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Marcha de tochas dos partidos nazis Svoboda and Pravy Sektor, nas imediações do gabinete
do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, para assinalar o 113.º aniversário do
nascimento de Stepan Bandera. Kiev, 1 de Janeiro de 2022 Anna Marchenko / TASS
Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de
nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos
indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de
todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-
ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de
meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos
considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os
direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11
Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram
chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional
entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as
organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram
assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos
soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que
manchavam a «pureza» nacional ucraniana.
Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de
Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus,
prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro
então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos
nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país.
Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das
matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho,
aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais
nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados.
Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem
as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os
cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem
autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que
a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado
para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental».
Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram
poupados, logo assassinados a sangue-frio.
O ovo da serpente
Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência
marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas
integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente
nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da
nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da
sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os
parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende
nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de
1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens».
Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a
OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de
um Estado ucraniano independente.
A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN
prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os
chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para
esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de
que foram encarregados pelos nazis.
Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte,
chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista
Mundial.
Desde 2014 que alastram na Ucrânia os monumentos e outros locais de memória a antigos
colaboradores nazis que participaram no extermínio de judeus, polacos e soviéticos / Forward
Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados
das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan,
encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o
aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis,
por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos
humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a
superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no
terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia
europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de
criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de
estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a
democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma
grande democracia».
1. Por ocasião do seu 100.º aniversário, a 5 de Janeiro de 2023, Miroslav Simchich ofereceu a Volodymyr Zelensky, que
considera «um valoroso sucessor», «um sabre centenário» e «livros autografados sobre a história da UPA». As autoridades
ucranianas retribuíram o gesto do incorrigível nazi atribuindo-lhe um subsídio de um milhão de hryvnias. O filho mais velho de
Simchich, Ihor, combateu na região da Zaporíjia pelo Batalhão Azov.
2. O Canadá foi o país que, a seguir aos EUA, acolheu o maior número de colaboracionistas ucranianos de Hitler. Sobre o
branqueamento dos antigos SS e a tentativa de reescrever a história a seu favor veja-se o site militar canadiano Esprit de
Corps.
3. A 14.ª Waffen SS Divisão de Granadeiros (1.ª Galícia), conhecida como Divisão SS Galícia, foi constituída em Abril de 1943 por
nazis ucranianos, sobretudo provenientes da região da Galícia (Lviv, Ivano-Frankivsk e Ternopil), que Himmler considerava
«mais próximos dos arianos», devido à sua origem no Império Austro-Húngaro. Entre 1943 e 1945 mais de 20 mil ucranianos
integraram a Divisão SS Galícia. As Waffen SS (abreviatura de SchutzStaffel), à letra «esquadrões de protecção armados»,
foram unidades militares do Partido Nazi, directamente controladas por este. Inicialmente compostas exclusivamente por
alemães, com o desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial foram alargadas a voluntários nazis de outras nacionalidades.
Distinguiram-se pelas atrocidades e crimes de guerra que praticaram, em operações militares ou de polícia. Foram
condenadas no Tribunal de Nuremberga.
4. Sobre a personalidade e o mito de Bandera ver: Grzegorz Rossoliński-Liebe, Stepan Bandera: The Life and Afterlife of a Ukrainian
Nationalist: Fascism, Genocide, and Cult, 654 p. (Hannover: ibidem Press 2014); e Per Anders Rudling, «The OUN, the UPA and
the Holocaust: A Study in the Manufacturing of Historical Myths», in The Carl Beck Papers in Russian & East European
Studies, n.º 2107/Novembro 2011 (University of Pittsburgh, PA).
5. A Divisão SS Galícia foi a maior mas não foi a primeira colaboração militar dos nacionalistas ucranianos com os alemães.
Desde o início da Segunda Guerra que participaram em unidades especiais, dirigidas e pagas pelos serviços secretos nazis. Os
batalhões Nachtigall e Roland foram formados a 25 de Fevereiro de 1941 com 400 combatentes cada, após conversações
directas entre Stepan Bandera e as chefias nazis. Uma semana após a invasão, Bandera e a OUN-B proclamavam a
independência da Ucrânia e prometiam a cooperação do novo Estado ucraniano com a Alemanha Nazi, terminando a
mensagem com um «Glória à Alemanha heróica e ao seu Führer, Adolf Hitler». À declaração seguiram-se violentos pogroms.
6. Em Dezembro de 2022 o Supremo Tribunal da Ucrânia descriminalizou os símbolos da Divisão Galícia «de uma forma
definitiva e sem direito a apelo», alegando que os mesmo nada têm a ver com o nazismo. A decisão contraria a sentença
proferida em 1946 pelo Tribunal de Nuremberga, que estabeleceu a culpabilidade daquela unidade militar por diversos
crimes de guerra. Põe também fim à corajosa acção iniciada em 2017 pela destemida cidadã de Kiev, Natalya Myasnikova,
contra o Instituto da Memória Nacional da Ucrânia e o seu director Volodymyr Vyatrovich, acusando-os de «distorcer factos
históricos» e de branquear o fascismo, ao negarem o carácter nazi da Divisão Galícia. Em 27 de Maio de 2020, após 20
audições, o Tribunal Administrativo do Distrito de Kiev considerou pertinente a reclamação de Myasnikova, classificou os
símbolos da Galícia como nazis e, portanto, ilegais. Foi sol de pouca dura. Quatro meses depois, o Tribunal da Relação de Kiev
cancelou a decisão. O veredicto, veio a saber-se, foi pronunciado em circunstâncias reveladoras da qualidade democrática do
regime ucraniano: dois dos três juízes, Elena Kuzmishina e Natalya Buzhak, confirmaram terem sido previamente ameaçadas.
Segundo declararam à polícia, «patriotas» anónimos acusaram-nas de «serem cúmplices dos separatistas putinistas e dos seus
lacaios no poder» e prometeram puni-los caso a decisão do tribunal administrativo não fosse revertida. Na Ucrânia, tais
ameaças são levadas muito a sério.
7. Darden, Keith. «Resisting Occupation: Lessons from a Natural Experiment in Carpathian Ukraine», palestra no Kennan
Institute, Woodrow Wilson International Center for Scholars, Washington DC, 9 de Abril de 2007.
8. Katchanovski, Ivan. «Ethnic Cleansing, Genocide or Ukrainian-Polish War in Volhynia?» (27 de Agosto de 2020). Artigo
preparado para apresentação no Encontro Anual da American Political Science Association, 10-13 de Setembro de 20201.
9. Os discípulos de Dontsov e Bandera e as multidões por eles inspiradas, quando à rédea solta, comportaram-se como
verdadeiros psicopatas, em nada ficando a dever, em imaginação, aos piores sonhos de Sade: «[…] os partisans ucranianos e os
seus aliados [é assim que o autor designa os partidários de Bandera e os alemães] queimaram casas, dispararam sobre as
pessoas ou obrigaram-nas a voltar para dentro, e usaram foices e forquilhas as que foram capturadas no exterior. Igrejas
cheias de crentes foram totalmente queimadas. Os partisans expuseram corpos decapitados, crucificados, desmembrados ou
esventrados, para encoragar os polacos sobreviventes a fugir.». Ver Snyder, Timothy. The Reconstruction of Nations Poland,
Ukraine, Lithuania, Belarus, 1569–1999, Yale University Press (New Haven, London, 2003), p. 169. Um site antifascista russo
documentou o primeiro pogrom em Lviv (1941) e vários massacres na Volínia (1943), incluindo a reconstituição polaca de
várias formas de assassinato usadas pelos nacionalistas ucranianos. Um autêntico catálogo de horrores.
10. Em russo e ucraniano a frase é expressiva: «Наш дипломат это автомат» (lê-se «nách diplomát éta avtomát»).
11. O texto da lei define como «povo indígena da Ucrânia» uma entidade étnica minoritária, formada no território da Ucrânia e
que não tenha uma entidade estatal própria além fronteiras. A definição é feita com régua e esquadro para excluir os milhões
de cidadãos da comunidade russa, mesmo que esta seja maioritária em várias regiões do país. Para que não restem dúvidas,
um anexo da lei clarifica que apenas podem considerar-se povos autóctones os tártaros da Crimeia, os Karaims e os
Krymchaks – os dois últimos não chegam a mil habitantes. O responsável russo da Crimeia, Serguei Aksenov, comentando o
documento, declarou que nos sete anos de ligação da península à Rússia foi feito mais do que nos 23 anos em que a mesma
esteve ligada à Ucrânia. E lembrou a constituição da Crimeia, que garante direitos iguais às línguas russa, ucraniana e tártara,
sublinhando a diferença «entre uma política nacional responsável e politiquice». A deputada arménia Naira Zohrabyan,
membro da delegação do seu país ao PACE, considerou que a nova lei «oprime os direitos das minorias nacionais que vivem
no território» da Ucrânia, nomeadamente russos, húngaros, polacos, romenos, bielorrussos, eslovacos e gregos, e solidarizou-
se com o projecto da delegação russa a respeito dessas violações de direitos humanos. A lei de 2021, antecedida pela lei da
Língua Ucraniana como Língua do Estado (2019) e pela lei Sobre os Fundamentos da Política Linguística do Estado (2012), foi
o último prego no caixão de um edifício legislativo criado para liquidar a democrática Declaração dos Direitos das
Nacionalidades da Ucrânia (1991), a qual, «tomando em consideração que cidadãos de mais de 100 nacionalidades vivem no
território da Ucrânia, os quais, com os ucranianos, integram os mais de 52 milhões de pessoas» que constituem o país,
garantia expressamente o estatuto da língua russa, equiparada a uma língua estatal nas comunidades territoriais onde o seu
uso era predominante.
12. As localidades de Pristyn e Troitza ficam na região de Ivano Frankivsk. A atribuição do título de herói a Simchich despertou a
memória dos massacres que dirigiu e nos quais directamente participou. Fontes russas publicaram a descrição dos crimes e
incluíram fac-símiles dos depoimentos das testemunhas.
13. Eduard Dolinsky, que vive em Kiev e se encontra à frente do Comité Judaico da Ucrânia, está em perigo por denunciar
corajosamente a recuperação do nazismo na actual Ucrânia e o aberto antisemitismo reinante, que os meios de informação
ocidentais ocultam. Tem sido ameaçado de morte e faz parte da lista negra do site Mitrodvorets. A sua descrição na Wikipédia
ucraniana é significativa.
14. A biografia de Dontsov na Wikipédia, seja em inglês ou em português, está convenientemente «higienizada» quanto ao seu
relacionamento com o nazismo. Será preciso traduzir entradas noutras línguas para esclarecer esse ponto: «Com a chegada
de Benito Mussolini ao poder em Itália, Dmitry Dontsov é imbuído da sua política, admira-o pessoalmente. Sob a influência
das ideias fascistas Oeste-Europeias escreve e publica o livro Nacionalismo, no qual esboçou a teoria do nacionalismo integral
que, por sua vez, foi aceite como a ideologia oficial da Organização de Ucranianos Nacionalistas (OUN). «A subida ao poder do
Partido Nazi na Alemanha mereceu a sua aprovação. Escreve um prefácio para o livro Hitler, de Rostyslav Yendyk, em que fala
da grande relevância do hitlerismo para os ucranianos». Ver Wikipédia em russo.
15. Os actuais discípulos de Dontsov, tal como ele, só não se declaram fascistas ou nazis para garantir a singularidade do
movimento ucraniano, mas é fascista e nazi a essência da sua visão para a sociedade ucraniana. O historiador Rossoliński-
Liebe assinalou que «In the early 1920s, Dontsov also rejected “fascism” as a name for the Ukrainian movement, because the
Italians had used it already. Nevertheless, he approved of and was enthusiastic about fascism as a political system and was
pleased that Italian Fascism was so similar to Ukrainian nationalism.39». E quanto à identificação do pai espiritual dos actuais
nazis com Mussolini e Hitler, escreveu: «Dontsov’s fascination with fascism and fascist leaders began with his admiration of
Italian Fascism and Benito Mussolini, but the ideal of a fascist state and a fascist leader for him were Nazi Germany and Adolf
Hitler. Already in 1926, Dontsov translated into Ukrainian and published parts of Hitler’s Mein Kampf. When Mussolini’s The
Doctrine of Fascism (La Dottrina Del Fascismo) appeared in 1932, he translated and published it as well.» Rossoliński-Liebe,
Grzegorz. «The Fascist Kernel of Ukrainian Genocidal Nationalism», in The Carl Beck Papers in Russian & East European
Studies, n.º 2402/June 2015 (University of Pittsburgh, PA).
16. Após o assassinato de Heydrich pela resistência, em sua homenagem, a instituição passou a designar-se Instituto Reinhard
Heydrich. Trevor Erlacher, Ukrainian Nationalism in the Age of Extremes: An Intellectual Biography of Dmytro Dontsov, Harvard
University Press (2021), p. 388.
17. Stetsko não esperou pelos alemães para pôr em prática o extermínio de judeus. Uma «multidão carnavalesca» – como lhe
chamou o historiador John-Paul Himka – incitada pelos nacionalistas ucranianos liquidou, nesse mês de Julho de 1941, cerca
de 9 mil vidas. Três anos depois, quando os nazis alemães e os seus cúmplices ucranianos foram escorraçados, subsistiam
apenas mil dos 160 mil judeus do ghetto de Lviv. Himka, John-Paul. «The Lviv Pogrom of 1941: The Germans, Ukrainian
Nationalists, and the Carnival Crowd». Canadian Slavonic Papers, vol. 53, n.º 2-4, McGill University (Montreal, 2011), p. 209-
243.
18. Desfile da Divisão SS Galícia perante dignatários nazis, no dia da sua apresentação pública, em Lviv, no ano de 1943.
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