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A União Soviética e o povo judeu: uma análise necessária

Por GABRIEL MORITZ DE BARROS

Observando que o antissemitismo é uma realidade cada vez mais presente, inclusive entre
alguns setores de uma esquerda que parece destoar ao nazismo, ora de maneira sutil - usando
como pretexto o sionismo para disseminar o seu ódio contra os judeus -, ora de maneira
escancarada, julgo de extrema importância analisar o tratamento que foi concedido ao povo
judeu na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e à questão judaica, não apenas
como oriundo de família de origem judaica, mas também como estudioso do modelo soviético.

Uma nova definição de Nação

Antes de entrarmos no tema proposto, é importante termos em mente quais são as características
que constituem uma Nação. Tendo em mente que o presente artigo pauta-se na experiência
socialista da extinta URSS, nada melhor do que analisarmos o conceito de Nação à luz da
definição de Stalin, que afirmava tratar-se a Nação de uma "comunidade estável, historicamente
formada, de idioma, de território, de vida econômica e de psicologia manifestada na
comunidade de cultura" e, conclui, "nenhum desses traços distintos, tomado isoladamente, é
suficiente para definir a nação (...) basta que falte um só desses elementos para que a nação
deixe de existir."

Para o marxismo-leninismo o Estado e a Nação são sistemas sociais específicos. Houveram - e


existem - diversas Nações sem Estado e muitos Estados que compõem no seu interior diversas
nações. A equivocada incorporação do Estado na acepção de Nação pode demonstrar a exclusão
dos povos de países oprimidos e subjugados e inclusive das minorias nacionais oprimidas.
Finalmente, à luz do marxismo-leninismo, a nacionalidade não é mero atributo formal, mas sim
um atributo da condição de constituir a Nação.

Na Rússia, os judeus representavam uma minoria nacional importante, que sob o regime
czarista, sofrera uma brutal opressão. Os judeus foram submetidos a quatro anos de guerra civil
e de fome, além da fúria dos exércitos invasores. O lucro com o comércio foi condenado e
classificado como usura, atingindo de maneira considerável os judeus da Rússia Branca. Os
mesmos judeus que foram excluídos por séculos das profissões e foram confinados em bairros
semelhantes aos guetos nazistas nos tempos do Czar. Em 1921, com Lenin e a NEP, ocorre a
possibilidade desses judeus, antes oprimidos, retornarem aos seus negócios.

A fim de conquistar a confiança dos 3 milhões de judeus que compunham a União Soviética e
reabilitá-los, foram estabelecidas colônicas agrícolas judaicas na Ucrânia e na Crimeia, e depois
em Biro-Bidjan, rio Amur e Sibéria oriental. Graças aos esforços do governo soviético em dar
terras e créditos, como também à assistência de diversas associações filantrópicas judaicas dos
EUA, assim como da URSS - através da OZEIT - aproximadamente 40 mil famílias judias
foram anexadas à população agrícola da União Soviética.

A Oblast Autônoma Judaica

Em 28 de Março de 1928, o "Presidium" do Comitê Executivo Geral da URSS expediu um


decreto delineando como "Komzet" um território livre perto do rio Amur no extremo leste para
assentamento de trabalhadores judeus. O decreto visava fixar um território administrativo para
os judeus nessa região. Em 20 de Agosto de 1930 o Comitê Executivo Geral da então URSS
deferiu o decreto para: “Formação da região nacional de Birobidjan numa estrutura de Território
do Extremo Oriente”.

Em 7 de Maio de 1934 o "Presidium" do Comitê Executivo Geral deferiu o decreto para


modificação na Região Autônoma Judaica dentro dos limites da Rússia e em 1938 o território
Khabarovsk, como Região Autônoma Judaica foi anexada à estrutura da URSS. O objetivo de
Stalin ao criar a Oblast era formar uma oposição ao sionismo e à teoria de Ber Borochov, que
defendia a criação de um Estado Judeu na Palestina. Tal oposição foi feita através de uma Pátria
Soviética para os judeus, demonstrando que o judaísmo e o socialismo não são incompatíveis.

Atualmente, a população da Oblast Autônoma Judaica possui 185 mil habitantes, compondo
apenas 1,2% de judeus que lá deixaram a sua herança histórica e cultural. O pequeno número de
habitantes atualmente pode ser explicado pelo fato de que com a declaração do Estado de Israel,
em 1948, muitos judeus migraram da região.

Da União Soviética à criação do Estado de Israel

Aqui antes de mais nada, é importante explicar que apesar de Israel ser atualmente um Estado
sionista que prega um verdadeiro e escancarado "apartheid" contra o povo palestino, Stalin
jamais poderia prever as vias que tomariam a política israelense. Ou seja, a máquina de
carnificina que é o atual Estado sionista não poderia ser antevista aos olhos de Stalin.

No final de 1944, acreditando no futuro progressista de Israel e, com isso, apostando no declínio
da influência britânica no Oriente Médio, Stalin adota uma política pró-judaica. Dessa forma,
em novembro de 1947, a União Soviética, juntamente com os outros países do bloco soviético
foram favoráveis ao plano de partilha das Nações Unidas para a Palestina, o que possibilitou a
criação do Estado de Israel, indo contra a vontade dos países árabes e desencadeando a primeira
guerra árabe-israelense, quando Jordânia, Síria, Líbano e Iraque investiram contra Israel. Nesse
episódio, a União Soviética deu suporte à Israel, já que os árabes se opuseram à resolução de de
1947 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que visava um Estado judeu e um Estado árabe
na Palestina. - mas isso já é outra história -.

Assim, apenas três dias após a declaração de independência de Israel (1948), a União Soviética
se torna o segundo país a reconhecer oficialmente o Estado judeu e Golda Meir é nomeada
ministra plenipotenciária de Israel para a União Soviética.

A liberação dos campos de concentração nazistas sob o Governo Stalin

O exército vermelho sob a condução de Josef Stalin e do Marechal Zhukov, teve papel
fundamental na libertação do povo judeu, obtendo êxito em liberar vários campos de
concentração nazistas que condenaram à morte algo em torno de 6 milhões de judeus. Cite-se
como exemplo do ato de humanidade soviética, a liberação do campo nazista de grande porte,
Majdanek, nas proximidades da cidade de Lublin, na Polônia, em julho de 1944, tendo sido os
soviéticos os primeiros a chegarem ao campo.

Não obstante, os campos de extermínio de Belzec, Sobibor e Treblinka foram invadidos pelas
forças soviéticas no verão de 1944. Tais campos haviam já sido demolidos pelos nazistas em
1943. Mas talvez o ato que simbolizou de fato a bravura e o heroísmo soviético e os colocou de
vez como heróis na memória do povo judeu, tenha sido a liberação do mortal campo de
Auschwitz em janeiro de 1945, campo que ceifou a vida de 1 milhão de pessoas. Foi o maior de
todos os campos liberados e para realizar tal proeza, os soviéticos encontraram muita
resistência, causando um saldo de 231 mortes para o lado soviético.

Ao chegarem no campo, os soviéticos encontraram poucos prisioneiros, uma vez que os nazistas
já haviam mandado a maioria dos prisioneiros marcharem rumo ao oeste da Alemanha naquelas
que ficaram conhecidas como as bárbaras "marchas da morte". Mas a perseverança e o
internacionalismo soviético ainda conseguiram encontrar vivos milhares de prisioneiros
cadavéricos, possuindo provas concretas e abundantes para alegar o extermínio em massa
perpetrado em Auschwitz pelos carrascos nazistas, que mais tarde pagariam a conta pelos seus
crimes contra a humanidade no célebre julgamento de Nuremberg. Apesar de tudo, o Exército
Vermelho liberta então 8 mil prisioneiros apenas em Auschwitz.

Nos meses que se seguiram, os soviéticos ainda obtiveram êxito em liberar mais campos nos
países Bálticos e na Polônia e, um pouco antes da rendição nazista, eles já haviam libertado
prisioneiros dos campos de Stutthof, Sachasenhausen, além de Ravensbrueck.

Dissolução da URSS e a herança socialista para o judaísmo

Com a dissolução da URSS e consequente expansão do antissemitismo e do neonazismo no


leste europeu, milhões de judeus das antigas repúblicas socialistas soviéticas migraram para
Israel, onde diversos canais russos de televisão chegaram a ser transmitidos.

Atualmente existem muitos russos morando em Israel e essa influência fez com que em 2012,
durante as eleições russas, o governo russo criasse 13 postos de votação em diversas cidades
israelenses, permitindo que os cidadãos russos que residem em Israel, pudessem votar.

Não obstante, o célebre Dia da Vitória (День Победы), comemorado no 9 de maio e que
celebra a derrota das tropas nazistas na Europa, não é só uma data de celebração na Rússia,
como também em Israel, onde diversos veteranos da extinta União Soviética residem.
Monumentos que remetem ao heroísmo do Exército Vermelho também não faltam em Israel,
como por exemplo o monumento de Netanya ou o monumento no Monte Herzl em Jerusalém.

A importância do Dia da Vitória pode ser entendida quando é celebrado por pessoas como
Vladimir Zhirinovsky, por exemplo, que perdeu quatro parentes no holocausto e que alertou
sobre a explosão de antissemitismo acompanhado da queda do governo de Yanukovych, na
Ucrânia.

Algumas célebres personalidades judias na condução do Governo Soviético

A revolução bolchevique e posteriormente o governo soviético tiveram a contribuição de


diversos judeus na construção da pátria socialista. Além de sabido que o avô materno de Lenin
era judeu, conhecidas figuras do governo soviético que ocuparam o oficialato, eram de origem
judaica, apesar de não praticarem a religião. Zinoviev, da polícia secreta soviética; Lozovsky,
delegado do ministério do exterior; Andropov, diretor da KGB e posteriormente presidente da
União Soviética; Sverdlov, que fora presidente do Comitê Executivo Central dos Sovietes em
1917; Kaganovich, administrador do governo muito próximo de Stalin; Yagoda, chefe da
O.G.P.U, dentre vários outros.

Conclusão

Ser comunista e antissemita é não apenas uma enorme contradição, como um grande passo em
direção ao nazismo; é jogar no lixo todo o esforço do internacionalismo soviético ao reabilitar o
povo judeu o tirando das trevas do Czar e posteriormente do nazismo e oferecendo a este povo
condições dignas de vida; é também negar a relação estreita entre o socialismo e o judaísmo,
conforme provado no presente artigo através de vasta fundamentação; é negar uma tradição
histórica de orgulho e libertação não só para a Europa como para Israel.

Disso decorre que aqueles que utilizam o sionismo como um artifício de manobra para despejar
toda a sua fúria contra o povo judeu devem ser denunciados e repudiados. Nenhum passo atrás
nas conquistas do povo judeu e do socialismo! Sim, somos antissionistas! Não, não somos
antissemitas!

Referências:

http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=2259&id_coluna=10

http://en.wikipedia.org/wiki/Israel%E2%80%93Russia_relations

http://www.russobras.com.br/subdiv/judaico.php

http://iglusubversivo.wordpress.com/2012/03/10/a-situacao-dos-judeus-na-urss/

http://www.ynetnews.com/articles/0,7340,L-4198180,00.html

http://www.newsru.co.il/israel/25feb2014/duma_il_112.html

http://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10005131

http://www.dw.de/1945-liberta%C3%A7%C3%A3o-de-auschwitz/a-1465691

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