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Fascismo: muito falatório e pouco estudo 

O vocábulo “fascista” nunca foi tão banalizado. Hoje, restringe-se a um xingamento


manejado pela quase totalidade da esquerda (mas também por uma parte
considerável da direita) contra seus inimigos ideológicos, promovendo abusos
relativistas tão bizarros ao ponto de esvaziarem o conceito. Na verdade, não seria
ousado dizer que se a maioria dessas pessoas que acusam terceiros de “fascista”
se deparassem com um de verdade, provavelmente não conseguiriam identificá-lo
ou, pior, reagiriam como se vissem um alienígena.

Isso ocorre por uma razão simples: a derrota do Eixo na Segunda Guerra Mundial
permitiu às potências vitoriosas não só estabelecer uma nova ordem geopolítica
global, em Yalta, mas também construir a sua própria narrativa histórica, e impor
a sua própria agenda de valores. Nesse esquema, ao fascismo foi atribuído o papel
de “Mal Absoluto”.

Como explicado por Carl Schmitt em “O Conceito do Político”, o liberalismo


destruiu o modo tradicional de fazer guerra, no qual a inimizade se expressa pelo
embate aberto entre combatentes legítimos que se reconhecem mutuamente,
inaugurando “guerras morais”, em que todo conflito é sempre um embate entre o
Bem e o Mal.

Para o liberalismo, só “combater o Mal” legitima a guerra, então o inimigo deve ser
invariavelmente apontado como o Mal Absoluto, a encarnação do Diabo, sendo
então desumanizado e podendo ser completamente exterminado, pela desculpa de
que “ele também faria isso”.

O estabelecimento do “fascismo” como o Mal Absoluto para a ordem pós-guerra


fez com que, em vez do termo significar uma teoria política específica, histórica,
autônoma e contextual, com uma série de elementos bastante específicos, ou as
ideologias ligadas a essa teoria, também situadas no espaço e no tempo, esse
termo passasse a ser apenas um artifício através do qual o adversário político é
desumanizado, para garantir aos próprios escravos os seus “2 Minutos de Ódio”,
no estilo orwelliano, e autorizar guerras de extermínio.

Mas afinal, então, o que é fascismo?

Na disciplina acadêmica dos “Estudos sobre Fascismo”, alguns professores e


intelectuais se destacam.
O historiador Stanley G. Payne afirma que o fascismo "continua sendo o mais
indefinido dos termos políticos mais importantes".

Para Zeev Sternhell, estudioso israelense, escritor de “The Birth of Fascist


Ideology”, o fascismo, nascido na França no seio da esquerda revolucionária do
final do século XIX, era uma reação revolucionária à modernidade e aos seus
valores, rejeitando o positivismo e a democracia, bem como liberalismo e
comunismo, mas pretendendo preservar os benefícios do progresso.

Para Roger Griffin, cientista político britânico, escritor de “The Nature of Fascism”,
o fascismo é uma ideologia revolucionária política cujo núcleo é uma forma
palingênica (renascida) de ultranacionalismo populista, que busca moldar o povo
em uma comunidade nacional por uma aliança entre classes para deter a maré de
decadência.

Segundo Emilio Gentile, historiador italiano especializado no fascismo, o fascismo


seria uma sacralização e estetização totalitária da política, envolvendo conciliação
de classes (com líderes majoritariamente dos setores médios), a busca por uma
regeneração nacional, a rejeição do individualismo, da democracia, do
materialismo, uma visão trágica da vida, e a defesa do estabelecimento de uma
ditadura unipartidária, além de vários outros elementos.

Para Augusto del Noce, o fascismo não seria de fato uma negação completa do
marxismo, mas antes uma "revisão" dele. O fascismo se projeta, portanto, como
uma revolução "posterior" no que diz respeito ao marxismo-leninismo.

Para A. James Gregor "O fascismo foi uma variante do sindicalismo de Sorel, que
se anunciava como socialismo voluntarista, neo-idealista e elitista." (A. James
Gregor, in The Ideology of Fascism: The Rationale of Totalitarianism, (1969, pag. 317)

"Os primeiros fascistas eram quase todos marxistas - sérios teóricos que há
muito se identificavam com a intelligentsia de esquerda da Itália."

"A inspiração ideológica mais direta do fascismo veio da influência colateral dos
"subversivos" mais radicais da Itália - os marxistas do sindicalismo
revolucionário."

"Muitos teóricos fascistas, em toda a sua vida política ativa, reconheceram as


afinidades entre o fascismo e o marxismo-leninista. Havia até marxistas-
leninistas italianos [...] que concebiam o fascismo como a única forma viável de
marxismo para comunidades economicamente retrógradas." (A. James Gregor, in
The Faces of Janus: Marxism and Fascism in the Twentieth Century, (2000), pag. 20,
130, 166 and 168)

James Gregor ainda diz que "[...] o termo “fascismo”, que cientificamente
compreendido se aplica com bastante propriedade a muitos governos
esquerdistas do Terceiro Mundo (v. A. James Gregor, The Ideology of Fascism, 1969,
e Interpretations of Fascism, 1997), é usado pela esquerda como rótulo infamante
para denegrir idéias tão estranhas ao fascismo como a liberdade de mercado e o
anti-abortismo.

Para João Camilo de Oliveira Torres, "O certo é que o fascismo foi uma nova forma
de socialismo — a leitura de certos livros como o Socialismo Alemão de Sombart,
mostra isto muito bem — um socialismo voltado não para a classe, mas para a
nação." (João Camilo de Oliveira Torres, A libertação do liberalismo. Livraria
Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1949, p. 41)

"O fascismo é, afinal, o socialismo de homens que não mais acreditam em Marx e
que acham conveniente agradar a todos os grupos que lhes possam ser úteis."
(João Camilo de Oliveira Torres, Ameaça fascista? Tribuna da Imprensa, 10 de maio
de 1960)

Para Winston Churchill, "O fascismo foi a sombra ou o filho torto do comunismo.
Enquanto o cabo Hitler prestava serviços ao oficialato alemão em Munique,
despertando nos soldados e trabalhadores um ódio feroz contra judeus e
comunistas, a quem ele culpava pela derrota da Alemanha, outro aventureiro,
Benito Mussolini, dava à Itália uma nova tese de governo que, conquanto alegasse
estar salvando o povo italiano do comunismo, elevou-o a um poder ditatorial.
Assim como o fascismo brotou do comunismo, o nazismo criou-se do fascismo.
Puseram-se, pois, de pé os movimentos gêmeos que, dentro em pouco, estavam
destinados a mergulhar o mundo num conflito ainda mais hediondo, que ninguém
pode afirmar que tenha terminado com sua destruição." (W. Churchill, Memórias
da Segunda Guerra Mundial, vol.1)

Podemos, ainda, recorrer a definição de Aleksandr Dugin, filósofo e cientista


político russo, autor de “A Quarta Teoria Política”. Dugin define o fascismo, a
terceira teoria política da modernidade, como uma teoria política cujo sujeito é a
Nação (entendida no fascismo italiano como sinônimo de Estado, e no alemão
como sinônimo de Raça). O fascismo teria sido uma reação nacionalista de caráter
chauvinista ao liberalismo e ao comunismo, que fundia valores modernos com
apelos à tradição.
Por qualquer uma dessas definições, muitos que são considerados fascistas
jamais poderiam ser considerado fascistas de verdade, por pior que sejam. A
verdade é que, na realidade, como escreveu Jonah Golberg, quanto mais alguém
usa a palavra ' fascista' em sua linguagem cotidiana, menor a probabilidade de que
saiba do que está falando.

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