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Modernismo

Parte 1

Introdução
Realizada a Semana de Arte Moderna e ainda sob os ecos das vaias e gritarias, tem início
uma primeira fase modernista, que se estende de 1922 a 1930, caracterizada pela tentativa
de definir e marcar posições. Constitui, portanto, um período rico em manifestos e revistas
de vida efêmera: são grupos em busca de definição.
Nessa década, a economia mundial caminha para um colapso, que se concretizaria na
quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929. O Brasil vive os últimos anos da
chamada República Velha, ou seja, o período de domínio político das oligarquias ligadas
aos grandes proprietários rurais. Não por mera coincidência, a partir de 1922, com a revolta
militar do Forte de Copacabana, o Brasil passa por um momento realmente revolucionário,
que culminaria com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas.
Assim é que, de 1930 a 1945, o movimento modernista vive uma segunda fase, refletindo
as transformações por que passou o país. Tem início uma outra etapa de sua vida
republicana, levando os artistas nacionais a se posicionarem diante dessa nova realidade.

Características
O período de 1922 a 1930 é o mais radical do movimento modernista, justamente em
conseqüência da necessidade de definições e do rompimento com todas as estruturas do
passado. Daí o caráter anárquico dessa primeira fase modernista e seu forte sentido
destruidor.
Ao mesmo tempo que se procura o moderno, o original e o polêmico, o nacionalismo se
manifesta em suas múltiplas facetas: volta às origens, pesquisa de fontes quinhentistas,
busca de uma "língua brasileira" (a língua falada pelo povo nas ruas), paródias, numa
tentativa de repensar a história e a literatura brasileiras, e valorização do índio
verdadeiramente brasileiro. É o tempo dos manifestos nacionalistas do Pau-Brasil e da
Antropofagia, dentro da linha comandada por Oswald de Andrade, e dos manifestos do
Verde-Amarelismo e do grupo da Anta, que já trazem as sementes do nacionalismo fascista
comandado por Plínio Salgado.
Como se percebe já ao final da década de 1920, a postura nacionalista apresenta duas
vertentes distintas: de um lado, um nacionalismo crítico, consciente, de denúncia da
realidade brasileira, identificado politicamente com as esquerdas; de outro, um
nacionalismo ufanista, utópico, exagerado, identificado com as correntes políticas de
extrema direita.
Entre os principais nomes dessa primeira fase do Modernismo e que continuariam a
produzir nas décadas seguintes destacam-se Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Manuel Bandeira, Antônio de Alcântara Machado, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo,
Guilherme de Almeida e Plínio Salgado.
AS REVOLTAS MODERNAS
ORIGENS
Nas três primeiras décadas do século XX, as principais nações européias vivem uma
impressionante revolução artística, atingindo todos os setores criativos, e que - a grosso
modo - recebe o nome de Arte Moderna ou Modernismo. Esta revolução se expande
rapidamente e alcança um incontável número de países extra-europeus, entre os quais o
Brasil. O crítico Otto Maria Carpeaux delimita a cronologia dessas transformações:
Aquilo que entendemos por "arte moderna" já se presentificara na primeira década do
século XX, mas sua expansão e vitalidade deu-se na segunda década, quando a guerra, as
crises sociais e existenciais, a Revolução na Rússia, o fim do grande ciclo burguês,
favoreceram o desenvolvimento de uma arte polêmica e destruidora. Por romper com uma
série de cânones, essa arte recebeu o nome de vanguarda, a que está a frente de seu tempo.
Podemos especular que as vanguardas teriam acontecido de qualquer maneira,
independentemente das circunstâncias históricas, mas os vertiginosos acontecimentos da
Primeira Guerra Mundial e da Revolução Soviética aceleram, com certeza, a ruptura e a
radicalização, tanto ideológica quanto estética, de uma série de movimentos inovadores.
A Primeira Guerra Mundial
Entre 1914 e 1918, as grandes potências européias envolvem-se numa carnificina sem
pretendentes, causada pela ambição imperialista, pela manipulação de um nacionalismo
selvagem e pelo militarismo. Concebido como uma aventura épica, onde a avultariam a
audácia e a glória dos soldados ( e porque não dizer a humilhação dos inimigos), o
confronto é saudado, em seu início, por multidões que correm enlouquecidas às ruas. Pais e
mães alistam seus próprios filhos, professores apelam aos alunos, reservistas afluem aos
postos de recrutamento voluntário.
A euforia dura pouco: a estratégia militar não evoluíra tanto quanto os armamentos.
Batalhões inteiros são dizimados no front, durante os primeiros combates. Estabelece-se
então uma guerra de trincheiras. Frente a frente - muitas vezes com uma distância de
poucas dezenas de metros - milhões de soldados afundam em buracos enlameados e dali
partem para a conquista das trincheiras adversárias, debaixo do fogo cerrado da metralha e
da artilharia pesada. Se a tropa alcançar um desses pontos inimigos, é preciso usar a
baioneta ou o punhal ou ainda a pá para destruir os resistentes. Espetáculo terrível é
oferecido por membros humanos espalhados por toda a parte, vísceras expostas, sem contar
o uivo lancinante dos feridos que jazem, sem atendimento, no campo de batalha.
Para aterrorizar ainda mais os soldados, cientistas alemães inventam o ataque químico com
um gás a base de mostarda, que cega as vítimas e queima seus pulmões. Lançadas por
morteiros, essas bombas de gás geram imediatamente milhares de baixas. Ingleses e
franceses copiam o invento alemão e a guerra química só não se torna mais horrenda,
porque a simples mudança da direção dos ventos fazia o gás atingir os próprios atacantes.
Ao gás, à sofisticação dos canhões, aos primeiros ataques de aviões, às cercas de arame
farpado, à utilização indiscriminada de minas, à brutalidade dos oficiais, à contínua falta de
mantimentos, somam-se o frio e o calor, as epidemias, os piolhos, os percevejos e os ratos.
Naqueles buracos, os homens perdem, pouco a pouco, sua humanidade. Muitos
enlouquecem, outros apenas se transformam em animais querendo sobreviver, mas suas
vidas valem menos do que a de uma barata. Antes de morrer em combate, um sargento
francês escreve a sua mãe:
Tu não podes saber, minha mãe adorada, o que o homem pode fazer contra o homem. Há
cinco dias as minhas botas estão imundas de pedaços de cérebros humanos, e eu esmago
tórax, e a todo momento piso em tripas.
Em Nada de novo no front, romance definitivo sobre a Primeira Guerra, o ex-combatente
Erich Marie Remarque revela o horror e a selvageria do confronto:
Tornamo-nos animais selvagens. Não combatemos, nos defendemos da destruição.
Sabemos que não lançamos as granadas contra os homens, mas contra a Morte.
Escondemo-nos, abaixados, atrás de cada defesa de arame farpado, e antes de corrermos
atiramos montes de granadas aos pés dos inimigos que avançam. Corremos agachados
como gatos submersos por essa onda que nos arrasta, que nos torna cruéis, bandidos,
assassinos, até demônios; essa onda que aumenta a nossa força pelo medo, pela fúria e pela
avidez de vida, e que é apenas a luta pela nossa salvação. Se seu próprio pai viesse com os
do outro lado, você não hesitaria em lhe atirar uma granada em pleno peito. (...)
Vemos homens ainda vivos que não têm mais cabeça; vemos soldados que tiveram os dois
pés arrancados, andarem, tropeçando nos cotos lascados, até o próximo buraco; um cabo
percorre dois quilômetros apoiando-se apenas nas mãos, arrastando atrás de si os joelhos
esmagados; outro, chega até o posto de primeiros socorros e, por sobre as mãos que os
seguram, saltam os seus intestinos. Vemos homens sem boca, sem queixo, sem rosto;
encontramos um soldado que durante duas horas aperta com os dentes a artéria de um braço
para não ficar exangue. O sol se põe, vem a noite e as granadas continuam assobiando...
A derrocada da tradição
O morticínio, com o sacrifício inútil de milhões de vidas, leva à bancarrota a Belle Èpoque
européia. A euforia e a autoconfiança cedem lugar ao desespero e à crise generalizada dos
valores. Os códigos dominantes, a moral, a filosofia e a religião não conseguem explicar
essa descida aos infernos. A Europa deixa de ser o modelo de civilização e passa a ser a
barbárie.
"A grande síntese burguesa", na expressão do historiador G. Barraclough, com seu conjunto
de formas de pensamento, concepções de existência e de arte, sentimentos e ilusões, -
conjunto centrado no liberalismo e na convicção da estabilidade e do progresso infinito -
desintegra-se na tragédia de 1914. O filósofo espanhol Ortega y Gasset escreve sobre os
anos difíceis, que se sucederiam à Primeira Guerra:
Sentimos que nós, homens atuais, fomos subitamente deixados sozinhos sobre a Terra...
Evaporaram-se quaisquer remanescentes do espírito tradicional. Modelos, normas, padrões,
nada disso tem atualidade. Temos de resolver nossos problemas sem qualquer colaboração
ativa do passado.
É óbvio que também as formas artísticas do passado (e que, em geral, traduziam o vitorioso
modo de ser da burguesia européia) entram em colapso e se desintegram. "Destruir o
passado"- eis a palavra de ordem de toda uma nova arte, produzida por jovens que se
arremetem contra o "bom gosto", o "equilíbrio" e a "tradição", como quem se arremetesse
contra uma trincheira inimiga. A idéia de abolição do passado encontra eco na luta política.
É em nome do "novo" que uma auto-intitulada "vanguarda social"- a facção bolchevista -
desencadeia o processo revolucionário na Rússia. A adesão dos artistas rebeldes é imediata
e quase total. Revolução na arte e na sociedade, eis a fórmula que exerce notável sedução
no final dos anos 10.
A Revolução Soviética
Os desastres dos exércitos russos na Primeira Guerra levam ao colapso do tzarismo.
Nicolau II é deposto em fevereiro de 1917 e um governo republicano de coalizão assume o
país. O prosseguimento da Guerra, entretanto, gera grande descontentamento popular.
Revoltas de soldados irrompem e o pequeno partido bolchevique - composto basicamente
por intelectuais e algumas lideranças proletárias - aproveita-se da crise e, em outubro de
1917, intenta com sucesso um golpe contra a frágil democracia russa.
A ousadia, a disciplina e a organização dos comunistas, sob o comando de Wladimir Ilich
Ulyanov (Lênin), e subsidiariamente de Léon Trotsky, lhes garantem a hegemonia em meio
ao caos social e político. Bandeiras vermelhas são desfraldadas em todo o país e, em muitas
delas, lê-se a principal insígnia socialista: "Pão, Terra e Liberdade".
O levante bolchevista encontra eco na soldadesca, nas camadas médias e pobres da
população. Lênin grita: "Todo poder aos sovietes". Os sovietes são conselhos de
trabalhadores que tomam fábricas, fazendas, quartéis e repartições. Através deles, a chama
revolucionária atravessa toda a Rússia, transformada agora em URSS (União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas). Trotsky negocia um acordo em separado com a
Alemanha, retirando seu país da guerra para concentrar todos os esforços na construção do
socialismo.
Os anos subseqüentes são terríveis. Os conservadores (nobreza, latifundiários, burgueses)
reagem militarmente, deflagrando uma guerra civil que durará três anos. Terminada a
Guerra Mundial, em 1918, os países vencedores criam um "cordão sanitário" em torno da
URSS, e apoiam abertamente os contra-revolucionários e procurando asfixiar o novo
regime.
Em condições exasperantes, Lênin e Trotsky, com o apoio majoritário da população, batem
os inimigos internos e externos. Talvez isso não fosse possível sem a grande solidariedade
internacional em torno da nascente sociedade soviética. E cabe aos artistas (sobremodo aos
artistas das vanguardas) a linha de frente desse apoio. A Revolução traz a esperança da
criação de uma nova humanidade e sua mensagem igualitária espalha-se pelo mundo.
Em muitos países capitalistas, a "ameaça vermelha" desencadeia tanto a perseguição
intensa aos comunistas quanto a aprovação de reformas sociais, visando a neutralizar os
setores operários mais combativos. No entanto, após a morte de Lênin, em 1924, Josef
Stálin - que já controlava a máquina partidária do PCUS - toma o poder e inicia um
implacável processo de perseguição às outras lideranças bolcheviques. A maioria desses
velhos revolucionários será assassinada após processos sumários e descabidos. Trotsky
morre no México, onde se exilara, atacado a golpes de picareta por um agente de Stálin.
A repressão estalinista logo atingiria toda a população: milhões de indivíduos são
exterminados, durante a década de 1930, geralmente na Sibéria. Os que conseguem retornar
vivos, mantém um silêncio aterrorizado. A delação e o medo tornam-se os aspectos
dominantes da vida cotidiana. Entre as vítimas, figuram milhares de artistas. Por isso a arte
soviética, rica em experiências e criatividade, nos anos de 1920, perderá na década
subseqüente toda a vitalidade.
Como um símbolo da recusa à "nova era" proposta por Stálin, o poeta futurista Maiakovski,
militante radical da causa revolucionária, suicida-se em 1930. Muitos anos depois, o poeta
mexicano Octávio Paz sintetizaria estes acontecimentos assim: "O século XX tem sido com
freqüência a história de utopias que acabam em campos de concentração."
O TRIUNFO DAS VANGUARDAS

Entre os inúmeros movimentos inovadores, surgidos nas primeiras décadas do século XX, e
que contribuíram decisivamente para a constituição da chamada modernidade artística,
devemos destacar:
FUTURISMO
A história do Futurismo é também a de seu líder, o italiano Marinetti (1867-1944). Desde o
primeiro manifesto futurista, publicado em Paris, 1909, passando pelo grande número de
manifestos da década de 10, até a adesão de Marinetti ao Fascismo no início dos anos 20,
percebe-se o movimento centrado numa figura, ao mesmo tempo líder teórico e prático,
divulgador e defensor da nova estética. Marinetti assume os aspectos positivos e negativos
de suas proposições e leva-as até o fim. O fim natural é o Fascismo.
Glorificando a audácia, o amor ao perigo, a energia, a guerra, a tecnologia, as luzes feéricas
das cidades, o cinematógrafo, a velocidade dos automóveis, das locomotivas e dos
aeroplanos, o Futurismo exalta a imagem de um novo mundo, dominado por homens
superiores. Homens-máquinas que desprezam o passado com seus acervos inúteis:
Nós queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e
todas as covardias oportunistas e utilitárias.
Que exigem da literatura o imprevisto e a revolta:
Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade.
Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós
queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal,
a bofetada e o soco.
Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza
da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre adornado de grossos tubos como
serpentes de fôlego explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha,
é mais belo que a Vitória de Somotrácia.
Homens que celebram o caráter "higiênico" das guerras até porque o primeiro manifesto
futurista é anterior à catástrofe de 1914:
Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo - o militarismo, o patriotismo, o
gesto destruidor dos anarquistas e as belas idéias que matam.
Esta proposta anárquica de destruição do passado e de construção de uma nova ordem,
centrada nos avanços tecnológicos, tem sua correspondência na idéia de uma grande
revolução na linguagem. Especialmente na linguagem literária. E é enquanto projeto
estético renovador - e não enquanto ideologia - que o Futurismo torna-se importante. Seu
criador e os futuros seguidores arrasarão com a velha retórica, com o discurso literário
tradicional, fascinados pela aventura de uma linguagem jovem e contestadora das
convenções.
Em 1912, Marinetti lança o Manifesto técnico da literatura futurista:
É preciso destruir a sintaxe, dispondo os substantivos ao acaso, como nascem. Deve-se usar
o verbo no infinito (...)
Deve-se abolir o adjetivo para que o substantivo desnudo conserve a sua cor essencial. O
adjetivo é incompatível com nossa visão dinâmica uma vez que supõe uma parada, uma
meditação.
Deve-se abolir o advérbio (...)
Cada substantivo deve ter o seu duplo. Exemplo: homem-torpedeiro, mulher-golfo,
multidão-ressaca, praça-funil
Abolir também a pontuação (...)
A poesia deve ser uma seqüência ininterrupta de imagens novas (...)
Destruir na literatura o "eu"
Façamos corajosamente o "feio" em literatura e matemos de qualquer maneira a solenidade.
Além disso, o criador do Futurismo vai defender o emprego de símbolos matemáticos no
texto e também o uso da impressão tipográfica, até então neutra, para obter efeitos
especiais: páginas impressas em linhas verticais, circulares e oblíquas, multiplicidade de
tipos, cores,etc.
Pode-se afirmar que o movimento futurista impulsiona decisivamente toda a arte de
vanguarda, tanto a européia como a não-européia. No Brasil, ele é o principal estímulo
artístico e intelectual para os jovens renovadores de São Paulo, a tal ponto que os mesmos
são conhecidos -durante os primeiros anos da década de 20 - como "futuristas" mais do que
como "modernistas".
Um exemplo de texto formalmente vinculado ao Futurismo, é este poema de Maiakovski,
Balalaica, na espetacular tradução (recriação) de Augusto de Campos. Além das inovações
formais, ressalte-se o caráter revolucionário da balalaica - instrumento popular russo - que
impugna o baile de gala, símbolo da decrépita aristocracia do país:
(como um balido abala
a balada do baile
de gala)
com um balido abala
abala (com balido)
(a gala do baile)
louca a bala
laica*
* laica: leiga, no sentido de popular.
Fim da parte 1

Referências bibliográficas
http://www.terra.com.br/literatura/modernismo/indice.htm
http://www.netliteratura.hpg.ig/index2.htm
Modernismo (parte 2)

O TRIUNFO DAS VANGUARDAS


DADAÍSMO
Fenômeno do período de guerra e apresentando-se como um protesto contra a civilização
que provocara o conflito, o Dadaísmo surge em Zurich, 1916, durante a primeira
manifestação dadá. "Estávamos indignados com os sofrimentos e o aviltamento do ser
humano,- escreve um dos criadores do movimento - e enquanto ao longe troavam os
canhões na carnificina, nós cantávamos, pintávamos, colávamos e fazíamos poesia a mais
não poder."
O ponto de encontro dos vanguardistas é o Cabaré Voltaire, uma espécie de café literário,
"onde todas as noites se processa uma orgia de poemas, canções e danças". A pouco metros
dali, curiosamente, mora o exilado russo Lênin, que no ano seguinte comandaria a
Revolução Soviética. A principal figura do movimento, o romeno Tristan Tzara faz então a
leitura do Manifesto do senhor Antipirina e estabelece a negação mais radical das tradições
artísticas do Ocidente, em todos os tempos. Outros escritores recitam os seu textos,
interrompendo-os com gritos, soluços, cacarejos e cantos bizarros. De quando em quando,
um desses artistas ofende os espectadores com pesados insultos e a platéia geralmente reage
com indignação
Há várias interpretações para o sentido da palavra dadá, mas todas, de certa forma, remetem
para a idéia de uma palavra infantil, pré-lógica, mágica e incompreensível. Uma palavra
que cai como uma luva para essa vanguarda cujo objetivo único é a destruição. Na verdade,
ao rejeitar as formas culturais padronizadas e propor o aniquilamento da linguagem literária
e mesmo da linguagem social, os dadaístas mergulham no impasse total: a exemplo da vida,
a arte não possui qualquer significado. Este niilismo antecipa o desespero cínico em que
mergulhariam muitos artistas, no transcurso do século XX, conforme podemos verificar no
fragmento de um dos tantos manifestos do movimento:
Nada de pintores, nada de literatos, nada de músicos, nada de escultores, nada de religiões,
nada de republicanos, nada de realistas, nada de imperialistas, nada de anarquistas, nada de
socialistas, nada de bolcheviques, nada de políticos, nada de proletários, nada de
democratas, nada de burgueses, nada de aristocracia, nada de exércitos, nada de polícia,
nada de pátrias, enfim, basta de todas essas imbecilidades, não mais nada, não mais nada.
NADA,NADA, NADA.
A descrença nas possibilidades de comunicação da literatura leva Tzara a dar sua receita
poética:
Pegue um jornal
Pegue uma tesoura
Escolha um artigo do jornal na dimensão que você quer dar ao seu poema
Recorte o artigo
Depois recorte alguns palavras do artigo e as ponha numa pequena bolsa
Sacuda-a suavemente
Tire em seguida cada palavra uma após outra
Copie honestamente na ordem em que saíram da bolsa
E o poema estará pronto e parecido com você
E você será um poeta de original, fascinante sensibilidade,
ainda que a plebe não o compreenda.
A recusa de todas as manifestações da civilização moderna, da lógica à possibilidade de
comunicação da linguagem, e acima de tudo a rebelião contra os valores artísticos europeus
levam o Dadaísmo a ser uma espécie de grito romântico contra a sordidez do mundo. Um
grito desesperado, destruidor e de efêmera duração pois em 1921 o movimento se dissolve.
A síntese da incomunicabilidade dadaísta é a Canção Dadá do próprio Tristan Tzara:
a canção de um dadaísta
que tinha dadá no coração
cansava demasiado seu motor
que tinha dadá no coração
o ascensor levava um rei
pesado frágil e autônomo
cortou seu grande braço direito
o enviou ao papa em roma
A REVOLUÇÃO NA PROSA
Os ficcionistas, em geral, estiveram menos vinculados aos agrupamentos de vanguarda,
talvez pelo caráter mais prosaico do romance e do conto em relação a um quê de sagrado
que a poesia lírica ainda possuía. Desmontar a velha ordem narrativa era mais fácil que
combater o cânone poético, não exigindo um esforço coletivo. Assim, os prosadores
revolucionam as formas do romance (e menos a do conto), de maneira individual, ainda que
sob o influxo do clima de desordem da época, produzindo aquilo que um crítico chamou de
realismo em decomposição.
Alguns nomes são decisivos nesta arremetida modernizadora:
À grandeza totalizadora e à concepção épica da existência - dominantes em Homero - Joyce
contrapõe a banalidade e a insipidez do cotidiano. Toda a ação decorre num único dia, 16
de junho de 1904, em Dublin. Um dia na vida de três personagens, Bloom, Molly e Stephen
Dedalus, onde nada, praticamente nada de muito importante, acontece. Na transposição do
mundo homérico, Bloom é um Ulisses ordinário e traído por sua Penélope infiel ( a esposa
Molly). Todas as demais relações sutis entre o texto grego e o de Joyce apontam para a falta
de sentido e para a vulgaridade do nosso tempo. O que garante a sua permanência não é,
portanto, o argumento quase inexistente, e sim a sua portentosa escrita.
O inesgotável gênio verbal do irlandês manifesta-se na multiplicidade de estilos e
procedimentos retóricos de que se vale. Usa várias línguas, mescla linguagem culta e gíria
barato, recupera arcaísmos, cria neologismos, brinca com onomatopéias, paronomásias,
aliterações, inventa trocadilhos, etc. (Isto seria levado ao extremo da incomunicabilidade
em Finnegans Wake, 1939, totalmente escrito em língua artificial).* Também na estrutura
narrativa, ele inova radicalmente: cada capítulo corresponde a uma cor, a uma função do
corpo humano, a um tipo de estilo. Aparecem inúmeras técnicas de escrever: narração
convencional, debates concebidos à maneira dos antigos catecismos, paródias de
linguagem, e acima de tudo, o monólogo interior.
No seu conjunto, Ulisses deixa uma impressão dupla e até contraditória: num sentido, ele
desintegra a arte romanesca tradicional e decreta o seu fim; num outro sentido, abre
excepcionais possibilidades para os ficcionistas posteriores por tudo aquilo que nele é
audácia, ruptura, novidade técnica e sugestão de caminhos, convertendo-se, nesta última
ótica, no texto literário mais importante do século XX.
A REVOLUÇÃO NA PROSA
Os ficcionistas, em geral, estiveram menos vinculados aos agrupamentos de vanguarda,
talvez pelo caráter mais prosaico do romance e do conto em relação a um quê de sagrado
que a poesia lírica ainda possuía. Desmontar a velha ordem narrativa era mais fácil que
combater o cânone poético, não exigindo um esforço coletivo. Assim, os prosadores
revolucionam as formas do romance (e menos a do conto), de maneira individual, ainda que
sob o influxo do clima de desordem da época, produzindo aquilo que um crítico chamou de
realismo em decomposição.
Alguns nomes são decisivos nesta arremetida modernizadora:
JAMES JOYCE
Após escrever uma série de contos realistas (Dublinenses, 1914) e uma charmosa novela
autobiográfica (Retrato do artista quando jovem, 1916), o irlandês Joyce (1882-1941) lança,
em 1922, Ulisses, romance (ou anti-romance) de cerca de mil páginas e que, no dizer de um
especialista, é "o livro mais genial do século e que ninguém leu até o fim". "Suma
apocalíptica de nossa época", conforme outro crítico, o relato tem seus capítulos conectados
à Odisséia, de Homero, do qual, no entanto, ele é também a negação mais completa.
Ao invés de construir os protagonistas através de registros objetivos - resultantes da
fluência dos acontecimentos - Joyce os apresenta através de uma sucessão de idéias e de
palavras que puxam outras palavras, estabelecendo na literatura ocidental o grande triunfo
do fluxo de consciência ou do monólogo interior, dando voz ao subconsciente de seus
heróis medíocres, ao ponto que as últimas cinqüenta páginas de Ulisses serem preenchidos
apenas por um desencontrado monólogo de Molly. Sedimenta, com isso, um recurso
expressivo de valor incalculável para toda a ficção contemporânea, embora no Brasil o
monólogo interior venha a ser utilizado apenas na década de 1940, por Clarice Lispector.
O inesgotável gênio verbal do irlandês manifesta-se na multiplicidade de estilos e
procedimentos retóricos de que se vale. Usa várias línguas, mescla linguagem culta e gíria
barato, recupera arcaísmos, cria neologismos, brinca com onomatopéias, paronomásias,
aliterações, inventa trocadilhos, etc. (Isto seria levado ao extremo da incomunicabilidade
em Finnegans Wake, 1939, totalmente escrito em língua artificial).* Também na estrutura
narrativa, ele inova radicalmente: cada capítulo corresponde a uma cor, a uma função do
corpo humano, a um tipo de estilo. Aparecem inúmeras técnicas de escrever: narração
convencional, debates concebidos à maneira dos antigos catecismos, paródias de
linguagem, e acima de tudo, o monólogo interior.
No seu conjunto, Ulisses deixa uma impressão dupla e até contraditória: num sentido, ele
desintegra a arte romanesca tradicional e decreta o seu fim; num outro sentido, abre
excepcionais possibilidades para os ficcionistas posteriores por tudo aquilo que nele é
audácia, ruptura, novidade técnica e sugestão de caminhos, convertendo-se, nesta última
ótica, no texto literário mais importante do século XX.
FRANZ KAFKA
Os críticos espanhóis Fernando Lázaro e Vicente Tusón assinalam a importância deste
escritor tcheco:
"Franz Kafka( 1883-1924) nos deixou a mais assombrosa e inquietante cristalização das
angústias do homem contemporâneo. O sentimento de achar-se perdido num mundo sem
explicação é o centro de sua obra. Assim, desde A metamorfose (1913), novela cujo
protagonista desperta convertido em um enorme inseto, condição monstruosa que terá de
aceitar como algo absurdo e inevitável.Em 1914 inicia O processo, em que um tal Joseph
K. se vê processado sem chegar a saber nunca porque, perdido em um labirinto de leis e
procedimentos enigmáticos.Não menos angustioso é o romance O castelo( iniciado em
1921): um agrimensor, também chamado K., é contratado para trabalhar em um castelo no
qual nunca poderá entrar; tampouco saberá qual era a sua missão, nem quem é o terrível
senhor que domina a gente do lugar.
É fácil perceber nestas três "fábulas" significações simbólicas: estamos diante de um
mundo inumano, regido por não se sabe quem; um mundo que submete, condena ou
degrada o homem. As duas últimas obras citadas, publicadas depois de sua morte,
exerceram uma enorme influência e fazem de Kafka um clarividente precursor da angústia
existencial e da desumanização contemporânea."
CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA MODERNISTA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A importância maior das vanguardas residiu no triunfo de uma concepção inteiramente
libertária da criação artística. O pintor, o escritor ou o músico não precisam se guiar por
outras leis que não as de sua própria interioridade e de seu próprio arbítrio. Picasso não
pintará mais o real e sim a sua interpretação do real. Compositores como Schönberg e
Stravinski levarão a música a novos limites, questionando a tonalidade usual.
A liberdade só poderá ser cerceada por regimes autoritários que proibirem a circulação dos
objetos artísticos. Em resumo, todas as normas foram abolidas. Poética, de Manuel
Bandeira, é um manifesto dessa nova postura, com seu célebre verso final:
Não quero mais saber de lirismo que não é libertação.
INCORPORAÇÃO DO COTIDIANO
Uma das maiores conquistas do modernismo, a valorização da vida cotidiana traz para a
arte uma abertura temática sem precedentes, pois, até então, apenas assuntos "sublimes"
tinham direito indiscutível ao mundo literário. Agora, o prosaico, o diário, o grosseiro, o
vulgar, o resíduo e o lixo tornam-se os motivos centrais da nova estética. À grandiosidade
da paisagem, Manuel Bandeira sobrepõe a humildade do beco:
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.
Mário Quintana afirma, em um de seus curtos poemas em prosa, que "os verdadeiros poetas
não lêem os outros poetas e sim os pequenos anúncios dos jornais", porque certamente
nestes classificados pululam os dramas mais banais e os interesses mais comuns da
humanidade.
A aventura do cotidiano leva o artista a romper com os esquemas de vida burguesa. Ele
descobre o folclórico e o popular, elementos dos quais se apropriará, muitas vezes
indevidamente. Acima de tudo, o artista está consciente de que todos os objetos podem se
tornar literários. Drummond celebra as dentaduras postiças, algo de inimaginável no século
anterior:
Dentaduras duplas
Inda não sou bem velho
para merecer-vos...
Há que contentar-me
com uma ponte móvel
e esparsas coroas.(...)
Resolvin! Hecolite! Nomes de países?
Fantasmas femininos?
Nunca: dentaduras,
engenhos modernos,
práticos, higiênicos,
a vida habitável:
a boca mordendo
os delirantes lábios
apenas entreabertos
num sorriso técnico
e a língua especiosa
através dos dentes
buscando outra língua
afinal sossegada...(...)
E todos os dentes
extraídos sem dor.
E a boca liberta
das funções poético-
sofístico-dramáticas
de que rezam filmes
e velhos autores.(...)
Largas dentaduras,
vosso riso largo
me consolará
não sei quantas fomes
ferozes, secretas
no fundo de mim.
Não sei quantas fomes
jamais compensadas.
Dentaduras alvas,
antes amarelas
e por que não cromadas
e por que não de âmbar?
de âmbar! de âmbar!
feéricas dentaduras,
admiráveis presas,
mastigando lestas
e indiferentes
a carne da vida!
Tudo se presta à literatura, inclusive um pobre morto anônimo, como aquele que Ferreira
Gullar poetizou em Notícia da morte de Alberto Silva:
Morava no Méier desde menino
Seu grande sonho era tocar violino
Fez o curso primário numa escola pública
quanto ao secundário resta muita dúvida
Aos treze anos já estava empregado
num escritório da rua do Senado
Quando o pai morreu criou os irmãos
Sempre foi um homem de bom coração
Começou contínuo e acabou funcionário
Sempre eficiente e cumpridor do horário
Gostou de Nezinha, de cabelos longos,
que um dia sumiu com um tal de Raimundo
Gostou de Esmeralda uma de olhos pretos
Ela nunca soube deste amor secreto
Endoidou de fato por Laura Marlene
que dormiu com todos menos com ele
Casou com Luísa, que morava longe,
não tinha olhos pretos nem cabelos longos
Apesar de tudo, foi pai de família
sua casa tinha uma boa mobília
Conversava pouco mas foi bom marido
comprou televisão e um rádio transístor
Não foi carinhoso com a mulher e a filha
mas deixou para elas um seguro de vida
Morreu de repente ao chegar em casa
ainda com o terno puído que usava
Não saiu notícia em jornal nenhum
Foi apenas a morte de um homem comum
E porque ninguém noticiou o fato
fazemos aqui este breve relato. (...)
LINGUAGEM COLOQUIAL
Este anticonvencionalismo temático, esta dessacralização dos conteúdos encontra
correspondência na linguagem. Além das inovações técnicas, a linguagem torna-se
coloquial, espontânea, mesclando expressões da língua culta com termos populares, o estilo
elevado com o estilo vulgar. Há uma forte aproximação com a fala, isto é, com a oralidade.
Assim, liberto da escrita nobre, o artista volta-se para uma forma prosaica de dizer, feita de
palavras simples e que, inclusive, admite erros gramaticais, conforme Oswald de Andrade
preconiza no Manifesto da Poesia Pau Brasil, de 1824:
A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de
todos os erros.
Ele próprio ironiza esta questão em Vício na fala:
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.
Também Manuel Bandeira admite a contribuição da linguagem popular:
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil (...)
Todas as palavras são permitidas. Vinicius de Moraes, em dado poema, chama a mulher
amada de "grandessíssima filha de uma vaca". Do mesmo Vinícius, quem não lembra
Poema enjoadinho:
Filhos...Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não temos
Como sabê-lo
Se não os temos
Que de consulta
Quando silêncio
Como os queremos! (...)
E então começa
a aporrinhação
cocô está branco
cocô está preto
Bebeu amoníaco
Comeu botão
Filhos? Filhos
melhor não tê-los (...)
Filhos são o demo
Melhor não tê-los
Mas se não os temos
Como sabê-lo? (...)

Fim da parte 2

Referências bibliográficas
http://www.terra.com.br/literatura/modernismo/indice.htm
http://www.netliteratura.hpg.ig/index2.htm

Modernismo (parte 3)

CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA MODERNISTA


INCORPORAÇÃO DO COTIDIANO
Uma das maiores conquistas do modernismo, a valorização da vida cotidiana traz para a
arte uma abertura temática sem precedentes, pois, até então, apenas assuntos "sublimes"
tinham direito indiscutível ao mundo literário. Agora, o prosaico, o diário, o grosseiro, o
vulgar, o resíduo e o lixo tornam-se os motivos centrais da nova estética. À grandiosidade
da paisagem, Manuel Bandeira sobrepõe a humildade do beco:
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.
Mário Quintana afirma, em um de seus curtos poemas em prosa, que "os verdadeiros poetas
não lêem os outros poetas e sim os pequenos anúncios dos jornais", porque certamente
nestes classificados pululam os dramas mais banais e os interesses mais comuns da
humanidade.
A aventura do cotidiano leva o artista a romper com os esquemas de vida burguesa. Ele
descobre o folclórico e o popular, elementos dos quais se apropriará, muitas vezes
indevidamente. Acima de tudo, o artista está consciente de que todos os objetos podem se
tornar literários. Drummond celebra as dentaduras postiças, algo de inimaginável no século
anterior:
Dentaduras duplas
Inda não sou bem velho
para merecer-vos...
Há que contentar-me
com uma ponte móvel
e esparsas coroas.(...)
Resolvin! Hecolite! Nomes de países?
Fantasmas femininos?
Nunca: dentaduras,
engenhos modernos,
práticos, higiênicos,
a vida habitável:
a boca mordendo
os delirantes lábios
apenas entreabertos
num sorriso técnico
e a língua especiosa
através dos dentes
buscando outra língua
afinal sossegada...(...)
E todos os dentes
extraídos sem dor.
E a boca liberta
das funções poético-
sofístico-dramáticas
de que rezam filmes
e velhos autores.(...)
Largas dentaduras,
vosso riso largo
me consolará
não sei quantas fomes
ferozes, secretas
no fundo de mim.
Não sei quantas fomes
jamais compensadas.
Dentaduras alvas,
antes amarelas
e por que não cromadas
e por que não de âmbar?
de âmbar! de âmbar!
feéricas dentaduras,
admiráveis presas,
mastigando lestas
e indiferentes
a carne da vida!
Tudo se presta à literatura, inclusive um pobre morto anônimo, como aquele que Ferreira
Gullar poetizou em Notícia da morte de Alberto Silva:
Morava no Méier desde menino
Seu grande sonho era tocar violino
Fez o curso primário numa escola pública
quanto ao secundário resta muita dúvida
Aos treze anos já estava empregado
num escritório da rua do Senado
Quando o pai morreu criou os irmãos
Sempre foi um homem de bom coração
Começou contínuo e acabou funcionário
Sempre eficiente e cumpridor do horário
Gostou de Nezinha, de cabelos longos,
que um dia sumiu com um tal de Raimundo
Gostou de Esmeralda uma de olhos pretos
Ela nunca soube deste amor secreto
Endoidou de fato por Laura Marlene
que dormiu com todos menos com ele
Casou com Luísa, que morava longe,
não tinha olhos pretos nem cabelos longos
Apesar de tudo, foi pai de família
sua casa tinha uma boa mobília
Conversava pouco mas foi bom marido
comprou televisão e um rádio transístor
Não foi carinhoso com a mulher e a filha
mas deixou para elas um seguro de vida
Morreu de repente ao chegar em casa
ainda com o terno puído que usava
Não saiu notícia em jornal nenhum
Foi apenas a morte de um homem comum
E porque ninguém noticiou o fato
fazemos aqui este breve relato. (...)
LINGUAGEM COLOQUIAL
Este anticonvencionalismo temático, esta dessacralização dos conteúdos encontra
correspondência na linguagem. Além das inovações técnicas, a linguagem torna-se
coloquial, espontânea, mesclando expressões da língua culta com termos populares, o estilo
elevado com o estilo vulgar. Há uma forte aproximação com a fala, isto é, com a oralidade.
Assim, liberto da escrita nobre, o artista volta-se para uma forma prosaica de dizer, feita de
palavras simples e que, inclusive, admite erros gramaticais, conforme Oswald de Andrade
preconiza no Manifesto da Poesia Pau Brasil, de 1824:
A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de
todos os erros.
Ele próprio ironiza esta questão em Vício na fala:
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.
Também Manuel Bandeira admite a contribuição da linguagem popular:
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil (...)
Todas as palavras são permitidas. Vinicius de Moraes, em dado poema, chama a mulher
amada de "grandessíssima filha de uma vaca". Do mesmo Vinícius, quem não lembra
Poema enjoadinho:
Filhos...Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não temos
Como sabê-lo
Se não os temos
Que de consulta
Quando silêncio
Como os queremos! (...)
E então começa
a aporrinhação
cocô está branco
cocô está preto
Bebeu amoníaco
Comeu botão
Filhos? Filhos
melhor não tê-los (...)
Filhos são o demo
Melhor não tê-los
Mas se não os temos
Como sabê-lo? (...)
INOVAÇÕES TÉCNICAS
O rompimento com os padrões culturais do século XIX implicaria no aparecimento de
novas técnicas, tanto no domínio da poesia, quanto no da ficção. As principais conquistas
foram:
Verso livre
O verso já não está sujeito ao rigor métrico e às formas fixas de versificação, como o
soneto, por exemplo. Também a rima se torna desnecessária. Vejamos um trecho de
Consideração do poema, de Carlos Drummond de Andrade:
Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
Ou qualquer outra, todas me convêm.
Destruição dos nexos
Os chamados nexos sintáticos, preposições, conjunções, etc., são eliminados da poesia
moderna, que se torna mais solta, mais descontínua e fragmentária e, fundamentalmente,
mais sintética. Veja-se um exemplo radical no poema Coca cola, do concretista Décio
Pignatari:
beba coca cola
babe cola
beba coca
babe cola caco
caco
cola
cloaca.
No plano da prosa, essas elipses geram o estilo telegráfico: frases curtas e sincopadas, cujo
modelo são as narrativas do norte-americano Hemingway.
Paronomásia
Figura muito usada depois de 1922, consiste na junção de palavras de sonoridade muito
parecida, mas de significado diferente. Murilo Mendes escreve: "As têmporas da maçã, as
têmporas da hortelã, as têmporas da romã, as têmporas do tempo, o tempo temporã." Da
mesma maneira, Carlos Drummond é um especialista em paronomásias:
"Melancolias, mercadorias espreitam-me."
Enumeração caótica
Consiste no acúmulo de palavras que designam objetos, seres, sensações, vinculados a uma
idéia ou várias idéias básicas, sem ligação evidente entre si. A técnica está presente em
Ferreira Gullar e seu Poema sujo:
Era a vida a explodir por todas as fendas da cidade sob as sombras da guerra: a gestapo a
wehrmacht a raf a feb a Blitzkrieg catalinas torpedeando a quinta-coluna os fascistas os
nazistas os comunistas o repórter esso a discussão na quitanda o querosene o sabão de
andiroba o mercado negro o racionamento o blackout as montanhas de metais velhos o
italiano assassinado na Praça João Lisboa o cheiro de pólvora os canhões alemães troando
nas noites de tempestade por cima de nossa casa. Stalingrado resiste. Por meu pai que
contrabandeava cigarros, por meu primo que passava rifa, pelo tio que roubava estanho à
Estrada-de Ferro, por seu Neco que fazia charutos ordinários, pelo sargento Gonzaga que
tomava tiquira com mel-de-abelha(...)
Fluxo da consciência
Técnica narrativa estabelecida por Edouard Dujardin e sacramentada, como já vimos, por
Joyce. Trata-se do monólogo interior levado para o texto de ficção sem qualquer obediência
à normalidade gramatical, à lógica ou mesmo à coerência. É a mente do personagem
revelada por ele próprio, sem nenhum tipo de barreira racional. O monólogo de Molly
Bloom, no Ulisses, tornou-se clássico:
(...) que alívio onde quer que seja teu vento despeja quem sabe se aquela costeleta de porco
que comi com minha xícara de chá depois estava boa com o calor ou não cheirei nada eu
certa que aquele sujeito afrescalhado na charuteria é um grande maroto eu espero que essa
lamparina não esteja fumegando pra me encher o nariz de fuligem (...)
Colagem e montagem cinematográfica
Ainda no campo da narrativa, valoriza-se a fragmentação do texto, sua montagem em
blocos e a colagem - a exemplo do que tinham feito os pintores cubistas - de notícias de
jornais, cartazes, telegramas, etc., no corpo dos romances, truque utilizado por John dos
Passos na trilogia U.S.A. No Brasil, eventualmente, Jorge Amado vale-se da colagem em
seus primeiros romances, como em Jubiabá e Capitães de areia.
Ampliação das vozes narrativas
No século XIX, os romances eram narrados em primeira ou terceira pessoa. A estética
modernista, sobremodo depois das experiências do americano William Faulkner ( Enquanto
agonizo, O som e a fúria,1929), passa a admitir uma multiplicidade de perspectivas, vários
narradores, mescla de primeira, terceira e até de segunda pessoa, possibilitando um
complexo conjunto de ângulos sobre os acontecimentos e os protagonistas dos relatos.
Liberdade no uso dos sinais de pontuação
Os sinais tornaram-se facultativos, com o escritor subordinando o uso de pontos, vírgulas,
travessões, etc., a uma disposição estilística ou psicológica e não à regras gramaticais. Sua
eliminação freqüente visa a dar ao texto um aspecto caótico ou febril.

AMBIGÜIDADE
O discurso literário perde o sentido fechado que geralmente possuía no século passado. Ou
seja, ele oferecia ao leitor apenas um sentido, uma interpretação. Agora, ele tem um caráter
variado e polissêmico. Uma rede de significações, que permite múltiplos níveis de leitura. É
a chamada obra aberta, obra que não apresenta univocidade, ou seja, que não se esgota
numa única interpretação. Daí a impressão de modernidade que um romance como Dom
Casmurro, ou um conto como Missa do galo, nos transmitem até hoje.
Estrela da manhã, de Manuel Bandeira, por exemplo, é um poema representativo do
polissenso da literatura contemporânea. No final da leitura, não sabemos com absoluta
convicção o que essa estrela simboliza. Uma mulher experiente que o poeta deseja? Uma
prostituta? A própria vida a que Bandeira pela doença foi obrigado a abdicar?
Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã ?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte
Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã
Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos
Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e os troianos
Com o padre e o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois pecai comigo
Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma
ternura tão simples
que tu desfalecerás
Procurem por toda a parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.
PARÓDIA
Os modernistas realizam, em todas as artes, uma aproximação crítica das obras do passado.
No universo literário, a releitura de textos famosos das escolas anteriores torna-se uma
forma de rejeição ou de admiração. Com freqüência, os modernos terminar por reescrever
alguns dos textos consagrados sob uma perspectiva de humor: é a paródia.
Um dos livros de crítica literária de Mário de Andrade chama-se A escrava que não é
Isaura, numa evidente alusão ao romance de Bernardo Guimarães. Poucos poetas resistiram
à chance de parodiar a antológica Canção do exílio, de Gonçalves Dias, conforme podemos
verificar num conjunto de excertos, como o de Oswald de Andrade, Canto do regresso à
pátria:
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos aqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra (...)
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte para são Paulo
Sem que eu veja a rua 15
E o progresso de São Paulo
Em Canção, Mário Quintana parece fazer um protesto ecológico:
Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.
Carlos Drummond, mais filosófico, reflete sobre a distância da felicidade em Nova canção
do exílio:
Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto. (...)
Onde tudo é belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)
Também Murilo Mendes mostra-se irreverente com o célebre poema romântico:
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza. (...)
Eu morro sufocado em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas são mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
É, no entanto, de Carlos Drummond uma das mais perfeitas paródias de toda a nossa
literatura: Sentimental. Partindo de um conhecido poema de Fagundes Varela, onde o
mesmo expressa, com muita propriedade e encanto, a aspiração do amor romântico à
eternidade - traduzido na gravação do nome da amada num arbusto - o poeta mineiro vale-
se, ao inverso, de letrinhas de sopa de macarrão para registrar o seu afeto. Com isso, não
apenas satiriza as grandes paixões do Romantismo, como revela o caráter efêmero de todas
as relações de nosso tempo.
Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente falta uma letra
Uma letra somente
para acabar teu nome!
- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria.
Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências este cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar."

Referências bibliográficas:
http://www.terra./literatura/modernismo/modernismo_19.htm

Semana de Arte Moderna

Introdução
Nas noites de 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, abriu-se ao público o saguão do Teatro
Municipal de São Paulo, onde vários artistas mostravam obras com uma linguagem nova,
afinada com as correntes estéticas do começo do século. É bom lembrar que a Europa,
nessa altura, já vivia o derradeiro movimento de vanguarda, o Surrealismo.
A abertura da Semana esteve a cargo de Graça Aranha, escritor pré-modernista que aderiu
ao movimento dos modernos. Sua conferência. A emoção estética na arte moderna foi
ilustrada com declamação de poemas. Seguiu-se execução de peças de Villa-Lobos.
Na segunda noite, Ronald de Carvalho declamou o hoje conhecidíssimo poema "Os sapos",
de Manuel Bandeira, em que se ridicularizava o Parnasianismo.
Foi a noite mais agitada da Semana. Gritos e vaias do público acompanhavam a
declamação. No intervalo, Mário de Andrade fez uma palestra no saguão do teatro. Na
segunda parte do programa apresenta-se ma pianista já consagrada: Guiomar Novaes.
Na terceira noite, dedicada à música, houve um incidente: Villa-Lobos apresentou-se de
casaca e chinelos. Mas não era uma agressão; o compositor estava com um pé machucado.
A Semana de Arte Moderna só foi possível graças ao apoio financeiro dos fazendeiros de
café. E aí reside uma contradição, pois um dos objetivos declarados dos organizadores do
acontecimento era "assustar a burguesia que cochila na glória de seus lucros". Proposta
feita, proposta alcançada: assobios, vaias e, segundo alguns, até agressões assinalaram a
reação do público.
Foi esse o clima que marcou a ruptura com o tradicionalismo. Nossos modernistas de
primeiro momento apresentavam uma arte que estava em consonância com o grande
movimento internacional de renovação de idéias.
Além de empregar uma nova linguagem, os artistas da Semana atacavam abertamente o
passado, sobretudo o Parnasianismo. Por que o Parnasianismo? Primeiro, porque era o
estilo que antecedia de perto o Modernismo; segundo, porque foi um estilo muito apegado a
regras e modelos; terceiro, porque era ainda o que valia como referência artística para a
classe dominante, justamente aquela que se queria chocar.

Divulgação das idéias da Semana

Obviamente, se tivesse permanecido restrita a São Paulo, a Semana não teria tido tão
grande importância renovadora.
A partir dos acontecimentos do Teatro Municipal, divulgados pela imprensa da época, as
novas idéias encontraram adeptos em todo o país, ora adeptos mais serenos, ora mais
radicais. No período compreendido entre 1922 e 1930 primeira fase do Modernismo
manifestos, revistas, grupos recém-formados difundiram-se por nosso cenário cultural
como nunca havia acontecido antes.
Obviamente, havia discordâncias entre os grupos. Às vezes, até oposições fortes. O que
havia de comum em todos, no entanto, era a certeza da urgente necessidade de renovar
nossa cultura.

Antecedentes da Semana

Desde o início da segunda década do século, atividades culturais diversas deram início ao
processo de corrosão da arte acadêmica brasileira. Vejamos alguns desses episódios:
Oswald de Andrade e Emílio Menezes fundaram, em 1911, a revista de arte Pirralho, cujos
princípios questionavam a arte brasileira. Nesse jornal divulgaram-se as composições de
Juó Bananere pseudônimo de Alexandre Marcondes Machado, sátiras de textos
consagrados de nossa literatura, considerados até então como intocáveis. As sátiras eram
bastante irreverentes e divertidas, principalmente porque o autor utilizava um italiano
"macarrônico" para expressar-se. Aliás, tratava-se de uma língua comum nos bairros de São
Paulo onde os imigrantes italianos tinham-se fixado.
A irreverência seria uma das marcas registradas da primeira fase modernista. Bananere
antecipava-se.
Em 1912, Oswald de Andrade voltou de sua primeira viagem à Europa e divulgou idéias
cubistas e futuristas, entre elas a do verso livre.
No ano seguinte, um pintor russo que se fixara no Brasil Lasar Segall fez uma exposição
de pintura expressionista. Em 1914 foi a vez de Anita Malfatti mostrar quadros
expressionistas, resultado de seu estágio na Alemanha.
O ano de 1917 é especialmente marcante na gestação da Semana. Primeiro, porque alguns
escritores que futuramente produziriam obras modernistas publicaram textos com tímidas
inovações de linguagem. Tímidas, mas inovações. É o caso de Mário de Andrade, que sob o
pseudônimo de Mário Sobral, publicou Há uma gota de sangue em cada poema. Manuel
Bandeira, Menotti del Picchia e Guilherme de Almeida também publicaram novidades.
Segundo, porque Anita Malfatti fez uma exposição de pintura com tendência cubista, dando
motivo a uma violenta crítica do escritor Monteiro Lobato, que, num artigo intitulado
"Paranóia ou mistificação?", reagiu violentamente à obra de Anita. O artigo dividiu artistas
e público, simbolizando o primeiro confronto aberto entre o velho e o novo.

Lobato radicalizou:
"Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em
conseqüência fazem arte pura (...) A outra espécie é formada dos que vêem anormalmente a
natureza e a interpretam à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica excessiva. São
produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de
estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes brilham um instante, as mais das vezes
com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento... "
Ora, Lobato, além de ser, um pré-modernista, com idéias avançadas, era respeitadíssimo
por toda a intelectualidade, conservadora ou não. Sua crítica pesou muito. Mais tarde,
Lobato reconheceu que entendia pouco de artes plásticas para ter escrito tudo aquilo.
Em 1921, Oswald de Andrade publicou um artigo chamando Mário de Andrade de "meu
poeta futurista". Ocorre que Oswald tinha lido os originais de Paulicéia desvairada livro
que seria publicado em 1922 e representaria o primeiro livro de poemas modernistas. Mário
respondeu negando sua condição de futurista.
Explica-se a atitude de Mário: nessa altura, o Futurismo italiano estava associado ao nazi-
fascismo, ideologia rejeitada pelo escritor.
Nesse mesmo ano, Di Cavalcanti fez uma exposição em São Paulo e, segundo consta,
lançou a idéia: por que não realizar uma "semana" de arte moderna?
Em resumo, enquanto não tinham um programa ideológico e estético pronto, os
modernistas iam tomando contato com os ismos europeus, através de livros e revistas.
A Poesia Moderna no Brasil
Na década de 1930 a poesia moderna brasileira consolida-se. As ousadias, por vezes
excessivas, da geração de 1922 vão se abrandando. O resultado é o nascimento de uma
lírica pujante, elaborada por um excepcional conjunto de criadores. Poucos países do
mundo podem se orgulhar de possuir um grupo tão expressivo quanto este. A legítima
idade de ouro do gênero poético, no país, ocorre em mais ou menos cinqüenta anos, até a
década de 80, - quando morre Drummond e João Cabral se aposenta - fechando um ciclo de
incomum grandeza. Didaticamente, podemos dividir estas brilhantes vozes poéticas em
duas linhas:
a) O grupo da tradição lírica: Resulta da síntese entre as inovações modernistas e o melhor
da poesia ocidental do passado, fundindo a linguagem renovadora com temas clássicos e
universais. Predomina a subjetividade e reafirma-se o velho poder da inspiração, nos
moldes românticos. Seu maior expoente é Manuel Bandeira, mas enquadram-se neste bloco
Cecília Meireles, Vinícius de Moraes e Mário Quintana.
b) O grupo da modernidade radical: Estrutura-se em oposição ao confessionalismo e ao
subjetivismo da poesia tradicional, mesmo aquela produzida por autores contemporâneos.
O mundo torna-se mais importante do que o eu-lírico. Há uma grande desconfiança a
respeito das possibilidades comunicativas da linguagem e rejeita-se a inspiração,
privilegiando-se a técnica e a carpintaria poética. O nome principal é o de Carlos
Drummond de Andrade. Outros representantes seriam Murilo Mendes, João Cabral de
Mello Neto e os concretistas de São Paulo.
Não é errado falar também um grupo (ou subgrupo) que opta pela poesia engajada. Este
tipo especial de lírica origina-se dos compromissos sociais, políticos e religiosos dos
escritores, para quem a arte se identifica com a manifestação de princípios nacionalistas,
católicos ou marxistas. Geralmente correspondem à fases transitórias dos poetas, como a do
socialismo de Drummond, a da religiosidade popular de Jorge de Lima, ou a do catolicismo
conservador de Vinícius de Moraes, no início de carreira, etc. Do ponto de vista da
linguagem, seus adeptos fogem do experimentalismo e buscam um estilo mais
convencional, e por vezes discursivo. Mais próximos de nós, encontramos, nesta vertente
engajada, boa parte das obras de Ferreira Gullar e Afonso Romano de Sant´Anna .

Referências bibliográficas:

http://www.terra./literatura/modernismo/modernismo_19.htm
http://www.netliteratura.hpg.ig/index2.htm

PRINCIPAIS POETAS

1.MANUEL BANDEIRA (1886-1968)


Vida: Nasceu no Recife, filho de uma família oligárquica. Começou a fazer o curso de
engenharia, em São Paulo, mas a tuberculose o impediu de concluir a faculdade. Buscando
a cura, esteve um ano na Suíça, onde efetivamente eliminou a doença. Voltando para o
Brasil, tornou-se inspetor de ensino e, depois, professor de Literatura na Universidade do
Brasil.
Obras principais: Cinza das horas (1917); Carnaval (1919); Ritmo dissoluto (1924);
Libertinagem (1930); Estrela da manhã (1936); Lira dos cinquent'anos (1948); Estrela da
tarde (1963)
A poesia de Manuel Bandeira - eliminados os resíduos simbolistas e parnasianos de Cinza
das horas e Carnaval - enquadrando-se na vertente mais clássica do espírito modernista,
aquela em que se processa uma fusão entre a confissão pessoal e a vida cotidiana. Em
Bandeira predomina com algumas insistência o lirismo do EU, mas o cotidiano jamais
desaparece dos textos, numa síntese feliz entre subjetividade e objetividade. Isto se dá
porque uma relação dialética estabelece-se entre ambos. Assim:
Poesia = cotidiano mais o eu-lírico.
Nada em sua poesia é mera visão interior. Tampouco lhe apraz a simples fotografia realista
do mundo. Mesmo assim, praticou eventualmente uma lírica sem a presença da
interioridade. É o caso do Poema tirado de uma notícia de jornal:
João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão
sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Ou, ainda, deste O bicho, infiltrado por grande indignação moral:


Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

O poeta debruça-se sobre o mundo concreto, porém na sua fala sobre o real pode-se
pressentir o traço biográfico, como no já antológico Irene:
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor
Imagino Irene entrando no céu:
- Com licença, meu branco.
E São Pedro, bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

2.MÁRIO QUINTANA (1906 - 1994)


Vida: Nasceu em Alegrete, tradicional cidade oligárquica da campanha rio-grandense, filho
de uma família de classe média. Com treze anos ingressou no Colégio Militar de Porto
Alegre. Em 1924, abandonou os estudos e após curto retorno a Alegrete, onde trabalharia
na farmácia do pai, fixou-se definitivamente na capital gaúcha. Durante muitos anos
entregou-se à vida boêmia, então muito intensa na cidade. Tornou-se tradutor da Editora do
Globo, vertendo para o nosso idioma Proust, Conrad, Maupassant, Verlaine e Aldous
Huxley, entre outros clássicos. Também colaborou permanentemente com a imprensa.
Apesar da consagração nacional que o cercou na velhice e das dezenas de títulos
honoríficos que recebeu, morreu em extrema pobreza no ano de 1994.
Obras principais: Rua dos cataventos (1940); Canções (1946); Sapato florido (1948); O
aprendiz de feiticeiro (1950); Espelho mágico (1951); Poesias (1962); Do caderno H
(1973); Apontamentos de história sobrenatural (1976); A vaca e o hipogrifo (1977);
Esconderijos do tempo (1880); Baú de espantos (1986); Velório sem defunto (1990).
Seja por razões pessoais que ele nunca explicitou, seja por ter vivido numa sociedade
pastoril em derrocada (sua infância coincide com o declínio da metade sul do Rio Grande),
Mário Quintana elabora uma poesia eminentemente crepuscular, percorrida por uma
constante amargura e articulada em torno de poucos elementos:
a morte
a tristeza das coisas
Desde seu livro de estréia, Rua dos cataventos, - composto por trinta e cinco sonetos, que
parecem marchar contra o verso livre dos modernistas - percebe-se a melancolia intensa do
eu-lírico. Sua interioridade está dilacerada, à maneira dos românticos. A todo momento, ele
refere-se aos desencantos que o afligem, porém sua linguagem é tão evasiva, tão vaga e
simbólica, que não se sabe, com clareza, quais são estes males. Ou seja, a tristeza do poeta
é visível, as causas não. Exemplo famoso encontramos no primeiro quarteto do soneto
XVII:
Da primeira vez em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...
Este universo de ruínas interiores, de sonhos mortos e de naufrágios pessoais aparece em
toda a sua obra, como em A carta, do livro Apontamentos de história sobrenatural:
Hoje encontrei dentro de um livro uma velha carta amarelecida.
Rasguei-a a sem procurar ao menos saber de quem seria...
Eu tenho um medo horrível
A essas marés montantes do passado,
Com suas quilhas afundadas, com
Meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas...
Ai de mim,
Ai de ti, ó velho mar profundo,
Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios!

3. MURILO MENDES (1901-1975)


VIDA: Nasceu em Juiz de Fora, filho de um funcionário púiblico. Sua mãe morreu num
parto quando ele contava dois anos de idade. Fez o curso primário e o ginásio em sua
cidade natal, mas em seguida abandonoua os estudos, fugindo do colégio Santa Rosa, em
Niterói, onde estava interno. A partir daí, exerceria as mais variadas profissões até que aos
vinte anos arrumou emprego de arquivista no Ministério da Fazenda. Ali não permaneceria
muito tempo, continuando sua trajetória por diversos empregos. Em 1930, publica seu
primeiro livro, Poemas. Aos trinta e três anos, a morte de seu melhor amigo, o pintor Ismael
Nery, lhe provocou uma crise religiosa, arrastando-o a um cristianismo singular do qual
nunca mais se apartaria. Os livros subsequentes confirmaram sua fama de poeta. Virou
mesmo um autor cult entre outros autores, ainda que sua obra nunca se tornasse popular.
Passou a viver na Europa, em 1953. A partir de 1957, estabeleceu-se em Roma, ensinando
Literatura Brasileira a jovens italianos. A morte colheu-o em Lisboa, no dia treze de agosto
de 1975
Obras principais: Poemas (1930); História do Brasil (1932); Tempo e eternidade (em
colaboraP ção com Jorge de Lima - 1935); A poesia em pânico (1937); As metamorfoses
(literários. 1944); Poesia liberdade (1947); Contemplação de Ouro Preto (1954);
Convergência (1970).
A carreira de Murilo Mendes é aberta com uma poesia de marcada inspiração modernista,
em que predominam a blague e o humor. Sua Canção do exílio torna-se uma das mais
conhecidas paródias do texto clássico de Gonçalves Dias:
"Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza. (...)
Eu morro sufocado
Em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia."

O gosto pelo poema-piada prosseguirá em seu segundo livro História do Brasil, porém a
crise metafísica - vivenciada em 1934 - leva-o, no ano seguinte, a buscar a amizade
religiosa e a parceria de outro escritor cristão, Jorge de Lima, com quem escreverá Tempo e
eternidade. O objetivo de ambos é "restaurar a poesia em Cristo". Mas se, no caso do poeta
alagoano, a religiosidade sempre se reveste de certo apelo tradicional e popular, em Murilo
Mendes, ela é muito mais filosófica, com um requinte espiritual que, contraditoriamente, a
aproxima dos dilemas mais concretos de nosso tempo. O cristianismo surge como resposta
para um mundo sanguinário e sem sentido, como se observa em O filho do século:
"Cairei no chão do século vinte
Aguardam-me lá fora
As multidões famintas justiceiras
Sujeitos com gases venenosos (...)
É a hora das barricadas, dos fuzilamentos
Fomes desejos ânsias sonhos perdidos
Miséria der todos os países uni-vos
Fogem a galope os anjos-aviões
Carregando o cálice da esperança "
Poesia Moderna
O cristianismo é, para o escritor mineiro, "um desafio ético à sociedade planetária", um
caminho contra a guerra, contra as ditaduras de direita e de esquerda e contra todas as
forças que aviltam a dignidade humana. A caridade cristã torna-se a única alternativa de
justiça social que não passa pela militância política, geralmente sectária. Porém, o
cristianismo é, sobretudo uma tentativa de compreender a existência, ordenar o seu caos,
retirar-lhe o caráter de gratuidade e de absurdo, ainda que nem sempre este consolo
religioso se ofereça aos homens.. Exemplo de poesia, que nasce no cotidiano e se impregna
de metafísica, encontramos em "Canto do noivo":
"Eu verei tuas formas crescerem pouco a pouco
verei tuas formas mudarem a cor, o peso, o ritmo,
teus seios se dilatarem na noite quente,
os olhos se transformarem quando brotar a idéia do primeiro filho.
Assistirei ao desenvolver das tuas idades,
guardando todos os teus movimentos.
Já está na minha memória a menina mãe de bonecas,
depois a que ficava de tarde na janela,
e a que se alterou quando me conheceu,
e a que está perto da união das almas e dos corpos.
As outras virão. Tuas ancas hão de se alargar,
e os seios caídos, o olhar apagado, os cabelos sem brilho
hão de te arrastar pra mais perto do sentido do amor,
ó minha mártir, forma que eu destruí, integrada em mim."

O que torna Murilo Mendes um poeta difícil para alguns leitores é também o seu código
verbal. A expressão de suas inquietações e postulados cristãos dá-se em linguagem áspera,
despida de musicalidade, mais próxima do substantivo que do adjetivo. Além disso, ele
atinge intencionalmente uma espécie de supra-realismo, definido por imagens
desconcertantes, alucinações, uso de símbolos e, por vezes, acentuada abstração. Vários
críticos já rotularam sua poética de surrealista. Neste Poema barroco as metáforas
aproximam-se da irrealidade e do sonho:
"Os cavalos da aurora derrubando pianos
Avançam furisoamente pelas portas da noite.
Dormem na penumbra antigos antos com os pés feridos,
Dormem relógios e cristais de outro tempo, esqueletos de atrizes.
O poeta calça nuvens ornadas de cabeças gregas (...)
O constante apelo à alegoria; o celebralismo que se confunde com a fé; a busca de
significado religioso tanto para o drama individual quanto para o drama histórico; e os
inúmeros recursos técnicos e estilísticos, garantem à poesia de Murilo Mendes uma
permanência que análises de especialistas deverão confirmar, nos próximos anos.

Referência bibliográfica:
http://terra.com.br/literatura/poesiamoderna/poesiamoderna_11htm

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