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Marx no século XXI

Valor, crise e capitalismo financeiro

Fernando Marcelino

2023

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO
NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Marcelino, Fernando
Marx no século XXI: valor, crise e capitalismo
financeiro. / Fernando Marcelino Pereira. –
Curitiba, 2023.

1. Economia Política. 2. Crises


Econômicas. 3. Pós-Indústria. 4. Marx
.

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SUMÁRIO

Introdução: por que este livro hoje? p. 05

Capítulo 1 - o que dizem os teóricos do “trabalho imaterial” e da “pós-grande


indústria”? p. 10

Capítulo 2 – A real Grande Indústria p. 38

Capítulo 3 - A Grande Indústria e o exército industrial de reserva p.58

Capítulo 4 - O desvanecimento do capitalista industrial na era pós-fordista p. 79

Capítulo 5 – Desenvolvimento e crise do modo de produção capitalista: relendo


Marx para o século XXI p. 100

Referências p. 119

Sobre o autor p. 122

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Introdução: por que este livro hoje?

Não é surpresa que a teoria de Karl Marx esteja suscitando interesse


numa nova geração. Depois da crise de 2008 está havendo um ressurgimento do
interesse geral pelo pensamento revolucionário de Marx. Este livro tem como
objetivo debater algumas idéias dele – em especial em relação à teoria do valor,
da Grande Indústria, crise e financeirização - à luz das ideologias das “novas
teorias” que nos dizem que os conceitos e movimentos teóricos centrais do
Marxismo fazem parte de um passado remoto, que devemos ler Marx como um
autor da história passada do capitalismo. Ao contrário destas pressuposições
primárias, defendemos que a teoria de Marx não é somente indispensável, mas
como ainda tem um grande futuro pela frente. Seus limites e insuficiências não
são desculpas para deixá-lo de lado, em especial em nossa atual encruzilhada
histórica. Novos ventos de transformação social estão rondando o mundo e nada
melhor do que conhecer melhor em que espécie de mundo nós vivemos e que
tipo de alternativa podemos considerar colocar em prática. Nossa discussão trás
alguns elementos para expressar a atualidade de Marx não apenas em relação à
crise global, a financeirização ou ao fetichismo da mercadoria, mas também em
sua exposição sobre o mundo do trabalho organizado pela Grande Indústria no
desdobramento máximo do modo de produção capitalista – algo que, no
mínimo, parece muito com nossa era de “fim dos tempos”.
Entretanto, para adentrar neste debate temos que nos situar um pouco
melhor. Em meio ao vazio ideológico aberto pela crise do marxismo diante do
esgotamento do socialismo “realmente existente”, diversos filósofos,
pensadores, estudiosos e tantos outros se voltaram ao estudo de nosso mundo
com o objetivo entender o que mudou e qual era o pensamento necessário não
apenas para compreender o momento que passamos, mas também direcionar
melhor decisões, escolhas e soluções para o futuro. Pouco a pouco as teorias
mais variadas foram nos invadindo. Primeiro os “fins”: fim do comunismo, fim
da história, fim do moderno, fim do fordismo, fim da sociedade do trabalho, fim
das lutas de classes, fim da ideologia, fim das análises de Marx, fim do mundo
como nós “o conhecemos”... fim, fim, fim. Depois vieram as “novas” teorias,
partindo do princípio de que agora o mundo era novo e outro, começa-se a
teorizar sobre o “pós-modernismo”, “pós-grande indústria”, “neomodernismo”,

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“modernidades alternativas”, “modernidade líquida”, “pós-marxismo”,
“sociedade pós-ideológica”, “hipermodernidade” e tantos “novos” conceitos
inventivos para tentar explicar a “novidade” da situação. Porém, parafraseando
Machado de Assis: “e você leitor, onde ficou nisto tudo”? Enquanto tantas
“novas” teorias e análises se mostravam ao mundo, a partir de um pressuposto
novo e diferente, dentro do seu dia-a-dia, dentro da sua luta no mercado de
trabalho, dentro do sustento da família em meio à questão salarial, dentro do
seu convívio diário com a questão de classes, dentro da sua relação de moradia e
empregatícia, seja com “o chefe”, com “a empresa” ou com a “burocracia”,
dentro de tudo isto, porque lhe parece que nada mudou para melhor e talvez as
coisas até pioraram? Pois é... eis uma questão relevante.
Talvez o problema desta dicotomia entre o dia-a-dia sentido e vivido pela
maioria das pessoas e estas “novas” teorias esteja “ainda” formulada por Marx
quando afirma que, dentro do capitalismo, o fetiche, a mais-valia, o
individualismo e a ideologia são elementos básicos e essenciais para a
sobrevivência do sistema e, não importando quem somos ou onde estamos,
dentro do capitalismo seremos inevitavelmente atingidos por estes elementos e,
uma das questões básicas para se “livrar” destes e conseguir pensar e/ou realizar
uma nova proposta e realidade, é conseguir superar as contradições dos
elementos constitutivos do capitalismo. Assim, caro leitor, não lhe parece óbvio
que o fetiche que nos é imposto se reflita também no pensar, na filosofia, e que,
filósofos e pensadores transformem o pensar, teorias, possibilidades e soluções
no seu próprio fetiche? Você é aloprado pelo sistema, abre um livro e vê que
estão todos dizendo que “tudo mudou” e que precisamos de “novas teorias”,
novas análises, pois nada é mais como era antes...
Este livro tem como objetivo problematizar, polemizar e contestar as
teses que defendem que Marx é anacrônico na contemporaneidade porque
viveríamos na era do fim da grande indústria no mundo. Afinal, ao se afirmar o
fim do papel da grande indústria na sociedade do capital se desdobra diversas
conseqüências analíticas e políticas relacionadas à forma mistificada com que se
passa a entender o mundo do trabalho como espaço sem subordinação e
sujeição das classes trabalhadoras aos processos de valorização do capital, as
lutas coletivas contra os novos patrões, contra o desemprego, contra a
maquinaria de uso capitalista, contra o Estado, contra as novas formas de

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trabalho precário e desumanizador. Tudo se passa como se estivéssemos num
universo totalmente avesso a visão marxista acerca do processo de trabalho no
capitalismo.
Qual é a importância real da discussão se vivemos a “grande indústria” ou
não? “Praticamente” talvez nenhuma. Se a “grande indústria” existe, no sentido
que Marx a colocou e como este livro tenta mostrar a pertinência hoje em dia,
então, apesar das aparências, existe “chefe”, “empregado”, “assalariado”,
“capitalista”, “classes” e tantas outras coisas que Marx tão bem expôs. Se não
existe, então “tudo mudou” e vivemos em um “pós-tudo” extremamente
fetichista (que por “coincidência” é uma visão capitalista) e que tudo tem que
ser novamente repensado (que ironia os “gurus filosóficos de plantão” se
tornarem “famosos” com suas novas “teorias”). Além do que, para podermos
entender e escolher melhor quais as políticas e soluções necessárias para hoje e
o amanhã, é preciso discernir entre o que é real hoje e o que é puramente
imaginário. Se vivemos na “grande indústria” hoje, mas achamos que não, se
achamos que estamos em um outro lugar da história, então nossas lutas,
escolhas e decisões estarão sendo feitas contra um fantasma imaginário de uma
realidade inexistente.
Nossa intenção é saber até que ponto as categorias marxianas resistem às
“críticas” dos teóricos do trabalho imaterial e da “pós-grande indústria”
oferecendo uma apresentação à Marx para incitar o debate sobre a
contemporaneidade de seu pensamento para o século XXI. Aí talvez você se
pergunte: mas todos os vestígios marxistas do passado não haviam sido
superados? O capitalismo não triunfou? A concorrência não foi substituída pela
parceria, o conflito pela colaboração, a política pela técnica, o trabalhador pelo
operador, o chefe pelo cliente? Afinal, não vivemos finalmente num mundo
“pós-ideológico” já que todos os grandes projetos sócipolíticos do passado que
visavam ao comunismo fracassaram miseravelmente fazendo com que qualquer
tentativa de até imaginar uma sociedade para além do capital seria o sintoma de
insanidade?
Mas e se estes entendimentos estivessem profundamente contaminadas
por um “vírus”, não um que domine nossos computadores e a internet, mas um
que domine nossa forma de pensar e agir, um “virus” chamado ideologia?

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O próprio Marx já nos alerta que a ilusão, o fetiche e a ideologia não estão
em primeira linha ligados ao “saber” dos processos, mas sim ao “fazer”, na ação,
pois são das práticas sociais que eles nascem. Em O Capital, explicando o
fetichismo da mercadoria, Marx salienta que:

É apenas a própria relação social das pessoas, elas mesmas, que toma aqui uma
forma fantasmagórica de relação entre coisas. (…) A isto eu chamo de fetichismo
que se cola ao produto do trabalho tão logo [este produto] é produzido como
mercadoria e por isso é inseparável da produção de mercadorias. Este carácter
fetichista do mundo de mercadorias aparece, como a análise anterior deixa claro,
da singularidade do caráter do trabalho social que produz mercadorias. (Marx,
Capital I)

Em outras palavras, é “do caráter do trabalho social que produz


mercadorias”, é da forma que a sociedade age é que nasce o fetiche, a ilusão, e
não da forma que ela pensa ou em relação ao que ela “não sabe”.

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Chegou-se por fim a um ponto crítico. O
fundamento do velho método, a simplista
exploração brutal do material humano, mais ou
menos acompanhada por uma divisão do
trabalho sistematicamente desenvolvida, não
era suficiente para atender aos mercados
crescentes e para fazer face à competição dos
capitalistas, cada vez maior. Soou a hora da
maquinaria.
Marx em O Capital

O desenvolvimento do meio de trabalho em


maquinaria não é casual para o capital, mas é a
reconfiguração do meio de trabalho
tradicionalmente herdado em uma forma
adequada ao capital. A acumulação de saber e
da habilidade das forças produtivas gerais do
cérebro social, é desse modo absorvida no
capital em oposição ao trabalho, e aparece
conseqüentemente como qualidade do capital e,
mais precisamente, do capital fixo, na medida
em que ele ingressa como meio de produção
propriamente dito no processo de produção.
[...] Ademais, na medida em que a maquinaria
se desenvolve com a acumulação da ciência
social, da força produtiva como um todo, o
trabalho social geral não é representado no
trabalhador, mas no capital. A força produtiva
da sociedade é medida pelo capital fixo, existe
nele em forma objetiva e, inversamente, a força
produtiva do capital se desenvolve com esse
progresso geral de que o capital se apropria
gratuitamente.

Marx nos Grundrisse

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Capítulo 1

Marx hoje: o que dizem os teóricos do “trabalho imaterial”


e da “pós-grande indústria”?

Qual é a atualidade de Karl Marx neste século XXI? O mundo hoje seria
radicalmente diferente daquele capitalismo trabalhado por Marx em O Capital e
nos Grundrisse? Seus conceitos fundamentais ainda são válidos ou fazem parte
de um passado remoto? Sua herança teórica é um estorvo para as lutas sociais
hoje? A rejeição dos fundamentos da teoria de Marx é a melhor forma de
“atualizar” seu pensamento para os movimentos anticapitalistas, como
acreditam os “pós-marxistas”?
Uma história nos é contada todos os dias. Marx teria sido um pensador
que anteviu o século XX. Esse mundo que Marx previu haveria surgido com a
Revolução Industrial e teve seu desenvolvimento máximo com o Fordismo até
meados de 1970. Entretanto, como conseqüência da crise do Fordismo, o
capitalismo teria entrado numa fase de profundas transformações na divisão do
trabalho e na modalidade de valorização do capital. Agora os processos de
trabalho se libertaram das agruras do “capitalismo industrial” já que existem
métodos de organização muito mais envolventes, flexíveis e dinâmicos que, ao
priorizar a subjetividade do trabalhador, acabariam por colocar em jogo todo o
estatuto teórico de Marx, em especial aquilo que foi escrito sobre como a grande
indústria ocupa o ponto máximo do desenvolvimento do capital. Uma nova
forma social estaria se desenvolvendo, os chefes não seriam mais chefes e a
tecnologia passaria ser a força produtiva essencial para a sociedade pós-
industrial. Seria o fim da grande indústria e o surgimento de uma nova forma de
produção/consumo para além da grande indústria que teria características
inerentemente pós-capitalistas apontando para um mundo novo sem
contradições de classes sociais, sem revoluções, sem exploração, sem
proletariado, sem alienação, sem ideologia, sem política, etc... É para
desmistificar esta visão da história e de Marx que escrevemos este livro.
Qual seria uma das grandes atualidades de Marx? Sem dúvida, é cada vez
mais claro que uma das principais contribuições de Marx é sua teoria do

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Intelecto Geral (“General Intelect”). Infelizmente não seria exagero dizer quase
todos os marxistas do século XX deixaram esta questão de lado. Alguns diriam
que algo como um “Intelecto Geral” seria apenas mais um dos “resquícios
hegelianos” da teoria de Marx. Outros falariam “tudo isso é legal, mas o que
importa é a produção de mais-valia”. Para além destas baboseiras, o que Marx
dizia do Intelecto Coletivo? Qual é o seu papel do capitalismo? E na superação
do capital?
O que Marx fala sobre o Intelecto Coletivo está enquadrado num debate
mais geral sobre os desdobramentos do capital fixo e da mais-valia relativa na
sociedade do capital. O capital fixo é normalmente um “produto-maquinário”
qualquer usado para “trabalhar” algo e assim produzir mais-valia ele mesmo. É
diferente do capital circulante. Um exemplo típico seria o maquinário de uma
fábrica que, enquanto máquina a ser comprada, faz parte do capital circulante,
mas quando passa a produzir produtos e, no seu funcionamento, produzir mais-
valia, passa a ser capital fixo. É “fixo” porque não está circulando no mercado,
mas mesmo assim, e por isso mesmo, está produzindo mais-valia.
Se pegarmos o minério de ferro quando extraído, ele é capital circulante
pois é comercializado, comprado e vendido no mercado mundial. Depois passa a
ser aço que também é capital circulante, comprado e vendido no mercado.
Depois passa a ser, por exemplo, parte de um robô para fábricas de construção
de carros e, ainda aí, é comercializado, comprado e vendido para as fábricas.
Entretanto, quando este robô passa a ser usado para construir carros e, por este
motivo, transformar matéria para acumular valor a ela, neste momento este
minério-de-ferro-aço-robô passa a ser capital fixo. E o carro será capital
circulante, comercializado entre fábrica, revendedor e comprador final, até que
este comprador o use para transportar pessoas e “ganhar dinheiro” (mais-valia)
com isto, aí ele também será capital fixo. O desenvolvimento máximo do capital
fixo no capitalismo seria aquele capaz de produzir a auto-reprodução de capital
fixo estendendo assim sua lógica a amplos processos da vida social até então não
manipulados pelo capital. É um momento que propicia a luta de classes pelo
Intelecto Geral.
O “General Intellect”, traduzido para o português como “Intelecto
Coletivo” ou “Intelecto Geral”, nada mais é do que o acúmulo de conhecimento
produzido pela humanidade, ou seja, tudo que “a humanidade” sabe, todo o

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conhecimento que é, de alguma forma, passada de uma pessoa a outra e, neste
passar conhecimento, se torna “público”, seja para poucas ou muitas pessoas.
Para Marx é óbvio que quando alguém inventa uma máquina, um computador,
por exemplo, esta pessoa nada mais fez do que reorganizar um conhecimento
acumulado durante milênios e inventar realmente, a partir daí, algo mínimo que
aparece como “novo”. Quem inventa um computador hoje (ou qualquer coisa!),
não inventa os números, não inventa a matemática, não inventa a física, não
inventa os milhares de avanços tecnológicos, científicos, sociais e humanos que
existiram no passado e possibilitam a “invenção” hoje de um computador. Todo
este conhecimento acumulado já existe e é isso que Marx chama de “Intelecto
Coletivo”. É a partir deste conhecimento acumulado que somos capazes de
“inventar” coisas e idéias novas que vão por sua vez também fazer parte do
Intelecto Coletivo. O Intelecto Coletivo não as são faculdades esparsas de cada
um – linguagem, disposição para aprender, memória, capacidade de abstração
– mas a possibilidade de auto-reflexão coletiva a partir do conhecimento
acumulado, uma abstração real cuja materialidade operacional organiza o
processo de vida no mundo. Para o capital controlar este Intelecto Coletivo é
necessário existir o que Marx chama de “subsunção real” do trabalho social.
Quando o trabalhador utiliza o maquinário, mas ainda é o que ele é e
trabalha com o que sabe e é capaz de fazer, com as suas aptidões, etc., e desta
forma é submetido ao processo capitalista de produção, Marx chama isso de
“subsunção formal” do trabalho ao capital. Quando é o maquinário que exige do
trabalhador como ele tem que ser, o que ele tem que fazer, quais aptidões ele
tem que ter, quando é o maquinário que dita as regras de conduta ao
trabalhador, então a isto Marx chama de “subsunção real” do trabalho ao
capital.
Na manufatura, a maior parte do trabalho é feito pelo homem e o
maquinário, no caso as ferramentas, são auxílios para o homem fazer seu
trabalho (subsunção formal). Com o passar do tempo, o sujeito em seu “tempo
livre” do trabalho vai pensando formas de trabalhar cada vez mais práticas, mais
eficientes e que o façam trabalhar menos. Juntando este “pensar” com o General
Intellect que já existe, o homem vai inventando máquinas para melhorar e
aumentar sua produção e, aos poucos, através da história, as máquinas vão
fazendo uma parte integrante da produção cada vez maior e o tempo de trabalho

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que dependente do homem vai ficando cada vez menor. Esta transição entre “o
homem fazer a maior parte do trabalho e usar o maquinário como ajuda”
(subsunção formal) para “o homem fazer a menor parte do trabalho e usar o
maquinário como força produtiva majoritária” (subsunção real) é para Marx a
transição entre manufatura e Grande Indústria.
No gráfico abaixo tentamos colocar esta divisão histórica entre
manufatura, Grande Indústria, trabalho humano e maquinário, sendo que, por
ser uma simplificação, colocamos o General Intellect que alimenta o invento do
maquinário como uma diagonal reta, sendo que, se tomássemos os dados
históricos detalhadamente, esta “linha” seria provavelmente uma hipérbole.

Nesse processo histórico, a forma de subordinação do trabalho ao capital


se transforma qualitativamente, passando daquilo que Marx chamou de
“subsunção formal” (das forças produtivas), que se remete aos primeiros
estágios da evolução capitalista em que os meios de produção pré-capitalistas
eram formalmente subsumidos às relações capitalistas, para a “subsunção real”
do trabalho ao capital, um processo no qual foram desenvolvidos novos meios
de produção que só podiam funcionar a partir da organização onde o trabalho
vivo é combinado com a maquinaria fazendo com que a “aplicação tecnológica
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da ciência” dê o ritmo do processo de trabalho. Esta seria a grande contribuição
histórica do modo de produção de capital. Nas palavras de Marx, “efetua-se uma
revolução total (que prossegue e se repete continuamente) no próprio modo de
produção, na produtividade do trabalho e na relação entre capitalistas e
operários” (MARX, 1985, p. 104). Como forma singular de cooperação do
processo de trabalho, desenvolve-se na grande indústria as forças produtivas
sociais do trabalho em grande escala chegando à “aplicação da ciência e da
maquinaria à produção imediata”. Com o desenvolvimento da maquinaria, o
trabalhador coletivo perde cada vez mais o domínio do processo produtivo,
várias máquinas se articulam num sistema de máquina formando um
verdadeiro “autômato” atrás do qual a matéria-prima se transforma
parcialmente sem a intervenção direta do trabalho vivo manual. Essa passagem
pressupõe uma transformação nas relações de produção que aponta para a
expropriação generalizada do trabalho coletivo-intelectual. Assim, ao contrário
da doxa marxista vulgar-evolucionista sobre a mudança das relações de
produção depois das revoluções das forças produtivas, para Marx é depois da
subsunção formal que as forças produtivas mudam materialmente para se
ajustar ao processo capitalista. Apenas a subsunção real, típica da grande
indústria, é capaz de apresentar-se como a base técnica apropriada para o
capital e sua forma contraditória de expropriação do trabalho. Somente com a
subsunção real é possível a “manobra” do capital de expropriar o saber-fazer do
trabalhador coletivo.
Existem, portanto, duas formas de exercício de poder do capital. No caso
da subsunção formal esta expropriação encontraria limites claros, como na
baixa mediação tecno-científica em tal processo e a base material
demasiadamente estreita. Por ter como base o trabalho manual do trabalhador
“univalente” e sua ferramenta, a subsunção formal apresenta-se como uma
forma limitada para atender as crescentes necessidades de valorização do
capital que depende cada vez mais do “intelecto coletivo” para a reprodução da
maquinaria. O problema seria de conformar a base técnica sob a qual se assenta
o processo produtivo à forma social de acumulação capitalista pela
subordinação do trabalho. Assim nasce a subsunção real do trabalho, para
atender as necessidades de valorização do capital que não poderiam ser
plenamente atendidas pela subsunção formal e seu processo de trabalho

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parcelar em que o capital não conseguia expropriar amplamente o saber-fazer
do trabalhador coletivo para acumular mais capital e banir estratégias de luta
coletiva dos trabalhadores pela socialização e expropriação dos meios de
produção. Para Marx seria desta base produtiva contraditória que erigiria uma
sociedade que superasse o capital. Neste “ponto zero” que seria viável orientar o
horizonte comunista para a superação da “subsunção real do trabalho social
pelo capital total”. Isso, claro, só poderia ser compreendido retroativamente na
história ao se observar o desenvolvimento das forças produtivas e das relações
de produção.
Muita tinta já foi gasta nas últimas décadas procurando demonstrar que
já vivemos numa era “pós-qualquer forma de subsunção” do trabalho ao capital.
Toda esta conversa de subsunção do trabalho estaria esgotada historicamente. O
fim do Fordismo num sentido amplo, agitado pela geração de 1968,
representaria o fim deste esquema marxista tradicional. Algo novo estaria
surgindo e necessitava teorização urgente. Para isso era preciso que os conceitos
anacrônicos de Marx fossem deixados de lado. Um dos principais conceitos
jogados pelo precipício neste movimento foi o de Grande Indústria, a forma de
produção por excelência do capitalismo analisado por Marx.
A partir do fim dos anos 1960, o processo de reestruturação produtiva
impulsionou no centro capitalista uma relativa diminuição dos empregos no
setor industrial fabril por meio do desenvolvimento crescente da produtividade
e da intensificação do trabalho diminuindo, cada vez mais, a participação dos
operários manuais no processo de produção de mercadorias. Paralelamente
ocorre uma ampla deslocalização do trabalho para países cuja força de trabalho
era mais barata além da ampliação de mecanismos de reorganização fabril e
terceirização das cadeias produtivas. Ocorre também, como enfatiza Ricardo
Antunes (2005), um aumento das atividades dotadas de maior dimensão
intelectual, quer nas atividades industriais mais informatizadas, quer nas
esferas compreendidas pelo setor de serviços ou nas comunicações, entre tantas
outras.
Esses fenômenos trouxeram diferentes apreensões sobre o papel do
trabalho, da ciência, da política e da indústria na sociedade contemporânea.
Muitos marxistas e não-marxistas chegaram a proclamar a “extinção do valor-
trabalho” encenando a ascensão de uma “sociedade pós-industrial” baseada

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somente no “trabalho imaterial”. A aceleração da tendência do capital de retirar
do processo de produção um grande número de trabalhadores foi vista por
alguns como uma forma de “libertação” do trabalhador do processo de trabalho
(escola do trabalho imaterial) ou como uma nova etapa do desenvolvimento do
capitalismo (teoria da pós-grande indústria). De forma mais ampla, é lugar-
comum, entre marxistas e não-marxistas, dizer que a teoria do valor trabalho
está diretamente ligada à fase industrial do capitalismo e que na atual fase “pós-
industrial” ela não tem mais condições de explicar a produção e a distribuição
do valor. Com o surgimento das novas tecnologias da informação, das redes
telemáticas, da microeletrônica, etc. as fronteiras entre o trabalho manual e
intelectual desapareceriam deixando a “subsunção real do trabalho” num
passado remoto. Vários sugeriram o advento de uma sociedade pós-industrial,
pós-lei do valor-trabalho, pós-grande indústria, pós-subsunção real do trabalho,
pós-sei lá o que. A chamada “sociedade pós-industrial” seria o sinônimo dessas
mutações que apontariam em direção à hegemonia do trabalho imaterial e do
“capitalismo cognitivo”. Nesta nova situação, a atividade cognitiva torna-se o
fator essencial de criação do valor (e não o tempo de trabalho produtivo), o
trabalhador não necessitaria mais de instrumentos de trabalho já que o capital
fixo se encontraria agora no cérebro dos seres que trabalham. Estaríamos
entrando num novo modo de produção pós-capitalista onde as contradições
próprias do capitalismo industrial teriam sido superadas pelo próprio capital.
Estaria se concretizando, diante de nossos olhos, uma era para além do valor em
plena vigência global do capital e a categoria de grande indústria seria
absolutamente insuficiente para dar conta de um processo de centralidade de
um trabalho vivo mais intelectualizado. Será mesmo? O que há de errado com
essa formulação?
Autores da “escola do trabalho imaterial” como Toni Negri, Michael
Hardt, Maurício Lazzarato, Enzo Rullani, Carlo Vercellone, André Gorz e
Giuseppe Cocco apresentam como problemática central a crescente dificuldade
do capital medir as gigantes forças produtivas sociais conforme a quantidade de
tempo de trabalho. Estaríamos vivendo sob a perda total de substância da lei do
valor devido à necessidade de gastar menos força de trabalho para produzir
mercadorias. Ao mesmo tempo, como a valorização das mercadorias depende
cada vez mais da “informação” contida nelas, a produção capitalista estaria

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passando por uma mudança de qualidade, construindo a base técnica e formal
para a sociedade comunista. Ou seja, a revolução social seria supérflua diante da
força da revolução tecnológica em curso. O próprio capitalismo digital iria nos
levar a uma sociedade do “tempo livre” onde a produção pareceria cada vez mais
com a ciência e a arte. Como o conhecimento seria produzido fora do espaço
fabril, o “tempo de trabalho socialmente necessário” estaria emancipado. Os
conhecimentos, desincorporados de qualquer suporte material,
desequilibrariam toda a antiga “teoria do valor”. Em virtude de sua
desincorporação, os conhecimentos poderiam ser reproduzidos, trocados,
utilizados separadamente do capital e do trabalho. A economia cognitiva e o
capitalismo seriam inconciliáveis, pois a principal força produtiva – o saber ou o
conhecimento – não é quantificável pela medida de hora de trabalho.
Para Gorz, o conhecimento recobre uma grande diversidade de capacidades
heterogêneas. Não se trata de ter um trabalho cujo valor é uma medida de um
tempo homogêneo, que é medido em horas. Esse é um trabalho que não tem uma
medida comum. Ele é “julgamento, intuição, senso estético, nível de formação e
informação, a faculdade de aprender e de se adaptar a situações imprevistas”
(2005, p.29). São heterogeneidades de atividades ditas cognitivas, que formam o
capital imaterial do trabalho. Tendencialmente, o valor torna-se impossível de ser
medido apenas com o tempo do trabalho. Segundo Toni Negri,

Se antes, para produzir uma mercadoria, era necessário um certo número maior
de horas de trabalho simples (...) ou, de qualquer maneira, se para produzir um
número maior de mercadorias era necessário um aumento da massa de
trabalho, hoje, observamos, ao contrário, que cada aumento de produção nasce
da expressão de atividades intelectuais, da força produtiva da descoberta
científica e sobretudo da estreita aplicação da ciência e da tecnologia à
elaboração da atividade de transformação da matéria (Negri, 2003, p. 92-3).

O trabalho deixa de produzir hegemonicamente mercadorias palpáveis e


materiais e passa a ter como resultado um serviço, uma informação etc. Para
Gorz, nesta etapa produtiva, os fatores que geram valor são o “componente
comportamental” e a “motivação”, e não o dispêndio de tempo de trabalho. Para
ele, o que conta no mundo capital humano seriam:

As qualidades de comportamento, as qualidades expressivas e imaginativas, o


envolvimento pessoal na tarefa a desenvolver e completar. Todas essas

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qualidades e essas faculdades são habitualmente próprias dos prestadores de
serviços pessoais, dos fornecedores de um trabalho imaterial impossível de
quantificar, estocar, homologar, formalizar e até mesmo de objetivar (GORZ,
2005, p. 17).

O valor passaria a ser completamente imensurável porque não pode ser


medido em nenhuma “escala fixa” se tornando “além das medidas”. Ao ampliar
as formas imateriais de trabalho a partir da redução relativa dos postos na
fábrica, a teoria marxiana foi considerada, em termos, inadequada para explicar
o novo “ciclo do trabalho imaterial”. Para Carlo Vercellone (2006), o capitalismo
estaria experimentando uma transição conflituosa por certo em direção a uma
nova forma histórica. Essa nova etapa carregaria consigo potencialidades
subversivas e capazes, sem a necessidade de “acontecimentos dramáticos ou
espetaculares”, de dissolver o próprio modo de produção capitalista. A força da
revolução das novas tecnologias em curso estaria nos levando ao pós-
capitalismo. O motor desta revolução não estaria mais localizado na luta de
classes, e sim nas transformações em curso da divisão do trabalho, tendo em
vista a generalização hegemônica do trabalho imaterial.
Conforme Lazzarato e Negri, dois elementos constitutivos da hegemonia
do trabalho imaterial seriam: 1) a independência da atividade produtiva em face
à organização capitalista de produção devida à força de trabalho social e
autônoma pós-fordista capaz de organizar o próprio trabalho e as próprias
relações com a empresa e 2) o processo de constituição de uma subjetividade
autônoma ao redor da “intelectualidade de massa” já que o trabalho imaterial
não se reproduz na forma de exploração, mas na forma de reprodução da
subjetividade. O controle capitalista seria agora puramente formal: seria o
trabalho que definiria o capitalista e não o contrário. Nas fábricas pós-fordistas
os sujeitos produtivos se constituem de modo independente da atividade
empreendedora capitalista.

Não é mais necessária a intervenção determinante do empreendedor capitalista.


Este último torna-se sempre mais externo ao processo de produção da
subjetividade. O processo de produção de subjetividade, isto é, o processo de
produção tout court, se constitui “fora” da relação capital, no cerne dos
processos constitutivos da intelectualidade de massa, isso é, na subjetivação do
trabalho (2001, p. 35).

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O trabalho imaterial que produz “relações sociais” tem como matéria-
prima a subjetividade e o “ambiente ideológico” no qual esta subjetividade vive
e se reproduz (idem, p. 46). A produção de subjetividade deixa de ser somente
um instrumento de controle social e passa a ser diretamente produtiva no
processo de valorização. Nesse processo o trabalho imaterial tornaria impossível
a distinção entre tempo de trabalho e tempo livre, tempo produtivo e tempo de
lazer. A independência progressiva da força de trabalho intelectual e trabalho
imaterial em face do domínio capitalista fariam com que o tempo de trabalho
fosse uma base miserável de medida do valor que depende cada vez mais do
tempo de não-trabalho. O trabalho que produz produtos imateriais, como a
informação, o conhecimento, idéias, imagens, relacionamentos e afetos estariam
desestabilizando a unidade do valor fazendo explodir sua medida clássica. As
formas de criação do valor e do conteúdo do valor se modificaram não é mais
possível determinar a quantidade direta de trabalho necessária para sua
produção. Com isso a teoria marxiana foi declarada defasada em muitos de seus
elementos fulcrais (como por exemplo, a teoria do valor, a revolução social e a
ditadura do proletariado), pois o trabalho fabril estaria sendo substituído por
outras formas de produção comandada pelo trabalho dito “imaterial”.
Mesmo que por outros caminhos, Ruy Fausto e Eleutério Prado –
precursores da “escola da pós-grande indústria” – chegam a conclusões
parecidas com os companheiros da “escola do trabalho imaterial”. Aponta-se
que estaria havendo uma mudança na substância do valor, que antes era o
tempo de trabalho e agora, cada vez mais, seria baseado no avanço do
conhecimento, cognição ou informação que se dá no tempo de não-trabalho.
Esta tese vem da análise de Fausto (1989) sobre as conseqüências da pós-grande
indústria para a teoria marxiana do valor. Para ele, enquanto na “passada
grande indústria” a fonte do valor era o tempo de trabalho abstrato, na pós-
grande indústria a criação do valor depende cada vez menos do tempo de
trabalho e está cada vez mais assentada no conhecimento científico e
tecnológico, ou naquilo que Marx chamou, nos Grundrisse, de General Intellect
[intelecto coletivo].
Por mais que existam diferenças substanciais nas abordagens, ambas as
“escolas” têm em comum uma idéia muito propagada: o século XX teria
ilustrado perfeitamente as observações de Marx sobre o processo de trabalho

19
ajustado ao capital. Todos têm uma ingênua certeza que, no século XX, o
pensamento de Marx foi imbatível. Ele, mais do que ninguém, conseguiu
antecipar as principais tendências dos processos produtivos, em especial dos
pilares da “Grande Indústria Fordista-Taylorista”. O fio condutor desta mágica
ligação seria o binômio fordismo/taylorismo que representaria a base técnica
adequada à (re)produção de capital, a grande indústria. Marx seria um
antecipador do fordismo/taylorismo, a essência do processo de trabalho
capitalista. É daí que com a explosão do paradigma fordista/taylorista haveria
um esgotamento teórico da análise de Marx e seria necessário fazer uma crítica
derradeira à sua análise. Afinal, as mudanças decorrentes da produção flexível
teriam propiciado a ultrapassagem daquilo que Marx havia escrito sobre a
grande indústria, que havia ocupado o ponto máximo da produção de
mercadorias no sistema do capital. Começou assim a longa procissão que
proclama que teria surgido uma nova forma de produção, que era o fim da
grande indústria e do valor trabalho. Tornou-se quase uma regra encontrar nas
recentes transformações do trabalho e da sociedade algo para além da grande
indústria.
A conseqüência pré-marxista dessas teorias “pós-grande indústria” é que
dualizam a teoria de Marx entre “grande indústria = subordinação corporal e
manual” e “pós-grande indústria = atividade intelectual”. É como se o “novo” da
grande indústria não fosse a subsunção material + formal, isso é, real na
dimensão contraditória da dimensão manual e intelectual do trabalho vivo. Na
linha historicamente linear implícita de todos os teóricos da “pós-grande
indústria” existiria o predomínio da manufatura de meados do século XVI até o
último terço do século XVII. Depois começa o predomínio da grande indústria
até o final dos anos 1960. A partir de então o capitalismo teria entrado num
período “pós-grande indústria” em que a força produtiva do modo de produção
é a “inteligência coletiva”. É como se o capital analisado por Marx tivesse parado
no tempo, em específico numa etapa anterior de desenvolvimento real do
capital. A resposta e este “problema” é a criação constante de novos termos que
fossem capazes de compreender o que acontece hoje, entre eles “sociedade pós-
industrial”, “sociedade pós-moderna”, “sociedade do conhecimento”, “sociedade
pós-valor”, etc. Infelizmente esta nova terminologia deixa de ver os contornos

20
do que é realmente novo da Grande Indústria em Marx. No final de contas, esta
não é a verdadeira doxa dos marxistas hoje?
No que tange as soluções dadas por Ruy Fausto e seus impactos numa
formulação política de esquerda temos mais vergonha de evocar seu nome do
que reconhecimento da “importância” de seu trabalho. Entretanto, vamos expor
as teses gerais da “pós-grande indústria” de Fausto por apontar o extremo de
um entendimento falso e reacionário sobre Marx (e Hegel)1.
É sabido que o capital, enquanto valor que se valoriza infinitamente,
conforme sua reprodução ampliada, sempre tem como objetivo a auto-
valorização. O valor percorre diferentes formas, diferentes movimentos, nos
quais se mantém e, ao mesmo tempo, se valoriza, aumenta. A (re)produção do
capital depende do avanço histórico específico de sua composição orgânica que
se manifesta pela forma singular adotada de subordinação do trabalho ao
capital. Marx distingue a subsunção meramente formal e a subsunção real do
trabalho ao capital. Em O Capital, ele também distingue três modos de
cooperação: simples, manufatureira e grande industrial. Apenas as duas últimas
corresponderiam ao desenvolvimento do capitalismo. Segundo Ruy Fausto,
entretanto, diante do fim da grande indústria com a crise do Fordismo no final
dos anos 1960, deveríamos deixar de lado este esquema de O Capital e
vislumbrar algo que só teria sido esboçado nos Grundrisse onde Marx parece
indicar a possibilidade um quarto modo de cooperação no processo de trabalho
que poderia ser denominado de “pós-grande indústria”.
A tese de Ruy Fausto é que no Grundrisse, diferentemente d’O Capital,
Marx desenvolveria uma abordagem que apontariam rupturas qualitativas no
processo de trabalho baseado na grande indústria. Seria a emergência de um
novo estágio histórico e lógico do capital para além da manufatura e da grande
indústria onde a substância do valor deixaria de ser quantidade de trabalho
socialmente necessária. Nas suas palavras, na pós-grande indústria, “o trabalho
deixou de ser a fonte da riqueza e o processo material de produção deixou de ser
o lugar da necessidade” (idem, 2002). Buscando responder se “haveria uma
teoria marxiana sobre um capitalismo pós-grande indústria?”, Fausto indica

1
Definimos como “escola da pós-grande indústria” os teóricos que apontam, de diferentes formas,
a diluição do valor-trabalho no capitalismo contemporâneo, seja pelo avanço da tecnologia, pela perda de
centralidade do trabalho ou por mudanças qualitativas no capitalismo que apontam, dentro dele, forma de
produção positivamente pós-capitalistas.

21
essa terceira forma de industrialização que, em conjunto com a manufatura e a
grande indústria, fecharia a seqüência lógica de desenvolvimento da sociedade
capitalista e abriria as portas de uma nova sociedade. Essa necessidade lógica
faz Fausto defender em sua argumentação que

Cada modo de produção tem sua história própria, e um “mecanismo”


interno e diferenciado que leva à sua própria dissolução. Há uma
necessidade interna dos modos de produção. Entre os modos, há
períodos de transição. Nestes a necessidade é progressivamente
constituída, a partir de processos em que existe mais contingência do
que necessidade, mesmo se a partir de pressupostos dados pelos
elementos liberados pela dissolução das formas anteriores (FAUSTO,
2002, p.13).

A pós-grande indústria representaria uma terceira forma, “cuja


predominância define um terceiro momento do modo de produção capitalista”.
A pós-grande indústria seria a terceira forma sucessiva do modo de produção
capitalista, a segunda negação do processo de trabalho, ou seja, a negação da
negação do processo de trabalho, “porque se nega com ela a condição de
portador-apêndice que fora posta pela segunda forma, a grande indústria. A
condição de portador, no nível formal, ainda não é negada. Temos assim três
formas do capitalismo, no plano do processo material de produção. A essas três
formas correspondem configurações distintas no plano formal, ou níveis
diferentes de desenvolvimento dessas formas” (idem, p. 132). Enquanto na
manufatura o desenvolvimento da exploração da mais-valia relativa só podia ser
limitada, na grande indústria teria ocorrido o pleno desenvolvimento da
exploração da mais-valia relativa. Com a pós-grande indústria, entretanto,
“tem-se a "negação" do trabalho como fundamento do valor, e do tempo de
trabalho como medida da grandeza de valor”. O resultado dessas mutações
formais no capitalismo seria a “negação do capital no interior do modo de
produção capitalista” (idem, p. 128)

Até certo ponto, poder-se-ia dizer que esses três momentos têm algo a
ver com os três momentos lógicos que se pode reconhecer na estrutura
do modo de produção capitalista. O princípio da “produção simples” é
subjetivo, como é também subjetivo o princípio da manufatura. O
segundo momento lógico é o da essência do sistema, o da produção
capitalista enquanto produção capitalista. Seu princípio é objetivo, como
é objetivo o princípio da grande indústria. Finalmente, o terceiro

22
momento lógico é o da intervenção das relações de apropriação, o qual
revela o ‘fundo’ (Hintergrund) do sistema” (idem, p. 133).

A lógica da pós-grande indústria agiria contra o próprio capital numa


retomada do princípio subjetivo do trabalho. Enquanto na grande indústria de
Fausto a auto-valorização do capital torna cada vez mais objetivo o trabalho, na
pós-grande indústria o trabalhador se torna o sujeito do processo de trabalho
ainda sob uma forma de produção capitalista. O princípio subjetivo do trabalho
perdido na grande indústria se transforma no advento da pós-grande indústria
correspondendo a uma segunda negação, fazendo com que houvesse uma
espécie de retomada da situação da pré-grande indústria. Fausto aponta que,
com as alterações na natureza da maquinaria operada na pós-grande indústria,
haveria uma libertação do homem, ainda dentro do capitalismo, do trabalho
alienado tornando-se “liberado” do processo. Isso acontece porque “o processo
de trabalho perdeu completamente o seu caráter de processo de trabalho. O
processo de produção tem um caráter muito próximo ao de um processo de
produção da ciência. São novas máquinas que o executam, o indivíduo sai até
certo ponto do processo” ou seja, “a subordinação material desaparece. Não há
mais ´oposição´ entre o indivíduo e o processo material, embora ou
precisamente porque se restabelece a oposição matéria e forma (idem, p. 135).
Com o fim da subordinação material do trabalho “o homem não é mais sujeito
do processo de produção, ou antes, a segunda negação faz com que se rompa a
estrutura do processo de produção como processo de trabalho. O homem é de
certo modo ‘posto para fora’, liberado (freigesetzt) do processo, mas é assim
mesmo que ele passa a dominar o processo” (idem, p. 131). Assim, “até a grande
indústria, massa de tempo de trabalho, o quantum de trabalho, é o elemento
decisivo; é esse tempo que deixará de ser a ´medida do movimento´” (idem, p.
129). Com a dependência cada vez maior da situação geral da ciência na
produção,

Temos um “poder” que escapa do tempo como medida. O “valor” passa a


ser qualitativo, e nesse sentido a “riqueza efetiva” não é mais valor
(trabalho abstrato cristalizado, medido pelo tempo), mas “valor negado”.
[...] A riqueza efetiva não é mais proporcional ao tempo de trabalho. Há
desproporção entre eles, e desproporção qualitativa. Que significa uma
“desproporação qualitativa”? Um elemento tem um peso “maior” do que
o outro, sem que este “maior” possa ser medido pelo tempo, o medido

23
em geral. O processo de trabalho é agora essencialmente processo de
produção (FAUSTO, 2002, p.130).

Com a pós-grande indústria e a segunda negação do trabalho que


“desmede o tempo de trabalho”, as bases do sistema implodiriam, pois revelaria
“quando o trabalho deixa de ser a fonte de riqueza” e, assim, “ganha-se
qualitativamente e quantitativamente, e dentro e fora do processo de produção”
(idem, p. 131).

Estamos, assim, diante de uma verdadeira transformação do processo


produtivo, de uma mutação tecnológica, e os efeitos formais
considerados não atingem apenas o nível, que é afinal fenomênico, da
taxa de lucro, mas os “fundamentos” do sistema. A mutação tecnológica
não produz contradições internas ao sistema, ele provoca a explosão de
suas bases. O resultado é a revelação do que a “verdadeira riqueza”
(idem, p. 132).

Enquanto na manufatura a subsunção do trabalho ao capital era apenas


formal e na maquinaria a subordinação se torna real pela objetividade da
máquina perante o coletivo de trabalhadores, na pós-grande indústria a
subordinação material desapareceria, dando lugar à subsunção formal-
intelectual do trabalho ao capital. Nesse estágio “o logos da natureza é posto no
processo de produção” (idem, p. 134), tornando a máquina um autômato
intelectual (idem, p. 135). Como resultado se tem na pós-grande indústria

a interiorização e objetivação de processos naturais. E sendo a interiorização


intelectualização do objeto, a objetivação é posição do intelecto geral. [...] A
compreensão da natureza está objetivada nas novas máquinas. Se na grande
indústria o capital valia-se da ciência para adequar a matéria aos seus fins, ele é
levado a fazê-lo uma segunda vez, trabalhando para a sua própria dissolução
como forma que domina a produção. A ciência, que é forma material do capital,
é posta uma segunda vez. E agora a posição é de tal ordem que a matéria, o
esqueleto material enquanto tal, torna-se simples suporte da ciência. Nesse
sentido, essa posição é muito diferente da primeira [...] Aqui não há mais
encarnação, porque a forma excede a matéria. A forma (sempre a forma
material) reduz a matéria (a matéria material) a suporte (FAUSTO, 2002,
p.134).

Fausto aponta que, como conseqüência desse processo, o tempo de não-


trabalho torna-se a substância da riqueza na pós-grande indústria. A riqueza
aparece do lado do tempo livre: “o tempo de não-trabalho é a medida da riqueza
enquanto riqueza objetiva, e ela é tempo livre enquanto riqueza subjetiva”
(idem, p.138). Se o capital acrescenta o uso “da arte e da ciência”, porque sua

24
finalidade posta é criar valor e apropriar trabalho excedente, com isso ele
contribui a reduzir tempo de trabalho a um mínimo e a tornar livre o tempo de
todos. Mas essa criação do tempo de não-trabalho aparece do ponto de vista do
capital como não-tempo de trabalho, tempo livre para alguns. Por isso,

Com a pós-grande indústria [...], a riqueza não é mais produzida pelo


trabalho, mas pelo não-trabalho. Isto num duplo sentido. Em primeiro
lugar, a riqueza material já não depende essencialmente do trabalho. Em
segundo lugar, a riqueza passa a ser essencialmente a ciência (a arte
etc.), e esta é produzida no tempo de não-trabalho. Assim, a substância
da riqueza não é mais o trabalho, mas é o não-trabalho. O trabalho era
a substância da riqueza abstrata [...]. Agora a substância da forma não é
mais o trabalho, mas o não-trabalho (é a ciência que cria “valor”).
Porém, enquanto “não-trabalho” concreto, a (nova) ciência fará mais do
que modificar a forma dos objetos naturais (FAUSTO, 2002, p.137).

Na grande indústria de Fausto a riqueza dependia do tempo de trabalho


que media a produção da riqueza. Agora, na dita pós-grande indústria, a riqueza
seria a cristalização do trabalho científico que “entra” no tempo livre. Fausto nos
leva a uma inversão já que o tempo de não-trabalho torna-se a substância e
medida da riqueza objetiva e tempo livre enquanto riqueza subjetiva.

O tempo destinado à produção do capital fixo representa, no interior do


capitalismo, o tempo livre, no sentido de que é um tempo dedicado à
produção de objetos de consumo ou imediatamente consumíveis [...]. O
que se teria com a pós-grande indústria seria uma interversão do tempo.
O tempo de trabalho se torna tempo de não-trabalho, em parte porque o
tempo de trabalho não é mais tempo de trabalho, em parte porque a
criação da verdadeira riqueza não se faz nele mas no seu outro. O
mesmo se pode dizer do espaço. O espaço de trabalho se inverte em
espaço de não-trabalho [...]. Com a mutação que a se produz após a
grande indústria, a riqueza interverterá o próprio tempo de trabalho em
tempo de não-trabalho. E, mais ainda, ela mesma tornar-se-á tempo de
não trabalho (idem, p. 139)

Fausto acredita que a revolução científica levou a grande indústria à pós-


grande indústria e ao fim da subordinação material do trabalho ao capital
fazendo reaparecer, através da ciência, uma comunidade subjetiva no processo
de trabalho. Fausto procura encontrar na pós-grande indústria uma forma pós-
capitalista dentro do capitalismo em que o tempo livre se torna um valor em si
para o capital2. É uma reconciliação da identidade perdida na história entre

2
Concordamos plenamente com Henrique Amorim: “revendo a ousada interpretação de Fausto
dos Grundrisse percebemos que, de certa forma, ela está presa a uma lógica formalista do processo

25
capital e humanidade, o fim da história da luta de classes. Na pós-grande
indústria esta identidade é possível e, ao que tudo parece, conforme Fausto deve
ser garantida porque desequilibraria o capital. Haveria uma oposição entre
forma e matéria do capital onde “a adequação material do capital é posta em
xeque como por excesso de adequação” (2002, p. 131). Deste modo,

no momento que a forma material se adéqua inteiramente à matéria, no sentido


de que ela a domina inteiramente, a forma (formal) enquanto tal, isto é o
capital, já não se adéqua à matéria (à forma material mais a matéria material).
A posição plena material, pelo próprio fato de que ela é plena, já não serve mais
à forma enquanto tal. A forma material passa a servir a si própria em vez de
servir à forma formal. Está última, o capital, funciona assim como aprendiz de
feiticeiro. Ela utiliza uma “alma material” que se volta contra ela [...]. É como se
o capital, processo quase-vivo, se perdesse, no momento em que mobiliza o
espírito enquanto tal (idem, p. 135).

Nossa intenção aqui não é perder muito tempo com as elucubrações


destas teorias “pós-grande indústria”.
Os teóricos da “pós-grande indústria” criticam Marx e o marxismo
tradicional por encontrar na grande indústria um modelo exemplar de
organização do trabalho que expressaria o extraordinário grau alcançado pelo
desenvolvimento das forças produtivas sob a égide do capital. Ao ligar
automaticamente a noção de fordismo com o conceito marxiano de grande
indústria, estes teóricos garantem que na pós-grande indústria contemporânea
o grau possível de desenvolvimento das forças produtivas é ultrapassado e,
agora, a produção está organizada com base na inteligência coletiva imediata
sem as determinações do capital, o que amplia e fortalece ainda mais o caráter
social da produção e supera magicamente as contradições de classe. Entretanto,
este é um profundo erro prático e conceitual já que, ao se postular uma “pós-
grande indústria”, parte-se do pressuposto falso que o fordismo é idêntico à
grande indústria. É como se Marx tivesse analisado a grande indústria como o

histórico. A ordem histórica está presa à ordem lógica, isto é, a um conjunto de abstrações conceituais que
seriam construídos antes mesmo da própria história. Essa interpretação, por sua vez, está ligada ao fato de
que nos Grundrisse a “pós-grande indústria” não teria sido elaborada por Marx e que sua análise neste
livro seria otimista, pois apresentaria, com base na redução do tempo de trabalho, uma ruptura qualitativa
com a produção capitalista. Os Grundrisse sondariam modificações na estrutura da produção que podem
gerar uma ruptura qualitativa. No entanto, essas rupturas não são apreendidas como rupturas de fato, mas
sim como negações dentro da forma específica da produção. Acrescente-se que tais negações não são
apresentadas como uma terceira forma — coisa que o próprio Fausto propõe (Amorim, 2006, 60).

26
reino do trabalho manual, repetitivo, parcial e univalente do capitalismo
keynesiano.
As teorias “pós-grande indústria” e do “trabalho imaterial” partem do
pressuposto completamente falso que considera o fordismo como a grande
indústria por excelência. Afinal, de onde vem o entendimento de que o binômio
fordista/taylorista representa a grande indústria descrita por Marx? É preciso
analisar em que se diferencia a forma de produção da grande indústria em
relação a esta chamada “pós-grande indústria”. Nosso objetivo é contestar as
teses defendidas pelos teóricos da pós-grande indústria que acreditam na
hegemonia de um “trabalho intelectual” que superou a subordinação do
trabalho ao capital. Viveríamos numa era baseada onde “as peculiaridades
pessoais são valorizadas” e que um processo de trabalho criativo e cheio de
sentido social passariam a fazer parte do desenvolvimento do capital. Os antigos
antagonismos de classe ficaram no passado e agora a “empresa” seria o local
para o desenvolvimento das individualidades. Não podermos mais crer na
erradicação do capital já que ele passa a representar uma modalidade de
impulsionar as atividades “cognitivas”, os comportamentos e as motivações dos
indivíduos de forma “positiva”. A luta agora seria contra a estabilização do
trabalho diante da constante mutação do conteúdo produtivo.
De forma paradoxal é exatamente neste momento de questionamento
generalizado do significado da categoria Grande Indústria que a forma
contemporânea do trabalho se apresenta de maneira cada vez mais complexa,
intensa, combinada, coletiva e flexível numa constante interação com máquinas
virtuais que se apropriam do saber coletivo, características fundamentais da
análise de Marx sobre a própria Grande Indústria e o Intelecto Coletivo. Mas
como viemos parar aqui?
Mesmo com a falta de explicações sobre esses paradoxos, os autores
destas “escolas” sempre procuram enfatizar que a manufatura foi superada pelo
fordismo/taylorismo, que o trabalho não é mais a medida de reprodução do
valor, que a grande indústria se fora da história junto com o esgotamento do
padrão fordista, que a ciência seria a única força produtiva no capitalismo
contemporâneo, que já vivemos no comunismo - mas apenas “em-si”. O que fica
claro é estas teorias da “pós-grande indústria” sob a hegemonia do “trabalho
imaterial” pressupõem, ao menos parte considerável, um entendimento

27
histórico e lógico essencialmente falso sobre a própria grande indústria. Sem
dúvida a crença que a grande indústria foi uma forma de produção de um
passado remoto é uma das operações ideológicas mais correntes hoje.
Para o senso comum teórico, seja marxista ou não, se costuma dizer que
o novo “paradigma tecnológico de produção”, conhecido como pós-fordismo ou
toyotismo, escapa às possibilidades de análise pela teoria de Marx pela suposta
extinção da grande indústria com o esgotamento do fordismo/taylorismo.
Infelizmente postular que encontrar uma teoria “pós-grande indústria” em
Marx seria a solução diante da bancarrota da grande indústria perpassa uma
visão mecanicista e positivista da grande indústria e da história. Nos Grundrisse
Marx é claro ao enfatizar que

na medida que se desenvolve a grande indústria, a criação de riquezas


depende cada vez menos do tempo de trabalho e da quantidade de
trabalho utilizada, e cada vez mais do poder dos agentes mecânicos
postos em movimento durante a duração do trabalho. A enorme
eficiência destes agentes, por sua vez, não tem qualquer relação com o
tempo de trabalho imediato que custa a sua produção. Depende, antes,
do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação
dessa ciência à produção (Marx, 1989, 227-8).

Assim, se essa é a grande indústria para Marx, porque seria necessária


uma teoria da “pós-grande indústria” que nos diga que a medida do tempo de
trabalho diminui diante da aplicação da ciência na produção capitalista? Como
vimos, a própria noção marxiana de grande indústria pressupõe um processo
altamente dependente do “nível geral da ciência e do processo da tecnologia” e
sua aplicação à produção. Não estariam então Fausto e outros autores
equivocados aos procurarem uma teoria “pós-grande indústria” em Marx
considerando a ligação simbiótica entre ciência e produção no próprio conceito
de grande indústria? Se a ação da ciência na produção é um elemento
constituinte da grande indústria, quais seriam as grandes novidades da teoria
“pós-grande indústria” senão (mais) um grande mal-entendido da teoria
marxiana? O erro não seria enxergar a grande indústria onde havia manufatura
e “pós-grande indústria” onde há grande indústria? Fausto propõe que na “pós-
grande indústria” a subordinação material do trabalhador ao capital desaparece
dando lugar a uma subordinação formal-intelectual do trabalho ao capital.
Entretanto, a forma de “materialidade” da maquinaria da grande indústria

28
conceituada por Marx já envolve uma subsunção intelectual do trabalhador
coletivo ao capital, pois depende da aplicação tecnológica da ciência na
maquinaria. Fausto liga a “subsunção real” com o trabalho manual fordista,
desconsiderando que a maquinaria da grande indústria depende da
expropriação intensiva da atividade intelectual do trabalhador coletivo.
Inclusive, sem esta forma de expropriação do “intelecto coletivo” a reprodução
das máquinas e suas rupturas tecnológicas seriam impensáveis. Sem a
maquinaria da grande indústria, o capital ficaria a mercê do desenvolvimento
técno-físico do trabalhador e não poderia explorar os potenciais
“informacionais” do valor de uso do trabalhador coletivo.
Afinal, se partirmos da análise que considera a grande indústria como o
padrão de acumulação baseado no binômio fordismo/taylorismo que se
estabelece no final do século XIX, teve seu auge no início do século XX e
esgotamento em meados de 1970, é natural retirar a conclusão que nas últimas
décadas emergiu no mundo do trabalho algo “para além da grande indústria”.
Entretanto, quando nos encontramos com o conceito de Grande Indústria
desenvolvido por Marx, é muito estranho considerar que grande indústria tem
como seu paradigma final o fordismo já que, em princípio, a aplicação da ciência
na produção é característica fundamental da grande indústria e o
fordismo/taylorismo está muito mais ligado a métodos e organização do
trabalho, representando assim apenas o início e a transição para um
desenvolvimento tecnológico propriamente dito. Mais estranho ainda é
identificar a maquinaria intelectualizada capaz de reprodução analisada por
Marx com a mediocridade maquinaria tecnológica do fordismo/taylorismo que,
consensualmente, transformava o trabalho vivo num instrumento de produção
desumanizador. Por isso que, nas palavras de Antunes, “quem lê com cuidado os
capítulos d’O Capital, quando Marx se refere à transição da manufatura para
grande indústria, vai ver que o taylorismo e o fordismo têm muito mais
elementos de continuidade do que de descontinuidade em relação à grande
indústria do século XIX” (2009, p. 28). Conforme Benedito Moraes Neto,
importante estudiosos desta problemática, o fordismo eleva a produtividade
social do trabalho pela via do parcelamento de tarefas e se funda sobre o
trabalho manual, características da manufatura. No fordismo as máquinas
exercem não o papel de intervenção direta no processo produtivo, mas a

29
diminuição dos tempos improdutivos da produção. Assim o fordismo é um
desenvolvimento da manufatura e não da maquinaria como conceitualizada por
Marx.

A partir dessa correta compreensão conceitual da maquinaria, a entrada em


cena no século XX do taylorismo – fordismo é, sem dúvida, causadora de
perplexidade. Quem estuda o taylorismo observa que, no fundo, o que Taylor
tenta fazer é transformar novamente o homem num instrumento de produção,
analogamente ao que se havia tentado na fase pré-maquinaria. Essa visão do
homem como instrumento de produção magnifica-se no fordismo. Ao encetar
sua típica inovação, que é a linha de montagem, Ford não fez outra coisa senão
coletivizar o taylorismo, com o recurso fundamental da esteira, que procura
resolver o problema tipicamente manufatureiro do transporte. Na verdade, esta
grande fábrica fordista, ao invés de significar a indústria por excelência, a
forma mais avançada da produção capitalista, significou isto sim uma
“reinvenção da manufatura”, uma coisa extremamente atrasada do ponto de
vista do ponto de vista conceitual, a despeito de seu imenso sucesso do ponto
de vista econômico, produtivo. A colocação de milhares de trabalhadores, uns
ao lado dos outros, fazendo movimentos parciais, de forma alguma ajusta-se à
noção marxista de produção à base de maquinaria. Por isso afirmamos acima:
Marx não é Adam Smith. A grande indústria fordista não significa, portanto,
uma ilustração do conceito marxista de grande indústria; na verdade significa
sua negação. Vale destacar que, embora amplamente disseminado, é
equivocado considerar a forma de produção fordista como genérica, capaz de
dar conta de uma maneira geral da atividade industrial capitalista ao longo do
século XX. Ela é extremamente importante, mas não é generalizável; não se
pode estendê-la, por exemplo, para os casos das indústrias têxteis e de fluxo
contínuo, que há muito tempo se ajustaram à produção automatizada. O
caminho do taylorismo–fordismo significa na verdade um “desvio
mediocrizante” do capitalismo no que se refere ao desenvolvimento das forças
produtivas, amplamente vinculado à indústria metal-mecânica. Afinal, não é
nada brilhante colocar o ser humano em atividades sem conteúdo, e medir seus
tempos e movimentos como um instrumento de produção, assim como não é
nada brilhante colocar milhares de pessoas, umas ao lado das outras, fazendo
movimentos repetitivos. Isto não tem nada a ver com a utilização da ciência
como força produtiva, não faz jus à colocação de Marx do brilhantismo do
capitalismo quanto ao desenvolvimento das forças produtivas. Esse “desvio
mediocrizante” do capitalismo significou uma harmonização preocupante entre
a mediocridade das forças produtivas e a mediocridade da forma social. Se é
assim, será que a grande indústria taylor – fordista (não mais taylor–fordo–
marxista, mas apenas taylor-fordista) merecia ter sido vista como a “ponte” que
poderia levar do capitalismo desenvolvido para o socialismo? (Neto, 2000, p.
10-11).

Sem dúvida a resposta é negativa. Lênin e parte considerável dos


marxistas fizeram uma ligação equivocada entre taylorismo e cientificização dos
processos produtivos, apostando numa passagem "grande indústria taylorista -
socialismo", que mais tarde se revelou como uma complexa passagem
"manufatura-socialismo”. Nas terríveis condições pós-revolução de 1917, Lênin

30
entendeu o socialismo como um “taylorismo com características soviéticas”
onde as técnicas científicas de trabalho se juntariam com a consciência
proletária coletiva. Lênin encarou o fordismo/taylorismo como a etapa mais
desenvolvida da produção capitalista enxergando-a como o melhor exemplo da
grande indústria, o estágio mais avançado das forças produtivas no capitalismo,
seu limite como base técnica. Não seria exagero dizer que uma das razões do
fracasso da primeira tentativa de superar o regime capitalista na Rússia esteve
profundamente relacionado com as limitações de uma tentativa de passar
imediatamente da manufatura taylorismo/fordista à “grande indústria
socialista”. A NEP (New Economic Policy) na Rússia começou essa tentativa de
expansão e generalização da “grande indústria taylorista” com atividades
fortemente mecanizadas. Segundo Lênin, com a NEP, “o Poder Soviético reforça
a grande produção contra a pequena, a avançada contra a atrasada, a
mecanizada contra a manual, aumenta a quantidade de produtos da grande
indústria nas suas mãos..., reforça as relações econômicas reguladas pelo Estado
como contrapeso às relações pequeno-burguesas anárquicas” (Lenin,1980, p.
505). O socialismo seria inconcebível sem a técnica capitalista do sistema Taylor
que implicaria num progresso enorme à ciência já que “analisa
sistematicamente o processo de produção e abre a via para um grande aumento
da produtividade do trabalho humano” (Lenin, 1986, p. 146). A grande tarefa da
República Soviética seria implantar em toda a Rússia o sistema Taylor e suas
riquíssimas elevações científicas da produtividade do trabalho. A possibilidade
de realizar o socialismo seria determinada pelos

êxitos na combinação do poder Soviético e da organização soviética da


administração com os últimos progressos do capitalismo. Tem de ser criada na
Rússia o estudo e o ensino do sistema Taylor, a sua experimentação e adaptação
sistemáticas. Ao mesmo tempo, é preciso ter em conta as particularidades do
período de transição do capitalismo para o socialismo, que exigem, por um lado,
que sejam lançada as bases da organização socialista da emulação e, por outro
lado, exigem a aplicação da coação para que a palavra de ordem de ditadura do
proletariado não seja maculada por uma prática de brandura do poder Soviético
(idem, 574).

Lênin que estava completamente a par do “otimismo tecnológico” que


dominou o trabalho dos principais pensadores da Segunda Internacional, como
Kautsky e Plekhanov. Essa versão “completamente produtivista da dinâmica
histórica” entre as forças produtivas e as relações de produção entendia que a
31
completa base material para o socialismo estaria sendo formada no interior da
sociedade capitalista e poderia ser apropriada tal como ela é pelo regime
socialista. Seria como se o desenvolvimento das forças produtivas pudesse, por
si só, fazer desaparecer as formas capitalistas da divisão do trabalho e as outras
relações sociais burguesas. E não estariam também os teóricos “pós-grande
indústria” embebidos dessa mesma ideologia que desconsidera que somente a
luta de classes travada sob a ditadura do proletariado e corretamente dirigida
pode combater a divisão capitalista do trabalho e, simultaneamente, as relações
ideológicas e políticas que permitem a reprodução de relações de exploração e
de opressão? Afinal, a revolução não tem o papel de ajudar a destruir as formas
existentes do processo de apropriação do trabalho alheio, base da reprodução
das relações de classes, para construir um novo processo de trabalho social
destinado a destruir a base objetiva da existência de classes? Ou a idéia de
revolução é apenas uma “circulação de elites” para a melhor gestão da
exploração e organização capitalista?
O tipo de raciocínio mecanicista-evolutivo é formulado por Fausto na sua
teoria da “pós-grande indústria” até suas últimas conseqüências. Fausto diz
“achar” em Marx indícios para estabelecer algo como um estágio do capital pós-
grande indústria que estaria caminhando na auto-dissolução do capitalismo.
Porém, como mostraremos rapidamente aqui, este tipo de operação enganosa se
baseia muito mais na incapacidade do autor em ler e compreender textos em
alemão (e teimar em fazê-lo) que Fausto distorce os textos de Marx para,
tendenciosamente, justificar os elementos que ele precisa para suas teses “pós-
marxistas”.
A citação principal de Fausto aonde ele entende que Marx indica uma
possível “pós-grande indústria” é esta:

"(...) a riqueza efetiva se manifesta antes - e isto a grande indústria revela -


numa desproporção monstruosa entre o tempo de trabalho empregado e o seu
produto, assim como na desproporção qualitativa entre o trabalho reduzido a
uma pura abstraação e o poder (Gewalt) do processo de produção que ele vigia
(bewacht)”.

O texto de Marx no original em alemão é:

32
“Der wirkliche Reichtum manifestiert sich vielmehr – und dies enthüllt die
groβe Industrie – im ungeheuren Miβverhältnis zwischen der angewandten
Arbeitszeit und ihren Produkt, wie ebenso im qualitativen Miβverhältnis
zwischen der auf eine reine Abstraktion reduzierten Arbeit und der Gewalt des
Produktionsprozesses, den sie bewacht“.

É verdade que, ao traduzir o texto para o português, é possível pensar que


“a grande indústria revela” algo que não a pertence, algo que não lhe seria
inerente. Porém, a simples questão para desmontar toda vontade teórica de Ruy
Fausto em querer achar aqui algo de “novo”, de diferente, de “ruptura”, é que,
lendo o texto em alemão é mais do que óbvio que Marx não está dizendo que “a
grande indústria revela” uma “desproporção” que lhe (à grande indústria) é
estranha. O “revela” (enthüllt) do texto não se refere a algo externo ou posterior
à grande indústria, mas sim a algo inevitável de sua dinâmica própria que a
caracteriza completamente.
Consultando alemães lingüistas, germanólogos e bacharéis em literatura
alemã, só para não haver dúvidas quanto ao nosso entendimento da língua
alemã contra o de Fausto, todos eles foram unânimes em dizer que é mais do
que óbvio que, a única forma na língua alemã que esta frase pode fazer sentido é
que todas as “desproporções” que Marx descreve no texto são inevitavelmente
inerentes e formativas da própria grande indústria. Nesta frase é bem
claro que “a grande indústria” é o exemplo maior destas desproporções e não há
nenhum indício, como pretende Fausto, para uma possível “pós-grande
indústria” em Marx.
Como já vimos antes, para que Fausto e outros consigam estruturar suas
teses e assim afirmar que o maquinário passou a ser um “autômato intelectual”,
é preciso que se subtraia o homem da sua própria história e se ache em Marx a
descrição de elementos autômatos que não mais dependem do homem para
existir. Fausto explica-nos que:

As relações entre o homem e a natureza, e entre o homem individual e a espécie


humana estão pressupostos e não postos no discurso de maturidade de Marx. O
que significa que eles ficam fora do discurso de ordem propriamente científica,
e, objetivamente, que eles antes constituem o “fundo” da história – ou da pré-
história – do que são propriamente elementos constitutivos dela. (Rui Fausto
“Marx: Lógica e Política” Tomo III pp. 23-24)

33
Assim já nas suas citações da Ideologia Alemã podemos observar a
incapacidade de Fausto em compreender a língua alemã e, ao mesmo tempo, a
distorção tendenciosa que faz desta quando lê Marx.

Assim, o dado fundamental é menos a subordinação de certos indivíduos a


outros indivíduos, do que a de todos a uma potência autonomizada”. (Rui Fausto
“Marx: Lógica e Política” Tomo III pp. 101).

E Fausto cita Marx e o traduz assim do alemão:

“A potência social, isto é, a força de produção multiplicada, que aparece através


do esforço combinado (Zusammenwirken) de diferentes indivíduos, não como a
sua pŕopria força unida, mas como um poder estranho que nasce fora
deles, o qual eles não sabem nem de onde [vem] nem para onde [vai], que eles,
assim, não podem mais dominar, [e] que, pelo contrário, percorre agora uma
série de fases e graus de desenvolvimento sucessivos, independente do querer e
do agir (laufen) dos homens, dirigindo, agora, mesmo este querer e agir” (Marx-
Engels, Werke, Berlin, Dietz Verlag. 3 Pag.34)

Muito confuso. Por isso, vejamos Marx no original:

“Die soziale Macht, d.h. die vervielfachte Produktionskraft, die durch das in der
Teilung der Arbeit bedingte Zusammenwirken der verschiedenen Individuen
entsteht, erscheint diesen Individuen, weil das Zusammenwirken selbst nicht
freiwillig, sondern naturwüchsig ist, nicht als ihre eigne, vereinte Macht,
sondern als eine fremde, außer ihnen stehende Gewalt, von der sie nicht
wissen woher und wohin, die sie also nicht mehr beherrschen können, die im
Gegenteil nun eine eigentümliche, vom Wollen und Laufen der Menschen
unabhängige, ja dies Wollen und Laufen erst dirigierende Reihenfolge von
Phasen und Entwicklungsstufen durchläuft.” (Marx-Engels, Werke, Berlin, Dietz
Verlag. 3 Pag.34)

A primeira coisa que salta aos olhos diretamente é, por “coincidência” ou


não, a mal tradução e incompreensão do texto de Marx por Fausto exatamente
nos pontos mais relevantes para a lógica da “pós-grande indústria”. Em seu
texto, Fausto coloca o “indivíduo” como uma negatividade que simplesmente
“sofre” a história e não é parte ativa dela, ele é apenas “subordinado a uma
potência autonomizada”. Fausto traduz Marx dizendo que a “potência social”
aparece como um “poder estranho que nasce fora deles” e dá a entender que é
inerente do “homem individual e [d]a espécie humana” esta incapacidade de
serem “elementos constitutivos” da história, fazendo assim da espécie humana
um elemento que apenas sofre a história, lógica esta que será o apoio dele para
seus próximos argumentos e chegar a um “pós-grande indústria”.

34
Marx deixa bem claro neste texto que “é apenas quando a cooperação
não é voluntária (nicht freiwilig), [imposta e não de livre e espontânea
vontade] (uma parte do texto de Marx que Fausto “esqueceu” de traduzir!) é que
a potência social aparece aos indivíduos que fazem parte desta cooperação
como uma “estranha [a eles] violência que se encontra fora deles” (eine
fremde, außer ihnen stehende Gewalt). Por isso é extremamente descabida
a afirmação de Fausto que “o dado fundamental é menos a subordinação de certos
indivíduos a outros indivíduos, do que a de todos a uma potência autonomizada”,
pois somente a subordinação de indivíduos a outros indivíduos, detentores estes
do poder e da capacidade violenta de o exercer, que pode criar uma “cooperação
não voluntária”.
A incapacidade de Fausto traduzir este parágrafo nos leva a crêr, lendo
sua “tradução”, que logo que exista uma “força de produção multiplicada, que
aparece através do esforço combinado (Zusammenwirken) de diferentes
indivíduos” nasce automaticamente um “força estranha fora deles” que
“percorre agora uma série de fases e graus de desenvolvimento sucessivos,
independente do querer e do agir (laufen) dos homens, dirigindo, agora,
mesmo este querer e agir”. O que Marx escreve porém é bem diferente, pois na
frase há mais um sujeito implícito e a um momento histórico anterior que
Fausto deixa fora da sua “tradução”. O sujeito implícito é por conta do “não
voluntário” (nicht freiwilig) que Fausto não traduz e que é essencial para a frase
já que aniquila esta “naturalidade ahistórica” do processo que Fausto quer
descrever mas que não existe no texto de Marx: há, no texto de Marx um
“alguém” que exerce uma violência e que impõe uma cooperação não
voluntária, e este “alguém” é o processo de produção capitalista que não possui
nada de “natural” ou inevitável. O momento histórico e a condição humana
anterior que existe no texto de Marx e que Fausto distorce quando traduz que
“independente do querer e do agir (laufen) dos homens, dirigindo, agora,
mesmo este querer e agir”, fica claro pois o “dirigindo agora” de Fausto apenas
pressupõe um passado mas não deixa claro qual, enquanto Marx, no texto
original deixa mais do que claro que não é “dirigindo agora” e sim que é apenas
à partir do momento no qual a “cooperação” é imposta pela “violência”
(Gewalt) do processo capitalista de produção é que o “poder unido” (“vereinte
Macht”) desta cooperação “não aparece como próprio (nicht als ihre eigne) [do

35
idivíduo] mas permeia o querer e andar [próprio] que primeiramente
(erst) dirigia o desenrolar das fases e das etapas de desenvolvimento”. Eis a
tradução correta para este fim de parágrafo. Não é “dirigindo agora”, como
coloca Fausto (pois “agora” seria “jetzt” em alemão, que não aparece na frase),
que dá a entender que de qualquer cooperação nasce automaticamente uma
“força estranha” que a dirige, e sim, como escreve Marx que “o querer e andar
[próprio] que primeiramente (erst) dirigia o desenrolar das fases e das
etapas de desenvolvimento”... “não pode ser mais controlado pelos
trabalhadores”, como era antes pois há uma imposição violenta das formas de
produção capitalista que transformam este “poder unido” da cooperação em
uma “força estranha” que “os trabalhadores já não conseguem mais dominar”.
Mais uma vez Fausto distorce Marx para tentar inventar momentos autômatos e
uma história aonde o ser social é apenas passivo da história. Continuando,
Fausto cita Marx:

"(...) O roubo de tempo de trabalho alheio sobre o qual repousa a riqueza atual11
aparece como base miserável diante dessa [base] que se desenvolve pela
primeira vez (neuentwickelri) criada pela própria grande indústria12. Logo que o
trabalho em forma imediata deixa de ser a grande fonte da riqueza, o tempo de
trabalho deixa e deve deixar (muss aufhören) de ser a sua medida e por isso o
valor de troca [deve deixar de ser a medida] do valor de uso. O sobretrabalho da
massa12 deixou de ser condição para o desenvolvimento da riqueza universal,
assim como o não trabalho de poucos 13 para o desenvolvimento da força
universal do cérebro (Kopf) humano. Com isto, cai a produção fundada no valor
de troca e o próprio processo de produção imediato se despoja (erhält...
abgeslreift) da forma do carecimento (Notdürftigkeit) e da posição
(Gegensäztlichkeit).

E Fausto adiciona:

"O roubo do tempo de trabalho". A pós-grande indústria revela a base primeira


(o Hintergrund) do sistema...

Como pode ele citar Marx que, no texto original em alemão, diz que “O
roubo do tempo de trabalho alheio sobre o qual repousa a riqueza atual
aparece como base miserável diante desta nova base desenvolvida pela
própria grande indústria” (Marx, Grunrisse, p. 593), e, logo após dizer “a pós-
grande indústria revela a base primeira”? Da onde ele tirou o “pós-grande
indústria” se Marx estava claramente dizendo que estas são especificidades da
grande-indústria? O texto de Marx, pelo menos no original em alemão, é mais

36
do que claro que ele está descrevendo a grande indústria e não algo que poderia
vir após ela.
Marx é bem claro ao descrever os por ele chamados, “estágios mais
avançados da grande indústria” e aqui não há dúvidas dos tremendos
equívocos de Ruy Fausto pois os textos originais deixam mais do que claro que
todos os “argumentos” de Fausto para uma “pós-grande indústria” são, para
Marx, a própria grande indústria:

Wie mit der Entwiklung der grossen Industrie die Basis, auf der sie ruht,
Aneignung fremder Arbeitszeit, aufhört den Reichturm auszumachen oder zu
schaffen, so hört mit ihr die unmittelbare Arbeit auf als solche Basis de
Produktion zu seien, indem sie nach der einen Seite hin in mehr überwachende
und regulierende Tätigkeit verwandelt wird; dann aber auch, weil das Produkt
aufhört Produkt der vereinzelten unmittlebaren Arbeit zu seien und vielmehr die
Kombination der gesellschaftlichen Tätigkeit als der Produzent
erscheint.(Grundrisse, 596-597)
Assim como com o desenvolvimento da grande indústria a base na qual ela está
fundamentada, ou seja, a apropriação do trabalho alheio, deixa de representar
ou produzir a riqueza, assim também com ela [a grande indústria] o trabalho
direto deixa de ser a base da produção e vai se transformando mais para o lado
de atividade de vigilância e regulação, porque também, o produto deixa de ser o
produto do trabalho direto individual e a combinação das atividades sociais
aparece muito mais como produtora. (Grundrisse, p. 596-597).

Marx diz que “nos estágios mais avançados da grande indústria todas
as ciências estarão presas a serviço do capital” e que “as invenções serão então
[apenas] um negócio e a utilização da ciência diretamente para a produção
será o único ponto de vista que a definirá e a solicitará” (Grundrisse, p. 591).
Por isso que, sinceramente, não precisamos nem de “pós-grande indústrias”
nem de Faustos. Mesmo assim achamos importante debater minunciosamente
aqui com estes teóricos do “trabalho imaterial” e da “pós-grande indústria” para
tentar esclarecer de uma vez por todas o que consideramos seus equívocos
básicos.
Nos próximos capítulos abordaremos alguns aspectos importantes da
nossa atualidade que divergem do ponto de vista dos teóricos do “trabalho
imaterial” e da “pós-grande indústria”, debatendo com Marx e alguns marxistas
conceitos como “grande indústria”, a relação entre maquinaria, valor, ciência e
capital, o significado real do não-trabalho na economia de tempo de trabalho do
capital e o novo papel do capitalista industrial no processo de financeirização da
grande indústria “cooperativa” e “não-hierárquica” e assim por diante.

37
Capítulo 2
A Real Grande Indústria

2.1. Grande Indústria = Fordismo?

Mas se as “novas teorias” deturpam Marx ao reduzir suas conclusões


revolucionárias numa banalidade ao nível da mediocridade reinante, como
poderíamos interpretar a grande indústria no capitalismo contemporâneo? Faz
sentido pensar este conceito em movimento na realidade hoje?
A “extraordinária elasticidade” da grande indústria, como afirmou Marx,
tem como características fundamentais o uso amplo da maquinaria, da ciência
na produção, a horizontalização da organização do trabalho e a expansão
progressiva de um exército industrial de reserva que regula a escala da
expropriação do trabalho vivo. Estes processos da grande indústria são típicos
do pós-fordismo e da acumulação flexível do capitalismo contemporâneo e não
do mundo fordista a lá Charles Chaplin em Tempos Modernos.
Para Marx, diferentemente da manufatura, na grande indústria o
trabalhador passa a combater o próprio instrumento de trabalho e a forma com
que trabalha no imediato. Com a introdução da maquinaria ele “revolta-se
contra essa forma determinada dos meios de produção, vendo nela o
fundamento material do modo capitalista de produção” (MARX, 2009, 488).
Para isso, entretanto, “era mister tempo e experiência para o trabalhador
aprender a distinguir a maquinaria de sua aplicação capitalista e atacar não os
meios materiais de produção, mas a forma social em que são explorados”
(idem, p. 489). Nestes termos, diferentemente de considerar o
fordismo/taylorismo como etapa da grande indústria por excelência (ou uma
“reinvenção da manufatura”), é mais plausível considerar o
fordismo/taylorismo como o período de transição da manufatura à grande
indústria do que seu auge propriamente dito. A processualidade da transição da
manufatura à grande indústria é descrita por Marx da seguinte forma: “embora
a máquina, tecnicamente, lance por terra o velho sistema da divisão do trabalho,
continua ele a sobreviver na fábrica como costume tradicional herdado da
manufatura, até que o capital o remodela e consolida, de forma mais

38
repugnante, como meio sistemática de explorar a força de trabalho” (idem, p.
482). Em suma, a entrada da maquinaria no processo de trabalho não significa
imediatamente uma transformação na base social e cultural necessária para a
grande indústria.
Segundo Marx um dos principais costumes tradicionais herdados da
manufatura é o modo vertical de organização do trabalho, característica típica
da rigidez fordista. Nesse período de transição da manufatura à grande
indústria, a técnica entra em conflito com a base herdada da manufatura e do
artesanato. Essa transição é importante, pois a manufatura se constitui como a
base técnica imediata da grande indústria que “se erguia, naturalmente, sobre
uma base material que lhe era inadequada. Atingindo certo estágio de
desenvolvimento, tinha de remover essa base, que encontrou pronta e
aperfeiçoou em sua forma antiga, para estabelecer nova base adequada a seu
modo de produção” (idem, p.438). Com a emancipação da máquina em relação
aos “limites pessoais da força humana”, a base técnica que fundamentava a
divisão manufatureira do trabalho desaparece. Assim, “a hierarquia dos
trabalhadores especializados que a caracteriza é substituída, na fábrica
automática, pela tendência de igualar ou nivelar os trabalhos que os auxiliares
das máquinas têm de executar; as diferenças artificiais entre os trabalhadores
parciais são predominantemente substituídas pelas diferenças naturais de
idades e de sexo” (idem, p. 480). Se a tendência rumo a horizontalização da
organização do trabalho é típica da grande indústria, porque ocorre uma ligação
quase automática entre grande indústria e a estrutura vertical da empresa
fordista? Na verdade, o processo de trabalho na grande indústria tem
características muito parecidas com empresa flexível pós-fordista, uma espécie
de burocratismo coletivista high-tech, com uma base técnica de matriz
informacional microeletrônica, com redes informáticas e telemáticas de
comunicação, equipes competitivas baseadas no envolvimento cooptado dos
trabalhadores sociais, assim como na expropriação do intelecto coletivo.
Podemos perceber a diferença entre a linha de montagem fordista e uma
produção maquinal da grande indústria na passagem de Marx em O Capital:

cada máquina fornece à máquina seguinte mais próxima sua matéria-prima e,


como todas elas atuam simultaneamente, o produto se encontra continuamente
nas diversas fases de seu processo de formação, bem como na transição de uma

39
para outra fase de produção. Assim como na manufatura a cooperação direta
dos trabalhadores parciais estabelece determinadas proporções entre os grupos
particulares de trabalhadores, também no sistema articulado das máquinas a
contínua utilização das máquinas parciais umas pelas outras estabelece uma
relação determinada entre seu número, seu tamanho e sua velocidade. A
máquina de trabalho combinada, agora um sistema articulado de máquinas de
trabalho individuais de diferentes espécies e de grupos das mesmas, é tanto
mais perfeita quanto mais contínuo for seu processo global, isto é, com quanto
menos interrupções a matéria-prima passa de sua primeira à sua última fase,
quanto mais, portanto, em vez da mão humana, o próprio mecanismo a leva de
uma para outra fase da produção. Se na manufatura o isolamento dos processos
particulares é um princípio dado pela própria divisão de trabalho, na fábrica
desenvolvida domina, pelo contrário, a continuidade dos processos particulares
(Marx, 1999, p.437-8).

Em suma, o fordismo/taylorismo representa a subsunção real e a


produção de mais-valia relativa no período manufatureiro, não sua forma mais
desenvolvida, mas um período de transição do desenvolvimento do capital. A
crise do fordismo manufatureiro representa paradoxalmente seu sucesso como
base organizacional do trabalho capaz de fornecer um sistema de máquinas
adequado ao avanço da grande indústria. Na manufatura os trabalhadores
executam cada processo parcial específico com sua ferramenta manual. A
manufatura separa, classifica e agrupa os trabalhadores segundo suas
qualidades manuais de forma verticalmente hierárquica. Na grande indústria se
desenvolve a servidão à máquina automatizada produzindo uma subsunção real
do trabalho adequada a sua base material. O “avanço” do capital rumo à
generalização da grande indústria contribui para rebaixar o valor da força de
trabalho. Para Marx, a tendência de negação do trabalho vivo pelo capital ganha
força na grande indústria aumentando a concorrência entre os trabalhadores
pela substituição do trabalho direitamente empregado na produção por
máquinas, a “requalificação” de trabalhadores para funções de vigilância do
processo produtivo, a desqualificação de amplas massas de trabalhadores e, não
menos importante, a crescente expulsão de trabalhadores do processo produtivo
aumentando as fileiras do exército industrial de reserva e impulsionando ainda
mais a desvalorização da força de trabalho e a concorrência mundial dos
trabalhadores.

40
2.2. Maquinaria, medida e autodissolução do capital

Se somente na manufatura o capital começa a transformar as condições


de produção pela concentração dos trabalhadores parcelares num local de
trabalho único com vigilância e controle para impor certa divisão do trabalho, é
na grande indústria que existem as condições necessárias para a incorporação
real do trabalho coletivo no capital transbordando os limites da fábrica. Como
afirma Marx, a base técnica da grande indústria é revolucionária enquanto
todos os modos de produção anteriores eram conservadores já que a forma
existente de um processo de produção nunca é considerada como definitiva
(idem, p. 551). A produção capitalista baseada na maquinaria é, na prática, a
forma pela qual o capital consegue expropriar o saber-fazer do trabalhador
coletivo que é incorporado à máquina fazendo parte dela. Na grande indústria,
diferentemente da manufatura, o capital depende do engajamento intelectual
dos trabalhadores mobilizando corpos e mentes. Seu objetivo é expropriar o
valor de uso da inteligência coletiva dos trabalhadores para o avanço da base
técnica da produção. Com a passagem da manufatura a grande indústria, o
processo de trabalho depende menos do trabalho vivo imediato e mais da
elaboração científica dos meios de produção, do “intelecto coletivo” (“general
intelect”) aplicado na maquinaria que cria os ritmos do trabalho vivo. Como
vimos, as visões reducionistas da grande indústria não apreendem o caráter
qualitativamente novo de seu processo de trabalho. Na grande indústria o
capital depende do trabalhador coletivo para expropriar o “intelecto coletivo” e,
assim, transformar o valor de uso em mais-valia numa magnitude nunca
alcançada pela manufatura. Na grande indústria a maquinaria exige a
substituição da força humana por forças naturais para a “aplicação consciente
da ciência”, impulsionando o aumento da velocidade e da produtividade de
trabalho do trabalhador coletivo que agora fazem várias tarefas simultâneas e
diminuem o tempo necessário à produção de mercadorias. Para Marx, a
produção mecanizada elimina a necessidade que havia na manufatura de
cristalizar o trabalhador numa mesma função (idem, p. 481).

A maquinaria vai penetrando progressivamente nos processos parciais da


manufatura. A organização rígida e cristalizada destas, baseada na velha
organização do trabalho, dissolve-se, dando lugar a transformação constantes.

41
Além disso, transforma-se radicalmente a composição do trabalhador coletivo,
das pessoas qe trabalham em combinação (idem. p, 524).

A grande indústria elimina a divisão manufatureira do trabalho que torna


o ser-humano prisioneiro de uma tarefa parcial, transformando-o no “acessório
consciente de uma máquina parcial”. Esse trabalhador coletivo passa a realizar
diferentes fases do processo produtivo ou, nos termos contemporâneos, um
trabalhador “multifuncional” e “polivalente”. Nesse processo o valor da
maquinaria que subsume este tipo de trabalhador coletivo ao capital não é mais
determinado pelo tempo de trabalho que nela se materializou, mas pelo tempo
de trabalho necessário para reproduzir a ela mesma ou uma máquina melhor
(idem, p. 462) O tempo de trabalho pára de medir simplesmente o valor das
mercadorias e passa a medir a capacidade de reprodução das máquinas. Está
suposto aqui a utilização do trabalho vivo, mas a medida do valor se transforma
pela aceleração do processo reprodutivo das máquinas. Esse processo poderia
levar à auto-abolição da lei do valor? A reprodução em larga escala e ampla
magnitude de máquinas na grande indústria faria desaparecer a base social da
valorização do valor?
Na grande indústria o valor não representa a relação dos seres humanos
com a natureza, mas com o tempo de produção das relações de trabalho sob
uma forma específica de subordinação às máquinas controladas pelo capital.
Diferentemente da manufatura, a grande indústria cria novas mediações entre
homem e máquina na mesma medida em que o valor depende da objetivação do
tempo de trabalho vivo. Criam-se contradições profundas na valorização do
valor. Enquanto a criação de riqueza material não depende necessariamente do
trabalho humano, o processo de valorização permanece baseado no tempo cada
vez mais escasso de apropriação de mais-valia diante da magnitude necessária
para sua auto-expansão.
Para Marx, o incremento de riqueza material produzido pelas máquinas
não cria novo valor no processo de trabalho coletivo. Longe disso, o incremento
técno-científico no processo de trabalho cria dificuldades cada vez maiores para
a expropriação do valor de uso da força de trabalho já que se limita a transmitir
a quantidade de tempo de trabalho abstrato que se emprega na produção. Ao
contrário da apreensão que entende que o incremento de produtividade pela
tecnologia produz valor em si mesmo, para Marx, a produtividade não produz

42
uma elevação do valor por unidade de tempo. Diante do crescente potencial de
produção da riqueza material das forças produtivas, o valor se apresenta cada
vez mais como anacrônico em sua forma determinante de riqueza encontrando
crescentes dificuldades para se valorizar. Paradoxalmente o incremento
tecnológico na produção generaliza mais riqueza material produzindo mais
coisas com uma mesma quantidade de tempo necessário de trabalho. Portanto,
a grande indústria tem no seu interior a contradição entre a expansão da
capacidade de produção de riqueza material pelo desenvolvimento da
maquinaria e os meios de apropriação da mais-valia pelo tempo de trabalho
abstrato para valorizar o valor.
Para Marx o desenvolvimento das forças produtivas chega ao ponto de
que as forças de trabalho tornam-se, em si, meios de produção pelo papel que
cumprem no sistema de máquinas. Estes meios de produção corporificados na
força de trabalho são, em sentido amplo, expropriados pelo capital por sua
finalidade de auto-valorização mediada pela necessidade do “toque do valor de
uso” na produção e circulação de mercadorias. Como a atividade do trabalhador
coletivo é determinada pelo movimento da maquinaria na grande indústria, seu
saber-fazer é expropriado para conseguir valorizar o valor o máximo possível
reproduzindo a condição de “autômato” do proletariado para o capital. Assim, o
tempo de reprodução das máquinas passa a ser determinante do valor na
grande indústria. Com isso a capacidade da maquinaria de “objetivação” das
funções mais abstratas do intelecto humano torna possível a transformações
profundas nas atividades intersubjetivas. Além disso, a maquinaria da grande
indústria tardia tem a capacidade de corrigir-se e adaptar-se a demandas
variáveis. O capital fixo da maquinaria, com o avanço da grande indústria, é
extremamente flexível na sua capacidade de apropriar a informação como
matéria-prima (inclusive informação sobre o interior dos corpos e mecanismos
digitais). Esta não seria então a “subsunção real do trabalho” em sua forma mais
radical, quando os trabalhadores vivos são, nos termos de Marx, “subsumidos
sob o processo completo da própria maquinaria”?
A tendência central do capital é a transformação dos meios de produção
em maquinaria. A contradição material em jogo não é somente entre
trabalhadores assalariados e capitalistas industriais, mas entre o “trabalho
objetificado” e o trabalho vivo. A transformação qualitativa do capital fixo

43
ocorre quando ele existe enquanto maquinaria. Na realidade, apenas na grande
indústria o capital fixo se torna a forma adequada ao capital em geral. O valor
de uso da força de trabalho coletivo atrelada ao capital fixo faz com que o
trabalho social geral se apresente não mais no trabalhador, mas no capital. Ao
contrário da força de trabalho como meio de produção, o capital fixo
revoluciona todos os outros meios de produção sendo capaz de apropriar-se de
uma crescente porção da dimensão intelectual do trabalho vivo para reproduzir
a si mesma. Nas palavras de Marx,

tão logo o capital fixo se desenvolveu a grande indústria em geral – aumenta


então em relação ao desenvolvimento das forças produtivas da mesma – ele
próprio é a objetificação dessas forças produtivas, elas mesmas como produtos
pressupostos; desse momento em diante, cada interrupção do processo de
produção atua diretamente como diminuição do próprio capital, de seu valor
pressuposto. O valor do capital fixo é reproduzido apenas na medida em que ele
for empregado no processo de produção. Pela não utilização, ele perde o seu
valor de uso, sem que o seu valor passe ao produto. Daí que, quanto maior é a
escala em que o capital fixo se desenvolve, no sentido aqui considerado por nós,
tanto mais a continuidade do processo de produção, ou o fluxo constante da
produção, torna-se condição externamente constringente do modo de produção
fundado no capital (1973, p. 247).

A apropriação do trabalho vivo pelo capital obtém, na maquinaria, também a


esse respeito, uma realidade imediata: ele é, de um lado, análise e aplicação de
leis mecânicas e químicas provindas diretamente da ciência, que capacitam a
máquina a desempenhar o mesmo trabalho que anteriormente desempenhava o
trabalhador. O desenvolvimento da maquinaria, nesse sentido, entra em cena
pela primeira vez, no entanto, quando a grande indústria já tiver alcançado
degraus mais altos e todas as ciências já tiverem sido tomadas prisioneiras a
serviço do capital (1973, p. 247, 248).

Para Marx a apropriação crescente privada do intelecto coletivo e a


expansão do próprio capital fixo entram numa contradição fundamental que
“autodissolve o capitalismo” quando o potencial de socialização positiva dos
meios de produção supera as empreitadas violentas das diversas formas de
“acumulação primitiva do intelecto geral” pelo capital. O desafio histórico
colocado por Marx continua pertinente hoje: apropriação das forças produtivas
universais e a superação do roubo de tempo de trabalho alheio como medida da
riqueza frente a “própria grande indústria recentemente desenvolvida”.
Nos Grundrisse Marx aponta que a maquinaria da grande indústria
aparece como sendo uma encarnação da apropriação de trabalho vivo através de
trabalho objetivado, isso é, como dominação do trabalho morto sobre o trabalho

44
vivo: na maquinaria, o trabalho objetivado se confronta materialmente com o
trabalho vivo como sendo um poder que o domina e como subordinação ativa do
segundo ao primeiro, não só através da apropriação do trabalho vivo, como
também no próprio processo real de produção (MARX, 1973, p. 220). O
aperfeiçoamento das máquinas, enquanto aplicação consciente da ciência, “só
ocorre quando a grande indústria já alcançou um nível superior e o capital
capturou e colocou ao seu serviço todas as ciências; por outro lado, a própria
maquinaria existente já garante grandes recursos” (MARX, 1973, p. 227). Nesse
estágio de desenvolvimento, a atividade inventiva torna-se objeto de um ramo
particular da economia: “as invenções se convertem, então, em um ramo da
atividade econômica e a aplicação da ciência à própria produção imediata se
torna um critério que determina e incita a esta.” (idem, p. 227,). O próprio Marx
reconhece que este “não é o caminho pelo qual surgiu em geral a maquinaria e
menos ainda o caminho pelo qual ela prosseguiu em detalhes.” (MARX, 1973, p.
227). Ele descreve esse curso assim:

Esse caminho é a análise através da divisão do trabalho, a qual transforma cada


vez mais em mecânicas as operações dos trabalhadores, de tal modo que em certo
momento o mecanismo pode ser introduzido no lugar deles. O modo determinado
de trabalho se apresenta aqui, portanto, diretamente transferido do trabalhador
para o capital sob a forma da máquina (MARX, 1973, p. 227).

Na qualidade de órgão material do trabalhador coletivo, as máquinas são


meios de apropriação da natureza. Se observadas como capital fixo, elas
também são uma medida do desenvolvimento da objetivação das forças
produtivas sociais. Nas palavras de Marx,

O desenvolvimento do capital fixo revela até que ponto o conhecimento ou o


knowledge social geral se converteu em força produtiva imediata e, portanto, até
que ponto as próprias condições do processo social de vida passaram ao controle
do general intellect e foram remodeladas conforme o mesmo. Até que ponto as
forças produtivas sociais são produzidas não apenas na forma do conhecimento
[in der Form des Wissens], como também enquanto órgãos imediatos
[unmittelbare Organe] da práxis social, do processo real de vida (MARX, 1973, p.
230).

Com o desenvolvimento da grande indústria a possibilidade de


incorporação do trabalho vivo no trabalho morto de uma gigantesca magnitude
revela o estado de desenvolvimento do capital fixo. O capital fixo é uma medida

45
para se avaliar em que proporção a ciência se objetivou em meios de trabalho e
se tornou uma força produtiva imediata, isto é, uma força produtiva objetivada.
Entretanto, a ciência que obriga aos membros inanimados da máquina a operar
como autômatos também existe na consciência do trabalhador funcionando
como um poder alheio sobre ele. É uma subordinação REAL – manual e
intelectual – do trabalho coletivo pela maquinaria utilizada pelo capital.
Paradoxalmente, Marx aponta nestas condições contraditórias a possibilidade
de “auto-emancipação do trabalho” já que o desenvolvimento do capital fixo
assinala tanto o grau de progresso do modo de produção como a dissolução
dessa forma de produção:

Na mesma medida em que o tempo de trabalho - o mero quantum de trabalho - é


colocado pelo capital como único elemento determinante, desaparecem o
trabalho imediato e sua quantidade como princípio determinante da produção -
da criação de valores de uso -; na mesma medida, o trabalho imediato será
reduzido quantitativamente a uma proporção mais exígua, e qualitativamente a
um momento sem dúvida imprescindível, porém subalterno perante o trabalho
científico geral, a aplicação tecnológica das ciências naturais, por um lado, e, por
outro lado, perante a força produtiva geral resultante da estruturação social da
produção global, força produtiva esta que aparece como dom natural do trabalho
social (ainda que [seja, na realidade, um] produto histórico). O capital trabalha
assim a favor de sua própria dissolução como forma dominante da produção
(MARX, 1973, p. 222).

Na medida em que a grande indústria se desenvolve, a criação da riqueza efetiva


se torna menos dependente do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho
empregados, do que do poder dos agentes postos em movimento durante o
tempo de trabalho, poder este que por sua vez - sua poderosa eficácia - não
mantém nenhuma relação com o tempo de trabalho imediato que custa a sua
produção, senão que depende muito mais do estado geral da ciência e do
progresso da tecnologia, ou da aplicação dessa ciência à produção (o
desenvolvimento dessa ciência, essencialmente da ciência natural e, com ela, de
todas as demais, está por sua vez em relação com o desenvolvimento da produção
material) (MARX, 1973, p. 227-228).

Destes enxertos de Marx que André Gorz e outros teóricos do trabalho


imaterial entendem que o desenvolvimento da produção capitalista desqualifica
a medida clássica de produtividade do trabalho, donde resulta a impossibilidade
de continuar concebendo o trabalho abstrato como substância do valor:

A crise da medida do trabalho acarreta inevitavelmente a crise da medida do


valor. Quando o tempo socialmente necessário à produção de algo se torna
incerto, esta incerteza não pode deixar de repercutir sobre o valor de troca
daquilo que é produzido. O caráter mais e mais qualitativo, menos e menos
mensurável do trabalho, põe em crise a pertinência da noção de mais-trabalho e

46
de mais-valia. A crise da medida do valor põe em crise a definição da essência
do valor. Ela põe em crise as regras das transações mercantis. No sentido
econômico, o “valor” designa hoje o valor de troca de uma mercadoria contra
outras mercadorias (Gorz, 2003, p. 34-35).

Entretanto, como escreve Henrique Amorim, a teoria do valor-trabalho


de Marx não reduz as determinações do valor a questões essencialmente
calculáveis e matematicamente mensuráveis. Somente quando a teoria
marxiana é entendida como uma “quantificação do valor” em medidas
aritméticas é que a “crítica ao valor” feita pela escola do trabalho imaterial pode
apontar que as novas formas de produção mais intelectualizadas são
incompatíveis com a medida “horas de trabalho”. É a partir da suposição falsa
que a teoria do valor-trabalho é uma espécie de contabilidade aritmética que se
desdobra a idéia que o cálculo para determinar os valores contidos nas
mercadorias teria se tornado impossível, visto que o trabalho formador de valor
não poderia ser apreendido objetivamente (2009, p. 32).

O que foi caracterizado por Marx como uma relação de proporcionalidade entre
horas necessárias à produção e quantidades de mercadorias produzidas acabou
por ser reduzida a uma operação matemática que pleiteava um resultado
numérico, pressupondo que a força de trabalho explorada (frise-se, intelectual e
fisicamente), em horas de trabalho, poderia ser transformada em “fatores de
produção” de uma equação matemática. Pressupõe-se, dessa forma, que haveria
no interior da teoria do valor de Marx a possibilidade do cálculo “contabilístico”
do valor do trabalho em si e que esse cálculo não seria mais possível hoje devido
a uma suposta predominância de trabalhos não-manuais como agentes da
geração de mais-valia (idem, p. 27).

A respeito dessa apropriação contabilista da teoria do valor, Amorim cita


Michel Husson:

A idéia que o capital aproveita da faculdade de se apropriar dos progressos da


ciência (ou do conhecimento) não é uma idéia nova, já que é um elemento
fundamental de análise marxista do capitalismo. Pretender que se trate de uma
descoberta recente e de real novidade faz retornar a uma compreensão estreita
da teoria marxista do valor conduzida a um simples cálculo do tempo de
trabalho (op.cit. 2000, p. 2)

Seria o fim da teoria do valor-trabalho ou o fim de uma concepção


economicista do valor comprada pelos teóricos do trabalho imaterial? Afinal, ao
reduzir a contribuição de Marx a uma teoria economicista do capitalismo fica
fácil realizar a “crítica” que indica a impossibilidade de medir o valor pela

47
relação matemática de horas despendidas no trabalho como base da extração de
mais-trabalho ao capital. Portanto, é necessário ser mais preciso que os teóricos
do trabalho imaterial: a questão não é que o valor não pode mais ser medido
aritmeticamente pela quantidade de horas de trabalho com a produção dita
“imaterial”, na realidade o valor como tal nunca pode ser medido desta forma.
Como diz Marx em uma famosa passagem:

Em contraste direto com a palpável materialidade da mercadoria, nenhum


átomo de matéria se encerra no seu valor. Vire-se e revire-se, à vontade, uma
mercadoria: a coisa-valor se mantém imperceptível aos sentidos [...]. As
mercadorias, recordemos, só encarnam valor na medida em que são expressões
de uma mesma substância social, o trabalho humano; seu valor é, portanto, uma
realidade apenas social, só podendo manifestar-se, evidentemente, na relação
social em que uma mercadoria se troca por outra (MARX, 2006, p.69).

2.3. A maquinaria pós-fordista e o ciberespaço

Mas aonde se manifestam as contradições da grande indústria e do


intelecto geral no capitalismo contemporâneo? Nas últimas décadas a “forma
organizacional” do processo de trabalho comumente chamada de toyotismo
instaurou uma “subsunção real” do trabalho na grande indústria articulando de
forma contraditória trabalho coletivo manual e intelectual na produção de valor.
No paradigma fordista estas duas dimensões deveriam permanecer distantes
uma da outra. Assim as limitações do fordista foram superadas pela necessidade
de expropriação do saber-conhecimento do trabalhador coletivo para utilizá-lo
produtivamente no processo de trabalho, com a ajuda de dispositivos como
máquinas, computadores, internet, equipes de trabalho, etc. Agora com o
desenvolvimento de softwares, a apropriação intelectual do trabalho coletivo
converte-se em parte integrante do capital fixo operando um novo nível de
objetivação do trabalho.
As forças produtivas são, na verdade, relações de apropriação do real –
material e imaterial - pelo capital fixo mediado pelo trabalhador social. Por isso
que, diferentemente do que pensam alguns marxistas vulgares, o intelecto
coletivo é parte cada vez mais importante do valor de uso da força de trabalho. A
apropriação do “saber” do trabalhador coletivo pelas máquinas inteligentes se
converte em parte integrante do capital fixo aumentando assim a produtividade

48
do trabalho. A própria grande indústria é este processo em que o “trabalho
intelectual” passa de improdutivo para produtivo e criador de valor, produzindo
mais-valia e tornando rentável o capital. Com a grande indústria pós-fordista se
cria uma ruptura no desenvolvimento da maquinaria até então, agora incluindo
a auto-reprodução das máquinas, manipulação biogenética, informação em
rede, cibernética, telemática, entre outros processos, construindo um espaço de
sociabilidade não-material apropriado pelo capital. É este espaço que constitui a
grande indústria pós-fordista que expropria o intelecto coletivo de milhões e
milhões de trabalhadores por todo mundo.
Para Slavoj Zizek, diferentemente do que Marx parecia esperar, a
autodissolução do capitalismo não pode ocorrer devido ao processo corrente de
privatização do próprio “intelecto coletivo”. Para entender o que seria a nova
forma de privatização do “intelecto coletivo” precisaríamos transformar
criticamente o aparelho conceitual de Marx. Quando as formas de riqueza se
tornam cada vez “mais desproporcionais ao tempo de trabalho direto gasto em
sua produção”, em razão do papel crucial do “intelecto coletivo” (conhecimento
e cooperação social), não estaríamos presenciando a autodissolução do
capitalismo (como Marx postularia), mas sim “uma transformação relativa
gradual do lucro gerado pela exploração da força de trabalho em renda
apropriada pela privatização desse mesmo “intelecto coletivo” (ZIZEK, 2011, p.
122). Zizek alega que o que Marx deixou de notar na sua tentativa de liberar
toda a tendência descontrolada para a produtividade que estava impedida pelo
capitalismo é que o modo de “obstáculo” ou “antagonismo” no qual o
capitalismo se constitui é não apenas a “condição da impossibilidade” deste
sistema econômico mas a sua própria “condição de possibilidade”. Se
tivéssemos de remover este impedimento característico do capitalismo,
perderíamos a própria produtividade que é gerada por ele; se tirarmos o
obstáculo, o próprio potencial obstruído pelo obstáculo é dissipado. Estas
contradições do desenvolvimento do capital chegam a novas determinações da
tecnologia digital quando, como escreve Simone Wolff, a grande novidade é a
possibilidade de se manipular informações tal como outrora se fazia com
matérias-primas de dimensão material, o que permite ao capitalismo de hoje
transformar e explorar mercadorias não só no plano material, mas também no
imaterial (WOLFF, p. 90). O trabalho vivo, ao se converter em mais um fator de

49
produção, empregado somente para amplificar as potencialidades postas pela
maquinaria, instaura novas formas de subsunção real do trabalho ao capital
(idem, p. 91). Com a máquina assumindo funções que até então eram reservadas
ao trabalho vivo, “o conhecimento empírico, fruto da experiência advinda da
relação entre trabalho humano e natureza, desprende-se do homem e torna-se
ciência” (idem, p. 96). A incorporação da ciência na maquinaria promove um
avanço qualitativo naquilo que Marx chama de subsunção real do trabalho ao
capital por “otimizar de forma inédita, isto é, automática, o controle sobre os
processos de trabalho” (idem, p. 97).
Este processo está profundamente ligado com o papel central com nas
últimas quatro décadas a evolução tecnocientífica passou a ter na dinâmica do
capital. Como aponta Laymert Garcia dos Santos,

A sociedade passa por um processo de aceleração da tecnologização – à


reordenação e reprogramação dos processos de trabalho em todos os setores,
tornada possível pela digitalização crescente dos circuitos de produção, circulação
e consumo, veio associar-se a recombinação da vida, tornada possível pela
decifração do código genético e os avanços da biotecnologia. Tudo se passa, então,
como se uma nova era estivesse se abrindo, ou, mais do que isso, como se tudo
fosse passível de questionamento, como se até mesmo a evolução natural das
espécies, inclusive a humana, tivesse chegado a seu estado terminal e a história
tivesse sido “zerada”, tratando-se, agora, de reconstruir o mundo sobre novas
bases (2003, p. 82, 83).

Este etapa do capitalismo parece muito com a advertência feita por Marx
nos Grundrisse sobre o desdobramento da grande indústria: “nos estágios mais
avançados da grande indústria todas as ciências estarão presas a serviço do capital”
e que “as invenções serão então [apenas] um negócio e a utilização da ciência
diretamente para a produção será o único ponto de vista que a definirá e a solicitará”
(Grundrisse, p. 591). O que teóricos da sociedade pós-industrial, do ciclo do trabalho
imaterial, do capitalismo cognitivo, da pós-grande indústria e tantos outros não
entendem é que suas críticas a Marx perdem totalmente o foco quando apontam uma
corrente transformação do próprio modo de produção num período que universalização
das contradições próprias da grande indústria, da lei do valor, da alienação, do exército
industrial de reserva, dos capitais fictícios, etc. Além disso, estes teóricos não enxergam
que a centralidade do intelecto coletivo é própria da grande indústria do capitalismo,
que é crucial que na grande indústria se produza uma inteligência coletiva que se
espalha por toda parte e que o capital depende cada vez mais das formas de
expropriação privada – por mais difícil que seja – deste conteúdo abstrato. É por esta

50
razão que a mundialização do capital contemporânea corresponde à emergência
das contradições mais avançadas da grande indústria. Hoje o capital procura o
controle e a colonização do espaço “virtual” das máquinas e corpos promovendo
a privatização do “intelecto coletivo” e do campo eletromagnético e virtual
existente e compartilhado por bilhões de pessoas. Para que isso ocorre é
necessária a ideologia baseada na fusão da racionalidade econômica com a
racionalidade tecnocientífica tornando um mesmo movimento que busca
destruir qualquer tipo de limitação ao seu desenvolvimento incontrolável. Neste
estágio do capitalismo, cheios de fetichismos nos mais diferentes graus, a ampla
utilização das tecnociências no processo de produção e circulação leva a crença
que considera como “neutro” e natural este caminha do desenvolvimento das
forças produtivas encarando este processo como inevitável.
Giovanni Alves (2011) propõe uma nova periodização das revoluções
tecnológicas engendradas pelo capital desde a revolução industrial “original” de
fins do século XVIII e primórdios do século XIX: a Primeira Idade da Máquina
seria aquela ligada à produção de motores a vapor a partir de 1848; a Segunda
Idade da Máquina, ligada à produção de motores elétricos e de combustão a
partir da década de 1890; a Terceira Idade da Máquina se daria com a
produção de motores eletrônicos e nucleares a partir dos anos 40 do século XX;
e por fim, a Quarta Idade da Máquina estaria ligada à produção de máquinas
microeletrônicas e sua integração em rede interativa ou controlativa
(ciberespaço) a partir da década de 1980. A relação com a máquina e sua
representação altera-se dialeticamente em cada um desses estágios
qualitativamente diferentes de desenvolvimento tecnológico. Com a IV
Revolução Tecnológica, entretanto, é instaurada uma ruptura fundamental (ou
“salto quântico” nos termos de Fredric Jameson) no desenvolvimento
tecnológico do maquinário no capitalismo, propiciando as condições materiais
para o desenvolvimento pleno (e tensionado) do capitalismo global. Conforme
Alves, a materialidade de máquina trazida pela IV Revolução Tecnológica,
entretanto, seria inadequada para as estratégias reprodutivas do capital, o que
não significa que ela não possa ser apropriada ou até desenvolvida pelo sistema
social do capital, mas que seu desenvolvimento concreto expõe de forma
flagrante, os limites estruturais da forma social estranhada do capital.

51
No processo de trabalho, com o implemento tecnológico-informacional, as
“máquinas inteligentes” passam a utilizar-se do trabalho intelectual do operário
que, ao interagir com a máquina informatizada, acaba também por transferir
parte dos seus novos atributos intelectuais à nova máquina que resulta desse
processo. Estabelece-se, então, um complexo processo interativo entre trabalho
e ciência, que não leva à extinção do trabalho, mas a um processo de
retroalimentação que gera a necessidade de encontrar uma força de trabalho
que deve ser explorada de maneira mais intensa e sofisticada, ao menos nos
ramos produtivos dotados de maior incremento tecnológico. Entretanto, apesar
do papel crescente da ciência no processo de trabalho, ela permanece
aprisionada por restrições estruturais, restringida em seu desenvolvimento pela
base material das relações entre capital e trabalho a qual não pode superar, não
permitindo, desta maneira, que ela se converta em principal força produtiva.
Em conseqüência, dada a relativa irrelevância do tempo de trabalho e a
proeminência da qualidade desse tempo, a ciência e a tecnologia tornam-se
produtoras de “valor” por meio do trabalho. Assim, mesmo se o tempo de
trabalho socialmente necessário é suprimido como medida da riqueza
capitalista, esta tem ainda de ser medida (ANTUNES, 1999, p.161). Portanto, a
“crise da medição do valor” e seus “padrões clássicos de medida” não é uma
novidade exclusiva do capitalismo contemporâneo já que existem truncamentos
inerentes à valorização do valor, de expropriação do valor de uso do trabalho
coletivo. Não é a toa que, como escreve Alves, o principal eixo dos dispositivos
organizacionais do processo de trabalho hoje é a “captura” da subjetividade do
trabalho coletivo pela lógica do capital.

É a constituição de um novo nexo psicofísico capaz de moldar e direcionar ação e


pensamento de operários e empregados em conformidade com a racionalização
da produção. Os dispositivos organizacionais do novo modelo de gestão (just-in-
time/kanban, kaizen, CCQ etc.), mas do que as exigências da organização
industrial do fordismo-taylorismo, sustentam-se no “envolvimento” do
trabalhador com tarefas da produção em equipe ou jogos de palpites para
aprimorar os procedimentos de produção [...]. Na nova produção do capital, o que
se busca “capturar” não é apenas o “fazer” e o “saber” dos trabalhadores, mas a
sua disposição intelectual-afetiva, constituída para cooperar com a lógica da
valorização. O trabalhador é encorajado a pensar “pró-ativamente” e a encontrar
soluções antes que os problemas aconteçam (2011, p. 113).

52
Estabelece-se uma interação entre a universalização do modelo
organizativo “toyotista” e a privatização do intelecto coletivo. A significativa
expansão de um trabalho coletivo dotado de maior dimensão intelectual que
perpassa toda a grande indústria, em especial com os avanços da informática e
telemática incorporando também o setor de serviços, comunicações, gerencia e
finanças é dependente de novas formas de expropriação da dimensão virtual do
trabalho coletivo. Para Alves, na Quarta Idade da Máquina a constituição de
redes informacionais altera, de forma qualitativamente nova, a relação entre
matéria técnica (objetos de trabalho) e forma organizacional (gestão do trabalho
vivo):

As novas máquinas informacionais abrem a possibilidade de instauração de


formas qualitativamente novas de relações homem-máquina. A “máquina”
informacional não é mais máquina em sua materialidade, apesar de continuar
sendo por contra da forma social do capital [...]. A rede informacional como
máquina implica, em si, a produção de subjetividade, no sentido de colocar, como
condição indispensável do processo sistêmico, as habilidades subjetivas (e
cognitivas) do homem (mesmo que sob forma estranhada). Portanto, o
desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e o surgimento das
novas tecnologias telemáticas e de informação em rede constituíram um novo
espaço de sociabilidade virtual apropriado pelo capital (2011, p. 73)

Para André Gorz, esta nova socialibilidade é vista como uma ampla
liberdade ao trabalhador. Com o computador a separação entre os trabalhadores
e o trabalho reificado seria “virtualmente abolida” e os “meios de produção se
tornam apropriáveis e suscetíveis de serem partilhados”. Ele escreve que “o
computador aparece como instrumento universal, universalmente acessível, por
meio do qual todos os saberes e todas as atividades podem, em princípio, ser
partilhados” (GORZ, 2005, p. 21).

De fato, os programas de computador são ao mesmo tempo meios de criação de


redes e meios de transmissão, de comunicação, de partilha, de troca e de
produção. O poder de comando do capital não é mais, de agora em diante,
inscrito na e garantido pela materialidade e propriedade privada de um dos
principais meios de produção e de troca. O programa de computador não
somente se presta à apropriação coletiva, à partilha e à disponibilidade gratuita
para todos, mas ele quase as reivindica, pois que assim sua eficácia e sua utilidade
se encontram aumentadas. A comunidade virtual, virtualmente universal, dos
usuários-produtores de programas de computador e redes livres, instaura
relações sociais que esboçam uma negação prática das relações sociais capitalistas
(idem, p. 66).

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Mas esta “negação prática” é feita porque a base técnica dos programas de
computador é inerentemente “livre” e imediatamente socializador dos meios de
produção? Esta seria uma atividade propriamente comunista nos interstícios
digitais do capitalismo (que não poderia mais avançar sem essa atividade)? É
tão certo assim que o espaço digital não se encontra amarrado aos imperativos
de expropriação virtual do capital? Esta idéia não nos leva a crer que o
ciberespaço é neutro em relação a luta de classes e que, assim, é um espaço nas
“nuvens” que não lida com as contradições capitalistas reais e as relações de
poder existentes?
Ao contrário deste raciocínio ligeiramente ingênuo, na realidade, com a
imbricação das redes informáticas e telemáticas na internet nasce o que parece
ser o processo mais amplo de privatização do “intelecto coletivo” hoje: o
ciberespaço com seu fomento generalizado de regras de conduta que não violem
a “propriedade intelectual” além do controle de dados, nomes, relações,
interesses, conhecimento, fotos, músicas, e-mails, hábitos de navegação,
conversas, imagens, plataforma de uso e toda forma de criação. O ciberespaço
capitalista funciona como um gigantesco Shopping Center: uma nova forma de
apropriação do espaço com novos hábitos para fugir dos aspectos “negativos” da
realidade. Cria-se então um espaço virtual ideal que concentra inúmeras opções
de consumo para os mais variados gostos e necessidades acabando por se tornar
uma unidade simbólica de reprodução do capital. Seu formato constituído em
redes “rizomáticas” e “desterritorializadas” em expansão ilimitada com
processos de trabalho amplamente fragmentados não deve nos enganar: o
ciberespaço não é um espaço público e aberto, mas privado com o objetivo de
capturar, manipular e privatizar o substrato subjetivo da interatividade
virtual e o intelecto coletivo. A materialidade do ciberespaço gera a ilusão
abstrata de ser um espaço livre, sem as mediações capitalistas reais
disseminando a idéia de que haja espaços puramente tecnológicos, sem
envolvimento com os processos produtivos. Este é o espaço fundamental para o
processo corrente que Arakin Monteiro chama de ciberespoliação:

O processo de ciberespoliação ganhou amplitude, sobretudo, com o


desenvolvimento dos mecanismos de buscas, no bojo de uma profunda
reestruturação produtiva da Internet comercial após a queda da Nasdaq em
2000. Valorizadas mais pela especulação financeira que pela sua capacidade de
auferir lucros reais, após o crash da bolsa tornou-se necessário repensar os

54
modelos dos empreendimentos. A ciberespoliação surge como a forma
contraditória encontrada para dar escoadouros lucrativos aos excedentes de
capital investidos no setor. Ela permitiu ao capital expandir suas formas de
dominação e controle sobre a reprodução social, ao transformar a própria
interatividade da rede em um ativo capaz de dar-lhe sustentação e lucratividade,
ou seja, transformando-a em uma força produtiva do capital.

A virtualização radical da vida social “real” no World Wide Web tem como
suposto a idéia que a rede é um organismo “natural” que se desenvolve por si
mesmo fora da censura estatal da internet. O ciberespaço seria aparentemente
dotado de uma lógica própria com a suspensão do conjunto das relações de
poder e de classe. Mas o que esconde esta naturalização do ciberespaço é que
sua “substância” advém de uma massa acumulada de trabalho morto sob a
forma de capital fixo virtual. Na realidade, o próprio ciberespaço poderia ser
considerado, assim como o capital fixo, “produto do trabalho, um certo
quantum de trabalho em uma forma objetificada”. Ao invés de um espaço de
entretenimento social externo aos mecanismos privados do mercado, o
ciberespaço está profundamente conectado com a grande indústria como um
todo. Sobre esse processo de privatização progressiva do ciberespaço global,
como salienta Zizek, “não existe nada de “natural” no fato de que duas ou três
empresas, em posição quase monopolista, possam determinar os preços a seu
bel-prazer, além de filtrar os programas que fornecem, dando a essa
“universalidade” nuances específicas que dependem de interesses comerciais e
ideológicos (2011, p. 10). Naturalmente o espaço “virtual” do cyberespaço não é
completamente virtual. Ele depende diretamente de um enorme maquinário
que o constitui. A internet não apenas depende de computadores, servidores,
redes e maquinários diversos para funcionar, como também cada mínima
imformação nela contida existe fisicamente registrada em uma “máquina”, em
um disco rígido usado como banco de dados armazenado em algum lugar do
mundo. O “nas nuvens” existe “na terra”, físico, maquinário, real. É a partir
destes meandros que capitalismo contemporâneo depende cada vez mais da
capacidade de monopolizar a expropriação do intelecto coletivo em torno da
“propriedade intelectual” pelo controle das “propriedades individuais” de cada
sujeito social. Esse processo também coloca em revelo recentes as
transformações relacionadas ao imperialismo. Rosa Luxemburgo dizia que o
capitalismo só pode avançar enquanto existirem “áreas virgens” abertas à

55
expansão e acumulação de capital. Toda vez que são “capitalizadas” essas
economias “não-capitalistas” as contradições do capital se potencializam já que
se torna necessário procurar novas áreas de colonização do capital. Ao invés de
resolver suas contradições definitivamente, cada momento expansivo do capital
rumo às “áreas virgens” intensifica suas contradições. Por mais que se possa
prosperar por certo período, sua tendência expansiva esgota (cada vez mais
rápido) as fontes de sua própria alimentação que já não são suficientes. Aí
emerge a crise. As crises do capitalismo moderno se manifestariam tanto pelo
esgotamento das areas como pela necessidade de colonizar novas áreas virgens
para manter seu movimento expansivo e incontrolável. E está nova área de
colonização imperialista não é hoje exatamente o ciberespaço? Não é por meio
do espaço virtual que está ocorrendo uma desmaterialização do imperialismo?
Como ficou claro na recente “Nova Estratégia Internacional para o
Ciberespaço” encabeçado pelos Estados Unidos de Obama, a partir de agora
serão usados “todos os meios necessários – diplomáticos, informativos,
militares e econômicos – que sejam apropriados e consistentes com a legislação
internacional” contra aqueles que ameaçarem o ciberespaço global com “atos
agressivos”. Conforme o documento, “certos atos hostis conduzidos no
ciberespaço pode obrigar a tomar ações pelos compromissos que temos com
nossos sócios de tratados militares. Quando seja justificado, os Estados Unidos
responderão aos atos hostis no ciberespaço como responderíamos a qualquer
outra ameaça a nosso país”. Assim, os Estados Unidos não se limitam a garantir
a segurança de seu próprio território, mas de todo o ciberespaço global diante
das ameaças dos “terroristas cibernéticos” que podem se encontrar em qualquer
lugar do mundo. Com isso, “os Estados Unidos assegurará que os riscos
associados a atacar e explorar nossas redes pese mais que os potenciais
benefícios”. O Pentágono considera a partir de agora que qualquer “ciber-
ataque” de outro país pode ser considerado como um ato de guerra, uma
agressão virtual que pode desencadear um ataque militar “tradicional”. Não
seria esta estratégia uma espécie de “doutrina Bush no ciberespaço”? Esta não
seria a tentativa do governo Obama de dar um passo a mais no controle
progressivo da rede, uma espécie de militarização da segurança global sobre a
propriedade intelectual e a organização coletiva? Estamos presenciando uma
espécie de Imperialismo Virtual, etapa superior do capitalismo global. Agora o

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imperialismo procura a dominação de quatro dimensões: mar, terra, ar o
ciberespaço.
Sem dúvida uma das grandes lutas sociais hoje é em torno da organização
do cyberespaço. O paradoxo é que quanto mais comunal é o espaço virtual
maior o perigo de este espaço ser privatizado. O processo de privatização deste
espaço coletivo está a todo vapor ao mesmo tempo em que se torna cada vez
mais necessário subordinar o Estado e o Capital ao Intelecto Coletivo e o
cyberespaço das “nuvens” seria uma das manifestações que Marx chamou de
Intelecto Coletivo.
Portanto, ao contrário das teses que afirmam que a expansão do “intelecto
coletivo” põe fim a lógica da grande indústria e estaria nos levando a um mundo
pós-subsunção real do trabalho ao capital, o “intelecto coletivo” só pode ser
controlado pelo capital na grande indústria, por mais que seja essa mesma
grande indústria que torna miserável a base de valorização do capital: o tempo
de trabalho coletivo cada vez mais superexplorado. As formas contemporâneas
de vigência do valor-trabalho, especialmente o Intelecto Coletivo, estão
relacionadas com mecanismos de subsunção de todas as atividades da produção
ao capital e que tem como seu avesso, como vamos abordar no próximo
capítulo, a expansão de um gigantesco contingente de seres sociais ao mundo do
desemprego.

57
Capítulo 3
Da Grande Indústria ao exército industrial de reserva

Toni Negri e Michel Hardt no livro Multidão dizem que não existe mais
algo como um “exército industrial de reserva”. Com a chamada hegemonia do
“trabalho imaterial” as condições de trabalho tenderiam a ter divisões cada vez
mais indefinidas entre horário de trabalho e tempo de lazer. Com essa nova
hegemonia os antigos empregos estáveis de longo prazo (fordismo) dão lugar a
relações de trabalho flexíveis, móveis e precárias (pós-fordismo). A produção
pós-industrial pós-fordista pós-moderna está sendo informatizada com a
integração de tecnologias de comunicação nos processos industriais existentes.
A organização da produção acompanha esse processo e passa de relações
lineares da linha de montagem às inúmeras e indeterminadas relações das redes
disseminadas com a cooperação dos sujeitos que trabalham. Esse tipo de
trabalho tem como principal característica produzir comunicação, relações
sociais e cooperação. Por isso, o trabalho imaterial pode ser chamado de
“biopolítico”, pois não cria apenas bens materiais, mas também relações e vida
social. Ele constituiria uma minoria do trabalho global que se tornou
hegemônico em termos qualitativos nas últimas décadas. Sob o “paradigma
imaterial” trabalho passa a funcionar em múltiplas redes tornando muito
nebulosa a divisão entre empregados e desempregados. Hoje o emprego não
seria mais garantia de nada devido à enorme flexibilidade do mercado de
trabalho. Os antigos empregos fabris são exceções diante do aumento dos
empregos que envolvem um “trabalho imaterial”.
Como não poderia deixar de ser, para estes “novos teóricos” o novo ciclo
do “trabalho imaterial” deixaria no passado inclusive o “exército industrial de
reserva”. Afinal, num mundo pós-industrial, como poderia haver um exército
“industrial” de reserva? Provavelmente Negri e Hardt já pensaram em criar o
conceito “exército pós-industrial de reserva” para dizer que hoje “nenhuma
força de trabalho está fora dos processos da produção social. Os pobres, os
desempregados e os subempregados de nossas sociedades estão na realidade
ativos na produção social, mesmo quando não ocupam uma posição assalariada”
(2005, p. 178). Entretanto, o que eles desconsideram é que aumento das
atividades intelectuais na produção de capital tem uma relação direta com a

58
expansão do “exército industrial de reserva”, que a cooperação da empresa pós-
moderna tem como avesso a barbárie social do desemprego generalizado.
Assim como muito foi dito sobre a morte de Marx com o suposto fim da
grande indústria, o mesmo ocorre com o conceito jurássico de “exército
industrial de reserva” no meio do “capitalismo digital pós-moderno”. Por mais
que haja “maquinários” (e aqui podemos incluir computadores, robôs e até a
internet), por mais que grande parte da população não seja aparentemente
significativa para o acúmulo do capital, por mais que as aparências nos levem a
crer que o ser social, na sua maioria, vai sendo “subtraído” da sua própria
história, Marx nos mostra que, na grande indústria estas “aparências” fazem
parte da realidade contraditória da dialética entre capital e trabalho. Para Marx
aquilo que é aparentemente supérfluo e “negativo” à história, é, na verdade,
uma das bases do capital e continua como positividade dentro da história: o
gigantesco contingente de desempregados deste mundo que sofrem as agruras
do tempo de não-trabalho.

3.1. Marx e o exército industrial de reserva

Para Karl Marx, o trabalho é a mediação orgânica entre o homem e a


natureza que, “ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a
ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza”
(Marx, 1983, p. 149). Entretanto, o que acontece com um metabolismo social em
que uma de suas características centrais é a condição do não-trabalho3?

3
Os neoclássicos, por exemplo, tentaram mostrar diferentes abordagens acerca do fenômeno do
desemprego, mas esbarraram em seus limites explícitos de classe. Existiria desemprego quando os
trabalhadores exigem salários maiores do que a produtividade do trabalho e como o mercado só aceita
aqueles que estão dispostos a serem contratados sob uma “taxa natural de salário”, conseqüentemente, o
desemprego teria características voluntárias daqueles que não aderem à realidade existente. Por mais que
existam desenvolvimentos mais recentes que tragam a possibilidade de um desemprego involuntário
(especialmente no caso do seguro-desemprego) ou que uma de suas razões seja as falhas de informação
sobre as vagas no mercado de trabalho, a concepção neoclássica além de naturalizar a divisão estrutural
entre capital e trabalho considera o mercado de trabalho uma grande lei de Say onde a oferta cria a sua
própria demanda. Talvez possa trazer alguma contribuição para o campo de pesquisa acerca do
desemprego friccional, aquele que se debruça sobre a mobilidade e a inserção ocupacional. Keynes, por
outro lado, pode trazer alguma contribuição acerca do desemprego conjuntural, aquele decorrente da
ociosidade da mão-de-obra em determinado nível ou sazonalidade da atividade produtiva. Entretanto,
nada pode nos dizer sobre o desemprego de cunho estrutural que está ligado ao processo de
desenvolvimento da estrutura social de expansão e acumulação de capital sob um necessário
enxugamento da mão-de-obra demandada. Não é a toa que, com a emergência dessa forma explosiva de
desemprego desde meados de 1970, as políticas keynesianas de “pleno emprego” não passam hoje de uma
grande ilusão diante das transformações ocorridas produtivas com o desdobramento da crise estrutural do

59
As categorias “superpopulação relativa” e “exército industrial de reserva”
de Karl Marx têm sido objeto de diversas discussões, interpretações e debates.
Segundo Marx, em diferentes modos de produção, diferentes leis regem o
aumento da população e a existência de uma “superpopulação relativa”. Essas
leis estão diretamente ligadas com as formas com que os indivíduos se
relacionam com as condições de produção. Marx assinala que a quantidade de
força de trabalho disponível fornecida pelo incremento natural da população
não é suficiente a produção capitalista. Assim, “para funcionar à sua vontade,
precisa ela de um exército industrial de reserva que não dependa desse limite
natural”4 (MARX, 2009, p. 738). O aumento da mão-de-obra excedente não
depende dos valores absolutos da população e sim dos movimentos da lógica da
acumulação do capital.
É no capítulo XXIII d’O Capital (Livro I, vol. II) que Marx desenvolve
com maior sistematicidade sua concepção de exército industrial de reserva. Seu
objetivo principal neste capítulo intitulado “A lei geral da acumulação
capitalista” é examinar “a influência que o aumento do capital tem sobre a sorte
da classe trabalhadora” a partir do estudo da “composição orgânica do capital e
as modificações que ele experimenta no curso do processo de acumulação”
(idem, p. 715). No subcapítulo 3, chamado “Produção progressiva de uma
superpopulação relativa ou de um exército industrial de reserva”, Marx
observa que para existir acumulação e expansão de capital é necessária uma
mudança qualitativa contínua de sua composição orgânica, num processo de
aumento de sua parte constante à custa da parte variável5. Sem essa constante

capital. Marx, ao “desnaturalizar” a divisão social do trabalho na sociedade capitalista, pôde se debruçar
sobre as causas sociais e históricas do desemprego. Portanto, ao tratar a estrutura social que cria
necessariamente desempregados como natural e eterna, os neoclássicos e Keynes poderiam ser chamados
por Marx de românticos em que “o conteúdo consiste em preconceitos correntes, oriundos da aparência
mais superficial das coisas” (2008, p. 526).
4
Segundo Nun (1969) é necessário fazer a distinção entre “superpopulação relativa” e “exército
industrial de reserva”. Nas palavras do autor, “enquanto o conceito de exército industrial de reserva
corresponde à teoria particular do modo de produção capitalista, os conceitos complementares de
população adequada e superpopulação relativa pertencem à teoria geral do materialismo histórico”. O
exército industrial de reserva é específico do capitalismo e por isso o uso deste conceito tem sua validade
histórica apenas nesse modo de produção particular, enquanto isso, superpopulação relativa existe em
outros modos de produção e sua validade histórica é mais ampla e ultrapassa os limites da sociedade
capitalista.
5
Segundo Marx, a parte constante do capital é aquela que se converte em meios de produção, isto
é, em matéria-prima, matérias auxiliares e meios de trabalho. Não modifica a sua magnitude de valor no
processo de produção. A parte variável, por outro lado, é convertida em força de trabalho que modifica o
seu valor no processo de produção. Reproduz o seu próprio equivalente e um excesso acima disso, a mais-
valia, que pode, ela própria mudar, ser maior ou menor. De uma magnitude constante, esta parte do

60
revolução nos meios de produção, a própria produção capitalista estancaria.
Assim é crucial que a magnitude variável do capital caia progressivamente com
o aumento do capital global.
Com o aumento do capital global, cresce também sua parte variável, ou a força
de trabalho que nele se incorpora, mas em proporção cada vez menor.
Reduzem-se os intervalos em que a acumulação resulta da ampliação da
produção sem alterar-se a base técnica. É necessário que a acumulação do
capital global seja acelerada em progressão crescente para absorver número
adicional determinado de trabalhadores ou mesmo, em virtude da constante
metamorfose do capital velho, para continuar ocupando os trabalhadores que
se encontram empregados. Demais, essa acumulação crescente e a própria
centralização causam novas mudanças na composição do capital ou nova
redução acelerada de sua parte variável em relação à constante. Essa redução
relativa da parte variável do capital, acelerada com o aumento do capital
global, e que é mais rápida do que este aumento, assume, por outro lado, a
aparência de um crescimento absoluto da população muito mais rápido que o
do capital variável ou dos meios de ocupação dessa população. Mas a verdade
é que a acumulação capitalista sempre produz, e na proporção de sua energia e
de sua extensão, uma população trabalhadora supérflua relativamente, isto é,
que ultrapassa as necessidades médias da expansão do capital, tornando-se,
desse modo, redundante (idem, p. 732, 33).

O aumento na velocidade das transformações na composição orgânica do


capital produz profundas mudanças nos diversos ramos de produção,
simultânea ou alternadamente. Como resultado, as “necessidades médias da
expansão do capital” – baseadas numa progressiva queda do capital variável em
vista do aumento do capital constante – criam uma população trabalhadora
excedente que é relativamente supérflua para a produção capitalista. Para Marx
a produção progressiva de uma superpopulação excedente de trabalhadores é o
outro lado da lei geral da acumulação capitalista6. Como a procura de trabalho

capital transforma-se continuamente numa porção variável. Marx aponta duas tendências que são
operantes simultaneamente e de forma contraditória na produção capitalista. Na primeira, existe a luta do
capital para extrair a quantidade máxima de trabalho vivo com o ímpeto de aumentar a massa potencial de
mais-valia. Na segunda, o capital possui um impulso em direção à mais-valia relativa que se manifesta
pelo aumento no capital constante, em detrimento do capital variável, induzindo o capital a colocar como
supérfluos muitos trabalhadores periodicamente.
6
Segundo Marx, “graças ao progresso da produtividade do trabalho social, quantidade sempre
crescente de meios de produção pode ser mobilizada com um dispêndio progressivamente menor de força
humana” (2009, p. 748). Com isso, a redução da quantidade de trabalho material e o aumento de
produtividade garantem a acumulação de capital que “atrai, relativamente à sua grandeza, cada vez menos
trabalhadores. E o velho capital periodicamente reproduzido com nova composição repele, cada vez mais,
trabalhadores que antes empregava (idem, p. 731). A “superpopulação relativa” compensa e neutraliza os
efeitos da lei geral da acumulação e expansão de capital, isso é, a expansão do exército industrial de
reserva é uma resposta diante da tendência de queda da taxa geral de lucro tornando-a menor e menos
rápida. Para Marx, além do aumento do exército industrial de reserva, as contra-tendências diante de uma
crise da acumulação de capital também são efetuadas por um aumento no grau de exploração do trabalho,
pela redução do salário abaixo de seu valor, barateamento dos elementos que formam o capital constante,
a expansão do comércio exterior e um aumento do capital acionário.

61
não é determinada pela magnitude do capital global e sim pela magnitude sua
parte variável, “ao acréscimo e ao decréscimo do capital variável correspondem
exatamente o acréscimo ou o decréscimo do número de trabalhadores
empregados” (idem, p. 738). Portanto, a progressiva expansão do exército
industrial de reserva não é uma falha no mercado de trabalho e sim um
fenômeno estrutural da dinâmica do capital7.

Por isso, a população trabalhadora, ao produzir a acumulação de capital,


produz, em proporções crescentes, os meios que fazem dela, relativamente, uma
população supérflua. Esta é uma lei da população peculiar ao modo capitalista
de produção. Na realidade, todo modo histórico de produção tem suas próprias
leis de população, válidas dentro de limites históricos. Uma lei abstrata da
população só existe para plantas e animais, e apenas na medida em que esteja
excluída a ação humana (idem, 734, 35).

Para Marx, o exército industrial de reserva é constituinte necessário do


modo de produção capitalista8. Dentro dos limites históricos do capital se
impõem que a progressiva queda da taxa de capital variável expanda o número
de trabalhadores no exército industrial de reserva. Assim sua tendência ao
crescimento é tanto causa como efeito do processo de reprodução do capital.
Nas palavras de Marx,

Se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação


ou do desenvolvimento da riqueza no sistema capitalista, ela se torna, por sua
vez, a alavanca da acumulação capitalista e, mesmo, condição de existência do
modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva
disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta como se fosse criado
e mantido por ele. Ela proporciona o material humano a serviço das
necessidades variáveis de expansão do capital e sempre pronto para ser
explorado, independentemente dos limites do verdadeiro incremento da
população. (2009, p. 735)

7
Segundo Braveman, o desemprego não é uma aberração, mas uma parte necessária do
mecanismo de trabalho do modo capitalista de produção. Fazem parte deste excesso não apenas pela
massa de desempregados, mas também aqueles que estão temporariamente empregados, os empregados
em tempo parcial, a massa das mulheres que, como donas-de-casa ou domésticas constituem uma reserva
para as “ocupações femininas” e as reservas (i)migrantes de trabalho (1981, p. 326).
8
Como escreve Rosa Luxemburgo, “a economia capitalista é, na história da humanidade, a
primeira forma de economia em que a ausência de ocupação e de meios de uma camada importante e
crescente da população e a pobreza em outra camada, igualmente crescente, não são apenas a
conseqüência, mas também uma necessidade, uma condição de existência da economia, [onde] a
insegurança da existência de toda a massa de trabalhadores e a miséria crônica ou a pobreza de largas
camadas determinadas foram, pela primeira vez, um fenômeno normal da sociedade” (LUXEMBURGO,
s/d, p. 324)

62
Sendo a “condição de existência” e, ao mesmo tempo, a “alavanca” da
acumulação capitalista, o exército industrial de reserva é o principal regulador
social da exploração da totalidade da força de trabalho. É o elo mais forte do
capital para assegurar suas “condições de existência” na constante pressão sobre
os salários e no aumento da competição entre os trabalhadores. É um excedente
populacional inscrito na própria estrutura contraditória de reprodução do
capital e seu processo de valorização. Assim, essa população “redundante” não é
descartável para a lei de acumulação. Ela se apresenta, para Marx, como a “lei
absoluta” da regulação dos salários. O capital não poderia realizar seus
imperativos de acumulação e auto-expansão sem a segurança dada pelo exército
industrial de reserva que se encontra pronto para “seguir o capital às suas
custas”. Como diz Marx,

Os movimentos gerais dos salários se regulam exclusivamente pela expansão e


contração do exército industrial de reserva, correspondentes às mudanças
periódicas do ciclo industrial. Não são, portanto, determinados pelas variações
do número absoluto da população trabalhadora, mas pela proporção variável
em que a classe trabalhadora se divide em exército ativo e exército de reserva,
pelo acréscimo ou pelo decréscimo da magnitude relativa da superpopulação,
pela extensão em que ela é ora absorvida, ora liberada. (idem, p. 741)

Em outro momento, Marx escreve que a superpopulação relativa “está


sempre presente nos movimentos da oferta e da procura de trabalho. Ela
mantém o funcionamento desta lei dentro dos limites condizentes com os
propósitos de exploração e de domínio do capital” (idem, p. 743). Por
conseguinte, quanto mais dividida está a classe trabalhadora entre o exército
ativo e exército de reserva maior é a competição entre os proletários, mais
baixos podem ser pagos os salários e mais intensivos são os trabalhados
executados pelo exército ativo de trabalhadores9. Manifesta-se a dialética
contraditória da acumulação de capital na tentativa de negação do proletariado
pelo processo de sua divisão entre exército ativo e de reserva.

O trabalho excessivo da parte empregada da classe trabalhadora engrossa as


fileiras de seu exército de reserva, enquanto, inversamente, a forte pressão que
este exerce sobre aquela, através da concorrência, compele-a ao trabalho

9
Nas palavras de Marx, “a magnitude relativa do exército industrial de reserva cresce, portanto,
com as potências da riqueza, mas quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército ativo,
tanto maior a massa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do suplício de seu
trabalho” (MARX, 2009, p. 748).

63
excessivo e a sujeitar-se às exigências do capital. A condenação de uma parte da
classe trabalhadora à ociosidade forçada, em virtude do trabalho excessivo da
outra parte, torna-se fonte de enriquecimento individual dos capitalistas e
acelera ao mesmo tempo a produção do exército industrial de reserva, numa
escala correspondente ao progresso da acumulação social (idem, p. 740).

O trabalho alienado produz dejetos desnecessários ao universo da


produção econômica capitalista que não tem lugar de integração ou reintegração
no mundo do trabalho, mas que cumprem um papel central na concorrência dos
trabalhadores10. A aceleração da produção do exército industrial de reserva
intensifica a concorrência entre os trabalhadores compelidos a “sujeitar-se às
exigências do capital”. Ao se produzir constantemente “uma população
relativamente redundante de trabalhadores” que é transformada num poderoso
instrumento de política econômica em favor do capital, a “drenagem” feita pelo
aumento do exército industrial de reserva favorece a concorrência do exército
ativo de trabalhadores em torno do preço de venda de sua força de trabalho em
crescente proporção11. É nestas condições que se desenvolve a grande indústria.
Para Marx a relação entre “desenvolvimento da capacidade produtiva do
trabalho” – impulsionado pela grande indústria - e o aumento agudo da
“superpopulação relativa” não é conflituosa. Ao contrário, o desenvolvimento da
produção capitalista é acompanhado pelo progressivo crescimento do exército
industrial de reserva que pressiona os salários para baixo e ajuda a retomada
das taxas de lucro. Nesse sentido, a “superpopulação relativa” compensa e
neutraliza os efeitos da lei geral da acumulação e expansão de capital, isso é, a
expansão dos desempregados é uma resposta diante da tendência de queda da

10
Marx escreve numa nota da 3º edição d’O Capital que o avanço rumo ao mercado mundial
estabelece como nível geral de salários o “nível chinês”, dada a concorrência na qual são jogados todos os
trabalhadores do mundo pelo desenvolvimento da produção capitalista internacional: “Hoje, avançamos
bastante nessa direção, graças à concorrência que se estabeleceu, desde então, no mercado mundial. “Se a
China”, declara o parlamentar Stapleton a seus eleitores, “se tornar um grande país industrial, não vejo
como os trabalhadores europeus poderão sustentar a luta, sem descer ao nível dos seus concorrentes.”
(Times, 3 de setembro de 1873). O objetivo almejado agora pelo capital inglês não é mais o nível dos
salários do Continente, mas o chinês” (2006, p. 699, nota 53).
11
Segundo Dejours, sob a influência da ameaça da demissão, a maioria que trabalha se mostra
capaz de acionar todo um cabedal de inventividade para melhorar sua produção (em quantidade e
qualidade), bem como constranger seus colegas para ficar numa posição mais vantajosa no processo de
seleção para as dispensas. Esse medo é permanente e gera condutas de obediência e até submissão.
Quebra a reciprocidade entre os trabalhadores, desliga inteiramente os que sofrem a dominação no
trabalho daqueles que estão desempregados. Assim, “o medo produz uma separação subjetiva crescente
entre os que trabalham e os que não trabalham” (2007, p. 52). A consciência do sofrimento dos
desempregados depende inevitavelmente da relação do sujeito para com o próprio sofrimento. Segundo o
autor, “a impossibilidade de exprimir e elaborar o sofrimento no trabalho constitui importante obstáculo
ao reconhecimento do sofrimento dos que estão sem emprego (idem, p. 46).

64
taxa geral de lucro tornando-a menor e menos rápida12. O crescimento da
“superpopulação relativa” esta ligada, portanto, com o processo de
superprodução de capital que, ao elevar a capacidade produtiva do trabalho,
entre outros também com o “maquinário”, cria trabalho supérfluo – algo bem
diferente de “libertar os trabalhadores”. Dessa forma, superprodução de capital
e aumento da superpopulação “existem um ao lado do outro e se condicionam
mutuamente”. Ideologicamente, o “fim da grande indústria” corresponde ao
“esquecimento” do exército industrial de reserva no capitalismo
contemporâneo.
Na concorrência entre os capitais, a substituição do trabalho vivo pelo
trabalho morto torna-se inevitável à medida que a grande indústria aumenta a
produtividade do trabalho e a capacidade de extração de mais-valia relativa e
diminui os custos de produção das mercadorias. A tendência de queda da taxa
de lucro só pode ser compensada ao longo deste processo à medida que a oferta
excedente de força de trabalho pressiona para baixo seu valor, tornando mais
favoráveis as condições para a extração de mais-valia e moderando a queda da
taxa de lucro pelo incremento constante do grau de exploração do trabalho. Se
por um lado o aumento da produtividade produz a diminuição do tempo de
trabalho necessário e o aumento do tempo de trabalho excedente cujo valor
pode ser apropriado pelo capital, gerando aumento imediato da taxa de mais-
valia e da taxa de lucro para os capitalistas individuais, por outro, na medida em
que leva ao incremento sistemático do capital constante na composição orgânica
do processo global de produção do capital, ele acaba produzindo, no longo
prazo, a tendência de queda da taxa de lucro para o sistema como um todo. Os
meios utilizados para a valorização do capital entram assim em contradição com
os próprios fins da valorização do capital. Por isso que quanto mais se
desenvolve a produtividade das forças produtivas maiores são as dificuldades de
valorização do valor13.

12
Para Marx, além do aumento do desemprego, as contra-tendências diante de uma crise da
acumulação de capital também são efetuadas por um aumento no grau de exploração do trabalho, pela
redução do salário abaixo de seu valor, barateamento dos elementos que formam o capital constante, a
expansão do comércio exterior e um aumento do capital acionário.
13
Nas palavras de Marx, “aumentando e acelerando os efeitos da acumulação, a centralização
amplia e acelera ao mesmo tempo as transformações na composição técnica do capital, as quais
aumentam a parte constante à custa da parte variável, reduzindo assim a procura relativa de trabalho [...].
A redução absoluta da procura de trabalho que necessariamente daí decorre será, evidentemente, tanto

65
3.2. Formas do exército industrial de reserva
Marx liga o decréscimo relativo da parte variável do capital com o
progresso da acumulação e concentração de capital que a acompanha. Para
ampliar o horizonte de valorização o capital precisa explorar o trabalho vivo e,
ao mesmo tempo, introduzir inovações técnicas que aumentem a produtividade
e reduzam o valor da força de trabalho com a pressão regulatória da
“superpopulação relativa”. Neste movimento contraditório Marx identifica
quatro de existência da “superpopulação relativa” da qual “todo trabalhador
dela faz parte durante o tempo em que está desempregado ou parcialmente
desempregado” (2009, p. 744). Suas formas são: flutuante, latente, estagnada e
o pauperismo.
A superpopulação flutuante representa aqueles trabalhadores que “são ora
repelidos, ora extraídos em quantidade maior, de modo que, no seu conjunto,
aumenta o número de empregados, embora em proporção que decresce com o
aumento da escala da produção” (idem, 744). Acompanhando o ciclo da
economia capitalista, estes trabalhadores oscilam no emprego tendendo a serem
despedidos numa crise e esperar por uma época de prosperidade para serem
incorporados ao exército ativo de trabalhadores. Eles flutuam no circuito
empregatício de acordo com o estágio do ciclo econômico. Nas palavras de
Marx, esses que são despedidos tornam-se elementos da superpopulação
flutuante que aumenta ao crescer a indústria. Parte deles emigra e, na realidade,
apenas segue o capital em sua emigração (idem, p. 745). Em síntese a
superpopulação flutuante é constituída pelos trabalhadores que, por certo
tempo, perdem seus empregos em conseqüência da queda na produção, no
avanço de produtividade, no emprego de novas máquinas ou fechamento de
empresas. Uma parte desses desempregados volta a se empregar numa
potencial prosperidade industrial.
A superpopulação latente surge “quando a produção capitalista se apodera
da agricultura, ou nela vai penetrando, diminui, à medida que se acumula o
capital que nela funciona, a procura absoluta da população trabalhadora rural”
(idem, p. 746). Marx argumenta que no espaço agrícola, a movimentação da
população se dá entre o campo e a cidade. Geralmente, os operários agrícolas

maior quanto mais tenha o movimento de centralização combinado os capitais que percorrem esse
processo de renovação” (2009, p. 731).

66
estão fadados a enxertar as fileiras das indústrias nos grandes centros urbanos,
pois

Dá-se uma repulsão de trabalhadores, que não é contrabalançada por maior


atração, como ocorre na indústria não-agrícola. Por isso, parte da população rural
encontra-se sempre na iminência de transferir-se para as fileiras do proletariado
urbano ou da manufatura e na espreita de circunstâncias favoráveis a essa
transferência. Está fluindo sempre esse manancial da superpopulação relativa.
Mas, seu fluxo constante para as cidades pressupõe no próprio campo uma
população supérflua sempre latente, cuja dimensão só se torna visível quando,
em situações excepcionais, se abrem todas as comportas dos canais de drenagem.
Por isso, o trabalhador rural é rebaixado ao nível mínimo de salário e está sempre
com um pé no pântano do pauperismo (idem, p. 746)

Com o aumento da acumulação de capital essas porções do proletariado


tendem a ter uma participação menor em relação a dimensão estagnada da
superpopulação relativa. Como diz Marx, “a superpopulação estagnada se
amplia à medida que o incremento e a energia da acumulação aumentam o
número dos trabalhadores supérfluos. Ela se reproduz e se perpetua, e é o
componente da classe trabalhadora que tem, no crescimento global dela, uma
participação relativamente maior que a dos demais componentes” (idem, p.
747). A superpopulação relativa estagnada

constitui parte do exército de trabalhadores em ação, mas com ocupação


totalmente irregular. Ela proporciona ao capital reservatório inesgotável de
força de trabalho disponível. Sua condição de vida se situa abaixo do nível
médio normal da classe trabalhadora, e justamente por isso torna-se base
ampla de ramos especiais de exploração do capital. Duração máxima de
trabalho e mínimo de salário caracterizam sua existência. Conhecemos já sua
configuração principal, sob o nome de trabalho a domicílio. São continuamente
recrutados para suas fileiras os que se tornam supérfluos na grande indústria e
na agricultura, e notadamente nos ramos de atividade em decadência (idem, p.
746, 747)

Esses trabalhadores não deixam de fazer parte do exército industrial de


reserva, tampouco deixam de ter lugar na divisão social do trabalho no modo de
produção capitalista. É parte cada vez mais importante do proletariado. Longe
de serem inúteis, à porção estagnada do exército industrial de reserva se
reproduz com os trabalhos mais degradantes, com mais riscos à integridade
física e moral, remuneração mais baixa sob vínculos empregatícios precários, ou
seja, enfrentam um contato com o que Marx se refere como “ramos especiais de

67
exploração do capital” baseados na “duração maxima de trabalho e mínimo de
salário”.
Marx aponta também outra dimensão da superpopulação relativa: o
pauperismo. Nas suas palavras, “o mais profundo sedimento [que] vegeta no
inferno da indigência (idem, p. 747). Além dos vagabundos, criminosos,
prostitutas – o “rebotalho do proletariado”, Marx aponta nessa camada social
três categorias: os “aptos para o trabalho”, os órfãos e filhos de indigentes e os
“degradados, desmoralizados, incapazes de trabalhar. São, notadamente, os
indivíduos que sucumbem em virtude de sua incapacidade de adaptação,
decorrentes da divisão do trabalho (idem, p. 747)

O pauperismo constitui o asilo dos inválidos do exército ativo dos trabalhadores e


o peso morto do exército industrial de reserva. Sua produção e sua necessidade se
compreendem na produção e na necessidade da superpopulação relativa, e ambos
constituem condição de existência da produção capitalista e do desenvolvimento
da riqueza. O pauperismo faz parte das despesas extras da produção capitalista,
mas o capital arranja sempre um meio de transferi-las para a classe trabalhadora
e para a classe média inferior (idem, p. 747, 748).

Segundo Marx o processo de acumulação de capital cria os “lázaros da


classe trabalhadora”, que são simples produtos da necessidade intrínseca do
capital em criar classes e até “sub-classes”, os “explorados dos explorados” que
conhecemos tão bem hoje em dia, de diferentes formas. Ao mesmo tempo em
que a acumulação aumenta a procura de trabalho, também cresce a oferta de
trabalhadores e assim “a pressão dos desempregados compele os empregados a
fornecerem mais trabalho, tornando até certo ponto independente a obtenção,
a oferta de trabalho da oferta de trabalhadores” (idem, 743). Nessas condições
em que “o movimento da lei da oferta e da procura de trabalho torna completo o
despotismo do capital” um novo processo que coloca em jogo a lógica do capital
se desdobra. Este é o Marx da maturidade que utiliza o melhor da especulação
absoluta hegeliana para supor como seria a “superação do capital”:

Quando os trabalhadores descobrem que, quanto mais trabalham, mais


produzem riquezas para os outros, quanto mais cresce a força produtiva de seu
trabalho, mais precária se torna sua função de meio de expandir capital; quando
vêem que a intensidade da concorrência entre eles mesmos depende totalmente
da pressão da superpopulação relativa; quando, por isso, procuram organizar
uma ação conjunta dos empregados e desempregados através dos sindicatos etc.,
para destruir ou enfraquecer as conseqüências ruinosas daquela lei natural da
produção capital capitalista sobre sua classe, então protestam em altos brados o

68
capital e seu defensor, o economista político, contra a violação da “eterna” e, por
assim dizer, “sacrossanta” lei da oferta e da procura. Todo entendimento entre
empregados e desempregados perturba o funcionamento puro dessa lei (idem, p.
744).

Nesta etapa de desenvolvimento da grande indústria no capitalismo todo o


entendimento na dialética entre empregados e desempregados é um avanço na
superação da lei do valor-trabalho. O despotismo do capital divide o
proletariado vivo – a classe trabalhadora – entre os que têm e os que não têm
um emprego. A crescente pressão dos desempregados sobre os empregados
possibilita a intensificação do trabalho social e o aumento da concorrência entre
os trabalhadores numa crescente escala, freando a queda da taxa de lucro e
desestruturando a organização dos empregados pela ameaça geral do
“tornarem-se desempregados”. Contra essa intensificação da concorrência entre
os trabalhadores Marx aponta uma “saída” dessa lei tendencial pelo
“entendimento entre empregados e desempregados” diante de um quadro de
total “pressão da superpopulação relativa” sobre a classe trabalhadora.
Vimos que Marx desenvolve múltiplas funções ao exército industrial de
reserva na ordem do capital, inclusive aponta seu papel ativo na “superação do
capital”. No exército industrial de reserva encontra-se o contingente de
proletários que mais cresce em condições lastimáveis, envolvendo situações de
informalidade, extrema precariedade, miséria, exclusão social, perda de direitos
trabalhistas, terríveis condições de moradia, penalização e pobreza no mundo.
Sua morfologia é heterogênea e demonstra que o proletariado é muito mais
amplo e complexo do que o núcleo dos trabalhadores estáveis fabris que, nas
últimas décadas do século XX, vem perdendo espaço diante das transformações
na relação capital-trabalho no atual estágio de acumulação e competição global
do capital. Num tempo em que o trabalho é cada vez mais desvinculado do
emprego e de qualquer forma estável de assalariamento, é cada vez mais difícil
alguém trabalhar num mesmo emprego a vida toda diante das novas formas
organizativas intensificam o trabalho amplamente (como o método just-in-time)
além do aumento de empregos terceirizados, parciais, precários e o medo do
desemprego faz parte da condição universal do proletariado. Assim como o
desemprego em nossos dias vem acompanhado de uma precariedade com a
exploração crescente do exército ativo de trabalhadores, todos os empregados
são hoje potenciais desempregados.

69
Outro ponto crucial levantado por Marx, típico de nosso era, é a apreensão
exposta nos Grundrisse onde ele respondia a Lauderdales que entendia que o
capital fixo era dissociado (unabhängig) do tempo de trabalho, que, “o
maquinário mesmo para a sua utilização necessita historicamente de mãos
supérfluas. Apenas aonde um excedente da força de trabalho está à disposição
é que o maquinário se insere para tomar o lugar do trabalho.” (Grundrisse,
pág 589). Para Marx, não é o maquinário, seja ele aqui compreendido como
“máquina” na indústria de produção de bens de consumo materiais ou
computadores e até a internet, que causa o desemprego. O “maquinário” “não
entra em cena”, com diz Marx, “para substituir a falta de força de trabalho e
sim para reduzir ao mínimo necessário a força de trabalho em massa que se
encontra à disposição”. Para Marx, somente o “não-trabalho” é capaz de criar,
justificar e validar o maquinário dentro da lógica do capital. Sem a “força de
trabalho supérflua”, não há razão nem justificativa para o maquinário. Assim,
não só o “exército industrial de reserva” é uma necessidade intrínseca do capital
para “regular” a exploração do trabalho empregado, como também, é a única
forma de validação do próprio “maquinário” que o capital utiliza para descartar
este mesmo trabalhador.

3.3. O debate marxista contemporâneo sobre o desemprego


No debate contemporâneo acerca do fenômeno do desemprego em escala
global alguns marxistas se destacam na crítica contra aqueles que apontaram
“fim do trabalho” sob diferentes óticas (como Junguen Habermas, Jeremy
Rifkin, Clauss Offe, Dominique Meda, Domenico de Masi, José Arthur
Giannotti, Ruy Fausto, etc). Segundo esses teóricos a utopia da sociedade do
trabalho teria chegado ao fim e com ela o pleno emprego e o Estado de bem-
estar social. De forma geral, segundo esses autores, o aumento do desemprego
impossibilita que o trabalho continue como categoria capaz de sustentar
estabilidade, segurança e dar sentido a identidades coletivas. O aumento do
desemprego representaria que o trabalho haveria deixado de ser ponto
organizador do reconhecimento social, que a centralidade política dos
trabalhadores e a luta de classes ficaram no passado e que a diminuição do
trabalho vivo demonstra que, como dizem os mais otimistas, estaríamos
caminhando para uma sociedade baseada no tempo livre do trabalho alienado.

70
O que é chamado de perda da centralidade do trabalho (Claus Offe) ou extinção
do valor-trabalho (Dominique Medá) é apenas a metamorfose do “emprego” em
novas formas baseadas na subalternidade salarial para além do vínculo
empregatício e a expansão sem precedentes do exército industrial de reserva.
Depois de um período de acumulação de capitais durante o apogeu do
fordismo e da fase keynesiana, o capitalismo do centro, a partir da década de
1970, começou a apresentar profundos sinais de crise. Diante da queda da taxa
de lucro da manufatura mundial existente, do esgotamento do padrão de
acumulação taylorista/fordista de produção, do aumento da concorrência
internacional, da hipertrofia financeira que começará a ganhar relativa
autonomia frente aos capitais produtivos, da maior concentração de capitais, da
crise do Estado de bem-estar social, da generalização das privatizações e
desregulamentação do trabalho também foi colocada em prática pelo capital e o
Estado uma reestruturação nos processos de trabalho com o ímpeto de criar
novos modos de extração de ganhos para a empresa capitalista (Antunes, 2005,
p. 30). Além das derrotas das forças do trabalho em diversas frentes também
houveram incrementos tecno-científicos na cadeia produtiva, redução dos
custos de produção com maciços enxugamentos de trabalhadores,
reorganização do processo produtivo, uma ofensiva contra os sindicatos
combativos e, não menos importante, um novo papel para o trabalhador
baseado num engajamento, parceria e colaboração ativa com a empresa.
Este processo diz respeito a tendência imperiosa que o capital tem
historicamente de rever os níveis aceitáveis de desemprego. Como salienta
Francisco Teixeira, na década de 1950 a taxa de desemprego normal era
considerada de 2.5%, na década de 1960 esse índice passou para 3 e 4%, na
década de 1970 e 1980 o normal passou para uma taxa de 5%. Na década de
1990 o nível normal subiu novamente para 6 e 7% de desemprego que,
traduzido em números absolutos, significa mais de 800 milhões de pessoas
desempregadas em todo o mundo14 (TEIXEIRA, 2000, p. 221). Conforme

14
Como escreve Tavares, com a decorrência desse grande volume de desempregados, proliferam
cooperativas, empresas familiares, trabalho domiciliar, micro e pequenas empresas. Essas formas de
trabalho, comumente identificadas com a independência, a autonomia e a ação espontânea promovem, ao
contrário, mecanismos pelos quais os trabalhadores exploram a sua própria força de trabalho para o
capital e se deixam lesados nos seus direitos fundamentais (2008, p. 18). Entretanto, “essa suposta
autonomia, além de mascarar as reais dimensões do desemprego, fragmenta a classe trabalhadora, opera o

71
Marcio Pochmann, desde 1975 a quantidade de trabalhadores que faz parte do
excedente mundial de mão-de-obra vem apresentando uma tendência de
crescimento. A taxa de desemprego aberto em 1975 foi estimada em 2,3% da
PEA mundial passando para 5,5% vinte e quatro anos depois – ou seja, 2,4 vezes
maior. Entretanto, a elevação da taxa de desemprego mundial ocorre de forma
mais concentrada nas nações menos desenvolvidas do que nas mais
desenvolvidas.

Em 1999, a taxa de desemprego aberto para as nações desenvolvidas era


estimada em 6,18%, enquanto em 1975 era de 4,04%. Em 24 anos, a taxa de
desemprego aberto no conjunto de 141 países pesquisados aumentou 53%. Já
nas nações não-desenvolvidas, a taxa de desemprego subiu 200%, passando de
1,79%, em 1975, para 5,35%, em 1999. No mesmo período, o Brasil destacou-se
por ter a sua taxa de desemprego aberto aumentada em 369,4%, alterando-se de
1,73%, em 1975, para 9,85%, em 1999 (POCHMANN, 2001, p. 85, 86).

Continuando com o mapeamento de Pochmann sobre o crescimento do


excedente estrutural de mão-de-obra:

em 1999, o volume de trabalhadores desempregados nos 141 países pesquisados


foi estimado em 138 milhões de pessoas, enquanto, em 1975, 37,8 milhões de
pessoas formavam parte do excedente estrutural de mão-de-obra. Nesses
últimos 24 anos, o volume de desempregados no mundo foi multiplicado 3,65
vezes. Para os países desenvolvidos, a quantidade de pessoas excedentes foi
aumentada em 1,85 vezes, pois passou de 15,4 milhões de trabalhadores
desempregados em 1975 para 28,5 milhões em 1999. Nas nações não-
desenvolvidas, o volume de desempregados passou de 22,3 milhões de pessoas
em 1975 para 109,5 milhões em 1999, o que equivalei ao aumento de 4,9 vezes.
Em função disso, são percebidos sinais de modificação na divisão internacional
do desemprego aberto. A participação absoluta e relativa das nações não-
desenvolvidas tem sido crescente na geração do excedente mundial de mão-de-
obra. Em 1999, as nações não-desenvolvidas foram responsáveis por 79,4% do
desemprego aberto no mundo, enquanto em 1975 a participação era de 59%. Por
conseqüência, o conjunto das nações desenvolvidas teve sua participação
reduzida de 41% em 1975, para 20,6%, em 1999 (2001, p. 86, 87).

Esta macro-economia do desemprego é o avesso das contradições do


desenvolvimento da grande indústria no capitalismo. Para István Mészáros, a
multiplicação incontrolável da “força de trabalho supérflua” representa “não
apenas uma drenagem enorme de recursos do sistema, mas também uma carga
potencialmente explosiva extremamente instável” (MÉSZÁROS, 2006, p. 341,

culto ao individualismo, desqualifica as organizações representativas do trabalho, fomenta a ordem


ideológica dominante e distancia o horizonte revolucionário” (idem, p. 22).

72
342). Como salienta marxista húngaro, a ameaça de um amplo desemprego era
apenas latente no modo de reprodução social do capital ao longo dos séculos de
desenvolvimento histórico. Enquanto o sistema mantivesse sua dinâmica de
expansão e de acumulação lucrativa, o “exercito industrial de reserva” não
apresentava uma ameaça fundamental. Na realidade era um elemento bem-
vindo e necessário para sua boa saúde. Enquanto os antagonismos internos do
sistema puderam ser geridos por “deslocamentos expansionistas”, os níveis de
desemprego podiam ser considerados temporários e serem superados em seu
devido momento. Entretanto, a situação se transforma radicalmente quando a
dinâmica do deslocamento expansionista e a acumulação tranqüila sofrem uma
interrupção que traz consigo, com o passar do tempo, uma crise estrutural
potencialmente devastadora. Ativa-se assim a “explosão populacional”, sob a
forma de desemprego crônico, como um limite absoluto do capital. Essa é, para
Mészáros, a tendência mais explosiva do sistema do capital hoje. Segundo a
argumentação do húngaro, estamos testemunhando hoje um ataque em duas
frentes à classe operária, não apenas nas partes “subdesenvolvidas” do mundo,
mas também, nos países capitalistas avançados: 1) um desemprego que cresce
cronicamente em todos os campos de atividade, mesmo quando é disfarçado
como “práticas trabalhistas flexíveis” – um eufemismo cínico para a política
deliberada de fragmentação e precarização da força de trabalho e para a máxima
exploração administrável do trabalho em tempo parcial; 2) uma redução
significativa do padrão de vida até mesmo daquela parte da população
trabalhadora que é necessária aos requisitos operacionais do sistema produtivo
em ocupações em tempo integral. Essa tendência não se restringe a difícil
situação dos trabalhadores não-qualificados, mas atinge também um número
enorme de trabalhadores altamente qualificados, que agora disputam os
escassos empregos disponíveis (2006, p. 1005)15. Portanto, “quem sofre todas as

15
Uma das dimensões dessa escala do capital contra os subproletáriaros e desempregados é o
desenvolvimento, principalmente desde 1970, de um Estado capitalista direcionado para a “penalização
da pobreza”, principalmente com o incremento privado das prisões e, por conseguinte, no aumento da
população carcerária. Nos Estados Unidos, pioneiro na privatização dos presídios, já existem hoje mais de
cinco milhões de presos – um quarto de toda a população carcerário do mundo. Esses “supérfluos”
sociais, enquanto não tinham função econômica por não serem consumidores, empregadores e nem gerar
impostos estavam fadados à exclusão, normalmente sem volta, do circuito econômico. Agora esse
processo está se modificando: para as prisões privadas a presença massiva de pobres e marginalizados
gera a produção de mais presídios dando mais renda para seus proprietários. Finalmente a geração
sistêmica de excluídos está trazendo dinheiro para os donos privados das prisões. Dessa forma, o Estado
depende cada vez mais da polícia e das instituições penais para conter a desordem produzida pelo

73
conseqüências dessa situação não é mais a multidão socialmente impotente,
apática e fragmentada de pessoas “desprivilegiadas”, mas todas as categorias de
trabalhadores qualificados e não-qualificados: ou seja, obviamente, a totalidade
da força de trabalho da sociedade” (idem, p. 1005). Assim a questão do
desemprego não se limita mais apenas à existência de um "exército de reserva",
com a possibilidade de ser ativado nos momentos de ascensão econômica do
sistema. Agora o desemprego assumiu um caráter crônico e global. Nas palavras
do autor,

Alcançamos um ponto no desenvolvimento histórico em que o desemprego se


coloca como um traço dominante do sistema capitalista como um todo. Em sua
nova modalidade, constitui uma malha de interrelações e interdeterminações
pelas quais hoje se torna impossível encontrar remédios e soluções parciais para
o problema do desemprego em áreas restritas, em agudo contraste com as
décadas do pós-guerra de desenvolvimento em alguns países privilegiados, nos
quais os políticos liberais podiam falar sobre pleno emprego em uma sociedade
livre (MÉSZÁROS, 2007, p. 145).

Essa “explosão populacional” já presente nos países capitalistas mais


avançados representa um sério perigo para a totalidade do sistema,
inviabilizando a crença que o desemprego maciço apenas afetasse as áreas mais
“atrasadas” e “subdesenvolvidas” do planeta. A ideologia associada a “suposta
superioridade concedida por deus” usada para acalmar o operariado dos países
“avançados” esgota-se como uma grande ironia da história quando agora a
dinâmica antagonista interna do sistema do capital se afirma – no seu impulso
inexorável para reduzir globalmente o tempo de trabalho necessário a uma valor
mínimo que otimize o lucro – como uma “uma tendência devastadora da
humanidade que transforma por toda parte a população trabalhadora numa
força de trabalho crescentemente supérflua (idem, p. 341). Ainda assim, para os
apologistas do capital, a admissão de que o desemprego é agora “estrutural” é
afirmada não para clamar por uma mudança na estrutura (a ordem social), mas,
ao contrário, para justificar e manter sua própria estrutura intacta,
independente do custo humano envolvido. Dessa forma, se aceita o

desemprego, o emprego precário e o encolhimento da proteção social como uma “maquina institucional
de administração da pobreza” com os objetivos de disciplinar as frações da classe operária que surgem
nos precários empregos de serviços, neutralizar e armazenar os elementos mais disruptivos ou
considerados supérfluos tendo em vista as transformações na oferta de trabalho e, não menos importante,
reafirmar a autoridade do Estado. Um exemplo desse processo é que, até mesmo nas áreas mais
desenvolvidas do mundo passando dos Estados Unidos a Europa, desde 1975, a curva do desemprego e
dos efetivos penitenciários segue uma evolução rigorosamente paralela.

74
“desemprego estrutural” como traço permanente e normal da única estrutura
concebível como se a ascensão de “população excedente” fosse devida a
desenvolvimentos tecnológicos e às descobertas cientificas, e, portanto como se
fosse devida à “aparência de leis naturais”16.
Na esteira de Mészáros, Giovanni Alves escreve que com a emergência da
crise estrutural do capital desde meados dos anos de 1970 altera-se a morfologia
social da superpopulação relativa. Seu aumento quantitativo promoveu
alterações qualitativas novas em sua forma de ser. Como escreve o autor, o
sentido e a natureza do fenômeno do desemprego se transformam no decorrer
do tempo da produção de valor. Se num primeiro momento o desemprego era,
de certo modo, um tempo de parada para imensos contingentes da população
trabalhadora, na medida em que se altera a composição orgânica do capital
através do incremento da produtividade do trabalho e as empresas absorvendo
menos trabalhadores, a incorporação relativa dos desempregados tendeu a
diminuir nos períodos de crescimento da economia capitalista. No século XX o
contingente da superpopulação proletária flutuante tendeu a crescer com o
crescimento da indústria e a conquistar direitos sociais e políticos, por conta de
sua organização de classe. Na época de crise estrutural do capital, entretanto,
não existem mais ciclos de negócios capazes de absorver o imenso contingente
de desempregados crescendo assim os proletários sobrantes e redundantes na
sociedade do capital (ALVES, 2007, p. 102). Segundo Alves,

a década de 80 demonstrou que o desemprego massivo nestes países não está


vinculado apenas à dinâmica dos ciclos industriais, mas possui componentes
estruturais. De fato, um impulso tecnológico pronunciando, isto é, um
crescimento constante da produtividade média do trabalho ocorrido nas últimas
décadas contribui para a manutenção dos índices de desemprego, mesmo em
períodos de considerável crescimento econômico. (...) E mesmo no período de
crescimento econômico de 1983-1990, o desemprego continuou praticamente
inalterado. Tal fato deu origem a um novo léxico econômico nos EUA – jobless
growth. O índice de emprego industrial tende a não acompanhar a taxa de
crescimento do PNB. Por exemplo, nos EUA, de 1970 a 1990, o índice de
emprego industrial baixou de 24,9% para 17.9%, enquanto no mesmo período o
PNB cresceu de 21,4% para 22,4%. No Japão, tal defasagem entre emprego
industrial e PNB foi mais gritante. De 1970 a 1990, o índice de emprego baixou
de 31,8%, em 1970, para 27,7%, em 1990. Enquanto isso o PNB cresceu de

16
Como sustenta Maria Augusta Tavares, o argumento de que a máquina é responsável pela
liberalização do trabalho não serve para justificar o desemprego. Concretamente, o que o justifica é a
relação entre capital constante e capital variável, ou, mais especificamente, o aumento da composição
orgânica do capital enquanto tendência imanente à produção capitalista, o que, para o trabalhador, é uma
desgraça, porque sua força de trabalho só lhe serve se é vendida (2008, p. 69).

75
29,3% para 38,2%. Por outro lado, na Europa, de 1970 a 1990, o PNB decresceu
um pouco, de 26,2% para 25,3%. Nesse período, o índice de emprego industrial
caiu ainda mais – de 28,5% para 22,7% (ALVES, 1993, p. 68, 69).

Nas últimas décadas do século XX, para uma parcela crescente da força
de trabalho não-ocupada, o “tempo de parada” se transformou na “parada do
tempo”. Nesse processo a parte estagnada do exército industrial de reserva
tendeu a aumentar nas últimas décadas do século XX impulsionando a condição
de precariedade mesmo entre categorias de trabalhadores assalariados que
possuem certo grau de organização de classe17. Para Alves, entretanto, o
crescimento dos componentes estagnados nos grandes centros urbanos
contribui menos para a dinâmica da acumulação de valor e mais para a
dinâmica sócio-reprodutiva do consentimento simbólico da ordem do capital. A
massa de proletários inempregáveis possui uma função simbólica na medida
em que constitui o imaginário da barbárie social, matriz do medo que
“sedimenta na alma humana os consentimentos espúrios dos proletários
empregados no loci de produção de valor” (idem, 104)18. A contradição posta
encontra-se enquanto o lema do trabalho em equipe no toyotismo afirma que
“somos todos chefes”, ao mesmo tempo, observa-se no mundo do trabalho a
generalização do medo do desemprego, forçando o “consentimento empresarial”
mesmo que sob um maior nível de exploração da força de trabalho e a renuncia
da pelo por direitos sociais e trabalhistas.
Em suma, essas contribuições deixam claro a idéia de que em nossos dias
o exército industrial de reserva se apresenta, como enfatizado por Marx, algo
estruturalmente inscrito na forma de reprodução da classe trabalhadora em sua
totalidade. No seu contingente encontram-se os proletários despossuídos dos
meios de produção, qualificados e não-qualificados, jovens e idosos, homens e

17
Para Alves o crescimento de trabalhadores “autonomos”, trabalhadores “independentes” ou por
conta própria aparece como expressão ampliada da superpopulação relativa estagnada. O que não se diz é
que “o contingente imenso da força de trabalho disponível, jamais poderá ser absorvido hoje pela
produção de capital. De fato, o sistema produtor de mercadorias tornou-se incapaz de absorvê-los como
produtores de valor. Eles pertencem ao limbo do não-trabalho da sociedade do trabalho” (ALVES, 2007,
p. 102).
18
Não podemos deixar de notar que os desempregados que sofrem do desalento tem, muitas vezes,
sintomas depressivos – o sintoma social do capitalismo contemporâneo. Até 2020, segundo a OMC, a
depressão terá se tornado a segundo principal causa de morbidade no mundo, atrás apenas de doenças
cardiovasculares. Jacques Lacan, ironicamente, sem ligar a depressão com o desemprego, chamou a
depressão no sujeito como “demissão subjetiva”. O desemprego trás a vergonha, o sentimento de
inutilidade, a desorientação temporal que, por fim, se torna uma invisibilidade social. São os mortos-vivos
do capital globalizado.

76
mulheres que estão (temporariamente ou não) presos do lado de fora da
produção capitalista e que, em sua dimensão estagnada, só conseguem vender
sua mão-de-obra como mercadoria em troca de salários ínfimos e desagregação
subjetiva intensa. Fazem parte dessa porção do proletariado os “desempregados
ativos” que estão numa lacuna entre o trabalho atípico, parcial,
desregulamentado, informal ou temporário e as agruras do não-trabalho. Como
descreve Mike Davis em Planeta Favela, a partir de 1980, os trabalhadores
informais constituem cerca de dois quintos da população economicamente ativa
do Terceiro Mundo. Na América Latina, a economia informal emprega
atualmente 57% da força de trabalho e oferece quatro de cada cinco novos
“empregos”. Em 2007, 50% da população economicamente ativa no Brasil
encontrava-se em situação de informalidade. Em diversas partes da África
subsaariana, a criação de empregos formais praticamente deixou de existir.
Num estudo da OIT sobre o mercado de trabalho urbano do Zimbábue no início
dos anos 1990, por exemplo, enquanto o setor formal criava apenas 10 mil
empregos por ano, a força de trabalho crescia em mais de 300 mil indivíduos
anualmente. Na África ocidental se prevê que o setor formal em processo de
encolhimento empregará um quarto ou menos da força de trabalho em 2020 e
que o emprego informal terá que absorver, sabe-se lá como, 90% dos novos
trabalhadores urbanos da África na próxima década. Em termos gerais, a classe
trabalhadora informal global tem quase 1 bilhão de pessoas, e constitui a classe
social de crescimento mais rápido e mais sem precedentes da Terra (DAVIS,
2006, p. 177, 178)19. A conclusão de Davis é incisiva: tem havido muita
resistência à conclusão óbvia de que o crescimento da informalidade é uma
explosão do desemprego “ativo” caracterizado por uma substituição do
desemprego aberto pelo subemprego ou pelo desemprego disfarçado.

19
Segundo Alain Bihr, a imagem do proletariado atual se divide em três grandes porções: os
proletários estáveis e com garantias sociais que, com o prolongamento e aprofundamento da crise, tende a
estreitar e restringir esse núcleo de trabalhadores estáveis no sentido de uma maior flexibilidade; os
desempregados excluídos do trabalho e, entre esses dois pólos, uma “massa flutuante de trabalhadores
instáveis” que, com a crise do período fordista baseado na “estratégia de integração”, cresce em ritmo
acelerado diante da fragmentação crescente do proletariado. Essa “massa flutuante” é composta pelos
proletários que operam por subcontratação, terceirização, por encomenda, em domicílio, em tempo
parcial, temporários, estagiários e, enfim, no cúmulo da instabilidade, os “trabalhadores da economia
subterrânea” que buscam escapar do desemprego trabalhando “clandestinamente” ou entregando-se à
pequena produção mercantil, principalmente no setor de serviços prestados a particulares. (BIHR, 1999,
p. 85).

77
Como vimos, para Marx na grande indústria o exército industrial de
reserva não é um excedente supérfluo, mas algo estruturalmente inscrito na
forma de reprodução da classe trabalhadora em sua totalidade. As crescentes
dificuldades de valorização do trabalho social na grande indústria trazem ao
capital a necessidade de expansão de capitais fictícios que fingem uma auto-
valorização sem trabalho social (como trataremos no próximo capítulo) e um
aumento progressivo do exército industrial de reserva. Slavoj Zizek está certo ao
caracterizar a figura da pessoa desempregada como aquela que melhor
represente o “puro proletário” hoje:

a determinação substancial de uma pessoa desempregada é a mesma de um


trabalhador, mas ela está impedida de realizá-la ou renunciar a ela, de modo
que continua suspensa na potencialidade de um trabalhador que não consegue
trabalhar. Quiça hoje sejamos todos, em um certo sentido, “desempregados”: os
empregos tendem a ser baseados cada vez mais em contratos de curto prazo, de
maneira que o estado de desemprego é a regra, o nível zero, e o emprego
temporário, a exceção (2005, p. 318).

78
Capítulo 4
Crise, capital fictício e o desvanecimento do capitalista
industrial na era pós-fordista

4.1. Marx, crise o capital fictício

Existe certa concordância que uma característica básica da atual fase do


capitalismo é a financeirização, isto é, a hegemonia das finanças em comparação
com as atividades produtivas do capital. Algumas vezes até se deixa a entender
que este processo também levaria ao “fim da grande indústria” no capitalismo e
que não haveria mais a necessidade do capital “sujar as mãos” na produção pela
rentabilidade alcançada pelas atividades especulativas. A gigantesca ampliação
das massas de capitais fictícios nas últimas décadas demonstraria que o
“capitalismo industrial” estaria sendo superado pelo “capitalismo financeiro” e
que, novamente, Marx estaria ultrapassado demonstrando outra vez o
anacronismo de suas idéias.
Mas o que Karl Marx escreveu sobre a aparente “autonomização” do
capital financeiro no capitalismo? Sobre esse ensino, sem dúvida, muito está
sendo negligenciado fazendo com que muitas das atuais discussões da esquerda
se reduzam aos parâmetros das escolas neokeynesianas de plantão. Para esses
“prestigiados filósofos e economistas”, tanto as condições do processo de
produção capitalista são naturais como à ascensão do sistema financeiro global
foi um resultado de falta de regulação ou de uma virada conservadora
neoliberal. Em conseqüência, nada apreendem do processo de reprodução do
capital global. Marx os chamaria de românticos em que “o conteúdo consiste em
preconceitos correntes, oriundos da aparência mais superficial das coisas”
(2008, p. 526).
Em especial com a crise de 2008 está existindo um questionamento geral
da crença no “livre mercado” fazendo emergir algo novo: uma espécie de
neokeynesianismo vazio que, além de reduzir enormemente a dimensão da crise
a uma crise cíclica e conjuntural, faz suas promessas baseado na naturalidade e
eternizacão do processo de produção capitalista. De forma geral, esse
79
neokeynesianismo seria a fórmula para superar as iniqüidades e contradições
atuais já que a crise não passa de uma “crise de desgaste do sistema” podendo
ser uma oportunidade para acelerar o processo de construção de novas formas
de organização social com mais justiça, igualdade e multipolaridade. Isso sob
uma intervenção massiva do Estado para salvar o sistema financeiro, reativar o
crédito, a produção e a demanda efetiva das grandes economias do mundo. Para
essas personalidades, o keynesianismo funcionou como medida anti-crise no
passado e voltará a funcionar hoje porque, afinal, o capitalismo vive
infinitamente e a crise atual é cíclica como as outras.
Com a ascensão de forças revolucionárias no pós-guerra, a experiência da
Grande Crise de 1929-33 e do fascismo, os grupos dominantes dos Estados
capitalistas do centro, em especial os Estados Unidos, buscaram reformar o
sistema capitalista mundial. Existia uma percepção de que o livre-mercado
havia sido um elemento constitutivo do caos nos anos de guerra e entre guerras
e que, assim, era crucial existir um sistema que promovesse uma liberalização
controlada do comércio global. Após fortes repressões nos movimentos
trabalhistas revolucionários, o reformismo keynesiano era substancial,
conclamando o Estado como um mediador social dos conflitos de classe para
empregar práticas que pudessem inserir progressivamente a classe trabalhadora
num enriquecimento coletivo promovendo uma maior repartição das
oportunidades nos países onde foram implementadas tais práticas. O período
pós-guerra também era marcado por uma superprodução que ameaçava o
capitalismo internacional. A economia estadunidense, que detinha mais de 50%
do PIB mundial, se encontrava instável, principalmente porque o consumo
promovido pela guerra não era o mesmo.
Em 1944 os acordos de Bretton Woods estabilizaram o uso
governamental de políticas monetárias como instrumento para reduzir pressões
inflacionárias e de desemprego buscando ampliar o consumo. A regulamentação
das finanças também saiu do controle privado e foi para o governo. Esse sistema
internacional foi idealizado para ser implementado junto com “políticas
keynesianas” no plano nacional, em grande medida aplicada nos países mais
avançados do capitalismo. Dessa forma, a expansão capitalista pós-guerra se
deu com a reconstrução da Europa, a industrialização tardia do Terceiro Mundo
e uma grande produtividade do trabalho social sob a liderança dos Estados

80
Unidos. O keynesianismo era considerado uma via alternativa tanto ao modelo
soviético de centralização da economia quanto às políticas econômicas
tradicionais de livre-mercado. Como escreve Beverly Silver, esse grande pacote
keynesiano pressupunha uma trégua no conflito trabalho-capital, baseada num
intercâmbio tripartite entre governos, sindicatos e empresas:

Os governos e as grandes empresas aceitavam o sindicalismo, contando que os


sindicatos aceitassem o direito da administração de fazer mudanças
permanentes na organização da produção para aumentar a produtividade. Os
governos prometeram usar as ferramentas macroeconômicas à sua disposição
para promover o pleno emprego, enquanto as empresas se comprometeram a
repassar uma parte de seus lucros (obtidos com os ganhos de produtividade)
sob a forma de aumentos reais de salário. Isso, por sua vez, assegurava um
mercado de massa para a crescente produção industrial e abria um vasto campo
para a busca de soluções de produto. Da mesma maneira, os aumentos reais de
salários ajudavam na despolitização e na domesticação do conflito trabalho-
capital ao prometer um “grande consumo de massa” – ou seja, a promessa de
acesso universal ao “sonho americano” (Silver, 2005, p. 149).

Esses compromissos buscavam assegurar a acomodação da força de


trabalho e apaziguar a militância trabalhista combativa num contexto em que
aparentemente o capitalismo havia deixado as grandes crises no passado. Essa
reformulação do capitalismo teria assegurado permanentemente a segurança e a
disciplina do trabalho em troca de um progressivo acesso ao mundo do
consumo sem cortar a relação hierárquica e estrutural do capital sobre o
trabalho. Como ator principal desse processo, o Estado constituía a alternativa
de mediação ocupando, pretensamente, uma posição supra-classes, acima do
antagonismo entre capital e trabalho. Essas medidas asseguraram uma
progressão relativamente estável e coerente da acumulação de capital já que o
risco da superação de seu antagonismo constitutivo foi substituída pela
crescente socialização do consumo aos assalariados que acabou por desinflar as
aspirações revolucionarias no sentido da construção do socialismo. Foi um
período com altas taxas de crescimento econômico durante os anos 1950 e 1960
no centro capitalista. É o que alguns chamam de “liberalismo embutido” em que
os processos de mercado e as atividades empreendedoras e corporativas vieram
a ser circundados por uma rede de restrições sociais e políticas. Como salienta
Ricardo Antunes, esse processo erigiu-se como um sistema de “compromisso” e
de “regulação” que, limitado a uma parcela dos países capitalistas avançados,
ofereceu a ilusão de que o sistema do capital pudesse ser efetiva, duradoura e

81
definitivamente controlado, regulado e fundado num compromisso entre capital
e trabalho mediado pelo Estado (Antunes, 2005, p. 38). O elemento “arbitral”
do Estado, zelando pelo interesses gerais do capital, criou mecanismos de
integração do movimento operário que acabaram por se converter numa
engrenagem do poder capitalista, canalizando a conflituosidade do proletariado
com propostas compatíveis com os termos do “compromisso”, combatendo
violentamente toda tentativa de transbordamento desse compromisso (idem, p.
39).
Como a expansão produtiva do pós-guerra possibilitou uma estabilidade
nos contratos salariais sem prejudicar a lucratividade do capital e o Estado se
tornou o mediador consensual dos conflitos além do “capacitador” de suas
possíveis resoluções, os antagonismos sociais se recalcaram ainda mais,
reduzindo o objetivo de superar a divisão estrutural entre capital e trabalho
numa crescente representatividade geral sob um compromisso de estabilidade
econômica, política e social. Neste período, entretanto, como conclui Sergio
Lessa

não há nenhum indício de que o Estado de Bem-Estar tenha promovido uma


democratização entre o Estado e a sociedade civil no sentido de aumentar a
influência dos indivíduos no desenvolvimento de suas sociedades. Pelo
contrário. Não há, também, qualquer indício de que o Estado de Bem-Estar
tenha correspondido uma alteração na correlação de forças favoráveis aos
trabalhadores e que esta seja a razão última das políticas públicas. Pelo
contrário. O Estado de Bem-Estar se desenvolveu na seqüência da derrota do
movimento operário pós II Guerra Mundial e em um período de domesticação e
adestramento das estruturas sindicais aos ditames do capital. Este
adestramento será um dos elementos importantes para que, décadas depois, a
transição ao neoliberalismo não provocasse uma reação sindical mais
importante... quando as necessidades de reprodução do capital se alteram,
alterou-se no mesmo sentido a atuação do Estado. Transitou-se, sem solução de
continuidade, do Estado de Bem-Estar ao Estado neoliberal: seu conteúdo de
classe permaneceu o mesmo, não se alterou em nada a sua função social. O que
mudou foram as necessidades para a reprodução de capital (2002. p. 285).

Esses foram os “anos de ouro” do capitalismo sob o signo do Welfare


State nos países capitalistas mais avançados do pós-guerra até meados de 1970
– é o que a escola regulacionista francesa, por exemplo, chamou de
“compromisso fordista” e que diversos teóricos entenderam como o auge da
“grande indústria”.

82
No início dos anos 1970 esse arranjo social e internacional sobre a base
do compromisso fordista keynesiano, que envolvia setores expressivos das
direções políticas do proletariado e baseado na capacidade de direção da
burguesia, começou a ser questionado radicalmente com a crise de acumulação
de capital que começava a se desdobrar. O esgotamento do “padrão keynesiano”
se deve a impossibilidade objetiva de criação de uma base material saudável
onde havia se sustentado suas práticas das quais, hoje, ainda não foram
resolvidas. Portanto, do pós-guerra até o fim da década de 1960, o sistema pôde
gerar, por meio do compromisso fordista que assegurava uma crescente
produtividade, um nível de emprego assalariado alto e suficientemente bem
pago nos países do capitalismo avançado, as condições de estabilidade social
mesmo sob a inerente conflituosidade entre trabalho e capital. Como o
keynesianismo não foi e nem poderia ter contido ou superado as contradições
do capitalismo, a crise do Estado de Bem-Estar se confunde com o início do que
se costuma chamar de “crise estrutural do capital”.
Como escreve François Chesnais, diferentemente do período keynesiano
“atualmente, em primeiro lugar, o modo de produção dominante mostra a luz
do dia, de forma cotidiana, sua incapacidade de gerir a existência do trabalho
assalariado como forma predominante de inserção social e de acesso à renda.
Depois de ter destruído o campesinato e boa parte dos artesões urbanos,
desertificando regiões inteiras, apelando para o exercito industrial de reserva
dos trabalhadores imigrantes, criando concentrações urbanas e desumanas, ele
condena milhões de assalariados e jovens ao desemprego estrutural, passando
facilmente a decadência social” (Chesnais, 1996, p. 300, 301). Para Robert
Brenner, nos Estados Unidos, desde o fim da década de 1960, o crescimento
econômico vem se desacelerando pelo excesso de capacidade no setor
manufatureiro internacional apresentando, como conseqüência, uma queda
acentuada na lucratividade corporativa manufatureira trazendo uma persistente
estagnação salarial, desemprego e uma sucessão de crises que não se viam desde
1930. Os investimentos produtivos caíram vertiginosamente e a demanda
apresenta correntemente um estado crítico. Diante da recuperação econômica,
primeiramente da Alemanha e do Japão na segunda metade da década de 1960
e suas produções com custos menores, o mercado mundial ficou cada vez mais
comprimido numa supressão crescente da demanda internacional incitando,

83
dessa forma, o excesso de produção e capacidade sem um escoadouro segura e
estável. Esses países, ao combinar técnicas relativamente avançadas com
salários relativamente baixos para reduzir os mesmo bens produzidos na
economia norte-americana, conseguiram impor seus preços relativamente
baixos no mercado mundial e inchar de modo dramático suas cotas desse
mercado mantendo suas antigas taxas de lucro. Os produtores norte-americanos
se viram confrontados com preços concorrentes menores que os impunham um
crescimento econômico mais lento e pouco vigoroso reduzindo as fatias do
mercado. Essa queda de lucratividade pelo excesso de capacidade e de produção
fabril no centro acabou sendo responsável pela redução das taxas de
acumulação de capital, a raiz da estagnação econômica de longa duração desde o
último quartel do século XX acarretando níveis reduzidos de crescimento da
produção e da produtividade, baixo aumento salarial e crescente desemprego
(Brenner, 2003). Para Jorge Beinstein, a dinâmica geral da crise que se
desdobra desde meados de 1970 está na imbricação profunda entre a
desaceleração do crescimento econômico global presente, desde o último
quartel do século XX, o crescimento da dívida pública dos países mais
avançados do capitalismo global com a conseqüência de déficits fiscais
exorbitantes, a crescente financeirização das grandes empresas, a transformação
da periferia em área de ganhos rápidos em benefício dos grandes grupos
transnacionais, a hipertrofia financeira dominando a economia mundial e a
expansão de um amplo leque de “negócios ilegais” (drogas, trafico de armas etc.)
estreitamente vinculados aos negócios financeiros, mas também ligado a
empresas produtivas legais e a Estados centrais e periféricos (2001, p. 103).
Sobre o primeiro tópico, ele salienta que a prosperidade do pós-guerra terminou
no início da década de 1970. Desde então o crescimento da economia mundial
foi se desacelerando década após década. A taxa de variação anual Produto
Mundial Bruto alcançou uma média de 4,5% entre 1970 e 1979, desceu para
3,2% entre 1980 e 1989 e para 2,9% entre 1990 e 1999 numa clara tendência
descendente. A baixa iniciada em 1970 pôde ser suavizada nos anos 80 pelo
dinamismo do Japão e seus seguidores, os tigres asiáticos, cujo primeiro pelotão
era formado por Taiwan, Coréia do Sul, Cingapura e Hong Kong. Esse processo
se apoiou nas estratégias de exportação beneficiadas pela perda de
competitividade dos EUA. De qualquer forma, na década de 1990 a economia

84
japonesa foi se estagnando. Mesmo assim, na Ásia Oriental países como
Filipinas, Indonésia, Malásia e a China aproveitaram o ciclo expansivo na
esteira na melhora do crescimento dos EUA, ainda que com um déficit
comercial e um aumento do endividamento público. Portanto, a “solução”
encontrada pela desaceleração econômica foi o crescente endividamento, numa
crescente simbiose entre os interesses financeiros e o Estado que estimula o
progressivo quadro de “estado de emergência fiscal” em diversos países. Essa
desaceleração econômica trouxe pesados fardos fiscais nos países centrais que,
golpeados pela combinação de inflação e estagflação perceberam a
“necessidade” de impulsionar a demanda, frear os preços e escorar os lucros
empresariais induzindo-os a desenvolver fortes intervenções públicas que
tendiam aos seguintes objetivos: 1) expansão do gasto público com o fim de
apoiar a atividade industrial, em especial de grupos selecionados de grandes
empresas, e reduções fiscais que melhoraram sua rentabilidade; 2) freio aos
aumentos dos salários, aumentando assim os lucros das empresas; 3) rigor
monetário e liberalização financeira que, somados à demanda estatal de fundos
(motivada pelo déficit orçamentário), fez subir as taxas de juros (idem, p. 115).
Mesmo este processo não trouxe uma resposta satisfatória para estimular o
quadro da acumulação de capital: as taxas agregadas de crescimento global
ficaram em mais ou menos 3,5% nos anos 1960 caindo para 2,4% no curso da
década de 1970. A desaceleração do crescimento mundial ainda se mostra num
processo acelerado na década de 1980 com o crescimento de 1,4% e 1990 com
1,1% caindo desde lá (Harvey, 2008, p. 166). Ao mesmo tempo essa tendência
acompanha um processo em que o retorno do capital não pode mais ser
marcado apenas no final do mês – considerando os custos com salários,
equipamentos e organização da produção. Hoje a reprodução do dinheiro
também deve ser feita em milissegundos pelos últimos desenvolvimentos
técnicos das Bolsas em nível mundial num rito que passa dia e noite, verão e
inverno, chuva e sol. Não é à toa que estamos presenciando um aumento
progressivo das chamas transações de “alta freqüência”. Elas têm como objetivo
extrair lucros negociando pequenos números de ações de diferentes empresas,
entre diferentes plataformas de transação, sob velocidades muito elevadas. Essa
“latência” requer a atualização constante dos índices micro-econômicos dos
computadores que, segundo Stephen Ehrlich, presidente-executivo da

85
Lightspeed Financial, “são na prática os formadores do mercado agora”.
Segundo estimações, as operações de alta freqüência respondem por até 73% do
volume diário de transações com ações nos Estados Unido em 2009, ante 30%
em 2005. Esse tipo de operação que é executada na ordem de milissegundos é
conseqüência direta do avanço técnico na transação de ações: plataformas
eletrônicas operadas nas bolsas Nasdaq OMX e NYSE Euronext; redes de
comunicação eletrônica, aumento dos foros anônimos de negociação (os
famosos “dark pools” que operam fora do mercado convencional).
A partir desse mapeamento geral, podemos dizer que existe um relativo
consenso sobre o surgimento da crise estrutural do capital desde meados de
1970. Essa crise é comumente relacionada com o declínio do Estado de Bem-
Estar Social e com o fim da experiência soviética do “socialismo real” sendo esta
mais uma manifestação da crise global que se universaliza no final do século
XX. As diversas crises que desembocaram no final do século como a mexicana,
argentina, brasileira e a asiática estão também estreitamente ligadas com essa
crise estrutural cuja causalidade unifica tais manifestações particulares e seu
impacto global.
A “Grande Crise Econômica” de 1929-33 estava longe de ser uma crise
estrutural ao deixar ainda diversas opções abertas para a sobrevivência
continuada do capital, bem para uma recuperação e sua reconstrução mais
ampla e forte do que nunca em uma base economicamente mais saudável e mais
ampla. Para o filósofo István Mészáros (2006, p. 796), a crise que vivemos hoje
é fundamentalmente uma crise estrutural que se manifesta em quatro aspectos
principais:
1) Seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular
(por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo
particular de produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho
com sua gama específica de habilidade e graus de produtividade etc.);

2) Seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e


ameaçador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de
países (como foram todas as crises no passado);

86
3) Sua escala de tempo é extensa, contínua, se preferir, permanente, em
lugar de limitada e cíclica, como foram todas as crise anteriores do
capital;

4) Em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e


dramáticos do passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado
de rastejante, desde que acrescentemos a ressalva de quem nem sequer
as convulsões mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas no
que se refere ao futuro: a saber, quando a complexa maquinaria agora
ativamente empenhada na “administração da crise” e no “deslocamento”
mais ou menos temporário das crescentes contradições perder sua
energia.

Mészáros caracteriza a crise estrutural como a ativação dos limites


absolutos do capital. Ao longo de seu desenvolvimento histórico, o capital tem
deslocado suas contradições a patamares cada vez mais elevados sem nunca os
resolver definitivamente. Foi o período de ascensão histórica do capital.
Entretanto, desde meados de 1970, a auto-expansão do capital que possibilita a
criação de riqueza social está fundindo devido ao bloqueio sistemático das
partes constituintes vitais da produção, consumo e
circulação/distribuição/realização. Essa tripla dimensão interna do capital exibe
perturbações que pressagiam uma falha na função vital de deslocar as
contradições acumuladas do sistema com efeitos, no mínimo, catastróficos. Para
a auto-reprodução ampliada do capital é necessária uma auto-renovação no
consumo. Os sentidos do capital de encontrar novos caminhos para assegurar
esse processo começaram a ser bloqueados sistematicamente desde 1970, numa
crescente incapacidade de atender sua necessidade de auto-expansão. Como
conseqüência, se esgota progressivamente os modos tradicionais de controle
político parlamentar além a postura cômoda reformista do trabalho diante da
progressiva redução de seus ganhos limitados. Ao não conseguir cumprir suas
funções reprodutivas básicas, o sistema do capital não consegue mais produzir
amplamente os recursos para a própria existência, muito menos para se
expandir tornando cada vez mais incontrolável e destrutivo.
Os limites absolutos do capital continuam operantes todo o tempo, com
custos sociais e naturais cada vez mais altos, possibilitando a própria eliminação

87
de parte da humanidade para garantir a sobrevivência do capital enquanto
metabolismo social global, seja pelo imperialismo, pela destruição da natureza,
pela fome, por novas formas de apartheid social, pela depreciação progressiva
das condições socioeconômicas dos trabalhadores, pela estagnação salarial, pelo
desemprego crônico. Em outras palavras, com o esgotamento da capacidade de
acumulação e expansão do capital, ainda mais pelos pobres incrementos
constantes de produtividade do trabalho, se aceleram a superprodução de
mercadorias em nível global que necessitam ser consumidas para realizar o
valor auto-expansivo do capital. Como resultados desse processo, se finalizam
progressivamente as possibilidades de crescimento com desenvolvimento na
sociedade capitalista, fazendo com que a sobrevivência continuada do capital
dependa da depressão contínua das condições de vida dos trabalhadores (num
nível ainda mais radical nos países menos desenvolvidos passando dos formais
assalariados aos informais, terceirizados e dos desempregados); um desperdício
institucionalizado sob o encurtamento da aceleração da vida útil das
mercadorias, serviços, instalações, maquinarias; um acirramento da competição
internacional; posturas cada vez mais ofensivas do imperialismo para assegurar
a perpetuação das contradições globais do capital; uma apropriação do
desenvolvimento tecnológico para controle social e, não menos sintomático, a
introdução progressiva de medidas excessivas do Estado nas democracias
liberais como medidas normais de governo.
Nesse sentido amplo, diferentemente de grande parte de consenso da
esquerda, a ascensão do capital financeiro é um efeito e não a causa da crise
economia mundial. A crise tem suas raízes num declínio progressivo da
lucratividade que teve como resultado um excesso constante de capacidade e
produção no setor produtivo internacional. Pela incapacidade do campo
produtivo proporcionar a taxa de lucro necessária, o deslocamento para o canal
financeiro foi uma conseqüência necessária da compressão da lucratividade
diante de uma acirrada competição internacional. Nesse sentido, o processo de
financeirização trouxe um desvio crescente de fundos da produção e emprego
fazendo com que, progressivamente, a economia global dependesse cada vez
mais da financeirização para o crescimento. Entre 1980 e 1992, por exemplo, a
formação de capital fixo cresceu numa taxa anual de 2,3% enquanto os ativos

88
financeiros cresceram 6%. O volume diário total de transições financeiras
globais em 1983 era de 2,3 bilhões passando, em 2001, para 130 bilhões.
A ascensão devastadora da especulação no terreno das finanças está
ligada, principalmente, com a incapacidade de acumulação de capital no terreno
produtivo e não por novas modalidades de “ganhar dinheiro mais fácil” como
dizem alguns. As transformações do capital na esfera financeira geraram
negócios com títulos de dívidas públicas, bônus, câmbio, ações e derivativos que
se multiplicaram numa velocidade crescente em relação ao comércio e a
produção mundial. Em 1979 as transações financeiras diárias era de US$ 75
bilhões, em 1990 de US$ 500 bilhões e, em 1998, chegou a US$ 1,8 trilhão
(Toussaint, 2001, p. 90). Essa mudança fez com que as “empresas produtivas”
passassem a gerar um valor crescente na esfera financeira deslocando seus
recursos básicos de investimento. Essa passagem para a financeirização da
riqueza foi uma possibilidade para resultados positivos mais abrangentes e
rápidos do que poderiam ser feitos na esfera produtiva. Como nota Chesnais, a
financeirização confere um duplo caráter entre a dimensão produtiva e
financeira da mundialização do capital. Por um lado, as empresas se identificam
cada vez mais com os interesses das instituições estritamente financeiras e, por
outro lado, continuam sendo locais de valorização do capital produtivo, sob a
forma industrial (Chesnais, 1996, p. 275). Ocorre a partir daí uma convergência
das decisões estratégicas entre produção e finanças que impossibilita uma
distinção vulgar entre a economia produtiva e financeira já que muitas
empresas transnacionais fundiram a função produtiva com a financeira. O
capitalismo global funciona pela relação dialética e profundamente co-
dependente entre ambas já que a própria orientação dos investimentos de
diversos grupos transnacionais é baseada na atitude “financeira-rentista”. A
distinção entre um campo produtivo que cria riqueza social e um campo
financeiro baseado em especulações destrutivas não faz sentido com o
desenvolvimento capitalista principalmente após os anos 1980. Na verdade,
essas duas esferas reconstroem uma a outra sendo uma irredutível a outra.
Como conseqüência, é um grande erro as proposições para extinguir
progressivamente a esfera financeira para que a esfera produtiva possa
novamente criar riqueza social abrangente, pois não captam que, sob a crise
estrutural do capital, a resposta para a incapacidade de acumulação de capital

89
necessária no campo produtivo foi o deslocamento crescentemente para o
campo financeiro consolidando e aprofundando nas últimas décadas uma
dialética em que ambas as dimensões são os dois lados de uma mesma moeda.
Como escreve o japonês Kojin Karatani, “hoje a maioria dos economistas avisa
que a especulação do capital financeiro global está descolada da economia
“real”. Entretanto, o que deixam de ver é que a economia real com tal é também
impulsionada pela ilusão e que essa é a natureza da economia capitalista” (241).
Em outras palavras, o processo de financeirização aberto pelas transformações
neoliberais como canal de acumulação veloz e “diversificação de riscos” para
proporcionar altos lucros aos capitalistas foi à forma de acumulação de capital
que possibilitou e possibilita uma redistribuição de riqueza num cenário de
competição global onde a produção é lenta demais para trazer os níveis de
lucratividade necessários para o capital atender sua demanda de auto-expansão.
Esse processo trás a tona uma relação incestuosa em busca de objetivos
correlatos na produção e nas finanças.
Marx costuma lembrar que não existe luta de classes entre os capitalistas
financeiros e industriais. Eles fazem parte de uma mesma classe e, mesmo que
tomem formas de decisão diferentes e com ímpetos até mesmo contrários,
atuam para a reprodução ampliada do capital. Enquanto o capitalista industrial
busca uma taxa de lucro pela mais-valia produzida pela totalidade do capital,
pela relação entre essa mais-valia e valor do capital todo e pela concorrência
pelo movimento que possibilita os capitais extrai a mais-valia diferentemente, o
capitalista financeiro se reproduz a partir de sua relação com a mercadoria
universal: o dinheiro.

No mercado financeiro confrontam-se apenas emprestadores e prestatários. A


mercadoria aí tem forma invariável, a de dinheiro. Desvancem-se todas as
figuras particulares do capital, segundo os ramos particulares de produção ou
circulação em que se aplica. Passa o capital a existir na figura que não se
diferencia, do valor autônomo, sempre igual a si mesmo – o dinheiro. Anula-se
a concorrência entre diversos ramos, procurando todos conjuntamente tomar
dinheiro emprestado, e o capital confronta-os todos na forma em que não lhe
importa a maneira como vai ser empregado. O capital em si como fator comum
de classe, qualidade que o capital industrial só revela no movimento e na
concorrência entre diferentes ramos, aparece então, com a força toda, na
procura e oferta de capital. No mercado financeiro, o capital-dinheiro ostenta
efetivamente a figura em que se reparte, como elemento comum, seja qual for
seu emprego particular, pelo diferentes ramos, pela classe capitalista, de acordo
com as necessidades de produção de cada ramo. Acresce que, com o
desenvolvimento da indústria moderna, o capital-dinheiro, ao aparecer no

90
mercado, é cada vez menos representado pelo capitalista isolado, pelo dono
desta ou daquela fração do capital existente no mercado, e cada vez mais
constitui massa concentrada, organizada, que, distinguindo-se totalmente da
produção real, encontra-se sob controle dos banqueiros que representam o
capital social (idem, p. 488, 489).

Interessante notar o caráter desse capital social que desvanece a


personificação do capitalista isolado. A autonomização do processo de
valorização do capital trás a unificação do fator comum de classe: o capital em
si. Ascende uma “massa concentrada” que, sob o controle dos banqueiros como
representação do capital social, se distingue radicalmente da produção real. O
processo produtivo se torna um apêndice que assegura a continuidade do
processo de produção de juros já que “a conservação – e, nesse caso, a
reprodução – do valor dos produtos de trabalho passado resulta apenas de seu
contato com o trabalho vivo” (idem, p. 528). É uma nova configuração do capital
sem deixar de ser capital próprio do aguçamento das contradições da grande
indústria no capitalismo. A “representação do capital” que se apresenta como
totalmente “dissociado da propriedade do capital”. É uma “síntese vazia de
sentido” onde o capital “aparece como fonte misteriosa, autogeradora do juro,
aumentando a si mesmo” (idem, p. 520). Nas palavras de Marx,

Um regente de orquestra não precisa absolutamente ser dono dos instrumentos


dela, nem pertence à sua função de dirigente qualquer obrigação com referencia
ao salário dos demais músicos... Na medida em que o trabalho do capitalista
não resulta do processo de produção em seu aspecto puramente capitalista,
ultrapassa a função de explorar trabalho alheio e deriva, portanto, da forma
social do trabalho, da combinação e da cooperação de muitos para atingir um
resultado comum, é tão independente do capital quanto essa forma quando
arrebenta o invólucro capitalista. A economia vulgar, em sua incapacidade de
imaginar formas desenvolvidas no seio do modo capitalista de produção,
separadas e libertas de seu contraditório caráter capitalista, diz que esse
trabalho é necessário como trabalho capitalista, como função do capitalista
(idem, p. 511, 512).

E continua Marx,

O capital agora é coisa, mas como coisa, capital. O dinheiro é agora um corpo
vivo que quer multiplicar-se. Desde que emprestado, ou mesmo aplicado no
processo de reprodução (rendendo ao dono, o capitalista ativo, juros que se
distinguem do lucro do empresário), cresce para ele o juro, esteja dormindo ou
acordado, em casa ou em viagem, de dia ou de noite. Assim, o desejo quimérico
do entesourador materializa-se no capital-dinheiro produtor de juros (e todo
capital expresso em valor é capital-dinheiro ou passa por capital capital-
dinheiro)... Na qualidade de capital produtor de juros pertence ao capital toda

91
riqueza que pode ser produzida, e tudo o que recebeu até agora não é mais que
pagamento por conta de seu apetite insaciável. Segundo suas leis inatas,
pertencem-lhe todo o trabalho excedente que a humanidade pode fornecer...No
capital produtor de juros esta perfeita e acabada a representação fetichista do
capital, a idéia que atribui ao produto acumulado do trabalho e por cima
configurado em dinheiro, a força de produzir automaticamente mais-valia em
progressão geométrica em virtude de qualidade inata e oculta (p. 522, 525,
528).

O capital fictício se reproduz como uma coisa e não como uma relação
social. Na forma de capital mercantil existe uma dialética na unidade de suas
fases opostas, movimento irredutível que se decompõe em suas ocorrências
contrárias: a compra e a venda de mercadorias. No capital fictício essa relação
desaparece tomando a forma dinheiro que gera mais dinheiro, “valor que se
valoriza a si mesmo sem o processo intermediário que liga dois extremos”
(idem, p. 519). A generalização desse processo pressupõe a criação das
condições econômicas e políticas para a consolidação de um verdadeiro
mercado mundial do dinheiro, que abriu uma nova fase de financeirização da
economia global – expressa dominantemente a partir da metade da década de
1960. Como escreve Francisco Teixeira, essa fase é expressa por: (1) no declínio
da moeda e dos depósitos bancários enquanto fontes de financiamento do
processo de acumulação; (2) na desintermediação financeira, por conta da
expansão das técnicas mediante a emissão de títulos, que passaram a substituir
os empréstimos bancários convencionais; (3) na ampliação das funções
financeiras no interior das corporações produtivas; (4) na transnacionalização
de bancos e empresas; (5) na interdependência de taxas de juros e de cambio;
(6) no déficit público endogeneizado, isto é, financiado mediante a emissão de
títulos públicos renegociáveis do mercado de capitais; (7) na compra e venda de
corporações como um negócio específico das empresas produtivas; (8) nas
fusões como modalidade mais importante de investimento; (9) na natureza
multifuncional, multissetorial e multifuncional das grandes corporações que
operam no mercado mundial; e (10) na permanência do dólar como moeda
estratégica mundial (2008, p. 40). Em conseqüência de todas essas
transformações, as empresas não se configuram mais como unidades
particulares de capital perdendo sua independência relativa. Como escreve
François Chesnais, a companhia transnacional está assumindo, cada vez mais, o
papel de regente da orquestra em relação a diversas atividades de produção e

92
transações tanto interna quanto externa às companhias que, mesmo que
incluindo ou não um investimento de capital, o objetivo consiste em promover
seus interesses globais (Chesnais, 1996, p. 69). Ou ainda como aponta Teixeira,
essas companhias apagam as fronteiras setoriais da economia uma vez que sua
estratégia de atuação abstrai as formas concretas em que investe seu capital.
Elas deixam de ser cada vez mais uma empresa predominantemente industrial
ou de serviços, bem como companhia bancária ou financeira adquirindo, dessa
forma, uma extrema mobilidade de modo a permitir à direção do centro (grupo
congregando várias filiais sob o controle de um centro de decisão financeiro
chamado holding) investir ou desinvestir massas de capitais de acordo com as
exigências de valorização do mercado (2008, p. 41).

A partir de então, não há mais domínio de uma fração do capital sobre as


demais, pois cada unidade de capital (empresa) opera simultaneamente como
capital-dinheiro, capital produtivo e capital-mercadoria. Essas diferentes
formas de existência do capital não estão mais subsumidas ao capital financeiro,
pois o capital se tornou uno, sem formas empiricamente distinguíveis.
Conseqüentemente, a categoria de “capital em geral” volta a ser a única forma
de existência do capital. Nesse sentido, essa categoria é bem mais apropriada do
que a de capital financeiro para dar conta das novas determinações do
capitalismo contemporâneo. Até mesmo do ponto de vista de suas implicações
políticas, a categoria capital, em geral, traduz com mais precisão o capitalismo
de hoje. Com efeito, quando se fala do capital financeiro, a impressão que vem à
mente é a de que se trata de uma forma especulativa do capital, que impede a
expansão do capital industrial e, assim, a geração de riqueza e de postos de
trabalho. Ora, na sua nova configuração, o capital industrial é tão especulativo
quanto o é o capital financeiro. Prova disso é o fato de que 40% dos lucros das
grandes corporações industriais japonesas, por exemplo, são provenientes de
atividades não operacionais, isto é, são produtos de especulação no mercado
financeiro. É, portanto, um erro político acreditar que o combate ao capital
financeiro recolocaria a economia nos trilhos da prosperidade, como acreditam
aqueles que vêem no neoliberalismo a causa da crise do capitalismo (idem, p.
43).

Como conclui Reinaldo Carcanholo, mesmo que a fase especulativa do


capitalismo possa sobreviver por mais um tempo, ela tenderá a desaparecer. Só
poderá soobreviver com adicional incremento da exploração do trabalho. Uma
eventual substituição dessa fase especulativa por uma nova reconstruindo a
predominância do capital “produtivo” pressuporá níveis inimagináveis de
exploração (p. 10). Como o desenvolvimento de uma dinâmica expansiva
autônoma do capital financeiro é o resultado das dificuldades de valorização do
capital via produção seria ingênuo considerar este processo não acompanha

93
diversas transformações precarizantes no processo de trabalho ou que, pior,
estes processos estimulam uma “libertação” do capitalista industrial pelo
aumento do poder das finanças.

4.2. O desvanecimento do capitalista industrial

Para os teóricos do “trabalho imaterial”, a empresa atual não tem mais a


marca de imposições hierárquicas. Os trabalhadores são autônomos e se tornam
empresários de si mesmos. O caráter comunicativo do atual “ciclo do trabalho
imaterial” teria superado as antigas hierarquias e estimula a auto-organização
dos trabalhadores deixando de lado a figura do capitalista. É um mundo de
inovação sob o controle dos trabalhadores sem capitalistas. Para Negri, a
exploração hoje é essencialmente “a expropriação capitalista do poder
cooperativo que as singularidades do trabalho cognitivo desenvolvem no
processo social. Não é mais o capital que organiza a mão de obra, mas a mão de
obra que se organiza em si” (ano, p. 215). Neste mundo “pós-grande indústria” o
capital teria deixado de organização o processo de trabalho. Agora vamos ver
melhor como Marx entende o desdobramento da grande indústria com o
processo de “desvanecimento do capitalista industrial” devido a crescentes
massas de capital monetário que passam a exercer um papel central na
acumulação capitalista.
Como escreve Virgínia Fontes, para Marx a existência de grandes
proprietários de capital monetário converte o capital numa força social
anônima, ao mesmo tempo concentrada e extremamente difusa. O capital
assume uma configuração diretamente social: não é mais um proprietário
controlando a “sua” produção, mas proprietários unidos apenas pela própria
propriedade e que precisam converter seu dinheiro em mais-valor. A extração
desse excedente torna-se cada vez mais distante dos olhos dos grandes
proprietários (Fontes, 2010).
Para Marx o desenvolvimento da grande indústria encontra crescentes
dificuldades para a valorização do capital. Como resposta às contradições
próprias da grande indústria, o capital passa a se autonomizar como capital
monetário, sem necessariamente a relação social do trabalho produtivo na
valorização do capital. No livro III de O Capital Marx salienta que com o

94
desenvolvimento do sistema financeiro global são formadas “sociedades de
ações” que forçam o trabalho social cooperativo, intensivo e complexo a superar
as rígidas hierarquias do trabalho transformando os capitalistas industriais
clássicos em “meros diretores”. O capitalista não precisa mais ser um grande
proprietário. Conforme Marx, com o desdobramento máximo da grande
indústria capitalista sob o processo de financeirização mundial, a condição de
assalariado também é dada ao capitalista industrial em relação ao capitalista
financeiro e bancário. É uma “nova configuração” do capitalismo que não
supera o antagonismo estrutural de classe nem torna o capitalista assalariado
um trabalhador que aliena sua força de trabalho. Ao contrário, é uma nova
forma de personificação capitalista ainda mais fetichista onde o capitalista
ativo se torna um mero diretor do processo de produção. O famoso “patrão” –
o capitalista industrial – some do campo simbólico do trabalhador
“harmonizando” o conflito de classes e esconde uma fusão entre os capitalistas
financeiros e os “meros diretores” quue gerem a força de trabalho alheia.
Essa progressiva transformação do capitalista industrial em assalariado
se inicia com o capital se reproduzindo dominantemente na esfera financeira
reduzindo, dessa forma, o capitalista industrial a mero acumulador de
propriedade sobre o trabalho. Segundo Marx, as “sociedades por ações”
correspondem à dimensão negativa do processo de financeirização do capital.
Elas se dão pela expansão imensa da escala de produção da grande indústria,
sendo impossível atingi-las por capitais individuais.

O capital que, por natureza, assenta sobre modo social de produção e supõe
concentração social dos meios de produção e de forças de trabalho, assume
então diretamente a forma de capital social (capital de indivíduos diretamente
associados) em oposição ao capital privado, e as empresas passam a ser sociais
em contraste com as empresas privadas. É a abolição do capital como
propriedade privada dentro dos limites do próprio modo capitalista de
produção (2008, p. 582, 583).

Esse encontro com os limites do modo de produção capitalista trás a


transformação do capitalista realmente ativo em “mero dirigente,
administrador do capital alheio, e dos proprietários de capital em puros
proprietários, simples capitalistas financeiros” (idem, p. 583). O
desvanecimento da representação do capital torna, num primeiro momento, o
corpo social do trabalho “sem transcendência”, degradando as mediações

95
conflituosas que produz os sintomas da luta de classes. Em outras palavras,
faltam elementos para a criação de conflitos pelo desvanecimento da autoridade
simbólica do capitalista, causando num primeiro momento uma analfabetização
do corpo político, chegando ao ponto de não se saber ao certo acerca da própria
existência de um corpo político para articular a luta econômica. O que esse
processo trás de novo para o capitalismo é a despersonificação do capitalista no
campo produtivo: é o que Marx chamou de “a mistificação do capital na forma
mais contundente” (idem, p. 521). Dessas condições, o capitalista ativo como tal
fica existindo apenas como um funcionário “especial” da empresa. Nas palavras
de Marx, “o capitalista desaparece do processo de produção como figura
supérflua” (idem, p. 513). Com a financeirização global, a relação entre os
capitalistas se transforma radicalmente ocorrendo uma disjunção radical entre
função e propriedade do capital:

Confrontado com o capitalista financeiro, o capitalista industrial é trabalhador,


mas um trabalhador capitalista, ou seja, explorador do trabalho alheio. O
salário que exige e embolsa por esse trabalho é exatamente igual a quantidade
de trabalho alheio de que se apropria e depende diretamente – do grau de
exploração desse trabalho e não da intensidade do esforço que emprega nesse
exploração e que pode transferir a um dirigente com remuneração moderna
(idem, p. 512).

Continuando com Marx:

Este resultado do desenvolvimento máximo da produção capitalista é uma fase


transitória que levará o capital necessariamente a reverter à propriedade dos
produtores não mais, porém, como propriedade privada de produtores
individuais, e sim como propriedade dos produtores na qualidade de
associados, propriedade diretamente social. Nesta fase transitória todas as
funções do processo de reprodução ainda ligada até agora à propriedade do
capital se transformarão em simples funções dos produtores associados, em
funções sociais (ibidem, p. 583).

Nesta fase em que as crescentes dificuldades de valorização do valor na


grande indústria impulsionavam a autonomização do capital circulante como
capital fictício, o processo produtivo se torna um apêndice necessário que
assegura a continuidade do processo de produção de juros já que “a conservação
– e, nesse caso, a reprodução – do valor dos produtos de trabalho passado
resulta apenas de seu contato com o trabalho vivo” (idem, p. 528).

96
Dessa forma, o capitalista perde progressivamente sua autoridade
simbólica fazendo apenas o papel de uma “mediação desvanecente” – processo
que é visto pelos teóricos do trabalho imaterial como uma “libertação”. Essa
transformação decorre do lucro assumindo a “pura forma de juro” que se revela
o “fruto genuíno do capital, o elemento original” enquanto o lucro do
empresário é um “mero acessório, aditivo que acrescenta ao processo de
reprodução”. Ao mesmo tempo “o trabalho aparece por completo separado da
propriedade quer dos meios de produção quer do trabalho excedente” num
“puro assenhoreamento de trabalho excedente alheio” (idem, p. 583).
Esse “deslocamento qualitativamente essencial” é a passagem onde Marx
caracterizava uma “nova configuração” do capitalismo – um período de
transição marcada pelas contradições entre a grande indústria e o capital. O
capitalista industrial se torna um gerente que busca a auto-organização do
trabalho devida sua perda de autoridade para implementar as hierarquias
militares própria da etapa manufatureira do desenvolvimento do capitalismo.
Esta passagem da preocupação do capitalista da produção do trabalho a
organização do trabalho é correlata à passagem do conflito político a técnica.
Esse processo de forma alguma supera o antagonismo que sustenta a relação
estrutural e hierárquica entre capital e trabalho. Ao contrário, essa “nova
configuração” afirma o antagonismo de classes mistificando-o sob o caráter
cooperativo e polivalente do trabalhador que deve produzir mercadorias só que,
agora, podendo chamar o “chefe” pelo apelido e dando sugestões sobre a melhor
capacitação do trabalho. O “chefe” é substituído pelo “líder” e o assalariado se
converte num “colaborador” tornando a empresa uma espécie de coletividade
em que, no nível da aparência, não existem conflitos próprios da divisão
estrutural Real entre capital e trabalho. Hoje em muitas empresas os chefes e
empregados, além de serem rebatizados, dividem o mesmo restaurante, o
mesmo uniforme, o mesmo banheiro. A todo custo se busca criar uma coerência
da quais todos dividem uma mesma visão de mundo – a visão da empresa como
uma família em que todos estão no mesmo barco. Como salienta Antunes, esse
modelo é baseado num “envolvimento cooptado” onde a empresa desenvolve
mecanismos participativos e envolventes que possibilita a apropriação tanto do
“fazer” como do “saber” do trabalhador numa sujeição qualitativamente
diferente da era fordista. Tratando de aspectos mais específicos dessas

97
transformações, Marcia Hespanhol escreve que a idéia difundida na empresa
contemporânea é que seus empregados tenham uma inserção mais participativa
na organização. O trabalhador passa de meros executores de tarefas
predeterminadas para se tornarem “colaboradores”, de quem se espera opiniões
e sugestões. Essas propostas teriam como objetivo com que todos os
trabalhadores tivessem uma maior satisfação num lugar onde as divisões de
classes teriam desaparecido. A organização gerencial, extremamente
verticalizada no modelo taylorista, se modifica numa horizontalização sob a
eliminação de diversos níveis hierárquicos intermediários e com delegação de
responsabilidade para os trabalhadores da base. Criam-se espaços onde os
trabalhadores devem opinar e dar sugestões sobre a produção, entre os quais, se
destacam os Círculos de Qualidade (QQC) que é parte central da “japoneização”
do mundo do trabalho ocidental (idem, p. 26, 27). Em outras palavras, o
antagonismo entre capital e trabalho se mascara sob novas formas tecno-
organizativas onde o trabalho torna-se mais cooperativo para atender os
imperativos existenciais de acumulação e expansão do capital pós-manufatura.
É a “grande indústria enxuta” que emerge no último quartel do século XX e
opera a todo vapor no mundo contemporâneo produzindo rupturas no
desenvolvimento da maquinaria e desenvolvendo novas formas de correlação
entre a subsunção real e formal do trabalho ao capital.
Paradoxalmente as históricas reivindicações dos trabalhadores se tornam
o material para uma maior intensificação do trabalho hoje. Emerge noções
como a de competência que por individualizar o trabalhador impõem que
assuma seus riscos e fracassos. Também presenciamos um processo de
individualização das remunerações de operários e empregados que além de
funcionar como prática de mobilidade sistemática dos assalariados deteriora os
nexos de classe entre os assalariados. Como assinada Danielle Linhart, as
remunerações são muitas vezes acompanhadas de carreiras individualizadas
baseadas em arquivos sobre competência e em programas de formação
específicos. São estímulos estritamente individuais dados aos assalariados e
que, acrescidos das práticas de polivalência e de mobilidade, trazem uma grande
contradição entre essa individualização e as políticas que visam promover
formas mais coletivas de expressão e de trabalho (2007, p. 117) Além disso, com
os altos índices de desemprego, as empresas utilizam mecanismos explícitos –

98
como a demissão de trabalhadores com “um espírito reivindicatório exagerado”
– como mecanismos mais sutis – como sistemas de sanções, recompensas
informais, individualização dos salários – para exercer o processo de cooptação
dos trabalhadores aos interesses da empresa. Nesta burocracia pós-fordista
ninguém sabe o que é realmente requerido, intensificando a ambigüidade das
atividades laborativas. A burocracia da grande indústria pós-fordista funciona
independentemente de alguma autoridade externa. Ela não toma uma forma
específica delimitando as funções de trabalhadores particulares, mas invade
todas as áreas do trabalho social. O resultado é o auto-assenhoramento do
trabalhador forçando sua própria “boa performance” para a empresa. No
mundo do trabalho contemporâneo se essa exigência não for atendida pelo
trabalhador - Trabalhe! Melhor! Mais ainda! - ele tem como sério potencial a
entrada traumática na dimensão do desemprego já que não estaria apto à
hipercompetitividade que marca profundamente as relações de trabalho hoje.
Trabalho demanda mais trabalho – e o capitalista desvanecido não pode deixar
de demandá-lo incansavelmente.

99
Capítulo 5
Desenvolvimento e crise do modo de produção capitalista:
relendo Marx para o século XXI

Para Marx, o modo de produção é um objeto abstrato-formal, que


abrange relações de produção, política e ideológica. O modo de produção da
vida material determina o processo da vida social, política e espiritual, em geral.
Um modo de produção (MP) é uma unidade dialética, composta por polos que
se opõem e se complementam, a saber, as forças produtivas - FP - (os
trabalhadores, os meios de produção: matérias-primas, maquinária e
ferramentas, as ciências, a tecnologia etc) e as relações de produção - RP - (as
regras jurídicas sobre a propriedade, as instituições políticas, a cultura, as
ideologias, etc.). Assim, para o Marx, a base de qualquer formação econômico-
social é o modo de produção.
Entretanto, partindo do pressuposto de que a sociedades são organismos,
que por seu desenvolvimento constante, encontram-se em atividade, o modo de
produção ganha formas determinadas, concretas e históricas em cada
sociedade. Para somar-se ao conceito de modo de produção, o Marx lança mão,
de maneira dialética, do conceito de formação econômico-social, enquanto
ferramenta que possibilite contemplar as especificidades de cada sociedade,
bem como as transformações porque passam, seu alinhamento ou diferença em
relação ao modo de produção vigente, que, enquanto produtor da vida material,
“condiciona em geral o processo da vida social, política e intelectual.” (MARX,
2009, p. 47).

No modo de produção capitalista dominante, para Marx, somente na


manufatura o capital começa a transformar as condições de produção pela
concentração dos trabalhadores parcelares num local de trabalho único com
vigilância e controle para impor certa divisão do trabalho. É na grande indústria
que existem as condições necessárias para a incorporação real do trabalho
coletivo no capital transbordando os limites da fábrica. Como afirma Marx, a
base técnica da grande indústria é revolucionária enquanto todos os modos de
produção anteriores eram conservadores já que a forma existente de um
100
processo de produção nunca é considerada como definitiva. A produção
capitalista baseada na maquinaria é, na prática, a forma pela qual o capital
consegue expropriar o saber-fazer do trabalhador coletivo que é incorporado à
máquina fazendo parte dela, criando a Grande Indústria que, diferentemente da
manufatura, o capital depende do engajamento intelectual dos trabalhadores
mobilizando corpos e mentes. Seu objetivo é expropriar o valor de uso da
inteligência coletiva dos trabalhadores para o avanço da base técnica da
produção. Com a passagem da manufatura a grande indústria, o processo de
trabalho depende menos do trabalho vivo imediato e mais da elaboração
científica dos meios de produção, do “intelecto coletivo” (“general intelect”)
aplicado na maquinaria que cria os ritmos do trabalho vivo. Na grande indústria
o capital depende do trabalhador coletivo para expropriar o “intelecto coletivo”
e, assim, transformar o valor de uso em mais-valia numa magnitude nunca
alcançada pela manufatura. Na grande indústria, a maquinaria exige a
substituição da força humana por forças naturais para a “aplicação consciente
da ciência”, impulsionando o aumento da velocidade e da produtividade de
trabalho do trabalhador coletivo que agora fazem várias tarefas simultâneas e
diminuem o tempo necessário à produção de mercadorias. Para Marx, a
produção mecanizada elimina a necessidade que havia na manufatura de
cristalizar o trabalhador numa mesma função (Marx, 2009, p. 481). Em suas
palavras: “a maquinaria vai penetrando progressivamente nos processos
parciais da manufatura. A organização rígida e cristalizada destas, baseada na
velha organização do trabalho, dissolve-se, dando lugar a transformação
constantes. Além disso, transforma-se radicalmente a composição do
trabalhador coletivo, das pessoas que trabalham em combinação (idem. p, 524).
A grande indústria elimina a divisão manufatureira do trabalho que torna o ser-
humano prisioneiro de uma tarefa parcial, transformando-o no “acessório
consciente de uma máquina parcial”. Esse trabalhador coletivo passa a realizar
diferentes fases do processo produtivo ou, nos termos contemporâneos, um
trabalhador “multifuncional” e “polivalente”. Nesse processo o valor da
maquinaria que subsume este tipo de trabalhador coletivo ao capital não é mais
determinado pelo tempo de trabalho que nela se materializou, mas pelo tempo
de trabalho necessário para reproduzir a ela mesma ou uma máquina
melhor (idem, p. 462). O tempo de trabalho para de medir simplesmente o valor

101
das mercadorias e passa a medir a capacidade de reprodução das máquinas.
Está suposto aqui a utilização do trabalho vivo, mas a medida do valor se
transforma pela aceleração do processo reprodutivo das máquinas.

Na grande indústria, o valor não representa a relação dos seres humanos


com a natureza, mas com o tempo de produção das relações de trabalho sob
uma forma específica de subordinação às máquinas controladas pelo capital.
Diferentemente da manufatura, a grande indústria cria novas mediações entre
homem e máquina na mesma medida em que o valor depende da objetivação do
tempo de trabalho vivo. Criam-se contradições profundas na valorização do
valor. Enquanto a criação de riqueza material não depende necessariamente do
trabalho humano, o processo de valorização permanece baseado no tempo cada
vez mais escasso de apropriação de mais-valia diante da magnitude necessária
para sua auto-expansão. Para Marx, o incremento de riqueza material
produzido pelas máquinas não cria novo valor no processo de trabalho coletivo.
Longe disso, o incremento técno-científico no processo de trabalho cria
dificuldades cada vez maiores para a expropriação do valor de uso da força de
trabalho já que se limita a transmitir a quantidade de tempo de trabalho
abstrato que se emprega na produção. Ao contrário da apreensão que entende
que o incremento de produtividade pela tecnologia produz valor em si mesmo,
para Marx, a produtividade não produz uma elevação do valor por unidade de
tempo. Diante do crescente potencial de produção da riqueza material das
forças produtivas, o valor se apresenta cada vez mais como anacrônico em sua
forma determinante de riqueza encontrando crescentes dificuldades para se
valorizar. Paradoxalmente o incremento tecnológico na produção generaliza
mais riqueza material produzindo mais coisas com uma mesma quantidade de
tempo necessário de trabalho. Portanto, a grande indústria tem no seu interior a
contradição entre a expansão da capacidade de produção de riqueza material
pelo desenvolvimento da maquinaria e os meios de apropriação da mais-valia
pelo tempo de trabalho abstrato para valorizar o valor.

Para Marx, o desenvolvimento das forças produtivas chega ao ponto de


que as forças de trabalho tornam-se, em si, meios de produção pelo papel que
cumprem no sistema de máquinas. Estes meios de produção corporificados na
força de trabalho são, em sentido amplo, expropriados pelo capital por sua

102
finalidade de auto-valorização mediada pela necessidade do “toque do valor de
uso” na produção e circulação de mercadorias. Como a atividade do trabalhador
coletivo é determinada pelo movimento da maquinaria na grande indústria, seu
saber-fazer é expropriado para conseguir valorizar o valor o máximo possível
reproduzindo a condição de “autômato” do proletariado para o capital. Assim, o
tempo de reprodução das máquinas passa a ser determinante do valor na
grande indústria. Com isso a capacidade da maquinaria de “objetivação” das
funções mais abstratas do intelecto humano torna possível a transformações
profundas nas atividades intersubjetivas. Além disso, a maquinaria da grande
indústria tardia tem a capacidade de corrigir-se e adaptar-se a demandas
variáveis. O capital fixo da maquinaria, com o avanço da grande indústria, é
extremamente flexível na sua capacidade de apropriar a informação como
matéria-prima. A tendência central do capital é a transformação dos meios de
produção em maquinaria. Ao contrário da força de trabalho como meio de
produção, a maquinaria revoluciona todos os outros meios de produção sendo
capaz de apropriar-se de uma crescente porção da dimensão intelectual do
trabalho vivo para reproduzir a si mesma. Nas palavras de Marx,

tão logo o capital fixo se desenvolveu a grande indústria em geral –


aumenta então em relação ao desenvolvimento das forças produtivas da
mesma – ele próprio é a objetificação dessas forças produtivas, elas
mesmas como produtos pressupostos; desse momento em diante, cada
interrupção do processo de produção atua diretamente como diminuição
do próprio capital, de seu valor pressuposto. O valor do capital fixo é
reproduzido apenas na medida em que ele for empregado no processo de
produção. Pela não utilização, ele perde o seu valor de uso, sem que o seu
valor passe ao produto. Daí que, quanto maior é a escala em que o capital
fixo se desenvolve, no sentido aqui considerado por nós, tanto mais a
continuidade do processo de produção, ou o fluxo constante da produção,
torna-se condição externamente constringente do modo de produção
fundado no capital (idem, p. 247).

A apropriação do trabalho vivo pelo capital obtém, na maquinaria,


também a esse respeito, uma realidade imediata: ele é, de um lado,
análise e aplicação de leis mecânicas e químicas provindas diretamente
da ciência, que capacitam a máquina a desempenhar o mesmo trabalho
que anteriormente desempenhava o trabalhador. O desenvolvimento da
maquinaria, nesse sentido, entra em cena pela primeira vez, no entanto,
quando a grande indústria já tiver alcançado degraus mais altos e todas
as ciências já tiverem sido tomadas prisioneiras a serviço do capital
(idem, p. 247 e 248).

103
O aperfeiçoamento das máquinas, enquanto aplicação consciente da
ciência, “só ocorre quando a grande indústria já alcançou um nível superior e o
capital capturou e colocou ao seu serviço todas as ciências; por outro lado, a
própria maquinaria existente já garante grandes recursos” (MARX, 1973, p.
227). Nesse estágio de desenvolvimento das forças produtivas, a atividade
inventiva torna-se objeto de um ramo particular da economia: “as invenções se
convertem, então, em um ramo da atividade econômica e a aplicação da ciência
à própria produção imediata se torna um critério que determina e incita a esta.”
(idem, p. 227,). O próprio Marx reconhece que este “não é o caminho pelo qual
surgiu em geral a maquinaria e menos ainda o caminho pelo qual ela prosseguiu
em detalhes.” (MARX, 1973, p. 227). Ele descreve esse curso assim:

Esse caminho é a análise através da divisão do trabalho, a qual


transforma cada vez mais em mecânicas as operações dos trabalhadores,
de tal modo que em certo momento o mecanismo pode ser introduzido
no lugar deles. O modo determinado de trabalho se apresenta aqui,
portanto, diretamente transferido do trabalhador para o capital sob a
forma da máquina (MARX, 1973, p. 227).

Na qualidade de órgão material do trabalhador coletivo, as máquinas são


meios de apropriação da natureza. Se observadas como capital fixo, elas
também são uma medida do desenvolvimento da objetivação das forças
produtivas sociais. Nas palavras de Marx,

O desenvolvimento do capital fixo revela até que ponto o conhecimento


ou o knowledge social geral se converteu em força produtiva imediata e,
portanto, até que ponto as próprias condições do processo social de vida
passaram ao controle do general intellect e foram remodeladas conforme
o mesmo. Até que ponto as forças produtivas sociais são produzidas não
apenas na forma do conhecimento [in der Form des Wissens], como
também enquanto órgãos imediatos [unmittelbare Organe] da práxis
social, do processo real de vida (MARX, 1973, p. 230).

Paradoxalmente, Marx aponta nestas condições contraditórias a


possibilidade de “auto-emancipação do trabalho” já que o desenvolvimento do
capital fixo assinala tanto o grau de progresso do modo de produção como a
dissolução dessa forma de produção:

Na mesma medida em que o tempo de trabalho – o mero quantum de


trabalho – é colocado pelo capital como único elemento determinante,
desaparecem o trabalho imediato e sua quantidade como princípio

104
determinante da produção – da criação de valores de uso -; na mesma
medida, o trabalho imediato será reduzido quantitativamente a uma
proporção mais exígua, e qualitativamente a um momento sem dúvida
imprescindível, porém subalterno perante o trabalho científico geral, a
aplicação tecnológica das ciências naturais, por um lado, e, por outro
lado, perante a força produtiva geral resultante da estruturação social da
produção global, força produtiva esta que aparece como dom natural do
trabalho social (ainda que [seja, na realidade, um] produto histórico). O
capital trabalha assim a favor de sua própria dissolução como forma
dominante da produção (MARX, 1973, p. 222).

Na medida em que a grande indústria se desenvolve, a criação da riqueza


efetiva se torna menos dependente do tempo de trabalho e da quantidade
de trabalho empregados, do que do poder dos agentes postos em
movimento durante o tempo de trabalho, poder este que por sua vez –
sua poderosa eficácia – não mantém nenhuma relação com o tempo de
trabalho imediato que custa a sua produção, senão que depende muito
mais do estado geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da
aplicação dessa ciência à produção (o desenvolvimento dessa ciência,
essencialmente da ciência natural e, com ela, de todas as demais, está por
sua vez em relação com o desenvolvimento da produção material)
(MARX, 1973, p. 227-228).

Para Marx, o caminho do socialismo se abriria apenas quando as forças


produtivas atingissem um nível de desenvolvimento que estouraria o invólucro
capitalista e que daí poderiam se desenvolver apenas na economia planificada
socialista. O esgotamento da acumulação capitalista abriria as portas para a
passagem da grande indústria capitalista à grande indústria socialista, e não
uma passagem imediata da manufatura capitalista ao socialismo. Em suma, sem
grande indústria, não pode haver socialismo. Socialismo é basicamente grande e
complexa indústria sob a ditatura revolucionária do proletariado.

Duas visões de Marx sobre o desenvolvimento máximo do modo de


produção capitalista

Marx aponta algumas visões perturbadoras no Capital 3. Creio que nelas


podem estar as noções mais concretas e realistas de Marx sobre o processo de
transição socialista. Em outros escritos, como Manifesto Comunista, uma visão
mais utópica e mobilizadora tem mais espaço. Assim, nos escritos mais
“políticos”, Marx parece subestimar a necessidade do mercado em certas fases
de implementação do socialismo.

105
No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels argumentam que “o
proletariado utilizará seu domínio político para arrancar pouco a pouco todo o
capital à burguesia para centralizar todos os instrumentos de produção nas
mãos do Estado, ou seja, do proletariado organizado como classe dominante
(...)”. (MARX; ENGELS, 2001, p. 66). Na transição socialista, os meios de
produção são coletivizados através da propriedade do Estado. Assim, as forças
produtivas (meios de produção e força de trabalho) contariam com as condições
propícias para a liberação do seu desenvolvimento, com eficiência e
superioridade, cada vez mais, em relação ao capitalismo. Com o processo de
avanço do comunismo, o Estado, progressivamente, extingue-se. “A intervenção
da autoridade do Estado nas relações sociais tornar-se-á supérflua num campo
após outro da vida social e cessará por si mesma. O governo sobre as pessoas é
substituído pela administração das coisas e pela direção dos processos de
produção. O Estado não será ‘abolido’, extingue -se”. Em outro momento, mais
ponderado, Marx aponta que após o capitalismo, haveria “um período de
transição, cujo Estado não pode ser outro senão a ditadura revolucionária do
proletariado” (MARX; ENGELS, 2001, p. 67).

Já no final de O Capital 3, Marx apresenta uma visão mais complexa


sobre o desenvolvimento máximo do modo de produção capitalista. Marx
aponta um “deslocamento qualitativamente essencial” para uma “nova
configuração” do capitalismo. São os raciocínios mais hegelianos de Marx no
capital.

Marx aponta duas grandes contradições do capitalismo em seu


desenvolvimento máximo.

Em primeiro lugar, o capitalista industrial se torna um gerente que busca


a auto-organização do trabalho devida sua perda de autoridade para
implementar as hierarquias militares próprias das outras etapas do
desenvolvimento do capitalismo. A passagem da preocupação do capitalista da
produção do trabalho a organização do trabalho é correlata à passagem do
conflito político a técnica. Essa passagem, de forma alguma, supera o
antagonismo que sustenta a relação estrutural e hierárquica entre capital e
trabalho. Esse encontro com os limites do modo de produção capitalista trás a

106
transformação do capitalista realmente ativo em “mero dirigente, administrador
do capital alheio, e dos proprietários de capital em puros proprietários, simples
capitalistas financeiros” (idem, p. 583). Entretanto, o desvanecimento da
representação do capital torna, num primeiro momento, o corpo social do
trabalho “sem transcendência”, degradando as mediações conflituosas que
produz os sintomas da luta de classes. Em outras palavras, faltam elementos
para a criação de conflitos pelo desvanecimento da autoridade simbólica do
capitalista, acarretando num primeiro momento uma analfabetização do corpo
político, chegando ao ponto de não se saber ao certo acerca da própria existência
de um corpo político para articular a luta econômica. O que esse processo trás
de novo para o capitalismo é a despersonificação do capitalista no campo
produtivo: é o que Marx chamou de “a mistificação do capital na forma mais
contundente” (idem, p. 521). Dessas condições, o capitalista ativo como tal fica
existindo apenas como um funcionário “especial” da empresa. Nas palavras de
Marx, “o capitalista desaparece do processo de produção como figura supérflua”
(idem, p. 513).

Segundo Marx, com o desdobramento máximo do modo de produção


capitalista sob o processo de financeirização mundial, a condição de assalariado
também é dada ao capitalista industrial em relação ao capitalista financeiro e
bancário. É uma “nova configuração” do capitalismo que, lembremos, além de
não superar o antagonismo estrutural de classe, não torna o capitalista
assalariado um trabalhador que aliena sua força de trabalho. Ao contrário, é
uma nova forma de personificação capitalista ainda mais fetichista onde o
capitalista ativo se torna um mero diretor do processo de produção. O famoso
“patrão” – o capitalista industrial – some do campo simbólico do trabalhador
harmonizando, dessa forma, o conflito de classes. Essa progressiva
transformação do capitalista industrial em assalariado se inicia com o capital se
reproduzindo dominantemente na esfera financeira reduzindo, dessa forma, o
capitalista industrial a mero acumulador de propriedade sobre o trabalho. Por
isso que, para Marx, o desenvolvimento máximo do modo de produção
capitalista se apresenta quando o capital financeiro subordina o capital
industrial e comercial. Essa subordinação, entretanto, não retira a condição
orgânica do sistema do capital. Pelo contrário essa transformação não cria uma

107
esfera financeira dominante e uma esfera produtiva dominada independente,
mesmo que muitas vezes ambas tenham estratégias diferenciadas.

Marx também lembrou que não existe luta de classes entre os capitalistas
financeiros e industriais. Eles fazem parte de uma mesma classe e, mesmo que
tomem formas de decisão diferentes e com ímpetos até mesmo contrários,
atuam para a reprodução ampliada do capital. Enquanto o capitalista industrial
busca uma taxa de lucro pela mais-valia produzida pela totalidade do trabalho
social (pela relação entre essa mais-valia e valor do capital todo e pela
concorrência pelo movimento que possibilita os capitais extrair a mais-valia
diferentemente), o capitalista financeiro se reproduz a partir de sua relação na
maioria das vezes meramente técnica com a mercadoria universal: o dinheiro.
Como escreve Marx:

No mercado financeiro confrontam-se apenas emprestadores e


prestatários. A mercadoria aí tem forma invariável, a de dinheiro.
Desvancem-se todas as figuras particulares do capital, segundo os ramos
particulares de produção ou circulação em que se aplica. Passa o capital a
existir na figura que não se diferencia, do valor autônomo, sempre igual a
si mesmo – o dinheiro. Anula-se a concorrência entre diversos ramos,
procurando todos conjuntamente tomar dinheiro emprestado, e o capital
confronta-os todos na forma em que não lhe importa a maneira como vai
ser empregado. O capital em si como fator comum de classe, qualidade
que o capital industrial só revela no movimento e na concorrência entre
diferentes ramos, aparece então, com a força toda, na procura e oferta de
capital. No mercado financeiro, o capital-dinheiro ostenta efetivamente a
figura em que se reparte, como elemento comum, seja qual for seu
emprego particular, pelos diferentes ramos, pela classe capitalista, de
acordo com as necessidades de produção de cada ramo. Acresce que, com
o desenvolvimento da indústria moderna, o capital-dinheiro, ao aparecer
no mercado, é cada vez menos representado pelo capitalista isolado, pelo
dono desta ou daquela fração do capital existente no mercado, e cada vez
mais constitui massa concentrada, organizada, que, distinguindo-se
totalmente da produção real, encontra-se sob controle dos banqueiros
que representam o capital social (idem, p. 488, 489).

Em segundo lugar, como desdobramento da contradição entre a grande


indústria e o modo de produção capitalista, Marx identifica no Capital 3 a
financeirização como rota de fuga do capital para manter as relações de
produção capitalista mesmo numa economia em crescente socialização mundial.

108
Quando se finalizam progressivamente as possibilidades de crescimento
com desenvolvimento na sociedade capitalista, fazendo com que a sobrevivência
continuada do capital dependa da depressão contínua das condições de vida dos
trabalhadores, Marx aponta que são formadas “sociedades de ações” como
desenvolvimento do sistema financeiro em contraposição as “cooperativas”
globais baseadas num trabalho cooperativo, intensivo e complexo que, para
superar as rígidas hierarquias do trabalho, necessita transformar os capitalistas
industriais clássicos em “meros diretores” no sentido de harmonizar o horizonte
das determinações antagônicas de classe que acabam por ser reduzidas a
conflitos individuais e, consequentemente, individualmente remediáveis. As
contradições da realidade social se “desvanecem” transferindo ao indivíduo os
encargos criados socialmente.

Segundo Marx, com o desenvolvimento máximo da produção capitalista


emergem “sociedades por ações”: a dimensão negativa do processo de
financeirização. Elas se dão pela expansão imensa da escala de produção e das
empresas, sendo impossível atingi-las por capitais individuais. Isso porque, com
a financeirização global, a relação entre os capitalistas se transforma
radicalmente: Confrontado com o capitalista financeiro, o capitalista industrial
é trabalhador, mas um trabalhador capitalista, ou seja, explorador do trabalho
alheio. O salário que exige e embolsa por esse trabalho é exatamente igual a
quantidade de trabalho alheio de que se apropria e depende diretamente – do
grau de exploração desse trabalho e não da intensidade do esforço que emprega
nesse exploração e que pode transferir a um dirigente com remuneração
moderna (idem, p. 512). Continuando com Marx:

Este resultado do desenvolvimento máximo da produção capitalista é


uma fase transitória que levará o capital necessariamente a reverter à
propriedade dos produtores não mais, porém, como propriedade privada
de produtores individuais, e sim como propriedade dos produtores na
qualidade de associados, propriedade diretamente social. Nesta fase
transitória todas as funções do processo de reprodução ainda ligada até
agora à propriedade do capital se transformarão em simples funções dos
produtores associados, em funções sociais (ibidem, p. 583).

O processo produtivo se torna um apêndice necessário que assegura a


continuidade do processo de produção de juros já que “a conservação – e, nesse

109
caso, a reprodução – do valor dos produtos de trabalho passado resulta apenas
de seu contato com o trabalho vivo” (idem, p. 528). Dessa forma, o capitalista
perde progressivamente sua autoridade simbólica fazendo apenas o papel de
uma “mediação desvanecente”. Essa transformação decorre do lucro assumindo
a “pura forma de juro” já que, por esse caminho, tais empresas de ações se
reproduzem pela “autonomização” do valor de troca. Aí o juro se revela o “fruto
genuíno do capital, o elemento original” enquanto o lucro do empresário é um
“mero acessório, aditivo que acrescenta ao processo de reprodução”. Então, para
Marx, com o desdobramento da financeirização global o referente do capitalista
industrial se desvanece do campo produtivo abrindo as condições para a etapa
mais fetichista do capital com o crescimento “sem taxa natural” do capital
fictício. Em suas palavras, “desaparecem então todas as normas, todas as
justificações ainda mais ou menos válidas no modo capitalista de produção...
concepções que ainda tinham sentido em fase menos desenvolvida da produção
capitalista tornam-se por completo caducas...a expropriação agora vai além dos
produtores diretos, estendendo-se aos próprios capitalistas pequenos e médios”
(2008, p. 586).
Esta visão mais ou menos orgânica das contradições do modo de
produção capitalista conjuga seu estágio mais elevado de desenvolvimento da
grande indústria levaria a sua crise com a financeirização altas taxas de
multiplicação do capital e na transformando das relações de trabalho uma ilusão
para se manter o modo de produção capitalista. Quando mais de desenvolve a
grande indústria, mais estas contradições se expressam, num longo período de
transição social. Assim, num estágio histórico em que o capitalismo que atingiu
seu teto de desenvolvimento, ampliando suas formas predatórias de reprodução
por meio da financeirização e reestruturação produtiva, como podem ser
chamados os paradigmas de especialização flexível como o toyotismo que veio
se mostrar superior em eficiência durante a Terceira Revolução Tecnológica, é
que novos modos de produção se desenvolvem de forma mais rápida, tendo que
resolver contradições insolúveis do capital.

110
Crise do modo de produção capitalista contemporânea

Quando analisamos o desenvolvimento histórico desde a época de Marx,


tudo nos leva a crer que estamos vivendo esta etapa que Marx vislumbrou como
desenvolvimento máximo do modo de produção capitalista. Tanto pelo
desenvolvimento da grande indústria como pela financeirização e
reestruturação do trabalho nas potências capitalista. Diversos marxistas vêm
apontando pelo viés da economia política as dimensões da crise contemporânea
do modo de produção capitalista contemporâneo.
Francisco Teixeira escreve que a partir da metade da década de 1960
foram sendo criadas as condições econômicas e políticas para a consolidação de
um verdadeiro mercado mundial do dinheiro, que abriu uma nova fase de
financeirização da economia global. Essa fase é expressa por: (1) no declínio da
moeda e dos depósitos bancários enquanto fontes de financiamento do processo
de acumulação; (2) na desintermediação financeira, por conta da expansão das
técnicas mediante a emissão de títulos, que passaram a substituir os
empréstimos bancários convencionais; (3) na ampliação das funções financeiras
no interior das corporações produtivas; (4) na transnacionalização de bancos e
empresas; (5) na interdependência de taxas de juros e de cambio; (6) no déficit
público endogeneizado, isto é, financiado mediante a emissão de títulos públicos
renegociáveis do mercado de capitais; (7) na compra e venda de corporações
como um negócio específico das empresas produtivas; (8) nas fusões como
modalidade mais importante de investimento; (9) na natureza multifuncional,
multissetorial e multifuncional das grandes corporações que operam no
mercado mundial; e (10) na permanência do dólar como moeda estratégica
mundial (2008, p. 40). Em conseqüência de todas essas transformações, as
empresas não se configuram mais como unidades particulares de capital
perdendo sua independência relativa.
Como analisou François Chesnais, a companhia transnacional está
assumindo, cada vez mais, o papel de regente da orquestra em relação a diversas
atividades de produção e transações tanto interna quanto externa às
companhias que, mesmo que incluindo ou não um investimento de capital, o
objetivo consiste em promover seus interesses globais (Chesnais, 1996, p. 69).
Ou ainda como salienta Teixeira, essas companhias apagam as fronteiras

111
setoriais da economia uma vez que sua estratégia de atuação abstrai as formas
concretas em que investe seu capital. Elas deixam de ser cada vez mais uma
empresa predominantemente industrial ou de serviços, bem como companhia
bancária ou financeira adquirindo, dessa forma, uma extrema mobilidade de
modo a permitir à direção do centro (grupo congregando várias filiais sob 8 o
controle de um centro de decisão financeiro chamado holding) investir ou
desinvestir massas de capitais de acordo com as exigências de valorização do
mercado (2008, p. 41).

A partir de então, não há mais domínio de uma fração do capital sobre as


demais, pois cada unidade de capital (empresa) opera simultaneamente
como capital-dinheiro, capital produtivo e capital-mercadoria. Essas
diferentes formas de existência do capital não estão mais subsumidas ao
capital financeiro, pois o capital se tornou uno, sem formas
empiricamente distinguíveis. Consequentemente, a categoria de “capital
em geral” volta a ser a única forma de existência do capital. Nesse
sentido, essa categoria é bem mais apropriada do que a de capital
financeiro para dar conta das novas determinações do capitalismo
contemporâneo. Até mesmo do ponto de vista de suas implicações
políticas, a categoria capital, em geral, traduz com mais precisão o
capitalismo de hoje. Com efeito, quando se fala do capital financeiro, a
impressão que vem à mente é a de que se trata de uma forma especulativa
do capital, que impede a expansão do capital industrial e, assim, a
geração de riqueza e de postos de trabalho. Ora, na sua nova
configuração, o capital industrial é tão especulativo quanto o é o capital
financeiro. Prova disso é o fato de que 40% dos lucros das grandes
corporações industriais japonesas, por exemplo, são provenientes de
atividades não operacionais, isto é, são produtos de especulação no
mercado financeiro. É, portanto, um erro político acreditar que o
combate ao capital financeiro recolocaria a economia nos trilhos da
prosperidade, como acreditam aqueles que vêem no neoliberalismo a
causa da crise do capitalismo (idem, p. 43).

Conforme Chesnais, com o processo de financeirização global,


impulsionado após o fim do lastro do ouro ao dólar articulada pelos Estados
Unidos, a novidade histórica que se abre é a inexistência de qualquer padrão
objetivo de valor para a determinação do preço do dinheiro no mercado
financeiro internacional. Essa transformação influenciou profundamente a
valorização do capital que encontrou uma expansão sem precedentes das
atividades financeiras como uma das manifestações da crise estrutural do
capital global. Com grandes atrativos para as empresas industriais, as finanças
contornam o globo atraindo dinheiro que, aparentemente, cria mais dinheiro.

112
As empresas que retornavam parte de seu lucro para investimentos na produção
passaram a investir relativamente alto no mercado financeiro “quebrando” o
pêndulo cíclico entre finanças e produção em detrimento radical deste último,
exatamente pela incapacidade de superar a crise crônica de superprodução de
capital que emerge a partir de meados de 1970.
Com a maior competição global (emergência econômica do Japão e da
Europa Ocidental em detrimento dos Estados Unidos), as altas taxas de lucro
vistas entre 1945 e fim da década de 1960 nos países mais avançados
começaram a declinar e, pela incapacidade do campo produtivo proporcionar a
taxa de lucro necessária, o deslocamento para o canal financeiro foi uma
conseqüência necessária diante da compressão da lucratividade geral com uma
acirrada competição internacional. Nesse sentido, o processo de financeirização
trouxe um desvio crescente de fundos da produção e emprego fazendo com que,
progressivamente, a economia global dependesse cada vez mais da
financeirização para o crescimento. Entre 1980 e 1992, por exemplo, a formação
de capital fixo cresceu numa taxa anual de 2,3% enquanto os ativos financeiros
cresceram 6%. O volume diário total de transações financeiras globais em 1983
era de 2,3 bilhões passando, em 2001, para 130 bilhões. A financeirização freia a
taxa de investimento na produção, introduzindo uma pressão suplementar
sobre o processo de valorização que permite a expansão do capital pela
aplicação de novas formas de flexibilização na gestão da força de trabalho.
Financeirização do capital e flexibilização do trabalho são processos que
caminham juntos com o mesmo objetivo: a auto-expansão do capital numa
crescente amplitude e intensidade independentemente das conseqüências
sociais e ecológicas envolvidas. Essas transformações no mundo do trabalho
têm ligações complexas com o sistema financeiro e bancário mundial.
Como salienta Wladimir Pomar,

a partir dos anos 1970, nos países capitalistas desenvolvidos,


especialmente nos Estados Unidos, ocorreu uma enorme acumulação de
capitais excedentes, a elevação da produtividade do trabalho, e a
crescente extração de mais-valia relativa e, em sentido contrário, a queda
da taxa média de lucro, ou o colapso da lucratividade, como chamaram
alguns. Para solucionar essa contradição, o capitalismo desenvolvido se
viu na contingência de exportar capitais para países agrários e agrário-
industriais, tanto na forma de recursos financeiros, como de plantas
industriais, segmentadas ou inteiras, para lucrar tanto na especulação

113
financeira, quanto na extração de mais-valia absoluta dos baixos salários.
A reestruturação do capital imperialista e sua consequente globalização
capitalista teve por base essa dupla ação. O que resultou na ocorrência de
uma profunda desindustrialização dos Estados Unidos e da Inglaterra e,
em menor escala, da Alemanha e da França. Paralelamente, houve a
consolidação dos tigres asiáticos como pequenas potências industriais, e
a emergência da China como potência econômica e principal fabricante
mundial de bens industriais. A isso associou-se uma profunda crise
depressiva controlada no Japão, e a emergência de uma série de novos
países em processos de industrialização, não só na Ásia, mas também na
África e na América Latina. Finalmente, desmentindo as análises
triunfalistas do capitalismo desenvolvido, a emergência de uma série de
crises financeiras e econômicas a partir de 2007 tendo como epicentro os
países desenvolvidos da América e da Europa. É nesse contexto que
procuramos discutir as duas grandes tendências mundiais de
desenvolvimento capitalista em curso. Por um lado, os países de
capitalismo desenvolvido começam a apresentar sinais de que o alto nível
tecnológico e cientifico de seus meios de produção (e também de
destruição) tendem a acentuar o fato de que a força de trabalho deixa de
ser uma necessidade indispensável para a realização da produção. Eles se
aproximam cada vez mais do ponto em que poucos trabalhadores são
necessários para a elaboração de projetos e inovações cientificas e
tecnológicas e para a produção efetiva das máquinas automáticas capazes
de realizar todo o resto do processo produtivo. Ou seja, o trabalho morto
tende a se tornar o aspecto fundamental para a produção, enquanto o
trabalho vivo tende a se tornar um apêndice altamente especializado do
processo produtivo. De outro lado, há uma série de países de
desenvolvimento capitalista médio, além dos que estão ingressando agora
na industrialização e no desenvolvimento capitalista, que tendem a
subordinar as exportações de capitais para seus territórios aos interesses
de seu desenvolvimento nacional. Mesmo os países que se subordinam a
processos mais intensos de exploração por parte dos países capitalistas
tendem a se ver às voltas com reivindicações sociais de soberania. As
empresas financeiras multinacionais ingressaram numa intensa
associação, fusão e incorporação de empresas industriais e comerciais,
começando a constituir corporações que congregavam finança, indústria,
agricultura, comércio e serviços, numa escala muito superior aos antigos
trustes e cartéis. No entanto, da mesma forma que antes e durante as
duas guerras mundiais, ao invés de conseguirem algum tipo de acordo
entre si, como alguns teóricos supuseram possível na época do
surgimento do imperialismo, essas novas corporações monopolistas, de
caráter transnacional, intensificaram suas disputas pelo domínio dos
mercados, tanto em seus territórios, quanto nos demais territórios do
mundo. Criaram, dessa forma, um crescente conjunto de problemas em
seus territórios ou países de origem, cuja reversão passou a depender,
cada vez mais, basicamente de duas ordens de ação. Em primeiro lugar,
da transformação de grande parte do capital excedente em diferentes
tipos de papéis financeiros, ou da criação de dinheiro através de dinheiro,
sem que essa massa financeira tivesse base na riqueza material real. Em
segundo lugar, da exportação de outra parte considerável dos capitais
excedentes para regiões do globo onde o capital industrial pudesse extrair

114
mais-valia absoluta da força de trabalho barata. Do ponto de vista
empresarial, as corporações transnacionais deveriam se espalhar por
todo o mundo, exportando seus capitais excedentes. Essas exportações se
apresentaram em diferentes formas. Financiamentos, empréstimos,
aplicações em investimentos de curto prazo, venda de títulos e
derivativos e formas assemelhadas constituíram aquilo que se tornou
conhecido como financeirização. Investimentos diretos de capital
dinheiro para comprar empresas, ou parte delas, transferências,
relocalizações ou deslocalizações de plantas industriais, completas ou
segmentadas, passaram a ser vistos com naturalidade e como
componente comum do funcionamento do capitalismo desenvolvido.

Pomar salienta que as dificuldades de desenvolvimento das forças


produtivas do socialismo soviético, assim como dos outros socialismos
nacionais que haviam adotado o mesmo modelo, levaram a China, no final dos
anos 1970, o Vietnã e Laos nos anos 1980, a repensar e a reformar seu
desenvolvimento, adotando modalidades de socialismo de mercado 20. Assim,
paralelamente à expansão mundial do capitalismo financeirizado, alguns
países socialistas retrocederam a economias de mercado, combinando a ação de
planejamento do Estado e de suas empresas estatais com a ação de empresas
capitalistas, nacionais e estrangeiras, num processo historicamente novo e
extremamente complexo, que catapultou a China para a posição de segunda
potência econômica mundial e pode levá-la à posição de maior. Conforme
Pomar, na prática, o eixo de produção industrial mundial entrara num processo
irreversível de deslocamento dos Estados Unidos e da Europa Central para a
Ásia do Sudeste. Esse deslocamento jogou papel importante na redução da
inflação mundial e na elevação dos preços das commodities minerais e agrícolas.
Além disso, acelerou a desindustrialização dos Estados Unidos e das potências
industriais europeias, e abriu perspectivas para um novo tipo de globalização,
diferente do imposto pelo Consenso de Washington. Assim, Pomar diz que

Nessas condições, a mundialização ou globalização capitalista tende a seguir um


caminho tortuoso, tanto no que diz respeito aos países capitalistas
desenvolvidos e às suas inevitáveis crises cíclicas, quanto em relação aos países
capitalistas emergentes. A possível evolução de algumas dessas novas
economias capitalistas e de seus Estados para economias de socialismo de
mercado com características nacionais próprias não pode ser descartada. Por
um lado, mundializando o capitalismo e, por outro, pondo paulatinamente à
mostra um caminho para sua superação.

20
https://elahp.com.br/a-questao-do-socialismo-ii/

115
É longa a lista dos diversos problemas que surgem ou se agravam com o
capitalismo, ao longo do tempo, como se assiste hoje: concentração e a
centralização do capital, monopólios, instabilidade econômica geral, crises
periódicas, aumento do exército industrial de reserva, luta de classes entre
trabalhadores e burgueses, tendência à violência política e à guerra,
contradições entre os Estados imperialistas, conflitos entre países centrais e
periféricos, tensões entre dominação de empresas transnacionais e políticas
públicas nacionais, mediocridade crônica dos níveis de crescimento da
economia global, depredação da natureza, entraves ao desenvolvimento
econômico e social em vastas regiões, misticismo, fetichismo mercantil,
alienação, ódio interétnico, chauvinismo e ressentimentos nacionais. Do ponto
de vista do desenvolvimento dos grandes países desenvolvidos, como Europa e
Japão, é inegável uma retração econômica de longo prazo, colocando o sistema
econômico capitalista em uma fase de crescimento lento. A crise financeira
internacional que se originou nos Estados Unidos em 2007 causou danos
tremendos aos sistemas econômicos dos países capitalistas. Muitos países não
se recuperaram totalmente de sua influência até agora. Isso pode lembram às
pessoas que as contradições inerentes ao capitalismo não foram atenuadas, mas
gradualmente se aprofundaram de forma invisível.

Uma globalização socialista

Acredito que uma reinterpretação dos textos maduros de Marx possa


propiciar uma renovação do marxismo, tanto em sua dimensão teórica quanto
em sua dimensão prática. Sobre a base acima apresentada, torna-se possível
erigir uma nova perspectiva teórica, a qual se levanta sobre os erros do passado,
permitindo aprofundar a crítica, tanto do capitalismo quanto do assim chamado
socialismo real.

Marx e Engels não apresentaram um modelo para a construção socialista.


Como se sabe, um traço distintivo de sua obra foi a parcimônia na descrição do
comunismo. Contestavam esquemas utópicos da nova sociedade. Recusaram-se
a elaborar detalhes e formas concretas da sociedade socialista. Avançar em
planos minuciosos e precisos seria uma antecipação mais adequada à anterior

116
corrente do socialismo utópico. Um modelo pronto e acabado da futura
sociedade escaparia ao método materialista de compreensão da realidade, dada
a ausência das situações concretas, postas objetivamente. A conquista do
socialismo decorreria do movimento operário a partir dos centros econômicos
mais avançados. Como a história veio a desenrolar de outra forma, basta dizer
que as proposições de Marx e Engels não bastam para estudar os problemas do
socialismo hoje, inclusive a controvertida modernização socialista da China.
Entretanto, a caracterização do modo de produção capitalista por Marx e Engels
e a compreensão sobre as possibilidades da evolução histórica geral oferecem
elementos para a discussão sobre os processos de transição socialista, a partir da
luta dos trabalhadores.
A nova situação criada pelas atuais condições gerais da China e do
socialismo de mercado no mundo deve ser examinada, sem perder de vista as
idéias sobre o socialismo e os debates sobre sua renovação. Além da crítica ao
capitalismo, o desenvolvimento da teoria marxista no século 21 requer resumir a
experiência histórica dos movimentos socialistas e práticas socialistas na China
e em outros países do mundo e responder às questões realistas da época. Então,
torna-se indispensável um breve exame crítico da discussão no âmbito das
correntes marxistas sobre a transição socialista.

Como as conquistas da reforma e abertura da China atraíram a atenção


do mundo, o movimento socialista em escala global está gradualmente saindo
de seu declínio e dando início a uma nova vitalidade. Após as mudanças
drásticas na União Soviética e na Europa Oriental, até agora, a posição da China
na economia global se aproximou da maior participação da União Soviética na
economia global. Na China encontra-se hoje a maior manufatura do mundo. Ao
mesmo tempo, a China hoje está intimamente envolvida na globalização. Não se
envolve em confrontos militares com os principais países capitalistas do mundo,
mas participa da cooperação econômica e adota uma atitude de interação
igualitária com outros países, em vez de lançar guerras ou tentar manipular os
outros. Portanto, a imagem do país no mundo é muito melhor do que a da
União Soviética, que adora o chauvinismo das grandes potências, o que fez da
China um país socialista pacífico e desenvolvido, diferente da União
Soviética. Por outro lado, o caminho de desenvolvimento da China tem

117
mostrado vantagens correspondentes em comparação com o desenvolvimento
capitalista. O atual padrão capitalista e socialista global passou por grandes
mudanças, refletidas principalmente na crise financeira internacional que
começou nos Estados Unidos em 2008 e se espalhou pelo mundo. Deve ganhar
novos contornos com a crise do coronavírus. A vitalidade econômica e a situação
econômica da Europa e dos Estados Unidos foram enfraquecidas. Enquanto
isso, diversos pesquisadores, inclusive marxistas, vêm apontando na China a
formação de um novo modo de produção alternativo.

118
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SOBRE O AUTOR

Fernando Marcelino, graduado em Relações Internacionais pela


UNICURITIBA, Mestre em Ciência Política e Doutor em Sociologia pela UFPR.
Atuou no Escritório Paraná-China ligado ao Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES). Autor dos livros “COVID e a
nova geopolítica global” (2020), “Em defesa do projetamento” (2022), “Última
Hora” (poemas, 2022), “China: novos ensaios” (2023) e diversos textos e
artigos. Militante do Movimento Popular por Moradia.

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