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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO
NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Marcelino, Fernando
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SUMÁRIO
3. Referências 36
4. Sobre o autor 40
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1. DO TERCEIRO MUNDO À EMERGENCIA DO SUL GLOBAL
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país adotasse uma política independente baseada no não-alinhamento e na coexistência
entre diferentes Estados, apoiasse os movimentos por independência nacional, não
fizesse parte de coalizões militares bilaterais ou multilaterais criadas no âmbito do
conflito entre as superpotências e não fosse sede de bases militares de superpotências
cujo propósito servisse ao conflito entre elas.
A noção de “Terceiro Mundo”, cunhado pelo francês Alfred Sauvy, em 1952, foi
feita em analogia ao Terceiro Estado da época anterior à Revolução Francesa, isto é, o
agrupamento de países pobres e colônias que não pertenciam ao topo da sociedade
internacional, mas continham um potencial de emergência. De então, criou-se a divisão
do Planeta em três seções: o Primeiro Mundo reunia os países capitalistas
industrializados, isto é, os Estados Unidos da América, seus aliados na Europa, o Japão,
a Austrália e a Nova Zelândia; o Segundo Mundo era formado pela União Soviética e
pelos países sob sua direta influência; o Terceiro Mundo era o agrupamento de países
semi-industrializados ou agrícolas, colônias ou ex-colônias.
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Esse conceito ganhou vida política quando Mao Tsé-Tung desenvolveu a teoria
dos Três Mundos. Para Mao, o Terceiro Mundo significava mais do que
desenvolvimento econômico, sendo um termo relacional entre imperialismo e anti-
imperialismo, entre opressor e oprimido. Na época, com “cisma sino-soviético” na
década de 1960, os comunistas chineses queriam distinguir a China da União
Soviética. A chave foi afirmar que a realidade chinesa não é igual à da soviética, nem da
Europa ocidental. Que o mundo era dividido em três mundo, ou três lados, que são
mutuamente relacionados, bem como contraditórios. Os Estados Unidos e a União
Soviética pertencem ao primeiro mundo. Os países em desenvolvimento na Ásia,
África, América Latina e outras regiões pertencem ao terceiro mundo. E os países
desenvolvidos entre os dois pertencem ao segundo mundo.
Esse projeto veio com uma falha de origem. A luta contra as forças coloniais e imperiais
impôs uma unidade entre vários partidos políticos e entre as classes sociais.
Movimentos sociais amplamente populares e as composições políticas conquistaram
liberdade para as novas nações, e então tomaram o poder. Uma vez no poder, a unidade
que havia sido preservada a todo custo tornou-se um fardo. A classe trabalhadora e o
campesinato em muitos desses movimentos haviam aderido a uma aliança com os
proprietários de terra e as emergentes elites industriais. Assim que a nova nação caísse
em suas mãos, o povo acreditava, o novo Estado promoveria um programa socialista. O
que eles obtiveram em vez disso foi uma ideologia de compromisso chamada
Socialismo Árabe, Socialismo Africano, Sarvodaya ou Nasakom, que combinava a
promessa de igualdade com a manutenção da hierarquia social.
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Conforme Vijay Prashad
Já na década de 1970, as novas nações já não eram mais novas. Suas debilidades eram
numerosas. As demandas populares por terra, pão e paz foram ignoradas em nome das
necessidades das classes dominantes. Guerra interna, dificuldade em controlar os preços
dos produtos primários, incapacidade para superar a asfixia do capital financeiro, entre
outros fatores, levaram a uma crise nos orçamentos de grande parte do Terceiro Mundo.
Empréstimos de bancos comerciais só poderiam vir se os Estados concordassem com o
“ajuste estrutural” dos pacotes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco
Mundial. O assassinato do Terceiro Mundo levou à desidratação da capacidade do
Estado de agir em prol da população, um fim em defesa de uma nova ordem econômica
internacional, à recusa dos objetivos do socialismo. Classes dominantes que estiveram
anteriormente atadas à agenda do Terceiro Mundo já não encontravam mais freios. Elas
começaram a se ver como elites, e não como parte de um projeto – o patriotismo de base
superou a solidariedade social antes necessária. Um resultado dessa extinção da agenda
do Terceiro Mundo foi o crescimento de formas de nacionalismo cultural nas nações
mais escuras. Atavismos de todos os tipos surgiram para preencher o espaço
anteriormente assumido por várias formas de socialismo. Religião fundamentalista, raça
e formas não reconstruídas de poder de classe surgiram sob os destroços do projeto do
Terceiro Mundo (PRASHAD, 2022).
Seu mérito foi o de lembrar a existência de uma imensa zona do planeta para a qual a
questão primordial não era a do alinhamento em um ou outro campo, mas qual seria a
atitude dos Estados Unidos e da União Soviética em relação a ela. Em 1945, a metade
da Ásia, a quase totalidade da África, bem como o Caribe e a Oceania permaneciam
colônias. Sem falar dos países “semi-colonizados”. Para esse vasto mundo tutelado,
onde a pobreza ultrapassava — e muito — a dos países “industrializados”, a prioridade
era dirigida à “libertação nacional”. Ao englobar todos numa única expressão, “Terceiro
Mundo”, destacavam-se, ao mesmo tempo, as características comuns, próprias a todos
esses países, e também o fato de que eles não estavam necessariamente implicados na
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guerra fria. A fórmula também dizia respeito ao esforço de certos intelectuais em criar
uma “terceira força” entre os partidos e os governos comunistas e anticomunistas1.
1
WALLERSTEIN, Immanuel. O que era mesmo o terceiro mundo? Le Monde Diplomatic, 2000.
Disponível em https://diplomatique.org.br/o-que-era-mesmo-oterceiro-mundo/
2
VIZENTINI, Paulo Fagundes. Terceiro Mundo ou Sul Global? Austral: Revista Brasileira de Estratégia
e Relações Internacionais v.4, n.8, Jul./Dez. 2015
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entre os países que compõem o Sul Global. Porém, o que nos interessa não são
minúcias, mas a situação comum na composição do Sul Global, levando em conta que
existem países localizados no Hemisfério Sul os quais estão agrupados no Norte Global,
como a Austrália e a Nova Zelândia, assim como há regiões no Sul Global que
partilham as características do Norte Global, como as capitais e grandes cidades dos
países emergentes, assim como há periferias pobres de cidades do Norte Global,
destacadamente nos Estados Unidos e Europa Ocidental.
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JARDIM, Amorim Camila. Understanding the concept of Global South: an initial framework. 2015.
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de alta tecnologia, como smartphones, laptops, chips de computador e carros, que nas
últimas décadas passaram a ser fabricados predominantemente no sul. Esse fluxo de
apropriação líquida ocorre porque os preços são sistematicamente mais baixos no Sul do
que no Norte. Por exemplo, os salários pagos aos trabalhadores do Sul são, em média,
um quinto do nível dos salários do Norte. Isso significa que, para cada unidade de
trabalho incorporado e recursos que o Sul importa do Norte, eles precisam exportar
muito mais unidades para pagar por isso.
Ainda neste século XXI, como modo de produção, o capitalismo serve para que
um pequeno grupo de países se desenvolvam ao custo da exclusão de todos demais. O
núcleo central – o Norte – se desenvolve sugando o excedente da periferia – o Sul. O
desenvolvimento de uns é feito às custas do subdesenvolvimento de muitos. O Norte é
puramente capitalista, com os países ditos mais desenvolvidos - explicitamente os
Estados Unidos, Alemanha, Japão, França e Inglaterra -, onde as forças produtivas e a
acumulação de capital alcançaram um grau em que dominam monopólios
transnacionais, com um processo intenso de inovação científica e tecnológica que
agrava a tendência de queda da taxa média de lucro. Diante disso, a saída vem sendo a
especulação financeira e a transferência de plantas industriais para países agrários, onde
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Hickel, Jason. Pilhagem na era pós-colonial: quantificando o escoamento do sul global por meio de
trocas desiguais, 1960–2018. Nova Economia Política. Volume 26, 2021. Disponível em
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13563467.2021.1899153?journalCode=cnpe20&journalCo
de=cnpe20
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podem debelar as forças do trabalho organizada em seus países e obter lucros pela
extração de mais-valia absoluta em países com força de trabalho barata. Estas medidas
intensificam a desindustrialização interna e o consequente desemprego, levando as
corporações transnacionais a se livrar das medidas econômicas e políticas que visavam
manter a coesão social dos Estados nacionais, bem como o padrão de vida das classes
médias, aumentando a ocorrência de crises financeiras, econômicas e políticas ainda
mais profundas.
Mesmo com as fragilidades econômicas enfrentadas por boa parte dos países do
Sul Global na década de 1980 e a hegemonia unipolar estadunidense da década de 1990,
fortalecendo a subordinação plena dos países às instituições, às normas, ao mercado e à
ordem liberais, o Sul Global também ganhou maior espaço no século XXI, sobretudo
pelo maior protagonismo de potências emergentes. As mudanças e realinhamentos na
geopolítica mundial criaram espaço para que potências emergentes como China, Índia e
Brasil expandissem suas áreas de influência e de cooperação para outros países não
industrializados, ao lado da re-emergência da Rússia, países com desenvolvimento
nacional na África e América Latina. Além disso, ao longo das décadas, surgiram
também diversas iniciativas e organismos regionais ou temáticos com o intuito de reunir
países do Sul Global, a fim de facilitar a cooperação e de coordenar posicionamentos,
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como é o caso do G-77, da Liga dos Estados Árabes, da União Africana, da CELAC, da
OCI, da Unasul, da OPEP, entre tantos outros. Também se destacam mudanças nos
padrões comerciais e de investimento, havendo expansão de acordos e realização de
programas de investimentos entre países da América Latina, da África e da Ásia.
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2. ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO PÓS-LIBERAIS
Para Samir Amin, o imperialismo atual encontra suas bases econômicas na era
do “capitalismo monopolista generalizado”. Segundo Amin, essa fase se caracteriza
pelo avanço da integração mundial dos mercados monetários e financeiros, assim como
pela centralização do poder dos diretores dos monopólios e seus servidores assalariados.
O avanço da mundialização e liberalização do capital no advento do neoliberalismo se
contrasta com os limites nacionais e locais para a mobilidade da força de trabalho, a fim
de garantir maiores taxas de exploração. Existe hoje um imperialismo comandado por
uma tríade liderada pelos Estados Unidos, que tem como sócios minoritários a Europa e
o Japão, um capital monopolista que tem o controle quase total (e cada vez mais) de a
economia global, e que através do controle de diferentes setores pode dominar “por
cima” e “por baixo” os pequenos produtores e o grosso da população mundial. Exemplo
disso é a subordinação, extração de renda e eventual absorção dos pequenos agricultores
pelo grande capital através de multinacionais de sementes, de um lado, e multinacionais
de comércio e distribuição, de outro.
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Amin considera que é um mito a possibilidade de os países do Sul atingirem os
ricos com políticas de desenvolvimento e é extremamente cético quanto à viabilidade de
projetos nacional-populares que não rompam com a lógica do capitalismo. É neste
contexto que Amin aponta a Grande Comunidade do “Sul Global” que representa 90%
da população mundial, apostando numa outra civilização. A luta por um mundo
multipolar com a China, a Rússia e a Índia como as grandes locomotivas, constitui o
caminho mais provável para fazer a transição para uma nova civilização que consiga
orientar-se para o Bem Comum Mundial. Conforme Amin, o Sul Global deve afirmar
suas próprias posições e distanciar-se da globalização sob o domínio do Norte que
monopoliza tecnologias, acesso a recursos naturais e domínio do sistema financeiro. O
Norte prescinde do Sul, mas o Sul pode prescindir do Norte, pois tem recursos naturais,
meios para desenvolver tecnologia e substituir as exportações com destino ao Norte para
fortalecer as trocas com outros países do Sul. O caminho para emancipação seria por
meio de maior estatismo e soberania, o que se choca com a dominação imperialista em
escala mundial (AMIN, 2014).
André Gunder Frank argumenta que os países do Terceiro Mundo não poderiam
– e não deveriam – reproduzir a trajetória de desenvolvimento econômico do Primeiro
Mundo, uma vez que esse desenvolvimento era produto das relações de exploração
colonial e imperialista. O produto dessas relações de subornação ao centro é o que
Gunder Frank chamou de “desenvolvimento do subdesenvolvimento”. Ele questiona a
“importação” de modelos de modernização econômica etapistas/capitalistas como
solução para a desigualdade e pobreza nos países periféricos. A aplicação destes
modelos no Terceiro Mundo levaria apenas ao enriquecimento das classes dominantes
nacionais e internacionais pela superexploração da mão de obra periférica. Assim,
defende interpretações socio-históricas que gerem soluções coerentes com as
especificidades locais de cada um dos países terceiro-mundistas.
Uma das formas mais hábeis de dominação imperial acontece por meio da
difusão da teoria que os países coloniais atrasados em seu desenvolvimento devem
atravessar paulatinamente diversos estádios de dependência e associação às potências
mais desenvolvidas e avançadas.
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As políticas de ajuste estrutural desenvolvidas em Washington pelo
Departamento do Tesouro dos EUA e instituições multilaterais como o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial — e entusiasticamente apoiadas por muitos
países ricos — contribuíram para "os colapsos do desenvolvimento que ocorreram nas
décadas de 1980 e 1990 fora do leste e sul da Ásia. Os poderosos países do Norte
conseguiram "chutar a escada" do desenvolvimento, impedindo que o Sul adotasse
políticas intervencionistas estatais muito necessárias (CHANG, 2002).
O Norte criou uma cartilha para o Sul aplicar dizendo que, desta forma, o Sul
poderia se aproximar do Norte, sintetizada pelo que se chama de “Consenso de
Washington” - CW. Em resumo, o CW exige do Sul Global a aplicação de políticas de
“ajuste fiscal” leva a privatização de empresas estatais, a oligopolização da indústria e o
sucateamento de agências governamentais e a infra-estrutura logística, com a redução da
capacidade de intervenção do Estado no processo de desenvolvimento econômico e
social e maior dependência de produtos tecnológicos produzidos no exterior. Porém, os
que seguiram este receituário, desconsideraram que nenhum país criou condições para o
bem-estar populacional sem construir um sistema industrial sob a coordenação de um
Estado soberano. Se trata de um anti-desenvolvimento, realizado em prol de monopólios
e oligopólios que controlam a economia nacional. O Sul não pode se fundir com o
Norte, pois aí não haveria nem Norte e nem Sul. O Norte só existe pela diferença
duradoura com o Sul. Por isso talvez que no Norte não se pratique o que se prega ao Sul
Global.
16
instituições financeiras internacionais como o FMI e o Banco Mundial. Essas
instituições concederam empréstimos e linhas de crédito a países em desenvolvimento
condicionados a políticas drásticas de ajuste econômico baseadas principalmente em: 1)
liberalização financeira; 2) liberalização comercial unilateral; 3) privatização de
empresas públicas; 4) re-regulamentação da economia e; 5) cortes de gastos e ajuste
orçamentário (VADELL, 2014).
17
seria necessário romper com a dependência para se ter ganhos como “sócio minoritário”
dos países centrais.
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Como demonstra Chang (2010), a definição de desenvolvimentismo está
associada à legitimidade social conferida ao Estado para interferir nas trajetórias de
desenvolvimento por meio de instrumentos vários de política pública. Ao longo da
história – ou, no mesmo momento, em distintos contextos sociais –, diversas
modalidades de Estado desenvolvimentista já foram testadas. Elas emergem em
diferentes condições políticas e se adéquam às instituições e aos valores que cada
sociedade estima serem legítimos no respectivo contexto histórico.
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alcançar o reconhecimento da marca e a sutileza tecnológica das empresas estrangeiras
por meio do protecionismo do mercado em um período de tempo
limitado. Crucialmente, as relações estado-empresas estão inseridas em uma estrutura
política, na qual a gestão centralizada de rendas permite que os estados imponham
estabilidade política, reduzam os custos de transação para atores privados para motivar
o empreendedorismo e criar mais oportunidades para rent-seeking impulsionado pela
produtividade.
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misto, combinando o modo de produção camponês e o modo de produção socialista
com o modo de produção capitalista. China e Vietnã estão à frente desta vertente, mas
havendo variações dela nos países socialistas remanescentes e experiencias de governos
democráticos na África e América Latina, com resultados variados. O “milagre” da
economia chinesa é uma ilustração de um modelo de desenvolvimento alternativo à
ortodoxia neoliberal promovida por Washington.
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No início das mudanças, argumentava-se de que haveria um limite para as
mudanças. Assim, as reformas não poderiam subverter os quatro princípios da
revolução, a saber: socialismo, ditadura democrático-popular, direção do PCC e
marxismo-leninismo-maoísmo. Em 1980, Deng expôs as três principais tarefas
estratégicas para a década que se avizinhava: i) luta contra o hegemonismo das
superpotências; ii) reunificação nacional, sobretudo a volta de Taiwan à China; e iii)
aceleração da construção econômica. Os quatro trabalhos seriam: i) reforma estrutural
da administração e revolucionarização dos quadros, com maior preparação cultural e
profissional; ii) desenvolvimento do espírito socialista; iii) combate aos delitos,
sobretudo na economia; iv) retificação do estilo de trabalho e consolidação orgânica do
PCC, a partir dos novos Estatutos. Dez princípios orientariam a gestão da economia: i)
política de desenvolvimento da agricultura, inclusive contando com avanços científicos;
ii) fortalecimento da indústria leve e reajuste da indústria pesada; iii) consumo eficiente
da energia e fortalecimento das indústrias de energia e de transportes; iv) transformação
técnica nas empresas; v) organização econômica com base em grupos de empresas; vi)
elevação dos investimentos na construção; vii) política de portas abertas para a
economia internacional e reforço da auto-sustentação; viii) reforma da estrutura da
economia e maior iniciativa dos vários setores; ix) elevação cultural e científica dos
trabalhadores e maior progresso da ciência e da tecnologia; x) prevalência da orientação
geral de “tudo para o povo”, vinculando economia e condições de vida das massas
(POMAR, 1987, p. 168-169).
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naval e aviação, pesquisa e desenvolvimento. Elas começaram a se implantar uma
autonomia para negociar no mercado, para que viessem a se transformar em grandes
conglomerados, que pudessem liderar o processo de modernização.
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condições para a emergência de um patamar qualitativo “novo” na formação
econômico-social da China, com a prevalência de tendências e formas socialistas,
cooperadas, capitalistas e mistas.
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do 'made in China' para o 'design in China'. A China já é o principal exportador de
produtos manufaturados do mundo e também é o segundo fabricante de bens de alta
tecnologia do mundo. Contudo, apesar dos gastos em P&D da indústria de alta
tecnologia terem triplicado entre 2003 e 2008, o diagnóstico deste novo plano
qüinqüenal é que o país ainda apresenta um atraso quando se trata dos esforços de P&D
das empresas desses setores. Sua meta é deixar de ser uma plataforma de exportação de
grandes empresas multinacionais estrangeiras e, também das empresas nacionais, para
dar um salto qualitativo passando da imitação para a inovação, buscando a liderança
mundial apoiada na inovação.
Vale destacar que durante todo o processo de reformas, de 1978 até nossos dias,
a China manteve a característica leninista-stalinista em torno da natureza sistemática e
continuada do planejamento chinês e a capacidade de fazer políticas efetivas de seu
Estado nacional. A sistemática chinesa de formulação e implementação de planos
qüinqüenais confere ao seu planejamento, quer em termos gerais ou setoriais, uma
eficácia muito maior que países capitalistas. Em primeiro lugar, porque a cultura de
planejamento de longo prazo já está estabelecida e é uma rotina para todos os órgãos de
governo. Em segundo lugar, porque há continuidade nas ações e os novos planos dão
seqüência aos anteriores, sem as rupturas que comumente ocorrem na democracia
liberal. Em terceiro lugar, porque a implementação dos programas é favorecida pelo
grau de comando e controle que o Estado chinês possui sobre muitos dos atores
envolvidos, que em grande parte depende diretamente do governo (empresas estatais,
institutos federais de pesquisa, etc.) ou estão sujeitos a regras bem rígidas.
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construída a partir de uma economia socialista. O atributo “socialismo” aponta o
objetivo e natureza da economia de mercado. Além disso, a economia de mercado
chinesa tem suas próprias características. Por isso, o socialismo chinês é muito diferente
das economias de mercado dos países capitalistas ocidentais.
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que era uma falta de lógica para o pensamento liberal, para os chineses fazia todo
sentido. Não deveria haver qualquer problema em recriar o socialismo com mercado,
repensar as experiências reformistas, inspirar-se pelo espírito da NEP russa e outras
experiências no Leste Europeu, aproveitar o acúmulo histórico das Quatro
Modernizações propostas por Zhou Enlai. Por outro lado, até por influência do
socialismo soviético, no Ocidente foi se solidificando uma opinião de que planejamento
é socialismo e a economia de mercado é capitalismo. Deng Xiaoping refutava um
pensamento rígido sobre planejamento e economia de mercado. Defendia que era
preciso uma grande e perigosa retirada estratégica, vagarosa e complexa, no ritmo que
consiguisse manter desenvolvimento econômico e estabilidade política, um sistema de
transição socialista, partindo das condições nacionais, combinando regulação do
mercado com medidas globais de planificação, admitindo uma diversidade de formas
produtivas para equilibrar o desenvolvimento econômico e social.
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máquinas ou empresas, o que seria considerado uma forma de capitalismo empregado.
Em muitas versões, as empresas têm o direito de usar e obter receita de seus ativos,
enquanto as agências de investimento possuem o capital e tomam decisões de gestão
estratégica. Mas cada empresa tem uma forma democrática e o controle dos
funcionários é uma delas (LANE, 2013). Conforme Lane,
Uma consequência de uma política socialista de mercado é que as empresas que falham
ao público e claramente carecem de responsabilidade pública seriam socializadas.
Atualmente, os setores bancário, de energia e de transporte ferroviário seriam os
principais candidatos. As políticas econômicas poderiam ser realizadas dentro da
estrutura capitalista para restaurar o crescimento e o emprego. Isso permitiria a
introdução de formas de planejamento indicativo que aumentariam ainda mais o
controle público (LANE, 2013).
Lane enfatiza que a maximização do lucro continuaria a ser a motivação do
empresário. A competição de mercado continuaria gerando lucros ou incorrendo em
falência. O objetivo seria alcançar um maior grau de igualdade na distribuição da
propriedade de capital. A renda da propriedade de capital não é obtida e sua distribuição
altamente desigual representa uma “responsabilidade moral”. Essa propriedade seria
“entregue” à propriedade pública. No entanto, os lucros do verdadeiro
empreendedorismo e inovação continuam e atuam como incentivos. E a renda
continuaria sendo usada como as pessoas desejassem – estilos de vida luxuosos e
conspícuos poderiam continuar (LANE, 2013). Nesta transição socialista de mercado:
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Haveria conquistas positivas em termos de alocação de capital e distribuição de
renda. Tem algum apelo até mesmo para os céticos em relação ao planejamento e à
gestão do Estado. Como um programa mínimo, ele reverteria a financeirização e
instalaria a propriedade pública sobre as empresas em falência. Finalmente, estenderia o
muito valorizado bem social da democracia na forma de cooperativas e controle dos
empregados. Lane enfatiza que os socialistas de mercado podem ser culpados por
simplificar demais suas propostas para um sistema econômico híbrido. Empresas
autônomas que buscam eficiência de mercado exigem incentivos e seu sucesso é medido
em termos de lucratividade. Isso, por sua vez, não apenas gera desigualdade, mas mina
os valores socialistas. As forças de mercado, mesmo no contexto de propriedade
pública, acarretariam um nível de anarquia econômica e incerteza. Lane pondera que a
divisão da economia em setores privados, coletivos e estatais e a orientação do
planejamento central e do mercado não tem sido fácil e operacionalmente sem
problemas, nem sempre combinando o melhor dos dois sistemas, ou seja, o mercado
livre e o socialismo planejado centralmente (LANE, 2013). Lane impressiona as mentes
mais utópicas que acreditam num socialismo sem conflitos, erros e contradições. Trata-
se de um sistema de transição essencialmente contraditório, com diversos riscos de
sabotagem e cheio de percalços.
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países com um nível semelhante de renda per capita em uma ampla gama de indicadores
de desenvolvimento5.
5
Hansen, Arve (org.) A economia socialista de mercado na Ásia. Desenvolvimento na China, Vietnã e
Laos
30
elementos de planificação econômica e gestão socialista. As formas de propriedade
social, tais como autogestão, comunal e a propriedade estatal devem passar a jogar um
papel crescente no sistema econômico. A formação de novas estatais também pode
contribuir para o aceleramento de setores de ponta e a transformação de todas as estatais
em indutoras de industrialização. Consórcios estatais-privados também deveriam atuar
para o desenvolvimento das micros, pequenas e médias empresas capitalistas,
industriais e agrícolas, na perspectiva de romper os oligopólios das grandes burguesias,
estrangeiros e nacionais, reforçar a pequena e a média burguesia e, portanto, incentivar a
competição entre elas. O mesmo em relação às cooperativas e empresas solidárias. O
desenvolvimento das economias não-estatais sob as condições de predominação da
economia de propriedade pública é a exigência objetiva do desenvolvimento da força
produtiva na fase inicial do socialismo, e desempenha importante papel para satisfazer
as necessidades diversificadas da população para a vida material e cultural, ampliar os
empregos e promover a expansão de toda a economia nacional.
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fortalecendo este modo de produção emergente, podendo desafiar o capitalismo
financeiro e transnacional, inibir suas tendências mais destrutivas, como guerras, fome,
miséria, desemprego, crise climática, colonialismo, etc, mais rápido poderá uma
ofensiva socialista conter as inerentes tendências destrutivas do capital. Não se sabe se o
socialismo de mercado será a formação social de transição em todos os países do Sul
Global, para ter soberania, realizar o crescimento econômico, técnico e científico, tendo
a indústria como principal instrumento, que os levará a uma sociedade superior ao
capitalismo. Apesar disso, a experiência até agora exitosa demonstra que o socialismo
de mercado é uma poderosa estratégia cujos paradigmas podem ser utilizados por
qualquer país para seu desenvolvimento.
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poder nacional para se proteger do Norte. Se os países do Sul Global seguirem a linha
associada ao Norte, pouco deve-se esperar de resultados consistentes quanto ao
desenvolvimento nacional com a instauração de reformas voltadas a “aprofundar” a
ideia de transnacionalização desnacionalizadora das economias de estado.
É evidente que o capitalismo e as grandes potências fazem de tudo para não dar
espaço para que outro modo de produção se consolide, coexista e compita com ele. Com
o fim da URSS, muito se alardeou sobre a superioridade do capitalismo, porém hoje a
situação é substancialmente diferente, com o socialismo de mercado colocando novos
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paradigmas ao Sul Global. Tensões e contradições num processo de construção deste
modo de produção socialista de mercado, guardadas as características nacionais, são
geradas inevitavelmente. Diante do capitalismo senil, o socialismo de mercado oferece
uma saída. Quanto mais povos e países iniciarem transições socialistas fortalecendo este
modo de produção emergente, podendo desafiar o capitalismo financeiro e
transnacional, inibir suas tendências mais destrutivas, como guerras, fome, miséria,
desemprego, crise climática, colonialismo, etc., mais rápido poderá uma ofensiva
socialista conter as inerentes tendências destrutivas do capital.
Poderia ser dito que, estrategicamente, o que está em jogo hoje é a transição de
países do Sul Global que estão na linha liberal-associada para um capitalismo de Estado
ou formas nacionais de socialismo de mercado. Um primeiro passo para a transição da
linha liberal para um capitalismo de Estado é garantir que os países tenham o direito de
usar tarifas, subsídios e outras políticas industriais para construir capacidade econômica
soberana. Com isso, uma institucionalidade política que submeta os interesses
monopolistas e se submeta ao planejamento dos recursos ociosos e ao plano de
desenvolvimento nacional delineado. Está transição hoje é boicotada e atacada em
diversos países pela capacidade de ação do Norte em criar golpes e rupturas de
processos de desenvolvimento nacional. Para o socialismo de mercado, é preciso
implantar enclaves estatais e socialistas na economia, competindo com o capitalismo.
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encontra para melhor se desenvolver. O processo de emancipação do Sul Global
começou no século XX e ainda está longe da sua conclusão. Podem ser atrasados pelo
controle financeiro e ideológico, por guerras e guerras, mas não se consegue acabar com
toda capacidade de resistência. As transições de países liberal-dependente para
capitalismo de estado ou socialismos de mercado podem ser derrotadas, com a
intensificação da luta de classes e do cerco imperialista. Estes regimes passam a ser
acusados de “ditaduras corruptas”, “fracassos econômicos”, “populismos”, etc, e tem
que resistir as tentativas de desestabilização, penúria induzida, sanções e isolamento do
sistema financeiro dominado pelo Norte. O Norte se dá ao direito privilegiado e
exclusivo de apontar quais são as civilizações a serem defendidas e atacadas, com
eterno primado moral e político sobre o resto, isso é, o Sul Global. Todos os
movimentos estratégicos do Norte visam impedir a emergência de atores competitivos e
independentes, inclusive minando alianças Sul-Norte, como entre China e Japão, Rússia
e Alemanha, China e Austrália, Brasil e União Europeia. O Sul Global está em
contradição com os interesses das potencias do Norte. Atua-se para bloquear a ascensão
de Estados que possam competir com a estrutura de poder dominante. A estratégia do
Norte é a contenção de potencias emergentes e bloqueio de projetos nacionais com
política externa e segurança autônoma. A estratégia dos Estados Unidos para conter a
China e considerar ameaças Rússia e Irã, entre outros, representa uma estratégia de
contenção do Sul Global. Essa estratégia de contenção do Sul pode ser bem sucedida e
inviabilizar no século XXI a formação de uma nova ordem mundial, resultando na
recolonização conduzida pelo Norte.
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3. REFERÊNCIAS
36
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