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O que é o fascismo?
Concentração autoritária de poder.

Autores: Gisele Leite


Ramiro Luiz Pereira da Cruz

Resumo: O fascismo é movimento político, econômico e social desenvolvido


em alguns países europeus no período depois da Primeira Grande Guerra
Mundial. Diferentemente, de outras correntes de pensamento político, é de
difícil definição, por apresentar diversos significados e, conforme o enfoque
escolhido e, segundo as suas características acentuadas, nos leva a concluir,
portanto, que não existe um conceito de fascismo universalmente aceito. O
texto percorre a história, a sociologia e a filosofia na tentativa de demonstrar
quão perigoso é esse mecanismo autoritário de concentração de poder em
mãos de um líder de governo.
Palavras-Chave: Fascismo. Totalitarismo. Sociologia. Filosofia. Ciência Política.
Teoria Geral do Estado.

Abstract: Fascism is a political, economic and social movement developed in


some European countries in the period after the First World War. Unlike other
currents of political thought, it is difficult to define, as it has different meanings
and, depending on the chosen focus and, according to its accentuated
characteristics, leads us to conclude, therefore, that there is no universally
accepted concept of fascism. The text travels through history, sociology and
philosophy in an attempt to demonstrate how dangerous this authoritarian
mechanism of concentration of power in the hands of a government leader is.
Keywords: Fascism. Totalitarianism. Sociology. Philosophy. Political science.
General Theory of the State.

Introdução
A palavra “fascismo” é oriunda do italiano fascio, que significa feixe. Na Antiga
Roma, o fasce era um machado revestido por varas de madeira. Geralmente,
era carregado pelos lictores, guarda-costas dos magistrados que detinham o
poder.
O fasce representava um símbolo de autoridade e união, assim era um único
bastão quebrável facilmente, enquanto um feixe era difícil de arrebentar.
2

Segundo o Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva, fascismo é


denominação dada ao partido político italiano que se apoderou do poder em
1922. O vocábulo se formou de fasces, emblema adotado por seus partidários.
Funda-se num regime ditatorial em caráter permanente conhecido pelo nome
de totalitário, porque pretende atribuir ao Estado todos os poderes, inclusive os
que deveriam caber às iniciativas particulares. Diz-se também regime
corporativo, porque se funda na economia dirigida pelo Estado, com auxílio de
corporações por ele instituídas. (In: DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário
Jurídico. 31ª edição. (Atualizadores; Nagib Slaibi Filho, Priscila Pereira
Vasques Gomes) Rio de Janeiro: Forense, 2014).
No século XX, o político italiano Benito Mussolini 1 se apossou desse símbolo
para representar seu novo partido. E, em 1914, fundou o grupo Fasci D'Azione
Rivoluzionaria, mais tarde, em 1922 surgiu o conhecido Partido Nacional
Fascista. E, o uso do fascio não foi à toa.
Enquanto a Itália enfrentava profunda crise desde sua tardia unificação que só
fora concluída em 1870 e, com as consequências da Primeira Guerra Mundial 2
pioram em muito a situação econômica e social. Mussolini, a seu turno,
prometia, com o fascismo, trazer de voltar os tempos áureos do antigo Império
Romano.
Já em 1919, os italianos Alceste de Ambris e Filippo Marinetti publicaram o Il
manifesto dei fasci italiani di combattimento, o que é atualmente conhecido
como Manifesto Fascista ou Carta de Verona e que propunha um conjunto de

1
Em 1910, Mussolini foi nomeado secretário do Partido Socialista em Forli. Começou a editar o jornal
“La Lotta di Classe”. Depois de liderar um movimento operário contra a guerra turco-italiana, foi
condenado a cinco meses de prisão. Em 1911, Mussolini já era um dos principais dirigentes socialistas da
Itália. Entre 1912 e 1914, foi redator do jornal socialista “Avanti”. Benito Mussolini colocou-se contra as
posições de neutralidade e pacifismo defendidas pelo partido e por seu jornal. Fundou então o jornal
Popolo d'Itália, sustentado pela embaixada francesa, e passou a pregar a entrada da Itália na Primeira
Guerra, ao lado da Tríplice Entente. Foi expulso do Partido Socialista. Organizou o Grupo de Ação
Revolucionária. Em abril de 1915 voltou a ser preso. Em 1916, depois que a Itália declarou guerra à
Áustria, Mussolini foi convocado, alistou-se no exército, chegou a receber a patente de sargento, mas
em 1917 foi gravemente ferido. Voltou a editar o jornal, cada vez mais violento no ataque aos
socialistas.
2
Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), polos de poder acabaram (Alemanha, Inglaterra, França,
Rússia, etc.). Na América, os Estados Unidos, com sua economia intacta, se tornaram os "banqueiros do
mundo". Na Ásia, após a Revolução Meiji (1868), o Japão se industrializara se tornou imperialista e
aproveitou o conflito mundial para estender seu poderio na região. Na descrença dessa sociedade pós-
guerra, os valores liberais (liberdade individual), política, religiosa, econômica, etc. começaram a ser
colocados sob suspeita por causa da impotência dos governos para fazer frente a crise econômica
capitalistas que empobrecia cada vez mais exatamente o setor social que mais defendia os valores
liberais: a classe média. Concomitantemente, as várias crises provocaram o recrudescimento dos
conflitos sociais e, o mundo assiste imediatamente após a guerra, uma série de movimentos de
esquerda e um fortalecimento dos sindicatos. O movimento operário já havia se cindido entre socialistas
ou social-democratas (marxistas que haviam abandonado a tema de luta armada e aderiram à prática
político-partidária do liberalismo) e comunistas (formados por frações que se destacaram do movimento
operário seguindo os métodos bolchevistas vitoriosos na Rússia (1917). Esses dois grupos eram
antagônicos.
3

medidas para resolver a crise da época. Em décadas posteriores, o termo


“fascismo” passou a ser usado para designar as políticas adotadas por
Mussolini e seus seguidores.
Oficialmente, o regime fascista de Mussolini começou em 1922 3, quando
assumira o cargo de Primeiro-Ministro da Itália 4, e se traduziu em ser sistema
político nacionalista, imperialista, antiliberal e antidemocrático.
Ele implantou um governo totalitário que muito privilegiou conceitos de nação e
raça sobre os valores individuais. O fascismo italiano quase acabou em 1943,
quando os Aliados invadiram a Itália, durante a Segunda Guerra Mundial5.
Mas, os nazistas ainda deram uma segunda chance ao ditador, quando os
alemães ocuparam novamente a Itália, resgatam Mussolini e o levaram para o
norte do país, onde tentou restituir seu governo. Ao final de 1945, os aliados
tomaram o Norte e Mussolini fora novamente capturado e fuzilado por
guerrilheiros da resistência italiana. Depois de morto, seu corpo fora exposto
em praça pública. E, com a derrota da Itália, e das forças do Eixo, na guerra, o
termo fascista virou um termo pejorativo.
É verdade que o fascismo nem mesmo através dos maiores estudiosos sabem
definir com precisão. E, não existe definição6 unanimemente aceita do
3
Em 1922, os fascistas realizaram a Marcha sobre Roma. Uma manifestação pedindo que o Rei Vitor
Emanuel III transferisse o poder para as mãos do Partido Nacional Fascista. Pressionado, o rei convidou
Mussolini para fazer parte do governo. Inserido na esfera do poder político central, os fascistas puderam
iniciar seu projeto autoritário e centralizador. Nas eleições de 1924, depois de uma ampla reforma
eleitoral que beneficiava os interesses do PNF, os fascistas conquistaram ⅔ do Congresso, ainda que sob
alegações do partido socialista de que as eleições haviam sido fraudadas. Com os partidários fascistas no
poder, começava a ditadura fascista, em que o “duce” Mussolini era o líder da nova política italiana. O
poder legislativo foi enfraquecido. Os meios de comunicação foram fechados. Todos os partidos à
exceção do PNF foram colocados na ilegalidade e a pena de morte passou a ser legalizada. Além disso, o
Estado passou a controlar a economia e tanto as organizações trabalhistas, quanto qualquer forma de
oposição ao governo central foram enfraquecidas e desorganizadas.
4
Na Itália, Mussolini e na Alemanha, Hitler formavam organizações paramilitares que utilizavam a
violência para dissolver comícios e manifestações operárias e socialistas, com a conivência das
autoridades, que viam no apoio discreto ao fascismo um meio de esmagar o "perigo vermelho",
representado por organizações de extrema-esquerda, mesmo as moderadas como os socialistas. De
início, esses grupos que eram mais ou menos marginalizados se valiam de tentativas golpistas para a
tomada do poder como foi o caso do "putsh" de Munique, dado pelo Partido Nazista na Alemanha.
5
Durante a Segunda Guerra Mundial, Ludwig von Mises escreveu: Os marxistas não estão prontos para
admitir que os nazistas também são socialistas. Na visão deles, o nazismo é o maior mal possível
causado pelo capitalismo. Por outro lado, os nazistas descrevem o sistema russo como o pior dos tipos
de exploração capitalista e conspiração dos judeus para a dominação dos gentios. E, é claro que ambos
os sistemas, russo o alemão, devem ser considerados de um ponto de vista econômico como socialistas.
6
Frise-se que ainda não existe uma definição universal sobre o fascismo, e que o termo é entendido
sobretudo por meio da análise de características em comum encontradas nas experiências fascistas
ocorridas na história. Por isso, torna-se difícil situar o fascismo dentro do espectro ideológico.
Comumente, o fascismo é tido como parte da extrema-direita, principalmente pela sua notável oposição
ao socialismo. As experiências fascistas contaram com amplo apoio dos banqueiros e industriais, tanto
na Itália quanto na Alemanha. O fascismo, contudo, também se opôs ao liberalismo, sobretudo na
defesa do Estado forte e dos interesses de massa em detrimento dos interesses individuais. De acordo
com Norberto Bobbio, as divergências entre o fascismo italiano e o alemão aparecem ao se notar que o
primeiro apresentou um caráter revolucionário e radical de esquerda, enquanto o segundo foi
4

fenômeno, seja por conta de sua abrangência, origens ideológicas ou formas


de ação que o caracterizam.
Eis algumas das principais características atribuídas ao fascismo italiano, a
saber: nacionalismo7, corporativismo e racismo, mas nem estão presentes em
todos os regimes propriamente ditos como fascistas.
Trata-se de regime autoritário com a concentração total de poder nas mãos do
líder do governo. E, o referido líder é cultuado e, poderia tomar qualquer
decisão sem consultar previamente os representantes da sociedade. O
fascismo promove uma exaltação da coletividade nacional em detrimento das
culturas dos demais países.
Para garantir a manutenção de seu governo, os líderes fascistas controlavam
os meios de comunicação de massa, por onde divulgavam sua ideologia e
controlavam todas as informações disseminadas. E, então, qualquer crítica ao
governo era sumariamente aniquilada mediante o uso de violência e do terror.
Pois, os críticos e adversário são considerados inimigos do governo sendo
punidos com prisão ou morte.
Michael Mann apud Monteiro na obra "Fascistas" utiliza de análise sociológica
para identificar os apoiadores do fascismo durante as disputas pelo poder,
buscando detalhar quais grupos sociais contribuíram para que os fascistas
tivessem êxito e, em seus respectivos países. Assim, ao evitar a interpretação
voltada para a teoria das classes, Mann demonstra como os fascismos eram
movimentos de massa, de cariz heterogênea e de setores sociais distintos que
o diferenciava dos demais partidos políticos anteriormente estabelecidos.
Para Robert Paxton apud Monteiro, em sua obra intitulada "A Anatomia do
Fascismo" explora a característica mutável e indefinida do fascismo, tanto o
discurso quanto a política são alteradas diversas vezes desde sua formação
até o fim de seus governos.
Estabelece então cinco estágios pelos quais pretende examinar e comparar
manifestações do fascismo, a saber: criação dos movimentos; enraizamento no
essencialmente reacionário e radical de direita. (Dicionário de Política, pág. 468).
7
Os regimes fascistas valorizam de forma intensa o sentimento de nacionalismo. Assim, é comum que os
governos fascistas utilizem, de forma exacerbada, propagandas nacionalistas através de lemas,
símbolos, músicas e bandeiras. Em nome no nacionalismo, os governos fascistas utilizam todas as
formas possíveis de manipulação da população, seja através da mídia, da religião ou mesmo da
violência. Além disso, os regimes fascistas estabelecidos na Itália e na Alemanha buscavam
constantemente a expansão do seu território. Mussolini, em 1928, insistia na ideia de que o fascismo
não era "um artigo de exportação", realçando o nacionalismo contra o internacionalismo bolchevique.
Nos anos seguintes, matizou a ideia, cogitando da universalidade do fascismo. Em 1934 afirmou, sem
hesitar, que "desde 1929 até hoje, o fascismo, de fenômeno italiano passou a fenômeno universal"
(Mussolini, 1934). Uma declaração certamente inspirada na ascensão do nacional socialismo ao poder
na Alemanha, porém baseado em sua própria doutrina, que vinha de longe. Mas não residiria, esta
oscilação vocabular, em alguma nostalgia do internacionalismo socialista, porém travestida de
universalismo? O conceito de revolução, de todo modo, parece ter sido o nexo entre a militância
socialista e o projeto fascista mussoliniano.
5

sistema político; tomada de poder; exercício de poder; sua radicalização ou


entropia. Considerando que movimento percorre diferentemente esses estágios
e de maneira multidirecional.
George Orwell8, em sua obra “O que é Fascismo? E outros ensaios” procurou
afirmar que as definições populares do termo vão de democracia pura ao
demonismo puro. E, ainda afirma que é uma palavra quase inteiramente sem
sentido. Principalmente devido ao fato de o fascismo não possui arcabouço
teórico forte e ter determinado, praticamente, pelas atitudes de Mussolini. (In: O
que é fascismo? E outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2017,
pp. 85-89)
Segundo as palavras de Mussolini: “Não temos uma doutrina pronta; nossa
doutrina é a ação. Fascismo deveria ser chamado corporativismo, porque é a
fusão entre o estado e o poder corporativo” (Benito Mussolini).
Merece atenção as palavras de Brecht: “Aquelas pessoas que são contra o
fascismo sem serem contra o capitalismo, que lamentam a barbárie que vem
desse barbarismo, são como pessoas que querem comer sua carne de vitela
sem matar o bezerro. Elas estão preparadas para comer a vitela, mas não
gostam de ver o sangue. Elas facilmente se satisfazem se quem matou o
bezerro lava suas mãos antes de pesar a carne. Elas não são contra as
relações de propriedade que produzem a barbárie; elas somente são contra a
barbárie em si. Elas levantam suas vozes contra a barbárie, e o fazem em
países onde exatamente as mesmas relações de propriedade prevalecem, mas
onde quem matou os bezerros novamente lava suas mãos antes de pesar a
carne.” (Bertolt Brecht)9.

8
George Orwell (1903-1950) é o pseudônimo de Eric Arthur Blair, escritor e jornalista inglês, conhecido
pelo livro “1984”, cujo enredo se passa num país fictício onde há um regime político totalitário. O
personagem principal do livro é um funcionário público consciente da opressão que vivia. George Orwell
nasceu em Motihari, na Índia Britânica, no dia 25 de junho de 1903. Era filho de um funcionário público
a serviço da coroa e sua mãe era filha de um comerciante francês. Em 1911 mudou-se com a família
para Sussex, Inglaterra, época em que foi matriculado em um internato, onde se destacou por sua
inteligência. Aprovado no Elton College, escola de elite, ali permaneceu entre 1917 e 1921, graças a uma
bolsa de estudos. Sobre o Elton, Orwell escreveu mais tarde no prefácio do livro “A Revolução dos
Bichos”. Lembremos de célebres frases de George Orwell: "A maneira mais rápida de acabar com uma
guerra é perdê-la.”; “Pensamento duplo indica a capacidade de ter na mente, ao mesmo tempo, duas
opiniões contraditórias e aceitar ambas."; "Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um
ato revolucionário."; "Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é
publicidade."; "Se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem também pode corromper o
pensamento.".
9
Bertold Brecht (1898 – 1956) foi um poeta e dramaturgo alemão. Suas primeiras obras foram marcadas
pelo Expressionismo com grande ênfase à estética musical. Mais tarde desenvolve o seu teatro épico,
em que os acontecimentos não são narrados, com o objetivo de provocar um certo “despertar” diante
das mazelas sociais. Em 1933, com a perseguição nazista, Brecht exilou-se na Suíça, depois em Paris e na
Dinamarca. Nessa época escreveu “Terror e Miséria do Terceiro Reich” (1935) e “A Vida de Galileu”
(1937), onde tem seu trabalho amadurecido, conseguindo fundir a análise sociológica com a psicologia
do ser humano.
6

O historiador Emilio Gentile é considerado na Itália o maior especialista vivo


sobre o assunto. Sendo autor de inúmeros livros sobre o período fascista,
muitos deles adotados nas escolas italianas, ele afirma que utilizar o termo,
como se tornou comum recentemente, é uma forma de confundir as ideias e,
não observar um fenômeno que, na verdade, tem a ver com a crise da
democracia.
“A democracia não está em risco por causa de um fascismo que não existe.
Hoje, o perigo é a democracia que se suicida”, disse à BBC News Brasil. “O
que há de novo, em todo o mundo10, é um novo poder de direita nacionalista e
xenófobo. É o que Orbán (Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, um dos
expoentes desse movimento na Europa) classificou de política nacionalista
democrática iliberal.”
E, ainda, segundo Gentile, há muitos movimentos políticos na Europa e em
outros lugares do mundo – que se referem à experiência fascista e utilizam
seus símbolos, mas de uma maneira muito “idealizada e imaginária”.
O fascismo foi criado por Benito Mussolini (um ex-socialista) há quase cem
anos. E originário da palavra latina “fascio littorio”, um conjunto de galhos
amarrados a um machado, símbolo do poder de punição dos magistrados na
Roma Antiga, o experimento nasceu oficialmente em 23 de março de 1919,
quando Mussolini fundou em Milão o grupo “Fasci di Combattimento”, que
reunia ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial (1914-18).
Com a Itália imersa no caos, à beira de uma guerra civil, com crise política,
econômica e social, num momento em que o poder fugiu do controle do
Estado, e à sombra da Revolução Russa de 1917 (temia-se que o comunismo
chegasse também ao país), o grupo fundado por Mussolini cresceu
rapidamente.
Interessante consignar que para Domenico de Masi 11, outro estudioso italiano,
Bolsonaro é político de inspiração fascista.

10
Embora o fascismo na Itália e na Alemanha sejam as experiências mais conhecidas, as experiências
fascistas não se restringiram a elas. Em Portugal, por exemplo, o regime fascista foi comandado por
Antônio de Oliveira Salazar entre 1932 e 1968. Já na Espanha, apareceu durante o governo de Francisco
Franco, de 1939 a 1976. A influência dos regimes fascistas chegou até mesmo ao Brasil. Logo após a
Revolução de 1930 surge o integralismo, que influenciado pelo fascismo italiano combatia os defensores
do pensamento de esquerda. Sua principal liderança foi Plínio Salgado.
11
Domenico De Masi (Rotello, 1 de fevereiro de 1938) é um sociólogo italiano. Tornou-se famoso pelo
conceito de "ócio criativo" segundo o qual o ócio, longe de ser negativo, é um fator que estimula a
criatividade pessoal. De Masi residiu em 3 cidades italianas: Nápoles, Milão e Roma. Aos dezenove
anos, já escrevia, para a revista Nord e Sud, artigos de sociologia urbana e do trabalho. Aos 22 anos,
lecionava na Universidade de Nápoles. Mais recentemente, assumiu o posto de professor de sociologia
do trabalho na Universidade de Roma "La Sapienza". Entre 1978 e 2000, dirigiu a S3.Studium, escola de
especialização em ciências organizacionais que fundou. Escreveu diversos livros, alguns deles tidos como
revolucionários. Entre eles, se destacam: "Desenvolvimento Sem Trabalho", "A Emoção e a Regra", "O
Ócio Criativo" e "O Futuro do Trabalho". Em 2010, tornou-se cidadão honorário da cidade do Rio de
Janeiro, no Brasil.
7

Ainda em 1919, ocorreram ataques de brigadas fascistas que depois se


tornariam efetivamente milícias paramilitares contra políticos de esquerda,
judeus, homossexuais e órgãos da imprensa. Eles ficariam conhecidos como
os “camisas negras”12.
No final de 1921, nasceu o Partido Nacional Fascista (PNF), cujo símbolo era
exatamente o “fascio littorio”. Menos de um ano depois, Mussolini assumiu o
poder. Ele fortaleceu sua influência na Itália angariando o apoio de industriais,
empresários e do Vaticano, e tornou-se referência para regimes autoritários
mundo afora como Francisco Franco na Espanha, António Salazar em Portugal
e, sobretudo, Adolf Hitler na Alemanha (que por muito tempo manteve um
busto do Duce13 italiano em seu escritório) tiveram em Mussolini e no seu
regime uma grande fonte de inspiração.
Para o sociólogo italiano, Domenico de Masi, que conhece o Brasil há muitos
anos, se não é possível falar num fascismo histórico como o implementado na
Itália no século passado, não há dúvidas, por outro lado, de que o atual
Presidente da República (sem partido) é um político de inspiração fascista e,
chegou a afirmar num comício no Acre em “metralhar a petralhada”. O que
confirma a tendência a eliminação física de adversários era exatamente uma
das características do regime de Mussolini.

12
Curiosamente, aqui no Brasil, 0s integralistas também ficaram conhecidos como camisas-verdes ou,
pejorativamente, como galinhas-verdes por seus opositores, em referência à cor dos uniformes que
utilizavam. Salgado desenvolveu o que viria a ser a AIB, com a Sociedade de Estudos Paulista (SEP), um
grupo de estudo sobre os problemas gerais da nação. O encontro de Plinio Salgado com Mussolini em
1930 foi um momento de epifania para o líder brasileiro, o que desencadeou os passos seguintes que
levaram à formação da Ação Integralista Brasileira. A ideia de que os intelectuais ligados ao seu projeto
nacionalista devessem tomar à frente dos rumos do país foi um dos elementos do imaginário de
Salgado, que pensava em “romper com a tradição medíocre da política”. Plinio Salgado foi seduzido
profundamente pela política fascista e sua crítica à democracia, ao liberalismo e ao comunismo. No
entanto, acreditava ser capaz de construir um caminho único, afirmando que não era inspirado pelas
ideias de Mussolini, querendo fazer acreditar que construía bases inéditas para a sua ação política. Além
do encontro direto com o Duce, com quem estabeleceu acordos financeiros, enviando dinheiro para o
movimento em vistas de expandir sua doutrina pela América Latina, o Integralismo brasileiro teve
relações próximas com organizações fascistas e conservadoras internacionais. Pode-se citar, entre eles,
o Integralismo Lusitano e a Action Française de Charles Maurras, um dos grupos mais importantes da
direita francesa no início do século XX. Maurras, diga-se de passagem, é geralmente rememorado e
cultuado pelos neointegralistas contemporâneos. Os autores apontam também o interesse de Plínio
Salgado em se aproximar da Alemanha nazista, o que ocorre de fato, em reuniões com representantes
do regime de Hitler na Europa.
13
O culto à personalidade era intenso no país, e Mussolini era chamado pela população italiana e pelos
fascistas de “líder” — Il duce, em italiano. Duce é uma palavra italiana que significa "líder". Também
pode ser um derivado da palavra latina dux, que possui o mesmo significado e de onde se deriva o título
de nobreza duca (“duque”). Outros líderes italianos cujos nomes derivam de dux são os Doges de
Veneza e Gênova.
8

Emilio Gentile14 e o historiador Eugenio di Rienzo15, professor de História


Contemporânea da Universidade Sapienza, em Roma, afirmam que o fascismo
é um regime que nasceu e morreu no século passado em 1945, quando
Mussolini foi assassinado em Milão.
“Não se pode fazer uma analogia entre aquele fenômeno e outro. O fascismo
não se reproduz mais, é preciso cuidado com o uso da palavra, pois acaba
provocando desinformação”, disse. “Um racista não é sempre um fascista. O
governo de (Recep Tayyip) Erdogan na Turquia é autoritário, mas não fascista.”
Di Rienzo reconhece que há muitos nostálgicos do fascismo na Itália, assim
como do nazismo na Alemanha, mas para ele o processo atual (na Europa e
nos Estados Unidos de Trump) não é uma “repetição do passado”: “Há
algumas semelhanças, mas os processos são muito diferentes. A analogia,
muitas vezes, tem o propósito de propaganda”.
Emilio Gentile concorda e afirma: “Na verdade, faz-se propaganda de um
fascismo que parece eterno, mas ao menos na Europa é um fenômeno novo
que se relaciona à crise da democracia, ao medo da globalização e dos
movimentos imigratórios que poderiam sufocar a coletividade nacional. Mexe
com a imaginação das pessoas, mas não se trata de um perigo real.”
Gentile recorda, ainda, que o sucesso de Bolsonaro no Brasil tem a ver com
uma tradição latino-americana da participação dos militares na política, vistos
como atores da “ordem e da competência”, o que não acontece nos países
europeus.
Em um ensaio "O fascismo não passará" publicado em 1995, o célebre
acadêmico italiano, Umberto Eco16 listou cerca de quatorze características do
fascismo, e ainda afirmou que não precisam estar todas presentes
simultaneamente, a saber:

14
Emilio Gentile (Bojano, 31 de agosto de 1946) é um historiador italiano especializado na ideologia e
cultura do fascismo. Gentile é considerado um dos mais importantes historiadores da cultura da Itália de
ideologia fascista. Ele estudou com Renzo De Felice e escreveu um livro sobre ele. Gentile é professor na
Universidade de Roma "La Sapienza". Para Gentile, o fascismo é uma forma de religião política. Ele
aplicou também a sua teoria da religião política aos Estados Unidos após os ataques de 11 de setembro
de 2001.
15
Pio Eugenio Di Rienzo (1952) em 2004 publicou o ensaio Un post-war historiography , no qual são
examinados os acontecimentos humanos e profissionais dos historiadores italianos após a transição do
fascismo à República, com particular atenção para a figura de Gioacchino Volpe , que foi o principal
expoente da historiografia nos anos do regime foi impedido de lecionar em 1945, embora também
tenha sido reconhecido como professor por várias personalidades do antifascismo (Gaetano Salvemini o
chamou de "o melhor historiador da minha geração"). De acordo com Di Rienzo, Volpe foi o bode
expiatório de uma geração de historiadores comprometidos de várias maneiras com o fascismo. Na
segunda parte do volume, os vãos esforços de Federico Chabod - aluno e amigo de Volpe apesar do
afastamento das respectivas posições político-ideológicas (Chabod tinha sido presidente do CLN do Vale
de Aosta) - pretendia obter a reintegração do professor.
16
ECO, Umberto. Ur-Fascism. Disponível em: http://www.pegc.us/archive/Articles/eco_ur-fascism.pdf
Acesso em 3.8.2021.
9

1. O culto à tradição; 2. A rejeição do movimento modernista, sob alegação


de que cultura do Ocidente está depravada; 3. O culto da ação sem
reflexão intelectual prévia; 4. Discordar é trair, não cabe ao militante
questionar contradições no discurso; 5. Racismo e xenofobia; 6. Apelo à
classe média frustrada que teme as aspirações de classes sociais
desfavorecidas; 7. Obsessão com teorias da conspiração; 8. Retórica
que retrata as elites como decadentes e afirmar que elas podem
sucumbir à pressão popular; 9. A vida é uma guerra perpétua, sempre
deve haver um inimigo para combater; 10. Os membros que pertencem
ao grupo são considerados superiores a todos os forasteiros; 11. Culto
ao sacrifício, todos são educados para se tornarem heróis e morrerem
pela pátria; 12. Machismo que se reafirma através do desdém pela
mulher e intolerância com hábitos sexuais que fogem da
heteronormatividade; 13. O povo é tratado como entidade única, que
tem aspirações únicas, sem considerar o ponto de vista de cada
indivíduo; 14. Franco emprego de vocabulário empobrecido para limitar
o raciocínio crítico17.
O fascismo foi, certamente, uma ditadura, mas não era completamente
totalitário, nem tanto por sua brandura quanto pela debilidade filosófica de sua
ideologia. Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não
tinha uma filosofia própria.
O artigo sobre o fascismo assinado por Mussolini para a Enciclopédia Treccani
foi escrito e inspirou-se, fundamentalmente, em Giovanni Gentile, mas refletia
uma noção hegeliana tardia do “Estado ético absoluto”, o que Mussolini nunca
realizou completamente.
Mas, Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica.
Começou como ateu militante, para depois firmar a concordata com a Igreja e
confraternizar com os bispos que até benziam os galhardetes fascistas.
Em seus primeiros anos anticlericais, segundo uma lenda plausível, pediu certa
vez a Deus que o fulminasse ali mesmo para provar sua existência. Talvez,
ironicamente, Deus estava, evidentemente, distraído 18. Nos anos seguintes, em
seus discursos, Mussolini citava sempre o nome de Deus e nem desdenhava o
epíteto: “homem da Providência”.

17
Em matemática, mais exatamente em teoria dos conjuntos, um urelemento ou ur-elemento (onde ur-
é um prefixo alemão com o significado de “primordial”) é um objeto (concreto ou abstrato) que não é
um conjunto, mas que pode ser um elemento de um conjunto.
18
Ateu radical, Mussolini detestava o Cristianismo. Dizia que a fé cristã havia “afeminado” o homem
ocidental e transformado os romanos - e os povos ocidentais que os sucederam - em covardes e
resignados. Tinha em Friedrich Nietzsche seu grande referencial no que tangia à sua visão da fé. E, em
sua exaltação estatista, Mussolini não podia tolerar que a Igreja Católica, ainda tão presente na vida do
povo italiano, continuasse a exercer a influência moral e espiritual que exercia.
10

Pode-se dizer que o fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita que
dominou um país europeu e que, em seguida, todos os movimentos análogos
encontraram uma espécie de arquétipo comum no regime de Mussolini.
O fascismo foi, certamente, uma ditadura, mas não era completamente
totalitário, nem tanto por sua brandura quanto pela debilidade filosófica de sua
ideologia. Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não
tinha uma filosofia própria.
O fascismo italiano foi o primeiro a criar uma liturgia militar, um folclore e, até
mesmo, um modo de vestir-se, conseguindo mais sucesso no exterior que
Armani, Benetton ou Versace.
Foi somente nos anos trinta que surgiram movimentos fascistas na Inglaterra,
com Mosley, e na Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Hungria, Romênia,
Bulgária, Grécia, Iugoslávia, Espanha, Portugal, Noruega e, até chegar, na
América do Sul, sem olvidar da Alemanha.
Foi o fascismo italiano que convenceu muitos líderes liberais europeus de que
o novo regime estava realizando interessantes reformas sociais, capazes de
fornecer uma alternativa moderadamente revolucionária à ameaça comunista.
O medo comum traduz em uniões exóticas e perigosas.
Todavia, a prioridade histórica não parece ser uma razão suficiente para
explicar por que a palavra “fascismo” se tornou uma sinédoque 19, uma
denominação pars pro toto para movimentos totalitários diversos.
Não adianta dizer que o fascismo continha em si todos os elementos dos
totalitarismos sucessivos, por assim dizer, em “Estado quintessencial”. Ao
contrário, o fascismo não possuía nenhuma quintessência e sequer uma só
essência. O fascismo era um totalitarismo fuzzy(difuso).
Tendo em vista o grave tensionamento e risco que o fascismo representa para
o Estado Democrático de Direito e os Direitos Humanos, mas é especialmente,
provocativo para os doutrinadores que têm preocupações mais urgentes com o
direito penal, processo penal, políticas públicas, políticas criminais, sistema de
justiça e o sistema carcerário.

19
Tipo especial de metonímia baseada na relação quantitativa entre o significado original da palavra us.
e o conteúdo ou referente mentado; os casos mais comuns são: parte pelo todo: braços para a lavoura
por 'homens, trabalhadores'; gênero pela espécie ou vice-versa: a sociedade por 'a alta sociedade', a
maldade do homem por 'da espécie humana'; singular pelo plural ou vice-versa: é preciso pensar na
criança pôr 'nas crianças'.
11

Eis que o texto de Eco20 não tece minúcias a estes temas, mas ajuda a refleti-
los de modo mais amplo e complexo, vez que evidencia a miríade de formas de
fascismo, desde as mais sutis até as mais agressivas e contundentes, com que
faz incidir todo seu poder sobre certos indivíduos e grupos. O perigo do
fascismo eterno que cogita Eco é chocante e nos faz adentrar em permanente
estado de alerta.
O fascismo não era uma ideologia monolítica, mas antes uma colagem de
diversas ideias políticas e filosóficas, uma colmeia de contradições. É possível
conceber um movimento totalitário que consiga juntar monarquia e revolução,
exército real e milícia pessoal de Mussolini, os privilégios concedidos à Igreja e
uma educação estatal que exaltava a violência e o livre mercado? Sim, tudo
junto e bem misturado.
Existiu apenas uma arquitetura nazista, apenas uma arte nazista. Se o
arquiteto nazista era Albert Speer, não havia lugar para Mies van der Rohe. Da
mesma maneira, sob Stalin, se Lamarck tinha razão, não havia lugar para
Darwin21.

20
Eco não confunde “fascismo” e “totalitarismo”, nem “fascismo” e “ditadura”. Mas não quer limitar a
sua definição de fascismo ao único “fascismo” histórico. O “fascismo eterno” é, para ele, uma nebulosa
em que se acotovelam e se contradizem culto da tradição, rejeição do modernismo, medo da diferença,
irracionalismo, a obsessão da conspiração, a “vida pela luta” em vez da “luta pela vida”, o paradoxo de
um elitismo de massas, um culto do heroísmo “habitual” em que “o herói fascista aspira a morrer” (os
bombistas suicidas do Daesh podem com qualquer utilidade ser considerados heróis “fascistas?”), etc.,
etc., mas de que também têm um ar de família o “populismo qualitativo da TV e da internet” – em que a
resposta emotiva de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentado e aceite como a “voz do
povo” – ou a tirania do “politicamente correto”. Fascismo e fascista são termos que perderam qualquer
rigor ou utilidade e se transformaram numa tautologia, numa fraqueza de expressão ou numa arma de
arremesso retórica: tudo o que quem quer que seja considera politicamente nefasto é “fascismo” – tudo
o que é “fascista” é criminoso.
21
A construção da oposição total entre as teorias evolucionistas de Jean-Baptiste Lamarck e de Charles
Darwin foi utilizada, em fins do século XIX e início do século XX, para classificar autores que escreviam
sobre a evolução, mesmo aqueles que não eram cientistas. Lamarck defendia a Lei do Uso e Desuso (ou
Primeira Lei). Nela, as partes do corpo que não estivessem sendo usadas, desapareceriam
gradualmente. Um exemplo? O apêndice humano. Na Teoria dos Caracteres Adquiridos, Lamarck dizia
que se um organismo tivesse a vontade ou a necessidade de mudar ao longo da vida, e mudasse para se
adaptar ao ambiente, essas mudanças seriam transmitidas para a sua prole. Ainda que as teorias de
Lamarck sobre Evolução tenham sido contestadas, sua importância na construção dessas teorias na
época foi fundamental! Além disso, ele dedicou a sua vida aos estudos das ciências, em diversos
campos, trazendo outros elementos importantes. Isso permitiu que a comunidade científica da época
construísse teorias e conceitos que são aceitos até hoje.
12

Não houve um Zdanov fascista22. Lembremos que na Itália existiam dois


importantes prêmios artísticos: o Prêmio Cremona era controlado por um
fascista inculto e fanático como Farinacci, que encorajava uma arte
propagandista (como exemplos dos quadros intitulados Ascoltando all radio un
discorso del Duce ou Stati mentali creati dal Fascismo); e o Prêmio Bergamo,
patrocinado por um fascista culto e razoavelmente tolerante como Bottai, que
protegia a arte pela arte e as novas experiências da arte de vanguarda que, na
Alemanha, haviam sido banidas como corruptas, criptocomunistas, contrárias
ao Kitsch nibelungo, o único aceito.
O poeta nacional era D'Annunzio, um dândi23 que na Alemanha ou na Rússia
teria sido colocado diante de um pelotão de fuzilamento. Foi alçado à categoria
de vate do regime por seu nacionalismo e seu culto do heroísmo com o
acréscimo de grandes doses de decadentismo francês.
O termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime
fascista um ou mais aspectos, e ele continuará sempre a ser reconhecido como
fascista. Retirem do fascismo o imperialismo e, teremos Franco ou Salazar;
retirem o colonialismo e, teremos o fascismo balcânico24.
Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca
fascinou Mussolini) e, teremos Ezra Pound. Acrescentem o culto da mitologia
céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e
teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julios Evola25.

22
Aderiu aos bolcheviques em 1915. Partidário de Stalin, galgou postos na hierarquia do Partido e
ajudou-o a estabelecer sua política cultural, atuando na criação da União dos Escritores Soviéticos e no
estabelecimento da doutrina do "Realismo Socialista". Após o assassinato de Kirov, foi nomeado
Governador de Leningrado tendo desempenhado importante papel na defesa da cidade contra os
alemães, na segunda guerra mundial. Depois da guerra, em 1947, Zhdanov organizou o Cominform. A
doutrina do soviético Andrei Jdanov insere-se no contexto do pós Segunda Guerra Mundial (1947),
assumindo a dita teoria a divisão do mundo entre a parte democrática, antifascista e anti-imperialista
(Vietname, Indonésia, Síria, Egito, entre outros que seguiam as diretivas moscovitas) e a que era
imperialista e antidemocrática (China, Estados Unidos da América, Grécia, Turquia, América Latina,
Europa Ocidental e Próximo Oriente), não admitindo a neutralidade.
23
Dândi, oriundo do inglês dandy, aquele homem de bom gosto e fantástico senso estético, mas que não
necessariamente pertencia à nobreza. É o cavalheiro perfeito, um homem que escolhe viver a vida de
forma intensa. E, como máscara ou símbolo, revela-se como subespécie de intelectual que dá grande
valor e atenção ao esteticismo e à beleza em seus pormenores. Este termo, atualmente, alterou
semântica e deturpou-se em significado vulgar, dado àqueles que dão cuidados extremados às
aparências. Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa: ''homem que tem preocupação
exagerada com a aparência pessoal''.
24
A Croácia, durante a Segunda Guerra Mundial, se separou da Iugoslávia e foi governada por um
partido fascista, que iniciou uma "limpeza étnica" contra os sérvios. Calcula-se que 500 mil sérvios
tenham sido mortos, e essa atrocidade é usada hoje por Milosevic para justificar o expansionismo
sérvio. A violência da guerra de guerrilha entre iugoslavos e ocupantes nazifascistas fez com que a
Iugoslávia fosse o quinto país em número de mortos na Segunda Guerra, mais do que o Japão. Houve
1,7 milhão de iugoslavos mortos, contra 1,2 milhão de japoneses.
25
Giulio Cesare Andrea Evola, conhecido artisticamente pelo pseudônimo de Julius Evola, foi um
escritor, esotérico, poeta, filósofo e pintor italiano do século XX. No tocante à Literatura e
posicionamento político, fez parte do movimento conhecido como Tradicionalismo. Já nas Artes
Plásticas, foi um representante do Dadaísmo. Seu pensamento é definido como antidemocrático, anti-
13

Aqui em nosso país, o atual Presidente da República e seu grupo de


apoiadores que adoram afirmar que o pessoal de esquerda não sabe o que é
fascismo. Em muito dos termos protofascismo e neofascismo foram aplicados
ao atual governo. Já o fascismo de Benito Mussolini apenas, que aconteceu
entre 1919 a 1945 poderia ser realmente chamado de fascismo.
Grosso modo, protofascismo é um termo moderno para nomear qualquer
ideologia que compartilha parte significativa de sua base ideológica com o
fascismo, mas não atende a todos os critérios que um especialista escolher,
portanto, observe que nem todo mundo concorda.
Já o neofascismo26, embora não seja idêntico ao fascismo, é o nomen dado às
manifestações posteriores desta mesma base ideológica, e há uma certa
quantidade de características que o definem, que são mais ou menos
acordadas pelos especialistas e, novamente, não há total concordância. É uma
questão de bom senso ler a respeito e decidir onde se traça a linha.
Recentemente, entre os especialistas que trazem para debate o conceito,
surgiu também a expressão “neofascismo”. Esse termo é usado para fazer
menção a regimes e movimentos políticos atuais que possuem características
que os aproximam do fascismo clássico.
Novamente, é impossível fazer uma relação direta entre movimentos políticos
atuais e o fascismo, justamente pelo seu caráter camaleônico, que se adapta a
diferentes circunstâncias e contextos. Adapta-se para lucrar e se disseminar
com maior facilidade e proeza.
Algumas características podem ser mencionadas em relação ao neofascismo,
tais como: 1. Patriotismo exagerado que assume posturas xenófobas e
violentas; 2. Desprezo pelos valores da democracia liberal, como as liberdades
individuais; 3. Construção de retórica violenta contra supostos “inimigos
internos” que contribuem para a “degradação moral” da nação.
O triunfo do fascismo se deu, não apesar da violência, mas em virtude da
violência. A violência não foi apenas uma ferramenta eficaz para a luta política,
mas um objeto de desejo político.

igualitário, antipopular e antiliberal. Nesse campo, suas ideias misturam o idealismo alemão como o
tradicionalismo e doutrinas orientais. Mais conhecido como Julius Evola, foi um filósofo esotérico,
escritor, pintor e poeta italiano do século XX, em cuja obra se têm inspirado algumas correntes
esotéricas contemporâneas, e autodeclarados tradicionalistas. De acordo com o pesquisador Franco
Ferraresi, "o pensamento de Evola pode ser considerado um dos sistemas anti-igualitários, antiliberais,
antidemocráticos e antipopulares mais radicais e consistentes do séc. XX". Devido a seu tradicionalismo
extremado e crenças inusuais, Evola tem popularidade em círculos marginais específicos. O historiador
Aaron Gillette o descreve como "um dos mais influentes racistas fascistas da história italiana", enquanto
Stanley Payne o aponta como influente para movimentos neofascistas contemporâneos.
26
Além dos neofascistas, descendentes de Mussolini vêm buscando espaço na política italiana, como
candidatos. Alessandra Mussolini, neta do ditador, chegou a se candidatar para a prefeitura de Nápoles.
“A ascensão dela se explica por ser neta de quem era, mas também por ser sobrinha da atriz Sofia
Loren”, conta o Gentile.
14

Na interpretação de Antonio Scurati27, o autor de “M, o homem da providência”


do curto e sangrento século que se abriu na Piazza San Sepolcro (em Milão)
em março de 1919, com a fundação do Fasci di Combattimento, a
hiperviolência foi o pivô em que girou o sistema histórico.
Os biênios vermelho e negro (como são conhecidos na Itália os anos entre
1919 e 1922, período marcado pela agitação dos movimentos operários
socialistas e, em seguida, em reação, pelo surgimento dos esquadrões
fascistas) são a primeira metade de uma guerra civil que passará por guerras
coloniais, pela Guerra Civil Espanhola e pela Segunda Guerra Mundial.
Antes disso, a humanidade (durante a Primeira Guerra) passara três anos
comendo, bebendo, dormindo e fumando imersa na lama dos cadáveres em
decomposição de seus companheiros soldados nas trincheiras.
Esta foi a matriz experiencial das experiências totalitárias. E, para essa
humanidade, a violência parecia a única solução possível para todos os
problemas complexos e insolúveis da vida moderna e democrática.).
O fascismo é um movimento político e, também um regime ou sistema político 28
(como o estabelecido por Benito Mussolini na Itália, em 1922) - que defende a
prevalência, isto é, a superioridade dos conceitos de nação, Estado e raça
sobre os valores individuais.
Como dizia o próprio Mussolini: "Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato,
nulla contro lo Stato", ou seja, "Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada
contra o Estado". Um regime político fascista é representado por um governo
autocrático, centralizado na figura de um ditador.
Apesar de terem semelhanças (o que inclui especialmente o totalitarismo 29, o
nacionalismo e o antiliberalismo) o fascismo e o nazismo possuem algumas
diferenças importantes e que devem ser consideradas.

27
Antonio Scurati ganhou o Prêmio Strega 2019. Professor de literaturas comparadas e escrita criativa
na Universidade IULM, colunista do Corriere della Sera, ganhou os principais prêmios literários italianos.
Ele fez sua estreia em 2002 com “O barulho surdo da batalha”. Scurati é codiretor científico do Master
in Storytelling Arts. De 2018 é M. Il filho do século, o primeiro romance de uma trilogia dedicada ao
fascismo e Benito Mussolini: no topo das paradas por dois anos consecutivos, vencedor do Prêmio
Strega 2019, está sendo traduzido em quarenta países e vai tornar-se uma série de televisão.
28
É forma de governo a definição abstrata de um modo de atribuição de poder. Corresponde a uma
categoria pura, objeto do filósofo político, e afastada da realidade; atua, de certa forma, como um norte
para os sistemas. São sistemas de governo, portanto, a decorrência de cada uma dessas formas em
normas que as institucionalizam, isto é, na Constituição. Com a abstração influenciando a norma, esta
rege a realidade, a qual se denomina regime de governo, sendo modo efetivo pelo qual se exerce o
poder num determinado Estado, em determinado momento histórico. Assim, a distinção é simples: a
forma é a abstração que inspira as normas do sistema e este regula a realidade estatal como regime.
29
Totalitarismo é um regime político que se caracteriza pelo controle da sociedade e do indivíduo,
através da ideologia de um partido político e terror permanente.
O regime totalitarista surgiu após a Primeira Guerra Mundial na Alemanha, Itália e União Soviética.
Posteriormente seria adotado na China, Coreia do Norte e Camboja.
15

Enquanto o fascismo defendia uma Itália forte e capaz de vencer as nações


inimigas, o nazismo perseguia qualquer etnia que não fosse a que eles
consideravam como a raça superior, chamada por eles de ariana30.
O fascismo surgiu na elite e foi sendo pregado para outras camadas da
sociedade, sendo apresentado como o fim da luta de classes. O nazismo, por
sua vez, visava atrair pessoas de todas as classes sociais para viverem de
acordo com a sua ideologia.
Entre as duas guerras mundiais, o fascismo realizou um intenso esforço para
reconectar os imigrantes e seus filhos espalhados pelo mundo com a Itália, e
espalhar a ideologia fascista entre eles.
Nesse esforço, o fascismo se baseou nos velhos debates da Itália liberal
relacionados a estes e ao seu uso como instrumento de poder italiano dentro
da luta imperialista global.
Através, especialmente, da mediação dos nacionalistas, o regime de Mussolini
reelaborou, de fato, a antiga discussão em termos fascistas (associando
"italianidade" com "fascismo"), mas mantendo como linha geral a diretriz de
utilizar as comunidades italianas do exterior como fatores e ferramentas da
política externa italiana.
Um reflexo dessa política foi uma potencialização maciça dos antigos
mecanismos que o Estado italiano tradicionalmente já havia utilizado para
manter contato com seus emigrados e a criação de outros, mais diretamente
relacionados com a ideologia e o estilo fascista, no exterior.
Nesse sentido, buscou-se o controle sobre os antigos mecanismos de
socialização (associações, imprensa, escolas) dos emigrados italianos em todo
o mundo e a implantação de outros (os fasci all’estero, os Dopolavoro, as Casa
d’Italia) especificadamente fascistas.
O Brasil31 não ficou imune a essas transformações da política do Estado
italiano com relação a seus emigrantes, os quais foram convertidos em
instrumentos privilegiados nas relações Brasil-Itália.
Dessa forma, as coletividades italianas do Brasil e, especialmente, as de São
Paulo, foram particularmente atingidas pelo esforço fascista de reconexão dos
30
“A raça ariana seria supostamente a linhagem 'mais pura' dos seres humanos, constituída apenas por
indivíduos altos, fortes, claros e inteligentes, representando assim, de acordo com critérios arbitrários,
uma raça superior às demais”, afirma o biólogo Danilo Vicensotto, da Universidade de São Paulo (USP).
31
Polarizar, polarizar sempre. O centrismo político morreu e só a radicalização compensa. Nas atuais
circunstâncias, a polarização reforça sempre a direita e a extrema-direita. A polarização já não é entre
esquerda e direita. É entre o sistema (deep state) e as maiorias deserdadas, entre o 1% e os 99%. Esta
polarização foi tentada em anos recentes pela esquerda institucional e extra institucional, mas qualquer
delas acabou por se submeter servilmente às instituições. Quando se revoltou, foi neutralizada. Isso não
pode acontecer ao fascismo 2.0 porque simplesmente este, longe de estar contra o 1%, é financiado por
ele. A polarização contra o 1% é meramente retórica e visa disfarçar a verdadeira polarização, entre a
democracia e o fascismo 2.0, para que o fascismo prevaleça democraticamente.
16

antigos emigrantes e seus filhos com a Itália, que procurou transformá-las em


componentes-chave da ativa política italiana dirigida ao Brasil no período
entreguerras.
A tendência a analisar o fascismo como um produto particularmente
característico da sociedade italiana e da sua história é contemporânea ao
próprio nascimento do fascismo.
Conquanto minoritária no panorama global dos estudos sobre o tema, esta
sustentou expressiva corrente da historiografia italiana e estrangeira, havendo
recebido novo impulso em anos recentes, devido inclusive à influência de
pesquisas como a de G. Mosse32 sobre as origens culturais do Terceiro Reich
que, reavaliando a importância do componente nacional na compreensão de
aspectos fundamentais do regime nazista, principalmente o do consenso,
reativou a discussão acerca do peso relativo das diferenças e analogias
existentes, em primeiro lugar, entre o fascismo e o nacional-socialismo e,
depois, entre estes e os demais regimes autoritários que assinalaram a recente
história contemporânea.
As primeiras hipóteses de explicação do fascismo, com base em fatores
internos típicos da situação italiana, foram aventadas, naturalmente, nos anos
1920, em concomitância com a consolidação do movimento fascista, com a
tomada do poder por Mussolini e com a progressiva transformação do Estado
liberal33 em Estado de características totalitárias.
Poucos souberam, então, enxergar no fascismo a antecipação de uma crise
mais geral que agitaria a Europa e, com a catástrofe da Segunda Guerra
Mundial, viria a produzir profundas mudanças na organização interna de cada
um dos Estados nacionais e na ordem internacional.
A reafirmação da "unicidade'' do fascismo italiano e da necessidade de
ressaltar, para aperfeiçoada compreensão histórica, os elementos de
diferenciação dos regimes definidos como fascistas por interpretações já
consolidadas, tem suscitado não poucas discussões.
Esta polêmica tem por alvo não tanto na validade de cada uma das
proposições, quanto uma questão fundamental, que é ao mesmo tempo a do

32
Gerhard Lachmann "George" Mosse (1918-1999) foi emigrado alemão nazista que foi primeiro para
Inglaterra e depois para os EUA. Foi professor de história na Universidade de Iowa, na Universidade de
Wisconsin-Madison e na Universidade Hebraica de Jerusalém. Muito conhecido por seus estudos sobre
o nazismo, escreveu mais de vinte e cinco livros sobre diferentes temas da história constitucional,
teologia protestante e história da masculinidade.
33
Estado liberal (ou Estado Liberal de Direito) é um modelo de governo baseado no liberalismo
desenvolvido durante o Iluminismo, entre os séculos XVII e XVIII. O liberalismo se opôs ao governo
controlador e centralizador do Estado absolutista, que tinha como principais características o acúmulo
de riquezas, o controle da economia e uma relação de autoritarismo entre o governo e o povo. O Estado
liberal, também chamado de Estado Liberal de Direito, é voltado para a valorização da autonomia e para
proteção dos direitos dos indivíduos, garantindo-lhes a liberdade de fazer o que desejarem desde que
isso não viole o direito de outros.
17

método e a do conteúdo; o que se questiona, em verdade, se é legítimo aceitar


como principal critério discriminante a dimensão ideológico-cultural, se com
isso, se corremos o risco de apresentar, como diversos, os fenômenos que são
essencialmente da mesma natureza.
A respeito da abordagem generalizante que prevê o fascismo italiano e o
nacional-socialismo alemão, malgrado as diferenças devidas às
particularidades das respectivas histórias nacionais, hajam de ser considerados
como especificações de um modelo de dominação essencialmente único, é
coisa que tem sido sustentada pela maior parte dos estudiosos
contemporâneos, independentemente das suas posições ideológicas e
políticas.
É a estes que se deve a elaboração de alguns esquemas interpretativos que
muito têm contribuído para a orientação dos trabalhos dos historiadores e
cientistas sociais da geração seguinte.
As hipóteses explicativas que estes esquemas sugerem são diversas, quando
não claramente alternativas, dependendo, em várias medidas, do tipo de
fatores preferidos, do nível de análise em que se situam e da diversidade de
paradigmas a que se referem. O que não arrefece em nada o perigo que
significam.
O que lhes é comum, é o esforço por compreender as raízes do fascismo e, de
um modo mais geral, dos fenômenos autoritários evidenciados pela sociedade
moderna, num conjunto de variáveis que transcendem os limites de cada uma
das realidades nacionais.
O fascismo traduz-se, portanto, como uma ditadura aberta da burguesia. Entre
os primeiros que captaram a dimensão internacional do fascismo e as suas
potencialidades expansivas, estão os expoentes do movimento operário em
suas diversas articulações.
O elemento unificador das várias formas de reação na Europa, no período que
medeia entre as duas guerras mundiais, está na análise das contradições da
sociedade capitalista e das modificações por esta introduzidas na dinâmica das
relações e conflitos entre as classes até na fase histórica iniciada com a
Primeira Guerra Mundial.
Dentro desta interpretação, é conveniente distinguir a formulação "clássica"
que é resumível nas teses elaboradas pela Terceira Internacional comunista a
partir de meados dos anos 1930 dos seus ulteriores desenvolvimentos, que
reassumem temas e ideias já presentes no debate iniciado pelos componentes
do marxismo europeu desde a tomada do poder pelo fascismo na Itália,
reelaborando-os em função de uma análise menos esquemática das relações
entre estrutura e supra-estrutura, entre esfera econômica e esfera política.
18

São dois os elementos centrais deste tipo de análise: a concepção instrumental


dos partidos políticos e dos regimes fascistas, considerados como expressão
direta dos interesses do grande capital, e a sua função essencialmente
contrarrevolucionária no duplo sentido de ataque frontal contra as organizações
do proletariado e de esforço por frear o curso do desenvolvimento histórico.
Em consequência, é dado pouca importância ao fato, qualitativamente novo em
relação às formas precedentes de reação, de que a fascista operasse mediante
um partido de massa de base predominantemente pequeno-burguesa, embora
comunistas italianos e alemães, como P. Togliatti 34 ou Clara Zetkui35, já
houvessem chamado a atenção para isso.
Além disso, eram categoricamente rejeitadas, sob pretexto de ignorarem a
definição do fascismo como ditadura da burguesia, as análises que em vários
setores do movimento operário vinham sendo feitas do fascismo como forma
de "bonapartismo36", isto é, como regime caracterizado pela cessão temporária
do poder político a uma terceira torça e por uma relativa autonomia do
executivo em relação às classes dominantes, tornadas possíveis graças a uma
situação de equilíbrio entre as principais forças de classe em ação.
Desenvolvimento

34
Palmiro Togliatti (Gênova, 26 de março de 1893 —Ialta, 21 de agosto de 1964) foi um político e
dirigente do Partido Comunista da Itália e líder do Partido Comunista Italiano de 1927 até sua morte. Ele
foi apelidado de Il Migliore ("O Melhor") por seus apoiadores. Em 1930 tornou-se cidadão da União
Soviética e mais tarde teve uma cidade naquele país com o seu nome: Tolyatti. Togliatti sobreviveu a
uma tentativa de assassinato em 1948 e morreu em 1964, durante um feriado na Crimeia, no Mar
Negro.
35
Clara Josephine Zetkin, nascida Eißner, (Wiederau, 5 de julho de 1857 — Arkhangelskoye, 20 de junho
de 1933) foi uma professora, jornalista e política marxista alemã. É uma figura histórica do feminismo.
Foi um dos fundadores e dirigentes do Socorro Vermelho Internacional. Apesar das leis antissocialistas
vigentes, então na Alemanha, Clara Zetkin (que adotou o nome de seu companheiro, Ossip, embora eles
jamais tivessem se casado), participa clandestinamente da difusão do jornal do SPD, Der Sozialdemokrat.
Ossip é preso juntamente com August Bebel e Wilhelm Liebknecht, e, como era russo, é expulso da
Alemanha em 1880. A própria Clara também seria expulsa da Saxônia pouco depois, refugiando-se em
Zurich. O casal se reencontraria em Paris, 1882, passando a residir na capital francesa. Obrigada a fugir
da Alemanha após a ascensão do nazismo e a interdição do KPD, faleceu algumas semanas mais tarde,
no exílio, em Moscou, aos 75 anos. O túmulo de Clara Zetkin se encontra junto à muralha do Kremlin, na
Praça Vermelha, em Moscou, local em que eram enterradas conhecidas e influentes personalidades
ligadas ao regime soviético.
36
O bonapartismo é uma ideologia política e um culto à personalidade de origem francesa e alemã,
inspirada na maneira pela qual Napoleão Bonaparte seu sobrinho, Napoleão III, governaram. Em nossos
dias, o termo é frequentemente usado para definir um tipo de governo em que o Poder Legislativo
perde força, em proveito do Executivo. No modelo bonapartista, o governante pretende ser um ditador,
mas busca construir uma imagem carismática de representante popular. Esse tipo de sistema se instala
quando nenhuma classe ou grupo social tem poder suficiente para ser hegemônico, deixando a um líder
suficientemente habilidoso o poder de mediar as diversas forças sociais. Além de Napoleão III, o
governo de Bismarck, na Alemanha, é outro exemplo histórico de bonapartismo. Ambos eram
sucedâneos de monarcas absolutistas que, alçados ao poder por meio de revoluções burguesas, criaram
formas de governo despóticas ou autoritárias em lugar de instituições burguesas liberais.
19

A teoria do fascismo como ditadura da burguesia constitui ainda hoje a chave


interpretativa predominante nos estudos que têm como modelo de referência o
marxismo e a sua concepção da mudança histórica.
Com o tempo, porém, está passou por certa revisão que tornou mais
problemáticos alguns nexos, particularmente os existentes entre burguesia e
fascismo, entre movimentos e regimes fascistas, entre capitalismo, democracia
e fascismo.
Esta revisão é o resultado de uma reflexão teórica que teve efeitos importantes
em vários sentidos. O primeiro deles, foi a atenuação do economicismo
presente nas primeiras formulações e o reconhecimento de uma relativa
autonomia da esfera política com relação à esfera da economia.
Isso trouxe consigo, uma mais aprofundada análise das crises de onde
emergiram os regimes fascistas; uma articulação mais complexa da relação
entre fascismo e classes sociais; uma consideração mais atenta dos aspectos
institucionais dos regimes fascista, da lógica do seu funcionamento, das bases
da sua legitimação.
Mas, não modificou a concepção do fascismo como forma particular de
ditadura da burguesia, embora esta fosse atenuada pelo reconhecimento da
autonomia relativa dos Estados fascistas em face do grande capital, no âmbito
de uma convergência comum para objetivos imperialistas.
O fascismo como totalitarismo trouxe, totalmente, outra a perspectiva em que
se situa a análise do fascismo como totalitarismo, cuja contribuição principal foi
a de ter sabido captar a novidade que representa o aparecimento dos regimes
fascistas na cena política e a de ter chamado a atenção para as diferenças
qualitativas existentes entre as formas tradicionais de autoritarismo e as
modernas.
O quadro de referência é constituído, direta ou indiretamente, pelas teorias da
sociedade de massa; à dinâmica das relações entre as classes sucede, como
principal fator explicativo do surgimento dos fenômenos do autoritarismo
moderno, a dinâmica das relações entre as massas e as elites num contexto
caracterizado pela decomposição do tecido social tradicional, pelo desabe dos
sistemas de valores comuns, pela atomização e massificação dos indivíduos, e
por uma crescente burocratização.
O aspecto central desta teoria, e ao mesmo tempo o mais criticado, é a
subsunção sob uma mesma categoria, a do Estado totalitário, dos regimes
fascistas e comunistas, com base em analogias existentes na estrutura e
técnicas de gestão do poder político.
São, com efeito, tais analogias verificáveis independentemente dos fins
declarados que se tem em vista dos precedentes históricos e do conteúdo das
20

respectivas ideologias que os teóricos do totalitarismo privilegiam no plano


descritivo e, admitem como problema principal no plano explicativo.
A teoria clássica do totalitarismo37 tem estado sujeita a numerosas críticas que
têm por alvo uma dupla série de problemas. O primeiro diz respeito ao campo
específico da análise dos regimes fascistas.
Sob este ponto de vista, parece hoje dificilmente sustentável a hipótese de que
a origem e sucesso dos movimentos fascistas estariam relacionados com o
conjunto de fenômenos compreendidos no conceito de "sociedade de massa".
Pesquisas recentes demonstraram que, nos países onde o Fascismo se
consolidou, o sistema de estratificação era muito mais rígido, o peso das
estruturas tradicionais muito mais forte e o grau de "atomização" no sentido de
falta de estruturas associativas intermediárias muito menor que em outros onde
o Fascismo jamais se ofereceu como alternativa concreta.
A tentativa de explicar o processo de introdução do Fascismo com base na
dinâmica das relações entre massas privadas de uma clara conotação de
classe também contradiz um dado empírico já seguro, ou seja, a base
constituída de massas predominantemente pequeno-burguesas dos
movimentos fascistas e sua coligação com amplos setores da burguesia
agrária e industrial, antes e depois da tomada do poder.
Finalmente, esta teoria não consegue fornecer uma explicação aceitável sobre
o problema da função histórica dos regimes fascistas, oscilando entre uma
resposta de tipo não racional, os regimes totalitários seriam, neste caso, uma
espécie de experimento monstruoso de engenharia social, tendo como fim a
criação de um novo tipo de homem máquina totalmente heterodirigido, e a
renúncia explícita ao momento explicativo em favor de uma morfologia dos
sistemas totalitários.

37
Para o teórico Eckhard Jesse, Estados totalitários não se baseiam apenas em repressão, violência e
terror, mas também em persuasão, mobilização e integração dos cidadãos. Por isso, Jesse chama a
atenção para o fato de que as pesquisas em torno do conceito de totalitarismo não deveriam se ocupar
apenas do aspecto repressivo de regimes tidos como totalitários, mas também dos elementos que
exerciam força de atração para as massas. Além disso, o teórico chama a atenção ainda para um traço
característico essencial de movimentos totalitários, ou seja, o fato de possuir semelhanças com
movimentos religiosos, e tal dimensão religiosa, muitas vezes, era empregada no sentido de justificar os
excessos de violência.
21

Os elementos que definem o Estado totalitário38 são, em termos típico-ideais,


conforme a formulação de Friedrich e Brzezinski: uma ideologia oficial tendente
a cobrir todo o âmbito da existência humana e à qual se supõe aderirem todos,
pelo menos passivamente; um partido de massa único, tipicamente conduzido
por um só homem; um sistema de controle policial baseado no terror; o
monopólio quase completo dos meios de comunicação de massa; o monopólio
quase completo do aparelho bélico; e, enfim, o controle centralizado da
economia.
O alvo é o de conseguir o controle total de toda a organização social, a serviço
de um movimento ideologicamente caracterizado. As condições essenciais
para a sua aparição são um regime de democracia de massa e o poder dispor
de um aparelho tecnológico como o que só a moderna sociedade industrial
pode oferecer.
O Estado totalitário se apresenta, portanto, como uma forma de domínio
inteiramente nova, não só com respeito aos sistemas de democracia liberal,
mas também às formas anteriores de ditadura e autocracia, uma vez que no
passado não existiam os pressupostos para a sua realização.
Possui, além disso, um caráter eversivo com relação ao sistema social
preexistente, na medida em que lhe modifica radicalmente a estrutura, que se
baseava na existência de uma pluralidade de grupos e de organizações
autônomas.
Nestes últimos tempos, tem-se desenvolvido um novo tipo de abordagem que
tem como referência o esquema teórico da modernização e considera os
regimes fascistas como uma das formas político institucionais através das
quais se operou historicamente a transição de uma sociedade agrária de tipo
tradicional à moderna sociedade industrial.
A análise do fascismo à luz das teorias da modernização coloca-o, ao invés,
não já em relação com os conflitos e crises próprios da sociedade industrial,
mas com os conflitos e crises característicos da fase de transição para esta.
Neste quadro, os regimes fascistas se configuram como uma das vias para a
modernização, pois, as outras historicamente identificadas são a liberal-
burguesa e a comunista sendo fundada no compromisso entre o setor moderno
e o tradicional.

38
No início dos anos 20, o conceito de “totalitário”, em sua forma adjetiva, foi empregado pela primeira
vez na Itália por Giovanni Amendola (1882-1926), jornalista e político liberal, no intuito de denunciar o
fascismo italiano enquanto movimento político antidemocrático. No sentido original, “totalitários”
seriam aqueles sistemas de governo que tentariam conformar os cidadãos dentro de uma ideologia,
para isso fazendo uso de mecanismos de controle e coação, e, ao mesmo tempo, buscariam mobilizá-
los. Todavia, em 12 de maio de 1923, Benito Mussolini utilizou pela primeira vez a expressão “sistema
totalitário” aplicado ao Estado fascista, usurpando o conceito e tornando-o de pejorativo, no sentido
empregado por Amendola, em positivo. Cabe lembrar que foi justamente na Itália, durante os anos 20,
que se iniciou o debate em torno do conceito de totalitarismo.
22

Os traços que os caracterizam são, na esfera econômica, uma industrialização


atrasada, mas intensa, promovida desde cima, com notável interferência do
Estado a favor da acumulação; na esfera política, o desenvolvimento de
regimes autoritários e repressivos, expressão da coligação conservadora das
elites agrárias e industriais que querem avançar pelo caminho da
modernização econômica, defendendo, ao mesmo tempo, as estruturas sociais
tradicionais; na esfera social, a tentativa de evitar a desagregação dessas
estruturas, impedindo ou reprimindo os processos de mobilização social postos
em movimento pela industrialização.
Apesar das semelhanças, o nazismo e o fascismo são diferentes. O nazismo
foi um movimento ideológico que nasceu na Alemanha e esteve sob o
comando de Adolf Hitler39 de 1933 a 1945.
Já o fascismo foi um sistema político e surgiu primeiro, na Itália, tendo
aumentado a sua influência na Europa entre 1919 e 1939.
O nazismo tem caráter nacionalista, imperialista e belicista (que tende a se
envolver ativamente em guerras). O fascismo também tem caráter nacionalista
e é antissocialista. O nazismo foi um movimento ideológico surgido na
Alemanha e é comumente associado ao Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemães, comandado por Adolf Hitler de 1933 a 1945.
Apesar de muitos o considerarem uma versão “extrema” do fascismo, a
principal diferença é que o movimento nazista acreditava no “racismo

39
Adolf Hitler nasceu em Braunau, na Áustria, no dia 20 de abril de 1889. Filho de Alois Hitler
empregado de alfândega e Klara Hitler pretendia seguir a carreira artística. Aos 21 anos mudou-se para
Viena e por duas vezes tentou, sem sucesso, entrar na Academia de Belas Artes para estudar pintura e
arquitetura. Em 1913 mudou-se para Munique e em agosto de 1914 alistou-se no Regimento de
Infantaria do Exército alemão para lutar na Primeira Guerra Mundial. Nesse mesmo ano, por sua
bravura, recebeu a condecoração da Cruz de Ferro. De volta a Munique passou a trabalhar na seção de
imprensa e propaganda do Quarto Comando das Forças Armadas. Com grande capacidade oratória,
Hitler mudou o nome para “Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães” (Partido Nazista), e
incorporou ao partido, uma organização paramilitar as “SA” (Seção de Assalto), encarregada de intimar
os opositores. O confuso programa do partido denunciava judeus, marxistas e estrangeiros, prometia
trabalho e o fim das reparações de guerra.
Em 1921, com 33 anos, Hitler tornou-se chefe do partido. Criou as “SS” (Brigadas de Segurança), uma
força de elite. Depois de fracassar na tentativa de um golpe em Munique (1923), Hitler foi condenado a
cinco anos de prisão. Cumpriu só oito meses, que aproveitou para escreve a primeira parte do livro
"Minha Luta", obra em que desenvolveu os fundamentos do nazismo.
23

científico”. O "racismo científico"40 é a crença em uma pseudociência de que


existem raças de seres humanos superiores e inferiores.
O conceito de “raça”41 entre seres humanos tem sido debatido. Atualmente,
"etnia" é o termo mais utilizado para referenciar grupos distintos, já que
aspectos socioculturais são considerados mais relevantes que fatores
genéticos.
No entanto, os alemães, sob influência do Partido Nazista, passaram a
acreditar que a “raça ariana” era superior a todos os outros grupos humanos,
sendo os judeus o alvo principal de seus preconceitos e dogmas. Por isso, os
nazistas são antissemitas.
A origem da palavra “nazismo” está ancorada na junção das palavras Nacional-
Socialismo. Neste caso, o socialismo foi redefinido pelos nazistas para
distingui-lo do socialismo marxista, fortemente rechaçado pelo movimento.
Extremamente rígidos no que tocava a sua superioridade em relação a outras
“raças”, os nazistas contrastavam no quesito “luta de classes”, sobre o qual
eram contra. Isto fazia frente ao capitalismo, que passava a dominar o
ocidente.
O fascismo e o nazismo são doutrinas que não aceitam as diferenças sociais.
Para estas doutrinas, toda diferença gera atrito e em todo atrito há perda de
energia social. Assim, a sociedade tem que ser completamente homogênea em
termos de classe, raça, costumes, religião e etc.

40
O racismo científico é uma corrente de ideias que busca justificar o racismo a partir dos conceitos
científicos. O racismo é uma forma de discriminação de pessoas por suas características fenotípicas
associadas às suas características socioculturais, como se ambas derivassem dos elementos biológicos
do ser humano, e não se uma construção histórico-cultural. Para Bobbio, as teorias racistas buscavam a
justificação cientifica a partir do século XVIII, devido às próprias características da época iluminista. A
ideia de um racismo científico se relaciona, assim, com a justificativa biológica de que existem raças
humanas superiores e inferiores, e isso pode ser analisado de forma objetiva pela ciência. Diferentes
ramos científicos estavam relacionados a estes estudos, como a frenologia, fisionomia, antropometria,
além da utilização de conceitos da biologia, psicologia, antropologia e mais. O racismo científico, porém,
não se sustenta enquanto argumento científico contemporaneamente. Tanto por não existirem raças
dentro da espécie humana, como por que suas bases não são comprovadas por meio de pesquisas
recente. O adjetivo científico se refere meramente à tentativa de justificar com as ciências do século XIX
e começo do século XX, as discriminações que diferentes grupos étnicos sofriam.
41
O nazismo desenvolveu várias teorias a respeito de raças. Afirmavam que poderiam estipular
cientificamente uma hierarquia estrita entre "raças humanas"; no topo, estava a "raça nórdica", e em
seguida, as "raças inferiores". Na parte inferior dessa hierarquia estavam as raças "parasíticas", ou
Untermenschen ("subumanos"), os quais eram percebidos como perigosos para a sociedade. Os mais
baixos de todos na política racial da Alemanha Nazista eram os eslavos, ciganos e judeus. Ciganos e
judeus eram eventualmente considerados Lebensunwertes Leben ("vida indigna de viver"). Os judeus, e
posteriormente os ciganos, tornaram-se cidadãos de segunda-classe, expulsos da Alemanha Nazista
antes de serem confinados em campos de concentração e depois exterminados durante o Holocausto
(ver a descrição de Raul Hilberg das várias fases do Holocausto). Richard Walther Darré, Ministro da
Alimentação e Agricultura do Reich entre 1933 a 1942, popularizou a expressão Blut und Boden ("Sangue
e Solo"), uma das muitas expressões do glossário da ideologia nazista usadas para reforçar o racismo
popular entre a população alemã.
24

Para o socialismo, a diferença é o motor da história 42. É somente numa


sociedade plural que se manifesta o atrito e o atrito (a luta) é o que move as
sociedades em direção a evolução. As diferenças de classe, no entanto, devem
ser suprimidas como condição para o socialismo. Contudo, só estas e apenas
estas.
Todas as outras manifestações de diversidade devem ser preservadas e
incentivadas. E, já que as condições econômicas não são ontologias humanas,
não há nada de problemático em negar esta diversidade.
O fascismo e o nazismo glorificam a violência e, em última instância, a guerra.
Tanto Hitler, quanto Mussolini, pensavam em mundo "renascido" após a
brutalidade da guerra.
Segundo estes, é a guerra (a suprema violência) que faz os "fortes emergirem
e os fracos perecerem" e, por isto, conduz as sociedades ao seu "destino" de
serem superiores. Tomados em microuniversos, a violência dentro da
sociedade realiza o mesmo efeito, de "depurar" os fortes e fortalecer os
regimes.
O socialismo abomina a violência. Marx escreveu diversas vezes que a
revolução se dava no ponto máximo da violência social e somente quando esta
violência não era mais suportável pelos desfavorecidos. A violência
transformadora da revolução seria pontual, como uma explosão e, então
desnecessária.
Toda violência extra, necessária para "fazer a revolução acontecer" ou para
"manter o poder revolucionário" indicaria que não havia condições materiais
para a mudança. A violência, se não fosse um chiste de mudança, indicaria
sempre um erro. Ou se haviam adiantado os processos históricos ou não se
teria ainda atingido as condições de consciência para a mudança.
Por glorificar a violência e abominar a diferença o fascismo e o nazismo trazem
como condição lógica de sobrevivência as ditaduras. É o controle do Estado o
fim último dos regimes nazifascistas. É o Estado que deve coordenar, liderar,
aglutinar, coibir, punir e etc.
Por glorificar a diferença e abominar a violência o socialismo traz como
condição lógica de sobrevivência uma sociedade politizada em que as
divergências sejam resolvidas de forma democrática.
42
Segundo as teses do socialismo científico, o motor da história é a luta de classes. Ao longo da história
esse antagonismo assumiu formas diferentes. Para Marx, com o fim do feudalismo, o modo de
produção se alterou e deu uma nova configuração à luta de classes. A primeira experiência
revolucionária socialista foi a Comuna de Paris ocorrida em 1871, na qual convergiam várias correntes
do socialismo que circulavam até então. A proposta comunista de viés estritamente marxista só veio a
ser executada pela primeira vez com os bolcheviques na Rússia. Lênin, um dos líderes da Revolução
Russa de 1917, foi um dos principais responsáveis pela implantação da perspectiva revolucionária do
socialismo científico, que aspirava a implantação da sociedade comunista. Dessa forma, com a
Revolução Russa, o termo comunismo disseminou-se pelo mundo.
25

A "ditadura do proletariado" seria apenas um período de depuração das


reminiscências de classe. Apenas para destruir o sistema econômico capitalista
que cria e recriar-se a si mesmo. Este período não é o objetivo do socialismo.
No estágio final da mudança socialista, quando o comunismo seria alcançado,
o Estado deixaria de existir, pois sua única função, na teoria socialista, seria
defender as diferenças de classe. É condição necessária e inafastável a
democracia para o socialismo, democracia, consciência de classe, educação e
cultura generalizados.
O fascismo e o nazismo vivem em apego ao "tradicional". O que mantém as
diferenças entre os homens, o que foi plasmado no tempo e nas culturas é
sempre exaltado como algo que "sempre foi assim" e não deve mudar. Desta
forma, há uma tensão entre o novo e o velho no fascismo.
O “novo” só é aceito se reverencia, fortalece e se submete ao velho. Isto leva,
por exemplo, à glorificação da ciência apenas como bengala tecnológica. Para
"tornar a vida melhor" e mais próxima do que "era", sem essencialmente mudar
nada.
O socialismo necessita transgredir com o passado. É rompendo com as
amarras dos caminhos já trilhados que o socialismo busca uma nova
alternativa de sociedade, de economia, de cultura e etc. Isto representa uma
busca e incentivo pela mudança em todas as áreas. A ciência não é apenas
medida pelo seu caráter instrumental, mas pela possibilidade de romper com o
passado e construir o futuro.
O nazismo e o fascismo são necessariamente expansionistas em termos
geográficos. Dado que a diferença é algo ruim, toda a expansão do nazismo e
do fascismo dependem da tomada de terras, de riquezas naturais, de áreas
vitais e pontos estratégicos. Com estes recursos, o regime mobiliza sua força
para exterminar o diferente e plasmar a noção autoritária.
O socialismo independe do expansionismo geográfico. O ponto essencial é a
formação de consciência nos indivíduos. Já que toda a riqueza advém do
trabalho, não é necessária uma mina de ouro, para gerar riqueza, mas
trabalhadores conscientes do seu local no processo de produção, no seu
tempo histórico e no seu espaço social. Independe de terra e, sim de pessoas.
O socialismo investe em escolas, ciência, cultura, artes como veículos de
transformação social e não em polícia, armas, bombas e etc.
O socialismo desafia os seres humanos a romperem com as amarras do seu
passado e buscarem um futuro radicalmente diferente
O nazismo e o fascismo necessitam do Estado e do nacionalismo. O
nacionalismo é vendido como uma série de valores "comuns", mas que de
“'comuns” nada têm.
26

O nacionalismo tóxico, como valor etéreo simbolizado por bandeiras, cores,


uniformes, cânticos e etc., não remete a qualquer realidade fática na história ou
sociedade. É um anseio homogeneizador das elites que busca fazer
desaparecer as diferenças sociais pela elevação a mito de narrativas que, na
maior parte das vezes, são falsas.
O socialismo denuncia o uso do nacionalismo como combustível da violência e
busca a ruptura com os laços ideológicos da diferença por "nação". Todo o
homem, nascido em qualquer parte, tem direito às condições materiais que
propiciem sua existência.
Não se pode negar aos homens os direitos de sua existência porque eles
nasceram sob diferentes bandeiras. Buscando uma noção de sociedade global,
o socialismo prega que não deve ser pelo nascimento que ocorre o surgimento
das diferenças entre os seres humanos.
O nazismo e o fascismo são profundamente capitalistas. Capitalismo não é o
mesmo que "livre mercado" ou "liberdade econômica". Capitalismo é a extração
e retenção privada da mais valia como um sistema que se reproduz material e
ideologicamente baseado na ideia excludente de "propriedade privada dos
meios de produção".
O capitalismo que o nazifascismo43 defendeu sempre foi um capitalismo de
corte nacionalista e que se abjurava o financismo internacional. Mas, foi
sempre defendendo a propriedade privada, e tornando os trabalhadores dóceis
e dominados para aumentar a extração de mais valia que o regime se
desenvolveu.
O socialismo se opõe a acumulação privada de recursos e à extração privada
de mais valia. Afirma que toda a riqueza é socialmente construída e que o
homem é, através de seu trabalho produtivo, o gerador desta riqueza.
O sistema socialista não defende o fim da "propriedade privada" (tomados
como casa, roupas ou utensílios), mas apenas a propriedade privada que seja
usada para extração de mais valia. Posses que não sejam objeto de
exploração não são proibidas. Apenas tudo aquilo que gera riqueza o deve
fazer em benefício de toda a sociedade e não apenas de um punhado de
pessoas.
O nazismo e o fascismo possuem projetos políticos de extermínio e mudança
pela morte. Seja com base no racismo, ou seja, com base numa superioridade
cultural de determinados indivíduos ou sociedades, há um claro projeto de

43
Nazifascismo é um termo de conjunção entre o fascismo italiano, doutrina totalitária desenvolvida por
Benito Mussolini a partir do final da primeira guerra mundial em 1919 e tendo se mobilizado
politicamente em 1917 associado ao nazismo alemão, em muitos aspectos emulando a primeira, que,
embora tendo nascido em 1920, é amplamente utilizado na Alemanha Nazi apenas uma década mais
tarde sob regime de Adolf Hitler e do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães.
27

extermínio, um ataque sistemático ao direito de vida de todos os que não


compactuam com o regime.
O socialismo tem um projeto político de mudança social e nunca de extermínio.
As estruturas econômicas do capitalismo devem ser exterminadas e não os
capitalistas ou os trabalhadores que acreditam nestes valores. Isto porque o
socialismo advoga a ideia de que a materialidade gera suas explicações
ideológicas às quais os homens não têm total possibilidade de rejeitar por
serem parte desta formação.
A vida é o bem maior a ser preservado e não a propriedade. Os capitalistas
devem ser privados de suas posses, de suas ferramentas de dominação e não
de seus direitos como seres humanos.
Conclusão
O nazismo e o fascismo têm um projeto de futuro inalterado. O futuro é um
espaço de manutenção de conservação do mundo "como era no passado". Daí
a obsessão que os fascistas e nazistas têm pelos passados mitificados 44 (a
glória dos dias de outrora).
O futuro é, pois, o mais parecido possível com este passado glorificado. E, pela
certeza que "já aconteceu", o fascista tem por certo que "pode voltar a
acontecer". Neste sentido, tudo o que apela para um futuro inovador, incerto,
diferente e etc. é tratado como subversivo, criminoso e indesejável. E aí entra o
ataque à ciência e à educação.
O socialismo desafia os seres humanos a romperem com as amarras do seu
passado e buscarem um futuro radicalmente diferente. Assim, tudo o que
glorifica, remete, e plasma o passado é considerado indesejável, subversivo e
até criminoso. Os olhos e a preocupação das sociedades devem estar voltados
para o futuro. O passado deve ser conhecido como o local onde já se esteve e
não se quer voltar45.

44
No livro “O guardião da Constituição”, publicado em 1929, Schmitt questiona nessa obra o papel do
Judiciário como guardião da Constituição. Para ele, somente o presidente do Reich poderia
desempenhar essa função, pois o povo é quem o escolhe. Na visão do jurista, o presidente, alicerçado
pelo artigo 48 da Constituição de Weimar, representava a unidade da autoridade política que traz
consigo os anseios sociais do povo. Assim, a revisão dos atos legislativos por um tribunal independente é
uma afronta clara à soberania estatal. O Estado nazista, conforme Carl Schmitt, privilegiava o conteúdo
das normas em detrimento da forma. As leis também não precisavam ser escritas – a Constituição de
Weimar, em tese, esteve em vigor durante todo o período em que Hitler ficou no poder (1933-1945). E o
führer era supremo nesse modelo. “Se a vontade do führer valia mais do que tudo, uma norma poderia
deixar de ser aplicada por sua vontade”, explicou Rodrigo Valadão.

45
Ninguém nega que o fascismo nasceu em oposição ao marxismo ortodoxo. Na verdade, o que é difícil
para muitos entenderem é de onde surgiu a hostilidade entre os dois movimentos. As questões em
divergência não eram centradas em economia. Benito Mussolini, Adolf Hitler, bem como outros líderes
fascistas, estavam preparados para acolher o estatismo dos seus rivais socialistas. De acordo com o
marxismo ortodoxo, o destino da nação não era relevante para os trabalhadores. Os fascistas
discordavam: da mesma forma que membros de uma mesma classe têm interesses comuns, os
28

O nazismo e fascismo46 acolhem todas as ferramentas de dominação


ideológicas. Da religião à estética, tudo o que pode exercer uma dominação
"sem sangue" é utilizado pela exata falácia de dizer-se "não-ideológico".
Por esconder que a religião traz ferramentas de dominação de classe, que é
ideológica e que recria processos de dominação, o fascismo tenta criar uma
ideia de "neutralidade". Assim faz com absolutamente tudo, do nacionalismo
aos espaços geográficos e culturais.
O objetivo é encobrir os processos de dominação e manter os indivíduos no
campo da ignorância. Daí, o ataque à política que é a via mais clara de disputa
de poder em nossas sociedades.
A ideologia de direita se reinventou no período entre guerras e sob a sombra
do ódio ao parlamentarismo e do anticomunismo, ela própria se tornou
revolucionária. A propaganda, a organização de massas e a força do
nacionalismo foram seus ingredientes para isso.
O fascismo e o nazismo não se limitaram apenas a reagir ao comunismo, mas
se tornaram eles próprios projetos de sociedade coletivistas da eradas massas
e emergiram como ideologias de organização do trabalho numa época em que
a sociedade do trabalho estava em crise.
O socialismo denuncia todas as formas implícitas de luta ideológica. Desde a
religião, até o Estado e cultura, tudo é passível de um olhar crítico. Ao mesmo
tempo, o socialismo abertamente se reconhece ideológico. É pela
transparência das disputas político-ideológicas (e não por escondê-las) que se
chega a uma sociedade plural. É a política a ferramenta mais efetiva de
resolução dos nossos conflitos de poder.
O socialismo diz abertamente que tem lado, que lado é este e quem ele
defende. Não esconde que o mundo é um local de disputa por recursos e nem
esconde que é violento. Tornar os discursos transparentes em sua ideologia é
o caminho do socialismo.

habitantes de um mesmo país também têm. Os fascistas trocaram a veneração à “classe trabalhadora”
pela igualmente fanática devoção à “nação”. A transição de Mussolini do marxismo Ortodoxo ao
fascismo é bem documentada. Em abril de 1914, ele era “no julgamento de simpatizantes e opositores,
o ditador do Partido Socialista”, mas quando ele trocou suas alianças na questão da guerra com os
Impérios Centrais, o Partido Socialista o expulsou. Os fascistas eram bem menos radicais que os nazistas
alemães. Dessa forma, a influência da doutrina nacional socialista na política econômica italiana que
inicialmente era sutil, acelerou na metade da década de 30.
46
Os dois sistemas emergiram em decorrência da Primeira Guerra Mundial, isto é, são rebentos da
guerra total que resultou na decomposição da ordem social e econômica liberal oriunda do século XIX e,
ao mesmo tempo, trouxeram para o plano da ação histórica outras ideologias também originadas
naquele século: a da luta de classes, luta racial e o nacionalismo. As ideologias que ganharam
notoriedade depois da Primeira Guerra na Europa (Nazismo, Fascismo e Comunismo) e que tinham em
comum o fato de serem antiliberais e antidemocráticas, já vinham ganhando terreno desde o final do
século XIX. Como doutrinas da violência que eram, estavam na ordem do dia após o conflito: na postura
de seus principais representantes, a retórica e a violência se superpunham à razão e à ação.
29

Aterrorizados pela repressão da junta militar e pela propagação do coronavírus,


poucos birmaneses se atreviam a ir às ruas para protestar recentemente,
quando completam-se seis meses do golpe de Estado que mergulhou o país no
caos. O chefe da junta, Min Aung Hlaing, prometeu novas eleições nos
próximos dois anos, "até agosto de 2023 ".
Há pouco tempo, o militar anulou o resultado das eleições legislativas de 2020,
vencidas por esmagadora maioria pelo partido de Aung San Suu Kyi.
"Trabalhamos para estabelecer um sistema multipartidário democrático",
afirmou o general, enquanto Suu Kyi 47, de 76 anos, inicia o sétimo mês em
prisão domiciliar, depois de ser deposta do poder, em fevereiro.
Em seis meses, 940 civis morreram nas mãos das forças de segurança, 75
deles menores, centenas despareceram e mais de 5.400 estão detidos,
segundo uma ONG. Nas redes sociais, jovens opositores prometem derrubar o
regime. "Prometo combater esta ditadura enquanto viver", "Não vamos nos
ajoelhar sob as botas dos militares", afirmaram, fazendo o gesto simbólico de
três dedos em sinal de resistência.
Em Kaley, no oeste do país, houve uma manifestação em homenagem aos
presos políticos. "As canções dos detidos são uma força para a revolução",
dizia um cartaz.
No entanto, a maioria dos birmaneses permaneceu trancada em suas casas,
preocupados com a violência das forças de segurança e a propagação do
coronavírus.
O Reino Unido, ex-potência colonial, já avisou a ONU que cerca de metade da
população de Mianmar (aproximadamente de 27 milhões de pessoas) poderia
se infectar com a Covid-19 nas próximas duas semanas. Londres classificou a
situação de "desesperada" e pediu ao Conselho de Segurança que aja para
permitir a distribuição de vacinas no país.
A ONU estima que apenas 40% dos estabelecimentos sanitários birmaneses
funcionam, já que grande parte dos profissionais da saúde ainda está em
greve, em protesto contra o golpe. Alguns membros da equipe de saúde são

47
É uma ativista e política birmanesa, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 1991 e secretária-geral da
Liga Nacional pela Democracia (LND). Suu Kyi é a terceira dos filhos de Aung San, considerado o pai da
Birmânia moderna (atual Mianmar). Foi conselheira de estado do país de 2016 até 2021, quando foi
deposta por um golpe militar. Por muito tempo considerada um ícone pela liberdade, desde que foi
apontada como Conselheira de Estado, Aung San Suu tem sido criticada dentro e fora de Mianmar por
suas ações dentro do governo do país. Segundo seus detratores, ela não demonstrou qualquer simpatia
ou interesse em resolver a questão da perseguição ao povo ruainga, em 2016, no Estado de Raquine, e
recusou-se a aceitar ou reconhecer que o exército de Myanmar perpetrou qualquer massacre. Ao longo
da sua gestão no governo, Myanmar intensificou a perseguição aos jornalistas. Em 1 de fevereiro de
2021, Aung San foi derrubada da sua posição de Conselheira de Estado após um golpe orquestrado pelas
forças armadas do país.
30

alvo de ordens de prisão, fogem ou já foram presos. O que torna o combate ao


coronavírus bastante difícil e inviabilizado.
O Exército birmanês "usa a covid-19 como arma contra a população", declarou
recentemente Susanna Hla Soe, do governo de unidade nacional, criado por
opositores clandestinamente.
Apesar da firmeza do regime, a resistência segue manifestando-se. Apesar de
que as grandes manifestações sejam pacíficas, mas, geraram uma resposta
armada liderada por milícias cidadãs48, as Forças de Defesa do Povo (PDF).
Esses movimentos são independentes entre si, visando manter o maior número
possível de frentes abertas.
Os grupos desestabilizam a junta no plano militar, mas ela ainda mantém o
controle no econômico, ao administrar muitas empresas, desde a cerveja até
as pedras preciosas, e recuperar o controle do gás natural.
A fonte energética representa uma renda anual de cerca de US$ 1 bilhão. As
sanções financeiras impostas pelos Estados Unidos, pela União Europeia e
pelo Reino Unido não intimidaram os generais, protegidos por seus aliados:
China e Rússia.
O ano de 2020 reposicionou o vocábulo "fascismo" nas pautas e vão além do
fato de o fascismo ser uma virtualidade latente de qualquer regime estatal e de
se entranhado nas dobras da subjetividade moderna.
E, com a coincidência de ser na mesma década, mas do século seguinte, que
os movimentos fascistas ganharam volume ao velho continente europeu.
Há cerca de uma década, assistimos o inédito avanço de partidos, movimentos
e governantes que exibem modos, símbolos e discursos fascistas e até mesmo
abertamente neonazistas. Tais movimentos, líderes de governo e partidos
políticos legalizados são nomeados alternative right49, uma alternativa de direita
48
No Brasil, milícia é um grupo de pessoas que realiza patrulhas contra narcotraficantes, geralmente em
regiões onde o Estado não está presente com serviços básicos à população – como a própria segurança
pública. Há quem diga que as milícias são uma justiça paralela, que supre o abandono social de um
Estado malsucedido em políticas públicas. Embora essa interpretação tenha conexão com a realidade
brasileira, o significado de milícia, hoje, é bem diferente no seu contexto de origem: a palavra militia é
formada pelas raízes latinas miles (soldado) e itia (estado, condição ou atividade), sugerindo apenas um
serviço militar. Nas décadas de 60, 70 e 80, por exemplo, cidades como Recife, Salvador e Rio de Janeiro
tinham grupos de extermínio ou de cidadãos que utilizavam meios ilegais para resolver conflitos, tendo
seus serviços armados solicitados por moradores. Os chamados justiceiros, exterminadores ou
linchadores mudavam de nome ao longo dos anos, mas eram vistos como soluções alternativas às falhas
nas seguranças públicas dos governos estadual e federal. Desse modo, ao substituírem o Estado, as
milícias adquiriram novas funções e novas representações.
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Direita alternativa, também conhecida como alt-right (do inglês alternative right), refere-se à fração
da extrema direita dos Estados Unidos e de alguns países europeus que se caracteriza pela rejeição do
conservadorismo "clássico" e pela militância em defesa dos brancos, do sexismo, do antissemitismo e do
conspiracionismo, sendo contra a imigração e a inclusão dos imigrados. Ainda que não explicite
oficialmente suas posições, a alt-right tem sido relacionada a ideias de supremacia branca,
frequentemente sobrepostas a antissemitismo, neonazismo, nativismo, islamofobia, antifeminismo,
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à crise de representação que os governos vivem em todo o planeta desde a


crise financeira de 2008.
Como a história não se repete, é preciso captar as diferenças e as
metamorfoses provocadas pelas lutas para produzir um diagnóstico do
presente, pois disso depende a capacidade de lutar contra o fascismo
contemporâneo.
E, ao contrário do que se sustentou ao longo do ano trágico e desastroso que
foi 2020, não será nas urnas e/ou na ocupação de uma etérea “esfera pública”
que esse retorno do recalcado fascismo será derrotado cem anos depois.
A derrota eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos é um exemplo disso.
“A derrota eleitoral de Trump é derrota de políticas racistas e fascistas. Foram
derrotadas suas práticas intervencionistas e, também, seus atentados
inumanos contra a Mãe Terra”, disse Morales, pelo Twitter. De um lado, o
simples fato de seu grupo de supremacistas brancos ter perdido a eleição não
elimina a crescente presença da alt-right nas ruas e, ao mesmo tempo, a
derrota só ocorreu porque o país viveu manifestações multitudinárias contra o
racismo desde maio de 2020.
Lembrando uma máxima do antifascismo histórico pronunciada pelo anarquista
Buenaventura Durruti: “Fascismo não se discute, se destrói”. (In: AUGUSTO,
Acácio. Cem anos depois, um novo fascismo. Disponível em:
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homofobia, nacionalismo branco, populismo e neorreacionarismo. Também tem sido associada aos
múltiplos grupos nacionalistas, neomonarquistas, defensores dos direitos dos homens e aos
organizadores da campanha presidencial Donald Trump, em 201 Durante e após a eleição presidencial
americana de 2016, o termo ganhou crescente difusão, gerando considerável controvérsia na mídia.
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