OPINIÃO PESSOAS

O preço das > Sérgio

promessas Massano
fáceis tem 38 anos
e é partner
FRANCISCO e diretor da
LOUÇÃ E3
Antler para
a Península
Ibérica E27
A
‘geringonça’ > Dicas Seis regras
do gás Indiferença à qualidade do ensino para escolher
JOÃO DUQUE E6 MANUELA FERREIRA LEITE E31 a profissão certa E27

ECONOMIA IMOBILIÁRIO
& EMPREGO
2601
2 de setembro de 2022
www.expresso.pt

Governo e Galp Investimento

público
atrasa fundos
CMVM
com dúvidas
sobre capital

foram à Nigéria comunitários

Portugal 2020 só cumpre

de risco

Procedimentos de 10

garantir gás a meta prevista pelo

Governo para 2022 se
execução disparar 85% na
segunda metade deste ano
O investimento está a cair em
vários organismos públicos —
entidades de capital de
risco têm deficiências,
em especial em negócios
ligados aos vistos gold

da Administração Central e das
> Secretário de Estado da Energia e CEO da Galp deslocaram-se a autarquias —, apesar da che-
gada dos milhões da ‘bazuca’
Abuja para tentar garantir o cumprimento dos contratos > Indústria europeia e da urgente neces-
sidade de concluir as obras do
portuguesa está cada vez mais apertada pela fatura energética E6 Portugal 2020 até 2023. E5
A Comissão do Mercado de
Valores Mobiliários detetou
deficiências nos sistemas de
controlo interno que previnem
branqueamento de capitais em
10 sociedades, nomeadamente
quando estão em causa progra-
mas de incentivo à residência. E4

Défice
comercial
com a
Rússia está
a aumentar
“Estarmos a
Cereais, combustíveis
e bacalhau estão entre os
falar da SATA
produtos que mais fizeram hoje é um
INFLAÇÃO AGRAVA
subir as importações
do mercado russo milagre”
DESIGUALDADES
Apesar das sanções económi-
cas, Moscovo reforçou a vanta-
gem sobre Lisboa no primeiro
semestre do ano. Os números Luís Rodrigues, líder da
do INE mostram que as expor- Famílias de menores rendimentos enfrentam SATA, fala da recuperação
tações para a Rússia caíram inflação mais alta. Salários vão continuar e do potencial da
42,8%, enquanto as importa- a perder poder de compra E8 companhia. E defende que
ções aumentaram 16%. E11 a privatização avance já E16

EXPORTAÇÕES
Medina O sector das frutas
demarca-se e legumes exportou
€939 milhões no 1º
do fecho de semestre, o valor mais
balcões da alto de sempre E4
CGD E12

CRÉDITO AGRÍCOLA
Como se
explica o
FOTO NUNO FOX

Banco intervém na
caixa de Loures e Sintra
e nomeia delegada
desemprego
para fiscalizar gestão E13 em mínimos? E24
2 ECONOMIA Expresso, 2 de setembro de 2022

ANTÓNIO RAMALHO SAIU, MAS A REESTRUTURAÇÃO

DO NOVO BANCO PODE NÃO TER AINDA ACABADO

ILUSTRAÇÃO PAULO BUCHINHO

A Comissão Europeia não fechou a porta ao plano de
reestruturação do Novo Banco mas, admite agora a própria
instituição financeira, podem ser exigidos cortes adicionais
na rede de balcões e no quadro de trabalhadores, já alvos de
reduções desde 2014, o ano da sua constituição. O período
de reestruturação definido terminava no fim de 2021, mas
ficaram duas metas por cumprir (os resultados antes do
impacto das provisões e o indicador cost-to-income, que
compara proveitos e custos). O banco justifica que houve
fatores posteriores ao desenho do plano a contribuir para
esse desequilíbrio, nomeadamente os juros baixos que
existiram nos últimos anos, mas, no relatório e contas do
primeiro semestre, deixou o alerta, como noticiou o Expresso
esta semana: “O não cumprimento dos compromissos de
viabilidade poderá resultar numa extensão do período
de reestruturação e/ou fazer acionar medidas restritivas
adicionais, incluindo uma nova redução do número de
sucursais e/ou colaboradores.” António Ramalho deixou
o banco no início de agosto, considerando ter concluído a
reviravolta, mas o novo presidente, Mark Bourke, pode ainda
ter por fazer trabalho de casa passado por Bruxelas.

5,9%
Autoeuropa. O INDICADOR DE Governo garante que os descontos nos
Trabalhadores CONFIANÇA DOS combustíveis irão continuar em setembro
pressionam CONSUMIDORES
administração com EM PORTUGAL Os descontos na gasolina e no por mais um mês, anunciou.
aumentos para 2023 TAXA DE DESEMPREGO ESTABILIZOU gasóleo através da redução dos “Considerando todas as medidas em
VOLTA A RECUAR EM JULHO impostos, implementados para vigor, a diminuição da carga fiscal é
Apesar da incerteza em relação EM AGOSTO, APÓS mitigar o impacto da inflação nos de 28,2 cêntimos por litro de gasóleo

A Comissão de Trabalhadores
de Autoeuropa vai pressionar o
conselho de administração desta
empresa do grupo Volkswagen
para que os aumentos salariais
para 2023 tenham em conta os
níveis de inflação que agora se
registam — e que rondam os 9%.
Rogério Nogueira, coordenador
da Comissão de Trabalhadores,
garante ao Expresso que “não
estamos a falar de prémios, mas
de um incremento extraordinário
nos nossos salários”, além
à economia, que já dá sinais
de abrandamento no seu
crescimento, o desemprego no
país continua a recuar. O sétimo
mês do ano fechou com 306,2
mil desempregados, segundo
a síntese mensal no Instituto
Nacional de Estatística (INE). O
número traduz uma descida da
taxa de desemprego para 5,9%,
menos 0,1 pontos percentuais
(p.p) do que em junho, e menos
0,7 p.p. do que no mesmo mês de
2021. Porém, merece destaque
o facto de também a população
TER AUMENTADO rendimentos dos cidadãos, irão
continuar no mês de setembro,
NO MÊS ANTERIOR anunciou o Ministério das Finanças
E MANTÉM-SE na passada quarta-feira. Irá
continuar, assim, por mais um mês,
“NUM PATAMAR o mecanismo de redução do imposto
RELATIVAMENTE sobre os produtos petrolíferos (ISP)
equivalente à descida do IVA de 23%
ESTÁVEL DESDE para 13% e a compensação através da
A FORTE QUEDA redução do ISP da receita adicional
de IVA. O Governo também vai
REGISTADA EM manter suspensa a atualização da
MARÇO”, REVELOU taxa de carbono, para compensar
as emissões de combustíveis fósseis,
ESTA SEMANA O
e 32,1 cêntimos por litro de gasolina”,
calculam as Finanças. Ainda no que
toca ao gasóleo agrícola “o desconto
do ISP aplicável ao gasóleo colorido
e marcado, com aplicações no sector
primário (agricultura, aquicultura
e pescas), manter-se-á inalterado
em 6 cêntimos por litro no mês de
setembro”, acrescenta o Ministério.
A energia, e em específico os
combustíveis, têm sido os principais
fatores a alimentar a subida dos
preços e a dinâmica inflacionista
atual.

do que foi aprovado no passado
mês de março, e que se traduz
em aumentos salariais de 2% nos
próximos dois anos, num valor
mínimo de €30. O representante
dos trabalhadores nota que
“a empresa, até agora, ainda
não manifestou intenção de
falar sobre esta questão, mas
também não disse que não o
faria”. Contactada pelo Expresso,
a administração da Autoeuropa
não quis comentar o assunto.
Entretanto, uma fonte
da empresa fez saber que
o acordo de março já previa
a inflação, mas não ‘o disparo’
que se veio a verificar. A empresa
de Palmela, que esteve parada
para férias, de 27 de julho a 22
de agosto, tenta agora
recuperar dos impactos da
guerra, sobretudo ao nível do
fornecimento de semicondutores,
entre outros componentes
para os modelos automóveis ali
produzidos. A meta de produção
de cerca de 230 mil carros para
este ano mantém-se.
empregada ter diminuído,
enquanto o universo de inativos
aumentou.
Quem tem mais
reclamações?
Os sectores das telecomunicações,
serviços postais e energia
lideraram, no primeiro semestre
deste ano, as reclamações
apresentadas no Livro de
Reclamações, que desceram 16%
em relação ao período homólogo,
segundo dados da Direção-Geral
do Consumidor. Num comunicado
enviado pelo Ministério da
Economia e do Mar, citando dados
desta entidade, o Governo indicou
que foram “submetidas 95.665
reclamações na plataforma do
Livro de Reclamações Eletrónico,
constatando-se um decréscimo de
16% face ao período homólogo de
2021”.
137%
INE. APESAR DESTA
ESTABILIZAÇÃO DA
CONFIANÇA DOS
CONSUMIDORES,
O INDICADOR DE
CLIMA ECONÓMICO, FOI O AUMENTO DAS
QUE RESULTA DESPESAS DOS TURISTAS
As despesas de turistas
DE INQUÉRITOS estrangeiros em Portugal e de
turistas portugueses em outros
ÀS EMPRESAS, países aumentaram 137% e 63%,
DIMINUIU respetivamente, em julho, em
termos homólogos, superando os
EM AGOSTO, valores registados no mesmo mês
CONTRARIANDO de 2019, de acordo com o Banco
de Portugal (BdP). Os valores de
O AUMENTO julho situam-se também acima
REGISTADO dos registados em 2019, o último
ano pré-pandemia, com as
EM JULHO. exportações a corresponderem
a 120% e as importações a 121%
dos respetivos valores observados
em julho de 2019. O BdP atualiza
o indicador preliminar das
viagens e turismo da balança de
pagamentos em 30 de setembro.
PAC. Bruxelas
aprovou pacote de
€6,7 mil milhões
A Comissão Europeia anunciou
esta semana a aprovação do
primeiro pacote de planos
estratégicos de sete países da
União Europeia (UE) para a
Política Agrícola Comum (PAC),
dos quais fazem parte Portugal,
num envelope de €6700 milhões.
De acordo com Bruxelas, “este
é um passo importante para a
implementação da nova PAC, a 1
de janeiro de 2023”. A ‘luz verde’
agora dada surge depois de, em
meados de junho, o Ministério
da Agricultura ter submetido
à Comissão Europeia o Plano
Estratégico da PAC para o período
2023-2027. No conjunto, a PAC
dispõe de um financiamento de
€270 mil milhões para 2023-2027.
Expresso, 2 de setembro de 2022
A dependência do gás russo é hoje já bem menor do que era há seis meses e menor será
daqui a três meses. Estamos numa corrida contra o tempo até Putin desferir o golpe previsível
Energia: procura, oferta e preço
R ao Quadrado
Ricardo Reis
rquadrado.expresso@gmail.com
S
e Putin fechar a torneira do gás
nos próximos meses, o que vai
acontecer ao preço da energia?
É provável que isto aconteça,
para, umas semanas depois, Putin ofe-
recer um plano de paz que lhe permita
salvar a face depois do desastre militar
que tem sido a sua catastrófica inva-
são da Ucrânia. Contaria nessa altura
com os europeus, quer para pressiona-
rem os ucranianos a aceitar o acordo,
quer para removerem rapidamente as
sanções que estrangulam a economia
russa e colocam Putin na dependência
da China. Crucial nesta estratégia se-
ria provocar uma subida enorme nos
preços da energia na altura certa. Mas
será assim tão fácil fazê-lo?
Uma forma de perceber o mercado
da energia é usar o velhinho gráfico da
oferta e procura de Alfred Marshall.
Apesar de simplificar talvez em dema-
sia, ele permite perceber algumas for-
ças centrais. No mercado da energia
há grandes custos fixos para montar
um gasoduto, para escavar um poço
de petróleo, para montar uma fábrica
de refinação ou para construir uma
barragem. Montados estes, os custos
de produzir mais um pouco são rela-
tivamente constantes dentro de cada
instalação e fonte de energia, subindo
gradualmente conforme a produção se
O que ficou evidente numa experiência de pagamento de um rendimento básico universal
no Quénia é que a medida não procura criar emprego, mas antes oferece um donativo
O preço das promessas fáceis
Estado da Noção
Francisco Louçã
francisco.lou66@gmail.com
T
avneet Suri e Nidhi Parekl,
cientistas do MIT, uma das
mais importantes universi-
dades norte-americanas, pu-
blicaram recentemente um estudo
sobre a experiência de pagamento
de um “rendimento básico univer-
sal” (RBU) no Quénia. O projeto in-
clui 21 mil pessoas por 12 anos e é
o mais extenso realizado até hoje,
estando ainda em processamento.
Essas pessoas, que vivem em duas
regiões empobrecidas, receberam
o tal RBU, concebido, no dizer das
autoras, como “uma transferência
monetária incondicional que seja
suficientemente avultada para sa-
tisfazer as necessidades básicas das
pessoas e que seja distribuída a todos
os membros de uma dada comunida-
de”. O pagamento, no entanto, não é
universal nem naquelas regiões (só
abrange maiores de 18 anos, num país
em que metade da população tem
menos de 20 anos), tendo assumido
três formas: um pagamento único
(aproximadamente 500 euros), ou
0,75 euros por dia durante dois anos,
ou o mesmo valor por 12 anos (ou
nada, no grupo de controlo). Não é
explicado como se fazem estas esco-
lhas. Os resultados provisórios foram
apurados por entrevistas telefónicas.
expande dos locais mais baratos para
os mais caros e conforme obtemos
a energia de fontes mais baratas ou
mais caras. A curva da oferta tem, por
isso, inicialmente pouco declive, que
vai aumentando conforme se produz
mais. Quando se chega ao limite da
produção instalada, a curva torna-se
muito inclinada, quase vertical, pois no
curto prazo não há forma de produzir
mais energia.
Já a curva da procura tem um declive
negativo, porque as pessoas e empre-
sas arranjam formas de poupar no
aquecimento ou nos transportes quan-
do o preço da energia sobe. Porque es-
ses ajustes no curto prazo têm os seus
limites, a curva é relativamente incli-
nada: mesmo com grandes aumentos
do preço, a quantidade consumida não
muda muito.
Na intersecção entre as duas curvas
está o preço de mercado. Quem pro-
duz a custos baixos, ou seja, está bem à
esquerda na tal curva de oferta, como
é o caso de muitos produtores de pe-
tróleo do Médio Oriente, tem enormes
lucros. Já quem produz a custos pró-
ximos do preço de mercado, ou seja,
O MERCADO DA ENERGIA
Preço
Depois
da invasão
Antes da
invasão
Quantidade
As autoras elogiam os efeitos so-
ciais: houve menos interação hu-
mana durante a pandemia e, assim,
estas pessoas teriam tido menos
casos de contaminação covid; não
se comprovou que houvesse maior
consumo de álcool ou outros, que são
frequentemente apresentados, com
alguma sobranceria, como o perigo
destes programas. No entanto, apre-
sentam uma conclusão problemáti-
ca: quem recebeu este dinheiro ficou
com menores rendimentos. Segundo
elas, “este decréscimo de rendimen-
to dos beneficiários do RBU durante
a pandemia não foi um fracasso do
RBU. O subsídio é concebido para
manter um nível de vida mínimo e,
ao proporcionar uma forma de pro-
teção, pode encorajar os seus desti-
natários a assumirem mais riscos”,
ou seja, numa economia com pouco
emprego formal, as verbas foram uti-
lizadas para estratégias comerciais
ou outras, e muitas dessas pessoas
fracassaram. O empreendedorismo
criou as suas vítimas e é surpreen-
dente a condescendência com que
este facto é tratado pelas autoras,
como se o objetivo da medida não
fosse garantir um rendimento certo
para “satisfazer as necessidades bá-
sicas”, no que fracassou. As pessoas
empobreceram, dizem-nos Suri e
Parekl, por terem usado o dinheiro
no que está ao seu alcance, comprar
e vender mercadorias. Fizeram o que
sabiam e ficaram a perder.
Seria imprudente generalizar este
resultado. Nunca houve experiên-
cias suficientemente amplas para
se poderem tirar conclusões sobre
comportamentos sociais diferencia-
dos. Só pequenos grupos receberam
verbas deste tipo (o Quénia tem 54
milhões de habitantes, neste caso
foram envolvidos 0,04%; na expe-
O impacto de fechar
a torneira russa torna-se
bastante menor quanto
mais tempo passa
está à direita na curva da oferta, perto
do ponto de intersecção, nem por isso,
como era (grosso modo) o caso dos
produtores de energia usando reno-
váveis. A OPEC é uma união de um
grupo dos maiores produtores com
custos baratos para forçar um preço
maior. Reduzindo a extensão da curva
no seu limite esquerdo, ela pode ser
vista como uma forma de aumentar o
declive desta curva de oferta e assim
aumentar os lucros deles (ou, para ser
preciso, em torná-la mais convexa).
A invasão russa da Ucrânia remo-
veu o abastecimento do gás russo e de
algum petróleo, fontes relativamente
baratas de energia. Logo, ela removeu
alguma da oferta na zona plana, pelo
que a curva da oferta se torna inclina-
da mais cedo. O preço de mercado pas-
Preço
Alvo
de Putin
Derrota
de Putin
Quantidade
riência correspondente na Índia,
em 2013, foram incluídos 0,004%);
quem defende a ideia tem-se limi-
tado a estas amostras ou ao cálculo
de um donativo reduzido e direcio-
nado para os mais necessitados (no
caso indiano, o pagamento a seis
mil pessoas foi o equivalente a 20
euros por mês, e hoje a proposta
é de 1200 rupias, ou 14 euros), e
nunca algum Estado teve que pa-
gar a verba correspondente à uni-
versalidade deste pagamento (se o
Quénia pagasse aquela verba a toda
a população, gastava um quarto do
seu orçamento total). O que, em
qualquer caso, fica aqui evidente
é que a medida não procura criar
emprego e, portanto, rendimentos
garantidos, mas antes oferece um
donativo que, como aqui se verifi-
cou, induziu a “mais riscos”. Que
defensoras desta filosofia apresen-
tem este empobrecimento como
um sucesso só demonstra do que é
capaz a ideologia que nega os factos.
Dizem que a
guerra é linda,
mas não sabem
quem ganha
O
frenesim de viagens oficiais e
oficiosas a Taiwan tem mais
leitura pelas eleições inter-
calares norte-americanas do
outono do que por uma putativa mu-
dança de estratégia da Casa Branca
em relação à China, que, a bem dizer,
sou a estar na secção quase vertical, e
por isso os preços dispararam. Quem
tinha acesso aos pontos de produção
a custos baixos teve lucros extraor-
dinários, como foi o caso da maioria
das empresas que refinam petróleo,
como a Galp.
O objetivo de Putin é deslocar a cur-
va um pouco mais para a esquerda, au-
mentando ainda mais os preços, sendo
que não precisa de ser muito. Talvez,
mas esta extrapolação revela os limi-
tes da análise estática marshalliana.
Conforme passam os meses, os preços
mais altos encorajam investimentos na
produção de outras fontes de energia.
A parte menos inclinada da curva da
oferta começa a alongar-se para a di-
reita, gradualmente, por cada mês que
passa. Do lado do consumo, com os
preços altos, as empresas mudam para
tecnologias que usam menos energia
e as pessoas começam a habituar-se
a usar menos o aquecimento ou a de-
pender menos do carro para deslo-
cações. A curva da procura torna-se
menos inclinada. Sendo assim, agora
o impacto de fechar a torneira russa
torna-se bastante menor quando mais
tempo passa. Os preços pouco sobem
sem o gás russo.
A manter-se o embargo e os inves-
timentos nas energias alternativas,
daqui a três anos o gás russo podia che-
gar à situação de ser irrelevante. Daqui
a três meses é difícil saber qual dos
casos seria o aplicável. Se queremos
estar menos dependentes dos planos
de Putin, temos de investir urgente-
mente neste alisamento das curvas.
Quer na procura, ajustando hábitos
de consumo para sermos todos mais
flexíveis na capacidade de usar muito
menos energia se o preço subir, quer
na oferta, aumentando a capacidade
de produzir mais ou menos energia
no curto prazo.
é desde há muito uma política de
confrontação em crescendo. Trump,
amigo de Putin e beneficiário do seu
jogo nas eleições de 2016, foi escalan-
do o conflito com Pequim em termos
comerciais e não é dele o início deste
xadrez com Taipé; os sinais de uma
ameaça regional foram depois ex-
pandidos por Biden, com a consagra-
ção maior que é o AUKUS, o acordo
militar entre os EUA, o Reino Unido
e a Austrália. O tempo de Nixon ao
lado de Mao, quando ambos jogavam
num espaço tripartido (e com a guer-
ra do Vietname no meio), já acabou
há muito.
A novidade histórica é que esta
disputa de hegemonia no Pacífico e
global ocorre ao mesmo tempo que a
integração entre as duas economias
gera dependências mútuas irrepa-
ráveis. Só assim acontecera, em pe-
quena escala, entre o Reino Unido e
a Alemanha no virar do século XIX
e levou a duas guerras mundiais no
século passado. No entanto, ao con-
trário desse tempo, a China criou
uma grande rede de alianças (con-
cede mais créditos do que o FMI,
emprestando a 100 países), reali-
zando investimentos expressivos. O
domínio norte-americano é militar
(um orçamento de 750 mil milhões
de dólares, o triplo do da China),
com 800 bases no mundo, e tecno-
lógico em algumas áreas, incluindo
a produção cultural na base da lín-
gua universal, o que não é pouco
mas tem sido desgastado — os EUA
fracassaram em todas as guerras
em que se envolveram diretamente
nas últimas décadas: o Vietname, a
Somália, o Afeganistão, o Iraque.
Se alguém pensa que uma guerra
resolverá a atual disputa pela hege-
monia, é melhor perceber que o seu
resultado é incerto.
ECONOMIA 3
A semana
E M 2 M I N U T O S
IMOBILIÁRIO A Sonae Sierra,
através de uma sociedade em
parceria com o Bankinter, adquiriu
o Atrium Saldanha, em Lisboa. O
valor do negócio não foi revelado.
A Sonae Sierra é proprietária de
27 ativos de imobiliário na Europa
e na América do Sul, entre os
quais os centros comerciais Vasco
da Gama e Colombo, em Lisboa.
1417
euros por metro quadrado foi
o valor mediano da avaliação
bancária da habitação em
Portugal em julho, mais 0,7% do
que em junho e mais 16,1% do que
em julho do ano passado, revelou
esta semana o Instituto Nacional
de Estatística (INE). O Algarve foi
a região do país que registou
a maior subida das avaliações
das casas
COMBUSTÍVEIS O Governo aprovou
o prolongamento do mecanismo
de redução do ISP — Imposto
sobre os Produtos Petrolíferos,
para garantir até ao final de
setembro, nos preços da gasolina e
do gasóleo, um efeito equivalente
ao da descida do IVA de 23% para
13%. Esta semana, a atualização
de preços levou o litro do gasóleo a
ficar em média 8,5 cêntimos mais
caro do que o da gasolina.
178
foi o número de despedimentos
coletivos anunciados em Portugal
nos primeiros sete meses deste
ano, menos 22,6% do que no ano
passado, revelou a Direção-Geral
do Emprego e das Relações de
Trabalho. O número de
trabalhadores abrangidos
caiu 30%, para 1761
ELETRICIDADE A presidente da
Comissão Europeia, Ursula von
der Leyen, revelou esta semana
que Bruxelas irá avançar com
uma proposta de intervenção
de emergência no mercado
de eletricidade, para mitigar
o impacto dos elevados preços
do gás natural. Para 9 de
setembro está agendado um
Conselho de Ministros da Energia
dos Estados-membros da União
Europeia, para discutir a crise
energética.
INFLAÇÃO A inflação em Portugal
em agosto recuou para 9%, após
os 9,1% de agosto, avançou na
quarta-feira o INE. Com os novos
números, o limite de atualização
das rendas da habitação em 2023
deverá subir para 5,43%, o valor
mais alto em 29 anos.
PIB A economia portuguesa
cresceu 7,1% no segundo trimestre,
uma atualização em alta
da projeção inicial de 6,9% feita
pelo INE. O crescimento do
segundo trimestre ficou aquém do
registado no primeiro trimestre,
quando o Produto Interno Bruto
(PIB) cresceu 11,8% em termos
homólogos.
4 ECONOMIA
ALTOS
João
Galamba
Secretário de Estado
da Energia
Num quadro de escassez de ener-
gia, com os custos a agravarem-se,
deslocou-se à Nigéria para acaute-
lar os interesses portugueses pe-
rante o aumento feroz da corrida
ao gás, atendendo a que já houve
desvios para outros países e rou-
bos em oleodutos. Garantir que os
contratos assinados com a Galp
são cumpridos foi a missão.
Miguel
Cruz
Presidente da
Infraestruturas de
Portugal
O cargo de presidente da Infraes-
truturas de Portugal foi finalmen-
te preenchido, após vários meses
de espera, e a escolha recaiu sobre
Miguel Cruz, ex-secretário de Es-
tado do Tesouro. Pela frente tem
um amplo e ambicioso plano de
investimentos de grande visibili-
dade, em especial na ferrovia, nu-
ma conjuntura difícil de aumento
significativo dos custos nas obras.
Gonçalo
Andrade
Presidente da
Portugal Fresh
Na frente da exportação, as nos-
sas frutas, legumes e flores estão
bem e recomendam-se. Os núme-
ros mais recentes são do primei-
ro semestre e mostram um cresci-
mento de 16%, para €939 milhões,
o valor mais elevado de sempre.
Joaquim
Carneiro
Presidente
da Associação
Portuguesa
das Indústrias de
Mobiliário e Afins
Há boas notícias também nas ex-
portações portuguesas de mobiliá-
rio, que, ao crescerem 9% no pri-
meiro semestre, atingindo quase
mil milhões de euros, perfizeram
um novo recorde, com destaque
para os mercados francês, espa-
nhol e alemão.
egor.pt
Projetos
de avaliação
psicológica
E BAIXOS
Miguel
Stilwell
d’Andrade
Presidente-executivo
da EDP e da EDP
Renováveis
Desta vez cabe ao grupo EDP o
destaque pela negativa na bolsa
portuguesa. Às sessões consecu-
tivas de subidas seguiram-se que-
das pronunciadas a acompanhar a
desvalorização do sector energéti-
co — no espaço de cinco dias (até
quarta-feira), as ações da EDP
e da EDP Renováveis perderam
ambas 8,5%.
Pedro Lima
plima@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
Agroalimentar
Exportações
de frutas,
legumes e flores
crescem 16%
e batem recorde
O crescimento no primeiro
semestre também se registou
em volume, com 804.910
toneladas exportadas, mais 14%
face ao mesmo período de 2021
Este vai ser o melhor ano de sempre
para as exportações de frutas, legu-
mes e flores. Os resultados do primei-
ro semestre apontam para um cresci-
mento de 16% face ao mesmo período
do ano passado, tendo-se ultrapassado
pela primeira vez a barreira dos €900
milhões num único semestre (€939
milhões em exportações), segundo
dados avançados ao Expresso pela
Portugal Fresh, organização que con-
grega todo o sector.
Gonçalo Andrade, presidente da-
quele organismo, está convicto de
que até ao final do ano as vendas ao
estrangeiro deverão ficar ligeiramen-
te acima dos €1,9 mil milhões. “E só
não chegaremos aos €2 mil milhões
porque fomos particularmente afeta-
dos pela seca e por algumas ondas de
calor”, nota o responsável.
Capital de risco CMVM deteta falhas
na vigilância à obtenção de vistos gold
Supervisor fez diligências
em empresas de capital de risco
e descobriu deficiências nos
sistemas que devem impedir
entrada de dinheiro sujo no país
O investimento em capital de risco
para que investidores estrangeiros
obtenham vistos gold está a ser feito
sem que estejam garantidas todas
as regras para impedir a entrada de
dinheiro com origem ilícita em Por-
tugal. A conclusão é da Comissão
do Mercado de Valores Mobiliários
(CMVM), que fez ações de supervisão
em 10 entidades e em todas detetou
falhas, de acordo com dados confir-
mados ao Expresso.
As equipas da CMVM foram pre-
sencialmente a 10 entidades de ca-
pital de risco realizar aquilo que a
autoridade chama ação de supervisão
temática, por ser direcionada a um
sector em específico, e relacionada
com a prevenção do branqueamen-
to de capitais e financiamento do
terrorismo (BCFT). As sociedades e
fundos de capital de risco investem
em capital de empresas com espaço
para crescer, permitindo-lhes robus-
tecerem-se, abandonando-as num
período definido de tempo — são,
por exemplo, uma das grandes fontes
de aposta nas startups. A realização
de investimentos com valor igual ou
superior a €500 mil em entidades de
capital de risco é uma das formas que
possibilita a obtenção de um visto
gold em Portugal.
Ora, é aqui que há uma fonte de pro-
blemas, segundo as conclusões a que
chegou a autoridade comandada por
Gabriel Bernardino, e as entidades
vão ter de melhorar os seus sistemas.
“Evidencia-se a necessidade do refor-
ço das estruturas de controlo interno,
incluindo na sua eficácia e autono-
mia, na identificação e mitigação dos
riscos de BCFT, em especial quanto
à identificação rigorosa de clientes e
contrapartes de maior risco e quan-
to à origem dos seus rendimentos,
sobretudo em associação com pro-
As frutas e os legumes nacionais já chegam a 142 países FOTO GETTY IMAGES
O crescimento no primeiro semes-
tre também se registou em volume,
com 804.910 toneladas exportadas,
mais 14% face ao mesmo período do
ano passado.
Ou seja, “apesar de um contexto
económico adverso em diversas fren-
tes, incluindo aumentos de custos re-
corde, as empresas portuguesas con-
seguiram reforçar a sua presença nos
mercados internacionais [já chegam a
142 países], demonstrando o crescen-
te dinamismo do sector”, acrescenta
Gonçalo Andrade, que enfatiza o facto
de Portugal ter um potencial “enor-
me” neste domínio e com um reco-
nhecimento “cada vez maior por parte
dos clientes internacionais”. Mas, ad-
mite, “o sector agroalimentar enfren-
ta enormes desafios com a ausência de
obras de fundo na modernização dos
gramas de incentivo ao investimento
e residência em Portugal”, segundo
as respostas dadas pela assessoria da
autoridade a questões colocadas pelo
Expresso.
Na lógica do supervisor, já tinham
sido lançados alertas sobre a neces-
sidade de procedimentos adequados
para a recolha de informação sobre
“clientes e contrapartes de maior ris-
co ou sobre operações”, nomeada-
mente para garantir que a origem dos
investimentos é lícita, e mesmo assim
foram encontrados problemas.
Gravidades distintas
As empresas em causa não são identi-
ficadas e o supervisor explica que há
gravidades distintas nas deficiências
e irregularidades encontradas. Tam-
bém não é certo que tenha havido
já situações em que se materializou
alguma transação irregular: “É ao
nível dos procedimentos de escrutínio
dos clientes e de análise de transações
que a CMVM identificou irregularida-
des e fragilidades, não significando
isso que existam situações materia-
lizadas de BCFT, mas sim falhas ao
nível das diligências e cuidados que
devem ser adotados para prevenir
situações de BCFT.”
A CMVM não se quis pronunciar
sobre os casos concretos, mas ha-
vendo falhas no cumprimento dos
deveres pode haver espaço para pro-
cedimentos contraordenacionais,
além de ser obrigatório comunicá-las
às autoridades criminais. Neste mo-
mento, segundo os dados no site do
regulador, estão ativos 230 fundos
de capital de risco, havendo 63 soci-
Supervisão da CMVM
foi presencial e visou
10 entidades de capital
de risco. Foram detetadas
deficiências em todas
aproveitamentos hidroagrícolas, cria-
ção de charcas e barragens, que são
vitais para conseguirmos continuar a
aumentar as exportações”.
O presidente da Portugal Fresh
acusa ainda o Governo dizendo que
“neste momento não estamos a apro-
veitar o potencial que o país tem devi-
do à falta de estratégia no regadio. Há
grande procura dos nossos produtos
por clientes internacionais, mas há
Até ao final do ano,
as vendas ao estrangeiro
deverão ficar
ligeiramente acima
dos €1,9 mil milhões
edades de capital de risco e duas so-
ciedades gestoras de capital de risco.
De acordo com a informação publi-
camente transmitida sobre as suas
reuniões, o Conselho de Adminis-
tração da CMVM decidiu que vai
realizar encontros bilaterais com
cada entidade, sendo que lhes foi
dado um mês para indicarem quais
as medidas de correção (“alterações
na estrutura e nos meios afetos à
BCFT” e “as necessárias alterações
de procedimentos”).
Contactada pelo Expresso, a Asso-
ciação Portuguesa de Capital de Ris-
co (APCRI) sublinha que “a principal
origem dos fundos que investem no
capital de risco nacional não são os
vistos gold” — “estes procuram e são
procurados sobretudo por fundos de
investimento imobiliário”. A asso-
ciação frisa que o sector do capital
de risco precisa do acesso a diversas
fontes de capital, precisamente “in-
vestidores individuais que procuram
aproveitar o programa de vistos gold
existente para investir em Portugal”.
Há sociedades neste sector que pro-
movem o investimento no âmbito
deste programa como mais rápido
do que a aposta direta em imóveis e
por não terem de suportar impostos
sobre transações imobiliárias.
Para a APCRI, a supervisão é im-
portante para a “maturidade plena
da indústria” e lembra que, além do
processo de respeito pelas regras de
prevenção do branqueamento que
são supervisionadas diretamente
pela CMVM, os investidores “têm
igualmente de ser escrutinados pe-
los bancos depositários dos fundos
geridos por essas sociedades e todo o
capital tem de ser transferido por via
bancária, estando assim também ex-
postos ao controlo e fiscalização dos
bancos onde têm a sua conta ban-
cária e, indiretamente, ao Banco de
Portugal”. A associação desconhece
investigações sobre a eventual viola-
ção destes deveres por associados.
Diogo Cavaleiro
dcavaleiro@expresso.impresa.pt
Expresso, 2 de setembro de 2022
uma enorme insegurança por parte
dos agricultores nos investimentos a
realizar”.
Refere ainda que os produtores por-
tugueses não têm medidas de apoio
equivalentes às dos seus vizinhos es-
panhóis, sobretudo no que respeita
às medidas de mitigação dos efeitos
da seca, mas também na área dos
combustíveis e da energia. “Temos
de deixar bem claro que estamos a
pagar mais 40 a 50 cêntimos por li-
tro de gasóleo agrícola que os nossos
colegas e concorrentes espanhóis.
Assim é difícil sermos competitivos,
até porque acresce a isso o facto de
estarmos logisticamente mais longe
do Centro da Europa, que é o nosso
principal mercado.”
Vítor Andrade
vandrade@expresso.impresa.pt
Venda milionária
sem divulgação
A sociedade gestora de capital
de risco ECS acordou em agosto
uma transação avaliada em
€850 milhões, segundo o “Jornal
Económico”. A operação envolveu
os principais bancos, com a venda
das unidades nos fundos
de reestruturação geridos pela
ECS (para onde tinham ido ativos
imobiliário e turísticos da banca).
Porém, a sociedade não deu
nenhuma informação ao
mercado; nem tinha de dar,
de acordo com a legislação
portuguesa. Segundo explicou
a Comissão do Mercado de
Valores Mobiliários (CMVM)
ao Expresso, “o capital de risco
é uma atividade direcionada para
segmentos de investidores com
um nível de conhecimento mais
aprofundado e dispostos a
assumir um maior nível de risco,
correspondendo-lhe requisitos
de transparência associados
a uma abordagem de
proporcionalidade”. Assim,
não há deveres de divulgação
de informação privilegiada, como
no caso de entidades com valores
admitidos à negociação (como
empresas cotadas na Bolsa de
Lisboa). Ainda assim, o supervisor
diz que lhes pode pedir quaisquer
dados necessários à sua
atividade, além de “informação
periódica”. Só o Novo Banco
pronunciou-se publicamente
sobre a operação em que foram
vendidas à DK as participações
nos fundos Recuperação Turismo,
FLIT e em ativos do Fundo
Recuperação, dizendo que a sua
concretização permitiu melhorar
os rácios. A ECS não respondeu
às questões colocadas pelo
Expresso, tal como a CGD e BCP,
que lideraram com o Novo Banco
a transação. Já o Santander disse
que a posição vendida foi
herdada do Popular e que o
resultado da operação é residual.
A Oitante, ex-Banif, frisa que o
negócio ainda não está concluído,
mas nota que vai permitir-lhe
reduzir em 70% a exposição
a este tipo de fundos. D.C.
Expresso, 2 de setembro de 2022 ECONOMIA 5

OE Défice de cam os últimos fundos deste quadro

comunitário, que arrancou em 2014 e
termina em 2023.
Perante este défice de investimento
público, não admira que a execução
do Portugal 2020 tenha caído em vez
investimento Ora, apenas 35% do investimento
orçado para 2022 foi aplicado nos
de disparado no primeiro semestre de
2022. De janeiro a junho foram valida-

público põe primeiros sete meses do ano, mar-

cado pelas eleições legislativas e o
atraso na entrada em vigor do novo
dos menos €493 milhões de despesas
(-29%) face a igual período do ano
anterior.
em risco os OE. Segundo o mais recente boletim
da DGO — que compara a execução de
Em 2021, a taxa de execução dos
fundos de coesão do Portugal 2020

FOTO TIAGO PETINGA/LUSA

fundos da UE
Portugal 2020 deve acelerar em
85% a execução dos fundos de
coesão neste segundo semestre
para cumprir a meta de 2022
A contabilidade pública da Direção-
-Geral do Orçamento (DGO) revela
que o investimento público se encon-
tra estagnado, não obstante o Orça-
mento do Estado (OE) para 2022 ter
previsto um disparo de 43% este ano,
marcado pela chegada ao terreno dos
milhões do Plano de Recuperação e
Resiliência. E também pela necessida-
de de acelerar e concluir as obras do
Portugal 2020, para que não se per-
julho de 2022 face a julho de 2021 —,
o investimento até caiu 33% no Ser-
viço Nacional de Saúde (ver primeiro
caderno), 17,5% na Segurança Social
(SS) ou 7% na administração local,
apesar dos fundos europeus por apli-
car. O Expresso questionou o Minis-
tério das Finanças quanto à meta de
investimento público, mas não obteve
resposta até ao fecho desta edição.
O orçamento da administração cen-
tral e SS até aumentou 70% face a
2021, mas o investimento cresce ape-
nas 3% nestes serviços diretamente
tutelados pelos ministros. Mesmo ex-
cluindo os pagamentos em queda às
concessionárias rodoviárias — uma
despesa a cargo da Infraestruturas de
Portugal que o Ministério das Finan-
ças inclui na análise de investimento
—, o crescimento é de 19%.
Governo deve investir mais para não perder fundos europeus
A Infraestruturas de Portugal é um
dos organismos públicos que mais tem
puxado pelo investimento em 2022:
os €190 milhões aplicados na Ferro-
via 2020 representam um aumento
de 80% face a julho do ano passado.
Maior só o investimento de €201 mi-
lhões de fundos exclusivamente euro-
peus na Escola Digital. O programa de
aquisição de aeronaves KC-39 ajudou
o sector da defesa a investir mais 48%.
disparou de 53% para 71%. E para pre-
venir a perda de fundos no final deste
quadro comunitário, o anterior minis-
tro do Planeamento, Nelson de Souza,
fixou a meta de fechar 2022 com 87%
do Portugal 2020 já executado.
Porém, na primeira metade deste
ano só foram investidos 35% dos fun-
dos necessários para cumprir a tal
meta de 2022. A manter-se tamanha
Contudo, os pagamentos relativos desaceleração, o ano fechará com
ao Plano de Regadio pela Empresa de uma taxa de execução em torno dos
Desenvolvimento e Infraestruturas do 83%. Para cumprir a meta de 2022,
Alqueva caem 90% e os investimentos a execução do Portugal 2020 deve
na segurança interna afundam 91% e na disparar 85% na segunda metade do
rodovia 26%. O Metro do Porto até está ano. O risco é entrar no derradeiro
a investir o dobro, mas o Metropolitano ano, 2023, com mais de €3 mil mi-
de Lisboa menos 59%, desacelerando lhões destes fundos de coesão ainda
as obras de modernização da rede e de por investir.
expansão da Linha Circular Rato-Cais Joana Nunes Mateus
do Sodré. economia@expresso.impresa.pt

Descodificador por Joana Nunes Mateus

Pode o PIB crescer

e a economia estagnar?
No segundo trimestre de 2022, a economia portuguesa até disparou 7,1%
face a igual trimestre de 2021. Contudo, nada cresceu relativamente ao
primeiro trimestre deste ano. Consumo e investimento já se ressentem

1 OouPIB cresce
não?
O Instituto Nacional de Estatística
(INE) quantifica em €58.123 milhões
a riqueza gerada pela economia
portuguesa durante o segundo
trimestre de 2022. Este é o chamado
Produto Interno Bruto (PIB) a preços
correntes, mas para comparar com
trimestres passados importa descontar
a inflação e determinar o real
crescimento da economia portuguesa.
Contas feitas, tudo depende da base
escolhida para comparação. Se optar
por comparar com igual trimestre de
2021 — ou seja, com uma estrutura
produtiva mais debilitada pela
pandemia covid-19 — obterá uma taxa
de variação homóloga de 7,1%.
Se comparar com o primeiro trimestre
de 2022, obterá uma taxa de variação
em cadeia nula, de 0%. Na verdade,
FOTO GETTY IMAGES

o PIB até caiu alguns milhões face aos

primeiros meses do ano. E teria caído
muitos mais, não fora o turismo e
demais exportações de serviços e bens
compensarem a quebra que já se está
a sentir ao nível da procura interna.

2 Estamos
a consumir
menos?
Neste segundo trimestre
de 2022 tão marcado pela inflação
e a crise energética europeia,
os portugueses já fizeram menos
compras do que no primeiro
trimestre deste ano. As despesas
de consumo final das famílias
residentes diminuíram 0,3%,
verificando-se uma redução de 1,3%
nas despesas em bens duradouros.
Esta rubrica que inclui a aquisição
de veículos automóveis estava a crescer
6,9% no início do ano. As despesas
em bens não-duradouros e serviços
também caíram 0,2%. Apenasos gastos
com bens alimentares aumentaram
0,2%. Segundo as contas nacionais
do INE, o número de indivíduos
empregados em unidades produtivas
residentes já registou uma redução
de 0,7% enquanto as horas trabalhadas
diminuíram 4,2%. O consumo
público também contraiu 0,4%.
3 Investimento
já está a cair? 4 Que sectores
estão a resistir?
No segundo trimestre de 2022
investiu-se menos 4,4% do que
nos primeiros três meses do ano.
A formação bruta de capital fixo
na construção — que é a principal
componente do investimento na
economia portuguesa — caiu 5,3%
face ao primeiro trimestre de 2022
e também caiu 1,2% em termos
homólogos. Tal não sucedia desde
o início de 2020 quando surgiu
a pandemia covid-19, interrompendo
oito trimestres consecutivos
de crescimento do investimento
na construção. Pior foi a taxa de
variação em cadeia do investimento
em equipamentos de transporte:
-14,5%. O investimento também
diminui 2,1% noutras máquinas
e equipamentos e 0,9% noutros
produtos de propriedade intelectual.
As exportações voltaram a
bater recordes e aceleraram
significativamente face ao segundo
trimestre de 2021. O INE destaca os
crescimentos homólogos de 14% nos
bens e de 65% nos serviços, refletindo
a forte dinâmica do turismo. Dos oito
sectores de atividade em que
o INE divide a sua análise, o que mais
cresce é o do comércio, alojamento
e restauração: 5,4% em cadeia e 19,9%
em termos homólogos. A indústria
(+1,7%) e o sector das atividades
financeiras, de seguros e imobiliárias
(+0,3%) também cresceram face
ao trimestre anterior. Contudo,
a maioria dos sectores viu o seu
valor acrescentado cair do primeiro
para o segundo trimestre de 2022:
construção; agricultura, silvicultura
e pesca; energia, água e saneamento;
transportes, armazenagem e atividades
de informação e comunicação; e outras
atividades de serviços.
6 ECONOMIA Expresso, 2 de setembro de 2022

ENERGIA

“Confusion Aprovisionamento Secretário de Estado da Energia e CEO da Galp

Governo e Galp O
Miguel Prado
de Confusiones” deslocaram-se a Abuja para assegurar cumprimento dos contratos de gás
aprovisionamento
João Duque de gás natural para
jduque@iseg.ulisboa.pt o próximo inverno
levou o Governo
português a uma di-
A

na Nigéria para
ligência pouco ha-
bitual: o secretário
‘geringonça’ de Estado do Am-
biente e da Energia,
do gás João Galamba, deslocou-se esta sema-
na a Abuja, na Nigéria, para se reunir

D
com o Governo nigeriano, de forma

garantir gás
esde 20 de fevereiro de a assegurar o cumprimento dos con-
2022 que o gás natural se tratos de longo prazo para entrega de
valorizou 98%, se medir- gás natural liquefeito (GNL) a Portu-
mos a variação em dóla- gal, apurou o Expresso. Nesta missão
res, e 124%, se a medirmos em participou também o presidente-exe-
euros. Este aumento em pouco cutivo (CEO) da Galp, Andy Brown.
mais de seis meses, com grande Esta foi a primeira vez que o secretá-
impacto no bolso das famílias e rio de Estado da Energia se deslocou
empresas, forçou o Governo a à Nigéria. Mas o momento é também
tomar medidas. Custa muito en- o mais crítico, no que ao sector ener-
carar a realidade e, contra toda a gético diz respeito, desde que João
lógica do preço, a solução imedia- Galamba assumiu a pasta, em 2018.
ta foi a de possibilitar que os con- Foi também a primeira vez que Andy
sumidores do regime liberalizado Brown viajou a Abuja desde que foi
voltassem ao regime regulado. nomeado CEO da Galp, no início de
O regime regulado é a origem 2021. A petrolífera portuguesa admite
dos contratos com aplicação a participação do gestor nos contactos
não-concorrencial. Porém, a em Abuja. “Confirmamos a presença
União Europeia impõe um mo- da Galp em reuniões de trabalho na
delo concorrencial com diferen- Nigéria, no âmbito das suas relações
tes fornecedores de gás em que comerciais habituais”, declarou a
o preço é liberalizado. E os con- Galp ao Expresso.
sumidores foram escolhendo os As reuniões na Nigéria, que é hoje o
fornecedores de gás saindo do principal fornecedor de gás de Portu-
regime regulado para o libera- gal (com um peso de 55% nos primei-
lizado.
Não estava prevista uma guerra
em torno do gás e no processo
de transição energética têm sido
tomadas decisões que só agrava-
ram ainda mais o preço do gás no
mercado internacional. A ponto
de se temer uma revolta popular.
E, ao contrário do esperado, o
preço do gás no regime regulado
é agora muito mais baixo do que
no regime liberalizado.

Mete espécie porque é

que há consumidores que
pagam muito menos do que
outros pelo mesmo produto.
A razão é simples: a Galp
mantém ainda um certo
número de contratos de
muito longo prazo
com a Nigéria a preços
muito favoráveis

Mete espécie porque é que há

consumidores que pagam muito
menos do que outros pelo mesmo
produto.
Mas a razão é simples: a Galp
mantém ainda um certo número
de contratos de muito longo prazo
com a Nigéria, em que esta forne-
ce a companhia a preços muito
favoráveis. De modo a não perver-
ter o regime concorrencial, a Galp
é depois obrigada a ceder parte
destes contratos aos seus con-
correntes, para que estes possam
também fornecer os seus clientes
do regime regulado a preço mui-
to barato. O remanescente gás
“barato” sobrante destes contra-
tos com a Nigéria foi vendido pela
Galp aos seus clientes industriais,
tendo-se já esgotado.
Agora, o problema que se colo-
Pressões obrigam França a reconsid
ca é saber como é que os clientes
que voltem do regime liberalizado
para o regulado podem ser satis- Berlim, Lisboa e Madrid, argumentou que a recuperação das a maioria dos custos ao abrigo do pro- seu proclamado sentido europeísta?”,
feitos pelo gás barato da Nigéria com o apoio de Bruxelas, obras levaria muito tempo, cerca de grama REPowerEU. A presidente da perguntou. “O que faríamos com uma
se a Galp já o vendeu ou prome- procuram neutralizar a três anos; que sairia extraordinaria- Comissão Europeia, Ursula von der Alemanha quebrada?”
teu vender na totalidade… Se for recusa inicial de Paris ao mente cara; e que iria contrariar os Leyen, que defende a iniciativa de Neste momento estão construídos e
só um cliente a mudar, não have- projeto Midcat compromissos dos franceses no seu Portugal, Espanha e Alemanha para em desuso 94 quilómetros entre Mar-
rá problema. Mas se forem tantos programa de luta contra as alterações melhorar as interligações continentais torell e Hostalric. Falta o ramal até Le
os que querem mudar como os A esperança de um relançamento do climáticas. Agora foi outro ministro, o de gás através do Midcat, assinalou Perthus, na fronteira, e a partir daí, já
que querem bilhetes para os Col- gasoduto Midcat voltou a renascer após titular da Economia, Bruno Le Maire, explicitamente que o projeto tem ca- em território francês, até às proximi-
dplay, isto é, centenas de milhares a retificação pela França da sua postura que veio retirar contundência à opo- bimento no âmbito das coberturas dades de Carcasonne. No total, cerca
de entre os mais de um milhão de inicial de recusa frontal a esta infraes- sição da sua colega. Le Maire afirmou financeiras concebidas pela UE. En- de 330 quilómetros. As autoridades
candidatos possíveis, então esta trutura. Depois de o primeiro-ministro durante um curso de verão da orga- tretanto, os técnicos limparam o pó francesas responsáveis fizeram uma
‘geringonça’ afunda e os preços espanhol, Pedro Sánchez, e o chanceler nização patronal francesa: “Desde o aos planos de um velho projeto de estimativa de investimentos que ultra-
sobem. E todos poderão mudar! alemão, Olaf Scholz, terem avalizado momento em que uns amigos fazem ligação submarina com Itália, entre passam os €3 mil milhões.
Os Governos são ótimos para publicamente a recuperação desta um pedido e uma sugestão, nós exa- Barcelona e Livorno, para o caso de vir
arranjar sarilhos a intervir em obra, abandonada em 2019, como um minamos o pedido e a sugestão dos a ser necessário um plano B.
mercados. É que, por muita gi- instrumento importante para resolver a nossos amigos e parceiros.” A vice-presidente espanhola Tere- A ministra espanhola
nástica que se faça, ainda não é crise de abastecimento de gás à Europa, Para rebater as reticências france- sa Ribera, que é também ministra Teresa Ribera questionou
possível conseguir convencer os França começou por lançar um balde sas, a partir de Espanha insistiu-se em da Transição Energética no Gover- a solidariedade da França:
produtores de gás natural a ven- de água fria ao expressar oficialmente que a conclusão do gasoduto na parte no de Sánchez, afirmou que seriam
derem esse bem preciso ao preço que não apoiava a ideia. espanhola demoraria oito ou nove necessários investimentos de cerca “Onde está o sentido
que os políticos desejariam por A ministra gaulesa da Transição meses e que, do ponto de vista finan- de €400 milhões. Ribera apelou à europeísta?”
prazo indeterminado. Energética, Agnès Pannier-Runacher, ceiro, a UE estaria disposta a assumir solidariedade gaulesa: “Onde está o
 Expresso, 2 de setembro de 2022
ros sete meses do ano, seguida dos
Estados Unidos, com 28%), ocorrem
num contexto internacional comple-
xo, com várias ameaças às entregas de
GNL nos terminais europeus. Incluin-
do Portugal.
Já houve cargas de gás nigeriano
para entrega em Portugal, ao abrigo
dos contratos de longo prazo da Galp,
que foram desviadas para outros mer-
cados, desesperados por reforçar as
suas reservas para os próximos meses,
perante o corte dos fornecimentos
russos. Por outro lado, em solo nige-
riano vão surgindo relatos de ataques
a oleodutos para roubo de petróleo,
comprometendo também a logística
de transporte de gás até ao enchimen-
to dos navios que levam o GNL para os
clientes da Nigéria.
Foram estas preocupações que leva-
ram a Abuja os responsáveis do Gover-
no e da Galp, a empresa que detém os
contratos de longo prazo, também co-
nhecidos como take or pay, pela cláu-
sula de que o comprador tem sempre
de pagar o volume de gás contratado,
quer fique com ele, quer não. Um dos
objetivos das reuniões foi sensibilizar o
Governo da Nigéria a reforçar a segu-
rança das infraestruturas energéticas,
de forma a não descredibilizar o país
africano no mercado internacional,
num momento em que vários produ-
tores de gás se vão afirmando como
alternativa na estratégia da Europa de
cortar laços com a Rússia.
Apesar de esta ter sido a primeira
deslocação do CEO da Galp à Nigéria,
em junho vários administradores da
derar gasoduto
Face às reticências de grupos eco-
logistas que recusam investir fundos
em projetos que implicam uma recu-
peração dos combustíveis fósseis, a
ministra Ribera recordou que o Mid-
cat está desenhado para futuramente
canalizar abastecimentos de hidrogé-
nio verde. O chanceler alemão Scholz
recordou que Espanha e Portugal têm
uma posição de partida favorável para
a produção e distribuição deste com-
bustível sustentável. Scholz fez esta
apreciação junto de Pedro Sánchez
depois de ter recebido o primeiro-
-ministro espanhol nos arredores de
Berlim. Na mesma ocasião, Sánchez
recordou, no seu argumentário a favor
do Midcat, que Espanha dispõe de
30% do total da capacidade europeia
de regaseificação.
O professor de Economia Aplicada
da Universidade de Múrcia Andrés
NOVAS MEDIDAS
Plano para
poupar em curso
O Governo, que realizará
na próxima segunda-feira
um Conselho de Ministros
extraordinário para aprovar
um “pacote de apoio ao
rendimento das famílias”,
de forma a mitigar o impacto
da inflação, está a finalizar
um plano de medidas e
recomendações de poupança
de energia, no âmbito do
compromisso assumido em julho
em Bruxelas para a redução
de consumo de gás natural.
Este plano foi antecedido de
uma recolha de contributos
junto da sociedade civil levada a
cabo pela Adene — Agência para
a Energia, e que auscultou perto
de meia centena de entidades.
O objetivo é conseguir reduzir
em cerca de 7% o consumo
de gás no país. Segundo os
dados da REN, nos primeiros
sete meses deste ano o consumo
de gás do país baixou 0,3%
em termos homólogos, com
um corte de 21% no consumo
convencional (famílias e
empresas) e um aumento
de 47% no gás consumido
para produzir eletricidade. M.P.
Nigéria lidera fornecimento
de gás a Portugal
FOTO AKINTUNDE AKINLEYE/REUTERS
Rusiñol considera que as reticências
francesas ao Midcat têm como fundo
ver ameaçada a sua supremacia na
distribuição de energia elétrica proce-
dente da produção nuclear, num mo-
mento em que o país vizinho atravessa
uma crise devido à obsolescência de
muitas das suas instalações. O con-
junto de centrais nucleares francesas,
o mais potente da Europa, funciona
agora, segundo o professor de Múrcia,
a 35% da sua capacidade total.
Em paralelo, enquanto a Alemanha
procura desesperadamente novos for-
necedores de gás para neutralizar a
sua dependência da Rússia, outros
países, como Espanha, deixaram de
depender dos seus fornecedores tra-
dicionais, como é o caso da Argélia.
Ángel Luís de la Calle
Correspondente em Madrid
economia@expresso.impresa.pt
petrolífera portuguesa tiveram reu-
niões de trabalho com responsáveis
nigerianos, à margem da visita oficial
a Portugal do Presidente da Nigéria,
Muhammadu Buhari. Contactos es-
senciais devido ao peso que este país
africano tem no aprovisionamento de
gás pela Galp.
Os contratos em vigor
A Galp já celebrou quatro contratos
com a NLNG (empresa detida em
49% pelo Estado nigeriano, mas na
qual também participam a Shell, com
25,6%, a TotalEnergies, com 15%, e a
Eni, com 10,4%). O primeiro foi feito
no ano 2000 e terminou em 2021,
com entregas anuais de 0,4 mil mi-
lhões de metros cúbicos (BCM). O
segundo contrato, iniciado em 2003,
termina no próximo ano e soma 1
BCM. O terceiro arrancou em 2006 e
finda em 2026, com entregas anuais
de 2 BCM. Um quarto contrato com
a NLNG foi celebrado em 2020, para
a entrega, durante 10 anos, de um
volume de aproximadamente 1,6 BCM
por ano.
Os dados do porto de Sines indi-
cam que o último navio de GNL que
chegou ao terminal da REN — Redes
Energéticas Nacionais descarregou
esta semana gás oriundo de Punta
Europa, na Guiné Equatorial. E o pró-
ximo deverá chegar a Sines a 6 de
setembro, proveniente do terminal de
Sabine, nos Estados Unidos.
É através dos primeiros três con-
tratos com a Nigéria que a Galp asse-
gura o fornecimento de gás natural
aos comercializadores regulados, que
hoje somam pouco mais de 200 mil
clientes, mas que poderão em outubro
receber uma avalancha de adesões
de novos clientes vindos do mercado
liberalizado, onde os maiores forne-
cedores, como a EDP Comercial, a
Galp e a Goldenergy, já anunciaram
aumentos tarifários, a aplicar a partir
de 1 de outubro.
O Governo já declarou que o volume
dos contratos take or pay da Galp é
suficiente para cobrir a procura de
todo o consumo de baixa pressão
que será elegível para regressar aos
comercializadores regulados. Resta
saber por quanto tempo estará ga-
rantida a poupança que as tarifas re-
guladas de gás hoje apresentam face
aos preços dos comercializadores do
mercado livre.
Segundo os dados publicados pela
Entidade Reguladora dos Serviços
Energéticos (ERSE) no documento
tarifário de 2021/2022, os preços do
gás dos contratos take or pay estão
“indexados ao preço do petróleo ou
aos seus derivados com desfasamen-
to entre 6 e 12 meses, consoante os
contratos”. É isso que tem permitido
aos clientes regulados beneficiar de
aumentos de preços relativamente
modestos (em julho subiram 3,3%
e em outubro subirão outros 3,9%),
quando comparados com os agrava-
mentos a que estão a ser sujeitos os
clientes no mercado liberalizado. Na
EDP Comercial, por exemplo, a fatura
média do gás deverá subir 170% em
outubro, embora haja clientes, como
os servidos no primeiro escalão, em
que a tarifa de energia ficará 233%
mais cara.
O Governo ainda não concretizou
a alteração legislativa anunciada a
25 de agosto no sentido de permitir
às famílias e pequenos negócios que
regressem às tarifas reguladas a par-
tir de outubro. E é uma incógnita o
número de clientes que optarão por
aderir aos comercializadores regula-
dos, tal como é uma incógnita se as
atualizações de preços dos contratos
take or pay irão gerar desvios tarifá-
rios relevantes na comercialização
regulada de gás (o que, a acontecer,
acabará por ter de ser cobrado mais
tarde à generalidade dos consumido-
res de gás).
A possibilidade de regresso ao mer-
cado regulado será válida por 12 me-
ses. As simulações feitas pelo Ministé-
rio do Ambiente apontam para que as
tarifas reguladas permitam, a partir
de outubro, poupanças próximas dos
70% face aos preços no mercado libe-
ralizado. No entanto, o valor efetivo de
poupança varia de consumidor para
consumidor, consoante o seu perfil e
o fornecedor com o qual tenha atual-
mente contrato.
mprado@expresso.impresa.pt
Custos da energia
provocam alta
tensão na indústria
Cerâmica só aguenta mais
um trimestre. Com o gás
a subir 150% “só podemos
estar aterrorizados”, diz a
indústria têxtil
“Temos a inflação nos 9% e a fa-
tura do gás a disparar 150%. Só
podemos estar aterrorizados”,
afirma Mário Jorge Machado,
presidente da ATP — Associa-
ção Têxtil e Vestuário de Portu-
gal, numa frase que transmite o
estado de alma da indústria sob
pressão continuada da subida
dos preços da energia e em es-
pecial do gás.
Cada caso é um caso, pela
tipologia de consumo, pelo
peso da energia nos custos de
produção e pelo valor contra-
tualizado, mas se o preço do
gás passou de €20 o MWh (me-
gawatt hora) para €300 num
ano, uma empresa que recebia
uma fatura de €100 mil passou
a pagar €1,5 milhões, exem-
plifica Mário Jorge Machado,
preocupado com a capacidade
de resposta das empresas gran-
des consumidoras de energia.
“Os apoios do Estado não
são suficientes para enfrentar-
mos esta escalada e as ações
para reduzir o consumo não
dão resultados de um dia para
o outro. Investir em caldeiras
de biomassa e outros tipos de
processos de produção alterna-
tivos ao gás demora”, comenta.
Consciente de que “a sangria
de tesouraria provocada pela
fatura da energia é inevitável
e dificulta a capacidade de in-
vestir”, em especial quando há
quebra de encomendas “e um
cheiro forte a recessão no ar”,
Mário Jorge Machado antecipa
dificuldades acrescidas na ges-
tão de consumo.
No sector da cortiça, “para
mitigar as subidas drásticas dos
custos”, a Sedacor antecipou
investimentos na produção de
energia fotovoltaica, avançou
com três centrais de produção
de energia de biomassa/pó de
cortiça, em substituição do
consumo de gás, e, em 2021,
contratualizou o fornecimen-
to de energia elétrica a preço
fixo, limitando a 30% o aumen-
to da fatura. “No gás, não nos
foi permitido fixar preços, pelo
que a fatura aumentou mais de
100%”, diz a administração.
Em alerta vermelho
Já a indústria cerâmica está
“em alerta vermelho”, assu-
me José Sequeira, presidente
da associação sectorial Apicer,
elegendo a subida do preço do
gás como “causa principal”
de uma dor de cabeça agrava-
da por outros aumentos, dos
transportes às embalagens.
“Trabalhar com o gás ao pre-
ço atual é impossível e temos
cada vez mais associados a
questionar a continuidade da
atividade.”
No país europeu que mais ex-
porta louça e faiança de grés,
algumas empresas já fecharam
15 dias antes nas férias, mas
parar a atividade apenas al-
guns dias, como fazem outros
sectores, é complicado devido
aos custos de aquecimento dos
fornos, explica José Sequeira.
“Quando uma empresa que
fatura €35 milhões vê a fatura
energética aumentar de €500
mil para €2,5 milhões, saber
que o apoio do Estado sobe de
€400 mil para €500 mil por
ano é muito pouco”, afirma.
O que o sector pede, diz, são
apoios em linha com os de ou-
tros países europeus. “Temos
ECONOMIA 7
uma associada que pertence a
um grupo sedeado num parcei-
ro comunitário onde os apoios
são de €2 milhões. Sabemos
que União Europeia permite
isto. O Governo tem de chegar
lá”, defende.
Nesta indústria, que tem na
energia 25% a 40% dos custos
de produção, trabalhar com
soluções alternativas ao gás
natural “é impossível” para já.
“Nenhum outro combustível
satisfaz as condições próprias
do processo de fabrico nem as
reações químicas das matérias-
-primas”, nota José Sequeira,
sabendo que o estudo de al-
ternativas como o biogás ou o
hidrogénio ainda vai demorar.
Certo de que o quadro atual
“é impossível de gerir mais do
que um trimestre”, o presiden-
te da Apicer alerta: “Caso as
circunstâncias se mantenham,
não temos futuro para lá do
Natal.”
Na metalurgia, a preocupa-
ção está também a aumentar,
em especial depois do termo
do contrato de compra de ener-
gia em grupo. “Tivemos uma
almofada até maio, mas agora
as empresas estão no mercado
livre porque os fornecedores
querem obrigar-nos a aceitar
condições por dez anos”, conta
Rafael Campos Pereira, vice-
-presidente da associação sec-
torial AIMMAP, a aconselhar
a indústria a investir cada vez
mais no autoconsumo.
A fabricante de calçado in-
dustrial Lavoro, a investir na
expansão de instalações e numa
nova fábrica, para duplicar as
“Caso as circunstâncias
se mantenham não
temos futuro para lá do
Natal”, alerta a Apicer,
a associação do sector
da cerâmica
vendas de €20 milhões em cin-
co anos, já assume o objetivo
de garantir ganhos de eficiên-
cia por via dos equipamentos,
dos processos de produção, do
autoconsumo. A fatura nesta
empresa de calçado não é tão
pesada como noutras indústri-
as, mas também está a subir e
“tem de ser controlada”, assu-
me o empresário Teófilo Leite,
que aos preços atuais terá um
encargo anual de €500 mil com
a energia, o equivalente a 5%
dos custos de produção e três
vezes acima do valor de 2021.
Manuel Velasquez, sócio da
consultora ERA — Expense Re-
duction Analysts, contextualiza
que “todas as empresas são di-
ferentes”, mas recomenda que
os gestores não deixem de fazer
auditorias regulares e imple-
mentar sistemas de gestão de
energia, para perceber como
podem reduzir consumos. Ve-
lasquez admite que “a situa-
ção é muito preocupante” e
indústrias como a da cerâmica
e materiais de construção não
estão a conseguir repercutir os
aumentos da fatura energética
nos preços cobrados aos clien-
tes, levando-as a fechar portas.
“A estes preços é impossível
para eles”, observa.
Um pedido transversal aos
diferentes sectores que o Ex-
presso auscultou é uma estra-
tégia comum para lidar com a
crise energética na Europa que
consagre um teto máximo para
o preço do gás.
Margarida Cardoso e M.P.
mmcardoso@expresso.impresa.pt
8 ECONOMIA
PREÇOS
Análise Famílias com menores rendimentos
enfrentam uma inflação superior à oficial.
Escalada dos preços tem consequências
muito assimétricas, que podem não ser
captadas pelos indicadores oficiais
Inflação
agrava
desigualdades
Textos Sónia M. Lourenço
P
Infografias Carlos Esteves
ela primeira vez em
quase um ano, a infla-
ção em Portugal inter-
rompeu a tendência
de aceleração. Com os
produtos energéticos
a darem uma (peque-
na) trégua, a variação
homóloga do Índice de
Preços no Consumidor (IPC) abran-
dou ligeiramente em agosto, para 9%,
o que se compara com 9,1% em julho.
Mas os dados do Instituto Nacional
de Estatística (INE) servem de pouco
consolo às famílias. A inflação está
em níveis que não eram vistos no país
há quase três décadas e, apesar da
“enorme incerteza”, Paula Carvalho,
economista-chefe do BPI, antecipa
que “ainda não atingimos o pico”.
Além disso, os preços dos produtos
alimentares continuam a acelerar.
Com os salários a não acompanharem
a inflação (ver texto ao lado), perdendo
poder de compra, e os bens essenci-
ais entre os preços que mais sobem,
as famílias de menores rendimentos
são as mais penalizadas. Mas a classe
média também sofre. “A inflação tem
efeitos pesados sobre as famílias, que
se repercutem de forma desigual ao
longo da distribuição de rendimentos.
Temos efeitos muito fortes nas famílias
mais pobres, mas também efeitos nas
famílias de classe média e média bai-
xa”, destaca Carlos Farinha Rodrigues,
professor do ISEG, vincando que a es-
calada dos preços “tem consequências
profundamente desiguais”.
Explicação? Há vários fatores a ter
em conta, mas um dos mais importan-
tes passa pelos padrões diferenciados
de consumo das famílias, consoante
o seu nível de rendimento. Para cal-
cular a inflação (ver texto ao lado), o
INE considera como referência um
cabaz de consumo “médio”, a par-
tir dos dados do Inquérito à Despesa
das Famílias (IDEF). Só que os dados
desse inquérito permitem concluir
que “o peso do consumo de bens es-
senciais, como alimentação e energia,
no consumo total é muito superior
nas famílias mais pobres”, salienta
Susana Peralta, professora da Nova
SBE e coautora do estudo “Despesas
Essenciais e Rendimento das Famí-
lias: Efeitos Assimétricos da Inflação”.
Por exemplo, em 2015/2016 — anos
a que se refere o último inquérito dis-
ponível —, os produtos alimentares
(incluindo bebidas não alcoólicas) re-
presentavam 19,6% da despesa total
dos 20% com menores rendimentos
no país. Já no caso das famílias nos
20% com maiores rendimentos, esse
peso era de 11%, sendo a média de
14,3% O mesmo acontecia com as des-
pesas em “habitação, água, eletrici-
dade, gás e outros combustíveis”, que
representavam 35,1% da despesa total
das famílias que se encontravam entre
as 20% mais pobres, por contraponto
a 29,6% no caso das 20% com maiores
rendimentos. A média era de 31,9%.
Como a energia e os produtos ali-
mentares contam-se entre os preços
que mais têm subido — as variações
homólogas em julho mostram-no com
clareza (ver gráficos), já que ainda não
há dados detalhados de agosto —, isto
significa que “as famílias mais pobres
estão a enfrentar uma taxa de inflação
mais alta do que o valor publicado
pelo INE, porque o peso dos bens es-
senciais no seu cabaz de consumo é
superior ao que têm no cabaz médio
considerado pelo INE no cálculo do
IPC”, enfatiza Susana Peralta.
Uma situação transversal à da Eu-
ropa. O estudo “Surging Energy Pri-
ces in Europe in the Aftermath of the
War: How to Support the Vulnerable
and Speed up the Transition Away
from Fossil Fuels”, do Fundo Mone-
tário Internacional, mostra que, na
maioria dos países europeus, preços
da energia mais altos impõem um far-
do ainda maior nas famílias com bai-
xos rendimentos, porque estas gastam
uma fatia maior do seu orçamento em
eletricidade e gás (ver gráficos).
Pedro Brinca, professor da Nova
SBE, aponta no mesmo sentido, lem-
brando que o peso de cada categoria
de bens e serviços no cálculo da infla-
ção “é função dos dados agregados
de consumo, ou seja, as famílias com
mais meios e que consequentemente
gastam mais em consumo têm um
peso desproporcional”, afirma. E vin-
ca: “Há estudos que mostram que, por
esta via, a inflação a que de facto estão
expostas as famílias mais carenciadas
é sistematicamente mais elevada. Isto
vê-se claramente, por exemplo, no
estudo da Deco, que desde fevereiro
tem seguido os preços de um cabaz
de bens essenciais e cujo crescimento
dos preços foi bastante mais elevado
do que a taxa de inflação agregada.”
Mais pobres sem margem
Susana Peralta é taxativa: “Os dados
do IDEF mostram de maneira evi-
dente que a inflação provoca desi-
gualdade.” Carlos Farinha Rodrigues
não tem dúvidas de que “a subida dos
preços nos produtos alimentares e
na habitação — onde se inclui a ener-
gia — é terrível para as famílias com
menos rendimentos”. Acresce que
“as famílias mais ricas têm margem
de ajustamento. Podem cortar nas
despesas não essenciais ou diminuir
a poupança. Os mais pobres não têm
essa margem”, aponta Susana Peral-
ta, defendendo “a importância de as
políticas públicas do lado das famílias
se centrarem nos mais carenciados”.
Também Farinha Rodrigues salienta
Expresso, 2 de setembro de 2022
BENS ESSENCIAIS ENTRE OS PREÇOS QUE MAIS SOBEM INFLAÇÃO EM PORTUGAL NO
Variação homóloga do IPC em julho de 2022 por consumo individual por objetivo, VALOR MAIS ALTO DESDE 1992
em percentagem (e peso no cabaz de consumo de referência em 2022, em percentagem) Taxa de variação homóloga do Índice de Preços no
Consumidor, em percentagem
Habitação, água, eletricidade,
16,6 (9,6%)
gás e outros combustíveis
Agosto 9
Restaurantes e hotéis 14,8 (8,2%) 8
Produtos alimentares e
13,9 (22%) 4
bebidas não-alcoólicas
Transportes 12,9 (15,1%) 0
Acessórios para o lar, equip.
10,5 (7,2%) -4
doméstico e manut. da habitação
1992 95 2000 2005 2010 2015 20 2022
Lazer, recreação e cultura 4,3 (6,2%) FONTE: INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA
Bebidas alcoólicas e tabaco 2,8 (3,8%) TAXAS DE JURO EURIBOR
CONTINUAM A SUBIR
Bens e serviços diversos 2,5 (10,5%) Valores em percentagem
12 meses 1,76
Comunicações 1,8 (3,1%) 1,2
6 meses 1,19
Educação 1,3 (9,6%) 6
3 meses 0,62
Vestuário e calçado 0,1 (5,4%) 0
-3,6 (6,9%) Saúde -0,6
-1,2
2015 2020 2022 30
FONTE: INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA FONTE: EUROPEAN MONEY MARKETS INSTITUTE AGO.
que “o impacto nas famílias vai depen- der de negociação salarial tipicamente baixa”, considera Carlos Farinha Ro-
der do tipo de medidas que o Governo mais baixo, pelo que têm muito mais drigues. Ainda assim, “em geral, as
adotar”, salientando que “temos de ter dificuldade em mitigar as perdas de famílias com empréstimos à habitação
alguma forma de apoios, seja pela via valor real dos salários”, salienta Pe- são menos necessitadas, e o aumento
fiscal ou de transferências”. dro Brinca. Por outro lado, “também dos juros ainda é contido”, aponta, por
A inflação afeta de forma despropor- tendem a ter níveis de instrução mais sua vez, Ricardo Paes Mamede, pro-
cional as famílias mais desfavorecidas baixos, o que num país que está na fessor do ISCTE-IUL, reconhecendo
de outras formas. “As pessoas com cauda da Europa (também) em ter- que “a continuar poderá revelar-se um
rendimentos mais baixos têm um po- mos de literacia financeira significa problema relevante”.
que estão muito pouco preparados e/
ou informados sobre estratégias que
possam adotar para mitigar os efeitos
da inflação”, vinca o economista.
O PESO DOS BENS Quanto à classe média, também sen-
te os efeitos da inflação. Aqui, uma das O IMPACTO
ESSENCIAIS NO principais questões prende-se com
o aumento dos encargos financeiros
DA INFLAÇÃO SOBRE
CABAZ DE CONSUMO com crédito à habitação, por causa
da subida dos juros na sequência do
AS FAMÍLIAS VAI
DAS FAMÍLIAS MAIS endurecimento da política monetária DEPENDER DO TIPO
POBRES É SUPERIOR DE MEDIDAS E APOIOS
do Banco Central Europeu para travar
a inflação (ver gráfico), bem como a
AO DO CABAZ MÉDIO QUE O GOVERNO ADOTAR
subida das rendas de casa. “Isto afeta
especialmente a classe média e média
Expresso, 2 de setembro de 2022
Sabe
como se
calcula a
inflação?
O INE recolhe muitos
milhares de preços no
cálculo do Índice de
Preços no Consumidor.
Mas há problemas na
medição da inflação
São perto de 120 mil os preços
recolhidos todos os meses por
140 entrevistadores do Insti-
tuto Nacional de Estatística
(INE) em cerca de 12.500 es-
tabelecimentos por todo o país,
abrangendo um cabaz de bens
e serviços com mais de 1300
artigos, para apurar o Índice de
Preços no Consumidor (IPC),
o indicador de referência para
medir a inflação em Portugal.
Além disso, o INE reúne pre-
ços online para incluir no IPC,
preços para pacotes turísticos,
viagens aéreas e hotéis, entre
outros bens e serviços. Já a re-
colha automatizada de dados
online permite obter os preços
de grandes cadeias de artigos
de mobiliário, de telemóveis, de
vestuário e de calçado. Por fim,
são usadas fontes administrati-
vas para os preços dos combus-
tíveis, dos medicamentos e das
rendas de habitação.
Os preços dos bens O problema das médias
essenciais, como os
produtos alimentares, O objetivo é claro: garantir
estão entre os que representatividade no cálcu-
mais estão a subir lo da inflação. Contudo, essa
FOTO NUNO FOX medição padece de problemas.
Em particular, o IPC não é um
bom indicador para analisar
como a evolução dos preços
PAÍSES MAIS POBRES SOB PRESSÃO
Aumento do custo de vida em resultado de preços da energia mais elevados,
afeta diferentes grupos sociais
em percentagem dos gastos totais das famílias e famílias. A explicação é sim-
0 5 10 15 20 25 30
ples. No cálculo do índice, os
bens e serviços são ponderados
Hungria pela sua importância relativa na
França despesa das famílias com base
Finlândia 20% mais pobres
no Inquérito às Despesas das
Suécia
Croácia
20% mais ricos Famílias (IDEF) que o INE rea-
liza a cada cinco anos. O último,
Eslováquia
Áustria
publicado em 2017 — com refe-
rência a 2015/2016 —, foi a base
Alemanha para construir o cabaz médio de
Bulgária consumo que serve de referên-
Espanha cia ao INE (com atualizações
Eslovénia anuais). Só que os padrões de
Portugal consumo das famílias são dife-
Irlanda rentes consoante o nível de ren-
Polónia dimento. Por isso Ricardo Paes
Lituânia Mamede, professor do ISCTE-
Dinamarca -IUL, defende “a necessidade
Itália de produzir índices de preços
Roménia distintos para diferentes grupos
Bélgica da população, em particular em
Letónia função dos rendimentos das fa-
Grécia mílias”. E destaca: “Seria muito
Reino Unido importante, porque as médias
Países Baixos são de pouca utilidade para o
Chéquia desenho de políticas públicas
Estónia eficazes.”
FONTE: ESTUDO “SURGING ENERGY PRICES IN EUROPE IN THE AFTERMATH OF THE WAR: HOW TO SUPPORT THE VULNERABLE Paula Carvalho, economis-
AND SPEED UP THE TRANSITION AWAY FROM FOSSIL FUELS”, DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL ta-chefe do BPI, levanta outra
questão: “Alguns dos inputs de
Para Paes Mamede, as famílias mais do forem publicados, podem nada base são antigos, casos do IDEF
penalizadas pela inflação “são as que mostrar. O alerta é dado por Carlos e do recenseamento da habita-
não têm rendimentos assegurados (em Farinha Rodrigues: “Pode haver ele- ção de 2011, e deveriam ser atua-
particular, por efeito do desempre- vada inflação, com consequências pro- lizados com maior regularida-
go) e as que têm rendimentos fixos fundamente desiguais nas famílias, de.” Já Pedro Brinca, professor
(trabalhadores por conta de outrem sem haver alterações nos indicadores da Nova SBE, aponta problemas
e pensionistas)”. É certo que “alguns oficiais de pobreza e desigualdade clássicos das medidas de infla-
destes segmentos beneficiam de alguns (como o índice de Gini ou os rácios ção, como “não captarem mu-
apoios sociais, mas são em geral insu- S80/S20, ou S90/S10), se não houver danças nas qualidades dos bens
ficientes para compensar a perda de alterações na distribuição de rendi- — um aumento de preço pode
poder de compra e deixam de fora pes- mentos em termos nominais”. ser considerado inflação quando
soas que têm rendimentos muito bai- “Podemos ter forte deterioração das na realidade reflete uma melho-
xos, mas acima do limiar dos apoios”, condições de vida, as pessoas estarem ria do produto ou mais funciona-
nota o economista, apontando que “a muito pior do que antes, e os indi- lidades — ou terem alguma inér-
redução do desemprego (em particular cadores de pobreza e desigualdade cia relativamente a mudanças
entre os mais jovens) é uma notícia po- não o refletirem”, reforça Farinha de padrões de consumo, espe-
sitiva, no meio de más notícias”. Rodrigues. Isto porque “as estatísticas cialmente na introdução de no-
oficiais baseiam-se nos rendimentos, vos bens ou serviços”. Por fim, os
Indicadores ‘cegos’ medidos em termos nominais, e não IPC não têm em conta o custo da
captam esses efeitos”. É nos indica- habitação própria — apenas as
Ainda não há indicadores disponíveis dores de privação material que “os rendas pagas —, questão que o
que mostrem o agravamento da de- impactos da inflação vão surgir de Banco Central Europeu colocou
sigualdade por causa da inflação. Os certeza”, remata o economista. em cima da mesa na sua revisão
últimos referem-se a 2020. Mas, quan- slourenco@expresso.impresa.pt estratégica.
HÁ MAIS DE SETE ANOS QUE OS SALÁRIOS REAIS
NÃO CAÍAM TANTO
Variação homóloga da remuneração bruta total mensal média por trabalhador, em %
8
4
0
-4
-8
MAR. 2016 2017
2015
FONTE: INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA
Salários vão
continuar a perder
poder de compra
Economistas antecipam
que aumentos salariais
irão manter-se aquém
da inflação, levando a
quedas em termos reais
Depois de ter sofrido a maior
queda em termos reais em, pelo
menos, sete anos, o salário mé-
dio em Portugal deve continuar
a evoluir abaixo da inflação, ou
seja, continuar a perder poder
de compra, antecipam os econo-
mistas ouvidos pelo Expresso.
Segundo o Instituto Nacional
de Estatística (INE), no segun-
do trimestre a remuneração
bruta total mensal média por
trabalhador subiu 3,1% em ter-
mos nominais face ao mesmo
período de 2021. Um valor mui-
to abaixo da inflação. Como re-
sultado, em termos reais, caiu
4,6%. O que explica esta evo-
lução, numa altura em que a
taxa de desemprego está histo-
ricamente baixa — recuou para
5,7% no segundo trimestre — e
o emprego em máximos?
Expectativas de
inflação baixas
a longo prazo
A escalada dos preços no
último ano tem levantado
uma grande preocupação
ao Banco Central Europeu:
a descolagem das
expectativas de inflação
futura do valor de referência
dos 2%. A questão é crucial,
porque são essas
expectativas que guiam
as decisões de consumo
das famílias, os preços
praticados pelas empresas
e as reivindicações salariais
dos trabalhadores,
contribuindo — ou não —
para controlar a inflação.
Há várias formas de as
medir, como inquéritos
a analistas e consumidores
e informação dos mercados
financeiros. O que nos
dizem é que “as expectativas
de inflação de curto prazo
são muito elevadas. Mas
as de médio e longo prazo
continuam relativamente
baixas, ainda que acima
dos 2%”, salienta Sandra
Maximiano, professora
do ISEG. “As pessoas ainda
acreditam que esta inflação
elevada resulta de fatores
extraordinários e é
temporária”, falando num
“pau de dois bicos, já que,
se as expectativas forem
baixas, o consumo não
arrefece, mas se forem
elevadas há maiores
reivindicações salariais”.
E considera que o BCE “não
tem feito um mau trabalho
na gestão das expectativas”.
ECONOMIA 9
Variação nominal 3,1
Variação real -4,6
2018 2019 2020 2021 2022 JUN.
João Cerejeira, professor da
Escola de Economia e Gestão
da Universidade do Minho,
aponta que “as empresas es-
tão pressionadas pelo aumento
dos custos, limitando a mar-
gem para aumentar salários”.
E continua: “Como a inflação
está a ser induzida sobretudo
por choques da oferta, signi-
fica menor procura de tra-
balhadores e menor pressão
em alta dos salários.” Acresce
a existência de “limitações à
concorrência na contratação
de trabalhadores”, que “leva
a menores aumentos”, bem
como “a contenção salarial na
Administração Pública”.
Já Pedro Brinca, professor
da Nova SBE, fala em “surpre-
sa”: “Em abril, o Orçamento
do Estado previa uma subida
dos salários da Função Pública
de 0,9% e uma inflação de 4%.
Pensei que seria o princípio do
fim da relativa paz social no
país.” Só que “observa-se uma
inflação bastante superior e
não se tem visto um aumento
acentuado dos movimentos
sindicais, ou, pelo menos, con-
sequências significativas das
suas reivindicações”. Alertan-
do que apenas agora “se come-
çarão a sentir de forma mais
pronunciada os efeitos das
subidas dos juros e da inflação
acumulada”, o economista an-
tecipa “um fim de 2022 atri-
bulado”. A tendência salarial
“deve manter-se ascendente”,
diz Paula Carvalho, economis-
ta-chefe do BPI. Mas as expec-
tativas de inflação de médio
e longo prazo permanecem
controladas, o que diminui
a pressão das reivindicações
(ver caixa).
Para João Cerejeira, a con-
tenção salarial irá manter-se.
No Estado, “vai aumentar a
pressão dos sindicatos, mas
penso que os aumentos vão fi-
car muito aquém da inflação, o
que significa quedas em termos
reais”. Quanto ao sector priva-
do, “a perspetiva de abranda-
mento ou mesmo recessão na
sequência da subida dos juros
deve levar a menor procura de
trabalhadores e menor pressão
para aumentar salários”.
Para Ricardo Paes Mamede,
professor do ISCTE-IUL, “ti-
rando alguns perfis específi-
cos, onde a procura é muito
elevada para a oferta existente,
os salários tenderão a crescer
muito abaixo da inflação, em
geral abaixo de 2%. Isto deve-
-se à fraca capacidade negocial
dos trabalhadores, ao aumento
muito reduzido dos salários da
Função Pública (que servem
de referência para o sector
privado) e às dificuldades de
muitas empresas mais expostas
à concorrência internacional
de aumentarem os custos sem
porem em causa a viabilidade
do negócio”.
10 ECONOMIA
TURISMO
Vila Galé confirma mais
investimentos no Brasil
“com ou sem crise”
Grupo português anuncia três novos projetos no Ceará
para 2023 e analisa mais oportunidades no Nordeste
A Vila Galé inaugurou um resort com 517 quartos em Maceió, dedicado ao tema da literatura. “Estamos no Brasil de pedra e cal”, garante o proprietário, Jorge Rebelo de Almeida (em baixo)
Textos Conceição Antunes
em Maceió, Brasil
“O nosso negócio no Brasil vai
continuar, com crise ou sem
crise. Estamos neste país de
pedra e cal há mais de 20 anos,
não somos especuladores”,
garantiu Jorge Rebelo de Al-
meida, presidente da Vila Galé,
durante a inauguração do novo
hotel do grupo em Maceió, no
Estado brasileiro de Alagoas.
O grupo português mantém
a posição de nº 1 no Brasil en-
quanto operador de resorts, e a
abertura do Vila Galé Alagoas,
com 513 quartos e envolven-
do investimentos de 150 mi-
lhões de reais (cerca de €30
milhões), veio reforçar a sua
liderança em destinos de praia
na região do Nordeste, tendo
sido realizado durante o perío-
do da pandemia.
“Demos o litro, demos o
sangue para este projeto não
falhar, e acredito que irá cor-
rer muito bem”, frisou Rebelo
de Almeida. “A segurança do
Estado de Alagoas melhorou
muito nos últimos anos, e foi
uma das razões por que esco-
lhemos esta localização, a par
das suas praias, que são fan-
tásticas.”
O novo resort em Maceió,
em frente à Praia do Carro
Quebrado, representa o 10º
hotel da Vila Galé no Brasil
(cujo portefólio total ascen-
de a 37 hotéis, localizando-se
as restantes 27 unidades em
Portugal) e o investimento no
‘país-irmão’ irá continuar a um
ritmo aquecido. Na cerimónia
de inauguração do Vila Galé
Alagoas, que decorreu a 27 de
agosto, o presidente do grupo
destacou três novos projetos
a abrir em 2023 no Estado do
Ceará, incluindo o hotel Vila
Galé Sunset Collection, com
130 quartos, em Cumbuco, en-
volvendo investimentos de 65
milhões de reais (cerca de €13
milhões). Na vasta propriedade
em Cumbuco, com 400 hec-
tares em frente à praia onde
a Vila Galé já tem um resort,
o grupo projeta desenvolver
o condomínio Água Marinha,
a par de um outro, com 300
casas e um lago artificial, que
funcionará “num misto de
componente residencial e de
turismo”. Na calha está tam-
bém a criação de um novo ho-
tel integrado em cada um dos
resorts da Vila Galé no Estado
da Baía e em Touros, no Rio
Grande do Norte.
Durante a inauguração em
Alagoas, o executivo da Vila
Galé também assinou um pro-
tocolo com o Governo do Ma-
ranhão para desenvolver um
hotel num palacete do centro
Fundação do grupo a caminho
A Vila Galé prepara a criação
de uma fundação, que irá
abrir primeiro em Portugal,
já em 2022, e no próximo
ano no Brasil, segundo
anunciou o presidente do
grupo, Jorge Rebelo de
Almeida, durante a
inauguração do hotel em
Maceió, no Estado brasileiro
de Alagoas. A Fundação Vila
Galé vai ter programas na
área da habitação, educação
ou ajuda alimentar,
destinando-se a apoiar
colaboradores do grupo
hoteleiro em situações que
envolvem compra ou
arrendamento de casa e que
se estendem a bolsas para os
filhos poderem estudar em
escolas ou universidades,
além de bolsas nas áreas da
histórico de São Luís, capital
do Estado, cidade com fortes
tradições portuguesas, parti-
cularmente visíveis nos azu-
lejos. “Recuperar património
histórico é um prazer máxi-
mo”, afian çou Jorge Rebelo
de Almeida. “Os nossos planos
incluem fazer mais um gran-
de resort no Nordeste, onde
andamos a ver várias localiza-
ções, ou também na região de
Gramado.”
Eleições brasileiras à porta
Em 2021, as receitas da Vila
Galé no Brasil cifraram-se em
325 milhões de reais (cerca de
€65 milhões), 15% abaixo do
ano pré-pandemia mas acima
da faturação de €59 milhões
obtida pelo grupo em Portugal,
que no ano passado ficou 50%
aquém dos valores de 2019.
cultura e do desporto. Os
atuais programas sociais do
grupo serão transferidos
para a Fundação Vila Galé,
onde as pessoas se poderão
candidatar aos diferentes
programas,
Para 2022, a perspetiva do gru-
po é faturar €125 milhões em
Portugal e 450 milhões de reais
no Brasil (cerca de €90 milhões
ao câmbio atual).
“Temos crescido a este ritmo
porque reinvestimos tudo o que
ganhamos a fazer novos proje-
tos”, explicitou o presidente da
Vila Galé, frisando que “temos
de aprender no Brasil a viver
com a inflação, que em Portu-
gal também é preocupante e já
está nos 9%”.
E o Brasil também será pal-
co de eleições a 2 de outubro,
que podem trazer uma revi-
ravolta no panorama políti-
co. “Independentemente das
nossas preferências pessoais,
estamos com investimentos
grandes no Brasil, que vamos
continuar a fazer seja qual for
o desfecho eleitoral. Nós não
podemos tomar partido, é o
privilegiando-se como
alvo dos apoios os
trabalhadores mais
desfavorecidos. O grupo
hoteleiro conta com cerca
de 3500 pessoas a trabalhar
no Brasil, a que se somam
1800 em Portugal, e para
este vasto contingente
laboral não faltam casos em
que os apoios sociais se
perfilam relevantes. No caso
do resort que a Vila Galé
abriu em Maceió, dos seus
300 funcionários 80%
referem-se a locais
recrutados do município de
Barra de Santo António,
muitos dos quais se
dedicavam anteriormente à
pesca, nunca tinham tido um
emprego e nem sequer
tinham conta bancária.
Expresso, 2 de setembro de 2022
povo brasileiro que vai esco-
lher”, sublinhou.
Face à polarização que se vive
entre os apoiantes de Bolsona-
ro e de Lula da Silva, o empre-
sário português sustenta que
“seria importante para o Brasil
não haver uma radicalização
tão grande, esta eleição é uma
incógnita, ninguém sabe no
que vai dar, mas nós já passá-
mos por várias situações neste
país”. O reforço do transporte
aéreo inclui-se entre os dos-
siês que considera mais impor-
tantes, já que a nível político
“nunca ninguém no Brasil deu
a importância ao turismo que o
sector merece”.
Grupo de olho em Cuba
O grupo português, até à data
focado em Portugal e no Brasil,
vai, durante a próxima semana,
a Cuba, numa visita a Havana,
Varadero e à zona dos Cayos,
com o objetivo de analisar
projetos. “Fomos convidados
pelo Governo de Cuba a fazer
a exploração de três hotéis. É
um país que eu conheço rela-
tivamente bem, e estive lá há
12 anos, com o então Presiden-
te Jorge Sampaio, num jantar
muito interessante com o Fidel
Castro”, adiantou Jorge Rebelo
de Almeida.
Portugal continua a ser uma
aposta forte para a expansão
da Vila Galé, que em 2023 irá
inaugurar hotéis em Tomar,
Ponta Delgada e no Alentejo.
“Vamos fazer um hotel com
adega em Ponte de Lima, an-
damos a ver oportunidades em
Aveiro e Miranda do Douro”,
enumera o executivo. “Portu-
gal precisa muito de investi-
mento no interior, e tem tantas
regiões lindas!”
cantunes@expresso.impresa.pt
O Expresso viajou
a convite da Vila Galé
FOTO D.R.
TRANSPORTE AÉREO
“O Brasil não
pode depender
só da TAP”
Para a Vila Galé, as
acessibilidades aéreas são
um dos fatores mais críticos.
“O Brasil tem um potencial
turístico que poucos países
no mundo têm, precisa é
de captar mais clientes
externos, e não pode estar
dependente da TAP”, frisou
Jorge Rebelo de Almeida,
lembrando que também no
caso dos voos internos “o
preço é alto e a qualidade
baixa”, tendo a recente
subida das passagens aéreas
gerado uma quebra de
clientes brasileiros nos hotéis
do grupo, mercado que pesa
mais de 90% da operação. “O
Brasil precisava de melhorar
muito o transporte aéreo
interno e negociar a entrada
de grandes low cost da
Europa, como a EasyJet ou a
Ryanair”, sustenta. No que se
refere à captação de mercado
português para o Brasil, as
perspetivas estão aquecidas,
tendo os operadores
turísticos nacionais
organizado cinco voos
charter para a passagem de
ano cujo alojamento assenta
muito em hotéis Vila Galé.
Para o réveillon preparam-se
três aviões charter,
do Porto para Salvador
e Maceió, e um tripartido
Lisboa-Maceió-Salvador (dos
operadores Solférias, Exótico
e Sonhando), a que se somam
dois voos de Lisboa
a Salvador (da Soltrópico
e da Abreu).
Expresso, 2 de setembro de 2022 ECONOMIA 11

COMÉRCIO

Portugal agrava défice com a Rússia

No balanço do primeiro semestre, Moscovo reforça a vantagem sobre Lisboa apesar das sanções

Como a guerra
afeta o comércio
com a Ucrânia
38% ou, mais precisamente,
38,9%. É esta a percentagem
que mede o impacto da guerra
nas relações comerciais de
Portugal com a Ucrânia no
primeiro semestre. Entre
janeiro e junho, o prato das
exportações emagreceu
38,920%, para os €10,1
milhões, enquanto as
importações apresentam uma
quebra homóloga de 38,945%,
para os €108,2 milhões. A
liderar as vendas, apesar da
descida de 18,2%, para €1,4
milhões, estão agora as
máquinas, aparelhos elétricos
e de gravação (5º item no
ranking de 2021), seguidos da
cortiça (-45,1%) e bebidas
(-29,2%). A subir, mas com
valores abaixo dos €45 mil,
pontuam artigos como os
chapéus (+477,5%) e adubos
(+22,6%). Na importação,
metade do valor são cereais,
apesar de caírem 50,4% (€54,8
milhões). As sementes e grãos
sobem da 8ª para a 2ª posição
e somam €29,9 milhões
Cereais, combustíveis e bacalhau estão entre os produtos que fizeram subir as importações portuguesas da Rússia FOTO ALEXANDER NEMENOV/AFP VIA GETTY IMAGES (+1727%).

Textos Margarida
Cardoso
Os números são do INE — Insti-
tuto Nacional de Estatística: no
primeiro semestre do ano, Por-
tugal viu as exportações para
a Rússia caírem 42,8%, para
os €47,7 milhões, enquanto as
importações aumentaram 16%
e atingiram os €523,7 milhões.
Apesar das sanções econó-
micas devido à guerra com a
Ucrânia, iniciada a 24 de fe-
vereiro, o Kremlin reforça a
sua vantagem comercial sobre
Lisboa e passa a vender 11 vezes
mais do que compra. O ranking
dos dez produtos mais exporta-
dos e importados por Portugal
(quadro ao lado) ajuda a per-
oferta de luxo, a garrafas que
custam mais de €300, e nós não
trabalhamos neste segmento”,
diz Frederico Falcão, presiden-
te da Viniportugal. “Não esta-
mos a enriquecer os cofres do
Kremlin, mas sim a tirar dinhei-
ro de lá”, assume para justificar
a continuidade das transações.
Uma das empresas que con-
tinua a vender para a Rússia
é a Vercoop. “Não há seguros
de crédito, os pagamentos são
antecipados e feitos através da
Áustria, o processo é lento e
passa pelo crivo de controlo do
Relações comerciais com a Rússia
OS DEZ ARTIGOS MAIS EXPORTADOS
NO PRIMEIRO SEMESTRE...
Banco de Portugal, mas depois
da suspensão de encomendas
no início do conflito, o vinho
voltou a escoar”, diz o diretor
Casimiro Alves, adiantando
que o mercado valia um milhão
de garrafas e caiu 50%.
Quando comenta as relações
comerciais entre os dois países,
o antigo ministro da economia,
Augusto Mateus, assume: “Vi-
vemos a leste de muita coisa.”
O foco das sanções da UE não
são os bens que Portugal expor-
ta, pouco transformados, mas
“outro tipo de relacionamento
comercial, assente em produtos
que envolvem especialização,
desenvolvimento”.
Uma não surpresa
“Portugal, com uma base de
relações comerciais pouco di-
versificada em que Espanha,
Reino Unido, França e Alema-
nha respondem por 70% das
exportações, é mais afetado
pela polarização das relações
externas na economia”, nota.
Mas os números da balança
comercial com a Rússia não
COMPRAR E VENDER
constituem uma surpresa? “A
base é tão pequena que qual- FRASES
quer negócio isolado faz a di-
ferença. Daria mais atenção ao
comércio com a Europa como “Vivemos a leste
um todo, sendo que a Europa de muita coisa”
representa 40% do comércio
Augusto Mateus
externo russo e a Rússia vale Economista
5% do comércio externo euro-
peu”, comenta Pedro Brinca,
da Nova SBE. “Historicamente, “O potencial
o efeito das sanções no comér-
cio entre países não é sempre
da Rússia como
o esperado” e, “no caso dos destino das nossas
combustíveis, a Europa está a exportações foi
comprar menos, mas a pagar interrompido
mais à Rússia”, sublinha.
em 2014, com
“É ainda cedo para medir o
impacto real das sanções. Há a anexação da
um lapso de tempo entre o Crimeia [...].
anúncio e o seu efeito prático”, O quadro agravou-se
concorda Sandra Dias Fernan-
com a guerra”

ceber rapidamente a diferença
nos valores em causa. Eviden-
cia, também, que tudo o que é
vendido teve quebras, mas do
lado das compras, a maioria
dos itens subiu.
As contas da Portugal Foods
mostram que as importações
de produtos agroalimentares
atingiram os €58 milhões, con-
tra €26,8 milhões em 2021, e
108%
Em milhões de euros
des, especialista em Relações
Internacionais e professora na Deolinda Silva
Universidade do Minho. “É es- Diretora-executiva da Portugal Foods
2022 VAR. 21/22 tranho, mas a inércia e os con-
Cortiça e suas obras 10,14 -12,8% tratos firmados arrastam estas
Reatores nucleares, caldeiras, máquinas, aparelhos 7,16 -2,3% coisas. Não temos um botão “Não estamos a
Produtos hortícolas 3,92 -7,5% foi a subida das importações para desligar” acrescenta Má- enriquecer os cofres
Calçado, polainas e artefactos semelhantes 3,28 -32,1%
Obras de ferro fundido, ferro ou aço 3,28 -6,4%
lusas da Rússia em 2021 (€1,06 rio Godinho de Matos, antigo do Kremlin, mas sim
mil milhões). No primeiro embaixador de Portugal na
Plástico e suas obras 2,58 -8,9% semestre aumentaram 16,2% Rússia. a tirar dinheiro de lá
Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres 2,18 -62,1% É exatamente essa a expe- (na exportação)”

“73% deste valor é bacalhau
congelado e seco, sendo o
restante cereais”, diz a dire-
tora-executiva Deolinda Silva.
Confirmam “uma quebra já
esperada nas exportações de
produtos agroalimentares, de
€26,8 milhões no primeiro se-
mestre do ano passado para
€9,05 milhões em 2022”.
“O potencial da Rússia como
0,6%
Móveis, mobiliário médico-cirúrgico 1,72 -63,2% riência da Sedacor, do grupo Frederico Falcão
Obras de pedra, gesso, cimento, amianto 1,71 -7,7% corticeiro JPS. Foi uma das em- Presidente da Viniportugal
Outros produtos de origem animal 1,55 -78,0% presas que mais exportaram
para a Rússia em 2021 e, este
TOTAL DAS EXPORTAÇÕES 47,47 -42,8% ano, “tendo por cumprir con- “Historicamente,
tratos de fornecimento assina- o efeito das sanções
foi a subida das exportações dos antes da guerra e uma vez
... E OS DEZ ARTIGOS MAIS IMPORTADOS lusas para a Rússia no ano que a cortiça não pertencia, até
no comércio entre
Em milhões de euros
passado (€178,4 milhões), 10 de julho, à lista de produtos países não é sempre
desde janeiro, caíram 42,8% sancionados, teve de cumprir o esperado”
2022 VAR. 21/22 compromissos assumidos até

destino das nossas exportações
foi interrompido em 2014 com
a anexação da Crimeia, as san-
ções da União Europeia e a re-
taliação russa nas importações.
Agora, o quadro agravou-se
pela guerra”, sublinha antes
de expor um cabaz português
limitado a categorias como o
vinho, tripas e estômagos de
165%
Pedro Brinca
Combustíveis minerais, óleos minerais; matérias essa data. Desde então não ex-
361,80 34,0% Professor da Nova SBE
betuminosas; ceras minerais portamos para a Rússia”, diz a
Peixes e crustáceos, moluscos 42,46 75,2% administração.
e outros invertebrados aquáticos
Já as laranjas do Algarve es- “É ainda cedo
Produtos químicos orgânicos 32,93 14,6% tão a sofrer o impacto da guer-
Madeira, carvão vegetal e obras de madeira 15,60 33,1% ra de forma indireta. Espanha,
para medir
Cereais 15,45 276,4% foi o aumento das compras um dos grandes operadores o impacto
Produtos químicos inorgânicos; compostos de livros e jornais da Rússia no mundiais de citrinos, teve que- das sanções.
inorgânicos ou orgânicos de metais preciosos, 12,01 2,3%
de elementos radioativos
primeiro semestre (€16 mil) bra nas vendas à Rússia, cortou Há um lapso
compras a Portugal e, como
de tempo

animais, hortícolas como to-
mate e azeitonas preparados
ou conservados e ovos de in-
cubação.
No caso do vinho, a quebra
semestral foi de 62,08%, para
€2,1 milhões, “mas continua a
haver encomendas e vendas.
O embargo da UE é limitado à
15,1%
Plástico e suas obras 11,27 -7,3% conta o diretor regional de
Ferro fundido, ferro e aço 8,61 -87,4% Agricultura do Algarve, Pedro entre o anúncio
Borracha e suas obras 7,09 -3,6% Monteiro, “depois de atrasa- e o seu efeito”
Adubos (fertilizantes) 4,47 52,6% rem vendas na expectativa da Sandra Dias Fernandes
subida dos preços que este ano Especialista em Relações Internacionais
TOTAL DAS IMPORTAÇÕES 523,72 16,2% caíram 50%, os pequenos pro- da Universidade do Minho
foi o crescimento das vendas dutores agora dizem que o pre-
à Rússia de livros e jornais ço da apanha não compensa”.
FONTE: INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA no semestre (€8,8 mil) mmcardoso@expresso.impresa.pt
Expresso, 2 de setembro de 2022
BANCA
Crédito Agrícola intervém na Caixa de
Loures e Sintra e põe delegada a vigiar gestão
Grupo considerou haver deficiências no sistema de controlo interno. Há mais quatro caixas sob intervenção
Textos Diogo Cavaleiro
Há mais um banco do grupo
Crédito Agrícola sob interven-
ção da Caixa Central. A entida-
de presidida por Licínio Pina
designou uma administradora-
-delegada para acompanhar a
gestão, corrigir falhas e fiscali-
zar a instituição financeira das
regiões de Sintra e Loures pelo
período de um ano. Motivo?
Deficiências no sistema de con-
trolo interno, de acordo com o
que foi apurado pelo Expresso.
A Caixa Agrícola de Loures,
Sintra e Litoral conta, desde o
início de agosto, com uma dele-
gada nomeada pela Caixa Cen-
tral, mas a restante administra-
ção, presidida por José Barreira
há décadas, continua em fun-
ções. Têm agora de trabalhar
em conjunto e com liberdade
de atuação para a delegada de-
signada pela Caixa Central, a
cabeça do grupo cooperativo
Crédito Agrícola Mútuo.
“A Caixa Agrícola de Loures,
Sintra e Litoral não tem admi-
nistração provisória, manten-
do-se em funções o Conselho
de Administração eleito, tendo
sido nomeado pela Caixa Cen-
tral um delegado para acompa-
nhamento em permanência das
decisões de gestão da Caixa, ao
abrigo do artigo 77º do Regime
Jurídico do Crédito Agrícola
Mútuo”, segundo explica a Cai-
xa Central ao Expresso.
De acordo com os dados do
portal da justiça, Ana Fiuza
Martins foi nomeada delegada
da Caixa Central com o conhe-
cimento do Banco de Portugal,
sendo que não está aqui em cau-
sa — pelo menos por agora — a
substituição da gestão em fun-
ções; quando há afastamento de
administração é que é preciso
autorização prévia do supervi-
sor (artigo 77º-A daquele regi-
me jurídico) e as razões para a
decisão têm de ser fundamenta-
das, para evitar litigância.
A intervenção é decidida
quando há situações de “dese-
quilíbrio” que possam pôr em
causa a solvabilidade da institui-
ção ou quando há “irregularida-
des graves”, segundo o regime
jurídico deste sistema coope-
rativo. É para as corrigir que é
agora nomeada uma delegada
em nome da entidade central.
Neste caso, as deficiências
de sistema de controlo interno
foram aquelas que, de acor-
O banco que menos
transforma os
depósitos em crédito
Crédito a crescer abaixo
de depósitos põe rácio de
transformação do Crédito
Agrícola 20 pontos abaixo
da média do sector
O Crédito Agrícola é o grupo
bancário entre os maiores de
Portugal que menos crédito
comercializa em comparação
com a quantidade de dinheiro
que ali está depositado.
O rácio de transformação,
como se chama ao indicador
que compara o crédito e os de-
pósitos, era de 58,2% em junho
do com os dados obtidos pelo
Expresso, motivaram a inter-
venção. O grupo não quis ex-
plicar o que está efetivamente
em causa.
Esta caixa agrícola empre-
ga 63 trabalhadores, tem 15
agências, que vão de Oeiras à
Malveira, e obteve um lucro de
Nomeação de
administradora-
-delegada para a Caixa
de Loures, Sintra e
Litoral foi decidida
no início de agosto
€905 mil em 2021. A institui-
ção tinha no fim do ano uma
carteira de crédito de €162 mi-
lhões, em contraponto a depó-
sitos de €304 milhões. Porém,
o rácio de capital de 9,98%
ficou aquém daquele que é o
deste ano, quando a média do
sector estava pelo menos 20
pontos acima (era de 80,1% em
março, não havendo ainda da-
dos agregados mais recentes).
Houve uma altura em que
o problema do sector era cré-
dito em excesso (rácio acima
de 120%, que a troika obrigou
toda a banca a reduzir há uma
década), mas agora há dificul-
dade em converter os euros
aplicados em financiamento à
economia, o negócio bancário.
No Crédito Agrícola, composto
por 74 bancos regionais autó-
objetivo de 13% definido para
a caixa, segundo o relatório e
contas.
Estremoz deixa intervenção
Esta caixa agrícola não é a
única que segue sob o olhar
mais atento da Caixa Central,
o que até tem levantado críticas
dentro do grupo cooperativo
a uma postura alegadamente
centralizadora de Licínio Pina.
“O Crédito Agrícola tem atual-
mente cinco caixas agrícolas
intervencionadas: Algarve,
Coimbra, Coruche, Entre Tejo
e Sado e, mais recentemente,
Loures, Sintra e Litoral”, de
acordo com a resposta dada ao
Expresso.
As restantes quatro tinham
situações financeiras desequi-
libradas, que desencadearam a
decisão, sendo que ainda estão
todas por resolver.
Havia uma sexta entidade
sob a vigilância central, a de
nomos com realidades distintas
(alguns com populações mais
conservadoras e com menos
propensão creditícia), o exces-
so de crédito não foi problema
nessa altura, nem agora, mas
a captação de depósitos acima
dos créditos continua a acon-
tecer, levando à descida deste
rácio: estava em 61,9% um ano
antes e em 59,2% em dezembro.
Na prática, há excesso de
liquidez acumulada com a
maior aplicação em depósitos
dos portugueses no período da
pandemia. E este é um rácio
que acontece já mesmo antes
de os créditos começarem ago-
ra a ficar mais caros, com o re-
flexo da subida das Euribor nas
prestações. Dinheiro que não é
convertido em negócio dá mais
cobertura a problemas de liqui-
dez, mas limita a rentabilidade.
A contribuir para a evolução
deste rácio do Crédito Agrícola
no último semestre esteve o
Estremoz, em que a gestão foi
afastada contra a sua própria
vontade, levando a processos
judiciais colocados por essa
gestão. Com novos órgãos so-
ciais já eleitos, a Caixa de Es-
tremoz deixou de estar sob o
comando externo.
A Caixa Central encabeça o
SICAM, o sistema destas caixas
de crédito agrícola mútuo, cada
uma com presença regional (e
depois dispersas por várias
agências). No seu todo, o grupo
contava, no fim de junho, com
74 caixas autónomas, sendo
que as intervenções são, portan-
to, em cerca de 7%. Estas caixas
distribuem-se por 619 balcões,
sendo este o grupo bancário
com maior dimensão na rede de
distribuição em Portugal, bem
acima da estatal Caixa Geral
de Depósitos, que está a reduzir
mais uma vez o tamanho (ver
texto na página 12).
Ainda que não esteja a di-
minuir o número de balcões
aumento de recursos (3%) su-
perior ao do crédito concedido
(1,2%) só em comparação com
dezembro. A carteira de cré-
dito do banco bruta ascendia
em junho a €11,9 mil milhões, a
maior parcela destinada a em-
presas e administração pública
(central e local), ainda que com
crescimento mais significativo
na habitação. Aliás, o banco
sublinha que a nova produção
de crédito à habitação cresceu
9,5% em termos homólogos.
O rácio de malparado desceu,
estando ainda em 6,1%.
De qualquer forma, com os
juros baixos que duraram até ao
início deste ano, a concessão de
crédito tem dado pouco a ganhar
ao banco e no primeiro semestre
a margem financeira (que resul-
ta sobretudo da diferença entre
os proveitos em operações de
crédito e as remunerações pagas
nos depósitos) deslizou 4% para
€154 milhões, sendo um dos ele-
-executivo do grupo Crédito
de forma expressiva (foram 11
balcões encerrados ao longo do
último ano), o Crédito Agrícola
encontra-se a promover fusões
entre as caixas. Como estas
caixas são bancos autónomos,
com administração e funções
que obrigatoriamente têm de
existir, há também reportes
Caixa de Estremoz
foi intervencionada
em 2019 e gestão foi
afastada (e contestou).
Há nova equipa
e Caixa Central recuou
e exigências mais difíceis de
cumprir (incluindo as compe-
tências requeridas aos admi-
nistradores), pelo que a equipa
de Licínio Pina tem optado por
fusões, que nem sempre são
bem recebidas nas entidades
NÚMEROS
58,2%
era o rácio de transformação
de depósitos em créditos
que o Crédito Agrícola
apresentava em junho
6,1%
era o rácio de crédito
malparado do Crédito
Agrícola em junho, acima
da média, mas abaixo
dos 7,2% do ano anterior
ECONOMIA 13
Licínio Pina é o presidente-
Agrícola desde 2013
FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
visadas, desde logo porque há
uma caixa que absorve outra.
Sobre o poder que algumas
delas dizem ser excessivo, Licí-
nio Pina respondeu ao Expres-
so, em entrevista publicada em
maio: “Não somos nós que o
queremos fazer, a regulação
a isso nos obriga. A regulação
obrigar-nos-ia a ter um auditor
interno e pelo menos um ges-
tor de risco em cada uma das
caixas se não fossem centrali-
zadas. As pessoas têm direito à
sua opinião, mas a regulação é
muito mais forte do que a opi-
nião das pessoas.”
Neste momento, o grupo
aguarda também a revisão do
Regime Jurídico do Crédito
Agrícola Mútuo, cuja última
alteração data de 2009, em que
a gestão acredita que têm de
ser limitadas as exigências de
reporte, tendo em conta a sua
dimensão e a sua estrutura face
aos concorrentes.
dcavaleiro@expresso.impresa.pt
mentos que contribuiu para que
o lucro tenha caído 33% para
€64,4 milhões.
O banco defende que a que-
bra na margem financeira se
deveu sobretudo a operações
com o Banco Central Europeu.
Além disso, foram essencial-
mente operações financeiras
registadas há um ano e que não
se repetiram que justificaram a
evolução negativa dos lucros.
O banco — à semelhança do
sector — acredita que virá a
ganhar mais: “O crescimen-
to continuado do volume do
crédito concedido a clientes,
bem como o elevado peso de
crédito com taxa de juro variá-
vel indexada à Euribor (cerca
de 88%), e a evolução sentida
nos últimos meses por parte
das taxas de juro de referência,
tornam expectável uma melho-
ria do desempenho da margem
financeira ao longo dos próxi-
mos trimestres.”
14 ECONOMIA
PROJETOS EXPRESSO FUTURO DA EUROPA
Três dos 40 jovens universitários que,
ao longo de quatro dias debateram
e ajudaram a pensar o projeto europeu
a médio-longo prazo. A Gorreana,
única plantação de chá no continente,
é exemplo de como vingar e inovar
nas regiões ultraperiféricas da UE
Cooperação Camadas jovens acreditam e defendem, com unhas e dentes, os valores do projeto
europeu. Querem mais igualdade, visão local e prosperidade. Mas falta participação cívica
Ambições de quem quer
reforçar a União Europeia
Textos Francisco
de Almeida Fernandes
Q
Foto Hugo Moreira
uatro dezenas de
jovens participa-
ram, durante qua-
tro dias, numa ma-
ratona de debates
e discussão sobre
os desafios enfren-
tados pela União
Europeia. A subida
em flecha da inflação — que recuou li-
geiramente, em agosto, para 9% —, o
aumento dos custos de produção com
impacto nos bolsos dos portugueses,
a crise energética e o futuro do pla-
neta marcaram a agenda do Summer
CEmp 22, organizado pela represen-
tação portuguesa da Comissão Euro-
peia. O município da Ribeira Grande,
em São Miguel, Açores, serviu como
pano de fundo para a interação entre
universitários e políticos, jornalistas
e membros de comunidades locais,
como Rabo de Peixe, conhecida pela
pobreza extrema dos seus habitantes.
Que visão têm estes futuros líderes
sobre a importância do projeto euro-
peu em regiões ultraperiféricas?
“O impacto da União Europeia
(UE) para as regiões ultraperiféricas
não é suficientemente claro se pen-
sarmos no cidadão médio”, aponta
Tomé Ribeiro Gomes, de 29 anos.
Doutorado em História, Estudos de
Segurança e Defesa, Tomé é natural
de Angra do Heroísmo e, por isso,
conhece bem as dificuldades de viver,
estudar e trabalhar numa ilha. Acre-
dita que existe uma “distância que
não é só geográfica”, mas que se re-
flete no afastamento de regiões como
os Açores ou a Madeira da “governa-
ção” e que aumenta a desigualdade
SUMMER CEMP 22
Os Açores acolheram durante
quatro dias o Summer
CEmp 22, organizado pela
representação da Comissão
Europeia (CE) em Portugal,
evento no qual o Expresso
esteve presente. A ilha de
São Miguel recebeu a escola
de verão, que contou com 40
jovens universitários e mais de
meia centena de oradores —
locais, nacionais e europeus.
em relação ao resto do país e, ainda
mais, à Europa. Porém, aponta o pre-
sidente da Associação Agrícola de
São Miguel, o contributo da UE para
o desenvolvimento do arquipélago
é inquestionável e valorizado. “Não
tínhamos os Açores da forma como
são hoje se não fossem os apoios da
UE”, afirma Jorge Rita.
Na agricultura, importante sector
para a economia regional, os incen-
tivos comunitários atribuem “ajudas
adicionais” para as regiões ultra-
periféricas, complementados com
apoios do Governo do arquipélago.
E a justificação é fácil de compreen-
der. “As dificuldades da distância dos
mercados, a orografia dos solos e
a dispersão das ilhas” tornam “os
custos de família, de sociedade e de
produção” mais elevados. Apesar de
dizer que “devemos muito à UE”, não
deixa de sublinhar o que os Açores
dão em troca — uma posição geoes-
tratégica e uma dimensão territorial
“fundamentais”. “Damos muito mais
Europa à Europa pelo mar. A dimen-
são do mar dos Açores é a maior que
a Europa tem em termos de mar”,
lembra.
Todos a uma só velocidade
A cooperação, a prosperidade e a
igualdade de oportunidades estão na
origem da criação do projeto euro-
peu, e para estes jovens continuam
a ser valores que importa defender a
todo o custo. Para isso são necessá-
rias mais medidas locais, adaptadas
aos desafios das diferentes comuni-
dades, desde os custos proibitivos
da habitação aos “salários dignos”
que, dizem, continuam por aparecer.
Os ordenados pouco “competitivos”
em Portugal continuam, aponta Da-
niel Silva, de 24 anos, a contribuir
“para a fuga de cérebros”. “Se não há
como ter casa, não há quem fique”,
lamenta.
No caso das regiões autónomas, a
responsável pelo desenho dos fun-
dos regionais da Comissão Europeia
(CE), Sofia Colares Alves, acredita
É PRECISO MAIS
“FERMENTO CÍVICO”
EM PORTUGAL
PARA TER CIDADÃOS
A PARTICIPAR NAS
DECISÕES POLÍTICAS
que “é mais claro [o contributo da
UE] para o desenvolvimento” através
das grandes obras e investimentos
públicos. “Um investimento envolve
e chega à comunidade”, afirma, e
dá como exemplo o caso da fábrica
de chá da Gorreana (ver caixa). Po-
rém, continua a existir dificuldade na
“comunicação dos fundos”, porque
os políticos — nacionais, regionais e
locais — atribuem “os problemas à
Europa”, mas “os louros são os Es-
tados-membros que os colhem”. Isto
dificulta a perceção da importância,
junto da população portuguesa e eu-
ropeia, dos fundos comunitários.
Jorge Rita aponta ainda outro pro-
blema, o de uma Europa a várias ve-
locidades. “Não pode haver a Alema-
nha e Portugal, os países do Norte e
os do Sul. Tem de haver uma Europa
de confederações em que todos se
integrem”, pede.
Debate com universitários vai
para discurso do “estado da união”
A resolução de muitos destes desafios,
não apenas económicos, mas tam-
bém ao nível do ambiente e da coe-
são social, está nas mãos de todos e
em particular dos mais jovens. “Se as
novas gerações perceberem que esta-
mos a ouvir, haverá mais participação
na construção das nossas políticas”,
defende Elias Kuhn von Burgsdorff,
redator dos discursos da presidente
da CE, Ursula von der Leyen.
Ele garante que, após o debate com
os universitários, levará para “o dis-
curso do estado da união” a “impor-
tância do local”. Participar nos atos
eleitorais, nacionais e europeus, é es-
sencial, consideram jovens e mento-
res. “Falta em Portugal mais fermen-
to cívico”, diz Tomé Ribeiro Gomes.
sociedade@expresso.impresa.pt
Expresso, 2 de setembro de 2022
Boas
práticas
para
o futuro
dos Açores
Turismo e coesão
^ Há cada vez mais turistas
no arquipélago, e a Gorreana
agarra-os a quase todos.
“Recebemos 99% do turismo
dos Açores”, diz Madalena
Motta, a quinta geração
à frente do negócio familiar.
É a única plantação de chá
da Europa e é ali que os fundos
comunitários têm permitido
crescer, inovar e partilhar
o sucesso com a comunidade.
“Tinha cinco funcionários
no turismo e agora tenho
18”, acrescenta. Além da
Gorreana, ganham os “colegas
empresários”, os “trabalhadores
e a população que vive aqui
à volta”. Se assim não fosse,
a empresa “não ia ser tão
competitiva”, garante.
Sustentabilidade
^ A economia sustentável
do mar é o objetivo do Blue
Azores, projeto regional
para a proteção e valorização
do capital marinho nas ilhas.
Quer cumprir os desígnios
da ONU e proteger 30%
da área marinha com a criação
de novas reservas marinhas.
Em paralelo, o PRR prevê €32
milhões para o mar dos Açores,
a construção de um novo
navio de investigação e de
um centro tecnológico
e científico. “Portugal é um
gigante marítimo, e os Açores
são o principal responsável
por essa magnitude”,
afirma Tiago Pitta e Cunha,
da Fundação Oceano Azul.
Expresso, 2 de setembro de 2022 ECONOMIA 15

POD CAST

“Mercados de energia estão a assumir

um comportamento volátil e perigoso”
Miguel Prado, jornalista do Expresso
especialista em temas de energia, foi
o convidado desta semana do “Money
Money Money”, para analisar a pressão
existente hoje no mercado energético
Primeiro a pandemia, depois eletricidade, paradas para
uma crise na oferta com dis- operações de manutenção, re-
MWh e atualmente custam ao
sistema elétrico aproximada-
mente €80 por MWh. Perto de
metade da produção de energia
elétrica “tem um preço garan-
tido de €90”, a outra metade
está exposta aos efeitos do mer-
cado, onde os preços estão em
No que toca ao consumidor
final, a solução é “poupar”, a
começar na potência contrata-
da e na comparação de preços.
E atuar nos consumos. No gás,
o Governo prepara-se para vol-
tar a permitir, em outubro, o
regresso das famílias às tarifas

FOTO GETTY IMAGES

rupção nas cadeias de abasteci-
mento, aumentos no petróleo,
a guerra na Europa e uma seca
que afundou a produção hi-
droelétrica. O preço da energia
disparou e com ele o nervosis-
mo dos agentes que transacio-
nam contratos futuros.
Como sucedeu esta semana
na cotação do gás com os Title
Transfer Facility (TTF), que
servem de referência para as
empresas europeias, que subi-
ram e desceram várias vezes
no mesmo dia. “Um carrossel
com descidas de 20%, subidas
de 15% e nova descida de 10%”,
exemplificou Miguel Prado.
Sinais que mostram como os
“mercados de energia estão a
assumir um comportamento
volátil e perigoso”, avisa.
Em 2021, o gás natural cotava
a €20 o megawatt hora (MWh),
teve um disparo até ao Natal,
aliviou em janeiro, até que a
guerra na Ucrânia “trouxe
maior agitação a este merca-
do”, que tem implicações no
preço grossista da eletricidade.
Com a Europa a atravessar
uma seca e as centrais nuclea-
res francesas, produtoras de
gressaram os aumentos do gás alta desde fevereiro. reguladas (que servem atual-
natural. A que acresce a falta mente 200 mil famílias), para
de navios para transportar para contornar os “preços assusta-
a Europa o gás liquefeito de dores” que se perspetivam. No
fornecedores internacionais, primeiro escalão de consumo
como o mercado americano. de gás, “os preços vão mais do
Para reduzir a fatura, a Eu- que triplicar”.
ropa “reforçou o stock e o Embora possa não haver a aposta na eletrificação de dução de eletricidade verde o
armazenamento mais cedo”, sobressaltos nas empresas de consumos como uma forma país “terá maior capacidade,
afirma Prado, o que permite comercialização, é possível que de reduzir a exposição ao gás embora não uma autonomia
“induzir” alguma tranquilida- venha a haver problemas na natural. total, de gerir a oferta” e os pre-
de para o inverno. Um esforço tramitação dos processos de Portugal “continuará exposto ços, diz Miguel Prado.
“inteligente, feito com anteci- mudança de fornecedor, ante- aos mercados em termos de Amadeu Araújo
pação”, mas que não elimina cipa Miguel Prado, admitindo preço do gás”, mas com a pro- economia@expresso.impresa.pt
as preocupações dos agentes
de mercado. Pode “haver al-
guma especulação”, assume o
jornalista, que ressalva que “os
sinais para os próximos meses
são inseguros”.
Com um mercado de energia
conjunto na Península Ibérica,
o Mibel, que junta Portugal e
Espanha, chegou a ter os futu-
ros da eletricidade para 2023 a
mais de €300 por MWh, mais
do triplo de há um ano.
Melhor situação no merca-
do das energias verdes, com as
A sua casa
pode mudar
eólicas a apresentar um pre-
ço médio mais baixo do que o
do mercado grossista. Há um
ano custavam cerca de €90 por

COMPETIÇÃO o bairro
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do mundo real uma casa mais eficiente
e sustentável.

Durante a competição as equipas testam estratégias

e soluções para problemas complexos FOTO D.R.

Neste desafio de gestão,
os estudantes aprendem
a tomar decisões, a reagir
a imprevistos e a gerir
uma empresa
A Softfinança está representa-
da na segunda volta com uma
equipa de estudantes. Para a
empresa, esta prova simula a
realidade empresarial e desen-
volve competências nos jovens.
“Esta iniciativa proporciona
um ambiente de simulação de
mercado cada vez mais próximo
da realidade”, refere Jorge Car-
valho, presidente da Softfinan-
ça. Acredita que os participantes
aprendem a “reagir aos impre-
vistos, contratempos e adversi-
dades que sempre ocorrem na
vida real e para os quais é neces-
sário prever, mitigar, antecipar e
reagir. São estes os desafios e é
na estratégia de endereçamen-
to das diferentes situações que
as equipas fazem a diferença”.
O apoio à participação de es-
tudantes surge, segundo Jorge
Carvalho, da vontade de “pro-
porcionar esta experiência a uni-
versitários próximos da entrada
no mercado de trabalho. Para
muitos é um primeiro vislumbre
do que a realidade lhes irá pro-
porcionar”.
Ana Leal, João Palma e Ros-
tyslav Kharuk, alunos de Ges-
tão, formam a equipa Softfi-
nança/Iscalinos, que continua
em prova. João Palma, líder
da equipa, conta que até aqui
“aprendemos como gerir uma
empresa de uma forma mais
complexa, lidando com as vá-
rias adversidades do mercado
e a imprevisibilidade do futu-
ro. Na nossa gestão o principal
foco foi também a proatividade
das decisões e a capacidade de
planear e precaver obstáculos”. BANCO BPI, S.A. registado junto do Banco de Portugal sob o n.º 10.
Maribela Freitas
mfreitas.externo@impresa.pt
16 ECONOMIA
ENTREVISTA
Luís Rodrigues Presidente da SATA
“Estarmos
a falar
da SATA
hoje é um
milagre”
Textos Anabela Campos
Foto Ana Baião
A reemergir de uma década de pe-
sados prejuízos, a SATA, companhia
aérea pública açoriana, está a bater
recordes de passageiros e deverá
apresentar este ano o maior valor de
receitas de sempre. Luís Rodrigues
aterrou na liderança da SATA no final
de 2019, e tem sido uma montanha-
-russa: a pandemia, um processo de
ajudas de Estado ilegais, um plano de
reestruturação aprovado por Bruxelas
e, agora, a subida a galope dos com-
bustíveis. Não fosse o custo do fuel, e
Luís Rodrigues e a sua equipa, a quem
não poupa elogios, chegariam ao final
de 2022 com a SATA a dar lucro. O
gestor sublinha o “enorme” potencial
da empresa, a capacidade para fazer
voos transatlânticos, ligando a Europa
à América do Norte e a aposta nos voos
charter no inverno. Recomenda a pri-
vatização da SATA (Azores Airlines),
que faz ligações para fora do arquipé-
lago, o quanto antes. Com o mandato
a terminar este ano, Luís Rodrigues
sublinha que a decisão é do acionista e
admite que gostaria de finalizar o pla-
no de reestruturação, a correr melhor
do que o acordado com Bruxelas.
P Apesar dos prejuízos e da reestru-
turação, a SATA está a recuperar e em
agosto bateu recordes de passageiros.
Como olha para 2022?
R 2022 está a ser um ano bastante po-
sitivo. O plano de reestruturação, um
passo fundamental, foi aprovado e a sua
execução está a correr bem. Estamos
um pouco melhor do que o plano em
receitas e cortes de custos, apesar de
termos um fator que nos complica mui-
to a vida, o custo de combustível, quase
o dobro do que estava previsto.
P Porquê a rápida recuperação?
R Os Açores são um destino atraente,
em termos de turismo e de proteção
sanitária, para os quais a SATA tam-
bém contribui. E houve, nos últimos
dois anos, um trabalho comercial das
equipas muito relevante. Falámos com
todos os agentes de mercado para
tentar perceber quais eram os proble-
mas e as soluções que a SATA poderia
aportar, para sair desta fase horrível
da pandemia. A preocupação com os
passageiros foi um pilar fundamental
da nossa estratégia. No final de 2019 a
companhia tinha 3 mil reclamações de
clientes registadas no relatório e contas
(que na realidade eram 12 ou 15 mil) às
quais respondia no prazo médio de 90
dias. Era impensável... Contratámos
mais pessoas para o call center e os
passageiros habituaram-se a ligar e a
ter alguém que atendia o telefone, e
resolvia.
P Transportam sobretudo portugue-
ses, que descobriram os Açores em
pandemia?
R Não só. Ponta Delgada e Terceira
transformaram-se em pontos de tran-
sição de passageiros entre os EUA e a
Europa e vice-versa, com paragem nos
Açores. Esse tráfego é cada vez mais im-
portante. Não acontecia antes, porque a
companhia pensava sobretudo no ponto
a ponto, com destino final nos Açores.
P Chegam via Continente?
R Vêm da Europa para os EUA. Hoje
temos muito tráfego a vir de Barcelona,
Paris, Frankfurt... São passageiros que
passam pelos Açores e vão para Nova
Iorque, Boston ou Canadá. Há também
um grande fluxo de Cabo Verde. Temos
estado a demonstrar que a SATA tem
um enorme potencial.
P Potencial que passa por mais liga-
ções transatlânticas. Vai precisar de
mais slots em Lisboa?
R Sim, mas não tem de ser a partir de
Lisboa. Ligar a América à Europa pode
fazer-se em muitos aeroportos de Euro-
pa: Paris, Frankfurt, Barcelona, só para
dar três exemplos.
P Vai fazer concorrência à TAP?
R Não é disso que estamos atrás. O mer-
cado entre continentes é gigantesco. Não
estamos a voar, nem está nos nossos pla-
nos voar, para a América do Sul. Já temos
ligações muito fortes a JFK (Nova Ior-
que), Boston, Toronto e Montreal, e não
creio que esses voos sejam uma ameaça
para a TAP. O nosso foco é executar o
plano, que nos condiciona a margem de
manobra. Estamos limitados até ao final
de 2024 ou até sermos privatizados, e aí
o novo acionista é que decidirá.
P Podem ser privatizados antes de con-
cluir o plano?
R Sim, completamente. A nossa reco-
mendação para o governo regional é
que o faça o mais depressa possível.
NÃO HÁ NADA DE
SECRETO [NO PLANO
DE REESTRUTURAÇÃO].
HÁ O MITO DE QUE HÁ,
MAS JÁ O APRESENTEI
VÁRIAS VEZES NOS
AÇORES, CABE NUMA
FOLHA DE EXCEL
P Há mais condições para privatizar do
que no passado? Falhou em 2018.
R A companhia está num estado muito
melhor do que estava nessa altura. Em
2019 tinha €235 milhões de capitais
próprios negativos (e estava subestima-
do), €53 milhões de prejuízo e mais des-
pesas do que receitas. Se as instituições
tivessem funcionado na altura, a SATA
tinha fechado.
P Está a referir-se aos reguladores...
R Sim. Felizmente para a SATA não
aconteceu. Quando chegámos percebe-
mos que as coisas estavam pior do que
as contas mostravam. Levar com uma
pandemia e ver a SATA a operar com
normalidade e a recuperar o tráfego de
2019... Estarmos a falar da SATA hoje é
um milagre.
P Com a SATA nessa situação, qual foi
a reação da Comissão Europeia (CE)?
R Foi de choque. Não sabiam que a
SATA existia, não percebiam bem o que
eram os Açores. Viram o tamanho da
companhia, e pensaram numa pequena
quantia, quando de repente olharam
para o dossiê, com mais detalhe, pen-
saram: “Minha nossa senhora, o que
é isto?” As primeiras conversas foram
muito complicadas. Mas depois fomos
conseguindo explicar o papel da com-
panhia. Havia um sentido de urgência,
e a CE foi sensível a isso, e o governo
regional também. A SATA poderia ter
parado a qualquer momento. E conse-
guimos que isso não acontecesse. Depois
à medida que a CE se foi familiarizando
com o dossiê e nós fomos conseguindo
mostrar que havia esperança, o processo
foi avançando. Sempre que havia novos
indicadores e progressos íamos parti-
lhando, e isso foi bastante apreciado.
P Tinham um problema adicional. Ha-
via uma ajuda de Estado ilegal à SATA
que perdurava há anos.
R Teve de ser o primeiro problema a
ser resolvido, porque a CE disse logo
“ou isto é resolvido ou não vale a pena
falarmos”.
P E como resolveram?
R Explicando o que tinha acontecido.
Abrindo os livros, partilhando tudo. E
comprometemo-nos a corrigir imedia-
tamente, e isso era devolver os €72 mi-
lhões. A SATA não tinha como devolver,
e fomos ao mercado. Um dos problemas
que a SATA tinha antes de o programa
ser aprovado, e tem, é um alto nível de
endividamento [cerca de €350 milhões
passaram para o governo regional]. E
foi obrigada a fazer mais €72 milhões
de dívida para corrigir essa situação
anómala, sem a qual a coisa não tinha
andado para a frente.
P Não despediram, mas saíram 100 tra-
balhadores, e houve reduções salariais
de 10%, acima de dois salários mínimos.
Pouparam onde?
R Quando se melhora a operação, tudo
o que são indemnizações, vouchers e ho-
OS TRABALHADORES
ESTÃO A ADERIR
[ÀS SAÍDAS
VOLUNTÁRIAS],
MAS SÓ SAEM
SE NÃO FOREM
INDISPENSÁVEIS
PARA O SERVIÇO
Expresso, 2 de se
téis desaparece. Melhorámos também
um dos principais problemas da SATA,
os aviões voavam menos horas do que
deviam, e apostámos nos charters. Um
avião é um ativo de €100 milhões, não é
para ficar parado no aeroporto. Duran-
te a pandemia fizemos, por exemplo,
Gana-Cuba, uma operação charter que
nos permitiu ganhar dinheiro.
P Desde 2015 que a SATA não recebe
indemnizações compensatórias, no âm-
bito das obrigações de serviço público.
Qual é o prejuízo?
R Nunca ninguém prometeu pagar
nada. A companhia operou sempre com
enorme prejuízo, e isso devia ter sido
parado logo. No plano previa-se um
prejuízo de €7 milhões a €8 milhões
por ano, mas o preço do combustível
encarregou-se de alterar isso, e agora
devem ser €12 milhões.
P Acabaram os reencaminhamentos
em 2021, através dos quais a SATA era
obrigada a transportar os passageiros
entre ilhas, estando por isso a subsidiar
companhias como a Ryanair.
R De alguma forma sim. O passagei-
ro pagava muito pouco e depois podia
viajar dentro dos Açores. Chocou-me,
sobretudo porque era subsidiar passa-
geiros ricos, como os alemães. Estamos
a falar de muitos milhares de passagei-
ros transportados. O concurso previa
o pagamento de €28 milhões por ano
à SATA. Foi uma coisa que aconteceu
para estimular o tráfego turístico em
todas as ilhas. A intenção era louvável,
mas representava um subsídio signifi-
cativo a terceiros.
P Chegou a admitir ter lucro em 2022...
R Sim, mas não vamos conseguir por-
que o combustível foi para níveis piores
do que alguma vez estiveram, com pre-
ços superiores a 2008.
acampos@expresso.impresa.pt
etembro de 2022 ECONOMIA 17

“Alcochete parece-me
a hipótese mais óbvia”
O Montijo penalizaria
o hub aeronáutico
português, porque não
permitiria a expansão.
Alcochete é melhor opção
Há um potencial aeroportuá-
rio em Portugal, garantido pela
geografia do país, que Luís Ro-
drigues considera não poder ser
desperdiçado e que urge concre-
tizar. Para o presidente da SATA,
entre as localizações que estão
em cima da mesa, Alcochete
é, claramente, a melhor opção.
“Portugal tem todas as con-
dições para ter um hub aero-
portuário extraordinário. Tem
uma extraordinária localização
geográfica, e essa ninguém
nos tira, e tem pessoas muito
qualificadas. Junte as duas e
tem condições para fazer algo
muito interessante”, defen-
de o gestor. Mas acrescenta:
“Para que isso aconteça tem de
passar necessariamente pelo
tema do aeroporto, e quando
se fala em criar um hub aero-
portuário, tem de se pensar
em duas coisas pelo menos: no
longo prazo e em espaço para
expansão. Por isso, das duas
opções que estão em cima da
mesa, para mim Alcochete pa-
rece-me a hipótese mais óbvia.”
Luís Rodrigues considera que
é urgente avançar com uma
solução e parar de arrastar a
discussão. “Vamos andar eter-
namente a discutir na folha de
Excel qual é a melhor localiza-
ção para o novo aeroporto? Não
faz sentido. É escolher a solução
e avançar, ponto.”
Questionado sobre se o Monti-
jo seria uma solução intermédia
que não permitiria no futuro usar
todo o potencial do país, sem ali-
mentar a especulação, Luís Ro-
drigues assegura que não. “Já
há muitos cozinheiros a mexer
na panela, não quero ser mais
um, mas não me parece que o
Montijo seja uma boa solução.” E
não é só por uma questão de es-
cassez de espaço para criar o hub
(plataforma giratória). “Há outra
questão, temos de preservar o
nosso ecossistema, e o Montijo
não permite isso. E qualquer ope-
ração aeroportuária que cresça
ali pode destruir aquele ecossis-
tema no estuário do Tejo.”
O gestor considera que, ten-
do o Campo de Tiro de Alco-
chete condições para se tornar
um aeroporto internacional,
isso permitiria às companhias
aéreas, condicionadas pelo
esgotamento da Portela, cres-
cer mais. “Neste caso não es-
tou a pensar na SATA, estou
a pensar no cluster nacional.
A meu ver seria bom para to-
dos, SATA e TAP incluídas.”
A questão das infraestruturas
é fulcral, numa indústria que
está em profunda transfor-
mação com a passagem para
a energia verde, que leva-
rá a alterações de logística.
Com a recuperação da aviação,
as taxas aeroportuárias e de na-
vegabilidade começaram a subir
e são um peso numa indústria
sob pressão. “Todos ganham
menos as companhias aéreas.
Somos os menos rentáveis de
todo o ecossistema”, lamenta.

“Privatização deve avançar

o mais rápido possível”
Gestor acredita no sucesso
da venda, porque a SATA
está melhor, e admite
que a Icelandair pode
voltar a interessar-se
Está assumido o compromis-
so com Bruxelas, no quadro do
plano de reestruturação: a priva-
tização da maioria do capital da
SATA — Azores Airlines é para
avançar. Luís Rodrigues defende
que o processo deverá fazer-se
o quanto antes e já comunicou
Luís Rodrigues isso ao Governo Regional. Em
está focado 2018 houve uma tentativa de
no plano de vender 49% da Azores Airlines
PERFIL NÚMEROS reestruturação (antiga SATA Internacional), e a
e vai terminar Icelandair foi a única candidata,
as receitas estão em rota ascen-
dente. “A nossa recomendação
para o Governo Regional é que
a privatização se faça o mais de-
pressa possível”, avança. Não
houve ainda, porém, qualquer
desenvolvimento. “Já houve as
primeiras conversas [com o Go-
verno Regional]. Depois do ve-
rão, as coisas deverão começar
a mexer”, diz.
A SATA Air Açores, que faz
as ligações entre ilhas, fica fora
da privatização. “Sim, isso é
sagrado. Nas ilhas centrais é
possível fazer a ligação de bar-
co, mas entre as outras ilhas de
inverno é impensável”, justifica.
Este serviço tem sido feito pela
deficitárias nem pequenas,
admite o gestor. “Se a SATA
não conseguir crescer e desen-
volver-se, vai definhar”, con-
sidera. Luís Rodrigues admite
que haverá alguns candidatos
e está convencido que a priva-
tização será bem-sucedida. “A
SATA tem um potencial enor-
me. A Icelandair não é estru-
turalmente muito diferente da
SATA. É um bloco de gelo no
meio do oceano Atlântico, com
200 mil pessoas, tem uma frota
de mais de 30 aviões e é uma
das companhias mais rentáveis
do mundo.” O gestor admite
que a transportadora islandesa
pode voltar a interessar-se, já

Economista e académico, Luís
Rodrigues tem uma vasta
experiência de gestão em áreas
que vão da distribuição (Procter
& Gamble) aos media (Media
Capital), passando pelas
comunicações (PT). A entrada no
mundo da aviação surgiu-lhe em
2009, após um encontro casual
com um antigo colega de
faculdade, Luís Ribeiro Vaz, então
administrador da TAP. Num ápice,
Luís Rodrigues juntou-se à equipa
executiva de Fernando Pinto e
teve em mãos dossiês difíceis,
como a privatização da
Groundforce e a problemática
empresa de manutenção do
Brasil. “Correu bem. Os cinco
anos que lá estive foram
fantásticos”, assegura. Pouco
tempo antes tinha estado na PT,
de onde saiu em 2007. Foi
membro do Conselho Executivo
da Nova SBE, universidade onde
se licenciou
e ainda dá aulas.
€53
2022 sem corte
nos salários
e com recorde
de vendas
milhões foram os prejuízos da
SATA em 2019, a que acrescia
€350 milhões de capitais
próprios negativos; as receitas
ascendiam então a €150 milhões
e os custos a €200 milhões — em
2020, os prejuízos subiram para
€88 milhões e ficaram nos €57,4
milhões em 2021
45%
dos passageiros que vêm de fora
das ilhas viajam na SATA, que
assegura 100% das ligações
aéreas entre ilhas e 65% da carga
aérea para fora do arquipélago
mas o processo não chegou ao
fim. A situação hoje é diferen-
te, o balanço da companhia foi
limpo — cerca de €350 milhões
de dívida do grupo passou para
as contas do Governo Regional
—, e a atividade operacional e
“Os preços praticados até
agora vão deixar de existir”
Subida dos combustíveis,
necessidade de pagar mais,
sustentabilidade e pressão
regulatória são custos que
vão encarecer bilhetes
“Os bilhetes de avião vão subir
de preço. É inevitável”, afirma
Luís Rodrigues. O presidente
SATA, mas há um concurso de
cinco em cinco anos. “Ninguém
tem aparecido. É uma operação
difícil. As ilhas não são para me-
ninos”, brinca.
O negócio da aviação é sofis-
ticado e não dá para empresas
custo do fuel, cujo preço mais
que duplicou, e continua a su-
bir. Vamos ter de olhar para
isto com outra abordagem.
Não é possível continuarmos
por este caminho”, afirma.
E explica porquê. “As compa-
nhias têm de lidar com novos
fatores que as obrigam a aumen-
que desta vez é o controlo que
será privatizado. Reconhece,
porém, que a indústria está li-
mitada neste momento. “Não
nos podemos esquecer que as
companhias estão na ressaca da
pandemia e estão endividadas.”
com menos, a poupar, e quando
tiveram de voltar pensaram, eu
não estou para isso.” As conse-
quências foram dramáticas.
A acrescer a tudo isto há o
tema da sustentabilidade e dos
combustíveis verdes. “Vai exigir
um enorme investimento, no-
meadamente na renovação da

A convite do presidente do
Governo Regional, Vasco
Cordeiro, em novembro de 2019,
poucos meses antes da pandemia,
assume a liderança da SATA, a
acumular prejuízos desde 2012 e
extremamente fragilizada. A
companhia está a dar a volta e
Luís Rodrigues acredita no seu
potencial.
€75
milhões são as poupanças que
terão de ser feitas até 2024 —
a frota está limitada a 14 aviões
e houve cortes salariais de 10%
acima dos dois salários mínimos,
que terminam no final deste ano
da SATA diz que há sinais evi-
dentes de que a tendência de
aumento que se verifica hoje
é impossível de parar. Aliás, o
presidente da Ryanair já veio
avisar para isso mesmo.
Há um conjunto de novas obri-
gações regulatórias e de susten-
tabilidade da aviação que asso-
ciadas ao aumento fortíssimo do
combustível vão ter um impacto
significativo nos custos das com-
panhias, e nos preços das viagens.
“As companhias estão sob
grandes ameaças, e não é só o
tar os custos. Todos temos visto
o que aconteceu nos aeroportos
este verão, com a falta de mão
de obra, foi um caos”, apontou.
Vai ter de se pagar mais aos
trabalhadores de terra, nomea-
damente os da logística, avisa.
“É onde o trabalho é mais duro e
se ganha menos. Sempre foi cla-
ro que esses trabalhadores são
importantes, mas acabou por
ser uma surpresa para a indús-
tria, a resistência que estão a de-
monstrar em voltar. Mas foram
obrigados a ir para casa, a viver
frota. E depois há as questões
regulatórias que as companhias
têm cada vez mais de observar,
e que produzem custos imedia-
tos, mas não produzem receitas.
Estamos a falar de ter uma di-
reção de sustentabilidade, uma
direção de cibersegurança e
de compliance (observância do
cumprimento de regras), o que
obriga a ter equipas novas. Tudo
isto são custos que as compa-
nhias têm cada vez mais. Vão ter
de ser repercutidos nos preços”,
reconhece.
18 ECONOMIA
IMOBILIÁRIO
Inovação O aumento dos preços dos materiais
A
ELISABETE SOARES
e a falta de mão de obra levam as empresas
construção modu-
a testar as soluções de construção modular lar pode ser a so-
lução para ajudar
Os edifícios a resolver a escala-
da do aumento de
preços dos mate-
riais de construção
e as dificuldades de
mão de obra. Ao
também Expresso, José de Matos, secretário-
-geral da APCMC — Associação Portu-
guesa dos Comerciantes de Materiais
de Construção, e Nuno Garcia, dire-
tor-geral da GesConsult, consultora
que atua nas áreas de engenharia e
se podem
fiscalização de obra, acreditam que a
solução para o sector passa por indus-
trializar progressivamente o processo
construtivo com recurso a soluções
off-site, ou seja, fora do local da obra.
O processo de construção modular
fazer
e pré-fabricação assenta na indus-
trialização progressiva do processo
construtivo, preparando em fábrica
uma boa parte dos componentes do
edifício, que são depois transportados
para a obra, poupando no tempo da
na ‘fábrica’
sua execução, no volume de mão de
obra e ainda nos materiais utilizados,
e conseguindo ainda atingir maior
rigor e qualidade do produto final.
De acordo com José de Matos, a
“resposta a este desafio até já existe e
está a ser dada por um número ainda
pequeno, mas crescente, de empresas
de construção e também por novos
players, mas precisa de ser muito oti-
mizada e alargada”.
É preciso ganhar escala
Nuno Garcia, da GesConsult, confirma
a existência de empresas focadas nos
novos conceitos e soluções de cons-
trução, “embora ainda não em gran-
de escala”. Frisa que “as construções
modulares e pré-fabricadas, enquanto
caminhos alternativos, precisam de
Casa com quartinho para mais um
ganhar o seu espaço no mercado, sen-
do que o momento que atravessamos
é uma boa oportunidade”.
Um desses casos, apresentado re-
centemente, está a ser desenvolvido
pelo grupo Casais. Trata-se do projeto
FioBlu, uma plataforma que disponi-
biliza soluções de construção modular
e de fácil aplicação. De referir que o
primeiro edifício de construção hí-
brida (madeira + betão) da Península
Ibérica foi o Hotel B&B Guimarães,
por parte da Casais, na freguesia de
Azurém. O projeto contempla várias
soluções off-site e, para além dos as-
petos de sustentabilidade ambiental
conseguidos, “permitiu encurtar os
prazos de execução em 50%”, refere
a empresa bracarense.
Recentemente também a Funda-
ção Norman Foster e a construtora
portuguesa Dst Group fecharam uma
parceria para desenvolver e promo-
ver soluções de construção modular
e pré-fabricação com o objetivo de
responder à maior procura.
Aliás, as consequências da atual
conjuntura levaram a Dst a adaptar
o projeto da Smart Studios Asprela,
no Porto, para construção modular
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já com a obra em execução, conse-
guindo assim — segundo a informação
do grupo construtor — “garantir o
cumprimento do prazo de execução
da obra”.
Nuno Garcia alerta, no entanto,
para o “confronto entre os materiais
ou métodos disponíveis e o que o
cliente acaba por escolher, pelo que
esse equilíbrio é condicionado”. Mas
vinca que, ao observarmos o exemplo
dos países nórdicos, percebemos que
projetos com “uma execução mais
rápida permitem fazer evoluir os pro-
cessos, responder às necessidades e
não escalar tanto os preços finais das
obras”.
Os maiores desafios
Na opinião dos profissionais, há, na-
turalmente, muitos desafios neste
processo. Para começar, de ordem
económica — caso do investimento
necessário —, mas também técnicos
e logísticos e até de adequação de al-
guns materiais.
Contudo, segundo o responsável
que representa os comerciantes dos
materiais de construção, “o maior
dos problemas está do lado dos pro-
motores, dos projetistas e das pró-
prias entidades licenciadoras, para
além da perceção de qualidade que os
clientes finais têm destes sistemas”.
A começar pelo facto de este tipo de
construção carecer de um projeto
específico, já que não dá para adaptar
um projeto feito a pensar na constru-
ção tradicional.
Assim, os grandes desafios passam
pela obrigatoriedade da “digitalização
da informação e respetiva interopera-
bilidade, desde o projeto, passando
pelo sistema logístico e pelos fabri-
cantes de materiais e também pela
produção dos módulos, componente
ou os kits (artigos), até à construção
propriamente dita”, acrescenta.
Para José de Matos, um aspeto im-
portante a ter em conta é “reconhecer
20 bpiexpressoimobiliario.pt Expresso, 2 de setembro de 2022

REABILITAÇÃO URBANA

Voluntários
recuperam
casas de
pessoas
carenciadas
Associações reúnem a mão
de obra que falta para erguer
e reabilitar habitações de
quem vive sem condições
Amadeu Araújo
São estudantes, estão dispo-
níveis para trabalhar na cons-
trução civil com orientação de
especialistas e prontos para
recuperar casas de pessoas
carenciadas. Voluntários para
as obras, organizados em asso-
ciações de intervenção social,
que trabalham de forma gra-
ciosa em projetos de carência
habitacional, identificados por
câmaras municipais ou institu-
ições sociais.
Uma destas associações é a
Just a Change, que desenvolve
a reabilitação de habitações
com o objetivo de melhorar as
casas de famílias carenciadas.
Em Tondela, a Just a Change
recuperou nas últimas sema-
nas três casas. As habitações
foram alvo de intervenções ao
nível das paredes interiores
e exteriores, pinturas, pavi-
mento, canalização, instala-
ções sanitárias e eficiência
energética.
O trabalho permitiu “dar
dignidade habitacional a fa-
mílias muito carenciadas do
concelho”, explica Guilherme
Fogaça, diretor de operações
da associação. São voluntários
que “aproveitam uma boa par-
te das suas férias para se dedi-
carem a ajudar quem precisa,
com a missão de criar impacto
na vida destas famílias”, desta-
ca Guilherme Fogaça.
O diretor de operações da
Just a Change explica que o
financiamento é obtido “junto
das Câmaras Municipais” que
sinalizam “as casas a intervir”.
Carla Borges, presidente da
Câmara Municipal de Tonde-
la, destaca o trabalho destes
voluntários que, “além da
reabilitação das habitações,
promovem uma proximidade
São voluntários que
aproveitam uma boa
parte das suas férias
para se dedicarem a
ajudar quem precisa
e envolvimento grande das fa-
mílias, que passam a ter um
futuro com mais esperança”.
As obras são realizadas
“num esquema rotativo por
estudantes universitários, de
Lisboa e do Porto, que passam
uma semana em cada projeto”.
Há ainda campos de trabalho,
com duração de 15 dias, num
modelo “compatível com os
semestres universitários”,
acrescenta o diretor de opera-
ções. Aos estudantes juntam-
-se voluntários de empresas
que “se ocupam dos trabalhos
mais leves”, adianta Guilher-
me Fogaça.
A Just a Change “faz em mé-
dia 65 obras por ano”, peque-
nas melhorias como reparar
“telhados que caíram ou dei-
xam entrar água, construção
de instalações sanitárias, iso-
lamento térmico ou trabalhos
de eficiência energética”.
Para cada obra é elaborado
um orçamento num trabalho
‘chave na mão’. As autarquias
transferem os montantes acor-
dados para a associação, “que
reúne voluntários, contrata
mão de obra especializada
para trabalhos mais técnicos
e um empreiteiro que supe-
rintende aos trabalhos”. Ape-
sar das dificuldades, “como a
subida dos custos de mão de
obra, que em alguns conce-
lhos atinge entre 50% a 70%”,
a associação pretende fechar o
ano com intervenções em 100
casas. Desde que foi fundada,
em 2012, já foram intervenci-
onadas 400 moradias, tendo
ocupado 5 mil voluntários.
Além da mão de obra, a Just
a Change reúne mecenas e pa-
trocinadores que disponibili-
zam financiamento, materiais
e equipamentos. Guilherme
Fogaça conta que cada inter-
venção “tem um preço médio
de €10 mil, onde se incluem
os custos da intervenção, ali-
mentação e alojamento dos
voluntários”.
Constança Dias, responsável
pela captação de recursos, des-
taca que a associação “opera
em todo o país”. Como sucede
na Chamusca, onde os volun-
tários concluíram um projeto

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BREVES

CONGELAMENTO
DAS RENDAS
HABITAÇÃO Mais de 30% dos
proprietários temem a possibi-
lidade de um congelamento ad-
ministrativo das rendas, devido
à subida da inflação, de acordo
com um estudo da Associação
Lisbonense de Proprietários
(ALP). A conclusão faz parte do
5º Barómetro “Confiança dos
Proprietários” da ALP, divulga-
do esta semana, que reuniu 259
respostas, das quais mais de
metade foram de proprietários
de imóveis na Grande Lisboa.

A Just a Change,
uma associação de
voluntários, reabilita
65 casas por ano.
As últimas foram
em Tondela
FOTOS D.R.
de recuperação de três habi-
tações das freguesias de Vale
de Cavalos e Pinheiro Grande.
Até final do verão a Just a
Change prepara mais campos
de verão, com a grande maio-
ria dos trabalhos a incidir nas
questões de saneamento. É o
que acontece em Figueiró da
Granja, no concelho de For-
nos de Algodres, onde há 28
casas sem ligação à rede de
saneamento básico. Aqui os
voluntários recuperam várias
habitações, e o mesmo sucede
em Óbidos. No conjunto das in-
tervenções foram feitas obras
de valor superior a €2 milhões.
Diferente é o modelo da As-
sociação Domus, em Braga,
inspirada no Fuller Center for
Housing, dos Estados Unidos.
Helena Pina Vaz, presidente
da direção, explica que as can-
didaturas “são identificadas
por outras organizações que
se apercebem de carências ha-
bitacionais”.
Em Braga, a Domus está a re-
cuperar uma carpintaria, que
pretende transformar em seis
apartamentos para acolher ou-
tras tantas famílias. As obras
são feitas por voluntários de
todo o mundo que “circulam
pelos vários países”. Muitos
vêm de escolas internacionais
europeias onde “o serviço à
comunidade faz parte dos pro-
jetos escolares”, explica a diri-
gente. Há também reformados
e funcionários de empresas
que promovem ações de volun-
tariado corporativo.
Os custos da viagem, alo-
jamento e alimentação são
suportados pelos próprios
voluntários, que de “forma or-
ganizada dão a mão de obra
e donativos para financiar as
construções”, diz a presidente
da Domus. Todos estes volun-
tários “são dirigidos por um
A associação Just
a Change pretende
fechar o ano
com intervenções
em 100 casas
empreiteiro, que ensina os tra-
balhos a fazer e supervisiona
a obra”.
A Domus conta com uma
equipa de três arquitetos que
elaboram os projetos. As obras
são feitas “mediante orçamen-
to e em regime de emprésti-
mo”, adianta Helena Pina. Há
mecenas que comparticipam
nas despesas, com materiais e
donativos, que “são depois aba-
tidos ao valor do empréstimo,
pagos mensalmente, com uma
taxa de esforço confortável e
ao longo dos anos”.
Os trabalhos incluem “inter-
venções de raiz, em casas em
ruínas, com um custo médio
de €45 mil”. Há ainda obras
de saneamento, reparação de
telhados e melhorias para pes-
soas com mobilidade reduzida.
A Domus já interveio numa
centena de casas, mas “há
mais famílias com necessi-
dades do que aquelas que a
associação consegue ajudar”,
reconhece a presidente. O que
leva a um processo de seleção,
implicando a opção por famí-
lias que vivam em casas sem
condições de habitabilidade.
A família “deve estar disposta
a ser um parceiro, não apenas
um beneficiário”. O que impli-
ca ajudar na obra.
“Mais importante que as
obras é a reconstrução da vida
destas pessoas”, remata Hele-
na Pina.
economia@expresso.impresa.pt
55%
foi quanto aumentou o preço
por metro quadrado da
habitação nos imóveis para
venda no Alentejo, subindo
para o novo máximo de
€2700, segundo a consultora
Imovendo. Este aumento diz
respeito ao primeiro
semestre de 2022 e é
comparado com o mesmo
período de 2021. A consultora
informa que as vendas do
semestre aumentaram 10%
RETIFICAÇÃO
Na pág. 20 do caderno de
Economia da última edição,
no texto “Privados apostam
nas residências para
estudantes”, a aquisição da
Smart Studios foi feita pela
Round Hill Capital e não
pela DST, como escrevemos.
Aos visados e aos leitores as
nossas desculpas.

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Expresso, 2 de setembro de 2022
MERCAD O
Atrium Saldanha muda de mãos
Os novos proprietários do edifício lisboeta são o Bankinter, a Sonae Sierra e um grupo de investidores
Elisabete Soares
Criar as condições para afir-
mar o Atrium Saldanha como
espaço distintivo, moderno,
vibrante e totalmente integra-
do na comunidade em que se
insere é o desafio dos novos
proprietários, o Bankinter In-
vestment, a Sonae Sierra e um
grupo de investidores, clientes
Bankinter, que esta semana
anunciaram a compra do em-
blemático edifício, localizado
na Praça Duque de Saldanha,
no centro de Lisboa.
Em declarações ao Expres-
so, fonte oficial da empresa
responsável pela gestão do
veículo Atrium BIRE SIGI —
Sociedade de Investimento e
Gestão Imobiliária, que vai
assegurar a gestão do ativo,
garante que logo que a Autori-
dade da Concorrência aprove a
operação, a aposta passará por
“pôr o conhecimento e a nossa
experiência de investimento,
gestão de ativos e proprieda-
des de mais de 30 anos, ao ser-
viço de todos os parceiros”.
Acrescenta que o objetivo é
criar “um contexto dinâmico
e uma oferta integrada que
acrescente valor aos lojistas,
escritórios e visitantes”.
A gestão do imóvel Atrium
Saldanha contará “com o con-
tributo do vendedor e ex-pro-
prietário do imóvel, Armando
Martins, do grupo Fibeira, que
manterá uma participação re-
levante (20%) na nova socie-
dade”, acrescenta a mesma
fonte.
A operação consiste na
constituição de uma SIGI, que
adquirirá 100% das ações da
Imobiliária do Saldanha, S.A.
(IMOSAL), proprietária do co-
nhecido imóvel.
De destacar que o vendedor,
Armando Martins, desenvol-
HABITAÇÃO
Inflação e subida
de juros não travam
aumento do crédito
O montante total de
empréstimos cresceu 4,8%
em relação a julho de 2021,
para €99,5 mil milhões
A inflação continua a crescer, as
taxas Euribor para o crédito à
habitação atingiram esta sema-
na 1%, o que acontece pela pri-
meira vez nos últimos 10 anos,
e o contexto económico é de
incerteza. Apesar destas condi-
cionantes, o crédito à habitação
continua a registar subidas nos
montantes concedidos.
Na última nota estatística so-
bre empréstimos e depósitos
bancários, agora divulgada, o
Banco de Portugal (BdP) re-
vela que em julho de 2022 o
montante total de empréstimos
aos particulares para habita-
ção “cresceu 4,8% em relação
a julho de 2021, para €99,5 mil
milhões”. Estes empréstimos
já tinham registado “uma evo-
lução semelhante no mês ante-
rior”, anota o regulador.
O valor supera os montan-
tes de 2020, que atingiram os
veu este edifício há 24 anos,
encomendando o seu projeto
ao conceituado arquiteto Ri-
cardo Bofill. Durante todo este
tempo, Armando Martins tem
sido responsável pela gestão
do ativo.
O Atrium Saldanha é mais
do que um centro comercial,
sendo constituído também
por um edifício de uso misto,
que inclui retalho, escritórios
e estacionamento. O ativo
tem uma área bruta locável
de 31.000 m2 e uma ocupação
€90.161 milhões, e fica perto
dos €101.315 milhões de 2021.
Rui Constantino, economis-
ta-chefe do Banco Santander,
explica que a variação do stock
se deve “a contratos negocia-
dos há algum tempo”. Apesar
de uma “maior agilização dos
procedimentos”, os bancos de-
moram, em média, “dois me-
ses” a fechar os contratos de
financiamento para a compra
de casa. Ainda assim, e com
este desfasamento, os novos
contratos surgiram já num mo-
mento de crescimento da infla-
ção. Refletem a “valorização do
mercado imobiliário, com nova
construção a surgir em venda,
mas ainda inferior à procura”.
Menos contratos, com maior
valor e “maior impacto de ca-
pital por parte das famílias”,
refere o economista. Em cau-
sa as novas regras do BdP, que
apenas permitem financiamen-
tos entre 60% e 70% do valor do
imóvel. “O que significa que “as
famílias investem uma parte
significativa de capitais própri-
próxima de 100%. Atualmente
conta com mais de 100 inquili-
nos e a maior parte do arren-
damento está concentrada em
escritórios.
Nova estratégia
da Sonae Sierra
Refira-se que esta operação
dará acesso, principalmente
em Portugal, “a um investi-
mento de longo prazo, a uma
operação com volume relevan-
te e a um ativo seguro e resi-
os para a compra de casa”. E
como estão “menos endivida-
das”, devido à “poupança for-
çada” durante o confinamento,
a decisão de anular o contrato
de empréstimo é “mais difícil”.
A que, acrescenta Constantino,
se junta a situação de “quase
pleno emprego”, que se traduz
em decisões mais ponderadas
“no longo prazo”. Na prática,
as famílias estão mais bem pre-
paradas para um “cenário ad-
verso” no crédito à habitação”,
resume o economista.
Analistas lembram
que estamos longe
dos níveis de 2009,
em que as taxas de
juro estavam a 4%
O BdP destaca precisamente
o crescimento da poupança. Os
depósitos bancários nos bancos
residentes atingiram €182.700
milhões, mais 7,2% face a julho
de 2021. E sublinha que a evo-
lução dos empréstimos e dos
depósitos é medida pela taxa
de variação anual, o que signifi-
ca que é calculada apenas com
base no montante das transa-
ções, concessão e amortização
de empréstimos e depósitos.
O crescimento do crédito
hipotecário surge numa al-
tura em que a taxa Euribor a
liente”, refere em comunicado
a nova sociedade proprietária.
“Esta operação enquadra-se
na nova estratégia da Sonae
Sierra, enquanto empresa imo-
biliária integrada e multissec-
tor”, refere fonte da empresa ao
Expresso.
Frisa, ainda, que para a
Sierra, este é um passo im-
portante na sua estratégia de
crescimento da área de gestão
de investimentos “cujo obje-
tivo é a geração proativa de
valor em diferentes sectores
seis meses, que regula grande
parte dos empréstimos para
a compra de casa, atingiu os
1,07%, fazendo aumentar os
valores da prestação mensal
pela compra de casa.
Rui Constantino desvalori-
za este crescimento dos juros.
“Estamos longe dos níveis de
2009, em que as taxas estavam
a 4%”, lembra.
Mais pessimista está o econo-
mista João Fonseca, avaliador
de imóveis, que considera uma
“imprudência” o recurso ao
crédito hipotecário num “ce-
nário de incerteza”. “Vendem-
-se casas de €300 mil e €400
mil com enorme facilidade,
apesar dos baixos salários, da
inflação e da subida das taxas
de juro.” Acresce que o valor
das habitações “vai continuar
a subir, devido à falta de mão
de obra e ao aumento do cus-
to dos materiais”. Num ciclo
“acompanhado pela banca, que
está a facilitar a concessão de
empréstimos, apesar de não
haver ainda situações de crédi-
to malparado”, sustenta.
O BdP, no anterior boletim,
sinalizou a descida do crédito
malparado, que recuou €254
milhões entre finais de 2021 e
o primeiro trimestre deste ano.
Mas alguns bancos já alerta-
ram para a eventual subida do
incumprimento.
Com a Euribor a seis meses
em terreno positivo, depois de
edifício, localizado na Praça
imobiliários, em parceria com
investidores nacionais e inter-
nacionais”.
Com este veículo — a Socie-
dade de Investimento e Ges-
tão Imobiliária denominada
Atrium BIRE SIGI — “a área
de gestão de investimento da
Sonae Sierra gere já €4,8 mil
milhões em fundos de inves-
timento na Europa, dos quais
€1,2 mil milhões em ativos que
não centros comerciais — evi-
denciando a Sierra como um
gestor de investimento imobi-
anos sucessivos a registar va-
lores negativos, João Fonseca
alerta que as famílias “ainda
não se aperceberam dos efeitos
da atual crise”. Num cenário de
juros baixos, as famílias con-
seguiram “reforçar as amor-
tizações do crédito pedido”.
Mas a incerteza do contexto
económico “está a mudar”, diz
o especialista. E será “acom-
panhada da subida” das pres-
tações do crédito à habitação,
devido “à incerteza no cenário
económico”.
As famílias estão
a investir uma
‘parte significativa’
de capitais próprios
na compra de casa
A continuar a subida das ta-
xas de juro, e os dados do BdP
apontam para 80% dos novos
contratos com taxa variável,
“os novos compradores de ca-
sas vão ultrapassar a taxa de es-
forço”, que atualmente está em
50% do rendimento disponível.
A taxa de esforço correspon-
de ao rácio entre o montante
da prestação mensal calculada
com todos os empréstimos do
mutuário e o seu rendimento.
O BdP limita este rácio a 50%.
Na prática, sustenta João
Fonseca, “estamos a assistir
bpiexpressoimobiliario.pt 23
A compra do emblemático
Duque de Saldanha, em
Lisboa, foi anunciada esta
semana FOTO D.R.
liário de referência na Europa”,
acrescenta a mesma fonte.
O Atrium BIRE SIGI será —
uma vez terminada a opera-
ção — o décimo oitavo veículo
de investimento lançado pelo
Bankinter Investment nos últi-
mos seis anos.
Será, assim, o quinto veícu-
lo de investimento criado em
parceria entre o Bankinter e a
Sonae Sierra, replicando os mo-
delos bem-sucedidos da ORES
Portugal, ORES Socimi e outros.
economia@expresso.impresa.pt
a um paradoxo”. Primeiro a
pandemia, depois os proble-
mas na cadeia de abastecimen-
tos na indústria, a guerra na
Ucrânia e a subida dos custos
energéticos, a que se junta
uma inflação de 9%. “Neste
contexto, ver aumentar o cré-
dito à habitação mostra a im-
prudência das famílias, que se
estão a endividar para com-
prar casa a preços excessivos.”
Já Rui Constantino assu-
me que a subida dos juros e
a inflação alta possam trazer
“alguma desaceleração no
mercado imobiliário”, com
diminuição dos volumes de
crédito, mas afasta um cená-
rio de quebra de transações
com “expressão”.
A subida do crédito à habita-
ção vem a ocorrer desde 2021,
quando cresceu 37% em rela-
ção a 2020.
As estatísticas de emprés-
timos e depósitos bancários
serão atualizadas em 27 de se-
tembro. Antes haverá aumen-
to na prestação da casa já em
setembro, tal como tem vindo
a acontecer nos últimos meses.
A Euribor, a taxa de referên-
cia dos juros aplicada por um
conjunto de 52 bancos da zona
euro, está em terreno positi-
vo em todos os prazos: a seis,
nove e 12 meses. E já este mês
registou novo crescimento.
Amadeu Araújo
economia@expresso.impresa.pt
24 ECONOMIA Expresso, 2 de setembro de 2022

EMPREGO

Tendência O desemprego nacional continua a diminuir, apesar do abrandamento do crescimento económico. Fatores
demográficos e medidas da pandemia explicam aparente resiliência do mercado de trabalho, que pode não durar muito mais

Desemprego em queda, imune

à conjuntura. Como se explica?
este período o emprego cresceu mais
NÚMERO DE INSCRITOS NOS CENTROS DE EMPREGO RECUOU EM 94% DOS CONCELHOS Textos Cátia Mateus
do que o PIB, o que significa que cresceu
Infografias Sofia Miguel Rosa

O
Variação entre os desempregados inscritos em julho de 2022, últimos dados disponíveis, e em julho de 2021, em percentagem
em atividades de menor valor acrescen-
tado face à média (turismo, serviços,
-75 -50 -25 25 50 75 s últimos indicadores atividades de trabalho intensivo)”.
mensais do Instituto Do lado da oferta de trabalho, “a po-
de Nacional de Esta- pulação ativa cresceu apenas em 150
0
VILA REAL BRAGANÇA tística (INE), divul- mil efetivos, um valor muito inferior
-5,6 -13,6 gados esta semana, ao crescimento do emprego”. O alar-
confirmam uma nova gamento da escolaridade obrigatória
VIANA DO CASTELO descida da taxa de para o 12º ano ou o aumento das va-
-25,8 desemprego no país gas no ensino superior traduziram-se
para 5,9% em julho. numa maior permanência dos jovens
O sétimo mês do ano fechou com 306,2 no sistema de ensino. Isto, “a par com
BRAGA mil desempregados e, ainda que provi- a diminuição da natalidade nas últimas
-23,4 sórios, estes indicadores reforçam a ten- décadas”, que se traduziu num menor
dência de progressiva diminuição quer número de novas entradas anuais no
da taxa de desemprego quer do desem- mercado de trabalho, e o facto de os sal-
prego registado, que estão em mínimos dos migratórios serem apenas positivos
PORTO de 2011 e 2003, respetivamente, com os a partir de 2017, limitaram o crescimen-
-18 empregadores a denunciarem cada vez to da população ativa, fazendo com que,
mais dificuldades em contratar. Esta re- no pós-2013, o emprego tenha crescido
siliência do mercado de trabalho nacio- essencialmente “à custa da população
VISEU nal à pressão que o conflito na Ucrânia que se encontrava desempregada”, ex-
-18,6 tem colocado à economia europeia não plica Cerejeira. Ou seja, a recuperação
deixa de impressionar os economistas, do desemprego gerado nos anos da
AVEIRO GUARDA que apontam vários fatores para um crise financeira foi conseguida com
-25,7 -18,3 nível de desemprego tão baixo, desde recurso à bolsa de desempregados, que,
questões demográficas aos mecanismos entretanto, foi diminuindo sem que
de proteção do emprego que vigoraram houvesse novas entradas no mercado
COIMBRA durante a pandemia. Mas a questão de de trabalho.
-17,8 fundo é até quando conseguirá o país Mas esta não é a única explicação
manter o desemprego em mínimos? para a atual resiliência do mercado labo-
LEIRIA Talvez não por muito tempo, admitem ral, que pode estar também relacionada
-12 os economistas. com as medidas de proteção do em-
CASTELO BRANCO Comecemos pelos números. Numa prego adotadas pelo Governo durante
SANTARÉM +4,2 aparente imunidade à escalada do a pandemia, em particular o lay-off.
-8,3 conflito na Ucrânia e os seus efeitos “Este mecanismo permitiu às empre-
— desaceleração da economia nacio- sas preservar postos de trabalho que à
nal (medida pelo crescimento do PIB), partida seriam extintos e regressar mais
aumento dos custos de energia, esca- rapidamente à atividade económica”,
PORTALEGRE lada da inflação, subida dos juros —, explica Pedro Martins, professor cate-
-10,7 no segundo trimestre o desemprego drático da Nova SBE e ex-secretário de
voltou a recuar para 5,7%, o valor mais Estado do Emprego. Portanto, o país
baixo da atual série estatística do INE, entrou no atual contexto económico a
iniciada em 2011. Esta redução foi acom- beneficiar ainda dos efeitos dessa rede
panhada por máximos no emprego, de segurança que não permitiu que o
que superou os níveis pré-pandemia, desemprego escalasse durante a pan-
com a população empregada a alcançar demia, como aconteceu durante a crise
LISBOA ÉVORA 4,9018 milhões. Desde 2011 que o país financeira, onde chegou aos dois dígitos.
-26,6 -33,2 não contabilizava tanta gente empre- Mas há efeitos adversos: “O lay-off con-
gada. Também a taxa de subutilização gelou o mercado de trabalho e, com isso,
SETÚBAL do trabalho — que mede, além dos de- travou a realocação de trabalhadores
-15 sempregados, os inativos disponíveis e a mobilidade entre empregos, o que
para trabalhar mas que não procuram pode também estar agora a justificar as
ativamente emprego e os inativos que dificuldades de contratação que alguns
BEJA
procuram mas não estavam disponíveis sectores reportam.”
-9,8
no imediato — recuou (1,1 p.p. em ter- Quer Pedro Martins quer João Ce-
mos homólogos) para 11,2%. rejeira têm dificuldade em traçar ce-
Do lado do desemprego registado — nários, mas admitem que o atual “es-
medido pelo número de inscritos nos tado de graça” possa não se prolongar
centros de emprego — o cenário é idên- muito mais. Ainda que o desemprego
tico: julho fechou com 277.466 desem- ainda pudesse descer mais — “até 3%
pregados inscritos, menos 24,7% do seria teoricamente possível” —, Pedro
que no mesmo mês de 2021 e também Martins diz que “estamos a beneficiar
o número mais baixo desde 2003, início da retoma, pós-pandemia, de sectores
da atual série estatística do Instituto intensivos em mão de obra, como o tu-
do Emprego e Formação Profissional rismo, mas há vários fatores externos,
FARO (IEFP). No último ano, o desemprego como a duração da guerra e o custo da
-51,5 registado diminuiu em todo o território energia, que podem alterar este qua-
nacional. Contas feitas, em julho 94% dro e conduzir a um agravamento do
dos concelhos do continente já regista- desemprego”. Também João Cerejeira
MAIORES RECUOS NO DESEMPREGO INSCRITOS NOS CENTROS DE EMPREGO
Variação homóloga do desemprego entre julho de 2021 e julho de 2022 Em milhares de inscritos. Desde 2003
vam menos desempregados do que um não tem dúvidas de que o “desemprego
ano antes e só 6% resistiam à recupera- seguramente será afetado” pelo abran-
INSCRITOS EM JULHO 2022 VAR. ABS. VARIAÇÃO ção (ver infografia). No final desse mês damento do crescimento económico
1 Albufeira 612 -1797 -74,6% 700 ficaram por preencher 21.420 ofertas que já se sente. “Não é expectável que
2 Lagos 505 -777 -60,6% de emprego em áreas como o turismo, continue a descer e podemos assistir
3 Loulé 1103 -1697 -60,6% 600 construção ou indústria, onde os níveis em breve a uma inversão da tendência.”
4 Lagoa 427 -596 -58,3% de desemprego de 2019 ainda não fo- Um cenário que os analistas do BPI
5 Faro 1168 -1242 -51,5% 500 Julho 2022 ram alcançados e faltam profissionais. também antecipam. Numa nota divul-
277,5 gada esta semana, realçam que “o mer-
400 cado de trabalho tem cada vez menos
MAIORES AUMENTOS NO DESEMPREGO Pandemia ‘congelou’ o emprego
Variação homóloga do desemprego entre julho de 2021 e julho de 2022 folga” e que a deterioração da atividade
300 Como é que isto se explica? De várias — com a crise energética, aumento dos
INSCRITOS EM JULHO 2022 VAR. ABS. VARIAÇÃO formas. Para o economista e professor juros, agravamento dos encargos finan-
1 Mortágua 116 +28 +31,8% 200 da Escola de Economia e Gestão da ceiros das empresas e prolongamento
2 Penela 118 +28 +31,1% Universidade do Minho João Cerejeira, do conflito na Ucrânia — deverá ganhar
3 Monforte 143 +24 +20,2% 100 parte da explicação deve-se ao facto de escala no fim do ano, pesando na dinâ-
4 Arronches 46 +6 +15% o país ter registado “um crescimento do mica de contratações e “obrigando a
5 Oleiros 84 +10 +13,5% 0 PIB desde o último trimestre de 2013 uma revisão em alta da previsão para a
2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018 2020 2022 até hoje, só interrompido durante a pan- taxa de desemprego em 2023”.
FONTE: IEFP demia”. No entanto, realça, “durante cmateus@expresso.impresa.pt
Expresso, 2 de setembro de 2022 ECONOMIA 25

TAXA DE DESEMPREGO
EM MÍNIMOS
Valores trimestrais, em percentagem. Desde 2011 Salários: margem TURISMO ENTRE OS SECTORES COM MAIORES
AUMENTOS SALARIAIS
Variação homóloga da remuneração bruta total mensal média por trabalhador
no segundo trimestre de 2022, em percentagem

16

12 2º trimestre de 2022
negocial é curta
5,9%
8 técnicas e similares
Governo quer retomar
4
as negociações para o acordo de
rendimentos, mas economistas
0
antecipam dificuldades
no atual cenário de incerteza
11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22
O Governo prepara-se para voltar a
colocar o acordo de rendimentos e
EMPREGO EM MÁXIMOS
Valores trimestrais da população empregada, competitividade na agenda política,
em milhões. Desde 2011 regressando à mesa de negociações
com os parceiros sociais em setembro.
A meta é aumentar o salário médio em
4,8
20% em quatro anos e reduzir as dis-
paridades salariais. Mas desde a altura
4,6
em que António Costa apontou esse
objetivo no seu programa de Governo
4,4
2º trimestre de 2022 o cenário mudou. O conflito na Ucrânia
4,9 M fez aumentar a pressão nas empresas
4,2
e nas famílias, por via do aumento do
custo de energia e da escalada da infla-
4
ção, que não estão a ser acompanhados
11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 por aumentos salariais. O momento é
crítico para os trabalhadores, mas os
especialistas ouvidos pelo Expresso ad-
SUBUTILIZAÇÃO DO TRABALHO
mitem que uma negociação salarial no
PROSSEGUE QUEDA
Taxa de subutilização do trabalho
contexto de instabilidade atual poderá
ser penalizadora.
Os últimos dados disponibilizados
25
pelo Instituto Nacional de Estatística
2º trimestre de 2022 (INE), relativos ao segundo trimestre
20 11,2% de 2022, apontam para um aumento
dos salários em Portugal, mas que fica
15
muito longe de compensar o aumento
da inflação. Entre abril e junho a remu-
10 neração bruta total mensal média por
trabalhador aumentou 3,1%, em ter-
5
mos nominais, face ao mesmo período
de 2021, para €1439, ancorada sobretu-
0
do na valorização salarial dos sectores
11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 onde se regista maior dificuldade de
contratação (ver infografia). É uma
FONTE: INE - INQUÉRITO AO EMPREGO subida acima dos 2,5% dos primeiros
Eletricidade, gás, vapor, água quente
e fria e ar frio
21,2
Atividades de consultoria, científica,
8,2
três meses deste ano e dos 2,2% regis-
tados no quarto trimestre de 2021, mas, Alojamento, restauração e similares 7
ainda assim, muito abaixo da taxa de
Atividades de informação e de
variação homóloga do Índice de Preços comunicação
6,1
no Consumidor (IPC), que, segundo
Agricultura, produção animal, caça,
o INE, chegou em agosto a 9%. Um 5,3
floresta e pesca
número que empurra os trabalhadores
para a maior perda de poder de compra Construção 5,1
dos últimos sete anos. Em termos reais
— ou seja, considerando o impacto da Educação 5
inflação para aferir a evolução do po-
der de compra —, a remuneração bruta Comércio por grosso e a retalho;
reparação de veículos automóveis 4,9
total mensal média por trabalhador e motociclos
caiu 4,6% no segundo trimestre face
ao mesmo período de 2021. Atividades imobiliárias 4,9
Captação, tratamento e distribuição de
Negociações difíceis água; saneamento, gestão de resíduos 4,2
e despoluição
“O aumento, ainda que pequeno, ve-
rificado nos sectores onde há maior Indústrias transformadoras 3,9
dificuldade de contratação mostra que
o mercado de trabalho está a tentar Indústrias extrativas 3,6
responder às situações de escassez”,
explica Pedro Martins, economista e Transportes e armazenagem 3,4
ex-secretário de Estado do Emprego.
Mas, vinca, “esta é uma má altura para TOTAL 3,1
negociar salários”.
Atividades administrativas e dos serviços
O atual contexto de incerteza eco- 3
de apoio
nómica, associado aos elevados custos
fiscais da contratação, leva, segundo Outras atividades de serviços 2,8
ele, os empresários a questionar se não
Atividades dos organismos internacionais
estarão a aumentar salários e reforçar 2,4
e outras instituições extraterritoriais
equipas para “acabar por ter de despe-
dir se a conjuntura não melhorar”. Um Atividades financeiras e de seguros 1,3
cenário que certamente terá impacto
Atividades artísticas, de espetáculos,
nas negociações que se aproximam. 1,2
desportivas e recreativas
Tanto mais que “aumentar salários e
Atividades de saúde humana
diminuir desigualdades salariais sig- 0,8
e apoio social
nifica que as remunerações terão de
Administração Pública e defesa;
aumentar em toda a cadeia, nas novas 0,1
Segurança Social obrigatória
contratações e nos níveis mais senio-
res”, realça. FONTE: INE

Eficiência. Burocracia minimizada.

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26 ECONOMIA Expresso, 2 de setembro de 2022

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et management, work health and safety and
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do.engenheiria@gmail.com Enviar CV para: info.lisboa@pefipresa.pt /vacancyView.php?&requirementId=641
Expresso, 2 de setembro de 2022
OPINIÃO
Sincronias
Amândio da Fonseca
Food &
burnout
S
abia que já estávamos
na lista dos principais
consumidores euro-
peus de medicamen-
tos antidepressivos, sonífe-
ros, calmantes e sedativos?
No rasto da epidemia, dos
níveis de stresse induzidos
pela transformação tecnoló-
gica e a alteração dos hábitos
de vida da maioria da popu-
lação ativa, os problemas da
saúde mental deixaram de
poder ser ignorados. O bur-
nout, a síndrome do esgota-
mento profissional, constitui,
em todo o mundo, uma das
principais doenças civiliza-
cionais.
Shekar Saxema, ex-diretor
da OMS e um dos líderes da
política mundial da saúde,
afirmou, numa entrevista
recente, que “quando se tra-
ta de saúde mental todos os
países do mundo estão em
fase de desenvolvimento”. Na
generalidade, as estratégias
de tratamento incidem mais
sobre os sintomas do que nas
causas. No entanto, muitos
cientistas são de opinião de
que a prevenção dos proble-
mas de saúde mental só será
efetiva com uma mudança
dos estilos de vida nas socie-
dades desenvolvidas.
O que pensaria você se,
numa consulta para proble-
mas de insónia, depressão
ou ansiedade o psiquiatra o
questionasse sobre os seus
problemas intestinais? Quan-
do falamos de alimentação e
saúde tendemos a relacionar
as dietas com a obesidade,
acidentes vasculares, diabe-
tes, cancro ou a longevidade,
mas raramente as relaciona-
mos com a saúde mental.
Uma Naidoo é professora
na Harvard Medical School
e especialista em psiquiatria
nutricional. Num livro recen-
te — “This Is Your Brain on
Food” — a autora defende,
em sintonia com um número
crescente de especialistas de
vários sectores, que a alimen-
tação pode ter efeitos preven-
tivos na saúde mental tão efi-
cazes como os medicamentos
prescritos pelos especialistas.
Na verdade, há muito que a
ciência conhece que o siste-
ma digestivo comunica com
o cérebro através de subs-
tâncias químicas como a do-
pamina, a serotonina e a ace-
tilcolina, que são mediadoras
químicas do bem-estar, da
forma como nos sentimos e
da saúde mental. Num corpo
saudável, essas substâncias
químicas, produzidas pelo
microbioma intestinal, são
transportadas pelo sistema
nervoso para o cérebro.
Trata-se de um mecanis-
mo delicado que se altera por
excesso ou carência dessas
substâncias químicas que
provocam mal-estar, pertur-
bam a concentração e o sono,
e enfraquecem o sistema
imunitário ao lançar no cére-
bro substâncias precursoras
da depressão, ansiedade e
outras manifestações de mal
estar que afetam o cérebro e
modelam os comportamen-
tos humanos.
Presidente do Grupo EGOR
PESSOAS
Sérgio Massano 38 anos, partner e diretor da Antler para a Península Ibérica
“O capital de risco privado
tem de ser dinamizado”
FORMAÇÃO
Licenciatura e mestrado
em Engenharia Eletrotécnica
e de Computadores pelo
Instituto Superior Técnico. Fez
uma pós-graduação
em Prospetiva, Estratégia e
Inovação no ISEG
e um MBA no INSEAD
AMBIÇÃO
DE CARREIRA
“Liderar um fundo
capaz de apoiar
os melhores
empreendedores
a atingir os seus
objetivos, evitando
a fuga de cérebros
do país”
LEMA
“A melhor forma
de prever o futuro
é criando-o”
(Abraham Lincoln)
Ana Sofia Santos
A Antler, empresa noruegue-
sa de capital de risco, acaba de
expandir a atividade para a Pe-
nínsula Ibérica com a abertura
de escritórios em Lisboa e Ma-
drid. Sérgio Massano, partner
da Antler e responsável pela sua
expansão global, lidera a opera-
ção nas duas geografias, e junto
com Ricardo Batista, ex-diretor
na plataforma de entregas Glo-
vo, são os primeiros membros
da equipa. Até ao final do ano,
serão 10 pessoas para trabalha-
rem ambos os mercados.
A gestora de fundos “investe
em empresas com elevado po-
tencial de crescimento e que
se encontram no início do seu
ciclo de vida, e apoia a cria-
ção, desenvolvimento e cres-
cimento de startups”, explica
Massano, fazendo notar que
DICAS SEIS REGRAS PARA ESCOLHER A PROFISSÃO CERTA
A escolha de uma carreira
não tem de ser para a vida
e a reconversão profissional
é cada vez mais comum.
Mas escolher um caminho
profissional que se adeqúe
ao seu perfil e, sobretudo,
que o faça feliz continua a
ser determinante. Não há
fórmulas perfeitas para
garantir uma escolha certa
e que lhe garanta o sucesso,
mas há pequenas regras que
o podem ajudar. O Expresso
reuniu algumas.
1 fracos para cada uma das
ELENQUE OS SEUS GOSTOS
Perceber o que o motiva e faz
feliz é o primeiro passo. Liste as
suas características, aptidões,
qualificações ou hobbies.
a Antler aposta em projetos de sucesso das startups ibé-
desde a constituição da equipa ricas”, quando, na realidade,
empreendedora e, em alguns o talento “é prevalente e está
casos, na fase de formação da validado: tanto Portugal como
própria ideia. É um modelo Espanha são responsáveis por
que se distingue dos demais 18 unicórnios”, dos quais sete
por ser “mais prático” e que — Sword Health, Talkdesk,
promove um envolvimento Feed zai, Farfetch, Remote,
com os fundadores desde o Outsystems e Anchorage Digi-
início dos negócios. tal — têm ADN luso.
Sobre a entrada na Penín- Os fundos captados pelos
sula Ibérica, o responsável es- empreendedores em Portugal
clarece que o capital de risco e em Espanha representam
nesta região não tem acompa- 27% e 67%, respetivamente,
nhado “totalmente o trajeto da média de investimento de
capital de risco na União Euro-
peia, em percentagem do pro-
duto interno bruto, sublinha o
“O desajuste entre diretor da gestora de fundos.
empreendedor e acesso Ou seja, há “ainda bastante ca-
a capital tem levado minho a cobrir” e a Antler quer
à saída de bastantes marcar posição, com foco “na
fase pré-semente, onde existe
unicórnios de Portugal menor dinâmica”.
e de Espanha” A consequência deste “desa-
juste entre potencial empreen-
2 profissões que tem em mente.
ANALISE O MERCADO
É importante conhecer o mercado, os sectores com maior
potencial de empregabilidade e as suas práticas profissionais
(salário, progressão, rotinas). Converse com profissionais da área.
HOBBIES
Fotografia de viagem,
guitarra clássica
e natação em águas abertas
PERCURSO
Chegou à Antler em
2019 e antes esteve dois
anos na Seaya Ventures,
como diretor de
investimentos nos
mercados de Espanha
e América Latina.
Também passou pela
plataforma de compras
online linio.com (uma
das mais importantesda
América Latina) e pela
empresa alemã de
internet Rocket internet
GmbH, com o início da
carreira a ser marcado
pela Portugal Telecom
ÚLTIMAS
LEITURAS
“The Undoing
Project”,
de Michael
Lewis, “Capitães
da Areia”,
de Jorge Amado,
e “Skin in the
Game”,
de Nassim
Nicholas Taleb
dedor e existência de parceiros
e acesso a capital” tem sido a
saída dos países de origem de
bastantes unicórnios (seis dos
sete portugueses, quatro dos
11 espanhóis), sobretudo em
fases iniciais do seu ciclo de
crescimento, refere Massano.
O objetivo é colocar a Antler
como “um ponto de apoio lo-
cal capaz de acompanhar o
desenvolvimento de negócios
promissores, sem necessidade
de deslocação geográfica para
acomodar capital externo”.
No mercado nacional, as do-
tações entre €50 mil e €500
mil (pré-semente) têm uma
presença significativa do fun-
do público Portugal Ventures,
que foi responsável por mais de
50% do investimento em 2021.
“É um indicador de que o capi-
tal privado tem de ser dinami-
zado”, conclui Massano.
assantos@expresso.impresa.pt
3 mundos nem sempre é
PROCURE ORIENTAÇÃO
Procurar orientação vocacional
pode ser muito útil na escolha
da profissão certa. Poderá
ajudá-lo a identificar as suas
características pessoais,
cruzando-as com os requisitos
e perfil de várias áreas para
garantir uma escolha
adequada ao seu perfil.
4 necessário para uma escolha
IDENTIFIQUE VANTAGENS
E DESVANTAGENS
Elenque os pontos fortes e
Analise-as sempre na
perspetiva do que o faz feliz e
do que melhor garante a sua
subsistência. O melhor de dois
ECONOMIA 27
Marco
Aguiar
> Possui mais de
duas décadas
de carreira
> É formado
em Engenharia
Informática
É o novo diretor de Talento &
Formação (Talent & Training)
da Claranet. Com mais de
25 anos de experiência e um
percurso maioritariamente
ligado a consultoras tecnoló-
gicas na área de consultoria
estratégica em outsourcing,
Marco Aguiar passou pela
Digital, Compaq e HP, tendo
começado a sua ligação à Cla-
ranet como gestor de negócio
(business manager) em 2013.
Faz agora parte da aposta es-
tratégica da Claranet na área
de gestão de talento e capital
humano no segmento de
tecnologia, de forma transver-
sal às áreas das tecnologias
de informação em que opera,
tanto a nível nacional como
internacional.
Carlos Silva
Tomou recentemente posse
como presidente do Conselho
de Administração da Empre-
sa Municipal de Mobilidade
e Estacionamento de Lisboa
(EMEL), sucedendo a Luís Na-
tal Marques, que renunciou ao
cargo. Na liderança da EMEL
contará com Francisca Rama-
lhosa e Ana Raimundo como
vogais.
António Melica
> Integrou
a Nissan
em 1998
> É formado
em Economia
O diretor-geral da Nissan Ibé-
ria, sucursal em Portugal, vai
liderar a direção de vendas da
Nissan para a região da Eu-
ropa, assumindo ainda a res-
ponsabilidade das vendas para
frotas, dos automóveis usados e
da unidade de negócio dos veí-
culos comerciais para esta re-
gião. António Melica integrou
o fabricante automóvel em
1998. No novo cargo reportará
a Jordi Vila, vice-presidente da
divisão de marketing e vendas
da Nissan Europa.
Gianpaolo Vaio
É o novo diretor do RentalRea-
dy, o software desenvolvido
pela equipa da GuestReady —
empresa de gestão de proprie-
dades de aluguer para férias de
curta e média duração — para
automatizar todos os processos
de gestão de propriedades da
empresa.
possível, por isso pondere se o
mais importante para si é um
bom salário ou seguir o que
acha ser a sua vocação.
5
DECIDA COM CALMA
As decisões de carreira devem
ser sempre bem ponderadas e
resultar numa escolha
consciente. Leve o tempo
responsável e informada.
6
MUDE, SE PRECISAR
Se em algum momento
perceber que a escolha que fez
não foi a mais acertada,
recomece e não feche as
portas à mudança.
28 ECONOMIA Expresso, 2 de setembro de 2022

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Esforçamo-nos por manter a correção dos dados das viaturas apresentados nesta página, mas não assumimos nem os stands aqui presentes a responsabilidade se, por lapso, for publicada alguma informação incorreta.
Expresso, 2 de setembro de 2022
OPINIÃO
Capital de Risco por Rodrigo de Matos
A nível europeu tem vindo a verificar-se uma aposta clara no desenvolvimento do biometano
Estratégia Nacional para o biometano:
uma prioridade para Portugal
Nuno Nascimento
N
os últimos anos, a solu-
ção do hidrogénio (H2)
verde como substituto
dos gases fósseis tem
vindo a receber a de-
vida atenção não só da
opinião pública, mas
também dos investidores e dos re-
guladores. Contudo, os gases reno-
váveis não se esgotam no H2 e é aqui
que entra o biometano.
Enquanto a tecnologia ligada ao
hidrogénio verde está, neste mo-
mento, numa fase acelerada de
desenvolvimento e teste, a do bio-
metano encontra-se 100% madura
— conforme mostram as mais de
1000 unidades de produção exis-
tentes na Europa, com o biometa-
no a assumir uma preponderância
maior que o hidrogénio em alguns
países, como é o caso da Dinamarca
e França.
O biometano, que apresenta pro-
priedades moleculares semelhantes
ao gás natural — o que evita a neces-
sidade de alteração do equipamento
do consumidor —, tem origem no
biogás, o qual resulta, maioritaria-
mente, da digestão anaeróbica de
resíduos orgânicos, pelo que o seu
aproveitamento para fins energéti-
cos evita que gases, como o metano,
sejam emitidos para a atmosfera.
Isto porque o biogás pode ser
produzido através das lamas das
Estações de Tratamento de Águas
Residuais (ETAR), da fração orgâ-
nica dos Resíduos Sólidos Urbanos
(RSU) ou ainda através de resíduos
obtidos nos sectores industriais e
agrícola. Atualmente, o biogás é va-
lorizado energeticamente através
da produção de eletricidade, mas
trata-se de um processo algo ine-
ficiente — com um rendimento na
ordem dos 35%.
Em Portugal, há atualmente cerca
de 70 ETAR e RSU que produzem
biogás, cuja conversão para pro-
dução de biometano representaria
um investimento reduzido, que per-
mitiria acelerar a produção/apro-
veitamento deste gás renovável no
país, algo atrasado face à média de
produção europeia.
A nível europeu tem vindo a veri-
ficar-se uma aposta clara no desen-
volvimento do biometano como um
dos principais impulsionadores para
uma estratégia de descarbonização
e independência energética, apos-
ta agora reforçada com o RePowe-
rEU, motivado pelo conflito entre a
Rússia e a Ucrânia, que duplicou o
objetivo de biometano para 35 bcm
em 2030.
Estima-se que, em Portugal, os
aproveitamentos dos resíduos or-
gânicos com origem municipal, de
ETAR e RSU, possam permitir uma
produção de biometano suficiente
para substituir cerca de 20% do gás
natural hoje consumido pelos clien-
tes ligados às redes de distribuição
de gás — o equivalente a todo o con-
sumo do mercado residencial em
O biometano é uma Portugal —, permitindo assim uma
descarbonização direta e progressi-
fonte de valor para va de vários consumidores.
as comunidades locais Acresce a tudo o que foi referido
e regionais com forte que, aplicada a nível local, a produ-
produção agrícola ção de biometano permite não só
um uso mais eficiente dos recursos
e industrial, que podem existentes, garantindo uma produ-
obter uma fonte extra ção e consumo descentralizado e
de receita e de criação distribuído, mas também o aprovei-
tamento de subprodutos, como o di-
de emprego direto gerido que contém valiosos nutrien-
tes fertilizantes para a agricultura.
O biometano é, assim, uma fonte
de valor para as comunidades lo-
cais e regionais com forte produção
agrícola e industrial, que podem
obter uma fonte extra de receita e
de criação de emprego direto em
zonas muitas vezes não favorecidas
económica e geograficamente.
Ganhos económicos
No plano económico, a produção
de biometano tem atualmente um
custo de 60 a 80 euros por megawa-
tt hora (MWh), o que é menos de
metade da cotação do gás natural,
com os contratos futuros referência
na Europa (TTF) a rondar, neste
momento, os 200 €/MWh para o
próximo inverno.
Assim, se num contexto anterior a
substituição de gás natural por bio-
metano poderia resultar em custos
adicionais, no contexto atual é um
vetor quase imediato de poupança
e eficiência para famílias e de com-
petitividade económica e ambiental
para a indústria e serviços.
A injeção de biometano na in-
fraestrutura existente não requer
qualquer tipo de adaptações, uma
vez que, tal como o gás natural, é
maioritariamente constituído por
metano, apresentando assim pro-
priedades semelhantes.
Neste sentido, as redes de gás e
operadores de rede têm um papel
fulcral, uma vez que não só garan-
tem o escoamento do biometano
produzido, mas também asseguram
e facilitam o desenvolvimento de
adequadas condições de mercado,
atuando como agnóstico elo de li-
gação entre comunidades, muni-
cipalidades, agentes de mercado,
reguladores e governos centrais.
Portugal, como país líder na tran-
sição energética, deveria apostar
fortemente nesta área, aproveitando
todos os recursos endógenos exis-
tentes e impulsionando o desenvol-
vimento do biometano.
A definição dos incentivos ao in-
vestimento para o sector, as quotas
de biometano nos portefólios co-
merciais, assim como uma orien-
tação clara sobre as percentagens
mínimas de injeção de biometano
na rede nacional de gás, são temas
que ainda se aguarda ver esclareci-
dos e que, provavelmente, veremos
respondidos no futuro.
Diretor de Estratégia e Transição
Energética da Galp Gás Natural
Distribuição
ECONOMIA 29
O BCE precisa
de ser mais claro
sobre o IPT
Stefan Gerlach
O
Banco Central Europeu (BCE) está
a tornar-se mais prudente. O recém-
-anunciado Instrumento de Proteção
da Transmissão (IPT ou TPI na sigla
inglesa) é um exemplo disso. O IPT é mais
um instrumento útil para combater o risco de
uma fragmentação da zona euro.
Alguns argumentam que é desnecessário,
uma vez que o BCE já tem um programa de
Transações Monetárias Definitivas (TMD)
que lhe permite apoiar os mercados obriga-
cionistas. Mas para utilizar o TMD um Gover-
no deve primeiro solicitar um programa do
MEE (Mecanismo Europeu de Estabilidade).
Um programa desse tipo envolverá provavel-
mente medidas de austeridade concebidas
pelo FMI. O pedido de tal programa será visto
pelos eleitores como a admissão do fracasso
por parte dos Governos e corre o risco de
provocar turbulência política.
Por conseguinte, os Governos hesitam em
candidatar-se a um. Em vez disso, podem
apostar que conseguem sobreviver a um pe-
ríodo de elevadas taxas de rendibilidade das
obrigações sozinhos. Mas as elevadas taxas de
rendibilidade das obrigações num país serão
transmitidas por toda a zona euro, retardan-
do o crescimento e complicando a política
orçamental noutros locais. Estamos a assistir
a isso mesmo agora. As elevadas taxas de
rendibilidade das obrigações em Itália, onde
a dívida pública continuou a crescer em piloto
automático, também aumentou a rendibilida-
de das obrigações em Portugal, embora tenha
feito muitos progressos na política orçamen-
tal antes da pandemia de covid-19.
A necessidade do IPT surge precisamente
porque o acesso às TMD não é automático e
existe a probabilidade de os Governos adia-
rem o pedido de ajuda, o que é dispendioso
para o resto da zona euro. O IPT, que impõe
menos condições e é mais provável ser usado,
faz assim sentido. Infelizmente, a forma como
tem sido incentivado não o faz. O BCE afirma
que o IPT se destina a garantir que o mecanis-
mo de transmissão da política monetária seja
igualmente forte em toda a zona euro. Mas
a força do mecanismo de transmissão varia
naturalmente entre as economias da zona
euro, dadas as suas estruturas económicas
e financeiras. Isto não causou preocupações
no passado.
Por exemplo, a política monetária é mais
poderosa nas economias onde as famílias,
regra geral, possuem casa própria e os em-
préstimos hipotecários são habituais. É
mais potente em países onde a alavancagem
empresarial é elevada. É particularmente
eficaz se os custos dos empréstimos forem
altamente sensíveis à taxa de juro do BCE,
porque as taxas de empréstimo são variáveis
ou fixas apenas por curtos períodos de tempo.
E, uma vez que alterações nas taxas de juro
têm um impacto na taxa de câmbio do euro,
são transmitidas com maior intensidade nas
economias em que uma fração despropor-
cionalmente elevada do comércio é feita com
economias fora da zona euro.
Por conseguinte, muitos comentadores não
ficaram convencidos pelas afirmações do
BCE de que o IPT se destina a gerir o mecanis-
mo de transmissão e, em vez disso, veem-no
como tendo sido criado para manter a zona
euro unida. O BCE tem um mandato secun-
dário para apoiar as “políticas económicas
gerais da UE”, desde que tal não colida com
o seu objetivo de estabilidade de preços. Isto
proporciona apoio legal ao IPT.
O tratado diz que o euro é a moeda da UE.
Não indica uma via legal para um país sair,
pelo que a participação se destina a ser per-
manente. A manutenção da adesão à zona
euro é, por conseguinte, uma política da UE.
Uma vez que o IPT permite ao BCE lidar com
o aumento da inflação, aumentando as taxas
de juro de forma mais agressiva, não entra
em conflito com a estabilidade de preços,
mas apoia-a.
O IPT é uma boa ideia. Mas o BCE deve
assumir o que está a fazer. Um banco central
não pode induzir o público em erro. Deve
dizer claramente que o IPT se destina a salva-
guardar a zona euro e que é compatível com
o tratado subjacente à moeda única. Fazê-lo
também é uma boa política. A mera existên-
cia de outra ferramenta poderosa para lidar
com o risco de fragmentação irá tornar me-
nos provável que esta tenha de ser utilizada.
Economista-chefe do EFG Bank, Zurique,
e ex-vice-governador do Banco Central da Irlanda
30 ECONOMIA
MUND O
1 EUA
Elon Musk
dá luta
contra
o Twitter
Um denunciante deu-lhe uma
ajuda ao acusar o Twitter de
ocultar contas falsas. Agora
Musk quer adiar o julgamento
Elon Musk tem um novo trunfo para vencer em tribunal:
denúncias de um ex-diretor do Twitter
Pedro Carreira Garcia
Elon Musk, depois de dar o dito
por não dito no seu propósito
de compra do Twitter, não vai
dar tréguas no processo em tri-
bunal interposto pela rede soci-
al de microblogging, que o quer
obrigar a concluir o negócio
de 44 mil milhões de dólares
(cerca de €44 mil milhões ao
câmbio atual), a 54,20 dólares
por ação.
Musk despendeu as semanas
entre abril (quando o negócio
foi anunciado) e julho (quando
anunciou que iria abandonar o
barco) a exigir ao conselho de
administração do Twitter mais
dados sobre as contas falsas na
rede social, considerando os já
fornecidos insuficientes.
Em agosto, já com o processo
a correr em tribunal, a juíza Ka-
thaleen McCormick obrigou o
Twitter a fornecer a Musk mais
dados relativos às contas falsas
existentes na rede — nomeada-
mente sobre as contas de dete-
ção e critérios de desempenho
— mas descreveu como “absur-
damente alargado” o montante
de dados originalmente exigido
por Musk para se preparar an-
tes do julgamento, de acordo
com a Reuters.
“Ninguém no seu perfeito
juízo alguma vez tentou levar
a cabo tal esforço” de reunir
tantos dados, acrescentou. O
Twitter — que, recordemos,
é a parte queixosa — concor-
dou em “produzir um enorme
montante de informação” para
fornecer ao acusado. Essa in-
formação, considerou a magis-
trada citada pela Reuters, “é
suficientemente abrangente”
para que as exigências de Musk
sejam dadas como cumpridas.
Foi uma dádiva caída do céu
para a personalidade mais rica
do mundo a recente denúncia
do antigo diretor de segurança
do Twitter, Peiter Zatko, aos
reguladores norte-america-
nos. Segundo o antigo quadro,
o Twitter deu informações in-
corretas ao mercado relativas
às reais medidas de segurança
informática implementadas
e disse que a rede social não
Expresso, 2 de setembro de 2022
2 POLÓNIA 3 EUA
Varsóvia defende
gastos recorde
na Defesa
FOTO VISUAL CHINA GROUP VIA GETTY IMAGES
O primeiro-ministro polaco anun-
ciou esta semana o Orçamento do
Estado para 2023, que inclui uma
previsão de défice e inflação mo-
derados e gastos públicos focados
na defesa, revelando um aumen-
to recorde, e subsídios à energia.
Numa conferência de imprensa em
Varsóvia, Mateusz Morawiecki reve-
lou que os gastos militares em 2023
ascenderão a cerca de €20,5 mil
milhões, face aos €12,3 mil milhões HONDA MOTOR E LG ENERGY SOLUTION JUNTAS NAS BATERIAS
deste ano, cumprindo assim os pla- A Honda Motor e a LG Energy Solution vão investir nos Estados Unidos,
nos de dedicar pelo menos 3% do através de uma joint venture, cerca de 4400 milhões de dólares (€4431
produto interno bruto (PIB) a este milhões) numa fábrica de baterias elétricas. A construção da unidade
sector. A tais valores acresce um
fundo extraordinário de cerca de
fabril terá início de 2023, sendo que a produção de baterias começará
no final de 2025. As baterias produzidas irão alimentar os modelos da
€8500 milhões para fazer face aos Honda e do fabricante Acura.
primeiros pagamentos das recentes
compras de armamento no estran-
geiro. Da mesma forma projeta-se
um crescimento do PIB de 1,7% em
2023, muito inferior aos 4,6% com
que se espera encerrar o ano fiscal
de 2022, e a expectativa de inflação
é de 9,8% no próximo ano, compa-
rando a 11,2% deste ano.
FOTO CHESNOT/GETTY IMAGES
contabilizava de forma correta
o número de contas de spam
existentes.
Esta semana, soube-se que
Musk tentou mais uma mano-
bra dilatória: adiar o julgamen-
to, por ora marcado para 17 de
1
outubro num tribunal comer-
cial do estado norte-americano
3
do Delaware e com duração
de cinco dias, alegando que as
novas informações justificam
mais tempo para preparar a
6 CHINA
sua defesa, propondo uma
nova data algures em novem-
bro, segundo a CNN, que cita
um documento apresentado
por Musk junto do tribunal na
Pequim emite
segunda-feira. títulos de dívida
Teve lugar, também, nos úl-
timos dias, uma troca de car- em Macau
tas entre as partes litigantes.
O fundador da construtora de
veículos elétricos Tesla enviou
uma nova carta a reforçar a sua
vontade de rescindir o negócio,
agora com base nos novos ar-
gumentos do denunciante.
O Twitter respondeu no dia
seguinte, refutando-os como
8 PAQUISTÃO
sendo “inconsistentes”, com
base em apenas uma fonte,
refere o canal noticioso norte- AJUDA DO FMI A CAMINHO
€1177
-americano — o que sugere já o
principal argumento que será
utilizado pela rede social para
7 ÍNDIA
refutar as alegações de Zatko.
Ao “The Washington Post”, a
porta-voz do Twitter, Rebecca
Hahn, disse que a rede soci-
al defende os seus números:
PIB avança milhões foi quanto o Fundo
Monetário Internacional (FMI)
“Mantemo-nos totalmente fi-
éis aos nossos comunicados O Governo chinês vai emitir títulos
13,5% aprovou para apoiar o Paquistão
como parte das negociações
relativos à percentagem de de dívida no valor de 3 mil milhões para a reativação de um
contas de spam na nossa pla- de yuan (€443,7 milhões) em Ma- programa de empréstimos de
taforma e ao trabalho que fa- cau a 7 de setembro, para apoiar A atividade económica da Índia €6000 milhões. “O Conselho
zemos para combater o spam o desenvolvimento do mercado de medida pela evolução do Produto do FMI aprovou a reativação
na nossa plataforma.” títulos da região. Segundo um co- Interno Bruto (PIB) progrediu 13,5% do nosso programa Serviço
Entretanto, em meados de municado divulgado pelas autorida- no segundo trimestre, em relação ao Ampliado de Fundos [Extended
agosto, Musk vendeu o equi- des de Macau, a emissão de títulos mesmo período de 2021, benefician- Funds Facility-EFF]. Devemos
valente a €7 mil milhões em por parte do Ministério das Finan- do da recuperação pós-pandemia, agora receber as parcelas 7 e
ações da Tesla, depois de, em ças chinês destina-se a investidores indicam dados divulgados hoje. De- 8 de €1177 milhões”, informou,
abril, ainda estava o negócio profissionais, tendo como objetivo pois desta recuperação no trimestre entretanto, o ministro das
em vigor, ter liquidado uma fortalecer a cooperação financeira que terminou em 30 de junho, a eco- Finanças paquistanês, Miftah
posição equivalente a €8,5 mil com a China continental. A emissão nomia poderá abrandar devido es- Ismail, na rede social Twitter.
milhões. Estará o magnata a quer ainda atrair “emissores de boa sencialmente à subida da inflação. A O Paquistão acordou com
preparar-se mesmo para uma qualidade e investidores interna- taxa de crescimento, divulgada pelo uma delegação do FMI, em
compra forçada da rede social cionais” a Macau, para “enriquecer gabinete nacional de estatísticas, foi julho passado, o envio de
onde aparentemente (tendo a variedade dos produtos disponí- a mais elevada desde o segundo tri- €1177 milhões para o país,
em conta a sua prolixidade) veis no mercado obrigacionista” e mestre de 2021, quando a atividade mas este valor dependeria de
passa grande parte dos seus contribuir para o processo de inter- económica da Índia avançou 20,1%, aprovação pela administração
dias? nacionalização da moeda chinesa, após uma contração de 24,4% no executiva da entidade financeira
pcgarcia@expresso.impresa.pt segundo refere o comunicado. mesmo período de 2020. internacional
Expresso, 2 de setembro de 2022 ECONOMIA 31

Pente Fino
Manuela
Ferreira Leite

4 INGLATERRA 5 FRANÇA Irresponsabilidade

O GOVERNO
BRITÂNICO E O
Principais economias mundiais com ilimitada
OPERADOR DE crescimento de 0,3% no 2º trimestre
TRANSPORTES
PÚBLICOS
TRANSPORT FOR

FOTO TIM GRAHAM/GETTY IMAGES

LONDON (TFL)
ANUNCIARAM
TER CHEGADO A

FOTO LUÍS BARRA

UM ACORDO DE
FINANCIAMENTO,
APÓS MESES DE

P
NEGOCIAÇÕES, elas notícias que diaria-
DEVIDO AO IMPACTO mente chegam até nós,
O produto interno bruto (PIB) das face ao trimestre anterior, o que com- vamos tendo alguma
DA PANDEMIA DE principais economias mundiais para com a estagnação registada nos consciência dos proble-
COVID-19. O ACORDO cresceu 0,3% em cadeia no segundo primeiros três meses do ano. Segundo mas que o país enfrenta, apesar
trimestre, mantendo o ritmo do tri- salienta a OCDE, “a partir do segundo da forma como o Governo os
SIGNIFICA QUE O mestre anterior, segundo estimativas trimestre de 2022, todos os países do tenta disfarçar com a ajuda de
TFL RECEBERÁ DO provisórias avançadas esta semana G7 registaram níveis de PIB iguais ou peritos em comunicação.
pela Organização para a Coopera- superiores ao período pré-pandemia”. Os resultados não são bri-
GOVERNO MAIS 1200 ção e Desenvolvimento Económico De acordo com a organização — que lhantes, porque os argumentos
MILHÕES DE LIBRAS (OCDE), com sede em Paris. Nos paí- agrupa as economias mais avançadas utilizados esbarram na inteli-
ses do G7, o PIB “aumentou ligeira- do mundo — o cenário de crescimento gência média dos cidadãos e na
(€1400 MILHÕES), mente”, 0,2%, no primeiro trimestre global de 0,3% reflete situações diver- vivência diária dos respectivos
MESMO QUE A TAXA sas: “Por um lado, o crescimento do problemas.
PIB foi negativo nos Estados Unidos A área mais gritante é a da
DE OCUPAÇÃO NÃO e no Reino Unido (ambos com -0,1%), saúde, não só porque diz respei-
RECUPERE AO RITMO enquanto na Alemanha o PIB desa- to a todos sem excepção como
celerou acentuadamente (para 0,1%, pela indisfarçável incapacidade
ESPERADO. face a 0,8% no trimestre anterior).” para resolver os problemas que
a destrói ou, pelo menos, para
os amenizar.
Vamos também percebendo
o que se passa com os fogos, as
suas consequências a curto e
médio prazo e as soluções sem-
pre remetidas para comissões
várias que nascem e renascem
todos os anos mas sem qual-
quer efeito em acções eficazes
e resultados concretos.
Preocupamo-nos com a situa-
ção económica, com a inflação
e com a carga fiscal; revoltamo-
4 -nos com o preço da gasolina
2 e do gasóleo; ouvimos falar da
seca, das suas consequências
5 e hipóteses de a combater; do
caos nos aeroportos, tão preju-
dicial ao turismo; da crescente
insegurança nas ruas, da violên-
8 6 cia doméstica, etc.
Fica-me a grande interroga-
ção quanto ao relativo silêncio
7 que paira sobre um sector cujas
consequências de um deficiente
9 funcionamento se reveste de
um dramatismo que não é me-
nor do que o do sector da saúde.
Refiro-me ao sector da edu-
cação (ensino básico e secun-
dário), que condiciona, indiscu-
tivelmente, o futuro dos jovens
e, portanto, o do país.
É de há muito conhecida a
carência de professores em
determinadas matérias, resul-
tante fundamentalmente do
elevado número de abandono
natural por efeito de limite de
idade e ainda por uma cada vez
menor atractividade pela pro-
fissão, dadas as condições do
Será indiferente a qualifica-
ção dos professores para a qua-
lidade da aprendizagem?
Será que as aulas passam a ser
apenas um local de informação
em que o fundamental é apren-
der a aceder ao Google?
O que se espera de um profes-
sor pressupõe uma formação
que vai além da transmissão de
conhecimentos.
Um “bom” professor não o
é só pelo que ensina mas pelo
que motiva e inspira os alunos
a querer aprender mais.
De um professor não se espe-
ra apenas que “informe”, mas
que “forme” os seus alunos.
Será que a formação deixou de
ser uma das mais elementares e
nobre função dos professores?
No século XXI, as competên-
cias de um professor têm de
ser cada vez maiores, porque
lhes cabe a enorme responsa-
bilidade de preparar os jovens
para o mundo de hoje, em que é
decisiva a criatividade e a men-
talidade crítica.
Um professor não é só o que
ensina, mas o que “inspira e
motiva os alunos”. Um profes-
sor pouco qualificado não só
não responde às questões an-
teriores como não potencia as
capacidades dos alunos.
Será indiferente
a qualificação dos
professores para
a qualidade da
aprendizagem? Será
que as aulas passam
a ser apenas um local
de informação em
que o fundamental
é aprender a aceder
ao Google?
Esta proposta é tanto mais
grave pelo facto de termos ade-
rido à Reforma de Bolonha, que
mede, através do número de
unidades de crédito, as habili-
tações mínimas exigíveis aos
professores, bem como avalia o
trabalho dos alunos.

9 VIETNAME
seu exercício.
Apesar de ser uma situação
que recorrentemente surge no
Acordo para aumentar o preço do arroz vai avançar início do ano lectivo, em que
milhares de alunos não têm au-
las em uma ou mais disciplinas,
não se conhecem as políticas
O Vietname e a Tailândia, o segundo e adoptadas para ultrapassar, no
terceiro maiores exportadores de ar- médio prazo, esta questão, que
roz do mundo, vão trabalhar em con- tenderá a agravar-se.
junto para aumentarem o preço inter- Mas eis que recentemente sur-
nacional do arroz, visando melhorar giu uma proposta “inovadora”,
a situação financeira dos agricultores, que consiste em reduzir as exi-
revelou um responsável governamen- gências legais de formação para
tal. O conselheiro do Ministério da que se possa leccionar as disci-
FOTO THIRAWATANA PHAISALRATANA/GETTY IMAGES
Esta medição, mesmo que
discutível, permite comparar e
avaliar a qualidade do ensino e
seus resultados.
No mundo global em que nos
inserimos, desqualificar a for-
mação dos professores e, con-
sequentemente, a dos jovens
é hipotecar o seu futuro, pela
perda de competitividade que
isso implica.
À geração mais qualificada de
sempre, que tem sido tão alar-
deada, segue-se um caminho
fechado que impede que outros

Agricultura tailandês, Alongkorn plinas de Português e Inglês, o o percorram.

Phonbutr, explicou em comunicado que, evidentemente, aumenta Zelar pelo sistema educativo
que os dois países chegaram a um o universo de recrutamento dos sem valorizar a qualidade dos
acordo, depois de verificarem que o professores. Além disso, convém professores é um absurdo.
preço do arroz no mercado interna- ter consciência de que se abre a Mas admitir que qualquer ser
cional é “excessivamente baixo” e porta à resolução do problema humano pode exercer essa fun-
“injusto” para os países produtores e da escassez de professores em ção sem as aptidões requeridas
para os seus agricultores. No entanto, quaisquer disciplinas. para ser digno desse título é ir-
não deu detalhes sobre qual o nível Esta sugestão, em análise pe- responsabilidade inaceitável.
de preços definido para o mercado los sindicatos, a concretizar-se,
internacional, nem deu grandes por- é de uma extrema gravidade, Economista
menores sobre o plano que preveem pelo que significa de indiferen-
pôr em prática. Entretanto, o preço ça à qualidade do ensino.
do arroz no mercado internacional É, além disso, uma desqua- Manuela Ferreira Leite
caiu de 404 dólares por tonelada em lificação da importância dos escreve de acordo
2019-2021 para 394 dólares este ano. professores. com a antiga ortografia
32 ECONOMIA Expresso, 2 de setembro de 2022