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Ideologias e regimes autocráticos chauvinistas:

fundamentos e influências

JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA *

Resumo
As ideologias chauvinistas são expressões de pensamentos nacionalistas
exacerbados, caracterizados por debilidades argumentativas e
fundamentalismos, que legitimam princípios de ordenamento social de caráter
autocrático. A presente pesquisa investiga os fundamentos argumentativos
presentes nos escritos de Benito Mussolini e Adolf Hitler, como expressões das
concepções em questão. Em perspectiva crítica através da análise histórica e
dos fundamentos da Teoria Política marxista, temas como Estado, partido e
nação serão privilegiados com o objetivo de compreensão das aproximações e
distanciamentos destas concepções legitimadoras de Estados de Exceção nas
primeiras décadas do século XX, com experiências que ocorreram na América
do Sul, especificamente o integralismo brasileiro.
Palavras-chave: Fascismo; Nacional-socialismo; Integralismo; Autocracias
Chauvinistas.

*
JEFFERSON RODRIGUES BARBOSA é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade
Estadual Paulista e docente da Universidade Estadual Paulista/campus Marília (DCPE/FFC).

27
Introdução Em 1921, os fascistas elegeram 35
As origens do conceito de fascismo e deputados entre eles Mussolini, no
mesmo ano ele e futuros líderes
fascio foram explicadas através de seu
fascistas fundaram o Partido Nacional
sentido filológico e genético, segundo
Fascista. Financiado e apoiado pelos
Leandro Konder em seu livro
grandes industriais e latifundiários,
“Introdução ao fascismo”.1 A mudança
lançando um ultimato ao governo
no seu significado foi atribuída
liberal: os fascistas restabeleceriam a
primeiramente ao poeta futurista
ordem reprimindo os movimentos
italiano Filippo Marineti em 1917, que
oposicionistas. Em 27 de outubro de
atribuiu ao mesmo um sentido
1922, as hordas dos “camisas negras”
nacionalista e autoritário. Dois anos
depois em 1919, surge na Itália o Fascio
futurista – e mais tarde, de Gabriele
de Combatimento, fundado por Benito D’Annunzio. Os fascistas se organizaram, a
Mussolini, os militantes desse partir de 1919, em “fasci de combattimento”,
movimento eram conhecidos como grupos de caráter paramilitar. Os grupos de
fascistas e combatiam movimentos combate foram organizados nas principais
cidades italianas. Os membros foram treinados,
grevistas e concentrações socialistas.
uniformizados, receberam armas e insígnias,
Quando os fascistas chegaram ao poder sendo comandados por oficiais do exército.
do Estado italiano sob a direção de Industriais e proprietários de terras passam a
Mussolini, em 1922, o símbolo foi financiar as forças fascistas, dando-lhes armas e
utilizado como marca do novo regime suprimentos. Os fasci travaram lutas com as
forças públicas e com as organizações
político.2
socialistas de trabalhadores. As lutas travadas
contra as forças italianas cessaram a partir de
1921, aumentando a força de ação contra os
1
O termo fascismo, lançado por Mussolini, vem comunistas a partir de 1922, ou seja, logo após a
fascio, que significa feixe. Na Roma antiga, no criação do Partido Comunista Italiano. O
tempo dos césares os magistrados eram confronto entre as “brigadas fascistas e os
precedidos por funcionários - os litore – que socialistas, divididos em pequenos grupos e sem
impunhavam machados cujos cabos compridos uma ação comum em nível nacional,
eram reforçados por muitas varas fortemente demonstrou a superioridade organizativa dos
atadas em torno da haste central. Os machados fascistas. O movimento começou a ter
simbolizavam o poder do Estado de decapitar os repercussão nacional e aumentou o número de
inimigos da ordem pública. E as varas adeptos. No início os fasci conquistaram e
amarradas ao redor do cabo constituíam um organizaram a massa proletária desarticulada e
feixe que representava a unidade do povo em desesperançada. Mais tarde atuou junto às
torno da sua liderança. No século XIX, o termo camadas médias da população. O confronto
fascio foi adotado por uniões ou organizações entre grupos socialistas e as brigadas fascistas
populares, formadas na luta em defesa dos da início a uma guerra civil. [...] A Marcha
interesses de determinadas comunidades. Na sobre Roma foi a maior ação das brigadas
Sicília, de 1891 a 1894, constituíram-se, por fascistas, com o apoio de industriais e
exemplo, vários fasci de camponeses, em geral proprietários de terras ampliaram seu poder
liderados por socialistas, para reivindicar bélico, Os “fasci” chegara ao número de 2.200,
melhores contratos agrários. Quando se iniciou armados em organizados em todo a Itália tendo
a Guerra Mundial, em 1914, formaram-se em uma tropa de 320.00 homens. A tomada do
vários lugares da Itália fasci “patrióticos”, [...]. poder era apenas uma questão de tempo. Ao
Mussolini ficou impressionado com o assumir o Gabinete em 1922, Mussolini
surgimento destes novos fasci. [...] KONDER, institucionaliza o fascio organizando-o como
L. Introdução ao fascismo. 2 ed. São Paulo: força pública. As brigadas fascistas tornaram-se
Expressão Popular. 2009, p. 63. força militar, sendo coordenadas por uma
2
A denominação “fascio” havia sido utilizada Secretária de Estado”. GIRON, Loraine Slomp.
para designar grupos que tinham lutas e Fascio. Dicionário Crítico do Pensamento da
princípios comuns. Foi o caso de Corridori e dos Direita. SILVA, T. F. C. et al (Orgs.) Rio de
“fasci de Marinetti” - líder do movimento Janeiro: FAPERJ/ Mauad, 2000. p. 169-170.

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chegaram a capital, aquele momento, Mussolini chamava o fascismo de
como é notório, ficou conhecido como a “realização proletária”, pretendendo
Marcha sobre Roma. A Itália tinha conquistar as massas, mas era a pequena
como rei Vitor Emanuel III que, e média burguesia que seus discursos e
pressionado pela grande burguesia e medidas agradavam. Estavam sendo
pelos militares de alto escalão, demitiu desenvolvidos pela imprensa Fascista, a
o primeiro ministro e cedeu a partir de então, o mito do grande
Mussolini, convidando-o a formar um desenvolvimento da Itália e no nível de
novo ministério. Uma das primeiras organização do Estado, instaurou-se o
medidas de Mussolini foi pedir plenos Estado corporativista, cujo objetivo era
poderes ao Parlamento. Os deputados de controlar a classe operária facilitando a
oposição foram presos e alguns foram acumulação de capital através de
mortos nas prisões fascistas de empresas tutoradas pelo Estado
Mussolini. intervencionista.

Na Itália configurava-se a gênese do


No início do regime fascista o avanço
momento histórico de ascensão do
brutal sobre os socialistas começou a
Partido Fascista como primeira
intensificar-se, com seu ápice de
experiência de um movimento de
conflitualidade expressado no
extrema direita que se torna partido
assassinato em 1924 do deputado
político e chega ao poder de um Estado
socialista Giacomo Matteotti, que havia
nacional europeu. A experiência italiana
denunciado a fraude das eleições que
rapidamente se propaga fora da Europa,
ocorreram em abril daquele ano, o que
pois os germes do modelo centralizador
levou ao seu assassinato em Roma por
e intervencionista estavam também
um grupo fascista.
presentes nas propostas políticas de
Os intelectuais chauvinistas que movimentos, partidos e intelectuais de
identificavam as consequências da crise outros países, além da península itálica,
das primeiras décadas do século XX às países que desenvolviam concepções
deficiências da tradição liberal- políticas herdeiras do pensamento
democrática e as ameaças do conservador do século XIX.
comunismo encontraram nos ex- A experiência de ascensão do
combatentes e, em segmentos da extremismo político na Alemanha,
pequena burguesia do período, juntamente com a italiana, figura como
aguerridos militantes que aderiram às uma das poucas manifestações de
novas propostas políticas que refletiam extremismo de direita que de
uma releitura da tradição intelectual movimento político chega ao poder de
conservadora através de uma nova um Estado nacional. Na Alemanha o
proposta de projeto de Estado processo de industrialização foi rápido.
intervencionista e mobilizador. A concentração de capital e formação
Antiliberal e anticomunista sua lógica de trustes e cartéis se acelerou depois da
organizacional colocava o Estado como unificação territorial. Mas com a derrota
sujeito histórico buscando evitar o na Primeira Guerra sua produção foi
conflito entre as classes sociais desarticulada, provocando instabilidade
decorrentes das contradições econômica e política. Os grandes
econômicas e políticas que castigavam monopólios eram os maiores
parte da população da Europa que foi interessados na retomada da
vitimada pela Primeira Guerra Mundial. estabilidade. Esse foi o contexto em que

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o governo da República de Weimar popular e arrebanhou elementos de
assinou o Tratado de Versalhes. Os todas as classes sociais alemãs. E a
partidos e movimentos políticos da socialização ideológica foi
extrema direita culpavam as minorias impulsionada com a criação do
judaicas, socialistas e comunistas pelas Ministério do Reich para a Educação do
greves operárias e pela situação de crise Povo e Propaganda, sob a direção de
política e econômica de seus respectivos Joseph Goebbels, utilizando modernas
países. E, na Alemanha a posição técnicas de propaganda política através
antigrevista do Partido Nacional do rádio, cinema, imprensa e de
Socialista Alemão garantiu o apoio aos instituições educacionais para cooptar
nazistas de importantes grupos todos os indivíduos diante da interação
empresariais. entre Estado e Sociedade.

O partido cresceu e a alta burguesia e os Como imperativo das disputas


grandes proprietários alemães territoriais e do pagamento de
começaram a financiar as milícias indenizações, imposto a Alemanha
nazistas para conter as manifestações de pelos vencedores da Primeira Guerra, o
trabalhadores e, com votos tratado de Versalhes tornou-se um fardo
representativos nas eleições para o insustentável, à medida que se agravava
Parlamento alemão, pressionam o a Depressão. No Oriente também o
governo para colocar o líder do Partido Japão se inclinava para o extremismo
Nazista Adolf Hitler como Chanceler. A político; seus militares mostravam-se
justificativa do perigo comunista na indignados diante das dificuldades
Alemanha, exemplificado no caso do impostas pelo liberalismo e pelo
incêndio ao Parlamento alemão comércio com o exterior.
legitimou ascensão dos nazistas a
hegemonia política na Alemanha. O A segunda metade da década de 30
recurso à censura, como característica representou um acirramento das tensões
comum das propostas políticas entre as grandes potencias imperialistas
extremistas marcou a relação entre mundiais. E Hitler e Mussolini
Estado e imprensa, sendo o clima onde buscavam trazer para sua órbita de
se desenvolveu a campanha para as influência outros Estados nacionais,
eleições de março de 1933 na Alemanha através da exportação de capitais, do
marcado pelo fechamento de jornais auxílio militar e político. A
social-democratas e comunistas pela aproximação entre Itália e Alemanha
repressão. Só circulava o jornal oficial nas primeiras décadas do século XX, se
nazista o Volkisher Beobachter. E só consolidou com a participação dos dois
eram permitidos os discursos e países na Guerra Civil Espanhola, ao
campanhas feitas pelo Partido Nazista lado das forças do general Franco. O
que chegou a vitória com 17 milhões de final da década de trinta foi um período
votos. crítico na conjuntura política mundial.
Pois, em 1937 a Itália entrou no Pacto
Durante o período nazista a indústria,
Anti-Comintern com a Alemanha,
em geral, e bélica em particular, tiveram
dando o prelúdio da Segunda Guerra,
notório crescimento, e uma posição
sem as condições militares da sua
estratégica nas ambições imperialistas.
aliada.
Embora intimamente ligado à alta
burguesia do capital monopolista, o
Nazismo se colocava como um governo

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Regimes e ideologias autocráticas Deferente das concepções de
chauvinistas: intelectuais do “conservadorismo
clássico”, com sua defesa da ordem
Nas primeiras décadas do século XX
aristocrática e monárquica, sob os
intelectuais e militantes políticos de
fundamentos da religião e da ordem
tendências autocráticas chauvinistas3
estamental, os ideólogos chauvinistas
foram divulgadores de propostas de
do início do século XX, como Benito
reorganização do Estado sob uma dupla
Mussolini e Adolf Hitler, propunham
influência, os valores conservadores,
uma intensa mobilização social, na
herdados do final do século XIX e
órbita de um Estado corporativista
início do século XX, e a força do
inflamado pelo discurso da força da
clamor das concepções nacionalistas
nação ou da raça.
exacerbadas, promulgadoras de modelos
de Estado de Exceção. Benito Mussolini no documento de 21
de abril de 1937 denominado “Código
3
“A categorização de Autocracia é consagrada e do Trabalho” fundamenta o modelo de
representa lugar firmado na História e na Estado autocrático da nação italiana.
Ciência Política, porém, nem toda autocracia é
fundamentada em valores nacionalistas Segundo o documento; “unidade moral,
exacerbados. Assim, a definição de autocracias política e econômica que se realizava no
chauvinistas abrange ideologias baseadas em Estado Fascista”:
propostas de formas de governo marcadas pela
defesa de concentração de poder e suplantação A Nação Italiana, é um organismo,
das instituições mediadoras de participação que tem fins, vida, meios de ação
política, especificamente marcada pela ênfase superiores aos dos indivíduos
no nacionalismo como legitimação do isolados ou agrupados que a
ordenamento social: um governo com compõe. É uma unidade moral,
autoridade irrestrita sobre aqueles que política e econômica, que se realiza
subjugam, através do poder único de um líder, integralmente no Estado fascista.
autocrata, ou partido, enquanto organização
partidária autocrática, legitimada pela “decisão Esta Declaração constitui um
por si mesmo”. Nesta perspectiva advém o princípio geral de valor teórico; é
termo decisionismo político na expressão uma afirmação de caráter doutrinal;
elaborada pelo jurista nazista Carl Schimitt e sua atuação não se encontra em
como fundamento possível para a compreensão
dos fundamentos da categoria de autocracia.
um artigo de Lei ou em uma lei
Carl Schimitt, partindo da concepção de decisão particular, mas na organização do
do intelectual conservador espanhol Juan Estado corporativo fascista.
Donoso Cortez, defende que soberania é
Os conceitos contidos nesta
entendida enquanto questão de decisão sobre
um caso de exceção: para o autor a ordem Declaração referem-se à
jurídica deve se basear numa decisão do organização do Estado corporativo
soberano e não numa escolha consensual. Para o fascista. O fortalecimento da
intelectual nazista em questão a soberania é a autoridade do Estado, é justificada
criadora da ordem política e o sistema pela consideração de que o Estado
democrático e parlamentar gera falta de representa a vontade política
autonomia para decisões no agir político. Estas nacional, que é soberana, porque os
questões são defendidas em seus principais fins que se propõe alcançar,
livros, como “A Ditadura” de 1921, onde constituem a expressão da mais alta
argumenta que o estado deve empregar meios
consciência moral dos cidadãos. A
extras constitucionais para manter o
ordenamento social.” BARBOSA, Jefferson organização sindical-corporativa, é
Rodrigues. Integralismo e ideologia autocrática justificada pela consideração de que
chauvinista regressiva: crítica aos herdeiros do a Nação resulta também da
sigma. Unesp, Marília, 2012, p. 52. (Tese de atividade econômica dos cidadãos e
Doutorado em Ciências Sociais) esta atividade deve encontrar uma

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sistematização na organização modificações. O Estado de hoje,
jurídico política do Estado, por por exemplo, pode, como
meio de órgãos apropriados, mecanismo, ainda por muito tempo
segundo o caráter da economia aparentar vida, mas o
moderna. Estes órgãos são os envenenamento da raça criará
sindicatos, que representam a fatalmente um rebaixamento
categoria isolada, e as corporações cultural que, aliás, já se nota hoje
que representam mais categorias em proporções assustadoras. Assim
que concorrem para uma atividade sendo, a condição essencial para a
econômica4. formação de uma humanidade
superior não é o Estado mas a raça.5
Em “Minha Luta”, concluído em 1926,
Adolf Hitler ressalta o critério racial Os fundamentos autocráticos do
como fundamento da organização de nacional-socialismo podem ser
Estado nacional-socialista: evidenciados nas ideias defendidas pelo
teórico do Estado, o intelectual que foi
Por tudo isso, o primeiro dever de
um novo movimento que repousa filiado ao partido nazista, Carl Schimitt.
sobre o fundamento da raça, é dar A ênfase na soberania do poder de
uma forma clara, bem definida, da decisão política, por parte daquele que é
concepção sobre a existência e a o soberano no Estado, o poder de
finalidade do Estado. O grande decisão, é um ponto central do Estado
princípio que nunca deveremos de Exceção, fundamenta o Schimitt, em
perder de vista é que o Estado é um seu livro “O conceito de político.” O
meio e não um fim. É a base sobre livro influenciou a concepção de Estado
que deve repousar uma mais do II Reich na Alemanha, naquele
elevada cultura humana, mas não e contexto.
a causa da mesma. Essa cultura
depende da existência de uma raça Schimitt recebe grande influência do
superior, de capacidade pensador conservador espanhol Juan
civilizadora. Poderia haver centenas Donoso Cortez, principalmente nas
de Estados modelos no mundo e formulações de sua apologia a
isso não impediria que, com o pertinência do poder de decisão para
desaparecimento dos arianos, estabelecer dispositivos que garantam o
formadores de cultura,
estabelecimento do Estado de Exceção.
desaparecesse a civilização no nível
em que se encontra atualmente nas Garantia que deve assegurar o poder de
nações mais adiantadas. [...] O decisão daquele tem o poder de
Estado em si não cria um condução do Estado, sobretudo em
determinado standard de cultura, momentos de crises. A ordem e o
pode apenas conservar a raça de Estado devem ser garantidos, segundo
que depende essa civilização. Em Schimitt, contra os “inimigos internos e
outra hipótese, o Estado poderá externos da nação”. A influência de
durar centenas de anos, mas se não Juan Donoso Cortez é direta e
tiver evitado a mistura de raças, a identificada nos princípios axiológicos
capacidade cultural e todas as presentes no “Ensaio sobre as
manifestações da vida a ela
condicionadas sofrerão profundas
Ditaduras” que foi alicerce para a
concepção de Estado de Schimitt.
4
MUSSOLINI. B. Código do Trabalho. In:
5
MUSSOLINI, B. O Estado corporativo. HITLER, Adolf. Minha Luta. Disponível em:
Disponível em: https://www.radioislam.org/historia/hitler/mkam
http://www..ebooksbrasil.org/eLibris/corporativ pf/por/por.htm#20 Acesso: 19 de agosto de
o.html Acesso: 19 de agosto de 2015. 2015.

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Carl Schimitt, em seu livro “Teologia da ordem autocrática, o conceito de
Política”, de 1922 defende que as Estado pressupõe o conceito de política.
concepções e conceitos da moderna Concepção defendida no seu livro de
concepção de Estado são conceitos 1932 “O conceito de Político”.
teológicos secularizados, são produtos
Segundo Schimitt (1992, p.47):
de uma evolução histórica.
Por outro lado, a equivalência
O núcleo de sua teoria política é a estatal = político mostra-se
concepção de soberania como poder incorreta e enganosa, na mesma
decisório irrestrito e o objetivo de seus medida que Estado e sociedade se
escritos foi a busca da salvação e da interpenetram, todos os assuntos até
recuperação da autonomia da política então políticos tornam-se sociais e
dentro das comunidades modernas vice-versa, todos os assuntos até
através da desresponsabilização dos então “apenas” sociais tornaram-se
estatais, como ocorre [...] As áreas
agentes políticos frente os imperativos
até então “neutras” – religião,
de decisão correta. cultura, educação, economia –
Para Schimitt a única saída para as deixam de ser “neutras” no sentido
de não- estatal e não-político. Como
conseqüências das insuficiências do
conceito polêmico contraposto a
pluralismo dos partidos foi à defesa do tais neutralizações e despolitizações
que ele denominou de um “Estado de importantes domínios surge o
Total” por meio de uma ditadura Estado total da identidade Estado e
presidencial fundamentada no escrito de sociedade, o qual não se
1931 “O guarda da Constituição”, desinteressa por qualquer âmbito e,
Schimitt defendeu sua perspectiva de potencialmente, abrange qualquer
modelo de Estado: “Baseado tanto na área. Nele, por conseguinte, tudo é,
força militar quanto numa burocracia pelo menos potencialmente,
centralizada e numa economia sã, político, e a referência ao Estado
submissa ao Estado vigoroso”. não mais consegue fundamentar um
marco distintivo específico do
A defesa de Schimitt em relação aos “político”.
governos autocráticos são também Estado autocrático e Integralismo no
enfatizadas no livro “A ordem global e Brasil
o Direito Internacional” de 1939 onde
são legitimadas as políticas nazistas e A ênfase no poder do Estado, sob
sua perspectiva política o acompanha fundamento do nacionalismo
até seus últimos escritos, como “A influenciou o debate político e as
revolução Mundial legal” de 1978, onde experiências de partidos e regimes de
o alvo são as críticas à atuação dos Estado. Nesse sentido as ideologias
comunistas na Espanha. autocráticas chauvinistas podem ser
interpretadas como fundamentos para
As rápidas referências aos livros de aquilo que Antônio Gramsci denominou
Schimitt visam apontar as Regimes de Estatolatria.
reconfigurações das concepções
No Brasil, as concepções autocráticas
autocráticas que foram sofisticadas ao
decorrer do século XX como chauvinistas exerceram desdobramentos
fundamento dos modelos autocráticos na experiência de movimentos e
de ordenamento social. Para o partidos políticos, que influenciados
intelectual nazista em questão, em sua pela conjuntura do período entre as
obra mais enfática no sentido de defesa Primeira e Segunda Guerra Mundial.

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A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi “Democracia Orgânica”, com o objetivo
um partido político em suas de proporcionar a cooperação entre a
características organizacionais, sociedade.
ideológicas e estéticas, próximo ao
O Estado Integral nesta concepção
fascismo italiano, foi fundado pelo
autocrática de ordenamento social deve
intelectual Plínio Salgado, na cidade de
estar alicerçada nos princípios de
São Paulo, em sua primeira fase entre
hierarquia, ordem, disciplina e unidade,
1932 a 1939, e tornou-se o maior
numa estrutura corporativista,
partido de massas do Brasil e aglutinou
concernente ao seu projeto de Estado,
milhares de militantes em várias partes
princípios estes divulgados por
do país.
segmentos da imprensa chauvinista no
Plínio Salgado como líder integralista e Brasil.
Miguel Reale, juntamente com o
As três expressões teóricas principais do
escritor antissemita Gustavo Barroso,
integralismo brasileiro são
foram os líderes da maior expressão da
representadas por Plínio Salgado, com
direita extremada no Brasil naquele
seu nacionalismo com raízes no
contexto. A ideologia integralista
catolicismo social; Miguel Reale com a
perdura na prática de militantes
corrente sindical e corporativa; Gustavo
contemporâneos. Mesmo não
Barroso com o anti-semitismo.
organizados em partido como na década
de 1930, continuam a professar a adesão A formulação da concepção de “Estado
ao nacionalismo exacerbado e a valores Integral” de Plínio Salgado era
autocráticos de organização social. antagônica ao princípio de soberania
popular e de sufrágio universal, segundo
Plínio Salgado, intelectual chauvinista
os moldes da liberal-democracia. A
brasileiro, em seu livro “A quarta
proposta de organização social
humanidade”, lançado em 1936, faz
integralista tinha como pressuposto a
referência à organização da sociedade
nação organizada segundo as categorias
segundo princípios integralistas quando
profissionais em um modelo
argumenta a respeito do seu projeto de
corporativo, e o Estado teria a função de
Estado, denominado de “Estado
“manter e distribuir justiça e equilíbrio
Integral”. O Estado integralista seria o
social”, segundo a ideologia integralista.
agente modificador da sociedade, a
organização do Estado, porém, não seria Em contraposição à luta de classes,
caracterizada pelo princípio da resultantes do modelo liberal, o “Estado
soberania popular e pelo sufrágio Integral” é proposto sob a denominação
universal, segundo os moldes da liberal- de Democracia Orgânica 25, com o
democracia. objetivo de proporcionar a cooperação
entre os seguimentos da sociedade; o
A proposta de organização social
Estado Integral estava alicerçado
integralista tinha como pressuposto a
segundo os princípios de hierarquia,
nação organizada, segundo as categorias
ordem, disciplina e unidade.
de seus componentes, e o Estado teria a
função de manter e distribuir “justiça e Miguel Reale, foi como apontado, um
equilíbrio social”. Em contraposição à dos principais líderes integralistas, sob a
luta de classes fomentada pelos “chefia” de Plínio Salgado. Reale foi
comunistas, para Plínio Salgado e seus nomeado no I Congresso Chefe do
seguidores, o Estado Integral é Departamento Nacional de Doutrina da
entendido sob a denominação de organização, que se tornou após 1936,

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Secretária Nacional de Doutrina e direito de votar e ser votado”. Portanto,
Estudos também sob sua liderança. não são nem os partidos políticos
Reale destacou-se como um dos vinculados a liberal-democracia e nem
principais teóricos integralistas ao lado tampouco um sindicalismo socialista
de Salgado e Gustavo Barroso, (resultado da simples indiferença do
Estado liberal com a questão social)
dedicando seus estudos a questão do
que devem compor as forças políticas
Estado, ao qual concebia como tutor da organizadas da Nação, mas os
vida social, opondo-se ao liberalismo e “trabalhadores intelectuais e manuais.
comunismo, identificando-se com uma Só a representação dos trabalhadores é
perspectiva de organização social, de a representação popular”. Nessa
cunho corporativista concepção de um Estado Sindical
integralista, Reale confere ao sindicato
O Estado Integral de Miguel Reale é “as mesmas características da Nação: é
teorizado numa linguagem técnico- um órgão de finalidades éticas,
jurídica onde a questão do Estado tem políticas, econômicas e culturais [...]. É
um papel central em sua produção. um órgão de direito público, sob a
Porém, o fator legitimador, também esta imediata fiscalização proteção do
assentado no discurso da moral e da Estado”.6
ética, mas sujeito histórico projetado No livro “O Estado Moderno” de 1935,
não é o homem cristão da “revolução Reale desenvolve sua posição sobre os
interior” e sim o trabalhador inserido temas; fascismo e o bolchevismo e o
nas forças produtivas da Nação. Estado Integral. Segundo o teórico da
Segundo Roque, (2000, p. 305): AIB, o final da Primeira Guerra é
Enquanto para Plínio Salgado o Estado situado como ponto final da estrutura
deveria resultar da organização dos tradicional de poder, tendo como
grupos naturais, com ênfase na família, consequência o surgimento do “Estado
para Miguel Reale a base da Moderno”, assumindo assim o Estado
construção do Estado residia na duas formas distintas duas formas
organização sindical. Essa primazia da distintas; a do Estado fascista e a do
estrutura de um sindicalismo ordenado Estado bolchevista. Resultados de uma
– que culminaria na organização
reação contra debilidades do
corporativa de todos os produtores e da
qual deveria derivar, por último, o liberalismo. O integralismo é colocado
Estado as suas instituições e as formas como um modelo político com o papel
de representação – aproxima Reale de de superar os males, das quatro
uma acirrada crítica à doutrina liberal e correntes político-sociais existentes.
de uma adesão do Estado como aquele Sendo o bolchevismo, segundo
do fascismo da Itália. Assim, para Reale, a conseqüência final e
Reale, o primado da ação organizativa indireta do liberalismo, ele vai optar
da vida econômica moderna e de toda pelo Estado fascista. O fascismo,
a atividade social deve caber a um contudo, substitui a concepção do
Estado situado “acima das classes” , Estado jurídico e do cidadão pela
sendo superior a todas elas “pelas concepção do Estado econômico e
forças que deve dispor e pelos fins que do produtor. Ao mesmo tempo, o
deve realizar” (ABC do Integralismo).
Ao referir-se ao sistema de 6
ROQUE, José Brito. Plínio Salgado e a Teoria
representação, proclama que o estado do Estado Integral. In. SILVA, Francisco Carlos
não é a soma dos indivíduos isolados – Teixeira da; MEDEIROS, Sabrina Evangelista;
como pretendia o “naturalismo liberal” VIANNA, Alexander Martins (Org.). Dicionário
–, mas a unidade das forças produtivas crítico do pensamento da direita. Rio de Janeiro:
organizadas: “Só quem produz tem o FAPERJ: Mauad, 2000, p.305.

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fascismo, sendo uma das tendências Há quatorze annos, quando a
naturais do Estado Moderno, acaba Europa, já estava na iminência de
por restituir ao Estado sua plena ser submersa pela onda vermelha
soberania ao identificá-lo com a do materialismo communista [...]
Nação. Reale destaca ainda duas Mussolini surgiu na história. E
tendências fascistas: uma “radical”, surgiu para lhe dar novo rumo,
defensora de um Estado nova expressão, novo rytmo. 28 de
“Totalitário”, e uma “moderada”, outubro de 1922 é, na história da
que corresponde ao Estado Integral. política dos Novos Tempos, o que
Ele se filiou a esta última visto que, foi a tomada da Bastilha para a
ao contrário da forma “totalitária”, chronica da democracia liberal [...].
a tendência fascista “integral” A data de hoje anniverário da
confere uma maior autonomia ao Marcha sobre Roma, por
individuo. Embora não estejam em conseguinte, não constitui uma data
oposição essas duas tendências, italiana, mais universal. O
apresentam diferenças de Fascismo, em verdade, é o
resultados, pois, as singularidades phenomeno universal deste século
do Estado Integral residem, ao fim [....] O fascismo nasceu na Itália.
de tudo, a sua vontade ética. A sua Mas é o resultado de um longo
natureza específica não reside, processo que se desenrolou na Itália
portanto, nem na estrutura e fora della. O que Mussolini fez foi
sindicalista e nem no realizar a synthese das doutrinas e
corporativismo, mas em tomar em interpretar a angústia humana, em
primeiro lugar o homem e suas um determinado momento
projeções morais. Se no Estado [...].Desse ponto inicial partimos
fascista “totalitário” a moral esta para crear, com a realidade
subordinada ao Estado, no Estado brasileira deante dos nossos olhos, a
fascista “Integral” é o Estado que se doutrina do Sigma, do Estado
subordina ao imperativo moral.7 Integral. Alberto Torres, Euclydes
da Cunha, Oliveira Vianna e tantos
No momento em que na Itália Fascista outros nos indicaram o caminho a
se comemorava o décimo quarto ano do seguir. A analyse da alma brasileira
regime de Mussolini, o jornal dictou lições para a realização de
integralista Acção, proporcionou grande uma democracia baseada na
destaque as comemorações dos quatorze identidade das idéas e dos
anos da Marcha sobre Roma, dedicando sentimentos na coordenação
algumas páginas daquela edição, com orgânica de todas as forças do paíz.
fotos e comentários sobre as cerimônias Hoje todos os fascistas do mundo,
realizadas na Itália. todos os integralistas, todos os
hitleristas, todos os nacional-
O Acção, na ocasião, publica um artigo socialistas, glorificam uma data. É a
de Miguel Reale onde a data é exaltada lembrança da primeira victória
como um marco de uma nova era. E, alcançada pelas forças christãs do
nele apologeticamente o integralismo é occidente. Deante de nós temos
identificado com o fascismo, como outras luctas e outras victórias!
manifestação brasileira do que Reale Contra o internacionalismo
denomina de “bandeira gloriosa do vermelho e semita, erguemos a
bandeira gloriosa do universalismo
universalismo fascista”. O artigo é
fascista, cada povo conservando a
intitulado: “28 de Outubro.”

7
Op. cit., 2000, p.306.

36
própria personalidade, mas todos pressupostos ideológicos defendiam a
commungando em uma única fé.8 instauração de um regime de Estado
Considerações centralizador e avesso à participação
política democrática representativa ou
Na sua obra “Introdução ao Fascismo” o democrática popular. Através da defesa
filósofo Leandro Konder apontou que de seu modelo corporativista de Estado,
na análise das conflitualidades nas denominado por Plínio Salgado
sociedades a distinção entre fenômenos “Democracia Orgânica” os integralistas
políticos de esquerda e direita não brasileiros em suas publicações, em
perdem sua funcionalidade para tempos pretéritos e contemporâneos,
compreendermos as manifestações em foram e são defensores de uma
questão. Segundo Konder, Mussolini e ideologia autocrática que respalda a
Hitler conquistaram um lugar no centro proposta de um modelo de regime
da história a partir do século XX: político baseado em concepções
“como pioneiros de uma nova chauvinistas de ordenamento social.
concepção política de direita.”
(KONDER, 2009, p. 26). As críticas as formulações autocráticas
representadas pelo nacionalismo em
Na década de 1920 a Itália foi o cenário voga nas primeiras décadas do século
da implantação do regime de Estado XX orientou a percepção de destaque
corporativo fascista. A crise sistêmica para o papel da ação dos intelectuais
propagada naquele contexto na Europa, comprometidos com a defesa de formas
América e Ásia propiciaram emersão de de estado de Exceção sob a justificativa
novos movimentos e partidos políticos do combate ao comunismo e a falência
acirrando a disputa entre tendências de do liberalismo então naquele contexto
projetos e regimes de Estado em bases de crise.
dirigistas. O Fascismo surge como
regime de Estado Intervencionista, um As manifestações de ideologias
Estado de exceção. autocráticas chauvinistas se
apresentaram na década de 1920 e 1930
Os valores chauvinistas no contexto de como parte de um novo fenômeno
guerra foram propalados como político entre as ideologias de partidos
justificativa para a defesa de diferentes da direita liberal ou das propostas de
proposições de estado autocrático, sob a Estado socialista.
tutela do mito do Estado forte,
fundamentos legitimadores da ordem
estatal autocrática foram estabelecidos
sobre critérios, como a “organização
corporativa da nação”, a organização do
Estado pelo critério da “raça pura”
como apontado nas referências de
fragmentos de discursos e textos de
Benito Mussolini e Adolf Hitler.
O integralismo brasileiro mesmo não se
tornando regime autocrático durante o
século XX, como ambicionaram seus
principais dirigentes, em seus
8
REALE, M. 28 de Outubro. Acção, n. 321, 28
de outubro de 1937, p.4.

37
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http://www..ebooksbrasil.org/eLibris/corporativ
BARBOSA, Jefferson Rodrigues. Integralismo
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