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PREFÁCIO
Jaime Ramos
EDIÇÃO
Rui A. Costa Oliveira
AUTORES
António Faria
João Ferreira Dias
Luís Ferreira Rodrigues
Maria José Rijo
Mariana Bernardo Nunes
Mariana Vital
Paulo Mendes Pinto
Rui Lomelino de Freitas
Sofia Sousa Claro
Edição
Rui A. Costa Oliveira
Autores
António Faria
João Ferreira Dias
Luís Ferreira Rodrigues
Maria José Rijo
Mariana Bernardo Nunes
Mariana Vital
Paulo Mendes Pinto
Rui Lomelino de Freitas
Sofia Sousa Claro
Impressão
Gráfica Mirancorvo, Lda
ISBN
978-989-99798-4-0
Depósito legal
Prefácio ..................................................................................................... 1
Jaime Ramos
Hinduísmo ................................................................................................. 21
António Faria
Xintoísmo .................................................................................................. 35
Mariana Bernardo Nunes
Jainismo .................................................................................................... 51
António Faria
Budismo .................................................................................................... 65
Paulo Mendes Pinto
Confucionismo ......................................................................................... 79
Mariana Bernardo Nunes
Cronologia
António Faria
Maria Vital
Jaime Ramos
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Militantes ateus consideram as religiões fontes de todas as guerras e ódios. O
ateísmo criou seitas, fiéis do materialismo, crentes do homem perfeito e socie-
dade sem classes, com legiões de fanáticos dirigentes, proibindo a liberdade de
crer no Sagrado, em Divindades.
Deus, desconhecido e inefável, tem vindo a caminhar nos espartilhos integristas
das religiões, com destino nebuloso, atraído pelo abismo do sincretismo, ou
pela ícara altitude do esoterismo multiplicador de espiritualidades.
A globalização gera a visão PLUR, Peace, Love, Union and Respect , num
agnosticismo criador do “Homem Light”, incentivador do relativismo amoral,
favorecedor da proliferação de fundamentalismos, extremismos e seitas, como
reação ao “politicamente correto”.
O diálogo entre visões religiosas exige liberdade absoluta, adubada pela tole-
rância e podada pelo respeito pelas Verdades dos outros.
A construção do Templo Ecuménico Universalista visa a utopia, não do fim
das religiões, mas sim da coexistência transcendental do Homem, crente de
diferentes fés, que desejamos revigoradas na defesa de valores morais, e na sua
conceção do sagrado.
O cérebro humano possui um centro da espiritualidade religiosa, tal como exis-
te para a fala ou a audição, predestinando-nos para uma visão mística, espiri-
tual, de crença em divindades e no sagrado.
Podemos afirmar que as religiões, e as tradições espirituais, são os mais impor-
tantes traços culturais identitários de um povo ou nação.
A Humanidade não pode prescindir de valores. Sem a fraternidade e o amor
filial a biologia não teria evoluído na criação do Homo Sapiens.
O “deus dinheiro” aumenta a sua influência com as catedrais de consumo, am-
pliadas pela teologia do marketing, pela falta de “filtros” na promoção da ga-
nância, e divulgação acrítica no mundo digital, fomentando a amoralidade.
Neste consumismo absorvente, dependentes do ter, da imagem, do parecer ser,
deixamos de refletir sobre o significado da Vida e o sentido da existência.
Sacrificamos a espiritualidade ao materialismo do ter, do impulso de consumir,
numa infantil compulsão, de satisfação pessoal imediata. Neste caminho rápido
para o prazer instantâneo geram-se os doentios comportamentos aditivos.
As religiões e tradições espirituais não são as únicas fontes de moral, mas difi-
cilmente haverá promoção dos valores éticos, se não interiorizados e enraiza-
dos em culturas adequadas às comunidades, pessoas, povos e geografias.
Os primeiros deuses eram sectários, com uma ética duvidosa e, frequentemen-
te, malévola. Egoístas, exigiam sacrifícios e dadivas, para gozo e satisfação
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pessoal, defendiam a violência para os outros e bem-aventuranças para os seus
idólatras e sicários.
Só tardiamente os deuses começaram a ter uma moral Universalista, assente
numa bondade aberta a toda a humanidade e não só aos seus crentes.
A desilusão de Deus, recusando as visões panteístas ou teístas, passa pelo deís-
mo maçónico do Supremo Arquiteto do Universo, para se acantonar na indife-
rença do agnosticismo ou no proselitismo ateísta.
Crescem espaços e grupos de espiritualidade “alternativa”, assentes em visões
agnósticas, ou mesmo ateias, de igrejas sem deuses.
As religiões têm evoluído no sentido, não do medo do outro, do ódio ao dife-
rente, mas procurando a harmonia e a reconciliação.
Foi esta perspetiva que fundamentou o inicial desejo de ecumenismo entre cris-
tãos, o posterior diálogo com as outras religiões abraâmicas, incluindo depois
as religiosidades asiáticas e outras culturas espirituais.
Reconciliação alargada quando Bento XVI defendeu a necessidade de diálogo
entre os crentes religiosos e os ateus, na metáfora do “pátio dos gentios”, para
a procura da Verdade.
O conhecimento da história das culturas espirituais e religiosas evita o medo do
outro. O receio que a nossa verdade possa não ser a Verdade, mais justifica a
preocupação pelos valores que os diferentes defendem e promovem.
Idealizámos o Templo Ecuménico Universalista para promover a tolerância, o
respeito pelo outro, e a liberdade de crer ou não crer, homenageando as vítimas
das ortodoxias e fundamentalismos.
Sendo um local de libertação de espiritualidade individual, nos seus esconsos
instalámos um Observatório de Religiões, com três objetivos: uma informação
independente e rigorosa, não valorativa, sobre as 15 grandes culturas religiosas
a nível mundial, seguido de uma área sobre as barbáries e guerras religiosas
mais significativas, e uma cronologia histórica com as datas mais marcantes.
Os conteúdos históricos e religiosos tiveram como autores membros de uma
larga, sabedora e competente equipa, escolhida e liderada pelo Professor Paulo
Mendes Pinto.
São esses textos que são divulgados neste livro, leitura fundamental para todos
que, independentemente da sua fé, querem conhecer o pensamento, a história, a
doutrina, das 15 grandes e importantes religiões e culturas espirituais.
Sabemos, com humildade, que uma andorinha não faz a primavera, que nin-
guém muda sozinho o mundo.
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Sentimos que é dever de cada um, de cada organização, contribuir para uma
sociedade melhor, com mais direitos, mais liberdade e igualdade, mas também
com mais deveres, de fraternidade para com os outros, de amor ao próximo,
especialmente direcionado, com bondade e compaixão, para os mais frágeis.
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O TEMPLO ECUMÉNICO UNIVERSALISTA
E O OBSERVATÓRIO DAS RELIGIÕES
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O Templo, como o designaremos a partir deste momento, está integrado no
designado Trivium, «a visão filosófica do espírito da Fundação ADFP»: Parque
Biológico da Serra da Lousã, Espaço da Mente, Templo Ecuménico Universa-
lista.
Centrada na dimensão mais completa e integradora da Humanidade, para a
ADFP apenas há uma forma de conceber a ação com as comunidades humanas:
aliando natureza, cultura e espírito, a marca profunda é a da complementarida-
de complexa da existência.
É neste sentido que se articulam os três espaços que são, desta forma, não iso-
lados, mas complementares:
O(s) significado(s)
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da edificação deste Templo. Há sempre quem imagine cabalas e quem construa
teorias de conspiração imaginando algo de obscuro.»
Retomando a forma como apresentara o Templo num seu outro livro, Deus Na-
tureza, contos para netos maiores, publicado em 2015, explico os objetivos do
Templo através do que o ele não é:
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buscar alguma coisa de sincrética, mas no sentido em que, neste Templo, que é
das espiritualidades da Humanidade, Tudo e Todos têm lugar. Até os não-cren-
tes, como é natural.
E, por fim, este Templo Ecuménico é Universalista porque nos pretende reme-
ter para um olhar de respeito e de tomada de consciência. Todos os conteúdos,
os textos, os signos e os símbolos, todos correspondem a uma dimensão uni-
versalista da Humanidade, a uma procura e a um desejo de explicar o Todo,
integrando-o.
Naturalmente, e como falamos do ponto de vista da nossa cultura, com o que
isso tem de positivo, mas também de castrante, olharemos para o que a «ecú-
mena» nos traz de experiência de vida em grupos humanos, e teremos pontos
dos quais não abdicamos.
Os Direitos Humanos, como ponto de chegada de um caminho em comum de
milhares de anos é aquilo que de mais fino, subtil e superior a nossa sociedade
criou. É o que nos interessa valorizar, na narrativa aqui apresentada.
É esta a realidade que é superior às guerras, às matanças, a tudo o que temos
feito em nome de Deus. Não é apenas de belas criações e melhores realizações
a que nos referimos neste Templo. Ao longo dos milénios, temos matado primo-
rosamente como nenhuma outra espécie.
Na frase de Luther King: «Aprendemos a voar como os pássaros e a nadar
como os peixes, mas não aprendemos a conviver como irmãos.» Que este tem-
plo seja uma ajuda nesta tomada de consciência.
Descrição e localização
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descobrir e a contemplar vária simbologia religiosa de todo o Globo,
terminando num grupo concêntrico de sete círculos que representam o
aperfeiçoamento e mostram os conceitos religiosos cristãos que repre-
sentam as maiores dificuldades nesse caminho;
O Exterior
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Frases que nos questionam, que nos obrigam, no meio de um caminho solitário,
a refletir e a criar intensidades interiores.
O exterior do Templo, se bem que dentro do recinto, é marcado por vários es-
paços e caminhos, todos com a função de levarem o visitante a um percurso em
torno de tradições religiosas e de princípios e valores que despertem o sentido
humanista.
A entrada no recinto é feita por um portão entre duas colunas de pedra, delimi-
tando a entrada como se de um espaço sagrado fosse. De cada lado uma parede
com uma frase:
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mos. Lateralmente, tem 15 bancos, sete a poente e oito a nascente, como que
desafiando que a complexidade de «religiões» presentes no interior do templo
aqui se pudessem sentar, a discutir fraternalmente.
Em três dos cantos, temos outras tantas colunas de pedra, cada uma de seu esti-
lo arquitetónico clássico: ordem jónica, coríntia e dórica. Este espaço tem uma
composição que lembra os templos maçónicos, representando as três colunas:
a Força, a Beleza e a Sabedoria, padrões do debate e dos trabalhos tidos nesse
espaço.
De facto, é a ideia de debate que trazemos a este pátio quadriculado. Este espa-
ço representa o apelo do papa Bento XVI (ainda vivo, e que é aqui homenagea-
do) ao diálogo interreligioso aberto a ateus e agnósticos. Inicialmente o diálogo
ecuménico foi circunscrito aos cristãos e às suas diferentes denominações. O
papa Bento XVI veio, posteriormente, dar a designação de «Pátio dos Gentios»,
recuperando o nome do pátio que, no Templo de Jerusalém, era aberto a todos.
Este espaço é, também, uma herança da ágora das cidades gregas, onde todos
tinham o dever de dialogar, de defender ideias, de imaginar utopias, sempre
com respeito pelas diferentes visões dos outros.
No percurso pedonal da esquerda encontramos, gravado no solo, um espaço
com os símbolos tauístas. Pouco à frente, temos uma imagem de Buda. Antes
de chegar ao topo, um pequeno roseiral lembra-nos os ideias do Rosacrucianis-
mo. Mais à frente, já lateralmente em relação ao Templo, surge um queimador
de velas, peça construída em betão, e cuja estrutura simula duas mãos erguidas
em prece.
No percurso à direita encontramos três rochas com uma escultura que lembra
o deus Endovélico dos Lusitanos, remetendo-nos para o mundo politeísta, mas
também para os fenómenos indígenas, no seu confronto com as hegemonias
religiosas, neste caso, a latina. Segue-se um altar hindu com três divindades –
Brahma, Vishnu e Shiva. A seguir, teremos a Mesa da Igualdade dos Shiks, mas
que também é a Távola Redonda das tradições da Bretanha e, ainda, a mesa
com os 13 lugares, na qual Jesus fez a sua Última Ceia. É a imagem da partilha,
a refeição onde todos são iguais e se é indiferente às classes sociais.
No ponto de cruzamento dos dois caminhos com a escadaria, acima do Pátio
dos Gentios, um largo degrau tem gravada a palavra PAZ, escrita em 13 línguas.
Por fim, já à cota do Templo, em frente à fachada principal, orientada a Este,
uma cruz templária, de braços iguais, recortada em negativo/vazio, abrindo
uma janela na parede branca. Esta cruz simboliza a necessidade de abrir passa-
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gens nos muros que separam os homens ou fronteiras. O que aqui interessa é o
negativo do símbolo que, longe de definir, é uma abertura.
Esta cruz recorda, também, que estamos num território de maioria e de grande
tradição cristã que, graças ao laicismo, tolera a liberdade de se construir um
Templo aberto a todas as formas de espiritualidade ou sagrado pessoal. A cor da
parede lembra-nos a cruz branca do hino dos Hospitalários: Avé Cruz Branca.
Assumindo plenamente as heranças heterodoxas, orientada a norte, temos a
bandeira de Portugal, num mastro com 15,24 m, a altura da Caaba, homenagem
à religião que foi maioritária, neste mesmo território, por quase meio milénio.
Ao redor da pirâmide temos um caminho delineado no chão. Pretendendo-se
que o visitante não entre diretamente no Templo, mas sim que o faça através
da espiral que, neste desenho, circunda o Templo por sete vezes, exatamente o
mesmo número de voltas que o crente faz na Peregrinação a Meca, em torno
da Caaba.
O piso desta espiral vai-se tornando mais regular em cada volta, partindo do
grosso calhau rolado até ao paralelepípedo em calcário branco. Sugere-se que,
em cada percurso que fazemos na vida, e dificuldade que enfrentamos, ficamos
mais fortes e com um caminho mais facilitado para a perfeição pessoal.
Neste percurso, inscrito em pedras no pavimento, aparecem os Sete Pecados
Mortais, que aqui representam as dificuldades, as armadilhas, que nos afastam
da inatingível perfeição pessoal.
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A Pirâmide
O edifício central do complexo, o Templo, tem uma altura de 13,4 metros, in-
vocando a altura do Templo de Salomão, construído no século IX a.EC, em
Jerusalém, por ordem de Salomão. Os cantos estão orientados para os quatro
pontos cardinais: Norte, Sul, Este e Oeste.
As fachadas têm impresso, em baixo-relevo, três palavras e três letras maiús-
culas: Bondade (M), Moral (R) e Verdade (J), para além do símbolo de um dos
monoteísmos abraâmicos, quer em baixo-relevo, quer gravados nos óculos de
vidro que transmitem luz ao interior do Templo.
Assim, na face à direita, orientada a SE, existe o «Crescente», símbolo do Is-
lão, lado onde também temos incrustada uma pedra negra definindo a direção
de Meca e lembrando-nos do significado da Caaba nessa religião. Na fachada
orientada a SW, no vidro e no betão, vê-se o símbolo judaico – a Estrela de Da-
vid. Na parede virada a NW, observa-se a Cruz, símbolo dos cristãos.
A entrada da pirâmide faz-se por uma porta ladeada por uma pequena corrente
de água, um deslizamento suave que pretende desafiar quem entra ao gesto de
tocar, numa confirmação da sua existência, e implicando a consequente seca-
gem através do ato de esfregar das duas mãos. Constitui um gesto simbólico de
limpeza e purificação, antes da entrada, simbolismo comum a várias religiões.
Transposta a entrada surge uma nova porta, encimada por um triângulo de pe-
dra, com um olho no centro. Esta imagem sugere a figura do Grande Arquitecto
do Universo, existente nos templos maçónicos. Invoca igualmente a imagem de
muitas igrejas católicas dos séculos XVIII e XIX, especialmente a Santíssima
Trindade, onde eram frequentes estas representações de Deus – a vizinha Igreja
de Condeixa-a-Velha é um exemplo em que podemos encontrar o triângulo com
o olho, instalado no altar principal.
No interior, temos um espaço circular, invocando uma das possíveis formas de
reunião das comunidades, religiosas ou não. Trata-se de um espaço cilíndrico,
rematado, no seu topo, por uma abóbada de calote esférica. No topo zenital,
uma estrela de nove pontas, o maior algarismo (usado como símbolo do Babis-
mo), e que nos remete para a Fé Bahá’í, donde cai, como se de um fio-de-prumo
se tratasse, um candeeiro com luz. Toda a abóbada em cor azul sugere o céu
com pequenas estrelas a deixarem passar a luz.
Na direção sul, um rasgo permite que, diariamente, ao meio-dia solar, o Sol crie
um ponteiro de luz a iluminar/indicar o Centro do Templo. É uma referência
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aos antigos adoradores do Sol, provavelmente uma das mais primitivas formas
de religiosidade, mantida, mesmo que sem se dar por ela, em quase todas as
religiões atuais.
No pavimento, está desenhado um quadrado com um labirinto em calçada por-
tuguesa, a preto e branco. Este quadrado tem de lado 8,9 m, remetendo-nos
para a dimensão do Santo dos Santos do Templo de Salomão. O labirinto, esse,
como que plagia representações dos Templários, nomeadamente nas Catedrais
de Chartres e Amiens, sugerindo uma reflexão sobre a nossa vida e a procura da
Verdade. É também o tópico da mitologia grega representado no mais famoso
mosaico da vizinha Conimbriga.
No centro, um paralelepípedo de pedra de granito polido serve de suporte a uma
rocha bruta em estado natural, invocando a principal metáfora da maçonaria e
que nos remete para a imagem de construção que é cada um: o trabalho da pedra
bruta que somos até se conseguir a pedra polida e geometricamente perfeita que
desejamos ser. Simbolicamente, o paralelepípedo tem as dimensões de 1,11m
x 0,666m, a possível medida da Arca da Santa Aliança, peça que faz parte do
nosso imaginário coletivo.
As referências ao Templo de Salomão devem-se ao facto de esta construção
ter ficado no nosso património comum como uma das marcas mais vincadas
da afirmação do monoteísmo, com a construção de um templo dedicado a uma
única divindade.
A escolha da forma piramidal é uma homenagem arquitetónica ao Egito Antigo,
à sua sabedoria e conhecimento, a todo o património que, cultural e religiosa-
mente, o Mundo Clássico lá foi buscar, e do qual somos herdeiros. Tal como nas
pirâmides do Planalto de Guiza, especialmente a mais conhecida, a de Keops, o
Templo tem várias relações, entre medidas que assentam no Φ (fi), a proporção
áurea.
Esta sala espiritual não é espaço de imposição de uma Verdade, muito menos
de uma Religião. É um local de liberdade e libertação, através do livre exame
e livre interpretação dos símbolos e alusões. Tal como a pedra bruta sugere a
necessidade de um aperfeiçoamento pessoal, também aqui, pela oposição desta
à pedra polida, somos levados ao binómio, à tensão de uma humanidade imper-
feita dividida nas diferenças e intolerância, cada vez mais radicalizada.
Cada visitante é um leitor único do espaço, fazendo a sua invocação, oração,
ou simplesmente marcando o tempo com o seu silêncio. Sobretudo, que reflita
sobre si e sobre a humanidade. Neste Templo, a mensagem é a não-mensagem,
é apelo à individualidade no que ela tem de comum com o Humanismo. Isto
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é, tudo simples pista para que cada indivíduo encontre o seu Caminho, como
sugere o labirinto ou as irregularidades das voltas da espiral.
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lugar. O perfeito das ideias resulta, pela ação humana, no brutal da morte em
nome de Deus.
Da mesma forma, e numa visão muito rousseliana, a base da metáfora do hu-
mano que é essa dupla-pedra assenta na ideia de perfeição que o Homem tem
na origem, a base de tudo. Perfeição que nos transforma em toscos, como que
inacabados, a precisar de novo polimento num regresso à essência. Afinal, na
contemplação do que está no centro do Templo, temos uma simples mensagem:
o aperfeiçoamento é apenas um regresso. Por isso, é natural.
Esta metáfora é complementada e enriquecida com a luz zenital que todos os
dias, ao meio-dia solar, desce sobre a pedra-bruta, iluminando-a, mostrando
que esse Humano está talhado para receber essa luz, como se o acesso a ela lhe
fosse inato.
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Numa sociedade de medo e onde o terrorismo tomou conta de muitos dos nos-
sos receios, este percurso de conhecimento sobre «religiões» também é o mote
para nos inquietar e nos levar, nos obrigar, a uma posição mais ativa pela Paz
e pelo Diálogo.
Não se pretende originar um sincretismo religioso ou promover um cocktail
de religiões. Desejamos que as religiões existentes atuem de acordo com a sua
Verdade, promovendo um mundo melhor, assente no diálogo inter-religioso e
no primado dos valores humanistas.
Desejamos que cada religião contribua com a sua orientação moral, para a paz
da Humanidade, sem esquecer o meio ambiente e a natureza.
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Hinduísmo
Sanāthana Dharma
António Faria
Hinduísmo
Sanāthana Dharma
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Quatro Conceitos Motores
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Ānvīkśikī - Um olhar crítico e racional que ilumina os conteúdos de uma
“teologia”, economia e ciência política. É entendido que estabelece as fun-
dações de toda a acção e dever. Por vezes entendida também como um
exame crítico de elementos obtidos pela perceção e pelos textos.
Jamais podemos esquecer que existem ainda hoje quatro famílias linguísticas,
duas línguas oficiais, vinte reconhecidas e mais de cem dialetos. Isto implica
uma diversidade cultural que jamais deverá ser perdida de vista, sob pena de
ocorrerem reduções e distorções que são efetivamente indesejadas para os que
pretendem olhar mais em profundidade e com melhor abrangência.
Podemos pensar que a “filosofia” (o acto de filosofar) ocorreu na Índia muito
antes do 1º Milénio AEC. Esteve sempre ligada ao que no Ocidente designamos
por “religião” (Dharma). Através dos séculos a “filosofia” (Darśana) nutriu e
foi alimentada pela “religião” (Dharma). Pese embora o pensamento filosófi-
co crítico e sistemático surja nas Upanishad e nos sistemas filosóficos iniciais
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(séc.VII-V AEC), já no Ṛg Veda - mais de dois mil anos antes - surgia um
pensamento reflexivo, a que podemos (dependendo do entendimento do que
será “filosofia”) entender como filosófico. Desde esses começos tão antigos, o
pensamento da Índia evidencia um acervo extraordinário de olhares filosóficos,
especulativos e argumentativos. Todo este acervo não é de fácil abordagem
cronológica.
A tese durante muito tempo sustentada de uma invasão da “Índia” por povos
nómadas denominados Arianos, está hoje a ser progressivamente abandonada.
Esta tese deve ser compreendida a partir de uma ideia de império e conquista,
tão cara aos colonialismos, onde implicitamente se defendia a ideia de ser até
conveniente que raças (ditas) superiores possam (e devam) dominar outras (ti-
das por) inferiores. Aceita-se hoje, em função de novas descobertas arqueoló-
gicas que não houve nenhuma invasão e que o que aconteceu foi uma migração
forçada da civilização do Indo-Sarasvatī, devido a problemas resultantes da
tectónica de placas que contribuíram para a secagem dos rios Indo e Sarasvatī.
Deste modo, a luta que, segundo alguns académicos Ocidentais (e mais tarde
seguidos por pensadores da própria Índia), teria havido entre a civilização do
vale do (S)Indo-Sarasvatī e a cultura Védica Ariana (os alegados invasores)
está hoje seriamente posta em causa sendo já, para muitos académicos, quer
do Ocidente quer da Índia, um modelo histórico ultrapassado e que em muito
influenciou a nossa compreensão da história e cultura da Índia.
O Sanāthana Dharma, vulgo “hinduísmo”, pode ainda ser entendido como um
processo sociocultural bastante complexo onde surgiram continuidades, des-
continuidades e novas formas de expressão filosófica e cultural. De um certo
ponto de vista, poderemos dizer que o Sanāthana Dharma começou com a
Civilização Védica, possivelmente cerca do 5º Milénio antes da Era Comum.
Por outro lado, poder-se-á dizer também que existem grandes diferenças entre
a Cultura Védica e o “hinduísmo” tal como o conhecemos hoje. No entanto,
parece haver mais uma continuidade dinâmica do que rupturas epistemológicas
introduzidas ao longo dos períodos.
Assim sendo, todas as evidências de hoje parecem apontar para o facto que os
Arianos que falavam Sânscrito e compuseram os Vedas não eram nómadas in-
vasores que semearam a morte e a destruição nas populações indígenas mas sim
verdadeiros nativos da Índia. Parecem existir mesmo boas razões para pensar
que a civilização Védica, tal como a vemos através dos Ṛg Veda e dos outros
três Saṃhitā Védicos era em muito idêntica à denominada Civilização do (S)
Indo-Sarasvatī.
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À luz destes novos entendimentos sobre a antiguidade e o desenvolvimento das
civilizações Pré-védicas e Védicas, poderemos propor 7 Períodos fluidos com
“estilos culturais” evidentes onde, no entanto, a continuidade dinâmica foi em
muito mantida. Nos primeiros dois períodos, as datações são aproximativas, tal
como outras datações tidas até agora como “standard” o são também.
27
ano 3100 AEC. Ora, isto coincide com o início do Kali Yuga, a Idade Densa
descrita nos Purānas, Tantras e outros textos. No entanto, Feuerstein, propõe o
ano de 1500 AEC como sendo a data mais provável tanto para essa guerra como
para a data da finalização da redacção dos quatro hinos Védicos.
O texto mais antigo da literatura Védica é o Ṛg Veda, literalmente “versos” de
Sabedoria. Abordando principalmente aspetos de práticas cerimoniais, apresen-
ta também discursos de reflexão, principalmente quando os sábios védicos co-
locam questões sobre eles próprios, sobre o mundo à sua volta e o seu lugar nes-
se mesmo mundo, sobre o Homem e sobre o Universo. Surgem perguntas como
“o que é o pensamento”? “Qual a sua fonte”? “Porque sopra o vento”? “Quem
coloca o sol - o dador do calor e da luz - no firmamento”? “Como é que a terra
produz toda a multiplicidade de vida”? “Como renovamos a nossa existência e
nos tornamos no todo”? Questões de como, quando, o quê e porquê mostram
o início do questionamento filosófico. De início, alguns textos sugerem a in-
tervenção de devas - palavra sânscrita, traduzida por “deuses” (देवता) - uma
espécie de “super-homens” (mas que podem muito bem ser entendidos também
como “Princípios ou Consciências Operativas”. Para muitos ocidentais, isto
parece encorajar mais o “inefável”, o “sagrado”, o “religioso”, do que o pensa-
mento filosófico. Mas notamos aprofundamentos quando surgem interrogações
sobre quem são os devas e o que estará para além deles. Indo para além dos
objectivos básicos da vida pessoal e em sociedade, surgem questões sobre qual
o bem mais elevado e o modo como pode ser alcançado. Pergunta-se ainda qual
a natureza do conhecimento e do pensamento. Surgem deste modo evidências
de filosofia, de busca da verdade, da realidade. Por tudo isto, podemos afirmar
a existência de Filosofia no terceiro milénio AEC.
Os textos principais do Período Védico - onde os rituais de cosmicisação são
muito importantes - são em número de quatro: Rig Veda, Sama Veda, Yajur
Veda e Atharva Veda. Cada Veda tem quatro partes. A primeira parte, a coleção
de mantras, os Saṁhitā, constituídos por “hinos” aos devas, questões e refle-
xões, assim como entoações e fórmulas para obter sucesso. A segunda parte, os
Brahmāna, são arranjos dos Saṁhitā para uso ritual. A terceira parte, āraṇyaka,
são reflexões e interpretações dos rituais. A quarta parte, as upaniṣad, são refle-
xões sobre as questões de base dos aspectos filosóficos (darśana) e de prática.
Filosoficamente, as Upanishad são talvez os textos mais importantes, pois con-
têm as mais profundas investigações sobre o significado da vida. Colocam três
questões importantes, entre muitas outras:
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1. Ãtman, uno com a realidade, Brahman.
2. Karma, a prática das boas ações para ficarmos bem.
3. Meditação: só a prática da meditação possibilita a Libertação
(do samsãra), dos ciclos de morte e sofrimento.
Com o surgimento das upaniṣad entramos num novo período com um intenso
aroma metafísico e cultural. Surge a ideia de uma “internalização” dos rituais,
onde o Antar-Yājna (ritual sacrificial) é combinado com a renúncia ao mundo.
É o terceiro estágio da Śruti, o início das tecnologias psico-espirituais, a conti-
nuação da metafísica dos Vedas com um teor mais discursivo, mais “filosófico”.
Se podemos constatar alguma “inovação” nestes textos, ela pouco mais será do
que notas explicativas ao que está presente – de forma filosoficamente rudimen-
tar, dirão alguns - nos Vedas.
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Partilha de ideias e alguma sistematização de diferenças. Surge neste período o
Dharma do Buda (vulgo “budismo”) e onde rapidamente vão surgindo diversas
tendências que mais tarde se constituem como Tradições com orientações espe-
cíficas. Influência dos Jainas e Cārvākas. Surgem duas orientações de renúncia
ao mundo (samnyâsa) e a aceitação das obrigações sociais (dharma). Desen-
volvimento pré-clássico do Sāṁkhya e do Yoga. O Épico Mahābhārata como
exemplo de sincretismo é finalizado, embora o seu núcleo, que comemora a
grande batalha entre Pāndavas e Kauravas, pertence a uma era muito anterior.
Também o Rᾱmᾱyana, o outro épico muito conhecido, mas menos antigo do
que o Mahābhārata, pese embora o seu núcleo ser anterior ao do Mahābhārata
em cerca de trinta gerações (Feuerstein).
Por outro lado, a sabedoria dos textos védicos tinha-se tornado uma tradição
sagrada e bastante reservada, muitas vezes inacessível a muitos membros da
sociedade, ou, quando disponível, estaria para além da sua compreensão. Para
“ultrapassar” esta situação surgem histórias e poemas que tentam transmitir
muitas das questões centrais da tradição sagrada à maioria das pessoas. Surgem
assim o Mahābhārata e o Ramayāna. Surgem os Dharma Shastras, os códigos
morais (regulação das relações indivíduo e sociedade). Por exemplo, o Manu
Shastra explica como é que a justiça e a ordem podem ser asseguradas pelo rei
e pelas instituições do governo.
Surge uma luta intensa pela supremacia entre as Darśanas. Segundo alguns
autores, sensivelmente por volta do ano 200 EC, foram compostos os Yoga
Sûtra-s de Patañjali (outros apontam o séc. II AEC, ou mesmo uma data ante-
rior) e o Brahmasūtra de Bādarāyana. O Sāṃkhya-Kārikā de Ῑśvarakṛṣṇa fecha
este período (sec. IV EC). Nāgārjuna de certo modo “sistematiza” a Tradição
Mahāyāna do Dharma do Buda. A Dinastia Gupta entra em declínio.
30
diremos somente que todas as suas “tecnologias” psico-espirituais resultaram
de séculos anteriores de esforços para que fosse criada uma «síntese filosófica e
espiritual» (Feuerstein) a partir das várias tradições que tinham vindo a surgir.
Assim, o Tantra pode ser entendido como uma integração das mais altas ideias
e ideais metafísicos com os sistemas mais “rurais” e práticos da Índia. O Tantra
entende-se como o sistema mais apropriado para o Kali Yuga ou Idade da Escu-
ridão (com 432.000 anos de duração, segundo os Purānas).
Os ensinamentos Tantra, por volta do final do 1º Milénio EC, espalharam-se
por todo o sub-continente Indiano, «influenciando e transformando a vida espi-
ritual» dos “Hindus”, “Budistas” e “Jainas”. Pouco acrescentando aos domínios
filosófico e espiritual, promoveu, contudo, um estilo de vida que contrastava
com os padrões habituais. Apresentava um “poder” ou princípio feminino, śak-
ti, como poder supremo no universo manifestado. Surgiram também as com-
pilações purānicas com bases nos antigos Purānas do período Védico. Na sua
essência, os Purānas são antigas histórias entendidas como sagradas, à volta das
quais se estabeleceu uma rede conhecimentos filosóficos, mitológicos e ritualis-
tas (sínteses para a população).
31
a uma perca progressiva da identidade destes povos que passaram a ter uma
auto-representação distorcida, uma perspectiva negativa de si-mesmos. Muito
do seu sistema de valores foi contaminado com o “cientismo” materialista oci-
dental através de sistemas “educativos” onde as “novas” tecnologias de então
se passaram a constituir como “princípios” de valor. A mão de ferro inglesa era
poderosa, contaminante e por vezes destruidora, conforme nos relata o psicólo-
go e pensador Carl Gustav Jung:
Notas Finais
32
Se pensarmos no “yoga”, verificaremos que muito antes de ter adquirido os
seus significados de “espiritualidade” ou de “disciplina espiritual”, os pensado-
res da Índia desenvolveram todo um corpus de Conhecimento (Jñāna, Gnosis,
Vidyā) e de técnicas que se destinavam a obter uma transformação da Cons-
ciência presente em cada um, uma “transcendência” da simples consciência de
vigília que é entendida como “condicionada”.
Para finalizar diremos que, de um modo geral, as culturas da Índia apresentam
uma tendência para reconhecer, racionalizar (reflexão crítica) e praticar (o que
foi criticamente validado). Reconhecer que de facto existem muitas cosmovi-
sões (filosofias-religiões), por vezes e que é benéfico isso acontecer, pensar cri-
ticamente (mas olhando o outro ponto de vista) de modo a erradicar possíveis
erros (evidenciados consoante vários tipos de lógica e do que é entendido como
meios válidos de conhecimento), para que se passe à verificação através de uma
ciência na primeira pessoa (a prática pessoal).
33
Xintoísmo
Via dos Kami
1
Kami, no panteão xintoísta, corresponde a entidade que representa tudo o que está fora do vulgar
(divino ou demoníaco: fenómenos, poderes sagrados, invisíveis e poderosos, ocultos deste mun-
do material, mas que o habitam, exigindo pureza de intenções e conformidade ética nos compor-
tamentos, a quem os procura solicitando proteção). Em conformidade com os contextos em que
o termo é usado, pode referir: espíritos, o divino, supremo, elevado, superior, mas da Natureza.
Cada profissão ou atividade tem o seu kami protetor. As montanhas, as árvores, as nascentes, as
cascatas e, obviamente, os santuários, são moradas dos kami. Segundo alguns textos da tradição,
existem 800 miríades de kami, conhecidos por nomes próprios alguns, e outros, completamente
desconhecidos.
37
comunidade, e a sua forte associação com a prática de rituais em jinja, isto é,
shintō de santuários.
Shintō doméstico – trata-se da veneração dos kami na casa dos devotos, onde,
geralmente, há um pequeno altar em sua honra, visando a proteção da casa e
dos seus moradores. Este tipo de shintō está fortemente associado à veneração
dos espíritos dos antepassados, prática comum nas diversas tradições orientais.
As ofertas de comida diante de uma miniatura de jinja, que inclui um talismã
do Grande Santuário de Ise e talismãs dos kami tutelares, são um aspeto central.
Em frente da miniatura, pode encontrar-se um espelho, o ramo da árvore sakaki
e tiras de papel lembrando shimenawa.
38
«shintō estatal», os jinja foram agrupados e sistematizados, tornando-se um
corpo composto por uma hierarquia e cuja administração não se efetuava por
critério de hereditariedade; sacerdotes eram funcionários públicos e os jinja,
instituições estatais. Nos meados do século xx, surgiu a Jinja Honchō (神社本
庁), associação que ainda hoje reúne dirigentes/líderes a nível prefeitural e trata
de questões relacionadas com as práticas shintō «oficiais». Atualmente, jinja
são instituições privadas supervisionados pela Jinja Honchō, apesar de também
poderem operar de forma autónoma.
Santuários xintoístas
Apelidados de jinja (神宮) são espaços (santuários) onde residem kami, daí
serem considerados «sagrados», «casa de deus». A designação jingū (神宮) só
se aplica a grandes complexos de jinja e nem todos os jinja servem de morada
apenas a um kami, apesar de alguns jinja serem uma meta de «peregrinações»
devido à sua veneração/devoção de kami específicos como Amaterasu, algo que
se constata em Ise (Ise Jingū 伊勢神宮).
As principais características de um jinja são:
39
• Shinden (神殿) – Pavilhão do kami (de madeira ou cimento) que, à
semelhança do que se verifica nas «relíquias» (budistas ou cristãs), al-
berga objetos kami, isto é, símbolos sagrados permanentemente escon-
didos dos olhos comuns. Um dos objetos mais frequentes são espelhos
que, não obstante, também podem servir de simples ornamento.
40
Ritualística shintō
• Temizu (手水) – Purificação através da água que tanto pode ser in-
formal (pelo devoto) e formal (pelo sacerdote). O objetivo é eliminar
«impurezas»/«poluição» (kegare 穢) e os pecados (tsumi罪) do corpo e
coração-mente (kokoro 心).
Alguns rituais são bastante antigos, outros relativamente recentes; no caso dos
rituais de natureza imperial, estes surgem somente no período Meiji, época na
qual se oficializou um certo tipo de Xintoísmo como «religião de Estado», em
detrimento da perda de influência e popularidade do Budismo:
41
• Hatsumōde (初詣) – Diretamente associado ao Dia de Ano Novo (Sho-
gatsu no Hi), corresponde ao ritual da primeira visita dos japoneses ao
jinja, expressando-se gratidão pelo ano anterior e apelando à proteção
do kami local, para que este o ajude ao longo do ano.
42
Principais kami do panteão shintō
43
• Ame no Uzume no Mikoto (天宇受売命) – Kami da madrugada e fo-
lia, igualmente importante na tradição shintō devido ao seu papel na
estratégia de recuperar a luz perdida, após Amaterasu se ter isolado na
gruta. Ame no Uzume é ainda uma mestra das artes e da dança. O seu
consorte é o seu irmão Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神), patrono das
artes marciais, incluindo o aikidō.
44
Ame-no-Minakanushi (天御中主), Takami-musubi e Kamu-musubi, responsá-
veis por invocar Izanagi e Izanami.
Kami (神) – Refere-se tanto a uma qualidade ou propriedade que infunde exis-
tência, a uma descrição de um fenómeno que demonstra essa mesma qualidade,
bem como um nome próprio que procure identificar tal fenómeno. Traduzido
erroneamente por «deus», kami refere-se a algo que não é infinito, omnisciente
ou omnipotente. Possivelmente, entendido como uma entidade invisível invo-
cada em cerimónias com o propósito de ajudar as pessoas, apesar de também
residir em locais «sagrados» como montanhas, rios, florestas, pedras. Em tem-
pos antigos, os kami eram integrados num contexto de animismo.
Jinja (神社) – Local onde se realizam várias práticas e rituais e, hoje, «oficial-
mente» associado à tradição shintō, desempenhando várias funções consoante
a natureza – pessoal/popular, imperial e «festiva» – dos seus rituais. Jinja eram
locais administrados outrora por linhagem familiar. O número de pessoas que
se responsabiliza por estes espaços pode variar, embora geralmente inclua miko
(巫女) que servem de assistentes aos sacerdotes, por vezes, observando o cum-
primento dos rituais na qualidade de sacerdotisas. Jinja são responsáveis pela
organização dos matsuri.
Kessai (決済) – Imersão do devoto em água que também pode ser realizado
pelos sacerdotes, no período de «abstinência», isto é, na véspera do matsuri.
Enquadrado numa noção forte de purificação, kessai é um rito preliminar, não
de «exorcismo», no qual se lavam sobretudo as mãos e a boca.
Misogi (禊) – Ritual cuja prática supostamente remonta ao kami Izanagi e que
consiste na imersão do devoto em água, geralmente de uma nascente, cascata ou
à beira-mar. De natureza asceta, misogi produz efeitos sobretudo terapêuticos.
45
«limpando» o objecto, grupo ou indivíduo. O ritual de total purificação da
nação designa-se oharai (お祓い).
46
Xintoísmo no Japão
O culto dos kami precede a formalização da tradição shintō que se foi adaptan-
do ao longo da história do Japão. Desde modo, pode dividir-se a «evolução» do
Xintoísmo, tal e qual o conhecemos hoje, em vários períodos:
47
inferiores aos budas iluminados (deva ou asura), presos ao ciclo
kármico de vida e morte. No final deste período, acentuam-se di-
visões entre ambas tradições, eventualmente expulsando monges
dos jinja.
48
imperial, bem como ao agradecimento das pessoas em relação aos
kami. Aumento da presença de grupos independentes (Kurozumikyō
e Tenrikyō) – seitas de inspiração shintō – como resultado da
realidade de «Novas Religiões».
Xintoísmo em Portugal
49
Jainismo
A Via de Jaina (dos Vencedores)
António Faria
Jainismo
53
Diversidade
Existem, no seio desta cosmovisão, dois grupos que apresentam algumas orien-
tações diferentes: Śvētāmbara («vestidos de branco») e Digambaras («vestidos
de céu»). De facto, a questão da nudez foi um dos tópicos que deram origem à
formação destes dois grupos, uma divisão surgida por volta do século IV a.EC
(Feuerstein, 2008). Enquanto estes últimos defendem a impossibilidade de se
atingir a Iluminação em corpo de mulher, os primeiros veneram Malli (19.º
Tīrthaṅkara), postulando que a libertação depende do género e do modo como
se anda vestido.
Textos
Apesar da literatura jaina ser vasta e abrangente, foi somente cerca de dois sé-
culos após o desaparecimento de Vardamãna Mahāvira (25.º Tīrthaṅkara), que
foi efectuada a compilação dos seus ensinamentos, anteriormente divulgados
por tradição oral – «Encontro» de Pāṭaliputra (hoje, Patna), cerca do ano 300
a.EC – numa tentativa de estabelecer o conteúdo das 14 Pûrvas, os «[ensina-
mentos] Anteriores», que, por esse tempo, estariam já parcialmente perdidos,
e cuja passagem a escrito não foi amplamente aceite por toda a comunidade
jaina. A sua primeira apresentação mais sistemática surgiu por volta do século
IV a.EC, no que ficou conhecido como «Aforismos sobre a Compreensão da
Natureza das Categorias» (no original sânscrito: Tattvārtha-adhigamasūtras),
um dos contributos inestimáveis para as cosmovisões indianas.
Podemos contabilizar (segundo os Śvētāmbara) cerca de 45 textos, dos quais
apresentaremos um ou outro tópico. Assim, temos:
54
•13-24: Os doze «membros secundários» (sânsc.: Upaṅgas), e que li-
dam com questões cosmológicas, cosmográficas, astronómicas e hagio-
lógicas.
Teoria de conhecimento
55
•O que é inferido (sânsc.: mati; aquilo no qual a mente está ativa). Mas
mati subdivide-se em 1) percepção, 2) lembrar, 3) reconhecer, 4) conhe-
cimento da relação modal e 5) inferência.
56
Naya tem a ver com um ponto de vista (com um «pensamento»), a partir do
qual afirmamos sobre uma coisa, sendo toda a verdade necessariamente função
dos nossos pontos de vista, um conhecimento parcial. Consequentemente, esse
conhecimento parcial é somente um conhecimento possível, entre os inumerá-
veis aspetos possíveis de uma «coisa». É isto que se denomina «naya». Con-
sequente, «naya», tomada como conhecimento final, é simplesmente falácia,
ignorância.
De acordo com a sua teoria da relatividade do conhecimento (sânsc.: Syādvā-
da), os Jainas reconhecem sete tipos de «motivos», sete formas de julgamento,
ou seja, defendem um sistema de lógica dita de «Predicação Condicionada».
Assim:
Metafísica (anekāntavāda)
57
Cisão e interação negativa
Karma e Via
58
6.Karma, determinando o estatuto social do individual;
7.Karma, determinando o nascimento do indivíduo numa dada família;
8.Karma, que é genericamente obstrutivo.
Sob o ponto de vista da sua atividade no tempo, pode ser classificado em três
categorias:
59
Degraus da Virtude
60
10. O esforço subtil: agora, mesmo o derradeiro interesse mundano é erra-
dicado.
11. A pacificação da ilusão: a noção errada de ser uma entidade física e
separada está completamente dominada, abrindo espaço para a intuição
da Consciência universal.
12. O desaparecimento da ilusão: toda a ilusão egoica é destruída; não ten-
do impedimento oriundo do karma, o praticante atinge a gnose.
13. Transcendência ativa: isolamento interno de toda a multiplicidade;
transcensão, condição sublime.
14. Transcendência inativa: erradicação total do karma. Um ser integral-
mente liberto. Para lá dos quatorze estágios de virtude, está a libertação,
a condição luminosa do jīna, o ser perfeito, livre da existência corporal
e do karma.
61
Pelo exposto podemos ver que a cosmovisão jaina tem aspetos em comum com
outras cosmovisões da Índia (como, por exemplo, o Dharma do Buda e o Sana-
thana Dharma, vulgarmente denominados, Budismo e Hinduísmo, respetiva-
mente). De um modo muito sucinto, tocámos em algumas questões relevantes
nesta cosmovisão, infelizmente, pouco conhecida nas culturas ocidentais. Mui-
to para além dos estereótipos que surgem em narrativas de superfície, o contri-
buto jaina para o pensamento e prática vivencial da Humanidade é seguramente
importante. Articula os ideais da não-violência e da pluralidade, propiciando a
justificação para a apreciação mútua entre as verias cosmovisões. O seu contri-
buto foi relevante para todo o pensamento indiano (que influenciou e pelo qual
foi influenciado), principalmente nas interações com outras cosmovisões em
convivência. Podemos dizer que a cosmovisão jaina foi e é como um seixo con-
tinuamente atirado com força e precisão para o centro de um lago: as ondas que
decorrem dessa transferência energética continuam a agitar ideias e a propor
experiências de vida com sentido de harmoniosa abrangência e profundidade.
62
Categorias Jainas
Substância
(dravya)
Não-extensa
Extensa
Tempo
Vivente Não-vivente
Átomos: Compostos
terra; ar;
fogo; água
Não-movimento
Movimento plantas: só têm um
sentido
63
Budismo
Dharma do Budha
Dharma do Budha
As origens do Budismo
Buddha
A noção de Buda
67
menos, os quais pela ausência de entidade própria se manifestam dotados de
omnisciência e de compaixão infinita, para além de uma absoluta imparciali-
dade para com todos os seres sensíveis. A consciência da sua própria realidade
(a natureza búdica) permite-lhes viver de maneira plena, livres de qualquer
condicionamento mental ou emocional, em que radica a Ignorância (Avidyā), e
de que deriva o desejo, o apego e a aversão que estão na origem do sofrimento
dos seres.
A palavra Buda não denomina apenas uma personagem específica que viveu
em de-terminado momento (p.ex.: Siddhartha Gautama, o Buda histórico), mas
ela refere uma literal categoria de seres iluminados que alcançaram a realiza-
ção espiritual, da ausência da realidade intrínseca dos fenómenos. Os escritos
budistas mencionam vários outros Budas que surgiram em épocas diferentes, e
cuja memória se perdeu nos tempos, postulando-se neles também, que outros
surgirão futuramente.
68
Por volta dos 35 anos de idade, alcançou a Iluminação. A partir de então, passou
a ser conhecido como Buda, mais especificamente: Buddha Śākyamuni (o sábio
dos Śākya).
A Iluminação de Buda ter-se-á dado em Bodh Gaya, após cerca de 50 dias de
meditação, debaixo de uma árvore. Descobrira que a causa do sofrimento era
o desejo.
Apesar de ter nascido na região do Nepal, em Lumbini, todos os locais do seu
«cami-nho», hoje, estão identificados no território da atual Índia. Este Cami-
nho, especialmen-te a partir do século XX, em que se propõe, abertamente,
como religião/filosofia de pendor universalista, passou a atrair peregrinos de
todo o mundo, que se têm ido fide-lizando ideologicamente e transformando
em seus seguidores, bem afastados do primevo berço ecológico e cultural.
Atualmente, os principais lugares de peregrinação são: Varanasi, Sarnate, Bodh
Gaya, Rajgir, Nalanda, Patna, Vaishali, Kushinagar e Kapilavastu.
Os primeiros ensinamentos foram dados em Sarnate e sistematizou a essência
dos seus ensinamentos. Integrada no chamado «Caminho de Buda», esta é uma
das cidades sagradas do Budismo. Em 528 a.EC, Buda terá vindo aqui, ao Par-
que dos Veados, após a Iluminação, para dar o seu primeiro ensinamento que
ficou conhecido por Roda do Dharma.
No local onde se pensa que Buda tenha dado esses ensinamentos, foi construí-
do o Stupa de Dhamekh, no século V EC. Junto a este santuário de relíquias
existe ainda um outro, o Stupa de Dharmarajika, construído no século III EC,
pelo imperador indiano Ashoka, que, depois de vastas conquistas sangrentas, se
converteu ao Budismo nascente, abandonando toda a violência e tornando-se
um dos seus principais divulgadores. Será um tempo de grande prosperidade na
difusão do Budismo por toda a Índia e regiões limítrofes.
Gautama viveu até os 80 anos de idade, transmitindo os seus ensinamentos
e conquis-tando um grande número de discípulos, monges ou não-monges. A
morte de Buda terá ocorrido em 486 a.EC. A tradição diz que faleceu devido a
envenenamento acidental (por cogumelos) por um dos seus discípulos.
Filosofia e princípios
69
da condição existencial dos renascimentos. Algumas tradições budistas creem
que, devido a uma alimentação desnaturada, à base de seres sencientes, o renas-
cimento pode ocorrer no reino animal em seres inferiores, pelo que muitos dos
seguidores adotam uma dieta vegetariana.
Neste princípio do renascimento encontra-se consignada a ideia de Karma, em
nada semelhante à ideia de destino de algumas religiões de tradição mediter-
rânica. O Karma não deve ser entendido como uma coisa, mas sim como uma
determinação com origem em «fatores mentais», positivos ou negativos, que
ali estão/são «implementados», mas que podem ser modificados, ou seja, enfra-
quecidos e por fim erradicados.
•Dukkha ariya sacca (em Pali) [Dukkha existe] – Diz respeito ao so-
frimento, mais precisamente, à insatisfação, dukkha, uma das três mar-
cas da existência. Esta verdade diz-nos que a mente, quando tomada
pela ignorância, não é capaz de dissociar a insatisfação da experiência
sensorial.
70
agradáveis e aversão às desagradáveis. Como o mundo está em cons-
tante mutação, esse desejo nunca atinge a satisfação.
71
uma motivação de se querer libertar do sofrimento (dukkha), e também
os outros seres.
•Ação correta: não matar, não roubar e não ter uma conduta sexual
indevida; promovendo a vida, a prática da generosidade e não causar
sofrimento por práticas sexuais egocêntricas;
72
Diversidade do Budismo
Theravāda
73
Mahāyāna
Vajrayāna
Budismo Zen
74
Terra Pura
Trata-se de uma das tradições budistas com mais adeptos. A escola original foi
funda-da por Honen Shonin (1133-1212) – no original, em japonês, chama-se
Jodo Shu.
É uma forma de Budismo também conhecida como Amidismo pela sua forte
devoção ao Buda Amida, o Buda da Luz Infinita.
Espalhada pelo mundo, com vertentes particularmente devocionais, a Terra
Pura divi-diu-se em várias subescolas.
As Escolas Terra Pura remetem a sua origem à tradição Mahāyāna.
O Budismo Tibetano
Dalai-Lama
75
O Potala
Dharamsala
76
são alguns dos mais importantes locais onde se preserva e se difunde a cultura
tibetana para todo o mundo.
77
Confucionismo
Caminho da Retidão Humana | Via de Confúcio
Confucionismo (儒家 Rujia) é uma via para uma vida correta associada
O ao desenvolvimento ético do indivíduo. Criado na China, não possui
fundador, mas um Mestre – Confúcio, conhecido em chinês por Kongzi (孔子),
literalmente «Mestre Kong» – cujos ensinamentos foram comentados ao longo
dos séculos até aos dias de hoje.
Enquanto ideologia «ortodoxa» na China do período Han (206 a.EC-220 EC,
a partir de trezentos anos depois de Confúcio), o Confucionismo é respeitado
como um «culto» de letrados em constante transformação, realizando-se sacri-
fícios diante das tabuletas espirituais em templos dedicados ao Mestre.
Amplamente desenvolvida por Confúcio e confucionistas, esta ideologia de
pendor religioso pode ser classificada de:
81
Confúcio
Muito pouco se sabe acerca desta figura quase mitológica que, segundo a tra-
dição, terá nascido por volta dos séculos VI-V a.EC, em Kufu (Estado de Lu,
atual província de Shandong). Kong-Fon-Tseu (também conhecido, em adulto,
por Kong Zhongni) seria oriundo de uma classe intermédia, entre a nobreza
guerreira, os camponeses e os artesãos, isto é, os shi (士 = estudiosos), classe
dos «letrados, funcionários públicos».
Ainda hoje não é consensual a determinação dos cargos que terá desempenhado
na sociedade chinesa de então, sendo referido como funcionário administrativo,
com funções no exercício da Justiça, ou ainda, num mais proeminente papel,
equivalente a primeiro-ministro, dada a prolongada e profunda lastragem que o
seu pensamento alcançou na cultura chinesa, particularmente, nos domínios da
regulação dos costumes e da administração pública.
O papel de professor que Confúcio, segundo as narrativas, desempenhou como
situação de recurso nos inícios de vida, chegando a contar, ainda jovem, com
algumas dezenas de fiéis discípulos, contribuiu sobremaneira para o título de
«educador» por que ficou também conhecido. Sabe-se, porém, que o seu au-
têntico enfoque vocacional foi sempre o do campo da administração pública e
o exercício ético das políticas governa-tivas. Para tanto, o seu esforço foi o de
ganhar a confiança do monarca reinante da Dinastia Zhou (1046-256 a.EC), em
que nasceu e viveu, até alcançar o lugar de conselheiro.
82
Cinco Clássicos
83
Quatro Livros (base do ensino público chinês até 1905)
Princípios confucianos
Li (禮) – ritos que deviam ser respeitados por todos, governantes e súbditos. Os
ritos estão associados ao Dao/Tao, influenciando-o de uma forma positiva. O
regresso ao «rito» é um ideal em Confúcio, não isento de alguma «restrição»,
84
daí virtudes como a humildade e frugalidade (rang 儉) auxiliarem no desenvol-
vimento do carácter (individual) moral;
Xiao (孝) – popularmente traduzido por «piedade» filial, é uma virtude de res-
peito pela família e pela Humanidade, numa maior escala. A família é um mo-
delo de harmonia que se encontra acima da ordem pública. Tal como o ren, o
xiao está ligado ao li;
Neo-Confucionismo (新儒学)
Reciprocidade (shu 恕) – segue a ideia de que «boas ações geram boas ações»,
daí ser importante: «Não faças aos outros o que não gostarias que te fosse fei-
to.» É, no fundo, uma regra de «retribuição» dos atos executados pelas pessoas.
85
Respeito pelos mais velhos (ti 悌) – como o nome indica, o indivíduo deve res-
peitar os membros do seu agregado familiar, independentemente de serem pais,
irmãos ou avós. O mesmo se aplica aos «mais velhos» fora da família. O con-
ceito de «piedade filial» encontra-se associado ti, permitindo a formação de ren.
•Pai e filho;
•Governante e ministro;
•Esposo e esposa;
•Irmão mais velho e irmão mais novo;
•Amigo e amigo.
86
Festividades
Confucionismo na China
Xunzi (荀子) – Estudante da célebre Academia Jixia que teve vários discípulos,
incluindo Han Feizi e Li Si. Nascido numa época posterior a Confúcio, Xunzi
debruça-se sobre a natureza humana «má», que se entrega ao «proveito» (li 利).
A busca da satisfação própria, do «eu» conduz à desordem e à violência. A go-
vernação baseia-se em «ritos» e «punições», consoante as intenções do súbdito.
87
Mozi (磨子) – Tal como Confúcio, Mozi valorizava o bem-estar do povo, não
da natureza, daí o seu carácter «humanista». A sua escola recebeu a designação
de Moísmo e discordava das ideias confucianas sobre a cultivação da humanida-
de pelo próprio indivíduo no seu âmago. Favorecia-se uma abordagem prática.
Han Feizi (韩非子) – Filósofo central da escola legalista que, como o nome in-
dica, foca-se nos aspectos da legalidade como algo central à vida em sociedade.
Leis e punições garantiam o bem-estar dos indivíduos.
88
ticiosos, os letrados – com papel predominante do sábio racionalista
Zhu Xi, hermeneuta dos Quatro Livros, em contravenção do estudo do
I Ching – contribuíram para o surgimento da escola de Ensinamento
Confuciano designada Dao/Tao Xue (道學), isto é, «Ensinamento do
Caminho» ou «Escola do Princípio/Ciência» (理學), tendo dado início
ao que se designou, a partir de então, como Neo-Confucionismo.
89
Para além de ensino da língua Chinesa, o Instituto é responsável por um pro-
grama de intercâmbio de alunos chineses, «cursos de verão» na TFSU, bolsas
de estudo (licenciatura, mestrado e doutoramento) e cursos personalizados para
interessados na área empresarial.
Por último, o ICUL coordena com o «quartel-general» Hanban, sediado em
Pequim, a realização dos HSK (Hanyu Shuiping Kaoshi 汉语水平考试), testes
de proficiência de Chinês que testam as capacidades de compreensão da língua
em vários níveis.
90
Daoísmo [Taoísmo]
A Via do Dao (Tao)
António Faria
Daoísmo [Taoísmo]
Princípios e origens
Estamos perante uma cosmovisão que, enquanto tal, deve ser entendida como
uma via dinâmica e consequente com os seus olhares sobre o mundo-vida e que
engloba várias escolas/tradições e linhagens. Olhada no seu conjunto, apresen-
ta-se como um sistema aberto e complexo, com várias escolas e linhagens e que
pode ser mapeado em periodizações históricas e modelos de prática e realiza-
ção. Surgida na China, em data incerta e tendo como pano de fundo a sabedoria
tradicional e filosófica da cultura chinesa, tendo integrado, por exemplo, o I
Ching (Livro das Mutações, que não pertence diretamente a esta cosmovisão).
O núcleo do I Ching é um texto da dinastia Zhou Ocidental (séculos xi-viii
a.EC) denominado Zhōu yì (Mutações de Zhou).
Enfatiza a harmonia entre a vida do praticante e o Dao, que pode ser também
entendido genericamente como a fonte e a força que subjaz a tudo o que existe,
em tudo o que existe. Dao é presença enquanto condição de possibilidade de
tudo poder surgir e presença em tudo o que surge e se modifica. É a raiz sem
raiz, a natureza fundamental e matriz estrutural do Universo e, simultaneamen-
te, a Via para tudo isto. Assim, é também a Via Fundamental do Universo e as
instruções deixadas para a prática da via a ela conducente. O que atrás foi dito
implica também uma série de práticas tendentes a instaurar o re-equilíbrio do
93
corpo-energia. Meditação, exercícios internos, rituais e artes marciais, entre
outros, são também meios para um mesmo fim.
Com mais de dois mil anos, o Daoísmo não tem propriamente um fundador,
crenças ortodoxas e textos com «autoridade». Os Daoístas focam-se no Dao,
enquanto questão última, usando designações como daojia (Família do Dao),
daojiao (Ensinamentos do Dao), daoshi (adepto do Dao), e xuanfeng (Movi-
mento Misterioso), ou seja, os Daoístas têm-se entendido como aqueles que
transmitem o Dao (chuandao) e como parte da «tradição do Dao» (daotong).
Especificidades da Via
• Daoísmo Clássico;
• Daoísmo Inicial;
• Daoísmo Organizado;
• Daoísmo Moderno.
94
7. Meditação: uma prática central, de diversos tipos;
8. Não-Ação: (wuwei), envolvendo principalmente a não interferência, a
não intervenção e a atividade sem «esforço»;
9. Ritualística: os rituais ocupam também uma posição muitas vezes
central, com diversas expressões e postos em ato em atividades da
comunidade.
95
Esta cosmovisão, na sua formulação de base e «clássica» (por vezes, denomi-
nada «Cosmologia Tradicional Chinesa»), apresenta três dimensões primárias:
96
A questão yin-yang (que é originariamente não-Daoista, mas sim Chinesa ou
mesmo originária da Ásia Oriental e do ponto de vista de uma «soteriologia» –
sendo esta entendida como proposta para a libertação – é veiculada a necessida-
de de um «alinhamento» ou «união», através do Dao, ocorrendo então imorta-
lidade por dissolução/harmonização do «ego», aqui entendido como composto
(o modelo das «duas almas»; consciência transitória e não uma «alma» eterna).
Surgem postulados radicados na consciência e na libertação (talvez por influên-
cia do Dharma do Buda). Surgem ainda evidências de uma «antropologia po-
sitiva», otimista, onde o mundo é afirmado, sendo o homem uma manifestação
do Dao (que é a sua natureza inata).
Uma outra «marca» surge ainda na forte ênfase na não-ação (wu-wei), na prá-
tica, na não-contenção, flexibilidade, produção, não-«nomeação», não-desejo,
quietude, «clareza» e contentamento. Também postula como muito relevantes a
questão da linhagem, da ordenação (dentro de uma linhagem) e da comunidade,
assim como um «caminho gradual» (vários graus de empenhamento) e adesão
(preceitos), o que remete para níveis de afiliação e participação, não podendo
ser esquecida a importância do lugar e do «enraizamento». Por outro lado, se
as práticas anteriormente descritas, no seu conjunto, são tidas como muito im-
portantes, elas são diversas e de valoração específica, consoante a linhagem e
comunidade.
Textos fundamentais
Existe uma multiplicidade de textos que são relevantes nos diversos movimentos
e linhagens. Contudo, talvez os mais importantes no cânone daoísta (Daozang)
sejam:
97
O cânone daoísta é uma coleção que contém mais de mil e quinhentos textos,
tendo a primeira compilação surgido no século v. A que é hoje utilizada ra-
dica no século xv, com um suplemento adicionado no século xvii. Os textos
apresentam uma variedade de géneros com níveis diversos de importância e
profundidade.
Daodejing: metafísica
O Daodejing (Laozi, como era conhecido na China), é um texto curto com cerca
de 5000 caracteres (81 «capítulos»), que é geralmente dividido em duas partes:
a primeira sobre o Dao (capp. 1-37) e a segunda (capp. 38-81) sobre De (virtu-
de). Mas o Dao é também ordem (Kohn, 2009), visível nos padrões processuais
e nas alterações rítmicas do «mundo natural». Assim, deste modo, será até certo
ponto previsível, dado que poderemos discernir e descrever no desenrolar dos
seus processos. O que é aqui denominado «natureza» pode ser entendido como
o modo espontâneo e até certo ponto observável dos seus processos, o modo
como as «coisas» (processos) «vão sendo». No entanto, enquanto o Dao é «na-
tureza», é também algo mais: a sua «essência» última, a condição de possibili-
dade das qualidades internas desses mesmos processos, ou seja, aquilo que faz
com que as «coisas» sejam de um dado modo. Se é «natureza» é também as
suas próprias leis geradoras e orientadoras.
Dito de outro modo, talvez ajude para já a uma melhor compreensão intelectual
da natureza do Dao, se pensarmos uma «estrutura» com dois níveis: o «Dao
Eterno» que é misterioso, inefável – que podemos pensar como um ponto adi-
mensional, no «centro» do Universo, e, simultaneamente, o «Dao que pode
ser dito», tangível, observável, enquanto manifestação visível nos processos
cíclicos do mundo que podemos conhecer.
Têm também ocorrido tentativas para reduzir o Dao a categorias mais «fami-
liares» como «Deus», «Logos», «Divindade». Mas, na verdade, na tentativa de
facilitar a compreensão do que está em causa, pouco mais se terá feito do que
distorcer a complexidade de significados dos conceitos originais. Na sua trans-
cendência e imanência – espontaneidade velada na mais profunda «escuridão»
– o Dao é pro-criativo (mas jamais uma divindade criadora), o Dao permanece
nessa procriatividade e não no ato criador ex-nihilo, atribuído ao Deus descrito
no Génesis. Por outro lado, a associação identificadora ao «Logos» – como se
98
fosse a «razão nuclear» da realidade, à moda dos Gregos antigos – contraria o
carácter não dual e holístico do Dao e a sua simultânea manifestação concreta,
a sua trans-racionalidade, a sua paradoxal «vacuidade» que é, no entanto, a
condição de possibilidade de todo o surgimento, de todas as maravilhas infi-
nitas, muito para além do Ser e da Substância que os pensadores ocidentais
glorificam.
No Daodejing, o Dao é referido de muitas maneiras diferentes:
Por isso, não devemos esquecer que as «nomeações» têm um carácter sempre
aproximativo de descoberta, por tentativa e erro, segundo regras não rígidas
(um «valor heurístico»). Vejamos uma tradução possível do capítulo primeiro
do Daodejing:
Estas duas denominações radicam na origem (sem origem), mas com nomes di-
ferentes. Ambas podem ser chamadas o Mistério Cósmico. Alcançando o mis-
tério e daí o mistério mais profundo, é sugerido que podemos encontrar a porta
para a essência secreta da vida.
Dadas as nossas aspirações metafísicas e a dualidade inescapável da lingua-
gem, buscamos meios para transcender essas dificuldades, os nossos dilemas
metafísicos. Se discorrermos em termos de complementaridade mútua pensa-
mos em yin e yang, em Vacuidade (Dao sem nome, o oceano ilimitado) e Ser
(Dao com nome, as ondas desse mesmo oceano), não havendo «de facto» ne-
99
nhuma diferença radical entre todo insondável e parte, entre oceano e onda,
entre floresta e árvore, (todos interdependem), pois a diferença radica somente
na inevitabilidade da perspetiva (inerente ao pensamento/linguagem dualista).
No entanto, tudo isto são (por agora) simplesmente conceitos, conhecimento
mediado (radicados na perceção, inferência e testemunho verbal), sendo por
isso mesmo designações provisórias.
Mas, na verdade, são os nossos múltiplos condicionamentos que nos dificultam
essa «arte de viver», que nos impedem esse «conhecer por tornar-se». Sendo a
linguagem composta maioritariamente por termos «humanamente compreen-
síveis» radica e potencia (n)esses mesmos condicionamentos (que para esta
cosmovisão são, no entanto, «resolúveis»), dificultando o surgimento do que se
poderá chamar a «mente do Dao», a não-mente do auto-esquecimento espontâ-
neo, tal como proposto pelo Mestre Zhuang.
Ao tentarmos reproduzir a realidade, através da linguagem, estamos a reduzir
os processos e a origem sem origem desses mesmos processos. O vício de que
as disputas assentes em modelos binários de lógica podem trazer alguma con-
clusão satisfatória que reflita a realidade, terá de ser combatido por um sistema
de lógica que desconstrua a própria «lógica», o que parece implicar o assumir
da não perspectiva, a perspectiva transcendental do permanente e imparcial
Dao, que é o veículo do Sábio (shengren), o humano perfeito.
100
ou insucesso, de crítica ou de louvor. A ação espontânea permite o bom uso
do ego, que já não está constrangido pelas suas capacidades ou pelo ambiente
circundante, pelos seus padrões comportamentais parasitas. As ações espon-
tâneas são sempre opcionais, pois há efetiva liberdade de escolha. Uma ação
só é espontânea se o falhanço (ou mesmo a sua possibilidade) não puser em
perigo a estabilidade emocional do indivíduo. Mas isto não quer dizer que a
acção espontânea seja inconsequente, pois mesmo ações que possam acarretar
risco pessoal podem ser espontâneas. Há aqui um fator decisivo, ou seja, o
ego pode desejar ter sucesso, mas não se sentir emocionalmente compelido
a agir. Deste modo, o falhanço não tem qualquer poder, pois não há nenhu-
ma tensão compulsiva associada. Acresce ainda que as ações espontâneas são
sempre «reversíveis». Por isso, se diz que um movimento espontâneo pode ser
parado a qualquer momento e reorientado sem um aumento significativo de
esforço. Assim, wuwei é «faz o não-fazer» ou «age não-agindo», ou seja, indica
o agir incondicionadamente, não compulsivamente. Segundo o Daodejing, é
pelo «não‐fazer» que tudo se alcança. Por outro lado, o «fazer» é sempre con-
dicionado, levando a que a (re)ação se volte contra o (que se entende como)
ator. Quando «não-fazer» e «fazer» são entendidos respetivamente como «ação
espontânea» e «ação compulsiva» (ou reação) cessa a (aparente) contradição. O
que o «ego» tem de abandonar é o que reflete a ação competitiva e rude, pois o
grande vencedor não está veiculado à competição. A prática da ação espontânea
surge também como um meio para realizar equilíbrio dinâmico yin-yang.
Do que foi dito se infere que temos de trabalhar a «experiência interior», usan-
do também processos científicos de uma «ciência na primeira pessoa». Temos
de descobrir com curiosidade e abertura como os processos mentais condicio-
nam as ações que praticamos no dia a dia, do «fazer», da incapacidade do «abrir
mão». Esse é o ego prisioneiro, o que luta, que se apega, que é dominado pelas
paixões, que enfatiza objetivos intelectuais ou outros, que anda em constante
tensão, que quer sempre mais. Por isso, não tem o verdadeiro poder. Esse é o
ego a abandonar, realizando a mente sem esforço, o «não-fazer»/ação espontâ-
nea. É ter sem possuir, fazer sem contenda, dirigir sem controlar, aceitar o po-
der misterioso nos ciclos de surgimento e cessação, de crescimento e redução,
de força e fraqueza. Isso, é percorrer a Via do Dao.
101
Siquismo
Dharma | Via de Namm (Via de Deus)
Origens
O fundador
105
Guru Nanak teve nove sucessores, o último dos quais, Guru Gobind Singh que
terá sido quem instituiu as práticas religiosas onde constam hinos de Gurus
Sikhs, Hindus, Muçulmanos e Santos Sufi e são cantados enquanto decorrem
os seus rituais meditativos.
106
As Práticas
Sikh Dharma tem uma forma de estar universal e, por isso, Guru Nanak res-
peitava todas as outras formas de adorar Deus. Deste modo, os Sikhs respeitam
todas as fés existentes no mundo, pois, para eles, são vários os caminhos para
se chegar a Deus.
Os Sikhs tentam viver da forma mais aproximada possível do modo como Deus
os fez, pois creem que, se Deus os fez daquela forma, terá sido por uma boa ra-
zão. Assim, nunca cortam os seus cabelos, que têm um papel importantíssimo,
porque é pelos cabelos que flui a energia do Sol que os torna mais inteligentes,
mais conscientes e mais completos. Também a barba no Homem ajuda a manter
o equilíbrio emocional.
Sadhana e Nam Simran Sadhana é a disciplina diária que tem início duas horas
e meia antes do sol nascer.
Durante esse período, chamado Amrit Vela, os Sikhs limpam o seu corpo e
mente, banham-se em água fria e cantam louvores a Deus. Esta fase do início
do dia é essencial, porque, segundo creem, os raios de sol, nesta hora, atingem
a Terra de uma forma ascendente e energizante, sendo que, deste modo, os raios
potenciam a consciência do praticante.
Esta hora do dia é igualmente importante por causa do silêncio que a caracte-
riza, facilitando assim a prática da meditação, longe dos ruídos do quotidiano.
Este primeiro momento é a preparação para a meditação seguinte, que terá
como objeto a meditação sobre o nome de Deus, ou Nam Simran. Nesta me-
ditação, o nome de Deus é entoado inúmeras vezes, de forma a lembrarem a
ligação das suas almas a Deus.
Alguns Sikhs incluem nestas práticas diárias o Kundalini (energia vital primor-
dial) Yoga em busca da cura.
As Nitnem Banis, ou as orações diárias são cinco, têm lugar em horas diferentes
do dia, e são derivadas do Siri Guru Granth Sahib e dos textos do décimo Guru.
Cada oração tem um propósito e significado específicos. Ao respeitarem os
horários das orações, os Sikhs evocam Deus, nas várias horas do dia e noite.
Durante as orações, as suas cabeças e os seus pés estão cobertos, como sinal de
respeito.
Procuram viver com retidão, e compartilham e procuram, igualmente, viver
com amor e bondade, sempre prontos a ajudar o próximo em nome de Deus.
Desde o início que a vida do Sikh tem como base o serviço a todos, o chama-
do Sadh Sangat. Pretende-se que a presença na congregação constitua a pedra
107
angular da experiência espiritual de cada um, sensibilizando-o e despertando-o
para a importância de conceber homens, mulheres e crianças como iguais.
A maioria das ocasiões importantes, quer sejam mais festivas ou de tristeza
são celebradas no Sadh Sangat, desta forma, supera-se o medo da solidão. Este
sistema religioso resultou claramente numa procura crescente de crentes, uma
vez que os seus princípios preenchem espiritualmente os seus membros e cada
um deles encontra apoio na restante comunidade.
O Serviço Abnegado ou Nishkaam Seva é a força da ligação que une a comu-
nidade do Sadh Sangat. É um serviço voluntário sem expetativa de reconheci-
mento pessoal ou de qualquer recompensa. Manifesta-se em incontáveis atos
humildes, veem Deus em cada pessoa. Praticar o Seva é superar o ego e desen-
volver a verdadeira humildade.
O Culto de Adoração ou Gurdwara é o espaço consagrado, é o tempo dedicado
à Sadh Sangat, que pode ser diário ou semanal. Este serviço é um dos acon-
tecimentos mais edificantes para a comunidade, pois possibilita a ascensão do
espírito à Cherdi Kala (ou Alto Astral). Todos são bem-vindos ao serviço do
Gurdwara (Templo) mesmo não fazendo parte da comunidade Sikh, todavia,
todos deverão cobrir as suas cabeças e tirar os seus sapatos.
Guru Ka Langar (Cozinha Livre) é a refeição que é oferecida à comunidade
após o serviço do Gurdwara. A tradição começou com Guru Nanak que acre-
ditava que, sem fome, a aproximação a Deus seria mais fácil. Mas o ritual da
refeição comunitária pretende ir mias longe, pois Guru Nanak com esta prática
aboliu a questão das castas. Todos são iguais naquela refeição, e todos devem
adotar os mesmos procedimentos de cobrir as suas cabeças e retirar os sapatos
naquele momento.
Os Sikhs dão tradicionalmente o dízimo ou Das Vandh, com o objetivo de
apoiar as necessidades administrativas da comunidade. Mas mais que isso cos-
tumam doar grandes montantes de dinheiro, bens e serviços ao Gurdwara, bem
como a cozinha livre, entre outros.
Os Sikhs procuram viver de forma saudável, respeitando e cuidando dos seus
corpos, da mesma forma como devem cuidar das suas almas. É frequente opta-
rem pelo regime vegetariano, e o álcool, o tabaco e as drogas apenas podem ser
utilizados com indicação terapêutica.
108
Ritualística
109
No que concerne ao casamento sikh (Anand Karaj) os noivos devem dar quatro
voltas em redor do Guru Granth Sahib, enquanto entoam um hino religioso.
A cerimónia é conduzida por um homem ou mulher iniciado na Khalasa, que
explica aos noivos os seus deveres matrimoniais.
O casamento é uma instituição sagrada absolutamente essencial para os Sikhs,
pois estabelece o comprometimento de se desenvolverem espiritualmente, com
a ajuda da Sadh Sangat (a companhia do sagrado).
São administrados quatro votos: o primeiro deles, o compromisso de ser fiel à
sua própria alma, ascendendo assim para a conexão com Deus. Por cada acei-
tação de voto curvam-se perante o Siri Guru Granth Sahib e, em seguida, ca-
minham em torno dele simbolizando a sua entrega. No final da cerimónia, são
lançadas sobre o casal pétalas de flores para celebrar o amor.
A indumentária
110
Guru Gobbind Singh criou os 5K dos Sikhs, cujo objetivo é o de fortalecerem
e solidificarem a suas próprias identidades. Sendo que os K, que estão exterior-
mente visíveis são: Kesh (o cabelo e a barba), Kara (pulseira de aço que permite
lembrar a sua entrega a Deus e ao Guru, e nunca ao Homem, localizada no pul-
so, ela lembra o Sikh que nunca deve fazer nenhum mal com as mãos) e Kirpan
(faca cerimonial, quer dizer coragem e autodefesa ou dignidade do espírito); e
os que não são visíveis: Kachcheras (roupa interior, simboliza a castidade) e
Kanga (pente de madeira que é mantido no cabelo, símbolo de limpeza).
É este conjunto de práticas que possibilita aos Sikhs a sua autoridade espiritual
e compromisso para com Deus.
Textos Sagrados
Guru Nanak passou a sua mensagem em forma de música divina e poética, cujo
nome é Shabd Guru. Segundo Guru Nanak, Deus era o seu próprio Guru e a
sua palavra era-lhe diretamente transmitida.
Os versos por ele escritos foram passados para os seus sucessores, sendo que o
quinto sucessor compilou todos os textos no Adi Granth e colocou-os no Tem-
plo Dourado, em 1604.
Todavia, o Adi Granth não foi concluído, pois foram deixadas páginas em bran-
co propositadamente, com o objetivo de serem mais tarde completadas, o que
aconteceu com o décimo Guru, Gobind Singh, que acabou por completar o
Shabd Guru com textos do seu pai e nono Guru Tegh Bahadur, conhecido como
Siri Guru Granth Sahib, sendo que as suas palavras foram tomadas pelos Sikhs
como pertencentes a Deus.
Os Sikhs acreditam que a seguir ao décimo Guru Gobind Singh, que morreu
em 1708, não virá mais nenhum sucessor. Consequentemente, a compilação
de textos Shabd Guru é tratada com o mesmo respeito como se de um Guru
humano se tratasse.
Os Shabds foram criados, tendo como fim o de elevar a consciência daqueles
que os recitam de forma cantada. Eles estão estruturados em 31 secções de
acordo com a Raad (Melodia Tradicional Indiana), tem cerca de 1430 páginas,
com poemas de inspiração divina e estão escritos em diversas línguas.
A utilização da música e da poesia como forma de transmissão destes ensina-
mentos é único entre as religiões de textos sagrados.
111
Locais sagrados
Símbolos
112
Todos estes elementos representam virtudes divinas: criatividade, justiça, li-
berdade, moralidade e espiritualidade, a eternidade e a perfeição, e os poderes
espiritual e temporal.
Celebrações
113
circundam o Templo. São lançados à noite, fogos de artifício que iluminam
todo o céu.
Por fim, em dezembro, celebram o martírio do Guru Tegh Bahadur, honrando o
seu sacrifício para proteger a preciosa liberdade religiosa e os direitos humanos.
O nono Guru foi decapitado em 1675.
114
Paganismo
Neopaganismo / Reconstrucionismo politeísta
Mariana Vital
Paganismo
Origens
Fundadores
O Paganismo não tem uma figura fundadora que funcione como alvo de adora-
ção ou veneração. Devido ao facto do antigo Paganismo ter uma origem pré-his-
tórica, os primeiros protagonistas do início deste caminho religioso perdem-se
nas brumas do tempo. Ainda assim, as várias linhagens e tradições dentro do
Paganismo podem ser seguidas, assim como um ou mais líderes visionários que
fundaram (ou popularizaram) a sua comunidade particular. É, contudo, incor-
reto apontar estas figuras como fundadoras da comunidade pagã, na sua abran-
gência. Estes alguns exemplos de figuras fundantes:
117
Enquanto Gerald Gardner, através do desenvolvimento e adaptação de várias
formas de ritual, compilou e criou novos rituais, divulgando a sua existência ao
mundo externo como a Tradição Wicca, a Doreen Valiente foi a conhecida Alta
Sacerdotisa que escreveu sobre a Bruxaria Tradicional, sendo hoje aclamada
como a autora da Carga/Exortação da Deusa, um dos textos de referência Wic-
can. Frequentemente, a paternidade desta tradição é dada a Gardner, enquanto
a maternidade é reconhecida a Valiente, perfazendo o duo fundador da Wicca.
Michael Harner (1929), por sua vez, lançou a Fundação para os Estudos Xâma-
nicos (Foundation for Shamanic Studies), a instituição que ensina «Xamanismo
puro», uma destilação dos princípios gerais da espiritualidade indígena-mági-
ca-religiosa das culturas tribais por todo o mundo.
Charles Leland (1824 –1903) foi um folclorista americano que reuniu lendas e
mitos com os quais compôs o Evangelho de Arádia, uma obra incontronável na
mitologia do Movimento da Deusa.
Esta rápida lista está, naturalmente incompleta e não se pretende que seja total
ou universal. Muito devido à tendência descentralizada e à ênfase na expe-
riência espiritual pessoal, os protagonistas fundadores do Paganismo ocupam
um papel mais modesto quando comparados com os representantes de outras
tradições com estrutura oficial.
118
Princípios do Paganismo
119
Textos
120
Práticas
Roda do Ano
121
somados aos solstícios e equinócios, perfazem uma Roda do Ano do Ciclo So-
lar, composta por oito festivais:
122
vam religiosamente os equinócios e os solstícios, as tradições mesopotâmicas e
egípcias dividiam o ano em duas grandes estações, guardadas pelos equinócios:
a metade do ano da chuvas e a metado do ano da seca.
Locais
Outros locais conquistam o estatuto sagrado, por parte dos adoradores, devido
à significação histórica, particularmente, no que toca à mitologia ou ao folclore.
Sítios associados com antigos deuses e deusas carregam especial significado.
Árvores notáveis, fontes abundates de água e outras morfologias únicas da Na-
tureza, são reconhecidas, enquanto embuídas de significado, tanto pelo que lhe
é atribuído pelo folclore, pelas tradições locais como o estabelecido pelos pa-
gãos contemporâneos (individualmente ou em grupo/comunidade) que por elas
são atraídos, e nelas encontram ou criam referências de significado espiritual.
123
Um caso particular, em Portugal
Espaço Sagrado
124
Rituais
Muitos adoradores escolhem integrar tradições pagãs nas suas rotinas diárias,
através da configuração de altares pessoais (um ou mais) nas suas casas ou quin-
tais. O altar pessoal pode ser simples ou elaborado; pode estar de acordo com
os parâmetros tradicionais estabelecidos pela comunidade em que se participa,
ou pode ser inovador, de fé ou devoção de expressão individual. O altar pode
funcionar como ponto focal para meditações pessoais, como local de oferenda
devocional aos deuses, ou como altar de trabalho, que pode ser usado em rituais
ou cerimónias. Muitos pagãos incorporam também diversas práticas oraculares
(como Tarot, Runas, Ogham, etc.), frequentemente, arrumadas nos altares (quer
com o intuito de sacralização do objeto oracular, quer como local de trabalho
oracular). Como os pagãos costumam resistir à ideia de que a espiritualidade
está, de alguma forma, desligada do resto da vida, qualquer atividade pode ser
entendida como parte de uma prática espiritual. Acampar, passear, jardinar, fo-
tografia natural, desenhar ou outra procura criativa, a prática de herbalismo ou
o uso de óleos essenciais, confecção de incenso, preparação e uso de mezinhas
e panaceias tradicionais, estes são exemplos de muitas práticas que podem ser
incorporadas na vida quotidiana com o claro reconhecimento do significado
espiritual de que são imbuídas. Cabe ao pagão a responsabilidade última sobre
o investimento e caminho escolhido no seu desenvolvimento espiritual.
Símbolos no Paganismo
125
Organizações pagãs
126
mesma tribo/clã), estes adoradores, geralmente, aceitam e defendem os valores
da democracia liberal, que lhes garante, à partida, a liberdade de expressão, de
pensamento e de culto que privilegiam.
Paganismo e género
Quando a Wicca Gardneriana surgiu (em 1950), foi considerada extrema no seu
uso explícito de simbolismo erótico nos rituais – outras formas de Wicca, Bru-
xaria e ainda outras tradições naturais, não seguem sempre a regra de trabalhar
Skyclad (nu) ou desenvolver outras formas de expressão sexual ritualística –,
mas tornou-se emblemática a sua irreverente atitude positiva (e libertadora), em
relação à sexualidade, que caracteriza, ainda hoje, o Paganismo. E, apesar de
muitos adoradores pagãos tenderem a adoptar estilos de vida mais alternativos,
geralmente, são aceites na comunidade pagã, sem necessidade de se esconde-
rem ou desculparem pelas escolhas dos seus originais ou ousados estilos de
vida.
Factos interessantes
127
Judaísmo
Paulo Mendes Pinto
Judaísmo
Judaísmo reconstrucionista;
131
Princípios básicos da fé judaica
A ideia de Divindade
A noção de pertença
A Lei Judaica, a partir da época do Talmude, considera judeu todo aquele que
nasceu de mãe judia ou se converteu de acordo com a Lei Judaica. (Recen-
temente, os seguidores da Reforma Americana e do Reconstrucionismo têm
incluído também as crianças nascidas de pai judeu e mãe gentia, desde que
educadas de acordo com a religião judaica.)
Um judeu que deixe de praticar o Judaísmo e se transforme num judeu não-pra-
ticante continua a ser considerado judeu. Um judeu que não aceite os princípios
de fé judaicos e se torne agnóstico ou ateu também continua a ser considerado
judeu, com certos limites comunais.
No entanto, se um judeu se converte a outra religião perde o lugar como membro
da comunidade, transformando-se num apóstata. Apesar deste rótulo, e embora
a pessoa esteja fora da comunidade judaica e tenha ideias religiosas diferentes,
aos olhos das autoridades em Lei Judaica, essa pessoa continua a ser judia.
132
Ritualidades e passagens
O Judaísmo, mais que uma religião para quantos nascem no seu seio, consti-
tui elemento indispensável de identidade, e, por este facto, a ritualização das
diversas fases da vida reveste-se de um grande peso, assinalando-se especiais
momentos desta pertença:
• Nascimento
• Maioridade religiosa
133
Para os rapazes, a partir desta maioridade religiosa, passam a contar para o
minian (o quórum) dos 10 homens necessários para a oração colectiva. Na ce-
rimónia de Bar Mitzvá, o jovem procede à leitura pública da Torá, na sinagoga,
e – em certas comunidades – põe os Tefilim (filactérios). Os Tefilim são duas
pequenas caixas cúbicas com correias de cabedal que se colocam na fronte e no
braço esquerdo perto do coração, e que contêm quatro passagens do Êxodo e
do Deuteronómio, em pergaminho, lembrando a saída do Egipto e afirmando a
principal oração e profissão de fé judaica – o Shemá: «Ouve, Israel, o Eterno é
o nosso Deus, o Eterno é Uno.»
• Casamento
No mundo judaico, o casamento é uma etapa desejada, tida como natural con-
tinuidade do Génesis e da ordem de crescimento e multiplicação dada a Adão e
Eva. Esta religião não favorece nem pratica o ascetismo e a mortificação, razão
pela qual não há apelo a uma recusa face ao casamento. Mais, segundo a visão
cabalista, a alma que desce dos céus é composta por duas partes, uma masculi-
na e outra feminina, que se separam e vão habitar corpos diferenciados, com a
missão e plenitude concretizadas no reencontro do casamento, em que voltam
a completar a unidade de origem. O casamento é, assim, uma forma de parti-
cipação, quer do homem quer da mulher, no equilíbrio e dinâmicas do cosmo.
Por outro lado, e a nível social, o casamento é da maior importância, na medida
em que é através da célula familiar (mais ou menos alargada) que se processa a
transmissão cultural e religiosa, com especial empenho da mulher.
Olhando para a mulher, o casamento é feito por acordo mútuo e pode dar lugar
ao divórcio, previsto na Bíblia – apesar do seu peso e importância, o casamento
não é um sacramento. Contratualmente, o casamento é marcado por um contra-
to, a Ketubá, instituição legal estabelecida na época da Mishná que se destina-
va, numa sociedade patriarcal, à protecção dos direitos da mulher.
134
• Morte
Calendário
Calendário luni-solar (começou no ano 3761 a.EC), tem 354 dias, nos anos
comuns (12 meses), ou 385 dias, nos anos embolísmicos (13 meses):
135
7. Nissan [30 dias] 10. Tamuz [29 dias]
8. Iyar [29 dias] 11. Av [30 dias]
9. Sivan [30 dias] 12. Elul [29 dias]
Festas e celebrações
Purim (14 Adar). Festa que lembra a ação de Ester, esposa judia do rei
persa, em favor do seu povo.
136
Shivá Assar Betammuz (17 Tamuz). O período entre 17 Tamuz e 9 Av
é de luto. Pede-se o perdão das faltas e pede-se a Deus a reconstrução
do Templo destruído. Implora-se também pelo descanso das almas dos
judeus mortos, durante o holocausto.
Símbolo
137
fica e outra mais espiritual. No que respeita à primeira vertente, temos toda
uma narrativa que trata um movimento que leva um grupo humano reduzido,
originário da Mesopotâmia, até Canaã, com posterior deslocação para a Babi-
lónia e, por fim, espalhado numa diáspora que dura até aos dias de hoje; no que
concerne à segunda vertente, é-nos apresentado um outro caminho, no sentido
da construção da ideia de um Deus universal, Uno e Único, caminho esse que é
prenhe de vicissitudes, atrasos e lutas internas, até se estabelecer, entre a gene-
ralidade da população e das autoridades, essa ideia de divindade.
Neste sentido, o Judaísmo é, acima de tudo, uma religião de construção de
memória e de memórias. Locais, personagens e momentos são especialmente
importantes na construção desta identidade.
Com Abraão, numa visão histórica do colectivo, são lançadas as bases da reli-
gião de Israel. Um grupo familiar, alargado e seminómada, faz um percurso que
vai desde Ur, na Mesopotâmia, até Canaã, passando por Harran, na atual Tur-
quia, e pelo Egito. É com este grande patriarca que nasce, na narrativa do livro
do Génesis, a história nacional de Israel, com ações que conduzem diretamente
ao estabelecimento da referida identidade colectiva pela memória colectiva.
Com Abraão e sua mulher Sara é estabelecida a primeira Aliança com Deus,
claramente familiar, que lhe promete uma descendência imensa com posterior
instalação em Canaã.
Da geração de Abraão resultam os dois outros Patriarcas mais conhecidos dos
textos bíblicos: Isaac, pedido por Deus a Abraão em sacrifício, para lhe testar a
sua fé, e Jacob, que, em consequência de um misterioso combate com um en-
viado de Deus a que resiste, recebe o nome de Israel. Continuando a construção
da identidade comunitária, Israel passará a ser o nome dos 12 filhos de Jacob,
que dão origem às doze tribos, estrutura colectiva do Povo de Israel.
A metáfora do Egipto
138
do episódio de José. Mas, no livro do Êxodo, a situação que é descrita de forma
totalmente oposta. Esta nova situação, que teve de ser resolvida por Moisés,
era de escravatura e de sofrimento. E, aqui, está o dado mais importante: o so-
frimento era colectivo. No tempo dos Patriarcas, temos um grupo familiar que
é cada vez maior, mas não deixa de ser familiar. O que o texto do Êxodo nos
mostra já é uma realidade totalmente diferente: um grupo com uma identidade
nacional. E vários fatores surgem ao longo da experiência do Egipto e do Sinai
que reforçam a unidade do colectivo:
Instalação em Canaã
139
é neste momento, mais que autorizado por Deus, por Ele próprio comandado,
que nasce a aliança entre um povo e um território. Mas esta aliança, entre um
Deus, um Povo e um Território ganha uma maior complexidade e força porque
a estes três elementos acrescenta-se um quarto: a Lei, especificamente, com
as prescrições do Deuteronómio. A legitimação da presença do Povo na Terra
Prometida advém-lhe do cumprimento do que lhe fora estabelecido nesse livro
central da Torah.
Monarquia
140
Fim dos reinos de Israel e de Judá
Os Macabeus
141
A destruição do Templo por Tito
142
Tiberíades, uma cidade sem a história das grandes cidades bíblicas, assumirá
a importância de quase cidade santa para os judeus, porque a ela se acolheu a
maioria dos judeus de Jerusalém, após a rebelião de Bar Cochba, transforman-
do-se, por esse facto, num grande centro espiritual religioso e intelectual.
A Mishná (tradição oral da Torah) foi ali compilada, por volta do ano 200. Em
fins do século IV, foi também ali terminado o Talmude de Jerusalém. E Flávio
Joséfo, autor de diversas obras essenciais para a compreensão da história dos
Judeus, foi também Governador de Tiberíades, na última década do primeiro
século.
No início do domínio otomano, por volta de 1560, o sultão Solimão, o Magní-
fico, ofereceu a cidade de Tiberíades e seus arredores a uma judia portuguesa,
Grácia Nasi, a herdeira da poderosa família Mendes Benveniste, que a recons-
truiu. Voltaria, porém, a ser destruída em 1837, mas desta vez por um terramoto.
A Cabala
143
assim, a metodologia de interpretação desses significados ocultos. Muito de-
senvolvida a partir do século XIII, com escolas e grandes mestres, esteve mui-
tas vezes em oposição ao Talmude, como forma e autoridade na organização
das comunidades.
Desde o final do século XIX que a Cabala também tem sido estudada como um
complexo sistema racional de compreensão do mundo, mais do que um sistema
místico. Actualmente, os estudiosos diferem na legitimidade de aplicação do
vocábulo cabala a todos os movimentos místicos, desde o século I, anteriores
aos séculos V/VI, e mesmo ao horizonte actual da chamada cabalística.
A centralidade de Jerusalém
Jerusalém é, sem dúvida, a cidade mais estudada do mundo. Cidade Santa para
três religiões denominadas abraâmicas: Judaísmo, Cristianismo e Islão.
Para o mundo judaico, Jerusalém é o centro dos centros, a base do quase-mítico
reino de David e Salomão, o local onde se centrou o culto no Templo de Jeru-
salém, o local onde todas as instituições políticas e religiosas da sua cultura ti-
veram sede. Os judeus ortodoxos aguardam ali a vinda do Messias, para darem
início à reconstrução do Templo.
A história da cidade diz-nos que, apesar de ser considerada sagrada, foi simulta-
neamente cidade de ódio, de desolação e de guerra. Esteve cercada mais de 50
vezes, conquistada por 36 ocasiões e destruída em 10 delas.
A nível estratégico, a cidade de Jerusalém não indicia ter tido lugar de destaque.
Não se trata de um local colocado na linha das ricas rotas de comércio entre
o Egito e a Ásia; não é uma cidade costeira que domine alguma plataforma
comercial; não tem território agrícola rico; não detém poder sobre zonas meta-
lúrgicas de monta.
Arqueologicamente, os mais antigos vestígios de ocupação humana parecem
datar de meados do quarto milénio a.EC e encontram-se na colina sudeste, por
cima da única nascente perene da cidade, Guihon, o que foi essencial para a
fixação inicial das populações. Até ao século VIII a.EC só essa colina terá sido
habitada.
Desta forma, a cidade seria bastante pequena, em especial se comparada com
outras importantes cidades da época. Não ocuparia uma superfície superior a
12ha, e a sua população nunca ultrapassaria em muito os 2000 habitantes.
144
O seu nome poderá, segundo a hipótese mais aceite, ser um nome teofórico
(com base no nome de uma divindade) que significaria «fundação de Salém»,
sendo Salém uma divindade astral de Canaã (atestada na cidade de Ugarit, nos
séculos XIV-XIII a.EC), do campo funcional da Vénus latina. Biblicamente, o
nome surge no Génesis, ligado ao percurso de Abraão: «Melquisedec, rei de
Salém, trouxe pão e vinho e, como era sacerdote de Deus Altíssimo, abençoou
Abraão» (Gn 14,18).
Até aos séculos XI/X a.EC, a cidade esteve na órbita do poder do Império Egíp-
cio. Assim o atestam os mais antigos textos em que o nome da cidade é referido:
os chamados «textos de execração» (séculos XIX-XVIII) e a correspondência
diplomática de Amarna, a capital do faraó Akenaton (Amenófis IV).
Segundo os relatos bíblicos, obviamente, entre a realidade e a mitologia, cons-
truída posteriormente para ser imagem de uma época de perfeição, de auge, de
sublimação, a cidade fora conquistada por David que dela fizera a sua capital
(2Sm 5,6-9), por volta de 1000 a.EC.
No centro simbólico da cidade está o Templo, atribuído a Salomão (1Rs 5,15-
8,66), monarca que seria catapultado para a posteridade, como exemplo bíblico
da Sabedoria. De facto, toda a construção teológica de Javé se encontra profun-
damente ligada às descrições e memórias míticas das figuras destes reis e do
seu tempo: um monarca e uma dinastia, o seu palácio, sede de poder; um Deus,
ligado à casa real; e um Templo, dedicado ao Deus na mesma cidade, sede do
poder real.
Jerusalém teve um crescimento significativo a partir de fins do século séculos
VIII a.EC. Esse crescimento deve-se, em grande medida, à ruína do reino de
Israel, anexado à Assíria em 722/721. De facto, a queda de Israel terá levado
à movimentação de muitas populações em fuga para a cidade capital de Judá.
As primeiras muralhas da cidade datam do século séculos XVIII a.EC, mas é
da época deste crescimento o pano que já cercaria uma extensa superfície para
além da colina inicial. É também desta época de crescimento, do reinado de
Ezequias, a construção do famoso túnel com cerca de 533 metros para ir buscar
água para um reservatório dentro das muralhas, a chamada «Piscina de Siloé»
(2Rs 20,20).
Em 597/6 e 587/6, Jerusalém foi conquistada pelos Babilónios, sendo destruída
na segunda investida. Uma parte da sua população foi deportada para a Babi-
lónia que, desde essa data, nunca mais se livraria de ser a magna metáfora da
negação, do inverso da cidade sagrada. A cidade regressava à sua dimensão da
colina inicial, perdendo população e riqueza.
145
Nos séculos seguintes, o domínio sobre a cidade é uma constante altercação
com as forças hegemónicas da região: os Persas, Alexandre Magno, os Lágidas
ou Ptolomeus (governantes do Egipto), e, depois, os Selêucidas, com capital em
Antioquia da Síria, até 135 a.EC, voltando ao domínio judaico com a família
dos Asmoneus, até 63 a.EC, e caindo, a partir desta data, no domínio romano.
Em 129-130, o imperador Adriano visitou a cidade e decidiu-se pela sua re-
construção, segundo um plano latino, completamente novo. A cidade foi re-
baptizada de Aelia Capitolina. Porém, a reconstrução não começou logo, pois,
em 132, inicia-se a revolta judaica encabeçada por Bar Cochba, que durará até
135. Como consequência desta segunda revolta, o imperador Adriano ordenou
a interdição dos judeus habitarem a cidade.
Em 324, o imperador Constantino decide que a cidade deve regressar ao seu
nome antigo de Jerusalém, talvez influenciado por sua devota mãe cristã, Santa
Helena. Começaram as construções em memória dos locais de passagem de
Jesus, as igrejas para os peregrinos, as hospedarias, os mosteiros.
A peregrinação a Jerusalém torna-se num quase dever do cristão abastado e
letrado. É deste período bizantino da cidade que data o texto de Hegéria, uma
cristã oriunda da Península Ibérica, que é umas das mais importantes fontes
para se compreender a cidade e os ritos cristãos da época.
Em 614, os Persas conquistam a cidade aos Bizantinos. Por pouco tempo, po-
rém, pois em 617 são os próprios Persas que a devolvem aos cristãos, fruto do
poder que estes detinham no Império. Logo depois, em 622, torna à esfera de
Constantinopla, e, em 629, regressam as relíquias e os prisioneiros levados em
614, entre as quais as da Santa Cruz.
Miticamente, e enquanto ponto ordenador do universo, durante toda a Idade
Média, as representações do mundo, planisférios, colocam o centro em Jerusa-
lém. Reminiscência dessa atitude de nela se ver o centro terreno, numa visão
teológica e simbólica do espaço, encontra-se a palavra «orientar», procurar o
Oriente, que usamos como a caracterização da ação de saber onde estão os nos-
sos referenciais de espaço.
Desde esses recuados tempos que a luta entre os três monoteísmos teve, nessa
cidade simbólica, o seu principal palco.
146
Textos sagrados do Judaísmo
Lei de Israel
147
shebéal pé) complementares, pois a Tradição oral não é mais do que a explici-
tação e a transposição para a vida dos ensinamentos colhidos da Tora.
Por efeito da diáspora judaica, depois da destruição do Templo, no ano 70, a
autoridade rabínica sentiu necessidade de fixar, de forma escrita, toda a Tradi-
ção Oral, a fim de a preservar. Para o efeito, e sob o impulso do Rabi Yehuda
HaNasí, o Presidente (séculos II-III), presidente do tribunal rabínico, patriarca
dos Judeus palestinos e descendente directo da Casa de Hilel, o Velho (século I),
foi feita a recolha, compilação e fixação escrita dos textos dos tanaítas (mestres
e doutores da Lei que ensinavam a memorização pelo método da repetição).
Esse trabalho ficou concluído, ainda em vida do Rabi Yehuda, entre os anos
170 e 220, e, rapidamente canonizados, passaram a ser aceites e difundidos por
todas as comunidades judaicas da Palestina e da diáspora, constituindo-se como
única base de estudo autorizado.
A Mishná está organizada em seis grandes Ordens: Sementes (em que se reú-
nem as bênçãos, as orações e as súplicas), Festas (que tratada importância do
Sábado e das celebrações e comemorações festivas), Mulheres (onde se reú-
nem todas as prescrições relativas aos deveres, direitos e relações das e com as
mulheres), Danos (reúne todos os aspectos da vida social e pode considerar-se
como o autêntico código de direito civil), Coisas Sagradas (onde se apresentam
todas as disposições concernentes à vida do Templo, celebrações litúrgicas e
sacrifícios), Purezas (que trata das questões ligadas às impurezas e às purifica-
ções, tanto das pessoas, como dos animais ou dos objectos).
Os estudos resultantes deste texto, recolhidos nos diversos centros e escolas ju-
daicas formam o corpo denominado Guemará, que, juntamente com a Mishná,
constituem o Talmude, de que existem duas versões: o Talmude de Jerusalém
ou Palestino, formado nos séculos III-IV, que foi editado pelo Rabi Yochanán;
e o Talmude Babilónico, dos séculos III-V, pelo Rav Ashi e Ravina.
Os textos do Guemará distinguem-se, pelos seus diferenciados conteúdos, em
Hallaká (doutrina legal, com explicitação e interpretação da Lei, pelos rabis e
escolas judaicas) e Haggadá (narrações, parábolas, ensinamentos e exortações
edificantes, de fundo espiritual ou moral).
148
Antiguidade da presença em Portugal
Abdias, um dos chamados Profetas Menores, pelo escasso tamanho do seu tex-
to, 21 versículos apenas, deve ter escrito depois de 586 a.EC, isto é, posterior-
mente à destruição de Jerusalém, na época de Nabucodonosor.
Desde muito cedo, esta realidade designada por Sefarad foi identificada com a
Península Ibérica. De facto, não podemos saber desde quando existiram judeus
no território peninsular, mas podemos dizer, com certo grau de segurança, que
isso terá acontecido muito cedo, logicamente antes do domínio romano, aquan-
do da grande expansão comercial dos fenícios. O século VI a.EC, apesar de
muito anterior aos vestígios materiais mais antigos, ganha contexto que o torna
viável, enquadrado no comércio fenício.
Logicamente, por proximidade geográfica, os primeiros assentamentos, ar-
queologicamente atestados, tiveram lugar na costa mediterrânea da Península.
Livres ou escravos, a importância das comunidades judias foi crescendo de tal
modo que, no início do século IV EC, no Concílio de Elvira, já existem medidas
contra a proximidade entre judeus e cristãos, por os primeiros poderem levar os
segundos a judaizar.
149
Em Portugal, na cidade de Mértola, e para data pouco posterior, existe testemu-
nho arqueológico da presença judia, através de uma lápide funerária conserva-
da no Museu da basílica paleocristã, datada de 482.
Tradicionalmente considerada a mais antiga marca material da presença judia
em Portugal é, contudo, possível, que um outro artefacto, provavelmente, pro-
veniente da cidade romana de Ammaia, constitua um dos testemunhos arqueo-
lógico mais antigos para a datação da presença judaica não só em Portugal, mas
em toda a Península Ibérica.
Trata-se de uma pequena peça glíptica, uma pedra de anel, que deve ter sido
encontrada nas ruínas da referida cidade (em pleno Alto Alentejo, não longe
de Marvão), datável do século II EC. Uma das peças, com a representação
do Menorah, parece demonstrar, por si só, a existência de uma comunidade
judaica nesta cidade romana, pelo menos, a de um judeu, entre os séculos II e
IV EC – para além do Menorah, outros elementos de claro e directo simbolis-
mo judaico estão representados: o Shofar (chifre de carneiro), que era tocado
nas cerimónias do Templo, no Dia de Ano Novo (Rosh Hashana) e no Dia do
Perdão (Yom Kippur); o Ethrog (limão), um símbolo da fertilidade, já que a sua
árvore produz fruto durante todo o ano, e, por outro lado, por ter bom sabor e
bom cheiro, representa a pessoa com sabedoria e boas acções; e o Lulav (pal-
ma), um símbolo da vitória (como a que os Judeus haviam obtido frente aos
Gregos, segundo o Livro dos Macabeus).
O III Concílio de Toledo (realizado em 589 e presidido por São Leandro de Se-
vilha, em que se converteu Recaredo), marcou a primeira grande perseguição,
a primeira fase de intolerância dos cristãos.
Já antes, Severo, bispo de Maiorca, em carta datada de 418, fornece um impor-
tante relato da conversão forçada a que foram obrigados os judeus da Menorca.
Entre muitas e sanguinárias lutas que então ocorrem, como súmula final, Seve-
ro assegura ter ganho quinhentas e quarenta almas judias para ao seu rebanho.
A consolidação de um espaço onde, apesar de tolerados, os judeus não tinham
a totalidade dos direitos dos cristãos, dá-se com o primeiro código visigótico, a
Lex Romana Visigothorum, promulgado em 506. Este código excluía os judeus
dos cargos públicos e proibia os matrimónios entre cristãos e judeus. Estes,
eram ainda inibidos de possuir escravos que fossem cristãos, para além de os
proibir de construir novas sinagogas.
Pouco depois do referido Concílio de Toledo, Sisebuto lançava uma das mais
duras ofensivas contra os judeus. No ano de 612, meses depois de subir ao
trono, este monarca promulgava um código em que abolia todas as formas de
150
possível dependência de cristãos em relação aos judeus, dando incentivos para
a conversão ao Cristianismo, com a obrigação de receber uma educação cristã
todo o filho de judeu ou judia com algum cristão. Ficava totalmente proibida
toda a actividade prosélita que tentasse conduzir os conversos à sua religião
anterior, o Judaísmo, actividade punida com a morte.
Nos séculos seguintes, vários outros monarcas regressam a este espírito perse-
cutório em que o Judeu seria sempre tido como um estranho numa sociedade
que não era a sua. Confisco de bens, baptismo forçado, proibição de circulação,
serão medidas recorrentes num mundo que, pela luta contra o Islão, que a partir
de 711 se impõe, é cada vez mais cristão exclusivista. Numa Europa que se irá
confundir com a ideia de «Cristandade», qualquer que fosse a minoria religiosa,
ela implicaria, faria recair sobre si, as mais funestas consequências dessa sua
diferença. No século VI, os arianos são dizimados, mais tarde, serão os cátaros;
a luta contra o sarraceno, o inimigo externo, será uma constante; dentro de mu-
ros, nas próprias cidades, havia o inimigo interno, o judeu. Por definição, tudo
o que era diferente deveria ser banido.
Em 711, a Península Ibérica entra numa fase de domínio muçulmano e de sig-
nificativa acalmia nas relações entre religiões e culturas.
A expulsão de 1496
151
no exterior das suas vestes uma estrela vermelha de seis pontas do tamanho de
um selo régio de cera, sob pena de prisão e perda das roupas. No auge das lu-
tas que, em Portugal, decorrem nos anos de 1383-1385, a populaça de Lisboa,
ávida da pilhagem inevitável e, talvez também, movida por algum sentimento
anticastelhano, decide entrar pela judiaria, com o pretexto de algumas figuras
de destaque da comunidade judaica estarem ao lado de D. Leonor. Apenas a
intervenção do Mestre de Aviz conseguiu minimizar os estragos.
As décadas seguintes seriam de aparente acalmia, mas de um sossego que se
viria a revelar bastante perigoso. Nos reinos vizinhos, e no seguimento des-
ta fase de crescente intolerância, dá-se a chamada Disputa de Tortosa (1413-
1414). O converso Jerónimo da Santa Fé redigiu um conjunto de midrashim
que ofereceu, em agosto de 1412, ao papa Bento XIII – aliás, o antipapa Pedro
de Luna. Com base nesse documento, o Papa lançava uma discussão que pre-
tendia mostrar aos judeus ainda não convencidos a abraçar o Cristianismo, que
o messianismo de Cristo estava já indicado no Antigo Testamento. As pressões
são muito grandes e muitos judeus abraçam o Cristianismo, tornando-se no
grande e influente grupo social dos conversos.
A futura verificação de que, apesar de baptizados, estes conversos mantinham,
muitas vezes, as antigas práticas judaicas, será um dos principais argumentos
para justificar e desejar a instalação da Inquisição em 1478.
Na década de oitenta, poucos anos antes da expulsão, uma parte da cobrança
de impostos em Castela ainda estava nas mãos de judeus. Numa época de con-
flito, esta situação viria a aprofundar desconfianças e ódios. O peso dos judeus
nos empreendimentos dos Descobrimentos castelhanos e portugueses era muito
grande.
Neste quadro, dá-se a expulsão de 1492. Sabemos que muitos dos judeus dos
reinos vizinhos passaram para Portugal. Terá decorrido uma negociação espe-
cial com D. João II para a instalação de seiscentas famílias judias. Terá existido
ainda a negociação de aplicação mais corrente para a passagem da restante
turba de judeus espanhóis.
Os pagamentos foram elevados (mesmo no caso em que a autorização de resi-
dência era apenas de oito meses), e os números de entrada terão rondado os cem
mil. Muitos foram obrigados a partir, no fim do prazo negociado, mas muitos
foram ficando, sendo baptizados de forma forçada por ordem de D. Manuel,
após a édito de expulsão a que possivelmente fora obrigado por acordos do seu
casamento com a princesa filha dos Reis Católicos.
152
Tornados cristãos por um baptismo forçado, os judeus portugueses foram fu-
gindo, ao longo dos dois séculos seguintes, mantendo alguns, na medida do
possível, práticas criptojudaicas, que a Santa Inquisição, instalada em 1534, se
foi encarregando de reprimir.
153
A comunidade de Lisboa
154
minorias religiosas e num ambiente europeu antissemita, de Moisés Amzalek,
presidente da comunidade durante várias dezenas de anos.
A comunidade de Belmonte
A comunidade do Porto
A Comunidade do Porto foi criada, em 1923, pelo capitão Barros Basto, ele
próprio um marrano convertido ao Judaísmo, em 1920. Com o impulso apai-
xonado do chamado Apóstolo dos Marranos, foi lançado um importante mo-
vimento de «resgate» de marranos, tendo sido criadas, sob a sua iniciativa,
comunidades e sinagogas em alguns dos principais centros de criptojudaísmo:
Bragança, Covilhã, Fundão…
No Porto, Barros Basto conseguiu construir, em 1938, a Sinagoga Mekor Haim
(Fonte da Vida), uma escola, um instituto teológico e um jornal, o Halapid (o
Facho), que se publicou ao longo de 30 anos. Republicano e conhecido oposi-
tor de Salazar, foi acusado de fazer proselitismo junto dos cristãos, tendo sido
afastado do Exército, vítima de uma denúncia por atentado à moral.
A Comunidade do Porto, que, para além dos seus membros de origem cristã-no-
va, conta com uma pequena presença de origem marroquina e da Europa Cen-
tral, é composta por refugiados da Segunda Guerra Mundial que conseguiram
permanecer em Portugal.
155
Zoroastrismo
Masdeísmo
Mariana Vital
Zoroastrismo
Masdeísmo
1
Ahura-Mazda (deus supremo do Mazdeísmo dos povos iranianos e que foi religião oficial do
Irão, no século iii) aparece manifesto na condição tríade de Supremo, Universal e Omnipresente.
O símbolo sagrado que lhe está associado é o Fogo. Este elemento simbólico, porém, é conside-
rado, por muitos autores, como reminiscência de cultos politeístas anteriores ligados ao culto de
Mitra e mesmo do Magismo persa (adoradores do Fogo), mas ainda prevalecente, em fronteiras
próximas de algumas tradições hindus.
2
Spenta Mainyu (espírito do Bem – verdade, bem-fazer, sabedoria, que protege e sustém toda a
Criação e, em alguns passos tardios é mesmo identificado com o Deus Supremo) e Angra Mainyu
(espírito do Mal – mentira, ganância, ira, inveja, que investe para destruir), segundo uma versão
mais antiga do mito, seriam dois irmãos gémeos, filhos de Ahura-Mazda, que, desde toda a eter-
nidade, se combatem.
159
Origem do Zoroastrismo
160
História do Zoroastrismo
Pouco se sabe sobre esta religião e a sua história, pelo menos até 549 a.EC,
quando os Persas, liderados por Ciro, o Grande, da família Aqueménida, con-
quistaram o Oeste do Irão e fundaram o primeiro Império Persa. Os Aque-
ménida eram uma família zoroastriana, devota e muito tolerante para todas as
religiões, inclusive, como se encontra na Bíblia, foi durante esse reinado que os
Judeus foram libertados do exílio da Babilónia, e puderam retornar a Jerusalém.
E, devido a essa boa vontade e ao favor que gozavam de Ciro, os Judeus acaba-
ram por incorporar e assimilar muitas crenças e práticas zoroástricas.
Mas, em 331 a.EC, Alexandre, o Grande, conquistou o Império Aqueménida,
e, sob o seu governo opressivo, muitos sacerdotes zoroastras foram mortos e os
textos sagrados foram queimados. Felizmente, os Gathas (parte mais antiga e
venerada do Avesta, cujos 17 capítulos se acredita serem da autoria do próprio
Zoroastro), sobreviveram.
A Alexandre sucedeu o reino dos Selêucidas, em 311 a.EC, e, por sua vez, a
estes sucederam-se os Arsácidas (247 a.EC até 224 EC), que eram seguidores
do Zoroastrismo. Entretanto, em 224, o poder foi tomado pelos Sassânidas que
haveriam de prevalecer até à chegada do Islão, em 651. Introduziram várias
mudanças na área religiosa, e assenhorearam-se do controlo religioso da so-
ciedade, transformando o Zoroastrismo na religião de Estado com exclusão de
todas as outras.
Com a chegada dos muçulmanos árabes, sucederam-se as perseguições de na-
tureza religiosa com conversões forçadas ao Islão, foram queimadas as biblio-
tecas e foi praticamente erradicado o Zoroastrismo, cujos seguidores passaram
a minoria em clandestinidade, tendo muitos deles fugido para a Índia, onde se
estabeleceram, ficando a ser conhecidos por Parsis.
Doutrina
161
ciência, omnipotência, omnipresença, imutabilidade, ser criador de tudo e ser a
fonte de toda a bondade e felicidade no mundo. No Zoroastrismo apenas é pra-
ticada a adoração e o culto a Ahura Mazda. Zoroastro, não sendo alvo de culto,
é, porém, fonte inspiradora para o seguimento e guia no caminho autêntico da
verdade e da retidão. A ordem natural, marcada pelo bem e pela justiça (asha),
encaminha os homens e as mulheres para Deus.
Outro conceito religioso que o Zoroastrismo apresenta é o dos Amesha Spentas
(Imortais Beneficentes), que podem ser entendidos como emanações ou aspe-
tos de Ahura Mazda. Nos Gathas, os seis Amesha Spentas são apresentados de
uma forma bastante abstrata; séculos depois, porém, eles serão apresentados
com a elevada estatura de divindades (ainda que inferiores a Ahura Mazda).
Cada Amesha Spenta é associado a um aspeto da criação divina, sendo, simul-
taneamente, atributos de Ahura Mazda, e é, através deles, que os seres humanos
acedem ao conhecimento de Deus. São assim caracterizados:
162
plano interno de cada pessoa, como a escolha que cada um deve fazer entre o
bem e o mal, entre uma mentalidade evolutiva e uma mentalidade estagnada.
Textos religiosos
163
profeta de Deus, não ser alvo de particular veneração. Zoroastro é, para o Zo-
roastrismo, o caminho através do qual, seguindo os seus ensinamentos, os seres
humanos se aproximam de Deus e da ordem natural do bem e justiça (asha).
Sacerdócio
Locais de culto
164
sândalo purificado. Recitam também orações perante o fogo com a boca tapada
por um tecido, de modo a não contaminarem o fogo.
Atualmente, os templos de fogo mais importantes do Irão e da Índia mantêm
uma chama de fogo sagrado a arder perpetuamente.
Templos do fogo mais importantes para Zoroastrismo:
Rituais
165
esfregados um contra o outro. O lenço é, então, cosido, simbolizando a união do
casal. As festas do casamento podem prolongar-se por três a sete dias.
Práticas funerárias
Os zoroastrianos acreditam que o corpo humano é puro e não algo que deva ser
rejeitado. Quando uma pessoa morre, o seu espírito deixa o corpo num prazo
de três dias e o seu cadáver é considerado impuro. Uma vez que a natureza é
uma criação divina marcada pela pureza, não se deve poluí-la com um cadáver.
Na prática, esta crença implicou que os cadáveres dos zoroastrianos não fossem
enterrados, mas colocados ao ar livre para serem devorados por aves de rapina,
em estruturas conhecidas como torres do silêncio (dakhma).
Após a morte, um cão é trazido perante o cadáver, num ritual que se repete seis
vezes por dia. No quarto onde se encontra o cadáver, arde uma pira de fogo
ou velas, durante três dias. Durante este tempo, os vivos evitam o consumo de
carne.
Os participantes no funeral vestem-se todos de branco, procurando evitar-se
o contacto direto com o defunto. O cadáver (sem roupa) é, então, depositado
numa torre do silêncio. Depois de as aves terem consumido a carne, os ossos
são deixados ao sol, durante algum tempo para secarem.
Por motivos vários (relacionados, por exemplo, com a diminuição da população
de aves de rapina ou com a ilegalidade desta tradição em alguns países), esta
prática tem sido abandonada por zoroastrianos residentes em países ocidentais
e até mesmo no Irão e Índia, optando-se pela cremação.
Celebrações
166
• Qadimi (este último, o menos utilizado de todos).
167
Cristianismo
Paulo Mendes Pinto
Cristianismo
Centro da crença
Jesus
Do hebraico Yeshua, Jesus é o nome próprio daquele que está na base da reli-
gião cristã. Contudo, a religião que Jesus originou tomou o nome do seu «epí-
teto» funcional, Xristos, em grego, uma tradução da ideia judaica de Messias.
Da biografia de Jesus poucos dados históricos se possuem fora dos textos do
Novo Testamento. Terá nascido durante a vida de Herodes, o Grande, que os
Romanos haviam designado para governar a Judeia. Por tradição, o ano 1 cor-
responde ao do nascimento de Jesus. Porém, os cálculos antigos estão errados,
como se confirmou, posteriormente: Herodes morreu no ano 4 a.E.C. e Jesus
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terá nascido até cerca 3 anos antes. Os festejos do Natal, a 25 de dezembro, que
celebram esse acontecimento, são relativamente tardios e representam a cris-
tianização das festas em torno do Solstício de inverno, a 21 de dezembro, que
cultuavam o Sol Invicto e o nascimento de Mitra.
Seguindo os Evangelhos, Maria foi a mãe de Jesus. Com José, pai adotivo de
Jesus, morava em Nazaré, na Galileia. Os Evangelhos contam que o arcanjo
Gabriel apareceu a Maria e anunciou que ela ia dar à luz um filho – «ao qual
porás o nome de Jesus. Será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo…» (Lc
1,31ss).
Por imposição romana, algum tempo antes da data prevista para o parto, Maria
e José foram a Belém, correspondendo à exigência de um recenseamento. Foi
aí, num estábulo, em virtude de não terem encontrado outro abrigo, que Maria
terá dado à luz aquele que para muitos é o Salvador. Segundo a leitura cristã
das Escrituras judaicas, o nascimento e a morte do Messias haviam sido profe-
tizados.
A tradição de que faz eco o Evangelho de Lucas conta que, na noite do nasci-
mento de Jesus, os pastores que guardavam os seus rebanhos nos arredores de
Belém, viram anjos no céu, cantando hinos de louvor. O Evangelho de Mateus
fala também de alguns sábios (Reis Magos) que vieram do Oriente, guiados
por uma estrela, para ver o Messias recém-nascido. Dessa visita teria resultado
o célebre «massacre dos inocentes», quando Herodes soube do nascimento do
suposto Messias, e, temendo uma ameaça ao seu trono, mandou matar todos os
recém-nascidos de Belém e arredores.
Jesus inaugura a sua missão pelos 30 anos de idade. Inicialmente, integra-se no
círculo dos discípulos de João Baptista, seu familiar, que prega o arrependimen-
to e batiza os que aceitam a sua mensagem, preparando uma parcela do povo,
disponível para a vinda do Messias. O ministério de Jesus começa exatamente
após o seu batismo por João, no rio Jordão. De seguida, isola-se no deserto, du-
rante 40 dias, onde teria tomado consciência da sua condição divina e do poder
de que era dotado. Em consequência, teria sofrido várias tentações de índole
política e religiosa, suscitadas pela natureza da sua condição humana assumida.
Terminada essa prova, deu início, então, às suas atividades e escolheu os pri-
meiros discípulos, junto a Cafarnaúm.
Terá sido na região da Galileia que Jesus desenvolveu parte significativa da sua
pregação, assim como a realização de muitos dos milagres que se encontram
nas narrativas evangélicas.
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Os textos centrais sobre Jesus – denominados Evangelhos do chamado Novo
Testamento – referem-se ao período último da sua vida: aos episódios da Pai-
xão e Morte por crucificação (ou seja, na interpretação cristã, ao seu sacrifício
por toda a Humanidade), confirmando as profecias escriturísticas do Antigo
Testamento.
Segundo os relatos evangélicos desse último período da sua vida, Jesus terá
chegado a Jerusalém para aí passar a semana da Páscoa. Fez uma entrada triun-
fal na cidade, resultado de toda uma ambiência proporcionada pela celebração
pascal e pelo entusiasmo da população, movida pela fama alcançada por Jesus,
devida à sua mensagem e aos seus milagres. Tudo leva a crer, porém, que os sa-
cerdotes tenham visto essa entrada como um ato provocatório, tanto mais que,
pouco depois, Jesus entrou no Templo e expulsou «os vendilhões» (todos os
que, dentro da organização das atividades do templo, ali procediam ao câmbio
da moeda e à venda dos animais para o sacrifício). Para Jesus, o Templo era a
«Casa de Deus» e não lugar de comércio ou de um nacionalismo exclusivista.
Na quinta-feira à noite dessa mesma semana, Jesus mandou aos discípulos a
prepararem a Última Ceia. Na companhia dos Doze, celebrou a Páscoa judaica
e anunciou a traição de um deles, preparando-os para a sua morte iminente. Du-
rante a Ceia da celebração, no momento de servir o pão e o vinho, e dirigindo-se
aos participantes, disse: «Isto é o meu Corpo que será entregue por vós» e «Este
é o cálice do meu Sangue, derramado por vós e por todos»; e, dessa forma, deu
origem ao ritual religioso central do Cristianismo: a Eucaristia ou Santa Ceia.
Após a Ceia, Jesus retirou-se para o jardim de Getsémani, na encosta do Monte
das Oliveiras, frente ao Templo. Acompanhado dos seus três discípulos mais
próximos, afastou-se do grupo e entrou em estado de tristeza e angústia profun-
das, que as narrativas descrevem como um solilóquio orante em que terá suado
«grossas gotas de sangue», em ato de absoluta submissão amorosa pela doação
sacrificial que intuía ser bem aceite e de agrado da benevolência de Deus-Pai
para com a Humanidade a redimir.
Passado algum tempo, homens armados chegaram para o prender, e o discípulo
Judas Iscariotes, cuja traição havia sido anunciada durante a Ceia, identificou-o
com um beijo, cumprindo a sua parte de um acordo com o Sinédrio, pelo qual
recebera 30 moedas de prata.
Jesus foi preso e interrogado pelo tribunal em que estavam representados o
Conselho dos Anciãos, os sumos-sacerdotes e os doutores da Lei, e respondeu
positivamente ao questionamento sobre a sua condição de Messias, Filho de
Deus e Rei dos Judeus. Esse assentimento custou-lhe a acusação de blasfémia.
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Levado à presença do procurador romano, Pôncio Pilatos, foi acusado de pôr
em causa a tutela de Roma ao afirmar-se Rei. O procurador, porém, no seu
interrogatório, não achou razões que justificassem uma condenação pelo que o
enviou a Herodes Antipas, governador da Galileia (donde Jesus era oriundo),
e que, devido às festividades da Páscoa, se encontrava de passagem por Jeru-
salém. Devolvido por este, novamente, a Pilatos, o procurador decidiu, como
pretexto para libertar Jesus, e como era costume pela Páscoa, soltar um encar-
cerado; porém, a multidão, enquadrada por elementos adversos do tribunal,
pediu que fosse Barrabás, o condenado alternativo, e não Jesus, a ser libertado.
Pilatos, com o célebre «lavar de mãos», desresponsabilizou-se do desfecho e
aceitou condenar Jesus à morte por crucificação. Flagelado, humilhado, ridicu-
larizado e coroado com espinhos, Jesus foi, finalmente, crucificado no Gólgota,
uma elevação em forma de caveira às portas da cidade. No topo da cruz, Pilatos
terá mandado afixar em latim, grego e aramaico o motivo da condenação: Iesus
Nazarenus Rex Iudeorum (Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus).
Segundo os relatos evangélicos, Jesus, durante a agonia na cruz, terá rezado
salmos, clamando em alta voz, a determinado momento, o versículo inicial do
Salmo 22: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» (Mateus 27,46).
Antes de soltar o último suspiro, terá dito: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sa-
bem o que fazem» (Lucas 23,34). Ao fim de três horas, Jesus morria e o seu
corpo foi entregue para ser depositado num túmulo, que foi fechado com uma
pesada pedra.
No primeiro dia da semana, pela manhã, Maria Madalena, acompanhada de ou-
tras mulheres, foi ao túmulo de Jesus, a fim de proceder aos rituais de unção do
cadáver. Ao chegar, estranhamente, encontrou a pedra fora do lugar e o túmulo
vazio. Na versão do quarto Evangelho, Jesus, aparecendo-lhe, pediu-lhe que
levasse aos seus discípulos o anúncio da sua ressurreição.
Os Evangelhos indicam que Jesus apareceu repetidas vezes aos discípulos, du-
rante um período de tempo limitado, até à sua Ascensão aos Céus. A tradição
dos primeiros tempos do Cristianismo faz remontar a esse período o mandato
expresso do Senhor ressuscitado aos discípulos de evangelizarem e a batizarem
para além das fronteiras do povo judeu. A mesma tradição, porém, mostra que
esse mandato não evidente para todos, e o debate, por vezes azedo, atravessou
a comunidade ao longo de uma geração.
Quanto à mensagem que Jesus pregou, durante a sua vida pública, ressalta o
recurso a formulações curtas, densas de significado, muitas vezes ilustradas por
parábolas, pequenas histórias – segundo o costume cultural judaico seguido pelos
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mestres – que denunciam uma aguda apreciação da natureza e do quotidiano
das pessoas, mas que encerram uma grande riqueza de ensinamento poético, ou
convite à descoberta espiritual, sobretudo em torno do tema do Reino de Deus.
Os Evangelhos recolhem cerca de 70 parábolas. Não há termo de comparação
para um uso tão abundante e literariamente criativo deste género de ensino.
Muito do que se encontra na mensagem de Jesus já fazia parte da tradição he-
braica, e, como Ele próprio afirmava, não veio alterar a Lei e os Profetas, mas
completá-la (cf. Mt 5,17). Há, contudo, perspetivas que, não sendo novas no
âmbito do Judaísmo contemporâneo, manifestam uma inflexão original: a pro-
ximidade de Deus, que apelida de querido Pai (Abbá); a visão do povo judeu,
se não mesmo de toda a Humanidade, ou pelo menos todos homens e mulheres
de boa vontade, como fazendo parte da família dos filhos de Deus; a soberania,
ou Reino de Deus, como uma realidade próxima e envolvente; um sentido mar-
cante da radical gratuidade do amor e perdão de Deus.
A norma que erige em mandamento fulcral é o amor a Deus e ao próximo, e
propõe uma versão positiva da conhecida regra de oiro: cada um deveria fazer
ao próximo o que gostaria que lhe fizessem a si.
Aquilo que marcou os discípulos e se tornou o cerne da fé cristã era o modo
como Jesus encarnava, nos seus gestos e no seu estilo de vida, a bondade e a
misericórdia exigente de Deus que anunciava.
Paulo
Paulo, que não privou com Jesus, é, pela sua atividade, empenho evangelizador
e escritos, um dos principais obreiros da vocação universalista do Cristianismo.
Assume como mandato, recebido pessoalmente do próprio Senhor ressuscita-
do, o anúncio do Evangelho aos não-judeus. Ele protagoniza a consciência do
cristianismo nascente de que a mensagem de Cristo é válida para toda a Huma-
nidade. De certa forma, poderá dizer-se que é com Paulo que o Cristianismo se
começou a afirmar como uma realidade autónoma nas fronteiras do Judaísmo.
Contudo, mesmo os Atos dos Apóstolos, obra do seu fiel companheiro e amigo
Lucas, também autor de um dos Evangelhos, fazem remontar a primeira con-
cretização dessa consciência ao apóstolo Pedro, antes mesmo da conversão de
Paulo.
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Com efeito, o ministério de Paulo começa com a hierofania na estrada de Da-
masco. Então, ainda conhecido por Saulo, perseguia os cristãos e, numa dessas
viagens persecutórias a Damasco, terá sido interpelado por Jesus ressuscitado,
passando abruptamente a integrar a comunidade dos seus discípulos. O seu
labor evangélico ter-se-á desenvolvido por toda a Ásia Menor e Grécia, mas
essencialmente centrado na de Antioquia – com muitos não-judeus simpatizan-
tes do Judaísmo e comunidade judaica numerosa –, onde, pela primeira vez, os
seguidores de Cristo são apelidados de «cristãos» (cf. Atos 11,26).
Entre estes grupos encontrou a comunidade cristã a sua base de apoio, num
ambiente propício à expansão, mas que se mostrará, em breve, também motivo
de fortes tensões internas.
Tudo leva a crer que, aquando da perseguição lançada em Jerusalém nos anos
36-37, na qual foi morto Estêvão, primeiro mártir cristão, alguns membros da
comunidade judaico-cristã de língua grega tenham seguido para Antioquia. A
pregação nesta grande metrópole não se circunscreveu, porém, aos judeus, mas
alargou-se a todos os «tementes a Deus» e, provavelmente, aos crentes das ou-
tras religiões monoteístas na cidade que se encontravam predispostos ao acolhi-
mento de uma nova mensagem como a cristã, nomeadamente os neoplatónicos,
os crentes da religião de Mitra e os devotos da deusa Ísis.
O sucesso foi grande e rápido. Barnabé veio reforçar o corpo dos responsáveis
e chamou Paulo para o ajudar. Desta cidade partiram ambos na primeira das
famosas viagens apostólicas.
Tradicionalmente, destacam-se quatro grandes viagens de Paulo, ocorridas no
tempo do imperador Cláudio, aproximadamente entre a primavera de 47 e o
ano 60. Nestes seus périplos, deverá ter percorrido mais de 20 000 quilómetros.
Finda a 4.ª viagem que o levará a Roma, Paulo ali ficará por dois anos, sob
prisão domiciliar, aproveitando para «anunciar o Reino de Deus e ensinando o
que diz respeito ao Senhor Jesus Cristo, com o maior desassombro e sem impe-
dimento» (cf. Atos 28,31).
É possível que tenha empreendido uma viagem à Península Ibérica, deparando
com a barreira intransponível da língua. Mas é, seguramente, em Roma que,
algures entre os anos 64 e 67, é condenado à morte e decapitado.
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Aspetos estruturantes do Cristianismo
Calendário do Cristianismo
Festas e celebrações
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•25 de março – Anunciação do Senhor (católicos, anglicanos e ortodo-
xos gregos).
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•25 de dezembro – Natal (católicos, anglicanos, evangélicos e ortodo-
xos gregos).
Símbolos
A centralidade de Roma
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Ao nível do Cristianismo, nenhuma cidade teve e tem tanto peso como esta,
nomeadamente para o mundo ocidental e para a Igreja Católica em particular,
para a qual chegou a justificar a denominação de Cidade Eterna2.
Segundo a tradição, os apóstolos Pedro e Paulo, ao chegarem a Roma, já lá
encontraram comunidades cristãs muito ativas. Por circunstâncias impostas,
acabaram por se fixar na cidade e ali sofreram o martírio. Pedro terá chegado já
depois da carta de Paulo aos Romanos. Paulo chegará pela mesma altura como
prisioneiro, morrendo decapitado na via Ostiense. De Pedro diz-se que morreu,
crucificado, numa cruz invertida, e terá sido sepultado onde hoje se encontra a
Basílica que ostenta o seu nome, a maior do mundo cristão.
Na fase inicial do Cristianismo, quatro cidades se destacaram como metrópoles
e sedes dos Patriarcados históricos: Jerusalém, Antioquia, Alexandria e Roma,
desdobrando-se esta, posteriormente, na «segunda Roma» que foi Constantino-
pla. Logicamente, Roma ganhou rapidamente precedência. Já antes, a capital
do Império se situava entre os objetivos mais ambicionados pelos proponentes
das várias religiões. Mas, no caso do Cristianismo, destacou-se também devido
ao declínio de algumas das suas «concorrentes»: o bispo de Jerusalém perdeu
o poder muito cedo, após a destruição da cidade pelos Romanos, no ano 70, e
o bispo de Éfeso perdeu prestígio, quando a sua comunidade foi sacudida pelo
cisma doutrinal do Montanismo.
Roma, porém, foi também centro das esporádicas perseguições sofridas pelas
comunidades cristãs, ao longo de quase três séculos. Lugar que assinala, sim-
bolicamente, essas perseguições é o Coliseu (erguido por Vespasiano, no ano
72, e palco do martírio de centenas de cristãos, lançados às feras). É nas suas
ruínas que ainda hoje se realiza, anualmente, na Semana Santa, a Via-Sacra
transmitida televisivamente para todo o mundo.
Posteriormente à sua aceitação pelo Império, no início do século IV, com a
conversão do imperador Constantino, o Cristianismo evoluirá em pouco tempo
para religião de Estado, «batizando» lugares e festividades religiosas existen-
180
tes, tornando seu um sentir transversal às populações que estavam já em pleno
processo intelectual de busca de uma vertente monoteísta da religião, bem pa-
tente no culto ao Sol Invicto e restantes religiões de salvação.
A primeira Basílica de São Pedro terá sido construída, por ordem de Constan-
tino, em 320, no local de uma necrópole onde já então se venerava um túmulo
que a tradição indicava ser do Apóstolo Pedro. Antes, em 313, Constantino
havia dado liberdade de culto a todas as religiões, através do Édito de Milão.
Mercê destas iniciativas do poder político e do crescente favorecimento do
Cristianismo, Roma deixou de figurar como imagem da perdição, comparável,
nas escrituras judaicas, às cidades Sodoma, Gomorra e Babilónia, passando a
ser vista, exatamente, como antevisão da «Cidade de Deus».
Os cristãos assimilavam assim as mais antigas tradições da cidade que a afirma-
vam eterna, nunca conquistada. Neste quadro mental, o saque de 410 por Alari-
co foi, por isso, um acontecimento traumático. Roma era invadida, incendiada,
devastada. Santo Agostinho redigirá, dezassete anos depois, a sua Cidade de
Deus, como resposta teológica a uma cultura abalada pelos acontecimentos e
saudosa dos tempos passados: o Império Romano podia estar prestes a terminar
e a cidade de Roma não ser eterna, como se sonhava, mas outra cidade já exis-
tia, essa sim, de Deus, e intocável, tecida dos laços da caridade e assinalada pela
rede das comunidades cristãs.
O renascer do Império e a atribuição das insígnias imperiais, permanecerá no
imaginá-rio cultural do Ocidente e tornar-se-á um objetivo pretendido por mui-
tos. Carlos Mag-no irá a Roma para receber a coroa imperial no simbólico dia
25 de dezembro do ano 800. A sua ação política centra-se claramente no mundo
dos Francos, não no Sul mediterrânico. Para o Papado, a aliança era essencial,
numa altura em que eram constantes os conflitos com os Lombardos, e o Islão
chegava às portas (Roma seria invadida e saqueada na década de quarenta).
Sucedem-se imperadores que não chegam sequer a conhecer Roma nem por ela
se interessam. São os tempos de prosperidade de Constantinopla, a Nova Roma.
Só a chamada Reforma Gregoriana, que vai buscar o seu nome a Gregório VII
(1073-1085), torna a colocar Roma no mapa político da Europa, nos séculos XI
e XII. Definindo juridicamente a relação de poderes entre imperador, monarcas
e Papado, Roma assume que pode fazer reis e afastá-los.
Neste quadro de crescente valorização da instituição papal, nascem os jubileus,
em 1300, uma figura que vem dar corpo a uma nova forma de peregrinação.
A figura jubilar vai criar a necessidade da viagem ritual aos lugares santos da
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Cristandade, para que o crente obtenha o perdão dos seus pecados, e ganhe
indulgência para as penas associadas.
Nos séculos seguintes, reflexo do enorme poder temporal da instituição papal, a
cátedra de Pedro sairá, episodicamente, de Roma. Será Martinho V que tornará
a estabele-cer o Papado em Roma, em 1420.
Com a cristandade ocidental novamente unida sob o mesmo Sumo Pontífice,
a luta com o imperador torna a ganhar destaque. Nesta luta temporal, entre o
Papado e o Imperador, Roma é saqueada, em 1527, e a Península Itálica fica nas
mãos de Carlos V. Voltará a brilhar no século XVI. O Papado reúne artistas e
recolhe obras de arte desde a Antiguidade. A atual Basílica de São Pedro é ainda
hoje exemplo dessa grandiosidade.
Entre 1545 e 1563, toda a cristandade católica está em ebulição em Trento,
num Concílio que procura responder ao desafio protestante e que marcará uma
reforma profunda e de longo alcance das comunidades cristãs em comunhão
com Roma.
No século XIX, os Estados Pontifícios, criados no tempo de Carlos Magno,
através da forjada Doação de Constantino, desaparecem definitivamente, com
o nascimento da Itália moderna, em 1861, unificada por Garibaldi sob Victor
Emmanuel I.
Perdidos os Estados Pontifícios, Papa ficará exilado na cidadela do Vaticano
até ao reconhecimento desta como território soberano em 1929, como acima
referido.
O Papado
182
que a explicitação da proeminência romana será, mais ou menos, consensual-
mente assumida, durante algum tempo, no seio da Cristandade. Essas prece-
dências dos Patriarcados tradicionais ficarão assim estabelecidas por decisão
conciliar: 1.º, Roma; 2.º, Constantinopla, a «Nova Roma»; 3.º, Alexandria; 4.º,
Antioquia; 5.º, Jerusalém.
De facto, o lugar que milenarmente o Papado viria a ocupar evoluiu, gradual-
mente, nos dois séculos e meio que antecederam a subida de Constantino ao
poder. Multiplicam-se os momentos em que Roma é chamada a intervir com
uma clarificação doutrinal ou disciplinar, e, por vezes, a posição da comunidade
romana é suficiente para criar uma tensão intransponível com regiões inteiras,
como no caso dos critérios para a marcação da data da Páscoa. Mesmo depois
do Imperador Constantino ter deslocado a capital do Império e perante o cres-
cente prestígio do Patriarca de Constantinopla, o Bispo de Roma mantém e vai
firmando o seu estatuto de primazia.
Lugar de relevo nesta evolução tiveram Inocêncio I, Leão I (Magno), na pri-
meira metade do século V. A sua personalidade e intervenção disciplinar e dou-
trinal consolidaram a autoridade papal. No caso de Leão Magno, o seu combate
ao monofisismo e a capacidade de negociar, sem apoio militar, uma retirada
de Átila, o Huno, que se encontrava às portas de Roma, projetaram o Papado
no caminho de uma crescente relevância política. Com o desaparecimento do
Império Romano do Ocidente, o Bispo de Roma adquiria um papel de destaque
funcional e simbólico.
A palavra «Papa» significa pai. Até cerca do século VI, todos os bispos ociden-
tais eram assim chamados, mas gradualmente, restringiu-se esse tratamento aos
bispos de Roma.
Pouco antes do reconhecimento do poder temporal do Papado por Carlos Mag-
no e a sua coroação em Roma, no Natal de 800, terá sido Leão III (795-816) o
primeiro Papa a ser coroado com a tiara. Com Bonifácio VIII, a tiara ostentava
duas coroas – o poder temporal e espiritual. A tiara com 3 coroas surge esculpi-
da, pela primeira vez, no túmulo de Bento XII (1334-1342).
A partir de meados do século XI, vários Papas reformadores procuraram mo-
ralizar a administração da Igreja. O mais notável foi Hildebrando (Gregório
VII, 1073-1085), que deu nome à chamada Reforma Gregoriana, e teve como
uma das suas tarefas principais a luta contra a simonia, ou seja, o comércio de
cargos eclesiásticos. Todavia, o ponto alto do poder papal foi alcançado com o
pontificado de Inocêncio III (1198-1216), o primeiro a usar o título de Vigário
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de Cristo. O Papa assumia-se, agora, não apenas como sucessor de Pedro, mas
representando o próprio Senhor.
Após este apogeu, os séculos seguintes foram de significativa complexidade
para a Igreja e, particularmente, para a instituição papal, que chegou a ter, si-
multaneamente, três pontífices.
No Renascimento, o Papado foi alvo da cobiça das principais famílias italianas,
levando a limites estéticos inimagináveis as capacidades desenvolvidas pelos
pintores, escultores e arquitetos que trabalhavam na Península Itálica. O espa-
nhol Rodrigo Borja (papa Alexandre VI, 1492-1503), dedicou-se a embelezar a
cidade de Roma. Na época em que Maquiavel escrevia o seu Príncipe, Júlio II
(1503-1513) foi um papa guerreiro, comandando pessoalmente o exército dos
Estados Pontifícios. Leão X (1513-1521) que terá dito, ao ser eleito: «Agora
que Deus nos deu o Papado, vamos desfrutá-lo», despertou a indignação do
monge agostiniano Martinho Lutero, em 1517, ao autorizar a venda de indul-
gências para custear as obras de reconstrução da Basílica de São Pedro. Dessa
indignação nasceu a Reforma Protestante.
Do ponto de vista protestante, o Papado não era uma instituição de origem
divina, antes pelo contrário, refletia sobretudo a fragilidade humana. Não acei-
tavam que houvesse uma ligação inequívoca entre Pedro e os bispos de Roma.
Punham mesmo em causa a tradição histórica de que Pedro tivesse estado em
Roma, quanto mais que tenha sido o primeiro bispo da comunidade cristã nessa
cidade.
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tagóricos e Órficos, todos incluíam no seu horizonte de possibilidade religiosa
a fuga das grandes cidades. No Hinduísmo, havia já longas tradições de vida
ascética e mendicante e o Budismo apresentava, desde a sua origem, uma forte
componente monástica. Mas foi provavelmente em memórias bíblicas, associa-
das à tradição profética de Elias, Eliseu e João Baptista, por exemplo, ou aos
quarenta anos de caminhada purificadora de Israel no deserto, sob a orientação
de Moisés, que os primeiros eremitas e comunidades monásticas cristãs se ins-
piraram.
Muita variedade de formas de vida e de rigor nasceram, no pós-313, com o fim
da perseguição romana. Procurava-se um outro espaço de sacrifício que fosse a
continuidade do martírio. A busca de formas apropriadas à recusa de uma vida
normal conduziu indivíduos e grupos para locais ermos, o cimo de colunas ou
mosteiros rudimentares, assumindo estilos de vida que marcaram o imaginário
religioso do próximo milénio. Mesmo Maria e Madalena foram recriadas em
eremitas, que serviam de guia até aos mais incorrigíveis pecadores.
O modelo copta terá sido dos mais difundidos, pelo rigor de vida que implicava,
no Egito, o afastamento dos povoados. Nos ermos, no deserto, as colónias de
discípulos em torno de eremitas por vezes famosos, como Antão, teciam das
suas memórias verdadeiros mitos de santidade e magia. Seguir o mestre era a
regra fundamental, até Pacómio ter consignado, em meados do século IV, uma
primeira forma de vida monástica regulamentada. Destes mosteiros, ainda hoje
subsistem dois, junto ao mar Vermelho: o Mosteiro de Santo Antão (Dayr Anba
Antuniyus) e o Mosteiro de São Paulo (Dayr Anba Bula), erguido onde supos-
tamente se encontrava o túmulo do eremita Paulo de Tebas.
No Oriente, a vida monástica tinha algumas regras gerais, como a recusa total
de incluir carne na alimentação. A Profissão Monástica consistia em tomar o
hábito do mosteiro, numa cerimónia atestada desde o século V, que simbolizava
a subordinação a todas as regras dessa comunidade.
O II Concílio de Constantinopla, em 553, dedica 32 cânones à vida monástica.
Já antes, o Concílio de Calcedónia dedicara-lhe o cânone 4.º das suas delibe-
rações. Paradoxalmente, a crescente normalização abriu caminho à realidade
cada vez mais diversificada das ordens religiosas que fomos conhecendo ao
longo dos últimos oito séculos da nossa história.
Um momento particularmente importante para o seu desenvolvimento no Oci-
dente, encontra-se no ano de 910, quando o abade Berno obteve de Guilherme,
o Piedoso, conde de Auvergne e duque da Aquitânia, a villa de Cluny para ali
fundar um mosteiro e restaurar a pureza primitiva da Regra de São Bento.
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O seu sucessor, Odão (926-942), libertou o mosteiro dos poderes políticos e
religiosos locais, obtendo a sua ligação direta ao Papa. A partir de então, as
fundações de Cluny foram rápidas por toda a Europa Central. O poder da ordem
foi excecional. Protegida por Papas, bem relacionada com as altas esferas da
nobreza, de onde provinham muitos dos seus membros, o seu poder não tinha
igual. O Papado da época reflete essa influência, no interior do tecido eclesial:
Urbano II (1088-1099) foi monge em Cluny, e Calisto II foi eleito em Cluny,
em 1119, onde morrera pouco antes Gelásio II.
Ao organizar as peregrinações a Santiago de Compostela, Cluny foi responsá-
vel pela construção de inúmeros templos por toda a Europa, difundindo dessa
forma a arquitetura românica. Também o seu modelo de organização hierár-
quica, irradiando a partir de uma casa-mãe, acabou por ser seguido por várias
outras ordens.
No século XIII, século cristão por excelência, no Ocidente, nasciam as chama-
das ordens mendicantes: Franciscanos, Dominicanos e Carmelitas, entre outros.
O fundador dos Dominicanos, Domingos de Guzmán, nasceu em Caleruega,
cerca de 1170. Era oriundo de uma família da pequena nobreza de Castela-
-a-Velha. Em 1203, acompanhou o seu bispo numa viagem ao estrangeiro e
ficou consternado com a importância do Catarismo, no Sul de França. Intuiu
que a única resposta a essa heresia residia na pregação evangélica. Em 1207,
fundou um mosteiro para mulheres heréticas convertidas, em Prouille. Depois
da derrota dos Albigenses, em 1213, fixou-se em Toulouse. Em 1215, esteve
no IV Concílio de Latrão e, dois anos depois, deu origem formal à Ordem dos
Pregadores, subordinada à Regra que o Papa aprovara.
Entre 1218 e 1219, Domingos fez uma grande caminhada de Roma a Toulouse
e, depois, à Hispânia; posteriormente, seguiu para Paris e daí a Milão. Em 1220
e 1221, presidiu aos dois primeiros capítulos da Ordem, em Bolonha, onde
faleceu.
O fundador dos Franciscanos, Francisco de Assis, o homem pobre de Deus, il
Poverello, nasceu em Assis, em 1182. Era filho de um abastado comerciante de
lã, com casa grande e confortável na Piazza del Commune. Foi batizado com
o nome de Giovanni, mas, talvez por a sua mãe ser francesa, ou por o pai ter
fortes relações com a França, passou a ser conhecido por Francesco, o france-
sinho.
Terá sido no ambiente boémio desta cidade comercial que o futuro santo vi-
veu a sua juventude. Integrado na cavalaria da sua cidade, combateu, aos vinte
anos de idade, contra Perugia e foi aprisionado. Um ano de cativeiro, porém,
186
não atenuou o desejo de ser armado cavaleiro. Mas, conta a lenda que, um dia,
Francisco se sentiu impelido a entrar na Igreja de São Damião. Prostrado frente
a um crucifixo, ouviu Cristo dizer-lhe, qual Paulo de Tarso: «Vai, Francisco, e
reconstrói a minha casa, porque se arruína.» Começou aí a sua vocação religio-
sa, substituindo por inteiro a ambição militar.
Tomou à letra, inicialmente, as palavras ouvidas, vendendo tudo o que podia
e entregando o dinheiro ao padre de São Damião. A situação evoluiu para os
tribunais, onde o pai o deserdou, procurando salvaguardar os interesses fami-
liares contra a obstinada ideia do filho de tudo dar. Num gesto simbólico, em
pleno tribunal, o jovem despiu todas as suas roupas e entregou-as ao pai, como
recorda o fresco de Giotto na Basílica de São Francisco.
Aos 24 anos, o jovem Francisco tinha percorrido a sua via para a pobreza total.
Fundou a Ordem dos Frades Menores e revolucionou, de forma semelhante
à de São Domingos, o Cristianismo ocidental. A sua vida seria radicalmente
alterada, aquando de uma peregrinação a Roma: o contacto com o luxo e a
ostentação, lado a lado com a pobreza total da população, mostrava ao jovem
Francisco que era na via da pobreza que estava o espírito do Evangelho e o
terreno fértil para a salvação de todos.
Faleceu em 1226 e foi canonizado dois anos depois. A basílica que lhe é dedi-
cada, em Assis, começada a construir por ordem papal imediatamente após a
sua morte, integra o local onde o santo pediu para ser sepultado: a Colina do
Inferno, o local onde eram abandonados os corpos dos condenados executados.
Cumprido o desejo do Santo, o Papa ordenou que se mudasse o nome do local
para Colina do Paraíso.
No século XV, o corpo, até então em exposição, foi selado numa cripta secreta
por motivos de segurança. Só em 1818 o local foi descoberto e o corpo voltou
a ser visitado e venerado.
187
A tensão e a procura de meios de erradicação das formas menos consentâneas
com essa normativização, teve fases de verdadeira exclusividade, como a vi-
vida na Europa no final da Idade Média e princípios da Idade Moderna, onde
se afirmou a ideia de «cristandade» como imagem identificadora da Europa –
em Portugal, o vocábulo surge pela primeira vez no século XIII. A luta, nesse
segundo milénio de Cristianismo, ganha por vezes foro militar, como na luta
contra os Albigenses, ou na ideia de cruzada contra os Muçulmanos. Cimen-
tando essa fase de intransigência e intolerância total, pela mesma altura, dá-se
a criação do Tribunal do Santo Ofício, instalado em Espanha, em 1478, e, em
Portugal, em 1534, que perseguiria e mataria, entre outros, milhares de cristãos-
-novos e cripto-judeus.
No Cristianismo contemporâneo, as divisões mais significativas são as da
Ortodoxia Oriental, do Catolicismo Romano e dos vários ramos da Reforma
Protestante. Entre Ortodoxia e Catolicismo, as diferenças são essencialmente
culturais e hierárquicas, enquanto as denominações Protestantes apresentam di-
ferenças teológicas mais acentuadas em relação às duas primeiras.
O universo protestante organiza-se sobretudo por denominações, que se defi-
nem por um nome, um mínimo de estrutura e um conjunto de doutrinas comuns
sob a exclusiva autoridade da Bíblia.
188
Arianismo
Nestorianismo
189
A doutrina condenada afirmava que, em virtude da Encarnação, havia duas pes-
soas distintas em Cristo: a humana e a divina. A formulação aprovada no Con-
cílio de Calcedónia (451) acentuaria a unidade da pessoa e distinção das natu-
rezas: «Um e o mesmo Cristo, Filho, Senhor, unigénito, tornou-se conhecido
em duas naturezas sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação.»
Atualmente, grupos esotéricos ligados à ideia de gnose, como os Rosacrucia-
nos, mostram-se inspirados pelo argumento nestoriano.
Monofisismo
190
O cisma entre Ocidente e Oriente
Raízes
3
Questão que passou à história sob o nome de Filioque. Em suma, enquanto que a Igreja Romana
entende que, na definição da relação da Trindade, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho; na
Igreja Oriental, a definição diz que essa procedência do Espírito é apenas do Pai.
191
O cisma
O vocábulo
192
Por causa dessa proclamação, os Luteranos e outros defensores da Reforma
passaram a ser conhecidos por «Protestantes». Com o tempo, o título veio a ser
substituído ou a aparecer como sinónimo de «Evangélico» e de «Reformado».
193
seu pensamento na glória e soberania de Deus. No que concerne à Ceia do Se-
nhor, Calvino considerava os símbolos como veículos de uma graça imanente,
enquanto que, para Lutero, eles consubstanciavam a presença real do Corpo e
Sangue de Cristo, tal como o entende a Igreja de Roma.
Apesar das divergências, o objetivo comum dos reformadores era abolir (ou
reformar) o Catolicismo Romano, segundo eles, degenerado, procurando a fé
dos Apóstolos, como base e fundamento da vida cristã. A degeneração prolife-
rava, segundo os reformadores, apoiada em abusos teológicos que justificavam
tradições estranhas às práticas cristãs dos tempos apostólicos. A resposta da Re-
forma às indulgências, segundo Lutero, encontrava-se já na Carta de Paulo aos
Romanos, onde se afirmava claramente que a justiça de Deus «tem origem na fé
e conduz à fé» (1,17). Segundo a Igreja Católica, a salvação do crente dependia
também das suas obras. Estas obtinham-lhe mérito perante Deus e o mérito
podia ser partilhado com outros. Isso traduzia-se, nessa altura, na prática de
penitências, em mandar rezar missas em favor das almas, e, no caso que esteve
na origem do protesto de Lutero, na entrega de donativos monetários em troca
de indulgências concedidas pelas autoridades da Igreja, a partir dos méritos de
Cristo e dos Santos.
Os Protestantes contrapunham a autoridade singular da Bíblia (sola Scriptura)
ao poder jurídico e magistério doutrinal da hierarquia eclesiástica, acreditavam
que a justificação se alcançava somente pela fé (sola fidei) e consideravam que
todos os fiéis se encontravam perante Deus sem qualquer outra mediação. A
Igreja Católica Romana apelava para tradições milenares, como fundamento
para a convicção de que as suas práticas e orientações doutrinárias eram de
origem apostólica. A reforma protestante rejeitou tais fontes de autoridade da
Igreja e declarou as Escrituras superiores a todas as tradições humanas. Neste
sentido, os reformadores advogaram ainda a necessidade do ensino da doutrina
do sacerdócio de todos os crentes, fundamentado em Pedro (2,9) e na prática
neotestamentária da Igreja, conforme textos como o de Atos (17,11), de modo
a permitir a qualquer indivíduo o contacto direto com as Sagradas Escrituras.
Ao longo do período inicial da Reforma, assistiu-se à formulação de diversas
confissões de fé que procuravam precisar as diferenças doutrinais. Destacaram-
-se os sessenta e sete artigos, de Zwingli, em 1523; a Confissão de Augsburg e a
Confissão Helvética, em 1530 e 1536; os trinta e nove artigos da Religião Cristã
do Anglicanismo, em 1571; o catecismo calvinista de Heidelberg, em 1562; e a
Confissão de Westminster, da Igreja Presbiteriana, em 1647.
194
Diversidade no Protestantismo
Quer pela forma pulverizada como nasceu, quer pela recusa da instituição pa-
pal, o Protestantismo não apresenta uma organização hierárquica centralizada
que normalize ritos e doutrinas.
Tratando-se de uma larga tradição religiosa que várias vezes se dividiu, o Pro-
testantismo organiza-se por grandes famílias ou denominações. Um grande
número de movimentos, por exemplo, teve origem em movimentos religiosos
internos do próprio Protestantismo, numa dinâmica de fidelidade e aprofunda-
mento das intuições iniciais da Reforma. Foi o caso, por exemplo, do Metodis-
mo e do Pentecostalismo.
Temas doutrinários e questões de consciência também dividiram os Protestan-
tes. Assim aconteceu com a tradição Anabatista, composta dos Amish e dos
Menonitas, que rejeitou liminarmente as doutrinas católica e luterana do batis-
mo infantil e se distinguiu pela defesa intransigente do pacifismo.
O grau de aceitação mútua entre denominações e movimentos tem variado, mas
aumentou muito, graças ao movimento ecuménico, iniciado no século XX, e
ao surgimento de instâncias interconfessionais como o Conselho Mundial de
Igrejas.
195
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias
196
esses laços se mantêm na eternidade. Estes ritos são realizados apenas nos Tem-
plos, e não nas capelas locais.
Dedicam uma parte muito significativa dos seus meios ao desenvolvimento
académico e profissional dos seus membros, sendo uma igreja que suporta in-
vestigação científica e apoio escolar aos seus membros. Sendo literalistas bíbli-
cos, em nada renunciam à ação cívica e à participação nas instituições, assim
como procuram compaginar a leitura da Bíblia com as mais recentes descober-
tas científicas.
Seguindo sempre a legalidade, apenas desenvolvem proselitismo em países
onde ele é acolhido e possível.
Também com origem Protestante, esta Igreja teve como base o Movimento
Millerista, liderado pelo pastor William Miller (1782-1849). Foi no ano de
1831, que Miller começou a difundir as suas interpretações bíblicas. Desde
1818 que Miller lia sistematicamente a Bíblia, procurando a interpretação de
cada versículo. Em 1838, com base na sua interpretação dos capítulos 8 e 9 do
Apocalipse, concluiu que, em 1840, o Império Otomano desapareceria. Apesar
de não se ter desintegrado como Miller apontara, teve grandes convulsões, o
que veio dar credibilidade às suas leituras e interpretações, juntando cada vez
mais seguidores.
O centro da sua interpretação encontrava-se na leitura dos livros de Daniel e
de Ezequiel. Com base nesses livros bíblicos, Miller defendia que a segunda
vinda de Cristo, o Advento, teria lugar entre as primaveras de 1843 e 1844. Não
tendo tido lugar o Advento, foram vários os seguidores a apontar novas datas e
a reequacionar o local e a forma como se daria início ao processo do Advento.
Para os crentes, foi o chamado Grande Desapontamento.
Banido da Igreja Batista, Miller acabou por falecer em 1849. Antes, a crença
na vinda breve de Cristo começou a reformular-se, tendo sido convocadas con-
ferências que reuniram delegados do movimento. A atual Igreja Adventista do
Sétimo Dia acabou por formalizar a sua instituição, no ano 1863, nos Estados
Unidos da América. Um dos seus fundadores é Ellen G. White (1827-1915)
cujos textos são dos que mais influenciaram esta Igreja.
A sua teologia mantém as mesmas características dos cristãos protestantes, tais
como a Trindade e a inenarrância bíblica. No entanto, outros ensinamentos se-
197
param as linhas das doutrinas, tais como o Juízo Investigativo e o Estado In-
consciente dos Mortos.
Os Adventistas do Sétimo Dia distinguem-se, também, pela observância do
Shabath, e colocam a sua ênfase na segunda vinda de Jesus Cristo. Esta Igreja é
também conhecida pela importância que os seus membros dão à alimentação e
à saúde, e, pelos seus princípios conservadores, à compreensão de corpo, mente
e alma, numa unidade indivisível, que os leva a uma posição muito construtiva
em torno da investigação médica.
Testemunhas de Jeová
198
Pentecostais
Neopentecostais
199
o último quartel do século XX. Têm uma identidade distinta dos Pentecostais,
apesar de também serem literalistas bíblicos. Para o crente neopentecostal, o
mundo espiritual está radicalmente polarizado entre Deus e Diabo, estando re-
pleto de demónios que implicam frequentes rituais de expulsão e exorcismo.
Seguem uma Teologia da Prosperidade, classificando a pobreza como perten-
cente ao domínio do Diabo. Numa linha inspirada em alguns textos bíblicos,
a riqueza, e mesmo a sua ostentação, são demonstração dos Dons e Graças
de Deus; a concretização da recompensa que Deus atribuiu a cada um está à
distância da demonstração da fé ou da limpeza espiritual de tudo o que seja
demoníaco, especialmente através de ofertas à Igreja.
As Igrejas neopentecostais usam, com muita frequência, elementos simbólicos
retirados do Antigo Trestamento, como a Estrela de David, a Arca da Aliança,
o Shofar, chegando mesmo a usar a bandeira de Israel.
Textos do Cristianismo
BÍBLIA CRISTÃ
Antigo Testamento
A Igreja Cristã, a partir do ano 400, utilizou como canónica, a versão judaica
do Antigo Testamento da chamada tradução dos Setenta (ou Septuaginta). Esta
tradução dos textos hebraicos para grego foi feita, provavelmente em Alexan-
dria, em contexto judaico, antes ainda do fechamento do cânone hebraico, pelo
que alguns dos seus textos não chegaram a ser incluídos na versão última da
Bíblia hebraica.
Mais tarde, os teólogos da Reforma acabaram por excluir do Cânone cristão
que adotaram todos os livros ou fragmentos que não correspondiam ao texto
hebraico massorético. Porém, até ao século XIX, os textos não reconhecidos
como autoridade, em matéria de fé, eram incluídos nas edições protestantes,
mas em apêndice, sob o nome de Apócrifos. Por acordo estabelecido em 1968,
renovado em 1987, entre as Sociedades Bíblicas Unidas e a Igreja Católica e o
Secretariado para a Unidade dos Cristãos, não edições interconfessionais, estes
200
livros costumam figurar com o nome de Deuterocanónicos e colocados no fim
do Antigo Testamento.
Em contexto católico, o Concílio de Trento, em 1546, determinou que os livros
de Judite, Tobias, Sabedoria, Eclesiástico (ou Sirácida), Baruc, 1 e 2 Macabeus,
os capítulos 13 e 14 e os versículos 24 a 90 do capítulo 3 de Daniel, os capítu-
los 11 a 16 de Ester, deveriam ser tratados como canónicos, e não o seriam os
textos conhecidos como Oração de Manassés e 3 e 4 Esdras. Entretanto, a Igreja
Católica Ortodoxa acabou por decidir a inclusão de Tobias, Judite, Sirácida e
Sabedoria.
No conjunto das versões católica e protestante, os textos dos Antigo Testamento
são os 46 livros seguintes (com [*] os não aceites como canónicos pelas Igrejas
da Reforma):
Livros históricos – Josué, Juízes, Rute, Samuel I e II, Reis I e II, Cróni-
cas I e II (ou Paralipómenos I e II), Esdras, Neemias, Tobias*, Judite*,
Ester*, Macabeus I e II;
Novo Testamento
201
Os 27 livros do Novo Testamento foram escritos por vários autores, em várias
épocas e lugares. Ao contrário do Antigo Testamento, este Novo Testamento foi
escrito num relativo curto espaço de tempo, isto é, pouco mais de setenta anos.
202
• Epístolas
• Apocalipse
O Cristianismo em Portugal
203
sendo depois sepultado o seu corpo no local do «campo de estrelas» ou do
«campo de estelas», nascendo no século IX um dos maiores locais de peregri-
nação cristã – Santiago de Compostela.
Nenhum dos Apóstolos deve ter aportado em terras tão periféricas à bacia do
Mediterrâneo. Mas, qualquer que tenha sido a data da chegada da religião cristã
ao extremo ocidental da Europa, ela foi, decerto, bastante antiga. Numa for-
ma de difusão semelhante, em grande parte do Império, o Cristianismo deve
ter-se implantado nos grandes centros urbanos e ao longo das vias terrestres e
aquáticas. Os pagani (os pagãos em linguagem cristã) eram os camponeses, os
campesinos, mais arreigados às tradições e menos permeáveis às religiões de
salvação, típicas do mundo urbano.
No que diz respeito aos primeiros séculos da nossa era, referências de alguma
segurança são as de Ireneu de Lião, de finais do século II, no seu Adversus hae-
reses (entre 182 e 188), e de Tertuliano, início do século III, na obra Adversus
Iudaeus, em que referem comunidades florescentes de cristãos na Ibéria. Tal
como as tradições relativas a Paulo e a Tiago, também os sete «personagens
apostólicos», enviados de Roma, por Pedro, aquando das perseguições decre-
tadas por Nero, carecem de mais elementos, permanecendo no campo do mito.
As proximidades mediam-se, no fundo, pelos ritmos e rotas comerciais, por
onde circulavam bens, mas também pessoas. O Norte de África deve ter tido
um peso muito grande nas emergentes comunidades cristãs dos territórios pe-
ninsulares.
Esta proximidade com o continente africano depreende-se claramente pela for-
ma como é gerido o incidente que é, também ele, o mais antigo documento
sobre a organização das comunidades cristãs na Ibéria. Em 254, em plena per-
seguição decretada por Décio, dois bispos são acusados de apostasia, de terem
renunciado à sua fé para salvarem a vida. De facto, os bispos de Mérida, Mar-
cial, e de Leão-Astorga, Basilides, terão adotado práticas rituais pagãs, median-
te as quais se salvaram da pena capital.
Obrigados a renunciar às cátedras, pela eleição de outros bispos para os seus
lugares, eles não aceitaram a resolução. As comunidades escreveram, então, a
Cipriano de Cartago, pedindo conselho. Escreveram também a Roma, mas a
resposta de Cipriano terá sido a mais importante para a comunidade ibérica.
No seu escrito sinodal, Cipriano defendia o afastamento dos bispos lapsi (que
apostataram para se livrarem da morte).
Se estes dois bispos fugiram à morte, renegando a sua fé, em 303, com a per-
seguição de Diocleciano, a Península Ibérica já contribuía com muitos mártires
204
para as listagens cristãs, estando referenciadas as cidades de Mérida, Lisboa,
Ávila e Évora.
Pela mesma altura (300-303), decorreu o Concílio de Elvira, e nele estiveram
presentes bispos de várias cidades, resultando desta reunião um conjunto de
cânones em torno do afastamento dos cristãos da convivência com os pagãos,
do celibato dos clérigos de ordens maiores, entre outros assuntos prementes,
para uma comunidade religiosa ainda em organização e, em certa medida, sig-
nificativamente rigorista.
A nível de implantação e de dinâmicas sociais, com a liberdade de cultos a par-
tir de 313, com a proibição de sacrifícios pagãos em 341, e com a oficialização,
por Teodósio, do Cristianismo como religião de Estado, o Cristianismo implan-
tava-se no terreno e, nesse século, aparecem as primeiras uillae com basílicas,
como o caso de Torre de Palma (Monforte) ou São Cucufate (Vidigueira), para
só falar em casos mais conhecidos.
Neste mesmo século IV, já em Lisboa existia um bispo, Potâmio, primeiramen-
te seguidor da normatização de Niceia, mas, depois, convertido ao Arianismo.
De resto, no século V, o século da queda oficial do Império Romano do Oci-
dente, chegavam os povos germanos já antes convertidos ao cristianismo, mas
à versão ariana.
Nestes primeiros séculos de cristianismo peninsular, outra heresia ganhava sig-
nificativos adeptos: o Priscilianismo. Esta doutrina perdurou, pelo menos, até
finais do século VI, sendo ainda condenada pelo I Concílio de Braga, em 561.
Num quadro político e militar, onde os chamados povos bárbaros imperavam,
pelo menos desde 409/411, Paulo Orósio marca literariamente um dos pontos
altos do cristianismo antigo, na Península Ibérica. Inspirado em Santo Agos-
tinho, autor da Cidade de Deus, Orósio escreve a sua Historiarum adversus
paganos, uma apologia do Cristianismo, perante a desagregação do Império
Romano.
Pelo mesmo século, no Norte do atual Portugal, São Martinho de Dume dava
ecos da organização, expansão religiosa e luta contra o paganismo, na sua obra
De correctione rusticorum, condenando as práticas religiosas politeístas e su-
perstições que se mantinham lado a lado com a fé em Cristo.
205
Na construção de uma identidade
206
dade, em criação, acentuava-se e encontrava matéria fortificante no confronto
com a diferença religiosa dos outros.
No que diz respeito ao segundo ponto, Portugal foi uma opção do Papado, no
conjunto das reformas e das políticas levadas a cabo no século XII, nomeada-
mente, na chamada Reforma Gregoriana: ao aceitar a vassalagem de D. Afonso
Henriques, o Papado como que se colocava acima e dominando os poderes
reais e a hegemonia de Castela, no quadro peninsular. Efetivamente, a viabili-
dade deste Reino de Portugal, passou em muito pela relação simbiótica entre
um Monarca e o Papado.
Sem descurar a complexidade da questão, a ideia de cruzada, nascida pela mes-
ma época (são os Cruzados que ajudam na conquista de Lisboa, em 1147),
reside exatamente nesta noção de identidade coletiva, de pertença. Conquistar
a Terra Santa é trazer de volta à Cristandade um dos seus locais simbolicamente
mais importantes: o centro do seu mundo. A ideia de «Reconquista» cristã, na
qual o Reino de Portugal nasce, assenta neste mesmo princípio.
Pelos dois campos apontados, o que nos interessa é ver como a tal cristandade
se encontra bem presente na formulação da identidade e da factibilidade do
País. Somos parte da cristandade, tal como o era qualquer região do Ocidente
medieval; somos ainda uma possibilidade real de sobrevivência política, devido
a uma aliança com a cabeça dessa mesma cristandade. Mas mais, uma certa
noção supraidentitária, centrada numa ideia de pertença religiosa, foi comum
em Portugal até bastante tarde. Mesmo a nossa modernidade, já em pleno sé-
culo XVI, está profundamente marcada por essa forma de pertença a um grupo
lato e supranacional. Só nesse quadro se pode entender a verdadeira dimensão
da luta contra o crescente poder otomano, no Mediterrâneo, quer por parte do
imperador Carlos V, quer por parte de Felipe II de Espanha, quer por parte de D.
Sebastião de Portugal. De facto, o episódio que leva ao fim da Dinastia de Avis/
Beja e ao lançamento da matéria mítica que mais nos marcará pelos séculos
seguintes, o Sebastianismo, nasce deste quadro de luta da Cristandade contra
o Islão.
De resto, um certo ideal de cruzada, de defesa da Cristandade contra os seus
inimigos externos, está patente na forma como Afonso V, um século antes, rece-
bera o apelo papal para a luta contra a invasão otomana que destruía o que res-
tava do Império Romano do Oriente (a antiga Constantinopla caía, em 1453). O
nosso príncipe era, já em plena metade do século XV, em pleno Renascimento,
o único eco a esse apelo de Roma.
207
Neste caminho, até a interpretação, o sentido, do motor das chamadas Desco-
bertas necessita de um móbil religioso para ser plenamente entendido. Não é
que os Descobrimentos portugueses tenham tido como fundamental princípio
a conquista religiosa, mas muitos autores da época apontam a expansão da fé
como um dos desejos dos monarcas responsáveis: a expansão da fé, a busca do
mítico Prestes João, a ideia de conquista de Meca (para troca com Jerusalém)
por Afonso de Albuquerque – a teia interpretativa é complexa, implica muitos
fatores, mas o móbil religioso tem o seu lugar reservado.
Logicamente, dentro deste quadro de evolução histórica, a proximidade, a nível
identitário, é mais forte nos países do Sul do Mediterrâneo. Quando a Europa
Central e do Norte enceta o caminho da Reforma Protestante, o Sul mantém-se
ligado a Roma, de forma cada vez mais forte.
Contra aquele frade de Alemanha Martym Luther, que la faz tantas reuoltas,
fez aguora o papa humma bulla de que se ele muyto ry, segundo dizem: é esta
humma cousa que tyra o somno porque todo aquele pouo pede concílio e re-
formação.
Nas décadas seguintes, outros escritos referiram a Reforma, regra geral contra,
como João de Barros, André e Garcia de Resende, e Luís Vaz de Camões, entre
outros, mas também alguns com significativo interesse, como Damião de Góis
e Diogo de Teive.
Se fosse necessário dar nome a um possível primeiro protestante de nacionalidade
portuguesa, ele seria, eventualmente, Manuel Travassos, bacharel em Cânones,
pela Universidade de Coimbra, condenado pela Inquisição a 11 de março de
1571. Damião de Góis, também acusado pelo Tribunal do Santo Ofício, nunca
208
se confessou luterano, apesar de ter sido visita de Lutero e Melâncton, na
Alemanha.
Com poucos seguidores em terras lusas, o protestantismo luso viverá, durante
pelo menos os dois primeiros séculos da Reforma, fora do território português.
O domínio holandês no Brasil (até à ascensão da Casa de Bragança, em 1640),
assim como os contactos com colónias holandesas e inglesas no Extremo
Oriente, foram os elos possíveis numa sociedade em que dominava a censura e
o terror da Inquisição.
É neste quadro que se dá a tradução da Bíblia por João Ferreira de Almeida.
Passando primeiro pela Holanda, dirigindo-se depois para o Oriente, nas últi-
mas décadas de Seiscentos, este letrado português, primeiramente com forma-
ção católica, depois, protestante, faz uma tradução da Bíblia, diretamente das
línguas originais para português. Trata-se, sem sombra de dúvida, de um dos
maiores monumentos da língua portuguesa, o livro em português mais distri-
buído, vendido e lido do mundo, com muitos milhões de exemplares editados,
desde então.
A primeira instituição protestante a instalar-se em Portugal deveria estar ligada
aos grupos de estrangeiros que mais frequentemente aportavam a terras lusas.
Assim, e usando a ideia de um território intocável, mediante a impossibilidade
legal de, em Portugal, existirem outros espaços de culto que não os católicos, a
Igreja Reformada da Holanda, em Portugal, terá nascido dentro da embaixada
dos Países Baixos em Lisboa.
Não se sabe muito acerca da vida da primeira Igreja Evangélica de Lisboa,
organizada em 1641. Era formada por cidadãos de diversas nacionalidades e
servida por ministros luteranos, oriundos de nações de maioria reformada. É
possível que nela se reunissem anglicanos, luteranos e huguenotes. Depois do
terramoto de 1755, perde-se o contacto com tal comunidade; porém, em 1761,
surge nova comunidade – a Igreja Alemã – que ainda hoje existe.
De resto, com exceção de alguns locais de culto e de reunião, autorizados a
estrangeiros, comerciantes, em Lisboa ou no Porto, apenas na passagem do
século XVIII para o século XIX, o protestantismo em Portugal ganhou alguma
expressão.
No século XIX, uma das primeiras comunidades a aparecer terá sido a presbi-
teriana, na cidade do Funchal, na Ilha da Madeira, dirigida por James Halley.
Terá sido em 1837, muito pouco tempo depois das Guerras Liberais, em que tão
importante papel tiveram as tropas britânicas que por cá se demoraram. Nesse
ano, dois outros acontecimentos importantes se dão em Lisboa: a Colónia Bri-
209
tânica funda uma escola para os filhos dos seus súbditos, socialmente menos
favorecidos; a revista O Panorama, dirigida por Alexandre Herculano, insere
um interessante texto apologético sobre as «Escolas Domingueiras», isto é, Es-
colas Dominicais – diga-se que só no ano de 1854 se criou a primeira Escola
Dominical (também em inglês), no nosso país.
Pouco depois, a 12 de outubro de 1838, desembarcou no porto do Funchal,
vindo da Escócia, o casal Kalley. O missionário e cirurgião Robert Reid Kalley
e sua esposa iam à Madeira em busca de clima propício à saúde da senhora
Kalley, mas marcarão fortemente o protestantismo português. Com efeito, às
suas expensas, abriram um pequeno hospital e algumas escolas em diversas
localidades da Ilha. As autoridades civis, no ano de 1842, chegaram a prestar
homenagem pública ao Dr. Kalley por este seu filantrópico trabalho. Contu-
do, quando menos se esperava, levantou-se uma grande perseguição religiosa
contra o trabalho e a família Kalley. Entre 1843 e 1846, o casal Kalley e mui-
tos madeirenses, que constituíam as comunidades que os rodeavam, viram-se
forçados a deixar a Ilha da Madeira e a refugiarem-se na América. Algumas
comunidades, na América do Norte, ainda hoje se afirmam descendentes desta
diáspora.
Apesar desta perseguição, algum tempo antes, no ano de 1845, William H.
Hewitson organizava, clandestinamente, a primeira Igreja Presbiteriana no
Funchal. Era a primeira instituição protestante, de facto, em Portugal.
Na cidade de Lisboa, a primeira comunidade organizou-se, posteriormente,
por volta de 1866, sendo um dos seus ministros, nos primeiros tempos, Robert
Stwart, da Igreja Presbiteriana Livre da Escócia. Esta Igreja ainda hoje existe.
Antes, desde 1854, o movimento metodista já efetuava cultos nas minas do Pa-
lhal, Aveiro, sob a direção de Thomas Chegwin. No Porto, em 1868, e sob res-
ponsabilidade de James Cassels, a comunidade dava os primeiros passos, sendo
efetivamente organizada em 1871, pelo ministro evangélico Robert Hawkey
Moreton.
Depois destes primeiros momentos, outros movimentos se implantaram em
território nacional, uns ganhando mais seguidores do que outros. É o caso da
Igreja Episcopal Espanhola, da Igreja Anglicana, que está na génese da Igreja
Lusitana Católica Apostólica Evangélica, no ano de 1878; da Igreja dos Irmãos,
nascida pela ação de Helena Roughton (cerca de 1860); das Igrejas Congrega-
cionais, implantadas em 1879; e das Igrejas Batistas, talvez organizadas em
1888. Pelo Censos de 1900, apenas 5000 portugueses seriam cristãos não-ca-
tólicos.
210
Paralelamente aos territórios do reino, no continente europeu, nas então coló-
nias, também começava um enorme movimento evangelizador protestante. Por
exemplo, data do início do século XIX o nascimento da Igreja do Nazareno, na
Ilha Brava, no arquipélago de Cabo Verde.
Já no século XX, chegou a Portugal o movimento das Assembleias de Deus.
Foi pelas mãos de um antigo pastor batista, José Plácido da Costa (1869-1965).
Emigrado para o Brasil, no início do século, regressa a Portugal, em 1913,
depois de, em 1910, ter sido expulso da sua Igreja, por ter adotado, em con-
junto com outros elementos, a doutrina glossolálica. Em maio de 1913, batiza
a primeira crente pentecostal em Portugal. Em 1919, depois do falecimento da
sua filha, Plácido da Costa consagrou totalmente a sua vida à evangelização. A
Igreja de Lisboa foi organizada pelo sueco Jack Hårdstedt (1895-1973), e a sua
sede inaugurada a 13 de maio de 1934.
O movimento liberal, que pôs fim ao chamado Antigo Regime, criando con-
dições para uma efetiva separação dos poderes, encetava uma nova fase de
relacionamento com o mundo católico. As ordens religiosas eram expulsas em
1834, e, dois anos depois, eram criados os Liceus, instância oficial para o En-
sino Médio, fechando-o, assim, às instituições religiosas. Muito valeu ao Es-
tado o confisco dos bens das Ordens religiosas, vendidos e leiloados em hasta
pública.
Com esta radical rutura com o passado, eram as instituições e as estruturas do
Estado as visadas, não o Credo. Pela Constituição de 1822, no seu artigo 17.º,
o Reino era católico. Mas mais, pelo artigo 10.º da mesma Constituição, o Es-
tado estava obrigado a ajudar as entidades religiosas, a perseguir e a castigar os
cidadãos que fugissem à ortodoxia católica.
Num século profundamente marcado por movimentos sociais, totalmente no-
vos, com dinâmicas de uma força tremenda, ao mesmo tempo que o Catolicis-
mo era religião de Estado, nos anos sessenta (1865-67), os meios intelectuais
eram sacudidos pela polémica em volta da questão do casamento civil. Pelo
211
meio, em 1848, era, finalmente, assinada uma Concordata com o Vaticano, re-
sultado de uma franca estabilização da situação.
Ao longo de parte do século, surgem fortes linhas de contestação a estas me-
didas; correntes ultramontanas agitam o tecido social, nomeadamente os mais
próximos aos valores miguelistas, mais conservadores. Fruto desta forma con-
turbada de o Estado se relacionar com o mundo religioso, é a polémica que
surge quando, em 1857, as Irmãs da Caridade – de origem francesa – são acu-
sadas de se imiscuírem em domínios do ensino. A polémica sobe às instâncias
parlamentares e ganha foros de agitação de rua. Passados cinco anos, em 1862,
essa congregação religiosa abandona o território nacional.
O País tinha sido católico ao longo de vários séculos da sua história, e assim
se mantinha na viragem de Novecentos. Neste quadro, a jovem República, pela
mão de Afonso Costa, ministro do significativamente designado Ministério da
Justiça e dos Cultos, voltava a expulsar e a extinguir as Congregações e Ordens
religiosas, lançando uma significativa perseguição ao clero.
A sua sequência principal de decretos é, para 1910: a 8 de outubro, expulsa
os Jesuítas e adota um formulário laico na correspondência oficial, abolindo a
expressão «de Cristo», na indicação do ano civil; a 10 do mesmo mês, decreta
a abolição do juramento religioso, nos atos civis; ainda a 12 do mesmo mês,
abole a quase totalidade dos feriados religiosos, transformando-os em dias úteis
de trabalho; a 3 de novembro, publica a lei sobre o divórcio; significativamente,
a 25 de dezembro, publica a lei sobre o casamento e a proteção dos filhos; e, em
1911, é de referir a lei de 20 de abril, que separa a Igreja do Estado.
No campo do ensino, a 22 de outubro, era extinto o ensino da Doutrina Cristã
nas escolas, e, no dia seguinte, eram anuladas as matrículas na Faculdade de
Teologia de Coimbra – só os alunos já em formação terminariam os seus es-
tudos. Só em 1968 voltaria a existir, em Portugal, uma instituição de ensino
teológico superior, uma Faculdade de Teologia. Esta situação manter-se-ia ao
longo de toda a I República, mas também de quase todo o Estado Novo. De
facto, o regime que nasce após a revolução de 1926 não deixa grande possibi-
lidade de crescimento ao meio teológico nacional. O cardeal Cerejeira e o pri-
meiro-ministro Salazar, apesar de algumas fortes proximidades que os uniam,
não se encontram na formulação de uma instituição teológica. A criação de uma
universidade católica completa, com todas as faculdades e autonomias neces-
sárias, era uma dimensão que o ditador não queria entregar à Igreja, apesar de
ser a Católica.
212
A Constituição republicana, votada a 21 de agosto de 1911, pela Assembleia
Constituinte, presidida por Anselmo Braamcamp Freire, afirmava de forma
clara e inequívoca, num forte articulado estrategicamente colocado entre a pri-
meira dezena de estipulações, a laicidade do Estado e a liberdade de crença. O
Estado tornava-se laico, num claro sentido anticlerical. Eis o seu articulado:
213
desde 1910. Afirmando genericamente a liberdade religiosa, herança impossí-
vel de perder da I República, assumia e levava para o campo do ensino a noção
de que a Nação tinha uma religião: a Católica. Vejamos a Constituição aprova-
da por plebiscito, a 19 de março de 1933:
214
alguma da anteriormente tida como religião tradicional. Vejamos o texto cons-
titucional:
215
Numericamente, a Igreja Católica é a entidade religiosa mais importante no
País. Uma parte muito significativa da população nacional afirma ser católica.
Segundo o Censos de 2011, 81% dos portugueses declararam ser católicos.
Nessa análise populacional (onde a resposta não era obrigatória, e que apenas
incidia sobre os maiores de 15 anos de idade), verifica-se ainda que, apesar de
alguma homogeneidade nacional, algumas regiões apresentam valores franca-
mente maiores que outras. De facto, nenhuma das regiões apresenta valores
que remetam o catolicismo para a ordem da simples maioria, mas é interessante
verificar que a Sul do Tejo os valores descem para valores na casa das sete deze-
nas. No restante País, Norte e Ilhas, os valores andam sempre muito próximos
dos noventa por cento, quando não acima desse valor.
Na leitura desse mesmo Censos, verificamos ainda que os valores para Protes-
tantes e Ortodoxos eram, na altura, bastante baixos, sendo que era no Algarve
que se encontravam números ainda assim superiores. No Norte, mais católico,
os valores eram mais próximos do zero.
216
Islão
Comunidade de Crentes | Umma
O Profeta
Muhammad (ou Maomé) nasceu por volta do ano 570. Foi criado por um tio,
pois perdeu o pai ainda antes do seu nascimento. Apesar de oriundo de uma
conceituada família do clã Hâshim da poderosa tribo de comerciantes dos Qo-
raysh (Coraixitas) de Meca, a desafortunada circunstância de orfandade que
envolveu o seu nascimento e meninice (pois perdeu também a mãe aos seis
anos e o avô, a quem tinha sido entregue a sua tutoria, aos oito), ter-lhe-á ditado
uma infância e juventude com muitas privações, podendo dizer-se dele que terá
conhecido a pobreza.
Para o Islão, Maomé é o mais recente e último profeta do Deus de Abraão. Nes-
te sentido, o Islão integra as chamadas «religiões do livro», isto é, as religiões
que também se identificam com essa origem comum de Abraão: o Judaísmo e
o Cristianismo.
Para os muçulmanos, Muhammad foi precedido, no seu papel de Profeta, por
Jesus, Moisés, David, Jacob, Isaac, Ismael e Abraão, entre outros.
Para os muçulmanos, é absolutamente proibida qualquer representação ou fi-
guração de qualquer um dos Profetas do Islão, isto é, dos Profetas abraâmicos.
219
Locais Sagrados
Meca
A Caaba
220
Medina
Jerusalém
221
Os Cinco Pilares do Islão
• Al-Shahadah («testemunho»)
• Al-Salah («oração»)
Todo o muçulmano deve orar cinco vezes por dia. A oração, feita em comuni-
dade, em grupo numa mesquita, ou individualmente, deve ser feita na direcção
da cidade santa de Meca.
222
Oração da Noite: Normalmente feita cerca de hora e meia depois da
oração anterior, podendo ser feita até antes do raiar da aurora da manhã
seguinte.
• Al-Siyam («jejum»)
O jejum que todo o muçulmano, em plena condição física, deve fazer durante
o Ramadão. Nesse jejum o crente deve abster-se de comer, beber e ter relações
sexuais, desde o nascer até ao pôr do sol.
• Al-Zakat («esmola»)
• Al Hajj («peregrinação»)
Calendário do Islão
Com 12 meses lunares (da lua nova até à lua nova seguinte), o calendário islâ-
mico
começou no ano 622 do calendário gregoriano. Em cada ciclo de 30 anos, tem
11 anos com 355 dias e os restantes com 354 dias.
223
Festas e Celebrações
O ciclo anual de festas do Islão assenta, com algumas variantes regionais, nos
seguintes momentos:
224
Simbologia
O Hillal (Crescente da Lua Nova, sinal para a contagem do início dos meses,
associado a uma estrela) é, por excelência, o símbolo (não sagrado) do Islão,
assinalando a centralidade dos símbolos lunares e do próprio calendário.
Actualmente, este símbolo encontra-se presente em muitas das bandeiras dos
países islâmicos, assim como na correspondente muçulmana da Cruz Vermelha
Internacional.
A diversidade do Islão
Sunitas e Xiitas
Sem deixar claro quem deveria ser o seu sucessor na liderança da comunidade
muçulmana (a Umma), os anciãos da comunidade entenderam que Abu Bakr,
um dos primeiros convertidos ao Islão e companheiro fiel do profeta, deveria
ser o líder. Abu Bakr foi o líder até à sua morte, dois anos depois. Sucedeu-lhe
Omar que dirigiu a comunidade por dez anos; e, logo de seguida, Otman, du-
rante doze anos.
Após a morte de Otman, deu-se uma disputa em torno de quem deveria ser
o novo califa. Para alguns, essa honra deveria recair sobre Ali, primo de
Muhammad e seu genro, casado com a filha Fátima. Para outros, o califa deve-
ria ser o primo de Otman, Muawiyah. Acabou por ser eleito de Ali, em 656, mas
logo foi contestado por Muawiyah, tendo eclodido uma guerra civil, entre as
duas facções. Ali acabaria por ser assassinado, em 661, e Muawiyah conquistou
a liderança para si e para a sua família, fundando a dinastia dos Omíadas.
O conflito entre os dois campos não terminaria aqui, estendendo-se até aos dias
de hoje. Daqui resultou o surgimento das duas grandes tradições islâmicas: o
Islão Sunita (maioritária, cerca de 90%) e o Islão Xiita (da linhagem familiar
do Profeta).
O Islão Xiita está subdividido em três ramos principais, de acordo com o nú-
mero de Imãs reconhecidos: Xiitas dos Doze Imãs, Ismaelitas e Zaiditas. To-
dos estão de acordo, quanto à legitimidade dos quatro primeiros Imãs, porém,
discordam em relação ao quinto: a maioria dos Xiitas acredita que o neto de
225
Hussein, Muhammad al-Baquir, era o imã legítimo, enquanto os outros seguem
o irmão de al-Baquir, Zayd bin Ali (Zaiditas).
Os Xiitas que não reconheceram Zayd como imã permaneceram unidos durante
algum tempo. O sexto Imã, Jafar al-Sadiq (702-765), foi um grande erudito,
tido em consideração pelos teólogos sunitas. A principal escola xiita de lei reli-
giosa recebeu a denominação de «Jafari» por sua causa.
Após a morte de Jafar al-Sadiq ocorreu uma cisão no grupo: uns reconheciam
como Imã o filho mais velho de al-Sadiq, Ismail bin Jafar (m. 765), enquanto
que, para outros, o Imã era o filho mais novo, Musa al-Kazim (m. 799). Este
último grupo continuou a seguir uma cadeia de Imãs até ao décimo segundo,
Muhammad al-Mahdi (falecido, ou de acordo com a visão religiosa, desapare-
cido em 874). Os primeiros ficaram conhecidos como Ismaelitas; os que segui-
ram uma cadeia de doze imãs ficaram conhecidos como os Xiitas dos Doze; o
termo «xiita» é geralmente aplicado aos Xiitas dos Doze, que são maioritários
no Irão.
Sufismo
O Alcorão
226
e antigas, «qr’» que genericamente significa: ler, recitar, clamar, convocar, cha-
mar, invocar, isto é, o que é para ser lido ou declamado, portanto, o livro por
excelência).
O Alcorão foi revelado a Muhammad, entre os anos de 609 e 632 do calendário
gregoriano; a primeira revelação foi recebida na cava de Hira, junto a Meca. O
Alcorão é composto de Suras (capítulos), 92 das quais reveladas em Meca e 22
em Medina, perfazendo um total de 114. Ao todo, compreende 6616 versículos.
Decorando a revelação, Muhammad recitou-a aos seus companheiros que a te-
rão escrito no material que tinham à disposição (omoplatas de camelo, folhas de
palmeira, pedras). As revelações a Muhammad foram, mais tarde, reunidas em
forma de livro. Considera-se que a estruturação do Alcorão como livro ocorreu
entre 650 e 656.
Suna e Hadith
A palavra árabe Suna significa ‘um caminho’, logo, suna do profeta significa os
caminhos do profeta, ou aquilo que é normalmente conhecido como Tradições
do Profeta - feitos, dizeres e aprovações do Profeta ao longo dos seus 23 anos
de profeta. Logo após o Alcorão, a Suna é segunda fonte da lei islâmica.
O Hadith é uma colecção das narrações durante o mesmo período. A grande di-
ferença com a categoria anterior reside no facto dos Hadiths serem classificadas
quanto ao seu estatuto, em relação aos seus textos e à sua cadeia de transmisso-
res, mediante uma análise criteriosa de veracidade.
O Islão em Portugal
227
A queda da Dinastia Omíada, em Damasco, e a instalação dos novos senhores
do Islão, os Abássidas, em Bagdade, trouxeram importantes alterações ao pa-
norama político do Andaluz. O único sobrevivente dos Omeias chegou à Penín-
sula Ibérica em 756, onde se intitulou emir.
As revoltas muladis, iniciadas nos finais do século VIII, por perda de autono-
mia com a criação do califado, vão-se prolongar durante mais de um século,
conferindo a este território um estatuto de ampla autonomia, que só viria a ser
cerceado pelas campanhas militares do futuro califa Abd ar-Rahman III (835).
O grande período das revoltas muladis no Garbe coincide com a segunda meta-
de do século IX e encontra-se intimamente ligado às ações de um chefe militar
de grande importância para a história do Ocidente peninsular, Marwan al-Jilhi-
qi, filho do governador com o mesmo nome.
A submissão dos Marwan à autoridade de Abd ar-Rahman III consumou a rea-
lização de uma campanha militar do já então califa no Garbe. A unificação
operada por Abd ar-Rahman III concluiu um século de luta pelo controlo do
território do Garbe.
228
A época de apogeu destes reinos independentes tem o seu término ao longo
do século XI, quando a Dinastia Abádida, sediada em Sevilha, começa a sua
expansão por toda a Península Ibérica. A estratégia hegemónica abádida culmi-
naria, em 1054, com a conquista de Silves. Apenas em 1094 a taifa de Badajoz
desapareceria.
A fragilidade de um poder central e centralizador islâmico estava longe de se
poder efectivar de facto. Ao mesmo tempo, as lutas internas entre senhores mi-
litares, entre taifas, e entre Sevilha e os poderes locais, mostraram a Afonso VI
a viabilidade de expandir o território cristão. Em 1085, este monarca conquis-
tava a mítica capital do último monarca visigodo, e colocava a marca no Tejo.
229
Os Almóadas levam a cabo, entre 1161 e 1195, oito campanhas militares no
Garbe. A mais notável dessas campanhas culminou no estabelecimento de
uma aliança entre Abu Yusuf Yaqub al-Mansur e o rei de Leão, aliados contra
Afonso VIII de Castela, a quem vencem na Batalha de Alarcos, em 1195, feito
notável, que permitiria ao Islão contrariar, durante alguns anos, o avanço da
Reconquista. A fronteira entre cristãos e muçulmanos ficaria fixada no rio Tejo,
durante aproximadamente 40 anos.
A fase final da presença islâmica no Garbe inicia-se após a derrota do emir
muçulmano Ibn Abd Allah Muhammnad Na-Nasir, em Navas de Tolosa (1212),
batalha que marca o arranque da Reconquista definitiva de todo o atual Alentejo
e Algarve.
230
Marcelo Rebelo de Sousa, e as comunidades religiosas, no dia da sua tomada
de posse.
A 10 de Junho de 1983, nascia uma Sala de Culto em Odivelas, reinaugurada
como mesquita, em 21 de junho de 1991.
Em Lisboa, existe ainda a Comunidade Ismaelita, totalmente autónoma das res-
tantes, com local de culto próprio e organização interna própria. A sua sede e
lugar de culto situa-se nas Laranjeiras, em Lisboa.
A sul do Tejo, a comunidade do Laranjeiro, Comunidade Islâmica do Sul do
Tejo, foi fundada em 1982. Da dinâmica desta comunidade nasceria, em 2001,
o Colégio Islâmico de Palmela.
No Porto, em novembro de 1998, era constituída a Comissão Instaladora do
Centro Cultural Islâmico do Porto. O Lugar de Culto Islâmico Hazrat Bilal era
inaugurado, em 20 de maio de 2001.
231
Fé Bahá’í
Paulo Mendes Pinto
Fé Bahá’í
Origens
235
Figuras centrais e fundadoras
Para os Bahá’ís, já existiria, desde o século XVII, uma profecia que apontava
para o despontar desta nova religião. Ao mestre xiíta Shaykh Ahmad-i-Ahasá’í
(1735-1834) teria sido transmitido o conhecimento, não só do lugar onde se
daria o início da Fé Bahá’í, mas também o dia, a hora e o ano em que nasceria
Bahá’u’lláh.
Bab (1819-1850)
236
Bahá’u’lláh (1817-1892)
237
Abdu’l-Bahá (1844-1921)
Com Shoghi Effendi, que dirigiu a Fé Bahá’í de 1921 a 1957, surgia a Guardia-
nia, para que em seguida, no ano de 1963, se estabelecesse – como o arquitec-
tou Bahá’u’lláh – a Casa Universal de Justiça: a autoridade legislativa e espi-
ritual máxima da Fé, compos-ta por nove membros e eleita a cada cinco anos.
Foi sob a direção de Shoghi Effendi que a Comunidade Bahá’í construiu uma
forte e sólida organização administrativa que ele dirigiu diretamente.
Os seus escritos integram, essencialmente, interpretações das Escrituras Sagra-
das Bahá’ís (do Bab, de Bahá’u’lláh e de ‘Abdu’l-Bahá).
Shoghi Effendi faleceu em novembro de 1957.
238
Calendário dos meses da Fé Bahá’í
1. Bahá (Esplendor)
2. Jalál (Glória)
3. Jamál (Beleza)
4. Azamat (Grandeza)
5. Núr (Luz)
6. Rahmat (Misericórdia)
7. Kalimat (Palavras)
8. Kamál (Perfeição)
9. Asmá (Nomes)
10. Izzat (Força)
11. Mashíyyat (Vontade)
12. Ilm (Sabedoria)
13. Qudrat (Poder)
14. Qawl (Discurso)
15. Masá’il (Perguntas)
16. Sharaf (Honra)
17. Sultán (Soberania)
18. Mulk (Domínio)
19. Alá (Sublimidade)
239
Festas e celebrações
Símbolos
As Instituições
O universo religioso dos Bahá’ís não integra nenhuma função sacerdotal com
o significado corrente no Cristianismo. A igualdade, como um dos princípios
240
fundamentais da sua fé, é aplicada a todas as formas de relacionamento entre
indivíduos, comunidades e instituições.
A administração e as instituições bahá’ís funcionam de acordo com os princí-
pios de igualdade proclamados por Bahá’u’lláh, cimentados em instituições por
Ele formuladas que foram, ao longo do tempo, trazidas à luz do dia.
Estas instituições, que serão tratadas abaixo, são administradas por corpos elei-
tos a nível internacional, nacional ou local, conforme a sua natureza e função.
Os processos de eleição excluem a existência de partidos ou de nomeações e
impedem qualquer situação próxima de uma eventual propaganda.
Todos os cargos, funções e instituições estão obrigados a uma regra basilar de
funcionamento: o processo de tomada de decisão é sempre realizado através
da consulta, na qual cada membro da instituição tem os mesmos direitos e as
mesmas possibilidades de se expressar.
Constituída por nove membros eleitos, de cinco em cinco anos, por todas as
Assem-bleias Espirituais Nacionais do mundo, a Casa Universal está sedeada
em Haifa, no Centro Mundial da Fé Bahá’í.
Tal como sucede nos restantes monoteísmos mediterrânicos (Judaísmo, Cris-
tianismo e Islão), também a Fé Bahá’í está profundamente ligada à tradicional-
mente chamada, e pelos Bahá’ís incorporada, Terra Santa. De facto, o Centro
Mundial Bahá’í situase aí porque na Terra Santa estão os túmulos das três figu-
ras centrais da sua fé: o Bab, Bahá’u’lláh e ‘Abdu’l-Bahá.
Por decisão de Bahá’u’lláh, o corpo administrativo da Fé Bahá’í também aí
está estabelecido. A Casa Universal de Justiça dirige o desenvolvimento da Fé
e implementa os ensinamentos de Bahá’u’lláh na comunidade.
Tal como existe uma assembleia de nove elementos eleitos a nível mundial, na
casa Universal de Justiça, também a nível nacional a estrutura é significativa-
mente semelhante: uma assembleia de nove membros eleitos é responsável pela
administração dos assuntos da Fé Bahá’í a este nível nacional.
Todos os anos, os crentes Bahá’ís elegem os delegados à Convenção Nacional
que elege a Assembleia Espiritual Nacional. Esta, tem por missão, estimular,
241
unificar e coor-denar as atividades dos Bahá’ís e dirige os assuntos gerais da Fé,
no país em questão, nunca esquecendo a consulta na tomada de decisão.
Fé e devir da Humanidade
242
Nesta ideia de uma fraternidade social e individual, o indivíduo bahá’í procura
ser fonte e motor do bem social, reconhecendo no seu próximo a pessoa cujas
necessidades deve colocar antes das suas próprias. Nesta visão construtiva da
integração social, sempre vocacionada para uma dimensão de unidade mundial,
o bahá’í entende que o amor ao próximo se concretiza no serviço incondicional
à causa da Humanidade.
Nesta visão de unidade global, os Bahá’ís dão um lugar de destaque à diversi-
dade de cada indivíduo, afirmando ser essa a base fundamental do fenómeno
da consulta, fonte primeira de todo o processo decisório nas várias estruturas
que regem as comunidades. Defendendo esta unidade na diversidade, afirmam
que a expressão formal desta unidade é o princípio de «cidadania mundial»,
rejeitando, assim, qualquer ideia de uniformidade.
Os objetivos da Fé Bahá’í
1. A busca da verdade;
2. A unidade do género humano;
3. A religião deve ser causa de amor;
4. A unidade da religião e da ciência;
5. Preconceitos de religião, raça e ódio, a guerra e a carnificina são
causadas por um ou outro desses preconceitos;
6. Oportunidades iguais para a obtenção dos meios de subsistência;
7. A igualdade dos homens perante a lei;
8. A paz universal;
9. Que a religião não deve se intrometer nas questões políticas;
10. A educação da mulher;
11. O poder do Espírito Santo é o único meio para se realizar o
desenvolvimento espiritual.
243
Ou, materializados em princípios e objectivos mais actuais:
244
Investigação Independente da Verdade – Esta é a primeira vez na História da
Humanidade em que a busca independente da verdade é uma prática possível.
A verdadeira investigação independente exige muito mais do Homem que a
aceitação cega de uma Fé ensinada por outrem.
245
A Fé Bahá’í em Portugal
246
publicações, cursos de formação, conferências públicas e aulas de educação
moral.
247
Ateísmo
Luís Ferreira Rodrigues
Ateísmo
Conceções de Deus
Ser Inteligente
No que diz respeito à sua identidade, esta conceção assume que deus é singular
(nomeadamente, o Deus das tradições abraâmicas) ou pode coexistir com ou-
tros deuses (deuses das tradições pagãs); no que diz respeito ao poder, grau de
decisão e intervenção, deus pode ser absolutamente omnipotente, omnisciente e
omnipresente ou, pelo contrário, não possuir em pleno esses poderes. Contudo,
o que unifica todas estas características aparentemente distintas é a natureza
intelectiva que se atribui ao agente divino: independentemente do seu poder,
presença ou ausência do mundo natural (ou seja, da sua imanência ou transcen-
dência), deus é um ser pensante, investido de uma identidade própria.
Energia ou Força
251
sa original do que existe, da qual emana toda a realidade do mundo), refletem
o conceito de absoluta ausência de um agente pessoal dotado de volição cons-
ciente; ou seja, ele é tudo, ele está em tudo o que existe. É importante salientar
que, para este conceito de divino, «energia» ou «força» são tomadas como algo
não mensurável (ao contrário das forças físicas como a gravidade ou o electro-
magnetismo, por exemplo), apresentando-se assim como meras abstrações ou
suposições e não como evidências de natureza real e material.
«Algo»
Unanimismo
252
massas do que por meios de aferição verificável de qualquer pendor sobrenatu-
ral na vida dos humanos.
Teleologia
Cosmologia
Ontologia
253
Os ateus consideram injustificada essa asserção, encontrando a resposta para a
presença de uma «ideia de deus» em razões de inscrição social ou biológica.
Moralidade
Para alguns teístas, se Deus não existisse, o mundo seria um caótico deserto
moral, onde campearia a total permissividade e desordem. Só a existência de
Deus (também Ele, um ser moral) permite a conceção de um ser humano que
deseja o puro bem e contribui, de forma abnegada, para o desenvolvimento
harmonioso da sociedade a que pertence. Os ateus rejeitam a natureza divina
da moralidade, apontando para as diver-sas contradições, como a da existên-
cia do mal, num mundo criado por um Deus bom, a verificável oposição de
conceitos de moralidade, em religiões diferentes, etc. Assim, para o ateísmo,
a moralidade não passa de uma convenção social adotada por conveniência
ou necessidade da comunidade e dos indivíduos que a compõem – a qual tem
variado ao longo do tempo, em função do contexto histórico, político, religioso,
intelectual, económico, etc.
Historicidade
Evidencialismo
254
santos, milagres, exorcismos, aparições fantasmagóricas e todo um conjunto de
experiências místicas/metafísicas/mistéricas são paradoxalmente apresentadas
como provas naturais da divindade. Mais uma vez, os ateus recusam a valida-
de dessas provas, desmentindo-as através de justificações providenciadas pelas
mais variadas disciplinas científicas: Psicologia, Biologia, Física, Química, etc.
Para os ateus, qualquer relação causa/efeito que pretenda explicar um fenóme-
no, dispensa que se coloquem entidades abstratas, indefinidas, intangíveis e
imensuráveis, na equação dessa explicação.
Utilitarismo
Estética
255
A Filosofia do Ateísmo
256
análise crítica, ou como uma reação brusca e revoltada, direcionada contra os
valores ou instituições teístas.
Conclui-se assim que o ateísmo é essencialmente uma filosofia de refutação e
não uma filosofia de confirmação; ou seja: ele constitui muito mais uma res-
posta (sempre negativa) às asserções produzidas por aqueles que defendem a
existência da Divindade, do que propriamente uma filosofia independente que
pugna por determinados valores e princípios (como o humanismo secular, por
exemplo). Pode concluir-se do exposto que o ateísmo se compreende e justifica
unicamente por oposição ao teísmo. Neste sentido, o ateísmo pode ser entendi-
do como uma filosofia de resposta.
Período Clássico
257
Período Medieval
Renascença e Iluminismo
258
clássicas e protestantes descentraram a endoutrinada «verdade» da Igreja Ca-
tólica, dando origem a uma fragmentação religiosa, cultural, política e militar
da Europa. Essa fragmentação fratricida (guerra entre protestantes e católicos)
descredibilizou a religião e fez emergir um pensamento secular mais acentua-
do. Também na área da ciência, especialmente através da obra de Isaac Newton,
percebeu-se que a natureza era explicável através de leis e relações mecânicas
de causa/efeito, compreensíveis através da linguagem matemática, dispensando
assim qualquer elaboração de ordem teológica e de intervenção divina. A reli-
gião e o espiritual retraíam-se e o ser humano, através de explicações puramen-
te naturais, emergia. Surgia assim o Iluminismo, a filosofia que pretendia «dar
luz» a explicações então obscurecidas pela penumbra místico-religiosa. Auto-
res como Voltaire, Holbach, Diderot, Hume, Meslier, La Metrie, entre outros,
quando não eram claramente ateístas (Holbach), eram pelo menos, claramente
anticlericais (Voltaire).
Ateísmo Moderno
259
Friedrich Nietzsche, por sua vez, anunciava, em Assim Falou Zaratustra, «a
morte de Deus»: ou seja, a morte de um sentido religioso para a vida, o qual
seria substituído pela vontade individual e heróica do ser humano do futuro, o
«super-homem» (Ubermensch). O século XIX foi também o século de Charles
Darwin, biólogo inglês que, ao propor a teoria da evolução natural, permitiu
remover deus do seu último reduto: o da Criação. Pode-se por isso dizer que,
ao providenciar um vasto argumentário filosófico, biológico, antropológico,
psiquiátrico, etc., para justificar a inexistência de deus, o século XIX é, por
excelência, o século do ateísmo moderno.
Ateísmo Revolucionário
O final do século XIX e o início do século XX ficaram marcados por uma for-
te consciência política e social, a qual inevitavelmente se transportaria para o
campo da discussão religiosa. Com uma Europa em crescente industrialização,
a torrente de operários que se começava a aglomerar nos principais centros
urbanos para pôr em movimento a grande máquina do progresso não conseguia
encontrar na cidade a qualidade de vida almejada. Marx contestava o mode-
lo capitalista vigente e idealizava uma sociedade sem classes sociais (utopia
que só poderia ser obtida através da iniciativa revolucionária do proletariado)
e classificava a religião, como um instrumento de poder ao serviço das clas-
ses exploradoras. Assim, o que interessava essencialmente a Marx era atacar
a origem do problema no seu todo – a organização económica e social – e não
um dos sintomas que reforçava a submissão popular (a religião). Por outra via,
também o francês Pierre-Joseph Proudhon, defensor do anarquismo, condenava
a sujeição do indivíduo às instituições hierárquicas do Estado e da sociedade
– entre as quais se inseria também a religião e as igrejas. Neste sentido, o que
há a salientar de relevante na reivindicação socialista e revolucionária para a
história do ateísmo é a sua cada vez maior preocupação com os aspetos mate-
riais da existência humana em detrimento dos aspetos espirituais e metafísi-
cos até então prevalecentes. As doutrinas radicais de esquerda (comunismo e
anarquismo), quando não explicitamente ateias, eram claramente anticlericais.
Essa posição encontrou a oposição das doutrinas radicais de direita (fascistas e
nazis) que defendiam o conservadorismo social e a conformidade com a ordem
pré-estabelecida. Com as duas grandes Guerras Mundiais, o debate teológico
ficou em suspenso (utilizado apenas como arma de arremesso no período da
260
Guerra Fria, entre os devotos cristãos do mundo capitalista da Aliança Atlân-
tica e os ateus comunistas aderentes ao Pacto de Varsóvia). As reivindicações
sociais do ateísmo russo deixaram de se fazer ouvir quando foram tomadas pelo
totalitarismo do aparelho comunista soviético. Desde então, o debate sobre a
existência de Deus, continuou sob os auspícios da reflexão introspectiva do
Existencialismo (Camus e Sartre) ou pela reflexão analítica e lógica do Neopo-
sitivismo (Carnap e o Círculo de Viena).
O Novo Ateísmo
261
deuses ocidentais é, por via dessa indefinição ou incoerência, menos propensa a
originar correntes de pensamento dogmático ou fundamentalista.
Ateísmo em Portugal
Portugal Medieval
262
doutrinal da Inquisição, Portugal exacerbou e deslumbrou-se com a sua «voca-
ção missionária», parecendo querer servir mais a Igreja do que o seu rei. Esta
devoção cega culminou no desastre do Sebastianismo. Mais uma vez, como
se percebe, este contexto continuava a inviabilizar qualquer questionamento
filosófico ateísta no País.
Portugal Iluminista
263
Portugal. D. Miguel, expoente máximo do conservadorismo religioso e absolu-
tista emerge como rei, apoiado pela população ressentida. A burguesia liberal,
mais condescendente em matéria religiosa, só irá retomar o trono em 1834. Na
Europa, começava a despontar o espírito romântico, apologista de um misti-
cismo naturalista e da emancipação artística e emocional do indivíduo. Contu-
do, em Portugal, essas potencialidades criativas mantinham a sua matriz cristã.
Só em 1871, no âmbito das propaladas Conferências do Casino, se questiona
abertamente a religião: Antero apresenta as Causas da Decadência dos Povos
Peninsulares, atribuindo responsabilidades por essa decadência ao catolicismo
jesuíta. Contudo, o ataque é feito à instituição da religião (Catolicismo) e não
à filosofia da religião (Cristianismo) vigente. Portugal permanece acomodado
à sua matriz cristã e o ateísmo permanece circunscrito a pequenos grupos de
debate filosófico.
Numa fase inicial, o século XX português parece ser marcado pelo aparecimen-
to de ideias progressivas e modelos políticos democráticos – Positivismo e Re-
publicanismo. A recepção do Positivismo em Portugal foi tardia, mas profícua,
contribuindo larga-mente para difundir (especialmente pela via da intervenção
política e científica) ideais ateístas e/ou laicos, nas principais instâncias do Es-
tado e da sociedade. Contudo, a sua fraca difusão entre as classes populares
relegava para as elites burguesas e urbanas a adesão a esta filosofia. Apesar
da fraca industrialização do País, ainda assim surgiram ideias ateístas asso-
ciadas aos movimentos doutrinários de inspiração socialista (comu-nismo e o
anarquismo) perfilhadas pelo emergente proletariado urbano que trabalhava na
indústria. Contudo, as crises internacionais que despoletaram as duas Gran-
des Guerras Mundiais, cercearam os movimentos liberais e fizeram emergir as
grandes ideologias totalitárias, nacionalistas e conservadoras (nazismo e fascis-
mo), inimigas do livre-pensamento e de qualquer contestação ateísta.
264
materialista e pró-científico marcam a sua presença, afirmando os seus virtuo-
sismos; quando as instituições liberais falham, retorna o conservadorismo, a
religiosidade e a superstição. O idealismo católico (apologista da autoridade
incondicional) e o pragmatismo militarista (sustentáculo da dominação institu-
cional do Estado), facilmente convergem e se mimetizam no chamado «Estado
Novo» – o regime político instaurado por Salazar, pautado por ser antiliberal,
antissocialista, anticomunista, anterrepublicano, antiparlamentar, conservador
e católico. Com a imposição da censura a qualquer forma ideológica de dis-
sensão, o ateísmo desaparece do espaço público, sendo encarado como uma
filosofia antinatural e antipatriótica.
Portugal Contemporâneo
Ateísmo no Mundo
265
mente inexistente em África, América do Sul, Médio Oriente e Ásia. Zucker-
man refere que a maior parte das nações caracterizadas por elevados graus de
segurança social e individual, têm as maiores taxas de ateísmo e, inversamente,
nações caracterizadas por baixos níveis de segurança social e individual, são
as que possuem a maior taxa de crentes. Conclui ainda o autor que altos níveis
de ateísmo estão fortemente correlacionados com elevados níveis de saúde pú-
blica, baixas taxas de pobreza e igualdade de género. Em muitas sociedades, o
ateísmo é crescente, mas nos países pobres e subdesenvolvidos – aqueles que
possuem as mais altas taxas de natalidade – o ateísmo é praticamente inexis-
tente.
266
Orixás
Tradições de raiz Afro-Brasileira
Origens
269
origem católica. Nesse contexto, a convivência entre africanos possibilitou a
estruturação de um culto. Similar processo ocorreu no Pernambuco, dando ori-
gem ao chamado Xangô do Pernambuco, no Rio Grande do Sul, dando origem
ao Batuque, e, no Maranhão, com o Tambor de Mina. Ainda no Brasil, no Rio
de Janeiro do começo do século XX, as tradições religiosas africanas foram
mescladas com o kardecismo, cultos ameríndios e o catolicismo popular, dando
origem à Umbanda, religião estilizada em padrões europeus e no mito do «bom
selvagem», e que pretendia, inicialmente, afastar-se das práticas africanas, na
época condenadas e proibidas.
Em Cuba, mas também na República Dominicana e Porto Rico, a leva de es-
cravos de origem yorùbá, no mesmo período da instituição do Candomblé, e
o processo de ordenação cultural e religiosa deu origem à Santería (também
designada por Lukumi e Regla Ocha), termos usados pelos colonos espanhóis
para, pejorativamente, designar as práticas religiosas africanas na região.
270
Ìyánásò Oká (ou Ìyá Násò Oká)
Bámgbóṣé Obitikò
Obá Sanyá
Bàbá Tàlábí
271
prietário, a partir da medicina africana, ganhou a liberdade (alforria), tendo-se
dedicado ao comércio. Em 1820, na cidade de Cachoeira, no interior baiano,
participou na fundação de um templo dedicado a Ajunsun, divindade daomeana
da terra e das doenças. Em 1836, Bàbá Tàlábí, com o intuito de consolidar as
bases do culto a Ajunsún, na Bahia, adquiriu a sua primeira propriedade, na
Rua das Grades de Ferros, em Salvador, comprando a liberdade dos seus neó-
fitos. Em 1846, mudou o seu templo para o local onde até hoje está a Casa de
Oxumarê.
Calendário Yorùbá
Não apenas diferindo no que concerne a cada cidade ou país, mas também a
cada templo, possuindo cada qual o seu próprio calendário litúrgico, expressan-
do a grande autonomia das religiões dos Orixás. No entanto, é possível apre-
sentar o Calendário Yorùbá nativo, atual, organizado em função do calendário
gregoriano (ocidental):
Sere / Janeiro.
Erele / Fevereiro – mês dedicado ao Olókun, divindade dos mares e
águas profundas.
Erénà / Março – mês dedicado a Odúdùwà, herói fundador da cultura
Yorùbá, e a Ọ̀ ṣọ́ọ̀sì, deus da caça.
Igbe / Abril – mês dedicado a Ògún, deus da metalurgia e das atividades
agrícolas e da guerra, e a Ọ̀ ṣun, deusa da fertilidade, das
águas puras, da beleza e do amor.
Èbìbí / Maio – mês dedicado aos ancestrais, quando são louvados e
recordados os grandes fundadores das linhagens
familiares.
Okudu / Junho – Ano Novo Yorùbá. Mês dedicado a Ọmọlú, divindade
das doenças e da terra, a Ọ̀ sọ́nyìn, senhor da medicina
herbalista, e a Yèmọnjá, senhora das águas, do lar e
matriarca Yorùbá.
272
Agẹmo / Julho – mês dedicado a Ọrúnmilà, deus da adivinhação, a Oko,
senhor da agricultura, a Èṣù, deus das trocas e
comunicação, e a Ṣàngó, deus do império, do fogo e
da justiça.
Ogun / Agosto – mês dedicado a Ọbàtálá-Òrìṣàńlá, deus da criação, da
atmosfera, o grande Orixá, pai de todos os deuses.
Òwéré / Setembro.
Ọwara / Outubro – mês dedicado a Oyá, deusa dos ventos, do relâmpago
e da transição dos espíritos para o Ọ̀ rún, o mundo-
outro, e a Ọ̀ ṣun, deusa da fertilidade, do amor, da
riqueza e das águas doces.
Bèlu / Novembro.
Òpé / Dezembro – mês dedicado a Obajulaiye, divindade da riqueza,
cultuado apenas em África.
Símbolos
Os símbolos nas religiões dos Orixás são inúmeros, uma vez que cada divinda-
de possui os seus, ligados às suas caraterísticas identificadoras. Entre os vários
exemplos, temos o Ofá (arco e flecha) de Ọ̀ ṣọ́ọ̀sì, o abebe, o espelho-leque de
Ọ̀ ṣun e Yèmọnjá, o qual remete para a beleza feminina, o Òpàṣòrò, o cajado
de Òrìṣàńlá, no qual este se apoia e que usou para a criação do mundo, o Oṣe,
o machado duplo de Ṣàngó, que representa a justiça que corta para ambos os
lados, o Oge, pilão, símbolo de Òṣògiyán, o qual usa este para pisar o inhame e
fornecer este alimento vital na alimentação yorùbá aos seus devotos, o èrùkèrè
de Oyá, um objeto feito de rabo de cavalo que a deusa usa para espantar os es-
píritos nefastos, entre muitos outros objetos. No entanto, no Brasil, um templo é
identificado pela bandeira branca de Òrìṣàńlá, sem qualquer símbolo, colocada
no topo.
No caso da Umbanda, religião fortemente sincrética, a Cruz de Cristo é um
símbolo de grande importância.
273
Lugares sagrados
Nas diversas religiões dos Orixás, vários são os lugares sagrados. Em primeiro
lugar, os templos edificados e sacralizados para as práticas religiosas; os diver-
sos altares que passam pelos mesmos rituais; a Natureza no seu estado mais
puro; e, por fim, determinados lugares emblemáticos das origens religiosas,
como o rio Ọ̀ ṣun, na cidade de Òṣogbo (Nigéria); o rio Ògùn, em Abẹ́òkúta,
morada de Yèmọnjá; o templo de Ṣàngó, em Ọ̀yó ;̣ e todos os demais templos
no território africano. No Brasil, lugares como a Lagoa do Abaeté, o Dique
do Tororó ou a Pedra de Xangô, em Cajazeiras, são lugares emblemáticos dos
devotos dos Orixás.
Principais caraterísticas
274
soa da família. São religiões éticas, isto significa que não possuem uma noção
de pecado, inferno, céu ou salvação, sendo baseadas na ideia de compromisso
social e respeito.
Nos casos das religiões dos Orixás, no Brasil, a questão de género não confi-
gura qualquer problema, uma vez que existem papéis para homens e para mu-
lheres, o sacerdócio é universal, e qualquer identidade de género-sexual tem o
seu correspondente nas divindades, como Òṣùmàrè, o deus hermafrodita e das
transformações, ou Lògúnede, que possui uma identidade bissexual.
Como já mencionado, a Umbanda possui características próprias, uma vez que
mais sincretizada com o Catolicismo e com o Kardecismo, adquirindo, dali,
inúmeros princípios religiosos, seja a devoção mariana, dos santos, o culto de
Jesus ou a conceção de alma e karma. Regra geral, tem uma visão menos «afri-
cana» das divindades, uma vez que estas se encontram fortemente associadas
aos santos católicos, e onde a enfâse é colocada nas consultas mediúnicas com
espíritos dos índios brasileiros (caboclos), de marinheiros, de vaqueiros (boia-
deiro), de antigos escravos (pretos-velhos) ou marginais (exús e pomba-giras).
Nas religiões dos Orixás, em África, não é comum a individuação das divin-
dades, sendo que o culto é prestado ao Orixá protetor do agregado familiar e
da vila ou cidade. No Novo Mundo, devido às desestruturações familiares, os
Orixás passaram a estar consagrados no sujeito iniciado, pelo que cada pessoa
se liga a um Orixá, chamado «de cabeça», e, pelo menos, a outros dois, que
compõem a tríade de proteção dos iniciados, e que se chamam ajuntó.
Textos Sagrados
275
Principais Orixás
Èṣù (Exú) – Senhor dos caminhos, das trocas de toda a natureza, desde o
comércio ao sexo.
Ògún – Senhor do ferro, da metalurgia, da guerra, da agricultura. Princípio
da tecnologia.
Ọ̀ ṣọ́ọ̀sì (Oxóssi) – Senhor da caça e da fartura, grande provedor dos
alimentos.
Òsànyín (Ossain) – Senhor das plantas e da medicina.
Ọmọlú (Omolu) – Senhor da terra, do sol e das pestes.
Òṣùmàrè (Oxumarê) – Senhor do arco-íris, das transformações, da chuva,
das estações. A cobra que sustenta o mundo.
Yèwá – Senhora da visão, da beleza, do por do sol, das lagoas e do rio com
o seu nome.
Nàná Búrúnkú (Nanã Burunku) – Senhora do portal da morte, e das lamas
de onde Òrìṣàńlá moldou os seres vivos.
Ìroko (Irôcô) – árvore-Orixá, a primeira árvore na terra.
Lògúnede – Orixá da juventude, da caça e da pesca, filho de Oxóssi e Oxum.
Ọ̀ ṣun (Oxum) – deusa das águas doces, da beleza feminina, da fertilidade e
do amor.
Yèmonjá – Senhora do lar, da maternidade, de todas as águas, sendo cultuada
no Brasil, no mar.
Oba (Obá) – deusa dos excessos, da proteção da mulher, grande guerreira.
Oyá – senhora dos ventos, tempestades, do rio Níger, dos raios e que
encaminha as almas para a sua morada.
Ṣàngó (Xangô) – senhor do império, da força, da justiça, do trovão e do
fogo.
Ibeji – gémeos, princípio da fertilidade e protetores das crianças.
Òrìṣàńlá – o grande Orixá, pai de todos os deuses. Na sua feição velha,
Òṣòlúfọ̀n (Oxalufan) representa a criação do mundo, o velho curvado
em seu cajado, senhor da sabedoria, do ar, do fresco. Em sua feição
jovem, Òṣògiyán (Oxoguian), representa a guerra pela paz, a justiça,
a revolução transformadora, a provedoria dos inhames.
276
Religiões dos Orixás em Portugal
277
Cronologia
Momentos para uma História das Religiões
• c. 35.000 aEC
As mais antigas figurações femininas, «Vénus».
• c. 32.000 aEC
Pinturas rupestres de Chauvet (França).
• c. 20.000-10.000 aEC
Gravuras rupestres do Foz Côa (Portugal).
• c. 17.000 aEC
Pinturas rupestres de Lascaux (França).
• c. 9000 aEC
Göbekli Tepe (Turquia), o mais antigo templo conhecido.
• c. 6700 aEC
Çatal Hüyük (Turquia), o mais antigo assentamento urbano conhecido.
• c. 3200 aEC
A Escrita Cuneiforme surge na Suméria.
Pela mesma época são desenvolvidos os Hieróglifos, no Egito.
• c. 3000 aEC
Desenvolvimento de centros urbanos ao longo do rio Indo.
281
• c. 3000 aEC
Os mais antigos Zigurates conhecidas, na Suméria.
• c. 2800-1900 aEC
Civilização do Vale do Indo / Civilização Harappan (Harapa).
• c. 2600 aEC
Construção das Pirâmides de Guiza (Gizé), no Egipto.
• c. 2400/2300 aEC
Textos das Pirâmides.
• c. 2200 aEC
Versões mais antigas conhecidas dos textos religiosos sumérios
(Descida de Inanna ao Mundo Inferior).
• c. 2100-2050 aEC
Redação do Código de Ur-Nammu, o mais antigo código de leis escrito
da Suméria.
• c. 1900 aEC
Código de Lipit-Ishtar.
• c. 1800 aEC
Abraão, um dos três patriarcas do Judaísmo.
• c. 1780 aEC
Código de Hammurabi.
• c. 1550 aEC
Sistematização do Livro dos Mortos do Egito.
282
• c. 1500 aEC-500 EC
O Período Védico, na Índia.
• c. 1500-1100 aEC
É escrito o Rig-Veda.
• c. 1400 aEC
Redação da versão conhecida do Ciclo de Baal, Ugarit (Síria).
• c. 1020-1000 aEC
Reinado de Saul, primeiro rei de Israel.
• c. 1010-970 aEC
Reinado de David: o segundo rei de Israel.
• c. 970-930 aEC
Reinado de Salomão (filho de David).
Construção do Primeiro Templo de Jerusalém.
• c. 800-500 aEC
Movimento Profético, em Israel.
• c. 700-800 aEC
Redação da Teogonia de Hesíodo.
Redação da Ilíada e da Odisseia de Homero.
Escola Charvaka surge na Índia, em contravenção com a autoridade
tradicional dos Vedas.
• c. 628-551 aEC
Zaratustra, profeta persa, fundador do Zoroastrismo.
283
• c. 600-400 aEC
Sistematização escrita da Torah (ou Pentateuco)
• 599-527 aEC
Mahavira, o último tirthankara, segundo a tradição do Jainismo.
• 586 aEC
Destruição do Primeiro Templo de Jerusalém.
• 566-486 aEC
Siddharta Gautama, o Buda histórico.
• 563-483 aEC
Confúcio, figura central do Confucionismo.
• 539 aEC
Início da construção do Segundo Templo de Jerusalém.
• c. 500-600 aEC
Lao Tzé, filósofo, figura primeira do Taoísmo.
• c. 500-400 aEC
Composição da versão existente do Bhagavad-Gîtâ.
• c. 483 aEC
Possível data do primeiro concílio, onde discípulos de Buda
sistematizaram os seus ensinamentos.
• c. 300 aEC
O Budismo chega ao Sudoeste Asiático.
284
• c. 200-100 aEC
A Septuaginta (tradução da Bíblia hebraica para o grego koiné) é
composta no ambiente cultural de Alexandria.
• c. 200 aEC-400 EC
Era de grande influência do Budismo, na Índia.
• c. 206 aEC-220 EC
O Confucionismo teve o seu apogeu na China, durante a Dinastia Han.
• 167-37 aEC
A revolta dos Macabeus com a finalidade de assumir controlo de
Jerusalém.
• 1 EC-100 EC
O Mitraísmo espalha-se pelo Império Romano.
• c. 1 EC-c. 100 EC
O movimento Mahaiana começa na Índia, com as suas crenças associadas
à figura do Bodhisattva (da Compaixão).
• 42-62 EC
Paulo inicia a sua viagem missionária pela Ásia Menor (Anatólia), Grécia
e Roma, expandindo o Cristianismo.
• c. 45-c. 90 EC
Os textos pertencentes ao Novo Testamento terão começado a ser
organizados e compostos por vários autores.
285
• 50 EC
O Budismo chega à China.
• C. 50-160 EC
Codificação do Talmude.
• 64 EC
Primeiras perseguições aos Cristãos, em Roma.
• 70 EC
Destruição do Segundo Templo de Jerusalém.
• c. 185 EC
O Cânone cristão: dos muitos Evangelhos que circulavam, apenas quatro
são escolhidos para integrarem a Bíblia, por Irineu de Leão (130-202
EC).
• c. 200-300 EC
Composição de Vishnu Purâna e do Vâyu Purâna.
• c. 216-276 EC
Vida de Maniqueu, filósofo e profeta persa, e fundador do
Maniqueísmo.
• 224 EC
Zoroastrismo torna-se na religião do Estado Persa, durante a dinastia
Sassânida.
• c. 251-356 EC
Santo Antão, ermita egípcio e fundador do monaquismo cristão.
286
• c. 300 EC
A Arménia é a primeira nação a adotar o Cristianismo como Religião de
Estado.
• 313 EC
Édito de Milão / Tolerância de Constantino I e Licínio (Império
Romano).
• 325 EC
Concílio de Niceia (redação do «Credo de Niceia»).
• 391 EC
O Cristianismo torna-se a religião oficial do Império Romano.
• 393 EC
Concílio de Hipona: estabelecido o Cânone do Novo Testamento, com
os 27 livros.
• 470-543 EC
Bodhidharma, fundador da meditação budista tradicional, na China.
• 503 EC
Clovis, rei dos Francos, converte-se ao Cristianismo.
• 570 EC
Maomé nasce, na cidade de Meca.
• 610 EC
Maomé recebe a sua primeira revelação no Monte Hira.
287
• 622 EC
Maomé inicia a Hégira de Meca para Medina, delimitando assim o
Calendário Islâmico.
• 630 EC
Conquista não violenta de Meca.
• 632 EC
Maomé morre, em Medina.
• c. 650 EC
Codificação do Alcorão por ordem do Califa ‘Uthman.
• 656-661 EC
Califado de Ali (n. 599), primeiro califa dos Xiitas, assassinado na
mesquita de Kufa, An-Najaf (Iraque).
• 712 EC-756 EC
O Taoísmo torna-se na religião oficial da China, com o imperador
Xuanzong.
• 708 EC-720 EC
É escrito o Kojiki, uma das fontes do Xintoísmo.
• c. 807 EC
Imbe-no-Hironari escreve o Kogo Shui, uma coleção de mitos que estão
na base do Xintoísmo.
• c. 900 EC
Codex de Aleppo, o mais antigo manuscrito com o cânone bíblico.
288
• 1000-1500 EC
«Genocídio de Ghazni» – terão sido massacrados vários milhões de
hindus.
• 1054 EC
Cisma do Oriente – Separação da Igreja Católica Apostólica Romana e
da Igreja Católica Apostólica Ortodoxa.
• 1075-1122 EC
Reforma Gregoriana: O papa Gregório VII decreta uma série de reformas
na Igreja católica romana.
• 1095-1099 EC
Primeira Cruzada, no intuito de retomar Jerusalém.
• c. 1232-1834 EC
Inquisição: O papa Gregório IX cria o Tribunal Eclesiástico para suprimir
a heresia.
• 1122 EC
Arranque da construção do templo hindu em Angkor Wat.
• 1147-1149 EC
Segunda Cruzada, pregada por São Bernardo de Claraval.
• 1189- 1192 EC
Terceira Cruzada, pregada pelo papa Gregório VIII.
• 1208 EC
Perseguição aos Cátaros, movimento cristão de ascetismo qualificado
como heresia, pela Igreja Católica.
289
• 1209 EC
Nasce a Ordem dos Franciscanos.
• 1216 EC
Nasce a Ordem dos Dominicanos.
• 1217-1221 EC
Quinta Cruzada, pregada pelo papa Inocêncio III.
• 1228-1229 EC
Sexta Cruzada, incentivada pelo imperador do Sacro Império, Frederico
II de Hohenstauffen.
• 1248-1254 EC
Sétima Cruzada, liderada por Luís IX de França.
• 1271 EC
Oitava Cruzada, novamente liderada por Luís IX de França.
• Século XIII EC
O Zohar, um conjunto de comentários místicos da Torah, texto
fundamental da Cabala.
• 1337-1453 EC
Guerra dos Cem Anos, em França, onde se destaca o papel importante
de Joana D’Arc (condenada e morta, e depois canonizada pela Igreja
católica).
• 1357-1419 EC
Tsongkhapa – reformador do Budismo Tibetano.
290
• 1391-1478 EC
Gendun Drub, o primeiro Dalai Lama.
• 1459 EC
Primeira edição latina do Corpus Hermeticum.
• 1469-1538 EC
Vida de Guru Nanak, fundador do Siquismo (Sikhismo).
• 1480 EC
Edição das 900 teses e discurso sobre a Dignidade do Homem de Pico
Della Mirandola.
• 1492
Expulsão de judeus e muçulmanos de Castela e Aragão (Espanha).
• 1497
Conversão forçada dos judeus em Portugal, dando origem aos Cristãos-
novos.
• 1500
Celebração da primeira missa no Brasil.
• 1501-1503
Redacção de Enchiridion Militis Christiani, por Erasmo de Roterdão.
• 1517
Afixação das 95 teses de Martinho Lutero na porta da Catedral de
Wittenberg (Vitemberga).
291
• 1517
Aprovação da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos como parte da
Ordem de São Francisco de Assis, pelo papa Leão X.
• 1520
Publicação das principais obras de Martinho Lutero: Para a Nobreza
Cristã da Nação Alemã; Acerca do Cativeiro Babilónio da Igreja; Acerca
da Liberdade de um Cristão.
• 1521
Excomunhão de Martinho Lutero da Igreja Católica, pelo papa Leão X.
• 1521
Escrita da Defesa dos Sete Sacramentos, por Henrique VIII de Inglaterra.
• 1522
Início da tradução da Bíblia em Alemão, por Lutero, publicando-se o
Novo Testamento.
• 1522
Redação do tratado A Claridade e Certeza da Palavra de Deus, por
Ulrich Zwingli.
• 1527
Separação da Igreja Católica de Roma da Dinamarca, oficializada pelo
Parlamento de Odense (Dinamarca).
• 1524
Declaração da remoção de imagética religiosa das Igrejas em Zurique.
292
• 1525
Abolição da missa pelo concelho da cidade de Zurique e criação do
movimento Anabaptista, ala «radical» do Protestantismo.
• 1529
Encontro de Lutero com o reformador suíço Ulrich Zwingli.
• 1530
Publicação da Confissão de Augsburg, entre Católicos e Luteranos.
• 1533
Contestação à Igreja Católica na Inglaterra, no seguimento da anulação
do casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão, pelo Arcebispo
de Canterbury.
• 1534
Fundação da Sociedade de Jesus, por Inácio de Loyola, no seguimento
da Contrarreforma.
• 1536
Publicação de Institutos da Religião Cristã, por João Calvino, em Basle
(Basileia), Suíça.
• 1534
Separação entre a Igreja Inglesa e a Igreja Católica Romana.
• 1535
Execução de Thomas Moore, opositor da Reforma Inglesa.
• 1536
Estabelecimento do Tribunal do Santo Ofício (Inquisição) em Portugal.
293
• 1537
Luteranismo torna-se a religião nacional da Dinamarca e é imposta na
Noruega, então território dependente da Dinamarca.
• 1541
Catecismo de Genebra, o Consenso de Zurique.
• 1545-1563
Concílio de Trento.
• 1549
Chegada de Francisco Xavier a Kagoshima, estabelecendo-se a primeira
missão cristã no Japão.
• ca. 1550
Comentário Yoga-Vârttika ou Yoga-Sûtra, por Vijnâna Bhikshu.
• 1555
Tratado «Paz de Augsburgo», entre Carlos V e uma aliança de príncipes
luteranos.
• 1562-1563
1.ª Guerra da Religião.
• 1563
Publicação dos Trinta e Nove Artigos de Religião, da Igreja de Inglaterra
(Igreja Anglicana).
• 1563
Desembarque do missionário jesuíta Luís Fróis, em Yokoseura, Nagasaki.
294
• 1565
Desembarque de Luís Fróis, em Quioto, a então capital do Japão.
• 1566
Publicação do Catecismo Romano, pelo papa Pio V.
• 1567-1568
2.ª Guerra da Religião.
• 1568-1570
3.ª Guerra da Religião.
• 1569
Publicação da tradução francesa de Theologia naturalis, por Michel de
Montagne.
• 1572-1573
4.ª Guerra da Religião.
• 1574-1576
5.ª Guerra da Religião.
• 1577-1578
6.ª Guerra da Religião.
• 1579-1580
7.ª Guerra da Religião.
• 1582
Reforma do calendário pelo papa Gregório XIII (Calendário Gregoriano).
295
• 1583
Estabelecimento da primeira igreja católica chinesa perto de Cantão, por
Matteo Ricci.
• 1584-1586
Envio da primeira embaixada de «dáimios» cristãos à Europa.
• 1585-1598
8.ª Guerra da Religião.
• 1587
Expulsão dos missionários do Japão.
• 1589
Estabelecimento do Patriarcado de Moscovo.
• 1572
Massacre do Dia de São Bartolomeu, em França.
• 1594
Fundação do Colégio de São Paulo, em Macau, pelos Jesuítas.
• 1597
Morte dos 26 mártires em Nagasáqui, Japão, por ordem de Toyotomi
Hideyoshi.
• 1598
Édito de Nantes, garantindo «tolerância» aos Protestantes franceses, por
parte de Henrique IV.
296
• 1600
Queima na fogueira de Giordano Bruno.
• 1611
Publicação da Bíblia King James.
• 1614
Edição do Primeiro Manifesto Rosacruz: Fama Fraternitatis R. C.
• 1614
Édito de Exclusão de Tokugawa Ieyasu, interditando a presença da
atividade cristã no Japão.
• 1615
Edição do Segundo Manifesto Rosacruz: Confessio Fraternitatis R. C.
• 1616
Edição do Terceiro Manifesto Rosacruz: As Bodas Alquímicas C. R. C.
• 1622
Canonização de Inácio de Loyola pela Igreja Católica.
• 1633
Condenação de Galileu pela Inquisição, em Roma.
• 1639
Édito de Exclusão dos Portugueses de Tokugawa Iemitsu.
• 1643
Aprovação da Confissão de Fé de Westminster, pelo Parlamento inglês.
297
• 1648
Paz de Vestfália (Tratados de Munster e Osnabruck), pondo termo à
Guerra dos 30 Anos.
• 1650
Composição do Gheranda-Samhitâ, manual de Hatha-Yoga.
• 1685
Revogação do Édito de Nantes, por Luís XIV, expulsando os
Protestantes de França.
• 1687
Redação de Philosophia naturalis principia mathematica, por Isaac
Newton.
• 1710
Publicação dos Estatutos da Fraternidade dos Rosacruz de Ouro.
• 1710
Redação do ensaio Teodiceia, por Leibniz.
• 1714
Publicação de Princípios da Natureza e Graça, Baseados na Razão, por
Leibniz.
• 1717
Aparição de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, no Brasil.
• 1717
Criação da Grande Loja de Londres, institucionalizando a Maçonaria
Especulativa / Maçonaria Moderna.
298
• 1719
Fundação da Igreja Reformada, na Dinamarca.
• 1722
Expulsão dos missionários católicos da China, pelo Imperador
Yongzheng.
• 1723
Publicação das Constituições de Anderson, documento fundador da
Maçonaria moderna.
• 1724
Proscrição do Imperador Yongzheng contra o Cristianismo.
• 1734
Redação das Cartas Filosóficas de Voltaire.
• 1738
Bula In eminenti apostolatus specula do Papa Clemente XII, proibiu
os católicos de se tornarem maçons.
• 1739-1740
Publicação do Tratado da Natureza Humana, redigido por David Hume.
• 1748
Publicação de O Espírito das Leis, por Montesquieu.
• 1750
Composição do Mahânirvâna-Tantra.
299
• 1754
Redação do Discurso sobre a Origem e Base da Desigualdade entre
Homens, por Jean-Jacques Rosseau.
• 1759
Expulsão dos Jesuítas do Império português, pelo Marquês de Pombal.
• 1762
Publicação do Contrato Social, por Rosseau.
• 1763
Publicação do Tratado sobre a Intolerância, por Voltaire.
• 1764
Expulsão dos Jesuítas de França.
• 1767
Expulsão dos Jesuítas do Império espanhol.
• 1773
Dissolução da ordem dos Jesuítas, pelo papa Clemente XIV.
• 1779
Primeira publicação de Diálogos sobre a Religião Natural, por David
Hume.
• 1789
Criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, no
seguimento da Revolução Francesa.
300
• 1794
Supressão do Catolicismo em França.
• 1795
Criação da sociedade protestante Associação Orange, na Irlanda do
Norte.
• 1797
Fundação da Sociedade Missionária Holandesa, em Roterdão.
• 1800
Fundação da Societas Rosicruciana, na Escócia.
• 1813
Criação da Grande Loja Unida de Inglaterra.
• 1814
Restabelecimento da Ordem dos Jesuítas, pelo papa Pio VII.
• 1820
Primeira visão / aparição a Joseph Smith, fundador d’A Igreja de Jesus
Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
• 1822
Eliminação da Maçonaria, na Rússia.
• 1827
Entrega e tradução do Livro de Mórmon a Joseph Smith.
301
• 1828
Fundação da organização Brama Samaj, no decurso do movimento
religioso brahmoísta em Bengali, por Rahmohun Roy.
• 1830
Fundação d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
• 1834
Extinção das Ordens Religiosas em Portugal
• 1843
Primeira previsão da segunda vinda de Jesus Cristo por Guilherme Miller,
iniciador do Movimento Millerita que está na base dos Adventistas do
Sétimo Dia.
• 1844
Primeira conversão à Fé Bahá’í.
• 1845
Nascimento da Convenção Batista do Sul, coordenando-se as várias
organizações batistas, nos EUA.
• 1848
Construção da primeira igreja protestante na China.
• 1848
Redação de Discurso sobre o Espírito Positivo, de Augusto de Comte,
uma das figuras centrais do Positivismo.
• 1858
Primeira aparição de Nossa Senhora de Lourdes, em França.
302
• 1859
Publicação da Origem das Espécies, por Charles Darwin.
• 1860-1865
Fundação da Societas Rosicruciana in Anglia.
• 1863
Autoproclamação de Baha’u’llah como profeta de Deus.
• 1863
Fundação da Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, nos
EUA.
• 1869-1870
Concílio do Vaticano I.
• 1875
Criação da Sociedade Teosófica, por Helena Petrovna Blavatsky.
• 1879
Fundação, por Charles Taze Russell, da Sociedade Torre de Vigia de
Bíblias e Tratados, que dará origem às Testemunhas de Jeová.
• 1881
Surgimento da primeira Loja de Maçonaria Feminina, em Portugal
(Loja Feminina de Adoção).
• 1882
Publicação da Gaia Ciência, por Frierich Nietzche.
303
• 1885
Reconhecimento da autocefalia da Igreja Ortodoxa Romena, por
Joaquim IV.
• 1886
Muhammad Shah (Aga Khan III) recebe o título de «Sua Alteza».
• 1888
Criação da The Hermetic Order of the Golden Dawn.
• 1893
Realização do Parlamento Mundial de Religiões, em Chicago.
• 1897
Fundação da Missão Ramakrishna (atualmente, Missão Ramakrishna –
Vivekananda), por Swami Vivekananda.
• 1905
Fundação do Conselho Nacional das Igrejas, nos Estados Unidos da
América.
• 1906
Reavivamento da Rua Azusa, em Los Angeles, liderado por William
Joseph Seymour, origem dos movimentos pentecostais.
• 1909
Criação da Rosicrucian Fellowship.
• 1911
Lei de Separação da Igreja e do Estado Português.
304
• 1911
Criação da Convenção Geral das Assembleias de Deus, no Brasil.
• 1913
Criação da Sociedade Antroposófica.
• 1913
Início do Movimento das Assembleias de Deus.
• 1913
Publicação de Sâdhanâ: The Realisation of Life, por Tagore.
• 1917
Primeira aparição da Virgem Maria em Fátima, Portugal.
• 1931
Adoção da designação Testemunhas de Jeová por parte da Sociedade
Torre de Vigia.
• 1931
Aparição da Virgem Negra de Częstochowa, na Polónia.
• 1939
Publicação de Esboço para uma Teoria das Emoções, por Jean-Paul
Sartre, pioneiro do «existencialismo».
• 1945
Descoberta da Biblioteca de Nag Hamaddi, no Egito.
• 1945
Escola internacional da Rosacruz Áurea (Lectorium Rosicrucianum).
305
• 1948
Assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
• 1948
Fundação do Conselho Mundial das Igrejas.
• 1959
Fuga do Dalai Lama do Tibete na sequência da invasão chinesa.
• 1962-1965
Concílio do Vaticano II.
• 1973
Assinatura da Concórdia de Leuenberg, unindo a comunidade de Igrejas
Protestantes europeias, com exceção da Finlândia.
• 1977
Fundação da Igreja Universal do Reino de Deus, no Brasil.
• 1978
Declaração de Chicago sobre a Inerrância Bíblica, documento central
dos cristãos evangélicos fundamentalistas.
• 1981
Tentativa de assassinato do Papa João Paulo II.
• c. 1990
Osama bin Laden funda a Frente Internacional pelo Jihad contra os
Judeus e Cruzados, mais conhecida como Al-Qaeda.
306
• 1992
Destruição de uma mesquita em Aodhya, Índia, por «radicais hindus».
• 1993
2.ª Edição do Parlamento Mundial de Religiões.
• 2000
Carta pela Compaixão Universal, em Cracóvia (Polónia).
• 2001
Ato terrorista nos EUA, conhecido por «11 de Setembro».
307
Os textos apresentados neste volume são a compilação do que o
visitante encontra como conteúdos de natureza descritiva de cada
uma das tradições neste Observatório das Religiões. Não são textos
de carácter proselitista, mas apenas a forma de transmitir o fun-
damental de cada uma das tradições para que, assim municiados,
cada cidadão possa ter um olhar mais rigoroso e esclarecido sobre
um campo do conhecimento que é marcado pelo preconceito, pelas
ideias feitas.
Aos autores destes textos o mais sincero e imenso agradecimento
por terem colocado à disposição de todos nós o seu conhecimento.