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CAPÍTULO 1

O CONSERVADORISMO CLÁSSICO
E MODERNO: EXPRESSÃO E NOVOS
CONTORNOS NO BRASIL

Data de submissão: 26/01/2023 Data de aceite: 03/04/2023

Clarice Tavares Fonseca em sua idade moderna, alinhado aos


Universidade Federal do Rio Grande do interesses econômicos e políticos da
Norte burguesia. Por último, destacamos o
Natal-RN conteúdo e o projeto societário conservador
https://orcid.org/0000-0003-0092-1320 na sociedade brasileira, marcadamente,
Letícia Gabrielle Costa Passos a partir de 2016. Em vista dos objetivos
apresentados, o estudo possui natureza
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte qualitativa e sua elaboração se concretizou
Natal-RN por meio de uma pesquisa bibliográfica.
https://orcid.org/0000-0003-2648-9417 Neste sentido, o artigo é constituído, além
da introdução e das considerações finais,
Maria Clara de Carvalho Leite por três seções de desenvolvimento, as
Cavalcante
quais, respectivamente, versam: 1) acerca
Universidade Federal do Rio Grande do
do conservadorismo em seu momento
Norte
Natal-RN fundador, em sua vertente clássica; 2) sobre
https://orcid.org/0000-0001-9303-9577 o movimento conservador moderno; e 3) a
respeito da expressão do conservadorismo
no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Conservadorismo.
RESUMO: O artigo em tela tem como objetivo Neoconservadorismo. Fundamentalismo
central apresentar o conservadorismo Religioso. Brasil.
enquanto um sistema de ideias que
avança e se desenvolve historicamente,
assumindo novos delineamentos na CLASSICAL AND MODERN
contemporaneidade. Nesta perspectiva, CONSERVATISM: EXPRESSION AND
partimos de uma caracterização acerca do
NEW CONTOURS IN BRAZIL
conteúdo conservador clássico, situado, ABSTRACT: The main objective of this
histórica e geograficamente, na Europa do article is to present conservatism as
século XVIII. Em sequência, nos propomos a system of ideas that advances and
a uma teorização do conservadorismo develops historically, assuming new outlines

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in contemporary times. In this perspective, we start with a characterization of the classic
conservative content, located, historically and geographically, in eighteenth-century Europe.
In sequence, we propose a theorization of conservatism in its modern age, aligned with the
economic and political interests of the bourgeoisie. Finally, we highlight the content and the
conservative societal project in Brazilian society, notably from 2016 onwards. In view of the
objectives presented, the study has a qualitative nature and its elaboration was carried out
through a bibliographical research. In this sense, the article is constituted, in addition to the
introduction and final considerations, by three sections of development, which, respectively,
deal with: 1) about conservatism in its founding moment, in its classical aspect; 2) about the
modern conservative movement; and 3) regarding the expression of conservatism in Brazil.
KEYWORDS: Conservatism. Neoconservatism. Religious Fundamentalism. Brazil.

1 | INTRODUÇÃO
No cenário contemporâneo uma “onda conservadora” (ALMEIDA, 2017, 2019) tem
tomado espaço significativo, não apenas no campo da política direta, mas, sobretudo –
e isso que sustenta a expressão na política – no âmbito das consciências individuais.
Este movimento é percebido tanto no Brasil e na América Latina, quanto em países de
capitalismo avançado da Europa e nos Estados Unidos. Isso nos leva a propor, portanto,
que a nova onda conservadora, ou “neoconservadorismo”, possui um fundamento comum
internacional, que seja: uma crise capitalista em níveis estruturais (SOUZA, 2015; ALMEIDA,
2017). Assim, também, o recurso ao conservadorismo se desenha como uma tentativa de
reorganizar e manter uma hegemonia econômica e cultural – uma vez que esse fenômeno
se expressa em ambas as esferas.
Desta feita, apesar de reconhecermos e indicarmos estes pressupostos nosso
objetivo neste artigo é apresentar o conservadorismo, inicialmente, na qualidade de um
sistema de ideias, que se desenvolve historicamente, assumindo novos contornos na
atualidade. Em seguida, pretendemos expor, de forma breve, o conteúdo conservador a
partir de movimentos político-culturais presentes, sobremaneira, na realidade brasileira,
especialmente, no tocante ao conservadorismo moral religioso.
Nesta lógica, é importante destacar, que conservadorismo é um conceito associado
a processos e contextos históricos específicos (ALMEIDA, 2017, 2019). Trata-se de um
sistema de ideias que surge, em sua forma clássica, com a emergência e a ascensão
da moderna sociedade burguesa a partir de processos revolucionários no século XVIII
(SOUZA, 2015, 2016). Inicialmente, o conservadorismo se realiza na qualidade de um
movimento reacionário, contrário à revolucionária classe burguesa, e atua a partir da defesa
e proteção das instituições e das tradições do Antigo Regime. Desta forma, corresponde a
um movimento saudosista que busca recuperar a cultura feudal, sem negar, vale evidenciar,
os avanços produtivos e econômicos da nova sociedade (LEILA, N. 2011; SOUZA, 2016).
Todavia, certos de que essa saudosa regressão seria impossível, os conservadores
aproximam-se, ainda que com ressalvas, à nova classe dominante – burguesia – sua

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antiga opositora, unidos contra um inimigo comum: a classe proletária. Essa inflexão,
inevitavelmente, provoca uma alteração na estrutura teórica e política do movimento
conservador. Nesta ocasião, o conservadorismo recebe a identificação de ciência social, se
expressando, consequentemente, em correntes de conhecimento que se propõem a pensar
o enfretamento da “questão social”, com vistas à manutenção da ordem. Essa cultura
conservadora clássica, no que lhe toca, permanece em voga até 1914; deste momento até
os anos 1960-1970, significativas mudanças redesenham esta tradição, que, por sua vez,
assume novas determinações e manifestações a partir de sua vertente moderna (SOUZA,
2015, 2016).
Sendo assim, o moderno conservadorismo estreita os laços com a classe burguesa
e se dedica a resgatar, neste momento, vínculos de conciliação com o capital e sua
dimensão liberal. Desta feita, o novo elemento de conservação é a classe burguesa,
madura e consolidada, suas tradições e instituições. O avanço e a ampliação do histórico
conservadorismo, provocam, inevitavelmente, uma modificação e um alargamento em suas
bases, no entanto, a defesa e proteção das tradições segue sendo o emblema (SOUZA,
2015, 2016).
Nesta oportunidade, os novos conservadores reivindicam a defesa da democracia
e apresentam oposições tanto ao fascismo, quanto ao socialismo, ambos apontados como
“utopias totalitaristas” que não respeitam escolhas e comportamentos e que, portanto,
devem ser combatidas. Neste raciocínio, a sociedade do mercado – anteriormente
considerada uma ameaça social – ao passo que, pela ótica conservadora e burguesa,
possibilita e respeita as escolhas individuais, se converte, neste novo estágio, em uma
tradição que deve ser respeitada e resguardada (SOUZA, 2015, 2016).
Este novo conservadorismo, entretanto, sofre determinações regionais e assume
particularidades diversas a depender da formação sociocultural e histórica de cada país.
Em consideração a isso, podemos indicar que esta tradição conforma-se em uma matéria
mutável e maleável, uma vez que assume, em determinados territórios, traços de cunho
mais progressista – em defesa da democracia, ainda que burguesa –, e, em outros –
geralmente, em países de capitalismo dependente – aproxima-se de vertentes políticas
radicalizadas mais à direita, contraditoriamente, de cariz neofascista. No que tange ao
Brasil, esta última é a regra (SOUZA, 2016; ALMEIDA, 2017, 2019).
Evidenciado a partir de um cenário de crise, com amplitudes políticas, culturais
e sociais, o conservadorismo tem sido, nos últimos anos, a tônica da política brasileira.
Em nosso país este movimento é construído, fundamentalmente, por conservadores
propriamente ditos, evangélicos fundamentalistas, e fascistas, grupos distintos, mas que
possuem interesses comuns. Em síntese: defendem a diminuição do Estado e a aniquilação
das políticas sociais – sobretudo as de transferências de renda; desejam impor, a partir de
suas crenças e valores, o correto “modelo de família – composto por homem e mulher – e
um maior controle dos corpos e comportamentos; advogam por um Estado mais violento,

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repressivo e punitivo; e difundem, sem escrúpulos, ódio, intolerância, vingança e fobia
(ALMEIDA, 2017, 2019).

2 | O CONSERVADORISMO CLÁSSICO
O clássico conservadorismo compreende uma vertente político-ideológica
reacionária, que se opunha fervorosamente aos avanços políticos e sociais da era moderna
desencadeados pelas grandes revoluções do século XVIII e pelo pensamento ilustrado.
Neste sentido, conforme Souza (2015), este “movimento” tem sua gênese pós-1789 e “[...]
constituiu-se como sistema de ideias e posições políticas marcadamente antimodernas,
antirrepublicanas e antiliberais” (SOUZA, 2015, p. 4). Leila Netto (2011), por sua vez,
define o pensamento conservador como “[...] uma expressão cultural [...] particular de um
tempo e um espaço sócio-histórico muito precisos: o tempo e o espaço da configuração da
sociedade burguesa [...]” (NETTO, L, 2011 p.41).
Por este ângulo, se pudermos ser mais precisos: o conservadorismo surge e se
desenvolve na ocasião da moderna sociedade de classes, como reação às grandes
transformações decorrentes do avanço da classe burguesa – nesta ocasião, classe
revolucionária – nos marcos do Antigo Regime (SOUZA, 2015). Deste modo,
Movimentando-se no interior de uma formação social que não controlava,
a burguesia logo vai deflagrar uma dinâmica que levará ao colapso aquela
formação. Os séculos XVI, XVII e XVIII testemunham esta dinâmica: se as
“grandes descobertas” rompem com os limites físicos da feudalidade, a
manufatura se desdobrará na industrialização (com uma consequente e nova
urbanização). A chamada Revolução Industrial não é mais que a face evidente
da ascensão burguesa: o mundo burguês, aquele em que tudo o que é sólido
desmancha no ar (Marx e Engels, 1963, p. 24), começa a instaurar-se com ela
(NETTO, L, 2011, p. 42).

A Revolução Industrial – ou revolução burguesa –, portanto, diz respeito ao processo


pelo qual a burguesia revolucionária conquista, ainda na sociedade feudal, sua hegemonia
econômica e social. Sendo assim, as transformações empreendidas por esta classe
superam a esfera da produção e da troca, e se manifestam, de maneira considerável, no
âmbito da cultura, subvertendo os valores e costumes existentes.
Na sequência da análise, Leila Netto (2011) afirma que o sentido mais recorrente que
se atribui ao conservadorismo está ligado, diretamente, ao verbo conservar, a uma busca
pela manutenção de uma estrutura, negando qualquer desenvolvimento. Todavia, esta
explicação, tão presente no senso comum, é simplista e não serve em termos analíticos
– não permite explicar, ou apreender, o conservadorismo em sua totalidade e em suas
transformações históricas (NETTO, L, 2011). A autora indica, portanto, que o pensamento
conservador e seus expoentes não se opõem ao desenvolvimento produtivo e econômico
promovido pela revolução industrial, se opõem, na realidade, à forma de ação política
admitida pela classe burguesa – que mobiliza as massas – e à destruição das instituições

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sociais consagradas pela tradição (NETTO, L, 2011).
O fenômeno sociocultural conservador, nesta lógica, defende características
institucionais e determinados costumes do Antigo Regime, assim como, valoriza a forma
de vida e a organização cultural da Idade Média (SOUZA, 2015). Desta feita, o movimento
conservantista1 pretende uma restauração das tradições, dos costumes e das instituições
sociais, diluídas pelo movimento da revolução burguesa, para manterem seus privilégios.
Por conseguinte, o que os conservadores aspiram manter, e que a burguesia da época
contribui para destruir, é, em síntese, “[...] a autoridade fundada na tradição, o poder
legitimado pela religião institucional, a desigualdade jurídica dos homens, a administração
personalizada da justiça, a lei assentada na moralidade e a subordinação do indivíduo à
sociedade” (NETTO, L, 2011, p. 60).
Com base nisso, pode-se considerar, em acordo com a literatura (NETTO, L, 2011;
SOUZA, 2016, 2015), que a tradição conservadora tem seu berço – e sua maior expressão
– no pensamento de Edmund Burke, sistematizado, especialmente na obra Reflexões sobre
a revolução na França, publicada em 1790. Nesta formulação, Burke apresenta e defende
os interesses e ideais aristocráticos, e condena os episódios processados pelas revoluções
– especialmente, pela Revolução Francesa. Em sua perspectiva estes acontecimentos se
constituem em “[...] um atentado ao mais elevado patamar civilizacional que a humanidade
já havia alcançado: as instituições e tradições do antigo regime” (SOUZA, 2016, p. 365).
Nestes termos, Burke estabelece uma ferrenha crítica às revoluções e marca,
assim, uma das principais características do conservadorismo: ser contrarrevolucionário.
No entanto, vale salientar, a concepção de revolução em Burke assume um sentido
distinto do que é usual, particularmente, por entre as correntes progressistas. Para o autor
conservantista,
[...] revolução não significa a transformação radical de uma sociedade,
momento fundador de uma nova sociabilidade e, por isso, crivado por
contradições, tensões, mas também por elementos e valores emancipatórios.
Para o irlandês radicado na Inglaterra, esse tipo insurrecional de revolução é
tomado, de maneira unilateral, como momento de decadência e degradação,
no qual a ordem estabelecida é destruída e as tradições, rebaixadas (SOUZA,
2016, p. 363).

Posto isso, podemos afirmar que existe uma “tensão”, como assinala Leila Netto
(2011), justaposta ao pensamento de Burke e à tradição clássica do conservadorismo. O
principal expoente conservador – e toda a tradição – não recusa o desenvolvimento das
novas riquezas das nações, ou seja, não nega o avanço das forças produtivas, mas rejeita
as implicações socioculturais que derivam, necessariamente, deste desenvolvimento.
Deste modo, podemos assinalar que o conservadorismo, representado,
particularmente, pelo pensamento de Burke, deseja a continuidade do desenvolvimento
econômico capitalista sem romper com as instituições sociais pré-capitalistas – uma

1 O termo conservantista, neste artigo, será usado como sinônimo de conservadorismo.

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melhoria com a permanência das instituições tradicionalmente consolidadas – exatamente
por isso seria equivocado reduzi-lo tão somente ao sentido de conservação (NETTO, L,
2011; SOUZA, 2016).
Contudo, essa restauração almejada pelos conservadores se mostra irreversível e
utópica dada a consolidação da sociedade burguesa (NETTO, L, 2011). Por conseguinte,
Esta irreversibilidade, resultado da consolidação da ordem burguesa (ou seja:
da dominância do modo de produção capitalista, no plano da economia, e
do erguimento do Estado modelado pela burguesia, no plano da política),
[...] faz muito mais que retirar do projeto restaurador quaisquer chances de
viabilidade: altera o próprio papel sócio-histórico da burguesia (NETTO, L,
2011, p. 46).

Por este ângulo, o curso histórico que levou à consolidação da sociabilidade burguesa
e do capitalismo como modo de produção, entregou à classe que os personificam, antes
revolucionária, o posto de classe dominante. Neste lugar, a burguesia deixa de ser expressão
dos interesses universais e populares – que incorporou para a conformação de uma base
social que sustentasse seu projeto – e passa a defender, estritamente, seus interesses
particularistas, especialmente no tocante a manutenção das suas instituições. Logo, na
brava defesa de seu status quo a classe burguesa perde seu caráter revolucionário, se
opondo, consequentemente, a qualquer intenção de revolução e controlando os possíveis
focos de resistências.
Inicia-se, assim, por volta de 1830, um profundo e complexo movimento, ao fim
do qual aquela cultura [moderna] ver-se-á refuncionalizada para atender às
exigências que agora se põem à burguesia trata-se de uma refuncionalização
que terá por objetivo eliminar ou neutralizar os conteúdos subversivos
da cultura moderna, especialmente aqueles vinculados à sua dimensão
emancipadora; um analista deste movimento, certeiramente, caracterizou-o
como “o rompimento com a tradição progressista” (Coutinho, 2010): para a
burguesia, a questão que se punha era lateralizar os núcleos que, na cultura
ilustrada, guardavam um potencial de crítica à sua dominação de classe
(NETTO, L, 2011, p. 47).

Por esta lógica, não só a cultura moderna assume novas determinações e


expressões, como também o movimento conservador, consciente da impossibilidade
de reverter a hegemonia sociocultural burguesa, admite uma nova roupagem: “É assim
que ele tem substantivamente mudada a sua função social: de instrumento ideal de luta
antiburguesa, converte-se em subsidiário da defesa burguesa contra o novo protagonista
revolucionário, o proletariado” (NETTO, L, p. 49-50). Este movimento vai provocar, como
resultado, uma alteração na estrutura teórica do conservadorismo e lhe conferir novos
expoentes intelectuais.
Certos princípios do conservadorismo clássico vão ganhar dimensão
“científica” com as sociologias de August Comte (1798-1857), Hebert Spencer
(1820-1903) e Émile Durkheim (1858-1917). Ao receber a chancela da
“ciência social”, valores da tradição conservadora são elevados a conceitos.

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Ideias conservadoras clássicas acerca das relações entre indivíduo, Estado
e sociedade, passam a receber o anteparo da solidariedade orgânica, da
harmonia e da coesão social (SOUZA, 2015, p. 5).

Na sequência de sua exposição, corroborando com o que sinalizamos anteriormente,


o autor afirma:
O positivismo impulsionou o sistema de ideias conservador, ao mesmo
tempo em que o modificou, pois estabeleceu sua reconciliação com a
sociedade capitalista consolidada e sua institucionalidade. Realinhou o foco
das disputas políticas dos conservantistas, de posições antiburguesas para
posições antiproletárias e, por derivação, contrarrevolucionárias. A Sociologia
como disciplina e “ciência” específica passa a vocalizar certas aspirações
conservadoras clássicas, principalmente aquelas em defesa das instituições
estabelecidas (SOUZA, 2015, p. 5).

Consoante Leila Netto (2011), este arranjo do conservadorismo clássico e sua


vertente teórica, o positivismo, se constroem, especialmente, para enfrentar a questão
social – isto é, os problemas de cunho político, econômico e social postos em cena a partir
do surgimento da classe operária. Deste modo, defende-se a necessidade de uma ação
social consciente e planejada que mantenha a ordem social, impeça a desintegração da
sociedade burguesa e controle a anomia inerente à complexificação da divisão do trabalho,
a partir da qual a consciência coletiva perde espaço para uma diferenciação individual.
Desta maneira, “a referida ação social deverá contribuir para a constituição de
vínculos solidários entre os indivíduos (solidariedade orgânica), com a criação de uma nova
moral, laica (civil) e de base científica. Somente um conhecimento objetivo da sociedade
pode oferecer uma base segura para a nova moralidade [...]” (NETTO, L, 2011, p. 53).
Diante deste panorama, pode-se dizer, que o conservadorismo clássico perdura até
o ano de 1914. Deste ano, que marca o início da Primeira Guerra Mundial, ao ínterim
dos anos 1960-1970 se desenham significativas mudanças sociais, políticas e culturais.
Em vista disto, se gesta nesse espaço-tempo, conforme, Souza (2015), o pensamento
conservador moderno, reformulando, ampliando e/ou universalizando determinados temas
centrais da tradição conservadora. Em respeito a isso, portanto, desenvolveremos nossa
seção seguinte.

3 | NEOCONSERVADORISMO: O CONSERVADORISMO MODERNO


Na qualidade de um sistema de ideias de caráter cultural e político, o conservadorismo
se amplia e se desenvolve historicamente, a partir dos anos 1960, sobretudo, mediante sua
identificação como ciência social. Conforme já anunciamos, a tradição conservadora se
torna a vertente ideológica da nova classe dominante – a burguesia – assumindo, neste
curso, novas tonalidades, tendências e características – que podem variar de acordo
com as particularidades nacionais e regionais (SOUZA, 2016). Nesta perspectiva, o
“novo elemento de conservação” desta tradição diz respeito à ordem burguesa madura e

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consolidada (SOUZA, 2015).
Consoante Souza (2015), o que possibilita – ou, até mesmo exige – essa significativa
inflexão no interior do movimento conservador é o processo histórico que coincide com o
avanço do capital e a consolidação do seu estágio monopolista, “Esse é o cenário histórico
(real) de contradições que requisita, dos “neoconservadores” de então, novas bases ídeo-
políticas.” (SOUZA, 2015, p. 6). Assim, em vista da defesa da sociedade burguesa, os
novos conservadores se apresentam enquanto defensores da “democracia” e contra as
“perigosas utopias totalitaristas”. No lugar de “perigosa utopia” o conservadorismo moderno
equaliza comunismo e fascismo, considerando-os regimes totalitários de, basicamente,
mesmo caráter (COUTINHO, 2014).
O conservadorismo moderno incorporou o conceito de “totalitarismo” nesses
termos niveladores e, com ele, elaborou uma concepção de mundo que
encastela o significado ontológico do tempo presente, esvaziando-o do devir
histórico. Realiza esse encastelamento através, de um lado, da blindagem do
presente em relação às “utopias” revolucionárias, que desejam transformar
radicalmente a sociedade vigente. De outro, projetando-se contrários às
“utopias” reacionárias, aferradas que são às formas do passado (SOUZA,
2015, p. 7).

Com relação a isso, afirma Coutinho (2014):


O conservadorismo político recusa os apelos do pensamento utópico,
venham eles de revolucionários ou reacionários. Mas o conservadorismo não
se limita apenas a recusar esses apelos utópicos, que fazem da fuga para
o futuro (ou para o passado) um programa de ação no momento presente.
O conservadorismo, por entender o potencial de violência e desumanidade
que a política utópica transporta, irá também reagir defensivamente a tais
apelos - e “reagir” é a palavra crucial para entender o conservadorismo como
ideologia (COUTINHO, 2014, p. 26).

Isso, por sua vez, atribui aos neoconservadores a forte característica de valorizarem
o presente (COUTINHO, 2014; SOUZA, 2015, 2016). O saudosismo do conservadorismo
clássico, portanto, não compõe o arcabouço do conservadorismo moderno, o que importa
neste novo estágio é “o aqui e agora” da moderna sociedade burguesa (COUTINHO, 2014).
Em vista deste fator, então, o movimento conservador na contemporaneidade se identifica,
e pode ser percebido, como um movimento de tendência progressista, um terceiro (e
mais apropriado) termo, ao passo que rejeita as “utopias totalitárias” – reacionárias e
revolucionárias (SOUZA, 2015, 2016).
No tocante à razão os conservadores modernos estabelecem uma relação bastante
específica: não a negam, como fazia aqueles da tradição clássica, mas rejeitam sua
corrente teórica – o racionalismo – pelo mesmo processo, também, não cativam nem se
comprometem, em sua totalidade, com o irracionalismo. No que diz respeito a isso, afirma
Coutinho (2014), “não é a razão per se que inspira a crítica conservadora; é, tão só, a
arrogância do racionalismo moderno e a sua ideia nefasta de ‘possibilidade infinita’ na

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condução racional dos assuntos humanos” (COUTINHO, 2014, p. 35).
Desta forma, pela ótica dos neoconservadores o saber advém da prática, do
movimento empírico, e
[...] o racionalismo entroniza o saber técnico-teórico, em detrimento do saber
prático. Para os conservadores, a experiência, de onde provém o saber
prático, fornece os melhores referenciais para orientação da ação social.
O saber teórico tenderia a deduzir os posicionamentos políticos a partir de
elaborações ideais, o que significaria fazer abstração das condições objetivas
de uma dada sociedade (essa conclusão, por parte dos conservadores,
decorre da sua visão reificada da relação teoria e prática). (SOUZA, 2015,
p. 12).

Souza (2016), no entanto, chama a atenção para a diversidade de intelectuais


que habitam a esfera do moderno conservadorismo. Oriundos de diferentes áreas do
saber, estes intelectuais provocam no seio do movimento conservador uma ampliação
nos alicerces que sustentam os valores e as ideias desta tradição. Nestas condições, o
autor salienta que o conservadorismo dos nossos tempos deve ser analisado e apreendido
como “conservadorismos”, isto é, como um conjunto de tendências conservadoras, com
naturezas e orientações distintas.
Neste caldo, portanto, embora não seja a regra, identificam-se intelectuais
radicados, ainda, no irracionalismo, em contraposição àqueles que possuem um discurso
moderadamente relacionado à democracia (SOUZA, 2016). Todavia, “o que permanece
como intocado [...] é a defesa incondicional da sociedade vigente e o estabelecimento de
um consenso antirrevolucionário a antiproletário” (SOUZA, 2016, p. 158).
Um ponto central do conservadorismo moderno que, inclusive, o aproxima à
sua manifestação clássica, é a valorização e a defesa das tradições. Na perspectiva
conservadora as tradições, uma vez que resistem e sobrevivem aos “testes do tempo”
(COUTINHO, 2014), revelam, em si mesmas, sua validade e qualidade (COUTINHO,
2014), isto é, “[...] se uma tradição está viva e atuante, esta evidência empírica serve como
fundamento para preservá-la” (SOUZA, 2015, p. 16). Em sequência, as tradições, para
os conservadores, possuem uma função educativa, atuam como mediação entre o sujeito
individual isolado e a sociedade. Assim, nos revela Coutinho (2014):
[...] são as tradições de uma comunidade que permitem ao indivíduo,
isoladamente considerado, entrar na “grande conversa da humanidade”.
As tradições fornecem aos indivíduos a gramática básica dessa conversa,
impedindo que estes se tornem, nas palavras de Burke, meras “moscas
de um verão”: existências breves, desgarradas e desabitadas de qualquer
referência social, cultural ou moral (COUTINHO, 2014, p. 60).

Neste contexto, Souza (2015) destaca um aspecto que consideramos importante:


o processo de individuação do ponto de vista conservador se situa na centralidade das
tradições, desta forma, a reiteração se realiza mediante a reiteração de um patrimônio
construído por gerações passadas, abstraindo, como aduz o autor, toda a “teia categorial”

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mobilizada neste processo.
Em continuação, no mesmo sentido e partindo do mesmo fundamento, os
conservadores também valoram os preconceitos. Este entendido enquanto um conjunto de
saberes precedentes adquiridos com base em decisões, ou, experiências passadas, cuja
validade se comprova, também, visto a sobrevivência ao longo do tempo. Em respeito a
isso, indica Souza (2015):
Para essa corrente [conservadora], os “preconceitos” são tomados como
sistema de valores acumulados. Longe do sentido comum que os debates
cotidianos fornecem ao termo “preconceito”, geralmente associado a algum
tipo de discriminação, no entender do conservadorismo, eles são balizas
seguras para a orientação da ação social (e política) racional (COUTINHO,
2014) porque representam o conjunto de saberes adquiridos com o passar do
tempo (SOUZA, 2015, p. 16).

Os preconceitos, ao modo conservador, servem ainda como baliza para as


transformações que se fazem necessárias. Com isso, vale reiterar que o conservadorismo –
seja clássico, ou moderno – não rejeita, indiscriminadamente, mudanças e transformações;
sim, negam aquelas que são empregadas contra às tradições. Deste modo, os conservadores
celebram as transformações desde que estas atuem para a manutenção – e/ou melhoria –
das instituições, das tradições e da ordem e não atinjam a superestrutura cultural e social.
Em vista disto, a tradição conservadora defende a realização de reformas – mudanças
superficiais e paliativas – que previnam insurreições revolucionárias (COUTINHO, 2014;
SOUZA, 2015). Nesta lógica, “a reforma é necessária para se preservar (e melhorar) o que
encontra em risco [...]” (COUTINHO, 2014, p. 74).
O conservadorismo moderno, de acordo com o que já sinalizamos, possui com o
capitalismo e sua classe consideráveis relações que interessa-nos destacar. Consoante
Souza (2015), os novos conservadores trataram de resgatar na tradição clássica os
indícios conciliatórios com o sistema do capital e, especialmente, com a sua tradição
liberal – um dos principais antagonistas da vertente conservadora originária. Entretanto,
“os conservadores preservam suas tradicionais ressalvas à estruturação de valores que
possam ser universalizados, como o individualismo da tradição liberal, por exemplo”
(SOUZA, 2015, p. 6).
A ideia de que a sociedade comercial iria corromper a alma humana e provocar
espantosa desordem destruindo as tradições, aos poucos, derruiu. Em conformidade com
Coutinho (2014), os neoconservadores defendem que os “homens” – entendidos como
sujeitos sociais – possuem uma natureza comercial, estão, naturalmente, predestinados
à negociação e a troca. Desta feita, a sociedade do livre mercado, ao contrário de uma
ameaça, representa, na perspectiva conservadora, uma possibilidade de exaltação e
estímulo às capacidades e potencialidades humanas, e o lucro, sua “pedra de toque”
converte-se no fundamento para o desenvolvimento individual e coletivo (COUTINHO,
2014; SOUZA, 2015).

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Se a função de um governo é respeitar, por princípio, a natureza humana,
importante é também que ele respeite uma das propriedades fundamentais
dessa mesma natureza: o fato de existir nos homens uma propensão para
“negociar, per mutar ou trocar uma coisa pela outra”, cujo objetivo é fazer
com que os indivíduos possam “melhorar a sua condição” (COUTINHO, 2014,
p. 87).

Ainda, opositor obstinado às tendências “totalitárias” e defensor da liberdade


democrática, o conservadorismo moderno, afirmando respeitar a natureza dos homens,
abraça a sociedade comercial – neoliberal – sob a justificativa de que esta concede aos
“homens” o direito de fazer suas próprias e livres escolhas, sem a imposição autoritária de
um padrão único de preferências ou comportamentos. Neste raciocínio, a sociedade do
mercado não se apresenta mais como uma ameaça às tradições, mas ela mesma se faz,
neste novo momento, uma tradição que precisa ser protegida e conservada (COUTINHO,
2014).
Em face do exposto, é possível observar que o conservadorismo contemporâneo
possui com o conservadorismo clássico pontos de encontros e desencontros. Nesta
mesma perspectiva, como já anunciamos, o neoconservadorismo sofre determinações e
assume particularidades diferentes a depender da formação sociocultural e histórica de
cada país, podendo, desta forma, aproximar-se de tendências mais progressistas, ou, mais
à direita. No caso do Brasil o que se constata é a presença de tendências radicalizadas do
conservadorismo, contraditoriamente, de corte protofascista. Posto isso, nos dedicaremos
na próxima seção à exposição e apreensão do moderno conservadorismo no Estado
brasileiro.

4 | O “CONSERVADORISMO” NA REALIDADE BRASILEIRA


Em vista do seu avanço e ampliação, o conservadorismo, sobretudo nos últimos
anos, para além de um sistema de ideias, passa a se conformar enquanto um projeto
de sociedade – envolvendo clara concepção de mundo e propostas concretas de ação
política (SOUZA, 2016). Desta feita, especialmente a partir de 2016, o projeto conservador,
em suas vertentes mais radicalizadas à direita, tem sido o principal conteúdo no cenário
político brasileiro, disputando e conquistando significativa hegemonia política e cultural.
Conforme pontuado por Souza (2016), as correntes conservadoras de maior expressão
no Brasil são as de origem inglesa e, acima de tudo, norte-americana. Neste sentido, o
conservadorismo brasileiro combina os principais – e, talvez, mais nefastos – elementos
destas tradições, adequando-os, dentro do possível, às particularidades socioculturais
e regionais do Estado brasileiro, admitindo a configuração de um “conservadorismo à
brasileira”, que “harmoniza”, contraditoriamente, componentes conservadores, neoliberais
e, ainda, de cunho protofascistas. Seguindo este raciocínio, afirma Souza (2015) a respeito
do movimento conservador:

Serviço social no Brasil: Desafios contemporâneos 2 Capítulo 1 11


No Brasil, congrega propriedades europeias e norte-americanas. Sofre
também mutações desde dentro, recombinando, ecleticamente, propostas,
valores e ideais com a nossa realidade concreta, desde finais do século
XIX. O resultado - considerando as condições e de inserção subordinada
de nossa formação social no circuito de capital mundial monopolizado,
além das contradições tipicamente decorrentes da passagem brasileira à
modernização capitalista - é a intensificação das tonalidades mais à direita
do conservadorismo, aproximando-o de ideias ao sabor dos reacionários
(SOUZA, 2015, p. 8).

Considerando o espaço estabelecido para este artigo não nos deteremos a explicar,
adequadamente, estas duas matrizes – inglesa e norte-americana –, dedicaremos nossa
atenção e análise às manifestações do conservadorismo no Brasil, particularmente, através
do aprofundamento do fundamentalismo religioso, da intolerância, da discriminação e da
diminuição do Estado. É certo que estes elementos não compõem – ao menos não da
mesma forma – o arsenal das tradições conservadoras que expomos nas seções anteriores,
no entanto, em nossa perspectiva, não fogem por completo delas.
A contraditória união do conservadorismo com o liberalismo e com as tendências
fascistas, inevitavelmente, atribui-lhe novo delineamento, todavia o imperativo de proteger,
a qualquer custo, uma determinada sociedade – neste caso, a burguesa –, suas instituições
e tradições, e o forte apelo à moral, sobretudo religiosa, demonstram o histórico cariz
conservador. Ronaldo Almeida (2017, 2019) indica que o atual conservadorismo na
sociedade brasileira diz respeito a principal resultante de diferentes forças políticas frente
o cenário de crise enfrentado no país, “[...] isto é, o vetor que tem apontado a direção e o
sentido do processo social em curso” (ALMEIDA, 2019, p. 187).
O “conservadorismo à brasileira”, de que nos fala Souza (2015), deriva, de acordo
com as análises de Almeida (2019) de um profundo quadro de crise que possui expressões
em níveis políticos, culturais e jurídicos. Esta crise, apesar de se encontrar em curso,
mundialmente, desde 2008, é desencadeada com maior expressão no Brasil a partir de
2013, e aprofundada com o golpe do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, em
2016, e com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018 (BRAZ, 2016; ALMEIDA, 2017, 2019).
Desde então avança em nosso país, nas palavras de Almeida (2019), um amálgama de
valores culturais e uma concertação de forças políticas que configuram o que tem sido
nomeado de “onda conservadora”.
O uso dos termos “amálgama” e “concertação”, por eles mesmo, talvez dispensasse
nossa explicação, no entanto, importa-nos reiterar: o dito conservadorismo brasileiro reúne
atores e esforços políticos distintos, “[...] um conjunto relativamente variado de discursos,
valores, ações e posicionamentos políticos com interesses parciais e conjunturalmente
comuns” (ALMEIDA, 2017, p. 4). Neste sentido, a reação conservadora no Brasil compõe-
se, essencialmente, por conservadores, propriamente ditos, evangélicos fundamentalistas,
e fascistas. Assim, é certo que estes grupos não possuem identidade, ou designação,

Serviço social no Brasil: Desafios contemporâneos 2 Capítulo 1 12


comum, mas se unem em torno dos discursos de ódio – sob o manto dos bons e corretos
costumes –; do controle dos corpos e comportamentos; e da retirada e diminuição dos
direitos.
Nesta perspectiva, Almeida (2017, 2019) destaca quatro linhas de forças sociais que
envolvem, de modo especial, conservadores e fundamentalistas, nomeadamente, as linhas:
econômica, moral, securitária e societal. A primeira diz respeito ao papel que o Estado
deve ocupar na economia. Alinhados a ideia neoliberal e meritocrática, estes grupos se
opõem, ferrenhamente, às políticas públicas e sociais de transferência de renda e proteção
social, celebram o esforço e a dedicação individual, incentivando o empreendedorismo, e
defendem a iniciativa privada (ALMEIDA, 2017, 2019).
Em grande medida, esse entendimento do esforço individual tem uma
afinidade de sentido com a orientação da Teologia da Prosperidade dos
neopentecostais, que se expande pelo meio evangélico e além dele. Trata‑se,
principalmente, de estimular a postura empreendedora com o objetivo não
só de sobrevivência financeira, mas de acúmulo material e mobilidade social
(ALMEIDA, 2019, p. 207).

A linha de força que se segue refere-se, como pontuado por Almeida (2017), “[...] à
disputa pela moralidade pública, que no Brasil encontra nas religiões cristãs os principais
canais de sacralização da família e da reprodução da vida.” (ALMEIDA, 2017, p. 17). Neste
campo, portanto, os conservadores pautam maior controle dos corpos, dos comportamentos
e, inclusive, dos vínculos familiares (ALMEIDA, 2017, 2019). Rejeitam sistematicamente o
aborto e estabelecem ênfase na família como uma instituição constituída exclusivamente
por um homem e uma mulher, logo, negando aquelas formadas por casais homoafetivos
(SOUZA, 2016).
Neste mesmo raciocínio, sob a justificativa de defesa da moral, o grupo conservador
relega a educação e a orientação sexual nas escolas da rede pública, realizando
considerável propaganda negativa – o que, aliás, tem conquistado a opinião coletiva – e
barrando estas propostas no legislativo, uma vez que ocupam um significativo número de
cadeiras na câmara dos deputados.
As proposições de ordem moral não apontam somente para um tradicionalismo
que apenas resiste ao mundo em mudança, como comportam-se setores da
Igreja Católica. Os evangélicos pentecostais têm um conservadorismo ativo
e não apenas reativo destinado à manutenção do status quo tradicional de
caráter mais católico. A esses evangélicos têm interessado a disputa pela
moralidade pública (Casanova, 1994). Não somente a proteção da moralidade
deles, mas a luta para ela ser inscrita na ordem legal do país (ALMEIDA, 2017,
p. 18).

A terceira linha de força que, em acordo com Almeida (2017, 2019), une evangélicos
e conservadores, concerne à segurança. Em respeito a este aspecto a onda conservadora
brasileira tem encaminhado propostas políticas, demandas coletivas e medidas
governamentais que indicam e endossam posturas e ações de cunho mais repressivo e

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punitivo por parte dos aparelhos de segurança do Estado. Trata-se, na verdade, de violência
estatal, defendida e legitimada, contra a população, particularmente, trabalhadora.
A redução da maioridade penal, a lei do desarmamento, a lei antiterror, a
política de encarceramento, a militarização de parcela da gestão pública,
entre outros, são temas atuais cujo conjunto aponta para o aumento da
violência do Estado sobre a população, sobretudo, os mais apartados do
universo dos direitos (ALMEIDA, 2017, p. 21).

O tópico da segurança pelo prisma conservador – a partir do aumento da repressão


e da punição – tem conquistado forte apoio popular. Verifica-se, de fato, o crescimento
da insegurança pública no país, muito em vista, exatamente, do tratamento securitário
desenvolvido e oferecido pelo Estado. desta feita, cresce, também, a demanda por
segurança e a ampliação das agências privadas (ALMEIDA, 2017, 2019).
Para finalizarmos, a quarta linha corresponde “[...] à qualidade e à intensidade
das interações sociais em situações de forte antagonismo político.” (ALMEIDA, 2017, p.
23). Almeida (2017, 2019) ressalta que a crise que atinge o sistema político brasileiro tem
se espraiado, de forma considerável, às relações interpessoais. Este fato é facilmente
observado a “olho nu”. Não são necessárias minuciosas análises para identificar
que – e o quanto – as divergências políticas têm afetado, e até destruído, amizades e
laços familiares. Ainda consoante o autor, vingança, fobia e ódio foram os sentimentos
impulsionados pela grande “onda conservadora”. Estes sentimentos, por sua vez, assim
como o conservadorismo de modo geral, encontram nas redes sociais seu principal veículo.
Através das telas não existem limites para o ódio e a intolerância.
Desta feita, Almeida (2017, 2019) detalha que a vingança é, especialmente,
mobilizada mediante a defesa da diminuição da maioridade penal. Somado a isso,
acrescentamos, também para exemplificar a evocação da vingança, a famosa frase muitas
vezes proferida pelos conservadores “bandido bom é bandido morto”. E vale ressaltar: uma
vingança cujo alvo é a classe trabalhadora. “A fobia foi o outro afeto nomeado quando se
tratou de diversidade sexual e a discriminação de gênero.” (ALMEIDA, 2017, p. 24). Quanto
ao ódio, verifica-se sua evocação por meio da intolerância religiosa – particularmente contra
as religiões de matriz africana – e através da realização de atos políticos protagonizados
por movimentos populares e proletários.
[...] é preciso ampliar o foco e entender tais atos como sintoma de afetos
sociais mais amplos que são pouco abertos às diferenças, muito voltados
sobre si como medida para a vida pública e, por vezes, agressivos simbólica
e concretamente com o que negam, o que tem gerado atos de iconoclastia,
de vilipêndios por meio de rituais, de constrangimento moral e, apesar de
menos frequente, mas não ausente, de violência física (ALMEIDA, 2017, p.
24-5).

No tocante à relação do conservadorismo com o fascismo na realidade brasileira


– e destes com o fundamentalismo religioso – acreditamos que pode ser explicada,

Serviço social no Brasil: Desafios contemporâneos 2 Capítulo 1 14


também, pelas linhas de forças apresentadas por Almeida (2017, 2019). No entanto, de
forma especial pelas linhas da moral e da segurança, neste sentido, aduz Mattos (2019) a
respeito da atuação política dos grupos neofascistas:
Aplica[m] soluções militaristas e moralistas (que se combinam, por exemplo,
na política de militarização das escolas públicas), apoiadas na amplificação
da imagem de ameaças da “bandidagem” (que justifica a dilatação da
violência policial de traços genocidas contra a população jovem, negra e
periférica) e da “ideologia de gênero”, corruptora dos valores da família e dos
“homens de bem” (MATTOS, 2019, p. 40).

Uma característica fundamental do fascismo é o uso da violência organizada levada


à frente por tropas de choque contrárias à classe trabalhadora, com o fim de esmagar toda
atividade proletária independente (MATTOS, 2019), o que não destoa do que pretende
conservadores e fundamentalistas. Os fascistas contemporâneos, em acordo com Mattos
(2019), também atuam em defesa de um Estado enxuto de um livre mercado, uma vez
que este grupo é composto, majoritariamente, pela pequena burguesia e pelas “classes
médias”. No que diz respeito aos sentimentos mobilizados pelos neofascistas – tão quanto
no fascismo clássico –, o ódio, sobretudo contra determinadas etnias, é o imperativo,
todavia, a fobia, a vingança e a intolerância constituem, também, este arsenal.
Posto isso, ainda que sejam grupos distintos, como defende Almeida (2017, 2019),
conservadores, fundamentalistas e neofascistas se mostram, ao menos na particularidade
brasileira, cada vez mais próximos e imbricados, com interesses e modos de atuação
compartilhados. O que, portanto, dificulta uma dissociação e/ou diferenciação.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conservadorismo no Brasil, devendo ser compreendido enquanto uma expressão
– talvez, a mais significativa – do quadro de crise vivenciado pelo país, conforma-se em um
conservadorismo moral e religioso (ALMEIDA, 2017). Como salienta Souza (2016), trata-
se de uma ideologia concentradora das classes dominantes que camufla as contradições
inerentes à sociabilidade burguesa, sobretudo, mediante a naturalização das relações
sociais de opressão e exploração, contribuindo com a manutenção e ampliação do
capitalismo.
Para chegarmos à discussão do Estado brasileiro, no entanto, apresentamos o
conservadorismo em seu momento fundador, em um espaço e contexto bastante específicos,
um movimento de reação contra o pensamento iluminado e os processos revolucionários
burgueses, defensor das instituições e tradições do antigo regime (NETTO, L., 2011;
SOUZA, 2015, 2016). Assim como, expomos seu processo de avanço e desenvolvimento a
partir da identificação enquanto ciência social, se aproximando da classe burguesa e sendo
adotado por ela como sua ideologia, quando essa torna-se classe dominante (SOUZA,
2015, 2016).

Serviço social no Brasil: Desafios contemporâneos 2 Capítulo 1 15


Em vista disso, evidenciamos como a progressão do conservadorismo o levou a
sofrer diferentes determinações e, consequentemente, assumir, distintas – e, por vezes,
contraditórias – particularidades, especialmente a depender das formações sócio-históricas
de cada país. Na realidade brasileira, como já evidenciamos, a “onda conservadora” une
os integrantes desta tradição à fundamentalistas e neofascistas, em torno de um projeto
político e social que ataca de forma nefasta os direitos civis, políticos e sociais, e contribui
com a elevação do ódio, da intolerância e da discriminação (SOUZA, 2016; ALMEIDA,
2015, 2016).
Para finalizarmos, explicitamos, conforme indica Souza (2016), que o
conservadorismo possui uma função social própria e essencial quando incorporado na
formação social brasileira: apresentar-se como o projeto político hegemônico para guiar a
sociedade a uma adaptação irrestrita aos imperativos do capital monopolista imperialista.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Ronaldo de. A onda quebrada-evangélicos e conservadorismo. Cadernos Pagu, Campinas
Unicamp, nº 50, 2017.

ALMEIDA, Ronaldo de. Bolsonaro presidente: Conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira.


Novos Estudos, Cebrap, nº 01, p. 185-213, 2019.

COUTINHO, João Pereira. As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários.


São Paulo: Três Estrelas, 2014.

NETTO, Leila Escorsim. O conservadorismo clássico: elementos de caracterização crítica. São


Paulo: Cortez, 2011.

SOUZA, Jamerson Murillo Anunciação de. O conservadorismo moderno: esboço para uma
aproximação. Serviço Social & Sociedade, p. 199-223, 2015.

SOUZA, Jamerson Murillo Anunciação de. Edmund Burke e a gênese conservadorismo. Serviço
Social & Sociedade, p. 360-377, 2016.

SOUZA, Jamerson Murillo Anunciação de. Tendências ideológicas do conservadorismo. Tese


(Doutorado em Serviço Social) – Programa de Pós-graduação em Serviço Social, UFPE, Recife, 2016.

Serviço social no Brasil: Desafios contemporâneos 2 Capítulo 1 16

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