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XXX Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo - SP, 27 a 30 de julho de 2021
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo propor uma interpretação analítica da estratégia político
comunicacional de condução da Pandemia de Covid-19 pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro. Para isso,
referencia-se teoricamente nas contribuições de Roland Barthes sobre o discurso mitológico e na de Karl
Mannheim sobre a metodologia do pensamento conservador. A partir da articulação proposta, segue-se ao exame
de algumas falas públicas do Presidente sobre a crise sanitária. Observa-se que a postura do mandatário não é
apenas simples negacionismo científico mas uma postura coerente com a racionalidade do pensamento
conservador. Ao posicionar seu discurso a partir dessa coerência, Jair Bolsonaro estaria tanto ratificando sua
posição de líder do movimento político quanto reafirmando a legitimidade deste pensamento, naturalizando a
visão de mundo desse grupo político.
Abstract: The goal of this paper is submit an analytical preposition about the principles of political
communication used by the President Jair Bolsonaro on his public addresses about Covid-19 pandemic. To do
so, the paper relies on theoretical contributions of Ronald Barthes about modern mythological discourse and Karl
Mannheim on methodology of conservative thought. From this point, the work examines public statements done
by the President about sanitary crises. It is observed that his posture cannot be only understood as "denialistic"
simple but it is coherent with internal rationality of conservative thought. In this sense, Jair Bolsonaro's position
both reassure himself as a leader of the conservative political movement as assure the legitimacy of this type of
thought, showing up its world view.
1. Introdução
A eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República em novembro de 2018,
conjuntamente ao avanço da direita no Congresso Nacional, representou a ascensão ao poder
de agentes políticos comprometidos com pautas que seriam consideradas pouco relevantes e/ou
pouco expressivas no começo da segunda década do século XXI. O cenário social anterior a
esse ato foi caracterizado por uma severa crise política e econômica que repercutiu em altos
1
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Política do XXX Encontro Anual da Compós,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo - SP, 27 a 30 de julho de 2021.
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Doutorando em Comunicação e Práticas de Consumo – PPGCOM/ESPM. Professor do Departamento de
Ciências Econômicas da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM. Email:
ronaldo.ribeiro@gmail.com.
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Aqui incluído a defesa do uso sistemático da tortura, da pena de morte e contrários aos direitos de minorias e de
povos e comunidades tradicionais
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4 O que torna tais redes locus ideais de circulação de teorias de conspiração e desinformação, como demonstra
Oliveira (2020).
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dos partidos de esquerda” ainda que houvessem fortes indícios de uma possível “fraude
eleitoral” no primeiro turno das eleições.
Cioccari e Persichetti (2018) entendem que o discurso armamentista, de ódio às
diferenças e medo constante em relação àqueles que não se enquadrariam à categoria de
“cidadão de bem”, podem ser compreendidos a partir da lógica da sociedade do espetáculo
(Debord): trata-se de uma teatralização constante em busca da visibilidade, que é conseguida
exatamente em razão das paixões, emoções e dramatizações que desperta. O que, por outro
lado, emula o comportamento espetacularizado e crescentemente extremista. Por fim, há que
se considerar o aspecto “cortina de fumaça” levantado por Almeida e Borges (2019).
Observando os primeiros atos do então novo governo, os autores elencam situações em que
uma nova narrativa é produzida, enquanto fenômeno puramente midiático para desviar a
atenção do público de eventos que envolvem o jogo político e os desafios econômicos do
governo.
A chegada da pandemia de Covid-19 a partir do primeiro trimestre de 2020, explicitou
e agudizou a severa crise social já descrita adicionando ao cenário a complexidade extra de
uma crise na saúde pública. Diante disso, o chefe do executivo federal adotou de início uma
postura de minimização da gravidade da pandemia: não seria mais do que uma “gripezinha 5”,
algo que “seu histórico de atleta6” facilmente daria fim. Como a pandemia persistiu, essa
estratégia foi logo alterada para um negacionismo explícito das orientações científicas sobre o
distanciamento social7 e o uso de máscaras8, passando à quimérica adoção de um remédio sem
eficácia comprovada9 no tratamento da doença, e culminando na negativa de compra dos
imunizantes10, quando estes já se apresentavam como uma realidade.
Santos (2020) encontrou no Twitter um terreno fértil para a criação e propagação de
hashtags favoráveis ao comportamento negacionista do presidente. Galhardi et al. (2020),
5
https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2020/03/24/bolsonaro-volta-a-se-referir-ao-coronavirus-como-
gripezinha-e-criticar-governadores-por-restricoes.htm
6
https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2020/04/bolsonaro-diz-que-chance-de-atleta-morrer-de-covid-19-e-
infinitamente-pequena.shtml
7
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/04/11/bolsonaro-descumpre-medidas-de-distanciamento-
social-pelo-terceiro-dia-seguido.ghtml
8
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/07/03/bolsonaro-veta-uso-obrigatorio-de-mascara-no-
comercio-em-escolas-e-em-igrejas
9
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2020/08/13/bolsonaro-volta-a-defender-cloroquina-contra-
covid-19-e-diz-que-desemprego-leva-a-morte.htm
10
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/10/21/bolsonaro-responde-a-criticas-sobre-vacina-
chinesa-nao-sera-comprada.htm
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Mas o ponto capital em tudo isto é que a forma não suprime o sentido, empobrece-o
apenas, afasta-o, conservando-o à sua disposição (...). O sentido passa a ser para a
forma como sua reserva instantânea de história, como riqueza submissa, que é possível
aproximar e afastar numa espécie de alternância rápida: é necessário que cada momento
a forma possa reencontrar raízes no sentido, e ai se alimentar; é, sobretudo, é necessário
que ela se possa esconder nele. É este interessante jogo de esconde-esconde entre o
sentido e a forma que define o mito (BARTHES, 1982, p. 140).
Ou seja, o mito é uma fala apropriada, retirada de seu conteúdo original – mas que ainda
mantêm a forma primitiva – , modificada e com novo conteúdo sígnico. É um sistema duplo,
ubíquo e oblíquo. Destas propriedades, derivam-se a capacidade plástica do mito de possuir ao
menos duas possíveis interpretações. Barthes usa aqui a analogia de uma paisagem observada
através do vidro de um automóvel: só nos é permitido observar a paisagem a partir da película
transparente do auto que corre em velocidade. Ao observador, no entanto, é possível escolher
se o foco de suas atenções será a dita paisagem ou a referida película. Em ambos os casos,
aquele elemento intencionalmente relegado, ainda continuará a compor o cenário: seja
enquanto um vidro a distorcer a paisagem, seja enquanto paisagem a passar rapidamente pelo
vidro.
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Pois eu me chamo Leão.
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É por isso que em Barthes o mito possui um caráter imperativo e interpelatório: ele se
dirige a seu receptor, para que este não seja deixado à deriva na vastidão de suas possibilidades.
Ou seja, o mito é uma fala dirigida (BARTHES, 1982).
Recorreremos, novamente, a mais um exemplo descrito por Barthes. Trata-se da
fotografia de capa da revista Paris Match de junho de 1957 em que um jovem soldado negro
veste um uniforme militar enquanto faz a saudação à bandeira francesa. Imagem repleta de
significados possíveis que permite o seguinte exercício:
Apenas nesse terceiro momento, enquanto leitores do mito, é que sua dupla camada
semiológica torna-se detectável, ao mesmo tempo em que o adensamento da visão permite
explicitar a dimensão ideológica da construção. É como se
O mito é então uma fala intencional direcionada à determinado público através de uma
construção semiológica dupla que tem por função naturalizar ideologicamente aquilo que é
histórico e social. Não se trata apenas de um homem negro em continência, e nem do
imperialismo francês. Mas sim a necessidade de justificação do imperialismo a partir de um
discurso planejado, articulado e direcionado àqueles sob o julgo do império, construído
enquanto uma coesão social historicamente cambaleante.
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Barthes encontra, então, uma associação entre o objetivo político do mito com o próprio
devir histórico da sociedade burguesa. Assim como o mito, esta tenta em seu discurso afirmar
a naturalidade, a perenidade, dessa formação social que, por princípios constituiu-se
historicamente. Essa tentativa não é um fenômeno recente e remonta ao próprio ideal burguês
de formação da nacionalidade, encontrando desdobramentos na organização política do Estado
que lhe é contemporâneo. Segundo o autor:
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O racionalismo assim definido concebe que a “teoria” é tudo aquilo que pode ser
descrito em termos gerais, aplicável em todos os cenários. “Parte-se da suposição totalmente
não comprovada de que o homem só pode conhecer onde ele puder demonstrar sua experiência
para todos. Assim, tanto o racionalismo anti-qualitativo como o anti-mágico, do ponto de vista
sociológico, resultam na dissociação do conhecimento das personalidades e das comunidades
concretas” (MANNHEIM, 1986, p.91).
Ocorre que não seria sociologicamente preciso afirmar que o desenvolvimento do
racionalismo moderno ocorre com a total dominação e extinção do estilo pretérito de
pensamento qualitativo. Muito pelo contrário, do ponto de vista daqueles grupos sociais que
viram seus modos de representação do mundo sob ataque, o desenvolvimento do racionalismo
renascentista em direção à todas as áreas da vida social soa com um ressentimento e gera a
necessidade de reação. Por exemplo, nas artes, o movimento romântico (em especial o
romantismo alemão) é uma reação privada ao racionalismo crescente da esfera pública
(MANNHEIM, 1986).
Mas essa contrarreação não se limita à esfera simbólica, assenta-se também no campo
da luta política. Se, por um lado, a nascente classe burguesa encampa a bandeira do
racionalismo já que esse mostra resultados práticos atrelado aos seus objetivos econômicos e,
são, também, consoantes com sua agenda política, caberá aqueles grupos não alinhados
unirem-se em torno de estilos de pensamento alternativos, com bandeiras políticas igualmente
alternativas. Aqui cabe um parênteses relevante: a oposição ao movimento burguês, nessa
perspectiva, não é historicamente inaugurada pela classe proletária. No movimento histórico
de destruição das relações sociais pré-capitalistas, a classe operária só pode nascer da massa
indistinta chamada de “povo”, aqui incluído a classe burguesa. Será apenas ao longo do
processo de consolidação desta classe de novos possuidores que os novos despossuídos
poderão ser distinguidos. Assim, em Mannheim, a primeira oposição ao racionalismo é uma
“oposição de direita”.
Sociologicamente, toda e qualquer oposição a diferentes estilos de pensamento são
oposições políticas: exprimem-se enquanto choques nas visões de mundo de cada grupo
político. Na sociologia do conhecimento proposta por Mannheim, o marco político fundador
da cisão entre o racionalismo burguês e a posição conservadora é a defesa por visões de mundo
que são mutuamente excludentes. Por esta razão, não há que se falar sobre o domínio exclusivo
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Como o próprio Mannheim reconhece, apenas em situações muito específicas, por exemplo, enquanto
enfrentam um outro estilo de pensamento rival, é que as posições burguesas e conservadoras poderão unir-se.
De fato esse será o caso em um fato histórico chave: a Revolução Francesa. Ao mesmo tempo, e não por acaso,
no momento seguinte, o fruto dessa união irá gerar exatamente seu oposto, ou seja, a explicita distinção, a
posteriore, entre os pensamentos liberal e o conservador.
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Aliás, esse é a definição tradicionalista do conceito de nação: um grupo que possui ancestrais comuns
(MANNHEIM, 1986).
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são necessárias para que esse movimento se efetive: a) as forças históricas devem estar em
movimento, de modo que seja possível descrever cada evento em relação ao desenvolvimento
histórico da sociedade como um todo; b) essa dinâmica histórica deve reorganizar os grupos
sociais, de modo que alguns se tornem privilegiados, outros inconscientes da mudança e alguns
ainda fiquem prejudicados com tal reorganização; c) os estilos de pensamento devem,
igualmente se reagrupar, dando espaço para sínteses e misturas dessas formas ideológicas e, d)
estas reorganizações devem cada vez mais adentrar no campo político (MANNHEIM, 1986).
A partir dos três pontos anteriores, Mannheim (1982) apresenta como o pensamento
conservador diferencia-se, distinguindo-se, do pensamento liberal, herdeiro político do
racionalismo renascentista, através do uso de três conceitos centrais à ambos: o conceito de
propriedade, o conceito de liberdade e o conceito de igualdade.
Enquanto a propriedade no pensamento liberal, consolidada no código civil de
Napoleão, é uma garantia a todos aqueles sujeitos com condições materiais de adquiri-las,
podendo tais direitos de uso associados à ela ser livremente negociadas no mercado, o
argumento conservador busca, no conceito de propriedade feudal, estabelecer a relação entre o
sujeito e a coisa, tornando-a, assim, inalienável, intransferível. Por sua vez, se assim for, o
mundo divide-se “naturalmente” entre possuidores e despossuído que, salvo raríssimas
ocasiões podem trocar de lugar (MANNHEIM, 1986).
Por sua vez, o liberalismo defende a liberdade individual de todos os homens como um
direito limitado apenas na medida em que a ação individual causa dano à um terceiro; já o
pensamento conservador desenvolve o conceito de “liberdade qualitativa”, ou seja, o direito
que os homens tem de se desenvolver e se diferenciar um dos outros segundo sua própria
personalidade, sem obstáculos (MANNHEIM, 1986).
Abre-se caminho para a distinção entre o conceito de igualdade, que para o pensamento
liberal tem como princípio o fato de que, ao menos politicamente, todos os indivíduos são
iguais e dotados dos mesmos direitos enquanto o pensamento conservador ressalta a
desigualdade, ou seja, a natural distinção entre os homens14 (MANNHEIM, 1986).
Enquanto opositor ao pensamento racional liberal, o pensamento conservador busca nas
experiências do passado concreto o oposto aos projetos abstratos e generalistas de seu inimigo
14
Novamente, com ênfase ao caso alemão, será essa oposição entre os conceitos de propriedade, liberdade e
igualdade que o romantismo, já definido como um movimento conservador, irá explorar em oposição aos
princípios liberais.
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político. No entanto, esse apego à um passado medieval fica cada vez mais ilegítimo a medida
em que o processo sócio-histórico burguês avança enquanto força hegemônica deixando esse
passado cada vez mais longínquo em relação as disputas do presente. É nesse ponto que
podemos passar da morfologia do pensamento conservador para a descrição de suas
características metodológicas, isto é, as formas que este encontra para manter-se vivo enquanto
um estilo de pensamento.
Como o pensamento racionalista caracteriza-se pelo domínio da razão renascentista, da
validade universal do método, pela aplicabilidade universal de todas as leis, pelo atomismo e
mecanicismo da ciência, o pensamento conservador consegue-se manter enquanto um
pensamento politicamente vivo se: a) construir uma racionalidade baseada em princípios
subjetivos; b) abraçar o irracionalismo; c) contrapor o conceito liberal de individualidade
limitada e condicionada à fatores não sociais; d) difundir um organicismo social determinista
e e), opor-se à concepção dinâmica do racionalismo burguês (MANNHEIM, 1986).
Essas metodologias tem em comum dois objetivos sintetizadores: a recusa aos
fundamentos da racionalidade iluminista e a naturalização das relações sociais ou, o que quer
dizer no mesmo, retirar desta seu determinante histórico.
O que importa ressaltar, no entanto, é que a metodologia de ação do pensamento
conservador necessariamente colide com aquela do pensamento racional liberal, possibilitando
ações políticas coerentes com um estilo de pensamento e visão de mundo de um grupo social
oposto à ideais historicamente progressistas.
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discurso. A sociedade burguesa possui uma ideologia que lhe é própria, originária na
racionalidade universalista que se difundiu no período da renascença e que, a partir de então
espraiou-se para todos os domínios da vida social já que pôde ser utilizada como ferramenta
política pela nascente classe burguesa.
Nesse estágio do desenvolvimento histórico, a ideologia burguesa (em Barthes) ou o
pensamento conservador (em Mannheim) passam a adotar estratagemas visando interromper o
devir histórico, na tentativa de naturalizar esta formação social, tornando-a perene. Trata-se de
uma tentativa política, orientada, guiada, pragmática, de desistoricizar o processo social pelo
qual a burguesia ascendeu ao poder. A mesma racionalidade inefável do racionalismo que a
tudo submete à sua crítica, é aquela que se recusa a explicar a origem social do mundo. Assim,
ao mesmo tempo em que permite uma transformação ilimitada, confina a humanidade à uma
ordem social imutável. Para usar uma analogia, é como se uma vez atingido seu objetivo, a
burguesia tenha “chutado a escada” que o pensamento político e social do racionalismo
representou, impossibilitando que outra classe seguisse seus passos. Esse “chute”, tanto em
Barthes quanto em Mannheim é dado por aqueles setores da burguesia que no aspecto político
contemporâneo associam-se à direita: o pensamento conservador é burguês15 e de direita, o
mito é uma fala associada à direita.
Obviamente existem particularidades em cada autor, a começar por seus objetivos e
referenciais teóricos: Barthes procura ressaltar os aspectos ideológicos dos processos de
significação semiológica, utilizando como pressuposto a revolucionária contribuição da
linguística de Saussure. Por sua vez, Mannheim está preocupado com a produção do
conhecimento e, para isso, procura na articulação entre a epistemologia e a sociologia uma
origem social para os diferentes tipos de pensamento. Disto, segundo Dant (1997), Barthes
desenvolve um conceito amplo e complexo sobre o que constitui um signo. Mannheim por sua
vez refina continuamente sua busca por um sistema epistemológico geral que explicite a visão
de mundo (weltanschauung) da modernidade.
Se em Barthes, o mito é um instrumento da burguesia que permite a construção de
significações dirigidas, intencionais, em Mannheim o pensamento conservador aparece
enquanto um movimento reativo, em resposta ao avanço do racionalismo iluminista. Essa
15
Ainda que os primeiros conservadores se ancorassem em um passado não burguês, não desejam reaver todo o
processo revolucionário que enterra definitivamente seus ideais no passado. Esse movimento fica ainda mais
nítido no pensamento conservador contemporâneo: suas amarras políticas em um passado tradicional já se situam
no passado burguês.
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reação, em um primeiro momento, porém, não vem da “esquerda” proletária mas sim do grupo
dominante na estrutura social que está ruindo. Assim, há em Mannheim uma disputa anterior
àquela hoje consagrada na política burguesa entre direita e esquerda 16; em Barthes a oposição
as mitologias burguesas estão na esquerda revolucionária, aquela que pretende retomar a
marcha histórica e substituir a sociedade burguesa por outra.
Tais particularidades podem ser entendidas mais como mediações necessárias para o
cotejamento dos dois autores uma vez que não se apresentam distanciamentos irreconciliáveis
entre suas contribuições teóricas. Ambos estão preocupados, como vimos, com a relação entre
ideologia, política e produção de sentidos sobre o mundo social. Novamente segundo Dant,
Both Barthes and Mannheim are interested in the analysis of cultural objects
as vehicles that tell us about the culture from which they emerge. Just as
Mannheim establishes an interpretive system with his three strata of meaning,
Barthes sets out in his article “Myth Today” and later in The Elements of
Semiology, a system for analysing levels of meaning; both are interested in
moving from the specific instance to the larger, abstract realm of meaning. For
Mannheim this is the world-view or weltanschauung, for Barthes this is the
mythological system of the society in which he lives17 (DANT, 1997, p.11).
16
Em Mannheim o movimento operário só pode surgir quando a oposição entre a classe burguesa e a classe
trabalhadora já está posta portanto, quando a burguesia já tomou o poder. O movimento conservador seria, assim,
anterior ao movimento operário. Entre outras questões, é por isso que o movimento conservador será contrário à
racionalidade universalista do pensamento liberal; já o movimento operário parte das contradições expostas no
seio dessa racionalidade. Enquanto o primeiro nega-a, o segundo procura radicaliza-la, levando à suas últimas
consequências: o pleno desenvolvimento do potencial humano contido nas promessas do Iluminismo.
17
Em tradução livre “Tanto Barthes quanto Mannheim estão interessados na análise de objetos culturais como
veículos que nos informam sobre a cultura do qual eles emergem. Assim como Mannheim estabeleceu um sistema
interpretativa com três níveis de significância, Barthes organizou em seu artigo “O Mito Hoje” e depois em
“Elementos de Semiologia”, um sistema para análise de vários níveis de significância; ambos estavam
interessados em deslocar-se de instancias específicas para instâncias mais abrangentes, a realidade abstrata do
significado. Para Mannheim essa visão de mundo ou weltanschauung; para Barthes, o sistema mitológico no qual
a sociedade vive”.
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https://noticias.uol.com.br/colunas/tales-faria/2020/03/16/bolsonaro-esta-convencido-de-que-coronavirus-e-
plano-do-governo-chines.htm
19
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/28/e-dai-lamento-quer-que-eu-faca-o-que-diz-bolsonaro-sobre-
mortes-por-coronavirus-no-brasil.ghtml
20
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-diz-que-e-preciso-enfrentar-virus-como-homem-e-nao-
como-moleque,70003252768
21
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56287135
22
https://veja.abril.com.br/politica/bolsonaro-critica-imprensa-fala-em-histeria-e-reeprende-governadores/
23
https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/01/05/bolsonaro-diz-que-o-brasil-esta-quebrado-e-por-isso-ele-nao-
consegue-fazer-nada.ghtml
24
https://economia.ig.com.br/2021-01-26/bolsonaro-nega-volta-e-diz-que-auxilio-emergencial-nao-e-
aposentadoria.html
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coletividade humana historicamente alcançou para estender o período entre esses dois polos,
não há nada que um político possa fazer, afinal esse é o destino natural. Se inevitável, logo,
parte da vida humana, que deve seguir sua normalidade. Não há razões para “excessos
emotivos”, há que se enfrentar simplesmente, de maneira brava, heroica. Cada indivíduo faz
parte de um todo maior, a sociedade, e essa é regida de maneira orgânica, a partir do
reconhecimento por parte de cada membro da sua função específica e imutável nesse corpo.
Como Margareth Thatcher disse em várias ocasiões: “there is no alternative25”.
É nesse sentido que a crítica que se assenta apenas sobre o fenômeno do negacionismo
científico em relação à condução da pandemia parece, para dizer o mínimo, rasa. Isto porque,
como procurou-se até aqui demonstrar, o negacionismo só pode ser entendido enquanto uma
das múltiplas faces do pensamento e da retórica conservadora. O atual governo foi eleito tendo
a plataforma conservadora como sua base de sustentação, levando bandeiras simbólicas que
dizem respeito aos anseios desse grupo. Logo, suas políticas são, todas elas, tomadas a partir
desse conjunto de ideais ou tipo de pensamento.
É o que se percebe desde as primeiras manifestações públicas do Presidente. Ele age
como porta voz de um discurso, representando o pensamento político do grupo que o levou ao
poder. A aparente radicalização de seu discurso é apenas um diálogo para aqueles que
compartilham da mesma visão de mundo. Estes, reverberam o discurso, naturalizando-o,
reforçando as características semióticas de uma fala mitológica. Esse não é, no entanto, um
comportamento novo, já que a tática de “campanha permanente” vem sendo utilizada pelo
político desde o início da década passada. Aliás, foi esse o método que tanto introduziu quanto
galvanizou sua figura política entre os meios conservadores. Tem-se, portanto, de um lado, o
político em busca de sua base de apoio em um momento de crise e, de outro, a parcela da
sociedade que reconhece seu estilo de pensamento em seu líder conservador. Ao constituir-se
enquanto uma eficaz via de mão dupla, a estratégia é reiterada, e a aposta política é “dobrada”.
5. À Guisa de Conclusão
O presente artigo teve como objetivo apresentar uma proposta de interpretação da
racionalidade que fundamenta o comportamento e a estratégia comunicacional negacionista do
Presidente da República desde o início da pandemia de Covid-19. Para tal, recorreu às
interpretações sobre o mito na sociedade burguesa segundo Roland Barthes e à descrição da
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“Não há alternativas”
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