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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
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Sumário
Editorial
150 vezes, Princípios! ................................................................................................................. 1
Capa
Revoluções industriais e metamorfoses do capitalismo: aspectos históricos e teóricos
4 A. Sérgio Barroso............................................................................................................................
A dualidade lucro-salário nas revoluções industriais
4
Osvaldo Bertolino........................................................................................................................ 11
A Indústria 4.0 e o debate acerca dos seus impactos sobre o emprego
Rodrigo Cunha Silva Leal - Uallace Moreira Lima - Vitor Araújo Filgueiras.............................. 16
21 A reindustrialização brasileira como vértice de um novo projeto nacional
Ronaldo Carmona......................................................................................................................... 21
A 4 Revolução Industrial: criativa ou disruptiva para o Brasil ?
a
Luciano Coutinho.......................................................................................................................... 29
Entrevista com Luis Fernandes - Indústria, inovação e projeto nacional
38 Osvaldo Bertolino........................................................................................................................ 33
Seminário internacional aborda impactos da crise e da inovação tecnológica
no mundo do trabalho
Cláudio Gonzalez.......................................................................................................................... 38
Brasil
Sindicalistas prometem resistir de cabeça e punho erguidos contra os retrocessos da reforma
da redação ................................................................................................................................... 43
48 Judicialização da política e controle do processo legislativo
Isaac Kofi Medeiros....................................................................................................................... 48
Educação
Para que o futuro não seja apagado
Gilson Reis.................................................................................................................................... 54
Teoria
58
Pós-modernismo e a atualidade da teoria Marxista
Madalena Guasco Peixoto............................................................................................................ 58
Resenhas
A Revolução Bipolar – A gênese e derrocada do socialismo soviético
Daniel Aarão Reis.......................................................................................................................... 68
A mais longa duração da juventude – Um sonho que a repressão não destrói
Revoluções industriais e
metamorfoses do capitalismo:
aspectos históricos e teóricos
A. Sérgio Barroso*
Foto de Fumi Yamazaki/flickr
E
produção pela introdução da maquinaria organizada
nos capítulos sobre a Manufatura e a Ma- como grande indústria. Ou seja, o capítulo da ma-
quinaria (O Capital) que Marx analisa a quinaria mostra como é revolucionada a organização
gênese das forças produtivas capitalistas, da produção por meio da criação das bases técnicas
como se constituem as bases técnicas desse adequadas ao capital.
modo de produção pela transformação do Na transição estrutural seguinte, a partir da dé-
artesanato, que dá origem à manufatura, e cada de 1870, iniciava-se o desenvolvimento do mo-
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Capa
Um motor a vapor do escocês James Watt (1736-1819), alimentado principalmente com carvão, impulsionou a Revolução
Industrial no Reino Unido e no mundo
vimento explosivo que foi denominado de Segunda ainda em 1857-1858, dos estudos dos Grundrisse (Ca-
Revolução Industrial. Dando lugar a novos ramos de pítulo do capital”. São Paulo/ Rio de Janeiro: Boitem-
produção, vai sendo gestado um novo padrão tecno- po/ UFRJ, 2013, p. 387-388):
lógico – do aço, da eletricidade, do motor a combus-
tão interna, da química pesada etc. Essa nova tecno- “No entanto, à medida que a grande indústria se de-
logia já não era produzida e difundida por homens senvolve, a criação de riqueza efetiva passa a depen-
práticos, mas resultava da aplicação consciente de der menos do tempo de trabalho e do quantum de
conhecimentos científicos nos processos produtivos. trabalho empregado que do poder dos agentes postos
Ademais, é fundamental compreender que, se a em movimento durante o tempo de trabalho, poder
Primeira Revolução Industrial deve ser periodizada que – sua ‘poderosa efetividade’ –, por sua vez, não
entre 1760 e 1840, de outra parte, é nos novos estu- tem nenhuma relação como o tempo de trabalho
dos sobre a teoria de Marx e Engels, destacadamente imediato que custa sua produção, mas que depende,
dos pesquisadores da nova MEGA2 (Marx e Engels ao contrário, do nível geral da ciência e do progresso
– Gesamtausgabe), que se encontram vários cadernos da tecnologia, ou da aplicação dessa ciência à produ-
em que Marx examinou detalhadamente as crises ção. (Por seu lado, o próprio desenvolvimento dessa
capitalistas de 1848, 1857, 1866 e 1872. Quer dizer, ciência, especialmente da ciência natural e, com es-
crises capitalistas que ocorreram exatamente no pro- ta, todas as demais, está relacionado ao desenvolvi-
cesso que antecedeu a passagem da primeira revolu- mento da produção material).”.
ção industrial para a segunda.
E, atenção: nesse movimento de centralização de A primeira revolução industrial
capitais, de fusões, combinações etc., os bancos pas-
savam a assumir um papel central, dada sua posição Notemos que, entre 1760 e 1840 (Hobsbawm),
estratégica de monopolizadores de crédito. A pesquisa a revolução industrial ficou limitada, primeiramente,
tecnológica começava a ser desenvolvida no próprio à Inglaterra. Houve o aparecimento de indústrias
interior das grandes empresas que surgiam, e agora o de tecidos de algodão, com o uso do tear mecânico.
capital assalariava cientistas e técnicos, e buscava de- Nessa época a utilização das máquinas associadas ao
liberadamente as inovações. Dessa forma, a inovação vapor, à água e ao ar contribuiu para a continuação
tecnológica passava a ser resultado do planejamento e da revolução. Entre 1840 e 1870 a industrialização
de pesquisas, e não mais produto da ação individual. espraia-se pelos EUA, Alemanha, França.
A propósito, simplesmente notável que Marx te- Sublinhe-se então que uma questão nodal é que
nha assim formulado algumas de suas conclusões, o ponto de partida desse processo é constituído pela
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transformação da ferramenta em máquina-ferramenta, ou WM, A era do capital, Paz e Terra, 1977, p. 223-226).
seja, pelo estágio em que se retira a ferramenta das Hobsbawm exemplifica que o grupo alemão Kru-
mãos do trabalhador e a torna elemento de um me- pp (Essen), em 1848 possuía 72 trabalhadores; em
canismo. Isto é: 1873, alcançara 12.500. O grupo francês Schneider
“É desta parte da máquina, da máquina tinha 12.000 trabalhadores em 1870, o que corres-
ferramenta, que parte a revolução industrial pondia a mais da metade da população de Creusot
do século XVIII” (Marx, O Capital, livro 1, trabalhando em fornos e maquinaria diversas da
vol. I, cap. XIII, p. 426, Civilização Brasileira, empresa [1].
1968). Nesse processo, implicante em centralização de
capitais, com fusões, aquisições, combinações etc.,
Porém – prossegue Marx –, nesse estágio, recorde-se que os bancos passavam a assumir um
“A máquina da qual parte a revolução indus- papel central, dada sua posição estratégica de mono-
trial substitui o trabalhador que maneja uma polizadores de crédito.
única ferramenta por um mecanismo que ao
mesmo tempo opera com certo número de fer- Lenin, monopólios e capital financeiro
ramentas idênticas ou semelhantes àquela, e
é acionada por uma única Para a caracterização da pas-
força motriz, qualquer que sagem à etapa monopolista do
seja a sua forma. Temos
A primeira revolução capitalismo, V. Lenin parte da
então a máquina, mas ain- industrial, ao catapultar identificação da transformação
da como elemento simples a grande indústria, estrutural pela qual passava o
da produção mecanizada.” regime de produção nos países
(IBIDEM, p. 428). implica um violento avançados, e situa a mudança
processo histórico básica no grau atingido pela con-
A primeira revolução indus- centração da produção. Após de-
trial, ao catapultar a grande in-
de desagregação da monstrar como a livre concorrên-
dústria, implica um violento pro- pequena produção, cia engendrava organicamente o
cesso histórico de desagregação a incorporação monopólio, argumenta ele:
da pequena produção, a incor-
poração massiva de proletários massiva de proletários 1. Décadas de 1860 e 1870, ponto
(mulheres e crianças) ao trabalho (mulheres e crianças) culminante de desenvolvimento
fabril, superexploração com jor- da livre concorrência. Os monopólios
nadas de trabalho de até 16 horas ao trabalho fabril, são ainda germens apenas perceptí-
diárias. superexploração com veis.
Da segunda revolução
jornadas de trabalho de 2. Depois da crise de 1873, lon-
industrial até 16 horas diárias go período de desenvolvimento
dos cartéis, os quais constituem
A partir da década de 1870 co- ainda uma exceção, não são ain-
meçava o processo denominado segunda revolução da sólidos, ainda representam um fenômeno
industrial. Dando lugar a novos ramos de produção, passageiro.
vai sendo gestado um novo padrão tecnológico: do
aço, petróleo, da eletricidade, do motor a combustão inter- 3. Auge de fins do século XIX, a crise de 1900 a
na, da química pesada, do telégrafo sem fio, do telefone etc., 1903: os cartéis convertem-se em uma das ba-
essa nova tecnologia já não era produzida e difundi- ses da vida de toda economia. O capitalismo
da por homens práticos, mas resultava da aplicação transformou-se em imperialismo.
consciente de conhecimentos científicos nos proces-
sos produtivos. Note-se bem: A grande depressão (1873-1896)
A formidável ampliação e urbanização das cida- engendrou uma fase de transição entre a etapa con-
des, do emprego e do tamanho das empresas im- correncial do capitalismo e a monopolista. Apesar
pactam extraordinariamente o curso da passagem dos avanços no processo de centralização de capitais,
da primeira à segunda revolução industrial – sendo os monopólios ainda não eram generalizados e as em-
que, ainda por volta de 1880, cerca de 40% dos tra- presas individuais típicas do capitalismo concorren-
balhadores londrinos viviam na pobreza (HOBSBA- cial ainda dominavam a estrutura econômica.
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Capa
Também o novo padrão tecnológico ainda não era do- Sublinhe-se aqui o impacto da “flexibilização” do
minante, com exceção do aço, cuja produção supera trabalho, o que deriva da profunda reestruturação da
a do ferro no período. Assim, os ramos da produção organização do trabalho na empresa: um sistema de
baseados na antiga tecnologia dominavam a econo- chamado de polivalente, integrado em equipe, me-
mia no momento em que estavam ainda em gesta- nos hierárquico; e computadorizada, a programação
ção os setores ligados ao novo padrão técnico. do conjunto é passada a cada setor da fábrica.
Conforme registrara G. Dupas [3], entre as dé-
Da 3ª revolução industrial cadas de 1980 e 1990, notadamente na Europa, a
discussão sobre exclusão social apareceu na esteira
Emerge entre 1950 e 1960, e desdobra-se na dé- do crescimento dos sem teto e da pobreza urbana,
cada de 1970. Tem como núcleo as transformações da falta de perspectiva decorrente de desemprego de
na microeletrônica, a informática, a máquina CNC longo prazo, da falta de acesso a empregos e rendas
(Controle Numérico Computadorizado), surgem por parte de minorias étnicas e imigrantes, da na-
o robô, o sistema integrado à telemática (telecomu- tureza crescentemente precária dos empregos dispo-
nicações informatizadas), a biotecnologia; sua base níveis e da dificuldade que os jovens passaram a ter
mistura à Física e à Química a Engenharia Genética para ingressar no mercado de trabalho.
e a Biologia Molecular. O computador é a máquina Assim, muito distintamente do curso assinalado
da terceira revolução industrial. Desenvolve-se na por Hobsbawm, sobre a segunda revolução industrial,
ascensão do neoliberalismo. a terceira – que se efetiva após duas guerras mundiais
Um pioneiro estudo, no Brasil, sobre a evolução –, já incide fortemente na destruição do emprego.
dessas mutações foi apresentado por Luciano Cou-
tinho (A terceira revolução Industrial e tecnológica: A 4ª revolução industrial
as grandes tendências de mudança, Economia e So-
ciedade,1992), em cujo novo paradigma tecnológico Analisando essa aceleração das mudanças tecno-
encontrar-se-iam: lógicas anteriores às mais recentes, conclui o ideólo-
a) O peso crescente do complexo eletrônico; go neoliberal K. Schwab (Edipro, 2016), a 4ª revolu-
ção industrial promove uma “fusão de tecnologias,
b) um novo paradigma de produção industrial
borrando as linhas divisórias entre as esferas físicas,
– a automação integrada flexível;
digitais e biológicas”. Ela fomenta a inteligência ar-
c) a revolução nos processos de trabalho; tificial, a robótica, a impressão 3D, os drones, a na-
d) transformação das estruturas e estratégias notecnologia, a biotecnologia, a estocagem de dados
empresariais; (big data) e de energia, os veículos autônomos, os
e) as novas bases da competitividade i n d u s - novos materiais, a internet das coisas etc.
trial e bancária; Também denominada de indústria 4.0, a diversi-
f) a “globalização” como aprofundamento da ficação de tecnologias aplicadas à produção manu-
internacionalização; e fatureira é seu pré-requisito. Dentre aquelas que são
citadas com mais frequência estão: sistemas ciber-fí-
g) as “alianças tecnológicas” como nova forma sicos (cps), big data analytics, computação em nuvem,
de competição. internet das coisas (IOT) e internet dos serviços
(IOS), impressão 3D e outras formas de manufatura
Processualmente, ela implicou: aditiva, inteligência artificial, digitalização, colheita
1) amplo espectro de aplicação em bens e serviços; de energia (energy harvesting) e realidade aumentada.
2) oferta crescente e suficiente para suprir a demanda Mas o conceito não se limita à aplicação combi-
na fase de difusão acelerada; nada dessas tecnologias. A indústria 4.0 cria e arti-
3) rápida queda dos preços relativos dos produtos por- cula “fábricas inteligentes” em um sistema produti-
tadore s das inovações, reduzindo continuadamen- vo e de comercialização substancialmente diferentes
te os custos de adoção destas pelos usuários; (IEDI, “Indústria 4.0: desafios e oportunidades para
o brasil”, 2017). Para pesquisadores o MIT (Massa-
4) fortes impactos conexos sobre as estruturas orga- chussets Institute of Tecnology), entramos na “2ª
nizacionais, financeiras e sobre os processos de era da máquina”, onde seu traço principal é a fusão
trabalho; dessas tecnologias e a interação entre os domínios
5) efeitos redutores generalizados sobre os custos de ca- físico, digital e biológico.
pital e efeitos amplificadores sobre a produtividade No entanto, constata-se que a segunda revolução
do trabalho. industrial ainda precisa alcançar 17% da população
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do planeta, pois cerca de 1,3 bilhão de pessoas não Desemprego estrutural e crescente.
têm acesso à energia elétrica. Em relação à segun- Armas
da RI, mais da metade da população não têm ainda
acesso à internet, ou cerca de 4 bilhões de pessoas. “Não sabemos se a inteligência artificial vai ou
Mas se o tear mecânico levou quase 120 anos para não se tornar um pesadelo da ficção científica, mas
atingir países fora da Europa, a internet espalhou-se certamente terá impacto fundamental na natureza
em cerca de uma década. do trabalho”, avalia o filósofo americano Jerome
Algumas implicações que merecem registro: (i) Glenn, diretor-executivo e cofundador do projeto
a venda mundial de robôs atingiu 225 mil em 2015, Millennium, organização sem fins lucrativos inter-
12% a mais que o ano anterior; espera-se 400 mil nacional dedicada a analisar e projetar cenários fu-
em 2018, sendo que a Ásia (espe- turos. As interações entre inteli-
cialmente China e Coreia do Sul) gências artificiais e a proliferação
controla 60% das vendas, se- Segundo concluiu da nanotecnologia, da robótica e
guindo-se o Japão, os EUA e Ale- Glenn em um de seus da automação poderão produzir
manha. (ii) Em 2014 o Facebook
comprou o aplicativo WhatsApp
“cenários” prospectivos, um cenário de desemprego sem
precedentes, avalia Glenn, que há
por US$ 25 bilhões, que possuía “A tendência é de mais quarenta anos faz projeções para
55 funcionários; a United conti- desemprego onde não instituições que trabalham com a
nental aérea foi capitalizada em produção e a difusão de conheci-
dezembro de 2015 por fortuna
houver planejamento mento, os think tanks.
similar, entretanto possuindo e estratégias públicas Segundo concluiu Glenn em
82.300 funcionários. (iii) Esti- de longo prazo, um de seus “cenários” prospec-
ma-se que até 2020, 70% dos tivos, “A tendência é de mais
habitantes do planeta possuirão
sobretudo em relação desemprego onde não houver
smartphones; Facebook, twitter, à não adoção de planejamento e estratégias pú-
instagram, whatsapp passaram a novas tecnologias”. blicas de longo prazo, sobretudo
integrar o dia a dia das pessoas em relação à não adoção de no-
no mundo inteiro. (iv) Noutra di-
E acrescenta: “A vas tecnologias.”. E acrescenta:
reção, o supercomputador Wat- expectativa de que “A expectativa de que a biologia
son (IBM), orientado por um a biologia sintética sintética estimule o crescimen-
grupo de pesquisadores, após to econômico, mas também seja
estudo revisado de 100 mil casos
estimule o crescimento fonte para os desastres biológicos
médicos, descobriu uma nova econômico, mas e insumo para o terrorismo.”.
proteína para determinado tipo também seja fonte para Note-se bem: em agosto deste
de câncer, o que foi posterior- ano (2017), 116 especialistas em AI
mente confirmado por cientistas
os desastres biológicos e tecnologia avançada, de 27 países,
da área. e insumo para o enviaram uma Carta à Convenção
Aliás, o sistema tipo Wat- terrorismo” das Nações Unidas Sobre Certas Ar-
son já processa traduções mas Não Convencionais. Entre eles
simultâneas, respondem à Elon Musk, fundador da Tesla,
pergunta de celulares, substituem procedimentos de e Mustafa Suleyman, nada menos que o criador
médicos, de advogados, de contadores, de policiais, do laboratório de inteligência artificial da Google.
de economistas, de operadores de mesa de Bolsas Especialistas em AI, líderes políticos e religiosos,
de Valores. A inteligência artificial do Watson, que e inclusive prêmios Nobel da Paz como Jody Wil-
a IBM apresentou em 2007 como um supercompu- liams advertem sobre os dilemas éticos e legais de
tador capaz de aprender e conversar de igual para se permitir que uma máquina mate seres humanos
igual com humanos para em breve substituí-los em (impossível determinar o responsável direto pelos
diversas tarefas. “erros” que cometam essas máquinas), assim como
Assim, as chamadas operações de alta frequência o perigo de se desenvolver armas independentes
– realizadas por programas de computadores com al- que tecnologicamente estão impossibilitadas de
goritmos que compram e vendem ativos financeiros distinguir alvos civis e militares. É necessário
em milésimos de segundos – correspondem hoje a 70% impedir uma nova carreira armamentista nessas
do volume negociado do mercado de ações norte-a- bases, declaram explicitamente. [Ver: http://www.
mericano e 30 a 40% no mercado europeu. rebelion.org/noticia.php?id=230590]
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Foto: Andrey Novoselov
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O
historiador Eric Hobsbawm diz que, te, na verdade representou uma regressão civiliza-
entre as décadas de 1980 e 1990, uma tória em grande escala. O monstruoso desemprego
era se encerrou e outra começou, talvez seja a face mais visível dessa constatação, um
impulsionada pela onda batizada de dilema dos saltos produtivos que, até onde se sabe,
“Terceira Revolução Industrial”. Ao vem de quando o imperador Vespasiano ordenou a
analisar o mesmo fenômeno com a reconstrução do Capitólio romano no século I. Con-
invenção da máquina a vapor dos ta o historiador Selônio que um
séculos XVII e XVIII, Karl Marx artesão lhe propôs a utilização
afirmou que o homem não sus- de máquinas que levariam de
Ao virar a moeda do
peitava de que estava criando um forma rápida e barata as colunas
instrumento mais poderoso do modo de produção de pedra até o alto da colina e o
que qualquer outro, que iria sub- capitalista, contudo, imperador teria recusado a ofer-
verter as condições sociais em to- ta, respondendo: “Que me seja
do o mundo. “Quando James Watt compreende-se melhor permitido dar de comer aos mais
anuncia em 1735 sua máquina de as causas dessa pobres.”.
fiar, e com ela a Revolução Indus- De certa forma, a trajetória
trial do século XVIII, ele nada fala
regressão civilizatória. do pensamento capitalista está
disso, mas simplesmente de uma “Como legislador dividida entre os que raciocinam
máquina para ‘fiar sem dedos’”, privado, o capitalista como o artesão romano e os que
disse Marx. pensam como Vespasino. En-
No caso mais recente, hou- formula seu código de tre os dois há, evidentemente, a
ve uma reconfiguração do mapa fábrica, caricatura da história proletária e suas teorias.
geopolítico com o fim da “era Na Inglaterra do início do século
soviética”, no curso de uma rees- regulação social, um XIX, que emergia como a grande
truturação produtiva que inter- sistema de punições potência econômica do plane-
feriu nos dois polos do modo de ta, os trabalhadores — inclusive
produção capitalista — o capital
sobre os salários com crianças — eram acorrentados às
e o trabalho — e fez países do elo o qual o contramestre máquinas e trabalhavam durante
mais fraco da “globalização neo- faz o papel do antigo 14, 16 horas por dia. Essa realida-
liberal”, como o Brasil, entregar de mudou com a organização dos
as chaves de muitos símbolos condutor de escravos”, trabalhadores. Contribuíram para
históricos do seu capitalismo pa- escreveu Marx. O isso, em grande medida, as teses
ra ícones do mercado mundial. de Karl Marx, Friedrich Engels e
Cunhou-se até a denominação
problema tem origem Vladimir Lênin.
“nova economia”, que seria a uti- no próprio conceito de Contribuíram também os lu-
lização maciça de softwares e da trabalho distas, os socialistas utópicos —
virtualidade. Mas não havia mo- e mesmo Frederick Taylor, Jules
cinhos nesse terreno dominado Henri Fayol e Henry Ford. Esta-
por atiradores profissionais. beleceu-se a tríade “8 horas de trabalho, 8 horas de
Com o projeto neoliberal, os Estados nacionais sono e 8 horas de lazer” como padrão para os tra-
da geografia econômica e política do elo mais fra- balhadores do século XX. Entre 1950 e 1970, diz o
co foram reduzidos a meros figurantes ou a reles historiador Eric Hobsbawm, o mundo viveu seus
gerentes do entreguismo, sem condições sequer de anos de ouro: o desemprego manteve-se em níveis
estender a mão aos que foram para o olho da rua, relativamente baixos, a expectativa de vida aumen-
formando um exército de desempregados superior tou no mundo todo, a produção de alimentos e bens
ao da crise de 1929. Na outra faixa, igualmente cas- manufaturados quadruplicou. Foi também o perío-
tigada pelo desemprego, muros e xenofobia foram do em que os trabalhadores obtiveram suas maiores
erguidos contra aspirantes a trabalhador clandesti- conquistas no mundo capitalista — em grande par-
no. Em toda parte, a propaganda ideológica passou te, embaladas pelos ventos que sopravam de Moscou
a difundir a falsa tese de que que a oposição tra- —, inimagináveis pelo proletariado europeu descrito
balho e capital ganhara novo sentido com o fim da por Marx e Engels no século XIX. No Brasil mesmo
dicotomia Washington-Moscou. pode-se dizer que a brisa moscovita contribuiu pa-
A resposta neoliberal à crise do fordismo keyne- ra a moderna legislação trabalhista da Revolução de
siano, considerado incapaz de levar o sistema adian- 1930, agora destruída pelo golpe de 2016.
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Ao virar a moeda do modo de produção capitalis- da roupa deve ficar mais barata quando um compõe
ta, contudo, compreende-se melhor as causas dessa as fibras, outro fia, outro tece, outro puxa, outro ali-
regressão civilizatória. “Como legislador privado, o nha, outro passa e empacota, do que quando todas
capitalista formula seu código de fábrica, caricatura as operações mencionadas são canhestramente exe-
da regulação social, um sistema de punições sobre cutadas por uma só mão”, teria dito Petty.
os salários com o qual o contramestre faz o papel do Do século XVI ao século XVIII, os artesãos inde-
antigo condutor de escravos”, escreveu Marx. O pro- pendentes da Idade Média desapareceram e em seu
blema tem origem no próprio conceito de trabalho. lugar surgiram os assalariados, cada vez mais depen-
Em O Capital, ele diz: “O trabalho é, antes de tudo, dentes do capitalista. Deixaram de existir, assim, as
um ato que se passa entre o homem e a natureza.”. fases primitivas da organização industrial, que co-
Seu significado histórico foi brilhantemente ana- meçaram com o sistema familiar, no qual seus mem-
lisado por Engels no seu artigo O papel do trabalho na bros produziam artigos para consumo próprio, e não
transformação do macaco em homem, de 1876. “A natu- para o mercado. Era o princípio da Idade Média.
reza proporciona os materiais que o trabalho trans- Mais tarde surgiu o sistema de corporações, com os
forma em riquezas”, escreveu. “Mas o trabalho é trabalhadores donos tanto da matéria-prima quanto
muito mais do que isso: é o fundamento da vida hu- dos instrumentos de trabalho, que se transformou
mana.”. Engels diz que a formação do homem e da em produção destinada a um mercado maior — com
comunidade primitiva aconteceu na medida em que a diferença de que o artesão, embora ainda proprie-
se formava o próprio trabalho humano como proces- tário dos instrumentos de trabalho, dependia de um
so que gasta uma quantidade de energia física, ner- empreendedor que surgiu entre ele e o consumidor.
vosa e mental para se criar os produtos necessários Nascia o sistema fabril, cuja produção para um
à sua existência. mercado cada vez maior era realizada fora de casa,
Para satisfazer as necessidades vitais, o homem nos edifícios do capitalista e sob sua rigorosa super-
foi obrigado a aperfeiçoar constantemente os instru- visão. “Um número de operários bastante considerá-
mentos e os hábitos de trabalho. “O próprio trabalho vel sob o comando de um mesmo capitalista, esse é
foi se diversificando, aperfeiçoando-se a cada gera- o ponto de partida natural da produção capitalista”,
ção e estendendo-se a novas atividades”, disse En- disse Marx. “Quando o capital se apropriou da má-
gels. “A agricultura surgiu como alternativa à caça e quina, sua conclamação foi: ao trabalho, mulheres e
à pesca, e mais tarde apareceram a fiação e a tecela- crianças”, escreveu. “O operário agora vende mulher
gem, a manipulação de metais, a olaria e a navega- e filhos: transformou-se em mercador de escravos.”.
ção.”. Com o desenvolvimento do trabalho, emergi- Na fábrica, nas palavras de Marx, “o esqueleto da
ram novas relações sociais, o comércio, as profissões, produção é constituído pela cooperação das máqui-
as artes e as ciências. nas.”. Assim nasceu e se desenvolveu a Primeira Re-
Vieram depois o direito, a política e a religião. “Po- volução Industrial.
rém, se o homem levou milhares de anos para apren-
der, de certa forma, a prever as remotas consequên-
cias naturais relativas aos processos produtivos, mais
tempo levou para aprender a calcular as longínquas
consequências sociais desses mesmos atos”, disse En-
gels. “Os árabes, quando descobriram a forma de des-
tilar o álcool, não poderiam nem de longe imaginar
que estavam forjando uma das principais armas de
extermínio da população indígena no continente
americano. Mal sabia Colombo, ao descobrir a Améri-
ca, que estava fazendo ressurgir a escravidão, extinta
havia muito na Europa, além de estar estabelecendo
novamente as bases para o tráfico de negros.”.
Chegaram também as alterações nas relações de
produção. Antes o artesão produzia as mercadorias e
o consumidor ia ao seu local de trabalho fazer a en-
comenda. Leo Huberman, na obra História da riqueza
do homem, relata que Willian Petty, famoso econo-
mista do século XVII, pôs em palavras aquilo que já
estava ocorrendo nas relações sociais. “A fabricação Crianças e mulheres na linha de produção, foto de 1913
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talvez ainda não tenham ouvido falar, mas sobre a Esse sistema é considerado superado por outras
qual ouvirão falar muito nos próximos anos: o ‘de- modalidades de organização do trabalho, apesar de
semprego tecnológico’. Isso significa desemprego co- a corrida produtivista permanecer inalterada. Muito
mo resultado da nossa descoberta de meios de eco- disso se deve à Terceira Revolução Industrial, con-
nomizar mão de obra, superando a velocidade com siderada iniciada imediatamente após a Segunda
que podemos encontrar novos usos para ela.”. Guerra Mundial, com o desenvolvimento de rudi-
Em O Capital, Marx também comentou o desen- mentos automatizados que vinham da primeira má-
volvimento industrial por esse viés. “Sob sua forma quina de calcular automática inventada por Blaise
máquina (...), o meio de trabalho se torna imedia- Pascal, em 1642.
tamente o concorrente do trabalhador. A máquina O primeiro computador digital programável foi
cria uma população supérflua, isto é, útil para as ne- inventado em 1941 pelo engenheiro civil alemão
cessidades momentâneas da exploração capitalista”, Konrad Zuse. Em 1944, cientistas americanos in-
escreveu. Engels fez o mesmo na obra Do socialismo ventaram um computador programável, o Mark-I.
utópico ao socialismo científico. “É a força da anarquia A máquina tinha mais de 15 metros de comprimen-
social da produção que converte a capacidade infini- to por 2,5 de altura. Foi apelidada de “o monstro”.
ta de aperfeiçoamento das máquinas num preceito Victor Del Harder, vice-presidente da Ford, criou,
imperativo, que obriga todo capitalista industrial a em abril de1947, o “Departamento de Automação”
melhorar continuamente a sua maquinaria, sob pe- (pela primeira se ouviu falar em automação) para
na de perecer. Mas melhorar a maquinaria equivale aumentar o uso das tecnologias como a hidráuli-
a tornar supérflua uma massa de trabalho humano ca, a eletromecânica e a pneumática. Começava-se
(...). A expansão dos mercados não pode desenvol- a falar da “fábrica automática”. A revista Fortune
ver-se ao mesmo ritmo que a produção. A colisão anunciou que a “ameaça de máquinas operadas
torna-se inevitável”, escreveu. sem trabalhadores está mais próxima do que nun-
Entra, nesse diagnóstico, o sistema taylorista, ca.”. A “ameaça” tornou-se realidade no início da
complementado pelo fordismo, como grande im- década de 1960, com a introdução do computador
pulsionador da produção, sistematizado pelo en- na fábrica.
genheiro americano Frederick Taylor em seu livro Enquanto o sistema taylorista-fordista desfruta-
Princípios da administração científica. Usando um cro- va de um sucesso irrestrito, a empresa automobilís-
nômetro, ele dividiu a tarefa de cada trabalhador tica japonesa Toyota, lutando para recuperar-se dos
nos menores componentes operacionais e mediu efeitos da Segunda Guerra Mundial, experimenta-
cada um para formular técnicas de economizar se- va uma nova organização da produção, baseada em
gundos preciosos no processo de trabalho. Herry grupos de trabalhadores que se autocontrolam, lo-
Ford complementou a ideia com a linha de monta- go expandida pelo mundo. De acordo com o livro A
gem movida a volante magnético. máquina que mudou o mundo — uma publicação que
Vladimir Lênin, o líder da Revolução Russa de explica o estudo “Programa Internacional de Veícu-
1917, considerou o taylorismo uma aquisição cientí- los Automotores” sobre a indústria automobilística
fica. “Deve ser colocado na ordem do dia o aprovei- mundial, do Massachusetts Institute of Technology, que
tamento do muito que há de científico e progressista durou cinco anos e abrangeu 14 países —, o “toyo-
no sistema taylorista, observando a proporção entre tismo” fez o mundo ingressar numa nova era.
o salário e o resultado geral da produção”, escreveu A dualidade do desenvolvimento industrial —
ele na obra As Tarefas Imediatas do Poder Soviético. o lucro e o salário — é o grande dilema da produ-
A proporcionalidade entre salário e lucro, na pro- tividade. Na inclinação natural do capitalismo, a
dução capitalista, a busca desregulada da produtivi- tendência é a eliminação de empregos, a desregu-
dade, é o motivo central das críticas a esse sistema, lação das relações de trabalho e a redução salarial.
mais conhecido como “fordismo”. Charles Chaplin, Não é um fenômeno cíclico, a curva subindo ou
no filme Tempos modernos, retratou o homenzinho descendo, como os índices das Bolsas de Valores.
esmagado pela linha de montagem. Aldous Huxley, Tampouco conjuntural, ou passageiro. É estrutu-
no livro O Admirável Mundo Novo, imaginou um futu- ral. Enfrentá-lo é o grande desafio. Nas palavras
ro no qual os homens seriam tolhidos pela coerção de Marx: “As transformações sociais nunca se rea-
e desnorteados por uma nova religião. Assim co- lizam graças à fraqueza dos fortes, mas com a for-
mo Antônio Gramsci, no seu conhecido trabalho O ça dos fracos.”.
Americanismo e o Fordismo. “Será que o tipo Ford de
indústria e a organização fordista do trabalho e da *Osvaldo Bertolino é jornalista e editor do portal
produção são ‘racionais’?”, indagou. Grabois e colaborador da revista Princípios
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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
Trabalhadores já estão sendo substituídos por robôs em empresas de médio porte no Japão
O
1. Introdução gência artificial, Colheita de energia (Energy har-
debate recente sobre as transfor- vesting). Essas tecnologias criariam e articulariam
mações na estrutura industrial da fábricas inteligentes em um sistema produtivo e de
economia mundial tem girado em comercialização substancialmente diferente, conec-
torno da chamada Indústria 4.0, tado verticalmente ao longo da cadeia produtiva e
conhecida também como a Quar- horizontalmente com outras redes de valor, podendo
ta Revolução Tecnológica. Herman, ser gerido em tempo real. As empresas inseridas na
Pentek, Otto (2015) definem a Indústria 4.0 como fronteira tecnológica da Indústria 4.0 teriam a pos-
um amplo movimento de diversificação das tecno- sibilidade de estabelecer redes globais com os seus
logias aplicadas à produção manufatureira, como equipamentos, depósitos e unidades de produção
os Sistemas ciber-físicos (CPS), Big Data Analytics, articulados por sistemas ciber-físicos – máquinas,
Computação em nuvem, Internet das Coisas (IoT) sistemas de armazenagem e unidades de produção
e Internet dos serviços (IoS), Impressão 3D, Inteli- inteligentes que podem propiciar troca de informa-
16
Capa
17
Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
A United Nations Industrial Development Orga- de capital. Dentro da nova lógica da divisão interna-
nization (UNIDO) (2016) considera que a mudan- cional do trabalho, as diferenças de custo do trabalho
ça de paradigma atual vai além da Indústria 4.0. A deixariam de ser um aspecto relevante na atração de
Quarta Revolução Industrial seria caracterizada por investimento estrangeiro direto, criando assim novos
uma fusão de tecnologias que estreita as linhas entre desafios para as economias periféricas na atração do
as esferas física, digital e biológica na estrutura pro- investimento estrangeiro, podendo engendrar incre-
dutiva. Diante dessas transforma- mento da defasagem tecnológica
ções, segundo a UNIDO, a ques- e de conhecimento em relação aos
tão crucial é se a combinação e a Em relatório de países centrais.
aplicação generalizada dessas tec- Outras previsões sobre a In-
março deste ano, a
nologias também resultariam em dústria 4.0 e suas consequências
um efeito líquido positivo para as consultoria global para o futuro dos postos de tra-
economias e sociedades em geral, PWC (2017) também balho têm sido muito mais pessi-
como, por exemplo, seus impactos mistas. Por exemplo, reportagem
no mercado de trabalho. prevê uma ameaça de recente da BBC, no Reino Uni-
A UNIDO (2016) argumenta grandes proporções do, de Richard Gray, se intitula
que a mudança no emprego será Quanto tempo vai levar para seu
gradual, mas profunda. O traba-
aos empregos por emprego ser automatizado? Sobre
lho digital, como o uso de drones, conta da automação. os efeitos da Quarta Revolução
robôs e assistência inteligente, Segundo a empresa, Industrial, ele afirma que “as má-
afetará o mercado de trabalho. quinas terão a capacidade de fazer
Novos setores industriais surgi- ao contrário do muitas das atividades atualmente
rão, como medicina digital e agri- que ocorreu nas realizadas por humanos, e talvez
cultura de precisão, assim como melhor do que eles. É um futuro
novos empregos, como designers revoluções industriais que promete maior eficiência e
de robôs para a medicina e ge- passadas, quando as serviços mais baratos, mas tam-
rentes de modernização de redes bém pode generalizar a perda de
máquinas substituíam
de produção. A realidade virtual empregos.” (tradução nossa).
e a realidade aumentada contri- os músculos dos Em relatório de março des-
buirão para os trabalhadores se trabalhadores, agora te ano, a consultoria global PWC
tornarem mais produtivos e os (2017) também prevê uma amea-
ambientes de trabalho mais se- elas substituem seus ça de grandes proporções aos em-
guros. Para lograr esses êxitos, a cérebros pregos por conta da automação.
UNIDO defende a necessidade de Segundo a empresa, ao contrário
os países reformarem o sistema do que ocorreu nas revoluções in-
educacional e atualizarem as habilidades no local dustriais passadas, quando as máquinas substituíam
de trabalho, com políticas públicas e incentivos pa- os músculos dos trabalhadores, agora elas substituem
ra o treinamento dos trabalhadores, que precisariam seus cérebros. Elas estão ocupando posições cada vez
aprender a colaborar e a coexistir com máquinas in- mais complexas, utilizando uma combinação de in-
teligentes. teligência artificial, robótica e outras tecnologias di-
Para o IEDI (2017), os impactos da Indústria 4.0 gitais para realizar tarefas que antes eram exclusivas
sobre o emprego, a criação e a distribuição de riqueza dos humanos. O relatório estima que os empregos
ainda não são bem conhecidos, exigindo-se estudos expostos a alto risco de eliminação por conta da auto-
adicionais para se ter uma maior clareza das trans- mação podem alcançar percentuais muito altos do to-
formações que acontecerão no mercado de trabalho. tal dos postos de trabalho, chegando a 38% nos Esta-
Entretanto, o IEDI considera que uma crescente auto- dos Unidos, 35% na Alemanha e 30% no Reino Unido.
mação da produção e a substituição de trabalhadores Katja Grace, John Salvatier, Allan Dafoe, Baobao
por máquinas podem eliminar trabalhos rotineiros e Zhang e Owain Evans, das Universidades de Oxford
menos qualificados, diminuir a demanda por trabalho e Yale, ouviram pesquisadores que vão mais longe
barato, aumentar a desigualdade e a emigração. Em nas suas previsões, acreditando que “há uma chance
países periféricos, esta dinâmica tenderia a ser ainda de 50% de que a inteligência artificial superará a per-
mais intensa. Outro desafio para países como o Brasil formace humana em todas as atividades em 45 anos
seriam os impactos sobre o emprego e a distribuição e automatizará todos os postos de trabalho em 120
de renda ocasionados pela reversão de fluxos externos anos.” (tradução nossa).
18
Muitas vezes,
as variáveis
contempladas se
atêm, à educação
e à qualificação
dos trabalhadores...
...Contudo, no limite, a
ênfase nesse quesito
dá a entender que os
postos de trabalho
decorrem das decisões
dos trabalhadores,
ou, no mínimo, que
os investimentos dos
capitalistas seriam
variáveis dependentes
do comportamento
e daqueles que
procuram emprego.
Há pesquisas que estimam os impactos que já no processo de difu- A nova coqueluche
estão ocorrendo. Por exemplo, Daron Acemoglu e são da Indústria 4.0.
Pascual Restrepo (2017) realizaram um estudo sobre É impossível tratar o desse tipo de
postos de trabalho que teriam sido eliminados nos progresso tecnológico abordagem reside nos
Estados Unidos por conta do uso de robôs e outras isoladamente do con-
chamados “start ups”...
tecnologias computacionais, concluindo que: texto em que ele está
inserido.
À medida que robôs e outros tecnologias com- Muitas vezes, as variáveis contempladas se
putacionais assistidas passam a executar tarefas atêm, ou enfatizam, à educação e à qualificação
antes realizadas por trabalhadores, aumenta a dos trabalhadores como solução para a criação
preocupação com o futuro dos empregos e dos ou manutenção dos empregos. Evidentemente, a
salários. Nós analisamos o efeito do uso de ro- capacitação da força de trabalho é algo relevante.
bôs industriais entre 1990 e 2007 em mercados Contudo, no limite, a ênfase nesse quesito dá a
de trabalho dos Estados Unidos (...) estimamos entender que os postos de trabalho decorrem das
grandes e robustos efeitos negativos dos robôs decisões dos trabalhadores, ou, no mínimo, que os
nos empregos e salários. (tradução nossa). investimentos dos capitalistas seriam variáveis de-
pendentes do comportamento e daqueles que pro-
Em suma, parece se formar um consenso de curam emprego. A nova coqueluche desse tipo de
que as novas tecnologias introduzidas pela Quar- abordagem reside nos chamados “start ups”, cor-
ta Revolução Tecnológica trazem a possibilidade de riqueiramente apresentados como solução para o
substituir não somente trabalhos manuais e repe- problema de emprego no novo cenário de avanço
titivos, mas também atividades não repetitivas e tecnológico.
cognitivas, sendo essa permuta um dos argumen- Enquanto isso, menor atenção tem sido dada à
tos principais dos defensores das atuais profecias macroeconomia, aos modelos de desenvolvimento e
sobre o declínio inexorável ou maciça eliminação políticas econômicas adotadas ou que serão adota-
de postos de trabalho. das com a emergência da chamada Quarta Revolu-
Contudo, nesse novo debate, comumente são ção Industrial, variáveis que são fundamentais para
abstraídas variáveis fundamentais para a análise, determinar os impactos das novas tecnologias sobre
quais sejam: as dinâmicas políticas, sociais e da a existência ou eliminação de postos de trabalhos no
própria acumulação do capital que se estabelecerá conjunto das economias.
19
Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
4. Para uma reflexão inicial *** Vitor Araújo Filgueiras Professor adjunto da
Faculdade de Economia da Universidade Federal
O incremento da tecnologia – o intenso progresso da Bahia (FE/UFBA) e membro do Núcleo de
técnico ou, numa perspectiva marxista, o avanço das Estudos Conjunturais (NEC).
forças produtivas – é uma das características cen-
trais que constituem a dinâmica do capitalismo. Isso
é acentuado por inúmeros autores ao menos desde Biografia
o século XIX, sendo ponto praticamente pacífico
ACEMOGLU, Daron; RESTREPO, Pascual. Robots and jobs:
nas mais diversas matrizes teóricas e políticas das evidence from us labor markets (Robôs e empregos:
diversas ciências sociais. Progresso técnico pode sig- evidência de nossos mercados de trabalho). Working
nificar incremento da produtividade do trabalho na Paper 23285, 2017. Disponível em: <http://www.nber.
consecução da riqueza social. O mecanismo básico org/papers/w23285>.
que viabiliza esse aumento é a evolução dos meios de GRACE, Katja; SALVATIER, John; DAFOE, Allan; ZHANG,
produção, incluindo máquinas, instrumentos, mate- Baobao; EVANS, Owain. When Will AI Exceed Human
Performance? Evidence from AI Experts (Quando
riais, permitindo que os homens produzam a mesma a AI superará o desempenho humano? Ensaio de
quantidade de determinado bem com menos tempo Especialistas em AI). Disponível em: <https://arxiv.org/
de trabalho. pdf/1705.08807.pdf>.
Ocorre que a evolução da tecnologia pode signifi- GRAY, Richard. How long will it take for your job to
car não apenas produzir a mesma quantidade de de- be automated (Quanto tempo levará para que seu
terminado bem com menor tempo de trabalho em- trabalho seja automatizado). BBC, 19 de junho de
2017. Disponível em: <http://www.bbc.com/capital/
pregado (por conseguinte, de trabalhadores), mas
story/20170619-how-long-will-it-take-for-your-job-to-
também produzir mais bens com o mesmo tempo be-automated>.
de trabalho, ou até bens antes inexequíveis ou ini- HERMANN, M.; PENTEK, T.; OTTO, B. Design Principles for
magináveis. O desenvolvimento e a aplicação da tec- Industrie 4.0 Scenarios: A Literature Review (Princípios
nologia têm componente inerentemente político no de design para Indústria 4.0 – cenários: revisão de
âmbito da produção, da regulação interna ao disci- literatura), 2015. Disponível em: <https://www.
plinamento do trabalho. Mas não apenas. O empre- researchgate.net/publication/307864150_Design_
Principles_for_Industrie_40_Scenarios_A_Literature_
go da tecnologia é permeado, necessariamente, por Review>. Acesso em: 10 de set. 2017.
um cenário político que contempla modelos de de-
IEDI – Instituto de Estudos Para o Desenvolvimento
senvolvimento nacionais, internacionais, regimes de Industrial. Indústria 4.0: Desafios e Oportunidades para
acumulação do capital, padrões de regulação, dentre o Brasil. Carta IEDI, Edição 797. 2017. Disponível em:
outros, que vão determinar se o progresso técnico se- <http://www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_797.html>.
rá acompanhado de redução, estabilidade ou mesmo Acesso em: 10 de set. 2017.
crescimento do emprego. KEYNES, John. Economic Possibilities for our
Os efetivos impactos da Indústria 4.0 na des- Grandchildren (Possibilidades econômicas para nossos
netos) (1930). Essays in Persuasion. New York: Harcourt
truição e ou criação de empregos ainda são desco- Brace, 1932, p. 358-373.
nhecidos, e não poderia ser diferente. Essa indeter-
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O capital: crítica de
minação não reduz a importância, pelo contrário, economia política. Volume I. São Paulo: Abril Cultural,
radicaliza a necessidade de se estabelecer um amplo 1988.
debate e estudos aprofundados sobre as hipóteses de PWC. UK Economic Outlook (Perspectiva econômica do
dinâmicas que poderão se estabelecer no mercado de Reino Unido), March 2017.
trabalho com a Quarta Revolução Industrial, e o que RICARDO, David. An Essay on the Influence of a Low
é necessário ser feito para alcançar resultados social- Price of Corn on the Profits of Stock (Um ensaio sobre a
mente almejados. influência de um baixo preço de milho sobre os lucros
do estoque). Volume 438. London, 1815.
* Rodrigo Cunha Silva Leal Graduando em UNIDO – United Nations Industrial Development
Organization. Industry 4.0: Opportunities and
economia na Faculdade de Economia da
Challenges of the New Industrial Revolution for
Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA) e Developing Countries and Economies in Transition
membro do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC). (Indústria 4.0: Oportunidades e desafios da nova
revolução industrial para países em desenvolvimento
** Uallace Moreira Lima Professor adjunto da e economias em transição). 2016. Disponível em:
<https://www.unido.org/fileadmin/user_media_
Faculdade de Economia da Universidade Federal
upgrade/Resources/Publications/Unido_industry-4_
da Bahia (FE/UFBA) e membro do Núcleo de NEW.pdf>. Acesso em: 10 de set. 2017.
Estudos Conjunturais (NEC).
20
Capa
A reindustrialização
brasileira como vértice de
um novo projeto nacional
Ronaldo Carmona*
N
uma verdadeira epopeia da nação e O ciclo desenvolvimentista foi produto de um
da nacionalidade, o ciclo longo na- consenso nacional, representado pela busca da indus-
cional-desenvolvimentista teve como trialização como ideia-força mobilizadora das energias
resultado a transformação do Brasil dos brasileiros e do Estado nacional, resultando num
de uma nação agrícola numa nação imenso e exitoso esforço.
industrial. Nessa grande transfor- Há quase quatro décadas, contudo, o Brasil vive
mação da base material do poder nacional, entre um período de semiestagnação na geração de rique-
1947 e 1980, o Produto Interno Bruto (PIB) brasi- zas: medido em termos per capita, o PIB brasileiro,
leiro cresceu em média 7% ao ano, numa arrancada entre 1981 e 2014, cresceu menos que 1% (a média
praticamente sem paralelo na história contemporâ- de 0,94%), contra cerca de 4% ao ano, em média, en-
nea, apenas igualável ao feito chinês, que ocorre des- tre 1930 e 1980.
de 1978, em outras condições. Esta longa semiestagnação conheceu exceção re-
21
Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
lativamente virtuosa num breve ciclo entre 2005 e A Indústria permanece sendo
2010, sob a presidência de Lula, em grande medida, determinante para o desenvolvimento
segundo certo consenso entre os analistas – hetero- das Nações
doxos ou ortodoxos –, devido a fatores preponderan-
temente externos – o boom no preço das commodities As políticas contemporâneas das grandes nações
que, ao lado de opções de política econômica de en- industriais – China, EUA e Alemanha – mostram
tão, permitiu a existência de um modelo de cresci- que estes países seguem tendo na manufatura o vér-
mento baseado na demanda (consumo). tice do seu desenvolvimento.
Desde o 2º trimestre de 2014, entretanto, segun- Duas recentes Cartas do Instituto de Estudos pa-
do dados do IBGE, o Brasil encontra-se em reces- ra o Desenvolvimento Industrial (IEDI) mostram
são. que “há uma grande atividade nas políticas indus-
A longa semiestagnação, que ocorre desde o fim triais ao redor do mundo no presente momento.”.
do ciclo nacional-desenvolvimentista, apresen- Segundo os relatórios, “nos principais países inova-
ta uma brutal queda da participação da In- dores da OCDE, como Alemanha, Coreia do Sul, Es-
dústria de transformação no PIB: desde 1985, tados Unidos e Japão, ocorreram várias iniciativas de
quando atinge 21,6% do PIB, seu auge, ocorre uma integração das estratégias nacionais de inovação nos
regressão profunda na estrutura produtiva brasileira, programas de competitividade e de política indus-
que em 2014 chega a 10,9%, mesmo patamar de trial. Nas principais economias emergentes, o po-
1947. Há analistas que veem indicações de que tencial de contribuição da pesquisa e inovação para
hoje o número já poderia mostrar uma par- o crescimento econômico e produtividade também
ticipação inferior a um dígito, numa regressão tem sido enfatizado nos programas nacionais.”.
aos índices do início do esforço industrializante A intensificação das transformações produtivas e
(Revolução de 1930) e talvez similar ao início do tecnológicas, pela busca de uma nova revolução tec-
século XX, quando o país ainda era uma nação no-científica, é – ao lado de sua manifestação antípo-
predominantemente agrária, dependente das ex- da, a financeirização –marca do capitalismo contempo-
portações de café. râneo.
A primarização da pauta de exportações brasilei- Foi, por exemplo, como tema principal da edição
ras, aliás, mostra seus números na queda da parti- 2016 do Fórum de Davos, o grande conclave anual
cipação das manufaturas em seu total, que recuou da burguesia em escala global, sob o tema quarta re-
de 59% em 2000 para 39% em 2013. A participação volução industrial – um tema que crescentemente vai
brasileira nas exportações mundiais de manufatu- se tornando dominante no debate sobre o futuro do
ra recuou de 0,82% para 0,59%, entre 2003 e 2014. desenvolvimento afeito à esfera da produção.
22
Capa
Como diagnosticado ainda no século XIX por lução das forças produtivas, tendencialmente,
Karl Marx, o capitalismo parece acelerar cada vez mais permitirá um aumento do tempo livre e maior
a expansão das forças produtivas, e vai encurtando os qualidade de vida, se realizada sobre novas re-
intervalos entre suas grandes inflexões que são as lações de produção.
revoluções industriais. Para os trabalhadores, a evolução do capi-
A primeira revolução industrial, talismo fortalece, como ne-
ainda no século XIX com o apare- cessidade civilizatória, sua
cimento da máquina a vapor, viu A Indústria superação a sistema social
transcorrer várias décadas para a continua sendo superior, o socialismo.
eclosão da segunda, com o advento O fato é que a chamada quarta
da eletricidade e de linhas de pro- vetor constitutivo revolução industrial vai se impondo
dução mais estruturadas. da estratégia de como estratégia de desenvolvi-
Já entre a terceira revolução in- mento fundamental em grandes
dustrial – fase da eletrônica e da
desenvolvimento das países. A indústria segue sendo
robótica –, observou-se curto in- principais economias fator por excelência para o desen-
tervalo de poucas décadas até a mundiais, a começar volvimento.
eclosão da atual quarta revolução Os Estados Unidos levaram
industrial, que se impõe poucas das três maiores: adiante no período Obama a
décadas depois da que a precedeu, Estados Unidos, política de manufatura avançada,
combinando fatores como a digi- como forma de recomposição
talização da produção, a internet
China e Alemanha. Os industrial do país e agora, com
“das coisas” (dos objetos), a “big principais programas Trump, fala-se em “renascimen-
data”, a biotecnologia, a nanotec- em curso, assim, to da manufatura”. A Alemanha,
nologia e os novos materiais. coração industrial da Europa,
As aceleradas transformações referem-se ao que se desenvolve iniciativa denomi-
na base produtiva apresentam convencionou chamar, nada Indústria 4.0. A China, no
questões de fundo para forças contexto de ajustes em seu mo-
transformadoras, como, como dissemos, de delo de desenvolvimento, lançou
(a) Alterações no próprio per- quarta revolução a iniciativa Made in China 2025,
fil da classe operária, que passa a buscando acelerar o desenvolvi-
necessitar de maior nível de esco-
industrial mento de cadeias produtivas de
larização e renda relativamente maior dinamismo em inovação.
mais elevada, com efeitos sobre sua própria identi- Ou seja, a Indústria continua sendo vetor cons-
dade e o sentimento de pertencimento à classe; titutivo da estratégia de desenvolvimento das prin-
(b) efeitos extraordinários sobre a produtividade cipais economias mundiais, a começar das três
do trabalho, derivando numa expressa diminuição maiores: Estados Unidos, China e Alemanha. Os
quantitativa do proletariado industrial e sua sofis- principais programas em curso, assim, referem-se
ticação. ao que se convencionou chamar, como dissemos, de
Mais do que nunca se imporá, na fase atual de de- quarta revolução industrial.
senvolvimento do capitalismo, o princípio marxista a Apresentando distintos nomes – digitalização e
respeito da dinâmica deste sistema segundo o qual as indústria 4.0 na Alemanha, manufatura avançada nos
relações de produção são condicionadas pelo desen- Estados Unidos ou na China –, representam a inte-
volvimento das forças produtivas; noutras palavras, gração de sistemas ciberfisícos, com alto nível de robo-
as possibilidades de aprimorar a qualidade do traba- tização e automação, resultando em nova revolução
lho social, gerando excedentes, com mais tempo livre na produtividade – como, aliás, foram características
para outras atividades humanas nobres, como o estu- das “revoluções industriais” que precederam o mo-
do ou o convívio social – que passam a ser permitidas vimento atual.
pelo desenvolvimento acelerado das forças produtivas
– serão travadas pela lógica intrínseca ao capitalismo. A recente desindustrialização
Hoje, como ontem, não cabe atitudes voluntaris- brasileira e as experiências recentes
tas como fizeram os ludistas na Inglaterra por ocasião de Política Industrial
da eclosão da primeira revolução industrial.
O inimigo dos trabalhadores jamais será a Nos últimos doze anos, o país observou a apre-
máquina ou a tecnologia; ao contrário, a evo- sentação de três versões de política industrial: a
23
Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
Política Industrial e de Comércio Exterior (PITCE), estabilidade de preços, aceita-se um arcabouço ma-
de 2004; a Política de Desenvolvimento Produtivo croeconômico que leva à desindustrialização.
(PDP), de 2008; e o Plano Brasil Maior, de 2011. Não é aceitável uma sociedade conviver com ta-
Estas iniciativas de política industrial tiveram xas de juros mais altas do mundo durante décadas.
grande mérito, impedindo um retrocesso mais pre- É sinal de patologia econômica grave e de captura
coce e agudo, sobretudo tendo-se em vista o apagão por interesses rentistas espúrios.
neoliberal dos anos 1990 e início dos 2000. Nessa po- Como diz Oreiro (2015), “a taxa Selic representa a
lítica inclusive se teorizava sobre a inconveniência da taxa de retorno da aplicação financeira livre de risco
Indústria como vetor central da riqueza nacional – a no Brasil.”. Se tivermos uma taxa real de na casa de
exemplo do que faziam os 4% a 5%, resulta que “em
fazendeiros na República poucos lugares do mun-
Velha, antes de movimento do uma aplicação livre de
industrialista iniciado com risco gera uma taxa de re-
a Revolução de 1930. torno tão alta.”. Com isso,
Mas as tentativas de “os empresários só estarão
política industrial dos últi- dispostos a realizar aqueles
mos três períodos de gover- projetos de investimentos
no colidiram frontalmente cuja taxa de retorno supe-
com a macroeconomia. re a taxa de juros livre de
O fato é que a regres- risco por uma elevada mar-
são industrial nos últimos gem (essa margem é o que
20 anos está diretamente se conhece como prêmio de
ligada ao pacto nacional vigente A questão está longe risco).”. Lacerda e Loures (2015)
desde 1994: a partir do Plano Real de ser simples. Amplos observam que, no caso brasileiro,
– vão-se duas décadas –, define-se os títulos da dívida pública ofere-
que o centro da política econômi- e poderosos estratos cem “liquidez imediata, razoável
ca é a manutenção da estabilidade altos e médio da nível de segurança e elevada ren-
de preços, mesmo que à custa do tabilidade.”.
crescimento e da Indústria. sociedade brasileira Em síntese, não há investi-
A combinação de câmbio so- se revelam viciados mento legal, de maior rentabilida-
brevalorizado e as taxas de juros de que a dívida pública brasileira.
“mais altas do mundo” conferi-
nessa lógica de auferir As elevadas taxas de juros bra-
ram, nas últimas duas décadas, o fundamental de sileira na crise atual, aliás, têm
uma política econômica anti-In- seus ganhos pela aprofundado tal fenômeno. Como
dústria, neutralizando – essencial- se viu em recente estudo enco-
mente – as positivas iniciativas de renda financeira. Não mendando por um jornal (Folha de
política industrial. Incrivelmente, por acaso, trabalhos S.Paulo, 02/07, p.A18), “os núme-
somos um país que tem meta de ros mostram que o setor privado
inflação e meta de superávit, mas
importantes de está poupando como nunca, mas
não meta de crescimento ou de ca- balanço dos motivos a maior parte dos recursos tem
pacidade industrial. que levaram ao servido para financiar o governo
A presidente Dilma buscou en- em vez de investimentos produ-
frentar estas questões: no primei- impeachment de Dilma tivos.”.
ro mandato, derrubou as taxas diagnosticam que o Afinal, “os juros pagos para
de juros a patamares civilizados financiar a dívida pública garan-
(atingindo 7,25% a.a., com juros impulso inicial veio ao tem retorno superior às possibili-
reais de cerca de 2% em outubro cutucar onça com varas dades oferecidas às empresas por
de 2012). Nesse caso, entretanto, outras opções de investimentos
a reação de setores vinculados ao
curtas (...) dos recursos totais capta-
rentismo e ao capital financeiro dos pelo sistema bancário, nada
internacional foi tão forte que forçou sua reversão. menos que 72% são destinados exclusivamente ao
Podemos dizer que o trauma inflacionário dos financiamento do setor público.”. A anomalia é tal
anos 1980 e do início dos anos 1990, parece ter feito que vozes dissonantes começam a aparecer inclusi-
a sociedade aceitar uma lógica perversa: em nome da ve no seio da corrente monetarista (1).
24
Capa
Mas a questão está longe de ser simples. Amplos para 10,25%, representam uma redução de R$ 100
e poderosos estratos altos e médio da sociedade bra- bilhões em relação aos gastos com a dívida pública
sileira se revelam viciados nessa lógica de auferir o em 2015 (4), já que a “despesa da União com o pa-
fundamental de seus ganhos pela renda financeira. gamento de juros da dívida deve chegar a R$ 402,2
Não por acaso, trabalhos importantes de balanço dos bilhões, quase R$ 100 bilhões a menos do que em
motivos que levaram ao impeachment de Dilma, diag- 2015.”.
nosticam que o impulso inicial veio ao cutucar onça Algo parecido ocorre em relação à taxa de câm-
com varas curtas (2). bio, cujo patamar é determinante para abrir ou fe-
Cabe identificar aqui uma outra questão curio- char portas às exportações manufatureiras. Muitos
sa, como argumentou recentemente um analista analistas têm denominado a prática de manter a
estrangeiro: “a direita do Brasil gosta de se queixar moeda estruturalmente sobrevalorizada, em espe-
dos impostos, mas não parece ter problemas com o cial desde o Plano Real, de populismo cambial, uma
maior e mais economicamente destrutivo deles: os vez que resultaria, especialmente na classe média,
juros exorbitantes que os brasileiros pagam sobre numa falsa sensação de poder de compra, que lhe
sua dívida pública.”. Lembra o analista que em 2016 permite comprar qualquer tipo de bugigangas de
cerca de 7,6% do PIB foram gastos com o pagamento Miami.
de juros sobre a dívida. Assim, “trata-se, de um total Excetuando-se um breve período com Dilma, no
de 183 países, da quarta mais alta carga de juros so- qual se buscou por meio de custosos mecanismos
bre a dívida pública”, similar à de um país em guerra de swap cambial manter a moeda competitiva, há
civil (Iêmen) (3). quase 25 anos convivemos com moeda sobrevalo-
Em outras palavras: com uma mão paga-se “x” rizada que, junto com juros altos, formam um duo
em impostos e com outra se recebe “x-plus” em divi- mortal à Indústria nacional. No período Lula, por
dendos das aplicações em juros. exemplo, “a preços de hoje, a taxa de câmbio entre
O custo fiscal disto é dramático. Para se ter uma dezembro de 2002 e dezembro de 2010 apreciou-
ideia, apenas os modestos cortes de 4 p.p. nas ta- -se de R$ 5,10 por dólar para R$ 1,90 por dólar”
xas de juros no último ano, reduzindo-a de 14,25% (BRESSER PEREIRA, 2015). Em grande medida,
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DESPROFISSIONALIZAÇÃO DO PROFESSOR
25
Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
tal apreciação cambial foi fator determinante para vas competências em áreas de maior dinamismo po-
um modelo de crescimento ancorado na demanda tencial da economia mundial.
(consumo). Para isso, se deverá enfrentar um leque de desafios:
Com uma política macroeconômica hostil à In-
dústria, não restou às meritórias políticas industrial 1 – A dimensão horizontal e sistêmica de a políti-
e de inovação dos governos Lula e Dilma senão o pa- ca industrial e de inovação efetivar uma política ma-
pel de enxugar gelo. croeconômica pró-Indústria, baseada
Com Temer, contudo, a situa- em condições macroeconômicas
ção se torna muito mais dramáti- No curso da favoráveis à reindustrialização,
ca, pois além de se manter os dois o que pressupõe não apenas um
preços macroeconômicos (juros definição de um novo ambiente estável, mas políticas
e câmbio) na mesma anomalia projeto nacional de favoráveis aos investimentos, co-
descrita, se interrompe as medi- mo:
das mitigadoras que existiram
desenvolvimento,
nos últimos 13 anos. Dentre elas: cabe robusta • Taxas de juros compatíveis
política industrial e com os padrões internacionais,
• a persistente retirada, sem tendo em vista o porte de nossa
qualquer critério logico que não o de inovação – uma economia, inexistência de histó-
de planilha, de subsídios, desone- estratégia nacional rico de insolvência etc.;
rações, incentivos e regimes espe-
ciais, inclusive de exportações, à
de reindustrialização • política cambial que situe a
Indústria; –, que abra um novo moeda em patamar adequado às
período de expansão, exportações industriais. Não cabe
• o empoçamento de recursos utilizar o câmbio como instrumen-
de crédito no BNDES, com enca- recompondo as bases to de combate à inflação, como se
recimento dos custos (TJLP subs- do projeto nacional fez, erroneamente, na maior parte
tituída por taxa de mercado, cha- das últimas duas décadas e se si-
mada TLP), aperto nas exigências naliza, com a nova meta de infla-
para concedê-los e devolução antecipada de R$ 100 ção, no próximo período;
bilhões ao Tesouro, numa espécie de “pedalada fis-
cal” ao contrário; • recomposição do sistema de crédito e finan-
ciamento público – a partir do BNDES, Finep e ban-
• desmantelamento da política de conteúdo lo- cos públicos –, e privado, através do fomento ao
cal (PCL), seja como critério para a concessão de mercado de capitais. Num contexto de aproxima-
empréstimos a taxas mais favoráveis no BNDES, ção da taxa de juros (Selic) ao padrão internacio-
seja na sua revisão no setor de petróleo e gás (P&G). nal, de fato, a taxa subsidiada (atual TJLP) poderá
Em P&G, a revisão da PCL foi tão radical, que seto- dar ênfase à inovação, onde – mostra a experiência
res da indústria advertem que poderá se preencher internacional –, sem o apoio e liderança do Estado,
as novas regras sem comprar “um parafuso” da não ocorre desenvolvimento de novas capacidades
Indústria nacional – novamente, uma “quebra de (5).
contrato”, já que os leilões exigiam o cumprimento
da PCL. 2 – Quanto à dimensão vertical da política indus-
trial (estruturação de novas competências produti-
Por uma estratégia de re- vas modernas):
industrialização nacional
• adoção do conceito de políticas de aglomera-
No curso da definição de um novo projeto nacional ção (clusters) combinado com programas mobiliza-
de desenvolvimento, cabe robusta política industrial dores e de mission-oriented que busquem, em esforço
e de inovação – uma estratégia nacional de reindus- coordenado entre empresas públicas e privadas, uni-
trialização –, que abra um novo período de expan- versidade e Estado, incluindo seu poder de compra,
são, recompondo as bases do projeto nacional. que realizem ações articuladoras e otimizadoras de
Como se faz nas experiências mais avançadas em ecossistemas de inovação; estes devem ser focados no
curso no mundo, deve-se integrar política industrial desenvolvimento de tecnologias críticas específicas
e política de inovação, estimulando a criação de no- e na resolução de problemas técnicos específicos que
26
Capa
permitam a criação de novas competências indus- lorização do salário-mínimo, por exemplo, foram
triais e tecnológicas; determinantes para a recente expansão da econo-
mia nacional ou para a mitigação de suas dificul-
• nesse mesmo sentido anterior, definir o uso, no dades. Tiveram efeitos amplamente positivos para
contexto das definições de política industrial e de ino- o dinamismo da economia nacional, a partir de
vação, do instrumento de poder de compra do Esta- modesta, mas importante, redistribuição de ren-
do (procurement) visando a induzir inovação em áreas da. Tal caminho, que alarga o mercado interno e
de fronteira e de reconhecida expertise nacional, como permite expandir a atividade econômica e indus-
saúde, agricultura, energia, Defesa nacional, dentre trial, é basilar de um novo projeto nacional de de-
outras; senvolvimento.
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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
A 4a REVOLUÇÃO INDUSTRIAL:
CRIATIVA OU DISRUPTIVA
PARA O BRASIL?
Luciano Coutinho*
E
m poucos anos a proliferação de dualmente identificados – sendo que esses dispositi-
smartphones conectou centenas de vos poderão ser acoplados ou integrados a quaisquer
milhões de pessoas à internet. Em objetos. Além de conectados, tais dispositivos pode-
1995 estima-se que apenas 4,5 mi- rão estar equipados com sensores capazes de medir,
lhões de computadores estavam co- por exemplo, peso, volume, temperatura, pressão,
nectados à internet, habilitando o vibração, velocidade e/ou poderão enxergar e reco-
acesso a cerca de 15 milhões de pessoas. Em 2016, nhecer imagens, sons e linguagens e, ainda, poderão
segundo a OCDE, graças à difusão de PCs, tablets atuar, perfazendo tarefas automáticas. Os dados, in-
e principalmente de smartphones, um bilhão de in- formações e imagens acumulados nesses processos
divíduos (13% da população global de 7,5 bilhões) serão canalizados e transmitidos para redes de com-
já estava conectado. Dentro de mais cinco anos, em putadores, formando e multiplicando novas bases
2022, estima-se que 14 bilhões de objetos, máqui- de dados que poderão ser processadas e analisadas
nas, equipamentos, aparelhos celulares (2,4 bilhões) através de algoritmos estatísticos/matemáticos.
estarão conectados. Em 2030 o número de dispositi- A indústria do futuro fará parte dessa imen-
vos pessoais de acesso à web pode alcançar 8 bilhões sa rede digital global em processo de formação. A
(94% da população global), e o total de objetos co- automação industrial será articulada pela internet
nectados pode alcançar mais de 30 bilhões. As eco- englobando todas as cadeias produtivas desde o
nomias nacionais e as respectivas sociedades tende- suprimento de matérias-primas, insumos, partes e
rão, assim, a estarem integradas e conectadas a uma subconjuntos, passando pelos processos de manufa-
super-rede digital global. tura, distribuição, comercialização e chegando até os
O rápido crescimento da interconexão digital se- consumidores. A possibilidade de virtualizar, on-line
rá viabilizado pela difusão de dispositivos de acesso à ou em tempo real, o funcionamento de cadeias intei-
internet através de sinais de radiofrequência indivi- ras, através de sistemas avançados de computação,
28
Capa
As máquinas, e
especialmente os
permitirá otimizar significati- robots, auxiliados (Data Analytics) de identificação
vamente a eficiência e a produ- de padrões, histórico, comporta-
tividade. Será possível otimizar
por capacidade mentos, características, qualida-
os tempos de uso das máquinas, computacional própria de/defeitos dos processos, partes,
poupar energia e insumos, dimi- de alto desempenho, peças, bens finais, assim como
nuir estoques ao mínimo, otimi- do desempenho individual e fun-
zar e pré-planejar a manutenção, poderão desenvolver cional do parque de máquinas e
otimizar a logística em dimen- faculdades cognitivas equipamentos. Com base nesses
sões e escopo hoje inalcançáveis. avanços será possível acelerar a
Este novo padrão de manufa- (sensoriamento, utilização de algoritmos de IA,
tura conectada e inteligente tam- visão, comunicação que emulam o funcionamento
bém usufruirá de notáveis avan- das redes neurais, para alavancar
ços na robótica e na chamada
multilinguística, capacidades autônomas de apren-
manufatura aditiva (impressão raciocínio lógico) dizado por parte das máquinas e
em 3D). As máquinas, equipa- dos equipamentos. As máquinas,
mentos, robots, impressoras 3D e especialmente os robots, auxilia-
ganharão capacitações cognitivas próprias, com base dos por capacidade computacional própria de alto
nos avanços da Inteligência Artificial (IA). Com efei- desempenho, poderão desenvolver faculdades cog-
to, a digitalização conectada das redes de produção nitivas (sensoriamento, visão, comunicação multi-
propiciará a acumulação de dados em grande escala linguística, raciocínio lógico). Poderão entender lin-
(a chamada Big Data). guagens naturais, reconhecer e interpretar imagens,
Essas bases de dados, devidamente estrutura- gerar e testar hipóteses, mimetizar movimentos e
das, ensejarão a aplicação de técnicas estatísticas comportamentos, interagir e aprender e, finalmente,
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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
tomar decisões autônomas para cumprir tarefas do Em resumo, essa poderosa onda de inovações
modo mais eficiente possível. tecnológicas em marcha já começa a revolucionar os
Os impactos das aplicações da IA já começam padrões de produção, gestão e sociabilidade. Algu-
a ficar visíveis: sistemas inteligentes de gestão de mas tecnologias já estão em uso e outras evoluem
estoques, robots colaborativos capazes de aprender rapidamente, podendo se tornar comercialmente
e dividir tarefas com trabalhadores, sistemas autô- viáveis no futuro próximo (5 anos, 10 anos). Essas
nomos de navegação aérea, na- inovações têm, em geral, caráter
val, e principalmente veículos e disruptivo. Tenderão a transfor-
carros autônomos. Estes últimos Essas inovações têm, mar a produção manufatureira,
têm sido objeto de intensa dis- em geral, caráter os serviços, a agricultura. Seus
puta competitiva entre grandes impactos serão profundos e de
empresas de tecnologia de infor- disruptivo. Tenderão a longo alcance sobre a produtivi-
mação e as grandes montadoras transformar a produção dade, sobre o perfil dos empregos,
automotivas. sobre os requisitos de treinamen-
O potencial de uso da Data
manufatureira, os to e qualificação, sobre a distri-
Analytics e da Inteligência Artifi- serviços, a agricultura. buição de renda e da riqueza,
cial certamente extravasa as apli- Seus impactos serão sobre o comércio internacional e
cações industriais e abrange os sobre a divisão mundial do traba-
agronegócios, os serviços e tam- profundos e de longo lho, sobre o bem-estar das socie-
bém outras atividades que têm alcance sobre a dades e sobre o meio ambiente.
características de bens públicos, Não é à toa que iniciativas
como a educação e a saúde. No
produtividade, sobre relevantes de política industrial
caso do sistema de saúde as apli- o perfil dos empregos, e tecnológica já ganharam corpo
cações podem ser muito valiosas. sobre os requisitos das economias desenvolvidas e
A identificação de perfis e pa- em algumas em desenvolvimen-
drões de indivíduos, patologias, de treinamento e to, no sentido de fomentar a 4a re-
cânceres, doenças degenerativas qualificação, sobre a volução industrial. Na Alemanha,
e autoimunes – com base em es- desde 2012, estruturou-se uma
tatísticas comparativas, reconhe- distribuição de renda estreita parceria entre o governo
cimento e comparação de ima- e da riqueza, sobre o federal e a indústria privada para
gens – pode criar sistemas mais promover a manufatura digitali-
eficientes de diagnóstico médico.
comércio internacional zada a integrada pela internet (a
Paralelamente, a confluência e sobre a divisão “Plattform Industrie 4.0”). Todas
entre esses avanços das tecnolo- mundial do trabalho, as grandes empresas alemãs se
gias digitais, com destaque para mobilizaram nesse esforço con-
a capacidade da supercomputa- sobre o bem-estar das junto, visando a acelerar a intro-
ção e armazenamento de dados sociedades e sobre o dução das inovações na estrutura
na nuvem, a custos acessíveis, produtiva, inclusive nas cadeias
com o avanço de instrumentos de
meio ambiente onde a presença de pequenas e
pesquisa muito mais poderosos médias empresas é dominante.
(por exemplo, supermicroscópios, espectrômetros, Para isso, a mobilização, além das associações em-
aceleradores de partículas), vem impulsionando presariais, envolve a Academia de Ciências e Tecno-
progressos notáveis nas nanociências, nanotecnolo- logia, as universidades e os institutos de pesquisa.
gias, genômica, neurociências. Como resultado são Nos Estados Unidos, em 2011, o presidente Oba-
esperadas inovações relevantes em novos materiais ma, preocupado com o processo de desindustriali-
nano-estruturados, materiais compósitos, baterias e zação e de perda de importância da indústria ame-
sistemas de armazenamento de energia. A confluên- ricana no comércio mundial, lançou a “Advanced
cia das tecnologias de informação com a biotecno- Manufacturing Partnership”. Esta iniciativa visou a
logias também promete inovações significativas organizar uma aliança entre lideranças empresariais,
em genômica (via “edição” ou mudança precisa de universidades de ponta (MIT) e as redes de institu-
partes dos genes) que podem propiciar avanços téc- tos nacionais de pesquisa aplicada e tecnológica dos
nicos relevantes em bioprocessos industriais, saúde Departamentos de Defesa, Energia e de Comércio.
humana e animal e desenvolvimento de espécies ve- Tal iniciativa prosperou e entre 2012 e 2016 foram
getais modificadas. estruturados 14 novos institutos voltados para tec-
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Capa
nologias de manufa-
tura avançada, sendo
oito no Departamen-
to de Defesa, cinco
no Departamento de
Energia e um no NIST
(National Institu-
te for Standards and
Tecnology). Esses ins-
titutos, por sua vez,
buscaram multiplicar
ecossistemas de ino-
vação, através da or-
ganização de redes de
colaboração com em-
presas privadas, uni-
versidades e outros la-
boratórios. Diferente do modelo alemão, centrado na tégia de chegar à liderança em um horizonte de 30
internet das coisas, a abordagem americana é mais anos. Esta iniciativa foi, em seguida, complementa-
abrangente, diversificada e complexa, envolvendo da pela “Internet Plus”, com foco no apoio à difusão
várias famílias de tecnologias de ponta. Em 2016, a da internet das coisas, contando com o suporte de
iniciativa teve sua denominação mudada para “Ma- grandes empresas como Baidu, Alibaba e Tencent.
nufacturing USA”. Além destas iniciativas, o governo instituiu vários
Sob o impacto das iniciativas da Alemanha e dos outros programas e prioridades tecnológicas, como
EUA, a Inglaterra, outros países europeus e o Japão nanotecnologias, supercomputação, tecnologia fer-
lançaram iniciativas semelhantes. O Japão, que já os- roviária de alta velocidade, equipamentos submari-
tentava liderança em robótica, organizou sua estra- nos, programa espacial tripulado.
tégia em torno desta vantagem competitiva, criando Em síntese, diante dos desafios antepostos pela
a “Japan Robot’s Strategy” em 2015, com o objetivo 4a revolução industrial e tecnológica os Estados na-
de avançar pioneiramente em inteligência artificial cionais das economias desenvolvidas e de algumas
aplicada a robots e em ampliar o escopo de aplicações economias em desenvolvimento vêm mobilizando
destes equipamentos, incluindo a criação de robots hu- intensamente suas empresas, instituições de pesqui-
manoides para cuidar de pessoas idosas. A Coreia do sa e universidades em torno a programas estratégi-
Sul, por sua vez, lançou em 2014 a iniciativa “Korea’s cos de apoio e fomento ao avanço da ciência, tecno-
Creative Economy”, focada no fomento a inovações logia e inovação.
em manufatura inteligente e integrada. Em contraste, o Brasil não apenas não dispõe de
A China, detentora da maior base manufaturei- um programa estruturado para o avanço da inter-
ra da economia mundial, preocupada com os riscos net das coisas e da manufatura avançada como vem,
de perda de competitividade já vinha acelerando a recentemente, reduzindo de modo imprevidente os
introdução de robots em seus processos industriais investimentos públicos e os gastos de suporte ao
desde 2008. Em 2013, já galgara a primeira posição nosso sistema de ciência, tecnologia e inovação. Não
como mercado de robots industriais. Em 2017 esti- se trata apenas da falta de uma estratégia nacional
ma-se que terá o maior parque instalado de robots ante a 4a revolução industrial, mas do risco de retro-
em atividades de manufatura, com 428 mil unida- cesso e de desarticulação das bases de nosso sistema
des. Embora seja importadora relevante de robots da nacional de inovação.
Alemanha e do Japão, a China vem ganhando mus- Este quadro é extremamente grave considerando
culatura e competência na produção própria desses que a indústria brasileira vem experimentando um
equipamentos, com rápido crescimento da oferta processo prematuro de desindustrialização desde os
doméstica. Em 2016, adquiriu o controle da Kuka, anos 1980. Este processo fica evidenciado pela con-
uma das empresas-líderes alemãs na produção de tinuada perda de participação do valor adicionado
robots colaborativos sofisticados. Em 2015, o governo pela indústria no PIB. Após atingir um ápice, em tor-
chinês lançou o programa decenal “Made in China no de 22% no início dos 1980, a participação da in-
2025”, ambicionando fortalecer a sua base produtiva dústria entrou em trajetória de declínio, tendo caído
em manufatura avançada, como parte de uma estra- para pouco menos de 10% em 2016.
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Indústria, inovação e
projeto nacional
Osvaldo Bertolino*
Princípios: Que peso você atribui à indústria Qualquer projeto de desenvolvimento que quei-
num projeto nacional de desenvolvimento? ra dar sustentabilidade econômica a esse processo
Luis Fernandes: A promoção de uma base industrial deve envolver o enraizamento de atividades que
nacional é parte fundante de um projeto de desenvol- geram maior valor agregado e que têm maior ca-
vimento para o país. Essa é uma reflexão clássica, não pacidade de articulação sistêmica na economia.
propriamente contemporânea, que acompanha os de- Portanto, a promoção da industrialização em pri-
bates sobre o desenvolvimento e a crítica ao liberalis- meiro lugar, e, em segundo lugar, da inovação na
mo desde o século XIX. Ela parte da compreensão de base industrial, é parte importante de um processo
que a indústria tem um papel estratégico no processo de desenvolvimento. Todos os projetos exitosos de
de desenvolvimento. Porque, ao contrário de uma lei- desenvolvimento e as tentativas de promovê-lo en-
tura liberal baseada na teoria do valor de troca – que volveram, de alguma forma, um ou outro tipo de
acha irrelevante o tipo de produção no qual o país se política industrial. Ou seja: a espontaneidade do
especializa dentro da divisão internacional do traba- mercado a partir da divisão internacional do traba-
lho –, a visão crítica a essa abordagem sempre apon- lho existente não gera desenvolvimento, em parti-
tou que a indústria tem capacidade de enraizamento cular industrial, na periferia ou na semiperiferia do
de processos de agregação de valor na economia na- sistema. É necessária uma política ativa de promo-
cional e de articulação intersetorial. ção da industrialização.
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Temos de ter
bases nacionais,
com êxito, no desenvolvimen- enraizamento de brasileira de orgulho nacional, a
to da Revolução de 1930? Embraer, fabricante de aeronaves,
Lui,s Fernandes: Sim e não.
cadeias produtivas que se desenvolveu com forte arti-
Sim em relação a ter uma base dentro do país. culação de uma política de defesa.
industrial nacional e remontar o Associada a elas, Ela foi para a China, mas teve de
Estado brasileiro para comportar transferir tecnologia. Hoje, existe
essas indústrias e para promover desenvolvimento de lá uma empresa concorrente com
uma efetiva integração do mer- tecnologia nacional. a tecnologia transferida.
cado nacional via legislação tra- O tema do desenvolvimento
balhista. Expandir direitos sociais Será com essa tecnológico e do combate à depen-
dentro do Estado como parte do premissa que o país dência tecnológica foi inscrito no
enraizamento de cadeias produ- esforço de desenvolvimento chi-
poderá confrontar
tivas nacionais. A combinação de nês. Para nós, esse dilema, em tese,
industrialização com promoção de efetivamente as esteve no nosso ciclo de governos
direitos, que de certa maneira é o assimetrias da divisão progressistas. Foi essa compreen-
que em parte está consagrado na são que orientou as três versões da
Constituição de 1988. internacional de política industrial implementadas
Diria que a grande diferença é trabalho. Alavancar a desde 2004, mas a sua efetividade
que, num segundo ciclo, tivemos, foi tolhida por aquelas heranças,
por um lado, indústrias estatais e,
produção, mas também digamos assim, persistências que
por outro, uma política de atração gerar conhecimento eu mencionei. Isso obstaculizou a
de indústrias multinacionais pa- nacional para capacidade de lançar o país num
ra se instalarem no mercado na- ciclo sustentado de desenvolvi-
cional. Nosso parque automotivo estruturar cadeias mento baseado na industrialização
foi todo instalado com empresas produtivas. Isso é associada à inovação, que a China
multinacionais. Nesse processo, conseguiu fazer. Que a própria Co-
a dimensão do desenvolvimento fundamental reia do Sul também conseguiu fa-
tecnológico nacional, da inovação zer em grande medida.
endógena, da autonomia tecnológica, foi subestimada
ou secundarizada. A ideia que predominou naquele Princípios: Estamos ingressando numa Quarta
esforço de industrialização foi que junto com as em- Revolução Industrial?
presas viriam os pacotes tecnológicos que seriam a ba- Luis Fernandes: Há diversas interpretações para
se para a modernização do país. essa mudança de padrão tecnológico, para a qual se
Era uma visão limitada. Temos de ter bases nacio- convencionou designar diferentes nomes desde as
nais, enraizamento de cadeias produtivas dentro do décadas de 1960 e de 1970. Constituiu-se um novo
país. Associada a elas, desenvolvimento de tecnologia padrão produtivo e tecnológico no mundo que, inte-
nacional. Será com essa premissa que o país poderá ressantemente, foi teorizado inicialmente nos países
confrontar efetivamente as assimetrias da divisão in- socialistas. Na antiga Tchecoslováquia e na União So-
ternacional de trabalho. Alavancar a produção, mas viética cunharam o termo “Terceira Revolução Técni-
também gerar conhecimento nacional para estrutu- co-Científico-Informacional”. Seria um novo padrão
rar cadeias produtivas. Isso é fundamental. Encon- tecnológico. Isso estava associado ao desenvolvimen-
trar mecanismos de estímulo à inovação, apoio ao to de várias tecnologias de ponta, sobretudo da in-
desenvolvimento tecnológico. Não ficar prisioneiro da formação e da comunicação, além de áreas de novos
importação de pacotes tecnológicos que acompanham materiais, a nanotecnologia.
investimentos estrangeiros. O que mais se destacava era a área de tecnologia
Essa é uma lição básica do sucesso da China, so- da informação e comunicação, e a sua incorporação
bretudo no período mais recente, quando ela, cada com graus crescentes de automação aos processos
vez mais aceleradamente, entrou na dimensão da industriais. Depois alguns autores vão falar em ad-
produção de alta tecnologia. Sua economia está ba- vento da era do conhecimento, sociedade do conhe-
seada numa forte promoção da inovação e do desen- cimento, a Terceira Revolução Industrial. Mas todos
volvimento tecnológico nacional. Os chineses não identificaram que era um novo padrão produtivo em
aceitaram passivamente a simples replicação de paco- substituição ao da Primeira Revolução Industrial e,
tes tecnológicos que acompanharam os investimen- sobretudo, o taylorismo-fordismo. Curiosamente, isso
tos. Vou dar um exemplo de uma área tecnológica orientou várias tentativas de reforma nos países so-
36
Capa
cialistas, que não conseguiram acompanhar, no seu sante nos Estados Unidos sobre o Programa de Ma-
mecanismo econômico, a velocidade da disseminação nufaturas Avançadas, com lições importantes para a
do progresso técnico. política industrial do Brasil e de outros países em
O Japão tomou a dianteira em determinado mo- desenvolvimento. Falo de um diálogo dos formula-
mento, depois a Alemanha. Os Estados Unidos fica- dores diretos. Depois tem os institutos, que fazem
ram atrás, mas recuperaram a dianteira. E a União a interação com as empresas. A reflexão de fundo
Soviética — os países socialistas, de maneira geral diz que na passagem dos anos 1990 para o início
— não conseguiu acompanhar. Na última década, do século XXI — isso eu também vivi de perto —
começaram a surgir reflexões. Eu identifico isso em predominava, na formulação da política econômi-
três movimentos. Uma reflexão surgida na Alemanha ca, tecnológica e científica, a compreensão de que
com o termo “Indústria 4.0”; outra nos Estados Uni- dominaria o processo quem desenvolvesse a tecno-
dos, que adquiriu nomenclatura diferente, o “Progra- logia.
ma de Manufatura Avançada”, que conheci quando Os americanos desenvolveram a tecnologia e,
eu estava no governo; e o processo da China, incorpo- com o domínio intelectual determinado pelo Regi-
rado à discussão sobre inovação endógena. me de Proteção Intelectual da Organização Mundial
Até que ponto isso configura uma revolução pro- do Comércio (OMC), garantiram a supremacia da
dutiva-tecnológica da profundidade do alcance que tecnologia. Então, o local das atividades fabris im-
foi a chamada “Terceira Revolução Técnico-Cientí- plantadas, a partir dessa tecnologia, passou a ser
fica-Informacional” é uma questão em aberto, está irrelevante. O controle estava garantido. O que eles
em discussão. Agora, o que está no coração desse viram uma década depois é que o grande desafio
processo, sobretudo, é o avanço da automação e da era a China, que absorveu essa tecnologia e usou-
chamada internet das coisas. Seria um padrão pro- -a para estimular desenvolvimento tecnológico nas
dutivo, em primeiro lugar, mas também crescente cadeias produtivas associadas àquelas unidades fa-
interação social, que seria máquina-máquina, por bris que estavam sendo montadas. O Programa de
isso denominado internet das coisas. Ao invés de Manufatura Avançada dos Estados Unidos foi uma
ser homem-máquina, é máquina-máquina, auto- resposta ao fracasso dessa política anterior, com a
mático. adoção de uma política ativa de enraizamento de
Isso reduziria enormemente a necessidade de atividades produtivas no país.
envolvimento de trabalhadores no processo de pro- Eles chegaram à conclusão de que promover a
dução. Porque o trabalho continua sendo humano, internacionalização de tecnologias não garante li-
mas com o grau de produtividade escalonado pelos derança e supremacia. Os Estados Unidos estavam
processos de automação. Isso é um movimento em perdendo terreno, medido por qualquer indicador.
curso, cujas fronteiras estão em aberto. Porque há O mais básico dele, eu tenho repetido, é de fato
uma diferença entre o desenvolvimento tecnológico impressionante: a China era responsável, quan-
na fronteira e a sua efetividade econômica. Ou seja: do lançou o programa das quatro modernizações,
há custos associados à massificação de tecnologia por pouco menos de 5% do Produto Interno Bruto
de fronteira na área de internet das coisas. (PIB) mundial, medido por poder de paridade de
Pode-se ter tecnologias de automação inviáveis compra. Hoje, já chegou a 17,5%. Passou os Estados
pelo custo de manutenção. Vou dar um exemplo bá- Unidos que, naquela época, eram responsáveis por
sico. Tudo isso depende de sensores. Se a energia 23%. Agora, está na faixa de 16%, abaixo da China.
do sensor exigir alto custo de manutenção não se A partir da produção científica, a China, no iní-
estrutura um sistema de internet das coisas. Estou cio dos anos 1980, tinha uma produção científica
dando um exemplo; há vários desafios de fronteira. equivalente à do Brasil, na faixa de 0,8% – aque-
São desafios tecnológicos ainda não resolvidos. Se le indicador básico: artigos indexados, publicados.
forem resolvidos podem, talvez, se consolidar num Nós nos orgulhamos de ter chegado a 2,8%, que é
padrão produtivo que represente uma revolução um avanço impressionante no crescimento relativo
tecnológica com impactos econômicos e sociais tão da produção científica mundial. A China passou pa-
abrangentes quanto foi a “Terceira Revolução Téc- ra 17%. Já é a segunda potência científica mundial.
nico-Científico-Informacional”. São esses os desafios que os chineses estão enfren-
tando. Enraizar atividades produtivas e de desen-
Princípios: Que aspectos você destacaria como volvimento tecnológico, ao invés de achar que com
de maior relevância nesse debate na contem- o domínio da tecnologia desenvolvida se garante o
poraneidade? comando de cadeias produtivas globais. Essa lição,
Luis Fernandes: Existe uma discussão interes- para nós, é muito importante.
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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
Seminário internacional
aborda impactos da crise e
da inovação tecnológica no
mundo do trabalho
Cláudio Gonzalez*
N
o último dia 24 de agosto, a Central ça, membro da Comissão Executiva da Confederação
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical
do Brasil (CTB) realizou no Gran Nacional (CGTP-IN). Eles debateram o tema “A crise
Hotel Stella Maris, em Salvador, capitalista e os impactos no mundo do trabalho”.
Bahia, o seminário internacional “A Na mesa da tarde, intitulada “Globalização, di-
crise econômica global e o mundo reitos e democracia”, falaram Ronaldo Carmona,
do trabalho”. O evento antecedeu a realização do 4º pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), e
Congresso Nacional da CTB e foi assistido por dirigen- Michael Makwayiba, eleito no ano passado presi-
tes sindicais de 26 países. dente da Federação Sindical Mundial (FSM) e dire-
O seminário foi dividido em duas mesas. Na par- tor de um dos mais fortes sindicatos sul-africanos.
te da manhã, falaram Peter Poschen, diretor da Or- No intervalo entre as duas mesas, lideranças sin-
ganização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil; dicais internacionais se revezaram na tribuna abor-
Sérgio Barroso, assessor especial da CTB e pesquisa- dando aspectos da conjuntural e do movimento sin-
dor da Fundação Mauricio Grabois; e Augusto Pra- dical em tempos de crise econômica.
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Capa
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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
O representante da OIT disse que o País necessita O representante da OIT finalizou sua participação
de um projeto de nação que possa aglutinar diversas no evento anunciando que a organização prepara
forças. Para tanto, Poschen defendeu a centralidade do um amplo documento que repensa o papel da orga-
trabalho – que tem papel fundamental para o indiví- nização “na governança dos direitos da classe tra-
duo e a sociedade – para transpor a estagnação eco- balhadora” e sistematiza soluções e estratégias para
nômica atual. Para endossar a sua posição, ele citou lidar com o futuro do trabalho no mundo.
relatório de 2013 do Banco Mundial que indica que “o
desenvolvimento acontece através do trabalho”. Ape- Inovação e produtividade
sar da constatação da instituição
financeira internacional que efetua O mais recente relatório da OIT
empréstimos a países em desen- O mundo do divulgado no Brasil afirma que a
volvimento, o mundo do trabalho trabalho brasileiro inovação é uma importante fonte
brasileiro tem características con- de competitividade e criação de
sideradas, segundo Poschen, noci- tem características empregos para as empresas.
vas. Uma dessas é o alto índice da consideradas, segundo As empresas inovadoras, em
informalidade, em torno de 40%, geral, tendem a ser mais produti-
cuja tendência, com as mudanças Poschen, nocivas. Uma vas, criar mais empregos, contra-
trabalhistas recentes, é aumentar. dessas é o alto índice tar mais mulheres trabalhadoras e
“A informalidade é nociva porque empregar trabalhadores mais qua-
desprotege e cria dificuldades de
da informalidade, em lificados, o que significa que elas
acesso a políticas que poderiam torno de 40%, cuja empregam trabalhadores mais
melhorar a vida desses trabalha- tendência, com as educados e oferecem mais oportu-
dores”, explicou. Ele também criti- nidades de treinamento.
cou a rotatividade no mercado de mudanças trabalhistas Em alguns casos, no entanto,
trabalho brasileiro (em 2013 era de recentes, é aumentar. a inovação levou a um uso mais
63,7%). “Um caso único no mun- intenso de trabalhadores tempo-
do, pelo exagero”, observou.
“A informalidade rários (especialmente em empre-
Outros pontos negativos, se- desprotege e cria sas com inovação de produtos e
gundo ele, são o baixo nível de dificuldades de processos), com mais mulheres
organização sindical e a forte desi- representadas no emprego tem-
gualdade de gênero e raça. “Menos acesso a políticas que porário. Por exemplo, as empre-
de 20% dos brasileiros são sindica- poderiam melhorar sas que implementam a inovação
lizados. As mulheres negras são as de produtos e processos tendem a
piores remuneradas, vindo, na se- a vida desses empregar 75% mais trabalhadores
quência o homem negro.” Para ele, trabalhadores” temporários do que as empresas
o futuro do trabalho no País é di- não inovadoras.
fícil com a Lei 13.467: “Os salários O engajamento do comércio e
melhoraram na última década, mas o futuro é incerto.” das empresas nas cadeias produtivas globais também
Acrescente-se a esse quadro, prosseguiu, outros itens é estímulo importante para a criação de empregos e o
que ele definiu como desafios: o fim do bônus demo- crescimento da produtividade.
gráfico, o que vale dizer que o Brasil já não é um país de Com a estagnação do comércio internacional nos
jovens e enfrenta um envelhecimento rápido; produti- últimos anos, o mesmo aconteceu com os empregos
vidade estagnada e desindustrialização prematura. Um ligados ao setor. Em 2016, 37,3% dos trabalhadores
agravante é “a desigualdade brasileira enraizada, com estavam empregados em empresas privadas de ex-
concentração de renda e o predomínio de impostos in- portação formal. Essa parcela é inferior à de antes da
diretos, um obstáculo concreto ao desenvolvimento e crise, de 38,6%. O relatório observa que as empresas
crescimento”. exportadoras têm maior produtividade e pagam sa-
Poschen apontou algumas sugestões para o enfren- lários mais altos do que as empresas que não estão
tamento desse cenário hostil ao trabalho e ao desen- envolvidas no comércio internacional.
volvimento: priorizar a produtividade; investir nas pes- No entanto, as margens de produtividade para ex-
soas, e não apenas em tecnologia ou em infraestrutura, portação e importação superam a margem de salário
com formação técnica, profissional e de aprendizagem; em 13 e 5 pontos percentuais, respectivamente, indi-
reduzir a diferença de gênero e raça, assim como a in- cando que há margem para compartilhar os ganhos
formalidade, a rotatividade e a desigualdade de renda. do comércio de forma mais inclusiva.
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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
Praça chama atenção para “algo muito curio- cariedade, mediante a admissibilidade de contratos
so” envolvendo a citada plataforma de “bicos” da a termo para os trabalhadores jovens ou os desem-
Amazon, cujo nome foi inspirado num arremedo pregados de longa duração. A publicitação de ofertas
de “computador” conhecido como Turco Mecânico. de emprego com contratos precários, a prestação de
Tratava-se de uma máquina de jogar xadrez supos- apoios públicos a medidas de apoio à contratação,
tamente provida de inteligência artificial construí- os estágios e programas de ocupação de desempre-
da na segunda metade do século 18. O mecanismo gados (CEI e CEI+) usados para substituir postos
parecia ser capaz de jogar uma partida contra um de trabalho permanentes, bem como a contratação
forte oponente humano, mas na verdade era uma de trabalhadores em situação precária na adminis-
ilusão mecânica que permitia a um jogador de xa- tração pública, são exemplos preocupantes contra os
drez escondido a operar a máqui- quais o sindicalismo português
na. A proposta da Amazon (www. tem atuado.
mturk.com) é parecida. Ela quer “Muitos jovens vêem-se com-
Augusto Praça:
usar a inteligência humana para pelidos a aceitar salários e condi-
responder perguntas e realizar “Todo conhecimento ções de trabalho degradantes. A
tarefas previsíveis e mecânicas – científico e tecnológico precariedade é transversal a todos
coisas dignas de robô, como ana- os setores e não poupa sequer os
lisar milhares de fotos em busca tem que ser trabalhadores mais qualificados,
de uma determinada imagem, colocado a serviço contribuindo assim para desva-
mas que os computadores ainda lorizar as profissões e as carreiras
não são capazes de fazer. Os que
dos trabalhadores e profissionais”, diz a Central.
se habilitam para a tarefa rece- do povo. Para isso,
bem em troca alguns centavos de tínhamos e temos Artigos nesta edição
dólar. Praça compara esta relação
de trabalho ao trabalho escravo. que intervir na O terceiro palestrante desta
Segundo ele, a evolução tec- transformação da mesa do Seminário foi o diretor de
nológica vem confirmar, “de Estudos e Pesquisas da Fundação
forma cristalina, a afirmação de sociedade, conquistar Maurício Grabois e assessor da
Marx quando este diz que na so- o poder e colocar a CTB, Aloisio Sérgio Barroso. Ele
ciedade capitalista o trabalho não abordou o tema da quarta revolu-
economia a serviço
é mais do que uma mercadoria. ção industrial de uma perspectiva
No caso das plataformas digi- de todos e não só de marxista, relatando a evolução
tais, constata-se que a utilização alguns poucos como histórica do desenvolvimento in-
da tecnologia está visivelmente ali- dustrial e os impactos econômicos
nhada com os interesses das gran- acontece em nossos desta evolução num contexto de
des multinacionais, sendo utilizada dias” crise do capitalismo mundial.
como fator de aprofundamento da De acordo com Barroso, a
exploração dos trabalhadores. quarta revolução industrial mu-
Para Augusto Praça, é fundamental a produção dará as relações trabalhistas. “O desemprego e a pre-
de legislação, inclusive multilateral, que enquadre, carização atingirão novas categorias de trabalhado-
regule e limite este tipo de atividade, sobretudo res e se amplificarão”, disse ele, destacando que os
diante do agravante de que estas plataformas digi- monopólios, desde a sua origem, ampliaram o em-
tais não estão restritas a um só país. prego mas não diminuíram a pobreza.
O conteúdo da intervenção de Sérgio Barroso no
Contra a precarização Seminário Internacional da CTB está contido no ar-
tigo de sua autoria publicado nas páginas 4 a 10 des-
Ao final de sua participação no seminário, Praça ta edição da Princípios.
reforçou a necessidade de se apostar na formação do A revista publica também, nas páginas 21 a 27,
trabalhador e destacou lutas recentes do movimen- artigo do pesquisador Ronaldo Carmona, que abor-
to sindical português contra a precarização do tra- dou fenômenos atuais da geopolítica na segunda
balho, um processo que vem atingindo, com força, mesa do seminário e destacou a necessidade de um
sobretudo os trabalhadores mais jovens. processo de reindustrialização no Brasil.
Segundo a CGTP-IN, as próprias “políticas ativas
de emprego” têm sido usadas para fomentar a pre- * da redação, com agências
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Brasil
Sindicalistas prometem
resistir de cabeça e
punho erguidos contra os
retrocessos da reforma
Cláudio Gonzalez
A
expressão “A luta continua!”, muito Nesta e na próxima edição da Princípios, iremos
usada pelos sindicalistas, é tão ou publicar a opinião de lideranças sindicais de diferen-
mais antiga que o próprio movimento tes categorias e localidades do país. Todas elas respon-
operário e nunca foi tão atual quanto deram às mesmas perguntas sobre como suas entida-
agora, na véspera da entrada em vi- des estão enfrentando os ataques do governo golpista
gor da nefasta Reforma Trabalhista, e de setores da direita contra os trabalhadores e o mo-
sancionada pelo presidente ilegítimo vimento sindical e quais as estratégias que irão adotar
Michel Temer em julho deste ano. para que o sindicalismo não sucumba diante destes
O movimento sindical brasileiro lutou, mas não ataques.
teve força para barrar a aprovação da Reforma redigi- Nesta edição, publicamos as opiniões de Wag-
da e aprovada pelo Congresso mais conservador das ner Fajardo, coordenador da Secretaria Geral do
últimas décadas, um legislativo composto majorita- Sindicato dos Metroviários de São Paulo; Marcelino
riamente por representantes do setor empresarial. da Rocha, presidente da Fitmetal (Federação Inte-
Mas a batalha política perdida não significa, de for- restadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil) e
ma alguma, que os trabalhadores aceitarão calados os ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Betim
retrocessos que esta reforma fatalmente trará para o (MG); e de Debora Raymundo Melecchi, vice-pre-
mundo do trabalho. Este é o diagnóstico e a promessa sidente do Sindifars (Sindicato dos Farmacêuticos do
feitos por diversos sindicalistas ouvidos pela Princípios Rio Grande do Sul) e diretora de Organização Sindical
durante a realização de um dos maiores eventos sin- da Fenafar (Federação Nacional dos Farmacêuticos).
dicais do país, o 4º Congresso Nacional da Central dos As três lideranças são unânimes ao apontar a
Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), reali- necessidade de revitalização do movimento sindical
zado de 24 a 26 de agosto de 2017 em Salvador, Bahia. para fazer frente aos retrocessos que estão por vir.
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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
1 – Como está sendo mobilizar os trabalhadores a organização no local do trabalho, dialogar de modo
contra perdas de direitos diante deste cenário mais direto e frequente com as bases, investir em cam-
de desalento da população com a situação do panhas de sindicalização e, acima de tudo, propor saí-
Brasil? das consequentes à crise, que levem em conta os inte-
resses dos trabalhadores.
Debora Melecchi: Quando nos vemos num cenário de Wagner Fajardo: Tivemos uma grande vitória neste
incertezas, claramente a classe trabalhadora busca ano: a partir da mobilização contra a Reforma da Pre-
proteger o seu emprego. Contudo, é na crise que sur- vidência, iniciada com a marcha das mulheres no 8 de
gem oportunidades, e os sindicalistas classistas sempre março, tivemos uma grande mobilização no dia 15 da-
oportunizam formas de dialogar com o(a)s trabalha- quele mês, quando conseguimos paralisar o Metrô de
dor(a)es, a partir da vinculação dos retrocessos e o dia São Paulo o dia todo, e os condutores durante parte do
a dia desse(a) trabalhador(a). dia. Isso estimulou a mobilização de outras categorias,
Marcelino da Rocha: A crise política e econômica vi- transformando o dia 15 de março num grande movi-
vida pelo Brasil é um “teste de fogo” não apenas para mento que pavimentou a construção da maior greve
o movimento sindical, mas também para todos os se- geral de nossa história no dia 28 de abril.
tores organizados da sociedade. Com sua legitimida- No entanto, a ação das classes dominantes, alia-
de e credibilidade em xeque, diversas instituições têm da a interesses de algumas centrais, promoveu uma
sofrido para atravessar este período tão prolongado de desmobilização grande principalmente em São Paulo.
incertezas e desconfiança generalizada. Mas a mobili- E isso impossibilitou a ampliação das mobilizações e
zação avança à medida que os trabalhadores se cons- transformou a data de 30 de junho, marcada para um
cientizam. novo grande protesto, num dia nacional de muita luta,
Embora determinados problemas e impasses já mas sem o mesmo brilho de 28 de abril. Com a aprova-
existissem no governo Dilma, o fator que mais acen- ção da Reforma Trabalhista no início de julho, tivemos
tuou a crise foi o golpe de 2016 contra a presidenta e a um grande recuo nas mobilizações e, depois disso, tem
democracia. Num primeiro momento, as mobilizações sido difícil implementar grandes atos e paralisações.
populares perderam força – parte da população se dei- Uma perspectiva se abre com a mobilização dos me-
xou contaminar por falsas expectativas e promessas. talúrgicos de todas as centrais, que pode ser um novo
Os setores conservadores, base do governo ilegítimo de marco de construção de mobilização geral dos traba-
Michel Temer (PMDB), pareciam em ampla vantagem. lhadores.
Mas o que os golpistas entregaram ao povo brasi-
leiro e à classe trabalhadora? Recessão econômica e de- 2 – O processo de debate da reforma trabalhis-
semprego, sobretudo entre para os mais jovens. Corte ta acentuou a campanha de setores da direita
de verbas e de programas sociais. Ataques às mulheres, e até da mídia contra a atividade sindical. O
aos negros e às minorias. Retirada de direitos sociais discurso de demonização e de desprezo pelos
e trabalhistas. Compra aberta de votos para enterrar sindicatos foi disseminado sobretudo nas redes
denúncias e proteger os corruptos. sociais. Como isso tem refletido na ação da en-
Graças à luta do sindicalismo, dos movimentos tidade sindical na qual você atua?
sociais, dos partidos de esquerda e das lideranças pro-
gressistas, conseguimos desmascarar o governo e sua Debora Melecchi: Sim, esse projeto político imposto
política neoliberal. Segundo o Ibope, a rejeição a Temer no Brasil tem como uma de suas táticas agir contra as
dobrou em um ano, passando de 39% em setembro de atividades sindicais. Porém, é na prática sindical trans-
2016 para 77% em setembro passado. É a maior taxa parente, avançada e dialogada com a(o)s representa-
de reprovação a um presidente, mesmo com o apoio da(o)s que se esclarece o que está em jogo. Para isso
da grande mídia e do Congresso às medidas conser- se faz necessário um plano de comunicação eficiente e
vadoras. utilizar meios alternativos, como rádios comunitárias,
Para ter mais êxito na mobilização, o movimento para dialogar com todas e todos.
sindical precisa ser ratificado como o principal defen- Marcelino da Rocha: Apesar da campanha recente con-
sor dos trabalhadores. Temos de responder à altura aos tra os sindicatos e da aprovação da reforma trabalhista,
ataques contra o sindicalismo. Como os efeitos da crise não houve danos concretos à imagem do movimento
persistem e podem até piorar, é necessário intensificar sindical, das entidades e de suas lideranças. Curiosa-
44
Brasil
mente, o que ocorreu, após o golpe, foi o contrário – .Wagner Fajardo: Tem sido um processo complicado.
um reconhecimento maior do papel dos sindicatos. Na nossa categoria, por exemplo, têm sido estimula-
No caso da FITMETAL, 2017 é um de nossos anos dos setores de direita a tentarem interferir nas deci-
mais ativos, com muita demanda, mobilização e luta. sões da categoria, com ações combinadas ou não com
Nossa política foi testada em eleições sindicais impor- a empresa, que tentam influenciar os trabalhadores
tantes, das quais saímos vitoriosos, como em Betim contra o Sindicato e ampliar o desalento e a descren-
(MG) e Caxias do Sul (RS). No mês de maio, em nosso ça na luta. Além disso, as derrotas sofridas, com todo
2º Congresso, aprovamos a criação de uma confedera- o desenvolvimento do golpe, quebram a disposição de
ção nacional metalúrgica de orien- luta dos trabalhadores, exigindo do
tação classista – um passo audacio- Sindicato paciência e um trabalho
so, que tem como ponto de partida didático e de cautela, para preparar
a atuação mais ampla e vinculada os trabalhadores para a luta, sem
às bases. Lançamos a campanha destruir sua organização com ações
Brasil Metalúrgico e um ciclo na- desarticuladas e vanguardistas.
cional de debates sobre Indústria e
Desenvolvimento. 3 – Como você avalia o grau
Outro dado que atesta o avan- de unidade entre as entida-
ço do prestígio sindical é o Índice des sindicais neste momento
de Confiança Social (ICS) do Ibope Marcelino da Rocha: de ataques generalizados do
– levantamento anual que mede “Nos últimos anos, capital sobre o trabalho? Está
a confiança popular em 20 insti- havendo unidade suficiente
tuições. Nos últimos anos, com o com o agravamento da para enfrentar esta ofensiva
agravamento da crise e o avanço crise e o avanço das ou as disputas entre forças po-
das ideias conservadoras no Brasil, líticas continuam dificultando
o ICS dos sindicatos vinha caindo
ideias conservadoras a construção de uma agenda
– de 43 em 2014 para 41 em 2015 no Brasil, o Índice unitária do movimento?
e, enfim, 40 em 2016. Mas na últi- de Confiança Social
ma pesquisa, referente a 2017, esse Debora Melecchi: A unidade e am-
índice de confiança saltou para 44. (ICS) dos sindicatos plitude são obrigatórias nesse cená-
Vale acrescentar que as entrevistas vinha caindo, chegou rio que estamos vivendo no Brasil.
deste ano foram feitas entre 13 e 19 Por óbvio, ainda temos uma cami-
de julho, logo após a aprovação da a 40. Mas na última nhada para acumular mais forças,
reforma trabalhista, quando o dis- pesquisa, referente mas as diferentes concepções sindi-
curso antissindical do governo e de cais já percebem que a esquerda de-
seus aliados estava em evidência.
a 2017, o índice sempenha um papel fundamental
Podemos citar mais uma de confiança nas para o êxito da resistência demo-
pesquisa. Com base em dados de entidades sindicais crática, e para isso há necessidade
2015, um levantamento mostrou de unidade para resistir.
que 19,5% dos trabalhadores são saltou para 44” Marcelino da Rocha: Em princí-
sindicalizados no Brasil. De cada pio, a unidade do movimento não
cinco trabalhadores, apenas um é apenas uma bandeira do sindica-
se associa ao sindicato de sua categoria. E por que, lismo classista, representado pela CTB, pela FITMETAL
afinal, os demais ficam de fora? Resistência ao movi- e por suas entidades de base. É também um objetivo
mento? Rejeição às entidades? Nada disso. Conforme declarado das centrais sindicais – um caminho a ser
o levantamento, 26,4% dos não sindicalizados disse- perseguido, à luz de uma pauta comum em defesa dos
ram não saber qual era sua entidade representativa. trabalhadores. Mas, nos dias atuais, há divergências
É verdade que as taxas de sindicalização variam mui- entre as centrais em pontos importantes, em especial
to – de categoria a categoria, de região a região, de a definição da melhor tática para enfrentar a crise eco-
entidade a entidade. Mas também é fato que, como nômica, o desemprego ou a reforma trabalhista.
mostram os números, a voz do sindicalismo ainda Ao menos da parte da CTB, não faltam esforços
não chega à totalidade dos trabalhadores. Parte das para equacionar essas diferenças e viabilizar a unidade
dificuldades na relação entre sindicatos e trabalhado- possível. Temos de nos mirar, ainda, nas boas lições da
res é nossa – deve ser debitada na conta do próprio história. Seja na bonança, seja na desgraça, exemplos
movimento sindical bem-sucedidos nesse sentido existem. No segundo go-
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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
verno Lula (2007-2010), o Fórum das Centrais, marco Mas o fundamental é que este processo de uni-
máximo da unidade, realizou marchas vitoriosas a Bra- dade tem que procurar isolar os setores que se aprovei-
sília e alcançou conquistas históricas – caso da política tam deste momento para estimular as diferenças e se
de valorização do salário-mínimo. Neste ano, a já me- mostrar para os trabalhadores. É preciso ter espírito de
morável Greve Geral, em 28 de abril, uniu todas as cen- construção para conseguir a unidade e neste sentido
trais e impulsionou a luta contra a reforma da Previdên- tem sido fundamental o papel que a CTB joga, procu-
cia, retardando sua tramitação no Congresso Nacional. rando ser um polo de busca dos pontos que unem o
Para reforçar nossa convicção, temos o êxito do mo- movimento sindical.
vimento Brasil Metalúrgico, constituído em julho, com
entidades ligadas a nove centrais. 4 – Quais são os prejuízos mais
Lançamos em agosto um boletim imediatos e visíveis que pode-
unificado, com 300 mil exemplares, rão ocorrer com a categoria
para distribuir às nossas bases. Em que vocês representam a par-
14 de setembro, Dia Nacional de Lu- tir da entrada em vigor da re-
tas, promovemos manifestações, pi- forma trabalhista?
quetes, assembleias e paralisações,
dialogando diretamente com milha- Debora Melecchi: A informalidade,
res de operários em dez estados. Já através da terceirização dos servi-
em 29 de setembro, realizamos em ços, bem como a jornada intermi-
São Paulo a histórica Plenária Na- Debora Melecchi: tente deverão ser os prejuízos des-
cional dos Trabalhadores da Indús- tacados na área da saúde.
tria, em que mais de 1.500 dirigen-
“Esse momento nos Marcelino da Rocha: A reforma
tes e lideranças sindicais aprovaram, exige solidariedade trabalhista entra em vigor em 11 de
por unanimidade, uma plataforma entre as entidades novembro, mas os sindicatos já so-
unitária de lutas. frem seus efeitos no dia a dia. Em
sindicais em nome da tese, categorias com data-base em
Wagner Fajardo: Não se pode res- defesa e proteção à setembro, outubro ou novembro
ponder a esta pergunta de forma estariam imunes às perversidades
absoluta. A unidade, na minha opi-
classe trabalhadora dessa legislação. Mas muitas enti-
nião, não se dá de forma automáti- (...) É fundamental dades patronais têm postergado as
ca, é um processo de construção, promover uma convenções coletivas, à espera da
pois unir quem pensa diferente vigência das novas regras, que lhes
tem que ter como primeiro ponto o reorganização sindical, são favoráveis. As campanhas sala-
respeito às diferenças. Acho que o enraizada na base riais tendem a ser, portanto, mais
governo Temer conseguiu unificar duras e adversas.
o movimento sindical quando ata- e agindo através da De modo geral, crescem também
cou desenfreadamente os direitos unidade e cooperação. as ameaças de terceirização e pre-
trabalhistas com a Reforma da CLT carização no chão da fábrica. A
e a lei da terceirização, os direitos
. Afinal, não está morto reestruturação produtiva era um
previdenciários com a Reforma da quem pelea!” dos meios aos quais a indústria re-
Previdência, e o ataque às organi- corria para reduzir postos de traba-
zações sindicais. Por isso, foi pos- lho e aumentar a margem de lucro.
sível construir o dia 28 de abril. No entanto, as coisas Agora, com a reforma, os patrões terão mais margem
não são estáticas e o governo agiu para tentar dividir legal para cortar empregos, direitos e benefícios.
o movimento sindical, como foi na mobilização do dia Wagner Fajardo: Em princípio, o ponto mais nevrálgico
30. Mas os ataques são tão violentos e permanentes, para a nossa categoria é a questão da terceirização de-
que a unidade acaba se impondo pela necessidade, senfreada. Numa categoria que tem um acordo coletivo
como está ocorrendo agora com os metalúrgicos. como o nosso, o maior problema é que a lei sempre foi
Outros movimentos também estão ocorrendo por nosso ponto de referência para avançar. Mas agora essa
conta dos processos de privatização de setores estraté- lei não estabelece mais nenhuma referência, ao contrá-
gicos e fundamentais como o setor elétrico, o transpor- rio disso, serve como teto e não mais como piso. Sem
te aéreo, o transporte metro-ferroviário. Isto tudo pode dúvida, isto vai pressionar muito a categoria e estimu-
se unificar num futuro próximo e se transformar num lar ações mais ousadas dos governos e empresas que,
grande processo de mobilização. sem dúvida, irão buscar reduzir nossas conquistas.
46
Brasil
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Judicialização da
política e controle do
processo legislativo
Isaac Kofi Medeiros**
O
Brasil assiste a um momento difícil
de sua história, um momento em que
a democracia se encontra em cons-
tante estado de tumulto. Sob toda
ótica enxergam-se sintomas de um
quadro político inquieto. Rupturas
institucionais, violações de garan-
tias individuais oferecidas pela Constituição, acir-
ramento da polarização ideológica, criminalização e
judicialização da política, entre outras questões, são
tópicos frequentes no atual estágio da democracia
brasileira.
Em meio à conjuntura nacional, preocupações de
ordem democrática ressuscitam o debate acerca da
separação dos Poderes da República no Brasil. Eis que
um desses aspectos que marcam nossos tempos, a ju-
dicialização da política, exige uma reflexão maior por
parte do campo progressista da sociedade brasileira,
de sorte a propor reflexões críticas quanto a fenôme-
nos políticos e jurídicos que favoreçam uma sobrepo- Nossa Constituição, como diz o ministro do Su-
sição do Poder Judiciário em relação ao Parlamento. premo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, é ana-
lítica, ambiciosa e desconfiada do legislador (2008);
O aumento exponencial das prerrogativas contempla um rol extenso de direitos elevados à es-
do Poder Judiciário encontra eco em nível in- tatura constitucional ou mesmo ao nível de cláusu-
ternacional, no que se pode cogitar viver-se la pétrea que, por consequência, podem ser reivin-
atualmente na Era do Judiciário, em contra- dicados perante os tribunais do País, promovendo
posição aos anos de ouro da supremacia par- uma transferência do poder decisório sobre grandes
lamentar e aos regimes absolutistas dos sécu- questões nacionais, porquanto tais direitos são am-
los passados. Historicamente, a judicialização plos e multifacetados, no que incidem em toda sorte
da política ganha dimensão global signifi- de conflito trazido ao Judiciário. Entretanto, como
cativamente a partir de 1945 com o término qualquer fenômeno complexo, a judicialização da
da Segunda Guerra Mundial, em que a co- política não tem origem inequívoca, tampouco úni-
munidade internacional passa a internalizar ca. É resultado de uma interação heterogênea de di-
um discurso de valorização dos direitos fun- versos fatores que podem razoavelmente ser enqua-
damentais e a positivá-los na redação cons- drados como de ordem jurídica e também política.
titucional dos Estados nacionais, de maneira Tribunais não pairam num vácuo ideológico e, por
a viabilizar a transformação deste núcleo de conseguinte, sofrem o influxo da conjuntura que os
direitos em pretensões jurídicas que, proces- cerca (HIRSCHL, 2012).
sualmente instrumentalizadas, transferem ao
Poder Judiciário a prerrogativa de decidir so- É notável, por exemplo, que elites políti-
bre questões relevantes de ordem moral, polí- cas possam desejar a expansão de uma Cor-
tica, social e econômica. te Suprema forte e dotada de grande capaci-
dade institucional para intervir em questões
A judicialização da política brasileira vem, por- tradicionalmente reservadas ao Parlamento,
tanto, acompanhando uma tendência internacional eis que a delegação do poder decisório do Le-
de deslocamento da tomada de decisões de grande gislativo ao Judiciário pode significar que o
repercussão ao Poder Judiciário. Se em nível inter- Congresso Nacional, por exemplo, não precise
nacional o marco inicial da judicialização da política tratar de temas considerados controvertidos,
tem lugar no pós-guerra, no Brasil pode-se afirmar como aborto e uso de células-tronco, temas
que foi com o advento da redemocratização e com a cuja repercussão da escolha dos congressistas
promulgação da Constituição da República Federa- pode vir a desqualificá-los perante seu eleito-
tiva do Brasil de 1988 que o País inicia um período rado. É o que o jurista canadense Ran Hirschl
em que este fenômeno se expressa com mais desen- denominou, de forma caricata, porém preci-
voltura. sa, de transferência de batatas quentes (2012). No
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Brasil
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cial à aprovação dessas matérias no Parlamento. Na rio fortalecido em detrimento da qualidade da políti-
ocasião das 10 Medidas Contra a Corrução, porém, o ca democrática. Veja-se que o povo brasileiro recorre
entendimento foi outro. Talvez justamente pelo fa- com frequência aos tribunais, alçados no imaginá-
to de a aprovação do dispositivo não ter encontrado rio coletivo à condição de última instância legítima
amplo respaldo social, o que pode revelar a conota- do Poder Público. O agravamento da judicialização,
ção política da decisão liminar. portanto, esvazia o significado do voto, pois que a
figura do Judiciário-que-tudo-re-
O esvaziamento da solve implica dispensar a política.
política O agravamento Assim, parcela da política eleito-
da judicialização, ral brasileira continua baseada no
A decisão liminar se dá em fisiologismo e no personalismo,
portanto, esvazia
meio a um processo contínuo tanto quanto permanece disso-
de judicialização da política no o significado do ciada das ideias e dos conteúdos
Brasil, que desloca ao Judiciário voto, pois que a programáticos dos partidos, o
a palavra final sobre questões que, por consequência, implica
relevantes tradicionalmente des- figura do Judiciário- possivelmente a eleição de uma
tinadas ao Legislativo, por vezes que-tudo-resolve nova legislatura com baixa re-
inclusive sob aplausos ou inicia- presentatividade e dissociada da
tiva da própria classe política do
implica dispensar realidade do povo brasileiro, que,
País, mediante o requerimento a política. Assim, outra vez mais, recorrerá ao Poder
de liminares no Supremo Tribu- parcela da política Judiciário para resolver seus con-
nal Federal. Ao fazê-lo, nossos flitos.
representantes gradativamente eleitoral brasileira
abrem mão de suas prerrogativas continua baseada * Isaac Kofi Medeiros é advogado
constitucionais de legislar e re- e bacharel em Direito pela
presentar o povo brasileiro, sem no fisiologismo e no
Universidade Federal de Santa
olvidar que alimentam um cami- personalismo, tanto Catarina. Foi coordenador-geral do
nho sem volta, pois, como diz a
quanto permanece Diretório Central dos Estudantes
máxima jurídica, o Supremo tem da UFSC.
o direito de errar por último. dissociada das ideias
Tampouco a população em ge- e dos conteúdos ** Este artigo foi feito com base
ral deve comemorar este esvazia- em monografia apresentada na
mento do Congresso, por piores programáticos dos forma de Trabalho de Conclusão
que eventualmente possam ser partidos de Curso, intitulado Controle
parte dos nossos representantes. O preventivo de constitucionalidade:
voto de confiança do eleitor dado a jurisprudência do Supremo
ao parlamentar figura como o tíquete de legitimidade Tribunal Federal à luz da judicialização da política,
para o representante legislar de acordo com a vontade apresentado ao Centro de Ciências Jurídicas da
popular, o que é a feição típica das democracias repre- Universidade Federal de Santa Catarina em 2017.
sentativas contemporâneas. E é justamente a sujeição
do parlamentar à sabatina do voto, isto é, à pressão po-
lítica real, que fornece ao eleitor a garantia de instru- Bibliografia
mento apto a trocá-lo no próximo pleito na eventuali-
dade de frustrar-se com a atuação do mandatário que BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo
ajudou a eleger. A periodicidade do momento de esco- e legitimidade democrática, 2008. Disponível
lha dos representantes, portanto, afigura-se como um em: <http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/
ponto de preservação mínimo da capacidade do povo judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica>.
Acesso em 03 de jul. 2017.
de opinar sobre os rumos do País. No momento em que
se entrega ao Supremo Tribunal Federal a competên- HIRSCHL, Ran. O novo constitucionalismo e a
cia para decidir sobre as grandes questões nacionais, judicialização da política. In: MOREIRA, Luiz.
Judicialização da política. São Paulo: 22 Editorial,
perde-se esta garantia haja vista que os ministros do 2012, p. 131-167.
Supremo têm mandato vitalício.
Este quadro histórico em que vivemos, caso apro- KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. 3ª ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2013.
funde-se ainda mais, aponta para um Poder Judiciá-
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Capa
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É
do poeta e dramaturgo alemão Ber- “Primeiro levaram os negros
tolt Brecht a frase que diz que “a Mas não me importei com isso
cadela do fascismo está sempre no Eu não era negro
cio”. A premissa tem se mostra-
do verdadeira se pensarmos que é Em seguida levaram alguns operários
de seu cruzamento com o raivoso Mas não me importei com isso
monstro do golpe que têm nascido os cães hidrófo- Eu também não era operário
bos que a cada dia, no Brasil, encontram novas ví-
timas contra as quais rosnar. A mais recente — se Depois prenderam os miseráveis
é que é possível falar em vítimas mais recentes, e Mas não me importei com isso
não simultâneas, tantos e tão rápidos são os ataques Porque eu não sou miserável
— parece ter sido a arte, atingida por acusações de
pornografia, pedofilia e profanação de símbolos re- Depois agarraram uns desempregados
ligiosos. E o legítimo protesto contra a censura pro- Mas como tenho meu emprego
movido pelos artistas, alguns dos quais apoiaram o Também não me importei
golpe de 2016 orquestrado, entre outras forças, pe-
lo mesmo Movimento Brasil Livre (MBL) que, com Agora estão me levando
esse nome irônico, tenta agora amordaçar museus Mas já é tarde.
e aprisionar todo um país em sua tacanha visão de Como eu não me importei com ninguém
mundo retrógrada obtusa, lembra outras palavras de Ninguém se importa comigo.”
Brecht, aquelas do poema Intertexto:
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Educação
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titucionalidade que a Confederação Nacional dos tivo explícito de tirar direitos dos trabalhadores em
Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — educação; a liberação da terceirização irrestrita, que
Contee obteve importante vitória no dia 21 de mar- atinge em cheio o setor educacional — chegando,
ço de 2017 quando o ministro Roberto Barroso, do inclusive, às salas de aula, e põe em xeque a própria
Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar qualidade da educação; a reforma trabalhista — com
em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) mo- seus incontáveis retrocessos — e a reforma da Previ-
vida pela entidade e suspendeu integralmente a Lei dência — que põe fim à aposentadoria diferenciada,
7.800/2016 do estado de Alagoas, também inspirada com redução do tempo de serviço, para o magistério
no programa Escola Sem Partido. No texto enviado da educação básica, prejudicando, sobretudo, as pro-
ao STF, a Contee já apontava que a Lei da Mordaça fessoras da educação infantil e dos primeiros anos
de Alagoas era contrária aos princípios constitucio- do ensino fundamentam que começam a lecionar
nais que asseguram a liberdade de aprender, ensinar, muito jovens…
pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; Em meio a tudo isso, amordaçar o magistério
o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; também é uma forma de apagá-lo. A desprofissio-
a coexistência de instituições públicas e privadas de nalização do professor passa também pela tentativa
ensino; e a gestão democrática do ensino público. de censurá-lo, de cercear sua liberdade de cátedra
Na ADI, a Confederação indicou também que a lei e de impedir o exercício de projetos pedagógicos
afrontava os principais tratados internacionais, dos críticos e democráticos. Para enfrentar esse proces-
quais o Brasil é signatário, tais como a Declaração so nefasto cuja campanha da Contee denuncia e
Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacio- combate, é preciso também defender a construção
nal dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto de San de uma escola verdadeiramente democrática. Esse
José da Costa Rica. é o sentido do Projeto de Lei que institui o progra-
Mesmo assim, tentativas de novas Leis da Mor- ma Escola Democrática (PL 2035/16), apresentado
daça continuam proliferando. E é sintomático que, por nós na Câmara Municipal de Belo Horizonte. A
paralelamente a elas, tente-se agora fazer com que proposta busca defender a organização democrática
o Congresso Nacional discuta a retirada do título de de estudantes, pais, professores e funcionários, bem
patrono da educação brasileira dado ao educador e como assegurar a livre manifestação do pensamen-
filósofo Paulo Freire. A proposta, claro, é endossada to; o respeito à pluralidade étnica, religiosa, cientí-
pelo MBL e pelo movimento Escola Sem Partido. Em fica, ideológica e política; e a livre manifestação da
outras palavras, os cães hidrófobos, filhotes diletos orientação sexual e da identidade e/ou expressão de
da cadela do fascismo, que, com seus ladridos, bus- gênero, além do reconhecimento à igualdade entre
cam apagar figuras como Cândido Portinari, Lygia os seres humanos e o respeito às diferenças entre os
Clark, Alfredo Volpi, Adriana Varejão, Leonilson — povos, os países, as etnias, as culturas, os gêneros
artistas cujas obras faziam parte da mostra Queer- e os comportamentos. A matéria ainda proíbe, nas
museu — ou Paulo Freire são os mesmos. salas de aula e fora delas, em todos os níveis, etapas
O verbo apagar não foi usado à toa. Tentar apagar e modalidades de educação da capital mineira, as
Paulo Freire do lugar de sua relevância na educação práticas de quaisquer tipos de censura de natureza
brasileira simboliza bem o que querem fazer com a política, ideológica, filosófica, artística, religiosa e/ou
própria educação brasileira. É precisamente esse ver- cultural a estudantes e docentes, ficando garantida a
bo também o ponto central da campanha nacional livre expressão de pensamentos e ideias, observados
contra a desprofissionalização do magistério lançada os direitos humanos e fundamentais, os princípios
pela Contee entre o fim de setembro e o início de ou- democráticos e os direitos e garantias estabelecidos
tubro, mês em que se comemora o Dia do Professor. na Constituição e nos tratados internacionais dos
“Apagar o professor é apagar o futuro”, diz o slogan quais o Brasil é signatário.
da campanha, que busca mobilizar não apenas a ca- Construir essa escola democrática só é possível
tegoria, mas toda a sociedade contra as pautas que, com o professor livre, assim como para construir um
nestes tempos de tantos ataques, ferem diretamen- Brasil democrático só é possível com arte e educação
te a profissão docente: a contratação por “notório livres. Com um povo livre. Para que nosso futuro não
saber” proposta na reforma do ensino médio, que seja apagado.
rebaixa a formação, destrói as licenciaturas e des-
qualifica o professor; a suspensão da Súmula 277 do *Gilson Reis é coordenador-geral da
Tribunal Superior do Trabalho (TST), que acaba com Confederação Nacional dos Trabalhadores em
a ultratividade das normas coletivas, numa ação Estabelecimentos de Ensino — Contee e vereador
movida pelo setor patronal do ensino com o obje- em Belo Horizonte/MG
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Brasil
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Pós-modernismo e a
atualidade da teoria Marxista
Madalena Guasco Peixoto**
O Maior Splash, pintura de David Hockney, de 1967, expressa o início de uma nova era de
otimismo nas artes ocidentais. Até então, o pós-guerra dominava a pintura com suas distopias e
pessimismo. Esta pintura também simboliza um período de riqueza social enorme no centro do
capitalismo, contrastando os valores socialistas do leste europeu.
58
Teoria
N
este ano de comemoração do cente- A crise do marxismo foi tratada pelo próprio mar-
nário da Revolução Russa constrói- xismo.
-se mundialmente um intenso am- Hobsbawm, em O Marxismo hoje, um balanço aber-
biente de debates e estudos, no qual, to (1989), detecta que no século XX ocorreram três
ao mesmo tempo que se comemora momentos de crise do marxismo. A primeira, nos
os 100 anos da Revolução Russa, anos 1950, decretada pela emergência do Estado
como um marco histórico, elaboram-se reflexões do Bem-Estar social (era do ouro) que colocava no
sobre a atualidade do marxismo como método do campo do liberalismo a possibilidade de uma so-
estudo da sociedade, da natureza e do pensamento; ciedade de ampliação democrática de direitos uni-
como teoria de compreensão da economia política, versais com importante papel do Estado. Essa crise
do capitalismo e da cons- não foi decretada pelas
trução do socialismo co- dificuldades do socialis-
mo teoria revolucionaria. mo, ao contrário, o socia-
Atualiza-se o debate acer- lismo mostrou-se potente
ca de novos fenômenos e e venceu a guerra, apesar
da importância do método das dificuldades que ocor-
materialista dialético que, reriam posteriormente. A
desde sua sistematização segunda começa exata-
na modernidade, se trans- mente com a crise do pró-
formou em conhecimento prio socialismo no início
científico porque foi apli- dos anos 1960. E a tercei-
cado aos estudos de áreas ra com o colapso do Leste
de conhecimento as mais Europeu e o retrocesso da
diversas. URSS. Uma derrota estra-
Discutir a atualidade tégica.
do marxismo é importante Assim também tra-
porque tem por trás a ideia balharam Perry Ander-
– que é correta –, segundo a son, em A Crise da Crise do
qual o marxismo não é um Marxismo – Introdução a
dogma, nem uma filosofia um debate contemporâneo
especulativa, como bem (1990), e vários outros
disse Marx em A Ideologia autores que se debruça-
Alemã: “Não se trata mais ram sobre o tema como
de interpretar o mundo J. Chasin (1988); Ricardo
e sim de conhecê-lo para Antunes (1988); István
transformá-lo”. Para con- Mészáros (1985), Lucio
tinuar sendo uma teoria Colletti (1983) e Florestan
que busca compreender a Militar olhando por fresta do Muro de Berlim, em Fernandes (1988), entre
realidade para transformá- 1989, às vésperas da queda que marcou a maior crise outros. A década de 1980
-la, o marxismo tem que se do marxismo, abrindo caminho para celebrações pós- foi uma década de inten-
atualizar constantemente, modernas à vitória do capitalismo. so debate sobre a crise do
já que a realidade e o pen- Marxismo
samento dialeticamente se transformam. Lenin em 1913, analisando em sua época a tra-
Esse cruzamento entre a atualidade do marxismo jetória do marxismo, produziu dois textos. Um me-
e a pós-modernidade se dá não por outra razão, mas nos conhecido, chamado A crise histórica do Mar-
porque uma parte dessa corrente, assim como em xismo (1976), no qual ele mostra que o marxismo
outras épocas históricas, propugna o fim do marxis- se desenvolve e se fortalece nas crises; e outro mais
mo e – nesse caso específico de uma corrente da pós- conhecido, chamado Vicissitudes históricas da doutrina
-modernidade – de toda teoria totalizante. (Como de Karl Marx (1988), no qual detectou que o mar-
se fosse possível alguma teoria não ser totalizante.) xismo entra em crise pela necessidade de sua atua-
Portanto, propugna a crise de toda teoria. lização e também pelo seu caráter revolucionário
Dessa vez a crise do marxismo é acoplada à cons- porque sempre será colocado como referência pelos
trução de um discurso maior e a uma crise de maior liberais que buscam deturpá-lo tornando-o o mais
proporção, ou seja, a crise da modernidade. vulnerável possível.
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Teoria
Uma das principais transformações conceituais da pós-modernidade é a que reduz a história a um apanhado de fatos desconexos
sem possibilidade de explicação científica
A modernidade em sua contradição libertou o plicação para a história e explicita-se o seu sen-
homem do determinismo religioso e o colocou como tido.
ser capaz de conhecer o mundo e de atuar sobre ele O materialismo histórico, como todo o histori-
de forma consciente. cismo, é uma teoria da mudança histórica. No pro-
Além dos elementos do caráter ideológico da do- cesso material histórico, o homem concretiza a sua
minação no campo das ideias, se coloca como funda- liberdade que, para Marx, significa o fim das desi-
mental também nesse debate sobre as correntes pós- gualdades e o livre desenvolvimento das potenciali-
-modernas o entendimento da concepção de história dades humanas, o livre desenvolvimento das forças
e emancipação em Marx. humanas. Marx é descendente da ideia progressista
O Estudo da História e a concepção de história construída nas revoluções burguesas e na moder-
em Marx tem duas características básicas. A primei- nidade, ele é herdeiro da ideia de que é possível o
ra é considerar que o conhecimento de qualquer coi- homem alterar a história, não através da vontade,
sa ou de qualquer fenômeno exige que se refira à mas do conhecimento das causas que impedem a
história. Tudo o que existe é percebido do ponto de sua liberdade. Desse modo, é um precursor também
vista da história e é realmente história. Isso significa da concepção de que a sociedade e a história podem
que nada pode ser compreendido fora da história. ser estudadas cientificamente.
Hegel afirmava: “tudo é história”. Marx seguindo os A história é a realização dessa liberdade, dessa
seus passos vai afirmar que “só reconhece uma ciên- emancipação de tudo o que impede o homem de de-
cia, a ciência da história.”. (p.20). senvolver-se livremente. Para Marx, a história não
A segunda característica é uma tendência para está dada de antemão, embora possamos antevê-la
captar a natureza, a sociedade e o homem e o pensa- como possibilidade.
mento em constante movimento, nas suas mutações Marx compõe a modernidade, e ao mesmo é um
contínuas. A visão dinâmica da realidade constitui crítico da modernidade burguesa: embora louve nes-
um dos seus fundamentos. Tudo o que existe é uma ta época histórica o desenvolvimento, aponta os seus
transformação, um processo. obstáculos para a realização humana.
A história, para Marx, explica-se cientificamente. No capitalismo, segundo ele, vivemos o máximo
Ele elaborou uma filosofia da história. A sua filoso- da contradição histórica entre desenvolvimento das
fia, entretanto, difere radicalmente daquela elabora- forças produtivas e apropriação da riqueza produzida;
da por Hegel, pois não se constitui numa compreen- portanto, o capitalismo é a sociedade mais complexa.
são intelectiva do mundo, mas em práxis. A sociedade burguesa é a chave para a compreen-
Marx também submete a História a um trata- são das sociedades anteriores por um motivo: a so-
mento filosófico. Busca o fio condutor que daria ciedade capitalista é produto do desenvolvimento
inteligibilidade às miríades de acontecimentos histórico, portanto de posse das categorias desenvol-
aparentemente desconexos, ou seja, identifica-se vidas pela economia moderna se torna possível ex-
por trás das várias histórias particulares o elemen- plicar as diferenças e semelhanças que ela mantém
to unificador, a regularidade; elabora-se uma ex- com outras formações econômicas, uma vez que –
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como revela Marx n’O Capital – a sociedade burguesa qualquer conjunto de ideias nada mais é do que nar-
atingiu níveis de totalização e integração de todas rativas.
as atividades como partes ou momentos de si que Essa corrente se apresenta como uma articulação
nenhum modo de vida econômica anterior atingira. lógica, segundo a qual desvenda que a produção das
Ela subordinou a si mesma, como totalidade, todas teorias e de conhecimento na modernidade nada
as formas de produção anteriores. mais foi do que a construção, sob a ilusão de ciência,
A sociedade capitalista em seu desenvolvimento de um conjunto de narrativas. No entanto, se auto-
tem ficado cada vez mais sofisticada no campo da define como verdade, como aquela que desvenda a
produção e universalização de suas ideias ou, como ilusão da modernidade e decreta no século XX o fim
diz Gramsci, na construção da hegemonia e do domí- de quaisquer teorias, menos a pós-moderna.
nio da sociedade civil, somente assim podemos en- Como uma narrativa – como qualquer outra,
tender o surgimento no final do século XX e início tendo a validade como qualquer outra –, a depen-
do XXI dessa ampla corrente cha- der do gosto e inclinação, ela não
mada pós-moderna, que conse- cumpriria o seu papel de legiti-
guiu adeptos na intelectualidade A sociedade midade.
de vários lugares do planeta. Ini- A armadilha é esta: Ela espera
capitalista em seu
cia-se com ela uma nova apologia – levantando elementos da reali-
do presente como se fosse a única desenvolvimento dade, que a tornam confiável para
coisa possível diante das modifica- tem ficado cada vez se transformar em força material
ções do capitalismo no século XX e – que nós a aceitemos como um
a crise das experiências socialistas. mais sofisticada no conjunto revelador ou no mínimo
É através do conceito de his- campo da produção e como uma narrativa mais inte-
tória em Marx que se explica as ressante para o momento. Dessa
diferenças das abordagens da pós-
universalização de suas forma, estamos, portanto, não só
-modernidade, em pelo menos ideias ou, como diz referendando seus pressupostos
duas correntes: Uma que nega a Gramsci, na construção como nos rendendo a suas con-
modernidade e toda teoria totali- clusões.
zante, e nesse sentido nega tanto da hegemonia e do Assim ela mobilizou também
o liberalismo como o marxismo; e domínio da sociedade autores do campo marxista que,
outra que entra no debate de outra diante dessa armadilha, passa-
forma buscando resgatar os prin- civil, somente assim ram a elaborar estudos que bus-
cípios da ciência e da teoria mar- podemos entender o cavam desvendar o conteúdo
xista, mas levantando elementos dessa primeira corrente através
surgimento no final do
novos tanto no campo do marxis- exatamente da aplicação do mé-
mo quanto em outros campos. século XX e início do XXI todo materialista histórico para
Quando nos deparamos com dessa ampla corrente compreenderem o conteúdo da
esse conjunto de ideias dessa pri- luta de ideias na atualidade.
meira corrente, que começou a chamada pós-moderna, No início a chamada pós-mo-
ser produzida nos anos 1980 – e que conseguiu adeptos dernidade entrou nas universida-
no Brasil começa a sua penetra- des e nos círculos intelectuais no
ção na década de 1990 –, somente
na intelectualidade Brasil para dar campo a produ-
temos duas saídas: de vários lugares do ções em diferentes áreas; e para
A primeira é aceitar de forma planeta com os seus pressupostos mais
acrítica e penetrar dentro da con- gerais se transformar em força
cepção como um conjunto de abs- material.
trações; a segunda é desconfiar. Dessa forma, com o tempo entrou no campo do
A desconfiança tem fundamento teórico. A cha- senso comum, como um tipo de materialização, mas
mada pós-modernidade, ao decretar o fim das teo- principalmente construiu uma nova formatação dos
rias e dos métodos científicos de conhecimento, movimentos sociais e políticos.
derruba, por conseguinte, a possibilidade de análise Seus pressupostos orientaram a formatação de
dela mesma como corrente. frentes e de movimentos em nível mundial – sem-
É possível utilizar um método de análise para pre com a prerrogativa de que a chamada pós-mo-
compreender essas ideias que propagandeiam o fim dernidade exigia um novo tipo de movimento social
dos métodos e das teorias? Para os pós-modernos, que se deslocasse do pressuposto de luta de classes e
62
Teoria
A condição pós-moderna da humanidade se encerra com a emancipação por meio do consumo. O destino humano é a produção
da obsolescência de novidades disponíveis no mercado para garantir o ciclo permanente de consumo.
também dos partidos tradicionais e das formas tra- e político típico do capitalismo em seu estágio atual.
dicionais de fazer política. O segundo, que o capitalismo em seu estágio atual
Por trás dessa concepção se debatiam dois tipos possui inúmeras manifestações subjetivas que po-
de versões. A que entendia que a luta pela transfor- dem ser agrupadas teoricamente de várias maneiras
mação da sociedade era algo ilusório, inventado pe- (pós-marxismo, pós-estruturalismo etc.) A chamada
las meganarrativas modernas e, portanto, entravam pós-modernidade é um desses agrupamentos que se
no campo da ampliação da democracia (chamada apresentam complicados, uma vez que na análise dos
inclusive por Boa Ventura Souza Santos como a de- autores que compõem essa corrente, e defendem a
mocracia sem fim). E a que – diante da mesma cons- ideia da existência de uma concepção pós-moderna,
tatação de que a luta tradicional pela transformação aparecem importantes diferenças e discrepâncias, no
social havia perdido o sentido – defendia, e ainda tocante ao que que realmente significa tal condição;
defende, a luta no campo cultural e econômico, prin- o mesmo acontecendo com as características aponta-
cipalmente na mudança de mentalidades e no in- das por eles. O terceiro e último é que toda produção
centivo ao avanço das tecnologias; a única capaz de de ideias, sejam elas próprias da chamada pós-mo-
acabar com as injustiças sociais. dernidade ou não, está profundamente impregnada
Mapear essa chamada concepção pós-moderna de caráter ideológico, uma vez que foram produzidas
não é tarefa fácil já que se trata de uma corrente am- em uma sociedade de classes. Trabalham com esse
pla e desconexa, tendo como única condição a crítica a terceiro elemento e nos ajuda a entender as diferen-
aspectos os mais variados da chamada modernidade. ças dentro dos pós-modernidade é Mészáros (poder
A sistematização que levanto elege autores que da ideologia e a ordem da reprodução social metabó-
trataram dentro desse campo das questões sociais, lica do capital) e Ellen Wood (em defesa da História:
políticas e econômicas como foco da crítica à mo- o marxismo, a agenda pós-moderna).
dernidade. Muitos autores produziram dentro desse campo
O Enfoque desses autores pode ser analisado den- da primeira corrente. Destaco aqui lotar e Baudril-
tro de três pressupostos. O primeiro é que as ideias lard. O primeiro por ter sido o autor que dá início a
da existência de uma chamada pós-modernidade são esse conjunto de ideais na década de 1980 e o segun-
produzidas dentro de um panorama social, econômico do pela penetração nos meios acadêmicos os mais
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variados. Os dois, cada qual a seu modo, irão com- de, uma vez que ela se dissolve em signos, ou na he-
partilhar dos pressupostos que descrevo abaixo. terogeneidade dos “jogos de linguagem”. O desen-
A negação da existência de estrutura e de cone- volvimento da atual sociedade ocorrerá no âmbito
xos estruturais, impossibilitando assim qualquer da permanência dela mesma.
análise causal da história. É por esse motivo que o marxismo como teoria
Substituem as estruturas e causa por fragmen- crítica do capitalismo é, entre outros, também consi-
tos e contingencias – para eles, apesar de usarem o derado falido, uma vez em que se constitui em uma
termo capitalismo (como é o caso de Baudrillard), metanarrativa, como teoria totalizante, universali-
não existe uma coisa chamada sistema social, “uma zante.
unidade sistema e suas leis do movimento”. O marxismo, segundo os pós-modernos, como
Ao decretarem a falência teoria econômica, política e
das grandes narrativas, de- da história, diante das reve-
monstram a falência de toda lações da pós-modernidade,
a ideia de progresso e causa- perde totalmente o sentido.
lidade – deixa de existir uma Por esse motivo Ellen Wood
teoria da história. A história (1996) identifica muitas das
se torna um processo ininteli- teses defendidas pelos –pós-
gível, impossível de ser conhe- -marxistas com as teses pós-
cido e entendido, e acoplado a -modernas. Segundo ela, a
esse pressuposto aparece um pós-modernidade acaba ser-
outro que é a impossibilidade vindo como referência aos
total do fazer histórico. pós-marxistas.
Em substituição ao concei- Suas ideias são produto de
to de processo histórico, colo- uma concepção do real que,
cam a ideia do conjunto de apesar de ter conexão com a
heterogêneos, um conjunto O modo como o pensamento pós-moderno realidade em alguns de seus
anárquico, no qual se revelam se impôs na universidade ocorreu por meio aspectos, só existe na abstra-
as diferenças. Ao anunciarem da recusa de toda a racionalidade anterior, ção.
a época pós-moderna dessa considerada uma ilusão científica. Todo o Uma concepção de cunho
forma, anunciam a “época da pensamento produzido na modernidade é idealista, à medida que cons-
negação da história”. considerado parte de uma tragédia humanitária trói as suas explicações, indi-
A crítica que alguns auto- expressa nas duas grandes guerras mundiais. cando a emergência de uma
res fazem do determinismo tal condição pós-moderna,
histórico – muitas vezes associado ao marxismo –, passando, em seguida, a trabalhar com tal condição
busca revelar que a história é constituída de tendên- e suas implicações, sem a mínima vinculação entre
cias e possiblidades e que todo conjunto ou sistema a realidade objetiva e suas ideias. Aliás, declaram
social é também constituído pelo heterogêneo. O abertamente o fim de toda objetividade (BAUDRIL-
que parecer ser um alerta importante acaba por abs- LARD).
trair-se no exagero e negar o caráter processual da É em certa medida a volta, sob novas bases, por
história. São defensores do inexplicável, do impon- meio de novos elementos, do subjetivismo e do ag-
derável e do caos irrecuperável. nosticismo relativista produzido também na moder-
É dessa forma que, em nome do abandono da nidade.
ideia iluminista de progresso, abandona-se também Essas correntes da pós-modernidade declaram
a ideia de causalidade na história e de suas conexões a falência do conhecimento, da razão e, ao mesmo
mais gerais – é o reforçamento sobre bases ainda tempo, indicam que as únicas explicações possíveis
mais radicais do micro-história. e permanentes são aquelas contidas na concepção
Esses autores convergem na defesa, cada qual a pós-moderna – que se caracteriza como uma teoria
seu modo, da impossibilidade, ou inviabilidade, na da ruína universal do conhecimento, tão teórica e
época atual, da permanência de projetos coletivos tão universalizante como todas as outras declaradas
que busquem ultrapassar o atual estágio no qual se como suspeitas.
encontra a realidade, ou a chamada sociedade de Mas, como já nos referimos aqui, existe um cam-
consumo – como designa Baudrillard. po pós-moderno progressista, e no campo do mar-
É por esse motivo que dão ênfase à linguagem, à xismo. Por exemplo, autores como Frederic Jameson
cultura e aos discursos, negando a própria realida- e David Harvey contribuem com esse campo.
64
Teoria
Autores que representam duas faces do pensamento pós-moderno: o progressista de Fredric Jameson e David Harvey, e o
reacionário de Lyotard e Baudrillard
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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
Isso ocorre contraditoriamente no momento em nos particulares. O mercado produz a sua própria
que o fordismo dá lugar ao chamado taylorismo que ideologia.
se apresenta como uma forma de trabalho e produ- Essa ideologia que é gerada pelo próprio mercado
ção coletiva – mas que nada mais é do que a reve- não se apresenta como um apêndice direto da ques-
lação do individualismo mais tão econômica. Nesse mo-
absoluto, dá a forma como os mento histórico o mercado
círculos de produção são con- e a ideologia são uma coisa
cebidos. única, que pode ser verdadei-
Segundo Jameson e Har- ra e falsa, objetiva e ilusória.
vey, essa concepção do frag- Jameson, retomando a
mentário precisa se converter concepção de ideologia em
em comportamento e no au- Marx, conclui que o mercado
toentendimento do próprio cria à sua imagem e seme-
sujeito. lhança as ideias de igualdade
A mídia se estrutura e e liberdade, sem as quais não
se compõe por meio de suas pode ser entendido. Igualda-
várias especialidades, ins- de do mercado é a luta pela
trumentalizando-se cada vez constituição da heterotopia e
mais para construir a imagem das identidades, e a liberdade
desse tal sujeito. A publici- do mercado se dá no campo
dade e a mídia representam da luta entre os diferentes
para Harvey os instrumentos dentro da manutenção do ca-
pelos quais a lógica do capital pitalismo como presente per-
penetra na vida das pessoas, pétuo. A liberdade e a igual-
produzindo uma cultura dade se dão pela emergência
fragmentada e volátil. e a atuação dos novos movi-
Essa nova concepção de mentos sociais. E da emer-
sujeito tem por detrás de si gência das micropolíticas.
uma nova concepção de so- A fragmentação identitária do indivíduo é É uma batalha ideológica
cial que é entendido como um dos fatores do pensamento pós-moderno de legitimação e ilegitimação
um conjunto de particulari- que o desconecta da coletividade e da ideológicas. A ideia de que
dades desarticuladas. compreensão da luta de classes, já que, antes o mercado está na natureza
O problema, segundo eles, de entender seu papel na pirâmide econômica, humana é uma ideia que foi
não se encontra em eviden- ele precisa se emancipar como gênero, raça, criada pelo liberalismo e con-
ciar que existem no tecido etnia e sexualidade, aspectos que também se tinua se atualizando até ho-
social esferas diferenciadas fragmentam em categorias internas. Pintura de je, modificando para a época
daquelas determinadas pelas Sebastian Eriksson. atual esses dois princípios.
classes sociais. Isso seria ne- Jameson enfatiza que o
gar que existem as particu- aparecimento de novos sujei-
laridades que, principalmente hoje, as lutas sociais tos políticos não retira na atualidade a importância
evidenciam com força. das classes sociais, como procura nos fazer acreditar
No entanto, o que o pensamento pós-moderno essa primeira corrente pós-moderna.
da primeira corrente procura esconder é que esses “Nunca fui capaz de entender como se pode es-
particularismos são articulados e não são autodeter- perar que as classes desapareçam – o capitalismo
minantes, são produtos da sociedade em questão e arranca trabalhadores das velhas fábricas e de seus
da lógica atual do capital. empregos, deslocou novos tipos de indústria para
Os autores pós-modernos que supervalorizam o lugares inesperados do mundo e recrutou uma for-
local, o diferente, a identidade, o heterogêneo – o ça de trabalho diferente das tradicionais em muitos
que está na construção de ideias adaptando as carac- aspectos, do gênero à habilidade de nacionalidade.
terísticas próprias do capital nessa fase atual a uma Desse modo, tanto os novos movimentos sociais co-
concepção de social e de sujeito à imagem e seme- mo o novo proletariado global emergente resultam
lhança desse capital. da expansão prodigiosa do capitalismo em seu está-
Na ideologia de mercado, igualdade e liberda- gio atual da terceira ou quarta revolução industrial
de, princípios da modernidade, assumem contor- como se queiram” (1996, p.138).
66
Teoria
As mudanças na produção trouxeram novas ca- bilidade de transformação da realidade mostra que a
racterísticas na formação da classe operária e dos luta de ideias assume sem dúvida novas característi-
trabalhadores, no entanto, nada que viesse a dimi- cas – a luta de ideias com ênfase no cultural adquire
nuir a sua importância enquanto sujeito histórico. uma grande importância.
O capitalismo se utiliza dessa micropolítica a seu Essa corrente pós-moderna que nega o local e
favor, pois, para ele, a celebração do pluralismo nada o nacional revela a importância que esses dois ele-
mais é do que o sistema se rejubilando por produzir mentos possuem na atualidade, porém, devem ser
quantidades cada vez maiores de sujeitos que lutam entendidos sob novas características que adquiriram
em sua heterotopia, por uma inclusão dentro do ca- com o desenvolvimento do capitalismo nessa fase
pitalismo naquilo que for possível de direitos – são atual. Revela ainda a atualidade do debate do caráter
sujeitos “estruturalmente não empregáveis”. e da essência dos movimentos sociais que deixaram
O pluralismo, tão exacerbado pela primeira cor- sob influência da corrente pós-moderna o fragmen-
rente pós-moderna, revela um ambiente de total tário de se colocar pelo fim das desigualdades, e se
fragmentação, que se reverte ideologicamente nas constituíram na revelação real das diferenças.
concepções do pluralismo absoluto e possui ao mes- A construção das ideias universais do capital ne-
mo tempo um outro componente, a necessidade de cessita se alimentar do real. É dessa forma que apa-
retirar do âmbito do debate a centralidade do traba- rentemente os movimentos sociais na fragmentação
lho. Assim revela as características atuais do capita- absoluta são o reflexo daquilo que o capital necessita
lismo, que é, por um lado, desenvolvido e universali- para manter a sua unidade e sobrevivência.
zado e, por outro, extremamente excludente.
O trabalho deixa de ser a categoria principal e *Professora titular do departamento de
entram em seu lugar as características de homens e Fundamentos da Educação da PUC-SP
mulheres, de sexo e etnia.
A ideologia de mercado traz a ideia de democracia
baseada na hipótese de que os grupos são organiza-
dos ou potencialmente organizáveis, assim sendo, a Referências
ação desses grupos, movidos por suas reivindicações,
BAUDRILLARD, Jean. A sombra das maiorias silenciosas
representa o panorama no qual se trava a luta de-
– O fim do social e o surgimento das massas. 4ª ed. São
mocrática. Enfatizando que as lutas universalizantes Paulo: Brasiliense, 1994.
são impossíveis. Mistificando o político.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 4ª ed. São
A micropolítica é a exarcebação das diferenças e
Paulo: Loyola, 1994.
dos grupos. É a luta contra a totalidade, e da cons-
trução da subjetividade, da impossibilidade de arti- HOBSBAWM, Eric. O Marxismo Hoje: um balanço
aberto. In: História do Marxismo – O marxismo hoje
culação maior das lutas, exprime a total invisibilida-
– primeira parte. Rio de Janeiro: Paz e Terra ,1989,
de do econômico, do social e do político no sentido p.13-66.
mais amplo.
JAMESON, Frederic. O pós-modernismo e a sociedade
Decretar o fim da política e a emergência da mi-
de consumo. In: KAPLAN, E. Ann (org.). O mal-estar no
cropolítica e do individual sobre o coletivo é o abando- pós-modernismo – teorias e práticas. Rio de Janeiro:
no na pós-modernidade da luta política pelas modi- Zahar, 1993, p. 25-44.
ficações revolucionárias da realidade – as revoluções
________. Pós-modernismo – a lógica cultural do
não são mais possíveis, somente pequenas reformas, capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1996.
restringindo a luta democrática ao âmbito da mani-
LENIN. V. I. As vicissitudes históricas da doutrina de
festação de lobbies, que ocorre nos limites do mercado.
Karl Marx. In: CHASIN, José (org.). Marx hoje. Vol. 1. São
As micropolíticas são a negação da política e as Paulo: Ensaio, 1988, p. 85-99.
múltiplas identidades a negação do social, assim to-
LYOTARD, Jean-François. Condição pós-moderna. 2ª ed.
da disputa ocorre nos limites do mercado como úni-
Lisboa: Gravida, 1989.
ca realidade possível.
Segundo Harvey e Jameson, o fim da política, do PEIXOTO, Madalena Guasco. A condição política na pós-
modernidade – A questão da democracia. 2ª ed. São
conceito de nação e do local é uma ideia produzida
Paulo: Educ./ Fapesp, 2004.
pelo mercado globalizado que, de fato, quanto mais
globalizado e centralizado fica mais altera a realida- WOOD, Ellen Meiiksins. Em defesa da História: o
marxismo e a agenda pós-moderna. Revista Crítica
de política, nacional e local.
Marxista, n. 3, vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1996,
Por fim, essa corrente pós-moderna de negação p.118-129.
das teorias, da totalidade, da história e da impossi-
67
Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
A gênese e
derrocada do
socialismo
soviético
A
Revolução Russa faz 100 anos. É indiscutí-
vel sua relevância. No século XX, constituiu
uma primeira – e única – alternativa sistêmi-
ca ao capitalismo mundial. A URSS foi decisiva na
destruição do nazi-fascismo e no desmantelamento
dos impérios coloniais. Depois da segunda guerra
mundial, suas propostas de direitos sociais igualitá-
rios, de planejamento econômico centralizado e de
inovações tecnológicas inspiravam o entusiasmo dos
partidários e o receio dos inimigos.
Quando e por que o sistema perdeu o rumo? O
autor propõe uma chave interpretativa: a opção pela
estatização integral da economia, ditada por consi-
derações geopolíticas, teria embotado a capacidade
A REVOLUÇÃO BIPOLAR - A gênese e de o sistema disseminar o progresso técnico na sua
derrocada do socialismo soviético sociedade, justamente no período em que o mundo
Autor: Luís Fernandes passava por nova e profunda revolução científico-
-tecnológica-informacional. As consequências dessa
Páginas: 260
“encruzilhada da inovação” foram fatais para o sis-
Editora: Livraria e Editora Anita Ltda. tema soviético.
O livro oferece uma contribuição original. E seu
ISBN: 978-85-7277-184-9
autor, Luís Fernandes, está particularmente apto pa-
Ano de publicação: 2017 - 1ª edição ra empreendê-la, pois alia pesquisa acadêmica sobre
Formato: 14x20cm a história do socialismo na União Soviética com es-
tudos sobre as dimensões geopolíticas e geoeconô-
Preço: R$ 40,00 micas da evolução do sistema internacional no qua-
Disponível* em: www.anitagaribaldi.com.br dro das relações internacionais. Além disso, foi de
grande valia sua experiência como gestor público na
área de Ciência, Tecnologia e Inovação. O entrelaça-
mento da experiência teórica (acadêmica) e prática
(gestão pública) fundamenta um texto sólido que
amplia a compreensão histórica e incentiva o debate
crítico. Merece ser lido.
68
RESENHA
Um sonho que a
repressão não destrói
José Carlos Ruy*
A
Mais Longa Duração da Juventude, novo livro de
Urariano Mota (editora LiteraRua) é um re-
lato ficcional amplamente ancorado na me-
mória dos jovens que, por volta de 1970, resistiam à
ditadura no Recife, como tantos outros Brasil afora.
E traziam inscrito em sua bandeira, com letras de
um vermelho flamejante: “revolução e sexo”. Nesta
ordem, adverte Urariano.
Rapazes e moças que, por volta de seus vinte
anos, viviam às voltas com as agruras da luta políti-
ca e revolucionária, e os ardores do sexo que desper-
tava. Agruras e ardores narrados com a precisão de
acontecimentos “de ontem”, que continuam presen-
tes, quase meio século depois, com a mesma e inten-
sa realidade do brilho das estrelas de que conhece-
mos somente a luz que cruzou milhares de anos-luz,
estrelas que talvez nem existam mais no momento
em que sua imagem nos alcança.
A luz dessas estrelas é semelhante ao sonho que,
hoje, meio século mais tarde, aqueles jovens ainda
sonham mesmo que seus corpos já não tenham a
força dos vinte anos. Mas o viço e o vigor do sonho
permanecem. E fazem mais longa a duração da ju-
ventude.
A MAIS LONGA DURAÇÃO DA JUVENTUDE Urariano Mota sabe do que trata. Autor de tantos
Autor: Urariano Mota livros, entre os quais se destacam Soledad no Recife
(2009) e O filho renegado de Deus (2013), tecidos
Páginas: 320 com o relato do vivido e do trágico (sobretudo So-
Editora: LiteraRUA ledad no Recife) junto com o imaginado (como em
O filho renegado de Deus) Urariano sabe como pou-
ISBN: 978-85-66892-13-0
cos mesclar memória e ficção. E de tal maneira as
Ano de publicação: 2017 confunde na textura da escrita que, nela, o real vira
imaginado, e o imaginado assume as formas do real.
Formato: 16x23cm
E o tempo funde as duas pontas do relato, entre o
Preço: R$ 40,00 passado e o presente. Fundidos por uma reflexão fi-
na, ligada – para dizer como se dizia há quase meio
Disponível* em: www.anitagaribaldi.com.br.
século – pela análise concreta de situações concretas.
Não é filosofia, quer Urariano. Mas é reflexão fina,
humanamente fina e que tem o dom de trazer à vida,
com seus matizes, os debates com que aqueles jo-
vens de esquerda, revolucionários, desenhavam seu
futuro, o futuro de todos, do país e da humanidade.
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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
Kanimambo – o
florescer de uma
família forjada
na luta contra a
perseguição política
Ana Prestes*
M
eu tio João Massena, casado com a tia
Rosa Prestes, é muito conhecido entre
os primos “Prestes” como aquele que, ao
chegar, certamente será garantia de boas risadas.
Ler seu livro autobiográfico Kanimambo me levou
aos memoráveis encontros regados por suas obser-
vações sempre críticas e cômicas, seja na sua casa
em Cascadura, seja na casa da vó Maria na Gávea,
seja na casa dos Massena em Saquarema. Reco-
KANIMAMBO - Autobiografia mendo muito a leitura desse livro ao mesmo tempo
Autor: João Massena leve e profundo, cômico e triste, revoltante e apa-
ziguador.
Páginas: 130 O livro foi batizado de Kanimambo, expressão
Editora: Letra Capita que João aprendeu durante os anos em que viveu
em Moçambique e que remete a agradecimento,
ISBN: 9788577855162 gratidão. Segundo bem resumiu seu filho e meu
Ano de publicação: 2017 - 1ª edição primo, Eduardo Prestes, o livro trata da vida de
uma família envolvida com o Partido Comunista
Formato: 14 x 21 cm
desde a década de 40 do século XX e de como essa
Preço: R$ 34,00 escolha ideológica foi capaz de mudar a trajetória
de um garoto de Cascadura, subúrbio carioca, e de
Disponível* em: <www.travessa.com.br>.
todos à sua volta.
Em tempos de golpe contra a democracia, o te-
ma da perseguição política e da sobrevivência em
ambientes políticos hostis e persecutórios volta com
muita força e é bom que assim seja. João Massena,
como também ilumina Edu Prestes na apresentação
do livro, traz uma narrativa de um homem comum,
exilado, sobrevivente de um mundo polarizado entre
capitalistas e socialistas, com uma delicadeza dra-
mática e sem deixar com que o texto seja raptado
pela angústia e a tristeza que sempre estão à espreita
nesse tipo de empreitada.
70
RESENHA
71
Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017
www.revistaprincipios.com.br
ASSINATURA DE 1 ANO (6 EDIÇÕES) ASSINATURA DE 2 ANOS (12 EDIÇÕES) ASSINATURA DE 3 ANOS (18 EDIÇÕES)
72