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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO SOCIOECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS
ECONOMIA PÓS-KEYNESIANA

Fabio Henrique Costa Corrêa - 15204703

Rafael Cesar Cirico Garcia - 16101443

UMA ANÁLISE PÓS-KEYNESIANA DA TEORIA DA ARMADILHA DE LIQUIDEZ:


UMA COMPARAÇÃO ENTRE O CASO JAPONÊS, O EUROPEU E O BRASILEIRO

ABSTRACT

The objective of this article is to analyze the phenomenon of the liquidity trap as firstly
proposed by John Maynard Keynes in his theory of liquidity preference, and later analyze the
matter through the contributions made by Krugman, Davidson, Minsky, and other authors from
the quantity theory of money and the post-keynesian school. The problem appears when the
nominal interest rates get close to zero and makes the monetary policy lose its power. Therefore,
traditional methods used by the monetary authorities to deal with inflation and promote a rise in
the aggregate demand become inefficient according to the post-keynesian perspective. The
conclusions reached by this research are that the phenomenon of the liquidity trap shows
different aspects in different economies, and that central banks have found different ways of
dealing with the problems caused by deflation and the liquidity trap. Minsky proposes solutions
through interventions both from the “Big Government” as from the “Big Bank”.
RESUMO
O objetivo deste artigo é de analisar o fenômeno da armadilha de liquidez como proposto
primeiramente por John Maynard Keynes na sua teoria da preferência pela liquidez, e
posteriormente analisar a questão através das contribuições de Krugman, Davidson, Minsky,
entre outros autores da teoria quantitativa da moeda e da escola pós-keynesiana. O problema
surge quando taxas de juros nominais chegam próximas a zero e faz com que a política
monetária perca sua potência. Assim, métodos tradicionais das autoridades monetárias para lidar
com a inflação e promover aumento da demanda agregada tornam-se ineficazes segundo a
perspectiva pós-keynesiana. As conclusões são que o fenômeno da armadilha da liquidez
apresenta aspectos diferentes em diferentes economias, e que os bancos centrais encontraram
diferentes formas de lidar com os problemas causados pela delação e a armadilha da liquidez.
Minsky propõe soluções através de intervenções tanto do “Big Government” quanto do “Big
Bank”.

Palavras-chave: Armadilha de liquidez, preferência pela liquidez, taxa de juros, política


monetária.

JEL Codes:

Macroeconomics and Monetary Economics: General E00.

Monetary Policy, Interest Rates E520.

Demand for Money, Liquidity Preference E410.

I. TEMA
O tema central desta pesquisa é o fenômeno da armadilha de liquidez como proposto
primeiramente por Keynes na sua Teoria Geral (1996). O tema será descrito através das
diferentes perspectivas propostas pela teoria quantitativa da moeda, assim como pela escola pós-
keynesiana - que terá predominância teórica sobre o debate. Será considerado análises realizadas
no caso da economia japonesa, européia, e brasileira.

II. JUSTIFICATIVA
A justificativa desta pesquisa é que dado que a armadilha da liquidez e as suas
implicações têm se tornado comum nas economias mais desenvolvidas do mundo na atualidade,
diversos autores têm debatido formas de lidar com os problemas causados por esta condição. A
taxa de juros brasileira tem caído nos últimos anos, e é possível que esta condição acabe
surgindo na economia brasileira dentro de alguns anos ou décadas.

III. OBJETIVOS

Objetivo principal: descrever aspectos teóricos e práticos acerca do fenômeno da


armadilha de liquidez.

Objetivo secundário: descrever como a armadilha da liquidez tem impactado economias


na atualidade.

Objetivo terciário: descrever estratégias para lidar com a armadilha da liquidez através de
proposições teóricas da escola pós-keynesiana.

IV. POLÍTICA MONETÁRIA E A ARMADILHA DA LIQUIDEZ

IV.1 A perspectiva monetarista

Com o advento das autoridades monetárias – bancos centrais – desde a grande crise que
se iniciou em 1929, o uso de ferramentas monetárias para controlar o produto da economia se
tornou comum por autoridades monetárias - bancos centrais. Embates teóricos relativos à
eficácia do uso das políticas monetárias foram realizados entre economistas com inspiração
ortodoxa e heterodoxa desde o século passado, e desembocou no atual uso de ferramentas como
o Quantitative Easing (QE), que tem sido amplamente utilizado pelos bancos centrais desde a
crise financeira de 2008. O Quantitative Easing tem o objetivo de injetar liquidez na economia
através de comprar títulos e ativos financeiros de forma a injetar dinheiro diretamente na
economia. Esta ferramenta costuma ser utilizada quando a inflação é muito baixa e política
monetária expansionista padrão se torna ineficaz.

Os neoclássicos aceitam premissas básicas dos clássicos sobre a economia de pleno


emprego. Preços e salários plenamente flexíveis garantem em relação ao lado real da economia
representada pelo mercado de trabalho que ela se manterá no equilíbrio de pleno emprego,
caracterizando pela inexistência de desemprego involuntário (todos que querem trabalhar o
fazem encontrando empregos e sobra desemprego voluntário e friccional) que determina a
atividade econômica. Moeda é apenas uma forma de pagamento e não gera efeitos reais nas
trocas, e segundo a teoria quantitativa da moeda que é determinada pela sua quantidade em
circulação, no longo prazo a moeda não apresenta efeitos na economia, entretanto no curto prazo
ela o faz.

Basicamente, para a visão monetarista, balizada pelo conceito de neutralidade da moeda,


políticas monetárias geram apenas efeitos de curto prazo onde a renda nominal sofre choques por
um engano dos agentes que trás uma nova taxa de desemprego abaixo da taxa de desemprego de
equilíbrio e no longo prazo ela sempre converge de volta ao mesmo estado de desemprego só que
com uma nova taxa de inflação mais alta, graças a pressão monetária e o aumento da quantidade
de moeda em circulação. Portanto, esse tipo de política só deveria ser usada com o objetivo de
controlar inflação.

IV.2 A perspectiva (pós-)keynesiana

A visão (pós-)keynesiana introduz variados conceitos como preferência pela liquidez,


desequilíbrio dos mercados entre outras premissas e leva em conta que a política monetária tem
sim efeitos de longo prazo diferente da visão neoclássica. Esta propunha o impacto causado pelo
crédito bancário e seu papel na criação de meios de pagamento e portanto moeda. Os pós-
keynesianos destacam o papel que a dívida nominal possui visto que o montante de dívida
nominal não está relacionada à inflação. Não apenas isso, a inflação destrói o valor real das
dívidas nominais e a deflação o aumenta, causando efeitos econômicos reais como por exemplo
na deflação da dívida de um país, e desta forma, a moeda não seria neutra no longo prazo.

O conhecido novo consenso em macroeconomia com respeito a explicação da ocorrência


de armadilhas de liquidez segundo Woodfords’s (2003) previa que a armadilha da liquidez seria
um fenômeno transitório que só ocorreria como grandes choques na economia que
temporariamente depreciaram a “taxa natural” de juros. Isso pois segundo a teoria neoclássica
existe uma força gravitacional de que a taxa de juros como um todo sempre volta para o
equilíbrio e converge no longo prazo. A visão neoclássica leva em conta agentes irreais com
previsões baseadas em informações perfeitas e equilíbrio de mercados de capitais perfeita que
não é o caso do mundo real.

Na prática, políticas monetárias se resumem a estratégias utilizadas por autoridades


monetárias para promover a expansão ou retração do crédito. A razão para utilizar estas
estratégias – ferramentas de política monetária –, é para controlar a quantidade de dinheiro na
economia, como forma de promover a estabilidade dos preços e a confiança dos agentes na
estabilidade da moeda. Os alvos costumeiros das políticas monetárias são a taxa de juros e a
inflação. Entretanto, a taxa de juros pode ser controlada diretamente pelas autoridades
monetárias, mas não a inflação. Logo, o controle da taxa de juros se apresenta como uma das
ferramenta mais importante para a regulação da economia, em especial enquanto uma ferramenta
para combater a inflação, conforme a teoria proposta por Irving Fisher, conhecida como “efeito
Fisher”.

John Maynard Keynes, na sua Teoria geral do emprego, dos juros e da moeda (1996), se
propôs a discutir as possíveis limitações encaradas pelas autoridades monetárias no âmbito da
política monetária. Uma destas limitações diz respeito à taxas de juros tão baixas que podem
chegar a zero, o que poderia acarretar em uma preferência absoluta dos agentes por liquidez
(moeda) – o que ficou conhecido como “armadilha da liquidez”. E, no caso de uma preferência
absoluta pela liquidez, o desinteresse dos agentes pela compra ou venda de títulos públicos tiraria
das autoridades monetárias o poder de ter controle sobre a inflação via a manutenção da taxa de
juros, que seria zero ou negativa, neste caso. Nas palavras de Keynes:
Há a possibilidade, (...), de que, tão logo a taxa de juros haja baixado a certo
nível, a preferência pela liquidez se torne virtualmente absoluta, no sentido de
que todos prefiram manter recursos líquidos a conservar uma dívida que rende
uma taxa de juros tão baixa. Nesse caso, a autoridade monetária teria perdido o
controle efetivo sobre a taxa de juros. Mas, conquanto este caso extremo possa
vir a ter importância prática no futuro, não conheço ainda nenhum exemplo do
mesmo (KEYNES, 1996, p.190)

O que é absolutamente claro nesta sua afirmação é o fato de que Keynes apenas aponta
para a possibilidade da “armadilha da liquidez” se concretizar. Como ele mesmo disse, ele não
teve acesso a nenhum exemplo disto tendo ocorrido, e por isso, não poderia definir a existência
desta suposição. Não apenas isso, é importante notar que não há um consenso entre as várias
escolas teóricas da economia sobre tanto as políticas monetárias, quanto as razões que definem a
preferência pela liquidez dos agentes econômicos. Desta forma, ao considerarmos a hipótese de
Keynes sobre a ocorrência de uma armadilha de liquidez, o objetivo desta pesquisa é de analisar
os resultados encontrados por economistas que em análises recentes acerca deste fenômeno em
diferentes países/regiões do mundo, tendo a teoria pós-keynesiana como a perspectiva teórica
central de análise dos resultados.

V. A ARMADILHA DA LIQUIDEZ NO CASO JAPONÊS

O contexto histórico dessa análise tem como momento central a crise japonesa conhecida
como a década perdida da economia japonesa – ou duas décadas perdidas para algumas visões
mais modernas. Graças ao milagre econômico japonês, tendo sido iniciado após a Segunda
Guerra Mundial, impulsionado principalmente pela assistência dos Estados Unidos e pelo
intervencionismo do governo japonês, e tendo seu fim marcado no início da década de 90.
Fatores internos levaram a uma bolha especulativa que culminou com uma quebra no mercado
financeiro. Nesse contexto, o Banco central Japonês veio salvar os bancos com empréstimos com
juros baixos, estes que por sua vez faziam empréstimos com juros baixos para empresas que já
não tinham mais capacidade de lucrar. Portanto, essas empresas – posteriormente chamadas de
“empresas zumbis” – que não faliam dado ao suporte do governo para que eles lida-sem com as
suas altas dívida e alavancagem levaram o país a uma situação crítica. Nesta crise o país
experienciou uma queda nominal no PIB de $5,33 para $4,36 trilhões. Houve quedas nos salários
reais de 5%, e entretanto, houve estabilidade de preços.
Os gráficos a seguir mostram a evolução do desemprego e da participação no PIB nos
anos da década perdida e posteriores

a evolução da crise desencadeia política monetária pelo BOJ de forma atrasada e


gradualmente flexibilizada ao longo dos anos 90, porém seu impacto foi minimizado pela
deficiência do setor bancário. Impossibilitado de reduzir o juro nominal abaixo de zero ele
emprega medidas inovadoras garantidoras de liquidez e de ampliação de garantias nos ativos.
Uma quantitative easing policy (expansão monetária via compra de títulos pelo Bacen) com o
fim de uma taxa de juros quase zero. Quanto mais tempo passava, mais a política se mantinha e
menor era a resposta.

Sucessivas reduções da taxa de juros vinham ocorrendo dali em diante em resposta ao


agravamento da deflação, em 96 a taxa de juros estava a 0.5% ao ano e em 2001 estava a 0.2%
ao ano e foi nesse meio tempo que houve a independência formal do banco central japonês BOJ
e flexibilização subsequente dos instrumentos de política monetária.

O Japão na atualidade continua com uma política monetária de taxa de juros baixa e
assim tem em seus anos recentes vistos quedas de inflação, o país continua lutando para manter
um crescimento razoável anualmente. Em 2018 a taxa de alguns papéis continuavam negativas e
sem perspectiva de mudança na política monetária. Existe lá uma maior força da visão
neoclássica e talvez seria um bom momento como em 2008 muitos fizeram para o Japão voltar a
ler os pós-keynesianos e adotar soluções daqueles que aprenderam com quem primeiro viu o
conceito de armadilha de liquidez. A política monetária é sem dúvida arsenal importante de
qualquer país e manter ela aberta é algo a se almejar.
Modelos econômicos são a forma de se simular a realidade econômica mas utilizando de
premissas que por si não são vistas na realidade e o homo economicus é uma invenção útil para
fazer análises mas falha no mundo real quando não se observa o fato de que os agentes se
comportam fora do convencional.
Quando a taxa de juros é baixa suficiente, o artigo mais líquido vence e já o havia feito
desde o começo, baixar mais não obteve resultados esperados e se precisava de uma política que
instigasse demanda para dar assim um boom na inflação e elevar o valor da moeda via demanda
por moeda. Só em 2006 vemos um freio na base monetária e mesmo assim isso não mudou seu
rumo na atualidade ao manter uma das taxas de juros mais perigosamente baixas já vista:

VI. A ARMADILHA DA LIQUIDEZ NO CASO EUROPEU

Lino Sau buscou analisar o caso da zona do euro, em especial na problemática da


deflação que tem se intensificado desde o início do Século XXI, assim como a conexão direta da
deflação com a armadilha de liquidez. Como aponta Sau, em condições deflacionárias, as taxas
de juros nominais são mais voláteis porque a incerteza inerente aumenta e ela pode se aproximar
do limite de zero. O medo das autoridades monetárias europeias é de ter o mesmo problema do
caso japonês. No caso, a taxa de juros nominal havia chegado a zero, e as políticas monetárias
perdem tração. Nestas situações, os agentes não esperam retornos de grandes valores dos
investimentos financeiros ou físicos, dado mantém os seus ativos em depósitos de curto prazo, ao
invés de fazer investimentos de longo prazo.

Em relação a teoria de Keynes sobre a deflação, Sau diz que a deflação é um efeito
colateral da queda na demanda agregada (SAU, 2018, p.3). Em outras palavras, é uma queda no
gasto agregado, o que pode acarretar em recessão, aumento do desemprego, desconforto
financeiro e até crises econômicas. Não obstante, Sau ainda retira de Keynes o apontamento do
autor em relação ao processo de expectativa dos agentes de que os preços continuarão caindo
(deflação), o que eleva o potencial destrutivo do “ônus da dívida” (debt burden) para os agentes.
(SAU, 2018, p.4). O ônus da dívida está relacionado ao débito acumulado dos empreendedores, e
dado a queda constante de preços e salários, estes empreendedores podem acabar atingindo um
ponto de insolvência (KEYNES em SAU, 2018, p.4). Também, caso este processo se
intensifique, e o número de empresas insolventes aumente substantivamente, eles podem acabar
decidindo vender os seus ativos, o que levaria a uma queda nos preços dos ativos, com
consequências negativas na estrutura financeira de todo um país.

O problema do deflação de débitos (debt-deflation) passou a ser reelaborado por Hyman


Minsky na sua Hipótese da Instabilidade Financeira. No seu livro John Maynard Keynes (2008),
Minsky aponta que o temor de default financeiro dos agentes econômicos faz com que os agentes
busquem segurança na liquidez – através de uma “fuga para liquidez” – contra o default
esperado. A demanda por ativos financeiros se torna infinitamente elástica, uma vez que não há
mais procura por ativos financeiros. E, dado a situação de desinvestimento dos agentes, a
deflação de débitos leva a um período de desemprego persistente, como foi o caso da grande
crise de 1929. No caso de default, se os agentes devedores falem, o que costuma acontecer em
situações de deflação de débitos, os agentes credores acabam tendo que arcar com as suas perdas
através de recuperação de crédito. Isso incorre também em um estado de insolvência
generalizada (MINSKY em SAU, 2018, p.8).

Para lidar com o problema da sinergia entre a deflação e a armadilha da liquidez, Sau
aponta da obra de Minsky proposições de política econômica para lidar com o problema, através
de uma perspectiva pós-keynesiana. Do livro de Minsky Stabilizing an unstable economy (2008),
Sau aponta que o autor propõe soluções para o problema através de intervenções tanto do “Big
Government” quanto do “Big Bank”. O “Big Government” tem o poder de realizar políticas
fiscais anticíclicas como forma de equacionar os efeitos da queda nos investimentos, e estabilizar
as rendas e lucros. O “Big Bank” tem o poder de ser um “emprestador de última instância”
(lender of last resort, LLR), o que pode prevenir uma corrida bancária ao colocar um chão nos
preços dos ativos financeiros.

Esse tipo de intervencionismo sempre foi mal visto pelos autores neoclássicos dado a sua
perspectiva de que a economia por si só já tem as ferramentas necessárias para se levar ao
equilíbrio e qualquer intervenção de agentes externos acaba criando choques que acarretam no
distanciamento do equilíbrio geral. Portanto políticas anticíclicas não seriam as mais bem vistas
segundo eles gerando assim consequências como inflação, aumento da dívida pública e aumento
da presença estatal dentro dos mercados.

Emprestadores de última instância também criam um freio para a livre concorrência


bancária já que qualquer quebra bancária teria seus efeitos negativos revertidos rapidamente
pelas próprias ferramentas inerentes ao retorno do equilíbrio e ajuda externa apenas cria mais um
entrave do retorno ao equilíbrio.

VII. A ARMADILHA DA LIQUIDEZ NO CASO BRASILEIRO

Em relação ao caso brasileiro, o leitor poderia primeiramente se perguntar o motivo de


analisar a armadilha da liquidez no caso do Brasil, dado que a taxa de juros brasileira nunca foi
efetivamente zero - nem perto de zero -, mas mesmo durante o plano real foi mantida pouco
acima de 1%, e nunca voltar a cair desse patamar posteriormente, mas apenas subir. Pois bem,
Fernando Ferrari Filho propõe que a economia brasileira vivencia o fenômeno da armadilha da
liquidez mesmo a taxas de juros altas. O autor diz que economistas de diversas correntes teóricas
apontam que a razão para as taxas de juros brasileiras serem tão altas é por causa de: histórico de
hiperinflação no passado, baixos níveis de poupança, crédito subsidiado para indústria e para
agricultura, grandes déficits governamentais, insegurança jurídica e convenções econômicas.
Entretanto, o autor propõe que a real razão para as altas taxas de juros brasileiras são pressões do
segmento rentista da sociedade brasileira (FERRARI FILHO, 2018, p.279). No caso, grupos
como as instituições financeiras, industrialistas financializados e família ricas tramam contra
políticas monetárias e fiscais, de forma a manter os juros altos e continuar lucrando com a renda
fixa. De Keynes o autor retira a importância de causar a “eutanásia do rentista” para promover
altos níveis de investimento, tendo em vista causar pleno emprego e uma distribuição justa e
arbitrária de renda (KEYNES em FERRARI FILHO, 2018, p.280).

Não apenas isso, mas Ferrari Filho também se inspira na proposta de Keynes na Teoria
Geral de que os agentes econômicos têm uma preferência pela armadilha da liquidez e uma
propensão de fazer corridas bancárias dado ao contexto de uma dada economia, uma vez que há
incertezas quanto ao futuro. Entretanto, no caso da economia brasileira, a armadilha da liquidez
tem o costume de acontecer mesmo quando as taxas de juros não estão próximas a zero. No caso,
o que Ferrari Filho está propondo – ao concordar com Minsky – é que a armadilha da liquidez
funciona principalmente durante um período de recessão, mas não de fato em qualquer outra
situação que não essa (FERRARI FILHO, 2018, p.285). O autor ainda aponta para três aspectos
que explicam o caso da armadilha da liquidez:

1. Baixas taxas de juros não definem uma armadilha da liquidez, e que Davidson
propôs que Keynes nunca nem mesmo chegou a dizer que existe certamente uma
armadilha de liquidez – o que já foi proposto acima;
2. A política monetária convencional não tem efeito durante uma situação de
armadilha de liquidez dado a deflação, a queda nos preços dos ativos e
expectativas incertas sobre o futuro;
3. De acordo com a teoria (pós-)keynesiana, não se pode interpretar o desemprego
como sendo apenas um fenômeno temporário dado a existência da armadilha da
liquidez.
Por fim, Ferrari Filho conclui que o caso brasileiro da armadilha da liquidez difere da
teoria corrente dado que o problema existe mesmo quando as taxas de juros estão altas. Ferrari
Filho explica que a meta da taxa de juros é definida pelo COPOM para a Selic – que é a taxa de
juros do mercado de empréstimos interbancários. A meta da taxa de juros é fixada no período
entre as reuniões do COPOM e baseado nas expectativas da inflação. É daí que o BCB elabora as
minutas do COPOM. Logo, este grande arranjo de cartas dadas é o que explica as taxas de juros
presas em altos níveis no Brasil, e a preferência por títulos do governo de longo prazo de alta
liquidez indexado em taxas de juros de curto prazo. Neste caso, a preferência pela liquidez não
tem nada a ver com corrida bancária dado expectativas futuras incertas ou a quedas nos preços de
ativos, mas sim, devido a agentes portarem títulos protegidos contra a inflação nos quais os
yields dependem de expectativas inflacionárias dos próprios portadores desses títulos. Por fim,
quando a armadilha de liquidez ocorre, ela pode existir mesmo em casos em que a taxa de juros
está acima – ou muito acima – de zero.

VIII. CONCLUSÃO

Keynes propôs a possibilidade da existência de uma armadilha da liquidez mesmo antes


de ver o fenômeno ocorrer. Em alguns aspectos, o fenômeno causou problemas similares aos que
esperado por Keynes, no caso da deflação, e também no aspecto da preferência pela liquidez. O
investimento em títulos de dívidas continua ocorrendo, entretanto a ferramenta de injeção de
liquidez dos bancos centrais têm a sua eficácia questionada. Como forma de combater o
problema, a perspectiva pós-keynesiana de Minsky proposta em Stabilizing an unstable economy
(2008) é de soluções para o problema através de intervenções tanto do “Big Government” quanto
do “Big Bank”. O “Big Government” tem o poder de realizar políticas fiscais anticíclicas como
forma de equacionar os efeitos da queda nos investimentos, e estabilizar as rendas e lucros. O
“Big Bank” tem o poder de ser um “emprestador de última instância” (lender of last resort,
LLR), o que pode prevenir uma corrida bancária ao colocar um chão nos preços dos ativos
financeiros.
BIBLIOGRAFIA

Jefferson Souza FragaI; Eduardo StrachmanII Crise financeira: o caso japonês

KEYNES, J M. Teoria Geral do Emprego, Juro e da Moeda. São Paulo: Nova Cultura
Ltda.1996 (Coleção Os Economistas).

FERRARI FILHO, Fernando. Liquidity trap: the brazilian version.Brazilian Keynesian


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MINSKY, Hyman P. John Maynard Keynes. USA: The McGraw-Hill Companies.


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MINSKY, Hyman P. Stabilizing an unstable economy. USA: The McGraw-Hill


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KRUGMAN, P. R. It’s Baaaack! Japan’s Slump and the return of the Liquidity Trap.
Brookings Papers on Economic Activity, 2, 137-205. 1998b.

PALACIO-VERA, A. The “new consensus” and the post-keynesian approach to the


analysis of liquidity traps. Documentos de trabajo de la Facultad de Ciencias Económicas y
Empresariales, No 08-03, from Universidad Complutense de Madrid, Facultad de Ciencias
Económicas y Empresariales. 2008.

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