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REPENSANDO A GUERRA DA
COREIA: O PAPEL DAS GRANDES
POTÊNCIAS NA CRIAÇÃO E
PERPETUAÇÃO DO CONFLITO NA
PENÍNSULA C...
Fabricia Felippe
A Polít ica Ext erna da República Popular Democrát ica da Coreia: at uação no sist ema int ernaci…
St hefanie Pet t i
O equilíbrio de poder no Lest e Asiát ico e a reaproximação ent re as Coreias: a mais recent e fase de co…
Conjunt ura Aust ral
Resumo
Este trabalho busca analisar a Guerra da Coreia, sua relação com o impasse quanto à
implementação dos mísseis THAAD e a Cúpula de Cingapura de 2018, tentando entender,
ainda, como esses eventos se relacionam às grandes potências desde sua criação, a
perpetuação e possível resolução do conflito.
Palavras-chaves: Guerra da Coreia; Grandes Potências; Cúpula de Cingapura; Segurança
Regional;
Abstract
This essay seeks to analyse The Korean War, its relation to the THAAD dispute and the 2018
Singapore Summit and what is the world’s great powers part in the creation, perpetuation and
possible resolution of the conflict.
Keywords: Korean War; Great Powers; Singapore Summit; Regional security;
Rio de Janeiro
2019
1. INTRODUÇÃO
A história da nação coreana data de 700.000 anos atrás, na era paleolítica, quando os
primeiros habitantes chegaram à região da Península Coreana e da Manchúria. Entretanto, os
primeiros traços de um sistema político organizado não se demonstrariam até o ano de 2333
a.C., quando o primeiro reino, Gojoseon1 (2333 a.C. - 108 a.C.), surgiu através da unificação
das tribos locais, cujo o domínio territorial se expandia entre partes do atual território chinês
de Liaoning até o Rio Taedonggang2.
Após a queda de Gojoseon ocorreu um retorno aos estados tribais, até a formação do
reino de Buyeo, que se estendia do Rio Songhuajiang, na Manchúria, até Jilin, no nordeste
da China. Buyeo se desfez durante o processo de estabelecimento de uma confederação
nacional. Simultaneamente ao processo de desmantelamento do reino de Buyeo iniciou-se o
processo de formação daqueles que são conhecidos como Três Reinos: Baekje, Silla e
Goguryeo, no final do século III d.C..
1
Gojoseon, em coreano, significa Antiga Joseon. É adicionado a partícula go a frente de Joseon, o verdadeiro
nome do Reino, para esclarecer que se refere ao primeiro reino chamado Joseon uma vez que o nome seria
utilizado posteriormente na história coreana por outra Dinastia.
2
Information Service Of The Republic Of Korea, [s.d.]d
3
Mapa 1: Os Três Reinos
3
Britannica, [s.d]
4
Information Service Of The Republic Of Korea, [s.d.]c
5
Mapa 2: Silla e Balhae
5
Information Service Of The Republic Of Korea, [s.d.]f
6
Mapa 3: Goryeo
7
Mapa 4: Joseon
6
O Tratado de Ganghwado é também conhecido como Tratado de Amizade Japão-Coreia ou somente como
Tratado de Ganghwa.
7
New World Encyclopedia
8
Information Service Of The Republic Of Korea, [s.d.]b
8
Em 1902 o Japão construiu para si uma forte posição ao entrar numa aliança com
o Reino Unido, a potência europeia mais importante na região. O Japão reconheceu
os interesse britânicos na China e em troca os britânicos reconheceram os interesses
especiais do Japão na Coreia. Sentindo uma fraqueza na costa do território chinês,
a Rússia começou a mover tropas para a Coreia e imediatamente entrou em conflito
com o Japão. Numa tentativa de evitar uma guerra, o Japão propôs que os dois
países dividissem a Coreia em esferas de influência, com o marco divisor sendo
traçado no Paralelo 38 - a mesma linha escolhida pelos Estados Unidos para a
divisão da Coreia depois da Segunda Guerra Mundial. (OBERDORFER; CARLIN,
2014 p. 4)
9
Quando recebido o Tratado, o imperador Sunjong não pretendia assiná-lo. Porém, com a ameaça iminente da
invasão japonesa caso o tratado não fosse assinado, o imperador relutantemente adicionou seu selo imperial ao
documento e enviou ao Primeiro Ministro Lee Wan-yong para que este assinasse o tratado. O fato de o tratado
não conter a assinatura do imperador levou diversos governos subsequentes a questionarem a legalidade do
tratado.
10
Oberdorfer; Carlin, 2014, p. 4
9
Sul). Visentini et al. (2015) aponta ainda a importância da colonização japonesa no
desenvolvimento da indústria pesada da República Popular Democrática da Coreia (RPDC,
ou Coreia do Norte).
A reação do povo coreano à ocupação japonesa foi inicialmente confusa, consolidando-
se depois em um movimento antijaponês de massa próximo ao final do período sob o domínio
japonês. O tratamento recebido pelos coreanos durante a ocupação japonesa variou, sendo
inicialmente um tratamento teoricamente igualitário ao dado aos japoneses, mas com
restrições a algumas liberdades, como a de expressão, a fim de refrear o sentimento
antijaponês. E, conforme os japoneses adentravam sua fase expansionista, próxima à
Segunda Guerra Mundial, a política japonesa para os coreanos se voltou para uma
assimilação completa da população, levando a resistência coreana ao domínio japonês a ser
esmagada violentamente e forçando a população a focar na preservação da cultura e
identidades coreanas.11
No meio de 1919 inicia-se a política cultural imperial, bunka seiji, buscando ensinar
aos coreanos a esperarm uma independência distante12. Inaugurando consigo um período de
11
Park; Ho, 2004, p. 16-17
12
Entende-se que o processo de “ensinar aos coreanos a esperarem uma independência distante” não tinha por
objetivo, realmente ensinar a população como administrar um país, conforme objetivado pela política. Em
geral, as políticas japonesas para a Coreia, principalmente a política cultural (bunka seiji) buscas incorporar aos
coreanos nos moldes japoneses, tanto culturais como sociais, de modo a desmantelar a cultura, e o jeito de vida,
coreano e assimilar totalmente os coreanos ao Império Japonês.
10
resistência gradual ao colonialismo no qual os coreanos se aproveitaram do relaxamento das
restrições à liberdade de expressão e reunião para organizar uma variedade de grupos
nacionalistas, socialistas e comunistas aberta ou clandestinamente. A partir da mudança
política podia-se comprar novamente jornais coreanos, o que levou ao surgimentos de novas
publicações na língua coreana no início da década de 1920.13
Quanto ao período de mobilização para a guerra, datado de 1931, se refere à apontada
“industrialização protegida” de 1930, por Visentini et al, que se voltava sobretudo para a
indústria pesada no norte, que objetivava “fornecer bens de capital para a indústria de defesa
japonesa no esforço de guerra contra a China” em sua busca por expansão territorial e de
esferas de influências, conforme indica Magno, que culminaria em uma série de pequenos
conflitos envolvendo o Japão e a China, como o Incidente Mukden em 1931 que resultou na
dominação japonesa do território da Manchúria e o Incidente da Ponte Marco Polo em 1937
que levaria à Segunda Guerra Sino-Japonesa, conflito inicial da Guerra do Pacífico (1937-
1945).
13
Cumings, 2005, p. 156
14
Savada,1990
11
Este período deu origem a uma nova liderança política coreana, fruto tanto da
resistência ao colonialismo japonês quanto das oportunidades criadas por sua existência. O
surgimento dos primeiros grupos nacionalistas e comunistas datam da década de 1920,
período no qual ocorre o início da divisão ideológica coreana e da transformação da
aristocracia yangban.15 Na década de 1930 ocorreu a emergência da nova resistência armada,
burocratas e, pela primeira vez, de líderes militares. O período colonial japonês tem, até hoje,
uma grande influência em ambas as Coreias, seja através de suas elites ou conflitos
políticos.16
Visentin et al. (2015) aponta ainda que nesta fase ocorreu também uma polarização
político-ideológica entre os movimentos de independência emergentes no país, que passaram
a disputar adeptos. Sendo os liberais nacionalistas os mais favorecidos por sua associação
com os Quatorze Pontos de Wilson, mas tinham ação limitada por conta de sua estreita base
social dentro da Coreia e pela falta de interesse norte-americano na independência coreana.
Enquanto os socialistas, por sua vez, tinham a desvantagem de serem perseguidos pela polícia
japonesa, também tinham uma base popular potencialmente ampla. Esta polarização se
demonstrou também geograficamente, sendo a região norte mais radical e favorável ao
comunismo do que a região sul.
No que tange a participação chinesa nos movimento de independência, os autores
apontam ainda que, apesar da inexistência de relações formais entre os Estados, as relações
interpessoais, sobretudo entre as elites ideológicas, ainda eram bastante forte.
Por conseguinte, Visentini et al. afirma que a influência do imperialismo japonês para
a ascensão do comunismo na península coreana e, sequencialmente, na formação da Coreia
do Norte, é esquematizada em quatro esferas sendo elas: a afloração do nacionalismo
coreano, o crescimento da pobreza no campo, a implementação de bases industriais na
península e a interação política e ideológica dos movimentos libertários com a China.
15
Yangban é a palavra coreana para aristocracia. Cumings usa o termo yangban aristocracy, ou aristocracia
yangban, para se referir aos aristocratas fundiários coreanos, criando assim uma separação entre a aristocracia
japonesa e coreana na Coreia colonial.
16
Cumings, 2005
12
Assim sendo, fica clara a importância do papel das potências estrangeiras no nascer das
Coreias tanto anterior quanto posteriormente ao período de dominação japonesa. Deste
modo, não é surpresa que os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS, ou União Soviética) tenham vindo a ter o papel decisivo na separação da
Península, em 1943.(SANTOS; PASSOS, 2014) Este papel é marcado, inicialmente, pela
Declaração do Cairo (1943), na qual consta que
o Japão também será expulso de todos os outros territórios que tomou através de
violência e ganância. As três grandes potências supracitadas [EUA, URSS e Reino
Unido], conscientes da escravização do povo da Coreia, estão determinadas de que
durante este percurso a Coreia deve se tornar livre e independente.
Para que a península voltasse a ser independente, foi preciso que fosse formado um
órgão administrativo ainda sob a administração japonesa. Este foi criado por Yo Un Yong,
um revolucionário aposentado, no dia em que foi anunciada a rendição japonesa a pedido do
governo colonial japonês. Este teria a função oficial de manter a ordem e proteger os
japoneses de represália por parte da população coreana, contudo Yo - com auxílio de um
grupo clandestino - garantiu a liberdade de 16.000 presos políticos através do Comitê de
Preparação para a Coreia Independente (CPCI). Com a formação do CPCI, governos locais
começaram a ser organizados, através de Comitês Populares, na maioria das províncias, que
formam equipes de segurança e assumiram a maioria das funções pertencentes ao governo
colonial. (VU, 2007, p. 33)
Cumings (2005) aponta ainda que entre 1943-47 a alta diplomacia americana passou
por uma fase internacionalista que se refletia na política de protetorado e no desejo de
administração multilateral e temporária, realizada pelas grandes potências, da Península. A
ideia inicial era de ocupar a Coreia e posteriormente implementar o protetorado em parceria
com a Rússia, a China e o Reino Unido.
Em 1945, na Conferência de Ialta Roosevelt, na época presidente dos EUA, propôs a
formação de um protetorado Soviético-Chinês-Americano, contudo a ideia não foi bem aceita
pelos britânicos e franceses, muito menos pelos coreanos que consideraram a divisão da
península uma traição por parte dos americanos.
13
3. A SEPARAÇÃO DA PENÍNSULA E A FORMAÇÃO DOS ESTADOS
COREANOS
A história da Coreia pré-colonização japonesa deixa evidente que não havia uma
justificativa histórica para a divisão sumária realizada pelas potências após o final da Segunda
Guerra Mundial. Para Cumings (2005), além de não haver uma razão histórica, não há
também um pretexto interno para a escolha do Paralelo 38º como linha divisória para além
da divisão político-ideológica que marca o contexto da Guerra Fria. Em suas palavras: “Ela
começou, antes do começo da Guerra Fria global, na Coreia e hoje perdura ao final da Guerra
Fria em qualquer outro lugar”(CUMINGS, 2005, p. 186).
No final, a decisão da separação da península coube a dois jovens oficiais17 que foram
mandados a uma sala adjacente ao prédio do executivo americano, ao lado da Casa Branca,
para definir qual seria a Zona de Ocupação Americana (ZOA).
A decisão não envolveu nenhum especialista sobre a Coreia e, conforme Rusk admitiria
posteriormente, nenhum dos envolvidos na decisão sabiam do antigo tratado russo-japonês
que definia a separação da península entre as duas nações no paralelo 38º. Assim sendo,
também não sabiam que ao escolher o paralelo como linha de divisão, estavam reconhecendo
o direito russo sob o território. Rusk afirmou, a posteriori, que caso soubessem do acordo,
haveriam escolhido outra demarcação. (OBERDORFER; CARLIN, 2014, p.5)
17
Esses oficiais foram o tenente-coronel Dean Rusk, que depois viria a secretário de Estado nas administrações
Kennedy e Johnson, e Charles Bonesteel, que posteriormente se tornaria o comandante militar dos EUA na
Coreia.
14
dos sul-coreanos. Durante a maior parte do primeiro ano de ocupação (1945-46), os
americanos se viram lutando para reprimir o surgimento de comitês populares nas províncias,
resultando novamente em uma revolta em massa nas quatro províncias no final do ano de
1946. (CUMINGS, 2005, p. 192)
No sul, nas primeiras semanas após a expulsão japonesa, foi estabelecido um governo
coreano através do Comitê de Preparação para a Independência Coreana, que era composto
integralmente por membros da esquerda política. Nacionalistas conservadores e
colaboradores do regime colonial japonês não foram convidados a formar o grupo.
Deste modo, quando os membros do CPIC foram informados da iminente ocupação
americana, formou-se a República Popular Coreana (RPC), ou Choson Inmin Kongwaguk18.
Esta tinha uma composição mais “democrática”, contando com 13 nomes associados com
grupos de direita - mesmo que a maioria destes se encontrasse fora do território e, com isso,
não pudessem declarar sua vontade em participar - e 42 membros associados a esquerda,
totalizando 55 membros pertencentes ao Comitê Central da RPC.19
Duas semanas após a chegada da URSS em Pyongyang foi instalado o Governo Militar
(GM) - sob ordens do General Hodge -, comandado pelos americanos com um conselho de
ex-oficiais japoneses e colaboradores do governo colonial. Sob influência do conselho,
Hodge não reconheceu a legitimidade da RPC, fazendo com que o governo se divide em dois
18
Cumings, 2005
19
Vu, 2007
15
grupos opostos - representando a esquerda o Partido Comunista Coreano (PCC), revivido por
Park Hong Yong, e , representando a direita, o Partido Democrático da Coreia (PDC) -,
causando a divisão política de Seul.
Foi neste contexto que Syngman Rhee, proeminente nacionalista e futuro presidente da
RC que passara anos exilado nos EUA, tendo sido trazido de volta do exílio pelo governo
americano em outubro de 1945, formou o Conselho Central para Aceleração da
Independência da Coreia (CCAIC). Para além, um outro movimento para independência foi
organizado por Kim Ku (outro líder de direita), com o auxílio dos grupos de esquerda, buscou
acabar com a ocupação através de um coup d'état que foi rapidamente reprimido pelo GM.
Ainda em outubro de 1945, os futuros líderes de ambas as Coreias - Syungman Rhee,
que viria a ser Presidente da Coreia do Sul, e Kim Il-sung, na Coreia do Norte, tiveram a
oportunidade de realizar um discurso para a população coreana.20 Pouco após, por ordem do
General MacArthur21 foi instaurado uma Comissão Governamental, comandada por Kim
Ku. Esta foi integrada ao Governo Militar do Exército dos EUA na Coreia e, posteriormente,
o sucederia com os americanos mantendo poder de veto sobre qualquer atividade. Para que
a comissão fosse mantida o acordo de protetorado entre a União Soviética e os Estados
Unidos foi alterado.
Em 1946, o GM formou ainda o Comitê de Coalizão Direita-Esquerda (1946 - 1947)
que excluía os membros mais radicais dos partidos, comandado por Yo Un Hyong e Kim
Kyu Sik. Este objetivava conciliar os pólos políticos. Esta foi considerada em sua missão já
que a tensão entre o PCC e o governo aumentava, o que fica evidente quando os sindicalistas
esquerdistas iniciam uma greve geral que envolveu cerca de 30% dos condados da Coreia do
Sul e contou com cerca de 2,3 milhões de participantes22, em oposição à política de coleta
forçada de arroz. A greve foi reprimida com força, levando a milhões de prisões e a fuga
forçada de líderes comunistas para o Norte. Conforme as relações entre os EUA e a URSS se
deterioraram, em meados de 1947, o Comitê foi deixado de lado e Rhee, sendo o político
mais proeminente da direita e forte apoiador de eleições separadas para o Sul, ascendeu em
status perante o governo, que se voltará para ele por conta de seu extremo anticomunismo.
20
Foi após este evento e antes de seu retorno a Coreia do Norte que Kim Il-sung foi escolhido como figura
máxima, mesmo havendo outros guerrilheiros de patente mais alta presentes. Esta escolha se deu,
principalmente, pela sua reputação (ele já havia ganhado o título de herói durante a resistência aos japoneses) e
força pessoal.
21
MacArthur foi um importante chefe militar durante a Guerra do Pacífico, líder da ocupação americana na
Coreia e futuro comandante das tropas da ONU na Guerra da Coreia.
22
Vu, 2007, p.34
16
“O anticomunismo extremo e consistente de Rhee havia valido a pena. [...] todas as
alternativas moderadas foram eliminadas ou expulsas da Coreia do Sul em 1950, deixando o
extremista de direita Rhee no comando.” (VU, 2007, p. 34) Assim sendo, em 1948 é fundada
a República da Coreia, que têm a base do seu sistema político na Comissão Governamental.
Ela foi construída nos últimos meses da ocupação americana. A República Popular
Democrática da Coreia, por sua vez, foi fundada em 9 de Setembro de 1948, 3 semanas após
o nascimento do Estado sul-coreano. Contudo sua formação se difere da de sua nação-irmã,
conforme apontam Visentini et al (p. 50-51):
Em 1958, Rhee reformulou ainda mais a lei, dando aos policiais autoridades mais
amplas para “suprimir os comunistas”. Quando os legisladores dos partidos de
oposição organizaram uma greve para protestar contra essa lei, os seguranças de
Rhee os retiraram da Assembléia e os trancaram. Enquanto os seus apoiadores na
Assembleia Nacional aprovaram o projeto de lei. [...] Rhee interveio para proteger
altos funcionários da polícia, mobilizou seus partidários para protestar contra a
Assembléia e ordenou a prisão de sete membros da assembléia, incluindo o vice-
presidente, aparentemente por serem comunistas. (VU, 2007, p. 37)
23
Vu, 2007
24
Seo, 1996, p.104-106 apud Vu, 2007, p.37
18
3.3. A REPÚBLICA POPULAR DEMOCRÁTICA DA COREIA
A partir desta mudança, o PCC começou a focar na eliminação dos vestígios feudais e
coloniais e na unificação do povo coreano, a favor da classe operária. Assim, segundo
Armstrong (2003, p.60) “[...] a nação tornou-se uma espécie de substituto para a classe
operária como sujeito primordial da revolução, um movimento que poder ser chamado de
‘nacionalismo proletário’”. Assim sendo, o movimento se tornaria mais parecido com o
maoísmo ao se voltar mais para a mobilização popular, especialmente em detrimento da
influência chinesa exercida durante a guerrilha da Manchúria na liderança esquerdista.
A influência soviética, por sua vez, se demonstra, de acordo com Lee (1996) na crença
de Kim que a mudança deveria ocorrer de cima para baixo, ou seja, que ainda que a liderança
do PCC devesse se atentar às demandas da população, não deveria ser a massa que ditaria a
mudança conforme dizia Mao Tsé-tung. Assim, segundo Armstrong (2003, p. 65)
25
Seguidores do Cheondoísmo (em coreano Chong), religião nativa da região.
19
Norte, para o bem ou para o mal, teria, no longo prazo, uma política muito mais
disciplinada e estável que a China comunista.
Visentini et al. (2015, p. 54-55) indica como principal fator dessa mudança a influência
e, posteriormente, fusão com a facção Yenan - veteranos coreanos da Revolução Chinesa -,
também conhecidos como Exército Voluntário Coreano. E que, posteriormente, formariam o
Novo Partido Popular Coreano, que pregava a inseparabilidade da revolução popular com a
libertação nacional uma vez que este era fortemente influenciado pelo populismo camponês
de Mao, conforme aponta Armstrong (2003, p.65). Foi através da fusão do Partido Comunista
da Coreia com o Novo Partido Popular Coreano, que surgiu o Partido do Trabalho da Coreia
do Norte (PTNC), em 1946. Este, por sua vez, se uniria a Partido do Trabalho da Coreia do
Sul, em 1949, para formar o Partido do Trabalho da Coreia.
No início de 1946, emergiu um regime de coalizão entre o PTCN, o Partido
Democrático Coreano e o Partido dos Amigos.Este viria a ruir com a implementação do
tratado de Moscou, que gerou um confronto entre os soviéticos e os nacionalistas
conservadores e a prisão de Cho Man Sik -um dos antigos líderes do movimento nacionalista
coreano-. Isto fez com que Kim a convocasse a Conferência dos Líderes dos Partidos Norte-
Coreanos a fim de criar uma administração governamental central sobre o nome de Comitê
Popular Provisório da Coreia do Norte. Assim, é neste contexto que
Deste modo, foi possível controlar a oposição, permitindo que alguns partidos não
comunistas continuassem a existir sobre uma frente única, contudo sem poder. Assim como
a direita na Coreia do Sul, a intenção era eliminar os centro alternativos de poder. Entretanto,
a implementação prática foi diferente, em detrimento dos grupos numericamente pequenos,
e das práticas políticas de reeducação e reforma dos dissidentes políticos. Mesmo mais
seletivo com sua violência, nem o Norte nem o Sul tiveram escrúpulos ao fazer uso da
violência para fins políticos. (CUMINGS, 1997, p.253 apud VISENTINI et al, 2015, p.55) A
República Popular Democrática da Coreia foi fundada em 9 de setembro de 1948, como
resposta à fundação da República da Coreia três semanas antes.
20
4. GUERRA DA COREIA
Conforme observado, a formação dos Estados Coreanos foi marcada pela polarização
da elite e repressão das massas, principalmente na Coreia do Sul, fato este que se encontra
entre os fatores causadores da Guerra da Coreia, que têm em sua raiz o contexto de
polarização mundial pós Segunda Guerra Mundial - representada pela polarização política da
península -, a colonização japonesa e a política de protetorado. Assim mesmo que a
[o PCC] decidiu enviar parte de nossas tropas, sob o nome de Voluntários Chineses,
para lutar contra os americanos e as forças de [Syngman] Rhee na Coreia e para
ajudar os nossos camaradas coreanos. [...] Nós pensamos que este é um passo
necessário, porque se permitimos que a Coreia seja ocupada pelos norte-
americanos, as forças revolucionárias coreanas serão completamente destruídas.
Veremos então os invasores americanos mais desenfreados, o que será muito
desfavorável para todo o Oriente. (Telegrama de Mao a Stalin em outubro de 1950
apud MANNARINO; DOURADO, 2011, p. 1)
As tropas enviadas por Mao foram constituídas por soldados de origem coreana que
haviam lutado no Exército de Libertação Popular durante a Revolução Chinesa. Eles
26
Devido a falta de um Acordo de Paz, a Guerra da Coreia perdura até hoje.
21
cruzaram a fronteira, em sua maioria, munidos de seus equipamentos o que, conforme
apontam Mannarino e Dourado (2011, p. 4) é evidência da participação da China nos
preparativos para a guerra.
No dia 25 de junho de 1950 os norte-coreanos atacaram o sul, fazendo com que os sul-
coreanos, que se encontravam militarmente mais fracos, recuassem para o sul da península,
culminando na conquista de Seul em semanas. Contudo, no dia 27, em uma decisão
inesperada, os Estados Unidos declara guerra à Coreia do Norte, se juntando à guerra ao lado
da Coreia do Sul.
Aproveitando-se do boicote soviético ao Conselho de Segurança das Nações Unidas
(CSNU) em razão da representação chinesa no CSNU - a época representada pela China
Nacionalista (Taipé) ao invés da China Continental (Pequim) -, os Estados Unidos busca
auxílio da Organização das Nações Unidas (ONU) para a guerra.
Deste modo, os Estados Unidos conseguiu levar ao CSNU a questão da Guerra da
Coreia ao solicitar a este 4 coisas em seus projetos de resoluções: que fosse determinado que
o ataque armado da Coreia do Norte - ocorrido em junho de 1950 - fosse considerado uma
violação a paz; que fosse solicitado que a Coreia do Norte retirasse imediatamente suas forças
do paralelo 38º; que os outros Estados Membros fossem convocados a prestar assistência
militar à Coreia do Sul; e que fosse autorizado o comando unificado sobre a bandeira das
Nações Unidas.
É importante frisar que a resolução submetida ao CSNU não mencionava o Capítulo
VII da Carta das Nações Unidas, que diz respeito a “ação relativa a ameaças à paz, ruptura
da paz e atos de agressão” e onde estão estabelecidos as medidas de aplicação das decisões
do conselho quando este não consegue solucionar um conflito por vias diplomáticas,
conforme estabelecidos no Capítulo VI da Carta, sendo estes: embargo de armas, sanções
econômicas e, em última instância, o uso da força. O capítulo VII só pode ser convocado em
3 casos: quando há uma ameaça para a paz, uma violação da paz ou um ato de agressão.
Deste modo, sem oposição no CSNU uma vez que a União Soviética não se encontrava
presente para votar e o único outro aliado da Coreia do Norte no CSNU com poder de veto -
a China -, se encontrava representada pelo governo não comunista - e, portanto, este se
encontrava alinhado com as políticas dos EUA -, os Estados Unidos da América conseguiram
passar seus projetos de resolução e formar as Forças das Nações Unidas na Coreia.
A resolução passada inicialmente foi a Resolução 82, que determina que o ataque da
Coreia do Norte “representa uma ruptura da paz”, “Apela à cessação imediata das
22
hostilidades;” e “insta as autoridades da Coreia do Norte a retirar imediatamente as suas
forças armadas ao paralelo 38º”. Contudo, a Coreia do Norte não acatou com as solicitações
do CSNU, levando a aprovação da Resolução 83 que reconhece o ataque como uma violação
da paz dando respaldo à intervenção militar por parte das Nações Unidas. Além disto foi
aprovado ainda a Resolução 84 que solicita o envio de tropas por parte dos Estados Membros,
autoriza o uso da bandeira da ONU junto com a dos Estados membros da missão e, mais
importante, reconhece o comando unificado desta sob o comando dos EUA.
É importante frisar que mesmo operando sobre a bandeira da ONU, a Guerra da Coreia
não pode e não foi caracterizada como uma operação de paz27 já que as forças não respondiam
diretamente ao Secretário Geral e ocorreu o uso da força. Ademais, também não é
considerada uma operação de execução sob o capítulo VII dado que o CSNU não tinha
controle sobre a operação e a resolução passada no conselho não invocava o capítulo.
Em agosto de 1950 ocorreu uma das batalhas mais importantes da Guerra da Coreia, a
Batalha no Perímetro de Busan. Era lá que o comando da ONU se organizava desde julho,
tendo construído uma linha de defesa contra a Coreia do Norte. Tendo passado os últimos
meses lutando contra ataques cada vez mais intensos, as tropas da ONU chegaram a lutar por
suas vidas, sem conseguir executar estratégias muito grandes enquanto a RPC fazia seu
caminho em direção a Busan. (SANTOS; PASSOS, 2014, p. 32)
As tropas da ONU não só conseguiram manter sua posição como causaram a retirada
das tropas norte-coreanas em meados de setembro depois de causar a perda de grande parte
dos homens do exército norte-coreano. Conseguiram ainda garantir o abastecimento de
27
As operações de paz são divididas, tradicionalmente, em 3 categorias: peacebuilding, peace keeping e peace
enforcement, cada uma têm um caráter específico estipulado na resolução do Conselho de Segurança que
autoriza a missão. Scortegagna e Ribeiro (2019) apontam que no que tange o uso da força as operações de
peacebuilding não podem fazer uso da força a não ser em casos de legítima defesa e são caracterizadas pela
busca da transição de uma autoridade soberana a outra de modo que o aparato estatal possa continuar a
funcionar, enquanto as operações de peacekeeping têm o objetivo de “preservar a paz após o término do conflito
e auxiliar na implementação do acordo” (Scortegagna e Ribeiro, 2019, p. 8) e podem se utilizar da força para
defender a si mesmos e ao mandato, e as operações de peace enforcement “tem caráter coercitivo e mais
agressivo pois utiliza a força de forma precisa e tática” (Scortegagna e Ribeiro, 2019, p. 11)
28
Os autores utilizaram a escrita e siglas em inglês, deste modo deixo aqui seus equivalentes em português:
ROK (Republic of Korea) = RC (República da Coreia), Pyeongtaek = Pyeongtaek, Pusan = Busan, seoul =
seul.
23
suprimentos, além da chegada de novas tropas. Foi em setembro, também, que novas tropas
da ONU chegaram no porto de Incheon - que se encontrava atrás das linhas inimigas -, o que
mudaria completamente o curso da guerra.
É a partir de então que entramos no segundo momento da guerra, quando as tropas da
ONU passam a recuperar o território tomado pela Coreia do Norte, avançando em direção ao
paralelo 38º. Tendo recuperado a capital após uma das mais memoráveis operações militares
da história dos EUA, a Batalha de Incheon, os sul-coreanos se deparam com o dilema:
declarar vitória, uma vez que já avisam recuperado seu território inicial, ou seguir com a
guerra e unificar a península.
Assim, a Organização da Nações Unidas passa a Resolução 376 que autoriza o avanço
das tropas para buscar a unificação do território coreano. Além disso, a resolução trata ainda
de outros tópicos como novas eleições que visam a instituição de um governo democrático
para a Coreia unificada e o fim da ação das tropas da ONU no território.
Deste modo, as tropas da ONU, sob o comando americano, seguem em direção ao
norte, o que precipita a entrada ativa da China no conflito. Agora, com as tropas se
aproximando da fronteira com a China, o envolvimento da China passa de uma
responsabilidade ideológica para uma questão de segurança nacional, já que representava um
risco para o governo. (MANNARINO; DOURADO, 2011, p. 6) “Neste contexto se dá a
entrada do Exército Chinês da Libertação Popular no conflito, forçado a evacuação das tropas
sul-coreanas a partir do norte.” (GEIGER, 2017, p.119). Assim sendo, a partir de outubro de
1950 milhares de voluntários chineses se juntam ao exército norte-coreano, assim como
pilotos soviéticos que auxiliaram nas batalhas aéreas.
O apoio das Forças Comunistas Chinesas ficou evidente quando estes deram sua
primeira ofensiva. Os americanos, que acreditavam que a guerra estava chegando
ao fim com a conquista do lado norte da península, custaram a acreditar no que
ocorria. Isso somente demonstrava o quão forte era a aliança entre a Coreia do
Norte e a China, principalmente por conta de sua aproximação política. (SANTOS;
PASSOS, 2014, p. 33)
24
Neste ponto, já havia se tornado óbvio que as tropas do sul não conseguiram unificar a
península sem arriscar que uma nova guerra mundial estourasse. Truman substitui MacArthur
pelo General Matthew Ridgway,em março de 1951, após MacArthur fazer uma declaração
dizendo que não haveria um substituto para a vitória contra o comunismo em uma carta a
Joseph Martin, líder republicano, que foi levada a público.
A mudança na chefia não alterou o ritmo da guerra, que continuava a ser travada por
pequenas batalhas - com exceção de um ataque em massa realizado pelos norte-coreanos em
abril de 1951 (250 mil homens, organizados em 27 divisões) que levou as tropas da ONU
para 40 milhas ao norte de Seul, e novamente em maio -, e tinham se concentrado na região
do triângulo de ferro (região das cidades de Cheorwon, Pyongyang e Kumagawa) e durou até
junho de 1951.
Foi em junho de 1951 que Trygve Lie, Secretário Geral da Nações Unidas, realizou a
primeira oferta de negociação de um tratado de paz. A proposta levou a URSS, através de
seu delegado Jacob Malik, a propor um cessar fogo e Ridgway a convocar os chefes do
exército norte-coreano e chinês para as primeiras conversas sobre o armistício.
Segundo Goldstein e Maihafer (2000), as reuniões foram tumultuadas, considerando as
opiniões conflituosas das partes,e demoraram até para construir a agenda. E, durante elas,
por conta da presença de soldados socialistas em zonas neutras, o cessar fogo foi
interrompido, levando ao retorno ainda mais violento dos conflitos armados.
25
Fonte: LITTELL, McDougal
Essa guerra provocou enormes sofrimentos e perdas para o povo coreano - cerca
de dois milhões de militares e três milhões de civis morreram. Isso criou uma
geração inteira de viúvas e órfãos e uma perda maciça de infraestrutura da qual a
Coreia custou a se recuperar. Uma grande campanha de bombardeio aéreo [se]
iniciou com o General MacArthur no comando, ordenando a destruição de qualquer
aspecto de infraestrutura e sociedade humana, mesmo casa de aldeias, na Coreia
do Norte. A capital, Pyongyang, foi praticamente destruída. A guerra nada
resolveu, obteve pouco além de destruição, com os dois estados rivais no final
ainda se enfrentando após um acordo de cessar-fogo ao longo do paralelo de
latitude 38. (Mason, 2017, p. 305)
Contudo, a escolha do governo sul-coreano de não assinar o armistício não quis dizer
que este não o respeitaria ou que não participaria de nenhum outro acordo que buscasse a paz
no Pacífico. Assim, no dia 1º de outubro de 1953, o governo sul-coreano e o governo dos
EUA viriam a assinar o Tratado de Defesa Mútua entre os Estados Unidos e a República da
Coreia. Onde lê-se:
As partes no presente Tratado,
Reafirmando seu desejo de viver em paz com todos os povos e governos, e
desejando fortalecer o tecido da paz na região do Pacífico,
Desejando declarar pública e formalmente sua determinação comum de defender-
se contra ataques armados externos, de modo que nenhum agressor potencial possa
estar sob a ilusão de que qualquer um deles esteja sozinho na área do Pacífico,
Desejando reforçar ainda mais os seus esforços de defesa colectiva para a
preservação da paz e segurança, enquanto se aguarda o desenvolvimento de um
sistema mais abrangente e eficaz de segurança regional na região do Pacífico;
ARTIGO I
As Partes comprometem-se a resolver quaisquer controvérsias internacionais em
que possam estar envolvidas por meios pacíficos, de tal maneira que a paz
internacional, a segurança e a justiça não sejam ameaçadas e a absterem-se, em
suas relações internacionais, da ameaça ou uso da força de qualquer maneira
inconsistente com os Propósitos das Nações Unidas, ou obrigações assumidas por
qualquer Parte em relação às Nações Unidas. (Preâmbulo e Artigo 1 do Tratado de
Defesa Mútua entre os Estados Unidos e a República da Coreia, 1953)
“A Declaração de Panmunjom incluiu ainda um compromisso conjunto histórico
de cooperar no estabelecimento de um regime de paz permanente e sólido na
península coreana, pondo fim ao atual estado de armistício que persistiu desde que
os combates cessaram na Guerra da Coreia há mais de 60 anos. Como parte desses
esforços, os líderes concordaram em realizar o desarmamento de forma faseada,
através da redução de tensões militares e medidas de fortalecimento da confiança,
e de realizar reuniões de três partes, envolvendo a Coreia do Norte, a Coreia do Sul
e os Estados Unidos. ou reuniões de quatro partes, envolvendo também a China,
dentro de um ano. O objetivo seria declarar o fim da guerra e transformar o
armistício em um tratado de paz. Finalmente, e o mais importante de tudo, os
líderes do sul e do norte-coreano confirmaram o objetivo comum de realizar,
através da desnuclearização completa, uma Península Coreana livre de armas
nucleares.” (Moon, 2018)
Tendo em vista o cessar-fogo do conflito em 1953, a península passou a viver uma era
de relativa estabilidade até o fim da Guerra Fria. Com o fim desta, a agenda internacional
passou a se focar em diferentes tópicos que não a bipolaridade Comunismo vs. Capitalismo
para, por exemplo, a agenda de desarmamento. Isto levou levou à alteração da agenda
nacional e internacional das Coreias. Estas passam então, a ter uma participação mais ativa
27
no cenário internacional, o que fica evidente pelo número de tratados assinados por elas a
partir de 1963.
A República da Coreia ratificou o total de 10 tratados de desarmamento 29 antes da
virada do milênio, enquanto a República Popular Democrática da Coreia ratificou 530. Em
1º de julho de 1968 a República da Coreia assinou o Tratado de Não Proliferação de
Armamentos Nucleares (TNPAN), que foi ratificado em 23 de abril de 1975. E, similarmente,
a República Popular Democrática da Coreia fez o mesmo, em 12 de dezembro de 198531.
Contudo, a ratificação do TNPAN por parte da Coreia do Norte não se deu sem uma
série de promessas do governo dos EUA. Essas incluíram a construção de dois reatores
nucleares (até 2003) e a criação da Organização de Desenvolvimento Energético da Península
Coreana, que comprometeram os EUA, a RC e o Japão a fornecerem o know-how e os meios
financeiros (US $ 5 bilhões ) para a construção dos respectivos reatores. 32
No âmbito nacional, após o cessar-fogo, ambos os lados voltaram-se para políticas de
unificação. Planejando para o dia em que conseguiriam reunir todo o povo coreano sob um
único regime. É a partir deste momento que, segundo Bleiker (2001), o mito da
homogeneidade identitária toma um papel central para a compreensão da continuidade das
tensões na península.
Para ser mais preciso, os dilemas atuais de segurança podem ser vistos como
emergentes de uma tensão fundamental, mas largamente ignorada, entre a ideia de
identidade coreana e sua aplicação prática bastante diferente. Uma visão forte e
quase mítica da homogeneidade permeia as duas partes da Coreia. Retrata a divisão
da península como um perturbação temporária da identidade coreana e pressupõe
que a unificação eventualmente recuperar a unidade nacional perdida [...] Em
contraste com essa homogeneidade mítica, encontramos a realidade de meio século
de divisão política, durante a qual as duas Coréias desenvolveram identidades que
não são apenas distintas, mas também articuladas em direta e gritante oposição
umas contra as outras.(BLEIKER, 2001, p. 123)
29
UNODA, [s/d]a
30
UNODA, [s/d]b
31
Em 2003, o governo norte-coreano denunciaria o tratado e viria a se retirar deste.
32
INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY, 1994.
28
subsequentes consequências deste. Deste modo, o segundo cenário se popularizou entre as
grandes potências envolvidas no conflito coreano.
Destarte, em 1998 foi-se estipulada a Política de Envolvimento Abrangente para a
Coreia do Norte, que ficou conhecida pelo nome de Sunshine Policy (Política do Brilho do
Sol). O termo Sunshine Policy é originado do fábula de Esopo “O Vento do Norte e o Sol”33,
uma metáfora usada por Kim Dae-jung após sua eleição, onde ele “sugeriu metaforicamente
que, como na famosa fábula de Esopo, ele usaria a ‘luz do sol’ como veículo para persuadir
a Coreia do Norte a desistir de sua hostilidade e acabar com seu isolamento
internacional.”(LEVIN; HAN, 2002, p.23).
Segundo Levin e Han (2002, p.23-24), em seu discurso inaugural, Kim já iniciaria uma
mudança em relação a Coreia do Norte ao definir a reconciliação e cooperação com o governo
norte-coreano como uma das prioridades de sua administração. E, posteriormente, viria a
banir a palavra unificação das políticas de seu governo para com a República Popular
Democrática da Coreia com o intuito de evitar criar o medo no governo norte-coreano de ser
absolvido.
Deste modo, passou-se a utilizar termos como Política de EnvolvimentoAbrangente.
Assim, a administração Kim “comunicou duas mega-mensagens: que os objetivos de sua
administração seriam a coexistência pacífica, não a unificação; e que suas políticas
procurariam tranquilizar o regime norte-coreano, não minar a confiança, nas boas intenções
da Coreia do Sul.”.
Para alcançar tal objetivo, a sunshine policy estipulou 3 princípios guias, sendo eles: a
política de tolerância zero a provocações armadas do Norte; a não absorção do Norte pelo
Sul, e; a busca por cooperação ativa por parte do Sul. Estes foram criados para comunicar
que apesar da manutenção da postura sul-coreana, ela buscaria não provocar a queda do
regime norte-coreano. Pelo contrário, buscaria aumentar a colaboração bilateral e facilitar as
33
Min, 2017
29
interações de Pyongyang com Washington, Tóquio e o resto da comunidade internacional.
(LEVIN; HAN, 2002, p.24)
De modo a implementar a política do brilho d sol, segundo Han (2002, p.41), foram
estipuladas 5 tarefas a serem realizadas a fim de desmantelar a antiga estrutura da Guerra
Fria na península coreana. São elas: eliminação da desconfiança e do confronto entre as
Coreias em prol de uma reconciliação e da cooperação; normalização das relações entre a
Coreia do Norte, os Estados Unidos da América e o Japão; remoção das armas de destruição
em massa da península assim como uma política de controle de armas mais significativa no
processo de desmantelamento das estruturas remanescentes da Guerra Fria; abertura e
transformação da RPDC em favor de uma economia de mercado, bem como a facilitação de
outros países para criação de um clima propício à mudança política norte-coreana, e; a
substituição do Tratado de Armistício Coreano por um Tratado de Paz, e que a unificação de
facto da península deveria ser realizada anteriormente a unificação de jure.
A nova abordagem de Kim recebeu amplo apoio dos aliados da Coreia do Sul -
uma tendência que é exemplificada pelo relatório do ex-secretário de Defesa dos
EUA, William Perry. Requisitado pelo presidente Clinton para conduzir uma
extensa revisão da política dos EUA em relação à Coreia do Norte, Perry e seus
colaboradores concluíram, em outubro de 1999, que “uma revisão fundamental da
política dos EUA era de fato necessária” [...] O resultado mais espetacular dessas
novas e mais tolerantes abordagens dos EUA e da Coreia do Sul, sem dúvida,
ocorreu entre 13 e 15 de junho, quando o Presidente Kim Dae-jung visitou
Pyongyang para se reunir com Kim Jong-il, o Secretário Geral do Partido dos
Trabalhadores da Coreia. Há, é claro, uma variedade de fatores que levaram à
reunião de cúpula, não menos a necessidade desesperada da Coreia do Norte de
assistência econômica depois de cinco anos de fome devastadora que teriam
causado a morte de cerca de 2 milhões de pessoas, ou cerca de 10 por cento da
população. Mas, independentemente de suas causas, os eventos diplomáticos que
ocorreram na Coreia nos últimos dois anos são de importância histórica e
significam um grande passo para a redução da tensão militar nesta perene parte
volátil do mundo. (Bleiker, 2002, p. 130)
Como fruto da sunshine policy foi realizada a primeira cúpula inter-coreana, entre os
dias 13 e 15 de junho de 2000, em Pyongyang. Onde foi-se assinado a Declaração Conjunta
Sul-Norte (2000), que lê:
30
3. O Sul e o Norte concordaram em resolver prontamente questões humanitárias,
como a troca de visitas de familiares e parentes separados por ocasião do Dia
Nacional de Libertação de 15 de agosto e a questão dos ex-prisioneiros de longo
prazo que se recusaram a renunciar ao comunismo.
4. O Sul e o Norte concordaram em consolidar a confiança mútua promovendo o
desenvolvimento equilibrado da economia nacional por meio da cooperação
econômica e estimulando a cooperação e o intercâmbio nos campos cívico,
cultural, esportivo, de saúde pública, ambiental e todos os demais.
5. O Sul e o Norte concordaram em manter um diálogo entre autoridades relevantes
no futuro próximo para implementar o acordo acima expedito.
O presidente Kim Dae-jung convidou cordialmente o presidente da Comissão de
Defesa Nacional, Kim Jong-il, para visitar Seul, e o presidente Kim Jong-il decidiu
visitar Seul no momento apropriado.
Conforme aponta Straub (2018, p.18-19) nos meses que se seguiram, realmente
ocorreram diálogos entre as Coreias contudo estes não resultaram em um progresso
significativo nas relações intercoreanas. Ademais, com o início da administração Bush, o
governo norte-coreano se tornou cada vez mais não-colaborativo em relação ao governo sul-
coreano - resultando no fim da colaboração na península no final do ano 2000. Assim se
manteve a relação entre as Coreias até que, em outubro de 2002, foi revelado que o governo
norte-coreano havia violado o acordo com os EUA - e o TNPAN - e seguido com o programa
de enriquecimento de urânio para a produção de armamentos nucleares. Agora sobre a
administração de Roh Moo-hyun, a sunshine policy seria renomeada peace and prosperity
policy (política da paz e prosperidade). Entretanto não ocorreriam mudanças significativas
nas diretrizes da política quando comparada à sunshine policy.
O Six Party Talks foi uma cúpula entre a Coreia do Norte, a Coreia do Sul, a China, os
Estados Unidos da América, o Japão e a Rússia que não atingiria grandes resultados até 2005,
quando os países assinam uma Declaração Conjunta na qual a Coreia do Norte se
compromete a abandonar sua busca por armamento nuclear e implementar as medidas de
segurança da Agência Internacional de Energia Atômica.
Contudo, em 2006 o governo norte-coreano realiza seu primeiro teste nuclear e testa 7
mísseis de curto, médio e longo alcance. Resultando na condenação e em sanções do
Conselho de Segurança da ONU. Straub (2018, p.9), relata a reação dos membros do Six
Party Talks da seguinte maneira:
Embora a Coreia do Norte tenha testado seu primeiro dispositivo nuclear no ano
anterior, mesmo tendo concordado em princípio com as negociações do Six-Party
em Pequim de desistir de seu programa de armas nucleares, a única referência ao
34
Council on Foreign Affairs, 2019.
32
problema na declaração conjunta foi uma promessa de “‘trabalhar’ juntos para
implementar sem problemas a Declaração Conjunta de 19 de setembro de 2005 [já
violada] e o Acordo de 13 de fevereiro de 2007 alcançado nas Six Party Talks.”.
Esta segunda declaração conjunta foi consideravelmente mais detalhada do que o
acordo intercoreano de junho de 2000, mas no custo de incorporar o que eram, para
muitos sul-coreanos, disposições altamente controversas, como a criação de uma
área de pesca conjunta na área disputada do Mar Ocidental (Mar Amarelo). [...]Na
eleição presidencial de 19 de dezembro de 2007, o candidato conservador, Lee
Myung-bak, venceu por uma margem de quase dois para um sobre seu oponente
progressista. (Os eleitores foram motivados principalmente por preocupações
sobre a economia e não por objeções ao apoio do candidato progressista à Política
Sunshine). Como candidato, Lee não lançou uma ofensiva total à Política Sunshine,
mas parece ter tentado dar aos eleitores a impressão de que suas opiniões sobre a
Coreia do Norte não eram realmente "conservadoras". Como presidente, Lee
também procurou melhorar as relações com Pyongyang incluindo uma reunião de
cúpula com Kim Jong-il. Ele contestou, no entanto, quando os norte-coreanos em
2009 exigiram dez bilhões de dólares e meio milhão de toneladas de alimentos para
uma cúpula.(STRAUB, 2019, p.19-20)
Trocando pouco mais do que olhares gelados com o vice-presidente dos EUA, nas
olimpíadas, Mike Pence, a irmã mais nova de Kim apresentou uma carta a Moon
que sugeria o interesse de seu irmão em melhorar as relações com os Estados
Unidos. No início de março, logo após a conclusão dos Jogos Olímpicos, Kim
recebeu calorosamente um grupo de enviados sul-coreanos a Pyongyang, liderados
pelo conselheiro de segurança nacional sul-coreano, Chung Eui-yong. Depois de
dois dias de reunião, Kim concordou em entrar no sul para uma cúpula intercoreana
no final de abril. Ele também prometeu uma moratória sobre o teste de mísseis e
testes nucleares, dependendo do diálogo com os Estados Unidos. Segundo os sul-
coreanos, Kim disse que a “desnuclearização da península coreana” era possível se
a ameaça dos EUA ao seu país fosse removida. [...] Para a Coreia do Sul, a iminente
ameaça de agressão norte-coreana durante as Olimpíadas de Inverno, bem como as
preocupações de longo prazo sobre uma nova campanha de mísseis e testes
nucleares norte-coreanos após a conclusão dos Jogos Paralímpicos no final de
março, tornaram a engenharia uma forma de desanuviamento, um imperativo
estratégico. Enquanto isso, a aparente mudança da Coreia do Norte provavelmente
deriva da queda econômica resultante da campanha de pressão máxima de Trump,
que cortou as importações de petróleo e as exportações de carvão, secou o fluxo de
moeda forte e aumentou o preço das commodities no país. De acordo com
funcionários do governo de Trump, as sanções levaram o preço do gás norte-
coreano a triplicar e reduziram as exportações do país em mais de US $ 2,7 bilhões.
” (CHA; KATZ, 2018, p.89-90)
34
1. Os dois lados concordaram em expandir a cessação da hostilidade militar em
regiões de confronto, como a DMZ, para a remoção substancial do perigo de guerra
em toda a península coreana e uma resolução fundamental das relações hostis.
[...]2. As duas partes concordaram em adotar medidas substanciais para avançar
ainda mais nos intercâmbios e na cooperação, com base no espírito de benefício
mútuo e prosperidade compartilhada, e de desenvolver a economia da nação de
maneira equilibrada.
[...]3. Os dois lados concordaram em fortalecer a cooperação humanitária para
resolver fundamentalmente a questão das famílias separadas.
[...]4. Os dois lados concordaram em promover ativamente intercâmbios e
cooperação em vários campos, de modo a melhorar a atmosfera de reconciliação e
unidade e demonstrar o espírito da nação coreana interna e externamente.
[...]5. Os dois lados compartilharam a opinião de que a Península Coreana deve ser
transformada em uma terra de paz livre de armas nucleares e ameaças nucleares, e
que um progresso substancial nesse sentido deve ser feito de maneira imediata.
(DECLARAÇÃO CONJUNTA DE PYONGYANG, 2018)
35
Defesa Da Área De Alta Altitude Terminal
36
Exército de Libertação do Povo
35
Existem ainda 4 discordâncias técnicas entre os governos chinês e sul-coreano. A
primeira sendo a descrença do governo chinês na efetividade do sistema contra os mísseis
norte-coreanos. E a segunda sendo à falta de acesso direto do governo sul-coreano ao sistema,
de modo que este não poderia garantir que o território chinês não estaria ao alcance do radar.
A terceira que “Seul afirma que os radares X-band são mais úteis na detecção de mísseis de
entrada (em vez de de saída), enquanto Pequim sugere que aqueles na Coreia do Sul podem
realmente fornecer informações críticas no lado traseiro de ICBMs chineses lançados em seu
Nordeste.”. E a quarta a visão chinesa de que a implementação do sistema levaria Seul a se
juntar ao sistema de defesa contra mísseis liderado pelos EUA. (HO, 2018, p.74-75)
Outro motivo para a oposição chinesa é dado por Woo e Block (2015), que dizem que
a China busca manter o atual status quo da região. Este sendo o de uma vantagem estratégica
norte-coreana que, ao possuir seu próprio sistema de mísseis balísticos e de armas nucleares,
está em uma situação superior à da Coreia do Sul, que depende da deterrence norte-americana
para se proteger da ameaça. “Portanto, qualquer mudança nas capacidades de defesa da
Coreia do Sul para deter os mísseis da Coreia do Norte mudaria a situação estratégica na
região, o que é altamente indesejável para a China”.
Deste modo, apesar das oposições chinesas, no dia 8 de julho de 2016 o governo sul-
coreano anunciaria a decisão de permitir a implementação do sistema THAAD em seu
território. Assim, por conta da vulnerabilidade econômica sul-coreana em relação à China, o
governo chinês iniciaria uma série de embargos não-oficiais à economia da Coreia do Sul.
Esta vulnerabilidade se deve, conforme explica Ho (2018, p.73) a importância dada às
relações sino-sul-coreanas
[...] enquanto as relações econômicas eram a pedra angular das relações sino-sul-
coreanas antes e depois da normalização diplomática -complementaridade mútua e
crescente interdependência caracterizaram a crescente comércio e investimento
entre os dois - a rápida “ascensão” da China alterou significativamente estrutura
das relações econômicas, introduzindo amplo espaço para as disparidades de
dependência. O comércio bilateral aumentou de US $19 milhões em 1979 para US
$239,9 bilhões em 2017, assim, a China é o principal parceiro comercial da Coreia
do Sul e a Coreia do Sul tem sido o quarto maior parceiro comercial da China
durante vários anos. Desde 1992, a Coreia do Sul não tem tido déficits comerciais
com a China. Como Seul há muito valoriza o comércio, o investimento e o turismo
como interesses nacionais centrais, a ascensão econômica da China significou uma
crescente de vulnerabilidade para a Coreia do Sul
36
expansão após a entrada do mercado chinês na economia sul-coreana até o ano anterior,
conforme visto abaixo.
37
7. ESTADOS UNIDOS, CHINA E COREIA DO NORTE NA
CONTEMPORANEIDADE: A QUESTÃO DAS CONVERSAS DE PAZ DE 2018
38
A RPDC também tem participação na balança comercial chinesa. O país registrou, em 2017,
uma queda de 16.7% de importações originadas na Coreia do Norte, após instituir uma série
de restrições comerciais a diferentes setores econômicos como o setor têxtil e a comida
marítima. Veja abaixo o volume de comércio entre China e Coreia do Norte (2000-2016)
39
A cúpula contudo, viria a ser realizada em Cingapura, no dia 12 de junho de 2018. A
cúpula resultou na confecção de um Documento Comum, assinado por ambos os líderes, no
qual se acordou o seguinte:
Ademais, foi também concordado a troca de visitas entre Trump e Kim e a continuidade
das negociações, que serão realizadas pelo secretário de Estado dos EUA e um homólogo da
RPDC. Para além disso, as sanções contra a Coreia do Norte serão mantidas até que possa
ser averiguado que o armamento nuclear do país não é mais um risco e os exercícios militares
conjunto dos EUA com a Coreia do Sul, que são considerados pelos norte-coreanos uma
provocação e são pauta de contestação norte-’coreana a anos, serão suspensos.
Contudo, o que ocorreu foi uma série de congelamentos e descongelamentos nas
conversas de paz, levando a realização da segunda cúpula somente no ano de 2019, a
continuidade do programa nuclear norte-americano e dos exercícios militares entre a Coreia
do Sul e os EUA.
8. CONCLUSÃO
40
indiretamente se sentem e dialoguem, de modo a sanar todos os medos e receios para que,
enfim, possa-se chegar a um Acordo de Paz.
41
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