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Lucas Patschiki*
Neste artigo iremos analisar a fundação do Instituto Millenium (daqui para diante IMIL)
por Patrícia Carlos de Andrade e Denis Rosenfield em 2005, quando ainda era chamado de
Instituto da Realidade Nacional (troca de nome no ano seguinte). Assim, primeiro
avaliaremos os atores envolvidos, seus vínculos políticos e sociais, suas experiências e
interesses que convergiram para a participação ativa no IMIL. Segundo, iremos verificar a
organização inicial, como estes atores constituírem uma hierarquia organizativa para o IMIL e
como estes relacionam-se na sociedade civil e política. Por fim, iremos avaliar a identidade
ideológica conformada pelo IMIL neste primeiro momento, ou seja, os pontos mais básicos na
conformação de um discurso e de uma agenda política. O IMIL hoje é avaliado como o 33º
maior “think tank” da América Latina (MCGANN, 2015: 72), constando como número
10.890 entre todos os sites brasileiros, e número 354.306 em comparação global (ALEXA,
13.09.12: s./p.). Atua como um aparelho privado de hegemonia por excelência (GRAMSCI,
1999: 321), dado que não está diretamente ligado às relações de produção, distribuição e
venda (não cumpre as responsabilidades de sindicato patronal, federação de industriais,
associação comercial, etc.), agindo como um partido não formal, uma “nomenclatura de
classe” para a expansão do grupo social do qual se origina (GRAMSCI, 2002: 313).
Logo no início de 2005 foi criado um novo instituto, um novo aparelho de classe, parido
por diversos atores com esta exata intenção. Ao Instituto da Realidade Nacional foi dado
propósito, servir de ponto de suporte intelectual, ideológico e, especialmente, organizativo
para a classe dominante brasileira. Ele foi fundado pela iniciativa de Patrícia Carlos de
Andrade – o único nome ao seu lado, como coordenador, era o de Denis Rosenfeld
(SILVEIRA, 2013: 57).
Segundo sua fundadora:
*
Bacharel em História. Mestre em História/UNIOESTE. Doutorando em História/UFG. Bolsista Capes.
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aulas de Olavo em texto era procedimento comum de seus alunos (CARVALHO, 18.10.01:
s./p.). Outros pontos que ligam estes atores serão discutidos adiante.
O segundo nome citado, é o de Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) desde 1982. Doutor em filosofia pela
Universidade de Paris, é editor da revista acadêmica “Filosofia política” e autor de uma série
de obras, dentre estas “Hegel” (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002), “A Democracia
Ameaçada” (Rio De Janeiro: Topbooks, 2006), “Justiça, democracia e capitalismo” (Elsevier,
2010) e, sintomaticamente, com João Pereira Coutinho e Luiz Felipe Pondé, “Por que virei à
direita” (Três Estrelas, 2012). Rosenfield além de participar do IMIL, irá ser também um dos
participantes-fundadores do já citado MSM. Neste irá publicar poucos artigos, sendo o peso
de sua contribuição garantida não só pelo seu capital intelectual, mas pela gravidade de suas
contribuições - além de Olavo de Carvalho é o único articulista do MSM que comete uma
interpretação para a suposta estratégia do movimento comunista após a queda da URSS.
Enquanto o primeiro enxerga a revolução passiva e o transformismo como estratégias
positivas para o movimento revolucionário (que remete a Gramsci e chama de “marxismo
cultural”), o segundo irá encontrar no bonapartismo a ação comum da esquerda na
contemporaneidade (o que remete ao bolivarianismo e chama de “democracia totalitária”).
Nesse sentido, ele enxerga no “18 Brumário de Luís Bonaparte” de Karl Marx um documento
chave para a ação revolucionária (PATSCHIKI, 2012: 373-376).
Segundo Andrade a ideia do instituto nasceu da preocupação com inexistência “de
uma representação política e cultural de centro-direita moderna”. Diz centro-direita,
explicando que se intitular como “direita” no Brasil seria considerado uma nominação
ofensiva. A partir de 2000 começou a intermediar sua proposta com “empresários e
formadores de opinião”. Estes diálogos tomam forma mais concreta com a organização de um
seminário sobre liberalismo no Brasil na Univercidade no Rio de Janeiro, “nessa época, 2000,
2001” (IMIL, 10.09.13: s./p.).
A tensão na implementação do projeto neoliberal seria objeto de preocupação em um
documento de 2002, portanto preparatório ao Instituto da Realidade Nacional, assinado por
Rubem de Freitas Novaes. Neste documento identifica a ameaça contra a democracia e o
livre-mercado no estatismo, e identifica o agente histórico representante deste projeto: o PT,
não o de sua origem de luta, mas o transformado, onde não existiria mais espaço para o
socialismo ou as bandeiras sociais, mas a “defesa de benefícios corporativos”, pauta política
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Temos de sublinhar 3 pontos nessa citação: primeiro, que o PT agora passa a ser
rejeitado pela burguesia por outros motivos, indicando uma mudança no teor do
anticomunismo “crônico” da classe dominante, forma ideológica de um traço estrutural na
formação desta classe, a “contrarrevolução preventiva” (FERNANDES, 1976: 207-208).
Segundo, que a burocracia, como “classe” (eles assim o entendem, referenciando o ex-
comunista Milovan Djilas, afirmando que existiria um sentido político comum nas
burocracias da antiga URSS e brasileira) sairia como vitoriosa dos embates realizados em
torno da implementação do neoliberalismo no Brasil dos anos 90. As aspas com quais
referem-se ao neoliberalismo dos governos FHC indicam sua desilusão com a condução deste,
pois afinal, o Estado não só teria sido ampliado como os tributos aumentaram (destacando
aqui o proposital desaparecimento dos custos das dívidas internas e externa). Terceiro, que era
necessário encobrir a questão da ampliação do Estado relativa a implementação do
neoliberalismo (especialmente porque irá assumir papel de normatizador e regulador dos
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Era preciso dilatar o campo de influência do Partido, o que fez surgir a brilhante
idéia, recusada pelos petistas mais radicais, de cooptar o empresariado,
enfraquecido que estava, em suas convicções, por anos seguidos de magro
desenvolvimento econômico e de crescentes tensões sociais (NOVAES, 15.11.02:
s./p.).
Esta leitura foi endossada por diversos intelectuais petistas (como a de OLIVEIRA In.
ESTANQUE et all, 2005: 97). que visualizaram uma brecha entre o empresariado industrial
nacional e as frações da classe dominante mais ligada ao sistema financeiro – na qual
enquadra-se também o agronegócio. O transformismo petista assim pode ser interpretado
como uma ação estratégica para explorar as “fissuras” na classe dominante criadas pela
implementação do neoliberalismo. Esta falsificação histórica das relações de força permitiu
justificativa para o transformismo petista, garantido pela possibilidade de ascender como
gestor autorizado do Estado capitalista. Ao afirmar uma suposta “contradição” entre os
interesses das frações da classe dominante como elemento definitivo para a ascensão do PT ao
poder apagaram a necessidade política de sequestrar a autonomia do partido e das
organizações de luta da classe trabalhadora exatamente para a consolidação da hegemonia
neoliberal. Esta leitura ideológica formou um paradoxo: a possibilidade do PT ascender ao
poder resultaria das tensões classistas do processo de implementação das políticas neoliberais,
mas esta ascensão só seria garantida desde que o PT reproduzisse as mesmas premissas
neoliberais – seja qual a “gradação” deste projeto assumida.
A visualização destes embates no nível da aparência baseou a leitura ideológica que
existiram nestas manifestações de interesses imediatos possíveis “distinções” entre as frações
da classe dominante brasileira, que seriam evidenciadas pela sua diferente origem: industrial,
agrário, financeiro (e mesmo uma reativação da velha teoria que opunha a burguesia nacional
e o imperialismo). Tais leituras não faziam, propositadamente ou não, a devida verificação
histórica ao nível das condições sociais de produção e reprodução do capital, cuja
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O IMIL não poderia defender essa leitura monolítica sobre o PT, visto que ao contrário
de seus pares fascistizados, o instituto comporta grupos da burguesia apoiadores ativos da
gestão presidencial de Lula, e que é inevitavelmente capitalista. Uma leitura mais complexa
desta situação é oferecida pelo artigo de Carlos Pio e Eduardo Viola, divulgado no “Valor” de
28.09.04. Neste documento os autores buscaram enfatizar as cisões do PT, ou seja, através da
constatação destas divergências internas, passariam a propor uma qualificação mais apurada
do partido e das necessidades do combate a este:
As principais análises sobre o governo Lula apontam para a sua divisão em duas
alas, cujos projetos seriam, a princípio, incompatíveis. De um lado, teríamos uma
corrente liberal, encabeçada por Palocci; de outro, uma corrente estatista,
comandada por Dirceu. A primeira estaria interessada “apenas” no bom
gerenciamento da economia. A segunda estaria voltada para viabilizar um projeto
de partido hegemônico, com vistas a permanecer no poder por décadas. Mais
recentemente, passou se a temer que a primeira ala estivesse apenas servindo para
viabilizar a estratégia de hegemonia comandada por Dirceu (PIO; VIOLA,
28.09.04: s./p.).
Essa conclusão é fundamental para buscar afirmar o complô, um dos motes principais
do anticomunismo – aqui travestido de anti-estatismo, mas que como veremos, são
consideradas “etapas” para o mesmo fim histórico pelos teóricos ultraliberais, o comunista.
Assim, “não resta dúvida de que algumas iniciativas do governo do PT estão contribuindo
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(1) grande proporção pobres na população (34%), que demanda assistência social e
que pode ser mais facilmente manipulada nas eleições; (2) máquina política do PT
muito sofisticada organizacional e financeiramente e com baixo compromisso
histórico com o pluralismo político e o capitalismo; (3) presença de uma liderança
com forte apelo personalista e carismático; (4) existência de uma organização
comunista revolucionária e pára-legal, o MST, com vínculos estreitos com o PT; (5)
forte penetração do ideal de democracia participativa, ameaçando erodir os
mecanismos formais de representação (partidos, parlamento); (6) mentalidade
nacional coletivista e estatista, que se expressa na demanda por um “projeto
nacional” (PIO; VIOLA, 28.09.04: s./p.).
Note que sua agenda não faz nenhuma proposição em torno do aprimoramento
democrático das instituições ou sobre a ampliação dos direitos universais. O único sujeito
considerado nessas proposições é o “mercado”, que assume nessa dimensão fetichizada
prerrogativas, necessidades postas para além dos seres humanos. A partir daí qualquer direito
universal torna-se questão secundária, genérica, como visto no ponto sobre a “qualidade da
educação”. Por sinal, todos os outros pontos dão conta das políticas econômicas e
reestruturações para o aprofundamento da implementação do projeto histórico neoliberal. As
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Carlos Alberto Sardenberg (Jornalista das Organizações Globo) e Yeda Crusius (Economista e
Deputada Federal do PSDB, ex-Ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão de Itamar
Franco). A mesa 4 “Política e Liberdade”, contou com Octávio Amorim Neto (Cientista
político, FGV e IUPERJ), Rodrigo Maia (Deputado Federal pelo PFL), Eliseu Padilha
(Advogado, Deputado Federal pelo PMDB, ex-Ministro dos Transportes de FHC), Pedro
Parente (Engenheiro, ex-Chefe da Casa Civil e Ministro do Planejamento, Orçamento e
Gestão de FHC, executivo do Grupo RBS) e Yeda Crusius (ver mesa 3). A mesa 5 “Política
Externa”, com Pedro Malan (Economista, ex-presidente do Banco Central na gestão de Itamar
Franco, ex–Ministro da Fazenda da gestão FHC, presidente do conselho de administração do
Unibanco, sócio da Gávea Investimentos), Celso Lafer (Advogado, foi por 2 vezes Ministro
das Relações Exteriores do Brasil – gestões Collor e FHC e ex-Ministro do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio, gestão FHC, membro do conselho administrativo da Klabin), Eduardo
Viola (Cientista político, UnB) e Marcílio Marques Moreira (Diplomata, ex-Ministro da
Economia, Fazenda e Planejamento de Collor e presidente da Associação Comercial do Rio
de Janeiro).
No último dia, a mesa 6, “Liberdade Econômica e Propriedade privada”, contou com
Armínio Fraga (Economista, ex-presidente do Banco Central, gestão FHC, sócio-fundador da
Gávea Investimentos), Marcos de Barros Lisboa (Economista, secretário de política
econômica do Ministério da Fazenda, gestão Lula e presidente do Instituto de Resseguros do
Brasil), Gustavo Franco (Economista, 2 vezes presidente do Banco Central nas gestões de
FHC, presidente da Rio Bravo Investimentos) e Roberto Fendt (Economista, vice-presidente
do Instituto Liberal). A última mesa teve o tema de “Impasses do Brasil Atual” e contou com
Henrique de Campos Meirelles (ex-presidente do Bank Boston, presidente do Banco Central),
Jorge Gerdau Johannpeter (na época presidente do conselho de administração do Grupo
Gerdau), Denis Rosenfield e Paulo Roberto Nunes Guedes (Sócio fundador do Banco Pactual
e das faculdades Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, fundador e presidente da BR
Investimentos, fundador e sócio do Banco BTG Pactual S.A., é membro do Conselho de
Administração da Bozano Investimentos) (SILVEIRA, 2013: 57-58).
Entre os participantes, notamos a seguinte distribuição (o número final ultrapassa o
número total de convidados porque um único convidado pode enquadrar-se em mais de um
recorte): 8 representantes setor financeiro; 2 representantes setor industrial; 1 representante do
agronegócio; 8 acadêmicos; 5 jornalistas/executivos mídia; 3 advogados; 12 burocratas ou ex-
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Fontes:
Referências bibliográficas:
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