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A grande imprensa censura o debate:

a doutrinação ideológica nas páginas do Estadão (2016)


CÁSSIO AUGUSTO GUILHERME*

Resumo: Este artigo mostra como a grande imprensa atua diariamente para
censurar o debate público. A fonte e objeto de análise é o Espaço Aberto
publicado à página A2 do jornal O Estado de S. Paulo ao longo de todo o ano
de 2016. No ano do golpe, o jornal patrocinou em suas páginas um indisfarçado
monólogo doutrinário e ideológico com vista a legitimar a deposição da
presidenta Dilma, sustentar o governo Michel Temer, incitar a Lava Jato contra
o PT e exigir uma pauta de reformas neoliberais. Nenhum texto divergente
destas teses foi publicado pelo periódico que assim atuou como censor e não
como agente neutro ou garantidor da liberdade de expressão.
Palavras-chave: censura; imprensa; impeachment; golpe; Dilma.
The mainstream press censors the debate: the ideological indoctrination in
the pages of Estadão (2016)
Abstract: This article shows how the mainstream press acts daily to censor
public debate. The source and object of analysis is the Espaço Aberto published
on page A2 of the newspaper O Estado de S. Paulo throughout the year of
2016. In the year of the coup, the newspaper sponsored an evident doctrinal
and ideological monologue on its pages in order to legitimize the ousting of
President Dilma, supported the Michel Temer government, incited the Lava
Jato against PT and demanded a neoliberal reform agenda. No text diverging
from these theses was published by the newspaper, which acted as a censor and
not as a neutral agent or guarantor of freedom of expression.
Key words: censure; press; impeachment; coup; Dilma

*
CÁSSIO AUGUSTO GUILHERME é Doutor em História Política pela Universidade Estadual de
Maringá; professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.

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Introdução ocasionais, a diversidade de temas e
perspectivas existentes na sociedade
Conforme o tempo avança e novas
brasileira. Na prática, o que se observa
evidências vêm à tona, a história do
na leitura dos textos publicados é um
processo de impeachment contra a
monólogo sem nenhuma pluralidade de
presidenta Dilma Rousseff (PT) ganha
ideias e com articulistas ligados a
novos capítulos, abordagens,
apenas um campo político-ideológico.
argumentos e documentos. Muitos dos
trabalhos acadêmicos que debatem os O jornal O Estado de S. Paulo tem
fatos de 2016 apontam para o papel histórico político controverso, sempre
fundamental desempenhado pela grande justificando rasgos na Constituição por
imprensa no agravamento da crise medo de que as classes populares
política e econômica. Foi a culminação aumentem a influência política: apoiou
de um trabalho coletivo de décadas que o Movimento de 1930; pegou em armas
incitou a população contra os governos em 1932 contra Getúlio Vargas; apoiou
do Partido dos Trabalhadores (PT) e o estado de sítio que deu vez à Ditadura
suas políticas econômicas e sociais. No do Estado Novo em 1937; fez oposição
ano de 2016, parte da imprensa moralista e ideológica ao eleito Vargas
exagerou em culpar o governo Dilma em 1954; conspirou contra João Goulart
Rousseff pela crise econômica, incitou em 1964; entregou aos militares um
diariamente a Lava Jato a prender o ex- esboço do primeiro Ato Institucional;
presidente Lula da Silva e fez exigiu mais cassações de políticos
escancarada campanha editorial a favor progressistas pelos ditadores;
da deposição do governo petista e da posicionou-se contra os direitos sociais
sustentação de Michel Temer e sua e trabalhistas na Constituinte; forçou o
política neoliberal. Fato é que a consenso em torno da ideologia
imprensa fez seu papel de empobrecer o neoliberal nos anos 1980 e cobrou de
debate político, repetindo o modo de Collor e Itamar a implementação da
operação de outros momentos da agenda neoliberal. Mais recentemente, o
história do Brasil. Houve indisfarçado jornal atualizou, contra Lula e Dilma, a
ativismo político-partidário e, assim, a mesma visão política usada contra
imprensa se tornou ator político central Vargas e Jango; se tornou ideológico e
e fundamental para a consolidação do politicamente alinhado ao PSDB e o
golpe de 2016 (BIROLI e MIGUEL, jornal mais agressivo no antipetismo
2017). (GUILHERME, 2018a; 2018b e 2018c).
Este artigo contribui com a bibliografia Em trabalho recente, Fernando Azevedo
que avalia a imprensa como importante (2017) reforçou que a questão crucial
agente desestabilizador em 2016 nas pesquisas que têm a imprensa como
(GUAZINA et al, 2019) (ALVES et al, objeto, é a sua relação com o sistema
2018). Para tanto, analisa um espaço político e econômico. É preciso atentar-
específico de um importante diário de se a como a imprensa se posiciona, se
âmbito nacional. A fonte de análise é o atua de forma equilibrada, se é
Espaço Aberto, diariamente publicado diversificada, se há pluralidade de
na página A2 do jornal O Estado de S. opiniões nas páginas dos jornais, se
Paulo (Estadão ou OESP). Como o tomam posição ou atuam com
nome sugere, o espaço é alegadamente imparcialidade, dentre outras questões.
aberto para que nele se discuta, pelos Como o mesmo autor pontua, é
textos de colaboradores regulares ou consenso que a mídia possui grande

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poder de agenda, ou seja, ela seleciona, textos foram lidos e fichados1. Abaixo2,
hierarquiza, estabelece enquadramentos, uma seleção qualitativa e didaticamente
narrativas e opiniões sobre os fatos. A dividida sob a forma de grupos
imprensa pode não determinar como as profissionais. Focamos nos articulistas
pessoas irão pensar, mas é capaz de mais assíduos e nos agentes partícipes
determinar sobre que tema e a partir de dos acontecimentos político-judiciais de
qual perspectiva seus leitores pensarão 2016.
sobre um determinado fato ou
Os juristas
conjuntura. Ou seja, ela é capaz de
ampliar uma temática e/ou esconder Por ser o ano da votação do
outra que não lhe agrade. impeachment e, também, devido às
várias polêmicas suscitadas na
Ainda conforme os argumentos de
condução da operação Lava Jato, em
Fernando Azevedo, a imprensa é
especial contra o ex-presidente Lula da
fundamental na construção da agenda e
Silva, vários juristas publicaram suas
na mediação do debate político. Ao
opiniões no Estadão.
fornecer, diariamente, análises
interpretativas, ela constrói ou destrói Ives Gandra da Silva Martins3, deixou
imagens e reputações de pessoas e transparecer em seus artigos o notório
ideias e, assim, atua para formar ou conservadorismo. A presidenta é
reforçar as preferências políticas, descrita como “golpista das instituições
ideológicas e eleitorais de seus leitores. brasileiras” pelo seu “espírito
A partir das pesquisas de Afonso de guerrilheiro”, “fascinada pelas mais
Albuquerque, Azevedo mostra que “a sangrentas ditaduras” e por “tiranetes
imprensa brasileira age como um ator dos países bolivarianos”. Michel Temer
que intervém e participa historicamente é elogiado como “hábil político e
do debate nacional, assumindo posições excelente constitucionalista” que possui
políticas e ideológicas, mas com um um “projeto coerente de reconstrução de
autoatribuído papel moderador” (2017, uma nação arrasada”4. Além disso,
p. 45-46). Ou seja, a mídia participa de insiste na prevalência do
forma militante no debate político que parlamentarismo sobre o
ela narra de maneira, muitas vezes, presidencialismo5.
enviesada. Embora se coloque como
fiadora do pluralismo político, imparcial 1
Para este artigo foram selecionados os artigos
e aberta ao debate, as pesquisas que qualitativamente representam o pensamento
acadêmicas têm desmontado esta padrão publicado no Espaço Aberto do jornal.
2
autopropaganda e comprovado que, na Embora sabedor que as normas da ABNT
recomendam a referências no corpo do texto
verdade, esta imprensa julga, a partir de
com a devida indicação do autor/título do artigo,
seus próprios critérios políticos, optei por não fazê-lo. Criei um caminho
ideológicos e econômicos, quem pode alternativo para contornar a inviabilidade desta
participar do debate, censurando as recomendação para um artigo com tantas
vozes dissonantes. referências: cada citação direta ou indireta
consta em notas de rodapé com a data da edição
O Espaço Aberto que censura o e página do periódico onde está disponível.
debate Assim, garanto a melhor fluidez da leitura ao
mesmo tempo que preservo aos demais
Diariamente, a página A2 do Estadão pesquisadores a indicação correta da fonte.
3
publica dois artigos em seu Espaço Advogado, professor da Faculdade Mackenzie
Aberto. Para esta pesquisa, todos os e membro da Opus Dei.
4
Jornal OESP, 02/05 e 14/11/2016, p. A2.
5
Jornal OESP, 16/02 e 14/09/2016, p. A2.

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Miguel Reale Júnior6, dedicou seus nação, comandada por “ladinos da
textos para sustentar a legitimidade e a justiça e da honradez” que possuem
justeza do impedimento. Para o “uma autoestima exacerbada e têm uma
advogado filiado e contratado pelo visão pouco democrática, na verdade
PSDB, apenas os “juristas e intelectuais autoritária, da sociedade e das
de encomenda” é que argumentam se instituições”. As “10 Medidas” são
tratar de um golpe, e reitera a existência criticadas como sendo parte da
de comprovado crime de “escalada punitiva” promovida por
responsabilidade. O afastamento do PT setores do Judiciário que levaria ao
do governo seria “um passo importante “abuso de autoridade” por juízes e
para a moralização da política”. Ele promotores14.
também pediu a prisão do ex-presidente
Como se vê, nenhum jurista ligado ao
Lula7. campo petista teve aberto o espaço no
O juiz Sérgio Fernando Moro8, teve um jornal para contraditar as teses a favor
artigo publicado no jornal. Nele, do impeachment ou contra o modo de
defende o uso das delações premiadas e atuação da Operação Lava Jato.
a proposta das “10 Medidas Contra a Os jornalistas
Corrupção” apresentadas ao Congresso
por membros do Ministério Público9. O Outra categoria profissional a ter grande
procurador Deltan Dallagnol10, também espaço são os jornalistas. No geral, os
publicou texto reforçando a importância textos são excessivamente críticos ao
das “10 Medidas”, que então eram alvo PT, favoráveis à Lava Jato, auto-
de críticas de advogados e elogiosos à imprensa e de apoio
parlamentares11. Rodrigo Janot12, escancarado ao impeachment e ao
escreveu para comemorar a mudança de governo Michel Temer. A exceção é
posição no STF a favor da execução Eugênio Bucci, cujos textos se
provisória de pena a partir de aproximam da neutralidade.
condenação em segunda instância13. Para Carlos Alberto Di Franco15, o PT
A única voz jurídica minimamente implementou o “bolivarianismo
dissonante no Espaço Aberto do tupiniquim” que “rendeu bons
Estadão é do advogado criminalista resultados aos seus líderes: muito poder
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. À e muito dinheiro”. Segundo ele, a
Operação Lava Jato, levanta críticas à legalização do aborto “sempre foi uma
espetacularização midiática, à narrativa prioridade dos governos petistas”, mas
de panaceia para todos os males da então, “graças ao excelente trabalho
técnico de um jovem magistrado
[Sérgio Moro]”, respaldado pela
6
Advogado, um dos autores do pedido de imprensa e pela sociedade, “a máquina
impeachment, ex-ministro da Justiça no governo lulopetista começa a ranger”16. O
FHC e filiado ao partido. jornalista também louva o trabalho da
7
Jornal OESP, 02/01, 02/04, 04/06, 02/07,
06/08 e 01/10/2016, p. A2.
8
Responsável pelos julgamentos da Operação
14
Lava Jato e posteriormente Ministro da Justiça Jornal OESP, 27/07, 06/09 e 11/11/2016, p.
de Jair Bolsonaro. A2.
9 15
Jornal OESP, 31/05/2016, p. A2. Consultor do Estadão, colunista de vários
10
coordenador da investigação da Lava Jato. jornais, também escreve no site Instituto
11
Jornal OESP, 30/08/2016, p. A2. Millenium.
12 16
Procurador Geral da República. Jornal OESP, 15/02, 29/02, 14/03 e
13
Jornal OESP, 22/02/2016, p. A2. 28/03/2016, p. A2.

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imprensa e defende o projeto Escola e garras”22. O elitismo professoral de
Sem Partido17. Nêumanne transparece na
caracterização que faz de Michel Temer
Fernando Gabeira18 sempre fala de
após seu primeiro discurso:
política e do campo político em seus
textos. Embora cite nominalmente Com alívio, a Nação ouviu um
vários políticos e vários partidos, Lula e chefe de governo que fala a língua
o PT são seus assuntos favoritos. Ele de todos nós, o português cuidado
comemora a derrota do partido nas com engenho e arte por Camões,
Eça, Pessoa, Castro Alves e
eleições municipais de 2016 e não cansa
Machado. Pois é: nossa língua
de elogiar e apoiar todos os passos da materna onde os gerúndios têm dê,
Operação Lava Jato19. Na semana do ou seja, andando e não andano; os
maior protesto de rua a favor do pronomes pessoais, mesmo nas
impeachment, escreveu que iria às ruas formas coloquiais devem ser usados
para “tirar o Brasil do buraco e encerrar corretamente (pra eu fazer, em vez
este triste episódio histórico”20. de pra mim fazer); e adjetivos têm
gênero, com mulheres falando
José Nêumanne Pinto21 dedica todos os obrigada, não obrigado, reservado
seus 26 textos para comentar a política, apenas para emprego masculino23.
com fortes críticas e grosseiras ironias
ao PT, Lula e Dilma, além de rasgados Nêumanne ainda reprimiu os que
elogios e chamados a que Michel Temer vaiaram Michel Temer na abertura dos
se comporte de forma mais republicana Jogos Olímpicos e os que, segundo ele,
no governo. Na cosmovisão de torceriam contra o sucesso do governo
Nêumanne, Dilma é a “vassala afilhada que teria ótimos quadros nos
do privilégio imoral” que ocupa o ministérios24.
Palácio do Planalto “como se fosse um Em tom ainda mais beligerante contra o
aparelho de seus tempos de guerrilheira petismo, são os artigos de Fernão Lara
Estela” para governar com estilo “pouco Mesquita. Por se tratar de um dos
sagaz e nada sutil”. Lula é sempre herdeiros do centenário periódico,
ridicularizado por seu passado como mesmo um breve olhar sobre o que ele
“torneiro mecânico”, “trabalhador escreve, é capaz de nos informar mais
braçal que chegou à presidência”, sobre a linha editorial político-
“profeta Lula de Caetés”, “loroteiro”, ideológica repisada diariamente pelo
“líder dos oprimidos”, o “sagas chefão” Estadão. Há na cosmovisão de Fernão
que “ruge mesmo tendo perdido dentes Mesquita, grande aversão ao Estado,
aos funcionários públicos, aos impostos,
à classe política em geral e ao PT em
17
especial. Na mesma proporção, defende
Jornal OESP, 09/05, 18/07 e 01/08/2016, p. irrestritamente a ideologia da
A2.
18
Ex-integrante da luta armada contra a meritocracia, a redução do Estado, o fim
ditadura. Depois, alternou filiações ao PT e ao da estabilidade para funcionários
PV entre os anos 1980-2000. Em 2003, rompeu públicos, a economia neoliberal, as
com o PT, se fixou no PV e se aproximou do “reformas” de Temer, a atuação da
PSDB, tornando-se feroz opositor do PT. Desde
2013, é comentarista do canal Globo News
19
Jornal OESP, 26/02, 08/04, 17/06, 23/09,
22
07/10 e 18/11/2016, p. A2. Jornal OESP, 13/01, 10/02, 24/02, 23/03,
20
Jornal OESP, 11/03/2016, p. A2. 06/04 e 20/04/2016, p. A2.
21 23
Colunista e editorialista do jornal, também Jornal OESP, 18/05/2016, p. A2.
24
escreve no site do Instituto Millenium. Jornal OESP, 18/05 e 10/08/2016, p. A2.

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grande imprensa, o voto distrital e a e positiva etapa para a sociedade
criação de um recall contra políticos25. brasileira29.
Os professores Também os textos de Alberto Aggio30
são críticos ao petismo. A presidenta
Há também dezenas de professores que
seria a única responsável pela crise
assinam artigos no Espaço Aberto do
econômica e a população deveria ir às
jornal. No geral, os textos e os autores
ruas clamar pelo impeachment. Aggio
seguem a mesma linha temática e
discursiva apontada até aqui. Denis ainda se dedica a rebater o discurso
petista de que se tratava de um golpe
Rosenfield26, transparece em seus textos
parlamentar e culpa Lula pela desunião
a retórica ideológica de que o Estado é o
das esquerdas, campo político no qual
causador de todos os males econômicos
ainda inclui o PPS31. Luiz Werneck
e a solução é o livre mercado. Em sua
Viana32 tem ar mais professoral em seus
cosmovisão, a Venezuela, o comunismo
escritos onde tece críticas à corrupção
e o “populismo socialista” do PT são os
no campo político em geral, embora
grandes males a serem combatidos. O
insista em problematizá-la apenas no
impeachment de Dilma é apoiado para
PT, saudando o impeachment como a
evitar que o país “ruma para o caos”.
possibilidade de consolidar o fim do que
Michel Temer livraria o Brasil da
chama de “nacionalismo autárquico”.
“mentalidade patrimonialista”, pois
toma “atitudes corajosas” logo nos O professor Marco Aurélio Nogueira33
primeiros dias de governo e cujas valoriza a democracia, opõe-se à
reformas neoliberais resultariam na narrativa petista de que o impeachment
pacificação nacional27. foi golpe, clama pela conciliação para
Nos escritos de Ricardo Vélez superar o impasse político e rejeita os
Rodriguez28, também o PT, Lula e dogmatismos à direita e à esquerda34.
Dilma devem ser expurgados do poder Para ele, o governo Michel Temer é
Executivo. Há o reforço da retórica de “prisioneiro do sistema político e
permeável às suas chantagens”, mas
que a Lava Jato é republicana e o
“não é pior que o governo” Dilma. Ao
impeachment é justo. Nas entrelinhas do
contrário, Temer chega a ser melhor por
texto, percebe-se que a questão, na
supostamente “imprimir um pouco mais
verdade, é ideológica. Para “desmontar
nosso Leviatã tupiniquim”, seria preciso de racionalidade na gestão pública” e
nas relações entre os poderes35.
seguir as agendas já apresentadas pelo
PSDB, como a privatização de todas as Figura sempre presente na grande
estatais e o fim do “sistema imprensa, Bolívar Lamounier36,
corporativista de inspiração
mussoliniana” na legislação trabalhista. 29
Jornal OESP, 20/02, 26/03, 16/04, 08/09 e
O autor vê no governo Temer uma nova 31/12/2016, p. A2.
30
Professor e membro da executiva nacional do
PPS, ligado à Fundação Astrogildo Pereira.
25 31
Jornal OESP, 19/02, 02/03, 12/03, 18/03, Jornal OESP, 07/03, 04/04, 07/05, 08/06 e
30/03, 12/04, 19/04, 10/05, 21/05, 30/06, 06/10, 29/11/2016, p. A2.
32
20/10 e 20/12 de 2016, p. A2. Sociólogo.
26 33
Filósofo, professor, e colaborador do Instituto Um dos principais intérpretes de Gramsci no
Millenium. Brasil.
27 34
Jornal OESP, 04/04, 13/06, 08/08, 22/08, Jornal OESP, 27/02, 26/03, 23/04 e
19/09 e 26/12/2016, p. A2. 25/06/2016, p. A2.
28 35
Professor e posteriormente o primeiro Jornal OESP, 28/05 e 26/11/2016, p. A2.
36
ministro da Educação de Jair Bolsonaro. Cientista político.

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assumidamente liberal e direitista37, tank Instituto Millenium, defendeu a
destila suas críticas ao PT e às manutenção do ajuste fiscal45.
esquerdas em geral. Em sua
Os interesses do agronegócio foram
cosmovisão, o PT não passa de um
explicitados em textos assinados por
agrupamento de “populistas, picaretas e
presidentes de associações do setor.
arengueiros ideológicos” que mitificam
João Martins da Silva Júnior46 reclamou
a farsa o “nóis contra a zelites”38. Além
que a crise econômica causa prejuízos
disso, argumenta que a dicotomia
ao setor e insinuou-se a favor do
“direita x esquerda” não é mais válida impeachment; Luiz Carlos Correa
para o Brasil39.
Carvalho47 disse esperar que o setor
Os donos do dinheiro, os economistas e fosse tratado com prioridade pelo
os tanques de ideias governo Temer; Luiz Cláudio
Paranhos48 faz autoelogios à carne
Diversos empresários ou pessoas
brasileira, que pela suposta
ligadas a associações empresariais
competitividade e sustentabilidade,
também escreveram no Espaço Aberto
conquistam mercados mundiais49.
do Estadão. Porém, nenhum operário,
líder sindical ou de movimentos sociais, Rubens Barbosa50 assina dezenas de
teve o mesmo acesso. Daniel Feffer40 artigos no jornal. Neles trata de diversos
pediu mais abertura comercial; assuntos relacionados à política
Francisco Balestrin41 escreveu por internacional51. Em um deles, coloca-se
menos impostos para o setor; Pedro também como “presidente do Instituto
Ramos42 reclamou da judicialização da de Relações Internacionais e Comércio
saúde que causa prejuízo às operadoras Exterior” que explica e defende como
de planos; Gastão Reis Rodrigues sendo um think tank necessário ao
Pereira43 defendeu a inclusão do estado de São Paulo para debates
“espírito empreendedor” na educação teóricos e a realização de lobby
brasileira e o impeachment para parlamentar em defesa dos interesses
“restaurar o clima de confiança” dos industriais paulista52. Sobre a política
investidores. Antes de ser nomeado externa brasileira, Barbosa faz várias
presidente do Banco Central pelo críticas ao Mercosul e à “politização” e
governo Michel Temer, Ilan Goldfajn44, à “partidarização” dos governos
mais um que escreve no site do think
45
Jornal OESP, 08/10, 07/11, 01/08, 06/01,
21/04 e 05/01/2016, p. A2.
46
Presidente da Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil.
47
Presidente da Associação Brasileira do
37
Jornal OESP, 21/05/2016, p. A2. Agronegócio.
38 48
Jornal OESP, 23/04, 08/05 e 10/09/2016, p. Presidente da Associação Brasileira dos
A2. Criadores de Zebu.
39 49
Jornal OESP, 15/10/2016, p. A2. Jornal OESP, 17/02, 28/05 e 20/08/2016, p.
40
Chairman do ICC Brasil e vice-presidente do A2.
50
Conselho da Suzano Papel e Celulose. Presidente do Conselho de Comércio Exterior
41
Presidente da Associação Nacional de da FIESP, ex-embaixador do Brasil nos EUA
Hospitais Privados. durante o governo FHC e também escreve no
42
Diretor da Associação Brasileira de Planos de site do Instituto Millenium.
51
Saúde. Jornal OESP, 26/01, 09/02, 08/03, 14/06,
43
Empresário e economista. 28/06, 12/07, 09/08, 11/10, 22/11 e 27/12/2016,
44
Então economista-chefe e sócio do Itaú p. A2.
52
Unibanco. Jornal OESP, 22/03/2016, p. A2.

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“lulopetistas” que, segundo ele, resultou necessidade, na visão dele, de tais
no “isolamento do Brasil nas medidas.
negociações comerciais globais. Em
É comum observar que muitos autores
contraste, os programas do PMDB e de
estão ligados a Fundações, Institutos,
Michel Temer são elogiados pela
Consultorias, e think tanks com visões
“credibilidade” e “independência” que
econômicas neoliberais formados e
resultarão na “volta do crescimento da
financiados por empresários brasileiros
economia”53.
ou estrangeiros. Benedito Ballouk Filho
O time de economistas têm ligações é grão-mestre maçom; Denis Mizne e
com think tanks, associações Camila Pereira, ligados à Fundação
empresariais e governos anteriores aos Lemann e ao Movimento pela Base
do PT, como Maílson da Nóbrega54 que Nacional Comum; Fábio de Biazzi é
escreveu sobre saúde suplementar55. ligado ao Insper; José Márcio Camargo
Pedro Malan56 escreve que o da Opus Gestão e Recursos; Monica de
“lulopetismo” deixou uma herança Bolle do Peterson Institute, Nathan
maldita na economia, mas que Michel Blache da Tendência Consultoria; Paulo
Temer e Henrique Meirelles acertam na Rabelo de Castro da RC Consultores;
formação da equipe econômica. Para Pedro Parente é da Prada Consultoria;
ele, a condução da economia pelo PT só Priscila Cruz e Eduardo Rombauer do
pode ser elogiada enquanto foi mantida Instituto Democracia e Sustentabilidade
a “política macroeconômica não petista” e o Movimento Todos Pela Educação;
e mesmo o crescimento do PIB Simon Schwartzman e João Oliveira da
registrado após a mudança no segundo Academia Brasileira de Ciência e do
governo Lula se mostrou Instituto Alfa e Beto60.
“insustentável” . Roberto Macedo58,
57
Flávio Casimiro (2018) analisa muitos
em mais de uma dezena de artigos,
destes institutos e think tanks que ele
defendeu o impeachment como “justa qualifica como aparelhos de ação
causa” contra a presidenta Dilma política e ideológica fundamentais para
Rousseff59. Sob o governo Michel a consolidação da hegemonia neoliberal
Temer, defendeu as propostas de no Brasil. Eles formulam e divulgam
Reforma da Previdência, a PEC do teto projetos de poder, agem em sentido
dos gastos e pediu para que o governo doutrinário, na produção do consenso e
comunicasse melhor à sociedade sobre a na proposição de políticas públicas que
visem ao desmonte do Estado de bem-
53
Jornal OESP, 23/02, 12/04, 10/05 e estar. Para isso, o “gota-a-gota
13/09/2016, p. A2. simbólico” diário na grande imprensa,
54
Ex-ministro da Fazenda durante a promovido pelos intelectuais treinados,
hiperinflação do governo José Sarney (PMDB) financiados e a serviços destes tanques
e também ligado ao Instituto Millenium. de ideias, naturaliza e universaliza os
55
Jornal OESP, 13/01/2016, p. A2.
56
Ex-ministro da economia nos oito anos do interesses da burguesia como sendo
governo FHC é mais um que escreve no site do interesses de toda a sociedade. Além de
Instituto Millenium. formar, ideologicamente, a classe média
57
Jornal OESP, 17/03, 19/05, 04/08 e leitora dos jornais, oferece-os
18/08/2016, p. A2.
58
Economista, ex-presidente do IPEA no
governo Fernando Collor e conselheiro da
60
Associação Comercial de São Paulo. Jornal OESP, 23/07, 16/01, 28/09, 17/09,
59
Jornal OESP, 15/09, 20/10 e 15/12/2016, p. 23/01, 26/12, 03/02, 26/04, 15/06 16/03/2016, p.
A2. A2.

188
argumentos para reproduzir a ideologia política do governo Dilma Rousseff, o
em outros ambientes societários. ex-presidente FHC se tornou quase
onipresente na grande imprensa,
Nas páginas do Estadão, é grande a
atuando como oráculo intelectual em
quantidade de articulistas ligados ao
defesa do retorno do neoliberalismo.
Instituto Millenium, “intelectual
coletivo de difusão da ideologia de FHC abriu o ano na esperança de que os
mercado” (CASIMIRO, 2018, p. 347) ventos neoliberais do continente latino
para a produção do consenso. Criado soprassem também sobre o Brasil do
em 2006, o Instituto recebe doações de “clientelismo” “lulopetista” que ainda
empresários, tem ligações com crê em “noções atrasadas” e usa o
universidades, as grandes empresas de “embuste” retórico da luta de classes
mídia e associações patronais. Promove para enganar “o cidadão comum”. O
diversos eventos, seminários e jantares impeachment de Dilma, claro, é
para congraçamento de seus pares. Em defendido como estritamente
teoria, defende a “liberdade de constitucional. O novo governo deveria
expressão” e a “pluralidade de ideias”, ser rápido em “corrigir os desatinos
mas na prática propagam um monólogo fiscais”, “desaparelhar o Estado”,
em defesa do individualismo e da “reconquistar a confiança da sociedade”
meritocracia, “com as bandeiras de e “retomar a agenda de reforma”. Em
defesa da propriedade privada, da suma, o novo governo deve ser
economia de mercado e da redefinição neoliberal como FHC foi61. Para
do papel da estrutura institucional do resolver o “nó político”, o tucano repisa
Estado” (CASIMIRO, 2018, p. 348) a velha proposta do PSDB em favor do
parlamentarismo62.
Os políticos do campo aliado
Uma vez instalado o governo Michel
Há uma grande relação de políticos de
Temer e sacodido logo nas primeiras
carreira ou pessoas associadas a
semanas pelo escândalo que derrubou o
partidos ou governos que também
ministro Romero Jucá, FHC escreveu
escrevem no Espaço. Ao todo, 14
que “não é hora só para acusações”, mas
nomes estão ligados ao PSDB ou aos
sim de “aceitar as diferenças e conciliar
governos tucanos, 02 ao governo
pontos de vista”63. O ex-presidente
Michel Temer, 02 em ambos governos e
parece bem animado sobre a presença
outros 02 ocuparam posição periférica
do PSDB no governo cuja “agenda de
em governos petistas.
reformas” é “uma oportunidade para
Apresentado como “sociólogo e ex- devolver grandeza à política”. Por isso,
presidente”, Fernando Henrique o PSDB deveria “tomar a dianteira”,
Cardoso assinou um artigo por mês no “olhando para o futuro, sem esquecer de
jornal. FHC é presença constante no desmascarar o passado” lulopetista64.
Estadão. Há sempre entrevistas
Sérgio Amaral65 escreveu na esperança
exclusivas, repercussão de falas do ex-
de que o “populismo” seja varrido da
presidente, aspas em reportagens e até o
convite para escrever o prefácio do livro
de José Fucs (2017), que reuniu as 61
Jornal OESP, 03/01, 07/02 e 03/04/2016, p.
reportagens publicadas pelo jornal em A2.
62
defesa da agenda ultraliberal do Jornal OESP, 06/03 e 05/06/2016, p. A2.
63
Jornal OESP, 03/07 e 07/08/2016, p. A2.
governo Temer. Segundo Perry 64
Jornal OESP, 02/10/2016, p. A2.
Anderson (2016), durante a crise 65
Diplomata e ex-secretário de comunicação
social do governo FHC.

189
América do Sul e criticou a adesão de lançado pelo PMDB no ano anterior, em
parte da imprensa internacional à tese especial, pela necessidade de um novo
de que o impeachment fosse um golpe66. pacto federativo que dê mais autonomia
No mesmo sentido, Celso Lafer67 para estados e municípios. Em outro
também defendeu o impeachment de texto, agora já como presidente,
Dilma Rousseff como necessário68. O colocou-se como democrático e também
agrônomo Xico Graziano69 escreveu defendeu sua política externa como
loas ao agronegócio e aos alimentos sendo “a favor do Brasil” e não de
transgênicos70. Some-se a estes ex- interesses ideológicos76.
ministros do governo FHC, os nomes de
Embora seja possível dizer que Aldo
Pedro Malan, Geraldo Brindeiro e Rebelo e José Viegas tiveram
Miguel Reale Jr., já anteriormente
participação em governos do PT, ambos
citados71. não usam seus textos para comentar
Outros dois nomes que fizeram parte do sobre política ou então para defender o
governo FHC e depois ingressaram no legado petista. Viegas77, escreve sobre a
governo Michel Temer, também Síria78. Rebelo, já rompido com o
escreveram no Espaço. Pedro Parente72 PCdoB, partido pelo qual militou por
escreveu clamando por redução de décadas, defende o Código Florestal
impostos ao empresariado73. O então ante os argumentos dos ambientalistas e
senador José Serra74 (PSDB) foi nome também critica a decisão do STF que
assíduo no jornal em defesa do proibiu as vaquejadas79.
impeachment de Dilma Rousseff, e da
Os militares
necessidade de substituição do
presidencialismo pelo regime Condizente com seu histórico de
parlamentarista como solução até proximidade com os quartéis, o jornal O
mesmo para a crise econômica75. Estado de S. Paulo abre generoso
espaço para que militares da reserva
Em janeiro, o então vice-presidente publiquem textos relativos às questões
Michel Temer publicou artigo no
militares, mas principalmente, textos
Espaço Aberto do Estadão. Nele,
que comentem o desenrolar da crise
apresentou suas propostas de governo a
política. Ao todo, três militares
partir do “Uma Ponte para o Futuro”,
escreveram 16 artigos no Espaço Aberto
do jornal ao longo do ano. Em comum,
66
Jornal OESP, 08/03 e 29/04/2016, p. A2. o tom ameaçador ao campo político, o
67
Ex-ministro das Relações Exteriores no temor ao pensamento gramsciano e ao
governo FHC. Foro de São Paulo, repulsa ao PT, loas
68
Jornal OESP, 17/04/2016, p. A2. às Forças Armadas, defesa irrestrita ao
69
Ex-chefe de gabinete do governo FHC.
70
Jornal OESP, 05/01 e 02/02/2016, p. A2.
juiz Sérgio Moro e à Operação Lava
71
Jornal OESP, 15/03/2016, p. A2. Jato e insinuações de novas
72
Ex-ministro do Planejamento que possibilitou intervenções militares na política.
as privatizações, ex-chefe da Casa Civil e ex-
ministro de Minas e Energia no governo FHC. O general da reserva Luiz Eduardo
No governo Temer foi presidente da Petrobrás. Rocha Paiva escreveu um texto com
73
Jornal OESP, 26/04/2016, p. A2.
74
Ex-ministro do Planejamento e da Saúde nos
76
governos de FHC, depois governador de São Jornal OESP, 16/01, 09/08 e 25/12/2016, p.
Paulo e prefeito da capital. No governo Temer, A2.
77
foi ministro das Relações Exteriores Ex-ministro da Defesa do governo Lula.
75 78
Jornal OESP, 14/01, 25/02, 24/03, 28/04 e Jornal OESP, 01/03/2016, p. A2.
79
12/05/2016, p. A2. Jornal OESP, 17/09 e 19/11/2016, p. A2.

190
fortes críticas ao campo político. Para crise” política, econômica e moral do
ele, o Legislativo tem “credibilidade país. Portanto, segundo ele: “se o
precária” e o sistema político “está clamor popular alcançar relevância, as
falido e precisa ser reformado”. Apenas Forças Armadas poderão ser chamadas
o juiz Sérgio Moro e a Operação Lava a intervir [...] por isso, repito: alertar é
Jato é que são de fato “patriotas”. O preciso”81.
STF é pressionado a não autorizar a
Para o almirante Mário Cesar Flores,
nomeação de Lula como ministro pois o
ex-ministro da Marinha do governo
PT e seus aliados “quebraram o Brasil
Fernando Collor, o quadro político e
no campo moral, político e econômico e
social do Brasil em 2016 era desolador.
implantaram [...] a estratégia Defensor do impeachment de Dilma
gramsciana do Foro de São Paulo para
Rousseff e torcedor para que o governo
transformar nossa democracia num Temer tenha sucesso, seus textos
regime socialista”. A “redenção do tentaram teorizar sobre os problemas do
Brasil” só se daria por meio de um regime político democrático. Para ele, o
“choque de valores morais e cívicos”,
“problema básico” da democracia é a
uma “revolução” que acabe com as “escolha do eleitorado” em políticos
ideologias nas escolas. Quanto às “populistas” e “incompetentes”82.
Forças Armadas, “fiadoras legais dos
poderes constitucionais, da lei e da Considerações finais
ordem”, só interviriam no processo Como se vê, os textos são uníssonos.
político em caso de “risco para a paz Reproduzem a construção semântica de
interna, a coesão nacional e a que: o PT, o ex-presidente Lula e todas
sobrevivência do Estado”80. as frações de esquerda são autoritários,
O general Rômulo Bini Pereira escreveu corruptos e populistas; o impeachment
cinco vezes no Estadão. Antes do estava juridicamente fundamentado; o
impeachment, acusou Dilma, “essa ex- governo Temer é competente e possui a
guerrilheira, ainda considerada heroína única agenda econômica possível. Além
por setores das esquerdas radicais” de se disso, é escancarada a preferência por
cercar dos “movimentos ditos sociais” e ceder o espaço para articulistas do
de “intelectuais de esquerda e campo político-ideológico à direita e
escudeiros do PCdoB” para promover neoliberal. Não há nenhuma voz
uma retórica baseada no “confronto alternativa. Ninguém do campo da
ideológico criado pelo Foro de São esquerda, ligado aos movimentos
Paulo”, levando o país à “instabilidade sociais, sindicais, negro, periférico,
institucional”. No final do ano, já sob o LGBTQIA+ ou desenvolvimentista na
governo Temer, o general foi mais economia é autorizado a publicar no
direito no texto “alertar é preciso (2)”: Estadão.
diante de um Legislativo corrupto, um Como se percebe pela lista de
STF dividido e um Executivo articulistas e suas atuações passadas,
desgastado, “os adeptos da adoção de presentes e futuras no meio político,
uma intervenção militar vêm crescendo todos fazem parte do mesmo campo
visivelmente”. O general comemorou ideológico no qual se insere o jornal.
que estes “cidadãos de meia-idade” que Em recente publicação, Dênis de
viveram o “regime militar”, viam nas
Forças Armadas a “única solução para a 81
Jornal OESP, 02/04 e 15/12/2016, p. A2.
82
Jornal OESP, 31/03, 23/05, 30/07, 25/08 e
80
Jornal OESP, 06/04/2016, p. A2. 17/12/2016, p. A2.

191
Moraes discutiu que o papel da grande dicotomia simplista do “bem x mal”;
imprensa é forjar o consenso e vulgariza problemas complexos;
neutralizar o dissenso. Para isso, reúne apresenta uma simplificação ultraliberal
uma “tropa de choque de analistas, como única solução possível. Como
comentaristas e colunistas” (2019, p.52) também argumenta Dênis de Moraes
para endossar a posição editorial do (2019), parte da imprensa não gosta de
jornal, seus sócios e também desejada ser questionada, por isso restringe as
pelas empresas que o patrocinam. A vozes dissonantes e as rotula com
imprensa brasileira está jargões superficiais, primitivos,
instrumentalizada pelos think tanks anacrônicos e atrofiados. Nas sempre
ligados ao mercado financeiro que ácidas palavras de Atílio Boron, na
recrutam, financiam e oferecem “divisão do trabalho” em busca da
posições de destaque aos “especialistas” hegemonia ultraliberal pró-mercado e
cujas opiniões não trazem risco à anti-social, “a imprensa se encarrega de
ideologia das classes dominantes e linchar diariamente os indesejáveis e de
ainda combatem as ideias dissonantes, preparar um clima adverso aos
dando ar de interesse geral às opositores perante a opinião pública”
necessidades do mercado. Ou seja, o (2019, p. 112). Depois, o Congresso
jornal afirma estar debatendo quando, derruba a presidenta, e “reforma” as
na verdade, está apenas doutrinando leis, enquanto que o Judiciário prende
seus leitores sem apresentar-lhes as lideranças opositoras.
qualquer alternativa para reflexão. Ao agir assim, a imprensa se torna, ela
O jornal pode argumentar, em sua própria, um partido político. Como
defesa, que não procura os articulistas, mostra Antonio Gramsci, a imprensa é o
mas sim que é procurado por eles e só meio mais que eficiente para “organizar
publica os textos que recebe. Assim, e difundir determinado tipo de cultura”
seria mera coincidência o monólogo (2001, p. 32). Como já alertaram
político-ideológico do Espaço Aberto. Capelato e Prado (1980, p. 19),
Considerando, porém, este possível devemos compreender a grande
argumento da empresa jornalística, seria imprensa como um “instrumento de
sua obrigação, como veículo de manipulação de interesses e de
informação que se pretende imparcial e intervenção na vida social”. Ou seja, a
fomentador do debate público, buscar e imprensa age como “aparelho privado
insistir para que articulistas com de hegemonia” ou um “partido”, uma
posições diversas também escrevessem “trincheira” ideológica na “guerra de
para o jornal. Fato é que a família posições” cujos jornalistas/editores
Mesquita e seus sócios do mercado atuam como “intelectuais orgânicos” a
financeiro, preferem não abrir o “espaço serviço dos seus patrões na busca pelo
aberto” para opiniões divergentes das “consenso” da narrativa pretendida pela
suas. empresa jornalística para consolidar-se
como “hegemônica”. Em outras
Esta pesquisa reforça o que o já clássico
palavras, o Estadão agiu em 2016 como
trabalho de Francisco Fonseca (2005)
um eficiente organizador dos seus
comprovou: não há pluralismo de ideias
leitores de classe média e alta em apoio
ou debate nas páginas do Estadão: o
ao impeachment, a agenda neoliberal e
jornal veta o debate; censura as vozes
o governo de Michel Temer. O jornal
dissonantes; desqualifica o adversário
tomou parte, escancaradamente, no
político-ideológico; exagera na
embate político, econômico e social

192
travado pela sociedade brasileira em BORON, Atílio. Governos “pós-progressistas” e
2016. Em nenhum momento, as páginas a degradação da imprensa e da justiça. In:
MORAES, Dênis (org.). Poder midiático e
do Espaço Aberto foram abertas e disputas ideológicas. Rio de Janeiro:
serviram para debater, mas, sim, Consequência, 2019.
serviram para reforçar a doutrinação
CAPELATO, Maria Helena e PRADO, Maria
antipetista e pró-neoliberal. Lígia. O bravo matutino. Imprensa e
Em seu trabalho o que considerou um ideologia: o jornal O Estado de S. Paulo. São
Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1980.
golpe em 2016, o sociólogo Jessé Souza
sempre pontua a importância da CASIMIRO, Flávio Henrique Calheiros. A
nova direita: aparelhos de ação política e
imprensa, a serviço da elite do dinheiro,
ideological no Brasil Contemporâneo. São
na construção da legitimidade para o Paulo: Expressão Popular, 2018.
impeachment e as reformas neoliberais.
FONSECA, Francisco. O consenso forjado: a
Segundo ele, a função da imprensa é grande imprensa e a formação da Agenda
manipular a classe média a partir de Ultraliberal no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2005.
informações seletas e opinião
FUCS, José. A reconstrução do Brasil. São
instrumentalizada, enquanto se Paulo: O Estado de S. Paulo, 2017.
apresenta como neutra. Assim, o
GONÇALVES, Mírian (org.). Enciclopédia do
público “perde a possibilidade de golpe: o papel da mídia. Bauru: Canal 6, 2018.
construir uma opinião autônoma e
independente a partir da pluralidade dos GUAZINA, Liziane; PRIOR, Hélder; ARAÚJO,
Bruno (org.). (Des)construindo uma queda: a
argumentos em debate [...] criam uma mídia e o impeachment de Dilma Rousseff.
fraude evidente. A semelhança de Florianópolis: Insular, 2019.
opiniões visa criar, em um público sem
GUILHERME, Cássio Augusto. A imprensa
padrão de comparação, um arremedo de como partido político-ideológico: o caso do
debate” (2017, p. 125). Ao agir assim, jornal O Estado de S. Paulo. Revista
esta imprensa censora contribui para o Dimensões. v. 40, julho de 2018a.
fortalecimento de movimentos GUILHERME, Cássio Augusto. De volta ao
antidemocráticos, que desprezam o passado: a proposta neoliberal do Estadão no
debate reflexivo, os valores acadêmicos pós-golpe. Revista Espaço Acadêmico. n. 208,
e os dados científicos, como se vê em setembro de 2018b.
muitas falas e atitudes do atual governo GUILHERME, Cássio Augusto. Rouba mas
de Jair Bolsonaro. reforma: o Estadão como advogado de defesa de
Michel Temer. Anais do XXIV Encontro
Regional de História da ANPUH-SP, 2018c.
Referências MORAES, Dênis. Forjar o consenso, neutralizar
o dissenso: a mídia e os intelectuais nas disputas
ANDERSON, Perry. Crisis In Brazil. London
ideológicas. In: MORAES, Dênis (org.). Poder
Review of Books, v. 38, n. 8, abr./2016.
midiático e disputas ideológicas. Rio de
AZEVEDO, Fernando Antônio. A grande Janeiro: Consequência, 2019.
imprensa e o PT (1989-2014). São Carlos:
SOUZA, Jessé. A elite do atraso. Da
Edufscar, 2017.
escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya,
BIROLI, Flávia e MIGUEL, Luis Felipe. 2017.
Notícias em disputa: mídia, democracia e
formação de preferências no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2017. Recebido em 2021-05-29
Publicado em 2022-03-01

193

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