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História Moderna

Material Teórico
Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Edgar da Silva Gomes

Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
Arte e Literatura Transformando a
Política e Sociedade

• Introdução

• Os humanistas

• O berço do renascimento

• A consciência da mudança

• Renascimento: mudança ou continuidade?

• O Renascimento e seus mecenas

• O legado da pintura e da escultura renascentista

• Erudição e literatura renascentista

• Nicolau: o maior filósofo político renascentista

• Arquitetura e Escultura renascentista

• Declínio da Renascença Italiana no Século XVI

Nesta unidade, trataremos do Renascimento. É um tema bastante


complexo da história da Idade Moderna e vai auxiliá-lo na compreensão
do desenvolvimento de algumas interpretações sobre esse período. Por
ser um tema complexo, que apresenta contribuições de diversas escolas
teóricas, é necessário que você esteja ciente de que vários pesquisadores
abordaram o assunto e nem sempre concordaram entre si.

Procure ler, com atenção, o conteúdo disponibilizado, lembre-se que ele é a base para as
questões e avaliações. Para saber mais sobre o assunto leia o material complementar. Não
esqueça: a leitura é um momento oportuno para registrar suas dúvidas, por isso não deixe
de registrá-las e transmiti-las ao professor-tutor.
Para que a sua aprendizagem ocorra em um ambiente mais interativo possível, na pasta de
atividades, você também encontrará a atividade de sistematização, o fórum de discussão.

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Unidade: Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade

Contextualização

O Renascimento foi um momento marcante para a arte, a literatura e o pensamento político


da humanidade.
Neste espaço de contextualização, achamos importante inseri-lo numa reflexão crítica à
unidade apresentada. Para isso, estamos deixando alguns filmes e documentários. Não faremos
juízo de valor sobre esse material para não influenciá-lo. Esperamos que, com o conjunto
de informações adquiridas, você possa observar seu cotidiano e perceber onde se encaixa a
influência da arte, da literatura e a influência do pensamento político desse período.

Explore
Viagem na Itália Renascentista 1
• http://www.youtube.com/watch?v=XO0C5Q5Up8g
Viagem na Itália Renascentista 2
• http://www.youtube.com/watch?v=Lza552HllN8
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Renascimento cultural
• http://www.youtube.com/watch?v=lbBhAwarP20
O Renascimento - A Era dos Médici
• http://www.youtube.com/watch?v=536jg55cB30

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Introdução

A título de breve introdução aos estudos sobre o Renascimento, pretendemos deixar claro
que o recorte para esta análise será de cunho intelectual, cultural e moral – apresentaremos
o que emerge com os pensadores humanistas em contraposição aos pensadores escolásticos
medievais. Esta posição se dá por haver dúvidas se existiu ou não alguma política ou economia
que caracterizou esse período que, a grosso modo, situa-se entre a segunda metade do século XIV
e o final do século XVI. O Renascimento teve como berço a península itálica com suas grandes
e ricas cidades, celeiro de famílias abastadas, ávidas por perpetuar suas memórias através da
arte e da literatura. Foi também um período com um Papa lembrado mais pelo desempenho
político do que religioso, e um dos maiores mecenas da época. Portanto, quando falarmos do
Renascimento, estaremos nos referindo a uma etapa da história cultural e intelectual europeia.
A Renascença, de súbito, nos parece que foi um movimento cultural e intelectual que surgiu
de um círculo acadêmico capaz de revolucionar, da noite para o dia, a literatura e as artes. Mas,
como em outros eventos históricos de grande porte, a Renascença, ou Renascimento, foi um
processo histórico gradual. Os renascentistas foram surgindo no século XIV e apresentavam
como característica a busca pela cultura clássica antiga, suas referências são os literatos e artistas
latinos e gregos. Porém, o interesse e o amor pelas obras gregas e romanas também pulsaram
nas veias dos intelectuais medievais, Virgílio e Aristóteles foram as bases do pensamento de
Dante e de Tomás de Aquino.

Para definir o termo renascimento nunca houve uma resposta fechada. Existem diversas
características para se descrever o que foi a Renascença. Um aspecto nítido desse
período foi a busca pela erudição através de referenciais clássicos da Antiguidade.
A cultura renascentista foi se desenvolvendo gradualmente. Os autores latinos da
antiguidade nunca foram desprezados na Idade Média – Virgílio, Ovídeo e Cícero
estiveram presentes nas obras desse período. Na Idade Moderna, outros autores foram
redescobertos e valorizados, tais como: Tito Lívio, Tácito e Lucrécio. Outra importante
redescoberta dos renascentistas foram as obras literárias de filósofos gregos como
Platão – um ilustre desconhecido dos latinos medievais.

Monumentos artísticos, tratados sobre arquitetura e escultura foram localizados e estudados


por um número de europeus que crescia exponencialmente, eram interessados pelo estudo
da língua grega e foram se familiarizando com as grandes realizações da Antiguidade clássica.
A consequência disso foi o aperfeiçoamento das técnicas de construção e elaboração das
obras artísticas e literárias na Idade Moderna. O homem renascentista estava vivendo em uma
sociedade urbana em crescimento contínuo, o que o levou a experimentar novas ideais e técnicas
para realização de sua arte, tendo como base a contribuição dos autores clássicos.
Esse crescimento cultural ajudou os renascentistas a criarem uma cultura mais secular e,
consequentemente, mais desligada do poder da Igreja. A Renascença já foi tida como uma cultura
totalmente pagã, o que é refutado por estudos atuais, pois muitos dos artistas renascentistas
salientavam convicções cristãs em suas obras.1 Por outro lado, a Igreja também se adaptava às
mudanças, tornando-se mais polida e participando ativamente desse renascimento cultural e
intelectual com a aquisição e patrocínio de obras e artistas.
1 BURNS, Edward M.; LERNER, Robert E.; MEACHAM, Standish. História da civilização ocidental. 42. ed. São Paulo: Globo, 2003. p. 343-344.

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Unidade: Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade

Os humanistas
Segundo Silva, o Humanismo, “dependendo do historiador que o defina, foi uma filosofia ou
uma reforma acadêmica, que consolidou novas ideias acerca do homem e do conhecimento”. Os
humanistas, apesar de serem um grupo heterogêneo e seguirem diferentes referenciais teóricos2,
tinham grande preocupação com a erudição, isto os levou ao desenvolvimento de certo cuidado
tanto com a crítica histórica e com a linguística de documentos quanto com a expansão da
educação, pois, para eles, o pensamento crítico deveria ser alcançado pela instrução.3
O termo Humanismo sintetiza os ideais dos pensadores renascentistas e apresenta dois
significados distintos, embora complementares: o sentido mais técnico se refere a um programa
de estudos que visava substituir a ênfase escolástica medieval, presa à lógica e à metafisica,
pelo estudo da linguagem, da história, da literatura e da ética. Os humanistas, em sentido mais
estrito, buscavam sua inspiração na literatura antiga, onde a regra era o estudo do latim clássico
e do grego. Para os humanistas, a lógica escolástica era demasiadamente árida e irrelevante
para a vida prática, preferindo as “humanidades”, que tinham o propósito de tornar as pessoas
mais virtuosas e preparadas para desempenharem bem as funções públicas do estado.
De forma mais ampla, o termo Humanismo coloca seu acento na dignidade do homem,
considerando-o o mais excelso das criaturas de Deus, abaixo apenas dos anjos. O homem é
capaz, segundo alguns autores da Renascença, de chegar ao conhecimento de Deus. Outros
autores acreditavam ainda que o homem pudesse dominar o seu destino e viver com felicidade
neste mundo. Mas, tanto um grupo quanto o outro, eram otimistas em relação à raça humana,
apesar de, como de hábito, relegarem a mulher a um segundo plano. Mesmo assim, algumas
mulheres da aristocracia recebiam a educação humanista para se tornarem mais polidas.4

[...] o Humanismo valorizava o humano, contrariando a postura


teocêntrica da filosofia medieval, mas, ao mesmo tempo, possuía
fortes preocupações religiosas [...]. O contexto humanista, apesar
de seu antropocentrismo, foi intensamente influenciado pelo
cristianismo e pelos dilemas da igreja no início da Idade Moderna
(SILVA; SILVA, 2008, p. 193).

O homem da transição feudal-capitalista alavancou uma das maiores revoluções culturais


conhecidas pela humanidade, “os movimentos renascentista e reformista representam importantes
respostas a uma tentativa de compreender o homem e, em última instância, o próprio universo à
época da crise geral do feudalismo europeu”5. As ciências sociais não veem mais a Renascença
como uma ruptura abrupta entre a Idade Média e a Idade Moderna, mas sim como o resultado de
um lento processo de transformações, com suas raízes fincadas no período anterior.6
2 O Humanismo é um método de aprendizado filosófico que utilizou vários conceitos filosóficos da época, como, por exemplo, neoplatonismo,
hedonismo, antropocentrismo, racionalismo, otimismo e individualismo. O Humanismo é um método de aprendizado que fez uso da razão
individual e da evidência empírica para chegar as suas conclusões.
3 SILVA, Kalina V.; SILVA, Maciel H. Dicionário de conceitos históricos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 196.
4 BURNS, Edward M.; LERNER, Robert E.; MEACHAM, Standish. História da civilização ocidental. 42. ed. São Paulo: Globo, 2003.
5 O Renascimento, in, História Moderna através dos textos, p. 92.
6 Entre outros autores podemos citar: J. Delumeau; J. Burckhardt.

8
O Humanismo alicerçou as bases que definiu e afirmou o novo papel do homem na sociedade.
Ele e a Renascença proporcionaram à Europa a renovação necessária para a entrada em uma
nova fase de sua existência: a Idade Moderna.
Durante os séculos XIV e XV, houve uma renovação cultural sob o signo do retorno aos clássicos
gregos e latinos. Escritos ético-políticos, hoje consagrados como clássicos da literatura, proliferaram
nas cidades-estados italianas, criações de escritores, filósofos, poetas, estadistas e diplomatas
como: Francesco Petrarca, Giannozzo Manetti, Lorenzo Valla, Marsilio Ficino, Giovanni Pico della
Mirandola, entre outros. Esses intelectuais foram posteriormente chamados de humanistas. O
Humanismo refere-se genericamente a uma série de valores e ideais relacionados com a celebração
do ser humano enquanto centro da criação.
Como dito, esse movimento intelectual iniciado na Itália e depois
difundido por boa parte da Europa rompeu com a influência da
Igreja e do pensamento religioso da Idade Média. Enquanto base
intelectual, o Humanismo procurou afirmar o novo papel do
homem no universo: o antropocentrismo. O Humanismo forneceu
os fundamentos ideológicos do Renascimento e da reforma ao
romper com o paradigma teocêntrico ditado pelo modelo de mundo
judaico-cristão.
Fonte: O homem vitruviano, 1490, Leonardo
da Vinci.

Antropocentrismo: Filosofia que considera o homem como o centro


do universo. O final da Idade Média marcou a separação da Teologia
da Filosofia. O Humanismo renascentista propôs o antropocentrismo
em contraposição à posição dominante da Idade Média. O
antropocentrismo sugere a ideia de que o homem deve ser o centro
das ações, da expressão cultural, histórica e filosófica, ao contrário
do teocentrismo, onde prevalece a ideia de que Deus deve estar no
centro do pensamento e das ações humanas. (CARVALHO, 2011).

A ideia que os italianos tinham da divindade perdeu sua consistência, a religião e sua moral
estavam enfraquecidas, suas incertezas buscaram apoio nas superstições da antiguidade, do
Oriente, como a astrologia e a magia.7 Mas o homem moderno não se despiu de suas crenças,
apenas não se deixou governar por elas e pelas pessoas que institucionalizavam o sagrado – a
religião e sua influência na sociedade não deixaram de ser preocupação dos humanistas.
O Humanismo, por ser um movimento de elite, não teve penetração consistente na sociedade
pobre e camponesa de seu tempo. Segundo Heller, o Humanismo é uma corrente de pensamento
ético e acadêmico do Renascimento, portanto, a religiosidade e os temores às leis de Deus
impostos pela religião não se dissiparam como pretendia a elite em sua disputa de poder com
o papado e sua corte.8

Atenção
Na história da humanidade, os movimentos intelectuais que revolucionaram
costumes, em geral, foram sendo assimilados de forma mais lenta pelas massas do
que pelas elites – o Humanismo é um desses exemplos.

7 O Renascimento, in, História Moderna através dos textos, p. 93-94.


8 HELLER, Agnes. O homem do Renascimento. Lisboa: Presença, 1982.

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Unidade: Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade

Esse “novo homem” idealizado no Renascimento passou a ser protagonista de sua história, o
antropocentrismo suplantou o mundo teocêntrico na literatura e nas artes, antes dominadas pela
igreja, pelos reis, e pelos senhores feudais. As hierarquias “espiritual” e “temporal” passaram a
ser questionadas e surgiu, desse questionamento, uma nova visão de mundo, na qual o ideário
humanista dominava a produção artística e cultural – ironicamente tendo como mecenas os atores
que estavam de certa forma sendo questionados.
Fonte: A Criação de Adão, 1511, Michelangelo Buonarotti.

Teocentrismo: Atitude de colocar Deus e aqueles investidos da autoridade religiosa no centro


de qualquer visão do mundo e de qualquer interpretação da história.
http://www.dicio.com.br/teocentrismo/

O berço do renascimento

O berço do Renascimento foi a península itálica e a cidade de Florença, comumente identificada


como sendo o celeiro dos maiores intelectuais renascentistas. A Renascença se desenvolveu
no final da baixa idade Média e início da Idade Moderna. Apesar da divergência entre os
especialistas, a Renascença é convencionalmente situada entre a segunda metade do século XIV
e o final do século XVI, apesar de amplas diferenças entre as regiões e no desenvolvimento das
técnicas artísticas e culturais.
Durante os séculos XIV e XV, a península itálica foi a região mais rica da Europa. Essa
prosperidade se deu graças à estabilidade política, as guerras e revoltas camponesas estavam sob o
controle dos governantes das cidades-estado italianas. A história econômica italiana desempenhou
papel importante na fundamentação das realizações culturais da Renascença. Suas cidades eram
as maiores e mais ricas da Europa. A estabilidade política na região favoreceu o desenvolvimento
econômico, a locomotiva da mudança foi o comércio de especiarias vindas da Ásia através do
Bósforo, entreposto de valiosas mercadorias dominado por venezianos e genoveses.

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Glossário
Doge (palavra vêneta, do latim dux, comandante) é a denominação de um magistrado eleito
nas antigas repúblicas de Gênova e Veneza. http://pt.wikipedia.org/wiki/Doge
Condottiero (plural: condottieri) era um mercenário que controlava uma milícia, sobre a qual
tinha comando ilimitado, e estabelecia contratos com qualquer Estado interessado em seus serviços.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Condottiero

Várias regiões eram dominadas por ricas famílias, como: a Casa Médici de Florença,
comerciantes donos da guilda arte della lana; Casa Visconti, nobres lombardos; Casa Sforza,
poderoso condottiero de Milão; Casa Este, nobres de Ferrara/Pádua; e Casa Gonzaga, nobres de
Mântua. Gênova e Veneza foram governadas respectivamente por doges como Doria e Foscari,
que fizeram grandes governos impulsionando a economia dessas cidades. Além do comércio,
essas cidades contavam com fortes casas bancárias.
Outro fator que favoreceu o renascimento intelectual e cultural na Itália, como aponta Green9
, foi a ameaça dos turco-otomanos ao império bizantino no século XV. Segundo a autora, essa
ameaça levou os imperadores bizantinos a procurarem apoio da Igreja de Roma, mesmo contra
a vontade de seu povo, na esperança de que a Europa Ocidental auxiliasse o império romano
do Oriente. Essa trégua fez com que houvesse contatos diplomáticos com frequência, para a
reunificação das duas igrejas cristãs separadas desde o cisma com o Oriente, em 1054. Esse
reduzido império contava com grandes intelectuais, além de Constantinopla fazer comércio a
vários anos com as cidades de Gênova e Veneza.
Motivados pela possibilidade desse acordo, intelectuais como Chrysoloras, após uma missão
política, estabeleceu-se em Florença para ensinar grego. O teólogo Bessarion ensinou sobre
Platão para os italianos, muitos italianos foram estudar em Constantinopla antes da invasão
turca à cidade10. A península itálica importou muito mais do que as finas especiarias do oriente,
os italianos importaram conhecimento.

A consciencia da mudança

O Renascimento foi visto por seus protagonistas como uma época de mudança, na qual
se concebeu um novo modo de entender o mundo e o homem e se desenvolveu a ideia do
humanismo, nascido no mundo literário do século XIV, depois influenciando pela primeira vez
as artes figurativas e a mentalidade política e social.
Os renascentistas usaram algumas expressões para definir o que estava ocorrendo em seu
tempo, entre as expressões usadas temos: “fazer reviver”, “fazer voltar ao antigo esplendor”,
“renovar”, “restituir a uma nova vida”, entre outros.

9 GREEN, Vivian H. H. Renascimento e reforma: a Europa entre 1456-1660. Lisboa: D. Quixote, 1984. p. 40.
10 GREEN, Vivian H. H. Renascimento e reforma: a Europa entre 1456-1660. Lisboa: D. Quixote, 1984. p. 40.

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Unidade: Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade
Fonte: Retrato de Petrarca, 1450, Andrea del Castagno.

Francesco Petrarca (1304-1374) havia sido o primeiro a contrapor as imagens


de trevas e luz, ao confrontar o presente medieval cristão com o esplendor
cultural do passado clássico [...]. Não obstante, fosse problemática a
identificação do passado pagão com as “luzes” e da era cristã com as “trevas”,
a ideia cultivada por um grupo de literatos vingou. A metáfora cunhada por
Petrarca, assim como o manifesto amor pela nudez dos clássicos, aliado ao
desprezo pela espiritualidade icônica da arte mais recente, além da
incorporação da mitologia clássica como alegoria cristã, foram apenas
algumas das muitas contradições do cristianismo no período [...] (BYINGTON).

Segundo Reale e Antiseri11 , os renascentistas interpretavam seu contexto como um período


onde se forjava outra civilização, com outra cultura, e outro saber sem, no entanto, se contrapor
ao medievo – ao contrário do que encontramos em algumas interpretações equivocadas que
contrapõem os dois períodos, apontando, por exemplo, a civilidade como uma característica
renascentista e a incivilidade como medieval, ou a cultura contra a incultura e a barbárie, o saber
contra a ignorância, etc. Os renascentistas estavam propondo uma nova época para a humanidade,
mesmo essa nova época sendo uma revisitação aos clássicos gregos e latinos da Antiguidade.
Na sua fase inicial, o Renascimento na península itálica ocupou-se de recuperar a literatura
grega e a latina com os estudos dos textos antigos. Destacaram-se nessa fase, final da Idade
Média e início da Idade Moderna, Petrarca e Boccaccio, que tentavam infundir em seus
contemporâneos o gosto pelos estudos dos manuscritos clássicos, esquecidos nos mosteiros
medievais. Poggio Bracciolini, exímio estilista e pesquisador, encontrou valiosos manuscritos de
Quintiliano, a Institutio Oratória, na abadia de Saint-Gall, em 1416, obra de onde saiu algumas
das principais ideias do Renascimento sobre educação12 .

Atenção
A Estilística é a parte dos estudos da linguagem que, como o próprio nome denota, preocupa-se
com o estilo. Nela, a linguagem pode ser utilizada para fins estéticos, conferindo à palavra dados
emotivos. A linguagem afetiva é representada por esse importante recurso, no qual podemos observar
os processos de manipulação da linguagem utilizados para extrapolar a mera função de informar. Na
Estilística, há um interessante contraste entre o emocional e o intelectivo, estabelecendo uma relação
de complementaridade entre seu estudo e o estudo da Gramática, que aborda a linguagem de uma
maneira mais normativa e sistematizada.
http://www.portugues.com.br/gramatica/estilistica/

11 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia, v. 2. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1990.
12 GREEN, Vivian H. H. Renascimento e reforma: a Europa entre 1456-1660. Lisboa: D. Quixote, 1984. p. 41.

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Renascimento: mudança ou continuidade?
Apesar da consciência de que algo estava mudando no contexto italiano do século XIV, e os
humanistas se manifestaram explicitamente a esse respeito, o mesmo não ocorreu a partir do
século XIX. Historiadores investiram na polêmica sobre o momento no qual começaram a ocorrer
o renascimento intelectual, cultural e moral. Existem algumas questões que são debatidas na
historiografia sobre o Renascimento, além da exata periodização, é debatido se o Renascimento
é um momento de mudança ou de continuidade da cultura medieval.
Konrad Burdach é um historiador alemão que sustenta a continuidade entre o período
medieval e o renascimento. Para Burdach, não houve nenhuma ruptura significativa entre esses
dois períodos, ao contrário, para ele existiu um processo de continuidade entre o medievo
e o Renascimento, pois o esse último remonta ao ano mil. Sua teoria se baseia no fato de
que o mundo clássico é a mesma fonte para a cultura medieval e renascentista. Nessa linha
de raciocínio também está o historiador e filosofo francês Étienne Gilson, neoescolástico e
especialista na obra de Tomás de Aquino. Outro estudioso, Eugenio Garin, que a princípio
defendeu a descontinuidade entre a cultura medieval e o Renascimento, reviu sua posição e
passou a atestar uma continuidade entre os períodos.
Jacob Burckhardt, historiador e filosofo suíço dos oitocentos, defensor da descontinuidade
entre a cultura renascentista e a cultura medieval, disse que o homem medieval só tinha sentido
dentro de uma coletividade e que o homem moderno apresentou o sentimento de liberdade
e individualidade perante o mundo e a política. Para Burckhardt, o homem medieval foi
transcendental, universalista e teocêntrico, enquanto que o homem moderno é imanentista,
antropocêntrico e individualista.
O recorte feito aqui não está sendo de continuidade, nem o da plasticidade temporal proposta
por Burdah, mas de uma ruptura que não está isenta de portar em si elementos do passado,
afinal a história é processual. O Renascimento é composto por literatos e artistas que buscaram
na Antiguidade clássica inspiração para romper com uma aparente acomodação intelectual
vivida nos últimos séculos nas cidades-estado da península itálica. A Antiguidade clássica foi
inspiração para a criatividade daqueles artistas e intelectuais e não uma camisa de força.

O Renascimento e seus mecenas

A Itália possuía a mais forte tradição clássica de todos os países da Europa Ocidental.
Em muitas cidades italianas, o sistema seguia a velha tradição romana de ensino em escolas
municipais, e sua cultura era mais secular do que na maioria das demais regiões da cristandade.
Nas universidades italianas, o que prevalecia era o ensino do Direito e da Medicina. Enquanto
que nas demais universidades europeias a Teologia e a Filosofia dominavam as cátedras.

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Unidade: Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade

Além dos artesãos que faziam a manutenção de igrejas e monumentos públicos, os escritores
também podiam ser sustentados por verbas públicas dos governos das cidades italianas. A
função desses escritores e historiadores – como, por exemplo, Maquiavel – era a de exaltar as
cidades, seus governantes e as instituições que patrocinavam seus serviços. A fórmula usual
para a exaltação das personalidades e da municipalidade eram as cartas e os discursos.
Apenas a partir de 1450 é que o mecenato privado dominou a cena e passou a patrocinar
artistas e escritores. O fim desse patrocínio era o mesmo do setor público: a exaltação das famílias
e de seus grandes feitos. Entre as famílias de mecenas, temos: os Médici, os Gonzaga, os Este,
os Sforza, entre outros citados anteriormente. As famílias italianas não eram as únicas famílias
abastadas da Europa, a grande diferença era que essas famílias sempre viveram nas cidades,
diferente de outras também ricas que, em geral, habitavam o campo em castelos afastados do
burburinho urbano europeu, onde circulavam os artesãos e escritores.
Essas famílias impulsionaram as artes e a literatura que deram origem ao Renascimento.
Mas esse movimento contou com outra força: o mecenato do papado de Roma. A influência
e riqueza do Estado pontifício alavancou a carreira de inúmeros artistas desse período. Essas
famílias de mecenas tinham um intuito claro ao tornarem-se protetoras das artes e da literatura:
glorificarem a si próprias, como faziam as instituições públicas e seus governantes.

Glossário
Mecenato é um termo que indica o incentivo e patrocínio de artistas e literatos, e mais amplamente,
de atividades artísticas e culturais. O termo deriva do nome de Caio Mecenas (68–8 a.C.), um
influente conselheiro do imperador Augusto, que formou um círculo de intelectuais e poetas,
sustentando suas produções artísticas.

Portanto, o mecenato se inicia na esfera pública das cidades e se transfere para a esfera privada.
Nesse período surgem os “papas renascentistas”, que marcaram a história da Igreja mais
pelos seus feitos mundanos do que por sua política religiosa. Com o interesse de fortalecer a
reputação de Roma e dos estados pontifícios, no governo do papa Nicolau V, a Igreja passou a
proteger artistas e estudiosos, e fundou a Biblioteca do Vaticano. Durante o reinado dos papas
renascentistas, a Igreja de Roma contratou o serviço dos mais celebres artistas da época, como,
por exemplo, Michelangelo e Rafael. Por esse motivo, Roma ficou conhecida por décadas como
a capital artística do mundo.

Davi - Michelangelo Pietà – Michelangelo La Fornarina - Rafael Transfiguração - Rafael

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O legado da pintura e da escultura renascentistas
As artes plásticas do renascimento italiano se sobressaíram aos progressos intelectuais e
literários de sua época. E, dentre todas as artes plásticas, a pintura é indubitavelmente a mais
espetacular. Na transição do século XII para o XIII, o pintor Giotto já apontava para o progresso
e para a maioridade da pintura italiana, que foi se solidificando e atingiu seu esplendor no
século XV com pintores como Da Vinci.
A questão da maturidade, alcançada apenas no século XV, deveu-se, acima de tudo, à
descoberta das leis da perspectiva linear, empregadas na arte de pintar para causar a impressão de
tridimensionalidade. Os artistas também estudaram cuidadosamente a anatomia e as proporções
do corpo humano, aliando esses estudos à técnica de efeitos de luz e sombra: chiaroscuro.
Davi e Golias, por Caravaggio. Técnica chiroscuro (luz e sombra)

Também no século XV começou a prevalecer o espírito secular, afastando-se da


obrigatoriedade da arte em estar atrelada a uma moral religiosa. A Igreja não era mais a única
fonte de patrocínio dos artistas, a riqueza circulante enchia os cofres da burguesia emergente
que sentia a necessidade de consumir arte e, desse modo, aproximar-se dos ricos tradicionais.
Essa “liberdade” proporcionada aos artistas pela burguesia não deixou de lado a pintura com
temas religiosos.
Segundo Burns, “tornou-se frequente então pintar retratos com o objetivo de revelar os
segredos da alma”. Ao lado de pinturas que aguçavam o intelecto, surgiram também pinturas
com cores fortes e vibrantes, em grande parte por conta da introdução da pintura a óleo, cuja
principal finalidade era atrair os olhares e deleitar os expectadores. Para Burns, essa técnica teve
muito a ver com o progresso artístico do período, pois a tinta a óleo não secava tão depressa
quanto as tintas utilizadas em afrescos. Com isso, os artistas podiam trabalhar durante mais
tempo e com mais dedicação à obra, fazendo correções se necessário fosse.13

13 BURNS, Edward M.; LERNER, Robert E.; MEACHAM, Standish. História da civilização ocidental. 42. ed. São Paulo: Globo, 2003. p. 350.

15
Unidade: Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade

Alguns pintores italianos que se destacaram nesse período, por contado domínio dessas
técnicas e também pela inovação de temas, foram: Tommaso di Ser Giovanni di Mone Cassai,
ou simplesmente Masaccio (1401-1428), que viveu apenas 27 anos, mas inspirou outros
artistas contemporâneos a ele. Exímio na arte de “imitar a natureza”, transformou o tema em
valor fundamental do Renascimento. Ao utilizar as técnicas de chiaroscuro, obteve resultados
dramáticos e comoventes como, por exemplo, no quadro Expulsão de Adão e Eva do Éden,
onde deixa transparecer de forma convincente a culpa e a vergonha dos personagens.

A ressureição do filho de Teófilo, Masaccio. - Nesse quadro o pintor “insere” seu auto retrato

Sandro Botticelli, outro grande pintor italiano, teve influência direta de Masacio. Esse
florentino pintou temas clássicos e religiosos. As telas de Botticelli primam pela perfeição dos
detalhes e pela representação minuciosa da natureza. Os nus femininos estão entre as mais
belas pinturas de Botticelli. Para Burns, a contribuição desse pintor está relacionada ao fato do
artista dar fundamentação filosófica aos seus trabalhos. Para os Médici, Botticelli pintou muitos
retratos. Em Florença, ele se ligou a filósofos neoplatônicos, período em que pintou uma de suas
mais famosas telas: O nascimento de Vênus; ilustrando, nesse trabalho, conceitos neoplatônicos
relativos à deusa do amor. Botticelli aproximou-se de Savonarola no período em que este foi
governante de Florença e pregava contra a decadência moral e a vida mundana da cidade.
Pintou, nesse período, a Natividade Mística, pintura religiosa que retrata a visão do apocalipse
relatada em um sermão de Savonarola.

Nascimento de Vênus, Botticelli Natividade Mística, Botticelli

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Considerado por muitos críticos de arte como o maior artista florentino do renascimento,
Leonardo da Vinci (1452-1519) foi muito talentoso e versátil. Da Vinci foi a personificação do
“homem do renascimento”. Além de pintor, também foi escultor, escritor, músico, arquiteto,
engenheiro e inventor. Começou a estudar muito novo com o artista florentino Verrocchio, de
boa reputação na época. Ao montar seu próprio estudo, ganhou a proteção dos Médici, na
figura de Lourenço, o Magnifico, que era o governante da cidade-estado nesse período.
Apesar de ser um gênio, Da Vinci também foi muito “genioso” e não aceitava trabalhar com
os prazos fixados por seus mecenas, o que causou atrito entre ele e os Médici, provocando sua
mudança para a cidade de Milão, onde esteve sob a proteção dos Sforza a partir do ano de
1482. Com os Sforza, conquistou mais prazo para se dedicar aos seus talentos. Viveu e trabalhou
em Milão até a invasão francesa no ano de 1499. Depois de perambular pela península itálica,
aceitou viver sob a proteção do monarca francês Francisco I, e foi assim até sua morte.
As pinturas de Da Vinci foram um divisor de águas e marcaram o período conhecido como
a Alta Renascença na Itália. Da Vinci acreditava que uma pintura deveria ser a exata imitação
da natureza, aproximando-se dela o máximo possível, até o limite da perfeição. Observava
com minucias desde as asas de um pássaro, ou os detalhes de uma cachoeira, até a anatomia
humana, chegando a dissecar cadáveres para sua observação, o que era proibido em sua época.
Todas essas observações serviam para aprimorar sua pintura e também seus inventos.

A adoração dos Magos, Leonardo Da Vinci Estudo de um cavalo, Leonardo Da Vinci

Outro grande pintor renascentista foi Rafael Sanzio de Urbino (1483-1520), artista que viveu o
apogeu e a decadência do Renascimento italiano. Bastante influenciado por Leonardo Da Vinci
e pelo Humanismo, é um dos mais populares artistas desse período. Rafael desenvolveu uma
arte ligada às concepções de uma humanidade espiritualizada e enobrecida. Sua representação
do homem trazia em si a imagem de equilíbrio, sensatez e dignidade. A representação alegórica
é uma marca de seu trabalho. Na tela Escola de Atenas, Rafael tenta descrever o conflito entre
a filosofia platônica e a aristotélica: é a disputa da “espiritualidade” platônica e a crença na
materialidade aristotélica. Rafael se tornou famoso também pelas pinturas de retratos e virgens.

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Unidade: Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade

A Escola de Atenas, Rafael Sanzio O casamento da Virgem, Rafael Sanzio

Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (1475-1564) é um artista desse período digno


de nota. Da Alta Renascença, talvez o último grande pintor florentino, idealista neoplatônico,
estava mais atento às verdades metafísicas do que à natureza, que foi tão cara a Da Vinci, Rafael
e Masaccio. Michelangelo foi também escultor, arquiteto e poeta. O tema predileto desse artista
era a figura humana, retratada sempre de forma esplendorosa e colossal. Sua realização mais
conhecida é a pintura do teto da Capela Sistina em Roma, onde trabalhou durante quatro anos
para o papa Júlio II. Essa pintura é composta de cenas que narram a história da humanidade
segundo os relatos bíblicos do Antigo Testamento.

O rapto de Ganimedes, Michelangelo.

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Erudição e literatura renascentista
A história do renascimento literário com sua erudição humanista, no sentido técnico da
palavra, tem em Petrarca (1304-1374) o “pai” dessa corrente de pensadores. Para esse pensador,
cristão e erudito, a teologia e a filosofia escolástica estavam caminhando no sentido errado, por
concentrarem-se na especulação abstrata sem dialogar com a realidade de seu tempo. Para
Petrarca, a teologia e a filosofia escolástica não cumpriam o papel de ensinar ao ser humano o
caminho da salvação, segundo ele, o teólogo deveria ser “exemplo” a ser seguido pelas pessoas,
seus escritos deveriam conduzi-las ao bem – e esse modelo de reflexão deveria ser inspirado nos
clássicos antigos, que estavam impregnados de ética e sabedoria.
Petrarca era poeta e literato, escreveu tratados de moral baseados nos clássicos antigos, após
minuciosa busca de textos latinos ainda não descobertos por seus contemporâneos, dos quais
imitava a forma e fazia citações das frases copiadas. “Inaugurou, destarte, um programa de
estudos ‘humanistas’ que exerceria influência durante séculos”.14
Petrarca desenvolveu seu pensamento baseado em um ideal cristão de conduta ascética e
contemplativa. Porém, a geração posterior, representada pelos florentinos Leonardo Bruni (1370-
1444) e Leon Battista Alberti (1404-1472), denominados de humanistas cívicos, concordava
com Petrarca sobre o dever do humanista de ser eloquente e estudioso da literatura clássica;
mas, para essa geração, a natureza do homem estava apta a ação, devendo ser útil à família e
a sociedade, além de ter o dever de servir o Estado, “segundo entendiam, a ambição e a busca
da glória constituíam impulsos nobres que deveriam ser encorajados”.15
Para os humanistas cívicos, o êxito e o progresso faziam parte da história humana, e a
conquista de bens e o domínio da terra faziam parte dessa história, a qual não condenavam. Os
humanistas cívicos não eram antirreligiosos, apenas se preocupavam com os assuntos terrenos
em seus escritos – algo inaceitável na teologia e na filosofia medieval, pois o homem passava,
dessa forma, a dominar a natureza e planejar o seu destino.
Os humanistas cívicos do século XV descobriram muitos textos em grego clássico antigo,
inaugurando os estudos desses textos, diferenciando-se de Petrarca, que se ateve aos estudos
dos textos clássicos antigos latinos. Segundo Burns, essa busca, inclusive com viagens ao oriente
próximo para adquirir manuscritos, deveu-se ao incentivo dos sábios bizantinos, que imigraram
para a península itálica na primeira metade do século XV.
Os humanistas cívicos, a partir de 1450, foram gradualmente substituídos pela escola
humanista de caráter neoplatônico. Essa nova escola humanista mesclava a influência de Platão
e Plotino com as tendências do misticismo antigo e do cristianismo. Entre os humanistas que se
destacaram nesse período, podemos citar os mais importantes: Marsílio Ficino (1433-1499) e
Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494).
Esses dois florentinos eram associados à academia de estudos neoplatônicos, fundada por
Cosino de Médici em Florença, onde seus membros se reuniam para fazer conferências e
ouvir leituras e discursos. O maior feito de Ficino foi traduzir para o latim os escritos de Platão,
colocando-os a disposição dos europeus ocidentais pela primeira vez. Ficino é questionado
14 BURNS, Edward M.; LERNER, Robert E.; MEACHAM, Standish. História da civilização ocidental. 42. ed. São Paulo: Globo, 2003. p. 347.
15 BURNS, Edward M.; LERNER, Robert E.; MEACHAM, Standish. História da civilização ocidental. 42. ed. São Paulo: Globo, 2003. p. 348.

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Unidade: Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade

sobre seu enquadramento ou não na categoria de humanista, pois trocou a ética pela metafísica
e defendeu que o indivíduo deveria voltar-se para a vida além-túmulo. Em relação a Pico della
Mirandola, a única certeza é que ele não foi um humanista cívico, pois via pouco valor nos
assuntos públicos e mundanos, para ele não existia “nada mais maravilhoso do que o homem”;
no entanto, é certo que eles são considerados pela maioria dos críticos como pertencentes à
tradição dos humanistas italianos.16

Nicolau: o maior filósofo político renascentista


Nicolau Maquiavel (1469-1527) não pode ser enquadrado em nenhuma escola filosófica
de seu tempo, porém ocupa um lugar de destaque na história da filosofia política por sua
originalidade e influência teórica, sendo ainda hoje bastante estudado e debatido nas academias
contemporâneas – inúmeras teses, dissertações e livros sobre sua filosofia política podem ser
encontrados com certa facilidade.
Segundo Burns, “mais do que ninguém, ele contribuiu para virar de cabeça para baixo
todas as anteriores concepções da base ética da política ou para inaugurara a desapaixonada
observação direta da vida política”. Maquiavel exaltou o constitucionalismo, a igualdade, a
liberdade, também defendia a subordinação da Igreja aos interesses do Estado.17
Maquiavel escreveu sua obra mais conhecida, O Príncipe, relatando a deplorável situação
política, econômica e social da península itálica de sua época. No final do século XV, uma acirrada
disputa entre a França e os estados pontifícios pelo controle e pela lealdade das cidades-estado da
península itálica estava tornando a vida insuportável. Por outro lado, as várias regiões da península
itálica estavam divididas politicamente, tornando-se presas fáceis para invasões estrangeiras.
Maquiavel tornou-se chanceler e secretário da recém-fundada república de Florença (1498).
Sua principal missão diplomática consistiu em visitar outros estados. Numa dessas visitas, foi à
Roma, onde se aproximou de César Bórgia, filho do papa Alexandre VI. Para Maquiavel, Bórgia
combinava dureza e astúcia para unificar o Estado, a moralidade para César estava subordinada
aos objetivos políticos. Maquiavel exerceu sua função até o ano de 1512, quando os Médici
retomaram o poder da cidade-estado, derrubando a república. Ele passou a viver no exílio, suas
obras relatam as práticas de governos e a política não como um ideal elevado, mas como realmente
eram. Ele apresentou uma visão cínica da natureza humana, expondo seus desejos e motivos
egoístas, dominados pelo poder e pela prosperidade material.
Fonte: Wikimedia Commons

O termo “maquiavélico” é injustamente atribuído a Nicolau Maquiavel,


que defendeu em seus escritos a ética na política. Em função das ideias
defendidas no livro O Príncipe, o termo “maquiavélico” passou a ser
usado para aquelas pessoas que praticam atos desleais para obter
vantagens, manipulando as pessoas.

16 BURNS, Edward M.; LERNER, Robert E.; MEACHAM, Standish. História da civilização ocidental. 42 ed. São Paulo: Globo, 2003. p. 348.
17 BURNS, Edward M.; LERNER, Robert E.; MEACHAM, Standish. História da civilização ocidental. 42. ed. São Paulo: Globo, 2003. p. 348.

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Maquiavel, ao julgar dessa forma a natureza humana, defendeu que o governante não
deveria confiar na lealdade dos súditos. Porém, esses governantes deveriam manter a segurança
e o poder dos países por eles governados, e não deveriam permitir que nenhuma cláusula de
justiça, misericórdia ou santidade nos tratados impedisse seus caminhos. O grande desejo de
Maquiavel foi o de ver unificada a Itália, sonho que se realizou apenas no século XIX.
No século XVI, a literatura italiana ainda produziu
alguns autores interessantes, como o diplomata
conde Baldesar Castiglione (1478-1529), autor
do livro O cortesão, obra que descrevia a corte
Fonte: Wikimedia Commons

italiana do renascimento, popularizando o ideal do


“homem da Renascença” com as qualidades de
“corajoso, espirituoso e civilizado” – além, claro,
desse “homem da Renascença” dominar vários
campos de atividade. Outro importante literato e
historiador italiano desse período foi o embaixador
e governador dos estados papais Francesco
Guicciardini (1483-1540), que escreveu uma interessante e pormenorizada história da vida
política da Itália renascentista, deixou seus relatos sobre as motivações humanas desse período
no livro História da Itália.
Ludovico Ariosto Francesco Guicciardini

Fonte: Wikimedia Commons

Outro autor de epopeias desse período foi o poeta Ludovico Ariosto (1474-1533), mais
criativo que Castiglione e Guicciardini, escreveu o poema Orlando furioso, baseado nos
romances de aventura e nas lendas sobre Carlos magno. Ariosto conseguiu traduzir em sua obra
toda a desilusão da Renascença tardia e a tendência que procurava consolo no prazer estético,
a perda da fé e da esperança. Sua obra diferia radicalmente dos contos épicos medievais.
Inúmeros foram os literatos humanistas, mas colocamos aqui os principais autores renascentista.
Mais detalhes sobre esse rico período da arte e da literatura italiana, você pode pesquisar em
obras como A história social da arte e da literatura, de Arnold Hauser.18

18 HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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Unidade: Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade

Arquitetura e Escultura renascentista


Na escultura, o primeiro grande mestre que surgiu na Renascença foi Donato di Niccoló
di Betto Bardi (138[?]-1466), conhecido como Donatello. Sua estátua de Davi subjugando
Golias foi o primeiro nu desde a Antiguidade clássica e que consagrou a glorificação do nu
seguida durante muitos anos pelos escultores. Foi autor da primeira estátua equestre em bronze
de grandes proporções desde os tempos do domínio dos romanos, uma imponente obra em
bronze, representando o guerreiro Gattamelata.
Contudo, foi o pintor e escultor Michelangelo que ficou conhecido como um dos maiores
escultores de todos os tempos com suas esculturas magnificas e monumentais.

Fonte: Thinkstock/Getty Images - Prasenberg/Wikimedia Commons

A arquitetura renascentista estava com suas bases muito mais profundas no passado do que
a pintura e a escultura. Seu estilo eclético buscou inspiração nos elementos construtivos da
Idade Média e da Antiguidade clássica. A inspiração para o estilo da arquitetura renascentista
foi o romano romântico. Esse estilo prevaleceu em detrimento dos estilos gótico e grego porque
encontrou ressonância nas tradições italianas e pela admiração à cultura latina.
Fonte: Wikimedia Commons

Em geral, a inspiração para os arquitetos renascentista foram as igrejas e os mosteiros


românicos, que copiavam a decoração das ruínas da Roma antiga. A arquitetura teve como
resultado uma planta cruciforme, nave e transepto, e seus elementos eram a coluna e o arco,
ou a coluna e o lintel, a colunata e a cúpula. Predominou nesse estilo as linhas horizontais. A
diferença entre a arquitetura romântica e a renascentista era que a arquitetura renascentista se
ocupava muito mais da harmonia e da proporção de seus edifícios. Sob o mecenato dos papas
Júlio II e Leão X, encontramos uma das mais suntuosas obras arquitetônicas da Renascença
italiana: a Catedral de São Pedro de Roma, com projeto do arquiteto Donato Bramante (1444-
1514) e de Michelangelo.

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Declínio da Renascença Italiana no Século XVI
O declínio da Renascença italiana foi um longo processo, aproximadamente cinquenta anos, e
deu-se na segunda metade do século XVI. Aos desastres políticos, que contaram com a invasão da
península itálica no ano de 1494 pelos franceses, somou-se o fim da prosperidade econômica que
vinha se desgastando ao longo do século XVI. Carlos VIII da França avançou sobre o domínio dos
Médici e estava pronto para tomar Nápoles, esse foi o erro do monarca francês, que despertou a
atenção da então poderosa Espanha, detentora da Sicília que, para defender seus interesses, aliou-
se aos estados pontifícios: Milão, Veneza e o Sacro Império Romano-Germânico. Essa ação forçou
o reino francês a desistir de seu projeto de dominar algumas cidades-estado da península itálica. No
entanto, com a morte de Carlos VIII, seu sucessor entrou em guerra contra a península itálica por
trinta anos, quase ininterruptamente. Nesse período, formaram-se alianças e contra alianças.
O pior desastre dessa longa guerra se deu no ano de 1527 com o saque de Roma, realizado
pelos soldados espanhóis e alemães sob o comando de Carlos V da Espanha, que não tinha o
controle sob seus comandados. Foi somente em 1529 que Carlos V conseguiu controlar seus
comandados e dar fim aos conflitos na península itálica, restaurando seus principados. O desvio
das rotas marítimas comerciais do mediterrâneo para o atlântico enfraqueceu economicamente
a península itálica, colocando um ponto final na supremacia das cidades italianas como centro
do monopólio do comércio mundial de especiarias vindas do oriente próximo.
Outro acontecimento que causou o início do declínio nas artes e no pensamento italiano foi
a reforma católica empreendida a partir do Concilio de Trento (1545-1563). Nesse período, as
únicas expressões artísticas que continuaram a ser estimuladas foram a arquitetura barroca e a
música, que ainda contavam com o forte patrocínio da Igreja Católica; ao contrário dos artistas
e pensadores que começaram a ser perseguidos pela Inquisição.
A península itálica foi o berço do Renascimento, alguns
críticos argumentam que sua expansão para o restante
da Europa se deu após as invasões e guerras no final do
século XV e início do XVI; e, mesmo assim, na sua forma
mais bruta e menos glamorosa, que foi o Maneirismo. Esse
movimento artístico do início do século XVI tentou fazer
uma revisão dos valores clássicos e naturalistas, valores do
humanismo renascentista. Esse movimento teve impacto
na Europa e tem quem defenda que ele chegou inclusive
à América na época dos “descobrimentos”, com os
espanhóis.
Enfim, a maioria dos críticos e historiadores defende
Fonte: Wikimedia Commons

o Renascimento como sendo fundamentalmente um


movimento da alma italiana dos séculos XIV ao XVI,
porém, assim como o Maneirismo, o Renascimento
também não deixou de influenciar artistas e literatos de
outras partes da Europa.

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Unidade: Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade

Material Complementar

e Trazemos aqui algumas dicas bibliográficas complementares à bibliografia apresentada na


disciplina de História Moderna, para que você possa aprofundar as discussões realizadas no
material teórico sobre o Renascimento.

Importante
Não se torna um historiador sem muita leitura e reflexão!

Livros sobre o Renascimento Cultural


A Cultura do Renascimento na Itália
• Autor: Burckhardt, Jacob
• Editora: Companhia de Bolso
O Bazar do Renascimento - Da Rota da Seda a Michelangelo
• Autor: Brotton, Jerry
• Editora: Grua Livros
O Renascimento - Coleção Discutindo a História
• Autor: Sevcenko, Nicolau
• Editora: Atual
História Geral da Arte - Renascimento e Barroco
• Autor: Janson, H.W.
• Editora: Martins Editora
A Civilização do Renascimento
• Autor: Delumeau, Jean
• Editora: Edições 70
As Cortesas do Renascimento
• Autor: Lawner, Lynne
• Editora: Martins Editora

24
Ciência e Vida Civil no Renascimento Italiano
• Autor: Garin, Eugenio
• Editora: Unesp
Conheça Florença - Berço do Renascimento
• Autor: Machado, Lucia Helena Monteiro
• Editora: Nova Fronteira
Figuras e Caminhos do Renascimento em Portugal
• Autor: Serrao, Joaquim Verissimo
• Editora: Fundação Oriente
Fogo Sobre a Terra - A Mentalidade Medieval e o Renascimento
• Autor: Manchester, William
• Editora: Ediouro
O Renascimento - Historia Essencial
• Autor: Johnson, Paul
• Editora: Objetiva
O Renascimento Italiano
• Autor: Burke, Peter
• Editora: Nova Alexandria
Religiao e Ciencia no Renascimento
• Autor: Woortmann, Klaas
• Editora: UNB
Renascimento e Humanismo - Coleçao História Geral em Documentos
• Autor: Acker, Maria Teresa Van
• Editora: Atual

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Unidade: Arte e Literatura Transformando a Política e Sociedade

Referências

ARRUDA, José Jobson. História integrada: da idade média ao nascimento do mundo


moderno. 4. ed. São Paulo: Editora Ática, 1997.

BURNS, Edward M.; LERNER, Robert E.; MEACHAM, Standish. História da civilização
ocidental. 42. ed. São Paulo: Globo, 2003.

BURKE, Peter. Il Rinascimento. Bologna: Il Mulino, 2001.

_____. Il Rinascimento europeo - Centri e periferie. Roma-Bari: Laterza, 2009.

BYINGTON, Elisa. O Projeto do Renascimento. Rio de Janeiro: Jorger Zahar, 2009.

DUBY, Georges; PERROT, Michelle. Storia delle donne. Dal Rinascimento all’età
Moderna. Roma-Bari, Laterza, 1991.

GARIN, Eugênio. Ciência e vida civil no renascimento italiano. São Paulo: Unesp, 1996.

GREEN, Vivian H. H. Renascimento e reforma: a Europa entre 1456-1660. Lisboa: D.


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HAUSER, Arnold. Historia social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

HELLER, Agnes. O homem do Renascimento. Lisboa: Presença, 1982.

LARIVAILLE, Paul. La vita quotidiana delle cortigiane nell’Italia del Rinascimento.


Milano: BUR, 1989.

_____. La vita quotidiana in Italia ai tempi di Machiavelli. Milano: BUR, 1995.

_____. A Itália no tempo de Maquiavel. São Paulo: Cia das Letras, 1991.

MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio; FARIA, Ricardo. História Moderna através dos
textos. São Paulo: Contexto, 2008.

MONDIN, Battista. Curso de filosofia: os filósofos. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1981.

QUEIROZ, Teresa A. P. O Renascimento. v. 2. São Pulo: Edusp, 1995.

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CARVALHO, Frank Viana. Humanismo e Antropocentrismo. 2011. Disponível em: http://


frankvcarvalho.blogspot.com.br/2011/08/humanismo-e-antropocentrismo.html
26
Anotações

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São Paulo SP Brasil
Tel: (55 11) 3385-3000

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