marinho foram bastante fiéis aos temas a ele apresentados pelo oficial do USIS ( Mr.
Marinho’s editorials followed closely the points brought out to him by the USIS employee) (Despacho, 17/04/1958). Dois
meses depois, McKnight informou à USIA que “o USIS Brasil iniciou uma campanha para rotular (label) os comunistas
como ‘entreguistas vermelhos’ e os verdadeiros inimigos do ‘nacionalismo’ brasileiro. Um dos aspectos mais exitosos da
campanha comunista antiamericana no Brasil tem sido rotular aqueles que são favoráveis a uma contínua cooperação com
os Estados Unidos como ‘entreguistas’. (…). O USIS Brasil inseriu o primeiro de uma série de artigos e editoriais cunhando
e explicando a expressão com O Globo, que o publicou sem atribui-lo ao USIS com destaque em sua edição de 23 de junho
de 1958. Um segundo artigo será publicado pelo O Globo em poucos dias, e o terceiro está em preparação”. (Despacho,
25/06/1958). Dois dias depois, “Ricardo Marinho, editor de notícias de O Globo, contou ao Senior Information Assistant [do
USIS], quem escreveu o primeiro artigo da série, que nunca tinha visto artigos tão bem escritos e pertinentes aos problemas
atuais do Brasil. O sr. Marinho e seu irmão Roberto prometeram total apoio a este projeto” (Id.). Em outubro de 1959, o
adido de imprensa da embaixada do Rio de Janeiro, Lafe F. Allen, enviou um memorando informando que “O Globo
continua sendo o nosso melhor amigo entre os jornais brasileiros (…). Roberto Marinho é extremamente receptivo às nossas
ideias. Talvez a sua maior contribuição ao nosso programa nos meses recentes foi a distribuição de mais de duzentas mil
cópias de O Globo contendo o nosso panfleto ‘Entreguismo vermelho’. A nosso pedido, ele fez um acordo com o pessoal de
[Assis] Chateaubriand para distribuir mais duzentas e cinquenta mil cópias destes panfletos em vários dos jornais de
Chateaubriand espalhados pelo Brasil, garantindo distribuição nacional do que nós consideramos ser particularmente uma
publicação efetiva. Outra grande assistência a nosso programa feita pelo O Globo foi a publicação produzida por nós
relativa ao segundo aniversário da revolução húngara” (Memorando, 27/10/1959).
697 A iniciativa do governo americano não se restringiu ao trabalho com empresários norte-americanos, mas este é o
aspecto que será enfatizado nesta parte do capítulo.
698 Nascido em Nova Iorque em 08/05/1911, formou-se pela Bucknell University em 1931, quando passou a estudar teatro
e a atuar como produtor e ator free lance de peças teatrais. No final dos anos 1930, fez um curso de produção de rádio em
Nova Iorque. Em 1942, ingressou no Office of Censorship de Nova Iorque como vice-diretor, e em 1943, no Office of War
Information (OWI). Entre 1945 e 1947, assumiu a chefia do escritório do OWI de Nova Iorque responsável pela França. A
partir de 1948, tornou-se especialista em informações sobre a França e a Itália da rádio Voice of America (VOA). Em 1952,
assumiu a chefia do USIS em Munique, na Alemanha, dirigindo o escritório europeu da VOA, permanecendo nesta função
até a sua designação para o Brasil. De acordo com seu currículo, D’Alessandro falava fluentemente alemão, francês,
italiano, espanhol e português (Currículo, s/d). De acordo com Tobia (2008, p. 97-8), durante seu período na VOA,
D’Alessandro escrevia “comentários sobre a situação europeia com uma ênfase apaixonadamente anticomunista”. De
acordo com um depoimento de Barry Zorthian, um dos diretores da VOA, o programa da rádio sediada em Munique
chefiada por D’Alessandro havia “saído do controle”: “Aldo D’Alessandro estava lá comandando a sua própria operação.
Era uma coisa muito mais extrema. Foi o aspecto ideológico que simplesmente estava fora de controle. ‘Dal’ era tão
comprometido, um fanático, se você preferir – você não podia falar três minutos com Dal sem cair em sua pregação
anticomunista. Não que ele estivesse errado sobre os motivos deles e assim por diante, mas transformar este tipo de
435

encaminhamento (routing slip) grampeada junto a um memorando que descreve o encontro de


Wladimir Lodygensky com Benjamin L. Sowell, adido trabalhista da embaixada do Rio de Janeiro –
sobre os materiais de propaganda produzidos pela SEI: “nós esperamos que a nossa maior colaboração
com a Câmara Americana de Comércio do Brasil torne possível o aumento da produção deste tipo de
material” (Folha de encaminhamento, 29/08/1958). Conforme visto no capítulo 4, a relação do governo
dos Estados Unidos com a Câmara remonta aos tempos da Segunda Guerra Mundial, com a
mobilização de empresários junto a projetos do OCIAA e do Departamento de Estado. Ao longo de
1959, essa relação se aprofundou.
Frank H. Oram, chefe do USIS699 na embaixada do Rio de Janeiro entre 1962 e 1964700, afirmou,
em um relatório que descrevia as atividades da agência “em cooperação com empresários norte-
americanos no Brasil”, que a relação teve início com “a comunidade de negócios [dos Estados Unidos]
no Rio de Janeiro”, com a qual o USIS trabalhou através “de um grupo da Câmara Americana de
Comércio no Brasil conhecido como Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos” – que seria também
um “comitê de ação” (action committee) desde 1959 (Relatório, 11/10/1962) 701. Conforme o antecessor
de Oram, Aldo D’Alessandro, o USIS mantinha uma relação próxima com as Câmaras Americanas de

ideologia militante em conteúdo de transmissão de rádio era simplesmente um regresso às piores fases da Guerra Fria, e não
o tipo de abordagem mais moderada, racional, de difundir e comentar o que nós achávamos importantes”. Ainda segundo
Zorthian, “eu literalmente demiti Dal, tirei ele de lá. Nunca mais vou me esquecer: uma noite nós tomamos um drinque e ele
implorou para não ser demitido. Eu pensei comigo, toda a vida ele esteve envolvido com isso. Nessa altura, eu vi um Dal
quieto e manso e não aquele ideólogo intransigente que ele era o tempo todo. Ele era incapaz de mudar. Dal trabalhou
comigo mais tarde no Vietnã e ele continuava o mesmo” (Entrevista, Barry Zorthian, 1988). D’Alessandro chegou ao Brasil
em janeiro de 1958 como subchefe do USIS, abaixo apenas de John P. McKnight, a quem substituiu em janeiro de 1959.
Permaneceu no país até setembro de 1962, quando foi substituído por Frank Oram (USA, Biographic register, 1966, p. 122).
Em 1965, D’Alessandro fazia parte da equipe chefiada por Barry Zorthian, que foi o principal porta-voz de uma “campanha
de guerra psicológica” destinada a restaurar a confiança nas informações oficiais transmitidas pelo governo norte-americano
sobre a guerra do Vietnã, colocadas em xeque por muitos jornalistas americanos que cobriam o conflito à época (Obituário,
05/01/2011).
699 A USIA (United States Information Agency) foi criada em 1953. Segundo Santomauro (2015, p. 212), “os USIS [United
States Information Service] no Brasil eram anteriores à formação da USIA e o país era um dos exemplos mais exitosos na
quantidade e qualidade dos serviços de informação americanos desde a 1ª Guerra Mundial. Eles estavam presentes nas
bibliotecas, centros culturais Brasil-Estados Unidos, postos móveis, Consulados e Embaixada”.
700 Oram também trabalhou no OCIAA durante a Segunda Guerra Mundial (USA, Biographic register, 1966, p. 407).
701 O relatório produzido por Oram também apresenta os nomes dos integrantes dos comitês de relações Brasil-Estados
Unidos das Câmaras Americanas de Comércio de São Paulo e do Rio de Janeiro. Embora esta informação não esteja clara
no relatório, é provável que a lista de membros dos comitês seja referente ao ano de 1962: Trajano Pupo Netto (Diretor –
First National City Bank of New York); Paulo de C. Barbosa (vice-presidente, Esso Brasileira de Petróleo S. A.); João da
Silva Monteiro (COBAST – do grupo Light); Ralph H. Greenwood (General Electric e Instituto Brasil-Estados Unidos,
Crush Refrigerantes do Brasil), Eric F. Lamb (Schroeder Banking Company), Warren S. Remensnyder (Sears Roebuck S.
A.), Alberto Byington Jr. (Byington & Cia.), Clark G. Kuebler (Cia. Nacional de Cimento Portland), William J. Bradley
(Esso Brasileira de Petróleo), Albert M. Philion (Armco Indústria e Comércio S. A.), Godofredo M. de Moraes, William V.
Moscatelli (Standard Brands of Brazil Inc.) e Finn Engersen (Standard Brands of Brazil Inc.), além do próprio Frank H.
Oram, do USIS Rio de Janeiro. De acordo com Oram, o Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos da Câmara Americana
de Comércio “representava o USIAC no Brasil” (Relatório, 11/10/1962).
436

Comércio do Rio de Janeiro e São Paulo para colaborar na “preparação e concretização de um


programa destinado a apresentar os fatos às pessoas e expor a propaganda comuno-nacionalista como
ela realmente é”702.
Em 1961, ele informou à USIA em Washington que as duas Câmaras estavam, naquele
momento, “completamente conscientes (thoroughly aware) da ameaça aos negócios privados
americanos representada por elementos comuno-nacionalistas” e que elas forneciam “de forma
contínua, os fundos necessários para as atividades do comitê”. A sede da Câmara de São Paulo daria
maior ênfase a um “programa de relações públicas e de bolsas para estudantes universitários”. Já o
programa do Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos do Rio de Janeiro seria mais abrangente,
incluindo a preparação de artigos não atribuíveis aos Estados Unidos “inseridos com êxito na
imprensa”. D’Alessandro relatou que o Comitê do Rio de Janeiro havia convidado “diversas
personalidades qualificadas, tanto brasileiras quanto norte-americanas, para falar sobre formas de
melhorar as relações Brasil-Estados Unidos”. Entre os convidados, D’Alessandro mencionou:

Hickman Price, Jr., gerente da Mercedez Benz do Brasil e (…) secretário de Comércio
adjunto da administração Kennedy; Hugo Bethlem, ex-embaixador do Brasil na Bolívia
e general reformado, que fundou uma organização anticomunista de pesquisa, a
Sociedade de Estudos Interamericanos [SEI]; Gilbert Huber, Jr., presidente das Listas
Telefônicas S. A.; Cleantho de Paiva Leite, diretor do Banco Nacional de

702 Segundo D’Alessandro, a relação com os empresários era justificada pelo objetivo de “aumentar a consciência sobre o
fato de que os investimentos estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos, foram e são indispensáveis ao crescimento e
eventual prosperidade do Brasil”. Também servia para outro objetivo da agência, que era “refutar as acusações comuno-
nacionalistas de que as empresas americanas no Brasil estão explorando o país, são responsáveis pelo aprofundamento da
crise econômica e conspiram para ganhar o controle de seus recursos naturais e suas indústrias básicas” (Relatório,
18/07/1961).
437

Desenvolvimento [BNDE]703; John Foster Dulles, Jr.704, representante no Brasil da


Hanna Corp., e outros (Relatório, 18/07/1961, itálicos meus).

Frank Oram, no relatório que elaborou em 1962, também falou sobre esses indivíduos:

O ex-embaixador Hugo Behtlem apresentou o Comitê à SEI (Sociedade de Estudos


Interamericanos), uma organização fortemente anticomunista com a qual uma relação
confidencial tem sido mantida desde então. Hickman Price, Jr. (…) defendeu a
participação minoritária de brasileiros nas companhias americanas no Brasil – a
Câmara aprovou uma resolução sobre isso. O sr. Gilbert Huber, Jr., das Listas
Telefônicas, descreveu o seu trabalho evangelizador nas “matrizes” estadunidenses de
empresas com atuação no Brasil. O Comitê, através de alguns de seus membros que
integram também o CONCLAP, mantêm uma relação de trabalho com esta última
organização705 (Relatório, 11/10/1962).

O relatório produzido por D’Alessandro ainda apresenta outras informações relevantes sobre a
atuação do Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos da Câmara Americana de Comércio. Avaliando
que “era evidente, no início de 1959, que as relações entre os Estados Unidos e o Brasil estavam se
deteriorando a ponto de se tornar algo preocupante”, a Câmara aprovou uma resolução em apoio à

703 Paiva Leite fez parte do grupo que compunha a assessoria econômica de Getúlio Vargas em seu segundo governo
(1951-54). Segundo Wanderley (2018), “é da lavra dessa assessoria os projetos para a criação da CAPES – Campanha
Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (1951), do BNDE (1952), do Banco do Nordeste do Brasil
(1952), da Petrobras (1953) e da Eletrobras (esta só criada de fato em 1961 por Jango, após o projeto tramitar por sete anos
no congresso) (...), entre diversos outros órgãos públicos”. Paiva Leite foi nomeado diretor do BNDE no final de 1953.
“Licenciado durante o período de 1956 a 1958, seria posteriormente reconduzido por mais três períodos a esse cargo, que
ocuparia até agosto de 1962”. Em dezembro de 1958, ele foi “designado delegado brasileiro à conferência internacional
durante a qual foi redigido o estatuto do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tornando-se em setembro de
1959 presidente da comissão preparatória para a instalação desse organismo. Após haver sido designado governador-
substituto brasileiro no BID, foi eleito em fevereiro de 1960 seu diretor-executivo” (DHBB, Verbete biográfico).
704 Filho do secretário de Estado dos Estados Unidos, John F. Dulles (1888-1959), e sobrinho do diretor da CIA, Allen W.
Dulles, John Foster Dulles Jr. era formado em engenharia de minas. Estudou em Princeton, na University of Arizona e
obteve um MBA pela Harvard University. Trabalhou como executivo de empresas mineradoras no México, onde viveu
dezessete anos, e no Brasil, onde se estabeleceu em 1957, como representante da Hanna Mining ( O Semanário, 26/09 a
02/10/1963). Dulles Jr. teria sido enviado ao Brasil a pedido do ex-secretário de tesouro dos Estados Unidos, George M.
Humphrey (presidente da Hanna Mining), para que ele organizasse as operações da Hanna no Brasil. Herbert Hoover, Jr.,
Subsecretário de Estado entre 1954 e 1957, fazia parte do conselho de administração da empresa (BLACK, 2009, p. 117). A
empresa Hanna foi alvo de investigações de uma Comissão Parlamentar de Inquérito em 1961, sendo expropriada, por
decreto do presidente João Goulart, em 1962. No início daquele ano, Dulles Jr. saiu do Brasil, aceitando um convite para ser
professor da University of Texas at Austin (Carta, 20/02/1962), dando início a uma longa carreira como pesquisador de
temas latino-americanos, especialmente Brasil, sobre o qual publicou várias obras.
705 O CONCLAP e o “trabalho evangelizador” de Huber Jr., que foi um dos fundadores do IPES, serão abordados no
próximo capítulo.
438

venda de ações de empresas norte-americanas para pequenos investidores brasileiros. De acordo com
D’Alessandro, as principais companhias que tomaram a iniciativa neste sentido foram a Willys
Overland do Brasil706, as Listas Telefônicas S. A.707 e a Light 708. O oficial da USIA relatou que “muitas
companhias” resistiram a aderir à recomendação da Câmara, pois estavam “desconfiadas e
apreensivas” com relação às vantagens da venda deste tipo de ações (Relatório, 18/07/1961)709.

8.4 O Conselho Superior das Classes Produtoras (CONCLAP)

706 Segundo Cobbs (1922, p. 202-203), no início da década de 1950, exista uma “urgência” para o estabelecimento de uma
indústria automotiva no Brasil. Até então existiam no país apenas montadoras de veículos importados de outros países,
especialmente dos Estados Unidos. Em sua maioria, mesmo estas eram subsidiárias de empresas estrangeiras, sem
participação de capital nacional. “A primeira grande empresa norte-americana que de fato fez da participação acionária [de
empresários locais] uma questão importante (…) foi a Kayser Corporation, com sede em Oakland, Califórnia, dirigida por
uma das lideranças do desenvolvimento no leste dos Estados Unidos, Henry J. Kayser. (…) No início dos anos 1950, a
disposição dos brasileiros em enfrentar as barreiras naturais que bloqueavam o acesso à maior parte de seu país coincidiu
com dificuldades de negócios que Henry Kayser e seu filho Edgar Kayser enfrentavam nos Estados Unidos. Virando-se para
longe da costa sedutora, os brasileiros estavam determinados a descobrir e desenvolver o interior do país. Os presidentes
Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek lideraram o processo. Com a cooperação de Kayser, um dos resultados foi a criação
de um indústria de jeeps no Brasil”. Em 1953, Kayser tinha adquirido a Willys-Overland, empresa norte-americana que
criou o jeep em parceria com a Ford. De acordo com Cobbs (Id., p. 202), este automóvel tinha “capturado a imaginação do
mundo durante a Segunda Guerra Mundial. O general George C. Marshall o chamou de maior contribuição da América para
a guerra moderna. Ele estava em todos os lugares e ia a qualquer lugar, do Saara aos Alpes”. Na década de 1950, uma
fábrica da Willys Overland do Brasil (WOB) foi construída em São Bernardo do Campo, São Paulo, com capital brasileiro e
norte-americano. Em 1959 a empresa lançou o modelo de automóvel que “se tornou um clássico nas ruas e estradas
brasileiras”: a Rural. As operações dessa fábrica foram assumidas pela Ford, em 1967 (CAMARGO Jr., 2019). Até 1961,
quando foi ultrapassada pela Volkswagen, a Willys-Overland do Brasil foi a maior indústria automobilística da América
Latina. Informação disponível em: https://www.lexicarbrasil.com.br/willys. Acessado em dezembro de 2019.
707 Empresa criada em 1947 por Gilbert Huber, pai de Gilbert Huber Jr., sobre quem falaremos no próximo capítulo.
708 O grupo Light, de origem canadense, era uma das duas companhias estrangeiras que “monopolizavam virtualmente os
serviços de eletricidade nas capitais e principais centros urbanos” do Brasil. A outra era a norte-americana American &
Foreign Power Company (Amforp), que iniciou suas atividades no Brasil em 1927. “As empresas da holding Brazilian
Traction, Light and Power Company operavam os sistemas de maior porte, respondendo por mais da metade da capacidade
de geração do parque elétrico nacional”. Elas concentraram “seus interesses no eixo Rio de Janeiro-São Paulo desde o início
do século” XX (Verbete temático sobre a Eletrobrás, CHDD).
709 O diretor executivo do USIAC, Richard T. Turner, no relatório em que descreveu sua visita a alguns países latino-
americanos no primeiro semestre de 1961, registrou: “o Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos está agora incluído no
orçamento anual da Câmara Americana de Comércio” e trabalha intimamente (work closely) com o USIS e o CONCLAP”
(que será apresentado adiante). Turner também mencionou a existência de “um plano para vender ações das empresas para
seus empregados”. Na sua avaliação, esta iniciativa “deveria ser considerada por todas as companhias subsidiárias de
empresas norte-americanas como uma forma de seguro para conquistar a sua lealdade, respeito e entendimento”. As
empresas que tomaram esta iniciativa, “com resultados muito satisfatórios”, foram a “Canadian Light and Power Co.,
Liquid Carbonic e Willys Overland”. Turner ainda informa que “Gilbert Huber, Jr., das Listas Telefônicas Brasileiras,
iniciou uma campanha para destacar as vantagens deste plano para as companhias de todas as nacionalidades” (Relatório,
09/06/1961).
439

De acordo com Dreifuss (1987, p. 93), as novas condições de desenvolvimento durante a década
de 1950 e “o fato de os empresários multinacionais e associados haverem percebido os seus interesses
comuns na modernização do país, assim como a necessidade do estabelecimento de canais para a sua
crescente penetração”, levaram a uma “expansão da estrutura associativa” e à “procura de novas formas
de organização de interesses”. Além de orientar os empresários “sobre assuntos referentes à produção e
à administração”, essas associações “davam assistência a questões políticas mais amplas, funcionando,
na verdade, como agência de lobbying”710. Segundo Dreifuss, “três dos mais importantes focos de
pressão política onde predominavam os interesses multinacionais e associados” eram: 1) a Federação
das Indústrias de São Paulo e “sua organização idêntica”, o Centro das Indústrias de São Paulo, às
quais estava ligado o fórum de debate Roberto Simonsen; 2) a Federation of the American Chambers
of Commerce do Brasil; 3) o Conselho Nacional das Classes Produtoras (CONCLAP).
Fundado em 17 de julho de 1959711, no Rio de Janeiro, em cerimônia realizada na sede da
Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), o CONCLAP se apresentou como representante dos
interesses de patrões e empregados, “unidos em torno do bem comum”. Sua “filosofia norteadora” era a
defesa da iniciativa privada, da liberdade econômica e da “ordem e paz social” 712. O principal combate
do CONCLAP seria dirigido contra a “intervenção estatal”, tolerada “apenas quando a segurança

710 Logo após a eleição de Jânio Quadros à presidência (que ocorreu em outubro de 1960), líderes do CONCLAP lhe
entregaram um documento intitulado “Sugestões para uma política nacional de desenvolvimento”, que “exigia a reafirmação
do papel da empresa privada e do capital estrangeiro no planejamento do desenvolvimento, o controle da mobilização
popular e da intervenção estatal na economia, a redefinição das funções do Estado, medidas contra a inflação e uma
readequação da administração pública” (DREIFUSS, 1987, p. 126).
711 Dreifuss (1987, p. 97) afirma que o Conselho foi “estabelecido em 1955 como uma organização guarda-chuva nacional
com o intuito de proporcionar um fórum militante para o bloco de poder empresarial modernizante-conservador”. Não
localizamos, contudo, informações sobre o conselho que fossem anteriores a 1959. Em julho daquele ano, uma assembleia
do CONCLAP aprovou os seus estatutos, definiu que sua sede seria criada no décimo segundo andar do prédio da ACRJ e
elegeu, por aclamação, a sua diretoria: Rui Gomes de Almeida (presidente, representante da Associação Comercial do Rio
de Janeiro), Jorge Bhering de Oliveira Mattos (secretário-geral, representante do Centro Industrial do Rio de Janeiro),
Harold Cecil Polland (1º secretário, representante da Associação Rodoviária Brasileira), Ari Barreto (2º secretário,
representante dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro) e Adhemar Leite Ribeiro (tesoureiro, representante da
Associação Bancária Brasileira). Os seguintes indivíduos e entidades participaram da assembleia e foram considerados
fundadores do CONCLAP: Associação Comercial do Rio de Janeiro (Antonio Arnaldo Taveira e Rui Gomes de Almeida),
Centro Industrial do Rio de Janeiro (Jorge Bhering de Matos e Zulfo de Freitas Mallmann), Centro de Estudos de Seguros
(Angelo Mário Cerne e Jorge Oscar de Mello Flores), Associação Rodoviária do Brasil (Harold Cecil Polland e Francisco
Maia de Oliveira), Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro (Ari Barreto e Enéas Almeida Fontes),
Associação Bancária Brasileira (Adhemar Leite Ribeiro), Centro de Material de Construção (Manoel Garcia Cruz), Centro
de Navegação Transatlântica (Teófilo Bezerra Cascão), Associação Brasileira de Propaganda (Sílvio Bhering e Aldo Xavier
da Silva), Associação Brasileira de Exportadores (Alcides Coelho Rosalvo e Adolpho Cardoso Aires), Associação Nacional
de Máquinas, Veículos, Acessórios e Peças (Arlindo Beiró Uchoa), Associação Brasileira de Normas Técnicas (Paulo Sá),
Clube de Engenharia (Affonso Soares) e Bolsa de Valores (Henrique Guedes de Mello e Ney Souza Ribeiro de Carvalho)
(Jornal do Comércio, 30/07/1959).
712 Sobre a “Primeira Conferência Nacional das Classes Produtoras”, também denominada CONCLAP, realizada em 1945
sob a presidência de João Daudt d’Oliveira, então presidente da ACRJ, ver o capítulo 5.
440

nacional o exija ou os empreendimentos ultrapassem a capacidade da iniciativa privada” (Correio da


Manhã, 17/07/1959)713. No final de setembro de 1959, a entidade anunciou a criação de quatro
comissões, que seriam responsáveis por elaborar projetos de reforma a serem encaminhados a
deputados e senadores, com o objetivo de “subsidiar discussões sobre a aprovação de medidas urgentes
para o país”714.
Zulfo de Freitas Mallmann, um dos fundadores do CONCLAP 715, afirmou, em uma declaração à
imprensa, que era preciso “encontrar um método de trabalho para anular ideias fundamentalmente
contrárias à nossa filosofia de vida, que procuram anular a iniciativa particular” através de reformas
que “levarão à estatização integral e, consequentemente, à supressão das liberdades individuais” e à
“sovietização do país”:

No Parlamento, observamos a predominância de atividades dos elementos de esquerda,


seja na apresentação de projetos de cortejamento das massas, sem nenhum objetivo
econômico, técnico ou mesmo social, de proposições estendendo benefícios e
vantagens à custa do Estado, de medidas cerceadoras no terreno econômico e fiscal
tributário e de atitudes francamente antagônicas e hostis ao primado da iniciativa
privada, sem que, por parte dos representantes democráticos, se note oposição ou
reação à altura dos acontecimentos. No terreno do ensino caminhamos, a passos largos,
para o seu completo domínio pelo Estado, fomentados pelos próprios estudantes, cujas
entidades se encontram infiltradas por elementos extremistas dos mais perigosos. A
tudo isso assistimos sem esboçar qualquer movimento para enfrentar a situação (Jornal
do Comércio, 25/04/1959).716
713 Como destaca Dreifuss (1987, p. 97), “o CONCLAP atacava sem trégua o comunismo e apresentava uma defesa
intransigente da empresa privada, da estabilidade financeira e monetária e do capital estrangeiro” e tornou pública “sua
oposição implacável ao controle de preços, ao direito de greve, à estabilidade dos empregos, negando ainda o direito ao
governo de possuir praticamente qualquer bem”.
714 A comissão de “Alfabetização e Educação” era integrada por José Augusto Bezerra de Medeiros, José Pedro Paulo
Penido, Décio Werneck, Sylvio Bhering, Djalma Bittencourt de Oliveira, Luiz Sobral Pinto e Heloísa Maria Figueira. A de
“Estudo do Cŕedito”, por Júlio Poetzcher, Haroldo Lisboa da Graça Coutinho, Luiz José Cabral de Menezes, Arlindo Beiró
Uchôa, Fábio Garcia Bastos, Raul Pinto de Carvalho, Vicente de Paulo Gallez, Edgard Teixeira Leite, Luiz Migliora, José
Pironnet e Orlandy Ruben Correia. A de “Estudos do Abastecimento”, por Constantino Zamponi Filho, Antônio Arnaldo
Taveira, Rui Barreto, Luis Brunet Castro, Oswaldo M. F. Ballarin, Francisco Maia de Oliveira e Antônio Gomes Casanova.
Por fim, a Comissão de “Salários” era integrada por Hercílio Luiz Colaço, Enéas Almeida Fontes, Jorge Oscar de Mello
Flores, Atila Carvalhaes Pinheiro, Carlos Brandão de Oliveira, João Baylongue e Pedro Morelli (Correio da Manhã,
25/09/1959).
715 Mallmann, como visto no capítulo 5, liderou a oposição a Euvaldo Lodi na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
em 1954. Dreifuss (1981, p. 526) informa que ele era ligado a várias companhias e grupos multinacionais, algumas delas
europeias. Era também diretor regional do SESI-RJ (Jornal do Comércio, 16/01/1959). Em março de 1959, Mallmann foi
eleito presidente do Centro Industrial do Rio de Janeiro, tendo como 2º vice-presidente Jorge Bhering de Mattos (Jornal do
Comércio, 04/03/1959).
716 Um dos fatos que ligou o alerta vermelho das associações empresariais contra a “onda nacionalista” foi o decreto de
encampação da Companhia Elétrica Riograndense, subsidiária da American & Foreign Power, realizada pelo governador do
Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Em maio de 1959, Mallmann enviou um telegrama a Brizola, afirmando que “a
indústria carioca pelas suas entidades representativas, formula o mais veemente protesto contra a violência efetivada, que
441

O núcleo de empresários que viria a formar o CONCLAP já estava sendo acompanhado pela
embaixada dos Estados Unidos meses antes de seu lançamento público. Em abril de 1959, o diretor da
ICA no Brasil, Howard R. Cottam, enviou um memorando intitulado “Centro Industrial do Rio de
Janeiro” para o conselheiro da embaixada, Eric C. Wendelin, e para o chefe da estação local da CIA,
Donald C. Marelius. Referindo-se a “outros memorandos recentes” nos quais ele havia identificado
“esse grupo como um novo organismo de ação política” cujas lealdades ainda não eram “bem
conhecidas”717, Cottam relatou: “o sr. [Jorge Bhering de] Mattos disse que o grupo fez abordagens ao
presidente [Kubitschek], ao deputado [Armando] Falcão, Sousa Neves, Juracy Magalhães, [Augusto
do] Amaral Peixoto, general [Henrique Teixeira] Lott, ao general [Nelson] de Mello e aos principais
bispos” (Memorando, 18/04/1959)718. Em julho de 1960, James B. Opsata, subchefe do USIS no Brasil,
depois de se reunir com Jorge Bhering de Mattos na embaixada dos Estados Unidos, o descreveu como
“a força impulsionadora (driving power) por trás do CONCLAP”719. Durante o encontro, Mattos teria
afirmado que as empresas norte-americanas precisavam “acordar” e que o trabalho do CONCLAP
precisava da ajuda delas: “elas precisam nos ajudar e elas podem nos ajudar com dinheiro nesta luta”.
Na avaliação de Mattos, o problema era que as empresas americanas não pareciam “estar alertas para a
luta real” que estava ocorrendo (Memorando, 09/07/1960).

constitui além do mais permanente ameaça a todas as atividades econômicas do país" (Jornal do Comércio, 16/05/1959).
717 Não foram encontrados os “outros memorandos” aos quais Cottam se referiu, nem outras informações sobre a relação
entre a embaixada norte-americana e o CONCLAP.
718 Nascido em 1905, Jorge Bhering de Oliveira Mattos era um dos herdeiros da Bhering & Cia., fundada em 1880,
produtora de café e dos chocolates Bhering, com fábricas no estado do Rio de Janeiro e São Paulo ( Jornal do Brasil,
01/11/1931). A partir dos anos 1950, a empresa passou a se chamar Bhering Companhia S. A. (Sociedade Alimentícia).
Segundo Bordenave (2018), “a fábrica Bhering esteve em funcionamento a partir de 1906, na cidade do Rio de Janeiro, na
Rua Sete de Setembro, de onde, segundo relato de um dos proprietários (…), foi desapropriada após determinação do então
prefeito Pereira Passos, devido à abertura da Avenida Rio Branco. A fábrica foi então transferida para outra rua do centro da
cidade, Rua Treze de Maio, de onde novamente foi retirada após a construção do Theatro Municipal. A fábrica Bhering foi
instalada no bairro de Santo Cristo, zona portuária do Rio de Janeiro, na década de 30, onde esteve a pleno vapor,
produzindo chocolates, doces e café, até meados da década de 90”. Nos anos 1930, Jorge Bhering Mattos era considerado
um sportsman: em uma tarde de domingo de fevereiro de 1934, ele fez “diversas evoluções com seu aparelho autogiro, que
ia da altura da praia do Flamengo à Urca, em demonstrações arriscadas (Correio da Manhã, 13/02/1934). Durante os anos
1940, Jorge Bhering Mattos, que se encontrava “há tempos nos Estados Unidos”, voltaria ao Brasil a bordo de um novo iate
de sua propriedade, por ele mesmo conduzido (A Noite, 02/04/1944). Bhering de Matos foi também presidente da Aerovias
Brasil, empresa de navegação aérea (A Noite, 11/05/1946), membro do conselho fiscal do Banco de Expansão Comercial do
Brasil S. A. (Jornal do Comércio, 15/06/1951) e presidente da Companhia Brasileira de Torrefação e Moagem (Jornal do
Comércio, 26/03/1953). Em 1959, ele era diretor do Centro Industrial do Rio de Janeiro (O Jornal, 03/06/1959). Em 1960,
Mattos fez o Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), na Escola Superior de Guerra. Seria, depois,
presidente da Associação de Diplomados dessa escola (ADESG). Foi presidente CONCLAP-Rio até 1963 (DREIFUSS,
1987, p. 97). Faleceu em maio de 1982 (Jornal do Brasil, 09/05/1982).
719 Dedicando-se “em tempo integral (full time) – e ele é um enérgico homem de 55 anos – a organizar e levar adiante suas
crenças da necessidade da empresa e do anticomunismo para o crescimento do Brasil, e da necessidade de o mundo livre
trabalhar em conjunto” (Memorando, 09/07/1960).
442

Bhering de Mattos também se manifestou publicamente sobre os perigos do nacionalismo.


“Realizada a estatização da economia”, disse em entrevista, “a sovietização política será, forçosamente,
uma consequência natural e não um golpe”. Depois de apresentar “os postulados de Lênin” 720 para
confrontá-los com a situação brasileira, Mattos asseverou que os “exemplos dos países sovietizados”
eram “a imagem verdadeira do que poderia acontecer no Brasil”, caso as classes produtoras nada
fizessem. Na sua opinião, o Brasil estava vivendo praticamente uma situação pré-revolucionária:

Ainda não existe um verdadeiro entendimento entre as classes produtoras, embora o


atual CONCLAP tente realizá-lo. A pecuária e a agricultura ainda se colocam em
redoma “de sangue azul” da produção, não tentando sequer aproximação com os
demais setores (…). A indústria, em certas atividades, ainda procura o fácil
paternalismo do Estado (…). O comércio, por sua vez, é acusado de tirar exagerado
proveito dos produtores da agricultura e de manter sob seu guante uma grande parte
dos setores industriais. O setor de seguros (…) se situa pairando indiferente como se
não fizesse parte do todo (…). Outros exemplos frisantes têm permitido apresentar
junto à opinião pública um aspecto pejorativo e confuso do desentendimento entre os
setores da produção, colocando-os uns contra os outros, enfraquecendo-nos. (…).
Dentro do roteiro traçado por Lênin, o segundo item se comprova: a desmoralização
dos líderes da produção (…). É a legítima bancarrota dos chefes patronais da produção.
Quando haja espalhado um sentimento geral forte em favor da ação revolucionária
contra a burguesia, determina Lênin, com o descrédito dos chefes (…), a classe
dirigente cai em apatia e desconfiança. Não mais se agrega. Uns esperam a iniciativa
de reação dos outros. Evitam expor-se. Abandonam suas entidades agremiativas, não
comparecendo pessoalmente às reuniões, tampouco com a contribuição monetária para
amparar a subsistência das mesmas. (…). Este medo de não reagir contra a demagogia,
a mentira, o não esclarecimento da opinião pública, representa a fuga do campo da
luta, a indiferença pelo destino de suas famílias, o dilúvio – e o sentimento, forte e
duro, contra a burguesia se firma em favor da ação revolucionária. (…). Quando não
prevaleça de pé uma autoridade capaz de unir todas as forças da produção e da
liberdade (…), quando, pelo abandono do campo da luta, os dirigentes se
transformarem em massa confusa, e os dirigidos se transformarem em massa confusa,
trabalhada contra a autoridade, então haverá de fato a tomada do poder pelas forças
sovietizantes. (…). Não cremos, entretanto, que em nosso país os agentes agitadores
soviéticos pensem em tomar o poder pela força. (…). A tática empregada é muito mais
hábil, sutil e eficiente. É a estatização da economia e do ensino. (…). Desfraldando a

720 Mattos explicou as táticas de Lenin citando trechos de uma obra do revolucionário russo, cujo título não informa:
“consideramos que a ocasião [para a tomada do poder] é apropriada para a luta decisiva quando 1) todas as forças de classe,
arregimentadas contra nós, estiverem em estado de confusão, suficientemente embrulhadas umas contra as outras, e
suficientemente enfraquecidas em lutas para as quais suas finalidades são inadequadas; 2) quando todos os elementos
intermediários, vacilantes, instáveis e inquietos forem expostos pejorativamente diante do povo e fizerem uma parada
completa de sua total bancarrota; 3) quando haja espalhado um sentimento geral forte em favor da ação revolucionária
decisiva, firme e dura contra a burguesia; 4) quando não prevaleça de pé, no cenário público, uma autoridade
suficientemente forte para congregar as massas confusas e ensejar uma contramedida – então (notai bem), e só então, a
ocasião é própria para a tomada do poder. Se tivermos mantido bom controle sobre a situação anteriormente descrita, e se
escolhermos bem o momento, nossa vitória estará assegurada” (Jornal do Comércio, 25/10/1959).
443

bandeira de um falso nacionalismo, conquistam adeptos entre todas as correntes de


pensamento e entre todas as classes. (…). É na base dessas realidades que o
CONCLAP organizou um programa de defesa e expansão da livre empresa (Jornal do
Comércio, 25/10/1959).

O CONCLAP se apoiou, em grande medida, em organizações empresariais locais preexistentes,


especialmente as sediadas no Rio de Janeiro, como a Associação Comercial do Rio de Janeiro, a
Confederação Nacional do Comércio, a Federação das Indústrias do Estado da Guanabara e o Centro
Industrial do Rio de Janeiro721, entidades que se articulavam internacionalmente com outras
organizações congêneres através do Conselho Interamericano de Comércio e Produção CICYP – do
qual o USIAC era também parte, como já informado. Os integrantes do CONCLAP e da seção
brasileira do CICYP provinham dessa mesma base empresarial carioca 722. Muitos dos representantes da
seção brasileira do CICYP e do CONCLAP também tinham relações com a Câmara Americana de
Comércio723.

8.5 A criação do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD)

Em 1959, foi oficialmente criado o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD),


organização que representou o início de um tipo de mobilização e ação política inédita na história do
país, tendo em vista os recursos, estratégias e táticas utilizadas:

721 Conforme Dreifuss (1987, p. 97), no Rio de Janeiro o CONCLAP “englobava a Associação Comercial do Rio de
Janeiro e o Centro das Indústrias do Rio de Janeiro (dois órgãos que lhe davam expressivo apoio), o Centro de Seguros e
Estudos de Capitalização, a Associação dos Bancos do Estado da Guanabara, a Associação Brasileira de Relações Públicas,
a Associação Brasileira de Propaganda, o Clube dos Diretores Lojistas do Rio de Janeiro, a Associação dos Empregados de
Comércio e a Associação dos Proprietários de Imóveis, entre outros”.
722 Zulfo Mallmann participava de reuniões da seção brasileira do CICYP e integrou algumas das delegações brasileiras
presentes a encontros da entidade em outras capitais da América Latina, além de ser presidente da Comissão de Política
Social da seção brasileira, desde o ano de 1956 (Carta, 07/05/1956). Rui Gomes de Almeida, presidente da ACRJ e do
CONCLAP, em julho de 1955, em uma reunião da seção brasileira do CICYP, “tomou a iniciativa de propor ao plenário os
nomes dos integrantes da nova diretoria para os quais pediu eleição por aclamação” (Carta, 26/07/1955). Edgard Teixeira
Leite era outro antigo integrante da entidade, tendo sido seu vice-presidente por dois mandatos (1955-7 e 1959-1961), além
de ter sido membro de sua Comissão de Política Social (presidida por Mallmann) desde 1956 (Carta, 07/05/1956).
723 De acordo com Dreifuss (1981, p. 502 e 526), este foi o caso de Rui Gomes de Almeida e Zulfo de Freitas Mallmann, e
também de Alberto Byington Jr. – que se tornaria diretor do CONCLAP em julho de 1963 ( A Noite, 23/07/1963), sobre
quem falaremos no capítulo 10. Frank Oram também registrou, no relatório mencionado anteriormente, que o Comitê de
Relações Brasil-Estados Unidos da Câmara Americana de Comércio mantinha relações de trabalho com o CONCLAP
(Relatório, 11/10/1962).
444

A ideia da necessidade da ação da iniciativa privada em contraposição às forças


visando a estatizar e comunizar o país deu lugar à fundação, em maio de 1959, do
IBAD, associação civil com sede no Rio de Janeiro, cujos objetivos estão assim
definidos no art. 2º dos seus estatutos sociais: “A sociedade tem por objetivo fomentar
o desenvolvimento da livre empresa e a promoção da assistência social em seus
variados aspectos e para isso deve: a) divulgar informações especializadas sobre o
assunto, através do patrocínio de programas radiofônicos, de televisão, pela imprensa e
com a publicação de boletim editado para tais fins; b) manter cursos de investigação e
difusão de conhecimentos técnicos sobre a matéria; c) promover conferências
periódicas sobre a livre empresa, na respectiva sede ou em salões públicos; d) formar
pesquisadores especializados, podendo conceder bolsas, facilidades e prêmios no país e
no estrangeiro; e) criar cursos informativos para difusão das novas pesquisas no país e
no estrangeiro; f) entrar em contato com entidades culturais e técnicas brasileiras a fim
de obter cooperação ligada aos seus fins; g) realizar congressos dentro do país, quando
julgar conveniente, para elucidação de problemas concernentes ao assunto; h) criar e
auxiliar núcleos de assistência social e educacional nos mais diversos pontos do
território nacional onde forem julgados convenientes, ficando a critério da Diretoria
Geral a nomeação, bem como as funções e poderes de cada um dos membros das
diretorias desses núcleos” (“O IBAD ao povo brasileiro”, s/d, citado no Dossiê DOPS,
18/10/1963).

Diferentemente de outras organizações de classe que, embora recebessem apoio norte-


americano, foram criadas e controladas por iniciativa de grupos privados, o IBAD, desde o início, foi
um instrumento do governo dos Estados Unidos, mantido sob seu controle – do ponto de vista técnico e
operacional. Na linguagem empregada pela CIA, o IBAD era um asset (recurso), e seu líder, Ivan
Hasslocher, um agente724. Durante o período da Guerra Fria, parte da política exterior do governo dos
Estados Unidos apoiou-se em atividades de organizações privadas, como já abordado no capítulo 6,
quando nos referimos ao Centro Brasileiro da Europa Livre 725. De acordo com a instrução política
número 10/2 do Conselho Nacional de Segurança (NSC 10/2, apresentada no capítulo 3) de junho de
1948, a CIA era a agência do governo responsável pela criação, ou apoio a entidades civis existentes,

724 Agee esclarece a diferença entre agente e oficial da CIA: “agente é uma palavra empregada para designar aquele que
trabalha no final da fila. Em geral, são estrangeiros [não-estadunidenses] e constituem instrumentos através dos quais são
executadas as operações da Agência. O vocábulo ‘agente’ jamais é empregado para designar o funcionário de carreira da
CIA e que tem sua atividade em uma base como oficial de operação – mais conhecido como oficial de casos [case officers],
mas não agentes”. Nesta tese é utilizada a expressão “operativos da CIA” ao invés de oficial de casos, mas ambas têm o
mesmo sentido.
725 Alguns autores consideram que “as fronteiras entre público e privado” na política norte-americana “nunca foram
rígidas”, sobretudo durante o período da Guerra Fria. Em vista disso, estes autores utilizam a expressão “redes estatal-
privadas” para se referir às relações entre organizações privadas e a política exterior do governo dos Estados Unidos. Como
argumenta Parmar (2006, p. 13), “as redes de cooperação estatal-privadas de elite desempenharam um poderoso papel na
mobilização para o expansionismo global dos Estados Unidos durante a Guerra Fria”. Ainda conforme esse autor, “as
vantagens para o Estado de tais arranjos eram que os objetivos oficiais da política – coleta de informações de inteligência no
exterior, a promoção de elites e interesses pró-Estados Unidos – poderiam ser atingidos, ou ao menos avançados,
especialmente em áreas ‘sensíveis’, através de meios supostamente não-oficiais, não governamentais”.
445

para combater “governos ou grupos estrangeiros hostis”, através de operações encobertas. Como
afirmou Saunders (2008, p. 148), “o sucesso do programa norte-americano durante a Guerra Fria
dependia de sua capacidade de parecer independente do governo, de parecer representar as convicções
espontâneas de indivíduos amantes da liberdade”.
O apoio a organizações privadas também estava previsto no Plano Básico de Operações contra o
Comunismo na América Latina de 1956, conforme demonstrado no capítulo 1. Essa orientação foi
novamente discutida pelo OCB durante uma reunião realizada em novembro de 1958, na qual Karl G.
Harr, Jr., vice-diretor do OCB e assistente especial do presidente Eisenhower para coordenação de
operações de segurança, defendeu que os Estados Unidos deveriam tentar exercer uma “maior
influência sobre grupos não-governamentais na América Latina, particularmente aqueles que moldam a
opinião pública”. John C. Hill, assistente de questões sobre comunismo do Bureau of Inter-American
Affairs, comentou que “esse problema estava sob ativa consideração” no Departamento de Estado
(Memorando, O’Connor para Rubottom, 26/11/1958). Em janeiro de 1959, o NSC formulou uma
orientação operacional (operational guidance), que seria aprovada no mês seguinte, para lidar com
questões que requeriam “ênfase especial e urgência”. Dentre elas, a criação de “maior consciência em
relação às ameaças específicas do comunismo sobre a América Latina, assim como à segurança
mundial, através da (...) exposição, principalmente sem atribuição ao governo dos Estados Unidos, das
atividades dos partidos comunistas locais e do bloco soviético” (Memorando, 22/01/1959).
A embaixada dos Estados Unidos reconhecia que parte importante de sua política para o Brasil
era executada de modo sigiloso, mesmo pelas agências que não operavam através dos mesmos métodos
utilizados pela CIA. Em março de 1959, o adido trabalhista John T. Fishburn preparou um memorando
para informar a nova embaixadora dos Estados Unidos no Brasil 726 sobre as políticas sindicais
coordenadas pelo representante do Departamento de Trabalho na embaixada do Rio de Janeiro.
Fishburn desejava esclarecer que, na sua opinião, o apoio norte-americano a entidades e indivíduos
anticomunistas no âmbito sindical deveria permanecer sigiloso, e não ostensivo, ao contrário do
procedimento adotado por Luce na Itália:

Apesar de adotarmos uma postura o mais útil e amigável possível com relação aos
anticomunistas no movimento sindical e no governo, a embaixada tem muito cuidado

726 Conforme apresentado no capítulo 2, naquele momento havia sido aprovada pelo congresso norte-americano a
indicação de Anne Clare Booth Luce para chefiar a missão diplomática no Brasil. Em sua experiência anterior como
embaixadora na Itália, Luce havia se notabilizado pela defesa de uma política ostensiva de combate aos comunistas.
446

para minimizar a publicidade destes vínculos. (…) eu sugiro que, neste momento, a
nossa melhor política para derrotar os comunistas no interior do movimento sindical
brasileiro seja o mais silencioso (quietest), porém sólido, programa de fortalecer os
anticomunistas, um programa que seja quase impossível de ser criticado publicamente
pelos nossos adversários. Isto nós temos feito através do nosso programa de
intercâmbio de lideranças sindicais, de oficiais de relações industriais de empresas
privadas, professores na área de relações industriais, oficiais de governo responsáveis
por questões sindicais, além de nosso programa de informação, o qual nós estamos
tentando ampliar com o aumento de publicações e disseminação de literatura, filmes e
contatos. Eu gostaria de sugerir, porém, que o governo dos Estados Unidos deve evitar
qualquer declaração pública que pareça indicar que estejamos tentando eliminar os
comunistas do movimento sindical brasileiro (Memorando, Fishburn para o
Departamento de Estado, s/d).

O ministro conselheiro da embaixada do Rio de Janeiro, Woodruff Wallner, encaminhou o


memorando de Fishburn para Clarence A. Boonstra, diretor do Office of East Coast Affairs do
Departamento de Estado. Wallner comentou que “seria provável que ela [Luce] perguntasse sobre a
viabilidade de adaptar à situação brasileira aquelas técnicas ostensivas” por ela utilizadas na Itália,
registrando: “John [Fishburn] e nós concordamos que no atual momento os nossos esforços terão
maior possibilidade de êxito se eles forem mantidos em segredo” (unpublicized) (Carta, 24/03/1959,
itálicos meus). Dentro dessa lógica de operação, situa-se a criação do IBAD. Seu diretor, Ivan
447

Hasslocher727, em memórias escritas na década de 1990728, afirma que o IBAD recebeu apoio financeiro
e operacional da CIA para as suas atividades, confirmando suspeitas que já existiam desde que a
organização foi criada. O IBAD viria a cumprir um papel importante para os interesses da
administração Eisenhower, condizente com o planejamento que ela fez para a América Latina,
apresentado no primeiro capítulo desta tese – e também do governo Kennedy, como será visto nos
próximos capítulos. A entidade era um grupo de ação, encarregado de encabeçar uma campanha

727 Ivan Hasslocher nasceu em 30 de dezembro de 1920 na casa de sua avó, Ambrosina Savard de Saint-Brisson Corrêa, a
Viscondessa de Sande, localizada no bairro Cosme Velho, cidade do Rio de Janeiro. Era filho de Laura Savard de Saint-
Brisson Corrêa Hasslocher – pianista e poeta, falava português, espanhol, italiano, francês e inglês – e do diplomata Paulo
Germano Hasslocher. Quando Ivan tinha dez anos de idade, a família se mudou para os Estados Unidos, onde Paulo iria
trabalhar como adido comercial da embaixada do Brasil em Washington DC. Ivan, que no Rio de Janeiro era educado em
casa, por professores particulares, passou a frequentar pela primeira vez uma escola. Seis meses após a sua chegada aos
Estados Unidos, Laura e Paulo Hasslocher se separaram. Laura e o filho logo se mudaram para Londres. Na capital da
Inglaterra, Ivan estudou na St. Paul’s School, uma escola tradicional na cidade. Em 1937, ele voltou ao Brasil para prestar
serviço militar (Carta, Ivan Hasslocher para sua filha, 1988). Dispensado do exército, retornou aos Estados Unidos, onde
seu pai ainda vivia. Em 1942, graduou-se na Foreign Service School da Georgetown University, a primeira escola nos
Estados Unidos criada para formação de diplomatas, fundada pelo padre jesuíta Edmond A. Walsh, em janeiro de 1919. Em
suas memórias, Hasslocher afirmou que nada aprendeu durante o seu período como estudante de graduação. Ele desprezava
o padre Walsh (“ele fazia um grande show de erudição enquanto disfarçava o que eu diagnostiquei como ignorância”) e o
curso era considerado por ele “uma piada”: “eu me graduei em nada, naquela cadeira de não-aprendizado, em junho de
1942” (HASSLOCHER, 1999). Em 1941, o Jornal do Brasil (14/09/1941) publicou uma reportagem sobre o “estudante
brasileiro em Georgetown”: “O estudante Ivan Hasslocher, que acaba de regressar para os Estados Unidos a fim de fazer o
último ano do curso de diplomacia (Foreign Service) da Universidade de Georgetown, em Washington, é um dos jovens
brasileiros que mais tem realçado o nome do nosso país nos centros universitários norte-americanos. Com vinte anos de
idade e de feitio reservado, discreto e modesto, ele vem sendo reeleito presidente de sua classe (…). Antes de sua partida
para o Rio, em junho deste ano, onde veio passar as férias, foi-lhe conferida a medalha de ouro da Universidade de
Georgetown. (…) É neto do notável parlamentar Germano Hasslocher [deputado pelo Rio Grande do Sul] e do grande
industrial Conde de Agrolongo, ambos falecidos”. José Francisco Correa, “Conde de Agrolongo”, português, era
proprietário da Fábrica de Fumos Veado (a mais importante empresa do gênero no século passado , fundada, em 1874, na
cidade do Rio de Janeiro)”, tendo sido também um dos pioneiros da fotografia amadora no Brasil (CONDE, 2019).
728 O livro de memórias, com 313 páginas, que não chegou a ser publicado, foi intitulado A Tidy revolution (Uma
revolução organizada). Ele foi enviado ao autor desta tese pela filha de Ivan Hasslocher. Nesse livro, Hasslocher conta que
recebeu uma indenização da CIA pelos serviços prestados à agência, no valor de cem mil dólares, pouco depois do golpe de
1964. Ele apresentou informações relevantes sobre a sua trajetória e as atividades do IBAD, mas deixou de mencionar
alguns personagens importantes, principalmente brasileiros, que colaboraram com o seu trabalho (possivelmente para
preservar a reputação deles). Pode-se questionar se tal omissão ocorreu por iniciativa exclusiva de Hasslocher ou a pedido
de seus ex-colaboradores, ou mesmo por imposição da própria CIA. Ele também escondeu a sua vinculação ao grupo de
empresários brasileiros representantes de interesses multinacionais e associados com o qual tinha relações muito próximas
desde o início da década de 1950 (o que se sabe por outras fontes). Hasslocher claramente utilizou uma estratégia de
segurança (e de “relações públicas”) típica do governo dos Estados Unidos: ele confirma certos detalhes que já haviam sido
denunciados publicamente há muito tempo, mas esconde outras informações que poderiam revelar a real dimensão das suas
atividades e, por consequência, expor o envolvimento mais profundo do governo norte-americano. Essa estratégia foi
utilizada pela CIA quando a agência se viu obrigada a reconhecer o seu envolvimento em ações contra os governos de
Árbenz, na Guatemala, de Fidel Castro, em Cuba, e contra Salvador Allende, muito antes de sua eleição à presidência do
Chile (ocorrida em 1971), porque isto se tornou um assunto público, de forte repercussão internacional à época. Inúmeros
documentos foram disponibilizados nas últimas décadas sobre a influência dos EUA nesses países, inclusive da CIA.
Contudo, não há praticamente nenhum documento liberado sobre ações encobertas da CIA (e de outras agências do governo
norte-americano) no Brasil, durante as décadas de 1950 a 1960. Ou seja, a agência libera cada vez mais documentos sobre
temas em que seu envolvimento foi revelado, mas dificilmente irá reconhecer a sua interferência em países como o Brasil, a
não ser que se veja obrigada a tanto. Em resumo, é preciso considerar criticamente todas as informações apresentadas por
448

executada em distintas frentes, visando influenciar a opinião pública com relação aos perigos
representados pelo comunismo e pelo nacionalismo. Sendo fundado no Brasil, por dirigentes
brasileiros, o IBAD fazia parecer que essa campanha era uma iniciativa local. Hasslocher tinha o perfil
adequado para ser o seu líder ostensivo.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Hasslocher trabalhou na embaixada norte-americana no
Brasil729 e, logo em seguida, no Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), criado em 1942 por Vargas
com apoio do governo dos Estados Unidos730. Inicialmente contratado como tradutor, Hasslocher
acabou sendo promovido e passou a fazer seguidas viagens a campo. Mas não demorou muito para que
ele se desse conta de que “o SESP, tragicamente, não estava fazendo nada de muito bom” 731.
Insatisfeito, ele afirma ter decidido pedir demissão e buscar “uma outra possibilidade de ajudar os
pobres”. E foi, então, buscar trabalho na United Nations Relief and Rehabilitation Administration
(UNRRA), especificamente no setor de Displaced Persons Operations. Hasslocher escolheu trabalhar
no setor da Alemanha sob dominação britânica. Ele acabou conquistando uma “elevada posição” na
organização, como chefe do setor de estatísticas732. Em 1947, a UNRRA encerrou as suas atividades e
Hasslocher, buscando confrontar suas afirmações com outras fontes.
729 Logo após a sua formatura em Georgetown, ele retornou ao Brasil para trabalhar na embaixada dos Estados Unidos no
Rio de Janeiro, como adido adjunto de questões de petróleo (Assistant Petroleum Attaché), indicado por um colega de
faculdade. “O escritório do Attaché estava envolvido com a busca de uma possível extração de petróleo, uma jazida de xisto
e com as estatísticas sobre as importações de petróleo do Brasil”, explicou Hasslocher, que exerceu a função “apenas por
alguns meses”. Ele fez questão de registrar: “os comunistas nunca descobriram que eu havia trabalhado para a embaixada
americana” (HASSLOCHER, 1999, p. 36).
730 O SESP foi criado em julho de 1942, ligado ao Ministério da Educação e Saúde, tendo “bastante autonomia, tanto
administrativa quanto financeira”. Inicialmente, um norte-americano era seu superintendente. Recebia financiamento
através do Institute of Inter-American Affairs (IIAA), criado pelo OCIAA (ver capítulo 4) para coordenar os acordos com os
países latino-americanos, referentes às iniciativas de saúde e saneamento. O acordo assinado entre o IIAA e o Brasil ficou
conhecido como “Acordo Bilateral de Saúde”. Ele atribuía ao SESP, entre outras coisas, o saneamento do vale do Amazonas
(BONINI, 2014). Conforme Campos (2008), “o SESP, na sua origem, esteve vinculado aos interesses militares dos Estados
Unidos, pois sua atuação voltou-se para o saneamento de regiões produtoras de matérias primas estratégicas, borracha do
vale amazônico e minério de ferro e mica do vale do Rio Doce”.
731 No SESP ele conheceu a sua futura esposa, Sheila Mulford, filha de um diretor de uma companhia siderúrgica britânica,
com quem viria a se casar em 1952.
732 Para esse emprego, Ivan contou com a ajuda de seu pai, o diplomata Paulo Hasslocher, que o indicou a Laurence
Duggan, chefe de questões latino-americanas do Departamento de Estado. Duggan o encaminhou para uma entrevista com o
departamento de pessoal da UNRRA. Hasslocher conseguiu com que Sheila, sua futura esposa, também fosse contratada
pela UNRRA, e ambos se dirigiram para a Alemanha, em 1943 (HASSLOCHER, 1999, p. 37-52). O Correio Paulistano
(19/01/1946) noticiou sua nova “missão”: “O sr. Ivan Hasslocher, de 25 anos de idade, filho do ministro do Brasil no
Panamá, foi nomeado chefe da Divisão de Estatística da UNRRA, na zona britânica de ocupação na Alemanha. Um dos
mais jovens elementos a ocupar uma posição de destaque na UNRRA, o sr. Hasslocher terá a seu encargo todas as
estatísticas e relatórios referentes à situação de quase meio milhão de pessoas deslocadas. (…) [Hasslocher] declarou, entre
outras coisas, o seguinte: ‘Sou o único brasileiro na zona britânica da Alemanha; O trabalho que vou executar não é, porém,
inteiramente novo para mim. Já executei um trabalho semelhante nos escritórios do coordenador de Assuntos
Interamericanos [OCIAA], no Rio de Janeiro. Os numerosos problemas psicológicos que talvez tenha de resolver na
Alemanha, auxiliar-me-ão provavelmente na minha futura carreira”. O sr. Hasslocher pretende eventualmente regressar ao
Brasil e ingressar na carreira diplomática. Declarou ainda que não se preocupa com o fato de ter que passar o inverno na
Alemanha”.
449

Hasslocher voltou para o Rio de Janeiro. Em outubro daquele ano, seu pai, Paulo Hasslocher, então
embaixador do Brasil no Panamá, enviou uma carta a Nelson Rockefeller que, naquele momento, como
visto no capítulo 4, estava criando a American International Association for Economic and Social
Development (AIA) e a International Basic Economy Corporation (IBEC):

Meu Caro Nelson Rockefeller. Eu instruí meu filho, Ivan, a concorrer a uma vaga na
sua nova organização no Rio de Janeiro. Ele retornou da Europa, depois de dois anos
na seção norte-americana da UNRRA, onde chegou à posição de chefe do Escritório de
Relações Públicas. Como você sabe, ele trabalhou previamente para a Rockefeller
Foundation no Rio de Janeiro e pediu demissão quando os norte-americanos
repassaram sua direção aos brasileiros 733. Antes daquele trabalho, Ivan trabalhou
durante um ano na embaixada norte-americana no Rio, na Divisão Comercial. Meu
filho é graduado pela Georgetown University com medalha de ouro. Ele fará 27 anos
no próximo dia 30 de dezembro. Eu estou escrevendo para solicitar seu apoio. É claro
que eu quero que você primeiro se informe sobre Ivan, através das seguintes pessoas:
Dr Osvaldo Aranha; embaixador Carlos Martins; embaixador Walter J. Donnelly
(Caracas)734; padre Edmund Walsh (Vice President, Georgetown University); João
Daudt de Oliveira735; Valentim F. Bouças (Carta, 10/10/1947).

A resposta de Nelson Rockefeller não tardou a ser enviada:

Caro Sr. Hasslocher. Obrigado por sua carta (…) referente a seu filho, Ivan. Nosso
representante no Brasil, Sr. D. W. Jackson, nos escreveu sobre o interessante encontro
que teve com seu filho, com o qual ele se impressionou muito. Infelizmente, no
momento não temos nenhuma vaga em que poderíamos aproveitar as qualificações
dele, mas certamente teremos prazer de mantê-lo em mente (Carta, 24/10/1947).

733 Paulo Hasslocher provavelmente se referia ao SESP.


734 Walter Joseph Donnelly (1896-1970). Entre 1919 e 1921, estudou na School of Foreign Service da Georgetown
University (o mesmo curso que Hasslocher frequentaria vinte anos depois). Enquanto esteve na universidade, Donnelly
trabalhou para o FBI. Depois, foi agente especial do Departamento de Justiça, por um ano. Em 1923, tornou-se agente
comercial do Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Atuou no Canadá entre 1924 e 1927. Assumiu seu primeiro
posto no Departamento de Estado em 1929, como adido comercial à legação dos Estados Unidos em Bogotá, Colômbia. O
ministro norte-americano que chefiava a legação era Jefferson Caffery, a quem Donnelly acompanharia por dezesseis anos,
incluindo o período em que Caffery foi embaixador no Brasil (1937-1944). Em 1942, trabalhando no Rio de Janeiro,
Donnelly foi promovido a conselheiro sobre assuntos econômicos da embaixada, assumindo importante papel na
coordenação esforços de guerra do Brasil e Estados Unidos. (USA, Biographic register 1950-1951, p. 139; The New York
Times, 13/11/1970). Foi nesse período que Hasslocher trabalhou na embaixada norte-americana no Brasil, como Assistant
Petroleum Attaché (HASSLOCHER, 1999).
735 Como informado no capítulo 6, as famílias Daudt e Hasslocher foram próximas por mais de uma geração. Nessa época,
João Daudt d’Oliveira, organizador do CONCLAP em 1945, ainda estava à frente da Associação Comercial do Rio de
Janeiro, era presidente da Seção Brasileira do CICYP e diretor da Companhia de Gás Esso, subsidiária da Standard Oil no
Brasil, como visto na Parte II desta tese.
450

Hasslocher afirma, em suas memórias, que ficou sem emprego por quase quatro anos (entre
1947 e 1951), até “ser salvo por um ex-colega de Georgetown”, John Korba 736, que veio para o Brasil
como representante da fabricante de pneus Kelly e que “possuía um escritório na sede da Atlantic
Refining Company, com a qual a Kelly Tires era conectada”737. Naquele momento, um funcionário do
departamento de propaganda da Atlantic, Frutuoso Osório Filho, teria lhe informado que a empresa
desejava contratar uma firma para executar o seu serviço de promoção de vendas. Hasslocher relata que
decidiu criar tal empresa, pedindo duzentos e cinquenta dólares emprestados para sua mãe, para abrir
um pequeno escritório no Rio de Janeiro. Osório Filho teria sugerido o nome da empresa – Promotion –
passando a trabalhar com Hasslocher, iniciando uma relação que duraria por muitos anos
(HASSLOCHER, 1999, p. 126-7). No curriculum vitae de Hasslocher (parte de seu acervo pessoal)
consta que a Sociedade Anônima Incrementadora de Vendas Promotion foi fundada em 1947, o que
contradiz a informação de que ele teria ficado “sem emprego por quase quatro anos”. Mas, de acordo
com os registros do Diário Oficial da União, a empresa foi oficialmente criada apenas em 1951738.
Ainda conforme esse currículo, a Promotion “tornou-se possivelmente a maior agência de
publicidade do Brasil, com departamentos especiais adicionais voltados para a área de marketing,
promoção de vendas, relações públicas e para o treinamento de equipes dos clientes. Estes incluíam a
Orange Crush739, a Brown-Boveri740, a Encyclopaedia Britannica, a Bayer, a Atlantic Refining, a

736 Em 1958, Korba tornou-se gerente geral da Columbia Discos do Brasil (filial da Columbia Records) (O Jornal,
25/03/1958).
737 A Atlantic Refining Company of Brazil foi a quarta distribuidora de combustíveis a se fixar no Brasil. Sua instalação foi
oficialmente autorizada em maio de 1922, durante o governo de Epitácio Pessoa. Na década de 1950, era a terceira maior
distribuidora de gasolina, e a segunda na produção de óleos lubrificantes de motores (sendo o Atlantic Premium Motor Oil,
o mais famoso deles). Era também uma das maiores produtoras de baterias e óleos industriais do país (SINDICOM, 2010).
738 Talvez Hasslocher já estivesse realizando algum trabalho, que não quis revelar em suas memórias, desde 1947. Embora
não tenham sido encontradas outras informações a respeito dessa hipótese, sabemos que o campo das “relações públicas” e
da propaganda, onde Hasslocher atuaria, era também de interesse para as ações de propaganda da embaixada dos Estados
Unidos, assim como das empresas norte-americanas no Brasil (com as quais ele reconhecidamente trabalharia na década de
1950). Nas memórias de Hasslocher, ele não apresenta nenhum esforço de seu pai, bem relacionado entre os empresários
brasileiros, para ajudá-lo a conseguir uma colocação no mercado de trabalho. Talvez em função de sua relação com seu pai,
talvez porque buscava não revelar o que de fato ocorreu nesse período de sua vida. No momento, restam apenas
especulações sobre essa parte de sua trajetória. Para maiores informações sobre a Promotion, ver FICHA em anexo.
739 A Crush Indústria de Concentrados Ltda. representava no Brasil a Interamerican Orange Crush Co., dos Estados Unidos
que, naquele momento, era a empresa que mais industrializava a laranja brasileira. Em 1951, segundo seu diretor informou
ao jornal O Globo, a empresa estava desenvolvendo uma intensa atividade que iria aumentar o consumo de refrigerantes à
base de laranja, implicando no incremento de sua industrialização. Já funcionavam no país quatro fábricas engarrafadoras
do refrigerante Crush: no Rio, em São Paulo, Salvador e Recife. Achavam-se em fase de montagem as fábricas de Porto
Alegre e Bauru, tendo sido iniciados os entendimentos para a fundação de outras em Fortaleza e Curitiba ( O Globo,
14/05/51).
740 “Empresa suíça fabricante de equipamentos elétricos e ferroviários fundada em 1891, (...) presente no Brasil desde a
década de 50, tendo participado do fornecimento de equipamentos para grandes obras públicas, inclusive os geradores da
usina hidrelétrica de Itaipu – os maiores do mundo até então”. Informação disponível em:
https://www.lexicarbrasil.com.br/brown-boveri. Acessado em dezembro de 2019.
451

Mercedes-Benz (a maior conta de publicidade no Brasil), a American and Foreign Power, a Condoroil
Tintas741, a Carborundun [fábrica de abrasivos] e muitas outras”. Segundo Hasslocher relatou em suas
memórias, outro importante cliente da Promotion foi a Texaco do Brasil 742, cujo diretor era Gilbert
Edward Strickland (Diário de Notícias, 09/09/1955), considerado por ele como “um homem muito
bom”, que o “honrava com a sua amizade”. O filho de Gilbert, Frederick William Strickland, também
era seu amigo743 (HASSLOCHER, 1999, p. 128-130). A conexão da Promotion com o IBAD era
profunda:

O IBAD, cujos diretores são participantes de uma agência de publicidade denominada


S. A. Incrementadora de Vendas ‘Promotion’, utiliza, mediante preço fixo anual, os
serviços e instalações desta, de modo que o IBAD não possui empregados próprios,
não paga aluguel e tem, na colocação de material na imprensa falada e escrita, os
benefícios que advêm de se fazer tal colocação através de uma agência de publicidade,
sem pagar a elevada comissão normalmente cobrada. Essa forma de operar
proporciona grande economia ao IBAD (Dossiê DOPS, 18/10/1963).

Em 1955, Hasslocher e Osório Filho ainda fundariam a Publicidade Direct-Mail S. A.,


responsável por serviços de propaganda direta. Segundo Hasslocher, ela foi a primeira empresa do
Brasil no ramo (HASSLOCHER, 1999, p. 180). De acordo com ata de uma assembleia geral da Direct-

741 A maior cliente da Promotion, segundo Hasslocher, era a empresa Tintas Ypiranga, a maior companhia do setor no país
à época, que ficou encarregada pelo fornecimento das tintas para a pintura de todos os prédios de Brasília, que estava sendo
construída (HASSLOCHER, 1999, p. 149)
742 Segundo Nelson Varon Cádena, autor do livro Brasil 100 anos de propaganda, “desde quando João Lyra, o gaúcho
genial, distribuía brindes em animados corsos e manifestações de rua para promover o Bromil e A Saúde da Mulher, em
inícios do século, técnicas de promoção seriam implementadas entre nós, todos os dias, a partir da invasão de produtos
americanos e o velho know- how dos fabricantes de remédios e exportadores de fumo. Promoções, em todo caso, limitadas a
nichos de mercado muito específicos. Até a chegada no país, pouco depois do final da segunda grande guerra, do Eduardo
Alves, um Português e do Ivan Hasslocher, nascido no Rio por acaso, mas de residência itinerante, filho de embaixador que
era. Alves e Hasslocher um dia tornariam-se sócios na Promotion, empresa especializada em promoção de vendas e
particularmente em marketing direto, a reboque da Texaco para quem expedia 100.000 malas diretas/ano. (…) Bartolomeu
[Barthélemy] Beer e Lothar Sussmann também são referências desta iniciativa pioneira. Mas seria um baiano, João Agripino
da Costa Dória, o maior promotor de vendas, o Rei da área, no seu empenho para implementar no país as técnicas que,
então, davam certo nos Estados Unidos. Em 1948 Dória, funcionário da Standard, introduzia a data promocional do ‘Dia das
Mães’ e mais tarde do ‘Dia dos Namorados’” (“Os reis da promoção”, verbete do Almanaque da Comunicação). Esse
almanaque, lançado online em 2010, tinha um “acervo sobre memória da imprensa e da propaganda, com mais de 1,8 mil
páginas” (Correio24horas, 25/03/2010). Ele já não está mais disponível. O verbete “os reis da promoção” foi consultado em
junho de 2016 e salvo em meus arquivos pessoais.
743 Gilbert Strickland foi presidente da American Chamber of Commerce do Rio de Janeiro em 1943, período em que a
entidade colaborava com o OCIAA, como visto no capítulo 4 (Brazilian Business, 2015, p. 14). Gilbert e Frederick eram,
respectivamente diretor-tesoureiro e diretor consultivo da Refrigerantes do Brasil S.A., presidida por Ralph H. Greenwood
(Jornal do Comércio, 21/04/1960). Greenwood, como visto acima, era um dos integrantes do Comitê de Relações Brasil-
Estados Unidos da Câmara Americana de Comércio no Brasil.
452

Mail, a direção da companhia ficou a cargo de Barthélemy Beer. Os demais integrantes eram Ênio Luís
Leitão, Eduardo Antônio de Oliveira Alves, Edgard Clifford Crosby Jr. e Edward Tompkins 744,
identificado como diretor-tesoureiro em 1956 e 1957 (Correio da Manhã, 18/04/1957). Através dessa
empresa o IBAD faria a distribuição de suas publicações745 (HASSLOCHER, 1999, p. 182).
Durante o processo de expropriação da Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense (CEE) –
que pertencia às Empresas Elétricas Brasileiras, subsidiária da American & Foreign Power – apoiado
pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, a Promotion foi contratada para prestar
serviços de relações públicas à empresa norte-americana746. O seu envolvimento com a campanha
contrária à encampação motivou a abertura de um escritório da Promotion em Porto Alegre. Hasslocher
relata que o seu trabalho junto às Empresas Elétricas Brasileiras o fez “despertar para o perigo

744 Edward Browne Tompkins era o representante no Brasil dos refrigerantes Orange Crush, cliente da Promotion. Ele teria
sido apresentado a Hasslocher por John Korba. Tompkins nasceu em 03/01/1914 no estado do Wisconsin, nos Estados
Unidos, e faleceu no Rio de Janeiro, em 2002 (Jornal do Brasil, 31/01/2002). Ele era casado, desde pelo menos 1937, com
Marinette Bouças Tompkins, com quem teve três filhos. Ela era filha de Francisco Bouças e irmã de Valentim Bouças
(apresentado no capítulo 4). Marinette e Edward se separaram (data incerta) e ele casou novamente, com a francesa Jeanne
Aron. Em 29/01/1946, Tompkins ingressou no Brasil como soldado a serviço dos EUA, desembarcando em avião militar em
Natal. Sua permanência definitiva no Brasil foi autorizada em 15/05/1946 (Prontuário de registro de estrangeiro, Arquivo
Nacional, 1946).
745 Além da revista Ação Democrática, que será analisada adiante, o IBAD distribuiu outras publicações: “De 17 a 22 de
abril de 1961, realizou o IBAD, no hotel Glória do Rio de Janeiro, um simpósio sobre Reforma Agrária, cujos resultados,
representativos do pensamento democrático, foram compendiados na publicação do IBAD ‘Reomendações sobre reforma
agrária’, cujo principal redator foi o professor José Artur Rios. Outra publicação do IBAD foi [a tradução de] ‘O Assalto ao
Parlamento’ de Jan Kozak, que já está na segunda edição e, por iniciativa própria, foi publicado também por ‘O Globo’.
Essas duas edições, ambas de 1962, foram dos atos que mais contribuíram para a animosidade que lhe dedica o comuno-
nacionalismo” (Dossiê DOPS, 18/10/1963).
746 De acordo com reportagem de Edmar Morel publicada no jornal O Semanário (23-29/05/1959), a encampação oficial
da CEE ocorreu em maio de 1959. Entretanto, o debate sobre os serviços prestados pela companhia no estado vinha
ocorrendo desde o início de 1958, uma vez que se aproximava o prazo final do contrato de cessão da exploração de energia
pela CEE, autorizado em 1928 com término em julho de 1958. Assim, formou-se uma comissão da Câmara de Vereadores
de Porto Alegre para estudar a situação da CEE. De acordo com Morel, “a comissão verificou que a CEE (…) funcionava
mal e porcamente, com condições precaríssimas, aparelhamento deficiente, péssimas instalações, e 90% da energia elétrica
consumida por instalações estaduais”, com a subsidiária da American & Foreign Power “limitando-se ao papel de simples
distribuidores, isto é, revendiam a energia elétrica produzida pelo Estado”. A comissão provou que a empresa norte-
americana, “com os lucros obtidos, recuperou o seu investimento inicial e, no caso de encampação, nada teria a receber”.
No entanto, o governador Ildo Meneghetti (1955-1959) decidiu não encampar a empresa. Morel relata que o ministro da
agricultura, em setembro de 1957, “designou uma Comissão de Tombamento para realizar uma investigação contábil da
CEE, em face do contrato da CEE terminar em julho de 1958”. A comissão, porém, foi anulada, segundo Morel, por
interferência de Eugênio Gudin e Raul Fernandes, que agiam em nome dos interesses da American & Foreign Power. Ao
longo de 1958, “por várias vezes o assunto foi debatido pelo Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica”, chefiado pelo
general Pio Borges, favorável à encampação. Na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, o deputado major Pedro
Alvarez solicitou a formação de uma comissão para estudar o tema de maneira definitiva. Morel também menciona a
ocorrência de diversos comícios em Porto Alegre e Canoas, cidade da região metropolitana da capital gaúcha, em defesa da
estatização da empresa. Porém, foi feita “toda sorte de pressões contra o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica” e
também contra o deputado Alvarez para impedir a encampação da CEE, até que, no dia 08 de maio de 1959, uma resolução
assinada pelo referido conselho declarou “conveniente e oportuna a encampação da CEE pelo governo do Rio Grande do
Sul”. Leonel Brizola, que havia assumido como governador em janeiro de 1959, confirmou a resolução do Conselho
Nacional de Águas e Energia Elétrica.
453

comunista”. Neste momento, ele afirma que “acordou e pulou da cama”, passando a se envolver com
política:

Em um curto período de tempo, eu me convenci de que Moscou havia novamente


decidido adicionar o Brasil às suas muitas aquisições de nações. Alguém precisava
fazer alguma coisa para prevenir que isso acontecesse. Na época, não me ocorria que
eu seria o responsável por fazer esta coisa. Eu pensava que eu devia disseminar a ideia
até que ela atingisse alguém com o poder e os meios necessários para agir e derrotar a
agressão que eu previa. Eu passei a ficar conhecido nas festas – as quais eu ia apenas
nas noites de sextas e sábados – por minha fixação com o comunismo. As pessoas se
referiam a mim como o homem que via comunistas debaixo da cama (HASSLOCHER,
1999, p. 163-5).

De acordo com o relato de Hasslocher, em uma determinada noite, ele “se viu” conversando
com “um bom homem”, John P. McKnight, o chefe da USIS da embaixada do Rio de Janeiro.
Novamente, falou sobre o comunismo, esperando uma reação negativa do oficial da USIA. Mas, para
sua surpresa, McKnight teria solicitado que ele escrevesse um paper sobre o tema. Dois dias depois
desse encontro, Hasslocher entregaria o paper solicitado para McKnight, em um almoço no American
Club do Rio de Janeiro747. O representante da USIA teria dito que iria mostrar o texto “a pessoas que
pudessem se interessar” pelo assunto. Hasslocher considera este encontro com McKnight “um evento
crucial para a revolução” de 1964. Alguns dias depois ele estava em São Paulo “para a inauguração de
uma fábrica da Brown-Boveri” e teria recebido um telefonema de McKnight, solicitando que ele fosse
ao Rio para encontrar “um cavalheiro dos Estados Unidos que queria vê-lo”. Tratava-se de Herbert
Hoover, Jr, que foi subsecretário de Estado entre outubro de 1954 e fevereiro de 1957
(HASSLOCHER, 1999, p. 166-7). Em que ano esse encontro teria ocorrido?
Não é muito clara a cronologia apresentada por Hasslocher em relação aos fatos que levaram à
criação do IBAD. Em vários momentos de seu texto ele reconhece que sua memória era traiçoeira.

747 Fundado em 1955, sob os auspícios da Câmara do Comércio Americana, o clube ocupava três andares no edifício de nº
80, na Avenida Rio Branco, centro do Rio de Janeiro, em cujo térreo funcionava o Banco do Canadá. Em 1961, o então
secretário do clube, William Embry, contou a um jornalista do Correio da Manhã que, “com o dinamismo de Maurice W.
Johnson”, diretor da Esso, “foi possível dar corpo à ideia de sua criação”. Outro fundador destacado foi Olavo Egídio de
Souza Aranha, presidente da firma Monteiro Aranha S.A., proprietário do edifício onde o clube estava situado. O clube era
inicialmente composto por 289 americanos, 205 brasileiros, 24 ingleses, 12 suíços, 7 argentinos e mais alguns membros de
outras nacionalidades. Em 1961, o presidente era Harry Hollmeyer, o vice era Robert J. Poor, alto funcionário da Atlantic
Refining Co, e o 2º vice era Adolfo Gentil, deputado federal pelo PSD do Ceará (Jornal do Brasil, 25/08/1955; Correio da
Manhã, 20/08/1961). Em 1957, Gentil integrou a Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para investigar as
atividades políticas da Esso e da Shell no Brasil (DHBB, Verbete biográfico).
454

Segundo informações levantadas no site da ABB, empresa que comprou a Brown-Boveri em 1988, sua
primeira fábrica no Brasil foi inaugurada na cidade de Guarulhos (SP), em 1954; a segunda, em Osasco
(SP), em julho de 1957748. John McKnight estava no Brasil desde abril de 1957, permanecendo no país
até o início de 1959. Não há registro, na imprensa, de uma visita de Hoover Jr. ao Brasil em 1957, mas
três de suas vindas ao país, em junho749, julho750 e novembro751 de 1958, receberam cobertura dos
jornais. Em 19 de novembro de 1958, Hoover Jr. esteve no Palácio das Laranjeiras “em palestra com o
presidente da República”, Juscelino Kubitschek. “Embora nada fosse divulgado da palestra mantida
entre o industrial e o presidente Kubitschek”, noticiou um jornal, “apuramos que o assunto tratado dizia
respeito ao problema da indústria petrolífera” (Última Hora, 20/11/1958).
O Diário Carioca, a Tribuna da Imprensa e o Diário da Noite (28/11/1958) registraram que
Hoover Jr. foi recebido “pelo presidente da república e visitou diversos dos nossos ministros de
Estado”, acrescentando que ele continuava “emprestando até hoje a sua cooperação [com o governo
dos EUA] na qualidade de conselheiro do Departamento de Estado”. O Diário da Noite informou que
Hoover Jr. havia sido recentemente eleito para integrar a diretoria da Lockheed Aircraft Corporation, a
maior fabricante de aviões da época, e que ele foi recebido com um coquetel organizado pela
companhia no Rio de Janeiro, ao qual compareceram “altas autoridades e figuras de nossa sociedade”
(28/11/1958)752.

748 A história da empresa no Brasil está descrita em seu sítio eletrônico: www.abb.com.br. Acessado em novembro 2019. A
inauguração da fábrica de Osasco, em julho de 1957, foi noticiada nos jornais: “Inaugura-se no próximo dia 25 a fábrica de
material elétrico pesado da Indústria Elétrica Brown Boveri, em Osasco. O acontecimento reveste-se de importância,
visando atender às necessidades do Plano Nacional de Eletrificação. (…) À inauguração deverão estar presentes altas
autoridades federais, estaduais e municipais, e personalidades do mundo financeiro do país” (Correio Paulistano,
17/07/1957).
749 O embaixador Ellis O. Briggs iria oferecer um jantar a Hoover Jr., no dia 02 de junho, de acordo com o Diário Carioca
(23/05/1958).
750 Em sua segunda visita, o Correio da Manhã (23/07/1958) destacou que “a última viagem dele [Hoover Jr.] ao Brasil, há
poucos dias, teria passado despercebida, não fosse o aparecimento de certas notícias de imprensa”. Considerado pelo jornal
“um homem naturalmente discreto”, Hoover Jr. declarou que veio ao Brasil “voltado exclusivamente para os temas técnicos
de sua especialização” enquanto “consultor técnico da M. A. Hanna Company, que recentemente adquiriu o controle da St.
John Del-Rey Mining Co., a fim de estudar a natureza das jazidas de minério da empresa em Minas Gerais”.
751 Em novembro de 1958, um repórter do Correio da Manhã esteve no aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro e noticiou a
chegada de Hoover Jr. ao Brasil da seguinte forma: “o sr. Herbert Hoover Júnior preferiu manter silêncio em torno dos
objetivos de sua visita ao Brasil, sendo, inclusive, o primeiro que deixou o aeroporto”: ‘vim a passeio e para rever amigos,
devendo ficar no Brasil três semanas’” (Correio da Manhã, 11/11/1958). Outros três jornais, apresentando fotos diferentes
da chegada de Hoover Jr., divulgaram que a sua visita era apenas para descansar e rever amigos (Diário de Notícias, Última
Hora, 11/11/1958).
752 Recorde-se que, como visto no 2, Hoover Jr. teve envolvimento com o SIS/FBI durante a Segunda Guerra Mundial.
Além disso, assessorou diversos países na elaboração de sua legislação relacionada à exploração de petróleo, tendo se
envolvido em uma tentativa frustrada de evitar uma legislação de inspiração nacionalista no Brasil, no final da década de
1940. Também é importante lembrar o que foi informado no capítulo 6: em agosto de 1955, tinha chegado a Hoover Jr.
(depois de passar pelo embaixador James Dunn e pelo secretário de Estado adjunto, Henry Holland), a proposta apresentada
por Jacy Magalhães e Henriqueta Buarque de Macedo à embaixada norte-americana, de “criar uma organização permanente
455

As informações reunidas levam a concluir que, ou Hasslocher não estava em São Paulo, na
inauguração da fábrica da Brown Boveri, que ocorreu em 1957, quando foi chamado para se encontrar
com Hoover Jr., ou este, que era “um homem naturalmente discreto”, veio ao Brasil em 1957, sem
chamar atenção da imprensa. Isso, é claro, se a história apresentada por Hasslocher não ocultou mais
detalhes importantes. Dessa maneira, ainda resta indefinida a data precisa em que foi tomada a decisão
de se criar o IBAD. Hasslocher afirma que teve um encontro a sós com Hoover Jr., em uma sala da
embaixada norte-americana no Rio de Janeiro. O ex-subsecretário de Estado teria gostado do paper
escrito por ele, observando, contudo, que não era apresentado nenhum curso de ação concreto para
“lidar com o problema da infiltração comunista”.
Dois dias depois, Hasslocher teria se reunido novamente com Hoover Jr., que desta vez estava
acompanhado de alguns executivos da Hanna Company753, no Copabacana Palace Hotel. Nesta ocasião,
segundo Hasslocher, Hoover Jr. disse que havia recomendado ao diretor da Hanna no Brasil, John W. F.
Dulles, que utilizasse os serviços de propaganda e relações públicas da Promotion 754. Eles teriam
passado horas discutindo os planos de ação apresentados por Hasslocher. Este, embora não tenha
mantido uma cópia do plano de ação, para que ele não caísse “em mãos erradas”, o descreveu em linhas
gerais em suas memórias:

para levar adiante o trabalho educativo sobre o petróleo” e realizar uma “operação de propaganda” que teria, como “grupos-
alvo mais importantes”, os estudantes e os militares, juntamente com a imprensa e o público brasileiro em geral, utilizando
“técnicas especiais”. Uma das ações envolveria a publicação de uma revista mensal, que seria “distribuída gratuitamente
para membros das Forças Armadas, do Judiciário, membros do Congresso e profissionais”. (Memorando, 19/08/1955).
Trata-se de uma proposta muito semelhante, como veremos, ao trabalho que seria executado pelo IBAD a partir
(oficialmente) de 1959.
753 Em 2006, Luís Nassif escreveu sobre a empresa: “Hoje em dia, a mineradora Hanna Mining é um retrato na parede.
Suas minas nos EUA perderam competitividade, no mesmo ritmo da perda de competitividade das siderúrgicas americanas.
A empresa tentou mudar para o setor químico, fez a conversão. Há alguns anos, foi adquirida por um outro grupo. Até os
anos 60, sua influência sobre o Partido Republicano foi enorme e interferiu em muitas decisões do governo norte-americano
em relação ao Brasil. Uma das músicas favoritas do Centro de Cultura Popular da União Nacional dos Estudantes, nos anos
60, aliás, era uma paródia do ‘Barracão’ – ‘de zinco, sem telhado’, porque o zinco a Hanna levou. (…) A Hanna foi criada
no século 19 pelo senador Marcus Alonzo Hanna (1837-1904), de Cleveland. Em 1885, reorganizou a firma, que passou a se
chamar M.A. Hanna & Co. e, além da mineração, explorava estaleiros, navios, bancos, construção de linhas de bonde, a
ópera de Cleveland e o jornal "Cleveland Herald". Em fins dos anos 50, a Hanna decidiu entrar em Minas Gerais, liderando
um consórcio de investidores que adquiriu o controle da ‘The Association for Working the Mines of São João d'El Rey
Mining Company’, associação constituída em 1830 para explorar minas em São João Del Rey e São José, nas serras do
Bonfim e do Lenheiro, em Minas Gerais (…). Nos anos 60, a fama da Hanna pioraria no país devido ao estilo do seu então
presidente, o brasilianista John Foster Dulles Jr., erudito e truculento como o pai – secretário de Estado de Eisenhower. Só
após Lucas Lopes assumir a presidência da Hanna no Brasil a empresa começou a se civilizar. Provavelmente porque seu
tempo político já se esgotara, tanto aqui quanto nos EUA” (Folha de São Paulo, 22/01/2006).
754 Como visto no início do capítulo, Foster Dulles foi um dos convidados a palestrar no comitê da Câmara Americana de
Comércio sobre “formas para melhorar as relações Brasil-Estados Unidos”. A filha de Hasslocher contou que “Jack” Dulles
e Ivan tornaram-se grandes amigos, chegando inclusive a serem vizinhos de porta em Austin, no Texas, onde Ivan moraria
no final de sua vida. Segundo ela, Dulles possuía uma cópia das memórias não publicadas de Hasslocher (Doris Hasslocher,
entrevista com o autor, outubro de 2016).
456

Começando pela apresentação do sucesso da infiltração comunista no Brasil, eu


mencionei que poderia ter um sucesso ainda maior em pregar o anticomunismo porque
era mais fácil acreditar na verdade do que em mentiras. Assim como os comunistas
construíram uma atmosfera de aprovação do comunismo, eu poderia substituir esta
atmosfera oferecendo ao meu país o louvor mais saudável da liberdade e da
democracia. Nós devemos tentar converter os grupos influentes do Brasil: os militares,
os políticos, a igreja, os capitalistas, a classe média, as classes baixas, os estudantes e
os professores. Nós podemos fazer isso utilizando a mídia: jornais, rádio e televisão.
Nesta área, sem muita confiança na orientação política dos jornais e outras mídias, eu
sugeri que nós publicássemos um “boletim” próprio e organizássemos programas de
rádio e televisão próprios. Este foi em essência o conteúdo de minhas sugestões ao sr.
Hoover (HASSLOCHER, 1999, p. 171-2).

Hasslocher conta que nunca mais encontrou com Hoover Jr., nem ouviu falar dele. Mas relata
que, “um dia”, foi convidado para almoçar no American Club do Rio de Janeiro – mesmo local em que
seu reuniu com McKnight para lhe entregar o paper – com um velho amigo seu, chamado William
“Don” Donald Rendall755. Don, que era casado com uma amiga de infância da esposa de Hasslocher,
teria lhe surpreendido com uma mensagem de Hoover Jr.: “um instituto dos Estados Unidos” iria
financiar as atividades anticomunistas propostas por Hasslocher. Ele logo concluiu que “não seria
financiado por nenhum instituto, mas pela Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos,
conhecida como CIA”756. Rendall teria lhe dito que “pessoas dos Estados Unidos” iriam procurá-lo para
discutir os planos de combate ao comunismo. Quando estas pessoas vieram ao seu encontro,
Hasslocher perguntou “se eles eram da CIA”. E eles “disseram que sim”. Então tiveram “uma boa
convivência juntos” (HASSLOCHER, 1999, p. 174). O diretor do IBAD (Id., p. 246) também relata
que, durante uma viagem a Washington, conheceu J. C. King, o chefe do setor clandestino da CIA para
a América Latina (ver capítulo 3), de quem se tornou “amigo à primeira vista”. Nessa passagem pelos
Estados Unidos, ele também teria feito uma palestra para homens da CIA sobre a situação do Brasil.
Sentindo-se parte de uma luta internacional, Hasslocher não via problemas em receber apoio norte-
americano para interferir nas lutas políticas que se desenvolviam no Brasil:

755 William Donald Rendall nasceu em 27/05/1921 no estado de Maryland, nos Estados Unidos, e faleceu em março de
2003. Seu nome aparece em uma lista de membros da academia naval dos Estados Unidos dos anos de 1944 e 1945 (USA,
Annual Register, US Naval Academy, 1944-5, p. 16). Ele chegou ao Brasil em 1947. Nessa época, informava ser funcionário
do escritório J. F. Sachs (Prontuário de registro de estrangeiros, AN, 1947).
756 Hasslocher afirma que tinha procurado “muitos capitalistas” para solicitar apoio financeiro, mas de todos tinha recebido
uma resposta negativa. Acompanhado do diretor de propaganda das Empresas Elétricas Brasileiras, seu amigo Grant Keener
– que trabalhou no setor de informações da Divisão Brasileira do OCIAA (LEMOS, 2019) – ele havia solicitado uma
contribuição à empresa, mas o pedido teria sido recusado. Gilbert E. Strickland, diretor da Texaco do Brasil, embora
solidário à causa de Hasslocher, também teria negado apoio (HASSLOCHER, 1999, p. 174). É possível que as empresas
tivessem a orientação de evitar apoio direto, que pudesse ser facilmente descoberto.
457

Eu gostaria de enfatizar que eu não tive a menor crise de consciência (I had not the
slightest qualm) em receber dinheiro dos Estados Unidos. Nunca me passou pela
cabeça nem por uma fração de segundos que eu estava fazendo alguma coisa errada.
Eu estava fazendo algo absolutamente correto. Eu sabia disso naquela época e sei disso
hoje. Os Estados Unidos eram um país generoso. Se eles estavam oferecendo dinheiro
para prevenir a tomada do Brasil pelo comunismo, eles estavam salvando milhões de
vidas de meus compatriotas. Nunca me ocorreu de me sentir envergonhado por isso.
Além disso, os Estados Unidos deram dinheiro ao Brasil por muitos anos, para projetos
como represas ou pontes ou qualquer outra coisa solicitada por algum presidente que
pegava uma parte da doação para si próprio. Eu sabia que os comunistas, vestidos com
os trajes do nacionalismo, à época considerado sinônimo de patriotismo, eram 100%
financiados pela União Soviética. O objetivo da União Soviética era dominar o Brasil,
para escravizá-lo do mesmo modo como havia feito com Cuba. Isto é de fato um
método repugnante, receber dinheiro do exterior para destruir um país. É algo nobre
receber dinheiro do exterior para salvar um país da destruição (HASSLOCHER, 1999,
p. 174).

8.6 Primeiras ações do IBAD

O primeiro projeto do IBAD foi a revista Ação Democrática, publicada entre junho de 1959 e
dezembro de 1963. Ela era enviada a congressistas, sedes de governos estaduais prefeituras de todo o
Brasil, a militares de todas as patentes, professores, padres, advogados, dentistas, médicos, qualquer
profissional que “tivesse uma sala de espera onde muitas pessoas teriam acesso à revista”
(HASSLOCHER, 1999, p. 177-180):

Meu primeiro editor foi Sérgio Macedo. (…) O editor seguinte foi Gladstone Chaves
de Mello, o líder de um pequeno partido político que eu tentei inflar, o PDC [Partido
Democrata Cristão]757. Junto com ele, adotei como consultor um outro famoso católico
do Rio de Janeiro: Gustavo Corção 758 (…). Gladstone me pediu para dar emprego a seu
irmão, Gabriel. (…) Eu o mantive comigo até o fim. (…) O melhor editor que eu tive
foi Fábio Alves Ribeiro (HASSLOCHER, 1999, p. 184-186).

Sobre a revista, Sodré (1999, p. 430) escreveu:

757 Falaremos sobre o envolvimento do IBAD com partidos políticos no capítulo 10. Interessante observar, conforme visto
no capítulo 3, que Bina Kiyonaga, esposa do operativo da CIA Joseph Kyionaga do consulado de São Paulo, também
menciona esforços da CIA para influenciar o PDC.
758 O genro de Gustavo Corção, Vicente Barreto, foi secretário da revista Ação Democrática e traduziu a obra O assalto ao
parlamento, distribuída pelo IBAD. Falaremos sobre Barreto no capítulo 10.
458

O IBAD editava um boletim, sob o título Ação Democrática, impresso na oficina que
confeccionava as Listas Telefônicas da Light, para distribuição gratuita: era bem
impresso, em papel acetinado, e tiragem apregoada de 210.000 exemplares. Esse
boletim apregoava: “O poder econômico que é preciso destruir é, antes de mais nada, o
que se encontra em mãos do governo, através dos Institutos de Previdência, do Banco
do Brasil, da Petrobrás, da Cia. Siderúrgica Nacional”. Levava ao pelourinho os
poucos jornais que apoiavam os candidatos populares, como Última Hora, publicando
a lista de nomes das firmas que ainda ousavam anunciar nesses jornais, sob o título:
“As classes produtoras e o financiamento do comunismo” 759.

Em suas memórias, Hasslocher relata que, no final da década de 1990, foi ao Arizona visitar um
amigo norte-americano, chamado Roger Ross. Este, segundo ele, foi diretor gerente dos serviços de
impressão que produziram a revista:

Eu lhe perguntei qual era a quantidade de cópias que ele imprimia. Quatrocentas mil,
ele disse. Essa era uma vasta distribuição para o início da década de 1960 no Brasil. O
dono daquela empresa [Listas Telefônicas] era um homem chamado Gilberto Huber
[que viria a ser fundador do IPES, como mencionado anteriormente]. Em certo
momento, ele tinha dito a Roger para interromper a impressão da minha revista porque
poderiam ocorrer ataques contra sua companhia pelos esquerdistas. Como me foi
relatado por um terceiro, Roger respondeu que a impressão desse grande número de
cópias era a principal fonte de lucros para a empresa. A impressão continuou e foi
muito eficaz para a minha causa. Depois da revolução [1964], Huber foi reconhecido
(was much publicized) como tendo sido um grande contribuidor da revolução. Que eu
saiba, ele não contribuiu com nada (HASSLOCHER, 1999, p. 187).

A segunda “arma” empregada por Hasslocher para “mudar a opinião pública”, foi um programa
de notícias no rádio760, com duração de meia hora, chamado A Semana em Revista. Consistia em
comentários sobre os eventos da semana anterior, sobre diversos assuntos, mas “sempre com uma
pitada de propaganda política” (HASSLOCHER, 1999, p. 189). Depois de um tempo, um segundo
programa foi lançado, “em resposta a uma demanda de políticos” que queriam ser incluídos no A
759 Conforme Hasslocher, depois que ele denunciou a Ducal (loja de roupas masculinas), os donos da empresa, que
financiariam o grupo de estudos de Gustavo Corção, teriam pressionado este último, que acabou se afastando da revista. O
mesmo teria ocorrido como Gladstone Chaves de Mello, “outro covardezinho” (another littler coward). (HASSLOCHER,
1999, p. 184-186).
760 Conforme Dreifuss (1987, p. 249), “o rádio era um poderoso meio de doutrinação geral e um valioso foco para se
montar ações ofensivas contra o Executivo, principalmente em um país com massas de pessoas pobres, sem condições de
terem televisões. Além disso, sendo analfabeta uma grande proporção da população e, consequentemente, não atingida pelas
atividades doutrinantes da imprensa escrita, o rádio transistor, relativamente barato e acessível nos mais recônditos cantos
do país, representava uma ajuda considerável para a elite orgânica”.
459

Semana em Revista. Hasslocher alega que “vetou” a ideia porque esse programa tinha sido concebido
para “criar uma opinião pública realista em defesa do Brasil, não para eleger políticos”. Em vista disso,
ele autorizou a criação de um programa chamado Congresso em Revista e enviou “dois competentes
membros” de sua equipe, Augusto Nobre e Francisco Lampreia para Brasília (Id., p. 196)761. Conforme
o diretor do IBAD, foi ele próprio que escreveu todos os programas, todas as semanas, entre fevereiro
de 1960 e dezembro de 1963:

No começo, tivemos dificuldades com o pessoal do programa de rádio. Eu havia


contratado Luis Jatobá, considerado um dos melhores leitores de notícias do Brasil.
(…) Quando Jatobá foi embora, contratei Alberto Cúri, que era muito bom, mas não
tão bom quanto Jatobá. Depois que Jatobá me abandonou, uma das principais estações
de rádio, o Rádio Jornal do Brasil, fez o mesmo. Era através dessa estação que eu
costumava transmitir para o Rio. (…) Eu fui falar com o Sr. Roberto Marinho (…). Ele
era o proprietário de um jornal e de uma estação de rádio. (…) [Ele] recebeu bem o
meu programa. Quando eu lhe disse que não aceitaria nenhuma censura, ele
concordou, mas me pediu que eu evitasse me envolver em disputas com seus
competidores. (…) Foi um progresso mudar da Rádio Jornal do Brasil para a rede
Globo, que era muito maior. Uma vantagem maior ainda era contar com o leitor de
notícias que tinha contrato exclusivo com O Globo, um cavalheiro chamado Carlos
Frias. Ele era o melhor que eu já tinha ouvido no mundo (he was the greatest I have
ever heard in the world). (…) A transmissão dos programas de rádio com Frias elevou
a audiência de um modo que eu nunca teria previsto (HASSLOCHER, 1999, p. 189-
194).

Hasslocher destaca que, naquela época, não existiam grandes redes radiofônicas no Brasil. Em
sua maioria, as estações eram isoladas, com proprietários individuais:

Nós tivemos que criar a nossa própria rede. Eu olhei, no último número da revista, de
dezembro de 1963, a lista de estações que transmitiam o meu programa todas as
semanas. Aquele deve ter sido o pico. Eu contei 83 estações. Aquilo era uma cobertura
muito boa para todo o Brasil. O procedimento era complicado naqueles dias. Nas
terças-feiras, depois que eu tinha escrito o programa, o leitor o gravava em discos de
vinil. Por meio de acordos com as companhias aéreas, essas gravações eram
imediatamente transportadas e entregues às estações de rádio das várias cidades
(HASSLOCHER, 1999, p. 192).

761 “Em março de 1963, organizou o IBAD o programa radiofônico ‘O Congresso em Revista’, distribuído através de
emissoras em vários estados do Brasil. Reproduz esse programa o que há de melhor nos debates travados no Congresso
Nacional” (Dossiê DOPS, 18/10/1963).
460

A tabela abaixo mostra os locais, dias, horários e nomes das rádios onde foram veiculados os
programas do IBAD, entre dezembro de 1959 – quando tem início o primeiro programa A Semana em
Revista, no Rio de Janeiro e em São Paulo – e julho de 1963 (último número encontrado da revista
Ação Democrática, fonte a partir da qual foi elaborada esta tabela).

Tabela 6. Evolução dos programas de rádio A Semana em Revista, do IBAD (1960-1963)


1960 1961 1962 1963
Rio Branco, Rádio Difusora, Rio Branco, Rádio Difusora,
AC 6ªf, 20:30 6ªf, 20:30
Maceió: Rádio Difusora, Maceió: Rádio Difusora, 6ªf, Maceió: Rádio Difusora, 6ªf, Maceió: Rádio Difusora, 6ªf,
AL 6ªf, 21:30 21:30 21:30 21:30
Macapá: Rádio Difusora, 6ªf, Macapá: Rádio Difusora, 6ªf,
AP 21h 21h
AM Rádio Rio Mar, sábados, 21:30 Rádio Rio Mar, sábados, 21:30 Rádio Rio Mar, sábados, 21:30
Salvador: Rádio Cultura, 6ªf, Salvador: Rádio Cultura, 6ªf,
21:35; Rádio Sociedade, 21:35; Rádio Sociedade,
sábados, 21h sábados, 21h
Ilhéus: Rádio Jornal, 6ªf, 20:05 Ilhéus: Rádio Jornal, 6ªf, 20:05
Feira de Santana: 6ªf, 20:30 Feira de Santana: 6ªf, 20:30
Salvador: Rádio Cultura, Salvador: Rádio Cultura, 6ªf,
BA 6ªf, 21:35 21:35 Jequié: Rádio Baiana e Jequié, Jequié: Rádio Baiana e Jequié,
6ªf, 20:30 6ªf, 20:30
Juazeiro: Rádio Sociedade Juazeiro: Rádio Sociedade
Juazeiro, 6ªf, 20:30 Juazeiro, 6ªf, 20:30
Itabuna: Rádio Difusora Sul da Itabuna: Rádio Difusora Sul da
Bahia, 6ªf, 20:30 Bahia, 6ªf, 20:30
Fortaleza: Rádio Iracema, Fortaleza: Rádio Iracema, 6ªf, Fortaleza: Rádio Iracema, 6ªf, Fortaleza: Rádio Iracema, 6ªf,
6ªf, 21:30 21:30 21:30 21:30
Sobral: Rádio Iracema,
Sobral: Rádio Iracema, 6ªf, Sobral: Rádio Iracema, 6ªf, Sobral: Rádio Iracema, 6ªf,
6ªf, 21:15, domingos,
CE 21:15, domingos, 10:05 21:15, domingos, 10:05 21:15, domingos, 10:05
10:05
Juazeiro: Rádio Iracema, Juazeiro: Rádio Iracema, 6ªf, Juazeiro: Rádio Iracema, 6ªf, Juazeiro: Rádio Iracema, 6ªf,
6ªf, 20:30 20:30 20:30 20:30
Maranguape, 6ªf, 20:30 Maranguape, 6ªf, 20:30 Maranguape, 6ªf, 20:30 Maranguape, 6ªf, 20:30
Vitória: Rádio Espírito Santo, Vitória: Rádio Espírito Santo,
ES 6ªf, 20h 6ªf, 20h
Anápolis: Rádio Cultura Anápolis: Rádio Cultura
GO Anápolis: Rádio Cultura Anápolis: Rádio Cultura Goiânia: Rádio Difusora, 6ªf
Goiânia: Rádio Difusora, 6ªf
21:05
São Luiz: Rádio Difusora, 6ªf, São Luiz: Rádio Difusora, 6ªf,
MA 21:35 21:35
MT Cuiabá: Rádio A Voz do Oeste, Cuiabá: Rádio A Voz do Oeste,
6ªf, 20:30 6ªf, 20:30
Campo Grande: Rádio Campo Grande: Rádio
461

Educação Rural, domingos,


Educação Rural, domingos, 10h
10h
BH: Rádio Itatiaia, 6ªf, 19:05
Poços de Caldas: Rádio BH: Rádio Itatiaia, 6ªf, 19:05 BH: Rádio Itatiaia, 6ªf, 19:05
Cultura, 6ªf, 21h
Ubá, Rádio Educadora Ubá, Rádio Educadora
Trabalhista, 2ªf, 14h Trabalhista, 2ªf, 14h
Governador Valadares: Rádio Governador Valadares: Rádio
Educadora Rio Verde, 6ªf, Educadora Rio Verde, 6ªf,
20:30 20:30
Teófilo Otoni: Rádio Teófilo Teófilo Otoni: Rádio Teófilo
Otoni, 6ªf, 20:30 Otoni, 6ªf, 20:30
BH: Rádio Itatiaia, 6ªf,
MG 19:05 Varginha: Rádio Clube, 6ªf, Varginha: Rádio Clube, 6ªf,
Ubá, Rádio Educadora 20:30 20:30
Trabalhista, 2ªf, 14h Patrocínio: Rádio Difusora, 6ªf, Patrocínio: Rádio Difusora, 6ªf,
20:30 20:30
Patos de Minas: Rádio Clube
Patos, 6ªf, 20:30
Patrocínio: Rádio Difusora, 6ªf,
Patos de Minas: Rádio Clube
20:30
Patos, 6ªf, 20:30
São João del Rey: Serviço de
Alto-Falantes do Centro Cívico
Getúlio Vargas
Belém: Rádio Difusora, 6ªf, Belém: Rádio Difusora, 6ªf,
20:35 20:35
Bragança: Rádio Educadora,
PA
Bragança: Rádio Educadora, 2ªf, 20h
2ªf, 20h Óbidos: Serviço de Alto-
Falantes “A Voz de O Liberal”
Campina Grande: Rádio Campina Grande: Rádio
PB Caturitê, 6ªf, 20:30 Caturitê, 6ªf, 20:30
PR Curitiba, Rádio Clube Curitiba, Rádio Clube Curitiba, Rádio Clube
Curitiba, Rádio Clube
Paranaense, 6ªf, 21:35; Paranaense, 6ªf, 21:35; Paranaense, 6ªf, 21:35;
Paranaense, 6ªf, 21:35
Paranaguá, sábados, 21:30 Paranaguá, sábados, 21:30 Paranaguá, sábados, 21:30
Paranaguá, sábados,
Paranaguá, sábados, 21:30 Paranaguá, sábados, 21:30 Paranaguá, sábados, 21:30
21:30
Ponta Grossa: Rádio Ponta Grossa: Rádio Difusora Ponta Grossa: Rádio Difusora Ponta Grossa: Rádio Difusora
Difusora
Paranavaí, Rádio Cultura, Paranavaí, Rádio Cultura, 22:05 Paranavaí, Rádio Cultura,
22:05 22:05
Pato Branco: Rádio Colmeia, Pato Branco: Rádio Colmeia, Pato Branco: Rádio Colmeia,
domingos, 11h domingos, 11h domingos, 11h
Apucarana: Rádio Cultura, 5ªf, Apucarana: Rádio Cultura, 5ªf,
20:30 20:30
Mallet: Rádio Malletense, 6ªf, Mallet: Rádio Malletense, 6ªf,
20:30 20:30
Lapa: Rádio Legendária, 6ªf, Lapa: Rádio Legendária, 6ªf,
20:30 20:30
Foz de Iguaçu, Rádio Cultura, Foz de Iguaçu, Rádio Cultura,
6ªf, 20:30 6ªf, 20:30
462

Londrina: Rádio Paiquerê, 6ªf, Londrina: Rádio Paiquerê, 6ªf,


20:30 20:30
Maringá, Rádio Cultura, 6ªf, Maringá, Rádio Cultura, 6ªf,
20:30 20:30
Santo Antônio da Platina: Rádio Santo Antônio da Platina:
Clube, 6ªf, 20:30 Rádio Clube, 6ªf, 20:30
Arapongas: Rádio Cultura, 6ªf, Arapongas: Rádio Cultura, 6ªf,
20:30 20:30
Nova Esperança: Rádio Nova Esperança: Rádio
Sociedade, 6ªf, 20:30 Sociedade, 6ªf, 20:30
Cruzeiro do Oeste: Rádio Cruzeiro do Oeste: Rádio
Difusora, 6ªf, 20:30 Difusora, 6ªf, 20:30
Recife: Rádio Jornal do Recife: Rádio Jornal do Recife: Rádio Jornal do Recife: Rádio Jornal do
PE Comércio, 6ªf, 22:05 Comércio, 6ªf, 22:05 Comércio, 6ªf, 22:05 Comércio, 6ªf, 22:05
Teresina: Rádio Clube, 6ªf, 21h Teresina: Rádio Clube, 6ªf, 21h
PI Parnaíba: Rádio Educadora, 6ªf, Parnaíba: Rádio Educadora,
20:30 6ªf, 20:30
Rádio Globo, 6ªf, 21:05; Rádio Rádio Globo, 6ªf, 21:05; Rádio
Vera Cruz, 6ªf, 21:35 Vera Cruz, 6ªf, 21:35
Petrópolis: Rádio Difusora, 6ªf, Petrópolis: Rádio Difusora, 6ªf,
Rio de Janeiro: Rádio Rio de Janeiro: Rádio Jornal do 21h 21h
RJ Jornal do Brasil, 5ªf, Brasil, 5ªf, 20:30 (até outubro);
20:30 Rádio Vera Cruz, 6ªf, 21:35 Barra Mansa: Rádio Sul Barra Mansa: Rádio Sul
Fluminense, 6ªf, 20:30 Fluminense, 6ªf, 20:30
Campos: Rádio Campos Campos: Rádio Campos
Difusora, 6ªf, 21:05 Difusora, 6ªf, 21:05
Mossoró, RN: Rádio Difusora, Mossoró, RN: Rádio Difusora,
Mossoró, RN: Rádio 6ªf, 20:35 6ªf, 20:35
RN Difusora, 6ªf, 20:35 Natal: Rádio Nordeste, 6ªf, Natal: Rádio Nordeste, 6ªf,
20:05 20:05
RS Porto Alegre: Rádio Porto Alegre: Rádio Sociedade Porto Alegre: Rádio Sociedade Porto Alegre: Rádio Sociedade
Sociedade Gaúcha, 6ªf, Gaúcha, 6ªf, 22:35 Gaúcha, 6ªf, 22:35 Gaúcha, 6ªf, 22:35
22:35
Vacaria, Rádio Difusora, Vacaria, Rádio Difusora, Vacaria, Rádio Difusora,
domingos, 19h domingos, 19h domingos, 19h
Marau, Rádio Alvorada, Marau, Rádio Alvorada, Marau, Rádio Alvorada,
sábados, 19:30 sábados, 19:30 sábados, 19:30
Lajeado: Rádio Independente, Lajeado: Rádio Independente, Lajeado: Rádio Independente,
domingos, 20h domingos, 20h domingos, 20h
Canoas: Rádio Clube, Canoas: Rádio Clube,
domingos, 10h domingos, 10h
Pelotas: Rádio Tupancy, Pelotas: Rádio Tupancy,
sábados, 20h sábados, 20h
Santa Maria: Rádio Santa Maria: Rádio
Santamariense, 6ªf, 22h Santamariense, 6ªf, 22h
TRB762 Boa Vista: Rádio Difusora, 6ªf, Boa Vista: Rádio Difusora, 6ªf,
20:30 20:30
TR763 Porto Velho: Rádio Difusora de Porto Velho: Rádio Difusora de
Guaporé, 6ªf, 20:30 Guaporé, 6ªf, 20:30

762 Território do Rio Branco, atual estado de Roraima.


763 Território de Rondônia, atual estado de Rondônia.
463

Itajaí, SC: Rádio Itajaí: Rádio Difusora, 6ªf, Itajaí: Rádio Difusora, 6ªf, Itajaí: Rádio Difusora, 6ªf,
Difusora, 6ªf, 21:05 21:05 21:05 21:05
Florianópolis, Rádio Diário da Florianópolis, Rádio Diário da Florianópolis, Rádio Diário da
Manhã, domingos, 18:05 Manhã, domingos, 18:05 Manhã, domingos, 18:05
Xaxim, Rádio Cultura, Xaxim, Rádio Cultura, Xaxim, Rádio Cultura,
domingos, meio-dia domingos, meio-dia domingos, meio-dia
Chapecó, Rádio Sociedade Chapecó, Rádio Sociedade Chapecó, Rádio Sociedade
Oeste Catarinense, domingos, Oeste Catarinense, domingos, Oeste Catarinense, domingos,
meio-dia meio-dia meio-dia
SC Florianópolis, Rádio
Caçador, Rádio Caçanjurê, Caçador, Rádio Caçanjurê, Caçador, Rádio Caçanjurê,
Diário da Manhã,
domingos, meio-dia domingos, meio-dia domingos, meio-dia
domingos, 18:05
Joaçaba, Rádio Soc. Joaçaba, Rádio Soc.
Catarinense, 6ªf Catarinense, 6ªf
Criciúma:Rádio Eldorado Criciúma:Rádio Eldorado
Joaçaba, Rádio Soc.
Catarinense, terças, quintas e Catarinense, terças, quintas e
Catarinense, 6ªf
sábados sábados
Lages: Rádio Diário da Manhã, Lages: Rádio Diário da Manhã,
domingos, 13h domingos, 13h
SP SP: Rádio Record, 6ªf, SP: Rádio Record, 6ªf, 20:30 SP: Rádio Record, 6ªf, 20:30 SP: Rádio Record, 6ªf, 20:30
20:30;
Presidente Wenceslau, Presidente Wenceslau, Rádio Presidente Wenceslau, Rádio Presidente Wenceslau, Rádio
Rádio Presidente Presidente Wenceslau Presidente Wenceslau Presidente Wenceslau
Wenceslau
Campinas: Rádio Educadora, Campinas: Rádio Educadora, Campinas: Rádio Educadora,
6ªf, 20:30 6ªf, 20:30 6ªf, 20:30
São José dos Campos: Rádio São José dos Campos: Rádio São José dos Campos: Rádio
Clube, 6ªf, 20:30 Clube, 6ªf, 20:30 Clube, 6ªf, 20:30
São José do Rio Preto: Rádio São José do Rio Preto: Rádio São José do Rio Preto: Rádio
Rio Preto, 6ªf, 20:30 Rio Preto, 6ªf, 20:30 Rio Preto, 6ªf, 20:30
São Vicente: Rádio Cultura, São Vicente: Rádio Cultura, 6ªf, São Vicente: Rádio Cultura,
6ªf, 20:30 20:30 6ªf, 20:30
Araçatuba Rádio Difusora, 6ªf, Araçatuba Rádio Difusora, 6ªf, Araçatuba Rádio Difusora, 6ªf,
20:30 20:30 20:30
Bauru, Rádio Auri-Verde, 6ªf, Bauru, Rádio Auri-Verde, 6ªf, Bauru, Rádio Auri-Verde, 6ªf,
20:30 20:30 20:30
Catanduva: Rádio Difusora, Catanduva: Rádio Difusora, 6ªf, Catanduva: Rádio Difusora,
6ªf, 20:30 20:30 6ªf, 20:30
Piracicaba: Rádio A Voz Piracicaba: Rádio A Voz Piracicaba: Rádio A Voz
Agrícola, 6ªf, 20:30 Agrícola, 6ªf, 20:30 Agrícola, 6ªf, 20:30
Campos do Jordão, sábados, Campos do Jordão, sábados,
11h 11h
Presidente Prudente: Rádio Presidente Prudente: Rádio
Pres. Prudente, 5ªf, 20:30 Pres. Prudente, 5ªf, 20:30
Campos do Jordão, sábados, Aparecida: Rádio Aparecida, Aparecida: Rádio Aparecida,
11h sábados, 20h sábados, 20h
Araraquara: Rádio Cultura, 6ªf,
Araraquara: Rádio Cultura, 6ªf, 20:30
20:30 Santo André: Rádio Clube, 6ªf,
20:30
Aracaju, Rádio Liberdade, 6ªf, Aracaju, Rádio Liberdade, 6ªf,
SE 21h 21h
464

Aracaju: Rádio Cultura, Aracaju: Rádio Cultura,


sábados, 20:15 sábados, 20:15
Fontes: Ação Democrática, 1959-1963.

A difusão do programa A Semana em Revista aumentou de maneira considerável, certamente


por influência de eventos políticos importantes para os interesses do IBAD – e, portanto, do governo
norte-americano. Assim, houve aumento no número de rádios que veiculavam o programa em maio de
1960 (coincidindo com o início da campanha presidencial, a ser realizada em outubro), em maio de
1961 (muito provavelmente em reação à fracassada tentativa de invasão dos EUA a Cuba, ocorrida no
final de abril, buscando aumentar a propaganda negativa sobre o regime cubano para minimizar as
críticas ao governo norte-americano), e, finalmente, em maio de 1962 (em preparação à intervenção nas
eleições de outubro, quando passou a cobrir todos os estados e territórios federais – tema a ser
desenvolvido no capítulo 11).
Segundo Hasslocher, inicialmente ele não recorreu muito à televisão. Este era um meio caro e
ele não queria “desperdiçar o dinheiro dos contribuintes norte-americanos” 764. O recurso foi, contudo,
usado esporadicamente:

Eu comecei com entrevistas com cubanos que tinham deixado o país sob domínio de
Fidel Castro e que poderiam descrever ao público brasileiro a situação sombria
provocada pelo comunismo lá. Aqueles programas foram comandados por Ibrahim
Sued765. (…) Depois de um tempo, eu convidei meu grande amigo, Armando Falcão,

764 Segundo Hasslocher, “o dinheiro da CIA” foi muito importante e, “para evitar que o Brasil virasse comunista, não
chegou a ser uma contribuição monstruosa”. Ele calculava que, em todas as campanhas do IBAD, não tenham sido gastos
mais do que “cinco milhões de dólares”.
765 “Como fotógrafo freelance da Tribuna da Imprensa”, Sued “começou a publicar, na coluna de Fernando Veloso e
Medeiros Lima, pequenas notas sobre almoços no Jóquei Clube e no Hotel Copacabana Palace, redutos da alta sociedade
carioca. O sucesso das notas encorajou-o a enveredar por esta linha da crônica social. Em 1952 assinou no jornal Vanguarda
sua primeira coluna social (…). Em seguida, além de escrever para a Gazeta de Notícias, passou a ter uma coluna na revista
Manchete, chamada “Soirée”, em que pela primeira vez na imprensa brasileira uma crônica social vinha ilustrada com
fotografias. Foi colaborador também do Diário Carioca, com uma coluna dominical sobre a noite elegante no Rio de
Janeiro, e do Diário da Noite. Em agosto de 1954, ingressou no jornal O Globo, a convite do jornalista Roberto Marinho,
como responsável por uma coluna diária sob o título de “Reportagem social”, através da qual se tornaria famoso na
imprensa e entre o público como criador do moderno colunismo social no Brasil. (…) Sued criou um estilo próprio de
crônica social, em que misturava comentários sobre o mundo da alta sociedade — por ele chamado de “café- society” —
com notícias e furos de reportagem sobre assuntos gerais. (…) Em 1963, a convite de Assis Chateaubriand, deixou O Globo
e passou a escrever para O Jornal e a revista O Cruzeiro, além de apresentar-se na TV Tupi. No ano seguinte passou a
apresentar-se na TV Globo no programa Ibrahim Sued repórter, atividade que desenvolveria até 1974” (DHBB, Verbete
biográfico).
465

para aparecer com regularidade na televisão, pregando o evangelho do anticomunismo.


Ele se saiu muito bem766 (HASSLOCHER, 1999, p. 197).

O IBAD também criou núcleos de assistência social e educacional, especialmente nos estados
da região nordeste:

Após observações in loco do surto das Ligas Camponesas no Nordeste, o IBAD, em


janeiro de 1961, organizou e instalou, a título de experiência, um pequeno núcleo de
assistência social em um dos principais focos, o já célebre Engenho da Galiléia. Com
base nessa experiência, foram a seguir organizados os núcleos de assistência social
fixos que hoje existem, em pleno funcionamento, em: - Natal e Mossoró, RN; -
Arcoverde, Bezerros, Cabo, Caruaru, Escada, Garanhuns, Goiana, Cravatá, Jabotão,
Limoeiro, Palmares, Vitória de Santo Antão e Recife (três núcleos nos bairros do
Engenho do Meio, Pina e Vasco da Gama), PE; Salvador, Rui Barbosa, Cachoeira e
Feira de Santana, BA. Além desses núcleos fixos, há os postos volantes, montados
sobre ambulâncias, todos originalmente sediados no Recife, estando hoje dois com
sede lá, um em João Pessoa e um em Maceió. (…). De 1º de junho de 1962 a 20 de
maio de 1963, essas cifras foram as seguintes: Atendimentos médicos – 118.756;
Atendimentos de enfermagem – 78.674; Extrações dentárias – 51-490; São fornecidos
todos os medicamentos precisos, a um custo que em 1962, excedeu de $
42.000.000,00. Além dessa assistência médica e dentária, proporciona o IBAD, nos
locais que serve, uma série de outras formas de assistência, principalmente em
colaboração com outras entidades assistenciais, educacionais e recreativas das
comunidades, como escolas, abrigos para velhice, clubes, entidades estudantis, etc. Em
várias áreas do Nordeste, vem o IBAD se dedicando, desde o princípio de 1962, a
766 Eleito deputado federal pelo PSD do Ceará, em 1950, “assumiu uma postura relativamente independente do partido”,
fazendo “severa oposição” ao governo de Getúlio Vargas, em aliança com o jornalista Carlos Lacerda. Fez parte da
Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou empréstimos feitos à empresa que editava o jornal Última Hora (sobre
disputas entre esse jornal e a Tribuna da Imprensa, da Carlos Lacerda, ver nota no capítulo 6). Durante seu segundo
mandato como deputado, “exercido no curso do governo Kubitschek”, Falcão “foi líder e vice-líder da maioria e do PSD na
Câmara, tendo debatido diversas vezes com Carlos Lacerda, líder da bancada da minoria”. Foi ministro da Justiça entre
1959 e 1960. Apoiou a candidatura do general Lott à presidência da República, como sucessor de JK, “enquanto a UDN se
dividia entre Jânio Quadros, ex-governador de São Paulo, e Juraci Magalhães, governador da Bahia”. Em 31 de janeiro de
1961, quando o presidente eleito Jânio Quadros foi empossado, Armando Falcão deixou o ministério da Justiça,
“reassumindo seu lugar na Câmara dos Deputados, onde passou a fazer oposição ao novo governo”. Depois da renúncia de
Jânio, em 25 de agosto de 1961, moveu “enérgica oposição ao governo Goulart”: “Em 1962, realizou uma conferência na
Sociedade Rural Brasileira, em São Paulo, para cerca de trezentos fazendeiros, alertando-os contra o perigo das ligas
camponesas, organização liderada pelo deputado Francisco Julião, e que tinha por principal bandeira a implantação da
reforma agrária no Brasil — proposição que também constava, embora com diferentes nuances, do programa
governamental. Durante os dois anos que precederam o movimento político-militar de 1964, Armando Falcão fez uso
frequente da tribuna da Câmara e dos meios de comunicação para denunciar supostas pressões do Executivo contra o
Congresso e o solapamento da disciplina e da hierarquia militares. Em suas declarações, pregava o combate à infiltração
comunista e à crescente influência dos sindicatos na vida nacional. Participou também de várias conferências em
associações de proprietários rurais e clubes cívicos femininos, realizadas em todo o país”. Novamente candidato a deputado
federal, nas eleições de outubro de 1962, garantiu seu quarto mandato consecutivo. Em 1966, instaurado o bipartidarismo,
Falcão se filiou à Aliança Renovadora Nacional (Arena). A convite de Ernesto Geisel, assumiu novamente o ministério da
Justiça, em 1974. Permaneceu no cargo até 1979 (DHBB, Verbete biográfico).
466

assistir os governos locais nas suas planificações e a colaborar na execução do que já


existe planificado. Essas atividades podem ser assim resumidas: Estado de Alagoas: 1
– Assistência na elaboração do plano de colonização do Estado, através de estudos de
campo e orientação técnica; 2 – Sugestões para a organização da Companhia Estadual
de Colonização; 3 – Análise de quatro áreas para a implantação de núcleos coloniais; 4
– Assistência técnica ao plano piloto de educação de base de Bebedouro, Maceió,
através da elaboração de projetos, orientação de professoras, fornecimento de material
educativo e debates com os interessados; 5 – Elaboração de projetos de Educação,
Saúde, Agricultura e Desenvolvimento Social, para encaminhamento a organizações
financiadoras; 6 – Contribuição financeira para o Serviço de Organização das
Comunidades (SOCO) do Estado de Alagoas, que iniciou suas atividades em fevereiro
de 1962 no município de São Luís Quintundo, estendendo-se depois aos municípios de
Barra de Santo Antônio e Passo de Camaragibe, atividades essas consistentes em
trabalhos de saúde pública, assistência agropecuária, serviços sociais e numa pesquisa
socioeconômica em toda a região do Norte do Estado, abrangendo nove municípios; 7
– Fundação em setembro de 1962 do Núcleo de Colonização do Pilar, realização
conjunta do governo do Estado e do IBAD, entrando o governo através de doação que
será feita a uma cooperativa mista, predominantemente agrícola, em organização, com
cerca de 900 hectares de terras e mais uma contribuição de três milhões de cruzeiros. A
contribuição do IBAD, que reverterá a favor da futura cooperativa, é representada por
despesas realizadas, até 31 de maio de 1963, na importância de $ 16.270.000,00, sem
contar a utilização de um trator, dois caminhões e uma camioneta de propriedade do
IBAD. Até agora, feitos inicialmente os necessários levantamentos topográficos,
demarcação de lotes e perfuração de poços, já se acham construídos cerca de 15
quilômetros de estradas e cerca de 20 casas já construídas. Toda a área de cultivo foi,
depois de analisada quimicamente, gradeada e arada e teve início o plantio de feijão de
corda, feijão mulatinho, amendoim, macaxeira, tomate e outras hortaliças, algumas já
em produção; 8 – Participação do IBAD, a partir de meados de 1962, na Campanha de
Cultura Popular de Alagoas (CCPA), planificada pelo governo do Estado com a
assistência e contribuição financeira do IBAD e consistente principalmente em
trabalhos de alfabetização, ensino de pequenos trabalhos manuais e orientação
recreacional, juvenil e infantil. Estado da Paraíba: Elaboração, para o governo do
Estado, de um plano de eletrificação rural e de projetos de desenvolvimento social dos
setores de Educação e Saúde. Estado do Rio Grande do Norte: Planificação e
assistência nos setores de educação (ensino primário, merenda escolar e treinamento de
professores), serviço social (organização de secretaria) e urbanização (plano piloto da
cidade e remoção de favelas) (Dossiê DOPS, 18/10/1963). 767

767 “Meu bom amigo e sócio, F. Osório Filho, se voluntariou para ir ao Recife (…) e trabalhou no estabelecimento de
centros de saúde naquele estado [Pernambuco] e em outros: Ceará, Sergipe, Alagoas e Bahia. (…) Ele fez um excelente
trabalho. Ele persuadiu empresas farmacêuticas a fornecerem remédios com baixo custo ou sem custo nenhum, em vista de
sua destinação. Ele assegurou os serviços de médicos e enfermeiras, que não se importavam em não serem pagos por seus
serviços e compreendiam que seus pacientes não tinham a capacidade de pagá-los. Ele obteve hospedagem gratuita com os
prefeitos de várias cidades (…). Osório também conseguiu uma quantidade necessária, embora modesta, de veículos,
utilizando o orçamento da CIA, o que lhe permitiu oferecer ajuda médica às pessoas que não conseguiam ir até os centros de
saúde. (…) Enquanto em outras partes do Brasil, a imprensa tendia a falar do IBAD como uma organização nazista, o IBAD
foi amado naquelas áreas do nordeste onde os centros existiam” (HASSLOCHER, 1999, p. 214-215).
467

A capacidade de ação do IBAD não passava despercebida. Segundo Sodré (1999, p. 431), o
instituto “organizou frotas de automóveis, montou redes de rádio e televisão, comprou a opinião de
jornais, financiou centenas de candidatos, achincalhou reputações, fez intimidação e chantagem e
chegou ao cúmulo de instalar sistema próprio de gravações no Congresso Nacional”. Essas denúncias
foram amplamente divulgadas em 1962 e 1963, quando uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi
instaurada, a fim de investigar a atuação do IBAD. Esse tema será melhor explorado no capítulo 11,
quando será abordada a interferência da organização nas eleições de 1962.

8.7 A CIA e o IBAD

Phillip Agee, ex-oficial da CIA, afirma que o IBAD era “uma das principais operações políticas
da estação [da CIA] do Rio”, no momento em que o Brasil parecia constituir “o problema mais
importante” para os Estados Unidos “dentro da América Latina – na verdade, mais sério desde a crise
dos mísseis de Cuba”768 (10/02/1964, AGEE, 1976, p. 325). Um elemento fundamental para entender a
natureza de uma entidade como o IBAD está relacionado à lógica da divisão interna das operações da
agência de inteligência norte-americana. Agee (1976, p. 46, 53, 78) explica que existiam três tipos de
ações executadas pela CIA: as operações de coleta de informações estrangeiras (FI ou KUTUBE, de
acordo com os acrônimos utilizados pela agência) – “destinadas a descobrir as possibilidades e
intenções das forças estrangeiras” –, as operações de contrainteligência769 (CI ou KUDESK) –
“destinadas a proteger as atividades da Agência de serem detectadas pela oposição,”, ou seja, “qualquer

768 Em 16 de outubro de 1962, “realiza-se na Casa Branca a primeira reunião dedicada especificamente à descoberta da
instalação de mísseis soviéticos em Cuba. (…) Em 22 de outubro, o governo dos Estados Unidos impõe o bloqueio naval a
Cuba, o que inclui barcos comerciais, com apoio da OEA. A crise dos mísseis representou o momento de maior tensão da
guerra fria (…). O encontro entre a frota soviética, que se dirigia a Cuba com carregamento de armas, e a frota norte-
americana, que bloqueava o acesso à ilha, poderia trazer consequências imprevisíveis. (…) O desfecho da crise se deu de
forma negociada. Kennedy e Kruchov chegam a um acordo que inclui a retirada dos foguetes do território cubano e o
abandono dos objetivos de invasão da ilha por parte dos Estados Unidos” (AYERBE, 2004, p. 51).
769 No original em inglês, “counterintelligence”. A edição brasileira da obra de Agee, no entanto, optou por traduzir o
termo por “contrainformação”.
468

serviço de inteligência ou segurança no mundo” –, e as operações psicológicas770 e paramilitares771


(também conhecidas pela sigla PP)”. Estas

(…) diferem das FI e CI porque são atividades voltadas para a ação mais do que para a
coleta de dados. Esta última tem de ser invisível para que o alvo visado não perceba os
seus movimentos. As operações de ação, pelo contrário, sempre trazem um resultado
visível. Elas, porém, jamais podem ser atribuídas à CIA ou ao governo dos Estados
Unidos, e sim a outras pessoas ou organizações. Essas operações, que ganharam em
1947 o alvará do Congresso [dos Estados Unidos] no Decreto da Segurança Nacional,
sob o título de “serviços adicionais de interesse comum”, são, de certo modo, mais
delicadas do que a coleta de informações. (…) quando somas de dinheiro muito
vultosas são exigidas, ou métodos extremamente delicados são empregados, a
aprovação é solicitada à OCB (nível de subsecretaria), ao NSC, ou ainda ao próprio
presidente (…). As operações PP são muito melindrosas e arriscadas porque, quase
sempre, significam uma interferência mesquinha nos assuntos internos de outro país
com o qual os Estados Unidos mantêm relações diplomáticas normais. Se o verdadeiro
patrocínio dessas operações fosse descoberto, as consequências no campo diplomático
seriam desastrosas, muito sérias e graves. O contrário acontece com as de coleta de
informações para as quais, em contraste, os políticos estrangeiros acabam fazendo vista
grossa, quando as descobrem, pois estão sempre preparados para uma atitude discreta,
já que tais atividades são comuns e tradicionais nos serviços de informações (…). Em
virtude de tudo isso, a regra mais importante no planejamento das operações PP é a
“negação plausível”772, que só se torna possível quando cuidados especiais foram
tomados, em primeiro lugar, para garantir que outrem – seja quem for, e não o governo
dos Estados Unidos – seja responsabilizado por elas. Os programas PP são sempre
encontrados em quase todas as bases da CIA e a maior ou menor ênfase às operações
deste tipo irá depender muito das condições locais (1976, p. 68, itálicos meus).

As operações psicológicas e paramilitares se subdividem em operações “de media [mídia]”


(parte do programa de propaganda dos Estados Unidos, também executado por outras agências

770 “A guerra psicológica compreende um tipo de propaganda (conhecida simplesmente como media), efetuada entre a
juventude e as organizações estudantis, nas organizações de trabalhadores, sindicatos, uniões entre os grupos profissionais e
culturais e nos partidos políticos” (AGEE, 1976, p. 68).
771 “As operações paramilitares incluem a infiltração em áreas proibidas, sabotagem, guerra econômica, perseguições
pessoais, apoios marítimos e aéreos, armamentos, treinamento e manutenção de pequenos exércitos” (AGEE, 1976, p. 69).
772 Na edição brasileira é utilizada a expressão “negativa convincente”.
469

governamentais), “juvenis e estudantis”773, “trabalhistas”774 e de “ação política”. Estas últimas são


“destinadas a provocar a adoção, por um governo estrangeiro, de uma determinada política diante do
comunismo”: “os elementos humanos óbvios nestas operações são os partidos, os líderes políticos e
militares, embora agentes de outras ações PP – incluindo trabalhistas, estudantis e juvenis e media –
sejam convocados para trabalhar em alvos específicos de ação política” (AGEE, 1976, p. 46, 53, 78).
Não faltavam incentivos materiais e ideológicos para as operações de ação política da CIA, nem
pessoas predispostas a trabalhar com a agência. Como explica Evan Thomas (2006, p. 180-3), “o
alcance dos serviços clandestinos [da CIA] era especialmente grande nos chamados países em
desenvolvimento”. De acordo com os depoimentos de ex-operativos da agência e documentos oficiais
consultados por Thomas, vários líderes de nações asiáticas eram próximos aos chefes das estações
locais da CIA – “se não estavam de fato em suas folhas de pagamento”. Um ex-oficial da agência
declarou a Thomas que “não era tão caro assim recrutar um oficial de governo” no exterior: “comprar
um editor de jornal é barato, e chefes de Polícia geralmente custavam menos de 50 mil dólares”. Às
vezes, não era preciso oferecer dinheiro: “ajuda médica era um grande instrumento: você ganha uma
amizade para a vida inteira e não custa muito”775.
Contudo, as operações encobertas, utilizadas como um instrumento para a consolidação de
interesses de longo prazo da dominação norte-americana sobre um determinado país, só trazem os
resultados esperados se os seus aliados locais estiverem convencidos de que a defesa da “causa
americana” corresponde às suas próprias expectativas e anseios. Como explicou o ex-chefe do setor de
serviços clandestinos da CIA Richard Bissel, em um encontro do Grupo de Discussão sobre
Inteligência e Política Externa do CFR,

773 “Perto do fim da Segunda Guerra Mundial, o Partido Comunista da União Soviética [PCUS] começou a incrementar um
programa de maior propaganda e agitação, através da formação da União Internacional dos Estudantes (IUS) e da Federação
Mundial da Juventude Democrática (WFDY), as quais congregaram as filiais nacionais dentro dos respectivos domínios, em
tantos países quanto foi possível semeá-las. (…) No final da década de 40, o governo dos Estados Unidos, utilizando-se da
Agência [CIA], começou a estigmatizar essas organizações como fantoches do PCUS, visando desestimular a participação
não-comunista nelas. (…) A Agência procurou igualmente montar organizações alternativas de estudantes e jovens a nível
local e internacional” (AGEE, 1976, p. 71).
774 Estas operações, “tal como as estudantis e juvenis, passaram a existir como uma reação contra a continuidade de
expansão, antes da Segunda Guerra Mundial, da política do PCUS, através das frentes internacionais unidas”. O
envolvimento da CIA em operações trabalhistas será abordado no capítulo 10.
775 Outro exemplo foi apresentado por Bina Cady Kiyonaga (2000, p. 164), conforme visto no capítulo 3: “c onseguir
bolsas de estudo de universidades norte-americanas para filhos de contatos importantes era um dos recursos preferidos da
CIA”. As fontes oficiais e orais consultadas por Jefferson Morley (2008) demonstram que, entre 1956 e 1969, Winston
Scott, chefe da estação local da CIA na Cidade do México, recrutou um total de 12 agentes nos mais altos escalões do
governo mexicano, incluindo dois políticos que depois se tornaram presidentes do México, um secretário de governo, um
diretor do serviço de inteligência mexicano e dois subsecretários de governo.
470

Frequentemente nós não conhecemos as relações de poder, porque a balança do poder é


obscura e às vezes não são bem conhecidas mesmo pelos principais atores. Apenas
conhecendo bem os principais protagonistas (players) você tem a chance de uma
predição criteriosa. Há uma grande margem de ação nesta área; a técnica é
essencialmente aquela da “penetração” (…). Muitas destas “penetrações” não tomam a
forma de “contratação”, mas de estabelecer uma relação próxima ou amigável (que
pode ou não ser complementada pelo fornecimento de dinheiro de tempos em tempos).
(…). A intervenção secreta tem geralmente a finalidade de operar sobre o equilíbrio
interno de poder, frequentemente com objetivos de prazo bastante curto. (…). A
essência de tal intervenção no equilíbrio interno de poder é a identificação de aliados,
que pode ser feita de modo mais eficaz, poderoso e talvez sábio, através de assistência
encoberta. Tipicamente, estes aliados locais sabem a origem da assistência, mas nem
eles nem os Estados Unidos poderiam dar-se luxo de admitir a sua existência. Agentes
para intervenções menos significativas e de baixa sensitividade podem ser recrutados
simplesmente com dinheiro. Mas para as intervenções maiores e mais sensitivas, os
aliados devem ter as suas próprias motivações. Em geral, a Agência tem sido
notavelmente exitosa em identificar indivíduos e instrumentalidades com os quais e
através das quais seja possível trabalhar. Implícito no requisito de uma motivação
preexistente é o corolário de que uma tentativa de induzir o aliado local a seguir uma
linha que ele não acredita irá, pelo menos, reduzir a sua efetividade e pode destruir
toda a operação (Minutas, CFR, 08/01/1968).

Hasslocher possuía o perfil adequado para participar de uma operação encoberta da CIA: viveu
e estudou por muitos anos nos Estados Unidos, era discreto e anticomunista, defendia a política norte-
americana para a América Latina e, acima de tudo, tinhas relações próximas com alguns dos principais
representantes dos interesses multinacionais e associados no Brasil. Ele recordava ter mantido contato
mais próximo com dois oficiais da CIA ligados à embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro 776:
Lawrence Melvin Sternfield e “David Miller” – provavelmente David Smyser 777 (HASSLOCHER,
1999, p. 175). Sternfield, segundo Hasslocher, era “um homem muito bom e inteligente”, que seguia
sendo seu amigo na época em que ele escreveu suas memórias778.
776 “Em quase todos os casos em que o agente envolvido está ciente do patrocínio da CIA, estabelece-se um
relacionamento pessoal direto entre ele e o oficial do caso [operativo da CIA]” (AGEE, 1976, p. 89-92).
777 Hasslocher culpa a sua “tendência geriátrica de esquecer nomes” por não se lembrar do nome do segundo oficial da
CIA com o qual ele se encontrava com maior frequência, mas nunca após a “revolução”. Ele acha que seu nome era David
Miller (HASSLOCHER, 1999, p. 175). Contudo, ele possivelmente estava se referindo ao único David que consta na lista
do Departamento de Estado, e que era oficial da CIA, na seção política embaixada do Rio de Janeiro: David Smyser. Por ser
o chefe da estação local da CIA no Rio de Janeiro – conforme apresentado no capítulo 3 – faz todo o sentido que Hasslocher
se encontrasse com mais frequência com Smyser, cuja função era coordenar as principais atividades da agência no país.
Como visto no capítulo 7, Smyser tinha contato com Odette de Carvalho e Souza para troca de informações sobre o
comunismo no Brasil.
778 Nascido em Nova York no dia 18 de agosto de 1926, Sternfield obteve o título de Bachelor of Arts no Kirsville State
Teachers College em 1949 e o de mestre em Assuntos Interamericanos pela University of New Mexico em 1951. Entre 1944
e 1946 serviu na Marinha, no exterior. De volta aos Estados Unidos, trabalhou na University of New Mexico como auxiliar
de pesquisa, entre 1950 e 1951, quando então foi contratado pelo Departamento de Comércio como “analista de pesquisa”.
Não foi possível determinar quando Sternfield ingressou na CIA, mas em junho de 1954, foi designado oficial FSS-7 com o
471

Nestas memórias, em várias passagens, Hasslocher afirma que tinha controle sobre o IBAD e
tomava todas as decisões finais sobre as ações da organização. Ele também se esforça em passar a
impressão de que foi o único responsável por sua criação e pela elaboração da sua doutrina política.
Isso até poderia soar como verdadeiro, caso a atuação política de Hasslocher não tivesse se
desenvolvido no mesmo momento em que ocorria uma intensa mobilização de organizações
empresariais norte-americanas e do governo dos Estados Unidos para combater o nacionalismo e o
comunismo na América Latina, conforme demonstrado anteriormente. Considerando-se esse pano de
fundo, é muito grande a probabilidade de que a CIA tenha sido a principal responsável pela criação do
IBAD, não apenas pelo seu financiamento. Sendo assim, supõe-se que a agência detinha o controle
sobre a organização, definindo a sua orientação política geral e os encaminhamentos necessários para a
execução das ações por ela planejadas.
É muito difícil que a CIA viesse a ter um envolvimento tão grande com uma entidade sobre a
qual não exercesse controle. Hasslocher era a “cara brasileira” da operação, fazendo-a parecer uma
iniciativa local, aparentemente não relacionada ao governo dos Estados Unidos, mas não detinha a
última palavra sobre as atividades do IBAD. Ele próprio, Hasslocher, apresenta elementos que
desmistificam o seu pretenso controle sobre a organização. Referindo-se ao “programa especial” que o

título de “Assistant Attaché” da embaixada dos Estados Unidos em Santiago do Chile, onde permaneceu até o início de
1957. Ele chegou no Brasil em abril de 1957, com o título de “Attaché”. Provavelmente em função do bom trabalho
realizado no Brasil, foi promovido a oficial FSR-5 em julho de 1959, coincidentemente (ou não) um mês depois do
lançamento público do IBAD. Em dezembro de 1961, Sternfield foi transferido para Washington, lá permanecendo até
março de 1963. Foi designado como oficial FSR-4 para a embaixada de La Paz, onde trabalhou até o final do ano de 1964,
quando voltou a Washington (USA, Biographic Register 1973, p. 367; Boletim, University of New Mexico, 1953-4). Não
foi possível determinar quais funções Sternfield desempenhou quando de sua volta a Washington em 1964. Um autor,
baseado em documentação oficial da CIA, identifica Sternfield como chefe de operações cubanas da Divisão de Hemisfério
Ocidental da agência no início dos anos 1970 (O’SULLIVAN, 2018, p. 125). Um documento oficial da CIA de novembro
de 1975, assinado por ele e com seu nome impresso, o identifica como Acting Chief/Counterintelligence Staff da agência
(Memorando, 12/11/1975). Entre 1977 e 1979, Sternfield era chefe da estação local da CIA na Cidade do México
(CounterSpy, 1979). Na década de 1980, tornou-se consultor do President’s Foreign Intelligence Advisory Board (PFIAB,
apresentado no capítulo 2) (Nota, CIA, 1982). Foi localizado apenas um documento oficial do governo norte-americano
relacionado a sua atuação no Brasil. Trata-se de um memorando descritivo de uma reunião realizada em agosto de 1962, na
residência do embaixador Abraham Lincoln Gordon. Além do chefe da missão diplomática no Rio de Janeiro, estiveram
presentes: Teodoro Moscoso (um dos coordenadores do programa da Aliança para o Progresso na AID), Frank Oram (chefe
do USIS no Rio), James Howe (diretor adjunto da AID no Rio de Janeiro), o ex-presidente Juscelino Kubitschek, Augusto
Frederico Schmidt, “Mr. Sternfield” e “Mr. Jack Halliwell”. Como estes dois últimos eram operativos da CIA, suas funções
e títulos diplomáticos não estão descritos no documento, ao contrário do que ocorre com todos os outros presentes à reunião.
Da mesma forma, também não há nenhuma referência a possíveis falas dos dois operativos da CIA durante a reunião,
tampouco qualquer indício sobre qual era o objetivo deles em participar deste encontro (Memorando, 15/08/1962). Claris
Rowley Halliwell exerceu funções (não identificadas) para a CIA entre 1949 e 1957. Em março de 1958, designado oficial
FSR-6, foi transferido como “political officer” para a embaixada do Rio de Janeiro, onde permaneceu até setembro de 1963.
Em dezembro de 1965, mudou-se para Quito como oficial FSR-5, onde permaneceu até abril de 1967. Halliwell voltou
novamente ao Brasil, desta vez para o consulado de São Paulo, como oficial FSR-4, em maio de 1970 (USA, Biographic
register, 1973, p. 151).
472

IBAD tinha para os estados do nordeste, ele revela que “Larry” (apelido para Lawrence) Sternfield, da
CIA, fez sugestões para melhorá-lo”:

Elas consistiam na criação de centros de saúde para os pobres no nordeste. Isso poderia
ser feito com pequeno custo, ele sugeriu. Eu acho que Larry pode ter feito aquela
sugestão por bondade. (…) Se eu não tinha pensado nisso antes, deve ter sido em
grande medida, por causa da minha concentração à obtenção de votos 779. Havia outro
fator. Se eu tivesse pensado nisso primeiro, eu teria hesitado, porque as ações seriam
feitas com dinheiro norte-americano. Eu estava recebendo aquele dinheiro para obter
votos, não para fazer caridade. O fato de que Larry, um norte-americano, do país que
estava fornecendo os fundos, fez a sugestão original, me permitiu esquecer quaisquer
dúvidas que eu pudesse ter sobre o uso indevido desse dinheiro (HASSLOCHER,
1999, p. 214).

Outra situação que ilustra a posição de Hasslocher na “linha de comando” ocorreu no final de
1963, quando ele regressou ao Brasil, depois de tirar um período de “férias” em função da CPI que
investigou as atividades do IBAD780. Nessa ocasião, Frutuoso Osório Filho lhe informou que “o novo
pessoal da CIA era estranho e parcimonioso”, principalmente com relação aos financiamentos das
atividades do IBAD. Vernet L. Gresham seria “o líder do novo grupo da CIA, acompanhado de um
homem que dizia amém para tudo”. Ele afirma não lembrar do nome deste último, mas achava que era
Good “ou uma palavra semelhante”781. Em conversa com Gresham, Hasslocher descobriu que “as
coisas haviam mudado materialmente”: “eles ignoravam o fato de que eles poderiam no máximo me
aconselhar, mas começaram a me dar ordens” (HASSLOCHER, 1999, p. 267-8). Essa reclamação de
Hasslocher indica que ele estava incomodado com a forma como passou a ser tratado, mas também nos
leva a suspeitar de que ele não se encontrava em posição de desobedecer às ordens da CIA. Como
explicou Philip Agee, para a agência,

779 Hasslocher se refere à operação do IBAD durante as eleições de 1962, que será abordada no capítulo 10.
780 Hasslocher afirma que teria tirado “um período de férias” nesta época, mas é muito mais provável que ele tenha sido
persuadido a sair do país por sugestão da embaixada norte-americana, para tentar minimizar o desgaste à imagem dos
Estados Unidos, vinculada ao IBAD desde a sua criação.
781 Não há nenhum oficial da CIA no Brasil com um nome ou sobrenome semelhante a Good. Mas, considerando que as
“férias” de Hasslocher aconteceram no período do auge das denúncias relacionadas à CPI do IBAD, entre 1962 e 1963, é
provável que ele estivesse se referindo a Gardner R. Hathaway, conhecido pelo apelido “Gus”, famoso oficial do setor de
contrainteligência da CIA, que chegou ao Brasil pouco antes das eleições de 1962, quando as primeiras denúncias sobre o
envolvimento do IBAD com o pleito de começaram a surgir. O papel cumprido por Hathaway no Brasil será apresentado no
capítulo 11.
473

A importância do controle sobre o agente é fator do maior interesse porque significa


conseguir que ele faça exatamente o que a “companhia” espera e exige. Cada um deles
é diferente individualidade e nem todos estão sempre propensos a fazer precisamente
aquilo que se exige – algumas vezes torna-se necessário coagi-lo, outras vezes bajulá-
lo, argumentar com ele ou induzi-lo, ou ainda ameaçá-lo. (…). Considerando-se que o
controle de agentes vem a ser muito mais positivo e eficiente por meio de persuasão do
que com ameaças, a evolução de um entendimento cordial entre os dois é um ponto
muito marcante nas recomendações dos instrutores. (…) Se considerarmos que, de um
modo geral, quase todas as operações dependem de dinheiro, um tratamento cuidadoso
e delicado dos assuntos financeiros pode servir como instrumento para controle
constante, sem ferir a suscetibilidade dos agentes, que não se sentirão tratados como
mercenários. A orientação firme e segura dos agentes (…) fica na dependência
acentuada da personalidade de cada agente e do oficial de caso [operativos], e as
exigências duplas de controle e bom relacionamento passam a constituir um problema
constante. A habilidade no trato com seres humanos é uma virtude capital para um
oficial da CIA (…) (1976, p. 89 e 92).

8.8 O financiamento das atividades do IBAD

Don Rendall, o amigo de Hasslocher responsável por lhe repassar a informação de que suas
atividades seriam apoiadas pela CIA, não apenas permaneceu ligado às ações do IBAD “até o final”,
como também “foi o responsável por criar o nome da organização, Instituto Brasileiro de Ação
Democrática”. Rendall também participava dos encontros com “Larry [Sternfield] e David [Smyser]”
(HASSLOCHER, 1999, p. 174). O papel desempenhado por Rendall no IBAD só pode ser
compreendido se relacionado às atividades de seu sogro, Herbert George Horne 782 que, na época da
782 Herbert Horne nasceu em 22/12/1894 em Mount Vernon, Nova Iorque, e chegou ao Brasil em 1919 (Prontuário de
registro de estrangeiro, AN, 1939). Em 1925, seu nome aparece em propaganda da Foreign Exchange Brokers, que possuía
representantes em Nova Iorque, Londres, Buenos Aires e São Paulo, ao lado J. F. Sachs (Wileman’s Brazilian Review, 1925).
Em 1930, ligado à Middleton Car Co., era tesoureiro honorário da Câmara Americana de Comércio para o Brasil ( Almanak
Laemmert, 1930). Em 1939 informava trabalhar na firma J. F. Sachs e residir na Avenida Rainha Elisabeth, 8 (Prontuário de
registro de estrangeiro, AN, 1939). Em 1941 compareceu à recepção oferecida por William Edwin Embry, “figura
prestigiosa da colônia americana”, pai de Edward Embry, a Warren Pearson, presidente do Export Import Bank Washington
(O Globo, 08/04/41). Em 1950 Horne foi eleito integrante do Conselho Fiscal da Panair do Brasil pelos acionistas da
empresa, ao lado de Eduardo Bahouth e João Baylongue. Para presidente foi eleito César Pires de Mello e, para tesoureiro,
Alberto Torres Filho (Tribuna da Imprensa, 23/05/50). Em fevereiro de 1960, junto a seu genro Don Rendall, e seu filho,
William Oliver Horne, constitui a Kim S.A – Administração de Bens e Participações, com sede social na Rua do Carmo, 27,
6º andar, sala 604. Os sócios ofereceram, para formação do capital social, os seguintes bens, depositados no Banco
Operador, com recibo assinado pelos banqueiros Adolfo Gentil (citado acima) e Wener Huther (alemão): Herbert George
Horne – ações ordinárias das Lojas Americanas S.A., ações preferenciais de Pneus General S.A., ações ordinárias da
Cimento Aratu, debêntures da Companhia Força e Luz Nordeste do Brasil, ações ordinárias da Companhia Brasileira de
Energia Elétrica; William Donald Rendall – ações ordinárias das indústrias Química Mangual S.A.; William Oliver Horne –
ações preferenciais da Manufatura de Brinquedos Estrela S.A, ações preferenciais e ordinárias da Sanson Vasconcellos
Comércio e Indústria de Ferro S.A., ações ordinárias da Companhia Força e Luz Nordeste do Brasil. Herbert Horne e
William Rendall foram eleitos diretores da Kim S.A. Para o conselho fiscal, como membros efetivos foram eleitos Carlos
474

fundação do IBAD, já era um velho conhecido da embaixada norte-americana no Brasil. Conforme


apresentado no capítulo 4, Horne desempenhou um importante papel como intermediário no
financiamento das operações iniciais do OCIAA no Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial, quando
sua atuação ainda não era oficialmente reconhecida pelo governo brasileiro, violando a legislação
brasileira da época.
Uma operação policial que ocorreu em abril de 1965 e expôs atividades ilegais de Horne e seu
genro, Donald Rendall, levanta suspeitas de que o serviço que ele prestou ao governo norte-americano
na década de 1940 pode ter sido novamente requerido em outras oportunidades. Entre os recortes de
jornais guardados por Ivan Hasslocher (acervo pessoal), vários deles eram relacionados a essa
operação, coordenada pelo Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), que identificou
atividades de comércio clandestino de moeda estrangeira, recebendo destaque na mídia impressa do
Rio de Janeiro783. As operações ilegais teriam causado grande prejuízo ao Tesouro Nacional e seriam
exercidas, principalmente, no chamado “movimento grosso de divisas”, isto é, no comércio e na
indústria. A imprensa, a partir dos relatos oferecidos pelas autoridades policiais, informou que Herbert
Horne, Donald Rendall e outros eram acusados de comprar dólares em cheques ou em espécie ao preço
do câmbio paralelo, enviando-os para o exterior em envelopes comuns, sonegando consequentemente a
taxa de 8% cobrada pelo Banco do Brasil e outros estabelecimentos autorizados a cambiar divisas, além
de outros encargos exigidos pelo governo para tais operações.
Conde Barroca, William Oliver Horne e Ulysses Grant Keener, Jr. (brasileiro). E, como suplentes, José Geraldo Garcia de
Souza, Carlos Oswaldo Vianna da Fonseca Saraiva e George Byron Watson (americano). Assinaram a ata: Herbert G.
Horne, William D. Rendall, William Oliver Horne, Carlos Conde Barroca, U. Grant Keener, Jr, George Byron Watson,
Carlos Oswaldo Vianna da Fonseca Saraiva, Werner Huther, Adolfo Gentil, J.F. Sachs (João Frederico Sachs, brasileiro,
adjunto de corretor de fundos públicos) e José Geraldo Garcia de Souza. Em 1962, houve aumento do capital social da Kim
S.A., subscrito por George e William Horne, William Rendall, Carlos Conde Barroca, George Byron Watson e Ulysses
Grant Keener Jr. (Jornal do Comércio, 31/05/60 e 09/04/62). Adolfo Gentil e Herbert G. Horne voltarão a ser apresentados
no último capítulo.
783 A narrativa dos próximos parágrafos está baseada nas seguintes fontes: O Globo, 27/03/1965; O Globo, 01/04/1965;
Última Hora, 01/04/1965; Diário Carioca, 01/04/1965; O Estado de São Paulo, 01/04/1965; Diário de Notícias,
01/04/1965; Diário de Notícias, 01/04/1965; O Globo, 02/04/1965; Jornal do Brasil, 02/04/1965; Correio da Manhã,
02/04/1965; Diário Carioca, 02/04/1965; Diário de Notícias, 02/04/1965; Última Hora, 02/04/1965; O Dia, 02/04/1965
(recorte de jornal mantido por Hasslocher); O Jornal, 02/04/1965 (recorte de jornal mantido por Hasslocher); O Estado de
São Paulo, 02/04/1965; O Globo, 03/04/1965; Última Hora, 03/04/1965; Diário Carioca, 03/04/1965; Diário de Notícias,
03/04/1965;O Globo, 05/04/1965; Última Hora, 05/04/1965; Diário de Notícias, 06/04/1965; O Jornal, 06/04/1965 (recorte
de jornal mantido por Hasslocher); Última Hora, 07/04/1965; O Jornal, 07/04/1965 (recorte de jornal mantido por
Hasslocher); Correio da Manhã, 08/04/1965; Diário Carioca, 08/04/1965; Diário de Notícias, 08/04/1965; Última Hora,
08/04/1965; O Estado de S. Paulo, 08/04/1965; O Globo, 09/04/1965; Correio da Manhã, 09/04/65; O Globo, 12/04/1965;
O Globo, 13/04/1965; Correio da Manhã, 13/04/1965; Última Hora, 13/04/1965; Diário Carioca, 14/04/1965; Última
Hora, 14/04/1965; Correio da Manhã, 15/04/1965; Diário Carioca, 15/04/1965; Correio da Manhã, 20/04/1965; Diário de
Notícias, 21/04/1965; Diário de Notícias, 05/05/1965; Última Hora, 07/05/1965; O Globo, 05/06/1965; O Globo,
29/10/1965; Diário Carioca, 30/10/1965; Diário de Notícias, 15/12/1965; Nota na coluna “Periscópio”, Diário de Notícias,
19/12/1965; Correio da Manhã, 29/07/1966; Correio da Manhã, 04/09/1966; O Estado de São Paulo, 25/01/1981;
BANDEIRA (1978).
475

Os cheques envelopados, segundo a polícia, eram colocados em embrulhos que eram entregues
a um agente que se encarregava de mandá-los para a América do Norte. Os investigadores aventaram a
possibilidade de que isso ocorresse por mala diplomática ou em aviões particulares. O periódico O
Jornal chegou a divulgar que a polícia teria identificado três pilotos comerciais que levavam envelopes
do Brasil para o exterior784. Ainda segundo a imprensa, os escritórios em que as atividades ilegais
ocorriam eram frequentados por interessados credenciados por funcionários das embaixadas americana
e canadense. Transacionavam nessas operações clandestinas pessoas da “alta sociedade”, firmas
brasileiras e americanas e quase todos os bancos norte-americanos no Brasil.
Alguns jornais (Última Hora, Diário de Notícias e Diário Carioca) divulgaram que, durante a
operação da polícia, compareceram a um dos escritórios duas pessoas (nomes não revelados) que
teriam se apresentado como funcionários da embaixada dos Estados Unidos. Segundo o jornal Última
Hora, estes teriam tentado obter a liberdade dos acusados. O Última Hora e o Diário de Notícias
também informaram que, segundo o general Airton Salgueiro de Freitas, delegado regional do DFSP na
Guanabara, dois funcionários da embaixada estariam envolvidos com os acusados, sendo os
responsáveis por apresentar a eles as pessoas interessadas em transacionar dinheiro estrangeiro. Essas
notícias levaram a embaixada a publicar uma nota nos principais jornais cariocas, dizendo o seguinte:

Em resposta a indagações da imprensa sobre a visita de dois funcionários norte-


americanos da embaixada dos Estados Unidos a funcionários da polícia brasileira, que
realizam uma investigação à Rua do Carmo 27, na Guanabara, a embaixada deseja
esclarecer o seguinte: tendo sido informados por pessoas de suas famílias que cidadãos
particulares norte-americanos estavam sendo detidos em consequência de uma
investigação das autoridades policiais brasileiras, dois funcionários do Consulado dos
Estados Unidos, agindo de acordo com as normas consulares e diplomáticas, adotadas
por todas as nações, visitaram, na quarta-feira, os funcionários encarregados da
investigação a fim de informar-se quanto ao bem-estar dos cidadãos norte-americanos
envolvidos e quanto à natureza das acusações contra eles. As autoridades policiais
brasileiras cortesmente explicaram as circunstâncias em que ocorrera a detenção
temporária desses cidadãos norte-americanos e a natureza geral da investigação.
Segundo entende a Embaixada, trata-se de questão de lei brasileira em relação à qual
as autoridades do Brasil têm plena competência. Os dois funcionários consulares acima
referidos são os únicos representantes da Embaixada que tiveram qualquer ligação com
o caso (Diário de Notícias, 02/04/1965).
784 Os envelopes, ao chegarem ao destino já selados, eram colocados em caixas dos correios, e endereçados a diversos
bancos para depósito. Nos documentos apreendidos, foram identificadas contas dos acusados nas seguintes instituições
estrangeiras: Bank of London, Chemical Bank, Henry Schroeder Banking Co., American Express Co., Royal Bank of
Canada, Bank Landau & Kinche A.G. e Anglo-Portuguese Bank. Não por coincidência, alguns desses bancos são os
mesmos que foram alvo de denúncias e investigações na CPI do IBAD, iniciada no ano de 1962 (que será abordada no
capítulo 11).
476

Inicialmente, foram apontados como responsáveis pela atividade ilegal: o corretor carioca
Carlos Barroca785 e os norte-americanos Herbert George Horne, seu filho William Oliver Horne, seu
genro William Donald Rendall786, J. M Laibruth, este último atuando em São Paulo787, Edward Browne
Tompkins e Bruce Tostevin Dayton. Este tinha um escritório da avenida Erasmo Braga, nº 277, que
desde 1957 atuaria sob o rótulo de Escritório de Informações Comerciais 788. O jornal Última Hora
divulgou que nesse endereço também funcionava a empresa Browne Indústria e Comércio, de Edward

785 Segundo os jornais, Carlos Barroca era, inicialmente, empregado da firma Horne & Sachs, chefiada por Herbert Horne,
que sempre negociou com moedas. Barroca era figura frequente em colunas sociais, antes e depois do escândalo. Segundo o
Última Hora, durante a operação policial que interditou seu escritório de corretagem, Barroca teria protestado aos gritos,
afirmando: “Sou amigo do governador Carlos Lacerda e amicíssimo do Sérgio Lacerda, que é genro do Clemente Mariani, o
“Rei” da rede bancária brasileira. Vocês vão ver com quem estão se metendo”.
786 Horne e seu genro Rendall sempre estiveram envolvidos com o câmbio. O primeiro, em 1939, informou ao Serviço de
Registro de Estrangeiros que trabalhava na firma J. F. Sachs. O segundo, em 1947, indicava ao mesmo órgão que também
trabalhava na J. F. Sachs. Em depoimento à polícia, Rendall declarou que estava no Brasil havia 15 anos sem, no entanto, ter
tido jamais uma profissão, atuando sempre na esfera do dólar.
787 J. M. Laibruth (também aparece nos jornais como Laibath e Labuti) seria responsável pelo escritório em São Paulo, que
funcionava na Avenida 15 de Novembro, 194, sala 1001, em nome de J. M. Tieppo. Segundo entrevista concedida pelo
general Airton Salgueiro de Freitas, São Paulo seria o quartel-general do câmbio ilegal de dólares. Uma de suas afirmações
aos jornalistas, transcrita no Última Hora, dá a entender que Laibruth teria envolvimento com a representação diplomática
norte-americana: “Parece haver diplomatas envolvidos sendo um indício disso o fato de sua atuação, em São Paulo, do
americano J. M Laibruth”. Não foi possível localizar nenhuma pessoa com esse nome nas fontes consultadas. Inicialmente,
noticiou-se que o chefe de polícia da Guanabara teria pedido a interdição do escritório à polícia paulista. No dia seguinte à
divulgação da operação no Rio de Janeiro, as autoridades da Delegacia Regional da DFSP em São Paulo informaram ao
jornal O Estado de São Paulo que ainda nada sabiam sobre a existência, naquela cidade, do comércio clandestino de moedas
estrangeiras. O Globo ouviu Paulo Tieppo, primo de José Mário Tieppo, então ausente, quem declarou que soube dos fatos
pelos jornais e demonstrou estar bastante surpreso com a notícia de que a polícia carioca havia pedido a São Paulo a
interdição do escritório Tieppo. O General Sílvio Correia de Andrade, Delegado Regional do DFSP em São Paulo, por sua
vez, disse que naquela capital nada existia com referência ao que foi descoberto no Rio. Posteriormente, sob a chefia do
delegado Cruz Sampaio, agentes da delegacia paulista do DFSP e técnicos do Serviço Fazendário do mesmo Departamento
estiveram no escritório de Jorge Mário Tieppo, onde nada que comprometesse seus responsáveis foi encontrado. Falando à
imprensa após a diligência, o delegado Cruz Sampaio declarou que um dos principais motivos do malogro da operação foi o
noticiário divulgado no Rio, liberado sem conhecimento prévio do órgão de São Paulo, revelando uma falta de entrosamento
entre Rio e São Paulo. Dias depois, o general Sílvio Correa de Andrade declarou que nada havia de positivo com relação às
propaladas ligações entre o escritório J. M. Tieppo e o cambista Carlos Barroca do Rio de Janeiro. Mas, em 1981, quando o
nome de José Mário Tieppo voltou a ser vinculado ao comércio irregular de dólares, o jornal O Estado de São Paulo
entrevistou Carlos Barroca, o qual afirmou que Horne e Rendall, em 1965 “andaram fazendo negócios com dólar no
mercado paralelo, diretamente em São Paulo, com o pessoal da Tieppo”.
788 Bruce T. Dayton chegou ao Brasil em 1951. Em maio de 1953, obteve licença da para localizar-se à Avenida Calógeras,
15, com um “negócio de informações comerciais” (Diário Oficial da União, 12/05/53). Em janeiro de 1957, Dayton, com
endereço na Avenida Erasmo Braga, 277, sala 1108, foi notificado sobre indeferimento de pedido de desembaraço de
mercadorias, transportadas pelo Serviço de Encomendas Postais, em virtude de se tratar de importações realizadas sem as
respectivas licenças (Diário Oficial da União, 28/01/57). Ele tinha sido representante comercial da Douglas Aircraft,
empresa norte-americana, fabricante de aeronaves (Tribuna da Imprensa, 07/07/55; Diário de Notícias, 31/01/1957; Diário
da Noite, 15/01/1958). Ele costumava realizar importações por via aérea: em setembro de 1958, por meio de edital, Dayton
foi notificado a pagar uma multa à alfândega, “relativamente a dois pacotes vindos pelo avião prefixo N772PA, chegado em
15/04/58 (…), contendo cartazes impressos” (Diário Oficial da União, 22/09/58). Na época das operações policiais, Dayton
não foi localizado. Afirmou-se na imprensa que ele estaria nos Estados Unidos, na Europa ou mesmo no interior do Brasil.
Falou-se também que a polícia brasileira pediria ajuda à Interpol e ao FBI para localizá-lo. Não se tem notícia de que a
polícia tenha permanecido com esse intento. Seu nome deixou de ser mencionado nos jornais. Um ano após o escândalo, ele
jogava tênis em boas companhias: “Três norte-americanos praticam, pontualmente, o tênis no Fluminense: o industrial
477

Browne Tompkins – que, como visto anteriormente, em 1955, com Ivan Hasslocher, participou da
fundação da Direct Mail, empresa que distribuiria a revista do IBAD a partir de 1959, tendo sido seu
diretor-tesoureiro em 1956 e 1957789. Esse local foi o primeiro a ser inspecionado pela polícia, a partir
de denúncias recebidas, depois de alguns dias de observação (os investigadores ficaram posicionados
no prédio em frente ao escritório, utilizando uma câmera de longo alcance e definição para registrar as
movimentações no local). Depois de analisar os documentos encontrados no escritório da avenida
Erasmo Braga, os policiais fizeram a operação no escritório da Rua do Carmo, no qual Horne e Rendall
operavam, associados a Carlos Barroca. O general Airton Salgueiro de Freitas informou em entrevista
coletiva, logo depois das apreensões de dinheiro e documentos, que o envolvimento de Dayton e seu
escritório de informações, e de Edward Browne Tompkins (que em alguns jornais foi citado como

Bruce Dayton, o 1º secretário da Embaixada dos Estados Unidos, Frank Carlucci, e o embaixador do cinema americano no
Brasil, Harry Stone, todos já integrados na melhor gíria e nas melhores anedotas brasileiras (Correio da Manhã, 03/04/66)”.
Carlucci (1930-2018), graduado na Princeton University, serviu na Marinha dos Estados Unidos entre 1952 e 1954. Em
outubro de 1957, foi designado oficial político da embaixada de Leopoldville, capital da atual República do Congo, cidade
hoje denominada Kinshasa. Em 1962 retornou ao Departamento de Estado, onde atuou como oficial de inteligência.
Designado political officer na embaixada do Rio de Janeiro em julho de 1965, permaneceu no Brasil até 1968 (US,
Biographic Register 1973, p. 55-56). Em 1960, aos trinta anos, atuando como diplomata no Congo, seis anos depois de
deixar a Marinha, Carlucci “foi esfaqueado no pescoço e nas costas por soldados congoleses que empunhavam baionetas”,
enquanto ele “negociava bravamente a libertação de um grupo de americanos sob ameaça de uma multidão na rua”. Anos
depois, ele negaria “veementemente”, denúncias de que, durante essa missão no país africano, ele teria colaborado com uma
bem documentada operação da CIA para assassinar Patrice Lumumba, o líder de esquerda da independência daquele país
(Lumumba foi sequestrado e assassinado em 1961). Ao deixar a carreira diplomática do Departamento de Estado, em 1969,
Carlucci chegou a Washington e “se viu na companhia de velhos amigos, incluindo o ex-colega de quarto em Princeton,
Donald Rumsfeld”, chefe de gabinete do presidente Gerald Ford, na Casa Branca e, mais tarde, foi embaixador em Lisboa
de 1975 a 1978, tendo desempenhado papel central no processo de retirada do Partido Comunista Português do governo”. O
mentor mais importante de Carlucci em Washington pode ter sido Caspar Weinberger, que foi secretário de saúde, educação
e bem-estar do presidente Richard Nixon de 1973 a 1975, quando Carlucci era subsecretário. Quando Weinberger foi
nomeado primeiro secretário de defesa do governo Reagan em 1981, ele escolheu Carlucci como vice-secretário: os dois
homens supervisionariam a maior expansão militar (military buildup) da história americana, com gastos totais de mais de
1,4 trilhões de dólares”, no primeiro mandato de Ronald Reagan na presidência dos Estados Unidos. Cinco anos depois,
quando o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, John Poindexter, foi envolvido no chamado escândalo Iran-
Contra – que envolvia a venda ilegal de armas ao Irã e o uso dos recursos obtidos para financiamento de paramilitares na
Nicarágua – Reagan nomeou Carlucci para substituí-lo. Em 1987, quando Weinberger, o secretário de Defesa “mentor” de
Carlucci também foi atingido pelo escândalo, ele assumiu seu lugar, permanecendo à frente do Pentágono até o fim do
governo Reagan. Depois, “praticamente desapareceu” do “olhar público”. No final de sua carreira, Carlucci se dedicou ao
setor financeiro e a contratos do setor de defesa. Entre 1992 e 2003, esteve à frente de um fundo de investimentos privados
(Carlyle Group) (SHENON, 30/12/2018) Entre 1978 e 1981, Carlucci foi vice-diretor (Deputy Director) da CIA
(Informação disponível em: https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/books-and-
monographs/directors-and-deputy-directors-of-central-intelligence/carluc.html Acessado em dezembro de 2019).
789 Encontramos a primeira menção à empresa Browne Indústria e Comércio Ltda no ano de 1954, na seção do Diário
Oficial da União destinada ao Departamento de Renda de Licenças (DOU, 13/10/54), mas não foi possível especificar o
início exato de suas operações. Em julho de 1958 foi publicada a mudança de sede da empresa, para a Avenida Erasmo
Braga, 277, 7º andar, sala 712 (Jornal do Comércio, 16/07/1958). No mês seguinte, foi publicada no Jornal do Comércio
(31/08/1958) a modificação do objetivo da empresa para: “indústria e comércio, especialmente artigos metálicos para
escritório e mobiliário, artigos de couro, material esportivo em geral, de caça e pesca, lubrificantes (…), produtos químicos
e de toucador, importação e exportação, material aeronáutico, inclusive aviões e helicópteros e peças e acessórios para os
mesmos”.
478

Edward Scott e Edward Tompowski), representante de uma firma de armamentos, com Horne, Rendall
e Barroca, ainda não estava bem esclarecido 790. Mas isso não o impediu de declarar a possibilidade de
que a “quadrilha” ou “gangue” também realizasse vendas de armas, como foi noticiado no Jornal do
Comércio, em O Dia, O Jornal e no Última Hora.
O envolvimento de Edward Tompkins com a venda de armamentos é informação relevante por si
só. Mas ela se torna ainda mais relevante se levarmos em consideração que ele, em pelo menos uma
oportunidade, realizou uma operação de compra e venda com a Interarmco, famosa empresa do ramo
de armamentos, cujos serviços eram contratados pela CIA para operações de tráfico de armas 791. A
International Armament Corporation (Interarmco, mais tarde, Interarms) era “a maior companhia
privada negociadora de armamentos do mercado internacional” (THAYER, 1970, p. 43) 792. Fundada e
inicialmente financiada pela CIA em 1953 (SCHLESINGER e KINZER, 1982, p. 115; MARCHETTI e

790 “[O escritório de Bruce Dayton, na rua Erasmo Braga, 277, sala 1.106] (…) pela manhã trabalhava como se fora uma
firma de ‘investigações comerciais’, tendo como sócio Edward Tompowski [sic], e, à tarde, no câmbio negro, com dólares,
libras e francos, já que, segundo as autoridades, era uma espécie de sucursal do escritório central, na rua do Carmo, 27. Ao
que se apurou, ali se negociava com armas, fato que está sendo investigado com profundidade” (Diário de Notícias,
02/04/1965). “Também estão implicados – embora ainda não tenham sido bem esclarecidas suas ligações com Barroca,
Horne e Randall [sic] – os norte-americanos Bruce Dayton e Edward Scott [sic]. O primeiro mantinha (…) uma agência de
‘informações confidenciais’ e o segundo é representante de uma firma de armamentos, já tendo feito vários negócios com o
Exército” (Diário Carioca, 02/04/1965). “O Delegado Regional do Departamento Federal de Segurança Pública na
Guanabara, General Aílton Salgueiro, informou a UH que os negocistas do câmbio-negro dos dólares têm como sócio outro
cidadão norte-americano, Sr. Edward Tompkins, que é vendedor de fuzis e outros modelos de armas de fogo, inclusive
negociando com o Exército brasileiro” (Última Hora, 05/04/1965). Em fevereiro de 1958, Edward Tompkins tinha
solicitado “desembaração ou alfandegária para 330 cartuchos carregados à bala calibre 33 e para 1000 espoletas para
cartuchos” (Diário Oficial da União, 28/02/1958). Em abril de 1958, a Browne Indústria e Comércio Ltda solicitou licença
para importar da Alemanha 15 pistolas marca “Walther”, calibre 9mm, parabellum semi-automática, a fim de fazer doação
ao Exército, Marinha e Aeronáutica, para experiências e comparação, pedido que foi indeferido em face do parecer do
Estado-Maior do Exército (Diário Oficial da União, 18/04/1958). Em julho de 1958, a empresa solicitou autorização para
retornar aos EUA, com embarque no porto do Rio de Janeiro, com destino ao de Nova York, por via aérea, três fuzis
automáticos, modelo AR 10, marca Armalite, calibre 7,62mm, pedido autorizado pelo Ministério da Guerra (Diário Oficial
da União, 22/07/1958). Em 07 de julho de 1958, a CACEX concedeu à Browne Ind. e Com. licença para importação de
fuzis automáticos militares e cartuchos carregados à bala. (Jornal do Comércio, 26/09/58) Em 1983, na seção da Junta
Comercial publicada no Jornal do Comércio (09/09/1983), consta o distrato da Browne Indústria e Comércio Ltda (então
localizada na Av. Mal. Câmara, 271, sala 1103 – não por acaso, no mesmo prédio onde, um andar abaixo, na década de 1950
e início da década de 1960, estavam localizadas as sedes do IBAD e da Promotion). Nesse momento, retiraram-se da
sociedade: Jeanne Tompkins, Edward Browne Tompkins e Carlos Celso de Morim Parente de Mello.
791 Em fevereiro de 1959 a Browne Ind. e Comércio solicitou e recebeu licença para exportar para os EUA, por via área,
com destino à firma Interarmco Limited, sediada na cidade de Alexandria, Virginia, dois fuzis automáticos militares, modelo
AR 10 de fabricação holandesa (Diário Oficial da União, 11/02/1959). Evidentemente, operações ilegais que podem ter
ocorrido entre essas empresas não seriam divulgadas no Diário Oficial. Esse pedido de licença é apenas uma comprovação
de que o contato existia.
792 Ainda segundo Thayer (1970, p. 43-4), a Interarmco especializou-se em vendas de excedentes de equipamentos
militares, ou seja, “materiais tecnicamente obsoletos, mas que poderiam ser úteis a países do terceiro mundo”. A empresa,
no entanto, “também vendia equipamentos militares novos, se este fosse o desejo do cliente”. Ainda de acordo com Thayer
(1970, p. 48), a CIA tinha necessidade de grande quantidade de armamentos não-rastreáveis, conhecidos no mercado como
armamentos “limpos” ou “estéreis”, geralmente fabricados no exterior e que não podiam ser rastreados por seu número de
série aos Estados Unidos ou a fontes aliadas ao país. “Estes armamentos são vitais para qualquer operação clandestina onde
o apoio americano deve ser ocultado”, conclui Thayer.
479

MARKS, 1974, p. 122, BROGAN e ZARCA, 1983, p. 46-50), em 1954 a empresa passou a ser de
propriedade de Samuel Cummings, que havia sido um operativo da CIA na guerra da Coreia (1951-
1953). A empresa foi utilizada pelo governo norte-americano como canal para o envio de armas para o
exército de Castillo Armas durante a operação de derrubada do presidente Árbenz na Guatemala (ver
FICHA Guatemala)793.
O desfecho da ação policial foi logo levado ao conhecimento do marechal presidente Castelo
Branco e um relatório foi enviado ao Serviço Nacional de Informações (SNI). A SUMOC
(Superintendência da Moeda e do Crédito) foi, segundo Dênio Nogueira, seu diretor executivo,
solicitada a designar um inspetor para acompanhar as diligências em torno do caso794. O chefe do
DFSP, general Riograndino Kruel795, veio de Brasília ao Rio para verificar pessoalmente a extensão do
793 De acordo com Hancock e Wexler (2014, p. 558), “a associação de Cummings com o envio de armamentos para
Castillo Armas o colocou em uma posição singular para fazer crescer o seu novo negócio. Depois de Armas assumir o
poder, (…), o governo decidiu substituir todo o seu inventário de armamentos de fabricação tcheca por equipamentos norte-
americanos. Como o governo dos Estados Unidos seguia trabalhando para negar o seu papel na intervenção na Guatemala,
foram feitos arranjos para comprar os novos armamentos através de Cummings. Nos cinco anos subsequentes [ao golpe que
depôs Árbenz, em 1954], Cummings comprou oitenta mil peças obsoletas do exército guatemalteca e reabasteceu o país
com armamentos da Segunda Guerra Mundial comprados da Grã-Bretanha. Esta transação e outras similares foram passos
fundamentais para a ascensão da Interarmco a uma posição de liderança no comércio privado de armamentos na década de
1960”. Ainda segundo Hancock e Wexler (2014, p. 65), “Sam Cummings se tornou uma figura seminal nas duas primeiras
décadas das guerras plausivelmente negadas da CIA. E, assim como outros, ele manteve-se como um recurso (asset)
comercial e um recurso (source) de inteligência mesmo após o seu afastamento formal como funcionário da CIA”.
Cummings “nunca desmentiu as especulações de que ele manteve vínculos com a CIA” após a sua saída da agência ( The
New York Times, 05/05/1998).
794 Nogueira tinha sido editor econômico da revista Ação Democrática, do IBAD.
795 Riograndino Kruel nasceu em Santa Maria, RS, em 1898. Ingressou na Escola Militar do Realengo, Rio de Janeiro, em
1918. Partidário da Revolta de Julho de 1924 deflagrada em São Paulo, depois de ser mantido preso e responder a
processos, exilou-se na Argentina, onde se dedicou à plantação de erva-mate. Regressou ao Brasil pouco depois do início da
Revolução de 1930, da qual foi apoiador. Após a posse de Getúlio Vargas na chefia do Governo Provisório, seguiu para o
Rio de Janeiro, servindo na chefia de polícia do Distrito Federal sob as ordens de João Batista Luzardo. (…) Depois da
eclosão da Revolução Constitucionalista em São Paulo (julho de 1932), “foi enviado por Vargas para Buenos Aires, como
adido civil à embaixada brasileira, com o objetivo de organizar um serviço de informações sobre as atividades dos rebeldes
e impedir o envio de material bélico para São Paulo. Mesmo depois da derrota militar paulista no início de outubro daquele
ano, Kruel permaneceu em Buenos Aires com a missão de vigiar a movimentação de líderes rebeldes exilados na capital
argentina. No início de 1934 foi substituído em suas funções por Orlando Leite Ribeiro, regressando ao Brasil. Depois de
servir alguns meses no Departamento de Polícia do Exército, no Rio, em julho de 1934 ficou à disposição do Ministério da
Justiça, lotado na Inspetoria Geral de Polícia. Servia nesse órgão quando irrompeu a Revolta Comunista de novembro de
1935. Participou da repressão ao movimento (…). (…) como inspetor-geral de polícia, tomou parte ativa no combate aos
participantes do levante integralista, deflagrado em 11 de maio de 1938 no Rio e prontamente sufocado pelas forças fiéis a
Vargas”. Riograndino Kruel deixou o serviço ativo no Exército em dezembro de 1944. “Afastado da vida militar, dedicou-se
à atividade privada, especialmente ao plantio de erva-mate e à sua fazenda na Argentina”. Seu irmão, Amauri Kruel,
comandou a Polícia Municipal do Rio de Janeiro entre 1936 e 1937 e, como visto no capítulo anterior, foi chefe do
Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) entre 1957 e 1959, e ministro da Guerra, entre 1962 e 1963 (DHBB,
Verbete biográfico). Riograndino, segundo depoimento de Antônio Carlos Muricy ao CPDOC-FGV, em 1964 foi chamado
pelos militares que estavam conspirando contra o governo de João Goulart para garantir a adesão de seu irmão, que
comandava o II Exército, em São Paulo, ao movimento golpista: “Ele me ajudou muito. O Riograndino é um homem de
grandes virtudes, sempre interessado em conciliar. Não se projetou como chefe militar, não foi general da ativa; então, não
tinha prestígio na área militar, era até pouco conhecido dos militares. Mas ele era muito estimado por aquele pessoal mais
antigo e tinha um trânsito muito fácil nesse grupo. (…) Sabíamos do pensamento anticomunista do [Amauri] Kruel, mas
480

escândalo e teve uma longa conferência com o general Airton Salgueiro de Freitas. Poucos dias depois
do início das operações policiais, os dois generais participaram de uma reunião sigilosa no Ministério
da Fazenda, para onde tinha sido levado o material apreendido na operação – na época, conforme O
Globo (27/03/65), o gabinete do diretor-geral do DFSP tinha sede no 12º andar do edifício do
Ministério da Fazenda796. Da reunião também participou, conforme O Jornal, o general João Gentil
Barbato.

sabíamos da amizade que o unia ao Jango. Era preciso alguém que tivesse contato... E o Costa e Silva tinha. Ele chamava o
Amauri de Alemão. Nós vivíamos dizendo: ‘Costa,você precisa ir lá falar com o Alemão.’ E ele foi a São Paulo. Voltou e
disse: ‘Está resolvido. O Amauri vem aí e vai falar com o Castelo [Branco].’ O Amauri veio ao Rio, nós corremos para lá e...
ele não falou com o Castelo. Foi uma decepção, mas nós insistimos até que o Riograndino entrou na jogada. Não sei quem
falou com ele. Acredito que tenha sido alguém da turma dele, de intimidade, mais do que nós. Nós não tínhamos essa coisa
do companheiro de turma. O Riograndino é que conseguiu a resposta firme do [Amauri] Kruel, dois ou três dias antes de 31
de março. Aí é que o Amauri declarou que estaria conosco” (MURICY, 1993, p. 492 e 511). Em novembro de 1964,
Riograndino assumiu a direção geral do Departamento Federal de Segurança Pública, “a convite do próprio Castelo Branco,
com a tarefa de promover a organização do departamento em Brasília, para onde o órgão fora transferido fazia pouco tempo.
Permaneceu no exercício dessas funções até agosto de 1966”. Faleceu em 1989 (Verbete biográfico, DHBB).
796 O Departamento Federal de Segurança Pública tinha sido reorganizado em novembro de 1964 (Lei nº 4.483). De acordo
com Brandão (2019), com essa lei, o DFSP “teve seus mandatos e funções ampliados e iniciou um efetivo processo de
capilarização, o qual se estenderia ao longo da ditadura sobre todo o território nacional”. Segundo Huggins (1998, p. 144), o
novo DFSP foi um dos “três novos órgãos do Estado militar do Brasil” – os outros dois eram o Instituto Nacional de
Identificação (INI) e o Serviço Nacional de Informações (SNI) – que contaram com ajuda norte-americana para levar
adiante o “controle autoritário”, por meio da coordenação da polícia e da centralização da coleta e da disseminação da
informação. O Office of Public Safety (OPS), um setor criado dentro da Agency for International Development (AID),
“participou ativamente do planejamento do novo Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) do Distrito Federal
(Brasília) e da reorganização da polícia ali sediada, proporcionando-lhes apoio técnico e material, bem como instalando em
Brasília a nova academia de formação policial. A OPS considerava que seu papel na instalação do DFSP constituía um passo
positivo na direção do estabelecimento de uma nova organização policial federal de âmbito nacional segundo o modelo do
FBI norte-americano. Do pessoal da OPS enviado para trabalhar no novo DFSP de Brasília fazia parte o consultor de
segurança pública da AID, Phillip Weatherwax [identificado como agente da CIA, conforme visto no capítulo 3] (…).
Weatherwax colaborou no projeto do DFSP com o general Riograndino Kruel, ex-estagiário da DPS (…). Weatherwax
trabalhou também com o chefe de gabinete de Riograndino Kruel, o tenente-coronel Amerino Raposo Filho” (Id., p. 104,
126 e 144-145). Amerino Raposo, segundo Brandão (2019), “é conhecido na historiografia sobre a ditadura brasileira como
um coronel da Primeira Linha Dura do regime militar”. “Oriundo da Turma de 1943, da Escola militar do Realengo”, ele foi
voluntário da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Segunda Guerra Mundial. “De personalidade muito vaidosa e
impetuosa, o coronel possui 16 condecorações, inclusive a Cruz de Combate, concedida àqueles que se destacaram na II
Guerra Mundial, e sempre fez questão de realçar sua intelectualidade e se posicionar enquanto protagonista de vários
eventos relevantes da história. Foi por vários anos instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), e
publicou muitos artigos de estratégia militar na revista do Exército, Mensário de Cultura Militar. (…) Em 2015, Amerino
organizou e publicou, juntamente com a jornalista Aline Veroneze, o livro Polícia Federal do Brasil: 50 anos de História:
como a reestruturação do Departamento Federal de Segurança Pública viabilizou a respeitada PF de hoje (...)”. Conforme
Brandão, Raposo atribuiu destaque a seu papel, tanto na implementação do Serviço Nacional de Informações (SNI) em
1964, no qual permaneceu até 1967, “quanto no que chamou de ‘criação’ da Polícia Federal”: “(…) eu era de ambos. Eu era
do Gabinete Central do SNI e estava emprestado por aviso reservado do ministro [da Guerra] Costa e Silva ao ministro [da
Justiça] Milton Campos para, com total liberdade, reestruturar a Polícia Federal. Então eu vivia os dois lados. O que é
curioso é que ambas as estruturas se beneficiaram mutuamente. Por quê? No SNI, em princípio, pela natureza das avaliações
que são feitas etc. não havia necessidade, na maioria dos produtos, de ser assinado por chefe a, b ou c. Fazem-se avaliações
e aquilo sai de uma área, sai de um setor, sai do SNI. A Polícia Federal é o contrário, ela é um órgão de atividade preventiva
e repressiva e constitucionalmente as autoridades policiais, além de processantes, são responsáveis. Então, claramente é
definida a responsabilidade. E isso era uma vantagem para o SNI e isso também era uma vantagem de grandeza para o
Departamento de Polícia Federal, que ele sabia que tinha um lugar devido ali” (Amerino Raposo, entrevista, 15 jan. 1998,
481

No recorte de jornal guardado por Hasslocher, a foto em que aparecem os três generais é marcada
com uma flecha apontada para o general Barbato – que, na época, era chefe do gabinete do diretor-geral
do DFSP na Guanabara. Segundo Moniz Bandeira (1978, p. 71), Barbato era “o homem forte da
ADEP”, Ação Democrática Popular (organização vinculada ao IBAD, que será apresentada no capítulo
10). Ele também é citado nas memórias de Ivan Hasslocher: “eu lembro especialmente do general
Gentil João Barbato e do coronel Jurandyr Palma Cabral, que eram amigos inseparáveis e sempre
vinham juntos ao meu escritório” (HASSLOCHER, 1999, p. 221).
Como a Delegacia Regional do DFSP ainda não possuía cartório e nem tribunal federal, o inquérito
passou para a esfera estadual, a cargo da Delegacia de Crimes Contra a Fazenda, a quem caberia
caracterizar a responsabilidade criminal dos envolvidos no caso. A apuração das infrações de natureza
fiscal ficava a cargo da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito). Um processo de caráter
administrativo foi enviado à Fazenda Pública. Os acusados foram condenados a pagar multa de Cr$ 1
bilhão e 200 milhões, aproximadamente. Mas o inquérito criminal foi arquivado, por solicitação do
promotor público ao juiz que presidiu as investigações. O “escândalo dos dólares” rapidamente saiu
dos jornais797.
Teria ocorrido um abafamento do caso? As informações acima apresentadas sugerem que as
operações de câmbio realizadas por Herbert G. Horne e William D. Rendall podem ter sido utilizadas
como canal de financiamento clandestino das atividades do IBAD pela CIA. Considerando que antigos
colaboradores do IBAD (Dênio Nogueira e o general João Gentil Barbato) e autoridades militares que
tinham relações com a CIA (Riograndino Kruel) estavam pessoalmente envolvidos nessa investigação,
é difícil não desconfiar que possa ter ocorrido uma operação planejada de acobertamento, evitando

apud BRANDÃO, 2019).


797 Em 1969, o procurador chefe da Procuradoria da República no estado da Guanabara remeteu à Comissão Geral de
Investigações (CGI), órgão criado em 1968 com o objetivo de investigar políticos e servidores públicos suspeitos de
corrupção, o processo instaurado contra Rendall e Herbert Horne pelos agentes da Fazenda Pública do estado da Guanabara
em relação aos crimes contra o imposto do selo, operações ilegítimas de câmbio e sonegação de imposto de renda. O
procurador chefe concluiu, “com base em alentados volumes de inquérito, engrossados pela abundante documentação
coligida e apreendida no local”, que “fica configurado, de modo incontestável, que os denunciados realmente ocupavam-se
de especulação em negócios ligados ao ‘câmbio negro’ de dólares”.” A diligência fiscal que se fez”, continuou o procurador
chefe, “logo após a denúncia, arrecadou uma enorme quantidade de papéis e documentos que vieram comprovar, sob todos
os ângulos, que os indiciados operavam no ‘mercado negro’ de dólares, mantendo contatos com pessoas e agências
bancárias diversas, em vários países estrangeiros”. O procurador chefe acrescentou que “foram encontrados, em grande
quantidade, cheques, promissórias, talões de diversos bancos estrangeiros, correspondência variada, livros, papeis outros,
carimbos, etc.”. Ele também destacou que “naquele local [escritório de Horne e Rendall] se havia instalado um verdadeiro
escritório de câmbio, operando com extraordinária desenvoltura”. E concluía: “os cheques adquiridos eram remetidos para o
exterior, para cobrança e crédito em contas cifradas ou numeradas, que os denunciados mantinham em bancos dos Estados
Unidos, Canadá, Suíça e Inglaterra. Sobre essas contas eram feitos os saques, correspondentes às vendas efetuadas no
Brasil, utilizando-se, para tal efeito, em geral, o sistema de cartas contendo ordens de crédito ou pagamento em favor de
determinadas pessoas físicas ou jurídicas no exterior” (CGI, 15/05/1969).
482

maiores danos às relações entre Brasil e Estados Unidos. Chama atenção, especialmente, uma viagem
de Riograndino Kruel e de seu chefe de gabinete àquele país, em “meados de 1965”, ou seja, em
período próximo à operação policial que prendeu os norte-americanos que faziam operações de câmbio
no Rio de Janeiro798.
O propósito dessa viagem, segundo Huggins (1998, p. 145), era “garantir a continuidade da
influência da OPS/AID”, mencionada em nota logo acima, “junto a Kruel e Raposo Filho”. Eles teriam
sido convidados a conhecer a organização e o funcionamento da polícia norte-americana em nível
federal e estadual: “seu ‘giro turístico VIP’ de quatro semanas incluiu palestras de orientação dadas
pela INPOLSE [International Police Services, Inc., uma firma de fachada da CIA] e pela CIA, e junto
ao FBI, ao Departamento do Tesouro e ao Departamento de Polícia Metropolitana da cidade de Nova
York”. Como assegurar que essa viagem não foi aproveitada para se buscar uma saída para a operação
que expôs publicamente as atividades de Horne e Rendall?
Embora não tenha sido possível encontrar outras fontes que possam esclarecer detalhes sobre as
operações de financiamento das atividades do IBAD, as obras de três ex-oficiais do governo
estadunidense indicam que o esquema de compra de moeda estrangeira e de remessa de cheques era um
modus operandi adotado para financiamento de atividades da CIA. Uma passagem do diário de Philip
Agee de maio de 1964, relativa ao seu período como oficial da agência em Montevidéu, menciona que
a estação local da CIA de Santiago no Chile estava “às voltas com uma operação realmente grande para
evitar que Salvador Allende” fosse eleito presidente. Agee explica como a agência operou para
conseguir arrecadar fundos para as atividades anti-Allende durante as eleições a serem realizadas em
1964 no Chile:

O problema é que o escritório de finanças do escritório central [da CIA] não conseguiu
a quantia suficiente em pesos chilenos dos bancos de Nova York, e teve de fundar
postos regionais de compra em Lima e no Rio. Porém, mesmo estes escritórios não
podem satisfazer às solicitações, e assim pediram a nossa ajuda. O agente de compra
de moeda nesta área é o First National City Bank, mas a base [estação local da CIA] de
Buenos Aires geralmente se encarrega destes assuntos financeiros, porque conta com
um escritório financeiro “classe A”, capacitado para as aquisições necessárias. Como
uma base “classe B”, estamos limitados apenas, em casos de emergência, a efetuar o
câmbio de dólares por moeda corrente do país. Contudo, o escritório central [da CIA]
enviou um cheque sacado de uma conta do New York City Bank, que levei a Jack

798 Huggins não informa a data precisa da viagem. Mas o documento citado pela autora (“VIP Observation Tour”, AID
Police Training Requisition, PIOP, 512-070-50342/7-65) tem a data de 17 de junho de 1965 (HUGGINS, 1998, p. 248).
483

Hennessy799, o funcionário de cidadania americana mais credenciado no City Bank de


Montevidéu. Ele tem carta branca do escritório central [da CIA] para comprar moeda e
já tinha sido informado pela agência de Nova Iorque do City Bank para aguardar o
referido cheque. Entreguei-lhe o cheque e ele mandou seus funcionários a Santiago
para fazerem discretas compras. Dentro de dois dias estavam de volta – segundo
Hennessy, sempre trazem o dinheiro em maletas e subornam os inspetores
alfandegários para que não façam a inspeção. Paul Burns [oficial da CIA da estação
local de Montevidéu] e eu fomos ver Hennessy receber a “compra”. Ao voltarmos para
a base [estação local da CIA], passamos o resto do dia contando todo aquele dinheiro –
no valor de mais de cem mil dólares 800. Agora vamos enviar tudo para Santiago, para a
base [estação local da CIA] de lá, pela mala diplomática. Devem estar gastando
milhões, se precisam recorrer a estes expedientes, e Nova York, Lima e Rio de Janeiro
juntos não podem satisfazer as solicitações (AGEE, 1976, p. 376-7).

Victor Marchetti, outro ex-oficial da CIA, e John D. Marks 801, ex-funcionário do Departamento de
Estado, também relatam a utilização do mesmo esquema de financiamento de atividades da CIA no
Vietnã. De acordo com os autores, “já fazia muitos anos que a CIA vinha obtendo dezenas de milhões
de dólares em piastras [moeda vietnamita] no câmbio negro, tanto em Hong Kong quanto em Saigon”.
Através disso “a agência conseguia multiplicar por duas ou três vezes o poder aquisitivo de seus
dólares americanos”. Uma das vantagens destas operações de câmbio negro era que as compras de
moeda local “não deixavam rastro, sendo assim ideais para as atividades secretas”. Os autores destacam
que, “embora de um ponto de vista rigorosamente orçamentário as compras de moeda da agência
constituíssem excelente política fiscal, elas violavam diretamente a lei vietnamita”. Outra vantagem da
compra de moeda local no câmbio negro era que as despesas em dólar eram calculadas à taxa de
câmbio oficial, permitindo esconder o fato de que, na verdade, a agência possuía “o dobro ou o triplo
de piastras apresentadas no orçamento para gastar no Vietnã” (MARCHETTI e MARKS, 1974, p. 193-
4).

799 De acordo com Agee (1976, p. 621), Hennessy era subgerente do First National City Bank em Montevidéu, emissário
de recursos operacionais para a CIA.
800 Hasslocher indicou em suas memórias não-publicadas que ele andava com malas cheias de dólares no porta malas de
seu automóvel. Segundo seu relato, na noite em que começaram as primeiras movimentações para o golpe de 1964, ele
estava em uma casa noturna no Rio de Janeiro, acompanhado de “políticos e generais”. Depois de alguns drinques, as “boas
notícias” chegaram ao conhecimento deles, e todos os homens saíram do bar embriagados, acompanhados pelas atendentes
do estabelecimento, sem pagar a conta, exceto Hasslocher, que permaneceu no local. O gerente exigiu o pagamento,
acompanhado de um “segurança musculoso e ameaçador”. Hasslocher dirigiu-se ao seu carro, acompanhado do segurança, e
abriu o porta-malas: “podiam ser vistas três malas ali, duas delas continham dinheiro, o equivalente a duzentos mil dólares”.
Ele explica que não houve tempo “para o governo imprimir notas de maior valor e elas estavam em malas que as pessoas
carregam por aí caso tenha de deixar o país temporariamente” (HASSLOCHER, 1999, p. 247-8).
801 Marks, conforme visto no capítulo 3, foi o autor do artigo “Como identificar um fantasma”.
484

8.9 Membros e apoiadores do IBAD

Em suas memórias, Hasslocher omitiu informações relevantes, principalmente as referentes a


seus reais apoiadores brasileiros e à rede empresarial na qual ele já estava inserido muito tempo antes
da criação do IBAD. Analisando as relações pessoais e profissionais de Hasslocher, descritas ao longo
do capítulo, é possível situá-lo próximo a um grupo de empresários que, desde os anos 1940,
representava no Brasil os interesses do capital multinacional e associado 802. A CIA também não criou,
por assim dizer, a partir do nada, uma rede de apoio ao IBAD. Ela dinamizou a atuação de grupos e
interesses classistas que já existiam antes mesmo de sua criação, articulados em organizações de classe
transnacionais desde o final da década de 1940 803. Na tabela abaixo são apresentados os nomes e
algumas informações biográficas dos integrantes, colaboradores, apoiadores e ativistas do IBAD,
citados nas memórias de Hasslocher e em outras fontes804.
802 Hasslocher (1999, p. 298-9) destaca o nome de três empresários – grupo que, de modo geral, é muito criticado em suas
memórias, por pretensamente nada terem feito em nome da “revolução” – “que eram muito bons colaboradores meus”:
Jorge Bhering de Mattos, fundador do CONCLAP, Jorge Oscar de Mello Flores e José Bento Ribeiro Dantas (dono da
empresa aérea Cruzeiro do Sul), “que ajudou muito com as entregas das gravações de meus programas de rádio por todo o
Brasil”. O primeiro editorial de lançamento da revista Ação Democrática, do IBAD, deixa muito clara a sua defesa de
interesses privados: “Com o propósito de trabalhar pelo Brasil, em defesa de seus legítimos interesses, contribuindo, ao
mesmo tempo, para sanear o ambiente das nuvens confusionistas oriundas de Moscou, fundou-se o Instituto Brasileiro de
Ação Democrática. A nossa função é informativa por excelência. Através deste periódico e por todos os meios que nos
forem possíveis, tentaremos informar os nossos patrícios acerca do que achamos ser bom para o Brasil e do que achamos ser
mau para o Brasil. Apresentaremos os nossos argumentos a favor da iniciativa privada, da liberdade de pensamento e da
dignidade do indivíduo (revista Ação Democrática, n. 1, junho de 1959, itálicos meus)”. Um do redatores da revista,
Gladstone Chaves de Mello, quando se afastou de Hasslocher, justificou que tinha tomado tal atitude em função do
compromisso do IBAD com “a livre empresa”: “Recebi ontem, entre os recortes da agência Lux, um que me obriga a esta
carta. Trata-se da transcrição de uma longa ata de Assembleia Geral do IBAD, onde encontrei uma série de novidades, entre
as quais avulta a minha participação ativa em certa reunião. Nesta eu teria pedido a palavra para inserir em ata um voto de
louvor aos diretores renunciantes e, igualmente, fui eleito diretor tesoureiro. Por outro lado, verifiquei que o objetivo
fundamental do IBAD é fomentar o desenvolvimento da livre empresa, quando eu tenho entendido, defendido e proclamado
publicamente que o IBAD é uma entidade que se propõe a defender e propagar a verdadeira democracia, combatendo-lhe os
opostos, especialmente o mais iminentemente perigoso, que é o comunismo. (…). Quando defendo a democracia e suas
características essenciais, não costumo falar em livre empresa, que é muito restrito, mas em livre iniciativa, que envolve
muito mais coisas que a livre empresa, expressão preferentemente significativa de atividades industriais e comerciais,
componentes mas não definitórias da democracia. (…). Jamais eu imaginara que iria ser posto para tesoureiro, lugar que eu
nunca aceitaria. (…). E menos aceitaria neste caso presente, porque o IBAD lida com muito dinheiro, cuja origem os
patrocinadores preferem que não se diga. (…). Rogo-lhe que me desligue desse compromisso, cancelando meu nome da
diretoria do IBAD” (Carta, 26/05/1961).
803 O IBAD foi mais um exemplo demonstrativo do “DNA empresarial” da CIA na América Latina. A agência tinha neles a
sua principal base de apoio – além de ter em seus quadros, ocupando posições importantes, indivíduos que tinham uma
importante experiência no mundo empresarial. Como visto no capítulo 3, esse é o caso de David Smyser – que antes de
ingressar na CIA trabalhou por anos no Brasil junto às Empresas Elétricas Brasil, subsidiária da American Foreign Power –
e de J.C. King, chefe da Western Hemisphere Division, que trouxe a empresa Johnson & Jonhson para o Brasil e Argentina,
na década de 1930, entre outros exemplos.
804 Foram incluídos na tabela apenas os nomes de indivíduos citados nas memórias de Hasslocher, em reportagens de
revistas e jornais da época, em depoimentos de pessoas envolvidas com a entidade e fontes primárias, identificando a função
485

Tabela 7. Integrantes, colaboradores e apoiadores do IBAD, 1959-1964


Nome Informações biográficas Função no IBAD
Ivan Hasslocher Empresário Diretor Superintendente
Diretor Geral da revista Ação
Frutuoso Osório Filho Publicitário (Texaco e Promotion) Democrática, Diretor do IBAD
Pernambuco
Carlos Lavínio Reis - Diretor-Secretário do IBAD
Redator Chefe da revista Ação
Gladstone Chaves de Melo Vereador pelo PDC-Rio de Janeiro
Democrática
Redator Chefe da revista Ação
Gabriel Chaves de Melo Político (PDC)
Democrática
Economista, Diretor-chefe da revista Conjuntura Redator Econômico da revista
Dênio Nogueira Econômica (FGV), membro do Grupo de Estudos Ação Democrática
do IPES Rio de Janeiro
Sócio do IBAD, membro do
Colegiado Nacional da
ADEP/IBAD, Secretário da
revista Ação Democrática,
Vicente de Paulo Barretto Jurista, jornalista
tradutor do livro O assalto ao
parlamento, publicado pelo
IBAD, Secretário da Revista
Cadernos Brasileiros
Consultor da Redação da revista
Gustavo Corção Escritor e filósofo
Ação Democrática
Sociedade Nacional de Agricultura, diretor do Consultor da Redação da revista
Edgard Teixeira Leite
CICYP Ação Democrática
Redator Chefe da revista Ação
Fábio Alves Ribeiro Filósofo
Democrática
Barthelémy Beer Publicitário Sócio do IBAD
Laura Hasslocher Esposa de Barthelemy, tia de Ivan Hasslocher Sócia do IBAD
Odenyr de Faria Barros - Sócio do IBAD
Lauro de Barros - Sócio do IBAD
Floriano da Silveira Maciel Redator trabalhista da revista
Sindicalista
Ação Democrática
Sérgio Macedo Jornalista Editor da revista Ação
Democrática, Diretor tesoureiro
do IBAD
Francisco Lampreia Empresário Chefe do IBAD em Brasília,
Diretor geral do IBAD
Augusto Nobre - Subchefe do IBAD em Brasília
Ministro da Justiça e Negócios Interiores (governos
Armando Falcão Colaborador
JK e Geisel)
José Arhur Rios Sociólogo Colaborador

que cumpriam no IBAD.


486

João Mendes Empresário e político, diretor da ADP Colaborador


Lopo de Carvalho Coelho Deputado (PSD) Colaborador
Eugênio Gudin Economista Colaborador, Redator econômico
da revista Ação Democrática
José Garrido Torres Economista Colaborador
Herculano Leal Carneiro - Assistente político do IBAD
Chefe da Rede da Democracia,
Fidélis dos Santos Amaral Netto Diretor da revista Maquis novo nome do IBAD após a sua
ilegalização
Membro do Colegiado Nacional
Antônio Silveira Leopoldino Funcionário público
da ADEP/IBAD
Presidente da Caixa Econômica Federal (governo Membro do Colegiado Nacional
Artur Oscar Junqueira
Jânio Quadros) da ADEP/IBAD
Membro do Colegiado Nacional
Hélcio José Domingues França -
da ADEP/IBAD
Membro do Colegiado Nacional
Raymundo Padilha Deputado Federal (UDN)
da ADEP/IBAD
Chefe do IBAD em São Paulo,
Péter Murányi Empresário Membro do Colegiado Nacional
da ADEP/IBAD
Colaborador, responsável pelo
Jorge Oscar de Mello Flores Membro do do CICYP, do CONCLAP e do IPES escritório de Brasília
(IPES/IBAD)
Jorge Bhering de Mattos Empresário, diretor do CONCLAP Colaborador
Nelson Pereira dos Santos Contabilista Contador do IBAD
Arrecadou fundos para campanhas
Mário de Oliveira (Mariozinho) Milionário e playboy
do IBAD
Estágio no Exército dos EUA (1944-5), adido
Marechal Ignácio de Freitas militar na embaixada do Brasil em Buenos Aires
Fundador e ativista do IBAD
Rolim (1952-5), comandante da Primeira Região Militar,
chefe do Departamento de Estudos da ESG (1962)
General Edmundo de Macedo Empresário, engenheiro, governador do estado do Integrante do IBAD, Membro do
Soares e Silva Rio de Janeiro, diretor da Mercedes Benz do Brasil Colegiado Nacional da
e da CSN, ministro de Indústria e Comércio ADEP/IBAD
(governo Costa e Silva)
Fundador do IBAD, Membro do
Colegiado Nacional da
Ex-membro da Ação Integralista Brasileira, Diretor
General João Gentil Barbato ADEP/IBAD, Secretário geral do
do DFSP (a partir de outubro/1965)
IBAD na Guanabara e Espírito
Santo
Chefe da Polícia Metropolitana de Brasília (1964), Membro do Colegiado Nacional
Coronel Jurandyr Palma Cabral
Secretário de Segurança Pública do DF da ADEP/IBAD
Membro da FEB, Secretário-geral do Ministério da
General Emílio Maurell Filho Guerra (gestão Lott), chefe do Departamento de Conspirou junto a Hasslocher
Estudos da ESG
Brigadeiro João Adil de Oliveira Envolvido com o inquérito de apuração do atentado Colaborador
487

da rua Toneleros, Comandante da Segunda Zona


Aérea (1961-4)
Marechal Augusto da Cunha
Chefe de polícia do Distrito Federal (1956) Colaborador
Magessi Pereira
Coronel-Aviador Gustavo Secretário de Segurança do governo Carlos
Colaborador
Eugênio de Oliveira Borges Lacerda (1960-1965)
Brigadeiro Haroldo Coimbra Líder da revolta de Jacareacanga (1955), envolvido
Colaborador
Veloso na revolta de Aragarças (1959)
Subchefe do gabinete militar e adjunto-de-gabinete
da Secretaria Geral do Conselho de Segurança
Brigadeiro Gabriel Grün Moss Colaborador
Nacional (governo Dutra), envolvido em
conspirações contra o governo de João Goulart,
Almirante-de-Esquadra Edmundo
Ministro da Marinha (governo Café Filho), Apoiador
Jordão Amorim do Vale
Colaborador do IBAD, líder do
Candidato à Presidência da república (1955), eleito
General Juarez Távora Simpósio sobre Reforma Agrária
senador em 1962
organizado pelo IBAD (1962)
Almirante Olavo de Araújo - Apoiador
Almirante Benjamin de Almeida Primeiro presidente da ADESG, chefe do
Apoiador
Sodré Departamento de Estudos da ESG (1953)
Participante do movimento que tentou impedir a
General Siseno Ramos Sarmento posse de JK como presidente, assessor militar da Conspirou junto a Hasslocher
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
Chefe do policiamento ostensivo da Guanabara
Coronel Carlos Ardovino
(1960-1964), citado em várias fontes como Conspirou junto a Hasslocher
Barbosa
torturador durante o regime militar
Representante do IBAD na região
General Vitor Moreira Maia - central do Brasil, colaborador da
revista Ação Democrática
Coronel Adalberto Albuquerque Direção geral da ADEP no
-
Cavalcanti Amazonas
Coronel Joaquim José de Direção geral da ADEP no
-
Carvalho Cascais Amazonas
General Estevão Taurino de Direção geral da ADEP no
-
Rezende Amazonas
Coronel Artur Frederico de
- Direção geral da ADEP no Pará
Guilherme Kemp
Major Raimundo Cavalcanti
- Direção geral da ADEP no Pará
Silva
General José M. Ferreira Coelho - Direção geral da ADEP no Pará
General Artur Teixeira de Direção geral da ADEP no
-
Carvalho Maranhão
General Francisco Assis Almeida
- Direção geral da ADEP no Piauí
Souza
General Humberto Ferreira Elery - Direção geral da ADEP no Ceará
488

Coronel Sabino Guimarães - Direção geral da ADEP no Ceará


Direção geral da ADEP em
General Walter Masson -
Pernambuco
Direção geral da ADEP em
Capitão Emanoel Pereira Lima -
Pernambuco
Direção geral da ADEP em
Capitão José Carlos Amazonas -
Pernambuco
General Epaminondas Moncorvo - Direção geral da ADEP na Bahia
General Hermelindo Ramos
- Direção geral da ADEP no Paraná
Filho
Coronel Carlos Almeida
- Direção geral da ADEP no Paraná
Assunção
Direção geral da ADEP em Santa
General Paulo Vieira Rosa -
Catarina
General Plínio Lohman de
Colaborador
Figueiredo
Chefe do gabinete militar de JK, Comandante do
General Nelson de Melo Segundo Exército (1961), Ministro da Guerra Colaborador
(1961-2)
General João Segadas Viana Ministro da Guerra (1961-2) Colaborador
Cunhado do general Pery Bevilaqua, Ministro da
General Décio Palmeira Escobar Colaborador
Guerra durante o regime militar
Interventor (1930-5), governador (1935-7) e
interventor no estado do Espírito Santo (1937-
1943), comandante da Artilharia Divisionária da 1ª
General João Punaro Bley Secretário do IBAD Minas Gerais
Divisão de Infantaria, na Vila Militar do Rio de
Janeiro, e comandante da Infantaria Divisionária da
4ª Divisão de Infantaria, Juiz de Fora (MG)
Secretário do diretório regional do Partido
General Moziul Moreira Lima Secretário do IBAD São Paulo
Libertador em São Paulo
General Augusto Cesar de Castro Comandante do Comando Militar da Amazônia Secretário geral da ADEP
Moniz de Aragão (1962-3) Guanabara
Estagiou na Itália e na Alemanha entre 1938 e
General Ângelo Mendes de
1939, ligado ao general Canrobert Pereira da Costa, Secretário da ADEP Guanabara
Morais
Deputado federal pela Guanabara (1960-71)
General Plínio Lohman de
- IBAD Rio Grande do Sul
Figueiredo
General Walter M. Pereira de Serviço de inspeção do
-
Andrade IBAD/ADEP
Serviço de inspeção do
General Afonso Emílio -
IBAD/ADEP
General Antônio Faustino da Presidente do Clube Militar (1965), Secretário de Serviço de inspeção do
Costa Segurança Pública da Guanabara (1971-5) IBAD/ADEP
Secretário do comitê central pró-Marechal Lott à
General Nemo Canabarro Lucas presidência da república (1960), líder do Partido Colaborador
Nacionalista Brasileiro (1963-7)
489

Irmão de Henrique e Ernesto Geisel, comandante


General Orlando Geisel do III Exército (1966), chefe do Estado-Maior do Colaborador
Exército (1966-1968)
Brigadeiro Antônio Guedes Adido do Estado Maior da Aeronáutica (1961),
Colaborador
Muniz presidente da COSIGUA
Coronel Osnelli Leite Martinelli Chefe do grupo de direita LÍDER IBAD Guanabara
Fontes: Hasslocher (1999); Dreifuss (1987); revista Ação Democrática; Ata de assembleia do IBAD (Jornal do Comércio,
17/05/1961); Carta, Vicente Barretto para Castilho Cabral, 23/02/1962; Memorando, Cabral e Dean, 15/06/1965; revista
Política e Negócios, n. 594, 21/10/1963; O Jornal, 09/11/1963.
490

CAPÍTULO 9 – UMA AÇÃO CONTINENTAL EM DEFESA DOS INTERESSES DA


“LIVRE EMPRESA”

Levou algum tempo para os capitalistas da América Latina tomarem conhecimento de que
estavam mortalmente ameaçados (...). Uma vez que o fizeram, no entanto, a sua reação foi forte
e efetiva.
Paulo Ayres Filho, empresário paulista (apud DREIFUSS, 1986, p. 140)

(…) através da Câmara Americana de Comércio e outras organizações, fiz tudo que estava em
meu poder, pública e privadamente, para condenar e lutar contra a orientação em direção à
corrupção e ao caos (…).
Clarence Dauphinot, fundador da Deltec (DAUPHINOT, 1967, p. 51)

Sob pressão, nasceu um tipo de internacionalismo prático empresarial, que se manifestaria


alguns anos mais tarde na revitalização do Conselho Interamericano de Comércio e Produção
(CICYP) (HOBBING, 1970, p. 16)

No final de 1957, como visto no capítulo anterior, empresários norte-americanos começaram a


demonstrar uma preocupação crescente com os movimentos comunistas e nacionalistas na América
Latina, principalmente em Cuba. Essa inquietação resultou em uma mobilização de alcance continental,
articulada pelos representantes dos setores mais dinâmicos da iniciativa privada norte-americana e pelo
governo dos Estados Unidos. Uma importante aproximação, mencionada no capítulo 8, ocorreu entre o
United States Inter-American Council (USIAC), seção estadunidense do Conselho Interamericano de
Comércio e Produção (CICYP), e a United States Information Agency (USIA), através da criação, em
1959, de um Comitê de Ligação (Liaison Committee) para coordenar os esforços da iniciativa privada
na América Latina com os programas da agência governamental que promovia a boa imagem dos
Estados Unidos na região805.
No início de 1960, em uma reunião de representantes da USIA com diretores da National
Association of Manufacturers (NAM), do Business Council for International Understanding (BCIU),
da Câmara Americana de Comércio806 e do USIAC, o presidente desta última organização, Henry W.
805 O comitê era dirigido por John K. Jenney, da E. I. Du Pont de Nemours & Co. Seus demais integrantes eram: William
E. Barlow, presidente da Vision Inc., William H. Kelty, gerente das edições internacionais da revista Reader’s Digest,
William Ruder, presidente do conselho diretor da Ruder and Finn Inc. e W. H. Conzen, gerente da divisão internacional da
Schering Corp. O representante da USIA era John P. McKnight que, como visto, quando estava no Brasil, teria feito a
aproximação inicial de Ivan Hasslocher com Herbert Hoover Jr. (Carta, 03/04/1959).
806 Além de Henry Balgooyen e John Jenney, do USIAC, estiveram presentes Noel Sargent (USIAC e National
Association of Manufacturers), Meade Brunet (da RCA International Division, presidente do BCIU) e John Warren
Nystrom, do departamento de relações internacionais da Câmara Americana de Comércio. Representando a USIA, George
491

Balgooyen807, salientou que “não apenas a imagem dos Estados Unidos estava se deteriorando na
América Latina, mas também a saúde dos negócios [norte] americanos”. Para mudar esta situação, ele
propôs que um “comitê empresarial” fosse criado em cada país, talvez em cada cidade importante, da
América Latina. Esses comitês deveriam ter um representante especificamente designado, que se
reuniria regularmente com o chefe local do USIS, para “discutir, trocar informações, registrar queixas,
etc.”. O relator do encontro, um funcionário da USIA, registrou que a fala de Balgooyen deixou
implícita a ideia de que esse grupo de empresários seria “organizado tanto para agir quanto para
conversar” (Minutas, 01/02/1960).
Comentando a proposta do diretor do USIAC, George V. Allen, diretor da USIA, declarou que
concordava “cem por cento” com ela, se propondo a cooperar “animadamente” com os comitês cuja
criação estava sendo prevista. John McKnight, diretor das operações da USIA para a América Latina,
destacou que, em vários países da região, “a USIA já havia estabelecido ligações com a comunidade de
empresários americanos, com resultados positivos”808. Ao final da reunião, foi decidido que, quando
uma lista com os representantes das empresas norte-americanas que participariam dos comitês estivesse
pronta, USIAC e USIA dariam os passos necessários para implementar os planos discutidos. De acordo
com o comentário do relator do encontro, “a reunião foi um marco positivo dos esforços conscientes
dos empresários e do governo [norte] americano para trabalhar em conjunto de maneira proveitosa no
exterior” (Minutas, 01/02/1960).
No mês seguinte, março de 1960, o USIAC apresentou mais detalhes sobre a proposta de
criação de comitês de empresários nos países da América Latina, para cooperar com embaixadas locais
e oficiais da USIA. O primeiro passo seria a criação de um comitê de direção e ligação em Nova

V. Allen, John P. McKnight, Richard Salvatierra, Fitzhugh Green e Joseph F. Privitera. Interessante notar que, assim como
McKnight, Salvatierra e Privitera também trabalharam como representantes da USIA – e agências predecessoras – no Brasil,
durante os anos 1940 e 1950 (Minutas, 01/02/1960; The New York Times, 14/02/1985).
807 Balgooyen era vice-presidente executivo da American and Foreign Power. Começou sua carreira no departamento
internacional do Chase National Bank. Especialista em América Latina, aconselhou os presidentes Eisenhower, Kennedy e
Lyndon Johnson. Conforme relato de John P. McKnight, enviado ao diretor da USIA, George V. Allen, Balgooyen foi
“extremamente ativo” durante o ano de 1959, “em função de sua influência sobre os altos escalões das empresas
americanas”, buscando consolidar as atividades em comum entre a USIA e o USIAC. Ainda conforme McKnight, “muitas
empresas americanas demonstraram interesse no trabalho feito por esta organização [USIAC]”. O USIAC havia consultado
a USIA em busca de sugestões para projetos que visavam “uma melhor coordenação entre a indústria privada e o governo”
(Carta, 29/01/1960).
808 Seguiu-se uma longa discussão sobre como a empresa privada poderia melhorar a sua imagem na América Latina. Allen
sugeriu que “isto deveria ser feito indiretamente em muitos casos, para evitar ser contraprodutivo”. Explicando quais
poderiam ser estes “meios indiretos”, Green sugeriu que a “participação dos comitês empresariais em centros binacionais
[como o Instituto Brasil-Estados Unidos – difusor do idioma inglês e da cultura norte-americana –, por exemplo], poderia
indicar indiretamente aos latinos que a empresa privada é uma coisa boa, que os líderes empresariais estadunidenses no
exterior estão ansiosos para participar da vida cultural da comunidade onde eles trabalham” (Minutas, 01/02/1960).
492

Iorque, composto por indivíduos e empresas que lhe conferissem importância (formation of a strong
directing and liasion committee in New York, both from the standpoint of individuals and company
affiliation). Tal comitê poderia ser criado em conjunto pelo USIAC e pelo BCIU 809. Os comitês na
América Latina deveriam ser dirigidos por “um indivíduo cuidadosamente selecionado”.
Recomendava-se que seus membros ocupassem altos cargos nas empresas que representassem (top
managers). Estes deveriam ser encorajados pelos seus superiores a dedicar o tempo que fosse
necessário ao trabalho no comitê, encarando-o como “um prêmio de seguro (insurance premium)
contra expropriações’”810. Entre os objetivos dos comitês locais, estariam os seguintes:

a) Conscientizar a comunidade americana de negócios e seus amigos sobre os


problemas e prepará-la para evangelizar (prepare to proselyte) em favor da “Causa
Americana”; b) Trocar informações e prestar assistência em temas que envolvam
relações comunitárias (…); c) Em cooperação com a USIA, e de forma independente,
executar programas voltados a grupos formadores de opinião e politicamente
relevantes; d) Encorajar as empresas a doutrinar as suas afiliadas latino-americanas
com a mais moderna e atualizada filosofia de relações públicas (...) (Relatório USIAC,
24/03/1960).

Entre abril e maio de 1960, Henry Balgooyen enviou instruções aos indivíduos selecionados
como diretores dos comitês locais de ligação USIAC-USIA:

Antecipando que você estará feliz em cooperar com este importante esforço para
melhorar nossas relações interamericanas, nós sugerimos que você proceda da seguinte
maneira: 1) Consulte o chefe de missão da embaixada norte-americana e o chefe local
do USIS, já que que qualquer esforço não terá resultado sem o apoio entusiasmado
desses oficiais. Contudo, George Allen, diretor da USIA, e Dick Rubottom, secretário
de Estado adjunto, nos asseguraram que esta ideia tem apoio das altas instâncias em
Washington e que os oficiais locais do USIS estarão dispostos a cooperar. 2) Marcar

809 O Business Council for International Understanding (BCIU) foi criado em novembro de 1958,” como resultado de uma
reunião realizada na Casa Branca, em novembro de 1955, entre empresários e representantes do governo a respeito das
iniciativas que precisariam ser tomadas para ampliar a compreensão, no exterior, sobre o povo e a economia dos Estados
Unidos. Antes de sua criação oficial, como organização privada, sem fins lucrativos, um programa piloto foi lançado no
México. Ele era metade mexicano, metade norte-americano, realizado em parceria com a Asociación Pro Entendimiento
Internacional. Embora operasse com equipe, programa e financiamentos próprios, o BCIU mantinha ligações com diversas
agências do governo norte-americano (DUSTAN e MAKANOWITZKY, 1960, p. 487)
810 Glycon de Paiva, em reunião do Comitê Executivo do Instituto de Estudos e Pesquisas Sociais (IPES), sobre o qual
falaremos mais adiante, expressou uma ideia similar: “Se você não abandonar hoje seus negócios, por uma hora, amanhã
não terá negócios para dirigir” (Ata, IPES CE, 08/06/1962).
493

uma reunião com os representantes da comunidade de negócios norte-americana. Esse


encontro deveria incluir representantes e empresas associadas ao USIAC, mas, de
forma alguma, precisa ser restrito a eles. Ele deveria ser amplo o suficiente para
representar uma boa seleção, mas não tão grande a ponto de ser incontrolável
(unmanageable). (…) 3) O grupo pode determinar a estrutura da organização e seus
objetivos locais. Pode-se decidir criar um comitê maior ou menor. É possível que uma
associação já existente da comunidade empresarial norte-americana seja capaz e esteja
disposta a realizar esse projeto. Mesmo que tal grupo já esteja trabalhando de acordo
com essas instruções, possivelmente uma avaliação profunda poderia ser feita para ver
se o esforço poderia ser ampliado ou tornado mais eficaz. Alguma estrutura
organizacional é requerida, mas ela deveria ser adaptada à situação local; o importante
é levar a questão à comunidade norte-americana e seus amigos, e mantê-la em
evidência de forma contínua. 4) Os membros não deveriam ser apenas cidadãos norte-
americanos – é sugerido, contudo, que em torno de dois terços sejam norte-americanos.
5) O grupo deveria escolher um diretor permanente, que deveria, normalmente, ser
norte-americano. 6) Informe ao chefe local do USIS ou ao chefe de missão que seu
grupo foi estabelecido e está pronto para consultar com ele (Carta, abril de 1960).

Alguns meses depois, em julho de 1960, John K. Jenney, diretor do Departamento Internacional
da Du Pont e do comitê de Ligação USIAC-USIA, reforçou as recomendações de Balgooyen:

Algumas semanas atrás, o Sr. Henry W. Balgooyen, presidente do USIAC, lhe enviou
correspondência solicitando que você agisse como diretor de uma organização,
reunindo representantes locais de empresas norte-americanas, a fim de determinar a
possibilidade e a vontade de realização de um esforço cooperativo entre a comunidade
empresarial norte-americana e os representantes da USIA (localmente conhecidos
como USIS). (…). Em uma reunião com o Sr. John M. Begg, vice-diretor do Office of
Private Cooperation da USIA (designado pelo Sr. George Allen, diretor da USIA, para
trabalhar com o USIAC nessa questão), ele informou que um comunicado conjunto da
USIA e do Departamento de Estado aos chefes de missão e oficiais da USIS,
solicitando a estes sua cooperação ativa, está sendo remetido mais ou menos
simultaneamente com o envio desta carta. (…) o objetivo dos comitês locais deveria
ser o de desenvolver uma abordagem para relações públicas e comunitárias o mais
ampla possível, envolvendo o trabalho com grupos pró-iniciativa privada que estejam
do nosso lado na luta contra o comunismo. Você perceberá que existe a intenção de se
criar um Comitê em Nova Iorque/Washington. Sua forma exata e seu método de
trabalho ainda estão sob consideração. Com relação ao seu comitê local, nós esperamos
que ele cumpra os seguintes pontos: 1) O comitê local deveria ser autônomo, em seu
sentido mais amplo, com relação ao método de organização, conteúdo do material e
métodos empregados. A tarefa de acessar grupos formadores de opinião significativos,
intelectuais, líderes sindicais, etc., difere de país para país, e certamente os melhores
pensamentos e esforços de todos os que estiverem preocupados deve ser utilizado. 2)
Apreciaríamos se você pudesse informar Dick Turner, diretor executivo do USIAC
(…), de tempos em tempos, sobre as atividades de seu comitê local: a) que esforço
organizacional foi feito e que programas foram criados. b) que experiência pode ser
494

útil para outros comitês locais. c) quaisquer comentários sobre os programas locais do
USIS que mereçam ser discutidos em Washington. Eles têm os alvos corretos, são
eficazes, as empresas poderiam ajudar com material adicional? d) quaisquer
comentários sobre a resposta da comunidade empresarial norte-americana ou ideias
que deveriam circular entre os chefes das empresas norte-americanas que operam em
seu país. A situação cubana torna mais evidente que nunca que um esforço agressivo
para falar a verdade sobre os Estados Unidos de maneira positiva é uma questão da
maior importância para todos os indivíduos e empresas (Carta, 05/07/1960, itálicos
meus).

Jenney anexou à carta uma lista das empresas associadas ao USIAC que prometeram escrever
para seus representantes na América Latina, endossando a cooperação proposta entre USIAC e USIA e
insistindo para que os executivos locais participassem dela 811. O que parece confuso é que o USIAC,
em princípio, era a seção norte-americana de uma organização internacional, o Conselho
Interamericano de Comércio e Produção (CICYP) – que já era representada no Brasil desde 1944,
como visto em capítulos anteriores. Ao ter representações em outros países da América Latina, a
organização estaria, em tese, fazendo um trabalho paralelo ou concorrente ao do CICYP. Ou seja, o
USIAC agia como organização independente, que criava sua própria estratégia de atuação
continental812.
Como anunciado, poucos dias depois, em julho de 1960, a USIA e o Departamento de Estado
enviaram um comunicado conjunto a todos os postos diplomáticos na América Latina, informando
sobre a composição e objetivos dos comitês locais, ressaltando a necessidade de íntima cooperação dos
oficiais de governo com os representantes dos empresários 813. O comunicado esclarecia que os comitês

811 Eram elas: Pan American-Grace Airways, Inc., P. & H. Harnischfeger Corporation, Borg-Warner Corp., The Reader’s
Digest, First National City Bank of New York, Braniff International Airways, The ARMCO International Corp, Borden
Chemical Co., Goodyear International Corp., The National Cash Register Co., Lykes Bros. Steamship Co., The Sherwin-
Williams Co., United Fruit Company, The Gillete Company, Insurance Company of North America, Union Carbide
International Co., Allis-Chalmers International, The Anaconda Company, IBM World Trade Corp., E. I. du Pont de Nemours
& Co., S. C. Johnson & Son, American & Foreign Power Co., W. R. Grace & Co, New York Stock Exchange, Home
Products Internationl, Ltd., R.C.A. International (Carta, 05/07/1960). Uma lista dos membros do USIAC encontra-se no
anexo C.
812 Ainda assim, os norte-americanos tentavam criar a impressão de que o CICYP era a organização que tomava a dianteira
nesse processo: “Uma razão básica para o seu sucesso [CICYP] é que a organização foi criada por empresários latino-
americanos. Isso impediu que fossem feitas acusações de que os Estados Unidos estavam tentando impor suas ideias sobre
os empresários de outros países. Os Estados Unidos também não exercem controle financeiro; apoio de diversos outros
países iguala ou supera o dos Estados Unidos. Os projetos do Conselho provêm de Montevidéu, não de Nova Iorque ou
Washington” (Folheto, sobre o USIAC, sem data).
813 O aviso inicia esclarecendo que o governo norte-americano tinha realizado uma tentativa de divulgar “um panorama
verdadeiro sobre os Estados Unidos, seu modo de vida, ideais e política” através da criação pela Casa Branca, em 1955, do
Business Council for International Understanding” (BCIU), vinculado ao Departamento de Comércio, “na expectativa de
que em algum momento comitês locais de empresários fossem criados” nos países latino-americanos para colaborar com os
objetivos descritos anteriormente. O governo americano reconhecia, no entanto, que esta iniciativa havia fracassado. Ao
495

locais seriam afiliados ao comitê do USIAC em Nova Iorque, “particularmente para propósitos de
orientação e coordenação das informações relacionadas às suas atividades”. Caberia ao comitê nova-
iorquino manter “ligação próxima com a USIA em Washington”. O comunicado também informava
que, em doze países, já tinham sido indicado os diretores dos comitês locais 814. Alguns dias antes do
envio desse informe aos postos diplomáticos norte-americanos, o embaixador dos Estados Unidos no
México, Robert C. Hill, enviou uma carta a George Allen, diretor da USIA, indicando algumas
precauções:

Recentemente, um grupo de empresários [norte] americanos na Cidade do México me


procurou para discutir algumas propostas de planos do Inter-American Business
Council of the U.S. [USIAC]. Parece que algumas dessas empresas tinham recebido
cartas solicitando sua cooperação. A informação era de que reuniões tinham sido feitas
com você e sua equipe em Washington e que você tinha aprovado os planos. E então o
Conselho enviou cartas para as empresas no estrangeiro. (…) o Conselho simplesmente
escreveu para essas empresas norte-americanas pedindo para que elas, com efeito,
criem uma organização e se ocupem das tarefas. Nossa orientação pode ser solicitada e
alguns equívocos evitados. (…) Em muitos países, e certamente no México, um projeto
dessa natureza deve ser trabalhado com cuidado. O tiro poderia rapidamente sair pela
culatra. Ele deveria ser executado com calma e com a participação de norte-americanos
apenas no estágio inicial, de formação (It should be done slowly and with Americans
only in the formative stage) (Carta, 07/07/1960).

Documentos da CIA informam que, em junho de 1960, o conselheiro político da embaixada dos
Estados Unidos na Cidade do México foi procurado pelo empresário norte-americano Alfonso Rudolph
Wichtrich, da Câmara de Comércio Americana no México, que solicitou ser posto em contato com o
Instituto de Investigaciones Sociales e Económicas (IESE), liderado por Agustín Navarro Vázquez
(LIHUFF Project, março 1963)815. O embaixador Robert C. Hill (naquele posto entre 1957 e 1960) teria
longo do ano de 1959, teria ficado cada vez mais evidente que as organizações de empresários americanos “precisavam
fazer mais para coordenar e aumentar os seus esforços em países estrangeiros para ajudar a melhorar as relações dos Estados
Unidos no exterior, especialmente através do desenvolvimento de melhores relações públicas e comunitárias”.
814 E. J. Williams (ARMCO Argentina, S. A.), Gordon K. Strang (Grace y Cia. Bolívia), John A. Peeples (Cia. Salitrera
Anglo-Lautaro, Chile), H. R. Goode (Grace y Cia, Colômbia), Herbert L. Sanborn (Cia. Nacional de Fuerza y Luz S. A.,
Costa Rica), R. V. Sear (Empresa Electrica de Guatemala S. A.), Robert Hatch (Braniff International Airways, Panamá),
James P. Freeborn (First National City Bank of New York, Uruguai), W. R. Hinkel (American Chamber of Commerce,
Caracas, Venezuela), John W. Rippetoe (First National City Bank, Paraguai).
815 Segundo Romero Sotelo (2016, p. 199), o IESE foi criado em 1953, com o objetivo de influenciar a política
governamental, a fim de favorecer a livre empresa nacional e estrangeira. Era claramente um grupo “defensor de interesses
econômicos ligados ao capital estrangeiro”, que demonstrou ter três objetivos: “1) realizar uma campanha anticomunista; 2)
construir um clima ideológico favorável à empresa privada; e 3) manter uma oposição sistemática à intervenção
governamental de qualquer tipo”.
496

solicitado à agência que analisasse a possibilidade de dar assistência financeira ao IESE. Em agosto de
1962, J. C. King, chefe do setor clandestino da CIA para a América Latina, informou à estação da
agência no México que esse grupo vinha recebendo apoio financeiro parcial de um grupo de empresas
norte-americanas – o que tinha sido solicitado por Henry Holland816 – assim como do escritório central
da CIA (Washington)817. Tal financiamento seria utilizado para a publicação da revista Espejo (LIHUFF
Project, março 1963).
As publicações do IESE – Hoja de Información Económica, Temas Contemporáneos, Espejo e
Realidad Mexicana – se dedicavam à “discussão sobre temas da política econômica do país e sobre
aspectos teóricos relevantes”. O instituto também levou ao México destacados intelectuais da corrente
liberal, a fim de divulgar seus postulados – entre eles, Milton Friedman, Friedrich Hayek, Louis
Baudin, Wilhelm Röpke, Jacques Rueff e Floyd A. Harper, todos membros da sociedade Mont Pélerin.
Ao lado de outras organizações liberais mexicanas, o IESE manteve uma política muito combativa
contra o pensamento keynesiano, marxista e cardenista 818, atacando, através de seus órgãos de difusão,
a Escola de Economia da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Em 1961, por
exemplo, um artigo da revista Espejo acusou os alunos e professores dessa instituição de serem
“comunistas exaltados” (ROMERO SOTELO, 2016).

9.1 Os comitês USIAC-USIA no Brasil

No Brasil, o comitê local (USIA-USIAC) foi criado sob a liderança do empresário Frank
McClure, presidente da Du Pont do Brasil S.A 819 (Comunicado, 20/07/1960). Em 1962, Frank H. Oram,
816 O ex-secretário de Estado adjunto para assuntos referentes à América Latina, cuja atuação já foi diversas vezes
mencionada, como informado no capítulo 2, tinha diversos vínculos com o México. Um de seus sócios naquele país era o
advogado Eduardo Prieto López, também membro do IESE.
817 Depois da morte de Holland (em 1962), recomendou-se que o financiamento fosse canalizado através da estação da CIA
no México. O embaixador Thomas Mann (naquele posto entre maio de 1961 e novembro de 1963) foi consultado. Ele
respondeu que, na sua opinião, Navarro era um dos poucos economistas no México que estava lutando contra o comunismo.
Afirmou também que todo o possível deveria ser feito em apoio à revista publicada pelo grupo. O c ontato do IESE com a
CIA era intermediado por Aldrich, da Câmara Americana de Comércio, que repassava o dinheiro a Navarro. De acordo com
os documentos da CIA, o mexicano provavelmente suspeitava que os fundos vinham do governo norte-americano, mas
utilizava-se, para o repasse, a “cobertura” de que o dinheiro era proveniente de grupos privados dos Estados Unidos
(LIHUFF Project, março 1963).
818 Referente ao governo populista de Lázaro Cárdenas (1934-1940).
819 Em 1954, por ocasião do estabelecimento da Du Pont do Brasil S. A. (que até então funcionava no país sob a
denominação de Indústrias Químicas Brasileiras Duperial S.A.), o Diário de Notícias (05/01/1954) fez o seguinte registro
sobre McClure: “O sr. McClure é engenheiro de minas pela Escola de Minas, de Colorado, onde colou grau em 1934.
497

Public Affairs Officer do USIS no Rio de Janeiro, afirmaria que os “Comitês de Relações Brasil-
Estados Unidos” da Câmara Americana de Comércio, mencionado no capítulo anterior, eram o
representante do USIAC no Brasil: “o Sr. Frank McClure (Dupont) de São Paulo e o Sr. Albert Philion
(Armco) do Rio, ambos membros do comitê, são contatos do USIAC” 820 (Relatório, 11/10/1962). Como
já informado, Oram relatou que o comitê da Câmara Americana de Comércio no Rio de Janeiro agia
como um “comitê de ação” (action committee) desde 1959, a partir de contatos que vinham sendo
estabelecidos desde 1958, de acordo com documento produzido por Aldo D’Alessandro, do USIS do
Rio Janeiro, apresentado no capítulo 8. Ainda conforme Oram, a Câmara Americana de Comércio do
Rio de Janeiro tinha estabelecido relações com a Sociedade de Estudos Interamericanos (SEI) –
dirigida por Wladimir Lodygensky – e com o CONCLAP:

No início de 1959, estava claro que as relações entre Estados Unidos e Brasil estavam
se deteriorando a um ponto que começava a causar grande preocupação. (…). A
comunidade norte-americana no Rio de Janeiro sempre teve em sua Câmara Americana
de Comércio um Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos, que tinha, como objetivo
principal, fazer tudo o que fosse possível para fortalecer as relações entre os dois
países. Com essa nova situação (…), se tornou necessário que o Comitê examinasse
essa condição específica e fizesse o que estivesse a seu alcance para corrigir algumas
incompreensões e trabalhasse para o restabelecimento das boas relações que sempre
existiram entre Brasil e Estados Unidos. Estava claro para a Câmara que essa questão
deveria receber a maior prioridade, e ela, então, decidiu embarcar em um programa que
lidaria com essa situação. O Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos era um órgão
ideal para conduzir tal programa, já que era composto por representantes dos negócios
norte-americanos no Brasil, das empresas norte-americanas, membros da Câmara
Americana de Comércio, e representantes do USIS e da embaixada norte-americana.
(…) o Comitê (…) adotou os seguintes pontos como orientação para seu trabalho: As
empresas norte-americanas cresceram em número, importância e volume de operações.
A presente resistência e oposição não é apenas um sério obstáculo à realização das
esperanças e expectativas dessas companhias, mas uma ameaça a sua existência sob
regras toleráveis (under livable regulations). (…) Sugestões para criar uma situação
que seria mais favorável: 1. Um programa para participação conjunta de capital
brasileiro e norte-americano nas empresas cuja natureza permita isso. Isso pode ser
feito pela venda gradual de uma porcentagem das ações a investidores brasileiros. (…)
Acelerar a presente tendência de preparação de brasileiros para ocupar altos postos
administrativos. (…) Correções de falsas ideias e outras melhoras a serem feitas: 1.

Ingressou na Companhia Du Pont em 1937, como vendedor do Departamento de Explosivos, e, após uma série de honrosas
promoções, foi nomeado em 1949 gerente de vendas para exportação, do mesmo Departamento. Manteve-se nessa posição
até os primeiros meses de 1953, quando foi transferido para São Paulo, a fim de se preparar as suas novas responsabilidades,
como diretor presidente da Du Pont do Brasil”. Interessante observar que John K. Jenney, diretor do comitê de ligação entre
USIAC e USIA nos Estados Unidos, era também da Du Pont. Para uma abordagem crítica da atuação política dos
proprietários da Du Pont ao longo do século XX, ver Phillips-Fein (2009) e Colby (2014).
820 Para informações sobre a criação da Câmara Americana de Comércio no Brasil, ver FICHA em anexo.
498

Difundir o que está errado com a Rússia soviética e suas ideias. (…) 4. Reconhecer os
fatores emocionais e dar-lhes a importância devida. (…) Para passar dos planos à ação,
os seguintes passos foram dados: 1. Um economista e um profissional de relações
públicas foram contratados. (…) (…) Convites a congressistas e oficiais do governo
para comparecer a alguns encontros do Comitê, para discutir abertamente a situação
em relação ao capital estrangeiro e negócios correlatos. (…) 5. Cooperação próxima
dos representantes do Comitê com as associações comerciais brasileiras (…). 7.
Preparação de informações para reagir às acusações contra o capital estrangeiro, o
norte-americano em particular, feitas por alguns dos candidatos à presidência e vice-
presidência nas próximas eleições, em 3 de outubro [de 1960]. (…) 10. Encontros
mensais do Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos com representantes do setor de
relações públicas de grandes empresas, durante os quais vários assuntos de interesse da
comunidade empresarial foram discutidos. (…) 11. Colaboração próxima do Comitê
com outras Câmaras de Comércio no Rio de Janeiro está sendo considerada, para que
não pareça que a Câmara Americana está assumindo toda a responsabilidade pela
ofensiva. Foi decidido que seria uma boa ideia convidar seus representantes para se
unirem ao Comitê o mais cedo possível. (…) (Report of the Committee’s Work, 1960,
anexo ao Relatório, 11/10/1962).

Não causa nenhum estranhamento que, no Brasil, o comitê local proposto pelos diretores do
USIAC tenha sido estabelecido com apoio das Câmaras Americanas de Comércio. Estas eram órgãos
de representação dos empresários norte-americanos no Brasil desde que foram criadas, no início do
século XX. E, como já visto, tinham se articulado com a representação diplomática dos Estados Unidos
no Brasil em outras oportunidades, em defesa dos seus interesses no país. Além disso, o advogado
499

Richard Momsen, um de seus mais importantes membros821, já mencionado nos capítulos 4 e 6822 e que
tinha escritórios no Brasil e em Nova York823, era também associado ao USIAC824.

9.2 O “grupo da Deltec”

Outro importante membro da Câmara Americana do Rio de Janeiro, que a presidiu em 1957 825,
era Clarence Dauphinot Jr.826. Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhando “para uma financeira

821 Em 1951, falando a uma comissão do Congresso dos Estados Unidos como representante das Câmaras Americanas de
Comércio no Brasil, Momsen assim se apresentou: “(…) meu nome é Richard P. Momsen. Eu sou um cidadão norte-
americano. Eu originalmente fui ao Brasil em 1913 representando nosso governo no serviço consular. Eu recebi autorização
para advogar no país e lá tenho atuado nos últimos 31 anos. Em 1916, a comunidade de negócios norte-americana no Rio de
Janeiro organizou uma câmara de comércio. Como vice-cônsul, eu participei daquela organização, e desde então tenho sido
atuante promotor das relações culturais e comerciais entre Brasil e Estados Unidos. Eu fui presidente da Câmara de
Comércio no Rio de Janeiro em 1926, e atuo hoje como diretor daquela organização, assim como em benefício da Câmara
Americana em São Paulo. (…) (MOMSEN, 1951, p. 267)
822 No capítulo 4 foi informado que Momsen, o primeiro norte-americano a ser licenciado para exercer a advocacia
corporativa no Brasil, foi um dos fundadores da Câmara Americana de Comércio no Rio de Janeiro (sendo seu presidente
em 1926). No capítulo 6, Momsen foi apontado, a partir de uma reportagem do jornal comunista Imprensa Popular, como
um representante dos “interesses de grandes trustes”, que garantiria a publicidade da Tribuna da Imprensa, sendo um dos
sustentáculos financeiros do jornal de Carlos Lacerda – jornalista que, segundo o Imprensa Popular, defendia
“sistematicamente os interesses norte-americanos contra o Brasil”.
823 Segundo Krishnan et al (2016), Momsen, quando jovem, teve como mentores os advogados Francisco Pontes de
Miranda e Ruy Barbosa, dois grandes nomes do Direito no Brasil. Em 1919, Momsen iniciou uma sociedade com os
advogados Edmundo Miranda Jordão e Pedro Américo Werneck, criando um escritório voltado ao direito empresarial. Em
1924, com Leslie E. Freeman, que também atuava na Câmara Americana de Comércio no Brasil, Momsen fundou um
segundo escritório, desta vez em Nova York. Com Simeon Harris, Momsen criou, em 1925, um escritório para trabalhar
com a legislação referente a propriedade intelectual. Em 1926 ele criou mais dois escritórios no Brasil: em sociedade com
Eurico de Albuquerque Raja Gabaglia e William Monteiro de Barros, no Rio de Janeiro; e com Arnaldo Olindo Bastos
Filho, Manoel Carvalho Tavares da Silva e Frank Harold Weiss em São Paulo. Em 1928, Momsen se associou a Walter
Carlos Becker para criar um escritório em Porto Alegre. “No final da década de 1920, o projeto de Momsen para a prática
jurídica no Brasil estava se tornando realidade – a saber, trabalhar intensamente com advogados brasileiros para criar
escritórios especializados nos principais mercados, onde ele e seus sócios poderiam recorrer a sua experiência internacional
para atender às necessidades clientes e obter grandes lucros”. Em 1927, o mais importante associado de Momsen, Thomas
Leonardos, se uniu ao escritório Momsen & Harris (fundado em 1925), logo depois de se graduar. Em 1944, quando Harris
faleceu, o escritório passou a se chamar Momsen & Leonardos.
824 Em dezembro de 1957, no encontro anual do USIAC, realizado em Nova Orleans, no qual esteve presente o secretário
de Estado adjunto, Roy Rubottom, Momsen, membro do conselho consultivo daquela organização, liderou uma “discussão
informal sobre a situação atual e perspectivas” para o Brasil. Nesse encontro foram eleitos os trustees (administradores) do
USIAC para o ano de 1958. Entre eles, destacamos os nomes de Spruille Braden e Henry F. Holland, antecessor de Roy
Rubottom no Departamento de Estado, e cujo escritório de advocacia era membro do USIAC (US, Congressional Record,
1958).
825 A edição do primeiro trimestre de 2016 da revista Brazilian Business apresenta a lista de todos os presidentes da
AmCham Rio em seus cem anos de existência (Brazilian Business, jan/fev/mar 2016, p. 13).
826 Nascido em Nova York, era filho de um banqueiro de investimentos de Wall Street. Depois de se graduar em Princeton,
seguiu os passos de seu pai, e trabalhou como operador de títulos estrangeiros na Kidder, Peabody & Company, um banco
de investimentos de Wall Street (The New York Times, 17/01/1995).
500

norte-americana cujo foco específico era a América Latina”, Dauphinot “viajou algumas vezes” para o
Brasil e para a Argentina, “atentando para a enorme diferença entre os dois países”:

Enquanto a Argentina dispunha de um atuante mercado de ações, com uma imponente


bolsa de valores e alta circulação de capital, no Brasil quase nada existia. A Bolsa de
Valores da Argentina era mais importante do que a do Brasil (RJ), e a Bolsa de Valores
de São Paulo não tinha a liderança que veio a ocupar no cenário econômico-financeiro.
Dauphinot convenceu seus superiores a instalar uma financeira na América Latina, mas
a preferência foi pela Argentina. A ideia foi alterada quando perceberam que a
ascensão do populista Juan Perón traria muitos problemas para uma empresa
estrangeira. Foi assim que vieram para o Brasil e se associaram a cinco importantes
bancos locais827. Considerando que a obtenção da carta patente demandaria uma espera
de seis meses, optaram por abrir, de imediato, uma pequena importadora cujo nome
deveria ser IMPEX. Como o nome já estava registrado (era uma companhia
importadora e exportadora de minérios), Dauphinot instruiu o advogado brasileiro a
dar qualquer denominação e abrir uma empresa. E esse foi o início da Deltec (de
Dauphinot, Elrick e Littlejohn, três técnicos) 828. A existência legal da empresa tinha
como único objetivo a locação de um imóvel para seu escritório e a contratação de uma
secretária. Seria apenas uma medida para ganhar tempo, mas a carta patente só foi
expedida depois de decorridos mais de dois anos. (…) a Deltec, para sobreviver,
começou a importar automóveis, e para manter o escritório em atividade, Dauphinot e
outros vendedores saíram pelo Brasil afora vendendo (…) abridores de garrafas,
frigideiras e outras quinquilharias 829. Mais tarde, quando efetivamente a Deltec pôde
operar como empresa de investimentos, criou uma equipe de vendedores
especializados na venda de ações, alguns inclusive norte-americanos, que viajaram
pelo Brasil para vender ações das pouquíssimas empresas que se dispunham a abrir seu
capital ao público830. (…) Um dos aspectos originais da Deltec era ter vendedores
827 Banco Mercantil de São Paulo, Banco da Província do Rio Grande do Sul, Banco Boavista, Banco Português e
Monteiro Aranha (DAUPHINOT, 1967, p. 3).
828 Earl Elrick “era um norte-americano naturalizado, que tinha nascido em Portugal e se casado com uma Du Pont e tinha
vivido na Argentina por alguns anos”. Em 1945, quando Dauphinot o conheceu, ele estava no Brasil, promovendo a ideia de
criação de um banco de investimentos, em conjunto com bancos comerciais brasileiros. Angus Littlejohn era um “jovem
pupilo” de Elrick. Nos primeiros meses de operação da empresa, houve um desentendimento com Elrick sobre o futuro dos
negócios, e ele e Littlejohn se afastaram da Deltec (DAUPHINOT, 1967, p. 2 e 7).
829 “Eu cheguei no Rio de Janeiro no dia primeiro de dezembro de 1946 para dar início aos trabalhos. Ao final dos
primeiros seis meses, ficou mais do que claro que eu precisaria ficar permanentemente no Brasil e levar o projeto adiante,
ou então ele teria que ser abandonado. Antes de qualquer coisa, eu teria que aprender português (…). (…) nós começamos a
fazer umas importações de automóveis, como forma de ter algum lucro. (…) eu retornei aos Estados Unidos (…) e levantei
cem mil dólares (…) [que] foram investidos em uma outra empresa, a Brazilian Automobile Company, que foi utilizada para
a importação de automóveis e de qualquer outra coisa que fosse de interesse (…). Os acionistas desse empresa eram meus
velhos amigos de Wall Street e outros lugares”. Dauphinot contratou vendedores, mas também se envolveu pessoalmente no
comércio de “quinquilharias”, viajando pelo Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Apesar das
dificuldades enfrentadas nesse período, Dauphinot valorizava a experiência adquirida: “nós tivemos a oportunidade de
conhecer todo o país. Nós conseguimos aprender um pouco sobre os brasileiros, e aprendemos a falar português”. Já nesse
período, com Dauphinot trabalhava outro norte-americano, David Beaty III, que já vivia no Brasil quando ambos se
conheceram (DAUPHINOT, 1967, P. 5-7).
830 “Nesse esforço, merece destaque a colocação das ações de empresas de energia elétrica e de telefonia, todas controladas
por empresas norte-americanas, mas que decidiram no Brasil ter acionistas locais. Era um misto de popularizar o
capitalismo no Brasil, associado à ideia de que ter ações negociadas em bolsa e pertencentes a brasileiros dar-lhes-ia
501

autônomos, que buscavam a clientela, os potenciais investidores, de porta em porta.


(…) A Deltec partia do princípio básico de que ações não são compradas e sim
vendidas831. (…) A empresa fez lançamentos significativos de ações [no final da década
de 1950]. Entre os mais importantes estavam as ações das Listas Telefônicas, em 1958,
as ações da Willys Overland do Brasil e da VEMAG 832, em plena época de entusiasmo
pela implantação da indústria automobilística no país (COSTA, 2007, p.25-27) 833.

vantagem estratégica, permitindo-lhes conseguir capital a um custo mais atraente” (COSTA, 2007, p. 26). Conforme
Dauphinot, na metade de 1947, Grant Hylander, da American & Foreign Power no Brasil, propôs que sua empresa
subscrevesse e distribuísse ações da Cia. Brasileira de Energia Elétrica, subsidiária da American & Foreign Power, que
distribuía energia nas cidades de Petrópolis e Niterói, no Rio de Janeiro: “Eu afirmei que não teria nada a perder com tal
desafio, que era a razão pela qual eu tinha vindo ao Brasil e a razão pela qual Kidder Peabody e Bear Stearns e Goldman
Sachs estavam, de certa forma, me apoiando. Eu disse que a tarefa poderia ser difícil e demorada, mas que nós certamente
trabalharíamos para que desse certo. (…) (…) Nos últimos meses de 1949, quando a venda de ações da Cia. Brasileira de
Energia Elétrica, finalmente, era um sucesso, Grant Hylander me chamou ao seu escritório e disse: ‘Agora que você obteve
sucesso com a venda de ações dessa pequena empresa, nós queremos que você assuma nossa joia, a Cia. Paulista de Força e
Luz’. Essa era sem dúvida a maior subsidiária da American & Foreign Power no Brasil” (DAUPHINOT, 1967, p. 9 e 13).
831 Costa (2007, p. 27) relata que um vendedor da Deltec, Fulton Boyd, escreveu “um documento encantador, The
campaign of Minas Gerais”, que “relata as tentativas efetuadas em várias cidades daquele estado para vender ações da
Força e Luz de Minas Gerais”: “É fascinante, porque ele se dirigia às cidades, literalmente comia poeira e, em seguida,
relatava com detalhes, por exemplo, os hotéis em que estivera hospedado, e outras passagens peculiares de suas viagens
(…). Andava por vezes quilômetros para alcançar algum lugar, batia à porta e, não raro, a pessoa que o atendia não tinha
dinheiro. Foi um negócio realmente pioneiro”. Nas memórias de Dauphinot, essas “aventuras” também estão registradas:
“Eu passei pelo menos quatro meses em cada um daqueles anos, 1950, 1951 e 1952, e a primeira metade de 1953, no estado
de São Paulo, viajando de cidade em cidade, visitando fazendeiros, (…) industriais, lojistas, todo tipo de pessoa imaginável
(...)” (DAUPHINOT, 1967, p. 17).
832 A Willys Overland foi apresentada no capítulo anterior. A VEMAG foi “sucessora da Distribuidora de Automóveis
Studebaker Ltda., empresa criada em 1945, em São Paulo (SP), por Domingos Fernandes, empresário dos setores
imobiliário, bancário, de hotéis e diversões (…). Inicialmente dedicada à montagem e comercialização de caminhões e
automóveis Studebaker, importados dos EUA sob a forma SKD, em 1952 a empresa se uniu à ELIT – Equipamentos para
Lavoura, Indústria e Transporte, representante no país dos tratores canadenses Massey-Harris e dos caminhões pesados
norte-americanos Kenworth, mudando então a razão social para Distribuidora Vemag S.A.. No mesmo ano em que foi
constituída, a Vemag assumiu a representação dos caminhões e ônibus suecos Scania-Vabis no país. Em 1953, após expandir
suas instalações industriais no bairro do Ipiranga e em paralelo com a fabricação de veículos Studebaker, iniciou a
montagem de caminhões Scania e tratores Massey-Ferguson (…). Três anos depois a Vemag firmaria contrato de
transferência de tecnologia com os dois últimos, assim como com a Perkins, para a nacionalização de seus produtos. 1955
foi um ano decisivo para a empresa. Mudou a razão social para Vemag – Veículos e Máquinas Agrícolas S.A. e apresentou
(…) planos de fabricação de dois modelos de automóveis e um utilitário da marca DKW, de origem alemã, projeto aprovado
em agosto do ano seguinte e implantado no tempo recorde de 90 dias. Foi a primeira empresa brasileira a se enquadrar no
programa de nacionalização de veículos do governo federal e, ao lançar em 19 de novembro de 1956 a caminhonete DKW
Universal também se tornou, por direito, a pioneira na fabricação de automóveis de passageiros no país. Com essa linha de
veículos a Vemag assegurou o terceiro posto entre os maiores fabricantes brasileiros do setor, alternando de posição com o
quarto lugar entre 1963 e 1968, quando seus negócios de automóveis foram absorvidos pela Volkswagen”. Informação
disponível em: http://www.lexicarbrasil.com.br/vemag. Acessado em dezembro de 2019.
833 Roberto Teixeira da Costa, autor desse excerto, “é um pioneiro do mercado de capitais no Brasil”, que iniciou sua
carreira no departamento de venda de ações da Deltec, no Rio de Janeiro. Em 1965, foi co-fundador da Associação
Brasileira de Analistas do Mercado de Capitais, que “desempenhou um papel de grande relevância na regulação das
operações de bolsa e mercados financeiros nos anos seguintes”. Costa ajudou a preparar a lei que criou em 1976 a Comissão
de Valores Mobiliários (CVM), da qual foi presidente (COSTA, 2007). Ele afirma (Id., p. 35-36), que o governo Juscelino
Kubitschek, que “lançou as bases da indústria automobilística (…), da indústria de eletrodomésticos e da indústria de bens
de consumo semiduráveis”, teve papel “consideravelmente mais relevante no mercado financeiro do que no mercado de
502

Como afirma Carvalho (2019), a Deltec, durante vinte anos, “seria o principal veículo de
disseminação do mercado de ações no Brasil, tendo realizado 38 novos lançamentos até 1960” 834. O
IBEC, de Nelson Rockefeller, já apresentado no Parte II desta tese, “secundou a Deltec no
direcionamento para o mercado de capitais no Brasil”. Sua operação inicial no mercado brasileiro
ocorreu por meio da Interamericana de Financiamento e Investimentos, em 1952, sobre a qual falamos
no capítulo 6, “cuja atividade era concorrente com a da Deltec”835. No início da década de 1960, a
Deltec mudou seu departamento técnico do Rio de Janeiro para São Paulo, “já antecipando o que mais
tarde acabou sendo uma consequência natural de todo o mercado financeiro”:

Uma das razões que levou à transferência da sede da empresa para São Paulo foi o fato
de que um dos homens influentes da Deltec, que comandava a operação de São Paulo,

capitais”: “O mercado de capitais precisa captar poupanças, usando instrumentos chamados valores mobiliários para
aplicações em médio e longo prazos. O mercado financeiro é mais imediatista, trabalhando com prazos menores (…). O
estabelecimento das novas indústrias dependia da existência de um mercado financeiro criado para os consumidores. Dessa
forma, o aparecimento dessas indústrias gerou a necessidade de financiamento individual, num país em que o sistema
financeiro, liderado pelos bancos comerciais, não estava preparado para atender à nova demanda de crédito em prazos,
escala e custos aceitáveis para os consumidores e, ao mesmo tempo, ser capaz de criar instrumentos atraentes de
mobilização de poupança. Assim é que JK, ao fomentar a indústria, criou a necessidade de financiamento, estimulando o
aparecimento de instituições especializadas (…). Tais iniciativas, contudo, tiveram também o efeito imediato de prejudicar o
mercado de capitais (...)”.
834 “Como não competia diretamente com o mercado bancário, ainda não envolvido em investimentos, a Deltec soube
costurar sólidas ligações com o sistema. Em sua diretoria de 1958 constavam banqueiros de grande expressão. Gastão
Vidigal, do Banco Mercantil de São Paulo, era vice-presidente; Adolfo Oliveira Franco, do Banco Comercial do Paraná;
Fernando Góes, do Banco da Bahia; Irineu Bornhausen, do Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina; e Olavo Egydio
de Souza Aranha, do Grupo Monteiro & Aranha, eram diretores” (CARVALHO, 2019).
835 “Ao invés de se dedicar a vendas diretas, a Interamericana optou pela associação com uma série de bancos, fiando-se na
capacidade de distribuição e clientela de seus serviços de custódia (…). (…) várias operações foram tentadas como Pneus
General, Concreto Redimix e Siderúrgica Manesmann, a mais bem-sucedida de todas. Em janeiro de 1957, a Interamericana
de Financiamento e Investimento SA foi transformada em Companhia Distribuidora de Valores, Financiamento e
Investimentos (CODIVAL), e sua carteira incorporada em um novo veículo: Fundo Crescinco” (CARVALHO, 2019). Este,
segundo Costa (2007, p. 33), “durante muitos anos foi o maior fundo aberto de investimentos não só do Brasil como da
América Latina”. A Deltec, que já tinha criado “quatro fundos de investimentos fechados” (“isto é, um consórcio em que um
número limitado de investidores partilhava uma carteira de ações”), chamados fundos “Valérias” (Valéria Primeira,
Segunda, Terceira e Quarta), lançou e administrou o “Condomínio Deltec”, para fazer concorrência ao Fundo Crescinco
(COSTA, 2007, p. 26-27). Depois que a Lei de Mercado de Capitais (Lei n.º 4.728 de 1965) foi promulgada, criando a
figura do banco de investimento, foi criado o Banco de Investimentos do Brasil (BIB), “projeto capitaneado por Walter
Moreira Salles, em 1966, que absorveu o patrimônio e equipes da Deltec e IBEC, gestora do Fundo Crescinco, as maiores
empresas do mercado de investimento no país em anos anteriores” (CARVALHO, 2019). Roberto Teixeira da Costa, em
entrevista a Barcellos (2018, p. 38-39), afirmou que esse foi um processo “natural”: “A Deltec era a única com uma
estrutura de suporte para um banco de investimentos. O Walter Moreira Salles (banqueiro e embaixador) era uma pessoa de
grande trânsito internacional e uma empresa dele já havia sido financiada pela Deltec. Por isso, foi mais do que natural a
aproximação entre o Banco Moreira Salles e a Deltec, que formaram o BIB. Mais tarde também entraram como sócios o
Banco Brascan e a International Basic Economy Corporation (Ibec), que administrava o fundo Crescinco. A Ibec era enorme
e estava no Brasil desde os anos 40. Inicialmente, a Ibec tomou participação nominal no BIB; depois, efetivou todas as
operações, em parceria com a Credibrás, uma financeira importante do grupo Moreira Salles. (…) O grande concorrente do
BIB foi o Investbanco (fundado pelo ex-ministro Roberto Campos)”.
503

David Beaty 3º – que depois foi casado com a Marjorie Mesquita (viúva de Carlão
Mesquita)836 –, residia em São Paulo. A companhia tinha muitos interesses nessa
cidade, pois era proprietária da Companhia City, uma reputada incorporadora de
imóveis. A Companhia City loteou a região dos Jardins [associada aos segmentos mais
ricos da cidade], projeto revolucionário na época. Talvez essa tenha sido uma visão
pioneira, antevendo que as coisas se encaminhariam para São Paulo. Na época, a
Deltec começava a se expandir para outros países da América Latina (COSTA, 2007, p.
29-30).

Sobre esse processo, Clarence Dauphinot observou:

Nossa vida no Brasil foi dedicada à construção de um mercado de ações e valores


mobiliários. De 1959 a 1964, o mercado de ações se contraiu muito (…). Infelizmente,
quando a década de 1950 chegava ao seu final, ficou evidente que a situação no Brasil
estava se deteriorando politicamente e, devido a esses problemas políticos,
economicamente. A deterioração começou, fundamentalmente, com Vargas 837, mas
ganhou corpo sob Kubitscheck, o qual achava que você poderia desejar o
desenvolvimento e fazê-lo acontecer por meio da inflação. (…) O Brasil esteve muito
perto de se tornar uma nação comunista do pior tipo. (…) Eu, então, dediquei parte do
meu tempo a iniciar atividades da Deltec na Venezuela [em 1956] e, mais tarde, na
Argentina838, em busca de diversificação. Depois essa política foi levada ao Chile e ao
Peru e, finalmente, ao México e Colômbia. (…) sinais de problemas surgiram de Nova
Iorque à América Latina no início de 1959. No ano anterior, Manuel Ulloa tinha
entrado em cena da Deltec (…). Em janeiro e fevereiro de 1959, eu fui a Nova Iorque e
encontrei a Deltec Corporation na maior crise de sua história. (…). Além de obter

836 Filho mais novo de Júlio Mesquita Filho, proprietário do jornal O Estado de São Paulo.
837 Em 1951, Edward G. Miller, Secretário de Estado adjunto para assuntos interamericanos do governo Truman, informou
a Merwin Bohan, da embaixada dos Estados Unidos no Brasil, que tinha sido procurado por Dauphinot: “(…) Recebi o
seguinte telegrama de Clarence Dauphinot do Rio: ‘passagem final de 35% do imposto de renda contra estrangeiros
contrária às políticas repetidamente declaradas regime de Vargas para incentivar o investimento estrangeiro no Brasil ponto
parece anular propósito da missão de Bohan ponto posso pessoalmente assegurar que mera ameaça passagem suspende
todas as negociações atuais para expansão investimento americano Brasil’. "Eu não conheço o histórico desse tema, mas
você sem dúvida o considerará digno de ser investigado. A propósito, Dauphinot é um bom amigo pessoal meu e vem
fazendo um trabalho muito interessante na área financeira no Brasil” (Carta, 24/07/1951).
838 Em 1958, Henry A. Kissinger, então diretor do International Studies Center da Harvard University, recebeu uma carta
de Julio Nuñez (Argentaria S. A. de Finanzas, empresa da Deltec): “Caro Henry. (…) Faz cerca de cinco meses que eu estou
na Argentina dirigindo as operações da Deltec Corporation neste país. Nós estamos tentando, como fizemos no Brasil,
desenvolver um mercado de capitais privado, subscrevendo e distribuindo a pequenos investidores por todo o país os
valores mobiliários das empresas locais. Todos aqui nos disseram que isso era impossível, mas felizmente, temos
conseguido provar que estão errados. Este trabalho não apenas resulta em lucros para a Deltec mas, eu acredito, presta um
grande serviço à nação e ao princípio da iniciativa privada. A colocação de ações de empresas privadas nas mãos das massas
do povo tenderá, eu acredito, a fortalecer o conceito da livre iniciativa e também fortalecerá a política de centro ( the
political Center), o que, hoje, eu acredito, é extremamente importante no cenário internacional como um todo. Eu espero
que, em algum momento nesta primavera, eu retorne a Nova York e certamente gostaria muito de ter a oportunidade de
conversar com você” (Carta, 10/01/1958). Antes de se juntar à Deltec, em 1957, Nuñez tinha trabalhado para o
Departamento de Justiça do governo norte-americano (como assistant U. S. attorney) e como assistente especial de Lewis
Harder, presidente da South American Gold & Platinum Corporation (DAUPHINOT, 1967, p. 37)
504

capital adicional na Europa, capital adicional foi obtido com vários amigos (…) na
América Latina. (…) Bancos e amigos peruanos, o Banco Edwards no Chile, e outros
sócios brasileiros e venezuelanos, se tornaram acionistas da Deltec. Nesse mesmo
período, 1959, 1960 e 1961, nós decidimos fundar a Deltec no México (…). Enquanto
tudo isso se desenvolveu, ficou bastante óbvio que a sede dessa empresa transnacional
tinha que ser um lugar neutro. Era impossível, do ponto de vista dos nossos acionistas
realizar negócios na Argentina e França ou Brasil e Suíça e pagar impostos norte-
americanos sobre essas transações só porque nós gostaríamos de viver em Nova
Iorque. Esse problema foi discutido com os diretores e os maiores acionistas (…). A
Deltec analisou vários lugares para estabelecer sua sede e decidiu que o lugar mais
apropriado eram as Bahamas. (…) do ponto de vista das comunicações, das instalações
bancárias, facilidade de acesso à América Latina, um lugar onde os latino-americanos
se divertiam e se sentiam em casa. Nassau, nas Bahamas, pareceu a melhor localização
e foi escolhida. Em 31 de dezembro de 1961, a Deltec Corporation [que tinha sido
criada previamente no Panamá], mudou-se para as Bahamas, onde mudou seu nome
para Deltec Panamerica S. A839., que se tornou uma holding840, comprando as
participações das companhias da Deltec em todo o hemisfério. Ao mesmo tempo, a
Deltec Panamerica criou uma nova subsidiária integral (wholly-owned subsidiary) nas
Bahamas, a Deltec Banking Corporation Limited, que a partir daquele momento
assumiu as atividades de financiamento previamente realizadas pela Deltec
Corporation841(…) (DAUPHINOT, 1967, p. 34-49, itálicos meus).

Enquanto expandia a atuação da Deltec, Dauphinot também trabalhava na articulação de uma


ação empresarial anticomunista na América Latina. Ele continuou a viver no Brasil até 1962, mas desde

839 Nesse período, novos membros foram incorporados à diretoria da Deltec Panamerica: Paul Krebs (Deutsche Bank),
Ronald Grierson (S. G. Warburg & Co.), Barty Bouverie (Bank of London & South America), Claude Boillot (Suez), Carlo
Bambieri (Banca Comerciale Italina), Gustavo Vollmer, representando a Venezuela, Joaquim Monteiro, representando o
Brasil, Agustin Edwards, representando o Chile, Carlos Ferreyros representando o Peru, e Manuel Ulloa, David Beaty e
Julio Nunez, vice-presidentes da sociedade matriz, representando o grupo executivo (DAUPHINOT, 1967, p. 50).
840 Holding é uma “empresa que atua como controladora de outras companhias, detendo participação majoritária nas ações
de suas subsidiárias”. Não se trata de um “tipo societário, mas uma forma de administração de grupos empresariais que visa
redução da carga tributária, retorno de capital sob a forma de lucro isento e planejamento da sucessão”. Foi “formalizada
juridicamente no Brasil com a lei número 6.4040/76, conhecida como Lei das Sociedades Anônimas”. Definição disponível
em: <https://www.dicionariofinanceiro.com/holding/> Acessado em dezembro 2019.
841 Quando Dauphinot faleceu, o jornalista Luís Nassif escreveu um obituário para a Folha de São Paulo (23/01/1995), que
assim resume a importância da Deltec: “Morreu há cerca de dez dias, em Nassau, com mais de 90 anos de idade, o pioneiro
do mercado de capitais brasileiro: o financista americano Dauphinot Jr., espécie de Jorge Paulo Lehmann (que foi seu
discípulo) em escala internacional. Com David B. III, Dauphinot criou a Deltec, instituição que criou fama internacional no
pós-guerra, como pioneira dos incipientes mercados internacionais de câmbio e de títulos de dívida nacionais. Sua sede era
em Nassau e de seu capital participavam alguns dos maiores bancos internacionais. Foi a primeira instituição a operar com
"dollar notes" (títulos da dívida externa), colocando emissões de dívidas latinas no resto do mundo. Até que os grandes
bancos internacionais invadissem seu terreno, na negociação de títulos de dívidas de países, dominou amplamente o
mercado e acabou sendo o grande celeiro de analistas que ajudaram a formar o mercado internacional de títulos nos anos 50.
(…) Anos depois, da fusão entre o IBEC, a Deltec e o Banco Moreira Salles, nasceu o Banco de Investimentos do Brasil
(BIB), um dos esteios da grande revolução do mercado de capitais brasileiro no fim dos anos 60, no rastro da nova Lei de
Mercado de Capitais. Dos quadros da Deltec, saiu a geração responsável pela evolução do mercado de capitais brasileiro
(…)”.
505

1959 vinha passando uma “quantidade considerável de tempo” em Nova Iorque e na Europa (1967, p.
39):

Boa parte do tempo que eu passei no Brasil [nesse período] foi dedicado à tentativa de
encontrar uma forma de conter a maré caótica e perturbadora da ordem que existia
naquele país. Afinal de contas, quando você vive 16 anos em um país, ele se torna sua
casa, seu país. Eu sempre me senti assim em relação ao Brasil e o perigo representado
pelo o que estava ocorrendo era evidente demais tanto para mim quanto para David
Beaty. (…) Então, como a divisão política naquele país trouxe mais agitação, eu,
através da Câmara Americana de Comércio e outras organizações, fiz tudo que estava
em meu poder, pública e privadamente, para condenar e lutar contra a orientação em
direção à corrupção e ao caos (…) (DAUPHINOT, 1967, p. 51)

Embora a Deltec não fosse uma das empresas associadas ao USIAC, empresários vinculados a
ela estiveram presentes às reuniões que essa organização ajudou a promover no início da década de
1960, nos Estados Unidos, e atuaram junto ao Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos da Câmara
Americana de Comércio no Brasil. Um desses empresários era Gilbert Jacob Huber Jr., que tinha,
então, pouco mais de trinta anos. Dauphinot conhecia o pai de Huber desde a década de 1940, quando
este fundou a companhia Listas Telefônicas Brasileiras:

Gilbert Huber, que tinha vindo ao Brasil para assumir a distribuição, publicação e
publicidade das páginas amarelas para a Brazilian Traction, e tinha tido algum sucesso
em seu primeiro ano, tendo então decidido que o melhor para ele e seu futuro era
comprar o negócio das páginas amarelas da Light (Brazilian Traction), formando uma
empresa para fazer esse trabalho para a Brazilian Traction, sob contrato, mas mantendo
essa empresa como sócia minoritária. Ele tinha alguns amigos na Filadélfia dispostos a
fornecer algum capital para esse negócio. Contudo, naquele período houve uma queda
na Bolsa de Valores de Nova Iorque e vários de seus amigos na Filadélfia desistiram de
investir o dinheiro. Gil [apelido de Gilbert] veio me ver na Deltec S. A. [por sugestão
de conhecidos] (…). Gil era um grande vendedor e me apresentou todo o processo, e
eu devo admitir que fiquei bastante empolgado com essa nova forma de negócio, que
parecia bastante próspero (sounded like a bonanza). Contudo, Gil fazia questão de uma
subscrição de cinquenta mil dólares (…) e, mesmo sem estar completamente
convencido, eu levei a proposta a Dave Beaty e ele, depois de analisá-la comigo e com
Gil, disse que tudo bem, ele iria fazer isso comigo. Então Dave Beaty e a Deltec S. A.
subscreveram em conjunto a primeira emissão de ações das Listas Telefônicas
Brasileiras [em 1947]842 (DAUPHINOT, 1967, p. 9-10).
842 “Nós conseguimos vender apenas doze mil dos cinquenta mil dólares em ações no período alocado e então chegou o dia
em que teríamos que colocar o dinheiro. (…) Eddie Webster comprou quinze mil dólares [em ações]; eu comprei quinze
506

Em novembro de 1947, Huber Júnior já aparecia como diretor-presidente das Listas Telefônicas
Brasileiras. Possivelmente, data desse período a sua aproximação com Clarence Dauphinot 843. No início
da década de 1960, o encontraremos participando de atividades do Comitê de Relações Brasil-Estados
Unidos da Câmara Americana de Comércio no Rio de Janeiro (Relatório 11/10/1962). Em agosto de
1960, William A. Fowler, conselheiro econômico da embaixada, comunicou ao embaixador, John M.
Cabot, o teor de uma conversa que teve com Huber Júnior:

Por sugestão do Sr. Phelan 844, o Sr. Gilbert J. Huber, Jr. diretor-presidente das Listas
Telefônicas, e um associado, Sr. Joseph R. [Radney] Lopez, Jr., vieram me falar de
planos em andamento para persuadir grandes empresas norte-americanas e empresas
locais que têm negócios na América Latina a abrir suas portas à participação de
investidores locais, por meio da venda de ações. O Sr. Huber, cujo pai é norte-
americano, evidentemente conhece muitos líderes empresariais norte-americanos nos
Estados Unidos e na América Latina, e oficiais do governo dos Estados Unidos em
Washington. Eventos ocorridos em Cuba demonstraram, em sua opinião, a
necessidade urgente de que os investidores norte-americanos na América Latina
realizassem um esforço especial e urgente para colocar ações nas mãos de
investidores locais. Ele vê isso não apenas como uma defesa contra o comunismo ou
ataques contra os investimentos estrangeiros inspirados pelos comunistas, mas, mais
fundamentalmente, como um meio de estimular o crescimento de “pequenos
capitalistas” na América Latina, como um baluarte contra o comunismo. Ele está
tentando fazer com que quinze ou vinte grandes empresas norte-americanas que
operam na América Latina adotem sua sugestão (…). Ele gostaria muito de falar com
você sobre suas ideias e atividades brevemente descritas acima. Se você não tiver
objeção, ele gostaria de trazer consigo Celso Rocha Miranda, rico empresário
brasileiro, que está interessado no projeto 845. O sr. Huber estará disponível nesta
semana, mas na próxima estará em São Paulo. Eu recomendo que você se encontre
com ele (ou eles) (Memorando, 03/08/1960, itálicos meus) 846.

mil; e Dave comprou oito mil, para completar o pagamento a Gil Huber. (...) nós nunca vendemos essas ações. Nós as
mantivemos para nós e elas se tornaram um dos melhores investimentos que já foram feitos por qualquer um de nós três.
Acredito que, no todo, eu recebi uns trezentos e cinquenta mil dólares como retorno do investimento” (DAUPHINOT, 1967,
p. 10).
843 Não há nenhuma informação sobre Gilbert Huber Jr. nas memórias de Dauphinot (1967), e o primeiro não quis
responder nenhuma das perguntas que lhe foram encaminhadas (contato realizado com seus familiares). Os documentos que
comprovam a relação de Huber com a Deltec datam do início da década de 1960, mas é provável que a aproximação seja
anterior.
844 Nascido na Venezuela, de pais norte-americanos em 28/06/1922, George R. Phelan, Jr. serviu no Exército dos EUA no
exterior, entre 1944 e 1946. Na carreira diplomática, serviu em Caracas (1946-1947), Londres (1948-1949), Curaçao (1950-
1952), Niagara Falls (1953-1955), Barranquilla (1956-1958), Recife (1958-1960), Rio de Janeiro (1960-1961). Entre março
de 1961 e setembro de 1962, trabalhou no Departamento de Estado em Washington como oficial especialista em pesquisa de
informações de inteligência. Em outubro de 1963, foi transferido para a Cidade da Guatemala (US, Biographic Register
1966, p. 424).
845 Celso da Rocha Miranda, proprietário da Ajax, então a maior seguradora da América do Sul, em 1961, ao lado de Mário
Wallace Simonsen, se tornaria acionista majoritário da Panair do Brasil, empresa aérea que em 1965 foi fechada por decreto
do marechal Castelo Branco (Revista Piauí, agosto 2019).
507

Nesse mesmo período em que Gilbert Huber Jr. entrou em contato com a embaixada norte-
americana no Rio de Janeiro, um grupo de vinte e cinco empresários colombianos estava criando o
Centro de Estudios y Acción Social (CEAS). Alguns dos membros do CEAS tinham ligações com a
Deltec Panamerica. Se essas relações existiam antes da criação da organização, não sabemos informar.
Mas o certo é que, no final de 1960, já surgem registros dessa proximidade 847. Conforme Bailey
(1965a), quando fundado, o CEAS tinha quatro objetivos principais:

O primeiro era chamar a atenção da “gente decente” da Colômbia para o perigo


iminente representado pela esquerda jacobina. O segundo era desenvolver uma ampla
campanha contra Fidel Castro e o comunismo, e uma campanha menos extensa em
favor da livre empresa, através dos meios considerados apropriados. O terceiro era
um programa de atividades diretamente contrárias ao comunismo (...), especialmente
através da infiltração de sindicatos, universidades e corporações, por meio do
exercício de pressão, elaboração de “listas negras” e apoio a elementos
anticomunistas; e através da retirada de propagandas de órgãos da esquerda (…). Por
fim, o CEAS deveria tentar alterar a mentalidade dos capitalistas, para que estes
compreendessem melhor suas responsabilidades sociais (BAILEY, 1965a, p. 455,
itálicos meus).

Um relatório enviado ao Departamento de Estado pelo segundo secretário da embaixada norte-


americana em Bogotá, em outubro de 1960, informava:

Importantes industriais, empresários, ruralistas e profissionais colombianos


organizaram um grupo para combater a propaganda e a agitação comunista. Os
principais organizadores ostensivos desse grupo são Hernán Echavarria, ex-ministro
das Comunicações, Eduardo Zuleta Angel, ex-embaixador nos Estados-Unidos e
proeminente advogado conservador, José Gomez Pinzón, ex conselheiro presidencial e
delegado no Comitê de Reabilitação, e Alberto Samper, presidente da Cervejaria
846 Não sabemos informar se ocorreu um encontro entre Huber e o embaixador. Nenhum documento a respeito foi
localizado.
847 Em um documento oficial norte-americano – escrito para registrar os debates que ocorreram em reunião realizada no
Departamento de Estado, em Washington, em dezembro daquele ano, que discutiu “planos para reagir à penetração
comunista na Colômbia” e em outras partes da América Latina –, Manuel Ulloa, diretor da Deltec, foi identificado como
membro do CEAS (Memorando, 15/12/1960). Além disso, dois membros do comitê diretivo da organização colombiana,
Alberto Samper e Hernan Echavarria, se tornaram diretores da Deltec Panamerica na década de 1960: entre 1962 e 1967, a
Deltec cresceu muito rapidamente e, em cada um desses anos, “novos amigos e instituições da América Latina” se juntaram
à sua lista de acionistas. Entre esse grupo, Dauphinot destacava o “contingente colombiano”: Alberto Samper e Julio Mario
Santo Domingo se alternavam em um cargo na diretoria da Deltec Panamerica, representando a Colômbia. Outro diretor
colombiano foi eleito: Hernan Echavarria, que então se tornaria embaixador de seu país em Washington (DAUPHINOT,
1967, p. 60).
508

Bavaria. A organização desse grupo resulta de um crescente medo do comunismo e da


agitação pró-Cuba e a consequente compulsão das classes privilegiadas
representadas por esses grupos em combater esse tipo de infiltração e agitação, as
quais, obviamente, são um perigo para sua posição. Representantes desse grupo
procuraram o embaixador [Dempster McIntosh] para apresentar a organização e seus
objetivos. Como eles explicaram, a organização do grupo, que ainda está em seu
estágio inicial, consistirá em uma equipe executiva sob a direção de Aurelio Correa,
ex-diretor do Banco Comercial Antioqueño (…). A supervisão será realizada por um
Conselho (…) com representantes de todos os campos de atividade – pecuária,
agricultura, indústria, comércio, trabalho, igreja, imprensa, etc. Cada membro do
conselho terá a responsabilidade de conseguir apoio para a organização no setor que
representa, e por isso esses representantes estão planejando formar um comitê de
aproximadamente dez pessoas ativas em cada campo específico. No momento, Luis
Robledo, proeminente pecuarista, é o representante desse setor; Luis Echeverry,
presidente da Sociedad de Agricultores, é o representante dos proprietários rurais;
Rafael Samper, proeminente médico, representa os profissionais; a Genaro Payan, um
advogado, foi dada a responsabilidade de obter apoio entre a imprensa e os círculos
editorais; e Monseñor Salcedo atua junto à igreja 848. Até o momento, parece não haver
nenhum representante do setor sindical no grupo, e a embaixada não tem a lista
completa dos representantes de outros setores. De acordo com o Dr. Zuleta, cerca de
mil lideranças-chave estão ou serão envolvidas nesta organização, de uma forma ou de
outra. O grupo afirma ter o apoio e cooperação de líderes políticos importantes e a
bênção não oficial do presidente Lleras [Camargo]. A organização foi provisoriamente
denominada Comité de Estudios y Acción Social. Os objetivos da organização, como
explicado ao embaixador pelos representantes do grupo, são o combate à propaganda e
às táticas comunistas no nível dos comunistas. Assim eles imaginam uma campanha de
propaganda para desmascarar o comunismo e responder às afirmações e acusações
comunistas. Eles gostariam de treinar pessoas que estariam cientes das táticas e
estratégias comunistas e aptas a combatê-las, da mesma forma que os comunistas
treinam agitadores profissionais. O grupo mencionou que uma das primeiras coisas
que eles fizeram foi arrecadar dinheiro para comprar a revista semanal Semana, para
tirá-la das mãos do esquerdista Alberto Zalamea (…). Outro projeto que eles têm em
mente é fazer um boicote de anunciantes ao jornal La Calle, de Lopez Michelsen. Até
o momento, contudo, o planejamento e o pensamento do grupo não foi estabelecido
com precisão ou detalhes e os membros da organização exibem uma boa quantidade de
incertezas sobre como proceder. (…) Em suas conversas com o embaixador, o grupo
solicitou a cooperação e assistência da embaixada, especialmente, mas não
inteiramente, com relação aos aspectos de propaganda das suas operações. Eles
mencionaram o desejo, por exemplo, de obter material de vários tipos, que poderiam
ser adaptados aos grupos alvo específicos e variados. Eles também se referiram à ideia
de terem especialistas em táticas e estratégias comunistas designados para trabalhar
com eles. Dr. Gomez Pinzon deixou subentendido que (…) ajuda financeira poderá ser
necessária, mas que esse não era o caso no momento. (…) (…) Muitos dos indivíduos

848 “Na verdade, há algumas razões para acreditar que a hierarquia da Igreja teve um papel importante e fundamental [na
formação da organização] (…). A ideia de uma organização desse tipo foi primeiramente proposta no ano passado [1959] na
CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americana) em Fomeque [Colômbia], e entende-se que os jesuítas tentaram criar uma
organização com o mesmo nome. Pode ser, assim, que uma boa dose de inspiração tenha vindo da igreja” (Despatch n.º 213,
07/10/1960). É interessante observar que, naquela época, o CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano), que foi
criado a partir de uma conferência realizada em 1955, no Brasil, era presidido pelo arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jaime
de Barros Câmara (Verbete biográfico, DHBB). Como mencionado no capítulo 7, Dom Jaime era declaradamente
anticomunista e recebia as publicações da SEI.
509

envolvidos são identificados pelo público em geral com a elite e a chamada


“oligarquia” e foram, no passado, alvo de sindicatos e reformadores sociais. Assim, em
certo grau, esse grupo não tem acesso direto ou meios de se comunicar com alguns dos
setores que eles querem influenciar. (…) A embaixada considera (…) que uma
cooperação discreta com o grupo será algo bastante útil. É claro, se reconhece que
uma aproximação muito grande ou uma identificação pública (an open identification)
com a organização poderia ser tanto contraproducente quanto perigosa. Já que a
iniciativa foi colombiana, assim deveria naturalmente permanecer, sem envolvimento
da embaixada em operações ou direção. Levando em consideração as ressalvas acima,
a embaixada está analisando que tipo de assistência pode ser fornecida de forma
prática e viável a essa organização. Percebe-se que uma parcela considerável de ajuda
poderia ser provida no campo da propaganda, já que a organização fornece um
potencial mecanismo de distribuição excelente, não disponível de outra forma à
embaixada. É também provável que sugestões e aconselhamento possam ser fornecidos
ao grupo, o qual, como observado anteriormente, não tem certeza sobre o que fazer ou
como fazer. No futuro imediato, mais contatos serão feitos com a organização para
definir mais precisamente os seus planos e aparelhos, e isso será reportado. É possível
que, com o conhecimento de maiores detalhes, fosse desejável ter o suporte do
Departamento [de Estado], USIA e outras agências, especialmente no fornecimento de
materiais (…) para esforços de propaganda normais, cinza e propaganda clandestina
(Despatch n.º 213, 07/10/1960, itálicos meus).

Alguns dias depois, mais informação foi encaminhada a Washington pela embaixada de Bogotá:

(…) Oficiais da embaixada recentemente tiveram mais duas conversas com Aurelio
Correa, diretor executivo do grupo, e conseguiram obter informações mais detalhadas
sobre a natureza e os planos da organização (…). O nome da organização é Centro de
Estudios y Acción Social. (…) Os principais grupos alvo serão estudantes,
trabalhadores e camponeses. (…) O Centro pretende operar nos bastidores e
indiretamente (…). O que está planejado é que o Centro será uma espécie de grupo
coordenador e planejador que, tendo escolhido ou estabelecido um projeto ou um
objetivo específico, buscará apoio e cooperação de pessoas e estruturas necessárias
para implementá-los. Ele usará, para esse propósito, a influência a sua disposição,
possuída pelas proeminentes pessoas a ele associados. O Centro, dessa forma, não terá
uma grande equipe própria, e irá trabalhar através de círculos e estruturas já
estabelecidas. (…) Ele [Correa] (...) levantou a questão da “assistência técnica”. Foi
apontado ao Dr. Correa que a identificação dos Estados Unidos com a direção e
operação do programa do Centro seria contraproducente tanto para o grupo quanto para
a posição dos Estados Unidos na Colômbia. Correa concordou, destacando que o
próprio Centro teria que ser discreto em suas ações. Ele sugeriu, contudo, que a
assistência técnica poderia ser disponibilizada por fontes privadas não-governamentais,
que tivessem competência profissional, se eles pudessem ser postos em contato com
tais fontes. (…) As opiniões do Departamento com relação à possibilidade de colocar o
Centro em contato com fontes privadas capazes de fornecer serviços profissionais com
competência em técnicas de comunicação e organização (pelos quais o Centro
510

possivelmente estará disposto a pagar) (…) seriam apreciadas (Despatch n.º 245,
19/10/1960).

Frank J. Devine, do Bureau of Inter-American Affairs do Departamento de Estado849,enviou a


seguinte resposta a Viron Vaky850, secretário da embaixada norte-americana na Colômbia:

(…) Eu mencionei esse assunto no encontro semanal da Força Tarefa (…) e também
em outro encontro no qual estiveram presentes Tom Mann 851 e seu homólogo da
agência não mencionável. Todos concordam com a utilidade de movimentos nacionais
desse tipo, e todos se preocupam com um possível golpe mortal (kiss of death) ser
conferido por qualquer contato muito ostensivo conosco. O consenso geral foi, eu
acredito, bem refletido nas instruções enviadas a você por volta do dia 27 de
outubro852. (…) Eu acredito que a nova organização logo terá assistência de algum
“anjo” invisível, mas se você perceber a necessidade de qualquer outra ação
específica, por favor, me avise. (…). (Carta, 31/10/1960, itálicos meus).

No final de novembro de 1960, um oficial do Departamento de Estado registrou as seguintes


informações sobre o CEAS:

849 Devine era, nesse momento, assistente especial do Secretário de Estado, Richard Rubottom (função que ocupou até
agosto de 1961). Entre suas responsabilidades, estava a de realizar a ligação do Departamento com o Conselho de
Segurança Nacional, com o OPC e com a CIA (Entrevista, 26/04/1975).
850 Viron Peter Vaky nasceu no Texas em 1925, filho de imigrantes gregos. Estudou na Georgetown University e na
University of Chicago. Serviu ao exército entre 1944 e 1946. No serviço diplomático a partir de 1949, trabalhou nos postos
de Guaiaquil (Equador) e Buenos Aires. Entre 1954 e julho de 1959 ocupou funções no Departamento de Estado. Na
Colômbia, permaneceu entre 1959 e 1963. De volta aos Estados Unidos, esteve vinculado ao National War College entre
agosto de 1963 e abril de 1964. Em julho daquela ano, exerceu funções na embaixada dos Estados Unidos na Guatemala. De
volta a Washington em 1967, no ano seguinte se tornou vice-Secretário de Estado Adjunto para assuntos interamericanos. A
partir de 1969 esteve vinculado ao National Security Council (US, Biographic Register 1972, p. 398). Nessa função,
participou do planejamento sobre a posição dos Estados Unidos diante da eleição de Salvador Allende, no Chile, em 1971. A
respeito, ver memorando de Vaky para Henry Kissinger (então conselheiro da presidência sobre assuntos de segurança
nacional), disponível em: https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76v21/d86 (Acessado em dezembro de
2019). Na década de 1970, Vaky foi embaixador na Costa Rica (1972-1974), na Colômbia (1974-1976) e na Venezuela
(1976-1978). Entre 1978 e 1980 foi secretário de Estado adjunto para assuntos interamericanos, coordenando a política
norte-americana em um momento de grandes crises na América Central (Nicarágua e e El Salvador) ( The Washington Post,
08/12/2012).
851 Thomas Mann, que ficaria no Departamento de Estado até abril de 1961, quando assumiu a embaixada dos Estados
Unidos no México. Sobre a trajetória de Mann, ver capítulo 2.
852 Na pasta em que se encontrava essa correspondência de Devine para Vaky, existia um documento enviado pelo
Departamento de Estado à embaixada em Bogotá no dia 27/10/1960. Contudo, ele foi retirado, por conter informações de
segurança censuradas. Um pedido de liberação foi encaminhado no início de 2018, mas ainda não obtive resposta das
autoridades responsáveis.
511

O Sr. Devine me disse esta manhã que ele foi informado, através de nossa fonte
confidencial controlada [CIA] que certos membros do Centro de Estudos logo estarão
aqui [Washington], sem dúvida com o objetivo de obter ajuda para sua luta contra o
comunismo na Colômbia. Nós já alertamos à embaixada em Bogotá que esta deve
evitar ou diminuir os contatos ostensivos com o grupo e não encorajar apoio ou
filiação visível (observable affiliation or support) por meio da comunidade empresarial
[norte-americana] local. O Centro, até o momento, já foi acusado de lançar um boicote
econômico contra dois jornais, La Calle (Liberal) e El Siglo (Laureanista). Nossa
embaixada relata que seus membros não têm sido particularmente discretos e, em suas
conversas privadas, deixaram a impressão de que a embaixada estava cooperando com
eles. O Sr. Devine e eu concordamos que (1) se formos informados sobre a presença do
grupo na cidade por volta da metade deste mês, o Sr. Devine deve ser notificado; e (2)
se qualquer reunião for organizada com eles no Departamento, asseguraremos que o Sr.
Terrell853 da agência [CIA] seja convidado para estar presente, já que sua organização
tem planos com relação ao encaminhamento de quaisquer pedidos que possam ser
feitos (Memorando, 30/11/1960, itálicos meus).

No início de dezembro, Viron Vaky informou a Devine que o grupo pretendia partir para os
Estados Unidos no dia 7 e, que, com certeza, faria uma visita a Washington 854. Ele também aproveitou a
carta para comentar sua opinião sobre a relação que a embaixada deveria manter com o CEAS:

Embora o Centro, claramente, seja um grupo extremamente poderoso, e tenha


potencial para realizar muitas ações boas e efetivas, eu ainda tenho a sensação de que
eles irão se envolver em política doméstica, começando a se opor a qualquer coisa que
não lhes agrade como sendo “esquerdista”. Sob essas circunstâncias, eu me pergunto se
não deveríamos estabelecer uma espécie de coordenação (guidance) (encoberta, sem
dúvida alguma), que pudesse influenciá-los construtivamente em direção a um a
abordagem positiva, impedindo que seu viés anticomunista saia muito dos trilhos, e
assim utilizar seu potencial inquestionável (Carta, 05/12/1960, itálicos meus).

853 Como visto no capítulo 7, atuou pela CIA na Colômbia.


854 Uma reunião acabou sendo realizada no dia 15 de dezembro. Como mencionado anteriormente, Manuel Ulloa, da
Deltec, era um dos presentes. Os demais eram: Luis Robledo, Hernan Echavarria, Mr. Franco (CEAS); John Smithies
(empresário norte-americano, sobre o qual falaremos mais adiante), Thomas Mann, Lane, Devine, Payne, Poole Gerberich
(Departamento de Estado) e Terrell (CIA). “O Sr. Mann sugeriu que, além dos contatos que esse grupo [CEAS] já fez com
organizações empresariais e educacionais neste país, deveria entrar em contato com o Sr. George Meany da AFL/CIO e com
o Sr. Mike Haider da Standard Oil of New Jersey. (…) Ele disse que o departamento está muito interessado em sua
campanha e gostaria de ajudá-los” (Memorando, 15/12/1960).
512

Em junho de 1961, Milton K. Wells, conselheiro da embaixada em Bogotá, encaminhou


informações sobre o CEAS a seu colega Brewster R. Hemenway, segundo secretário da embaixada
norte-americana em Quito, no Equador855:

(…) no final do ano passado, um grupo de empresários e industriais formou o chamado


Centro de Estudios y Acción Social. O propósito do Centro, de modo geral, é combater
o comunismo e a extrema infiltração da esquerda em todos os setores sensíveis. Eles
buscam fazer isso de dois modos – de forma aberta, ostensiva, promovendo programas
sociais como desenvolvimento comunitário, moradia, etc., – e de forma encoberta,
organizando reações contra o aparato comunista no campo da propaganda, estudantil,
sindical e outros setores sensíveis. Assim, eles enchem a cidade com cartazes e
panfletos anticomunistas. Eles estão considerando financiar e organizar lideranças
sindicais, etc. Até o momento, eles foram mais ativos no campo encoberto negativo do
que no positivo, embora estejam começando a se mover nessa direção. O grupo
também tem estado interessado em apoiar organizações similares em outros países, a
fim de criar uma rede com tais forças na América Latina. Claro que a ideia,
basicamente, é boa, e a combinação de tais forças para enfrentar o comunismo é algo
encorajador. Contudo, existem alguns aspectos que geram preocupação. (…)
Envolvimento na política local, em algum grau, pode se tornar inevitável, e há o risco
de que, em seu entusiasmo, eles possam tomar partido em questões políticas que sejam
contrárias apenas aos seus interesses e visões, e não a uma estrita orientação
anticomunista. Tudo isso leva à óbvia conclusão de que os Estados Unidos e a
embaixada não deveriam ser identificados com o grupo, apesar de seus objetivos serem
louváveis. Esta é, na realidade, a orientação que o Departamento nos enviou. (…) A
embaixada possui contato indireto com a organização colombiana e irá encaminhar
para eles a informação de que os dois grupos equatorianos que você mencionou estão
interessados em contatá-los. A organização colombiana prefere trabalhar desse modo e
realizar o primeiro contato. A partir disso, no devido tempo, eles provavelmente irão
entrar em contato com seus irmãos equatorianos (Carta, 28/06/1961).

Na metade de 1962, a CIA lançaria uma nova operação no Equador, “uma organização de
empresários e profissionais para a promoção de reforma social e econômica”856, segundo registrou o ex-
oficial da agência, Philip Agee (1976, p. 248):

855 Em maio, Hemenway tinha enviado uma solicitação a Wells: “Eu tenho a informação de que em Bogotá está em
operação uma organização anticomunista de empresários (…). Alguns dos grupos mais responsáveis daqui demonstraram
interesse em trabalhar com essa organização colombiana, mas não sabem como entrar em contato com ela. Parece que o
contato entre esses grupos seria mutuamente benéfico, e poderia indicar aos equatorianos formas de serem mais eficientes
em seu trabalho. Os dois grupos do Equador nos quais estou pensando, especificamente, são a Frente de Defensa Nacional e
a Frente Anticomunista Ecuatoriana. Ambos são de direita, fundamentalmente católicos, mas não violentamente
extremistas” (Carta, 23/05/1961).
856 No original: “an organization of business and professional people to promote economic and social reform”. Na
tradução publicada em português: “uma organização de profissionais e comerciantes para promoção de reforma social e
econômica” (AGEE, 1976, p. 248).
513

Organizações cívicas desse tipo já foram criadas por outras estações e foram eficientes
para propaganda e como mecanismo de financiamento de eleições e outras operações
de ação política857. Nosso grupo se chama Centro de Estudos para Reformas
Econômicas e Sociais (CERES) e é dirigido por dois agentes, Mario Cabeza de Vaca e
Jaime Ponce Yepez. (…) Jaime Ponce é o distribuidor da Shell Oil [Standard Oil] de
Quito e já se tornou amigo meu e de Noland 858, que o recrutou para trabalhar no
CERES e depois o transferiu para [Gil] Saudade 859. A estação de Bogotá está
colaborando com o envio de uma delegação de seu grupo de reformas chamado Centro
de Estudos e Ação Social (CEAS) (Quito, 21 de julho de 1962, AGEE, 1976, p. 248-
249, com correções de tradução) 860.

9.3 O Latin American Information Committee (LAIC)

No mesmo período em que o CEAS se estruturava na Colômbia, duas importantes reuniões de


empresários foram realizadas em Nova Iorque. Na primeira delas, realizada no dia 19 de outubro de
1960, no Export Service Bureau da DuPont, localizado no Empire State Building, estiveram presentes
dois representantes da USIA (John M. Begg e W. J. Kramer) e quatro empresários vinculados ao
USIAC: Henry Balgooyen, William E. Barlow (presidente da Vision Inc.), Vada Horsch (diretora do
Departamento de Assuntos Econômicos Internacionais da National Association of Manufacturers e
secretária do USIAC) e William H. Kelty (gerente de distribuição de edições internacionais da revista
Reader’s Digest)” (Relatório, 26/10/1960). Foram relatadas a evolução e as estratégias das atividades
dos diversos comitês locais, propostos pelo comitê de ligação USIA-USIAC, a que nos referimos no
início deste capítulo. John M. Begg, da USIA, informou que novos comitês haviam sido criados e os já
existentes tinham expandido suas atividades na Argentina, Costa Rica, El Salvador, Guatemala,
México, Panamá, Uruguai e Venezuela, Chile e Brasil (Relatório, 26/10/1960).

857 No original: “Civic organizations of this sort have been established by other stations and have been effective for
propaganda and as funding mechanisms for elections and other political-action operations. Our group is called the Center
for Economic and Social Reform Studies (CERES)”. Na tradução publicada em português: “Organizações cívicas dessa
espécie já foram estabelecidas por outras bases e foram bem-sucedidas no setor de propaganda e como mecanismo de
reserva financeira para eleições e outras operações de ação política. Um dos grupos é denominado Centro de Estudos para
Reformas Econômicas e Sociais (CERES)” (AGEE, 1976, p. 249).
858 James B. Noland era chefe da estação da CIA no Equador (AGEE, 1976, p. 627).
859 Gil Saudade era o oficial da CIA responsável pelo CERES e outras operações políticas com sindicatos, partidos
políticos, etc. Em agosto de 1963 ele foi transferido para o consulado dos Estados Unidos em Curitiba, no Brasil, e Agee
assumiu boa parte de seu trabalho no Equador (AGEE, 1976, p. 302).
860 Na lista que apresenta – de funcionários, agentes, colaboradores e organizações controladas, financiadas e influenciadas
pela CIA – Agee descreve o CERES e o CEAS como organizações financiadas e controladas pelas estações da CIA de Quito
e de Bogotá (AGEE, 1976, p. 613).
514

De acordo com o relatório sobre o encontro, “o mais entusiasmado era o sr. William E.
Barlow861, que convidou os oficiais da USIA a permanecerem na cidade e participar de uma reunião
maior, a ser realizada no dia seguinte”, 20 de outubro de 1960. Esta, realizada no Racquet Club de
Nova York862, foi presidida por Barlow e chamada de “Discussão sobre um plano empresarial de
informação” (Racquet Club Business Information Program Discussion). Um dos presentes era Manuel
Ulloa, da Deltec863. Durante o encontro, Barlow afirmou que os empresários tinham a responsabilidade
de criar um escritório central de informações, para coordenar as questões interamericanas referentes a
seus negócios (business has the responsibility to establish a central office of information to coordinate
Inter-American business affairs):

Ele então citou o trabalho que vinha sendo feito na Venezuela depois da recepção
tumultuada que o vice-presidente Nixon teve em Caracas [em 1958]. Ele apresentou o
Sr. Jack Vebber864, diretor executivo da Associação Norte-Americana da Venezuela
(North American Association of Venezuela). (…) A associação tem raízes no trabalho

861 William E. Barlow fundou, em 1948, a Vision Inc., que publicava a revista Vision, que era distribuída na América
Latina, em espanhol (The New York Times, 12/05/1994). Também era publicada no Brasil, em português, onde se chamava
Visão. Conforme Nery (2007), “a revista Visão inseriu-se no espaço midiático brasileiro a partir da década de 1950, tendo
como proprietários três diferentes grupos editoriais. Por vinte anos, do lançamento em 1952, a 1972, foi propriedade do
grupo norte-americano Vision Inc., com sede inicialmente no Rio de Janeiro e, a partir de 1957, em São Paulo. Em 1972 o
publicitário e diretor comercial da revista Said Farah comprou a publicação, mantendo suas características, ou seja,
privilegiar a cobertura econômica e política com ampla liberdade para os profissionais da redação. Neste período a revista
manteve-se quinzenal e impressa em preto e branco. Dois anos depois a revista foi vendida para o grupo [Hidroservice]
liderado por Henry Maksoud, que, a partir de 1974, foi responsável por definir um novo perfil editorial, alinhando a
publicação à defesa de valores liberais (…)”. A revista Veja, publicação do Grupo Abril, seria lançada apenas em 1968.
Ambas as revistas, conforme Nery (2007), “atuam no sentido de estabelecer parâmetros jornalísticos para a formação de um
público leitor interessado em acompanhar a realidade nacional e internacional a partir de uma concepção pouco
contraditória em relação ao status quo. Tudo isto faz da revista Visão significativo espaço para divulgação de ideias,
produtos e serviços, além de influenciar a agenda pública nacional”.
862 Localizado até hoje em um dos endereços mais nobres de Manhattan (número 370 da Park Avenue), o Racquet and
Tennis Club é um clube social e esportivo privado que, até o final da década de 1980, aceitava apenas homens como sócios
(The New York Times, 08/04/1987).
863 Também estavam presentes: Robert Condit (The Anaconda Company), Jorge Mejía (gerente executivo para a América
Latina e Caribe da Socony Mobil Oil Co., Inc.), George Thomsom (vice-presidente de relações públicas e governamentais
da Asiatic Petroleum Corp., subsidiária da Shell), Forrest Murden (assistente do presidente da Standard Oil of New Jersey),
William Ogden (gerente do departamento internacional do The Chase Manhattan Bank), Henry Patton (presidente da
Transoceanic, AOFC Limited), John K. Jenney (E. I. DuPont e diretor do comitê de ligação entre USIAC e USIA), Walter
McKee (diretor de operações para a América Latina, Ford Motor Company), John Criswold (diretor de relações públicas das
operações no exterior da General Motors), Russell F. Moody (presidente, Goodrich Euzkadi), William E. Barlow, Alexander
Nimick e Igor Gordevitch (os três da Vision Inc.), Philip Walsh e Norman Carrignan (W. R. Grace & Company), Samuel C.
Baggett (consultor, United Fruit Company), J. R. Schackner (director de relações públicas da IT & T), John Vebber (diretor
executivo da North American Association de Caracas, ex-oficial da USIA), o almirante H. B. Miller (diretor de relações
públicas da Pan American World Airways), Pepin Bosch (president, Bacardí y Cia., Havana) e Alfredo Gonzalez Munoz
(vice-presidente executivo, Goodrich Cubana). Representando o governo, John P. McKnight (USIA), Dixon Donnelly
(assistente do subsecretário de Estado Douglas Dillon) e John P. Hoover (assistente especial do secretário Thomas C. Mann)
(Relatório, 26/10/1960).
515

realizado pelo Inter-American Coordinating Committee865, a partir de 1942, criado para


ajudar na resistência hemisférica à ameaça dos países do Eixo. Depois da Segunda
Guerra Mundial, o grupo na Venezuela ficou em um estado dormente. (…) Depois dos
protestos (…) [contra Nixon], a associação foi reativada e agora possui uma renda
mensal entre seis mil e sete mil dólares, proveniente de várias empresas que atuam na
Venezuela. A Associação Norte-Americana (…) organizou comitês para trabalhar com
questões de relações públicas, educação, amizade e esportes. Operando através de
contatos do meio empresarial e de igrejas, a associação direciona seus esforços
especialmente aos sindicatos, grupos de estudantes e jornalistas. O Sr. Nimick, da
Vision Inc. (…) opinou que atividades similares precisavam ser realizadas em toda a
América Latina. Ele, então, fez a pergunta fundamental: como nós faremos tudo isso?
Seguiu-se uma discussão sobre os vários grupos interessados e, em alguma medida,
ativos nesse campo. Entre os mencionados estavam o National Foreign Trade Council
[NFTC], o People-to-People Foreign Relations Committee, o Comitê Executivo do
USIAC, e o Business Council for International Understanding (BCIU) (…) O sr.
Nimick indicou que ele pensava que o BCIU ficaria feliz em repassar as suas
atividades no campo da informação [propaganda] para algum outro grupo866
(Relatório, 26/10/1960, itálicos meus).

Ao final da reunião, ficou decidido que William E. Barlow iria nomear um comitê. Este contaria
com um presidente – um executivo com representatividade na América Latina (inter-american stature),
possivelmente em processo de aposentadoria; um diretor executivo, com larga experiência em imprensa

864 John M. Vebber teve uma longa experiência de trabalho como oficial da USIA na América Latina. No final de 1958, ele
escreveu uma carta para Richard R. Rubottom, então secretário de Estado adjunto, contando que J. C. King, chefe do setor
clandestino da CIA para a América Latina, tinha um “projeto especial sob análise” para ser implementado “lá” (local
censurado no documento), e que ele (Vebber), seria a pessoa mais adequada para dirigi-lo, segundo a opinião de alguma
pessoa cujo nome também está censurado na carta. Vebber disse acreditar que seus talentos e qualificações “poderiam ser
empregados proveitosamente nesta área”, e que KIng iria falar sobre o assunto com Rubottom. Vebber também informou
que Willard Beaulac, embaixador na Argentina, havia solicitado que ele assumisse a chefia do USIS em Buenos Aires.
Vebber escreveu a Rubottom porque estava “ansioso para ter alguma definição sobre o tema”, para poder tomar uma decisão
sobre sua mudança (Carta, 11/12/1958). De acordo com a Foreign Service List, o último posto diplomático assumido por
Vebber foi no USIS da Cidade da Guatemala, onde chegou em dezembro de 1956 (e ficou, provavelmente, até o início de
1959). Esta carta de Vebber está disponível nos arquivos do “assistente especial” de Rubottom – um cargo criado para tratar
apenas de temas relacionados ao comunismo –, em uma pasta intitulada “inteligência”. Essas informações nos levam a
suspeitar que Vebber assumiu, ao longo de 1959, a liderança da North American Association of Venezuela e que esta era,
possivelmente, o “projeto especial” da CIA que ele mencionou a Rubottom.
865 O produtor do relatório sobre a reunião provavelmente se refere aos comitês criados pelo OCIAA (Office of the
Coordinator for Inter-American Affairs) na América Latina, sob o comando de Nelson Rockefeller, com apoio de
empresários norte-americanos, sobre os quais falamos no capítulo 4.
866 A forma como as atividades de informação poderiam ser realizadas na América Latina gerou debates. Norman
Carignan, da W. R. Grace & Co., que tinha estado recentemente na América Latina, mostrava-se “deprimido”. Em sua
opinião, Fidel Castro pretendia “destruir todas as empresas e propriedades privadas na América Latina”, não apenas as
norte-americanas. Em vista disso, acreditava que os empresários locais deveriam se engajar “em qualquer esforço realizado
pelos Estados Unidos”. Jorge Mejía, da Socony Mobil, que tinha viajado ao Peru, Chile e Colômbia, afirmava que, até
aquele momento, os empresários locais nada estavam fazendo. Mejía considerava que os Estados Unidos não poderiam agir
em seu lugar. A batalha deveria ser disputada pelos nacionais de cada país. Ele observou que na Colômbia, “o ex-presidente
de um banco tinha se aposentado expressamente com o propósito de liderar um comitê de dez homens, de todos os setores
da indústria, em nome da ‘causa’” (Relatório, 26/10/1960). Ele provavelmente se referia ao Centro de Estudios y Acción
Sociales (CEAS) e a Aurelio Correa, diretor executivo dessa organização.
516

e relações públicas na América Latina; um conselho deliberativo, composto por 8 a 10 representantes


das empresas-membros, que se reuniria a cada quinze dias para revisar as operações; um grupo de
trabalho, com especialistas, para atuar com imprensa, filmes, rádio, TV, livros, sindicatos, educação;
um diretor adjunto, um secretário, equipe administrativa em regime de trabalho parcial e contratos free
lance867 (Relatório, 26/10/1960). Pouco mais de um mês depois dessa reunião, um plano de ação já
estava redigido:

Os comunistas e seus aliados lançaram, com todos os seus recursos, ações de


propaganda e subversão por toda a América Latina. Como resultado, a hostilidade
contra os Estados Unidos e contra a livre iniciativa – tanto estrangeira quanto nacional
– está crescendo de modo alarmante. O futuro de cerca de oito bilhões de dólares em
investimentos norte-americanos e três bilhões e meio em comércio, está sob sério risco.
Eventos em Cuba claramente demonstram que a questão vai além da expropriação da
propriedade estrangeira. A própria existência do sistema de livre iniciativa na América
Latina está agora em jogo. A propaganda de Fidel Castro e suas tentativas subversivas
de exportar a revolução para o resto da América Latina levaram a uma situação crítica.
Um contra-ataque imediato é necessário, antes que seja tarde demais. As respostas
governamentais dos Estados Unidos e dos países europeus deveriam, e, provavelmente,
serão expandidas. Mas uma lição amarga que Cuba mostrou é que essas medidas não
são suficientes. A livre iniciativa – tanto nacional quanto estrangeira – deve organizar
sua própria defesa. Pouco está sendo feito nesse sentido, seja por empresas latino-
americanas, estadunidenses ou europeias. As poucas empresas que estão realizando
esforços efetivos de relações públicas estão trabalhando sem coordenação. Muitas
outras agora reconhecem a necessidade de agir, mas não possuem o conhecimento
(know-how) ou os meios especializados. Grupos de empresários na América Latina
estão começando a perceber essa ameaça e estão se organizando para combater a
campanha marxista. Mas, eles também estão lutando em isolamento, sem contar com
cooperação, encorajamento, conhecimento profissional e materiais eficientes 868.

867 Na avaliação de W. J. Kramer, da USIA, o saldo da reunião foi positivo. Ele avaliou que “o ambiente de urgência e as
discussões gerais indicaram que alguma ação positiva resultaria deste encontro”. Kramer também comentou que “os
presentes à reunião seriam capazes de conseguir o dinheiro que fosse necessário” para concretizar as ações propostas. Mas
também destacou que foram manifestadas “algumas preocupações com relação à possibilidade de ocorrência de duplicação
de esforços pelos vários grupos envolvidos”. O oficial do governo sentia que, como resultado dos dois encontros realizados,
alguns projetos da USIA “poderiam ser encaminhados para o USIAC, enquanto se aguarda o estabelecimento de alguma
organização ampliada” (Relatório, 26/10/1960).
868 Na mesma pasta em que se encontra arquivado esse plano para formação do “comitê de informação”, existe a cópia de
uma carta, não datada, de um empresário norte-americano na Colômbia, não identificado, enviada para a matriz de sua
empresa, nos Estados Unidos, relatando sua frustração com o que ele julgava ser uma falta de iniciativa por parte do
Departamento de Estado. Essa correspondência foi utilizada como exemplo para a necessidade de criação do “comitê de
informação”: “(…) Tenho em minha mesa sete publicações com artigos sobre Cuba, Rússia e China vermelha, provenientes
desses países. Eles foram trazidos a mim por três mulheres colombianas que buscaram ajuda junto ao nosso serviço de
informações (USIS) para reagir à propaganda existente nesse material. Aparentemente, nosso Departamento de Estado
decidiu que qualquer ajuda direta a essas pessoas será usada como propaganda pelos comunistas. Assim, nosso
Departamento de Estado acredita que qualquer assistência que seja fornecida ostensivamente seja prejudicial. Diante disso,
nenhuma ajuda está sendo providenciada. Perceba que a Colômbia e os colombianos não estão pedindo um único dólar aos
Estados Unidos. Tudo o que se quer é alguém que possa organizar e dirigir um esforço concentrado contra a infiltração
517

Reconhecendo essa situação, muitos projetos de informação interamericanos estão


sendo promovidos por empresas dos Estados Unidos. Esses projetos não são
coordenados entre si. Muitos estão competindo pelo apoio das empresas. Alguns são
viáveis; alguns são desperdício de dinheiro; alguns podem ser até prejudiciais. Uma
unidade operacional centralizada é urgentemente necessária, para reunir as melhores
ideias e experiências no continente. Isso irá fornecer o apoio profissional e a
coordenação necessária, se a livre iniciativa pretende competir com a poderosa
máquina de propaganda comunista na presente batalha pelas mentes dos homens na
América Latina869. Para suprir essa necessidade, o Latin American Business
Information Committee foi criado. Seu conceito e planos operacionais foram
desenvolvidos por executivos de algumas das maiores empresas – norte-americanas e
europeias – cujos interesses são afetados pelo futuro da América Latina. O comitê tem
como principais funções fornecer: 1) Coordenação centralizada e liderança profissional
em apoio a atividades de informação realizadas por organizações privadas e de
negócios norte-americanas e europeias. 2) Fazer a ligação entre os grupos na América
Latina que estão trabalhando para combater o comunismo e promover os princípios da
livre iniciativa, fornecendo-lhes apoio técnico. (…) Para a realização desse trabalho, o
comitê irá: a) Fornecer um serviço privado de informações às empresas-membros,
reportando sobre a natureza da campanha de propaganda contra investimentos privados
domésticos e estrangeiros e sobre as técnicas, serviços e meios disponíveis para
combatê-la. b) Trabalhar com o U. S. Inter-American Council (USIAC), com o
Business Council for International Understanding (BCIU), com o National Foreign
Trade Council (NFTC), a Câmara de Comércio dos Estados Unidos e outras
organizações similares, para evitar a duplicação de esforços já em curso e aumentar a
efetividade dos fundos empresariais investidos na melhoria das relações
interamericanas. c) Trabalhar em proximidade com os grupos de empresários na
América Latina, ajudando-os a expandir seus esforços de informação anticomunistas,
pró-livre iniciativa, fornecendo-lhes assessoria técnica e informações sobre técnicas e
materiais usados por outros grupos. d) Compilar e distribuir, através dos canais
internacionais e locais mais eficientes, as histórias positivas da iniciativa privada,
doméstica e estrangeira, e sua contribuição ao desenvolvimento econômico. Os
esforços iniciais do comitê serão direcionados a difundir a verdadeira história sobre
Cuba, e como isso aconteceu, pelo restante da América Latina, fazendo-a chegar a
empresários, líderes sindicais, políticos, imprensa e grupos intelectuais. E, ao mesmo
tempo, começar a fornecer alguns materiais de informação sobre técnicas a grupos
latino-americanos que estão solicitando ajuda. Os organizadores do comitê reconhecem
que, para que seja efetiva a estratégia de persuasão de massas (if mass persuasion is to
be effective), as ações não deveriam vir diretamente dos Estados Unidos para as
comunista. Alguém que possa dizer: ‘este é o tipo de artigo para distribuição em jornais, este é o tipo de revistas que
deveríamos distribuir, e isso é o que nós deveríamos disseminar através do rádio’. Eu conversei pessoalmente com o
embaixador dos Estados Unidos, o chefe do USIS, dois grupos colombianos organizados para combater o comunismo, e
com o embaixador colombiano nos Estados Unidos. Todos têm completo acordo sobre o programa que deveria ser seguido,
mas o Departamento de Estado, ou não quer, ou não pode atuar. Os grupos mencionados me pediram para interceder, o que
eu fiz, mas isso foi inútil. (...)” (Carta do diretor de uma das maiores companhias americanas em operação na Colômbia,
sem data).
869 Manuel Ulloa, da diretoria da Deltec, expressava uma opinião que era compartilhada por muitos empresários norte-
americanos e por seus pares na América Latina. Em carta a Edgar Kaiser, presidente da Kaiser Industries Corporation,
proprietária da Willys Overland (empresa automobilística com fábrica no Brasil, mencionada em capítulos anteriores), Ulloa
desabafou: “O Brasil não continuará sendo uma nação democrática (…) apenas através de seus próprios esforços”. Ele
acreditava que, “sem assistência externa de vários tipos” o país “inevitavelmente” seria “conquistado pelas agressivas,
enérgicas e sempre presentes forças do comunismo”. Isso seria “igualmente verdadeiro para qualquer outra nação latino-
americana” (Carta, 28/11/1960).
518

populações da América Latina. Elas devem vir dos latino-americanos para os latino-
americanos, dos mexicanos para os mexicanos ou dos peruanos para os peruanos – de
empresários cubanos aos empresários venezuelanos – de estudantes a estudantes, etc.
Os organizadores norte-americanos desse projeto já estão em contato com grupos
nacionais de empresários que estão se organizando na Colômbia, Venezuela, Brasil,
Chile, México, Argentina e Peru. Esses grupos estão financiando seus próprios
esforços, e solicitaram ao comitê que atuasse como ponto de ligação nos Estados
Unidos. (…) (A plan of action, 19/12/1960).

Na proposta de organização apresentada nesse plano, o comitê seria composto por uma
comissão executiva, que atuaria como um grupo de aconselhamento. Nele estariam os representantes
das empresas apoiadoras do comitê870. No organograma, abaixo do comitê executivo estaria a diretoria
(um diretor, um ou dois vice-diretores, secretários e funcionários administrativos). O custo anual
estimado para a manutenção do comitê seria de duzentos mil dólares, valor que poderia parecer
pequeno diante de seus objetivos871. Explicava-se: “(...) esse programa é baseado no fato de que as
necessárias atividades de comunicação de massa na América Latina serão realizadas por grupos
nacionais e internacionais já existentes, ou sendo formados no momento”. Os organizadores do comitê
acreditavam que um “modesto investimento estratégico” dos empresários norte-americanos se tornaria
o catalisador de um programa muito maior, em toda a América Latina (A plan of action, 19/12/1960).
Em um documento arquivado entre os papeis de C. D. Jackson872 na Bibilioteca Eisenhower –
com data, que pode ser a de seu recebimento, anotada a lápis (09/01/1961) – estão elencadas as
atividades imediatas e de longo prazo previstas para o Latin American Business Information
Committee:

870 A proposta era de que o comitê executivo fosse integrado pelos seguintes nomes: W. R. Herod (consultor, ex-presidente
da International General Electric), Jorge Mejía (executivo regional para Caribe e América Latina da Socony Mobil Oil
Company, Inc.), John Gallagher (vice-presidente de operações estrangeiras da Sears Roebuck & Company), George
Thomson (vice-presidente, relação públicas e com governos, Asiatic Petroleum Corporation), Richard S. Aldrich (vice-
presidente do IBEC e primo de Nelson e David Rockefeller, já mencionado no capítulo 6), Manuel Ulloa (The Deltec
Corporation), John Moore (vice-presidente W. R. Grace & Company), Walter McKee (diretor regional de operações latino-
americanas da Ford Motor Company), Forrest Murden (conselheiro para relações com governos da Standard Oil of New
Jersey), Alexander Nimick (vice-presidente da Visíon Incorporated), John Stebbins (W. R. Grace & Co).
871 Esse valor, que atualizado ultrapassaria um milhão e meio de dólares, correspondia às seguintes despesas: salários (US$
90.000) – diretor executivo (US$ 40.000), dois vice-diretores (US$ 15.000 cada), secretário bilíngue (US$ 8.000),
datilógrafo (US$ 5.000), funcionário administrativo (US$ 3.500), reserva para contratação administrativa temporária (US$
3.500); contratação de especialistas e consultores free lance (US$ 30.000); impressão e distribuição (US$ 20.000); viagens e
despesas da equipe (US$ 12.000); custos do escritório (aluguel, telefone, etc.) (US$ 15.000); fundo para pesquisas e
projetos especiais (US$ 33.000) (A plan of action, 19/12/1960).
872 Conselheiro de Eisenhower para temas de guerra política e psicológica, mencionado no capítulo 1. Vinculado ao grupo
Time Inc, de Henry Luce, Jackson era o editor da revista Life (STERN, 2012). Pioneira do fotojornalismo, a Life magazine
era uma das mais populares publicações nos Estados Unidos.
519

[Imediatas] 1) Estabelecer uma relação próxima com os grupos latino-americanos


existentes, e se encontrar com os representantes de novos grupos em processo de
formação (por exemplo: um encontro será realizado com um grupo que chegará em
janeiro, sob patrocínio da Deltec Corporation). 2) Preparar kits básicos com o material
de propaganda e literatura contra o comunismo e a favor da iniciativa privada
disponíveis, e colocá-los nas mãos desse grupos latino-americanos. Seguir com isso,
em contínuo fluxo de fornecimento. 3) Localizar técnicos em comunicação
internacional e guerra psicológica disponíveis, colocando-os a serviço, por cedência,
aos grupos locais que fizerem solicitação. 4) Organizar um “esquadrão da verdade” de
cubanos exilados eloquentes, que possam contar a história que ocorreu no seu país a
outros latino-americanos. Organizar viagens desse grupo à América Latina, sob
patrocínio de grupos locais, para realização de discursos, participações em programas
de rádio e televisão, entrevistas, etc. 5) Trabalhar com a imprensa, rádio e televisão
neste país para fazer chegar ao público norte-americano uma imagem verdadeira do
que ocorreu e está ocorrendo em Cuba. (…) 6) Determinar, com os diretores do BCIU
e do USIAC, as atividades prioritárias a serem realizadas por cada organização, em um
plano coordenado que elimine ou reduza a duplicação de esforços. Isso incluiria um
plano para fazer uso mais eficiente dos comitês locais existentes na América Latina, já
afiliados a essas organizações. 7) Analisar os diversos programas de rádio sendo
proposto. (…) [Longo prazo] 1) Dirigir o desenvolvimento de um plano básico de
longo alcance para a promoção não-governamental do sistema de livre iniciativa e sua
defesa contra a propaganda comunista. Isso envolveria a contratação de indivíduos ou
de uma organização para realizar um estudo básico, analisando as técnicas utilizadas
pelo inimigo e sua efetividade, os métodos de relação mais eficientes, mídia, slogans e
temas, as áreas-chave, grupos e indivíduos-chave, na batalha fundamental para
preservar e promover os princípios democráticos ocidentais. Estima-se que serão
necessários no mínimo quatro meses, e pelo menos cinquenta mil dólares. O objetivo
seria estabelecer recomendações para um programa basilar, que possa ser
implementado aos poucos e que possa ser recomendado a outras organizações privadas
e governamentais. Tal estudo deveria fornecer as indicações básicas necessárias para a
conduta futura de todos os esforços nesse campo (Atividades previstas, 09/01/1961).

Em fevereiro de 1961, John P. Hoover, do Bureau of Inter-American Affairs do Departamento


de Estado, repassou a Thomas Mann, secretário de Estado adjunto de assuntos interamericanos, as
informações sobre o Business Information Committee (Vision Project) que tinha recebido através de
Alexander Nimick, da Vision Inc.:

1) As atividades do Business Information Committe devem iniciar-se dentro de duas


semanas. 2) Sala para um escritório será alugada, provavelmente no Rockefeller Center
[Nova Iorque]. 3) Contribuições financeiras no valor de cerca de cem mil dólares estão
asseguradas para as próximas duas semanas. 4) O Sr. Enno Hobbing, da Life Magazine
foi contratado para liderar o projeto. (De acordo com o Sr. Nimick, Hobbing tem cerca
de 45 anos, é um especialista no campo da guerra psicológica, teve alguma experiência
520

na América Latina, e um domínio enferrujado de espanhol) 873. O Sr. Nimick também


comentou que tinha “ouvido” que você possivelmente tem algumas reservas ao projeto
em função de sua aparente opinião de que existiriam alguns desacordos fundamentais
entre o grupo organizador. Ele afirmou que tinha ouvido isso de fontes indiretas e não
podia atestar se a informação é correta; mas, havendo a possibilidade de que exista
alguma verdade nisso, ele queria que lhe assegurasse que: 1) existe total harmonia
entre o grupo que está promovendo a iniciativa, desde o princípio; 2) não há conflitos
de pensamentos entre o grupo; 3) enquanto o espectro de posições dentro do grupo vai
de “conservadores republicanos” a “liberais democratas”, o relacionamento entre os
dois extremos de opiniões tem sido amigável (Memorando, 28/02/1961).

No final de março, John P. Hoover voltou a repassar informações fornecidas por Nimick para
Thomas Mann:

Alexander Nimick da Vision me ligou esta tarde para comunicar que o Latin American
Information Committee (observe que o termo “Business” foi retirado do nome) iniciará
suas operações na próxima semana. Ele disse que um diretor e um secretário bilíngue
foram contratados, e que uma sala de escritório foi alugada. O Sr. Nimick,
acompanhado pelo Sr. George Thompson da Asiatic Petroleum Company, e do Sr.
Forrest Murden, da Standard Oil of New Jersey, visitará Washington na quarta e na
quinta-feira da próxima semana (5 e 6 de abril) com o propósito de estabelecer uma
relação com as agências governamentais, incluindo o Departamento de Estado, USIA e
CIA. Eles gostariam de encontrar com você e com um membro da Task Force874 – eu
sugeri Dr. Morales Carrion – e farão seus próprios contatos com com USIA e CIA. O
seus objetivos são: 1) Buscar ideias sobre o que eles devem fazer, e como. 2) Avaliar o
estabelecimento de um sistema para troca de informações com o governo. 3) Discutir a
questão do seu acesso às pesquisas e análises do governo sobre propaganda e técnicas
de propaganda comunista. (…) (Memorando, 29/03/1961).

Depois dessa incursão em Washington – sobre a qual não temos maiores informações – Nimick,
Murden e Thompson, participaram, em maio de 1961, de uma reunião, que teve a duração de dois
dias875, com Enno Hobbing (diretor do LAIC), Richard Aldrich (IBEC), John Gallagher (Sears,
873 Segundo John P. McKnight, da USIA, Hobbing tinha sido oficial da USIA, entre 1946 e 1949, na Alemanha, e também
“havia sido oficial da CIA” (Carta, 02/06/1961). Durante a operação PBFORTUNE da CIA na Guatemala (ver FICHA em
anexo), Enno Hobbing foi incorporado à equipe por Frank Wisner (chefe do setor clandestino da CIA), para vigiar o
encarregado pela operação, coronel Albert Haney, e ajudá-lo a escrever relatórios para seus superiores em Washington.
Hobbing enviou uma enxurrada de memorandos com ideias de ação. Uma delas sugeria que a CIA levasse Arbenz a
aumentar suas ações repressivas, se distanciando assim da população, fomentando uma revolta interna.
874 Task Force on Immediate Latin American Problems, que será identificada adiante.
875 O encontro foi realizado nos dias 15 e 16 de maio de 1961, na Arden House, um luxuoso centro de conferências
localizado em Harriman, estado de New Iorque (http://www.theardenhouse.com). O grupo que se reuniu para elaborar o
programa do LAIC seria o grupo diretor (steering group) do comitê (Carta, 31/05/1961).
521

Roebuck), James Stebbins (Grace & Co.), Charles Allen (Hill & Knowlton, uma empresa de relações
públicas) e Serafino Romualdi (CIO/AFL)876. Nela foi acordado que o LAIC deveria “caminhar antes
de correr” e, por isso, seus esforços iniciais seriam concentrados em operações piloto em dois países:
Colômbia877 e Equador878. Contudo, “atividades limitadas” poderiam ser desenvolvidas em outros
países latino-americanos, “onde parecesse vantajoso fazê-lo”. Também foi assentado que, durante os
seis primeiros meses, planos seriam desenvolvidos para atividades mais intensivas em outros países da
América Latina, os quais seriam colocados em prática quando os resultados dos programas iniciais
começassem a aparecer.
Segundo Enno Hobbing (1970, p. 9), a interação entre o CEAS e o LAIC viria a estabelecer um
padrão para a cooperação entre empresários dos Estados Unidos e os latino-americanos no trabalho
feito para envolver a comunidade empresarial no “desenvolvimento de instituições democráticas” e na
melhoria da imagem de seus negócios 879. A colaboração entre as duas organizações começou, de fato,
em julho de 1961, quando foi realizada uma viagem de pesquisa pela equipe do LAIC, que visitou a
Colômbia, Equador, Peru e México, num período de três semanas (Id., p. 11):

876 Segundo Correa (2013), “conhecido como um agente de negócios e do governo estadunidense, Romualdi declarava-se
um socialista natural de Perúgia, que havia fugido da Itália fascista. Nos Estados Unidos, passou a atuar na International
Ladies Garment Workers Union (ILGWU). Seu trabalho chamou a atenção do Departamento do Estado em 1942, quando
organizou a Conferência dos Italianos Livres das Américas, evento realizado em Montevidéu, Uruguai. Romualdi escrevia
para jornais sindicais e era membro da organização Free Italy Committee, que visava reunir as populações italianas
estabelecidas no Brasil, Argentina e Uruguai para ficar ao lado dos países aliados durante a Segunda Guerra Mundial. (...)
Em 1945, Romualdi filiou-se à AFL [American Federation of Labor] e assumiu a responsabilidade pelo estabelecimento dos
contatos com os países latino-americanos, tornando-se mais tarde, o representante da AFL na América Latina (...)”. Segundo
Agee, Romualdi era agente da International Organizations Division (IOD) da CIA, dirigida por Cord Meyer (1976, p. 246).
877 A Colômbia foi escolhida pelos seguintes motivos: “1) Há um grande, bem organizado e experiente grupo de
empresários trabalhando na Colômbia, que deseja e requer assistência do comitê”. 2) O país possui a maioria dos elementos
presentes no restante da América do Sul. (…). 3) O governo dos Estados Unidos está considerando fazer da Colômbia uma
nação piloto para o seu programa de assistência na América Latina. É importante que o meio empresarial contribua com o
plano governamental a fim de determinar quais as formas específicas pelas quais podem trabalhar em conjunto para alcançar
o sucesso”.
878 O Equador foi escolhido porque se encontraria “em uma grave situação”, na qual o “Castrismo” teria “apoio
considerável” e o governo parecia “não ter o suficiente apoio para tomar uma posição positiva contra a infiltração
comunista”, e também por fazer fronteira com a Colômbia – o que facilitaria a administração das operações.
879 A interação teria iniciado com algumas ideias preconcebidas pelos os apoiadores do LAIC, que precisaram ser
corrigidas posteriormente: “Primeiramente, considerava-se que a principal missão do LAIC seria anunciar à América Latina
o que estava errado na Cuba de Fidel Castro. (…) Como uma equipe de quatro pessoas e um orçamento que no primeiro ano
não excederia cento e vinte e cinco mil dólares, para todas as despesas, deveria dar conta de um programa de informação tão
grande, de escala continental, era uma questão não respondida. Em segundo lugar, as empresas que estavam apoiando o
LAIC e também a equipe do comitê estavam tentando aumentar a ‘compreensão da responsabilidade social’ dos empresários
latino-americanos (…)” (HOBBING, 1970, p. 9-10).
522

A primeira descoberta [dessa viagem] (…) foi que contar a história do fracasso de
Castro em Cuba para o restante da América Latina não poderia, por questão de
utilidade, ser a principal missão da comunidade empresarial. Não porque não
existissem evidências dos desastres de Castro no campo econômico e da supressão de
direitos humanos e políticos (…). Nem porque a história dos fracassos de Castro não
precisasse ser contada ao público da América Latina (…). O problema é que ninguém
estava ouvindo. Os norte-americanos, que tinham se livrado dos últimos vestígios de
isolamento com a experiência de cerca de quinze anos da Guerra Fria e estavam então
acostumados a se preocupar com os cantos remotos do mundo, possuíam, desde o
naufrágio do Maine880, uma ligação afetiva especial com Cuba, e eram cotidianamente
expostos a um bombardeio de notícias pela TV, rádio e jornais (…) sobre Fidel Castro.
O grupo de empresários norte-americanos que tinha perdido cerca de dois bilhões de
dólares em investimentos em Cuba, assim como o modo de vida que muito apreciava,
tinha todas as razões para estar transtornado. (…) Mas para a América Latina e para a
maioria dos latino-americanos, os eventos em Cuba geravam indiferença. Em primeiro
lugar, os outros países latino-americanos tinham seus próprios grandes problemas de
instabilidade política, inflação, pobreza, tensão social; eles não tinham o conforto e o
tempo livre para se preocupar com as questões externas. Além disso, sendo
subdesenvolvidos, os países latino-americanos eram, por natureza, provincianos; o que
ocorria no resto do mundo, mesmo no restante da América Latina, não parecia ser algo
que os afetasse ou que eles pudessem influenciar; assim, eles ignoravam isso. (…) Na
América Latina, apenas dois grupos minoritários estavam realmente interessados em
Cuba: a extrema esquerda, que saudava tudo o que Castro fizesse, e as pessoas que
tinham propriedades e temiam a expansão do comunismo. Organizações empresariais,
como o CEAS na Colômbia e o LAIC em Nova Iorque, não tinham a mínima chance
de convencer a extrema esquerda de que Castro e o comunismo eram indesejáveis; a
grande massa dos não comprometidos não estava interessada na questão cubana; (…) A
partir dessas reflexões, o CEAS e o LAIC reduziram drasticamente o projeto de um
programa de informações anti-Castro. (…) A segunda descoberta importante da viagem
realizada em julho de 1961 pela equipe do LAIC foi a de que organizações
empresariais não tinham que tentar agir de forma clandestina. Rapidamente ficou óbvio
que a abordagem conspiratória tinha trazido à tona os piores instintos dos empresários,
assim como ocorre com qualquer ser humano que se envolve em conspirações, e esse
definitivamente não era o momento para os empresários demonstrarem o seu pior lado.
Além disso, ficou claro que os empresários são agentes secretos muito ruins. Um
relatório do LAIC não especialmente confidencial, mas que deveria ser tratado com
discrição razoável, circulou entre núcleos de empresários norte-americanos e latino-
americanos como se fosse uma coleção de cartões-postais franceses. Uma considerável
agitação se seguiu a isso, gerando incômodos e aprendizado para os empresários
envolvidos. Como se isso não bastasse, uma proposta aventada, de criar um aparato de
segurança controlado por empresários em um grande país latino-americano, era tão

880 Cuba, até conseguir se libertar da Espanha, viveu duas guerras de independência. A primeira, iniciada em 10 de outubro
de 1868, terminou dez anos depois, “após a derrota dos setores mais radicais”. A segunda guerra de independência teve seu
desfecho afetado pela crescente dependência cubana com relação aos Estados Unidos: “Em sua gestação e batalhas
principais, a iniciativa esteve sempre sob a liderança dos cubanos, mas foi a participação norte-americana no conflito que
determinou seu resultado”. Em fevereiro de 1898, “num momento em que a vitória das forças independentistas” cubanas
estava próxima de se concretizar, o governo norte-americano entrou no conflito: “O incidente que desencadeou a
intervenção foi o afundamento do navio de guerra Maine (…) como decorrência de uma explosão que matou 260
marinheiros. O barco, ancorado no porto de Havana, tinha sido enviado pelo presidente McKinley, do Partido Republicano,
como medida de precaução ante a radicalização que tomava conta dos confrontos entre espanhóis e cubanos” (AYERBE,
2004, p. 21-23)
523

amadora e tão cheia de possibilidades de se voltar contra os seus autores e toda a


comunidade empresarial, que foi rapidamente desconsiderada. Fim das aspirações à
espionagem881. A terceira maior descoberta da viagem de pesquisa foi a de que as
organizações cívicas empresariais como o CEAS e o LAIC não poderiam fazer do
anticomunismo (…) o principal componente de sua plataforma. Em Bogotá, os
membros mais conservadores do CEAS (…) estavam dispostos a discutir (…). Eles
optaram por um ataque frontal ao inimigo vermelho. Mas, novamente, ninguém estava
dando atenção. (…) Embora o anticomunismo fosse, corretamente, fazer parte das
táticas defensivas da comunidade empresarial nacional e estrangeira na América Latina
nos anos seguintes, a experiência de 1961 demonstrou que essa não poderia ser a
principal conduta. A quarta descoberta (…) foi a de que o empresariado estrangeiro não
poderia exercer o papel de mentor com referência às práticas e moralidade dos
empresários latino-americanos (…). Para que existisse uma relação cooperativa entre
as comunidades empresariais nacionais e estrangeiras, em nome da preservação da
livre iniciativa e da liberdade na América Latina, era necessário haver liberdade para
troca de ideias (…). (…) Sob pressão, nasceu um tipo de internacionalismo prático
empresarial (objective business internationalism) que se manifestaria alguns anos mais
tarde na revitalização do Conselho Interamericano de Comércio e Produção (CICYP)
(…) (HOBBING, 1970, p. 12 – 16).

A viagem realizada pela equipe do LAIC em julho de 1961, conforme Hobbing (1970, p. 16),
não se limitou a questionar os projetos iniciais pensados pelo LAIC. Também foi desenvolvida uma
“nova resposta” para a atuação do LAIC e do CEAS: “ajudar a criar quadros democráticos (the cadres
of democracy) na América Latina”.

(…) muitos homens e mulheres de boa vontade estavam tentando, em face das
adversidades, construir os rudimentos de sociedades democráticas e abertas na
América Latina. Os homens de boa vontade eram líderes sindicais que se opunham aos
agitadores comunistas no movimento sindical, padres e bispos que acreditavam que a
Igreja tinham um papel secular e progressista para cumprir, para além da função
sacramental, estudantes e professores que achavam que os campi das universidades
latino-americanas deveriam ser destinados aos estudos, não à agitação política,
jornalistas que acreditavam que a mídia deveria informar e não inflamar. As mulheres
na América Latina também estavam despertando (…) e se aventurando na vida pública
e política. Do ponto de vista empresarial, parecia que, se tais pessoas fossem
adequadamente apoiadas, elas poderiam criar uma ordem social latino-americana
suficientemente forte e coesa, resistente aos extremistas da esquerda e da direita. E em
tal ordem social, a livre iniciativa não apenas continuaria existindo, como prosperaria.
O apoio a lideranças democráticas, no lugar da propaganda e da ação anticomunista, se
tornou o programa dos grupos cívicos empresariais latino-americanos e do LAIC
(HOBBING, 1970, p. 17)
881 Por parte dos empresários. Isso não significa que as organizações não pudessem ou devessem contar com “apoio
especializado” trabalhando a serviço de suas causas. Esse argumento, obviamente, não foi desenvolvido por Hobbing
(1970).
524

É interessante observar algo que Hobbing (1970) não menciona. Como visto no primeiro
capítulo desta tese, tal abordagem – apoio a “lideranças democráticas” – não era nova para os
planejadores da política externa norte-americana. O diretor do LAIC, que tinha experiência no campo
da propaganda e da guerra psicológica, possivelmente já tinha consciência das “descobertas” da viagem
de 1961 muito antes de sua realização. Além disso, a presença de Serafino Romualdi na reunião de
planejamento do LAIC, realizada em maio de 1961, indica que essa estratégia já estava sendo
considerada naquele momento.
Um desenvolvimento importante para ajudar o LAIC no seu trabalho de organização das ações
cívico-empresariais na América Latina, segundo Hobbing (1970, p. 25-26) foi a criação do American
Institute for Free Labor Development (AIFLD) em Washington, no final de 1961 882. Dirigido por
George Meany, da AFL-CIO, e presidido pelo empresário J. Peter Grace 883, o AIFLD “reuniu
sindicatos, empresários, fundações e fundos de assistência norte-americanos em uma escala
considerável, para o treinamento de líderes sindicalistas democráticos da América Latina” (HOBBING,
1970, p. 29).
Na Colômbia, o trabalho também foi auxiliado pela contratação de um especialista norte-
americano em “desenvolvimento comunitário”884. Esse trabalho envolveria o treinamento de lideranças

882 De acordo com Agee (1976, p. 247), a prioridade era estabelecer, “em todos os países da América Latina”, institutos de
treinamento que assumiriam os cursos já administrados em muitos países pela AID: “Mesmo que tais institutos de
treinamento passem a ser, nominal e administrativamente, controlados pelo AIFLD em Washington, planeja-se que, tantos
quanto possível serão chefiados por agentes assalariados da CIA, com controle operacional exercido pelas estações”. No
Brasil, o Instituto Americano para o Sindicalismo Livre (IADESIL), seu nome em português, tinha como objetivos, de
acordo com Correa (2013), “além de bloquear a atuação das lideranças sindicais tidas como comunistas ou antiamericanas,
(…) promover a implantação do modelo contratualista de negociações coletivas por meio da atuação de uma federação
nacional de trabalho, nos moldes da AFL [American Federation of Labor], apoiada e patrocinada por organizações
internacionais. As negociações diretas com os empregadores deveriam substituir, de modo gradativo, o já consolidado
sistema corporativista de trabalho. Com esse propósito, o IADESIL lançou um programa de educação no Brasil a fim de
formar novas lideranças capazes de implantar e desenvolver o modelo sindical norte-americano. Os trabalhos eram voltados
à organização de cursos, palestras, visitas e intercâmbios entre sindicalistas brasileiros e norte-americanos. Na prática, essas
ações contavam com o apoio dos setores mais anticomunistas e conservadores do movimento sindical brasileiro”. Para
maiores informações, ver a pesquisa de Correa (2013).
883 Presidente da W. R. Grace & Company, fundada em 1854, no Peru, por seu avô, William R. Grace, como uma empresa
de comércio e transporte marítimo. Transformou-se, posteriormente, em grande empresa do setor químico ( The New York
Times, 21/04/1995)
884 Em julho de 1961, um resumo das atividades do CEAS, redigido pela embaixada dos Estados Unidos em Bogotá e
enviado ao Departamento de Estado, informava: “(…) o Centro (…) entre outras coisas, trouxe Gabriel Kaplan à Colômbia
como consultor, e ele elaborou um programa de atividades específico (...)” (Despatch, 05/07/1961). Kaplan, na década de
1950, comandou, pela CIA, a implantação de um programa de desenvolvimento comunitário nas Filipinas: “Canalizando as
energias políticas locais através dos conselhos das aldeias, os agentes da CIA e os políticos filipinos esperavam criar laços
verticais, ligando os trabalhadores rurais aos proprietários da terra, e afastando os perigosos laços horizontais que poderiam
conectar os camponeses de diferente áreas”. Quando esse método obteve resultados positivos nas Filipinas, “a CIA buscou
ansiosamente exportar” as estratégias de desenvolvimento comunitário “para outros pontos problemáticos da Guerra Fria:
América Latina e, principalmente, Vietnã” (IMMERWAHR, 2015, p. 11).
525

democráticas em todos os níveis sociais, colocando os empresários em contato com ele. Era algo
especialmente vantajoso para o apoio dos empresários estrangeiros, porque não carregava consigo o
estigma de ser uma interferência externa na cena política local. Outro acontecimento importante
naquele país, conforme Hobbing (Id., p. 40) foi a fundação, no final de 1961, da Unión de Ciudadanas
de Colombia (UCC), organizada com apoio financeiro da League of Women Voters of the U.S. De
acordo com Hobbing, “a UCC era dirigida por mulheres inteligentes e dinâmicas das classes alta e
média da Colômbia”. A entidade tinha como objetivos “esclarecer, tanto homens quanto mulheres,
sobre os candidatos e temas envolvidos nas eleições que seriam realizadas em 1962 e trazer as
mulheres para atuarem nos processos cívicos e políticos”:

(…) nas eleições chilenas de 1958, mais homens tinham votado na chapa socialista-
comunista do que na (…) coalizão cristã-democrata, enquanto mais mulheres tinham
votado na lista de candidatos democratas cristãos (…). O voto das mulheres tinha
salvado o Chile de um governo social-comunista. Assim, as mulheres da América
Latina pareciam uma poderosa força moderadora e estabilizadora em potencial. A
partir dessas considerações, o LAIC e os empresários começariam a fornecer grande
ajuda às organizações cívicas de mulheres na América Latina. (…) Em nenhum lugar
isso foi mais importante que no Brasil 885 (…) (HOBBING, 1970, p. 42).

9.4 Críticas dos empresários norte-americanos às políticas da administração Kennedy para a


América Latina

Para lidar com a situação política em Cuba, já no final de 1959 a CIA tinha começado a
desenvolver um plano, denominado JMATE, que envolvia propaganda, treinamento paramilitar de
exilados cubanos e a possível “eliminação” de Fidel Castro. O principal objetivo era derrubar Castro,
evitando qualquer aparência de que fosse uma intervenção dos Estados Unidos 886. A administração de

885 O que será abordado no próximo capítulo.


886 O setor clandestino da CIA iria fortalecer os grupos de exilados, transmitir propaganda, estabelecer redes encobertas em
Cuba e treinar forças paramilitares fora de ilha, para serem posteriormente infiltradas como núcleo de futuras forças de
resistência. No segundo semestre de 1960, se tornava claro que não existia nenhuma oposição clandestina significativa em
Cuba, e que a segurança interna do regime era muito melhor do que se supunha inicialmente. Em função disso, mudou-se o
foco do plano (JMATE): de uma guerra de guerrilhas organizada por exilados infiltrados, para uma incursão de grande
escala. “A esperança era a de que os invasores iriam resistir, tomar as cidades próximas e, então, ajudar a criar o catalisador
necessário para desencadear revoltas” em outras partes da ilha (SYLVAN e MAJESKI, 2009, p. 192-193). As preparações
foram supervisionadas pelo diretor dos serviços clandestinos da CIA, Richard Bissell, que operava a partir de uma unidade
526

Eisenhower chegou ao fim antes que a agência tivesse concluído os preparativos da ação. John F.
Kennedy, que assumiu a presidência dos Estados Unidos em 20 de janeiro de 1961, levou-os adiante:
três meses depois de sua posse, ocorreu a invasão à Baía dos Porcos/Batalha de Girón, cujo fracasso
trouxe vários problemas ao governo norte-americano887.
Os empresários que haviam perdido suas propriedades e investimentos em Cuba ansiavam por
ações mais duras do governo dos Estados Unidos e já vinham planejando estratégias para uma Cuba
pós-Castro – possivelmente por estarem informados sobre os planos da CIA para a ilha. Um dos
principais líderes desse grupo era Henry F. Holland, ex-secretário de Estado adjunto já mencionado em
capítulos anteriores, que participou do planejamento do governo Eisenhower para a América Latina. Os
laços de Holland com as ações da CIA contra Fidel Castro estão registrados: no início de 1960, ele foi
procurado por J. C. King, chefe do setor clandestino da CIA para a América Latina, que lhe sugeriu que
iniciasse uma arrecadação de fundos, entre empresários norte-americanos com interesses em Cuba, para
o programa de propaganda elaborado pela agência 888 (Estudo Histórico CIA, 1979, p. 52). Em 20 de
dezembro daquele mesmo ano, Allen W. Dulles se reuniu com esse grupo de empresários 889, ao qual
Holland se referia em sua agenda como Community Chest (Daily reports, arquivos privados de Henry
Holland).
O teor desse encontro foi relatado pelo diretor da CIA no dia seguinte à sua realização, durante
reunião do Special Group890. Segundo Dulles, esse grupo de empresários considerava que tinha

caribenha especial (Branch 4) da divisão responsável pela América Latina (Western Hemisphere Division), comandada por
J. C. King. A unidade especial era comandad por J. D. “Jake” Esterline, que tinha participado das operações na Guatemala
em 1954. Em princípio, Esterline deveria se reportar a J. C. King, mas este foi afastado do comando dessas operações, por
ordem de Bissell – que coordenava cada detalhe diretamente (SCHOULTZ, 2009, p. 149).
887 Thomas Mann, que não confiava no sucesso da operação – ele não acreditava que, depois da invasão, os cubanos se
levantariam contra Castro – pediu afastamento do Departamento de Estado, vindo a assumir a embaixada dos Estados
Unidos no México (SCHOULTZ, 2018, p. 213).
888 No início de 1960, o programa de propaganda do plano JMATE previa: “Planeja-se concentrar todas as capacidades
disponíveis ao governo dos Estados Unidos no alvo [Cuba]. Além disso, será necessário que CIA crie (…) [o] FRD [Frente
Revolucionario Democrático], e operações em terceiros países quando for viável e útil. Todos os aspectos das operações
psicológicas serão explorados através da mídia de massa, incluindo: rádio, televisão, filmes, imprensa e publicações, livros,
folhetos, cartazes e boatos (…) Todas as relações diretas com membros do FRD serão feitas sob a cobertura não oficial
(unofficial cover)”. Enquanto o programa estava sendo formulado, J. C. King se encontrou com Holland em Nova Iorque.
Os fundos que esperavam arrecadar seriam utilizados para apoiar as operações de propaganda realizadas através da WRUL,
estação de rádio de Nova Iorque, dirigida por Walter Lemmon, que tinha uma relação próxima com a CIA (Estudo Histórico
CIA, 1979, p. 208). A agenda de Holland, no período de fevereiro de 1960 a janeiro de 1961 indica a realização de diversos
contatos com J. C. King e Lemmon – e também com Thomas Mann, do Departamento de Estado (Daily reports, arquivos
privados de Henry Holland, enviados ao autor por Bill Holland).
889 Eram eles: o vice-presidente para a América Latina da Standard Oil of New Jersey, o presidente da Cuban-American
Sugar Company, o presidente da American Sugar Domino Refining Company, o presidente da American & Foreign Power
Company, o diretor da Freeport Sulphur Company e representantes da Texaco, International Telephone and Telegraph e
outras empresas norte-americanas com interesses em Cuba (Estudo Histórico CIA, 1979, p. 183).
890 Que supervisionava e aprovava ações encobertas. Será mencionado no próximo capítulo.
527

chegado, para os Estados Unidos, o momento de realizar algumas “ações diretas” contra Castro. Teriam
sido sugeridas sabotagens das plantações de cana, interrupção da distribuição de energia elétrica e
embargos sobre comida, remédios e maquinário (Estudo Histórico CIA, 1979, p. 182-183). O grupo,
que também estava “extremamente preocupado com a possível orientação do governo anti-Castro no
exílio”, expressando particularmente a opinião de que “ele não deveria ter orientação de esquerda”,
informou a Dulles que iria começar a publicar estudos específicos sobre questões e programas
relacionados a Cuba pós-Castro, com o objetivo de auxiliar os planejadores norte-americanos:

Dulles, é claro, enfatizou que planejamento de políticas não era sua responsabilidade;
era responsabilidade do Departamento de Estado. Ele comentou que o que lhe
interessava “era se livrar de Castro o mais rápido possível e que nesse campo ele tinha
direta responsabilidade e valorizaria quaisquer ideias e sugestões sobre como isso
poderia ser alcançado” (Estudo Histórico CIA, 1979, p. 183-184).

Nos primeiros dias de janeiro de 1961, Frank Devine, oficial de ligação do Departamento de
Estado com a CIA (conforme visto acima), informou ao secretário adjunto, Thomas Mann:

Foi sugerido que John P. Hoover ou outro representante do Departamento de Estado


deveria comparecer à reunião do dia 04 de janeiro em Nova Iorque, do grupo de
empresários que está discutindo a situação de Cuba pós-Castro. Allen Dulles e um ou
mais dos seus já se encontraram com o grupo, mas observaram que seu interesse e
ênfase no planejamento para formação político-militar de uma futura Cuba está mais
no campo de atuação do Departamento de Estado do que da CIA (Memorando,
03/01/1961).

No final de janeiro, John P. Hoover registrou ter participado da reunião “do grupo de
empresários liderado por Henry Holland” no Cloud Club, localizado no Chrysler Building, em Nova
Iorque, também informando que um novo encontro seria realizado em 07 de fevereiro (Memorando,
30/01/1961). Além de Henry Holland, faziam parte do “grupo de Nova York”: John R. Burton (Reid &
Priest), L. A. Crosby (H. H. Pike & Co), J. T. Naylor (International Telephone & Telegraph Co.),
George J. Eder891 (International Telephone & Telegraph Co.), H. W. Balgooyen (American & Foreign
891 Depois do derrota na Baía dos Porcos/Batalha de Girón (em abril de 1961), George Eder enviou uma carta a Allen
Dulles, que estava carregando o peso do fracasso dessa operação e deixaria a CIA no final de novembro daquele ano,
528

Power Company, Inc. e USIAC), Robert Derby (The Texas Company) e Robert Whedbee, da CIA (Id.,
c/o Mr. Frank Devine, ARA)892.
Depois do fracasso da tentativa de invasão a Cuba, Allen Dulles participou de uma reunião com
outro grupo de empresários893. O convite para esse encontro, que ocorreu no dia primeiro de maio de
1961, no Metropolitan Club, em Nova Iorque, data do dia 18 de abril – ou seja, foi enviado um dia
depois do desembarque de tropas na praia Girón (baía dos porcos), em Cuba. Assinada por M. J.
Rathbone (Standard Oil Co. New Jersey), a convocação tinha o seguinte teor:

Eu gostaria de convidá-lo para um jantar com alguns diretores de empresas para


discutir os problemas que atualmente confrontam as iniciativas empresariais na
América Latina e as maneiras específicas de enfrentá-los. (…) O Sr. Allen Dulles
estará presente, para participar das discussões. O encontro será estritamente
confidencial (strictly off-the-record). (…) Eu acredito que você considerará esse
encontro uma oportunidade importante para trocar ideias e avaliar as possibilidades de
um programa construtivo para uma região na qual nós todos estamos vitalmente
interessados (Convite, 18/04/1961).

prestando-lhe solidariedade: “Caro Sr. Dulles: (…) Eu não conheço outros homens nas mãos dos quais eu colocaria a
responsabilidade pela segurança deste país senão você e J. C. [King]” (Carta, Eder para Dulles, 04/05/1961).
892 Robert Eugene Whedbee, nascido no Kansas em abril de 1915, estudou na George Washington University e na
American University. Pelo Departamento de Estado, trabalhou, durante a Segunda Guerra Mundial, em Tegucigalpa (1941-
1942) e em Madri (1943-1945). Em 1948, estudou Economia na Harvard University. Entre 1951 e 1953, esteve vinculado
ao “Departamento de Comércio”. Em maio de 1954, foi designado oficial FSR-4 da embaixada de Havana. Em 1955,
transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou até o final de 1957, quando mudou-se para Tegucigalpa. Voltou para
Washington em fevereiro de 1960 (USA, Biographic Register 1963, p. 483). No memorando de 30/01/1961, Whedbee é
citado como oficial da CIA.
893 Nessa reunião estiveram presentes, além de Allen Dulles e Cord Meyer (também da CIA): Richard S. Aldrich (IBEC),
William E. Barlow (Vision, Inc.), R. Rionda Braga (Francisco Sugar Company), John Bugas (Ford International), Herbert
Burchill (Singer Sewing Machine Company), Thomas A. Campbell (Anaconda Company), George Champion (Chase
Manhattan Bank), William Edgar (All America Cables and Radio, Inc.), John Gallagher (Sears Roebuck & Company),
George P. Gardiner II (United Fruit Company), Leonard E. Goldenson (American Broadcasting-Paramount Theaters, Inc.),
James H. Goss (General Electric International), Francis E. Grimes (Chase Manhattan Bank), Michael L. Haider (Standard
Oil Company New Jersey), Enno Hobbing (Latin American Information Committee), R. L. Jeans (Westinghouse Electric
International), John K. Jenney (E. I. DuPont de Nemours & Company), John T. Kimball (American & Foreign Power
System), Roger Lewis (Pan Am World Airways), Augustus C. Long (The Texas Company), William K. Long (Anderson,
Clayton & Company), H. H. Luning (International Packers Ltd.), Douglas C. Lynch (RCA), J. D. MacKenzie (American
Smelting & Refining Company), Frank T. Magennis (Goodyear International), John D. J. Moore (W. R. Grace & Company),
Forrest D. Murden, Jr. (Standard Oil Company New Jersey), Alexander Nimick (Vision, Inc.), Monroe J. Rathbone
(Standard Oil Company New Jersey), James S. Rockefeller (First National City Bank of New York), Frank F. Russell (Cerro
de Pasco Corporation), H. A. Sawyer, (Lone Star Cement Corporation), Herman Schmidt (Socony Mobil Oil Company),
Ward B. Stevenson (International Telephone & Telegraph Company), William C. Stolk (American Can Company), W. B.
Dixon Stroud (IBEC), George Thomson (Asiatic Petroleum Corporation), DeWitt Wallace (Readers Digest), W. D. Waugh
(Firestone International), Leo D. Welch (Standard Oil Company New Jersey), John R. White (Standard Oil Company New
Jersey) (Dinner meeting, 01/05/1961).
529

Pouco tempo depois, em junho de 1961, o USIAC894 criou o Comitê sobre o Perigo Imediato do
Comunismo na América Latina (Committee of the Immediate Communist Danger in Latin American),
que se propôs a realizar um estudo detalhado sobre a extensão da “penetração comunista na América
Latina” e, a partir dele, formular recomendações a serem consideradas pela organização 895. O comitê
decidiu enviar um questionário e entrevistar líderes empresariais norte-americanos que viviam na
América Latina, e reuniu a opinião de aproximadamente 140 deles, com base nas quais elaborou um
relatório:

Ao analisar a consulta realizada (…), chega-se imediatamente a uma conclusão


inevitável: os Estados Unidos estão em um estado de guerra contra o comunismo
internacional; não apenas na Europa, Ásia e África, mas logo aqui no território vizinho
(…). Esta não é uma pequena disputa, na qual os Estados Unidos possam se dar ao
luxo de utilizar apenas o seu “batalhão” de forças econômicas e psicológicas. É
necessário enfrentar a ofensiva comunista na América Latina com força militar (army
strength). E até o momento, os Estados Unidos decidiram não fazê-lo 896. Do Rio
Grande à Antártica, agentes comunistas estão trabalhando dia e noite, empregando
todas as armas de seu arsenal; propaganda, fraude, infiltração, subversão, armas,
revolução e, em alguns casos, aberto ataque armado. Nenhuma nação na América
Latina está sendo deixada de lado. Embora alguns países obviamente tenham maior
prioridade para a conspiração comunista, não há dúvidas de que as forças do
comunismo internacional estão buscando, com grande determinação, colocar toda a
América Latina sob seu domínio, através de quaisquer meios necessários, a qualquer
custo. Com sua costumeira dedicação e zelo fanático, os comunistas estão buscando
destruir a confiança no sistema de livre iniciativa, abalar a reputação dos interesses
empresariais norte-americanos, infiltrar e controlar o movimento sindical e a imprensa,

894 A diretoria do USIAC era, então, composta pelos seguintes empresários: Presidente – John D. J. Moore (W. R. Grace &
Co); vice-presidente sênior– Robert Boomer (Lone Star Cement Corporation); vice-presidentes – William E. Barlow (Vision
Inc.), John K. Jenney (E. I. duPont de Nemours & Company, Inc.), Harry X. Kelly (Mississippi Shipping Company, Inc.),
H. H. Whitman (First National City Bank of New York); Tesoureiro: Kenneth H. Campbell (Chamber of Commerce of the
United States); Secretária – Vada Horsch (National Association of Manufacturers); Diretor Executivo: Richard T. Turner.
895 Em 21 de junho de 1961, ocorreu uma reunião do USIAC para debater o “estado crítico” em que se encontraria a
relação dos Estados Unidos com a América Latina: “Em vista dessa crise, houve unânime concordância de que o Conselho
[USIAC] deveria agir com vigor para utilizar sua experiência e habilidades coletivas em um ataque ao problema do
comunismo e males relacionados, na América Latina”. O presidente do USIAC, John D. J. Moore, autorizou a criação de
um comitê ad hoc, com três objetivos: 1. Reunir informações sobre todos os aspectos da infiltração comunista na América
Latina. 2. Obter informações sobre as atividades da USIA na América Latina. 3. Apresentar suas descobertas e
recomendações às autoridades apropriadas em Washington. J. Peter Grace (W. R. Grace & Co.) era o presidente e H. W.
Balgooyen (American & Foreign Power Co.), o vice-presidente do comitê. Os demais membros eram: Sam G. Baggett
(Keystone Custodian Funds, Inc.), William E. Barlow (Vision, Inc.), B. Rionda Braga (Czarnikow-Rionda Co.), A. J.
Dimino (Quaker Oats Co.), J. F. Gallagher (Sears, Roebuck & Co.) (Carta n. 61-3, 19/07/1961).
896 O fato de o presidente John Kennedy não ter autorizado o uso de forças militares norte-americanas para apoiar as forças
paramilitares formadas por exilados cubanos, na fracassada invasão à Baía dos Porcos/Batalha de Girón, deixou muitas
pessoas descontentes. Mas o governo dos Estados Unidos não abandonou os planos para a derrubada de Castro, como
veremos no próximo capítulo. A questão é que Kennedy tinha preferência por ações encobertas, que preservassem a imagem
de sua administração.
530

debilitar governos e subverter a juventude, ao distorcer e perverter as legítimas


aspirações do nacionalismo latino-americano, transformando-as em um ódio cego e
irracional dos Estados Unidos. Esse esforço gigantesco, no qual os comunistas estão
investindo mais de duzentos milhões de dólares anualmente na América Latina, é um
elemento essencial em seu plano para conquista do mundo. (…) (…) Ajudada pela
União Soviética e pela China comunista, a Cuba de Castro se tornou o ponto de
lançamento (jumping-off point) para as atividades comunistas no hemisfério. Deste
ponto de vista, o comunismo internacional transformou toda a América Latina em um
campo de batalha da Guerra Fria. Soluções para esse problema permanecem sendo a
questão primordial na relação dos Estados Unidos com a América Latina. É neste
campo que as visões e opiniões dos líderes empresariais norte-americanos na América
Latina, que foram consultados por este comitê, são de especial relevância. (…) Um
estudo das conclusões [da pesquisa] demonstra (…) [as] opiniões que prevalecem: 1.
Os comunistas estão ampliando sua força nos sindicatos, na vida acadêmica e
estudantil, nas comunicações de massa e nas organizações culturais. 2. Há uma reserva
de mal-estar latente entre os latino-americanos, originada pela inveja do poder e
riqueza dos Estados Unidos, insuficiente ajuda econômica norte-americana à América
Latina, em comparação à assistência concedida a outras partes do mundo, falta de
liderança norte-americana e um sentimento de que a assistência dos Estados Unidos
não chega às classes menos privilegiadas. 3. Enquanto o prestígio de Castro está
diminuindo entre as classes mais altas, melhor educadas, ainda permanece alto, em sua
maior parte, entre as classes mais pobres. Assim, o “Castrismo” é ainda um fator
poderoso e, como um empresário descreveu, o problema “número um” na América
Latina. 4. O fracasso dos Estados Unidos em fornecer apoio militar à invasão de 17 de
abril a Cuba fez com que este país perdesse seu prestígio em toda a América Latina.
Se os Estados Unidos tivessem dado apoio, haveria um curto período de críticas, mas,
ao final, a população latino-americana teria maior respeito pelos Estados Unidos.
Como resultado de nosso fracasso, o prestígio dos Estados Unidos na América Latina
caiu significativamente. Nas palavras de um empresário, esse foi “um dos piores
golpes que nossa reputação já sofreu”. 5. Os Estados Unidos deveriam adotar, de
modo urgente, medidas vigorosas e eficazes para remover Castro e o “Castrismo” da
cena americana. A velocidade é essencial. De outra forma, poderemos ter que lidar
com uma permanente infecção comunista em Cuba. “(…) deveríamos aceitar o
verdadeiro papel que uma grande potência tem de proteger sua própria segurança”, um
empresário comentou; “Isto deveria ser realizado por meio de ações concretas para dar
fim ao regime Castro”. (…) [Recomendações] 1. O maior imperativo é a necessidade
de adotar medidas imediatas e efetivas contra a ofensiva comunista na América Latina
no campo de batalha econômica, político, cultural e, particularmente, no ideológico.
Um esforço contínuo e incessante deve ser devotado à tarefa de eliminar Castro e seu
governo comunista da cena americana. (…). Devem ser removidas todas as dúvidas
referentes à força e determinação dos Estados Unidos para travar a batalha da
Guerra Fria e combater a agressão castro-comunista na América Latina. 2. Deve ser
feito todo o possível para despertar os líderes, oficiais de governo e o público em geral
na América Latina, para o grave perigo representado pela ofensiva comunista (...), uma
vez que esta constituiu uma ameaça à sobrevivência deles, assim como à nossa,
enquanto povos livres. Nenhum dinheiro ou esforço deveria ser poupado para ampliar
e fazer avançar a nossa ofensiva ideológica, utilizando todos os meios de
comunicação. (...). 5. Todo o povo americano deve ser alertado para compreender o
perigo que está correndo e o que está em jogo nesta disputa atualmente em curso no
setor latino-americano da Guerra Fria. Até que todos estejam despertos, é duvidoso que
531

um programa realista para frustrar os objetivos comunistas possa ser levado adiante
(…) (Relatório, Comitê USIAC, 12/11/1961, grifo meu).

Os empresários norte-americanos com interesses na América Latina não estavam descontentes


apenas com o fracasso das operações para a derrubada de Fidel Castro. Um programa lançado pela
recém-empossada administração Kennedy, chamado Aliança para o Progresso, também lhes causava
insatisfação897. Como destaca Gonçalves (2016),

A entrada da Aliança nos países da América Latina foi marcada inicialmente por
empréstimos concedidos aos países participantes, realizada de governo para governo. A
injeção de dinheiro nestes países e as oportunidades de negócios geradas pela Aliança
viraram alvo de constantes críticas de setores privados da economia norte-americana.
As reivindicações tinham como base a busca pela entrada do capital privado norte-
americano na Aliança. Porém, Kennedy e seu staff continuavam a desenvolver o
programa da Aliança estabelecendo a cooperação de governo para governo, cumprindo
o papel de política estatal e de fornecimento de empréstimos baseados nos cofres
públicos da nação do norte898.

897 Ainda em fase de campanha presidencial, no início de 1960, John F. Kennedy organizou um grupo de colaboradores
para elaborar um projeto de desenvolvimento para a América Latina. Ele era composto por Lincoln Gordon – que
posteriormente seria nomeado embaixador dos Estados Unidos no Brasil (ver capítulos 2 e 10) – Arthur Whitakker,
economista estadunidense e professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Arturo Morales-Carrión, advogado
cubano e Teodoro Moscoso, político e empresário porto-riquenho. A coordenação deste grupo, que foi denominado Força-
Tarefa sobre Problemas Imediatos Latino-Americanos (Task Force on Immediate Latin American Problems) ficou a cargo
do ex-embaixador norte-americano no Brasil, Adolf Berle Jr. (já mencionado nos capítulo 4 e 8). No final de 1960, a força-
tarefa apresentou um relatório, contendo uma série de recomendações de políticas a serem implementadas com relação à
América Latina, que acabou se tornando a base do projeto da Aliança para o Progresso. Em março de 1961, Kennedy
anunciou o seu programa de assistência econômica para promover a democracia liberal, o crescimento econômico e justiça
social na América Latina. Os princípios da Aliança para o Progresso foram formalmente aprovados pelos representantes dos
Estados Unidos e das nações latino-americanas, em agosto de 1961, em reunião especial do Conselho Econômico e Social
Interamericano – órgão da Organização de Estados Americanos (OEA) – realizada em Punta del Este, no Uruguai (SILVA,
2008).
898 Os empresários organizados na seção brasileira do CICYP também tinham reservas: “(…) a Conferência de Punta del
Este foi acompanhada por nós com o máximo interesse. A leitura da Carta, que dali resultou, (…) e mais os depoimentos
pessoais, que nos trouxeram Garrido Torres e Roberto Campos, mereceram nossa profunda meditação. Temos conversado
sobre o assunto, Aldo e eu [Paulo Godoy], e ainda sexta-feira tivemos uma troca de ideias em companhia do Dr. José Carlos
Pereira de Souza, Secretário Geral da Confederação Nacional do Comércio. (…) As recomendações aprovadas no Uruguai
vêm ao encontro dos objetivos do CICYP (…). Tudo indica que se vai promover a mobilização de grandes fundos
americanos para a divulgação dos ideais democráticos contidos na ‘Aliança para o Progresso’ e para o combate indireto ao
comunismo. Ora, se a orientação desse programa e a aplicação dos recursos ficar a cargo exclusivamente dos governos, não
temos dúvida em que não só serão mal aplicados, como poderão provocar exatamente o oposto do que se está visando,
sabendo que a maioria dos veículos de divulgação na América Latina está fortemente infiltrada pelas esquerdas. Uma gestão
do CICYP junto à OEA para (…) que a empresa privada fosse chamada a colaborar na elaboração e na execução dos planos
de divulgação, seria de vivo interesse. E sua palavra junto à USIAC alertando-a sobre os perigos contidos na proposição de
Punta del Este, para que também eles reclamassem sua participação do lado americano, teria efeito imediato” (Carta,
22/08/1961).
532

O relatório do comitê ad hoc do USIAC, citado acima, fazia as seguintes observações sobre o
programa:

As empresas associadas ao United States Inter-American Council [USIAC] apoiam


plenamente os objetivos da Aliança para o Progresso e se comprometeram a cooperar,
de todos os modos possíveis, para ajudar a torná-la um sucesso. Contudo, é evidente
que esse programa não pode prosperar sem a participação da iniciativa privada latino-
americana e estadunidense, sob a forma de investimentos produtivos. Deveria ser
observado que, desde o advento do governo castro-comunista em Cuba, os
investimentos diretos privados norte-americanos na América Latina caíram
constantemente, de uma média anual de trezentos a quatrocentos milhões de dólares,
em anos recentes, para aproximadamente cem milhões de dólares em 1960. Essa
grande diminuição se deve, principalmente, à perda de confiança, por parte dos
investidores norte-americanos, na América Latina, o que teve início quando Castro
confiscou aproximadamente um bilhão de dólares em propriedades norte-americanas e
se aprofundou quando o “Castrismo” se espalhou pela América Latina. (…) parece
óbvio que a confiança dos investidores não poderá ser recuperada enquanto Castro se
mantiver no poder em Cuba. Embora a iniciativa privada dos Estados Unidos
reconheça suas responsabilidades sob a Aliança para o Progresso, ela sustenta que os
investimentos privados devem ser atraídos – eles não podem ser direcionados – e
podem ser atraídos apenas a uma região na qual haja um clima de confiança. (…)
[Recomendações] 4. A cooperação com os interesses privados para atingir os objetivos
da Aliança para o Progresso deve ser buscada e utilizada. Devem ser eliminadas as
dúvidas com relação à atitude do governo dos Estados Unidos com relação à iniciativa
privada e às políticas dos Estados Unidos na América Latina. Discursos descuidados
sobre o apoio à revolução social na América Latina não devem mais ser realizados, a
não ser que os porta-vozes de nosso governo expliquem claramente o que eles querem
dizer. (…) 9. Nossos amigos na América Latina devem ser tranquilizados com relação
às políticas dos Estados Unidos para a Guerra Fria e convencidos de que nós não
iremos abandonar ou sacrificar nossos verdadeiros amigos (…). 10. Nossos oficiais de
governo, educadores e formadores de opinião deveriam interromper suas
manifestações públicas de remorso e “confissões” de erros, já que os padrões éticos e
morais dos Estados Unidos nos assuntos internacionais, e do setor privado norte-
americano nas operações internacionais, não são equiparados em nenhuma parte do
mundo. 11. O governo dos Estados Unidos deveria tirar o máximo proveito da
experiência, conhecimento e cooperação dos empresários norte-americanos e de outros
cidadãos privados com experiência na região, e, o mais importante, com uma
compreensão da psicologia dos latino-americanos. (…) Sugere-se que um comitê
especial do USIAC seja criado para consultar e aconselhar os oficiais apropriados do
governo dos Estados Unidos. Também é fortemente recomendado que as embaixadas
norte-americanas na América Latina se valham mais intensamente da cooperação e
assistência que pode ser concedida pelos comitês de ligação USIAC-USIA (Relatório,
Comitê USIAC, 12/11/1961).
533

O maior envolvimento das lideranças empresariais norte-americanas no programa da Aliança


para o Progresso seria finalmente alcançado em 1963:

(…) em seu segundo aniversário, a Aliança para o Progresso enfrentava grandes


problemas. Seus (…) propagandistas tinham feito promessas demais. Eles tinham
prometido uma milagrosa transformação econômica, social e até mesmo moral, na
América Latina (…). Os milagres da prosperidade, justiça e igualdade instantâneas não
podiam acontecer e não aconteceram. Um coro de vozes críticas, de norte a sul do
hemisfério, entoava “A Aliança é um fracasso”. (…) Em resumo, a Aliança para o
Progresso e a política dos Estados Unidos para a América Latina precisavam de ajuda
de todos os tipos: apoio político, participação popular e dinheiro. Qual a melhor fonte
para essas três formas de assistência senão a comunidade empresarial? Se a sua crítica
da Aliança pudesse ser convertida em cooperação ou, até mesmo, em aprovação, (…) a
Aliança poderia ter uma chance. (…) Então o que aconteceu foi que o presidente
Kennedy recorreu a David Rockefeller, seu cordial antagonista em um debate sobre a
política econômica doméstica dos Estados Unidos publicado na Life, (…) um homem
ligado à América Latina através do serviço prestado à região por seu irmão, Nelson,
como Coordenador de Assuntos Interamericanos durante a Segunda Guerra, e através
de seus próprios interesses como presidente do Chase Manhattan Bank 899. Kennedy
solicitou a Rockefeller que organizasse um grupo com representantes dos altos
escalões das empresas norte-americanas que tivessem interesse em estabelecer um
diálogo com o governo dos Estados Unidos sobre a política social e econômica do país
para a América Latina. Depois de realizar cuidadosas consultas à comunidade
empresarial (…), Rockefeller aceitou o convite de Kennedy e recrutou cerca de 37
executivos de expressão, das empresas norte-americanas, para participar do Business
Group for Latin America (BGLA)900. (…) (…) O simples fato de que conversas entre
governo e empresários iriam ocorrer de modo formal, institucionalizado, prometia
encerrar a hostilidade da administração com relação ao setor privado e inaugurar um
período de “coexistência pacífica” (HOBBING, 1970, p. 111-113).

899 Nelson Rockefeller tinha se tornado governador do estado de Nova York em 1959 – cargo que ocuparia até 1973.
Seguindo carreira política, não se encontrava em condição de aparecer publicamente como representante de interesses
privados. Nessas circunstâncias, tal papel cabia melhor a David, o irmão mais novo.
900 Faziam parte do BGLA: Presidente- David Rockefeller; vice-presidentes - Fred C. Foy (Koppers Co., Inc.) e John R.
White (Standard Oil Co. New Jersey); Membros – William Barlow (Vision, Inc.); Roger M. Blough (United States Steel
Corp.); Charles Brinckerhoff (Anaconda Co.), Emilio G. Collado (Standard Oil Co.), John T. Connor (Merch & Co.),
Lammot du Pont Copeland (E. I. Du Pont de Nemours & Co.), Henry Ford II (Ford Motor), John F. Gallagher (Sears,
Roebuck & Co.), Harold S. Geneen (International Telephone & Telegraph Corp.), James H. Goss (General Electric Co.),
Ralph Gow (Norton Co.), J. Peter Grace, Jr. (W. R. Grace & Co., Inc.), W. P. Gullander (National Association of
Manufacturers), Edgar Kaiser (Kaiser Industries Corp.), J. Ward Keener (B. F. Goodrich Co.), Donald M. Kendall (Pespsi-
Cola), Robert J. Kleberg, Jr. (King Ranch), Augustus G. Long (Texaco, Inc.), Maurice McAsham, Jr. (Anderson, Clayton &
Co.), George S. Moore (First National City Bank), John D. J. Moore (W. R. Grace & Co.), Charles G. Mortimer (General
Foods Corp.), Henry T. mUdd (Cyprus Mines Corp;), Norman T. Ness (Anderson, Clayton & Co.), Rawleigh Warner, Jr.
(Socony Mobil Oil Co.), Robert M. Norris (National Foreign Trade Council), H. Bruce Palmer ( National Industrial
Conference Board), Robert W. Purcell (IBEC), Henry B. sargent (American & Foreign Power Co., Inc.), James H. Stebbins
(W. R. Grace & Co.), Thomas E. Sunderland (United Fruit Co.), A. Thomas Taylor (International Packers), Edwin Thomas
(Goodyear Tre & Rubber Co.), Juan Trippe (Pan American Airways System), Arthur K. Watson (IBM World Trade Corp.),
Philip Young (United States Council of the International Chamber of Commerce, Inc.), William S. Youngman, Jr. (American
International Underwriters Corp.) (US Congress, 1964, p. 1114-1115).
534

9.5 Em busca de maior coordenação e unidade: a criação do Council for Latin America

A primeira reunião do BGLA ocorreu em 21 de novembro de 1963, um dia antes do assassinato


do presidente Kennedy901 (HOBBING, 1970, p. 114). Assim que assumiu o governo, Lyndon Johnson
reafirmou o interesse da administração em continuar cooperando com esse grupo de empresários:

As visões pessoais do presidente traziam bons presságios para tal cooperação: homens
que construíram sua própria fortuna com frequência têm um respeito maior pela
iniciativa privada do que aqueles que a herdaram. Também era promissora a nomeação
de Thomas Mann como secretário de Estado adjunto para a América Latina: Mann era
um pragmático e não um ideólogo, em questões econômicas e políticas 902. O Business
Group [BGLA] rapidamente demonstrou sua confiança em Mann, informando esse
apoio ao presidente Johnson. Uma das primeiras iniciativas do secretário Mann para
afinar o diálogo entre governo e iniciativa privada foi fazer com que o Business Group
[BGLA] estabelecesse pequenos subcomitês correspondentes às nove subdivisões da
divisão latino-americana do Departamento de Estado (…). Mann gerenciava sua
divisão de maneira descentralizada, atribuindo responsabilidades aos oficiais
individualmente encarregados da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, etc. Assim,
através dos subcomitês do Business Group, os empresários tinham a oportunidade de
trocar ideias e recomendações com os oficiais do Departamento de Estado e da AID
[Agency for International Development] envolvidos com as questões rotineiras das
América Latina. Esses diálogos deram mais conteúdo às discussões políticas

901 John F. Kennedy foi assassinado no dia 22 de novembro de 1963, quando fazia uma visita a Dallas, no Texas, como
preparação para uma campanha de reeleição à presidência em 1964 (ver informações reunidas no sítio eletrônico da
Biblioteca e Museu Presidencial John F. Kennedy. Disponível em: https://www.jfklibrary.org/learn/about-jfk/jfk-in-
history/november-22-1963-death-of-the-president Acessado em dezembro 2019).
902 Em junho de 1961, depois de assumir a embaixada dos Estados Unidos no México, Thomas Mann enviou uma carta ao
subsecretário de Estado, Chester Bowles, apresentando a sua opinião sobre a América Latina – o que teria sido solicitado
por Bowles e pelo presidente Kennedy antes que Mann deixasse seu cargo no Departamento de Estado. Entre as
observações de Mann, destacamos as seguintes: “Eu acredito que nós estamos vivendo o fim de uma era em nossas relações
com a América Latina. Estamos no limiar de um novo período; enfrentamos novos problemas; novas táticas são necessárias.
Cuba é o produto e não a causa dos fatores que causaram a mudança. (…) Se existe o risco de que essa revolução se torne
atraente às massas latino-americanas, pelo uso de Cuba como uma “vitrine” para o comunismo, também há sinais de que as
classes média e alta estão despertando para a compreensão do perigo que enfrentam. (…) Não há necessidade de nenhuma
mudança na estratégia. (…) Mas está claro que novas táticas são necessárias. Eu listo aqui as principais mudanças táticas
(…): 1) Nós devemos aceitar que, no futuro imediato, os braços políticos da OEA (…) são incapazes de tomar ações
efetivas para proteger o hemisfério contra a subversão comunista. (…) Isso significa que devemos nos ajustar prontamente à
realidade de que o sistema interamericano é incapaz, neste momento, de lidar com a subversão comunista. Isso significa que
deveríamos, por meio de conversas privadas, discretas (não em declarações públicas, oficiais) fazer com que o público dos
Estados Unidos e da América Latina saiba que nós, relutantemente, chegamos a essa dura conclusão depois de dois anos de
esforços em vão, para obter uma ação coletiva contra o comunismo. (…) Essas ações implicarão um grau de intervenção
nos assuntos internos de outros países, muito maior do que aquela permitida pela recente política. Nós já temos a
responsabilidade; vamos aceitar que precisamos de mais autoridade para acompanhar essa responsabilidade e nos concentrar
na melhoria de nossas táticas, a fim de que o exercício de nossa autoridade não fira as sensibilidades latino-americanas”
(Carta, 13/06/1961, itálicos meus).
535

necessariamente mais genéricas realizadas entre os oficiais de alto escalão da


administração [Johnson] e o Business Group como um todo. O palco estava então
preparado para que ocorresse uma síntese dos papeis exercidos pelo setor privado
norte-americano e pelo governo dos Estados Unidos na América Latina. Ambas as
partes tinham concluído que não poderiam trabalhar sozinhas nem em oposição uma a
outra, e que deveriam atuar como dois braços (twin arms) dos interesses
estadunidenses e latino-americanos. O processo de cooperação entre governo e
empresários levaria um longo tempo para ser mais bem desenvolvido e refinado: as
partes tinham diferentes temperamentos, prioridades e linguagens; (…) mas o mais
importante era que os empresários e o governo tinham concordado em concordar, no
máximo que pudessem, e nos maiores níveis, de ambos os lados (bussiness and
government had agreed to agree as much as they could, and at the highest levels on
both sides). (HOBBING, 1970, p. 115-116, itálicos meus).

O passo seguinte era organizar e unir os diferentes grupos da comunidade empresarial norte-
americana com interesses na América Latina. No final de 1964, os empresários, segundo Hobbing
(1970) estavam prontos “para serem vistos e ouvidos em conjunto novamente”:

(…) eles já tinham realizado experiências suficientes no campo da ação cívica, estando
convencidos da sua importância e familiarizados com suas técnicas. Seus instintos de
organização gerencial lhes diziam que as ineficiências e as duplicações inevitáveis do
estágio experimental deveriam ser eliminadas e os projetos de ações cívicas deveriam
ser adequadamente coordenados. (…) É importante observar que o governo dos
Estados Unidos teve uma grande participação, mesmo que indireta, no movimento de
unificação da comunidade empresarial que ocorreu em 1964. A Aliança para o
Progresso, apesar de todos os seus problemas e imperfeições, tinha criado o
mecanismo intergovernamental e o espírito internacional que deixou os líderes,
públicos e privados, dos norte-americanos, mais próximos do que já tinham estado em
qualquer outro momento. (…) O interesse e a ação do governo dos Estados Unidos foi
o que, mais do que qualquer outra coisa, deu à América Latina um senso de unidade.
E isso serviu para a comunidade empresarial também. (…) a unidade do setor privado
era dependente das preocupações e liderança norte-americanas. Assim, não
surpreendeu que a unificação da comunidade empresarial fosse liderada por dois norte-
americanos, George S. Moore, presidente do First National City Bank of New York, e
David Rockefeller, presidente do Chase Manhattan Bank. Em 1964, Moore assumiu a
presidência do CICYP (Conselho Interamericano de Comércio e Produção), a
organização que acolhia os empresários de todo o hemisfério, com seções em quase
todos os países da região. Rockefeller se tornou o presidente do Council for Latin
America, criado a partir da união dos três principais grupos empresariais norte-
536

americanos envolvidos com a América Latina [BGLA, LAIC e USIAC] 903 (…)
(HOBBING, p. 1970, p. 140-141, grifo meu).

Conforme nota distribuída à imprensa pelo Council for Latin America (CLA) no início de 1965,
a reunião dos grupos vinha sendo discutida havia vários meses:

O primeiro passo formal foi dado durante a reunião anual dos membros do USIAC, em
dezembro [de 1964], quando a medida foi votada e o Sr. Rockefeller foi eleito
presidente do USIAC, sucedendo John D. J. Moore, vice-presidente da W. R. Grace &
Co. A união foi ratificada pelo Bussiness Group for Latin America [BGLA] pelo Latin
American Information Committee [LAIC] em um encontro especial realizado em Nova
Iorque (…). Ao anunciar o estabelecimento da nova organização, o Sr. Rockefeller
afirmou: “O Council for Latin America é o ápice de um longo período de planejamento
e trabalho (…). Ao reunir as principais organizações privadas envolvidas apenas com a
América Latina, nós conseguimos, pela primeira vez, criar um centro de administração
e gestão de programas, um centro de financiamento e alocação orçamentária, e um
centro de relacionamento com o governo e as organizações internacionais. Essa
consolidação tem um significado importante não apenas nós, do setor privado norte-
americano, mas também para os nossos colegas na América Latina e para aqueles do
governo dos Estados Unidos que sempre desejaram a existência de um grupo privado
unificado com o qual pudessem trabalhar” 904 (COUNCIL FOR LATIN AMERICA,
1965).

De acordo com Hobbing (1970, p. 142), o trabalho de George Moore, ao assumir a liderança do
CICYP, era ajudar na reunião de todos os empresários das Américas. O papel de David Rockefeller, no
CLA, era desenvolver um modelo para a coordenação dos esforços dos empresários dentro de um país.
Sendo o CLA a seção norte-americana do CICYP, as funções de Moore e de Rockefeller eram, assim,

903 O vice-presidente sênior do Council for Latin America era John F. Gallagher (Sears, Roebuck & Co.). Os demais vice-
presidentes eram: H. W. Balgooyen (American & Foreign Power Co.), William Barlow (Vision Inc.), Fred C. Foy (Koppers
Co. Inc.), George S. Moore (First National City Bank of New York), John D. Moore (W. R. Grace & Co.), John R. White
(Standard Oil Co. Of New Jersey) e William S. Youngman, Jr. (American International Underwriters Corp.). Enno Hobbing
e John T. Smithies eram os vice-presidentes executivos. Richar T. Turner era o diretor executivo.
904 Do BGLA, o CLA herdou a tarefa de conduzir diálogos construtivos com o governo dos Estados Unidos. Do USIAC, a
tarefa de fornecer serviços de apoio aos grupos cívicos empresariais norte-americanos na América Latina (que ficou
conhecida como sua função de Public Affairs), assim como seu papel de seção norte-americana do CICYP. Por fim, do
LAIC o CLA herdou a responsabilidade de dar assistência aos grupos cívicos de empresários latino-americanos (que se
tornou sua função de Community Relations) (HOBBING, 1970, p. 150). Em 1970, o nome do Council for Latin America
seria alterado para Council of the Americas (COA). Em 1981, reunindo-se com a Pan American Society e com o Center for
Inter-American Relations, passaria a ser conhecido como Americas Society (DREIFUSS, 1986, p. 148). Essa organização é
objeto da pesquisa de doutorado de Rejane Carolina Hoeveler, ainda em andamento, no programa de pós-graduação em
História da Universidade Federal Fluminense (UFF).
537

consideradas complementares. Em 1968, David Rockefeller comentaria a importância e o prestígio


adquirido pelo CLA em seus primeiros anos de existência:

Nós nos tornamos ativos no diálogo empresarial com os governos latino-americanos


através do papel desempenhado pelo Council, como seção americana do CICYP. Nosso
trabalho de relações comunitárias reforçou consideravelmente a parceria para o
desenvolvimento entre o empresariado, tanto nacional quanto estrangeiro, e os outros
elementos-chave do setor privado na América Latina – o movimento sindical livre, a
comunidade acadêmica, a Igreja, os grupos cívicos femininos (…) e os líderes dos
esforços de autoajuda entre os pobres. Nossos programas de informação minaram
algumas das concepções errôneas a respeito da empresa privada, que têm prevalecido
na América Latina, e aumentaram a compreensão do público a respeito das vitais
contribuições que a empresa privada é capaz de dar ao desenvolvimento social e
econômico905 (apud DREIFUSS, 1986, p. 150).

Embora o nome de David Rockefeller, presidente do Council for Latin America, apareça
vinculado aos grupos de empresários que formaram essa organização apenas a partir de 1963, quando
surge o BGLA, os interesses dos irmãos David e Nelson na América Latina – vinculados
especialmente, mas não apenas, ao IBEC – já eram representados no USIAC e no LAIC. Como já visto
anteriormente, Richard Aldrich906 fazia parte do comitê diretor desta última organização, ao lado de
Enno Hobbing – que já tinha trabalhado com Nelson Rockefeller em 1960 (Carta, 14/02/1964) 907. Em
1962, essa relação não pública dos irmãos Rockefeller com o LAIC foi destacada por Chad F. Calhoun,
vice-presidente da Kaiser Industries Co., quando relatou a Edgar Kaiser ter participado de um jantar no
University Club, em Nova Iorque, que tinha o objetivo de impulsionar contribuições para a
organização908: “este comitê, segundo fui informado, foi criado há cerca de um ano atrás. Até o

905 De acordo com Dreifuss (1986, p. 149), a “importância do CLA cresceu, passo a passo, com a intensificação da
transnacionalização da indústria latino-americana e dos investimentos norte-americanos, dos quais foi a mola propulsora.
Em meados de 60 e na década de 70, era o centro do pensamento estratégico, da coordenação e da ação doutrinária e
política para a América Latina das grandes empresas e grupos transnacionais (…)”.
906 Primo de Nelson e David – que, como mencionado no capítulo 6, chegou a estar vinculado à CIA em certo período.
907 Durante a campanha de Nelson Rockefeller para ser escolhido o candidato do Partido Republicano à presidência dos
Estados Unidos. O então vice-presidente, Richard Nixon, venceu a disputa interna no partido, e acabou concorrendo contra
John F. Kennedy, do Partido Democrata. Nelson Rockefeller era assessorado por Henry Kissinger, para quem Enno Hobbing
encaminhou, em abril de 1960, um position paper sobre information policy: “(…) Apropriadamente revisado e refinado, este
rascunho pode, em algum momento, dar a NAR [Nelson Aldrich Rockefeller] uma oportunidade para falar sobre políticas
domésticas ao mesmo tempo em que estiver falando sobre a USIA (...)” (Memorando, 06/04/1960). A questão debatida por
Hobbing no documento era: “Como o programa de informações dos Estados Unidos no exterior pode se tornar mais
eficiente?” (Position Paper J-4, 05/04/1960).
908 Presentes ao jantar: Richard S. Aldrich (IBEC), Gerardo Anker (Equador), Henry W. Balgooyen (American and Foreign
Power Company), W. E. Barlow (Vision Inc.), Edward Barrett (School of Journalism, Columbia University), Earl A. Brown,
538

momento, parece ter sido apoiado especialmente pelo Chase Manhattan e pelos Rockefellers”
(Memorando, 05/06/1962).

9.6 O Latin American Development Committee (LADC)

Ao que tudo indica, o “grupo da Deltec”, embora tenha dialogado com o Latin American
Information Committee (LAIC) – Manuel Ulloa estava presente a esse jantar realizado no University
Club – atuava em outra organização, o Latin American Development Committe (LADC), sobre a qual
pouco se sabe. Aparentemente, ambos os comitês surgiram durante o ano de 1960, no mesmo contexto.
Não está claro se havia diferenças de fundo entre os grupos 909, ou se o LADC cumpria um papel
específico dentro de uma estratégia pensada em conjunto pelo governo dos Estados Unidos e/ou pelos
diferentes grupos empresariais que estavam buscando alternativas para ações anticomunistas e pró-
iniciativa privada na América Latina.
O primeiro registro de utilização desse nome, LADC, que conseguimos localizar tem a data de
outubro de 1961. Ele está presente no papel timbrado de uma carta enviada por John T. Smithies a
George Harrar, presidente da Fundação Rockefeller. Nessa correspondência, Smithies informa ter
recebido de Julio E. Nuñez, presidente da Argentaria S. A. Finanzas, “que é o escritório da Deltec na
Jr. (Socony Mobil Oil Co.), John S. Bugas (Ford Motor Company), Chad F. Calhoun (Kaiser Industries Co.), J. J. Cinaglia
(Anaconda Co.), Donald K. David (Ford Foundation), José de Cubas (Westinghouse Electric International Co.), E. J.
Delaney (Goodyear International Co.), A. DeRosso (Standard Oil Co. NJ), Fred C. Foy (Koppers Co., Inc.), George P.
Gardner, Jr. (United Fruit Co.), José Gomez Pinzon (Colombia), Enrique Gonzalez Navas (Venezuela), Francis M. Goodwin
(United States Steel Co.), John W. Green (The Texas Co.), Francis E. Grimes (The Chase Manhattan Bank), Michael L.
Haider (Standard Oil Co NJ), Frank Harkins (IT&T), George Haynes (The National Cash Register Co.), Andrew Heiskell
(Time Inc.), Enno Hobbing (LAIC), A. S. C. Hulton (Asiatic Petroleum Corporation), Gilbert Jones (The World Trade Co.),
W. E. Kemerer (Firestone International Co.), Richard W. KixMiller (Celanese Corp. of America), Antonie T. Knoppers
(Merck and Sharp Dohme International Division), Michael J. P. Malone (Czarnikow Rionda Co.), William F. May
(American Can Co.), Frank R. Milliken (Kennecot Copper Corp.), John D. J. Moore (W. R. Grace Co), Carl M. Mueller
(Carl M. Loeb Rhoades & Co.), Forrest D. Murden ( International Relations Consultant), J. Warren Olmsted (First National
City Bank of Boston), Cyril F. O’Neil (The General Tire and Rubber Co.), John Peeples (Anglo-Laurato Corp.), Jaime
Ponce Yepes (Equador), Joseph Rizzo (Sears, Roebuck & Co.), David Rockefeller (The Chase Manhattan Bank), Kermit
Roosevelt (Gulf Oil Corp.), Frank F. Russell (Cerro Corp. ), Juan Sanchez (First National City Bank of NY), Charles V.
Schelke (General Electric Co.), James R. Stebbins (W. R. Grace & Co.), W. B. Dixon Stroud (IBEC), John R. Tally (Coca
Cola Export Corp.), George G. Thomson (Asiatic Petroleum Corp.), Manuel Ulloa (Deltec Corp.), George R. Vila (US
Rubber Co.), Elliot E. Vose (Singer Sewing Machine Co.), DeWitt Wallace (Reader’s Digest Association, Inc.), John R.
White (Standard Oil Co. NJ), W. Gerald Wilson (Goodrich International Co.), J. R. Zerbst (Union Carbide International Co.)
(Memorando, 05/06/1962).
909 Como Clarence Dauphinot, da Deltec, era próximo de Richard Nixon, como veremos adiante, é possível especular que
a disputa entre este e Nelson Rockefeller, no interior do Partido Republicano, no início de 1960, possa ter causado algumas
divisões políticas entre os empresários norte-americanos.
539

Argentina”, a denúncia de que o sociólogo Gino Germani – professor da Universidade de Buenos


Aires, que recebia financiamento das Fundações Ford e Rockefeller – era considerado comunista pelas
autoridades daquele país. Smithies acrescentava: “O Sr. Nuñez é um grande amigo meu e estou certo de
que ele não escreveria tal carta se suas afirmações não tivessem forte embasamento” (Carta,
16/10/1961).
O nome de Smithies já aparece associado à Deltec no início de 1961. Mas, em dezembro de
1960, quando ele esteve presente à reunião mencionada no início deste capítulo, da qual participaram
representantes do grupo de empresários colombianos (CEAS) e membros do Departamento de Estado,
Smithies era identificado apenas como “um empresário norte-americano, anteriormente em Cuba”
(Memorando, 15/12/1960)910. Graduado pela Princeton University em 1934, John Tattersall Smithies
era casado, desde 1936, com a cubana Gladys Fernandez, de família de proprietários rurais. Até a
Segunda Guerra Mundial, quando serviu na Força Aérea dos Estados Unidos, ele havia trabalhado na
Radio Corporation of America (RCA)911. Posteriormente, viveu quinze anos em Cuba, trabalhando com
produção de cana e criação de gado. Durante a revolução, em 1959, suas propriedades e as da família
de sua esposa foram expropriadas (Princeton Alumni Weekly, 05/03/1968).
Através das atividades que exercia em Cuba, Smithies estabeleceu relações com Robert
Kleberg, um dos mais importantes criadores de gado do mundo, proprietário do “famoso King
Ranch”912. Em Cuba, na década de 1950, Kleberg tinha se associado à Compañía Azucarera Manatí,
910 O motivo de sua presença nesse encontro não está descrito no documento que o registrou. Apenas seis meses antes, F.
A. Mau, secretário executivo do Departamento de Estado, havia informado a Frank Devine e outros ter recebido uma
ligação de uma mulher chamada Kay Holliday – que afirmava ter sido correspondente de guerra na Coreia – relatando que
seu irmão, John T. Smithies, depois de ter vivido em Cuba por muitos anos, tinha, recentemente, conseguido “escapar” da
ilha e possuía informações valiosas para o Departamento de Estado (Nota, 05/06/1960).
911 A RCA foi uma das maiores e mais influentes empresas de eletrônicos do século XX. Suas operações incluíram desde a
produção de discos de vinil até a fabricação de satélites de comunicação. História da empresa disponível em:
https://ethw.org/RCA_(Radio_Corporation_of_America) Acessado em dezembro de 2019. Smithies, durante a guerra,
ajudou a instalar radares nos aviões britânicos. Por essa contribuição, foi homenageado com a Order of the Britsh Empire
(Princeton Alumni Weekly, 05/03/1968).
912 Em 1951, a fazenda de Kleberg, localizada no estado do Texas, atraía visitantes brasileiros: “O King Ranch é, neste país
de tantas coisas grandiosas, uma verdadeira enormidade. É a maior fazenda de criação dos Estados Unidos, com seus 37 mil
hectares de superfície e suas 90.000 cabeças de gado. É ainda o berço e o único lugar de existência no mundo do famoso
gado Santa Gertrudes e a sede de vastos lençóis petrolíferos. (…) ao cortar durante o resto da manhã e a tarde extensões
sucessivas de campo, não houve dúvida em reconhecerem os excursionistas do Brasil que os lotes de Santa Gertrudes
apresentavam sempre melhor aspecto que os de Shorthorn, Hereford e Charolez que apareceram. Presentemente a fazenda
está com 25.000 cabeças da preciosa raça. Os lotes exibem caracteres bastante uniformes. Mas seus proprietários continuam
absorvidos no trabalho de sua multiplicação. Para quem quer, há machos disponíveis. O preço médio de um é 500 dólares.
Mas nenhum dinheiro consegue tirar uma vaca ou novilha Santa Gertrudes do King Ranch” ( O Jornal, 08/03/1951). Pouco
tempo depois, o King Ranch iniciaria sua expansão – e a da raça que desenvolveu na década de 1940 – pelo mundo. Em
1953, Robert Kleberg visitou o Brasil. Quase duas décadas depois, uma reportagem da revista Manchete registrou como as
operações do King Ranch tinham iniciado, e continuavam se expandindo, em terras brasileiras: “O interesse de Robert J.
Kleberg Jr. pelo Brasil cresceu quando ele viu, nas regiões tropicais semidesenvolvidas, o campo ideal para a transformação
do King Ranch num império mundial. (…) O mundo precisaria cada vez mais de carne e eles teriam condições de fornecê-la
540

para criar a Compañía Ganadera Becerra. Esta seria presidida por Michael J. P. Malone, diretor da
Manatí, que também administrava empresas como a Czarnikow Rionda Company e a Francisco Sugar
Company. Essas companhias eram grandes produtoras e comercializadoras de açúcar (The New York
Times, 14/03/1971)913. Malone, segundo Hollander (2008, p. 188-189), depois da Revolução Cubana, se
envolveu com desenvolvimento de novas companhias de açúcar no sul da Flórida, ao mesmo tempo em
que auxiliava a comunidade de exilados cubanos e participava de atividades para a derrubada de Fidel
Castro do poder.
Ao longo do 1960, Malone, George Braga e B. Rionda Braga, e também Robert Kleberg,
tiveram diversos contatos com Henry Holland, organizador do grupo de empresários que arrecadava
fundos para operações da CIA com exilados cubanos, mencionado anteriormente (Daily reports,
Arquivos privados de Henry Holland). O nome de Smithies – cuja relação com esse grupo de
empresários está registrada por Mellen (2016) em livro sobre Alberto Fernandez, seu cunhado, que foi
um dos exilados cubanos auxiliados por Malone e Kleberg, assim como pela CIA 914 – não aparece na
em quantidades cada vez maiores. No Brasil, a crescente industrialização estava aumentando, rapidamente, o mercado
interno da carne. (…) Seis meses depois da visita de Kleberg ao Brasil, três fazendas tinham sido compradas na região da
alta Sorocabana: Formosa, Mosquito e Brasilândia, um investimento de três milhões de dólares em gado, equipamento e
15.500 alqueires de terra. De acordo com uma norma seguida em todos os investimentos no estrangeiro, isto é, unir-se a
empresários já estabelecidos no local, que conheçam as condições do país, o King Ranch aliou-se, aqui, à Swift (…), que já
possuía duas fazendas naquela região (Bartira e Laranja Doce, com 9 mil alqueires). Todas as terras foram unidas num único
complexo pecuário que hoje soma 24.500 alqueires e 28.000 cabeças de gado. (…) Agora, com os incentivos fiscais
concedidos aos empreendimentos agropecuários, eles se lançam à conquista da selva amazônica. Compraram 72 mil
hectares de terras no Pará, num investimento de 8 milhões de dólares. De lá, pretendem exportar carne para todo o mundo.
(…)” (Manchete, 27/11/1971). O historiador Caio Prado Júnior chamou atenção para essa expansão: “De anos para cá, o
famoso King Ranch Inc., do Texas, Estados Unidos, cujas propriedades se estendem, além de nos Estados Unidos, pela
Austrália, Venezuela e Argentina, voltou-se para o Brasil, onde, associado aos frigoríficos Swift & Co. e à empresa
financeira Deltec International (que maneja, entre outros, note-se bem, poupanças brasileiras), adquiriu, com fazendas em
São Paulo e Minas Gerais, de área global de mais de 20 mil hectares, mais 70 e tantos mil hectares ao sul de Belém, Pará, a
que se acrescentarão mais cerca de 50 mil em negociações (1969). No recente debate em torno da aquisição de vastas glebas
de terra no Brasil por norte-americanos, e que serviu para algumas solenes afirmações de fé ‘nacionalista’, falou-se muito
nas compras fraudulentas de aventureiros cujo noticiário não merecia talvez ultrapassar a crônica policial. Mas não se fez
referência alguma aos negócios da King Ranch, Inc. e associados. Possivelmente porque se trata hoje de empresa nacional,
‘King Ranch do Brasil’. Ou teria o sensacionalismo daquelas aventuras imobiliárias servido de pára-choque e cortina de
fumaça para os ‘legítimos’ negócios imperialistas poderem desenvolver-se em sossego?” (PRADO Jr, 2012).
913 De propriedade da família Rionda Braga. A Czarnikow-Rionda Company foi criada em setembro de 1909. Até sua
expropriação, em 1961, a principal atividade da empresa era a exportação de cana e melaço para refinarias nos Estados
Unidos. A Francisco Sugar Company foi criada em 1899. Além de dois engenhos, armazéns e outras instalações, a empresa
também possuía duas fazendas de cana. A Manatí Sugar Company foi criada em 1912 e operava a mais importante fábrica
da família Rionda, a Central Manatí, possuindo mais de oitenta mil hectares de terra – dos quais apenas doze mil estavam
sendo cultivados. Na década de 1950, cerca de dezesseis mil hectares foram vendidos à Compañia Ganadera Becerra, que
nessa área criava cerca de sete mil e quinhentas cabeças de gado (George A. Smathers Library, guia da coleção “Braga
Brothers”).
914 Um documento da CIA informa: “Alberto Fernandez (…) o rico proprietário de terras que arrecadou três milhões de
dólares para a causa de Fidel Castro antes da derrubada de Batista, e que era, até recentemente, o diretor do Instituto del
Azúcar, criou uma organização de guerrilha com 400 de seus ex-empregados no interior de Cuba. Essa organização tem o
apoio de ricos empresários norte-americanos e é a intenção de Fernandez expandir sua força e mantê-la bem suprida de
dinheiro, armas e munição, para levar adiante atos de sabotagem” (Relatório, 12/12/1960). Em abril de 1962, um relatório
541

agenda de Holland. Ainda assim, é bastante provável que Smithies tenha mantido relações com esse
grupo mais fortemente envolvido com ações contra o governo revolucionário cubano.
Não se sabe quando nem por que meios ocorreu a aproximação de Smithies com o “grupo da
Deltec”. O fato é que, depois de participar da referida reunião com empresários colombianos e
representantes do Departamento de Estado, em dezembro de 1960, na qual também estava presente
Manuel Ulloa, da Deltec, o nome de Smithies começa a surgir ao lado de outros empresários desse
grupo: Clarence Dauphinot, Julio E. Nuñez e Gilbert Huber Jr. (das Listas Telefônicas Brasileiras). Em
27 de janeiro de 1961, Smithies enviou uma carta a C. D. Jackson – como já informado, uma
autoridade no campo da guerra política e psicológica, então ligado ao grupo editorial Time Life Inc. –
relatando que ele e “Gil Huber” tinham, finalmente, se encontrado com Sacha Volman 915, que teria
prometido colocá-los em contato com “alguns homens na Costa Rica (e, possivelmente, no México)”,
que poderiam ser “recrutados” para a expansão de seu projeto na América Central 916. Smithies também
mencionou: “nós acreditamos que a nossa viagem a Washington foi muito produtiva e que o interesse
demonstrado resultará em alguma ação real, por parte do novo governo [Kennedy]”(Carta,
27/01/1961).
A essa carta, Smithies ainda anexou a cópia do programa do grupo, que tinha uma lista de
recomendações às empresas estrangeiras que operavam na América Latina, para a melhoria de sua

do FBI registrava: “Michael J. P. Malone, vice-presidente, Czarnikow-Rionda Company, 106 Wall St., NYC, que também é
empregado por Robert Kleberg do King Ranch, Kingsville, Texas, avisou, em 30/03/1962, que ele tinha o memorando de
sua recente conversa em Washington, D.C. (…). O memorando de Malone foi escrito para Robert Kleberg, como resultado
do encontro de Kleberg com o vice-presidente Lyndon B. Johnson, em 15/03/1962. Em relação à conversa de Malone com o
Sr. Herbert, da CIA, que foi descrito como um assistente do coronel King, Malone escreveu que Herbert tinha informado a
ele que a CIA tinha separado um seção para lidar somente com questões cubanas. (…) Malone escreveu em seu memorando
para Kleberg que Herbert tinha a opinião de que, nos próximos dois ou três meses, um clima favorável e apropriado será
criado em Cuba, o qual favoreceria algum tipo de atividade para derrubar o governo de Castro. (…) Malone também
escreveu em seu memorando que (nome censurado) pediu para que ele dissesse a Alberto Fernandez, de Key Biscayne,
Flórida, para ter paciência, que sem muita demora, a CIA iria utilizar suas habilidades e equipamentos” (Relatório,
05/04/1962).
915 De acordo com documentação oficial do governo americano consultada por Iber (2013, p. 996-8), Volman, nascido na
região da Bessarábia na Romênia em setembro de 1923, saiu de seu país após a ocupação soviética, ocorrida ao final da
Segunda Guerra Mundial, refugiando-se em Paris em 1948. Poliglota, “ele encontrou trabalho no crescente aparato
anticomunista apoiado pelos EUA” na Europa, tornando-se secretário de uma organização afiliada à American Federation
of Labor (AFL) e, a partir de então, “um anticomunista profissional”, “contratado para prestar serviços à CIA”. Em 1955,
mudou-se para Nova Iorque, onde criou o Labor Research Institute, “financiado pelo Free Europe Committee da CIA” (p.
1003). Em 1957, a entidade criada por Volman passaria a se chamar International Institute for Labor Research, que
estabeleceu uma escola de formação de líderes democráticos em San José, na Costa Rica, passando a ser conhecida como
Instituto de Educación Política (IEP). De acordo com Iber (2013, p. 1006), a escola era financiada pela CIA através de uma
de suas fundações de fachada, a Fundação Kaplan.
916 O endereço de Smithies, nessa correspondência, que teve cópia enviada para Dauphinot e Ulloa, era “Room 1224, 72
Wall Street, New York”. É o mesmo que aparecerá, a partir de outubro de 1961, como endereço do LADC. Trata-se,
também, do endereço da Deltec Corporation (Carta, 27/01/1961).
542

imagem na região. Nesse documento eram apresentadas, como indispensáveis para “estabelecer a
imagem da moderna livre empresa”, as seguintes ações:

1. Conduzir seus negócios na língua local. Mudar o nome para o idioma local. 2.
Colocar pessoas locais responsáveis, defensoras da livre iniciativa, nos comitês
diretores (…). 3. Desenvolver programas de longo prazo para que os funcionários
estrangeiros das empresas sejam substituídos por funcionários locais (…). 4.
Disponibilizar, através de acréscimo de capital, ações para compra local, incluindo
planos de compra por empregados das empresas. Deveria ser dada ênfase a uma
distribuição ampla, especialmente buscando os grupos de menor renda, como uma
forma prática de levar a mensagem do princípio da livre iniciativa à população. 5. Não
discriminar, quanto à remuneração e oportunidades, entre empregados nacionais e
estrangeiros de igual qualificação. 6. Estimular um programa de relações públicas para
melhorar a imagem das empresas, incluindo a publicação e ampla distribuição de
relatórios anuais, etc. 7. Realizar a compra de bens, serviços (…), de negócios e
empresas locais (…) (Recomendações, 25/01/1961).

Ao mesmo tempo, deveriam ser consideradas as seguintes ações, para defender o sistema de
livre iniciativa:

1. Estabelecer um programa de treinamento de funcionários, para funções


administrativas, técnicas e especializadas. 2. Dar oportunidades aos empregadores
locais, para que atinjam qualquer posição na companhia, e publicizar o fato. 3. Insistir
para que os empregados norte-americanos se envolvam em atividades sociais e
questões cívicas locais, para integrá-los, e integrar a empresa, à comunidade. Isso
inclui insistir para que a língua local seja aprendida e utilizada. 4. Ser prudente com a
publicidade, não apoiando nenhuma publicação comunista. (…) não usar a publicidade
como arma para influenciar uma política editorial. 6. Instituir contribuições para bolsas
estudantis, tanto locais quanto internacionais (…). 7. Apoiar, tanto moral quanto
financeiramente, grupos locais responsáveis e defensores da livre empresa que estejam
lutando contra o comunismo (Recomendações, 25/01/1961).

De acordo com outro documento anexado à carta que Smithies enviou para C. D. Jackson, esse
programa tinha sido elaborado por um grupo de empresários que havia se encontrado em junho de
1960, em Nova Iorque, para debater a “situação crítica” que estaria se desenvolvendo na Venezuela e
outras partes da América Latina, e que possivelmente afetaria o futuro da livre iniciativa na região. Esse
grupo teria decidido reunir, em novembro daquele ano, em Nova Iorque, os latino-americanos
543

“conscientes dos problemas e perigos que ameaçavam seus países e a América Latina”, para apresentar
essas questões aos empresários norte-americanos, estimulando-os a adotar “medidas corretivas”. Como
preparação a esses encontros de novembro de 1960, discussões teriam sido realizadas “em países da
América Latina, especialmente no Brasil”. Aos encontros de novembro e dezembro, realizados nos
Estados Unidos, teriam comparecido representantes da Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Peru e
Venezuela, além de empresários norte-americanos (A program for improving free enterprise in Latin
America, anexo à Carta, 27/01/1961).
Em março de 1961, Smithies enviou uma carta a Adolf Berle Jr., chefe da força-tarefa
responsável pela elaboração da Aliança para o Progresso, com a seguinte mensagem: “Foi muito gentil
de sua parte receber ao Sr. Dauphinot, ao Sr. Pemberton e a mim ontem, dando-nos a oportunidade de
discutir com o senhor a situação no Brasil e o programa dos grupos latino-americanos que eu
represento” (Carta, 08/03/1961). Em 26 de abril, poucos dias depois do fracasso da invasão à Baía dos
Porcos/Batalha de Girón, Smithies enviou um telegrama a Nelson Rockefeller, encaminhando uma
comunicação que recebeu de Dauphinot, Ulloa e Nuñez, da Deltec, que tinham “passado o mês de abril
nas principais cidades latino-americanas” e se demonstravam preocupados:

O magnífico discurso de Kennedy evitou a deterioração imediata e eventual colapso de


toda a posição dos Estados Unidos na América Latina, mas, para ter qualquer efeito
permanente, ele precisa ser acompanhado de ações firmes. (…) Sugerimos que você
comunique aos nossos amigos em Nova Iorque e Washington que a visão unânime da
comunidade de líderes na América do Sul é que ação positiva deve ser desenvolvida
em Cuba para que o restante da América Latina não seja perdido aos poucos para os
comunistas. Essas são as opiniões que deveríamos levar em consideração ao
desenvolver nossas políticas, e não as de uma minoria barulhenta arregimentada pelos
comunistas (Telegrama, 26/04/1961).

Pouco tempo depois, em agosto de 1961, outro acontecimento traria novas preocupações a
Dauphinot e ao “grupo da Deltec”: a renúncia do presidente do Brasil, Jânio Quadros, que provocou
uma crise sucessória. O vice-presidente João Goulart, que deveria assumir o lugar de Jânio, se
encontrava em viagem oficial à China. Algumas autoridades demonstraram contrariedade à sua posse
como presidente da república. Era o caso dos três ministros militares – Odílio Denys, Ministro da
Guerra, Sílvio Heck, Ministro da Marinha, e Gabriel Grun Moss, Ministro da Aeronáutica – e de alguns
governadores, como Carlos Lacerda, da Guanabara. O Congresso Nacional estava dividido. Greves se
544

espalharam pelo país, e o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, desencadeou uma
campanha em defesa da legalidade, ou seja, em favor de que Goulart assumisse o poder conforme
estatuído pela Constituição. Como já mencionado no capítulo 7, quando foi feita referência à atuação
do general Antônio Carlos Muricy nesse episódio, o Brasil esteve perto de uma guerra civil. Niles W.
Bond, que na época era o encarregado de negócios da embaixada dos Estados Unidos no Rio de
Janeiro, comentou esses acontecimentos:

Na tarde [do dia em que Quadros renunciou], começaram a circular boatos no Rio
sugerindo de que o presidente havia sido obrigado a renunciar por pressão dos EUA.
No final da tarde, uma multidão ameaçadora de milhares de pessoas se reuniu à frente
da embaixada do Rio (…) e começaram a apedrejar os vidros da embaixada. A polícia
da Marinha jogou bombas de gás contra a multidão, que foi dispersada (…). Pouco
depois (…) eu reuni todos os oficiais políticos para discutir a situação da renúncia do
presidente Quadros. (…). Estava se tornando cada vez mais evidente para mim e para a
minha equipe que o Brasil estava à beira de uma guerra civil. Meus inúmeros contatos
brasileiros durante aquele período estavam me convencendo de que o povo brasileiro
em geral, por mais desconfiado que fosse do vice-presidente, estava
predominantemente a favor da solução constitucional. Por outro lado, eu me via diante
de uma pressão crescente oriunda de militares contrários à sucessão [de Goulart] e seus
apoiadores – alguns dos mais veementes eram membros da comunidade americana de
negócios – para apoiar a causa deles. (…). A comunidade americana de empresários
era realmente a mais poderosa defensora da ideia de não se permitir a sucessão [de
Goulart] (Entrevista, 1998, itálicos meus).

Segundo Clarence Dauphinot (1967), enquanto Goulart retornava da China, em viagem que
levou cerca de dez dias, ele, David Beaty e Julio Nuñez lutaram em Nova Iorque com tudo o que
tinham a seu alcance para ajudar os generais que estavam tentando impedir o seu retorno ao Brasil. Ele
teria, então, enviado um telegrama a Paulo Neves de Souza Quartim, funcionário da Deltec no Brasil,
dizendo desejar que todos os diretores da Deltec e todos os seus amigos no Brasil “fizessem todo o
possível para persuadir os generais a continuar seu trabalho para barrar Goulart”: “nós acreditávamos
que o retorno de Goulart seria um desastre para o Brasil, e (...) faríamos de tudo para apoiar nossa firme
convocação, trabalhando com a imprensa e o governo nos Estados Unidos e em outros lugares”
(DAUPHINOT, 1967, p. 51)917. Contudo, apesar de todo esse esforço, os militares teriam percebido,

917 É interessante observar que o primeiro registro ao LADC é de outubro de 1961. O LADC foi encerrado em agosto de
1964.
545

como relatou o general Muricy , que, naquele momento, “não havia apoio popular” para afastar João
Goulart do poder:

(…) nos convencemos de que, sem o apoio popular, não seria possível fazer ações de
força que fossem capazes de botar o país num bom caminho. Qualquer ação que se
faça sem apoio da opinião pública é um golpe. Não é um movimento de profundidade.
E chegou-se então a um impasse: procurar uma solução que permitisse sair daquela
situação, mantendo ao máximo a lei, mas sem permitir a posse de Jango. Sentiu-se que
não havia possibilidade de impedir a posse de Jango. Como consequência, teria que
haver uma diminuição do poder de Jango como presidente (MURICY, 1993, p. 420).

A “solução” para o impasse sucessório foi elaborada por uma comissão mista do Senado e da
Câmara, que apresentou a proposta de adoção do regime parlamentarista para permitir a posse de
Goulart que, assim, exerceria seu mandato até janeiro de 1966. A solução parlamentarista foi aprovada
pelo Congresso, que também definiu a realização de um plebiscito popular, a ser realizado no início de
1963, o qual decidiria pela manutenção do regime parlamentarista ou pela volta do presidencialismo.
No início de setembro de 1961, Goulart assumiu o poder. Na interpretação do empresário paulista
Paulo Ayres Filho (sobre quem falaremos a seguir),

(…) os comunistas, demagogos e oportunistas, que podiam contar com sua já extensa e
profunda infiltração na mídia, sindicatos, organizações estudantis e outras, lançaram a
vigorosa campanha da legalidade, que obteve sucesso em levar as Forças Armadas a
confundir as manchetes com a opinião pública. Os militares acabaram se rendendo, e o
Congresso teve que encontrar uma forma política que pudesse conciliar o medo de que
Goulart pudesse levar o país ao comunismo com a necessidade de obedecer à
Constituição. Essa fórmula foi o parlamentarismo. (…) A crise, contudo, não teve fim,
já que o principal objetivo de Goulart era o poder total (full personal power) (AYRES
Filho, 1965, p. 242).

9.7 Relação do LADC e do CICYP com o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)
546

Pouco meses depois da crise da sucessão seria criado, com participação dos empresários ligados
ao LADC – que já acumulavam mais de um ano de debates sobre a necessidade de agir contra o
comunismo e em defesa da livre iniciativa na América Latina, como visto ao longo deste capítulo – o
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) 918. Como relata Dreifuss (1987, p. 162), “de acordo
com a versão conhecida”, Gilbert Huber Jr. fez contato com Paulo Ayres Filho 919, dando-lhe a
“incumbência de recrutar homens de negócio de São Paulo”:

Paulo Ayres Filho, por sua vez, recrutou João Batista Leopoldo Figueiredo, importante
empresário multinacional e ex-presidente do Banco do Brasil no governo de Jânio
Quadros. J. B. Leopoldo Figueiredo se tornou líder do IPES de São Paulo. Com a
súbita renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, decidiu-se ativar o grupo. (…)
Enquanto isso, no Rio, Gilbert Huber Jr., o empresário multinacional Antônio Galloti
[presidente da Light], os tecno-empresários Glycon de Paiva e José Garrido Torres e o
empresário Augusto Trajano Azevedo Antunes [do setor de mineração], entre outros,
estavam engajados em sua próspera campanha de recrutamento e também envolvidos
na obtenção dos serviços de diversos oficiais da reserva, tais como o General Golbery
do Couto e Silva, que foi indicado ao IPES pelo General Heitor Herrera 920. Uma série
de reuniões informais lideradas por empresários nas casas de proeminentes homens de
negócio de São Paulo e do Rio iniciou abertamente um estágio no processo onde
diferentes organizações de classe e órgãos do governo começaram a pregar mudanças
fundamentais na economia e no sistema político. (…) Os fundadores do IPES do Rio e
de São Paulo, o núcleo do que se tornaria uma rede nacional de militantes grupos de
ação, vieram de diferentes backgrounds ideológicos. O que os unificava, no entanto,
eram suas relações econômicas multinacionais e associadas, o seu posicionamento
anticomunista e a sua ambição de readequar e reformular o Estado 921 (DREIFUSS,
1987, p. 162-163).

918 Conforme Dreifuss (1987, p. 163), “o IPES passou a existir, oficialmente, no dia 29 de novembro de 1961. Seu
lançamento foi recebido favoravelmente por diversos órgãos da imprensa (…). Contou também com o beneplácito do
conservador Arcebispo do Rio Dom Jayme de Barros Câmara (…). Rapidamente o IPES se expandiu até Porto Alegre,
Santos, Belo Horizonte, Curitiba, Manaus e outros centros menores”. No Rio de Janeiro, “o IPES funcionava no 27º andar
do Edifício Avenida Central, na Avenida Rio Branco, 156, no centro da cidade. Ele ocupava 13 salas do andar”. Suas contas
telefônicas “eram faturadas em nome de Henrique Geisel, General da Reserva do Exército, irmão do General Ernesto Geisel
[ e do igualmente general Orlando Geisel] , e importante empresário. Em São Paulo, o escritório principal localizava-se na
Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, 154, 16º andar. Havia um outro na Rua Bahia, 131” (DREIFUSS,1987, p. 211, nota 16).
Para informações sobre a estrutura interna do IPES, consultar Dreifuss (1987) e Bortone (2018). Algumas das ações desse
instituto serão analisadas no próximo capítulo.
919 Paulo Ayres Filho foi presidente do Instituto Farmacêutico Pinheiros (entre 1941 e 1973) e diretor da FIESP, da
Associação Comercial de São Paulo e da Câmara Americana de Comércio. Outros dois membros do AmCham, Humberto
Monteiro e Fernando Eduardo Lee, eram acionistas do Instituto Pinheiros (BORTONE, 2018). Além disso, Monteiro e Lee
faziam parte da diretoria da União Cultural Brasil-Estados Unidos, também integrada por Frank McClure (Diário da Noite,
07/01/1960). Como visto anteriormente, McClure era membro da AmCham em São Paulo e representante do USIAC no
Brasil. Em 1961, ele foi também eleito para a diretoria da Associação Paulista de Combate ao Câncer, junto com Paulo
Ayres Filho e David Beaty III, entre outros (Diário da Noite, 22/05/1961). Nota-se que os empresários que criaram o IPES
São Paulo já faziam parte do círculo que compunha o Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos da Câmara Americana de
Comércio, apresentado no início deste capítulo.
920 Algumas relações dos militares com o IPES serão abordadas no próximo capítulo.
547

Paulo Ayres, segundo Bortone (2018), registrou que “em fins de outubro de 1960, foi procurado
pelo empresário Gilberto Huber Jr., que sabia do seu trabalho panfletário realizado com amigos de São
Paulo há 10 anos”. Ainda conforme Bortone (2018), Huber convocou Ayres Filho “para a organização
de uma entidade dedicada, exclusivamente, à defesa da economia de mercado”. Nesse período, como
visto anteriormente, alguns empresários preparavam-se, no Brasil e em outros países da América
Latina, para participar dos debates previstos para ocorrerem nos Estados Unidos, nos meses de
novembro e dezembro de 1960. Posteriormente,

Quando [Ayres] assumiu a direção da Carteira de Crédito Geral do Banco do Brasil, no


governo Jânio Quadros, por indicação do então presidente do banco, João Baptista
Leopoldo Figueiredo, os dois retomaram contato para a concepção final do que viria a
ser o IPES. (…) Aos poucos, explica Ayres Filho, inúmeros indivíduos e diversas
empresas, bem como grupos já organizados e irmanados pelo mesmo desejo, foram se
agregando ao IPES, além de novas entidades organizadas pelo próprio instituto. O
objetivo fundamental foi definido naquele momento: “defender e divulgar a economia
de mercado e, portanto, a sagrada liberdade do indivíduo, indispensável para a melhor
solução dos problemas que o Brasil enfrentava (BORTONE, 2018).

Como adequadamente destaca Bortone (2018), o mais importante não é estabelecer


especificamente “quem foi o pai da ideia ou a data exata da sua criação, mas destacar que elementos da
classe empresarial já vinham se articulando, no início dos anos 1960, de forma diferenciada e em
distintos lugares, para a criação de uma entidade que defendesse seus interesses de classe” 922. Fica
evidente, pelo o que foi descrito até aqui, que, apesar de dirigida por empresários brasileiros, a
organização era fortemente apoiada por empresários estrangeiros – principalmente pelos norte-
americanos. Gilbert Huber, que passaria a se identificar como Gilberto Huber, era a “face brasileira” de
um grupo com articulação internacional. Cumpria, de certa forma, o mesmo papel que Ivan Hasslocher,
921 “Segundo documento de 1961, que define as bases para a formação da entidade [IPES], as classes produtoras deveriam
evoluir para a prática de um capitalismo modernizado para enfrentarem a intervenção do Estado no domínio da economia, a
crise política, o paternalismo em relação à força de trabalho e a inflação, que estava abalando o fundamento da iniciativa
privada” (BORTONE, 2018).
922 Conforme Bortone (2018), uma outra versão para o surgimento do IPES foi dada pelo empresário carioca Jorge Oscar
de Mello Flores: “Conforme o empresário, o instituto nasceu de reuniões na casa de um advogado, no Leblon (bairro nobre
na Guanabara-RJ), quando formaram um grupo de cinco pessoas, quatro empresários e o diretor da Casa de Rui Barbosa
[Américo Jacobina Lacombe], que acreditavam que o ‘Brasil estava se comunizando’. As reuniões passaram a ser na Casa
de Rui Barbosa e, posteriormente, fizeram uma plenária, de madrugada, na Associação Comercial, elegendo Mello Flores
como presidente. Esse grupo se reuniu com o pessoal de São Paulo e determinou para presidente João Batista Leopoldo
Figueiredo e vice-presidente, Mello Flores. O banqueiro Mello Flores acrescenta que a maioria dos que fundaram o IPES
estava no Conselho das Classes Produtoras (CONCLAP)” – mencionado no capítulo 8.
548

o “rosto brasileiro” do IBAD. Tanto Huber quanto Hasslocher eram profundamente envolvidos com os
interesses norte-americanos no Brasil, que neles confiavam para representá-los no cenário político
nacional, considerando que uma intervenção estrangeira direta seria muito mal recebida.
É importante destacar que a articulação transnacional que preexistia ao IPES continuou sendo
construída nos anos seguintes. Em janeiro de 1962, três de seus membros – Huber, Garrido Torres e
Harold Cecil Poland923 – representaram o Brasil em uma reunião organizada pelo LADC e realizada em
Nassau, nas Bahamas, cidade sede da Deltec Panamerica 924. Na reunião da Comissão Diretora do IPES
realizada em 12/02/1962, Polland comentou a viagem:

Vasto temário: planejamento, Mercado C. L. Americano, Empresas privadas, Combate


ao comunismo, etc. Movimento parecido com o do IPES. Na Colômbia e Venezuela, os
movimentos se assemelham ao do Brasil, visando o combate ao comunismo. Nas
conclusões, ao final da conferência, o Brasil ficou isolado, juntamente com a
Venezuela. Nosso voto dissidente foi redigido por GT [Garrido Torres] e Poll
[Polland]. Com surpresa, após a reunião, as delegações dos demais países (algumas)
queriam aderir ao nosso voto dissidente. Chegaram a ser em número quase igual ao das
que assinaram a ata vencedora. A Del. N. Americana ficou bem impressionada com o
nosso ponto de vista (Ata, 12/02/1962)925.

Nessa reunião, Garrido Torres representava também a seção brasileira do CICYP, como relatou
o diretor-executivo dessa organização:

923 Marcos Rabello também (Carta, 15/03/1962).


924 Dreifuss (1987, p. 171), com base em Bailey (1965b, p. 201), afirma que as reuniões eram patrocinadas pelo LAIC.
Bailey chega a colocar o LADC na lista de organizações de empresários que defendiam a livre iniciativa na América Latina
(Id., p. 238), mas não fornece maiores detalhes sobre esse grupo. A informação de que a reunião de janeiro de 1962
realizada em Nassau foi organizada pelo LADC consta nos documentos da seção brasileira do CICYP, fundo que se
encontra no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
925 A ata também registra: “A seguir, a Delegação foi p/ os EE.UU., tendo entrado em contato c/o Pres. do Senado, dando-
lhe uma imagem de como os EE.UU. são vistos pela maioria dos brasileiros, através da maneira de ser e agir das empresas
fechadas, privadas, americanas, no Brasil. (…) No Dep. de Comércio, GH [Gilbert Huber] falou perante um grupo de 8
técnicos, a respeito do Brasil e das companhias americanas. Apareceu Morgan. No seu gabinete, ouviu e pediu um
memorando a respeito dos problemas em foco. (…) No Dep. De Estado, encontro com o Emb. Moscoso, o qual tem mais
afinidade conosco, por ser porto-riquenho. Deu imensa atenção, ouvindo tudo. (…) Depois partimos para P. Rico; GH, para
Washington. Em Porto Rico, examinamos o problema habitacional, cuja chave é o financiamento. (…)” (Ata, 12/02/1962).
No final de fevereiro de 1962, o Secretário de Estado, Dean Rusk, informou à embaixada dos Estados Unidos no Rio de
Janeiro: “Os senhores Gilbert Huber, Jr. e Harold Polland, empresários brasileiros, se encontraram com oficiais do
Departamento de Comércio no dia 26 de janeiro. Eles recomendaram métodos para melhorar a imagem das empresas de
propriedade estrangeira na América Latina e assegurar o sucesso da Aliança para o Progresso. Os senhores Huber e Polland
estão ligados ao Latin American Development Committe, Suite 1224, 72 Wall Street, New York 5, NY. O sr. Huber é,
aparentemente, vinculado ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), recentemente relatado. O sr. Huber é
presidente das Listas Telefônicas Brasileiras S.A” (Airgram, 26/02/1962).
549

(…) consideramos útil o contato com outros setores preocupados com os mesmos
problemas, designando o nosso ilustre membro-incorporado, Dr. José Garrido Torres,
para, como representante da Seção Brasileira e delegado do Secretariado Geral,
comparecer à Reunião promovida em Nassau, em janeiro [de 1962], pelo “Latin
American Development Committee”, missão a que deu, como de costume, cabal
desempenho. Suas observações e contatos foram da maior utilidade para o
esclarecimento de diferentes aspectos desses problemas em outras áreas do hemisfério
(…) (Relatório, 21/01/1963)926.

Em março de 1962, Garrido Torres enviou um relato sobre sua participação ao secretário geral
do CICYP em Montevidéu, Carlos Ons:

Fiz, em Nassau, uma exposição sobre o CICYP e houve a recomendação dos


brasileiros no sentido de que os empresários presentes se interessassem em nele
participar através de adesão imediata às seções nacionais. Da relação anexa, gostaria
muito de ver os colombianos, os peruanos e os venezuelanos darem esse passo 927, pois
acredito que representariam preciosas aquisições para o nosso desiderato de revitalizar
o CICYP e levá-lo à função que é sua e que ele não pode deixar de exercer doravante.
(…) Notei, na reunião de Nassau, grande desconhecimento do que é o CICYP e do que
faz, bem como certa reserva, sobretudo dos chilenos presentes, em relação ao que
recomendamos, com insinuações de inoperância e de outra ordem mais ou menos vaga
mas, de qualquer modo, negativo. (…) Temos, pois, vários aspectos a conversar que
envolvem a estratégia do que deverá ser feito (…) (Carta, 15/03/1962).

Em agosto de 1961, o diretor-executivo da seção brasileira do CICYP, Paulo Godoy, já indicava,


em carta para Carlos Ons, o interesse da seção brasileira em trabalhar pela renovação do papel do

926 Garrido Torres, enquanto ainda era “estudante da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Nova Iorque,
tornou-se assessor técnico da delegação brasileira à Conferência Internacional de Negócios, realizada em Rye, Nova Iorque,
em 1944” (mencionada no capítulo 4). Foi chefe do Escritório de Expansão Comercial do Brasil em Nova York e adido
comercial na embaixada brasileira em Washington entre 1947 e 1952. Membro do Conselho Nacional de Economia (CNE) a
partir de 1954. Foi seu presidente de 1957 a 1958. Nesse ano, foi nomeado superintendente da SUMOC (Superintendência
da Moeda e do Crédito), antecessora do Banco Central. Desde 1948, tinha participado de vários eventos do CICYP (Verbete
biográfico, DHBB).
927 À carta, Garrido Torres anexou a lista das delegações presentes à Conferência de Nassau, do Latin American
Development Committee: Argentina (Federico Camauer, Raúl Lamuraglia, Jorge Lamuraglia, Hiugo Mario Miatello, Mario
Horacio Orsolini), Bolívia (Eduardo Sáenz García), Brasil (Gilberto J. Huber, Jr., Haroldo Cecil Poland, Marco Paulo
Rabello, José Garrido Torres), Colômbia (José Gómez Pinzón, Henán Tobar, Roberto Wills), Chile (Arturo Lyon, Gustavo
Ross, Carlos Urenda, Sergio Vergara), El Salvador (Francisco de Sola, Roberto Palomo), Mexico (Guillermo Guajardo,
Clemente Serna), Panamá (Juan A. Carbone, Jr.), Peru (Carlos Cueto, Fernando Graña, Alfonso Montero, Felipe Thorndike,
Manuel Ulloa), Venezuela (Blas Lamberti, Eugenio Mendoza, Alfredo Rodríguez Delfino, Arturo Sosa, Gustavo Vollmer).
Observadores: Cuba (José Bosch), Porto Rico (José Ramón Quiñones, Guillermo Rodríguez, José Trás-Monge) (Carta,
15/03/1962).
550

Conselho – o qual, como destacou Dreifuss (1986, p. 163), sendo “um órgão supracionacional, era, de
fato, o porta-voz dos homens de negócio da América Latina”:

(…) as ideias que o CICYP defendia, e que antes poderiam parecer ao homem de
empresa comum simples devaneios teóricos ou fogos de artifício, por força dos
acontecimentos ganharam consistência, e surgem transformados em fatos concretos,
que nenhum dirigente de entidade ou de empresa pode ignorar ou menosprezar. Isso
nos leva a nos perguntarmos uns aos outros se haveria, inclusive, conveniência de
começarmos a pensar até em algumas modificações na estrutura geral do CICYP. O
assunto é complexo e difícil, e tem merecido nossos debates. Garrido Torres, por
exemplo, é um dos que muito se preocupam com ele. (…) Sentimos (…) que o tempo
urge, e que grande oportunidade se abre agora para que o CICYP possa ter, dentro de
suas funções de intérprete da livre empresa desta parte do mundo voz mais forte e de
maior autoridade nas decisões que em breve deverão ser tomadas, por todos, se não
quisermos assistir à “cubanização” da América Latina (Carta, 22/08/1961).

Em fevereiro de 1963, uma das decisões adotadas na XLII reunião da comissão executiva do
CICYP, realizada no Rio de Janeiro, “foi a de iniciar providências imediatas para dinamizar o trabalho
das Seções Nacionais, a fim de que os serviços do Conselho aos seus membros e à causa da livre
empresa possam se tornar cada vez mais intensos e efetivos”. Tal “ponto de vista” foi também
“enfatizado posteriormente nos Estados Unidos durante as reuniões ali realizadas sob os auspícios da
seção norte-americana do Conselho [USIAC], e da qual participaram delegações de destacados homens
de empresa latino-americanos” (Ata, 30/04/1963). Gilbert Huber, Paulo Ayres Filho, Aldo B. Franco,
Charles Edgar Moritz e Harold Polland foram os representantes brasileiros928.
De regresso ao Brasil, Charles Moritz, presidente da sessão brasileira do CICYP, designou um
grupo de trabalho, no qual se encontrava Gilbert Huber, para “elaborar o plano de atividades em
condições de tornar mais dinâmicos os trabalhos da seção e de para ela atrair, em consequência, novas
entidades e membros-cooperadores” (Ata, 30/04/1963)929. Em setembro daquele ano, Huber, em carta
para o empresário venezuelano Gustavo Vollmer, comentaria que o CICYP, tendo “a vantagem (assim
como os problemas) de ser uma entidade já existente”, poderia fornecer uma “plataforma para
928 O encontro, chamado Informal Meeting of Businessmen of the Americas, ocorreu entre os dias 17 de fevereiro e 1º de
março, em Nova York, e entre 4 e 6 de março em Washington (MOORE, 1963, p. 209) Para maiores detalhes, ver Gonçalves
(2016).
929 Huber parece ter se aproximado da seção brasileira do CICYP apenas no início de 1961, quando Charles Moritz já era
seu presidente (é necessário explorar o fundo da seção brasileira do CICYP no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro para
confirmação). Ou seja, tudo indica que Huber se aproximou da seção brasileira depois de já ter maior contato com a seção
norte-americana da organização, o USIAC.
551

discussão” com as “empresas norte-americanas e com muitos oficiais de governo – tanto na América
Latina quanto nos Estados Unidos – assim como com as agências internacionais”:

O uso do CICYP, que inicialmente parece ser um problema, deveria ser encarado, eu
acredito, como um desafio. Como qualquer outra organização, ele é tão bom quanto as
pessoas que o integram. Na maioria dos países, uma atitude progressista dos
empresários não é facilmente identificável em todos os setores de atividades, e todos
nós reconhecemos que nossos problemas variam, pelo menos em grau, de país a país,
portanto, é correto afirmar que nossa habilidade de nos unirmos hemisfericamente
depende principalmente de nossa habilidade de nos unirmos em casa, assim como de
liderança corajosa para fazê-lo (…). (…) Para que o CICYP possa ser a base da união,
ele precisa reunir as associações empresariais, as grandes entidades e as mais jovens
lideranças da comunidade empresarial. Isso não é sempre fácil, nem possível em uma
base global, mas um forte núcleo irá produzir resultados caso reconheçamos a situação
e trabalhemos dentro de um sistema voltado a tais fins. Isso só pode acontecer se nós
decidirmos fazer acontecer. Os muitos trabalhos que temos pela frente estão
demandando unidade e apenas com unidade nós podemos resolvê-los eficazmente. Em
outras palavras, se nós podemos pagar o preço de formar uma base forte em cada país,
respeitando os direitos, nacionalidades e preocupações de cada um, e estabelecer uma
base comum sobre a qual, com franqueza e troca de ideias, possamos criar um
construtivo e prático plano de ação, que nós executaremos, nós teremos, sem dúvida,
desenvolvido a força necessária para confrontar alguns de nossos problemas. O
CICYP, enquanto organização, não pode nunca demandar nada de suas seções
nacionais, do mesmo modo que o LADC não poderia nunca demandar nada de seus
membros. Ele é, contudo, uma entidade que tem um sistema capaz de reunir, para que
problemas conjuntos sejam resolvidos. Resultados passados provam que isso é
possível. (…) Eu acredito que um esforço nessa direção é um passo positivo que
podemos dar para manter o trabalho que estamos tentando realizar com o LADC. Isso
também nos daria o veículo para a união de muitas organizações norte-americanas em
uma ação comum na América Latina. Nos daria ainda os meios pelos quais nós
podemos nos reunir com pessoas de outros países, incluindo dos Estados Unidos, sem
os problemas de uma direção centralizada, que tende a ignorar a soberania nacional ou
não reconhece as disparidades que resultam do tamanho e da localização geográfica de
vários países. (…) Onde começar: neste momento, o CICYP tem uma eleição
programada, no final de outubro, em Nova Iorque, para escolher novos diretores.
Qualquer tentativa de assumir, de fornecer liderança e organização ao CICYP seria
muito efetiva se conquistada antes disso e deveria necessariamente se originar nas
seções nacionais e sustentar-se nelas. Fazer isso é se transformar no coração do CICYP.
(…) Se agíssemos agora, possivelmente conseguiríamos prevenir a existência de um
hiato entre a lenta dissolução do LADC e a criação de um novo sistema para levar
adiante suas atividades. (…) A questão subjacente é: nós queremos nos manter unidos?
Para quê? A que custo pessoal? Com qual sistema? Usando qual entidade? Eu não vejo
como evitar termos que responder a essas questões (Carta, 05/09/1963).
552

O LADC, como anunciado por Huber, deixou de existir ao longo de 1964. Em agosto de 1964,
seu diretor executivo, John T. Smithies, informou a Jack Behrman, do Departamento de Comércio dos
Estados Unidos: “por favor, observe que o escritório do Latin American Development Committee foi
fechado. No futuro, qualquer correspondência debe ser encaminhada a: John T. Smithies, US Inter-
American Council, 201 Park Ave South, NYC” (Carta, 03/08/1964) 930. A dinamização buscada para o
CICYP parece ter sido alcançada quando George Moore, do First National City Bank of New York, se
tornou presidente de sua comissão executiva e Charles E. Moritz, presidente da seção brasileira do
CICYP, assumiu a vice-presidência – ao lado de Ernesto Ayala Oliva, do Chile, e Jorge Peirano Facio,
do Uruguai931.
Como mencionado anteriormente, esse processo ocorreu paralelamente ao fortalecimento da
seção norte-americana do CICYP, que resultou na criação do Council for Latin America (CLA),
presidido por David Rockefeller, do Chase Manhattan Bank. O acervo da seção brasileira do CICYP
depositado no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, aqui apenas superficialmente explorado, sugere a
existência de uma importante contribuição dos empresários brasileiros a essa reativação do CICYP,
especialmente do grupo vinculado ao IPES e ao LADC – que, por sua vez, era ligado ao “grupo da
Deltec”. A reorganização do CICYP na década de 1960, ao que tudo indica, foi resultado da atuação de
representantes do capital financeiro, interessados em promover profundas transformações na América
Latina. No início de 1965, uma carta de George Moore a Gilbert Huber, que então ocupava a vice-
presidência da seção brasileira, esclarece algumas das realizações e expectativas desse grupo:

930 Em julho daquele ano, Smithies tinha se tornado vice-presidente executivo do USIAC (Carta circular, 15/07/1964). No
Council for Latin America (CLA), que reuniu USIAC, LAIC e BGLA, Smithies ocuparia o mesmo cargo, ao lado de Enno
Hobbing (que vinha do LAIC).
931 Os outros membros da comissão executiva do CICYP eram: Alfredo C. Gabrielli (Argentina), Ricardo Sagrera (El
Salvador), Eustaquio Escandon (Mexico) e John P. Phelps, Jr. (Venezuela) (Carta, 08/01/1965). Segundo Dreifuss (1986, p.
163-164), sob a presidência de Moore o CICYP “entrou numa fase de grande atividade”: nos primeiros anos da década de
1960, o orçamento anual da organização superou o dobro da receita dos anos anteriores. Um secretariado, que “contava com
renomados especialistas em problemas econômicos e sócio-políticos do hemisfério” foi organizado, dando ênfase “aos
trabalhos de pesquisa, análise e formulação de opções e estratégias econômicas”, que serviam como “guias de ação”. Em
1967, Roberto Campos, que acabara de deixar o cargo de ministro do Planejamento do Brasil (1964-1967), assumiu a
presidência do CICYP. John Phelps, William Barlow e Eustaquio Escandon foram eleitos vice-presidentes (DREIFUSS,
1986, p. 166). Dreifuss (1987, p. 425) destaca que Campos foi “figura central para a formação do pensamento econômico da
administração de Castello Branco” e que o “Ministério do Planejamento transformou-se no ministério civil mais importante
da primeira administração depois do golpe de 1964”.
553

Caro Luke932. Eu gostaria de, por meio desta, retomar as nossas comunicações
informais, que foram iniciadas logo após você me honrar com a eleição como seu
presidente do CICYP. (…) As conquistas do ano passado incluem as seguintes: 1)
Apesar dos problemas das distâncias que nos separam, das falhas de estruturas de
comunicação e das pressões que cada um de nós enfrenta diante de nossos negócios e
de questões pessoais, nós conseguimos obter um maior grau de homogeneidade e
unidade. Isso, em parte, reflete não apenas um maior senso de urgência e valorização
do potencial do CICYP, mas também a programação e realização de reuniões mais
frequentes933. 2) (…) estabelecemos (…) três comitês consultivos: sobre Política
Econômica, Empresa Privada e Finanças e Operações. Esses são, respectivamente,
presididos por Rómulo Ferrero, Gustavo Vollmer e John D. J. Moore 934.(…) 3. A
composição das seções nacionais existentes foi expandida ou rejuvenescida e novas
seções foram criadas. Isso significou uma melhoria não apenas da representatividade
de nossa organização, mas também de sua importância. Eu me refiro, particularmente,
aos desenvolvimentos na Argentina, Colômbia, República Dominicana, Peru e
Venezuela. (…) 6) Bases foram estabelecidas para a realização de importantes estudos
econômicos, de forma conjunta, pelo CICYP e pelo Committee for Economic
Development [CED]935 (…). 9) Nos importantes triunfos das forças democráticas,
anticomunistas, no Brasil e no Chile durante o ano passado, as seções do CICYP
tiveram um papel importante936. (…) A satisfação diante das conquistas acima expostas
deve ser suavizada com a consciência dos problemas que seguem existindo. Entre

932 Luiz Nuñez, representante da Deltec na Argentina, também se referia a Huber utilizando esse apelido (Carta,
24/07/1961).
933 Da reunião da comissão executiva do CICYP realizada entre 29 de setembro e 2 de outubro de 1964 em Nova Iorque e
Washington, participaram os seguintes representantes: Argentina (José Martínez de Hoz, Alfredo Carlos Gabrielli, Eduardo
L. García, Carlos Mihanovich), Brasil (Charles Edgar Moritz, Paulo Ayres Filho, Alberto J. Byington Jr., José Octavio
Knaack de Souza – irmão do coronel Geraldo Knaack de Souza, mencionado no capítulo 7 –, Paulo Godoy, general Pedro
Geraldo de Almeida – o Pedro “Malasartes”, mencionado no capítulo 6 –, Paulo Barbosa e Antônio Suplici Souza),
Colômbia (Alberto Samper, Hernán Echavarria, Jaime Córdoba), Chile (senador Pedro Ibáñez, Ernesto Ayala Oliva, Agustín
Edwards, Carlos Urenda Zegers), República Dominicana (Horácio Alvarez, Homero Hoepelman, Manuel Imbert), Equador
(Hugo Suárez Baquerizo, César Arcentales), México (Eustáqui Escandón, Agustín Legorreta, Antonio Ruiz Galindo Jr.),
Peru (Rómulo A. Ferrero, Carlos Mariotti), Uruguai (Jorge Peirano Facio, Carlos Ons Cotelo), Venezuela (John P. Phelps,
Jr., Eugenio Mendoza, Gustavo Vollmer, Ricardo Zuloaga, Ivan Lansberg, José Antonio Olavarrio, Alfredo Anzola), Estados
Unidos (George S. Moore, James S. Kemper, John D. J. Moore, Henry W. Balgooyen, Igor Gordevich, G. A, Costanzo,
Harry Conover, John T. Smithies, Robert D. Bailey, William Barlow, Rionda Braga, Robert Boomer, F. E. Grimes, F. J.
Harkins, F. E. Hasler, Bill Huges, Chas. E. Rance, J.A.W. Richardson, R. T. Turner) (Boletim Informativo, fevereiro 1965).
934 Do comitê presidido por Gustavo Vollmer, da Venezuela, também participavam: Carlos Mihanovich (Argentina),
Alberto J. Byington Jr. e Gilberto Huber (Brasil), Hernán Echavarria (Colômbia), Agustín Edwards e Carlos Urenda Zegers
(Chile) (Boletim Informativo, fevereiro 1965). Vollmer, Echavarría e Edwards eram também vinculados à Deltec
Panamerica (DAUPHINOT, 1967, p. 50-60).
935 A respeito, Dreifuss (1986, p. 164-165) afirma: “um esforço conjunto com o CED, que ganhou ímpeto (…) em 1964,
por iniciativa do CICYP, visava à realização de estudos e projetos sobre as questões econômicas da América Latina (…).
Empenhado, por sua vez, num estudo dos principais fatores de aceleração ou estagnação econômica dos países menos
desenvolvidos, o Subcomitê de Política de Desenvolvimento do CED acolheu com entusiasmo a colaboração proposta. E
imediatamente solicitou e obteve sete estudos preparados pelo CICYP sobre a situação na Argentina, no Brasil, na
Colômbia, no Chile, no México, no Peru e na Venezuela. As seções nacionais do CICYP assumiram a responsabilidade
direta pela redação final dos estudos, contando com a colaboração de figuras de proa do mundo empresarial e político para a
realização dos esboços iniciais sobre os países em questão”.
936 No caso do Chile, Moore se refere às eleições vencidas por Eduardo Frei Montalva, que derrotou o candidato de
esquerda, Salvador Allende, com apoio de empresários e do governo dos Estados Unidos (o que será comentado no próximo
capítulo). Um dos principais líderes empresariais envolvidos nessa campanha, assim como no golpe contra o governo
Allende, na década de 1970, era Agustín Edwards que, como visto anteriormente, era ligado à Deltec Panamerica e à seção
chilena do CICYP. Sobre a atuação de Edwards, ver Dreifuss (1986, p. 214-238).
554

estes, os mais notáveis são: (…) 2) Apesar das repetidas resoluções e declarações de
apoio do CICYP à ALALC [Associação Latino-Americana de Livre Comércio] 937, esta
última, após mais de quatro anos de existência, está basicamente inerte. Todos os
membros das seções nacionais, sejam ou não dos países membros da ALALC, têm um
interesse fundamental na realização do objetivo da ALALC de estimular o
desenvolvimento econômico sustentado e competitivo da região, através de redução
rápida e remoção definitiva de barreiras ao comércio e a aos investimentos. Os Estados
Unidos e outros governos e o setor privado repetidamente têm apoiado esses objetivos.
(…) (…) Chegou o momento de termos foco específico e concentração em um
programa de ação administrável. (…) Tenho convicção de que a promoção de um
mercado integrado, mais livre, deveria ter a máxima prioridade em nosso trabalho no
futuro imediato. (…) (Carta, 08/01/1965).

Alguns dos objetivos do CICYP eram também objetivos do IPES938 – o que não surpreende, já
que Huber e Paulo Ayres foram líderes das duas organizações 939. Ainda assim, a seção brasileira do
CICYP e a do IPES não se confundem. A complexa ação política desse instituto – que dirigiu uma
campanha “contra o Executivo, a esquerda e o trabalhismo” no Brasil, e conseguiu “reduzir o espaço
político do governo [Goulart] para manobras”, enquanto participava da preparação de “um golpe
estratégico militar” (DREIFUSS, 1987, p. 483) – será analisada no próximo capítulo.

937 A ALALC, cujos membros eram Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru,
Uruguai e Venezuela, foi criada a partir da assinatura do Tratado de Montevidéu, em fevereiro de 1960. Seu objetivo era
“acelerar o desenvolvimento econômico da região”, ampliando as dimensões dos mercados e coordenando os planos de
desenvolvimento dos países. Buscava-se uma “progressiva complementação e integração, para se chegar a um mercado
comum latino-americano”. Em 1980 ela foi substituída pela ALADI (Associação Latino-Americana de Integração)
(DATHEIN, 2005).
938 Como registrou Dreifuss (1987, p. 452), o IPES “esforçou-se seriamente para promover a integração do comércio entre
os países latino-americanos e empenhou-se para estimular a consolidação das Associação Latino-Americana do Livre
Comércio – ALALC”: “Em agosto de 1964, Gilbert Huber Jr. fez um relato [em reunião do IPES] sobre os seus
entendimentos nos Estados Unidos com Alfred C. Neal, do CED. Naquela ocasião, a agenda de uma futura discussão entre o
IPES, a Fundação Ford e os membros do CED estava preparada. Os objetivos prioritários visavam a eliminar os obstáculos
impostos ao comércio interno entre países latino-americanos. Para tornar essa proposta operacional, duas metas foram
discutidas: a pesquisa do comércio potencial dentro da América do Sul, até mesmo a ponto de complementar as economias
dos diversos países, e o desenvolvimento de ligações rodoviárias entre os vários sistemas nacionais de transporte dos países
sul-americanos, vistas como um incentivo ao comércio e ao turismo” (DREIFUSS, 1987, p. 477, nota 148).
939 Essa relação ainda precisa ser meis bem analisada, a partir dos documentos não explorados do fundo CICYP no
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
555

CAPÍTULO 10 – O COMPLEXO IPES/IBAD/SEI EM AÇÃO

Os democratas devem combater o comunismo com prioridade e por todos os meios,


pois uma democracia que não se defende é uma democracia suicida.
- Antônio Devisate, presidente da CIESP/FIESP, 1961.

Consideramos que, sem nenhum exagero, o IPES é a última esperança de salvar o


Brasil de uma catástrofe
- Wladimir Lodygensky, 1962.

Em 1963 (...), eu e ele [Ulhôa Cintra] passamos a conspirar juntos.


- General Antônio Carlos da Silva Muricy, 1993 .

A criação do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais representou um momento


qualitativamente novo da ação de classe dos representantes dos interesses multinacionais e associados
no Brasil. Rapidamente, o IPES se tornou o grande centro irradiador de um projeto político abrangente,
o qual visava uma ruptura conservadora do Estado brasileiro. Para levá-lo adiante, o instituto
coordenou uma grande diversidade de ações, que também foram executadas por organizações
congêneres. Como destacou Dreifuss (1987, p. 163), desde o início, “o IPES desenvolveu uma dupla
vida política”:

Sua face pública mostrava uma organização de “respeitáveis homens de negócio” e


intelectuais, com um número de técnicos de destaque, que advogavam “participação
nos acontecimentos políticos e sociais e que apoiavam a reforma moderada das
instituições políticas e econômicas existentes”. Seu objetivo ostensivo era “estudar as
reformas básicas propostas por João Goulart e a esquerda, sob o ponto de vista de um
tecno-empresário liberal”. Publicamente, “para realçar ainda mais a sua fachada”, o
IPES apresentava-se como uma “organização educacional”. Conforme uma versão de
seu documento básico, A responsabilidade democrática do empresário, distribuído
entre recrutas potenciais, o IPES foi instituído como uma “agremiação apartidária com
objetivos essencialmente educacionais e cívicos”. Além disso, segundo o documento, o
IPES seria orientado por “dirigentes de empresas e profissionais liberais que
participam com convicção democrática, como patriotas e não como representantes de
alguma classe ou de interesses privados (…). Para realçar ainda mais a sua fachada, o
IPES era apresentado (por sua liderança) entre o grande público, como uma
organização educacional, que fazia doações para reduzir o analfabetismo das crianças
pobres – e como um centro de discussões acadêmicas. O lado encoberto coordenava
uma sofisticada e multifacética campanha política, ideológica e militar. Os fundadores
556

do IPES, avidamente dedicados à manipulação de opiniões e guerra psicológica,


organizavam e recrutavam um núcleo de 50 membros, cada um encarregado de trazer
cinco outros, e eles, por sua vez, outros cinco. Eles concordavam em conduzir tanto as
operações públicas, quanto as encobertas. Algumas pessoas do grupo de fundadores
consideravam que o IPES deveria ser uma organização inteiramente clandestina, mas
foi argumentado que, em função da natureza, das tarefas por vir, seria mais sensato
operar também com o conhecimento do público. As operações secretas e discretas da
burguesia insurrecional eram executadas por forças-tarefa especializadas, unidades de
ação, grupos com codinomes e subsidiários (DREIFUSS, 1987, p. 163-164).

Dreifuss (Id., p. 164), afirma que o Instituto Brasileiro de Ação Democrática – apresentado no
capítulo 8 – “agia como uma unidade tática e o IPES operava como centro estratégico, sendo que o
IBAD e outras organizações subsidiárias e paralelas tomavam a si a maior parte do insucesso (ou
glória) por atividades secretas, expondo-se muito mais do que o IPES”. Esses grupos paralelos
escoravam “grupos e organizações contingentes e com objetivos específicos e limitados, quando se
fizesse necessário”. Buscando aproximar os diferentes grupos contrários a Goulart, que atuavam
isoladamente, foram instituídas “organizações de cobertura para operações encobertas (penetração e
contenção) dentro dos movimentos estudantis e operários”. Encorajou-se a mobilização dos
camponeses e se estabeleceu “uma bem organizada presença política no Congresso”, alcançando a
coordenação de “esforços de todas as facções de centro-direita em oposição ao governo e à esquerda
trabalhista”, assim como “um efetivo controle da mídia audiovisual e da imprensa de todo o país”.
Neste capítulo, demonstraremos como outra organização, a Sociedade de Estudos
Interamericanos (SEI), apresentada no capítulo 7, participou dessa “divisão do trabalho” entre o IPES e
o IBAD, podendo também ser considerada uma “unidade tática” 940. Conforme será detalhado a seguir, a
maior parte das atividades do IPES voltadas à mobilização de estudantes, sindicatos urbanos e rurais,
setores intelectuais, entidades cívicas diversas e grupos de mulheres foi organizada e supervisionada
pela SEI. As relações que essa organização mantinha com setores da Igreja Católica, com policiais e
militares influentes nos aparatos repressivos brasileiros e com integrantes do Ministério das Relações
Exteriores, assim como a estrutura – em termos de recursos materiais e humanos – que tinha a seu
dispor, deram importante contribuição à atuação do IBAD e do IPES. Na divisão de tarefas, o IBAD
esteve encarregado da atuação junto ao Congresso, aos partidos e lideranças políticas, da interferência

940 Dreifuss (1987, p. 169-170) identificou a SEI como uma das organizações “congêneres do IPES, no sentido de que elas
compartilhavam perícia e fundos, cooperavam em esforços conjuntos e tinham, em certos casos, concomitância de membros
individuais e corporativos”. Mas ele não pôde apresentar um histórico e as atividades desempenhadas pela SEI, por falta de
documentos disponíveis à época.
557

durante as eleições de 1962, da mobilização de militares (especialmente da reserva), de algumas


iniciativas sindicais e de parte significativa da propaganda anticomunista de massa, veiculada em suas
publicações e por seus programas de rádio, com alcance nacional. Por estas razões, à expressão criada
por Dreifuss (“complexo IPES/IBAD”) deve-se acrescentar a SEI, pela importância desta entidade para
a atuação da burguesia multinacional e associada naquele período.
Este capítulo visa apresentar algumas das ações do complexo IPES/IBAD/SEI ainda
desconhecidas ou sobre as quais persistem lacunas na historiografia, partindo do princípio de que boa
parte das atividades destas organizações já foi analisada por René A. Dreifuss e em outras pesquisas
posteriores, não havendo necessidade de repetir aquilo que já se sabe sobre o tema – especialmente
sobre a caracterização do IPES941. O que aqui se pretende demonstrar é que o IPES apoiou seu trabalho,
em grande medida, em recursos e atividades já desenvolvidas pelo IBAD e pela SEI desde a metade da
década de 1950. Com isso, o instituto pôde focar suas ações na mobilização dos setores mais
importantes da burguesia multinacional e associada e de influentes lideranças militares, em torno de seu
projeto. Importante observar que essa atuação se desenvolveu em uma conjuntura de “grave crise da
forma de dominação política classista” até então existente no Brasil:

(…) a concepção de ordem socioeconômica defendida pela aliança de classes que


vinha sustentando o regime democrático – traduzida partidariamente na coalizão do
Partido Social Democrático (PSD) com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – se
encontrava ameaçada em, pelo menos, três aspectos. Em primeiro lugar, na sua
capacidade de proporcionar a base material para a aproximação política de setores da
burguesia e da classe trabalhadora. (…) Em segundo lugar, pelas crescentes pressões
imperialistas contra suas nuances nacionalistas e reformistas, exercidas, diretamente,
pela ação do governo dos Estados Unidos da América (…). Em terceiro lugar, pelo
aprofundamento de transformações que vinham ocorrendo na estrutura das relações
sindicais, desde meados da década de 1950 (LEMOS, 2014, p. 123).

Em capítulos anteriores, vimos avaliações de oficiais do governo norte-americano que


expressam essa ideia, embora sem se referir a uma “crise de dominação de classe”. Os partidos e o
sistema político brasileiro foram avaliados como incapazes de absorver as crescentes demandas
populares e das classes médias, resultantes de transformações históricas do capitalismo na América

941 Para maiores informações, consultar: BORTONE (2018), GONÇALVES (2016) e RAMÍREZ (2005).
558

Latina, que traziam à tona inúmeras contradições e tensões sociais 942. Outra observação necessária é a
de que a crise interna brasileira sofreu também os efeitos da “crise da dominação imperialista na
América Latina, com a eclosão da Revolução Cubana em 1959 e o anúncio da sua orientação socialista,
em 1961”:

A prevenção da possibilidade de expropriação da propriedade urbana e rural, de


substituição das forças armadas regulares por milícias populares, de alçamento de
organizações dos trabalhadores ao poder estatal etc. tornou-se item do programa
contrarrevolucionário de um campo político progressivamente mais reforçado e nítido.
Assim, a propaganda contra Goulart e a democracia da Constituição de 1946 se
alimentou dos temas da contrarrevolução internacional (LEMOS, 2014, p. 124).

Como veremos a seguir, para enfrentar essa crise, uma das principais decisões do governo
Kennedy foi aumentar o número e o alcance das operações encobertas das agências norte-americanas
na América Latina, tornando-as um instrumento muito importante da política externa dos Estados
Unidos com relação ao Brasil.

10.1 Governo Kennedy: o crescimento das operações encobertas

No início de 1961, John F. Kennedy assumiu a presidência dos Estados Unidos disposto a
representar uma mudança na política norte-americana. Ele designou McGeorge Bundy 943, ex-professor

942 Como visto no capítulo 1, em 1953, início do governo Eisenhower, o National Security Council (NSC) considerava que
as classes dirigentes latino-americanas eram incapazes de atender as demandas populares por reformas sociais, em um
cenário de rápidas transformações, as quais os estrategistas norte-americanos relacionavam aos processos de independência
das nações latino-americanas durante os séculos XIX e XX. Em 1955, o conselheiro da embaixada dos EUA, William C.
Trimble, identificava uma “perda de confiança na autoridade pública constituída”, resultante de graves problemas
econômicos e financeiros, do rápido crescimento da classe operária e do baixo padrão de vida da população. No final da
década de 1950, o NSC avaliava que a crise de instabilidade política e econômica vivida por muitos países da América
Latina – entre eles o Brasil – resultava de uma “revolução de expectativas crescentes”, cujas origens o órgão decisório
máximo do governo norte-americano atribuía ao período do final da Segunda Guerra Mundial. No final de 1957, o
embaixador Ellis O. Briggs avaliou que “a revolução social” estava em estado latente no Brasil, “desde que os escravos
foram libertados e o Império desmoronou, setenta anos atrás”, e alertava para o fato de que “a revolução provavelmente não
ocorrerá em 1958, mas os ingredientes estão aí, fermentando perigosamente”.
943 Oriundo de uma família da “aristocracia brâmane” de Boston (tal como John M. Cabot, apresentado no capítulo 2),
McGeorge – e seu irmão William, operativo da CIA por 40 anos – “desfrutaram de todos os privilégios e oportunidades do
establishment americano”. Formados em Groton, Yale e Harvard, estes “dois aristocratas foram educados para o serviço
559

da Harvard University, como seu principal conselheiro sobre temas de segurança nacional, e Walt W.
Rostow944, economista professor do MIT, também como assessor da Casa Branca. Apresentou uma
“nova geração de liberais” para assessorá-lo sobre temas latino-americanos, como Edwin M. Martin 945,
o professor da Columbia University Arthur Schlesinger Jr.946 e o advogado Richard Goodwin. Mas um
olhar mais atento ao perfil dos principais integrantes do governo Kennedy revela a ausência de
transformações profundas no staff governamental. Na verdade, o perfil do círculo de assessores mais
próximos de Kennedy, assim como o de seus principais secretários de Estado, corresponde ao mesmo
grupo de financistas, advogados e diplomatas que dominaram a política externa norte-americana desde
o início da Guerra Fria.
Este grupo era chamado de “O Establishment” e incluía alguns dos mais famosos estrategistas
da Guerra Fria, como Dean Acheson, Averell Harriman, Charles Bohlen, Robert Lovett e George
Kennan, considerados como os “arquitetos do século americano”. Embora tivessem opiniões diferentes,
eles partilhavam de uma mesma visão de mundo, comprometida com o internacionalismo, a liderança
americana e a contenção do comunismo. Tratava-se de um grupo bipartidário, composto por
republicanos e democratas (ISAACSON e THOMAS, 2013, p. 12). Robert Lovett, banqueiro e

público”, à semelhança de seu pai, que foi subsecretário de Estado do governo Herbert Hoover (1929-1933). Ambos os
irmãos foram “treinados como oficiais de inteligência durante a Segunda Guerra Mundial”, pioneiros na decifração de
códigos nazistas. William Bundy tornou-se um dos principais assessores de Allen Dulles, enquanto McGeorge Bundy
trabalhou como professor da Escola de Governo de Harvard. “Anticomunista liberal”, Bundy “entregou alguns professores
de Harvard que se recusaram a colaborar com o FBI” no período macartista (1950-1957) (BIRD, 2017, p. 12-17).
944 Um dos desenvolvedores da “teoria da modernização”, autor do livro “A etapas do crescimento econômico: um
manifesto não-comunista” e da Operação Ranch Hand, que determinou o uso de armas químicas (agente laranja) na Guerra
do Vietnã (1961-1975).
945 Martin, formado em Ciência Política pela Northwestern University, ingressou no governo em 1935 como economista.
Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu no War Production Board. Entre 1944 e 1945, foi oficial da OSS. Após a guerra,
assumiu várias funções no Departamento de Estado, quase sempre em setor de análise econômica. Foi indicado como
secretário de Estado adjunto de assuntos interamericanos no início de 1962. Conforme informações biográficas disponíveis
no catálogo de seus documentos pessoais da biblioteca presidencial John F. Kennedy: https://www.jfklibrary.org/asset-
viewer/archives/EMPP. Acesso 30 novembro 2019.
946 Schlesinger Jr. não via contradição entre ser um liberal e colaborar com a CIA. Ele afirmava que “a influência da CIA
não foi sempre nem frequentemente reacionária e sinistra”, acrescentando que, “em minha experiência, sua liderança era
politicamente esclarecida e sofisticada” (SCHLESINGER apud SAUNDERS, 2008, p. 15). Schlesinger não era o único a
pensar assim. Outro oficial da CIA, Edmond P. Taylor, concunhado de Wladimir Lodygensky (ver capítulo 7) dizia que “não
é verdade, até onde eu saiba, que nós – incluindo a CIA – consistentemente apoiemos reacionários ou elementos
extremamente conservadores em detrimento de todos os outros. Na verdade, a preferência geralmente é em relação a liberais
honestos que defendem aquilo que podemos chamar de visão americana sobre os seus problemas locais, não apenas no
sentido de que são pró-americanos, mas que eles veem as coisas com olhos americanos, ou pelo menos discutem esses
problemas no jargão atual e elegante (fashionable) americano. Exemplos disso são os nossos dois mascotes (pets) no norte
da África, Bourghiba e Yazid. Ambos têm um bom caráter e o norte da África certamente seria uma parte mais saudável do
mundo se a influência deles fosse maior, mas nenhum deles na minha opinião é totalmente confiável” (Carta, Taylor para
Max Ascoli, 07/07/1961). De fato, a CIA nunca apoiou apenas “reacionários e conservadores”, mas também muitos setores
anticomunistas liberais, moderados, com o objetivo de isolar os comunistas e criar uma barreira à sua influência. Um dos
grandes exemplos disso foi o Congresso pela Liberdade da Cultura, que será apresentado mais adiante.
560

financista de Wall Street e secretário de defesa do governo Truman, indicou os nomes de vários dos
principais integrantes do governo Kennedy, a exemplo do Secretário de Estado Dean Rusk 947, do
Secretário de Defesa Robert McNamara, ex-presidente da Ford Motor Company, e McGeorge Bundy
(HALBERSTAM, 2001). Kennedy tinha um “tremendo respeito por este grupo”, e em momentos de
crise, “os atores dominantes não eram os melhores e mais brilhantes homens da ‘nova geração’ de
Kennedy, mas sim os veteranos cavalos de guerra de Harry Truman” (ISAACSON e THOMAS, 2013,
p. 84). A administração Kennedy era muito mais comprometida com “O Establishment”, representantes
da tradicional política estadunidense, do que com uma equipe de idealistas inovadores em matéria de
política externa948.
Estes acabariam perdendo espaço logo no início de seu governo. O subsecretário de Estado
Chester W. Bowles, um defensor do New Deal, foi afastado do cargo em novembro de 1961, sendo
substituído por George W. Ball, um economista “a quem faltava um entusiasmo genuíno por programas
de massiva assistência financeira” como a Aliança para o Progresso e que havia desenvolvido “um
nascente cinismo sobre assistência financeira em geral e desenvolvimento econômico em particular”
(DILEO, 1991, p. 40)949. Como afirmou Halberstam (2001, p. 90), Kennedy “precisava de liberais para
tarefas internas”, mas em termos de política externa, “era essencial ter homens que inspirassem
confiança, e isso os liberais não podiam fazer”:

947 Rusk lutou na Coreia, durante a Segunda Guerra Mundial. Após a guerra, tornou-se o principal assessor do Secretário
de Estado do governo Truman, Dean Acheson, sobre temas do Extremo Oriente. Desempenhou um papel importante na
decisão de apoiar a Coreia do Sul na guerra da Coreia. Durante o período Eisenhower, foi presidente da Fundação
Rockefeller. (The New York Times, 22/12/1994).
948 Outro exemplo de seu comprometimento com a tradicional política norte-americana foi a nomeação de Adolf Berle Jr.,
velha raposa da política americana, para liderar a força-tarefa que criou o programa da Aliança para o Progresso, como
mencionado no capítulo anterior.
949 Ball era formado pela Northwestern University, e trabalhou em um escritório de advocacia, nos anos 1930, que
pertencia ao famoso político e diplomata Adlai Stevenson, de quem Ball se tornou um “protegido”. Entre 1944 e 1945,
trabalhou na equipe de Pesquisa em Bombardeamento Estratégico em Londres. Após a guerra, colaborou com o governo
francês em seu plano de recuperação econômica através do Plano Marshall, como responsável pela negociação de tratados
de comércio com outros países europeus. Ele desempenhou um papel fundamental na integração europeia e “dirigiu
pessoalmente a transformação da política comercial dos EUA no início dos anos 1960”. Ele também foi um dos fundadores
do grupo de Bilderberg”, uma “congregação de algumas das figuras mais influentes da Europa e dos EUA”, que se reunia
anualmente para discutir privadamente grandes questões políticas e econômicas”. Foi através do grupo de Bilderberg que
Ball “estabeleceu os contatos internacionais com pessoas que forneciam informação a ele e o apoiaram ao longo de sua
carreira, estivesse ele dentro ou fora do governo”. Ball tinha um “compromisso com a primazia das corporações
multinacionais” e defendia “um intervencionismo internacional agressivo” dos EUA, sendo, por isso, alvo de críticas da
esquerda americana (BILL, 1997, p. xv-vxi). Foi o principal articulador da campanha do democrata Adlai Stevenson à
presidência, durante as eleições de 1952 e 1956. Em depoimento a um comitê do Senado americano que debateu os
programas de assistência financeira ao exterior, Ball declarou que “o impulso desses programas, tanto quanto possível,
devem ser auxiliar o mundo subdesenvolvido a resistir às pressões sobre eles exercidas pelo mundo comunista”. Ball
acreditava que os programas de assistência financeira criavam “expectativas irrealizáveis de progresso industrial, cultural e
social” (DILEO, 1991, p. 40).
561

A não ser que, logo ao tomar posse, eles [os liberais] dissipassem as suspeitas adotando
medidas excepcionalmente duras na Guerra Fria, eles serão suspeitos de uma
tendência, ainda que subjetiva, tendente a uma conciliação com os comunistas. O
menor gesto de entendimento [com a URSS] irá confirmar esta desconfiança. Assim, as
administrações liberais devem colocar conservadores para tratarem de questões de
política externa (…) (HALBERSTAM, 2001, p. 1).950

O governo Kennedy foi responsável pela escalada da participação dos EUA na guerra do Vietnã
e por interferências na política interna de países da América Latina 951. Como afirmou Stephen Rabe
(2003, p. 6), a julgar “pelo que Kennedy foi e fez, e não pelo que se dizia sobre ele”, não houve
“nenhuma reavaliação fundamental da política externa norte-americana, [que] se manteve atrelada aos
fundamentos do pensamento da Guerra Fria”952. Charles Maechling, que trabalhou no governo Kennedy
com o planejamento de ações de contrainsurgência, afirmou que, durante os poucos anos do governo
Kennedy, a “obsessão com a guerra subliminar, engendrada e fomentada pelos fanáticos da Guerra Fria
integrantes da comitiva do presidente, e apoiada por seu irmão, o procurador-geral Robert Kennedy,
dominou a agenda de segurança nacional”953. Até mesmo o seu programa de reformas sociais para a
América Latina, a Aliança para o Progresso, foi utilizado como instrumento de intervenção política954.
950 Halberstam destaca que a imagem de um Kennedy liberal foi construída com a contribuição de autores como
Schlesinger Jr. e Theodore Sorensen, que escreveram sobre o período Kennedy enfatizando os aspectos liberais do
presidente.
951 Por exemplo, segundo fontes do governo norte-americano, foi o liberal Richard M. Goodwin, assessor de Kennedy para
temas latino-americanos, que em março de 1962 foi um dos primeiros a sugerir a ideia de apoiar o Partido Democrata
Cristão chileno para diminuir a força eleitoral dos partidos de esquerda no país, especialmente das organizações que
apoiavam Salvador Allende (Memorando, J.C. King para McCone, 03/01/1964).
952 A discussão feita neste capítulo não esgota os inúmeros aspectos da transição Eisenhower-Kennedy possíveis de serem
analisados, tampouco busca apagar as diferenças existentes entre as duas administrações.
953 Rosenau (2005, p. 84) destaca que, com relação à assistência às forças de segurança interna de países estrangeiros,
componente fundamental da estratégia de contrainsurgência da administração Kennedy, houve “muito mais continuidade”
do que mudanças em relação ao governo Eisenhower: “em termos operacionais (…), pouca coisa mudou. Assim como na
era Eisenhower, Washington enviou conselheiros americanos ao exterior para treinar forças civis em técnicas investigativas,
administração, controle de multidões, e outras habilidades, ainda que em maior escala. Da mesma forma que Eisenhower,
esperava-se que tal experiência contribuísse à construção das nações do mundo em desenvolvimento. Por último, Kennedy,
assim como Eisenhower, considerava a segurança interna como uma responsabilidade basicamente local. Assim como seu
predecessor, Kennedy buscou evitar comprometer o envio de tropas americanas, preferindo apoiar as forças autóctones. As
maiores mudanças entre os dois governos foram administrativas e retóricas por natureza”.
954 Como afirmou Gonçalves (2016), o programa da Aliança para o Progresso, desde a sua concepção, fundamentava-se em
uma abordagem contrarrevolucionária preventiva, buscando conter a influência da revolução cubana. Segundo Loureiro
(2017), foi uma “Aliança para poucos”. Betfuer (2019) analisou como a Aliança para o Progresso funcionou como uma
ferramenta de apoio a políticos conservadores no estado de Pernambuco. Tyvela (2001, p. 301) analisa o caso da política dos
EUA em relação ao ditador paraguaio Strossner, demonstrando que o caso do Paraguai foi outro exemplo de que os oficiais
do governo Kennedy “abandonaram a sua agenda de promoção de reformas políticas e democráticas que caracterizou a
criação da Aliança para o Progresso”: “devido à durabilidade do anticomunismo como a estrutura primária através da qual
os EUA disputaram a Guerra Fria na América Latina, os formuladores da política de Kennedy rapidamente reinterpretaram a
promoção da democracia não como a solução para os difíceis problemas da instabilidade política na região, mas, ao
contrário, como a sua causa central”.
562

A política de Kennedy apoiou-se em grande medida em instrumentos encobertos, debatidos e


aprovados em instâncias governamentais sigilosas. Prados e Jimenez-Bacardi (2019) esclarecem que as
operações encobertas da CIA eram “um elemento de proa do poder da política exterior dos EUA”, mas
a agência “não era uma atiradora solitária, disparando a esmo, por si só”. Existia um “grupo inter-
agências sênior dentro do governo dos Estados Unidos que agia como o alto comando da guerra
secreta”. A instância de discussão e aprovação de operações encobertas funcionava como um subcomitê
do Conselho de Segurança Nacional (NSC). Como sua criação havia sido autorizada pelo presidente
Eisenhower através da instrução política NSC 5412/2, esse subcomitê passou a ser conhecido como
Grupo 5412, Comitê 5412 ou Grupo Especial (Special Group)955. O governo Kennedy contava ainda
com outro organismo, criado no período Eisenhower, no qual eram discutidas ações encobertas: o
President’s Foreign Intelligence Advisory Board (PFIAB), apresentado no capítulo 2. Embora não
tivesse poder decisório, era um comitê de aconselhamento sobre operações encobertas designado pelo
próprio presidente, composto por empresários e diretores de universidades, para supervisionar em seu
nome as ações da CIA. A agência apresentava muitas de suas atividades para esse grupo, mas há “muito
pouca informação disponível ao público” sobre ele (ABSHER et al, 2010, p. 173).
No início de 1961, o PFIAB recomendou ao presidente Kennedy que os embaixadores fossem
plenamente informados das atividades da CIA nos países em que atuavam. Sendo aceita, a sugestão
levou à criação do conceito de country team, já apresentado no capítulo 3. De acordo com Prados
(2006, p. 292), “o grau de controle que o embaixador deveria ter sobre as operações da CIA” tinha sido
um tema delicado por anos. Depois de um estudo realizado em 1958, Eisenhower tinha dado
“autonomia virtualmente completa” à CIA: “os agentes secretos, não os diplomatas, sentavam no banco
do motorista”. A partir da decisão de Kennedy, a CIA participaria dos conselhos da embaixada, mas o
embaixador seria a principal autoridade956.
955 De acordo com a instrução presidencial, deveriam participar desse subcomitê apenas os secretários adjuntos de Estado e
de Defesa, além de um assessor do presidente e de um representante da CIA designado pelo seu diretor, ou o próprio diretor
da agência. Durante o governo Kennedy, o Special Group 5412 foi presidido por McGeorge Bundy (Chronology of the 40
Committee, 1973). Depois que um autor identificou a existência desse subcomitê, tornando pública a sua existência, o
governo Johnson alterou o nome do grupo para Comitê 303 (303 Committee), mantendo as mesmas funções,
responsabilidades e integrantes (FRUS, 1964-1968, “Note on covert actions”, 2001). No período dos governos Eisenhower,
Kennedy e Johnson, este foi o grupo encarregado pela revisão, supervisão e aprovação dos programas de operações
encobertas iniciados pela CIA (FRUS, 1964-1968, “Note on covert actions”, 2001). Conforme Prados e Jimenez-Bacardi
(2019), “as propostas de operações encobertas originavam-se de diferentes fontes. O que viria a se tornar a operação da Baía
dos Porcos se iniciou com o próprio presidente dos EUA. Embaixadores, chefes de estação, o diretor da CIA, o diretor
adjunto de planos (DD/P), as divisões de área do DD/P, os departamentos de Estado e Defesa, todos poderiam sugerir
operações encobertas. Propostas oriundas de fora da CIA frequentemente surgiam inicialmente no Special Group”.
956 Em julho de 1961, o Secretário de Estado, Dean Rusk informava que uma instrução recentemente aprovada pelo
Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos atribuía aos chefes de missão diplomática a “responsabilidade pela
coordenação de todas as obrigações ostensivas e clandestinas” (Instrução A-364, 27/06/1961, itálicos meus). Décadas mais
563

Os critérios para a apresentação de um projeto de operação encoberta ao Special Group 5412,


de acordo com um memorando produzido pela CIA, eram a existência de uma “situação politicamente
delicada (political sensitivity)”957 e o envolvimento de “somas atípicas de dinheiro”. Seria o caso dos
“programas de ações políticas e de propaganda” que envolvessem “ação direta ou indireta para
influenciar ou apoiar partidos políticos, grupos ou líderes políticos específicos”, incluindo “operações
que utilizam organizações sindicais, de juventude, estudantes e militares influentes como grupos de
pressão política”. E também o dos “programas de ação econômica destinados a influenciar governos a
apoiarem os objetivos políticos nacionais dos EUA”, ou para “evitar que países do bloco soviético
obtivessem vantagens político-econômicas estratégicas em países ou áreas de importância para a
estratégia global dos EUA” (Memorando, CIA, 23/02/1967).
Um memorando da CIA apresenta o número de operações encobertas aprovadas entre 1949 e
1967. Durante o governo Truman, entre 1949 e 1952 foram aprovados oitenta e um projetos. No
governo Eisenhower, entre 1953 e janeiro de 1961, foram cento e setenta. Durante o governo Kennedy
(janeiro de 1961 a novembro de 1963), o Special Group 5412 aprovou cento e sessenta e três operações
encobertas (apenas sete a menos que as duas administrações de Eisenhower). Na administração Lyndon
B. Johnson (novembro de 1963 a fevereiro de 1967) foram aprovadas cento e quarenta e duas ações
(Memorando, CIA, 23/02/1967). De acordo com os redatores da “Nota sobre ações encobertas” da
coleção FRUS, estima-se que, “das várias centenas de projetos desenvolvidos pela CIA desde 1961,
apenas 14% foram considerados caso a caso pelo Comitê 303 e seus predecessores (e sucessores)”
(FRUS, 1964-1968, “Note on covert actions”, 2001). Prados (2006, p. 292), baseado em fontes
diversas, afirma que o Special Group 5412 aprovou 550 operações encobertas entre janeiro de 1961 e o
primeiro semestre de 1962 (primeiro ano do governo Kennedy).
Thomas (2006) e Prados (2017) relatam que, após o episódio da Baía dos Porcos/Batalha de
Girón, mencionado no capítulo anterior, um clima de desespero tomou conta da Casa Branca. O
fracasso da operação gerou perda de confiança, e um ambiente de incerteza e pessimismo afetou setores
inteiros do governo, que contavam com a eficiência de seus serviços clandestinos. “Todos estavam
deprimidos”: furioso com a CIA, Kennedy ameaçou “esmagar a agência em mil pedaços” (THOMAS,

tarde, Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil naquele período, afirmaria estar “moralmente convicto”
de que ele tinha conhecimento das ações da CIA, embora não tenha revelado, por motivos óbvios, o que a agência de fato
fez no país (Entrevista, 03/09/1987).
957 “Political sensitivity” não é um termo de fácil tradução, mas denota uma situação que envolvia elevados riscos de
exposição do governo dos EUA e de consequências políticas significativas no país onde a operação seria executada.
564

2006, p. 265-268)958. Apesar de todos os problemas, Kennedy “estava mais determinado do que nunca a
se livrar de Castro”: “nós perdemos o primeiro round, vamos ganhar o segundo”, ele teria
confidenciado a seu assessor, McGeorge Bundy (Id., p. 270). A partir de então, as ações de Kennedy
foram claras no sentido de aumentar o alcance das operações encobertas e o controle de seu governo
sobre elas959.
Na documentação do Special Group 5412 consultada960, além das referências aos países nos
quais a existência desse tipo de operação já foi revelada há muito tempo (Cuba, Vietnã, Camboja, Laos,
Chile, Congo, etc.), encontram-se indicações sobre ações clandestinas em outros países, como França,
Itália, Portugal e Japão, entre outros. Tarjas de censura são comuns nesses documentos, apontando para
a existência de ações encobertas ainda desconhecidas em determinados países. Nas partes não
censuradas dos documentos consultados, não há nenhuma menção ao Brasil. Mas isto não significa que
o país não tenha sido pauta dos encontros do Special Group 5412961. Uma entrevista de Roswell L.

958 No final de 1961, Allen Dulles e o chefe da DD/P da CIA, Richard Bissell, deixaram a agência. Logo em seguida, John
C. McCone, um grande empresário californiano, assumiu a direção da CIA (“Note on covert actions”, 2001).
959 Dois dias depois da fracassada tentativa de invasão a Cuba, em abril de 1961, para evitar “perder a Ásia para os
comunistas”, Kennedy criou a Força Tarefa Especial sobre o Vietnã, iniciando a escalada de ações encobertas no Sudeste
Asiático. Em seguida, encarregou o seu irmão, Robert Kennedy, procurador-geral, o general Maxwell Taylor e o próprio
diretor da CIA, Allen Dulles, para investigar os erros ocorridos no planejamento e na execução da operação de invasão a
Cuba (JMATE). Como resultado desta investigação, recomendou-se um maior controle das operações encobertas pelas altas
hierarquias do governo. Assim, em novembro de 1961, foi criado o Grupo Especial (Ampliado) – Special Group
(Augmented) – cuja composição era a mesma do Special Group 5412, mas chefiado pelo general Taylor e com a
participação de Robert Kennedy. Dentro do Special Group (Augmented) foi iniciada a Operação Mongoose (mangusto), um
abrangente programa de operações encobertas conjuntas entre o Pentágono e a CIA para sabotar, desestabilizar e derrubar o
governo cubano, que incluía o estímulo à organização de uma insurreição armada dentro de Cuba e planos para assassinar
Fidel Castro, chefiada pelo general Edward Lansdale. Prados se refere a Robert Kennedy como “um cheerleader da
Operação Mongoose”. Maechling (1999) caracteriza Robert Kennedy da seguinte forma: “em termos domésticos ele até
pode ser um cruzado em defesa dos direitos civis tão exuberantemente louvado por seus biógrafos, mas em termos de
política externa ele era a personificação de um soldado da Guerra Fria”. Thomas (2006, p. 287), relata que Robert Kennedy
havia se tornado “histérico” com relação a Cuba, “consumido por um sentimento de vingança contra o embaraço criado a
seu irmão pela Baía dos Porcos”. Ainda conforme Thomas, “embora o procurador-geral estivesse profundamente envolvido
com a luta pelos direitos civis e combatendo o crime organizado, ele também era o principal conselheiro de seu irmão sobre
a CIA”, e havia declarado ao Special Group (Augmented), referindo-se a Fidel Castro, que “o presidente indicou que o
capítulo final ainda não havia sido escrito – isto tem de ser feito e será feito”. Para maiores informações sobre a Operação
Mongoose, ver BOHNING (2005), CHANG e KORNBLUH (1998) e WHITE (1999). Documentos originais do governo
americano relacionados à operação podem ser acessados em: FRUS, 1961-1963, VOLUME X, Cuba, January 1961-
September 1962, disponíveis em: https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1961-63v10. Maiores informações
também podem ser obtidas no sítio eletrônico do National Security Archive, da George Washington University:
https://nsarchive.gwu.edu/briefing-book/cuba/2019-10-03/kennedy-cuba-operation-mongoose. No início de 1962, Kennedy
instituiu ainda o Grupo Especial de Contrainsurgência (Special Group on Counter Insurgency – CI), no qual ações secretas
eram discutidas, responsável pela coordenação dos programas de assistência às polícias e de treinamento de forças militares
e policiais para combater movimentos armados insurgentes no exterior.
960 As bibliotecas presidenciais Lyndon B. Johnson e Dwight D. Eisenhower disponibilizam alguns documentos do Special
Group 5412 e do 303 Committee, mas nenhum registro sobre este subcomitê foi encontrado na biblioteca John F. Kennedy.
Estes documentos também podem ser encontrados na coleção Kennedy Assassination Records, na sede do Arquivo Nacional
em College Park e também em seu sítio eletrônico (ver indicações nas Referências ao final da tese).
565

Gilpatric962, secretário de Estado adjunto de defesa entre 1961 e 1964, ao projeto de história oral da
biblioteca presidencial John F. Kennedy revela que a situação do Brasil foi discutida nas reuniões desse
grupo:

GILPATRIC: O grupo que Mac [McGeorge] Bundy presidia [Special Group 5412],
integrado pelo Subsecretário de Estado – Alexis Johnson mais tarde –, o diretor do
Joint Chiefs of Staff [Departamento de Defesa], o diretor da CIA e eu, ocupava-se
principalmente com que tipos de esforços poderiam ser empreendidos, em grande
medida pela CIA, para minar (undermine) o regime de Fidel Castro. E depois da Baía
dos Porcos, todo esforço e atividade feitos pela agência eram revisados por este grupo
e relatados ao presidente. (…). Ocasionalmente, McNamara comparecia a estes
encontros, porque ele não conseguia tirar a Baía dos Porcos da cabeça. E sempre que
uma operação maior era apresentada ao grupo, eu o informava, e ele comparecia aos
encontros como membro titular do grupo. Nós recebíamos apresentações muito
detalhadas por pessoas como Desmond “Des” Fitzgerald [CIA] sobre exatamente
quantas pessoas, o tipo de operação e os riscos envolvidos. E o grupo também tinha
jurisdição sobre programas em outros países onde a CIA estava colocando dinheiro e
recursos em apoio a um objetivo político. E ele era presidido, como eu disse, por Mac
Bundy, e esta era também uma atividade que não era delegada pelos titulares a nenhum
de seus subordinados. Ou os titulares participavam ou o encontro não acontecia.
PERGUNTA: Você lembra de algum outro dos países importantes, exceto Cuba, que
eles estavam monitorando naquele período?
GILPATRIC: Itália, Brasil. Havia uma conferência da juventude na Finlândia. Eleições
em países como a Guatemala. A República Dominicana (…). Mas onde quer que
existisse a possibilidade de acontecer um grande desastre, qualquer embaraço ao
nosso governo, este grupo tinha de revisar o programa, que tinha de ser relatado ao
presidente ou com uma recomendação ou, se ele fosse encerrado, não seria registrado,
por regra. Mas as regras básicas eram muito claras em relação àquilo que a agência
[CIA] podia fazer, como resultado dessa disciplinarização, em comparação a como era
antes. Existia um canal regular para propostas, revisão e aprovação pelas altas
autoridades.
PERGUNTA: O que você quer dizer com regras básicas? Havia algum conjunto de
princípios a serem seguidos?

961 Através da Lei de Acesso à Informação dos EUA, foi encaminhado, no final de 2017, um pedido de liberação dos
documentos do Special Group 5412 e do 303 Committee relacionados ao Brasil produzidos durante os governos de
Eisenhower, Kennedy e Johnson, mas até o momento (dezembro de 2019), não obtivemos resposta das autoridades
competentes.
962 Amigo de infância de Nelson Rockefeller e protegido de Robert Lovett, Gilpatric formou-se em direito na Yale
University. Nos anos 1930 trabalhou em cortes federais dos EUA. Foi subsecretário da Força Aérea dos EUA (1951-1953).
Entre 1956 e 1957, participou de um projeto especial de estudos da Rockefeller Brothers Fund, chefiado por Henry
Kissinger (apresentado no capítulo 2). Foi membro do Symington Committee on the Defense Establishment – chefiado pelo
senador Stuart Simington para estudar formas de modernizar o sistema de defesa dos EUA, diretor do Conselho de
Administração da Aerospace Corporation e membro do Comitê Nitze de Conselheiros do então senador John F. Kennedy
sobre temas de segurança nacional. Membro do Partido Republicano, Gilpatric, mantendo o perfil empresarial dos
principais integrantes dos governos de Eisenhower a Kennedy, era sócio de um dos dois mais prestigiosos escritórios de
advocacia white-shoe, isto é, empresas comandadas por membros da elite branca, anglo-saxã e protestante (WASP, na sigla
em inglês), consideradas parte do establishment conservador norte-americano (Obituário, The New York Times, 21/03/1996).
566

GILPATRIC: Sim, o diretor da CIA, se bem me lembro, tinha o direito de gastar uma
quantia fixa [de dinheiro] e executar certos tipos prescritos de atividades que não
precisavam passar pelo grupo, todo o resto tinha de receber aprovação do grupo ou do
presidente, após avaliação do grupo. E isto estava determinado em um memorando,
enviado aos titulares desse grupo e eram vinculativos para a agência [CIA]. (…).
PERGUNTA: Quando as equipes [do Special Group CI] iniciaram suas visitas aos
países, quais foram os países aos quais eles se dirigiram durante a administração
Kennedy?
GILPATRIC: Eu lembro da Colômbia, Peru, Equador, Brasil particularmente. Pode ser
que houvesse outros, mas estes são os que eu me lembro (Entrevista, 27/05/1970,
itálicos meus).

Como visto ao longo desta tese, existem elementos suficientes para afirmar que o IBAD era
uma operação da CIA. O mesmo não pode ser dito com relação ao IPES e à SEI. Contudo, como será
demonstrado neste capítulo, essas organizações mantinham contato intenso com representantes do
governo dos Estados Unidos e dos grupos privados norte-americanos apresentados nos capítulos
anteriores, e exerciam os papéis prescritos por esses atores nas ações de combate ao comunismo e
defesa dos investimentos estrangeiros no Brasil. A seguir, descreveremos algumas dessas atividades,
buscando identificar como elas eram apoiadas, influenciadas ou dirigidas por know-how e
financiamento externo963.

10.2 SEI/GLC/GEC: o planejamento de operações táticas

A primeira aproximação de que se tem registro entre a SEI e o IPES aconteceu por iniciativa da
primeira, entre novembro de dezembro de 1961 964. Em dezembro de 1961, a SEI enviou à diretoria do

963 A opção pelas ações encobertas levou a um aumento do número de agentes da CIA no Brasil durante o governo
Kennedy. De acordo com a tabela apresentada no capítulo 3, quarenta e três oficiais da agência trabalharam no Brasil no
entre 1961 e 1964 – um número maior em comparação ao período da administração Eisenhower. Décadas depois, em
entrevista, Gordon reconheceu que o contingente da CIA no Brasil era “bastante considerável” (Entrevista, 03/09/1987).
964 Dreifuss (1987, p. 178-179) salientou que o IPES “não era um monólito ideológico e político”, apontando várias razões
para as divergências existentes entre os dois núcleos principais do IPES. O autor destacou a existência de uma “clivagem
ideológica” que se “expressava na divergência de perspectivas políticas nacionais entre empresários do Rio e de São Paulo”.
De acordo com o depoimento do coronel Ivan Perdigão do IPES, assistente do general Golbery do Couto e Silva, “quase
todas as ideias e programas eram produto da iniciativa do Rio; sua execução e implementação eram mais da
responsabilidade política de São Paulo”. Em função disso, “em São Paulo se concentravam os grupos de ação encarregados
da maioria das operações encobertas nos vários campos de atuação do IPES”. Dreifuss aponta outra diferença: “São Paulo
se envolvia profundamente nas áreas de operação secreta, ao passo que o Rio era mais participante no debate público”. A
SEI possivelmente encontrou maiores afinidades ideológicas, políticas e organizacionais junto aos integrantes civis e
567

IPES um relatório confidencial – o sigilo será a marca das relações entre as duas entidades –
apresentando uma análise da conjuntura brasileira naquele momento e propondo um programa de ação
conjunta, especialmente no campo sindical. O relatório buscava convencer as lideranças do IPES da
necessidade de estabelecer imediatamente uma “coordenação nacional, sob comando único, das
múltiplas atividades que exigem a formação de um sindicalismo autêntico”. Utilizando jargões
militares, a SEI ressaltava a importância de “sua experiência direta, de longos anos, não só de uma
pessoa, mas de um estado-maior acostumado numa [sic] colaboração efetiva e na distribuição de
responsabilidades e ações táticas”965, a cuja formação tinha consagrado “muitos esforços e recursos”,
assim como “um vasto trabalho de recrutamento e coordenação”, buscando “utilizar com maior
flexibilidade e eficiência possíveis os grupos mais diversos e até às vezes antagônicos” (Relatório,
dezembro 1961).
A SEI alertava que, “além de conhecimentos”, seria necessário “um particular cuidado para
com o aspecto confidencial das operações”. E acrescentava: “desejamos salientar a exigência tática
desse aspecto confidencial, ditado pelo autêntico estado de guerra em que nos encontramos contra um
‘aparat’ perfeitamente organizado e aguerrido”. Segundo a organização dirigida por Wladimir
Lodygensky, os líderes das operações sindicais deveriam ser “elementos capazes de deixar suas
atividades profissionais para dedicar-se inteiramente à necessária ação de informação e coordenação”.
Seria “indispensável para o movimento sindical democrático dispor de uma equipe nova, devidamente
aparelhada, para progressivamente introduzir nos postos de comando elementos novos, líderes
verdadeiros, devidamente preparados e treinados em cursos de politização sindical”. A SEI afirmava a
necessidade de uma “ação mais vasta e diversificada para formação de líderes sindicais, tanto urbanos
como rurais”. Para tanto, propunha as seguintes iniciativas:

De tudo isso resulta que a primeira etapa do plano de ação do movimento sindical
democrático deve consistir na organização definitiva do Escritório Central ou Estado-
Maior do movimento e da instalação de escritórios estaduais. A segunda etapa,
praticamente concomitante, consiste no funcionamento de uma escola permanente
central, para a formação de líderes democráticos, em São Paulo e, nos moldes desta e
militares que circulavam em torno do IPES-São Paulo. Além disso, Wladimir Lodygensky, como visto em capítulos
anteriores, já atuava com apoio de lideranças empresariais paulistas. Não há dúvida de que sua proximidade com José
Carlos de Macedo Soares lhe abriu muitas portas naquele meio. Um dos líderes do IPES-São Paulo, o médico, escritor e
empresário Antônio Carlos Pacheco e Silva, era também próximo de Macedo Soares e, possivelmente, um colaborador da
SEI.
965 De fato, conforme visto no capítulo 7, a SEI tinha experiência em um campo de operações amplo, e seu líder, Wladimir
Lodygensky, possuía uma biografia e currículo incomparáveis em termos de luta contra o comunismo.
568

baseados em sua experiência, a organização de escolas similares nos diversos estados.


A terceira etapa prende-se à ação coordenada baseada principalmente nas viagens e
reuniões em todo o território nacional. Como quarto ponto o programa inclui o
desenvolvimento do Centro de Informação e Documentação, com o objetivo de dar
maior importância à publicação e distribuição da “Resenha Semanal” do Bureau de
Imprensa Sindical. Esta publicação terá como objetivo não só manter informados os
meios sindicais, patronais e governamentais, mas também servir à promoção dos
princípios básicos do sindicalismo democrático. O quinto ponto do programa consiste
no planejamento estratégico e tático das eleições sindicais e da participação de forma
maciça do movimento sindical democrático nos congressos regionais, nacionais e
internacionais. Nesse setor há que abandonar as improvisações de última hora,
substituindo-a por uma ação coordenada e comandada, embora sigilosamente, pelo
Estado-Maior. É indispensável salientar mais uma vez que, na confusão geral da área
sindicalista e perante as vaidades e personalismos que criam o divisionismo
democrático, é necessário evitar a este Estado-Maior caráter representativo oficial e
qualquer forma de propaganda da sua existência. Somente nestas condições poderá ele
prestar serviços, sem a intervenção e os prejuízos que as vaidades e disputas pessoais
trazem automaticamente. Queremos, ademais, chamar a atenção sobre o fato de que o
contato direto de diversos elementos patronais e, particularmente aqueles ligados ao
grupo de cúpula, com dirigentes sindicais, sejam eles idôneos ou pelegos, e seu
financiamento direto, contínuo ou esporádico, traz um prejuízo incalculável à
coordenação e unidade do movimento sindical democrático. A subvenção de grupos,
elementos ou operações deve obedecer ao plano geral, ser controlada na cúpula por
um elemento perfeitamente conhecedor do assunto e executada através do estado-
maior nacional, por processos ou intermediários devidamente escolhidos para cada
caso. O patronato deve compreender que para sanear o movimento sindical tem que
romper definitivamente com as práticas de ‘compra da boa vontade’ e outras formas de
peleguismo (Relatório, 12/1961, itálicos meus).

Na esperança de formar o “estado-maior” da burguesia, a SEI apresentou à direção do IPES um


orçamento detalhado para todas as operações sindicais a serem executadas no ano de 1962. O valor
total desse orçamento, sem incluir os “necessários veículos de transporte”, era de mais de 51 milhões
de cruzeiros (Relatório, 12/1961). Mas a aproximação entre as duas organizações parece não ter
ocorrido na velocidade desejada pela SEI. Em fevereiro de 1962, Lodygensky, em comunicação com a
direção do IPES reclamava que já havia decorrido três meses desde os “primeiros contatos e
entendimentos”, em que foram apresentados ao IPES “dois relatórios com Plano de Ação e Orçamento,
um referente ao Programa de Formação de Líderes, outro referente ao Programa de Ação Sindical”, e
debatido “o programa referente à rede de Rádio, Imprensa e Televisão”, ações que seriam
“indispensável complemento da quarta prioridade, de assessoramento dos poderes legislativos
nacionais”966. Mário Toledo de Moraes e Raphael Noschese, conforme Lodygensky, teriam sido
966 Ao que se sabe, essas tarefas de assessoramento ficaram a cargo do IPES, com apoio do IBAD, conforme DREIFUSS
(1987).
569

designados como responsáveis pelo setor sindical e pelo setor liderança, respectivamente. Com eles,
teriam ocorrido quatro encontros, entre dezembro de 1961 e janeiro de 1962.
Contudo, Lodygensky teria insistido por “oito semanas sobre a necessidade de um encontro
entre a diretoria do IPES e a diretoria da SEI”, para criar “em conjunto o plano de ação e as linhas
mestras” que orientariam as atividades. Ele tinha urgência porque a SEI planejava, a partir de 12 de
março de 1962, “entrar em franco desenvolvimento com o esquema nacional de Formação de Líderes”
que abrangia diversos cursos. Ao final da carta, Lodygensky declarou que o IPES seria “a última
esperança de salvar o Brasil de uma catástrofe”, e que desejava, em consequência, “esclarecer os
pontos mencionados, para entrosar as nossas atividades permanentes e bastante complexas, com os
planos de ação do seu grupo” (Carta, 28/02/1962).967
A aproximação entre a SEI e o IPES efetivamente ocorreu ao longo de 1962 968. Em uma reunião
do IPES, realizada no final de março daquele ano, na qual se discutiu a importância do apoio da
entidade ao trabalho na área sindical, o empresário Cândido Guinle de Paula Machado – membro do
Conselho Orientador Nacional do IPES – informou que havia visitado a SEI, e destacou a “eficiência
grande” da organização de Lodygensky. A ata registra o seguinte: “dinheiro de onde? De firmas de São
Paulo”. Rui Gomes de Almeida, presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro e membro do
Comitê Diretor do IPES-RJ, comentou: “conheço 12 firmas em São Paulo que contribuem com Cr$
500.000,00 por mês sob anonimato”. Cândido Guinle declarou: “Tem um sítio-escola, em São Paulo,
com quatro cursos mensais”. E acrescentou: “Saímos os três sem compreender bem como funciona
com tanta eficiência, muitos recursos. Boletim, informações internacionais. A solicitação foi feita a São
Paulo. Deixei lá o problema” (Ata, 27/03/1962).
Ao longo de 1962, o IPES canalizou recursos significativos para as atividades da SEI. Em
reunião de maio de 1962, João Baptista Leopoldo Figueiredo, do comitê executivo do IPES-SP,
967 Em setembro de 1961, logo após a crise gerada pela renúncia de Jânio Quadros, Manoel Pio Corrêa Jr., então
embaixador do Brasil no México, tinha expressado ao representante norte-americano naquele país, Thomas C. Mann, uma
opinião de teor semelhante sobre o papel dos grupos civis no Brasil naquele momento: “O Brasil se dirige a uma ‘luta de
classes’, o que tornará necessário que os elementos liberais e de centro se reagrupem e se preparem para o ataque de
extremistas, incluindo comunistas. Esses grupos civis liberais representam a melhor esperança para o futuro do Brasil, já
que as Forças Armadas foram humilhadas e, no futuro imediato, não podem ser vistas como uma forte força política, em
função da recusa do Congresso a concordar com as demandas militares (Telegrama, 20/09/1961). Pio Corrêa, como visto em
capítulos anteriores, era o sucessor de Odete de Carvalho e Souza no Departamento Político e Cultural do Itamaraty, sendo
tão dedicado quanto ela no combate ao comunismo. Thomas Mann o descreveu como “um habilidoso diplomata de
carreira”, que seria “bom observador político” e possuidor de “um longo registro de amizade com os Estados Unidos”
(Telegrama, 20/09/1961).
968 Em 1965, João Baptista Leopoldo de Figueiredo, diretor do IPES, declarou que “Lodygensky aconselhou o IPES e nós
usamos a sua experiência” (Entrevista n. 256, 26/11/1965). Glycon de Paiva, ex-diretor do IPES-São Paulo, analisando a
pesquisa de Dreifuss sobre o IPES, anotou, ao lado do trecho do livro em que são descritas as ações do IPES entre
sindicatos rurais e urbanos e os partidos políticos no Congresso: “Wladimir Lodygensky, etc.” (Comentários, 13/08/1981).
570

informou que um milhão e quinhentos mil cruzeiros haviam sido destinados ao programa de formação
de líderes da SEI, que esperava formar naquele período 350 lideranças (Ata, 22/05/1962). Em janeiro
de 1963, ainda de acordo com Figueiredo, o IPES-São Paulo organizou um orçamento separando as
despesas com administração dos demais órgãos, serviços e entidades, “tais como o Centro de
Documentação da PUC, Federação dos Círculos Operários, SEI, União Cívica Feminina, etc.” 969 (Ata,
22/01/1963).
Em 1963, a relação entre SEI e IPES se aprofundou. De acordo com uma ata do Comitê
Executivo do IPES, em fevereiro daquele ano discutiu-se a coordenação entre o IPES e as entidades
que dele recebiam auxílio financeiro. Decidiu-se que o “controle e a coordenação das atividades
paralelas” ficaria a cargo dos chefes de grupos do IPES. O general Agostinho Teixeira Cortes 970 ficou
responsável pela relação com a SEI (Ata, 12/02/1963). Segundo Dreifuss (1987, p. 189), Cortes era o
líder do Grupo Especial de Conjuntura (GEC) do IPES-São Paulo, criado com base no modelo do
Grupo de Levantamento da Conjuntura (GLC) do IPES-Rio de Janeiro, que era chefiado pelo general
Golbery do Couto e Silva. Também chamado de Grupo de Pesquisa, “para assim projetar uma imagem
externa mais neutra”, o GLC era responsável por

Acompanhar todos os acontecimentos políticos em todas as áreas e setores, avaliando,


apurando e fazendo estimativas quanto a seu impacto político e esboçando mudanças
táticas para acompanhar a evolução de qualquer situação e influenciar seu processo.
Ele indicava áreas de preocupação para os Grupos de Estudo e Grupos de Doutrina,
levantava informações nos campos político e social e fixava diretrizes para as
manobras dos Grupos de Ação que operavam no Congresso e junto aos partidos
políticos, sindicatos, aos estudantes, à Igreja, aos camponeses, às Forças Armadas e à
mídia. (…) Especificamente, encarregava-se do Setor de Exército e Informação, sendo
suas principais áreas de operação os I e III Exércitos, com quartéis-generais
respectivamente nas cidades do Rio de Janeiro e de Porto Alegre e cobrindo os estados
da Guanabara, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina,
Espírito Santo e Rio de Janeiro. (…) O GLC distribuía entre os militares uma circular
969 Figueiredo também informou que “não foi esquecida uma verba a título de reserva para Ações Diversas” (Ata,
22/01/1963). As ações da Federação dos Círculos Operários e da UCF serão analisadas adiante.
970 Egresso da ESG, onde concluiu o Curso Superior de Guerra na turma de 1954 (BRASIL, ESG, 1954). Primo do general
Meneses Cortes, Agostinho Cortes, quando da crise provocada pela renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, era
comandante do Terceiro Batalhão de Carros de Combate do I Exército, com sede no Rio de Janeiro ( Diário do Paraná,
23/03/1962). Em julho de 1964, recebeu uma homenagem do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, por ter
“sacrificado a própria carreira em favor da democracia”, pela sua “atuação nos primórdios e nos instantes culminantes da
grande revolução de 31 de março [de 1964]”. Cortes “teve um papel saliente na arregimentação civil em São Paulo, na fase
que precedeu a queda de João Goulart” (O Estado de São Paulo, 28/07/1965). Em agosto de 1964, o mesmo jornal destacou
que Golbery do Couto e Silva e Agostinho Cortes desempenharam “papel de relevo na mobilização civil democrática
orientada contra a subversão” (O Estado de São Paulo, 19/08/1964). Cortes foi diretor do Serviço Nacional de Informações
(SNI) de São Paulo, a partir de julho de 1965.
571

bimestral mimeografada (…) que descrevia e analisava a atividade “comunista” por


todo o país e que incitava a opinião militar contra o Executivo e contra a mobilização
popular. Com o mesmo zelo que preparava os relatórios semanais (…), o GLC
compilava dossiês dos indivíduos e grupos “comunistas”, bem como distribuía um
mapa que identificava a estrutura e pessoas-chave das supostas organizações
subversivas. (…) O GLC teria grampeado, só no Rio, cerca de três mil telefones. O
GLC do Rio ocupava quatro das treze salas que o IPES havia alugado no (…) Edifício
Avenida Central (…). Nessas quatro salas, o GLC mantinha arquivos com informações
sobre dezenas de milhares de pessoas (DREIFUSS, 1987, p. 186-189).

O Grupo Especial de Conjuntura do IPES São Paulo, conforme Dreifuss (1987, p. 189), era
“orientado para a ação direta e se encarregava do Setor de Exército e Informação”. Tinha o objetivo de
coordenar tanto a ação direta entre os militares quanto “penetrar nos sindicatos, nas organizações
estudantis, movimentos camponeses, Igreja e mídia”:

O GEC estabelecera contato com as mais variadas correntes ideológicas, em virtude de


suas atividades de informação e, por conseguinte, a maior parte de seus membros
nunca era publicamente relacionada com o IPES. Mostrava-se fundamental na
harmonização geral das atividades encobertas do IPES e na coordenação das várias
conspirações faccionais militares do II Exército, cujo quartel-general era em São Paulo
e que cobria os estados de São Paulo e Mato Grosso. O GEC recebia a sua orientação
do Grupo de Doutrina e Estudo de São Paulo e sincronizava diariamente com o GLC
do Rio, em função do aspecto operacional e de informação de suas atividades.
Formalmente ele se reunia duas vezes por semana e extraoficialmente uma vez por dia
e funcionava nos endereços oficiais do IPES de São Paulo, assim como na própria casa
do general Agostinho Cortes e em diversos outros lugares (DREIFUSS, 1987, p.
189).971

Algumas das atividades do GLC assemelham-se muito às iniciativas da SEI realizadas pelo seu
Serviço de Informações Confidenciais e Boletins, descritas no capítulo 7. Considerando as relações
descritas no capítulo 6, é muito difícil que Golbery e Lodygensky não se conhecessem antes de janeiro
de 1963, quando se encontraram no Rio de Janeiro, de acordo com ata de uma reunião do Comitê
Executivo Pleno do IPES – “Wladimir Lodygensky, convidado, fez uma exposição sobre o problema

971 Segundo O Estado de São Paulo (01/07/1964), Cortes “transformou a sua residência da rua Auriflama [situada em
Pinheiros, bairro nobre da capital paulista] em QG da resistência democrática. As noites e as madrugadas passavam-se em
vigília: notícias que chegavam, missões que partiam para cumprimento de determinações reservadas, contatos telefônicos e
confecção de boletins, reuniões, censura e comandos de espionagem. Era, enfim, todo um devotamento à causa da
Revolução”.
572

sindical”. Lodygensky distribuiu um boletim da SEI aos presentes e, em seguida, João Baptista
Leopoldo Figueiredo comentou o que foi dito por Lodygensky e declarou: “W. L. [Wladimir
Lodygensky] irá ao Rio, 3ª feira próxima. Diz que GCS [Golbery do Couto e Silva] está a par de tudo”
(Ata, 22/01/1963). Como visto, existem indícios de que Lodygensky tinha relações com o “grupo” do
general Canrobert Pereira da Costa (citado na parte II) de quem Golbery do Couto e Silva era “bastante
próximo”, conforme depoimento do general Muricy.
Há outro detalhe importante sobre a estrutura do GEC. Vinculada a ele, entre o final de 1962 e
início de 1963, foi criada a Unidade de Planejamento972. De acordo com Dreifuss (1987, p. 190), a
criação da unidade se explicava pela “imprescindível necessidade de que um grupo se especializasse
em orientação e desenvolvesse um plano para a ação”. O grupo, cuja criação teria sido uma demanda
de João Baptista Leopoldo Figueiredo, “foi projetado para funcionar como uma ‘unidade de estado-
maior’ do presidente do IPES”973. A unidade era liderada pelo general Agostinho Cortes que, segundo
Dreifuss, “também era ativo na Sociedade de Estudos Interamericanos – SEI” 974. A unidade deveria
“fornecer a diretriz básica aos diferentes grupos de estudo e ação”, o que permitia a Figueiredo exercer

972 Em reunião plenária do Comitê Executivo do IPES Rio e do IPES São Paulo, realizada em 23 de novembro de 1962,
João Baptista Leopoldo Figueiredo mencionou a “organização de um Comitê de Planejamento para orientar o Comitê
Diretor e o Comitê Executivo nos planos e linhas de ação”, e solicitou que “Golbery do Couto e Silva arranje um homem
para São Paulo (Levantamento)” (Ata, 23/11/1962).
973 Em reunião de 18 dezembro de 1962, o general Agostinho Cortes, provavelmente “o homem” escolhido por Golbery do
Couto e Silva para liderar o GEC, explicou a ação do grupo. Em 22 de janeiro de 1963, em reunião do Comitê Executivo
Pleno do IPES Rio e São Paulo, João Baptista Leopoldo Figueiredo informou que o grupo seria composto de “alguns
elementos do IPES (chefes de grupos)”, “alguns elementos da Comissão Diretora e do Comitê Executivo” e “alguns
elementos estranhos, com a missão de verificar o rumo e consequências dos acontecimentos, elaborando sugestões sobre o
assunto”. Figueiredo ainda comunicou que “o Comitê de Planejamento consultaria o Comitê Executivo, mas, normalmente,
tomaria as providências por sua própria conta, dentro dos limites da delegação de poderes que lhe foi feita pelo último”.
Glycon de Paiva opinou que o grupo deveria ser responsável por produzir “informes”, por formar um “centro de
interpretação (informação)”, e encaminhar “sugestão de ação, que é um planejamento a levar ao Comitê Executivo, para
aprovação”. Tomando a palavra, o general Agostinho Cortes explicou que “diariamente, troca ideias com Golbery do Couto
e Silva, por telefone ou outro meio a seu dispor”, salientando a “necessidade de informação para qualquer ação do IPES”. O
general Heitor Herrera expressou preocupação com relação ao “problema do sigilo dos serviços, especialmente das
conclusões” das informações, “pois a maioria delas não pode ser escrita”. Em resposta, Cortes esclareceu que “aos membros
do Comitê Executivo envio, diariamente, os informes (matéria-prima). A informação (produto da elaboração) dá lugar a um
relatório para conversações com Golbery do Couto e Silva para a ação do Comitê Executivo. Tal relatório é estritamente
CONFIDENCIAL”. Cortes ainda destacou que todo o serviço do GEC estava em sintonia com Golbery do Couto e Silva,
com “acerto semanal” entre o GLC e o GEC (Ata, CE IPES, 22/01/1963, sublinhado e caixa alta no original). Em 12 de
março de 1963, decidiu-se que a Comissão de Planejamento, liderada pelo GEC, formaria uma Comissão Coordenadora,
integrada pelos chefes de grupo, que se reuniria diariamente, no início da noite, para “discutir os assuntos do dia,
coordenando os diversos setores”. Figueiredo explicou que “a função da Comissão de Planejamento seria a de resolver
todos os assuntos possíveis, deixando para o Comitê Executivo só os casos mais importantes”.
974 Não foi possível determinar se o general de fato era um integrante da SEI, mas, ao que tudo indica, Cortes tinha o perfil
de um militante da organização. Um exemplo disso é o fato de ele ter sido um dos vinte generais presentes a uma
homenagem prestada em São Paulo ao almirante Pena Botto – quando este passou para a reserva remunerada – em abril de
1958 em São Paulo. Na ocasião, 430 oficiais enviaram uma mensagem de apoio a Penna Botto (O Estado de São Paulo,
13/04/1958).
573

“controle direto de sua ação política ignorando em muitos casos os líderes formais dos grupos de
estudo e ação”. Quando o IPES São Paulo passasse para o estágio de atividades conspirativas, “a
unidade de planejamento controlaria, então, a execução dos planos dos diferentes grupos” (DREIFUSS,
1987, p. 190).
Considerando a insistência de Lodygensky na criação de um Centro de Documentação e
Informação – um eufemismo para espionagem e coleta de informações de inteligência – e a criação de
um estado-maior comum com o IPES, como descrito anteriormente, é muito provável que a SEI tenha
fornecido ao IPES-São Paulo uma parte significativa das estruturas de espionagem, contrainteligência,
informações e o sua experiência em operações clandestinas através das quais a entidade empresarial
atuou975. As operações da SEI, executadas no mais estrito sigilo, caíam como uma luva para o IPES. É
possível levantar a hipótese de que os quadros do IPES e da SEI se entrelaçavam, compartilhando
experiências e atividades em comum, sob o comando de um “estado-maior” centralizado na figura do
líder ipesiano João Baptista Leopoldo Figueiredo e na liderança do GEC, mas com a SEI mantendo a
sua autonomia, executando atividades e mobilizando redes de apoio local e transnacional que já vinha
operando desde a metade da década de 1950. Como será visto ao longo deste capítulo, considerando-se
a provável preocupação da direção do IPES e da SEI para evitar a duplicação de esforços, a SEI
realizou praticamente todo o trabalho das áreas sob a responsabilidade do GLC/GEC, ou seja, a
coordenação de atividades e envolvimento direto do IPES nos movimentos camponês, sindical,
estudantil e na mobilização política das classes médias e de grupos de mulheres. Nesse sentido, a SEI
foi um “braço executivo” das operações do GLC/GEC do IPES. A única função que parece não ter sido
cumprida pela SEI foi a articulação com as Forças Armadas, embora a SEI tivesse uma rede de
apoiadores entre elas.

10.3 Articulação do complexo IPES/IBAD/SEI com as Forças Armadas

Conforme Dreifuss, a ação do complexo IPES/IBAD dentro das Forças Armadas “visava a
neutralização do dispositivo popular de João Goulart e a minimização do apoio militar a diretrizes
políticas socialistas ou populistas”. Ela foi, também,

975 Recordando que Lodygensky conhecia profundamente diversas experiências de organizações empresariais que fizeram
uso de inteligência militar para o controle do movimento operário (ver FICHA da EIA em anexo).
574

Responsável por estimular, entre os militares, grupos favoráveis ao golpe. Sua ação foi
sincronizada dentro de um plano geral, cujo alcance nem sempre era de total
conhecimento de seus vários membros e participantes. Isso demonstrava, obviamente,
a existência de elementos de maior e menor acesso ao sigilo da organização e,
consequentemente, de níveis diferentes de confiança e envolvimento. (…) Os
escritórios do IPES-São Paulo, assim como os do IPES-Rio, proporcionavam locais
sigilosos para articulações civil-militares. Muitos oficiais, tanto da reserva quanto da
ativa, compareciam regularmente às reuniões executivas do IPES, fornecendo uma
fonte importante de avaliação política e de informações sobre a situação, assim como
um fluxo permanente de comunicação com os militares pelos quatro cantos do país.
Esses contatos se intensificaram pelo final de 1963. A presença de pessoal militar
nessas reuniões recebia, geralmente, a menor publicidade possível e, de qualquer
forma, muitos dos oficiais mais ativos usavam codinomes para seus contatos
(DREIFUSS, 1987, p. 362- 363).

A ligação entre o “grupo revolucionário militar” – que, a partir do início de 1963 preparava um
golpe contra o presidente João Goulart – e o IPES era realizada pelos generais Golbery do Couto e
Silva e Antônio Carlos da Silva Muricy976, segundo depoimento deste último ao CPDOC-FGV:

Três ou quatro vezes por semana eu saía do quartel-general, ao fim do expediente, e ia


para o IPES. Sentava lá com o Golbery, conversávamos, trocávamos ideias, eu dava
informações, dizia-lhe o que se passava, ele me dava os dados que podia e eu levava lá
para os companheiros do Exército. O Golbery era muito amigo do Orlando [Geisel].
Mas o Orlando não ia procurar o Golbery para não ficar marcado, e o Ernesto [Geisel],
apesar de muito amigo, também não ia. Eu já era mais do que marcado, então… uma
marca a mais outra a menos não tinha importância. Eu é que fazia a ligação do
Golbery, do IPES, com o grupo revolucionário militar. Ele me mantinha informado e
eu o mantinha informado (Entrevista, 1993, p. 487, 488, 519, itálicos meus).

O general Golbery “não era simplesmente o chefe nacional do setor encarregado da preparação
estratégica do IPES, para o qual havia sido contratado pelos empresários em fins de 1961”. Ele também
desempenhava “um papel central na companha militar para a deposição de João Goulart”, atuando
como “coordenador da articulação encoberta entre os vários líderes do movimento”. Glycon de Paiva,
vice-presidente do IPES, considerava que Golbery “realizou a parte cerebral do golpe”, enfatizando
que, “sem seu trabalho, a Revolução de Março [de 1964] não teria sido possível” (DREIFUSS, 1987, p.

976 Para maiores informações, ver FICHA do general Muricy em anexo.


575

363). O general Muricy, ao lado do general Ulhôa Cintra 977, também cumpria um papel fundamental.
Seu depoimento ao CPDOC-FGV indica que eles se ocupavam do trabalho de coordenação entre os
grupos militares que tinham divergências entre si. Como declarou Muricy, a partir de 1963, “eu e ele
[Ulhôa Cintra] passamos a conspirar juntos”. Realizaram também a aproximação dos principais grupos
– reunidos em torno dos generais Castello Branco e Costa e Silva – com o general Golbery978:

(…) a cúpula militar se uniu principalmente em torno de dois homens: o Castelo


[Branco], muito fechado, e o Costa e Silva, cada qual atuando a seu modo. O Castelo
não dava a menor demonstração pública e era muito fechado. (…) Só no final é que ele
entrou ostensivamente na conspiração. Nós trabalhávamos com ele. Com aqueles mais
íntimos, ele se referia ao ambiente e às suas preocupações e mostrava aqueles seus
documentos, mas sempre de uma maneira absolutamente discreta. Para fora, ele não
existia. Era muito cuidadoso. O Costa e Silva era mais extrovertido. E aí surgiu uma
coisa interessante: começaram a se formar naturalmente, dentro da faixa militar, o
grupo que ficou cercando o Castelo e o que ficou em volta do Costa e Silva. (…) (…)
Os que estavam em torno do Castelo eram, de um lado, hors-concours, o Cordeiro [de
Farias] e o Ademar [de Barros], que foram para mim os dois maiores articuladores da
Revolução de 64, e depois os chefes militares de maior prestígio – como o Mamede...
Não havia muita afinidade do Orlando [Geisel] com o Castelo (…). Então, era eu
quem fazia a ligação. Quase diariamente, eu passava pelo gabinete do Orlando, tomava
um café, conversava e tinha informações da área paulista. O Orlando tinha ligações
não só aqui como também com a área de São Paulo, através do Ivanhoé Gonçalves
Martins e do Agostinho Cortes [GEC-IPES SP], que estavam muito ligados ao
Cordeiro e ao Ademar. Ao mesmo tempo, o Nelson [de Melo] ia e voltava, de maneira
que o pombo correio, o homem que vivia para cá e para lá era o Ivanhoé. Quando o
Ademar começou a querer armar São Paulo, o Ivanhoé que foi encarregado de
conseguir armas, o que ele conseguiu realmente... Eu não me lembro... Então, era
através do Ivanhoé que se faziam as ligações e, mais por cima, por meio do Cordeiro,
que estava em todas as áreas. (…) Esse era o grupo do Castello. O grupo do Costa e
Silva era principalmente o Sizeno [Sarmento], o [José Horácio da Cunha] Garcia, o
[Jaime] Portela e outros. E no meio de tudo isso, dois livre-atiradores: eu e o Cintra,
que estávamos num lado e no outro, ajudando de todo jeito. Nós dois tínhamos toda
liberdade com o Castelo e com o Costa e Silva. (…) No fim de 1963, quando a
situação começou a ficar cada vez pior, sentimos que o momento da decisão estava se

977 José Pinheiro Ulhoa Cintra era enteado do ex-presidente Eurico Gaspar Dutra. Muricy (1993, p. 487) comentou: “pelo
fato de ser enteado do Dutra, o Cintra tinha, nas amizades do Dutra, uma porção de elementos civis com os quais ele e eu
também conspirávamos. Então, conspirei muito com o Armando Falcão, com um magrinho, moreno, que era líder do Dutra
na Câmara... “. Ulhoa Cintra também tinha contatos próximos com grupos civis através de seu amigo, Antônio Carlos
Pacheco e Silva, diretor do IPES-São Paulo. Em correspondências com Pacheco e Silva, Cintra demonstrou conhecer o
trabalho feito pela SEI e solicitou a seu amigo que lhe enviasse “discos da SEI”. Segundo Pacheco e Silva, tais discos
tinham sido “gravados pela SEI, visando a formação de líderes democráticos”. Ele prometeu a Cintra: “Vou entender-me
com os dirigentes daquela instituição no sentido de ser o seu desejo, de possuí-los, atendido dentro do menor prazo
possível”. Pacheco e Silva conseguiu enviar os discos a Ulhôa Cintra, que agradeceu: “quero (…) manifestar-lhe o meu
reconhecimento pelo interesse demonstrado na obtenção do material organizado pelo SEI” (Carta, 14/04/1962; 27/04/1962).
978 “Não havia intimidade entre o Castello, o Costa e Silva e o Golbery. Inclusive havia uma certa prevenção, que depois se
agravou, contra o Golbery.(…) Então, eu fazia a ligação com o Golbery e com o IPES” (MURICY, 1993, p. 487).
576

aproximando e que havia necessidade de aproximar o governo do estado do Amauri


Kruel. Isso nos preocupava muito. O Costa e Silva e o Castelo se reuniam quase todas
as tardes, ou no gabinete de um ou no do outro. E nessa ocasião, nós vivíamos em
cima: “É preciso agora cuidar do Ademar de Barros". Inclusive o Cordeiro estava
muito preocupado com esse problema, porque o Kruel não podia ficar separado do
Ademar, porque São Paulo ia entrar na ação dentro de pouco tempo. Então, nisso aí
entrou o Costa e Silva, porque o Castelo estava brigado e o Cordeiro também não tinha
grandes relações com o Amauri. (…) O Costa e Silva ia passar as férias em São Paulo.
Então, o Castelo, eu e o Cintra, pedimos… eu e Cintra, que vivíamos secretando tudo:
"Mas você precisa aproximá-los. E ele foi, passou as férias. Cerca de vinte dias depois,
ele veio ao Rio para comunicar que tinha conseguido fazer o Amauri e o Ademar
tomarem um café juntos. (…) Nós ficamos radiantes. E aí começamos outra guerra,
que foi a aproximação do Castelo com o Amauri. Quem resolveu também, em grande
parte, foi o Costa e Silva e depois o Riograndino [Kruel], que completou a
aproximação” (MURICY, 1993, p. 490-493, itálicos meus).

Ivan Hasslocher, do IBAD, alegou ter também colaborado com a organização dos militares:

De todos os generais em atividade com os quais eu conspirei para a revolução, aquele


que eu conhecia melhor e com quem mais trabalhei foi Sizeno Sarmento. Alguns dos
outros, como Emilio Maurell Filho, eu vi apenas uma vez. (…) Um dia eu disse para o
general Sarmento que, se os soviéticos tinham se infiltrado entre nossos sargentos em
1935, eles poderiam fazê-lo novamente. (…) O general Sarmento tinha me apresentado
a um major (eu acho) aposentado, Ardovino Barbosa. Ele foi (…) muito eficiente na
preparação da revolução (very efficient in bringing about the revolution). (…) O
general Sarmento sugeriu que a Ardovino fosse atribuído um projeto de vacinação dos
sargentos contra a doença do comunismo. Nós três discutimos a questão, consultando
meu amigo deputado Armando Falcão. Concordamos em enviar equipes de sargentos
anticomunistas a todas as bases militares no Brasil e fazê-los persuadir seus colegas
sobre a abjeção dos comunistas. Os sargentos levavam consigo ordens para que as
unidades militares dessem boa recepção a esses missionários viajantes e ouvissem o
que eles tinham a dizer. Essas ordens eram assinadas por Sizeno Sarmento. (…)
Ardovino assumiu a tarefa de instruir, treinar e enviar os sargentos para todas as partes
do Brasil. (…) Ele criou uma rede de pessoas no Exército que estavam cientes dos
objetivos das viagens dos sargentos, de uma maneira tão eficiente, que ninguém de
esquerda no Exército detectou esses trabalho. O general Sarmento estava tão
entusiasmado com esse trabalho que ele fez algo que era visceralmente contrário a sua
ética e seu treinamento militar: ele tornou a insubordinação aceitável. Sargentos que
serviam em unidades comandadas por militares de esquerda foram aconselhados em
linguagem clara que, se houvesse um enfrentamento entre o comunismo e a
democracia, eles poderiam e deveriam desobedecer às ordens dadas por tais
comandantes. (…) As equipes de sargentos viajaram pelo Brasil até o dia da revolução.
(…) Quando se aproximava o fim da nossa espera [pelo golpe] 979, houve um problema
979 Hasslocher relata que houve um momento, entre o final de 1962 e o início de 1963, em que ele pensou que estavam
todos prontos para a “revolução”: “a atmosfera, o povo, os políticos e os militares. Meus colegas conspiradores e eu
presumíamos que o homem a iniciar o movimento seria o general Castello Branco. Ele era o mais antigo dos militares e
577

com relação às viagens dos sargentos. A CIA, por razões que eu devo explicar depois,
não tinha mais dinheiro980. Nosso financiamento às viagens dos sargentos poderia ter
sido encerrado, mas fomos salvos por uma fonte inesperada. Ardovino era um playboy
e tinha amigos playboys. Um desses, famoso naquela época, era um Mário de Oliveira,
conhecido (…) como Mariosinho. (…) Ao saber que Ardovino estava sem dinheiro
para as viagens dos sargentos, ele se ofereceu para contribuir. Aquela foi a única
contribuição feita por um brasileiro ao meu esforço de salvar o Brasil
(HASSLOCHER, 1999, p. 223-224).

No início de 1964, começou, conforme o general Muricy, um período de maior atividade e


articulação:

São aqueles pombos-correios para cá e para lá, as ligações... Nessa ocasião – talvez
fevereiro – surgiu com o [Ulhôa] Cintra a ideia do documento Leex. O Cintra redigiu a
minuta de um documento que constava de duas partes. Uma seria entregue a oficiais de
toda confiança, ligados a nós nas diferentes unidades. E a outra, semi-ostensiva, seria
distribuída pelos oficiais, dando a entender que havia uma reação nos chefes militares
contra aquele estado de coisas no Brasil e que chefes de responsabilidade, que nunca se
tinham envolvido – e botava-se ligeiramente uma carapuça no Castello –, estariam
prontos a lutar contra aquilo. (…) havia um documento particular, que orientava o
segundo. Por exemplo, no muito geral, dava-se o ambiente que cerca as pessoas…
Descrevia-se o ambiente e dizia-se que havia necessidade de enfrentar o que se estava
organizando. E o outro documento, interno, era uma coisa bélica, uma coisa de luta:
"Quanta tropa você pode reunir? Que munição você possui? No caso de mobilização,
quantos veículos, quanta gasolina? Quantos homens?" Quer dizer, era a parte militar
logística mesmo981. O Cintra me mostrou esse documento. (…) O [Punaro] Bley estava
no Rio e o Cintra mostra ao Bley. O Bley leu e fez algumas observações. Aí, demos

estava completamente do nosso lado. Era o general Castello Branco que daria o sinal para o início da revolução. Enquanto
ele não desse aquele sinal, seria incorreto tentar iniciar a revolução. Nós tínhamos que esperar” (HASSLOCHER, 1999, p.
245). No mesmo sentido, segundo informado pelo diretor de inteligência da marinha brasileira ao adido naval dos Estados
Unidos no Brasil, em dezembro de 1962, o ex-ministro da Guerra, general Nelson de Melo, teria afirmado ao almirante
Chagas Diniz que as Forças Armadas não poderiam esperar muito mais tempo antes de dar os passos decisivos para a
derrubada de Goulart. Para Melo, seria impossível permitir que Goulart terminasse sua gestão porque, até janeiro de 1966,
ele já teria transformado o Brasil em um campo socialista. A única solução, segundo o general, seria uma ditadura militar
(Only solution, Melo stated, is a military dictatorship) (Telegrama, 06/12/1962). No início de 1964, era Hasslocher quem
parecia estar impaciente: “Em janeiro de 1964 eu me reuni com um grande número de generais e militares de outras
hierarquias. (…) A relutância de Castello Branco em dar o sinal para a revolução era o assunto do encontro. Não era uma
reunião formal, no sentido de que adotaríamos resoluções e decidiríamos quem iria começar a revolução. Mas, eu acredito,
todos nós concluímos (…) que Castello Branco nunca daria aquele sinal. Não foi necessário dizer que nós esperávamos que
algum outro líder militar tomasse a iniciativa” (Idem, p. 272-273).
980 Os problemas de Hasslocher com a CIA, no final de 1963, serão abordados mais adiante.
981 “Nós estávamos nos preparando para uma ação militar. E uma ação militar que nós julgávamos demorada. Então, vem
aí aquela pergunta sobre o tempo que se esperava. Numa dessas conversas, num momento de relaxamento, a grande maioria
esperava que a luta durasse seis meses. Eu achava que demorava dois meses. Uma única pessoa disse: ‘Cai, como castelo de
cartas’. Golbery. E o governo caiu como um castelo de cartas” (MURICY, 1993, p. 518).
578

uma primeira batida à máquina e o Cintra entregou o documento ao Cordeiro (Id., p.


507)982.

Em suas memórias, Hasslocher não menciona a atuação de Muricy e Ulhôa Cintra, que eram
mais próximos do IPES e de Golbery. Na verdade, ele critica a atenção dada ao trabalho dessa
organização:

Com relação ao IPES, eu conheci alguns deles e os considerei completamente


ineficientes. O seu diretor era um general aposentado chamado Golbery. Tendo passado
o tempo, depois da revolução, Golbery conseguiu ocupar todo tipo de posições
importantes. Eu o observei de perto e de longe e concluí que ele tinha sido um
comunista o tempo todo. A ideia de que o IPES teve qualquer importância na revolução
foi muito defendida por pessoas sem uniforme e por gente do IPES que tentava fazer
parecer que eles foram importantes (HASSLOCHER, 1999, p. 244).

Talvez Hasslocher estivesse apenas incomodado com a maior atenção dada ao trabalho do IPES
que ao trabalho do IBAD. Talvez ele realmente desconhecesse as ações com as quais o IPES estava
envolvido. De qualquer maneira, essa sua opinião não se sustenta. Como veremos, IPES e SEI foram
tão atuantes quanto o IBAD naquele período.

10.4 A relação de militares brasileiros com representantes do governo dos Estados Unidos

Hasslocher era, como ele mesmo reconheceu, um agente da CIA. E, como visto acima, era um
canal de aproximação com os meios militares brasileiros. Da mesma forma, os generais Muricy e
Ulhôa Cintra, elementos centrais da organização conspiradora, eram considerados, segundo
documentos oficiais de agências norte-americanas, fontes confiáveis dos Estados Unidos. Um
documento oficial da CIA, de 1973, afirma: Muricy – que naquele momento já se encontrava na reserva
– “tem repassado informações fielmente e com precisão por um período de mais de 27 anos” (he has

982 As informações obtidas, como veremos a seguir, eram repassadas aos Estados Unidos.
579

reported faithfully and accurately over a period of 27 years), ou seja, desde pelo menos 1946
(Telegrama, CIA, 22/01/1973).
Ulhôa Cintra, por sua vez, às vésperas do golpe de 1964, era apontado, pelo embaixador
Lincoln Gordon, como contato entre o grupo de conspiradores militares brasileiros e o adido militar
norte-americano: “a embaixada será avisada das estimativas sobre os armamentos que seriam
necessários através do contato entre o ARMA [adido militar, Vernon Walters] e o gen. Cintra, braço
direito de Castello Branco” (Telegrama, 27/03/1964)983. Em 30 de março de 1964, um telegrama de
Vernon Walters comunicava que “ARMA encontrou-se com o general Cintra à meia-noite, horário
local, de domingo”. Cintra havia “acabado de chegar de um encontro do movimento de resistência a
Goulart e disse que se chegou à decisão de entrar em ação nesta semana, aguardando um chamado a ser
emitido mais tarde” (Telegrama, 30/03/1964)984.
Outro militar do grupo conspirador cujo relacionamento com representantes do governo norte-
americano está registrado era o general Nelson de Melo. Em março de 1962, o cônsul dos Estados
Unidos em São Paulo participou de um churrasco organizado pelo empresário Edson Machado de
Santanna, com o propósito de promover uma aproximação (closer contact) entre o consulado norte-
americano e os comandantes militares de São Paulo. Desse encontro participaram apenas os generais
Nelson de Melo, Aurélio de Lyra Tavares e Alberto Ribeiro Paz, além de dois assessores militares (não
identificados), dois “jovens norte-americanos que trabalham na Ford” no Brasil (two young Americans
with Ford organization in Brazil) e quatro oficiais locais da Varig (companhia de viação aérea) – além
de Braddock e Scott Lyon (também do consulado norte-americano em São Paulo) 985 (Memorando,
29/03/1962).

983 Este telegrama, endereçado como anexo a um memorando destinado à McGeorge Bundy, foi encaminhado aos
destinatários indicados – entre eles, o coronel J. C. King, chefe da Divisão de Hemisfério Ocidental da CIA, e Desmond
Fitzgerald, que viria a ocupar a posição de King logo em seguida – através do Diretor Adjunto de Planos da CIA, Richard
Helms.
984 Walters assegurava que “nunca tinha visto Cintra tão seguro e positivo” com relação ao início da movimentação para o
golpe e relatou que “esperava ser comunicado com antecedência sobre o sinal verde” (Telegrama, Walters para Joint Chiefs
of Staff, 30/03/1964). O Joint Chiefs of Staff (JCS) era o Estado-Maior das Forças Armadas americanas.
985 Scott Calvin Lyon era um experiente diplomata. Nascido em agosto de 1912, formou-se em economia na Ohio State
University, e concluiu seu mestrado no Massachusetts Institute of Technology (MIT) em 1938. Ingressou no serviço
diplomático em setembro de 1940, passando por diversas missões diplomáticas: Lisboa (1940-1944), Antuérpia e Bruxelas
(1945-1946) e Cidade do México (1946-1947). Em maio de 1947, passou um ano na Columbia University aprendendo o
idioma russo. Um ano depois, foi enviado para Moscou, depois para Vladivostok. Em 1950, foi enviado para o consulado de
Bad Nauheim, onde permaneceu até 1951. A partir de julho de 1952, trabalhou no setor de inteligência do Departamento de
Estado. Entre 1955 e 1958, permaneceu em Washington, trabalhando tanto no escritório da USIA quanto no Departamento
de Estado. Foi designado cônsul em São Paulo em julho de 1959, onde permaneceu até fevereiro de 1965. Entre 1966 e
1967, trabalhou na Divisão de Assuntos Brasileiros do Departamento de Estado, quando se aposentou (USA, Biographic
Register,1966, p. 331; Obituário, The Washington Post, 14/09/1995).
580

Nelson de Melo, durante a administração Kubistchek, tinha sido chefe do Gabinete Militar da
Presidência da República, a quem a secretaria do Conselho de Segurança Nacional – e, por
consequência, o Serviço Federal de Informações e Contrainformações (SFICI) estava subordinada – na
época em que o organismo e seus integrantes receberam apoio e treinamento da CIA, conforme vimos
no capítulo 7. Em junho de 1963, Melo relatou ao adido militar dos Estados Unidos, Vernon Walters,
que “as recentes mudanças nos ministérios de Goulart” indicavam que ele não sabia a quem recorrer
em meio às dificuldades nas quais se encontrava”. Segundo Melo, Goulart estaria “confuso e perplexo”
(Telegrama n. 121, 25/06/1963). Essa informação repassada pelo general Nelson de Melo – na época,
comandante do II Exército de São Paulo, foi encaminhada para o Comando Sul das Forças Armadas
dos Estados Unidos na zona do Canal do Panamá (CINCSO) e para o gabinete do conselheiro político
do Comando Aéreo Estratégico dos EUA (POLAD)986.
O governo norte-americano acompanhava com interesse as movimentações dos militares
brasileiros e se preocupava em garantir a sua unidade. Logo após a crise de sucessão que ocorreu em
agosto/setembro de 1961, Niles Bond, encarregado de negócios da embaixada dos Estados Unidos no
Brasil, comentou com o secretário de Estado Dean Rusk:

Talvez as cicatrizes mais profundas deixadas por essa crise serão aquelas que ela
causou nas Forças Armadas, cuja unidade foi seriamente prejudicada e cujo prestígio
foi severamente abalado pela defesa de uma causa impopular. Portanto, nossa futura
conduta diante dos militares brasileiros irá requerer um grau especial de tato e
compreensão. Além disso, em nossa abordagem com relação à situação brasileira como
um todo, não devemos esquecer o fato de que as Forças Armadas, embora agindo
ostensivamente contra a Constituição, estavam, sem nenhuma dúvida, agindo com base
no desejo de preservar os valores democráticos essenciais 987 (Telegrama, 06/09/1961).

986 Nelson de Mello era muito próximo a José Carlos de Macedo Soares, conforme demonstram as várias cartas trocadas
entre os dois, disponíveis no fundo Macedo Soares do IHGB. O general Olympio Mourão Filho, em suas memórias,
menciona que, em abril de 1962, “finalmente” havia conhecido “a famosa dona Odette de Carvalho e Souza”, quando fez
uma visita à casa do general Nelson de Mello, em São Paulo (MOURÃO FILHO, 2011, p. 115). Mello participou das
conspirações no Rio de Janeiro e em Minas Gerais durante a revolução de 1930. Em 1933, foi interventor federal no
Amazonas. Em agosto de 1942, foi nomeado chefe de polícia do Distrito Federal. Em setembro de 1944, integrou a Força
Expedicionária Brasileira (FEB), que lutou na Itália junto ao Exército americano. Apoiou o golpe militar que derrubou
Vargas do poder, em outubro de 1945. Em abril de 1950, concorreu às eleições para presidência do Clube Militar na chapa
liderada por Cordeiro de Farias, que defendia a participação do capital estrangeiro na exploração do petróleo nacional. Foi
eleito vice-presidente da chapa da Cruzada Democrática que venceu as eleições do Clube Militar em 1952. Cursou a Escola
Superior de Guerra, turma de 1952. Em 1954, esteve nos EUA, a convite do governo dos EUA. Foi o Chefe do Gabinete
Militar durante todo o período da presidência de Kubitschek. Entre setembro de 1961 e julho de 1962, era comandante do II
Exército. Logo após, foi nomeado Ministro da Guerra. A partir de 1963, desempenhou um papel importante na conspiração
envolvendo militares, políticos e empresários que derrubou do poder o presidente Goulart (DHBB, Verbete biográfico).
987 Em agosto de 1961, Delgado-Arias, primeiro secretário da embaixada dos Estados Unidos (escritório de Brasília),
registrou ter recebido um telefonema de “Renato Denys, filho do Marechal [Odílio Denys, ministro da Guerra]”, pedindo
581

Niles Bond – que, como informado no capítulo 2, foi membro de uma organização clandestina
de inteligência do governo americano criada durante a Segunda Guerra Mundial e que existiu até 1955
(The Pond) – declarou ter sido o responsável pela vinda de Vernon Walters, adido militar norte-
americano, ao Brasil:

Fui eu quem sugeri Vernon Walters para aquele trabalho. Ele era perfeito para isso. Foi
depois da crise de sucessão, porque me lembro que Linc [Lincoln] Gordon tinha
chegado fazia poucos meses quando foi chamado de volta [aos Estados Unidos] para
consulta. Nós tínhamos recém-perdido nosso adido militar (...). Linc me perguntou,
"Há qualquer coisa que eu deva solicitar à Casa Branca ou a qualquer pessoa, quando
eu voltar?". Então, eu disse, "Nós precisamos desesperadamente de um bom adido
militar. Por favor, faça todo o possível para que Vernon Walters assuma esse trabalho".
(...) ele tinha participado da campanha na Itália [durante a Segunda Guerra Mundial]
como ligação com a divisão brasileira. A pessoa com quem ele tinha dividido tendas
durante a campanha, marechal Castelo Branco, estava naquele momento, prestes a ser
eleito presidente do Brasil. Então, de qualquer maneira, eu implorei a Linc que tentasse
conseguir essa nomeação. Ele me contou, quando retornou ao Brasil, que teve que ir à
Casa Branca para tentar conseguir isso. (...) Assim que Dick Walters chegou, Linc o
levou para ver o presidente Goulart. Seu escritório ficava em uma parte do palácio, e
sua camarilha militar a apenas algumas salas de distância. Quando o embaixador e
Walters deixaram a sala presidencial (...) Linc me perguntou se eu levaria Dick
[Walters] para encontrar a camarilha militar, nenhum dos quais eu conhecia
pessoalmente. Eu disse a Dick: "Você sabe, eu tenho tido problemas para chegar a
essas pessoas. Eu espero que você conheça alguns deles". Assim que atravessamos a
porta, eu pude ver doze ou quinze pessoas sentadas, todos coronéis e generais. Eles
pularam das cadeiras. "Walters! Walters!" Eles correram até ele e o abraçaram. Foi
incrível! (Risos) Desse momento em diante, nós tivemos acesso a todos os militares.
Foi realmente incrível. Goulart foi derrubado pelo Exército em 1964, e o companheiro
de tenda de Dick Walters na campanha da Itália foi designado presidente. As Forças
Armadas (que o tinham nomeado) queriam celebrar sua posse com um grande jantar
em sua homenagem. O novo presidente recusou educadamente, dizendo "Não, eu
quero um jantar tranquilo". E então ele chamou Dick Walters, e ele e Dick jantaram
sozinhos na noite de sua posse. A única pessoa com quem ele queria falar era Walters
(Entrevista, 1998, itálicos meus).

Não há dúvidas de que o governo norte-americano cogitava a possibilidade de ajudar os


brasileiros contrários ao governo Goulart a derrubá-lo. Ela foi devidamente registrada em um

para encontrá-lo privadamente. O marechal Denys e outros ministros militares estariam convencidos de que Goulart era um
“instrumento” dos extremistas, mas considerariam que Jânio Quadros era ainda mais perigoso e temiam o seu retorno ao
poder. Para eliminar essa possibilidade, eles estariam “buscando desesperadamente evidências que implicassem o ex-
presidente Quadros em uma conspiração comunista ou que indicassem que ele tinha conexões comunistas”. E apelavam ao
governo dos Estados Unidos para que lhes fornecesse qualquer possível evidência que tivesse nesse sentido (Telegrama,
29/08/1961).
582

documento elaborado em 11 de dezembro de 1962 pelo Comitê Executivo do Conselho de Segurança


Nacional (NSC) dos Estados Unidos, intitulado “Políticas de Curto Prazo dos Estados Unidos para o
Brasil” (U.S. Short Term Policy Toward Brazil)988:

1. Dentro das próximas duas semanas, antes do Natal de 1962, haverá uma discussão
com o presidente Goulart em termos gerais, que refletirá os pontos de vista do
presidente Kennedy e que enfatizará (a) as preocupações dos Estados Unidos com os
desenvolvimentos políticos e econômicos do Brasil; (b) o desejo de colaboração dos
Estados Unidos com o Brasil nas áreas econômica e política; e (c) a convicção dos
Estados Unidos de que tal colaboração será prejudicada enquanto persistirem certas
dificuldades. (...) 2. Depois disso, será conduzido com o presidente Goulart um diálogo
contínuo e pessoal em nome do presidente Kennedy (...). 3. Se a reação inicial do
presidente Goulart a estas discussões for favorável e se ele começar consequentemente
a mudar a orientação de seu governo, então os Estados Unidos evitarão ostentações de
favorecimento aos elementos no Brasil amigáveis a nós, mas hostis ao presidente
Goulart. (...) 1. As alternativas disponíveis para os Estados Unidos são: A. Nada fazer e
permitir que o atual curso continue; B. Colaborar com elementos brasileiros hostis a
Goulart visando a sua derrubada. C. Procurar mudar a orientação política e econômica
de Goulart e seu governo. 2. A alternativa “A” foi rejeitada, porque a crise financeira
externa e interna brasileira, com a exaustão das reservas de troca estrangeiras, exigirá
uma reação dos Estados Unidos, seja ela positiva ou negativa, para o novo programa de
estabilização econômica a ser apresentado em janeiro. A presente situação, em resumo,
é instável, e terá de mudar brevemente, tanto para melhor quanto para pior. 3. A
alternativa “B” é rejeitada neste momento, pois não há evidências suficientes de (a)
efetiva liderança da oposição militar ou civil no Brasil em condições de agir
prontamente; (b) um movimento organizado com uma real capacidade e disposição de
derrubar o governo Goulart; (c) uma capacidade dos Estados Unidos, no futuro
próximo, de estimular uma operação desta natureza com êxito. As necessidades e
possibilidades de mudar para a alternativa “B”, porém, devem ser mantidas sob
consideração ativa e contínua. 4. A alternativa “C” foi selecionada como a única
abordagem viável no momento e também como a que possui razoável chance de

988 Dele participaram o presidente e o vice-presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson, os
secretários de Defesa, Estado e Tesouro (Robert McNamara, Dean Rusk e Douglas Dillon respectivamente), o procurador-
geral dos Estados Unidos, Robert Kennedy, o diretor da CIA, John McCone, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas
estadunidenses, Maxwell Taylor, o conselheiro especial de assuntos de segurança nacional do presidente Kennedy,
McGeorge Bundy, o secretário de Estado adjunto para assuntos interamericanos, Edwin Martin, e os conselheiros especiais
deassuntos latino-Americanos do presidente Kennedy, Ralph Dungan e Arthur Schlesinger Jr.
583

sucesso989. Deve ser tentada em todo caso antes de decidir-se mudar para a alternativa
‘B’ (NSC, 11/12/1962, itálicos meus).

Robert Kennedy, procurador-geral dos Estados Unidos e irmão do presidente norte-americano,


seria o responsável por transmitir ao presidente brasileiro a mensagem definida pelo NSC. Em 17 de
dezembro de 1962, sem anúncio oficial na imprensa brasileira, Robert Kennedy chegou ao Brasil.
Reuniu-se por três horas com o presidente João Goulart, o embaixador Lincoln Gordon e um intérprete,
e logo em seguida partiu de volta aos Estados Unidos. Permaneceu menos de seis horas em território
brasileiro990. No início de janeiro de 1963, Gordon comentaria: "Nós precisamos de mais tempo para
que a missão do procurador-geral dê frutos, o que nunca se esperou que ocorresse imediatamente, ou
para que a alternativa B seja desenvolvida, para a qual os elementos-chave brasileiros ainda não estão
prontos" (Telegrama, 02/01/1963).
Poucos dias depois, o embaixador norte-americano voltaria a se referir à "política de curto
prazo" definida para o Brasil no NSC em dezembro de 1962, comentando que, entre os "elementos
democráticos brasileiros moderados" que deveriam continuar sendo apoiados, as Forças Armadas – por
sua organização e força física – eram "elemento-chave". Na tradição brasileira, afirmava Gordon, elas
tinham forte histórico de "comportamento moderado", atuando como "guardiãs do sistema
constitucional". Mas o embaixador identificava o surgimento de algumas ameaças:

989 Com relação a essa alternativa, o documento observou: “6. Uma confrontação com o presidente Goulart em relação a
suas políticas internas e externas podem produzir uma mudança de rumo, mas é improvável que isso ocorra imediatamente.
Será necessário manter a pressão e continuamente discutir com ele tópicos específicos. Tendo em mente nossa avaliação do
presidente Goulart e nossa experiência passada com ele, isto pode ser melhor alcançado a partir de: A) Criação de uma
relação pessoal entre o presidente Kennedy e o presidente Goulart com repetidas aproximações pessoais ao presidente
Goulart em nome do presidente Kennedy. B) Simples aproximação ad hoc relacionada a temas e situações específicas. C)
Procurar influenciar conselheiros-chave de Goulart receptivos a nossas visões. D) Continuar a encorajar elementos
democráticos e moderados no Congresso, nas Forças Armadas e em qualquer meio que advogue políticas domésticas e
externas que possamos apoiar. E) Ajustar a assistência estadunidense à performance brasileira. F) Conceder toda e qualquer
assistência financeira disponível requerida para preencher imediatamente o deficit de intercâmbio externo em curto prazo,
sob condições que não impliquem nenhum comprometimento de longo prazo. G) Pressionar o governo Goulart a tomar
posições públicas sobre questões críticas para a cooperação Brasil-Estados Unidos” (NSC, 11/12/1962).
990 Segundo Moniz Bandeira (2010, p. 201-203), “John Kennedy (…) mandou seu irmão (…) entrevistar-se com Goulart,
com objetivo de extorquir-lhes concessões, mediante pressão e ameaças. (…) Segundo fonte do Departamento de Estado,
ele [Robert Kennedy] deixou claro, no encontro, que o Brasil não deveria esperar ajuda maciça dos Estados Unidos, caso
não adotasse medidas para combater a inflação e não colaborasse com o Ocidente, ou seja, não tomasse posição contra
Cuba. O governo de Washington, na verdade, estava utilizando os empréstimos ao Brasil como instrumento de pressão
econômica e política (…)”.
584

A orientação pró-ocidental da maioria dos oficiais permanece forte. Contudo, em


função da nomeação de oficiais ultranacionalistas e esquerdistas para um número
crescente de posições-chave, e por causa do aparente sucesso moderado da agitação de
ultranacionalistas e esquerdistas entre os militares de hierarquia mais baixa
(especialmente, sargentos), a influência democrática das Forças Armadas pode não
durar, a menos que nós ativamente apoiemos elementos confiáveis entre os militares.
(...) Nós deveríamos estar agora aptos a dar provas convincentes de solidariedade e
apoio com relação às Forças Armadas, entregando ou nos comprometendo a entregar
algumas das desejadas categorias de equipamento ou suporte. De longe, itens mais
efetivos nessa categoria seriam fuzis M-14 para o exército e C-130S e helicópteros
para a Força Aérea. (...) Ao retornar das consultas em Washington, eu cuidadosamente
explorei a sugestão do Secretário [de Defesa] McNamara, de que os M-14 fossem
substituídos por M-1, mas percebi que, certo ou errado, o Exército brasileiro tem um
desejo inabalável pelo M-14 ou um fuzil moderno semiautomático similar, uma atitude
que está além do nosso poder de influência. (...) Já que a impressão que queremos
passar para as Forças Armadas brasileiras é a de que queremos ajudá-las e estamos
preparados para fazê-lo efetivamente, desde que permaneçam sendo os defensores da
democracia no Brasil, deveríamos ter uma decisão favorável do governo dos Estados
Unidos agora, para nos permitir informar a nossos amigos (...) que o equipamento
desejado está disponível e nós estamos preparados para um firme compromisso, assim
que formos assegurados de que a liderança das Forças Armadas permanece em mãos
pró-democráticas. Isso aumentaria a influência que eles possuem na definição do
regime e também poderia aumentar a sua compreensão de que poderiam contar
conosco em uma emergência. (...) (Telegrama, 14/01/1963, itálicos meus).

Embora faltem elementos – pela ausência de documentos liberados sobre as ações da CIA no
Brasil – para avaliar a qualidade, profundidade e efetividade das relações estabelecidas entre o governo
norte-americano e militares brasileiros, os elementos apontados acima, assim como o histórico de
atuação dos Estados Unidos em outros países – especialmente na Guatemala (ver FICHA em anexo) –
nos permitem aventar a possibilidade de que os setores de inteligência daquele governo tenham
participado das atividades de organização do grupo militar que conspirou contra o governo João
Goulart. É razoável, dentro dessa linha de raciocínio, especular que militares próximos aos Estados
Unidos, como Ulhôa Cintra e Muricy, cumprindo o papel de articuladores dos principais grupos
envolvidos no planejamento golpista, tenham contado com apoio de seus pares norte-americanos.
Na lógica das ações encobertas, era mais importante ajudar os "locais" a realizarem as ações
políticas e militares do que oferecer apoio com o desembarque de tropas estadunidenses no Brasil (algo
que Kennedy não quis fazer nem em Cuba, como visto no capítulo anterior), o que tinha um custo
político gigantesco. As ações encobertas eram, potencialmente, mais efetivas. Mas não podiam ser
celebradas, publicamente, como vitórias. Hasslocher (1999, p. 272) observou que, "à época da
revolução, não se esperava" que ele mencionasse a participação da CIA, nem a CIA iria falar sobre "sua
585

eficiente intervenção para ajudar a salvar o Brasil". Mas o chefe do setor clandestino da CIA para a
América Latina pôde apreciar o trabalho realizado: J. C King esteve pessoalmente no Brasil, com
bastante discrição, durante a "revolução de abril", conforme Adolf Berle Jr. registrou em seu diário.
"Algum dia nós saberemos dessa história" (BERLE, 14/05/1964)991.

10.5 Ações no campo estudantil

A SEI considerava fundamental que a execução do programa do “Estado-Maior das forças


democráticas” mobilizasse todos os setores sociais. Para utilizar a expressão de Wladimir Lodygensky,
o trabalho entre os estudantes era outra importante “frente de combate” anticomunista 992. Uma das
iniciativas da SEI nessa área foi a criação do Conselho Latino-Americano de Coordenação Estudantil
(CLACE), cuja sede ficava na cidade de São Paulo. Não foi possível determinar em que ano o CLACE
surgiu. A revista que a organização editava, chamada Alvorada, teve seu primeiro número publicado em
julho de 1960. Waldo Domingos Claro 993 era o diretor-responsável, e Tércio Sampaio Ferraz Jr. 994, o
redator-chefe. Os demais redatores da revista eram Mario Destefani, Carlos Lessa Fonseca, Ronaldo R.

991 “[J. C. King] had been very quietly in Rio through the recent April revolution there. Someday we will get the story".
992 Essa era também uma preocupação do governo norte-americano. Em julho de 1961, quando se preparava para deixar
seu posto no Brasil, o embaixador Cabot enviou ao Departamento de Estado um relatório sobre seu trabalho à frente da
embaixada no Rio de Janeiro, informando, entre outras coisas, que existiam dois jovens oficiais, um da USIA e outro “de
outra Agência” – ou seja, a CIA – especificamente designados para trabalhar no “campo da educação” (Memorando,
20/07/1961).
993 Segundo Bortone (2018, p. 34-5), o jornalista Waldo Domingos Claro “foi secretário particular do presidente da UDN,
Herbert Levy, proprietário do jornal Gazeta Mercantil, no qual trabalhou”. De acordo com o blog de Domingos Claro
consultado pela autora, o jornalista “apoiou o ‘movimento revolucionário’, mas rompeu durante o governo de Castello
Branco, quando percebeu “que entrava em barco errado”, pois “nem a corrupção fora desarticulada, nem a democracia
reestabelecida”. Em 1964, passou a trabalhar como redator da seção internacional do jornal O Estado de São Paulo.
Conforme Cestari (2013, p. 95), Waldo Claro, antes de 1964, tornou-se presidente da Aliança Democrática Brasil (ADB),
“uma organização de direita, formada por jovens estudantes de classes média e alta”, cujo programa de ação “visava
combater a ‘comunização’ nos meios estudantis, as reformas propostas por Brizola e Goulart, a legalização do PCB, a UNE
e a UBES, a encampação das refinarias particulares, o preenchimento de postos-chave da administração com elementos
considerados comunistas, a influência de líderes sindicais nos assuntos do país”. Ele tinha uma coluna no jornal Notícias
Populares intitulada “Waldo Claro denuncia” que, segundo Cestari, estava “situada, estrategicamente, na página sindical”,
na qual alertava sobre a ‘infiltração comunista’ no Brasil”.
994 Graduado e doutor em filosofia e direito, é professor titular da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e atua como advogado e jurista.
586

B. Poletti, Kalil Rocha Abdala, Cesar Luiz Eduardo C. do Prado, Antonio Borda Aneiva 995, e Mario
Zuñiga e Luiz Zuñiga996 – sendo os três últimos de nacionalidade boliviana.
A revista apresentava textos em português e espanhol, com temas e autores de diferentes países
da América do Sul. Ao final, tinha uma coluna intitulada “Aos nossos patrocinadores”, em que os
editores da revista agradeciam o apoio recebido, reconhecendo “o alto sentido de seu papel e de sua
posição absolutamente objetiva e independente, na defesa dos interesses da classe estudantil”. O apoio
concedido pelos patrocinadores não seria apenas material, mas também “moral e intelectual”. As
seguintes pessoas foram nominalmente citadas: embaixador Hugo Behtlem (membro da SEI – ver
capítulo 7), professor Antônio Carlos Pacheco e Silva (ligado à SEI), dr. Theodoro Quartim Barbosa 997,
embaixador Ernesto de Moraes Leme998, dr. Henrique de Souza Queiroz, dr. Edgard Baptista Pereira, dr.
Francisco Malta Cardoso, dr. Wladimir Pereira (diretor da SEI), dr. Justo Pinheiro da Fonseca, dr.
Oscar Americano, dr. Renato Maciel de Castro (membro da SEI), dr. Paschoal Izoldi, prof. Miguel
Reale (membro da SEI), dr. Paulo Edmur de Souza Queiroz 999, dr. Vicente Ferreira da Silva, dr. Ângelo
Simões Arruda (membro da SEI) e dr. Nelson Gouvêia (diretor da SEI) (Alvorada, ano I, n. 1, julho de
1960).
Em seu editorial de apresentação na revista Alvorada, o CLACE afirmava que “urgia a
organização, na América Latina, de uma entidade dedicada à coordenação dos esforços das associações
estudantis”1000. A organização considerava que as entidades estudantis brasileiras viviam uma “época de
995 É interessante notar que, de acordo com seus registros de entrada no Brasil, Aneiva, nascido em 1933, ingressou no país
em maio de 1956, ano de criação da SEI (ANEIVA, Cartões de imigração, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro). Em
setembro de 1960, então com 27 anos de idade, prestou depoimento para o Jornal do Comércio sobre a revolução cubana,
tendo sido identificado pelo jornal como Diretor-Secretário do CLACE. Declarou ter participado, em agosto de 1960, do I
Congresso Latino-Americano de Juventude, realizado em Havana, e que os estudantes deveriam apoiar Cuba para evitar que
o país virasse comunista, “para que não se consuma a entrega total a potências que em tudo são contrárias à alma intrínseca
da América” (Jornal do Comércio, 08-09/09/1960). O jornalista Flávio Deckes entrevistou uma ex-funcionária que atuou no
CLACE entre 1959 e 1961 – Deckes afirma que o CLACE foi criado em 1958. Possivelmente com base no depoimento
desta ex-funcionária (cujo nome não foi revelado), Deckes afirma que, após o golpe de 1964, vários militantes de “entidades
cívicas” que combateram e apoiaram a oposição ao governo Goulart se desmobilizaram, entre eles, Cesar Aneiva, que “de
um momento para outro viu-se privado de fontes de renda” (DECKES, 1985, p. 20).
996 Os irmãos Mario e Luiz Zuñiga, nascidos em 1929 e 1931 respectivamente, também ingressaram no país em 1956, ano
de criação da SEI. Em 1960, Mario tinha 31 anos, e Luiz, 29.
997 Diretor do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo (DREIFUSS, 1987, p. 213).
998 Formado em Direito pelo Largo de São Francisco (1919), foi professor dessa faculdade até aposentar-se em 1966. Foi
também deputado da Assembleia Constituinte e Legislativa de São Paulo (1935-1937) pelo Partido Constitucionalista. A
partir de 1945, ingressou na UDN. Foi reitor da USP entre 1951 e 1953 e delegado permanente do Brasil na ONU. Foi aluno
da ESG no Curso Superior de Guerra, turma de 1959. De acordo com Pereira (2007, p. 61) – que pesquisou os documentos
do fundo Ernesto Leme, disponíveis na Universidade São Francisco – o ex-reitor da USP era “ativo participante” da SEI.
Boa parte dos integrantes do CLACE eram estudantes de cursos da USP, especialmente Direito.
999 Empresário e intelectual, chefe de um Grupo de Estudos do IPES-São Paulo responsável pela coordenação do grupo
reunido em torno da revista Convívio que, como será apresentado mais adiante, era outra das iniciativas da SEI.
1000 A dimensão “latino-americana” era presente no pensamento de Lodygensky, que afirmou, em seu livro sobre as
“frentes de combate” na América Latina: “(…) o Brasil faz parte e deve ser enquadrado no conjunto da guerra continental”
587

crescente interferência nacional e internacional, visando a transformar as organizações estudantis em


instrumentos de políticas partidária ou de interesses de grupos ou blocos econômicos e ideológicos”
(Alvorada, ano I, n. 1, julho de 1960). A principal atividade do CLACE estava relacionada à coleta de
informações sobre as entidades estudantis no Brasil – e, pode-se especular, em outros países sul-
americanos. O seu caráter de centro de vigilância das atividades estudantis de esquerda é explicitado na
Exposição de Motivos publicada na revista Alvorada:

Nos meios estudantis, apesar da existência da UIE – União Internacional de


Estudantes, sediada em Praga – da COSEC – Secretaria Coordenadora, com sede em
Leiden1001, e da OREL – Oficina de Relações Estudantis Latino-Americanas, sediada
em Caracas, nota-se certa ausência de informações e de coordenação das entidades
representativas. Esse fator desfavorável nas relações entre as mesmas é facilmente
comprovável quando analisamos os congressos nacionais e internacionais já realizados.
Para preencher esta lacuna foi criado no Brasil, com sede em São Paulo, o Centro
Latino-Americano de Coordenação Estudantil – CLACE. O CLACE tem por
finalidade: A) Servir de centro permanente de informações sobre problemas e
movimentos estudantis, nacionais e internacionais, à disposição dos estudantes,
diretórios acadêmicos e autoridades. (…). As atividades permanentes do CLACE
compreendem: 1) Serviço de Informações – Destinado a manter em dia as
informações sobre tudo o que se refere à vida estudantil e particularmente o fichário
central e calendário das reuniões, congressos e eleições. 2) Serviço de Relações –
Encarregado da correspondência e da ligação com as entidades latino-americanas e
internacionais. 3) Serviço de promoção – Organizado para promover a aproximação de
estudantes, favorecendo o intercâmbio de ideias e informações. 4) Serviço de ação
social e cultural – Encarregado dos estudos e elaboração de programas construtivos. 5)
Serviço de imprensa – Destinado à divulgação das atividades do CLACE, da edição da
revista e de outras publicações (Alvorada, ano I, n. 1, julho de 1960, itálicos meus).

O CLACE promoveu dois grandes encontros de estudantes secundaristas de São Paulo. Entre os
dias 23 a 25 de novembro de 1962, a entidade organizou a I Convenção Cristã e Democrática dos
Estudantes Secundários de São Paulo, no auditório do Colégio Rio Branco, no bairro Higienópolis. O
(LODYGENSKY, 1967, p. 9).
1001 A COSEC foi uma organização estudantil criada pela e controlada pela Divisão de Organizações Internacionais
(International Organizations Division – IOD) da CIA, responsável pela coordenação das atividades da agência junto a
grupos da sociedade civil. De acordo com Philip Agee (1976, p. 71-3), “as sedes, planejamentos, orientação e funções
operacionais dos programas juvenis e estudantis da CIA são centralizados no Departamento Internacional de Organizações
do DD/P”. Para maiores informações sobre a atuação da CIA junto a grupos estudantis e outras organizações privadas, ver
PAGET (2015), LAVILLE e WILFORD (2006), WILFORD (2008) e SCOTT-SMITH e KRABBENDAM (2003). Em
março de 1962, William A. Tyles, do Office of European Affairs do Departamento de Estado, informou que “a Central
Intelligence Agency é ativa no campo da juventude e dos estudantes e, até o presente momento, esta agência tem assumido a
maior parcela de responsabilidade pelo planejamento das operações de apoio e de contato encoberto com organizações de
juventude e de estudantes nos EUA e no exterior” (Memorando, 21/03/1962).
588

objetivo do evento foi “unir os estudantes em torno de princípios cristãos e patrióticos, claramente
definidos e traçar planos de uma ação construtiva em prol da classe estudantil, fora da politicagem das
entidades oficiais”1002. A convenção foi presidida pelo ultradireitista Carlo Barbieri Filho 1003. Outra
presença de destaque na convenção foi Miklos Boer (Nicolas Boér) 1004, do jornal O Estado de São
Paulo, que proferiu uma conferência sobre “Análise do pensamento contemporâneo”. A segunda
convenção, de mesmo nome, foi realizada na sede do Clube Internacional de Regatas da cidade de
Santos (SP), entre os dias 6 e 8 de setembro de 19631005.
Mas o CLACE não era a única organização estudantil através da qual a SEI operava. De acordo
com o consulado americano de São Paulo, a SEI fornecia “meios, orientação e documentação” para a
União Cívica Estudantil (UCE), “uma organização voltada à formação de líderes estudantis para a
conquista da UNE (União Nacional de Estudantes) e da UBES (União Brasileira de Estudantes
Secundaristas)” (Outline of SEI, 16/05/1962). A UCE, em seu lançamento público, ocorrido em
novembro de 1961, divulgou um manifesto convocando a todos os estudantes para se arregimentarem
“numa União Cívica Estudantil por um Brasil novo”. O manifesto proclamava: “a falta de civismo é o
maior obstáculo ao progresso social, cultural e político do país”. Segundo a UCE, civismo significava
“respeito à ordem democrática, às tradições patrióticas e cristãs do Brasil”, “luta contra a corrupção,
contra os hábitos e preconceitos que dividem a Nação em classes antagônicas”, “solidariedade dos
grupos sociais e regionais para enfrentar os inimigos da nação brasileira, que dentro e fora do país
pretendem impor, a nós estudantes e ao povo brasileiro em geral, regime e formas de vida totalitários e
ateus” e “coragem de chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome e enfrentar os confusionistas, os

1002 Os temas escolhidos para a convenção foram “Análise do pensamento contemporâneo”, “O cristianismo diante desta
realidade” e “O Nordeste brasileiro, um caso concreto”. De acordo com um dos documentos do CLACE reunidos pela
DEOPS de São Paulo, 200 pessoas se inscreveram para participar do evento. Um dos conferencistas foi o deputado federal
pela UDN, José Ulpiano de Almeida Prado, que palestrou sobre “O cristianismo em face da verdade brasileira” (Dossiê
CLACE, DEOPS, 1963).
1003 Conforme Ribeiro (2018, p. 129), Barbieri era um banqueiro paulista – que tinha o hábito de andar com um revólver
na cintura –, ativista da Liga Anticomunista Mundial durante a década de 1970 e fundador da Sociedade de Estudos
Econômicos, Políticos e Sociais (SEPES) no mesmo período – curiosamente, o mesmo nome de uma das organizações
vinculadas à EIA criadas nos anos 1930 na Bélgica (ver FICHA EIA e capítulo 7).
1004 Conforme mencionado no capítulo 6, Boer era um dos “principais contatos” do Free Europe Committee no Brasil
(Memorando, Yarrow para Truitt, 04/05/1961), junto a Wladimir Lodygensky. Por esta razão, provavelmente Boer era
relacionado à Wladimir Lodygensky.
1005 Nesse encontro, foi aprovada uma declaração de princípios: “1. Cremos em Deus, criador do mundo e dos homens,
que pela Sua providência nos governa. Cremos que todos os homens são filhos de Deus e podem unir-se pelo amor mútuo e
mútua cooperação, em busca da perfeição humana. Cremos que não somente os homens, mas também a sociedade e o
mundo foram reunidos por Cristo. (…). 5. Repudiamos frontalmente todas as doutrinas, regimes e organizações totalitárias,
porque ferem os direitos naturais do homem. (…). 6. Somos ainda pela moralização da máquina administrativa, e o
empreendimento do quadro governamental por homens de alta capacidade cultural, moral e técnica, que possibilitarão um
maior desenvolvimento da nação e uma reformulação de nossa estrutura social, encaminhando o país para a verdadeira
justiça social” (Dossiê CLACE, DEOPS, 1963).
589

traidores e os vendidos com absoluta decisão”. Desse modo, a UCE declarava-se, utilizando a típica
linguagem violenta da SEI, “em luta pela limpeza da vida estudantil, da mesquinha politicagem e
contra a infiltração de elementos que agem apenas como agitadores que desmoralizam a classe
estudantil e nada fazem por ela” (Jornal do Dia, 10/11/1961; Diário de Pernambuco, 08/11/1961).1006
De acordo com o consulado americano de São Paulo, a UCE realizava cursos de formação de
“líderes estudantis democráticos”, com duração de duas horas semanais, às quintas-feiras, à noite, e aos
sábados, às 17 horas. Promovia também cursos de oratória, com carga horária de duas horas semanais,
nas noites de quarta e nas manhãs de domingo. Além disso, oferecia também “treinamento físico e
cursos de defesa pessoal (judô), duas vezes por semana”. Um curso de teatro amador para estudantes e
sindicalistas era outra das iniciativas da SEI, sob a supervisão do autor e produtor Milton Pelicciotta. A
SEI fornecia à UCE “um grupo de professores” que ministravam e organizavam os cursos de formação
de líderes tanto na área sindical quanto na estudantil, um serviço de assistência aos estudantes – com
encaminhamento para empregos e estágios em empresas, em regime de trabalho de 4 a 5 horas diárias
–, uma “fundação para oferecer condições aos estudantes para a compra de livros didáticos novos e
velhos a baixo custo (disponíveis na sede da UCE)” e um programa de acampamentos de finais de
semana em fazendas no interior” (Outline of SEI, 16/05/1962). Em entrevista ao empresário e
historiador John W. F. Dulles, Lodygensky demonstrou orgulho em relação a algumas das ações
protagonizadas por integrantes destes grupos:

Lodygensky disse que a “a nossa equipe treinada” arruinou os esforços comunistas.


Lodygensky falou da importância daqueles que se infiltraram nos sindicatos onde os
comunistas tinham poder. Lodygensky contou sobre alguns dos métodos utilizados
pelas pessoas treinadas por ele e sua equipe. No encontro da UNE realizado no Palácio
Quitandinha, em Petrópolis [RJ], a equipe anticomunista treinada colocou algo nas
bebidas que deixava as pessoas alteradas (upsetting effect). Quando a União
Internacional dos Estudantes reuniu-se na praia em Salvador [em 1963], os
anticomunistas puseram algo no churrasco que deixou doentes os membros da União
Internacional dos Estudantes, que era de orientação comunista (Entrevista, Wladimir
Lodygensky, 21/10/1965).

1006 Não por coincidência, o escritório da UCE estava localizado no mesmo prédio onde funcionava a sede da Federação
dos Círculos Operários do Estado de São Paulo – rua Brigadeiro Luiz Antônio, 545, na cidade de São Paulo. Quando
comparados os endereços estampados em panfletos das duas organizações disponíveis nos arquivos da polícia política de
São Paulo, é possível observar que o telefone das duas instituições era o mesmo (32-7991) (Panfleto, Dossiê UCE, 11/1961;
Panfleto, FECOESP, 1963).
590

Diante dos elementos apresentados até aqui, a caracterização da SEI e do CLACE feita pelo
jornalista Flávio Deckes não parece exagerada. Ele destacou que a repressão política no Brasil também
precisava atuar “nas várias áreas da sociedade onde pontificava a esquerda”. Para tanto, era necessário
“alargar os canais de penetração da mensagem salvadora da direita” para isolar os comunistas. Deckes
afirmava que o “CLACE – Centro Latino-Americano de Coordenação Estudantil” seria “talvez junto
com o CEI [sic] – Centro de Estudos Interamericanos [sic], das mais antigas e bem-sucedidas das
chamadas ‘entidades democráticas’ plantadas no Brasil nas décadas de 50 e 60”:

Formada com dinheiro vindo dos bolsos de empresários e descontentes com os


possíveis caminhos que o país tomava, organizada por gente experiente (CIA) em
formação de lideranças, essa entidade conseguiu acompanhar com desenvoltura a
movimentação estudantil, infiltrando agentes em encontros, assembleias, e comícios
nas grandes cidades. Uma organização idêntica completava o trabalho: o CEI [sic], que
dispunha de um arquivo com ficha de todos os estudantes tidos como de esquerda do
Brasil e de vários países do continente. Ligado discretamente ao IPES e ao IBAD,
dispunha de todos os recursos necessários para colaborar com os setores da direita
universitária. (…). O CLACE (…) foi fundado em 1958 por Renato Maciel de Castro e
Vladimir Lodjinski [sic]. Conhecemos uma ex-funcionária da organização, que atuou
entre 1959 e 1961. O CLACE era dirigido por um ex-militar boliviano chamado Cesar
Borda, ligado também a organizações sindicais e tinha ainda como diretores Waldo
Domingos Claro e o próprio Lodjinski [sic]. A organização funcionava na Rua Estados
Unidos, em São Paulo, e depois foi transferida para a Rua Avanhandava, dividindo
uma casa com o CEI [sic], este dirigido por Vladimir Lodijinski [sic]. O tempo dos
militantes do CLACE era preenchido com a coleta e a centralização de informações
que envolvessem nomes de estudantes classificados como “esquerdistas”, não só das
principais cidades brasileiras, mas também da América Latina. A agitação tinha papel
importante na atuação da entidade. Seus militantes circulavam livremente entre
multidões de estudantes que participavam das excursões da diretoria itinerante da UNE
– União Nacional dos Estudantes. O trabalho voltava-se para a sabotagem, invasão,
roubo de documentos e pertences dos participantes, principalmente em São Paulo e no
Rio de Janeiro. Em 1961, militantes do CLACE se hospedaram no Copacabana Palace
e de lá saíram para promover agitação em um encontro promovido pela UNE no Hotel
Quitandinha. A coleta, classificação e arquivamento de informações sobre as lideranças
estudantis da época, porém, se constituía em atividade principal da CLACE. A
atividade da CEI [sic] era mais voltada à formação de lideranças, aprendizado de
técnicas de luta, manejo de armas, etc. (DECKES, 1985, p. 17-18, 25-26).

Outra iniciativa na área estudantil foi liderada pelo IPES e pela Câmara Americana de Comércio
de São Paulo, com apoio da SEI e do governo dos Estados Unidos 1007. Logo que o IPES entrou em
1007 Em maio de 1958, o cônsul-geral dos EUA em São Paulo, Richard P. Butrick, avaliava: “os estudantes universitários
latino-americanos são imaturos; eles são essencialmente subjetivos e não objetivos; os mais extremistas buscam uma
591

atividade, foi criada a Associação Universitária Interamericana (AUI), que selecionava e organizava
grupos de estudantes universitários brasileiros para realizarem estágios de curta duração em
universidades dos EUA. Sua líder ostensiva foi Mildred Devereaux Sage, psicóloga especialista em
relações industriais, esposa de Henry M. Sage, empresário norte-americano residente em São Paulo 1008.
Mas a ideia original desta iniciativa era anterior à criação da AUI. De acordo com um relatório de Aldo
D’Alessandro, chefe do USIS do Rio de Janeiro, entre 1960 e 1961 as atividades do Comitê de
Relações Brasil-Estados Unidos da Câmara Americana de Comércio de São Paulo (ver capítulo 9)
“priorizavam em grande medida um programa de relações públicas e de bolsas para estudantes
universitários” (Relatório, 18/07/1961).
Ainda em 1960, o Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos da Câmara Americana de
Comércio do Rio de Janeiro realizou uma pesquisa de opinião para fundamentar a elaboração de um
programa destinado a conter a “extraordinária barreira de acusações e críticas contra os Estados Unidos
e especialmente contra a comunidade americana de negócios no Brasil”. Os resultados mostravam um
“clima de opinião que não poderia ser ignorado”: “os estudantes claramente manifestavam um
nacionalismo muito maior do que a população em geral”.

Vastas proporções de estudantes (…) têm muito interesse em temas apresentados pela
propaganda nacionalista. Eles leem jornais com maior frequência. E muitos deles estão
convencidos de que o nacionalismo é o melhor remédio para os problemas brasileiros.
O que causa preocupação com a opinião dos estudantes no Brasil é a tradicional
relevância com que ela é tratada nas culturas latino-americanas – muito maior do que
ocorre nos EUA. Nessas culturas, a opinião dos estudantes é um fator relevante na
formação do pensamento de outros setores da população, incluindo as lideranças
políticas, estejam elas dentro ou fora do governo. A propaganda nacionalista tem como

exaltação em atividades políticas de um tipo ou outro: eles são frequentemente mobilizados pelo que acontece com outros
grupos estudantis, e escolhem movimentos de agitação seja para negá-los, seja para unir-se a eles. Ação sugerida: ignorar os
grupos esquerdistas antiamericanos ostensivamente, mas secretamente (covertly) agir contra eles através do apoio a líderes
pró-americanos e assistência para que eles obtenham o controle das entidades estudantis. Nós temos muitos amigos. Nós
devemos encorajá-los, junto com aqueles simpáticos a nós, recompensando-os com tours ou homenagens. (…). Neste
momento do desenvolvimento brasileiro, nós podemos encontrar nacionalismos de variados tipos e graus. Frequentemente
estes assumirão forma antiamericana. Em geral a participação americana no debate público sobre nacionalismo deve ser
evitado, mas diplomaticamente e mesmo esforços encobertos (covert efforts) devem ser feitos para direcionar [o debate
público sobre nacionalismo] para uma direção favorável [aos EUA]. (…). Devemos fortalecer nossas ações para expandir o
nosso círculo de amigos e a sua eficiência entre os quadros de professores universitários e entre grupos estudantis, militares,
sindicais, econômicos e de oficiais de governo, e não desperdiçar energias tentando converter nossos inimigos” (Telegrama
n. 146, 23/05/1958).
1008 Presidente da Tudor Limitada – Serviços de Seguros do Brasil (Jornal do Comércio (RJ), 05/01/1965), Diretor-
Gerente do Fundo Mercantil Anhanguera (O Estado de São Paulo, 27/01/1959) e diretor da Solidor Indústria de
Beneficiamento de Madeira S. A. (O Estado de São Paulo, 18/02/1961). Angus C. Littlejohn, um dos fundadores da
DELTEC, era o presidente destas duas últimas empresas.
592

grande objetivo a criação de uma imagem negativa dos EUA – uma imagem dos EUA
como um explorador econômico do Brasil. Os resultados das entrevistas feitas com
estudantes evidenciam o sucesso da propaganda comunista entre os estudantes
brasileiros. A ira nacionalista está centrada nas empresas privadas americanas no
Brasil, que “sangram” a riqueza da nação. (…). Os EUA, especialmente as suas
empresas no Brasil (cujas sedes nos EUA são consideradas com o poder de “controlar”
o governo dos EUA) apresenta uma ameaça tão imediata para o bem-estar econômico
do Brasil que o sentimento negativo criado em relação a essas empresas obscurece a
sua percepção sobre outros aspectos dos EUA (Relatório, 11/10/1962).

Diante dessa avaliação, o Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos da Câmara Americana de


Comércio do Rio de Janeiro elaborou um plano para “eliminar ou reduzir os fatores que os brasileiros
em geral consideram injustos em relação às empresas estrangeiras que vendem bens ou serviços no
Brasil” – algumas implicações e propostas neste sentido foram discutidas no capítulo 9. Uma das ações
para modificar este cenário negativo para os interesses das empresas privadas norte-americanas no
Brasil era a concessão de “bolsas e viagens – o melhor, porém mais caro plano para mostrar a verdade
sobre os EUA” (Relatório, 11/10/1962).
Em outubro de 1961, o cônsul norte-americano em São Paulo, William P. Cochran, descreveu
da seguinte maneira uma conversa que teve com Mildred Sage: “solicitaram que ela organizasse (she
has been asked to organize) uma viagem de estudantes aos Estados Unidos – cem ou mais deles. Isto
está mexendo com a imaginação dela, e eles esperam enviar alguns antagonistas, assim como alguns
elementos favoráveis” (Carta, 06/10/1961, itálicos meus). Em janeiro de 1962, Sage compareceu ao
consulado norte-americano em São Paulo para discutir o projeto de envio de estudantes brasileiros para
uma temporada nos EUA: “Ela já havia discutido o projeto com a embaixada e no Departamento de
Estado e obteve assistência financeira considerável de empresas privadas”, escreveu o cônsul
americano, acrescentando que o governo dos EUA havia garantido “10 mil dólares para financiar o
projeto” (Memorando, 30/01/1962).
Dois meses depois, o novo cônsul em São Paulo, Daniel M. Braddock, enviou um telegrama
para o secretário de Estado Dean Rusk, comunicando que “O IPES e a Câmara Americana de Comércio
elegeram este projeto (Sage) como prioridade e estão canalizando fundos para ele”. No mesmo
telegrama, Braddock expressou o principal objetivo do programa: “espera-se que os estudantes, ao
voltarem para suas universidades, tornem-se um forte núcleo anticomunista” (Telegrama, 10/03/1962).
O seu público-alvo seriam “potenciais líderes indecisos entre o mundo livre e o comunista, mas que
ainda demonstram ter mente aberta”. Entre os estudantes selecionados, os de “tendências esquerdistas”
593

também seriam representados. Por outro lado, explicou o cônsul, “os diretores do projeto irão garantir a
inclusão no grupo de alguns estudantes convictamente democráticos e bem articulados e a exclusão de
qualquer conhecido ou suspeito de ser comunista” (Telegrama, 04/04/1962)1009.
Seriam priorizados os estudantes progressistas, que participassem dos diretórios acadêmicos de
seus cursos ou fossem engajados em iniciativas comunitárias. Os promotores da iniciativa buscavam
estudantes que estivessem no início ou até, no máximo, a metade de seus cursos, esperando, assim, que
os resultados de seu estágio nos EUA tivessem pronta repercussão no retorno ao Brasil. Buscavam-se
estudantes com potencial de exercer funções de liderança no futuro, nas áreas em que fossem atuar.
Como formulou a própria Mildred Sage, em um texto explicativo do programa, os estudantes
brasileiros constituem um grupo que forma “a estrutura da liderança local e nacional dos anos
vindouros”. Sua meta era “construir uma liderança democrática no Brasil”1010 (Carta, 17/09/1962).
Um relatório da AUI referente ao ano de 1965, enviado a Henry Kissinger, trustee da
organização, concluía que o resultado do programa havia sido positivo. Mildred Sage considerava que
“a mudança de atitude mais evidente sobre os EUA foi a diminuição da hostilidade, com um
decréscimo de ideias estereotipadas”. Os estudantes teriam descoberto que, afinal, “a América [EUA]
não era um monstro”. Sage também identificou que muitos participantes do programa foram eleitos
para diretórios acadêmicos de suas universidades e conseguiram oportunidades de trabalho em órgãos
governamentais. A maior parte dos estudantes moderados passou a ser mais ativa na política estudantil,
enquanto os mais radicais afastaram-se temporariamente da política estudantil. Muitos estudantes
desejavam voltar aos EUA para estudos de pós-graduação e mantiveram laços com os EUA, através de
assinaturas de revistas americanas e contatos com as famílias americanas que os receberam em suas
casas (Relatório, 1965).

1009 Em visita ao consulado de São Paulo, Sage explicou alguns aspectos do processo seletivo dos estudantes que iriam
participar do programa: “A sra. Sage esclareceu que, como resultado de uma recente visita aos EUA e dos contatos com
empresários locais, foram arrecadados recursos suficientes para o projeto. A sra. Sage explicou que o grupo consiste em 75
estudantes universitários selecionados de universidades de São Paulo, Guanabara, Pernambuco e Bahia. O seguinte processo
de seleção será utilizado em cada uma das universidades: 4 estudantes serão escolhidos de cada uma das 4 faculdades
(Direito, Medicina, Engenharia e Filosofia). Destes 16, dois serão nomeados pelos grêmios estudantis. Um estudante será
selecionado pelos reitores de cada uma das 4 universidades, perfazendo um total de 68 estudantes. Quatro estudantes serão
indicados pela UEE [União Estadual de Estudantes], um estudante pela UNE e dois pela SEI, perfazendo um total de 75
estudantes. Os suplentes também serão selecionados pela SEI (Memorando, 19/03/1962, itálicos meus).
1010 Em meados de 1962, a primeira turma de estudantes, “cuidadosamente escolhida”, foi enviada para os EUA, com
todas as despesas pagas, residindo nos arredores da Universidade de Harvard, onde frequentaram seminários com
professores (entre eles, Henry Kissinger) do Centro de Estudos Latino-Americanos da universidade e outros convidados.
Também participaram de diversas atividades culturais e visitaram a capital Washington DC, onde assistiram a palestras com
membros do governo. Para maiores informações sobre a da Associação Universitária Interamericana, ver a sua história
oficial: AUI, 2008.
594

10.6 Ações do complexo IPES/IBAD/SEI no âmbito sindical

No início de 1962, Wladimir Lodygensky encaminhou ao IPES um extenso documento,


intitulado Relatório Sindical, que apresentava uma análise sobre a situação desse campo no Brasil, com
especial atenção às “táticas comunistas”1011. Nesse mesmo documento, apresentava-se a orientação que
guiaria as atividades sindicais da SEI: “a disciplinação da força sindical, mantendo-a nos exatos limites
de suas atribuições legais e orientando-a cada vez mais no sentido da cooperação e da integração social,
que constitui um imperativo de sobrevivência do regime democrático”. Para a SEI, era imprescindível
organizar os “movimentos sindicais democráticos”, ao menos em todas as capitais e cidades onde havia
maiores centros de sindicalização, com a instalação de escritórios estruturados com recursos materiais e
humanos, que estariam ligados a um escritório central (Relatório, 19/12/1961).
Os dirigentes sindicais deveriam ser “de real capacidade” e de “notória experiência”,
responsáveis pelo planejamento e direção de toda a ação sindical. Eles deveriam ser auxiliados por
“elementos de ligação, para viajarem a qualquer momento para qualquer ponto do território nacional”.
E, como seria de se esperar de uma organização particular de inteligência, os “elementos de ligação”
deveriam utilizar “inclusive códigos em sua comunicação”. Seria, também, indispensável aos
integrantes do “movimento sindical democrático” “aperfeiçoar o atual dispositivo de informação, para
acompanhar e conhecer tudo que possa ter interesse ou se relacione com as atividades sindicais, de
modo especial o trabalho dos agentes comunistas” (Relatório, 19/12/1961).
O relatório da SEI também avaliava que não seria possível “montar uma operação sindical de tal
envergadura e complexidade sem dispor de um grupo ideologicamente unido, de alto padrão moral e de
absoluta idoneidade de caráter”. Em função disso, a organização teria concentrado seus esforços “no
assessoramento e ajuda às diversas organizações do movimento dos Círculos Operários, no qual
considera a SEI existem as melhores chances de encontrar tais elementos”. Ainda assim, destacava-se
que as operações no campo sindical poderiam, dependendo da situação, exigir “a utilização tática de
elementos diversos e até às vezes inescrupulosos”.

1011 Segundo o relatório, a “máquina sindical” estava há algum tempo “ligada às organizações estudantis e camponesas no
Brasil lideradas pelos comunistas”: “Para esse estado de coisas contribuem, de um lado, a omissão das autoridades
policiais, que não reprimem a pregação subversiva, ou do Ministério do Trabalho, que não fiscaliza as atividades sindicais,
evitando seu desvirtuamento para o campo ideológico ou político (…); de outro lado, a ação de alguns políticos, que vivem
a apresentar projetos de lei demagógicos (…), abrindo caminho para a estatização, a morte da livre iniciativa (…)”
(Relatório sindical, 19/12/1961).
595

O documento ressalta a importância dos Círculos Operários em função da “vasta rede de


organizações de base, considerável acervo material e humano”1012 de que dispunha para as operações
pretendidas pela SEI. Por isso, era lógico, segundo o relatório, que o secretário-geral da SEI, Nelson
Gouveia, “há muitos anos especializado em problemas sindicais, tanto por sua atuação nas bases como
na cúpula e no próprio Ministério do Trabalho, tenha sido incumbido, como diretor da Federação dos
Círculos Operários do Estado de São Paulo, de montar o estado-maior e o aparelho de ação” (Relatório,
SEI para IPES, 12/1961).

10.6.1 Os cursos de formação

No início de 1962, o adido trabalhista do consulado de São Paulo, Jack Liebof, em conversa
com Nelson Gouveia, diretor de atividades sindicais da SEI, relatou que a organização contava “com o
apoio da hierarquia da Igreja Católica”. Também relatou que a SEI coordenava “cursos de vários tipos,
de liderança sindical para trabalhadores, relações industriais para o pessoal administrativo, e cursos
mais gerais sobre democracia”1013. Liebof descreveu em detalhes tanto a relação entre os Círculos
Operários e a SEI quanto os conteúdos e a dinâmica dos cursos de lideranças operárias promovidos por
essas entidades:

O curso de formação sindical para trabalhadores é conduzido ostensivamente pela


Federação dos Círculos Operários de São Paulo. (Novamente, a SEI não quer que suas
conexões com os Círculos Operários sejam conhecidas). Grupos de até trinta
trabalhadores passam uma semana em uma fazenda fora da cidade de São Paulo,
assistindo a palestras de dia e participando de grupos de discussão à noite. Todas as
despesas são pagas pela SEI através dos Círculos Operários. Os tópicos trabalhados
nestas palestras e nas discussões incluem organização e funções dos sindicatos,

1012 De acordo com um panfleto de 1963 editado pela Federação dos Círculos Operários do Estado de São Paulo
(FECOESP), havia no Brasil mais de 400 Círculos Operários filiados, através das Federações Estaduais, à Confederação
Nacional dos Círculos Operários (CNCO) espalhadas pelo país (Panfleto, FECOESP, 1963).
1013 O IPES financiava as atividades sindicais da Confederação Nacional dos Círculos Operários. Em carta enviada para o
padre Veloso, José Rubem Fonseca, do Comitê Executivo nacional do IPES, explicou que “dentro das finalidades deste
Instituto (…) preocupa-nos a formação cultural do nosso operariado e o fortalecimento de sua participação sindical
consciente livre”. Desse modo, o IPES decidiu “doar à Confederação Nacional dos Círculos Operários a importância mensal
de Cr$ 1.745.000,00, a partir de abril do corrente, até dezembro” de 1962 (Carta, 02/04/1962). Em 1963, houve um aumento
da contribuição destinada ao programa de formação de líderes sindicais dos Círculos Operários: em reunião do Comitê
Executivo, decidiu-se pagar Cr$ 2.000.000,00 mensais à entidade (Ata, 08/01/1963).
596

legislação trabalhista e social e as encíclicas papais relacionadas aos sindicatos. (…).


Simulações de reuniões sindicais são realizadas para ensinar aos estudantes a como
combater as manobras comunistas. O sr. Gouveia leciona sobre questões sindicais,
assim como oficiais da Igreja Católica e figuras simpáticas e proeminentes do meio
sindical também ensinam aos estudantes. Durante os ciclos semanais os estudantes são
isolados (em estilo comunista, de acordo com o sr. Gouveia) de distrações do mundo
exterior. Trabalhadores de várias ocupações são selecionados para participar a partir de
recomendações de seus empregadores ou através dos Círculos Operários, passando por
uma triagem para excluir os ‘indesejáveis’. Alguns destes trabalhadores pertencem a
sindicatos, mas muitos outros não. Os Círculos Operários mantêm contatos com os
estudantes depois que o curso acaba e tenta organizar encontros periódicos em cada
localidade. Os cursos de formação de sindicalistas iniciaram há oito meses atrás, tendo
sido realizados vários ciclos de formação até agora, perfazendo um total de cem
graduados. O sr. Gouveia espera completar um ciclo semanal de curso a cada semana.
O primeiro curso para trabalhadores agrícolas será realizado entre 5 e 10 de fevereiro,
perto de Campinas. O sr. Gouveia planeja treinar palestrantes que poderão ministrar
cursos similares em outras partes do Brasil. Cursos sobre relações industriais para
supervisores são ministrados pela manhã durante um período de duas semanas para
pessoas indicadas pelas suas empresas. Estes cursos têm um nível de complexidade
maior em comparação àqueles voltados aos trabalhadores. (…). A SEI é representada
pelos Círculos Operários no Conselho de Renovação Sindical (CORS) 1014, composto
pelos Círculos Operários e pelo Movimento Renovador Sindical (MRS) 1015. (…). O
CORS não é muito ativo, mas fornece à SEI um meio para monitorar as atividades do
MRS. (…). Os Círculos Operários (com apoio e orientação da SEI) organizam o
maior número de trabalhadores rurais no estado, trabalhando através da Federação de
Trabalhadores Rurais do Estado de São Paulo. Seu programa tem o objetivo de
incentivar a criação de associações de trabalhadores em cada diocese, que mais tarde se
dividirão em grupos menores com jurisdição municipal. Os bispos católicos de São
Paulo apoiam os esforços da Federação. A União de Lavradores e Trabalhadores
Agrícolas do Brasil (ULTAB), uma organização de fachada dos comunistas, organizou
um pequeno número de grupo locais em São Paulo, mas o ministro do Trabalho negou
até agora o seu reconhecimento oficial enquanto um sindicato legalmente constituído.

1014 Não foram encontradas informações sobre a criação do Conselho Coordenador Nacional dos Movimentos de
Renovação Sindical (CORS). Porém, de acordo com recortes de jornais de um prontuário do DOPS de Santos (SP), no
início de agosto de 1961, a diretoria do CORS era composta pelos seguintes membros: presidente Antonio Alves Figueiras
(Movimento de Orientação Sindicalista (MOS) de Santos), vice-presidente Oliveiros S. Ferreira (Movimento Renovador
Sindical de São Paulo), 1º secretário Jorge Ferreira dos Santos (Confederação Nacional dos Círculos Operários), 2º
secretário José Rotta (Movimento de Orientação Sindicalista de São Paulo), tesoureiro Oduvaldo Baptista (Movimento de
Orientação Sindicalista de Santos). O CORS reuniu-se com o Ministro do Trabalho em 18 agosto de 1961, em audiência da
qual participaram, além do ministro e da diretoria do CORS, o padre Veloso e do frei Henrique Maria de Pirassununga
(assistente eclesiástico do MOS e do Círculo Operário de Embaré) (Recortes de jornais, O Diário e O Expresso,
18/08/1961). Nos dias 29 e 30 de julho de 1961, foi realizado o Encontro Nacional dos Movimentos de Renovação Sindical
no cine Oberdan, em São Paulo, organizado pela Federação dos Círculos Operários de São Paulo e pelo MOS de Santos.
Participaram do encontro mais de 500 representantes das seguintes entidades: Confederação Nacional dos Círculos
Operários, Federação dos Círculos Operários do Estado de São Paulo, Federação dos Círculos Operários Fluminense,
Federação dos Círculos Operários Carioca, MOS de São Paulo, Guanabara e Rio Grande do Sul, Movimento Renovador
Independente de Renovação Sindical da Guanabara e da Bahia e Movimento Renovador dos Marítimos (O Estado de São
Paulo, 28/07/1961).
1015 O Movimento de Renovação Sindical (MRS) foi uma organização formada por trabalhadores, membros da comissão
sindical do PCB, que romperam com o partido em 1957. A organização deixou de existir em 1961 (DHBB, Verbete
temático).
597

Os comunistas estão enfrentando dificuldades para penetrar na área rural, pelo menos
através da ULTAB (Memorando, anexo ao Despacho diplomático n. 200, 13/02/1962).

De acordo com um extenso relatório sobre as atividades sindicais da SEI, também elaborado por
Liebof, os cursos de lideranças democráticas da SEI/Círculos Operários ocorriam em forma de
conferências, grupos de discussão, trabalhos em grupo, com distribuição de panfletos, cartilhas e
utilização de discos em formato LP para cada uma das aulas 1016. Esses cursos eram realizados em vários
locais, mas, a partir de 1962, eles passaram a ocorrer na Fazenda São Jorge, próxima ao município de
Jacareí, estado de São Paulo1017. Tinham duração de um mês e contavam com 25 a 30 alunos, por um
período de seis dias consecutivos, em um regime de internato. Durante o período dos cursos, na parte
da manhã, os professores, descritos como “líderes em questões sindicais”, faziam exposições de uma
hora, seguidas de duas horas de uma sessão de perguntas e respostas. À tarde, o grupo escolhia um
“Presidium” – em alusão ao Soviete Supremo que desempenhava as principais funções de liderança do
Estado soviético – e separava-se em duas equipes, os “democratas” e os “comunistas”, para um debate
de quatro horas, simulando um encontro sindical, para estimular os participantes a desenvolver
habilidades de oratória e persuasão contra os argumentos comunistas1018.
1016 Dois destes discos encontram-se disponíveis no Museu do Som e da Imagem de São Paulo. Dois discos que se
encontram no acervo do CPDOC/FGV (classificação GV disco 054, título Cursos de Líderes Democráticos, aulas 1 e 2) são
provavelmente da SEI – em função de seu conteúdo, narrativa, data e local de produção. Um exemplo da repercussão desse
material foi apresentado por José Vieira da Cruz (2012, p. 280): em setembro de 1960, o monsenhor Luciano Duarte, diretor
da Faculdade Católica de Filosofia do Sergipe, remeteu cartas à SEI solicitando o envio de “quatro discos do curso de
líderes democráticos”. De acordo com o monsenhor, esses discos da SEI eram necessários para a urgente “preparação de
nossa juventude, para fazer face à crescente [e] alarmante penetração dos comunistas”. Agradeço ao professor José Vieira da
Cruz pelo envio das cartas do monsenhor Duarte.
1017 De acordo com a conversa entre Liebof e Lodygensky, o IPES forneceu o dinheiro para a compra da Fazenda São
Jorge (Memorando, 16/05/1962). Conforme depoimento de Lodygensky concedido John W. F. Dulles, empresário e
professor do Centro de Estudos Latino-Americanos da University of Texas at Austin, havia também um centro de
treinamento em Recife. Antes de se transformar em um local de treinamento de lideranças sindicais anticomunistas, a
fazenda São Jorge era uma colônia de nudismo, mas o proprietário, passando por problemas financeiros, resolveu vender o
terreno a Lodygensky por um preço baixo. O local não possuía água encanada nem eletricidade. Assim, Wladimir, seus dois
filhos e oito estudantes trabalharam para construir a fazenda (Entrevista n. 205, Wladimir Lodygensky, 21/10/1965). É
interessante observar que Dulles, em seu livro Unrest in Brazil, cita apenas duas linhas desta entrevista que fez com
Lodygensky, cuja transcrição soma 20 páginas, com informações interessantes, algumas delas esclarecendo aspectos
importantes da sua atuação política. Dulles escolheu deliberadamente não publicar trechos importantes dessa entrevista nem
descrever as atividades políticas de Lodygensky.
1018 A programação do curso previa os seguintes conteúdos: no primeiro dia, eram debatidas “Questões sociais – Sistemas
e filosofias que visam resolvê-los”; no segundo dia, “Organizações e movimentos sindicais nacionais e internacionais –
Organização de associações profissionais e sindicatos locais”; no terceiro, “Temas e teses sociopolíticas que devem ser
defendidas ou combatidas”; no quarto, “Objetivos do sindicalismo democrático e as responsabilidades dos líderes
sindicais”; no quinto, “Encontros sindicais, assembleias e congressos – Métodos e táticas comunistas e democráticas –
Práticas em reuniões públicas”; no sexto, “Atividades sindicais – Recrutamento – Estímulo à participação em organizações
sindicais de base – Liderança e direção sindical”. Os alunos que iriam participar dos cursos eram “indicados de maneira
confidencial pelo administrador da empresa como um potencial candidato”, que posteriormente seria convidado pelo
598

A SEI também oferecia cursos de Assistentes de Relações Sociais, voltados para profissionais
que trabalhavam em funções de supervisão dos operários. Para estimular os empresários a enviarem
seus administradores para participarem dos cursos da SEI, a entidade elaborou um panfleto – traduzido
para o inglês pelo consulado americano em São Paulo – explicando a importância da função dos
Assistentes de Relações Sociais e da formação oferecida pela SEI:

Prezado Senhor, em primeiro lugar, algumas perguntas: Quais são as consequências do


Terceiro Congresso Nacional Sindical? Quais são as organizações e movimentos
profissionais e sindicais existentes no Brasil? Quais são os objetivos e a importância
dos encontros dos partidos populares latino-americanos realizados em Lima? Quando e
onde será realizado o próximo congresso da ORIT? Quais são os reais objetivos das
Ligas Camponesas dirigidas pelo deputado Francisco Julião? Qual o significado do
movimento pela formação da Central Única dos Trabalhadores (CUT)? Como a
opinião pública pode ser conquistada em defesa da empresa privada? Quem está por
trás das agitações sociais nas empresas? Como podem ser aplicados os salários móveis
(movable wages)? Qual o significado da integração das empresas à comunidade
nacional para a sobrevivência do sistema democrático? É possível que você não seja
capaz de responder a estas dez perguntas, entre outras tantas. No entanto, elas afetam a
estabilidade e a existência de sua empresa mais do que os problemas dos custos, de
pessoal ou dos impostos. Por isso, algumas considerações importantes: no último
século, os empregadores podiam se dar ao luxo de não se interessarem pelos problemas
sociopolíticos. Em 1961, entretanto, estes problemas tornaram-se vitais para qualquer
empresa. Eles são tão complexos e evoluem tão rapidamente que apenas especialistas
no assunto conseguem acompanhá-los apropriadamente. Você não dispõe do tempo e
dos meios necessários para se tornar um especialista. Nem mesmo o seu conselheiro
legal ou seu gerente de pessoal podem se dedicar a estes problemas. Você não acha,
portanto, que chegou a hora de escolher um brasileiro de sua total confiança para agir
como seu Assistente de Relações Sociais para gerenciar a sua empresa? Qual será o
papel dele? 1 – Acompanhar o dia a dia da evolução dos problemas sociais e políticos.
2 – Informar o gerente sobre os eventos que afetam as políticas da empresa, a
segurança, a paz social e a opinião pública. 3 – Participar das reuniões dos gerentes em
que é definida a política da empresa. 4 – Cooperar com os colegas de outras empresas
na coordenação de esforços e na discussão de problemas sociopolíticos. 5 – Manter-se
em constante contato com o Instituto Superior de Estudos Interamericanos (ISEI) 1019

sindicato a participar dos cursos. Os nomes dos candidatos escolhidos pelas empresas deveriam ser enviados com
antecedência para Carlos Ernani, diretor dos cursos, ou para Antonio Vieira da Silva, secretário da Federação dos Círculos
Operários do Estado de São Paulo (FECOESP). As empresas deveriam conceder ao trabalhador duas semanas de licença
com remuneração, pagamento de diárias para cobrir as despesas de seu empregado e com os salários dos professores, no
valor de 7 mil cruzeiros por curso. As diárias eram pagas diretamente ao trabalhador, enquanto os 7 mil cruzeiros deveriam
ser pagos diretamente à FECOESP. O objetivo dos cursos era capacitar pessoas a participar das atividades sindicais não
apenas em seus locais de trabalho, mas também das assembleias das suas respectivas categorias. Assim, as empresas que
participavam dos programas sindicais da SEI/Círculos Operários contribuíam “não apenas para resolver os seus próprios
problemas, mas também com a campanha nacional que visa criar uma orientação democrática no sindicalismo brasileiro,
independente de doutrinas subversivas estrangeiras de natureza comunista” (Outline of SEI, 16/05/1962).
1019 Não foi possível encontrar maiores referências ao ISEI, que era mais uma organização de fachada da SEI. Segundo
reportagens de jornal, em 1960 e 1961, o general Hugo Bethlem era o presidente do ISEI. Além de conceder uma entrevista
599

para obter documentação sistemática sobre os problemas relacionados com a sua


especialidade (Outline of SEI, 16/05/1962).1020

Nos cursos ministrados pelo ISEI também eram utilizados discos em formato LP,
acompanhados de livros-texto “distribuídos em diferentes regiões do Brasil por monitores
qualificados”. De acordo com o relatório sobre as atividades da SEI produzido pelo consulado norte-
americano em São Paulo, até maio de 1962 haviam sido completados 148 cursos de Assistentes de
Relações Sociais1021. A SEI ainda apoiava outro curso de formação de “lideranças democráticas” através

veiculada em pelo menos dois jornais enquanto diretor do ISEI, Bethlem também participou do I Congresso de
Economistas, realizado em agosto de 1960, tendo sido um dos signatários da Declaração de Princípios dos Economistas
Brasileiros, documento elaborado durante os debates do evento (O Jornal, 08/01/1961; O Dia, 08/01/1961; O Semanário,
13-19/08/1960).
1020 Cabe destacar que a iniciativa da SEI em oferecer treinamento para “assistentes de relações sociais” e trabalhadores
não era um fenômeno isolado. Na mesma época, nos Estados Unidos, a General Electric (GE), quarta maior indústria do
país e terceira em número de empregados, com 136 fábricas em 28 estados norte-americanos, executou uma extensa
campanha de "reeducação política" para os seus mais de 190 mil trabalhadores, com o objetivo de "reconquistá-los" e
afastá-los do "liberalismo do New Deal" e dos sindicatos (PHILLIPS-FEIN, 2009). Boulware era um “contrarrevolucionário
[norte]-americano”, para quem os empresários eram “os únicos líderes que poderiam salvar um país à beira da tragédia”
(PHILLIPS-FEIN, 2006, p. 250-1).
1021 A SEI, em seu panfleto de divulgação do curso, dizia que a sua “longa experiência no setor de problemas
sociopolíticos, que são de fundamental importância para a moderna empresa”, permitia à entidade sugerir o seguinte
programa: “Seminário para Assistentes de Relações Sociais para gerentes de empresas. 1. Data: a ser iniciado em junho de
1961. 2. Local: sede social da SEI – Rua Avanhadava, 224, São Paulo. 3. Participantes: de 12 a 15 pessoas indicadas pelas
empresas como futuros assistentes e assessores dos gerentes sobre problemas sociopolíticos. O candidato deve ser de alto
nível e da completa confiança do gerente e, tanto quanto possível, ser de nacionalidade brasileira. 4. Equipe docente:
Executivos da SEI e especialistas convidados pela SEI. 5. O seminário terá a duração de duas semanas, cinco encontros
semanais, seis horas diárias, divididos em dois períodos de três horas. 6. Programa diário: Primeiro período – das 9 às 12h –
Apresentação do programa; distribuição dos livros-texto; duas horas de discussão. Segundo período – das 14 às 17h –
Mesmo programa. Um tópico, dividido em duas partes, será discutido por dia. Tópicos – Primeira semana. Segunda-feira:
Integração das empresas nacionais e estrangeiras na comunidade brasileira; tipos de empresas; significado dos processos de
integração. Terça-feira: Posição das empresas em um mundo dilacerado por uma guerra ideológica (in a world torn by an
ideological war). Significado desta guerra. Exemplos. Homem livre e livre iniciativa versus homem e empresas em um
estado burocrático ou totalitário. Quarta-feira: Quais são as organizações, aparatos, frentes, movimentos, etc., que planejam
destruir o sistema democrático. Estudo de seus organogramas, especialidades, linhas de comando e logística. Quinta-feira:
Táticas e métodos de ação comunistas no Brasil, particularmente nas empresas. Exemplos e nomes das organizações de
base. Sexta-feira: Movimentos e sindicatos profissionais e de trabalhadores no mundo e no Brasil. Denominações,
organização e formas de ação. Congressos e técnicas sindicais. Os vários movimentos e suas metas de curto e longo prazo.
Tópicos – Segunda semana. Segunda-feira: Relações humanas no interior das empresas. Construção de um ambiente
saudável e de uma imagem positiva da empresa. Processos técnicos, colaboração e participação dos empregadores e
empregados em atividades sociais. Fatores de produtividade e produção de lucros. Terça-feira: Relações públicas fora da
empresa. Construção de uma imagem favorável diante da opinião pública. Apresentação institucional da empresa e de seu
papel na comunidade. Conflitos pela construção do sistema democrático e contra as campanhas difamatórias e de
desmoralização. Quarta-feira: Ideologia democrática; princípios do desenvolvimento econômico e social; relações
indivíduo, família e empresa. Necessidade de planejamento. Abusos do poder econômico, realidade e demagogia. Quinta-
feira: Ideologia democrática; princípios das relações entre empresas e Estado. Equilíbrio móvel do Estado e interferências
sobre a livre economia. Sexta-feira: Integração latino-americana, interdependência política, econômica e social dos povos
latino-americanos. Economia política da América Latina em relação ao resto do mundo. Solidariedade dos povos latino-
americanos (Outline of SEI, 16/05/1962, sublinhado no original).
600

do Instituto Superior de Cultura e Ação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-RJ). Os cursos, ministrados no período noturno, eram realizados nas dependências da
universidade, voltados tanto para estudantes quanto professores. A SEI contribuía com “documentação
e financiamento” (Outline of SEI, 16/05/1962).
De acordo com as indicações de Liebof, os cursos de liderança da SEI junto com os Círculos
Operários iniciaram-se nos primeiros meses do ano de 1961. Mas os Círculos Operários já possuíam as
suas próprias escolas de formação de lideranças operárias antes dessa data 1022. De acordo com um relato
do adido trabalhista John T. Fishburn1023, de novembro de 1959, a escola de líderes operários,
organizada pelos Círculos Operários no Rio de Janeiro, recebia apoio do governo norte-americano
desde pelo menos o ano de 1957. Fishburn relatou ter se encontrado duas vezes com o padre Veloso 1024,
descrito como “diretor da escola de líderes operários patrocinada no Rio de Janeiro pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro”, no final do ano de 1959. O objetivo das conversas, segundo
Fishburn, foi discutir “o que poderia ser feito em preparação ao final do período de três anos em que o
governo dos Estados Unidos vem apoiando financeiramente esta atividade”. Fishburn reuniu-se com o
padre Veloso um ano antes de esgotar-se o prazo final do apoio financeiro do governo norte-americano

1022 De acordo com o verbete temático do CPDOC/FGV, “No meio da década de 1950, a Igreja tratou de modernizar os
círculos, reorientando seu programa e suas atividades com vistas ao trabalhador brasileiro. A partir do VII Congresso
Nacional dos Círculos Operários, foram incrementadas as escolas de líderes operários, a primeira das quais foi fundada no
Rio de Janeiro pelo padre Belisário Veloso, então assistente eclesiástico da CNOC [Confederação Nacional dos Círculos
Operários Católicos, fundada em 1937]. Nesse momento, registrava-se um esforço no sentido de orientar o movimento
fundamentalmente para os problemas trabalhistas” (Verbete temático DHBB).
1023 Nascido em Moscow, estado de Idaho, em 11/10/1913, John Tipton Fishburn graduou-se na University of Oklahoma
em 1935, e obteve título de mestre na Fletcher School of Law and Diplomacy, em 1936. Na mesma universidade, fez
também o curso de especialização em economia, completado em 1938. Foi assistente do conselheiro econômico do
Departamento de Estado entre 1938 e 1941. Entre 1941 e 1943, foi chefe da Seção de Matérias-Primas e Commodities do
OCIAA. Ainda em 1943, partiu para Buenos Aires, como adido trabalhista e, logo após, para Montevidéu. Entre 1945 e
1948, tornou-se chefe da Seção de Assuntos Regionais da Division of International Labor, Social, and Health Affairs do
Departamento de Estado. Entre 1949 e 1957, foi o conselheiro de assuntos trabalhistas do Bureau of Inter-American Affairs,
até ser designado como adido trabalhista no Brasil em setembro de 1957, onde atuou até julho de 1964 (USA, Biographic
register 1966, p. 170).
1024 Uma das poucas descrições encontradas sobre o padre Veloso foi feita por um agente do DOPS de São Paulo, que
compareceu a uma reunião do “Encontro Sindical Mensal”, patrocinado pela Federação dos Círculos Operários do Estado
de São Paulo em abril de 1961. De acordo com o seu relato, 200 pessoas estiveram presentes à reunião, procedentes de São
Paulo e interior do estado, Santos, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os trabalhos da mesa foram
presididos pelo Ministro do Trabalho, Castro Neves, e os demais integrantes da mesa foram Luiz Roberto Resende Puech,
delegado regional do trabalho, padre Veloso, assistente católico da Confederação dos Círculos Operários do Brasil, frei
Celso Maria de São Paulo, assistente católico da Federação dos Círculos Operários do Estado de São Paulo, José Rota,
diretor de Ação Social e Sindical da Federação dos Círculos Operários do Estado de São Paulo e Nelson Gouveia, redator do
BIS e secretário da SEI. Ainda segundo o oficial do DOPS, O orador mais positivo foi o Padre Veloso que, em rápidas e
inflamadas palavras, elogiou a linha de conduta trabalhista do Ministro Castro Neves e pediu que ele cumprisse a sua
promessa de não implantação do materialismo comunista nos sindicatos do Brasil. Atacou o governo de Fidel Castro e
qualquer ingerência estrangeira nos nossos negócios, e atacou principalmente o comunismo (Comunicado, DOPS São
Paulo, 26/04/1961).
601

à escola para “discutir se a assistência financeira deveria ser estendida para além do período de três
anos” que terminaria em setembro de 1960 (Memorando, 19/11/1959, itálicos meus)1025.
Fishburn julgava “impossível avaliar adequadamente os resultados” da formação de líderes
promovida pela escola dirigida pelo padre Veloso, tendo em vista que se tratava de uma “atividade
essencialmente educacional”, que “não pode ser avaliada em poucos anos de esforços”. Fishburn disse
ao padre Veloso que “o governo dos Estados Unidos não deveria continuar a pagar quase a
integralidade dos custos indefinidamente, e o padre Veloso pareceu concordar com isso”. Fishburn
então comunicou a Veloso que ele cogitava recomendar à embaixada a diminuição gradual da
assistência financeira à escola, mas destacou que “eventos subsequentes” poderiam forçar a embaixada
a “reconsiderar a situação”. Fishburn sugeriu ao padre Veloso “a possibilidade de obter apoio financeiro
de industriais brasileiros”. Veloso teria respondido que isto seria difícil, tendo em vista que seria
“costume dos industriais tentar controlar as instituições para as quais eles contribuem” (Memorando,
19/11/1959, itálicos meus).
Veloso indicou que haveria alguma possibilidade de “obter assistência de organizações como o
SESI e Volta Redonda [Companhia Siderúrgica Nacional, sediada neste município]”, acrescentando que
“estudaria a fundo as possibilidades de obtenção de outras fontes de financiamento”. Fishburn avaliava
que o padre Veloso era “muito dedicado e talentoso”, mas aquela tarefa poderia estar “muito acima das
capacidades de um só indivíduo”. Ele finalizou sua análise sugerindo que a embaixada não deveria
tomar uma decisão imediatamente sobre a extensão do prazo de financiamento da escola do padre
Veloso: “eu também sugeri que uma cópia deste memorando fosse enviada pelo sr. [Donald] Marelius
[chefe da estação da CIA no Brasil] a Washington para que Washington esteja a par da situação atual
deste projeto e apresente a nossa avaliação sobre o tema”1026 (Memorando, 19/11/1959, itálico meu).

1025 Durante o encontro, Fishburn e Veloso avaliaram os cursos da escola: “Até agora a escola de líderes sindicais
conduziu dois tipos de cursos, com uma variação. O primeiro é chamado de ‘cursos de preparação’, e o segundo, ‘cursos de
formação’. Nove cursos de preparação foram completados, e o décimo irá começar no futuro próximo. Um total de 241
indivíduos completaram estes cursos. Os cursos, de duração de nove semanas, com três aulas semanais, incluíam as
seguintes matérias: matemática, português, legislação trabalhista, questões sociais, relações humanas, economia política,
geografia e história. Cinco dos cursos mais avançados de formação eram ministrados na PUC-RJ por um período de seis
semanas, em tempo integral. É providenciada licença do trabalho para os participantes, que estudam as seguintes matérias:
liderança social democrática, economia política, direito constitucional, direito administrativo, organização sindical, prática
da democracia, questões sociais, política internacional, técnicas jornalísticas e estudos sobre marxismo e comunismo.
Geralmente os estudantes destes cursos de formação são graduados do primeiro curso de preparação. Porém, um dos cinco
cursos era um curso intermediário para indivíduos de fora do Rio que não haviam participado dos cursos de preparação. O
padre Veloso está considerando outros tipos diferentes de cursos para cidades mais distantes do Rio e outras áreas”
(Memorando, 19/11/1959).
1026 Na Colômbia, uma organização católica, a Acción Cultural Popular, liderada pelo monsenhor José Joaquín Salcedo
(também vinculada ao CEAS), foi outra que recebeu assistência do governo dos EUA, sobretudo da CIA. Em agosto de
1961, Arturo Morales-Carrión, vice-secretário adjunto de Estado de assuntos interamericanos, produziu um memorando a
602

10.6.2 Criação do MSD e da REDETRAL

A SEI também se relacionava com o Movimento Sindical Democrático (MSD), criado no final
de abril de 1961, em São Paulo, e liderado por Antônio Pereira Magaldi, presidente da Federação dos
Comerciários daquele estado1027. Entre os dias 23 e 24 de julho de 1961, pouco mais de dois meses após
o seu surgimento, o MSD promoveu o I Encontro Interestadual do Sindicalismo Democrático, na
capital paulista. O evento teve a participação de 770 delegados vindos de diversos estados. Na abertura,

pedido de Richard M. Goodwin, assistente do presidente Kennedy para assuntos latino-americanos, que havia solicitado
esclarecimentos sobre a assistência fornecida até aquele momento pelo governo dos EUA à organização colombiana. Em
resposta, Morales-Carrión esclareceu que “o Departamento [de Estado] tem contato com o monsenhor Salcedo há alguns
anos e conhecia bem o trabalho feito por ele. Tem sido fornecida assistência para suas operações no passado e também
atualmente”. Morales-Carrión mencionou que o USIS da embaixada de Bogotá e a ICA colaboravam com a iniciativa de
Salcedo. Informou, ainda, que a “assistência também tem sido fornecida a esta organização por outra agência
governamental”, ou seja, a CIA. Morales-Carrión destacou que “o meio menos problemático (em termos burocráticos e
legais) de apoio seria através da outra agência do governo, aquela que já dá suporte ao projeto”. Anexo ao memorando de
Morales-Carrión, um relatório das atividades do monsenhor Salcedo demonstram que ele recebeu apoio do governo para a
criação de uma fundação para canalizar fundos para as suas ações (oriundas do exterior), na forma de compra de
equipamentos de rádio, de montagem de serviços de assistência médica em regiões isoladas da Colômbia (em 1957), auxílio
à impressão de panfletos, etc. Neste relatório, consta a informação de que a embaixada dos EUA em Bogotá tinha uma
avaliação positiva do trabalho do monsenhor Salcedo, “que poderia ser utilizado (…) vantajosamente”. A embaixada
também se declarou favorável à continuidade de fornecimento de recursos financeiros às ações de Salcedo, “mesmo que de
forma encoberta” (Memorando, 03/08/1961, itálicos meus). De acordo com Cortés (2019, p. 172), a Acción Cultural
Popular (ACPO) é uma organização católica conservadora, criada em 1947, como parte da Rádio Sutatenza, uma iniciativa
de um pequeno grupo de clérigos liderada pelo padre José Joaquín Salcedo. A ACPO promoveu programas de educação de
longa duração às populações rurais da Colômbia. Com base em cinco áreas essenciais (espiritualidade, saúde, alfabetização,
matemática e economia e trabalho), a ACPO criou grupos de estudo conhecidos como “escolas radiofônicas”, que formaram
grupos pequenos grupos de cinco a dez vizinhos orientados por uma liderança local e coordenados pela paróquia. O trabalho
do monsenhor Salcedo não era desconhecido no Brasil. Conforme visto no capítulo 7, um boletim especial da SEI elogiou o
trabalho da ACPO. Em agosto de 1955, o monsenhor Salcedo esteve no Brasil para participar do Congresso Eucarístico
Internacional, concedeu entrevistas reproduzidas em jornais brasileiros e participou de conferências. Em uma delas, para um
público reduzido no externato Sacré Cœur Sa Rio de Janeiro, Salcedo expôs a sua “obra educacional”, apresentado por João
Ribas da Costa, então diretor de relações públicas da S.A. Philips do Brasil ( Tribuna da Imprensa, 30-31/07/1955), que em
1957 seria o diretor do Sistema de Rádio Educativo Nacional (SIRENA), apresentado no capítulo 7. O bispo auxiliar de
Natal, d. Eugênio Sales, esteve na Colômbia “a fim de estudar o sistema de escolas radiofônicas ali criado e dirigido por
monsenhor Salcedo”. Logo após, Sales instalou “uma emissora de educação rural que obedece aos moldes do trabalho
colombiano”. Em entrevista, Sales elogiou o trabalho realizado pela Acción Cultural Popular (Correio da Manhã,
20/04/1958). Philip Agee (1976, p. 126) cita outro exemplo de apoio da CIA a uma instituição sindical católica: o Centro
Trabalhista Católico (CEDOC) do Equador, a cujo líder o chefe da estação local de Quito, Jim Noland, pagava “um salário e
uma verba para custear a sua organização política”.
1027 Magaldi divulgou um manifesto no dia 28 de abril, reproduzido no jornal O Estado de São Paulo, dizendo que o
movimento por ele representado seria “o início da separação ideológica do movimento sindical no Brasil entre o
sindicalismo democrático e o extremista”. Ele afirmava que já não era mais possível “conciliar as campanhas
reivindicatórias dos trabalhadores com os sempre crescentes interesses político-partidários e o habitual sectarismo dos
comunistas” (O Estado de São Paulo, 29/04/1961). Em junho de 1961, Magaldi participou da Convenção Nacional da UDN
realizada em Curitiba, onde leu o referido manifesto, salientando que “no verdadeiro sindicalismo não deve haver lugar para
politicagem, implantação de doutrina que venha do exterior”. Durante o evento, “num repúdio frontal à infiltração
comunista”, Magaldi alertou a população brasileira “do perigo por que passam os sindicatos, quando são agitados por
elementos de Moscou”, destacando que, em São Paulo, “existem 1.600 desses agitadores” (O Globo, 05/06/1961).
603

foi aprovada uma “Declaração de princípios” que, entre outras coisas, fazia a defesa de princípios
liberais, dizendo ser necessário “assegurar e proteger o direito à propriedade privada” e condenando
“toda intervenção estatal em atividades privadas quando os particulares se mostrarem capazes de
desenvolvê-las na medida adequada do interesse coletivo”. Durante a cerimônia de encerramento, foi
aprovada e divulgada a “Carta de reivindicações e posição dos trabalhadores democráticos do Brasil”, a
qual expressava a “necessidade de recolocar o sindicalismo brasileiro em seu devido lugar,
expurgando-o da infiltração de ideologias exóticas e livrando-o, de uma vez, do vírus político sectário”
e condenava “a ação sub-reptícia de elementos obscurantistas que vinha, a pouco e pouco, minando a
estrutura sindical”. A Carta também fez referência a alguns “problemas sindicais”, entre eles o “preparo
de líderes sindicais”: “1. As confederações, federações e sindicatos unirão esforços e recursos para
oferecer aos dirigentes e associados sindicais cursos intensivos de preparação de líderes sindicais. 2.
Reivindicarão junto ao governo da União e dos Estados a criação de escolas para preparação de líderes
sindicais, se possível anexas às faculdades já existentes. 3. Planejamento dos cursos de formação de
dirigentes sindicais, atribuindo a uma comissão de técnicos, indicada pelos órgãos sindicais” (O Estado
de São Paulo, 25/07/1961)1028.
Um dos participantes do encontro e dirigente do MSD, Olavo Previatti, presidente da Federação
dos Trabalhadores na Indústria do Papel, Papelão e Cortiça do Estado de São Paulo, preparou uma tese
a ser apresentada durante o encontro. A sua tese, veiculada no jornal O Estado de São Paulo
(16/07/1961), soa, não por acaso, muito semelhante ao discurso da SEI. Segundo Previatti, havia a
necessidade de “separação entre os dirigentes sindicais autênticos e os de tendência ditatorial, que
somente tentam utilizar-se do sindicalismo para seus objetivos políticos antidemocráticos”. Segundo
Previatti, houve tentativas de conviver com estes elementos indesejáveis, mas os dirigentes
democráticos concluíram ser impossível a coexistência com eles. Os trabalhadores estariam sendo
“vilipendiados e enganados pelos agitadores e demagogos”. Com uma linguagem agressiva, Previatti
defendia que o trabalhador deveria “ser esclarecido e não perturbado”, e batalhar “em seus sindicatos,

1028 A carta ainda afirmava que “usando táticas assaz conhecidas, os agentes de ideologias extremistas vinham solapando a
ação dos autênticos líderes obreiros, de tal forma e com tal desenvoltura que chegaram a tentar o amordaçamento das vozes
democráticas no III Congresso Sindical Nacional, de triste memória, durante a sessão plenária no teatro João Caetano [no
Rio de Janeiro]. Nessa oportunidade, reconhecendo a impossibilidade de uma convivência pacífica com a minoria
extremista, decidiram os representantes do sindicalismo democrático retirar-se daquele conclave, em sinal de protesto. (…).
O protesto, entretanto, não bastava. Era necessária a ação e esta se faz presente, agora, no magnífico espetáculo oferecido
pelo I Encontro Interestadual do Sindicalismo Democrático, que soa como uma clarinada, marcando novos rumos à luta em
prol das reivindicações dos trabalhadores, luta que será tanto mais nobre e triunfal, quanto longe estiverem dela os falsos
profetas dos extremismos, que sob a capa de fórmulas antiquadas e desmoralizadas, tentam embair o homem do trabalho e
atraí-lo à horda dos traidores da Pátria e lacaios dos que se celebrizaram por seus crimes contra indefesas populações da
Europa Oriental” (O Estado de São Paulo, 25/07/1961).
604

extirpado de falsos dirigentes”, sem esclarecer como isso deveria ser feito. Ele ressaltou que os
“sindicalistas democráticos” não poderiam ter “interesse somente na democratização dos sindicatos”.
Era preciso que “o regime imperante na Nação” também fosse “defendido e aperfeiçoado”1029.
O encontro teve ampla cobertura do jornal O Estado de São Paulo nos dias anteriores à sua
realização. Seu diretor-presidente, Júlio de Mesquita Filho, foi convidado de honra da sessão de
encerramento, da qual também participou o governador de São Paulo, Carvalho Pinto 1030. A Federação
dos Círculos Operários do Estado de São Paulo declarou integral apoio. As diretorias da Federação e do
Centro de Indústrias do Estado de São Paulo receberam “com interesse e simpatia” o encontro do
“sindicalismo democrático”. Antônio Devisate, presidente do CIESP e da FIESP, parabenizou os
responsáveis pela iniciativa e elogiou especialmente a disposição dos sindicalistas em “lutar pelo
aperfeiçoamento da democracia, que não pode estar sujeita às interferências nocivas dos corruptos,
demagogos e dos agentes da desordem e da subversão social”, e de combater o maior perigo contra a
democracia, o comunismo: “os democratas devem combatê-lo [o comunismo] com prioridade e por
todos os meios, pois uma democracia que não se defende é uma democracia suicida” (O Estado de São
Paulo, 28/07/1961)1031.

1029 “Para isso uniremos nossas forças democráticas às dos estudantes, dos parlamentares, dos agricultores e de todas as
classes. Precisamos ajudar a esclarecer a opinião pública de que o regime democrático, baseado na liberdade, no respeito à
pessoa humana e na livre iniciativa, é o mais compatível com a nossa formação. (…). Estamos numa encruzilhada: ou
tomamos posição na defesa dos nossos ideais democráticos, dos princípios cristãos que norteiam a formação brasileira (…)
ou, por nossa omissão, seremos arrastados à noite negra do obscurantismo e da escravidão, a que estão condenadas, já,
algumas nações que não souberam despertar a tempo. Para que os dirigentes sindicais possam cumprir os seus deveres (…),
o I Encontro do Sindicalismo Democrático recomenda um esforço para a realização das três seguintes metas: 1)
aperfeiçoamento cultural dos dirigentes; 2) organização e aperfeiçoamento da ação sindical; 3) campanha de esclarecimento
da opinião pública” (O Estado de São Paulo, 16/07/1961).
1030 A diretoria do jornal O Estado de São Paulo ofereceu um almoço para sessenta dirigentes do MSD em um restaurante
da cidade de São Paulo. Júlio de Mesquita Filho, presente no almoço, chamado pelos sindicalistas de “grande batalhador da
democracia nacional”, foi convidado a comparecer à reunião dos trabalhadores como convidado de honra. Muito
emocionado e satisfeito, o aceitou o convite, declarando que o seu jornal colocava-se à disposição “desse admirável
movimento de expurgo no sindicalismo nacional e que os sindicalistas ali reunidos “figuram ante os primeiros a levantar-se
contra as forças estranhas ao Brasil”: “Há muito confiávamos nos trabalhadores e agora verificamos, com orgulho e
emoção, que eles nos vêm procurar para batalhar pela mesma causa: a defesa da liberdade. Acima de tudo, deve-se preservar
a dignidade individual, que é incompatível com as formas totalitárias. Somos contra o nivelamento por baixo da situação
dos operários e contra o regime de oligarquia com o nome de partido que transforma os homens em rebanhos amorfos e sem
vontade. Este é um dos dias mais felizes desta casa: os senhores vieram procurar-nos para solicitar o nosso apoio. O Estado
de São Paulo, sempre esteve ao lado das grande causas. E sem dúvida nenhuma os senhores defendem uma grande causa”
(O Estado de São Paulo, 22/07/1961).
1031 No relatório elaborado pela SEI sobre o campo sindical no Brasil, encontra-se a seguinte observação: “Não se pode
desvincular a ação em curso do Movimento Sindical Democrático e o plano de ação apresentado da imensa luta que se
processa em todo o território nacional no meio dos sindicatos de jornalistas, não somente para a conquista destes, mas
principalmente para conquista da Federação Nacional dos Jornalistas. Porque no plano geral, o movimento dos jornalistas,
por ser mais esclarecido e politizado, está chamado a assumir uma posição de vanguarda de máxima importância”
(Relatório, dez. 1961).
605

Concomitantemente – não por coincidência – à criação do MSD, outra organização sindical


anticomunista foi criada no Rio de Janeiro, a Resistência Democrática dos Trabalhadores Livres
(REDETRAL)1032. O seu surgimento ocorreu seguindo o mesmo roteiro do lançamento do MSD: ampla
divulgação de um jornal – neste caso, O Globo1033 –, entusiasmado apoio patronal e do governador do
estado (Carlos Lacerda), dos Círculos Operários e, através do IBAD, da CIA 1034. De acordo com o

1032 O lançamento da REDETRAL ocorreu em um evento no ginásio esportivo do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, em
13 de maio de 1961, com a realização de uma missa pelo cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, D. Jaime de Barros Câmara.
Outras autoridades também se fizeram presentes, entre elas o arcebispo-auxiliar D. Hélder Câmara, o governador Carlos
Lacerda, o deputado federal Eurípedes Cardoso de Menezes e os deputados estaduais da Guanabara Raul Brunini e
Gladstone Chaves de Melo (membro do IBAD). Como convidado especial, um representante da Frente Revolucionária
Democrática (movimento contrarrevolucionário cubano), Angel Aparício Laurencio, compareceu à tribuna do evento.
Durante o encontro foi lido o manifesto da REDETRAL, que afirmava “erguer suas preces a Deus pela liberdade
democrática dos nossos irmãos de Cuba” e combater “partidos, políticos, governos, patrões ou ideologias pagãs”, “as
investidas totalitárias, opressoras e dissolventes ditadas pelo partido anti-Brasil” para “extirpar o cancro social e político que
vem minando a vida de nossa pátria”. Ao final do encontro, o governador Carlos Lacerda discursou por mais de uma hora,
elogiando a iniciativa de criação da REDETRAL (O Globo, 15/06/1961). De acordo com a reportagem de O Globo, seis mil
pessoas teriam comparecido ao evento. O jornal estampou uma foto centralizada no palco montado para a missa, com uma
grande cruz no centro da quadra do ginásio, dando destaque para as autoridades que lá estavam. Já o Diário Carioca
publicou uma foto tirada ao lado do palco, que mostrava, ao fundo, a arquibancada lateral do ginásio quase que
completamente vazia. O jornal, que não estava entre as publicações da esquerda da época, contabilizou os presentes ao
evento em três mil pessoas (Diário Carioca, 15/05/1961). O jornal comunista Novos Rumos publicou uma foto tirada de
uma posição diferente daquelas publicadas em O Globo e no Diário Carioca, mostrando a arquibancada em frente ao palco:
ela está vazia, mas cheia de faixas e cartazes. Apenas os integrantes de uma banda musical aparecem na foto: “os homens da
banda, perdidos na solidão do cimento, tocaram para as paredes”. De acordo com o jornal, havia “dezenas de faixas que
deveriam ser empunhadas pelos trabalhadores na manifestação”, mas, como “estes não apareceram, elas ficaram sós, como
uma resposta muda dos têxteis, dos metalúrgicos e dos outros aos organizadores da ‘Resistência’”. Por isso, o jornal afirma
que o ginásio “apresentava um panorama desolador: vazio, claro que não inteiramente, os promotores da comédia lá
estavam, assim como algumas dezenas de escolares pertencentes a estabelecimentos de ensino religioso, dezenas de freiras e
padres, mulheres e crianças arrebanhadas à força na Favela do Esqueleto, um nutrido grupo de históricos do Clube da
Lanterna, e numerosos policiais”. O título da reportagem do Novos Rumos era: “A banda e as faixas – Palavras ocas para
arquibancadas vazias: na falta de trabalhadores, padres e freiras ouviram sermão de Lacerda” (Novos Rumos, 19-
25/05/1961). O jornal Última Hora também noticiou que o evento da REDETRAL teve “reduzida assistência de sacerdotes,
religiosas e alunos de colégios católicos que ali foram assistir à missa”. O próprio Lacerda teria declarado: “sei que amanhã
a imprensa vai dizer que esta manifestação foi um fracasso, porque o público presente não está dando para lotar este
estádio” (Última Hora, 15/05/1961). Em agosto de 1962, diretores do MSD e da REDETRAL visitaram o diretor e
proprietário de O Globo, Roberto Marinho, para lhe entregar um memorial de felicitações ao 37º aniversário do jornal. O
memorial, entre outros elogios, afirmava que O Globo contribuía, “de maneira decisiva e patriótica, para que, esclarecidos,
os nossos patrícios não se deixem envolver pela trama insidiosa dos inimigos da ordem, da família e das instituições”.
Agradecido, Roberto Marinho disse: “nos dias de hoje, vemos mais desentendimentos entre as classes que gestos de amor.
Os que devem lutar – e é justo que lutem – por uma vida melhor, são traídos, muitas vezes, por falsos líderes que, a pretexto
de defender a justiça social, procuram subverter o regime das liberdades e promover em nosso país a escravidão. Pretendem
esses falsos líderes que algum dia aqui se construam muralhas de granito que nos tolham os passos, nos aprisionem, nos
transformem em escravos, obrigados a abrir túneis na rocha ou a usar de ardis para fugir de sua própria pátria, em busca da
liberdade. E as muralhas com que pretendem sufocar-nos, privando-nos do ar puro da liberdade, são mais sutis, mais
insidiosas, mais temíveis. Um dos meios mais fáceis de um povo chegar a essa triste situação é a paulatina estatização, isto
é, a passagem para o Estado de controle da produção e do trabalho. (…). O trabalhador acaba por verificar que foi
ludibriado, e verifica também que, quando o Estado é o único patrão, ele não tem mais a faculdade da escolha ou do
protesto. O seu trabalho passa a ser o trabalho escravo. (…) faço votos, (…), de que em todas as oficinas, em todos os
cantos de trabalho, haja o mesmo entendimento existente em O Globo, onde empresários e trabalhadores vivem numa
606

adido trabalhista da embaixada norte-americana do Rio de Janeiro, John T. Fishburn, a REDETRAL era
“o primeiro grupo sindical amplo, aberto (open) e anticomunista formado no Brasil nos últimos anos”.
O adido também destacou que o papel desempenhado pela Igreja Católica no grupo era “muito
significativo”. Segundo ele, o padre Veloso, dos Círculos Operários do Rio de Janeiro, era “um dos
principais promotores (sponsors) do novo grupo, e os outros líderes concordam que a formação do
grupo não teria sido possível sem o auxílio dele e da Igreja”. Segundo Fishburn, os principais líderes
dos dois grandes grupos sindicais anticomunistas nacionais recém-criados, MSD e REDETRAL, eram
“ex-bolsistas que fizeram estágio e estudos em sindicatos [norte-] americanos com auxílio da ICA” 1035.
Ele alertou: “publicidade em relação a isso seria prejudicial a eles e deve ser evitada” (publicity to this
effect would be harmful to them and should be avoided) (Despacho n. 1039, 19/05/1961)1036.
Conforme Dreifuss (1987, p. 312-313), o complexo IPES/IBAD controlava tanto o MSD quanto
a REDETRAL. Mais especificamente, podemos acrescentar: era a SEI que realizava a supervisão do
MSD1037. Em junho de 1962, o adido trabalhista Jack Liebof registrou: “estou certo de que a SEI paga
ao MSD uma soma considerável”, acrescentando que “uma fonte geralmente confiável próxima ao
MSD e à SEI” teria calculado essa quantia em Cr$ 500.000 por mês. Liebof informou, após conversar
com Antônio Pereira Magaldi, presidente do MSD, que este tinha “consciência do controle da SEI
sobre o MSD”. Na opinião de Liebof, havia se tornado “impossível manter em segredo os subsídios e o
controle da SEI sobre as operações do MSD”.
atmosfera de mútuo respeito e da mais fraternal amizade” (O Globo, 03/08/1961).
1033 No início de maio de 1961, O Globo noticiou a união dos “sindicatos livres para combater a penetração comunista” e
“empreender uma ação concreta para opor uma barreira às investidas dos comunistas no seio dos organismos de classe” (O
Globo, 08/05/1961).
1034 O líder da REDETRAL, Floriano da Silveira Maciel, tinha relações muito próximas com o IBAD. Ele foi o redator-
trabalhista da revista Ação Democrática, para a qual concedeu um depoimento de uma página, declarando estar disposto a
“desalojar os comunistas dos sindicatos” (Revista Ação Democrática, 07/1961). Hasslocher (1999, p. 285) lembra
positivamente de Maciel em suas memórias não publicadas, quando este veio despedir-se dele, após a “revolução” de 1964.
1035 Fishburn se referia a Olavo Previatti (presidente da Federação dos Trabalhadores da Indústria de Papel do Estado de
São Paulo), Lourival Portal da Silva (presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Distribuidoras de Petróleo), Antônio
Pereira Magaldi (presidente da Federação dos Trabalhadores do Comércio do Estado de São Paulo) e Darcy Gatto
(presidente da Federação dos Trabalhadores da Indústria Têxtil do Estado de São Paulo), todos eles diretores do MSD –,
bem como Floriano da Silveira Maciel, da REDETRAL.
1036 Conforme apresentado no capítulo 1, estágios nos EUA para líderes sindicais eram um dos objetivos tanto do Plano
Básico de Operações contra o Comunismo na América Latina quanto do Plano Básico de Operações contra o Comunismo
no Brasil.
1037 Em agosto de 1963, o diretor de atividades sindicais do IPES, general Moacyr Gaya, em conversa com Liebof,
“confirmou a observação de que as atividades sindicais do IPES até então tinham sido limitadas à assistência financeira
dada à SEI para o trabalho sindical feito por esta última” (Memorando, 02/08/1963). Lodygensky, também em conversa
com Liebof, declarou que “o IPES estava contribuindo com fundos para o trabalho sindical da SEI”. Também revelou que
“Mario Toledo de Moraes, diretor da [editora] Melhoramentos, vice-presidente da FIESP, e coordenador de temas sindicais
do IPES”, trabalhava “intimamente com o SEI no âmbito sindical” (Memorando, 16/05/1962). Segundo Liebof, apesar de
ter feito “perguntas discretas” a Lodygensky, este “não deixou clara a relação entre a SEI e o IBAD” (Memorando,
16/05/1962).
607

Segundo Liebof, a SEI “considerava o MSD como seu joguete” (plaything) e buscava
“controlá-lo completamente para os seus próprios fins” (Despacho diplomático A-309, 14/06/1962) 1038.
Em agosto de 1963, o general Moacyr Gaya1039 relatou a Liebof que o MSD vinha recebendo “apoio
financeiro do IPES canalizado através da SEI” (Memorando, 02/08/1963). Conforme já foi
demonstrado no capítulo 7, a SEI atuava junto ao MSD sigilosamente, utilizando a mesma tática
empregada em suas relações com todas as demais organizações das quais se aproximava. Como
informou Liebof, a SEI atuava junto ao MSD de duas formas: “a partir de sua relação com os Círculos
Operários e através de outros dirigentes do MSD que eram secretamente afiliados diretamente à SEI,
mas não com os Círculos Operários”. Desse modo, explicou Liebof, “muitos líderes do MSD sabiam da
existência da SEI, mas aqueles que não eram vinculados direta ou indiretamente à SEI não sabiam
quais eram os líderes afiliados a ela” (Memorando, 02/02/1962).
A SEI realizava parte de suas atividades através de uma de suas suborganizações de fachada, o
Bureau de Imprensa Sindical (BIS)1040. Nelson Gouveia, diretor de atividades sindicais da SEI, durante
um encontro com Jack Liebof, explicou que sua organização trabalhava em busca da “harmonização
dos interesses de patrões e empregados para preservar as instituições democráticas”. Gouveia ainda
informou que ele estava encarregado de estabelecer sedes do BIS nos principais centros industriais do

1038 Liebof era crítico da relação entre SEI e MSD. Ele disse que “se é para continuar a aliança MSD e SEI, o adido
trabalhista preferiria ver uma relação diferente de trabalho entre SEI e MSD, na qual o MSD manteria completa liberdade
operacional dentro de linhas de ação mutuamente acordadas, sendo também responsável pela seleção e treinamento dos
trabalhadores para posições de liderança em sindicatos”. Como visto no capítulo 7, o cônsul Daniel M. Braddock discordava
da opinião de Liebof: “o oficial principal não vê evidências de que a SEI esteja tentando usar o MSD em defesa dos
interesses dos empregadores em detrimento dos interesses de um movimento sindical livre. Deveria ser possível a união
entre patrões e empregados em uma causa comum contra o comunismo que visa a destruição da iniciativa privada e dos
sindicatos trabalhistas livres. Se o MSD está irritado (chafing) com sua atual relação com a SEI, então uma forma de
associação modificada pode reduzir a fricção e levar a uma relação mais efetiva” (Despacho diplomático A-309,
14/06/1962). Em conversa com Liebof, em maio de 1962, Lodygensky ficou muito irritado com o fato de líderes do MSD
terem procurado o consulado geral dos Estados Unidos de São Paulo em busca de apoio para suas atividades, exigindo saber
quem eram eles. E comentou: “muito poucos líderes sindicais brasileiros têm a coragem (backbone) de combater
efetivamente os comunistas, já que muitos brasileiros gostam de ser amigáveis com qualquer um, incluindo os comunistas”
(Memorando, 16/05/1962).
1039 Moacyr Gaya foi comandante da Guarda Territorial do território do Guaporé (atual Estado de Rondônia) em 1947 (A
Noite, 18/03/1947). Em 1955, trabalhou no CPOR de Curitiba (Correio da Manhã, 15/09/1955). No primeiro semestre de
1957, Gaya foi um dos oficiais brasileiros que recebeu insígnias do adido militar dos EUA no Brasil, Woodson F. Hocker,
em reconhecimento ao curso que realizou em escolas do Exército americano nos Estados Unidos (Correio da Manhã,
04/06/1957). Em outubro deste mesmo ano, foi designado adido militar na embaixada do Brasil em Quito, cargo que ocupou
até dezembro de 1959. Em maio de 1960, foi designado para servir no quartel-general do II Exército, em São Paulo.
Dreifuss (1987, p. 189) aponta que Gaya, em 1962, fazia parte do grupo de oficiais militares que colaborava com o general
Agostinho Cortes – chefe do Grupo Especial de Conjuntura (GEC) do IPES São Paulo. Em 1964, Gaya aparece como
secretário-geral do IPES-São Paulo (Ata, CE IPES, 18/02/1964).
1040 A sede do BIS estava localizada na Rua Riachuelo, 275, sobreloja, sala 3, na cidade de São Paulo (Memorando anexo
ao Despacho diplomático n. 200, 13/02/1962). O adido trabalhista Jack Liebof o caraterizou da seguinte forma: “o BIS é
uma fachada da SEI cujas atividades de publicação servem para triagem dos cursos da SEI em âmbito nacional”
(Memorando, 16/05/1962).
608

Brasil. Liebof registrou que a SEI não desejava que seu controle sobre o BIS fosse conhecido. E
também que o BIS operava havia mais ou menos dois anos, ou seja, desde 1960, e publicava um
boletim intitulado Resenha Semanal, com notícias relacionadas ao mundo sindical de São Paulo e
outras regiões do país (Memorando anexo ao Despacho diplomático n. 200, 13/02/1962).

10.6.3 Apoio de organizações estrangeiras

Dreifuss (1987, p. 313) afirma que a ORIT (Organización Regional Interamericana de


Trabajadores), associada regional da ICFTU (International Confederation of Free Trade Unions),
organizada em 1951 por Serafino Romualdi1041, apoiava o MSD. Seria também uma “organização
guarda-chuva para outras entidades sindicais”, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Indústria (CNTI), a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio (CNTC), e a Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Transporte (CNTT). Segundo o adido trabalhista John Fishburn, o
papel desempenhado pelo oficial local da ICFTU-ORIT (nome não mencionado) na criação da
REDETRAL foi também notável: “geralmente tem recebido pouca publicidade e suas ações têm sido
executadas com sabedoria” (Despacho diplomático n. 1039, 19/05/1961).
Também foi destacado por Dreifuss (1987, p. 315) o apoio fornecido ao complexo IPES/IBAD
pelo American Institute of Free Labor Development (AIFLD), “uma organização estreitamente ligada
ao sindicalismo, aos empresários americanos e às agências governamentais como a AID e a CIA” 1042.

1041 Segundo Agee (1976, p. 614) a Confederação Internacional de Sindicatos Comerciais Livres (ICFTU, na sigla em
inglês), foi criada e controlada pela CIA, para fazer oposição à Federação Mundial dos Sindicatos Comerciais (WFTU),
influenciada pela União Soviética. A ICFTU criou organizações regionais para a Europa, Oriente, África e América Latina.
Na década de 1970, Philip Agee (1976, p. 73-74) afirmou: “apoio e orientação por parte da CIA foram e ainda continuam a
ser exercidos nos três planos: ICFTU, centros regionais e nacionais. No plano mais elevado, as operações trabalhistas da
Agência são realizadas através de George Meany, presidente da AFL-CIO [American Federation of Labor e Congress of
Industrial Organizations, respectivamente, centrais sindicais dos EUA], Jay Lovestone, chefe dos assuntos estrangeiros da
AFL, Irving Brown, representante da Europa da AFL – todos colaboradores eficientes e intencionais”. O controle era
também “exercido pela ‘companhia’ no plano regional”. Serafino Romualdi (mencionado no capítulo 9), representante na
América Latina, dirigia “a Organização Regional Interamericana do Trabalho (ORIT), sediada na Cidade do México”. E no
“plano nacional, especialmente nos países subdesenvolvidos”, as estações da CIA montavam “operações para apoiar,
controlar e orientar os centros trabalhistas nacionais”. A AFL-CIO atuou secretamente, com apoio financeiro da CIA, na
organização e da “mais longa greve geral da história”, ocorrida na Guiana Britânica em 1963, utilizada como instrumento
para a derrubada do presidente Jagan no país. Sobre esse tema, ver DANIELS e WATERS (2005) e RABE (2005).
1042 Dreifuss (1987, p. 317) afirma que seus programas no Brasil “foram conduzidos principalmente através de seu
associado local, o Instituto Cultural do Trabalho (ICT), sediado em São Paulo e patrocinado pelo IPES. O AIFLD financiava
o ICT em 80% de seus fundos”. O Instituto mantinha também uma “agência em Recife para treinamento de líderes rurais.
Em resposta aos crescentes movimentos populares na área rural do Nordeste, o AIFLD iniciou uma série de programas de
609

Em setembro de 1962, durante uma de suas visitas ao Brasil, Enno Hobbing, diretor do LAIC
(apresentado no capítulo 9), em conversa com o cônsul dos Estados Unidos em São Paulo, Daniel M.
Braddock, e o adido trabalhista Jack Liebof, explicou que sua organização havia cooperado com a
AFL-CIO para a criação do AIFLD, em Washington (ver capítulo 9). Hobbing contou que “estava em
contato com o IBAD no Rio e com a SEI”, e demonstrou interesse em conhecer o trabalho sindical que
vinha sendo realizado por essas duas entidades, particularmente “os cursos para trabalhadores
ministrados pela SEI através dos Círculos Operários católicos”:

O sr. Liebof opinou que, apesar dos cursos da SEI serem um importante ponto de
partida, eles eram compreensivelmente limitados em seu escopo e essencialmente
negativo (anticomunista) em sua orientação. Ele sugeriu que havia a urgência de
preparar os líderes sindicais democráticos brasileiros para papéis-chave no momento
em que o governo brasileiro estava começando a relaxar o seu excessivo controle sobre
o movimento sindical brasileiro. O sr. Hobbing disse que a SEI estava começando a
enxergar a necessidade de um tipo mais positivo de treinamento sindical. Ele
acrescentou que líderes sindicais como Floriano da Silva Maciel e Ary Campista da
REDETRAL no Rio também falaram a ele da necessidade de difundir os cursos da SEI
(Aerograma, 19/09/1962).

Dreifuss (1987, p. 317) afirma que, “para minar o apoio a João Goulart através do movimento
sindical organizado, o ICFTU, a ORIT, o AIFLD e a Embaixada dos Estados Unidos trabalharam
arduamente para apoiar os sindicatos de direita e [se] opor ao Comando Geral dos Trabalhadores
(CGT)”. Este, “dominado pela esquerda (…), havia se tornado a maior e principal confederação de
sindicatos do Brasil”. Em agosto de 1961, um comentário do ministro-cônsul geral dos Estados Unidos
em São Paulo, William P. Cochran Jr.1043, indicou que o governo dos Estados Unidos estava apoiando o
trabalho que vinha sendo realizado pelo complexo IPES/IBAD/SEI no campo sindical. Relatando uma
conversa com Péter Murányi1044, ele informou que este havia “se aproximado de empresas americanas
treinamento e assessoria”.
1043 William Pearsol Cochran Jr. nasceu em dezembro de 1902. Graduado em Harvard, ele serviu na Marinha americana
entre 1924 e 1926. Em 1928, ingressou na carreira diplomática, servindo nos seguintes postos: Auckland (1928-1929),
Departamento de Estado (1930-1931), Cidade do México (1932-1935), San Salvador (1935-1937), Lima (1939-1940),
Manágua (1941-1942), chefe adjunto da Divisão de Assuntos Caribenhos e da América Central (1944-1945), Berlim (1946-
1947), Budapeste (1947-1949), Rio de Janeiro (1949-1950), Departamento de Estado e professor do Army War College
(1950-1953), Taipei (1954-1956), Estocolmo (1956-1958) e, finalmente, São Paulo (1959-1962), quando então se aposentou
(USA, Biographic Register 1961-1962, p. 138). No início de 1962, o novo cônsul em São Paulo seria Daniel M. Braddock.
1044 Empresário húngaro-brasileiro, ex-diretor do Comitê Popular Jânio Quadros de São Paulo - fundado em abril de 1959
em apoio à candidatura presidencial de Jânio Quadros às eleições de 1960 (Verbete temático, CPDOC/FGV). Murányi era o
Secretário Regional da Ação Democrática Popular (ADEP/IBAD) em São Paulo – de acordo com uma carta, datilografada
610

buscando apoio financeiro para a sua escola ou aulas de treinamento de líderes democráticos para
enfrentar a propaganda comunista”1045. Sobre o pedido de apoio, Cochran registrou: “meu interesse é
evitar distribuir os nossos esforços em áreas muito grandes (escolas demais). Eu sei que a SEI está
conduzindo este tipo de treinamento, mas o senhor Murányi não é relacionado a ela” (Memorando,
28/08/1961, itálicos meus)1046.
Em setembro de 1961, o diretor adjunto da CIA, general C. P. Cabell, remeteu ao procurador-
geral dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy, um relatório contendo um sumário sobre “recentes
manifestações anticomunistas na América Latina com uma indicação de [censurado]”. Em relação ao
Brasil, Cabell destacou o seguinte:

Em 27 e 28 de julho1047, [algumas palavras censuradas] conduziu o maior congresso


sindical pró-democrático já realizado no Brasil. Embora este congresso tenha sido
realizado principalmente para aproximar os vários elementos do movimento sindical
pró-democrático, a atmosfera anticomunista era evidente desde o começo. Fora do
auditório onde o congresso foi realizado, os comunistas distribuíam panfletos, e vários
líderes comunistas tentaram entrar na reunião, mas foram contidos pelos policiais
posicionados nos corredores. Dentro do auditório um delegado com inclinações
comunistas objetou contra a exclusão dos comunistas da reunião, mas ele foi retirado à
força do congresso. Os delegados presentes no congresso aprovaram, como parte de
sua carta, uma cláusula que denuncia os comunistas e suas tentativas de transformar os
sindicatos em parte integrante do movimento comunista no Brasil. Esta declaração dos
delegados contra os comunistas foi atacada pelo Última Hora1048, o jornal comunista

em papel timbrado com o símbolo e endereço da ADEP na capital paulista, enviada a José Carlos de Macedo Soares, com
quem havia conversado sobre a ADEP na casa do ex-embaixador (Carta, 20/07/1962). Para uma biografia laudatória de
Murányi, ver VIVEIROS (2015).
1045 Os diretores da empresa Hobart (equipamentos e utensílios de cozinha) e Johnson & Johnson teriam perguntado a
Cochran sobre Murányi. De acordo com o ministro-cônsul, Murányi afirmou “que estava trabalhando ativamente no
movimento sindical, mas [meia linha censurada]”. Murányi confirmou que “havia apoiado ativamente o encontro do
movimento sindical democrático de 22 e 23 de julho [do MSD mencionado acima], com dinheiro e espiritualmente, e
mencionou que conhecia [Antônio Pereira] Magaldi e [Olavo] Previatti”, líderes do MSD. Este documento foi liberado ao
público em agosto de 2017, mas ainda assim segue com metade desta linha censurada.
1046 Uma outra interpretação possível deste trecho é concluir que o governo dos EUA controlava a SEI. Mas o que se pode
afirmar com certeza é que o governo norte-americano apoiava as iniciativas sindicais da SEI.
1047 A data está errada. O encontro ocorreu entre 23 e 24 de julho, como visto anteriormente.
1048 A coluna de Wilson Rahal caracterizou os líderes do MSD como “os gostosões do sindicalismo”: “o que não se
compreende, porém, é que indivíduos que se intitulam trabalhadores (...) se reúnam para realizar uma coisa que designam
como Encontro do Sindicalismo Democrático, e nessas coisas aprovem uma declaração de princípios defendendo o direito
de propriedade, a livre empresa, o individualismo econômico, numa palavra, o regime capitalista tout court. Pois foi o que
aconteceu em São Paulo, há dias, numa promoção pelegal da Federação das Indústrias (…) (Última Hora, 20/07/1961).
Arapuã, da coluna Ora Bolas do mesmo jornal, escreveu: “esses operários do ‘Movimento Sindical Democrático’ só têm
uma dificuldade: até agora não conseguiram fazer seus macacões de trabalho. O linho irlandês está em falta na praça. E
quando o operário do ‘Movimento Sindical Democrático’ começou a falar na livre empresa, na iniciativa privada, liberdade
de concorrência, veio a voz lá do fundo: - Plágio! Plágio!. O operário parou. E a voz firme: - Vou dizer ao Kennedy que
você está copiando discurso dele!” (Última Hora, 31/07/1961).
611

em São Paulo1049, e vários outros mecanismos de propaganda comunistas (Relatório,


07/09/1961).

A essa altura, a CIA já tinha um histórico de envolvimento em questões sindicais na América


Latina. Uma carta de John M. Cabot, quando ainda era embaixador na Colômbia, para Allen Dulles,
diretor da agência, destacava a necessidade de mais um operativo da CIA para trabalhar com questões
sindicais naquele país. A carta também descreve alguns dos procedimentos de canalização de recursos
financeiros para entidades sindicais colombianas:

Um dos nossos maiores problemas na Colômbia, assim como em tantos outros países,
é prevenir o movimento sindical de ser atraído para o campo comunista. (…). Nestas
circunstâncias, o seu homem aqui [da CIA] está tentando conseguir que outra vaga em
seu escritório seja preenchida por um homem que possa trabalhar com temas sindicais.
Existe um adido trabalhista muito bom na nossa embaixada que tem feito um trabalho
efetivo e enfatizado a necessidade de recursos adicionais para combater a infiltração
comunista. O seu homem [da CIA] acha que, com a vinda de um expert na área
sindical para cá, será possível canalizar recursos através de atalhos discretos para o
CTC [Confederación de Trabajadores de Colombia] (it would be possible to get funds
to channel through discreet cut-offs into the CTC). Estou certo de que meu bom amigo
Coronel King [chefe da Western Hemisphere Division da CIA] irá explicar a você o
contexto desta questão e inclusive já deve estar tentando designar o expert em
sindicatos que o seu homem tanto quer” (Carta, 16/02/1959) 1050.

10.6.4 Avaliação dos resultados

1049 A CIA, provavelmente, se referia também ao jornal comunista Novos Rumos, que caracterizou o referido encontro
sindical como uma reunião de “divisionistas e pelegos de toda a espécie”: “trata-se, na verdade, de uma tentativa de unificar
os esforços dos elementos mais ligados à embaixada norte-americana (…), dos que procuram dividir o movimento operário
utilizando-se do argumento do anticomunismo. (…). Que se propõe essa gente, na realidade? A palavra ‘democrático’ é
utilizada para esconder o verdadeiro conteúdo do encontro – seu caráter anticomunista. (…). Ora, a quem serve a tentativa
de dar caráter anticomunista a um encontro sindical qualquer? (Novos Rumos, 21-27/07/1961).
1050 Philip Agee (1976, p. 238 e 336) afirma que a Confederação Equatoriana de Organizações e Uniões Sindicais Livres
(CEOSL) e a Confederação Uruguaia do Trabalho (CSU) foram criadas e controladas pela CIA.
612

Na análise do adido trabalhista John T. Fishburn, “os sindicatos democráticos foram o único
setor organizado importante da comunidade que, em geral, apoiou as forças militares durante a crise”
provocada pela renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 19611051. Fishburn salientou que:

Um dos aspectos significativos e interessantes da recente crise foi o fato de que apenas
no sindicalismo democrático existia um segmento importante de liderança
suficientemente consciente dos objetivos e interesses de Goulart em sua colaboração
com os comunistas, em apoio franco e aberto às autoridades públicas. Ainda que estes
líderes sindicais não comunistas estivessem preocupados com os aspectos
“constitucionais”, eles consideravam o perigo de controle comunista do movimento
sindical um tema muito mais importante. Conforme eles mesmos declararam, eles não
defenderiam o "constitucionalismo" se isso significasse simplesmente entregar o
governo aos comunistas e outros empenhados em destruir a Constituição e a
democracia brasileiras. Sua posição foi reforçada pelo fato, nítido para quem quisesse
ser objetivo, de que as autoridades militares estavam interessadas apenas em impedir
Goulart de tomar o poder, porque temiam essas conexões comunistas e não estavam
interessadas em assumir o controle do poder eles mesmos. Este não era o caso das
principais organizações ou jornais intelectuais (ou do The New York Times), muitos dos
quais se empenharam em favor dos procedimentos constitucionais, ignorando
completamente os aspectos políticos pragmáticos da crise (Despacho diplomático n.
187, 11/09/1961).

Sem disfarçar a íntima relação do governo norte-americano com o movimento sindical


“democrático” brasileiro, Fishburn escreveu: “nós evitamos desenvolver campanhas intensivas de curto
prazo pró-EUA ou anticomunistas, pois isto seria encarado com suspeita não apenas pelos comunistas,
mas também pelo governo”. Ele considerava que, “embora não pudesse ser estabelecida uma relação
direta de causa e efeito”, parecia “altamente provável” que os contatos e programas norte-americanos
“foram uma influência considerável para ajudar o desenvolvimento do movimento sindical
democrático”. Para tanto, contribuiu o fato de que “uma grande porcentagem dos líderes do movimento
sindical democrático visitaram os EUA (isto não deve ser publicado)” (Despacho diplomático n. 486,
13/12/1961, itálicos meus).
Um relatório manuscrito, sem autoria identificada, localizado nos arquivos da polícia política
paulista, refere-se aos impactos do programa de formação de líderes sindicais da SEI. O autor do

1051 Loureiro (2017, p. 8) informa que “Antônio Pereira Magaldi, vice-presidente da CNTC [Confederação Nacional dos
Trabalhadores do Comércio] e líder do Movimento Sindical Democrático (MSD), lançou um manifesto com o aval das
diretorias da CNTI [Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria] ([Deocleciano de Holanda] Cavalcanti), CNTC
([Ângelo] Parmegiani) e CNTTT [Confederação Nacional dos Trabalhadores de Transportes Terrestres] (Sindulfo de
Azevedo Pequeno) em apoio aos ministros militares contra a posse de Jango”.
613

documento, provavelmente um agente da DEOPS paulista, explicou que o Instituto de Formação


Social1052, “fundado por Wladimir Lodygensky”, “mantém o curso de formação de líderes, que funciona
na Chácara São Jorge em Jacareí”. O autor do documento teria se encontrado com vários indivíduos
que participaram desses cursos, em visitas feitas a sindicatos. Ele tinha a “impressão [de] que o curso
prestou ótimos serviços a essas pessoas”, pois estavam “bem orientadas, tiveram suas capacidades
aumentadas e estão prestando reais serviços aos sindicatos aos quais são filiados”. Segundo o autor do
documento, “uma prova do que afirmamos é o fato de que os comunistas negaram-se a mexer nos
sindicatos que dominavam os que eles chamavam de ‘jorgistas’” – treinados na Chácara São Jorge.
Além disso, “afirmaram que se permitissem a entrada de tais elementos perderiam o domínio das
entidades”. “No Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas seu antigo presidente comunista Jurandir
Beck assim agiu negando matrícula a 150 elementos chefiados por ‘jorgistas’”, finalizava o documento
(Relatório manuscrito, autoria não identificada, s/d, sublinhado e aspas no original).
Evidentemente, apesar da força e do poder econômico dos sindicatos controlados pelo
complexo IPES/IBAD/SEI, nem sempre tudo ocorria como esperado. Um exemplo foram as eleições
para o Sindicato dos Metalúrgicos da cidade de São Paulo, realizada entre 19 e 22 de agosto de 1963.
De acordo com o cônsul de São Paulo, Daniel M. Braddock, o candidato da “oposição democrática”,
Domingos Alvarez, fez uma intensa campanha por vários meses, na qual gastaram-se aproximadamente
“25 milhões de cruzeiros oriundos de quatro fontes principais: FIESP, um industrial paulista chamado
Péter Murányi (chefe de um grupo de ‘ação democrática’), os misteriosos apoiadores do recém-defunto
Movimento Renovador Sindical (MRS) e do United Auto Workers dos EUA, através da International
Metalworkers Federation”. Apesar disso, a chapa “democrática” foi derrotada nas eleições.
Para Dreifuss (1987, p. 318-319), “as atividades do complexo IPES/IBAD lograram relativo
êxito”. Elas conseguiram ter “um forte impacto político dentro da classe trabalhadora”, obrigando “os
sindicatos nacional-reformistas a se engajarem numa estrênua luta pela supremacia, que desviava
energia e recursos de outros objetivos”. Contudo, apesar dos esforços das organizações ligadas a esses
grupos, “nas eleições nacionais da CNTI, em janeiro de 1964, a chapa conservadora (…) foi
estrondosamente derrotada”:

1052 Nome de fachada para os cursos de formação de líderes da SEI criado após a exposição pública das atividades da SEI,
em meados de 1963, tema a ser analisado no próximo capítulo.
614

Os sindicatos, gradual e firmemente, consolidavam o seu apoio à criação da Central


Única dos Trabalhadores, a organização guarda-chuva, orientada para a esquerda
trabalhista, que na realidade advinha do Comando Geral de Greve, constituído
inicialmente com o intuito de mobilizar a opinião pública para assegurar a subida de
João Goulart ao poder depois da renúncia de Jânio Quadros [em 1961] e que se
encontrava em vias de transformar-se no Comando Geral dos Trabalhadores 1053. No
entanto, quando essa tendência para a esquerda foi efetivamente percebida, o
movimento militar contra João Goulart já havia tido tempo de se organizar, estando
prestes a intervir. As organizações patrocinadas pelo complexo IPES/IBAD haviam
conseguido ganhar tempo para desfechar, com êxito, o golpe de Estado (DREIFUSS,
1987, p. 319).

10.7 A SEI e as organizações cívicas de mulheres

Simões (1985, p. 27) observou que, dos novos atores que surgiram no “palpitante cenário
político” do início da década de 1960, “há um que, notadamente, faz da sua ruidosa entrada em cena
algo de espetacular e surpreendente”. É “a ‘mulher-mãe-dona-de-casa-brasileira’ que anuncia à nação,
com grande estardalhaço, sua disposição de deixar a ‘proteção do lar’ e se lançar às ruas e praças
públicas em campanhas e manifestações políticas”. Havia algo “de novo e de importante quanto à sua
atuação”:

Elas estavam politicamente organizadas. E isto era evidenciado por uma série de
fatores. Elas não apareciam isoladamente e sim articuladas em grupos femininos que,
por sua vez, contavam com estruturas internas de decisão, papéis definidos para a
direção e quadros, etc. (…) além de se constituírem e agirem de forma organizada, elas
inauguraram um novo estilo de atuação pública para as mulheres, ao se engajar em
atividades ostensivas e, às vezes, até mesmo agressivas, em praça pública e, também,
ao empregar técnicas elaboradas de recrutamento de quadros e de arregimentação
política. Podia-se igualmente observá-las em áreas novas e diversificadas de atuação:
sem ser trabalhadoras, atuavam junto ao movimento sindical; sem ser estudantes,
envolviam-se nas disputas do movimento estudantil secundarista e universitário; e não
exercendo mandatos políticos, atuavam como grupos de pressão junto ao Congresso.
Acrescente-se que suas atividades em áreas diversificadas supunham ligações e ações
conjuntas com vários grupos de interesse, entidades de classe e movimentos políticos.
Ora apareciam em manifestações públicas junto a padres ou estudantes, em outros
momentos atuaram junto a sindicalistas e, por diversas vezes, levavam aos políticos
1053 Conforme Almeida (2011, p. 92), “em 1961, durante o impasse com a renúncia do presidente Jânio Quadros
(21/08/1961), os ferroviários de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santos lideraram uma greve,
acompanhados por várias categorias, pela posse do vice-presidente João Goulart. Nessa greve formou-se o Comando Geral
de Greve (CGG)”.
615

moções e protestos, sendo íntimas também suas relações com empresários e políticos
(SIMÕES, 1985, p. 9-10, itálicos no original).

O primeiro grupo feminino a se articular, em meados de 1962, foi a União Cívica Feminina
(UCF), em São Paulo. Segundo Simões (Id., p. 28), “como resultado prático de uma série de
conferências, destinadas a senhoras e patrocinadas” pela SEI 1054. Posteriormente, a organização
desencadeou “um plano de expansão, previamente estudado, aproveitando elementos preparados e
treinados em seus cursos”, fundando núcleos no interior de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Bahia,
Paraíba e Goiás. Alguns meses depois da fundação da UCF em São Paulo, a Campanha da Mulher pela
Democracia (CAMDE) foi criada no Rio de Janeiro. Seu lançamento oficial ocorreu em 12 de julho de
1962, no auditório do jornal O Globo, em cerimônia que contou com a presença do deputado Armando
Falcão. Após seu lançamento, a CAMDE expandiu sua presença dentro da cidade do Rio de Janeiro,
constituindo núcleos por bairros (Ipanema, Santo Cristo, Botafogo, Tijuca, Méier, Santana, Ilha do
Governador, Rocinha) e também em outros estados (Ibid., p. 29-32). Conforme a autora,

Para se lançarem às ruas, as donas-de-casa dizem (…) ter estudado a doutrina marxista
e a técnica comunista, “que achavam magnífica”, e a adotaram em seu trabalho. Na
opinião delas o método “podia ser excelente, porém usado por eles era pernicioso”.
(…) Trabalhando com essa “técnica”, logo após seu lançamento oficial a CAMDE
distribuiu por todo o país uma proclamação em “linguagem de dona-de-casa”, que,
“lembrando os acontecimentos trágicos de 1935”, conclamava as mulheres a
“trabalhar, no sentido de alertar conhecidos, amigos e parentes sobre as táticas
demagógicas dos assalariados de Moscou”. (…) Além da cadeia de cartas, as mulheres
tinham como a sua mais importante técnica de arregimentação a cadeia telefônica. Para
Clélia Aché, da CAMDE, a revolução de abril foi uma “revolução telefônica”,
resultado de um método que lhes permitia mobilizar 35 mil mulheres em uma hora.
(…) A UCF de São Paulo, da mesma forma que a CAMDE, promoveu, antes e depois
do golpe [de 1964], conferências e cursos de liderança e de atualização política, que
serviam tanto para a arregimentação de quadros quanto para a preparação de lideranças
(…). (SIMÕES, 1985, p. 58-59).

1054 Conforme Simões (Ibid., p. 28), “a reunião citada teve lugar na SEI”.
616

Um relatório produzido por Frances H. Foland, representante do Comitê de Correspondência no


Brasil1055, no início de 1965, acrescenta alguns aspectos importantes sobre a relação entre a SEI e a
UCF:

A UCF de São Paulo se autointitula a primeira, a principal e a fundadora da rede UCF.


Ironicamente, parece ser a menos independente da influência dos homens, estando
intimamente relacionada a duas organizações: o IPES e a Campanha de Educação
Cívica (CEC) [SEI]1056. O IPES é um grupo formidável de líderes empresariais,
basicamente de São Paulo, do qual certamente se originam os recursos da UCF São
Paulo. A CEC [SEI] não é oficialmente conectada ao IPES, mas certamente é o seu
braço operativo de educação política e fornece à UCF material escrito e de áudio para a
sua orientação. A atividade mais importante da UCF São Paulo é um curso de
‘orientação política’ que inclui tópicos como ‘guerra subversiva’, ‘dinâmica do
capitalismo’ e ‘livre empresa e intervenção estatal’. O material da CEC e palestras de
seu diretor, Wladimir Lodygensky, contribuem com boa parte do conteúdo destes
cursos (Memorando, 01/03/1965).

Em entrevista a John W. F. Dulles, João Baptista Leopoldo de Figueiredo, diretor do IPES-São


Paulo, contou que “o IPES forneceu uma boa quantidade de assistência financeira à UCF". O IPES
"utilizou-se da assistência prestada por Lodygensky em conexão com a UCF e também em relação a
outras coisas, ajudando Lodygensky com os seus programas de treinamento e outros trabalhos"
(Entrevista n. 256, 26/11/1965). Wladimir Lodygensky, também em entrevista a John W. F. Dulles,
explicou com detalhes como se deu o processo de criação dos movimentos cívicos femininos, relatando
episódios ocorridos entre 1962 e 1963:

Em 1962 Lodygensky estava discutindo a situação brasileira com o coronel Meira


Matos, do Estado-Maior do Exército (...) e com o general Antônio Molina, um general
reformado que representava a SEI no Rio. Lodygensky disse que as coisas estavam
indo mal do ponto de vista da SEI: em outras palavras, as forças pró-comunistas
estavam avançando entre os sindicatos e os grupos estudantis. Lodygensky ressaltou

1055 O Committee of Correspondence foi uma organização privada dirigida por mulheres, sediada em Nova Iorque, criada
em 1952. A entidade, de orientação anticomunista, foi responsável pelo incentivo à criação de inúmeros comitês de
correspondência em vários países do mundo, inclusive no Brasil. De acordo com Laville (2002, p. 8-9), a CIA forneceu
apoio financeiro e know-how à entidade desde a sua criação nos Estados Unidos, baseada na crença de que a disseminação
de propaganda teria maior credibilidade se fosse realizada por grupos privados, e não pelo governo, e na ideia de que as
mulheres de outros países seriam mais receptivas aos apelos oriundos de mulheres que não estavam vinculadas ao governo.
1056 Este foi o novo nome assumido pela SEI na segunda metade do ano de 1963, como será apresentado no próximo
capítulo.
617

que os homens brasileiros eram covardes e propensos ao vício. Ele sugeriu que as
mulheres deveriam ser organizadas, e deu como exemplo o que as mulheres foram
capazes de fazer na Venezuela, onde foram feitos arranjos para que cada mulher que
trabalhava pela causa telefonasse para outras cinco, as quais entrariam em contato com
outras cinco. Havia certo ceticismo com relação à ideia de Lodygensky. Sentia-se que
as mulheres não eram preparadas para o tipo de coisas que Lodygensky tinha em
mente. Os maridos das mulheres deram risada da ideia. Para dar a orientação adequada
para as mulheres, um primeiro programa de treinamento formou 70 mulheres em julho
de 1962. O treinamento era na área de política e liderança. Lodygensky ministrou a
última aula deste curso. Na palestra, ele insinuou que as mulheres não foram
totalmente perfeitas enquanto mães, pois os seus filhos estavam sendo liderados pelos
estudantes comunistas em Santos. A partir disso, as mulheres se dispuseram a agir
imediatamente. Elas queriam ir à televisão e que os estudantes fossem até Santos, onde
haveria manifestações e eleições logo a seguir. Lodygensky explicou às mulheres que a
preparação adequada para o tipo de coisa que iria ocorrer em poucos dias em Santos
levava tempo. Ele disse que não era o momento adequado. Ele disse que era necessário
preparação ao longo do ano e só então elas teriam uma chance de sucesso na questão
estudantil do ano seguinte. Porém, as mulheres estavam irredutíveis. Elas estavam tão
determinadas a ir a Santos imediatamente que a última aula do curso saiu do controle.
Uma hora depois da aula, o plano começou a ser delineado. Dias depois, um grupo de
mulheres dirigiu-se à estação de TV de Chateaubriand. Outros grupos foram para
outras estações de TV, e outro para Santos, insistindo que elas precisavam de
alojamento e ônibus para 300 estudantes. O governador Adhemar de Barros
disponibilizou um trem para o deslocamento dos estudantes. Para surpresa de
Lodygensky, as mulheres conseguiram: as eleições estudantis foram vencidas pelo
campo anticomunista. Este sucesso foi o pontapé inicial de tudo. Enquanto as mulheres
continuavam a se organizar em São Paulo, o general Molina ligou para São Paulo,
avisando Lodygensky que a sua irmã, Amélia Bastos, uma mulher profundamente
religiosa, estava organizando as mulheres no Rio. A questão era se todas as mulheres
brasileiras deveriam pertencer à mesma organização com um mesmo nome. O general
Molina achava que seria mais prudente ter nomes diferentes para organizações em
diferentes regiões. Se o governo resolvesse fechar uma organização em uma região,
isto não afetaria o trabalho de outras organizações com outros nomes. Assim, o grupo
em São Paulo era conhecido como UCF. No Rio, CAMDE. Em Minas, LIMDE. No
Recife, Cruzada Democrática das Mulheres. Em Porto Alegre, a Ação Democrática
Feminina. E assim por diante. Alguns meses mais tarde o general Molina sugeriu a
Lodygensky que seria uma boa ideia organizar uma grande manifestação de massas.
Lodygensky respondeu que as mulheres eram emotivas e não eram confiáveis. Assim,
era necessário organizar uma equipe. Molina disse que organizar uma equipe levaria
muito tempo. Ele disse que as qualidades emocionais deveriam ser utilizadas. As
mulheres poderiam participar no que era dramático e explosivo. “Não tente torná-las
racionais. Você é um maldito suíço”. Seguindo seus próprios planos, Molina escolheu
alguns bons oradores homens. A cada duas semanas eles participavam das reuniões e
inflamavam a audiência feminina. Estas reuniões começaram com o comparecimento
de umas poucas centenas, e cresceram com a presença de milhares. O general Molina
também utilizou cartazes no Rio. Lodygensky utilizava seus métodos científicos de
treinamento em São Paulo. Ele encaminhava as paulistas para falarem com pessoas
importantes, com seus maridos e filhos, para tentar convencê-los da importância da
causa anticomunista. Surpreendentemente, pouco dinheiro era necessário para as
atividades acima. O Clube Escandinavo deixava as mulheres utilizarem as suas
instalações sem custos. Grupos de mulheres dirigiram-se à Brasília. Foi possível, em
618

poucos dias, juntar milhares de cartas em apoio à causa anticomunista. Nós dissemos
às mulheres que elas deveriam escrever para o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] para
protestar contra a legalização do Partido Comunista. Era tal a organização das
mulheres que em oito dias elas conseguiram enviar 56 mil cartas ao TSE. O general
Molina estava a cargo de organizar as mulheres em Belo Horizonte. As mulheres que
se organizaram no Rio, na sua totalidade, eram as esposas dos políticos mais
poderosos. Em São Paulo, de modo geral, as esposas eram casadas com líderes
empresariais (Entrevista n. 205, 21/10/1965).

Regina Figueiredo Silveira, Acyr Guisard, Maria Violeta Maciel de Castro, respectivamente
presidente, primeira vice-presidente e membro da UCF, também concederam entrevista a Dulles e
confirmaram a versão apresentada por Lodygensky. Segundo elas, a UCF “foi organizada em maio de
1962 por um grupo de dez mulheres que iniciaram uma série de estudos sobre a situação brasileira”: “a
ideia toda começou como resultado de uma das conversas que Lodygensky, da SEI, teve com várias
mulheres”. Elas disseram que Lodygensky sentia “que as mulheres queriam algum tipo de organização
na qual elas pudessem ter a oportunidade de participar dos cursos de lideranças, comunismo, economia,
etc.” (Entrevista n. 252, 24/11/1965). Antônio Carlos Pacheco e Silva, em suas memórias não
publicadas, oferece outros detalhes sobre a UCF:

A UCF iniciou suas atividades em fevereiro de 1962 (…). Foi fundada por um grupo
de senhoras paulistas, alertadas pelas conferências de líderes democratas patrocinadas
pela SEI (Sociedade de Estudos Interamericanos) e pela ação desenvolvida pelo IPES.
Desde o início, a dinâmica foi objetiva. Adotou como meios de comunicação a
imprensa e a TV e o sistema de convocação, que consistia numa rede telefônica
funcionando como uma reação em cadeia. (…). A UCF trabalhou arduamente para
assistir e apoiar os estudantes democratas que compareceram ao congresso da UNE,
realizado em julho de 1963, em Santo André. Conseguiu transporte, alojamento e
alimentação para as delegações vindas de todas as partes do Brasil. (…). (Memórias
não públicadas, AC Pacheco e Silva, 1975).

Segundo Dreifuss (1987, p. 297), em 13 de março de 1964, quando o presidente João Goulart
esteve no Rio de Janeiro “para proferir os seu famoso discurso no comício para as reformas básicas, a
CAMDE se engajou numa campanha por telefone”, que teve “excelentes resultados”. A organização
pedia que as pessoas não participassem desse comício e que as mulheres permanecessem em casa e
acendessem velas em suas janelas, “como sinal de protesto e fé cristã”:
619

O auge dos esforços das associações femininas orientadas pelo IPES se deu seis dias
depois, no dia de São José, o padroeiro da família, com a coordenação da “Marcha da
Família com Deus pela Liberdade”, em São Paulo. Aproximadamente 500.000 pessoas
compareceram para protestar contra o comício de João Goulart do dia 13 de março.
(…) Entre os principais participantes da marcha distinguiam-se Auro de Moura
Andrade, o então presidente do Congresso, o governador Carlos Lacerda, da
Guanabara, e o general Nelson de Mello, ex-ministro da Guerra de João Goulart e
participante da articulação civil-militar [contra o presidente]. (…) A marcha foi
ostensivamente uma manifestação da classe alta e da classe média alta (…). As
marchas do Rio e São Paulo foram seguidas de outras menores em Belo Horizonte,
Curitiba, Porto Alegre e Santos. De tudo isso, o mais importante foi que “o Exército,
como é do consenso geral, teria hesitado em agir se não houvesse fortes indicações de
que a opinião pública era favorável, e é bem possível que manifestações espetaculares,
tais como a de 19 de março (…) em São Paulo, fossem decisivas para convencer o
setor estritamente militar do Movimento Revolucionário’ de que havia chegado o
momento propício”. O Coronel Vernon Walters (…) corroborou tal avaliação
observando: “Até as marchas se realizarem, havia um receio de que o movimento para
depor João Goulart não obtivesse êxito”. Ainda é discutível se os setores golpistas das
Forças Armadas intervieram sentindo-se justificados pelo apelo das marchas ou se os
militares tiveram que intervir por antecipação, em face do que se poderia facilmente
argumentar ter sido o fraco apoio popular recebido por eles, depois de tanto trabalho
árduo (DREIFUSS, 1987, p. 297-298).

10.8 O complexo SEI/IPES/IBAD e os intelectuais

Como observou Dreifuss (1987, p. 236), o complexo IPES/IBAD subsidiava e distribuía


revistas voltadas a “um público relativamente mais intelectualizado”, como parte de uma campanha de
“fertilização cruzada ideológica” e “criação de barreiras intelectuais” ao marxismo. Entre essas
publicações, destacavam-se as revistas Cadernos Brasileiros, Convivium e Síntese, as duas últimas
“dirigidas à hierarquia da Igreja Católica e à intelligentsia católica leiga”1057. Outra iniciativa
importante voltada a um público mais intelectualizado, que também foi apoiada pelo IPES, foram as
edições GRD, de Gumercindo Rocha Dorea, objeto de estudo de OLIVEIRA (2015).

1057 Dreifuss (1987, p. 236-237) registra a publicação e distribuição, pelo complexo IPES/IBAD, de uma “série de livretos
que atacavam assuntos da atualidade numa forma acessível ao grande público, embora com um estilo e uma aparência
acentuavam seu pseudo-academicismo”. Exemplos desses livretos era: Temas da Hora Presente e Cadernos Nacionalistas.
Dreifuss ainda se refere a outra publicação, intitulada O Gorila, distribuída entre as Forças Armadas, como “exemplo de um
modo mais vil de guerra psicológica”. Em uma de suas edições, essa publicação afirmava que os comunistas eram apenas
aparentemente inofensivos: “Ele será o seu mais querido amigo, o mais sincero, o mais leal… até o dia em que ele o
assassinará pelas costas, friamente… Eles matam frades, violam freiras, destroem igrejas”. Segundo Ivan Hasslocher, líder
do IBAD (1999, p. 248-249), essa revista “de aspecto muito despretensioso, mas de profundo significado”, foi fundada por
seu amigo, o militar José Carlos Amazonas.
620

10.8.1 A Associação Brasileira de Cultura Convívio

O ex-padre Adolpho Crippa1058, teólogo e professor da PUC1059, fundou, em 1961, a Associação


Brasileira de Cultura Convívio (ABCC), que atuava como “núcleo de elaboração ideológica e de
doutrinação política”1060 (DREIFUSS, 1987, p. 255). O jornalista Delcio de Lima que, na década de
1970, o entrevistou e visitou as dependências da associação, relatou que “o forte do Convívio” era “a
doutrinação”:

Cerca de 68 mil pessoas já passaram pelas diversas modalidades de cursos de formação


política que organizou nos seus quase vinte anos de atividades. São, na maioria,
universitários, profissionais liberais e professores de diversos níveis, todos iniciados ou
desenvolvidos em filosofia política, sociologia política, ciência política e economia.
(…). Alguns cursos são ministrados em São Paulo, outros nas capitais dos principais
estados, mediante convênio com universidades locais, num total de 110 para cada
6.500 alunos, anualmente. É doutrinação quase por atacado (LIMA, 1980, p. 158).

De acordo com Dreifuss (1987, p. 256), os empresários contribuíam com a Convívio por meio
da União Nacional de Amparo à Pesquisa (UNAP), “uma espécie de fundação, criada em 1963, e que
dissimulava a presença do IPES”. A Convívio agia através do Instituto de Formação de Líderes 1061, de
uma agência de notícias chamada Planalto 1062 e de um centro de Pesquisa, que “fornecia o molde para
1058 Natural de Caxias do Sul (RS), Crippa era filósofo e teólogo, ex-sacerdote ordenado em Roma, autor de várias obras
sobre filosofia, entre as quais Mito e Cultura, ganhador do Prêmio Jabuti de 1979 e editor dos três volumes da História das
ideias filosóficas. Foi afastado de seu cargo de professor da PUC-São Paulo por divergências com o então Cardeal Evaristo
Arns (LIMA, 1980, p. 156-7).
1059 Dreifuss (1987, p. 255) afirma que as ligações do IPES com a Pontifícia Universidade Católica (São Paulo e Rio de
Janeiro) “eram muito significativas”. A universidade dava “apoio intelectual” e “agia como um canal para a penetração nas
classes médias”.
1060 De acordo com as memórias não publicadas de Antônio Carlos Pacheco e Silva, diretor do IPES-SP, o grupo fundador
da Associação Brasileira de Cultura Convívio foi constituído por Heraldo Barbuy, professor de economia da USP, Gilberto
de Melo Kujawski, jornalista do Grupo Estadão (responsável pelo jornal O Estado de São Paulo), procurador de justiça e
escritor, e José Pedro Galvão de Souza, professor de várias faculdades de Direito de São Paulo (Memórias, 1975).
1061 Pacheco e Silva (1979) avalia que o “maior serviço prestado” pela Convívio foi “o da criação dos cursos de liderança
para homens de formação democrática”, informando que “grande número de jovens que fizeram os cursos do ‘Convívio’
participaram ativamente da Resistência [ao governo Goulart], impedindo maior penetração dos comunistas, pela ação
decidida e desassombrada em todos os terrenos”. Por essa razão, Pacheco e Silva considerava que a Convívio “merece
figurar entre os que maiores serviços prestaram na luta anticomunista” (Memórias, 1975).
1062 Pacheco e Silva (1979) considera que a Agência de Notícias Planalto (APLA) “prestou os maiores serviços durante o
período atribulado que antecedeu a ‘revolução’ de março [de 1964]” à “imprensa e radiodifusão nacionais”: “a pregação
democrática realizada através da APLA foi extremamente valiosa, contribuindo para neutralizar a infiltração comunista que
se processava, sobretudo no seio da juventude”.
621

as atividades dos intelectuais de direita dedicados à análise da situação política”. Tratava-se, segundo
Dreifuss, de um trabalho subsidiário ao realizado pelos grupos de Doutrina e Estudo (GDE) e Especial
de Conjuntura (GEC) do IPES-SP, mencionado anteriormente. Essa última seção era responsável pela
publicação da revista Convivium, lançada no início de 1962. Dedicada aos “acontecimentos culturais e
políticos” e ao “estudo e defesa dos valores de nossa civilização cristã e ocidental”, a revista era escrita
principalmente por professores universitários e intelectuais relacionados com a Igreja” (DREIFUSS,
1987, p. 255). Segundo Gonçalves (2017), a revista, entre outras coisas, atacava as Ligas
Camponesas1063, combatia e caluniava intelectuais de esquerda, como Nelson Werneck Sodré, e
defendia medidas para atenuação dos conflitos entre o empresariado e os trabalhadores1064.
O consulado dos Estados Unidos em São Paulo estava bem informado sobre a Convívio. No
final de fevereiro de 1962, o chefe do USIS, Guy A. Fasoli, recebeu a visita do empresário Carlos
Frederico Latorre1065, “um dos integrantes de um grupo instrumental na formação de uma organização
chamada Associação Brasileira de Cultura Convívio”. Fasoli descreveu que a entidade era “destinada a
combater a infiltração comunista no Brasil” e que pretendia comprar uma empresa de jornal “para
atingir as massas e neutralizar a influência do [jornal] Última Hora”. Informou também que a ABCC
iria iniciar a publicação de uma revista chamada Convivium, “dirigida à intelligentsia” e que conteria
“artigos sobre questões culturais de interesse geral mas com uma inclinação democrática definida”.
Segundo Fasoli, o grupo planejava “oferecer cursos de treinamento para jovens líderes” que seriam
“doutrinados na ideologia e táticas comunistas” e “ensinados sobre instituições democráticas”. O grupo
já teria recebido promessa de apoio financeiro da Volkswagen, da Companhia Caracu e das empresas
Matarazzo1066 (Memorando, 20/02/1962).

1063 Um artigo de L. M. Freitas publicado na revista em novembro de 1962 e citado por Gonçalves (2017) definia as Ligas
como “um movimento anti-cristão e anti-ocidental” e declarava: “Oxalá essa definição constitua aviso para aqueles que, em
grande número, assistem passivamente à marcha da revolução no País, os estimule a tomar consciência do momento grave
que a nacionalidade atravessa, e os induza a uma ação enérgica contra essas forças desagregadoras que se articulam
abertamente para subtrair o Brasil ao bloco ocidental”.
1064 Gonçalves (2017) afirma que, no final de 1963, a Convivium passou a “atacar mais agressivamente seus inimigos de
classe (…), lançando uma série de três artigos intitulados ‘Raízes históricas da crise brasileira’, todos da autoria do
tradicionalista José Pedro Galvão de Souza (1912-1992). (...) Segundo o autor, a então crise brasileira deitaria raízes no
derrubamento da monarquia; convergindo com a interpretação do ultra-reacionário Oliveira Vianna, ele diz que a
proclamação da República interrompeu a continuidade da história brasileira, o melhor teria sido reformar as instituições,
‘alterá-las para melhor atender às exigências da vida nacional’. O fator que agravaria a crise seria a demagogia do Executivo
nacional -reformista. As reformas de base seriam sua expressão. Nesta acepção, a solução para a questão seria limitar as
ações do Executivo, através da ação moderadora do então Conselho de Segurança Nacional, aos moldes do Poder
Moderador monárquico. Para Galvão de Souza, cabe reavivar o Império brasileiro e a ‘obra ciclópica’ monarquista, que teria
assegurado a ‘ordem, a paz, a estabilidade política, a superioridade continental”.
1065 Proprietário da Stillo, que representava no Brasil a empresa alemã Leica Câmera AG (Diário da Noite, 16/10/1968).
1066
622

Ainda conforme Fasoli, “relacionado intimamente” ao projeto da ABCC estava o “padre Crippa,
anticomunista fervoroso da paróquia Nossa Senhora de Aparecida no bairro de Moema, em São Paulo”.
Os outros colaborares da organização, conforme depoimento de Latorre a Fasoli, eram os “jornalistas
Rossini Tavares de Lima da Folha [de São Paulo], Américo Bologna da Gazeta, Domingo DeLucca da
Folha da Manhã, Alex von Baumgarten da [agência de publicidade] J. Walter Thompson, Mario
Mazzei Guimarães da Folha de São Paulo e Evaldo Dantas, presidente do Sindicato dos Jornalistas”.
Fasoli informou que “conversou com o sr. Kiyonaga”, subchefe da base da CIA de São Paulo, que
destacou que “algumas das pessoas mencionadas que iriam colaborar com a organização –
nomeadamente, Alex von Baumgarten, são membros do IPES” (Memorando, 20/02/1962).
Em setembro de 1962, um documento preparado pelo cônsul Daniel Braddock, contendo uma
lista de organizações de “ação social” para as quais empresas norte-americanas vinham canalizando
recursos financeiros, descrevia a Convívio como “parte da SEI” (Anexo, aerograma A-86, 28/09/1962).
Como visto no capítulo 7, de acordo com Simões (1985, p. 28), “eminentes paulistas, em especial
professores, líderes católicos e intelectuais” colaboravam com a SEI redigindo o conteúdo de seus
boletins de informações e na formação política sobre a infiltração comunista na América Latina.
Relacionando as informações apresentadas por Simões e por Dreifuss, especialmente sobre a
colaboração dos membros da ACBC com o GEC do IPES São Paulo (responsável pelo relacionamento
com a SEI), podemos afirmar: é muito provável que o grupo reunido em torno da ACBC fosse o
responsável pela elaboração dos boletins confidenciais da SEI, sendo, portanto, integrantes da
organização, como anotado pelo cônsul norte-americano.
Levando-se em consideração o perfil intelectual e o posicionamento político-ideológico dos
membros do ABCC, e pelas relações próximas que tinham com a SEI e o GEC do IPES-São Paulo, é
razoável supor que os integrantes destas três organizações, embora tivessem existência independente e
funcionassem segundo lógicas particulares, tinham alguns pontos em comum. Em particular, a
preocupação com o levantamento de informações e pesquisas sobre a realidade política brasileira, que
subsidiavam intervenções políticas concretas na conjuntura.

10.8.2 A revista Cadernos Brasileiros


623

Outra iniciativa voltada ao público de intelectuais e apoiada pelo complexo IPES/IBAD/SEI foi
a revista Cadernos Brasileiros (CB), que começou a ser publicada no início de 1959, pela Associação
Brasileira do Congresso pela Liberdade da Cultura (ABCLC). Essa associação fazia parte de uma rede
internacional de grupos de intelectuais e revistas vinculadas ao Congresso pela Liberdade da Cultura
(CLC), criado e financiado pela CIA que, em seu apogeu teve escritórios em 35 países 1067. De acordo
com Saunders (2008, p. 13), o objetivo do CLC era “afastar a intelectualidade da Europa Ocidental de
seu fascínio remanescente pelo marxismo e o comunismo, levando-a a uma visão mais receptiva do
‘estilo norte-americano’”1068. Saunders afirma que o financiamento do CLC foi realizado com base em
um “consórcio” delineado e sustentado financeiramente pela CIA e operado em parceria com fundações
privadas, como Rockefeller e Ford e outras menos conhecidas, algumas das quais serviram apenas
como fachada para a distribuição dos recursos provenientes da agência.
Um dos principais aspectos relacionados ao CLC – de importância para a argumentação a ser
apresentada adiante – é o fato de que as suas ações estavam voltadas para atingir um público-alvo
específico, a esquerda não comunista ou antistalinista. Em função disso, os estrategistas do governo
norte-americano convenceram-se de que “o tom moderado era essencial para que o Congresso pela
Liberdade da Cultura viesse a consumar uma de suas principais tarefas: conquistar os hesitantes”
(SAUNDERS, 2008, p. 108)1069:

1067 E empregou dezenas de pessoas, publicou mais de vinte revistas de prestígio, realizou exposições artísticas, contou
com um serviço de notícias e reportagens, organizou conferências internacionais amplamente divulgadas e recompensou
músicos e artistas com premiações e apresentações públicas (SAUNDERS, 2008, p. 13). Tal rede começou a ser criada em
1950, a partir da realização do Congresso pela Liberdade da Cultura (CLC) em Berlim Ocidental. Este encontro teria sido
proposto por intelectuais alemães como contraposição ao evento realizado no ano anterior, no hotel Waldorf Astoria de
Nova York, denominado Conferência Cultural e Científica pela Paz Mundial. Apoiada por importantes membros da
intelligentsia norte-americana, essa reunião de intelectuais e artistas defendia o restabelecimento de relações de paz com a
União Soviética. Por isso, foi considerado como “um Congresso dos Vermelhos” (LIEBERMAN, 2000, p. 34).
Considerando o êxito do primeiro encontro, a CIA decidiu dar continuidade à rede de intelectuais e artistas que conseguiu
reunir em Berlim, dando origem à “maior e mais duradoura das operações encobertas” (PULLIN, 2013, p. 47) de sua
história: o financiamento e organização do CLC, com sede permanente em Paris. A geração dos “intelectuais de Nova
Iorque” dos anos 1930 teve um papel ativo nesse processo, em muitos aspectos responsável pela organização inicial do CLC
e por sua vida relativamente longeva (1950-1978). Destacaram-se nomes como Elliot Cohen, Lionel e Diana Trilling,
Herbert Solow, Sidney Hook, James Rorty, Charles Rumford Walker, James Burnham, Meyer Schapiro, Melvin Lasky,
Irving Howe, Seymour M. Lispset, Leslie Fiedler, Nathan Glazer, Saul Bellow, Elliot Cohen, Alfred Kazin, Mary McCarthy,
Norman Podhoretz, Philip Rahv, entre outros. Nos anos 1930, essa geração assumia-se socialista de esquerda e, mesmo,
marxista revolucionária, mas ao longo dos anos 1930 foi se afastando de suas posições iniciais e, ao final da Segunda
Guerra Mundial, seu antistalinismo havia abandonado as premissas marxistas (WALD, 1987, p. 9).
1068 Segundo Saunders (2008), a promoção de ações como o Congresso pela Liberdade da Cultura foi uma tentativa de
fazer frente à influência e ao prestígio que a União Soviética havia adquirido com sua decisiva participação na luta contra o
nazifascismo, durante a Segunda Guerra Mundial. Haveria também a intenção de valorizar o american way of life, alterando
a percepção negativa que parte da intelectualidade europeia tinha com relação à sociedade norte-americana, e também de
atacar as bases intelectuais do “neutralismo” em relação à luta entre EUA e União Soviética.
1069 Para atingir tais objetivos, a coordenação CLC ficou a cargo de uma divisão específica da CIA, a Divisão de
Organizações Internacionais (IOD). De acordo com o seu primeiro diretor, Thomas Braden, o objetivo do IOD era “unir
624

O propósito de apoiar grupos esquerdistas não era destruir nem dominar, mas manter
uma proximidade discreta desses grupos e monitorar seu pensamento; proporcionar-
lhes um meio de expressão, para que eles pudessem desabafar; e, in extremis, exercer
um veto final sobre a sua publicidade e, possivelmente, sobre seus atos, caso eles
viessem a ser “radicais em demasia”. [Thomas] Braden enviou instruções claras aos
ocupantes dos postos recém-criados da IOD [divisão da CIA] na Europa: “Restrinjam o
dinheiro a valores que possam ser crivelmente gastos por organizações privadas;
disfarcem a extensão do interesse norte-americano; protejam a integridade da
organização, não exigindo que ela apoie todos os aspectos da política norte-americana
oficial”. (...) Os verdadeiros objetivos do Congresso foram esclarecidos. Ele não
deveria ser um centro de agitação, mas uma cabeça-de-ponte na Europa ocidental, a
partir da qual fosse possível deter o avanço das ideias comunistas. Deveria engajar-se
numa campanha ampla e coesa de pressão de pares, a fim de persuadir os intelectuais a
se desvincularem das frentes comunistas ou de organizações simpatizantes. Deveria
estimular a intelectualidade a elaborar teses e argumentos que se dirigissem não a um
público de massa, mas à pequena elite de grupos de pressão e estadistas que, por sua
vez, determinavam as políticas de governo. Não deveria ser uma fonte de coleta de
informações, e os agentes de outras divisões da CIA foram advertidos a não tentar usá-
la como tal. O Congresso deveria dar apoio "independente" aos objetivos da política
externa norte-americana que buscassem promover a união da Europa (através da
participação na OTAN e no Movimento Europeu, o último dos quais era
substancialmente financiado pela CIA), o que incluía a reunificação da Alemanha.
Deveria agir como um emissário das realizações da cultura norte-americana, e
trabalhar no sentido de solapar os estereótipos negativos que prevaleciam na Europa,
especialmente na França, sobre o que era percebido como a aridez cultural da América.
E deveria responder às críticas negativas sobre outros aspectos da democracia norte-
americana, inclusive seu histórico de direitos civis (SAUNDERS, 2008, p 116-117).

No Brasil, o processo de criação do CLC revelou-se uma tarefa complicada, tendo em vista a
dificuldade encontrada para reunir intelectuais anticomunistas liberais em torno de um projeto
claramente apoiado pelos Estados Unidos 1070. Julián Gorkin1071 e o ex-trotskysta belga Louis Mercier
Vega, dois agentes do CLC responsáveis pela América Latina, estiveram no Brasil em 1954 e 1955,
com o objetivo de criar um comitê local. Gorkin avaliou que seria “essencial entrar em contato com
todas as pessoas que fossem pintores, escritores, músicos e todas as pessoas que os acompanhavam, para demonstrar que o
Ocidente e os Estados Unidos eram devotos da liberdade de expressão e das realizações intelectuais, sem nenhuma barreira
rígida quanto ao que se deve escrever e ao que se deve dizer e ao que se deve fazer e ao que se deve pintar, que era o que
vinha acontecendo na União Soviética” (BRADEN apud SAUNDERS, 2008, p. 116, grifos no original.)
1070 Em 1952, Michael Josselson, operativo da CIA encarregado de chefiar as atividades do CLC, enviou cartas a Sérgio
Buarque de Holanda, José Lins do Rego e vários outros escritores brasileiros (Cartas, 09/02/1953; 16/09/1952). No mesmo
ano, Stephen Spender, escritor britânico e colaborador do CLC, também entrou em contato com José Lins do Rego ( Correio
da Manhã, 31/05/1952). Em 1953, Spender enviou uma carta ao escritor Fernando Sabino, pedindo-lhe indicações de
pessoas interessadas no movimento do Congresso pela Liberdade da Cultura, que pretendia realizar uma reunião em 1954,
em São Paulo, aproveitando a oportunidade da realização do Encontro Internacional de Escritores na cidade (Diário
Carioca, 05/04/1953). Outro contato foi realizado com o advogado, jornalista e escritor Rodrigo Melo Franco de Andrade,
que se reuniu com “um grupo de escritores para ouvir Julián Gorkin, incumbido de fundar no Brasil uma seção do
Congresso pela Liberdade da Cultura” (Diário Carioca, 18/07/1954).
1071 Ex-militante do Partido Obrero de Unificación Marxista(POUM) durante a Guerra Civil espanhola (1936-1939).
625

[Érico] Veríssimo”, mas o escritor gaúcho “não respondeu às cartas do Congresso” (Relatório, 1955).
Para Mercier Vega, as dificuldades encontradas no Brasil decorriam do seguinte motivo: “não existe um
núcleo de intelectuais livres (...). Os comunistas ocupam um setor importante da vida intelectual e
também dos meios jornalísticos” (Relatório, 22/05/1953).
Na falta de um intelectual brasileiro prestigiado e respeitado por seus pares disposto a liderar
uma iniciativa norte-americana, o CLC viu-se diante da necessidade de recorrer a um estrangeiro,
Stefan Baciu1072. Pela mesma razão, teve de nomear como presidente da entidade um indivíduo que não
tinha a mesma estatura de outros intelectuais que haviam sido convidados a liderá-la, o crítico literário
Afrânio Coutinho, que parecia não se importar com o fato de que o CLC era uma iniciativa norte-
americana1073. Em outras palavras, os agentes do CLC foram incapazes de encontrar no Brasil
intelectuais com o mesmo perfil daqueles que lideraram os seus comitês na Europa. A Associação
Brasileira do Congresso pela Liberdade da Cultura (ABCLC) foi finalmente criada no final de 1958 e, a
partir do início de 1959, começou a publicar a revista Cadernos Brasileiros1074.

1072 No início de 1958, Gorkin faria uma nova investida para criar o comitê do CLC no Brasil. Ao final, chegou-se a uma
decisão: a iniciativa cultural da CIA no Brasil seria liderada por C. A. Nóbrega da Cunha e por Stefan Baciu, descrito por
Gorkin como “um tesouro de homem: escritor e jornalista romeno, redator da Tribuna da Imprensa e colaborador dos
principais jornais do Rio e São Paulo, honesto, dinâmico e cheio de entusiasmo, muito estimado nos meios intelectuais”. O
emissário espanhol também registrou as dificuldades que ainda estava encontrando: “De toda a América Latina, o Brasil é
certamente o país mais difícil a colocar em movimento, em razão de uma certa apatia geral” (Relatório, 13/03 a 11/05/
1958). Em janeiro de 1963, Josselson relembrou que houve problemas com a escolha de Nóbrega da Cunha, “que não
respondia as cartas” e não enviava relatórios sobre o progresso do comitê. Foi assim que Gorkin, “que a esta altura já tinha
perdido todas as esperanças em relação aos intelectuais brasileiros, insistiu tanto para que Baciu se tornasse o secretário
geral” do CLC no Brasil (Carta, Josselson para Botsford, 23/01/1962). Baciu, mencionado no capítulo 6, era ligado ao grupo
do Comitê Brasileiro Europa Livre (CBEL).
1073 Coutinho parecia mesmo uma boa escolha: estudou na Columbia University antes da Segunda Guerra Mundial e
trabalhou na inteligência do exército norte-americano como tradutor. De acordo com IBER (2015, p. 131), ele também havia
sido editor “da revista conservadora Readers Digest. Neste período viveu em Nova York, e lá aprendeu as técnicas
sofisticadas de leitura do New Criticism. No início da Guerra Fria, o sucesso dessa abordagem nos estudos sobre Literatura
foi às vezes atribuído a um modo de análise literário essencialmente anticomunista, pois oferecia uma aparente possibilidade
de ler os textos de forma apolítica, tomando o objeto de estudo em seus próprios termos e divorciando-o do contexto
histórico em que foi produzido. O trabalho de divulgação do New Criticism feito por Coutinho no Brasil foi considerado um
meio de despolitizar o criticismo cultural – de um modo necessariamente político. Assim como Coutinho, um outro grande
praticante do New Criticism foi John Crowe Ramson, muito respeitado e admirado pelo CLC, e muitos de seus pupilos
foram recrutados para executar trabalhos para a CIA”.
1074 Em abril de 1959 foi lançado o primeiro número da revista Cadernos Brasileiros. Seu diretor era Afrânio Coutinho
(função que cumpriria até o desparecimento da revista). Stefan Baciu era o redator-chefe e o poeta Arino Peres, o secretário.
Constava em sua primeira página uma lista com os nomes que compunham o seu Conselho Consultivo: Adonias Filho,
Anísio Teixeira, Cassiano Ricardo, Celso Cunha, Eduardo Portella, Elmano Cardim, Eugênio Gomes, Evaristo de Morais
Filho, Gilberto Freyre, José Garrido Torres (do IPES), Levy Carneiro e Manuel Bandeira. Até o início de 1962, a revista foi
publicada trimestralmente, passando, então, a ser bimestral. Do primeiro ao último número, foram raras as vezes em que
Cadernos Brasileiros publicou o nome dos integrantes de seu Conselho Consultivo. Da mesma forma, sua filiação ao
Congresso pela Liberdade da Cultura foi desaparecendo gradativamente ao longo dos anos: a partir das edições da segunda
metade do ano de 1961, nunca mais foi feita nenhuma menção a este vínculo.
626

Analisando os primeiros anos de atividade no Brasil, os dirigentes internacionais do CLC


avaliavam que o comitê brasileiro “havia adquirido uma reputação de ser anticomunista reacionária”
(IBER, 2015, p. 131), que prejudicava a imagem da iniciativa cultural americana. Josselson, operativo
da CIA encarregado de chefiar as atividades do CLC, dizia que Baciu tinha de ser convencido de que o
Congresso pela Liberdade da Cultura “não era uma máquina de propaganda anticomunista que servia a
qualquer propósito” (Carta, 23/01/1962). Naquele momento, era nítido o esgotamento da estratégia
inicial elaborada pelo CLC para a América Latina, assim como estava claro que os agentes da entidade
responsáveis pela região deveriam ser substituídos. Como resumiu Iber (2015, p. 123), “diante da
revolução cubana, que chamou a atenção dos desejos de gerações mais jovens”, os líderes do CLC
“passaram a acreditar que o seu atual círculo de liberais ex-marxistas envelhecidos e amargos não
poderia colaborar para criar um apoio significativo nos anos 1960”.
No mesmo sentido, Mudrovcic (1997, p. 17) chamou a atenção para o fato de que o
redirecionamento dos rumos do Congresso pela Liberdade da Cultura no mundo o livrou do “canto de
cisne do naufrágio macartista”. A organização buscou “renovar as bases discursivas de seu programa
anticomunista, fazendo finca-pé em uma plataforma de tendência liberal-progressista, muito mais
ambígua, generosamente eclética, e retoricamente em harmonia com a mitologia democrática e
humanista à qual aderiu a maioria militante de seus membros”. Foi nesse espírito que, a partir do julho
de 1962, a revista Cadernos Brasileiros passou por uma nítida transição, resultado tanto da nova
conjuntura latino-americana – sobretudo com o impacto da revolução cubana – quanto da conjuntura
interna do Brasil.
Em junho de 1962, o romeno Stefan Baciu foi afastado. Na primeira edição da Cadernos
Brasileiros publicada após a sua saída – meses de julho a setembro de 1962 – Vicente de Paulo
Barretto, 23 anos de idade, bacharel em Direito e genro do intelectual ultradireitista Gustavo Corção
(DULLES, 2000, p. 427), aparecia como o substituto da função que Baciu exercera até junho daquele
ano. Aparentemente, a experiência que capacitava Barretto para liderar a nova fase da publicação foi o
seu envolvimento com o IBAD: entre junho de 1960 e junho de 1962, ele foi secretário da revista Ação
Democrática e tradutor do livro O Assalto ao Parlamento, editado pela entidade, e também membro da
627

ADEP1075. Ao ingressar na revista Cadernos Brasileiros, Barretto estaria envolvido pela segunda vez
com uma operação da CIA.
José Garrido Torres, um dos líderes do IPES, entre 1962 e 1963 dividiu a presidência da revista
com Afrânio Coutinho. A partir de então, Cadernos Brasileiros passou por mudanças, adotando um
discurso anticomunista menos beligerante, para moderar a sua imagem anticomunista intransigente
inicial. Ao mesmo tempo, participou ativamente da campanha anti-Goulart, divulgando textos de
combate aos projetos de reformas de base defendidos pelo presidente brasileiro 1076. Diluindo os seus
interesses políticos reais em um discurso “técnico”, moderado, mais racional, “apolítico” e “não-
ideológico”, economistas, sociólogos, antropólogos, historiadores e cientistas políticos participavam
dessa nova modalidade de combate às esquerdas brasileiras, sem fazer parecer que se tratava de um
combate. Em favor de uma abordagem que configurou um discurso anticomunista ressignificado,
sumiram da revista as anedotas de gosto duvidoso e os apelos pouco atraentes à mobilização dos
intelectuais contra o governo de Fidel Castro.
A partir de então, temas referentes ao cenário político brasileiro, anteriormente pouco discutidos
nas páginas da publicação, dariam lugar a dossiês especiais sobre reforma agrária e reforma

1075 Em janeiro de 1960, Barretto era um dos membros da “Caravana Universitária Carioca, do Movimento Popular Jânio
Quadros (MPJQ), que à primeira hora do ano de 1960 partiu para Minas Gerais”, a fim de realizar “ampla cobertura dos
comícios do candidato Jânio Quadros, naquele Estado”. Além de Barretto, integraram a caravana os universitários Antonio
Leopoldino (que também viria a ser membro do IBAD), José Halegua e Mahomed Abib Alli, os quais já teriam percorrido
“cerca de 50 mil quilômetros, fazendo propaganda do sr. Jânio Quadros” (Correio da Manhã, 01/01/1960). Sobre o
envolvimento de Barretto com o IBAD, ver Carta de Barretto para Castilho Cabral (assinada por Barretto, em envelope e
papel timbrado do IBAD, anunciando o programa da ADEP, 23/02/1962) e Ata, Assembleia Geral do IBAD, 02/05/1961
(Jornal do Comércio, 17/05/1961). De acordo com trechos do depoimento de Ivan Hasslocher à CPI do IBAD apresentados
pelo jornal O Globo, “no início da organização da ADEP chegou a haver uma conta conjunta do depoente com o sr. Artur
Junqueira e o sr. Vicente Barreto” (O Globo, 27/09/1963). Conforme reportagem do Jornal do Brasil, Barretto também seria
convocado para depor na CPI do IBAD (Jornal do Brasil, 26/06/1963). Em depoimento prestado à CPI do IBAD no dia
29/08/1963, Carlos Castilho Cabral, ex-presidente do MPJQ, confirmou que, após as eleições de outubro de 1960, Ivan
Hasslocher e John W. F. Dulles compareceram à sua casa e fizeram uma oferta para comprar o MPJQ, esclarecendo que “as
primeiras referências à soma inicial de 1 bilhão de cruzeiros lhe foi feita pelo sr. Vicente Barreto na presença do sr. Arthur
Junqueira” (Ata, CPI do IBAD, vol. 09). A ADEP e a CPI que investigou a participação do IBAD nas eleições de 1962 são
temas do próximo capítulo.
1076 O dossiê especial intitulado “Para onde vai o Brasil” (ano V, janeiro-fevereiro, n. 1, 1963), talvez seja o melhor
exemplo do engajamento político da revista contra o governo de João Goulart. Ele contava com uma pequena introdução
escrita por Nuno Veloso – que se tornou secretário de redação no segundo semestre de 1962 – que fazia a seguinte
avaliação: “as transformações que ocorrem no mundo moderno e no Brasil fazem com que nossa política pareça, à primeira
vista, aproximar-se de um verdadeiro caos”. O conteúdo dos três textos que compunham o dossiê não deixaram por menos e
identificaram claramente aqueles que consideram serem os responsáveis pelos problemas doo Brasil: o trabalhismo e o
nacionalismo, personificados por João Goulart. A análise de Fábio Alves Ribeiro (“Correntes ideológicas”), que era também
secretário de redação da revista Ação Democrática, do IBAD, era a seguinte: “ A exemplo dos regimes totalitários, (...), o
senhor Getúlio Vargas e seus assessores criaram a ideologia trabalhista brasileira, que postula, de modo implícito ou
expresso, a morte da democracia representativa e institucional. (...). Começou, então, essa aliança tácita ou manifesta entre
trabalhismo brasileiro e comunismo. (...). Hoje, o conflito ideológico basilar reside (...), de um lado, o binômio trabalhismo-
comunismo, o verdadeiro totalitarismo, e, de outro, a democracia. O trabalhismo-comunismo (...) encontra-se atualmente
com a plena responsabilidade da governança federal”.
628

universitária, por exemplo. Representante dessa nova abordagem foi também o texto A
responsabilidade democrática do empresário, assinado por José Garrido Torres, demonstração
inequívoca da tentativa da revista de intervir no debate político à época em curso no país. Outro
ipesiano, Glycon de Paiva, em um texto sobre a “a paternidade irresponsável”, procurou não deixar
dúvidas de que o motivo que explicava a crise dos anos 1960 no Brasil era o “excesso de população
sobre a economia possível na conjuntura”. Segundo Paiva, sua interpretação sobre o tema era “neutra,
despida de fundo ideológico”1077.
O engajamento político de Cadernos Brasileiros contra o governo Goulart seguiu até o início do
ano de 1964, coincidindo com a saída de José Garrido Torres da direção da revista. Depois desse
período, a publicação passaria a adotar uma postura de apoio à coalizão empresarial-militar que
assumiu o poder em abril de 1964, apesar de sua crítica com relação ao que considerava como “ação
policial” do regime. Em editorial publicado na edição de maio/junho de 1964, havia uma espécie de
declaração autodefensiva para justificar seu apoio ao regime militar. Cadernos Brasileiros elogiava e
promovia a defesa da “revolução”, mas criticava as prisões da intelligentsia, consideradas fruto de uma
“disparidade entre a posição presidencial” – “que reerguerá a nação do caos”, combatendo a “injustiça
social, o subdesenvolvimento e a miséria” – e a “ação policial”, que para a entidade era algo “anômalo,
não sendo parte do espírito da revolução, uma verdadeira revolução democrática, porque
anticomunista” (Cadernos Brasileiros, maio-junho, 1964)1078.

1077 “O grande espoliador da economia brasileira não é o ianque, nem o homem de empresa nacional, nem tão somente um
mau gerente de coisas públicas, mas sim a criança não desejada, o adolescente que invade as nossas vidas em números
geometricamente crescentes, frenando o desenvolvimento e exaurindo a Nação. (...). Seria preciso iniciar no Brasil planos
nacionais de contenção natal, a exemplo do que se faz no Japão desde a Lei Eugênica de 1948” PAIVA, Glycon de. A
paternidade irresponsável. Cadernos Brasileiros, ano V, n. 6, novembro-dezembro, 1963. p. 109-110.
1078 O editorial foi publicado após uma troca de cartas entre John C. Hunt, operativo da CIA e coordenador das atividades
do CLC para a América Latina e Afrânio Coutinho, em abril de 1964. Hunt advertiu que o CLC no Brasil poderia
“desempenhar um papel construtivo no novo ambiente intelectual e político do Brasil”. Apesar de comemorar o final do
“caos político e econômico” e da “ameaça à liberdade” que seria representada por Goulart, ele deixou claro que gostaria de
ver o CLC no Brasil posicionar-se contra a política de perseguição aos liberais, mencionando o caso de Celso Furtado, que
havia sido preso. Alegando que ninguém poderia acusar nem Coutinho nem o CLC de serem pró-comunistas, Hunt dizia que
havia a oportunidade de “mostrar claramente a nossa perspectiva liberal”: “ser anti-Goulart não é razão suficiente para
excessos cometidos contra os procedimentos democráticos, e eu penso que nós devemos ter coragem suficiente para dizer
isso” (Carta, 21/04/1964). Coutinho rejeitou a argumentação de Hunt: “Os militares têm o apoio da população brasileira e
colocaram um fim à infiltração comunista, garantindo o cumprimento da Constituição. (…) esquerdistas, incluindo
moderados, tinham o objetivo de instalar um regime totalitário em nosso país. Assim, os militares demonstraram-se a
verdadeira força democrática de centro. (…). Furtado pode não ser um comunista, mas se aliou a eles, e na verdade não foi
preso, teve apenas os seus diretos políticos cassados por dez anos, o que o impede de votar ou concorrer a cargos públicos.
Não tenho o desejo de me envolver em uma campanha em favor de restabelecer os direitos políticos de Furtado ou aborrecer
os militares de nenhuma forma” (Carta, Coutinho a Hunt, 30/04/1964). As relações (às vezes conturbadas) entre a revista
Cadernos Brasileiros e a direção do Congresso pela Liberdade da Cultura, assim como as críticas da revista ao regime
militar e sua busca de acomodação com “os donos do poder”, são analisadas por Ridenti (2018).
629

Cadernos Brasileiros diversificou as suas atividades a partir de abril de 1964, com a


inauguração da Galeria Goeldi, situada na praça General Osório, no bairro carioca de Ipanema, para
onde foi deslocada a sede da revista e na qual foram expostas as obras de dezenas de artistas brasileiros
e estrangeiros. Passou também a publicar análises sobre temas pouco abordados até então, escritos por
cientistas políticos e sociólogos, que viriam a se tornar alguns dos mais importantes analistas sociais
brasileiros. Promoveu inúmeras palestras, cursos e atividades de debates sobre os mais diversos temas,
tanto na sede da Galeria Goeldi quanto em universidades públicas e privadas.
Em 1965, antecipando-se às denúncias de sua vinculação com a CIA, que fatalmente se
tornariam públicas, o CLC mudou seu nome para Associação Internacional pela Liberdade da Cultura e
iniciou negociações com a Fundação Ford para que esta assumisse a tarefa de financiar as publicações
do Congresso. As tratativas foram mais difíceis do que se imaginava e não foram rápidas o suficiente
para evitar o pior. Em 25 de abril de 1966, uma série de cinco artigos publicados no The New York
Times revelou as conexões da CIA com o Congresso. Somente a partir de 1967 a Fundação Ford
assumiria as contas da “renovada” entidade. Essas mudanças repercutiram também nas seções latino-
americanas do Congresso, que passaram a ser coordenadas, a partir de 1966, pelo Instituto Latino-
Americano de Relações Internacionais (ILARI), chefiado por Louis Mercier Vega1079.

1079 Para maiores informações sobre o ILARI, ver Cancelli (2017).


630

CAPÍTULO 11 – O ATAQUE FINAL CONTRA A ORDEM CONSTITUCIONAL DE


1946

(…) está ocorrendo neste país uma guerra política de grande importância, que
determinará sua orientação doméstica e externa e, com ela, a maior parte do nosso
continente. Temos grande interesse no resultado e estamos tentando usar nossa
influência (…) para levar a um resultado favorável”.
Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil, outubro de 1962.

A eleição de 1962 foi um grande triunfo para nós. (…) Nós trabalhamos duro (…) e
elegemos um grande número de congressistas (...).
Ivan Hasslocher, líder do IBAD, 1999.

O objetivo estratégico do complexo IPES/IBAD era, segundo Dreifuss (1987, p. 319), “levar a
estrutura política a um ponto de crise, no qual os civis apoiariam soluções extraconstitucionais e os
militares se sentiriam compelidos a intervir como moderadores” de um sistema político que se
encontrava “altamente polarizado”. Junto ao Congresso e aos partidos políticos, a atuação do complexo
era desenvolvida através da Ação Democrática Parlamentar (ADP), criada em 1961 pelo deputado
baiano, João Mendes da Costa Filho, da UDN. A ADP era “um bloco multipartidário de senadores e
deputados federais conservadores e reacionários, na maior parte da UDN e do PSD” (DREIFUSS,
1987, p. 320). De acordo com Souza,

Os estatutos deixavam claro que a intenção da ADP era se estruturar nacionalmente,


nos moldes de um partido político, “podendo ter associações filiadas nas capitais dos
Estados ou em qualquer outro município brasileiro”. Também estabeleciam que a
Comissão Executiva e o Conselho Orientador seriam compostos por um total de 50
deputados, devendo “conter representantes de todos os partidos” que integravam o
movimento e, na medida do possível, contar com a participação de “congressistas de
diferentes unidades da Federação”1080 (SOUZA, 2015).

1080 “Em reunião presidida por João Mendes na sala da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, no
início de junho [de 1961], foram constituídos os órgãos diretivos da ADP com a escolha de um Conselho Consultivo e de
uma Comissão Executiva. O Conselho Consultivo foi composto pelos deputados Raul Pilla (PL-RS), Arruda Câmara (PDC-
PE), Hamilton Prado (PTN-SP), João Veiga (PTB-AM), Carvalho Sobrinho (PSP-SP), Munhoz da Rocha (PR-PR), Herbert
Levi (UDN-SP) e Horácio Lafer (PSD-SP). Da Comissão Executiva participaram, inicialmente, os deputados João Mendes
(UDN-BA), Mendes Gonçalves (PSD-MT), Raimundo Padilha (UDN-RJ), Manuel Novais (PR-BA), Othon Mader (UDN-
PR), Hélio Machado (PDC-BA), Ari Pitombo (PTB-AL), Rubem Nogueira (PRP-BA), Mendes de Moraes (PSD-GB) e
Dirceu Cardoso (PSD-ES). Depois da reunião, a ADP distribuiu uma nota à imprensa anunciando para dentro de poucos dias
a votação de seus estatutos, apresentando-se como “um novo e vigoroso grupamento político”. Nos meses seguintes, a ADP
continuou recebendo a adesão de dezenas de parlamentares e, até outubro de 1961, já contava com mais de 150 deputados”
631

Dreifuss (1987, p. 323) afirma que a ADP mostrou-se útil em “dois eventos do mais alto
significado político”, nos quais coordenou a oposição ao governo e ao bloco nacional-reformista. O
primeiro deles foi na rejeição, pela Câmara dos Deputados, da nomeação de Santiago Dantas ao posto
de primeiro-ministro1081. O segundo, nas “cruciais eleições de 1962 para o Legislativo”, nas quais “via-
se contestada a totalidade das cadeiras da Câmara dos Deputados (409), parte do Senado (45) e onze
governos de estado”. Nessas eleições estava também em jogo “a composição essencial da engrenagem
do Congresso que legislaria por todo o governo de João Goulart até 1965 e que levaria à falência ou ao
sucesso qualquer tentativa de reformas básicas pelo bloco nacional-reformista”.
Quatro dias antes do pleito, em outubro de 1962, Lincoln Gordon, embaixador dos Estados
Unidos no Brasil, enviou um telegrama ao secretário de Estado, Dean Rusk, anunciando que “uma
guerra política de grande importância” estava acontecendo no Brasil. Ela determinaria a orientação
interna e externa do país e, “com isso, de boa parte do continente”. No mesmo telegrama, Gordon
destacou que o governo norte-americano tinha “muitos interesses em jogo” naquelas eleições e estava
tentando usar sua influência “habilmente, para garantir um resultado favorável” – aos interesses dos
Estados Unidos. Para garantir o sucesso desses esforços, “todos os elementos da equipe diplomática
(country team) e as agências em Washington foram enfaticamente instruídos pelo presidente a
contribuir com esse processo”. Preparado para a batalha, Gordon escreveu: “em qualquer tipo de
guerra, a sincronia entre ações táticas e estratégicas pode ser decisiva” (Telegrama n. 751, 03/10/1962).
Esse não foi o primeiro envolvimento norte-americano em eleições no Brasil. Conforme
apresentado em outros capítulos desta tese, os Estados Unidos já tinham realizado operações de
interferência – de grau e sucesso desconhecido – em campanhas eleitorais na década de 1950 1082. É
possível que tenham ocorrido ingerências, por meio de ações encobertas, em 1960, hipótese já
levantada por alguns autores. Dreifuss (1987, p. 103) afirma que “os interesses multinacionais e
(SOUZA, 2015). Em maio de 1962, João Mendes informou ao conselheiro político da embaixada norte-americana em
Brasília que “grupos similares haviam sido estabelecidos nas assembleias legislativas de São Paulo (por uma maioria dos
deputados estaduais) e em Pernambuco (por mais de um terço dos deputados)” (Memorando, 29/05/1962).
1081 “A rejeição a Santiago Dantas, figura política capacitada, representante no PTB dos empresários industriais e presença
respeitada na centro-esquerda do espectro político brasileiro, forçou João Goulart a um constante remanejamento de seu
ministério” (DREIFUSS, 1987, p. 323).
1082 Como afirmado no capítulo 1, a CIA já tinha trabalhado para a “exposição e eliminação” (exposure and elimination)
de candidatos comunistas nas eleições gerais – que renovaram governos estaduais, parte do Senado, a Câmara dos
Deputados e as Assembleias Legislativas - realizada em outubro de 1954, pouco depois do suicídio de Getúlio Vargas: “Os
“mecanismos” brasileiros na juventude e entre os estudantes, grupos de imigrantes, imprensa, rádio, empresários,
propaganda direta e ações de campo contribuíram para a criação de um clima político favorável à execução pelo governo
brasileiro de suas primeiras ações anticomunistas vigorosas. O Comunismo pode vir a se tornar um importante tema durante
a campanha para as eleições presidenciais de 1955. Estes grupos foram instrumentais na destruição ( destroying) da
mencionada Conferência da Mulher e tiveram algum sucesso no torpedeamento (torpedoing) das campanhas de comunistas
que buscavam eleger-se com credenciais de partidos legais (Memorando, 14/01/1955, itálicos meus).
632

associados intervieram nas eleições presidenciais de 1960, apoiando o candidato de sua escolha, o ex-
governador de São Paulo, Jânio Quadros, apoio este dado ostensivamente através do CONCLAP e de
outras organizações de classe e veladamente através do IBAD”1083.
Ivan Hasslocher (1999, p. 202), líder do IBAD, afirma em suas memórias: “a primeira eleição
na qual nós cumprimos um papel, além do nosso pequeno experimento abortado com o PDC [Partido
Democrata Cristão], foi a de 1962”. Nessa passagem, Hasslocher parece estar se referindo ao sucesso,
não à existência de uma operação da CIA para interferir nas eleições. Sobre esse primeiro
“experimento” do IBAD, que não teria alcançado os resultados esperados, ele comentou:

Me ocorreu que nós poderíamos tomar um pequeno partido político brasileiro, formado
com base no modelo dos democratas cristãos alemães do pós-Segunda Guerra, e torná-
lo grande e influente. Ele era chamado Partido Democrático [sic] Cristão e conhecido
pelas iniciais PDC1084. Era liderado por um membro da câmara dos deputados da
Guanabara. Este era Gladstone Chaves de Mello, um homem de origem humilde no
estado de Minas Gerais1085. Na campanha eleitoral que se seguiu, nós conseguimos
mais votos para dois candidatos daquele partido do que eles normalmente recebiam,
mas não o suficiente para eleger um terceiro candidato. Dulce Magalhães, a segunda
candidata eleita, era uma mulher muito boa. Gladstone foi o primeiro
(HASSLOCHER, 1999, p. 176).

1083 Ruth Leacock (1990, p. 65) afirma: “o IBAD foi criado pela estação da CIA do Rio de Janeiro em 1959 para fornecer a
fachada para o envolvimento americano nas eleições presidenciais de 1960”. Foi encaminhado um pedido à CIA sobre
quaisquer arquivos, disponíveis em formato eletrônico ou físico, produzidos pela agência sobre as relações ostensivas e
encobertas com o IBAD e o Partido Democrata Cristão (PDC), assim como sobre a interferência durante o processo eleitoral
de 1960 e 1962. Em resposta, a agência afirmou que, “depois de uma cuidadosa pesquisa” em seus arquivos, “nada foi
encontrado que confirme relações ostensivas” com o IBAD ou o PDC, “nem sobre a participação ostensiva da agência
durante as eleições de 1960 e 1962”. Porém, segundo a resposta da CIA, “a agência não confirma nem nega a existência de
relações não ostensivas, tampouco a existência ou não de arquivos sobre tais relações com estas organizações e durante as
referidas eleições. A existência ou inexistência de tais arquivos é, em si, censurada”.
1084 “Após a Segunda Guerra Mundial foram criados nos países de tradição católica partidos democratas cristãos com o
objetivo de funcionar como instrumentos de importância estratégica para organizar a vontade política da sociedade civil
católica. Sua principal tarefa era propor um projeto modernizador e reformista que conduzisse a um capitalismo social,
coerente com as propostas da encíclica Rerum novarum. Com isso procurava-se criar uma terceira posição ideológica e
política, distinta da defesa pura e simples ou do capitalismo ou do comunismo. (…) Apesar do comprometimento dos
católicos com os partidos já existentes, o PDC conseguiu superar os obstáculos que se opunham à sua criação e teve seu
lançamento público no Teatro Municipal de São Paulo, no dia 9 de julho de 1945. (…) nos primeiros anos da década de
1950 o partido sofreu um processo de expansão (…). (…) Em 1958 Juarez Távora filiou-se ao PDC, integrando-se ao
diretório regional do Distrito Federal, e Nei Braga fundou um núcleo importante do partido no Paraná. Ao mesmo tempo
prosseguia de forma significativa o crescimento eleitoral do PDC, comprovado no pleito de outubro de 1958, quando o
partido tornou-se a segunda agremiação mais importante em São Paulo” (DHBB, Verbete temático).
1085 Gladstone e seu irmão, Gabriel Chaves de Melo, viriam a ter relação com a revista do IBAD, Ação Democrática,
como visto no capítulo 8.
633

Hasslocher não esclarece a que campanha eleitoral estava se referindo. Contudo, segundo as
informações fornecidas (eleição de Dulce Magalhães e de Gladstone Chaves de Mello), tratava-se da
eleição para a câmara de vereadores do Distrito Federal, realizada em outubro de 1958 1086. Essa
informação é importante, porque revela uma ação política da CIA com Ivan Hasslocher anterior não
apenas à campanha eleitoral de 1960, mas à própria criação oficial do IBAD, que ocorreu oficialmente
apenas em 1959 (como visto no capítulo 8). Sobre as eleições de 1960, apesar de não fornecer detalhes,
Hasslocher reconhece seu envolvimento1087:

Um homem ideal, desejado para o cargo de presidente pela vasta maioria, inclusive
entusiasmadamente por mim (including my enthusiastic self), foi eleito presidente. Os
homens da CIA e eu estávamos inclinados a celebrar. A ameaça comunista tinha sido
postergada. Os comunistas tinham apoiado ao máximo o candidato perdedor, general
Henrique Lott. (…) O homem ideal era um certo Jânio Quadros 1088. (…) Todos
confiavam nele. Todos nós acreditávamos que ele iria transformar o Brasil em uma
próspera democracia1089. Ele tomou posse em janeiro de 1961 e, em agosto de 1961,

1086 Em novembro de 1958, o jornal Tribuna da Imprensa divulgou a votação oficial do PDC nesse pleito: o Partido
Democrata Cristão obteve 44.508 votos para seus quase sessenta candidatos à vereança. Foram eleitos apenas Gladstone
Chaves de Melo (5.886 votos) e Dulce Magalhães (3.257 votos), que já exerciam o mandato previamente. Glaucus Calvet
Cajati foi o terceiro candidato mais votado do partido, com 1936 votos (Tribuna da Imprensa, 12/11/1958). Em outubro de
1960, Gladstone Chaves de Melo e Dulce Magalhães também foram candidatos na eleição para a assembleia constituinte do
estado da Guanabara (criado em conexão com a transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília). Contudo,
nessa eleição, apenas Gladstone foi eleito, com mais de dez mil votos: “Pode-se destacar entre as surpresas do pleito a não
eleição da sra. Dulce Magalhães no PDC, embora sua votação (6.470) fosse maior que a de muitos constituintes eleitos”. O
candidato mais votado, Amaral Neto, da UDN, recebeu mais de 35 mil votos (Diário de Notícias, 13 a 14/11/1960). Amaral
Neto, segundo Hasslocher (1999, p. 198) era um de seus amigos políticos. Os outros dois eram João Mendes, líder da ADP,
e Armando Falcão.
1087 É possível que Hasslocher não tenha sido autorizado pela CIA a relatar em detalhes suas atividades nas eleições
anteriores à de 1962, já que seriam informações novas. Como informado anteriormente, este é um modus operandi da
agência: ela só revela o que não pode mais negar, e libera mais informações apenas sobre o que já se tornou público.
1088 “Jânio havia se projetado na vida política de São Paulo [onde foi vereador, deputado estadual, prefeito e governador]
devido à sua eficiência administrativa e à sua independência com relação aos partidos. Em abril de 1959, foi lançado
candidato à presidência pelo recém-fundado Movimento Popular Jânio Quadros (MPJQ), de caráter suprapartidário. Nesse
mesmo mês, a convenção nacional do Partido Trabalhista Nacional (PTN) escolheu-o seu candidato à sucessão presidencial.
Em novembro do mesmo ano, mais três pequenos partidos – o Partido Libertador (PL), o Partido Democrata Cristão (PDC)
e o Partido Republicano (PR) – apoiaram a sua candidatura. Enquanto isso, o PSD e o PTB, empenhados em manter a
aliança vitoriosa em 1955, decidiram-se pelo nome do marechal Henrique Teixeira Lott [ministro da Guerra entre 1954 e
1960] para cabeça da chapa que disputaria a presidência da República. Dentro do PTB, o vice-presidente João Goulart
despontava como o nome natural para concorrer uma vez mais ao cargo, embora enfrentasse forte resistência nos setores
conservadores do PSD e nos meios militares. Mesmo assim, foi escolhido para o cargo, durante a convenção nacional do
PTB, realizada em maio de 1959. (…) a UDN (…) começava a vislumbrar na candidatura de Jânio Quadros a oportunidade
de derrotar a oligarquia pessedista e o trabalhismo em ascensão”. Mas “as dificuldades entre Jânio e a UDN, que marcariam
o curto governo janista, já se faziam presentes durante a campanha presidencial”. Jânio Quadros venceu as eleições
presidenciais de outubro de 1960, recebendo 48% dos votos (Dossiê, CPDOC, s/d).
1089 Esse era o sentimento expresso por Rachel de Queiroz, como observou Mendes (2017). A escritora, que
posteriormente iria colaborar com o IPES, em outubro de 1960 comemorou a vitória Jânio e de Carlos Lacerda (eleito
governador do estado da Guanabara): “Meu Deus, parece um sonho. A gente volta a ter esperança. A acreditar em alguma
634

renunciou à presidência. João Goulart havia sido eleito junto com Quadros, como vice-
presidente. No Brasil, os candidatos a vice-presidente concorriam em chapa
independente dos candidatos à presidência. A UDN, ineficiente como sempre no que se
referia às eleições, insistia em apoiar um candidato velho e desinteressante [Milton
Campos, senador por Minas Gerais] (…). Eu andava apavorado com a possibilidade de
que Quadros tivesse um ataque cardíaco ou qualquer outra coisa e Goulart assumisse a
presidência. Então eu decidi apoiar um terceiro candidato pra a vice-presidência, um
certo Fernando Ferrari, que não era apoiado por nenhum dos três maiores partidos
[UDN, PSD, PTB]1090. Ferrari era um tipo estranho, com um grande talento para se dar
bem com o público, mas com certo aspecto sinistro quando fora de vista do público.
Ao pessoal da CIA, eu o descrevi como uma mistura de Estes Kefauver, (…) [político
norte-americano] e Boris Karloff [ator britânico], dos filmes em que interpretou o
monstro de Frankenstein. Para mim, Ferrari era útil, porque era um tipo populista, cuja
base era a mesma de Goulart, o Rio Grande do Sul. Se pudéssemos reduzir os votos de
Goulart naquele estado, talvez pudéssemos evitar que ele se tornasse vice-presidente 1091
(HASSLOCHER, 1999, p. 201- 202).

A articulação dos interesses multinacionais e associados para intervir nas eleições presidenciais
de 1960, apontada por Dreifuss, também está registrada. Desta vez, por William P. Cochran, cônsul dos
Estados Unidos em São Paulo:

coisa. A gente, a quem o governo nada tem a dar em posições nem em vantagens pessoais – que do governo nada quer senão
que governe, que exerça o mandato do povo na sua plenitude, e governe, com largueza, com dignidade, com honradez e
inteligência”.
1090 Fernando Ferrari era gaúcho e foi um dos fundadores do PTB, partido no interior do qual fazia oposição a João
Goulart. Em 1959, Ferrari “resolveu intervir nas eleições municipais de Porto Alegre (…) apoiando Loureiro da Silva, velho
líder petebista, que concorreria pela legenda do Partido Democrata Cristão (PDC), contra o candidato oficial do partido,
Wilson Vargas da Silveira. Essa determinação despertou diversas manifestações de hostilidade por parte de setores
petebistas, culminando com a queima em praça pública de dois bonecos de pano simbolizando Ferrari e Loureiro da Silva.
Dias depois, alguns membros do diretório municipal do PTB de Porto Alegre propuseram a expulsão de Ferrari do partido.
Enquanto tramitava pelas instâncias partidárias o processo de expulsão, Ferrari aproximou-se do Partido Democrata Cristão
(PDC) que, através do deputado Antônio de Queirós Filho, lhe oferecera, meses antes, a legenda para concorrer às eleições.
Ao mesmo tempo, resolveu fundar o Movimento Trabalhista Renovador (MTR), entidade ‘cívico-apartidária da qual foi
líder, destinado a organizar as bases dissidentes do PTB e trabalhistas de outros partidos, aos quais dirigiu um manifesto.
Realizadas as eleições para a prefeitura de Porto Alegre, sagrou-se vitorioso Loureiro da Silva, resultado que fortaleceu a
posição de Ferrari diante dos seus adversários no interior do PTB. Ele foi então convidado a participar de uma reunião
ordinária do diretório municipal de Porto Alegre, quando deveria ser discutida a sua expulsão. O convite foi, contudo,
recusado e, em carta a João Caruso, presidente regional do partido, reafirmou suas discordâncias com as cúpulas petebistas.
(…) Reunidas as convenções partidárias, formalizaram-se as chapas concorrentes às eleições presidenciais. O PTB acabou
por alterar a decisão tomada anteriormente, lançando com o apoio do PSD o general Henrique Lott para a presidência e João
Goulart para a vice-presidência. (...) O PDC apoiou Jânio Quadros e Ferrari, apresentando-se este, portanto, como um
candidato à vice-presidência de ‘faixa própria’, sem companheiro definido, embora sua preferência pessoal recaísse no
candidato udenista” (Verbete biográfico, DHBB). Considerando-se que Hasslocher/CIA tinham apoiado o PDC na
Guanabara em 1958, não é absurdo desconfiar que tenha tido também envolvimento nas eleições realizadas em 1959, como
esta em Porto Alegre, na qual foi derrotado o candidato apoiado por Goulart e Brizola. Pesquisa futura precisa ser realizada
sobre o tema.
1091 Para se referir a Goulart, Hasslocher (1999, p. 202) utiliza os adjetivos “desagradável” (nasty man), “trapaceiro” (a
crook) e “comunista sujo” (dirty communist).
635

Fernando Lee veio me ver ontem à tarde, por sua própria decisão (...). (...) [ele] disse
que tem estado próximo e em contato confidencial com o pessoal da Hanna [Mining],
especialmente o Sr. Del Marte. Ele os tinha convencido de que deveriam fazer uma
contribuição para o fundo de campanha de Jânio Quadros. (...) ele agora vai conversar
com o presidente da Câmara Americana de Comércio e alguns de seus amigos que,
como Lee, estão na diretoria daquela Câmara, para que eles contribuam com a
campanha de Jânio. Eu disse que isso causaria considerável preocupação no
Departamento de Estado em Washington. Ele disse que iria abordar apenas as
subsidiárias locais. Eu disse que nós considerávamos que uma das grandes forças dos
negócios norte-americanos no exterior era o fato de que eles não se envolviam em
política interna; que se ele fizesse isso e saísse prejudicado, o Departamento poderia se
recusar a protegê-lo. Eu repeti isso duas vezes. Contudo, Fernando planeja seguir
adiante, de qualquer maneira. Obviamente, ele acha que pode lidar com essa questão
com o sigilo necessário, talvez atuando ele próprio como intermediário, para prevenir
que os fatos venham a ser conhecidos. Eu disse, "Em outras palavras, você vai dar
conteúdo às acusações de Lott, de que Jânio está sendo financiado por empresários e
pelo capital estrangeiro?". Ele disse,"Sim, eu vou dar substância às acusações de Lott".
Eu planejo deixar claro aos principais dirigentes da Câmara Americana de Comércio a
forte objeção do Departamento à concessão de apoio financeiro a um candidato,
independentemente de qual seja, para a presidência do Brasil, e explicar a posição do
Departamento, de que tal atitude lhe retira o direito de esperar apoio do governo norte-
americano, caso surjam problemas. Fernando Lee solicitou especificamente que não
fosse indicado como a fonte dessas informações. Ao sair, ele disse, "Eu não estive aqui,
eu não o vi, eu não falei com você" (Telegrama n. 78, 27/08/1960).

Em 1962, o envolvimento do governo dos Estados Unidos nas eleições ocorreu em uma escala
sem precedentes na história brasileira, mobilizando todas as agências governamentais representadas nas
suas missões diplomáticas no Brasil, inclusive a CIA. Segundo a versão apresentada pelo historiador
Timothy Naftali (2001, p. 8) a partir de entrevistas feitas com o embaixador Lincoln Gordon, a decisão
de intervir nas eleições teria sido tomada no final de julho de 1962, quando ele estava em Washington
para “discutir a mais recente crise no Brasil”, relacionada a “manobras de Goulart”, tais como
nomeações de ministros “esquerdistas”, expropriações de empresas (como a IT&T), aprovação de uma
lei de remessa de lucros e críticas do presidente e de deputados nacionalistas ao sistema parlamentarista
vigente. Tal crise, segundo Gordon, “poderia abrir caminho para garantir poderes ditatoriais a Goulart”.
Assim, antes mesmo de sua chegada aos Estados Unidos, a administração Kennedy decidiu agir. A
estação local da CIA no Rio de Janeiro, com o apoio do embaixador, teria elaborado um plano para
influenciar as eleições de outubro de 1962.
Conforme Naftali, “o Special Group (Augmented) do Conselho Nacional de Segurança
aparentemente aprovou o plano no final de julho [de 1962]”, restando apenas decidir o “montante de
financiamento encoberto a ser canalizado para as eleições”, o que seria decidido durante a estadia de
636

Gordon em Washington. Contudo, essa versão contada por Gordon a Naftali não corresponde aos
procedimentos decisórios adotados em relação à política de intervenção dos EUA em eleições de outros
países durante os governos de Eisenhower e Kennedy. Uma decisão política desta magnitude, avaliada
como um meio importante para mudar os rumos das relações entre os EUA e o Brasil, considerado um
país fundamental para os interesses norte-americanos na América Latina, e que, ao mesmo tempo,
poderia prejudicar a imagem estadunidense caso a sua influência no processo eleitoral viesse a público,
não poderia ter sido tomada às pressas.
Diante disso, podemos conjecturar que a decisão norte-americana de interferir nas eleições de
outubro de 1962 no Brasil muito provavelmente foi tomada no segundo semestre de 1961. Uma
operação dessa envergadura, que envolvia riscos enormes de exposição da influência do governo dos
Estados Unidos, não poderia ser discutida em outro âmbito que não fosse o Special Group 5412. Não
foi encontrada nenhuma informação sobre os detalhes desse processo inicial de tomada de decisão para
interferência nas eleições brasileiras. Contudo, observando como ocorreu a intervenção norte-
americana nas eleições chilenas de 1964, sobre a qual foram liberados documentos, podemos
identificar alguns parâmetros de atuação.
Para se contrapor às forças que apoiavam o candidato da esquerda, Salvador Allende – que já
havia disputado as eleições presidenciais de 1958 e perdido por uma pequena margem de votos –, o
governo dos EUA apoiou financeiramente e forneceu orientação ao Partido Democrata Cristão do
Chile. De acordo com um memorando escrito pelo chefe da Divisão de Hemisfério Ocidental da CIA,
Joseph C. King, “a decisão de apoiar os democratas cristãos foi apresentada pelo embaixador [no
Chile] Cole e pelo então assistente especial do presidente, Richard Goodwin”. A partir disso, “o Special
Group [5412] aprovou um programa de assistência aos democratas cristãos em 19 de abril de 1962 e
novamente em 30 de agosto de 1963” (Memorando, 03/01/1964). Ou seja, no caso chileno, os
preparativos começaram com pelos menos dois anos de antecedência.
Mais detalhes sobre o processo de aprovação dessas operações políticas foram fornecidos por
Richard Helms, diretor adjunto de lanos (DD/P) da CIA, quando se reuniu com os membros do
President’s Foreign Intelligence Advisory Board (PFIAB), citado nos capítulos 2 e 10. Ele apresentou
um “histórico sobre o apoio encoberto da agência a partidos políticos na luta contra o comunismo” e
“descreveu em detalhes os procedimentos que eram adotados na época [1962] por meio dos quais os
projetos de ação política eram criados, como eram criadas as suas equipes coordenadoras e aprovados
nas devidas instâncias governamentais”. Helms salientou que cada projeto devia “ser aprovado
637

previamente por ele para, então, ser encaminhado para discussão pelos membros do Special Group”
(Memorando, 25/07/1962)1092. A interferência nas eleições brasileiras de 1962 não fugiria a esse padrão
de funcionamento do governo norte-americano: planejamento cuidadoso e centralizado e discussões
detalhadas sobre possibilidades e limites das ações a serem executadas, envolvendo todas as agências
governamentais.
É importante destacar que, segundo afirmou Agee (1976, p. 80), a interferência norte-americana
em eleições de outros países, uma das operações de ação política executadas pela CIA, não se
resumiam à “questão de financiamento e orientação de políticos locais”:

Nas situações consideradas perigosas para os Estados Unidos, a Agência conduzirá as


operações de eleições nacionais por intermédio de todo um partido político. Financiará
candidatos tanto “inconscientes” como “intencionais”. Tais operações de muitos
milhões de dólares podem ter seu início um ano, ou mais tempo, antes do pleito e
incluirão um sistema de propaganda maciça e campanhas de relações públicas, a
montagem de várias frentes organizadas e mecanismos de fundos (muitas vezes com
homens de negócios e americanos residentes), sondagens eleitorais regulares, a
formação de esquadrões de guarda-costas para intimidarem a oposição, esquemas de
provocações e a difusão de boatos destinados a desmoralizar e a desacreditar os
candidatos indesejáveis. Também haverá disponibilidade de fundos para compra de
votos e, igualmente, suborno de contadores de votos.

A administração Kennedy tinha à sua disposição um formidável aparato de intervenção em


eleições, utilizado em outros países ao mesmo tempo em que o governo norte-americano se envolveu
com o processo eleitoral brasileiro1093. De acordo com transcrições de gravações de reuniões realizadas
em agosto de 1962 entre o presidente Kennedy, seu assessor McGeorge Bundy e John McCone, diretor

1092 Este memorando, pertencente à coleção Kennedy Assassination Records, disponível no sítio eletrônico do Arquivo
Nacional dos EUA, liberado para consulta pública em 2018 e relacionado a discussões feitas no Special Group 5412 e no
PFIAB, apresenta muitas tarjas de censura, impedindo a identificação dos países em que foram realizadas operações de ação
política de interferência em eleições, entre 1962 e 1964. Os países que não estão censurados no documento são aqueles
sobre os quais já existem informações disponíveis, há décadas: República Dominicana, Chile, Cuba, Itália, etc. Através da
Lei de Acesso à Informação dos EUA, foi solicitada, em fevereiro de 2018, a remoção de todas as tarjas de censura – que
são muitas – do documento de 40 páginas, para identificar os nomes dos outros países onde ocorreram estas operações. As
autoridades competentes responderam ao pedido, liberando um documento “menos” censurado, mas que não acrescenta
novas informações sobre outros países. Este é mais um exemplo da política de acesso à informação dos EUA, controlada
segundo os interesses de “segurança nacional”: somente são liberados documentos “novos” sobre casos já conhecidos. O
Brasil, possivelmente, é um dos países censurados neste memorando de Helms citado acima.
1093 No Equador, uma operação encoberta concentrou seu apoio à candidatura do general reformado Jorge Gortaire,
recrutado como agente da CIA em 1956, para as eleições de junho de 1962, visando derrotar um candidato socialista na
região de Ambato (AGEE, 1976, p. 238).
638

da CIA, para discutir as operações encobertas que visavam evitar a eleição de Cheddi Jagan na Guiana
Britânica1094, os três discutiram um doctrine paper sobre operações encobertas dos Estados Unidos
realizadas em onze países. McCone observou que o documento era altamente secreto: “ele revela tudo
sobre os truques sujos e nós não queremos divulgá-lo”. Bundy caracterizou o paper como “uma
maravilhosa coleção ou dicionário” dos crimes norte-americanos. Risadas seguiram-se a essa
“brincadeira espirituosa” (NAFTALI, 2001, 440-3).

11.1 O planejamento da intervenção nas eleições de 1962 no Brasil

Um diálogo entre o deputado federal Jessé Pinto Freire (PSD)1095 e Delgado-Arias, cônsul norte-
americano em Brasília, que ocorreu em novembro de 1961, indica que um grupo influente de
empresários brasileiros e norte-americanos já estava se mobilizando no final daquele ano. Freire relatou
que “um grupo de empresários, representando um total de 150 empresas importantes do Rio e de São
Paulo, concordaram em contribuir com cinquenta mil cruzeiros por mês para financiar uma campanha
de propaganda contra o comunismo no Brasil”. O plano estava baseado na avaliação de que a mídia e
vários órgãos de publicidade “estavam permitindo a disseminação de propaganda comunista” em seus
veículos de divulgação. Para se contrapor a isso, os proprietários de rádios, jornais e TVs “estavam
sendo alertados sobre essa sua postura”. Se os veículos não mudassem sua atitude, a publicidade das
empresas seria colocada apenas nos órgãos que não permitissem propaganda comunista. Além disso,
este grupo de empresários – que, segundo Delgado-Arias, “aparentemente ainda não possuía um nome
definido” – estava “apoiando financeiramente qualquer jornal ou estação de rádio” que lutasse
“ativamente contra o comunismo”. O cônsul norte-americano destacou: “dois jornais que já estão
recebendo esse apoio são O Globo e o Correio da Manhã”. Delgado-Arias ainda fez a seguinte

1094 Stephen Rabe apresenta uma extensa análise, baseada em documentos oficiais, sobre as operações encobertas do
governo Kennedy ao longo do ano de 1961 e 1962 para evitar a eleição do nacionalista Jagan: “Através de pressões políticas
e econômicas ostensivas e conspirações encobertas, os EUA atingiram o seu objetivo de privar Cheddi Jagan e o Partido
Progressista Popular do poder (...). Os estrategistas norte-americanos geraram instabilidade política e caos econômico e
incitaram uma guerra racial na colônia britânica” (RABE, 2005, p. 176).
1095 Deputado federal pelo Rio Grande do Norte, em 1962 Pinto Freire se tornaria diretor-secretário da Confederação
Nacional do Comércio (CNC), presidida por Charles Edgar Moritz. (Verbetes biográficos sobre Pinto Freire e Moritz,
DHBB). Moritz, desde julho de 1960, presidia a seção brasileira do CICYP. Como visto no capítulo 9, nessa seção também
colaboravam empresários que eram lideranças no IPES (Gilbert Huber, Garrido Torres e Paulo Ayres Filho) e Alberto
Byington Jr., membro do Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos da Câmara Americana de Comércio.
639

observação: “seria recomendável que a embaixada investigasse a possibilidade de cooperar com esta
organização através dos canais apropriados”1096 (Memorando, 01/11/1961).
O deputado Freire poderia estar se referindo ao IPES, que passou a existir oficialmente no final
de novembro de 1961. Mas é interessante observar que as ações por ele mencionadas eram semelhantes
às atividades desenvolvidas pelo Comitê de Relações Brasil-Estados Unidos da Câmara Americana de
Comércio do Rio de Janeiro, descritas em um relatório do USIS, de 1961. De acordo com o documento
produzido por Frank Oram, chefe do USIS do Rio de Janeiro, já mencionado em capítulos anteriores,
tal comitê contava com o apoio e participação “de valor inestimável” do vice-presidente da ESSO
(Standard Oil) Brasil, Paulo de Carvalho Barbosa1097. Este colocaria seus “contatos políticos” a serviço
do comitê. Entre eles, o “ex-presidente Juscelino Kubitschek, Augusto Frederico Schmidt 1098, João
Mendes da Ação Democrática Parlamentar [ADP], editores de jornais, etc”. Conforme Oram,

O sr. Barbosa também organizou um grupo de trabalho secreto que inclui indivíduos
de O Globo, McCann Erickson, Schmidt, et al., que trabalham juntos em projetos
especiais. Um deles era uma campanha anticomunista organizada em alusão ao
aniversário da insurreição comunista de 1935. Foi feito uso de editoriais, programas de
rádio, e distribuição em massa de panfletos por todo o país. O Comitê também deu

1096 Conforme apresentado no capítulo 9, já havia uma orientação do Departamento de Estado, enviada para Bogotá no
final do ano de 1960, instruindo a embaixada norte-americana a não ter uma relação ostensiva com o CEAS, grupo
colombiano de ação política empresarial, para não comprometer a imagem do governo dos Estados Unidos e evitar
possíveis críticas públicas. Provavelmente, esta orientação se estendeu a todos os postos diplomáticos da América Latina. A
relação com estes grupos deveria ser feita através de “canais apropriados”, ou seja, encobertos, a cargo das estações e bases
locais da CIA.
1097 Nascido no Rio de Janeiro em 1907, Barbosa formou-se na Escola Nacional de Química em 1926. Entre 1928 e 1929,
estudou na University of Pittsburgh, especializando-se em geologia petrolífera. Trabalhou nos laboratórios de pesquisa da
Standard Oil em Nova Jersey nos anos 1930. Barbosa foi eleito membro da diretoria da Standard Oil Company of Brasil em
dezembro de 1950. Durante toda a década de 1950, fez parte do corpo de diretores da empresa, até ser o primeiro brasileiro
a ser eleito à vice-presidência da empresa no Brasil, em março de 1958 (Correio da Manhã, 31/12/1950; 29/03/1958). Em
fevereiro de 1960, a Standard Oil passou a denominar-se Esso Brasileira de Petróleo: “Esta decisão foi tomada em reunião
dos acionistas da Esso Standard do Brasil Inc., em Nova Iorque, a 9 de julho de 1959, quando se resolveu solicitar ao
presidente Juscelino Kubitschek a assinatura de um decreto concedendo à companhia a nacionalização brasileira sob a lei
das sociedades anônimas vigentes. Com essa medida, a sede da empresa será transferida dos EUA para o Brasil e o capital
não será mais em dólares e sim em Cr$: 3 bilhões, 104 milhões, 800 mil e 900. Na verdade, podia-se dizer que a Esso
Standard já era uma empresa nacional. De seu quadro de funcionários, 2845 pessoas, 99,5% eram brasileiros e nada menos
de 41,73%, ou seja, 1186 contam com 10 ou mais anos de serviço. Pioneira na distribuição de petróleo no Brasil, a Esso
Brasileira de Petróleo S. A. opera um total de 81 instalações localizadas em 58 cidades brasileiras, suprindo cerca de 37,2%
do mercado brasileiro de combustíveis. Possui 18 distritos de venda, 13 terminais oceânicos, 7 terminais costeiros e de
barcas, 31 depósitos a granel, 2 armazéns distribuidores de produtos embalados, 28 instalações em aeroportos, 237
caminhões-tanques, 886 vagões-tanques, 204 vendedores em todo o Brasil e 2073 postos de serviço no país (O Observador
Econômico e Financeiro, 02/1960). Segundo o título da reportagem do Observador Econômico e Financeiro, a partir da
“nacionalização” da empresa, a “Esso agora é brasileira”.
1098 Poeta, jornalista e empresário, foi assessor de Juscelino Kubitschek no período em que este ocupou a presidência da
república (1956-1961). Esteve também ligado ao IPES (DHBB, Verbete biográfico).
640

apoio financeiro a Coriolano Vieira (no qual o USIS teve algum interesse no passado)
para viabilizar a publicação de um jornal estudantil anticomunista. O Comitê e alguns
de seus membros estão em contato com os senadores [dos EUA] Morse, Fulbright,
Humphrey e Wiley, a fim de familiarizá-los com os desenvolvimentos do Brasil
(Relatório, 11/10/1962).1099

Os comitês de relação Brasil-Estados Unidos das Câmaras de Comércio dos Estados Unidos
(Rio e São Paulo) são, possivelmente, embriões do IPES. Esta organização, contudo, não era integrada,
pelo menos não oficialmente, por nenhum empresário que não tivesse, no mínimo, dupla nacionalidade
(como Gilbert Huber, que nessa época passava a se identificar como Gilberto Huber) 1100. Mas não há
dúvida de que os grupos estrangeiros continuavam participando ativamente, nos bastidores. No início
de 1962, um documento elaborado por Clarence Dauphinot Jr, da DELTEC, chegou ao Departamento
de Estado. Ele deixava claro que uma das principais questões que mobilizaria os representantes do
capital multinacional e associado no Brasil naquele ano seriam as eleições de outubro daquele ano.
Dauphinot afirmava que “até recentemente”, o resto do Brasil “nada tinha feito para se contrapor à
debilitação política do país”, que caminhava “rumo à tragédia econômica e política”. Porém, naquele
momento seria possível “ver e sentir os primeiros passos de uma organização, de esforços e até de
sacrifícios para salvar o país”:

Grupos de jovens empresários, economistas, líderes estudantis e sindicais e até alguns


políticos se organizaram e estão trabalhando duro para alertar a nação sobre os perigos
que a rondam e combater o inimigo nos centros nervosos das instituições do país. Eles
definitivamente tiveram algum sucesso, mas é apenas um começo. Eles conseguiram
influenciar a política editorial dos jornais, convenceram os empresários livres a
utilizar os veículos de publicidade como arma política, influenciaram os estudantes e
os líderes trabalhistas e, até certo ponto, o voto de suas organizações, e estão

1099 O relatório produzido por Oram também apresenta os nomes dos integrantes do comitê de relações Brasil-Estados
Unidos da Câmara Americana de Comércio do Rio de Janeiro. Embora esta informação não esteja clara no relatório, é
provável que a lista de membros dos comitês seja referente ao ano de 1962: Trajano Pupo Netto (Diretor – First National
City Bank of New York); Paulo de C. Barbosa (vice-presidente, Esso Brasileira de Petróleo S. A.); João da Silva Monteiro
(COBAST – do grupo Light); Ralph H. Greenwood (General Electric e Instituto Brasil-Estados Unidos, Crush Refrigerantes
do Brasil), Eric F. Lamb (Schroeder Banking Company), Warren S. Remensnyder (Sears Roebuck S. A.), Alberto Byington
Jr. (Byington & Cia.), Clark G. Kuebler (Cia. Nacional de Cimento Portland), William J. Bradley (Esso Brasileira de
Petróleo), Albert M. Philion (Armco Indústria e Comércio S. A.), Godofredo M. de Moraes, William V. Moscatelli
(Standard Brands of Brazil Inc.) e Finn Engersen (Standard Brands of Brazil Inc.), além do próprio Frank H. Oram, do USIS
Rio de Janeiro (Relatório, Oram para a USIA Washington, 11/10/1962).
1100 João Baptista Leopoldo de Figueiredo, diretor do IPES-São Paulo, afirmou, em entrevista a John W. F. Dulles: "como
Lodygensky era um estrangeiro, ele não poderia ser abertamente parte do IPES" (Entrevista n. 256, 26/11/1965, itálicos
meus).
641

planejando uma mobilização total para as eleições ao Congresso em outubro de 1962.


Um esforço maior, vigilância constante e um número muito maior de colaboradores
com trabalho e dinheiro serão necessários rapidamente para que o Brasil seja salvo
para o nosso modo de vida, decência, justiça e liberdade. A hora no Brasil é muito
tarde, 1962 provavelmente será o ano decisivo do futuro ideológico deste grande país.
A massa do povo quer lei, ordem e principalmente disciplina. O povo está muito
cansado de política e políticos insinceros, de inflação e instabilidade e de promessas
não cumpridas. (...) Se o mundo ocidental lutasse e trabalhasse como os comunistas, se
utilizasse as mesmas táticas de propaganda e força, nossos amigos brasileiros
certamente teriam uma chance melhor (Relatório, 16/01/1962, itálicos meus).

Os primeiros três meses do ano de 1962 foram de muitas discussões entre oficiais das missões
diplomáticas norte-americanas, representantes do IPES e de membros da Câmara Americana de
Comércio na busca pela fórmula mais adequada e politicamente menos vulnerável de canalizar recursos
financeiros para organizações políticas no período pré-eleitoral. Já no final de janeiro de 1962, Lincoln
Gordon e Edward J. Bash, adido comercial da embaixada do Rio de Janeiro, enviaram um telegrama ao
Departamento de Estado em busca de orientações sobre “a viabilidade de subsidiárias brasileiras de
empresas americanas fornecerem apoio financeiro ao IPES sem violar a política estabelecida dos EUA
contra o envolvimento em atividades políticas no exterior”. Seu pedido de instruções ao Departamento
de Estado seria resultado de uma solicitação feita por “líderes de 50 empresas americanas” – que
haviam se reunido com representantes do IPES em São Paulo para discutir o programa da entidade e
“garantir contribuições financeiras anuais”. Eles queriam autorização para informar às sedes de suas
empresas nos EUA que a embaixada estava ciente e apoiava a assistência financeira de empresas
estrangeiras ao IPES. O embaixador demonstrava ter plena consciência de que esta era uma questão
delicada, pois o IPES era “um grupo anticomunista” e “parte de seu programa envolvia ação política
para lutar contra legislações extremas tais como remessa de lucros e apoio a setores moderados contra
os candidatos esquerdistas, nacionalistas extremos e comunistas”. Gordon sugeriu que as contribuições
financeiras das empresas norte-americanas poderiam ser “destinadas especificamente para certos
programas educacionais e de bolsas de estudo” (Telegrama, 23/01/1962).
Em fevereiro de 1962, John Richards, presidente da Câmara Americana de Comércio
(AmCham) de São Paulo, relatou a Edward J. Bash que havia conversado com o diretor do IPES São
Paulo, João Baptista Leopoldo Figueiredo, e informou que o IPES julgava “desaconselhável as
contribuições diretas” de empresas estrangeiras para a entidade. Figueiredo teria prometido lhe entregar
uma “lista de organizações ou mecanismos comerciais, industriais, cívicos e outros através das quais o
642

apoio poderia ser canalizado”. No encontro entre o líder do IPES e o presidente da AmCham, foi
sugerido que “figuras-chave do IPES deveriam se reunir periodicamente com um pequeno comitê na
Câmara, para que informações e relatos confidenciais pudessem ser repassados verbalmente”. Bash
comunicou ao embaixador que iria enviar uma cópia do memorando que relatava sua conversa com
Richards “para o ministro [Daniel] Braddock [cônsul em SP] e ao oficial da embaixada com interesse
principal” no tema: no documento consta que quatro cópias do documento foram enviadas a Donald C.
Marelius, chefe da estação local da CIA (Memorando, 13/02/1962, itálicos meus).
O ministro Braddock parecia ter uma posição de maior precaução em relação ao tema do
financiamento do IPES, em comparação ao embaixador Gordon. Em carta a Harvey R. Wellman,
diretor do Office of East Coast Affairs do Bureau of Inter-American Affairs, Braddock expressou os
riscos políticos inerentes envolvidos em uma operação daquela natureza:

John Richards, presidente da Câmara Americana de Comércio de São Paulo, viajou aos
EUA, e eu sugeri que ele entrasse em contato com você (…). John provavelmente
conversará com você sobre o IPES e a busca deste por contribuições financeiras de
empresas americanas. Eu e ele acreditamos que a Câmara como um todo está inclinada
favoravelmente a tais contribuições 1) se elas forem parte de um esforço brasileiro
mais abrangente, 2) se elas forem realizadas anonimamente, e 3) se elas forem
utilizadas exclusivamente para programas não políticos. Eu tenho algumas dúvidas
desde o princípio se as duas últimas condições podem ser cumpridas, e com os poucos
empresários americanos com os quais me encontrei eu sugeri a eles cautela. Eu não
discuti o tema com a Câmara, pois, de acordo com Richards, o embaixador
pessoalmente já havia encorajado o apoio ao IPES. (…). Me parece que há um grande
risco de que o IPES irá se engajar em atividades políticas diretas, tais como apoio a
candidatos específicos nas eleições vindouras, e se as empresas americanas
contribuírem para o IPES, por mais indiretamente que tentem fazê-lo, correrão o risco
de serem expostas à acusação de intervenção em assuntos políticos domésticos, com
todas as consequências advindas dessa situação. Tendo a experiência cubana gravada
de maneira tão indelével em minha consciência, eu seria o último a dizer que tal
intervenção não deveria ser empreendida se fosse necessário impedir o mal muito
maior de uma tomada do poder pelos comunistas; mas não acho que essa contingência
seja iminente no Brasil (Carta, 26/02/1962, itálicos meus).

Em resposta a Braddock, Wellman confirmou que havia se reunido com Richards, e relatou que
o presidente da Câmara Americana de Comércio de São Paulo observou que achava que os empresários
norte-americanos tinham deixado claro aos brasileiros que a contribuição americana deveria ser
secundária em comparação à brasileira. Dito de outro modo, a “cara” do IPES tinha de ser brasileira.
643

Essa era uma estratégia que ofereceria menos riscos. Richards teria dito a Wellmann que as
contribuições financeiras de empresas americanas ao IPES “deveriam ser feitas de maneira indireta”
(Carta, 07/03/1962, itálicos meus). No dia primeiro de março de 1962, um telegrama enviado pelo
Secretário de Estado Dean Rusk para a embaixada do Rio de Janeiro indicava que o governo Kennedy
tinha plena consciência da natureza política dos grupos que solicitavam apoio de fontes privadas e
governamentais norte-americanas. Rusk esclarecia que “seria difícil aos contribuintes do IPES não se
envolverem em atividades políticas brasileiras” (Telegrama n. 13, Rusk para a embaixada do Rio,
01/03/1962).
O IPES não esperou uma definição por parte do governo norte-americano para começar a
arrecadar fundos para as suas atividades. Evidentemente, o instituto já possuía uma organização interna
previamente pensada para receber contribuições financeiras de empresas nacionais e estrangeiras 1101.
Sem muita demora, no final de março de 1962, líderes do IPES, junto a empresários norte-americanos
ligados à Câmara Americana de Comércio de São Paulo, com apoio da embaixada do Rio de Janeiro e
do consulado geral dos EUA na capital paulista, encontraram a fórmula que parecia a mais adequada
para canalizar recursos de empresas americanas para o IPES. De acordo com o depoimento concedido a
John W. F. Dulles por Fernando E. Lee, na época 1º vice-presidente da Câmara Americana de Comércio
de São Paulo, ele e outros empresários daquele estado “estabeleceram o Fundo de Ação Social” (FAS):

O fundo havia sido criado como um meio através do qual as empresas pudessem fazer
contribuições. Estas empresas hesitavam em fazer contribuições diretamente ao
trabalho de oposição ao governo de Goulart. O próprio Fundo distribuía os recursos de
maneira a tentar acabar com o governo de Goulart. O Fundo chegou a gastar de 20 a
30 milhões de cruzeiros por mês neste trabalho. Parte deste fundo foi gasto em
munição. Pouco antes do início da revolução de 1964, havia um medo por parte da
maioria dos integrantes do Fundo de assinarem os cheques emitidos pelo Fundo. Os
signatários haviam notado os problemas sofridos pelo IBAD 1102; e de qualquer maneira
eles sentiram que, ao assinar cheques do Fundo, eles se colocavam em uma posição
perigosa. Foi nessa época que Lee passou a assinar cheques. Às vezes, acompanhava
um cheque assinado com uma nota pedindo ao destinatário que lhe enviasse comida no
caso de ele ser preso (Entrevista n. 245, 22/11/1965, itálicos meus) 1103.

1101 Dreifuss (1987, p. 199-208) analisa o papel cumprido pelo Grupo de Integração do IPES, responsável por angariar as
contribuições financeiras para suas atividades. Bortone (2018, p. 36-59) apresenta maiores detalhes sobre os mecanismos de
financiamento do IPES, discriminando o financiamento direto e indireto de empresas brasileiras e norte-americanas, assim
como o apoio oferecido por organizações internacionais, como o CED.
1102 Os problemas enfrentados pelo IBAD serão discutidos adiante.
1103 Em um encontro do qual participaram o ministro Braddock, o chefe do USIS de São Paulo, Guy A. Fasoli, Paulo Ayres
Filho, diretor do IPES, e James W. McKee, presidente em exercício da Câmara Americana de Comércio de São Paulo, Paulo
Ayres Filho declarou: “no que se refere ao apoio americano, o IPES não desejava um apoio a um nível tal que o IPES
644

Em setembro de 1962, o ministro Braddock enviou a Washington os estatutos do FAS, e


explicou alguns pontos fundamentais do financiamento das atividades do IPES por empresas norte-
americanas. Além disso, revelou outras informações importantes para a discussão que será apresentada
adiante, neste capítulo:

Bem no início desse ano, empresas americanas e membros da Câmara Americana de


Comércio de São Paulo foram convidados pelos diretores da Câmara para realizarem
contribuições mensais contínuas a um fundo destinado a projetos sociais sugerido pelo
IPES. O IPES é uma organização de empresários brasileiros recentemente criada para
combater o crescimento do comunismo no Brasil e as condições que facilitam este
crescimento. Em função do perigo de que o IPES em algum momento viesse a se
engajar em atividades políticas, nas quais seria impróprio às empresas americanas
estarem envolvidas e que eram contrárias à orientação específica feita pelo Consulado
Geral, a própria Câmara viabilizou o recebimento de contribuições e assegurou-se de
que estas sejam canalizadas a projetos selecionados. Um certo número de empresas já
se comprometeu com contribuições que, atualmente, são de aproximadamente 9
milhões de cruzeiros. Algumas empresas, como as companhias produtoras de pneus,
criaram o seu próprio fundo, de maneira muito parecida com a relação entre a Câmara
e o IPES. Uma condição para este arranjo é que os contribuintes americanos tenham o
direito de negar o uso de suas contribuições para qualquer propósito que eles não
aprovem ou que eles acreditem que possa comprometê-los politicamente. O oficial em
exercício da seção da embaixada americana em Brasília foi recentemente informado
pelo chefe da Casa Civil de que o presidente já estava "a par" de que algumas firmas
americanas estavam apoiando ativamente candidatos direitistas nas próximas eleições
ao Congresso através de contribuições do IPES e de uma organização no Rio de
Janeiro1104. O Consulado Geral imediatamente checou essa informação com o
presidente da Câmara Americana de Comércio em São Paulo, que garantiu que as
contribuições de firmas americanas para utilização em projetos recomendados pelo
IPES não estavam sendo utilizados para apoiar ou contrapor-se a nenhum candidato a
cargos políticos. Esta informação foi ratificada ao Consulado Geral no dia 27 de
setembro pelo sr. Juan Llerena, representante da Câmara Americana de Comércio no
IPES, que chegou a afirmar que nenhum recurso do IPES, mesmo aqueles autorizados
por brasileiros, foram utilizados para esse fim 1105. O sr. Llerena declarou que as

pudesse ser tachado como um instrumento americano”. E McKee apresentou uma informação importante: “o encontro de
empresas americanas que foram originalmente procuradas para apoiar o IPES vai ocorrer no dia 14 de março” (Memorando,
13/03/1962). Confrontada com a informação apresentada por Fernando Lee, a declaração de McKee indica que, nesta
reunião, a criação do FAS foi decidida por iniciativa de empresários americanos. Recorde-se que Fernando Lee já estava
envolvido com o levantamento de fundos para a eleição de Jânio Quadros em 1960, como visto acima. E, como também já
informado, participava da direção da União Cultural Brasil-Estados Unidos, da qual fazia parte um dos representantes do
USIAC no Brasil, Franck McClure (ver capítulo 9). Possivelmente, o surgimento do FAS está relacionado ao comitê de
Relações Brasil-Estados Unidos da Câmara de Comércio, preexistente ao IPES.
1104 Com toda a certeza, Braddock estava se referindo ao IBAD, mas evitou escrever o nome da entidade por razões de
segurança já que, como veremos adiante, a atuação da entidade já havia se tornado um problema político explosivo para o
governo americano.
1105 Em entrevista a John W. F. Dulles, Llerena reconheceria: o fundo “abriu o caminho para quebrar o velho tabu de que
nós não devemos nos envolver em assuntos locais” (Entrevista, 19/11/1965). Filho de pai peruano e mãe norte-americana,
Llerena, nascido no Rio de Janeiro, graduou-se em economia pela University of Pennsylvania. Em 1946, ingressou na
645

contribuições americanas até agora foram utilizadas em atividades de certas


organizações e movimentos e nenhum outro, e que estas atividades não foram
relacionadas a campanhas políticas de nenhum candidato a cargos públicos. O sr.
Llerena afirmou que para dissociar as firmas americanas de qualquer vinculação com
as atividades do IPES e assim diminuir a possibilidade de que elas acabem se
envolvendo em assuntos políticos internos do Brasil, criou-se um novo mecanismo de
coleta e distribuição de fundos de ação social com o apoio dos diretores da Câmara
Americana de Comércio (...) chamada Fundo de Ação Social (...). Os representantes
brasileiros dessa nova organização são todos intimamente relacionados à Câmara e
com empresas americanas estabelecidas em São Paulo há muitos anos 1106. É
complicado definir se as precauções tomadas até agora são suficientes para proteger as
firmas americanas contra possíveis acusações de envolvimento em atividades políticas
impróprias. Alguns projetos de ação social destinados a apoiar as forças democráticas,
particularmente quando conduzidos por elementos de destaque político, como
estudantes e grupos de trabalhadores, são, em certo sentido, indubitavelmente políticos.
Porém, a necessidade de tais atividades no Brasil atual parece evidente se o
crescimento do comunismo for levado em consideração. Empresas americanas apostam
fortemente nesse esforço e seus consortes brasileiros anseiam em ganhar a sua fatia do
bolo. Ambos sabem, no entanto, que os americanos não desfrutam da mesma liberdade
de ação política que os brasileiros possuem (Aerograma A-86, 28/09/1962). 1107

Anexo ao aerograma, Braddock enviou a lista de organizações “de ação social” através das
quais as empresas norte-americanas estavam canalizando recursos financeiros desde a criação do FAS.
A primeira delas era a Associação Universitária Interamericana (AUI), um projeto de “envio de líderes
estudantis, incluindo alguns esquerdistas que se espera serem recuperáveis (redeemable)”, mencionada
no capítulo 10. As outras organizações eram a Universidade Católica (não está claro se a de São Paulo
ou a do Rio de Janeiro, ou ambas), a União Cultural Brasil-Estados Unidos (da qual Fernando Lee fazia
parte), a Federação dos Círculos Operários, a SEI e outros grupos criados por ela, também já

Moore McCormack Lines, uma das grandes companhias de navegação marítima (transporte de passageiros e cargas) das
Américas, onde exerceu várias funções. Em 1959, tornou-se diretor da Moore McCormack Navegação S. A. (Correio da
Manhã, 27/03/1959). Na entrevista a Dulles, Llerena também declarou: “as empresas estrangeiras geralmente são
extremamente avessas a se envolverem de qualquer forma em controvérsias políticas locais”. Mas, para Llerena, “São Paulo
era uma exceção no Brasil”: “a partir de sua experiência, ele sabe que empresas estrangeiras em São Paulo tiveram uma
importante contribuição para a conquista da vitória da revolução de 1964” (Entrevista, 19/11/1965).
1106 De acordo com Braddock, faziam parte do Conselho Deliberativo do FAS os seguintes empresários: Humberto
Monteiro da Cunha, Vicente de Paula Ribeiro, Fernando E. Lee, J. M. Pinheiro Neto, Duarte Vaz Pacheco do Canto e Castro
and Juan Llerena (Anexo 2, 28/09/1962). Todos eles eram membros do IPES. Para uma descrição dos objetivos e atividades
do FAS, ver Bortone (2018, p. 42-51).
1107 Uma extensa avaliação do setor de inteligência do Departamento de Estado (INR) de 1963 informou: “tem havido uma
tendência notável desde a crise de 1961 das empresas americanas envolverem-se mais ativamente no apoio a ações da
comunidade brasileira de negócios – incluindo apoio financeiro para organizações de ação política tais como o IPES e o
IBAD”. Logo após esta frase, o estudo destacou um ponto importante: “de fato, parte disso [apoio financeiro das empresas
americanas ao IPES e ao IBAD] foi feito de modo ostensivo e direto demais, dando à extrema-esquerda oportunidade para
atacar as suas atividades ‘intervencionistas’” (Estudo, INR, 06/11/1963).
646

mencionados no capítulo anterior1108. O documento redigido por Braddock confirma que o FAS foi
criado com o objetivo de burlar a legislação brasileira e esconder a origem do dinheiro das empresas
norte-americanas que seria destinado ao IPES, com apoio da missão diplomática dos EUA. Conforme
vimos no capítulo 4, esta não seria a primeira vez em que a Câmara Americana de Comércio estava
envolvida em uma atividade claramente ilegal no Brasil.
A embaixada dos EUA, além de ter colaborado com a organização do financiamento do IPES,
mobilizou também as suas missões diplomáticas para a operação eleitoral de 1962. Em fevereiro
daquele ano, Lincoln Gordon enviou uma carta a todos os chefes dos consulados dos EUA no Brasil,
com a solicitação de “acompanhar da maneira mais próxima possível” todos os aspectos relacionados
às campanhas eleitorais e movimentações políticas dos estados. O embaixador destacava: “essas
eleições terão uma importância sem precedentes para o Brasil, pois seus resultados poderão decidir o
curso que este país seguirá no futuro próximo”. Especificamente, o embaixador solicitava informações
relacionadas aos seguintes temas:

1. Nome do candidato: A) Partido; B) Ideologia; C) Ele terá um papel ativo nas


eleições de outubro, seja como candidato ou de alguma outra maneira? D) Se candidato
em outubro, qual é o seu programa e seu apoio entre o eleitorado?; E) Ele irá financiar
a sua própria campanha? F) Quem são os chefes políticos? 2. Quais são os grupos de
pressão (pressure groups) em cada um dos Estados, por exemplo, sindicatos,
organizações camponesas, de empresários, grupos cívicos, Igreja?. 3. Qual é a eficácia
e a orientação das organizações estudantis, secundárias e universitárias?. 4. Qual o
partido político dominante? 5. Qual a força relativa dos partidos?. 6. Quais foram as

1108 “Sociedade de Estudos Interamericanos (SEI) – Uma entidade brasileira legal, sediada em São Paulo, com
organizações afiliadas e filiais em várias cidades do país. Ela tem operado em São Paulo há pelo menos quatro anos.
Wladimir Lodygensky, um cidadão suíço de origem russa, é o principal motor da organização. A SEI tem uma equipe
considerável, e suas atividades incluem sindicatos, estudantes, grupos de mulheres, questões militares e políticas. É
definitivamente uma entidade anticomunista, e participa ativamente de comícios, programas de treinamento, publicação de
boletins e panfletos, etc., projetados para impressionar o público brasileiro com a sua mensagem pró-Ocidente. Esta
organização está desempenhando um papel valioso na luta para conter a invasão do comunismo no Brasil . Centro Latino-
Americano de Coordenação Estudantil (CLACE) – Um movimento, distinto de uma organização, do campo estudantil,
patrocinado e dirigido pela SEI. Entre suas várias atividades, o CLACE patrocina aulas para treinamento de líderes
estudantis, cursos de oratória, e um centro de coleta de informações sobre atividades estudantis. Sua função primária é ser a
catalisadora da união dos vários movimentos estudantis democráticos para atingir certos objetivos, por exemplo, a eleição
de candidatos democráticos em organizações estudantis estaduais e nacionais. O CLACE, às vezes, distribui brochuras,
participa de comícios, e assina manifestos em defesa de certas ações. Um exemplo recente é a participação desse grupo no
manifesto do MSD contra a greve geral convocada pela CGT [Comando Geral dos Trabalhadores, entidade sindical de
esquerda] em 15 de setembro de 1962. Convívio – Também parte da SEI. Este grupo é liderado pelo padre Domingos
Crippa da Universidade Católica de São Paulo. Sua função primordial é trabalhar com grupos e organizações
anticomunistas católicas. Este grupo também publica uma revista, a Convivium, com periodicidade bimestral” (Anexo 2,
aerograma A-86, 28/09/1962, sublinhado no original, itálicos meus).
647

coalizões partidárias nas últimas eleições? 7. Questões locais importantes (Carta,


20/02/1962).1109

Os contatos com os diversos grupos, partidos políticos e indivíduos relacionados à campanha


eleitoral de 1962 eram feitos, através de um esforço conjunto, pelos oficiais do Departamento de
Estado e da CIA. O cônsul norte-americano em Belém, Edward T. Holway, foi avisado de que a região
norte do país seria palco “de duas significativas batalhas” nas eleições para governador, no Amazonas e
no Piauí, com a renovação de todos os deputados federais e de um senador (Carta, 20/02/1962). Para
colaborar nas ações do consulado durante as eleições, o operativo da CIA, Louis V. Ebert III 1110, foi
enviado a Belém em julho de 1962. Uma carta de conteúdo semelhante foi enviada ao cônsul Domingo
Eugene Delgado-Arias em Recife. Pernambuco era considerado “de crucial importância para o
esquema geral das coisas”, que incluía a disputa no estado do Ceará (Carta, 20/02/1962). No Recife, os
diplomatas do Departamento de Estado contavam, desde o início do ano de 1962, com o apoio dos

1109 Philip Agee (1976, p. 257) não exagerou na sua avaliação de que as eleições de 1962 no Brasil foram “uma das
maiores operações de ação política da Divisão WH [Hemisfério Ocidental]” da CIA: “Durante a maior parte do ano, os
agentes do Rio de Janeiro e as diversas bases, sediadas nos consulados por todo o país, têm estado empenhados em uma
campanha de muitos milhões de dólares para financiamento da eleição de candidatos anticomunistas”. A mobilização foi tão
importante que o Arquivo Nacional dos EUA criou uma coleção especial contendo apenas documentos relacionados a este
tema, dentro do RG 84, intitulada Classified Special Election Files.
1110 Nascido em Nova York em julho de 1927, Ebert serviu na Marinha americana no exterior, durante a Segunda Guerra
Mundial. Após a guerra, graduou-se pela University of Wisconsin. Seu obituário consta apenas que “ele foi contratado pelo
governo americano e viajou pelo mundo usando sua fluência em português e espanhol”, sem revelar em qual agência do
governo ele trabalhou (Obituário, The Daily Courier, 22/10/2011). Ele entrou para o governo em 1951, passando 3 anos
vinculado ao Departamento de Agricultura. Em 1954, trabalhou na embaixada de Tegucigalpa. Entre 1955 e 1957, atuou no
consulado de São Paulo, como oficial FSS-8. Enviado a Bogotá em agosto de 1958, onde permaneceu até 1961, seu status
mudou para FSR-7 e FSR-6. Chegou em Brasília em abril de 1962 e, em julho do mesmo ano, já como oficial FSR-5, foi
enviado a Belém, onde permaneceu até abril de 1964. De acordo com a metodologia de identificação de operativos da CIA
apresentada no capítulo 2, sua trajetória corresponde a de um oficial da agência (USA, Biographic Register 1971, p. 113).
Além disso, seu nome foi exposto como operativo da CIA pela revista CounterSpy, vol. 2, issue 2, 1975, p. 23.
648

operativos da CIA Arthur P. Frizzell1111, Charles L. Acree Jr.1112 e Maurice J. Gremillion1113. O consulado
de Porto Alegre também contava com operativos da CIA: George T. Colman Jr 1114. e Wesley L.
Laybourne1115, assim como Belo Horizonte (Lawrence C. Laser1116) e Curitiba (Stuart D. Burton1117).
Entre outras atividades, a CIA buscava informações e tentava exercer influência sobre membros
da Igreja Católica, que poderiam disseminar mensagens favoráveis aos interesses do governo
estadunidense ou mesmo participar de operações da agência durante o processo eleitoral. No final de

1111 De acordo com o obituário divulgado por sua família, Frizzell, nascido no Canadá em julho de 1919, ingressou na OSS
durante a Segunda Guerra Mundial, “liderando grupos operacionais na França, Itália, Argélia e China. Durante a invasão da
Normandia [1944], ele e seu grupo de quinze homens saltaram de paraquedas no Sul da França, atrás das linhas germânicas.
Esta missão destinava-se a interromper o movimento das tropas germânicas. Ele chegou ao posto de major ao final da
guerra, e foi condecorado com a medalha de bronze e inúmeras outras comendas e homenagens. Após a guerra, tornou-se
um oficial de inteligência da CIA. Durante o seu período [como operativo da CIA] ele serviu nas Filipinas, Brasil e Europa
(Londres). Um verdadeiro patriota, ele serviu ao seu país com honra e dignidade” (Obituário, Dignity Memorial,
12/01/2015). Frizzell trabalhou como “oficial de assuntos estrangeiros do Departamento da Força Aérea” entre 1952 e 1961,
chegando à Recife em janeiro de 1962 (USA, Biographic register 1968, p. 191).
1112 Nascido no estado de Illinois em janeiro de 1936, Acree Jr. estudou na Universidad Nacional Autónoma de Mexico em
1955 e na Universidad Católica de San Marcos, no Peru, entre 1955 e 1956. Em 1957, estudou na Princeton University,
ingressando logo em seguida no Exército americano. Entre 1958 e 1959, esteve vinculado ao Department of Army, até que,
em agosto de 1959, foi designado como oficial FSR-8 para a embaixada do Rio de Janeiro. Em março de 1962, foi
designado “vice-cônsul” no Recife, onde permaneceu até setembro de 1963 (USA, Biographic register 1967, p. 1).
1113 Nascido no Texas em julho de 1929, durante a Segunda Guerra Mundial Gremillion serviu no exterior na Marinha
americana. Após a guerra, estudou na University of Wisconsin. Entre 1952 e 1957, esteve vinculado ao “Department of
Defense”. Em 1957, foi designado oficial FSR-7 para a Cidade da Guatemala. Chegou ao Recife como oficial FSR-4 em
dezembro de 1959, onde permaneceu até meados de 1962 (USA, Biographic Register 1966, p. 209).
1114 Filho de um diplomata americano que trabalhou por 10 anos no consulado de Belém do Pará ( Correio da Manhã,
15/01/1958), Colman Jr., nascido em setembro de 1929 nos EUA, estudou em escolas brasileiras. Obteve diploma do
Lawrence College em 1951. Em 1952, foi designado oficial FSS-13 para trabalhar em Guaiaquil, onde permaneceu até o
final de 1954. Em 1955, mudou-se para o Rio de Janeiro, com o título de “political assistant”, oficial FSS-10. Mas, em
dezembro de 1960, foi transferido para Porto Alegre como oficial FSR-7, oficialmente como “vice-cônsul”, onde trabalhou
até abril de 1963 (USA, Biographic Register 1973, p. 70).
1115 Nascido no estado de Indiana em setembro de 1925, Laybourne serviu na Força Aérea americana durante a Segunda
Guerra Mundial. Em 1951, graduou-se pela University of Virginia e, de acordo com seu obituário, “nesse mesmo ano,
ingressou na CIA. Seu serviço incluiu 10 anos no Brasil”. Ele recebeu a Intelligence Medal of Merit, aposentando-se em
1980, quando passou a prestar consultoria para o Departamento de Defesa (Obituário, The Washington Post, 15/01/1995).
Laybourne trabalhou como “analista do Army Department” entre 1951 e 1955. Designado oficial FSR-5, foi transferido
como “political officer” para o consulado de São Paulo, em fevereiro de 1956, onde permaneceu até novembro de 1960.
Trabalhou para a CIA entre 1961 e março de 1962 em função não identificada. Em abril deste ano, foi transferido para Porto
Alegre, onde trabalhou até abril de 1964 (USA, Biographic Register 1966, p. 309). Um documento da CIA identifica
Laybourne como chefe interino do Cuban Operation Group (COG) da Divisão de Hemisfério Ocidental (WH) da CIA
(Memorando, Laybourne, 15/03/1971).
1116 Lawrence Clement Laser, nascido em maio de 1933, foi designado oficial FSR-7 para São Paulo em janeiro de 1959.
Não há nenhuma referência no Biographic Register sobre o que fez ou onde esteve até 1959. Laser permaneceu em São até
maio de 1961, quando voltou a Washington. Em abril de 1962, foi transferido para Belo Horizonte, onde permaneceu até
junho de 1964. Ele ainda trabalhou no Rio de Janeiro (1966-1968) e Brasília, a partir de 1972, como oficial FSR-3 (USA,
Biographic Register 1973, p. 217).
1117 Burton, nascido no estado de Utah em abril de 1928, formou-se na Brigham Young University. Entre 1947 e 1950, foi
missionário mórmon. Como operativo da CIA, passou por São Paulo (02/1952-1954), Buenos Aires (02/1955-1957),
evoluindo de oficial FSS-11 para FSS-9. Em agosto de 1959, foi transferido para Curitiba como oficial FSR-6, onde
permaneceu como “vice-cônsul” até julho de 1964. A revista CounterSpy (vol. 2, issue 2, 1975, p. 24) identificou Burton
como chefe de estação em Santiago, Chile.
649

fevereiro de 1962, o operativo da CIA da base de Brasília, Thomas J. Barrett Jr. 1118, encontrou-se com
Dom Fernando Gomes Santos, arcebispo de Goiás, que explicou ao oficial da agência de inteligência
estadunidense os objetivos da Aliança Eleitoral da Família (ALEF), “criada pelo Conselho Nacional
dos Bispos do Brasil para assumir um papel ativo nas eleições marcadas para o dia 07 de outubro de
1962”1119. Barrett informou que Dom Fernando possuía “uma estação de rádio de 10 mil watts em
Campinas, subúrbio de Goiânia, e pretendia utilizá-la para este programa [da ALEF]” e estava
preparado para iniciar “a criação de escolas no interior do estado” que receberiam “programas especiais
de orientação eleitoral” (Memorando, 26/02/1962)1120.
Com José de Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais (1960-1965), a CIA já tinha contato
havia algum tempo. Em novembro de 1960, de acordo com Berent Friele, Magalhães Pinto “passou
alguns dias em Washington e conheceu Thomas Mann [secretário de Estado adjunto de assuntos
interamericanos] e Allen Dulles [diretor da CIA]”. O governador de Minas Gerais disse a Friele que

1118 Nascido na Pennsylvania em agosto de 1919, serviu no Exército americano entre 1942 e 1943 e estudou na George
Washington University. Trabalhou como repórter de um jornal relacionado a assuntos latino-americanos entre 1945 e 1950.
Atuou na Mutual Security Agency do governo entre 1950 e 1953. Seu primeiro posto no exterior foi como oficial FSS-7 no
Rio de Janeiro, onde trabalhou de novembro de 1953 a 1956. Em outubro deste mesmo ano, foi transferido para Guaiaquil.
Em janeiro de 1959, tornou-se oficial FSR-5 e foi transferido para Lima. Voltou ao Rio de Janeiro em maio de 1960, mas,
em agosto do mesmo ano, foi removido para Brasília, onde permaneceu até outubro de 1964. Em maio de 1965, foi enviado
para Porto Alegre, onde trabalhou até 1967 (USA, Biographic Register 1966, p. 27).
1119 A ALEF, conforme Dreifuss (1987, p. 325), era patrocinada e foi criada pelo complexo IPES/IBAD. Liderada pelo
Comandante Moura, da Marinha, e era integrada pelos seguintes indivíduos: Rui Santos (UDN, Bahia), João Mendes da
Costa Filho (UDN, Bahia), Regis Pacheco (PSD, Bahia), Heitor Dias (UDN), Theodulo Alberquerque e Oscar Cardoso. A
ALEF, ainda segundo Dreifuss, “estudava os candidatos quanto a seu posicionamento s possibilidades eleitorais e indicava
um número selecionado como merecedores do apoio católico, bem como provava ser um eficiente meio legitimador para a
‘aprovação’ de candidatos de direita patrocinados pela rede IPES/IBAD/ADEP. De acordo com o Diário Carioca
(27/07/1962), a ALEF foi criada por Dom Jaime de Barros Câmara. No final de julho, o general Antônio Mendonça Molina,
da SEI, proferiu uma palestra na sede da Organização das Voluntárias, no Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, com a
presença de um público majoritariamente feminino. Molina analisou a “atuação comunista no Brasil”, afirmando que “todos
os brasileiros, principalmente as mulheres, devem começar imediatamente a lutar” contra a infiltração comunista. O general
foi categórico ao declarar a existência de “nove mil pessoas, pagas em dólares, pela União Soviética”, atuando “em vários
setores da nossa vida social e política, com destaque para a União Nacional de Estudantes, “liderada por estudantes
profissionais que fazem parte de um órgão comunista que visa a destruição de nossa família pelo domínio russo”. “É esta
frente que nós devemos atacar e destruir imediatamente orientando os nossos filhos, que pela própria idade estão sujeitos a
assimilarem as ideias comunistas”, finalizou o general.
1120 Barrett também registrou um encontro com Dom Antonio Barbosa, arcebispo de Campo Grande, muito provavelmente
realizado para avaliar se o clérigo católico teria alguma influência na mobilização política da Igreja para as eleições de
outubro. Mas Barrett sentia que o arcebispo não tinha “o mesmo perfil de lutador e liderança de Dom Fernando” e previa
que ele teria “um papel passivo nas eleições” (Memorando, 19/06/1962). Barrett também teve encontros com o Monsenhor
Arruda Câmara, do PDC de Pernambuco (Memorando, 24/05/1962), com o deputado Aderbal Jurema, do PSD de
Pernambuco (Memorandos, 31/05/1962 e 19/06/1962), com o padre Medeiros Netto, do PSD de Alagoas (Memorando,
04/06/1962), com João Mendes, da UDN da Bahia e presidente da ADP (Memorando, 19/06/1962) e com o deputado
Martins Rodrigues, do PSD do Ceará (Memorando, 25/06/1962). Arthur P. Frizzell, operativo da CIA no consulado do
Recife, esteve presente em uma reunião com Antonio Baltar, do PSB local, e o cônsul Delgado-Arias (Memorando,
02/03/1962). Louis V. Ebert III, operativo da CIA, almoçou no Hotel Nacional de Brasília com o deputado Abel Rafael
Pinto, do PRP de Minas Gerais (Memorando, 04/06/1962) e com o deputado Hamilton de Lacerda Nogueira, da UDN da
Guanabara (Memorando, 05/06/1962).
650

“suas conversas em Washington foram inteiramente satisfatórias”: “ele ficou particularmente


impressionado com o sr. Dulles” (he was particularly impressed with Mr. Dulles) (Memorando,
28/11/1960).
O Departamento de Estado, para organizar sua intervenção, estabeleceu em maio de 1962 uma
Equipe Especial de Pesquisa e Análise na Seção Política da embaixada do Rio de Janeiro. A ela foi
atribuída a responsabilidade pela elaboração de relatórios semanais sobre o processo eleitoral, que eram
dirigidos ao embaixador e a Washington. A equipe era liderada pelo experiente diplomata Robert W.
Dean1121, auxiliado por Edward T. Walters1122 e por um oficial contratado pelo Departamento de Estado
especificamente para esta tarefa, Ronald M. Schneider1123. Ela trabalhava em conjunto com o escritório
da embaixada dos EUA em Brasília, que também estava focado no acompanhamento das eleições 1124.
Todas as missões diplomáticas dos EUA no Brasil deveriam enviar relatórios e outros documentos
pertinentes às eleições para a equipe do Rio de Janeiro. De acordo com as instruções da equipe, os
relatórios deveriam caracterizar os candidatos dentro das seguintes categorias:

1. Comunistas ou criptocomunistas: inclui aqueles que podem ser identificados com


razoável certeza (90% ou mais) como membros do Partido Comunista ou
evidentemente comprometidos com a ideologia marxista-leninista. 2. Simpatizantes do
comunismo ou inocentes úteis: inclui os esquerdistas extremos e os ingênuos que

1121 Robert W. Dean, líder da equipe especial da embaixada de acompanhamento das eleições de 1962, tinha um trunfo a
seu alcance para conseguir informações privilegiadas sobre o panorama eleitoral e sobre outras questões importantes da
conjuntura política brasileira. Conforme apresentado no capítulo 2, Dean era casado com uma irmã do empresário, deputado
da UDN e integrante da ADP e do IPES Herbert Levy. Em maio de 1962, ele recebeu um relatório encaminhado por Levy
sobre “a situação social e política no Nordeste”, preparada após uma visita de “um observador confiável” à região
(Telegrama n. 957, 29/05/1962). De acordo com depoimento de J. Phillip McLean, terceiro secretário do escritório da
embaixada dos EUA em Brasília, Herbert Levy era “um dos nossos melhores contatos”. “Ele nos repassava informações”,
disse McLean: “nós recebemos um aviso de Herbert Levy, com 24 horas de antecedência, sobre o golpe” de março de 1964
(Entrevista, McLean, 1999).
1122 Nascido no Texas em fevereiro de 1929, Walters graduou-se pela Georgetown University em 1956, ingressando no
serviço exterior neste mesmo ano. Em setembro de 1957, foi transferido para o Rio de Janeiro. Em julho de 1959, mudou-se
para o Recife, onde permaneceu até o início de 1961. De volta a Washington, foi designado para a Equipe Especial de
acompanhamento das eleições, retornando à capital dos EUA logo após o pleito. Em 1963, foi condecorado com uma
medalha pelos excelentes serviços prestados, provavelmente relacionado a seu desempenho nas eleições. Dois anos depois,
foi designado como “oficial especial de ligação” com alguma outra agência governamental não identificada (USA,
Biographic Register 1967, p. 559).
1123 Doutor em Ciência Política pela Princeton University, serviu como oficial especialista em temas de inteligência do
Departamento de Estado entre 1957 e 1963 (USA, Biographic Register 1963, p. 401). Após, teve uma carreira de destaque
como professor em universidades norte-americanas. Publicou dois livros sobre o Brasil (Order and Progress: a political
history of Brazil e The political system of Brazil: emergence of a “modernizing authoritarian regime, 1964-1970).
1124 O setor de inteligência do Departamento de Estado (INR) considerava que a mudança do Congresso Nacional do Rio
de Janeiro para Brasília permitiu à embaixada “uma oportunidade única para estabelecer laços pessoais mais próximos com
o Congresso”, considerado pelo INR “como um dos mais manipuláveis elementos no sistema político brasileiro” ( the
Brazilian Congress is one of the more manipulable elements in the political system) (Estudo, INR, 06/11/1963).
651

consistentemente seguem a linha comunista. 3. Esquerdistas ultranacionalistas: embora


seja possível encontrar graus variáveis de nacionalismo em todas as sete categorias,
esta categoria é reservada para os nacionalistas extremos, que são consistentemente
esquerdistas e antiamericanos. 4. Reformistas não comunistas: o mais importante
divisor de águas, porém o mais difícil de discernir das categorias precedentes. Esta
categoria inclui aqueles brasileiros que veem necessidade de reformas básicas e que
estão dispostos a lutar para conquistá-las, mas que não são comunistas. Eles podem ser
nacionalistas e críticos de certas políticas dos EUA, mas eles não atacam
sistematicamente os EUA ou os interesses estrangeiros em geral. Em muitas instâncias
eles estão preparados para aceitar a assistência dos EUA para levar adiante essas
reformas. 5. Centristas: inclui os liberais e reformistas moderados que defendem a
preservação e extensão dos procedimentos democráticos, melhoras na educação,
moradia e assistência social, e a eliminação da corrupção no governo e nas práticas
empresariais. Inclui também aqueles que desejam melhoras nas condições de vida dos
trabalhadores mas que não aderem firmemente a reformas básicas embora às vezes eles
colaborem com os defensores das reformas. 6. Conservadores: aqueles que tendem a
resistir às mudanças, incluindo muitos dos industriais, grandes proprietários de terras e
chefes políticos tradicionais. 7. Extremistas de direita: inclui alguns dos mais
reacionários elementos listados no item anterior assim como elementos não
convertidos do grupo dos integralistas brasileiros (fascistas), os anticomunistas
negativos que nada propõem a não ser o anticomunismo, e aqueles que poderiam levar
o Brasil a uma ditadura de direita1125 (Carta, 10/05/1962).

Pela descrição oferecida, pode-se concluir que o governo dos EUA preferia a eleição de
elementos que se encaixassem nas categorias 4 (Reformistas não comunistas), 5 (Centristas) e 6
(Conservadores), avaliados como indivíduos que estariam mais abertos à influência norte-americana.
Embora, a princípio, a eleição de elementos reacionários fosse melhor do que a de comunistas,
“simpatizantes” ou “esquerdistas ultranacionalistas”, visivelmente havia a preferência pela eleição de
elementos moderados, de centro-direita, reformistas que defendessem mudanças aceitáveis para os
interesses norte-americanos. Em suma, elementos abertos a algum tipo de diálogo e dispostos a aceitar
as propostas norte-americanas, ainda que tivessem uma postura crítica a certos aspectos da política dos
Estados Unidos.
O apoio aos elementos anticomunistas liberais era complementado por um esforço de
propaganda que visava expor e macular a imagem de elementos considerados “esquerdistas e
comunistas”, buscando destruir a reputação de lideranças de esquerda. O IBAD foi um dos
responsáveis pela radicalização do ambiente político do período, geralmente por meio de “denúncias” e
ataques a candidatos considerados esquerdistas, com o objetivo de desacreditar as forças que apoiavam

1125 A equipe reconhecia que esta classificação era imperfeita, pois era possível encontrar “oportunistas políticos e
nacionalistas em várias dessas categorias”, mas estas tinham “aplicabilidade ao Brasil e eram úteis do ponto de vista dos
EUA”.
652

Goulart no Congresso e fora dele. Através da revista Ação Democrática, o IBAD divulgava que as
eleições de 1962 iriam decidir se o Brasil iria optar pela “democracia” ou pelo “totalitarismo”, que
poderia levar o país à “escravidão” por meio da “ação de uma minoria ativa”. Denunciava as supostas
“infiltrações” dos “totalitários” em postos-chave da administração pública e esquemas de fraudes e
corrupção na administração Goulart. O IBAD caracterizava os candidatos às eleições de 1962 que
apoiavam Goulart como integrantes de uma “máfia” (Ação Democrática, maio de 1962).
Mais um exemplo dessa campanha foi a disseminação, através da publicação de um livreto
intitulado O assalto ao Parlamento, editado e distribuído gratuitamente pelo IBAD, da ideia de que o
governo Goulart supostamente buscava, dentro dos marcos legais, mas com “cinismo” e “perfídia”,
conduzir o país ao comunismo. Assinado por Jan Kozak, deputado comunista tcheco-eslovaco, o livreto
procurava demonstrar como o Parlamento poderia desempenhar um papel importante na subversão do
sistema, permitindo a tomada do poder pelos comunistas, dentro da “mais perfeita e completa
legalidade”. As táticas utilizadas na Tchecoslováquia para “assaltar o poder”, de acordo com o IBAD,
“com as nuances” que o meio brasileiro requeria, estariam sendo “usadas para a lenta mas firme
transformação do Brasil em mais um satélite da União Soviética” 1126 (Ação Democrática, junho de
1962; KOZAK, 1962).
Outra estratégia adotada durante a campanha eleitoral de 1962 foi o estímulo à criação de falsas
polêmicas e de um anticomunismo sem precedentes. Em 10 de outubro de 1962, poucos dias após as
eleições, uma avaliação feita pelo consulado de São Paulo notou que o tema do anticomunismo havia
sido uma questão importante durante o processo eleitoral:

A propaganda anticomunista foi muito mais importante do que a propaganda pró-


comunista na atual campanha [eleitoral]. Alguns observadores dizem que isso não
aconteceu em outras eleições recentes. Isto provavelmente é reflexo direto da opinião
pública e, em grande medida, reflete a militância dos vários grupos anticomunistas de
“ação democrática” que surgiram desde a crise da renúncia de [Jânio] Quadros
(Aerograma A1-95, 28/03/1962)1127.

1126 O livro foi traduzido do inglês por Vicente de Paulo Barretto, do IBAD/ADEP e editor da revista Ação Democrática e,
mais tarde, da direção da revista Cadernos Brasileiros, com notas explicativas de Fábio Alves Ribeiro, também editor da
revista Ação Democrática, que visavam “demonstrar” (por meio de comparações discutíveis) a semelhança do que
acontecera na Tchecoslováquia e a ação dos “antidemocratas” no Brasil. A primeira edição do livreto, de 1961, apresentava
em capa o símbolo do IBAD. Outra edição, de 1962, não apresenta nenhuma informação que relacione a publicação ao
IBAD. Seria interessante investigar uma hipótese levantada pelo professor Demian Melo na banca de defesa desta tese: o
livro O assalto ao Parlamento pode ser falso, uma peça de propaganda da Guerra Fria, sendo importante determinar a
autenticidade da publicação.
653

O clima das eleições de outubro de 1962 no Brasil chamava a atenção de observadores externos.
Dorothy S. Bauman, uma oficial da CIA (WILFORD, 2009) e membro da diretoria do Comitê de
Correspondência – organização privada dirigida por mulheres, citada no capítulo anterior – que visitava
algumas cidades do Brasil para colaborar na formação de grupos cívicos femininos, relatou que
“cartazes estavam em todos os lugares, em todas as cidades”, e os caminhões de som certamente a
faziam lembrar da Itália em 1948”1128 (Carta, 17/08/1962). Ela também relatou, em carta a sua família:
“a Igreja Católica tem sido muito ativa em organizar as mulheres para ensinar aos analfabetos
habilidades suficientes que lhes permitam votar nas eleições de outubro, da mesma forma que fizeram
na Itália em 1948”1129 (Carta, 20/08/1962).
A Ação Democrática Parlamentar (ADP) também contribuiu para a criação desse “clima
anticomunista”. Em agosto de 1961, em conversa com o diplomata Delgado-Arias, que na época
trabalhava no consulado de São Paulo, Raymundo Padilha 1130, secretário-geral da entidade, informou
que o deputado Munhoz da Rocha, do PR do Paraná, iria discursar em uma sessão regular de debates da
Câmara sobre o perigo comunista no Brasil, e que “pretendia usar o termo ‘anticomunista’ pela
primeira vez, para alertar o Congresso e a nação para os perigos da atitude tolerante prevalecente” até
aquele momento contra o comunismo (Memorando, 03/08/1961). Em entrevista à revista Ação

1127 Adhemar de Barros, candidato a governador de São Paulo, apresentou-se como anticomunista de modo “oportunista”,
conforme avaliação do consulado, não porque não o fosse, mas porque sentiu que este tinha se tornado um tema que atraía
apoiadores à sua candidatura. O candidato ao Senado Abreu Sodré, da UDN, “fez questão de se mostrar anticomunista”,
assim como “vários outros candidatos a deputados estaduais e federais”. O consulado destacou que “até mesmo a líder do
PTB, Ivete Vargas, fez alguns acenos vagamente anticomunistas”. Herbert Levy, empresário e líder da UDN, “publicou um
manifesto com declarações anticomunistas (e antigovernistas) poucos dias antes das eleições” (Aerograma A1-95,
28/03/1962).
1128 Del Pero (2001) descreve a série de atividades encobertas executadas pela administração Truman na Itália, cujo
embaixador em Roma, conforme visto no capítulo 2, era James C. Dunn (que viria para o Brasil em 1955). Além de massiva
transferência de recursos financeiros para o candidato De Gasperi, da Democracia Cristã, e outros partidos anticomunistas, o
governo estadunidense também apoiou grupos civis em sua campanha contra os comunistas. Um desses grupos foram os
Comitati Civici (comitês cívicos), “relacionados aos círculos mais reacionários da Igreja Católica, opositores tenazes do
comunismo”, através dos quais foram montadas operações de propaganda “com os mais modernos instrumentos”
disponíveis à época. Outro meio utilizado para o combate aos comunistas foi o apoio norte-americano à reorganização dos
serviços de inteligência italianos (que haviam sido desmontados ao final da Segunda Guerra Mundial), sob o comando de
James J. Angleton, que viria a ser o chefe do setor de contrainteligência da CIA por mais de 20 anos. Além disso, o governo
americano, através da CIA, financiou as atividades europeias da American Federation of Labor (AFL) para minar a
influência comunista nos sindicatos italianos, apoiando sindicatos anticomunistas católicos. Mistry (2011, p. 181) argumenta
que a percepção de sucesso dos EUA em sua intervenção nas eleições italianas influenciou “abordagens mais amplas sobre
como os EUA iriam disputar a Guerra Fria”, “estimulando as discussões em Washington em relação ao aumento das
estratégias encobertas disponíveis ao governo dos EUA para influenciar eventos no exterior”.
1129 Bauman via nesse clima uma oportunidade para dar impulso aos movimentos de mulheres: “esta sensação de urgência
e tensão entre as mulheres deve ser ‘capitalizada’ agora – sabe-se lá quando isto pode acontecer novamente” (Carta,
17/08/1962).
1130 Ex-integralista, deputado pela UDN, líder do Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados que seria
governador do estado do Rio de Janeiro entre 1971 e 1975 (DHBB, Verbete biográfico).
654

Democrática, quando perguntado se acreditava na existência de um perigo comunista no Brasil, Padilha


respondeu: “se não houvesse nesse país um só adepto ou mero simpatizante do comunismo, ainda
assim haveria esse perigo, pois a causa da propagação da revolução comunista é apoiada por uma das
mais fortes potências mundiais de todos os tempos”. Ele também afirmou que os comunistas buscavam
“tornar impopular o anticomunismo”. Por isso, para ele, “o combate direto” era “indispensável, pois na
luta política é preciso a cada instante esclarecer, desmascarar manobras”, através de “um trabalho de
contrapropaganda” (Ação Democrática, maio de 1962).
Simultaneamente a essa campanha de propaganda, o IBAD criou outro organismo para atuar
durante as eleições de 1962, a Ação Democrática Popular (ADEP). Como já havia apontado Dreifuss
(1987, p. 103), a entidade “serviu de conduto de fundos maciços para influenciar o processo eleitoral e
coordenou a ação política de indivíduos, associações e organizações ideologicamente compatíveis”,
prestando também assessorias para campanhas políticas e para exercer lobby no Congresso. Hasslocher
assim descreveu sua atuação:

Apesar dos obstáculos criados pela natureza e temperamento dos políticos, eu tive que
apoiá-los para proteger o Brasil do comunismo. Não foi uma tarefa totalmente
agradável. Alguns deles eram claramente desonestos. Outros eram claramente
desagradáveis. (…) Mas, eu gosto de pensar que, nas eleições mais importantes que
nós tivemos que disputar, aquela de 1962, a maioria das pessoas que nós elegemos era
decente. Eu era bem assessorado para a escolha dos candidatos a serem apoiados, por
Amaral Netto, João Mendes e Armando Falcão. Eles eram todos políticos bem-
sucedidos e experientes. (…) Nós criamos um escritório para lidar com o apoio aos
políticos que pretendíamos eleger. (…) A maior despesa que nós tivemos foi com o
fornecimento de Kombis1131, que rodavam pelo distrito do candidato com um
microfone e o equipamento necessário para projetar suas vozes enquanto eles
circulavam fazendo promessas impossíveis. Nós chegamos a comprar um avião, para
aqueles que quisessem assumir o risco. (…) felizmente ele nunca sofreu nenhum
acidente. Eu fiz um esforço para nunca dar dinheiro em espécie para nenhum político,
fornecendo-lhes os itens com os quais eles poderiam trabalhar melhor. Se eles queriam
tempo de rádio, eu obtinha, mas era o pessoal de mídia do meu escritório que entrava
em contato com a TV ou a estação de rádio, estabelecia o preço e pagava a conta. O
mesmo valia para propagandas nos jornais. Quase todos os nossos candidatos, na
participação em comícios ou debates, defenderam nossas ideias sobre o comunismo.
Eles tiveram a inteligência ou o instinto necessário para perceber que o eleitorado
ficaria satisfeito com essa parte de suas plataformas (HASSLOCHER, 1999, p. 199-
200).

1131 O candidato ao Senado pelo Estado da Guanabara, general Juarez Távora, teve a sua disposição uma Jeep Rural
Willys, ano 1962, fornecida pela ADEP para uso até 22 de outubro de 1962, com o compromisso de devolução do veículo
até essa data (Termo de compromisso, ADEP, 20/08/1962).
655

Dreifuss (1987, p. 327) destacou como as reuniões das lideranças no IPES “revelaram a imensa
manobra política e negociações financeiras” nas quais a organização se envolveu e que tinham, até
aquele momento, sido “atribuídas exclusivamente à ação isolada do IBAD”:

Em meados de maio de 1962, houve um encontro do Comitê Executivo a fim de se


discutir os problemas do suprimento das necessidades materiais e financeiras e o
preparo dos recursos humanos (…) para as próximas eleições no Congresso. A reunião
contou com a presença de Glycon de Paiva, José Rubem Fonseca, Joviano Jardim
Moraes, Gilbert Huber Jr., do chefe do Grupo de Ação Parlamentar, Jorge Oscar de
Mello Flores e dos generais Golbery, Herrera e Liberato. Como parte dos preparativos
para a campanha eleitoral, Mello Flores informou aos presentes que se fazia necessário
contatar João Mendes [ADP] (…) e elaborar uma estratégia e estrutura definitivas para
a Ação Democrática Parlamentar. Ele pedia ainda aos presentes para outorgar
autoridade de convocar reuniões a Paulo Watzel, funcionário da Câmara dos
Deputados, que agia como um intermediário para a ADP e IPES. Outro problema
levantado por Mello Flores constituía a escolha e indicação, para posições-chave, de
candidatos favorecidos pelo complexo IPES/IBAD que, por um motivo ou outro, não
estivessem disponíveis. (…) Para todas essas operações, Mello Flores precisaria de
dinheiro e se queixava de não contar com o suficiente para realizá-las. Precisaria
também de recursos materiais e humanos para estabelecer o Grupo de Análise, que
trabalharia com ele em Brasília. Essa unidade estudaria a conjuntura política e casos
específicos de potenciais receptores de ajuda que exigissem promoção de imagem
pública. (…) Mello Flores acrescentava que, para a sua ida a Brasília, tornava-se
necessária uma grande quantia e sugeria que Gilbert Huber Jr. pudesse completar os
pagamentos por meio de suas próprias fontes paralelas. Ele exigia também um passe
livre da Panair, que deveria ser obtido através dos serviços do seu diretor Celso Rocha
Miranda. (…) Para a parte inicial de seu projeto de ação política, ele exigia uma soma
básica de três milhões de cruzeiros, outra mensal para os salários da equipe permanente
e fundos para equipar salas que serviriam de centros de operação, bem como recursos
para transporte. Quanto ao financiamento e fornecimento de experiência política,
considerava como uma questão de lidar diretamente com as cúpulas do PSD e da UDN
sobre Jeeps e outras formas de ajuda material e técnica. (…) Mello Flores explicava o
processo para subsidiar candidatos. Em geral, fazem-se acordos com deputados
federais conforme o “coeficiente eleitoral” ou a capacidade de angariar votos. Faziam-
se também cálculos tendo em mente resíduos eleitorais e margens de segurança.
Quanto ao dinheiro de que precisava, salientava que havia pensado inicialmente em se
aproximar de cinquenta deputados, com um total de 300 milhões de cruzeiros,
“custando cada deputado” 6 milhões. Glycon de Paiva gostaria de ter uma ideia clara
sobre o dinheiro de que se precisava e perguntou se Mello Flores “se ajeitaria com 6
milhões por pessoa”, ao que Mello Flores respondeu ser esse o preço dos candidatos da
Paraíba e dos outros Estados menores. Já no Ceará o preço era mais alto e na Bahia
mais alto ainda. Destacava que os candidatos de São Paulo e do Rio eram muito mais
caros, portanto, a média mais sensata seria de 15 milhões per capita. Tornava-se
necessária uma ajuda financeira da escala de 1.000.000 de dólares. Gilbert Huber Jr.
observava que ele teria de “interessar mais pessoas de fora”. Mello Flores explicava
ainda o processo de pagamento desta operação, cujos gastos eram calculados em cem
milhões de cruzeiros por mês. De um modo geral, o assunto envolvia três estágios.
656

Gastavam-se, inicialmente, 40 a 45% das somas para cobrir as necessidades imediatas.


Subsequentemente, quotas menores eram consumidas até o dia das eleições. Nesse dia,
uma soma teria de estar disponível para transportes e alimentação dos ativistas e
eleitores nos “currais eleitorais” (…). O general Golbery recomendava que dever-se-ia
procurar Jorge Bhering de Mattos [CONCLAP] (…). O próprio general Golbery
deveria visitar o Centro Industrial do Rio de Janeiro para articular com Jorge Bhering
de Mattos, o seu presidente, uma campanha objetivando criar e impingir um
sentimento de urgência nos contribuintes em potencial com o intuito de aumentar a
contribuição financeira dos industriais. (…) Glycon de Paiva e o general Herrera
asseguravam aos presentes que tomariam todas as providências em sua próxima
viagem a São Paulo, que seria dentro de poucos dias, onde teriam uma reunião
importante na sede do IPES daquele estado, o principal receptor de ajuda financeira
das grandes corporações multinacionais e associadas (DREIFUSS, 1987, p. 327-328,
itálicos meus).

No final de julho de 1962, em Washington, o embaixador Lincoln Gordon teve a seguinte


conversa (transcrição de uma gravação de áudio) com o presidente Kennedy e seu assessor Richard
Goodwin:

Gordon: (…) nós temos essa organização chamada IPES, por exemplo, que é
progressista (inaudível) organização que precisa de alguma ajuda financeira; ela tem
(inaudível) apoio e eu penso que nós devemos apoiá-la. Nós não teremos como fazer
um balanço detalhado dos saques e como cada saque será gasto. Eu acho que nós não
podemos nos dar ao luxo de correr riscos. (…).
Goodwin: Eu penso que as eleições realmente podem ser um ponto de inflexão. Linc
está comparando-a com as eleições italianas de 1948.
Presidente Kennedy: Eu sei. Bem, quanto [dinheiro] nós vamos colocar?
Gordon: Isso é uma questão de alguns milhões de dólares, digamos.
[Sete segundos de gravação censurados].
Presidente Kennedy: Isso é muito dinheiro. Porque, veja bem, afinal de contas, para
uma campanha presidencial aqui você gasta mais ou menos 12 [milhões]. E os nossos
custos – por isso eu não penso – isso são 8 milhões de dólares, seriam uma enorme
quantidade de dinheiro em uma eleição.
Gordon: É isso mesmo.
Presidente Kennedy: (inaudível)
Gordon: É um cenário político incrivelmente complicado.
Kennedy: Bem, agora, [o dinheiro] está sendo realmente gasto agora? Você está
encaminhando isso?
[Trinta e nove segundos de gravação censurados] (NAFTALI, 2001, p. 8)1132.

1132 Diante desses números, parece razoável a estimativa de gastos, feita por Philip Agee (1976, p. 325), para as operações
do IBAD: “uma das principais operações políticas da estação do Rio de Janeiro – o Instituto Brasileiro de Ação Democrática
(IBAD) – e uma organização correlata chamada Ação Democrática Popular (ADEP) dispenderam durante o ano de 1962, na
campanha eleitoral, pelo menos o equivalente a uns doze milhões de dólares, com o financiamento de candidatos
anticomunistas, atingindo talvez até quase vinte milhões”.
657

Como também destacou Dreifuss (1987, p. 331), a campanha que teve maior repercussão,
dentre todas, “pela publicidade que recebeu e pelos altos interesses em jogo”, foi a de Pernambuco, na
qual João Cleofas, candidato conservador, concorria contra a candidatura de Miguel Arraes, “líder
regional nacional-reformista de considerável projeção nacional”. Sua derrota era considerada “de suma
importância” nos círculos conservadores: “Os elementos de direita do centro sul do Brasil perceberam
claramente os perigos apresentados por Arraes e seu movimento e tentaram abafá-lo desde o início. A
sua arma era o IBAD, que desde o princípio da campanha estabeleceu um comitê eleitoral em Recife”.
Ivan Hasslocher comentou as operações do IBAD no Nordeste:

Estávamos prestes a ter as eleições de 1962, em outubro, eu acho. Nós tínhamos um


programa especial para os estados do nordeste e esperávamos nos sair bem lá. Larry
[Sternfield, da CIA] sugeriu algo para melhorar aquele programa. Esse algo consistia
na criação de centros de saúde para a população pobre do nordeste. Isso poderia ser
feito com poucos gastos, ele sugeriu. (…) Se eu não pensei nisso antes, deve ter sido
por causa da minha concentração na obtenção de votos. Se eu tivesse pensado nisso
antes dele, eu teria hesitado porque isso teria sido feito com dinheiro norte-americano.
Eu estava recebendo aquele dinheiro para votos, não para caridade. O fato de que
Larry, um americano, do país que estava fornecendo os fundos, tenha feito a sugestão
original, me permitiu ignorar quaisquer dúvidas que eu pudesse ter a respeito do uso
inadequado do dinheiro. (…) Meu bom amigo e parceiro, [Frutuoso] Osório Filho, se
voluntariou para ir ao Recife (…) e trabalhar para o estabelecimento de centros de
saúde (…) [em Pernambuco, Ceará, Sergipe, Alagoas e Bahia]. Ele fez um excelente
trabalho. (…) Então aconteceu, milagrosamente, que os centros de saúde acabaram por
ser um pouco de propaganda política, assim como um empreendimento humanitário. E
tudo isso em função do trabalho da equipe de Osório e Sternfield (HASSLOCHER,
1999, p. 214-215).

Sobre os resultados da eleição, Hasslocher comentou:

A eleição de 1962 foi um grande triunfo para nós. (…) Nós trabalhamos duro (…) e
elegemos um grande número de congressistas, mais do que suficiente para o exército
considerar respeitável em uma ação que pudesse ser necessária contra o presidente
[Goulart]. (…) Fomos derrotados na eleição para o governo de Pernambuco e esse foi
o único revés que tivemos nas eleições de 1962 (…) (HASSLOCHER, 1999, p. 217-
219).
658

O Departamento de Estado também avaliava que o resultado geral das eleições havia sido
favorável aos interesses dos EUA. Seu setor de inteligência afirmou: “os ganhos esquerdistas nessas
eleições parecem ter sido muito limitados em termos gerais e restritos quase exclusivamente à
Guanabara, Rio de Janeiro e Pernambuco”1133. A análise realizada pela embaixada no Rio de Janeiro em
março de 1963 era semelhante:

A extrema esquerda não obteve ganhos decisivos no Congresso Nacional, onde


elementos conservadores-centristas (no Senado) e centristas a reformistas moderados
(na Câmara dos Deputados) ainda são claramente a maioria. Os novos governadores
estaduais, como Adhemar de Barros em São Paulo, Lomanto na Bahia, Távora no
Ceará, e Meneghetti no Rio Grande do Sul, são pró-EUA; eles aumentam a lista de
governadores ainda no exercício de seus mandatos que têm a mesma orientação. As
únicas derrotas sérias, do ponto de vista dos EUA, foram as eleições de Brizola como
deputado federal pela Guanabara e Arraes como governador de Pernambuco. Além
disso, relatórios indicam que, embora a desconfiança de muitos dos governadores com
relação a Goulart não os levará a tomar nenhuma atitude imediata contra o presidente,
eles podem ser provocados a agir contra Goulart se o presidente cometer algum abuso
extremo de poder (Memorando, 07/03/1963, itálicos meus).

11.2 Uma delicada operação de contrainteligência

Desde o início de 1962, algumas atividades de grupos paramilitares vinham sendo investigadas
por órgãos do governo brasileiro1134. Em 6 de janeiro daquele ano, um sábado, o Movimento
Anticomunista (MAC) realizou alguns atentados pelo país. Às dez e meia da noite, em Porto Alegre,
armados com revólveres, integrantes do grupo tentaram invadir a sede da Rádio Farroupilha, para que
fosse lido um manifesto anticomunista, mas fracassaram em seu intento. Horas mais tarde, às três da

1133 “A vitória do pró-comunista Miguel Arraes não deve obscurecer o fato de que forças centro-conservadoras dominaram
a votação para o Congresso e que Arraes não teria vencido se não tivesse contado com o apoio de elementos conservadores,
alguns dos quais estavam preocupados em derrotar rivais tradicionais locais, enquanto outros desejavam estar do lado do
candidato que parecia o mais provável vencedor. Apesar de o PTB ter aumentado ligeiramente a sua representação na
Câmara de Deputados, os elementos moderados do partido parecem ter tido um desempenho um pouco melhor do que os
esquerdistas extremos” (Memorando, 16/11/1962).
1134 Deckes (1985, p. 18-19) observou: “(…) nem só com grupos legais ou semilegais atuava a agitação de direita. Já por
essa época pré-golpe de 64, as primeiras siglas de grupos armados e clandestinos anticomunistas atuavam nas grandes
capitais, aterrorizando intelectuais, estudantes e operários. GAP [Grupo de Ação Patriótica], MAC [Movimento
Anticomunista], FAC [Frente Anticomunista], CCC [Comando de Caça aos Comunistas] e outras que, em conjunto ao
trabalho legal, espalhavam o pânico junto aos setores de repressão popular”.
659

manhã, no Rio de Janeiro, a sede da UNE foi metralhada. Muros da cidade do Rio de Janeiro foram
pichados com inscrições do MAC. Na segunda-feira, dia 8, o ministro da Justiça, Alfredo Nasser, deu
início a uma investigação sobre os atentados terroristas, com apoio da inteligência do Exército e do
chefe do DFSP, o tenente-coronel Carlos Molinari Cairoli 1135, que atuaria como “elemento de ligação do
Ministério da Justiça junto aos meios militares e na qualidade de elemento de inteira confiança do
presidente da República” (Última Hora, 09/01/1962; 11/01/1962).
Em fevereiro de 1962, Nasser solicitou a abertura de uma CPI para investigar as atividades do
MAC. Segundo denúncia feita pelo ministro da Justiça, veiculada em jornais da época, o MAC seria
integrado por “alcaguetes de Cecil Borer” e por membros da Cruzada Anticomunista Brasileira 1136,
além de ser apoiado pelo general Ardovino Barbosa – que era próximo a Ivan Hasslocher, como visto
no capítulo anterior – e pelo governador Carlos Lacerda. De acordo com apuração feita a partir de
“fontes não oficiais” pelo jornal Última Hora, um dos terroristas que teria sido apontado por Nasser
trabalhava “para as Listas Telefônicas”, chamava-se “R. Hubner” e teria “fugido do país” (Última
Hora, 05/02/1962). A denúncia do ministro da Justiça causou preocupações para o IPES, ainda que o
nome da entidade não tenha sido diretamente citado por ele e pelos jornais. No mesmo dia em que ela
foi divulgada, ocorreu uma reunião da Comissão Diretora do IPES Rio de Janeiro:

Declarações do Ministro da Justiça


JBM [Jorge Bhering de Matos]: Deseja um esclarecimento, para que não paire
dúvidas1137
1135 Nascido no Rio Grande do Sul em 1917, integrou, entre 1944 e 1945, a Força Expedicionária Brasileira (FEB) enviada
à Itália para combater os países do Eixo (DHBB, Verbete biográfico). Em março de 1957, o então major Cairoli era
conhecido no Exército como “‘o homem da energia atômica’”, pelos conhecimentos profundos que possuía sobre temas
relacionados a energia nuclear. Nessa época, ele pertencia ao Conselho de Segurança Nacional (Última Hora, 07/03/1957).
Em outubro de 1957, Cairoli foi um dos integrantes da delegação brasileira à I Conferência Geral de Energia Atômica,
realizada em Viena, na Áustria (O Jornal, 21/09/1957). Em novembro de 1959, um editorial do Correio da Manhã chamou
a atenção para uma “novidade no Brasil”, ou seja, “importantes comandos militares entregues a oficiais comunistas”. O
jornal citou o nome de vários militares supostamente comunistas exercendo funções importantes, entre eles, “no Conselho
de Segurança Nacional”, o major “Carlos Cairoli (naquele momento em viagem aos Estados Unidos) ( Correio da Manhã,
15/11/1959). Cairoli foi nomeado diretor-geral do DFSP em 20 de setembro de 1961, nos primeiros dias do governo
Goulart, ocupando interinamente o Ministério da Justiça por duas vezes: de 14 a 18 de setembro de 1962 e de 7 a 18 de
junho de 1963. Cairoli também foi membro do Conselho Nacional de Energia Nuclear a partir de julho de 1962.
Permaneceu à frente do DFSP até o golpe de 1964. Logo após o golpe, foi transferido para a reserva, com base no Ato
Institucional nº 1. Em setembro de 1964, teve seus direitos políticos suspensos por dez anos. Foi reformado em 1968
(DHBB, Verbete biográfico).
1136 Um importante membro da Cruzada, “Joaquim Metralha”, mencionado no capítulo 6, é um dos que estaria envolvido
com esses grupos.
1137 De acordo com Sá Motta (2000, p. 197), a imprensa divulgou que Jorge Bhering de Mattos estaria relacionado ao
MAC, mas nada foi confirmado em relação ao envolvimento do empresário carioca com a entidade anticomunista. Motta
(Id., p. 196) ainda destaca que “a pressão sobre o MAC levou à divulgação de uma versão fantasiosa sobre os eventos, com
660

JRF [José Rubem Fonseca]: Dois elementos estão sendo acusados de comprometidos
com o MAC.
Gly [Glycon de Paiva]: Equação letal: IPES=MAC.
Gal [Antônio Gallotti]: Lê o artigo de jornal e diz: ‘Jamais IPES deve dizer, sequer,
que não é MAC’.
GH [Gilbert J. Huber Jr]: O dono é Cairoli. Nome truncado é de propósito. ‘R. Hubner’
não trabalha nas Listas Telefônicas S.A. Por enquanto não pretende desmentir.
Acusado categoricamente, de frente, então sim, fará declaração enérgica, de molde a
inverter os papéis. [Alfredo] Nasser embromado e apavorado 1138.
JBM: Atacou ISEB. Conhece seus membros. Querem os comunistas desmoralizá-lo.
Sabe ser um homem visado. Cairoli, H. Lima, ISEB, tudo=comunistas. Quanto ao caso
GH, querem criar confusão.
Gal.: Põe em discussão assunto sério a propósito do MAC: ‘Todo membro do IPES,
acusado de pertencer ao MAC, deve defender-se’. ‘Mas na defesa, nem positiva, nem
negativamente, deve fazer a menor referência ao IPES’. A proposta foi aprovada.
IK [Israel Klabin]: Propõe um introito: ‘Tendo em vista o atual estado de cousas e o
ministro de Justiça’ para ser acrescentado à proposta. Ou então: ‘Estudar o min. da J. e
Cairoli e agir, formando um Grupo de Ação ou melhor, de pressão 1139 (Ata,
05/02/1962).

O IPES buscava, sempre que possível, “ser discreto em suas atividades e se manter fora da
notoriedade política”. Segundo um de seus líderes, Harold C. Polland, o IPES nunca deveria “aparecer
direta e abertamente”, devendo adotar “uma posição de completa inatacabilidade”, agindo sempre “por
trás dos bastidores” (DREIFUSS, 1987, p. 230-1). Mas as precauções adotadas pelo IPES, visando
manter-se imune a críticas externas, não foram tão eficientes quanto esperado. O presidente Goulart
estava ciente da interferência do IPES e de empresas norte-americanas nas eleições de outubro de 1962.
Em setembro de 1962, o chefe da Casa Civil da presidência, Hugo de Faria, relatou ao
conselheiro Philip Raine que “algumas empresas no Brasil, com conexões americanas, estavam
desempenhando um papel ativo no apoio a candidatos direitistas”. Faria referiu-se especificamente ao

o provável objetivo de desviar as atenções e livrar os anticomunistas da pecha de terroristas. De acordo com esta versão o
MAC seria uma invenção dos próprios comunistas que assim, ardilosamente, tentariam desacreditar o anticomunismo aos
olhos da população”. Um dos responsáveis por divulgar esta versão fantasiosa sobre o MAC foi Gustavo Corção. Christiane
Jalles de Paula ( 2015, p. 177-8), destaca trechos de um texto publicado por Corção em 12 de janeiro de 1962 em um jornal
carioca, no qual ele afirmava: “só podem ter sido os próprios mocinhos da UNE, ou na melhor das hipóteses, os próprios
comunistas que ainda não pertencem à UNE” os responsáveis pelo atentado à sede da entidade estudantil.
1138 Dreifuss (1987, p. 333-4, 359) destaca que Alfredo Nasser, ministro da Justiça, foi um dos “beneficiários do apoio
financeiro da elite orgânica” e de “assistência técnica e administrativa” antes e depois das eleições de 1962, tendo sido
responsável por acalmar “o furor público devido às supostas ligações do Movimento Anticomunista – MAC com o IBAD”.
Dreifuss (1987, p. 103) afirma que o IBAD sincronizava suas atividades “às de organização paramilitares como o MAC” e
outras.
1139 O diálogo apresentado acima indica que o IPES, no mínimo, se manteria atento às atividades de Carlos Cairoli, e não
se descartou a hipótese de formar um “grupo de pressão” contra o chefe do DFSP. Como o IPES possuía uma seção interna
voltada a ações de inteligência e contrainteligência, o GLC (citado acima), chefiada por Golbery do Couto e Silva no Rio de
Janeiro, e o GEC em São Paulo, não é impossível que algum tipo de pressão tenha de fato sido exercida sobre Cairoli.
661

caso da Willys Overland que, segundo ele, teria repassado 6 milhões de cruzeiros ao IPES e “a outro
grupo no Rio”. Estas entidades iriam destinar “114 milhões de cruzeiros para a campanha de João
Cleofas em Pernambuco”, conforme o memorando de Raine enviado ao embaixador Gordon
(Memorando, 18/09/1962). Preocupado com essa notícia, o embaixador norte-americano rapidamente
enviou um telegrama ao Secretário de Estado: “Raine foi informado ontem que o presidente Goulart
tem pleno conhecimento (fully aware) [de que] algumas empresas no Brasil com conexões americanas”
estavam envolvidas no financiamento de candidatos de oposição a ele. Haveria, segundo Gordon,
“necessidade inequívoca de alertar as empresas dos EUA [em relação à] interferência nas eleições”
(Telegrama, 18/09/1962).
Logo após as eleições, Hugo de Faria voltou a se reunir com dois representantes da embaixada
de Brasília, Philip Raine e John Keppel. Ele reafirmou as críticas em relação ao envolvimento de
empresas estadunidenses no financiamento de candidatos anti-Goulart. Os diplomatas norte-americanos
tentaram justificar ao chefe da Casa Civil que o embaixador Gordon havia alertado a Câmara
Americana de Comércio para que esta não se envolvesse em atividades políticas. Faria novamente
observou que “o diretor da Willys, dr. Aranha 1140, repassou um cheque de cinco milhões de cruzeiros
para o ativista direitista Jorge Bhering de Matos, chefe do CONCLAP, cujo dinheiro foi usado em
campanhas políticas”. Disse também que, apesar de “não ter recebido todos os relatórios”, tudo
indicava que as empresas norte-americanas haviam repassado mais de um bilhão de cruzeiros nas
eleições recentes, “a maior parte em apoio aos inimigos do governo” (Telegrama, 12/10/1962).
Durante a campanha eleitoral de 1962, a influência do IBAD foi pública e notória. Em setembro
daquele ano, semanas antes das eleições de 7 de outubro, o deputado do PTB da Guanabara, Eloy
Dutra, sugeriu a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar “o terrorismo
econômico” praticado pelo IBAD e pelas organizações a ele relacionadas, como a ADEP (Última Hora,
11/09/1962). Segundo seu depoimento, ele não conseguia esconder seu espanto “diante da máquina
publicitária descomunal posta à disposição de certos políticos e candidatos”, o que o levou a “apurar o
significado daquele estranho movimento nacional” (DUTRA, 1963, p. 41-2). Como muitos deputados
estavam no final de seus mandatos, não foi possível criar a CPI no Congresso naquele momento, mas
ele denunciou o caso ao Conselho de Segurança Nacional. Iniciada a nova legislatura, a CPI viria a ser

1140 De acordo com o Correio da Manhã (28/08/1960), Alfredo Egídio de Souza Aranha era membro do Conselho Fiscal
da Willys Overland do Brasil S.A. Alfredo era irmão de Olavo Egídio de Souza Aranha, presidente da firma Monteiro
Aranha S.A., que, conforme vimos no capítulo 8, era proprietário do edifício onde funcionava o American Club e o Banco
do Canadá.
662

instalada oficialmente em abril de 1963, passando a incluir o IPES nas investigações, como veremos
adiante.
Desde a sua criação, o IBAD já era criticado pelo fato de ser um órgão que apoiava abertamente
a política norte-americana e existiam denúncias de que a organização era sustentada por empresas
nacionais e estrangeiras. Contudo, a atuação do IBAD – e do IPES – durante o período eleitoral de
1962 apresentava o risco de expor não apenas as empresas que financiavam suas atividades, mas
também o apoio fornecido pelo governo dos Estados Unidos. Existiam claros indícios de que os
serviços de inteligência brasileiros estavam monitorando as atividades do complexo IPES/IBAD – e
também da SEI, como será visto mais adiante –, aumentando ainda mais a possibilidade de problemas
sérios para a imagem norte-americana no Brasil. A interferência em assuntos internos do Brasil corria o
risco de se tornar um escândalo de proporções inéditas.
Uma das grandes preocupações do governo dos Estados Unidos dizia respeito ao sigilo de suas
operações encobertas1141. Naquele momento, a imagem do governo já tinha sofrido um forte golpe na
América Latina, em função da tentativa de invasão a Cuba, em abril de 1961. Logo após a fracassada
tentativa de invasão da Baía dos Porcos/Batalha de Girón, setores do governo Kennedy estavam muito
preocupados com a repercussão negativa das ações da CIA. Arthur Schlesinger Jr., assessor especial de
Kennedy, enviou um memorando ao presidente alertando que “uma agência dedicada a atividades
clandestinas pode arcar com poucos erros visíveis”, e a CIA “esgotou a sua cota”: “sua margem para
erros futuros é praticamente inexistente. Mais um fracasso da CIA irá diminuir consideravelmente a fé
na política dos EUA, tanto internamente quanto no exterior” (Memorando, 30/06/1961).
Se a interferência da administração Kennedy no Brasil viesse a público, provavelmente isto se
tornaria um tema de repercussão internacional. Para neutralizar os riscos, o governo Kennedy deu
início a uma delicada e complexa operação de contrainteligência no Brasil. Um importante passo nesse
sentido foi a nomeação de um especialista em contrainteligência para trabalhar no país. Gardner Rugg
Hathaway1142, conhecido como “Gus”, foi oficialmente designado para a representação diplomática no

1141 Como observou Leacock (1990, p. 119-120), no início dos anos 1960, “o público sabia pouco sobre a CIA e suas
operações encobertas”. Nessa época, “o papel norte-americano na promoção de golpes em países como a Guatemala e o Irã
ainda não havia se tornado público”. Ainda conforme essa autora, a palavra “desestabilização” ainda não fazia parte do
“vocabulário das relações internacionais”: as organizações de esquerda no exterior e o público americano ainda não sabiam
que “líderes sindicais, estudantis, jornalistas e professores universitários eram sistematicamente recrutados para cumprir
missões especiais para a CIA”, tampouco que a agência de inteligência “rotineiramente intervinha em ‘eleições
democráticas’ no exterior, em um esforço sem fim para corromper a vontade popular que quisesse eleger comunistas”.
1142 Hathaway, nascido no estado de Virginia em março de 1925, serviu no Exército dos EUA em operações na França e na
Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, onde foi atingido por estilhaços de granada na perna. Foi condecorado com a
Purple Heart Medal por seu desempenho durante o conflito. Logo após a guerra, graduou-se pela University of Virginia em
1950. Um ano depois, ingressou na CIA. Seu primeiro posto no exterior foi em Frankfurt e, logo após, em Berlim, mas não
663

Rio de Janeiro em 29 de setembro de 1962 – mesma data em que Vernon Walters, outro especialista em
temas de inteligência, foi oficialmente nomeado adido militar da embaixada. O perfil de Hathaway foi
descrito pela jornalista Susan Heller Anderson, do jornal The New York Times, quando o oficial da CIA
se aposentou, em 1990:

Gardner Rugg Hathaway, conhecido como Gus, é o que de mais parecido a CIA tem
com George Smiley1143. Ele se aposentou ontem [01/03/1990], um longo tempo
considerando que a agência existe há apenas 43 anos. Durante a maior parte de sua
carreira, o sr. Hathaway foi um dos mais destacados e habilidosos oficiais, com
missões em locais como a América do Sul, Alemanha e Moscou, onde ele foi o chefe
da estação da CIA. Ele é reconhecido por suas operações agressivas contra a KGB
[serviço secreto] soviética. Algumas de suas façanhas – censuradas, é claro – já fazem
parte da cultura (lore) da CIA. Ele se tornou chefe do setor de contrainteligência da
agência no início dos anos 1980. (…). Uma cerimônia em homenagem a ele ocorreu no
escritório central [da CIA], à qual compareceram 350 pessoas, inclusive o diretor do
FBI. (…). William H. Webster, o diretor da CIA, chamou o sr. Hathaway de “um
oficial de inteligência completo” (The New York Times, 02/03/1990).

O obituário de Hathaway, escrito por Steve Vogel do jornal The Washington Post, também
destaca algumas das virtudes de “Gus”:

Gardner R. Hathaway, um ex-chefe de contrainteligência da CIA cuja carreira de mais


de 40 anos na agência o levou a pontos focais da Guerra Fria, de Berlim a Moscou,
colocando-o no centro de muitos episódios de espionagem, morreu ontem (…).
Taciturno, mas cortês, “Gus” Hathaway foi um oficial secreto conhecido por seu
domínio das técnicas de espionagem e seus esforços agressivos para superar a KGB.
“Gus era uma pessoa que assumia riscos”, disse Jack Downing, um ex-diretor adjunto
de operações da CIA que trabalhou com o sr. Hathaway. “Nós precisávamos de boas
informações de inteligência, e nós precisávamos ser agressivos para consegui-las. Ele
era hábil e inteligente para fazê-lo”. O sr. Hathaway convenceu alguns de seus
há indicação precisa de quando ele trabalhou na Alemanha. De acordo com o Biographic Register, ele esteve vinculado ao
“Department of Army”, isto é, trabalhava para a CIA em alguma função não especificada, entre 1951 e 1962, quando veio
para o Brasil. Hathaway permaneceu vinculado à embaixada do Rio até maio de 1965 (USA, Biographic register 1973, p.
159). Hathaway trabalhou em outras duas embaixadas na América do Sul: Buenos Aires (03/1967 a 08/1971) e Montevidéu,
a partir de fevereiro de 1973 – não foi possível determinar quando ele deixou a capital uruguaia.
1143 George Smiley é um famoso personagem fictício de livros de John Le Carré. Smiley é um oficial de inteligência de
carreira que trabalha na The Circus, uma agência de inteligência britânica que opera no exterior. Smiley é personagem de
vários livros, dentre eles, O espião que veio do frio e O espião que sabia demais, que também viraram filmes. Smiley é
considerado a antítese de James Bond, personagem criado pelo escritor Ian Fleming: discreto, raramente era identificado
como um espião, não frequentava restaurantes requintados e festas, e não participava de aventuras ao estilo do personagem
britânico. Smiley é muito mais próximo à realidade das atividades de um oficial de inteligência no exterior do que Bond.
664

superiores hesitantes do escritório central da CIA em Langley a aprovar uma operação


em 1978 envolvendo um engenheiro russo chamado Adolf Tolkachev. O episódio
forneceu à CIA uma enorme quantidade de informações confidenciais sobre o Exército
soviético por quase uma década. Um célebre episódio na carreira do sr. Hathaway
ocorreu logo após a sua chegada a Moscou como chefe de estação da CIA, em 1977.
Quando um incêndio atingiu o oitavo andar da embaixada, o sr. Hathaway impediu a
entrada dos bombeiros (…). Ele suspeitava que alguns deles fossem agentes da KGB, e
se recusou a evacuar o prédio até o fogo ser contido. O sr. Hathaway recebeu a
prestigiosa medalha Intelligence Star por suas ações, com uma citação destacando que
ele protegeu áreas delicadas de serem atingidas “colocando-se em grande risco
pessoal”. (…). O sr. Hathaway dedicava-se a proteger seus agentes, acreditando que
ninguém jamais deveria ser comprometido em função de erros dos operadores
americanos. “Gus nunca deixou uma operação ser comprometida em função de má
gestão”, disse Barry Royden, um ex-oficial sênior de contrainteligência (The
Washington Post, 26/11/2013, itálicos meus).

Nenhum dos dois obituários apresenta informações sobre a atuação de Hathaway em países da
América do Sul – sequer mencionam em quais países da região ele atuou. Philip Agee, referindo-se ao
golpe de Estado do final de junho de 1973 no Uruguai, observou: “um fato marcante é que o chefe de
estação [da CIA] desde o começo deste ano, Gardner Hathaway, serviu na estação do Rio de Janeiro
durante o período de 1962 a 1965, quando o governo de Goulart foi derrubado e o regime militar
firmado no poder”. Não sabemos exatamente o que fez Hathaway no Brasil, Argentina e Uruguai, mas
é possível que sua passagem por estes países tenha contribuído para a consolidação posterior de sua
carreira, a partir da segunda metade dos anos 1970. Ou seja, Hathaway possivelmente não teria tido
uma reputação tão positiva no futuro se ele não tivesse desempenhado um papel importante nestes três
países sul-americanos.
Embora não tenham sido encontrados documentos que descrevam as suas atividades no Brasil, é
possível imaginar que, muito provavelmente, Hathaway tenha vindo ao país para executar operações de
proteção aos recursos (assets) e estruturas de inteligência dos EUA, e também para aumentar a
penetração sobre os serviços de inteligência brasileiros – os quais recebiam apoio da CIA desde 1956,
conforme visto no capítulo 8 – e assim conseguir informações privilegiadas sobre as investigações
feitas pelo governo Goulart que envolviam os EUA. Em outras palavras, a missão de Hathaway,
enquanto especialista em contrainteligência, seria “descobrir as possibilidades e intenções das forças
estrangeiras”, executando operações “destinadas a proteger as atividades da Agência [CIA] de serem
detectadas pela oposição”, ou seja, “por qualquer serviço de inteligência ou segurança de um país
estrangeiro” (AGEE, 1976, p. 53).
665

O que se pode afirmar com certeza é que não faltava demanda para o trabalho de
contrainteligência no Brasil, especialmente no ano de 1963. Um dos problemas com os quais a
embaixada teve de lidar dizia respeito a denúncias veiculadas pelos jornais O Semanário e Última
Hora1144, que relataram um encontro, ocorrido na residência do embaixador Lincoln Gordon, com a
presença de representantes de empresas norte-americanas, para discutir uma tomada de posição contra a
possível candidatura do senador Juscelino Kubitschek à presidência da República em 1965. Durante a
reunião, a maior parte dos empresários presentes declarou seu apoio a Carlos Lacerda, desaprovando o
nome do ex-presidente1145.
O Semanário e a Última Hora revelaram que o líder da campanha contrária a Kubistchek era
“um tal Hoop Horner” ou “Hoop Honner”. Ambos os periódicos afirmam que se tratava de “um
corretor de câmbio da Guanabara”. Muito provavelmente, os jornais estavam se referindo a Herbert G.
Horne, o corretor de câmbio estabelecido no Rio de Janeiro desde os anos 1920, citado nos capítulos 4
e 8, sogro de Donald Rendall, amigo de Ivan Hasslocher que tinha relação com a CIA. Outro
empresário mencionado na reportagem de O Semanário foi o do banqueiro Adolfo Gentil (Última
Hora, 12/08/1963; O Semanário, 15-21/08/1963)1146. Um dos problemas causados por essas
reportagens foi a exposição pública do nome de Horne, um dos proprietários da casa de câmbio que
provavelmente servia como canal da CIA para o financiamento do IBAD.
Lincoln Gordon viu-se diante da obrigação de prestar esclarecimentos, que foram publicados
em vários jornais, nos quais negou ter participado do encontro, mas não chegou a negar que a reunião

1144 Outros jornais também deram destaque ao tema, mas com menor ênfase em comparação ao O Semanário e Última
Hora.
1145 Uma avaliação do setor de inteligência do Departamento de Estado (INR) considerava que “Lacerda era um dos mais
ativos pescadores destas águas turvas [da política brasileira] buscando promover a sua candidatura para a presidência em
1965”. Na opinião do INR, os EUA deveriam “fazer todos os esforços para corrigir o entendimento do público brasileiro de
que nós apoiamos e favorecemos Lacerda e que nós nos opomos a reformas socioeconômicas básicas” (INR, 21/08/1963). A
avaliação do INR discordava em vários aspectos de um relatório de inteligência produzido pelo Office of Current
Intelligence (OCI) da CIA, que considerava positiva a influência de Lacerda. O INR afirmava que a CIA apresentava
Lacerda como “um Galaaz pró-EUA” – um dos três Cavaleiros da Távola Redonda que conseguiu alcançar o Santo Graal. O
relatório da CIA apresentava Goulart como um manipulador, que buscava nomear militares nacionalistas em posições-chave
para consolidar seu poder, facilitando a infiltração comunista e abrindo caminho para um golpe liderado pelo Presidente,
com apoio das esquerdas (Relatório, 16/08/1963). Gordon demonstrou-se “desconcertado (disturbed) com a avaliação do
Departamento [de Estado] de que Lacerda é um reacionário irresponsável”. E afirmou: “Reconhecidamente, ele não é um
liberal estilo britânico que luta conforme as regras do Marquês de Queensbury e que mede as suas palavras. Isto aqui é o
Brasil, onde linguagem desmedida e manobras astutas são a regra. Pelo menos Lacerda tem coragem e integridade e é um
administrador competente, qualidades que são muito raras no Brasil” (Telegrama, 22/08/1963).
1146 Conforme apresentado no capítulo 8, Gentil, diretor-presidente do Banco Operador, era o 2º vice-presidente do
American Club, frequentado por Ivan Hasslocher, que ficava no mesmo prédio onde funcionava o Royal Bank of Canada,
apontado pela CPI do IBAD como um dos bancos através dos quais recursos financeiros foram repassados ao IBAD. Horne
e Gentil, conforme apresentado no capítulo 8, tinham em comum o fato de serem sócios fundadores da KIM Participações
S.A. Administração de Bens e Participações (Jornal do Comércio, 10/07/1962).
666

de fato tivesse ocorrido. O embaixador também viu-se constrangido a marcar um encontro com
Kubistchek para se explicar ao ex-presidente da República. Gordon declarou que tudo não passava de
uma “história fabricada” por “elementos de dentro do palácio presidencial” para atingi-lo. Também
afirmou que, antes dessa “manobra” de Goulart, ele “não considerava como um perigo iminente a
ameaça de uma tomada de poder pelos comunistas”, mas agora ele estava “começando a ter sérias
dúvidas” em relação a isso, especialmente pela ausência de alguém que fosse “capaz de fazer um
julgamento equilibrado no entorno do presidente”. Kubitschek não pareceu ter sido convencido pela
versão apresentada por Gordon e mencionou alguns nomes de pessoas presentes à reunião, entre elas,
Adolfo Gentil (descrito no telegrama em que Gordon relatou a conversa com Kubitschek como “irmão
do genro de Ellsworth Bunker”)1147, Warren S. Remensnyder, da Sears & Roebuck e William V.
Moscatelli1148, repassados a ele por um informante que compareceu ao encontro (Telegrama,
12/08/1963).
O embaixador americano também se reuniu com Goulart com o objetivo imediato de dissipar
um “mal-entendido” do presidente com relação a “essa história inventada”. Gordon relatou que o
encontro foi “insatisfatório” e “superficialmente cordial”. Segundo ele, Goulart “falava sem parar,
como uma vitrola tocando um disco arranhado que ele não sabia como fazer parar”. Gordon observou
que a “história inventada sobre o encontro” seria um “grave sinal de uma campanha fabricada” para
atingi-lo pessoalmente e também para prejudicar as relações entre Brasil e EUA. O que mais
incomodava Gordon era o fato de que “círculos do palácio presidencial”, aparentemente, davam crédito
à presença dele na referida reunião. Goulart respondeu que soube do encontro pela imprensa, e que ele
depois foi confirmado “pelo seu serviço de inteligência”.
O presidente aproveitou a oportunidade para esclarecer que recebia “apenas incompreensão da
elite brasileira”, com a qual tinha procurado colaborar. De acordo com Gordon, Goulart alegava que

1147 De acordo com seu obituário, Bunker, nascido em 1894, era herdeiro de um rico empresário, proprietário da National
Sugar Refinery Company. Por trinta anos, ele trabalhou na empresa e administrou algumas de suas subsidiárias,
principalmente na América Latina. Sua carreira de empresário foi interrompida em 1951, quando ele foi designado pelo
Presidente Truman embaixador dos EUA na Argentina. Um ano depois, foi transferido para a Itália (substituindo James C.
Dunn). Em 1956, foi designado embaixador na Índia. O seu posto diplomático de maior destaque foi no Vietnã do Sul, no
período em que os EUA aumentaram o seu envolvimento na Guerra do Vietnã. Considerado “um dos mais habilidosos e
pacientes negociadores”, um “solucionador de problemas” (troubleshooter), que lhe conferiu o apelido do “O Refrigerador”,
em função de sua capacidade de não demonstrar emoções em negociações complicadas. Em 1965, por exemplo, ele foi
enviado à República Dominicana para negociar um cessar-fogo na guerra civil que vinha ocorrendo no país. Foi também
responsável pelas negociações com o Panamá em relação aos tratados do Canal do Panamá. Ele tinha a confiança de todos
os presidentes, no período entre Harry Truman (1945-1952) e Gerald Ford (1974-1977) (The New York Times, 28/09/1984).
1148 Conforme apresentado no capítulo 8, Moscatelli e Remensnyder eram integrantes do Comitê de Relações Brasil-
Estados Unidos da Câmara Americana de Comércio do Rio de Janeiro, entidade com relações muito próximas à embaixada,
ao CONCLAP, IBAD e SEI.
667

“não apenas as classes superiores, mas também as classes médias” estariam se mostrando
“crescentemente hostis”, restando-lhe apenas “recorrer ao apoio das massas populares”, que o
compreendiam e o apoiavam. A avaliação de Gordon sobre o encontro com Goulart foi alarmista: “a
reunião foi profundamente perturbadora. Mostrou uma crescente disposição de Goulart em se apoiar na
demagogia de massas, sustentado por uma estrutura militar remodelada, em atitude de aberta luta de
classes” (Telegrama, 17/08/1963).
Um dos elementos importantes a serem destacados sobre essa conversa entre Gordon e Goulart
é que o presidente, mais uma vez, deixou claro que estava a par da campanha dirigida por empresários
norte-americanos e brasileiros contra o seu governo, através do monitoramento das movimentações da
oposição feita por “seu serviço de inteligência”1149. A exposição pública da influência externa sobre a
política brasileira também havia sido denunciada na CPI do IBAD, em 1963. Ao longo daquele ano, a
comissão conseguiu avançar no Congresso, apesar das dificuldades, conseguindo apresentar inúmeras
irregularidades cometidas pela entidade liderada por Ivan Hasslocher. Segundo Philip Agee (1976, p.
325), a CPI “foi de algum modo controlada”, com cinco de seus nove membros “receptadores de
fundos monetários do IBAD e da ADEP”. Porém, “somente a recusa do Royal Bank of Canada, Bank
of Boston e do First National City Bank em revelar as fontes estrangeiras de procedência dos citados
fundos depositados para o IBAD e a ADEP evitaram que a questão explodisse”1150.

1149 Na década de 1970, em entrevista a Moniz Bandeira (2014, p. 181), Goulart teria dito que a “fabulosa remessa de
dinheiro para o IBAD, por meio do Citibank”, foi o que o levou “a concluir que a CIA realmente estava por trás de tudo, a
manejar os cordéis”. Moniz Bandeira (Id., p. 291) também cita a existência de relatórios do SFICI descrevendo encontros do
adido militar Vernon Walters com “os generais Golbery do Couto e Silva, Ayrton Salgueiro de Freitas, Hugo Bethlem,
Cordeiro de Farias, Juracy Magalhães, Nelson de Melo, brigadeiro Eduardo Gomes” e de viagens de Walters a Belo
Horizonte para se encontrar com o governador José Magalhães Pinto e com o general Carlos Luís Guedes, “comandante da
4ª Divisão de Infantaria e elemento de confiança do marechal Odylio Denys”. Bandeira recebeu relatórios do SFICI que
faziam parte dos arquivos pessoais de João Goulart, e afirma afirma ter doado ao CPDOC a documentação recebida de
Goulart. Não foi encontrado nenhum relatório do SFICI no fundo João Goulart do CPDOC (BANDEIRA, 2014, p. 12).
1150 Dutra relata que “um verdadeiro selecionado de deputados ibadianos foi recrutado para fazer parte da CPI”. Ele
destaca que os deputados que não receberam financiamento do IBAD para suas campanhas eleitorais eram minoria na
comissão. Mesmo assim, os ibadianos “entraram em pânico” com a documentação e os depoimentos coletados pelos outros
integrantes da CPI. Contudo, isso não impediu que eles fizessem “abertamente a defesa do IBAD” (DUTRA, p. 43-4). De
acordo com verbete temático do CPDOC, “no dia 31 de setembro de 1963, os trabalhos da CPI foram interrompidos por
iniciativa dos membros da própria comissão, sob a alegação de que o Decreto Presidencial n. 52.425, de 31 de agosto de
1963, que determinava o fechamento do IBAD e da ADEP por três meses, teria esvaziado e desprestigiado o Congresso em
sua missão de apurar a verdade”. A suspensão das investigações ocorreu um dia antes da data marcada para o depoimento de
Ivan Hasslocher, fato que fortaleceu as suspeitas de que Peracchi Barcelos, Laerte Vieira e outros integrantes da comissão
tivessem sido beneficiados com verbas do IBAD. No entanto, a CPI foi rapidamente recomposta, desta vez por “elementos
sem nenhum vínculo com o IBAD ou suas subsidiárias”, conforme relato de Dutra (Id.). Em agosto de 1963, por decreto
presidencial, as atividades do IBAD e da ADEP foram suspensas por três meses e, em dezembro, as duas entidades foram
definitivamente fechadas. Mas a CPI considerou que o IPES não havia interferido nas disputas partidárias e eleitorais de
1962 e, portanto, poderia continuar a operar legalmente (DHBB, Verbete temático).
668

Ainda assim, no início de novembro de 1963, a revista Política e Negócios (PN) expôs a relação
entre a CIA e o IBAD. A reportagem, intitulada Quem quer dominar o Brasil?, embora não tenha
esclarecido o mecanismo de financiamento do IBAD pela CIA – uma questão que nem a CPI conseguiu
elucidar –, apresentou elementos pertinentes, que apontavam para a verdadeira origem dos recursos do
IBAD. Além disso, descreveu alguns aspectos sobre a história da CIA e seu método de atuação:

Uma CPI do Congresso já provou, sobejamente, o que todos sabem: o IBAD e a ADEP,
finalmente fechados pelo governo, exerceram estarrecedoras atividades de corrupção
política e eleitoral no Brasil, com o fito de levar ao poder as forças do mais estreito
reacionarismo, sob o pretexto da luta anticomunista. Até aí tudo bem. Mas quem
financiou esse pavoroso e poderosíssimo movimento político que foi o IBAD, capaz de
gastar bilhões de cruzeiros em campanhas eleitorais – além dos rios de dinheiro para
infiltração nos meios políticos, militares, sindicais e estudantis, fora das épocas
eleitorais? Quem forneceu o dinheiro para que um estranho indivíduo, de nome Ivan
Hasslocher, sem nenhuma tradição na vida política, financeira ou empresarial do país,
arranjasse de repente bilhões para inundar o Brasil de matérias pagas e centenas de
horários semanais de rádio e TV, alugando a opinião política da imprensa, subornando
homens públicos, etc.? O inquérito feito pelo Congresso Brasileiro, sobre a origem
desses recursos bilionários, provou, entre outras coisas, o seguinte: a) a origem
conhecida desses dinheiros são três bancos estrangeiros, o The Royal Bank of Canada,
The First National City Bank of New York e o The Bank of Boston – o que não se sabe
é quem deposita o dinheiro nesses bancos para ser movimentado pelo IBAD e por Ivan
Hasslocher. (…). Existe nos Estados Unidos um órgão governamental chamado CIA
(Central Intelligence Agency), cuja verba orçamentária, secreta, é tida como maior do
que a do próprio Departamento de Estado (…). Sua atividade: serviço secreto. Seu
campo de operações é muito menos o território dos Estados Unidos do que o resto do
mundo. A CIA movimenta atualmente um verdadeiro “exército” de 14 mil especialistas
em espionagem. Financia ainda o que os próprios norte-americanos chamam de
“operações sujas” – ou seja, golpes de Estado em países estrangeiros, organização das
polícias secretas de ditaduras “amigas”, etc. É óbvio, nisso tudo, uma coisa: a CIA
“resolvia” e “resolve” a seu modo muitos problemas políticos dos Estados Unidos no
estrangeiro. Assim, países da área de influência norte-americana (e a América Latina é
considerada em Washington como área de influência direta) que adotem políticas de
rebeldia, e caso resistam às ponderações feitas por via diplomática e econômica,
podem virar um caso típico de ação da CIA. (…). Sem dúvida, o Brasil também está na
mira da entidade hoje comandada por John McCone. Recorde-se que, quando o IBAD
resolveu criar a ADEP (…), Ivan Hasslocher estranhamente se envolveu com um
parente de Allen Dulles, então chefiando a CIA, em insistentes visitas a Castilho
Cabral, homem convidado para dirigir o novo organismo ibadiano. (…). O resto, a
opinião pública já sabe. O parente de Allen Dulles que acompanhou Ivan numa visita a
Castilho foi o jovem advogado da Hanna chamado John Foster Dulles Junior, filho do
ex-Secretário de Estado John Foster Dulles e sobrinho do então “big shot” da CIA.
(…). O IBAD (ou a CIA) visava a dominação de um país. Esse país é o Brasil, que
começa hoje a despertar para sua importância no mundo, que não mais se contenta em
ser para sempre uma “área de influência”, que quer se desenvolver e ser dono de seu
669

nariz. Reformas de base, comércio com todos os povos do mundo, política exterior
independente – tudo isso contraria poderosos interesses internos e externos. A eles a
CIA deu cobertura (Política e Negócios, 04/11/1963, itálicos no original).

As atividades sigilosas de outra entidade civil que recebia apoio do governo americano também
vieram a público. De acordo com o depoimento de Lodygensky a John W. F. Dulles,

Em outubro de 1963, o general [Antônio Mendonça] Molina telefonou para


Lodygensky para avisá-lo de que a Polícia Federal de Goulart 1151 havia recebido
instruções de seu comandante, coronel Cairoli, para destruir todo o trabalho de
Lodygensky. Molina disse a Lodygensky que ele tinha de 24 a 48 horas para tirar todos
os arquivos de seu escritório. Os grupos trabalhando sob a liderança de Lodygensky
dividiram-se para trabalharem como grupos separados. A SEI foi fechada, ou melhor,
teve fim enquanto uma entidade legal. A casa e o telefone de Lodygensky começaram a
ser vigiados pelo governo. Lodygensky e seus associados pensavam que “o grande
show” começaria entre abril e junho de 1964. Eles acreditavam que uma guerra civil
eclodiria. Por isso, eles acreditavam que seria necessário realizar mudanças nas táticas
e também intensificar o treinamento de lideranças. A nova operação, ao invés de se
especializar em treinamento de líderes para entidades como grêmios estudantis, iria
passar a trabalhar mais ostensivamente e iria motivar as massas do Brasil. (…). Em
outubro de 1963 Lodygensky e seus associados decidiram preparar um movimento
cívico nacional. Eles buscavam uma palavra de ordem. Com esta palavra de ordem,
queriam enfatizar o lado positivo, isto é, qual o motivo da luta. Não seria meramente
uma luta negativa, anticomunista. A palavra de ordem escolhida foi civismo. Seria o
civismo contra o marxismo. Civismo lembrava algo patriótico, mas não era algo bem
definido. Assim, um dos esforços em novembro de 1963 era promover o civismo.
Outro esforço era encontrar, entre as pessoas podres (rotten), algumas boas. Descobriu-
se que existiam 19 mil organizações cívicas e de caridade. Descartando as podres, o
número dessas organizações era de 6 mil. Para que estas organizações fossem efetivas,
deveria haver pelo menos 5 pessoas trabalhando em cada uma delas. Isso significa que
muitas dessas pessoas eram aquelas que hesitavam envolver-se com política e que
diziam que “a política é podre” (Entrevista n. 205, 21/10/1965).

O alerta do general Molina para Lodygensky coincide com a publicação de uma reportagem do
jornal católico de esquerda, Brasil Urgente, que expôs as atividades da SEI. Em outubro de 1963, o
texto, assinado por Hilário Correia e intitulado S.E.I.: sigla da subversão, descrevia, com riqueza de
detalhes, as operações da entidade, e convocava a CPI do IBAD e IPES a voltar “suas atenções sobre a

1151 Dulles certamente se refere ao Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), comandado à época por Carlos
Cairoli.
670

Sociedade de Estudos Interamericanos – SEI – e seu chefe, cidadão suíço de nome Wladimir
Lodygenski [sic]”:

A SEI tem ramificações nas capitais e principais cidades brasileiras e se jacta, em


boletim reservado, de manter “cursos de capacitação” para dirigentes sindicais em
nove dessas capitais, afora um curso de formação de líderes na Fazenda S. Jorge, perto
de São Paulo, transformada em escola, com capacidade para trinta alunos, em regime
de internato, bem como outro denominado “Beberibe”, na casa de retiro desse nome,
em Recife, com capacidade para 76 alunos, “em colaboração com organizações
religiosas”. (…). Pouquíssimas pessoas sabem de suas atividades, que, entretanto, se
fazem sentir nos meios sindicais, estudantis, rurais, de sociedades de amigos de bairros
e outros. (…). Temos amplas razões para deduzir que a SEI deite suas raízes no IBAD-
IPES ou no Pentágono norte-americano, se é que no fundo não passe de uma arapuca
para arrancar proventos da reação brasileira. (…). Declarou, certa feita, o diretor do
boletim [da SEI]: “os empresários brasileiros são uns analfabetos, nunca leem jornais.
Por isso, inicialmente mandaremos aos patrões um noticiário perfeito com o
condensado dos jornais e depois lhes enviaremos as nossas pílulas até chegarmos onde
queremos”. E rematava: “é preciso chegar quanto antes aos patrões”. Como entidades
laterais que colaboram com a SEI, citam-se as seguintes: CLACE (…); UCE (…);
UCF (…); BIS – Bureau de Imprensa Sindical – órgão central de documentação e
planejamento operacional no setor sindical. Pretende exercer sua influência sobre: as
Federações dos Círculos Operários (400 mil membros), o Movimento Sindical
Democrático (1.293 sindicatos) (…), o Movimento Sindical Rural (296 sindicatos),
RIT – Rádio, Imprensa e Televisão. QUID PRODEST? Cabe a esta altura a pergunta
do jurista romano: “a quem aproveita?” Toda essa intensa atividade (…), a quem
serve? (…). Mais grave, porém, é a pergunta, que no estado atual de coisas só a
Comissão Parlamentar de Inquérito poderá responder: “quem está financiando tudo
isso, e por quê?” (Brasil Urgente, 13-19/10/1963).

Na segunda parte da reportagem sobre a SEI, Brasil Urgente revelou mais detalhes sobre as
atividades da entidade liderada por Lodygensky:

(…) apuramos que [Lodygensky] possui uma empresa propagandística denominada


“ALLSET Agência de Publicidade” (…). Visitamos essa agência como jornalista, e
notamos que a organização deixa muito a desejar como empresa no gênero. Notamos
também que a frequência não é a habitual de agências publicitárias, isto é, corretores
de anúncios, de funcionários de jornais, rádio e revistas ligados ao ramo. O que vimos
foi o comparecimento de muito dirigente sindical, de estudantes, quase sempre
notórios pelegos e elementos de direita. (…). Foi ainda desse escritório que surgiu o
movimento ostensivamente liderado pelo sr. Antonio Pereira Magaldi e por José Rotta,
que se intitula presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais do Estado de São
Paulo (…). O escritório em causa mandou imprimir um folheto sobre a implantação da
671

república sindicalista no Brasil, que teve larga distribuição nos meios sindicais e nos
meios rurais, através do MSD e da “Federação Camponesa” de José Rotta. As
atividades do S.E.I. e seus escritórios-paraventos têm se voltado com frequência para a
corporação jornalística. Foi de lá que partiu, há dois anos, a tentativa de conquista da
Federação Nacional de Jornalistas, numas memoráveis eleições que, por duas vezes,
terminaram em empate, e onde sabidamente as tentativas de suborno atingiram o
clímax do descaramento. Vantagens de todo tipo foram oferecidas aos delegados
eleitores. Mas quando, finalmente, o candidato da reação, Evaldo Ferreira Dantas 1152,
então presidente do Sindicato de Jornalistas de S. Paulo, saiu-se mal, e verificou-se que
fora inutilmente que a jornalista Regina Helena de Paiva Ramos passeara pelo Brasil a
serviço da mais cara cabala eleitoral já presenciada nos meios sindicais brasileiros,
houve pânico (Brasil Urgente, 20-26/10/1963).

A partir de então, a SEI se viu obrigada a promover transformações em sua fachada, para
proteger-se de uma exposição ainda maior e não prejudicar as suas operações em andamento. Seu nome
foi alterado para Centro de Educação Cívica (CEC) ou Centro de Liderança Cívica (CLC), que seguiu
com a mesma filosofia de trabalho da SEI. Não foi possível encontrar evidências de que a CIA tenha
apoiado a reformulação da SEI, mas a organização passou pelo mesmo tipo de alterações sofridas pelo
IBAD. Essas mudanças eram parte da lógica das operações de contrainteligência, ou seja, era
necessário proteger a sua estrutura e recursos construídos por muitos anos, para seguir operando.
Assim como a SEI, o IBAD também deixou de existir, mas continuou atuando sob outra
fachada. Segundo as memórias de Ivan Hasslocher (1999, p. 263), por sugestão de seu “bom amigo
deputado Amaral Netto, foi criado outro aparato sob a sua direção, o Comitê de Defesa da
Democracia”, ou Rede da Democracia. Este era “um inédito arranjo midiático encabeçado e posto em
prática por três das maiores empresas jornalísticas daquele período – Diários Associados, Globo e
Jornal do Brasil”, que promoveu uma intensa campanha favorável à derrubada de Goulart (Eduardo
SILVA, 2008). De acordo com Hasslocher, sua sede funcionava no mesmo endereço e “exatamente com
a mesma equipe que trabalhava com o IBAD”: “Se alguém suspeitasse que o Comitê de Defesa da
Democracia era o IBAD com outro nome, ele [o IBAD] não deveria ter sido fechado”, observou
Hasslocher (Id., p. 263). Em outras palavras, “o IBAD só mudou de nome, mas continuou a funcionar
tal como antes” (HASSLOCHER, Id.).1153
A Rede da Democracia, assim como o IBAD, seguiu recebendo apoio transnacional. Segundo
um relatório do Latin American Information Committee (LAIC, apresentado no capítulo 9), Enno

1152 Conforme apresentado no capítulo anterior, Evaldo Ferreira Dantas era um dos integrantes da Associação Brasileira de
Cultura Convívio, iniciativa da SEI.
1153 Para maiores informações sobre a Rede da Democracia, ver Eduardo SILVA (2008) e também CARVALHO (2010).
672

Hobbing realizou uma “longa visita ao Brasil entre 10 de novembro e 6 de dezembro de 1963” – não
por coincidência na mesma época em que o IBAD e a SEI estavam reorganizando as suas atividades 1154.
Entre outras tarefas, Hobbing ajudou “o IPES-Rio com o seu programa de informação”. De acordo com
o relatório,

38 estações de rádio no Brasil uniram-se em uma rede nacional chamada “Rede da


Democracia”, cujos programas são transmitidos seis vezes por semana, das 22:30 à
meia-noite. O LAIC fornece orientação e roteiros dos programas de rádio ao IPES-Rio
que, por sua vez, repassa o material para a Rede da Democracia. Consequentemente,
foi preparado um extenso memorando sobre o formato dos programas e 43 roteiros
foram escritos no Rio [durante a estadia de Hobbing no Brasil]. O LAIC também
fornece semanalmente os roteiros dos programas de rádio para a “Rede”, enviados de
Nova York para o Rio de Janeiro. Assim, o LAIC está colaborando com o meio de
comunicação democrático mais poderoso do Brasil. (…). Entre 29 de setembro e 12 de
outubro, o International Cultural Cooperation Committee e o Foreign News Service
organizaram com êxito o primeiro “Simpósio de Redatores e Jornalistas Econômicos
do Hemisfério”. O simpósio teve a presença de 90 jornalistas e redatores do continente
americano e da Europa e representantes de empresas privadas. O LAIC organizou a
participação dos empresários no simpósio, ajudou com a arrecadação de fundos e
colaborou com o planejamento da programação do evento. O sr. Boris Shub
representou o LAIC no simpósio e preparou um relatório que foi distribuído às
companhias-membro. (…). O rádio é o meio de comunicação mais importante na
América Latina. O LAIC produz regularmente um serviço de rádio sobre questões
internacionais. Este serviço, escrito pelo sr. Shub, começou a produzir um pacote
semanal de notícias sobre eventos como a proibição de testes com armamentos
nucleares, a crise alimentar na Rússia, o conflito sino-soviético, a reação mundial ao
assassinato do presidente Kennedy e uma série especial em alusão aos 40 anos do
aniversário da morte de Lenin. Os roteiros de rádio do LAIC e outros materiais,
fornecidos diretamente para as estações de rádio na América Latina ou para grupos
cívicos com acesso às rádios, agora atingem 95 estações de rádio em 16 países. (…)
(Relatório, 01/09-31/12/1963, itálicos meus)1155.

Hasslocher relata que o chefe da estação local da CIA no Rio de Janeiro, Vernert L. Gresham,
solicitou que Boris Shub orientasse o seu trabalho 1156. Hasslocher achava que Shub não era um
funcionário da CIA, mas “por alguma razão” Gresham solicitou que ele cumprisse esta função.
1154 Conforme apresentado no capítulo 9, Hobbing, em sua visita ao Brasil em setembro de 1962, afirmou que “estava em
contato com o IBAD no Rio de Janeiro e com a SEI em São Paulo”.
1155 Anexo a este relatório consta um documento listando os “grupos cívicos com os quais o LAIC trabalha”. No caso do
Brasil, eram a “Sociedade de Estudos Interamericanos, o IPES Rio de Janeiro e o IPES São Paulo, a revista Convivium, as
Publicações Liguori e a Campanha da Mulher pela Democracia” (CAMDE)”. Além disso, o relatório informa que um outro
objetivo da visita de Hobbing ao Brasil foi “auxiliar uma empresa contribuinte [do LAIC] com seus problemas específicos
de relações públicas no Brasil”, a Hanna Mining Co. (Relatório, 01/09-31/12/1963).
1156 Para maiores informações sobre o perfil e a trajetória de Boris Shub, ver FICHA em anexo.
673

Gresham explicou a Hasslocher que Shub havia sido “um socialista, mas não um comunista”. O início
da atuação de Shub junto a Hasslocher coincide com o auge da CPI do IBAD. A partir desse momento,
as mudanças de atitude da CIA não passaram despercebidas por Hasslocher: “ [Shub] estava sempre
marcando encontros comigo para me dar instruções sobre todos os campos de atividades, tais como o
que eu deveria comer, o que eu deveria dizer, o que eu deveria pensar, e o que eu deveria fazer”. Ele
afirma “não ter seguido nenhuma das ordens” de Shub, embora fosse “uma dor de cabeça tê-lo por
perto”:

Eu estava almoçando com ele [Shub] um dia (ele também me dava ordens em
momentos de refeições) e comentei sobre um famoso economista no Brasil, Celso
Furtado. Os bons homens que conheci da antiga CIA teriam me dado um arquivo sobre
o comunismo daquele homem e eu teria me referido a ele em minha revista como um
comunista sujo (dirty communist). Eu estava reclamando daquele Furtado, que não
havia contribuído em nada para melhorar a vida da população do Nordeste, porém o
socialista, mas não comunista [Shub] teve um chilique, chamando a atenção de outras
pessoas no restaurante. Ele olhou ferozmente para mim e berrou em um tom que todo
mundo ouviu: “Você jamais deve dizer isso! Jamais! Você jamais deve dizer isso para
ninguém” (HASSLOCHER, 1999. p. 269-270).

A divulgação pública das relações entre a CIA e o IBAD prosseguiu no início do ano de 1964.
João Agripino de Costa Dória, deputado federal pela Bahia na legenda do Partido Democrata Cristão
(PDC) e um dos integrantes da CPI do IBAD 1157, concedeu uma entrevista ao jornal Brasil Urgente, o
mesmo que expôs as atividades da SEI em outubro de 1963, denunciando que a CIA era a verdadeira
operadora por trás do IBAD. É importante ressaltar que o deputado do PDC era proprietário, desde o
ano de 1951, da Dória Associados Propaganda, uma importante agência de propaganda e
publicidade1158. Dória, portanto, conhecia bem o meio em que Ivan Hasslocher atuava, por meio da
1157 Dória foi eleito suplente de deputado federal pela Bahia, na legenda do Partido Democrata Cristão (PDC), em outubro
de 1962. Assumiu o mandato em junho de 1963, incorporando-se à Frente Parlamentar Nacionalista, que apoiava o governo
João Goulart. Após o golpe de 1964, foi incluído na primeira lista de punições do Ato Institucional nº 1, tendo seu mandato
cassado e seus direitos políticos suspensos por dez anos (DHBB, Verbete biográfico). Os demais integrantes da CPI do
IBAD que não foram beneficiários dos recursos ibadianos durante as eleições de outubro de 1962 eram Eloy Dutra (PTB,
Guanabara), José Aparecido de Oliveira (UDN, Minas Gerais), Rubens Paiva (PTB, Guanabara) e Benedito Cerqueira
(PTB, Guanabara).
1158 “A agência foi inaugurada com o lançamento da Campanha de Combate à Sonegação de Impostos, promovida pelo
governo de São Paulo. Esta foi a primeira campanha, tecnicamente realizada, relativa a um serviço público. Foi vencedora
de vários concursos e participante de mesas-redondas promovidas pela revista Publicidade e Negócios. Com a criação de
Dória, a agência fez a campanha de Cid Sampaio ao governo do estado de Pernambuco em 1958. Em 1960, na convenção
da UDN para a escolha do candidato à presidência da República, criou para Juracy Magalhães, que disputava com Jânio
Quadros, o slogan ‘A UDN não precisa de vassoura [símbolo da campanha janista], Juracy é limpo’” (2007, CARNEIRO, p.
674

Promotion S.A. Em sua opinião, os EUA estavam financiando um golpe da direita no Brasil através da
CIA:

A mão oculta que provocou o golpe de deposição de Mossadeg, no Irã; os tumultos no


Laos, no Vietnã, no Congo e na Argélia; que financiou o exército secreto francês contra
De Gaulle e depôs os presidentes reformistas de Honduras e São Domingos para
substitui-los por títeres gorilas da United Fruit (…) é precisamente a mesma e
criminosa mão que planejou, financiou e executou os planos do IBAD no Brasil e
segue alimentando, sob novos rótulos, a mesma organização subterrânea nazifascista
que conspira contra a segurança, a independência e o desenvolvimento do povo
brasileiro. Esta mão é acionada pelo organismo secreto conhecido pela sigla C.I.A.
(Central Intelligence Agency) que, a partir de 1947, no governo do presidente Truman,
passou a centralizar os serviços de informação e espionagem dos diversos
departamentos militares e civis dos Estados Unidos. (…) a C.I.A. não se limita a
coletar informações e operar no campo da espionagem. Usa os seus dados, manipula-os
e deforma-os para ela própria executar uma política secreta extraoficial, a outra política
exterior dos Estados Unidos. Empregando métodos totalitários, é o órgão responsável
pela DIPLOMACIA NEGRA1159 que se aplica fora das regras do direito internacional e
das boas normas diplomáticas e que intervém, pelos canais subterrâneos, na vida
interna das outras nações. A diplomacia do “vale tudo”, em que a corrupção, o suborno,
a violência, o atentado e a ação direta, a traição e o crime, enfim, se praticam acima
dos códigos e das leis. (…). CIA NO BRASIL É IBAD. Repetindo os métodos de ação
subterrânea já aplicados e desmoralizados em outros países, a CIA selecionou e treinou
agentes especiais para o Brasil. (…). Tudo a pretexto de combater a ameaça comunista.
Mas, na verdade, o que a CIA (através do IBAD) pretendia – e pretende ainda – é (…)
a desmoralização completa das reformas lideradas por Goulart. DEPOSIÇÃO DE
GOULART. A conjuração orientada e financiada pela CIA no Brasil obedece a um
plano em três etapas: 1) alienação da consciência nacional pela propaganda dirigida e
corrompida pelo suborno de veículos e agências de publicidade e pela neutralização ou
destruição dos órgãos independentes. Nessa etapa, a campanha ganhou corpo na
imprensa, no rádio e na televisão visando desmoralizar o governo de Goulart e ao
mesmo tempo estigmatizar de comunista as reformas de base para incompatibilizá-las
com a consciência cristã do povo brasileiro. Conseguiram, em parte, o seu intento nas
áreas conservadoras das classes alta e média. 2) Nesta segunda etapa, o objetivo era
mais direto: mobilização das forças políticas e entidades de classe contra as reformas e
os seus líderes. Para isso, derramaram bilhões de cruzeiros para corromper o processo
eleitoral, eleger parlamentares e governos estaduais e municipais antirreformistas, bem
como líderes militares, sindicais e estudantis na presidência de suas associações
representativas. Lograram relativo êxito. Direta ou indiretamente, formaram uma
maioria parlamentar que obstruiu todo o esforço em favor da tramitação dos projetos
de reforma estruturais. 3) A terceira etapa, que é o processo atualmente em curso,
caracteriza-se pela ação direta: o esquema golpista que os estrategistas da CIA e do
IBAD planejaram para dar o golpe e assaltar o poder pela violência, implantando uma
ditadura de extrema-direita, ainda que momentaneamente se pudesse revestir até das
aparências de um governo popular. (…). Assim, começa a funcionar, em termos de

80-1). Um de seus filhos é hoje governador do estado de São Paulo (João Doria, do PSDB, eleito em 2018).
1159 Observando que, hoje em dia, esta expressão não seria mais aceita.
675

conspiração de fato, o esquema subversivo (...). A CIA está distribuindo armas e


munições em São Paulo e na Guanabara. Esquemas de resistência civil estão em curso
em apelos públicos e dramáticos de líderes políticos da direita conclamando as classes
dirigentes a se armarem na luta contra Goulart. A ESSO acelera as suas manobras de
desmoralização e decomposição da Petrobrás. A ação subversiva, dentro dos próprios
escalões do governo, conspira contra o Presidente da República. O campo da guerra
revolucionária está traçado: reformistas de um lado, antirreformistas de outros. Resta
saber quem vai vencer (Brasil Urgente, 2-3/02/1964, caixa alta no original).

11.3 Prontos para o golpe1160

Em uma reunião do Conselho de Segurança Nacional (NSC), realizada em 8 de março de 1961,


um de seus membros, Robert W. Komer, disse a seus colegas que, “embora tratados, acordos e a lei
internacional” devessem ser seriamente considerados, não deveria existir “nenhuma barreira às ações
clandestinas” quando “interesses nacionais primordiais” estivessem em jogo. Por isso, quando surgisse
um governo inimigo dos interesses dos Estados Unidos, os riscos deveriam ser avaliados “para
encorajar e apoiar a derrubada desse governo” (Memorando, 08/03/1961). Komer não era uma voz
isolada. Na verdade, sua declaração era simbólica de uma predisposição dominante no governo
Kennedy, analisada no capítulo 10, no sentido de executar a sua política externa através de ações
encobertas. Como afirmou o jornalista Paulo Francis em 1963, “os americanos há muito desistiram de
jogar os marines contra os latino-americanos: para que tropas, à maneira dos franceses na Argélia?
Tropas tornam-se muito óbvias. Existe, por exemplo, invenção mais genial do que o anticomunismo
sistemático?” (Última Hora, 10/10/1963).
Embora o governo Kennedy estivesse disposto a derrubar um governo legitimamente eleito,
caso julgasse necessário, promover uma operação desse tipo não era considerada uma tarefa simples. A
princípio, do ponto de vista da administração Kennedy – e também do governo Johnson –, era possível
buscar uma forma de convivência com o presidente João Goulart, dentro de certos parâmetros
estabelecidos como aceitáveis para os norte-americanos. Em tese, não haveria necessidade de derrubar
um governo mais ou menos “controlado”, que apoiasse minimamente a receita estabelecida para o
desenvolvimento econômico e político de um país, ainda que tal governo fosse crítico de algumas ações
da política externa norte-americana.

1160 A operação militar do golpe de 1964 não é objeto desta tese.


676

O problema é que para, alguns grupos que tinham influência sobre a política externa dos
Estados Unidos, o governo Goulart, mesmo controlado ou domesticado, não seria capaz de promover
as reformas desejadas por estes setores sem fazer negociações e concessões aos trabalhadores, que
eram a base de sustentação do presidente e da tradição política do trabalhismo. E o projeto de reforma
defendido por tais grupos não podia ser negociado com os trabalhadores: ele precisava ser imposto,
justamente porque teria um profundo impacto social, especialmente sobre a classe operária brasileira.
Na avaliação de Dreifuss (1987, p. 104-5), a necessidade de imposição desse projeto era resultado de
“uma clara assimetria de poder entre a predominância econômica do bloco multinacional e associado
(…) e sua falta de liderança política”:

A liderança econômica do bloco de poder multinacional e associado era obviamente


incompatível com o domínio político da burguesia tradicional e setores oligárquicos. O
capital monopolista, apesar de sua supremacia econômica, achava-se em posição de
confronto com interesses expressando estruturas mais arcaicas, os quais, mesmo
havendo perdido sua marcante influência sobre a economia, eram ainda poderosos
grupos econômicos. (…). A combinação desses grupos representava uma grande força
de limitação ao domínio do grande capital, a partir do momento em que obstruía o
esforço para a modernização e racionalização capitalista da economia e do sistema
político. Além disso, os interesses tradicionais restringiam a capacidade de tomada de
decisão autônoma por parte do capital monopolista a nível Executivo, ao basearam a
sua liderança política, em parte, na mobilização da massa trabalhista. Em contraste
com os interesses tradicionais, os interesses multinacionais e associados visualizavam
o governo como uma questão de planejamento, manipulação e controle popular.
Somente lhes serviria um regime “técnico”, com uma tônica autoritária, em razão das
fortes demandas que o capital transnacional faria sobre as classes trabalhadoras, bem
como sobre os interesses tradicionais (DREIFUSS, 1987, p. 104-5) .

Dreifuss (1987, p. 106) destacou também que, durante a década de 1950, o “bloco de poder
emergente”, ou seja, o capital multinacional e associado, buscou uma “acomodação com o bloco de
poder populista”, tentando “conseguir reformas parciais do aparelho de Estado, assegurar participação
multinacional e associada na legislação e administração, assim como apoiou o domínio populista sobre
as classes subordinadas”. Porém, “quando os canais político-partidários e administrativos não
obtiveram êxito em atingir as reformas necessárias prenunciadas pelo bloco modernizante-
conservador”, e também no momento em que “os interesses multinacionais e associados notaram as
dificuldades crescentes em conseguir conter a massa popular dentro do sistema político populista, o
677

bloco de poder emergente teve de recorrer a outros meios”. Foi a partir desse momento que teve início
o “estágio militante” das organizações políticas que reuniam representantes do capital multinacional e
associado e setores das Forças Armadas, em busca da consolidação de seus objetivos estratégicos.
No início de 1963, quando um plebiscito aprovou a volta do presidencialismo, restabelecendo
plenos poderes para João Goulart, a política adotada pela administração Kennedy era a de continuar
pressionando o governo brasileiro a adotar um “programa econômico e político responsável” e, ao
mesmo tempo, apoiar a oposição a Goulart. Em 5 de março de 1963, o Comitê Executivo do NSC,
formado por representantes do Departamento de Estado, Defesa, AID e CIA, a partir de recomendações
elaboradas pela embaixada do Rio de Janeiro, novamente aprovou uma política de curto prazo com
relação ao governo Goulart (a que foi aprovada em dezembro de 1962 já foi mencionada no capítulo
anterior). O memorando enviado por Lincoln Gordon a Washington, que fundamentou as discussões,
recomendava pressionar a administração Goulart a adotar “um programa tecnicamente satisfatório de
estabilização econômica e desenvolvimento”. Tal apoio não se daria indefinida e incondicionalmente.
Ao contrário, estaria fundamentado em uma política de “rédea curta, permitindo revisões periódicas e a
retirada do apoio com base em razões políticas ou econômicas”. Simultaneamente a esta “relação
básica com o governo brasileiro”, deveriam ser mantidos “os esforços para fortalecer e encorajar as
forças democráticas anticomunistas fora do governo”, compreendendo “o Congresso, a vasta maioria
dos governadores de Estado, oficiais militares, a comunidade de industriais de São Paulo, meios de
comunicação de massa, Igreja, sindicatos e grupos estudantis”. O apoio a estes grupos tinha o objetivo
de “reduzir a probabilidade de uma maior oscilação esquerdista-nacionalista de Goulart e, se isto
mostrar-se impossível, preparar o ambiente mais promissor possível para a sua substituição por um
regime mais desejável” (Memorando, 07/03/1963).
Dito de outro modo, recomendava-se fortalecer os grupos que impediam Goulart “de seguir
uma política indesejável”, criando “perspectivas de um regime sucessor favorável em caso de
rompimento da ordem constitucional”. A embaixada considerava que, após “cuidadosa avaliação da
força dos grupos de oposição de centro-direita a Goulart e da probabilidade de um golpe exitoso contra
ele”, o “rompimento da ordem constitucional” só seria efetivo se tivesse um mínimo de legitimidade:

A atitude dos militares é crucial neste sentido. A maior parte do corpo de oficiais,
apesar de suspeitar de Goulart, mantém a sua arraigada tradição de apoio à autoridade
civil legalmente constituída. Se uma iniciativa claramente ilegal for tomada por
678

Goulart, há uma perspectiva considerável de uma reação exitosa de centro-direita.


Porém, a mera deterioração da confiança dos EUA resultante da não adesão de Goulart
a um programa econômico não pode ser considerada como condição suficiente para
uma ação bem sucedida de centro-direita contra Goulart (Memorando, 07/03/1963,
itálicos meus).

Essa avaliação condizia com uma concepção estratégica do governo estadunidense, que já havia
sido adotada como conceito operacional básico para as ações visando a derrubada do governo
nacionalista de Sukarno na Indonésia e destruir o partido comunista local que o apoiava. Robinson
(2018, p. 106-110), Roosa (2006, 182-193) e Simpson (2008) destacam que, após a frustrada tentativa
de interferência dos EUA em 1958 (citada no capítulo 3), os estrategistas norte-americanos mudaram a
sua abordagem intervencionista na Indonésia. Havia um consenso em relação à dificuldade de justificar
uma repressão ostensiva dos militares contra o governo e os comunistas indonésios, considerando-se a
conjuntura política do país asiático – crescimento do partido comunista e do apoio popular a Sukarno –
e também uma possível acusação de interferência dos Estados Unidos. Assim, era fundamental um
pretexto convincente para uma ação golpista das forças armadas indonésias – que vinham recebendo
apoio dos EUA. O cenário ideal não era uma ação, mas uma reação dos militares a alguma “tentativa
frustrada de golpe” dos comunistas. Os autores citados encontraram registros desta estratégia sendo
debatida e formulada como instrução política para as ações do governo dos EUA na Indonésia desde
1959 até a metade da década de 1960: ela permitiria criar a aparência de que a ação dos militares seria
uma resposta ligada apenas à conjuntura local da Indonésia, “sem deixar as impressões digitais dos
Estados Unidos ou de outros países estrangeiros” (ROBINSON, 2018, p. 106).
Esta mesma concepção estratégica vinha sendo formulada para as ações dos EUA contra Cuba,
no âmbito da Operação Mongoose. De acordo com o programa desenvolvido pelo líder do grupo
responsável pela operação, general Edward Lansdale – cuja reputação como oficial da CIA foi
construída em um outro país asiático, Filipinas, conforme visto no capítulo 3 –, o objetivo dos EUA era
“ajudar os cubanos [contrarrevolucionários] a derrubarem o regime comunista a partir de Cuba e
instituir um novo governo com o qual os EUA pudessem conviver pacificamente”. O conceito básico
da operação fundamentava-se na necessidade de fomentar uma revolta interna contra Fidel Castro. Para
tanto, seria necessário “um movimento de ação política fortemente motivado, estabelecido localmente,
para gerar a revolta, dar direcionamento a ela e capitalizar o máximo possível de seu momento clímax”.
679

Mas este “momento clímax” teria de resultar de uma “reação irada da população a uma ação
governamental (desencadeada por um incidente)” (Programa operacional, 18/01/1962).
Desse modo, o golpe teria uma aparência de contraofensiva, de mera reação a uma provocação
do governo local, e não de uma iniciativa planejada ativamente pelos EUA em colaboração com grupos
locais para derrubar Castro do poder. A ideia era tornar o próprio governo cubano responsável pela sua
derrubada, como se ele tivesse criado uma situação na qual a oposição se visse “obrigada a agir”.
Inverter os papéis de responsabilidade em relação a um golpe de Estado era fundamental para criar um
simulacro de golpe “reativo”. As evidências disponíveis em relação à Indonésia, Cuba e Brasil indicam
que tanto a busca por responsabilizar um governo estrangeiro e seus apoiadores pelo golpe que viriam a
sofrer quanto a preocupação em buscar um pretexto para a ação dos golpistas, criando uma aparência
de legitimidade para suas iniciativas, era uma estratégia de intervenção do governo dos Estados Unidos
para esconder a sua influência em assuntos internos de outros países. Quando chegou o momento em
que se decidisse por um golpe contra Goulart, essa mesma estratégia se revelaria crucial. Por isso, os
norte-americanos buscariam convencer os grupos de oposição ao governo federal sobre a necessidade
de um pretexto para justificar a ação de tomada do poder.
Entre o final de 1962 e o início de 1963, enquanto o governo norte-americano ainda não havia
se decidido definitivamente pela derrubada de Goulart, como já mencionado anteriormente, grupos
civis e militares no Brasil haviam tomado a decisão de iniciar um movimento com o objetivo de tomar
o poder pela força. Os mais ativos conspiradores civis eram empresários brasileiros e norte-americanos
representantes de interesses multinacionais e associados. De acordo com um relatório da CIA (que
ainda segue com muitas tarjas de censura), em uma reunião do Comitê de Relações Brasil-Estados
Unidos da Câmara Americana de Comércio 1161, seu vice-presidente, B. M. Lobo Rosa, tomou a palavra
e declarou que havia chegado a “hora para as forças de centro e de direita defenderem o Brasil do
comunismo e defenderem os princípios democráticos” (Relatório, 26/05/1963).
Lobo Rosa relatou que “um grupo de industrialistas, oficiais militares e empresários” tinha sido
formado havia quase quatro meses “para planejar e colocar em prática um plano envolvendo
armamentos, força militar e recursos financeiros”. Ele teria surgido primeiramente no Rio de Janeiro,
mas também haveria em São Paulo “um núcleo poderoso”. No Rio, o grupo seria apoiado pelo
governador Carlos Lacerda, e em São Paulo, pelo governador Adhemar de Barros. Subdivisões teriam
sido criadas e a elas atribuídas responsabilidades específicas. Um grupo civil seria encarregado da

1161 Como visto no capítulo 8, este grupo estava mobilizado desde 1959 como um “comitê de ação” política para conter o
nacionalismo e o comunismo.
680

formação de “controle de quarteirões”: “cinco pessoas de cada quarteirão da cidade de São Paulo”
formariam um bloco, com cidadãos armados, inclusive com bombas, para agir contra o governo
federal. Não havia ainda uma definição sobre quando o grupo buscaria derrubar o governo, mas existia
“muito interesse em receber garantias de que os líderes da comunidade americana de empresários” e os
“oficiais do governo americano” estivessem “informados sobre o tipo e as razões da ação planejada”.
Lobo Rosa também afirmou que “se o movimento contra o governo federal” tivesse sucesso, o governo
americano deveria reconhecer o governo provisório que seria instalado. Ao final do relatório, a equipe
da CIA no Brasil comentou: o “líder do departamento civil da organização de São Paulo é o general
Dalysio Menna Barreto” (Relatório, 26/05/1963)1162.
Dois dias antes da elaboração desse relatório, a CIA havia preparado outro documento,
registrando as declarações do general reformado Menna Barreto. Ele também teria afirmado que
elementos civis e militares na Guanabara, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul “estavam sendo organizados para derrubar o governo nacional”, caso Goulart forçasse
“o Congresso a aprovar uma emenda constitucional sobre a reforma agrária”. O general Olympio
Mourão Filho seria o chefe militar da organização nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul, enquanto Menna Barreto seria o líder do setor civil, que incluía “clubes esportivos,
estudantes de engenharia e direito, contatos em jornais como O Estado de São Paulo1163, Folha de São
Paulo e Diário de São Paulo, grupos sindicais democráticos como os Círculos Operários Católicos,
Federação das Indústrias, Associação Comercial, Associação Rural”, além de “unidades paramilitares

1162 A indicação das fontes das informações do relatório da CIA seguem censuradas. Esse documento também foi analisado
por Dreifuss (1987, p. 384).
1163 Segundo Dreifuss (1987, p. 387), Júlio de Mesquita Filho ficou “encarregado do grupo que tomaria conta de assuntos
políticos e orientações ideológicas. Como chefe de um importante complexo de imprensa (…) [ele] deveria manter apoio
para os ativistas do golpe através da mídia”. Em depoimento a John W. F. Dulles, Júlio de Mesquita Filho relatou sua
atuação: “Mesquita Filho nos contou que ele começou a conspirar (conspiring) contra Goulart ‘desde o primeiro momento’
(from the first moment), logo após a renúncia de Quadros. A conspiração (conspiracy) em São Paulo aumentou
enormemente, e ganhou nova vida, quando Mourão Filho veio trabalhar em São Paulo. (…). Mesquita Filho e Mourão
trabalharam juntos diariamente (worked together daily). (…). Mesquita Filho nos contou que, por algum tempo, ele e outros
líderes da revolução trabalharam para persuadir Castello Branco a ser o comandante da revolução. Quando eu perguntei que
grupo era esse, ele mencionou [general Nelson de] Mello, [marechal] Cordeiro de Farias, [almirante Sylvio] Heck,
[almirante Augusto] Rademacker, [brigadeiro] Eduardo Gomes e [brigadeiro] Grün Moss. Como primeiro da lista, Mesquita
Filho mencionou o nome do general Ulhoa Cintra, que ele disse ter feito um belo trabalho para a revolução (…) (Entrevista
n. 243, 20/11/1965). Em carta enviada a seu amigo Antônio Carlos Pacheco e Silva, o coronel informante dos EUA, Ulhoa
Cintra, descreveu a sua intenção de criar uma revista ou jornal com um resumo das mais importantes notícias veiculadas nos
jornais brasileiros para distribuir nos meios militares, “com o propósito de ampliar, defender e consolidar o espírito
democrático das forças armadas”. Cintra relatou que discutiu essa ideia com o “dr. Júlio de Mesquita”, que na opinião do
general estava cumprindo um papel fundamental na mobilização para o golpe: “Não tenha o senhor a menor dúvida de que a
atmosfera desanuviada que hoje respiramos em quase todas as guarnições de São Paulo é, em grande parte, fruto da
tenacidade e das pregações que O Estado de São Paulo tem, de há muito, desencadeando em todos os recantos dessa
dadivosa terra” (Carta, 01/01/1964).
681

civis em áreas rurais”. Medidas de proteção a propriedades contra possíveis sabotagens estavam sendo
preparadas para “quando o movimento golpista se iniciasse”. Também estavam sendo preparados
“grupos de ação em cada bairro, organizados por quarteirões”1164 (Relatório, 24/05/1963).
Segundo Dreifuss (1987, p. 378), em março de 1963, quando foi transferido para São Paulo para
comandar a 2ª Região Militar do II Exército, o general Mourão filho foi “lançado ao centro do
movimento empresarial-militar” que já estava mobilizado:

Logo após sua chegada a São Paulo, o general Mourão Filho foi convidado para ir à
casa de Antenor Edmundo Horta (…), onde (…) foi posto em contato com empresários
e militares paulistas de destaque. (…) Foi também colocado em contato com o general
da reserva Sebastião Dalísio Menna Barreto, que estava ligado ao estado-maior dos
empresários e militares do IPES em São Paulo, chefiando uma seção do movimento
civil-militar. O general Menna Barreto, uma “raposa velha” em assuntos conspiratórios
e políticos desde os tempos da revolta paulista de 1932, e tendo sido chefe do
Departamento de Segurança Pública de São Paulo, logo tornou-se chefe do que o
general Mourão Filho pensava ser seu recém-formado grupo conspirador civil-militar,
mas que já havia sido estruturado pelo general Menna Barreto como componente do
estado-maior formado em novembro de 1961 1165 (…). Apesar de o general Mourão
Filho ter se transformado no chefe ostensivo da conspiração civil-militar, o general
Menna Barreto era seu substituto de fato em assuntos relacionados com o seu setor do
movimento civil-militar1166.

1164 Esse tipo de mobilização não era inédito na história brasileira. A burguesia paulista já havia organizado esquadrões
armados de defesa da propriedade privada durante os conflitos de 1924 (ver FICHA sobre José Carlos de Macedo Soares).
Adicione-se a isso a influência da tradição europeia de mobilização das guardas cívicas que, conforme descrito no capítulo
5, desempenhou um papel importante na formação de grupos congêneres no Brasil (a Defesa Social Brasileira) e que,
definitivamente, era parte fundamental da formação política de Wladimir Lodygensky, líder da SEI.
1165 “Em novembro de 1961 havia sido realizada uma reunião no Edifício Avenida Central, sede do IPES-Rio, onde a rede
de Exército e Informação do general Golbery funcionava (…). Herman de Moraes Barros, o general Reinaldo Saldanha da
Gama e Américo Oswaldo Campiglia vieram de São Paulo para essa reunião. Ela foi presidida pelo almirante Sílvio Heck
(…). Nessa reunião discutiu-se a necessidade de derrubar o governo. Entretanto, para se evitar um fiasco semelhante ao de
1961, havia uma opinião unânime de que, sem manifestações inequívocas da opinião pública, as Forças Armadas não se
sentiriam autorizadas a intervir. (…) Imediatamente após esse encontro no Rio, os representantes dos paulistas reuniram-se
com Júlio de Mesquita Filho, proprietário de O Estado de São Paulo, e com Antônio Carlos Pacheco e Silva, Octávio
Marcondes Ferraz, Teodoro Quartim Barbosa, Luiz Antônio da Gama Silva, Paulo de Almeida Barbosa, Rafael Noschese e
Waldemar Ferreira, que formava a liderança militante do IPES-São Paulo. (…) Neste período, e durante essas reuniões, os
ativistas do complexo IPES/IBAD, juntamente com os conspiradores históricos e os oficiais da ESG iniciaram a preparação
ativa para o movimento civil-militar para depor J. Goulart. O militante do IPES Herman de Moraes Barros e seus
companheiros formaram um “comitê revolucionário” que foi depois articulado como movimento que estava sendo
coordenado entre os militares pelo general Cordeiro de Farias, no Rio de Janeiro e em São Paulo, sob a supervisão geral do
general Golbery. Como resultado de uma reunião na casa do líder do IPES Paulo Quartim Barbosa, Herman de Moraes
Barros, juntamente com o coronel Cid Osório e o tenente-coronel Rubens Resteel, formou um Estado-Maior Civil-Militar
que cuidaria do planejamento da mobilização em São Paulo. A tomada de decisões foi deixada nas mãos de uma equipe
formada por Júlio de Mesquita Filho, Octávio Marcondes Ferraz, Teodoro Quartim Barbosa e Antônio Carlos Pacheco e
Silva. Esse estado-maior tinha várias tarefas: formular uma linha de ação para realizar operações sucessivas, levantar
recursos financeiros necessários para a campanha conspiratória e coordenar a mobilização industrial necessária para sua
realização” (DREIFUSS, 1987, p. 374-376).
682

De acordo com Dreifuss (1987, p. 380), a ação do general Menna Barreto se apoiou nos
recursos materiais e humanos dos Grupos de Ação e de Estudo do IPES em São Paulo 1167: “A liderança
e apoio operacional para as atividades no setor de Forças Armadas e Informações vieram do general do
IPES Agostinho Cortes, que era ligado a oficiais da ativa” – e que, como mencionado no capítulo
anterior, fazia a articulação com o trabalho da SEI. Ele era coordenador do “aspecto militar da ação
através de seu Grupo Especial de Conjuntura [GEC]”. Além disso, Cortes estava envolvido com a
“organização, coordenação e estímulo à ação paralela de tropas de choque voltadas para táticas de

1166 O grupo IPES/ESG, segundo Dreifuss (1987, p. 379) tinha críticas a Mourão Filho, mas decidiu tirar proveito de suas
“qualidades bem conhecidas”: “Ele era descrito como um dínamo, cuja energia tinha de ser captada e bem utilizada, da
mesma forma que seu novo posto deveria ser aproveitado para o acobertamento das articulações centralizadas pelo IPES
entre os militares em São Paulo. Por outro lado, seu temperamento impulsivo e suas opiniões divergentes daquelas do
complexo IPES/ESG precisavam ser neutralizadas. (…) Parece que general Mourão Filho se transformou, de maneira
involuntária, em parte de uma manobra diversionista. (…) Ao general Mourão Filho seria permitido um papel conspiratório
ativo e eficaz, na medida em que contribuísse para o esforço geral de insuflar sentimentos antigovernistas entre os militares,
sem prejudicar o impulso principal do movimento empresarial-militar. Suas atividades, portanto, teriam de ser
rigorosamente controladas pelo IPES”. Se o depoimento de Bina Kyonaga, viúva de um oficial da CIA, apresentado no
capítulo 3, estiver correto, as reuniões de Kyonaga com Mourão Filho podem ter sido parte desse controle.
1167 A “sede conspiratória” de Menna Barreto foi “estabelecida nas instalações de uma companhia imobiliária – SELA,
localizada no Largo de São Bento, em São Paulo. No início de 1963 foi realizada uma reunião nesse escritório (…). Nessa
reunião, os empresários fizeram a proposta, que foi aceita, de que, para conseguirem uma mobilização ampla e eficiente e
uma boa preparação psicológica das massas, o estado-maior civil-militar teria de entrar em contato não só com diretórios de
partidos, mas também com qualquer instituição já existente, clubes sociais e esportivos, associações de classe e empresas
privadas, onde o IPES já vinha desenvolvendo atividades intensas desde o início de 1962. (…) Como eram espalhados por
toda a cidade de São Paulo, os clubes e associações (...) poderiam se transformar em pontos para reuniões, concentração e
depósito de material, bem como quartéis-generais improvisados de suas vizinhanças de classe média e alta. (…) O estado-
maior civil-militar esperava que, agindo através das cúpulas dos partidos políticos, clubes sociais e associações, as bases das
classes médias seriam atingidas com facilidade e segurança de tal forma que seu envolvimento na campanha contra o
Executivo seria assegurado de maneira rápida e estável. (…) Na segunda quinzena de abril de 1963, o estado-maior civil-
militar em São Paulo enviou um convite a figuras importantes envolvidas no movimento civil-militar contra o Executivo
para um encontro no Estádio do Pacaembu. Cerca de 400 pessoas estavam envolvidas nesta demonstração de participação e
dedicação. Os organizadores e coordenadores dessa ação foram o general Dalísio Menna Barreto e o general Agostinho
Cortes. (…) Após a reunião do Pacaembu (…) o estado-maior civil-militar realizou outra em junho (…) [que] serviu para
que os presentes se conhecessem e para reforçar a sua disposição de agir. (…) Em meados de 1963, o general Mourão Filho
estava satisfeito com as atividades de “seu” estado-maior civil-militar que, na verdade, era dirigido pelo general Menna
Barreto. O estado-maior do general Menna-Barreto (como parte do estado-maior geral coordenado pelo general Agostinho
Cortes, que se apoiava nos recursos dos grupos de ação da rede do IPES) fora bem-sucedido nas operações de
desestabilização em cada setor da opinião pública e, particularmente, na mobilização das classes médias. O número
crescente de ativistas presentes aos encontros ‘públicos’ do Pacaembu, convocados para aferir apoio, foi testemunha do
êxito do estado-maior civil-militar do general Menna Barreto”. (DREIFUSS, 1987, p. 385-390) Apesar disso, observou
Dreifuss (1987, p. 390), o general Mourão Filho condenava a atitude “acadêmica” do IPES, organização que ele considerava
não estar realizando qualquer ação concreta – tipo de afirmação que também foi feita por Ivan Hasslocher em suas
memórias (1999). Para Dreifuss (Id., p. 391), “a ingenuidade do general Mourão Filho e sua superficial compreensão dos
acontecimentos eram notáveis pelo fato de reconhecidamente não saber que não só a periferia do ‘seu movimento’ mas até o
núcleo de ‘seu’ estado-maior civil-militar eram formados por líderes e ativistas do IPES”. Descontente com os pontos de
vista excêntricos e com as ideias socioeconômicas tradicionais do general Mourão Filho, o grupo IPES/ESG viu-se obrigado
a “conter seus anseios de liderança e restringir suas atividades entre os militares”: “O controle geral dos acontecimentos
tinha de ficar com o estado-maior informal do Rio de Janeiro, onde o general Golbery, chefe do grupo do IPES encarregado
da preparação estratégica, já estava trabalhando, e em São Paulo com o general Agostinho Cortes, chefe do grupo do IPES
que operava no setor de Forças Armadas e Informação”.
683

intimidação contra estudantes de centro-esquerda, líderes sindicais e ativistas, bem como para executar
operações para tumultuar o bom andamento de encontros públicos, conferências e comícios”:

A organização dessas tropas de choque, formadas principalmente por jovens das


classes médias, estava sob supervisão de Paulo Quartim 1168, que também coordenava
suas atividades com as de outras formações de ação. Entre essas estava a Escola de
Liderança Democrática – ELD, dirigida por Frederico Abranches Viotti 1169. A ELD
estava envolvida na preparação e doutrinação de tumultuadores e agents provocateurs
para que participassem de debates públicos, conferências, reuniões e comícios, bem
como na preparação de ativistas sindicais, camponeses e estudantis. As tropas de
choque também tinham a finalidade de proteger esses ativistas e de perturbar
violentamente as atividades nacionais-reformistas. (…) De acordo com o líder do IPES
Herman de Moraes Barros, em alguns casos, figuras políticas conhecidas e “até
ministros de estado foram inesperadamente amedrontados”. (…) Policiais, às vezes
disfarçados de estudantes, participavam de “recepções tempestuosas” oferecidas a
figuras do governo (DREIFUSS, 1987, p. 381-382).

Os postos diplomáticos dos EUA no Rio de Janeiro e em São Paulo monitoravam de perto as
movimentações dos grupos civis e militares que conspiravam contra Goulart. Uma das agências
responsáveis por esta tarefa era a CIA que, segundo fontes oficiais do governo estadunidense, tinha
acesso direto ao gabinete do governador paulista. Em 5 de junho de 1963, o ministro Braddock
produziu um memorando descrevendo uma reunião, ocorrida no gabinete de Adhemar de Barros, com a
presença de “Mr. Robert Reynolds”1170. De acordo com o seu relato, “o encontro foi proposto pelo
governador quando ele conversou brevemente, em 03 de junho, com o Mr. Reynolds, que estava no

1168 Um dos diretores da Willys Overland do Brasil S.A. Maiores informações sobre ele mais adiante.
1169 Diretor da Willys Overland em São Paulo (Diário Carioca, 28/08/1964). Um relatório do DEOPS de São Paulo indica
uma vinculação de Wladimir Lodygensky a um “dr. Viotti”: “o Instituto de Formação Social, que foi fundado pelo sr.
Wladimir Lodygensky, está hoje sendo dirigido pelo prof. Carlos Hernandes e pelo dr. Viotti”. O mesmo relatório
informava: “o Instituto mantém o curso de formação de líderes, que funciona na chácara São Jorge em Jacareí [SP]”
(Relatório manuscrito, s/d).
1170 Reynolds já foi mencionado no capítulo 3. Nascido na Califórnia em abril de 1921, foi oficial da OSS durante a
Segunda Guerra Mundial, entre 1942 e 1947. Após a guerra, graduou-se na University of California at Berkeley, e fez um
curso de mestrado em engenharia no MIT. Ingressou na CIA em 1949, passando pelas seguintes cidades: Cidade do México
(1950-1952), Buenos Aires (1952-1955) e La Paz (1955-1957). Entre 1957 e fevereiro de 1960, estava vinculado à Divisão
de Assuntos Caribenhos da CIA, responsável pelo acompanhamento da Revolução Cubana (USA, Biographic Register
1966, p. 448; NSA/GWU, 2001). Entre março e setembro de 1960, Reynolds tornou-se chefe adjunto da WH/4, uma seção
interna da Divisão de Hemisfério Ocidental da CIA criada em janeiro de 1960 especificamente para o planejamento das
ações clandestinas contra Cuba. Entre setembro de 1960 e outubro de 1961, Reynolds foi transferido para a maior estação da
CIA, localizada em Miami, onde funcionava o principal centro de operações contra Cuba (Estudo histórico, CIA, 1979).
Designado para o consulado de São Paulo em maio de 1962 como oficial FSR-4, Reynolds permaneceu em seu posto até
agosto de 1966. Entre os oficiais da CIA do consulado de São Paulo, Reynolds era o de maior graduação. Levando-se em
consideração a sua trajetória e experiência, possivelmente ele foi o chefe da base da CIA de São Paulo.
684

Palácio [do governo de SP] para tratar de outros assuntos” (Memorando, 05/06/1963, itálicos meus).
Não é possível saber se Adhemar de Barros tinha conhecimento de que Robert Reynolds era da CIA, ou
se ele sabia disso e não se importava, e se ele colaborava com o oficial da agência de inteligência dos
EUA nas articulações golpistas de São Paulo. O que merece ser destacado é que Reynolds, diretamente
envolvido com operações relacionadas a Cuba antes de vir para o Brasil, certamente cumpria as
funções típicas de um oficial da CIA, o que incluía a tentativa de influenciar os rumos da conspiração
paulista contra Goulart. Entre as suas atribuições, muito provavelmente estava a de evitar uma ação
precipitada do movimento civil-militar de São Paulo, que viesse a colocar em risco toda a preparação
para o golpe1171.
A administração Kennedy finalmente decidiu-se pela derrubada de Goulart no final de 1963,
pouco antes do assassinato do presidente norte-americano, ocorrido em 22 de novembro daquele ano.
Um documento que simboliza essa decisão foi um plano de contingência elaborado para o Brasil, em 4
de novembro de 1963. Ele apresentava uma discussão sobre possíveis cenários políticos, militares e
logísticos que serviriam de orientação para a atuação dos EUA no momento em que a movimentação
para o golpe tivesse iniciado no país (Aerograma A-568, 04/11/1963) 1172. Entre dezembro de 1963 e
janeiro de 1964, o plano foi discutido pelos principais assessores do governo Johnson. O plano previa
que a embaixada estabeleceria “contatos secretos com os grupos de conspiradores brasileiros para
manter-se informada e exercer influência”, ou seja, agiria clandestinamente (FICO, 2008, p. 89) – como
já vinha fazendo há algum tempo. Dentre os cenários possíveis descritos no plano, um deles – “o
desejado” pelos EUA – previa a eventualidade de uma “resistência organizada, aberta, de forças

1171 O primeiro encontro registrado entre Reynolds e o governador Adhemar de Barros ocorreu em outubro de 1962, logo
após as eleições, em uma reunião na qual estiveram presentes o ministro Braddock e o cônsul Scott C. Lyon (Memorando,
26/10/1962). No final de outubro de 1962, Reynolds participou de um jantar oferecido a uma equipe interagências do
governo americano, enviada ao Brasil para fazer um levantamento sobre as possibilidades de concessão de auxílio
financeiro ao Brasil, liderada pelo embaixador William H. Draper. Um dos integrantes dessa equipe era o oficial da CIA
Ludwell M. Montague. Alguns importantes empresários líderes do IPES (e relacionados ao FAS), além de empresários
norte-americanos, estiveram presentes ao jantar: Theodoro Quartim Barbosa (Banco do Comércio e Indústria de São Paulo),
Bruce Galbraith (Alba S.A. (Borden), Walter H. Gussenhoven (General Motors do Brasil), Francis L. Herbert (Cia. Swift do
Brasil, irmão do Diretor Adjunto da Divisão de Hemisfério Ocidental da CIA, Herbert W. Raford, apresentado no capítulo
3), Joseph H. Jones (Union Carbide do Brasil), Fernando E. Lee (Wierton Steel, membro do IPES e do FAS), Paulo Reis de
Magalhães (Cia Itaquerê Industrial e Agrícola, membro do IPES), Vicente de Paula Ribeiro (Sociedade Técnica e Comercial
Serva Ribeiro, membro do IPES e do FAS), John S. Richards (RCA Eletrônica Brasileira e presidente da Câmara Americana
de Comércio de São Paulo) (Aerograma A-109, 23/10/1963). Dois anexos ao aerograma A-109 descrevem um encontro
entre Reynolds e outros integrantes do consulado com os generais Pery Bevilaqua (Comandante do II Exército) e Aurelio de
Lyra Tavares (Comandante da Se Região Militar), e outro com a vice-presidente da Assembleia Legislativa do Estado de
São Paulo, deputada Maria da Conceição Costa Neves, em que estiveram presentes membros da equipe do embaixador
Draper e do consulado de São Paulo.
1172 FICO (2008, p. 88-111) apresenta uma análise sobre este plano de contingência e sobre o papel dos EUA no golpe de
1964. A versão do plano de contingência por ele encontrado data de 11 de dezembro de 1963. Mas existe uma versão
anterior, de 04 de novembro de 1963.
685

democráticas de bom tamanho, com considerável apoio militar, contra uma tentativa de Goulart de
obter poder autoritário”, tal como uma “intervenção em um estado, o fechamento do Congresso ou
qualquer outra ação indiscutivelmente antidemocrática ou inconstitucional” (Id.). O que chama a
atenção no plano, como já destacou Fico (2008, p. 91), é o fato de que “há uma coincidência entre as
diretrizes definidas no plano de dezembro de 1963 e aquilo que os conspiradores brasileiros fizeram no
final de março de 1964”. Na verdade, estas diretrizes já estavam presentes no plano do início de
novembro de 1963, indicando um planejamento norte-americano para a eventualidade de uma
movimentação golpista que certamente já vinha sendo discutido há algum tempo antes da sua
elaboração.
Outra medida que evidencia a disposição dos EUA em colaborar com a execução do golpe
contra Goulart foi a nomeação da “velha raposa” Niles W. Bond para liderar o consulado de São Paulo,
função para a qual foi oficialmente designado em 19 de janeiro de 1964 (USA, Biographic register
1966, p. 50)1173. Menos de um mês após a sua chegada a São Paulo, Bond relatou ao Departamento de
Estado suas impressões sobre o clima político daquele momento, com destaque para a importância da
atuação dos “grupos de ação democrática” contra o governo de Goulart:

A atmosfera aqui é de tensão. (…) muitas pessoas com quem conversamos estão
profundamente preocupadas. (…). O problema, como dizem quase unanimemente os
paulistas ilustrados, é o presidente João Goulart. O fato inegável é que ele é o
problema psicológico número um de São Paulo. Nossos contatos estão seriamente
preocupados com a sua alegada intenção de se perpetuar ilegalmente no poder, seu
ódio contra competidores como Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, sua mais do que
ineficiente administração, o pavor que ele causa nos fazendeiros, e sua aberta
cooperação com os comunistas em sindicatos rurais, urbanos e no governo. (…). Eles
pensam que Jango é o único problema capaz de causar uma explosão. (…). Os
conservadores há muito tempo parecem ser o grupo mais inclinado a recorrer à
violência. No momento, muitos centristas e até reformistas uniram-se aos
conservadores e seus “grupos de ação democrática”. (…). O que está claro é que
estes são no momento a força política predominante no estado. Os seus membros mais
militantes estão envolvidos em uma ou outra das muitas organizações de “ação
democrática”, que continuam a proliferar como dente-de-leão. Algumas destas

1173 Conforme vimos no capítulo 2, Bond passou a maior parte do ano de 1963 chefiando os trabalhos do Seminário
Interdepartamental “Problemas de Desenvolvimento e Segurança Interna”, voltado a oficiais das missões diplomáticas
norte-americanas de vários países, que se reuniram em Washington para aprender, segundo ele, a “preparar as pessoas para
lutar contra o comunismo em vários países subdesenvolvidos, fornecendo uma alternativa àquilo que os comunistas
ofereciam na forma de ajuda e simpatia espiritual”, isto é, “o ensino de técnicas e métodos de guerra não convencional”.
Conforme vimos nos capítulos 2 e 10, Bond havia sido um dos membros de uma organização clandestina de inteligência do
governo dos EUA surgida durante a Segunda Guerra Mundial – The Pond –, na qual trabalhou entre 1942 e 1955, ao mesmo
tempo em que era diplomata do Departamento de Estado.
686

organizações aparentam ter ideias moderadas. Outras são golpistas. É seguro afirmar
que quase todas elas tomariam com prazer a iniciativa de derrubar Goulart se elas
tivessem a certeza de sucesso. O “se” é uma grande questão. O estágio de golpismo
despreocupado passou – a maioria dos ativistas acabou percebendo que não tinha
chance sem a ajuda dos militares, e as esperanças iniciais de assistência do Exército
desapareceram. (…). Os grupos de "ação democrática", com a ajuda considerável da
polícia do governador Adhemar, podem ser o fiel da balança. (…) eles acreditam que a
sua existência assusta Goulart e a extrema-esquerda. (…) eles dizem estar preparados
para sacrificarem suas vidas e propriedades. Com estes objetivos em mente, eles
continuam se armando. (…). Um funcionário do consulado conversou com um rico
proprietário brasileiro que trouxe vários carregamentos de rifles calibre 22 de alta
velocidade dos EUA em um grande avião privado. Membros de partidos como a UDN
e o PSD, assim como apoiadores do governador Barros, admitem ter esconderijos de
armas. (…). A CIA não tem indícios de existência de uma luta direitista. Os
proprietários rurais, grandes e pequenos, são talvez os mais implacáveis dos grupos
anti-Goulart. (…) muitos dos grandes proprietários de terras vivem na cidade de São
Paulo, e são especialmente ativos em movimentos de “ação democrática”. No entanto,
é provável que, daqui por diante, os grupos anti-Goulart sejam capazes de controlar
qualquer ação violenta no interior tão seguramente como controlam o voto
(Aerograma A-216, 07/02/1964, itálicos meus).

Na entrada do ano de 1964, as tensões políticas acumuladas ao longo dos meses anteriores se
agravaram. De acordo com Moniz Bandeira (2014, p. 300-1), “em 1963, haviam ocorrido 50 greves no
Rio de Janeiro. Só em 15 dias de janeiro de 1964, houve 17”. Em fevereiro de 1964, 300 mil
trabalhadores rurais mobilizaram-se em uma greve no estado de Pernambuco, e invasões de terras
espalharam-se por outros estados brasileiros (Id., p. 301). Ainda em dezembro de 1963, Goulart havia
determinado que a Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA) elaborasse um decreto
“desapropriando, de acordo com o que a lei lhe [sic] autorizava, as terras situadas às margens das
rodovias federais e dos açudes, para repartir entre os lavradores” (Id.). Assim, ainda segundo Moniz
Bandeira (2014, p. 303), “a questão agrária, a radicalizar as posições políticas, levou o governo de
Goulart e o Congresso a um impasse”, impedindo “o andamento de todas as demais reformas de base
(administrativa, tributária, etc.)”. Entre janeiro e fevereiro de 1964, o deputado federal Bilac Pinto
(UDN) “passou a fazer denúncias sobre invasões de terras, segundo ele estimuladas pelo apoio que o
governo vinha dispensando aos movimentos favoráveis à reforma agrária”. Diante da insinuação feita
pelo governador Adhemar de Barros de que Goulart estaria fornecendo armas aos camponeses, Bilac
Pinto denunciou o suposto estímulo do governo federal à implantação de uma ditadura no Brasil,
publicado por vários jornais da época “com grande estardalhaço” (DHBB, Verbete biográfico). Estava
687

sendo criado um clima favorável para o golpe contra Goulart, a quem eram atribuídas iniciativas
“claramente ilegais”.
Mas a documentação consultada para esta pesquisa em arquivos norte-americanos indica que
eram os grupos civis (sobretudo empresários representantes do capital multinacional e associado) e
militares que tratavam de subverter a ordem. Paulo de Lacerda Quartim Barbosa, um dos diretores da
Willys Overland do Brasil, encontrou-se com Niles Bond e Robert Reynolds (CIA) e descreveu as suas
atividades com a Frente Anticomunista (FAC):

O sr. Quartim Barbosa expressou a sua alegria com a oportunidade de informar os


oficiais do governo dos EUA sobre as suas atividades na organização da oposição
militante contra o governo Goulart. “Nós estamos preparados para combates nas ruas”,
ele disse. Ele disse que tem total apoio de seu pai, Theodoro Quartim Barbosa. [Paulo]
Quartim Barbosa disse que desempenhou papel ativo na organização de grupos da
Frente Anticomunista (FAC) no interior do estado de São Paulo, com a bênção do
governador. Quase todos os finais de semana ele voava para quatro ou cinco cidades do
interior, nas quais ele convocava o prefeito e então organizava um grupo de cidadãos
militantes, a maioria de classe média. (…). Quartim Barbosa calcula que ele organizou
pessoalmente cerca de 100 desses grupos. Eles estão sob o comando da polícia, embora
os grupos não pertençam ao governo. O governador [Adhemar de Barros] é favorável à
ideia, pois se algum problema acontecer em áreas rurais, não será necessário enviar
tropas estaduais para auxiliar os pequenos destacamentos policiais existentes em
cidades rurais. O líder da FAC, de acordo com Quartim Barbosa, é o sr. Silvio Marques
Junior, um procurador do estado residente na cidade de São Paulo. Ele obteve uma
licença oficial de seu trabalho para se dedicar em tempo integral à FAC. Ele não é um
homem rico, e também não é proprietário rural. Ele viaja para cidades do interior com
a sua família. Na chegada, ele aluga um teatro no qual ele organiza um encontro da
FAC, com a sua esposa e seus nove filhos lado a lado no palco. Quartim Barbosa prevê
que mais grupos da FAC surgirão em praticamente todas os municípios rurais como
resultado de uma recente declaração da FARESP (Federação das Associações Rurais
do Estado de São Paulo) 1174. Ele acredita que existem grupos similares, com outros
nomes, em praticamente todos os estados brasileiros. Ele ajudou a organizar um deles
em Pernambuco, durante uma recente visita à Recife. A FAC de Garça [interior de São
Paulo], próxima a uma fazenda de Quartim Barbosa, adotou como símbolo a figura de
um enorme gorila quebrando um martelo e uma foice. A FAC está enfrentando
dificuldades para obter armamentos e munição para seus membros. Armas leves estão
em falta nas lojas, mesmo revólveres e espingardas (…). Quartim Barbosa solicitou
sem rodeios, “em nome do governador”, que os EUA fornecessem armas e munição.
Se isto pudesse ser entregue no Paraguai, ele poderia arranjar um avião da VASP, com

1174 Em carta enviada por Wladimir Lodygensky ao IPES em fevereiro de 1962 (apresentada no capítulo 10), o líder da
SEI informava: “estamos coordenando os diversos movimentos estaduais do sindicalismo rural, em volta da equipe do Sr.
José Rotta” (Carta, 28/02/1962). Conforme apresentado no capítulo 10, “os Círculos Operários (com apoio e orientação da
SEI) organizam o maior número de trabalhadores rurais no estado, trabalhando através da Federação de Trabalhadores
Rurais do Estado de São Paulo (FARESP)”. Rotta também foi citado na reportagem do jornal Brasil Urgente mencionada
acima.
688

pilotos de sua equipe, para pousar na fazenda de um amigo no Paraguai e pegar o


material. (…). Ele também perguntou se o governo dos EUA poderia fornecer dinheiro.
(…). Ele financiou as viagens de oficiais do Exército para Juiz de Fora (MG), Porto
Alegre, Recife, e outras cidades. Ele recentemente esteve envolvido nos tumultos que
impediram uma palestra de Paulo de Tarso [ministro da Educação] em São Paulo. Os
guarda-costas de Quartim Barbosa mandaram 100 homens de Paulo de Tarso para o
hospital. (…). Ele disse que se envolve pessoalmente nos confrontos físicos. Ele
recruta seus homens entre cidadãos conhecidos seus – banqueiros, industrialistas – e
mais alguns playboys (Aerograma A-255, 26/03/1964).

Em 13 de março de 1964, realizou-se no Rio de Janeiro um comício, convocado por Goulart,


em defesa das reformas de base. Seis dias depois, a oposição organizou a Marcha pela Família com
Deus e pela Liberdade, reunindo aproximadamente 500 mil pessoas em São Paulo 1175. Niles Bond
enviou um telegrama ao Departamento de Estado relatando: “a marcha do dia 19 superou até mesmo as
mais otimistas previsões, tornando-se a mais impressionante passeata pública na história recente de São
Paulo”. Esperava-se que a marcha fosse “encorajar os elementos da oposição no Congresso e no
Exército”. Mas Bond também destacou elementos “preocupantes”: “indiferença, talvez até mesmo
hostilidade, de grande parte das classes baixas” em relação ao movimento. Conforme Bond, “quase
todas as famílias de classe média e alta estavam representadas, com participação limitada das classes
baixas” (Telegrama n. 194, 20/03/1964).
Os principais representantes dos interesses multinacionais e associados estavam prontos para a
guerra civil. Fernando Lee, em entrevista a John W. F. Dulles, afirmou: “a marcha do dia 19 foi um
grande sucesso porque persuadiu os oficiais militares sobre o sentimento do povo”. A partir de então,
“para preparar a revolução contra Jango e os comunistas, várias pessoas foram designadas para
trabalhos em suas áreas de especialidade”. “Paulo Quartim Barbosa, o filho do banqueiro, encarregou-
se da área de transportes para os revolucionários paulistas”:

Lee, usando a sua experiência de 1932, convenceu-se de que era decisivo destruir
algumas pontes importantes. Ele pensava particularmente nas pontes entre os estados
de Minas Gerais e Bahia. Ele queria evitar que as tropas pró-comunistas vindas do
Nordeste atacassem os revolucionários. Por isso, Lee disse a Paulo Quartim Barbosa

1175 Em 27 de março de 1964, Lincoln Gordon escreveu um longo telegrama a Washington dizendo que a embaixada
estava organizando “medidas adicionais” com seus “recursos disponíveis para ajudar a fortalecer as forças de resistência a
Goulart”, incluindo “apoio encoberto a manifestações de rua pró-democráticas”. Gordon relatou que uma outra
manifestação pública deveria acontecer no dia 02 de abril no Rio de Janeiro, e outras também estavam sendo programadas
(Telegrama, 27/03/1964).
689

para destacar alguns de seus vendedores para inspecionar as pontes e verificar as


medidas exatas das suas vigas de sustentação. Com base nessas medidas, Lee calculou
a quantidade necessária de dinamite para derrubá-las (Entrevista n. 245, 22/11/1965).

Em 31 de março de 1964, em carta a seu colega da DELTEC, David Beaty III, Clarence
Dauphinot Jr, declarou: “por algum milagre, o gigante adormecido (Exército Brasileiro) pode ser
levado a parar de passar o dia lendo leis à ação para derrubada de Jango”. “Essa é a única saída para
salvar a situação”, sentenciou Dauphinot, que encaminhou a Beaty uma carta que ele havia enviado
para Richard Nixon, ex-vice presidente dos Estados Unidos, relatando os desdobramentos da crise no
Brasil e do apoio que o governo americano prestava aos conspiradores:

Julio Nuñez e eu tivemos uma longa conversa com Tom Mann 1176 um dia depois dos
coquetéis que tomamos com você [Nixon] em seu apartamento. Nuñez esteve em São
Paulo por dois dias e agora está de volta à Argentina. Acabei de falar com ele por
telefone e gostaria de relatar vários desenvolvimentos com você. Ele descobriu, em
São Paulo, que Washington autorizou o contato com as forças armadas brasileiras
para oferecer apoio generalizado. Nosso apoio enérgico e incentivo a militares e
políticos selecionados no Brasil é, como você se lembra, a única coisa positiva que
achamos que os EUA podem fazer neste momento. Nuñez relata uma convicção entre
nossos amigos de que, a menos que sejam tomadas medidas específicas, dentro de
alguns meses, para neutralizar e encerrar a marcha de Goulart para tomar o poder total
(e você pode estar 100% seguro, a ditadura dele será apoiada pelo povo), o país estará
perdido. (...) Muitos paulistas estão comprando metralhadoras e tentando se preparar
física e estruturalmente para a guerra civil. Tudo isso é meritório, mas é um esforço
inadequado e desorganizado. De alguma forma, precisamos chegar a essas pessoas para
ajudá-las e, no momento da decisão final, dar-lhes apoio moral e assistência material.
Tom Mann declarou estar ao nosso lado e concordar com a nossa avaliação. No
entanto, não creio que ele tenha chegado à plena conclusão de que evitar um
confronto até a eleição de 1965 é agora praticamente impossível. De fato, a ilusão de
que, de alguma forma, a contenção [a Goulart] pode ser mantida até as eleições tende a
obscurecer a questão e dispersar a ação e o esforço que só por si podem salvar o Brasil.
Você deve ter lido as notícias sobre a situação no Chile, que também mudou
acentuadamente contra nós. Uma coisa que poderia conter essa tendência seria uma
ação positiva dos EUA no momento propício diante da situação brasileira. Mais uma
vez, as forças do nosso lado no Chile estão desorganizadas, frustradas e perdendo a
esperança. As táticas de distribuição de panfletos e apaziguamento falharam. Os saques
bem-sucedidos à propriedade privada e a derrubada de todos os princípios que nós
1176 Em 3 de janeiro de 1964, o Presidente Lyndon B. Johnson nomeou Thomas C. Mann, que tinha passado um período,
entre 1961 e 1963, na embaixada dos Estados Unidos no México, para uma dupla função: ele se tornaria Secretário de
Estado Adjunto dera Assuntos Interamericanos, Coordenador norte-americano da Aliança para o Progresso e Assistente
Especial de Johnson para temas latino-americanos, sendo responsável “pela coordenação e direção de todas as políticas e
programas do governo dos EUA relacionados à América Latina” (FRUS, 1964-1968, Editorial Note). Dauphinot e Nuñez
encontraram-se com Thomas C. Mann em 14 de março de 1964 (Carta, 20/03/1964).
690

defendemos só podem ser evitados por uma liderança forte e determinada da força do
nosso dinheiro, e devemos tê-lo em breve (Carta, Dauphinot para Nixon, 31/03/1964,
itálicos meus).

Como se vê, os principais representantes dos interesses multinacionais e associados não viam
nenhuma possibilidade de convivência com o governo de João Goulart. Para o governo dos EUA a
questão fundamental não era apoiar ou não o golpe, mas garantir uma aparência de legitimidade para a
derrubada de Goulart, com o objetivo de fazer parecer que não se tratava de um golpe de Estado, mas
de uma reação a um suposto golpe do presidente brasileiro. Por isso, o Secretário de Estado Dean Rusk
considerava de grande importância a existência de um pretexto para a ação golpista:

De grande importância que exista uma antecipação de uma posição de legitimidade


daqueles que se opõem às influências comunistas e outras influências extremistas. É
altamente desejável, portanto, que, se a ação for tomada pelas forças armadas, ela
seja precedida ou acompanhada por uma demonstração clara de ações
inconstitucionais por parte de Goulart ou seus colegas ou que a legitimidade seja
confirmada por atos do Congresso (se estiver livre para agir) ou por manifestações
dos principais governadores ou por algum outro meio que ofereça uma reivindicação
substancial de legitimidade. (…). Neste momento é importante que o governo dos
EUA não se coloque em uma posição que seria profundamente embaraçosa se Goulart,
[Ranieri] Mazzilli, líderes no Congresso e as Forças Armadas chegarem a uma
acomodação nas próximas horas, o que nos deixaria marcados como uma tentativa
inábil de intervenção. (…). Obviamente, um país de mais de 75 milhões de pessoas,
maior do que os EUA continental, não é uma tarefa para um punhado de fuzileiros
navais dos EUA (Telegrama, 30/04/1964, itálicos meus).

Prontamente o embaixador Gordon respondeu que havia tomado medidas para enviar aos
governadores a “mensagem sobre a vital importância da aparência de legitimidade” (color of
legitimacy) do golpe, que já estava sendo preparado. Segundo Gordon, “meus intermediários estão
questionando como o grupo de governadores irá lidar com a questão crítica da roupagem de
legitimidade (mantle of legitimacy)” e com a “posição de defensores da Constituição, tanto em termos
imediatos e em ações subsequentes, caso o apoio do Congresso não esteja disponível” (Telegrama,
31/03/1964). Havia alguns dias, o embaixador Gordon já tinha solicitado o envio de uma força tarefa
naval com suprimentos de petróleo, gasolina, armas e munição, em apoio aos golpistas, uma operação
que foi batizada de Operação Brother Sam. O governo dos Estados Unidos acabou concordando com a
691

solicitação. No dia 1 de abril de 1964, Goulart foi derrubado do poder. Como não houve resistência
significativa ao golpe, os norte-americanos não se viram obrigados a ter um envolvimento ainda maior,
ostensivo, na operação que destitui o presidente brasileiro do poder.
Mas o fato de que o governo Johnson tenha chegado a colocar em prática a Operação Brother
Sam revela a sua disposição de assumir, publicamente, o apoio a uma ação militar no Brasil, algo que
os norte-americanos procuravam evitar ao máximo. De Truman a Johnson, os norte-americanos
buscavam interferir na política interna de outros países através de ações não atribuíveis, que
permitissem uma mínima margem de “negação plausível”, tomando todas as medidas possíveis para
que suas operações não viessem a público. No caso de Cuba, Kennedy se recusou a apoiar uma
intervenção militar direta, em função dos riscos envolvidos. Com a Operação Brother Sam, o governo
dos Estados Unidos deu um claro sinal de que estava disposto a chegar às últimas consequências com
relação ao Brasil, apoiando as forças golpistas caso houvesse resistência do presidente, demonstrando a
importância do país para os interesses estratégicos norte-americanos. Mas, como destacaram Green e
Jones (2009, p. 71), “ainda há muito a esclarecer sobre o envolvimento norte-americano no golpe.
Como muitos documentos – tanto brasileiros quanto norte-americanos – referentes a esse período
permanecem inacessíveis, há uma nuvem cinzenta que encobre os estudos sobre o assunto”1177.

11.4 Valeu a pena?

Ivan Hasslocher não teve nenhum reconhecimento público dos apoiadores do regime militar
pelo papel que desempenhou no golpe de 1964. Em suas memórias não publicadas, ele afirma que a
vitória da “revolução” o ajudou a tomar a decisão de sair do Brasil permanentemente, voltando ao país
apenas para rápidas visitas. Ele registrou, não sem expressar certo desgosto, que “nenhum dos
principais atores daquela revolução foi recompensado visivelmente” (HASSLOCHER, 1999, p. 298).
Mas Wladimir Lodygensky teve seu trabalho elogiado e reconhecido publicamente em março de 1966,
quando líderes da Campanha de Educação Cívica (CEC) – Wladimir Pereira, Grace Ulhôa Cintra e
Geraldo Passini – publicaram um texto a seu respeito no jornal O Estado de São Paulo, informando que
ele foi “naturalizado pelo Governo Revolucionário” e teve seu “patriotismo e coragem cívica (…)

1177 Sobre a Operação Brother Sam, ver CORRÊA (1976), PARKER (1978) e FICO (2008).
692

amplamente demonstrados durante sua permanência de 20 anos no Brasil”. Os líderes da CEC ainda
acrescentaram:

O engenheiro Wladimir Lodygensky adquiriu larga experiência empresarial em


diversos setores, com vastos conhecimentos dos problemas psicossociais, sendo autor
de um Manual de Liderança Cívica que tem merecido elogios de altas autoridades
civis e militares do país e servido de roteiro à formação de inúmeros novos líderes. A
diretoria da CEC considera seu dever agradecer de público ao seu superintendente
pelos serviços prestados à Campanha de Educação Cívica (…) (O Estado de São
Paulo, 12/03/1966).

Em 1965, Lodygensky era reconhecido pelo Ministério da Aeronáutica como um indivíduo com
“grande penetração” no IPES, nas agências do Serviço Nacional de Informações (SNI) do Rio de
Janeiro e de São Paulo, “trabalhando, nos dois últimos, como orientador” (BORTONE, 2018, p. 32).
Como todo bom fascista, o líder da SEI era incansável em seu combate ao comunismo, e demonstrava
sinais de descontentamento com o regime militar, que teria “relaxado” com relação a esse
enfrentamento:

Para melhor compreensão do papel que podemos todos desempenhar na reconstrução


democrática do Brasil e do continente latino-americano, é indispensável que
conheçamos as frentes de combate, estejamos bem alertas e definamos os nossos
objetivos. Estas frentes não se reduzem exclusivamente ao Brasil. Pelo contrário, o
Brasil forma parte e deve ser enquadrado no conjunto da guerra continental. É
necessário ter isto muito claro por todos aqueles que, a partir de 31 de março [de
1964], se consideraram desligados de toda a ação e adotaram uma cômoda
displicência, alegando a desaparição aparente do perigo sobre seus interesses pessoais
(LODYGENSKY, 1966, p. 9).

Lodygensky “desapareceu misteriosamente do país, segundo seus admiradores dos tempos de


agitação” (DECKES, 1985, p. 20). Talvez isso tenha ocorrido por pressão de setores das Forças
Armadas brasileiras. Segundo obituário divulgado pela Ecole Internationale de Genève, onde
Lodygensky estudou entre 1924 e 1935, ele “decidiu voltar à Europa” em 1967 “para dedicar a sua vida
ao desenvolvimento internacional e ao treinamento de novos tipos de executivos, mais preparados para
693

os desafios da sociedade tecnologicamente avançada e de um mundo interdependente”. Para seu


restabelecimento no velho continente, Lodygensky provavelmente contou com o apoio da Igreja
Católica1178.
Clarence Dauphinot, um dos principais “ativistas” entre os empresários norte-americanos no
Brasil, em maio de 1967 foi condecorado pelo governo brasileiro, em cerimônia realizada no Itamaraty,
em reconhecimento à sua “grande contribuição (...) ao desenvolvimento do mercado de capitais” no
país (Correio da Manhã, 06/05/1967). Naquele mesmo ano, ele foi nomeado cônsul honorário do Brasil
em Nassau, nas Bahamas (Jornal do Comércio, 26/02/1967). Dauphinot parecia não ter motivos para
reclamar do regime militar – ele e outros mais, cujos interesses representavam o bloco de poder
multinacional e associado, que se fez impor pela força e pelo ardil da contrarrevolução preventiva. Em
fevereiro de 1973, no auge do “milagre econômico brasileiro”, da censura e da repressão aos
movimentos de oposição ao regime militar, Dauphinot considerava que o Brasil estaria “finalmente no
caminho da grandeza” se as políticas do governo Médici (1969-1974) fossem mantidas por seu
sucessor, com “ganhos econômicos irreversíveis para a economia e para a elevação do padrão de vida
dos brasileiros”. Dauphinot declarava preferir que tudo isso “tivesse sido realizado por uma
democracia, e não por um regime militar ditatorial”. Afirmou, porém: “a prova real de um governo,
qualquer que seja a sua natureza, são os benefícios que ele cria para todo o povo. (…) nesse sentido, eu
penso que o Brasil está fazendo muito melhor do que a grande maioria das nações em
desenvolvimento” (Carta, 09/02/1973). A ditadura militar atendeu às expectativas do fundador da
Deltec. Depois de mais de duas décadas, os esforços de Dauphinot foram recompensados.

1178 Uma carta enviada por Lodygensky a seu cunhado Edmond Taylor foi escrita em papel timbrado de uma organização
chamada CECLAME – Centro per la Cooperazione Latino-Americana com l’Europa (Carta, 26/09/1968). Na Suíça, ele
trabalhou como “consultor da Instituto Batelle-Geneva de pesquisa e treinamento de executivos. Promoveu seminários na
Universidade Gregoriana de Roma e participou de inúmeros encontros internacionais. Em 1972, tornou-se consultor do
Centro Italiano per la Cooperazione Economica ed Industriale da holding governamental industrial IRI, responsável por
seus programas brasileiros. Nesta função, ele trabalhou por quatro anos em um programa no Nordeste brasileiro, incluindo a
criação de um instituto de pesquisa e treinamento para executivos. Trabalhou também no Departamento de Treinamento
Gerencial do Istituto di Studi per l’Informatica e i Sistemi (SIS) em Roma e foi Assistente Especial do Secretário Geral da
Society for International Development (SID)” (Obituário, 10/10/2007).
694

CONCLUSÃO

Ao longo dos onze capítulos desta tese, vimos como os Estados Unidos assumiram um papel
ativo na reconstrução do mundo após a Segunda Guerra Mundial, consolidando sua hegemonia na
América Latina. Para a manutenção do controle político e econômico sobre a região, diferentes
administrações norte-americanas tentaram garantir que a “porta” para investimentos externos estivesse
sempre aberta. Como observou Harry Magdoff, essa tarefa encontra desafios:

(…) alguns causados por interesses conflitantes entre as nações capitalistas mais
amadurecidas, alguns causados pelas revoluções sociais em andamento ou em
potencial, que ameaçam eliminar (ou limitar) o capitalismo e a liberdade do
investimento e do comércio particular. Abrir a porta, portanto, e mantê-la aberta é
coisa que requer eterna vigilância e força de vontade (MAGDOFF, 1978, p. 16,
itálicos meus).

O governo dos Estados Unidos dispunha de diversos meios para efetivar a sua influência sobre a
América Latina. Diferentes administrações recorreram, em algumas ocasiões, a métodos tradicionais de
dominação. No entanto, as elites dirigentes norte-americanas perceberam que esses meios, adotados
pelos países imperialistas tradicionais (como a Grã-Bretanha e a França) já não davam conta de
enfrentar os novos desafios impostos pelo mundo pós-guerra. Era impossível invadir países e
desembarcar tropas norte-americanas em todos os continentes. Por isso, o exercício da hegemonia
norte-americana foi efetivado também com base em métodos indiretos, alguns deles novos e outros não
tão novos, “mas aplicados em maior escala e com maior sofisticação que no passado” (MAGDOFF,
1978, p. 17).
Para atender às demandas de sua posição de potência hegemônica no cenário internacional, o
governo dos Estados Unidos colocou em prática uma série de medidas organizativas, administrativas e
burocráticas. Foi criado um organismo decisório de cúpula, o National Security Council (NSC),
encarregado de deliberar sobre as mais importantes decisões político-econômicas do governo. Novas
agências foram criadas, como a CIA e a USIA, especializadas em determinadas áreas de atuação, com
um corpo próprio de oficiais responsável pela aplicação das políticas decididas pelo NSC. Grupos e
comissões de estudos ad hoc também foram instituídos entre as décadas de 1940 e 1960, para estudar
695

intensivamente certos temas de interesse nacional – a guerra psicológica, por exemplo – e elaborar
recomendações políticas e sugestões de mudanças nas estruturas de funcionamento de órgãos
governamentais. Surgiram ainda os especialistas em temas relevantes da política externa estadunidense,
a exemplo de C. D. Jackson, na área de propaganda, e de Herbert Hoover Jr., em assuntos relacionados
ao petróleo. Teorias foram elaboradas ou atualizadas para racionalizar e justificar a intervenção norte-
americana ao redor do mundo, tais como as doutrinas de guerra psicológica e de propaganda, e de
assistência financeira aos “países em desenvolvimento”. Toda essa reorganização pressupunha um
cuidadoso e complexo processo de planejamento, com a consequente alocação racional de recursos
financeiros e humanos, visando um melhor funcionamento da máquina governamental, para aumentar
as chances de sucesso no momento de execução das políticas. Tal estrutura contou não apenas com
recursos e iniciativas governamentais, mas também com apoio de atores privados, como universidades,
fundações e think tanks (CED, CFR, etc.).
O próprio presidente Eisenhower tinha plena consciência da importância do planejamento das
ações de seu governo. Nelson (1983, p. 310), em seu estudo sobre o NSC, destaca que Eisenhower
“atribuía grande importância ao planejamento”. O presidente norte-americano escreveu que, através das
discussões do NSC, os seus membros se familiarizavam não apenas uns com os outros, mas também
com “os fatores básicos dos problemas com os quais o presidente teria de enfrentar no futuro”.
Consequentemente, quando o presidente tivesse de enfrentar uma crise, “o planejamento estaria
pronto”, e seus conselheiros estariam preparados para apresentar “julgamentos críticos, ao invés de
simplesmente serem homens que dizem sim para tudo”.
Um dos objetivos desta tese foi demonstrar como os Estados Unidos organizaram a sua máquina
governamental para consolidar a sua hegemonia na América Latina, afetando a situação política interna
do Brasil. Como visto, as ações condizentes com esse planejamento foram executadas em conjunto com
atores locais, tanto públicos quanto privados. Foi observado que o governo norte-americano buscou
influenciar indivíduos e grupos já predispostos a colaborar com sua linha política. Por essa razão, o
exercício da influência externa não foi resultado de mera imposição e manipulação dos atores locais,
embora tenham sido utilizados meios para exercer controle sobre certos indivíduos e grupos em
determinados momentos – e quando fizeram isso, nem sempre o resultado foi o que se esperava. Em
vários capítulos dessa tese, demonstrou-se que os estrategistas norte-americanos tinham plena
consciência das resistências e tensões que enfrentariam.
696

O planejamento e a organização da política contribuíam muito para que a atuação do governo


norte-americano não se limitasse a reagir a uma determinada situação de crise. Isso permitia antecipar
cenários possíveis e elaborar as linhas gerais de uma ação contrarrevolucionária preventiva.
Planejamento e organização da ação política também envolve aprendizado. Nesse processo, erros e
acertos anteriores geraram debates, suscitaram transformações. Um elemento importante era o
conhecimento sobre as condições sociais, históricas, econômicas e políticas dos países onde tais ações
deveriam ser implementadas. Era necessário compreender os atores locais que, obviamente, tinham
seus próprios interesses, sua própria dinâmica de trabalho e trajetórias particulares. Em vista disso,
indivíduos como Nelson Rockefeller, Henry F. Holland, Berent Friele e Adolf Berle Jr., entre outros,
eram valorizados tanto como fonte de informações quanto como canal para contato com sua rede de
relações na América Latina. Apesar de levar em consideração as especificidades regionais do Brasil, os
estrategistas norte-americanos pensavam suas ações no país a partir da lógica geral de atuação dos
Estados Unidos na América Latina, que, por sua vez, estava relacionada ao modo como os norte-
americanos pensavam a sua política externa como um todo.
No que diz respeito às relações entre Estados Unidos e Brasil, pôde-se observar que,
especialmente a partir da década de 1950, e também durante a administração Kennedy, o governo
norte-americano buscou defender seus interesses não apenas por meio de negociações públicas, mas
também através de acordos sigilosos com representantes do governo brasileiro. A reativação do SFICI
foi um dos exemplos mais claros dessa postura. Mas ações também foram realizadas em conjunto com
entidades da sociedade civil, algumas vezes contra o próprio governo brasileiro. O método utilizado
para essa atuação foi o das operações encobertas, executadas pela CIA, mas planejadas em conjunto
com outras agências governamentais. Os estrategistas norte-americanos, cientes de que encontrariam
resistências dos governos nacionais, utilizaram a CIA como uma ferramenta de grande importância para
a consecução dos objetivos da política externa dos Estados Unidos, buscando influenciar entidades já
existentes ou criando os seus próprios instrumentos – a exemplo do IBAD – sobre os quais exerceria
um controle direto. Pela importância da atuação desses grupos, é razoável afirmar que, se a política dos
Estados Unidos com relação ao Brasil não pode ser entendida apenas a partir da análise das operações
encobertas, ela tampouco pode ser compreendida se a relevância dessas ações sigilosas e até mesmo
ilegais ou “antidiplomáticas” for desconsiderada.
É importante ressaltar que as operações encobertas da CIA não esgotavam todo o lastro de ações
não ostensivas à disposição dos governos norte-americanos. Outras agências governamentais, como a
697

AID (e sua antecessora ICA) e os Departamentos de Estado, de Defesa e do Trabalho (através dos
adidos trabalhistas das missões diplomáticas) contavam com o apoio da agência de inteligência para as
suas atividades. Por essa razão, as políticas executadas através dos “canais diplomáticos tradicionais” e
as operações encobertas eram complementares entre si, elaboradas e planejadas a partir de um mesmo
núcleo, mas executadas através de métodos diferentes. Também é necessário observar que as operações
encobertas da CIA não eram um fim em si mesmo. O “perfil empresarial” dos principais quadros
dirigentes da Divisão de Hemisfério Ocidental da CIA, em especial J. C. King, que a liderou por mais
de uma década, é representativo dos interesses que a agência buscava promover. As ações executadas
pela CIA na América Latina tinham o objetivo de proteger os investimentos privados norte-americanos
na região. Como observado, essa comunhão de interesses entre CIA e empresários ficou explícita logo
após a Revolução Cubana. As organizações empresariais criadas naquele contexto contaram com o
apoio do governo norte-americano, especialmente para fornecimento de know-how operacional e
organizativo. A disposição dos empresários para a luta contra a influência do governo de Fidel Castro
na América Latina – e contra o triunfo de outros processos revolucionários no continente –, e nem
mesmo os seus recursos financeiros, não eram suficientes para colocar em prática um plano efetivo de
ação política.
O “perfil empresarial” dos dirigentes da CIA não era uma característica exclusiva da agência de
inteligência. Na verdade, os principais cargos executivos das administrações Eisenhower e Kennedy
foram ocupados por agentes que eram empresários ou que tinham uma trajetória de defesa de interesses
privados. Isto se refletiu também no perfil dos principais formuladores e executores das políticas
governamentais estadunidenses sobre a América Latina, principalmente no Departamento de Estado,
mas também nas principais secretarias de Estado. O papel exercido por financistas, advogados e
diplomatas representantes do que alguns autores denominaram de The Establishment – consolidado no
poder desde o governo Truman – evidencia a influência dos interesses privados nessas esferas
governamentais. A trajetória de Henry F. Holland e Herbert Hoover Jr. é ilustrativa: enquanto estavam
no governo, articulavam-se com agentes públicos e privados para consolidar projetos de interesse do
capital multinacional e associado. Fora do governo, faziam o mesmo, através de suas empresas de
advocacia e consultoria.
O outro objetivo da tese era analisar como os grupos locais interagiram com essas influências
externas. A partir das evidências apresentadas, temos condições de afirmar que o anticomunismo não
pode ser caracterizado como uma manifestação político-ideológica relacionada apenas a aspectos
698

nacionais. Como se procurou demonstrar, fontes estrangeiras tiveram um impacto considerável nas
formas de organização dos grupos anticomunistas brasileiros. A trajetória de alguns de seus
representantes mais influentes, como José Carlos de Macedo Soares e Odette de Carvalho e Souza, é
exemplar nesse sentido. A história de vida de Wladimir Lodygensky, por sua vez, é a materialização do
anticomunismo enquanto uma luta internacional. Outra informação que merece destaque é a de que as
diferentes organizações anticomunistas apresentadas nesta tese tinham em comum a preocupação de se
articular com integrantes dos aparatos públicos de repressão, demonstrando que sua ação não se
restringiu à difusão de um “ideário anticomunista” e de um discurso conservador ou reacionário. Além
disso, a relação próxima com policiais e militares revela que os grupos privados anticomunistas
necessitavam do apoio dos aparelhos estatais para realizar uma parte importante de seu trabalho.
Havia outra característica marcante das organizações anticomunistas que atuaram dentro do
recorte temporal desta tese. Embora a sua atuação tenha sido mais visível em períodos de crise – por
exemplo, após a revolta comunista de 1935 ou no início dos anos 1960 –, a sua luta era constante.
Procuravam sempre estar preparados e mobilizados para que, quando fosse necessário, pudessem
enfrentar a situação adversa com maior eficiência, comprovando o que afirmou René Dreifuss (1986, p.
269): “a luta política – ou conflito de classes – não é somente a intervenção ‘quente’ na conjuntura
crítica, mas sobretudo a ação eficaz e ‘fria’ no processo, persistente e sistemático”. A burguesia
paulista, especialmente, atuava de forma preventiva desde o princípio do século XX, se articulando em
torno de um projeto de controle social, que passava pela “educação” das massas operárias, buscando
referências em outros países, especialmente na Europa. Entre os representantes da burguesia brasileira,
João Daudt d’Oliveira, Roberto Simonsen e José Carlos de Macedo Soares são exemplos de indivíduos
que foram capazes de criar organismos para colocar em prática ações de controle social preventivo.
Alguns desses representantes de classe atuaram junto ao Estado, ocupando cargos no governo ou em
conselhos ou comitês especiais, trabalhando na elaboração de legislações repressivas ou de contenção
de demandas populares. Organizavam-se também fora do aparelho estatal, para consolidar o mesmo
projeto de controle social – sendo a criação do SESI um dos principais exemplos.
O amplo conjunto de fontes documentais analisadas à luz de trabalhos precursores como o de
René Dreifuss permite defender a tese, apresentada na introdução deste trabalho, de que as ações dos
indivíduos e organizações aqui analisados, que se apresentavam como anticomunistas, foram
necessariamente transnacionais, de caráter preventivo e destinadas a exercer controle social. Não foram
reação a circunstâncias específicas, mas um projeto de longo alcance, conscientemente elaborado por
699

representantes dos interesses de classe da burguesia, que buscaram se antecipar ao crescimento das
ameaças representadas pelas articulações – igualmente internacionais – da classe operária.
Diante do que foi revelado a partir da consulta a fontes oficiais norte-americanas, a existência
de operações encobertas no Brasil na década de 1950 e início da década de 1960 já não pode mais ser
negada. Contudo, a censura da CIA a documentos sobre a sua atuação no país ainda oculta informações
importantes a respeito da execução das mesmas (quem estava envolvido, se os seus objetivos foram
alcançados, etc.) facilitando o trabalho dos interessados em negar a sua ocorrência. Verificou-se
também a participação importante de atores privados nessas operações e foram apresentadas
informações inéditas sobre alguns grupos criados por empresários com interesses na América Latina
para enfrentar as ameaças que identificavam na região, especialmente após a revolução cubana.
Outra revelação importante, com base em fontes brasileiras e suíças, foi a do papel
desempenhado por alguns personagens como Wladimir Lodygensky e José Carlos de Macedo Soares –
que mereceriam estudos à parte. Relativamente desconhecidos, estão agora situados entre os grandes
nomes do anticomunismo no Brasil. A análise de suas biografias permitiu verificar como Lodygensky,
já ao chegar ao Brasil, foi inserido em um trabalho que vinha sendo conduzido pela burguesia paulista
havia algum tempo, através do IDORT e do SESI, por exemplo. As fontes documentais também
revelaram a atuação de outros indivíduos ativos no campo da contrarrevolução, como Jacy Magalhães e
o “grupo” do general Canrobert Pereira da Costa. Ainda assim, suas histórias precisam ser melhor
exploradas.
Tais lacunas devem ser objeto de pesquisas futuras. Infelizmente, ainda existem importantes
restrições de acesso a alguns acervos que dizem respeito à atuação dos Estados Unidos no Brasil e na
América Latina. Os fundos consultados para esta tese no Arquivo Nacional dos Estados Unidos, por
exemplo, correspondem a uma parte muito pequena da documentação disponível sobre o Brasil naquela
instituição. Além dos inúmeros documentos retirados – por motivos de “segurança nacional” – de
acervos que já se encontram disponíveis para pesquisa, existem incontáveis coleções ainda inacessíveis.
Apenas para se ter uma ideia, em 2018, existiam 8 coleções pertencentes ao Record Group 286 – que
reúne a documentação sobre a Agency for International Development (AID) – que constavam nos
catálogos do Arquivo Nacional norte-americano, mas não estavam abertos à consulta. O mesmo pode
ser dito em relação aos arquivos do Departamento de Trabalho, cuja documentação encontrava-se, em
2018, completamente desorganizada, sem ter passado por um processamento arquivístico mínimo.
700

Mas é importante ressaltar que existem, até mesmo no Brasil, acervos que ainda precisam ser
melhor explorados. É o caso da coleção do CICYP no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, do acervo
do Arquivo Histórico do Itamaraty do Rio de Janeiro e de Brasília, e as coleções do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro (IHGB), também no Rio de Janeiro. Ao longo da pesquisa ficou claro que,
mesmo com relação a temas ou períodos históricos sobre os quais, aparentemente, não haveria mais
nada a dizer, novas perguntas podem ser lançadas. Assim, se situando em uma trajetória de construção
coletiva, este trabalho é tanto uma homenagem àqueles que abriram caminhos, como um convite a
outros pesquisadores, para que possamos, em esforço conjunto, continuar buscando respostas.
Finalizando esta tese, resta a sensação de que existe muito trabalho pela frente.
701

ANEXOS – FICHAS

AUBERT, Theodore
Nome: Theodore Aubert
Nascimento: 08/09/1878 - Genebra
Falecimento:19/01/1963 - Genebra
Atividade profissional: advogado
Em 1918, Aubert teve papel ativo na construção de uma importante ação contrarrevolucionária: ele
participou da criação da Union civique suisse (UCS), associação encarregada de derrotar uma greve
geral que é considerada o conflito sociopolítico mais grave que viveu a Suíça moderna. Tendo durado
três dias (entre 12 e 14 de novembro), a greve foi resultado da deterioração das condições de vida das
camadas populares urbanas e da ascensão do movimento trabalhista, especialmente na parte alemã do
país. Aubert e a direita conservadora a interpretaram como uma das primeiras manifestações da
intromissão bolchevique nos assuntos internos suíços.
A fundação da UCS de Genebra compreendeu também a criação de uma milícia burguesa, a guarda
cívica, que atuou na repressão à greve sem medo de utilizar meios violentos para tal fim. Passada a
crise, os líderes da UCS concluíram que sua contribuição para a defesa da lei e da ordem social
deveria ser pensada como uma mobilização contrarrevolucionária de longo prazo. Em 05/04/1919 foi
criada a Fédération patriotique suisse (FPS), reunindo as guardas cívicas que tinham surgido por todo
o país. Ela contava com o apoio das autoridades políticas e militares, que reconheciam as guardas
cívicas como um complemento oficial das forças policiais e dos círculos financeiros e industriais, que
a patrocinavam.
Em um artigo publicado em 1921, Aubert deixava claro que a função primordial das organizações
cívicas era agir como instrumento de preservação da ordem social burguesa. Esforçando-se em
integrar a pequena burguesia e parte da classe operária na defesa dos valores burgueses dados como
universais, e isolando os militantes do movimento operário, denunciando seu “espírito de classe”, as
organizações cívicas permitiriam o estabelecimento de um controle social real.
Buscando promover a colaboração entre diversas organizações de defesa social, uma conferência
internacional secreta foi convocada pela FPS em novembro de 1920. Reuniram-se em Lucerne
representantes de movimentos de guarda cívica de outros países europeus (Alemanha, Holanda,
Bélgica, Itália, Espanha), mas um quarto dos presentes eram suíços membros da FPS. O encontro foi
considerado um fracasso, em função da inexperiência de seus promotores, que se esforçaram em
reunir o maior número possível de organizações, mas não escolheram adequadamente os grupos ou
personalidades convidados.
Nesse encontro, Aubert havia apresentado o projeto de um “Centro Internacional de Informações”,
cujo objetivo seria o de coletar informações precisas sobre o inimigo a ser combatido, para
compreender sua organização, suas ações e intenções. O centro prepararia e distribuiria relatórios
sobre a evolução do movimento revolucionário europeu e poderia transmitir informações importantes
às autoridades policiais e formuladores de políticas. Poucos anos depois da reunião de Lucerne,
Aubert teria a oportunidade de retomar seu projeto de luta contra o comunismo no plano internacional.
Antes que isso ocorresse, ele continuou seu trabalho junto ao secretariado da FPS, buscando
consolidar a relação entre as organizações de defesa social que foram criadas em toda a Europa.
702

Em maio de 1923, Maurice Conradi assassinou o diplomata soviético Vatzlav Vorovsky, em Lausanne.
Arcadius Polounine, secretário do Escritório da Cruz Vermelha czarista em Genebra liderado por
Georges Lodygensky, foi cúmplice de Conradi. Aubert, que já conhecia Lodygensky desde 1920,
atuou na defesa dos acusados, buscando fazer do processo uma forte propaganda antibolchevique. A
combinação de esforços entre Lodygensky e Aubert criou um julgamento público contra a União
Soviética e resultou na absolvição dos assassinos de Vorovsky. Aubert conseguiu convencer o júri de
que os acusados teriam agido contra um agente do poder soviético, sob influência do desespero que a
situação de sua terra natal inspiraria.
No final de 1923, Aubert decide retomar seus esforços para a criação de um grande movimento
internacional contra o bolchevismo. Buscando evitar a repetição do fracasso da conferência de 1920
em Lucerna, ele confidencia a Lodygensky que vai realizar o projeto discretamente e em etapas. A
primeira reunião dos participantes do comitê de organização da Entente Internacional
Anticomunista (EIA - ver FICHA) ocorreu em 13/03/1924.
Em junho de 1924, Raul do Rio Branco, representante do Brasil em Berna, enviou ao Ministro das
Relações Exteriores um ofício comentando o aparecimento na imprensa suíça de notícias sobre a
organização do “distinto advogado genebrino Th. Aubert”, voltada contra a “ação da propaganda
comunista-sovietista”. No início de 1925, Aubert e Rio Branco já se comunicavam por carta. Desse
momento em diante, Rio Branco atuou como porta-voz da EIA diante de outros diplomatas latino-
americanos e também do governo brasileiro, tendo passado a frequentar, a título privado, as reuniões
dos representantes dos centros nacionais anticomunistas que compunham a Entente, realizadas
anualmente em Genebra.
Em 1932 Aubert foi apresentado a José Carlos de Macedo Soares (ver FICHA), chefe da delegação
brasileira à Conferência do Desarmamento, em Genebra. Teve início uma relação que resultou em
ações importantes para os grupos anticomunistas no Brasil.
Fontes:
CAILLAT, M. L’Entente internationale anticommuniste de Théodore Aubert – Organisation interne, réseaux et action
d’une internationale antimarxiste. 2012. Tese (Doutorado em História), Université de Genève, Genebra, Suíça.
CAILLAT, M. L’entente internationale anticommuniste de Théodore Aubert et ses archives. Chronos, 2006. Disponível
em: <http://www.e-periodica.ch/digbib/view?pid=tra-001:2006:2::19>. Acesso em: 28 maio 2019.
CAILLAT, M. et al. Une source inédite de l’histoire de l’anticommunisme : les archives de l’Entente internationale
anticommuniste (EIA) de Théodore Aubert (1924-1950). Matériaux pour l’histoire de notre temps, v. 73, n. 1, p. 25–31,
2004.
GUEX, S. A propos des gardes civiques et de leur financements à l’issue de la Première Guerre Mondiale. In: BATOU, J.
et al. (Org.). . Pour une histoire des gens sans histoire: ouvriers, exclues et rebelles en Suisse, 19e-20e siècles. Lausanne,
Suisse: Editions d’En bas, 1995.
HEIMBERG, C. La garde civique genevoise et la grève générale de 1918, un sursaut disciplinaire et conservateur. Revue
d’histoire moderne et contemporaine, v. 44, n. 3, p. 424–435, 1997.
CAILLAT, M. L’Entente internationale anticommuniste, 1924-1939. Lorsque Genève était la capitale mondiale de
l’anticommunisme. emancipaciónS, Cahiers emancipaciónS. n. 110, 2007. Disponível em:
<www.solidarites.ch/emancipations>.
Ofício nº 32 de Raul do Rio Branco para Felix Pacheco, Ministro das Relações Exteriores, 17/06/1924. Organização de
uma ação anticomunista. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Missões diplomáticas brasileiras (Berna),
estante 203, prateleira 4, volume 14. Carta de Raul do Rio Branco para Th. Aubert, 13/02/1925. Archives de l’Entente
Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud 1924-1933,
Bibliothèque de Genève.
Ofício nº 28 de Raul do Rio Branco para Afrânio de Mello Franco, Ministro de Estado das Relações Exteriores,
12/10/1933. Defesa contra o comunismo. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas catalográficas 600.1(00)
– “Bureau de L’Entente Internationale contre la 3ème Internationale” 1926-1937, Lata 578, Maço 9269.
703

BOTO, Carlos Pena, a Cruzada Anticomunista Brasileira e a crise sucessória de 1955


Enquanto Pena Boto e sua Cruzada eram ridicularizados por parte da imprensa, o jornal de Carlos
Lacerda lhes concedia espaço para denunciar as diversas “células comunistas” identificadas por sua
organização. Além disso, a Tribuna da Imprensa ficou ao lado do almirante quando ele foi demitido
da diretoria de Portos da Marinha: “

A demissão inesperada e injustificada do almirante Pena Boto (…) é um sintoma


sobre o qual devemos refletir. Que fez ele, para ser demitido, como foi, “pelo rádio”,
caindo subitamente da confiança do governo? Fez apenas isto: na qualidade de
presidente da Cruzada Brasileira Anticomunista, denunciou a infiltração bolchevista
em todas as atividades nacionais e alertou a consciência dos responsáveis pela ordem
pública e pela estabilidade das instituições” (Tribuna da Imprensa, 28/01/1953).

Em setembro de 1955, Lacerda seria o responsável por divulgar uma carta falsa (Carta Brandi) cuja
autoria intelectual acabou sendo atribuída posteriormente a Joaquim “Metralha”, secretário da CBA
(OLIVEIRA, 2018). Esse documento, que pretensamente teria sido elaborado pelo deputado argentino
Antônio Brandi, buscava comprometer João Goulart, “o legatário político de Vargas”, prejudicando
sua candidatura à vice-presidência na chapa de Juscelino Kubitschek (MONIZ BANDEIRA, 1978, p.
136). E, em novembro de 1955, depois de lutar contra o reconhecimento da vitória eleitoral de
Kubitschek-Jango, seria na companhia de Pena Boto que Lacerda deixaria a capital federal:

A morte de Canrobert Pereira da Costa (…) em 31 de outubro [de 1955], foi uma
calamidade para os que esperavam que ele fosse o líder de um movimento contra a
posse de Kubitschek e Goulart. Carlos [Lacerda] procurou impedir que esse
acontecimento fosse um revés, mostrando que a lembrança da liderança e das ideias
do general obrigava os líderes restantes a agir. (…) Carlos elogiou a audaciosa oração
do coronel Jurandir de Bizarria Mamede no funeral (…). O coronel, enfatizando a
sabedoria de Canrobert, perguntou se não seria certamente uma ‘mentira democrática’
sancionar-se ‘uma vitória da minoria’ e uma ‘pseudo-legalidade’ confiar-se num
‘mecanismo adrede preparado para assegurar, em toda a sua plenitude, o voto do
analfabeto, proibido por lei’. (…) Lott, um dos oradores presentes ao enterro,
enfureceu-se ao ouvir o discurso de Mamede e tampouco gostou de ver Carlos Luz,
presidente da Câmara dos Deputados, parabenizar o coronel efusivamente (…)
(DULLES, 1992, p. 226-231).

Antônio Carlos Muricy, que, como visto, era muito próximo a Canrobert, recordou em entrevista ao
CPDOC-FGV:

Nesse período, (...) fui [à] escola [ESG], comecei a conversar a respeito e, no meio da
conversa, disse: ‘Só saindo o Lott, mas como tirar o Lott?’ Então, o Newton Reis
disse: ‘Há muitas maneiras de tirar.’ E não avançou mais do que isso. Com o
704

conhecimento que eu tinha do Newton, eu imaginei: alguma coisa está na cabeça


dele. (…) Tínhamos acesso ao presidente Carlos Luz. Então, havia a possibilidade de
criar-se um ambiente, dentro do Palácio do Catete. Eu tenho dúvidas se o Newton não
teria tido participação nesse ambiente que permitiu que o Lott ficasse duas horas na
antecâmara do presidente (MURICY, 1993, p. 323).

Segundo o jornal O Fluminense, de 28/12/1985,

No dia 8 de novembro (…) Café Filho (…) transferiu a presidência, interinamente,


para o seguinte na linha de sucessão, Carlos Luz (…). (…) Lott tomou conhecimento
da decisão de Luz de não punir Mamede e de substituir a ele, Lott [no Ministério da
Guerra], pelo general Álvaro Fiuza de Castro (…). Naquela noite, Lott concordou em
unir-se ao general Odílio Denys (…) num golpe contra o governo Luz. (…) Lacerda e
seus companheiros, dirigindo-se para o Palácio do Catete, souberam que Luz havia
ido para o Ministério da Marinha. Revólveres na mão (…), entraram no prédio da
Marinha, lotado (…). Enquanto Eduardo Gomes [ministro da Aeronáutica] saía para
providenciar a ida de um esquadrão aéreo para São Paulo, Luz recebia conselhos de
Pena Boto, comandante do Esquadrão da Marinha (…). O erudito chefe da Cruzada
Anticomunista convenceu o presidente e seus correligionários que a sua posição no
Rio era insustentável e que seria melhor se viajassem a bordo do cruzador Tamandaré
para Santos, onde, segundo Amorim do Vale [ministro da Marinha], as tropas navais
estavam a favor de Luz. (…) Eram ainda apenas 7 horas daquela chuvosa manhã
quando Carlos embarcou no Tamandaré com 26 outros passageiros que queriam
estabelecer o governo federal em São Paulo. (…) Pena Boto, o capitão da Marinha
Sílvio Heck e outros oficiais encontravam-se em cima, em postos de batalha, com os
marinheiros, quando o Tamandaré partiu, pouco depois da 9 horas da manhã. (…) Por
volta das 15:30 (…) Luz encontrava-se de bom humor. Cerca de duas horas depois,
entretanto, ficou deprimido ao ouvir pelo rádio a notícia de que o Congresso o havia
deposto. A legislação necessária para declará-lo impedido havia sido apresentada a
pedido de Lott e aprovada tanto no Senado quanto na Câmara (…). A presidência do
país encontrava-se, portanto, nas mãos do seguinte da linha, Nereu Ramos, presidente
do Senado e pró-Kubitschek. (…) Luz ordenou que retornassem ao Rio (…)”
(DULLES, 1992, p. 226-231). Joaquim “Metralha” também teria embarcado no
Tamandaré, segundo seu irmão afirmou, anos depois, em um “poema” que recordava
o “patriota”: “(…) Não pedi perdão, não morri de joelhos (…) Porque tão vil e ignóbil
morte não seduz a quem ao lado de Botto, Lacerda e Carlos Luz, arriscou a vida e
enfrentou a morte no Tamandaré.
Referências

“Interesse”. Editoriais, Tribuna da Imprensa (RJ), 28/01/1953.


MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1978.
DULLES, John F. Carlos Lacerda: a vida de um lutador. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
MURICY, Antônio Carlos da Silva. Antônio Carlos Murici I (depoimento, 1981). Rio de Janeiro,
CPDOC, 1993.
“Recordando um patriota”, O Fluminense (RJ), 28/12/1985.
705

Câmara Americana de Comércio (Brasil)


No início de 1915, “um artigo publicado na Dun’s International Review (revista dedicada ao comércio
internacional que circulou de 1893 a 1933 e era editada, em Nova Iorque, pela Dun & Bradstreet, Inc.)
defendia a formação de câmaras americanas de comércio em solo estrangeiro. No Rio, o cônsul-geral
dos EUA, Alfred L, Moreau Gottschalk, manifesta-se publicamente a favor da criação da instituição
no Rio, então capital federal, para impulsionar as relações comerciais dos dois países. Gottschalk
argumentava que os EUA vinham tendo dificuldades em conseguir na América Latina o apoio de
grupos locais de empresários no esforço de fomentar o comércio entre os dois países. E acreditava que
uma entidade que pudesse sistematizar as informações sobre as necessidades dos mercados daqui e de
lá poderia mudar esse cenário. (…) O entusiasmo do diplomata levou a uma primeira reunião,
marcada para o dia 17 de maio no consulado, na qual foram discutidas algumas questões para a
organização da câmara. Nela compareceram T. B. McGovern, que presidiria a instituição; W. V. B.
Van Dyck; H. C. Brogden; R. S. Noxon; Lincoln Hutchinson; e o próprio Gottschalk. Na ocasião, foi
elaborada uma lista de empresas a serem procuradas e foi tratada a questão da afiliação à Federation
of American Chambers of Commerce, situada em Washington. O apoio foi imediato, e a oficialização
da AmCham Rio veio 11 meses depois [abril de 1916], efetivando a entidade como a primeira câmara
de comércio americana da América Latina, com 15 empresas associadas [Empresas fundadoras:
American Bank Note Co.; Bethlehem Steel; Burroughs Adding Machine Co; Citibank N. A.; Cutler-
Hammer do Brasil; Esso Brasileira de Petróleo; Elevadores Otis; General Electric do Brasil;
Middletown Car Co.; Midvale Steele; R. G. Dun & Co.; Singer Sewing Machine Co.; Texaco Brasil]”
(Brazilian Business, ago/set 2015, p. 11-12).
Em 1919 foi criada a Câmara Americana de Comércio de São Paulo – pelo empenho da Associação
Americana de São Paulo (The American Association of São Paulo), fundada em 1917 por cidadãos
norte-americanos que viviam no Brasil – com a seguintes empresas: General Electric Co, Singer
Sewing Machine Co, Mackenzie College, National Citibank, Indústrias Matarazzo, Esso Brasileira de
Petróleo, Goodyear Tire and Rubber Co, Brazaco-Mapri Indústria Metalúrgica, Lion S/A e Brazil
Land and Cattle Packing Co.
A instituição, que hoje se chama AmCham Brasil, ao comemorar seu centenário, em 2019, não fez
referência à pré-existência da AmCham Rio (AMCHAM Brasil, 2019). Esse fato foi, contudo,
reconhecido pela Amcham Brasil em 2018, quando anunciou a incorporação da AmCham Rio: “O
Presidente do Conselho de Administração da Câmara Americana de Comércio para o Brasil
(Amcham-Brasil), Helio Magalhães, e o Presidente do Conselho de Administração da Câmara
Americana de Comércio do Rio de Janeiro (Amcham-Rio de Janeiro), Pedro Paulo de Almeida, têm o
prazer de comunicar aos respectivos associados que a Amcham-Rio de Janeiro se incorporou à
Amcham-Brasil. A partir de hoje, teremos uma única Câmara Americana no país fortalecendo o
trabalho em prol de um melhor ambiente de negócios, promovendo ações que garantam maior
competitividade às empresas brasileiras contribuindo, assim, para o desenvolvimento da relação
Brasil-Estados Unidos. As duas entidades trabalhavam de forma separada desde as respectivas
fundações no início do século passado. A Amcham-Rio foi a primeira Câmara Americana criada na
América Latina, possuindo hoje 200 empresas associadas. O trabalho realizado pela Amcham-RJ nos
Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo nos 103 anos de existência é de grande valor. Temos a
certeza de que muitas sinergias podem ser exploradas com a Amcham-Brasil e suas 14 Unidades
Regionais e 5.000 empresas associadas, fazendo das duas entidades uma associação ainda mais forte e
representativa” (AMCHAM Brasil, 2018).
706

Referências

BRAZILIAN BUSINESS, Revista da Câmara Americana de Comércio do Rio de Janeiro, n.o 294,
out., nov., dez. 2015. Disponível em: http://www.amchamrio.com.br/srcreleases/BB294.pdf Acessado
em dezembro de 2019.
AMCHAM Brasil. Amcham-Brasil e Amcham-Rio de Janeiro, agora uma única câmara americana no
Brasil, Dezembro 2018. Disponível em: https://www.amcham.com.br/noticias/amcham-
brasil/amcham-brasil-e-amcham-rio-de-janeiro-agora-uma-unica-camara-americana-no-brasil
Acessado em dezembro 2019.
AMCHAM Brasil, 100 anos tecendo nossa história em sincronia com o desenvolvimento do Brasil.
Abril 2019. Disponível em: https://www.amcham.com.br/noticias/amcham-brasil/100-anos-tecendo-
nossa-historia-em-sincronia-com-o-desenvolvimento-do-brasil Acessado em dezembro 2019.
707

Comitês nacionais de refugiados europeus e Assembleia das Nações Cativas (ACEN)


De acordo com Petraru (2013, p. 130),

Depois que regimes comunistas foram instalados no Leste Europeu, o governo dos
Estados Unidos percebeu o valor dos emigrantes como uma força contra aqueles
regimes e começou a fazer recrutamentos entre escritores, políticos, economistas e
intelligentsia, esperando construir um caminho para a reinstalação de governos
democráticos naqueles países.

Contudo, como “as potências ocidentais rapidamente reconheceram a maioria dos regimes políticos do
pós-guerra na Europa Central e Leste europeu, não havia a possibilidade de conferir reconhecimento
oficial aos governos no exílio”. Isso, entretanto, não impediu que “o Ocidente” subsidiasse comitês
nacionais não oficiais, através do National Committee for a Free Europe, Inc. (que se tornaria o Free
Europe Committee em 1954). Este, como informado no capítulo 6, foi criado nos Estados Unidos em
maio de 1949, sob a presidência de Allen W. Dulles, tendo sido “uma fachadas mais ambiciosas da
CIA” (SAUNDERS, 2008). De acordo com Nekola (2014, p. 97), a organização dos “comitês
nacionais” (romeno, húngaro, polonês, tcheco, búlgaro, entre outros) era comum a todos em muitos
aspectos. Tinham em torno de quinze a vinte membros e possuíam escritórios e funcionários em Nova
Iorque ou Washington. Produziam boletins informativos, brochuras e revistas em inglês ou em suas
línguas nativas. O tamanho da equipe variava bastante, de acordo principalmente com o financiamento
norte-americano. O Comitê Nacional Romeno, que seria então uma espécie de “governo romeno no
exílio”, foi criado em 1949, nos Estados Unidos, para lutar pela “libertação” do país. Foi composto
por indivíduos que tiveram importância política naquele país europeu no período entreguerras. Para
organizar a atividade do comitê fora dos Estados Unidos, foram nomeados representantes, delegados e
correspondentes na Áustria, Alemanha, Itália, Inglaterra, França, Grécia, Turquia, Argentina, Bélgica,
Canadá, Chile, Cuba, Suíça, Israel, Holanda, Peru, Portugal, Espanha, Venezuela, Brasil e outros
países. O representante do Comitê Nacional Romeno no Brasil era Ion Economu, antigo adido naval
romeno na Turquia. Seus assistentes eram Edward Ressel e Mircea Buescu (PETRARU, 2013).
A Assembleia das Nações Europeias Cativas (ACEN)

Conforme Nekola (2014, p.102-108), a Assembleia das Nações Europeias Cativas (Assembly of
Captive European Nations – ACEN) foi criada em 1954, pelo governo norte-americano, através do
Free Europe Committee, para coordenar o trabalho das diversas organizações de exilados europeus
(que não estava alcançando o resultado esperado, em razão de uma série de divisões e conflitos
internos). A ACEN reuniu os membros de nove “comitês nacionais” e representantes de outros grupos
internacionais de exilados das “nações cativas”. Ela deveria atuar como um contraponto à
Organização das Nações Unidas, coordenando campanhas anticomunistas, publicando notícias dos
países da chamada Cortina de Ferro, gerar apoio internacional à libertação dos países europeus sob
domínio soviético e cooperar com outras organizações para criar as bases de uma futura integração
europeia. Sua estrutura, de forma geral, refletia a estrutura da ONU. Possuía uma assembleia geral,
um comitê geral e seis comitês de trabalho (político, jurídico, econômico, informativo e cultural). As
sessões gerais ocorriam anualmente, em Nova Iorque ou Estrasburgo. Em 1956, a ACEN abriu três
escritórios permanentes, em Londres, Paris e Bonn. Também esteve presente na América Latina
708

(Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Venezuela, El Salvador, Equador, Peru, Uruguai e México), no
Canadá, Líbano, Japão, Turquia, Filipinas, Suécia, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Itália, Grécia, Suíça e
Espanha. O presidente ou diretor geral da ACEN, que a representava publicamente, era eleito para
mandatos de um ano. O Secretário-Geral coordenava as tarefas administrativas e operacionais. Entre
1954 e 1965 esse posto foi ocupado por um ex-diplomata romeno, Brutus Coste. Na década de 1960, a
organização foi se tornando menos relevante para os interesses do governo norte-americano e sofreu
grandes cortes orçamentários. Muitos escritórios foram fechados e funcionários foram demitidos. Em
1971, denúncias publicadas na imprensa estadunidense revelaram que a CIA era a principal fonte de
financiamento do Comitê Europa Livre (Free Europe Committee), acarretando uma “atenção
negativa’’ sobre a ACEN, o que levou ao encerramento de todo o apoio financeiro que ainda recebia
do governo norte-americano. A organização remanescente ficou reduzida a um “grupo lobista” com
importância menor.
Edward Ressel e a ACEN no Brasil

Em outubro de 1956, Ressel, que era então secretário geral do Centro Brasileiro para a Europa Livre,
recebeu uma carta do Secretário Geral da ACEN, o romeno Brutus Coste:

Meu caro amigo, (…). É minha esperança que nas próximas semanas nossas
organizações membros venham a designar seus representantes no Brasil e que assim
nós possamos proceder ao estabelecimento de uma delegação da ACEN no Brasil. A
abertura de um escritório, obviamente, é uma questão distinta, porque envolve gastos
que nós ainda não estamos certos de que poderemos manter. (…) Nós favorecemos, é
claro, a ideia de estabelecer, sempre que possível, organizações de ‘Amigos das
Nações Cativas’. Estou enviando em anexo para sua informação dois folhetos
referentes à American Friends of the Captive Nations. Eles ainda estão em processo
de organização (…)” (Carta, 22/10/1956).

Em março de 1957, o presidente da ACEN, Vilis Masens, comunicou a Ressel:

Tenho o prazer de (…) informá-lo que o comitê geral da Assembleia das Nações
Europeias Cativas decidiu estabelecer uma delegação da ACEN no Brasil. (…) [ela]
será uma parte integral da estrutura funcional e organizacional da (…) [ACEN], com
sede em Nova York (…). (…) fico satisfeito em encaminhar uma lista parcial dos
nomes de personalidades do exílio que foram designadas por seus comitês nacionais
para representar seus respectivos grupos nacionais no Brasil. Bulgária: Sr. Christo
Bojadieff (…); Sr. George Moutafoff (…); Tchecoslováquia: Sr. Vladimir Nosek (…);
Estônia: Sr: Valdemar Turner (…); Sr. Helmi Kaber (…); Hungria: Sr. Kristopher
Kallay (…); Letônia: Sr. Peteris Olins (…); Lituânia: Dr. Fricas Mejeris (…), Rev. Z.
Ignatavicius (…); Polônia: Sr. M. T. Skowronski (…); Romênia: coronel Edward
Ressel (…). Por favor, convoque na primeira oportunidade, e em conformidade com a
legislação local, uma reunião constitutiva para eleger os membros dessa organização,
e nos envie um relatório sobre a mesma. Com relação ao estabelecimento de um
escritório para ajudar sua Delegação a realizar suas tarefas, essa questão está ainda
sendo estudada e informação adicional será enviada para você assim que os
problemas financeiros envolvidos forem solucionados. (…) Com relação à
709

cooperação com os líderes exilados em São Paulo, nossa ideia é de que algum tipo de
arranjo de trabalho poderia ser estabelecido (…). Nós não gostaríamos de criar duas
organizações em seu país e, ao mesmo tempo, o grupo de São Paulo, bastante
numeroso, gostaria de contribuir com o trabalho (Carta, 27/03/1957).
Referências

PETRARU, Marius. The history of the Romanian National Committee: 1947-1975. In: LYNN,
Katalin Kádár (Org.). The inauguration of organized political warfare: Cold War organizations
sponsored by the National Committee for a Free Europe/Free Europe Committee. Saint Helena, CA:
Helena History Press, 2013.
SAUNDERS, Frances S. Quem pagou a conta? A CIA na guerra fria da cultura. Rio de Janeiro:
Record, 2008.
NEKOLA, Martin. The Assembly of Captive European Nations: a transnational organization and tool
of anti-communist propaganda. In: SCOTT-SMITH, Giles; ROULIN, Stephanie; VAN DONGEN,
Luc. Transnational anticommunism and the Cold War. Agents, activities, and networks. Basingstoke:
Palgrave Macmillan, 2014.
Carta de Brutus Coste para Edward Ressel, 22/10/1956. University of Minnesota, Elmer L. Andersen
Library, Immigration History Research Center Archives, Assembly of Captive European Nations,
ACEN Records (IHRC 246), Series III: Delegations, representatives and correspondence abroad, Sub-
series I: Delegations abroad, Box 47, Folder 10.
Carta de Vilis Masens para Edward Ressel, 27/03/1957. University of Minnesota, Elmer L. Andersen
Library, Immigration History Research Center Archives, Assembly of Captive European Nations,
ACEN Records (IHRC 246), Series III: Delegations, representatives and correspondence abroad, Sub-
series I: Delegations abroad, Box 47, Folder 10.
710

Conselho Interamericano de Comércio e Produção – CICYP


Em maio de 1940 se anunciava na imprensa brasileira que em agosto daquele ano deveria ser realizada
em Montevidéu a Conferência Americana de Associações de Comércio e Produção, para promover o
“estreitamento de relações comerciais interamericanas, em vista da situação criada pela guerra
europeia”, estabelecendo “novas correntes mercantis entre todos ou a maioria dos países continentais”.
Segundo reportagem do Correio da Manhã, a conferência iria condensar e consolidar os trabalhos já
realizados pelo Comitê Consultivo Econômico e Financeiro Interamericano (criador da Comissão
Interamericana de Fomento), orientados pelo Instituto de Economia Americana, organismo que seria o
responsável pela convocação da conferência (Correio da Manhã, 19/05/1940). Em junho de 1940,
durante reunião do Conselho Federal de Comércio Exterior, Euvaldo Lodi solicitou que fosse tomado
conhecimento do convite feito aos órgãos representantes das classes conservadoras para participar da
Conferência das Associações de Comércio e Produção que seria realizada em Montevidéu,
“convocada pelo governo uruguaio”. Leonardo Truda, presidente do Conselho, informou ao plenário
que o Ministério das Relações Exteriores estava a par do assunto e iria, em breve, dirigir-se ao
Conselho a respeito (Correio da Manhã, 14/06/1940). Em outubro o Diário de Notícias informou que
a Conferência, cuja comissão organizadora era chefiada por José Brunet, presidente da Câmara
Nacional de Comércio do Uruguai, seria realizada em novembro de 1940 e trataria de dois temas
básicos: “problemas econômicos que afetam o comércio interamericano” e “medidas para o fomento
do comércio interamericano” (Diário de Notícias, 17/10/1940). A conferência acabou sendo realizada
entre 28 de maio e 10 de junho de 1941. Foi oficialmente convocada pela Câmara Nacional de
Comércio, pela Câmara Mercantil, pela Câmara Nacional de Indústrias e pela Associação Rural do
Uruguai. Delegados de quarenta e seis instituições americanas de comércio e produção estiveram
presentes (SRE, 1990, p. 261). Nessa época, diversas comissões nacionais de fomento interamericano,
incluindo a uruguaia, da qual José Brunet era vice-presidente, já tinham sido criadas. Em agosto de
1941, um artigo da revista Nation’s Business, publicada pela Câmara de Comércio dos Estados
Unidos, comemorava o início de uma colaboração que trazia promessas para o futuro:

Durante anos, ouvimos falar de conferências comerciais pan-americanas e


conferências financeiras pan-americanas. Estas fizeram parte do mecanismo de
cooperação governamental no âmbito da União Pan-Americana. Elas discutiram
muitas das questões importantes relacionadas ao desenvolvimento econômico neste
hemisfério, apontaram o caminho para cursos de ação sensatos, despertaram o
interesse de muitos homens de negócios e atraíram a atenção de governos de todo o
mundo. Essas conferências, no entanto, foram oficiais, governamentais. (…) A
conferência de negócios de Montevidéu [Conferência de Comércio e Produção] de
1941 não foi governamental; foi empresarial (business). Pela primeira vez, as
organizações empresariais nacionais (national business organizations) das repúblicas
americanas, do norte do Rio Grande ao sul do Rio da Prata, se reuniram. Já ocorreram
conferências regionais antes, mas nenhuma geral. Desta vez, compareceram
representantes de 20 das repúblicas – apenas o Haiti não foi representado. Os 105
indivíduos presentes representaram um total de 45 organizações empresariais
nacionais das Américas – negócios em geral, manufaturas, finanças, mineração,
agricultura e comércio exterior. (…). A Conferência foi convocada por iniciativa da
Câmara Nacional de Comércio do Uruguai, com a Associação Rural, a Câmara das
Indústrias e a Câmara Mercantil Nacional do Uruguai, juntando-se ao convite. Os
711

planos para a reunião estavam em andamento havia um ano. As sessões de trabalho


foram realizadas no esplêndido novo edifício do Bolsa, sede da Câmara Nacional de
Comércio do Uruguai. A sessão formal de encerramento foi realizada no imponente
Palácio Legislativo do governo uruguaio. Na sessão de abertura, James S. Kemper
[presidente da Câmara de Comércio dos Estados Unidos], chefiando a delegação de
17 representantes da United States Chamber of Commerce, do National Foreign
Trade Council (NFTC), e da Câmara de Comércio de Porto Rico, recebeu por
aclamação a presidência da Conferência. Ele declinou em favor do presidente José
Brunet, da Câmara Nacional do Uruguai, que havia atuado como presidente do
Comitê Organizador. O Sr. Kemper foi designado como Presidente Honorário. Desde
os discursos de abertura dos chefes das várias delegações nacionais, em todas as
sessões gerais e reuniões do grupo, ficou evidente o reconhecimento da necessidade e
do desejo de as organizações empresariais dos países americanos trabalharem juntas.
As condições produzidas pela guerra trouxeram aos homens de negócios de todos os
países americanos a necessidade de fortalecer suas organizações empresariais e uma
revitalização dos benefícios do esforço conjunto (SNOW, 1941).

Uma publicação da Seção Brasileira do CICYP (não datada, mas, possivelmente, distribuída no final
da década de 1950), assim explicava os seus objetivos e organização:

O Conselho Interamericano é uma organização privada que congrega as classes


patronais das Américas com o objetivo de defender os ideais e os interesses da
empresa privada e promover o intercâmbio comercial entre os países americanos.
(…). O Conselho elabora normas, assessora, recomenda e discute problemas
vinculados à economia, às finanças, à legislação e ao bem-estar econômico dos povos
das Américas. Atua como porta-voz das classes produtoras no plano internacional.
Age junto aos Governos dos países americanos em defesa dos interesses das classes
produtoras. (…) é constituído de seções nacionais em cada um dos países americanos.
Essas Seções são coordenadas por um Secretariado Geral com sede em Montevidéu, o
qual, por sua vez, está subordinado a uma Diretoria Internacional [Comissão
Executiva]. (…) A fim de promover o congraçamento de seus membros e fixar
normas de ação, o Conselho realiza reuniões plenárias e de sua Comissão Executiva.
(…) De dois em dois anos realiza Plenários, com a participação de seus milhares de
associados” (Seção Brasileira do CICYP. “O que é o Conselho Interamericano de
Comércio e Produção”).

Foram presidentes da Comissão Executiva do CICYP: Ernesto Aguirre (1942-1945), Argentina; José
Brunet (1945-1947), Uruguay; James S. Kemper (1947-1949), Estados Unidos [que se tornaria
embaixador norte-americano no Brasil em agosto de 1953]; João Daudt d’Oliveira (1950-1952),
Brasil; Fernando Wiese (1953-1956), Peru; Agustin Legorreta (1957-1960), México; Pedro Ibáñez
(1961-1964), Chile; George S. Moore (1964-1967), Estados Unidos; Roberto de Oliveira Campos
(1967-1970), Brasil (CICYP, verbete de esacademic.com, disponível em:
<https://esacademic.com/dic.nsf/eswiki/198625>. Acesso novembro 2019).
A seção brasileira do CICYP foi criada em agosto de 1944. De acordo com um boletim informativo da
entidade,
712

No último 24 de agosto [de 1944], realizou-se no Rio de Janeiro, na Casa de Mauá,


sede da Federação das Associações Comerciais do Brasil e da Associação Comercial
do Rio de Janeiro, a primeira reunião das 26 entidades do Brasil que aderiram ao
Conselho Permanente [Associações Comerciais do Amazonas, da Bahia, do Ceará, de
Cuiabá, do Estado de Goiás, de Maceió, do Maranhão, de Minas Gerais, de Natal, de
Niterói, do Pará, do Paraná, de Pernambuco, de João Pessoa, Piauiense, do Rio de
Janeiro, de Santo, de São Paulo e de Vitória; Associação Comercial e Industrial de
Ribeirão Preto, Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, Confederação Rural do
Brasil, Federação das Associações Comerciais do Brasil e Sociedade Nacional de
Agricultura] a fim de constituir formalmente a Seção Brasileira (…). Tal reunião foi
presidida pelo Dr. João Daudt d’Oliveira, presidente da Federação das Associações
Comerciais do Brasil e da Associação Comercial do Rio de Janeiro (…). Ao declarar
aberta a sessão, o Dr. Daudt d’Oliveira contou a história do processo de formação do
Conselho, a obra realizada pelo mesmo desde a Conferência de Montevidéu em 1941
e as características de sua organização. (…). Referiu-se depois o Dr. Daudt às
distintas reuniões realizadas pelo Conselho e por sua Comissão Executiva e ao
prestígio adquirido pelo organismo, tanto nas esferas privadas, como nas oficiais do
continente (…). Depois que foi declarada formalmente instalada a Seção Brasileira,
os senhores delegados procederam à designação do Conselho que a dirigirá (…), que
ficou assim composta: Presidente, Dr. João Daudt d’Oliveira (…); Vice-presidentes,
os Srs. Dr. Arthur Torres Filho (Presidente da Confederação Rural Brasileira e da
Sociedade Nacional de Agricultura); Dr. Roberto Simonsen (Presidente do Centro das
Indústrias do Estado de São Paulo) e Dr. Arthur de Lacerda Pinheiro (Vice-presidente
da Associação Comercial do Rio de Janeiro), e Secretário, o Dr. Aldo B. Franco.
Também se resolveu convidar especialmente, para fazer parte do Conselho, em
caráter pessoal, ao Dr. Euvaldo Lodi, por sua grande autoridade individual e como
presidente da Confederação Nacional das Indústrias, entidade que por sua natureza
sindical não pode fazer parte de organizações internacionais; (…) (Constituição da
Seção Brasileira do Conselho, Boletim Informativo CICYP, Setembro-Outubro 1944).

O Arquivo Nacional guarda, em sua sede no Rio de Janeiro, um acervo inexplorado com documentos
da seção brasileira do CICYP, cobrindo o período de 1941 a 1985 (Fundo/Coleção TV – Conselho
Interamericano de Comércio e Produção. Código de referência: BR RJANRIO TV). Trata-se de uma
importante coleção para pesquisa futura.
Entre 1941 e 1944, o Conselho Permanente do CICYP elaborou um programa de ação econômica, com um
forte viés antiestatista, para o período pós-guerra:

O Conselho, Considerando: Que em sua primeira reunião plenária celebrada em


Santiago e Valparaíso (Chile), entre os dias 17 e 22 de julho de 1942, a Resolução n.º
1 da Conferência de Montevidéu de 1941 foi ratificada e ampliada, condenando a
crescente intervenção do Estado em todas as atividades econômicas para fins de
maior alcance que aqueles lógicos e naturais de fomento e defesa da produção e do
consumo, e demandando que em todos os casos em que a intervenção estatal seja
essencial e indispensável sejam consultadas e ouvidas as associações econômicas
privadas representativas do comércio e da produção, antes de adotar medidas
definitivas (…), Recomenda: Reiterar os postulados da mencionada resolução e
ratificar o desejo das Associações Americanas de Comércio e Produção de que se
713

restaure o sistema de livre (?) sempre em todos os países da América (…). “O


Conselho, Considerando: Que o insuficiente nível de industrialização dos países da
América Latina, apesar de seu progresso nos últimos anos, é, em muitos casos,
consequência da escassez de capitais; Que sendo notória a insuficiência de uma
poupança nacional em tais países, para investir na exploração de seus recursos, é de
todo ponto de vista conveniente reforçá-la com capitais estrangeiros; Que nem a
poupança nacional nem o capital estrangeiro são investidos, normalmente, em
indústrias nascentes, quando elas proporcionam em sua origem um rendimento
reduzido; Que é função dos poderes públicos remediar esse inconveniente, mediante o
fomento de crédito industrial; e Que a poupança nacional não se orienta, certas vezes,
ao investimento na indústria, devido à competição com os investimentos públicos e à
inexistência de um verdadeiro mercado financeiro e de normas que salvaguardem a
confiabilidade das emissões privadas, Recomenda: 1º A conveniência de facilitar a
entrada de capitais estrangeiros privados que sejam investidos na expansão industrial,
mediante normas que lhes assegurem tratamento igual ao atribuído aos capitais
nacionais. 2º Que os empréstimos e investimentos efetuados direta ou indiretamente
por instituições internacionais oficiais sejam complementares e não competitivos com
relação aos investimentos privados existentes, e sejam consagrados exclusivamente
ao incremento da produtividade do país recebedor. 3º A instituição de organismos de
crédito industrial que ofereçam condições liberais ao mutuário . 4º As medidas
necessárias para interessar aos investidores nacionais nos negócios industriais e,
especialmente, a criação de um mercado financeiro nos lugares em que não exista; 5º
A limitação das emissões de títulos públicos ao mínimo indispensável, para permitir
que a poupança nacional se dedique integralmente à criação de novas indústrias e
atividades econômicas. 6º Uma pesquisa continental a cargo da comissão executiva
do Conselho e de suas comissões nacionais, sobre o funcionamento das Bolsas da
Valores, que permita conhecer e comparar a intervenção do Estado no exame prévio
das emissões, seja para assegurar interesses de terceiros ou com fim de regulação
financeira; (...)”(Questões econômicas de interesse continental, Boletim Informativo
CICYP, Setembro-Outubro 1943).

Outras reuniões plenárias foram realizadas em Montevidéu (1947), Chicago (1948), Santos (1950),
Lima (1952), México (1954) e Buenos Aires (1957) (Seção Brasileira do CICYP. “O que é o Conselho
Interamericano de Comércio e Produção”).
Uma outra importante reunião do CICYP marcou o fortalecimento de uma ação coordenada das
“classes produtoras” do continente para enfrentar os desafios econômicos e políticos do pós-guerra. A
26º reunião da comissão executiva da entidade foi realizada no Brasil, em outubro de 1947, no Palácio
Quitandinha, na cidade de Petrópolis (RJ) – onde, dois meses antes, tinha sido realizada a Conferência
Interamericana para a Manutenção da Paz e da Segurança no Continente, durante a qual foi assinado o
Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR):

Aberta a sessão, depois de transmitido, pelo sr. Brunet, o cargo de Presidente do


Conselho Interamericano ao novo titular eleito, sr. James S. Kemper, falou, saudando
os delegados, o governador do Estado do Rio, cel. Edmundo de Macedo Soares e
Silva, que focalizou, em linhas gerais, os problemas sociais e econômicos da
América, para salientar a importância de que se revestia o conclave. (…) Em seguida,
falou o sr. João Daudt d’Oliveira, presidente (…) da Seção Brasileira do Conselho
714

Interamericano de Comércio e Produção (…), que, dando as boas-vindas aos


delegados, pronunciou o seguinte discurso: (…) Longe das nuvens carregadas de
maus presságios, que ora enchem de sombras os horizontes internacionais, vamos
voltar-nos para a paz nas Américas. Como bons americanos do Norte, do Centro e do
Sul, consideramos nossos problemas de um ponto de observação comum, que nos
faça aceitar soluções também comuns e construtivas de nossa grandeza coletiva.
Assinalamos com grande honra a prazer a presença de um autêntico americano dos
Estados Unidos, o sr. James Kemper. Pela primeira vez atravessa a linha equatorial e
vem ao Brasil, onde sentirá a afeição fraternal, e a admiração que votamos ao seu
grande país. Assumindo hoje a presidência deste Conselho, traz-nos legítimas
esperanças de que sua capacidade realizadora encontrará para os planos que estamos
delineando, novas e variadas possibilidades. (…) ‘Tudo nos une’ - já disse uma voz
memorável neste Continente. O pensamento de Monroe é o mesmo de Bolívar e de
José Bonifácio. O pan-americanismo surgido do sentimento geral de independência
das nações do continente, concebido por Simon Bolívar na expressão elevada da
solidariedade defensiva, e evoluindo com Franklin Delano Roosevelt para sua
realização ativa – já não é hoje simples pensamento de homens de Estado. Ele é um
sentimento coletivo de nossas nações, atingindo aos setores culturais, aos cientistas,
professores, estudantes e aos homens da produção. O pan-americanismo é uma
doutrina de renovação da defesa dos valores longamente elaborados pela cultura
ocidental. O totalitarismo, qualquer que seja o seu nome, representará sempre uma
agressão desferida contra esses valores básicos. No setor do comércio d da produção,
o pan-americanismo passou a definir-se de modo crescente, ante o reconhecimento
das íntimas ligações entre as relações de comércio – unindo ou separando as nações –
e a paz. Um grupo de homens de alta visão criou o mecanismo adequado a por em
prática no terreno econômico o pensamento que nos vincula sob o ponto de vista
cultural e político. Aí está em vigor, multiplicando cada dia suas forças o Conselho
Interamericano de Comércio e Produção. As atividades econômicas encontram, assim,
a sua forma própria de pan-americanismo ativo. Nenhuma outra poderia realizá-la
melhor que a associação livre dos homens da produção, buscando soluções
harmônicas e comuns para os seu problemas”. James Kemper também proferiu um
discurso, no qual afirmou: “O panorama do mundo nada tem de agradável. Quer-me
parecer que muitos dos nossos problemas provêm de um excesso de autoridade
governamental. E mais ainda, que o governo nem sempre significou bom governo. A
responsabilidade por este estado de coisas dividem-na o mundo dos negócios e seus
representantes. Porque muitos dos nossos males correntes podem ser parcialmente
atribuídos ao fato de se absterem os homens de negócio de se interessarem direta e
pessoalmente pelos atributos da administração que os governa. (…) De nada valerão
as boas intenções e as boas realizações se o mundo dos negócios não encontrar meios
para se expressar. O Conselho Interamericano de Comércio e Produção nasceu em
parte do desejo dos homens de negócio deste hemisfério de contarem a sua história
aos povos americanos. Só quando as massas compreenderem e apreciarem o papel
que o comércio desempenhou e poderá desempenhar no sentido de melhorar o padrão
de vida de cada um, poderemos evitar o crescente domínio do Estado sobre os
negócios de todos os povos”. O governo brasileiro foi representado pelo ministro do
Trabalho, Indústria e Comércio, Morvan Dias de Figueiredo (membro da FIESP,
sobre quem falaremos no próximo capítulo). Roberto Simonsen, presidente da FIESP
e membro da diretoria da seção brasileira do CICYP, também se manifestou:
“Congregamo-nos, neste instante, homens de negócios das Américas, para a
meditação objetiva e realista, de fronte vincada, dos problemas fundamentais deste
715

hemisfério. (…) As nossas discussões, nesta reunião, demonstraram que estamos


vigilantes. A contribuição dos relatores traz preciosa documentação e roteiros que
abrirão caminhos mais amplos para o nosso entendimento” (Revista do Comércio,
outubro 1947, p. 38-68).
Referências

“Empossada a nova diretoria da Federação das Indústrias”, Correio Paulistano (SP), 24/01/1940.
“Isenções de direito de acordo com a conveniência do momento”, Correio da Manhã (RJ), 14/06/1940.
“Conferência Americana de Associações do Comércio e da Produção”, Diário de Notícias (RJ),
17/10/1940.
MÉXICO. [SRE] Secretaria de Relaciones Exteriores, Conferencias Internacionales Americanas:
Primer sumplemento 1938 – 1942. México: 1990. Disponível em:
<http://biblio2.colmex.mx/coinam/coinam_1_suplemento_1938_1942/base2.htm> Acessado em
agosto de 2019.
SNOW, Chauncey. Good Neighbors – Business Style. Nation’s Business, August 1941, p. 73- 75.
“Constitución de la Sección Brasileña del Consejo”. [CICYP] Consejo Permanente de Asociaciones
Americanas de Comercio y Produccion, Boletim Informativo, Setembro-Outubro 1944. Arquivo
Nacional do Rio de Janeiro, Fundo Conselho Interamericano de Comércio e Produção (Código TV),
Caixa 34, Volume “Boletim Informativo, 1943-1947”.
“Cuestiones económicas de interes continental – resúmen y complemento de las resoluciones de la
Conferencia de Montevideo”. [CICYP] Consejo Permanente de Asociaciones Americanas de
Comercio y Produccion, Boletim Informativo, Setembro-Outubro 1943. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro, Fundo Conselho Interamericano de Comércio e Produção (Código TV), Caixa 34, Volume
“Boletim Informativo, 1943-1947”.
“Problemas Econômicos e Sociais do Hemisfério”, Revista do Comércio, n.o 23, vol. III, Ano III,
outubro 1947.
716

Cruzada Nacional Anticomunista (CNA)


Informações sobre essa entidade foram fornecidas por um de seus diretores, Boris de Pothiekin, em
carta para Alexandre Lodygensky, da seção russa da EIA (ver FICHA acima):

Estimado e querido Alexandre Illitch! Tenho a honra de lhe comunicar que acaba de
ser organizada em São Paulo a Liga Anticomunista (Cruzada Nacional Anticomunista
– Rua José Bonifácio, nº 12, salas 1, 2, 3, 4, 5 ou caixa postal nº 2101). A Cruzada,
por seus novos estatutos, que lhe serão enviados, é subordinada à Entente
Internacional Anticomunista contra a III Internacional. Peço que informe isso ao
presidente da Entente, Sr. Théodore Aubert, e solicite a ele que a Cruzada
Anticomunista daqui seja colocada sob sua proteção e submissão completa (sous sa
protection et pleine soumission). Para organizar essa Cruzada eu tive que realizar um
trabalho muito difícil, mas graças a Deus eu consegui criar uma grande organização,
contando com a igreja católica daqui, a Frente Negra Brasileira, a indústria, a maioria
das Escolas Superiores, etc. Ao mesmo tempo eu fundei ao lado da Cruzada uma
seção russa, à frente da qual está o general P. [Pedro] Krassovsky-Dobrov. Eu me
encontro na direção superior da Liga. A Cruzada é presidida pelo professor [Nino]
Casale. No conselho administrativo estão pessoas de diversas situações e profissões
(...). Para sua orientação, lhe apresento alguns nomes da direção da Cruzada: 1)
Presidente: Professor Casale. Membros: 2) Joaquim Dutra da Silva (advogado); 3)
Paulo Dutra da Silva (engenheiro civil); 4) Veiga dos Santos (professor da faculdade
de filosofia) (FNB); 5) Sebastião Pagano (professor); 6) Monsenhor Gastão Liberal
Pinto; 7) Carlos Sampaio Viana (chefe da polícia técnica); 8) Caiuby – médico; 9)
[Armando Soares] Caiuby – delegado da polícia de São Paulo; 10) Ataliba Nogueira –
presidente da secretarias de governo do estado de São Paulo; 11) Paulo dos Santos
(professor da faculdade de medicina de São Paulo); 12) Carlos Moraes de Andrade
(advogado, uma grande força intelectual); 13) Dacio de Moraes (engenheiro); 14)
Pedro Dias da Silva (diretor da da faculdade de medicina de São Paulo); 15)
Constabile Matarazzo (grande empresário de São Paulo); 16) General P. Krassowsky-
Dobrov (Petr Ivanovitch); 17) General Ivanof-Iverief (presidente dos ex-combatentes
russos); 18) Padre Arnaldo de Souza Pereira; 19) Boris de Potiekhin (engenheiro); 20)
Coronel Christian von Klingelhoefer. Antes nós estávamos ligados à cidade do Rio de
Janeiro, mas como a Liga não quis se subordinar à Liga Internacional, nós cortamos
relações com ela, e a nomeamos Cruzada Nacional Anti-Communista” (Carta,
16/01/1933).

Pothiekin estava se referindo à Liga Anticomunista do Brasil (LAB), criada no Rio de Janeiro em
março de 1932. Em novembro de 1932, Nino Casale, diretor da Liga, que viria a ser o secretário da
CNA, tinha informado a Alexandre Lodigensky que estava sendo constituída em São Paulo uma seção
autônoma da LAB. Na mesma carta, ele agradeceu a Alexandre a eficiência e o apoio precioso de
Boris Pothiekin, a quem ele se referiu como “seu digno colaborador de São Paulo” (Carta,
25/11/1932). Em maio de 1933, Casale escreveu novamente para a Entente em Genebra, informando
que tinha se retirado da Cruzada em 12 de março para fundar a Frente Única Anticomunista, que
incorporaria a “Ação Nacionalista”, a “Ação Conservadora Feminina”, o “Bureau da Imprensa
Conservadora” e a própria Cruzada Nacional Anticomunista. E comentava: “Tendo-se verificado
717

diversos equívocos, suscitados por alguns membros russos da Cruzada, na época em que era esta ainda
dirigida pelo Sr. N. Casale, estão os mesmos, atualmente afastados desta instituição, a qual tem
somente, dentre os russos daqui, o concurso efetivo do nosso bom amigo Cap. Ivan Pokrowsky, o qual
poderá informar a nosso respeito. Da sua diretoria, entretanto, ainda continua a fazer parte o Dr.
Armando Caiuby, Delegado de Ordem Social do Estado de S. Paulo, e já nos está prometida a
colaboração do Dr. Costa Ferreira, antigo Delegado de Ordem Política e Social, que se salientou pela
sua enérgica e eficiente campanha anticomunista, em todo o tempo que ocupou esse cargo, e
especialmente durante a revolução de 1932 [a chamada Revolução Constitucionalista de São Paulo]”
(Carta, 23/05/1933).
Referências

Carta de Nino Casale para A. I. Lodygensky. São Paulo, 25/11/1932. Archives de l’Entente Internationale
Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud 1924-1933, Bibliothèque
de Genève.
Carta de Boris de Potiekhin para Alexandre Lodygensky, São Paulo, 16/01/1933. Archives de l’Entente
Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud 1924-1933,
Bibliothèque de Genève.
Carta de Nino Casale para os diretores da EIA, São Paulo, 23/05/1933. Archives de l’Entente Internationale
Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud 1924-1933, Bibliothèque
de Genève.
718

Entente Internationale Contre la Troisième Internationale (EICTI)


Entente Internationale Anticommuniste (EIA)
Observação: Nesta ficha, salvo indicação contrária, as informações sobre a EIA foram retiradas das
teses de doutorado de Caillat (2012) e Roulin (2010).
A Entente Internacional Anticomunista foi possivelmente a primeira organização transnacional
explicitamente anticomunista, tendo se tornado o grupo mais importante e duradouro entre aqueles
que se dedicaram a essa causa durante a primeira metade do século XX. É difícil avaliar sua influência
real pois a ação da EIA foi geralmente confidencial e indireta.
A Entente foi criada em 1924, em Genebra, pelo advogado suíço Théodore Aubert (ver Ficha) e o
médico russo Georges Lodygensky. Eles estavam convencidos de que era o momento de lançar uma
segunda cruzada internacional contra o bolchevismo, não sob a forma de uma intervenção militar,
como em 1918-1920, mas como uma campanha de propaganda liderada por uma organização privada
operando como um centro de informações. Para Aubert e Lodygensky, a luta contra o comunismo
necessitava de uma organização em escala mundial que fosse capaz de resistir às ações
revolucionárias em várias frentes.
Aubert e Lodygensky conseguiram obter o apoio de alguns banqueiros de Genebra para financiar um
comitê de organização e levar seu projeto adiante. Em 13 de março de 1924, sob a direção de Aubert,
ocorreu a reunião constitutiva da Secretaria provisória (Bureau) do centro que, na concepção de seus
criadores, deveria agir como uma frente única, de essência liberal, conservadora e cristã, contra a
Terceira Internacional comunista. Nessa reunião estavam presentes a esposa de Aubert, o banqueiro
Gustave Hentsch e sua esposa, o químico genebrino Marc Cramer, o príncipe letão Anatole Lieven e
Georges Lodygensky.
Em junho de 1924, a Secretaria provisória organizou em Paris uma conferência internacional com o
objetivo de constituir a Entente Internationale Contre la Troisième Internationale (EICTI), com
participantes provenientes de nove países europeus: Grã-Bretanha, Finlândia, França, Noruega, Países
Baixos, Rússia e Iugoslávia. O nome da organização foi sugerido por Aubert, que considerava que o
termo “Entente” (acordo) seria adequado para representar a natureza “voluntária” da iniciativa, oposta
a uma organização rígida e excessivamente centralizada. O nome oficial rapidamente foi abreviado
para “Liga Aubert”, Entente Internationale Anticommuniste (EIA), ou simplesmente “Entente”. A
partir de 1937, apenas o nome EIA passou a ser utilizado na correspondência oficial.
A atuação da EIA era apoiada nos três seguintes pilares: 1) difusão de informação/propaganda; 2)
realização de eventos; 3) desenvolvimento de redes. Atividades menos claras e mais secretas também
foram realizadas pela Entente, como troca de informações com o Ministère Public de la
Confédération e com a polícia cantonal na Suíça, assim como com outras autoridades ou organizações
estrangeiras.
Para difundir informações/propaganda nos meios que pretendia influenciar, a Entente criou uma
série de publicações, cuja produção envolvia a leitura da imprensa comunista soviética e internacional
e a tradução de notícias e declarações consideradas relevantes. Em 1926 foi editada a Revue
internationale antibolchevique, que teve também edições em alemão e inglês. Entre 1926 e 1931 essa
revista foi editada na França com o título La Vague rouge. Entre 1927 e 1939 foi publicada uma
documentação mensal e diversos boletins de periodicidade irregular. O texto desse material costuma
ser repetitivo e muitas vezes as fontes são citadas de maneira imprecisa. Mas a EIA era a única
organização de sua época a traduzir grande quantidade de informação de publicações soviéticas.
719

Entre as obras de maior circulação produzidas pela Entente estão o Vade-Mecum antibolchevique
(1927), que tenta cobrir os principais campos de atuação do comunismo (elações internacionais,
família, filhos, mulheres, exército, etc.), a argumentação oral de Théodore Aubert no processo Conradi
(ver FICHA de Aubert) e Neuf ans de lutte contre le communisme (1933), uma espécie de catálogo de
ações realizadas pela EIA desde sua criação.
Os eventos organizados pela Entente serviam como espaço de encontro e intercâmbio. Eles possuíam
um caráter privado e os participantes eram selecionados com bastante cuidado. Os eventos mais
importantes e exclusivos eram as conferências internacionais da EIA, que reuniam os represantes das
organizações membro da Entente. Desde sua criação até a véspera da Segunda Guerra a EIA convocou
treze sessões do seu conselho internacional. A de 1924 ocorreu em Paris, a de 1926 em Londres, a de
1927 em Haia e a de 1938 em Bruxelas. As demais foram realizadas em Genebra.
O terceiro componente da atividade da Entente, o desenvolvimento de manutenção de redes, era
uma tarefa de longo prazo e menos visível. Envolvia troca de correspondências e realização de
reuniões. Aubert e seus colaboradores mais próximos realizaram, segundo Georges Lodygensky, 146
missões no exterior entre 1924 e 1939: 18 na Alemanha, 17 na Inglaterra, 16 na França, 13 na
Bulgária, 10 na Iugoslávia, 7 na Áustria, 7 na Bélgica, 6 na Holanda, 5 nos Estados Unidos, 3 na
Polônia, 2 na Tchecoslováquia, 2 na Suécia, 2 na Dinamarca, 2 na Espanha, 2 na Grécia, 2 na América
do Sul e 1 na Romênia.
Para lutar contra a ação de grupos subversivos e defender os princípios da ordem, da família, da
propriedade e da pátria, os fundadores da Entente optaram por uma estrutura "tão simples e flexível
quanto possível". Uma Secretaria (Bureau) permanente, localizado em Genebra, assumia a tarefa de
recolher o máximo de informação sobre as atividades do Comintern e trabalhar para o estabelecimento
de centros nacionais antibolcheviques, aos quais forneceria documentação adaptada à realidade local.
Os centros nacionais, que poderiam ser oficiais ou privados, seriam patrocinados por um comitê
secreto, composto por representantes de círculos políticos e econômicos. Adotando nomes como
“comitê de estudos”, buscavam ocultar sua verdadeira identidade e a origem de seus fundos. Eles
eram responsáveis por assegurar, em cada país, a colaboração de parlamentares que deveriam se tornar
oradores bem informados para intervir nos debates em que a ação da Terceira Internacional estivesse
em questão. Os centros deveriam também se esforçar para obter uma colaboração ativa das
organizações patrióticas pré-existentes. Uma vez por ano, os representantes dos centros afiliados se
reuniam em um Conselho Internacional, em Genebra, para discutir o direcionamento geral das ações.
A gerência da Secretaria era feita exclusivamente pelos membros residentes em Genebra e, mais
particularmente, por Georges Lodygensky e Théodore Aubert, a quem cabia qualquer decisão final. A
Secretaria ou Bureau permanente foi complementada por personalidades da elite conservadora de
Genebra. Aubert tinha inúmeras relações entre as instituições oficiais suíças, principalmente no
exército, e organizações privadas como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, sociedades
esportivas e patrióticas, assim como os grupos de defesa social que surgiram durante a greve geral de
1918. Aubert garantiu a colaboração do Coronel Alfred Odier, que fazia a ligação com o estado maior
do exército suíço, do advogado Jacques Le Fort, do banqueiro René Hentsch, do diplomata e
historiador Lucien Cramer, primo de Aubert, do coronel Guillaume Favre e do ex-ministro suíço em
Roma, Georges Wagnière. Este último, Cramer e Favre eram também membros do Comitê
Internacional da Cruz Vermelha.
Inspirada pelas estruturas postas em prática pelo adversário, a EIA desenvolveu, ao longo de sua
história, uma série de organizações auxiliares, destinadas a aumentar seus meios de ação e influência.
No final de 1924 foi criado um comitê financeiro para gerenciar a captação de recursos. A
contribuição dos centros nacionais foi fixada em cinco mil francos suíços por ano. Mas bancos,
720

companhias de seguro e grandes industriais suíços foram os principais contribuintes da Entente.


Apesar de ter criado diversas organizações auxiliares, descritas a seguir, a EIA nunca procurou se
tornar um movimento de massas. Ela se apresentava, acima de tudo, como uma rede de influência que
atuava entre as elites políticas, econômicas e culturais.
Comissão Pro Deo - Também em 1924 foi criada uma Comissão Religiosa, com existência efêmera,
mas que foi recriada em 1933 sob o nome de Comissão Pro Deo (para mais informações, ver
ROULIN).
Em setembro de 1926, René Gampert e Raymond Vernet foram convidados a criar uma seção de
juventude e de organizações internacionais, com a ajuda do filho mais velho de Aubert, Édouard.
Logo após sua formação, a seção prescreveu aos centros nacionais que estes interviessem junto aos
parlamentares de seus países – para que estes interpelassem os respectivos governos sobre a questão
da propaganda comunista entre os jovens – e pressionassem as associações de pais de alunos –
incentivando-as a denunciar os professores afiliados a organizações revolucionárias, tais como a
Internationale des Travailleurs de l’Enseignement. Aparentemente, a atividade da seção se limitava ao
envio de documentos sobre organizações comunistas. Ela parecia estar adormecida até 1936, quando,
como reação à proposta de realização de um Congresso Mundial da Juventude para a Paz em Genebra,
surge uma campanha liderada por alguns membros dos movimentos juvenis do Partido Liberal e da
União Nacional.
Um “escritório da juventude” (bureau de jeunes), ligado à Secretaria permanente da EIA, foi criado
com a tarefa de estabelecer ligações constantes com diferentes movimentos de juventude, sobre a base
de uma crença nacional cristã comum. Seu diriginte era o filho mais velho de Georges Lodygensky,
Wladimir Lodygensky (ver FICHA), então com 19 anos, assistido por sua futura esposa, Rose Marie
Béatrice de Salis. Eles criaram cursos anticomunistas para jovens protestantes e católicos. Wladimir
participou de várias reuniões no exterior, incluindo a do Antikomintern, realizada em novembro de
1936, na Alemanha. Esteve também presente no encontro da associação protestante de direita “La
Cause” em Paris, em dezembro de 1936.
O Institut international d’action morale, économique et sociale antimarxiste (IIA) foi criado em
1935 pela Secretaria da EIA como resposta à sua incapacidade de mobilizar os círculos econômicos na
luta contra a União Soviética – vista como resultado da falta de informação ou de uma “educação
política” entre os empresários.
Action mondiale des Femmes contre le bolchevisme et la guerre (1936) dirigida por Edith Hentsch,
esposa de René Hentsch.
A Secretaria da EIA se esforçou para estabelecer centros nacionais em todos os países europeus,
buscando o apoio de grupos de ação moral, cultural ou religiosa que se opunham aos valores
igualitários de 1789 e à modernidade. Os resultados foram diferentes em cada local e poucos centros
foram criados no modelo desejado pela Entente. Contudo, por volta de 1930, a Secretaria já contava
com diversas estruturas ad hoc e estava em contato com personalidades representativas o bastante
para difundir sua propaganda e retransmitir sua ação na maioria dos países europes, com exceção
apenas daqueles que faziam fronteira com a União Soviética.
A partir de 1925 a Entente começou a conquistar correspondentes nos países escandinavos, bálticos,
eslavos e balcânicos – que integravam o “cordão sanitário” antibolchevique – procurando-os nas
habituais categorias de simpatizantes: diplomatas, uniões cívicas, migrantes, militares, funcionários
públicos, etc. Entre os correspondontes mais fieis, que participavam regularmente das conferências
anuais da EIA, destacam-se: na Noruega, o capitão Fougner, da União Cívica, e Øgvinn Øi, da Liga
721

Samfundvernet; na Finlândia, o marechal Car Gustaf Emil Mannerheim e o professor Kaarle Sanfride
Laurila, dirigente da Federação para a Salvaguarda da Finlândia; na Letônia, o pastor Oskar Schabert;
na Polônia, Eline de Peplowska e Henryk Glass1179, présidente e vice-presidente do Bureau central de
organizações anticomunistas da Polônia e M. Jedrzejevski; na Tchecoslováquia, Alfred Schebeck e
Nikolaï Jekouline; na Hungria, Aladar von Boor, funcionário do Ministério de Interior e Zoltan
Bencs; na Bulgária, o coronel Troyanov, secretário geral da União de oficiais da reserva; na
Iugoslávia, Nicolas Petrovitch, cônsul geral em Genebra. A Entente teve dificuldades para manter
contato com a Romênia. Na Áustria, a EIA conseguiu estabelecer relacionamentos duradouros com o
coronel Ottokar Procházka, o príncipe Jean de Liechtenstein e o coronel Clemens von Walzel, que foi
oficial da inteligência austríaca durante a Primeira Guerra Mundial.
Lodygensky e Aubert decidiram constituir uma “seção russa” na EIA, tratando a emigração russa
como uma nação sem território, colocada em pé de igualdade com os estados nos quais a Entente
possuía centros nacionais. Em 1927, Alexandre Lodygensky, irmão de Georges, foi trazido da
Hungria para a França a fim de ocupar o cargo de secretário da seção russa da Entente.
Em maio de 1931 a EIA se aproveitou da presença dos líderes da Federação Internacional dos
Sindicatos cristãos em Genebra, os quais iriam participar da XV Conferência da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), para dar seguimento a um projeto de organização de trabalhadores
russos cristãos. Essa ideia estava integrada a um objetivo ambicioso: construir um movimento
internacional de trabalhadores que atuasse na “defesa dos trabalhadores contra a exploração
comunista”. A Secretaria da EIA estava convencida de que as Igrejas aceitariam uma ideia que
responderia às aspirações das encíclicas papais Rerum Novarum de maio de 1891 e Quadragesimo
Anno, de maio de 1931. Alexandre Lodygensky considerava que a seção russa da EIA, pela presença
“quase universal” da emigração, poderia desempenhar um papel privilegiado no desenvolvimento
desse movimento operário antimarxista.
Em outubro de 1931, ele reuniu em Saint-Julien-en-Genevois, cidade onde residia, uma “pequena
conferência consultiva”, com a presença de alguns poucos antigos oficiais do exécito branco. Desse
encontro surgiu o Mouvement des Travailleurs chrétiens russes (MTCR). Como presidente do
movimento, cabia a Alexandre Lodygensky reunir e enquadrar ideologicamente os exilados que
tinham se tornado operários nos países onde foram acolhidos. A França e os Bálcãs (especialmente
Iugoslávia e Bulgária), foram as principais áreas de atuação do MTCR.
BÉLGICA - Em outubro de 1924, Jean Spiltoir (1885-1953), diretor da União Cívica da Antuérpia,
com quem Aubert mantinha contato desde 1921, e que fora nomeado representante belga no conselho
internacional da Entente, criou uma “comissão de concentração” para apoiar a ação de um futuro
centro nacional na Bélgica. Ele reuniu alguns indivíduos representantes dos interesses empresariais,
colonais e marítimos. No início de 1925, Spiltoir fundou a Société d’Études politiques, économiques
et sociales – Sociedade de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (SEPES), da qual era o
secretário geral, como uma associação sem fins lucrativos com sede em Bruxelas. Administrada por
um comitê diretor que representava oficialmente a sociedade, sua organização geral compreendia um
comité de patronage, comissões técnicas, um conselho geral e grupos de estudo. A SEPES também
distrubuía certas publicações e editava um boletim bimensal. Um serviço de conferência, um serviço

1179 Aubert conheceu Henryk Glass em um congresso do movimento escoteiro em outubro de 1926. Glass chegou a
estabelecer um centro da Entente em Varsóvia, mas aparentemente a atividade dessa organização foi dificultada pelo fato de
ser composta por indivíduos pertencentes à oposição de direita ao regime do Marechal Pilsudski. De acordo com
Zimmerman (2015, p. 357), além de um apaixonado anticomunista, Glass era também abertamente antissemita. Durante a
Segunda Guerra ele integrou o departamento do Bureau de Informação e Propaganda do Exército Nacional conhecido como
Antyk, abreviação de comitê anticomunista, que deveria combater a propaganda comunista e pró-soviética.
722

de cinema, um escritório agrário e um serviço de realizações sociais, rebatizado posteriormente de


serviço social, também foram criados.
Além de sua função de organismo de propaganda, sua face pública, a SEPES possuía um Serviço de
Documentação e Informação confidencial, do qual se ocupava Spiltoir. Ele confiou a Carl Peters,
chefe da seção da SEPES na Antuérpia, a tarefa de estabelecer uma rede de informantes. Peters tinha
trabalhado em 1923 para a Sûreté militaire do exército belga como especialista em comunismo. A rede
de informantes deveria ser posta sob o comando de cerca de trinta inspetores, todos antigos agentes da
Sûreté militaire ou gendarmes aposentados. Peters se responsabilizou pelo monitoramento do porto de
Antuérpia e elaborou “listas negras” com o nome dos estivadores pertencentes ao Club des Marins
Révolutionnaires. Ele também treinou equipes encarregadas de roubar documentos na sede de
organizações comunistas e sindicatos. As informações reunidas eram encaminhadas aos órgãos
oficiais e, conforme o caso, à Secretaria permanente da EIA ou a outros de seus centros nacionais.
Para combater eficazmente a penetração comunista no interior das fábricas, Spiltoir defendia a adoção
dos mesmos instrumentos utilizados pelos adversários, com a formação de células anticomunistas
nesses locais. Spiltoir também criou um “órgão de ação”, a Sûreté commerciale et industrielle
(Surcomin), uma sociedade anônima da qual ele detinha 94% das quotas, que fornecia às empresas o
serviço de guardas recrutados entre ex-policiais capazes de neutralizar as células comunistas. Um sub-
serviço de ligação e de inspeção era encarregado de manter contato entre as instituições, conduzir
investigações externas e manter o “registro geral”, abastecido por informações repassadas pelas
próprias empresas, a fim de identificar os elementos considerados indesejáveis. A Surcomin era
também uma fonte de financiamento oculto da SEPES, graças aos valores pagos pelos empresários em
troca das missões de vigilância e inteligência que ela efetuava e também graças à contribuição do
Comité central industriel, que ocorria desde 1926. Quando o Surcomin foi dissolvido, em 1933, a
contribuição foi diretamente alocada à SEPES. Os círculos bancários também apoiavam sua atuação,
epecialmente depois que Léon Greindl, um antigo administrador do Banque de Bruxelles se tornou
presidente da SEPES.
Na FRANÇA, Aubert e Lodygensky entraram em contato com os representantes das uniões cívicas e
das grandes associações econômicas, como Jean Larmeroux, jovem presidente da Union de la
Propriété bâtie de France e da Union internationale de la Propriété foncière bâtie, o general Billier,
dirigente da Union des Intérêts économiques, e o general Balfourier, presidente da Confédération
nationale des Unions civiques de France. Jean Larmeroux tinha, entretanto, ambições que
dificultaram a criação do centro nacional da Entente na França. Seu projeto de reagrupar dentro de
uma confederação as organizações de defesa cívica e aquelas que representavam os interesses de
proprietários e empresários rivalizava com o projeto de Aubert. Este se viu obrigado a procurar outros
indivíduos dispostos a realizar em Paris o trabalho que Spiltoir vinha fazendo em Bruxelas.
As perspectivas iniciais eram melhores no Alto Reno, região da Alsácia, onde Max Dolffus, parente de
Aubert, havia se comprometido a arrecadar fundos para a Secretaria da Entente, recorrendo a sua rede
de relações que incluía empresários da região. Em 1925, aparantemente inspirado no modelo proposto
por Spiltoir, Dollfus criou um centro de defesa contrarrevolucionário na cidade de Mullhouse. Este
deveria contar com um comitê secreto de seis ou sete pessoas e um fundo financiado pelas empresas,
casas comerciais e bancos da região. Seria encarregado de organizar a defesa local, apoiando-se, por
um lado, em uma estrutura capaz de garantir o fornecimento de serviços em caso de greve geral e, por
outro, em uma milícia armada.
Dollfus colocou Aubert em contato com Ernest Mercier, magnata à frente de um grupo de empresas de
eletricidade e de petróleo, com interesses vinculados aos do banco Crédit Lyonnais. Mercier se
dedicava à popularização dos princípios do fordismo na França e, em 1925, fundou o Redressement
723

français, um movimento destinado a promover sua visão tecnocorporativa da sociedade. Dollfus


acreditava que a Entente poderia trabalhar com o Redressement français fornecendo subsídios para
sua campanha contra o Cartel des gauches. Com a concordância e apoio financeiro de Mercier, Aubert
assumiu a edição francesa da Revue internationale antibolchevique (que em 1927 passaria a se chamar
La Vague rouge), impressa em Paris sob a responsabilidade de Gustave Gautherot, então professor do
Instituto Católico de Paris. Gautherot, que se tornou um colaborador regular da Entente, foi
posteriormente senador por Loire inférieure (1932-1941).
Na França, Aubert também conseguiu contar com a colaboração de Frédéric Eccard, jurista e senador
pelo Baixo Reno (1920-1936). Contudo, apesar de Eccard, através de suas relações, assim como
Gautherot, por meio de seu trabalho, terem conseguido ampliar a influência da Entente no meio
governamental francês, os resultados do trabalho na França em 1929 ainda eram insatisfatórios, se
forem consideradas as ambições expressas em 1924. Isso foi parcialmente compensado em 1930, com
a criação da Poste P/A, uma organização de inteligência privada, ligada a grandes grupos patronais e
liderada pelo coronel Robert Lainey que, até junho de 1930, era o chefe do Deuxième Bureau do
Estado-Maior do exército francês (serviço de inteligência militar). O comandante Julien Terres, que
também tinha carreira no serviço secreto francês, era o braço direito do coronel Lainey nessa
organização descrita como "serviço secreto do serviço secreto". Robert Terres, filho de Julien, que
também trabalhou na Poste P/A entre 1935 e 1939, afirmou que, em certo sentido, os membros da
organização atuavam como detetives particulares do Deuxième Bureau, já que a natureza civil da
Poste P/A permitia que ela realizasse investigações policiais em princípio proibidas para um serviço
de inteligência militar.
A organização, que manteve estreito contato com a Secretaria da Entente em Genebra, era financiada
principalmente pela Compagnie universelle du Canal maritime de Suez (a empresa que construiu o
Canal de Suez e o operou até 1956) e pelo Comité des Forges (organização patronal do setor
siderúrgico que foi dissolvida em 1940). No plano doméstico, ela se dedicava à espionagem de
partidos de esquerda e sindicatos, bem como à investigação de empresas que tinham relações com a
União Soviética. Também colaborava com os serviços oficiais, vigiando grupos e agentes que
trabalhavam para potências estrangeiras. No plano internacional, por meio de sua colaboração com a
Entente, reunia informações políticas sobre os vários partidos comunistas europeus e dados de
natureza diversa sobre a União Soviética, que encaminhava ao Deuxième Bureau.
Em 1934, o coronel Lainey se empenhou na criação de um centro francês contra o bolchevismo, com
o apoio financeiro de simpatizantes da Fédération nationale catholique. O nome da organização,
Dieu-Patrie-Famille, indicava sua orientação tradicional e religiosa. Gautheerot e Eccard aceitaram,
respectivamente, a presidência e vice-presidência do conselho criado para administrar o novo e
modesto centro, que deveria cobrir os campos de atuação da Entente, da Comissão Pro Deo e do
Instituto Antimarxista, que estava sendo criado pela Secretaria Permanente.
Preocupados com a criação das frentes populares, os dirigentes da Entente defenderam a necessidade
de “uma ação cívica resoluta e incansável por parte de todos os patriotas”. No dia seguinte às eleições
que levaram a esquerda ao poder na França, em 1936, o diretor do Centre de propagande des
républicains nationaux de Lyon, Marcel Didier, visitou a Secretaria da Entente em Genebra. Ele
estava decidido a organizar uma conferência especial para analisar as ações a serem tomadas. Esta
ocorreu em Genebra, em outubro de 1936, e reuniu quarenta e sete pessoas: além dos membros da
Secretaria permanente e seus representantes franceses – coronel Lainey, Gautherot e Eccard –, havia
dirigentes de organizações patronais suíças, dirigentes de organizações da direita católica, o Conde
Charles de Kergorlay, da Action française, E. du Vivier de Streel, presidente da Union civique de
France, Jean Morel, secretário geral da Radio-France, entre outros. Aubert, em discurso de abertura
724

da conferência, defendeu a proibição do Partido Comunista Francês e de suas organizações auxiliares


como condição para evitar uma guerra civil, uma "revolta revolucionária comunista" que poderia
ocorrer a qualquer momento. Para por fim à insuficiente consciência sobre a natureza do comunismo e
divulgar informações sobre a preparação da conspiração comunista na França, foi proposta a criação
de um organismo de propaganda em Paris, sob a égide do centro francês da EIA, a organização Dieu-
Famille-Patrie criado por Lainey. O nome da organização seria modificado para uma formulação
neutra, análoga à adotada pelo centro belga (Société d’Études politiques, économiques et sociales),
uma camuflagem útil, segundo Aubert. Depois da conferência, Lainey conseguiu estabelecer um
centro de coordenação com todos os principais grupos franceses. E um contato foi estabelecido com o
marechal Pétain, provavelmente por Gautherot. Em junho de 1937, Pétain recebeu Georges
Lodygensky em Paris e teria declarado conhecer a ação da Entente havia bastante tempo. Apesar de
afirmar ter bastante estima pela EIA, teria preferido não se envolver com seu trabalho para não ser
alvo de insinuações e falsas acusações. O trabalho do centro de coordenação não sobreviveria à morte
do coronel Lainey em outubro de 1937. A colaboração da Entente com a Poste P/A, cuja direção foi
assumida pelo comandante Terres, permaneceu ocorrendo até 1939, quando essa organização encerrou
suas atividades.
Os depositários dos arquivos da Entente deixaram poucas evidências sobre as atividades de seus
representantes na França após o início do conflito germano-soviético. Sabe-se que Alexandre
Lodygensky viajava frequentemente entre seu domicílio, Saint-Julien, cidade francesa na fronteira
com a Suíça, Lyon, Vichy, Paris e Genebra, mantendo contato com Terres. Alexandre intermediou as
relações da Entente com os serviços oficiais de Vichy. Os dirigentes da EIA se preocupavam com a
situação da França derrotada, que era vista como seriamente ameaçada pela propaganda comunista.
No final de 1940, o ultra-conservador católico François Valentin, diretor da Légion française des
combattants, se encontrou com Aubert, em Genebra, para estabelecer formas de colaboração. Dessa
conversa resultou a criação do Centres d’Études sociologiques, sob a direção do jurista Charles-Émile
Riche, encarregado de coletar informações sobre o comunismo. Um dos funcionários do centro era
Élie Lodygensky, filho de Alexandre. Ele foi encerrado em janeiro de 1943, quando la Milice foi
criada pelo governo de Vichy para lutar contra la Résistance. Èlie Lodygensky se uniu à Milícia em
março de 1943. Refugiados na Suíça, Alexandre e Élie foram condenados à morte, em 1947, pelo
tribunal de Chambéry, na França. No mesmo ano, eles foram embora da Suíça.
INGLATERRA - Em 1925, a EIA passou a contar um centro nacional na Inglaterra, a Economic
League (EL). Essa organização foi criada em 1919 como resposta dos empresários britânicos ao
crescimento dos sindicatos, dos socialistas e comunistas depois da Primeira Guerra Mundial. Para os
organizadores da Liga Econômica, esse crescimento seria resultado da ignorância das questôes
econômicas por parte do grande público. Um de seus objetivos era, então, difundir publicações e criar
grupos de estudo para explicar as bases de funcionamento do capitalismo. A Liga realizava o
“fichamento” dos trabalhadores “subversivos” em colaboração com as forças policiais. Desde sua
criação, a organização mantinha relações com os serviços de uma rede secreta de inteligência, o
Industrial Intelligence Board, organizada em células independentes entre si e dirigida por George
Makgill. Este, em 1923, recrutou John Baker White, que havia trabalhado para o Serviço de
Inteligência da Polícia. Baker White assumiu a direção da “Seção D”, a célula especial dedicada à luta
anticomunista e, em 1926, se tornou o diretor da Economic League. Apesar de ter permanecido como
o centro nacional da EIA até 1939, a EL não foi a fonte de renda esperada pela Secretaria em Genebra,
visto que as forças da organização estiveram focadas principalmente na Grã-Bretanha.
Nos PAÍSES BAIXOS, a EIA inicialmente estabeleceu contato com a National Bond tegen Revolutie,
725

uma organização do tipo “guarda cívica” com atuação marginal, que assumiu o papel de centro
holandês da Entente. Em 1927 ocorreu uma aproximação com Marie Willem Treub, ex-ministro da
Economia que possuía uma importante rede de relações na Holanda – incluía, por exemplo, o magnata
Henri Deterding, da Royal Dutch-Shell – e se uniu à EIA na criação de um Bureau colonial em Haia,
a fim de organizar no plano internacional a defesa das colônias contra o bolchevismo.
Treub era presidente do comitê de empresários das Índias Holandesas (Ondernemersraad voor
Nederlandsch-Indië) e tinha alianças com os políticos católicos Octave van Nispen tot Sevenaer e
Alphonse Steger. Estes serviriam como porta de entrada para a Entente na Alemanha católica, através
de seus contatos com organizações de juventude alemãs e com o bispo de Colônia. Após a morte de
Treub em 1931, a EIA manteve sua colaboração com um de seus ex-funcionários, o publicitário
Horace van Gybland Oosterhoff, que mantinha relações privilegiadas com a Alemanha nazista e em
1933 participou da fundação do Verbond Nationaal Herstel, um partido político de tendência
conservadora, autoritária e fascista.
Na ITÁLIA, o projeto da Entente atraiu a simpatia de alguns representantes da aristocracia: o Conde
Ponzone, correspondente em Lausanne no La Tribuna, o Conde Giuseppe Della Gherardesca – que
teria participado da marcha sobre Roma e mantinha relações de amizade com Georges Lodygensky –
e o Conde Guido Vinci, representante da Cruz Vermelha Italiana no Comitê Internacional e secretário
do Fascio de Genebra. Ainda em 1924, Aubert tentou convencer della Gherardesca a criar um centro
da Entente na Itália e pediu a Guido Vinci que solicitasse apoio às instâncias do partido fascista. O
Conde della Gherardesca obteve a colaboração do senador Enrico Corradini, que conseguiu organizar
um encontro entre Aubert e Mussolini no início de 1925.
Nessa conversa, Aubert expressou ao “Duce” o seu desejo de que a EIA tivesse um centro na Itália.
Este não poderia ser uma mera emanação do partido fascista, já que a Entente não se associava a
partidos políticos, mas os fascistas poderiam fazer parte do centro da EIA, que também deveria ser
composto por grupos econômicos e associações patrióticas. Aubert também explicou a Mussolini que
seria desejável que o centro fosse secreto, mantendo apenas uma secretaria permanente de
conhecimento público. Contudo, Mussolini não demonstrou interesse em criar na Itália um comitê
privado e dependente de uma organização estrangeira.
As relações com a Itália foram por muito tempo infrutíferas, mas se tornaram muito próximas a partir
de 1937, quando o país aderiu ao pacto Antikomintern assinado alguns meses antes entre a Alemanha
e o Japão. Nesse ano foi criado em Roma, por Mussolini, um Centro de Estudos Anticomunistas
(Centro di Studi Anticomunisti). Seu presidente, Antonio Pagliaro, se tornou o correspondente oficial
da EIA na Itália e o Centro forneceu importante contribuição financeira à Entente. Pagliaro foi
sucedido por Guido Rispoli em 1939.
Entre 1939 e 1940, Aubert e Rispoli, junto a seu colaborador Renato Picchiotti, conversaram sobre a
“questão dos Bálcãs” e elaboraram um plano de ação para a região, onde a Entente era bastante ativa e
o MTCR de Alexandre Lodygensky possuía muitos contatos. Os fundamentos de cooperação secreta
entre a EIA e o Centro italiano foram estabelecidos na forma de um acordo segundo o qual as duas
partes se comprometiam, entre outras coisas, a respeitar aos interesses nacionais dos países onde o
trabalho anticomunista seria realizado, assim como a independência da EIA, cujo trabalho não teria
outro objeto senão a luta contra a Internacional comunista e a União Sovietica. A EIA também se
comprometia a obter o consentimento do Centro de Estudos Anticomunistas antes da realização de
qualquer ação nos Bálcãs. Desse modo, o acordo representava um aval à política exterior de Mussolini
na região.
O ambicioso projeto da EIA elaborado junto à organização italiana foi afetado pela ofensiva alemã de
726

maio de 1940. Mas a derrota da França e a entrada da Itália na guerra não interromperam a
colaboração da Secretaria da Entente com Roma. Em setembro de 1940, Georges Lodygensky
solicitou a ajuda de Rispoli a fim de obter um visto de trânsito para seu irmão Alexandre, cidadão
francês, para que esse viajasse novamente aos Bálcãs. As observações feitas por Alexandre, que esteve
em Sofia e Belgrado em fevereiro de 1941 foram encaminhadas a Roma.
ALEMANHA - Em agosto de 1926 o Coronel Odier, representando a EIA, fez contato em Berlim
com o capitão aposentado Wilhelm Widenmann – líder do Deutscher Überseedienst, que seria então a
principal organização secreta em luta contra o bolchevismo na Alemanha – e com Hans Danckwerts,
secretário dessa organização e responsável por seu departamento oriental, o qual editava um boletim
de propaganda anticomunista destinado a políticos e grandes empresários. A partir de então, o
Deutscher Überseedienst representou a EIA na Alemanha, comprometendo-se a pagar uma
contribuição anual de cinco mil francos à Secretaria em Genebra. Aparentemente, a Secretaria da EIA
não sabia, até 1928, que o Deutscher Überseedienst era um centro de informação e inteligência
privada, criado sob o nome Bureau Nuntia, que desde 1918 trabalhava em conexão com o Reichswehr,
os seviços secretos, o comando militar e o Ministério do Interior. A partir desse momento eles
passaram a agir com cautela: retiraram da organização o status de representante oficial da Entente na
Alemanha, mas mantiveram relações com seus funcionários.
Até 1933, a Secretaria da EIA não conseguiu estabelecer na Alemanha um centro nacional capaz de
mobilizar os meios nacionalistas para a luta antibolchevique da maneira que havia planejado. Naquele
ano, a chegada de Hitler ao poder deu início a uma cooperação entre a Entente e o Antikomintern,
organização vinculada ao ministério de propaganda nazista. A aproximação da EIA ao Antikomintern
ocorreu através de relações político-religiosas, que colocaram Georges Lodygensky em contato com o
diretor dessa organização, Adolf Ehrt, que também havia sido diretor da seção de informação da
Evangelischer Pressedienst (Serviço de Imprensa Evangélica). Lodygensky foi informado sobre a
criação do Antikomintern antes de seu anúncio oficial e sabia do envolvimento do ministério de
Goebbels na iniciativa.
Em 1934, Ehrt transmitiu a Jacques Le Fort, que se encontrava na Alemanha, a proposta inicialmente
formulada por Taubert de organizar um grande evento internacional anticomunista em Berlim. A ideia
era convocar o encontro para o outono daquele mesmo ano, sob a égide da EIA e a presidência de
Aubert. O Antikomintern atuaria como comitê local de organização. Apesar de se interessar pela
proposta e reconhecer sua importância, a Secretaria da EIA solicitou um prazo maior para sua
realização, já que estava envolvida com a campanha que tentava impedir a admissão da União
Soviética na Liga das Nações.
Em julho de 1936, Le Fort novamente recebeu de Ehrt a proposta de que o evento internacional fosse
discutido pela EIA, o Antikomintern e personalidades que estivessem trabalhando ativamente contra o
comunismo. A Secretaria da Entente aceitou o convite para participar de um encontro preparatório
realizado em Fribourg im Brisgau, em outubro de 1936. A reunião propriamente dita, que discutiria o
evento internacional, ocorreria em novembro, em Feldafing. Ela foi organizada como uma conferência
secreta e foi prestigiada por Goebbels, que participou de uma recepção aos seus participantes. Da
delegação suíça faziam parte Georges e Wladimir Lodygensky, René Hentsch e Jacques Le Fort.
Wladimir Lodygensky apresentou as atividades da Commission de liaison de la Jeunesse chrétienne
et patriotique, da qual fazia parte, condenando os países “ditos liberais” como a França, onde a
juventude seria, segundo ele, educada em um meio antipatriótico e antirreligioso.
727

Estudos realizados sobre a EIA: Os arquivos da EIA foram depositados na Biblioteca Pública e
Universitária de Genebra em 1950 por Théodore Aubert. Ele pediu ao diretor da biblioteca, Henri
Delarue, que o acesso aos arquivos fosse restrito aos pesquisadores que pudessem comprovar estar
inteiramente livres de qualquer apego ou ou simpatia com relação ao bolchevismo, ao marxismo, ao
comunismo, à União Soviética, à Internacional Comunista e ao ateísmo. Em função disso, nos anos
que se seguiram, apenas Jacques Freymond, o diretor do Institut de Hautes Etudes Internationales em
Genebra, instituição em que dominava o anticomunismo, teve acesso a esse acervo. Em 1976,
Édouard Aubert, filho de Théodore, solicitou à biblioteca que a proibição do acesso público aos
arquivos da EIA fosse prolongado por mais quinze anos. A existência desse acervo foi desconhecida
pelos historiadores por bastante tempo. O mesmo ocorreu com relação ao manuscrito de Georges
Lodygensky que conta a história da Entente e foi depositado pelo autor em outubro de 1975 na
Hoover Institution, em Stanford, Califórnia.
O jornalista Brian Crozier – que, ao entrevistar o general Franco para a biografia que escreveu sobre
ele na década de 1960, soube da influência que a EIA teve sobre sua formação ideológica – tentou
localizar os arquivos da organização, mas não teve sucesso. Anos mais tarde, o historiador Herbert
Southworth, que preparava um livro sobre a visão de mundo desenvolvida pelo ditador espanhol 1180,
estava convencido de que os arquivos da EIA não poderiam ter sido destruídos, em função de sua
importância para Aubert. Southworth confirmou essa intuição quando teve acesso ao manuscrito de
Lodygensky, em Stanford. No final da década de 1990, ele conseguiu comprovar a existência desses
documentos, conservados na biblioteca de Genebra.
Nessa época, Mauro Cerutti, professor da Université de Genève, chamou a atenção de Michel Caillat
para a existência desse acervo e o incentivou a pesquisá-lo. Desse trabalho resultou sua tese de
doutorado, defendida em 2012. O acervo também foi consultado por Stéphanie Roulin, em função de
sua tese de doutorado sobre a comissão Pro Deo 1181. Também a partir desses documentos, Nuno
Pereira produziu uma pesquisa sobre o centro nacional fundado pela EIA em Lisboa 1182; Yves Joset
estudou a tentativa de criar um centro nos Estados Unidos1183; Marc Swennen descreveu os
movimentos anticomunistas na Bélgica na década de 1920; Romain Bischoff estudou a relação entre a
EIA e a Suíça1184 e Béatrice Penati escreveu sobre as relações estabelecidas pela EIA com o Japão 1185.
Michel Caillat também esteve envolvido na publicação do manuscrito de Georges Lodygensky, em
20091186.
Fontes:
CAILLAT, M. L’Entente internationale anticommuniste de Théodore Aubert – Organisation interne, réseaux et action
d’une internationale antimarxiste. Tese (Doutorado em História), Université de Genève, Genebra, Suíça, 2012.
CAILLAT, M. L’Entente internationale anticommuniste, 1924-1939: lorsque Genève était la capitale mondiale de
l’anticommunisme. emancipaciónS, Cahiers emancipaciónS. n. 110, 2007. Disponível em:

1180 SOUTHWORTH, H. R. Conspiracy and the Spanish Civil War: the brainwashing of Francisco Franco. New York:
Routledge, 2002.
1181 Roulin, Stéphanie, Un Credo anticommuniste – La commission Pro Deo de l’Entente internationale anticommuniste
ou la dimension religieuse d’un combat politique, 1924-1950, Lausanne, Antipodes, 2010.
1182 Pereira, Nuno Miguel, Entre anticommunisme et soutien à la dictature: l’Entente internationale anticommuniste et le
Portugal (1925-1939), mémoire de licence, sous la direction de Mauro Cerutti, Université de Genève, février 2005.
1183 Joset, Yves, L'Entente internationale anticommuniste et les États-Unis, Chronique d'un rendez-vous manqué (1924-
1950), mémoire de licence sous la direction de Mauro Cerutti, Université de Genève, 2005.
1184 Bischoff, Romain, L’Entente internationale anticommuniste et la Suisse – Problèmes et limites d’une collaboration,
mémoire de licence, Université de Genève, juin 2008.
1185 Penati, Béatrice, “Un point de vue genevois sur l’anticommunisme japonais (1924-1941)”, Genève, 2008.
1186 LODYGENSKY, Georges, Face au communisme – 1905-1950 – Quand Genève était le centre du mouvement
anticommuniste mondial, édition préparée et présentée par Youri Lodygensky et Michel Caillat, Genève, Slatkine, 2009.
728

<www.solidarites.ch/emancipations>.
CAILLAT, M. L’entente internationale anticommuniste de Théodore Aubert et ses archives. Chronos, 2006. Disponível
em: <http://www.e-periodica.ch/digbib/view?pid=tra-001:2006:2::19>. Acesso em: 28 maio 2019.
CAILLAT, M. et al. Une source inédite de l’histoire de l’anticommunisme : les archives de l’Entente internationale
anticommuniste (EIA) de Théodore Aubert (1924-1950). Matériaux pour l’histoire de notre temps, v. 73, n. 1, p. 25–31,
2004.
ROULIN, S. Un credo anticommuniste: La commission Pro Deo de l’Entente Internationale Anticommuniste
ou la dimension religieuse d’un combat politique (1924-1945). Tese (Doutorado), Université de Fribourg, Friburgo, Suíça,
2010.
ROULIN, S. A martyr factory? Roman Catholic crusade, Protestant missions and anti-communist propaganda against
Soviet anti-religious policies, 1929-37. Twentieth Century Communism, v. 7, n. 7, p. 153–173, 4 nov. 2014.
SWENNEN, M. Les mouvements anticommunistes dans les années 1920. Courrier hebdomadaire du CRISP, v. 2059, n.
14, p. 5, 2010.
ZIMMERMAN, J. D. The Polish underground and the Jews, 1939-1945. New York, NY: Cambridge University Press,
2015.
729

Fonte: Garcia, 2014.

GUATEMALA
A revolução de 1944 na Guatemala, principalmente depois da reforma agrária promovida por Arbenz
em 1952, levou o país a ser chamado de “ilha de esperança” (GARCÍA, 2014). Segundo Grandin
(2004), ela foi “duplamente importante”:

Além de engendrar uma das democracias mais inspiradoras do pós-guerra, teve, em 1954, a triste distinção de
sofrer a primeira intervenção norte-americana na América Latina durante a guerra fria, uma operação ambiciosa
que se valeu não só do tradicional poder militar, econômico e diplomático dos Estados Unidos para depor
Jacobo Arbenz, um presidente eleito democraticamente, como de técnicas inovadoras tomadas de empréstimo à
psicologia de massa, à mídia e à publicidade (GRANDIN, 2004, p. 18).

Streeter (2000, p. 32) afirma que uma análise da intervenção de 1954 na perspectiva da história da
Guatemala, demonstra que a “Libertação” acabou com um dos períodos mais profundos de
transformação econômica, política e social no país. Mesmo sendo impossível saber o que teria
acontecido se os “dez anos de primavera” não tivessem sido encerrados com um golpe contra o
presidente Arbenz, é plausível afirmar que a intervenção patrocinada pela CIA apressou o colapso do
governo e justificou a repressão em nome do anticomunismo. Ao apoiar esse processo, a
administração Eisenhower se tornou responsável por gerir a contrarrevolução naquele país. Essa
interpretação de Streeter endossa a do North American Congress on Latin America (NACLA), que em
1974 afirmou que os Estados Unidos ajudaram Castillo Armas e seus sucessores a promover uma
730

contrarrevolução na Guatemala. Nesse processo foi necessário estabelecer novas instituições, para
atender às necessidades da burgueria guatemalteca e investidores estrangeiros, e reprimir o
movimento popular que tinha produzido a Revolução de 1944 e continuava a simbolizá-la
(STREETER, 2000, p.2).
De acordo com Grandin (2004, p. 40), ainda antes da posse de Jacobo Arbenz, em 1951, “pretensos
libertadores se puseram a peregrinar constantemente à embaixada norte-americana” na Guatemala, em
busca de patrocínio”. Embora essa ajuda tenha sido cordialmente recusada pelos diplomatas do
Departamento de Estado, a CIA “cuidou de cultivar aliados potenciais”. No início de 1952, o General
Walter Bedell Smith (diretor da CIA entre outubro de 1950 e fevereiro de 1953) solicitou ao chefe da
Western Hemisphere Division, J. C. King (ver FICHA), que este avaliasse se os dissidentes
guatemaltecos, com a ajuda de ditadores de outros países da América Central, tinham a capacidade de
depor Arbenz. Em março, King enviou um agente à Guatemala para identificar a existência de uma
oposição organizada e descobrir se a CIA teria condições de “comprar apoio”, especialmente do
Exército, Guardia Civil e figuras importantes do governo (CULLATHER, 1999, p. 28). O referido
agente também deveria analisar as opções de “imobilização” das “forças não compráveis”1187.
Em abril de 1952, Anastasio Somoza, ditador da Nicarágua, em visita a Washington, afirmou que se
lhe fosse garantido armamento, ele e Castillo Armas, militar guatemalteco, assumiriam as ações contra
o governo de Arbenz. O presidente Truman autorizou Bedell Smith a fornecer essa ajuda. Um oficial
da CIA foi enviado para fazer contato com Castillo Armas e outros dissidentes em Honduras e na
Guatemala. J. C. King apresentou os planos de ação a Allen Dulles (então vice-diretor da CIA),
sugerindo que Castillo Armas recebesse armas e uma ajuda de 225 mil dólares. A proposta enfatizava
que a CIA teria menor papel nos acontecimentos e que a rebelião ocorreria de qualquer maneira, mas
King alertou que ela poderia falhar sem ajuda da agência, levando a medidas repressivas que iriam
eliminar a resistência anti-comunista na Guatemala. Dulles se reuniu com Thomas Mann e Edward G.
Miller, do Departamento de Estado. Mann e Miller manifestaram seu desejo de ver um novo governo
na Guatemala, imposto pela força caso necessário, mas evitaram respostas diretas quando Dulles
perguntou se eles queriam que a CIA desse os passos necessários para atingir esse resultado. Dulles
considerou que tinha uma aprovação implícita, mas Bedell Smith queria um apoio mais claro e pediu a
aprovação do Subsecretário de Estado, David K. E. Bruce, antes de assinar, em 9 de setembro de
1952, a ordem que autorizava a operação denominada PBFORTUNE (CULLATHER, 1999, p. 29).
King deu seguimento aos planos de fornecer armamento a Castillo Armas. Ele adquiriu um
carregamento de armas contrabandeadas, confiscadas pelas autoridades do porto de Nova York. Eram
250 rifles, 380 pistolas, 64 metralhadoras e 4.500 granadas. Empacotadas como equipamentos
agrícolas, as armas deveriam partir de Nova Orleans em outubro 1188. Contudo, Somoza espalhou
informações sobre a ajuda da CIA entre oficiais de governos da América Central e o Departamento de
Estado acabou descobrindo que a operação já não podia mais ser considerada encoberta. Dean
Acheson se reuniu com Bedell Smith em 8 de outubro de 1952 e determinou seu cancelamento.
(CULLATHER, 1999, p. 29-31)
Isso pegou a CIA de surpresa. J. C. King lutou para salvar parte da operação e permitir que Castillo
Armas mantivesse as aparências. Ele conseguiu enviar o carregamento de armas para a zona do Canal

1187 “(…) 1. Agree Castillo must be contacted. Hope [name not declassified] can handle. 2. [name not declassified] will
contact you probably 25 March. With you he should ascertain: (1) opposing forces, (2) opportunity for buying support,
particularly Army Guardia Civil and key gov’t figures, for immobilizing forces not buyable through student [less than 1
line of source text not declassified] or labor inspired action, (3) all details required for estimating success of proposed
movement and how we can assist. (...)”. Grifo meu. (Documento 1)
1188 Segundo Kinzer e Schlesinger (1982), o transporte seria realizado em embarcação da United Fruit.
731

do Panamá, a espera de uma reedição dos planos. E Castillo Armas continuou recebendo apoio
financeiro. Entre 1952 e 1953, King testou sua capacidade de agir sem aprovação do Departamento do
Estado. Em novembro, ele solicitou a Bedell Smith permissão para construir um pier no local em que
as armas estavam sendo estocadas no Panamá, comprar um barco e levar, por via aérea, uma porção
de armas até a Nicarágua, testando a habilidade da agência para movimentar suprimentos
clandestinamente. Smith aprovou o pier e o barco, mas não os vôos. King adquiriu um velho barco da
Segunda Guerra que saiu do porto apenas duas vezes e, ao final, foi abandonado junto ao novo pier.
Smith e King esperavam que o novo governo de Eisenhower desse nova vida ao projeto. King temia
que a rebelião eclodisse antes que a agência pudesse fornecer ajuda adequada. E se os rebeldes
falhassem, a CIA perderia seus assets na Guatemala. Em 29 de março de 1953, aconteceu o que King
queria ter evitado. Carlos Simmons lançou um ataque a uma guarnição em Salamá, provocando uma
reação que custou à CIA e a Castillo Armas muito de seus recursos (CULLATHER, 1999, p. 32-34).
Segundo Grandin (2004, p. 41), o levante de março de 1953 foi financiado pela United Fruit Company
e “malogrou por falta de apoio popular”. Sua pronta debelação “resultou na desmoralização dos
líderes sediciosos e no exílio ou na prisão de muitos dos melhores aliados da CIA”. Diante desse
fracasso, “o recém-empossado Eisenhower compreendeu que uma simples revolta militar ou uma
invasão não daria resultado”.
Em 12 de agosto de 1953 o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos autorizou o uso de
“ações encobertas” contra o governo da Guatemala. A CIA, que agora tinha Allen Dulles como seu
Diretor, havia conquistado boa reputação depois da operação TPAJAX, que derrubou o Primeiro
Ministro do Irã, Mohammed Mossadeq. A cooperação da CIA com o Departamento de Estado era
facilitada pela relação de Dulles com o novo Secretário de Estado, seu irmão Foster Dulles. Bedell
Smith havia deixado a CIA e se tornado sub-secretário de Estado. No novo governo, agências e
departamentos importantes eram chefiados por indivíduos predispostos a a buscar remédios ativos e
encobertos para o problema guatemalteco. (CULLATHER, 1999, p. 37)
Os planos desenvolvidos para a Guatemala tiveram como referência as táticas utilizadas pela agência
nos seis primeiros anos de sua existência, que foram inicialmente aplicadas na Europa, Oriente Médio
e Ásia. A operação denominada PBSUCCESS deveria utilizar ações psicológicas, econômicas,
diplomáticas e paramilitares1189. King e seus colaboradores acreditavam que a oposição, para obter
sucesso, precisava conquistar líderes militares e oficiais-chave do governo. Eles consideravam que o
Exército era “o único elemento organizado na Guatemala capaz de rápida e decisivamente alterar a
situação política”. Contudo, eles tinham poucas ideias para fomentar essa oposição e Arbenz
permanecia popular entre os militares.
Os planejadores da PBSUCCESS se incomodavam com a falta de assets em torno dos quais construir
um programa encoberto. O principal recurso da CIA continuava sendo a organização de Castillo
Armas. Para contar, na Guatemala, com os recursos usados na operação do Irã, a CIA teria que criá-los
a partir do zero (“develop from scratch”), um processo que levaria um ano ou mais. Previa-se um
período de preparação seguido por uma crescente pressão diplomática e econômica sobre o governo
Arbenz. Quando a pressão atingisse seu ponto máximo, a agitação política, sabotagem e rumores
abalariam o governo e encorajariam a oposição. Durante essa crise, Castillo Armas estabeleceria um
governo revolucionário e invadiria a Guatemala. Em 9 de setembro de 1953, plano foi apresentado por
J. C. King e Tracy Barnes, do serviço clandestino da CIA, para Raymond Leddy, chefe do Office of
Middle American Affairs do Departamento de Estado, e James Lampton Berry, ligação do
Departamento com a CIA. (CULLATHER, 1999, p. 39-44)

1189 Ver o plano de operações e relatórios da CIA (Documento 2).


732

Segundo CORSON (1977, p. 356), Leddy participou da elaboração do plano junto com J. C. King e
Tracy Barnes, representando Foster Dulles. Contando a experiência adquirida em sua atuação como
agente do serviço de inteligência (SIS) do FBI durante a Segunda Guerra, Leddy (ver FICHA)
compreendia que os golpes que davam errado tinham a propensão de fortalecer a posição política de
seu alvo. Assim, Leddy e os demais planejadores buscavam criar um plano sem erros (zero defect),
que pudesse eliminar Arbenz sem criar condições para um contra-golpe. Uma ação direta contra o
presidente o tornaria um mártir e poderia levar a uma guerra civil na Guatemala. Decidiu-se que,
independentemente da forma como ocorresse, a ação deveria ser realizada, ou pelo menos parecer ser
realizada, pelo Exército guatemalteco (no matter how the deed was actually done the basic
instrumentality had to be, or at least appear to be, the Guatemalan army).
Allen Dulles, diretor da CIA, decidiu colocar Frank Wisner no comando da operação. Wisner escolheu
o Coronel Albert Haney (pseudônimo Jerome C. Dunbar), chefe de estação na Coreia do Sul, para ser
seu field commander. Haney se reportava direto a Wisner, tirando sua ação do controle da Western
Hemisphere Division e, por consequência, de J. C. King. Em novembro de 1953, Haney apresentou
um plano propondo uma força-tarefa autônoma, com base na Flórida (Opa Locka Marine Air Base).
Anos mais tarde, Richard Bissell, que atuou como assistente especial de Allen Dulles, afirmou
acreditar que a abordagem de Haney foi escolhida pela crença de que se contava com muito poucos
exilados para organizar uma ação relevante na fronteira e que Arbenz tinha muito apoio na Guatemala
para que ocorresse o tipo de levante “espontâneo” que a CIA organizou (engineered) no Irã. Se a
sobrevivência de Arbenz dependia da lealdade do Exército, então o objetivo deveria ser subverter
aquela lealdade. Quanto aos sindicalistas, trabalhadores rurais e demais apoiadores do presidente, o
objetivo seria desmoralizá-los e então convencê-los de que Arbenz não tinha saída (was finished).
(KINZER e SCHLESINGER, 1982)
Haney propunha que a operação começasse em janeiro de 1954 com pressões psicológicas em
pequena escala, crescendo gradualmente em intensidade durante seis meses para esquemas maiores e
mais ambiciosos, culminando com uma invasão antes de julho, quando iniciava a estação chuvosa.
Haney propôs também que Arbenz fosse subornado para sair do cargo e, se isso não funcionasse, que
a CIA encorajasse divisões entre os militares da Guatemala ajudando-os a dar um golpe sem
derramamento de sangue. Haney propôs dois elementos adicionais: uma campanha de propaganda por
rádio e panfletos, para amedrontar a população e fomentar a violência; e o treinamento de cerca de
300 mercenários e exilados para infiltrar a Guatemala, metade para cometer atos de sabotagem e
metade para se apresentar como “ponta de lança” de uma força de invasão fictícia. Além disso, a CIA
iria interferir nas estações de rádio guatemaltecas, transmitindo falsas mensagens para confundir a
população.
J. C. King considerou o plano de ação apresentado por Haney muito grande, muito público e
impossível de permanecer encoberto. Wisner tinha reservas similares. Mas Dulles o achou brilhante.
King apresentou a Wisner sua preocupação. Considerava o plao uma reedição das táticas de Haney na
Coreia (o uso de guerrilhas para derrubar governos). King temia que Haney iniciasse um guerra civil
no meio da América Central e sugeria que o governo americano oferecesse aos militares
guatemaltecos um massivo programa de ajuda, em troca da derrubada de Arbenz. Wisner teria
simplesmente respondido ao coronel King que ele teve quatro anos para tentar aquela abordagem, sem
sucesso. A situação se encontrava pior do que nunca. (KINZER e SCHLESINGER, 1982)
J. C. King e Haney tiveram uma série de divergências. Uma delas dizia respeito à relação com a
United Fruit. King sugeriu a Haney que este se encontrasse com o lobista da empresa, Tom Corcoran,
para organizar o uso das armas da fracassada PBFORTUNE. Haney não gostou da ideia e King teria
lhe respondido que era loucura executar a operação sem ajuda da United Fruit. Outra disputa entre J.
733

C. King e Haney envolvia Enno Hobbing (ver FICHA), ex-correspondente da revista Time, que fora
incorporado à equipe por Wisner, para vigiar Haney e ajudá-lo a escrever relatórios para seus
superiores em Washington. Hobbing enviou uma enxurrada de memorandos com ideias de ação. Uma
delas sugeria que a CIA levasse Arbenz a aumentar suas ações repressivas, se distanciando assim da
população, fomentando uma revolta interna. Mas os oficiais leais a J. C. King, que preferiam o plano
original vinculado à United Fruit, não gostavam das ideias de Hobbing e chegaram a acusá-lo de ser
subversivo e opositor da empresa. (KINZER e SCHLESINGER, 1982)
Para Richard Bissell (1996), King representava a velha linha do SIS FBI (ver FICHA), que se
concentrava quase exclusivamente em espionagem. Haney apresentava uma personalidade diferente,
sendo um entusiasta das ações encobertas. Ele queria uma abordagem mais agressiva para a operação
na Guatemala. King queria uma mais cautelosa, e acabou sendo removido da linha de comando
(BISSELL, 1996). A operação foi finalmente autorizada por Allen Dulles em 9 de dezembro de 1953.
O Departamento de Estado deveria complementar o papel da CIA. Segundo Kinzer e Schlesinger
(1982, p. 131-132), ainda em 1953 Frank Wisner e Bedell Smith (fazendo a ligação do Departamento
de Estado com a CIA) saíram em busca de um embaixador para a Guatemala que tivesse a capacidade
de cumprir o papel de executor das operações. Rudolf Schoenfeld, que ocupava o cargo naquele
momento, buscava manter boas relações com Arbenz e não parecia capaz de dirigir um golpe. O
escolhido para a tarefa foi John Peurifoy, então embaixador na Grécia, que em Atenas colaborava
direta e entusiasticamente com a CIA.
Pouco antes de que Peurifoy assumisse o posto, em outubro de 1953, John Moors Cabot (Assistant
Secretary of State for Inter-American Affairs) criticou Arbenz por “abertamente participar do jogo
comunista”, avisando que ele não contaria com “cooperação positiva” dos Estados Unidos. Esse
pronunciamento colocou a chegada do novo embaixador na Guatemala no desejado contexto. Antes
que Peurifoy deixasse Washington, a CIA se certificou de que teria um contato direto com ele a
qualquer momento. A agência criou meios clandestinos para passar instruções através de back
channels:uma vez recebidas pela estação da CIA na Guatemala, as mensagens seriam entregues em
mão ou repassadas verbalmente ao embaixador pelo chefe da estação, Birch O’Neil. Esse
procedimento garantiria que ninguém na embaixada soubesse do contato de Peurifoy com a CIA ou de
seu conhecimento da operação PBSUCCESS.
Já em novembro de 1953 Peurifoy se reuniou com representantes da USIA, agência de informação do
governo norte-americano, sugerindo um programa de informação para a Guatemala. A USIA lhe
enviou material anticomunista e começou a publicar artigos não assinados em jornais do exterior,
apontando como comunistas alguns oficiais do governo de Arbenz e acusando algumas de suas ações
de serem inspiradas por comunistas. Peurifoy também mantia contato com outros embaixadores norte-
americanos na América Central – Whiting Willauer, em Honduras, Robert Hill na Costa Rica e
Thomas Whelan na Nicarágua – , que agiam em conjunto para promover a derrubada de Arbenz.
(KINZER e SCHLESINGER, p. 135-140).
734

Em março de 1954, o Departamento de Estado fez a mais importante denúncia pública contra a
Guatemala, na décima Conferência Interamericana, da OEA, em Caracas. Buscando apoio multilateral
para uma intervenção no país, John Foster Dulles liderou pessoalmente a delegação norte-americana.
Ele propôs uma resolução que declarasse que o domínio ou controle de instituições políticas de
qualquer país do continente americano pelo movimento comunista internacional constituiria uma
ameaça a todo o hemisfério, requerendo ação apropriada. O propósito da declaração era condenar a
Guatemala, mesmo sem mencionar o país, assim como dar legitimidade jurídica à operação
PBSUCCESS. A proposta apresentada pela delegação norte-americana foi preparada por um grupo de
trabalho composto por representantes dos Departamentos de Estado, Justiça e Defesa, assim como da
CIA (David W. Smyser – ver FICHA). Dulles e o restante da delegação estadunidense passaram duas
semanas em Caracas, fazendo sermões anticomunistas e ameaçando cortar auxílio econômico para os
países que não cooperassem para a aprovação de sua resolução, que acabou recebendo 16 votos
favoráveis. México e Argentina se abstiveram. O único voto contrário foi o da Guatemala1190.
Depois da conferência, Dulles continuou adicionando novas pessoas ao grupo do Departamento de
Estado que trabalhava com a questão da Guatemala. Ele buscou um “conselheiro civil” (civilian
adviser) para ajudar na operação SUCCESS. O escolhido foi William D. Pawley, milionário norte-
americano bem relacionado com líderes reacionários da América Latina. Ele logo se tornou ligação do
Departamento de Estado com o Pentágono. Dulles também demitiu John Moors Cabot e colocou em
seu lugar (Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs) Henry F. Holland, que participou da
delegação norte-americana na conferência de Caracas. Holland soube dos planos da CIA através de
Bedell Smith e demonstrou sua oposição em relação aos meios empregados, mas não aos fins
(derrubada de Arbenz). Holland também achava, como J. C. King, que o plano poderia levar a uma
sangrenta guerra civil (KINZER e SCHLESINGER, p. 142-145).
Em abril de 1954 Holland estava preocupado com a informação de que o governo da Guatemala
estava reunindo informações sobre a PBSUCCESS para apresentar à OEA. Mesmo Frank Wisner
admitia que operação não estava tão encoberta e que muitas pessoas suspeitavam ou acreditavam no
envolvimento do governo americano nas ações em curso na Guatemala. Mas apesar das preocupações
de Holland, os irmãos Dulles continuavam dando apoio à operação. Os oficiais da CIA nela
envolvidos pensavam em produzir uma mudança radical, revolucionária, na política guatemalteca.
Queriam a reversão da Revolução de 1944, o fim da reforma agrária, a substituição de Arbenz por um
líder autoritário, prevendo um longo período de um regime ditatorial que dependeria dos Estados
Unidos para ajuda e armamento. (CULLATHER, 1992, p.59-60). O plano considerava que a
democracia não era uma alternativa realista para a Guatemala e que a extensão prematura de
privilégios e responsabilidades democráticas a um povo ainda acostumado a métodos patriarcais só

1190 Em fevereiro de 1954, o secretário de Estado adjunto, John M. Cabot, em carta ao embaixador norte-americano no
México (Francis White), opinou que o governo mexicano parecia o mais difícil de se consquistado, dificultando a tarefa de
obter um apoio unânime (excluindo-se a Guatemala) para resolução anticomunista. O país parecia tentar, a todo custo,
“evitar sair da estratosfera” e adotar qualquer resolução mais agressiva. “Mexico’s position, (…), involves so scrupulous a
desire to avoid coming down out of the stratosphere and adopting any resolution with teeth in it, (…), that I feel Mexico
may well be the key to the question of whether we get unanimous support (except Guatemala) for our resolution.”
(Documento 3). Em março, o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Vicente Ráo, assegurou à delegação norte-
americana presente à conferência de Caracas, o seu apoio para derrotar a posição defendida pelo México. “I talked with
chancellor Ráo and showed him the Mexican working paper on the so-called Declaration of Caracas, and he agreed with me
that portions of it deviated entirely from the text of the amendments which it was supposed to combine, and that portions of
it would vitiate the communist resolution. He said that he would prepare and have submitted to me on Thursday a working
paper that would actually combine the amendments proposed to the communist resolution and that he would cooperate to
defeat the Mexican working paper.” (Documento 4).
735

poderia ser prejudicial. O novo regime deveria garantir estabilidade, crescimento dos padrões de vida
e assegurar a proteção aos investimentos norte-americanos (CULLATHER, 1992, p. 62).
Em maio de 1954 os guatemaltecos tiveram contato com uma nova estação de rádio, chamada La Voz
de la Liberación, que transmitia uma combinação de música e propaganda antigovernamental,
material preparado por E. Howard Hunt e David Atlee Phillips (ver FICHA). Hunt foi selecionado por
Tracy Barnes para ser chefe de política e propaganda da operação. Phillips foi recutado para dirigir a
operação SHERWOOD, de propaganda através do rádio. Alegando estar transmitindo a partir do
interior da floresta, La Voz de la Liberación exortava a população a resistir contra Arbenz e a apoiar
Castillo Armas. O programa de duas horas era repetido quatro vezes. Na semana seguinte, a estação
transmitiu um programa de uma hora de duração às 7h da manhã e às 9h da noite, diariamente. As
vozes ouvidas na Guatemala (quatro homens e duas mulheres guatemaltecas) eram provenientes de
Miami (CULLATHER, 1992, p. 75-77).
Diversos esforços foram feitos para convencer a população de que exisitiria uma restência clandestina
ativa. Parte do trabalho de propaganda era feito em conjunto com o CEUA (Comité de Estudiantes
Universitarios Anti-Comunistas). A partir de setembro de 1953 os estudantes colaram mais de cem mil
adesivos anticomunistas em ônibus e trens. Fizeram panfletagem em eventos públicos, grafitaram
muros e editaram as publicações El Rebelde e El Combate. (CULLATHER, 1992, p.63-65)
Segundo registros da CIA, a estação em Guatemala soube da existência do CEUA em 1951 e, com o
“crescimento da ameaça comunista”, decidiu ajudar essa organização. Donald O. Hediger entrou em
contato com dois membros do CEUA, alegando que ele conhecia um grupo de empresários norte-
americanos e guatemaltecos que estavam dispostos e ansiosos para contribuir financeiramente com
uma campanha anticomunista na Guatemala, com a condição de que suas identidades não fossem
reveladas. Um dos representantes do CEUA se mostrou vacilante, mas o outro, a quem foi atribuído o
codinome ESSENCE, se tornou um dos principais envolvidos com as atividades da CIA na
Guatemala. Nos meses seguintes a esse encontro, ESSENCE já tinha organizado uma entidade com o
nome de Organizaciones Anticomunistas Unidas (OAU), que posteriormente se agrupou ao Comité
Cívico Nacional (CCN), ao Comité Nacional Feminino (CFN), ao Comité Obrero Anticomunista
(COA) e ao Comité Juvenil Anticomunista (CJA). O CEUA, que recebeu o codinome ESSENCE-A, se
envolveu em atividades de propaganda encobertas e não encobertas (Documento 5).
736

Como parte das ações de propaganda contra a Guatemala, a CIA participou da organização de um
encontro anticomunista no México, em maio de 1954, o “Primer Congreso contra la Intervención
Soviética en América Latina”, promovido pela Frente Popular Anticomunista de México (FPAM) 1191.
Às estações da CIA na América Latina foram solicitadas indicações de pessoas e grupos que deveriam
ser convidados (Documento 6). O Brasil foi representado pelo almirante Penna Botto 1192. Uma
Comissão Permanente foi criada durante o evento, para estabelecer contato com os diferentes grupos
anticomunistas e preparar um segundo congresso (CASALS, 2019)1193.
O embaixador norte-americano contava com um fundo para encorajar deserções de militares,
vazamento de informações e intrigas governamentais. A CIA também enviou Henry Heckscher (chefe
da estação em Berlin) para a Guatemala, disfarçado como comprador de café, para tentar, sem muito
sucesso, penetrar no exército e colocar alguns militares contra o presidente. (KINZER e
SCHLESINGER, 1982).
Foi criado um programa para deserção de militares (K-program) que, segundo avaliação da CIA,
apresentou um paradoxo para a PBSUCCESS. Acreditava-se que a operação não poderia obter
sucesso sem uma revolta do Exército, mas os esforços para intimidar e amedrontar os militares,
induzindo-os a agir, tinha deixado as lideranças divididas e acovardadas (efforts to bully and frighten
the officer corps into action left the military's leaders divided and cowed). E nenhum”caudilho” surgiu
para liderar os soldados contra o governo (CULLATHER, 1999, p. 85).
Em 15 de maio o cargueiro sueco Alfhem chegou na Guatemala transportando milhares de toneladas
de armamento tcheco. A CIA vinha monitorando o transporte internacional de armas e os portos
guatemaltecos. Em 17 de maio o Departamento de Estado declarou que o carregamento revelava a
cumplicidade da Guatemala em um plano soviético para a conquista comunista das Américas 1194.
Foster Dulles exagerou o tamanho do carregamento, indicando que ele seria capaz de permitir à
Guatemala triplicar o tamanho de seu exército e oprimir países vizinhos. A imprensa e o Congresso
norte-americano reagiram. The Washington Post anunciou que o imperialismo comunista havia
chegado. The New York Times alertou que as armas logo chegariam às guerrilhas do continente através
de caminhos secretos na selva. O incidente ajudou a derrubar as objeções de Honduras para colaborar
com a operação PBSUCCESS. Na Guatemala, o CEUA anunciou a probabilidade de um golpe

1191 A FPAM foi fundada em 1948 por Jorge Prieto Laurens, seu presidente vitalício. Santiago Jiménez (2017) considera
que a análise da documentação disponível demonstra ser provável que a ideia original do evento tenha sido de Prieto
Laurens e da FPAM. Ao mesmo tempo, há indícios de que Prieto Laurens já tinha relações com a CIA no México antes da
organização do evento.
1192 “Ao comentar a convocação do Congresso organizado pela frente anticomunista mexicana, dissemos que, a não ser o
almirante Penna Botto, não teria sido possível enviar para cidade do México, nenhum brasileiro que, por iniciativa própria
individual, e como dirigente de entidades políticas, se tivesse especializado na luta contra a propaganda vermelha neste país.
E como prevíamos, o almirante aceitou o convite dos anticomunistas mexicanos, e a esta hora, está tomando parte nas
sessões do referido Congresso, que deverá fixar um plano para combater a infiltração comunista na América Latina. O
Congresso reuniu-se num dos momentos mais agudos e críticos dos esforços do governo dos Estados Unidos para conter o
movimento que, quase como um desafio à sua política, vem assumindo caracteres ameaçadores na Guatemala, depois da
Conferência de Caracas. O almirante Penna Botto exporá no Congresso Anticomunista do México o que os comunistas têm
feito e estão fazendo no Brasil.(…)” ( Jornal do Brasil, 27/05/1954)
1193 O II Congresso contra a intervenção soviética na América Latina foi realizado no Rio de Janeiro, em agosto de 1955,
promovido pela Cruzada Brasileira Anticomunista (ver capítulo seis), dirigida pelo almirante Carlos Penna Botto. Nesse
encontro foi criada a Confederação Interamericana Anticomunista para a Defesa do Continente, também presidida por
Penna Botto (CASALS, 2019).
1194 Em 9 de abril de 1954 Frank Wisner foi informado de que o Banco da Guatemala havia transferido dinheiro para a
conta da Investa, empresa tcheca. Segundo Cullander, apesar de nenhum oficial da CIA ter reconhecido isso naquela época,
o pagamento revelava os limites da disposição do bloco comunista em fornecer ajuda a um aliado no hemisfério ocidental.
Os tchecos forneceriam as armas, mas deveriam ser pagos por isso. (CULLATHER, 1992, p.77-78).
737

comunista. A rádio clandestina da CIA divulgou rumores de que as armas não eram destinadas para o
Exército, mas para sindicalistas e lideranças do campo. David Phillips observou que antes do
incidente Alfhem ainda existia a chance de que Henry Holland ou outro oficial do Departamento de
Estado interrompesse a operação. Mas, a partir daquele momento, o público não tinha mais dúvida
sobre a existência de uma relação entre a Guatemala e o Bloco Soviético. (CULLATHER, 1992, p.77-
82).
Enquanto isso, os norte-americanos enviavam armamento para o Ejército de la Liberación de Castillo
Armas através de uma empresa chamada International Armament Corporation (InterArmco). Ela foi
criada em 1953 por Samuel Cummings, que tinha sido agente da CIA durante a guerra da Coreia.
Segundo Kinzer e Schlesinger (p.115), e também conforme Marchetti e Marks (1974, p. 120), fundos
da CIA foram utilizados na criação da empresa 1195. Além disso, a CIA providenciou mais de trinta
aviões para uso dos insurgentes. Para disfarçar a origem da ajuda, Allens Dulles persuadiu um
empresário americano a estabelecer uma fundação de caridade em Miami, na forma de um Instituto
Médico. Sua empresa comprou aviões de guerra e os doou ao Instituto que, posteriormente, os vendeu
a empresas privadas que, segundo Kinzer e Schlesinger, eram empresas de fachada da CIA no Caribe.
O governo dos EUA também conseguiu enviar aviões para Honduras e Nicarágua, sob a forma de
“assistência”. Outras aeronaves aguardavam no Panamá, prontas para ação, se necessário. Pilotos
precisaram ser recrutados para a Força Aérea da “Libertação”. Alguns eram norte-americanos.
(KINZER e SCHLESINGER, 1982, p. 115-116).
Em 24 de maio, a Marinha norte-americana promoveu o bloqueio marítimo da Guatemala. Navios de
guerra e submarinos patrulhavam a costa. No dia 26, um dos aviões de Castillo Armas sobrevoou a
capital e despejou panfletos perto do palácio presidencial. Na primeira semana do junho, a população
da Guatemala esperava que uma invasão fosse ocorrer a qualquer momento. Em 15 de junho, as tropas
de Castillo Armas, divididas em quatro grupos, se posicionaram na fronteira da Guatemala. Dez
sabotadores treinados deveriam ir à frente, explodindo estradas de ferro e cortando linhas telegráficas.
Os rebeldes deveriam evitar confrontos diretos com o exército, que poderia rapidamente derrotá-los.
Em 18 de junho eles atravessaram a fronteira.
No mesmo dia, Guillermo Toriello, ministro das Relações Exteriores da Guatemala, peticionou ao
Conselho de Segurança da ONU para que ele interviesse. O pedido era de interrupção da agressão
externa que ele vinculou à Nicarágua, Honduras e United Fuit. Em 20 de junho, o Conselho aprovou
uma moção apresentada pela França, indicando que nenhum de seus membros deveria ajudar a
insurgência. A medida teve que ser aprovada pelos Estados Unidos, para manter as aparências,
deixando Foster Dulles furioso. Os norte-americanos temiam que uma missão de reconhecimento
fosse enviada à Guatemala e Eisenhower estava pronto para usar seu poder de veto no Conselho.
(CULLATHER, 1992, p.87-92).
Com a invasão em curso, os rebeldes aguardavam que suas tropas fossem reforçadas por simpatizantes
da causa. A estratégia previa que os soldados originais seriam parte uma força maior que
espontaneamente se juntaria a Castillo Armas enquanto ele marchava para a capital. Armas seriam
jogadas dos aviões para os novos combatentes. Mas os registros da CIA revelam que novos recrutas
surgiram apenas nos locais onde os “libertadores” não encontraram nenhuma resistência. Onde houve
combate, os recrutas não surgiram e as forças originais sofreram deserções.
Arbenz chegou a acreditar que o Exército iria cumprir seu papel e derrotaria os invasores. Mas os
militares temiam uma invasão norte-americana e já se murmurava que os Marines podiam estar
chegando em Honduras. Um mensageiro trouxe a Arbenz a informação de que os oficiais acreditacam
1195 A Interarmco depois se tornou uma empresa privada, mas ainda mantendo laços próximos com a CIA na década de
1970, vendendo armas para a agência em operações específicas (MARCHETTI e MARKS, 1974, p. 120).
738

que os norte-americanos ameaçavam a Guatemala apenas em função de Arbenz e de seus amigos


comunistas. Se ele não deixasse o cargo, o militares iriam marchar na capital para tirá-lo da
presidência do país.
No dia 27 de junho, o embaixador norte-americano se encontrou com líderes militares que planejavam
tomar o poder naquela noite. Eles se propunham a expulsar os comunistas do país, mas não queriam
lidar com Castilho Armas, e solicitaram a Peurifoy um cessar-fogo. Ele permaneceu em silêncio. À
noite, Arbenz renunciou, passando o poder ao Coronel Díaz, esperando que ele pudesse garantir a
democracia na Guatemala. Díaz persuadiu Arbenz a acreditar que um acordo poderia ser alcançado,
permitindo que o Exército se livrasse de Castillo Armas.
Quando Díaz anunciou publicamente que estava tomando o poder em nome da Revolução de 1944 e
que o Exército iria lutar contra Castillo Armas, Peurifoy mandou mensagem a Washington
recomendado o bombardeio da Cidade da Guatemala, como forma de persuadir Díaz e os outros
líderes militares a negociarem com os rebeldes. Dois indivíduos, cujo nome foi censurado pela CIA,
chegaram à Guatemala naquela noite e explicaram a Díaz que ele não era conveniente para política
externa norte-americana. Peurifoy confirmou essa afirmação horas mais tarde. O embaixador solicitou
à CIA que deixasse as negociações com o novo governo a cargo do Departamento de Estado.
Era hora dos “cirurgiões se retirarem e das enfermeiras reassumirem o paciente”. Nos onze dias
subsequentes à renúncia de Arbenz, cinco juntas ocuparam sucessivamente o palácio presidencial,
cada uma mais dócil às demandas norte-americanas que a anterior. Peurifoy queria uma junta que
incluísse Castillo Armas. Em julho de 1954 os oficiais envolvidos com a PBSUCCESS começaram a
se retirar da Guatemala (CULLATHER, 1992, p. 93-105).
Na avaliação do chefe de operações, a PBSUCCESS representou uma mudança na tradição
internacional do governo norte-americano, tendo sido a primeira medida positiva e bem-sucedida, sem
intervenção direta, de combate às “ações agressivas” da União Soviética na Guerra Fria. A CIA foi
encarregada de “remover” o governo dominado pelos comunistas e “substituí-lo” por um governo
amigável, pró-Estados Unidos. Essa missão deveria ser realizada de um modo em que a participação
oficial dos EUA pudesse ser negada de maneira plausível. O papel da CIA era fornecer a necessária
“assistência encoberta” a fim de dar aos elementos anticomunistas a capacidade de “descartar”
completamente os comunistas da Guatemala1196.
A CIA nunca mais seria a mesma depois da PBSUCCESS, segundo Cullather (p.105). O triunfo
demonstrou o que poderia ser alcançado através de ações encobertas. Conforme Rositzke (1977, p.
189), a partir de 1955 a CIA se envolveu em uma ampla frente de ações encobertas na América Latina:
criando serviços de imprensa e representações locais para distribuição de propaganda, apoiando
congressos de estudantes não comunistas, patrocinando ou subsidiando publicações anticomunistas,
levando as atividades de suas organizações internacionais a grupos de juvens, estudantes e
sindicalistas do México ao Brasil. Rositzke (1977, p. 190) considerava que a maior parte da ações
encobertas da CIA eram “benignas”, em apoio a regimes amigáveis contra as ameaças domésticas a
sua estabilidade. Em poucos casos, como “no Brasil de João Goulart e na Guatemala de Arbenz” as
operações da CIA teriam sido “estritamente subversivas (strictly subversive), para retirar esses
1196 “This Project represents a historical departure from the international tradition of the United States Government and the
first positive, successful measure short of direct intervention, to thwart the aggressive actions of the Soviet Union in this era
known as the ‘Cold War’. Competent authority declared that the ‘Soviet Beachhead’ in Guatemala represented a threat to
the wealfare of the United States. The CIA had been assigned the threat to the welfare of the United States. The CIA had
been assigned the responsibility, on a Top Operational Priority basis, to remove the Communist-dominated government and
replace it with a friendly, pro-United States government, This mission was to be accomplished in such a manner as to retain
plausible denial of United States official participation. (…) CIA’s task was to provide the necessary covert assistance to
enable the anti-Communist elements to dispose of the Communists in a thorough manner. (...)” (Documento 2).
739

presidentes do poder (to unseat the regime in power)”.


Fontes:
BISSELL, R. Reflections of a Cold Warrior: From Yalta to the Bay of Pigs. New Haven: Yale University Press, 1996
CASALS, M. Against a Continental Threat: Transnational Anti-Communist Networks of the Chilean Right Wing in the
1950s. Journal of Latin American Studies, p. 1–26, 31 jan. 2019.
CORSON, W. The armies of ignorance: the rise of the American intelligence empire. New York : Dial Press, 1977.
(Corson, membro da comunidade de inteligência norte-americana, entrevistou Raymond Leddy e Winston Scott)
CULLATHER, N. Secret History: The CIA's Classified Account of Its Operations in Guatemala, 1952-1954. Stanford:
Stanford University Press, 1999. (Cullather foi contratado pela CIA em 1992 para escrever a história da operação
PBSUCCESS, para distribuição interna, com classificação secreta. Ele teve acesso aos arquivos da agência. Em 1997, a
obra foi liberada pela CIA, com poucas informações censuradas).
GARCÍA, R. La Revolución guatemalteca y América Latina: una amplia agenda de temas pendientes. In: Diálogo, nº5
Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO), Guatemala, 2014.
GRANDIN, Greg. A revolução guatemalteca. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
KINZER, S.; SCHLESINGER, S. Bitter Fruit: The Untold Story of the American Coup in Guatemala. Garden City:
Doubleday, 1982. (Kinzer e Schlesinger, jornalistas, usaram informações reunidas por Richard Harris Smith, ex-oficial da
CIA, que preparava uma biografia de Allen Dulles, nunca publicada nem finalizada. A entrevista de Bissell a Smith foi
bastante citada pelos autores. Eles não tiveram acesso a nenhum documento da CIA, os quais só foram liberados anos mais
tarde).
MARCHETTI, V; MARKS, J. The CIA and the Cult of Inteligence. New York: Alfred A. Knopf, 1974.
ROSITZKE, H. The CIA Secret Operations. Reader’s Digest Press, 1977.
SANTIAGO JIMÉNEZ, M. V., «Entre “hispanistas” y “pro-yanquis”. El Primer Congreso contra la Intervención Soviética
en América Latina, México, mayo de 1954», Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne], Colloques, mis en ligne le 06 juin
2017. Diponível em: http://journals.openedition.org/nuevomundo/70497 Acessado em agosto de 2019.
SMITH, J. Portrait of a Cold Warrior. New York: Putnam, 1976.
STREETER, S. Managing the Counterrevolution: The United States and Guatemala, 1954-1961. Athens: Ohio University
Press, 2000
“O Congresso Anti-Comunista do México”, Jornal do Brasil (RJ), 27/05/1954.
Documentos:
1 - Telegram from the Central Intelligence Agency to the CIA Station in [place not declassified]. Washington, March 22,
1952, 1753Z. Foreign Relations of the United States (FRUS), 1952-1954, Guatemala, Document 8. Disponível em:
https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1952-54Guat/d8 Acessado em agosto de 2019.
2 - “Project PBSUCCESS”, 1954. Collection: Guatemala. Document number: 0000928348. Disponível em:
https://www.cia.gov/library/readingroom/docs/DOC_0000928348.pdf Acessado em agosto de 2019.
3 - Letter, John M. Cabot (Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs) to Francis White (US Ambassador to
Mexico). February 5, 1954. NACP, RG 43, A1 748, Records of Working Groups 1952-1954, ARC 1422384, box 5, folder
5. Communism
4 - Memorandum of conversation. Participants: Brazilian Foreign Minister Vicente Ráo; Henry F. Holland (Assistant
Secretary of State for Inter-American Affairs); Mr. Bennet, Mr. Cabot, Mr. Dreier, Mr. Mann, Mr. Sanders. March 18,
1954. NACP, RG 43, A1 748, Records of Working Groups 1952-1954, ARC 1422384, box 5, folder 5. Communism.
5 - “Individual Assessment”, 1953. Collection: Guatemala Document number: 0000923963 Disponível em:
https://www.cia.gov/library/readingroom/docs/DOC_0000923963.pdf Acessado em julho de 2019.
6 - Memorandum for the record, KUGOWN – PT/18: SUMMIT Congress, April 1954. Collection Guatemala. Document
number: 0000916093. Disponível em: https://www.cia.gov/library/readingroom/docs/DOC_0000916093.pdf Acessado em
agosto de 2019.
740

Instituto de Organização Racional do Trabalho – IDORT


Antes do surgimento do IDORT (junho de 1931), a criação de um organismo voltado para o estudo e
aplicação de métodos de racionalização do trabalho já estava sendo gestada havia algum tempo:

(…) foi em 1924, no Liceu de Artes e Ofícios, em colaboração com o Instituto de Higiene, que se
realizaram os primeiros ensaios de aplicação dos métodos psicotécnicos à seleção profissional.
Promovia-os o professor Roberto Mange 1197, catedrático da Escola Politécnica de S. Paulo (…).
Proveitosa foi a experiência. As ideias científicas passaram a ser objeto de atenção (…). Correram os
anos e aqui e ali se fizeram tímidas tentativas de transcender dos acanhados limites das instituições
em cujo seio se verificaram. Até que, em 1929, a Associação Comerical de S. Paulo convidou o
eminente professor Leon Walther a vir a S. Paulo para realiizar um curso de conferências sobre
psicotécnica e organização científica do trabalho industrial. (…) Ao mesmo tempo, aquela entidade
promovia os primeiros passos para a criação de um “instituto para a organização científica do
trabalho”(…). Em 23 de setembro daquele ano, a Associação Comercial solicitava dos srs. Professor
Geraldo de Paula Sousa, J. O. Monteiro de Camargo, Lourenço Filho e professor Roberto Mange um
parecer sobre os estatutos da futura agremiação. Como não poderia deixar de ser, esse parecer foi
inteiramente favorável à iniciativa. Mas, aconteceu a grande crise de fins de 1929, que arrastou
consigo o café. Os trabalhos de constituição do novo instituto foram suspensos e por longos meses
não mais se cuidou do assunto (…). Um ano depois, aos fatos do ciclo econômico juntavam-se os
acontecimentos políticos, os quais, uns e outros, formariam a grande caudal que (…) haveria de
resultar na revolução de outubro de 1930. (…) São Paulo encontrou, nos desenganos dessa hora,
forças para novos empreendimentos que o levassem a conseguir dias melhores para a Pátria. Nos
últimos dias daquele ano, não obstante as vicissitudes por que passava a nossa terra, já a caminho a
gloriosa insurreição que explodiria em 1932 – e talvez por isso mesmo – a ideia de criar aqui um
órgão propagador das ideias de organização científica do trabalho voltou a preocupar a muitos dos
nossos homens que se interessavam pela solução dos problemas coletivos” (OESP, 25/06/1946, p. 6).

Segundo Tenca (1987, p. 9-11), quando foi retomada a discussão em torno da criação de um instituto,
já no final de 1930, era possível observar a “ampliação dos horizontes compreendidos no seu raio de
atuação”. As experiências de Lourenço Filho (com a nova psicologia que procurava se voltar para o
mundo da produção) e de Roberto Mange (no campo da formação e seleção profissional”, os novos
trabalhos desenvolvidos por Antonio Carlos Pacheco e Silva, Geraldo de Paula Souza e outros (no
campo da medicina, na área de higiene do trabalho), “por si só não garantia a sustentação do poder de
fogo que se esperava desse empreendimento”. Buscou-se uma articulação com o jornal O Estado de
São Paulo, através da participação direta de Armando de Salles Oliveira, não apenas em função da
“importância que o jornal representava como veículo de divulgação da doutrina da racionalização mas
sobretudo pela grande força política de que era possuidor na época”.
A assembleia de constituição do instituto ocorreu em 23 de junho de 1931, no salão nobre da
Associação Comercial de S. Paulo. A primeira diretoria teve a seguinte composição: Armando Sales
de Oliveira, presidente; Antonio Carlos Pacheco e Silva, 1º vice-presidente; Luis Tavares Alves
1197 Mange nasceu em Genebra, na Suíça, em 1886. Formou-se em engengaria na Escola Politécnica de Zurique (1910).
Veio para o Brasil em 1913 a convite do diretor da Escola Politécnica de São Paulo. Lecionou na Politécnica por quarenta
anos. Em 1923, fundou, junto ao Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, a Escola Profissional Mecânica. Foi um dos
idealizadores do Serviço Nacional de Aprendizagem Industria (SENAI), do qual foi o primeiro Diretor Regional em São
Paulo, exercendo o cargo até sua morte em 1955.
741

Pereira, 2º vice-presidente; Aldo Mario Azevedo, 1º secretário; Clovis Ribeiro, 2º secretário; Gastão
Vidigal, 1º tesoureiro; Vicente Soares de Barros Junior, 2º tesoureiro (OESP, 25/06/1946, p. 6). Eram
92 os sócios fundadores, entre os quais encontrava-se Roberto Simonsen (TENCA, 1987, p. 11).
A Revista IDORT, publicação mensal do instituto, era um dos principais instrumentos através dos
quais se realizava o “movimento organizado de disseminação do ideário da racionalização do trabalho
no Brasil”. Apresentava uma variedade de temas que iam “desde os modelos mais avançados de
organização administrativa de um Estado moderno até a maneira mais correta de se sentar num ônibus
urbano para não ‘desperdiçar espaço’” (TENCA, 1987, p. 17). O rádio e o jornal também foram
veículos através dos quais procurou-se difundir o discurso da racionalização (Idem, p. 19).
Em 1938, com a organização da Jornada Contra o Desperdício, se alargou o campo de atuação do
IDORT para além do eixo São Paulo-Rio, “levando mesmo à criação de pequenos núcleos de
representação – as chamadas Diretorias Regionais – em algumas capitais como Belo Horizonte, Porto
Alegre, Rio e Fortaleza (TENCA, 1987, p. 20). O sucesso da Jornada Contra o Desperdício levou à
organização de uma “sequência de Jornadas onde se procurava discutir e apontar soluções para
problemas brasileiros em setores específicos como habitação, alimentação, educação etc.”:

O programa de cada uma delas se compunha basicamente de palestras, conferências e debates, dos
quais participavam técnicos qualificados para os respectivos temas, intelectuais, profissionais liberais,
professores, industriais, representantes de “classe patronais” e de setores governamentais. Eram
programações anuais e, embora as primeiras delas tivessem suas atividades desenvolvidas por um
período curto que geralmente não ultrapassava uma semana, há que se atentar para o fato de que tais
Jornadas não se restringiam a essas atividades desenvolvidas nos períodos predeterminados. A
Revista IDORT, na verdade, orienta toda a sua produção a partir de 1938, em função das Jornadas.
Elas passam a ser a forma através da qual o ideário da racionalização, ou da Organização Científica
do Trabalho, é difundido (TENCA, 1987, p. 21).
As três preocupações fundamentais que norteariam todo o trabalho do IDORT eram, segundo Aldo
Mário de Azevedo (apud PICHELI, 1997, p. 13):

1º – o intercâmbio de ideias, experiências e pesquisas entre os estudiosos e interessados dos


problemas do trabalho; 2º – a aplicação dos métodos científicos e sistemas de trabalho (…); 3º – a
transformação, pela cooperação íntima das classes e camadas sociais dos adversários irredutíveis que
hoje se degladiam, em colaboradores de um mesmo ideal: o bem comum. (AZEVEDO, A. Instituto de
Organização Racional do Trabalho do Estado de São Paulo. In: Revista IDORT, nº1, 1932).

Para Picheli (1997, p. 13), no primeiro ponto é possível “perceber a preocupação das elites industriais
em ampliar o seu campo de conhecimento sobre a questão do trabalho”. Assim, “além de educar o
próprio operário segundo os princípios da instrução racional, era também necessário formar ou
ampliar as chamadas elites”, que deveriam intervir diretamente no sistema produtivo e reorientar todo
o processo de trabalho. Ainda conforme Picheli (p. 14), “é também nessa direção que, após a criação
do IDORT, pode-se compreender a criação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e a própria
Universidade de São Paulo (USP)”.
A burguesia industrial, de acordo com Picheli (1997, p. 67) “soube se apropriar das modernas
doutrinas a respeito da organização do espaço fabril, então em vigor nos países industrialmente
742

desenvolvidos”, sem fazer um simples “transplante do que ocorria lá fora”. Ao criar organismos como
o IDORT, “os intelectuais orgânicos da burguesia industrial puderam traçar uma bem articulada
elaboração teórica e prática expressivas de seus verdadeiros interesses”, viabilizando “seu ideário
enquanto anseio da própria nacionalidade”.
Em 1933, vários membros do IDORT passaram a fazer parte dos poderes Executivo (com a nomeação
de Armando Salles de Oliveira para a interventoria de São Paulo) e do Legislativo, quando foram
eleitos para a Assembleia Nacional Constituinte os seguintes “idortianos”: Horácio Lafer, José Carlos
de Macedo Soares1198, Roberto Simonsen, A. C. Pacheco e Silva e Alexandre Siciliano Júnior. De
acordo com Souza (2006), eles monopolizaram “as discussões sobre os problemas de ordem social,
principalmente aqueles relacionados aos direitos trabalhistas”. Souza (2006) afirma ser possível,
diante das evidências, “interpretar que este Instituto possuía um projeto idealizado pela burguesia
industrial muito bem estruturado”:

“As ações concomitantes efetivadas pelos membros do IDORT em instâncias públicas e privadas
permitiram a este Instituto a participação efetiva nas mais variadas instâncias da vida social e política
nacional, durante o período em que ocorreu a reorganização do Estado Brasileiro a partir de 1930. As
transformações verificadas tanto na economia quanto nas questões do trabalho e na vida social, de
maneira geral, contaram com a influência das ações idortianas (…).” (SOUZA, 2006).
Vizeu (2018) destaca que a criação do IDORT “deve ser considerada um projeto de vanguarda, já que
foi contemporânea à introdução do Management nos principais países industrializados da época”.
Contudo, “somente por volta da década de 1950 é que podemos considerar que essa instituição foi
decisivamente incorporada à realidade empresarial brasileira”, o que teria ocorrido em função da
“maior presença nos quadros administrativos das empresas dos profissionais formados nas grandes
escolas de gestão” e também da “maior presença das indústrias estrangeiras no País”, as quais”
contribuíram para que a mentalidade gerencial profissional fosse amplamente disseminada no País”.
Referências:
PICHELI, V. O IDORT enquanto proposta educacional no contexto de formação da hegemonia burguesa no Brasil (1930-
1944). Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 1997.
SOUZA, C. A Influência do IDORT na Reconfiguração do Bloco no Poder durante o Estado Varguista entre 1931 e 1937.
Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.
TENCA, A. Razão e vontade política: o IDORT e a grande indústria nos anos 30. Dissertação (Mestrado em História).
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas, Campinas, SP, 1987.
VIZEU, Fábio. IDORT e difusão do Management no Brasil na década de 1930. Revista de Administração de Empresas,
vol. 58, nº 2, março-abril 2018, p. 163-173.
“Instituto de Organização Racional do Trabalho”, O Estado de S. Paulo (SP), 25/06/1946, p.6

1198 Lafer e Macedo Soares integravam a Comissão de Organização de Legislação, que oferecia serviços de racionalização
na área administrativa (SOUZA, 2006).
743

JORDAN, Henrik Spitzman


Segundo Falbel e Ohno (2016), na Polônia

A família de Spitzman havia sido proprietária de poços de petróleo e ele mesmo havia
atuado como vice-presidente do conselho do sindicato nacional de petróleo. No
Brasil, ele logra inserir-se na sociedade local, fundando e dirigindo algumas
sociedades comerciais, além daquelas ligadas diretamente à construção e urbanização
como a Companhia de Importações, Industrial e Construtora – CIIC, e a Companhia
Brasileira de Investimentos – CBI, criada em 1945, sociedade da qual participavam
empreendedores brasileiros, como a família Guinle, os irmãos Nelson e Wilson
Mendes Caldeira, estes últimos representantes da Bolsa de Imóveis de São Paulo, ao
lado de imigrantes de origem polonesa, do círculo de Spitzman.

A CBI foi responsável pela construção do edifício CBI-Esplanada, até hoje considerado um marco
arquitetônico no centro da cidade de São Paulo. Em junho de 1952, O Observador Econômico e
Financeiro descreveu o Edifício CBI como “um imponente conjunto arquitetônico, onde se acham
instalados os escritórios das maiores companhias nacionais e estrangeiras, além de importantes
entidades autárquicas e associativas, como Instituto do Açúcar e do Álcool, Caixa Econômica do
Estado de São Paulo, Sociedade Rural Brasileira, Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem, Clube
Piratininga, Automóvel Clube de São Paulo, etc”.
De acordo com Tota (2014), Spitzman Jordan também foi responsável pela criação do edifício Chopin,
cuja fachada lateral dá para a piscina do Copacabana Palace, na avenida Atlântica, no Rio de Janeiro.
Ele esteve, ainda, à frente da Companhia Fiduciária do Brasil, da Companhia Imobiliária e Comercial
da Gávea-Parque e da Companhia Agrícola e Industrial de Bocaina (CAIBO) (O Globo, 02/08/1967).
Em 1952, Spitzman Jordan estava envolvido com a iniciativa do Banco do Comércio (S. Paulo) S. A.,
junto a alguns dos nomes “mais conhecidos e prestigiosos do mundo econômico, financeiro,
administrativo e cultural de São Paulo”. A nova instituição bancária seria encabeçada pelo mesmo
grupo que estava à frente da Companhia Fiduciária do Brasil, composto por Spitzman Jordan, Mário
d’Almeida, conde Alexandre Siciliano Júnior, Fúlvio Morganti, Paulo Álvaro Assunção [ex-presidente
da FIESP, diretor da Jonhson & Jonhson do Brasil e amigo de Joseph Caldwell King (Colonel J. C.
King, como visto no capítulo 2), Alexandre Smith de Vasconcellos, Nelson Mendes Caldeira, Artur
Bernardes Filho, Francisco Matarazzo Sobrinho e o próprio Banco do Comércio do Rio (O
Observador Econômico e Financeiro, junho de 1952).
Em abril de 1953, a Companhia Fiduciária do Brasil assinou um contrato para financiar o Frigorífico
Minas Gerais (FRIMISA) anunciado, naquela data, como o maior do Brasil:

Um lucro anual para os pecuaristas mineiros de 180 milhões de cruzeiros, um lucro


também anual de 49 milhões de cruzeiros para a Rede Mineira de Viação e a Central
do Brasil e a elevação do consumo de carne do povo, de 8 quilos para 40 quilos
anuais per capita – eis, em resumo, o que representará a construção da S. A.
Frigoríficos Minas Gerais, cuja escritura acaba de ser assinada no Palácio da
Liberdade pelo Governador Juscelino Kubitschek, visando dotar o Estado de ampla
rede de matadouros industriais. (…) Finda a cerimônia (…) a reportagem ouviu o Sr.
744

Henrik Spitzman Jordan [diretor da Fiduciária do Brasil e diretor superintendente do


Banco do Comércio do Rio de Janeiro] que, inicialmente, informou que o capital
financiador (…) provém, em parte, de grupos estrangeiros representados no país pela
Companhia Fiduciária do Brasil” (A Noite, 15/04/1953).

Em 1947, segundo Tota (2014), Spitzman-Jordan tinha feito uma oferta a Nelson Rockefeller, para
que ele

Se associasse a um enorme projeto agroindustrial no Brasil, na serra da Bocaina


[localizada na divisa entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro]. (…) Pouco
depois, iniciaram-se as negociações. (…) [os] assessores [de Rockefeller] no meio do
mato esforçavam-se para mostrar em cada novo relatório enviado a Nova York que o
negócio valia a pena, e pintavam com cores exuberantes as florestas da serra que
ficavam a mil metros de altitude. Embora não fossem muito precisos, os cálculos das
possibilidades de produção de madeira por alqueire projetavam somas gigantescas.
(…) Até um professor de Yale, especializado em florestas tropicais, foi contratado
como consultor. Estava quase tudo pronto. (…) Com todas essas informações
chegando à mesa de Nelson em Nova York, ele ansiava por concretizar o projeto. (…)
O press release preparado para dar publicidade à criação da Companhia Agrícola e
Industrial da Bocaina, ou simplesmente Caibo, como ficou conhecido o
empreendimento nascente, deixava claro que ele era parte do IBEC [empresa de
Rockefeller] e que não se afastava do objetivo de “melhorar o padrão de vida do
Brasil”. O entusiasmo era geral. Imprensa e governo apoiavam mais esse projeto para
o progresso e a modernização do país. (…) A situação se complicou quando o prazo
para o fechamento das negociações se esgotava e Spitzman-Jordan não dava sinal de
vida. Em seguida, soube-se que ele havia viajado inesperadamente para Buenos Aires,
o que foi interpretado como demonstração de desinteresse. A paciência dos
americanos esgotou-se. Em três dias, Berent Friele recebeu ordens diretas de Nelson
A. Rockefeller para o IBEC encerrar todas as negociações com grupo de Spitzman-
Jordan.

Isso não impediu que Spitzman Jordan fosse convidado para o almoço realizado em homenagem a
Nelson Rockefeller em 1952: “Como não podia deixar de ser, a presença no Rio, do sr. Nelson
Rockefeller, despertou vivo interesse em nossas altas camadas sociais. Indo ao encontro dos desejos
gerais, os ‘Diários Associados’ tomaram logo a iniciativa de arregimentar grande número de amigos
do eminente visitante, para a realização de uma homenagem ao mesmo”. Entre os presentes estavam,
além de Spitzman Jordan, o ministro Horácio Lafer, o embaixador de Portugal, o presidente do Banco
do Brasil (Ricardo Jafet) e Berent Friele (Diário da Noite, 14/11/1952)
Referências

TOTA, Antônio Pedro. O amigo americano: Nelson Rockefeller e o Brasil. São Paulo: Editora
Companhia das Letras, 2014.
FALBEL, Anat; OHNO, Celso Eduardo. CBI-Esplanada, memória e futuro de um edifício moderno
em São Paulo. Disponível em < http://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/01/019R.pdf>
(Docomomo Brasil - Documentation and conservation of buildings, sites and neighborhoods of the
745

modern movement). Consultado em outubro de 2019.


“Homenageado Nelson Rockefeller pelos seus inúmeros inimigos do Brasil”, Diário da Noite (RJ),
14/11/1952.
“Novo Banco em São Paulo”, O Observador Econômico e Financeiro, n.º 197, junho de 1952.
“Em Minas o maior frigorífico do Brasil”, A Noite (RJ), 15/04/1953.
746

O ITAMARATY e a repressão à Intentona Comunista de 1935


De acordo com Odette de Carvalho e Souza, “após a revolução de novembro de 1935”, o Itamaraty
colaborou com a polícia do Distrito Federal, “devendo-se às suas precisas indicações (nome, rua e
número da residência)” a prisão e a identificação de Harry Berger, liderança dessa revolução
(Memorial, 28/01/1936).
Foi a Gestapo, polícia alemã, que forneceu ao Itamaraty as informações sobre a verdadeira identidade
de Arthur Ewert (que utilizava o pseudônimo Harry Berger) e de sua esposa, Elise Saborowski. As
informações foram transmitidas através do embaixador brasileiro em Berlim, Moniz Aragão, que
enviou um ofício ao Itamaraty: “A polícia alemã considera Arthur Ewert, que aí foi preso com o nome
de Harry Berger, e a sua mulher Elisa Berger, realmente Saborowski, um casal extremamente perigoso
e deve ser julgado como o principal chefe do movimento comunista na América do Sul (…). Junto
Vossa Excelência encontrará fotografias de Arthur Ewert, sua ficha policial e impressões digitais (…).
As autoridades policiais alemãs estimariam muito se pudessem ter confirmação oficial de nossa
polícia, se o preso aí com o nome de “Berger” pode ser considerado como sendo o antigo deputado
Ewert e se também se pudéssemos fornecer informações detalhadas sobre a atividade aí de Ewert ou
Berger, da mulher que com ele foi presa e bem assim sobre os documentos confiscados. Também
agradeceriam a remessa de fichas e fotografias dos indivíduos que na mesma ocasião foram presos
pela polícia brasileira e também dos comunistas deportados. (…) O mesmo serviço sugere que de
futuro essa remessa de informações para uma melhor repressão do comunismo entre as polícias alemã
e brasileira, seja feita de forma regular (...)” (HILTON, 1986, p. 153). Depois da prisão de Luís Carlos
Prestes, Moniz Aragão enviou mais informações obtidas na Alemanha: “

Desde que tive notícia pelos jornais da prisão de Luís Carlos Prestes e de uma mulher
que, segundo creio, até agora a nossa polícia não conseguiu identificar
completamente, tratei de me comunicar com a Gestapo, fornecendo-lhe algumas
fotografias estampadas em jornais nossos da referida mulher que aí se faz chamar
Maria Meirelles, Maria Bergner Villar e Maria Prestes. Depois de apuradas
sindicâncias o serviço secreto alemão informou-me ter podido identificar Maria
Prestes, que aí se intitula esposa de Luís Carlos Prestes. Para que Vossa Excelência
possa avaliar o trabalho feito, é bastante indicar que a Gestapo consultou 25.000
fotografias e 60.000 mil fichas até conseguir estabelecer precisamente a identidade
daquela mulher (…). Pelas informações agora obtidas, (…) pode ser identificada
como sendo Olga Benario, agente comunista da III Internacional deveras eficiente, de
grande inteligência e coragem. (...)” (HILTON, 1986, p. 155).

Elise e Olga, antes de serem deportadas para a Alemanha, foram submetidas à tortura

Na tortura, Elise Saborowski tivera os seios esmagados por torquês. Em vez de


engordar, a gestante Olga Benario definhava. Fora presa em março com 67 quilos e
até maio perdera doze. Em outubro, Olga – grávida, judia, comunista e com ordem de
prisão decretada em seu país – e Elise foram embarcadas à força no vapor de bandeira
nazista La Coruña. Com aval do Supremo Tribunal Federal (STF), o governo Getúlio
Vargas deportou-as como “nocivas à ordem política e social”. [Ver FICHA sobre a Lei
747

de Segurança Nacional acima] (…) Na virada da década, Elise morreria doente no


campo de concentração de Ravensbrück. Olga deu à luz, numa prisão berlinense,
[Anita Leocádia], sua filha com Prestes, entregue à avó e a uma tia paternas. Em
1942, foi executada na câmara de gás em Bernburg” (MAGALHÃES, 2012).

Quando o decreto de deportação de Elise e Olga foi assinado, Odette de Carvalho e Souza comentou
com o secretário da Entente Anticomunista de Genebra, Georges Lodygensky:

O decreto de expulsão das esposas de Berger e Prestes acaba de ser assinado. Eu já


informei o Chefe de Polícia [Filinto Müller] sobre a necessidade de embarcá-las em
um barco que não pare na França ou na Espanha, porque sabemos que a ‘Frente
Popular’ tem planos para que elas fujam (...)” (Carta, 29/08/1936).

Segundo Fernando Morais (1993), em 1937 Odette de Carvalho e Souza também “tentou, por todos os
meios, impedir que o tabelião recebesse autorização para testemunhar a assinatura de Prestes”, que se
encontrava preso, no atestado de paternidade de sua filha com Olga, nascida na Alemanha:

Nem mesmo o empenho do advogado Carlos Lassance, recém-nomeado diretor da


prisão, para que a autorização fosse dada e o documento assinado logo, conseguiu
demovê-la da obstrução. O desespero de Olga, (…) Prestes e Sobral Pinto [advogado
de Prestes] aumentava a cada dia. De um momento para o outro a Gestapo poderia
decretar que a amamentação havia chegado ao fim e simplesmente desaparecer com
Anita Leocádia.
Referências

Memorial de criação do Serviço de Estudos e Investigações (SEI), escrito por Odette de Carvalho e
Souza, 28/01/1936. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas catalográficas 500.1, –
Criação dos Serviços de Estudos e Investigações, Lata 980, Maço 15.604.
Carta de Odette de Carvalho e Souza para G. Lodygensky, 29/08//1936. Archives de l’Entente
Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3061 Amérique du Sud
1934-1942, Bibliothèque de Genève.
HILTON, Stanley. A rebelião vermelha. Rio de Janeiro, Record, 1986.
748

JORDAN, Henrik Spitzman


Segundo Falbel e Ohno (2016), na Polônia

A família de Spitzman havia sido proprietária de poços de petróleo e ele mesmo havia
atuado como vice-presidente do conselho do sindicato nacional de petróleo. No
Brasil, ele logra inserir-se na sociedade local, fundando e dirigindo algumas
sociedades comerciais, além daquelas ligadas diretamente à construção e urbanização
como a Companhia de Importações, Industrial e Construtora – CIIC, e a Companhia
Brasileira de Investimentos – CBI, criada em 1945, sociedade da qual participavam
empreendedores brasileiros, como a família Guinle, os irmãos Nelson e Wilson
Mendes Caldeira, estes últimos representantes da Bolsa de Imóveis de São Paulo, ao
lado de imigrantes de origem polonesa, do círculo de Spitzman.

A CBI foi responsável pela construção do edifício CBI-Esplanada, até hoje considerado um marco
arquitetônico no centro da cidade de São Paulo. Em junho de 1952, O Observador Econômico e
Financeiro descreveu o Edifício CBI como “um imponente conjunto arquitetônico, onde se acham
instalados os escritórios das maiores companhias nacionais e estrangeiras, além de importantes
entidades autárquicas e associativas, como Instituto do Açúcar e do Álcool, Caixa Econômica do
Estado de São Paulo, Sociedade Rural Brasileira, Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem, Clube
Piratininga, Automóvel Clube de São Paulo, etc”.
De acordo com Tota (2014), Spitzman Jordan também foi responsável pela criação do edifício Chopin,
cuja fachada lateral dá para a piscina do Copacabana Palace, na avenida Atlântica, no Rio de Janeiro.
Ele esteve, ainda, à frente da Companhia Fiduciária do Brasil, da Companhia Imobiliária e Comercial
da Gávea-Parque e da Companhia Agrícola e Industrial de Bocaina (CAIBO) (O Globo, 02/08/1967).
Em 1952, Spitzman Jordan estava envolvido com a iniciativa do Banco do Comércio (S. Paulo) S. A.,
junto a alguns dos nomes “mais conhecidos e prestigiosos do mundo econômico, financeiro,
administrativo e cultural de São Paulo”. A nova instituição bancária seria encabeçada pelo mesmo
grupo que estava à frente da Companhia Fiduciária do Brasil, composto por Spitzman Jordan, Mário
d’Almeida, conde Alexandre Siciliano Júnior, Fúlvio Morganti, Paulo Álvaro Assunção [ex-presidente
da FIESP, diretor da Jonhson & Jonhson do Brasil e amigo de Joseph Caldwell King (Colonel J. C.
King, como visto no capítulo 2), Alexandre Smith de Vasconcellos, Nelson Mendes Caldeira, Artur
Bernardes Filho, Francisco Matarazzo Sobrinho e o próprio Banco do Comércio do Rio (O
Observador Econômico e Financeiro, junho de 1952).
Em abril de 1953, a Companhia Fiduciária do Brasil assinou um contrato para financiar o Frigorífico
Minas Gerais (FRIMISA) anunciado, naquela data, como o maior do Brasil:

Um lucro anual para os pecuaristas mineiros de 180 milhões de cruzeiros, um lucro


também anual de 49 milhões de cruzeiros para a Rede Mineira de Viação e a Central
do Brasil e a elevação do consumo de carne do povo, de 8 quilos para 40 quilos
anuais per capita – eis, em resumo, o que representará a construção da S. A.
Frigoríficos Minas Gerais, cuja escritura acaba de ser assinada no Palácio da
Liberdade pelo Governador Juscelino Kubitschek, visando dotar o Estado de ampla
rede de matadouros industriais. (…) Finda a cerimônia (…) a reportagem ouviu o Sr.
749

Henrik Spitzman Jordan [diretor da Fiduciária do Brasil e diretor superintendente do


Banco do Comércio do Rio de Janeiro] que, inicialmente, informou que o capital
financiador (…) provém, em parte, de grupos estrangeiros representados no país pela
Companhia Fiduciária do Brasil” (A Noite, 15/04/1953).

Em 1947, segundo Tota (2014), Spitzman-Jordan tinha feito uma oferta a Nelson Rockefeller, para
que ele

Se associasse a um enorme projeto agroindustrial no Brasil, na serra da Bocaina


[localizada na divisa entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro]. (…) Pouco
depois, iniciaram-se as negociações. (…) [os] assessores [de Rockefeller] no meio do
mato esforçavam-se para mostrar em cada novo relatório enviado a Nova York que o
negócio valia a pena, e pintavam com cores exuberantes as florestas da serra que
ficavam a mil metros de altitude. Embora não fossem muito precisos, os cálculos das
possibilidades de produção de madeira por alqueire projetavam somas gigantescas.
(…) Até um professor de Yale, especializado em florestas tropicais, foi contratado
como consultor. Estava quase tudo pronto. (…) Com todas essas informações
chegando à mesa de Nelson em Nova York, ele ansiava por concretizar o projeto. (…)
O press release preparado para dar publicidade à criação da Companhia Agrícola e
Industrial da Bocaina, ou simplesmente Caibo, como ficou conhecido o
empreendimento nascente, deixava claro que ele era parte do IBEC [empresa de
Rockefeller] e que não se afastava do objetivo de “melhorar o padrão de vida do
Brasil”. O entusiasmo era geral. Imprensa e governo apoiavam mais esse projeto para
o progresso e a modernização do país. (…) A situação se complicou quando o prazo
para o fechamento das negociações se esgotava e Spitzman-Jordan não dava sinal de
vida. Em seguida, soube-se que ele havia viajado inesperadamente para Buenos Aires,
o que foi interpretado como demonstração de desinteresse. A paciência dos
americanos esgotou-se. Em três dias, Berent Friele recebeu ordens diretas de Nelson
A. Rockefeller para o IBEC encerrar todas as negociações com grupo de Spitzman-
Jordan.

Isso não impediu que Spitzman Jordan fosse convidado para o almoço realizado em homenagem a
Nelson Rockefeller em 1952: “Como não podia deixar de ser, a presença no Rio, do sr. Nelson
Rockefeller, despertou vivo interesse em nossas altas camadas sociais. Indo ao encontro dos desejos
gerais, os ‘Diários Associados’ tomaram logo a iniciativa de arregimentar grande número de amigos
do eminente visitante, para a realização de uma homenagem ao mesmo”. Entre os presentes estavam,
além de Spitzman Jordan, o ministro Horácio Lafer, o embaixador de Portugal, o presidente do Banco
do Brasil (Ricardo Jafet) e Berent Friele (Diário da Noite, 14/11/1952)
Referências

TOTA, Antônio Pedro. O amigo americano: Nelson Rockefeller e o Brasil. São Paulo: Editora
Companhia das Letras, 2014.
FALBEL, Anat; OHNO, Celso Eduardo. CBI-Esplanada, memória e futuro de um edifício moderno
em São Paulo. Disponível em < http://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/01/019R.pdf>
(Docomomo Brasil - Documentation and conservation of buildings, sites and neighborhoods of the
750

modern movement). Consultado em outubro de 2019.


“Homenageado Nelson Rockefeller pelos seus inúmeros inimigos do Brasil”, Diário da Noite (RJ),
14/11/1952.
“Novo Banco em São Paulo”, O Observador Econômico e Financeiro, n.º 197, junho de 1952.
“Em Minas o maior frigorífico do Brasil”, A Noite (RJ), 15/04/1953.
751

Liga de Defesa Nacional – LDN


Em 1915, o jornalista e poeta Olavo Bilac retornou da Europa, devastada pela guerra, com ideias para
revitalizar o Brasil. Na opinião de Carlos Maul, Bilac proclamou ao país inteiro “o que ele precisava
ouvir, numa hora de angústia e de perplexidades, para compreender a necessidade de sua defesa e a
opção por um destino”:

Dormíramos longamente, distraídos do que em torno de nós, dentro e fora das fronteiras, se
desenvolvia em múltiplos setores, esquecidos de que os povos contemplativos podem ser
surpreendidos por uma realidade trágica (…). O toque de reunir teria de soar, antes que fosse tarde. E
foi o que a palavra de Olavo Bilac traduziu em termos adequados na sua peregrinação por todos os
centros de receptividade do Brasil (…). Pregou em São Paulo aos acadêmicos da Faculdade de
Direito, foco de tradição secular, falou no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, no Paraná, nesta
cidade (…). (grifo nosso, MAUL, 1965, p. 13-18)
Chamadas “em prol de um Brasil mais forte” eram igualmente feitas por Miguel Calmon, que também
tinha estado na Europa havia pouco tempo1199. Calmon, com a ajuda de Pedro Lessa, ministro do
Supremo Tribunal Federal, criou a Liga de Defesa Nacional (DULLES, 1984, p.37-38). A primeira
Comissão Executiva da entidade, que se propunha “congregar os sentimentos patrióticos dos
Brasileiros de todas as classes”, foi composta por Bilac, secretário-geral da Liga, Pedro Lessa
(presidente), Miguel Calmon (vice-presidente), Felix Pacheco (1º secretário), Joaquim Luis Osório (2º
secretário) e Affonso Vizeu (tesoureiro). Segundo Tórtima (1988, p. 127), a composição do Diretório,
logo formado, “refletia bem a missão conservadora da qual se achavam ideologicamente imbuídos
seus integrantes”. Entre os 50 integrantes do Diretório Nacional encontravam-se parlamentares - dos
quais “poucos não eram conservadores rigorosos” -, industriais, financistas, comerciantes,
proprietários fundiários, militares (marechais, almirantes e generais) e associações patronais dos
setores industrial, comercial e agrário1200. A adesão de novos sócios, entre os quais figuravam também
pessoas jurídicas1201, foi divulgada no Boletim nº 2 da Liga, publicado em janeiro de 1918
(TÓRTIMA, 1988, p. 130).

1199 Membro de tradicional família baiana, foi ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas no governo Afonso Pena
(1906-1909). Depois de passar um período na Europa (1909-1910), foi eleito deputado federal (segundo mandato) em 1912.
No mesmo ano assumiu a vice-presidência da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA). Em setembro de 1913 viajou
novamente à Europa. Em julho de 1914, quando teve início a Primeira Guerra Mundial, Miguel Calmon se encontrava na
Suíça. Quando voltou ao Brasil, em meados de 1915, pronunciou várias conferências sobre a guerra e suas lições para o
Brasil. Foi eleito presidente da SNA em 1920 e assumiu a pasta da da Agricultura, Comércio e Indústria no governo Artur
Bernardes (1922-1926) (Verbete CPDOC-FGV).
1200 Alguns dos integrantes do Diretório eram: Cândido Gaffré, Guilherme Guinle, Rodrigues Alves, Jorge Street
(industrial e presidente do CIB – Centro Industrial do Brasil) Homero Batista (agricultor e presidente do Banco do Brasil),
Miguel Calmon (vice-presidente da Sociedade Nacional de Agricultura), João G. Pereira de Lima Soares (presidente da
Associação Comercial do Rio de Janeiro), marechais Jerônimo de M. Jardim e José B. Borman e almirantes Inocêncio L.
Bastos e Júlio Cesar de Noronha, Conde de Afonso Celso (Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro),
Aloísio de Castro (Diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro), Augusto de Araújo Lima (diretor do Colégio Pedro
II), Cândido de Oliveira (diretor da Faculdade Livre de Direito), Cícero Peregrino da Silva (diretor da Biblioteca Nacional),
Miguel Couto (presidente da Academia Brasileira de Medicina), Oswaldo Cruz (diretor do Instituto de Manguinhos)
(TÓRTIMA, 1988, p. 128).
1201 Como exemplo: Cia. Fiação de Tecidos Corcovado, Cia. Souza Cruz, Brasil Railway, Cia. Nacional Cruzeiro do Sul,
Lloyd Brasileiro, Cia. Cerverjaria Brahma, Cia. Loterias Nacionais do Brasil, Estrada de Ferro Itapura-Corumbá, Cia.
Fábrica de Tecidos São João, Cia. Confiança Industrial, Centro do Commercio e Indústria do Rio de Janeiro, Assistência
752

Em 07 de setembro de 1916, na cerimônia de instalação do Diretório Nacional, Olavo Bilac esclareceu


os propósitos da Liga:

A Liga da Defesa Nacional está fundada. Contendo representantes de todas as classes produtoras e
defensoras do país, este Diretório Central, se não congrega todos os grandes nomes do Brasil (o que
seria impossível), congrega alguns dos maiores, dos mais belos e respeitados, alguns que já fazem
parte do patrimônio moral de nossa terra. (…) O país já sabe, pela rama, o que esta Liga pretende
fazer: estimular o patriotismo consciente e coesivo; propagar a instrução primária, profissional militar
e cívica; e defender, com a disciplina, o trabalho; com a força, a paz; com a consciência, a liberdade; e
com o culto do heroísmo, a dignificação da nossa história e a preparação do porvir. O intuito principal
dos que nos animam é este: a fundação de um centro de iniciativa e de encorajamento, de resistência e
de conselho, de perseverança e de continuidade para a ação dos dirigentes e para o labor tranqüilo e
assegurado dos dirigidos. O patriotismo individual, a crença pessoal, a consciência própria nunca
estiveram ausentes do maior número de almas brasileiras. Mas estes sentimentos oscilam e vacilam
numa vaga dispersão; e, nessa mesma dispersão deplorável, perdem-se e dissipam-se os esforços
isolados. A extensão do território, a pobreza das comunicações, o acordo pouco definido de uma
federação mal compreendida, a míngua da ventura em muitos sertões desamparados, a inópia da
instrução popular sustentam e agravam esta desorganização. A descrença e o desânimo prostam os
fortes; o descontentamento e a indisciplina irritam os fracos; a comunhão enfraquece-se. É tempo
de protestar e reagir contra esse fermento de anarquia e essa tendência para o desmembramento.
Os protestos e a reação estão nesta Liga, cujo título é claro e sintético. (...)”. (grifo nosso, BILAC,
1965, p. 82-84).

Em outra conferência, Bilac destacou que:

(…) a boa e verdadeira defesa deve ser preventiva. Se não há perigos imediatos que nos cerquem, há
incontestavelmente sempre perigos latentes, próximos ou remotos, prováveis ou ao menos possíveis,
que ameaçam constantemente todas as nacionalidades, ainda as mais sólidas, fortes e armadas; (…).
Se este dever de defesa é imprescindível para as nacionalidades mais bem organizadas – mais
imperiosas e mais urgentes devem ser a sua consciência e a sua necessidade para o Brasil, país novo,
agitado por um confuso e melindroso labor de formação, pobre de trabalho bem encaminhado, pobre
de recursos bem explorados, pobre de instrução primária, profissional e cívica, pobre de coesão, pobre
de culto patriótico. Rodeiam-nos perigos externos e internos: e todos eles ameaçam a nossa
independência e a nossa unidade. (…) (itálicos meus, BILAC, 1965, p. 126).
Para Leila Capella (apud TÓRTIMA, 1988, p. 143), uma das razões do surgimento da Liga teria sido a
necessidade, por parte de determinados quadros das Forças Armadas e segmentos da sociedade, de
prestigiar o poder militar. Tórtima (1988, p. 144) descreve a Liga como o canal civil encontrado para a
divulgação de uma ideologia nacionalista e militarista que brotou da ação social de militares e civis.
Embora fundada por Pedro Lessa e Miguel Calmon, foi, na verdade, idealizada pelos “jovens turcos”
(Idem, p. 144-145). A Liga, prossegue Tórtima (p. 144), “nasceu umbilicalmente ligada” aos
problemas suscitados pelo programa político contido na revista A Defesa Nacional, criada em 1913,
em torno da qual essa “jovem oficialidade” com uma proposta modernizante para as Forças Armadas
se reunia1202. Uma das principais funções da Liga teria sido, então, “promover o encontro daquele
substrato conservador das elites civis com os militares” (TÓRTIMA, 1988, p. 143).

Judiciária Militar do Brasil, Cia. Docas de Santos, Cia. Transporte e Carruagens etc.
753

Dentro desse “quadro de exaltação cívico-nacionalista-belicista”, a luta de classes era escamoteada


(TÓRTIMA, 1988, p. 143). Conforme Ventura (2006, p. 118), “o movimento nacionalista tentava
passar uma imagem da luta de classes como um fenômeno exógeno, sem qualquer afinidade com a
cultura brasileira”. Essa ideia pode ser identificada no discurso de Roberto Simonsen, em trecho
destacado por Carone (1970, p. 168): depois da solidariedade demonstrada durante a epidemia de
gripe espanhola de 1918 – e considerando que a morte tinha nivelado operários e burgueses –
Simonsen afirmava que seria normal esperar que se pudesse evitar que “as lutas de classe, as
organizações artificiais, os entraves à verdadeira noção de liberdade” fossem trazidos ao Brasil. O
alvo político principal dos nacionalistas era o movimento operário, visto como produto da influência
de “agitadores estrangeiros”. Os anarquistas procuravam demonstrar que falar de “estrangeiros”, neste
caso, era “dar vazão a um preconceito contra a classe operária”. Pois, “ao mesmo tempo em que
apoiavam empresas como a Light e outros investimentos estrangeiros, os nacionalistas pediam a
expulsão dos trabalhadores (VENTURA, 2006, p. 119).
Segundo Capella (1985, p. 239 apud OLIVEIRA, 2012, itálicos meus), o projeto defendido pela Liga
de Defesa Nacional defendia uma ‘integridade nacional” construída por meio de dois movimentos: o
primeiro era a “busca de todas as adesões possíveis através de uma ampla campanha de educação
cívica” que deveria “penetrar os lares, as escolas, as oficinas, as corporações e associações e outros
tantos espaços possíveis, complementada pela instrução militar, que atingiria desde as escolas,
instituições de caridade e seminários, até as associações de comércio, industrias e esportivas, passando
ao largo das concentrações de trabalhadores”; o segundo movimento, por sua vez, “era o combate a
tudo aquilo que não pudesse ser integrado à nação”, aquele “rebotalho da sociedade, que provocava
aquela ‘efervescência’ tão indesejada e as ‘enxurradas sociais’ que só o Exército saberia deter”.
Em janeiro de 1917, na terceira assembleia do Diretório Central da Liga, foi aprovada a organização
de Diretórios Regionais no Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, na
Paraíba, em Pernambuco, Sergipe, na Bahia, no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Paraná, em Santa
Catarina, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e Goiás. Foi também aprovada a Comissão
Executiva, para organizar os Diretórios Regionais do Espírito Santo, Mato Grosso, Alagoas e do
Território do Acre (OLIVEIRA, 2012). A Diretoria da Liga de Defesa Nacional de São Paulo tinha o
governador Altino Arantes como presidente. Em abril de 1917 Arantes nomeou Antônio Prado, Carlos
de Campos (líder do PRP) e Júlio Mesquita para dirigirem os trabalhos. Enquanto isso, um movimento
mais dinâmico, a Liga Nacionalista (ver FICHA), estava sendo fomentado entre os estudantes da
Faculdade de Direito em São Paulo (DULLES, 1984, p. 38-39).
Na reunião realizada em 28 de novembro de 1935 o General Pantaleão da Silva Pessoa, que então
ocupava a chefia do Estado-Maior do Exército (EME), assumiu a presidência da Comissão Executiva
da Liga. Fernando Magalhães1203 foi eleito vice-presidente. Em 1936 a Liga iniciou uma “campanha
contra o comunismo, feita no ponto de vista educacional”, tendo para isso organizado serviços que
1202 A revista se apresentava como “plataforma de lançamento” para ideias militares nacionalistas e como “instrumento de
intervenção na política nacional” (SEPULVEDA, 2014, p. 150). O editorial de lançamento da revista explicitava sua nova
concepção de defesa nacional: “A função do Exército num país como o Brasil não é somente o primeiro fator de
transformação político-social, nem o principal elemento de defesa exterior: ele tem igualmente a função educativa e
organizadora a exercer na massa geral dos cidadãos.[...] os interesses dos militares se acham hoje em dia, e em todos os
países do mundo, de tal forma entrelaçados aos interesses nacionais, que trabalhar pelo progresso dos meios de defesa de
um povo é, senão o melhor, pelo menos um dos melhores meios de servir aos interesses gerais desse povo. [...] o Exército
precisa [...] estar aparelhado para a sua função conservadora e estabilizante dos elementos sociais em marcha e preparado
para corrigir as perturbações internas tão comuns na vida tumultuária das sociedades que se formam. [...] Um bom
exército é uma escola de disciplina hierárquica, que prepara para a disciplina social (...)” (grifo nosso, A DEFESA
NACIONAL, 1913, apud SEPULVEDA, 2014, p.150-151).
754

foram financeiramente auxiliados pelos sócios Oscar Weiuschench, César Rabelo e Eugênio Gudin
Filho. Foram criados os Departamentos de Propaganda, a cargo de Carlos Maul, e o de Investigação,
chefiado por Augusto Mendes. Pantaleão Pessoa se afastou da Liga em novembro de 1938, em
decorrência da implantação do Estado Novo. Entre 1937 e 1938, vários membros pediram afastamento
(OLIVEIRA, 2016).
Fontes:
BILAC, O. A Liga da Defesa Nacional, in A Defesa Nacional (Discursos), Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército –
Editora, 1965, p.82-84
BILAC, O. A Defesa Nacional, in A Defesa Nacional (Discursos), Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército – Editora, 1965,
p.125-140
CAPELLA, L. As malhas de aço no tecido social: a revista "A Defesa Nacional" e o Serviço Militar Obrigatório.
Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 1985.
JESUS, C. Revista Gil Blas e o nacionalismo de combate (1919-1923). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. Disponível
em: <http://hdl.handle.net/11449/109239>.
MAUL, C. O que significa este livro, in A Defesa Nacional (Discursos), Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército – Editora,
1965, p. 13-18.
OLIVEIRA, T. A Liga da Defesa Nacional: um projeto de modernização para o Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais). Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília, 2012.
______. A Liga da Defesa Nacional entre um projeto de nação a uma agenda de combate ao comunismo. Tese (Doutorado
em Ciências Sociais). Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília, 2016.
SEPULVEDA, J. A. A educação na revista A Defesa Nacional: 1913-1945. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, no 55,
p. 149-167, março 2014.
SIMONSEN, R. À Margem da Profissão, p.18-19. Apud CARONE E. A República Velha: instituições e classes sociais.
São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.
TÓRTIMA, P. Polícia e Justiça de mãos dadas: a Conferência Judiciária-Policial de 1917 (Uma contribuição aos estudos
sobre o enfrentamento da ‘Questão Operária’ pelas classes dominantes e pelo Estado – Rio de Janeiro, 1900-1925).
Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Universidade Federal Fluminense, Niterói,
1988
VENTURA, T. Nem barbárie nem civilização! São Paulo: Annablume, 2006.
Memórias de lutas pela paz mundial”, Unespciência, Edição 99, 24/08/2018. Disponível em:
http://unespciencia.com.br/2018/08/24/historia-99/ Acessado em junho de 2019.
CALMON, Miguel. Verbete Primeira República CPDOC-FGV:
https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/CALMON,%20Miguel.pdf
MAGALHÃES, Fernando. Verbete biográfico CPDOC-FGV:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/fernando-augusto-ribeiro-magalhaes

1203 Professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, diretor da Maternidade do Rio de Janeiro e fundador do
Hospital Pró-Matre (cuja direção ocuparia até 1944, ano em que faleceu). Em 1929 foi eleito presidente da Academia
Brasileira de Letras e, em 1930, da Liga de Defesa Nacional. Em maio de 1933, foi eleito deputado pelo estado do Rio de
Janeiro à Assembléia Nacional Constituinte (Verbete biográfico CPDOC-FGV).
755

Liga Nacionalista de São Paulo – LNSP


Quando Olavo Bilac discursou na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1915 (ver FICHA da Liga
de Defesa Nacional), “já estava em preparo, pelos moços das Arcadas, o lançamento de movimento
cívico e patriótico” (FERREIRA, 1960). Entre estes jovens destacavam-se Júlio de Mesquita Filho,
Francisco Mesquita, Horácio Lafer, Ciro Freitas Vale, Paulo Nogueira Filho e outros. O movimento
foi supervisionado pelos professores Pedro Lessa, Reynaldo Porchat e Frederico Vergueiro Steidel
(FERREIRA, 1960).
Em dezembro de 1916, uma comissão formada por Amadeu Amaral, Antonio de Sampaio Dória e
Clóvis Ribeiro apresentou parecer sobre um projeto de organização de uma sociedade secreta, a
Sociedade dos Patriotas. Segundo tal parecer, a sociedade seria o resultado da reunião de outras
sociedades secretas já existentes1204. Ela deveria “fundar imediatamente a Liga Nacionalista, e
oportunamente uma organização eleitoral ou partido, destinado a eleger delegados seus para cargos de
representação no poder público”. Nesse projeto, a Liga Nacionalista era pensada como uma sociedade
civil, “acessível a todos”1205, que atuaria como: um “centro de estudos dos problemas nacionais”; um
“instrumento de propaganda, de agitação intelectual, onde seria elaborado “o pensamento, a
orientação da campanha”; um “aparelho de ação” que manteria “escolas primárias e profissionais e
cursos públicos destinados a difundir a cultura, o civismo, a compreensão dos deveres, a consciência
da nacionalidade e a promover a educação política do povo” (MEDEIROS, 2005).
A Liga Nacionalista começou a operar no início de 1917. Sua primeira diretoria foi composta por
Frederico Vergueiro Steidel (professor da Faculdade de Direito), como presidente; Paula Souza
(diretor da Escola Politécnica) como primeiro vice-presidente; Arnaldo Vieira de Carvalho (diretor da
Faculdade de Medicina) como segundo vice-presidente. José Carlos de Macedo Soares (ver FICHA),
ex-aluno da Faculdade de Direito, era o tesoureiro e o estudante Abelardo Vergueiro César assumiu a
secretaria1206.
A Liga tinha como programa, segundo Ferreira (1960), “manter e desenvolver o espírito de
solidariedade nacional e a coesão material das unidades federadas, propugnando pela verdade eleitoral
por via do voto secreto e obrigatório, combatendo a fraude eleitoral”; desenvolver o ensino superior,
secundário e primário, e profissional; difundir, em todas as classes sociais, a educação cívica e o culto
do patriotismo; estudar os “problemas condizentes com a prosperidade e dignidade do país”; fomentar
a “criação das linhas de tiro”; zelar pela “boa execução das leis de preparo e organização militar” e
pelo “aprimoramento do ensino da língua e da história do Brasil e obrigatoriedade de seu ensino nas

1204 Burschenschaft, da Faculdade de Direito, Jugendschaft, da Faculdade de Medicina e Landmanschaft, da Escola


Politécnica. Segundo Dulles (1984, p. 24-25), a Burschenschaften, ou “bucha”, como é frequentemente chamada, foi criada
em 1831, depois que Júlio Frank, professor da Faculdade de Direito nascido na Alemanha explicou a seus alunos como
funcionavam as associações estudantis secretas naquele país, descrevendo seu código moral e os rituais que serviam para
atrair os rapazes pelo esoterismo. Nas reuniões secretas da Bucha, seus membros vestiam mantos e usavam faixas que
exibiam uma cruz azul (representando a fé), uma âncora verde (representando a esperança) ou um coração vermelho
(representando a caridade). Sociedades secretas semelhantes foram organizadas na Escola Politécnica de São Paulo em 1895
(Landmanschaft) e na Faculdade de Medicina de São Paulo em 1913 (Jugendschaft). Entre os “bucheiros” estavam Rui
Barbosa, o barão do Rio Branco e os quatro primeiros presidentes civis do Brasil (DULLES, 1984, p. 29).
1205 Segundo Medeiros (2005), é possível supor “que havia uma distinção entre as instâncias públicas, aparentemente
decisórias da Liga Nacionalista (…) e outra instância secreta, efetivamente decisória dos rumos da entidade”. Esse grupo
dirigente da Liga seria composto por integrantes da Sociedade dos Patriotas.
1206 Steidel era um líder da Bucha. Os vice-presidentes eram líderes da Landmanschaft e da Jugendschaft. Macedo Soares
e Vergueiro César eram “bucheiros” (DULLLES, 1984, p. 39)
756

escolas estrangeiras”.
Conforme Moreira (1984), “a entidade se caracterizou essencialmente pela ação”. A campanha em
prol do “reerguimento do caráter nacional” foi realizada através de intensa propaganda, com
conferências na capital e interior de São Paulo. A Liga publicou o manual de instrução cívica de
Antonio de Sampaio Dória e desenvolveu campanha pelo voto secreto através dos diversos canais de
comunicação existentes no período (cinema, imprensa, folhetos). Organizou conferências dirigidas a
professores, estudantes, artistas, militares e intelectuais”. E fundou escolas primárias de alfabetização
“com o objetivo explícito de formação cívica dos trabalhadores adultos, especialmente, os
operários”1207 (MEDEIROS, 2005).
Durante reunião realizada no salão nobre da Sociedade Paulista de Agricultura, em março de 1917,
com a presença de Olavo Bilac, secretário da Liga de Defesa Nacional, o presidente da Liga
Nacionalista, Frederico Vergueiro Steidel, apresentou considerações sobre os objetivos da entidade.
Acreditando que estes só poderiam ser atingidos tendo como base a instrução elementar e a educação
cívica e política do povo brasileiro, afirmava que a criação de uma escola noturna era uma primeira
tentativa que poderia ter os “resultados mais fecundos”:

“(…) Pensei a princípio que essa escola funcionasse no centro da cidade, em grandes salas, que
facilmente poderíamos obter, mas abandonei essa ideia, atendendo a que não devemos esperar que o
operário nos venha procurar, percorrendo distâncias às vezes consideráveis, após um dia de labor
pesado. Afigura-se-me mais prático irmos procurar o operário no seu bairro, seja ele o Brás, Bom
Retiro, Vila Mariana ou Lapa. Não foi a montanha que procurou Maomé, foi Maomé quem se dirigiu
à montanha. Aí não será difícil obter do governo que nos ceda uma ou mais salas em um dos grupos
escolares, onde todas as noites, durante uma hora, estudantes das nossas escolas, de Direito, de
Medicina e Politécnica, darão aos operários do bairro lições de instrução elementar e de educação
cívica política, sob a direção de um professor profissional, sob a fiscalização de representantes da
Liga Nacionalista, e obedecendo a um programa racional a ser elaborado. (…) E aos poucos veremos
essa massa amorfa tomar forma perfeita, a nela penetrar noções exatas e elevadas que infelizmente
são desconhecidas entre nós mesmos por gente de certa cultura. Se for possível trataremos de ajuntar
exibições cinematográficas de história natural e geografia, aos domingos, acompanhadas de
explicações orais, para os operários matriculados e suas famílias, afastando-as do perigo das fitas
imorais e perniciosas que lhes são habitualmente fornecidas. As lições serão dadas em linguagem
acessível à inteligência dos operários (…)”. (OESP, 28/03/1917, p.5)

Em outra ocasião, o secretário geral da Liga, Thomaz Lessa, declarou que era “indispensável evitar
que os brasileiros” se deixassem “empolgar por sentimentos” que não fossem o “sentimento
nacional”. Por isso, as escolas noturnas, “onde ia ter lugar um trabalho de nacionalização, ao lado da
guerra ao analfabetismo”, foram criadas em “bairros de intensa população operária”, lugares em que
era “grande a porcentagem de imigrantes e de filhos de imigrantes”, para que “as duas questões
pudessem ser atacadas ao mesmo tempo” (MEDEIROS, 2005).
Font (2010, p. 164) considera que a análise das campanhas da Liga e dos nomes que a compunham
sugere que ela era uma organização liderada por uma elite que procurava minar o poder dos
“oligarcas” políticos no PRP e fornecer uma estrutura institucional para a assimilação ordenada dos
1207 Medeiros (2005) afirma ser abundante a “documentação a respeito dessas escolas, comparando-se com a
documentação disponível em relação às outras áreas de atuação da Liga, o que também atesta, como foi declarado por
diversas vezes, terem sido alvo privilegiado de preocupação da entidade”.
757

imigrantes. Para Carone (1970, p. 313), a ação da Liga era, “ao mesmo tempo, lição para as classes
dirigentes e contenção das revoltas operárias do tempo”. Para Moreira (1988, p.50), “uma análise mais
acurada da intensa campanha da Liga pelo voto secreto revela que esta estava diretamente voltada
para a desmobilização do movimento operário através do alistamento eleitoral”, considerando que “os
anarquistas rejeitavam qualquer forma de ação a nível parlamentar”. Moreira (1988, p. 48) também
considera que o discurso nacionalista da Liga “ocultava a dinâmica real das relações sociais” e
caracterizava as mobilizações dos trabalhadores como um fenômeno importado, sem ligação com a
realidade brasileira, como deixa claro o seu manifesto ao “operariado nacional” (durante a greve dos
serviços públicos em 1919):

Não é do programa da Liga Nacionalista o intervir, por qualquer forma, em divergências que se
levantem entre operários e capitalistas. A greve, porém, a que, há dias, esta cidade assiste, tira-nos da
nossa abstenção, porque, evidentemente, ela se diferencia, por vários aspectos, das outras, que
começaram e acabaram, sem sairmos nós do nosso silêncio. Esta começou sem se conhecerem os
intuitos ou as queixas dos operários, e, ainda que se ignore como e quando ela acabará, já sobram
razões para se poder acreditar que os seus fins são políticos e que os seus autores são estrangeiros. A
nossa abstenção, portanto, se continuasse não se justificaria.
Para nós é ponto de doutrina intangível que, política, no Brasil, é matéria reservada exclusivamente
aos brasileiros. A Liga constitui-se à volta da sagrada ideia de Pátria, em defesa do sentimento
nacional, para dar combate a tudo quanto seja suscetível de o enfraquecer, e para promover e
estimular tudo quanto possa revigorá-lo. (…) Como havemos de tolerar, calados, em nossa terra, a
atividade de estrangeiros em problemas de que só os nossos poderes devem cogitar, e que só as nossas
leis devem reger?
Falamos aos operários estrangeiros e aos nacionais, não sendo, por espírito de classe, como nos é fácil
demonstrar, adversários rancorosos, ou simplesmente intransigentes, nem de uns, nem de outros.
Durante a rápida, mas terrível epidemia de gripe, que há pouco assolou a nossa capital, era para porta
das oficinas que de preferência corríamos, a procura de doentes, que precisassem de socorro. Não
indagávamos onde eles tinham nascido, nem ouvíamos em que língua falavam. (…) Antes e depois,
no empenho de mover guerra ao analfabetismo, porque os ignorantes não alcançam a sublimidade da
ideia de Pátria, tratávamos e tratamos de fundar escolas nos diversos bairros da cidade. É ainda à
beira das oficinas que de preferência se abrem as escolas, que com muitos sacrifícios sustentamos, e
nada nos importa o verificar a nacionalidade das crianças e dos adultos, ensinados pelos nossos
professores. Só é de rigor que se lhes ensine a nossa língua. (…)
Assim nos exprimindo, outras palavras se dispensam para que os operários brasileiros, porventura
envolvidos na atual greve, compreendam que o nosso desejo e o nosso conselho só se julgarão
satisfeitos se virmos que esse nossos compatriotas iludidos resolvem, imediatamente, negar as suas
simpatias e a sua adesão à causa e às pessoas pelas quais se deixaram iludir. A causa, que no nosso
caráter de diretores da Liga Nacionalista nos é estranha, se, como esperamos, formos atendidos, não
será sacrificada, pois não desejamos nem aconselhamos o seu abandono. Contrista-nos simplesmente,
e revolta-nos, que a pleiteiem à custa da autonomia e do prestígio da nossa nacionalidade.
Aos operários estrangeiros diremos que o Brasil é nosso. Pelas nossas leis e pelas nossas necessidades
de país novo, de escassa população, e, mais que pelas nossas leis e necessidades, pelo nosso
temperamento e pelos nossos costumes atraentes e acolhedores, os nossos portos e as nossas
fronteiras de terra nunca se fecharam ao desembarque e à entrada de alguém. Só agora cuidam os
nossos legisladores de oportuníssimas restrições a esta liberdade ilimitada. Provam fatos horríveis e
recentes que há, entre a multidão daqueles a quem nos dirigimos, alguns criminosos, cuja presença
não lamentaríamos, se as restrições, a que aludimos, tivessem vindo mais cedo. Mas, a todos se
destina a nossa palavra, e firmemente lhes asseveramos que tudo faremos, por nossa espontânea
758

deliberação e às ordens dos poderes nacionais, para que no Brasil, em São Paulo ou em qualquer
outro Estado da União, as questões políticas e a questão social se discutam e se resolvam sem a menor
ofensa às prerrogativas de que nos sentimos revestidos por sermos brasileiros. Antes de tudo, à Pátria”
(OESP, 27/10/1919, p. 2).
Durante a Revolta Paulista de 19241208, a Liga Nacionalista e Macedo Soares (na época, à frente da
Associação Comercial):

(…) estavam entre os que começaram a atuar para aliviar o sofrimento dos paulistas: mantinham
hospitais em funcionamento, forneciam abrigos, promoviam a evacuação dos civilistas, contornavam
problemas de trânsito e trabalhavam com os líderes rebeldes, buscando soluções. O estudante Paulo
Duarte, a pedido de Macedo Soares, organizou a Brigada Acadêmica, de cerca de duzentos alunos,
para ajudar a fornecer proteção policial durante a emergência. (…) Após Isidoro [Dias Lopes], chefe
dos rebeldes, ter concordado que seus canhões não seriam usados para causar danos à cidade, um
debate entre líderes da Liga (incluindo Steidel, Macedo Soares, João Sampaio, Roberto Moreira,
professor Reynaldo Porchat e Joaquim Sampaio Vidal) resultou na formação de uma comissão para
negociar com o governo federal. Em nome da comissão (constituída do arcebispo Dom Duarte
Leopoldo e Silva, do prefeito Firmiano Pinto, Steidel, Júlio Mesquita e Macedo Soares), Steidel
redigiu um telegrama pedindo ao presidente Bernardes para suspender o bombardeio federal; a
resposta do Rio, porém, foi desfavorável. (…)1209 (DULLES, 1984, p. 49)

Macedo Soares, segundo Dulles (1977, p. 200), temendo que a destruição do complexo industrial de
São Paulo levasse os desempregados a se levantarem contra a ordem social, teria afirmado: “os
operários agitam-se já e as aspirações bolchevistas manifestam-se abertamente”. Como o presidente

1208 Segundo French (1995, p. 42), o movimento tenentista, “expressando as reclamações das classes médias urbanas
descontentes com o sistema clientelista, (...) funcionou como um espelho em que se podiam mirar todos os insatisfeitos com
a ordem vigente. Para o movimento dos operários, o movimento armado dos jovens militares parecia oferecer uma aliança
possível que podia alterar o equilíbrio de poder que condenara à derrota suas lutas passadas. Em 1923, diversas facções do
movimento operário haviam sido aliciadas para as conspirações militares que levaram à bem-sucedida tomada da capital
[São Paulo] (…) a 5 de julho de 1924. Contudo, a iniciativa era evidentemente dos militares rebeldes que, se bem que
recebessem de bom grado esse apoio, encaravam o movimento operário desarmado e grandemente enfraquecidoo como
fundamentalmente secundário para seus planos. Durante as três semanas em que ocuparam o centro de São Paulo, os
revolucionários distanciaram-se de seus antigos companheiros de conspiração e não se dispuseram a trabalhar intimamente
com os radicais da classe operária. (…) Os manifestos dos rebeldes de 1924 em São Paulo nem sequer mencionavam as
necessidades e queixas específicas da crescente classe operária”. Por isso, o movimento operário não teria “acorrido às
manifestações públicas de solidariedade aos rebeldes, a não ser depois de 12 de julho, quando as forças do governo
começaram a bombardear indiscriminadamente as instalações mantidas pelos rebeldes (…) [nos] bairros industriais e de
população majoritariamente operária”. Embora não tenha sido fundamental para a revolução, “o movimento dos operários
sofreu o golpe da repressão que se seguiu à retirada das tropas rebeldes da cidade”. A revolta também levou o governo
estadual a criar o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) (FRENCH, 1995, p. 44).
1209 Em julho de 1924, a cidade de São Paulo foi ocupada pelos revolucionários. “A reação governista fez com que se
seguissem 18 dias de contínuo bombardeamento aos bairros centrais e operários de São Paulo. A ação realizada pelas tropas
federais provocou, segundo as agências internacionais, por volta de 1.000 mortos e 4.000 feridos, quase todos civis. Tratou-
se, seguramente, do maior massacre urbano realizado durante os governos republicanos e praticado na capital bandeirante, o
centro industrial do país. A matança indiscriminada de civis pobres foi praticamente ignorada e quase esquecida,
principalmente pelos próprios historiadores paulistas. (…) A Revolução de 1924, episódio que causou profundos estragos na
arquitetura paulistana, principalmente nos bairros industriais e ferroviários da zona leste, nunca recebeu a devida
importância. Talvez por ter ocorrido em São Paulo e não ter sido protagonizada pela sua elite como foi a de 1932, a revolta
iniciada em cinco de julho permaneceu sempre relegada ao segundo plano, como um acontecimento fortuito pouco
importante no transcurso da República”. (ROMANI, 2011)
759

não deu ouvidos aos apelos de “Macedo Soares e de outros com opiniões semelhantes, os revoltosos
resolveram abandonar a capital paulista antes que cortassem as vias de retirada”. Mas as negociações
dos paulistas com os rebeldes não foram vistas com bons olhos pelo governo:

No início de agosto, Júlio Mesquita e Macedo Soares foram presos e transferidos para o Rio para
serem interrogados. (…). A 7 de agosto, o presidente Bernardes decretou o fechamento da Liga
Nacionalista de São Paulo por seis meses, por incorrer em ‘atos nocivos ao bem público’” (DULLES,
1984, p. 50).

Segundo Carone (1970, p. 314-315), quando Artur Bernardes fecha a Liga Nacionalista, ela renasce
com novas formas (a Liga do Voto Secreto e o Partido da Mocidade, por exemplo) que seriam
posteriormente aglutinadas no Partido Democrático, em 1926. Vários integrantes da Liga Nacionalista
também participaram da fundação da Associação Paulista de Defesa Social, em 1925.
Medeiros (2005) identificou cerca de quarenta e seis sócios que integraram o grupo dirigente da
associação, com efetiva participação nas diversas ações desenvolvidas pela Liga Nacionalista durante
seus oito anos de existência. Entre eles, destacamos José Carlos Macedo Soares, Antonio de Sampaio
Dória, Armando Sales de Oliveira e Júlio de Mesquita Filho. Antonio de Sampaio Dória, formado na
Faculdade de Direito de São Paulo (1908), teve grande atuação no campo educacional nas décadas de
1910, 1920 e 1930. Foi Diretor Geral da Instrução Pública de São Paulo (1920-1921) e promoveu a
reforma da instrução pública paulista, conhecida como “Reforma Sampaio Dória”. Um esforço de
“modernização do ensino” que, “embora fracassado, (...) teria estimulado outras tentativas isoladas de
reforma da instrução pública, principalmente, voltadas ao ensino primário, em diferentes estados do
país” (MEDEIROS, 2005). Sampaio Dória fundou e dirigiu a Sociedade de Educação, principalmente
em sua primeira fase de atuação (1922-1925). Essa sociedade, de acordo com seus estatutos, voltava-
se ao “estudo de questões referentes à educação e ao ensino em todos os seus graus” (os seus dois
primeiros presidentes atuavam no magistério superior – Oscar Freire e Ovídio Pires de Campos eram
professores da Faculdade de Medicina de São Paulo), mas “os temas debatidos nas sessões da
entidade, particularmente na 1ª fase de sua existência, estavam, predominantemente, voltados à
educação infantil e ao ensino primário”1210.
Registra-se também a participação de Sampaio Dória na comissão que elaborou o projeto de decreto-
lei com que se criou a Universidade de São Paulo, em 1934. Na linha de frente da criação da USP
estavam ainda outros dois membros da Liga Nacionalista, destacados acima: Júlio de Mesquita Filho e

1210 A Sociedade Educação organizou diversas comissões, sobre as quais pouco se sabe (“não há registro acerca de
quaisquer atividades desenvolvidas por seus integrantes”), “para dar andamento aos diversos trabalhos pretendidos”. O
nome de José Carlos de Macedo Soares aparece como integrante da comissão de Pedologia e na de “Higiene Mental e
Educação dos Anormais” (na qual também constava o nome de A. C. Pacheco e Silva). Vale destacar também o nome de
Roberto Mange (ver FICHA IDORT) na comissão de Ensino e Orientação Profissional (MEDEIROS, 2005).
760

Armando Sales de Oliveira1211, integrantes do chamado “grupo do Estado”1212. De acordo com Cardoso
(1982, p. 56), Mesquita Filho expôs a ideia de criação de uma universidade em 1925, no texto A Crise
Nacional. Contudo, o tema central desse projeto, o da “regeneração dos costumes políticos” como
obra das “classes dirigentes e intelectuais” já aparecia nas atividades da Liga Nacionalista. Era
também a ideia “central no texto ‘A Defesa Nacional’ de Bilac, referência importante para Júlio de
Mesquita Filho, quando caracteriza a postura do jornal [O Estado de São Paulo] na vida política
brasileira”. Este tema – a missão que tem a classe dirigente e intelectual de “conduzir a nacionalidade”
– “vai compor o universo ideológico em que transita o '’grupo Estado’ quando formula o projeto da
Universidade” (CARDOSO, 1982, p. 57).
Referências

CARDOSO, I. A universidade da comunhão paulista. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1982.
CARONE E. A República Velha: instituições e classes sociais. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.
DULLES, J. W. F. Anarquistas e comunistas no Brasil, 1900-1935. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
DULLES, J. W. F. A Faculdade de Direito de São Paulo e a resistência anti-Vargas: 1938-1945. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira/ São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1984.
FERREIRA, W. A Faculdade de Direito na arrancada de 9 de julho de 1932. In: Revista da Faculdade de Direito, São
Paulo, vol. 55, 1960, p. 416-433
FONT, M. A. Coffee and transformation in São Paulo, Brazil. Lanham, Md: Lexington Books, 2010.
FRENCH, J. D. O ABC dos Operários: Conflitos e alianças de Classe em São Paulo, 1900-1950. São Paulo:
Hucitec/Prefeitura de São Caetano do Sul, 1995.
MEDEIROS, V. Antônio de Sampaio Dória e a modernização do ensino em São Paulo nas primeiras décadas do século
XX. Tese (Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2005.
MOREIRA, S. Ideologia e atuação da Liga Nacionalista de São Paulo (1917-1924). Revista de História, v. 0, n. 116, p.
67, 7 jun. 1984.
MOREIRA, S. São Paulo na Primeira República: as elites e a questão social. São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1988.
(Tudo é história, 125).
ROMANI, C. Antecipando a era Vargas: a Revolução Paulista de 1924 e a efetivação das práticas de controle político e
social. In: Topoi, v. 12, n. 23, jul.-dez. 2011, p. 161-178.
CPDOC – verbetes biográficos:
SALES, Armando (http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/armando-de-sales-oliveira);
DÓRIA, Sampaio (http://www.fgv.br/Cpdoc/Acervo/dicionarios/verbete-biografico/sampaio-doria); MESQUITA FILHO,
Júlio de (http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/mesquita-filho-julio-de).
“Liga Nacionalista – Importante reunião – O plano de ação da Liga – Discurso do Dr. Frederico Steidel”, O Estado de S.
Paulo (SP), 28/03/1917, p.5
“A Liga Nacionalista ao operariado nacional”, O Estado de S. Paulo (SP), 27/10/1919, p.2

1211 Casado com Raquel Mesquita, irmã de Júlio, Armando Sales foi interventor em São Paulo entre 1933 e 1935. Foi
também um dos organizadores e o primeiro presidente do IDORT (ver FICHA), fundado em 1931.
1212 O “Grupo do Estado” era, conforme Cardoso (1982, p. 44), a denominação que os jornalistas, intelectuais e políticos
reunidos em torno do jornal O Estado de São Paulo “davam a si mesmos e com a qual, simultaneamente, eram identificados
pelos demais, no período que demarca o projeto da Universidade”. Júlio de Mesquita filho assumiu o cargo de secretário no
jornal em 1921. Seu irmão, Francisco Mesquita, era gerente. Durante a década de 1920 Júlio Mesquita ainda era o diretor-
presidente. Armando Sales de Oliveira era um dos diretores da Sociedade Anônima desde 1914. Com a morte de Júlio
Mesquita em 1927, Armando Sales tornou-se o presidente da empresa e Júlio de Mesquita Filho o diretor do jornal (Idem, p.
43).
761

Liga Patriótica Argentina – LPA

“Quantos foram os mortos? Seiscentos, como mínimo,


como foi dito muitas vezes? Um morto já é demais. Ou
foram novecentos, como denunciaram de imediato os
anarquistas? As cifras não têm comparação na história
argentina no que se refere a conflitos políticos ou
sociais localizados. Ou mil trezentos e cinqüenta e seis
mortos, segundo informou ao seu governo o
embaixador dos Estados Unidos? Em Buenos Aires,
assassinou-se à vontade. O bombardeio da Plaza de
Mayo, em 1955, ou o massacre de Ezeiza, em 1973,
numerosos em vítimas, não chegam aos pés da
selvageria policial, militar e classista que se desatou
sobre a cidade durante os acontecimentos que foram
contidos sob o nome de Semana Trágica. Ao contrário,
há notícia da quantidade de baixas policiais: três
mortos, setenta e oito feridos. A desproporção é clara:
foi batida, caçada e tiro de misericórdia. Na cena de
sangue sobressai, além do mais, um safári de meninos
ricos, que também contribuíram ao holocausto urbano.
Assombra que uma matança de tal magnitude tenha
podido ser tranquilamente assimilada pelo sistema
político e dissolvida, misteriosamente, na memória dos
portenhos, como se tivesse sido, apenas, um mal
sonho” (FERRER, 2007, itálicos meus).

Logo após a Primeira Guerra Mundial, o movimento de trabalhores na Argentina, composto em


grande parte por imigrantes, ameaçava a elite argentina. Havia sindicatos anarco-comunistas,
socialistas e comunistas, organizados em diversas federações, assim como um partido socialista com
representação no Congresso. A chamada “Semana Trágica” de janeiro de 1919 ocorreu em uma
atmosfera de crise econômica e grande militância sindical: uma greve geral paralisou Buenos Aires e
se espalhou para as províncias. A elite argentina estava convencida de que uma revolução tinha
começado no país e considerou que o governo precisaria de assistência para restaurar a ordem. O
contra-almirante Manuel Domecq García e o Centro Naval, um clube para oficiais da marinha,
coordenaram esforços para reunir, armar e treinar jovens civis voluntários. Enquanto isso, outras
organizações foram se formando para “manter a ordem”. Posteriormente, o Centro Naval acabou
assumindo o controle sobre esse outros grupos de auto-defesa e guardas civis. Domecq García e
outros marinheiros, lideranças das guardas civis e membros do Círculo Militar decidiram reunir suas
forças em um novo e maior grupo: uma milícia civil permanente, com brigadas espalhadas na capital.
A nova organização, para cuja diretoria foram convidadas pessoas de prestígio e representantes de
clubes sociais (como a Asociación de Damas Patricias), foi chamada de Liga Patriótica Argentina. No
primeiro encontro da Liga, realizado em 20 de janeiro de 1919, decidiu-se que o seu propósito seria o
de defender a nação argentina contra o radicalismo imigrante. Quando o anarquismo, o comunismo,
762

ou greves violentas ameaçassem a paz social, a Liga estaria preparada para ajudar as autoridades a
proteger a vida e a propriedade (MCGEE, 1984).
Em 1919, durante a greve metalúrgica organizada em protesto à siginificativa perda de poder
aquisitivo ocorrida durante a Primeira Guerra, surgiu na Argentina uma guarda cívica formada por
jovens voluntários procedentes das classes média e alta portenhas. Essas “brigadas de autodefesa”
participaram da sangrenta repressão ao movimento grevista. Depois disso, com a ajuda de oficiais do
Centro Naval e sócios do Círculo Militar, essa guarda cívica se transformou em um grupo armado
estável, constituído sob a denominação de Liga Patriótica Argentina, a primeira organização armada
antirrevolucionária dos “cidadãos respeitáveis” de Buenos Aires (GONZÁLEZ CALLEJA e DEL
REY REGUILLO, 1995, p. 36).
Fontes:
Ilustração: FUCILE, Rodolfo. Semana Trágica. Buenos Aires: Ediciones del Antiguo, 2018. Disponível em:
https://issuu.com/rodolfofucile/docs/fucile-semana-tragica-web Acessado em junho de 2019.
FERRER, C. Uma semana de janeiro de 1919. In: Verve, nº 12, 2007, p. 169-179. Disponível em:
https://revistas.pucsp.br/verve/article/view/5455 Acessado em junho de 2019.
GONZÁLEZ CALLEJA, Eduardo.; DEL REY REGUILLO, Fernando. La defensa armada contra la revolución: una
historia de las “guardias cívicas” en la España del siglo XX. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas,
1995. (Biblioteca de historia, 29).
MCGEE, Sandra. The Visible and Invisible Liga Patriótica Argentina, 1919-28: gender roles and the right wing. The
Hispanic American Historical Review, v. 64, n. 2, p. 233–258, maio 1984.
763

MAGALHÃES, Jacy Montenegro


Em acréscimo às informações já apresentadas nos capítulos 5 e 6, seguem abaixo maiores detalhes
sobre a trajetória de Jacy Magalhães.

Em julho de 1935 ele viajou a Porto Alegre, representando o ministro do Trabalho nas comemorações
do centenário da Revolução Farroupilha. Sua missão, que, de início, seria “meramente protocolar”,
teria se ampliado. De acordo com seu depoimento, Jacy foi encarregado, por Getúlio Vargas,
preocupado com os sérios desdobramentos que poderiam advir de uma greve, considerando a
influência da Aliança Nacional Libertadora (ANL) sobre os sindicatos gaúchos, de enfrentar as
irregularidades praticadas nas fábricas Renner:

A tarefa era espinhosa. (…) teria de ser empreendido um vasto trabalho de


organização, uma vez que não existia uma única liderança sindical que não estivesse
sob a ascendência de um comunista muito conhecido, Dyonélio Machado. Para
neutralizar os efeitos das infrações que vinham sendo cometidas, fiz amizade com um
diretor de uma empresa concorrente, a Cia. Bier Ullmann, uma fábrica de lã, e com
um funcionário da própria Renner, demonstrando a ambos as vantagens de se cumprir
a lei. Assim, acertamos as bases de uma convenção coletiva, e a questão ficou contida
dentro do processo. Para a luta sindical que seria travada num âmbito muito mais
amplo, convoquei o padre Leopoldo Brentano, líder do Movimento Social Operário.
‘Vamos organizar sindicatos a partir dos Círculos Operários Católicos, propus. O
sacerdote possuía uma boa visão social trabalhista e assumiu a idéia na hora. Os
resultados foram formidáveis. Evidentemente, foi preciso convencer as lideranças
patronais da sua seriedade, garantindo que seus objetivos eram democráticos, e que ao
concretizá-los, estaríamos solapando a atividade tanto dos integralistas como dos
comunistas. E o que era mais importante: sem o uso da força policial. Aos poucos,
nossa verdade foi se impondo. Conquistamos uma primeira vitória com a convenção
dos madeireiros. E em Pelotas, marcamos outro tento. Na cidade, tinham sede as duas
empresas responsáveis pelo fornecimento de energia elétrica do estado: Empresas
Elétricas Brasileiras e Bond and Share. Além disso, havia 14 sindicatos de
empregados no comércio. Os comunistas, evidentemente, lideravam, mas contávamos
com o apoio do Sindicato dos Garçons, cujo presidente era um tal de Provenzano, e
de dois antigos dirigentes metalúrgicos, Aldo de Abreu, deputado estadual, e Carlos
Santos, deputado federal; com a ajuda deles, listamos as reivindicações. Fiz contato,
também, com o professor Alcides de Mendonça Lima, grande homem público,
fundador do Partido Socialista Brasileiro, que possuía uma influência enorme na
região. Afinal, acompanhado de dois fiscais, busquei entendimento com a Associação
Comercial. Depois, fui conversar com Mr. Buster Mayer, um americano, técnico em
eletrônica, obstinado na desobediência à legislação. Levei comigo os dois
parlamentares, o presidente do sindicato dos empregados da Tramway, e um
comunista, líder dos comerciários. Na nossa frente, o gringo teve o desplante de
declarar que não ia cumprir a lei e ponto final. “Uma ova!” – reagi. “O senhor sai
daqui preso”. Eu já ameaçara assim o inglês da City, em Santos... Enfim, o sujeito
acabou cedendo. Enquanto permaneci em Pelotas pude testemunhar o esforço do
padre Bretano. Do círculo que ele criou, originou-se a União Sindical, uma entidade
bastante sólida. (…) Para minha felicidade, em Rio Grande morava monsenhor
Eurico Magalhães – meu primo, ex-secretário da diocese de Pelotas – que se juntou
764

ao padre Brentano; ambos deram uma ajuda valiosa para vencer a resistência dos
empresários locais (GOMES, 2007).

Jacy Magalhães permaneceu no Rio Grande do Sul até janeiro de 1936. Em julho desse ano foi
enviado ao Paraná:

Fui, oficialmente, como delegado do ministro do Trabalho e inspetor interino da 15a


Região do Trabalho. Só depois de estar lá é que me dei conta das razões do pedido de
Getúlio: preocupava-o o ativismo forte dos ferroviários da São Paulo-Rio Grande, e a
aversão que nutriam pela política. A empresa era, na verdade, uma holding, cujos
trilhos estendiam-se de Itararé à cidade gaúcha de Marcelino Ramos. No setor de
transporte marítimo havia duas firmas, a Companhia Paraná, com portos em Antonina
e Paranaguá; e a Rede São Francisco, que operava de São Francisco até União da
Vitória. Agia sempre da mesma forma: telegrafava, com antecedência, para o prefeito,
pedindo que ele reunisse na Prefeitura, ou na Câmara, ou no lugar que fosse mais
acessível, delegações de empregados e de empregadores. A cada grupo, eu fazia uma
exposição em separado sobre a legislação do trabalho. Não consegui fundir os três
sindicatos, mas os serviços melhoraram bastante – com certeza! E fiz uma prestação
de contas irrepreensível. Muito me orgulha o fato de ter trabalhado pelo social-
trabalhismo justamente onde o sindicalismo se enraizou e cresceu – nos estados de
São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. (…) No Paraná, não havia
apostolado operário, mas em Santa Catarina, o padre Alberto Cobi nos deu uma ajuda
inestimável. Fundador do Círculo Operário Católico de Joinville, ele me apresentou à
sociedade local. (…) Na Bahia, eu me sentiria impedido de atuar dada a presença de
meu irmão Juracy. No Ceará, os laços de família constituíam impedimento igual. Em
Pernambuco, os Lima Cavalcanti eram amigos, mas pessoas difíceis. Não sei de
ninguém que tenha sido enviado ao Nordeste para realizar algo equivalente ao que fiz
nos estados do Sul. Alguns funcionários do Ministério andaram por lá, mas em
missões específicas, nada relacionadas ao sindicalismo” (GOMES, 2007).
Conforme visto no capítulo 5, Jacy Magalhães esteve envolvido com a Organização Sindical Paulista
(OSP), criada em 1936. Em entrevista a Gomes (2007, p. 123), ele explica maiores detalhes sobre o
trabalho e os diretores da entidade, presidida por Alberto Salles de Oliveira, irmão do governador de
São Paulo:

Eram três irmãos: Alberto, presidente da OSP; Francisco, dirigente do IDORT


[Instituto de Organização Racional do Trabalho]; e Armando Sales de Oliveira,
governador de São Paulo. A estrutura de apoio sindical que eles montaram poderia ter
se espalhado pelo país inteiro. Toda a fiscalização estava disposta a atuar nesse
sentido. Mas, à medida que ela foi posta a serviço dos interesses políticos do governo
do estado, o processo estancou. A ideia acabou a sete palmos abaixo do chão (Id.).

Para Jacy Magalhães, a OSP poderia ser imaginada como “uma espécie de holding de serviços, que
prestava assistência jurídica e assistência médica a todos, indistintamente”. “Num trabalho
formidável”, conforme Jacy, “levantou-se cada um dos problemas de saúde existentes nas fábricas –
765

na maioria, estabelecimentos de pequeno porte – assegurando-lhes um respaldo social. Qualquer


ocorrência tinha pronto atendimento, inclusive questões políticas, graças ao peso do governo estadual”
(Ibid.). Magalhães afirmou que “os serviços da OSP eram pagos pelas próprias empresas que os
solicitavam, empregadores e empregados cotizados. E todos os técnicos, altamente qualificados,
atuavam com inteira liberdade, não cedendo um milímetro sequer ao interesse patronal, e recebendo
bons salários”. Ele declarava não ter dúvidas de que “foi graças à fiscalização e às atividades da OSP,
que se criaram os sindicatos paulistas. Todos eles, menos o dos metalúrgicos”. Segundo Magalhães,
“essa experiência devia ter sido reproduzida em todo o país”. Ele lamentava: “É uma pena que os
arquivos da Organização Sindical Paulista tenham se perdido!…” (Ibid.).
Para o jornal O Radical (16/03/1937), do Rio de Janeiro (favorável ao governo de Getúlio Vargas), a
OSP era uma “organização criada pelo sr. Armando de Salles Oliveira para apoiá-lo nas eleições para
presidente da República”. O “mentor chefe” da organização seria Clóvis de Carvalho, diretor do
Departamento [DET]. Segundo O Radical (23/03/1937), os sindicatos que decidiam não se vincular à
OSP sofriam “todas as ações possíveis e imagináveis”: “Sendo o diretor do DET um dos altos
‘graduados’ da OSP (…), os recalcitrantes encontram todos os obstáculos na obtenção de carteiras
profissionais, na Seção Judiciária, etc”. Pont (2007) afirma que a Organização Sindical Paulista foi
criada pelas médias e pequenas empresas industriais, que não se achavam representadas na FIESP.
Sobre esse problema da representação, Jacy Magalhães comentou:

No Rio e em São Paulo, em virtude de já existir um sentimento social-trabalhista


implantado, a pequena burguesia ascendente encontrava em nós um ponto de apoio.
Enquanto isso, a Associação Comercial só cuidava dos interesses dos grandes
plantadores e exportadores de café, e o Centro das Indústrias não dava atenção a nada
além das empresas Matarazzo, Crespi, Penteado... O DET agia em duas frentes:
fornecendo documentação e dando assistência jurídica. (…) Mas o que nós fazíamos
correspondia às reivindicações econômicas e políticas de muitos empresários, tanto
assim que até reacionários empedernidos como Otávio Pupo Nogueira acabaram do
nosso lado. Outro que se destacou – mas como nosso aliado – foi Diniz Gonçalves
Moreira, do setor têxtil. O que era a indústria têxtil em São Paulo? As grandes
empresas pertenciam àquela nobreza papalina, que também dominava o sindicato
patronal. Nossa tática consistia em dar assistência técnica às firmas estrangeiras –
fábricas de alpargatas, de geladeiras e de linhas de coser –, enquanto buscávamos
penetração junto aos diversos setores de empregados. Porém, sem jamais intervir nas
eleições a favor de A ou B – para não sermos acusados. (…) aqueles sindicatos que
foram matrizes do processo que iniciamos, comandaram muitas das negociações
patronais (GOMES, 2007, p. 127).

Em 1940, a eleição de Roberto Simonsen e Morvan Dias Figueiredo, representante dos médios e
pequenos setores industriais, para a presidência e vice-presidência da FIESP, foi importante para
enfrentar as dissensões que vinham ocorrendo no interior da federação (PONT, 2007). José Carlos de
Macedo Soares também fazia parte dessa direção da FIESP (Correio Paulistano, 24/01/1940). Não
sabemos informar se Morvan Dias Figueiredo teve algum envolvimento com a OSP. Mas Jacy
Magalhães destacou seu papel na construção do “sindicalismo de verdade” que, na sua opinião, “só
existiu em alguns pontos do Nordeste e, principalmente, no Sul”. Em São Paulo, os responsáveis por
isso teriam sido Morvan e Nadir Figueiredo, Clóvis Martins Carvalho, do DET, e ele próprio, Jacy
Magalhães (GOMES, 2007, p. 127).
766

MURICY, Antônio Carlos da Silva


Conforme visto no capítulo 7, na segunda metade de 1958, logo após o seu período de dois anos como
adjunto do adido militar em Washington DC, Muricy foi nomeado para trabalhar no Recife, um dos
locais de maior estratégico das atividades anticomunistas, por um amigo seu e companheiro de lutas,
Pedro “Malasartes” Geraldo de Almeida, apresentado no capítulo 6. Sobre o seu período em
Pernambuco, Muricy relata o seguinte:

O Pedro (…) no Estado-Maior, era o encarregado da classificação. Como eu estava no


gabinete do ministro, no Estado-Maior o chefe-de-gabinete é quem faz a classificação
dos oficiais. Eu escrevi para o Pedro Geraldo: ‘Pedro, estou de retorno e ainda estou
devendo arregimentação. Pelo amor de Deus, providencie uma arregimentação, para
eu não perder tempo. Não quero ir para uma função burocrática. (…) O Pedro
Geraldo nem sempre esteve conosco. Por exemplo, no episódio do 11 de Novembro,
ele não esteve conosco, e nem por isso perdemos a amizade. É o que eu digo: os
assuntos políticos não terminam, não complicam; só os ideológicos afastam. A gente
discute os assuntos políticos, briga e continua amigo. (…) Quando cheguei no cais
[retornou ao Brasil de navio], estava lá o Pedro Geraldo e a primeira coisa que ele
disse foi: ‘Muricy, vais para Recife!’ Ele, que era o homem das classificações, sabia
que Virgínia era pernambucana. Eu deveria sair do Rio, porque tinha tido uma
permanência prolongada aqui. (…) vagou-se o CPOR do Recife, que era comandado
pelo Canavarro Pereira, coronel também e muito amigo do Cordeiro [de Farias]. (…)
eu cheguei lá em setembro, outubro no máximo [de 1958], e eu me lembro que logo
em seguida o Cordeiro foi para o Rio. Eu privei com ele uns dois ou três meses.
Retomei o contato, as amizades, e fui conhecer, então, o ambiente do Nordeste. (…)
Fiquei lá no CPOR de outubro de 1958 até agosto, no máximo setembro de 1960, no
CPOR. (…) No Recife, me ambientei rapidamente por três motivos. Primeiro cheguei
lá e fui recebido pela família e pelos amigos de minha mulher [Virgínia], pelo círculo
das relações anteriores. Depois, eu tinha as relações que naturalmente se fazem,
através dos cargos que se ocupam. Eu, como comandante do CPOR, tinha contato
com várias autoridades do estado: o reitor, os diretores de faculdades, elementos do
governo do estado... E, finalmente, eu tinha as ligações dentro do Exército
propriamente. Além disso pelo meu temperamento, rapidamente encontrei outros
elementos, com os quais acabei tendo relações. Para não ficar muito longo, porque
acabei conhecendo todo mundo no Recife e lá no Nordeste - todo mundo... (…)
Virgínia tinha um conhecimento imenso no meio católico do Recife. Isso fez com que
eu chegasse e herdasse rapidamente todos os seus conhecimentos. (…) Quando ela
esteve na Universidade, Virgínia representou Pernambuco num Congresso da UNE,
junto com o Marcos Freire. Conheci nessa ocasião toda essa gente. Eram meninos
recém-formados. Então, rapidamente vim a conhecer muita coisa no Recife. Naquela
ocasião não havia uma agitação de molde a preocupar. Mas começava a haver uma
pregação comunista muito séria no Recife. Aliás, já havia, nunca deixou de haver.
(…) Nessa ocasião deu-se um fato político importante no Recife. Arrais, secretário e
cunhado de Cid [Silveira], já rompido com ele, resolveu se candidatar [à] prefeitura
do Recife. Seu adversário era um ex-prefeito, Antônio Pereira, acusado de
malversação de dinheiros públicos na administração anterior. Eu, recém-chegado e
sem conhecer o meio, fiquei num dos maiores dilemas da minha vida. E, pela
primeira e única vez na minha vida, votei em branco. De um lado, eu não podia votar
767

num homem que tinha acusações de ordem moral. De outro, não podia votar num
homem que todo mundo acusava de comunista ou de linha auxiliar dos comunistas.
Então, votei em branco, porque não sabia em quem votar. Este era o ambiente que eu
vivi no Recife.(…) então, dentro desse ambiente, naturalmente há as tentativas de
reação contra o status quo no campo e surgem algumas iniciativas. Eu não sei se foi
bem aí ou pouco mais adiante que apareceu o pequeno advogado, o Julião, que
começou a fazer um trabalho de estrutura e defesa dos camponeses.(…) E começou a
fazer um escritório no interior. Não me lembro da cidade, mas era perto do Recife.
Aqueles que se sentiam prejudicados pela ação dos chefes, iam a ele, e ele organizava
os papéis. Realmente, ele prestou um serviço muito grande. Graças sua ação,
tomaram-se medidas de defesa... Ele era comunista, e comunista confesso até hoje,
mas, realmente, ele lutou pelo camponês. Com interesses ou não, muito inteligente,
ele realmente lutou e estruturou o camponês. E para poder defender o camponês ele
organiza a primeira liga, no engenho Galiléia. E daí começa a irradiação (MURICY,
1993, p. 345-349, 359-363).
Entre 1960 e 1961, Muricy foi nomeado para chefiar a guarnição de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul,
outro estado fundamental para os anticomunistas:

Fui chamado ao Rio [em 1960] (...) para conversar com o ministro Denis. Era a
primeira vez que eu tinha um contato direto com o marechal Denis. (…) Eu sabia que
ele tinha aceito o meu nome porque o Orlando [Geisel] tinha mostrado quem eu era...
Mas a partir daí ele teve muita confiança em mim. Na minha ida ao gabinete, recebi a
seguinte informação: ‘General, o senhor foi promovido. Tenho a máxima confiança
no senhor e escolhi a guarnição de Cruz Alta [RS] especialmente por uma razão: a
situação no Rio Grande é difícil. O governador é cercado de comunistas, tem
tendências de esquerda ou mesmo comunistas. O comandante do Exército é o general
Osvino, que o senhor conhece. Há outros elementos no estado-maior que o senhor
conhece que são do mesmo estilo… (…). Há um ambiente e uma perspectiva de que
no Rio Grande talvez possa haver um levante, e eu preciso de alguém que me feche a
serra. O senhor, em caso de necessidade, feche a serra, nos acessos ao norte de Santa
Maria’. Eu disse: ‘Está bom’. E assim eu fui para o Rio Grande. (…) procurei me
concentrar nos problemas que o Denis tinha me recomendado. Em primeiro lugar,
senti logo que o meu comandante, o Ururaí, era um homem inteiramente do mesmo
ponto de vista que o meu e então conversei com ele. Mostrei a minha posição e ele
mostrou a sua. Mostrou que também estava preocupado com o problema do Osvino,
principalmente porque ele também estava em Porto Alegre, num quartel pegado ao
quartel-general do Osvino. Ali havia uma série de problemas” (MURICY, 1993, p.
p.376-378). No início de 1961. “na arrumação feita pelo Jânio dentro do ministério
[da Guerra], (…) [Denis] colocou o Machado Lopes, [amigo de Muricy, que foi adido
militar em Washington] (…) em Porto Alegre, comandando o III Exército. (…) Nesse
período, recebi um convite do Machado Lopes para ser o chefe do seu estado-maior.
(…) tive uma comunicação do Rio, dizendo que o meu nome tinha sido apresentado
ao Machado Lopes pelos meus amigos. O Orlando e o Ernesto [Geisel], que estavam
lá no gabinete do Denis, achavam que eu lá, ao lado do Machado Lopes, seria um
elemento de tranquilidade para o ministro. Eu recebi esse recado e uma insinuação de
que eu aceitasse. Não tinha por que não aceitar. Aceitei e o Machado Lopes então
indicou o meu nome oficialmente. Fui nomeado chefe do Estado-Maior do III
Exército. (…) Quando cheguei em Porto Alegre, imediatamente fui ao Machado
Lopes e disse: ‘Olha, Machado Lopes, no QG há um certo número de oficiais que eu
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não desejo que permaneçam. São oficiais contra os quais pesam suspeitas de
comunismo. Eles eram homens de confiança do Osvino. Eu não fico com esses
homens.’ (Id., p. 379).
Em 1961, diante da renúncia de Jânio Quadros, “surgiu imediatamente o problema da posse de
Jango”, de acordo com o relato de Muricy:

Brizola (...) começou a tomar atitudes para se precaver. (...) a primeira coisa que ele
fez foi ocupar a telefônica, para fazer o controle das ligações no Rio Grande do Sul.
Eu estava no quartel-general quando entrou o Dimas, jornalista representante dos
Diários Associados em Porto Alegre. Ele veio me comunicar o fato. Imediatamente,
levei o fato ao conhecimento do Machado. O chefe do Estado-Maior não age por si,
age sempre por delegação. O Machado Lopes ficou preocupado com o problema, mas
disse: ‘Não tome medida nenhuma, porque eu quero evitar um confronto.’ (…) A
coisa foi num crescendo, o Brizola resolveu organizar a Cadeia da Legalidade.
Ocupou a rádio Guaíba, situada numa ilha do rio Guaíba, e levou os cristais e o
microfone para o Palácio. De lá, ele começou a irradiar. (…) Brizola chamou a tropa,
cercou o Palácio Piratini e colocou o que nós chamamos cavalos de frisa. Nós
também, na área militar, colocamos barricadas. Cavalos de frisa são redes de arame
no meio da rua, fechando, bloqueando. Ficamos, então, com uma área da cidade onde
só se entrava com ordem nossa, e lá naquela praça em frente ao Palácio Piratini
também só se entrava com ordem do Brizola. (…) Nesse momento, todo Porto Alegre
e todos nós sentimos que o choque entre o III Exército e o governo ia se dar,
fatalmente. Recebi uma ordem do ministro Denis, através do Geisel, para que nós
fizéssemos calar a Cadeia da Legalidade. Fui ao Machado Lopes, transmiti a ordem e
disse: "Posso montar uma operação para calar a Cadeia da Legalidade?" "Ele disse:
"Pode." Então, eu montei uma operação para calar a cadeia. (…) nunca tivemos
preocupação quanto a um choque militar. O choque militar seria a destruição imediata
do governo do estado e de toda a tropa que ele pudesse dispor, porque ele não tinha
nada. Isso nunca nos preocupou. Mas havia a questão política e, principalmente,
surgiu uma preocupação em Porto Alegre: a guerra civil. (…) Ao mesmo tempo, havia
entrado em ação uma coisa que até então não existia no Brasil: o rádio de pilha. O
rádio de pilha fazia com que todo mundo no Rio Grande, inclusive os soldados,
sargentos e tenentes - oficiais de menor hierarquia - estivessem ouvindo a Cadeia da
Legalidade, porque era só o que havia. Esse ambiente foi empesteando o Rio Grande
do Sul e eu senti, pela primeira vez, a importância do que se chama a guerra
psicológica. Com a guerra psicológica, eu vi, em dois dias, o Rio Grande se
transformar. O Rio Grande, que tinha metade ou mais contra Brizola, se transformou
em ardoroso defensor de Brizola. (...) Chegou um momento em que [ou] tomávamos
nós uma atitude ou a coisa degringolava. Tínhamos o controle da situação e sabíamos
disso. Mas o Machado ficou com receio. E essa é a causa profunda das suas atitudes.
Ele não quis assumir a responsabilidade de desencadear a guerra civil no Rio Grande.
(…) meu papel era manter o moral da tropa e, ao mesmo tempo, me preparar para
tudo, inclusive para o massacre, quer dizer, para o choque que viesse. Essa era a
minha posição e nela eu fiquei (MURICY, 1993, p. 394 -397).
Sobre seu envolvimento com a conspiração contra o governo de João Goulart, Muricy relata:

O ano de 1963 é de trabalho para enfrentar uma maré montante. Havia necessidade de
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coesão e, principalmente, de discernimento, para entender o quadro que estava ali na


frente. O Cordeiro [de Farias], como eu disse, começou a trabalhar e passou pelo
Nordeste. A conversa com o Cordeiro foi a um certo ponto e eu disse a ele: "Aqui o
ambiente é bom, é unido. Ninguém tem dúvida de que o IV Exército [sediado em
Recife] se levanta contra esse estado de coisas. Não há ambiente para fazer... Agora, a
união é perfeita, sobre isso pode ir tranquilo." Depois não tive mais contato com o
Cordeiro, porque também há outra coisa numa conspiração: a gente tem um contato,
tem certeza e depois sabe o que está ocorrendo lá. (…) De vez em quando eu ia ao
Sul; de vez em quando vinham elementos de outros estados. Por exemplo, o general
Faustino e o general Sarmento de vez em quando passavam pelo Recife. Eles eram
pombos-correio, traziam e levavam informações. Havia um grupo de militares da
reserva que vivia viajando por esse Brasil, levando e trazendo informações. Mas nada
era escrito. Este é o episódio da passagem do Cordeiro pelo Recife. Não se entrou em
detalhes, mesmo porque não havia ainda nada positivo. Havia mais uma formação de
consciências, mais nada. E eu ainda esclareci o Cordeiro de que lá o ambiente estava
muito fácil. Nesse ambiente é que se deu a transferência do Castelo [Branco] para o
Estado-Maior do Exército. (…) (…) Ele sentiu a ida para o Estado-Maior. Ele sentiu
que estavam querendo tirá-lo do comando da tropa. Mas eu mesmo fiz questão de
ajudá-lo a sair, porque achava que aqui no Rio, apesar de não estar em comando, ele
teria uma atuação que lá no Recife não poderia ter. (…) depois a tropa no Nordeste
estava absolutamente preparada para enfrentar o que acontecesse (…). Lá no
Nordeste praticamente todos tinham o mesmo ponto de vista. E nos estados-maiores
do IV Exército havia a mesma coisa. Eu estou dizendo: em todo o Nordeste, que eu
saiba, uns cinco ou seis militares ficaram alijados da revolução. (…) Em 1963 já era
esse ambiente. Em 1964, mudou pouco. Naturalmente alguns entraram, outros saíram,
mas o ambiente continuou o mesmo.(...) Quando eu saí do Recife, em setembro de
1963, todas as cartas já estavam em cima da mesa. A guarnição do Nordeste se
levantaria em defesa da democracia e contra a maré esquerdista, tão logo chegasse o
momento. Era este o espírito. (…) Eu saí do Recife com uma posição tomada, já com
contatos no Rio, tendo de vez em quando um pombo-correio que vinha e que levava...
Quando cheguei no aeroporto já estavam à minha espera o [Ulhoa] Cintra e o Caracas
Linhares. O Cintra me puxou para um lado e disse: "Muricy, eu quero falar com você.
Você me conhece desde menino. Eu sempre fui pela legalidade. Eu sempre lutei, com
honestidade, a favor do governo. Mas agora nós temos que reagir. E eu, pela primeira
vez na minha vida estou conspirando. Então vim convidar você para entrar na
conspiração em que estou junto com o Cordeiro e o Nelson." Eu disse: "Agradeço o
seu convite. Eu também já estou nela". Essa foi a minha resposta (…). (MURICY,
1993, p. 430).

O general também explicou o que o motivou a participar da conspiração para a derrubada do governo
Goulart e revelou alguns dos nomes de militares e civis que lutaram a seu lado:

Eu comecei a ler [o livro Ascensão e queda do III Reich, de William Shirer] e a sentir
um paralelismo entre a Alemanha de Weimar, dos fins dos anos 20, começo dos 30, e
o Brasil de depois de Jango. Eu estava sentindo que aquele ambiente se preparava e
que poderia permitir aparecer um outro Hitler nacional, não para lutas externas, mas
para a convulsão interna e a tomada do poder num sentido esquerdizante, mas não
digamos comunistas. Eu fiquei muito preocupado. Há no meu arquivo uma carta que
770

eu fiz ao Golbery, umas das poucas que eu escrevi e das poucas que escaparam,
porque eu rasguei muita coisa. Nesta carta, que deve ter sido de janeiro de 1963 eu
digo ao Golbery da minha preocupação. Digo que tinha lido Shirer, que estava
sentindo a analogia das duas situações e que a leitura tinha me fortalecido uma
decisão já anteriormente tomada: a de lutar com todas as minhas forças contra esse
estado de coisas que se aproximava. E perguntava a ele qual era o ambiente aqui no
Rio. Ele me respondeu que aqueles companheiros nossos estavam firmes, mas tudo
ainda sem articulação."Podemos então pensar numa coisa organizada." Ele me disse
isso, em janeiro de 1963. Depois os fatos foram crescendo e as coisas se arrumando.
O final do ano 1963 e começo de 1964 são de arrumação da casa para enfrentar o
temporal que se aproximava, mas aí já noutro sentido. (…) Mas então entrou um
período de efervescência e, principalmente, de aglutinação em torno da necessidade
de enfrentar a maré montante do comunismo. A conspiração no Nordeste começou a
crescer. Nessa ocasião, o Cordeiro [de Farias] passou pelo Nordeste. Junto com o
Nelson [de Melo], ele já estava começando a fazer articulações aqui no Centro-Sul.
Numa das vezes em que eu estava no Recife, ele passou por lá. O Castelo [Branco]
ainda era o comandante do IV Exército. O Cordeiro conversou com o Castelo e
comigo. Sobre a conversa com o Castelo, eu não sei, não tive contato. O Castelo era
um homem muito fechado. O próprio Cordeiro sabia com quem falava e só avançava
o quanto necessário para sentir, mais do que para dizer. Conspirar é muito difícil. A
gente precisa ter um senso de medida muito grande. A gente não pode falar e, ao
mesmo tempo, precisa ter sensibilidade muito grande para poder compreender o que
não foi dito, o que ficou subentendido. (…) vou dizer-lhes logo: sair da lei é uma das
coisas mais difíceis para um militar. Dizer ‘eu me levanto contra autoridades
constituídas’ é uma decisão dura, duríssima, tanto que o trabalho todo era feito na
base de enfrentar uma situação, não de levantar para derrubar um governo. O que se
queria era evitar que o país fosse para o caos. Mas não se fazia um trabalho de ‘vamos
levantar para derrubar’. (…) E esse é o drama do chefe militar: é que ele tem que ir
contra a lei vigente. Então, muita gente não era ligada aos comunistas, mas não queria
ir contra a autoridade do presidente. (…) O ano de 1963 é de trabalho para enfrentar
uma maré montante. Havia necessidade de coesão e, principalmente, de
discernimento, para entender o quadro que estava ali na frente. O Cordeiro, como eu
disse, começou a trabalhar e passou pelo Nordeste. A conversa com o Cordeiro foi a
um certo ponto e eu disse a ele: ‘Aqui o ambiente é bom, é unido. Ninguém tem
dúvida de que o IV Exército se levanta contra esse estado de coisas. Não há ambiente
para fazer... Agora, a união é perfeita, sobre isso pode ir tranquilo’. Depois não tive
mais contato com o Cordeiro, porque também há outra coisa numa conspiração: a
gente tem um contato, tem certeza e depois sabe o que está ocorrendo lá. (…) Nesse
ambiente é que se deu a transferência do Castelo para o Estado-Maior do Exército.
Num dia de agosto eu estava no Recife comandando a região, quando fui ao IV
Exército e o Castelo me disse: ‘Leia isto.’ Era um telegrama do Jair [Dantas Ribeiro]
que já era o ministro [da Guerra], informando que o Castelo seria nomeado chefe do
Estado-Maior do Exército (…). Castelo perguntou: "O que você interpreta, Muricy?"
E eu disse: ‘(…) como amigo, como subordinado, acho que você deve aceitar, porque
esse é o seu lugar no Exército. Para vir para cá, sempre haverá companheiros para a
luta, para manter a disciplina, a ordem, a instrução. Na chefia do Estado-Maior não
será fácil.’(…). Então o Castelo começou a se preparar para passar o comando. Dias
depois recebi um telegrama do Jair. Dizia que eu já estava com a minha
arregimentação de general-de-brigada completa. Então, me convidava para ir para a
subdiretoria da reserva. Era uma subdiretoria que cuidava dos papéis do pessoal que
771

estava na reserva. Eu ia comandar papel… (…) Era uma estrutura em que havia um
diretor de serviço e duas subdiretorias. O diretor era o Levi Cardoso, que já tinha
servido comigo no gabinete do Canrobert. E havia duas subdiretorias: uma de
recrutamento, onde estava o Ulhoa Cintra, que estava arquivado, a outra onde me
puseram, para ficar arquivado também. (…) Quando eu saí do Recife, em setembro de
1963, todas as cartas já estavam em cima da mesa. A guarnição do Nordeste se
levantaria em defesa da democracia e contra a maré esquerdista, tão logo chegasse o
momento. Era este o espírito.(…) Eu saí do Recife com uma posição tomada, já com
contatos no Rio, tendo de vez em quando um pombo-correio que vinha e que levava...
Quando cheguei no aeroporto já estavam à minha espera o [Ulhôa] Cintra e o Caracas
Linhares. O Cintra me puxou para um lado e disse: ‘Muricy, eu quero falar com você.
Você me conhece desde menino. Eu sempre fui pela legalidade. Eu sempre lutei, com
honestidade, a favor do governo. Mas agora nós temos que reagir. E eu, pela primeira
vez na minha vida estou conspirando. Então vim convidar você para entrar na
conspiração em que estou junto com o Cordeiro e o Nelson.’ Eu disse: ‘Agradeço o
seu convite. Eu também já estou nela.’ Essa foi a minha resposta. (…) O Linhares era
subordinado ao Cintra, na diretoria, (…) e era quem fazia nossas ligações com o
[Carlos] Lacerda [então governador do estado da Guanabara]. (…) Dali em diante, eu
e ele [Ulhôa Cintra] passamos a conspirar juntos. Além do mais, ficávamos no quarto
andar, nos fundos do quartel-general, um de cada lado. No meio, ficava o Levi
Cardoso, que era o nosso chefe. A ala dos fundos do quartel-general, é um edifício
antigo. Então, vivíamos nos encontrando e combinando o que fazer” (Muricy, 1993,
p. 476-487).

Muricy (Id., p. 518) também afirmou:

Comigo, entre os civis, estavam o Carlos Lacerda e alguns elementos ligados a ele.
Eu não conversava diretamente com o Lacerda, mas eles atuavam junto do Linhares e
eu e o Carlos Lacerda trocávamos recados que eu transmitia para o Castelo. E era
assim, por uma cadeia, não havia encontros de um com o outro, havia o vai-e-vem
(Ibid.).
Referências

MURICY, Antônio Carlos da Silva. Antônio Carlos Murici I (depoimento, 1981). Rio de Janeiro,
CPDOC, 1993. Acessado em novembro de 2019. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/historal/arq/Entrevista35_2.pdf> (p.237-356)
<http://www.fgv.br/cpdoc/historal/arq/Entrevista35_3.pdf> (p.357-442)
<http://www.fgv.br/cpdoc/historal/arq/Entrevista35_4.pdf> (p.443-553)
772

Incrementadora de Vendas PROMOTION


A empresa Incrementadora de Vendas Promotion Ltda. foi constituída em 04/08/1951. Em janeiro de
1954, ela foi transformada em uma sociedade anônima. Sua sede estava localizada na Avenida
Marechal Câmara, 271, 10º andar, grupo 1.093, na cidade do Rio de Janeiro, com uma filial no
edifício Esther, na região central de São Paulo, e outra em Porto Alegre, a partir de 1958. Até o início
de 1954, Ivan Hasslocher e José Hélio Resende eram os únicos sócios da Promotion. Quando a
companhia se tornou uma S.A., outros sócios passaram a fazer parte dos seus quadros: Sheila Doris
Kathleen Hasslocher (esposa de Ivan), Edgard Clifford Crosby Jr. – o melhor amigo de Hasslocher na
universidade, que foi seu padrinho de seu casamento no Brasil, para onde Crosby veio no início dos
anos 1950 (HASSLOCHER, 1999, p. 47 e 246) – Roberto Luiz Lemos de Miranda, Antônio Newton
Lopes e Odenir de Faria Barros. Entre 1954 e 1955, a diretoria da Promotion S.A. passou a ser
constituída pelos seguintes membros: Ivan Hasslocher (diretor-presidente, salário de dezesseis mil
cruzeiros), José Hélio Resende (diretor-superintendente, salário de oito mil cruzeiros) e Eduardo
Antônio de Oliveira Alves (diretor-superintendente, salário de treze mil cruzeiros). A partir de 1958,
ingressam Aloysio Hammerli, diretor-superintendente, salário de dez mil cruzeiros), Barthelemy Beer
e Lothar Israel Sussmann (diretor comercial) (Diário Oficial da União, 01/02/1954 e 23/07/1958).
Aloysio Hammerli (1912-1985) (Jornal do Brasil, 13/10/1985) era um major-brigadeiro reformado.
Sobre ele, Hasslocher expressou a seguinte opinião: “a pessoa mais capaz que tive a honra de
empregar na Promotion”. Ele “era tão bom no trabalho com propaganda que eu nunca tentei trazê-lo
para o trabalho político”. Na década de 1940, Hammerli era piloto de elite dos caças da aeronáutica
brasileira. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi ajudante de ordens do Estado-Maior da
Aeronáutica, então chefiado pelo brigadeiro Armando Trompowsky (O Jornal, 31/12/1943). No início
de 1948, Hammerli estava nos Estados Unidos como um dos representantes da Comissão Aeronáutica
Brasileira (Correio da Manhã, 01/01/1948). Em 1962, ele assumiu a direção do departamento de
relações públicas do Diário Carioca (Diário Carioca, 06/01/1962). Em 1969, era vice-presidente do
Conselho Diretor do Instituto Brasil-Estados Unidos (O Jornal, 20/06/1969). Em 1974, ele aparece
como diretor da EBIMEX S.A. – Empresa Brasileira de Importação e Exportação (Jornal do
Comércio, 19/06/1974). Barthelemy Beer era húngaro, casado com a tia de Ivan (HASSLOCHER,
1999, p. 180). Lothar Israel Sussman “era um judeu refugiado da Alemanha” (HASSLOCHER, 1999,
p. 133).
Referências

HASSLOCHER, Ivan. A tidy revolution. 1999 (memórias não publicadas, enviada ao autor).
773

SHUB, Boris
Shub nasceu em Nova York em 1912. Seu pai, David Natanovich Shub, era um conhecido escritor
russo, que conviveu com Lenin, Trotsky, Bukharin, Plekhanov, Vera Zasulich, Axerold e outros líderes
revolucionários russos. Quando Bukharin e Trotsky viveram em Nova Iorque antes da revolução de
1917, a casa da família Shub servia como local de reuniões de grupos anticzaristas, mas a sua família
nunca apoiou o regime soviético. Ao contrário, a família Shub nutria um “profundo ódio” pelos
bolcheviques. Durante a Segunda Guerra Mundial, Shub trabalhou na Rádio Luxemburgo,
“acompanhando as linhas alemãs em retirada”.
No início dos anos 1950, Shub começou a construir a sua trajetória como especialista em propaganda.
Em 1950, o Office of Policy Coordination (OPC) da CIA, chefiado por Frank Wisner, criou o Free
Europe Committee (citado na parte II), que tinha como um de seus objetivos estabelecer estações de
rádio para transmitir programas direcionados às populações da Rússia e da Europa Ocidental. Shub foi
o conselheiro político em Berlim Ocidental da RIAS, a rádio do setor norte-americano que, entre 1951
e 1953, transmitia, em alemão, programas para a Berlim Oriental, controlada pela URSS. Os
programas de rádio destinados à Rússia ficaram a cargo da Radio Liberty (Rádio Liberdade – RL),
com sede em Munique, na Alemanha, mas seu escritório administrativo ficava na cidade de Nova
Iorque. Em 1953, o escritório era chefiado por Boris Shub.
A filosofia dos programas de rádio elaborados pelo escritório de Nova Iorque baseava-se em quatro
princípios. Em primeiro lugar, “os ouvintes soviéticos deveriam pensar que os programas da RL eram
de uma rádio interna local, não de uma estação estrangeira que apresentava um ponto de vista externo
à Rússia”. Para tanto, os radialistas da RL eram apresentados como compatriotas de seus ouvintes, que
falavam russo nativo, sem sotaque. O segundo princípio era que a RL “deveria atrair ‘cidadãos leais
soviéticos’ e não apenas aqueles hostis ao regime soviético”. Nesse sentido, Shub insistiu para que as
transmissões da RL fossem respeitosas com as conquistas da União Soviética, particularmente com a
vitória sobre os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, e também para incluir indivíduos
esquerdistas com alguma projeção entre a população russa. Por insistência dele, a cobertura da RL
sobre a morte de Stálin, ocorrida em 1953, procurou apresentar a trajetória de Stálin em uma
perspectiva equilibrada, sem demonstrar satisfação com a morte do líder soviético e com um tom
moderado, e não abertamente anticomunista. Assim, as críticas à União Soviética vinham da esquerda,
e não da direita, como seria de se esperar, mas tinham o claro objetivo de desestabilizar o regime
soviético e provocar defecções e abandono dos ideais comunistas. O terceiro princípio era dar voz aos
dissidentes, que haviam sido banidos pelo regime soviético, permitindo que eles divulgassem pontos
de vista censurados pelo Partido Comunista, discutindo notícias que a União Soviética evitava. O
quarto e último princípio da RL era “a importância da pesquisa minuciosa e sistemática como base
para a elaboração dos programas de rádio”. Para construir credibilidade, “rancores e hipérboles dos
emigrados contra a União Soviética deveriam ser evitados”. Aliado à documentação e pesquisa sobre a
vida soviética, acreditava-se que este seria o caminho para romper a desconfiança do público soviético
e construir a credibilidade da RL.
A CIA chamava a RL de uma “operação de radiodifusão cinza”, que significava “não revelar ao
público-alvo que o governo dos EUA era a verdadeira origem da iniciativa”, isto é, o efeito dos
programas de rádio seria melhor se o papel desempenhado pelo governo norte-americano ou de
qualquer participação americana não viesse a público. A CIA, embora não participasse do dia a dia das
operações da RL, “desempenhou um papel importante nos bastidores em quatro áreas vitais para o seu
sucesso”. Primeiro, fornecendo a maior parte do financiamento das atividades da RL. Segundo,
oferecendo orientação política geral, ou seja, a RL escreveria a orientação geral dos programas, que
774

seria avaliada por um comitê interagências: um memorando de instrução política aprovado pelo
comitê afirmava que “a política dos EUA irá controlar a orientação política da radiodifusão cinza”.
Terceiro, com assistência direta, em que operativos da CIA participavam de algumas operações da
rádio e elaboravam relatórios de acompanhamento das suas atividades. Por último, a CIA também
apoiava a RL em questões de segurança, tanto em termos das instalações físicas das rádios e seus
empregados e como na checagem do histórico de seus funcionários, para garantir que não eram
infiltrados da KGB. Shub trabalhou por nove anos na RL (SCHWARTZ, 2009, p. 129-143).
Shub trabalhava no LAIC desde 1962, e faleceu em 1965, aos 52 anos de idade (Boletim CLA, 1965).
Para maiores informações sobre a Rádio Liberdade e Boris Shub, ver PUDDINGTON (2000) e
SOSIN (1999). De acordo com relatório do LAIC, “Boris Shub treinou radialistas da América Central
e do Equador em um seminário de 10 dias, realizado em San Jose, Costa Rica”. Shub também havia
passado “5 meses no Chile organizando um programa de notícias de rádio para o IPIES [Instituto
Privado de Investigaciones Económico-Sociales, congênere do IPES] no Chile” (Relatório, 01/09-
31/12/1963).
Referências

SCHWARTZ, Lowell H. Political wafare against the Kremlin. US and British propaganda policy at
the beginning of the Cold War. London, Palgrave Macmillan, 2009.
PUDDINGTON, Arch. Broadcasting freedom: the Cold War triumph of Radio Free Europe and Radio
Liberty. Lexington, The University Press of Kentucky, 2000.
SOSIN, Eugene. Sparks of liberty: an insider’s memoir of Radio Liberty. University Park, PA, The
Pennsylvania State University Press, 1999.
Boletim CLA, “The quarterly bulletin of the Council for Latin America”, vol. 25, n. 1, Spring, 1965.
Rockefeller Archive Center, International Basic Economic Corporation (IBEC) records (FA084),
Series 7. Associations, box 39, folder 820. Associations - Memberships - Council for Latin America,
1964-1968.
Relatório, “Highlights of 1963 program – Progress Report September 1 – December 31, 1963”, The
Latin American Information Committee, 01/09-31/12/1963. Columbia University, Butler Library,
Graduate School of Journalism records (1912-2011), Series V. Deans and Directors, 1880-1996,
Subseries V.7: John Luter, 1962-1973, box 37, folder 29. LAIC. Latin American Information
Committee.
775

SOARES, José Carlos de Macedo


Nome: José Carlos de Macedo Soares
Nascimento: 06/10/1883, São Paulo
Falecimento: 24/01/1968, São Paulo
Esposa: Matilde Melchert da Fonseca1213.
Pais: José Eduardo de Macedo Soares, fundador do Ginásio Macedo Soares, e Cândida Sodré de
Macedo Soares
Avô: Joaquim Mariano de Azevedo Soares, fazendeiro e expoente da aristocracia rural fluminense
Tio: conselheiro Antônio Joaquim de Macedo Soares, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de
1892 a 1905.
Primos: Edmundo de Macedo Soares e Silva 1214 e Hélio de Macedo Soares e Silva 1215 (filhos de
Noêmia de Macedo Soares) e Fábio de Macedo Soares Guimarães 1216 (filho de Elisa de Macedo
Soares). Noêmia e Elisa eram filhas de Antônio Joaquim de Macedo Soares.
Irmãos: José Eduardo (1882-1967), jornalista, fundador e diretor do jornal “Diário Carioca 1217; José
Roberto, diplomata1218; José Cássio, José Fernando, José Paulo, José Rubens, Eponina, Eunyce e

1213 Descendente de tradicional família de Itu (SP). O bairro “Vila Matilde”, em São Paulo, recebeu esse nome em sua
homenagem, tendo surgido em uma gleba que pertencia à mãe de Matilde, Escolástica Melchert da Fonseca.
1214 Militar. Ministro da Viação e Obras Públicas em 1946 (primeiro ano do governo Dutra), governador do estado do Rio
de Janeiro entre 1947 e 1951. Deixando o governo do Rio, tornou-se membro do quadro permanente da Escola Superior
de Guerra (ESG). Foi ministro da Indústria e Comércio de 1967 a 1969 (Verbete biográfico CPDOC-FGV). Em entrevista
ao CPDOC/FGV, Edmundo falou sobre seu primo José Carlos: “Ele influenciou muito a minha vida e eu, de certo modo, a
dele. Todos os livros que escreveu foram corrigidos por mim; ele me dava os originais para ler, e eu chamava a sua atenção
para certas coisas”. Na casa de José Carlos, onde sempre se hospedava, Edmundo disse ter conhecido muita gente em São
Paulo (SILVA, 1998, p. 34 e p. 50).
1215 Militar. Ao longo de sua carreira, integrou a Comissão de Estudos da Indústria Militar Brasileira, na Europa. Deputado
federal (1951-1955) pelo PSD do Rio de Janeiro. (Verbete biográfio CPDOC-FGV)
1216 “Um dos maiores geógrafos brasileiros do Século 20”. Participou da criação do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), onde trabalhou por trinta anos. Chefe da Seção de Estudos do Conselho Nacional de Geografia, Fábio de
Macedo Soares desenvolveu os primeiros estudos sobre a divisão regional do Brasil. Sua proposta, a “divisão regional do
Brasil em cinco grandes regiões geográficas foi oficialmente adotada em 1942 e contribui, desde então, para a organização e
gerenciamento do território nacional”. Entre 1952 e 1954, esteve cedido à Escola Superior de Guerra (ESG). Foi professor
de geografia do Brasil na PUC, de 1943 a 1979, e também no Instituto Rio Branco (MARCOLIN, 2009; IBGE, 2006;
EVANGELISTA, 2005).
1217 O Diário Carioca “era um jornal de elite, de poucos leitores, relativamente, mas de enorme influência, e que abrigou
em sua redação alguns dos jornalistas mais notáveis que o Brasil produziu. Com seu característico senso de humor e
requinte estilístico, encarnou como poucos concorrentes o esprit da antiga Capital Federal. Em matéria de política, foi a
expressão fiel do estilo intimorato do seu fundador e principal editorialista. Nos seus 37 anos de vida, esteve quase sempre
na oposição. Denunciou desmandos administrativos, produziu crises institucionais, derrubou ministros – tudo em nome de
valores, como liberdade, probidade, legalidade, em que [José Eduardo] Macedo Soares, o “Príncipe dos Jornalistas”,
acreditava acima de tudo”. (MEDEIROS, 2011, p. 9)
1218 Trabalhou em Lisboa (1916-1917 e 1921-1925), Berna (1917-1918), Buenos Aires (1918-1921 e 1935-1936), Madri
(1926-1930), Roma (1932-1934) e Montevidéu (embaixador entre 1945 e 1951). Serviu na Secretaria do Ministério das
Relações Exteriores (1930-1932 e 1938-1945) Em 1936 foi vice-presidente da Conferência de Paz para a Solução do
Conflito do Chaco. Em 1942, secretário-geral adjunto da III Reunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores das
Repúblicas Americanas, realizada no Rio de Janeiro. Integrou a Comissão de Estudos do Conselho de Segurança Nacional
(1945). Delegado brasileiro junto ao conselho de administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em
776

Eudoxia.
Sobrinhos: José Augusto Prestes de Macedo Soares1219, filho de José Roberto; José Armando de
Macedo Soares Affonseca1220, filho de Eponina; Maria Carlota Costallat de Macedo Soares (Lotta de
Macedo Soares), filha de José Eduardo1221.
Estudos: Fez o curso primário na Escola Modelo Caetano de Campos, o de humanidades no ginásio
da Capital do Estado e o superior na Faculdade de Direito de São Paulo, bacharelando-se em 1905. No
último ano da Faculdade, foi eleito presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, recebendo, depois
de formado, o título de presidente honorário. Entre 1911 e 1925, fez várias viagens de estudos à
Europa e aos EUA.
Foi professor de Economia e Finanças na Escola de Comércio Álvares Penteado e diretor do Ginásio
Macedo Soares. Após o casamento com Matilde Melcher da Fonseca, em 1910, passou a administrar
as empresas da família de sua mulher, adquirindo grande prestígio entre os industriais e comerciantes
paulistas. Foi diretor da Cia. Paulista de Artefatos de Alumínio 1222, do Banco de São Paulo (entre 1918

Genebra, na Suíça (1952 a 1953). Faleceu em 1953 (Verbete biográfico CPDOC-FGV).


1219 Designado Adjunto da Divisão de Assuntos Políticos do Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra
(ESG) em 1951. Nomeado adjunto do Departamento de Estudos da ESG em 1953. Oficial de Gabinete do Ministro de
Estado de Negócios da Fazenda (José Maria Whitaker) em abril de 1955. Chefe do Gabinete do Ministro do MRE (o seu tio
José Carlos de Macedo Soares) (nov. 1955-jul. 1958).
1220 Foi membro da bancada do PSD paulista na Assembleia Constiuinte de 1946.
1221 “Livre, culta, rica, intelectual não-esquerdista com sofisticação europeia e simpatia norte-americana, uma postura
pessoal irreverente, amiga pessoal dos principais intelectuais brasileiros da época, Lotta se volta ao mundo das artes e em
1948 a “Artistas Brasileiros Reunidos” se concretiza com a fundação, junto com um grupo que incluía Eva Klabin e o
empresário Raymundo Ottoni de Castro Maya, do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro”. Lotta auxiliou “na
constituição de seu acervo e, sobretudo, no contato com Happy [esposa de Nelson] e Nelson Rockfeller, fundamentais no
processo inicial de criação do museu”. No final de 1960, quando “Carlos Lacerda, seu (..) amigo de longa data, venceu as
eleições para o governo do recém criado Estado da Guanabara”, Lotta “foi convidada para participar do governo realizando
algo de que gostasse e com o qual pudesse contribuir”. Assim, se tornou uma das responsáveis pela construção do Parque do
Flamengo (Aterro). (Instituto Lotta: <http://institutolotta.org.br/lotta-2> e <http://institutolotta.org.br/o-parque-do-
flamengo>).
1222 “A Companhia Paulista de Artefatos de Alumínio, idealizada por Antônio Carlos Melchert, não pode ser por ele
montada. Quando faleceu esse ilustre paulista (...) o maquinário importado para aquela indústria chegava a Santos. José
Carlos toma a iniciativa de montá-la e inicia sua atividade como industrial: trata de obter os elementos indispensáveis para o
funcionamento; contrata técnicos; estuda mercados; estabelece programas. Desenvolve-a e consegue introduzir no mercado
artefatos de alumínio de primeira ordem, mercadoria até então importada. Posteriormente, chamado para outros setores,
cede-a a Francisco Matarazzo (…)”. (NETO, 1982, p. 261) A C.P.A.A. registrou a marca Rochedo em 1917. Foi vendida à
Metalúrgica Matarazzo em 1934. https://www.rochedo.com.br/sobre-rochedo/historia Seu primo Edmundo de Macedo
Soares e Silva chegou a trabalhar na empresa, na década de 1930: “Trabalhava na fábrica de panelas Rochedo, empresa até
hoje familiar e de capital totalmente nacional, controlado na época pela d. Escolástica, sogra do José Carlos. A empresa
tinha sido dirigida por um irmão do José Carlos, o José Fernando, que se revelou péssimo administrador; a fábrica ficou no
vermelho. Para reativá-la, apliquei o bom senso, sobretudo porque não tinha experiência; contratei um bom contador e, em
menos de um ano, estava dando lucro. Foi a minha primeira experiência empresarial, por assim dizer. Aprendi muito, apesar
de ter passado menos de dois anos lá; iniciei na Rochedo a fundição de coquilhas, molde de ferro fundido que reproduz a
peça, que ainda não existia no Brasil. (SILVA, 1998, p. 49)
777

e 1924), da “São Paulo” Companhia Nacional de Seguros de Vida (por décadas) 1223, da Companhia de
Melhoramentos de Campos do Jordão, da Cerâmica Porto Ferreira S.A., da Cia. Anglo-Brasileira de
Tecidos de Juta e da Companhia Paulista de Estradas de Ferro 1224. Foi Presidente do Conselho
Consultivo da Mesbla.
Em 1909, participou da Campanha Civilista. Junto com seu irmão, José Eduardo, fundou o jornal O
Imparcial para apoiar a candidatura do senador baiano contra Hermes da Fonseca. Integrou a diretoria
da Liga Nacionalista (ver FICHA), criada no final de 1916. Em 1923 foi eleito presidente da
Associação Comercial de São Paulo (ACSP), órgão representativo dos comerciantes e industriais
paulistas1225. Reeleito um ano depois, José Carlos de Macedo Soares foi um dos mais destacados
dirigentes da história da entidade e deu grande impulso à ampliação do seu quadro de associados
(CPDOC)1226.
Quando, em julho de 1924, eclodiu o movimento revolucionário liderado pelo General Isidoro Dias
Lopes1227, Macedo Soares atuou ativamente para a conservação da ordem. Ele intermediou e os
1223 A empresa surgiu da Companhia Americana de Seguros, fundada em 1918 por José Maria Whitaker, Antonio
Marcelino Carvalho e Erasmo Teixeira de Assumpção. Da direção da Cia Nacional de Seguros de Vida, além de Macedo
Soares (Superintendência), faziam parte José Maria Whitaker (presidente) e Erasmo Teixeira de Assumpção (vice-
presidente). Whitaker já havia fundado em 1912 o Banco Comercial do Estado de São Paulo, também com Erasmo Teixeira
de Assumpção e o apoio de Paulo de Almeida Nogueira, José Paulino Nogueira e Vicente de Almeida Prado.
http://icaatom.arquivoestado.sp.gov.br/ica-atom/index.php/jose-maria-whitaker-2;isaar Erasmo Teixeira de Assumpção era
primo de Paulo Alvaro de Assumpção, que foi diretor da companhia Johnson & Johnson e “particular amigo” de J. C. King.
1224 A Companhia Paulista, fundada em 1868, e foi a primeira ferrovia brasileira a ser integralmente financiada por capitais
nacionais. Foi estatizada em 1961. Entre 1930 e a metade da década de 1950, segundo Grandi (2013), os mais destacados
dirigentes e engenheiros da Paulista conseguiram “produzir lealdades e adesões, congregar forças, deslocar, em favor da
empresa, orientações políticas e torná-la a principal referência de qualidade técnica no setor ferroviário”. Dentre os mais
atuantes membros da diretoria estavam os senadores Antonio de Lacerda Franco e Antonio de Padua Salles, o engenheiro
Jayme Pinheiro de Ulhôa Cintra, o industrial Luiz Tavares Alves Pereira e José Carlos de Macedo Soares. Luiz Tavares
Alves Pereira – que era diretor da companhia desde a década de 1920, se tornou seu vice-presidente em 1939 – foi
presidente da FIESP entre 1931 e 1934 e vice-presidente da Confederação industrial do Brasil em 1933. Em 1949, a “São
Paulo” Companhia Nacional de Seguros de Vida era a principal acionista da Paulista que, por sua vez, era a principal
acionista da Companhia Paulista de Transporte (CPT) e da Companhia de Agricultura, Imigração e Colonização (CAIC)
(GRANDI, 2013)
1225 Em 1928, as divergências entre os representantes do comércio e da indústria chegaram a um ponto insustentável e
houve uma ruputura. Em junho, industriais egressos da Associação, com destaque para Jorge Street, Francisco Matarazzo e
Rodolfo Crespi, fundaram o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP).
1226 “Na segunda e terceira décadas deste século, desde 1916, quando iniciava sua atividade no mundo dos negócios, até
1930, quando começou a exercer cargos públicos, foi José Carlos de Macedo Soares, incontestavelmente, o líder das classes
conservadoras de São Paulo. Debateu, não só pela imprensa, como em plenários e conferências, assuntos de ordem
econômica e financeira. Quando ainda não havia a organização de sindicatos e federações, na qualidade de diretor e
Presidente da Associação Comercial de São Paulo - entidade cheia de serviços ao país - reivindicou direitos, assistiu e
resolveu problemas do comércio e da indústria, organizou uma assistência técnica a classe” (NETO, 1982, p. 258).
1227 Os fatos são assim descritos por Cohen (2007, p. 32-39): “Na madrugada do dia 05 de julho de 1924, unidades
rebeldes do Exército e da Força Pública – a milícia estadual – ocuparam as ruas de São Paulo no intuito de sublevar os
quartéis e organizar uma marcha revolucionária em direção ao Rio de Janeiro para depor o presidente da República, Arthur
Bernardes. Dividido em corpos de assalto, avançaram em direção ao largo do Palácio, onde se encontravam algumas
Secretarias de Estado e o próprio Palácio do Governo. Ainda no Centro, ocuparam ruas, abrindo trincheiras, estendendo
correntes e improvisando cercas de arame farpado (…). (…) A resistência imediata oferecida pelos soldados leais ao
Governo Estadual prolongou a estada dos rebeldes na cidade, frustrando seus planos de um ataque rápido e eficaz.
Incêndios, saques e tiroteios intensos nos quarteirões centrais e em alguns bairros transformaram a vida dos cidadãos em um
verdadeiro inferno. (…) Apesar da chegada dos reforços federais logo no dia 6, a ofensiva continuava nas mãos dos
revolucionários (…). (…) na madrugada do 09 de julho as forças legalistas abandonavam a capital com o governador e
alguns auxiliares (…). (…) o canhoneio e a troca de artilharia diminuíram sensivelmente. O dia amanheceu silencioso,
encorajando a população a sair às ruas, um pouco por curiosidade, um pouco por necessidade, para verificar a possibilidade
778

primeiros contatos entre o prefeito de São Paulo e o chefe revolucionário, promovendo uma reunião
das “classes conservadoras” em sua casa, no dia 09 de julho1228. Nesse encontro foi criada uma
comissão de abastecimento encarregada de estabelecer uma tabela de preços dos gêneros alimentícios
e controlar os estoques existentes na cidade, procurando evitar a especulação e o açambarcamento.
Também cabia a essa comissão a garantia de obtenção e fornecimento de alimentos para a cidade de
São Paulo a partir do interior do estado. O objetivo da normalização do abastecimento era a “garantia
da ordem social, pois para as classes conservadoras essa rebelião representava um risco potencial de
grandes proporções”. Foi também definida a formação de uma “Guarda Cívica”, responsável pelo
policiamento da cidade (COHEN, 2007, p.40-41)1229.
Quando o governo federal começou a bombardear São Paulo (em 11 de julho), Macedo Soares
encaminhou apelos ao presidente Arthur Bernardes para que cessase o ataque, mas os pedidos foram
rejeitados. Sufocado o levante, ele foi considerado cúmplice dos rebeldes:

“Preso no dia 04 de agosto, Macedos Soares foi levado ao Rio de Janeiro, onde permaneceu por seis
semanas. Em setembro de 1924 exilou-se em Paris, onde escreveu seu depoimento sobre o episódio,
Justiça. (…) Macedo Soares desembarcou de volta ao Brasil exatamente no dia 5 de julho de 1927.
Sua chegada foi motivo de grandes festividades, cuidadosamente organizadas pela Associaçao
Comercial de São Paulo, da qual continuava sendo “presidente de honra”. O comércio de São Paulo
fechou as portas mais cedo para que seus empregados pudessem ir à estação da Luz recepcionar o
herói de 1924; escoteiros, bandas de música e uma enorme multidão festejaram o retorno do
personagem por todo o trajeto da estação até sua casa (…)”. (COHEN, 2007, p. 95)

Nas décadas seguintes seguiria vinculado à ACSP como membro nato de seu Conselho Consultivo.

de se abastecer, pois o comércio estivera fechado desde o sábado. (…) Os acontecimentos que se seguiram tiveram efeito
bombástico sobre os ânimos, pois o dia ficou marcado pela onda de saques realizados após a notícia da fuga de Carlos
Campos. (…) (…) diversos saques no Centro, nos armazéns do Ipiranga, nos depósitos dos atacadistas ao longo das linhas
férreas”.
1228 Conforme Cohen (2007, p. 40), “não interessava aos revolucionários tomar as providências requeridas, como o
socorro aos feridos, o policiamento e o controle da população”. Esses “cuidados com a população civil, portanto, ficaram
sob a responsabilidade do prefeito, que, auxiliado por líderes de entidades civis, tratou das primeiras providências para
socorrer os feridos e organizar abrigos e transporte para as famílias que abandonavam seus bairros”.
1229 O jornalista Paulo Duarte assumiu a tarefa de organizar uma comissão e convocar os estudantes da Faculdade de
Direito. Duzentos jovens se apresentaram, no dia seguinte à reunião, para prestar o serviço de policiamento, que visava
proteger bancos, lojas, depósitos e instalações industriais (COHEN, 2007, p. 40).
779

Macedo Soares foi militante ativo da Aliança Liberal. Datam dessa época seus primeiros contatos com
Getúlio Vargas:

Com a vitória de [Júlio] Prestes, em março de 1930, se intensificariam as articulações políticas com
vistas à deposição de Washington Luís. Em São Paulo, foi o Partido Democrático1230 o promotor da
conspiração que se engendrava. E Macedo Soares estava no pelotão de frente. O secretariado
revolucionário do estado [governo provisório paulista] foi formado em uma reunião em sua própria
casa, a 25 de outubro, ficando Macedo Soares com a pasta do Interior. Foi ele quem liderou a
comitiva que recepcionou Vargas, quando de seu desembarque na capital paulista, a 28 daquele mês,
além de acompanhar o “chefe da revolução” em seu trajeto até o palácio dos Campos Elísios, após o
que Vargas seguiu viagem para o Rio de Janeiro (CAMARGO, 2008b) 1231.
Seu primo Edmundo de Macedo Soares e Silva presenciou parte desses acontecimentos:

Eu estava em casa do José Carlos no dia da reunião, mas não participei porque não tinha competência
para tanto; apenas vi a movimentação e soube das conversas. O secretariado foi formado por pessoas
extremamente gabaritadas, excelentes! O próprio José Carlos ficou com a pasta do Interior, o José
Maria Whitaker com a da Fazenda, o Plínio Barreto com a da Justiça, e o Henrique de Sousa Queirós
com a da Agricultura. A chefia de Polícia coube ao Vicente Rao, com quem trabalhei. O prefeito era o
Cardoso de Melo Neto; eles formaram o que se chamou "governo dos 40 dias" 1232 (SILVA, 1998, p.
50).
Em março de 1931 foi nomeado para servir na embaixada do Brasil em Bruxelas, na Bélgica (MRE,
1934):

Se para representar um país no estrangeiro é essencialmente necessário prezá-lo e amá-lo, ninguém


melhor que o dr. José Carlos de Macedo Soares pode desempenhar tal missão. (…) Sempre os seus

1230 O PD foi fundado em São Paulo em fevereiro de 1926. Extinto oito anos depois, em fevereiro de 1934, quando foi
fundado, por Armando Sales de Oliveira, o Partido Constitucionalista de São Paulo. Este, por sua vez, foi extinto em
dezembro de 1937, com a instauração do Estado Novo. Grande parte dos fundadores do PD eram ativistas da Liga
Nacionalista (ver FICHA).
1231 O levante iniciou em 3 de outubro de 1930 em Porto Alegre, na data combinada com as forças de Minas Gerais e da
Paraíba comprometidas com a revolta. Tendo dominado o Rio Grande do Sul em 24 horas, os destacamentos gaúchos
comandados por Miguel Costa invadiram e controlaram rapidamente Santa Catarina e, em seguida, o Paraná, avançando em
direção a São Paulo, principal foco de resistência das tropas legalistas. Enquanto a situação militar evoluía de forma
favorável aos rebeldes em todas as frentes de luta, no Distrito Federal oficiais de alta patente articularam o golpe militar
contra o governo, deflagrado em 24 de outubro. Naquela noite, enquanto Getúlio Vargas ainda se encontrava em Ponta
Grossa, os representantes do Partido Democrático (PD) de São Paulo começaram a discutir com ele a nomeação de
Francisco Morato para o cargo de interventor e a formação de um secretariado composto por “grandes nomes paulistas”,
proposta que encontrava forte oposição entre os setores tenentistas. Foi estabelecido um acordo provisório: o Executivo
paulista permaneceria sem chefe, cabendo a José Maria Whitaker (ver nota 5) coordenar o secretariado (responsável pelos
negócios correntes do governo), enquanto João Alberto ficaria como delegado militar da revolução no estado. No dia 6 de
novembro, Plínio Barreto, homem de confiança do PD, substituiu Whitaker, nomeado ministro da Fazenda do governo
provisório de Getúlio Vargas, na chefia do secretariado paulista (ABREU, 2015).
1232 Macedo Soares renunciou ao cargo no governo provisório pouco depois da posse, junto com o restante do
secretariado. A influência de João Alberto havia se fortalecido através da nomeação de muitos militares ligados a ele para
diversos órgãos de administração estadual. E seu prestígio tinha crescido junto às classes média e operária e o PD temia o
crescimento do poder do delegado militar. Plínio Barreto renunciou a seu cargo, sendo acompanhado por todo o
secretariado. João Alberto foi então nomeado para o cargo de interventor federal no estado (ABREU, 2015).
780

empreendimentos e cuidados de financista, comerciante, industrial – chegou em certa época a ser


presidente de duas grandes companhias e diretor de mais dezesseis – lhe deixaram horas de
generosidade e altruísmo para ele consagrar a assuntos de interesse público, a questões de
instrução, a coisas políticas e sociais, a toda sorte de obras de beneficiência. (…) O dr. Macedo
Soares tem publicado numerosas obras de doutrinamento ou de combate, invariavelmente
inspiradas no fervor de ser útil ao seu país. (…) os volumes Justiça e O Brasil na Sociedade das
Nações colocaram-no entre as nossas mais ilustres autoridades em assuntos de política patriótica e
de política internacional (Revista da Semana, 14/03/1931).

Durante 1932, a convite de Getúlio Vargas, Macedo Soares chefiou as delegações do Brasil à
Conferência de Desarmamento e à XVI Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, na Suíça.
Nesse período, estabeleceu contato com a Entente Internationale Anticommuniste (EIA) (ver FICHA)
e começou a trabalhar com Odette de Carvalho e Souza (ver FICHA).
Retornou a São Paulo em outubro de 1932, sem ter participado da Revolução Constitucionalista 1233.
Segundo Camargo (2008b), Macedo Soares obteve de Vargas o afastamento do interventor Valdomiro
Lima, acusado de manipular a máquina administrativa para prejudicar a Chapa Única por São Paulo
Unido, formada em janeiro de 1933 para concorrer às eleições para a Assembléia Nacional
Constituinte. Armando Sales foi então nomeado para a interventoria 1234. A Chapa Única, da qual
Macedo Soares era um dos líderes, era composta por 22 candidatos, representantes tanto do Partido
Democrático quanto do Partido Republicano Paulista, assim como da Liga Eleitoral Católica e da
Federação dos Voluntários de São Paulo. Desses 22 candidatos, 17 foram eleitos, incluindo Macedo
Soares. A Assembleia Nacional Constituinte instalou-se em novembro de 1933 e a nova constituição
foi promulgada em 16 de julho de 1934.
Em 26 de julho de 1934, no início do período do governo constitucional de Getúlio Vargas, Macedo
Soares tomou posse no cargo de Ministro das Relações Exteriores, no qual permaneceu até o final de
1936. Nesse período, passou a presidir também o recém criado Instituto Brasileiro de Estatística,
depois rebatizado de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi não apenas seu
primeiro, mas seu mais longevo presidente (1936-1951 e 1955-1956). Se afastou do MRE no início de
janeiro de 1937, quando Armando Sales saiu do governo de São Paulo a fim de, presumivelmente, se
tornar candidato à presidência da República nas eleições para o quadriênio 1938-41. Em entrevista,
Macedo Soares explicou sua decisão:

(…) Recebendo, de amigos, notícias fundamentalmente contraditórias sobre as conseqüências de


gravíssimas deliberações do Partido Constitucionalista, tomadas à revelia, senão contra a política

1233 Em janeiro de 1932 o PD havia lançado um manifesto rompendo com o governo federal e conclamando a população à
luta pela imediata constitucionalização do país e a devolução da autonomia estadual. O PRP tinha feito o mesmo, pouco
tempo depois. Em fevereiro, os dois grupos formaram a Frente Única Paulista (FUP). A radicalização em São Paulo levou à
deflagração da Revolução Constitucionalista em 9 de julho. Depois da vitória, Vargas nomeou o general Valdomiro Lima
para a interventoria, com a missão de pacificar o estado e promover a conciliação entre o governo federal e as forças
derrotadas (ABREU, 2015).
1234 Macedo Soares declarou em entrevista: “(…) sou o grande, o principal responsável na generosa, inteligente e
patriótica política do Sr. Presidente da República em relação a São Paulo, depois do movimento de 1932. Muitos
cooperaram dedicadamente mas fui eu quem a realizou, levando tenaz e até impertinentemente ao espírito do Sr. Getúlio
Vargas a certeza de uma atitude arriscada e difícil. Fui eu o fiador da pacificação de S. Paulo, fui eu quem afrontou a mais
amarga onda de ressentimentos de seus conterrâneos, na convicção sincera de melhor servi-los. Fui eu quem levou ao Rio
de Janeiro (...) o interventor civil e paulista; fui eu o fiador de seu governo (…)”. (A Noite, 02/01/1937)
781

federal, com a qual tinha sido até então solidário - confiei ao próprio Sr. Getúlio Vargas, pondo-lhe a
pasta à disposição, que me dissesse quando, na divergência com o Partido Constitucionalista, a minha
presença no governo o pudesse politicamente constranger. Eis aí os fatos na sua simplicidade. Hoje o
presidente avisou-me que aceitava o meu pedido de exoneração. Há, pois, uma divergência entre o
governo federal e a política constitucionalista. Eu não podia continuar na Pasta, embaraçando o
governo de que fiz parte (A Noite, 03/01/1937).

Macedo Soares esperava ser o candidato situacionista, concorrendo contra Armando Sales,
acreditando ser capaz de canalizar para si 10% da votação paulista. Mas a escolha final recaiu sobre
José Américo de Almeida (CAMARGO, 2008b). Getúlio Vargas ofereceu-lhe um Ministério:

Recebi, quase ao escurecer, o meu ex-ministro Macedo Soares, a quem expliquei as últimas
ocorrências sobre a sucessão, porque não fora possível articular seu nome como candidato, e terminei
ofecendo-lhe novamente a pasta do Exterior. Respondeu declinando da aceitação, fez considerações
de ordem política, reafirmou sua dedicação e apreço por mim e mostrou-se muito preocupado com a
política do Estado do Rio e a situação do irmão. Acenei-lhe com a pasta da Justiça, que não lhe
desagradou, embora parecesse que na do Trabalho poderia fazer mais política do que na outra.
Respondi-lhe que não ia fazer modelação do Ministério (grifo nosso, VARGAS, Getúlio. Diário. Rio
de Janeiro: FGV, 1995, v. 2, p. 48-49 apud CAMARGO, 2008b).

Assumiu o Ministério da Justiça em junho de 1937 e pediu demissão em 5 de novembro do mesmo


ano, às vésperas da Instauração do Estado Novo, alegando problemas de saúde. Foi substituído por
Francisco Campos.
Permaneceu na presidência do IBGE e fixou residência no Rio de Janeiro. Em dezembro de 1937 foi
eleito membro da Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira nº 12 (tornou-se presidente da
Academia em 1942, sendo reeleito em 1943). Em 1939 tornou-se sócio benemérito do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual era sócio correspondente desde 1921, tornando-se seu
presidente ainda em 1939 (em 1941 foi aclamado seu Presidente Perpétuo). Camargo (2008a, p. 30)
considera “tarefa difícil medir o grau de influência e de articulação política alcançado por Soares no
fim dos anos 1930 e na década seguinte, tamanhos os importantes grupos de que era interlocutor”.
Foi professor e primeiro diretor da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de
Janeiro (FCEARJ)1235, criada em dezembro 1938 pela Ordem dos Economistas do Rio de Janeiro e
pela Sociedade Brasileira de Economia Política1236 (CAMARGO, 2008b). Fez parte do Conselho
Técnico de Economia e Finanças (CTEF), criado pelo Ministério da Fazenda logo após a instauração

1235 A FCEARJ, que iniciou suas atividades em 1939, foi criada, conforme Souza (2006), por três motivos: 1) o desejo de
regulamentar a profissão de economista; 2) a necessidade de formar executivos de nível superior para a administração
pública e o setor privado; 3) o próprio desenvolvimento das ciências econômicas que tentava se desvincular da ciência
jurídica. Além disso, “o desenvolvimento econômico do país estava exigindo um conhecimento mais aprofundado de
Economia, no âmbito do setor público, e de Administração na esfera empresarial”. A Faculdade foi incorporada em 1946
pela então Universidade do Brasil (antiga denominação da UFRJ) e passou a se chamar Faculdade Nacional de Ciências
Econômicas (FNCE). Em 08 de março de 1949, na aula inaugural dos cursos da FNCE, o Diretor do Instituto de Economia,
Luiz Dodsworth Martins, assim se manifestou: “Devo calar os nomes dos professores brasileiros que, em diversas fases, têm
ilustrado os anais desta Faculdade. Não poderei (…) omitir o preito de justiça que desejo prestar aos que dedicaram uma
cooperação decisiva à sua fundação e organização, citando nominalmente os professores José Carlos de Macedo Soares,
Álvaro Porto Moitinho, Luiz Nogueira de Paula, Eugênio Gudin e Temístocles Brandão Cavalcanti”(MARTINS, 1949).
782

do Estado Novo. Funcionando sob a presidência do ministro da Fazenda, o CTEF era composto por
oito conselheiros e um secretário técnico, todos nomeados pelo presidente da República, dentre
pessoas de conhecido saber na área de economia e finanças. Valentim Bouças ocupou o cargo de
secretário técnico durante mais de duas décadas (verbete biográfico CPDOC).
Na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), foi diretor “sem cargo” em 1940 e 1941
e “diretor do interior, zona da paulista1237”, em 1942, 1943 e 1945 (não pesquisamos os anos
posteriores). Em 1943, participou do Congresso Brasileiro de Economia, realizado no Rio de Janeiro,
como delegado da FIESP (NETO, 1982, p. 283).
Em 1941 foi empossado como sócio honorário do Centro de Estudos-Interamericanos1238.
Em 1945 passou a integrar o Diretório do Partido Social Democrático (PSD) em São Paulo 1239. Com o
fim do Estado Novo, foi designado interventor federal no estado de São Paulo pelo presidente José
Linhares, a pedido de Eurico Gaspar Dutra, em novembro de 1945. Sua indicação foi comemorada
pelas entidades de classe da qual fazia parte:

As entidades de classe abaixo assinadas, fieis a sua tradição de se manterem alheias às competições
partidárias não podem, entretanto, deixar de consignar, num instante em que um dos seus elementos
mais representativos – o embaixador José Carlos de Macedo Soares -, é nomeado chefe do governo
paulista, sua expressão de regozijo por este fato. O novo interventor federal em São Paulo, quer como
presidente que foi da Associação Comercial de São Paulo, cargo que ocupou em 1924, sendo ainda
mais tarde seu presidente de honra e desde então membro do seu Conselho Consultivo, quer como
diretor da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, funções que exerce há mais
de cinco anos, prestou às classes produtoras, em várias ocasiões, os mais assinalados serviços. No
momento em que s. exc. é investido da honrosa incumbência de chefe do Executivo de São Paulo,
esses órgãos de classe sentem-se à vontade para manifestar a uma de suas figuras exponenciais a
simpatia com que receberam sua designação e a confiança de que no exercício de suas funções saberá
dirigir e orientar os negócios públicos de São Paulo com a prudência e o patriotismo que sempre tem
revelado em seus atos. Brasílio Machado Neto – Presidente da Associação Comercial de São Paulo e
Federação do Comércio do Estado de São Paulo. Mariano J. M. Ferraz – Presidente em exercício da
Federação das Indústrias do Estado de Sao Paulo e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo”
(OESP, 06/11/1945, p. 3).

Durante sua gestão foi criada a Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade

1236 A Sociedade Brasileira de Economia Política surgiu em 1938, reunindo os principais economistas do Brasil, entre eles
Eugênio Gudin, Octávio Gouvêa de Bulhões e Daniel Carvalho (SOUZA, 2006).
1237 “Zona da paulista” possivelmente se refere à área situada ao longo da ferrovia paulista, que interligava um complexo
de ramais férreos orientados para as direções fronteiriças de São Paulo com Minas Gerais e Mato Grosso. Lembrando que
Macedo Soares era diretor da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
1238 O Centro de Estudos Inter-Americanos foi fundado em fevereiro de 1941. A assembleia de fundação ocorreu na sede
do Centro do Professorado Paulista. Formado por um grupo de escritores, jornalistas, professores, publicistas e estudantes,
“objetivando a solidariedade cultural americana”. Inspirado em sociedades congêneres existentes na Argentina, Chile e
Uruguai, visava “fomentar o intercâmbio cultural entre as repúblicas americanas” (OESP, 20/02/1941).
1239 Fundado em 17 de julho de 1945, o PSD foi organizado pelos interventores estaduais nomeados por Vargas durante o
Estado Novo. Em São Paulo, a primeira conveção do partido ocorreu em 03 de junho de 1945, no Teatro Municipal. Além
de Macedo Soares, o Diretório em São Paulo, presidido pelo interventor federal Fernando Tavares, era composto por
Brasílio Machado Neto (presidente da Federação do Comércio), Gastão Vidigal e Roberto Simonsen, entre outros (OESP,
05/06/1945, p. 1).
783

de São Paulo e a Secretaria do Trabalho, Indústria e Comércio1240. Macedo Soares deixou a


interventoria em março de 1947, cedendo lugar a Adhemar de Barros, o governador eleito em janeiro
daquele ano1241.
Em dezembro de 1947, Macedo Soares tornou-se presidente da comissão executiva do PSD de São
Paulo1242, que naquele momento se encontrava dividido entre “cirilistas” e “novelistas” 1243. Quando
renunciou ao cargo, em novembro de 1948, Macedo Soares assim justificou sua decisão:

Quando fui eleito, inesperadamente, presidente Comissão Executiva, achava-me na disposição de


afastar-me da vida pública da qual virtualmente estava apartado desde que deixei a Interventoria.
Resolvi, entretanto, aceitar a alta investidura porque o Partido se achava gravemente cindido (…).
Tinha então, um imperioso dever a cumprir: o apaziguamento das nossas hostes partidárias a fim de
fortalecer o PSD para a luta contra o governo estadual impenitente nos seus desatinos e desmandos.
Desde que as divergências desapareceram completamente, de molde a ser possível – por unanimidade
e com satisfação geral – a eleição dos eminentes senhores Cirilo e Noveli para vice-presidente da
Comissão Executiva; e quando o presidente da República, através da nomeação para o Ministério do
Trabalho de um dos nossos correligionários – o professor Honorio Monteiro – acaba de dar
demonstração de apreço e apoio ao PSD, seção de São Paulo, posso, sem quebra de meus deveres
partidários, passar a mãos mais hábeis e descansadas o bastão de comando. (...) (Correio Paulistano,
02/11/1948, p. 7).
Em novembro de 1955 foi novamente nomeado para o Ministério das Relações Exteriores, na
presidência de Nereu Ramos. Foi mantido no cargo por Juscelino Kubitschek, nele permanecendo até
julho de 1958. Passou a residir em São Paulo, dedicando-se aos negócios privados e à vida acadêmica.
Em abril de 1959 foi empossado no Conselho Consultivo do Fórum Roberto Simonsen, “órgão
promocional de manifestações culturais das entidades da indústria de São Paulo”. O presidente do
conselho era Antonio Devisate. O vice era Humberto Reis Costa (Correio Paulistano, 16/04/1959, p.
9). Em fevereiro de 1961 participou, na solenidade de posse da nova diretoria do CIESP, da mesa
presidida secretário da Fazenda, Francisco de Paula Vicente de Azevedo1244. Na ocasião, o secretário

1240 A Secretaria do Trabalho, Indústria e Comércio assumiu as funções do Departamento Estadual do Trabalho (DET),
absorvendo também atribuições retiradas de outras pastas, como o Instituto de Previdência, a Junta Comercial e a Seção de
Higiene do Trabalho. http://icaatom.arquivoestado.sp.gov.br/ica-atom/index.php/secretaria-das-relacoes-do-trabalho-do-
estado-de-sao-paulo
1241 Até o fim da eleição, as “classes conservadoras” de São Paulo estavam certas de que o candidato do PSD, Mário
Tavares, venceria. (FRENCH, 1995, p. 205). Segundo French (1995, p. 204), “o establishment político e econômico do
estado demonstrava não se ter dado conta das mudanças políticas do ano anterior que haviam entusiasmado os operários
urbanos”. Em São Bernardo e Santo André, onde a votação de Adhemar de Barros (PSP) e de Hugo Borghi (PTB) foi de
79% e 91% do total, o PSD e a UDN tiveram apoio insignificante. A vitória de Adhemar foi o maior revés político para o
presidente Dutra e seu partido nas eleições de janeiro de 1947, na qual o PSD conquistou sozinho a governança de cinco
estados e de mais seis em coligação (Idem, p. 204-205). No estado do Rio de Janeiro, o governador eleito foi o primo de
José Carlos, Edmundo de Macedo Soares e Silva, que era ministro da Viação e Obras Públicas no governo Dutra. Ele
concorreu na legenda da coligação formada pelo PSD, PTB e UDN.
1242 Gastão Vidigal tornou-se vice-presidente da comissão executiva do partido. Na mesma ocasião, vagas existente na
comissão foram preenchidas por Horacio Lafer, Antonio Silvio da Cunha Bueno e Ulysses Silveira Guimarães, entre outros.
(Correio Paulistano, 03/12/1947 p.5 e 05/12/1947, p. 3).
1243 Carlos Cirilo Junior, apoiado por Vargas, pelo PTB e pelo PCB, concorreu contra Luís Gonzaga Novelli Júnior, genro
de Dutra, apoiado pelo Movimento Democrático Renovador (que se formou no interior do PSD paulista), para representar o
partido nas eleições para vice-governador em novembro de 1947.
1244 Demais integrantes da mesa eram Nadir Dias de Figueiredo e Humberto Reis Costa (presidentes eméritos do CIESP),
padre José Gomes Bueno (presidente da Ação Social), frei Celso Maria de São Paulo (presidente da Federação dos Círculos
784

da Fazenda “dirigiu uma saudação ao embaixador Macedo Soares, lembrando que dedicou mais de
meio século à causa pública brasileira” (Correio Paulistano, 11/02/1961, p. 9).
Outras associações: Em novembro de 1914, Macedo Soares participou da fundação e da primeira
diretoria do Centro de Escotismo de São Paulo, ao lado de Julio de Mesquita Filho e Frederico Steidel,
entre outros (OESP, 22/11/1964, p. 7). Integrou a primeira diretoria do Rotary Club de São Paulo,
criado em 19241245. Era patrono da Sociedade Filatélica Paulista, que em 1942 era presidida por Paulo
Ayres (Correio Paulistano, 07/02/1942). Foi também Grã-chanceler da Ordem de São Paulo, entidade
cívico-educacional e de filantropia, cuja Diretoria Superior era composta também por D. Carlos
Carmelo de Vasconcelos Mota (presidente emérito e perpétuo), Guilherme de Almeida (presidente de
honra), Antonio Devisate (presidente da Comissão Executiva) (Correio Paulistano, 13/02/1955, p. 14).
Fontes:
https://www.al.sp.gov.br/acervo-historico/publicacoes/sumario/guia/document8.pdf
MESBLA. Relatório a ser apresentado à 45ª Assembleia Geral Ordinária, 1967. Disponível em:
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rce/article/viewFile/67658/65247
http://icaatom.arquivoestado.sp.gov.br/ica-atom/index.php/jose-carlos-de-macedo-soares-2;isad
https://ihgb.org.br/perfil/userprofile/jcmsoares.html
http://www.academia.org.br/academicos/jose-carlos-de-macedo-soares/biografia
https://memoria.ibge.gov.br/sinteses-historicas/galeria-da-presidentes/jose-carlos-de-macedo-soares.html
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/jose_carlos_de_macedo_soares
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Livros e Artigos:
ABREU, Alzira Alves de (Coordenadora). Dicionário da Elite Política Republicana (1889-1930). Rio de Janeiro:
CPDOC/FGV, 2015. (Verbete ALBERTO, João). Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
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preliminar. In: SENRA, N.; IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações (Org.). Embaixador Macedo
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______. Um homem de fronteiras: ação e criação de José Carlos de Macedo Soares. In: SENRA, Nelson de Castro.
História das estatísticas brasileiras. Volume 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2008b
COHEN, I. S. Bombas sobre São Paulo: a Revolução de 1924. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
GRANDI, G. Estado e capital ferroviário em São Paulo: a Companhia Paulista de Estradas de Ferro entre 1930 e 1961.
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Operários), Mário Toledo de Moraes (da Confederação Nacional da Indústria), Oscar Augusto de Camargo (diretor da
FIESP e do CIESP) e Antonio Devisate (presidente reeleito das entidades da indústria paulista).
1245 Da diretoria também faziam parte: Victor da Silva Freire (diretor de obras da Prefeitura Municipal, conselheiro da City
Improvements, presidente da Cia. de Pavimentação e Obras Públicas, da Cia. Anglo-Brasileira e professor da Escola
Politécnica), Antonio Gaffré Ribeiro (secretário importador da Standard Oil Company), Irving Henry Gallion (tesoureiro da
ACM); Herminio Gomes Moreira (da Escola Remington de Datilografia) e Benedicto Montenegro (médico-cirurgião). Entre
os membros do Rotary Club de São Paulo em seu primeiro ano, destacamos: Richard O. Connell (cônsul dos EUA); Gilbert
J. Huber; Edgar Egydio de Souza (diretor da São Paulo Light and Power); Erasmo Teixeira de Assumpção (exportador de
café); Frederico Vergueiro Steidel (professor de Direito); Geraldo de Paula Souza (médico higienista); José Maria Whitaker
(banqueiro e fundador do Banco Comercial de São Paulo); Júlio de Mesquita Filho (jornalista e diretor de O Estado de São
Paulo) (PEREIRA, 2011).
785

<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv29363.pdf>
MARCOLIN, Neldson. Dividir para governar. Pesquisa FAPESP, Edição 158, abril 2009, p. 8-9.
MARTINS, L. “O Relativismo Sociológico na Formação do Economista”. In: Revista do Comércio, Ano V, n.º 36, Rio de
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MEDEIROS, B. Nunca houve jornal como ele. In: COSTA, C. Diário Carioca: O jornal que mudou a imprensa brasileira.
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(Organizadoras). Rio de Janeiro: Fundação CSN, 1998.
Tese:
TARELOW, G. Antonio Carlos Pacheco e Silva: psiquiatria e política em uma trajetória singular (1898-1988). Tese
(Doutorado). Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2018.
Outras publicações:
Ministério das Relações Exteriores, Relatório apresentado ao chefe do governo provisório pelo ministro das Relações
Exteriores, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional 1934.
Verbetes CPDOC/FGV
Verbete biográfico: SOARES, Edmundo de Macedo. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/edmundo-de-macedo-soares-e-silva
Verbete biográfico: SOARES, Hélio de Macedo. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/helio-de-macedo-soares-e-silva
Verbete biográfico: SOARES, José Carlos de Macedo. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/soares-jose-carlos-de-macedo
Verbete biográfico: SOARES, José Cássio de Macedo. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/soares-jose-cassio-de-macedo
Verbete biográfico: SOARES, José Eduardo de Macedo. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/soares-jose-eduardo-de-macedo
Verbete biográfico: SOARES, José Roberto de Macedo. Disponível em:
http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/dicionarios/verbete-biografico/soares-jose-roberto-de-macedo
Verbete temático: Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/associacao-comercial-de-sao-paulo-acsp
Verbete temático: Chapa Única por São Paulo Unido. Disponível em:
http://www.fgv.br/Cpdoc/Acervo/dicionarios/verbete-tematico/chapa-unica-por-sao-paulo-unido
Verbete temático: Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF). Disponível em:
http://www.fgv.br/Cpdoc/Acervo/dicionarios/verbete-tematico/conselho-tecnico-de-economia-e-financas-ctef
786

Plano anticomunista sul-americano (anos 1920 e 1930)


Conforme apresentado no capítulo 5, o diplomata Raul Paranhos do Rio Branco estabeleceu uma
relação muito próxima com a EIA e seu diretor, Théodore Aubert. Entre 1926 e 1930, Rio Branco
remeteu diversas cartas ao MRE e à presidência da República alertando sobre o perigo do comunismo
no Brasil. Nessas correspondências, ele insistia na necessidade de elaborar um plano de combate ao
comunismo em âmbito sul-americano, não restrito apenas ao Brasil. Para a elaboração deste plano,
Rio Branco contaria com o apoio da EIA e das relações por ela estabelecidas com grupos de países
sul-americanos. Rio Branco alertava que já havia exposto ao governo brasileiro, desde pelo menos
1917, um “plano racional de defesa” contra o comunismo, que havia sido elaborado em colaboração
com Theodore Aubert. O plano previa a “criação oficial ou oficiosa de um centro nacional
anticomunista, em comunicação com a Entente de Genebra e a colaboração estreita de todos os
governos e polícias latino-americanas”, conforme citação feita no capítulo 5 (Ofício n. 33,
09/03/1934).
O plano foi explicado por Aubert em 01/05/1926, em carta para Carlos Reis: “A Secretaria
Permanente da EIA considera necessário empreender uma ação generalizada no Brasil e
possivelmente em outros estados da América do Sul, mas as seguintes condições devem primeiro ser
realizadas: I) Criação, por iniciativa do governo brasileiro, de uma organização (Bureau), que poderá,
no entanto, ser de natureza privada. O programa de ação dessa organização seria o de um Centro
Nacional da Entente; poderia ser estendido a outros países da América do Sul pela atividade da
Entente, determinando assim a fundação de outros Centros Nacionais. Em primeiro lugar, essa
organização seria usada para traduzir e divulgar a documentação impressa ou datilografada da
Entente; a Secretaria Permanente [em Genebra] pode indicar os métodos e procedimentos que
provaram seu valor na Europa e que podem ser adaptados às condições do Brasil. Em segundo lugar, a
organização do Rio de Janeiro traria à Entente informações sobre a ação comunista na América do
Sul. Deve-se notar que a Entente está em contato frequente com a Liga Patriótica Argentina [ver
FICHA acima], com a qual a organização do Rio de Janeiro poderia facilmente estabelecer relações”
(Carta, 01/05/1926).
Em outubro de 1926, Rio Branco falou sobre o assunto em duas correspondências igualmente
dirigidas a Carlos Reis. A carta do dia 21 tinha o seguinte teor: “Prezado amigo Sr. Coronel, (…) Sinto
muito não continuar a receber mais notícias suas diretamente. Pelo meu colega e amigo pessoal Sr.
Embaixador Souza Dantas soube que o Sr. tinha regressado ao Rio de Janeiro e estou convencido que
sua viagem de inquérito pela Europa terá sido fecunda em observações preciosas para a preservação
da paz social no nosso querido Brasil. Remeto-lhe junto uma série de retalhos de vários jornais,
principalmente suíços, sobre a questão que nos interessa. Envio-lhe também uma carta do nosso
amigo Maitre Th. Aubert e cópia da resposta que por ocasião lhe enviei. Dias depois estive com ele
em Genebra, por duas vezes. Ele se mostrou ansioso por saber se podia esperar-se a formação no
Brasil de um centro antibolchevista como os que já existem em vários dos principais países da Europa
e se havia esperança de obter-se do nosso governo a subvenção de que falamos, em favor da “Entente
Internationale contre la Troisième Internationale” (…). Sobre estas duas questões o amigo talvez
pudesse me fornecer alguma informação interessante. Quero esperar que o futuro Presidente da
República [Washington Luis, 1926-1930], que é um estadista previdente, enérgico e patriota, se
dignará de conservar para estas questões o clarividente interesse que sempre demonstrou o Exmº. Sr.
Presidente Arthur Bernardes [1922-1926]. (…) Informo o amigo que em telegrama terei a honra de
solicitar ao Exmº. Sr. Dr. Arthur Bernardes que se digne de recomendar à atenção do seu digno
787

sucessor esta questão de tão alta importância, segundo a minha opinião, à qual venho me interessando
de dois anos para cá e que motivou por sua parte a viagem de inquérito a que o amigo em boa hora
fora incumbido” (Carta, 21/10/1926).
A carta escrita no dia 30 de outubro voltava ao assunto: “ (…) Tenho a honra de comunicar-lhe, em
anexo, três documentos dos mais importantes que me foram fornecidos pelos nosso amigo Maitre
Aubert, de Genebra. (…) Estes documentos são os seguintes: 1º Um anexo do jornal bolchevique
“Iprecor” …) interessante pra nós porque traz o relatório de um tal Octavio Brandão, que parece ser
agente principal da propaganda soviética no Estado de Minas Gerais. Remeto em separado uma cópia
deste documento aos Exmos. Artur Bernardes, Presidente da República, e Affonso Penna Jr., Ministro
da Justiça, que se interessam pela nossa atividade contra a propaganda comunista. Por serem ambos
mineiros, esta informação relativa a Minas não lhes pode ser indiferente e pelo contrário deve incitá-
los a patrocinar junto ao novo governo a continuação do serviço de inquérito que em boa hora o Exmº
Sr. Presidente Arthur Bernardes houve por bem confiar ao ilustre amigo e julgo deve ser continuado
com maior eficácia em prol da conservação da paz social no nosso querido Brasil. 2º Um esquema da
organização de um centro nacional contra a propaganda comunista. 3º Um esquema da organização de
uma edição nacional da Revista antibolchevista. Tomo a liberdade de recomendar particularmente à
sua atenção, Sr. Coronel, estes três documentos dos quais os dois últimos devem ser conservados
cuidadosamente para organizar qualquer dia na nossa terra um centro de defesa da ordem social e da
civilização comparável aos que já existem nos principais países europeus. Lembro ao amigo que todos
estes documentos são confidenciais podendo apenas serem comunicados ao Presidente da República e
aos Ministros de Estado. (…)” (Carta, 30/10/1926).
Em 1927, Raul do Rio Branco solicitou autorização para passar suas férias extraordinárias no Brasil:
“Solicitei esta licença menos para espairecer ou para tratar de interesses pessoais do que para poder
entreter diretamente o novo governo da questão que me preocupava ao ponto de me ter feito esquecer
qualquer outra preocupação privada ou de serviço. Durante a residência de quatro meses que fiz no
Rio de Janeiro (…) obtive numerosas e prolongadas audiências do então presidente da república Dr.
Washington Luis Pereira de Souza e do então ministro das Relações Exteriores Dr. Octavio
Mangabeira. Ambos demonstraram momentaneamente o mais vivo interesse pela questão da defesa do
Brasil contra a propaganda comunista. O Dr. Washington Luis chegou a convocar-me regularmente,
por telefone, ao Palácio do Catete cada dois dias para audiências das quais três duraram mais de hora e
meia, uma de duas horas e meia. O Sr. presidente Washington Luis mostrou-se (…) interessado em
acolher as informações para ele então inéditas que eu trouxera a respeito da extensão recente à
América Latina da propaganda comunista, e dos meios de informação e de defesa que ficavam ao
nosso alcance. O presidente Washington Luis demonstrou tal interesse por esta questão que ainda
antes que eu tivesse embarcado para a Europa, e sem que eu tivesse insistido especialmente sobre este
ponto, ele mandou telegraficamente abonar a Entente de Genebra um contribuição anual de dez mil
francos suíços, que aliás apenas foi paga durante um ano (setembro de 1927 a setembro de 1928).
Mediante a convenção reservada então passada entre o nosso governo e a Entente de Genebra, esta
devia remeter mensalmente as informações de ordem geral e mais particularmente as informações que
lhe parecessem interessar à América Latina que ela regularmente colhia, graças ao seu pessoal idôneo
especializado nas publicações soviéticas. Em particular, devia ser feito o serviço do boletim mensal,
que a Entente publica para documentar a propaganda anticomunista, que traduzida, deve servir a
inspirar a imprensa nacional. O Dr. Washington Luis mandou-me ter duas conferências com o então
chefe de polícia do Rio de Janeiro, Dr. Coriolano de Goes, e com o deputado Aníbal de Toledo, relator
da lei que restringia a liberdade da imprensa no que toca à propaganda comunista. (…)” (Ofício nº 54,
18/11/1927).
788

No início do ano seguinte (1928), Rio Branco enviou um ofício para o ministro Octavio Mangabeira,
retomando a questão referente à organização de um centro nacional da EIA: “(…) os conselhos dados
por Mtre. Aubert para a organização da defesa do Brasil contra a praga bolchevista são baseados na
experiências feitas durante cerca de 8 anos pela “Entente” em mais de 20 países diferentes. Esses
conselhos são os seguintes: 1º) a instituição no Brasil de um Centro Nacional Anticomunista; este
Centro pode ter existência oficial (composto de magistrados, funcionários civis, militares e policiais)
como em vários países, ou oficioso (composto de financistas e chefes de indústrias) como em outros
países. Até um certo ponto há grande interesse (mas não é indispensável) que este Centro seja secreto.
Este organismo deve ser chefiado por uma pessoa de particular confiança do Chefe de Estado,
escolhida pela sua sagacidade e tenacidade e responsável diretamente perante ele. 2º) Organização em
tal Centro, e debaixo da responsabilidade do chefe ou da diretoria escolhida pelo governo, de um
arquivo destinado a centralizar todas as informações relativas à propaganda comunista no país, à
constituição do seu pessoal diretivo, superior e subalterno, às relações e ligações destes chefes com o
pessoal político e parlamentar e com a imprensa (toda a imprensa e não somente a especialmente
comunista). 3º) Estabelecimento de relações normais seguras entre este Centro e a “Entente” de
Genebra. Mtre. Aubert sugeriu que o agente de ligação entre a “Entente” de Genebra, o Governo
brasileiro e o “Centro” estava naturalmente indicado na minha pessoa. 4º) A “Entente” remeterá
regularmente (em princípio uma vez por mês) um boletim de informações recentes destinado a
documentar essa parte da imprensa nacional com a qual o governo está certo de poder contar para dar
combate á imprensa e à propaganda comunista que não é feita somente pelos jornais, mas também por
conferências, correspondência postal, e até por filmes (…). Esse fornecimento de documentos seria
permanentemente gratuito a vista da subvenção brasileira secreta à “Entente”. A “Entente”, porém,
seria grata ao Nosso Governo ou ao Centro Brasileiro de lhe fornecer, periodicamente, e com a
menção eventual de reservadas ou secretas as informações colhidas no Brasil a respeito da
propaganda, da organização e da agitação comunista. (…) (…) Suplico a Vossa Excelência de não
querer interpretar o serviço de informação que estou prestando a meu governo sobre a questão da
propaganda comunista como influenciado por alguma ideia fixa destituída de base suficiente. Desde o
princípio desconfiei que a propaganda comunista (…) não poderia deixar de estender as suas vistas à
América Latina em geral e ao Brasil em particular. Prova do acerto de tal suposição me foi fornecida
por um documento confidencial dado por Mtre. Aubert, o que é a tradução de um documento soviético
(…). Esse documento, como os seguintes, desapareceu do arquivo do Itamarati, como verificou o Sr.
Cel. Carlos Reis, da Polícia Federal, no inquérito sobre o comunismo no Brasil que lhe tinha sido
confiado por sua Excelência o Senhor Presidente Arthur Bernardes. (…) O perigo da propaganda
subversiva que tomei a iniciativa de assinalar ao governo quatro anos atrás, não fez senão aumentar
porque, mercê da fraqueza da repressão, os quadros desta propaganda foram se fortalecendo aos
poucos. (…) Já tive ensejo, há um ano atrás, de reunir na minha casa os meus colegas latino-
americanos para lhes submeter um documento soviético relativo à propaganda na América do Sul. Sei
que vários dos governos latino-americanos adotaram, pouco tempo depois, medidas de defesa social,
diversas nos seus métodos e moldadas na índole de cada uma daquelas nações e que parecem terem
produzido resultados apreciáveis. (…) Continuarei esperando no meu posto todas as instruções que
aprouver ao governo mandar-me a este respeito. Confesso, porém, a Vossa Excelência que anda um
tanto desanimado devido à aparente indiferença que parece demonstrar o meu governo que, a par da
missão Carlos Reis na Europa, nada mais fez. Considero apenas como um primeiro passo, aliás bem
eficaz, e o primeiro que devia ser dado, a lei votada no ano passado por inspiração do ilustre Sr.
Presidente da República e que teve como resultado quase imediato o desaparecimento da imprensa de
propaganda ostensiva do comunismo no Brasil. (…)” (Ofício nº 6, 31/03/1928).
789

Em 1930, o Coronel Reis voltaria à Europa, segundo Rio Branco informou a Aubert: “O Sr. Coronel
Reis, que tive a honra de lhe apresentar dois anos atrás, me informou que acaba de chegar em Paris,
que foi encarregado pela polícia política do Brasil de fazer uma nova pesquisa na Europa sobre o
comunismo, e que gostaria muito de conseguir entrevistá-lo” (Carta, 07/03/1930. Itálicos meus).
Referências

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Carta Raul de Rio Branco para Coronel Carlos da Silva Reis, Berna, 21/10/1926, Arquivo Histórico do
Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas catalográficas 600.1(00) – “Bureau de L’Entente Internationale contre la
3ème Internationale” 1926-1937, Lata 578, Maço 9269.
Carta Raul de Rio Branco para Coronel Carlos da Silva Reis, Berna, 30/10/1926, Arquivo Histórico do
Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas catalográficas 600.1(00) – “Bureau de L’Entente Internationale contre la
3ème Internationale” 1926-1937, Lata 578, Maço 9269.
Ofício no 54, de Raul do Rio Branco para Octavio Mangabeira, Ministro das Relações Exteriores, Berna,
18/11/1927. Documentos sobre o Comunismo. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas
catalográficas 600.1(00) – “Bureau de L’Entente Internationale contre la 3ème Internationale” 1926-1937, Lata
578, Maço 9269.
Ofício no 6 de Raul do Rio Branco para Otavio Mangabeira, Ministro das Relações Exteriores, 31/03/1928.
Informações relativas à proteção do Brasil contra a propaganda comunista. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio
de Janeiro), Missões diplomáticas brasileiras (Berna), estante 204, prateleira 1, volume 2.
Carta de Raul do Rio Branco para Th. Aubert, 07/03/1930. Archives de l’Entente Internationale
Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud 1924-1933, Bibliothèque
de Genève.
Ofício no 33, de Raul Paranhos do Rio Branco (Chefe, Legação do Brasil em Berna) para Félix de Barros
Cavalcanti de Lacerda (Ministro de Estado das Relações Exteriores), 09/03/1934. “Defesa do Brasil contra a
propaganda comunista”. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Missões diplomáticas brasileiras
(Berna), Ofícios recebidos 1934 (Janeiro-Abril), estante 4, prateleira 5, volume 10.
790

Union civique suisse (UCS) e Fédération patriotique suisse (FPS)


A fundação da Union civique suisse de Genebra compreendeu também a criação de uma milícia
burguesa, a guarda cívica, que atuou na repressão à greve geral de 1918, considerada o conflito
sociopolítico mais grave que viveu a Suíça moderna. A greve, que durou três dias (entre 12 e 14 de
novembro), foi resultado da deterioração das condições de vida das camadas populares urbanas e da
ascensão do movimento trabalhista, especialmente na parte alemã do país. Mas Aubert e a direita
interpretaram como uma das primeiras manifestações da intromissão bolchevique, de inspiração russa,
nos assuntos internos suíços. A Fédération patriotique suisse foi criada em abril de 1919, reunindo as
guardas cívicas que tinham surgido por toda a Suíça no ano anterior. A Federação contava com o apoio
das autoridades políticas e militares – que reconheciam as guardas cívicas como um complemento
oficial das forças policiais – e dos círculos financeiros e industriais, que a patrocinavam (ver FICHA
de Theodore Aubert acima). Segundo González Calleja e Del Rey Reguillo (1995, p. 18-43), as uniões
cívicas – organizações contrarrevolucionárias armadas – proliferaram em praticamente todo o
continente europeu a partir de 1917. Elas não buscavam a conquista e controle do Estado. Com ideário
escassamente articulado e desenvolvido, as uniões cívicas concentravam suas ações na garantia da
continuidade das relações sociais vigentes, identificando sua missão como a proteção de um “corpo
social” organizado harmonicamente, que se defendia da violência revolucionária desagregadora que o
atacava. A percepção da existência de uma ameaça global contra o sistema conseguiu mobilizar
cidadãos sem ideologia definida e de diferentes extrações sociais (militares, nobreza, burguesia
industrial e financeira, proprietários rurais, pequenos e médios comerciantes, funcionários públicos,
profissionais liberais, estudantes de classe média e alta, operários não revolucionários). Apesar de sua
diversidade de origem, organização, apoio social e trajetória coletiva, elas apresentaram uma série de
características em comum. A maioria dessas iniciativas surgiu de setores claramente conservadores
como resposta a acontecimentos traumáticos – que geralmente assumiram a forma de greves gerais ou
de interrupção parcial de serviços essenciais – que afetaram sua tradicional concepção de ordem
social. Tais eventos também colocaram em evidência a debilidade dos instrumentos oficiais de
“controle social” para fazer frente a um movimento de protesto bem preparado, desde o ponto de vista
estratégico e tático, pelas organizações operárias. Atuando como apoio extraoficial às iniciativas
preventivas ou coercitivas estatais, as uniões cívicas se propuseram a ocupar as ruas para preservar ou
reestabelecer a ordem pública, defender vidas e propriedades ou direitos ameaçados e manter os
serviços sociais e econômicos básicos em caso de greve geral.
Referências

GONZÁLEZ CALLEJA, Eduardo; DEL REY REGUILLO, Fernando. La defensa armada contra la revolución:
una historia de las “guardias cívicas” en la España del siglo XX. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones
Científicas, 1995.
791

USIA e Propaganda
A United States Information Agency (USIA) produzia dois tipos de materiais de propaganda. Aqueles
de origem identificável (attributed, no original em inglês) eram produzidos pela USIA mas teriam sua
autoria atribuída a alguma fonte externa ao governo dos Estados Unidos para esconder a sua real
proveniência, evitando, assim, possíveis críticas ao governo dos Estados Unidos. Geralmente esse tipo
de propaganda era atribuído a alguma organização da sociedade civil com a qual a USIA mantinha
relações – por exemplo, um grupo anticomunista. Já os materiais de autoria não-identificada
(unattributed) eram produzidos pela USIA sem identificação alguma sobre a proveniência do material.
Tanto a USIA quanto a CIA produziam materiais de propaganda. Agee (1975, p. 69) explica que havia
três tipos de propaganda produzidas pelas duas agências governamentais norte-americanas: branca,
cinza e “clandestina” (black). A branca era feita “aberta e declaradamente como oriunda dos órgãos do
governo americano”, ou seja, da USIA. A cinza era “atribuída ostensivamente a pessoas ou
organizações que não indicam o governo americano como responsável pelo seu material e que
divulgam as informações como se fossem suas”. A “clandestina” não era “imputada a fonte alguma,
ou é atribuída a uma fonte inexistente ou, ainda, trata-se de uma matéria falsa atribuída a uma fonte
real”. E acrescenta que

Os veículos de propaganda cinza ou negra [clandestina] podem ignorar o patrocínio


da CIA ou do governo dos Estados Unidos. O objetivo é dar mais eficiência à ação e
manter reduzido o número de pessoas que estão a par do que esse realiza e, dessa
maneira, diminuir o risco de revelação dos verdadeiros patrocinadores das operações.
Assim é que firmas editoriais, políticos, homens de negócios podem produzir
propaganda – mesmo remunerada –, sem precisamente saber quem são os seus
responsáveis ou financiadores.

De acordo com Thomas C. Sorensen (1968, p. 64-5), diretor adjunto da USIA durante a presidência de
Kennedy, a USIA preferia que o material por ela produzido não fosse diretamente, ou obviamente,
identificável à agência. Para ele, isso evitaria levantar suspeitas no público-alvo da propaganda de que
os Estados Unidos estariam tentando influenciar a opinião das pessoas. Caso essa suspeita fosse
confirmada, ainda que a agência não fosse negar que o material de fato havia sido produzido por ela,
era preferível manter o sigilo sobre a sua origem. Isto seria, segundo Sorensen, um exemplo de
“propaganda cinza de autoria não-identificada mas atribuível” que, junto com a propaganda branca,
seria o tipo mais comum de material produzido pela USIA.
A USIA, criada no início do governo de Eisenhower, em 1953, tinha a atribuição de produzir e
difundir materiais de propaganda e coordenar as atividades relacionadas a esse tema. Mas parte de
suas atividades era feita em conjunto com a CIA, que estava envolvida em atividades de propaganda
desde a criação da agência, em 1947. Em maio de 1954, o OCB preparou um paper para esclarecer e
melhorar a coordenação das atividades de propaganda levadas a cabo por agências governamentais,
especialmente quando a CIA estivesse envolvida. No documento abaixo a referência à CIA é feita de
maneira indireta (“a agência designada pelo OCB”), de acordo com os procedimentos governamentais
de segurança de informação:

Princípios para assegurar a coordenação de atividades cinza


792

1. Propósito
1.1. Para assegurar a coordenação da informação (cujo termo, tal como utilizado neste paper, inclui propaganda
e outras atividades relacionadas) de autoria não-atribuível ao governo dos EUA
1.2 A intenção deste paper é destacar a necessidade de coordenação nas missões diplomáticas norte-americanas,
para assegurar que todas as atividades de informação sejam conduzidas com segurança e efetivamente, para
prevenir duplicação de esforços e evitar embaraços ao governo dos EUA. Responsabilidades nas áreas de
propaganda branca e “black” [clandestina] estão claramente estabelecidas, mas com relação à cinza, a
responsabilidade das missões diplomáticas tem sido atribuídas a mais de uma agência. Assim, esse paper tem a
preocupação primária de estabelecer os critérios a serem utilizados no caso da USIA, ou o Departamento de
Estado, ou a agência designada pelo OCB executarem uma atividade cinza em particular. (…) é preciso
colaboração efetiva nas missões diplomáticas entre os representantes das agências envolvidas levando-se em
consideração (…) b) os méritos do caso, recursos (assets) disponíveis, e outras considerações que possam ser
aplicadas localmente.
1.3 Os chefes das missões diplomáticas ou os oficiais principais (de acordo com o ranking oficial do
Departamento de Estado) tem a responsabilidade de garantir que a coordenação nas missões diplomáticas sob
sua autoridade seja satisfatória. Além disso, o Departamento de Estado e a USIA, tanto na base de Washington
quando nos postos diplomáticos, são responsáveis por iniciar a ligação com a agência designada pela OCB no
que se relaciona às suas respectivas atribuições quanto às atividades cinza, para que esta saiba das atividades
existentes ou planejadas e possa preservar a segurança de suas próprias atividades.
2. Definições
Descrição do conteúdo da propaganda e do tipo de atividade
Branca – reconhecida como uma declaração ou ato oficial do governo dos EUA, ou emanada de uma fonte
associada intimamente ao governo dos Estados Unidos e que reflete um ponto de vista oficial. A informação é
verdadeira e factual. Inclui também toda propaganda identificada como proveniente de fontes oficiais dos
Estados Unidos.
Cinza – A verdadeira fonte (o governo dos Estados Unidos) não é revelada para o público-alvo. A atividade nela
envolvida plausivelmente parece emanar de uma fonte não-oficial norte-americana, ou nativa, uma fonte não-
hostil, ou pode apresentar nenhuma origem identificável 1246. Cinza é a propaganda com um conteúdo cujo
impacto será maior se a mão do governo dos EUA e em alguns casos qualquer tipo de participação norte-
americana não for revelada. É simplesmente um meio para apresentar o ponto de vista dos Estados Unidos em
defesa dos interesses da política exterior norte-americana, mas que será mais aceitável para o público-alvo
pretendido comparada a uma declaração oficial do governo.
“Black” [clandestina] – A atividade nela envolvida parece emanar de uma fonte (governo, partido, grupo,
organização, pessoa) geralmente hostil por natureza. O interesse do governo dos Estados Unidos é ocultado e o
governo dos Estados Unidos irá negar qualquer responsabilidade. O conteúdo pode ser parcialmente ou
completamente inventado (fabricated), mas aquilo que é inventado é feito de modo a parecer crível para o
público-alvo. As atividades de propaganda “black” [clandestina] são também geralmente destinadas a causar
embaraço à fonte aparente ou para forçar a fonte aparente a tomar medidas contra a sua vontade.
3. Responsabilidade das operações
3.1 Já que a responsabilidade pelas atividades cinza é atribuída a mais de uma agência, os oficiais de ligação
nas missões diplomáticas, e na base em Washington sempre que necessário, devem determinar qual agência
executará a atividade. O risco inerente deve ser avaliado pelos critérios estabelecidos no parágrafo 3.4, levando
em consideração que as atividades nas quais a USIA ou o Departamento de Estado se envolvem devem ser
aquelas que o governo dos EUA possam assumir a responsabilidade se necessário.
3.2 A responsabilidade pelo envolvimento em propaganda branca dirigida para o público no exterior cabe ao
Departamento de Estado, USIA, FOA, Departamento de Defesa e outras agências e departamentos se
necessário.

1246 Em áreas nas quais a atividade é conduzida sem nenhuma identificação quanto a sua origem e que possa resultar em
embaraço a alguma agência do governo dos EUA, os oficiais de ligação irão analisar cuidadosamente todos os aspectos da
atividade proposta antes de decidir se tal operação deve ser executada. [nota de rodapé no original].
793

3.3 A responsabilidade pela propaganda “black” [clandestina] e outras atividades relacionadas é atribuída
somente para a agência designada pelo OCB. Deve-se levar em consideração que tanto as atividades “black”
[clandestina] quanto cinzas, conduzidas em áreas não-autorizadas de suas atribuições específicas, por qualquer
meio que não seja o rádio, são de responsabilidade exclusiva da agência designada pelo OCB.
3.4 A responsabilidade pela propaganda cinza é atribuída à agência designada pelo OCB, USIA e Departamento
de Estado. Os seguintes critérios ajudarão a determinar a responsabilidade pela execução de uma atividade
cinza proposta. Se a resposta a qualquer uma das três questões abaixo for afirmativa, a atividade é de inteira
responsabilidade da agência designada pelo OCB. Se o interesse do governo não é para ser revelado mas a
resposta para todas as três questões listadas abaixo for negativa, a atividade pode ser atribuída ao Departamento
de Estado, USIA ou à agência designada pela OCB:
A) A revelação da fonte provocaria um sério constrangimento ao governo dos EUA ou às agências responsáveis
pela atividade de propaganda?
B) A atividade ou os materiais disseminados seriam seriamente desacreditados se fosse revelado que o governo
dos EUA é o responsável?
C) O canal (outlet) utilizado seria seriamente prejudicado se fosse revelado que a atividade é subsidiada ou
apoiada de alguma outra forma pelo governo dos EUA?
4.2 (…). A responsabilidade é investida aos chefes das missões diplomáticas ou de seus oficiais principais para
garantir que a coordenação em todos os postos diplomáticos sob sua supervisão seja adequada, que os critérios
sejam corretamente aplicados, e que as decisões estejam de acordo com a estrutura da política nacional. 1247
Exemplos de propaganda não-atribuível ao governo dos Estados Unidos foram apresentados por
Santomauro (2015, p. 238-241), a exemplo de materiais produzidos pela USIA veiculados em canais
de mídia brasileiros. Segundo Santomauro, existia um princípio “do modo USIA de agir nos meios de
comunicação de massa: a não-assinatura de suas produções. Isso, segundo suas pesquisas de mercado,
mostravam-nas menos tendenciosas, e portanto mais eficazes por não deixar nenhum rastro de
intervenção governamental americana”. Santomauro também apresenta o caso da revista bimensal
“Problemas do Comunismo”, que reunia artigos de especialistas voltados a “desmistificar dados sobre
a União Soviética e a China comunista”: “mais uma vez a marca da USIA não aparecia como
produtora do material, que era assinada no Brasil pela Editora Ipanema”. Ainda conforme
Santomauro, “o anonimato era uma das condições para o uso das notícias e materiais distribuídos pela
USIA”. Assim, os boletins diários de notícias produzidos pela USIA, “ao invés de condicionar a
reprodução à citação da fonte, liberava o só apenas quando não fosse citada a fonte”. Em 1954, o
próprio diretor da USIA, Theodore Streibert, havia afirmado ao Congresso dos Estados Unidos que “o
anonimato era condição básica para a aceitação do público nos jornais, por exemplo, dos quadrinhos:
‘se os leitores dos jornais que publicam esses quadrinhos soubessem que eles foram produzidos para
nossos propósitos, os jornais talvez não os utilizassem mais”. Santomauro ainda apresenta indícios da
eficácia da distribuição e uso das notícias produzidas pela USIA divulgados em veículos brasileiros:
em pesquisa interna realizada pela USIA, revelou-se que, “apesar do maior atraso em lugares mais
longínquos como o Norte e interior do Brasil, as notícias chegavam a todas as regiões brasileiras, e
diariamente no Rio de Janeiro e em São Paulo: ‘a grande maioria dos veículos pesquisados – quatro
entre cinco jornais, nove entre dez radialistas, e mais do que três entre cinco revistas – relataram
receber os materiais do USIS”. A USIA no Brasil contava com “aliados de peso para difundir suas
notícias”. Além de Assis Chateaubriand e “jornalistas declaradamente pró-americanos como Carlos
Lacerda, Pereira Carneiro e Paulo Bittencourt”, havia também “organizações como a Agência
Nacional, que ‘plantavam’ matérias e/ou editoriais (muitas vezes com pseudônimos) em jornais de
1247 Foreign Relations of the United States, 1950-1955, The Intelligence Community, 1950-1955, eds. Douglas Keane and
Michael Warner (Washington: Government Printing Office, 2007), Document 181, “Paper prepared by the Operations
Coordinating Board”, 14/05/1954. Disponível em:
https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1950-55Intel/d181 (acessado em 17 maio 2019).
794

grande circulação como O Globo, Correio da Manhã, Tribuna da Imprensa e revista como O
Cruzeiro”.
Mas a USIA também utilizava-se de organizações da sociedade civil para veicular seus materiais de
propaganda1248. De acordo com Santomauro (2015, p. 255-267), “a partir de 1955, os materiais da
USIA, principalmente dos USIS São Paulo começam a ser assinados como se fossem produzidos pela
‘Cruzada Brasileira Anticomunista’”. Este é um exemplo de propaganda de autoria não-atribuível ao
governo estadunidense, embora este fosse o seu real produtor, podendo também ser classificada como
propaganda cinza.
Os tipos de propaganda apresentados acima (cinza e “black”) estão relacionados ao princípio da
negação plausível (plausible denial), fundamentais à lógica das operações encobertas do governo
estadunidense. De acordo com uma publicação oficial da CIA (1999), a definição de ação encoberta é
“uma operação concebida para influenciar governos, eventos, organizações ou pessoas em apoio à
política externa [dos Estados Unidos] de forma tal que não seja necessariamente atribuível a quem a
promove, podendo incluir atividades políticas, econômicas, de propaganda e paramilitares”. Assim, o
governo norte-americano deveria executar tais operações de uma forma que permitisse negar, de modo
convincente, o seu envolvimento.
Referências
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(1953-1964). São Paulo, Ed. UNESP, 2015.
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Foreign Relations of the United States, 1950-1955, The Intelligence Community, 1950-1955, eds. Douglas
Keane and Michael Warner (Washington: Government Printing Office, 2007), Document 181, “Paper prepared
by the Operations Coordinating Board. Disponível em:
https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1950-55Intel/d181 (acessado em 17 out 2017).
Central Intelligence Agency. A consumer’s guide to intelligence. Office of Public Affairs, Central Intelligence
Agency, 1999. Disponível em:
https://archive.org/details/consumersguide_tenet/page/n5. Acesso 24 de agosto de 2019.

1248 Santomauro, em pesquisa feita nas coleções da USIA disponíveis no Arquivo Nacional de College Park, verificou
anotações a lápis feitas em materiais voltados à imprensa brasileira e à organizações como a Cruzada Brasileira
Anticomunista. Estas anotações identificam a real origem destes materiais, ou seja, eram produzidos pela USIA em
Washington e distribuídos pelos postos do USIS no Brasil, com local e data de produção dos materiais.
795

REFERÊNCIAS

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Dezembro 1971. Disponível em: http://diasporiana.org.ua/wp-content/uploads/books/13972/file.pdf
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Coluna “Vida Social”, O Paiz (RJ), 16/09/1925.

1928
Nota de falecimento de Domingos Teixeira de Assumpção, Correio Paulistano (SP), 17/03/1928.

1930
Almanak Laemmert para 1930, Vol I, p. 608, 1930.
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1931
“O Brasil na Conferência do Desarmamento”, Diário Carioca (RJ), 31/12/1931.

1932
“O Brasil na Conferência do Desarmamento”, Diário Carioca (RJ), 12/01/1932.
“Confederação Nacional dos Operários Católicos (CNOC)”, A Ordem, n.º 33, novembro 1932.

1933
“Johnson & Johnson do Brasil, S.A., Decreto n. 23.163, concede à Sociedade Anônima Johnson e
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(DOSP), nº 234, pp. 34-36, 18/10/1933.

1935
“A nova diretoria da Federação das Indústrias”, Correio Paulistano (SP), 06/04/1935.

1936
“Eleita a nova diretoria da Federação das Indústrias”, Correio de São Paulo (SP), 13/02/1936.
“Comentários: patrões e empregados”, Correio de S. Paulo (SP), 09/09/1936.
“Palestras para o operariado”, Correio de S. Paulo (SP), 28/10/1936.

1937
“Federação das Indústrias – posse da diretoria eleita para o exercício de 1937”, Correio Paulistano
(SP), 28/01/1937.
Seção Ineditorial, Publicações Particulares, Cia. Johnson & Johnson do Brasil, Ata da Assembleia
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(DOSP), nº 21, pp. 44-45, 28/01/1937.
“Plutocracia versus Democracia”, O Radical (RJ), 16/03/1937.
“Plutocracia contra democracia”, O Radical (RJ), 23/03/1937.
“Liga da Defesa Nacional”, Correio da Manhã (RJ), 21/07/1937.
“Novos planos comunistas contra o Brasil”, Jornal do Brasil (RJ), 01/10/1937.
“Esperada, na Câmara, a mensagem pedindo a decretação do estado de guerra”, Jornal do Brasil (RJ),
01/10/1937.
“Combate ao comunismo, defesa da Constituição!”. Diário Carioca (RJ), 10/10/1937.
“Defesa Social Brasileira: reunião do conselho técnico e junta executiva”. Diário Carioca (RJ),
21/10/1937.
“Capitão Affonso de Miranda Corrêa”, Diário Carioca (RJ), 26/10/1937.
“Fixando forma e espírito da Defesa Social Brasileira: as palavras do Almirante Vansconcellos”, Diário
Carioca (RJ), 30/10/1937.
“Pelo Brasil, contra o Comunismo!” Diário Carioca (RJ), 31/10/1937.
“Nota de falecimento”, Francisco Bouças, Jornal do Brasil, 03/12/1937.
“Dissolvida a Defesa Social Brasileira”. Diário Carioca (RJ), 15/12/1937.

1938
835

“Realizou-se, ontem, a eleição para escolha da nova diretoria da Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo”. Correio Paulistano (SP), 13/01/1938.

1940
“Empossada a nova diretoria da Federação das Indústrias”, Correio Paulistano (SP), 24/01/1940.
“Mais um grande passo na solução do problema do petróleo nacional”, O Jornal (RJ), 07/03/1940.
“Congresso de Defesa”, Correio da Manhã (RJ), 19/05/1940.
“Isenções de direito de acordo com a conveniência do momento”, Correio da Manhã (RJ), 14/06/1940.
“Vai superintender os estudos geofísicos na região petrolífera da Bahia”, Correio da Manhã (RJ),
03/07/1940.
“Conferência Americana de Associações do Comércio e da Produção”, Diário de Notícias (RJ),
17/10/1940.

1941
“Federação das Indústrias de São Paulo”, Correio Paulistano, 09/01/1941.
“Um estudante brasileiro em Georgetown”, Jornal do Brasil, 14/09/1941.

1942
“Reúne-se depois de amanhã, no Rio, a Conferência dos Chanceleres Americanos”. Correio Paulistano
(SP), 13/01/1942.
“Frente a frente com Jan Valtin”, A Noite (RJ) 06/05/1942
“Associação Comercial: solenidade da posse da nova diretoria”. Jornal do Comércio (RJ), 24/12/1942.

1943
“Renovação da Diretoria do Centro das Indústrias do Estado de S. Paulo”, Correio Paulistano (SP),
12/01/1943.
“O Brasil depois da vitória: declarações do sr. Eric Johnston à imprensa carioca”. Correio da Manhã
(RJ), 18/02/1943.

1945
“Eleita a nova diretoria do Centro das Indústrias de São Paulo”, Correio Paulistano (SP), 10/01/1945.
“Precisamos de uma planificação urgente e total da economia brasileira: interessantes considerações do
Dr. João Daudt d’Oliveira na Associação Comercial”. Jornal do Brasil (RJ), 11/01/1945.
“Em São Paulo o novo diretor do departamento de inglês da União Cultural Brasil-Estados Unidos”,
Correio Paulistano (SP), 04/02/1945.
“As classes produtoras e as responsabilidades que lhes cabem no momento atual: a notável conferência
pronunciada pelo Dr. João Daudt d’Oliveira na Associação Comercial de São Paulo”. Jornal do Brasil
(RJ), 04/03/1945.
“Bosses push open-shop drive despite CIO-AFL ‘Peace Pact’”. The Militant (New York), 21/04/1945.
Disponível em <https://www.themilitant.com/1945/0916/MIL0916.pdf> Acessado em outubro 2019.
“Como o Ministério do Trabalho está agindo”, Correio da Manhã (RJ), 01/05/1945.
“Remoção de um funcionário por motivo político”, Diário Carioca (RJ), 12/05/1945.
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“Tomará posse terça-feira o general Góis Monteiro”, Diário de Notícias (RJ), 04/08/1945.
“Embaixador José Carlos de Macedo Soares”, O Estado de S. Paulo (SP), 06/11/1945.
“Conselho Inter-Americano de Produção e Comércio”. Revista do Comércio, n.º 1, Ano I, dezembro
1945.

1946
“Um brasileiro nomeado para importante cargo da U.N.R.A”, Correio Paulistano, 19/01/1946.
“Nota da Comissão Executiva do PCB”, Tribuna Popular (RJ), 08/05/1946.
“Reunião em homenagem à memória do dr. Armando de Sales Oliveira”, O Estado de SP, 16/05/1946.
“Chega hoje ao Rio, Berent Friele”, Diário Carioca (RJ), 28/06/1946.
“Instalado o conselho consultivo do Serviço Social da Indústria”, Correio Paulistano (SP), 26/07/1946.
“Técnicos americanos para uma produção racional”, O Jornal (RJ), 16/08/1946.
“Chegou de S. Paulo o presidente do Conselho de Cooperação Interamericana”, O Jornal (RJ),
17/08/1946.
“Regressa aos EE.UU. o presidente do Conselho de Cooperação Interamericana”, Diário Carioca (RJ),
03/09/1946.
Ata da Assembleia Geral de Constituição da “Companhia Nacional de Gás Esso”, realizada em 15 de
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“Vêm aguardar, no Rio, o Sr. Nelson Rockefeller”, O Jornal (RJ), 15/11/1946.
“Inteira-se o sr. Nelson Rockefeller dos problemas que afetam a agricultura paulista”, O Jornal (RJ),
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“Liga Brasileira de Defesa da Democracia”. Diário de Notícias (RJ), 22/12/1946.
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“Fundada a LBDD no Ceará”, A Noite (RJ), 06/01/1947.
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Discurso de Carlos Marighela. Diário do Congresso Nacional, p. 3986-3987, 25/07/1947.
“Manifestam-se os partidos contra a conduta dos parlamentares comunistas”, Diário de Notícias (RJ),
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“Problemas Econômicos e Sociais do Hemisfério”, Revista do Comércio, n.º 23, vol. III, Ano III,
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“Em conferência com o ministro Morvan”, A Noite (RJ), 17/10/1947.
“Disputa sobre as joias da família imperial polonesa”, O Jornal (RJ), 23/10/1947.
Certificado de Incorporação da “International Basic Economic Corporation” – Tradução. Diário Oficial
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1948
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Correio Paulistano (SP), 02/10/1948.
“O depositário foi compelido à restituição das joias”, Diário da Noite (RJ), 22/09/1948.
“Eu fui espião de Stalin”, A Noite (RJ), 05/11/1948.
“Novo adido cultural norte-americano em São Paulo”, Correio Paulistano (SP), 04/12/1948.

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“Federação Afro-Brasileira de Umbanda: comemoração festiva do primeiro aniversário”, Diário da
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“Ministério da Guerra”, Diário Carioca (RJ), 21/07/1950.
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“Escolhidos novos dirigentes do Comitê da Europa Livre”, O Jornal (RJ) 14/03/1951.
“É uma realidade a industrialização da laranja brasileira”, O Globo, 14/05/1951.
“Guerra - […] - Vão cursar nos Estados Unidos [...]”, Correio da Manhã (RJ), 05/06/1951.
“Espionagem e provocação”, Imprensa Popular (RJ), 14/06/1951.
“Comunistas e democratas em posição de luta no seio das Forças Armadas”, Tribuna da Imprensa (RJ),
31/12/1951.

1952
“A campanha comunista nas classes armadas ainda não encontrou corretivo”, Tribuna da Imprensa
(RJ), 17/01/1952.
“Falecimentos - Conselheiro Carlos Buarque de Macedo”, A Noite (RJ), 05/05/1952.
“Conselheiro Carlos Buarque de Macedo – Missa de 7º dia”, A Noite (RJ), 05/05/1952.
838

“O encontro de Paris”, Correio da Manhã (RJ), 31/05/1952.


“Novo Banco em São Paulo”, O Observador Econômico e Financeiro, n.º 197, junho de 1952.
“Incentivo à mobilização de capitais particulares”, O Jornal (RJ), 24/06/1952.
“Trama para fazer do Brasil uma outra China bolchevizada”, Tribuna da Imprensa (RJ), 21/08/1952.
“Visitam Minas oficiais da Escola Superior de Guerra”, Correio da Manhã (RJ), 27/08/1952.
“Uma entidade contra a tirania soviética – Fundou-se a Ass. Brasileira da Europa Livre”, Diário
Carioca (RJ), 07/09/1952.
“Uma distinção ao diretor d’O Globo”, O Globo, 19/09/1952.
“Pelo “Comitê de Socorro aos refugiados rumenos”, Tribuna da Imprensa (RJ), 31/10/1952.
“Homenageado Nelson Rockefeller pelos seus inúmeros inimigos do Brasil”, Diário da Noite (RJ),
14/11/1952.

1953
“Interesse”. Editoriais, Tribuna da Imprensa (RJ), 28/01/1953.
“Congresso pela Liberdade da Cultura no Brasil”, Diário Carioca, 05/04/1953.
“Em Minas o maior frigorífico do Brasil”, A Noite (RJ), 15/04/1953.
“O almirante Penna Botto é uma ilha vulcânica cercada de comunismo por todos os lados”, Flan: o
jornal da semana (RJ), 19 a 25/04/1953.
Delegacias Fiscais, processo nº 5.461.745. Seção II. Diário Oficial da União, 12/05/1953.
“O segredo da gazetinha da rua do Lavradio”, coluna Na Hora H, Última Hora (RJ), 26/05/1953.
“Eisenhower names 3 as ambassadors; J. S. Kemper to Go to Brazil, Mr. Guggenheim, Portugal, and L.
C. Strong, Norway”, The New York Times, 17/06/1953.
“Despede-se de Eisenhower o novo embaixador americano”, Diário de Notícias (RJ), 14/07/1953.
“O futuro da indústria petrolífera brasileira na opinião de um americano”, O Globo, 19/11/1953.
“Vem tratar das queixas dos exportadores norte-americanos”, Correio da Manhã (RJ), 20/11/1953.
“Agentes terroristas ameaçam os legionários anticomunistas”, A Noite (RJ), 01/12/1953.

1954
“Criada a Du Pont do Brasil S.A., Indústrias Químicas”, Diário de Notícias (RJ), 05/01/1954.
“A luta contra o comunismo – homenageados pelo Centro Brasileiro da Europa Livre os seus
presidentes de honra”, Jornal do Brasil (RJ), 22/01/1954.
Alteração e transformação em sociedade anônima, S. A. Incrementadora de Vendas “Promotion”,
Diário Oficial da União, Seção 1, 01/02/1954.
“O Brasil na Conferência de Caracas”, Correio da Manhã, 06/03/1954.
Interamericana de Financiamento e Investimentos S. A., “Ata da Assembleia Geral Ordinária realizada
no dia 28 de abril de 1954”. Diário Oficial da União, Seção 1, p. 73, 23/06/1954.
“Derrotar através das ações de massas o governo americano de Café Filho”, Imprensa Popular (RJ),
28/08/1954.
“Votos em branco: reação contra Lodi”, Tribuna da Imprensa (RJ), 02/09/1954.
“Visita oportuna”, Correio da Manhã (RJ), 08/09/1954.
“Missão de Holland: apressar a entrega do petróleo à Standard Oil”, Imprensa Popular (RJ),
09/09/1954.
“Ajustamento político-econômico”, Correio da Manhã (RJ), 12/09/1954.
“Depõe Borer”, coluna “O pulso do mundo”, Tribuna da Imprensa (RJ), 22/09/1954.
“Despachos do Diretor”, Departamento da Renda de Licenças, Diário Oficial da União, 13/10/1954.
1955
839

“Modificações do regime cambial”, O Jornal (RJ), 01/01/1955.


“Morena denuncia a anulação ilegal de eleições sindicais”, Imprensa Popular (RJ), 08/01/1955.
“Anuladas mais duas eleições sindicais”, Imprensa Popular (RJ), 16/01/1955.
“Irá a Minas o ministro do Trabalho”, Correio da Manhã (RJ), 27/01/1955.
“Lacerda, agente de Morgan-Rockefeller”, Imprensa Popular (RJ), 30/01/1955.
“Eis os dez mais… entreguistas”, Imprensa Popular (RJ), 06/02/1955.
“Berent Friele com novas funções”, O Jornal (RJ), 10/02/1955.
“Governo antioperário e antipopular”, Imprensa Popular (RJ), 11/02/1955.
“Dentro em breve tarifas aduaneiras mais elevadas”, O Jornal (RJ), 24/02/1955.
“Para o Brasil os aviões mais velozes do mundo”, Tribuna da Imprensa, 07/07/1955.
“Anúncio de falecimento de Stanislaw Kara”, Correio da Manhã (RJ), 15/07/1955.
“Cai um combatente”, por Stefan Baciu. Tribuna da Imprensa (RJ), 15/07/1955.
“Coronel Stanislaw Kara”, Diário de Notícias (RJ), 16/07/1955.
“Cruzada Brasileira Anti-Comunista”, O Jornal (RJ), 17/07/1955.
“Revolução no campo educacional”, Tribuna da Imprensa, 30-31/07/1955.
“Reunião no Peru do Conselho Interamericano de Comércio e Produção”, 25/08/1955.
“Nota – seção Correio Cultural”, Jornal do Brasil, 25/08/1955.

1956
“Processo contra Prestes, processo contra a liberdade”, Tribuna Popular (RJ), 03/01/1956.
“Anistia: o governo lança as bases de uma pacificação geral”, Última Hora (RJ), 02/03/1956.
“Notícias militares”, Correio da Manhã (RJ), 29/03/1956.
“De novo, no Brasil, Nelson Rockefeller”, Correio da Manhã (RJ), 05/04/1956.
“Guerra – Boletim da Diretoria Geral do Pessoal do Exército”, Correio da Manhã (RJ), 21/04/1956.
“Notícias militares”, Jornal do Brasil (RJ), 17/04/1956.
“Ex-delegado de Juiz de Fora convidado por Juscelino – Para o DFSP o sr. José Henrique Soares”,
Folha Mineira, 17/04/1956.
“Rockefeller vai construir supermercados em todo o Brasil”, Correio da Manhã (RJ), 14/04/1956.
“A polícia e a rendosa indústria do anticomunismo”, Cidade Aberta: coluna de Edmar Morel, Última
Hora (RJ), 14/11/1956
Falecimento do promotor Orlando Ribeiro de Castro, coluna “Em duas palavras”, Tribuna Popular (RJ),
20/11/1956.

1957
Edital nº PG-19-57, Seção I. Diário Oficial da União, 28/01/57.
“Quadrimotores DC-6C para o Lóide Aéreo”, Diário de Notícias, 31/01/1957.
“Plantão Militar (Terra, Mar e Ar) – Cairoli com o Ministro”, Última Hora (RJ), 07/03/1957.
“Nova Fábrica da Brown Boveri”, Correio Paulista (SP), 17/07/1957.
“Harmonia completa entre o Fundo Monetário e a nova política de câmbio do Brasil”, 27/07/1957.
“Atentado contra o secretário de Penna Botto”, Tribuna da Imprensa (RJ), 30/07/1957.
“Amanhã, no Recife, o ministro do Trabalho”, Diário de Pernambuco (PE), 09/08/1957.
“Catete – Ponte sobre o Rio Grande; O Brasil na Conferência de Energia Atômica”, O Jornal (RJ),
21/09/1957.
“Promoções no Exército – Contemplados os quadros das armas e serviços e magistério militar”,
Correio da Manhã (RJ), 27/12/1957.

1958
840

“Regresso do representante da Douglas”, Diário da Noite, 15/01/1958.


“Despede-se esta noite o Fluminense, de Belém”, Correio da Manhã (RJ), 15/01/1958.
“Requerimentos”, Seção I, Diário Oficial da União, 28/02/1958.
“Novos vice-presidentes da Esso Standard do Brasil”, Correio da Manhã (RJ), 31/03/1958.
“Oficiais da Marinha prestaram homenagem ao Alm. Penna Botto”, O Estado de São Paulo,
13/04/1958.
“Requerimentos”, Ministério da Guerra, Seção I, Diário Oficial da União, 18/04/1958.
“Ensino – As escolas radiofônicas apreciadas pelo bispo de Natal”, Correio da Manhã, 20/04/1958.
“O que vem por aí”, Diário Carioca, 23/05/1958.
“Anuncia o sr. Rubottom: plataforma para fortalecimento do pan-americanismo”, Correio da Manhã,
11/06/1958.
“Casou-se em Maryland o diretor de Brazilian Information Handbook”, O Jornal (RJ), 11/07/1958.
“Mudança de endereço da Browne Ind. e Com.”, Jornal do Comércio (RJ), 16/07/1958.
“Requerimentos”, Ministério da Guerra, Seção I, Diário Oficial da União, 22/07/1958.
Ata da Assembleia Geral Ordinária, realizada em 30 de abril de 1958. Sociedade Anônima
Incrementadora de Vendas “Promotion”, Diário Oficial da União, Seção 1, 23/07/1958.
“Catete – Promoção a Almirante de Esquadra”, O Jornal, 23/07/1958.
“Não tenho dúvidas quanto ao êxito final do Brasil”, Correio da Manhã, 23/07/1958.
Edital nº PG-624/58, Seção I. Diário Oficial da União, 22/09/58.
“Herbert Hoover Jr. entre nós”, Correio da Manhã, 11/11/1958.
“PDC só conseguiu eleger vereadores”, Tribuna da Imprensa (RJ), 12/11/1958.
“TRE indica candidatos eleitos pelo povo na Guanabara”, Diário de Notícias (RJ), 13 a 14/11/1960.
“CNI: plano de longo alcance da maioria udenista”, coluna No Mundo dos Negócios, Última Hora
(RJ), 19/11/1958.
“Hoover Jr. discute com JK problemas do petróleo”, Última Hora, 20/11/1958.
“Regressa aos EUA o Sr. Herbert Hoover Jr”, Diário Carioca, 28/11/1958.
“Regressa o sr. Hoover Jr.”, Tribuna da Imprensa, 28/11/1958.
“Aos modernos homens de negócio industriais e comerciantes”, Allset Sociedade Técnico-Comercial
Ltda., O Globo, 22/12/1958.
1959
“Fundo Mercantil Anhanguera – Relatório referente ao semestre findo em 31 de dezembro de 1958”, O
Estado de São Paulo, 27/01/1959.
“Requerimentos”, Ministério da Guerra, Seção I, Diário Oficial da União, 11/02/1959.
“Notas e notícias”, coluna São Paulo Social (Irene Bojano), Correio Paulistano (SP), 27/02/1959.
“O novo diretor da Moore-McCormack”, Correio da Manhã (RJ), 27/03/1959.
“Uma homenagem”, coluna São Paulo Social (Irene Bojano), Correio Paulistano (SP), 04/04/1959.
“Na rua Atenas, 49”, coluna Sociedade (Alik Kostakis), Última Hora (RJ), 22/04/1959.
“Editorial”, Revista Ação Democrática, nº 1, junho de 1959.
“A voz do pastor: a classe estudantil e os comunistas”, Jornal do Brasil (RJ), edição de 04/07/1959.
“Também recebeu um ferimento o autor do disparo casual”, O Globo, 02/09/1959.
“Alto funcionário da Light foi baleado acidentalmente por um antigo companheiro”, Jornal do Brasil
(RJ), 02/09/1959
“O coronel Ressel ficará paralítico”, O Globo, 09/09/1959.
“O Marechal e as bombas”, Correio da Manhã (RJ), 15/11/1959.
“Tomará posse o novo titular do DFSP”, 20/11/1959.
841

“Wladimir Kowanko condecorado”, Correio da Manhã (RJ), 04/12/1959

1960
“Nova diretoria da União Cultural Brasil-Estados Unidos”, Diário da Noite (SP), 07/01/1960.
“Esso agora é brasileira”, O Observador Econômico e Financeiro (RJ), 02/1960.
“Ata da Assembleia Geral Ordinária”,“Refrigerantes do Brasil S. A.”, Jornal do Comércio (RJ),
21/04/1960.
"Só ajuda evitará o comunismo em Cuba", Jornal do Comércio (RJ), 08-09/09/1960.
“O Brasil ultrapassou a fase colonial”, O Semanário, 13-19/08/1960.
“Willys Overland do Brasil S.A. – Relatório da diretoria”, Correio da Manhã (28/08/1960)
“Luta apartidária em defesa de princípios nacionalistas”, Diário da Noite (SP), 28/10/1960.

1961
“Caravana Universitária Carioca – foto”, Correio da Manhã (RJ), 01/01/1960.
“Cuba: revolução autêntica reformou-se em pouco tempo numa orientação soviética”, O Dia,
08/01/1961.
“Conceito de nacionalismo se deforma: o de Cuba já virou entreguismo nas mãos da URSS”, O Jornal,
08/01/1961.
“Solidor Indústria de Beneficiamento de Madeira S. A. - Assembleia Geral Extraordinária”, O Estado
de São Paulo, 18/02/1961.
“Dirigentes querem divisão ideológica no sindicalismo”, O Estado de São Paulo, 29/04/1961.
“Unem-se os sindicatos livres para combater a penetração comunista”, O Globo, 08/05/1961.
“Comunismo será combatido por trabalhadores livres”, Diário Carioca, 15/05/1961.
“Reação dos proletários cristãos contra infiltração comunista”, O Globo, 15/05/1961.
“Lacerda no Maracanãzinho (vazio): Arinos se comporta como Chamberlain ao tempo de Hitler”,
Última Hora, 15/05/1961.
“Associação Paulista de Combate ao Câncer”, Diário da Noite (SP), 22/05/1961.
“No dia em que desaparecer a iniciativa privada, terão fim a democracia e a liberdade”, O Globo,
05/06/1961.
“Trabalhadores livres prontos para a luta: desalojar comunistas dos sindicatos”, Revista Ação
Democrática, 07/1961.
“Dirigente define os objetivos do MSD”, O Estado de São Paulo, 16/07/1961.
“A banda e as faixas – Palavras ocas para arquibancadas vazias: na falta de trabalhadores, padres e
freiras ouviram sermão de Lacerda”, Novos Rumos, 19-25/05/1961.
“Os gostosões do sindicalismo”, Última Hora (PR), 20/07/1961.
“O governador presidirá a sessão de encerramento do congresso do MSD”, O Estado de São Paulo,
21/07/1961.
“Traidores e divisionistas”, Novos Rumos (RJ), 21/27/07/1961.
“General Affonso Miranda Corrêa (falecimento)”, Correio da Manhã (RJ), 22/07/1961.
“Diretor do ‘Estado’ convidado de honra do certame sindical”, O Estado de São Paulo, 22/07/1961.
“Instalada o Iº Encontro Sindical: carta de princípios democráticos”, O Estado de São Paulo,
23/07/1961.
“O governador do Estado manifesta irrestrita solidariedade ao Movimento Sindical Democrático –
Carta de reivindicações”, O Estado de São Paulo, 25/07/1961.
“Encontro sindical dos renovadores”, O Estado de São Paulo, 28/07/1961.
“A indústria e o encontro do sindicalismo democrático”, O Estado de São Paulo, 28/07/1961.
842

“Ora Bolas – Arapuã”, Última Hora, 31/07/1961.


“American Club of Rio de Janeiro”, Correio da Manhã, 20/08/1961.
“Comitê explicará o que é o direito de autodeterminação”, A Noite (RJ), 19/09/1961.
“Manifesto pela autodeterminação – Lançado pelo Comitê do Direito de Autodeterminação dos Povos,
instalado ontem na ABI”, Jornal do Comércio (RJ), 27/09/1961.
“Noticiário nacional – União Cívica Estudantil”, Diário de Pernambuco, 08/11/1961.
“Vida católica – União Cívica Estudantil”, Jornal do Dia (RS), 10/11/1961.

1962
“Forças Armadas vão combater o terrorismo”, Última Hora (RJ), 09/01/1962.
“Plantão Militar (Batista de Paula) – Cairoli trabalha no Rio”, Última Hora, 11/02/1962.
“Klan do terror é internacional”, Diário da Noite (RJ), 22/01/1962.
“Ordem já tem vasto dossiê”, Diário da Noite (RJ), 23/01/1962.
"Nazista, espião e carrasco entre os acusados de terrorismo no Rio", Última Hora (RJ), 05/02/1962.
"Nota – coluna Ronda sindical”, Última Hora (RJ), 21/02/1962.
"Representação contra gen. Osvino: elogio à unidade que desobedeceu", Diário do Paraná, 23/03/1962.
"Banco Operador S. A. - Balanço geral em 30 de junho de 1962", Jornal do Comércio, 10/07/1962.
"General incrementa luta anticomunista", Diário Carioca, 27/07/1962.
"Apoio irrestrito a O Globo de trabalhadores de todo o Brasil", O Globo, 03/08/1962.
“Na Hora H, de José Mauro – Lincoln Gordon em visita a JK”, Última Hora (RJ), 12/08/1963.
“Interferência afrontosa dos Estados Unidos na política interna do país”, O Semanário (RJ), 15-
21/08/1963.
“Eloy Dutra pedirá CPI para o terror econômico na Câmara”, Última Hora (RJ), 11/09/1962.

1963
"Hasslocher diz que não revelará os nomes dos contribuintes do IBAD", O Globo, 27/09/1963.
"Viagem de Hasslocher dá em atrito na CPI que investiga o IBAD", Jornal do Brasil (RJ), 26/06/1963.
"Paulo Francis Informa e Comenta – Posição dos EUA", Última Hora, 10/10/1963.
"S.E.I.: sigla da subversão (I)", Brasil Urgente (SP), 13-19/10/1963.
"S.E.I.: sigla da subversão (II)", Brasil Urgente (SP), 20-26/10/1963.

1964
"Discutida agenda para a reunião de Santiago do Chile", Jornal do Comércio (RJ), 01/02/1964.
"João Dória denuncia: EUA financiam golpe da direita", Brasil Urgente (SP), 2-3/03/1964.
"Homenagem do Tribunal de Justiça Militar do Estado ao general Agostinho Cortes", O Estado de São
Paulo, 01/07/1964.
"Mesas-redondas de G.A.", Diário Carioca, 28/08/1964.

1965
“Demanda de aço – Homens e negócios”, Jornal do Comércio (RJ), 05/01/1965.
“O DFSP prosseguirá na requisição de optantes para servirem nos estados”, O Globo, 27/03/1965.
“Comércio ilegal de moeda estrangeira lesava o país em bilhões de cruzeiros”, O Globo, 01/04/1965.
“Presos americanos que lesavam o Tesouro Nacional: polícia estoura escritório de câmbio-negro do
dólar”, Última Hora, 01/04/1965.
“Gang dá estouro de 25 bilhões com dólar clandestino”, Diário Carioca, 01/04/1965.
“Corretor de dólar ‘estoura’ bilhões”, Diário Carioca, 01/04/65.
843

“Traficantes de dólares foram presos na Guanabara”, O Estado de São Paulo, 01/04/1965.


“Alta sociedade e Diplomata no escândalo dos dólares”, Diário de Notícias, 01/04/1965.
“Dólares e Libras num crime de alta sociedade: prejuízos vão a bilhões”, Diário de Notícias,
01/04/1965.
“Os autores da fraude cambial também mandavam dinheiro para os exilados”, O Globo, 02/04/1965.
“Continuam investigações no caso do desvio de dólares para o exterior”, Jornal do Brasil, 02/04/1965.
“Fazenda examina caso dos bilhões”, Correio da Manhã, 02/04/1965.
“Prisão da ‘gang’ vai baixar dólar”, Diário Carioca, 02/04/1965.
“Câmbio negro do dólar fez o Brasil peder 4 trilhões”, Diário de Notícias, 02/04/1965.
“General da Polícia Federal revela o jogo do câmbio-negro do dólar – Lucro de trilhões!”, Última Hora,
02/04/1965.
“Câmbio-negro de dólares atinge 4 trilhões!”, O Dia, 02/04/1965 (recorte de jornal mantido por
Hasslocher)
“Venda ilegal de dólar causou prejuízos de meio trilhão”, O Jornal, 02/04/1965 (recorte de jornal
mantido por Hasslocher).
“Dólares eram para exilados”, O Estado de São Paulo, 02/04/1965.
“Intimados a depor os acusados do comércio ilícito de dólares”, O Globo, 03/04/1965.
“QG do câmbio-negro ainda funcionando”, Última Hora, 03/04/1965.
“Kruel: dólar frio será apurado logo”, Diário Carioca, 03/04/1965.
“Horne ameaça suicídio: não pôde tirar dólar do banco”, Diário de Notícias, 03/04/1965.
“Um inspetor da SUMOC investigará o câmbio ilícito de dólares”, O Globo, 05/04/1965.
“Dólar negro: prisão preventiva sai hoje”, Última Hora, 05/04/1965.
“Polícia para nos dólares: Exército age”, Diário de Notícias, 06/04/1965.
“Barroca tenta fugir à responsabilidade”, O Jornal, 06/04/1965 (recorte de jornal mantido por
Hasslocher).
“Cofres dos dólares serão abertos hoje”, Última Hora, 07/04/1965.
“Dólar: ontem não houve depoimento”, O Jornal, 07/04/1965 (recorte de jornal mantido por
Hasslocher).
“Horne esvazia cofre antes dos policiais”, Correio da Manhã, 08/04/1965.
“Devassa nos cofres da ‘gang’ do dólar”, Diário Carioca, 08/04/1965.
“Estouro de dólares: Polícia foi tarde ao cofre secreto”, Diário de Notícias, 08/04/1965.
“Dólares: cofres foram abertos”, Última Hora, 08/04/1965.
“Dólares: nada se apurou em São Paulo”, O Estado de S. Paulo, 08/04/1965.
“Para as autoridades que apuram o escândalo dos dólares, o inspetor do banco agiu de maneira dolosa”,
O Globo, 09/04/1965.
“Polícia examinará denúncia a Barroca”, Correio da Manhã, 09/04/65.
“O Advogado que denunciou o comércio escandaloso de dólares vai depor hoje”, O Globo, 12/04/1965.
“Empregados inocentam o corretor do comércio clandestino de dólares”, O Globo, 13/04/1965.
“Gente importante ligada a Barroca”, Correio da Manhã, 13/04/1965.
“Câmbio-negro: denunciantes não depuseram”, Última Hora, 13/04/1965.
“Polícia caça dólares frios”, Diário Carioca, 14/04/1965.
“Coluna ‘Hora H’ - Nota”, Última Hora, 14/04/1965.
“Foge para os EUA sócio de Barroca”, Correio da Manhã, 15/04/1965.
“Será preso se não falar”, Diário Carioca, 15/04/1965.
“Denúncia confirma crimes de Barroca contra a Fazenda”, Correio da Manhã, 20/04/1965.
“Dólares: Barroca em situação cada vez mais difícil”, Diário de Notícias, 21/04/1965.
“Justiça vai ver hoje escândalo dos dólares”, Diário de Notícias, 05/05/1965.
844

Nota na coluna “Lei dos homens”, de Mário Augusto, Última Hora, 07/05/1965.
“Devolvido à Delegacia o processo sobre comércio irregular de dólares”, O Globo, 05/06/1965.
“Comando da 2ª Região Militar – Agência do SNI”, O Estado de São Paulo, 28/07/1965.
“Pensam em fugir do país os implicados no mercado clandestino de dólares”, O Globo, 29/10/1965.
“Gang dos dólares tenta fugir do país”, Diário Carioca, 30/10/1965.
Nota na coluna “Periscópio”, Diário de Notícias, 15/12/1965.
Nota na coluna de João Rezende ("Em duas colunas - Daqui mesmo”), O Jornal, 16/12/1965.
Nota na coluna “Periscópio”, Diário de Notícias, 19/12/1965.

1966
“Secção livre – Participação cívica na CADEP”, O Estado de São Paulo, 12/03/1966.
Coluna “Bolas na quadra”, Correio da Manhã, 03/04/1966.
“Justiça arquivou escândalo”, Correio da Manhã, 29/07/1966.
“Câmbio negro de dólares: prejuízo de bilhão de cruzeiros à Fazenda”, Correio da Manhã, 04/09/1966.

1967
“Cônsul”, Jornal do Comércio, 26/02/1967.
“Governo dá condecoração a Dauphinot”, Correio da Manhã, 06/05/1967.
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“Ordem do Cruzeiro do Sul para Conrad Wrzos”, Revista O Cruzeiro, 11/05/1968.
“Foca de Ouro já tem vencedores”, Diário da Noite (SP), 16/10/1968.

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Obituário, “John Calvin Hill, a career diplomat”, The New York Times, 28/12/1973.
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daniel-braddock-dies/d752a7e1-7867-4534-a96c-56a2ea0761a5/. Acesso 13 setembro 2019.

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“Em 65, Tieppo agia no paralelo”, O Estado de São Paulo, 25/01/1981.
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“Ellsworth Bunker dies at 90; envoy and key Saigon role”, The New York Times, 28/09/1984.

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News: https://www.cbsnews.com/news/before-the-cia-there-was-the-pond/. Acesso 17 setembro 2019.
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Post, 08/12/2012.

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empresários paulistas com o Dops durante sete anos”, O Globo, 10/03/2013.

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“100 anos da AMCHAM Rio”, Brazilian Business, Revista da Câmara de Comércio Americana do Rio
de Janeiro, n.º 293, ago/set 2015. Disponível em: https://issuu.com/amchamrio/docs/bb293

2016
“100 anos da AMCHAM Rio”, Brazilian Business, Revista da Câmara de Comércio Americana do Rio
de Janeiro, n.º 295, jan/fev/mar 2016. Disponível em: https://issuu.com/amchamrio/docs/bb295
“Caça aos nazistas, parte 2: a vida boa de Herbert Cukurs no RJ”, Superinteressante, 04/01/2016.
Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/caca-aos-nazistas-parte-2-a-vida-boa-de-
herbert-cukurs-no-rj/ Consultado em novembro de 2019.
“'Homem da Capa Preta' é um dos mitos da violência na Baixada Fluminense”. UOL notícias,
18/09/2016. Disponível em:
<https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2016/noticias/2016/09/18/homem-da-capa-preta-e-um-
dos-mitos-da-violencia-na-baixada-fluminense.htm?cmpid=copiaecola> Acessado em novembro de
2019.

2018
AMCHAM Brasil. Amcham-Brasil e Amcham-Rio de Janeiro, agora uma única câmara americana no
Brasil, Dezembro 2018. Disponível em: https://www.amcham.com.br/noticias/amcham-brasil/amcham-
brasil-e-amcham-rio-de-janeiro-agora-uma-unica-camara-americana-no-brasil Acessado em dezembro
2019.

2019
AMCHAM Brasil, 100 anos tecendo nossa história em sincronia com o desenvolvimento do Brasil.
Abril 2019. Disponível em: https://www.amcham.com.br/noticias/amcham-brasil/100-anos-tecendo-
nossa-historia-em-sincronia-com-o-desenvolvimento-do-brasil Acessado em dezembro 2019.
“A Panair vive: um herdeiro em luta com o passado”, por Roberto Kaz. Revista Piauí, edição 155,
agosto 2019.
Prontuários Arquivo Nacional do Rio de Janeiro:
LODYGENSKY, Alexandre. Prontuário de registro de estrangeiros. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro.
LODYGENSKY, Wladimir. Prontuário de registro de estrangeiros. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro.
RENDALL, William Donald. Prontuário de registro de estrangeiros. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro.
SMYSER, David Warner. Prontuário de registro de estrangeiros, Arquivo Nacional do Rio Janeiro.
TOMPKINS, Edward Browne. Prontuário de registro de estrangeiros. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro.
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Cartões de Imigração Arquivo Nacional do Rio de Janeiro


ANEIVA, Cesar Antonio Borda. Brasil, São Paulo, Cartões de Imigração, 1900-1965, Group 8, image
21 of 201, FamilySearch. Acervo do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro (Cartões de imigração, Caixa
0378-TMP, vol 08, 1930-1970). Disponível em:
(https://familysearch.org/ark:/61903/3:1:33S7-95HD-LTG?cc=1932363&wc=QSDR-
824%3A1019548401%2C1019650001: 8 May 2019).
ZUÑIGA, Mário Alberto Bustillos. Brasil, São Paulo, Cartões de Imigração, 1902-1980, image 212 of
215, FamilySearch. Acervo do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro (Cartões de imigração, Caixa-438
Ascimani-Campero, 1938-1980). Disponível em:
(https://familysearch.org/ark:/61903/3:1:3Q9M-C9PN-SSM6-D?cc=2140223&wc=Q4BC-PTG
%3A1056966001%2C1326259229 : 29 March 2016)

Cartões de Imigração Arquivo Público do Estado de São Paulo


ZUŃIGA, Juan Luiz Bustillos. São Paulo, Cartões de Imigração, 1902-1980, image 667 of 802,
FamilySearch. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo Cartões de imigração, Cx-B56
Bustamante-Buston, 1938-1980). Disponível em: (https://familysearch.org/ark:/61903/3:1:3QS7-99DS-
SH76?cc=2140223&wc=Q4RY-SPK%3A1056966001%2C1056997201 : 26 March 2016).

Documentos e entrevistas
NOTA: o número ARC dos documentos pertencentes ao Arquivo Nacional dos EUA é uma ferramenta
útil para os pesquisadores. Basta copiar o número ARC e colar no catálogo da instituição –
https://catalog.archives.gov/ – para verificar as informações completas de localização do documento
(RG, Entry number, número da caixa, título da pasta, etc.).
Sem data
Report on IADC achievements, s/d [década de 1940]. National Archives at College Park, RG 229
(Office of Inter-American Affairs), ARC 693380, I7-1, General Records, Central Files, Commercial
and Financial, Economic Development, Inter-American Development Comission Box 127, Folder
“Report of activities of Inter-American Dev. Corp.”.
Carta do diretor de uma das maiores companhias americanas em operação na Colômbia, s/d. National
Archives at College Park, Record Group 84, Entry number UD 2340 (US Embassy Colombia),
Classified General Records, 1938-1961, ARC 1629112, box 117, folder 350.21 Communism.
Classified.
Prontuário “Arczyl Bek Jedigaroff”, DPS-DFSP, s/d. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro,
Fundo Polícias Políticas, Setor/Série Prontuários GB, Notação 42.708.
Currículo, Aldo D’Alessandro, s/d. National Archives at College Park, Record Group 306 (Records of
the US Information Agency), Entry number P 404 (Office of the Assistant Director for Latin America),
Country files relating to Latin America 1957-1966, ARC 61695899, Box 1, Folder “IAL record files –
Brazil 1958”.
Folheto USIAC (“What it is, purposes, membership, operation, acomplishments, what it can do for you,
how you can join”), s/d. National Archives at College Park, Record Group 306 (US Information
Agency), Entry number P 473 (Office of the Assistant Director for Latin America), Regional Subject
Files 1953-1971, ARC 63821359, Box 19, Folder “IAL record files – IOC/BCIU 1960”.
849

Memorando, “Brazilian government attitude toward communist influence in the labor movement”,
John T. Fishburn para o Departamento de Estado, s/d. National Archives at College Park, Record
Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general
records 1941-1963, ARC 1518696, Box 131, Folder "Labor Affairs General 1959-1961".
Relatório manuscrito, sem autoria identificada, s/d. Arquivo Público do Estado de São Paulo, Fundo
DEOPS, Dossiê n. 50-Z-152 (Instituto de Formação Social), pasta 6, documento n. 1149.

1926
Cópia de ofício para Oscar Bormann Borges, Delegado do Tesouro Brasileiro em Londres. Sem
assinatura, 26/03/1926. Comissão do Coronel Carlos Reis. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de
Janeiro), Fichas catalográficas 600.1(00) – “Bureau de L’Entente Internationale contre la 3ème
Internationale” 1926-1937, Lata 578, Maço 9269.
Carta de Th. Aubert para Coronel Reis (por meio de Raul do Rio Branco), 01/05/1926. Archives de
l’Entente Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique
du Sud 1924-1933, Bibliothèque de Genève.
Carta Raul de Rio Branco para Théodore Aubert, Coppet, 17/10/1926. Arquivo Histórico do Itamaraty
(Rio de Janeiro), Fichas catalográficas 600.1(00) – “Bureau de L’Entente Internationale contre la 3ème
Internationale” 1926-1937, Lata 578, Maço 9269.
Carta Raul de Rio Branco para Coronel Carlos da Silva Reis, Berna, 21/10/1926, Arquivo Histórico do
Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas catalográficas 600.1(00) – “Bureau de L’Entente Internationale
contre la 3ème Internationale” 1926-1937, Lata 578, Maço 9269.
Carta Raul de Rio Branco para Coronel Carlos da Silva Reis, Berna, 30/10/1926, Arquivo Histórico do
Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas catalográficas 600.1(00) – “Bureau de L’Entente Internationale
contre la 3ème Internationale” 1926-1937, Lata 578, Maço 9269.

1927
Ofício nº 54, de Raul do Rio Branco para Octavio Mangabeira, Ministro das Relações Exteriores,,
Berna, 18/11/1927. Documentos sobre o Comunismo. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro),
Fichas catalográficas 600.1(00) – “Bureau de L’Entente Internationale contre la 3ème Internationale”
1926-1937, Lata 578, Maço 9269.

1928
Ofício nº 6 de Raul do Rio Branco para Otavio Mangabeira, Ministro das Relações Exteriores,
31/03/1928. Informações relativas à proteção do Brasil contra a propaganda comunista. Arquivo
Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Missões diplomáticas brasileiras (Berna), estante 204,
prateleira 1, volume 2.

1930
Carta de Raul do Rio Branco para Th. Aubert, 07/03/1930. Archives de l’Entente Internationale
Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud 1924-1933,
Bibliothèque de Genève.
Ofício nº 293 de Jorge Latour para o Ministro [das Relações Exteriores], La Paz, 08/11/1930. Arquivo
Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas catalográficas 600.1(30) – Doutrinas ou Teorias
Político-Sociais. Atividades bolchevistas, comunistas, fascistas, etc. América do Sul 1926-1934 - Lata
145, Maço 2712.
850

1932
Relatório, 1932. Archives de l’Entente Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton
Arch. EIA 3060 Amérique du Sud 1924-1933, Bibliothèque de Genève.
Memorando, Hugh S. Gibson para James C.Dunn, 24/04/1932. Hoover Institution, Hugh S. Gibson
papers, Series Correspondence, box 14, folder Aubert, Theodore (Entente Internationale contre la IIIe
Internationale, Geneva), 1932.
Memorando, S. Pinkney Tuck para Hugh S. Gibson, 26/04/1932. Hoover Institution, Hugh S. Gibson
papers, Series Correspondence, box 14, folder Aubert, Theodore (Entente Internationale contre la IIIe
Internationale, Geneva), 1932.
Ofício nº 45, de A. de Ipanema Moreira, para Afrânio de Mello Franco, Ministro das Relações
Exteriores, Lima, 14/05/1932. Proposta de Conferência sul-americana para repressão do comunismo.
Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas catalográficas 600.1(30) – Doutrinas ou
Teorias Político-Sociais. Atividades bolchevistas, comunistas, fascistas, etc. América do Sul 1926-1934
- Lata 145, Maço 2712.
Carta de Th. Aubert para José Carlos de Macedo Soares, 28/05/1932. Archives de l’Entente
Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud
1924-1933, Bibliothèque de Genève.
Carta de Th. Aubert para José Carlos de Macedo Soares, 07/07/1932. Archives de l’Entente
Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud
1924-1933, Bibliothèque de Genève.
Carta de Gilda Lessa (Bibliotecárias CEAS) para EIA. São Paulo, 23/10/1932. Archives de l’Entente
Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud
1924-1933, Bibliothèque de Genève.
Carta de Nino Casale para A. I. Lodygensky. São Paulo, 25/11/1932. Archives de l’Entente
Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud
1924-1933, Bibliothèque de Genève.

1933
Carta de Boris de Potiekhin para Alexandre Lodygensky, São Paulo, 16/01/1933. Archives de l’Entente
Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud
1924-1933, Bibliothèque de Genève.
A Bandeira, 26/01/1933, Ano 1, n.º 1. Archives de l’Entente Internationale Anticommuniste (EIA)
1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud 1924-1933, Bibliothèque de Genève.
Carta de Nino Casale para os diretores da EIA, São Paulo, 23/05/1933. Archives de l’Entente
Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3060 Amérique du Sud
1924-1933, Bibliothèque de Genève.
Ofício nº 24 para Afrânio de Mello Franco, Ministro de Estado das Relações Exteriores de Raul do Rio
Branco, 09/07/1933. Informações contra a propaganda comunista. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio
de Janeiro), Fichas catalográficas 600.1(00) – “Bureau de L’Entente Internationale contre la 3ème
Internationale” 1926-1937, Lata 578, Maço 9269.
Ofício nº 77, de Raul Paranhos do Rio Branco (Chefe, Legação do Brasil em Berna) para Afrânio de
Mello Franco (Ministro das Relações Exteriores), 18/09/1933. Informações contra a propaganda
comunista. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Missões diplomáticas brasileiras (Berna),
Ofícios recebidos 1933 (Agosto-Dezembro), estante 4, prateleira 5, volume 9
Ofício nº 28 de Raul do Rio Branco para Afrânio de Mello Franco, Ministro das Relações Exteriores,
12/10/1933. Defesa contra o comunismo. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas
851

catalográficas 600.1(00) – “Bureau de L’Entente Internationale contre la 3ème Internationale” 1926-


1937, Lata 578, Maço 9269

1934
Ofício nº 33, de Raul Paranhos do Rio Branco (Chefe, Legação do Brasil em Berna) para Félix de
Barros Cavalcanti de Lacerda (Ministro de Estado das Relações Exteriores), 09/03/1934. “Defesa do
Brasil contra a propaganda comunista”. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Missões
diplomáticas brasileiras (Berna), Ofícios recebidos 1934 (Janeiro-Abril), estante 4, prateleira 5, volume
10.
Texto (“O comércio exterior da URSS”), Odette de Carvalho e Souza, 31/08/1934. Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro, Fundo José Carlos de Macedo Soares, localização 1022.6.
Ofício de Moniz de Aragão (Secretário Geral do Ministério das Relações Exteriores) para Clovis
Beviláqua (Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores), 11/10/1934. Projeto de acordo
internacional contra o comunismo. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas
catalográficas: 600.1(00)- Projeto de acordo internacional contra o comunismo - 1934 . Lata 1101,
Maço 21184.
Ofício de Carlos da Silveira Martins Ramos, 03/11/1934. Projeto de acordo internacional contra o
comunismo. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas catalográficas: 600.1(00)- Projeto
de acordo internacional contra o comunismo - 1934 . Lata 1101, Maço 21184.

1936
Memorial de criação do Serviço de Estudos e Investigações (SEI), escrito por Odette de Carvalho e
Souza, 28/01/1936. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas catalográficas 500.1, –
Criação dos Serviços de Estudos e Investigações, Lata 980, Maço 15.604.
Prontuário, "Ruy Barbosa Baptista Pereira – Ação Integralista Brasileira", 27/08/1936. Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro, fundo polícias políticas, setor prontuário Guanabara, notação 26.527.
Carta de Odette de Carvalho e Souza para G. Lodygensky, 29/08//1936. Archives de l’Entente
Internationale Anticommuniste (EIA) 1924-1949 Serie 9, Carton Arch. EIA 3061 Amérique du Sud
1934-1942, Bibliothèque de Genève.
Ofício n. 359, de José Joaquim de Lima e Silva Muniz de Aragão para José Carlos de Macedo Soares
(Ministro das Relações Exteriores), 21/11/1936. Primeira Conferência Internacional Secreta
Anticomunista. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Missões diplomáticas brasileiras
(Berlim), Ofícios recebidos 1936 (Outubro-Dezembro), estante 4, prateleira 3, volume 06

1937
Defesa Social Brasileira. Estatutos, 1937. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Fundo
José Carlos de Macedo Soares. DL 1037.74
Organização da Defesa Social Brasileira, 1937. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
Fundo José Carlos de Macedo Soares. DL 1037.73
Ofício de Odette de Carvalho e Souza para o Chefe de Gabinete, 18/01/1937. Criação dos Serviços de
Estudos e Investigações. Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), Fichas catalográficas 500.1,
– Criação dos Serviços de Estudos e Investigações, Lata 980, Maço 15.604.
Anotação assinada por Eh., 05/05/1937. Hoover Institution, Inventory of the Gesamtverband
Deutscher Antikommunistischer Vereinigungen records, Group II, Monitoring Reports, 1933-1944,
Brazil, 1935-1939, Box 178.
852

“Ata da reunião de constituição da sociedade civil Defesa Social Brasileira”, 30/08/1937. Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Fundo José Carlos de Macedo Soares. DL 1037.73
Plano de ação da DSB, SM/24, 25/09/1937. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Fundo
José Carlos de Macedo Soares. DL 1037.74
“A atuação do ministro Macedo Soares na obra de repressão ao comunismo”. SM/40/11/10/1937.
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1939
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1940
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“Minutes of Meeting of Policy Committe of Cultural Relations Division of Coordinator’s Office”,
27/09/1940. National Archives at College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC
2067595, I7-10, Records of the Immediate Office of the Coordinator, Minutes of Meetings (E-10), Box
543, Folder “Committee Meetings 1940”.
1941
Relatório, “Project Progress Report”, s/d [1941]. National Archives at College Park, Record Group 229
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Commercial and financial, Country files Brazil, ARC 693380, box 176, folder Visit of general Barbosa
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“Statement by Nelson A. Rockefeller, Coordinator of Commercial and Cultural Relations between the
American Republics”, to be issued to the press, attached to the “Minutes of Meeting of Liasion
Committee on Commercial Relations”, 07/02/1941. National Archives at College Park, RG 229 (Office
of Inter-American Affairs), ARC 2067595, I7-10, Records of the Immediate Office of the Coordinator,
Minutes of Meetings (E-10), Box 543.
853

“Minutes of Meeting of Commercial Committee”, 15/05/1941. National Archives at College Park, RG


229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 693380, I7-1, General Records, Central Files,
Commercial and Financial, Economic Development, Inter-American Development Comission Box 127,
Folder “Creation of the Inter-American Development Corporation”.
“Minutes of the Meeting of the Inter-Departmental Committee on Inter-American Affairs”, 20/05/1941.
National Archives at College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 2067595, I7-10,
Records of the Immediate Office of the Coordinator, Minutes of Meetings (E-10), Box 543.
“Minutes of the Meeting of the Inter-Departmental Committee on Inter-American Affairs”, 03/06/1941.
National Archives at College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 2067595, I7-10,
Records of the Immediate Office of the Coordinator, Minutes of Meetings (E-10), Box 543
“Report by Mr. Robbins to Mr. Rockefeller”, 06/06/1941. National Archives at College Park, RG 229
(Office of Inter-American Affairs), ARC 824495, I7-99, Records of the Department of Information.
Regional Division. Coordination Committee for Brazil. General Records (E-99) 02.7 Box 1261, Folder
“Friele – Coordinator (General) June 1941 to April 1942 (1)”.
“Proposed program of trip of Mr. Friele to Argentina, Brazil, Paraguay and Uruguay”, 30/06/1941.
National Archives at College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 824495, I7-99,
Records of the Department of Information. Regional Division. Coordination Committee for Brazil.
General Records (E-99) 02.7 Box 1261, Folder “Friele – Coordinator (General) June 1941 to April
1942 (1)”
Carta de Nelson Rockefeller para Leonardo Truda, 10/07/1941 (em português). National Archives at
College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 824495, I7-99, Records of the
Department of Information. Regional Division. Coordination Committee for Brazil. General Records
(E-99) 02.7 Box 1261, Folder “Friele – Coordinator (General) June 1941 to April 1942 (1)”
Telegrama, Esso Foreign Sales Department para Esso Brasil, 21/08/1941. National Archives at College
Park, Record Group 229 (Office of Inter-American Affairs, Entry number I7-1 (General records,
Central Files), Series 2. Commercial and financial, Country files Brazil, ARC 693380, box 176, folder
Visit of general Barbosa CF -1167.
Carta sem assinatura para Nelson Rockefeller, Rio de Janeiro, 01/09/1941. National Archives at
College Park (NACP), RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 824495, I7-99, Records of the
Department of Information. Regional Division. Coordination Committee for Brazil. General Records
(E-99) 02.7 Box 1261, Folder “Friele – Coordinator (General) June 1941 to April 1942 (1)”.
“Minutes of Second Meeting”, Brazilian Coordination Committee, Rio de Janeiro, 04/09/1941.
National Archives at College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 2102913, I7-100,
Records of the Department of Information. Regional Division. Coordination Committee for Brazil.
Minutes of Meetings of the Coordination Committee (E-100). Box 1351, Folder “Brazilian
Coordination Committee – Minutes”.
Memorando McClintock para Rockefeller, 18/12/1941. Memorando McClintock para Rockefeller,
18/12/1941. NACP, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 824495, I7-99, Records of the
Department of Information. Regional Division. Coordination Committee for Brazil. General Records
(E-99) 02.7 Box 1261, Folder “Friele – Coordinator (General) June 1941 to April 1942 (1)”

1942
Carta de Berent Friele para Nelson Rockefeller, Rio de Janeiro, 04/02/1942. National Archives at
College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 824495, I7-99, Records of the
Department of Information. Regional Division. Coordination Committee for Brazil. General Records
(E-99) 02.7 Box 1261, Folder “Friele – Coordinator (General) June 1941 to April 1942 (1)”.
854

“Minutes of Inter-American Development Commission Meeting”, 10/02/1942. National Archives at


College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 693380, I7-1, General Records, Central
Files, Commercial and Financial, Economic Development, Inter-American Development Comission
Box 127, Folder “Report of activities of Inter-American Dev. Corp.”
“Report of Activities from Date of Organization to February 18, 1942”. 18/02/1942. National Archives
at College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 693380, I7-1, General Records,
Central Files, Commercial and Financial, Economic Development, Inter-American Development
Comission Box 127, Folder “Report of activities of Inter-American Dev. Corp.”
Carta, Fay Allen DesPortes (Legação dos EUA na Guatemala) para G. Howland Shaw (secretário
adjunto de Estado), 20/03/1942. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the
Department of State), Entry number A1 5542 (Division of Foreign Service Administration), Records
relating to the Special Intelligence Service 1939-1953, ARC 1159457, box 1, folder SIS Intelligence
information (intermediaries).
Telegrama, “Appointment of Mr. Caldwell King”, Brazilian Division – OCIAA para Nelson
Rockefeller (Coordinator, OCIAA), 24/03/1942. National Archives at College Park, Record Group 229
(Records of the Office of Inter-American Affairs), Entry number I7-1 (General Records. Central Files),
1.Basic economy. Food Supply. Agriculture, ARC 693380, box 76, folder Amazon Basin Project (1).
Carta, John D. Erwin (Legação dos EUA em Honduras) para G. Howland Shaw (secretário adjunto de
Estado), 31/03/1942. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department
of State), Entry number A1 5542 (Division of Foreign Service Administration), Records relating to the
Special Intelligence Service 1939-1953, ARC 1159457, box 1, folder SIS Intelligence information
(intermediaries).
Carta, Jefferson Caffery para G. Howland Shaw (secretário adjunto de Estado), 04/04/1942. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1
5542 (Division of Foreign Service Administration), Records relating to the Special Intelligence Service
1939-1953, ARC 1159457, box 1, folder SIS Intelligence information (intermediaries).
Carta, John C. White (Legação dos EUA no Haiti) para G. Howland Shaw (secretário adjunto de
Estado), 08/04/1942. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department
of State), Entry number A1 5542 (Division of Foreign Service Administration), Records relating to the
Special Intelligence Service 1939-1953, ARC 1159457, box 1, folder SIS Intelligence information
(intermediaries).
Memorando, “Sanitáry program – Amazon Basin, Rubber program, Mr. Caldwell King”, D. H. Allen
para Berent Friele, 08/04/1942. National Archives at College Park, Record Group 229 (Records of the
Office of Inter-American Affairs), Entry number I7-1 (General Records. Central Files), 1.Basic
economy. Food Supply. Agriculture, ARC 693380, box 76, folder Amazon Basin Project (1).
Carta, Claude G. Bowers (embaixador dos EUA no Chile) para G. Howland Shaw (secretário adjunto
de Estado), 17/04/1942. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the
Department of State), Entry number A1 5542 (Division of Foreign Service Administration), Records
relating to the Special Intelligence Service 1939-1953, ARC 1159457, box 1, folder SIS Intelligence
information (intermediaries).
Memorando n. 899, “Caldwell King”, Brazilian Division – OCIAA para Nelson Rockefeller,
18/04/1942. National Archives at College Park, Record Group 229 (Records of the Office of Inter-
American Affairs), Entry number I7-1 (General Records. Central Files), 1.Basic economy. Food
Supply. Agriculture, ARC 693380, box 76, folder Amazon Basin Project (1).
855

Carta, “Visit of General Barbosa”, Leonhart para Machold, 07/05/1942. National Archives at College
Park, Record Group 229 (Office of Inter-American Affairs, Entry number I7-1 (General records,
Central Files), Series 2. Commercial and financial, Country files Brazil, ARC 693380, box 176, folder
Visit of general Barbosa CF -1167.
Memorandum from J. C. Rovensky (Assistant Coordinator) to all employees (Commercial and
Financial Department), 10/09/1942. National Archives at College Park, RG 229 (Office of Inter-
American Affairs), ARC 693380, I7-1 ,General Records. Central Files. 2. Commercial and Financial
Economic Development. Inter-American Development Comission. Box 127, Folder “Organization of
IADC”.
Carta, Robert M. Scotten (embaixador dos EUA na Costa Rica) para G. Howland Shaw (secretário
adjunto de Estado), 08/07/1942. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the
Department of State), Entry number A1 5542 (Division of Foreign Service Administration), Records
relating to the Special Intelligence Service 1939-1953, ARC 1159457, box 1, folder SIS Intelligence
information (intermediaries).
Carta, William M. Wheeler, Jr., 16/10/1942. National Archives at College Park, Record Group 84
(Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2133 (US Embassy Brazil), Strictly
Confidential General Records 1940-1946, ARC 1518701, box 5, folder Rio de Janeiro, 1942, 030-123.
Carta, Joseph Caldwell King (Johnson&Johnson do Brasil, São Paulo) para Berent Friele (Coordinator,
Brazilian Division, OCIAA), 27/10/1942. National Archives at College Park, Record Group 229
(Records of the Office of Inter-American Affairs), Entry number I7-99 (Records of the Department of
Information. Regional Division. Coordination Committee for Brazil), General Records (E-99) 02.7,
ARC 824495, box 1261, Folder Friele – Coordinator (General) June 1941 to April 1942 (2).
Telegrama, “The Chargé in Venezuela (Flack) to the Secretary of State”, 02/12/1942. Foreign Relations
of the United States (FRUS): Diplomatic Papers, 1942, The American Republics, Volume VI,
Document 709. Disponível em: https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1942v06/d709
Acessado em novembro de 2019.
Memorandum from Nelson A. Rockefeller to Sumner Welles. “Plan for New Orientation of the
Activities of the Inter-American Development Commission”, 17/12/1942. National Archives at College
Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 693380, I7-1 ,General Records. Central Files. 2.
Commercial and Financial Economic Development. Inter-American Development Comission. Box 127,
Folder “Plans for Activities of Inter-American Dev. Corp.”.

1943
Carta, Berent Friele para Joseph Caldwell King, 14/01/1943. National Archives at College Park, RG
229 (Office of Inter-American Affairs), Entry number I7-99 (Records of the Department of
Information. Regional Division. Coordination Committee for Brazil), General Records (E-99) 02.7,
ARC 824495, box 1261, folder 02.7 Berent Friele – Coordinator (General)(3) November 1942 to
September 1943.
Statement by Rafael Oreamuno at the meeting of the Inter-American Economic and Financial Advisory
Committee held at the Pan American Union, 28/01/1943. National Archives at College Park, RG 229
(Office of Inter-American Affairs), ARC 693380, I7-1 ,General Records. Central Files. 2. Commercial
and Financial Economic Development. Inter-American Development Comission. Box 127, Folder
“Organization of IADC”
Memorandum DC-171 from the Brazilian Division to the Chairman, 21/04/1943. “Brazilian
Commission Planning for Post War Program”. National Archives at College Park, RG 229 (Office of
856

Inter-American Affairs), ARC 693380, I7-1, General Records. Central Files. 2. Commercial and
Financial. Country Files Brazil. Box 173, Folder “Inter-American Development Comission”.
“Cuestiones económicas de interes continental – resúmen y complemento de las resoluciones de la
Conferencia de Montevideo”. [CICYP] Consejo Permanente de Asociaciones Americanas de Comercio
y Produccion, Boletim Informativo, Setembro-Outubro 1943. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro,
Fundo Conselho Interamericano de Comércio e Produção (Código TV), Caixa 34, Volume “Boletim
Informativo, 1943-1947”.
Telegrama A-2118, Havana para o Secretário de Estado, 16/10/1943. National Archives at College
Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 5542 (Division of
Foreign Service Administration), Records relating to the Special Intelligence Service (1939-1953),
ARC 1159457, box 1, folder General information.

1944
List of members of the Inter-American Development Commission and of the Affiliated National
Commissions. 01/05/1944. National Archives at College Park, RG 229 (Office of Inter-American
Affairs), ARC 693380, I7-1, General Records, Central Files, Commercial and Financial, Economic
Development, Inter-American Development Comission Box 127, Folder “Report of activities of Inter-
American Dev. Corp.”
Carta de Nelson Rockefeller para Paul Hoffman (Chairman, Committee for Economic Development),
20/05/1944. National Archives at College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC
693380, I7-1 ,General Records. Central Files. 2. Commercial and Financial Economic Development.
Inter-American Development Comission. Box 128, Folder “D AC 4358 Conference of National
Comission of Inter-American Development”.
Telegrama, “The Secretary of State to the Chargé in Iran (Ford)”, 20/05/1944. Foreign Relations of the
United States (FRUS): Diplomatic Papers, 1944, The Near East, South Asia and Africam The Far East,
Volume V, Document 477. Disponível em:
https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1944v05/d477 Acessado em novembro de 2019.
“History, objectives, functions and operations of the International Training Administration”,
Washington, D.C., 19/06/1944. National Archives at College Park, RG 229 (Office of Inter-American
Affairs), ARC 824495, I7-99, Records of the Department of Information. Regional Division.
Coordination Committee for Brazil. General Records (E-99) 06.2 Box 1315, Folder “06.2(2-1) Inter-
American training administration. Monthly bulletins”.
Ofício Frank Nattier (Acting Special Representative) para Arnold Tschudy (Representative Coordinator
of Inter-American Affairs). Rio de Janeiro, 01/09/1944. National Archives at College Park, RG 229
(Office of Inter-American Affairs), ARC 824495, I7-99, Records of the Department of Information.
Regional Division. Coordination Committee for Brazil. General Records (E-99) 06.2 Box 1315, Folder
“06.2(2) – Inter-American training administration”.
“Reorganization of the International Training Administration Committee for São Paulo”, from São
Paulo Office to the Coordinator, 29/09/1944. National Archives at College Park RG 229 (Office of
Inter-American Affairs), ARC 824495, I7-99, Records of the Department of Information. Regional
Division. Coordination Committee for Brazil. General Records (E-99) 06.2 Box 1315, Folder “06.2(2-
1) Inter-American training administration. Monthly bulletins”.
“Constitución de la Sección Brasileña del Consejo”. [CICYP] Consejo Permanente de Asociaciones
Americanas de Comercio y Produccion, Boletim Informativo, Setembro-Outubro 1944. Arquivo
Nacional do Rio de Janeiro, Fundo Conselho Interamericano de Comércio e Produção (Código TV),
Caixa 34, Volume “Boletim Informativo, 1943-1947”.
857

“Discurso del Señor João Daudt d’Oliveira”. [CICYP] Consejo Permanente de Asociaciones
Americanas de Comercio y Produccion, Boletim Informativo Extraordinário, Dezembro 1944. Arquivo
Nacional do Rio de Janeiro, Fundo Conselho Interamericano de Comércio e Produção (Código TV),
Caixa 34, Volume “Boletim Informativo, 1943-1947”.
1945
Carta de Frank Nattier para Nelson Rockefeller. Rio de Janeiro, 18/01/1945. National Archives at
College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC 693380, I7-1,General Records. Central
Files. 2. Commercial and Financial. Country Files Brazil Box 176, Folder “Visit of Dr. João Daudt
D’Oliveira. D-TA-1691”.
Memorandum, Heber M. Clegg (Legal Attaché, US Embassy Rio de Janeiro) to Adolf A. Berle, Jr. (US
Ambassador to Brazil), 07/07/1945. National Archives at College Park (NACP), RG 84, UD 2133,
Strictly Confidential General Records 1940-1946, ARC 1518701, Box 25, Folder "Rio de Janeiro,
1945, 800-842 (2 of 6)".
Memorandum of Conversation, A. Boulitreau Fragoso e Mr. Chalmers, 11/09/1945. National Archives
at College Park (NACP), RG 84, UD 2133, Strictly Confidential General Records 1940-1946, ARC
1518701, Box 25, Folder "(4 of 6)".
Carta, John M. Cabot para Spruille Braden, 22/10/1945. National Archives at College Park, RG 59
(Records of the Department of State), A1 5170 (Records of Ambassador John M. Cabot, 1945-1963),
ARC 614561, box 2, folder #12.
Carta, John M. Cabot para Ellis O. Briggs, 17/11/1945. National Archives at College Park, RG 59
(Records of the Department of State), A1 5170 (Records of Ambassador John M. Cabot, 1945-1963),
ARC 614561, box 2, folder #11.
Carta de Earl Givens para Elliot Hanson (Inter-American Training Administration). Rio de Janeiro,
07/12/1945. National Archives at College Park, RG 229 (Office of Inter-American Affairs), ARC
824495, I7-99, Records of the Department of Information. Regional Division. Coordination Committee
for Brazil. General Records (E-99) 06.2 Box 1315, Folder “06.2(2) Inter-American training
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1946
Memorando, Hoyt S. Vandenberg para Spruille Braden, sem data [1946], “South and Central America
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Carta, John M. Cabot para Carl B. Spaeth, 05/02/1946. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the Department of State), A1 5170 (Records of the Ambassador John M. Cabot,
1945-1963), ARC 614561, box 2, folder #11.
Memorandum From the Director of the Office of Controls (Lyon) to the Chief of the Division of
Foreign Activity Correlation (Neal), 01/07/1946. Foreign Relations of the United States (FRUS), 1945–
1950, Emergence of the Intelligence Establishment, Document 112. Disponível em:
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Lyon, 11/07/1946. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department of
State), Central Decimal Files 1945-1949 (Records of the Department of State relating to internal affairs
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1947
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Carta, Paulo G. Hasslocher (Embaixador do Brasil no Panamá) para Nelson Rockefeller, 10/10/1947.
RAC, Nelson Rockefeller personal papers, Countries, ID FA341, Series E, box 16, folder 118 Brazil –
Hasslocher, Paulo G., 1945-1949.
Carta, Nelson Rockefeller para Paulo G. Hasslocher, 24/10/1947. RAC, Nelson Rockefeller personal
papers, Countries, ID FA341, Series E, box 16, folder 118 Brazil – Hasslocher, Paulo G., 1945-1949.
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Ofício, “The Ambassador in Peru (Tittmann) to the Secretary of State”, 10/12/1948. Foreign Relations
of the United States (FRUS), 1948, The Western Hemisphere, Volume IX, Document 520. Disponível
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https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1945-50Intel/d256 Acessado em agosto de 2019.

1948
Telegrama A-21, Cecil M. P. Cross para o Departamento de Estado, 28/01/1948. National Archives at
College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), Central Decimal Files 1945-
1949, publication number M1492 (internal affairs of Brazil 1945-1949), reel 16.
Telegrama A-16, George C. Marshall para Cecil M. P. Cross, 17/02/1948. National Archives at College
Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), Central Decimal Files 1945-1949,
publication number M1492 (internal affairs of Brazil 1945-1949), reel 16.

1949
Carta circular, ADC, julho 1949. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, fundo DPS, notação
150, volume 1.
Memorando, “DRA’s Research Attaché Robert H. Shields in Embassy Rio de Janeiro”, Donald M.
Dozer (Division of Research and Analysis, ARA) to James Opsata (Office of Information and
Research, Department of State), 28/06/1949. Hoover Institution, Donald M. Dozer papers, Series U.S.
Government Service File, 1937-1973, Subseries Correspondence, 1943-1950, box 54, folder Brazil.
Unidentified holograph, memoranda, dispatches, 1945-1949.
Boletim, “Radiopress”, 20/07/1949. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, fundo DPS, notação
150, volume 1.
Memorando FSO, US Consulate General São Paulo to the Department of State, 28/07/1949.
Transmitting copies of anticommunist bulletins. National Archives at College Park (NACP), RG 84,
UD 2132, Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 88, folder 1949 350.21
Communism.
Carta, DuWayne G. Clark (Office of Brazilian Affairs, ARA) to Herschel V. Johnson (US Ambassador
Rio de Janeiro), 23/08/1949. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the
Department of State), Central Decimal Files 1950-1954. Records of the Department of State Relating to
Internal Affairs of Brazil, 1945-1949, Publication Number M1492 (Microfilm), reel 17.
Carta de Cecil M. P. Cross (US Consul General São Paulo) para George C. Marshall (Secretary of
State), 23/08/1949. Translation into Portuguese by SESI of anticommunist and pro-democratic
materials made available to it by USIE São Paulo. National Archives at College Park (NACP), RG 59,
Central Decimal Files 1950-1954, Publication Number M1492 Microfilm, reel 17.
Carta de Cecil M. P. Cross (US Consul General São Paulo) para George C. Marshall (Secretary of
State), 10/10/1949. Printing and distribution of anticommunist poster and pamphlet. NACP, RG 59,
Central Decimal Files 1950-1954, Publication Number M1492 Microfilm, reel 17.
Carta, Sherlock Davis para Joseph C. King, 15/11/1949. Hoover Institution, Robert C. Hill papers,
Business Years (1947-1953), Correspondence (1946-1953), box 11, folder 11. Visit to South America.
861

Memorando, “King, Joseph Caldwell”, de autor censurado para Chief, Research Division censurado,
29/12/1949. Document number: 0005642324 Collection: FOIA Disponível em:
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1950
Boletim ADC, “Cristianismo e comunismo totalitário”, n. 19, 1950. Instituto Histórico Geográfico
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Disponível em: https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1950v02/d329. Acessado em agosto de
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Memorando, “Transmitting Recommendations for Additional United States Military Aid to Korea
During Fiscal Year 1950”, 25/01/1950. Foreign Relations of the United State, 1950, Korea, volume VII,
document 5, 795.5/1–2550: , The Ambassador in Korea (Muccio) to the Secretary of State.
Memorando descritivo de conversa, “1. Integration of Korean and Japanese Economic Aid Program. 2.
Economic and Political Situation in Korea.”, 15/03/1950. Foreign Relations of the United States, 1950,
Korea, volume VII, document 13. Memorandum of Conversation, by the Officer in Charge of Korean
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Memorando, George F. Kennan para Dean G. Acheson, 29/03/1950. National Archives at College Park,
RG 59 (Records of the Department of State), A1 558CB (Policy Planning Council records), Area Files
1947-1962, ARC 7432703, box 1, folder American Republics, 1947-1950.
Telegrama, “Brazilian Foreign Office reaction to Bolivian proposal to call meeting of South American
Foreign Ministers to discuss communism”, Erwin P. Keeler para o Departamento de Estado,
08/07/1950. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State),
Central Decimal Files 1950-1954, box 3279, folder 720.00/9-2953.
Instrução NSC 16, “Policy Record Guide: ARA: Anti-Communist Measures in the Inter-American
System”, 22/09/1950. Foreign Relations of the United States (FRUS), 1950, The United Nations; The
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Carta, Nelson Rockefeller para Richard S. Aldrich, 20/11/1950. Rockefeller Archive Center, Nelson
Rockefeller personal papers, Projects, ID FA348, Series L, Subseries Westchester County, box 5, folder
41 Aldrich, Richard S. Jr., 1944-1969.
Carta, Nelson Rockefeller para Richard S. Aldrich, 24/11/1950. Rockefeller Archive Center, Nelson
Rockefeller personal papers, Projects, ID FA348, Series L, Subseries Westchester County, box 5, folder
41 Aldrich, Richard S. Jr., 1944-1969.
Minuta, “Minutes of meeting held in Director’s conference room”, 26/12/1950. Document number:
5166d49299326091c6a602f2 Collection: Intelligence, Policy, and Politics: the DCI, The White House,
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1951
862

Minuta, “Minutes of meeting held in Director’s conference room”, 02/01/1951. Document number:
5166d49299326091c6a602f2 Collection: Intelligence, Policy, and Politics: the DCI, The White House,
and Congress. Disponível em:
https://www.cia.gov/library/readingroom/document/5166d49299326091c6a602f2 Acessado em
setembro 2019.
Memorando, “Joseph C. King”, William F. Vance para Personnel Review Board, 24/01/1951.
Document number: 0005563512 Collection: FOIA Disponível em:
https://www.cia.gov/library/readingroom/document/0005563512. Acessado em outubro 2019.
Ofício n. 86 G/2, “Publicação anticomunista – informação sobre Wladimir Grievs”, general Henrique
Baptista Duffles Teixeira Lott (Comandante da 2º região militar) para o chefe do DFSP, 14/02/1951.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, fundo DPS, notação 150, volume 1.
Carta, Richard S. Aldrich, Jr. para Nelson Rockefeller, 03/05/1951. Rockefeller Archive Center, Nelson
Rockefeller personal papers, Projects, ID FA348, Series L, Subseries Westchester County, box 5, folder
41 Aldrich, Richard S. Jr., 1944-1969.
Memorando, “Monthly anticommunism pamphlet”, Herbert Cerwin para Sheldon T. Mills (Minister
Counselor, US Embassy Rio de Janeiro), 21/06/1951. National Archives at College Park, Record Group
84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US embassy, Brazil), Classified
general records 1941-1963, ARC 1518696, box 97, folder Rio de Janeiro 1950-1952 350.21
Anticommunism.
Carta, Edward G. Miller (Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs) to Merwin Bohan
(US Embassy Rio de Janeiro), 24/07/1951. Harry S. Truman Presidential Library and Museum, Edward
G. Miller papers, Assistant Secretary of State correspondence, 1949-1952, box 1, folder B [1 of 2].
Carta, Pedro Aurélio de Goés Monteiro para Osvaldo Aranha, 03/08/1951. CPDOC, fundo Osvaldo
Aranha, classificação OA cp 1951.08.08, série Correspondência política, rolo 26, fotograma 57-64.
Memorando, Richard M. Barr (Information Officer, US Embassy Rio de Janeiro) para Herbert Cerwin,
20/08/1951. National Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic
missions), Entry number UD 2132 (US embassy, Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC
1518696, box 97, folder Rio de Janeiro 1950-1952 350.21 Anticommunism.
“Director’s Log”, 04/09/1951, p. 3. Document number: 5166d49199326091c6a6007a Collection:
Intelligence, Policy, and Politics: the DCI, The White House, and Congress. Disponível em:
https://www.cia.gov/library/readingroom/document/5166d49199326091c6a6007a Acessado em agosto
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Memorando, “Analysis of the power of the Communist parties of France and Italy and of measures to
counter them”, Allen Dulles para Walter Bedell Smith, 15/09/1951. Harry S. Truman Presidential
Library and Museum, Papers of Harry S. Truman, Presidential Papers, Staff Member and Office Files,
Psychological Strategy Board files, series Class 000-General, 1951-1953, box 6, folder 091 Italy - File
#I [political situation in] [2 of 3].
Primeiro memorando, “Entente Internationale Anticommuniste”, da embaixada do Rio de Janeiro para
o consulado de São Paulo, 31/10/1951. National Archives at College Park, Record Group 84 (Records
of the US diplomatic missions), Entry number 2132 (US embassy, Brazil), Classified general records
1941-1963, ARC 1518696, box 97, folder Rio de Janeiro 1950-1952 350.21 Anticommunism.
Segundo memorando, “Entente Internationale Anticommuniste”, Herbert Cerwin para Eldred D.
Kuppinger e Martin Carlsen, 31/10/1951. National Archives at College Park, Record Group 84
(Records of the US diplomatic missions), Entry number 2132 (US embassy, Brazil), Classified general
records 1941-1963, ARC 1518696, box 97, folder Rio de Janeiro 1950-1952 350.21 Anticommunism.
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1952
Memorandum, Alan K. Manchester (Attaché, US Embassy Rio de Janeiro) to Herbert Cerwin
(Counselor, US Embassy Rio de Janeiro), 11/03/1952. Luncheon conversation with Jacy Montenegro
Magalhães, diretor da Divisão de Organização de Trabalho do Departmento Nacional do SESI.
National Archives at College Park (NACP), RG 84, UD 2132, Classified general records 1941-1963,
ARC 1518696, Box 97, Folder “Rio de Janeiro 1950-1952 350.21 Anticommunism”.
Memorandum, Herbert Cerwin (Counselor, US Embassy Rio de Janeiro) to Sheldon T. Mills (Minister
Counselor, US Embassy Rio de Janeiro) and Herschel Johnson (US Ambassador to Brazil), 12/03/1952.
A request for cooperation of the embassy. National Archives at College Park (NACP), RG 84, UD
2132, Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, Box 97, Folder “Rio de Janeiro 1950-1952
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Telegrama, “Telegram from the Central Intelligence Agency to the CIA Station in [place not
declassified]. Washington, 22/03/1952, 1952, 1753Z. Foreign Relations of the United States (FRUS),
1952-1954, Guatemala, Document 8. Disponível em:
https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1952-54Guat/d8. Acessado em agosto de 2019.
Memorando, “Cold war resources of private and ‘other’ government agencies”, William A. Korns
(PSB) para John Sherman (Assistant director, Office of Coordination, PSB), 04/06/1952. Harry S.
Truman Presidential Library and Museum, Papers of Harry S. Truman, Presidential Papers, Staff
Member and Office Files, Psychological Strategy Board Files, Class 000-General, 1951-1953, box 2,
folder 040 Centralizing paramilitary activity [PSB relationship with other government departments and
agencies].
Ofício 2148 S/I, de 21/06/1952, do Departamento Federal de Segurança Pública. Remete cópia de carta
do coronel Wassily de Faezy. Arquivo Público do Estado de São Paulo, Fundo DEOPS, Dossiê 50-Z-
40.
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Department of State, 13/08/1952. Creation of the Brazilian Center for Social Realism. National
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04/09/1952, título do documento “Eleanor Roosevelt Part 35 of 40”, p. 81-3, em formato PDF,
resultante da busca pelo termo “Martin Carlsen” no sítio eletrônico do FBI Vault:
https://vault.fbi.gov/search. Acesso 02 setembro 2019.
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Fundo Getúlio Vargas. Classificação: GV c 1953.00.00/14. Série c (Correspondência).
Memorandum, William A. Wieland to Herschel V. Johnson (US Ambassador), Walter N. Walmsley, Jr.
(Counselor), Political Section, 28/01/1953. Conversations with Jacy Magalhães over the weekend at his
farm. National Archives at College Park (NACP), RG 84, UD 2132, Classified general records 1941-
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Relatório, “A report to the National Security Council”, James S. Lay (Secretário Executivo do NSC)
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Anderson, Gordon Gray: records 1952-1961, National Security Council series, Policy Papers subseries,
box 4, folder NSC 144 Latin America (2).
Carta, Walter N. Walmsley, Jr. para Robert F. Woodward, 12/03/1953. National Archives at College
Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy
Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 106, folder 350.21 Communism
1953.
Primeira carta de William A. Wieland para Clarence A. Canary (Acting Director, Office of Inter-
American Programs, IIA), 12/03/1953. National Archives at College Park (NACP), RG 84, UD 2132,
Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, Box 106, Folder “350.21 Anticommunism 1953”.
Segunda carta de William A. Wieland para Clarence A. Canary (Acting Director, Office of Inter-
American Programs, IIA), 12/03/1953. National Archives at College Park (NACP), RG 84, UD 2132,
Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, Box 106, Folder “350.21 Anticommunism 1953”.
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Nelson A. Rockefeller personal papers (FA350), Serie O (Washington, DC), Subserie 7 (Special
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actions relating to NSC 5432/1 (Latin America) from December, 1954, through July 14, 1955,
21/07/1955. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State),
Entry Number A1 1586B (Department of State. Executive Secretariat), Series Regional and Country
Operations Files (1953 – 1961), ARC 2839190, box 24, folder Latin America 1955 [1 of 2].
Carta, Aldo B. Franco (diretor executivo da seção brasileira do CICYP) para Carlos Ons Cotelo
(secretário geral do CICYP, Montevidéu), 26/07/1955. Arquivo Nacional, fundo CICYP, código do
fundo TV, caixa 17 (Seção Brasileira, correspondência expedida, 1955).
Plano, “Outline Plan of Operations for Brazil”, OCB, 26/07/1955. Dwight Eisenhower Presidential
Library and Museum, White House Office/National Security Council staff papers, OCB Central File,
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Plano, “Outline Plan of Operations for Brazil”, OCB, 26/07/1955. National Archives at College Park,
Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 1586-B (Executive
Secretariat), Regional and country Operations files (1953-1961), box 16, folder Brazil.
Memorandum of conversation, Jacy Magalhães (Chefe de Gabinete, CNI), Allen Walker (American
business consultant), Sra. Buarque de Macedo (Assistant to Dr. Magalhães), Robert P. Terrill
(Embassy), 15/08/1955. National Archives at College Park (NACP), RG 59, A1 1132, Country Files
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871

Carta de William C. Trimble (Minister-Counselor of Embassy) para Henry F. Holland (Assistant


Secretary of State for Inter-American Affairs), 16/08/1955. National Archives at College Park (NACP),
RG 59, A1 1132, Country Files 1953-1956, ARC 2108776, Box 3, Folder “Brazil 1955”.
Memorando, “Working draft – OCB report to NSC pursuant to NSC Action 1290-d”, Albert R. Haney
para Coronel Coffey, 16/08/1955. Dwight Eisenhower Presidential Library and Museum, White House
Office, National Security Council Staff series, Operations Coordinating Board Central Files, box 17,
folder OCB 014.12 [Internal Security] (file #1) (6) [June-September 1995].
Memorandum of conversation. Participants: Jacy Magalhães (Chefe do Gabinete, Confederação
Nacional da Indústria); Allen Walker (American business consultant); Sra. Buarque de Macedo
(Assistente do Dr. Magalhães), Robert P. Terrill (US embassy), 19/08/1955. National Archives at
College Park (NACP), RG 59, A1 1132, Country Files 1953-1956, ARC 2108776, Box 3, Folder
“Brazil 1955”.
Carta de Berent Friele para John B. Hollister (Director, International Cooperation Administration),
26/08/1955. Rockefeller Archive Center (RAC), Nelson A. Rockefeller personal papers (FA350), Serie
O (Washington, DC), Subserie 7 (Special Assistant do the President for Foreign Affairs), Box 88,
Folder 664 “Latina America – Countries (Brazil)”.
Memorando de Berent Friele para Ambassador Dunn, 31/08/1955. “Lucas Garces – Juscelino
Kubitschek”. Rockefeller Archive Center (RAC), Nelson A. Rockefeller personal papers (FA350),
Serie O (Washington, DC), Subserie 7 (Special Assistant do the President for Foreign Affairs), Box 88,
Folder 664 “Latina America – Countries (Brazil)”.
Ofício de Henry Holland (Assistant Secretary) para “The Acting Secretary”, 09/09/1955. Petroleum
Outllook in Brazil. National Archives at College Park (NACP), RG 59, A1 1132, Country Files 1953-
1956, ARC 2108776, Box 3, Folder “Brazil 1955”.
Carta de Berent Friele para Nelson Rockefeller, 28/09/1955. Rockefeller Archive Center (RAC),
Rockefeller family Associates, Berent Friele papers (FA468), Series 3: NAR Correspondence, Box 7,
Folder 118 “Mission to Brazil, 1955”.
“Comunicado do MMC”, outubro 1955. CPDOC-FGV, Fundo Augusto do Amaral Peixoto.
Classificação: AAP mmc 1955.09.10 Série: mmc (Movimento Militar Constitucionalista).
Memorandum, “Exchanging information on Communism”, Spencer M. King para Henry F. Holland,
11/10/1955. National Archives at College Park, RG 59 (Records of the Department of State), Central
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Telegrama, Herbert Hoover, Jr. para todas as missões diplomáticas dos Estados Unidos nas repúblicas
americanas, 03/11/1955. National Archives at College Park, Record Group 59, Central Decimal Files
1955-1959, box 2991, folder 720.00/1-1456.
Relatório, “Analysis of internal security situation in Brazil (pursuant to NSC Action 1290-d) and
recommended action”, OCB, 16/11/1955. Dwight Eisenhower Presidential Library and Museum, White
House Office/National Security Council staff papers, OCB Central File, box 24, folder OCB 091.
Brazil (File #1) [June 1955-June 1956] (5).
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papers, Disaster File, box 32, folder Internal security – Foreign Constabulary Forces (1). Disponível
em: https://www.eisenhowerlibrary.gov/sites/default/files/research/online-documents/declassified/fy-
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Memorando, Elmer B. Staats para os membros do staff do OCB, 30/11/1955. Dwight Eisenhower
Presidential Library and Museum, White House Office/National Security Council Staff papers (1948-
872

61), OCB Central File series, box 73, folder OCB 091.4 Latin America (File #4) [August-November
1955] (10).
Memorando, “Draft of OCB Working Group ‘Outline Plan of Operations Against Communism in Latin
America”, Scott C. Lyon para Herbert Hoover, Jr., 02/12/1955. National Archives at College Park,
Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry Number A1 1586B (Department of State.
Executive Secretariat), Series Regional and Country Operations Files (1953 – 1961), ARC 2839190,
box 24, folder Latin America 1955 [1 of 2].
Plano, “Outline Plan of Operations Against Communism in Latin America”, 02/12/1955. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry Number A1
1586B (Department of State. Executive Secretariat), Series Regional and Country Operations Files
(1953 – 1961), ARC 2839190, box 24, folder Latin America 1955 [1 of 2].
Memorando, “Supplementary briefing memorandum on Outline Plan of Operations against
Communism in Latin America”, R. P. Crenshaw Jr. para Elmer B. Staats, 13/12/1955. Dwight
Eisenhower Presidential Library and Museum, White House Office, National Security Council Staff
papers, OCB Central File, Box 73, Folder OCB 091.4 Latin America (File #5) [December 1955] (1).

1956
Memorando, “NAR cocktails for President-elect on Sunday, Jan. 8, 5 to 7 PM, 820 Fifth Avenue”,
Louise to Berent, 05/01/1956. Rockefeller Archive Center, Nelson A. Rockefeller personal papers,
Countries, Series E (FA341), box 16, folder Brazil – Kubitschek de Oliveira, Juscelino, 1951-1966.
Primeiro memorando, “President-elect Kubitschek’s talk with the Secretary of State”, 06/01/1956.
National Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry
number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified General records (1941-1963), box 116, folder 350
Brazil – Jan-May 1956.
Segundo memorando, “Conversation with the President-elect of Brazil regarding economic matters”,
06/01/1956. National Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic
missions), Entry number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963), ARC
1518696, box 116, folder 350 Brazil – Jan-May 1956.
Terceiro memorando, “Conversation with the President-elect of Brazil regarding Communism”,
06/01/1956. National Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic
missions), Entry number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963), ARC
1518696, box 116, folder 350 Brazil – Jan-May 1956. Observação: cópia enviada a mim através da Lei
de Acesso à Informação dos EUA. O original deve ter sido incluído na localização acima.
Quarto memorando, “Translation of Brazilian embassy’s memorandum of conversation with the
President-elect of Brazil regarding communism”, 06/01/1956. National Archives at College Park,
Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy
Brazil), Classified general records 1941-1963), ARC 1518696, box 116, folder 350 Brazil – Jan-May
1956. Observação: cópia enviada a mim através da Lei de Acesso à Informação dos EUA. O original
deve ter sido incluído na localização acima.
Memorando, “Proposed Latin American Anticommunist Organization”, Henry A. Hoyt para Robert
Newbegin, 11/01/1956. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the
Department of State), Central Decimal Files 1955-1959, box 2991, folder 720.00/1-1456.
Carta de Nelson A. Rockefeller para Sherman Adams, 11/01/1956. Rockefeller Archive Center (RAC),
Nelson A. Rockefeller personal papers (FA350), Serie O (Washington, DC), Subserie 7 (Special
873

Assistant do the President for Foreign Affairs), Box 88, Folder 664 “Latina America – Countries
(Brazil)”.
Telegrama, Herbert Hoover, Jr. para William C. Trimble, 13/01/1956. National Archives at College
Park, Record Group 59 (Records of the US Department of State), Entry number A1 1586-B (Records of
the Executive Secretariat), Regional and country operations files (1953-1961), ARC 2839190, box 16,
folder Brazil.
Memorando descritivo de reunião, “Anticommunist program”, 02/02/1956. National Archives at
College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2024 (US
Embassy Argentina), Classified General Records 1936-1961, ARC 1565938, box 159, folder 350.21
Communism in Latin America. US policy 1956. Também disponível em: Record Group 84 (Records of
the US diplomatic missions), Entry number P 87 (US Consulate general, São Paulo), Classified Central
Subject Files (1942 – 1974), ARC 6233405, box 1, folder 860.1 Trade Unions. Trade Union Movement.
Telegrama n. 95, James C. Dunn para o Secretário de Estado, 06/02/1956. National Archives at College
Park, Record Group 286 (Records of the US Agency for International Development), A1 26 (Latin
American Branch), Country files 1956-1975, ARC 5661926, box 11, folder IPS-1/General/Brazil 1957-
1960.
Telegrama circular, John F. Dulles para vários postos diplomáticos, 08/02/1956. National Archives at
College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State, Central Decimal Files 1955-1959,
box 2991, folder 720.00/1-1456.
Ata, “Verbatim record of meeting February 2, 1956, between Mr. Nixon, Mr. Holland, Ambassador
Dunn and other US representatives with President Kubitschek and members of his Cabinet,
02/02/1956”, anexa ao despacho diplomático n. 1003, “Mr. Nixon’s meetings with President
Kubitschek and members of his cabinet”, Eric. C. Wendelin para o Departamento de Estado,
10/02/1956. National Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic
missions), Entry number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC
1518696, box 116, folder 350 Brazil Jan-May 1956.
Minutas, “Mr. Nixon’s meetings with President Kubitschek and members of his cabinet”, Eric C.
Wendelin para o Departamento de Estado, 10/02/1956. National Archives at College Park, Record
Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy Brazil),
Classified general records (1941-1963), ARC 1518696, box 116, folder Brazil Jan-May 1956.
Carta, Henry Holland a James C. Dunn, 20/02/1956. National Archives at College Park, Record Group
59 (Records of the Department of State), Entry number A1 1132 (Bureau of Inter-American Affairs,
Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), Country Files (1953-1956), ARC
2108776, box 3, folder Brazil 1956.
Memorando, “PCB fronts in Brazil", David W. Smyser para Robert W. Dean, 28/03/1956. National
Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number
UD 2132 (US Embassy, Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 118, folder
350.21 Communism – 1956.
Carta, James C. Dunn para Henry F. Holland, 04/04/1956. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the US Department of State), Entry number A1 1132 (Bureau of Inter-American
Affairs. Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), Country Files 1953-
1956, ARC 2108776, box 3, folder Brazil 1956.
Memorando, Robert W. Dean para William C. Trimble e Eric C. Wendelin, 04/04/1956. National
Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number
874

UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records 91941-1963), ARC 1518696, box 116,
folder 350 Brazil Jan-May 1956.
Memorando, “The Caracas resolution”, Henry F. Holland para John F. Dulles, 11/04/1956. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), Central Decimal
Files 1955-1959, box 2991, folder 720.00/1-1456.
Carta, James C. Dunn para Henry F. Holland, 16/04/1956. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the US Department of State), Entry number A1 1132 (Bureau of Inter-American
Affairs. Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), Country Files 1953-
1956, ARC 2108776, box 3, folder Brazil 1956.
Plano, “Outline Plan of Operations against Communism in Latin America”, 18/04/1956. Dwight
Eisenhower Presidential Library and Museum, White House Office/National Security Council Staff
papers (1948-1961), OCB Central File series, box 74, folder OCB 091.4 Latin America (File #7) [April
1956] (2).
“Outline Plan Prepared for the Operations Coordinating Board: Outline Plan of Operations against
communism in Latin America”, 18/04/1956. Foreign Relations of the United States (FRUS), 1955-
1957, American republics: multilateral; Mexico; Caribbean, Volume VI, Document 10. Disponível em:
https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1955-57v06/d10. Acessado em agosto de 2019.
Telegrama n. 1493, James C. Dunn para Henry F. Holland, 25/04/1956. National Archives at College
Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), UD 2132 (US Embassy Brazil),
Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, Box 118, Folder “350.21 Communism - 1956”.
Telegrama, Theodore C. Streitbert para todos os postos USIS na América Latina, 26/04/1956. National
Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), UD 2132 (US
Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 118, folder 350.21
Communism – 1956.
Carta, James C. Dunn para Henry F. Holland, 30/04/1956. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the US Department of State), Entry number A1 1132 (Bureau of Inter-American
Affairs. Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), Country Files 1953-
1956, ARC 2108776, box 3, folder Brazil 1956. Observação: cópia enviada ao autor através da Lei de
Acesso à Informação dos EUA. O original deve ter sido incluído na localização acima.
Carta, Aldo B. Franco (diretor executivo da seção brasileira do CICYP) para Carlos Ons Cotelo
(secretário geral do CICYP, Montevidéu), 07/05/1956. Arquivo Nacional, fundo CICYP, código do
fundo TV, caixa 21 (Seção Brasileira, correspondência expedida, 1956).
Telegrama n. 1194, John F. Dulles para James C. Dunn, 09/05/1956. National Archives at College Park,
Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy
Brazil), Classified general records (1941-1963), ARC 1518696, box 116, folder 350 Brazil Jan-May
1956.
Telegrama n. 1416, James C. Dunn para John F. Dulles, 10/05/1956. National Archives at College Park,
Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy
Brazil), Classified general records (1941-1963), ARC 1518696, box 116, folder 350 Brazil Jan-May
1956.
Carta, Henry F. Holland para James C. Dunn, 14/05/1956. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the US Department of State), Entry number A1 1132 (Bureau of Inter-American
Affairs. Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), Country Files 1953-
1956, ARC 2108776, box 3, folder Brazil 1956. Observação: cópia enviada ao autor através da Lei de
Acesso à Informação dos EUA. O original deve ter sido incluído na localização acima.
875

Despacho diplomático n. 1410, “Amnesty”, Robert W. Dean, 14/05/1956. National Archives at College
Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy
Brazil), Classified general records (1941-1963), ARC 1518696, box 116, folder 350 Brazil Jan-May
1956.
Carta, Nelson Rockefeller para Sherman Adams, 28/05/1956. Rockefeller Archive Center, Nelson
Rockefeller personal papers, Projects, ID FA348, Series L, Subseries Westchester County, New York,
box 61, folder 574. Dunn, James Clement, 1956.
Despacho diplomático n. 683, “Ecuador names liaison officer on communist matters”, Walter H.
Dustmann, Jr. para o Departamento de Estado, 06/06/1956. National Archives at College Park, Record
Group 84 (Records of the US diplomatic missions), UD 2396 (US Embassy, Ecuador, Quito), Country
Files 1941-1963, ARC 1654945, box 73, folder 350.21 Communism January-June 1956.
Memorando, “Foreign Ministry measures against issuance special passaports to communists or to
delegates to international conferences of communist inspiration”, Robert W. Dean para Eric C.
Wendelin, 13/06/1956. National Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US
diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records (1941-
1963), ARC 1518696, box 118, folder 350.21 Communism – 1956.
Carta, James C. Dunn para Henry F. Holland, 15/06/1956. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the US Department of State), Entry number A1 1132 (Bureau of Inter-American
Affairs. Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), Country Files 1953-
1956, ARC 2108776, box 3, folder Brazil 1956.
Memorando, “Outline Plan of Operations for Brazil”, Henry F. Holland para Herbert Hoover, Jr.,
21/06/1956. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the US Department of
State), Entry number A1 1586-B (Records of the Executive Secretariat), Regional and country
operations files (1953-1961), ARC 2839190, box 16, folder Brazil.
Carta, Henry F. Holland para James C. Dunn, 25/06/1956. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the US Department of State), Entry number A1 1132 (Bureau of Inter-American
Affairs. Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), Country Files 1953-
1956, ARC 2108776, box 3, folder Brazil 1956.
Plano, “Outline Plan of Operations for Brazil”, OCB, 27/06/1956. National Archives at College Park,
Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 1586-B (Executive
Secretariat), ARC 2839190, box 16, folder Brazil.
Memorando, “Importance of present US relations with Argentina, Brazil and Chile”, Henry F. Holland
para John F. Dulles, 11/07/1956. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the
Department of State), A1 1132 (Bureau of Inter-American Affairs, Office of the Assistant Secretary of
State for Inter-American Affairs), Country Files (1953-1956), ARC 2108776, box 1, folder ABC
Countries (Argentina, Brazil, Chile).
Despacho diplomático n. 103, “Plan of operations for combating Communism in Uruguay”, Jefferson
Patterson para o Departamento de Estado, 06/08/1956. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the Department of State), Central Decimal Files 1955-1959, box 2462, folder
611.20/8-657.
Memorando, “Implementation of 1290-d program”, Mr. Harrison para Spencer King (ARA),
16/08/1956. Dwight Eisenhower Presidential Library and Museum, White House Office/National
Security Council Staff papers, OCB Central File, box 17, folder OCB 014.12 [Internal Security] (File
#3) (6) [January-November 1956].
876

Instrução do Departamento de Estado CA-1699, “Exchange of information on communism”, para todos


os postos diplomáticos da América Latina, 23/08/1956. National Archives at College Park, Record
Group 84 (Records of the US diplomatic missions), UD 2024 (US Embassy Argentina), Classified
General Records 1936-1961, ARC 1565938, box 159, folder 350.21 Communism in Latin America. US
policy 1956.
Resumo de atividades, “Digest of seven additional reports received from embassies in implementation
of communist plan pursuant to State request for report by August 1’, para o NSC, s/d. [setembro-
dezembro 1956]. Dwight Eisenhower Presidential Library and Museum, White House Office/ National
Security Council Staff papers, OCB Central File, Fox 75, folder OCB 091.4 Latin America (File #8)
[September-December 1956] [NSC 5613/1] (6).
Despacho diplomático n. 129, “Outline plan of operations against communism in Latin America”,
06/09/1956. National Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic
missions), UD 2396 (US Embassy, Ecuador, Quito), Country Files 1941-1963, ARC 1654945, box 73,
folder 350.21 Communism January-June 1956.
Memorando descritivo de reunião, “Assignment communist expert to embassy”, 07/09/1956. National
Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number
UD 2255 (US Embassy Chile), Classified General Records 1943-1963, ARC 1613201, box 43, folder
350.21 Chile 1956.
Memorando, “Communist activities in the Norte do Paraná", David W. Smyser para Eric C. Wendelin,
12/09/1956. National Archives at College Park,Record Group 84 (Records of the US diplomatic
missions), Entry number UD 2132 (US Embassy, Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC
1518696, box 118, folder 350.21 Communism – 1956.
Despacho diplomático n. 245, “Appointment of Foreign Service Liaison officer on communism”,
13/09/1956. National Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic
missions), Entry number UD 2024 (US Embassy Argentina), Classified General Records 1936-1961,
ARC 1565938, box 159, folder 350.21 Communism in Latin America. US policy 1956.
Carta, William A. Korns (Atlantic Features) para Edmond L. Taylor, 24/09/1956. Washington
University in St. Louis, Olin Library/Department of Special Collections, Edmond Taylor papers, Series
I (Correspondence), Subseries I (Correspondence to Taylor), box 10, folder 290 Atlantic Features –
Korns, William A.
Carta, Robert P. Joyce para Roy R. Rubottom, 12/10/1956. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the Department of State), Central Decimal Files 1955-1959, Publication number
M1511 (Records of the Department of State Relating to Internal Political and National Defense Affairs
of Brazil, 1955-1959), reel 8.
Carta de Brutus Coste para Edward Ressel, 22/10/1956. University of Minnesota, Elmer L. Andersen
Library, Immigration History Research Center Archives, Assembly of Captive European Nations,
ACEN Records (IHRC 246), Series III: Delegations, representatives and correspondence abroad, Sub-
series I: Delegations abroad, Box 47, Folder 10.
Carta de Kristof Kallay para Vilis Masens, Rio de Janeiro, 03/11/1956. University of Minnesota, Elmer
L. Andersen Library, Immigration History Research Center Archives, Assembly of Captive European
Nations, ACEN Records (IHRC 246), Series III: Delegations, representatives and correspondence
abroad, Sub-series I: Delegations abroad, Box 47, Folder 10.
Carta, Willard L. Beaulac para Richard Roy Rubottom, 30/11/1956. National Archives at College Park,
Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 1135 (Bureau of Inter-
877

American Affairs. Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs, Subject Files
(1957-1959), ARC 2108779, box 1, folder 1957 Argentina.
Despacho diplomático, “1290-d programs”, Ellis O. Briggs para o Departamento de Estado,
26/12/1956. Dwight Eisenhower Presidential Library and Museum, White House Office/National
Security Council Staff papers, OCB Central file, Box 24, Folder OCB 091.BRAZIL (File #2) [June
1956-January 1957] (2).
Memorando para os arquivos, “Anticommunist program”, 26/12/1956. National Archives at College
Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2024 (US Embassy
Argentina), Classified General Records 1936-1961, ARC 1565938, box 159, folder 350.21
Communism in Latin America. US policy 1956.

1957
Carta, “Brazil”, Berent Friele para Nelson Rockefeller, 09/01/1957. Rockefeller Archive Center, Nelson
Rockefeller personal papers, Series B. AIA-IBEC (FA339), box 24, folder 254. IBEC – Friele, Berent,
1949-1960.
Carta, Roy R. Rubottom para Willard L. Beaulac, 11/02/1957. National Archives at College Park,
Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 1135 (Bureau of Inter-
American Affairs. Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), Country Files
1953-1956, ARC 2108779, box 1, folder 1957 Argentina.
Carta, Willard L. Beaulac para Roy R. Rubottom, 26/02/1957. National Archives at College Park,
Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 1135 (Bureau of Inter-
American Affairs. Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), Country Files
1953-1956, ARC 2108779, box 1, folder 1957 Argentina.
Memorando, Robert W. Dean para David W. Smyser, 07/03/1957. National Archives at College Park,
Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2132, Classified general records 1941-
1963, ARC 1518696, box 119, folder 350.3 Bio Data 1957.
Carta de Vilis Masens para Edward Ressel, 27/03/1957. University of Minnesota, Elmer L. Andersen
Library, Immigration History Research Center Archives, Assembly of Captive European Nations,
ACEN Records (IHRC 246), Series III: Delegations, representatives and correspondence abroad, Sub-
series I: Delegations abroad, Box 47, Folder 10.
Carta, Jacques Aubert (Departamento de Relações Públicas, S. A. Phillips do Brasil) para Edmond L.
Taylor, 09/05/1957. Washington University in St. Louis, Olin Library/Department of Special
Collections, Edmond Taylor papers, Series I (Correspondence), Subseries I (Correspondence to Taylor),
box 1, folder 23 Aubert, Jacques.
Paper, “Observations and suggestions concerning the Overseas Internal Security Program (OISP)”,
Albert R. Haney, 14/07/1957. Dwight Eisenhower Presidential Library and Museum, White House
Office, National Security Council Staff papers, OCB Central File, box 18, folder 014.12 [Internal
Security] (File #4) (5) [November 1956-March 1957].
Relatório sobre “Public Meeting”, Rio de Janeiro, 07/07/1957. University of Minnesota, Elmer L.
Andersen Library, Immigration History Research Center Archives, Assembly of Captive European
Nations, ACEN Records (IHRC 246), Series III: Delegations, representatives and correspondence
abroad, Sub-series I: Delegations abroad, Box 47, Folder 10.
Memorando, “Anticommunist campaign in Latin America”, Henry A. Hoyt para Richard R. Rubottom
e William P. Snow, 19/11/1957. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the
Department of State), Central Decimal Files 1955-1959, box 2992, folder 720.001/11/1957.
878

Diário, Adolf Berle, 25/11/1957. Michigan State University Library, The Diaries of Adolf A. Berle
(microfilm), reel 7.
Despacho diplomático n. 724, “Brazil in 1958”, Ellis O. Briggs para o Departamento de Estado,
31/12/1957. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry
number UD 2132 (US Embassy, Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box
116, folder 350 Brazil 1957.

1958
Folheto, “Nossos motivos”, Sociedade de Estudos Interamericanos, 1958. Arquivo Público Mineiro,
fundo polícia política, pasta 5195, rolo 082, data mar. 1959-out. 1960.
Livreto, “Forja-se hoje o nosso futuro”, Sociedade de Estudos Interamericanos, 1958. Disponível no
acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Folheto, “Nosso programa”, Sociedade de Estudos Interamericanos, 1958. Arquivo Público Mineiro,
fundo polícia política, pasta 5195, rolo 082, data mar. 1959-out. 1960 (termo de busca: Wladimir
Lodygensky).
Carta de Julio E. Nunez para Henry A. Kissinger, 10/01/1958. Yale University, Sterling Memorial
Library, Library Digital Repository. Henry A. Kissinger papers, part II. Series I. Early Career and
Harvard University, Box 45, Folder 20 “Nuñez, Julio E.”
Despacho diplomático n. 770, “Legal status of Brazilian Communist leaders", 15/01/1958. National
Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number
UD 2132 (US Embassy, Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 118, folder
350.21 Communism – 1958.
Telegrama n. 897, Ellis O. Briggs para o Departamento de Estado, 15/01/1958. National Archives at
College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US
Embassy, Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 118, folder 350.21
Communism – 1958.
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general records (1941-1963), ARC 1518696, box 115, folder 350 Brazil 1958.
Carta, “Legal status of Brazilian Communist leaders", Ellis O. Briggs para Henry O. Hoyt (Special
Assistant to the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), 22/01/1958. National Archives
at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132
(US Embassy Brazil), Classified general records (1941-1963), ARC 1518696, box 118, folder 350.21
Communism – 1958.
Despacho diplomático, “Joint Weeka n. 5”, Eric C. Wendelin para o Departamento de Estado,
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18/05/1958. Rockefeller Archive Center, Rockefeller Brothers Fund records (FA005), Record group 4
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Nomeação para cargo, Paul A. Maggio, 20/06/1958. Document number: CIA-RDP68-
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https://www.cia.gov/library/readingroom/document/cia-rdp68-00046r000200240048-0 Acessado em
setembro de 2019.
Despacho n. 223, “Picturing the communists as the real enemies of Brazilian 'nationalism'", John P.
McKnight para USIA Washington, 25/06/1958. National Archives at College Park, Record Group 84
(US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records
1941-1963, ARC 1518696, box 118, folder 350.21 Communism – 1958.
Memorando, “Exposure of Communist activities relating to Latin America”, John C. Hill para William
P. Snow, 19/08/1958. National Archives at College Park, Record group 59 (Department of State), Entry
number A1 1137 (Bureau of Inter-American Affairs. Office of the Assistant Secretary. Office of the
Special Assistant, 1956-1958), Office Files 1956-1958, ARC 3205519, box 7, folder Communism –
General 1958.
Memorando descritivo de conversa, “Anticommunist organization". Participantes: Wladimir
Lodygensky e Benjamin L. Sowell, 29/08/1958. National Archives at College Park, Record Group 84
(Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy, Brazil), Classified
general records 1941-1963, ARC 1518696, box 118, folder 350.21 Communism – 1958.
881

Folha de encaminhamento, Aldo D’Alessandro, 29/08/1958, grampeado ao memorando descrito de


conversa, “Anticommunist organization”, participantes: Benjamin L. Sowell e Wladimir Lodygensky,
29/08/1958. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry
number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 118,
folder 350.21 Communism – 1958.
Carta, John M. Cabot para Allen W. Dulles, 05/09/1958. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 5170 (Records of Ambassador John
M. Cabot, 1945-1963), ARC 614561, box 1, folder #1.
Carta, Charles A. Meyer para Stanton R. Pemberton, 12/09/1958. Rockefeller Archive Center, IBEC
records (FA 084), Series 7 (Associations), box 42, folder 844. Associations – Memberships - United
States Inter-American Council, 1950-1962.
Relatório, Comitê de Combate ao Estatismo, USIAC, 17/09/1958. Rockefeller Archive Center, IBEC
records (FA 084), Series 7 (Associations), box 42, folder 844. Associations – Memberships - United
States Inter-American Council, 1950-1962.
Declaração de política, “Proposed statement on US-Latin American relationships, and
recommendations with respect to the formulation of a policy and program”, Committee on Trade and
Investiment, USIAC, 22/09/1958. Rockefeller Archive Center, IBEC records (FA 084), Series 7
(Associations), box 42, folder 844. Associations – Memberships - United States Inter-American
Council, 1950-1962.
Memorando, “Antonio Amaral de Sampaio”, Philip Raine, 29/09/1958. National Archives at College
Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy
Brazil), Classified general records (1941-1963), ARC 1518696, box 115, folder 350 Brazil 1958.
Memorando, "Current projects for exposing communism – n. 3", Anderson e Vyron Vaky
(Departamento de Estado), Leonard R. Greenup (USIA) para John C. Hill, 16/10/1958. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1
3148 (Bureau of Inter-American Affairs. Office of the Assistant Secreatary of State for Inter-American
Affairs. Office of the Special Assistant on Communism), Subject files (1958-1961), ARC 2363836, box
1, folder Communism – Anticommunist Campaign Task Force 1958.
Carta, Woodruff Wallner para Maurice M. Bernbaum, 06/11/1958. National Archives at College Park,
Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 1164 (Bureau of Inter-
American Affairs. Office of South American Affairs. Office of East Coast Affairs), Subject Files
Relating to Central and South America, 1954 – 1959, ARC 2113331, box 22, folder Brazil 1959.
Anexo B, “Major operating problems and difficulties facing the United States”, Special Report by the
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(NSC 5613/1), 26/11/1958. Foreign Relations of the United States (FRUS), 1958-1960, American
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https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1958-60v05/d7 Acessado em novembro 2019.
Memorando, “Special report on Latin America”, Jeremiah J. O’Connor (assistente do subsecretário de
Estado) para Richard R. Rubottom, 26/11/1958. National Archives at College Park, Record Group 59
(Records of the Department of State), Entry number A1 1135 (Bureau of Inter-American Affairs.
Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), Subject files 1957-1959, ARC
2108779, box 8, folder 1958 OCB.
Carta, John M. Vebber para Richard R. Rubottom, 11/12/1958. National Archives at College Park,
Record Group 59 (Records of the Departament of State), Entry number 1137 (Bureau of Inter-
American Affairs. Office of the Assistant Secretary. Office of the Special Assistant, 1956-1958), Office
Files 1956-1958, ARC 3205519, box 7, folder Intelligence 1958.
882

1959
Memorando, “Latin American policy paper”, John C. Hill para William P. Snow, 22/01/1959. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1
1136 (Bureau of Inter-American Affairs. Office of the Deputy Assistant Secretary), Office Files, 1956 –
1959, ARC 2108780, box 25, ARA Deputy Miscellaneous (M thru Z) 1959.
Relatório NSC 5902/1, “Statement of the US policy toward Latin America, 16/02/1959. Foreign
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Disponível em: https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1958-60v05/d11 Acessado em
novembro de 2019.
Carta, John M. Cabot para Allen W. Dulles, 16/02/1959. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 5170 (Records of Ambassador John
M. Cabot 1945-1963, ARC 614561, box 1, folder #1.
Boletim SEI, nº 617 “Novos detalhes da campanha comunista entre a juventude sul-americana”,
Montevidéu, março 1959. Anexo ao relatório n. 377, “Sociedade de Estudos Interamericanos”, Eurico
José Miranda (Delegado auxiliar, DOPS São Paulo) para Raimundo Tomaz (Delegado, DOPS Belo
Horizonte), 20/09/1959. Arquivo Público Mineiro, fundo polícia política, pasta 5195, rolo 082, data
mar. 1959-out. 1960 (termo de busca: Wladimir Lodygensky).
Memorando, William T. Briggs para Richard R. Rubottom, 05/03/1959. National Archives at College
Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 1135 (Bureau of Inter-
American Affairs. Office of the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs), Subject Files
1957-1959, ARC 2108779, box 11, folder 1959 Brazil.
Carta, Woodruff Wallner para Clarence A. Boonstra, 24/03/1959. National Archives at College Park,
Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified
general records 1941-1963, ARC 1518696, box 131, folder Labor Affairs General 1959-1961.
Carta n. 59-4, USIAC, “United States Information Agency; new USIAC-USIA Liaison Committee”,
Henry W. Balgooyen para todos os associados da USIAC, 03/04/1959. National Archives at College
Park, Record Group 306 (Records of the US Information Agency), Entry number P 473 (Office of the
Assistant Director for Latin America), Regional Subject Files 1953-1971, ARC 63821359, box 15,
folder IAL record files – IOC/USIAC 1959.
Memorando, Donald C. Marelius para John M. Cabot, 07/04/1959. National Archives at College Park,
Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy
Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 125, folder 350 Brazil January-June
1959.
Despacho diplomático n. 1159, “Growth of Communism in Cuba”, Daniel M. Braddock para o
Departamento de Estado, 14/04/1959. Foreign Relations of the United States, 1958-1960, Cuba,
volume VI, document 278: “Despatch from the Embassy in Cuba to the Department of State”.
Memorando, "Centro Industrial de Rio de Janeiro", Howard Cottam para Donald C. Marelius,
18/04/1959. National Archives at College Park, Record group 84 (US diplomatic missions), Entry
number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 125,
folder 350 Brazil January-June 1959.
Boletim SEI n. 633, “Resumo da situação das Forças Armadas soviéticas”, especial para as Forças
Armadas, maio 1959. Hoover Institution, Comitetul National Roman records 1945-1975, series CNR
Representatives Abroad 1951-1972, box 15, folder 5. Brazil, 1956-1972.
Boletim SEI, n. 634, “Programa de perguntas e respostas da Rádio de Moscou”, Rádio-escuta São
Paulo, maio 1959. Anexo ao relatório n. 377, “Sociedade de Estudos Interamericanos”, Eurico José
883

Miranda (Delegado auxiliar, DOPS São Paulo) para Raimundo Tomaz (Delegado, DOPS Belo
Horizonte), 20/09/1959. Arquivo Público Mineiro, fundo polícia política, pasta 5195, rolo 082, data
mar. 1959-out. 1960.
Boletim especial SEI n. 636, “Necessidade de consolidação da opinião pública nacional através da
difusão de exemplos positivos”, maio 1959. Hoover Institution, Comitetul National Roman records
1945-1975, series CNR Representatives Abroad 1951-1972, box 15, folder 5. Brazil, 1956-1972.
Boletim especial SEI n. 653, “Seminário latino-americano de estudantes em Sucre, Bolívia, 4-23 de
maio de 1959”. Hoover Institution, Comitetul National Roman records 1945-1975, series CNR
Representatives Abroad 1951-1972, box 15, folder 5. Brazil, 1956-1972.
Boletim especial SEI n. 648, “Algumas reflexões sobre a guerra fria soviética e a situação atual”,
junho 1959. Hoover Institution, Comitetul National Roman records 1945-1975, series CNR
Representatives Abroad 1951-1972, box 15, folder 5. Brazil, 1956-1972.
Memorando, “The US and Latin American revolutions”, Ross para Stewart (Office of Central
American and Panamanian Affairs – OAP), 15/07/1959. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the Department of State), Central Decimal Files 1955-1959, box 2992, folder
720.001/7-1559.
Boletim SEI n. 676, “Sugestivo relatório sobre uma escola teatral brasileira”, Uruguai, agosto 1959.
Anexo ao relatório n. 377, “Sociedade de Estudos Interamericanos”, Eurico José Miranda (Delegado
auxiliar, DOPS São Paulo) para Raimundo Tomaz (Delegado, DOPS Belo Horizonte), 20/09/1959.
Arquivo Público Mineiro, fundo polícia política, pasta 5195, rolo 082, data mar. 1959-out. 1960.
Protocolo n. 7285/59 e Informação n. 387, Nilo de Oliveira (Detetive, Seção de Controle de Atividades
Antidemocráticas, DPS Rio de Janeiro) para Waldemar Levy Cardoso (Chefe de Gabinete do Ministro
da Guerra Henrique Teixeira Lott), 05/08/1959. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, fundo
polícias políticas, setor confidencial, notação 42, folhas 36 a 42.
Diário, “Cabot Diaries”, entrada de 13/08/1959. Lyndon B. Johnson Presidential Library and Museum,
John Moors Cabot papers, reel 4.
Memorando, “Attached letter from Dick Rubottom”, Eric C. Wendelin para John M. Cabot,
17/08/1959. National Archives at College Park, Record Group 84 (Records of the US diplomatic
missions), UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box
125, folder 350 Brazil July-December 1959.
Estudo, “Study and report on the Federal Department of Public Safety of the United States of Brazil”,
Joseph Lingo, Robert J. Weatherwax e Gerard J. Engert, setembro 1959. National Archives at College
Park, Record Group 286 (Records of the US Agency for International Development), Entry number A1
19 (Office of Public Safety. Office of the Director), Program surveys and evaluations, ARC 5637814,
box 1, folder Brazil 1959.
Relatório n. 377, “Sociedade de Estudos Interamericanos”, Eurico José Miranda (Delegado auxiliar,
DOPS São Paulo) para Raimundo Tomaz (Delegado, DOPS Belo Horizonte), 20/09/1959. Arquivo
Público Mineiro, fundo polícia política, pasta 5195, rolo 082, data mar. 1959-out. 1960 (termo de
busca: Wladimir Lodygensky).
Relatório, “Brief report on São Paulo police project and visit of September 23-25, 1959”, Joseph L.
Lingo, 23-25/09/1959. National Archives at College Park, Record Group 286 (Records of the US
Agency for International Development), Entry number A1 26 (Latin American Branch), ARC 5661926,
General Records 1957-1974, ARC 5637812, box 16, folder IPS-2/Survey/ Brazil 1952-62 (1 of 2).
884

Memorando descritivo de conversa, “Meeting with American sugar interests regarding the situation of
their properties in Cuba”, 24/09/1959. Foreign Relations of United States, 1958-1960, Cuba, Volume
VI, document 363, “Memorandum of a conversation, Department of State, Washington, September 24,
1959”.
Memorando, “Backgrounder for O Globo luncheon”, Lafe F. Allen para Aldo D’Alessandro,
27/10/1959. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State),
Entry number A 1 5170 (Records of Ambassador John M. Cabot, 1945-1963), ARC 614561, box 2,
folder #23.
Diário, “Cabot Diaries”, entrada de 17/11/1959. Lyndon B. Johnson Presidential Library and Museum,
John Moors Cabot papers, reel 4.
Memorando, “US financial assistance to workers school conducted by national confederation of
workers circles", John T. Fishburn para Cabot e Marelius, 19/11/1959. National Archives at College
Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy, Brazil),
Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 131, folder Labor Affairs General 1959-
1961.

1960
Notícia de jornal, “Henry Holland’s legal practice profited from his past State Department position”,
The New York Post, 03/01/1960. Dwight D. Eisenhower Presidential Library and Museum, Henry F.
Holland papers, Post-State Department series, box 13, folder H-2 “O-P”.
Carta, “Meeting with Mr. H. W. Balgooyen”, John P. McKnight para George V. Allen, 29/01/1960.
National Archives at College Park, Record Group 306 (Records of the US Information Agency), Entry
number P 473 (Office of the Assistant Director for Latin America), Regional Subject Files 1953-1971,
ARC 63821359, box 19, folder IAL record files – IOC/USIAC 1960.
Minutas, “Minutes of meeting between USIAC and Mr. Allen”, 01/02/1960. National Archives at
College Park, Record Group 306 (Records of the US Information Agency), Entry number P 473 (Office
of the Assistant Director for Latin America), Regional Subject Files 1953-1971, ARC 63821359, box
19, folder IAL record files – IOC/USIAC 1960.
Carta, John M. Cabot para Thomas D. Cabot, 11/02/1960. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the Department of State), A1 5170 (Records of Ambassador John M. Cabot,
1945-1963), ARC 614561, box 2, folder #16.
Relatório, “Report of USIA Liaison Committee to USIAC trustees meeting – March 24, 1960”, John K.
Jenney para membros do USIAC, 24/03/1960. National Archives at College Park, Record Group 306
(Records of the US Information Agency), Entry number P 473 (Office of the Assistant Director for
Latin America), Regional Subject Files 1953-1971, ARC 63821359, box 19, folder IAL record files –
IOC/BCIU 1960.
Carta, Balgooyen para os líderes dos comitês locais USIAC/USIA, 03/04/1960. National Archives at
College Park, Record Group 306 (Records of the US Information Agency), Entry number P 473
(Office of the Assistant Director for Latin America), Regional Subject Files 1953-1971, ARC
63821359, box 15, folder IAL record files – IOC/USIAC 1960.
Position Paper J-4 (preliminary), International Papers, U.S. Information Policy, E. Hobbing,
05/04/1960. Yale University, Sterling Memorial Library, Digital Repository, Henry A. Kissinger papers,
part II, Series I. Early Career and Harvard University, box: 161, folder: 19. Hobbing, Enno.
885

Memorando de Enno Hobbing para Henry A. Kissinger, 06/04/1960. Yale University, Sterling
Memorial Library, Digital Repository, Henry A. Kissinger papers, part II, Series I. Early Career and
Harvard University, box 161, folder: 19. Hobbing, Enno.
Nota de F. A. Mau (Duty Officer, Executive Secretariat, Department of State) para Frank J. Devine
(ARA), John C. Hill (Special Assistant on Communism, ARA), Wieland and Vallon (ARA), Stevenson,
05/06/1960. Telephone call regarding Cuba. National Archives at College Park, Record Group 59,
Entry number A1 3165 (Bureau of Inter-American Affairs. Office of Caribbean and Mexican Affairs.
Office of the Officer in Charge for Cuban Affairs), Subject Files 1960-1963, ARC 1768529, Box 2,
folder Memos of conversation Cuba 1960.
Carta, “Draft letter, John K. Jenney (Chairman, USIAC-USIA Liaison Committee) to list of USIAC
member firms who have promised to write their representatives in Latin American endorsing the
proposed cooperation between USIAC and USIA and urging local managers to participate in it”, John
K. Jenney, 05/07/1960. National Archives at College Park, Record Group 306 (Records of the US
Information Agency), Entry number P 473 (Office of the Assistant Director for Latin America),
Regional Subject Files 1953-1971, ARC 63821359, box 19, folder IAL record files – IOC/BCIU 1960.
Carta, Robert C. Hill (US Ambassador to Mexico) to George V. Allen (Director, USIA), 07/07/1960.
Hoover Institution, Robert C. Hill papers, Series Ambassador to Mexico, 1957-1961, Subseries
Correspondence 1957-1961, box 41, folder 9. Allen, George V., 1957-1960.
Memorando descritivo de conversa, Jorge Bhering de Mattos e James B. Opsata, 09/07/1960. National
Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US
Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 125, folder 350 Brazil
July-December 1960.
Comunicado conjunto USIA/Departamento de Estado, “Committees of US business representatives”,
para todos os postos diplomáticos da América Latina, 20/07/1960. National Archives at College Park,
Record Group 306 (Records of the US Information Agency), Entry number P 473 (Office of the
Assistant Director for Latin America), Regional Subject Files 1953-1971, ARC 63821359, box 24,
folder IAL record files – IOC 1961 (1 of 2).
Relatório, “Country Economic Program, Public Safety”, sem autor identificado, agosto de 1960.
National Archives at College Park, Record Group 286 (Records of the US Agency for International
Development), Entry number P 138, box 5, folder E-1 Completed.
Memorando, “Plan to strengthen the position of private enterprise, foreign and domestic, in Latin
America”, William A. Fowler (Counselor for Economic Affairs) to John M. Cabot (US Ambassador to
Brazil), 03/08/1960. Lyndon B. Johnson Presidential Library and Museum, John Moors Cabot papers,
reel 4.
Diário, “Cabot Diaries”, entrada de 20/08/1960. Lyndon B. Johnson Presidential Library and Museum,
John Moors Cabot papers, reel 4.
Telegrama n. 78, William P. Cochran, Jr. Para destinatário não identificado, 27/08/1960. National
Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US
Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 125, folder 350 Brazil
Elections 1960.
Despatch n.º 213, "Organization of Anti-Communist Campaign", Viron P. Vaky para o Departamento de
Estado, 07/10/1960. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions),
Entry number UD 2340 (US Embassy, Colombia), ARC 1629112, Classified General Records, 1938-
1961, box 117, folder 350.21 Communism. Classified.
Despatch n.º 245, "Anti-Communist Campaign", Viron P. Vaky para o Departamento de Estado,
19/10/1960.. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry
886

number UD 2340 (US Embassy, Colombia), ARC 1629112, Classified General Records, 1938-1961,
box 117, folder 350.21 Communism. Classified.
Relatório, “Report on trip to New York City, October 19 and 20”, W. J. Kramer para Begg e Levin,
26/10/1960. National Archives at College Park, Record Group 306 (Records of the US Information
Agency), Entry number P 473 (Office of the Assistant Director for Latin America), Regional Subject
Files 1953-1971, ARC 63821359, box 19, folder IAL record files – IOC/USIAC 1960.
Carta, Frank J. Devine para Viron Vaky, 31/10/1960. National Archives at College Park, Record Group
84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2340 (US Embassy, Colombia), ARC 1629112,
Classified General Records, 1938-1961, box 117, folder 350.21 Communism. Classified.
Boletim, “Resenha Semanal”, Bureau de Imprensa Sindical/SEI, 2-9 de novembro 1960. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro, Fundo polícias políticas, setor DPS, notação 30359, dossiê 10.
Telegrama circular USIA n. 1313, “USIAC-USIA Liaison Committees”, USIA para todos os postos
USIS da América Latina, 15/11/1960. National Archives at College Park, Record Group 306 (Records
of the US Information Agency), Entry number P 473 (Office of the Assistant Director for Latin
America), Regional Subject Files 1953-1971, ARC 63821359, box 19, folder IAL record files –
IOC/USIAC 1960.
Memorando, “Jânio Quadros – José de Magalhães Pinto”, Berent Friele para Nelson Rockefeller,
28/11/1960. Rockefeller Archive Center, Nelson Rockefeller personal papers, Ann C. Whitman -
Politics, ID FA351, Series P, box 6, folder 166 Friele, Berent, 1967-1973.
Carta, Manuel Ulloa para Edgar F. Kaiser, 28/11/1960. Edgar F. Kaiser papers, Series 5. President and
Chairman of the Board, the Kaiser Companies, Subseries Foreign Files 1953 – 1981, box 292, folder 5a
– 5i Brazil 1958-1962.
Memorando (for the files), “Members of Centro de Estudios Sociales planning to visit Washington in
connection with their anti-Communist plans”, 30/11/1960. National Archives at College Park, Record
Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2340 (US Embassy, Colombia), ARC 1629112,
Classified General Records, 1938-1961, box 117, folder 350.21 Communism. Classified.
Boletim, “Boletim SEI, da Sociedade de Estudos Interamericanos (Brasil)”, n. 871 a 874, dezembro
1960. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, fundo polícias políticas, setor geral, notação 84,
dossiê 12.
Carta, Viron Vaky para Frank Devine, 05/12/1960. National Archives at College Park, Record Group
84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2340 (US Embassy, Colombia), ARC 1629112,
Classified General Records, 1938-1961, box 117, folder “350.21 Communism. Classified”.
Relatório sobre Alberto Fernandez, 12/12/1960. CIA. Record Number: 104-10172-10081 National
Archives at College Park, The President John F. Kennedy Assassination records collection. Disponível
em: https://www.archives.gov/files/research/jfk/releases/104-10172-10081.pdf Acessado em dezembro
de 2019.
Plano, “A plan of action", The Latin American Business Information Committee, 19/12/1960. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Department of State), Entry number A1 3148 (Bureau of
Inter-American Affairs. Office of the Assistant Secreatary of State for Inter-American Affairs. Office of
the Special Assistant on Communism), Subject Files 1961-1963, ARC 2363838, box 12, folder L.A.
Information Committee – NYC.

1961
Memorando, “Cuba contingency plan meeting, Feb. 1, 1961”, John P. Hoover, 01/02/1961. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1
887

3165 (Bureau of Inter-American Affairs. Office of Caribbean and Mexican Affairs. Office of the
Officer in Charge for Cuban Affairs), Subject Files 1960-1963, ARC 1768529, box 2, folder Memos –
Inter-Departmental.
Memorando, “Businessmen’s meeting tomorrow in NYC to discuss post-Castro Cuba”, Frank J. Devine
to Thomas C. Mann – through Wimberly De R. Coerr. CC: John P. Hoover, Milton Barall, Vallon,
03/01/1961. National Archives at College Park, Record Group 59 (Department of State), Entry number
A1 3148 (Bureau of Inter-American Affairs. Office of the Assistant Secreatary of State for Inter-
American Affairs. Office of the Special Assistant on Communism), Subject Files 1961-1963, ARC
2363838, box 12, folder L.A. Information Committee – NYC.
Atividades previstas, Latin American Bussiness Information Committee, 09/01/1961. Dwight D.
Eisenhower Presidential Library amd Museum, C.D. Jackson papers 1931-1967, Series II. General file
or Time Inc. file 1933-1964, Sub-series A. Alphabetical file 1933-1964, box 65, folder Latin America
(2).
Recommendations for integration of foreign owned companies in Latin American Countries,
25/01/1961. Dwight D. Eisenhower Preisdential Library and Museum, C.D. Jackson papers 1931-1967,
Series II. General file or Time Inc. file 1933-1964, Sub-series A. Alphabetical file 1933-1964, box 65,
folder Latin America (2).
Carta, John T. Smithies (Room 1224, 72 Wall Street, New York 5, New York) to CD Jackson. Cc:
Clarence Dauphinot, Jr. and Manuel Ulloa, 27/01/1961. Dwight D. Eisenhower Presidential Library
and Museum, C.D. Jackson papers 1931-1967, Series II. General file or Time Inc. file 1933-1964, Sub-
series A. Alphabetical file 1933-1964, box 65, folder Latin America (2).
Memorando, de Hoover para Arquivo, 30/01/1961. National Archives at College Park, Record Group
59 (Department of State), Entry number A1 3148 (Bureau of Inter-American Affairs. Office of the
Assistant Secreatary of State for Inter-American Affairs. Office of the Special Assistant on
Communism), Subject Files 1961-1963, ARC 2363838, box 12, folder L.A. Information Committee –
NYC.
Memorando, Robert M. Sayre para Miss Olsen e Miss Moss, 20/02/1961. National Archives at College
Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), A1 1546 (President (1961-1963:
Kennedy). Task Force on Latin America), Subject and Country Files 1961-1961, ARC 2505037, box 1,
folder Berle Task Force on Latin America. Chron. File kept by Mr. Sayre (reqs. for employ., courteous
Thank-You answers removed).
Memorando, John P. Hoover para Thomas C. Mann, 28/02/1961. National Archives at College Park,
Record Group 59 (Department of State), Entry number A1 3148 (Bureau of Inter-American Affairs.
Office of the Assistant Secreatary of State for Inter-American Affairs. Office of the Special Assistant on
Communism), Subject Files 1961-1963, ARC 2363838, box 12, folder L.A. Information Committee –
NYC.
Carta, John T. Smithies para Adolf A. Berle (Department of State), 08/03/1961. National Archives at
College Park, Record Group 59 (Department of State), Central Decimal Files 1960-1963, Publication
Number C80 Microfilm, Reel 12.
Memorando, “ Study Groups on Deterrence of guerrilla warfare”, Robert W. Komer, 08/03/1961. John
F. Kennedy Presidential Library and Museum, Robert W. Komer papers, box 414, folder 1. Special
Group.
Carta, Wladimir Pereira para Vasco Leitão da Cunha, 09/03/1961. Centro de Pesquisa e Documentação
em História Contemporânea (CPDOC-FGV), fundo Vasco Leitão da Cunha, classificação VLC e
1960.11.27, série Embaixador.
888

Memorando, “Latin American Information Committee to start operations”, John P. Hoover para
Thomas C. Mann, 29/03/1961. National Archives at College Park, Record Group 59, Entry number A1
3148 (Bureau of Inter-American Affairs. Office of the Assistant Secreatary of State for Inter-American
Affairs. Office of the Special Assistant on Communism), Subject Files 1961-1963, ARC 2363838, box
12, folder L.A. Information Committee – NYC.
Telegrama circular, Dean Rusk para várias missões diplomáticas, 18/04/1961. National Archives at
College Park, Record Group 84 (Records of the Foreign Service Posts of the Department of State), UD
2132 (US Embassy, Brazil), Classified General records (1941-1963), ARC 1518696, box 126, folder
350 – Cuba Jan.-June 1960.
Convite de M. J. Rathbone, 18/04/1961. National Archives at College Park, Record Group 59
(Department of State, Entry number A1 3148, Subject Files 1961-1963, ARC 2363838, Box 12, Folder
“L.A. Information Committee – NYC”.
Telegrama circular, Dean Rusk para várias missões diplomáticas, 25/04/1961. National Archives at
College Park, RG 84 (Records of the Foreign Service Posts of the Department of State), UD 2132 (US
Embassy, Brazil), Classified General records (1941-1963), ARC 1518696, box 126, folder 350 – Cuba
Jan.-June 1960.
Comunicado, “Reunião de líderes sindicais, realizada na Federação dos Círculos Operários do Estado
de São Paulo, no dia 25/04/1961”, Setor C.G. (DOPS/São Paulo) para Chefe do Serviço
Secreto/DOPS/São Paulo, 26/04/1961. Arquivo Público do Estado de São Paulo, Fundo DEOPS,
Dossiê n. 50-Z-290 (Círculos Operários), pasta 4, documento n. 621.
Telegrama, John T. Smithies para Nelson Rockefeller, 26/04/1961. Rockefeller Archive Center, Nelson
Rockefeller personal papers, DNA, Series G, ID FA342, Series G, Subseries Files for other campaigns
and issues, box 30, folder 336 Issues 1961 – Statements by others, Latin America.
Paper, “Observations on US policy toward Latin America”, Henry F. Holland, 25/04/1961. Dwight D.
Eisenhower Presidential Library and Museum, Henry F. Holland papers, Post-Department series, box 9,
H-50 General: Paper on U.S. Policy Towards Latin America (3).
Dinner meeting, Metropolitan Club, New York, (Morgan Room and Sturgis Room), 6:30 PM
01/05/1961. National Archives at College Park, RG 59, A1 3148 (Bureau of Inter-American Affairs.
Office of the Assistant Secreatary of State for Inter-American Affairs. Office of the Special Assistant on
Communism), Subject Files 1961-1963, ARC 2363838, box 12, folder “L.A. Information Committee –
NYC”.
Memorando, “Contacts in Brazil”, Bernard Yarrow para George Truitt, 04/05/1961. Hoover Institution,
Radio Free Europe/Radio Liberty Corporate Files, Series Alphabetical File 1948-1988, box 157, folder
15. Brazil, 1961-1964.
Carta, George F. Eder para Allen Dulles, 04/05/1961. Document number: CIA-
RDP80B01676R003500070013-5 Collection: General CIA Records. Disponível em:
https://www.cia.gov/library/ Acessado em dezembro 2019.
Paper, “Cuba and communism in the hemisphere”, 04/05/1961. Foreign Relations of the United States,
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National Security Council by an interagency Task Force on Cuba.
Despacho diplomático n. 1039, “New anticommunist labor group established”, John T. Fishburn para o
Departamento de Estado, 19/05/1961. National Archives at College Park, Record group 84 (US
diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records 1941-
1963, ARC 1518696, box 131, folder Labor Affairs General 1959-1961.
Carta, não assinada, 22/05/1961. National Archives at College Park, Record Group 59 (Department of
State, Entry number A1 3148 (Bureau of Inter-American Affairs. Office of the Assistant Secreatary of
889

State for Inter-American Affairs. Office of the Special Assistant on Communism), Subject Files 1961-
1963, ARC 2363838, box 12, folder L.A. Information Committee – NYC.
Carta, Brewster R. Hemenway para Milton K. Wells, 23/05/1961. National Archives at College Park,
Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2340 (US Embassy, Colombia), ARC
1629112, Classified General Records, 1938-1961, box 117, folder 350.21 Communism. Classified.
Carta, Gladstone Chaves de Mello para Ivan Hasslocher, 26/05/1961. Arquivos pessoais de Ivan
Hasslocher.
Dinner meeting, Metropolitan Club, New York, (Morgan Room and Sturgis Room), 6:30 PM
01/05/1961. National Archives at College Park, RG 59, A1 3148 (Bureau of Inter-American Affairs.
Office of the Assistant Secreatary of State for Inter-American Affairs. Office of the Special Assistant on
Communism), Subject Files 1961-1963, ARC 2363838, box 12, folder “L.A. Information Committee –
NYC”.
Carta, John P. McKnight para Clarence Canary, 02/06/1961. National Archives at College Park, Record
Group 306 (US Information Agency), Entry number P 473 (Office of the Assistant Director for Latin
America), Regional Subject Files 1953-1971, ARC 63821359, box 24, folder IAL record files – IOC
1961 [2 of 2].
Relatório, “Draft recommendations to the USIAC for Latin American programs”, Richard T. Turner,
09/06/1961. Anexo ao Relatório, “Meeting with liaison committee of the US Inter-American Council”,
Joe Hummel para John M. Begg (USIA), 16/06/1961. National Archives at College Park, Record
Group 306 (Records of the US Information Agency), Entry number P 473 (Office of the Assistant
Director for Latin America), Regional Subject Files 1953-1971, ARC 63821359, box 15, folder IAL
record files – IOC/USIAC 1961 (2 of 2).
Carta, Thomas C. Mann (US Ambassador to Mexico) to Chester Bowles (Under Secretary of State).
13/06/1961. Enclosure: Memorandum ‘Some thoughts on US policy towards Latin America’. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Department of State), Central Decimal Files 1960-1963,
box 1210, folder 611.20/7-3161.
Relatório, “Meeting with liaison committee of the US Inter-American Council”, Joe Hummel para John
M. Begg (USIA), 16/06/1961. National Archives at College Park, Record Group 306 (Records of the
US Information Agency), Entry number P 473 (Office of the Assistant Director for Latin America),
Regional Subject Files 1953-1971, ARC 63821359, box 15, folder IAL record files – IOC/USIAC 1961
(2 of 2).
Carta, Milton K. Wells para Brewster R. Hemenway, 28/06/1961. National Archives at College Park,
Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2340 (US Embassy, Colombia), ARC
1629112, UD 2340, Classified General Records, 1938-1961, box 117, Folder “350.21 Communism.
Classified”.
Memorando, “CIA reorganization”, Arthur Schlesinger Jr para John F. Kennedy, 30/06/1961. John F.
Kennedy Presidential Library and Museum, Papers of Robert F. Kennedy. Attorney General Papers,
Series 8. Attorney General’s classified file, box 193, folder 44-03-19-14 CIA intelligence coverage of
foreign countries, Caribbean Survey Group (MONGOOSE) Central Intelligence Directive, Watch
Committee of USIB, section 1.
Foreign Service Despatch, Embaixada de Bogota para o Departmento de Estado, 05/07/1961. National
Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2340 (US
Embassy, Colombia), ARC 1629112, Classified General Records, 1938-1961, box 116, folder 350
Colombia (Elections. Riots. Defectors. Revolutions).
Carta, Edmond P. Taylor para Max Ascoli, 07/07/1961. Washington University at St. Louis, Olin
Library Department of Special Collections, Edmond P. Taylor papers, Series correspondence, Sub-
series corrrespondence from Taylor, box 19, folder 565. The Reporter – Ascoli, Max.
890

Relatório, “Annual Assessment Report”, Aldo D’Alessandro para a USIA Washington 18/07/1961.
National Archives at College Park, Record Group 306 (Records of the US Information Agency), Entry
number P 468 (Office of the Assistant Director for Latin America), Country correspondence files
relating to Latin America 1957-1966, ARC 61695899, box 4, folder IAL record files – Brazil 1961.
Discurso, Escola Superior de Guerra, Lincoln Gordon, 18/07/1961. John F. Kennedy Presidential
Library and Museum, Lincoln Gordon personal papers, Series 1. Harvard Business School, 1936-1961,
box 50, folder Brazilian War College speech, 18 July 1961.
Carta n. 61-3, “Action decided upon at USIAC membership meeting, June 21, 1961, India House, New
York”, John D. Moore (diretor do USIAC) para os membros do USIAC, 19/07/1961. Rockefeller
Archive Center, IBEC records (FA 084), Series 7 (Associations), box 42, folder 844 United States
Inter-American Council 1950-1962.
Carta, Julio E. Nuñez para Gilbert “Luke” Huber Jr, 24/07/1961. Yale University, Sterling Memorial
Library Digital Repository, Henry A. Kissinger papers, part II, Series I. Early Career and Harvard
University, box 45, folder 20. Nuñez, Julio E.
Memorando, “United States assistance to Acción Cultural Popular, under the direction of Monsignor
Salcedo, of Colombia”, Arturo Morales-Carrión para Richard M. Goodwin, 03/08/1961. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Department of State), Entry number A1 3149 (Bureau of
Inter-American Affairs. Office of the Deputy Assistant Secretary), Subject files (1961-1963), ARC
2363838, box 23, folder American Foundation for Cultural Popular Action – Mark Foster – Monsignor
Salcedo. Observação: documento enviado ao autor a partir de solicitação de liberação através da Lei
de Acesso à Informação (Freedom of Information Act) dos Estados Unidos, em dezembro de 2017.
Uma cópia deste documento deve estar disponível na localização descrita anteriormente.
Memorando descritivo de conversa, Domingo Eugene Delgado-Arias e deputado Raymundo Padilha,
03/08/1961. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry
number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 124,
folder 321.8 Classified.
Recortes de jornais, “Dirigentes sindicais renovadores em Brasília – O Diário” e “Barômetro sindical –
Audiência do Presidente da República à diretoria do CORS”, 18/08/1961. Arquivo Público do Estado
de São Paulo, fundo Prontuário DOPS Santos número 8491: “Movimento de Orientação Sindicalista”.
Carta de Paulo Godoy (Seção Brasileira CICYP) para Carlos Ons (CICYP Montevidéu), 22/08/1961.
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Fundo Conselho Interamericano de Comércio e Produção (Código
TV), Caixa 73, Volume “Correspondência confidencial 1957-1967’.
Memorando descritivo de conversa, “Political situation”. Participantes: William P. Cochran Jr., Péter
Murányi e Angus Littlejohn (empresário), 28/08/1961. National Archives at College Park, Record
group 84 (US diplomatic missions), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 124,
folder 321.8 Classified.
Telegrama n. 867, Eugene Delgado-Arias para a embaixada do Rio de Janeiro, 29/08/1961. National
Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US
Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 124, folder 321.8
Classified.
Telegrama n. 138, Niles W. Bond (Charges D'Affaires ad interim, US Embassy Rio de Janeiro) to the
Secretary of State (Dean Rusk), 06/09/1961. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records 1941-
1963, ARC 1518696, box 124, folder 321.8 Classified.
Relatório, “Anticommunist demonstrations in Latin America”, C. P. Cabell para Robert F. Kennedy,
07/09/1961. John F. Kennedy Presidential Library and Museum, Papers of Robert F. Kennedy, Attorney
General Papers, Series 8. Attorney General’s classified file, box 193, folder 44-03-19-14 CIA
891

intelligence coverage of foreign countries, Caribbean Survey Group (MONGOOSE) Central


Intelligence Directive, Watch Committee of USIB, section 1.
Despacho diplomático, “Labor in recent crisis", John T. Fishburn para o Departamento de Estado e
CIA, 11/09/1961. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry
number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 131,
folder Labor Affairs General 1959-1961.
Telegrama n. 515, Thomas C. Mann (US Ambassador to Mexico) para o Departmento de Estado,
20/09/1961. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), UD 2132
(US Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 124, folder 321.8
Classified.
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Memorando descritivo de conversa, “Brazilian Democratic Action (ADB)”, participantes: general
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Donald C. Marelius, 12/01/1962. National Archives at College Park, Record Group 59 (Department of
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B", 1962.
Telegrama n. 368, Edward J. Bash e A. Lincoln Gordon para Dean Rusk, 23/01/1962. National
Archives at College Park, Record Group 84, Entry number UD 2132 (US Embassy, Brazil), Classified
general records 1941-1963, ARC 1518696, box 135, folder 350.2 IPES 1962-1964.
Memorando descritivo de conversa, “Political plans of General Macedo Soares”, participantes: José
Ortiz Monteiro e Scott C. Lyon, 29/01/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
diplomatic missions), P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files 1/1/1962-
12/31/1963, ARC 4662581, box 2, folder Subject: Elections 1962.
Memorando, Eugene Delgado-Arias para Daniel M. Braddock, 30/01/1962. National Archives at
College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 87 (US Consulate General
São Paulo), Classified Central Subject Files 1962-1974, ARC 6233405, box 1, folder 670.3 Sage
Project.
Ata, Reunião da Comissão Diretora do IPES Rio de Janeiro, 05/02/1962. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro, fundo Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, Organização e Funcionamento, QL.0.OFU.8,
documento 8 de 12.
Memorando descritivo de conversa, “Labor activities of SEI”. Participantes: Jack Liebof e Nelson
Gouveia (Diretor de atividades sindicis da SEI), restaurante de São Paulo, 02/02/1962. Anexo ao
despacho diplomático n. 200, Daniel M. Braddock (ministro-cônsul geral, São Paulo) para o
Departamento de Estado, 13/02/1962. National Archives at College Park, Central Decimal Files 1960-
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1963, Publication number C-80, Publication title: Records of the U.S. Department of State Relating to
Internal Affairs of Brazil 1960-1963, reel 13. Também disponível em: Record Group 84 (Records of the
US diplomatic missions), Entry number P 87 (US Consulate general, São Paulo), Classified Central
Subject Files (1962 – 1974), ARC 6233405, box 1, folder 560 Labor Affairs.
Ata, “Reunião da Comissão Diretora”, IPES, 12/02/1962. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Fundo
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, Organização e Funcionamento, QL.0.OFU.8, documento 1 de
12.
Memorando descritivo de conversa, “Meeting with officers of the Ação Democrática Brasileira”,
participantes: general Edmundo de Macedo Soares e Silva, José Ortiz Monteiro, Jayme Regallo Pereira,
general Mario Coutinho, Daniel M. Braddock, Scott C. Lyon e Joseph Y. Kiyonaga, 13/02/1962.
National Archives at College Park, Record Group 59 (Department of State), Entry number A1 3168
(Bureau of Inter-American Affairs. Office of East Coast Affairs. 1958-1966), Records relating to
Brazil, 1954-1963, ARC 1786932, box 2, folder ECO 2. Labor, General. Jan-April 1962.
Memorando, “IPES”, Edward J. Bash para A. Lincoln Gordon e Niles W. Bond, 13/02/1962. National
Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number 2132 (US
Embassy Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 135, folder 350.2 IPES
1962-1964.
Carta, Herbert Hoover, Jr. para Robert C. Hill, 20/02/1962. Hoover Institution, Robert C. Hill papers,
Political Years (1961-1969), box 99, folder 49. Hoover, Herbert, Jr., 1962-1964.
Carta, Philip Raine para Edward T. Holway, 20/02/1962. National Archives at College Park, Record
Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special
Election Files 1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 2, folder Subject: Elections 1962.
Carta, A. Lincoln Gordon para Daniel M. Braddock, 20/02/1962. National Archives at College Park,
Recorf Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified
Special Election Files 1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 2, folder Subject: Elections 1962.
Memorando descritivo de conversa, “Anticommunist organization in Brazil (ACBC)”, Guy A. Fasoli e
Carlos Frederico Latorre, 20/02/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
diplomatic missions), Entry number P 87 (US general consulate São Paulo), Classified Central Subject
Files 1962-1974, ARC 6233405, box 1, folder 350 Political Affairs.
Carta, Vicente de Paulo Barretto para Carlos Castilho Cabral, 23/02/1962. Fundação Getúlio Vargas,
Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea (CPDOC/FGV), fundo Castilho
Cabral, classificação CC 62.02.23, série correspondência.
Memorando descritivo de conversa, “Family Electoral Alliance”, participantes: Thomas J. Barrett Jr e
Dom Fernando Gomes Santos, 26/02/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files
1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 3, folder Elections ‘62: Pernambuco.
Airgram A-120, Dean Rusk (Secretary of State) to US Embassy Rio de Janeiro, 26/02/1962. National
Archives at College Park, RG 84, UD 2132, Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box
135, folder 350.2 IPES 1962-1964.
Carta, Wladimir Lodygensky para a diretoria do IPES São Paulo, 28/02/1962. Centro de Pesquisa e
Documentação em História Contemporânea (CPDOC-FGV), fundo Paulo Ayres Filho, classificação
PAF IPES 1961.12.00, série IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais.
Telegrama n. 13, Dean Rusk para a embaixada do Rio de Janeiro, 01/03/1962. National Archives at
College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy
Brazil), Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 135, folder 350.2 IPES 1962-1964.
894

Memorando descritivo de conversa, “Position of the PSB”, participantes: Antonio Baltar, Domingo
Eugene Delgado-Arias e Arthur P. Frizzell, 02/03/1962. National Archives at College Park, Record
Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special
Election Files 1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 3, folder Elections ‘62: Pernambuco.
Carta, Michael Josselson para Keith Botsford, 06/03/1962. The University of Chicago, Joseph
Regenstein Library, International Association for Cultural Freedom papers, Series II. Correspondence
and subject file, Subseries I. 1948-1967, box 202, folder 3. Josselson, Michael - Correspondence, "A-
B", 1962.
Carta, “Activities of IPES”, Harvey R. Wellman para Daniel M. Braddock, 07/03/1962. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Department of State), Entry number A1 3168 (Bureau of
Inter-American Affairs. Office of East Coast Affairs. 1958-1966), Records relating to Brazil, 1954-
1963, ARC 1786932, box 2, folder ECO 7.4 Institute of Research and Social Studies (IPES) 1962.
Telegrama, Daniel M. Braddock para Dean Rusk, 10/03/1962. National Archives at College Park,
Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 87 (US Consulate general São Paulo),
Classified Central Subject Files 1962-1974, ARC 6233405, box 1, folder 670.3 Sage Project.
Memorando descritivo de conversa, “Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)”, participantes:
Daniel M. Braddock, Guy A. Fasoli, Paulo Ayres Filho e James C. McKee, 13/03/1962. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Department of State), Entry number A1 3168 (Bureau of
Inter-American Affairs. Office of East Coast Affairs. 1958-1966), Records relating to Brazil, 1954-
1963, ARC 1786932, box 2, folder ECO 2. Labor, General. Jan-April 1962.
Carta de Garrido Torres para Carlos Ons, 15/03/1962. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Fundo
Conselho Interamericano de Comércio e Produção (Código TV), Caixa 81, Volume “Correspondência
1957-1970”.
Memorando descritivo de conversa, “Sage project to send Brazilian students to the US”. Participantes:
Daniel M. Braddock, Guy Fasoli, Srta. Hendsch, Sr. e Sra. Henry Manning Sage. Local: Consulado
geral dos EUA, São Paulo. Anexo ao Operations memorandum, “Educational and cultural exchange:
Sage Project – privately sponsored program to send 73 university student leaders to the US”, Braddock
para o Departamento de Estado, 19/03/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
diplomatic missions), Entry number P 87 (US Consulate general São Paulo), Classified Central Subject
Files 1962-1974, ARC 6233405, box 1, folder 670.3 Sage Project.
Memorando, “Proposals to improve the Department’s effectiveness in dealing with international youth
and students affairs”, William A. Tyles para George C. McGhee, Walt Rostow, Coombs, Manning e
Crockett, 21/03/1962. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of the Department
of State), Entry number A1 558-B (Policy Planning Council), Subject Files, 1947 – 1962, ARC
1151314, box 73, folder Information Policy.
Ata, “Reunião do Comitê Diretor”, IPES, 27/03/1962, 17 horas. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro,
Fundo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, Organização e Funcionamento, QL.0.OFU.8,
documento 2 de 12.
Memorando descritivo de conversa, 29/03/1962, participants: General Nelson de Mello (Comandante
do II Exército), General Alberto Ribeiro Paz (Chefe de Gabinete do General de Melo), General Aurélio
de Lyra Tavares (Comandante II Região Militar), Daniel M. Braddock, Scott C. Lyon. CC: Mr.
Sampson (CIA). National Archives at College Park, National Archives at College Park, Record Group
84 (US diplomatic missions), Entry number P 72 (US Embassy Brazil), Classified Special Election
Files 1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 3, folder Elections ‘62: São Paulo.
Carta, José Rubem Fonseca para padre Belisário Veloso, 02/04/1962. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro, fundo Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, Correspondência, QL.0.COR.2.
895

Telegrama, Daniel M. Braddock para Dean Rusk, 04/04/1962. National Archives at College Park,
Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 87 (US Consulate general São Paulo),
Classified Central Subject Files 1962-1974, ARC 6233405, box 1, folder 670.3 Sage Project.
Relatório. Anti Catro activities, Cuba. FBI, from NY to HQ, 05/04/1962. Record Number: 124-10326-
10149 National Archives at College Park, The President John F. Kennedy Assassination records
collection. Disponível em: https://www.archives.gov/files/research/jfk/releases/124-10326-10149.pdf
Acessado em dezembro de 2019.
Carta, Antônio Carlos Pacheco e Silva para Coronel Ulhôa Cintra, 14/04/1962. Centro de Pesquisa e
Documentação em História Contemporânea (CPDOC-FGV), fundo Ulhôa Cintra, classificação UCi g
1959.11.03, série Golpe de 64.
Carta, Coronel Ulhôa Cintra para Antônio Carlos Pacheco e Silva, 27/04/1962. Centro de Pesquisa e
Documentação em História Contemporânea (CPDOC-FGV), fundo Ulhôa Cintra, classificação UCi g
1959.11.03, série Golpe de 64.
Carta, Philip Raine para Domingo Eugene Delgado-Arias, 10/05/1962. National Archives at College
Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified
Special Election Files 1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 2, folder Subject: Elections 1962.
Memorando descritivo de conversa, “Labor activities of SEI”, Participantes: Wladimir Lodygensky e
Jack Liebof, 16/05/1962. National Archives at College Park, Central Decimal Files 1960-1963,
Publication number C-80, Publication title: Records of the U.S. Department of State Relating to
Internal Affairs of Brazil 1960-1963, reel 13.
“Outline of SEI”, anexo ao memorando descritivo de conversa, “Labor activities of SEI”, Participantes:
Wladimir Lodygensky e Jack Liebof, 16/05/1962. National Archives at College Park, Central Decimal
Files 1960-1963, Publication number C-80, Publication title: Records of the U.S. Department of State
Relating to Internal Affairs of Brazil 1960-1963, reel 13.
Ata, “Reunião do Comitê Diretor”, IPES, 22/05/1962. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Fundo
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, Organização e Funcionamento, QL.0.OFU.8, documento 8 de
12.
Memorando descritivo de conversa, “Gubernatorial election in Pernambuco”, Thomas J. Barrett e
Monsenhor Arruda Câmara, 24/05/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files
1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 3, folder Elections ‘62: Pernambuco.
Telegrama n. 957, “Brazilian election report n. 7 – A Brazilian reports on situation in the Northeast”,
Robert W. Dean para todas as missões diplomáticas dos EUA no Brasil, 29/05/1962. National Archives
at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil),
Classified Special Election Files 1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 2, folder Subject: Elections
1962.
Memorando, “Ação Democrática Parlamentar”, Philip Raine para a embaixada do Rio de Janeiro,
29/05/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry
number UD 2132, Classified general records 1941-1963, ARC 1518696, box 135, folder 350 Brazil
April-June 1962.
Memorando descritivo de conversa, “Gubernatorial election in Pernambuco”, Thomas J. Barrett e
deputado Aderbal Jurema, 31/05/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files
1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 3, folder Elections ‘62: Pernambuco.
896

Memorando descritivo de conversa, “Gubernatorial election in Pernambuco”, Thomas J. Barrett e


deputado Padre Medeiros Netto, 04/06/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files
1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 3, folder Elections ‘62: Pernambuco.
Memorando descritivo de conversa, “Miscellaneous political observations”, Louis V. Ebert III e
deputado Abel Rafael Pinto, 04/06/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files
1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 3, folder Elections ‘62: Pernambuco.
Memorando descritivo de conversa, Louis V. Ebert III e deputado Hamilton de Lacerda Nogueira,
05/06/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry
number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files 1/1/1962-12/31/1963, ARC
4662581, box 2, folder Elections – Chamber of Deputies.
Memorando, Chad F. Calhoun (Senior Vice President, Kaiser Industries Co.) to Edgar F. Kaiser. David
Rockefeller dinner – Latin American Information Committee, 05/06/1962. The University of California
at Berkeley, Bancroft Library, Edgar F. Kaiser papers, Series 5. President and Chairman of the Board,
the Kaiser Companies, Subseries General Subject Files 1952-1981, Box 361, Folder “35. Latin
American Information Committee 1962”.
Ata, Comissão Executiva do IPES, 08/06/1962. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Fundo Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais, Organização e Funcionamento, QL.0.OFU.6, documento 8 de 14.
Relatório, “Interdepartmental Technical Subcommittee on Police Advisory Assistance Programs”, para
U. Alexis Johnson (Deputy Under Secretary of State for Political Affairs), 11/06/1962. National
Archives at College Park, Record Group 286 (Records of the US Agency for International
Development), Entry number A1 21 (Office of Public Safety. Office of the Director), General Records
1957-1974, ARC 5637812, box 3, folder IPS History References.
Despacho diplomático A-309, “Labor activities of SEI – Continued”, Daniel M. Braddock para o
Departamento de Estado, 14/06/1962. National Archives at College Park, Record Group 59 (Records of
the Department of State), Central Decimal Files 1960-1963, Publication number C-80, Publication title:
Records of the U.S. Department of State Relating to Internal Affairs of Brazil 1960-1963, Reel 13.
Também disponível em: Record Group 84 (Records of the US diplomatic missions), Entry number P 87
(US Consulate general, São Paulo), Classified Central Subject Files (1962 – 1974), ARC 6233405, Box
1, Folder 560 Labor Affairs.
Memorando descritivo de conversa, “The Church and Mato Grosso elections”, participantes: Thomas J.
Barrett Jr e Dom Antônio Barbosa, 19/06/1962. National Archives at College Park, Record Group 84
(US diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files
1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 3, folder Elections ‘62: Pernambuco.
Memorando descritivo de conversa, “Gubernatorial election in Pernambuco”, Thomas J. Barrett e
deputado Aderbal Jurema, 19/06/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files
1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 3, folder Elections ‘62: Pernambuco.
Memorando descritivo de conversa, “Nomination of Santiago Dantas as Prime Minister”, Thomas J.
Barrett e João Mendes, 19/06/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files
1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 3, folder Elections ‘62: Pernambuco.
Memorando descritivo de conversa, “Gubernatorial election in Pernambuco”, Thomas J. Barrett e
deputado Martins Rodrigues, 25/06/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US
897

diplomatic missions), Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files
1/1/1962-12/31/1963, ARC 4662581, box 3, folder Elections ‘62: Pernambuco.
Memorando, “Meeting on CA matters with the Panel of the of President’s Foreign Intelligence
Advisory Board”, 25/07/1962, documento n. 104-10302-10000. National Archives at College Park, The
President John F. Kennedy Assassination records collection. Disponível em:
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Telegrama circular, Dean Rusk para várias missões diplomáticas, 12/07/1962. National Archives at
College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), A1 5206 (Office of the Secretary.
Executive Secretariat), ARC 622921, box 1, folder Special Group (CI) 1/1/62 thru 7/31/62.
Carta, Péter Murányi para José Carlos de Macedo Soares, 20/07/1962. Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (Rio de Janeiro), fundo José Carlos de Macedo Soares, DL 1005.35.
Carta, Edwin M. Martin para Lincoln Gordon, 13/08/1962. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 5761 (Bureau of Inter-American
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Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number UD 2132 (US Embassy Brazil), Classified
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Relatório Especial, “Political, military, and economic trends in Brazil”, OCI/CIA, 16/08/1963. John F.
Kennedy Presidential Library and Museum, National Security Files, Series 4. Countries, box 14, folder
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Carta, Dorothy S. Bauman para Anne, 17/08/1962. Smith College, Young Library, Smith College
Special Collections (Sophia Smith Collection of Women’s History), Committee of Correspondence
records 1952-1989, Series V. Correspondence and Field Work 1953-1969, Sub-series General. Latin
American program 1956-1963, box 33, folder 6.
Termo de compromisso, Juarez Távora para a ADEP, 20/08/1962. Centro de Pesquisa e Documentação
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Carta, Lincoln Gordon para Edwin M. Martin, 22/08/1962. National Archives at College Park, Record
Group 59 (Records of the Department of State), Entry number A1 5761 (Bureau of Inter-American
Affairs. Office of the country director for Brazil), Records related to Brazil 1962-1975, ARC 2990432,
box 3, folder 1964. CR – AmAmb. Gordon Correspondence.
Memorando descritivo de conversa, "Executive offices of the Presidency", Hugo de Faria e Philip
Raine, 18/09/1962. John F. Kennedy Presidential Library and Museum, National Security Files, Series
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Telegrama n. 640, A. Lincoln Gordon para Dean Rusk, 18/09/1962. John F. Kennedy Presidential
Library and Museum, National Security Files, Series 1. Countries, box 13, folder Brazil general 16-31
August 1962.
Aerograma A-69, "Labor leader training: activities in Brazil of the Latin American Information
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memorando descritivo de conversa entre Braddock, Enno Hobbing e Jack Liebof. National Archives at
College Park, Record Group 59 (Records of the Department of State), Central Decimal Files 1960-
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898

Aerograma A-86, "Contributions of American firms to Social Action projects; Establishment of fund
independent of IPES”, Daniel M. Braddock para o Departamento de Estado, 28/09/1962. National
Archives at College Park, Record Group 59 (Department of State), Central Decimal Files 1960-1963,
Publication number C-80.
Telegrama n. 751, A. Lincoln Gordon para Dean Rusk, 03/10/1962. John F. Kennedy Presidential
Library and Museum, Papers of John F. Kennedy. Presidential Papers. National Security Files (#4),
Series 1. Countries, box 13, folder Brazil General 10/1/62 – 10/17/62.
Aerograma A-85, "Weekly Summary n. 41”, Daniel M. Braddock para o Departamento de Estado,
10/10/1962. National Archives at College Park, Record Group 59 (Department of State), Central
Decimal Files 1960-1963, Publication Number C80 Microfilm, reel 5.
Relatório, "USIS/US businessmen cooperation”, Frank H. Oram (Public Affairs Officer, US Embassy
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Program Coordination Staff. Office of the Business Advisor), Subject files 1960-1971, ARC 1077466,
box 2, folder PP Rio de Janeiro File.
Telegrama n. 12, A. Lincoln Gordon para Dean Rusk, 12/10/1962. John F. Kennedy Presidential
Library and Museum, Papers of John F. Kennedy. Presidential Papers. National Security Files (#4),
Series 1. Countries, box 13, folder Brazil General 1-17 September 1962.
Aerograma A-109, “Draper inter-agency survey team visit to São Paulo”, Daniel M. Braddock para o
Departamento de Estado, 23/10/1962. John F. Kennedy Presidential Library and Museum, National
Security Files (#4), Series 1. Countries, box 13, folder Brazil General 10/18/62 – 10/31/62.
Memorando descritivo de conversa, “Governor-elect Barros’ view of current situation”, participantes:
Daniel M. Braddock, Scott C. Lyon, Robert Reynolds e Adhemar de Barros, 26/10/1962. National
Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 87 (US
Consulate São Paulo), Classified Central Subject Files 1962-1974, ARC 6233405, box 1, folder 350
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Memorando, “Balance sheet on Brazil’s October 1962 general elections”, Roger Hilsman para Dean
Rusk, 16/11/1962. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions),
Entry number P 73 (US Embassy Brazil), Classified Special Election Files 1/1/1962-12/31/1963, ARC
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Ata, “Reunião plenária – Comitê Executivo Rio e São Paulo”, IPES, 23/11/1962. Arquivo Nacional do
Rio de Janeiro, Fundo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, Organização e Funcionamento,
QL.0.OFU.9, documentos 9 e 10 de 13.
Telegrama n.º 1112, Niles Bond para o Secretário de Estado, 06/12/1962. John F. Kennedy Presidential
Library and Museum, National Security Files (#4), Series 1. Countries, box 13, folder “Brazil General
12/1/62 – 12/15/62”.
U.S. Short Term Policy Toward Brazil, National Security Council Executive Committee, 11/12/1962.
John F. Kennedy Presidential Library and Museum, National Security Files (#4), Series 1. Countries,
box 13, folder Brazil General 1-15/12/1962.
Ata, “Reunião do Comitê Executivo e Chefes de Grupo”, IPES, 18/12/1962. Arquivo Nacional do Rio
de Janeiro, Fundo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, Organização e Funcionamento,
QL.0.OFU.7, documento 16 de 17.

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899

Panfleto, “Círculos Operários”, Federação dos Círculos Operários do Estado de São Paulo, 1963.
Arquivo Público do Estado de São Paulo, fundo DEOPS, Dossiê 50-Z-290-621 (Círculos Operários),
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Dossiê CLACE, DEOPS, 1963. Arquivo Público do Estado de São Paulo, fundo DEOPS, Dossiê 50-C-
24-443, pasta 4, documento 443.
Artigo, “Is counterinsurgency really necessary?”, Niles W. Bond, janeiro de 1963. Department of State
News Letter, n. 21, January 1963. Disponível na biblioteca da Michigan State University.
Telegrama, A. Lincoln Gordon para Edwin M. Martin, 02/01/1963. John F. Kennedy Presidential
Library and Museum, National Security Files, Series 4. Countries, box 13A, folder Brazil, General
1/63.
Ata, “Reunião do Comitê Executivo”, IPES, 08/01/1963. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, fundo
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, Organização e Funcionamento, QL.0.OFU.10, documento 1
de 18.
Telegrama n.º 1238, Lincoln Gordon para Edwin M. Martin, 02/01/1963. John F. Kennedy Presidential
Library and Museum, National Security Files (#4), Series 1. Countries, box 13A, folder “Brazil
General 1/63”.
Telegrama n.º 1315, Lincoln Gordon para Secretário de Estado, 14/01/1963. John F. Kennedy
Presidential Library and Museum, National Security Files (#4), Series 1. Countries, box 13A, folder
“Brazil General 1/63”.
Ata, “Reunião do Comitê Executivo (pleno) Rio/São Paulo”, IPES, 22/01/1963. Arquivo Nacional do
Rio de Janeiro, Fundo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, Organização e Funcionamento,
QL.0.OFU.10, documento 3 de 18 (continuação da ata em documento 4 de 18).
Ata, “Reunião do Comitê Executivo e Chefes de Grupo”, IPES, 12/02/1963. Arquivo Nacional do Rio
de Janeiro, Fundo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, Organização e Funcionamento,
QL.0.OFU.10, documento 6 de 18.
Memorando, A. Lincoln Gordon para o presidente Kennedy, anexo ao memorando “Political
considerations affecting US assistance to Brazil”, William H. Brubeck para McGeorge Bundy,
07/03/1963. John F. Kennedy Presidential Library and Museum, Papers of John F. Kennedy.
Presidential Papers. National Security Files (#4), Series 1. Countries, box 13A, folder Brazil General
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LIHUFF Project Outline, março 1963. Record Number: 104-10218-10044 e 104-10218-10040.
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Disponível em:
https://www.archives.gov/files/research/jfk/releases/104-10218-10044.pdf
https://www.archives.gov/files/research/jfk/releases/2018/104-10218-10040.pdf. Acessado em
dezembro 2019.
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Boletim, “Boletim SEI, da Sociedade de Estudos Interamericanos (Brasil)”, nº 1174, abril 1963.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, fundo polícias políticas, setor geral, notação 58, dossiê
10.
900

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Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Fundo Conselho Interamericano de Comércio e Produção (Código
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Relatório n. TDCS-3/548,655, “Plans of conservative military and civilian elements to overthrow the
Goulart administration if Congress is forced to close”, CIA, 24/05/1963. John F. Kennedy Presidential
Library and Museum, National Security Files, Series 4. Countries, box 14, folder Brazil, General 11-
31/05/1963.
Aerograma A-1355, “Conversation with Gastão Vidigal”, A. Lincoln Gordon para o Departamento de
Estado, 24/05/1963, com anexo: memorando descritivo de conversa, Lincoln Gordon e Gastão Vidigal.
John F. Kennedy Presidential Library and Museum, National Security Files, Series 1. Countries, box
14, folder Brazil General 5/11/63 – 5/31/63.
Relatório n. TDCS-3/548,654, “Plans of São Paulo civilian sector of movement to overthrow Goulart
administration”, CIA, 26/05/1963. John F. Kennedy Presidential Library and Museum, National
Security Files, Series 4. Countries, box 14, folder Brazil, General 11-31/05/1963.
Memorando descritivo de conversa, “Conversation with governor Adhemar de Barros who is
apprehensive of leftist coup”, participantes: Daniel M. Braddock, Robert Reynolds e Adhemar de
Barros, 05/06/1963. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions),
Entry number P 87 (US Consulate São Paulo), Classified Central Subject Files 1962-1974, ARC
6233405, box 1, folder 350 Political Affairs.
Telegrama n. 121, John G. Mein para o Departamento de Estado, 25/06/1963. National Archives at
College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 72 (US Embassy Brazil),
Classified Central Subject Files 1961-1976, ARC 4709901, box 1, folder 350 Brazil Jan-June 1963.
Manuscrito, Psychological Warfare – History, chapter VIII, 10/07/1963. Dwight Eisenhower
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Box 59, folder Psychological warfare – History – Chapter VIII? [untitled].
Memorando descritivo de conversa, “Labor activities of the IPES”, participantes: general de brigada
reformado Moacyr Gaya (Diretor de atividades sindicais do IPES) e Jack Liebof. Local: Consulado
geral dos Estados Unidos em São Paulo, 02/08/1963. Anexo ao Airgram A-31, Braddock para o
Departamento de Estado, embaixada do Rio e seção de Brasília, 02/08/1963. National Archives at
College Park, Record Group 84 (US Diplomatic missions), Entry number 87 (US Consulate General
São Paulo), Classified Central Subject Files 1962-1974, ARC 6233405, box 1, folder 560 Labor
Affairs.
Telegrama n. 305, A. Lincoln Gordon para Dean Rusk, 12/08/1963. John F. Kennedy Presidential
Library and Museum, National Security Files, Series 4. Countries, box 14, folder Brazil, General
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Carta Circular n. 1/1963, “SEI informa”, 15/08/1963. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro,
Fundo Polícias Políticas, Setor Comunismo, Notação 56, Caixa 784, Dossiê 02.
Telegrama n. 345, A. Lincoln Gordon para o Secretário de Estado, 17/08/1963. John F. Kennedy
Presidential Library and Museum, National Security Files, Series 4. Countries, box 4, folder Brazil,
General 8/21/63-8/31/63.
Memorando, "INR comments on OCI Special Report n. 0293/63C, 'Political, military, and economic
trends in Brazil, dated August 16, 1963", Thomas L. Hughes (INR) para Edwin Martin, 21/08/1963.
John F. Kennedy Presidential Library and Museum, National Security Files, Series 4. Countries, box
14, folder Brazil, General 8/21/63-8/31/63.
901

Telegrama n. 254, "Political trends and contingencies in Brazil", A. Lincoln Gordon para o
Departamento de Estado, 22/08/1963. John F. Kennedy Presidential Library and Museum, National
Security Files, Series 4. Countries, box 14, folder Brazil, General 8/21/63-8/31/63.
Ata, CPI do IBAD, Vol. 9, depoimento de Carlos Castilho Cabral, 29/08/1963. Disponível no sítio
eletrônico do Arquivo Público do Estado de Pernambuco:
https://www.comissaodaverdade.pe.gov.br/index.php/vol9-pdf
Boletim, “Boletim SEI, da Sociedade de Estudos Interamericanos (Brasil)”, nº 1195, setembro 1963.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, fundo polícias políticas, setor geral, notação 58, dossiê
10.
Relatório, “Highlights of 1963 program – Progress Report September 1 – December 31, 1963”, The
Latin American Information Committee, 01/09-31/12/1963. Columbia University, Butler Library,
Graduate School of Journalism records (1912-2011), Series V. Deans and Directors, 1880-1996,
Subseries V.7: John Luter, 1962-1973, box 37, folder 29. LAIC. Latin American Information
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Conselho Interamericano de Comércio e Produção (Código TV), Caixa 81, Volume “Correspondência
1957-1970”.
Dossiê n. 19, IBAD, informação n. 295. Fernando de Azevedo Carneiro (Chefe, Turma de Atividades
Antidemocráticas/DOPS, Estado da Guanabara) para Chefe da S.A.A., 18/10/1963. Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro, Fundo Polícias Políticas, Setor Geral, Notação 92, Dossiê 14, Caixa 1066.
Revista PN – Política e Negócios, n. 596, 04/11/1963, “Quem quer dominar o Brasil?”. Fundação
Getúlio Vargas, Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea (CPDOC/FGV),
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Aerograma A-568, “Contingency planning”, A. Lincoln Gordon, 04/11/1963. John F. Kennedy
Presidential Library and Museum, National Security Files, Series 1. Countries, box 14A, folder Brazil,
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Estudo, “Studies in Political Dynamics, number 4, Brazil”, Bureau of Intelligence and Research (INR),
Departamento de Estado, 06/11/1963. National Archives at College Park, Record Group 286 (Agency
for International Development), Entry number A1 26 (Latin American Branch), Country Files 1956-
1975, ARC 5661926, box 13, folder IPS Brazil: studies in political dynamics 1963.
Relatório de estudo, “Observations concerning the overseas police programs as an instrument of
national security policy with recommendation for improvement of their effectiveness”, dezembro
1963. National Archives at College Park, Record Group 286 (Records of the United States Agency for
International Development), A1 18 (Office of Public Safety. Office of the Director), ARC 5662096,
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Carta, Ulhôa Cintra para Antônio Carlos Pacheco e Silva, 01/01/1964. Centro de Pesquisa e
Documentação em História Contemporânea (CPDOC-FGV), fundo Ulhôa Cintra, classificação UCi g
1963.04.09, série Golpe de 64.
Memorando, “Political Action Program in Chile”, J. C. King para John McCone, 03/01/1964. Foreign
Relations of the United States, 1964-1968, volume XXXI, South and Central America; Mexico,
document 245. Memorandum From the Chief of the Western Hemisphere Division (King) to Director
of Central Intelligence McCone.
902

Aerograma A-216, “Current political situation”, Niles W. Bond para o Departamento de Estado,
07/02/1964. National Archives at College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry
number P 72 (US Consulate São Paulo), Classified Central Subject Files 1962-1974, ARC 6233405,
box 1, folder Communism & political affairs. Classified American Consulate General São Paulo.
Carta, John F. Gallagher (Presidente, LAIC) para Edgar F. Kaiser, 14/02/1964. Bancroft Library,
University of California (Berkeley), Edgar F. Kaiser papers, Series 5 (President and Chairman of the
Board, the Kaiser Companies), Subseries General Subject Files 1952-1981, box 385, folder 35a-35b.
Latin American Information Committee.
Telegrama n. 194, Niles W. Bond para o Departamento de Estado, 20/03/1964. National Archives at
College Park, Record group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 87 (US Consulate São
Paulo), Classified Central Subject Files 1962-1974, ARC 6233405, box 1, folder Communism &
political affairs. Classified American Consulate General São Paulo.
Carta, Robert C. Hill para Thomas C. Mann, 20/03/1964. Hoover Institution, Robert C. Hill papers,
Series Political Years (1961-1969), box 103, folder 27. Mann, Thomas C., 1961-1964.
Aerograma A-255, “Militant oppositionist activities in São Paulo; biographic data on Paulo de Lacerda
Quartim Barbosa”, 26/03/1964. Anexo: memorando descritivo de conversa, participantes: Paulo de
Lacerda Quartim Barbosa, Scott C. Lyon, Niles W. Bond e Robert Reynolds. National Archives at
College Park, Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 72 (US Consulate São
Paulo), Classified Central Subject Files 1962-1974, ARC 6233405, box 1, folder Communism &
political affairs. Classified American Consulate General São Paulo.
Memorando, com anexo, Richard Helms para McGeorge Bundy, 27/03/1964. Cópias encaminhadas
para o Dean Rusk, Thomas C. Mann, Ralph Burton (Divisão de Assuntos Brasileiros do ARA), Robert
McNamara, McNaughton (Secretário Adjunto de Defesa), General Maxwell Taylor, John McCone
(Diretor da CIA), Col. J. C. King (WH/CIA), Desmond Fitzgerald (CIA), Bundy e Ralph Dungan (Casa
Branca), General O’Meara (chefe da Zona do Canal do Panamá do Joint Chiefs of Staff). Lyndon B.
Johnson Presidential Library and Museum, Papers of Lyndon Baines Johnson President 1963-1969,
Series National Security Files, Sub-series Country File Latin America - Brazil, box 9, folder Brazil,
volume II, 11/63-3/64 [2 of 2].
Telegrama, Vernon A. Walters para Joint Chiefs of Staff, com cópia para McGeorge Bundy,
30/03/1964. Lyndon B. Johnson Presidential Library and Museum, Papers of Lyndon Baines Johnson
President 1963-1969, Series National Security Files, Sub-series Country File Latin America - Brazil,
box 9, folder Brazil, volume II, 11/63-3/64 [1 of 2].
Telegrama, Dean Rusk para A. Lincoln Gordon, 30/03/1964. Lyndon B. Johnson Presidential Library
and Museum, Papers of Lyndon Baines Johnson President 1963-1969, Series National Security Files,
Sub-series Country File Latin America - Brazil, box 9, folder Brazil, volume II, 11/63-3/64 [1 of 2].
Telegrama, A. Lincoln Gordon para Dean Rusk, 31/03/1964. Lyndon B. Johnson Presidential Library
and Museum, Papers of Lyndon Baines Johnson President 1963-1969, Series National Security Files,
Sub-series Country File Latin America - Brazil, box 9, folder Brazil, volume II, 11/63-3/64 [1 of 2].
Carta, Afrânio Coutinho para John C. Hunt, 30/04/1964. The University of Chicago, Joseph Regenstein
Library, International Association for Cultural Freedom papers, series. II. Correspondence and subject
files, box 47, folder 4.
Carta, “Contacts in Brazil”, Clarence Dauphinot Jr. para Richard M. Nixon, 31/03/1964. Hoover
Institution, Robert Charles Hill papers 1942-1978, Series Political Years 1961-1969, Subseries
Correspondence, box 95, folder 19. Dauphinot, Clarence, Jr., 1964-1966.
Carta, John C. Hunt para Afrânio Coutinho, 21/04/1964. The University of Chicago, Joseph Regenstein
Library, International Association for Cultural Freedom papers, series. II. Correspondence and subject
files, box 47, folder 4.
903

Diário, Adolf Berle, 14/05/1964. Michigan State University Library, The Diaries of Adolf A. Berle
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Carta circular USIAC, 15/07/1964. Rockefeller Archive Center, IBEC records, ID FA084, Series 7,
Associations, box 42, folder 843 United States Inter-American Council 1963-1968.
Carta, John T. Smithies para Jack Behrman, 03/08/1964. John F. Kennedy Presidential Library and
Museum, Jack N. Behrman papers, Series 1. Subjects 1960-1964, box 9, folder Latin American
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Ata de fundação da Associação dos Amigos das Nações Cativas (A.A.N.C.), 30/09/1964, matrícula nº
12603, arquivada no Registro Civil das Pessoas Jurídicas da cidade do Rio de Janeiro (Rua México, nº
148, 3º andar) em 13/10/1964.
Documento 273, “Editorial note”, 12/10/1964. Foreign Relations of the United States, 1964-1968,
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Rockefeller Archive Center, International Basic Economic Corporation (IBEC) records (FA084), Series
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Memorial Library, Henry A. Kissinger papers (part II), Series I. Early career and Harvard University,
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Relatório, “Progress report – The Latin America Information Committee, Inc. - Progress report June 1,
1964 – May 31, 1965”, 01/06/1964-31/05/1965. Edgar F. Kaiser papers, Series 5. President and
Chairman of the Board, the Kaiser Companies, Subseries General Subject Files 1952-1981, box 385,
folder 35a-35b. Latin American Information Committee.
Memorando, “ Report on one month in Brazil for the Committee of Correspondence”, Frances H.
Foland, 01/03/1965. Smith College, Young Library, Smith College Special Collections (Sophia Smith
Collection of Women’s History), Committee of Correspondence records 1952-1989, Series V.
Correspondence and field work 1953-1969, Sub-series Brazil. Reports 1956-1965, Box 34, Folder 1.
Bauman, Dorothy S. (Mrs. John Sprague)
Carta, George S. Moore para Gilberto J. Huber, Jr. (Luke), 08/01/1965. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro, Fundo Conselho Interamericano de Comércio e Produção (Código TV), Caixa 36, Volume
“Correspondência 1954-1964 Presidência CICYP”.
Boletim Informativo. Consejo Interamericano de Comercio y Produccion. 2ª Epoca, nº 2, Fevereiro de
1965. XLIV Reunion de la Comision Ejecutiva. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Fundo Conselho
Interamericano de Comércio e Produção (Código TV), Caixa 50.
Memorando descritivo de conversa, “Colonel Cabral’s opinions of IBAD investigation”, participantes:
Coronel Jurandir de Palma Cabral e Robert W. Dean, 15/06/1965. National Archives at College Park,
Record Group 84 (US diplomatic missions), Entry number P 72 (US Embassy Brazil), Classified
Central Subject Files 1961-1976, ARC 4709901, box 4, folder POL 13 Non-party blocs IBAD Brazilian
Institute of Dem. Action 1965.
Entrevista, “Interview 205, Wladimir Lodygensky (dinner)”, por John W. F. Dulles, 21/10/1965. The
University at Texas at Austin, University of Texas Libraries, Nettie Lee Benson Latin American
Collection, John W. F. Dulles papers relating to Brazil, Interview notes and memoranda, 1961-1977,
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Entrevista n. 243, “Júlio de Mesquita Filho”, por John W. F. Dulles, 20/11/1965. The University of
Texas at Austin, University of Texas Libraries, Nettie Lee Benson Latin American Collection, John W.
F. Dulles papers relating to Brazil, Interview notes and memoranda, 1961-1977, box 2, folder 1.
Interviews n. 235-262. Nov 17-30, 1965.
Entrevista n. 245, “Fernando Lee (II)”, Fernando E. Lee para John W. F. Dulles, 22/11/1965. The
University of Texas at Austin, University of Texas Libraries, Nettie Lee Benson Latin American
Collection, John W. F. Dulles papers relating to Brazil, Interview notes and memoranda, 1961-1977,
box 2, folder 1. Interviews n. 235-262. Nov 17-30, 1965.
Entrevista n. 252, UCF, Regina Figueiredo Silveira, Acyr Guisard, Maria Violeta Maciel de Castro a
John W. F. Dulles, 24/11/1965. The University of Texas at Austin, University of Texas Libraries, Nettie
Lee Benson Latin American Collection, John W. F. Dulles papers relating to Brazil, Interview notes and
memoranda, 1961-1977, box 2, folder 1. Interviews n. 235-262. Nov 17-30, 1965.
Entrevista, “Interview n. 256, João Baptista Leopoldo de Figueiredo”, por John W. F. Dulles,
26/11/1965. The University of Texas at Austin, University of Texas Libraries, Nettie Lee Benson Latin
American Collection, John W. F. Dulles papers relating to Brazil, Interview notes and memoranda,
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2018
Entrevista, Bill Holland (filho de Henry F. Holland), 01/08/2018.
Entrevista, George Leddy (filho de Raymond G. Leddy), 14/03/2018.
Entrevista, Raymond J. Batvinis, 01/11/2018 e 08/11/2018.
Entrevista, Anne Porter, Ed Marelius e Preston Lauterbach (filhos e neto de Donald C. Marelius),
02/12/2018 e 01/08/2019.

2019
910

Entrevista, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, 05-09/05/2019.

Arquivos privados de Henry F. Holland


Artigo de Henry F. Holland, Revista Time Life en español, 25/02/1957.
Henry F. Holland Daily Reports, February 1, 1960-January 31, 1961; February 1, 1961-December 31,
1961. Observação: os Daily Reports foram enviados para a Biblioteca Presidencial Dwight D.
Eisenhower em junho de 2018, com autorização de Bill Holland.

Arquivos privados de Ivan Hasslocher


Recortes de jornais (vários).
Agenda pessoal.
Cartas.
HASSLOCHER, Ivan. A tidy revolution, 1999. Manuscrito não publicado.

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