Você está na página 1de 33

Populismo de direita no Brasil: militarização da administração pública

como processo da racionalização do medo

Greice Martins Gomes


Orientador Dr. Daniel Lacerda
Programa de Pós-Graduação em Administração
(PPGA/ UFRGS), área de concentração em
Estudos Organizacionais.

Resumo: Neste projeto discuto a relação entre o atual populismo de direita brasileiro e a
militarização da administração pública através da racionalização do medo. Argumento
que tal movimento utiliza o medo como afeto político central para produzir legitimidade,
apoiando-se na imagem do militar e da organização militar como um modelo a ser
seguido. Isso produz implicações na forma de organizar a sociedade, as organizações,
assim como influencia no conteúdo das políticas públicas que passarão a ser colocadas
em prática - o que inclui o atual ‘Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares’
(Pecim) - objeto deste estudo. A partir disso depreende-se a questão norteadora dessa
pesquisa, qual seja: como o populismo de direita brasileiro articula, discursivamente, a
racionalização do medo para promover uma militarização da administração pública? Em
busca de respostas utilizarei a Análise Crítica do discurso (ACD) como método e também
como teoria.

Palavras-Chave: Populismo de direita, racionalização do medo, legitimidade


2

INTRODUÇÃO

O escrito acima, publicado na internet por um conhecido artista da cena gaúcha


que além de poeta se denomina ‘Poeta & Brincadeiro’, é de fato um poema e uma
brincadeira. Se tais palavras ficassem apenas no mundo do lúdico, da troça e do gracejo
teríamos mais motivos para achar graça. O fato é que elas não ficam. O que o poeta nos
mostra parte de uma observação empírica sobre a nossa realidade atual, ou seja, a
presença exponencial de militares nos mais diferentes espaços sociais, sob os quais
destaco aqueles relacionados a cargos de gestão, liderança e/ou consultoria no atual
governo.
Com a posse em 16 de julho de 2020 de Milton Ribeiro, para o Ministério da
Educação, já eram onze ministros com histórico militar, dentro de um universo de vinte
e duas pastas com tal status. O número é expressivo visto que é superior ao que se assistiu
quando a ditadura-civil no Brasil atingiu seu auge (1969-1974) (CORDEIRO, 2016). E a
conjuntura não se restringe a isso: em janeiro de 2020 militares inativos foram alocados
para atuar no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); no final do mesmo mês
militares assumiram o controle de várias áreas da Caixa Econômica Federal; em setembro
de 2020 o Ministério da Saúde, em meio a um cenário de grave pandemia foi posto sob a
gestão de um general e não de um profissional da saúde; meses antes Ibama e ICMBio1
se tornaram subordinados ao Exército por meio de decreto de Garantia da Lei e da Ordem
(GLO); no primeiro semestre de 2021 outro general, Joaquim Silva e Luna, assumiu o
comando da Petrobrás, a maior empresa de exploração e produção de petróleo do país e
uma das maiores do mundo.
Esses exemplos explicitam uma parte importante da atual agenda política
brasileira a qual guarda semelhanças com o que assistimos por meio da expansão de
grupos neoconservadores e partidos populistas de extrema direita2 nas democracias
ocidentais na última década. Sobre isso, Robinson e Bristow (2020, p. 21) nos colocam
que “tempestades populistas conservadoras” tomaram o poder em muitos países nos
últimos anos e logo estudiosos(as) dos Estudos Organizacionais perceberam a
necessidade de entender suas implicações a partir de várias perspectivas. Por exemplo: os
aspectos econômicos e culturais que levam a adesão a partidos populistas (INGLEHART;
NORRIS, 2016), a retórica relacionada a uma reivindicação de um ‘povo’ em oposição a
uma 'elite' ilegítima (CLEEN; GLYNOS; MONDON, 2018), fatores econômicos e/ou
culturais impulsionadores de tais movimentos (DE COCK; JUST; HUSTED, 2018),

1
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade [ICMBio] é uma autarquia vinculada ao
Ministério do Meio Ambiente.
2
Além desses termos, que são frequentemente encontrados em publicações no campo das ciências sociais
aplicadas, Brown (2019) ressalta que outras denominações como autoritarismo, fascismo, democracia não
liberal, liberalismo antidemocrático, extrema direita ou ainda neoconservadorismo, em parte, revelam sobre
a dificuldade atual de nomear o fenômeno.
3

modelos de governança adotados por líderes populistas (SPECTOR; WILSON, 2018,


GUSTAFSSON; WEINRYB, 2020), o uso de 'pós-verdades' para promoção de
desinformação (KNIGHT; TSOUKAS, 2019), a manipulação de ressentimentos como
forma de ação política (KERR; ŚLIWA, 2020; HENSMANS; VAN BOMMEL, 2020) ou
ainda as ações e inações de líderes populistas como potencialmente prejudicais à
legitimidade do cargo que ocupam (GILLS; PATOMÄKI; MORGAN, 2019).
Mas, ainda há muito que se compreender quanto ao populismo no campo dos
Estudos Organizacionais (ROBINSON; BRISTOW, 2020). E, apesar de pesquisas
indicarem que o alcance geográfico do fenômeno vai muito além de locais marco como
os EUA (com Trump) e o Reino Unido (com o Brexit) especificamente sobre o Brasil,
temos desenvolvido poucas discussões até então. Entre eles destaco as análises de Barros
e Wanderley (2019) e Alves, Segatto e Pineda (2021).
Alves, Segatto e Pineda (2021), ao observar o Movimento Escola Sem Partido
(MESP) e a Frente Parlamentar Evangélica (FPE), analisam as intersecções entre os
discursos conservador (de direita) e religioso (evangélico) trazendo novos elementos para
a compreensão sobre as influências que certas alianças políticas ocasionaram nas políticas
públicas de educação no Brasil. Já Barros e Wanderley (2019), a partir de uma análise
histórica, partindo do que ocorreu no país na década de 1960, discutem o papel dos
movimentos de empresários no apoio e controle da agenda política. Como constatam,
naquela época, empresários organizados em torno de Think Tanks também aderiram a um
discurso populista baseado na ideia de proteção dos valores tradicionais e com isso
conseguiram organizar uma aquisição corporativa do Estado para efetivar a
implementação de agendas pró-negócios.
Ambos estudos mostram que o atual movimento populista brasileiro guarda
importantes marcas com outros movimentos populistas de direita ao redor do mundo, mas
especialmente deixam evidenciado que existem características específicas atinentes a
nossa realidade. De maneira que, além de buscarmos identificar o que existe de comum
nesses fenômenos, entendo que é particularmente relevante compreendermos o que há de
específico no recente caso brasileiro. Pretendo contribuir com essa discussão observando
a atual militarização da administração pública3 representada, nesse estudo, pelo
Programa nacional das escolas cívico-militares (Pecim).
Criado em 2019, esse programa está em implementação em todo o território
nacional. Promovido como uma iniciativa do Ministério da Educação em parceria com o
Ministério da Defesa “apresenta um conceito de gestão nas áreas educacional, didático-
pedagógica e administrativa” (BRASIL, 2021) o que, de forma sintética, significa que a
gestão administrativa de escolas públicas civis assim como a fiscalização e o controle da
conduta dos alunos passam a ser feitas por militares.
A pergunta que dá mote a esse estudo, ou seja, a questão de pesquisa, questiona
sobre - como o populismo de direita brasileiro articula, discursivamente, a racionalização
do medo para promover uma militarização da administração pública? - Sendo que a
racionalização do medo se refere a uma ‘estratégia’ de legitimação e a militarização da
administração pública reporta sobre o ‘modo’ de operação da ideologia populista no
contexto atual brasileiro. Em busca de respostas adotarei a Análise Crítica do Discurso

3
Refiro-me à ‘administração pública’, pois parto da figura do estado, representado aqui pelo atual governo
federal, como produtor/promotor do discurso de militarização. Sendo a administração pública o “conjunto
das atividades diretamente destinadas à execução concreta das tarefas ou incumbências consideradas de
interesse público ou comum, numa coletividade ou organização estatal” (BOBBIO, MATTTEUCCI E
PASQUINO, 1986, p. 10, grifos meus) situo as escolas públicas civis, que passaram a ser militarizadas,
como parte de tais atividades/incumbências, bem como evidenciam sobre ações concretas por parte do atual
governo brasileiro.
4

(ACD) como método e também como teoria a partir da abordagem dialética-relacional


(FAIRCLOUGH, 2019).
Sendo meu objetivo central compreender como populismo de direita brasileiro
articula, discursivamente, a racionalização do medo para promover uma militarização da
administração pública, destaco entre os objetivos específicos desse estudo: (i) identificar
e descrever o discurso da militarização e (ii) demonstrar como essa produção discursiva
é construída/articulada através da racionalização do medo.
Para aprofundar tais conteúdos esse material foi organizado em três capítulos
principais, além daquele dedicado ao Apêndice e a essa Introdução. O primeiro capítulo
contém os fundamentos teóricos, nele esclareço sobre os conceitos e termos chave,
apresento formas de conceituar o populismo, trato sobre alguns aspectos centrais do
fenômeno e procuro destacar a relação entre o atual governo e a instituição militar como
forma de obter legitimidade. Também discuto que o medo, enquanto afeto político central
em mobilização, pode ser utilizado como uma estratégia que busca tornar coerente, ou
moralmente aceitável, atos e ideias. Exploro o fato de que a racionalização, quando
relacionada ao medo, pode produzir processos sociais contraditórios que influenciam,
direta ou diretamente, as formas de organizar e as organizações. No segundo capítulo
apresento o Programa das Escolas Cívico Militares (Pecim) como sendo parte de uma
proposta eleitoral (2018) que ganha materialidade no contexto atual, discorro sobre o que
é o Pecim, como está sua implementação e algumas das justificativas que são apontadas
para sua existência e continuidade. No terceiro capítulo detalho sobre a Análise Crítica
do Discurso, evidencio os corpora de textos que pretendo analisar, apresento os
protocolos para a análise, descrevo possíveis focos/categorias analíticas e finalizo
explicitando sobre perspectivas e posicionamentos enquanto pesquisadora.

1. REFERÊNCIAS TEÓRICAS

1.1 Fundamentos do processo discursivo de legitimação

Nesta seção, apresento os conceitos-chave e os termos centrais articulados nesse


estudo. Início pelo conceito de ideologia compreendida como produção de sentido a favor
de formas de dominação e, essa última, como sendo uma forma de distribuição
assimétrica e sistemática de poder e recursos. Entendo poder como a capacidade
verificada dentro de uma relação social que permite a alguém (ou grupo) impor a sua
própria vontade sobre outra(s) pessoa(s). Argumento que é pela construção de consenso,
mais do que pela força, que o poder pode tornar-se hegemônico, sendo que o consenso é
algo construído pelo (e através) do discurso. Defino discurso como sendo aquilo que
produz e sustenta a ideologia. Além disso, introduzo teoricamente dois termos centrais:
militarização da administração pública e racionalização do medo. O primeiro refere-se a
um modo de operação da ideologia (populista de direita) enquanto a racionalização (do
medo) seria a sua estratégia posta em operação.
Alguns dos conceitos-chave que utilizo como ideologia, dominação e poder, têm
um significado vasto visto que podem ser abordados a partir de diferentes perspectivas
epistemológicas. Por isso, nesse tópico opto por explicitar os conceitos fundamentais para
se compreender/desenvolver uma Análise Crítica do Discurso situando-os dentro da
perspectiva que adoto para responder ao meu problema de pesquisa.
O primeiro conceito relevante de ser abordado é ideologia. Conforme Thompson
(1995) ela é uma forma de se ver a realidade como se fosse a única possível. Ideologia, a
5

partir desse autor, também é produção de sentido a favor de formas de dominação, ao


passo que para estudar a ideologia, ou fenômenos ideológicos, precisamos observar como
o sentido é mobilizado para a manutenção de relações de dominação. O sentido que
importa para uma análise da ideologia, de acordo com Thompson (1995, p. 16), é o
sentido das formas simbólicas. Essas últimas correspondem a um amplo espectro de ações
e falas, de imagens e textos, que são produzidos pelos sujeitos e reconhecidos por eles (e
por outros) como sendo significativos. Essas construções ocorrem dentro de contextos e
processos socialmente estruturados. Ao passo que “descrever esses contextos e processos
como ‘socialmente estruturados’ é dizer que existem diferenciações sistemáticas em
termos de distribuição ou acesso a vários tipos de recursos” (THOMPSON, 1995, p. 79).
As pessoas, em virtude de sua localização dentro desses contextos, acabam tendo
diferentes quantidades e diferentes graus de acesso a recursos. Conforme Thompson
(1995) essa ‘localização’ das pessoas [bem como de instituições, organizações] fornecem
a elas diferentes graus de poder, tal como poder de tomar decisões, seguir seus objetivos,
realizar seus interesses.
Podemos falar de dominação quando relações estabelecidas de poder são
sistematicamente assimétricas, isto é, “quando grupos particulares de agentes possuem
poder de uma maneira permanente, e em grau significativo, permanecendo inacessível a
outros agentes, ou grupos de agentes, independentemente da base sobre a qual tal exclusão
é levada a efeito” (THOMPSON, 1995, p. 79-80). Dominação é, de uma forma mais
ampla, poder que foi legitimado (WEBER, 2002). E, de uma forma mais específica, é a
distribuição assimétrica e sistemática de poder e recursos (THOMPSON, 1995) como por
exemplo, nas relações sociais entre homens e mulheres, brancos e negros, heterossexuais
e homoafetivos, ricos e pobres, moradores de metrópoles e campesinos ou indígenas e
assim por diante.
Já poder, partindo de Weber (2002), é a capacidade verificada dentro de uma
relação social que permite a alguém (ou grupo) impor a sua própria vontade sobre outra
pessoa (ou outras pessoas). Pela perspectiva de uma Análise Crítica do discurso, estarei
mais preocupada com a materialização do poder e como ele se manifesta nas relações
sociais. Motivo pelo qual, não me concentrarei, em definir que tipo Weberiano de
dominação se trata o populismo de direita, mas sim como a dominação se estabiliza e é
articulada através do discurso em seu processo de racionalização. Para tanto considero
que relações de poder e de dominação podem nascer do território da política, mas não se
restringem a ele. Sobre isso escreve Thompson (1995, p. 18, grifos meus) que “para a
maioria das pessoas as relações de poder e dominação que as atingem mais diretamente
são caracterizadas pelos contextos sociais dentro dos quais elas vivem suas vidas
cotidianas: a casa, o local de trabalho, a sala de aula”.
Para “a ACD [ Análise Crítica do Discurso] o poder é temporário, com equilíbrio
apenas instável. Por isso, relações assimétricas de poder são passiveis de mudança e
superação” e no cerne de tal entendimento está a relação entre poder e hegemonia
(VIEIRA; RESENDE, 2016, p. 26). Grupos particulares para se manter no poder, ou seja,
assumir uma posição hegemônica precisam estabelecer e sustentar liderança política e
intelectual na vida social travando o que seria uma “luta hegemônica” (GRAMSCI, 1995).
Uma posição hegemônica é igualmente instável e para mantê-la é preciso criar formas de
estabilizá-la (FAIRCLOUGH, 2019). A hegemonia, é conquistada muito mais pelo
consenso do que pela força e, sob essa ótica, o consenso é algo que pode ser construído
pelo (e através) do discurso (FAIRCLOUGH, 2019). Partindo da perspectiva da Análise
Crítica do Discurso Lacerda (2015, pp. 90-91) esclarece que a observação da hegemonia
apoia a identificação das formas de construção de sentido que são dominantes ou
marginalizadas, visto que “a luta hegemônica é altamente discursiva”.
6

Discurso, neste estudo, é visto como aquilo que produz ideologia como também
a mantém (FAIRCLOUGH, 2019). Parto de Fairclough (2019) para entender o discurso
como uma parte de toda a prática social. Sendo que as práticas sociais são maneiras
recorrentes pelas quais agimos e interagimos no mundo, o discurso pode ser visto ainda
como um modo particular de como representamos o mundo (CHOULIARAKI;
FAIRCLOUGH, 1999). Também em Fairclough (2019), o discurso é uma prática política
e ideológica. Prática política porque mantém e também transforma as relações de poder.
Prática ideológica porque constitui e naturaliza, mantém e transforma, as relações de
poder. Certos discursos podem ligar-se a campos sociais específicos e projetos
particulares e ser disseminados como se dada representação particular fosse a mais
legítima, o que significa considerar que discursos podem se tornar poderosas armas de
luta pelo poder (VIEIRA E RESENDE, 2016).
Unindo esses conceitos depreende-se que a ideologia é produção de sentido a
serviço de dominação. Uma forma de estabelecer e sustentar relações de dominação é
criar uma ideia/percepção coletiva de que elas são legítimas (THOMPSON, 1995, p.82).
Essa representação das relações de dominação como legítimas está baseada em certos
fundamentos (cf. Weber (2002) racionais, tradicionais, carismáticos). Tais fundamentos
podem ser expressos em formas simbólicas (ações, falas, imagens, textos – linguísticas
ou não linguísticas) através de estratégias típicas de construção simbólica, sendo que a
racionalização é uma delas (THOMPSON, 1995). Na racionalização temos um “produtor
[...] que constrói uma cadeia de raciocínio que procura defender, ou justificar, um
conjunto de relações ou instituições sociais, e com isso persuadir uma audiência de que
isso é digno de apoio” (THOMPSON, 1995, pp. 82-83).
Isso significa dizer que, adotando a perspectiva de Thompson (1995, pp. 81-83),
compreendo a racionalização do medo como sendo a ‘estratégia’ de legitimação e a
militarização da administração pública o ‘modo’ de operação da ideologia populista no
contexto atual (tabela 1).

Tabela 1 – Legitimação enquanto modo, racionalização enquanto estratégia

Modo de operação Estratégia

Legitimação Racionalização

Definição em Ideia/percepção coletiva de que “uma cadeia de raciocínio que procura


Thompson relações de dominação são legítimas, defender, ou justificar, um conjunto de
(1995) “isto é, justas e dignas de apoio” relações ou instituições sociais, e com isso
(THOMPSON, 1995, p.82, grifos persuadir uma audiência de que isso é digno
meus). de apoio” (THOMPSON, 1995, pp. 82-83,
grifos meus).

Como é Militarização Medo


representado (da Administração Pública) (racionalização do)
nesse estudo

Fonte: elaborado pela autora a partir de Thompson (1995, pp. 81-83)


7

A militarização da administração, através da racionalização do medo, se produz,


reproduz e se propaga socialmente de forma discursiva. Enquanto discurso, ela engendra
a apropriação de terminado ideário de organização militar e de imagem do sujeito militar
que, entre outras coisas, visa fornecer aos sujeitos uma resposta a um desejo de integração
e coesão social que é contraditoriamente, o que não significa que não seja
deliberadamente, desagregador, visto que é fundamentado em conteúdo de alto teor de
divisão social (‘nós versus eles’). Conceber o atual processo de militarização dessa forma
permite olhar o fenômeno através de seus conteúdos de lutas, de antagonismos e de
contradições sob diferentes dimensões de análise tais como a econômica, a de gênero, a
pedagógico-cultural, a racial e assim por diante.

1.2 Populismo de Direita: uma contextualização

Nessa seção apresento formas de conceituar o termo populismo, trato sobre alguns
fatores que possibilitaram seu desenvolvimento no cenário atual, abordo aspectos de
contradição envolvendo tal fenômeno e por fim apresento uma síntese do cenário
nacional.
Gustafsson e Weinryb (2020, p. 431), ao analisar o papel das mídias sociais
utilizando-se do conceito Weberiano de autoridade carismática argumentam que tal
modelo de autoridade, quando combinado a um 'entusiasmo digital' provocado e
promovido por movimentos populistas de direita, podem gerar “consequências
democráticas e organizacionais potencialmente terríveis”. Disso desenvolvem seu
argumento de que o populismo pode ser tanto positivo quanto negativo para a democracia.
Positivo por causa de seu foco nas visões políticas dos cidadãos "comuns" e negativo por
causa de seu enfraquecimento dos elementos "burocráticos" da democracia tais como o
Estado de Direito e os direitos humanos (GUSTAFSSON; WEINRYB, 2020, p. 435).
De Cleen, Glynos e Mondon (2018), baseando-se nas obras de Ernesto Laclau,
abordam o populismo como um significante, e não apenas como um conceito, à medida
que o entendem como uma forma de razão que tem como centro a pretensão de representar
"o povo" que é discursivamente construído como oprimido em oposição uma 'elite'
ilegítima. Sobre isso especificam Fougère e Barthold (2020), também apoiados nos
estudos de Laclau (2005), que o populismo tem dois atributos discursivos centrais (1) a
constituição de uma fronteira política que divide a sociedade em dois campos, 'nós [o
povo ] versus eles [as elites/o establishment] e (2) a unificação de uma pluralidade de
demandas em uma cadeia equivalente bem como a consolidação dessa cadeia por meio
da construção de uma identidade popular. Para Fougère e Barthold (2020) o populismo
não é necessariamente algo problemático caso seja impulsionado por valores
progressistas. Todavia o que temos assistido atualmente remete a uma transformação
radical da cena política provocada por partidos extremistas como, por exemplo, o governo
de Marine Le Pen, líder de extrema direita na França, Nigel Farage, político britânico que
teve papel crucial saída do Reino Unido da União Europeia, Donald Trump ex-presidente
estadunidense e Geert Wilders, político holandês de viés conservador (FOUGÈRE;
BARTHOLD, 2020).
Quanto a proposição 'nós’ [o povo] versus ‘eles’ [elite], esse ‘nós’, conforme
colocam De Cock e Husted (2018), reporta sobre um cidadão comum que se vê farto da
realidade social que vivência. Para os autores o populismo significa colocar em questão
a ordem institucional vigente, construindo um oprimido, ou seja, um agente que é
contrário ao modo como as coisas estão. Acrescentam Gustafsson e Weinryb (2020) que
8

esse ´povo´ não é o povo inteiro, mas uma comunidade imaginada que representa 'uma
população virtuosa e unificada'. A ideia de ‘nós versus eles’ deixa explicita uma ideologia
que, como tal, serve para manter relações assimétricas e sistemáticas de poder (de
dominação, portanto - cf. THOMPSON, 1995) à medida que estabelece uma existência
social desigual entre os sujeitos. Ou seja, ela reporta (e reitera) quanto a uma distribuição
assimétrica de poder de determinado(s) grupo(s) onde estamos “nós” em relação a
outro(s) grupo(s) onde estão “eles”. Quando o populismo de direita promove a
organização da vida social através da concepção ‘nós versus eles’, (re)produz uma
segmentação social que legitima tratamentos desiguais que, em última instância, se
expressa através da reprodução de discursos preconceituosos direcionados contra grupos
socialmente minoritários, tais como negros (racismo), mulheres (misoginia), gays
(homofobia) e assim por diante. Como esclarecem Alves, Segatto e Pineda (2021) as
variações do populismo de direita atual mobilizam esse 'outro' para negar visões mais
pluralistas e multiculturalistas rejeitando o reconhecimento de sociedades diversas e o
respeito pela liberdade e igualdade entre grupos com diferentes identidades e interesses.
Kerr e Śliwa (2020) utilizando o termo ‘populismo reacionário’ adicionam que
tais movimentos podem ser marcados pelo ressentimento, ou seja, movidos por um
(re)sentimento de impotência que permeia diferentes grupos sociais. Concluem o autor e
a autora que a ideia de um ‘nós versus eles’ pode representar tanto os desfavorecidos, no
caso em que os membros do grupo terão a sensação de que sua situação econômica se
torna cada vez mais precária, quanto os relativamente privilegiados, que sentem que estão
sendo injustamente negados de sua posição legítima de domínio sociocultural.
Entre os fatores que possibilitam seu surgimento, da forma como o vemos no
cenário atual, estão as mudanças socioeconômicas, culturais e tecnológicas como o
crescimento econômico lento, desemprego, globalização econômica, variações
demográficas, inovações de computação e Internet, bem como a perda de uma dominância
masculina branca e heterossexual em favor de uma maior diversidade sócio cultural como
novas constelações familiarizares, pluralismo de gênero e movimentos feministas
(BROWN, 2019). Sobre isso escrevem Norris e Inglehart (2016, p.2), observando
populismos dentro do contexto do Reino Unido (Brexit) e Estados Unidos (com o
Trumpismo), que as mudanças socioculturais atuais são reflexos da adoção de direções
mais progressivas, todavia, tais “desenvolvimentos desencadearam uma
contrarrevolução, especialmente entre a geração mais velha, formada por homens brancos
com menores níveis educacionais que sentem o declínio e rejeitam ativamente a maré
crescente de valores progressistas, se ressentem do deslocamento de normas tradicionais
familiares [...] e que reagem com raiva à erosão de seus privilégios e status”.
Conforme argumentam Cleen, Glynos e Mondon (2018, p. 3) esses fatores são,
sem dúvida, importantes para explicar o populismo; no entanto, “a política populista atual
não pode ser reduzida a um efeito sintomático de desenvolvimentos extra políticos”
porque o populismo, em si, é um processo de luta profundamente político; nisso, as
mudanças socioeconômicas, socioculturais e tecnológicas induziram a um sentimento de
'fomos deixados para trás' resultando em apatia, ou então, em um sentimento antipolítico.
Acrescentam os autores que os movimentos populistas atuais funcionam, pelo menos
temporariamente, como um antídoto, em forma de discurso, que é mobilizado e que diz
dar voz a todos aqueles que se sentem silenciados e marginalizados de uma ação prática
e coletiva.
No caso dos Estados Unidos, por exemplo, Spector e Wilson (2018) esclarecem
que a eleição de Donald Trump demonstrou que muitos americanos aceitaram esse tipo
de mensagem. Argumentam que um aspecto importante da ascendência de Trump era sua
posição, como mensageiro e modelo, daquele que melhor representava as necessidades,
9

valores, visão e modo de vida que seus seguidores buscavam para si próprios e cujas ações
e opiniões eles viam presentes nas falas de Trump. Gills, Patomäki e Morgan (2019)
acrescentam que, embora Trump possa ter conquistado o voto popular, ele é,
paradoxalmente, de um lado o produto de processos de financeirização,
desindustrialização e aumento das desigualdades e de outro se lançou como sendo uma
forma de protesto contra os efeitos desses mesmos fatores na vida cotidiana das pessoas.
Uma análise mais cuidadosa do conteúdo dessas mensagens populistas revela
sobre significativos elementos de contradição. Em especial, destaco os estudos que
analisaram a desinformação, popularmente chamada de fake-news e era da ‘pós-verdade’
(DE COCK; HUSTED, 2018, KNIGHT; TSOUKAS, 2019) por meio das quais partidos
populistas de direita valem-se do uso de ‘interpretações alternativas’ sobre fatos
controversos, não necessariamente preocupados com a veracidade do que é afirmado, mas
com o objetivo de obter legitimidade (KNIGHT; TSOUKAS, 2019). Constatam De Cock
e Husted (2018) que a própria adesão a pós-verdade como forma de (re)interpretar
situações controversas acaba gerando ainda mais controvérsia sobre o fato. Também
quando olhamos para as fake-news, a contradição está em uma tentativa de informar
desinformando, isso porque, à medida que referem-se a uma distribuição deliberada de
informação falsa, elas são dadas a um propósito de confundir ou induzir a erro.
Mollan E Geesin (2020) reportam sobre a contradição/ambiguidade narrativa
envolvendo a o populismo. Exemplificam isso ao analisar os últimos estágios da
campanha eleitoral americana, momento em que o bilionário Peter Theila firmou que os
americanos que apoiavam a candidatura de Donald Trump - incluindo ele próprio -
levavam Trump a sério, ‘mas não literalmente’. Wodak (2015) também comenta que o
embaçamento das fronteiras entre entretenimento e informação, bem como entre
domínios públicos e privados, entre marketing, publicidade e campanha política, entre
políticos e celebridades é comum no cenário atual no que se refere as estratégias
narrativas populistas. A autora descreve esse processo como a ficcionalização da política,
que seria um embaçamento das fronteiras entre o real e o ficcional, o informativo e o
divertido, e que cria uma realidade para o espectador que parece ordenada e gerenciável,
mas que se trata de uma ilusão enganosamente simples sobre a complexidade social.
Mollan e Geesin (2020), lembram, também usando como exemplo o ex-presidente
norte americano, que esses movimentos podem mostrar uma ‘antipatia ao politicamente
correto'. O que poderia ser considerado uma contradição em relação as mudanças
socioculturais das últimas décadas, uma vez que tais grupos [contrários ao politicamente
correto] entendem ser um direito já dado o uso de expressões ou ações que venham a
ofender, excluir e\ou marginalizar grupos de pessoas que são vistos como desfavorecidos
ou discriminados, especialmente aqueles definidos por gênero, orientação sexual ou raça.
Outro elemento de contradição em se negar o ‘politicamente correto’ - que em última
instância é a reivindicação de que é inaceitável excluir e\ou marginalizar determinados
grupos - é que essa negação é praticada apenas em relação a alguns grupos. Ou seja, via
de regra, aqueles que defendem tal posição não costumam abrir mão de ser tratados com
dignidade e humanidade no que lhe diz respeito.
Hensmans e Van Bommel (2020) alertam que o próprio conteúdo do populismo,
baseado na concepção nós versus eles seria um elemento de produção de contradição.
Isso porque a promoção de tal ideal é capaz de gerar formas de associação e aproximação
entre os sujeitos com base em valores e crenças compartilhadas, contudo o problema
estaria no fato de que sua base de justificação está assentada, especialmente, na ideia de
superioridade de uma certa comunidade em oposição a outras comunidades. Assim, uma
proposta de coesão social baseada em bases desse tipo produz (mais) exclusão e não
integração social. Nesse modelo de política, o antagonismo serviria para fomentar uma
10

luta contínua contra adversários cujas ideias podem ser combatidas, mesmo ferozmente,
mas (contraditoriamente) o direito de defender essas ideias não deve ser questionado.
Trata-se de uma proposta de associação coletiva/social que, ao contrário de integrar,
fornece terreno para xenofobia, nacionalismo, nativismo exacerbado, preconceito e
formas de violência.
Observando os escritos de Patomäki e Morgan (2020), a contradição também pode
ser considerada quando líderes populistas, à medida que eleitos para seus cargos, não se
comportam de forma competente em relação a função a qual lhes foi atribuída. Segundo
explicam, isso ocorre porque uma função política envolve combinações de regras formais
e informais, normas e práticas e tem um propósito a ela outorgado. Todos esses elementos
criam bases pelas quais é possível ser avaliado como mais ou como menos competente.
A incompetência, portanto, dependeria do desempenho em relação ao que é esperado
daquele cargo ou função. Patomäki e Morgan (2020) trazem alguns exemplos sobre
disfunções relacionadas ao cargo presidencial: nomear pessoas não qualificadas para as
funções que assumem e ainda agir com hostilidade [com a mídia, com opositores e etc].
O próprio anti-intelectualismo de tais movimentos se mostra uma contradição em
nosso tempo. Sobre isso, Gustafsson e Weinryb (2020) argumentam que uma crença
central no populismo é que as pessoas não precisam ser educadas ou ter seus pontos de
vista alterados; elas já têm bom senso e, portanto, sabem mais. Além disso, o anti-
intelectualismo dentro de uma retórica populista de direita projeta os intelectuais - dentro
de uma narrativa de nós (povo) versus eles (elite) - como sendo membros de uma elite e
que, portanto, devem ser combatidos. Há a produção de uma retórica que desconecta a
produção intelectual e científica da sociedade em geral, isto é, como se a produção
científica (e intelectual) não servisse, em larga medida, aos interesses da própria
população. Isso abre perspectivas para que se questione, por exemplo, o uso de vacinas,
máscaras, distanciamento social em tempos de Covid-19, como assistimos no Brasil
atualmente.
Quanto ao cenário nacional, o que se observa é que a eclosão do populismo de
direita, no Brasil, começa a colocar em prática seu programa político a partir da eleição
de 2018 (BARROS; WANDERLEY, 2019, LACERDA, 2019). Conforme analisa
Lacerda (2019)4, a partir desse momento ocorre o fortalecimento de ações de cunho
conservador como o programa no Escola Sem Partido, o Estatuto da Família, o fim do
Estatuto do Desarmamento, a proposta de mudança da embaixada para Jerusalém, a
crítica ao chamado marxismo cultural, bem como um fetichismo militarista e a tudo que
dele deriva. Sobre isso, argumenta Sierra (2019) que o conteúdo conservador, do
populismo de direita brasileiro, tende a colocar em segundo plano questões como a
grandeza da concentração do capital e a enorme desigualdade social preferindo reafirmar
a sua interpretação da realidade entendendo a crise como uma questão de conflitos entre
identidades sociais motivados por diferenças culturais.
Lacerda (2019) entende que a escalada do populismo no Brasil se deu a partir das
chamadas Jornadas de Junho de 2013; foi nesse momento que manifestações levaram
milhares de pessoas às ruas e se tornou mais evidente uma propagação discursiva em
direção a posições conservadoras mais extremadas. Fortes (2016) argumenta que as
Jornadas de Junho de 2013 têm sido comparadas com protestos de forte participação de
jovens ocorridos ao longo da última década na periferia europeia e no mundo árabe
(incluindo na Tunísia, Egito, Grécia e Espanha). Na maioria destes casos, argumenta o
autor, os protestos foram desencadeados pela crise de sistemas políticos autoritários ou o
devastador impacto social da crise econômica conjugada com políticas de ajuste estrutural
4
A autora utiliza o termo neoconservadorismo o qual tomo como sinônimo para populismo de direita (sobre
isso ver nota de rodapé número 2)
11

e no Brasil, ao contrário desses lugares, a onda de insatisfação surgiu em um país que


estava experimentando um período democrático, bem como reduções, mesmo que
modestas, em termos de desigualdades sociais.
Como identificam Alves, Segatto e Pineda (2021) o populismo contemporâneo de
direita mobiliza fortemente o discurso de ódio e exclusão. Enquanto na Europa os
responsáveis pelo mal-estar social geralmente são os imigrantes (FOUGÈRE;
BARTHOLD, 2020; WODAK, 2015) no Brasil os inimigos são ampliados. Eles vão
desde políticos, negros, indígenas, grupos LGBT, mulheres, o Fórum de São Paulo, o
MST [Movimento dos Sem Terra], MTST [Movimento dos Sem-teto], cientistas, artistas,
intelectuais, jornalistas, Youtubers e assim por diante. O que esses grupos têm em comum
é serem identificados com pautas progressistas discursivamente associadas ao campo de
esquerda no Brasil, em torno do qual o Bolsonarismo se constitui por negação.
No caso brasileiro, é preciso considerar, ainda, nossa trajetória histórica que, marcada
pelo colonialismo, formou uma elite eurocêntrica branca a qual se apresenta, até hoje,
como a verdadeira imagem do país e que sempre forjou suas alianças como forma a
garantir a manutenção do status quo (BARROS E WANDERLEY, 2019). E, desde muito
tempo, isso incluiu, sempre que necessário, o uso de força militar para suprimir vozes
dissidentes. Sobre isso, argumenta Martins Filho (2020, p. 150) que, “da aristocracia do
Império agrário à classe média do Brasil industrial”, foram as alianças com a cúpula
hierárquica das forças armadas brasileiras que permitiram as maiores interferências
(políticas), com maior ou menor carga ideológica e dramática, em prol da manutenção do
status quo. Frente a isso, entendo que no cenário atual, os militares não são apenas parte
do aparato de coerção do Estado - eles são um elemento basilar à construção de uma
ideologia, que se pretende hegemônica.

1.3 Militarização da administração pública brasileira

Nesta seção apresento a relação entre legitimidade e Estado, abordo o vínculo do atual
governo com as instituições militares, discuto que tal relação é baseada no militarismo e,
por fim, exponho o tipo de consenso social fruto desse modelo de articulação.
Um dos desafios para se falar sobre esse assunto está no fato de que o campo dos
Estudos Organizacionais (ou mesmo da Administração Pública) pouco discutem a
militarização ou tópicos correlatos ao universo militar (ver BRITO; PEREIRA, 1996,
ROSA; BRITO, 2010); menos ainda quando ligados ao fenômeno do populismo
brasileiro. Nesse sentido, entendo que uma forma de ultrapassar tal limite seja propor uma
interlocução através do conceito de legitimidade/legitimação.
Dois motivos justificariam tal articulação: primeiro porque parto da noção que
discursos5 fornecem base para a legitimação de determinada ideologia (VAARA, 2014;
FAIRCLOUGH, 2006), ou seja, a militarização da administração pública fornece as bases
de justificação, reconhecimento e validação para o populismo de direita brasileiro (e vice-
versa visto que são elementos interdependentes); segundo porque, como aprofundarei na
seção 1.4 a militarização da administração pública é vista aqui como o resultado de uma
racionalização do medo, sendo que, o processo de racionalização, fundamentando-me em
Thompson (1995, pp. 80-83), é uma das estratégias típicas de construção simbólica
ligadas a um modo articular de operação da ideologia, qual seja: a legitimação.

5
De uma perspectiva discursiva, o "populismo" seria formando por um conjunto de discursos baseado em
uma ideologia (populista), entre eles está o discurso da militarização da administração pública.
12

Nessa linha argumentativa, tomando como base os escritos de Fairclough (2003),


Vaara (2014, p. 505) nos coloca que os discursos “fornecem base para a legitimação” de
determinada ideologia. O autor argumenta que a legitimação de uma ideologia se baseia
em discursos e exemplifica: o discurso do capitalismo global (FAIRCLOUGH, 2006) é
uma forma que promover e naturalizar [legitimar] a ideologia neoliberal (VAARA, 2014).
Trazendo tal proposição para o âmbito dessa pesquisa isso significaria dizer que a
militarização da administração pública reporta sobre uma prática discursiva (um discurso)
que busca legitimar a atual ideologia populista de direita brasileira.
No entendimento de Vaara (2014), a legitimação diz respeito a uma forma de ação
tida como aceitável em uma configuração específica, baseada em normas e valores
partilhados e que variam de acordo com determinado período histórico. Como constata
Naguib (2020), o tipo de legitimidade reivindicada [por um regime/por um governo] tem
efeito direto sobre o tipo de governança adotada, o tipo de aparato administrativo
desenvolvido, o modo de tomada de decisão e, visivelmente, terá um impacto sobre o
processo e o conteúdo das políticas públicas. De sorte que, no contexto desse estudo vejo
a militarização da administração pública como uma forma (tida como) aceitável/legítima
de ação política, social e organizativa que influencia o conteúdo das políticas públicas
adotadas atualmente.
No campo dos estudos organizacionais o conceito de legitimidade tem sido estudado
sob diferentes perspectivas. A partir de seus aspectos discursivos (PHILLIPS;
LAWRENCE; HARDY, 2004), as relações da retórica no processo de legitimação
(SUDDABY;GREENWOOD; 2005, PUYOU; QUATRONE, 2018; PATALA et al.,
2019), suas associações entre identidade (BROWN;TOYOKI, 2013) ou mesmo gênero
(BYRNE, 2021), o papel dos apelos emocionais para promoção de legitimidade
(LEFSRUD; GRAVES; PHILLIPS, 2020) até abordagens que estudam a legitimidade
organizacional a partir de seu oposto, ou seja a ilegitimidade, observando organizações
de 'economia subterrânea' (CEDERSTRÖM; FLEMING, 2016). Estudos como o de Li,
Green e Hirsch (2018, p. 70) analisaram como o governo comunista Chinês atuou para
produzir legitimidade no que se referia a implementação da bolsa de valores nesse país,
visto que a proposta feria as bases existenciais sobre as quais tal governo é fundado.
Naguib (2020), refletindo a partir do campo da Administração Pública, traz um aspecto
complementar a esse tipo de articulação, ao afirmar que o que buscam os regimes
[políticos] de forma mais premente é, justamente, alcançar e manter a legitimidade.
Esse tipo de interseção entre os conceitos de legitimidade e Estado não é recente. Ela
pode ser encontrada desde Weber ([1922] 2002) à medida que o autor argumenta que todo
sistema político busca estabelecer e cultivar legitimidade de maneiras diferentes. Weber
(2004) considera o Estado como “uma organização que exerce um monopólio legítimo
de poder ou força coercitiva sobre um território definido” (WEBER, 2004, p. 33).
Contudo, como acrescenta, um governante ou governo baseado inteiramente na força
pode ser mantido apenas por um curto prazo, portanto, a “legitimidade surge como
essencial para a estabilidade a longo prazo" (WEBER, 1947, p. 125).
Mas, determinados conteúdos, por si só, podem não constituir uma base durável de
legitimação a menos que sejam reconhecidos socialmente como válidos pelos agentes
(WEBER, 2002). Ao que argumento que o populismo de direita brasileiro retira parte
importante de sua legitimidade da organização militar e da imagem militar. Isso fica
evidenciado, de forma mais latente, em uma agenda política pautada em defesa de direitos
dos militares, promovida pelo atual líder populista há mais de vinte anos enquanto
deputado federal. E ganha contornos mais definidos quando observamos que o atual
governo brasileiro tem recorrido às forças militares, mesmo que em termos retóricos ou
narrativos, sempre que a sua legitimidade surge como contestada (seja quando possui
13

divergências com o supremo tribunal federal, seja quando discorda de medidas de


lockdown promovidas pelos estados durante a pandemia).
Esse acoplamento do atual governo à instituição militar para fins de legitimação faz
sentido (em termos discursivos) à medida que se evidencia uma profunda perda de
legitimidade das próprias instituições políticas. Pesquisas como a da DataFolha (2018)6
mostram que entre 10 instituições, três relacionadas ao universo da representação política
lideram como as menos confiáveis do país. Sete em cada dez pessoas (68%) declararam
não ter confiança nos partidos políticos, 67% declararam não ter confiança no Congresso
Nacional e 64% na Presidência da República. Em contrapartida, essa mesma pesquisa
revelou que as Forças Armadas foram avaliadas como a instituição mais confiável.
Aproximadamente oito em cada dez pessoas (78%) declararam confiar nas Forças
Armadas. Número que se mostraram muito próximos em 2019 através de outra pesquisa,
essa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Fundação
Getúlio Vargas (FGV-Rio)7.
Esses são aspectos que nos fazem refletir quanto as fontes de onde derivam-se tal
legitimidade quando ligada ao universo militar. E, quanto a isso, Naguib (2020)
argumenta que é preciso justamente procurar e identificar as ‘fontes’ de legitimidade para
a compreensão de sistemas políticos quanto a suas formas de implementação,
durabilidade ou mudança (NAGUIB, 2020). Li; Green; Hirsch (2018, p. 70) corroboram
com tal argumento à medida que, recorrendo a Weber (1968), afirmam que nenhuma
autoridade institucional baseia o seu regime apenas na força; todos se empenham em
cultivar uma crença sobre a sua legitimidade. Argumento, nesse sentido, que as ‘fontes’
de onde o populismo de direita ‘cultiva’ sua crença de legitimidade derivam-se de uma
ideologia particular: a militarista.
De acordo com Boer (1980), o termo militarismo é comumente substituído pela
expressão ideologia militarista e tem entre suas principais características o autoritarismo,
pessimismo a respeito da natureza humana, o nacionalismo utópico e o conservadorismo
político. Como observa Da Silva (2014), partidários do militarismo costumam enfatizar
os avanços em termos materiais conseguidos durante a ditadura, tais como equilíbrio das
finanças públicas, aumento da segurança e da ordem, grandes obras de urbanização e de
infraestrutura; agrega-se a isso o ideário de que fora do contexto militar há corrupção e
que aquilo que é feito por militares é mais eficiente. Sobre isso já alertava Lowy (2015),
que o militarismo brasileiro guarda marcas de nosso período ditatorial (1964-1985), sendo
que o “saudosismo da ditadura militar é sem dúvida o aspecto mais sinistro e perigoso da
recente agitação de rua [neo]conservadora no Brasil” (LÖWY, 2015, p. 663).
Wodak (2015) reforça essa discussão ao colocar que os partidos populistas de direita,
de modo geral, parecem unidos em seu endosso a uma visão que demonstra cego
entusiasmo pelas glórias militares como uma forma de patriotismo exaltado. Acrescenta
a autora que ao criarem mitos de uma identidade chauvinistas idealizada [e, não obstante
inventada] reescrevem a história através de um revisionismo anti-intelectual que, entre
outras coisas, nega a própria história nacional.
Ainda assim, tais considerações não significam que possamos reduzir o militarismo
à forma de governança da ditadura de 1964-1985, mas que os discursos de legitimação e
exaltação do militarismo reportam-se a tais ‘fontes’ do passado.

6
Disponível em:
http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2018/06/15/e262facbdfa832a4b9d2d92594ba36eeci.pdf Acesso
em 28 de maio de 2021.
7
Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/so-19-dos-brasileiros-confiam-no-
legislativo-aponta-amb/ Acesso em 28 de maio de 2021.
14

Esse tipo de articulação é particular em nosso cenário à medida que se volta ao


militarismo, mas a ideia central por trás dela não é inédita no contexto do populismo, uma
vez que tais movimentos tendem a fomentar de alguma forma o nacionalismo (MASOOD
E NISAR, 2020) como forma de produzir senso de pertencimento entre os sujeitos
(WODAK; 2017, BROWN; 2019). Nesse sentido, a organização militar pode ser
articulada, ideologicamente, para fomentar uma ideia de unicidade promulgada como
fundamental para o bom funcionamento da sociedade baseada na ideia de um todo
harmônico, mas não necessariamente igualitário (WODAK, 2015, WODAK; NUGARA,
2017). Fato que, mesmo que transversalmente, já é considerado em estudos recentes como
os de Barros e Wanderley (2019, p. 6, tradução livre) ao afirmarem que o “nacionalismo
no Brasil está intimamente associado ao estado. Desse modo, não é surpreendente que os
principais apoiadores do Bolsonaro venham das forças armadas e da polícia local”.
Como já observou Beetham (1991), a legitimidade é essencial para a eficácia das
políticas, bem como garante a perpetuação das relações de poder, porque ela cria uma
ideia de consenso [social]. Ao que argumento que o populismo brasileiro atual, ao
promover legitimidade amparando-se no militarismo, produz uma forma antagônica de
produção de consenso social uma vez que esse último é sustentado a partir de ideais
antidemocráticos, coercitivos, autoritários, baseado em censura, exclusão e cerceamento.
E, como já alertava Wodak (2015) - antagonismos e contradições, marcam o populismo
de direita enquanto forma de governo.
Tomo como mote esse último elemento (contradição/antagonismo) e, com base em
Vieira e Resende (2016), considero que uma produção discursiva para ganhar amplitude
social não precisa necessariamente ser factível, ela precisa ser assimilada socialmente
como válida [legitima]. Isso, no populismo de direita, é traduzido por Brown (2006, p.
707) através da afirmação de que “a declaração do que é verdadeiro, certo e bom, sem
nenhuma necessidade de se referenciar na realidade dos fatos, é a forma como populismo
de direita realiza sua produção de verdade política”.
No âmbito desse estudo, isso significa que reconhecer a militarização da
administração pública como uma produção discursiva sobre a qual o populismo de direita
retira/promove elementos para sua legitimação permite observar que: a) por não precisar
se factível [ nem ter a necessidade de se se referenciar na realidade dos fatos] tem-se a
imagem dos militares como uma reserva moral, como se a palavra militar já estivesse
qualificada em si mesma e por si mesma (WODAK, 2015) e b) por não precisar ser
factível [nem ter a necessidade de se se referenciar na realidade dos fatos] promovem-se
respostas simplistas para problemas complexos, sejam eles relacionados à educação,
saúde, meio ambiente entre outros.

1.4 Racionalização do medo enquanto afeto político central

Nessa seção parto da afirmação de Safatle (2016) para refletir que a política não diz
respeito apenas à circulação de bens e riquezas ela também se refere a circulação de afetos
no âmago da vida social, entre ao quais destaco o medo. Através de um processo de
racionalização o medo pode ser usado como forma de explicação que busca tornar
coerente ou moralmente aceitável atos/ideias que sob determina perspectiva (social) não
seriam.
Em Safatle (2016), os afetos (e as afecções) têm consequências políticas, o que nos
leva a considerar que a política é, em sua determinação essencial, um modo de produção
de ‘circuitos de afetos’. Para esse autor, compreender as sociedades como circuitos de
15

afetos implicaria, por exemplo, partir dos modos de gestão social do medo enquanto
estratégia discursiva fundamental de adesão social; significa considerar que a política não
diz respeito somente à circulação de bens e riquezas, ela também diz respeito a circulação
de afetos interior da vida social (SAFATLE, 2016).
Safatle (2016) argumenta que normalmente tendemos a acreditar que uma teoria dos
afetos não contribui para o esclarecimento da natureza dos impasses e dos vínculos
sociopolíticos. Conforme coloca, isto acontece porque aceita-se que a dimensão afetiva
diga respeito, unicamente, à vida individual dos sujeitos. E, os afetos, nos remeteriam a
sistemas individuais de fantasias, crenças e valores pessoais o que impossibilitaria a
compreensão da vida social como sistema de regras e normas. A possibilidade de
ultrapassar tal limite está em considerar que a vida social - e a experiência política -
produzem e mobilizam afetos que funcionarão como base de sustentação formas de
associação.
O problema da articulação do medo, enquanto afeto político central, está na forma
como ele pode ser articulado (SAFATLE, 2016). Quanto a isso, esclarece Wodak (2015)
que o medo, atualmente, pode ser fomentado sob vários aspectos sócio-políticos com base
em desafios que atualmente preocupam os eleitores. Especialmente em períodos de crise
financeira e ambiental, surge uma profusão de medos, descontentamentos e pessimismos
como o medo de perder o emprego, medo de 'estranhos' (sobretudo na Europa e EUA
ligado aos migrantes), medo de perder a autonomia nacional, medo de perder a identidade,
as tradições e valores, medo das mudanças climáticas, da corrupção na política e assim
por diante (WODAK, 2015). Uma forma de se pensar esse tipo de articulação, em nossa
realidade atual, pode ser observada no trabalho de Kalil et al. (2021). Mesmo que tal
estudo se concentre especificamente na atuação do governo brasileiro no que tange à
pandemia de Covid-19 ele é elucidativo à medida que os autores discutem os diferentes
medos que o governo federal e sua base de apoiadores têm mobilizando. Entre eles
destacam a articulação do medo por meio da construção de um inimigo interno e externo
especialmente baseado na ideia de uma ‘ameaça comunista’ e ainda a manipulação do
medo através da uma ideia de ameaça às liberdades individuais. Sobre isso constatam
que, embora o medo tenha inicialmente tido sua promoção com base em uma ameaça
comunista ('vírus chinês' ou ‘vachina’) isso tem sido gradualmente substituído por
narrativas que agora frisam a questão de 'liberdade individual'. Essa última relacionada,
especialmente, a necessidade de continuar trabalhando e salvar empregos como forma de
salvar vidas. Neste interim o Estado utiliza o medo para se colocar na posição daquele
que deve (apenas) criar condições para o exercício da liberdade. Liberdade, essa, que é
conquistada na práxis apenas do mercado e no trabalho, não na vida pública ou coletiva
(KALIL et. al., 2021)
Como acrescenta Brown (2019), as agendas políticas liberais e as agendas econômicas
neoliberais geraram uma crescente experiência de abandono, traição e, finalmente, raiva
por parte dos novos despossuídos, das populações da classe trabalhadora e da classe
média branca. Segundo a autora, os danos das políticas econômicas neoliberais foram
manipulados na imagem de suas próprias perdas e focaram-se na alegoria a um passado
mítico de famílias felizes, íntegras e heterossexuais, quando mulheres e minorias raciais
sabiam seus lugares, quando as vizinhanças eram ordeiras, seguras e homogêneas, as
drogas era problema dos negros e quando cristandade e branquitude constituíam a
identidade, o poder e o orgulho manifestos da nação do ocidente. Isso significa avaliar
que a ascensão das formações políticas nacionalistas e autoritárias se devem, em larga
medida, à raiva instrumentalizada dos indivíduos abandonados economicamente e
ressentidos (identitariamente, mas não só) que acabou transformando o retorno a uma
moralidade tradicional em uma poderosa arma de batalha política (BROWN, 2019).
16

Sob diferentes perspectivas e possibilidades, como se observa, o medo é um afeto que


nos afeta, ou seja, podemos ser ‘afetados’ em relação as formas de ação e participação,
de associação e adesão social (SAFATLE, 2016), bem como nos modelos de
administração que passarão a ser adotados. E, quanto a isso, parto de Weber (2002) para
pensar a ‘racionalização’ do medo.
Weber (2002) não emprega o conceito de racionalização de uma maneira global para
se referir apenas a um desdobramento geral de civilizações. Isso porque processos de
racionalização ocorrem em diferentes instâncias da vida, ambas relacionadas tanto com a
organização ‘externa’, como os domínios da política como nas esferas ‘internas’ como a
da religião, da ética, da estética, moral e do erotismo (KALBERG, 1980).
Como ilustra Thiry-cherques (2009) o processo de racionalização pode se dar, por
exemplo, na racionalização do corpo/da estética (do ideal da aparência dos dias de hoje),
em intensidade variável e de modo diverso, originando-se de uma constelação de fatores.
Sell (2013, p. 7) complementa esse argumento ao lembrar que Mariane Weber, principal
biógrafa de Max Weber, menciona que “um dos primeiros tópicos a despertar a atenção
de seu esposo para a temática da racionalização foi a música”. Sell (2013, p. 7) reproduz
o seguinte trecho do prefácio da segunda edição de Economia e Sociedade em que ela
mesma dirá:
O que tanto me impressionou nas suas primeiras incursões nos
estudos das formas musicais do Oriente e do ocidente foi a
descoberta de que, justamente na música, essa manifestação
mais pura do sentimento da criação artística, a razão
desempenha um papel tão importante e que sua especificidade,
no Ocidente, bem como a da ciência e de todas as demais
instituições sociais e estatais, é determinada por um tipo
particular de racionalismo 8 (SELL, 2013, p. 7, reproduzindo os
escritos de Mariane Weber, grifos meus).

Ademais, como desenvolve Thiry-cherques (2009), Weber (2002) aplica o termo


‘sublimação’, derivado da química, para explicar a racionalização. Na química a
sublimação significa a mudança do estado sólido para o estado gasoso, sem passar pelo
estado líquido, situação causada pela pressão a qual dada substância é submetida. Para
Weber (2002) a racionalização seria, portanto, o trânsito entre dois estados distintos. Seria
aquilo que vai de um ponto a outro sem passar, necessariamente, por fases ou estados
intermediários.
Unindo essas duas perspectivas - a) de que que o processo de racionalização pode
ocorrer em esferas variadas da vida como a ética, a estética, a moral, o erotismo, a arte,
bem como nos campos que envolvem sentimentos e emoções e b) de que a racionalização
diz respeito a esse ‘salto’, a essa transição que ocorre sem passar por um estágio
intermediário, moderador, mediador fruto de uma importante pressão (externa) -
interpreto a racionalização do medo como uma forma de explicação que busca tornar
coerente ou moralmente aceitável atos/ideias que, sob determina perspectiva, não o
seriam. Dito de outra forma - e considerando que a contradição é elemento constitutivo
dos populismos de direita (WODAK, 2015), bem como se mostra sob vários aspectos
como o uso de fake-news, contradições narrativas, antipatia ao ‘politicamente correto’,
disfunções em relação a cargos e o anti-intelectualismo - vejo a racionalização do medo
como aquilo que que produz contrastes, antíteses e contradições (sociais).

8
Em Weber, devido a questões de tradução, racionalismo e racionalização podem ser tidos como conceitos
simulares (SELL, 2013).
17

Kalberg (1980) é um dos interpretes de Weber que possui o mérito de reservar um


papel importante à racionalidade substantiva, o que surge como relevante para pensarmos
sobre certos aspectos de contradição ligados a racionalização do medo (SELL, 2012).
A partir da análise da obra Weberiana, o autor elenca quatro tipos de racionalidades
que estão na base do processo de racionalização: prática, teórica, formal e a substantiva
(material). A racionalidade prática pode ser compreendida como todo caminho de vida
que vê e julga a atividade mundana em relação a interesses puramente pessoais e
pragmáticos. A teórica remete a processos cognitivos e envolve a dominação consciente
da realidade mediante a construção e o incremento de conceitos cada vez mais precisos e
abstratos. A formal subordina a conduta autointeressada em referência à aplicação
universal de regras, leis ou regulações. Já, a substantiva, ordena os padrões de ação a
partir de postulados de valor.
Sobre essa última, esclarece Kalberg (1980) que postulados de valor podem estar
presentes em apenas uma área da vida do sujeito, deixando intocada demais áreas. No
contexto desse estudo, isso significaria considerar, por exemplo, que pessoas podem
(contraditoriamente) votar em partidos populistas de direita por se verem relacionadas a
determinados valores cristãos ‘pró-vida’ se posicionando contrárias ao aborto e, ao
mesmo tempo, não se sentirem tocadas com as perturbadoras imagens de animais
carbonizados pelas queimadas que, em um passado recente, assolaram a Amazônia
brasileira.
Quando nos referimos a militarização da administração pública - enquanto expressão
de uma racionalização do medo – tem-se a figura do militar como aquele que protege e
ao mesmo tempo como aquele que permite o ataque aos inimigos. Isto é, a racionalização
do medo permite que de um a lado uma imagem idealizada do militar seja utilizada como
aquele que ‘protege’ da corrupção (aqui entendida em sentido mais amplo, ou seja, como
aquilo que desvirtua, que remete a comportamentos inadequados), e por outro lado, o uso
de sua imagem torna possível que um ‘inimigo seja nomeado’. O que significa dizer que
quando o militar figura como um 'herói nacional' fica mais fácil delinear todos os ‘outros’
que serão considerados os bodes expiatórios para as mais diversas formas de
responsabilização/culpabilização social.
A racionalização do/pelo medo produz contradições (sociais) à medida que fornece
aos sujeitos uma resposta a um desejo de integração e coesão social que é, ao mesmo
tempo, excludente e desagregador, uma vez que é assentado sob bases de contraposição,
oposição e incompatibilidade. Disso derivam-se formas de pensamento coletivo capazes
de conceber conteúdos tais como: se os serviços públicos não funcionam, ‘então é melhor
privatiza-los’, se as periferias são lugares de criminalidade ‘então é melhor ocupa-las com
a polícia’, se uma pessoa (especialmente sendo pobre) cometeu um crime ‘os direitos
humanos não devem valer para ela’, afinal “bandido bom é bandido morto”9, se a escola
desenvolve nos jovens pensamento crítico, então é melhor uma ‘educação livre de
ideologias’ e – se a gestão civil de bens e serviços públicos vai abrir portas à corrupção
e não é eficiente, então é melhor aderir a um modelo militarizado.

9
Discurso assumido por grupos reacionários da sociedade e absorvido pela população em geral diante de
um quadro de insegurança pública. A expressão “bandido bom é bandido morto” foi utilizada pelo então
durante a campanha presidencial de 2018. Segundo pesquisa tal afirmativa se mostrou aceita por metade
da população brasileira, segundo pesquisa do Ibope, Disponível em: <
https://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/metade-dos-brasileiros-acham-que-bandido-bom-
e-bandido-morto/> Acesso em jun.2020
18

2. CASO EMPIRICO: O PECIM

O Programa das Escolas Cívico Militares (Pecim) pode ser visto como parte de
uma proposta eleitoral. Em 2018, o então candidato, e atual presidente da república,
prenunciava em seu material de campanha “teremos em dois anos um colégio militar em
todas as capitais de Estado” (TSE, 2018, n.p).
As formas organizativas que vemos em implementação atualmente - ou seja, as
escolas cívico-militares - são diferentes dos colégios militares, citados na proposta acima.
Os colégios militares são, atualmente, quatorze unidades em todo o Brasil e foram
fundados sobretudo entre os anos 1950 e 1970 (BRASIL, 2021b). Tais colégios possuem
autonomia para montar seus próprios currículos e sua estrutura pedagógica além de,
normalmente, disporem de militares em seu quadro de professores. A maior parte dos
alunos são filhos de militares (SAUER, 2019). Os civis interessados em ingressar nas
instituições são submetidos a uma prova, que seleciona os alunos que obtiverem as notas
mais altas. Seus professores recebem melhores salários que os das escolas públicas
estaduais ou municipais. Além disso são locais que, normalmente, possuem estruturas
diferenciadas como laboratórios de química e de robótica e quadras poliesportivas. Elas
contam com recursos do Ministério da Educação e do Ministério da Defesa sendo que
cada aluno de um colégio militar custa, em média, três vezes mais do que um estudante
de uma escola pública regular (valores de referência).
Já as escolas cívico-militares (chamadas de Ecim´s) fazem parte do atual
Programa nacional das escolas cívico-militares desenvolvido pelo Ministério da
Educação (MEC) em parceria com o Ministério da Defesa.
Segundo informações do site do MEC, essas escolas apresentam ‘um conceito de
gestão’ nas áreas educacional, didático-pedagógica e administrativa com apoio in loco de
militares da reserva. Esse modelo de escola, segundo o MEC, “tem o objetivo de melhorar
o processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas e se baseia no alto nível dos
colégios militares do Exército, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros Militares”
(BRASIL, 2021). O “público-alvo” são alunos do ensino regular, nas etapas Ensino
Fundamental II, que vai do sexto ano até o nono ano a abrange normalmente crianças
entre 11 e 14 anos e/ou Ensino Médio, que compreende adolescentes de 15 a 17 anos que
estão se encaminhando para o término da educação básica.
Poderão aderir ao Programa os estados que possuam escolas que atendam a
critérios tais como: a escola deve pertencer a uma situação de vulnerabilidade social [são
escolas normalmente localizadas em periferias e áreas pobres]; precisam ter tido baixo
desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb); estar localizadas
na capital do estado ou na respectiva região metropolitana; devem oferecer as etapas
Ensino Fundamental II e/ou Médio e, preferencialmente, deve atender de 500 a 1000
alunos nos dois turnos, manhã e tarde [uma vez que as escolas públicas que se tornarem
Ecim´s não poderão ter aulas à noite].
Assim, uma promessa eleitoral - que anunciava “teremos em dois anos um colégio
militar em todas as capitais de Estado” (TSE, 2018, n.p), afirmava ainda que o “Conteúdo
e método de ensino precisam ser mudados. Mais matemática, ciências e português, SEM
DOUTRINAÇÃO E SEXUALIZAÇÃO PRECOCE” (TSE, 2018, letras em maiúsculas
presentes no documento original) e sustentava que para “mudar o método de gestão, na
Educação também precisamos revisar e modernizar o conteúdo. Isso inclui a
alfabetização, expurgando a ideologia de Paulo Freire10” (TSE, 2018, n.p) - culminou no

10
Interessante observar esse tipo de articulação e sua relação com o que já vivenciamos na ditadura civil-
militar brasileira. Quanto a isso, Alves, Segatto e Pineda (2021, p. 345) no lembram que “a ditadura militar
19

decreto Nº 10.004, de 5 de setembro de 2019 que efetivamente instituiu o Programa


nacional das escolas cívico-militares para todo o território nacional.
Ainda em 2020, as poucas informações por parte dos órgãos responsáveis quanto
ao programa acabaram se tornando mais explícitas através do ‘Manual das Escolas cívico-
militares’. Indisponível publicamente até janeiro de 2020, ele já vinha sendo distribuído,
quase exclusivamente, para as secretarias estaduais de educação. Somente depois do
Ministério da Educação ser acionado, através da Lei n° 12.527 - Lei de Acesso à
Informação (LAI), que o manual foi disponibilizado de forma pública. Todavia, ainda
atualmente o mesmo não se encontra disponível no site desse ministério. Ao se tentar
acessar o documento e demais “cartilhas de orientação” o(a) usuário(a) é remetido a uma
página inexistente onde se lê “Não é possível acessar esse site”.
No final de 2019 as escolas interessadas se candidataram ao Programa e em
fevereiro de 2020 o governo divulgou a lista com cinquenta e três escolas aprovadas. Com
o agravamento da pandemia as instituições de ensino permanecem sem aulas presenciais
(informações consultadas até abril de 2021).
Segundo pesquisa preliminar, observa-se que o militares atualmente têm atuado
na distribuição de alimentos a famílias carentes dentro da estrutura de algumas Ecim´s.
Em reportagens da mídia, também é possível constatar que muitas unidades passam, neste
momento, por melhorias estruturais e reformas em suas instalações.
O programa foi lançado propondo implantar 216 Escolas Cívico-Militares em todo
o país até 2023, sendo 54 por ano. Contudo, a lista disponível no site do MEC apresenta,
já em 2021, um número maior de escolas que serão militarizadas (tabela 2).

Tabela 2 –Municípios pré-selecionados para o Programa

Estados Municípios (2020) Municípios (2021)


ACRE 2 2
ALAGOAS 0 3
AMAPÁ 2 2
AMAZONAS 3 0
BAHIA 1 1
ESPÍRITO SANTO 0 4
CEARÁ 2 4
DISTRITO FEDERAL 2 0
GOIÁS 4 2
MARANHÃO 1 2
MATO GROSSO 2 2
MATO GROSSO DO SUL 3 4
MINAS GERAIS 3 5
PARÁ 4 1
PARAÍBA 1 4
PARANÁ 5 2
PERNAMBUCO 1 1
RIO DE JANEIRO 1 6
RIO GRANDE DO NORTE 0 3
RIO GRANDE DO SUL 5 7

no Brasil (1964-1985) considerou as ideias de Freire como sendo subversivas, motivo pelo qual foi exilado
do país entre 1964 e 1980” e em contraste às acusações que recebe, Freire valoriza acertadamente a
necessidade de jovens e adultos de desenvolver habilidades de leitura autônomas dentro de suas condições
sociais, políticas e culturais através do debate sobre a complexidade dos conflitos políticos e sociais.
20

RONDONIA 1 2
RORAIMA 2 3
SANTA CATARINA 4 0
SÃO PAULO 1 8
TOCANTINS 3 2
Total 53 70
Fonte: elaborado pela autora a partir de informações do site do MEC (BRASIL, 2021)

As Ecim´s receberão recursos financeiros para participar do programa. A previsão


é de que cada unidade receba um (1) milhão de reais (BRASIL, 2021).
O tema dos investimentos é um ponto que tem levantado questões no debate atual.
Especialistas questionam se os recursos que estão sendo investidos neste novo modelo
não deveriam ser destinados/partilhados entre as demais escolas públicas para melhorar
a infraestrutura, reduzir o número de alunos por sala, aumentar os salários dos professores
e, consequentemente, melhorar a qualidade da educação de forma mais ampla
(PINHEIRO; PEREIRA; SABINO, 2019). Isso porque - em um universo de mais de 68
mil escolas públicas que oferecem o Fundamental II e o Ensino Médio, segundo dados do
Censo Escolar 2018, - o fato do governo levar o modelo a um pouco mais de 200 unidades,
contraditoriamente, não se efetiva como uma política pública efetiva para a Educação
Básica capaz de “melhorar o processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas”
(BRASIL, 2021), como propõe o atual governo.
A principal justificativa para a militarização das escolas públicas baseia-se na
melhor classificação dos colégios militares no Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb), todavia ela se mostra frágil. Primeiro porque os recursos dos colégios
militares já são significantemente maiores do que o de escolas públicas. Segundo que
institutos federais e colégios de aplicação têm um desempenho superior em outros índices
como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a principal prova nacional para de
admissão à educação superior11. Por fim, nos colégios militares, focados em filhos de
militares, os estudantes normalmente pertencem às classes com maior poder aquisitivo e
condições sociais, culturais e econômicas diferentes dos alunos da rede pública o que
influencia nos resultados e desempenho dos discentes (SOARES, 2019).
No que tange a participação dos militares no programa, o MEC informa que
participarão da “gestão” a) de processos didático-pedagógicos através da promoção de
atividades de apoio ao processo de ensino-aprendizagem; b) na da gestão de processos
administrativos através da promoção de atividades com vistas à otimização dos recursos
materiais e financeiros da unidade escolar e ainda na c) gestão de processos educacionais
através da promoção de atividades com vistas à difusão de “valores humanos e cívicos
para estimular o desenvolvimento de bons comportamentos e atitudes do aluno”
(BRASIL, 2020).

11
Colégios de aplicação e institutos federais, com ensino técnico paralelo ao ensino médio são os donos
dos melhores resultados do país na escola pública. No ranking das 10 melhores instituições públicas do
país, de acordo com o resultado do Enem em 2017, sete são federais, entre colégios de aplicação das
universidades federais e rede IF (institutos federais). Na lista aparece um colégio militar do Exército, o de
Belo Horizonte (MG), em 7º lugar (SIMPRODF, 2021). Disponível em:
https://www.sinprodf.org.br/escolas-federais-custam-menos-que-as-militares-e-tem-desempenho-
superior-no-enem/ acesso em 13 de junho de 2021.
21

3. MÉTODO

Este capítulo busca esclarecer como pretendo responder à questão de pesquisa - como
o populismo de direita brasileiro articula, discursivamente, a racionalização do medo para
promover uma militarização da administração pública? - em termos empíricos/práticos.
Para tanto, ele será dividido em cinco seções. Na primeira detalho sobre a Análise Crítica
do Discurso (ACD) como sendo o método e também a teoria adotados. Na segunda
especifico o contexto dessa pesquisa. Na terceira detalho como será feita a coleta das
informações que parte de uma perspectiva sincrônica com foco em um período de tempo
de curta duração (de 2018 a 2021), evidencio que o corpus de análise será formado por
três conjuntos de textos: textos do governo, da mídia e dos partícipes diretos do programa.
Na quarta seção abordo sobre o procedimento de análise, apresento os protocolos que
serão adotados e finalizo detalhando sobre possíveis focos/categorias analíticas situando-
as dentro da Concepção Tridimensional do Discurso. Na quinta e última seção apresento
considerações sobre perspectivas e posicionamentos como pesquisadora.

3.1 Abordagem teórico-metodológica

Opto pela ACD, pois através dela é possível fazer análises linguísticas inseridas
em reflexões mais amplas sobre o processo social. Também porque a ACD precisa ser
planejada/aplicada não apenas de uma maneira interdisciplinar, mas realmente
transdisciplinar (FAIRCLOUGH, 2019). O que significa que essa pesquisa irá, também,
contribuir com campo dos Estudos Organizacionais através de um processo de
intercomunicação entre várias outras disciplinas (como linguística, ciência política,
educação, sociologia), pois compartilho da percepção de que não existem fronteiras entre
os campos e que o diálogo entre áreas é fundamental à produção e aos avanços teóricos-
metodológicos.
A ACD é um tipo de pesquisa analítica do discurso que estuda principalmente as
formas como o poder e dominação são construídas, reproduzidas e resistidas. Assim,
analistas críticos do discurso assumem sua posição explícita em compreender, expor, e
em última instância, resistir à desigualdade social (VAN DIJK, 2001, p. 352). Justamente
a perspectiva ‘crítica’ da ACD reporta sobre seu compromisso com o questionamento de
aspectos políticos e morais da vida social (FAIRCLOUGH, 2003).
De forma sintética integro o arcabouço teórico-metodológico da ACD a minha
pesquisa da seguinte forma (tabela 3):

Tabela 3 - Arcabouço teórico-metodológico da ACD em relação aos elementos da pesquisa


Arcabouço teórico-metodológico Elementos da pesquisa
Percepção de um problema/fenômeno social com Militarização da administração pública
aspectos discursivos (através de uma racionalização do medo)

Análise da conjuntura social Populismo de direita brasileiro

Análise da prática particular Militarização das escolas através do programa


nacional das escolas-cívico militares (Pecim).

Investigação de possíveis modos de ultrapassar os A ser realizado


obstáculos gerados pelo problema
22

Reflexão sobre a análise A ser concluído


Fonte: elaborado pela autora com base em Chouliaraki e Fairclough (1999) e em Vieira e Resende (2011)

Utilizarei a abordagem teórico-metodológica da Análise Crítica do Discurso,


especialmente na versão faircloughtiana, conhecida como abordagem dialética-relacional
(ADR) integrando-a ao campo do Estudos Organizacionais. Tarefa que parece produtiva
e necessária, pois compartilho do entendimento de Onumaa (2020) que os Estudos
Organizacionais já avançaram no sentido de perceber a importância metodológica da
perspectiva da Análise Crítica do Discurso (ver Rodrigues; Dellagnelo, 2013; Silva;
Gonçalves, 2017), todavia, uma dialética do discurso como a faircloughtiana ainda se
mostra pouco desenvolvida em nossa área de estudos.
A abordagem dialética-relacional (FAIRCLOUGH, 1999, 2019) é uma
perspectiva de análise discursiva em que se observa aquilo que os textos trazem como
pressupostos (premissas) não explícitos. Nesse estudo isso tem duas implicações
principais:
Em um primeiro momento questionar-se, por exemplo, sobre: de que forma a
escola pública é representada? E a figura do militar? E a instituição militar? A forma de
organizar e a organização militar? De que forma os professores civis são representados?
E a organização escolar pública não militarizada? E após militarizada? Que adjetivos,
advérbios, verbos, figuras de linguagem (metáfora, comparação, metonímia, catacrese,
sinestesia, perífrase entre outras) são empregadas e com qual sentido no texto? Como
ocorre a lexicalização? Como são articulados elementos de coesão, estrutura e coerência
textual? Nesse primeiro movimento – que se refere ao objetivo específico (i) que é
identificar e descrever o discurso da militarização - analisarei os documentos oficiais do
governo sobre o programa o que incluem a modalidade escrita (como programa de
governo, decretos, portarias, sites de ministérios e manual do Pecim) e sonora/visual
(canais do governo federal na internet).
Em um segundo momento - que refere-se ao objetivo específico (ii) que é
demonstrar como essa produção discursiva é construída/articulada através da
racionalização do medo - a análise textual se concentrará nos textos da mídia e entrevistas
com participantes do programa para que se possa verificar como o discurso da
militarização é articulado para promover uma racionalização do medo, ou seja: como é
mobilizado enquanto solução de vários medos sociais, como é invocado para promover
determinados tipos de adesão social, como é usado enquanto forma de explicação que
busca tornar coerente ou moralmente aceitável atos/ideias que sob determina perspectiva
(social) não o seriam, como pode ser distribuído/consumido para (re)produzir
contradições sociais e assim por diante.

3.2 Coleta de Dados

No que tange à coleta das informações para análise, será adotada uma perspectiva
sincrônica com foco em um período de tempo que vai de 2018 a 2021. Ela surge como
suficientemente representativa uma vez que parte da campanha presidencial oficial do
atual líder populista de direita, que já trazia entre suas promessas de campanha a
militarização de escolas, até segundo ano de implementação de uma gestão militarizada
em escolas públicas.
Como a ACD é aplicada sobre um corpus linguístico, ou seja, textos escritos e
registros orais em uma determinada língua, opto em segmentar meus corpora em textos
23

do governo, mídia e partícipes do programa. Para isso tomo como base Fairclough (2019)
que explica que, como o objeto de análise são os textos, é importante que eles sejam
tomados a partir de uma seleção que representem um domínio particular, mas que
assegurem que a diversidade das práticas envolvidas seja suficientemente representada.
O que chamo de textos do governo (tabela 4) refere-se aos textos produzidos pelo
governo federal por meio de seus representantes diretos, em especial o Ministério da
Educação. Ainda assim, tomo como disparador o Programa de Governo (eleições 2018),
pois ela traz elementos basilares para compreendermos as ideias por trás da estruturação
do programa. Os documentos oficiais, como os decretos e as portarias que o
regulamentam, revelam sobre o processo de composição e adequações jurídicas e legais
no âmbito da administração pública. O Manual Pecim surge como elucidativo para
identificação sobre valores, preceitos, diretrizes e demais visões. Já os canais on-line do
governo, via internet, trazem elementos sobre a produção de legitimidade junto ao público
em geral.
Tabela 4 – Textos do governo

Número de
Gênero Modalidade O que Quantidade
páginas

Documentos Programa de Governo


Escritos 1 Não paginado
Oficiais (eleições 2018)

Documentos
Escritos Decreto 1 7
oficiais

Documentos
Escritos Portarias 3 15 (total)
oficiais

Site Oficial Escritos Site do MEC 1 Não paginado

Regulamento
Escritos Manual Pecim 1 324
Oficial

Canal Estatal no
Site Oficial Sonoros/Visuais YouTube - TV 22 4:15min (total)
BrasilGov)12

(Canal Estatal no
Site Oficial Sonoros/Visuais 15 1:15 min (total)
YouTube - MEC)13

Fonte - elaborado pela autora

O que chamo de textos da mídia (imagem 1) refere-se a textos produzidos pela


mídia sobre o programa das escolas cívico militares. Para tanto, analisarei matérias
jornalísticas de jornais diários brasileiros disponíveis através da ferramenta PressReader
(https://www.pressreader.com/) por meio do acesso via intranet da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, uma vez que trata-se de uma ferramenta de buscas restrita a
assinantes. O PressReader disponibiliza acesso a versões digitais de mais de 7.000 jornais
e revistas de todo o mundo. No âmbito dessa pesquisa importará o conteúdo de jornais
12
Disponível em https://www.youtube.com/c/tvBrasilgov/search?query=c%C3%ADvico-militar Acesso
em 10 de maio de 2021.
13
Disponível em https://www.youtube.com/c/ministeriodaeducacao_MEC/search?query=c%C3%ADvico-
militares Acesso em 10 de maio de 2021.
24

brasileiros. Para delimitação dos textos apliquei o filtro na expressão “escolas cívico-
militares”, visto que é possível delimitar expressões pelo uso de aspas, e obtive duzentos
e quatorze resultados (conforme imagem 1). Não restringi quanto ao tipo jornal, apenas
no que se refere a nacionalidade. Nesse primeiro momento não apliquei nenhum filtro
para datas, mas observa-se que a primeira notícia no PressReader data de 12 de setembro
de 2019 e traz informações sobre o decreto Nº 10.004 de 5 de setembro que instituiu
oficialmente o programa das escolas-cívico militares.

Imagem 1 – Textos da Mídia

Fonte: elaborado pela autora com base no site PressReader (2021)

Já quanto aos textos dos partícipes diretos do programa, ele será proveniente de
entrevistas. Planejo realizar entrevistas semiestruturadas, ou seja, por meio de perguntas
ou questões estabelecidas num roteiro flexível em torno dos assuntos do interesse da
pesquisa (MINAYO, 2007). Não é possível dizer nesse momento de quantas entrevistas
serão feitas, uma vez que isso dependerá do desenvolvimento dos trabalhos.
O universo de organizações escolares que já se tornaram cívico-militares, até o
momento, é de 123 locais. Dadas as limitações relacionadas as políticas de distanciamento
social (Covid-19) eu priorizarei locais que já possuem presença em mídias sociais, uma
vez que isso reporta sobre uma melhor possibilidade de comunicação por meios virtuais,
bem como coleta de informações on-line (como postagens e comentários feitos pelos
usuários). Como é um requisito que estas escolas estejam localizadas em áreas de
vulnerabilidade social o que significa, que estão em regiões marcadas pela pobreza ou
extrema pobreza, o fato de ter-se identificado apenas cinco escolas com sites em mídia
social (no caso o Facebook) não surpreende. Dentro do universo de análise, tomarei,
inicialmente, essas cinco unidades (tabela 5) como base para realização das entrevistas14.
A escolha dessas unidades, dento do espectro total de escolas, integra essa
pesquisa dentro de uma proposta de estudo de caso múltiplo. De acordo com Gustafsson
(2017) o estudo de caso considera a unidade como um todo. Por meio do estudo do caso

14
Todavia isso pode ser expandido, conforme se mostre necessário, no que tange à identificação/localização
destas escolas em outras mídias sociais como, por exemplo, no Instagram.
25

o que se pretende é investigar são as características importantes para o objeto de estudo


da pesquisa. Um estudo de caso pode incluir tanto, estudos de caso únicos, quanto
múltiplos. Os estudos de caso únicos são os que têm o foco em uma unidade – um
indivíduo (caso único e singular, como o caso clínico). Já, um estudo de caso múltiplo,
compreende um número delimitado de representantes de um grupo mais abrangente de
indivíduos ou de várias organizações (GUSTAFSSON, 2017). Logo, pretendo investigar
o programa (Pecim) observando-o através das realidades empíricas em algumas escolas
que o acolheram como modelo organizacional.

Tabela 5 – Escolas para realização de entrevistas

ESCOLA PÁGINA FACEBOOK CIDADE/ESTADO


ESCOLA CÍVICO-
MILITAR CARLOS
Alvorada/ Rio Grande do
DRUMMOND DE https://www.facebook.com/ecimcda2020
Sul
ANDRADE

ESCOLA MUNICIPAL
CÍVICO-MILITAR DE
ENSINO
https://www.facebook.com/saopedrocivicomilitar Bagé/ Rio Grande do Sul
FUNDAMENTAL SÃO
PEDRO

ESCOLA CÍVICO-
MILITAR PROF.ª
EMÉRITA DUARTE https://www.facebook.com/escolaemeritaoficial Biguaçu/ Santa Catarina
SILVA E SOUZA

E.E.B PROF. ÂNGELO


CASCAIS TANCREDO https://www.facebook.com/angeloctancredo Palhoça/ Santa Catarina

ESCOLA ESTADUAL
https://www.facebook.com/eedospalmares Ibirité / Minas Gerais
DOS PALMARES
Fonte: elaborado pela autora

Sobre o que foi dito aqui em relação aos corpora é preciso, ainda, esclarecer que -
mesmo que eles pareçam amplos nesse início - a concepção da ADR de Fairclough (2019,
p. 293) deixa claro que ela é “especialmente relevante para a análise detalha de um
pequeno número de amostras” pois a análise deve focar-se na profundidade. Por esse
motivo, dentro desse espectro geral, exemplos significativos de textos serão selecionados,
analisados e debatidos conforme o processo de desenvolvimento desse estudo.

3.3 Análise dos dados

No que tange ao processo de análise dos textos, de acordo com Leitch e Palmer
(2010), a Análise Crítica do Discurso pode ser abordada com mais consistência e o rigor
partindo-se de três decisões centrais em relação a análise dos textos: decisões sobre
definições de conceitos centrais; decisões sobre seleção das informações; e decisões sobre
a análise. Para tanto, os autores propõem a adoção de nove protocolos centrais. Tal
procedimento será utilizado nessa pesquisa e é descrito na tabela 6 a seguir. Alguns deles
já parcialmente em andamento, outros passíveis de ser articulados durante e/ou após a
coleta e análise dos textos.
26

Tabela 6 -Protocolos centrais para análise dos textos

Protocolos Ação sugerida Ação realizada

1 Defina seus termos-chave Militarização da Administração


Pública, Racionalização do
Medo, Populismo de Direita

2 Explique em qual a tradição de ACD suas definições se Tradição dialética-relacional de


baseiam Norman Fairclough (1999,
2019).

3 Apresente o contexto ou, se você escolher, não fazer Contexto organizacional das
isso, explique teoricamente o seu raciocínio e as escolas cívico-militares.
implicações para a sua análise.
Também optou-se por elaborar
a linha de raciocínio teórica a
qual foi apresentado na seção
1.1 desse material.

4 Identifique como as questões sociais e políticas mais Elas influenciaram na escolha


amplas que sustentam o seu foco da pesquisa de três corpora representativos
influenciam a escolha dos dados do fenômeno (apresentados
nesse capítulo 3).

5 Descreva os critérios que você usou em sua pesquisa Não é possível responder nesse
para estabelecer quais dados foram associados ao texto momento da pesquisa.
e quais foram associados ao contexto.

6 Descreva como sua escolha e a disponibilidade de dados Não é possível responder nesse
sobre o contexto iluminou aspectos de sua questão de momento da pesquisa.
pesquisa e suas conclusões ao excluir outras
interpretações possíveis.

7 Descreva quais aspectos sobre ‘o que você encontrou' Não é possível responder nesse
foram baseados nos dados, quais partes da sua análise momento da pesquisa.
são baseadas em extrapolações e inferências, e qual foi
a sua base para fazer tais extrapolações e inferências.

8 Explique quais aspectos do conhecimento textual e Não é possível responder nesse


contextual provavelmente foram perdidos com as momento da pesquisa.
técnicas de redução de dados usados para 'contar a
história' e quais as implicações dessas perdas para suas
conclusões.

9 Descreva seu papel como pesquisador na produção e Não é possível responder nesse
análise de dados relacionadas ao texto e ao contexto. momento da pesquisa.

Fonte: elaborado pela autora a partir de Leitch e Palmer (2010)

Por fim, no que tange às dimensões de análise, com base na tradição dialética-
relacional de Norman Fairclough (FAIRCLOUGH, 1999, 2019) irei considerar as três
dimensões que o discurso possui sendo elas: as práticas sociais, a prática discursiva e a
prática social. Na primeira farei a descrição do conteúdo analisado e nas outras duas a
interpretação. Dentro de cada uma dessas dimensões existem categorias de análise que
27

poderei tomar como base conforme mostrem-se adequadas (tabela 7). O modelo que
apresento a seguir representa ‘o que’ pode ser analisado nos textos e sobre isso Vieira e
Resende (2016) explicam que a escolha das categorias analíticas não é algo feito a priori.
Elas serão - uma consequência - do que o texto nos traz e, evidentemente, das
preocupações da pesquisa.

Tabela 7 – ‘Possíveis’ focos e suas categorias de análise

Concepção
Parte do Exemplos (Ex) ou perguntas que podem
Tridimensional Prováveis Focos Possíveis categorias de análise
Procedimento ser feitas (P)
do discurso

Ex: "escolas cívico-militares" ao invés de


escolas "militarizadas" // “manual” ao
invés de projeto “político pedagógico” ou
Vocabulário (palavras) Lexicalização mesmo “Regimento Escolar”

Ex: Militares devem ser "espelho" para os


Metáforas jovens.

DIMENSÃO
TEXTUAL Gramática Ex: Qual relação é dada entre as frases (de
descrição (relação entre frases/orações) adversidade, de realce, etc.?)

Coesão P: como as ideias são ligadas/conectadas


(forma do texto) Coesão sequencial no texto?

P: Por anáfora (lembra algo), catáfora


(anuncia o que vai dizer), trabalha com
Coesão referencial ambiguidade?
Estrutura Textual Estrutura genérica P. Que gêneros o texto articula?

Força As escolhas lexicais Ex: O Brasil “precisa” mudar

Coerência A unidade de sentido P: Há contradições entre as partes do


(conteúdo do texto) dada ao texto texto?

Fragmentos de outros
Intertextualidade textos Que outras vozes são articuladas no texto?
DIMENSÃO DA
PRÁTICA Ex: quem é responsável pelo texto, quem
DISCURSIVA Conceito do produtor tem a opinião representada? Que atores
Produção textual são invocados ou suprimidos?
Distribuição Simples Ex: Uma conversa casual
Complexa

interpretação Ex: Texto produzido por um líder político


Ex: uma carta de amor (FAIRCLOUGH,
Consumo Individual 2019, p.112)
Ex: registros administrativos
Coletivo (FAIRCLOUGH, 2019, p.112)
Ideologia Na estrutura

DIMENSÃO DA No evento analisado


PRÁTICA Nos níveis do texto
SOCIAL
Formas de articulação
do discurso
28

Hegemonia As relações de poder


As relações de sociais
Fonte – Elaborado pela autora a partir de Fairclough (2019)

3.4 Cronograma

Nessa seção detalho o cronograma (tabela 8) a partir dos protocolos (cf. tabela 6)
relacionando-os com os objetivos dessa pesquisa.

Tabela 8 - Cronograma da pesquisa

Fonte: elaborado pela autora

3.5 Sobre o lugar da pesquisadora

Compreendo a militarização da administração pública como um elemento basilar


do populismo de direita brasileiro e é sobre ela que me interessa refletir, debater e criticar.
Todavia, essa crítica não se concentra sobre o ‘sujeito militar’ enquanto tal, nem a
organização militar em si. Critico os efeitos da apropriação de uma imagem que, entre
outras coisas, liga-se a um passado de relevante teor autoritário e, não obstante
antidemocrático, que acaba se exteriorizando nas exaltações ao golpe de 64, nas
manifestações públicas de apologia à tortura, nos pedidos para o fechamento do
Congresso Nacional e nos apelos a uma intervenção militar como o que temos
presenciado continuamente no cenário atual.
Considero que, quando o medo é o afeto político central em mobilização torna-se
possível produzir legitimidade apoiando-se na imagem da organização militar como um
modelo para organizar/gerir a sociedade civil. E, como mencionei, isso produz
implicações tanto nas organizações como na forma de organizar uma vez que acaba por
exercer influência no(s) o(s) tipo(s) de governança adotada(s), tipos de instrumentos
administrativos desenvolvidos, modos de tomada de decisão e, evidentemente, o
conteúdo das políticas públicas que passarão a ser colocados em prática - o que inclui
programas públicos como o Programa das Escolas Cívico-Militares (Pecim).
29

Vejo as escolas cívico-militares como um caso empírico capaz de prover respostas


à questão que dá mote a essa pesquisa por dois motivos em particular. Primeiro porque a
militarização de escolas públicas pode motivar modelos de organizações diferentes do
que prega nosso sistema democrático, ou seja, excludentes e antidemocráticas (sobre isso
ver a seção 4 ‘Apêndice’). Segundo porque podem promover e implementar formas de
organizar (as ações coletivas, os grupos, as instituições) a partir de perspectivas
contraditórias como, por exemplo, projetando a melhoria da educação pública ‘como um
todo’ militarizando ‘algumas’ escolas, o que poderia ser dito de outra forma, ou seja,
projetando a melhoria da educação pública militarizando escolas.
Partindo do que escreve Safatle (2016, p. 20), amparado em Espinoza, que “não
há esperança sem medo, nem medo sem esperança”, parece, ainda, relevante comentar
que aquilo que anima esse estudo é tanto uma indignação contra uma visão de mundo
desagregadora que racionaliza o medo tornando-o como um poderoso instrumento
político-ideológico, quanto a esperança na possibilidade de transformação de estruturas
sociais autoritárias, arbitrárias, opressoras e que motivam práticas organizacionais de
mesmo tipo.

REFERÊNCIAS

ALVES, Mário A.; SEGATTO, Catarina I.; PINEDA, Andrea M. Changes in Brazilian
education policy and the rise of right‐wing populism. British Educational Research
Journal, v. 47, n. 2, p. 332-354, 2021.
BARROS, Amon; WANDERLEY, Sergio. Brazilian businessmen movements: Right-
wing populism and the (dis) connection between policy and politics. Organization, v. 27,
n. 3, p. 394-404, 2019.
BEETHAM, D. The legitimation of power. Atlantic Highlands, NJ: Humanities Press
International, 1991.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
política. 2. ed. Brasília: UNB, 1986.
BOER, Nicolas. Militarismo e clericalismo em mudança. São Paulo: T.A. Queiroz, 1980.
BRASIL, Ministério da Educação. Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares,
2021. Disponível em: http://escolacivicomilitar.mec.gov.br/ Acesso em 17 de maio de
2021.
BRASIL. Exército brasileiro. Brasília, 2021b. Disponível em:
http://www.eb.mil.br/web/ingresso/colegios-militares/-
/asset_publisher/8E9mFznTlAQW/content/conheca-os-12-colegios-militar-1 Acesso em
17 de maio de 2021
BROWN, Andrew D.; TOYOKI, Sammy. Identity work and legitimacy. Organization
Studies, v. 34, n. 7, p. 875-896, 2013.
BROWN, Wendy. American nightmare: Neoliberalism, neoconservatism, and de-
democratization. Political theory, v. 34, n. 6, p. 690-714, 2006.
BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: A ascensão da política antidemocrática no
Ocidente. São Paulo: Politeia, 2019.
BYRNE, Janice et al. Gender gymnastics in CEO succession: Masculinities, femininities
and legitimacy. Organization Studies, v. 42, n. 1, p. 129-159, 2021.
CEDERSTRÖM, Carl; FLEMING, Peter. On bandit organizations and their (il)
legitimacy: Concept development and illustration. Organization Studies, v. 37, n. 11, p.
1575-1594, 2016.
30

CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: Rethinking


critical discourse analysis. Edinburgh: University Press, 1999.
CORDEIRO, J.M. Coerção, consentimento e cotidiano durante os 'anos de chumbo' da
ditadura no brasil. Rio de Janeiro: PPGHistória-UFF, 2016.
DA SILVA, Jorge. Militarismo. Dicionário crítico das ciências sociais dos países de fala
oficial portuguesa. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia - EDUFBA, p.
349 – 362, 2014.
DE BRITO, Mozar José; DA GLÓRIA PEREIRA, Valéria. Socialização organizacional:
a iniciação na cultura militar. Brazilian Journal of Public Administration, v. 30, n. 4, p.
138 a 165, 1996.
DE CLEEN, B., GLYNOS, J., MONDON, A. Critical Research on Populism: Nine Rules
of Engagement. Organization, v. 25, n. 5, p. 649–61, 2018.
DE COCK, Christian; JUST, Sine N.; HUSTED, Emil. What’s he building? Activating
the utopian imagination with Trump. Organization, v. 25, n. 5, p. 671-680, 2018.
DEEPHOUSE, David; SUCHMAN, Mark C. Legitimacy in organizational
institutionalism. The Sage handbook of organizational institutionalism, v. 49, p. 77, 2008.
FAIRCLOUGH, N. Language and Globalization. London: Routledge, 2006.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Editora da Universidade de
Brasília, 2019.
FOUGÈRE, Martin; BARTHOLD, Charles. Onwards to the new political frontier:
Macron’s electoral populism. Organization, v. 27, n. 3, p. 419-430, 2020.
FUKUYAMA, F. The origins of political order: From prehuman times to the French
revolution. New York, NY: Farrar, Straus and Girou, 2011
GILLS, Barry; PATOMÄKI, Heikki; MORGAN, Jamie. President Trump as status
dysfunction. Organization, v. 26, n. 2, p. 291-301, 2019.
GUSTAFSSON, Nils; WEINRYB, Noomi. The populist allure of social media activism:
Individualized charismatic authority. Organization, v. 27, n. 3, p. 431-440, 2020.
GUSTAFSSON J . Single case studies vs. multiple case studies: a comparative study 2017
(Tese) - Halmstad University, Halmstad, Sweden.
HENSMANS, Manuel; VAN BOMMEL, Koen. Brexit, the NHS and the double-edged
sword of populism: Contributor to agonistic democracy or vehicle of ressentiment?.
Organization, v. 27, n. 3, p. 370-384, 2020.
KALBERG, Stephen. Max Weber's types of rationality: Cornerstones for the analysis of
rationalization processes in history. American journal of sociology, v. 85, n. 5, p. 1145-1179,
1980.
KALIL, Isabela et al. Politics of fear in Brazil: Far-right conspiracy theories on COVID-19.
Global Discourse: An interdisciplinary journal of current affairs, v. 11, n. 1-2, p. 1-2, 2021.
KERR, Ron; ŚLIWA, Martyna. When the political becomes (painfully) personal: Org-
studying the consequences of Brexit. Organization, v. 27, n. 3, p. 494-505, 2020.
KNIGHT, Eric; TSOUKAS, Haridimos. When Fiction Trumps Truth: What ‘post-
truth’and ‘alternative facts’ mean for management studies. Organization Studies, v. 40,
n. 2, p. 183-197, 2019.
LACERDA, Daniel S. Rio de Janeiro and the divided state: Analysing the political
discourse on favelas. Discourse & Society, v. 26, n. 1, p. 74-94, 2015.
LACERDA, M. B. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. 1. ed.
Porto Alegre: Zouk, 2019.
LEFSRUD, Lianne; GRAVES, Heather; PHILLIPS, Nelson. “Giant toxic lakes you can
see from space”: A theory of multimodal messages and emotion in legitimacy work.
Organization Studies, v. 41, n. 8, p. 1055-1078, 2020.
31

LEITCH, Shirley; PALMER, Ian. Analysing texts in context: Current practices and new
protocols for critical discourse analysis in organization studies. Journal of Management
Studies, v. 47, n. 6, p. 1194-1212, 2010.
LI, Yuan; GREEN JR, Sandy E.; HIRSCH, Paul M. Rhetoric and authority in a polarized
transition: The case of China’s stock market. Journal of Management Inquiry, v. 27, n. 1,
p. 69-95, 2018.
LÖWY, Michael. Conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil. Serviço
Social & Sociedade, n. 124, p. 652-664, 2015.
MARTINS FILHO, João Roberto. O palácio e a caserna: a dinâmica militar das crises
políticas na ditadura (1964-1969). Alameda Casa Editorial, 2020.
MASOOD, Ayesha; NISAR, Muhammad Azfar. Speaking out: A postcolonial critique of
the academic discourse on far-right populism. Organization, v. 27, n. 1, p. 162-173, 2020.
MINAYO, Maria Cecília; DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu. Pesquisa
social: teoria, método e criatividade. Editora Vozes Limitada, 2011.
MOLLAN, Simon; GEESIN, Beverly. Donald Trump and Trumpism: Leadership,
ideology and narrative of the business executive turned politician. Organization, v. 27, n.
3, p. 405-418, 2020.
NAGUIB, Rabia. Legitimacy and “Transitional Continuity” in a Monarchical Regime:
Case of Morocco. International Journal of Public Administration, v. 43, n. 5, p. 404-424,
2020.
NORRIS, Pippa; INGLEHART, Ronald. Trump, Brexit, and the rise of populism:
Economic have-nots and cultural backlash. Harvard JFK School of Government Faculty
Working Papers Series, p. 1-52, 2016.
ONUMA, Fernanda Mitsue Soares. Contribuição da Análise Crítica do Discurso em
Norman Fairclough para além de seu uso como método: novo olhar sobre as organizações.
Organizações & Sociedade, v. 27, n. 94, p. 585-607, 2020.
PATALA, Samuli et al. Legitimacy under institutional change: How incumbents
appropriate clean rhetoric for dirty technologies. Organization Studies, v. 40, n. 3, p. 395-
419, 2019.
PHILLIPS, Nelson; LAWRENCE, Thomas B.; HARDY, Cynthia. Discourse and
institutions. Academy of management review, v. 29, n. 4, p. 635-652, 2004.
PUYOU, François-Régis; QUATTRONE, Paolo. The visual and material dimensions of
legitimacy: Accounting and the search for socie-ties. Organization Studies, v. 39, n. 5-6,
p. 721-746, 2018.
ROBINSON, S.; BRISTOW, A. Riding populist storms: Brexit, Trumpism and beyond,
Special Paper Series Editorial. Organization, v.3. n. 27, p. 359–369, mar./jun. 2020.
RODRIGUES, Marcio Silva; DELLAGNELO, Eloise Helena Livramento. Do discurso e
de sua análise: reflexões sobre limites e possibilidades na Ciência da Administração.
Cadernos EBAPE. BR, v. 11, n. 4, p. 621-635, 2013.
ROSA, Alexandre Reis; BRITO, Mozar José de. "Corpo e alma" nas organizações: um estudo
sobre dominação e construção social dos corpos na organização militar. Revista de
Administração Contemporânea, v. 14, n. 2, p. 194-211, 2010.
SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do
indivíduo. São Paulo: Autêntica, 2016.
SAUER, Margrid; SARAIVA, Karla. Uma escola diferente do mundo lá fora. Revista
Brasileira de Política e Administração da Educação - Periódico científico editado pela
ANPAE, v. 35, n. 3, p. 766, 2019
SELL, C. E. Max Weber e a racionalização da vida. São Paulo: Editora Vozes, 2013.
SELL, Carlos Eduardo. Racionalidade e racionalização em Max Weber. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 79, p. 153-172, 2012.
32

SILVA, Everton Rodrigues da; GONÇALVES, Carlos Alberto. Possibilidades de


incorporação da análise crítica do discurso de Norman Fairclough no estudo das
organizações. Cadernos EBAPE. BR, v. 15, n. 1, p. 1-20, 2017.
SOARES, M. et al. Escola militar para quem? O processo de militarização das escolas na
rede estadual de ensino do Piauí. Revista Brasileira de Política e Administração da
Educação (ANPAE), v. 35, n. 3, p. 786, 2019.
SPECTOR, Bert; WILSON, Suze. We made this bed… now look who’s lying in it.
Organization, v. 25, n. 6, p. 784-793, 2018.
SUCHMAN, Mark C. Managing legitimacy: Strategic and institutional approaches.
Academy of management review, v. 20, n. 3, p. 571-610, 1995.
SUDDABY, Roy; GREENWOOD, Royston. Rhetorical strategies of legitimacy.
Administrative science quarterly, v. 50, n. 1, p. 35-67, 2005.
THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Max Weber: o processo de racionalização e o
desencantamento do trabalho nas organizações contemporâneas. Rev. Adm. Pública, Rio de
Janeiro , v. 43, n. 4, p. 897-918, Aug., 2009
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios
de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.
TSE. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. 2018. Disponível
em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/propostas-de-candidatos. Acesso em:
17 de maio de 2021
VAARA, E; TIENARI, J.; KOVESHNIKOV, A. From cultural differences to identity
politics: A critical discursive approach to national identity in multinational corporations.
Journal of Management Studies, jun./jul, 2019.
VAARA, Eero. Struggles over legitimacy in the Eurozone crisis: Discursive legitimation
strategies and their ideological underpinnings. Discourse & Society, v. 25, n. 4, p. 500-
518, 2014.
VAN DIJK, Teun A. Multidisciplinary CDA: A plea for diversity. Methods of critical
discourse analysis, v. 1, p. 95-120, 2001.
VIEIRA, V.; RESENDE, V. Análise de discurso (para a) crítica: O texto como material
de pesquisa. Campinas: Pontes, 2016.
WEBER, Max. The theory of social and economic organization. New York, NY: Oxford
University Press, 1947.
WEBER, Max. On charisma and institution building. Chicago: University of Chicago
Press, 1968.
WEBER, Max. Economía y sociedade. México: Fondo de cultura económica, 2002.
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2002b.
WEBER, Max. The Vocation Lectures: Science as a Vocation, Politics as a Vocation.
Indianapolis/Cambridge: Hackett Publishing Company, v. 32, p. 63, 2004.
WHITE, Sarah C. NGOs, civil society, and the state in Bangladesh: The politics of
representing the poor. Development and change, v. 30, n. 2, p. 307-326, 1999.
WODAK, Ruth. The politics of fear: What right-wing populist discourses mean. Los
Angeles: Sage, 2015.
WODAK, Ruth; NUGARA, Silvia. Right-wing populist parties endorse what can be
recognised as the “arrogance of ignorance”. Mots. Les langages du politique, n. 3, p. 165-
173, 2017.
33

4. APÊNDICE

4.1 Algumas considerações do ‘Manual’ do Pecim

Em relação aos estudantes, o manual prevê que o comportamento dos alunos seja
avaliado e classificado em forma de nota. Os estudantes farão uso obrigatório de
uniformes específicos com padrão militar, fornecidos pelo governo de cada estado.
Algumas regras constantes no manual reportam o fato das Forças Armadas ou de
segurança estaduais e municipais ser informadas de conflitos escolares que não puderem
ser resolvidos pelo oficial de gestão escolar e pelo diretor (p. 36). É prevista a realização
de rondas para monitorar os alunos ou como consta “É recomendável a realização de
rondas pelos monitores, com a finalidade de verificar se alunos estão faltando à alguma
atividade sem autorização, orientando-os a comparecer à atividade o mais rápido
possível” (p. 35). Também consta no manual que os “os deslocamentos das turmas de
aula deverão ser feitos em forma, sob o comando do aluno chefe de turma, e em passo
ordinário, sempre que possível” (p. 34, grifos meus). E, durante os deslocamentos das
turmas, podem ser entoadas canções - desde que o canto não atrapalhe as atividades
escolares e também desde que essas canções despertem o entusiasmo pela escola, pelos
heróis nacionais e pela Pátria, não sendo autorizadas canções previamente, submetidas ao
Diretor pelo Oficial de Gestão Educacional para devida aprovação (p. 34, grifos meus).
A Ecim poderá congregar os alunos em grêmios, clubes, núcleos e grupos que reflitam
interesses comuns de seus integrantes, desde que previamente autorizados pelo Diretor,
alinhados às orientações didático-pedagógicas das Ecim e sob a supervisão de um
orientador (p. 58, grifos meus). Parte do uniforme feminino, as saias-calças deverão ter
comprimento na altura dos joelhos (p. 7), “quando uniformizadas, as alunas poderão usar
apenas adereços (relógio, pulseiras, brincos) discretos” (p. 18, grifos meus). Para alunos
do sexo masculino, só será permitido o uso de cabelos curtos, cortados "de modo a manter
nítidos os contornos junto às orelhas e o pescoço" na tonalidade natural e sem adereços
(p. 18, grifos meus).

Você também pode gostar