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Resumo: Neste projeto discuto a relação entre o atual populismo de direita brasileiro e a
militarização da administração pública através da racionalização do medo. Argumento
que tal movimento utiliza o medo como afeto político central para produzir legitimidade,
apoiando-se na imagem do militar e da organização militar como um modelo a ser
seguido. Isso produz implicações na forma de organizar a sociedade, as organizações,
assim como influencia no conteúdo das políticas públicas que passarão a ser colocadas
em prática - o que inclui o atual ‘Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares’
(Pecim) - objeto deste estudo. A partir disso depreende-se a questão norteadora dessa
pesquisa, qual seja: como o populismo de direita brasileiro articula, discursivamente, a
racionalização do medo para promover uma militarização da administração pública? Em
busca de respostas utilizarei a Análise Crítica do discurso (ACD) como método e também
como teoria.
INTRODUÇÃO
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O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade [ICMBio] é uma autarquia vinculada ao
Ministério do Meio Ambiente.
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Além desses termos, que são frequentemente encontrados em publicações no campo das ciências sociais
aplicadas, Brown (2019) ressalta que outras denominações como autoritarismo, fascismo, democracia não
liberal, liberalismo antidemocrático, extrema direita ou ainda neoconservadorismo, em parte, revelam sobre
a dificuldade atual de nomear o fenômeno.
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3
Refiro-me à ‘administração pública’, pois parto da figura do estado, representado aqui pelo atual governo
federal, como produtor/promotor do discurso de militarização. Sendo a administração pública o “conjunto
das atividades diretamente destinadas à execução concreta das tarefas ou incumbências consideradas de
interesse público ou comum, numa coletividade ou organização estatal” (BOBBIO, MATTTEUCCI E
PASQUINO, 1986, p. 10, grifos meus) situo as escolas públicas civis, que passaram a ser militarizadas,
como parte de tais atividades/incumbências, bem como evidenciam sobre ações concretas por parte do atual
governo brasileiro.
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1. REFERÊNCIAS TEÓRICAS
Discurso, neste estudo, é visto como aquilo que produz ideologia como também
a mantém (FAIRCLOUGH, 2019). Parto de Fairclough (2019) para entender o discurso
como uma parte de toda a prática social. Sendo que as práticas sociais são maneiras
recorrentes pelas quais agimos e interagimos no mundo, o discurso pode ser visto ainda
como um modo particular de como representamos o mundo (CHOULIARAKI;
FAIRCLOUGH, 1999). Também em Fairclough (2019), o discurso é uma prática política
e ideológica. Prática política porque mantém e também transforma as relações de poder.
Prática ideológica porque constitui e naturaliza, mantém e transforma, as relações de
poder. Certos discursos podem ligar-se a campos sociais específicos e projetos
particulares e ser disseminados como se dada representação particular fosse a mais
legítima, o que significa considerar que discursos podem se tornar poderosas armas de
luta pelo poder (VIEIRA E RESENDE, 2016).
Unindo esses conceitos depreende-se que a ideologia é produção de sentido a
serviço de dominação. Uma forma de estabelecer e sustentar relações de dominação é
criar uma ideia/percepção coletiva de que elas são legítimas (THOMPSON, 1995, p.82).
Essa representação das relações de dominação como legítimas está baseada em certos
fundamentos (cf. Weber (2002) racionais, tradicionais, carismáticos). Tais fundamentos
podem ser expressos em formas simbólicas (ações, falas, imagens, textos – linguísticas
ou não linguísticas) através de estratégias típicas de construção simbólica, sendo que a
racionalização é uma delas (THOMPSON, 1995). Na racionalização temos um “produtor
[...] que constrói uma cadeia de raciocínio que procura defender, ou justificar, um
conjunto de relações ou instituições sociais, e com isso persuadir uma audiência de que
isso é digno de apoio” (THOMPSON, 1995, pp. 82-83).
Isso significa dizer que, adotando a perspectiva de Thompson (1995, pp. 81-83),
compreendo a racionalização do medo como sendo a ‘estratégia’ de legitimação e a
militarização da administração pública o ‘modo’ de operação da ideologia populista no
contexto atual (tabela 1).
Legitimação Racionalização
Nessa seção apresento formas de conceituar o termo populismo, trato sobre alguns
fatores que possibilitaram seu desenvolvimento no cenário atual, abordo aspectos de
contradição envolvendo tal fenômeno e por fim apresento uma síntese do cenário
nacional.
Gustafsson e Weinryb (2020, p. 431), ao analisar o papel das mídias sociais
utilizando-se do conceito Weberiano de autoridade carismática argumentam que tal
modelo de autoridade, quando combinado a um 'entusiasmo digital' provocado e
promovido por movimentos populistas de direita, podem gerar “consequências
democráticas e organizacionais potencialmente terríveis”. Disso desenvolvem seu
argumento de que o populismo pode ser tanto positivo quanto negativo para a democracia.
Positivo por causa de seu foco nas visões políticas dos cidadãos "comuns" e negativo por
causa de seu enfraquecimento dos elementos "burocráticos" da democracia tais como o
Estado de Direito e os direitos humanos (GUSTAFSSON; WEINRYB, 2020, p. 435).
De Cleen, Glynos e Mondon (2018), baseando-se nas obras de Ernesto Laclau,
abordam o populismo como um significante, e não apenas como um conceito, à medida
que o entendem como uma forma de razão que tem como centro a pretensão de representar
"o povo" que é discursivamente construído como oprimido em oposição uma 'elite'
ilegítima. Sobre isso especificam Fougère e Barthold (2020), também apoiados nos
estudos de Laclau (2005), que o populismo tem dois atributos discursivos centrais (1) a
constituição de uma fronteira política que divide a sociedade em dois campos, 'nós [o
povo ] versus eles [as elites/o establishment] e (2) a unificação de uma pluralidade de
demandas em uma cadeia equivalente bem como a consolidação dessa cadeia por meio
da construção de uma identidade popular. Para Fougère e Barthold (2020) o populismo
não é necessariamente algo problemático caso seja impulsionado por valores
progressistas. Todavia o que temos assistido atualmente remete a uma transformação
radical da cena política provocada por partidos extremistas como, por exemplo, o governo
de Marine Le Pen, líder de extrema direita na França, Nigel Farage, político britânico que
teve papel crucial saída do Reino Unido da União Europeia, Donald Trump ex-presidente
estadunidense e Geert Wilders, político holandês de viés conservador (FOUGÈRE;
BARTHOLD, 2020).
Quanto a proposição 'nós’ [o povo] versus ‘eles’ [elite], esse ‘nós’, conforme
colocam De Cock e Husted (2018), reporta sobre um cidadão comum que se vê farto da
realidade social que vivência. Para os autores o populismo significa colocar em questão
a ordem institucional vigente, construindo um oprimido, ou seja, um agente que é
contrário ao modo como as coisas estão. Acrescentam Gustafsson e Weinryb (2020) que
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esse ´povo´ não é o povo inteiro, mas uma comunidade imaginada que representa 'uma
população virtuosa e unificada'. A ideia de ‘nós versus eles’ deixa explicita uma ideologia
que, como tal, serve para manter relações assimétricas e sistemáticas de poder (de
dominação, portanto - cf. THOMPSON, 1995) à medida que estabelece uma existência
social desigual entre os sujeitos. Ou seja, ela reporta (e reitera) quanto a uma distribuição
assimétrica de poder de determinado(s) grupo(s) onde estamos “nós” em relação a
outro(s) grupo(s) onde estão “eles”. Quando o populismo de direita promove a
organização da vida social através da concepção ‘nós versus eles’, (re)produz uma
segmentação social que legitima tratamentos desiguais que, em última instância, se
expressa através da reprodução de discursos preconceituosos direcionados contra grupos
socialmente minoritários, tais como negros (racismo), mulheres (misoginia), gays
(homofobia) e assim por diante. Como esclarecem Alves, Segatto e Pineda (2021) as
variações do populismo de direita atual mobilizam esse 'outro' para negar visões mais
pluralistas e multiculturalistas rejeitando o reconhecimento de sociedades diversas e o
respeito pela liberdade e igualdade entre grupos com diferentes identidades e interesses.
Kerr e Śliwa (2020) utilizando o termo ‘populismo reacionário’ adicionam que
tais movimentos podem ser marcados pelo ressentimento, ou seja, movidos por um
(re)sentimento de impotência que permeia diferentes grupos sociais. Concluem o autor e
a autora que a ideia de um ‘nós versus eles’ pode representar tanto os desfavorecidos, no
caso em que os membros do grupo terão a sensação de que sua situação econômica se
torna cada vez mais precária, quanto os relativamente privilegiados, que sentem que estão
sendo injustamente negados de sua posição legítima de domínio sociocultural.
Entre os fatores que possibilitam seu surgimento, da forma como o vemos no
cenário atual, estão as mudanças socioeconômicas, culturais e tecnológicas como o
crescimento econômico lento, desemprego, globalização econômica, variações
demográficas, inovações de computação e Internet, bem como a perda de uma dominância
masculina branca e heterossexual em favor de uma maior diversidade sócio cultural como
novas constelações familiarizares, pluralismo de gênero e movimentos feministas
(BROWN, 2019). Sobre isso escrevem Norris e Inglehart (2016, p.2), observando
populismos dentro do contexto do Reino Unido (Brexit) e Estados Unidos (com o
Trumpismo), que as mudanças socioculturais atuais são reflexos da adoção de direções
mais progressivas, todavia, tais “desenvolvimentos desencadearam uma
contrarrevolução, especialmente entre a geração mais velha, formada por homens brancos
com menores níveis educacionais que sentem o declínio e rejeitam ativamente a maré
crescente de valores progressistas, se ressentem do deslocamento de normas tradicionais
familiares [...] e que reagem com raiva à erosão de seus privilégios e status”.
Conforme argumentam Cleen, Glynos e Mondon (2018, p. 3) esses fatores são,
sem dúvida, importantes para explicar o populismo; no entanto, “a política populista atual
não pode ser reduzida a um efeito sintomático de desenvolvimentos extra políticos”
porque o populismo, em si, é um processo de luta profundamente político; nisso, as
mudanças socioeconômicas, socioculturais e tecnológicas induziram a um sentimento de
'fomos deixados para trás' resultando em apatia, ou então, em um sentimento antipolítico.
Acrescentam os autores que os movimentos populistas atuais funcionam, pelo menos
temporariamente, como um antídoto, em forma de discurso, que é mobilizado e que diz
dar voz a todos aqueles que se sentem silenciados e marginalizados de uma ação prática
e coletiva.
No caso dos Estados Unidos, por exemplo, Spector e Wilson (2018) esclarecem
que a eleição de Donald Trump demonstrou que muitos americanos aceitaram esse tipo
de mensagem. Argumentam que um aspecto importante da ascendência de Trump era sua
posição, como mensageiro e modelo, daquele que melhor representava as necessidades,
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valores, visão e modo de vida que seus seguidores buscavam para si próprios e cujas ações
e opiniões eles viam presentes nas falas de Trump. Gills, Patomäki e Morgan (2019)
acrescentam que, embora Trump possa ter conquistado o voto popular, ele é,
paradoxalmente, de um lado o produto de processos de financeirização,
desindustrialização e aumento das desigualdades e de outro se lançou como sendo uma
forma de protesto contra os efeitos desses mesmos fatores na vida cotidiana das pessoas.
Uma análise mais cuidadosa do conteúdo dessas mensagens populistas revela
sobre significativos elementos de contradição. Em especial, destaco os estudos que
analisaram a desinformação, popularmente chamada de fake-news e era da ‘pós-verdade’
(DE COCK; HUSTED, 2018, KNIGHT; TSOUKAS, 2019) por meio das quais partidos
populistas de direita valem-se do uso de ‘interpretações alternativas’ sobre fatos
controversos, não necessariamente preocupados com a veracidade do que é afirmado, mas
com o objetivo de obter legitimidade (KNIGHT; TSOUKAS, 2019). Constatam De Cock
e Husted (2018) que a própria adesão a pós-verdade como forma de (re)interpretar
situações controversas acaba gerando ainda mais controvérsia sobre o fato. Também
quando olhamos para as fake-news, a contradição está em uma tentativa de informar
desinformando, isso porque, à medida que referem-se a uma distribuição deliberada de
informação falsa, elas são dadas a um propósito de confundir ou induzir a erro.
Mollan E Geesin (2020) reportam sobre a contradição/ambiguidade narrativa
envolvendo a o populismo. Exemplificam isso ao analisar os últimos estágios da
campanha eleitoral americana, momento em que o bilionário Peter Theila firmou que os
americanos que apoiavam a candidatura de Donald Trump - incluindo ele próprio -
levavam Trump a sério, ‘mas não literalmente’. Wodak (2015) também comenta que o
embaçamento das fronteiras entre entretenimento e informação, bem como entre
domínios públicos e privados, entre marketing, publicidade e campanha política, entre
políticos e celebridades é comum no cenário atual no que se refere as estratégias
narrativas populistas. A autora descreve esse processo como a ficcionalização da política,
que seria um embaçamento das fronteiras entre o real e o ficcional, o informativo e o
divertido, e que cria uma realidade para o espectador que parece ordenada e gerenciável,
mas que se trata de uma ilusão enganosamente simples sobre a complexidade social.
Mollan e Geesin (2020), lembram, também usando como exemplo o ex-presidente
norte americano, que esses movimentos podem mostrar uma ‘antipatia ao politicamente
correto'. O que poderia ser considerado uma contradição em relação as mudanças
socioculturais das últimas décadas, uma vez que tais grupos [contrários ao politicamente
correto] entendem ser um direito já dado o uso de expressões ou ações que venham a
ofender, excluir e\ou marginalizar grupos de pessoas que são vistos como desfavorecidos
ou discriminados, especialmente aqueles definidos por gênero, orientação sexual ou raça.
Outro elemento de contradição em se negar o ‘politicamente correto’ - que em última
instância é a reivindicação de que é inaceitável excluir e\ou marginalizar determinados
grupos - é que essa negação é praticada apenas em relação a alguns grupos. Ou seja, via
de regra, aqueles que defendem tal posição não costumam abrir mão de ser tratados com
dignidade e humanidade no que lhe diz respeito.
Hensmans e Van Bommel (2020) alertam que o próprio conteúdo do populismo,
baseado na concepção nós versus eles seria um elemento de produção de contradição.
Isso porque a promoção de tal ideal é capaz de gerar formas de associação e aproximação
entre os sujeitos com base em valores e crenças compartilhadas, contudo o problema
estaria no fato de que sua base de justificação está assentada, especialmente, na ideia de
superioridade de uma certa comunidade em oposição a outras comunidades. Assim, uma
proposta de coesão social baseada em bases desse tipo produz (mais) exclusão e não
integração social. Nesse modelo de política, o antagonismo serviria para fomentar uma
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luta contínua contra adversários cujas ideias podem ser combatidas, mesmo ferozmente,
mas (contraditoriamente) o direito de defender essas ideias não deve ser questionado.
Trata-se de uma proposta de associação coletiva/social que, ao contrário de integrar,
fornece terreno para xenofobia, nacionalismo, nativismo exacerbado, preconceito e
formas de violência.
Observando os escritos de Patomäki e Morgan (2020), a contradição também pode
ser considerada quando líderes populistas, à medida que eleitos para seus cargos, não se
comportam de forma competente em relação a função a qual lhes foi atribuída. Segundo
explicam, isso ocorre porque uma função política envolve combinações de regras formais
e informais, normas e práticas e tem um propósito a ela outorgado. Todos esses elementos
criam bases pelas quais é possível ser avaliado como mais ou como menos competente.
A incompetência, portanto, dependeria do desempenho em relação ao que é esperado
daquele cargo ou função. Patomäki e Morgan (2020) trazem alguns exemplos sobre
disfunções relacionadas ao cargo presidencial: nomear pessoas não qualificadas para as
funções que assumem e ainda agir com hostilidade [com a mídia, com opositores e etc].
O próprio anti-intelectualismo de tais movimentos se mostra uma contradição em
nosso tempo. Sobre isso, Gustafsson e Weinryb (2020) argumentam que uma crença
central no populismo é que as pessoas não precisam ser educadas ou ter seus pontos de
vista alterados; elas já têm bom senso e, portanto, sabem mais. Além disso, o anti-
intelectualismo dentro de uma retórica populista de direita projeta os intelectuais - dentro
de uma narrativa de nós (povo) versus eles (elite) - como sendo membros de uma elite e
que, portanto, devem ser combatidos. Há a produção de uma retórica que desconecta a
produção intelectual e científica da sociedade em geral, isto é, como se a produção
científica (e intelectual) não servisse, em larga medida, aos interesses da própria
população. Isso abre perspectivas para que se questione, por exemplo, o uso de vacinas,
máscaras, distanciamento social em tempos de Covid-19, como assistimos no Brasil
atualmente.
Quanto ao cenário nacional, o que se observa é que a eclosão do populismo de
direita, no Brasil, começa a colocar em prática seu programa político a partir da eleição
de 2018 (BARROS; WANDERLEY, 2019, LACERDA, 2019). Conforme analisa
Lacerda (2019)4, a partir desse momento ocorre o fortalecimento de ações de cunho
conservador como o programa no Escola Sem Partido, o Estatuto da Família, o fim do
Estatuto do Desarmamento, a proposta de mudança da embaixada para Jerusalém, a
crítica ao chamado marxismo cultural, bem como um fetichismo militarista e a tudo que
dele deriva. Sobre isso, argumenta Sierra (2019) que o conteúdo conservador, do
populismo de direita brasileiro, tende a colocar em segundo plano questões como a
grandeza da concentração do capital e a enorme desigualdade social preferindo reafirmar
a sua interpretação da realidade entendendo a crise como uma questão de conflitos entre
identidades sociais motivados por diferenças culturais.
Lacerda (2019) entende que a escalada do populismo no Brasil se deu a partir das
chamadas Jornadas de Junho de 2013; foi nesse momento que manifestações levaram
milhares de pessoas às ruas e se tornou mais evidente uma propagação discursiva em
direção a posições conservadoras mais extremadas. Fortes (2016) argumenta que as
Jornadas de Junho de 2013 têm sido comparadas com protestos de forte participação de
jovens ocorridos ao longo da última década na periferia europeia e no mundo árabe
(incluindo na Tunísia, Egito, Grécia e Espanha). Na maioria destes casos, argumenta o
autor, os protestos foram desencadeados pela crise de sistemas políticos autoritários ou o
devastador impacto social da crise econômica conjugada com políticas de ajuste estrutural
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A autora utiliza o termo neoconservadorismo o qual tomo como sinônimo para populismo de direita (sobre
isso ver nota de rodapé número 2)
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Nesta seção apresento a relação entre legitimidade e Estado, abordo o vínculo do atual
governo com as instituições militares, discuto que tal relação é baseada no militarismo e,
por fim, exponho o tipo de consenso social fruto desse modelo de articulação.
Um dos desafios para se falar sobre esse assunto está no fato de que o campo dos
Estudos Organizacionais (ou mesmo da Administração Pública) pouco discutem a
militarização ou tópicos correlatos ao universo militar (ver BRITO; PEREIRA, 1996,
ROSA; BRITO, 2010); menos ainda quando ligados ao fenômeno do populismo
brasileiro. Nesse sentido, entendo que uma forma de ultrapassar tal limite seja propor uma
interlocução através do conceito de legitimidade/legitimação.
Dois motivos justificariam tal articulação: primeiro porque parto da noção que
discursos5 fornecem base para a legitimação de determinada ideologia (VAARA, 2014;
FAIRCLOUGH, 2006), ou seja, a militarização da administração pública fornece as bases
de justificação, reconhecimento e validação para o populismo de direita brasileiro (e vice-
versa visto que são elementos interdependentes); segundo porque, como aprofundarei na
seção 1.4 a militarização da administração pública é vista aqui como o resultado de uma
racionalização do medo, sendo que, o processo de racionalização, fundamentando-me em
Thompson (1995, pp. 80-83), é uma das estratégias típicas de construção simbólica
ligadas a um modo articular de operação da ideologia, qual seja: a legitimação.
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De uma perspectiva discursiva, o "populismo" seria formando por um conjunto de discursos baseado em
uma ideologia (populista), entre eles está o discurso da militarização da administração pública.
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Disponível em:
http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2018/06/15/e262facbdfa832a4b9d2d92594ba36eeci.pdf Acesso
em 28 de maio de 2021.
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Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/so-19-dos-brasileiros-confiam-no-
legislativo-aponta-amb/ Acesso em 28 de maio de 2021.
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Nessa seção parto da afirmação de Safatle (2016) para refletir que a política não diz
respeito apenas à circulação de bens e riquezas ela também se refere a circulação de afetos
no âmago da vida social, entre ao quais destaco o medo. Através de um processo de
racionalização o medo pode ser usado como forma de explicação que busca tornar
coerente ou moralmente aceitável atos/ideias que sob determina perspectiva (social) não
seriam.
Em Safatle (2016), os afetos (e as afecções) têm consequências políticas, o que nos
leva a considerar que a política é, em sua determinação essencial, um modo de produção
de ‘circuitos de afetos’. Para esse autor, compreender as sociedades como circuitos de
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afetos implicaria, por exemplo, partir dos modos de gestão social do medo enquanto
estratégia discursiva fundamental de adesão social; significa considerar que a política não
diz respeito somente à circulação de bens e riquezas, ela também diz respeito a circulação
de afetos interior da vida social (SAFATLE, 2016).
Safatle (2016) argumenta que normalmente tendemos a acreditar que uma teoria dos
afetos não contribui para o esclarecimento da natureza dos impasses e dos vínculos
sociopolíticos. Conforme coloca, isto acontece porque aceita-se que a dimensão afetiva
diga respeito, unicamente, à vida individual dos sujeitos. E, os afetos, nos remeteriam a
sistemas individuais de fantasias, crenças e valores pessoais o que impossibilitaria a
compreensão da vida social como sistema de regras e normas. A possibilidade de
ultrapassar tal limite está em considerar que a vida social - e a experiência política -
produzem e mobilizam afetos que funcionarão como base de sustentação formas de
associação.
O problema da articulação do medo, enquanto afeto político central, está na forma
como ele pode ser articulado (SAFATLE, 2016). Quanto a isso, esclarece Wodak (2015)
que o medo, atualmente, pode ser fomentado sob vários aspectos sócio-políticos com base
em desafios que atualmente preocupam os eleitores. Especialmente em períodos de crise
financeira e ambiental, surge uma profusão de medos, descontentamentos e pessimismos
como o medo de perder o emprego, medo de 'estranhos' (sobretudo na Europa e EUA
ligado aos migrantes), medo de perder a autonomia nacional, medo de perder a identidade,
as tradições e valores, medo das mudanças climáticas, da corrupção na política e assim
por diante (WODAK, 2015). Uma forma de se pensar esse tipo de articulação, em nossa
realidade atual, pode ser observada no trabalho de Kalil et al. (2021). Mesmo que tal
estudo se concentre especificamente na atuação do governo brasileiro no que tange à
pandemia de Covid-19 ele é elucidativo à medida que os autores discutem os diferentes
medos que o governo federal e sua base de apoiadores têm mobilizando. Entre eles
destacam a articulação do medo por meio da construção de um inimigo interno e externo
especialmente baseado na ideia de uma ‘ameaça comunista’ e ainda a manipulação do
medo através da uma ideia de ameaça às liberdades individuais. Sobre isso constatam
que, embora o medo tenha inicialmente tido sua promoção com base em uma ameaça
comunista ('vírus chinês' ou ‘vachina’) isso tem sido gradualmente substituído por
narrativas que agora frisam a questão de 'liberdade individual'. Essa última relacionada,
especialmente, a necessidade de continuar trabalhando e salvar empregos como forma de
salvar vidas. Neste interim o Estado utiliza o medo para se colocar na posição daquele
que deve (apenas) criar condições para o exercício da liberdade. Liberdade, essa, que é
conquistada na práxis apenas do mercado e no trabalho, não na vida pública ou coletiva
(KALIL et. al., 2021)
Como acrescenta Brown (2019), as agendas políticas liberais e as agendas econômicas
neoliberais geraram uma crescente experiência de abandono, traição e, finalmente, raiva
por parte dos novos despossuídos, das populações da classe trabalhadora e da classe
média branca. Segundo a autora, os danos das políticas econômicas neoliberais foram
manipulados na imagem de suas próprias perdas e focaram-se na alegoria a um passado
mítico de famílias felizes, íntegras e heterossexuais, quando mulheres e minorias raciais
sabiam seus lugares, quando as vizinhanças eram ordeiras, seguras e homogêneas, as
drogas era problema dos negros e quando cristandade e branquitude constituíam a
identidade, o poder e o orgulho manifestos da nação do ocidente. Isso significa avaliar
que a ascensão das formações políticas nacionalistas e autoritárias se devem, em larga
medida, à raiva instrumentalizada dos indivíduos abandonados economicamente e
ressentidos (identitariamente, mas não só) que acabou transformando o retorno a uma
moralidade tradicional em uma poderosa arma de batalha política (BROWN, 2019).
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Em Weber, devido a questões de tradução, racionalismo e racionalização podem ser tidos como conceitos
simulares (SELL, 2013).
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Discurso assumido por grupos reacionários da sociedade e absorvido pela população em geral diante de
um quadro de insegurança pública. A expressão “bandido bom é bandido morto” foi utilizada pelo então
durante a campanha presidencial de 2018. Segundo pesquisa tal afirmativa se mostrou aceita por metade
da população brasileira, segundo pesquisa do Ibope, Disponível em: <
https://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/metade-dos-brasileiros-acham-que-bandido-bom-
e-bandido-morto/> Acesso em jun.2020
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O Programa das Escolas Cívico Militares (Pecim) pode ser visto como parte de
uma proposta eleitoral. Em 2018, o então candidato, e atual presidente da república,
prenunciava em seu material de campanha “teremos em dois anos um colégio militar em
todas as capitais de Estado” (TSE, 2018, n.p).
As formas organizativas que vemos em implementação atualmente - ou seja, as
escolas cívico-militares - são diferentes dos colégios militares, citados na proposta acima.
Os colégios militares são, atualmente, quatorze unidades em todo o Brasil e foram
fundados sobretudo entre os anos 1950 e 1970 (BRASIL, 2021b). Tais colégios possuem
autonomia para montar seus próprios currículos e sua estrutura pedagógica além de,
normalmente, disporem de militares em seu quadro de professores. A maior parte dos
alunos são filhos de militares (SAUER, 2019). Os civis interessados em ingressar nas
instituições são submetidos a uma prova, que seleciona os alunos que obtiverem as notas
mais altas. Seus professores recebem melhores salários que os das escolas públicas
estaduais ou municipais. Além disso são locais que, normalmente, possuem estruturas
diferenciadas como laboratórios de química e de robótica e quadras poliesportivas. Elas
contam com recursos do Ministério da Educação e do Ministério da Defesa sendo que
cada aluno de um colégio militar custa, em média, três vezes mais do que um estudante
de uma escola pública regular (valores de referência).
Já as escolas cívico-militares (chamadas de Ecim´s) fazem parte do atual
Programa nacional das escolas cívico-militares desenvolvido pelo Ministério da
Educação (MEC) em parceria com o Ministério da Defesa.
Segundo informações do site do MEC, essas escolas apresentam ‘um conceito de
gestão’ nas áreas educacional, didático-pedagógica e administrativa com apoio in loco de
militares da reserva. Esse modelo de escola, segundo o MEC, “tem o objetivo de melhorar
o processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas e se baseia no alto nível dos
colégios militares do Exército, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros Militares”
(BRASIL, 2021). O “público-alvo” são alunos do ensino regular, nas etapas Ensino
Fundamental II, que vai do sexto ano até o nono ano a abrange normalmente crianças
entre 11 e 14 anos e/ou Ensino Médio, que compreende adolescentes de 15 a 17 anos que
estão se encaminhando para o término da educação básica.
Poderão aderir ao Programa os estados que possuam escolas que atendam a
critérios tais como: a escola deve pertencer a uma situação de vulnerabilidade social [são
escolas normalmente localizadas em periferias e áreas pobres]; precisam ter tido baixo
desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb); estar localizadas
na capital do estado ou na respectiva região metropolitana; devem oferecer as etapas
Ensino Fundamental II e/ou Médio e, preferencialmente, deve atender de 500 a 1000
alunos nos dois turnos, manhã e tarde [uma vez que as escolas públicas que se tornarem
Ecim´s não poderão ter aulas à noite].
Assim, uma promessa eleitoral - que anunciava “teremos em dois anos um colégio
militar em todas as capitais de Estado” (TSE, 2018, n.p), afirmava ainda que o “Conteúdo
e método de ensino precisam ser mudados. Mais matemática, ciências e português, SEM
DOUTRINAÇÃO E SEXUALIZAÇÃO PRECOCE” (TSE, 2018, letras em maiúsculas
presentes no documento original) e sustentava que para “mudar o método de gestão, na
Educação também precisamos revisar e modernizar o conteúdo. Isso inclui a
alfabetização, expurgando a ideologia de Paulo Freire10” (TSE, 2018, n.p) - culminou no
10
Interessante observar esse tipo de articulação e sua relação com o que já vivenciamos na ditadura civil-
militar brasileira. Quanto a isso, Alves, Segatto e Pineda (2021, p. 345) no lembram que “a ditadura militar
19
no Brasil (1964-1985) considerou as ideias de Freire como sendo subversivas, motivo pelo qual foi exilado
do país entre 1964 e 1980” e em contraste às acusações que recebe, Freire valoriza acertadamente a
necessidade de jovens e adultos de desenvolver habilidades de leitura autônomas dentro de suas condições
sociais, políticas e culturais através do debate sobre a complexidade dos conflitos políticos e sociais.
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RONDONIA 1 2
RORAIMA 2 3
SANTA CATARINA 4 0
SÃO PAULO 1 8
TOCANTINS 3 2
Total 53 70
Fonte: elaborado pela autora a partir de informações do site do MEC (BRASIL, 2021)
11
Colégios de aplicação e institutos federais, com ensino técnico paralelo ao ensino médio são os donos
dos melhores resultados do país na escola pública. No ranking das 10 melhores instituições públicas do
país, de acordo com o resultado do Enem em 2017, sete são federais, entre colégios de aplicação das
universidades federais e rede IF (institutos federais). Na lista aparece um colégio militar do Exército, o de
Belo Horizonte (MG), em 7º lugar (SIMPRODF, 2021). Disponível em:
https://www.sinprodf.org.br/escolas-federais-custam-menos-que-as-militares-e-tem-desempenho-
superior-no-enem/ acesso em 13 de junho de 2021.
21
3. MÉTODO
Este capítulo busca esclarecer como pretendo responder à questão de pesquisa - como
o populismo de direita brasileiro articula, discursivamente, a racionalização do medo para
promover uma militarização da administração pública? - em termos empíricos/práticos.
Para tanto, ele será dividido em cinco seções. Na primeira detalho sobre a Análise Crítica
do Discurso (ACD) como sendo o método e também a teoria adotados. Na segunda
especifico o contexto dessa pesquisa. Na terceira detalho como será feita a coleta das
informações que parte de uma perspectiva sincrônica com foco em um período de tempo
de curta duração (de 2018 a 2021), evidencio que o corpus de análise será formado por
três conjuntos de textos: textos do governo, da mídia e dos partícipes diretos do programa.
Na quarta seção abordo sobre o procedimento de análise, apresento os protocolos que
serão adotados e finalizo detalhando sobre possíveis focos/categorias analíticas situando-
as dentro da Concepção Tridimensional do Discurso. Na quinta e última seção apresento
considerações sobre perspectivas e posicionamentos como pesquisadora.
Opto pela ACD, pois através dela é possível fazer análises linguísticas inseridas
em reflexões mais amplas sobre o processo social. Também porque a ACD precisa ser
planejada/aplicada não apenas de uma maneira interdisciplinar, mas realmente
transdisciplinar (FAIRCLOUGH, 2019). O que significa que essa pesquisa irá, também,
contribuir com campo dos Estudos Organizacionais através de um processo de
intercomunicação entre várias outras disciplinas (como linguística, ciência política,
educação, sociologia), pois compartilho da percepção de que não existem fronteiras entre
os campos e que o diálogo entre áreas é fundamental à produção e aos avanços teóricos-
metodológicos.
A ACD é um tipo de pesquisa analítica do discurso que estuda principalmente as
formas como o poder e dominação são construídas, reproduzidas e resistidas. Assim,
analistas críticos do discurso assumem sua posição explícita em compreender, expor, e
em última instância, resistir à desigualdade social (VAN DIJK, 2001, p. 352). Justamente
a perspectiva ‘crítica’ da ACD reporta sobre seu compromisso com o questionamento de
aspectos políticos e morais da vida social (FAIRCLOUGH, 2003).
De forma sintética integro o arcabouço teórico-metodológico da ACD a minha
pesquisa da seguinte forma (tabela 3):
No que tange à coleta das informações para análise, será adotada uma perspectiva
sincrônica com foco em um período de tempo que vai de 2018 a 2021. Ela surge como
suficientemente representativa uma vez que parte da campanha presidencial oficial do
atual líder populista de direita, que já trazia entre suas promessas de campanha a
militarização de escolas, até segundo ano de implementação de uma gestão militarizada
em escolas públicas.
Como a ACD é aplicada sobre um corpus linguístico, ou seja, textos escritos e
registros orais em uma determinada língua, opto em segmentar meus corpora em textos
23
do governo, mídia e partícipes do programa. Para isso tomo como base Fairclough (2019)
que explica que, como o objeto de análise são os textos, é importante que eles sejam
tomados a partir de uma seleção que representem um domínio particular, mas que
assegurem que a diversidade das práticas envolvidas seja suficientemente representada.
O que chamo de textos do governo (tabela 4) refere-se aos textos produzidos pelo
governo federal por meio de seus representantes diretos, em especial o Ministério da
Educação. Ainda assim, tomo como disparador o Programa de Governo (eleições 2018),
pois ela traz elementos basilares para compreendermos as ideias por trás da estruturação
do programa. Os documentos oficiais, como os decretos e as portarias que o
regulamentam, revelam sobre o processo de composição e adequações jurídicas e legais
no âmbito da administração pública. O Manual Pecim surge como elucidativo para
identificação sobre valores, preceitos, diretrizes e demais visões. Já os canais on-line do
governo, via internet, trazem elementos sobre a produção de legitimidade junto ao público
em geral.
Tabela 4 – Textos do governo
Número de
Gênero Modalidade O que Quantidade
páginas
Documentos
Escritos Decreto 1 7
oficiais
Documentos
Escritos Portarias 3 15 (total)
oficiais
Regulamento
Escritos Manual Pecim 1 324
Oficial
Canal Estatal no
Site Oficial Sonoros/Visuais YouTube - TV 22 4:15min (total)
BrasilGov)12
(Canal Estatal no
Site Oficial Sonoros/Visuais 15 1:15 min (total)
YouTube - MEC)13
brasileiros. Para delimitação dos textos apliquei o filtro na expressão “escolas cívico-
militares”, visto que é possível delimitar expressões pelo uso de aspas, e obtive duzentos
e quatorze resultados (conforme imagem 1). Não restringi quanto ao tipo jornal, apenas
no que se refere a nacionalidade. Nesse primeiro momento não apliquei nenhum filtro
para datas, mas observa-se que a primeira notícia no PressReader data de 12 de setembro
de 2019 e traz informações sobre o decreto Nº 10.004 de 5 de setembro que instituiu
oficialmente o programa das escolas-cívico militares.
Já quanto aos textos dos partícipes diretos do programa, ele será proveniente de
entrevistas. Planejo realizar entrevistas semiestruturadas, ou seja, por meio de perguntas
ou questões estabelecidas num roteiro flexível em torno dos assuntos do interesse da
pesquisa (MINAYO, 2007). Não é possível dizer nesse momento de quantas entrevistas
serão feitas, uma vez que isso dependerá do desenvolvimento dos trabalhos.
O universo de organizações escolares que já se tornaram cívico-militares, até o
momento, é de 123 locais. Dadas as limitações relacionadas as políticas de distanciamento
social (Covid-19) eu priorizarei locais que já possuem presença em mídias sociais, uma
vez que isso reporta sobre uma melhor possibilidade de comunicação por meios virtuais,
bem como coleta de informações on-line (como postagens e comentários feitos pelos
usuários). Como é um requisito que estas escolas estejam localizadas em áreas de
vulnerabilidade social o que significa, que estão em regiões marcadas pela pobreza ou
extrema pobreza, o fato de ter-se identificado apenas cinco escolas com sites em mídia
social (no caso o Facebook) não surpreende. Dentro do universo de análise, tomarei,
inicialmente, essas cinco unidades (tabela 5) como base para realização das entrevistas14.
A escolha dessas unidades, dento do espectro total de escolas, integra essa
pesquisa dentro de uma proposta de estudo de caso múltiplo. De acordo com Gustafsson
(2017) o estudo de caso considera a unidade como um todo. Por meio do estudo do caso
14
Todavia isso pode ser expandido, conforme se mostre necessário, no que tange à identificação/localização
destas escolas em outras mídias sociais como, por exemplo, no Instagram.
25
ESCOLA MUNICIPAL
CÍVICO-MILITAR DE
ENSINO
https://www.facebook.com/saopedrocivicomilitar Bagé/ Rio Grande do Sul
FUNDAMENTAL SÃO
PEDRO
ESCOLA CÍVICO-
MILITAR PROF.ª
EMÉRITA DUARTE https://www.facebook.com/escolaemeritaoficial Biguaçu/ Santa Catarina
SILVA E SOUZA
ESCOLA ESTADUAL
https://www.facebook.com/eedospalmares Ibirité / Minas Gerais
DOS PALMARES
Fonte: elaborado pela autora
Sobre o que foi dito aqui em relação aos corpora é preciso, ainda, esclarecer que -
mesmo que eles pareçam amplos nesse início - a concepção da ADR de Fairclough (2019,
p. 293) deixa claro que ela é “especialmente relevante para a análise detalha de um
pequeno número de amostras” pois a análise deve focar-se na profundidade. Por esse
motivo, dentro desse espectro geral, exemplos significativos de textos serão selecionados,
analisados e debatidos conforme o processo de desenvolvimento desse estudo.
No que tange ao processo de análise dos textos, de acordo com Leitch e Palmer
(2010), a Análise Crítica do Discurso pode ser abordada com mais consistência e o rigor
partindo-se de três decisões centrais em relação a análise dos textos: decisões sobre
definições de conceitos centrais; decisões sobre seleção das informações; e decisões sobre
a análise. Para tanto, os autores propõem a adoção de nove protocolos centrais. Tal
procedimento será utilizado nessa pesquisa e é descrito na tabela 6 a seguir. Alguns deles
já parcialmente em andamento, outros passíveis de ser articulados durante e/ou após a
coleta e análise dos textos.
26
3 Apresente o contexto ou, se você escolher, não fazer Contexto organizacional das
isso, explique teoricamente o seu raciocínio e as escolas cívico-militares.
implicações para a sua análise.
Também optou-se por elaborar
a linha de raciocínio teórica a
qual foi apresentado na seção
1.1 desse material.
5 Descreva os critérios que você usou em sua pesquisa Não é possível responder nesse
para estabelecer quais dados foram associados ao texto momento da pesquisa.
e quais foram associados ao contexto.
6 Descreva como sua escolha e a disponibilidade de dados Não é possível responder nesse
sobre o contexto iluminou aspectos de sua questão de momento da pesquisa.
pesquisa e suas conclusões ao excluir outras
interpretações possíveis.
7 Descreva quais aspectos sobre ‘o que você encontrou' Não é possível responder nesse
foram baseados nos dados, quais partes da sua análise momento da pesquisa.
são baseadas em extrapolações e inferências, e qual foi
a sua base para fazer tais extrapolações e inferências.
9 Descreva seu papel como pesquisador na produção e Não é possível responder nesse
análise de dados relacionadas ao texto e ao contexto. momento da pesquisa.
Por fim, no que tange às dimensões de análise, com base na tradição dialética-
relacional de Norman Fairclough (FAIRCLOUGH, 1999, 2019) irei considerar as três
dimensões que o discurso possui sendo elas: as práticas sociais, a prática discursiva e a
prática social. Na primeira farei a descrição do conteúdo analisado e nas outras duas a
interpretação. Dentro de cada uma dessas dimensões existem categorias de análise que
27
poderei tomar como base conforme mostrem-se adequadas (tabela 7). O modelo que
apresento a seguir representa ‘o que’ pode ser analisado nos textos e sobre isso Vieira e
Resende (2016) explicam que a escolha das categorias analíticas não é algo feito a priori.
Elas serão - uma consequência - do que o texto nos traz e, evidentemente, das
preocupações da pesquisa.
Concepção
Parte do Exemplos (Ex) ou perguntas que podem
Tridimensional Prováveis Focos Possíveis categorias de análise
Procedimento ser feitas (P)
do discurso
DIMENSÃO
TEXTUAL Gramática Ex: Qual relação é dada entre as frases (de
descrição (relação entre frases/orações) adversidade, de realce, etc.?)
Fragmentos de outros
Intertextualidade textos Que outras vozes são articuladas no texto?
DIMENSÃO DA
PRÁTICA Ex: quem é responsável pelo texto, quem
DISCURSIVA Conceito do produtor tem a opinião representada? Que atores
Produção textual são invocados ou suprimidos?
Distribuição Simples Ex: Uma conversa casual
Complexa
3.4 Cronograma
Nessa seção detalho o cronograma (tabela 8) a partir dos protocolos (cf. tabela 6)
relacionando-os com os objetivos dessa pesquisa.
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32
4. APÊNDICE
Em relação aos estudantes, o manual prevê que o comportamento dos alunos seja
avaliado e classificado em forma de nota. Os estudantes farão uso obrigatório de
uniformes específicos com padrão militar, fornecidos pelo governo de cada estado.
Algumas regras constantes no manual reportam o fato das Forças Armadas ou de
segurança estaduais e municipais ser informadas de conflitos escolares que não puderem
ser resolvidos pelo oficial de gestão escolar e pelo diretor (p. 36). É prevista a realização
de rondas para monitorar os alunos ou como consta “É recomendável a realização de
rondas pelos monitores, com a finalidade de verificar se alunos estão faltando à alguma
atividade sem autorização, orientando-os a comparecer à atividade o mais rápido
possível” (p. 35). Também consta no manual que os “os deslocamentos das turmas de
aula deverão ser feitos em forma, sob o comando do aluno chefe de turma, e em passo
ordinário, sempre que possível” (p. 34, grifos meus). E, durante os deslocamentos das
turmas, podem ser entoadas canções - desde que o canto não atrapalhe as atividades
escolares e também desde que essas canções despertem o entusiasmo pela escola, pelos
heróis nacionais e pela Pátria, não sendo autorizadas canções previamente, submetidas ao
Diretor pelo Oficial de Gestão Educacional para devida aprovação (p. 34, grifos meus).
A Ecim poderá congregar os alunos em grêmios, clubes, núcleos e grupos que reflitam
interesses comuns de seus integrantes, desde que previamente autorizados pelo Diretor,
alinhados às orientações didático-pedagógicas das Ecim e sob a supervisão de um
orientador (p. 58, grifos meus). Parte do uniforme feminino, as saias-calças deverão ter
comprimento na altura dos joelhos (p. 7), “quando uniformizadas, as alunas poderão usar
apenas adereços (relógio, pulseiras, brincos) discretos” (p. 18, grifos meus). Para alunos
do sexo masculino, só será permitido o uso de cabelos curtos, cortados "de modo a manter
nítidos os contornos junto às orelhas e o pescoço" na tonalidade natural e sem adereços
(p. 18, grifos meus).